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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ETERNA
ETERNA

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

— Sinto muito — disse Chase, tão perto que a respiração dele fez cócegas na testa dela.

Não foi preciso mais nada. Sua respiração e duas palavras foram suficientes para que todas as emoções viessem à tona e ela as despejasse em cima dele.

— Não minta. Você não sente muito. — Ela bateu no peito dele com a palma da mão.

Chase não se moveu. Ficou olhando para ela, em seus olhos, como se pudesse ler seu coração, sua mente e sua dor. E durante aquele segundo, ela achou que não havia segredos entre eles. Chase sabia tudo. Mais do que pretendia saber. Ele conhecia todos os fracassos dela, todos os seus pesares.

Ela não gostava da ideia de alguém conhecendo-a tão bem.

— Tem razão — disse ele, sua voz profunda e sincera. — Eu não lamento que Steve esteja indo embora. Eu não lamento que eu tenha uma chance de provar que você e eu pertencemos um ao outro. Mas não se atreva a duvidar que eu lamente ver o seu sofrimento. E a dor em seus olhos quando você entrou naquele escritório, a dor que você está se esforçando tanto para esconder agora, eu vi. Eu a sinto. E por isso, caramba, eu sinto muito.

Ela não sabia quando tinha começado a chorar. Della não chorava fácil. Mas tinha perdido Steve. E ainda assim, ali estava ela com Chase, algumas horas depois. Sentia-se culpada, dizia a si mesma que a única razão pela qual estava ali era o caso, mas no fundo sabia que era algo mais. Ela inclinou a cabeça para a frente, apoiando-a no peito de Chase e deixando cair mais algumas lágrimas. Ele passou os braços ao redor dela e a abraçou.

E por mais insano que fosse, ela se sentiu bem. Aquilo parecia tão certo! E, no entanto, ainda assim parecia errado. Terrivelmente errado.

Ela deu um passo para o lado, para longe do abraço, e limpou as lágrimas do rosto.

— Temos que ir ver se tem alguém em casa — disse ela, se esforçando para manter a voz firme.

Chase balançou a cabeça, aproximando-se, e com um dedo, enxugou uma lágrima no rosto dela.

— Vai ficar tudo bem. Acredite em mim.

Ela se virou e começou a andar. Em seguida, uma constatação bateu forte dentro dela.

Bateu com toda a força.

Numa fração de segundo.

Ela acreditou nele. Mas não sabia o que era aquele “tudo bem” e o que significava. Porque tudo na vida dela estava mudando. Mais uma vez. E ela odiava mudança.

Ninguém atendeu na casa dos Owen, de modo que eles foram embora e decidiram ir à casa dos Brian, que ficava a cerca de 30 quilômetros de distância. Della não falou durante os primeiros quinze minutos. Nem Chase.

Tudo o que ela fez foi descansar a cabeça em seu peito. E deixar que ele a envolvesse em seus braços. Por que aquilo parecia mais do que um simples abraço?

A resposta veio. Veio com clareza. Porque ela se apoiava nele. Fisicamente. Emocionalmente.

Della Tsang não era de se apoiar nas pessoas. Pelo menos não em muitas pessoas. Definitivamente não em alguém que mal conhecia. Especialmente alguém que tinha praticamente causado o problema que agora a devastava.

Mas que inferno! Ela estava tão confusa!

Della olhou para os carros em movimento nas quatro pistas, suas emoções tão congestionadas quanto aquela autoestrada.

Um sedã verde costurava entre as pistas dois carros à frente. Os motoristas de Houston dirigiam como lobisomens tentando alcançar uma presa fresca antes que outro lobo ficasse com a melhor parte. De repente, ela reconheceu o trecho da autoestrada. Ficava a apenas alguns quilômetros do acesso para o seu bairro.

E foi então que se lembrou do dia em que estava no carro com seu pai e ele lhe ensinou a dirigir.

É como jogar xadrez. Você tem que ficar na ofensiva e na defensiva. Tem que adivinhar o que o motorista do carro ao lado vai fazer.

O engraçado é que ele nunca tinha perdido a paciência com ela, nem mesmo quando Della acidentalmente raspou a lateral na porta da garagem e passou por cima dos tacos de golfe dele. Seu peito ficou mais pesado quando se lembrou do que Derek tinha dito sobre o homem calmo e gentil que a tinha criado e a amava... costumava amá-la. A polícia suspeitava que ele fosse o culpado pelo assassinato da irmã, Bao Yu. Ele simplesmente não podia ser.

Ele nunca tinha batido nela ou na irmã. Ele não precisava. O olhar de decepção em seus olhos era castigo suficiente tanto para ela quanto para Marla. Logo em seguida, uma nova dor atingiu seu coração. Ela sentia falta deles. Sentia tanta falta que até doía.

Ela esfregou um dedo na têmpora, perguntando-se por que estava de repente pensando naquilo tudo.

— Droga! — Chase sibilou.

Della olhou de relance quando uma van vermelha entrou com tudo na pista de Chase. Ele desviou para a faixa da esquerda, os pneus guinchando, entre dois carros em alta velocidade. Em seguida, o motorista do carro na frente deles pisou firme nos freios. Chase fez o mesmo, e, então, para não bater na traseira do carro, ele puxou o volante com tudo, voltando para a outra pista. Buzinas explodiram ao redor deles.

Della viu o acidente em sua mente: carros com a lateria amassada, pessoas feridas, sangue, muito sangue. Mas Chase de alguma forma, só Deus sabia como, conseguiu evitar a batida.

Chase, as mãos ainda segurando o volante, murmurou um palavrão. Della, adrenalina correndo nas veias, ofegou.

Então ela olhou pela janela lateral e viu um Honda dourado se aproximando da sua janela. Em câmera lenta, viu o motorista começando a virar a cabeça.

— Merda! — Com sua supervelocidade de vampiro, ela tirou o cinto de segurança. Seu olhar dardejou para o assoalho do carro, já ocupado pelo enorme estojo da câmera cara. Ela fez a única coisa que podia para se esconder do outro motorista: se jogou sobre o console, entre a alavanca do câmbio e os assentos e batendo o rosto no colo de Chase.

— Ai! — ele gemeu, dando um pulo no banco.

Ela tinha a impressão de que seu queixo tinha batido nos testículos dele. Ela de fato tinha um queixo muito duro... Mas não importava. Ah, importava, sim. Aquele era o último lugar em que ela queria estar. Mas Della não estava se movendo. Não podia.

Entre enterrar o rosto no colo de Chase e deixar seu pai vê-la andando de carro por Houston num Camaro esportivo e com um cara bonitão, ela preferia a virilha de Chase. O pai teria um ataque.

Provavelmente a tiraria de Shadow Falls e a internaria em algum reformatório. Ela não podia perder Shadow Falls. Não podia perder Kylie, Miranda, Holiday, Burnett e até mesmo a pequena Hannah Rose. A virilha de Chase era uma escolha melhor. E ela ficaria ali, com o nariz enfiado no meio das pernas dele, até que ele saísse da rodovia. Mas se Chase soltasse gases, ela teria que matá-lo!


Capítulo Dezessete

— Della? — Chase sibilou.

— Saia da autoestrada — ela retrucou, então se lembrou de que o pai provavelmente pegaria a saída seguinte. — Não, não saia da autoestrada. — Ela virou a cabeça um pouco para o lado e a ponta do nariz roçou no zíper.

— Della? — disse ele, mais firme. — Que diabos você está fazendo?

Você quer dizer além de estar tentando não pensar em onde está meu nariz?

— O que você acha que estou fazendo? — Então, percebendo qual poderia ser a resposta de Chase, ela acrescentou: — Esqueça que eu perguntei isso. Estou me escondendo. O meu pai está no Honda dourado na pista da direita.

— Merda! — exclamou ele.

— Eu já disse isso — rebateu Della. E, em seguida, uma outra onda de pânico a invadiu. — Ele me viu? Está olhando para o seu carro?

— Não — ele disse.

— Então por que você disse “merda”?

— Porque...

— Eu machuquei você? — ela perguntou, lembrando a força com que tinha batido no colo dele, e sentiu o rosto ficando quente de vergonha.

— Um pouco.

— Desculpe — disse ela, acariciando o lado da perna de Chase antes de perceber quanto aquilo podia parecer estranho. As mãos dela sobre a perna dele. Então, pensando bem, por que acariciar a perna dele poderia ser mais estranho do que enterrar o nariz em suas partes íntimas?

O próximo som que ele produziu foi uma risada. Profunda, sincera e quase musical. Aquilo só serviu para irritá-la.

— Não ria — disse ela entre os lábios apertados.

— Desculpe, mas é engraçado.

— Não, não é — Della retrucou.

— Ah, é sim. — Ela sentiu a mão de Chase tirar suavemente alguns fios de cabelo da bochecha dela. O freio de mão do carro cutucava suas costelas.

Ela fechou os olhos, o calor da humilhação queimando seu peito.

— Será que ele não deixou a rodovia ainda?

— Ainda não — disse Chase. — Não saia daí. — O dedo dele tocou na orelha dela, como se traçasse as bordas externas.

— Você está prestando atenção na estrada? — ela deixou escapar.

— Estou.

— Então pare de brincar com a minha orelha.

Ele riu novamente.

— Você está preocupada com a sua orelha?

Ela gemeu.

Chase riu novamente.

— Tente não se mexer muito.

Alguém poderia morrer de vergonha?, Della se perguntou. E, depois de alguns segundos, ela questionou:

— Você não está mentindo, está?

— Sobre o quê?

— Sobre o meu pai ainda estar na rodovia.

— Não. Eu não estou mentindo. Ele está prestes a sair. Aviso quando a barra estiver limpa. — Ele fez uma pausa de um segundo. — Pode levantar.

Ela se levantou. E sem nenhuma outra opção, olhou para Chase, que desatou a rir.

— Seu rosto está tão vermelho... — disse ele em meio às risadas.

Ela rosnou para ele e, então, por razões que não podia explicar, tudo de repente pareceu engraçado para ela, também. A risada explodiu e Della não conseguiu mais parar. Eles riram praticamente ao longo de todo o caminho até o segundo endereço.

Eles voltaram às 7h59. Um minuto antes do toque de recolher. Burnett estava sentado do lado de fora da varanda do escritório, o telefone na mão, quando os dois chegaram. Della não tinha chegado ao escritório ainda quando se lembrou de toda história sobre a partida de Steve.

— Eu estava prestes a ligar para vocês — disse Burnett, e levantou-se para abrir a porta da cabana. Chase e Della o seguiram até o escritório de Holiday.

— Alguma coisa? — perguntou ele enquanto andava em direção à mesa.

Della de repente desejou que tivesse dito a Chase para não mencionar o desastre de quase topar com o pai dela. Conhecendo Burnett, o mínimo detalhe poderia fazer com que ele voltasse a ficar superprotetor com relação a ela.

— A família Owen não estava em casa — contou Chase.

Della prendeu a respiração, esperando e rezando para que ele não trouxesse o encontro com o pai dela à tona e pronta para intervir com algum outro assunto, se ele fizesse isso.

— Demos uma passada na casa da família Brian — acrescentou Della.

— Vocês conseguiram alguma coisa lá? — Burnett se encostou na escrivaninha de Holiday.

— Sim. Nenhum dos pais é oriental. — Della contou a Burnett sobre a ideia de tocar a campainha tentando vender revistas.

— Eu sabia — acrescentou Burnett. — Logo depois que vocês saíram, finalmente me enviaram cópias das carteiras de motorista deles. Eu também chequei o senhor e a senhora Owen. Brancos também.

Della assentiu.

— Mas como você disse...

— Poderia apenas significar que eles não são os pais biológicos de Natasha — Burnett acabou a frase por ela.

— Eu ainda acredito que seja um deles — disse Della. — Na verdade, eu acho que ela é Natasha Owen. — No momento em que ela disso, teve certeza. — Se tivéssemos tempo, teríamos voltado à casa deles. — Ela quase tinha ligado para Burnett e pedido que o toque de recolher fosse prolongado, mas como era sua primeira noite trabalhando no caso, sabia que ele iria recusar. — Mas se voltarmos agora...

— Não, já é tarde. Vocês precisam descansar. Podem ir amanhã à noite.

Burnett passou a mão pelos cabelos e olhou para a porta. Della podia ouvir alguém subindo os degraus do escritório, lá fora. Em seguida ela ouviu o balbuciar de um bebê.

— Por que você acha que o sobrenome dela é Owen? — perguntou Burnett, desviando os olhos para a porta, obviamente esperando que a esposa e a filha entrassem.

Della olhou para Chase. Ela não tinha perguntado a ele mais cedo. Provavelmente porque não queria pensar nisso.

— Eu senti algo na casa dela. Uma tristeza. Eu acho que o fantasma estava lá. Não senti o mesmo na casa dos Brian.

Chase franziu a testa.

— Você sentiu também? — Della perguntou a ele.

— Sim — disse ele. — Mas eu achei que tinha imaginado.

Eu também, Della pensou, mas não disse.

— Tudo bem — disse Burnett. — Vocês podem voltar amanhã. Talvez descubram alguma coisa.

