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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ETERNA / C.C. Hunter
ETERNA / C.C. Hunter

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Della Tsang pôs uma perna para fora da janela do seu quarto. O sol estava mais alto no céu, mas ainda no horizonte, só derramando luz suficiente para pintar uma faixa vermelho-sangue no espaço. Aquela cor a deixava com água na boca.
Seu estômago roncou de fome. Ela precisava de sangue. Mais tarde.
Primeiro o mais importante.
Ela sabia o que precisava fazer — quase não tinha dormido à noite por causa disso.
Uma rajada de vento de final de outono agitou seus cabelos negros, cobrindo seus olhos. O ar estava frio em seu rosto, mas não frio como na época em que ela estava febril.
Desde que tinha acordado do coma, dois dias depois de ter renascido — uma segunda transição incomum entre os vampiros —, todos os sintomas, semelhantes aos de uma gripe, haviam desaparecido.
Ela pulou do parapeito da janela e as botas bateram na terra fofa e molhada. Parou em frente à cabana para ver se o barulho tinha acordado Miranda ou Kylie, suas colegas de alojamento em Shadow Falls, quase desejando ter companhia.
Só o silêncio enchia seus ouvidos.

 

 

 

 

 

 

As duas tinham ficado fora até tarde na noite anterior com os namorados. Della tinha visto Steve, também, mas tinha dado a desculpa de que estava cansada e ido para a cama cedo. Ela deu um passinho, ainda prestando atenção para captar qualquer sinal de que estavam acordadas.

Eu não preciso delas. Não preciso. Della tinha que fazer aquilo por conta própria.

Sozinha.

Aquele tinha sido seu mantra na última semana. Bem, não exatamente aquele — era mais algo como: Não com Chase. O vampiro conivente e mentiroso a quem ela tinha se ligado a contragosto quando ele convenceu Steve, o “quase namorado” de Della, a deixá-lo misturar seu sangue com o dela para aumentar as chances de a vampira sobreviver ao tal renascimento.

Ligados. Ela se lembrou de que Chase não tinha lhe dado quase nenhuma informação a respeito. Isso liga os dois vampiros. Eles se tornam quase parte um do outro. É algo comparado à relação de gêmeos idênticos ou talvez almas gêmeas.

Afastando aquelas palavras da mente, ela olhou novamente para o bosque escuro, sentindo algo esperando por ela... chamando-a. Era um caminho sem volta.

Estendendo o braço para trás, ela fechou a janela do quarto. Um galho estalou dentro do bosque. Della se virou e olhou para as árvores, inspirando o ar para farejar o cheiro de alguém.

Nada, a não ser o cheiro úmido e almiscarado de um gambá.

Ela começou a andar. Assim que entrou na floresta, os ruídos da noite se desvaneceram. Até as árvores pareciam segurar a respiração. Portadora do vírus do vampirismo, ela tinha se transformado quase um ano antes. A segunda transformação, extremamente rara, significava que ela estava ainda mais forte e mais rápida — ou seja, ela era do tipo que podia chutar o traseiro de alguém e perguntar depois.

Mas não hesitaria em abrir mão daquele poder se isso trouxesse seu primo Chan de volta.

Talvez ela devesse se sentir sensibilizada pelo que Chase tinha feito por ela, impedindo que ela morresse, mas Della preferia que ele tivesse feito isso pelo primo. Burnett, o líder do acampamento e outro Renascido, tinha sobrevivido ao seu renascimento sem uma transfusão; ela provavelmente conseguiria também. Além disso, Chase tinha feito tudo às escondidas e mentido para ela até o fim.

Mas o pior de tudo era que... ele ainda não tinha parado de mentir.

Ela tinha lhe mandado uma mensagem perguntando: Quem mandou você ficar de olho em mim e em Chan?

A resposta — Não sei. Só estava seguindo ordens — era conversa fiada.

Ele tinha enviado uma mensagem para ela na noite anterior. Cinco minutos... me dê cinco minutos. Estou no portão.

Ela respondeu: Até que me dê respostas, não tenho cinco minutos para você.

Não até que ele jogasse limpo. O cara tinha mais segredos do que um lobisomem delinquente tinha pulgas.

Se suas suspeitas estavam certas, e ela apostava seus caninos de que estavam, ele tinha informações sobre o tio desaparecido dela que tinha sido transformado e forjara a própria morte na adolescência. Quem mais se importaria com ela? Quem mais saberia que Chan era seu primo? E se era o seu tio que estava por trás de tudo, por que não tinha se importado o suficiente para salvar Chan também?

Pensar no tio a levou automaticamente a pensar no pai e na facilidade com que ele tinha virado as costas para ela. Para piorar ainda mais a sua dor de cabeça, havia a descoberta de que ele era suspeito de matar a própria irmã.

Aquilo Della não conseguia aceitar. Seu pai nunca teria feito uma coisa dessas.

Ela continuou andando, seus passos escorregando no chão encharcado. Já tinha chovido um bocado aquela noite. Em vez de dormir, ela tinha ficado ouvindo a garoa tamborilando no telhado de zinco da cabana. Mas não foi só o barulho da água que ela ouviu.

O barulho da cachoeira tinha ecoado à distância. Mesmo com a sua audição de vampira, não havia como ela ouvir a cachoeira da sua cabana. O que significava que a cachoeira a estava chamando.

Por ter a fama de ser um lugar mágico, embora assustador, a cachoeira era considerada a morada dos anjos da morte — os seres místicos que presidiam o julgamento de todos os sobrenaturais.

O barulho das águas ecoou mais alto.

— Não se preocupe. Eu estou indo. — Ela não iria voltar atrás, e não simplesmente porque a cachoeira a estava chamando — Della nunca fora o tipo de pessoa que obedecia a ordens. Ela só estava indo porque tinha se lembrado de algo que Kylie uma vez lhe dissera. Eu vou à cachoeira para encontrar respostas.

Se aqueles anjos da morte podiam responder às perguntas de Kylie, então, droga, eles poderiam responder às de Della também. Não importava que a última vez que ela tinha ido lá depois de se sentir chamada, alguém... talvez os próprios anjos da morte... a tinha golpeado na cabeça com uma pedra.

Um arrepio de nervosismo a percorreu, mas ela continuou. Para obter respostas, correria o risco.

Mas se os anjos da morte fossem de fato os responsáveis pelo golpe em sua cabeça, era melhor que se prevenissem. Desta vez seria muito mais difícil derrubá-la.

Quando Della se aproximou da cachoeira, a inquietação evaporou e uma sensação de bem-estar brotou em seu peito.

Ela se colocou entre as árvores e avistou a queda-d’água. Virou a cabeça para um lado e depois para o outro, querendo absorver tudo que havia ali. Árvores rodeavam a área. Seus galhos formavam um arco mais acima, quase abraçando a catarata, fazendo-a parecer um pequeno recanto mágico. O sol, ainda nascendo, lançava seus primeiros raios dourados por entre as árvores. O ar estava fresco, verdejante e tranquilo. Ela nunca tinha pensado em qual seria o cheiro de um ar “tranquilo”, mas agora sabia.

O ambiente lembrava a Della um templo budista que ela tinha visitado na China, quando tinha 12 anos. Sem precisar de nenhuma explicação, de repente soube que os anjos da morte não tinham batido na cabeça dela.

— Então quem foi? — murmurou, sem se sentir nem um pouco paranoica por formular a pergunta em voz alta para a floresta vazia.

Só porque ela não podia vê-los, isso não significa que não estivessem ali.

Ela não estava sozinha.

Ela os sentia. Pela primeira vez desde que tinha acordado do coma depois de renascer, ela se sentia... menos sozinha. Mais completa.

— Quem foi o quê? — a voz se misturou com o rugido da cachoeira. Seu coração saltou e seu olhar se deteve num ponto da cortina d’água que se turvou quando uma figura emergiu.

O reconhecimento foi imediato e acabou com a sensação de paz que envolvia Della.

— O que você está fazendo aqui? — perguntou ela.

— Provavelmente a mesma coisa que você. — O olhar de Chase percorreu-a. — Eu não parava de ouvir a cachoeira na noite passada.

— Você me seguiu! — ela o acusou.

Ele sorriu.

— Agora você não está sendo lógica. Eu cheguei aqui primeiro. Se alguém aqui foi seguido, esse alguém foi eu.

— Eu não segui ninguém. — A dúvida retumbou dentro dela e a fez cerrar os punhos. Ela deveria dar o fora dali e continuar com a sua promessa de não falar com Chase enquanto ele não dissesse a verdade sobre quem o enviara? Ou deveria ir até onde ele estava e arrancar a verdade à força?

Ela sabia qual das duas opções era a sua preferida. Estranhamente, brigar num lugar onde a paz perfumava o ar parecia errado. Decisão tomada, ela deu meia-volta e começou a andar. Com sorte ele a seguiria até um lugar que não parecesse tão sagrado e ela poderia dar uma boa surra nele então.

— Espere aí! Pare! — Chase pediu.

Ela o ignorou. Ignorou o barulho da cachoeira. E continuou andando, olhos fixos no chão, na forma como a terra molhada enlameava as laterais das suas botas. Com o olhar ainda baixo, de repente outro par de botas de couro molhado apareceu em sua linha de visão.

Ela parou, mas não olhou para cima. Não precisava olhar. Ela sabia que eram as botas de Chase. Seu coração deu outro salto. A velocidade dele ainda a maravilhava.

Será que sou rápida assim agora?

Ela realmente não tinha tido chance de testar seus limites. Não com Burnett monitorando seus poderes a cada minuto. Não com todas as suas questões prementes.

Mas essas questões não precisavam de sua atenção imediata, por isso ela afastou esses pensamentos para lidar com o problema que tinha à mão — ou melhor, o problema que tinha aos seus pés. Chase. Erguendo o olhar, os detalhes visuais — os detalhes de Chase — a pegaram de surpresa. Ela olhou, absorvendo-os como uma esponja ressecada absorve a água.

Detalhes como seu cabelo preto e molhado caído na testa. A camiseta branca colada ao tórax, mostrando cada reentrância e curva dos seus músculos. O modo como ele parecia despretensioso, ou talvez apenas tivesse se esquecido de que parecia um modelo de capa de revista masculina. Ela odiava toda aquela perfeição!

— Ei! — Aquela única palavra suave parecia flutuar no ar enquanto ele se aproximava mais, deixando a pele dela extremamente sensível. Talvez ela não odiasse tanto a perfeição dele. Será que Chase sempre exercia aquele efeito sobre ela ou era só aquela droga de ligação?

Della grunhiu, irritada com a sua própria fraqueza. Mas jurava por Deus que não conseguia recuar. “Olhe, mas não toque”, era a regra que ela se impunha.

Ele sorriu como se pudesse ler a mente dela.

Ela rosnou mais alto.

— Você é um colírio para os olhos. — Ele estendeu a mão, como se fosse puxá-la de encontro a ele. Ela encontrou forças sabe Deus onde e saltou para trás, deixando marcas de sola na relva molhada.

A “regra olhe mas não toque” continuava firme e forte.

Ele deu um passo na direção dela. O perfume dele, almíscar e hortelã, invadia suas narinas. Chase levantou a mão.

Ela sugou o oxigênio frio entredentes antes de falar.

— Sua cara não vai ser a única coisa dolorida se você me tocar!

Ele levantou ambas as mãos, em sinal de submissão, mas seu sorriso sexy sinalizava problemas. Ela não iria, não poderia, ceder àqueles sentimentos insanos. Como poderia ceder se parte de seu coração já pertencia a outra pessoa?

— Tudo bem, eu vou manter as mãos longe de você. — Ele olhou por cima do ombro, na direção da queda-d’água e em seguida voltou a olhar para ela. — Mas você percebe que é o destino?

Um raio de sol se infiltrou por entre as árvores e lançou rodamoinhos de sombras sobre o rosto dele. Foi quando ela percebeu a mancha roxa sob o olho de Chase. Considerando que os vampiros não se machucavam com facilidade, aquilo tinha que ter sido um soco.

— Que destino? — Della perguntou, tentando não se importar com o fato de ele ter recebido um soco.

De estar machucado. De que poderia estar morto.

Ligados.

— Isso — disse ele, movendo as mãos entre eles.

— Do que você está falando? — perguntou ela.

— De nós dois.

— O que é que tem nós dois?

— Nós dois. Aqui.

Ela olhou para ele.

— Você esqueceu como é que se formula frases completas? — ela perguntou com deboche.

Ele meio que riu.

— Qual é. Não parece estranho nós dois sermos atraídos para cá? — Ele se mexeu um pouco e a preciosa luz dourada do sol tocou seu rosto. Seu cabelo, molhado com a água da cachoeira, parecia quase preto, e seus olhos, de um tom verde-claro dourado, quase cintilavam com o sol incidindo sobre eles. Mas observando a mancha roxa novamente, ela sentiu uma pontada de dor sob seu olho esquerdo.

Ela tinha que se lembrar de não se deixar hipnotizar por aqueles olhos — se perder em emoções que não conseguia explicar.

— Eu não fui atraída. — O coração de Della dançava em volta da mentira como o som da cascata cantarolando ao fundo. — Eu vim aqui por uma razão. — Isso era verdade. Ela enrijeceu os ombros.

— Que razão? — ele perguntou.

— Encontrar respostas. Respostas que você não está me dando. — A acusação era explícita em seu tom de voz. Ela colocou as mãos nos quadris e olhou para ele. Estranhamente, ela tinha se esquecido de como ele era alto. Assomava-se sobre ela. Della não estava acostumada a se sentir pequena ou feminina, mas a presença dele fazia isso.

Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans e se inclinou para trás, se apoiando nos calcanhares.

— Que respostas?

Ela ergueu o queixo e estudou-o, tentando não notar a mancha roxa ou se preocupar com o que ele tinha feito para ganhá-la.

— Quem mandou você ficar de olho em mim e em Chan?

Por uma fração de segundo, ele hesitou, então falou:

— Eu já respondi isso. O Conselho dos Vampiros. — Mas o vampiro sorrateiro desviou o olhar tão logo as palavras saíram da sua boca. E ela sabia que Chase sempre fazia isso quando mentia.

— Isso é papo-furado — disse ela. — Você ainda está escondendo alguma coisa de mim.

Ele olhou para Della.

— Não é mentira. Eu recebo ordens do Conselho.

Ela olhou para ele com toda a atenção. Dessa vez, ele não piscou nem desviou o olhar. Isso significava que estava falando a verdade?

Não, ela não confiava nele. Se Chase tinha aprendido a controlar os batimentos cardíacos quando mentia — e ele admitiu que podia fazer isso —, então podia ter aprendido a controlar suas reações faciais. Certamente agora ele já tinha deduzido por que ela constantemente desconfiava do que ele dizia.

— Será que eles também lhe deram ordens para deixar Chan morrer? — No momento em que a pergunta saiu dos seus lábios, ela sentiu sua determinação aumentar. Não importava que sua força viesse da culpa — Della a usaria.

Chase inspirou e olhou para o chão, fincando a ponta da bota direita na terra molhada. Quando ele olhou para cima, ela viu um lampejo de emoção em seus olhos.

— Não. Deixar Chan enfrentar o renascimento sozinho foi decisão minha. Eu já disse, não achei que ele fosse sobreviver e, se eu tivesse tentado salvá-lo, não teria conseguido salvar você.

— Você tem alguma ideia de como eu me sinto quando diz isso? — Sua garganta estava apertada. Para salvá-la, ele tinha deixado Chan morrer.

Os ombros dele afundaram alguns centímetros. Ao voltar a fitar os olhos de Chase, ela viu compaixão dentro deles.

Della odiava compaixão. Vinha logo depois da piedade, na sua lista de coisas que odiava.

Ela se virou para ir embora. Ele a deteve. Delicadamente.

Seu polegar deslocou-se em pequenos círculos no cotovelo dela.

— Sinto muito. Mas não sou responsável pela morte dele mais do que você. Nós não fizemos aquilo acontecer. E eu fiz o que achava que era certo. Não foi fácil para mim, também. Eu gostava de Chan. Mas ele era simplesmente muito fraco.

A pele dela formigava onde as pontas dos dedos de Chase a tocavam. Lembrando-se da sua regra de não tocar, ela sacudiu a mão.

— E é exatamente por isso que você devia tê-lo ajudado. Se duas pessoas estão se afogando num rio, você salva a pessoa que não sabe nadar.

— E devia deixar que você se afogasse? — ele perguntou.

— Eu poderia ter passado sozinha pelo processo de renascimento. Burnett conseguiu. — No segundo em que as palavras saíram de sua boca, ela se perguntou se Chase sabia que Burnett era um Renascido, mas como ele não demonstrou surpresa isso a deixou mais tranquila.

Uma expressão de desagrado surgiu no rosto de Chase, fazendo aparecer pequenas rugas nos cantos dos olhos.

— Burnett é uma exceção. Menos de três por cento dos Renascidos sobrevivem. As chances não estavam a seu favor.

— Eu teria virado essas chances a meu favor se você tivesse me dado essa escolha. Mas não me deu. Você nem sequer me disse que Chan estava morto, e você sabia. Guardou em segredo essa coisa toda de renascimento e o fato de estar aqui para me ajudar. E por quê? Porque você sabia que eu seria contra.

Ele chutou uma pedra no chão. O seixo subiu no ar e bateu numa árvore com um baque seco.

— Então, eu sou um cara do mal por querer salvar a sua vida?

Ela se inclinou, aproximando-se mais dele.

— Você é um cara do mal por não ser sincero. E ainda está agindo assim.

Ele apertou os lábios e cruzou os braços sobre o peito.

— Ok. Eu não te contei tudo. Fique com raiva de mim por causa disso. Mas você não pode simplesmente me ignorar ou o fato de que estamos ligados. Você sente isso. Eu sinto. Você não pode negar.

— Espere sentado. Você vai ver que quanto eu sou boa em negar! — Ela sibilou e contornou-o para recomeçar a andar.

— Deus do Céu! Como você é teimosa! — ele gritou, em seguida apareceu novamente na frente dela.

Ela teve que parar com tudo, batendo as mãos no peito dele para não cair de cara no chão. Ele a segurou pela cintura. Delicadamente. Seu toque fez o coração dela acelerar dessa vez.

— Ou você me diz a verdade ou me deixa ir embora — exigiu ela, evitando o abraço. Era um ultimato. — Com quem você está confabulando além do Conselho dos Vampiros, e não me diga que não é com ninguém, porque o meu detector de mentira dispara cada vez que você me diz isso.


Capítulo Dois

Chase ficou ali, olhando para ela. Ela queria tanto poder ler a mente dele!

A paciência de Della finalmente esgotou.

— Saia daqui! Se Burnett encontrar você, ele vai... — Em seguida, ocorreu-lhe que Burnett já devia ter encontrado Chase. O alarme teria disparado. Por que o líder do acampamento já não tinha encostado Chase na parede e o interrogado? Havia algo errado ali.

A expressão de confiança de Chase confirmou a suspeita dela.

— Ele sabe que eu estou aqui. Tive uma reunião com ele. — A sinceridade aprofundou a voz de Chase.

Ela tentou não deixar que sua decepção transparecesse, mas sua expressão endureceu. Burnett estaria em conluio com Chase de novo? Ele não tinha ficado tão chateado quanto ela quando o garoto tinha juntado suas coisas e desaparecido?

— Quando acabamos, pedi para vir à cachoeira. Eu disse que não parava de ouvi-la. — Chase deu de ombros. — A única regra de Burnett era não chegar perto da sua cabana, e eu não cheguei. — Ele deu de ombros, com uma expressão quase culpada. — Ainda não, de qualquer maneira. Mas eu provavelmente teria que fazer isso antes de ir embora. Eu precisava ver você. Ele poderia ficar furioso comigo se quisesse.

Ele deu um passo na direção dela.

Ela deu um passo para trás.

— Por que você teve uma reunião com Burnett?

— O Conselho me mandou de volta.

— Enviou você de volta para quê?

Ele não respondeu.

Cansada daqueles joguinhos, ela o contornou e disparou para longe dali, seu único objetivo era fugir dele — se afastar da tentação de se recostar nele, descobrir o que aquela ligação realmente significava. Ou se não significava nada, ela pensou, querendo que isso fosse verdade.

Dessa vez, ele não a seguiu. Ótimo, pensou ela, esquivando-se dos galhos das árvores, movendo-se rapidamente. Isso é o que ela queria. Então, por que não se sentia vitoriosa? Por que agora estava ouvindo a cachoeira ainda mais alto? Será que estava se sentindo atraída por ela? A catarata a estavam atraindo? Ou seria Chase?

Eles o mandaram atrás de você. As palavras soaram.

Ela parou bruscamente.

De onde vinha aquela maldita voz? Ela ficou ali, olhando de um lado para o outro.

Você me ouviu?

Dessa vez ela sabia que as palavras não tinham vindo nem da esquerda nem da direita. Tinham vindo de dentro dela. Ela se lembrou de já ter ouvido vozes interiores como aquelas. Chan? Mas ele já tinha feito sua passagem, não tinha? Ela tinha certeza. Ou ele estava esperando até que a UPF, o departamento de investigação de Fallen — o FBI dos sobrenaturais — liberasse seu corpo e o sepultasse.

Você está ouvindo?

Sim, eu estou, Della respondeu, percebendo que a voz era do sexo feminino.

— Lorraine? — Della sussurrou o nome da garota assassinada, o último espírito que tinha ouvido em sua cabeça.

Mas Holiday não tinha garantido que Lorraine havia seguido em frente, feito a sua passagem?

Então, quem diabos poderia ser?

Será que Della tinha outro fantasma na barra da sua saia?

— Merda! — murmurou.

Você me ouviu mesmo?, a voz repetiu, como se caçoasse dela.

— Gostaria de não ter ouvido. — O coração de Della bateu contra o peito. Ela lutou contra o pânico que crescia dentro de si. Respirou fundo, tentando se acalmar. Ela já tinha feito aquela coisa de falar com fantasmas. Primeiro comunicando-se com Chan, depois com Lorraine. Aquilo não devia assustá-la.

Que brincadeira era aquela? Comunicar-se com espíritos era um talento raro, que assustava a maioria dos seres sobrenaturais. E com ela não era diferente. A adrenalina lhe causava arrepios de cima a baixo, ao longo da sua coluna vertebral, e depois até os dedos dos pés, que ela contraiu dentro das botas.

O Conselho dos Vampiros o mandou atrás de você, a voz repetiu. Você não está curiosa?

Pela primeira vez, ela realmente ouviu o que a voz disse.

— O que o Conselho dos Vampiros quer comigo? — perguntou em voz alta. E de repente o medo foi substituído por...

Claro que estou curiosa! Tinha que ser o tio dela, droga!

Ela se virou e começou a voltar — rápido. Numa corrida insana... mas esperando que o fantasma não fosse com ela.

O som de suas botas batendo na terra molhada enchia os seus ouvidos e soava como música de fundo para o rugido da cachoeira. À medida que se aproximava, ela viu a figura de Chase desaparecer por trás da parede de água.

Ou, pelo menos, ela pensou que era ele. Na realidade, poderia ter sido qualquer pessoa.

Ela não se importava. Curiosidade e algo mais... algo que ela não conseguia explicar, a impeliu para a frente.

Ligados. A palavra ecoou em seu coração como uma explicação, mas ela se recusou a acreditar.

Continuou correndo, com os pés espirrando água enquanto atravessava o riacho. Seu rosto bateu na cortina de água fria, mas não gelada. Ela se derramou sobre sua cabeça, seus ombros, encharcando suas roupas. No segundo em que se viu do outro lado, Della não viu mais nada. A escuridão da caverna a engoliu. Ela piscou e esperou que os olhos se ajustassem à pouca luz.

Um segundo.

Dois.

Nenhuma luz. Nada. Até mesmo o barulho da cascata tinha desaparecido.

Algo não estava certo.


Capítulo Três

Presa. Claustrofóbica. Faminta. Ela se sentou no chão frio.

Emoções percorreram Della como querosene a que se ateia fogo. Então, ela ouviu. Uma respiração.

Inspirando.

Expirando.

Ar sendo puxado para outros pulmões.

Lembrou-se de que não estava sozinha.

— Chase? — Ela sussurrou o nome dele, mas assim que chamou já soube que não era ele.

Era Liam.

Mas quem diabos era Liam? Ela não conhecia nenhum Liam, então, como sabia o nome dele? Seu coração começou a bater um pouco mais rápido e ela sentiu gosto de sangue na língua.

Caraca! Que diabos está acontecendo?

— Você está bem? — perguntou uma voz, a voz de Liam.

— Não — disse Della. Eu tenho certeza de que estou perdendo o juízo.

— Tome. Beba um pouco mais.

Ela farejava outro vampiro. Liam era um vampiro. Mas ela já sabia disso. Como ela poderia saber e não saber uma coisa ao mesmo tempo? Um braço, um forte membro de carne e sangue, aproximou-se da sua boca.

— Vamos, beba um pouco mais.

Com os joelhos contra o peito, o estômago vazio se contraiu quando ela percebeu o que ele estava lhe oferecendo. Os vampiros não bebem sangue de outros vampiros. Pelo menos não os que ela conhecia.

— Não. — Della empurrou o braço, mas quando ela tocou o membro, as pontas dos seus dedos tocaram pequenas feridas... feridas que pareciam marcas de dentes.

Quando ela descansou o braço no joelho nu, sentiu as mesmas minúsculas feridas em seu pulso.

— Beba, Natasha. Vamos, eu estou bem. — O braço se aproximou de sua boca de novo, e Della gentilmente o conteve, segurando-o um segundo a mais do que o necessário, precisando do contato.

Ela começou a dizer que não era Natasha, mas teria sido mentira. Ela era Natasha. De alguma forma, de alguma maneira, ela estava dentro de Natasha. Então ela se lembrou de que isso já tinha acontecido antes, com Lorraine. Mas Lorraine estava morta. Será que esses dois... Ela piscou e tentou enxergar alguma coisa à sua volta. Só escuridão encheu sua visão.

Ela estava trancada num lugar escuro e úmido que cheirava a terra molhada, com um rapaz chamado Liam. O sabor picante de sangue permaneceu em seus lábios. Em seguida, a constatação a atingiu. Eles não estavam mortos. Não pareciam mortos. Eles estavam na verdade tentando sobreviver. E para fazer isso, Liam e Natasha vinham se alimentando do sangue um do outro.

— Sério, eu estou bem — Liam repetiu.

— Eu não estou com fome — ela mentiu. Ela mal notou o salto no seu coração, ao ouvir o som de sua voz. Não a voz de Della. A voz de Natasha.

Quem era Natasha?

O pânico começou a crescer dentro de seu peito. Ela enterrou as unhas na terra molhada onde estava sentada e quase gritou de dor. Obviamente, já tinha tentado sair dali usando as unhas.

E não tinha funcionado.

Eles não poderiam continuar se alimentando um do outro. Ela e Liam iriam morrer.

Não, Natasha e Liam iriam morrer.

Mas a constatação não fez Della se sentir melhor. Um sentimento, uma necessidade de salvar Natasha e Liam a invadiu. Não, não a invadiu. Era como se ela estivesse tatuada em sua alma, como se fosse parte de seu destino. Como se não fazer aquilo significasse a morte não apenas de Natasha e Liam, mas de parte dela mesma. Parte de sua alma.

Salve-a! Salve-a! As palavras ecoaram como se à distância. A mesma voz que tinha ouvido antes de vir parar ali dentro da caverna. Um fantasma? Talvez.

— Você está bem? — Outra voz, agora masculina e profunda se esgueirou pela sua consciência e fez cócegas no seu subconsciente. — Você está bem? — a voz profunda repetiu.

Não era Liam dessa vez.

O tom grave tinha um tom de confiança que ela reconheceu. Um tom que ela admirava, mas desejava não admirar. Outro sentimento brotou dentro dela e uma palavra ressoou no seu coração.

Ligados.

Chase.

Ela se esgueirou mentalmente para fora do estranho sonho em que tinha mergulhado. Chase a segurou pelos ombros e a sacudiu levemente.