— Ei, vão devagar! — disse Holiday, de pé na porta com o bebê apoiado no quadril. — Estou um pouco preocupada com isso.

Hannah Rose começou a agitar as mãos ao ver o pai. Burnett estendeu a mão para ela, aproximando a garotinha do peito.

— Eu consultei a polícia local sobre a família Brian e os Owen. Nenhuma das duas famílias tem histórico criminal. Eu não acho que representem qualquer perigo.

Holiday franziu a testa.

— Não é com eles que estou preocupada. — O olhar da fae de cabelos ruivos passou de Della para Chase.

— Então, com quem é? — perguntou Della, quase certa de que a amiga iria dizer alguma coisa sobre Chase. Os ombros de Chase enrijeceram como se ele tivesse pensado a mesma coisa.

— O fantasma — explicou Holiday.

— Por que o fantasma iria nos fazer algum mal? — perguntou Della. — Tudo o que ela quer é que a gente encontre Natasha.

— Eu concordo — disse Chase.

— Talvez. — Holiday pegou uma mecha de cabelo e a enrolou no dedo. — Mas ela conseguiu fazer com que vocês dois tivessem a mesma visão, e se ela fez o que Burnett me contou, com aqueles nomes na parte de trás da foto, então é muito poderosa. Um fantasma com esse tipo de poder, e desesperado, pode ser perigoso. Mesmo que suas intenções não sejam ruins. Já se sabe que os espíritos podem causar deslizamentos de terra, tornados. O último engavetamento de vinte carros que aconteceu em Los Angeles foi provocado por um espírito.

Della pensou no acidente que quase tinha acontecido na autoestrada. Aquilo não teria sido obra de um fantasma, teria? Por que ela iria tentar prejudicá-los se estavam tentando ajudá-la?

— Eu não vou parar de procurar Natasha — Della insistiu e lançou um olhar para Chase com a esperança de avisá-lo para que não falasse sobre o acidente em que quase tinham se envolvido. Se Holiday ou Burnett pensassem que o fantasma era perigoso, ficariam mais propensos a pôr um fim na investigação.

Os olhos de Chase se arregalaram quando ele se lembrou do acidente. Della sacudiu a cabeça muito discretamente.

Holiday falou outra vez.

— Eu não estou sugerindo que vocês parem. Só tentem conseguir um pouco mais de informações antes que o fantasma envie vocês em tentativas inúteis de encontrar uma pista.

Della agradecia a preocupação de Holiday, mas...

— Você disse que fantasmas fazem o que querem, quando querem. Não é como se eu pudesse mandar uma mensagem para ela me enviar mais informações.

— Mas se você parar de seguir as orientações dela, ela vai ser forçada a recorrer a outra coisa. Quanto mais informações ela der a vocês, mais serão capazes de descobrir.

— Eu não quero parar — disse Della, e o fantasma não queria que ela parasse, também. Ela sentia isso, não gostava de sentir, mas sentia. — Natasha e Liam vão morrer se a gente não encontrá-los. E rápido.

Della viu nos olhos de Holiday novamente. Ela não achava que eles estivessem vivos.

— Não diga isso! — disse Della, inclinando o queixo em desafio.

— Não diga o quê? — perguntou Chase.

Della olhou para ele.

— Eu disse a você, ela acha que eles já estão mortos.

— Eles não estão mortos — disse Chase, com a mesma convicção de Della.

Encontre Natasha!

A voz veio tão alto em sua cabeça que Della se encolheu. Quando olhou para Chase, ele estava com os olhos fechados. Ele tinha ouvido, também.

— Eu sei que é difícil aceitar, mas nós não sabemos se eles estão vivos — disse Holiday.

No mesmo instante, a temperatura na sala caiu tão abruptamente que todos começaram a exalar vapor com a respiração. Um vaso de vidro com flores que estava na borda da mesa de Holiday explodiu em pedaços. O vidro caiu de um lado, a água de outra. A água se transformou em pedacinhos de gelo, como sorvete, e todos os pedacinhos rolaram pela mesa até formar letras.

V

I

V

A

Logo depois que o A se formou, a porta do escritório de Holiday bateu com um estrondo tão alto que produziu um eco através do ar gelado.

Todos os pedacinhos de gelo rolaram pela mesa e caíram no chão, quicando até derreter.

Della prendeu a respiração, com medo de respirar. Ela viu o mesmo pânico evidente no rosto de Chase. Burnett apertou mais a filha no colo.

Holiday simplesmente levantou a sobrancelha direita.

— Então, tudo bem — disse ela, parecendo completamente calma. — Talvez eles estejam vivos.

Trinta minutos depois, Della e Chase foram dispensados após mais avisos para que tivessem cautela, mas com a promessa de Holiday e Burnett, e até com um balbucio de aprovação de Hannah, de que avançariam na investigação.

Burnett concordou que poderiam ir no dia seguinte à tarde ver se encontravam a família Owen em casa. Eles também dariam uma volta pelo bairro onde Liam morava para ver se conseguiam descobrir alguma coisa.

Burnett iria voltar e interrogar os homens presos durante o caso Craig Anthony e ver se ele conseguia “persuadi-los” a dar alguma informação sobre os últimos vampiros desaparecidos. Pelo olhar de preocupação do vampiro durão, Della teve certeza de que não queria saber que método de persuasão ele usaria.

Enquanto caminhavam para a varanda, Chase ficou perto dela. Sob a lua quase cheia, ela se afastou da varanda e se voltou para a trilha de volta à sua cabana.

— Venha comigo até o carro — disse ele em voz baixa.

— Por quê? — Uma imagem de Steve, com os olhos cheios de dor, encheu a cabeça e o coração de Della, e a mesma culpa de antes se esgueirou pela sua consciência.

Franzindo a testa, Chase desviou os olhos de volta para a cabana, como se dissesse que ele queria ter certeza de que ninguém estaria ouvindo.

Ah, mas que droga, ela só ia levá-lo até o carro. Tinha passado o dia com ele, ela poderia ficar mais alguns minutos. Além disso, uma vozinha um pouco culpada sussurrou que Steve tinha ido embora.

Quando passaram pelo portão até o estacionamento, o ombro de Chase roçou no dela e ela deu um passo rápido para o lado. Ele olhou para ela e franziu a testa, e depois falou.

— Aquilo foi assustador.

— Não se preocupe, eu vou te proteger — disse ela com ironia.

Chase olhou para ela.

— Você sempre tem que bancar a espertinha?

— Só com pessoas especiais — disse ela.

— Então você admite que sou especial. — Ele sorriu. Mas o sorriso desapareceu rapidamente. Chase passou um dedo sob o olho dela. — Você parece cansada.

Ela afastou o dedo dele.

— Eu estou bem. — Mas, na verdade, ele estava certo. Ela estava cansada. À beira da exaustão. E não tinha sequer começado a digerir tudo o que tinha acontecido naquele dia. Chase balançou a cabeça.

— Você acha que foi o fantasma que quase causou o acidente na estrada?

Um frêmito de medo agitou suas entranhas quando Della pensou na possibilidade de que o fantasma tivesse todo aquele controle.

— Eu não vejo por que ela faria isso.

— Eu sei, mas foi estranho. Eu não sei se você viu, mas todos os carros começaram a andar de um jeito meio louco antes de tudo acontecer. E por um segundo, foi quase como se o carro estivesse fora de controle.

— Você acha que ela tomou posse do carro? Tomou posse de um monte de carros na autoestrada? — Della perguntou, sem querer acreditar. Não. Não ela não queria!

— Depois do que ela fez lá, eu acho que é possível. Além disso, Holiday disse que...

— Não. — Della balançou a cabeça. — Ela fez aquela coisa esquisita com o gelo só para provar que estava lá. Não precisava provar nada na rodovia.

Ele suspirou como se acreditasse nela só até certo ponto. Para ser sincera, ela também só acreditava até certo ponto.

— Tudo que eu sei é que não gosto disso. — Chase baixou a voz como se tivesse medo de que o fantasma pudesse estar ouvindo. — E eu quero que você diga a ela para parar com essa merda. Faça com que ela saiba que faremos o máximo para achar Natasha e Liam, mas só se ela parar de mexer com o meu carro e com a minha cabeça.

— Espere aí! — disse Della. — Deixe-me ver se entendi... Você quer que eu diga isso a ela? — O sarcasmo exalava das palavras da vampira.

— Quero — Chase afirmou, como se não visse problema algum.

— Por que você mesmo não diz? — ela rebateu, com a mão na cintura.

Ele fez uma careta.

— O fantasma é seu.

— É meu? Por que diabos o fantasma é meu?

— Porque está mais perto de você.

— Quem disse?

Chase abriu a boca e nada saiu imediatamente. Em seguida as palavras jorraram dos lábios dele.

— Porque... Porque ela... — Seus olhos se arregalaram como se ele tivesse pensado em algo. — Porque ela deu a você a foto de Natasha. E Natasha tem alguma ligação com a sua família.

O raciocínio dele fazia sentido, todo o sentido, mas Della não queria ver dessa forma. Recusava-se a enxergar dessa maneira. Ela não queria ficar sozinha nessa com uma pessoa morta. Compartilhar com ele não era a situação ideal, mas a ideia não tinha sido dela.

— Isso não faz com que ela seja minha — Della insistiu. — Ela fala com nós dois. Nós temos a guarda conjunta aqui, amigo. Você devia ter pensado nisso antes de se ligar a mim. E não tente fugir da sua responsabilidade.

— Ela é um fantasma! — Chase contestou. — Não um bebê.

— É a mesma coisa! — ela murmurou e se virou para ir embora.

— Há uma grande diferença. — As palavras dele ainda chegaram aos ouvidos dela. — Tchau — Chase disse quando ela não parou de andar. — Até amanhã.

— Tchau — Della gritou, mas sem olhar para trás.

Ela começou a descer a trilha escura. Uma dor apertou o seu peito. Cada passo na direção da cabana machucava um pouco mais. Machucava como se ela estivesse se afastando de algo que a fazia se sentir em casa, em vez de estar andando em direção a ela. A sensação de estar sozinha a consumia.

Ou talvez não tão sozinha.

Um estranho ruído repetitivo de sopro a acompanhava. Um tipo de sopro repetitivo e bem assustador. O coração dela deu um pequeno salto.

Será que fantasmas provocavam aquele ruído? E cheiravam... à galinha?


Capítulo Dezoito

Recusando-se a ceder à vontade de sair correndo dali, Della se virou, as presas já projetadas e os olhos como se já brilhassem.

Um pássaro enorme ergueu a cabeça e olhou para ela.

— Sou só eu. — A voz de Perry saiu do bico do pássaro enquanto bolhas brilhantes começaram a aparecer, sinalizando que o metamorfo estava mudando de forma.

— Você tem noção de que eu poderia ter arrancado a sua cabeça? — ela sibilou, assistindo enquanto o pássaro sumia e Perry aparecia em seu lugar.

— Porque eu a assustei ou porque você está com raiva de mim? — ele perguntou, as palavras um pouco atrapalhadas pelo bico em processo de se transformar em lábios. Della desviou o olhar, era muito assustador assistir aquilo.

Olhando para as árvores, levou apenas uma fração de segundo para ela se lembrar da razão por que deveria ficar furiosa com ele. Perry estava indo embora. E sem contar o fato de que ela iria sentir falta do imbecil. Uma das melhores amigas da vampira ficaria devastada.

Della não gostava de pessoas que devastavam alguém de quem ela gostava. Mesmo quando a pessoa que estava causando essa devastação também fosse seu amigo.

Ela se virou para Perry novamente.

— Definitivamente, porque estou furiosa. E eu não estava com medo! — Seu coração batia com a melodia de uma mentira, mas metamorfos não podiam ouvi-la, então sua pequena mentira branca não contava. — Você sabe o que sua partida vai fazer com Miranda?

Ele franziu a testa e chutou a terra.

— Vai me machucar também. Mas o que eu posso fazer? Recusar a oferta? É a minha única chance de talvez...

— Talvez o quê? — perguntou Della.

— Nada — disse ele.

— Não venha com essa de “nada” pra cima de mim! O que você ia dizer?

Perry chutou outra pedra no chão.

— De mudar as coisas.

— Mudar o quê?

— Eu — ele disse.

Della balançou a cabeça.

— Não há nada de errado com você.

— Certo — ele disse, como se achasse que Della só estava falando por falar. Será que ele não podia ver que ela estava cansada demais para só falar por falar?

— O que há de errado com você? — perguntou ela, de repente, percebendo que não entendia por que Perry estava indo para aquela escola. Ela conseguia entender por que Steve iria. Ele faria um curso intensivo de medicina sobrenatural. Mas Perry não estudava medicina.

— Desembucha, menino pássaro! — Della soltou. — Estou morta de cansaço e não quero demorar muito nessa conversa.

— Você ainda não percebeu que eu tenho que me esconder no dia dos pais? E se Burnett me convoca para um caso, eu já tenho que ir transformado?

— Por quê?

— Porque eu não consigo controlar as coisas.

— Que coisas? — perguntou Della.

— A cor dos meus olhos. E quando fico nervoso eu... me transformo sem querer.

Della vasculhou a memória.

— Então você se transformou num dragão e num leão descomunal uma ou duas vezes. Isso não é o fim do mundo.

— Não aqui, certo? Mas se for no mundo humano? Isso poderia provocar um verdadeiro caos.

Della não podia negar. Seria uma notícia em rede nacional. Ela podia até imaginar a CNN noticiando. Eles provavelmente colocariam a culpa num dos partidos políticos. Ou então nas pesquisas relacionadas às células-tronco.

— E você realmente não consegue controlar?

— Bem que eu gostaria.

Seu coração, já partido de uma centena de maneiras diferentes, ainda se condoía pelo metamorfo.

— Então vá aprender a se controlar e volte logo. Miranda é louca por você, eu tenho certeza de que ela vai esperar.

— Ela não deveria.

— O quê? — perguntou Della. — Ah, droga! Por favor, não me diga que você está rompendo o namoro com ela.

— Não estou rompendo, apenas dando um tempo.

— Dá no mesmo, idiota. Você não pode fazer isso com ela!

— Você e Steve fizeram.

Della ficou atônita.

— Não. Steve e eu não estávamos juntos. Você não pode romper com ninguém se não estiver namorando a pessoa. — Era mais uma mentira do ponto de vista emocional. Eles estavam namorando, sim, mas ela ignorou esse detalhe, ignorou a pontada de dor que a mentira provocara. Neste momento, ela apenas sentia por Miranda.

— Por que diabos você está fazendo isso? — Della fervia.

Os olhos azuis dele se estreitaram.

— Ela precisa descobrir o que quer.

— Dã, ela já sabe! Ela quer você. — E foi então que um pensamento lhe ocorreu. E esse pensamento disparou para seu estômago, queimando e a deixou completamente fora de si. A raiva espantou sua exaustão. — Isso tem a ver com sexo? — ela perguntou. — Porque se tiver, eu vou torcer o seu pescoço.

A pergunta pareceu chocá-lo.

— Não!... Quero dizer...

— Homens! — Ela fervia. Della se aproximou e espetou o dedo no peito do metamorfo. — Ouça aqui, seu tarado! Ninguém deve ser forçado a fazer algo se não está preparado. Especialmente quando se trata de tirar a roupa.

— Não é... Você não entende.

— Ah, eu entendo muito bem. — Ela deu outro cutucão em Perry. — Os caras são uns cretinos que pensam que, se não podem conseguir o que querem de uma garota, só têm que seguir em frente e tentar com outra pessoa.

— Pode parar! — ele ordenou, seu tom profundo vibrando de frustração. — Você não entende.

Os olhos dele ficaram vermelho brilhante. Perry estava prestes a se transformar em algo grande e cruel, mas, com o humor em que Della estava, ela ficaria feliz se isso acontecesse. Estava louca para torcer o pescoço dele.

Mas, antes que começasse a se transformar, o banana se virou e foi embora.

— É isso mesmo! — ela gritou para ele. — É melhor você pôr o rabo entre as pernas e correr. — Então Della se tocou. — A propósito, você foi capaz de se controlar muito bem! Você não precisa ir para Paris. Fique com Miranda.

Perry não respondeu. Apenas continuou andando. Irritada, ela começou a correr para a sua cabana, pronta para encontrar Miranda chorando. Para sua grande surpresa, apenas o silêncio a recebeu quando ela abriu a porta.

Silêncio e um calafrio.

Ela parou e olhou em volta, à espera de que pedacinhos de gelo começassem a cair. Mas então o frio desapareceu. Dizendo a si mesma que estava imaginando coisas, ela se dirigiu para seu quarto, mas viu o bilhete sobre a mesa da cozinha. Chegou mais perto, quase com medo de que tivesse sido deixado pelo fantasma, mas relaxou quando viu que estava escrito na caligrafia de Kylie.

Della, não sabíamos quando você voltaria. Miranda foi para uma reunião de bruxas e estou com Lucas. Mas, se precisar de nós, é só ligar e voltamos num piscar de olhos. Vou ouvir você e Miranda desabafarem.

Melhores amigas para sempre!


Della suspirou.

Aquelas duas eram demais. Ela quase tirou o celular do bolso, mas não quis dar uma de carente. Ela as veria quando chegassem em casa. Ao entrar em seu quarto, seu olhar se concentrou na cama.

Instantaneamente, tudo o que ela queria fazer era rastejar até lá e cair no sono. Não queria pensar. Não queria chorar. Sono e esquecimento. Uma hora, talvez duas. Desde que ela tinha renascido, isso era de tudo que realmente precisava para ficar novinha em folha.

Caiu de costas na cama, com os olhos fechados no momento em que seu corpo encontrou o colchão. O sono demorou segundos, estava tão perto como se ela pudesse tocá-lo, mas seu telefone, ainda enfiado no bolso, vibrou com a chegada de uma mensagem.

Não olhe, uma voz sussurrou dentro de sua cabeça. Ela gemeu, então, incapaz de resistir, tirou o celular do bolso e ficou de costas. Tinha que se concentrar para ficar de olhos abertos.

Assim que viu o número, baixou a cabeça e ficou de bruços, sobre a almofada. E a dor que ela estava ignorando aumentou em seu peito.

Levantando-se novamente, leu a mensagem.

Oi... Achei que seria mais fácil simplesmente dizer adeus dessa forma. Vou sentir sua falta. Bye, Steve.

Ele enviou a ela uma carinha infeliz. Como se a carinha infeliz fosse fazê-la se sentir melhor. Ela enfiou o rosto no travesseiro e chorou até dormir.

Duas horas mais tarde, Della despertou com alguém subindo os degraus da varanda. Ela abriu as pálpebras pesadas e fungou o ar para ver se conseguia identificar o visitante. A porta da cabana se abriu e Della reconheceu o cheiro fresco de ervas que pertencia a uma certa bruxa. Relembrando seu breve encontro com Perry, o coração de Della imediatamente ficou apertado pela amiga.

Miranda abriu uma fresta da porta e enfiou a cabeça.

— Você está acordada?

Della se sentou.

— Sim. Mas nada de abraços, ok? — As palavras saíram da sua boca antes que ela visse o olhar nos olhos inchados da amiga.

Della não tinha sido a única a chorar aquela noite. Naquele momento, ela desejou ter chutado o traseiro de Perry.

A amiga não merecia aquilo.

E Miranda merecia mais do que Della. A bruxa merecia Kylie. Kylie sabia como lidar com mágoas. Della sempre dizia a coisa errada. Mesmo quando se esforçava para dizer a coisa certa.

— Você está bem? — Miranda perguntou.

A bruxa estava sofrendo, estava em pedaços, Della quase podia ouvi-la chorando por dentro e, ainda assim, a sinceridade na voz de Miranda dizia que a garota estava preocupada com ela.

— Você me conhece, nada consegue me derrubar. — O coração dela deu um salto, revelando a grande mentira.

— O que Steve queria? — perguntou Miranda.

— Terminar comigo — disse Della, reprimindo qualquer indício de fraqueza.

— Eu queria ser mais parecida com você — disse Miranda.

Não, você não queria.

— Como você está? — perguntou Della, porque parecia a coisa certa a dizer, mas ela realmente não queria ter perguntado. A dor de Miranda pairava no ar como uma nuvem.

— Arr... asada. — A respiração de Miranda tremeu com um suspiro.

Droga, Miranda era sua amiga.

— Ok, um abraço — Della concordou. Ela conseguiria suportar um; então, se tivesse sorte, Miranda iria para a cama.

A bruxa entrou como um tufão no quarto, caiu sobre a cama e colocou os braços ao redor de Della. E não foi somente um abraço e ir para a cama. Era o tipo de abraço que a pessoa dá quando não quer mais ir embora.

E por mais louco que aquilo fosse, nem Della queria que a amiga fosse embora. Queria que as coisas continuassem do jeito que estavam. Vai ficar tudo bem. Ela ouviu as palavras de Chase, mas Della sabia que “tudo bem” significava que Steve não estaria por perto. E nem Perry.


Capítulo Dezenove

— Eu só... não entendi essa droga de história de... dar um tempo — Miranda chorava no ombro de Della. — As pessoas não fazem esse tipo de coisa.

Sim, elas fazem. As lágrimas quentes da bruxa molhavam a camiseta de Della e a vampira pensava em todas as pessoas que tinham saído da sua vida nos últimos tempos. Então, finalmente se sentindo desconfortável com o abraço, conseguiu se desvencilhar dos braços de Miranda. Abraços nunca deviam durar mais do que quinze segundos.

— Vai ficar tudo bem. — Della repetiu as palavras de Chase, mas sem a mesma convicção de quando ele as tinha dito. O que ela queria dizer era que tudo aquilo era uma droga. E no topo da lista de coisas que eram uma droga estava o fato de Della ser uma droga em consolar pessoas.

— Não, não vai! — Miranda rebateu. — Eu disse que esperaria por ele. Três semanas, meses, anos. Eu não me importo. Mas Perry disse que não, que não era justo pedir que eu esperasse. Então ele falou que, se eu ainda amá-lo quando ele voltar, nós podemos voltar às boas e ser felizes.

— Voltar às boas? Quem é que ainda diz uma merda dessas? — Della berrou, dizendo a primeira coisa que lhe veio à mente, e pela expressão nos olhos de Miranda talvez tivesse sido a coisa errada.

A bruxa respirou algumas vezes em meio aos soluços, cobriu o rosto com as mãos, e chorou por mais um minuto inteiro. Então olhou para cima com os olhos tão borrados de rímel que ela parecia mais um guaxinim.

— Quer que eu leve você pra cama? — perguntou Della, esperando que a bruxa dissesse que sim antes que ela falasse algo que deixasse tudo pior.

Miranda nem a ouviu, ou não conseguiu, no seu estado emocional.

— Perguntei se ele ainda me amava. Sabe o que ele disse?

— Algo terrível, tenho certeza — respondeu Della.

— Disse que não podia nem imaginar o que era não me amar.

— Babaca! — xingou Della, ainda tentando dar o seu melhor, mas se encolhendo ao perceber quanto era incapaz de consolar alguém.

— Então ele disse que precisávamos olhar para isso de forma racional. — Miranda soltou um gemido alto e agudo. — Ele está agindo como... um adulto!

Ela disse a última palavra como se tivesse sentido um gosto ruim na boca.

— Sim, quem quer uma coisa dessas? — disse Della.

— Eu sei. Não quero ser adulta quando se trata desse assunto — continuou Miranda. — Eu sei que um relacionamento à distância vai ser difícil, mas será que ele se importa tão pouco comigo a ponto de não querer nem tentar? Vai simplesmente desistir. Acho que ele pensa que não vale a pena nem tentar fazer com que dê certo.

Um nó se formou no peito de Della. Não era isso exatamente que ela sentia com relação a Steve? Ele estava desistindo dela, dos dois, e mesmo que ela tivesse alguns sentimentos confusos com relação a Chase, não estava pronta para desistir de Steve.

Ah, ela sabia que não era justo querer se agarrar a ele, mas, caramba, aquilo doía!

— Eu sinto muito — disse Della, dessa vez com total sinceridade, e deu na bruxa outro abraço, seu coração tão dolorido quanto o da amiga.

Uma hora depois, Della estava em silêncio. Miranda, ocupando metade do travesseiro de Della, tinha chorado até dormir.

Della ouviu Kylie entrar na cabana. A camaleão parou na sala de estar e escutou. Provavelmente tinha virado vampiro para sintonizar a sua superaudição e saber quem estava em casa.

Ela foi até a porta de Della e abriu uma frestinha. Ela só rangeu uma vez.

— Shh — implorou Della numa voz mais baixa que um sussurro. — Se acordá-la, você é que vai ter que fazê-la dormir da próxima vez. Isso me custou cinco abraços.

Della se arrastou para fora da cama com a lentidão de uma lagarta. Kylie voltou para a sala de estar e Della fechou a porta com cautela e silenciosamente. Elas saíram da cabana e foram até a varanda da frente. Cada uma se sentou numa ponta e deixaram os pés balançando alguns centímetros acima da relva.

— Sinto muito. — Kylie olhou para ela e mordeu o lábio inferior. — Eu devia ter voltado horas atrás. Holiday perguntou se Lucas e eu poderíamos ir ao Walmart. Eles ficaram sem ovos e perguntou se podíamos dar uma corridinha até lá. Liguei para Miranda e ela disse que tudo bem. Eu não achei que você já estivesse em casa. E não sabia que íamos demorar tanto.

— Está tudo bem — disse Della.

Kylie olhou para trás, em direção à porta.

— Ela está muito arrasada?

— Está simplesmente sendo Miranda — disse Della.

— Então ela está arrasada. — Kylie sorriu tristemente. — E você cuidou dela apesar de estar sofrendo também. Que droga!

— Eu estou bem — disse Della.

— Mentirosa. — Kylie, obviamente, ainda no modo vampira, inclinou a cabeça ligeiramente para o lado como se ouvisse o coração de Della vacilar.

— Ok, estou sofrendo, mas sou mais dura na queda.