— Ei! Está tudo bem? — ele perguntou, com a testa franzida, os lábios quase brancos, enquanto a segurava com firmeza. — Responda. — Ele tocou o rosto dela. As mãos dele deslizaram pelos braços da vampira. Seu toque... era tão bom... Mas parecia errado. — Della?

— Pare de me alisar. — Ela deu um tapa na mão dele e um passo para trás, seu olhar percorrendo a caverna.

— Eu não estava... o que aconteceu? — ele perguntou.

Ela prendeu a respiração, imaginando quanto tempo tinha ficado ali, perdida naquele outro lugar. Ou não exatamente perdida, mas presa. Presa como Natasha.

De repente, ela se lembrou do que o fantasma — ou quem quer que fosse — tinha dito a ela sobre Chase.

O Conselho dos Vampiros mandou Chase atrás de você.

— O que o Conselho dos Vampiros quer comigo? — ela perguntou.


Capítulo Quatro

Um olhar de surpresa se estampou no rosto de Chase.

— Eu não disse que eles me mandaram aqui atrás de você. — Ele se abaixou e se sentou numa grande rocha. A luz filtrada da cachoeira lançava sombras em torno dele. Um pouco da luz tinha raios minúsculos de cor, como um miniespetáculo de luzes.

— A verdade, Chase. Por favor. — O “por favor” não caiu bem. Ela não deveria ter que implorar pela verdade. E era por isso, ela se lembrou, que não podia nunca realmente confiar naquele cara.

Ele suspirou.

— Eles querem que você trabalhe num caso. — Ele soltou o ar como se estivesse frustrado. — Burnett vai me matar por contar a você, mas essa é provavelmente uma vantagem para você, não é?

Ela ignorou o comentário sobre a possibilidade de Burnett matá-lo e a ligeira mágoa na voz dele, e se concentrou na informação que Chase finalmente tinha deixado vazar.

— Um caso? Que tipo de caso?

— Um que você já resolveu parcialmente.

— O quê?

— Supostamente, você capturou e depois levou a UPF até aquele cafajeste, Craig Anthony, que estava escravizando novos vampiros e usando uma funerária como fachada.

Sim, ela topara com aquela organização quando tinha ido fazer perguntas sobre Chan e o funeral de seu tio, mas...

— Craig Anthony foi pego, então do que se trata esse caso?

Olhando para a cachoeira, Chase descansou as mãos sobre os joelhos. Seu jeans, ainda molhado, estava esticado sobre as pernas musculosas.

— Anthony foi capturado, mas ele não está falando. Tanto na UPF quanto no Conselho, temos certeza de que já puxamos as rédeas da maioria de seus clientes que escravizava vampiros. Mas, de acordo com algumas pistas, ainda pode haver uns vinte ou trinta recém-criados sob o domínio de alguém.

— Então a UPF e o Conselho dos Vampiros na realidade trocam figurinhas?

Chase franziu a testa.

— Não com muita frequência, e só quando é vantajoso para a UPF.

— Ou o contrário — disse Della. Então ela se lembrou de quanto Craig Anthony era desprezível, e que ela não tinha dúvida de que aqueles novos vampiros estavam recebendo um tratamento abominável. Alguém precisava encontrá-los. Por que não ela?

— Então, eles querem que eu trabalhe com a UPF para encontrá-los?

— Não é bem assim. Eles querem que a gente encontre esses vampiros. — Chase estudou o rosto dela. — Eles querem que você venha trabalhar para o Conselho.

Della olhou para a parede de água, tentando digerir a notícia. Desde que soubera da existência do Conselho, ela achava que estavam na clandestinidade. A UPF era o legítimo departamento do governo sobrenatural. Saber que Chase era praticamente associado ao Conselho dos Vampiros denegria um pouco a visão que ela tinha dele.

Ela olhou para Chase em suas roupas molhadas. A ideia de trabalhar com ele, de estar com ele, fazia com que um sentimento de pânico brotasse dentro dela novamente.

— Vou ter que pensar nisso.

— Não perca tempo. Burnett já negou o pedido do Conselho.

Ele negou?

— Tenho certeza que vai falar sobre isso comigo — disse Della, esperando que estivesse certa, mas aceitando que provavelmente não estava. Primeiro, ela sabia que Burnett não confiava no Conselho dos Vampiros. Segundo, mesmo com seus novos poderes, conhecendo-o como ela conhecia, sabia que ele provavelmente ainda hesitaria em deixá-la trabalhar em qualquer caso que considerasse perigoso. Mas a decisão não deveria ser dela?

Droga, claro que sim!, a voz fantasmagórica gritou dentro dela. Encontre Natasha!

E foi assim que ela soube que as duas coisas estavam conectadas. Natasha e Liam eram vítimas de Craig Anthony. Ele podia ter sido pego, mas aqueles que ele tinha aprisionado e escravizado ainda estavam lá fora.

— Burnett negou o meu pedido no mesmo instante — disse Chase com sarcasmo. — Ele mantém todo mundo em rédea curta.

Deixando de lado seu último pensamento para se ocupar de Chase, ela juntou as mãos e considerou a acusação que ele tinha feito sobre o líder do acampamento. Della sabia que o que Chase dissera era verdade. Ela tinha passado a maior parte dos últimos meses tentando justamente afrouxar essa rédea, mas sua lealdade a Burnett exigia que ela o defendesse.

— Não tão curta. Pegamos Craig Anthony, não pegamos?

— Isso é verdade — admitiu Chase. — Mas aposto que você só fez isso porque violou algumas das regras dele.

Certo novamente. Mas ela não iria admitir. Encontrou o olhar do vampiro, observando o hematoma debaixo do olho dele.

— Algumas regras existem por uma razão. Como a que não devemos revelar nossos poderes de Renascidos. Foi assim que você conseguiu esse olho roxo? Arranjando encrenca por aí porque fica se exibindo?

— Eu não saio por aí arranjando encrenca, mas resolvo as que aparecem.

— Bem, então pare com isso. Pare de ficar exibindo o que pode fazer. Burnett tem razão. Isso é só um convite para que todo tipo de gente queira mostrar que pode mais do que você. Da próxima vez, em vez de ganhar um olho roxo, você pode acabar com o pescoço quebrado.

Um lento sorriso surgiu no rosto dele.

— Olha lá, você está quase falando como se importasse...

Droga! Ela se importava. Ligados. Que diabos aquilo realmente queria dizer? Ela quase lhe pediu para explicar mais, mas por que diabos iria confiar em alguém que estava sempre cheio de segredos?

Ela se virou para ir embora, mas, antes que atravessasse a queda-d’água, ele apareceu na frente dela.

— Não vá — pediu Chase.

Ela balançou a cabeça.

— A única conversa que eu quero ter com você é a em que vai me dizer quem te mandou ficar de olho em mim e em Chan.

— Eu já disse — ele rosnou, a frustração evidente em seu tom de voz. — O Conselho dos Vampiros.

Della analisou o rosto dele, percebendo que dessa vez ele não tinha vacilado. Será que estava dizendo a verdade? Será que não sabia quem mais estava por trás daquilo? Ah, que inferno, ela não sabia mais em que acreditar!

— Então como é que eles sabiam de mim? — ela perguntou.

— Della, eu trabalho para eles, assim como você trabalhar para a UPF. Eles contam tudo pra você? Claro que não. Burnett nem sequer nos disse que tinha enviado outros agentes quando estávamos procurando aquele garoto, Billy.

A verdade das palavras dele deixou mais uma dúvida pairando na cabeça de Della e em seu coração. Ela odiava a incerteza.

E ele pareceu perceber isso.

— Nós pertencemos um ao outro agora. — Ele se aproximou e pôs a mão no ombro dela. — Por que você está lutando contra isso? — Chase olhou fixamente para ela e de repente franziu os lábios. — É Steve? Você ainda sente alguma coisa por ele?

Ela inclinou a cabeça para trás.

— Sim, eu sinto algo por Steve.

Della não iria mentir. Ela e Steve estavam praticamente juntos agora. Naquele último fim de semana, quando ele tinha aparecido no acampamento, ela tinha parado de fingir na frente de todo mundo. Steve tinha até colocado o braço em volta da cintura dela quando foram para o refeitório na sexta-feira. E porque ela tinha sentido que aquilo era uma espécie de teste, acabou deixando. Droga, ela não queria falhar naquele teste.

Ela não queria falhar com Steve. No entanto, havia uma partezinha dela que se preocupava com a possibilidade de ela estar predestinada a falhar com ele. E tudo por causa daquela ligação idiota com o cara parado na frente dela.

— E isso — Della acenou com a mão entre eles —, isso não é a mesma coisa. — Ela teve que ir lá no fundo do seu coração para encontrar algo para explicar o que sentia.

Ela viu emoções brilhando nos olhos dele. Decepção, raiva, talvez até ciúme.

— Você mesmo disse. Essa coisa de ligação pode ser comparada ao relacionamento entre gêmeos idênticos.

A sobrancelha dele arqueou em completa descrença.

— Então, você me ama como a um irmão? Aquele beijo da última semana...

— Não exatamente como um irmão, mas... mas... — As palavras de Chase ecoaram em sua cabeça. Ou, pelo menos, uma palavra ecoou. Ama. — Eu não te amo e ponto final. — Ela entrelaçou os dedos. — Eu não sei nem se gosto de você. — Se sentir atraída por ele, se preocupar com o fato de ele ter sido machucado, isso era outra coisa. Uma coisa em que ela não queria pensar. Uma coisa que ela estava tentando negar.

Ele soltou o ar.

— Isso é papo-furado.

De repente, sentindo urgência em resolver outros assuntos — que não tinham nada a ver com ele —, Della relanceou os olhos para outro arco-íris de cores dançando nas paredes.

— Eu tenho que ir. — Levantando-se rápido, ela deu um passo para fora da caverna. O frio da cachoeira parecia quase surreal. A água encharcou seu cabelo e se infiltrou por baixo da sua camiseta. Imediatamente, ela sentiu uma sensação de perda ao sair. Eu voltarei.

— Vai fazer o quê? — Chase estava bem atrás, mas ela continuou andando. Recusou-se a olhar para trás e recusou-se a reconhecer que o sentimento de perda tinha tudo a ver com ele e nada a ver com a cachoeira. Por favor, que seja apenas a cachoeira.

— O que você tem que fazer? — Chase repetiu a pergunta quando ela não respondeu.

— Conversar com Burnett — Della respondeu, pensando no líder do acampamento negando o pedido do Conselho para ela trabalhar no caso, sem sequer falar com ela. E então ela se lembrou da coisa toda do fantasma e da visão maluca que tivera. — E com Kylie e Holiday — disse ela em voz alta enquanto elaborava seu próprio plano. Se alguém podia explicar o que tinha acontecido ali, eram elas.

— Falar sobre o quê? — A pergunta dele foi feita a centímetros da orelha dela. A proximidade era boa e ruim ao mesmo tempo.

— Sobre eu trabalhar com o Conselho dos Vampiros. — Ela voltou a pensar em Holiday e Kylie. — Sobre encontrar Natasha e Liam — murmurou em voz alta, mais para si mesma do que para ele.

Lembrando quanto tinha ficado desesperada durante a visão, ela começou a correr. O sol já estava mais alto no céu. No entanto, ele ainda tinha o tom dourado do amanhecer. O calor do sol aquecia sua pele úmida e ela não pôde deixar de se lembrar da escuridão que sufocava Natasha e Liam.

Quando seus passos ecoaram no chão, ela se deu conta de que Chase não mais a seguia. Ela estava a meio caminho do escritório, quando de repente percebeu que ele não tinha perguntado quem eram Natasha e Liam. Um pensamento louco lhe ocorreu. Será que ele de alguma forma havia tido a mesma visão?

Ela estava tentada a dar meia-volta e encontrá-lo, para perguntar. Mas não, era loucura. Em primeiro lugar, porque arrancar respostas dele era como arrancar os dentes de um leão raivoso, e segundo, porque... certamente uma dupla visão como essa não poderia ser possível. Mas Della se lembrou de como ele parecia abalado quando ela despertou daquele lugar escuro e úmido. Seria a reação dele ao ver a angústia dela ou será que eles tinham vivido a mesma experiência?

Correndo um pouco mais devagar, ela tirou o celular do bolso e discou o número de Kylie. A camaleão respondeu com uma voz um pouco sonolenta, mas preocupada.

— Algo errado?

— Não... sério. Estou bem. Só tenho perguntas. Me encontre no escritório de Holiday, por favor. — Ela desligou, confiante de que Kylie estaria lá. A amiga nunca a decepcionava.

Enquanto ela continuava seguindo para o escritório, outro pensamento lhe ocorreu. Ela tinha ido à cachoeira para obter respostas, mas tinha saído com mais perguntas. Aquilo era justo? Por que os anjos da morte respondiam às perguntas de Kylie e não às dela?

— Isso não poderia acontecer, poderia? — Della estava sentada no sofá do escritório de Holiday, contando sobre a voz, sobre a visão, e perguntando se elas achavam que Chase poderia ter tido a mesma visão que ela.

A fae líder do acampamento estava sentada à sua mesa, com uma expressão perplexa. Kylie, com uma expressão quase tão confusa, estava sentada ao lado de Della.

— Uau! — exclamou Holiday. — Você teve um dia e tanto, e não são nem sete horas da manhã.

— Nem me diga! — exclamou Della, estatelada no sofá, com o coração pesado. — Então com o que estou lidando aqui? — Ela voltou a pensar em Natasha e Liam. Se Holiday ou Kylie não pudessem ajudar, como, pelo amor de Deus, Della iria salvá-los? Ela não tinha a menor ideia de como dar sentido a tudo aquilo.

— Você conhece alguém chamado Natasha ou Liam? — perguntou Holiday.

— Não — admitiu Della. — Mas... acho que pode ter algo a ver com o caso de Craig Anthony. Chase me disse que ainda existem muitos recém-criados que não foram localizados. E se foi Anthony quem os prendeu lá?

Holiday assentiu.

— Isso é possível, mas... normalmente existe mais de uma conexão.

— Talvez este caso não seja normal. — Ela apertou as mãos.

— Em primeiro lugar, não fique assustada — disse Holiday.

— Eu não estou — Della insistiu, e então percebeu que Holiday estava captando as emoções dela. Mas a fae estava errada. — Quero dizer, tudo bem, essa história não me agradou em nada e, quando ouvi pela primeira vez sobre os fantasmas, eu me apavorei um pouco. — Seu coração saltou, denunciando uma mentira. — Ok, me apavorei muito, mas eu já superei esse medo. O que está me assustando agora é que o tempo de Natasha e Liam está se esgotando. Eles não podem viver assim por muito mais tempo.

Della viu a maneira como Kylie e Holiday olharam uma para a outra, como se soubessem de algo que ela não sabia.

— O que foi? — perguntou Della.

Holiday se levantou e se sentou ao lado de Della, do outro lado do sofá. A expressão em seu rosto era de pura compaixão. O fato de ela se aproximar era para Della um sinal de que o que a amiga estava prestes a dizer não era bom. Na verdade, era tão ruim que ela sabia que Della precisaria de um toque calmante ao ouvir a notícia.

Quando a mão de Holiday chegou mais perto, Della saiu do sofá.

— Não, não me toque. Apenas me diga. O que é que você acha que eu não vou querer ouvir?


Capítulo Cinco

Della ouviu Kylie suspirar. A camaleão sempre suspirava quando estava preocupada ou estressada.

Della viu os olhos azul-claros da amiga cintilarem de preocupação e perguntou:

— O que foi? Podem começar a falar.

Kylie olhou para Holiday e a líder do acampamento assentiu.

— Normalmente — Kylie começou —, quando se tem visões, aquelas em que a gente é realmente a pessoa, é porque... porque ela já está morta.

— Eu sei, mas dessa vez eles não estavam mortos.

— Eles podem parecer vivos, mas estão mostrando a você...

— Não. — Lágrimas brotaram nos olhos de Della. — Então por que raios ela iria me mostrar aquilo?! Se estão mortos, que diabos eu posso fazer? Isso é errado! É doentio! Por que ela me faria passar por tudo aquilo?

Kylie assentiu.

— Eu me senti da mesma forma quando aconteceu da primeira vez comigo, mas...

— Eles fazem isso porque querem ser encontrados — Holiday falou. — Porque querem que a pessoa que os matou seja detida.

Della tentou digerir aquilo. Mas doía. Doía demais, caramba!

Então ela se lembrou de outra visão que tinha tido — a visão em que ela era a garota assassinada, Lorraine, olhando para suas mãos cheias de sangue. De alguma forma, na visão, Della tinha percebido que a garota estava morta. Mas não dessa vez.

— Não, dessa vez foi diferente — Della insistiu. — Eles estão vivos — disse ela. — Eu sinto isso.

Uma lágrima caiu dos olhos de Della, e ela a sentiu, quente, rolando pela sua pele fria. Ela enxugou-a. Então se lembrou da voz do fantasma. Encontre Natasha.

— Não — disse Della novamente. — O fantasma me disse para encontrar Natasha. O fantasma não era Natasha.

Holiday se levantou e deu alguns passos na direção de Della.

— Mas, se você estava no corpo de Natasha, isso normalmente significa...

— Normalmente. Você continua usando essa palavra. Mas o que é normal quando se trata disso? Eu sou um vampiro, eu não devia nem mesmo me comunicar com fantasmas. Talvez eu esteja fazendo essa coisa toda de fantasma de um jeito anormal!

Holiday passou o cabelo ruivo por cima do ombro e torceu-o, como costumava fazer quando estava pensando.

— Eu não vou dizer que seja impossível, Della. Você e Burnett são os primeiros vampiros que conheço que são médiuns. Mas eu só estou dizendo em que eu acredito.

— Mas você sabe — Kylie acrescentou, e olhou para Della como se quisesse ajudar — que a avó de Sara veio me pedir para curar Sara quando ela estava com câncer. Então, talvez esse fantasma tenha vindo procurar você para ajudar alguém.

— Verdade — disse Holiday. — Mas você nunca esteve no corpo de Sara, esteve?

— Não. — Kylie se encostou no sofá e encontrou o olhar de Della.

Della desviou o olhar da expressão cheia de compaixão da amiga. Ela entendia que elas estavam tentando ajudar e estavam apenas dizendo o que pensavam ser verdade. Della simplesmente não acreditava naquilo.

Ou será que ela não queria acreditar? Seu coração apertou, e a dor — dor de verdade — encheu seu peito. Ela sentiu a compaixão das duas e tentou afastar a dor, assim como tinha feito com todos os seus outros problemas, para pensar neles mais tarde.

Mais tarde. Ela estava se tornando uma especialista naquela técnica de adiar crises emocionais...

Soltando um suspiro decepcionado, fez a pergunta seguinte.

— E aquela coisa toda do Chase? De ele ter a mesma visão que eu?

— Isso é possível — disse Holiday. — Especialmente pelo fato de vocês dois estarem na cachoeira. É um lugar mágico.

Della quase concordou com ela, mas, ao se lembrar de que achavam que Natasha e Liam estavam mortos, ela se perguntou como o lugar poderia ser mágico se dava notícias tão ruins.

Mágico seria se eles estivessem vivos. Se ela tivesse chance de salvá-los. Não, a verdadeira magia teria sido se eles nunca tivessem que passar por aquela situação.

Mais tarde, ela disse a si mesma de novo, afastando a emoção que tentava invadir seus pulmões.

Holiday torceu mais uma vez o cabelo.

— O fato de Chase estar na cachoeira me diz que ele poderia muito bem ter a mesma capacidade de se comunicar com fantasmas que você e Burnett. E isso poderia ser porque... A fae olhou para Kylie e parou de falar.

— Por quê...? — perguntou Kylie.

— Eu não sei — disse Holiday, dando de ombros.

Della sabia o que ela iria dizer. Porque todos os três eram Renascidos. Será que todos os Renascidos tinham propensão para se comunicar com fantasmas? Della viu o olhar perplexo no rosto de Kylie. Até agora, Della não tinha falado com Kylie ou Miranda sobre aquilo. Elas ainda pensavam que ela tinha simplesmente contraído um vírus estranho. Ela sabia que não poderia manter aquilo em segredo das amigas para sempre, mas estava esperando conseguir lidar melhor com aquela habilidade antes de tentar explicá-la.

Della inclinou a cabeça para o lado. Ela ouviu uma pessoa subindo os degraus da cabana. Levantou o nariz. Correção. Duas pessoas. Embora só dois pés estivessem entrando.

Uma dessas pessoas era doce e inocente, e cheirava a talco de bebê. A outra... a outra era alguém com quem Della tinha um assunto espinhoso a tratar. E com toda a angústia que se agitava dentro dela, ela nunca se sentira mais preparada para uma discussão do que naquele momento.

Burnett entrou no escritório de Holiday sem bater, a filha deles, Hannah, em seu colo. Ele olhou de Holiday para Kylie e, em seguida, para Della.

— Qual o problema? — Seu olhar fixo em Della sem dúvida captando a expressão de desagrado da vampirinha.

Ela nem sequer teve que responder à pergunta — ele fez isso por ela.

— Aquele sanguessuga ordinário filho da puta! — rosnou Burnett. — Eu o proibi de...

Hannah começou a chorar.

— Veja, nem a nossa filha aprova o seu linguajar. — Holiday se aproximou dela. — Eu juro, se a primeira palavra que sair da boca da minha filha for um palavrão, eu vou lavar a boca do pai dela com sabão duas vezes ao dia pelo resto da vida. — O lado maternal de Holiday sempre falava mais alto.

Burnett, que obviamente não gostou nem um pouco da ideia, fez uma careta.

— Desculpe — ele disse, dando um beijo no cabelo escuro de Hannah com uma gentileza que parecia quase impossível para o vampiro alto e sombrio.

— Não fale palavrão como o seu pai — disse ele para a criança. Depois de entregar o pacotinho em seu colo para a mãe, seu olhar se voltou para Della, e toda a expressão terna e afetuosa desapareceu.

— Meu escritório — ele ordenou, fazendo um gesto para ela segui-lo.

Della não hesitou. Ela começou a andar atrás dele, preparando-se mentalmente para outro bate-boca com o vampiro teimoso e machista. Se ele achava que iria impedi-la de tentar encontrar Natasha e Liam — mesmo se já estivessem mortos — junto com os outros recém-criados que tinham sido forçados à escravidão, os minutos seguintes não seriam nada agradáveis.

Burnett acomodou-se sem falar nada atrás de sua grande mesa de carvalho, que ocupava a maior parte do pequeno escritório. Ao contrário do escritório de Holiday, que tinha um ar feminino e um pouco mágico, o escritório de Burnett parecia totalmente sem graça. Os únicos objetos pessoais no cômodo eram as fotos de Holiday e Hannah sobre a escrivaninha.

Della, braços cruzados sobre o peito, desabou na cadeira em frente ao vampiro, olhando furiosamente para ele. Burnett sustentava o olhar dela, como se quisesse provar que estava com a razão.

Ela decidiu deixá-lo começar a conversa... deixá-lo soltar os cachorros e tentar expor seus argumentos. Infelizmente, ele tinha mais paciência do que ela e esperou até que Della finalmente despejasse tudo:

— Você pelo menos ia me contar?

— É claro que eu ia te contar — ele disse numa voz muito mais calma do que a dela.

— Mas você não acha que deveria ter me contado antes de dizer a eles que eu não iria? Desde quando eu não posso mais decidir o que vou fazer ou não?

Ele se inclinou e olhou nos olhos dela de forma calculada.

— Acalme-se.

— Eu não vou me acalmar. Você me negou...

Ele bateu a mão na mesa.

— Sim, eu disse que você não vai trabalhar para eles. Mas eu já dei um telefonema e estou tentando entrar em contato com alguém para fazer uma contraproposta. Mas, para responder à sua pergunta, você realmente não tem poder de decisão quando eu sinto que vai colocar a sua vida em perigo. — Ele expeliu o ar por entre os dentes cerrados. — E antes que você comece, não é porque você é uma garota! Eu não teria permitido que ninguém aqui em Shadow Falls fizesse isso.

Ela descruzou os braços, ouvindo a sinceridade tanto no tom de voz dele quanto em seu coração firme.

— Que tipo de contraproposta?

— Vou sugerir que eles permitam que Chase venha trabalhar com a gente e vocês dois trabalhem juntos no caso. — Ele levantou uma mão. — Eu poderia... poderia estar disposto a fazer uma concessão e deixar que ele se reportasse tanto ao Conselho quanto à UPF, mas apenas se concordarem com as minhas condições.

— Que condições?

— Todas as tarefas têm que ser atribuídas por mim, e eu tenho o direito de mandar outros agentes cobrir vocês dois, se sentir que é necessário.

— E se eles não concordarem com isso? — perguntou ela, pensando em Natasha e Liam.

— Então, não há nenhuma razão para que a UPF não possa iniciar a sua própria investigação. Nós já fizemos o trabalho pesado e prendemos o homem.

— E você vai me colocar no caso? — ela perguntou, precisando de garantia.

— Isso terá de ser autorizado pela UPF, mas eu não vejo nenhuma razão para que não autorizem. Você já tem uma boa reputação com eles.

Della relaxou na cadeira, gostando de ouvir aquilo, mas não se sentiu muito aliviada com relação aos seus problemas reais.

— Obrigada.

Ele balançou a cabeça, em seguida franziu a testa.

— Tudo isso poderia ter sido evitado se Chase não tivesse jogado merda no ventilador.

— Você quer dizer “não tivesse causado problemas” ou talvez “jogado caca no ventilador” — corrigiu Della com ironia.

Quando ele pareceu confuso, ela explicou:

— Você não pode falar palavrão, lembra? — Um leve sorriso roçou os lábios dele quando se lembrou da ameaça de Holiday de lavar a boca do marido com sabão.

— Causado problema — disse ele, corrigindo-se.

— E... — continuou ela —, sinceramente, Chase não esperava causar problema. Só aconteceu de ele estar na cachoeira quando fui até lá. — O coração dela deu um pequeno salto, porque ela realmente não acreditava que tinha sido uma coincidência. Eles haviam sido atraídos para lá. Mas Della estava falando de Chase e ela ou de Natasha e Liam?

— Mas ele ainda assim contou a você sobre o caso — disse Burnett, seu tom de voz mais grave por causa da raiva.

— Na verdade, não. Quer dizer, alguém me disse e eu só pedi que ele confirmasse.

Burnett estudou-a, provavelmente ouvindo para ver se o coração dela tinha marcado as palavras como uma mentira.

— Ninguém mais sabe — disse ele.

— Alguém sabe — disse Della.

— Quem? — A testa de Burnett se franziu e ele se inclinou para a frente.

— Um fantasma — disse Della, e sentiu a preocupação surgindo dentro de si.

— O quê? Um fantasma? — ele perguntou, olhando em volta como se esperasse que o fantasma estivesse ali.

Ela contou a Burnett o que tinha acontecido na cachoeira, falando inclusive sobre a voz, a visão de duas pessoas alimentando uma a outra. Ele pegou um lápis e o rolou nas mãos enquanto ouvia.

— Você contou tudo isso a Holiday?

Della confirmou com a cabeça, sentindo um aperto no peito quando ela se lembrou de que a líder do acampamento tinha lhe dado poucas esperanças.

— Ela acha que Natasha e Liam estão mortos.

— E você não? — Burnett parou de rolar o lápis enquanto esperava ela responder.

— Não. Eu acho que o fantasma é alguém que quer que eles sejam resgatados. Ela se referiu a Natasha pelo nome. Ela não disse “me encontre”.

Burnett recostou-se na cadeira, fazendo-a ranger.

— Ela?

Della assentiu.

— E, estranhamente, ela não mencionou Liam. É como se ela estivesse mais preocupada com a garota.

Burnett rolou outra vez o lápis entre as palmas das mãos.

— Mas na maioria das vezes, quando Holiday tem visões semelhantes... como a que você teve...