— Não — disse Kylie. — Você apenas finge melhor. — Ela olhou para Della como quem diz “desembucha”. — O que Steve queria?

Della suspirou.

— Como se Miranda não tivesse contado.

— Ela contou — disse Kylie —, mas eu tinha receio de que tivesse algo mais.

— Teve algo mais — disse Della, seu coração revivendo a dor. — Ele disse que não suporta ver Chase e eu trabalhando juntos.

— Não é a mesma coisa que vê-lo trabalhar no consultório do veterinário com aquela sirigaita sorridente que morre de tesão por ele?

— Ele não acha.

— O que você acha? — perguntou Kylie.

— Eu acho... Ah, eu não sei o que eu acho. Sinto um milhão de coisas diferentes agora, e nenhuma delas é boa.

Kylie soltou um suspiro profundo, cheia de empatia.

— Então, ele vai embora mesmo?

Della assentiu com a cabeça e sentiu um nó na garganta, então seus pensamentos se voltaram para Miranda dormindo em sua cama.

— Eu até entendo por que Steve está fazendo isso, mas Perry... Isso me irrita. Você acha que é porque Miranda não transou com ele? Eu fui direta e perguntei, mas ele negou e seu coração não o acusou de ser mentiroso, mas eu não tenho certeza se acredito nele.

Kylie puxou uma das pernas e abraçou-a.

— Eu posso estar errada, mas não acho que seja isso. Não Perry. Ele é tão apaixonado por Miranda!

— Sim, mas você sabe o que eles amam mais do que qualquer outra coisa.

Kylie deu de ombros.

— Por mais triste que pareça, eu realmente acho que Perry está tentando fazer a Miranda um favor. Eu encontrei com ele esta tarde e parecia tão deprimido que dava até dó.

— Dã. Então, ele que não faça essa droga de viagem para Paris! Isso é tão difícil?

— Muito difícil — disse Kylie. — Coloque-se no lugar dele. Ele praticamente não pode entrar em contato com o mundo humano. Você e eu, nós pensamos em fazer faculdade e no que vamos fazer da vida. Ele não pode fazer a mesma coisa. Se não conseguir aprender a se controlar, vai ter que se esconder pelo resto da vida. E tenho certeza de que Miranda fala sobre o que ela quer fazer. Perry deve se sentir um empecilho na vida dela.

— Caramba! Ser um adolescente sobrenatural é um saco.

Kylie suspirou.

— Eu achava um saco ser uma adolescente humana, também.

— Eu não achava — disse Della. — Era ótimo.

Kylie olhou para ela.

— Você não me disse que seus pais queriam que você fosse médica?

— Sim — confirmou Della.

— E você ia fazer isso apenas para agradá-los?

— Não — disse Della.

— Então cedo ou tarde você seria obrigada a enfrentá-los, e então as coisas não seriam tão maravilhosas assim. Eu só estou dizendo que tanto os seres humanos quanto os seres sobrenaturais têm que enfrentar uma barra-pesada quando são adolescentes.

— Talvez — disse Della num tom insolente. — Mas ser vampiro só põe mais lenha na fogueira. E não conseguir impedir a si mesmo de se transformar num dragão cuspidor de fogo deve ser pior ainda.

— É verdade — Kylie admitiu. — Ver o seu falecido pai andando por aí quando você nem sabia que ele era seu pai também não é moleza. Mas eu conheço crianças humanas que tiveram que passar por coisas tão ruins quanto isso.

Kylie mordeu o lábio.

— Olhe a minha amiga, Sara. Ela tinha câncer.

Della balançou a cabeça.

— Sabe, você parece Holiday quando fala. Lógica, otimista.

— Nossa, pareço tanto assim? — Kylie franziu a testa. — Eu detesto quando ela fala de algo absurdo e argumenta de um jeito que aquilo até passa a fazer sentido.

Della riu.

— Você seria uma conselheira perfeita. — Depois acrescentou: — Pense nisso, talvez você possa me ajudar a fazer com que alguma coisa faça sentido.

— Conselheira Galen a seu dispor! — Kylie brincou. — O que a aflige? Espere. Deixe-me adivinhar. Um certo vampiro tentou te beijar hoje e você não sabe como se sente a respeito?

Della franziu a testa.

— Não é isso. — Ele não a tinha beijado, mas Kylie tinha acertado em cheio ao dizer que ela não sabia como se sentia.

— Então ele não tentou beijá-la? — Kylie perguntou, inclinando a cabeça para ouvir o coração de Della.

— Não. Eu pensei que ia fazer isso, mas não fez.

— Então ele não estava muito romântico?

A mente de Della levou-a de volta ao momento em que ela se inclinou sobre Chase, em que ele a envolveu em seus braços. Então ao momento em que ele tocou a orelha dela. E isso a levou de volta à toda aquela história do nariz na virilha dele. Um riso inesperado escapou de seus lábios.

— O que foi? — perguntou Kylie.

Della não sabia se contava ou não, mas então se deu conta de que aquilo era exatamente o tipo de coisa que elas contavam uma para a outra. As coisas loucas, idiotas, constrangedoras. Era para isso que serviam as amigas. Para contar tudo uma às outras.

Apesar da temperatura baixa, o rosto de Della ficou quente. Então ela não aguentou e contou a Kylie que tinha visto o pai na autoestrada.

— Será que ele viu você? — Kylie perguntou com preocupação.

— Não. Eu... me escondi. O estojo da máquina de Chase estava ocupando o assoalho do carro, então eu... eu tive que deitar de bruços no colo dele. E acho que o meu queixo talvez tenha machucado os testículos dele.

Kylie começou a rir e Della se juntou a ela. Elas riram tanto que não ouviram uma pessoa se movendo atrás delas.

— O que é tão engraçado? — perguntou Miranda, parecendo sonolenta. Ela se sentou ao lado das amigas, balançando os pés do lado de fora da varanda também. Della repetiu a história sobre enfiar o nariz na virilha do Pervertido da Calcinha.

E as três ficaram lá, sentadas no escuro, os grilos cantando à distância, rindo como garotas. Quando conseguiram parar, Kylie olhou para Della.

— Então, por que você precisa da minha ajuda para algo fazer sentido?

Della olhou para Miranda, sabendo que a garota não iria gostar do assunto. Droga, Della não gostava do assunto também, mas precisava de conselhos e Kylie era muito boa nessas questões. Especialmente se fosse algo que ela não queria que Holiday ou Burnett soubessem.

— Fantasmas.

Kylie fez uma cara engraçada, então olhou para Della toda séria.

— Fantasmas raramente fazem sentido.

Miranda soltou um gemido.

— Eu prefiro pensar que vocês é que estão pondo o nariz onde não são chamadas.

Della fez uma careta.

— Então talvez você prefira voltar lá para dentro.

— Acho que não. Prefiro ficar aqui, com vocês duas falando de fantasmas, do que sozinha lá dentro sabendo que vocês estão aqui falando de fantasmas. Minha imaginação pode ser mais assustadora do que a verdade.

Della não concordava. O que ela tinha para falar era bem assustador.


Capítulo Vinte

Della contou a Kylie sobre o acidente na autoestrada e o que Holiday tinha dito sobre fantasmas que são capazes de causar confusões como aquela.

— Você viu o fantasma quando isso aconteceu? — perguntou Kylie.

— Não, eu não a vi em momento algum. Eu só a ouço. Sinto uma presença fria.

— E você ainda não sabe quem ela é?

Della se lembrou de que Holiday e Kylie haviam dito que ela provavelmente tinha uma conexão com o fantasma.

— Não. Mas nós já sabemos qual é a conexão. É que Chan conhecia Natasha.

Kylie fez uma expressão de dúvida.

— Na maioria das vezes, é mais do que isso.

— Bem, desta vez não é — insistiu Della.

— Você a sentiu quando o acidente estava prestes a acontecer? — perguntou Kylie.

— Eu não sei — Della respondeu com sinceridade. — Aconteceu tão rápido e então eu vi meu pai e...

— Foi quando você viu seu pai? — perguntou Kylie.

— Sim — confirmou Della, percebendo que não tinha associado as duas coisas. — Você acha que ele tem alguma coisa a ver com isso?

— Dã — acrescentou Miranda, intrometendo-se na conversa.

Della fez cara feia para a bruxa.

— Se você não pode dizer nada construtivo, então fique de boca fechada.

A bruxa fez uma careta de volta.

— Eu poderia dizer algo construtivo, mas você não vai querer ouvir.

— O que eu não quero ouvir? — Della perguntou, irritada.

Miranda olhou para Kylie como se pedisse permissão para falar.

— Você não precisa da aprovação dela. Basta dizer — Della despejou.

— Bem. Você age como se você não soubesse quem é o fantasma, mas eu acho que está na cara.

— Não é Natasha — Della discordou.

— Eu não estou dizendo que é Natasha.

— Então, quem é? — Della e Kylie perguntaram ao mesmo tempo.

Miranda olhou para ambas e, em seguida, pareceu estar quase com medo de dizer.

— Sua tia.

— Minha tia Miao está viva.

— Não, a outra.

Della ofegou.

— Você quer dizer Bao Yu?

— Ela não foi assassinada?

Della assentiu.

— É, é ela. Isso faz sentido. Ela viu seu pai, se assustou e fez todos os carros perderem o controle...

— Não! — Della sentiu um ardor no peito e seus olhos ficaram incandescentes. — Meu pai não matou a irmã!

Miranda deu um pulinho para o lado, afastando-se da vampira.

Kylie estendeu a mão e gentilmente segurou o braço de Della. A emoção calma que irradiava do toque dizia a Della que a camaleão tinha se transformado em fae.

— Eu não disse que ele a matou — respondeu Miranda, num tom compreensivo.

— Ela poderia ter surtado por vários motivos ao ver seu pai.

— Que motivos? — perguntou Della, o toque calmante de Kylie amenizando sua fúria, mas não o medo. Gostasse ou não, o que Miranda dissera fazia sentido. E Della na verdade não queria acreditar.

As sobrancelhas de Miranda se ergueram.

— Eu não consigo pensar em nada agora, mas tenho certeza de que existem alguns. Não existem, Kylie?

— Claro! — disse Kylie, não parecendo muito confiante. — Mas primeiro precisamos saber se é de fato o fantasma da sua tia. Em segundo lugar, supondo que o fantasma seja ela, ainda não sabemos se ela provocou a perda de controle dos carros porque está com raiva.

— Certo — disse Miranda. — Talvez ela quisesse que você e seu pai se vissem para que fizessem as pazes e parassem de brigar. — Miranda colocou os braços sob a blusa para se proteger do frio.

— Se ele tivesse me pego andando por aí com um cara gostoso num conversível caríssimo, não teríamos feito as pazes.

Kylie puxou o outro pé e abraçou os dois joelhos.

— Talvez ela estivesse avisando que ele estava lá, pois não queria que você fosse apanhada. — Miranda desviou os olhos para Kylie. — Você se tocou que ela chamou Chase de o cara de gostoso?

Della rosnou.

— Não pode ser minha tia. O que a minha tia, uma adolescente que foi assassinada há quase vinte anos, teria a ver com Natasha?

Logo em seguida, uma brisa tão fria que veio com pedacinhos de gelo soprou sobre elas. Pedacinhos minúsculos de granizo começaram a quicar no alpendre.

Calafrios arrepiaram os pelos do pescoço de Della e ela se lembrou do que tinha acontecido mais cedo no escritório com a água e o gelo. Olhou para Kylie e a amiga encontrou seu olhar, os olhos arregalados como se estivesse tentando dizer alguma coisa.

Miranda começou a bater os dentes quase no mesmo ritmo do gelo, contra a cerca de madeira.

— Me digam que... — plin, plin — Essa... essa é uma tempestade normal.

— Esta é apenas uma tempestade normal — disse Kylie, se levantando. Della nem sequer tentou ouvir o coração de Kylie para saber se ela estava mentindo. A verdade, juntamente com o medo, estava refletida em seus olhos azul-claros.

Miranda se encolheu toda e olhou para a camaleão.

— Você está querendo me enrolar, não é?

— É isso aí! — Kylie olhou em volta. Della seguiu seu olhar e não viu nada, mas isso não significava que o fantasma não estivesse lá.

— É melhor a gente ir para dentro — Kylie sugeriu, parecendo desconfiada. E logo em seguida um raio atingiu o chão, na frente da varanda. A corrente elétrica vibrou no ar. Os pelos dos braços de Della se arrepiaram.

Sem perder tempo, Miranda ficou de pé e atravessou a porta da cabana. Della esperou por Kylie para seguir a bruxa. Com suas amigas seguras lá dentro, Della deu um passo para fazer o mesmo. Antes que ela cruzasse o limiar, a porta se fechou com um estrondo que foi seguido por outro raio de sacudir o chão.

— Merda! — Kylie gritou do outro lado da porta. — Della, você está bem?

Della, sentindo os dedos gelados com um medo paralisante, mas muito teimosa para admitir, se virou e olhou para a tempestade e o fantasma.

— Quem é você? Diga logo, droga!

E foi então que a escuridão a engoliu. Seus braços e suas pernas ficaram dormentes. Seu coração parou de bater. Ela se sentiu congelada.

A escuridão desapareceu e a parte de trás de suas pálpebras ficou vermelha. Ela se forçou a abrir os olhos e viu.

Viu seu pai quando jovem, de pé diante dela. Na mão direita, uma faca. Sangue, espresso e vermelho, pingava da lâmina e se derramava no chão de madeira ao lado de onde ela estava deitada.

Onde ela estava... sem respirar.

Onde ela estava... morta.

Sentindo como se estivesse flutuando, ela deixou o corpo. Viu a cena sangrenta novamente de cima. A pessoa no chão, caída numa poça de sangue, não era ela. Longos cabelos pretos e sedosos da uma garota oriental espalhavam-se ao redor de seu corpo; seus olhos estavam abertos, olhando para o nada, mas havia tanto sangue em seu rosto que era quase impossível ver suas feições. Della viu apenas os olhos.

Tão parados.

Tão tristes.

Mas o pai dela estava lá.

Ele estava de pé sobre o corpo, a faca na mão, o assassinato em seus olhos.

Não!

Não!

Não!

— Della? Della?

Ela ouviu a voz de Kylie. Profunda e grossa, como se estivesse no modo proteção. O som de uma porta sendo arrombada ecoou à distância. Então Della sentiu as mãos de Kylie em seus ombros.

A visão de Della se desvaneceu e a camaleão loira, com um brilho cintilante em torno dela, apareceu de pé na sua frente. Atrás de Kylie estava Miranda, lágrimas de medo empoçadas em seus olhos verdes.

— Você está bem? — perguntou Kylie.

Bem?

De jeito nenhum!

Ele havia dado a vida a ela. Ele a amava. Lia livrinhos infantis para ela quando criança. Ele a ensinara a jogar xadrez. Ajudava-a na lição de álgebra.

Ele tinha matado a irmã.

Seu pai era um assassino.

Não!

Tudo nela queria negar. Mas ela tinha visto. Como poderia não acreditar?

Não, ela não tinha visto. Havia muito sangue no rosto da menina, ela não sabia se era realmente sua tia ou outra pessoa.

— Eu estou bem — Della mentiu. Então se afastou de Kylie e passou correndo por Miranda.

Della entrou em seu quarto, virou-se, segurou a maçaneta da porta e olhou para suas melhores amigas. A preocupação enchia os olhos das duas, mas Della não podia lidar com isso agora.

— Nós precisamos conversar — disse Kylie.

— Não. — Não dessa vez. Ela não podia dizer isso a ninguém. Não queria pensar sobre isso. — Eu só quero ficar sozinha! — Bateu a porta.

Quando se virou, viu o livro sobre a cama. O anuário que ela tinha conseguido para ajudar a encontrar o irmão gêmeo do pai. Não estava ali quando ela saiu. Como tinha ido parar ali...?

O fantasma? Ela poderia ter...?

E, de repente, sua mente começou a ligar os pontos.

Um ponto.

Dois pontos.

Três.

— Eu sinto muito. — A voz de Kylie veio por trás dela com o clique da porta sendo aberta. — Não me importo com o que disse, você não precisa ficar sozinha. Acabou de ter uma visão, não é? Eu sei como elas fazem a gente se sentir.

— Nós somos amigas. — A voz de Miranda ecoou atrás dela. — Não batemos a porta na cara umas das outras.

Della virou-se, ouvindo o que elas diziam, mas perdida em seus próprios pensamentos.

— Eles são gêmeos. Pode não ter sido ele...

— O quê? — Kylie e Miranda perguntaram ao mesmo tempo.

— Meu tio não estava morto na época. Ele era só um vampiro. Então poderia ter sido ele, o gêmeo do meu pai, que eu vi de pé diante dela.

— O que seu tio poderia ter feito? — Kylie chegou mais perto. Seus olhos azuis se enchendo de compaixão.

— Eu estava morta. Não sei quem eu era. Poderia ser minha tia. E meu tio pode tê-la matado.

— Sua tia? — disse Kylie. — Então Miranda estava certa, a sua tia é o fantasma?

Della balançou a cabeça.

— Eu não sei. Tinha tanto sangue no rosto dela!

— Tenho certeza de que estou certa — disse Miranda. — Quem mais poderia ser?

— Eu disse que não sei com certeza! — Della protestou.

Kylie ficou parada ali como se estivesse pensando.

— Ela lhe contou qual a ligação entre ela e Natasha?

— Não. — Della lutou contra o ardor em suas narinas. — Eu a vi morta. Vi um homem que se parecia com meu pai de pé sobre ela com uma faca ensanguentada.

— E você acha que era o seu tio?

— Tem que ser — disse Della. — Tem que ser.

Della passou o resto da noite mais se revirando na cama do que propriamente dormindo. Não que isso a surpreendesse. A visão tinha mexido tanto com ela quanto sua primeira visita à UPF, quando ela tinha visto dois corpos. Della quase caía no sono e então acordava com um sobressalto ao ver a imagem do pai — não, do tio — segurando a faca ensanguentada.

Tinha que ser o tio. Acreditar nisso tornava tudo quase aceitável. E daí que ela tinha grandes esperanças de encontrar o tio? Ela abriria mão de ter um membro da família que fosse vampiro, que a compreendesse e a amasse. Ela jogaria tudo isso fora para não ter que acreditar que o pai fosse capaz de matar.

Della rolou novamente na cama. Da sua janela, podia ver uma lasca do céu ficando lentamente mais cor-de-rosa com o sol nascente. Um novo dia. Um dia melhor, ela esperava. No momento em que a luz tinha conseguido tornar as sombras mais brilhantes, ela ouviu os passos.

Passos em direção à sua cabana... à sua janela. Apenas uma pessoa entrava pela sua janela com certa regularidade. Uma pessoa que tinha dito que não queria dizer adeus pessoalmente e mandado uma mensagem com uma carinha triste.

Desde a visão da noite anterior, ela tinha colocado toda a mágoa de Steve num saquinho apertado e o enterrado no coração. Mas aquele barulho. Aqueles passos tão familiares — tanto a dor quanto o prazer de tudo que Steve representava em sua vida dançaram no seu coração.

Antes que Della pudesse decidir se corria e se escondia ou o deixava entrar e lhe dava um pontapé na bunda, um rosto triste apareceu na sua janela. Ela se levantou e apertou as mãos em punhos. Ela queria gritar, rir e chorar ao mesmo tempo.

Ele abriu a janela e saltou para dentro como se pertencesse àquele lugar. Pertencesse ao seu quarto e à sua vida.

E, dane-se, ela não o condenava, porque não tinha certeza se não era verdade.


Capítulo Vinte e Um

Steve deu um passo em direção a ela. Della deu um passo para trás. Atrás dele, o sol nascente deixava o céu púrpura.

— Você disse...

— Eu não consegui.

— Não conseguiu ir embora? — Della prendeu a respiração, não piscou, até seu coração parou de bater enquanto ela esperava, rezando para que ele dissesse que ela estava certa. Mas e depois?, uma voz dentro dela perguntou. E Chase?

— Não, eu não poderia ir embora sem dizer adeus... Mas deixar você vai ser um inferno.

Ele deu um passo para a frente e colocou as mãos quentes em torno da cintura dela. Lentamente, Steve a puxou contra si e ela não resistiu. Não conseguiu. O pensamento de chutar a bunda dele já esquecido.

Ele não a beijou, apenas a abraçou. A cabeça dela descansou naquele lugar especial em seu peito. O que agora Della insistia em pensar que pertencia a ela. Seu cheiro, um perfume picante de terra misturado com o aroma de vento fresco, encheram seus sentidos.

Ela o respirou avidamente. Lágrimas se formaram em seus olhos.

Quando Steve se afastou, até mesmo os olhos dele estavam úmidos.

— Quero que saiba que não importa o que aconteça, eu nunca vou me arrepender do que vivemos. Do que tivemos. E, se eu te perder, você será sempre aquela que saiu da minha vida mas eu nunca vou esquecer.

Ele parou e olhou para o teto por um segundo. Dois. Três.

Depois soltou um suspiro e sua respiração soou trêmula. Ou seria a dela?

— Me prometa — disse Steve, olhando para ela. — Me prometa que você não vai fazer nada idiota e se matar por aí. Me prometa que você vai parar de deixar a ignorância dos seus pais te machucar tanto. Você não merece isso. Me prometa que, antes de se apaixonar por Chase, você vai se lembrar de que eu amei você primeiro.

Foi nessa hora que a vontade de chutar a bunda dele voltou!

Ela bateu no peito dele com a palma da mão. Steve cambaleou para trás, mas manteve-se firme.

— Por que você me fez gostar tanto de você quando sabia que estava indo embora? Você poderia ter me deixado em paz! Eu não estaria sofrendo agora! Por quê?

Ele a segurou e a beijou, então. Seus lábios tinham um gosto quente, tinham um gosto de Steve — tão doces, mas estranhamente salgados. Talvez por causa das lágrimas dela, e talvez até mesmo das dele. Antes que ela percebesse, muito antes do que ela queria, o beijo terminou. Della abriu os olhos. Ele tinha ido embora. Ela viu várias pequenas centelhas flutuando no ar. Então avistou o pássaro, um falcão-peregrino empoleirado em sua janela.

Numa postura altiva, quase régia, o pássaro inclinou a cabeça para ela, em seguida, saltou e voou para longe. Com ele, foi embora uma parte do seu coração. E ela não tinha certeza se teria aquela parte de volta um dia.

Della ouviu Miranda e Kylie deixarem a cabana a tempo de tomarem o café da manhã. Della perdeu o café e a Hora do Encontro. Mas conseguiu se recompor o suficiente para ir à primeira aula. Matemática. De lá, ela foi para a de Ciências. A aula estava pela metade e Haden Yates, irmão de Jenny, falava sobre ondas sonoras. Podia ser até interessante, se ela conseguisse prestar atenção.

Mas não conseguia.

Não enquanto ainda se recuperava da visão da noite passada. Ruminava a possibilidade de que o pai e, se não fosse ele, o tio, fosse um assassino. Além do fato de que mais um dia tinha se passado e ela ainda não tinha nem ideia de onde encontrar Natasha. Acrescente a isso tudo o fato de que uma parte de seu coração estava sobre o oceano voando em direção à França, e era alguma surpresa que ela não conseguisse dar a mínima para as ondas sonoras?

Alguém no fundo da sala riu. Della olhou para trás e à direita, em seguida percebeu que algo não estava certo. Ela virou a cabeça ao redor para ter certeza de que não estava enganada. Não. Não se enganara. Ela estava tão ocupada chafurdando na autopiedade que não tinha percebido que Kylie e Miranda não estavam na sala. Droga.

Que tipo de amiga ela era? Especialmente considerando que Miranda estava no mesmo barco furado que ela. Bem, ela não tinha uma tia morta assombrando-a, mas não havia dúvida de que, do ponto de vista da sua vida amorosa, o coração da garota tinha sido arrancado do peito.

Della se levantou da carteira para sair da sala, mas se lembrou de que ninguém simplesmente se levanta e deixa uma sala de aula no meio de um debate sobre ondas sonoras.

— Della? — disse Yates.

Ela olhou para ele. Ia começar a explicar que precisava encontrar as amigas, mas isso não lhe pareceu uma desculpa razoável para deixar a sala. E, ultimamente, o senhor Yates andava se queixando das faltas de Della — mesmo quando eram aprovadas por Burnett.

— Hã... Eu preciso ser dispensada.

— Por quê...?

— Razões pessoais — disse ela, esperando que ele não discutisse, porque, se fizesse isso, ele não ia gostar da desculpa alternativa que ela tinha para sair da aula. Mas Della iria usá-la... mesmo que fosse uma mentira.

— Que tipo de razões pessoais? — ele perguntou, parecendo um pouco irritado.

Dane-se, ela tinha tentado poupá-lo. Della colocou a mão no quadril e encontrou o olhar contrariado do professor.

— Estou naqueles dias e precisando dar uma geral. Claro, você não iria entender.

O queixo do senhor Yates caiu, mas ele não a dispensou da aula, então ela simplesmente continuou.

— Quero dizer, eu sei que vocês não entendem toda essa coisa de menstruação.

A cor vermelha dele subiu do pescoço para o rosto e ele ficou parecendo quase um personagem de desenho animado, mas ainda assim não a dispensou.

— Mas, falando sério, se o seu pênis sangrasse uma vez por mês...

— Pode sair! — ele quase gritou e ela mal o ouviu por sobre o riso dos outros alunos.

— Obrigada. — Ela disparou para fora da sala e não diminuiu o ritmo até parar na sua cabana.

Ela podia ouvir Miranda e Kylie lá dentro. A voz chorosa de Miranda era a que ecoava mais alta.

Sentindo-se muito mal por abandoná-las depois de ter recebido tanto apoio delas nos últimos meses, Della irrompeu cabana adentro. Estavam sentadas à mesa da cozinha. Miranda tinha um pote de meio litro de sorvete nas mãos e três potes vazios jaziam ao lado, sobre a mesa. E eles pareciam ter sido lambidos, de tão limpos.