— Eu sei — cortou-o Della. — Na maioria das vezes a pessoa está morta. Mas eu não sou Holiday. Talvez, por ser uma Renascida, as coisas sejam diferentes para mim. — Ela olhou para ele. — Para nós. Você já teve alguma visão em que eles não estavam mortos?

Burnett pareceu chocado com a ideia de se comunicar com espíritos, como se ela tivesse lhe pedido um conselho sobre o melhor absorvente interno para usar.

— Eu não... Eu nunca tive uma visão. Apenas os sinto quando estão perto de Holiday e posso ouvi-los, às vezes. Mas eu, na verdade, só vi um fantasma: Hannah, a irmã de Holiday.

— Sorte sua.

— É verdade — ele concordou, quase de todo o coração, mas depois acrescentou: — Mas é porque você vê e ouve fantasmas que nós capturamos o último assassino e não prendemos o cara errado. Holiday insiste em dizer que isso é um dom. E às vezes eu não posso discordar dela.

— Eu sei e, se não se tratasse de pessoas mortas, eu poderia concordar. — Um sentimento de pavor percorreu a sua espinha só de pensar nisso. Ela estaria condenada a ser como Kylie agora? Fantasmas aparecendo o tempo todo? Mas, caramba, ela não queria isso.

Burnett deu de ombros e acenou com a cabeça, ao mesmo tempo, como se quisesse discordar, mas não pudesse. Ele se inclinou para a frente outra vez.

— Holiday também disse que, quando você começa a ter esse tipo de visão, é normalmente alguém que você conhece ou alguém que está ligado a você de alguma forma.

Della assentiu.

— Ela me disse isso, também, mas eu não conheço Natasha ou Liam. Foi o fantasma que me disse para encontrá-los. Então, talvez ela conheça Natasha, porque eu não conheço.

— Ok, digamos que você esteja certa e o fantasma não seja Natasha. Você acha que pode conhecer o fantasma?

— Eu acho que não. Acho que ela só me escolheu porque estou ligada ao caso de Craig Anthony.

A sala ficou em silêncio por um minuto e os pensamentos de Della voltaram a se concentrar no outro problema.

— Você realmente já falou com alguém do Conselho dos Vampiros?

— Liguei e disseram que alguém vai entrar em contato.

— Em contato hoje ou esta semana? — perguntou Della, a preocupação deixando sua voz tensa. Se Della estivesse certa e Natasha e Liam estivessem vivos, eles precisavam de ajuda, e rápido. Ou será que Holiday, que tinha mais experiência com essa coisa de fantasmas, estava certa e eles já tinham encontrado o seu destino?

Burnett ajustou seu peso na cadeira novamente.

— A bola já está em jogo. Se eu tentar pressionar, isso poderia ter um efeito negativo. Mas eu vou seguir em frente e dar início às investigações por conta própria. E vou arranjar alguém para verificar todos os arquivos que confiscamos de Craig Anthony. Talvez possamos encontrar algumas informações sobre... Natasha e Liam. Você por acaso não sabe os sobrenomes, sabe?

— Não.

— Conseguiu qualquer outra coisa que possa nos ajudar a localizá-los?

Ela deixou sua mente voltar à visão.

— Nada além de um lugar escuro que cheirava a sujeira. Como se fosse subterrâneo. Enterrados vivos. O pensamento provocou calafrios na sua espinha. — Mas...

— Mas o quê? — perguntou Burnett.

— Eu não sei ao certo, mas Chase pode saber de algo sobre isso, também.

— Como é que ele pode saber?

— É só um... Eu posso estar errada, mas acho que ele pode ter uma ligação com essa visão, também. Nós dois fomos atraídos para a cachoeira por uma razão, e eu acho que foi por isso.

— Você quer dizer que ele teve essa visão, também?

— Sim, Holiday disse que é possível. — Ela hesitou. — Será que ele já deixou Shadow Falls?

— Sim. Logo antes de eu vir para cá.

Ela pegou o celular e discou o número dele. Burnett inclinou-se sobre os cotovelos e tamborilou os dedos na mesa. A chamada caiu no correio de voz de Chase.

— Ei, sou eu, Della. Eu... tenho algo para te perguntar. Você pode me ligar?

Quando desligou, Burnett olhou para ela.

— Ele retorna os seus telefonemas?

— Não sei, nunca liguei para ele. — Ela estava orgulhosa de nunca ceder à vontade de ligar para ele. Mas isso era diferente. Não era para falar de si mesma. Ela para falar sobre Natasha e Liam.

— Minha intuição me diz que ele vai retornar — acrescentou, lembrando quantas vezes ele já tinha enviado mensagens para ela e telefonado. Então, novamente, ela se lembrou de uma das últimas coisas que ela disse a ele. Eu não te amo, ponto final. Não sei nem se gosto de você.

As palavras tocaram seu coração, que de repente pareceu ficar mais terno, ao recordar a dor nos olhos dele. Então, jurando não se deixar levar por todo aquele sentimentalismo, obrigou-se a se concentrar em outras questões. Ela olhou para as próprias mãos por um segundo, uma pergunta dando voltas na sua cabeça, mas sabendo que a resposta a assustaria. No entanto, ficar sem saber não ajudaria ninguém, então ela perguntou:

— Quanto tempo? Quanto tempo os vampiros podem sobreviver se alimentando uns dos outros?

Burnett largou o lápis e entrelaçou os dedos, descansando as mãos em cima da mesa.

— Por que não tentamos simplesmente encontrá-los? — disse. — Além disso, se Holiday estiver certa, o tempo não é...

— Mas só no caso de eu estar certa e eles estarem vivos. Eu preciso saber. Quanto tempo eu tenho para encontrá-los?


Capítulo Seis

Burnett apertou mais as mãos e sua expressão deixou claro para Della que ele tinha achado a pergunta tão odiosa quanto ela.

— Della, você teve algumas semanas bem difíceis. Não carregue nos ombros as preocupações do mundo inteiro. É domingo, vá ser uma adolescente. Vamos esperar até conseguirmos carta branca para trabalhar no caso, depois nos preocupamos com...

— Pare de dar uma de difícil — Della sibilou. — Apenas me diga!

Ele soltou o ar.

— Depende. Se eles estiverem tomando cuidado para não se esgotarem demais, podem durar umas três semanas.

Era mais do que ela esperava, então tentou encontrar conforto nisso.

Mas a verdade pura e simples continuou inalterada. Se eles ainda estivessem vivos, e se Chase não tivesse compartilhado com ela a visão, então a maior parte da responsabilidade de encontrá-los recaía mesmo nos ombros dela.

Bem, não totalmente. Havia o fantasma. O estômago de Della se contraiu ligeiramente. Quem era o fantasma? E por ela tinha procurado a ajuda a vampira?

Mas mais importante do que a identidade do fantasma, ou da ligação dele com os dois vampiros, era saber como iria fazer para conseguir informações. Por Deus, se aquele espírito que tinha aparecido sem ser convidado queria que Natasha fosse encontrada, ela precisava se mexer e dar a Della algo em que trabalhar! Um sentimento de pânico cresceu dentro dela quando se lembrou de Kylie lhe dizendo, mais de uma vez, que não dava para pressionar ou apressar os fantasmas para que eles falassem.

Mas não era justamente disso que Della precisava? Outro sujeito irracional e difícil de lidar?

Ela olhou para Burnett. Ele se inclinou para a frente.

— Estou falando sério, você precisa ir e...

— Aproveitar a adolescência — Della terminou por ele. — Eu já ouvi você dizendo isso. — Como ela poderia aproveitar alguma coisa, droga, com tantas malditas perguntas dando voltas na sua mente, apertando o seu coração e pressionando a sua consciência?

Quando ela se levantou para sair, uma daquelas questões veio à tona. Ela parou na porta e olhou para trás.

— Alguma notícia sobre quando vamos conseguir sepultar Chan?

A expressão de Burnett revelou frustração.

— Eu verifiquei isso esta manhã. Ainda estou esperando um retorno.

Esperar. Parecia que tudo em sua vida se resumia a esperar.

Depois de ficar horas em seu quarto, só se preocupando, Della decidiu dar ouvidos ao conselho de Burnett. Obviamente, ficar sentada ali esperando uma pessoa morta aparecer não era fácil. Tanto Miranda quanto Kylie tinham saído, provavelmente com os namorados, por isso Della resolveu sair à caça do seu “quase namorado”. Depois de tê-lo abandonado cedo na noite anterior, ela queria passar um pouco mais de tempo com Steve antes que ele fosse trabalhar com o médico e a filha do médico.

Pensar em Steve trabalhando com Jessie, que tinha uma queda por ele, ainda a incomodava. Mas, considerando que ela própria provavelmente iria trabalhar com Chase de novo, supôs que não devesse tocar no assunto.

Assim que ela deixou as sombras do bosque e viu a cabana de Steve, viu Perry saindo pela varanda. Ela parou a alguns poucos metros. Antes que ele a notasse, viu sua expressão: triste e perturbada.

— Algum problema? — ela deixou escapar, e ele deu um pulo ao ouvir a voz dela.

— Não — disse ele rápido. Rápido demais, e Della ouviu o coração dele dançando um tango com a mentira.

E só havia uma razão para ele mentir. Ela cruzou os braços sobre o peito e analisou-o.

— Você sabe que eu gosto de você, certo?

— Sei — disse Perry, como se não soubesse o que ela queria dizer.

— Bom, então você não vai levar para o lado pessoal se esse “não” que você disse magoar Miranda e eu tiver que chutar o seu traseiro.

Ele fez uma careta.

— Eu só estou dizendo que gosto de você, mas gosto mais dela. E se você magoá-la...

Ele soltou um rosnando baixo.

— Ok, vou mudar a resposta, então: não é da sua conta. E se você acha que eu magoaria Miranda de propósito, você é uma idiota.

Della observou o metamorfo loiro sair dali apressado, achando aquilo muito estranho. A raiva não era uma emoção comum em Perry. Ele geralmente fazia algum comentário sarcástico, usando o humor para encobrir o que estava sentindo de verdade ou para pôr panos quentes na situação.

O que significava que o que quer que estivesse errado devia ser ruim o suficiente para tirar o senso de humor do metamorfo.

Quando ela se virou, viu Steve em pé na porta, esperando com um meio sorriso. Os meios sorrisos de Steve sempre eram sexies. Talvez fossem os olhos semicerrados, os cílios reduzindo aqueles olhos castanhos calorosos a duas fendas. Seu cabelo castanho estava despenteado, como se ele tivesse acabado de levantar da cama. Ela sempre gostou dele um pouco bagunçado. Steve usava um jeans justo nos lugares certos e uma camiseta azul-marinho que parecia tão macia que dava vontade tocar. Ah, e ele estava descalço. Até isso a atraía.

Suas preocupações com Perry e Miranda passaram para o segundo plano e ela teve vontade de encostar a cabeça no peito dele e sentir seus braços em volta dela. Deixar a magia que envolvia Steve fazer seus problemas parecerem menores. E se isso fizesse com que ela também parecesse menor, que fosse. Ela bancaria a garota madura depois.

Além disso, estava apenas seguindo ordens de Burnett. Aproveitando a adolescência.

Quando ela subiu os degraus da varanda, o meio sorriso dele desapareceu. Todos os sentimentos suaves que ele despertara se foram e ela se lembrou de Chase e da loucura que tinha acontecido na cachoeira.

— O que há de errado? — ele perguntou.

A expressão dela estaria tão azeda quanto a de Perry?

Ela abriu a boca, mas não tinha a menor ideia de por onde começar. Ou o que dizer. Ela deveria contar tudo?

Que Chase tinha ido vê-la?

Que o Conselho dos Vampiros queria que ela trabalhasse para eles?

Que havia um fantasma andando atrás dela de novo?

Que ela achava que havia um casal de vampiros enterrado vivo e talvez coubesse a ela encontrá-los?

Ela tinha um palpite de que Steve não iria gostar de ouvir nada daquilo.

Ela franziu a testa.

— Posso apenas dizer “tudo” e deixar por isso mesmo?

— Claro que não. — Steve estendeu a mão para ela e puxou-a de encontro a ele. A cabeça dela encontrou aquele lugar especial que ela tanto adorava. Depois de um abraço de dois segundos, ele se virou e começou a entrar na cabana.

— O que está acontecendo? — ele perguntou depois de fazê-la se sentar no sofá e se acomodar ao lado da vampira. O calor do corpo dele aquecendo o dela, seu braço ao redor de seus ombros.

Quando ela não começou a falar, Steve ergueu o queixo dela e a fez olhar para ele.

— Por que eu acho que tem algo a ver com Chase?

Ah, mas que inferno! Ela estava certa. Steve não iria gostar de ouvir aquilo.

— Eu fui até a cachoeira — contou Della.

— Por quê? — ele perguntou, falando como Miranda.

— Porque eu não parava de ouvi-la. Holiday diz que a cachoeira chama a gente. Enfim... — Ela engoliu em seco e apenas disse: — Chase estava lá.

Ela sentiu os músculos de Steve ficarem tensos e podia jurar que a temperatura do seu corpo subiu alguns graus.

— Ele invadiu Shadow Falls? Burnett não o pegou no flagra e lhe deu uma lição?

— Não, porque ele... ele na verdade estava aqui para falar com Burnett.

— Por quê?

— O Conselho dos Vampiros quer que eu e Chase trabalhemos juntos para encontrar uns recém-criados que aquele cretino do Craig Anthony vendeu como escravos.

— E Burnett vetou, certo? — Os olhos castanhos de Steve adquiriram um tom âmbar escuro, enquanto ele esperava pela resposta dela.

— Ele está tentando fazer um acordo para que a gente trabalhe para a UPF, não para o Conselho.

— Mas você vai trabalhar com Chase? — perguntou Steve, o tom de voz tenso.

Ela se recusou a mentir.

— Se eles concordarem...

— Eu não gosto disso. Sério, você já capturou aquele cafajeste do Anthony, agora deixe que outra pessoa faça o resto.

Ela juntou as mãos.

— Eu não posso.

— Por que não?

Porque é a coisa certa, porque...

— Um fantasma.

— Chan? — ele perguntou, arregalando um pouco os olhos.

— Não, outro fantasma. Ela está me pedindo para salvar uma garota chamada Natasha.

— E você tem que fazer o que o fantasma pede? E se ela pedir para você se jogue de uma ponte ou coma uma tigela de...

Della pressionou um dedo contra os lábios macios de Steve.

— Ela de alguma forma... me fez ter uma visão, e eu era Natasha. Ela está presa, Steve, num lugar que parece um túnel, ou uma câmera subterrânea, com outro vampiro e... — Ela teve que puxar o ar lá do fundo para continuar: — Ela e outro vampiro estão se alimentando um do outro. — Os olhos de Della arderam quando ela se lembrou do horror que sentira na visão. — Ela está com medo, não, ela está apavorada! E... e eu sei tudo isso porque eu me transformei nela durante aqueles poucos minutos, eu estava no corpo dela, e eu senti. Eu tenho que ajudá-la, Steve.

Ele olhou para ela, a cor de seus olhos se suavizando e voltando ao tom caloroso de castanho com manchas verdes e douradas. Ela sabia que Steve estava aceitando — que ele tinha entendido. Della não podia afirmar que ele estava empolgado com isso, pois seu olhar ainda era de frustração, mas não iria tentar impedi-la.

Ele afastou uma mecha de cabelo da bochecha dela.

— Você sempre tenta bancar a durona, mas, sinceramente, não há nada duro em você. Você ajudaria o seu próprio inimigo.

— Não me dê muito crédito.

— É você que precisa se dar mais crédito. — Ele expirou profundamente e continuou a olhar para ela. — Ok, você me disse por que você tem que trabalhar neste caso, mas por que Chase também? Por que ele tem que trabalhar com você? Por que eu não poderia trabalhar com você? Ou Lucas?

Ela hesitou antes de dizer, mas depois decidiu que ele merecia a verdade.

— O motivo que o fez estar na cachoeira é que ele se sentiu chamado também. Eu acho que Chase teve a mesma visão. Por alguma razão, nós deveríamos fazer isso juntos.

Ele caiu contra o encosto do sofá com um suspiro.

— Eu não... Eu simplesmente não gosto de você na companhia dele.

Ela olhou-o bem nos olhos.

— Eu não gosto de você com Jessie, também.

— Pelo menos eu não estou... ligado a ela. Seja o que for que essa droga signifique. — Ele estendeu a mão novamente e colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha dela. — E eu sei que você não gosta de falar sobre isso, e eu estou tentando realmente respeitar isso, mas preciso que você me tranquilize.

Ah, que inferno, o que ele queria que ela dissesse? Que ela não dava a mínima para Chase? Isso seria mentira. Que ela não estava nem um pouco atraída por ele? Isso seria mentira, também. Que ela não tinha medo do que sentia? Outra mentira.

Ela estava assustada. Tinha medo de onde tudo aquilo iria dar, mas a única coisa que sabia, a única coisa de que tinha certeza era... Steve. De como ele a fazia se sentir.

Segura.

Aceita.

Amada.

Ele a conhecia e gostava dela assim mesmo, ainda queria fazer parte da vida dela.

Ele se importava.

Ele cuidava dela. Esperando. Esperando alguma coisa.

O coração dela doía com a indecisão e a necessidade que sentia de oferecer algo a ele tornava essa dor ainda maior. Por fim, ela encontrou uma verdade. Uma verdade que podia lhe oferecer.

— Eu estou aqui, não estou?

Ela se aproximou e apertou os lábios contra os dele. Devia ter sido suficiente, ou pelo menos o suficiente por ora, porque ele retribuiu o beijo.


Capítulo Sete

Os lábios de Steve eram quentes, o gosto viciante. E a magia, a magia que era puramente Steve, aconteceu. Della deixou todos os seus problemas de lado, todas as angústias, medos e assombrações do passado, e não se deixou arrastar para nada que não fosse aquele beijo. A maravilhosa sensação dos lábios dele contra os dela.

Aquele sentimento levou a outros sentimentos e sensações. Formigamentos. Vontades. Desejos.

O que os levou a se mexerem. Se aproximarem. Reclinarem-se, lado a lado no sofá.

Em poucos minutos, estavam ainda mais perto. Braços e pernas emaranhados, os corações batendo na mesma sintonia. Apesar da sua baixa temperatura de vampiro, ela ardia... no fogo do corpo rígido de Steve pressionado contra o dela. Absorta em como a respiração suave dele arrepiava o seu pescoço.

A mão dele deslizou por sob a blusa dela e ela não o impediu. Della queria aquilo tanto quanto ele. Não que ela planejasse deixá-lo ir tão longe, mas aquilo... aquilo era o que ela precisava. Della estava seguindo ordens. Estava sendo uma adolescente.

Mas então ela as ouviu. Vozes. Vozes e passos vindo na direção da cabana.

Ela suspirou e segurou a mão dele.

— Eu acho que estamos prestes a ter companhia.

Ele rosnou e levantou a cabeça do ponto sensível em que beijava o pescoço dela.

— Você quer matá-los você mesma ou prefere que eu faça isso?

Ela deu uma risadinha.

Quando ela encontrou os olhos sedutores dele, enevoados, e viu fogo e desejo ali, sua respiração ficou presa e as mesmas emoções encheram seu peito. Se ela não tivesse ouvido as vozes novamente, teria cedido e voltado a beijá-lo. Voltado àquele lugar, àquele lugar maravilhoso em que ela se refugiava para esquecer as coisas e que também a fazia esquecer seus limites. Mais cedo ou mais tarde, eles não conseguiriam mais parar.

Ela estava pronta para se entregar a Steve?

Ah, mas que inferno, ela tinha acabado de encontrar outra coisa com que se preocupar.

Depois de um beijo de despedida, cheio de frustrações reprimidas, Steve acompanhou-a até a porta dos fundos para evitar a companhia que se aproximava.

— Vou partir daqui uma hora — disse ele.

Ela assentiu com a cabeça e entrelaçou os dedos nos dele.

— Comporte-se. — Uma indesejada visão de Jessie encheu sua cabeça.

— Você também — disse Steve e ela podia adivinhar o que ele estava imaginando.

Ele apertou a mão dela, então se inclinou e a beijou novamente. Os pássaros e o suave sussurro da brisa servindo como música ambiente.

Aquele beijo foi provavelmente quase tão ardente quanto o beijo que trocariam se estivessem se entregando um ao outro, pensou ela, mas depois ela descobriu que até a breve sensação de seus lábios sobre os dela era sedutora.

Ela só tinha se afastado alguns metros quando seu celular emitiu um bipe, avisando da chegada de uma mensagem de texto. Seu coração disparou pensando que era Chase. Mas ela só verificou quando chegou a um bosque de pinheiros, carvalhos e um bordo ou dois, fora do ângulo de visão de Steve. A ideia de magoá-lo fazia com que sentisse uma grande dor peito.

E, no entanto, se agora Steve estivesse recebendo uma mensagem de texto de Jessie, aquilo doeria como o diabo. Se Steve se importasse com Jessie uma fração do que ela se importava com Chase, Della ficaria muito aborrecida.

Merda. Ela com certeza estava magoando Steve. Mas como poderia corrigir isso? Só havia duas opções. Apenas duas. Deixar Steve ou se recusar a trabalhar com Chase no caso. Recusar-se a fazer qualquer coisa relacionada com Chase novamente.

E a constatação caiu em seu colo como uma bola de espinhos. Algumas lágrimas ameaçaram cair quando seu celular bipou novamente. Ela olhou para ele.

Não era Chase. Era Burnett. A mensagem dizia: Venha ao escritório.

Della não hesitou.

Quando ela irrompeu no escritório do líder do acampamento, ele olhou para cima.

— Achei que você estivesse por perto. Se não estava, veio muito rápido. Eu te avisei que não queria que...

— Eu estava por perto — disse ela e não era totalmente mentira. Ela estava por perto, mas provavelmente tinha ido mais rápido do que ele gostaria. Pelo menos ser uma Renascida lhe dava algumas regalias, sendo sua supervelocidade uma delas.

— O que é?

— Eu recebi um telefonema do Conselho dos Vampiros.

— Eles vão deixar Chase e eu trabalharmos juntos com a UPF?

— Não. Um dos membros do Conselho ligou para perguntar se tínhamos notícias de Chase. Ele faltou a uma reunião com eles e não está respondendo aos telefonemas. Disseram que ele não costuma fazer isso.

Della sentiu sua pressão arterial subir.

— Eles acham que aconteceu algo a ele? — Ela ainda se lembrava de como Chase gemia quando recebeu o sangue dela durante o renascimento. Quando ele tinha de bom grado feito isso, aceitando voluntariamente sentir dor para salvá-la. Eu não amo você e ponto final. Não sei nem se gosto de você.

— Não. Ele parecia mais preocupado com a possibilidade de eu tê-lo convencido a trabalhar exclusivamente para a gente. Quando lhe assegurei de que não era esse o caso, ele insistiu que você deveria saber onde ele estava. Eles acham que ele andava meio obcecado com você ultimamente.

Obcecado comigo? Ela balançou a cabeça.

— Ele não ligou nem me mandou nenhuma mensagem depois que nos vimos na cachoeira. Se tivesse feito isso, eu te diria.

— Foi o que eu garanti a eles — disse Burnett.

Della pegou o celular novamente e digitou outra mensagem para Chase. Preocupada. Conselho Vamp procurando vc. Tudo bem?

Ela olhou para o telefone, a respiração presa, rezando para que ele respondesse.

Depois de alguns segundos, quando isso não aconteceu, ela olhou para Burnett.

— Talvez seja melhor eu ir procurá-lo.

— Onde?

— Eu não sei, mas...

— Não. Se você soubesse onde ele está, tudo bem, mas...

O telefone bipou. Ela olhou o número. Era Chase.

— É ele. — Ela leu a mensagem para si mesma.

Preocupada significa que se importa.

Ela cerrou os dentes.

— E aí? — perguntou Burnett.

Ela ignorou Burnett e digitou: Está tudo bem?

A resposta veio rapidamente. Bem. Trabalhando no nosso caso. Até mais tarde.

Della olhou para cima, inalando o ar.

— Tudo o que ele disse é que está bem e trabalhando no caso.

Ela achava que Burnett iria pedir para ver as mensagens. Ele não pediu, o que mostrava muita confiança de sua parte. Ela apreciava aquilo mais do que ele imaginava.

— Mande outra mensagem, dizendo que eu pedi para ele entrar em contato com o Conselho. Precisamos dele para cair nas graças desses vampiros agora.

Ela fez o que Burnett pediu. Eles se sentaram no escritório em silêncio por vários minutos, à espera da resposta. O telefone não fez bipe.

Por fim, Della colocou o celular sobre a mesa.

— O que Chase ou o Conselho dos Vampiros poderia saber que nós não sabemos? Como ele pode estar trabalhando no caso?

A expressão de Burnett endureceu.

— Eu não sei. Meu pessoal ainda está analisando os arquivos que temos. Eu sei que uma das casas de Anthony Craig foi descoberta antes de chegarmos lá. Talvez alguém do Conselho tenha encontrado algo. Mas eu não acho. Nós encontramos a maioria das nossas provas nos arquivos da funerária, no celular e no computador dele.

— Eu odeio isso — disse Della, e dessa vez não falava dos seus sentimentos pelo vampiro louco, mas de Natasha e Liam.

— Eu sei, mas agora não há nada que possamos fazer.

De repente, o celular de Burnett tocou. Ele olhou para o telefone.

— Eu preciso atender.

Della imaginou que ele estava querendo dizer que queria que ela saísse, então ela se levantou.

Quando ela deu um passo em direção à porta, ela ouviu a voz do outro lado da linha.

— É Leo. Eu tenho a aprovação, mas vamos no escuro. Não pegamos o proprietário. Dito isto, é bom que seja esta noite. Três horas da manhã.

O que estava rolando? Será que envolvia Chase? O caso? Ok, ela não queria ser rude, mas estava curiosa. Talvez muito curiosa. Ela deu mais um passo em direção à porta, mas não a abriu.

— Ok, eu vou para lá — veio a voz de Burnett.

Assim que ela estendeu a mão para pegar a maçaneta, Burnett disse:

— Della?

Droga. Ele estava aborrecido porque ela tinha escutando? Ela se virou, sentindo-se culpada. Tinha sido rude.

— Eu sinto muito, deveria ter saído, mas pensei que talvez fosse...

— Sente-se. — Ele desligou o telefone. Seu olhar encontrou o dela, e ela viu. O telefonema tinha algo a ver com ela.

Della não fez o que ele mandou.

— O que foi? — Ela sentiu a hesitação dele e aquilo só poderia significar uma coisa. Uma coisa ruim.

— Sente-se — repetiu ele. — Precisamos conversar.

O relógio no criado-mudo de Della mostrava que eram 2h55 da manhã. Ela tinha cinco minutos. Olhou para suas roupas. Estava pronta.

Roupas pretas.

Botas pretas.

Jeans pretos e uma camiseta justa preta.

Tudo preto, para não ser vista à noite.

Aquela era a primeira regra de ouro que seu primo, Chan, tinha lhe ensinado sobre ser um vampiro. O melhor era que aquela cor era a mais adequada para a ocasião. Preto para o luto. Preto para a dor. Preto para depositar o corpo de Chan na terra e dizer adeus.

O telefonema que Burnett tinha recebido aquele dia, enquanto ela estava em seu escritório, era sobre Chan. Eles finalmente haviam terminado a autópsia e estavam liberando o corpo dele. Pelo menos agora ele seria sepultado. Quando ela pensasse no primo, não imaginaria o corpo dele em algum necrotério frio.

Burnett havia tentado convencê-la a não ir. Eles haviam descoberto que o cemitério pertencia a lobisomens e era dirigido por eles, e eles não estavam respondendo aos seus telefonemas. Mas Burnett tinha sido implacável e insistido em dizer que precisavam que Chan fosse enterrado em sua própria sepultura. Depois de não conseguir sobreviver ao renascimento, outros vampiros sem registro o haviam enterrado numa sepultura não marcada, na floresta, para evitar que os seus segredos fossem revelados.