Kylie encarou Della como se não soubesse mais o que fazer com a bruxa. Não que Della tivesse grandes ideias.

— Sinto muito. Eu não sabia que estávamos dando uma festa do sorvete.

Della parou ao lado da mesa.

Miranda soltou mais um soluço e colocou outra colher grande de sorvete de banana na boca.

— Ele ne...nem me ligou — ela choramingou com a boca cheia de sorvete.

Della respirou fundo e pediu a Deus para que tivesse paciência.

— Ele está no meio do caminho. Depois que se chega a cerca de 20 mil pés de altitude, é meio difícil encontrar uma torre de celular...

— Eu dei a ele um telefone especial. — Miranda soluçou. — Ele não precisa de uma torre de celular.

— Todos os telefones celulares precisam... Ah, você quer dizer um telefone mágico?

Miranda assentiu com a cabeça e soltou outro soluço.

— Que legal! — admirou-se Della.

— Não é legal se ele não me... liga. Por que ele... não me ligou?

Kylie franziu a testa para Della como se dissesse que não sabia o que dizer.

— Tenho certeza de que ele vai ligar — disse Kylie e o coração da camaleão deu uma cambalhota, denunciando a mentira.

Della caiu numa cadeira e se perguntou se mentir não era de fato a melhor opção. Ela tentou imaginar Perry voando e de repente surgiu uma dúvida.

— Como Perry está voando com os seres humanos se ele não pode se controlar quando está perto deles?

Miranda mergulhou a colher de volta no pote de sorvete.

— Burnett deu um antialérgico a ele. O remédio diminui a capacidade de um metamorfo de mudar de forma.

Della refletiu sobre aquilo.

— Então por que ele simplesmente não toma antialérgicos todo dia? Assim não teria que ir para escola nenhuma aprender como não se transformar.

— Ele teve que tomar mais de dez comprimidos — disse Miranda.

— Mais de dez? — perguntou Kylie.

— Bem, aí está a explicação, dã — disse Della. — Talvez ele tenha desmaiado no avião e é por isso que não te ligou.

— Acho que ele não me ligou de propósito — Miranda gemeu.

— Eu não acho — disse Kylie, e seu coração deu mais cambalhotas no peito, dizendo a Della que era exatamente isso que Kylie pensava. Inferno, Perry provavelmente já tinha confidenciado a Kylie que não telefonaria para Miranda.

Droga, Perry! Não importava que o motivo que o tivesse levado a romper com Miranda fossem suas próprias inseguranças. Mesmo assim ele ainda iria partir o coração e o espírito dela. O espírito de Miranda era frágil. E aquilo elevava a fúria de Della à décima potência. Ela respirou fundo e tentou acalmar a fúria que deixava seus olhos incandescentes.

Miranda encheu a boca com outra colherada de sorvete, enquanto as lágrimas escorriam pelo seu rosto. Ela parecia patética e nojenta, porque seu nariz estava escorrendo, molhando todo o lábio superior, e ela ainda assim não parava de comer.

E de repente Della perdeu a paciência. Não conseguiria ficar ali parada, vendo Miranda daquele jeito.

— Chega! — ela gritou e tirou o pote de sorvete das mãos da amiga.

— Devolve isso! — Miranda exigiu e se levantou, tentando enfiar a colher dentro do pote.

— Não vamos brigar — disse Kylie. — Devolva o sorvete.

— Não! — Della afastou o pote da colher de Miranda. Mas a bruxa tentou alcançá-lo novamente.

Della enfiou o dedo no sorvete.

— Meus dedos estão imundos! — Ela encarou a companheira de quarto chorosa. — Eu estava com o nariz escorrendo hoje de manhã. — Ela continuou, cutucando o sorvete com o dedo, na esperança de desencorajar a garota.

— Eu não me importo! Eu quero o meu sorvete! — Miranda gritou e avançou para pegar o pote.

— Parem com isso! — disse Kylie.

Della ignorou Kylie, saltou para trás, e enfiou o dedo mais fundo na massa gelada. Então fingiu que iria entregar o pote à Miranda, mas em vez disso jogou-o no chão e, em velocidade de vampiro, começou a pisar com os saltos das botas sobre o pote de sorvete até deixá-lo em tal estado que a bruxa precisaria de um canudinho se quisesse recuperá-lo do chão.

Miranda ficou ali, olhando para aquela sujeira toda com fúria nos grandes olhos verdes.

— Eu cabulei aula para comprar esse sorvete.

Parecendo completamente fora de si, ela levantou o dedo mindinho e começou a girá-lo.

— Pare com isso! — Kylie gritou.

— Não. Deixe que ela faça isso! — Della encostou o rosto no de Miranda. Seu nariz quase tocava o da bruxa. E isso era meio nojento, porque o nariz dela estava cheio de sorvete. Pelo menos Della esperava que fosse sorvete e não...

— Não faça isso! — Kylie puxou Miranda para trás. — Pode acabar muito mal.

Della ergueu a mão.

— Fique fora disso! — ela disse para Kylie. — Deixe a bruxa me transformar em canguru ou me encher de espinhas, eu não me importo! — Della voltou a olhar para Miranda. — Você é minha amiga, droga! E eu não vou ficar parada olhando você comer até ficar enjoada e gorda como uma porca.

— Eu não me importo de ficar gorda! — protestou Miranda.

— Bem, eu me importo! — Della rebateu.

— Você não entende! — Miranda soluçou.

— Uma ova que não! — disse Della e de repente as lágrimas encheram seus olhos. — Olha, eles nos deixaram! Nós não queríamos isso. Não pedimos por isso. Eles é que devem ficar no fundo do poço, não nós!

— Mas eu amo...

— Eu sei que você ama Perry, mas você não merece isso. Eu não mereço isso! Steve e Perry basicamente nos disseram a mesma coisa: para descobrir o que queremos. Bem, caramba, isso é o que você deve fazer. Você não vai ficar chafurdando nessa merda de autopiedade e ficar imensa de tanto tomar sorvete. Você vai seguir em frente com a sua vida e descobrir o que você quer! E adivinha? Você pode descobrir que quer mais do que um namorado como Perry.

— A vampira tem razão — concordou Kylie.

Miranda fungou.

— Mas eu não quero...

— Olha, eu não estou dizendo que você vai se apaixonar por outra pessoa, mas talvez paquerar um pouco, se abrir para outras possibilidades. Você pode até mesmo se divertir.

— Quem é que eu vou paquerar? Todos aqui sabem que...

— Bem, paquere alguém que não seja daqui.

— Eu não quero paquerar ninguém...

E de repente Della se lembrou de algo que não tinha contado a Miranda. Sobre o bruxo agente da UPF que tinha ajudado a enterrar Chan. Ela teve que vasculhar o cérebro para se lembrar do nome dele, mas conseguiu.

— Que tal Shawn Hanson?

A boca de Miranda se abriu de surpresa. Em seguida, fechou de repente.

— Sua vampira sanguessuga de uma figa! Você leu o meu diário? — O dedo mindinho de Miranda voltou a girar. — Eu devia, eu devia...

— Eu não li merda nenhuma! — Della fez uma careta. — Mas teria lido se soubesse que você tinha um diário. Onde ele está? Aposto que eu daria boas risadas com ele.

— Não minta pra mim — Miranda rebateu. — De que outra forma você saberia sobre Shawn?

— Eu sei sobre ele porque o conheci.

— Mentira! — Miranda acusou e olhou para Kylie. — Vire vampira e verifique o batimento cardíaco dela.

Kylie deu de ombros.

— Eu já me transformei em vampira e ela não está mentindo.

Della abriu um sorriso de vitória.

— Ouça a camaleão, ela está falando a verdade.

Quando Miranda não disse nada, Della continuou.

— E não é só isso. Quando eu disse o seu nome, ele começou a poluir o ar com todo tipo de feromônio. O cara é louco por você.

— Agora eu sei que você está mentindo.

— Eu juro! — disse Della.

Miranda fez uma careta.

— Como ele sabia que você me conhecia? Onde você o encontrou?

— Ele estava ajudando no enterro de Chan. E sabia que eu conhecia você porque todo mundo estava falando da prisão e de como você transformou aqueles cinco capangas em cangurus. Ele me disse que você era amiga da irmã dele e que ele sempre soube que você tinha mais talento do que as pessoas acreditavam.

Os olhos de Miranda brilharam um pouco.

— Todo mundo estava falando disso? Sério, ele realmente disse essas coisas sobre mim? Que eu sou talentosa?

Della pôs a mão no coração.

— Palavra de honra. Que um raio me parta se eu estiver mentindo.

— E eu posso enfiar uma agulha no seu olho se você estiver mentindo? — perguntou Miranda.

— Sim, a agulha, também — disse Della.

— E os feromônios... Ele realmente...?

— Eu juro!

Miranda caiu para trás na cadeira. Ela ficou ali sentada pensando durante vários segundos. Em seguida, seus olhos perderam o brilho.

— Eu ainda não quero Shawn. Eu quero Perry.

— Eu sei. Mas você não pode ficar doente se Perry não ligar até voltar. Olhe para isso como uma oportunidade para ter certeza de que é ele mesmo que você quer. É difícil. Mas, que droga, vá beijar alguns sapos para ver se algum se transforma em príncipe.

Miranda cruzou as mãos no colo e, em seguida, olhou para Della.

— Você vai fazer isso?

— Eu não conheço nenhum sapo — disse Della.

— Não, eu quero dizer, você vai se abrir e ver se Chase na verdade não é um sapo, mas um príncipe?

— Eu não acho que o Pervertido da Calcinha seja...

— Pare aí mesmo! — Miranda voltou a ficar de pé e lançou para Della o que se poderia considerar um olhar fulminante. — Você não pode destruir o pote de sorvete de uma pessoa, ficar despejando conselhos em cima dela e depois não segui-los você mesma.

— A bruxa tem razão — disse Kylie.

— E tem mais! — acrescentou Miranda. — Você não chamava Chase de Pervertido da Calcinha há um bom tempo. Por quê?

Porque ela tinha parado de desconfiar tanto dele, Della pensou. E porque ele não tinha dito mais nada sobre as calcinhas dela, o motivo pelo qual ele tinha ganhado o apelido, para começo de conversa.

— Bem. Eu vou seguir meu próprio conselho. — De certa forma, ela já tinha feito isso. E talvez devesse se lembrar do quanto desconfiava de Chase no início, também.

— Promessa de mindinho! — Miranda estendeu o dedo mindinho.

Della entrelaçou seu dedo mínimo no da bruxa, mas não pôde deixar de se perguntar qual seria o castigo em caso de quebra de uma promessa de mindinho. No dia anterior, ela tinha confiado nele, hoje não confiaria. Não até que suas dúvidas com relação ao Pervertido da Calcinha se desvanecessem completamente.

— Diga que promete — Miranda repetiu.

— Prometo — disse Della, percebendo que a promessa não incluía confiar no garoto. Tudo o que ela tinha prometido era tentar descobrir se Chase era um sapo ou um príncipe. E daí se ele fosse um príncipe? Aquilo não significava que ele era o príncipe dela.


Capítulo Vinte e Dois

Della foi para a sua última aula e, logo depois que acabou, foi direto para a cabana, onde ligou para Derek e perguntou se podiam se encontrar. Por mais que ela estivesse pensando em Steve e em Perry e Miranda, não tinha esquecido a visão. E se havia alguém que poderia ajudá-la a encontrar respostas, era Derek. Ele era ex-namorado de Kylie e já tinha trabalhado no escritório de um detetive particular, então tinha ajudado Della a desenterrar informações sobre sua família no passado. Fora ele quem descobrira sobre o assassinato de Bao Yu.

— O que manda? — ele perguntou.

— Só algumas perguntas... sobre o caso da minha tia.

Ele parou um minuto.

— Eu na verdade não sei muito a respeito.

— Eu gostaria que me contasse tudo o que sabe — disse ela.

— Ok. Estou com Jenny, ela pode ir junto?

— Claro! — disse Della, percebendo que tinha sido negligente com a promessa que fizera a si mesma de ser mais amiga de Jenny, a nova camaleão do acampamento. Mas Della andara meio ocupada, certo? Um fio de culpa se esgueirou através dela.

Della sentou-se na varanda para esperar, depois que desligou o celular. O clima de outono era agradável, o céu era de um azul perfeito e o sol estava quente em seu rosto. Um lindo dia para se pensar em assassinatos. Para pensar num assassinato que tinha acontecido anos atrás, mas o fantasma tinha dado a ela uma imagem, e ela só poderia presumir que era importante. Ou talvez só precisasse provar a si mesma que não era o seu pai o assassino.

Quando ouviu os passos de duas pessoas se aproximando pela trilha, ela ergueu os olhos e viu Derek e Jenny surgindo numa curva do caminho. Estavam de mãos dadas e conversavam em voz baixa, sorrindo.

O coração de Della deu um mergulho, sentindo uma fisgada ao ver duas pessoas tão perfeitas uma para a outra. Ela sempre tinha esse sentimento quando via Kylie e Lucas juntos. E talvez até um pouco com Miranda e Perry — o babacão.

Jenny viu Della, soltou a mão de Derek e correu para abraçá-la. Della permitiu.

— Eu sei que você está trabalhando num caso para a UPF, mas senti a sua falta. E fiquei preocupada com você... quando Steve foi embora.

— Eu estou... está tudo bem e me desculpe — disse Della, sua mente ainda às voltas com as pessoas perfeitas uma para a outra, e perguntou-se se as outras pessoas viam ela e Steve assim também.

— Está se desculpando pelo quê? — perguntou Jenny.

— Por ser muito ocupada. Vamos almoçar juntas amanhã.

— Eu estou convidado? — perguntou Derek.

— Não — disse Jenny. — Não poderemos falar de você, se estiver lá. — A garota riu, parecendo quase inebriada. Será que era o amor?

Derek franziu a testa.

— O que você vai dizer sobre mim?

— Você nunca saberá! — brincou Jenny. — Mas tenho certeza de que vai ser algo bom.

Della revirou os olhos. Seu coração podia estar meio mole, mas aquilo estava ficando sentimental demais.

— Vocês querem entrar? — Della ofereceu antes que os dois começassem a se beijar ou algo assim.

— O dia está tão bonito! Por que a gente não pode simplesmente se sentar aqui fora? — respondeu Jenny.

Eles se sentaram, encostando-se na parede da cabana. Derek dobrou um joelho e, quando olhou para Della, ela sabia que ele estava se perguntando por que tinha pedido para vê-lo.

— Eu acho que já contei tudo o que descobri.

— Você não me disse como ela morreu — corrigiu Della. — Você conseguiu uma cópia do relatório?

— Não, meu amigo investigador só me disse o que o detetive amigo dele contou. — Ele fez uma pausa como se pensasse, então franziu a testa. — Tenho certeza de que ele disse que ela foi espancada até a morte. Disse que no relatório estava escrito que havia muito sangue.

— Então não foi esfaqueada? — ela perguntou. — Se tivesse sido esfaqueada, estaria escrito lá, certo?

Derek considerou um minuto.

— Acho que sim. Por quê?

— Nada importante — ela mentiu, agora ainda com mais certeza de que o fantasma que a assombrava era realmente sua tia. Só porque ela era oriental, isso não significava que estivesse envolvida. Tudo bem, isso podia ser só um desejo seu, mas Della merecia poder desejar um pouco.

Então, de repente, ela percebeu que não tinha visto o fantasma realmente ser esfaqueado. Só tinha presumido que a vítima tivesse sido morta pela faca. Ah, inferno, agora ela estava mais confusa do que antes.

— Você consegue se lembrar de mais alguma coisa? Talvez tenha esquecido algo. Ou não achado que era importante. Você pode pedir a ele para contar tudo de novo?

Derek parecia que iria dizer não, mas então suspirou.

— Eu vou perguntar, mas...

— Mas o quê? — ela perguntou.

— É só que... você não gostou muito do que eu descobri da última vez... Sobre seu pai ser o único suspeito... e eu não acho que vai ser diferente.

— Eu preciso saber — disse Della. — Se vou gostar ou não, isso não interessa.

Algumas horas depois, Della avistou o Pervertido da Calcinha assim que fez a primeira curva da trilha que levava ao escritório. Ele tinha lhe mandado uma mensagem mais cedo, dizendo que precisava vê-la.

Ele andava com senso de propósito... não, era mais com confiança. Usava jeans, uma camisa amarela brilhante e um blusão com capuz marrom com o zíper quase todo fechado. As botas combinavam com o blusão, desbotadas, mas ainda quentes. O amarelo da camisa deixava seus olhos verdes ainda mais claros. Quase de um verde dourado.

Ela sentiu o pulso acelerar como se pela expectativa de vê-lo. Não era isso, Della disse a si mesma, mas sentia que era mentira.

— Algum problema? — ele perguntou, tão logo chegou perto dela.

— Como assim? — respondeu ela com outra pergunta para evitar ter que mentir.

A expressão dele dizia que Chase tinha percebido. Ela não se importava. Simplesmente não era justo que Chase conseguisse controlar o batimento cardíaco dele e, portanto, mentir. Claro, ela quase podia saber se ele estava mentindo através das expressões faciais, mas esse não era um método 100 por cento preciso.

— Sobre o que você precisa conversar? — Aquela tarde, ela tinha começado a se preocupar com a possibilidade de Chase ter tido a mesma visão que ela na noite anterior.

Se isso fosse verdade, será que ele suspeitava que a vítima estava relacionada a Della? Será que ele sabia que seu pai ou seu tio era responsável por um assassinato? Chase poderia facilmente juntar os fatos se o que ela suspeitava fosse verdade — que seu tio era a pessoa por trás do Conselho dos Vampiros que o enviara para ver como ela e Chan estavam. Seu tio poderia até mesmo ser do Conselho.

Ou Chase poderia estar falando a verdade quando dizia que estava apenas obedecendo ordens.

De qualquer maneira, isso a levou ao problema que precisava resolver. Quando ela iria se encontrar com o Conselho e ter a chance de ver se o tio estava envolvido?

— Você me responde e eu te digo.

— Responder o quê? — Ela continuou andando. Chase estendeu a mão e pegou-a pelo cotovelo. Não apertou, foi um toque suave. Como se isso significasse alguma coisa. Isso a incomodou.

— Para de enrolar, Della. Me diga o que está errado.

Isso significava que ele sabia? Ou que ele só sabia que ela estava evitando mentir? O coração dela deu algumas cambalhotas.

— Por que você acha que algo está errado? — Ela se afastou da mão dele e continuou andando em direção ao escritório.

— Você parece triste. — Chase acertou o passo com o dela.

— Dia ruim — Isso não era uma mentira. Ela quase tinha sido transformada em canguru por uma de suas melhores amigas. E, pela sua conversa com Derek sobre a tia Bao Yu, dava para adivinhar que tudo o que ela pensava era verdade.

Ela não olhou para Chase enquanto andava, só olhava para os próprios pés. Suas botas pretas ainda tinham restos de sorvete. O cheiro de sorvete de banana exalava das solas. Ela provavelmente deveria ter passado um paninho nelas.

Quando inspirou novamente, sentiu o cheiro de sabonete masculino picante e perguntou por que ela não tinha nem se preocupado em trocar de roupa. Então se lembrou de que não deveria se preocupar com a própria aparência. Eles estavam numa missão, não numa droga de encontro romântico.

— Eu acho que é mais do que apenas um dia ruim — disse ele.

Della parou de andar e olhou para ele.

— Por que você acha que é mais?

— Quer parar de responder a uma pergunta com outra pergunta? Apenas converse comigo.

Mais desconfiada do que nunca, ela levou uma mão ao quadril.

— O fantasma disse alguma coisa a você? — No momento em que fez a pergunta, Della se arrependeu.

Chase olhou para ela.

— Não. Eu apenas... Eu posso ler você... faz parte da ligação, eu acho.

— O que você quer dizer com “ler”? — Certamente ele não poderia saber o que ela estava pensando. Isso seria desastroso.

— Posso dizer se você está chateada só olhando pra você.

— Como? — perguntou ela.

— Eu observo detalhes. Coisas que eu não notaria antes.

— Que coisas?

— Em primeiro lugar, esse seu jeito malcriado está um pouco mais evidente. — Ele quase sorriu. — E, em segundo lugar, a sua sobrancelha direita ergue quase um centímetro quando você está tensa.

Della relaxou propositadamente as duas sobrancelhas.

Ele riu.

— Você também não passou a perceber coisas em mim?

Ela queria muito dizer que não, mas seria mentira e ele saberia. Ela já não tinha notado como a cor da camiseta dele mudava o tom dos seus olhos? E a confiança ao trocar as marchas. E...

— Eu sempre fui do tipo observador. — Havia alguma verdade naquilo também.

O brilho nos olhos dele desapareceu.

— Sério — ele disse. — O que há de errado?

— É pessoal. — Chase não podia argumentar com isso. Ela recomeçou a andar.

— Espere. — Ele pegou o braço dela novamente.

Talvez ele pudesse argumentar, sim.

— O fantasma lhe disse alguma coisa? É isso?

Veja só, ela tinha razão quando concluiu que aquilo tinha sido um erro. Della se afastou.

— Burnett está à nossa espera.

— Estamos adiantados, lembra? Droga, fale comigo! Se o fantasma...

— Eu já disse, é um assunto pessoal.

— É porque Steve foi embora? — A decepção tocou a voz dele e seus olhos ficaram um pouco mais brilhantes como se a ideia o incomodasse.

O primeiro impulso dela foi dizer que Steve não era da conta dele, mas talvez ela pudesse usar isso para fazer Chase parar de ficar no seu pé. Della levantou o queixo.

— E isso é pessoal.

Ele assentiu como se estivesse satisfeito em saber que aquilo era tudo o que a preocupava.

— Tudo bem, mas se quiser conversar, eu vou ouvir.

Ela tinha certeza de que Chase não tinha a mínima vontade de ouvi-la se lamentando por causa de Steve, mas parecia ter sido sincero.

— Ah, tá, como se isso fosse acontecer... — disse ela.

— Lá vai ela ser malcriada de novo...

— Mas eu sou tão boa nisso! — Della respondeu, meio de provocação.

— Ah, isso é verdade! — Ele sorriu.

O sorriso dele, genuíno e sexy, a pegou de surpresa e ela olhou para Chase por uma fração de segundo a mais do que deveria. Ele notou, também. Ela podia dizer pela forma como o olhar dele — suave e sedutor — buscou lentamente os olhos dela.

Afastando o pensamento, ela endireitou a postura.

— O que você precisa falar comigo antes de conversar com Burnett?

Ele parou de andar e afastou um galho de uma árvore que estava no caminho.

— Eu quero pedir que ele adie um pouco o toque de recolher. Se vamos à funerária ver se encontramos alguém que saiba alguma coisa sobre Liam, podemos precisar ficar lá um tempo. Mas, se você acha que Burnett vai dizer não, então a gente talvez precise seguir a teoria de que é melhor dizer que estamos arrependidos do que pedir permissão.

Ela fez uma careta.

— Burnett não gosta dessa teoria.

— Tudo bem, vamos pedir.

— É assim que você trabalha com o Conselho dos Vampiros? — Ela aproveitou a oportunidade para desviar a conversa para o Conselho.

Ele fez uma cara de “cai na real”.

— Os caras do Conselho dos Vampiros não são superprotetores como Burnett. Parece até que você é filha dele!

— Então eles não se importam com você.

— Eles se importam, mas acham que eu vou conseguir fazer o meu trabalho sem que tenham de supervisionar cada pequeno detalhe.

Ela começou a andar novamente.

— Imagino que, quando eu for uma agente de verdade, não só uma agente júnior temporária, Burnett também agirá assim comigo. — Ela não poderia deixar de defender Burnett, mas, em seguida, acrescentou: — Mas estou ansiosa para conhecê-los.

Quando Chase não respondeu, ela olhou para ele.

— Quando você acha que vai ser?

— Quando vai ser o quê? — ele perguntou, e Della reconheceu a sua própria tática de responder a uma pergunta com outra pergunta.

— Agora quem está fazendo isso? — ela perguntou. Chase fingiu inocência. — Encontrar o Conselho dos Vampiros — ela respondeu diretamente. — Quando é que vai acontecer?

— Eu não sei se isso vai acontecer.

— Ah, eu simplesmente presumi que, já que eles têm participação no nosso trabalho, eu iria encontrá-los assim como você se encontrou com Burnett.

— Eu posso averiguar — disse ele. — Mas tenho a impressão de que Burnett não aprovaria.

— O que Burnett não sabe não vai matá-lo — Della respondeu.

— Mas você quer perguntar a ele sobre protelar o toque de recolher. Isso faz sentido?

— Ele saberia se eu ficasse fora até tarde — disse ela, apontando a diferença.

— Ele não tem como saber...

— Eu ainda acho que vai pegar mal pedir para ficar na rua com você até mais tarde; ele vai dizer não.

— Pedir algo que pega mal nunca matou ninguém. E a gente não vai saber se não perguntar.

— O que me faz voltar ao mesmo ponto — disse ele. — Vamos perguntar sobre você se encontrar com o Conselho dos Vampiros.

— Não — ela disse.

Chase franziu a testa e uma fina linha — de preocupação, talvez — apareceu entre os olhos dele. Ela teve a nítida sensação de que não era apenas Burnett que não aprovava seu encontro com o Conselho dos Vampiros. Haveria uma razão para Chase não querer que ela os encontrasse?

Poderia ser porque ela estava certa? O tio dela fazia parte da organização? O tio dela, que ela acreditava ter assassinado sua tia?

E Chase sabia disso.

Ela se lembrou da promessa do mindinho para Miranda. Descobrir se Chase era mais um sapo do que um príncipe. Agora, o Pervertido da Calcinha estava mais para quem comia gafanhotos no jantar.

Burnett entregou-lhes uma foto de Liam Jones.

— Ele é um bom garoto. Sem ficha criminal. Ia fazer engenharia. É parte afro-americano e parte branco. E morava com a mãe.