Agora que ele tinha sido encontrado, merecia que houvesse uma pessoa que o amava presente em seu sepultamento. Mesmo que ela tivesse que desrespeitar as ordens de Burnett, ela estaria lá para vê-los baixar o caixão do primo.

Pela segunda vez.

Droga, Chan! Deveria ter sido eu. Ela engoliu a sensação de aperto na garganta, lembrando-se do primeiro funeral do primo. O falso. Não que ela soubesse que tinha sido uma farsa. Quando tinha sido transformado, ele forjara a própria morte, como a maioria dos vampiros fazia para pôr um ponto final à sua vida humana. E Della tinha chorado na ocasião assim como chorava agora. Só que, da primeira vez, ela não tinha sentido culpa.

A culpa por ter sobrevivido, explicou Holiday. Lembrando que Chase tinha escolhido salvar Della vez de Chan. Della não ligava para o nome que se dava àquela emoção. Ela ainda se sentia uma merda.

Respirando fundo, foi até a janela e ficou ali. Algumas estrelas brilhavam. Uma nuvem flutuava no céu, encobrindo tudo, com exceção de uma pequena lasca da lua. Ela observou enquanto o nevoeiro cinzento avançava, lembrando-a dos fantasmas.

Não que ela tivesse recebido alguma visita desde a cachoeira, mas eles não se afastavam de seus pensamentos.

Seu telefone bipou com a chegada de uma mensagem. Ela tirou o celular do bolso, esperando que fosse Chase dizendo que tinha conseguido descobrir algo sobre Natasha e Liam. Ela tinha enviado uma mensagem para ele novamente depois de sair do escritório de Burnett, mas ele não havia retornado. Será que não iria responder porque estava chateado com o que ela lhe dissera antes?

Agora não era o momento de se preocupar com coisas triviais. Podia não ser algo insignificante, mas, quando comparado à vida ou à morte, perdia um pouco da importância. No momento, tudo o que ela precisava de Chase era saber se ele tinha compartilhado com ela a visão de Natasha e Liam. Se a resposta fosse sim, será que ele tinha visto alguma coisa que pudesse ajudar a encontrá-los?

Um peso agitou seu peito quando a mensagem apareceu na tela iluminada do telefone. Não era Chase. Apenas Burnett dizendo que se atrasaria uns cinco minutos.

Ela enviou a Burnett um “Entendido”. Então, com a mente em Natasha e Liam, localizou as mensagens anteriores de Chase.

Suspirando, digitou “Me liga” e estava quase apertando o botão enviar quando adicionou um “por favor”.

Ainda olhando para o telefone, ouviu atrás da parede do quarto o barulho sutil de um colchão de molas se ajustando a um corpo revirando na cama. Algo estava mantendo acordada a amiga bruxa, Miranda, colega de alojamento de Della.

Será que isso tinha algo a ver com Perry e aquilo que o deixara irritado mais cedo?

Ela realmente não tinha tempo para dar uma olhada na bruxa, disse Della para si mesma. Além disso, além da tristeza por causa de Chan, a preocupação com coisas como visões e sua própria família e questões românticas... ela não devia estar querendo resolver os problemas de outra pessoa. Mas, então, ouviu a amiga fungar.

Ah, droga, não era uma pessoa qualquer. Era Miranda. Se Della estivesse em apuros, a bruxinha estaria ali num piscar de olhos. Cinco minutos, pensou, saindo do quarto e batendo levemente na porta de Miranda.

— Entre — a voz da bruxa soou baixa e insegura.

Della entrou.

— Só tenho alguns minutos, mas... tem alguma coisa errada?

Miranda se sentou e puxou as cobertas dos joelhos até o peito.

— Sim, mas não posso falar sobre isso.

— Por que não? — Della deu mais alguns passos.

— Prometi que não iria falar.

— Por que você iria fazer promessas estúpidas como essa? Nós contamos tudo umas pras outras. — Mesmo quando Della disse isso, sabia que também guardava segredos de Miranda e Kylie. Mas não por muito tempo. Ela precisava contar a elas.

— Eu sei que contamos, mas... Eu não posso. — Miranda deu um suspiro trêmulo.

Della deu mais um passo, odiando ouvir a dor na voz da amiga.

— Eu preciso bater em alguém? Você não precisa nem dizer por quê, só me que diga quem e eu vou. Então, nenhuma promessa será quebrada.

— Não — ela disse. — Mas eu adoro saber que você faria isso por mim.

— É Perry? — perguntou Della. Se fosse, Della iria acabar com ele, mas ela definitivamente não era a pessoa certa para oferecer conselhos. Kylie era a guru dos relacionamentos.

Kylie era capaz de consertar quase qualquer tipo de desastre romântico. Bem, exceto os de Della. Seus sentimentos por Steve e seus laços emocionais com Chase devido à “ligação” — qualquer que fosse o significado daquilo — era um mistério até mesmo para um guru dos relacionamentos.

— Eu não posso falar sobre isso — disse Miranda novamente, soltando um soluço.

Isso significava que era Perry ou não? Della tirou o celular do bolso e olhou a hora. Ela precisava ir.

— Posso chamar Kylie para ela vir falar com você?

Era preciso admitir, Della não era a melhor pessoa para consolar as amigas. Mas doía um pouco saber que Miranda não confiava nela.

Miranda balançou a cabeça.

— Não. — Ela enxugou o rosto. — Mas eu gostaria de ganhar um abraço.

— Isso é bem a sua cara... — Della murmurou baixinho enquanto se aproximava e deixava a bruxa abraçá-la. O calor de Miranda lembrava a Della a sua própria temperatura corporal, algo em que ela odiava pensar. Mas pelo bem da amizade, ela ainda deu um tapinha nas costas da bruxa bem de leve — embora, um pouco sem jeito.

— Onde você está indo? — Miranda se afastou, seus grandes olhos verdes cheios de lágrimas encarando a amiga.

Della esfregou as palmas das mãos na parte de trás da calça jeans.

— Nós vamos enterrar Chan.

— Ah, foi mal... — disse Miranda. — Eu estou aqui te pedindo um abraço, quando é você quem mais precisa. Venha cá. Venha. — Ela estendeu os braços e mexeu os dedos.

— Não, eu estou bem. — Della deu um passo para trás, mas seu peito apertou um pouco mais ao se lembrar da dor. Isso é o que os abraços faziam às vezes, traziam tudo à tona. Algumas coisas não precisavam vir à tona.

Miranda pulou da cama, sua camisola cor-de-rosa com estampa de coraçõezinhos tremulando ao redor dela.

— Por que Kylie e eu não vamos com você? Espere. — Miranda agitou as mãos no ar como se apagasse o pedido. — Esqueça que eu perguntei, nós vamos mesmo que você não queira a gente lá. Você não pode ir a um funeral sozinha. — Ela começou a ir para a porta como se fosse acordar Kylie.

— Nããão! — Della pegou-a pelo braço. Droga, ela tinha ido lá para ajudar Miranda, não para começar a Terceira Guerra Mundial. E era assim que acabavam todas as discussões com a bruxa.

— Por quê? Steve vai com você? — perguntou Miranda.

A pergunta tocou fundo o coração de Della. Bastava ouvir o nome dele para ela já se sentir assim, e o sentimento vinha com uma pontada de culpa. Culpa pelo que ela sentia por Chase. Não que ela já tivesse definido o que significava “aquilo”, mas era real. E negar não iria fazer com que deixasse de existir.

— Não, ele não vai comigo. — Della tinha dito a verdade e um pensamento lhe ocorreu: se Steve soubesse, ele gostaria de estar ao lado dela. Steve era assim. Ele se importava. Ela se importava com ele, também. Mas será que ela se importava o suficiente para deixá-lo ir? Para parar de magoá-lo?

Miranda tirou delicadamente a mão de Della do seu braço.

— Desista, vampira. Porque não tem jeito, você não vai sozinha. Kylie e eu vamos com você. — Ela até balançou a cabeça daquele jeito que fazia Della se lembrar dos bibelôs de cachorro que balançavam a cabeça quando colocados no painel do carro.

A frustração fez o estômago de Della contrair.

— Baixe a vassoura, bruxa! — disse Della. — Você não pode ir. Além disso, não é um funeral — ela continuou, o tom de voz ficando mais irritado. Se ela aparecesse com Miranda e Kylie a tiracolo, Burnett teria um ataque. E Della evitava a todo custo que Burnett tivesse ataques.

Vendo a determinação e o amor nos olhos de Miranda, Della estendeu a mão, tentando encontrar paciência, tanto pelo bem da bruxa quanto de si mesma.

— Olha, Burnett nem queria que eu fosse. Eles vão enterrar Chan na sepultura falsa, onde ele deveria ter sido enterrado antes. Então, é um pouco perigoso, desenterrar um caixão, colocar um corpo lá dentro e fazer tudo isso sem que ninguém veja. Violar sepulturas pode dar cinco a dez anos de prisão. E laranja não é a sua cor.

— Eu fico tão bem de laranja quanto você — a bruxa retrucou, enquanto torcia uma mecha do seu cabelo multicolorido. Então ela franziu a testa e seus olhos voltaram a se encher de lágrimas. — Por favor. Eu ainda não quero que você vá sozinha. Dói bem aqui. — Ela colocou a mão no peito.

O coração de Della bateu mais forte com as palavras da amiga.

— Burnett vai estar lá — assegurou.

Miranda fez uma cara que incluía seu típico revirar de olhos.

— Como se ele fosse te dar um abraço, se você precisar.

Della não achava que Burnett fosse abraçá-la, mas não tinha dúvida de que ele iria oferecer a sua solidariedade. E entre vampiros, aquilo era mais do que suficiente.

— Eu vou ficar bem. — E ela ficaria, Della disse a si mesma. Enterrar Chan sob sua lápide era a coisa certa a fazer. Mesmo que a morte dele não fosse.

— Eu tenho que ir. — Ela deu um passo em direção à porta.

— Espere! — disse Miranda. — Um abraço para deixar você mais forte.

A palavra “não” dançava na língua de Della, mas impedir Miranda de abraçar era o mesmo que impedir um cão de fazer xixi num poste. Impossível.

Della inclinou-se e se afastou rápido, observando a bruxa e ainda vendo preocupação em seu rosto.

— Mais tarde vamos ter uma “Sessão Coca Diet” e contar nossos problemas. Mas antes, você precisa encontrar quem fez você prometer que não ia contar o que aconteceu e pôr um fim a essa promessa.

O lábio inferior de Miranda tremeu um pouco.

— Eu não posso.

Della franziu a testa.

— Tudo bem, então não vou contar o que está acontecendo comigo. E é coisa que não acaba mais...

— Isso não é justo! — protestou Miranda.

— Não, não é. É um saco ter amigos que esperam que você despeje todos os seus problemas, mas isso é o que nós fazemos. Então, prepare-se para despejar tudo. Mais tarde.

Ela disparou para fora do quarto de Miranda e para fora da cabana, correndo para encontrar Burnett — esperando que enterrar Chan pelo menos colocasse um ponto final naquele problema, deixando-a livre para resolver os outros.

Natasha e Liam eram os primeiros da lista.

Em seguida, vinha o dilema “Steve ou Chase”. Ou talvez tentar novamente encontrar seu tio. Com todos os problemas que tinha, ela podia escolher por qual deles queria começar.

As nuvens fantasmagóricas tinham ido embora e a meia-lua, acompanhada de estrelas, só irradiava luz suficiente para deixar o céu azul-marinho. Burnett, todo de preto, esperava no portão da frente de Shadow Falls. Seu olhar recaiu sobre Della como se ele estivesse tentando avaliar seu estado de ânimo. Ou talvez sua capacidade de não desmoronar emocionalmente. Mal sabia ele que ela já tinha desmoronado meses antes.

Às vezes, Della não sabia como tinha conseguido seguir em frente, mas tinha a sensação de que tinha tudo a ver com Shadow Falls. As pessoas dali. As amizades. Não necessariamente os abraços — embora a vampira amasse Miranda por causa disso, ela poderia ficar sem eles. Mas só saber que outras pessoas se preocupavam com ela tinha sido suficiente para ajudá-la a juntar os cacos depois de cada uma das decepções da sua vida.

Ela se preocupava com todos eles. Até mesmo com o líder do acampamento durão.

Era preciso admitir, ficar no fundo do poço significava decepcionar pessoas. Se o seu pai de ascendência oriental tinha instilado alguma coisa nela, era lealdade. O que provavelmente explicava por que, até quando seu pai parecia ter desistido dela, ela não tinha desistido dele.

— Pronta? — perguntou Burnett.

Ela assentiu com a cabeça.

Ele começou a correr, as botas batendo contra a terra três ou quatro vezes antes de levantar voo. Della não sabia se poderia fazer o mesmo, mas, quase vendo aquilo como um desafio, ela tentou. Suas próprias botas bateram no chão umas sete vezes antes que ela sentisse a força. Forçando todos os seus músculos a entrar em ação, ela sentiu-se se erguendo no ar. Um sentimento de orgulho a preencheu e, por um segundo, ele se sobrepôs à dor do que ela estava prestes a enfrentar.

Burnett olhou para ela. Seu olhar quase lembrava o jeito como o pai a contemplava quando ela fazia uma boa jogada no xadrez.

Uma sensação quente encheu o peito de Della quando ela fez um ligeiro aceno de cabeça para Burnett.

Isso mesmo, Della pensou. A única coisa que a impedia de desmoronar tinha tudo a ver com as pessoas que tinha encontrado em Shadow Falls. Se ela desmoronasse, eles levariam aquilo para o lado pessoal. E a vampira não iria deixá-los assumir a culpa pelo que estava acontecendo a ela.

Demorou uns 20 minutos, voando numa velocidade que Della nem podia calcular, para ela avistar o cemitério. Assim que o seu destino apareceu, Burnett desacelerou para o que poderia ser considerada a velocidade normal de um vampiro.

Quando circularam a propriedade, ele começou aterrissar no meio de algumas árvores.

Os pés de Della ainda não estavam firmes no chão quando ela sentiu o cheiro.

Olhou ao redor e depois para Burnett. Ele tinha erguido o nariz, também. Aparentemente, tinha sentido o mesmo cheiro.

— Alguém que você conheça? — ela perguntou, esperando que os agentes que trariam o corpo de Chan fossem lobisomens.

Os olhos de Burnett, já de um verde brilhante, responderam antes de qualquer outra coisa. Della não teve tempo para pensar antes de ver três figuras saindo de um bosque e vindo na direção deles.


Capítulo Oito

— Parem aí mesmo! — A ordem de Burnett ecoou pelo cemitério.

Caramba! A ordem seria para ela, também? Preparando-se para lutar, Della teve que cravar as unhas nas palmas das mãos para atender ao pedido dele. Parada ao lado de Burnett, cada músculo do seu corpo gritava perigo.

Soltando grandes lufadas de ar, que tinham até mesmo um gosto de ameaça, ela fitou a testa dos três atacantes em potencial para ler seus padrões. Todos os seres sobrenaturais tinham padrões que identificavam suas espécies, e eles confirmavam o que seu faro já tinha identificado.

Lobisomens.

Ela também notou os uniformes — seguranças. Que piada.

— Não vamos lhes fazer nenhum mal — Burnett anunciou. Ele puxou a camisa escura para mostrar seu distintivo da UPF preso no cinto.

Della tinha que dar crédito ao homem por sempre seguir as regras. Não que ela conhecesse todas as regras da UPF, mas pretendia aprendê-las em breve.

Seu foco se voltou para Burnett, que estava ali altivo, o distintivo ainda à mostra. Ele exalava tamanha autoridade que ela foi tomada de assombro e admiração. Um dia, ela queria um daqueles distintivos.

— Nós também usamos distintivos, sanguessuga! — disse o lobisomem de cabelo ruivo desgrenhado. Ele estufou o peito e Della viu um distintivo com uma cruz celta verde e azul preso à sua camisa suja de algodão.

— Aposto que o meu pesa mais do que o seu — Burnett sibilou, os olhos agora de uma cor dourada.

Os olhos do lobisomem ficaram de um tom laranja brilhante, mas desta vez seu olhar parou por mais alguns segundos no distintivo de Burnett.

O lobisomem do meio, um pouco maior que os outros dois, falou em seguida.

— Já ouvi dizer que as gangues têm um monte de distintivo da UPF falsos.

— Este não é falso — acrescentou Burnett, seu tom ficando mais grave e perigoso.

Della sentiu seu estômago se contrair, preparando-se para enfrentar qualquer ameaça que quisessem fazer a eles. Mas eles não eram, na verdade, uma ameaça tão grande assim. Estavam apenas em três. Ela e Burnett poderiam dar conta deles com as mãos amarradas nas costas. Droga, com seus novos poderes, ela provavelmente poderia dar conta deles sozinha.

— Como espera que a gente acredite que o distintivo é de verdade? — falou o de cabelo ruivo. — Você aparece no meio da noite, no nosso cemitério, com esse seu “brinquedinho” aí, e espera que a gente engula que está aqui a trabalho?

O comentário sobre o “brinquedinho” fez com que Della não conseguisse ficar de fora. Ela rosnou, sua visão mais brilhante, indicando que seus olhos também deviam estar, e seus caninos entraram em cena.

— Ela não é meu “brinquedinho”. — Os olhos de Burnett agora brilhavam num tom verde-limão, mas seu olhar se desviou para o homem de pé entre os outros dois, como se sentisse que ele era o líder da alcateia. — Mostre-me seus registros e diga ao seu amigo bocudo ir mais devagar ou vocês todos vão passar uma noite em custódia da UPF.

— Faça o que ele diz. — O cabeça do pelotão puxou a carteira.

Della viu o ruivo tirar algo do bolso. Ela viu o probleminha imediatamente. Não era uma carteira. Era uma lâmina.

Com uma velocidade que desconhecia, ela arremeteu para a frente. Antes que ele pudesse dizer a palavra “tio”, ou até mesmo pensar em dizer a palavra “tio”, ela pegou o lobisomem pelo pulso e torceu o braço dele atrás das costas. Noutra fração de segundo, derrubou-o de joelhos. Burnett de repente apareceu ao lado dela, mas ele ficou simplesmente ali assistindo. Significava que tinha confiança nela. O peito de Della se encheu de um orgulho semelhante ao que ela tinha sentido antes do voo. Deixar Burnett orgulhoso era quase como deixar seu pai orgulhoso.

Ela pegou a faca da mão do lobisomem, em seguida derrubou-o de bruços na grama e colocou o joelho em suas costas para mantê-lo imobilizado. Por incrível que pareça, sua respiração ainda estava uniforme, seu pulso não tinha acelerado. Ela não tinha nem precisado se esforçar.

— Faça o favor de ficar no chão! — disse Della ao cão malcomportado embaixo dela. — Ou não fique. Uma boa briga só me faria bem.

O lobisomem ergueu a cabeça. Della viu a cor laranja brilhante dos olhos dele refletida no chão.

— Eu tinha que pegar a faca para chegar ao meu crachá — ele rosnou.

— Sim, e o brinquedinho aqui teve que tirá-la de você — Della retrucou.

Della poderia jurar que ouviu a risada de Burnett.

— Cala a boca, Evert — mandou o líder dos lobisomens. — Sinto muito pelo comportamento dele. Ele é novo aqui e obviamente muito cabeça quente para este trabalho. — O lobisomem estendeu para Burnett um crachá de identificação, basicamente uma carteira de motorista, mas com uma marcação que significava que ele era registrado.

— Eu não sabia que você era da UPF mesmo — o cara sob o domínio de Della rosnou.

O outro lobisomem puxou a carteira e pegou seu próprio crachá.

Burnett olhou para os crachás, em seguida voltou a entregá-los. Avançou um passo mais para perto de Della e ajoelhou-se ao lado do cara de bruços no chão.

— Eu vou tentar convencer minha agente em treinamento a liberar você, mas é melhor se levantar devagar. Então vai ter que pedir desculpas, e eu vou deixar que ela decida se vai aceitá-las ou não.

Della saiu de cima das costas do canalha. Ele se levantou, mantendo os olhos brilhantes alaranjados colados nela o tempo todo.

— Desculpe — ele murmurou, mas seu tom deixou claro que ele considerava o pedido de desculpas degradante. Ela se perguntou se era porque ela era um vampiro ou porque era uma garota. Um “brinquedinho”. Acho que ele pensaria duas vezes antes de chamar alguém daquele jeito outra vez.

Burnett balançou a cabeça.

— Com certeza você consegue fazer melhor do que isso.

Ele olhou para Burnett e depois voltou a olhar para Della.

— Sinto muito. — A fúria irradiava do seu tom de voz.

Por alguma razão, a mente de Della voou para o último cara que tinha forçado alguém a lhe pedir desculpas porque a tinham desrespeitado. Chase. Ela afastou o pensamento e o ligeiro sentimento de saudade que tomou conta dela.

Burnett olhou para ela.

— Você acha que devemos levá-lo e deixar que passe a noite arrependido do seu comportamento?

Della olhou para Burnett. Ele iria realmente deixar que ela decidisse? Ela olhou para o arremedo de faca que o lobisomem tinha puxado do bolso.

— Não, mas acho que ele precisa saber que, se vai puxar uma faca para um vampiro, ela tem que ser bem maior do que um canivete. — Ela entregou a lâmina de cinco centímetros para Burnett.

Burnett acenou para o lobisomem.

— Caia fora antes que eu mude de ideia.

O ruivo fugiu, com o andar ágil característico de todos os lobisomens. De repente o silêncio caiu como uma chuva suave, e aquele silêncio pareceu ecoar dentro de Della. Enfiando a ponta do sapato no gramado verde bem cuidado, ela assistiu enquanto o lobisomem desaparecia até se transformar num pontinho preto na paisagem.

Pela primeira vez, ela prestou atenção nos arredores. A luz prateada da lua se derramava sobre o terreno nivelado. Tumbas se erguiam do chão como braços de cadáveres estendidos para o céu, querendo fugir da terra fria.

A cada poucos metros, uma estátua envelhecida de um santo ou anjo se projetava acima das pedras, como se guardasse os túmulos. Mas eles estavam protegendo os mortos ou mantendo-os enterrados em suas tumbas?

O ambiente triste e mal-assombrado trouxe tudo de volta — a razão de ela estar ali. Para enterrar Chan. Mas o frio sobrenatural e o pensamento de corpos embaixo da terra também trouxeram à sua mente Natasha e Liam.

Um sentimento pesado de tristeza, acompanhado de um agudo senso de urgência, preencheu seus pulmões. Della engoliu um suspiro e se perguntou como e quando o corpo de Chan iria chegar.

Um formigamento frio percorreu a sua espinha. Seria um fantasma? Sentindo-se atordoada, ela se forçou a olhar para trás, na direção das pessoas que estavam à sua direita. Burnett deu um passo adiante em direção ao líder da alcateia.

O lobisomem, vários centímetros mais baixo do que Burnett, não demonstrou medo, nem a sua postura inspirava agressividade.

— Não que eu queira defender o meu ex-funcionário — ele disse —, mas devo dizer que você aparecer num cemitério dirigido por lobisomens é bastante estranho.

Burnett se empertigou um pouco. Não ao ponto de ficar na defensiva, mas apenas o suficiente para mostrar que não tinha apreciado o comentário do homem.

— A UPF tentou entrar em contato com o proprietário, o senhor Henderson, mas a recepcionista nos disse que ele estava fora do país.

— E me deixou no comando — declarou o lobisomem. — Por que você não entrou em contato comigo? — Suas palavras eram quase desrespeitosas, mas o seu tom exibia cautela, assim como sua postura.

— Se você der uma olhada no seu celular, vai ver que a UPF deixou três mensagens. E eu, pessoalmente, deixei outra esta tarde.

O lobisomem ergueu os ombros um pouco.

— Então você resolveu ignorar os procedimentos legais para, obviamente, fazer algo moralmente antiético. É desse jeito que a UPF costuma trabalhar?

Os olhos de Burnett ficaram mais brilhantes. Mas Della podia dizer que ele estava se contendo. Sem dúvida, estava pronto para resolver as coisas na conversa e evitar um confronto físico.

— Eu não estou aqui para fazer nada antiético.

O lobisomem ergueu as sobrancelhas com descrença.

— Depende de para quem perguntar. É óbvio que está aqui para exumar um corpo e obter algum tipo de prova. Sendo você vampiro, provavelmente para tentar prender um lobisomem por assassinato.

Della não pôde deixar de se manifestar.

— Está redondamente enganado. Ninguém é mais justo do que o homem diante de você.

O lobisomem olhou de relance para Della, então voltou a se concentrar em Burnett como se ela não merecesse atenção. Mas, caramba, o “brinquedinho” já não tinha provado seu valor? Ela soltou um grunhido de advertência. A vontade de agir, de exigir respeito, a espicaçava.

O olhar de Burnett deslocou-se para ela ligeiramente. Naquele breve olhar, ela quase pôde ler a mente dele. Deixe isso comigo.

O líder da alcateia ajustou sua postura, ficando um pouco mais na defensiva.

— Você sabe quantos problemas isso pode trazer para o meu patrão? Os humanos consideram algo muito grave profanar cadáveres. Poderiam provocar um escândalo.

Burnett estava de pé, os pés ligeiramente afastados, braços ao longo do corpo, e recebia os ataques verbais do homem sem parecer insultado. Ele quase parecia confiante demais — como um jogador de pôquer que sabia que tinha um trunfo.

— Tem razão — concordou Burnett. — No entanto, seria um escândalo menor do que, digamos, um cemitério aceitar subornos de uma funerária para sepultar caixões vazios. Todo o mistério sobre onde os corpos vão parar não iria somente aparecer no noticiário local, mas poderia acabar em rede nacional. Eu quase posso ler as manchetes: “Famílias de insepultos desesperadas para encontrar os restos mortais de entes queridos”. — Ele deixou seu olhar vagar pelo cemitério ao redor. — Quantos caixões vazios vocês aceitaram de Craig Anthony e seu padrasto?

A postura do lobisomem ficou menos confiante, assim como a do lobisomem em pé ao seu lado. Burnett, obviamente, tinha a melhor cartada.

Embora o líder dos lobisomens não quisesse admitir de imediato.

— Sendo um vampiro, você deve saber que essa prática é vista com pouco rigor pela UPF.

Burnett cruzou os braços sobre o peito largo.

— Não quando os recém-criados se tornam escravos.

— Não sabíamos o que esse homem estava fazendo. Nosso contrato era com o padrasto.

— Vamos esperar para ver como as coisas vão ficar depois que a nossa investigação estiver completa. No entanto, isso me leva de volta à razão para eu estar aqui — disse Burnett, relaxando a postura, como se para deixar o lobisomem saber que um acordo conciliatório não estava fora de questão. — Eu estou com o corpo de alguém cujo caixão está aqui, vazio. Eu simplesmente quero colocar o falecido para descansar em sua própria sepultura.

O lobisomem não devia gostar muito de fazer acordos.

— Isso não está no protocolo. Se começarmos a fazer isso, vamos viver enterrando e exumando corpos. Além disso, se o recém-criado morreu, a família nunca vai saber. Eles já acham que ele está no caixão. O que não sabem não pode afetá-los. Eles são apenas seres humanos.

Apenas seres humanos!

— Eu vou saber — disse Della, o tom de voz mais sombrio e seus olhos, dois tons mais brilhantes.

O lobisomem chegou a dar um passo para trás.

— Bem. Desenterrem quem vocês quiserem. Eu até empresto a retroescavadeira. Se o chefe quiser matar alguém por causa disso, vou dizer para ele resolver com a UPF.

* * *

Trinta minutos depois, com o túmulo já aberto, Della se sentou na grama verde invernal. Passava as mãos sobre as folhas bem aparadas, enquanto observava a retroescavadeira tirar o caixão de Chan de dentro da cova. Antes de os dois seguranças irem embora, os outros agentes tinham aparecido. O saco preto com zíper que eles tinham trazido agora esperava à direita da lápide, já identificado com o nome completo de Chan.

Ela sabia que o corpo de Chan estava dentro do saco plástico. Fechando os olhos, tentou decidir se queria vê-lo. Ela deveria guardar a última lembrança que tinha do rosto dele? A última vez que o vira tinha sido quando estava no processo de Renascimento e tinha entrado em coma. Eles estavam nas nuvens, e ele tinha aquele sorriso feliz e bobo na cara e a provocava com um comentário sobre alguma coisa. Mas sobre o quê?

Ela vasculhou sua mente e a lembrança que parecia tão longínqua voltou com tudo.

Chan estava brincando com ela por causa da sua inaptidão para jogar boliche e um episódio particularmente memorável. Ela tinha feito um movimento para trás com o braço, para atirar a bola, e esta havia desencaixado dos seus dedos e voado para trás, na direção oposta à da pista de boliche. Todas as cinco pessoas que esperavam sua vez de jogar tinham se atirado no chão para sair do caminho da bola, tentando evitar o impacto. Chan haviam insistido para que contassem a jogada como um strike, porque ninguém tinha ficado de pé.

Uma lágrima escapou de suas pálpebras fechadas, ao se lembrar daquele momento nas nuvens e como o sorriso dele parecia com o velho Chan que ela conhecia. Della enxugou algumas lágrimas rebeldes. Sim, era assim que ela queria se lembrar dele — não morto dentro de um saco.

Della ouviu alguém dizer algo em voz baixa, como se fosse de propósito, para que ela não ouvisse. Abriu os olhos. Os agentes, entre eles Burnett, estavam ao lado da sepultura, olhando para o caixão aberto, como se houvesse algo ali dentro.

Della prendeu a respiração. Será que alguém tinha se apossado do caixão de Chan?

— O que foi? — ela disparou. Se fosse um cadáver, seria melhor que ele tirasse sua bunda apodrecida de lá ou estava prestes a ser despejado. Aquele era o caixão de Chan e, por Deus, ele iria ser colocado ali para descansar!


Capítulo Nove

O coração de Della deu um salto mortal antes que ela fixasse os olhos no caixão aberto e, possivelmente, num corpo em decomposição que teria de remover dali.

Um suspiro, que parecia de alívio, escapou de seus pulmões e lábios. Não era um corpo. Apenas uma caixa. Uma caixa grande de sapatos.

Ela tinha que admitir que era bem estranho, mas o olhar de perplexidade no rosto dos três agentes e de Burnett parecia um exagero.

Então ela viu. A caixa pulsou. Como se ali dentro houvesse um coração.

Tum.

Tum.

Tum.

Logo em seguida, os raios de prata da lua foram bloqueados por uma grande nuvem cinzenta que flutuava no céu. O suspiro de alívio se tornou um arquejo.

É só um rato, disse a si mesma. Mas, então, o som familiar de um coração batendo saiu da caixa.

— Alguém precisa ver o que tem aí dentro — disse o agente mais jovem, um bruxo, mas pelo tom de voz ficou claro que ele não seria voluntário.

— Quem disse que temos de abri-la? — disse outro dos agentes, um vampiro.

Como se a maldita caixa tivesse ouvido, ela começou a pulsar mais rápido e, então, a tampa voou. Della queria dizer a si mesma que era o vento, mas o ar da noite estava tão parado que nem mesmo as folhas se mexiam.

Com a lua coberta pelas nuvens, o conteúdo da caixa não era identificável. Della se inclinou para vê-la melhor. Havia algo de metal por cima, mas ela não conseguia identificar o quê. Então viu o que pareciam fotografias.

Será que eram as coisas de Chan? O coração de Della deu outro salto. Será que o espírito dele tinha feito a caixa pulsar? Será que ele queria que ela olhasse lá dentro? Della olhou para o saco preto onde o corpo de Chan jazia absolutamente frio. Absolutamente morto. Logo em seguida, uma sensação de frio se apoderou dela.

É você, Chan?

Rendendo-se às evidências, ela expirou o ar viciado dos pulmões.

— Ergam um pouco mais o caixão e eu pego a caixa — disse Della, finalmente.

— Não, eu faço isso. — Burnett parecia constrangido por ela ter se oferecido antes dele. Ele olhou para o agente fae que tinha dirigido a retroescavadeira e agora estava com eles.

— Erga um pouco mais o caixão.

O agente voltou para a retroescavadora, quase ansioso para se afastar dali. Della ficou observando e ouviu quando as correntes puxaram um pouco mais o caixão da lama endurecida.

Quando Burnett estava prestes a alcançar a caixa, Della o deteve.

— Era de Chan. Acho que eu é que devia fazer isso.

Ele balançou a cabeça, concordando. Ela pegou a caixa e viu os olhos arregalados de todos os agentes, como se temessem que a coisa fosse mordê-la.

Não mordeu. Pelo menos não fisicamente. Emocionalmente, ela foi mordida tão logo olhou para baixo e identificou o objeto de metal na parte superior. Um dos muitos troféus de boliche de Chan. Ele tinha dito a ela, uma vez, que não se importava que ser um campeão de boliche o fazia parecer um idiota. Aquele era o único esporte em que ele era bom. No entanto, ele nunca foi realmente um idiota, apenas um garoto magricela de família oriental, meio rebelde mas de bom coração.

Sentindo os olhos arderem, ela se afastou até um local mais reservado. A nuvem se afastou da lua e a luz prateada chegou até ela. Por mais louco que parecesse, o brilho da lua quase aqueceu sua pele como o sol.

Ela sentou-se entre as fileiras de lápides e colocou diante de si a caixa aberta e sua tampa. Depois de ver a caixa pulsar, deveria estar com medo, mas estranhamente não sentia isso. Aquilo tinha a ver com Chan. E Chan nunca iria machucá-la.

Em questão de segundos — observando apenas os itens que estavam por cima —, ela entendeu o significado da caixa. Chan tinha enterrado sua antiga vida. Todos os itens da caixa eram coisas que tinham significado para ele. Todas as coisas que ele tinha perdido no dia em que foi transformado. E, caramba, ela sabia o que era aquilo!

Não, ela não tinha forjado a própria morte, mas tinha perdido tanto quanto ele. Ela passou o dedo sobre o troféu de boliche com o nome de Chan. Viu as fotos da família e dos amigos dele, e uma carta da sua primeira e única namorada. Percebendo que poderia ser pessoal, ela não leu.

Em vez disso, pegou e analisou algumas fotos: Chan com a irmã mais nova andando de bicicleta; um retrato de família com a mãe, o pai, a irmã, todos juntos em torno de uma toalha de piquenique. Fotos dele, em sua formatura no colegial — seu corpo magro vestido com um smoking e a namorada, uma garota oriental gordinha, usando um vestido rosa rodado. Um sorriso inesperado se abriu nos lábios de Della ao ver o primo magricela com uma gravata borboleta.

Quando Della colocou as fotos de volta na caixa, avistou o colar. Sua respiração ficou suspensa. Ela tinha dado a ele em sua última festa de aniversário — no boliche. Era o símbolo da paz e, quando ela o encontrou, enquanto fazia compras uma semana antes do aniversário dele, pensou em Chan, que sempre tinha sido um pouco hippie.

Ela pegou o colar na palma da mão, em dúvida se deveria ficar com ele, mas então percebeu que a peça não lhe pertencia. Pertencia a Chan. E agora seria enterrado com todas as coisas que tinham sido importantes para ele. Aquilo parecia o correto.

Della olhou para cima e viu que os agentes tinham colocado o corpo de Chan no caixão e estavam esperando que ela se decidisse se iria vê-lo ou não. Instantaneamente, soube que a visão nas nuvens era a lembrança que ela queria guardar. Ela olhou para Burnett e disse não com a cabeça. Ele recomeçou.

— Você quer ficar com a caixa? — perguntou, obviamente entendendo que tinha decidido não ver Chan.

— Não — disse Della, e a palavra soou tão pesada quanto o seu coração, naquele momento. — Ela pertence a Chan. — Della pegou a tampa e colocou-a no lugar. Quando se levantou para passá-la a ele, a tampa voou.

Burnett e Della soltaram ambos um arquejo de surpresa.

— É só o vento — disse Della, mesmo sem acreditar.

— Bem que eu gostaria. — Burnett olhou ao redor.

— Ele está aqui? — Della perguntou, sentindo o frio, mas sem ter certeza se era mesmo Chan.

— Alguém está — disse Burnett. — Você acha que talvez ele queira que você fique com a caixa?

Ela pensou na pergunta e encontrou a resposta rapidamente.

— Não, são as coisas dele. — Ela entregou a Burnett a caixa. Então percebendo que os agentes esperavam, ela estendeu a mão para a tampa. Antes que conseguisse encaixá-la, uma foto saiu voando de lá, espiralou no ar por um segundo e depois pousou em seu sapato.

Ela pegou a foto e a examinou. Era Chan, a mãe dele e... outra garota. Ela parecia mais velha do que Chan, um ano ou coisa assim. Della olhou mais de perto a imagem. A garota parecia Della e a irmã. Uma mistura de orientais e americanos.

Mais uma vez dizendo a si mesma que era apenas o vento, ela colocou a foto na caixa, por cima das outras coisas. Mas ela voou novamente, pousando em seus pés.

Os olhos de Burnett se arregalaram.

— Eu acho que alguém quer que você fique com essa foto.

Della assentiu, engolindo um desconfortável nó na garganta. Ela pegou a foto e lentamente recolocou a tampa na caixa. Ambos, tanto ela quanto Burnett, ficaram ali sob o luar prateado, esperando para ver se a tampa voava outra vez. Ela não voou.

O olhar de Burnett, cheio de compreensão, encontrou os dela; em seguida, ele se virou e caminhou de volta para o túmulo. Com a foto na mão, Della o viu se ajoelhar e colocar a caixa no caixão. Então ele se levantou e fechou a tampa.

O som pesado do caixão se fechando ecoou na noite. Parte dela queria gritar para eles pararem. Ela deveria ter se forçado a olhar para Chan, para dizer adeus fitando o seu rosto?

Mas, se ela o visse, iria querer tocá-lo e ela não queria senti-lo morto.

Segurando as lágrimas, ela observou enquanto os agentes baixavam o caixão. O ronco do motor da retroescavadeira e o rangido das correntes soaram altos e tristes. Ela sabia que Chan não estava realmente naquele caixão. Seu espírito estava nas nuvens, num lugar feliz.

Mas ainda assim não era justo. Ele deveria ter sobrevivido.

Um frio gélido a percorreu novamente. Talvez Chan não estivesse nas nuvens; será que ele estava de volta? Será que era ele quem queria que Della ficasse com a foto?

Ela olhou para a foto novamente, mas, através das lágrimas, tudo o que pôde ver foi Chan.

— Eu vou sentir sua falta — sussurrou Della e se deixou cair no chão, lutando contra a necessidade de chorar. Enquanto ela assistia à pesada pá mecânica jogar terra sobre o caixão de Chan, abraçou os joelhos e engoliu as lágrimas.

Seu peito estava oco e ao mesmo tempo pesado. Os agentes e Burnett estavam a menos de cinco metros de distância, no entanto a solidão ainda rastejava dentro dela. Então o frio a cercou como uma nuvem invisível e Della soube que não estava sozinha. Alguém estava ali com ela. Mas quem?

— Chan? — Della sussurrou, deslocando seu olhar para a esquerda e depois para a direita.

Ela não viu nada, mas sentiu muito.

Mas não parecia que era Chan. Ela se lembrou de Holiday dizendo que provavelmente havia uma conexão entre Della e o fantasma que queria que ela encontrasse Natasha.

— Quem é você? — ela sussurrou.

Então a ficha caiu. Ela estava num maldito cemitério! Della olhou para as centenas de lápides. Se realmente podia sentir fantasmas, como suspeitava Holiday, o frio que sentia poderia ser de qualquer pessoa, ou de várias pessoas.

Podia haver centenas de almas ali, ao seu lado. O pensamento fez até seus ossos tremerem. Se ela não devesse aquilo a Chan, daria o fora dali tão rápido que até o vento ficaria com inveja.

Poucos minutos depois, Burnett veio e se sentou ao lado dela na grama macia e bem cuidada. O frio tinha desaparecido. Se ele ou ela ou eles tinham ido embora ou simplesmente se afastado, Della não sabia. Mas dava graças a Deus.

Burnett colocou a palma da mão no ombro dela. Não era quente nem muito afetuoso, mas o toque suave veio com uma carga de emoção.

— Você está bem? — ele perguntou.

Della tinha passado do medo para a tristeza, novamente.

— Tenho certeza de que, mais cedo ou mais tarde, vai melhorar, mas agora está doendo pra caramba. Ele era... ele era da família.

A mão de Burnett apertou seu ombro, tornando o toque quase tão terno quanto um abraço, mas não completamente.

— Eu sei que você está sofrendo. Família é... — Ele fez uma pausa e em seguida começou a falar. — Um pouco mais de um ano atrás, eu teria rejeitado a ideia de ter uma família. E olhe para mim agora.

Della acenou com a cabeça, afastando a tristeza para pensar na pequena Hannah.

— Vocês três são uma família perfeita.

— Três? — Burnett riu. — Minha nossa, quando eu me apaixonei por Holiday, eu me apaixonei por Shadow Falls e por todos vocês. Não temos o mesmo sangue, Della, mas você faz parte da nossa família, jamais se esqueça disso.

A emoção apertou os pulmões de Della. E que Deus a ajudasse, porque ela estava prestes a se inclinar e descansar a cabeça no ombro dele. Talvez até mesmo pedir que ele a abraçasse.

Talvez ela devesse ter trazido Miranda e Kylie, afinal. Droga, será que estava ficando viciada em abraços? Haveria algum remédio para ajudá-la a se livrar dessa necessidade? Algo como uma pílula antiabraço?


Capítulo Dez

— Eu vou dispensar os outros agentes — disse Burnett.

Della assentiu e piscou para afastar as lágrimas que ameaçavam cair.

Quando ele se afastou, ela analisou a foto novamente. A garota. Quem seria ela? Virou a foto e não viu nada na parte de trás.

Passos desviaram sua atenção e ela olhou para cima. Era o agente bruxo da UPF. Não parecia muito mais velho do que ela. Embora tivesse cabelos curtos, alguns cachos rebeldes provavelmente o faziam parecer mais jovem. Ele parou a alguns metros da vampira. Ela não gostava de ter de olhar para cima, então se levantou e colocou a foto no bolso de trás.

— Oi — ele disse, cumprimentando-a também com a cabeça.

Ela respondeu com um gesto similar.

— Hã... eu estava pensando se você não gostaria que eu desse um jeito no gramado para que não parecesse... remexido, apenas para o caso de outro parente vir, assim não haverá perguntas.

— Tudo bem — disse ela.

Ele olhou para trás e fez um gesto com a mão. Sob o luar prateado e com a sua magia de bruxo, os montinhos irregulares de terra foram nivelados. Lâminas perfeitas cresceram até o comprimento de grama aparada, e até um par de flores amarelas apareceu ao lado da lápide. A brisa agitou as flores e elas roçaram na lápide com o nome de Chan.

— Obrigada — Della conseguiu dizer, percebendo que não tinha pensado em trazer flores.

— De nada. — Ele parecia um pouco tímido, como se quisesse perguntar algo. — Você é a mesma Della que ajudou a prender Anthony Craig?

Ela assentiu com a cabeça e lembrou-se de que havia um agente bruxo lá, mas esse garoto era mais jovem.

— Então você conhece Miranda? — perguntou.

— Sim — disse Della, surpresa.

— Eu morava no mesmo bairro que ela. Ela era amiga da minha... irmãzinha. Você pode dizer a ela que Shawn Hanson mandou um olá? E que... que eu ouvi falar do que ela fez aquele dia, salvando vocês com aquele feitiço incrível, e só achei que... Achei legal que ela finalmente esteja se virando bem sozinha. Sempre suspeitei que ela fosse mais talentosa do que as pessoas diziam.

— Vou dizer a ela — disse Della, farejando os feromônios dele. Então quer dizer que o agente Hanson tinha uma quedinha por Miranda, hein? Della poderia apostar que Miranda iria gostar de ouvir aquilo. Não que ela fosse trocar Perry por ele, mas que garota não gosta de saber que um cara está a fim dela? Especialmente um cara mais velho.

Ele balançou a cabeça e se afastou. Logo em seguida, ela ouviu a voz contrariada de Burnett. Ergueu os olhos e viu que ele estava falando no celular e agora colocava o aparelho no bolso. Ela estava tão concentrada no bruxo que não tinha ouvido a conversa.

Burnett se aproximou, sua postura dizendo que tinha má notícias.

— O que foi? — perguntou ela.

Ele fez sinal para que ela o seguisse. Eles ficaram entre as árvores novamente.

— Você tem ouvido falar de Chase? — ele perguntou, sua voz ainda baixa.

— Não, por quê?

— Eu acho que ele invadiu a sala de arquivos da UPF.

Della franziu a testa.

— Por que ele faria isso?

— Para espiar a pasta de Craig Anthony que nós confiscamos.

— Como você sabe que era ele? — perguntou Della.

— O invasor foi descrito como um jovem de cabelos escuros que conseguiu escapar dos melhores agentes. Quem você acha que é?

Della não podia explicar por que estava feliz de Chase ter conseguido escapar, mas estava.

— Será que ele pegou alguma coisa?

— Uma pilha de arquivos que tínhamos deixado de lado para analisar. — Ele suspirou e a olhou nos olhos. — Aqueles que continham duas recém-criadas chamadas Natasha.

O coração de Della bateu contra o peito.

— Você encontrou arquivos sobre duas garotas chamadas Natasha? Por que não me contou?

— Nós só descobrimos por volta das onze da noite de hoje. Eu ia te contar tão logo... isto estivesse acabado.

— Você encontrou algum registro de um rapaz chamado Liam?

— Não.

De repente, ela sentiu um ligeiro pânico.

— Se não foi Chase quem pegou os arquivos, então nós os perdemos.

— Eu tinha mandado digitalizá-los. Então, está tudo bem. Mas acho que nós dois sabemos quem fez isso. E ele não pode fazer esse tipo de merda. Ninguém pode irritar a UPF!

Della assentiu, mas não disse nada. Droga, se ela soubesse que os arquivos estavam lá, também teria invadido o depósito da UPF para pegá-los.

Então, de repente, Della percebeu o que isso significava. Chase estava na visão com ela. Por que mais ele teria roubado apenas aqueles arquivos?

— Eu vou com você — disse ela, a urgência que sentira na cachoeira para encontrar Natasha retornando com força total.

— Não — ele disse. — Eu ainda não tenho liberação para que você trabalhe no caso. Devo ter amanhã à tarde, então definimos o que você vai fazer. Eu sei que é difícil, mas por ora... volte para Shadow Falls e tente descansar um pouco. Você não dormiu. Falte nas aulas hoje. Vamos precisar de você na sua melhor forma amanhã.

— O difícil é saber que eu poderia estar fazendo alguma coisa, em vez de ficar de braços cruzados. Por que não posso só...?

— Não — ele disse com firmeza. — Vá descansar um pouco.

Della cerrou os dentes para evitar discutir, então disse:

— Eu quero ficar aqui um pouco e depois... depois quero ver Steve. Descanso mais tarde. — Ela ainda não tinha pensado em ver Steve, mas no momento em que pensou, soube que não era simplesmente o que ela queria, mas o que precisava.

Ela precisava de Steve. Precisava... dos braços dele ao redor dela. Mais abraços? Droga, ela realmente tinha que procurar um emplastro antiabraço!

Talvez até mesmo um emplastro anti-Steve.

— Tudo bem. Eu preciso ir para a UPF. Você quer que eu peça a um agente para escoltar você?

— Você quer parar de me mimar? Eu posso cuidar de mim mesma, ou você já se esqueceu?

Burnett franziu a testa.

— Tudo bem, se cuida, então. Mantenha a velocidade baixa e voe abaixo das árvores se estiver sob a luz do dia.

— Ok.

— E se tiver notícias de Chase, diga que quero vê-lo imediatamente e depois me ligue.

Ela assentiu com a cabeça, mas não foi um aceno muito confiante. O que Burnett estava indo fazer? Ele se virou como se fosse embora e ela percebeu que precisava de respostas.

— Espere! — pediu Della. — O Conselho dos Vampiros já deu alguma resposta? Chase entrou em contato com eles? A UPF já tomou alguma decisão definitiva sobre mim e Chase trabalharmos juntos? — Se Burnett não tivesse contado a ela sobre os arquivos, havia uma chance de que não tivesse contado outras coisas também.

Pelo olhar estampado em seu rosto, ela estava certa.

— O Conselho dos Vampiros telefonou e eu perguntei sobre a possibilidade de Chase trabalhar para a UPF. Ou pelo menos você e Chase colaborarem um com o outro, e me disseram que eles iriam pensar. Tenho certeza que a UPF vai aceitar, mas...

— Mas o quê? — ela perguntou.

Ele olhou para trás, através das árvores, para garantir que os outros agentes tinham ido embora.

— Mas se eles descobrirem que foi ele quem levou os arquivos, não vão deixá-lo trabalhar com a gente. Vão prendê-lo na primeira oportunidade. Ele não pode fazer merdas como essa. A UPF não tolera desobediência. E, se você gosta dele, faça com que ele entenda isso.

Se ela gostava dele?

Ela gostava. Então se tocou que tinha acabado de planejar ver Steve — de quem ela também gostava. Foi então que se lembrou da constatação a que chegara mais cedo. Ela estava fazendo Steve sofrer. Só tinha duas escolhas. Desistir de trabalhar com Chase. Ou desistir de Steve.

O simples pensamento de perder Steve fez cada fibra do seu corpo se rebelar e cantar uma música triste. Mas a ideia de se afastar de Chase e diminuir suas chances de encontrar Natasha e Liam também machucavam.

Não havia realmente nenhuma outra maneira?

Encontre Natasha! Encontre Natasha!

O coração de Della deu um salto quando ela ouviu a voz, mas, sinceramente, ela não tinha certeza se era o fantasma falando ou apenas a sua lembrança.

— Eu tenho que ir — disse Burnett, trazendo Della de volta ao presente.

— O que você vai fazer? — perguntou ela.

Ele olhou para Della.

— Sobre o quê?

— Sobre Chase. — Então, de repente, ela preferiu que Burnett não respondesse, por medo de que não fosse gostar da resposta. — Olha, você não pode dizer a UPF que foi ele quem levou os arquivos. — Ela sentia que Chase iria ajudar a encontrar Natasha. Que de alguma forma ele fazia parte do plano e que tinha sido esse o motivo que o levara a ir até a cachoeira. — Não faça isso por Chase, faça por Natasha e Liam.

Burnett passou a mão na nuca e a apertou como se para aliviar um pouco a tensão.

— Eu não estava pensando em delatá-lo, mas vamos esperar que ele não tenha deixado nenhuma evidência para trás e que possa levar a UPF até ele. Eu não vou poder detê-los caso descubram que era ele.

Ela assentiu com a cabeça.

— Tem certeza de que não posso ir? Eu poderia começar a investigar os arquivos que você tem sobre as duas garotas chamadas Natasha.

Burnett fez cara feia para ela.

— Della, eu estou quase certo de que você vai trabalhar nesse caso e que Chase será o seu parceiro, mas você precisa chorar a perda do seu primo por pelo menos um dia. Você precisa de um tempo para se recuperar.

— Eu já estou chorando a perda do meu primo há quase um mês — disse ela. — Isso... — Ela acenou para a sepultura. — Isso foi o ponto final.

Seus lábios se apertaram de frustração, como sempre acontecia quando ela discutia com ele. No entanto, ela sabia que não poderia discordar da lógica de Burnett. O fato de que suas emoções não tinham lógica era o segredo dela. Ela tinha um palpite de que demoraria muito tempo para se recuperar da morte de Chan.

— Eu entendo, mas mesmo assim você ainda não pode ir esta noite. Eu não tenho autorização para incluí-la no caso. Vá ver Steve e então vá descansar. Esteja pronta para começar amanhã.

Ele decolou. Della voltou para o túmulo de Chan. Ela se deixou cair outra vez na terra fria e ficou ali sentada, enrodilhada, tentando se conciliar emocionalmente com seus problemas mais urgentes.

A morte de Chan.

Natasha e Liam.

Steve e Chase.

As estrelas e a lua lentamente desapareceram. Uma pequena fatia de sol espantou a noite, mas, mesmo com a promessa de um novo dia, uma sensação de isolamento a preencheu. Ela se sentou em meio ao silêncio profundo, cercado de lápides. Sozinha.

O frio voltou e ela teve que alterar seu último pensamento. Talvez não estivesse realmente sozinha. Olhou em volta. Não viu ninguém. Mas sentiu alguém. Arrepios espiralaram pelos seus braços e pela coluna vertebral.

— Eu te conheço? — Suas palavras pareciam ser engolidas pela névoa cinzenta da madrugada. Ela olhou para o túmulo de Chan. O sol espreitou uma pouco mais alto acima do horizonte, e as faixas de cor-de-rosa e púrpura brilhante apareceram.

Ela assistiu enquanto a bola alaranjada lentamente se levantava no céu, ofuscando as cores do amanhecer, mas trazendo uma luz diáfana e nuvens brancas que pairavam no céu azul. Ela tentou ignorar o frio. Um frio que parecia mal-assombrado.

Seu olhar se fixou no céu quando o frio em torno dela aumentou e as nuvens começaram a tomar forma. Formas que pareciam quase como três pessoas posando para uma...

Lembrando-se da imagem, ela tirou a foto do bolso e estudou-a novamente. Quando olhou para cima, para comparar a louca formação de nuvens, elas já tinham se dissipado. Olhou novamente para a foto, em seguida virou-a. Ali, rabiscados a lápis, tão clarinhos que ela mal tinha percebido antes, havia três nomes. Chan, Miao — que era a mãe de Chan — e...

— Maldição! — A voz dela parecia fraca no grande lugar mal-assombrado.

Natasha.

Chan conhecia Natasha? Seria a mesma Natasha? Mas qual seria a ligação entre eles?

Levantando-se, caminhou até o túmulo de Chan. Olhou para a lápide, a leve brisa fazendo as flores amarelas dançarem em frente à sepultura.

— Quem é Natasha? Qual é o sobrenome dela? — Ela não sabia com quem estava falando. Com Chan ou com o fantasma de antes — aquele que falava com uma voz feminina. Mas era melhor que alguém respondesse. E rápido.

— Ou é Natasha Owen ou Natasha Brian — uma voz falou atrás da vampira bem quando ela ouviu os passos de alguém golpeando o chão.


Capítulo Onze

Levou apenas uma fração de segundo para que a voz masculina se tornasse familiar e seu cheiro chegasse ao banco de memória de Della.

Ela se virou e viu Chase.

No silêncio de um dia que não tinha amanhecido completamente, eles se encararam.

— Você está bem? — ele perguntou finalmente, parecendo pesaroso, até como se desculpasse.

Ela supôs que sua expressão e seu tom fossem por causa de Chan. Como que por um passe de mágica, seu ressentimento contra ele ressurgiu, por não se esforçar o suficiente para salvar seu primo. Então, como se a varinha de repente tivesse dissipado a mágica, ela se viu questionando a justiça daqueles sentimentos.

Recordou com clareza quanta dor ela tinha sentido na segunda transformação, e que Chase tinha sofrido com ela, só para lhe dar mais chance de sobreviver. Então ela se lembrou dele lhe dizendo mais de uma vez que não acreditava que Chan tivesse sobrevivido, mesmo com a ajuda dele. Será que ela teria sofrido por alguém que mal conhecia, se não achasse que essa pessoa iria sobreviver? E conscientemente deixado que outra pessoa inocente morresse, alguém que ela achava que teria mais chance?

Ela respirou fundo, afastou aqueles sentimentos e decidiu que voltaria a pensar sobre aquilo mais tarde.

— Como você sabia que eu estava aqui? — perguntou ela.

— Acabei de falar com Burnett, pelo telefone. — Ele enfiou uma mão no bolso do jeans.

Ou é Natasha Brian ou Natasha Owen. As palavras de Chase davam voltas na sua cabeça. Infelizmente, apenas os primeiros nomes estavam escritos no verso da foto.

— Então foi você quem invadiu o depósito da UPF?

Ele confirmou com a cabeça.

— Eu não queria perder mais tempo.

— Se eles descobrirem que foi você, não vão trabalhar com você ou com o Conselho, nem deixá-lo trabalhar comigo no caso.

Ele franziu a testa.

— Eles não vão descobrir. Não deixei rastro. E não acho que Burnett vá me delatar. — Ele deu um passo mais para perto.

Na luz dourada da manhã, seus olhos pareciam de um verde cristalino. Ele manteve uma mão no bolso, fazendo um ombro parecer ligeiramente mais alto do que o outro.

Algo sobre sua postura parecia menos confiante agora, ligeiramente vulnerável. E a maneira como ele a estudou a fez se perguntar se era por causa dela que Chase estava assim, talvez por causa do que ela tinha dito a ele.

Eu não te amo, ponto final. Não sei nem se gosto de você. Aquilo não era totalmente mentira. No entanto, percebendo quanto suas palavras eram difíceis e dolorosas para ele, lamentou tê-las pronunciado.

Os ombros dela se contraíram, sentindo uma tensão louca na presença dele, e ainda assim, ao mesmo tempo, saber que ele estava ali lhe causava algum tipo de paz interior. Ela se lembrou do que sentira na cachoeira também. Pensar na cachoeira fez com que sua mente se desviasse para outro assunto.

— A visão... Você a viu ou vivenciou tudo, não foi?

Ele suspirou como se não quisesse admitir.

— Sim, mas nunca contribuí para que nada daquilo acontecesse. Eu não sabia bem o que aquilo significava. Foi só quando você disse o nome deles que eu soube que você tinha visto também.

— Você era Liam? — ela perguntou.

Ele confirmou com a cabeça.

— Sim, seja ele quem for. Eu não consegui encontrar nada sobre esse sujeito. E verifiquei todos os arquivos. — Havia um toque de desespero na voz dele que espelhava o que ela sentia.

Della se lembrou de que sabia certas coisas sobre Natasha durante a visão.

— Quando a visão estava acontecendo, você descobriu alguma coisa sobre ele ou ficou sabendo de algo?

— Apenas seu primeiro nome e que ele estava com medo. E... que ele... ele daria todo o seu sangue a Natasha para salvá-la. Ele estava mais preocupado com a possibilidade de ela morrer do que com sua própria vida. Ele está apaixonado por ela.

Ouvir aquilo fez com que o coração de Della doesse dentro do peito como um pássaro aprisionado. Lágrimas encheram seus olhos e ela olhou para baixo, evitando o olhar de Chase. Ela se lembrou de Liam insistindo para que Natasha bebesse mais de seu sangue. Della tinha percebido que ele se preocupava com Natasha. Mas o que Natasha sentia por Liam? Della não podia dizer com certeza, mas ela tinha recusado o sangue dele.

Os olhos de Della se umedeceram ainda mais com o pensamento de duas pessoas, possivelmente apaixonadas, presas e se sentindo tão desesperadas. Lembrou-se do que Holiday e Kylie acreditavam sobre eles. Essa possibilidade doía ainda mais.

Ela piscou para conter as lágrimas de fraqueza e olhou para Chase. Por um segundo, pensou em não dizer nada a ele, mas depois percebeu que ele tinha o direito de saber.

— Holiday, ela é uma especialista em fantasmas, e... tem receio de que Natasha e Liam já estejam mortos.

— Não — disse Chase inflexível, a luz verde dos seus olhos brilhando de emoção. — Se nós não os encontrarmos, eles vão morrer. Eu continuo ouvindo aquela voz me dizendo para encontrar Natasha.

— Eu também — disse Della, achando estranho terem ouvido a mesma voz, mas por algum motivo aquilo lhe deu mais esperança. Mas como Holiday era uma espécie de especialista em tudo o que dizia respeito a fantasmas, ela não conseguiu dissipar todas as suas preocupações. — Isso tudo ainda me assusta porque ela acha...

— Eu não me importo com o que Holiday acha. Ela está errada — Chase insistiu.

— Eu acho que precisamos acreditar nisso. — E de pé ali, a apenas alguns metros dele, concordando com ele, Della teve algum tipo de estranha epifania. Os dois, ela e Chase, estavam destinados a fazer aquilo. Eles deveriam trabalhar juntos naquele caso. Mas quem tinha decidido isso? O destino? Os anjos da morte? O fantasma? E quem diabos esse fantasma era? Como tudo isso estava interligado?

— Você já passou por isso antes? — perguntou Chase.

— Pelo quê? — ela perguntou, depois de se distrair com os próprios pensamentos e perder o fio da meada da conversa.

— Visões? Vozes?

Como a confissão de Chase, a dela veio com um toque de hesitação.

— Sim. Chan, e depois... Lorraine. Mas a visão com Lorraine era diferente.

Ele franziu as sobrancelhas como se estivesse avaliando o que ela tinha dito.

— Lorraine? A vítima que foi assassinada no caso em que trabalhamos? — Ele franziu a testa. — Por que você não me disse?

Talvez porque você não me conte nada também. Ela respirou uma lufada de ar da manhã e ela veio com o cheiro dele: hortelã, algum tipo de erva e luz do sol.

— Eu... Eu ficava ouvindo a voz, mas não tinha certeza e... — O vento jogou o cabelo dela no rosto e ela o afastou. — Droga, se eu dissesse que estava ouvindo fantasmas, você teria pensado que eu estava louca.

Ele tirou a mão do bolso.

— Provavelmente. Eu não achava que nós, vampiros, fizéssemos essa coisa de se comunicar com fantasmas. — Seu olhar se desviou e Chase olhou em volta, para as lápides.

Será que ele sentia o mesmo clima mal-assombrado? Como se alguma coisa ansiasse para que ela andasse pelo cemitério e procurasse alguma coisa, mas o que poderia ser encontrado aqui, além de gente morta? Almas perdidas.

— Holiday acha que temos essa capacidade porque somos Renascidos.

Perguntas sobre quando Chase tinha renascido começaram a pipocar na cabeça dela.

Chase fora um dos poucos que tinha sobrevivido sozinho, ou será que alguém o tinha ajudado? Ele estaria ligado a outra pessoa? Agora não parecia a hora de começar a enchê-lo de perguntas. Além disso, ele não era muito de dar respostas.

Ele passou a mão pelo rosto, como se para combater o nervosismo.

— Burnett enfrenta essa merda também?

Ah, ele estava ficando bom em fazer perguntas, não estava?

Será que dar informações sobre Burnett era errado? Os olhos de Chase encontraram os dela e a vampira decidiu que precisava da verdade. Não achava que Burnett discordaria.

— Ele não tem visões, mas sente uma ligação de algum tipo. Supostamente, qualquer um que pode visitar a cachoeira sem se sentir repelido tem um pouco desse... dom. “Dom” é a palavra que Holiday usa, não eu.

Ele ficou parado ali como se estivesse pensando e, em seguida, perguntou:

— Podemos nos comunicar com qualquer um que estiver morto?

Ela teve a sensação de que Chase estava pensando em sua família, que, segundo Della recordava, tinha morrido num acidente de avião. Inesperadamente, sentiu-se tocada ao pensar em tudo o que ele tinha perdido.

— Eu não sei como funciona. Holiday poderia te dizer...

O olhar dele se voltou para a lápide de Chan.

— Eu sei que isso é difícil.

Chase fez uma pausa e o silêncio do cemitério pareceu quase alto. Então a voz dele soou novamente e foi como se o vento a tivesse levado para longe.

— Você realmente falou com Chan? — Ele olhou para ela.

Mais perguntas. Tudo o que Della pôde fazer foi acenar com a cabeça.

Os olhos dele se apertaram com alguma emoção que ela não conseguiu decifrar.

— Será que ele me culpa, também? Por ter morrido?

De repente, ela reconheceu aquele olhar. Culpa. Della não tinha pensado que Chase se importava. Será que tinha se enganado?

— Ele não culpa ninguém — respondeu ela, sentindo um aperto na garganta. — Esse não era o estilo de Chan. — Della sentiu a emoção dominá-la novamente, dessa vez por tudo o que ela tinha perdido.

Mais alguns minutos de silêncio encheram o lugar assombrado. Seu celular tocou, o barulho parecendo ricochetear nas lápides.

Ela olhou para o aparelho e viu o número de Burnett.

— Burnett sabia que você estava vindo para cá?

— Ele me proibiu de vir aqui — Chase disse sem rodeios. — Mas acho que ele é muito esperto pra acreditar, então provavelmente sabe que eu viria de qualquer maneira.

— Você parece gostar de quebrar regras.

— Não é intencional. Só faço o que é preciso.

Ela praticamente agia da mesma forma, de modo que com certeza não podia julgá-lo por isso. Ela olhou para o telefone e tomou uma decisão. Colocou o aparelho para vibrar e enfiou-o de volta no bolso.

A voz de Chase, profunda e reverente, soou de novo.

— Você quer ver os arquivos?

Ela tinha dito a Burnett para onde estava indo, e ele provavelmente ficaria zangado com a vampira, tanto por não atender ao telefone quanto por se desviar dos planos. Emoções ligadas à visão — desespero, fome, medo — atravessaram seu coração, deixando pegadas pesadas. Burnett poderia ficar furioso, se quisesse.

— Estou pronta, quando você quiser. — Mas ela olhou para o túmulo de Chan mais uma vez.

Chase decolou, e era preciso reconhecer, voou entre as árvores. Eles tiveram de aterrissar duas vezes para correr em áreas urbanas, onde o tráfego do início da manhã era intenso e eles poderiam ser vistos. Della seguia logo atrás dele, recordando vagamente que antes era incapaz de acompanhá-lo. Não que Chase estivesse voando em velocidade máxima; ele parecia disposto a respeitar as regras de Burnett de não demonstrar seu verdadeiro poder. Mas antes, mesmo a essa velocidade, correr mais de dez minutos teria sido demais para a resistência dela.

A rota de Chase era um pouco diferente da de Burnett, mas ela reconheceu o terreno abaixo. Estavam voltando para Fallen, Texas... em direção a Shadow Falls. A alguns quilômetros do acampamento, ele seguiu por uma estrada de terra cheia de curvas e desceu numa espécie de clareira na floresta.

Os pés dela tocaram o chão com um ligeiro solavanco. Ela olhou para trás e viu uma cabana. Não era como as cabanas de Shadow Falls, mas o tipo de chalé elegante que se alugava para pessoas ricas fazerem retiros de yoga ou para entrarem em contato com o seu eu interior.

Quem o projetara fizera um bom trabalho. As vigas formavam uma estrutura na forma de A, construída para fazê-lo parecer totalmente integrado à paisagem natural. À toda volta, havia uma grande varanda, com sofás de vime e cadeiras de balanço. A apenas alguns metros da varanda da frente havia cinco alimentadores de pássaros entre as árvores. A parte da frente do chalé tinha mais vidro do que madeira, por isso quem estava dentro dele não se sentia confinado num espaço fechado.

Chase caminhou até a varanda da frente. Ela o seguiu. Quando subiu os degraus, ela viu um veículo estacionado ao lado da casa. Um conversível azul brilhante. Ela estava longe de ser uma especialista em carros, mas esse parecia rápido e caro.

Seria de alguém ali? Ela farejou o ar, mas não sentiu o cheiro de ninguém. Com exceção... de um cachorro.

Quando passou por uma das cadeiras de vime, notou um par de binóculos sobre uma almofada. Ela olhou para os alimentadores de pássaros e se lembrou de Miranda dizendo que observar pássaros era bom para a aura e a alma das pessoas. Voltando a olhar para Chase com incredulidade, ela perguntou:

— Você é um observador de pássaros?

— Não — ele negou, um pouco rápido demais. Ela olhou através das grandes janelas de vidro e viu uma decoração no estilo de uma casa de veraneio. Grandes móveis de couro, piso de madeira e tapetes coloridos.

— Quem mora aqui? — perguntou ela.

— Eu — disse ele. — Bem, eu e Baxter.

— Baxter? — ela perguntou.

Ele deu um passo para o lado e abriu a porta.

— Conheça Baxter.

Um grande labrador preto com um focinho cinza correu para fora. Embora ele tivesse corrido direto para Chase, Della deu um passo para trás.

Ela não tinha medo de cães, era apenas cautelosa.

Chase coçou atrás da orelha do cão e o animal sacudiu o traseiro com entusiasmo. Della se lembrou de Chase dizendo que a única “pessoa” que ele não tinha perdido no acidente de avião era o seu cão. Seria esse mesmo cão? Ela suspeitava que sim.

— Ele não vai morder — disse Chase, quando ela ainda estava um passo atrás. — Vai, Baxter? — ele perguntou ao cachorro.

Baxter pareceu interpretar isso como um convite e se aproximou. Embora seu focinho cinza indicasse que ele já era idoso, seu corpo tonificado e os movimentos ágeis não demonstravam sinais de idade. Ela estendeu a mão para ele farejar, então lentamente virou-a e alisou a cabeça dele.

O cão aceitou seu toque, mas olhou para ela com cautela.

Della puxou a mão de volta.

— Você não é muito de cães? — perguntou Chase.

— Não, eu gosto de cães. Mas meu pai não gostava muito, por isso nunca tivemos um. Mas meu vizinho teve vários ao longo dos anos, e eu meio que me apeguei a alguns deles. Meu vizinho era um homem divorciado que estava sempre esquecendo de dar comida ao cachorro; algumas noites ele nem sequer voltava para casa. Eu pedia para a minha mãe comprar ração e sempre o alimentava quando via que o dono não estava em casa depois de escurecer.

Um lento sorriso apareceu nos olhos de Chase.

— Então Della Tsang, na verdade, tem um ponto fraco?

— Não é um grande ponto fraco. — Ela lhe lançou um olhar severo. A verdade era que ele era maior do que ela gostaria.

Ela se mexeu e um pássaro voou através da varanda. Ela olhou para a criatura de penas que pousou num dos alimentadores. Ele ensaiou parte de uma canção, quase dizendo obrigado, cravou o bico na malha de arame para pegar um pedaço de comida e, em seguida, voou para longe.

— Eu sabia que tinha ouvido um... — disse Chase.

Ela olhou para ele. Chase estava com o binóculo colado aos olhos e, quando os baixou, sua expressão parecia vitoriosa.

— Esse pássaro não deveria estar aqui agora — disse ele.

Ela quase sorriu com o entusiasmo dele.

— Então você não é um observador de pássaros, hein?

Chase na verdade não pareceu envergonhado, apenas pego no flagra.

— Talvez um pouco. Mas fui forçado. Minha mãe era uma ávida observadora de pássaros. Ela me arrastava para os encontros de observação de pássaros quatro ou cinco vezes por ano.

Della ouviu devoção na voz dele quando falou sobre a mulher que o criou nos primeiros 14 anos de vida, e isso a fez perceber que não sabia quase nada sobre aquele garoto. Não era exatamente culpa dela. Ele tinha sido lacônico desde o início.

E ainda era. Seus instintos lhe diziam que ele sabia mais sobre quem o tinha enviado para verificar como ela e Chan estavam. E esse alguém poderia ser a pessoa que Della estava procurando: seu tio. Recentemente, ela tinha descoberto que o irmão de seu pai era um vampiro que tinha forjado a própria morte anos antes, e ela se perguntou se ele teria feito contato com Chase.

Ela não iria esquecer que não confiava completamente em Chase. Com sorte, se eles colaborassem com o Conselho dos Vampiros, ela poderia obter respostas. Droga, seu tio poderia até ser um dos membros do Conselho. Esse pensamento a fez sentir uma onda de urgência para iniciar o caso — encontrar Natasha e suas próprias respostas.


Capítulo Doze

Outro pássaro passou voando e um clima estranho os envolveu. Della e Chase ficaram ali na enorme varanda, olhos ao longe, cada um perdido em seus próprios pensamentos.

Ela voltou a fitar as árvores e fez outra pergunta.

— Esta casa era dos seus pais? — Quando Chase não respondeu, ela olhou para ele.

— Não — disse ele, observando os alimentadores de pássaros. — Mas a minha mãe a teria adorado.

E, subitamente, apesar de dizer a si mesma que não confiava nele, ela percebeu que queria saber mais. Mais sobre o passado dele, sobre o seu presente. Aquele desejo de repente pareceu errado e perigoso. Proibido. Uma imagem de Steve brilhou na cabeça dela quando a culpa se esgueirou para o seu coração.

Della engoliu o sentimento desconfortável na garganta e lembrou-se da razão por que estava ali.

— Precisamos olhar aqueles arquivos.

A sobrancelha direita dele se arqueou levemente, como se Chase soubesse que ela estava mudando de assunto de propósito, mas ele abriu mais a porta de vidro para deixá-la entrar.

O aroma de madeira e couro impregnava a sala, juntamente com um leve traço do cheiro de Chase e de seu amado Baxter.

— Sente-se — disse Chase. — Vou pegar os arquivos.

Ela não se sentiu confortável para se sentar. Sozinha, parou junto da grande mesa de centro e do sofá de couro marrom, e observou o ambiente. Olhou para cima, um pouco impressionada com o teto alto e a decoração imaculada. Contra uma parede havia uma enorme estante de pinho com um grande aparelho de TV. Ela imaginou Chase sentado ali na sala, com Baxter enrodilhado ao lado dele, assistindo TV. Na estante, notou alguns porta-retratos que decoravam as prateleiras. Ela apurou os ouvidos para ter certeza de que ele não iria pegá-la bisbilhotando. Ao ouvi-lo remexendo uma gaveta, ela se aproximou e olhou para a primeira imagem — duas meninas abraçadas, rindo como se fossem amigas. A segunda era uma foto em grupo. Ela pegou a foto que parecia um retrato de família.

Reconheceu um Chase mais jovem, provavelmente com uns 13 anos, alto e um pouco magro, mas já mostrando sinais de se tornar um homem. A menina, que se parecia com sua irmã, era uma das garotas da primeira foto. Della suspirou, pensando em Marla e em quanto era difícil elas se verem agora.

Tocando no vidro, ela passou o dedo sobre as imagens das outras pessoas.

Família. Família perdida. Ela sentiu de repente um vazio no peito quando se lembrou das fotos de sua própria família. Fotos agora escondidas numa gaveta, não em porta-retratos. Será que isso significava que perder alguém para a morte era mais fácil do que ver sua família virar as costas para você?

Ela olhou a imagem de Chase na foto. Feliz. Rodeado de pessoas que amava. Agora elas já não estavam mais ali. Ela supôs que isso também doesse muito.

Suas narinas começaram a arder. Engolindo em seco, colocou a foto de volta.

Baxter se aproximou dela e sentou-se ao lado de sua perna. O animal a olhou com intensidade. Seu olhar não era ameaçador, era como se ele estivesse apenas avaliando-a.

Ela baixou a mão para deixá-lo sentir seu cheiro novamente. Ele esbarrou o focinho molhado nos nós dos dedos dela e farejou. Não só uma, mas duas vezes. Lentamente, sua cauda começou a balançar e ele se aproximou mais, inclinando carinhosamente a cabeça contra sua perna.

Era quase como se o cão pudesse sentir o cheiro do sangue de Chase dentro dela. Isso era possível? Será que ela tinha um cheiro diferente agora que tinha o sangue dele? Ela levantou a mão e cheirou o próprio pulso. Não detectou nada de diferente.

Ela se ajoelhou e olhou nos grandes olhos castanhos do cão.

Depois se inclinou perto do ouvido dele.

— Eu não estou aqui para machucá-lo, apenas para trabalhar com ele. — Ela sussurrou as palavras bem baixinho para que Chase não a ouvisse. — Não que eu não queira chutar a bunda dele às vezes.

Ela passou a mão no cão. Tocou a coleira e sentiu uma gravação no couro macio e envelhecido. Alisando o pelo para trás, virou a coleira para ler a inscrição.

Ouviu o barulho de passos de alguém entrando no cômodo.

— Nunca vire as costas para um desafio — ela repetiu o que tinha lido. — Isso é para o cão ou para você?

— Para nós dois — disse ele.

Um lampejo de emoção tocou os olhos dele. Ela tinha a sensação de que o provérbio queria dizer alguma coisa, mas o quê? Ela reprimiu a curiosidade. Estava ali para trabalhar no caso, não para fazer amizade com Chase.

— Vocês dois ficaram amigos? — ele perguntou, olhando para o cão.

Os dois arquivos estavam nas mãos dele.

— Parece que sim. — Della se levantou e andou até a grande mesa. O cão seguiu-a e se esfregou em Chase, que se juntou a eles no centro da sala.

Ela se sentou numa cadeira. Chase sentou-se ao lado dela. Não tão perto que seus ombros se tocassem, mas perto o suficiente para que ela pensasse na proximidade dele.

Ele empurrou os arquivos para ela, as sobrancelhas franzidas.

— Eu já li os dois. Dezenas de vezes. Não sei se vão ajudar. Para ter mais informações seria preciso que fizéssemos uma visita a Craig Anthony ou a um de seus capangas contratados. Tenho a sensação de que a UPF não vai permitir isso.

— Burnett vai — disse ela, certa de que Burnett faria tudo que estivesse ao seu alcance para salvar alguém. Ela puxou os arquivos mais para perto.

— Tudo o que temos são dois nomes possíveis. Não há nada aqui que possa nos dizer qual é a nossa Natasha. E apesar de parecer importante saber o nome dela, eu não tenho certeza se vai nos ajudar.

— Tem que nos ajudar. — Della abriu o primeiro arquivo.

Ela o examinou rapidamente, procurando... encontrou o nome da mãe de Natasha Owen. Jenny Owen.

— Não é Natasha Owen. — Ela o fechou e estendeu a mão para a outra pasta.

Chase colocou a mão sobre o arquivo.

— Como você sabe?

Ela decidiu não mentir.

— Porque o nome da mãe não é oriental. — Havia uma ligeira possibilidade de que a mãe de Natasha pudesse ter assumido um nome americano. Muitos orientais faziam isso, mas geralmente eram os mais jovens. Alguém com mais de 30 ou 40 anos normalmente era mais apegado à cultura dos pais.

— O quê? Como assim? Não estou entendendo — disse ele.

— Natasha é mestiça. — Ela tentou puxar o arquivo de debaixo da mão dele, mas Chase pressionou a palma da mão em cima.

— Como você sabe disso? Estava tão escuro naquela visão que você... você não poderia ter visto.

— Eu não vi. — Ela se levantou da cadeira e tirou a foto do bolso de trás. — Mas eu tenho isso. — Ela pensou em não mostrar a foto enquanto ele não tirasse a mão de cima do arquivo. Mas estava cansada de joguinhos. Eles tinham que confiar um no outro.

Não num nível pessoal, ela se lembrou, ainda acreditando que ele guardava segredos dela, mas o suficiente para trabalhar no caso.

O suficiente para salvar duas pessoas... duas pessoas possivelmente apaixonadas, que precisavam e mereciam ser salvas.

Salve Natasha.

Ela entregou a foto a ele e passou os olhos pela sala.

Chase estudou a foto.

— Vire-a — disse ela.

Ele obedeceu e, em seguida, olhou para ela como se estivesse perplexo.

— Virar para ver o quê?

Ele devolveu a foto. A respiração dela ficou presa.

— Eu não... Mas era... Havia nomes aqui antes. Tinha o nome de “Natasha”, juntamente com o da minha tia e de Chan. — Olhando para cima, com os olhos cheios de dúvida, ela franziu a testa. — Estou falando a verdade!

Ela olhou novamente para o verso em branco da foto, sem nada que identificasse a imagem. Ah, inferno, será que sua mente estava lhe pregando uma peça?

Ou seria o fantasma?

* * *

Della olhou para Chase de pé ao lado da geladeira.

— Estava aqui antes — disse ela, pela décima vez em cinco minutos.

— Então você acha que o fantasma escreveu, e em seguida apagou? — Ele estendeu uma lata de refrigerante para ela.

— Eu... Eu não sei. — Ela aceitou o refrigerante. Não era diet, mas ela tomou assim mesmo. O frio gelado contra a palma da mão a fez se lembrar de como se sentia quando um espírito vinha lhe fazer uma visita — quando estava bem perto. Ela abriu a lata. O som efervescente desencadeou uma necessidade urgente de estar com Kylie e Miranda numa de suas mesas-redondas — para ajudá-la a dar sentido a tudo aquilo, porque certamente não estava fazendo sentido nenhum para ela agora.

Mas, pensando bem, por que deveria? Nada fazia sentido. Fantasmas, visões, a ligação entre ela e Chase — que a fazia se sentir emocionalmente ligada a um total estranho. Tudo parecia insano. E aquele se tornou seu argumento.

— Eu sei que não parece lógico, mas alguma coisa dessa merda toda parece lógico para você? Estamos lidando com uma mulher morta e tendo visões onde somos pessoas diferentes. Diga o que faz mais sentido do que isso e vou aceitar que estou imaginando coisas e procurar um psiquiatra.

— Eu não disse que você estava imaginando coisas, eu só acho que parece... confuso.

— Tudo isso é muito confuso!

— Sim, é. — Ele abriu a bebida.

Ambos tomaram alguns goles de refrigerante, em seguida ela contou sobre a caixa de sapatos que pulsava no caixão vazio e como a tampa tinha caído e a foto voado para fora.

Franzindo a testa, ele olhou para a foto como se estivesse com um pouco de medo.

— Ok, então digamos que seja Natasha. Como é que saber o sobrenome dela vai realmente nos ajudar a encontrá-los? — Chase caiu para trás na cadeira.

— Eu não sei. Mas deve ser importante. O fantasma queria que eu visse isso.

Ele se inclinou na direção dela. Seu antebraço sólido pressionado contra o dela. Um leve arrepio fez seu coração acelerar e ela se afastou.

Chase a olhou de lado como se a achasse uma tola. Mas aquilo não parecia tolice para ela. Nenhum arrepio era permitido.

Ela estendeu a mão para o arquivo da segunda Natasha. Encontrou o nome da mãe da garota e bufou de frustração.

— E então? — ele perguntou.

Ela balançou a cabeça.

— Kathy... não é um nome oriental. Quer dizer, a mãe poderia ter mudado de nome, mas...

— Mas isso significa que ainda não sabemos qual Natasha é a nossa Natasha.

— Certo.

A sala ficou em silêncio. Baxter se esfregou contra a perna do dono em busca de afeto. Chase baixou a mão para acariciar o animal, mas sua atenção continuou em Della.

— E você realmente acha que é importante obter essas informações?

Ela refletiu sobre a pergunta.

— Sim, eu acho.

— Ok, então vamos descobrir o sobrenome de Natasha. — Ele se levantou.

Ela também se levantou, pronta para entrar em ação.

— O que vamos fazer? Ir à casa dos pais e ver se algum deles é oriental?

— Não, vamos fazer do jeito mais fácil.

— Mais fácil?

— Vamos falar com a sua tia, a mãe de Chan.

Ela se reclinou outra vez na cadeira.

— Sem chance.

— Nós não vamos dizer a ela a verdade. Invente uma história sobre como você achou a fotografia e veja o que ela sabe.

— Não — disse Della novamente. — Vamos ver se conseguimos encontrar os pais de Natasha. — Ela pegou os arquivos e os verificou. As duas garotas viviam fora de Houston, mas suas famílias poderiam ter se mudado depois que as filhas desapareceram. Quem sabia havia quanto tempo essas meninas tinham sido escravizadas?

Quando ela olhou para cima, Chase a fitou.

— Por que você está com medo de ver a sua tia?

— Eu não estou. — O celular dela emitiu um curto zumbido, avisando da chegada de uma mensagem de texto e dando-lhe o motivo perfeito para não responder.

Para não pensar nisso.

Ela pegou o celular no bolso.

Onde você está? Não desligue essa merda! Responda. Burnett.

De repente, ter ido à casa de Chase sem avisar o líder do acampamento não lhe pareceu uma boa ideia. Aborrecer Burnett não iria levá-la a lugar nenhum, a não ser fazê-la levar uma bronca daquelas.

Ela e Chase precisavam que aquele caso fosse aprovado pelo UPF e o Conselho dos Vampiros. Embora Della gostasse de pensar que eles poderiam fazer tudo sozinhos, ela não era idiota.

Ela olhou para Chase.

— É Burnett novamente. — Della suspirou. — Precisamos ir. Vamos dizer a ele que queremos visitar os pais das duas Natashas.

— Talvez eu deva ir sozinho e conseguir as respostas já — ele sugeriu. — Você volta para Shadow Falls.

Será que Chase estava com medo de levar bronca por ter ido ao cemitério? Provavelmente. Ela não o culpava. As broncas de Burnett não eram moleza. Embora ela ainda achasse engraçado que Chase, alguém que aparentemente não temia coisa alguma, tivesse medo do líder do acampamento. Mas, pensando bem, ela tinha ido à casa dele sem que Burnett soubesse. Chase não era o único com problemas.

E a bronca que ela levaria seria pior. Quando se tratava de alguém de quem Burnett gostava, era sempre pior.

— Não — disse Della. — O fantasma deu a foto para mim. Acho que eu deveria ir. Além disso... — Ela percebeu o desconforto na expressão dele. — você vai ter que enfrentá-lo, mais cedo ou mais tarde.

— Sim, mas sempre fui de adiar as coisas...

— Então você é um banana, hein? — ela perguntou, levantando uma sobrancelha para que seu comentário ficasse ainda mais insolente.

Chase olhou para ela.

— Se vamos ser uma dupla neste caso, você tem que aprender a trabalhar com Burnett. — E eles seriam uma dupla, porque alguma droga de força superior aparentemente queria.

Ela gostaria de chutar a bunda daquele poder superior, mas isso não era o mais importante agora. O mais importante era que eles tinham um trabalho a fazer e, se falhassem, uma pessoa — na verdade duas — iria morrer.

— Burnett late mais não morde — disse ela.

— Eu não gosto que latam para mim. — O tom de voz dele se aprofundou.

— Eu também não, mas dou a Burnett o direito de dizer o que pensa. E você devia fazer o mesmo.

— Por quê?

Ela pensou em dar uma resposta evasiva, mas decidiu que a verdade faria muito bem.

— Porque ele nunca late apenas por latir. Ele late porque se preocupa. E, goste ou não, todos precisamos de alguém que se preocupe com a gente.

Chase suspirou.

— Não é porque uma pessoa se preocupa com alguém que isso lhe dá o direito de mandar na vida dela.

— Sim, ele tem um pequeno problema com isso, mas está se esforçando para mudar.

Defender a teimosia de Burnett parecia esquisito, mas estranhamente também parecia certo.

Chase a fitou como se ligasse mentalmente os pontos. Mas que tipo de pontos? Por que Della tinha a sensação de que o quebra-cabeça que ele tentava montar naquele instante dizia respeito a ela?

Fique longe dos meus pontos, garotão!

Ele caiu para trás na cadeira ao lado dela, ainda mais perto dessa vez.

— A sua tia não se importa? É por isso que não quer vê-la?

— Você sabe, eu “adoraria” passar algumas horas falando do meu drama familiar, mas não temos tempo. — Para ser sincera, ela só desabafava suas amarguras com Kylie e Miranda. E só Deus sabia quanto precisava de um tempinho com elas agora, em volta da mesa, tomando uma Coca Diet.

Della se levantou de um salto.

— Você vem ou não?


Capítulo Treze

Cinco minutos, exatamente. Esse foi o tempo que Burnett passou no escritório de Holiday. Della sabia, porque ela e Chase estavam de frente para o relógio de parede e, em vez de ficar vesga de tanto observar Chase, ela tinha observado os ponteiros do relógio tiquetaqueando. Eram quase nove da manhã e ela não tinha ido para a cama ainda.

— Por quê? — Burnett finalmente falou, andando de um lado para o outro na sala. Ainda bem que eles tinham ido para o escritório de Holiday, pois o dele não tinha espaço para tanto.

— Por que o quê? — perguntou Della, tentando não ser grossa, mas sem conseguir segurar a língua.

Ele rosnou.

— Por que eu dou ordens se vocês dois não escutam? E por que eu iria permitir que trabalhem com a UPF se não conseguem seguir ordens?

— Porque os anjos de morte e um fantasma sem nome se certificou de que faríamos isso — Della suspirou.

Um segundo depois e com uma voz mais calma, ela explicou que tinha visto os nomes no verso da foto e que, no momento em que a mostrou a Chase, até parecia que o fantasma queria que ela fosse com ele.

— Você não trabalha para o fantasma! Você trabalha para a UPF e eu digo o que fazer!

— Eu não trabalho para a UPF — Chase rebateu.

Della estremeceu interiormente, desejando que ele não provocasse Burnett.

— Então você não quer trabalhar com Della nesse caso? — Burnett perguntou com rispidez. — Porque você pode sair daqui agora e eu vou fazer tudo para que não a veja nunca mais.

— O que você disse? — Della bufou baixinho, soltando uma lufada de ar quente. — Desde quando...

Chase a interrompeu.

— Só estou dizendo que, até o momento, eu não tenho que seguir suas ordens.

Burnett rebateu.

— Eu disse a você que ela já tinha o suficiente em que pensar, para deixá-la em paz. Era muito difícil fazer isso?

Chase ergueu o queixo.

— Era. Nós estamos ligados e, se ela está sofrendo, eu preciso ter certeza de que está bem. Você não faria o mesmo por Holiday?

O que você disse? Della olhou para o cara.

— Só porque você me deu sangue, isso não significa que eu preciso de você para cuidar de mim!

— Eu não disse que você precisava de mim — contestou Chase. — Eu expliquei por que desobedeci à ordem, uma ordem que eu não estava oficialmente obrigado a obedecer. — Ele olhou para Burnett como se quisesse frisar seu argumento mais uma vez.

Della soltou um silvo.

— Bem, do jeito que você disse parecia...

— Parecia o quê? — Chase a enfrentou. — Nós estamos ligados, quando você vai aceitar isso?

— Talvez nunca! Eu não pedi para ficar ligada a você.

— Parem vocês dois! — Burnett gritou. — Quem está furioso aqui sou eu!

— Não! — retrucou Della. — Eu estou furiosa também. Não gosto de ser usada como um meio para se conseguir alguma coisa. — Ela olhou para Burnett, e então para Chase. — E eu não gosto que você coloque nós dois na mesma categoria de Burnett e Holiday. Estamos trabalhando num caso. Só isso!

— Me mostre a foto — Burnett mandou. — Quando viu que Della e Chase ficaram ali parados, olhando um para o outro, Burnett repetiu: — Me mostre a droga da foto!

Della respirou fundo e tirou a foto do bolso de trás da calça jeans.

Burnett virou-a, procurando pelos nomes. Ok, então ela tinha se esquecido de mencionar a parte sobre eles terem desaparecido.

— Sobre isso... — disse Della. — Os nomes, eles... eles desapareceram.

Burnett olhou para ela com perplexidade.

— Como desapareceram?

— Suponho que o fantasma tenha feito isso.

Burnett piscou.

— Você está me dizendo que o fantasma escreveu os nomes aqui e depois apagou?

— Está vendo? — disse Chase. — Não sou o único que acha difícil acreditar.

Della queria poder dar uma cotovelada bem dada em Chase. Mas ela se contentou em dar um chute na canela.

Ele murmurou um palavrão e, sentindo-se um pouco vingada, ela o ignorou e manteve a atenção em Burnett.

— Eu não sei como ela fez isso — disse Della. — Mas não me diga que é impossível. Você viu a caixa pulsando, a tampa voando e a fotografia aparecendo ali.

Burnett se encostou na mesa de Holiday e passou a mão no rosto, exasperado.

Della se inclinou para a frente.

— Acho que nós dois temos que visitar os pais das duas Natasha e descobrir qual é a nossa Natasha. O fantasma me deu essa foto como uma pista, eu tenho que segui-la.

Burnett olhou para a foto.

— Quem é essa mulher na foto?

Della ficou tensa.

— Minha tia.

— Você não pode apenas perguntar...?

— Não — decretou Della.

Burnett ficou olhando para ela.

— Por quê?

— Não. — Ela encontrou os olhos dele, implorando em silêncio para que Brunett cedesse.

Ele suspirou.

— O problema é que esses pais pensam que as filhas estão mortas. Aparecer na casa deles e fazer perguntas não é uma boa ideia.

— Nós não vamos fazer perguntas. Basta ver se um dos pais é oriental. Já que sabemos que a nossa Natasha é mestiça.

Burnett não pareceu convencido.

— Os pais podem ter se divorciado ou um deles, morrido.

— Eu sei — disse Della. — Mas a foto era uma pista e eu acho... — Ela odiava dizer isso, mas precisava dizer — que é o que o fantasma espera que a gente faça.

— O que você quer dizer com isso? — perguntou Burnett.

— Eu não sei. Sinto como se isso fosse o que ela quer. — E Della sentia mesmo.

— Merda... — Burnett resmungou. Então fez uma pausa e disse: — Eu vou ligar e ver se consigo ter esse caso apurado imediatamente. — Ele apertou a parte de trás do pescoço. — Já liguei para ver se uma delas, Natasha Owen ou Natasha Brian, tinha carteira de motorista. Nenhuma das duas tinha. — Burnett olhou para Della. — Você vai descansar até que eu obtenha a autorização. Está de pé desde as três da manhã e eu duvido que tenha ido para a cama ontem à noite. Você — ele olhou para Chase — vá para... para onde tiver que ir e fique preparado para quando eu ligar. Enquanto isso, vou ver se Derek consegue encontrar alguma coisa sobre uma dessas garotas na internet. O fantasma pode querer que você vá fazer perguntas, mas eu, pessoalmente, não gosto muito dessa ideia.

Della e Chase começaram a falar ao mesmo tempo.

— Só mais uma coisa — disse Burnett, e se virou para eles. — Nós achamos que sabemos quem é Liam.

— Como? — perguntou Chase. — Não havia um arquivo sobre ele.

— Eu sei — Burnett sibilou, falando como se se lembrasse muito bem de que Chase tinha invadido os arquivos da UPF. — Mas havia um relatório de uma pessoa desaparecida no arquivo da polícia de Houston. Um tal de Liam Jones desapareceu há três semanas. O relatório diz que ele pegou uma gripe forte, em seguida desapareceu. Morava a poucos quarteirões da funerária de Anthony.

— Então ele foi transformado e um dos capangas de Anthony o pegou — concluiu Della.

— É o que parece. Eu colocaria outro agente para dar uma olhar nisso, mas aconteceram alguns problemas em Dallas e vários dos nossos homens ainda estão ocupados resolvendo as coisas por lá.

— Eu quero trabalhar no caso — Della insistiu. — O fantasma quer que eu trabalhe nisso.

— Quer nós dois — disse Chase.

Burnett concordou.

— Vou conseguir mais informações sobre Liam e passá-las a vocês antes de começarem.

Eles se voltaram para a porta e estavam quase saindo quando Burnett falou novamente.

— Della? Posso falar com você um segundo?

Chase olhou para trás e franziu a testa, como se não gostasse de ser deixado de fora.

— Pode ir — Burnett disse a ele.

Chase acenou para a vampira antes de sair. Della, de repente inquieta, voltou ao escritório de Holiday.

Burnett esperou Chase se afastar antes de falar.

— Duas coisas. Em primeiro lugar, há alguma coisa sobre a sua tia que eu deveria saber?

Della franziu a testa.

— Não. Se eu for procurá-la e começar a fazer perguntas, ela vai contar ao meu pai e ele... isso pode causar problemas. — Incrível como aquilo podia parecia simples, mas doer tanto. — Meu pai já não tem nenhuma confiança em mim, então, qualquer comportamento suspeito só vai fazer com que eu pareça ainda mais uma filha drogada e problemática.

Burnett assentiu, não muito feliz, mas aparentemente resignado com a resposta.

— Outra coisa. — Ele fez uma pausa, como se escolhesse as palavras com cuidado.

— O quê? — ela insistiu, a pausa matando-a de ansiedade.

— Quando liguei para você mais cedo, para passar as informações que tinha obtido sobre Liam, e você não respondeu, achei que estivesse com Steve. Liguei para ele e disse que você tinha mencionado que iria vê-lo. Disse também que havia acabado de sepultar o seu primo. Ele ficou chateado por você não ter dito nada. Talvez você queira ligar para ele agora.

Della concordou com a cabeça. Seu estômago se contraiu. Como ela iria explicar aquilo a Steve? Ah, eu estava vindo para cá, mas Chase apareceu, então fui para a casa dele em vez disso.

Ah, maldição! Não importava que nada tivesse acontecido. Ela estava enganando Steve novamente. Qual era a outra opção? Mentir?

Não, se ele descobrisse, isso só iria deixá-lo ainda mais magoado. E Steve acharia que ela estava escondendo algo porque... porque era culpada. Ela não era culpada, então por que estava se afogando em culpa agora?

Era justo continuar fazendo aquilo com ele? O pensamento a deixou desconfortável. Mas ele não estava fazendo aquilo com ela, também? Passava de segunda a quinta no consultório do veterinário, trabalhando lado a lado com Jessie. Jessie, que não estava ligada a Steve, mas definitivamente morria de paixão por ele.

Percebendo que Burnett estava olhando para ela enquanto chafurdava na autopiedade, deu um passo para trás em direção à porta.

— Obrigada... Vou ligar para ele.

Della saiu, suas últimas palavras se repetindo na sua cabeça. Vou ligar para ele. Vou ligar para ele. E ela iria, tão logo descobrisse uma forma de explicar por que não tinha ido vê-lo.

Della estava a meio caminho da cabana, quando se desviou da trilha e se escondeu atrás de um amontoado de árvores. Pegou o celular. Ela tinha que fazer aquilo da maneira certa. Olhando fixamente para o aparelho, de repente achou estranho que Steve não tivesse ligado. Se ele sabia que Della tinha enterrado Chan, deveria ter ligado para ver como ela estava. Não ligar não era o estilo de Steve.

Será que ele já estava com raiva dela? Com raiva porque ela não tinha ligado e contado que o primo estava sendo enterrando? Ou ele tinha adivinhado que ela estava com Chase? Eu não fiz nada! Ela começou a preparar sua defesa.

Um sentimento de pavor começou a brotar em seu peito quando percebeu que, mesmo sem ter feito nada, o simples fato de ter buscado o conforto de Chase iria magoar Steve.

Sua cabeça dizia o que ela precisava fazer — deixá-lo livre —, mas seu coração se recusava a aceitar isso.

Ela engoliu um nó de dor e ele caiu como uma pedra em seu estômago.

Respirando fundo, sua mente ainda hesitante, Della discou o número de Steve.

Tocou uma vez.

Duas vezes.

Três vezes.

Então a ligação caiu no correio de voz.

— Oi... Estou em Shadow Falls... Burnett disse que ligou para você e... Me liga, está bem?

Ela fechou o telefone e os olhos por um segundo. Steve sempre respondia às suas chamadas.

Talvez ele estivesse ocupado com um paciente. Uma emergência de algum tipo. Um cão que tivesse engolido uma meia, um lobisomem com um espinho na pata. Isso era o que ela queria acreditar. O que ela iria acreditar até... até que descobrisse algo diferente. Ela simplesmente tinha problemas reais demais para começar a imaginar mais um.

— Merda! O que Burnett disse? — perguntou Kylie.

— O que ele disse antes ou depois de nos passar um belo sermão? — Della perguntou, agradecida pelas suas duas colegas de quarto e melhores amigas terem dispensado o almoço para conversar com ela. Às vezes a solidariedade e a compreensão das duas eram a única coisa que a impedia de desabar.

— Caramba! — exclamou Miranda. — Os sermões de Burnett me lembram a carne assada da minha mãe, dura e difícil de engolir.

Della pegou a lata vazia de Coca Diet e apertou-a até transformá-la numa bola. Ela tentou dormir como Burnett tinha mandado, mas não tinha conseguido. Apesar de estar um farrapo, contou às amigas quase tudo sobre os lobisomens no cemitério, a caixa pulsando, o incidente com a foto. Contou também que Chase tinha aparecido, desobedecendo às ordens de Burnett, e que ela tinha ido ver os arquivos na casa dele.

Ela só não tinha mencionado toda aquela coisa sobre ser Renascida — isso teria que esperar até outro dia —, desabafar muita coisa de uma vez podia debilitar um vampiro!

Della viu o celular em cima da mesa e se lembrou de que não tinha contado a elas sobre Steve, também. Mas isso porque não havia nada a dizer. E o fato de que já tinham se passado várias horas e ele não tinha ligado agora era um fardo duro e pesado em seu coração.

— Então os nomes apenas desapareceram completamente? — Kylie perguntou, intrigada com isso e por uma boa razão; fantasmas eram a especialidade de Kylie.

— Sim — disse Della.

Kylie refletiu um pouco.

— Eu acho que esses nomes nunca estiveram realmente escritos ali.

— Eu vi! — insistiu Della, pensando que Kylie seria a última pessoa a questionar isso.

— Eu não estou dizendo que seja mentira sua, só que o fantasma fez você pensar que os viu. Como uma espécie de visão. Você estava sentindo o fantasma quando viu os nomes?

Della se lembrou de ter sentido frio várias vezes enquanto estava no cemitério.

— Sim. — Ela pensou nisso por um momento. — Isso faz com que o que eu vi seja... menos verdade?

— Não — disse Kylie. — Fantasmas normalmente não mentem. Burnett vai deixar vocês visitarem os pais?

— Assim que receber o aval da UPF para que a gente trabalhe no caso. Ele deveria ter ligado, horas atrás. — Ela olhou para o telefone novamente e sua mente foi para a outra chamada que ela esperava. A de Steve.

Sentir sua própria angústia lembrou-a de ouvir Miranda chorando de madrugada.

Olhando para a bruxa, ela perguntou:

— Você abriu mão da sua promessa para que possa nos dizer o que está acontecendo?

— Abrir mão de que promessa? — perguntou Kylie.

Della, ansiosa para deixar de lado seus problemas e se concentrar nos de outra pessoa, olhou para Kylie.

— A nossa bruxinha aqui está fazendo segredo conosco.

Com as duas amigas olhando fixamente para ela, Miranda se encolheu na cadeira, cheia de culpa.

Della apontou para a bruxa.

— Ela estava chorando às três da manhã, mas disse que não poderia contar o que estava errado, porque tinha prometido a alguém que não iria falar nada.

— Qual o problema, Miranda? — A preocupação era evidente nas palavras de Kylie.

— Eu ainda não posso falar sobre isso. Não até...

— Até o quê? — perguntou Della.

— Até que alguém diga alguma coisa. — Miranda olhou para Della.

E, de repente, Della teve a sensação de que aquilo tinha a ver com ela.

— Você sabe que não vamos contar a ninguém — assegurou Kylie.

— Eu sei. — Depois de olhar para as mãos, Miranda voltou a olhar para Della.

— Isso tem alguma coisa a ver comigo? — perguntou Della, esperando que estivesse errada, porque do contrário iria realmente ficar brava.

Seu foco em Miranda se desviou rapidamente quando ela ouviu passos na frente da cabana. Ela inclinou a cabeça para ouvir a cadência dos passos e imediatamente soube quem era.


Capítulo Catorze

A batida que Steve deu na porta soou muito alta. Della pensou em se esconder e dizer às duas amigas para mentirem.

— Entre! — Kylie gritou antes que Della pudesse pôr seu plano em prática.

Steve abriu a porta. Della pousou os olhos nele. Então Miranda soltou um suspiro estranho. Voltando a olhar para Miranda, Della viu culpa brilhando nos olhos da garota. Merda! O que quer que a bruxinha estivesse escondendo não envolvia apenas Della, mas tinha algo a ver com Steve, também.

— O que está acontecendo? — Della murmurou para a bruxa.

Miranda afundou mais na cadeira como se a culpa estivesse pesando sobre ela.

— Posso falar com você? — perguntou Steve, e seu tom de voz fez o coração de Della acelerar.

Ela olhou para Steve, realmente olhou, e a mágoa nos olhos dele foi um golpe tão duro no coração que Della não teve nenhuma dúvida de que tinha deixado uma marca ali.

Ela respirou fundo, mas seus pulmões só aceitaram um pouquinho de ar, fazendo sua respiração estremecer. Ela não tinha ideia do que se tratava, mas de alguma forma, uma coisa estava muito clara. Steve sabia que ela tinha estado com Chase.

Eu não fiz nada errado. Eu não sou culpada. Mas maldito seja se ela não se sentia como se tivesse sido empanada e depois frita numa culpa profunda!

— Eu não vou prendê-la por muito tempo — disse ele, o tom sombrio da voz ecoando na cabeça dela.

— Claro. — Ela pegou o celular para não perder a ligação de Burnett, uma ligação que mais uma vez a aproximaria de Chase.

Duas escolhas, sua mente gritava. Deixe Steve ir ou se recuse a trabalhar com Chase.

Ela se levantou, sabendo o que tinha que fazer. O medo e uma dor que deixava seus nervos em farrapos transbordavam do seu coração e enchiam seu peito, espalhando-se pelos seus membros e percorrendo todo o seu corpo, dos pés até o couro cabeludo. Até seu dedo mindinho doía.

Ela era um metro e sessenta de nada além da mais pura dor. Mas a única coisa que doeria mais do que perder Steve era saber que ela o estava magoando.

Decisão tomada. Pronta para dar a cara a tapa, ela seguiu Steve.

Ele a conduziu através dos bosques. Parecia saber aonde estava indo. Ela nem sequer reparou na direção, apenas o seguiu, o coração e a mente concentrados no que tinha que dizer.

Steve não falou nada, nem ela. O barulho dos seus passos parecia ser engolido pelas árvores, como se eles respirassem som, não ar.

Ele parou num local perto da lagoa onde nadavam, abandonado agora pela maior parte dos campistas por causa do frio do outono. Os vampiros, mais resistentes à temperatura do que os outros, ainda visitavam o lugar, mas não com tanta frequência. Tudo parecia muito mais divertido quando os outros campistas estavam presentes.

Hoje, no entanto, não havia sons de risos ou água espirrando. A água estava parada, um espelho para as árvores vestidas para o outono. Amarelo e laranja e um tufo ocasional de folhas vermelhas refletiam a quietude tranquila do lago. Della tentou extrair alguma calma da paisagem que alguns achavam bela. Não conseguiu. O outono significava a morte das folhas, e Della sentia que uma parte dela morreria ali também.

O som da respiração de Steve fez Della desviar os olhos da água e olhar para ele.

Seus olhos castanhos refletiam arrependimento, tristeza, dor. E culpa também?

— Não dá mais. — Eles falaram ao mesmo tempo e as mesmas palavras.

Della viu no rosto de Steve a mesma surpresa que ela sabia que estava estampada no rosto dela. Sua garganta apertou.

— Eu não fiz nada errado. — Ela não sabia por que estava dizendo aquilo, mas sentia que era importante. Steve não merecia se sentir traído.

E talvez ela não quisesse ser vista como alguém que traía, também.

Ele deu um passo mais para perto. Tão perto que podia tocá-la se quisesse. Ele não quis. E isso quase a levou às lágrimas.

— Não aconteceu nada entre...

— Eu sei. — Ele enfiou as mãos nos bolsos. Arrastou os pés e olhou para o chão, mas não antes que ela visse novamente um brilho do que parecia ser culpa. Um pensamento desagradável a atingiu... será que Steve a havia traído? Teriam ele e Jessie ficado juntos? E se ela tivesse errado em confiar nele?

— Você? — perguntou ela, e não teve que dizer mais nada. Quando Steve olhou para cima, Della soube que ele tinha entendido a pergunta.

— Não. Deus, não. — Havia sinceridade na voz dele e ela acreditava em Steve.

Ele suspirou e passou a mão no rosto.

— Você estava morrendo, Della — Steve declarou como se fosse um texto ensaiado, mas ele tivesse esquecido o começo. — Naquele dia, quando Chase me ligou... ele me disse que vocês dois ficariam ligados. Eu nunca tinha ouvido falar em nada parecido, mas também sabia que não importava. Se isso significasse que eu não ia perder você, eu aceitaria. Mas agora...

Os olhos dele ficaram mais escuros e os de Della se encheram de lágrimas.

— Você não me perdeu — ela disse. De repente ela queria tudo de volta. Ela não podia perdê-lo.

— Não completamente, mas...

Quando ele não continuou, ela disse:

— Você me disse que não deixaria essa coisa da ligação entre mim e Chase mudar as coisas — ela o lembrou, mesmo sabendo que era melhor deixá-lo ir, mesmo que ela tivesse aceitado que isso tinha que acontecer, mas por alguma razão ainda parecia errado.

— Eu sei, e pensei que conseguiria. Mas quando eu penso em você e ele...

— Eu não fiz nada. Nós não...

Ele tirou a mão do bolso e pressionou um dedo sobre os lábios dela.

— Eu sei. — Seu toque quente trouxe mais lágrimas aos olhos dela e ela sentiu algumas deslizarem de seus cílios e escorrerem pela bochecha. — O que temos... — ele acenou com a mão — é real e eu quero isso mais do que você imagina. Mas existe algo... algo entre você e Chase, também. Eu vi isso na maneira como vocês dois se olharam hoje.

Ele tinha visto isso? Visto hoje?

— O quê...? Como...?

— Quando Burnett me ligou e você não apareceu, fui até a casa de Chase. Eu o tinha seguido até ali um tempo atrás.

Della se lembrou do pássaro, o mesmo que Chase apontara para ela, e agora ela sabia que era Steve.

— Você tem tão pouca confiança em mim que...

— Não é em você que eu não confio. É em Chase. É essa coisa toda da ligação... Eu esperei semanas para que você pudesse me assegurar de que não é real, que não significa nada, mas você nunca fez isso.

Ele passou a mão na testa.

— Não que eu possa culpá-la por isso, também. Você não queria mentir para mim e, quando eu vi o jeito como vocês dois se olharam, eu percebi que não dava mais pra mim.

Ela sentiu a necessidade de dizer alguma coisa, mas o quê? Então ela não falou nada, apenas ficou ali e ouviu enquanto ele lhe dizia adeus.

— Nessas últimas semanas eu só consegui pensar em você e ele. Segurando a respiração, esperando que o inevitável acontecesse. Eu resolvi segui-lo por aí. Estava tão consumido de ciúme que não conseguia pensar direito. Eu não sou assim. Eu odeio me sentir assim. — Ele passou a mão sobre o rosto outra vez. — Durante toda a minha vida, eu me senti como se estivesse em segundo lugar em comparação à carreira dos meus pais. Aos sonhos e objetivos deles. Eu não quero mais ficar em segundo lugar na vida de ninguém.

Nossa, aquilo doeu.

— Você acha que está em segundo lugar? Como poderia...?

Ele a ignorou e continuou:

— Lembra quanto tempo levou para você aceitar falar comigo? E então... — Ele fez uma pausa como se admitir a verdade fosse muito difícil, como se ferisse seu orgulho. — Chase chega e, sem fazer nenhum esforço, tem você na palma da mão. Eu não quero competir pela sua afeição.

Ela enxugou as lágrimas do rosto.

— Não é uma competição.

— É o que parece. — Ele voltou a enfiar as mãos nos bolsos. — Além disso, você acabou de me dizer que para você também não dá. Você sabe que eu tenho razão.

— Sim. — Mas por razões diferentes. Ela não iria deixá-lo ir porque não podia confiar nele, mas porque achava que o estava magoando.

Steve soltou um longo suspiro, do fundo do coração.

— Precisamos dar um tempo.

Tempo? Mais algumas lágrimas escorreram dos olhos dela. Parecia que ele tinha percebido, porque começou a estender a mão em direção a ela.

— Não. — Confusa, a vampira estendeu a mão para deter o toque dele. Ele não estava rompendo com ela? Querendo dar um tempo? Aquilo parecia... errado.

Steve tentou tocá-la novamente.

— Eu estou bem. — A voz dela tremeu junto com seu coração ao dizer aquela mentira deslavada, mas ela se agarrou a pouca força que lhe restava. Não importava o quanto aquilo doía, ela tinha que aceitar que era o melhor.

Ele balançou a cabeça e novamente olhou para longe, como se se esforçasse para encontrar alguma coisa para dizer. Mas ele já não tinha dito?

— Estou indo embora — Steve finalmente deixou escapar.

Ela não tinha pensado que poderia sentir mais dor, mas aquelas palavras conseguiram essa façanha. Steve estava indo embora. Ela não iria mais vê-lo. O coração dela deu um salto mortal dentro do peito.

As perguntas saíram da sua boca antes que ela pudesse contê-las.

— Indo embora de Shadow Falls? Por quê? Para onde?

— Para a França. Uma escola em Paris. Especialmente para metamorfos. É muito elitizada, só convidam dois ou três por ano, e eu e Perry fomos convidados para assistir a algumas aulas especiais.

Ela notou um pouquinho de orgulho na voz dele. Steve estava animado. Tinha o direito de estar, ela disse a si mesma. No entanto, toda aquela dor se agitou dentro dela até que sentisse raiva.

— Desculpe por não dar os parabéns. — A voz dentro de sua cabeça dizia que sua raiva não se justificava. Ou será que sim? — Há quanto tempo você recebeu o convite? — A pergunta saiu como uma acusação.

Ele olhou para ela, confuso — ou seria culpa de novo?

— Quanto tempo?

Quando ele não respondeu, ela expressou seus pensamentos em voz alta.

— Você não está usando essa coisa toda de “Chase” só para justificar que está indo embora?

Steve balançou a cabeça.

— Eu descobri há um mês, mas ainda não tinha decidido se iria.

Ele sabia daquilo havia um mês? Um mês que ele tinha feito tudo para conquistar o coração dela, roubando beijos, fazendo-a gostar dele, e o tempo todo pensando em ir embora?

Ela fechou os olhos por um segundo, enfrentando um enxame de emoções. As palavras dele finalmente fizeram sentido. Della abriu os olhos.

— Espere, você disse que Perry está indo com você?

Ele confirmou com a cabeça.

— É um privilégio ser convidado. Ele não podia recusar.

Ela pensou em sua companheira de alojamento/melhor amiga perdendo seu amado Perry. A bruxa iria ficar superinfeliz, inconsolável. E Della ficaria com ela. Inferno, Della iria até sentir falta de Perry!

Steve apenas ficou ali, olhando para ela. Della piscou para afastar mais algumas lágrimas, sabendo que era isso que sua companheira de alojamento estava escondendo. Felizmente, ela se sentia tão arrasada por causa de Steve, por causa do que Miranda estava sentindo, que não tinha nenhuma vontade de repreender a garota por guardar segredos.

Não. Toda a sua angústia estava projetada numa só direção. No metamorfo sexy na frente dela.

— Divirta-se na França. — Ela se virou para ir embora, mas o ouviu chamar o nome dela. Por alguma razão desconhecida — talvez masoquismo —, Della se virou.

— Isso não tem nada a ver com a escola, Della! Eu queria ir para lá? Droga, sim. Eu me sinto dividido entre ir e deixar você? Sim. Mas então me ocorreu que não era apenas a falta que você me faria que me fazia não querer ir. Era o medo de te perder. Perder você para Chase. E foi aí que eu comecei a questionar tudo. E então vi vocês dois olhando um para o outro e eu soube... Eu soube que, mesmo que eu recusasse a oportunidade de estudar fora, havia uma boa chance de eu perder você de qualquer maneira. Existe algo entre vocês dois e você precisa descobrir o que é. E eu não posso ficar aqui assistindo tudo sem enlouquecer.

Ela assentiu com a cabeça, sem lhe oferecer nada além daquilo. Mas se Steve queria que ela dissesse que tudo bem — tudo bem que ele tivesse feito com que ela baixasse a guarda, passasse a gostar dele, sabendo o tempo todo que estava indo embora —, bem, Della não podia dizer que estava tudo bem!

Um mês antes, ela poderia tê-lo deixado ir e não doeria tanto, se ao menos ele tivesse contado. Se ao menos ele não tivesse invadido suas corridas noturnas. Invadido sua vida. Invadido seu coração.

Steve começou a falar e ela teve que se concentrar para ouvir suas palavras, porque dentro dela tudo o que podia ouvir era seu coração se partindo.

— As aulas podem durar de três semanas a seis meses — disse ele —, dependendo do nosso aproveitamento. Há uma chance de que eu seja aceito para o curso completo e isso significaria quatro anos, mas é uma chance muito pequena. — Os olhos dele ficaram úmidos de emoção e o nó na garganta que ela sentia dobrou de tamanho.

Não importava por que ele estava indo embora, ou se ele estava certo ou errado, ainda assim estava machucando. Mas a culpa era dela? Steve é que tinha iniciado os beijos em todas aquelas corridas tarde da noite!

Mas agora ela via uma dor verdadeira nos olhos dele. E, caramba, ela ainda se preocupava com ele. Se preocupava por ele estar sofrendo.

Um raio de dor atingiu seu peito. Como a dor dele podia machucá-la mais do que a sua própria?

Ela queria desmoronar ali mesmo no chão e soluçar. Não, não apenas soluçar, mas implorar para que ele não fosse. Implorar para que ele entendesse toda aquela coisa da ligação quando ela mesma não entendia. Será que aquilo era justo?

— Acho que vou estar de volta daqui alguns meses — disse Steve. — Talvez... talvez enquanto eu estiver fora você possa... — Ele olhou para os próprios pés por um segundo. — Você precisa descobrir exatamente o que é essa coisa de ligação. Talvez então a gente possa... ver como ficam as coisas.

Ela não sabia o que dizer. Mas aqueles montes de “talvez” a feriam. Doía demais pensar, mas muito menos do que tentar formar palavras.

O celular tocou e ela sabia que era Burnett dizendo que era hora de ir.

Della nem sequer atendeu.

— Eu tenho que ir — disse ela, e foi o que fez.

Um salto e ela já estava no topo das árvores. Deixou para trás o silêncio do lago. Deixou para trás Steve.

Será que ele ainda a procuraria para se despedir? Ou esse era um adeus? Ela o ouviu gritar seu nome, mas dessa vez não olhou para trás.


Capítulo Quinze

Kylie e Miranda sentaram-se na varanda da cabana, esperando, preocupadas, Della voltar. Quando ela subiu as escadas, viu marcas de choro nos olhos de Miranda. Marcas muito parecidas com as que ela própria teria se não tivesse parado alguns segundos para limpar as evidências.

Della viu a dor nos olhos de Miranda. Será que ela tinha contado a Kylie sobre Perry? Provavelmente.

Della teria gostado de pegar outra Coca Diet e se solidarizar com a bruxa, ou talvez até mesmo extravasar um pouco de raiva por ela guardar segredos, mas não se daria esse luxo. E sua conta bancária emocional já estava no negativo.

O telefonema era de Burnett, e ele tinha mandado que ela estivesse no escritório em quinze minutos. Ela tinha exatamente dez minutos agora para limpar o rosto um pouco mais e enterrar o turbilhão emocional.

Parando na frente das duas amigas, disse:

— Burnett me ligou e eu não tenho tempo para conversar. Desculpe.

— Mas você está chateada. Precisa desabafar — insistiu Miranda, enquanto mais lágrimas se acumulavam em seus grandes olhos verdes. Olhos que mostravam tanta preocupação com Della quanto tinham demonstrado com a sua própria dor.

— Eu estou bem — insistiu Della. Ela começou a se afastar, depois parou e olhou para Miranda, que tinha se levantado para olhar para Della com a testa franzida. — E você vai ficar bem, também.

Miranda assentiu.

— Nós vamos passar por isso juntas, certo?

— Certo — disse Della, e como ela não tinha escolha, deixou a bruxa lhe dar um abraço, por um segundo. Então correu para dentro e fechou a porta do quarto, permitindo-se um minuto de autopiedade.

Três minutos depois, já saía pela porta da cabana — acenando para suas duas melhores amigas, mas sem lhes dar tempo para dizer coisa alguma. A culpa por deixar Miranda em plena crise se esgueirou dentro dela, mas Kylie estava com Miranda, disse a si mesma. E Kylie era excelente em consolar pessoas. A camaleão sempre sabia o que dizer, enquanto Della sempre dizia a coisa errada.

Além disso, enterrar toda aquela dor excruciante tinha sido difícil, mantê-la enterrada seria mais difícil ainda. Falar sobre aquilo com suas melhores amigas só iria tornar tudo mais doloroso. Deus, ficar perto de Chase seria pior ainda! Mas ela se esforçaria ao máximo. Ela tinha que se esforçar. Poderia se desesperar depois. Poderia consolar Miranda depois. O problema de Natasha — cara a cara com a morte — fazia os problemas de Della e da amiga parecerem pequenos. E era isso que Della precisava saber para se concentrar, antes que fosse tarde demais.

Burnett informou que Derek não tinha encontrado nenhuma foto das garotas em nenhum dos sites de mídia social. Aquilo era muito estranho. E depois de uma conversa unilateral em que Burnett expôs suas regras sobre segurança e avisou que seu toque de recolher era oito da noite, Della seguiu Chase até o estacionamento onde estava o carro azul brilhante. Burnett tinha insistido para que andassem de carro durante o dia. Ele devia ter dito isso a Chase quando ligou para ele, porque era o mesmo carro que estava estacionado na casa dele.

Chase acionou a chave para destrancar o veículo. Della observou o modelo dessa vez. Um Camaro. Deslizou pelo couro macio do banco do passageiro, que gritava “caríssimo” ao lado do nome do carro.

Ela quase pisou num estojo grande no assoalho.

— Desculpe — disse ele. — Eu trouxe minha câmera. Posso colocá-la na parte de trás.

— Pode deixar. Tenho muito espaço para colocar os pés.

Quando Chase se sentou atrás do volante, ela olhou para a frente. Aquelas tinham sido as primeiras palavras que ela tinha falado para ele.

Della não tinha tido chance... no momento em que entrara no escritório onde Burnett e Chase estavam, Burnett tinha começado a falar. Durante a ladainha do líder do acampamento, ela sentiu Chase estudando-a. Engoliu em seco e tentou manter o rosto impassível, escondendo quaisquer vestígios de dor.

Ela ainda podia sentir o olhar dele. Chase ligou o carro. O motor roncou. Ela ouviu outro barulho suave de vibração e a capota do carro começou a baixar. Uma brisa fresca jogou alguns fios de cabelo no rosto dela.

Ela olhou de relance para o lado do motorista e buscou um assunto que estivesse o mais longe possível da dor pulsante que latejava em seu peito.

— Bonito estojo para uma câmera. Provavelmente tem uma boa câmera dentro — disse ela, olhando para o chão. — Belo carro. Ela olhou para o céu azul, preenchido com algumas nuvens brancas. — Bela casa a que você mora, também. Será que o Conselho dos Vampiros paga tão bem assim ou você já era rico?

Parecia que ele não iria responder, mas depois ele deslizou a mão pelo volante com um certo orgulho masculino.

— Eu mesmo paguei por este carro. A cabana é alugada, mas estou pensando em comprar. O Conselho não paga muito bem.

— Então, você já era rico, certo?

Ele deu de ombros.

— Não eu. Meus pais. Como para o mundo humano, eu estava morto também, Jimmy, que me encontrou, conseguiu dar um jeito. Todo o dinheiro do meu pai e a indenização do seguro de vida foram para um estudo clínico que meu pai estava ajudando a financiar. Mas quando fiz 18 anos, Jimmy entregou-o a mim.

— Foi Jimmy quem criou você? — ela perguntou. — O sobrenatural que não tem registro na UPF?

Chase assentiu com a cabeça e ela podia jurar que ele tinha se encolhido um pouco como se estivesse arrependido de ter contado a ela sobre Jimmy. E isso só a fez querer saber mais. O que Chase estava escondendo? E por quê?

— Esse Jimmy conheceu o seu pai? — perguntou ela, determinada a desenterrar todos os segredos de Chase.

Ele saiu do estacionamento. Seus ombros estavam tensos. Não iria responder? Estaria tentando inventar uma mentira?

— Sim. Eles se conheciam — ele disse finalmente, sua voz misturada com o ronco do motor.

O carro ganhou velocidade. O cabelo de Della voou na frente do rosto.

Para que pudesse enxergar e estudar a expressão dele, ela o jogou por sobre o ombro e segurou-o com a mão. Se Chase mentisse, ela conseguiria detectar.

Ele fitou a estrada, mas continuou a falar. Ela manteve os olhos no rosto dele e encolheu as pernas para não pisar na câmera.

— Eles se conheciam havia quase um ano. — Ele não pestanejou e não pareceu vacilar.

Será que ela acreditava nele? Sim, por algum motivo, acreditava.

— Seu pai sabia que Jimmy era um vampiro? — perguntou ela, sentindo que, se tinha respondido a uma pergunta, ele poderia responder outras.

Ela viu seu pomo de adão subindo enquanto ele engolia. Será que era difícil para Chase responder àquela pergunta? Se era, por quê?

— Jimmy trabalhou meio período com o meu pai numa clínica. Ele descobriu que o meu pai era portador do vírus. Foi sincero com ele.

— E seu pai acreditou? Quer dizer, Jimmy simplesmente disse: “Ei, eu sou um vampiro e você é um portador de um vírus que pode transformá-lo em vampiro também”. Isso não parece muito realista. — Quantas vezes ela tinha pensado se conseguiria contar aos pais sobre si mesma?

Chase olhou para ela e quase sorriu, antes de voltar a olhar para a estrada.

— Jimmy disse que ele poderia provar que estava falando a verdade. Ele convenceu meu pai a dirigir até uma estrada rural em algum lugar. Então levantou voo e, quando isso não o convenceu, ele levantou o Porsche do meu pai. Aquilo chamou a atenção dele. Ninguém mexia com o carro do meu pai.

A risada na voz de Chase revelava a admiração que sentia pelo pai, e Della se perguntou se seria por isso que Chase tinha comprado aquele carro — porque o pai teria gostado.

Chase estava com os olhos na estrada, fazendo as curvas e trocando as marchas com agilidade. O motor ronronava. Della não era ligada em carros, mas tinha que admitir que tinha gostado daquele. Da potência. De como Chase o dirigia. Do seu cabelo ao vento, da confiança que irradiava sentado no banco do motorista e trocando as marchas.

— Eu adoraria ter visto a expressão do meu pai — disse Chase, aparentemente ainda com o pai na cabeça. — Levou meses para que ele concordasse que fôssemos testados.

— Quem foi testado? — perguntou Della.

— Minha irmã e eu. — Ele olhou para a estrada e as mãos apertaram o volante. — Era do local do teste que vínhamos quando o avião caiu.

Ele nunca tinha falado tanto sobre si mesmo, e ela quase se sentia sedenta de informações, querendo mais.

— Jimmy é um Renascido?

Chase ergueu os ombros como se ele de repente se sentisse desconfortável com a conversa.

— Sim. — Ele desviou os olhos para ela. — No porta-luvas tem coisas de prender o cabelo, se quiser.

Então, você já levou outras garotas para passear neste carro? Ela afastou o pensamento e voltou a se concentrar na conversa.

— Ele é, é quem... Você está ligado a Jimmy?

— Sim — disse ele.

Ela deixou que o pensamento desse voltas na sua cabeça.

— Como é que é isso?

— O quê? — ele perguntou.

— Ser ligado a duas pessoas... — Ela olhou no porta-luvas e pensou em pegar uma daquelas coisinhas de cabelo. — A quantas pessoas você é ligado?

Chase olhou para ela, seu sorriso diferente dessa vez, quase como se tivesse lido a mente dela.

— Cuidado, quase parece que você está com ciúme.

Não era ciúme, ela queria insistir, mas não conseguia pensar em como explicar o que era. Inferno. Ela não conseguia explicar porque não entendia.

— Eu só estou curiosa para saber como isso funciona — Della rebateu. O vento fez voar mais alguns fios do seu cabelo, que açoitaram sua bochecha. Ela devia estar acostumada com o cabelo no rosto, mas, obviamente, ficar sentada no vento era bem diferente de voar sentindo o vento.

Inclinando-se para a frente, ela abriu o porta-luvas. Um pacote fechado com três elásticos de cabelo se encaixou nas pontas dos seus dedos.

— Eu os comprei no caminho para cá, quando Burnett disse que tínhamos de ir de carro. Minha irmã odiava quando meu pai baixava a capota. E o dia estava bonito demais para não dirigir com ela abaixada.

Então nada de garotas?

— Obrigada — ela disse, e então, por algum motivo, desejou não ter dito. Ser grata a ele parecia errado quando ela estava tão arrasada... Agora não era hora! Ela precisava pensar em Natasha.

Depois de pegar um elástico da embalagem, ela devolveu os outros para o porta-luvas e puxou o cabelo para trás. Um novo raio de sol se infiltrou por uma nuvem branca e aqueceu o rosto de Della.

Chase olhou para ela, seu sorriso já se fora.

— Eu só estou ligado a Jimmy e a você.

Della tinha tantas perguntas na ponta da língua! E não apenas para compreender Chase, para descobrir seus segredos, mas para entender o que estava acontecendo com ela.

— Com quantas pessoas um vampiro pode se ligar? Quantos Renascidos ele pode salvar?

— Isso na verdade não foi comprovado — disse ele, voltando a se concentrar exclusivamente na estrada.

— Com quantos esse Jimmy tem ligação?

As mãos dele apertaram o volante, a pergunta sem dúvida o deixava desconfortável. Ela percebeu que ele ficava mais à vontade para falar sobre si mesmo do que sobre Jimmy. Ele estaria com medo de que ela passasse para Burnett a informação sobre um vampiro não registrado?

Por um segundo, Della quis contar a ele sobre seu tio e que ela também não tinha falado a Burnett sobre ele porque também temia que ele pudesse não ser registrado, mas ela não estava pronta para se abrir tanto.

Afinal, confiança era algo a ser conquistado. E Chase ainda tinha de conquistar a dela. Mas estava chegando perto, disse uma voz dentro dela. Ele estava respondendo às suas perguntas.

— Eu não... Eu não me importo se Jimmy é registrado ou não. Preciso saber tudo isso por mim — assegurou ela.

Você precisa descobrir exatamente o que é essa coisa de ligação. As palavras de Steve ecoaram dentro dela.

— Eu preciso saber — Della repetiu, mais uma vez afastando a dor.

Chase não olhou para ela, mas seus ombros relaxaram.

— Jimmy é ligado a três pessoas, mas da última vez ele quase morreu. E...

— E o quê? — perguntou ela quando Chase parou de falar.

Ele suspirou.

— Cada vez que um Renascido se liga a alguém, ele abre mão de um pouco do seu poder. Jimmy está quase se tornando um vampiro comum agora. Ele não pode se dar ao luxo de fazer isso novamente.

Della digeriu aquilo.

— Você... perdeu um pouco do seu poder quando se ligou a mim?

— Um pouco. — Ele se inclinou para a frente para ver a placa da autoestrada à distância, então acelerou e ultrapassou um carro para pegar a rampa.

Então Chase não só tinha sofrido, como desistido do seu poder? E considerando como ele dirigia, ela tinha um palpite de que poder significava muito para ele. Chase mal a conhecia. Por que tinha feito aquilo?

— Você não deveria ter... — Ela caiu para trás no assento. — Eu ainda acho que eu poderia ter conseguido sozinha.

— Nós todos queremos pensar assim. — Ele desviou o olhar para ela de novo e a vampira viu emoção em seus olhos. — Eu não me arrependo — disse ele num tom de voz terno.

Ela não queria ternura nenhuma.

Chase trocou a marcha e Della viu como ele fazia isso com facilidade.

— Você sabe dirigir? — ele perguntou, provavelmente por vê-la observando-o.

— Claro.

— Trocar marchas?

— Não.

— Eu vou te ensinar.

— Não precisa — disse ela, mas não podia negar que parecia mais divertido do que dirigir um carro automático. — Eu não quero destruir o seu carro.

— Se você fizer isso, eu simplesmente compro outro.

— Pare — disse ela.

— Parar com o quê?

— De ser bonzinho.

Ele riu.

Ela desviou a atenção de Chase e de sua amabilidade e olhou para os arquivos enfiados entre os bancos — os arquivos com os endereços das duas Natashas.

Pelo menos descobririam o sobrenome da Natasha de sua visão em breve. Será que isso ajudaria a encontrá-la? Por alguma razão o fantasma parecia pensar que sim. E Della poderia ter uma esperança.

Encontre Natasha.

Della estremeceu ao som da voz. Dessa vez ela não se perguntou se realmente tinha ouvido ou se estava apenas evocando a lembrança da voz.

Ela tinha ouvido. Sentiu os pelos da nuca se eriçarem, como se as palavras tivessem lhe causado um calafrio.

O fantasma estava ali.

Della olhou para o banco de trás. Vazio. Talvez o fantasma não estivesse realmente no carro, apenas na sua cabeça.

O motor do carro rugiu mais alto. Ela olhou novamente para Chase. As mãos dele seguravam o volante com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos.

— Você ouviu isso também, não é?

— Merda, ouvi... — disse ele, entendendo perfeitamente o que ela queria dizer. Então o carro disparou para a frente.

Como se tentasse ultrapassar o fantasma.

Mas, se o que Holiday e Kylie diziam sobre os fantasmas e sua obstinação era verdade, o Camaro de Chase não tinha nenhuma chance.


Capítulo Dezesseis

— Chegamos.

Menos de uma hora depois, Chase parou o carro em frente a uma casa térrea de tijolos vermelhos, com várias janelas, numa estrada de terra de uma cidadezinha nos arredores de Houston.

Maior do que a casa em que Della tinha crescido, esta tinha uma varanda que rodeava a casa toda, com um balanço de vime que oscilava ligeiramente com a brisa da tarde. Um grande carvalho, duas vezes mais alto do que a casa, erguia-se à direita da propriedade, e um balanço do pneu pendia de uma corda. Parecia envelhecido, como se tivesse sido brinquedo de alguém e essa criança já tivesse crescido.

Mas algo na casa evocava uma família, um lugar onde nas tardes preguiçosas de domingo pessoas que se amavam se reuniam na varanda para tomar sorvete caseiro. Della se lembrou de que também fazia isso no quintal da casa dos pais quando ela fazia parte de uma família amorosa. Ou na casa da sua tia Miao, quando eles iam jantar lá.

Afastando esse pensamento, ela observou os canteiros meio abandonados na frente da casa. O sinal de negligência dava a entender que todos aqueles momentos agradáveis tinham se perdido no tempo.

Será que era ali que Natasha tinha morado? Onde seus pais ainda viviam e choravam pela filha que pensavam estar morta? E que estaria mesmo morta se Della e Chase não conseguissem encontrá-la?

A tensão contraiu o peito de Della. Seria a tristeza que sentia com aquele lugar imaginado ou essa seria outra pista?

Ela quase perguntou a Chase se ele estava sentindo a mesma coisa, mas ficou preocupada com a possibilidade de ele achar que era loucura.

Os pneus do carro de Chase esmagaram o cascalho quando ele parou completamente. Ele desligou o motor e virou a cabeça para o lado no mesmo instante que ela, para ver se conseguiam captar algum som vindo de dentro da casa.

— Parece que não tem ninguém em casa — disse ela.

— Talvez estejam no trabalho — disse Chase. — Ou talvez estejam só descansando e não andando pela casa. O carro pode estar na garagem.

Ele baixou um pouco a cabeça e olhou com atenção a garagem anexa.

Aquele era um daqueles dias em que ela perdia a noção do tempo, então Della pegou o telefone para ver a hora.

— É quase cinco da tarde. — Soltando o telefone no colo, ela pegou os arquivos. — Esta é a casa dos Owen ou dos Brian?

— Dos Owen — respondeu Chase.

Della olhou para as informações que havia no arquivo — basicamente os nomes e endereço dos pais, o nome do cemitério onde um caixão tinha sido colocado numa cova para fazer os pais acreditarem que Natasha Owen estava morta. Era o mesmo cemitério que Chan e outros recém-criados tinham usado em seus funerais falsos. O mesmo em que o corpo de Chan estava realmente enterrado agora. Ela olhou através do para-brisa à luz do sol poente. O dia estava terminando. O céu já estava escurecendo.

— Você quer tocar a campainha só para ter certeza de que eles não estão? — ele perguntou.

Ela olhou para Chase. Eles não tinham pensado num plano infalível. Ela só queria verificar se um dos pais era oriental.

— Acho que sim — disse ela, sua mente agitada, ainda sentindo uma tristeza e uma solidão inexplicáveis. Era por causa daquela casa ou suas emoções com relação a Steve estavam finalmente tomando conta dela?

O olhar de Chase ficou em seus olhos por um segundo a mais do que o necessário. Ele se inclinou, aproximando seu rosto do dela... aproximando sua boca da dela. Ela recuou depressa, batendo o ombro na porta do carro.

— Eu não estava... — Com as sobrancelhas franzidas, ele se virou para pegar algo no banco de trás. Quando se afastou, deixou cair alguns papéis no colo dela.

— Eu estava apenas pegando isso. Achei que poderíamos dizer que estamos vendendo revistas para pagar uma viagem ao México, onde ajudar a construir casas para os pobres.

Irritada com a sua reação exagerada, Della murmurou:

— Então talvez seja melhor você avançar mais uns quarteirões e esconder o carro.

— Por quê? — perguntou.

— Porque pessoas que dirigem Camaros conversíveis não vendem revistas para ajudar os pobres. — Della se encolheu por dentro. Por que ela estava sendo tão antipática?

— Tudo bem. — A cara feia dele piorou. Chase desceu a estrada de terra e fez uma curva para que o carro ficasse fora do ângulo de visão de quem estava na casa. Quando estacionou, ele olhou para ela.

— Mas você está errada. Minha irmã e eu fazíamos isso duas vezes por ano. E provavelmente daria para cobrir todo o estado do Texas com a quantidade de revistas que minha mãe comprou. Claro, ela acabava doando-as para abrigos. A maioria mesmo antes de abri-las.

— Desculpe. — Ainda mais envergonhada, Della saiu do carro com as revistas na mão.

Ele fez o mesmo e, num piscar de olhos, estava do lado dela.

— Eu não achava que você fosse preconceituosa. O que você tem contra as pessoas com dinheiro?

— Eu não... sou preconceituosa. Me desculpe. — Della fechou a porta do carro e o barulho pareceu ecoar através da área arborizada que os rodeava. Sentindo-se quase observada, ela olhou ao redor, a placa de “lotes a venda” fincada no chão. Algumas árvores grandes e belas já tinham sido cortadas e jaziam mortas no meio do mato.

— Então é só comigo? — Chase se aproximou e ela deu um passinho para trás. Seu traseiro encostando contra o carro.

— Sim. É você. — Ela disse a verdade. — E tudo mais. Eu estou no limite.

— Você me culpa, não é? — A proximidade dele parecia desafiá-la.

Ela não se mexeu, não querendo que ele soubesse que a perturbava tanto.

— Culpo você pelo quê? — Ela inclinou o queixo e encontrou os olhos dele.

— Por Steve ir embora.

Della franziu a testa.

— Como você sabe?

— Hoje, depois que eu saí do escritório de Burnett, ouvi alguém dizendo que Steve estava partindo.

Emoção — raiva, mágoa, e talvez até mesmo culpa — vieram à superfície, saindo daquele lugar onde ela as tinha enterrado mais cedo. E a constatação de que Steve tinha dito a todos que estava indo embora antes de dizer a ela também foi um golpe no seu coração. Ela odiava pensar naquilo. Engoliu um nó que apareceu em sua garganta. Mas a maldita coisa não descia.

Ele só crescia cada vez mais.

 

 

 

C O N T I N U A