Della olhou para a foto e, embora estivesse muito escuro para ver o rosto dele na visão, de alguma forma ela sabia que aquele era de fato Liam.

Chase olhou para a foto e Della poderia dizer que ele sentiu o mesmo. Esse era o Liam que estavam procurando. Ele olhou para Burnett.

— Aliás, nós vamos precisar de um toque de recolher estendido esta noite.

A expressão de Burnett endureceu.

— Quanto tempo a mais?

— Quanto for preciso — disse Chase, olhando para a foto. Della podia dizer que ele quase sentia um vínculo com Liam. Não que ela pudesse culpá-lo, ela sentia uma espécie de ligação com Natasha também. Sentir como se estivesse na pele dela, na cabeça dela, provocava esse tipo de coisa.

— Nós vamos ficar bem — acrescentou Della. — Você sabe que a gente sabe se cuidar.

— Ser forte e rápido não faz de ninguém invencível. — Ah, cara, Della tinha ouvido aquilo uma centena de vezes desde que tinha Renascido.

— Quase faz — argumentou Chase.

Della interiormente se encolheu. Essa não tinha sido a coisa certa a dizer. Ela lançou a Chase um olhar de advertência.

— E isso explica por que eu não posso confiar em você.

— Você quer que a gente procure Liam ou não? — perguntou Chase.

Burnett contemplou-o por alguns longos segundos, silenciosos. Mas não ficaria em silêncio por muito tempo. Ele nunca ficava.

— Sim — ele disse, com firmeza —, mas vou mandar outro agente acompanhá-los durante essa parte da noite.

Chase se inclinou para a frente.

— Eu odeio discutir com você, mas andei fazendo umas investigações. Há umas duas gangues sobrenaturais à solta por aí. Gangues de adolescentes. Nós não precisamos de um velho babão saindo com a gente. Ele vai acabar com o nosso disfarce num segundo.

Os olhos de Burnett ficaram mais brilhantes.

— Eu mesmo vou.

— E eu insisto na mesma coisa. — Chase cruzou os braços sobre o peito.

Puta merda! Chase tinha chamado Burnett de velho babão?

Della prendeu o fôlego, com medo de que Burnett cancelasse toda a missão.

Os olhos de Burnett se iluminaram e ela o viu apertar a mandíbula como se para refrear sua vontade de chutar Chase dali.

— Vou mandar um agente mais jovem.

Chase bufou.

— Nós realmente não...

— Eu. Vou. Enviar. Um. Agente. Mais. Jovem. — A voz grave e alta de Burnett deixou claro que ele não admitia discussão.

Quando Chase se reclinou em sua cadeira, Burnett continuou, num tom de voz mais normal.

— Eu vou ligar passando os detalhes depois.

— Tudo bem. — Chase se levantou e começou a deixar o escritório.

Della saiu atrás dele, mas olhou para trás, na direção de Burnett, que ainda parecia contrariado. Ela deixou Chase se afastar um pouco e, então, enfiou a cabeça pela fresta da porta.

— Eu não acho que você pareça um velho babão. Ele nunca viu você sem camisa.

— Obrigado — disse ele —, eu acho. — Burnett se levantou. — Tome cuidado. E fique de olho nele. Chase pode ser mais inconsequente do que você.

— Vou ficar.

Havia um rádio ligado dentro da casa dos Owen. Mas, desta vez também, parecia que não tinha ninguém em casa. Ou a pessoa lá dentro estava dormindo e respirando tão baixinho que eles não conseguiam ouvir. Della farejou o ar. Ela teve que ignorar o aroma de banho de Chase para ver se conseguia captar quaisquer vestígios de humanos.

Conseguiu.

— Eu estou farejando...

— Eu sei, mas senti esse mesmo cheiro ontem — disse Chase. — Eles provavelmente têm uma sala de ginástica e ela está cheirando a suor. Você nunca foi a uma academia humana? O cheiro é quase insuportável.

Della não ia a uma academia desde que tinha se tornado vampira. Deu uma olhada rápida nele, se perguntando por que ele iria a uma academia. Os aparelhos não eram fortes o suficiente para oferecer a um vampiro um treino de verdade. Então ela se lembrou da razão por que a maioria dos caras vai a academias: para conhecer garotas gostosas.

Ela bateu mais uma vez na porta com força. Ficaram mais alguns minutos na porta da frente, sem que ninguém atendesse. Della levantou a mão e torceu o rabo de cavalo; usava o elástico de cabelo do porta-luvas do Camaro outra vez.

No trajeto para lá, Chase tinha tentado iniciar uma conversa, mas ela tinha evitado. Ainda estava pensando na possibilidade de ele realmente saber do seu tio.

— Nós temos algumas opções — disse Chase, dando alguns passos para trás e olhando para cima.

— Que tipo de opções? — perguntou Della, lutando contra a onda de decepção e também com a tristeza esmagadora — a mesma que sentira ali no dia anterior. Seria a casa? Ou o fantasma?

— Nós poderíamos entrar e ver se conseguimos encontrar fotos que possam nos dizer com certeza se Natasha Owens é a nossa garota.

— Eu acho que o nome disso é arrombamento e invasão — disse Della.

— Só vamos entrar — disse ele. — Eu vi uma janela no andar de cima que está aberta. E nós ouviríamos se um carro entrasse na garagem.

Ela lembrou as palavras de despedida de Burnett sobre Chase ser inconsequente. Mas a tentação venceu.

— Não é como se fôssemos roubar alguma coisa — acrescentou.

Ela recuou e olhou para a janela do segundo andar, cuja vidraça estava aberta uns bons dez centímetros. Ah, inferno, o que de pior poderia acontecer?

Você poderia ser pega, presa e, então, com certeza seu pai iria tirar você de Shadow Falls.

Na mente dela passou uma imagem de Natasha e Liam. Ok, será que a voz era do fantasma? Ou era apenas ela aceitando que às vezes simplesmente precisava correr riscos?

— Vamos nessa.


Capítulo Vinte e Três

— Ou talvez seja melhor a gente não fazer isso — acrescentou Della um segundo depois, quando percebeu que o que eles estavam prestes a fazer era na verdade um crime. E aos 17 anos, ela poderia ser julgada como um adulto.

Chase olhou para ela.

— Você quer esperar aqui fora?

— Não — ela retrucou, sentindo como se ele a chamasse de covarde.

Ele olhou em volta e inclinou a cabeça para o lado, como se para confirmar que nenhum carro estava se aproximando.

— Então, vamos. — Chase saltou, agarrou o parapeito da janela, soltou uma mão e, em seguida, abriu a janela. Só depois que ele tinha entrado, Della saltou para cima.

Agarrou o parapeito da janela e Chase ofereceu uma mão. Ele a ignorou e alçou o corpo, entrando no cômodo. Uma sala de jogos. Havia um grande sofá de couro marrom num canto e uma imensa TV de tela plana no outro. Uma esteira e um conjunto de pesos estavam arrumados ao lado, o que ela esperava que explicasse por que o cheiro de seres humanos era tão forte.

Música, uma canção da cantora Dido, inundava o cômodo, vindo de dois alto-falantes instalados no teto. Della olhou para o interior agradável, percebendo o sentimento de tristeza ainda mais forte do que lá fora. Ela olhou ao redor, procurando fotos de família, mas, com exceção de algumas gravuras de animais selvagens, não havia nada pendurado na parede.

Chase andou até a porta, abriu-a lentamente e começou a entrar pelo corredor. Della, sentindo-se uma criminosa, se esgueirou atrás dele. Chase parecia ter a intenção de descer as escadas, mas seu olhar se desviou para a parede do saguão, onde havia o que pareciam ser fotos de família.

— Olhe! — Della sussurrou, ainda nervosa. Seu olhar passou da foto dos pais — a mãe era americana e o pai parecia ao menos em parte oriental — para o de uma garota. Natasha. O coração de Della cantou uma pequena canção de vitória. — É ela! — confirmou Della. — Eu sabia.

— Tudo bem — disse Chase. — Agora sabemos que o nome dela é Natasha Owen. Vamos ver se conseguimos encontrar seu quarto e alguma pista lá dentro que possa nos ajudar.

Ele andou até a primeira porta à direita e abriu-a. Um quarto. Decorado em suaves tons de creme, mas desprovido de personalidade. A cama parecia recém-arrumada ou talvez ninguém dormisse ali. Quarto de hóspedes, Della supôs, e tanto ela quanto Chase deram um passo para trás ao mesmo tempo. A porta fez um leve tilintar quando ele a fechou.

O próximo quarto, ao ser aberto, despejou sobre Della uma onda quente de emoção. Pintado e decorado com um tom vibrante de roxo e móveis brancos caiados, era um típico quarto de adolescente. Até a colcha, de um roxo chamativo, deixava evidente que aquele quarto tinha sido ocupado por uma jovem. Alguém que amava a vida e a vivia com prazer.

Não havia dúvida. Era o quarto de Natasha. Della sabia disso.

Três pares de sapatos estavam espalhados pelo cômodo, jeans e algumas blusas tinham sido empilhadas num canto, como se da última vez que Natasha estivera ali, ela não tivesse certeza do que vestir e tivesse trocado de roupa várias vezes.

Será que ela tinha um encontro? Ou ia sair para comer pizza com os amigos? Por mais estranho que fosse, de pé ali, Della sentia traços da personalidade de Natasha se infiltrarem pelos seus poros. Alguns CDs estavam sobre a cômoda. A garota adorava música. Talvez até mesmo para dançar.

Afastando aqueles pensamentos malucos para longe, Della começou a fazer o que eles tinham se proposto ali: ver se conseguiam encontrar alguma pista.

A cama não estava feita, como se o mundo tivesse parado no dia em que Natasha tinha desaparecido ou, como os pais dela o viam, no dia em que ela morreu.

Por um segundo, Della lembrou que a mãe não tinha mudado nada, no quarto dela, depois que ela tinha se mudado para Shadow Falls. Seria esse um sinal de amor?

Na mesa de cabeceira, havia uma foto de Natasha e duas outras meninas, todas rindo, fotografadas num momento de felicidade, de amizade.

Della se aproximou da foto e pensou nas suas duas amigas, Miranda e Kylie. Será que essas eram as melhores amigas de Natasha? Será que também tinham ficado devastadas ao saber da suposta morte da amiga?

Pegando a moldura, Della se lembrou dos poucos amigos que tinha deixado para trás, na sua antiga vida. Estranhamente, eles não eram nem de perto tão importantes para ela quanto Miranda e Kylie.

Afastando os pensamentos do seu passado, notou uma outra foto de três garotas com chapéus de formatura na cabeça. Natasha era mais velha do que Della pensava. Isso, ou ela tinha terminado o secundário mais cedo.

Ela colocou o porta-retrato na cômoda e pegou outro. O rosto de Natasha chamou sua atenção. Havia algo... quase familiar nele. E não era só por já tê-lo visto na foto com Chan e sua tia.

O ruído de Chase abrindo gavetas e vasculhando as coisas de Natasha atrás dela chamou sua atenção. Com a forte sensação de que ele estava invadindo o santuário pessoal que os pais de Natasha tinham feito para a filha, ela colocou a foto de volta no lugar, quase desejando que não tivesse nem mesmo a tocado.

Della olhou para Chase.

— Não tire as coisas do lugar — disse ela, sentindo que a mãe ou o pai iam muitas vezes ao quarto e tinham memorizado onde estavam todas as coisas da filha. Coisas que contavam um pouco da vida dela.

— Eu só estou procurando alguma coisa que possa nos ajudar a encontrá-la.

Della não sabia o que seria, mas sabia que encontrariam algo ali, quase como se o fantasma os tivesse levado até lá. Em cima da cômoda havia o retrato de um homem. Cabelos escuros, olhos puxados. Della tinha quase certeza de que era o mesmo homem na foto de família que ficava no corredor.

Engraçado como Natasha parecia mais oriental do que o próprio pai. Sorte dela, Della pensou, lembrando que ela mesma mal parecia filha de um oriental.

De repente, por trás da música suave e da voz da cantora, veio o barulho de um carro em movimento na rua.

— Está chegando alguém! — disse ela.

— Eu sei — disse Chase.

No momento em que se aproximou da janela, o carro estava avançando pela entrada de carros.

— Merda! — Della murmurou.

— Tudo bem — disse Chase. — Vamos esperar até que ele abra a porta, então vamos pular pela janela. Vai ficar tudo bem — disse ele, quando a sentiu quase em pânico.

Sentiu corretamente. A adrenalina de Della bombeava a toda velocidade. A ideia de ser pega fazia o medo correr pelas suas veias. E então ela ouviu. Não o motorista dentro do carro que desligava o motor. O carro era o menor dos problemas. O que Della ouviu foram passos. Passos subindo os degraus da escada.

Alguém já estava no interior da casa. Tinha estado lá o tempo todo. E se tivesse ouvido ela e Chase? Estaria vindo verificar?

Chase, obviamente ouvindo os passos também, voltou a olhar para a janela.

— Ele ainda está no carro. — A voz dele mal chegava aos ouvidos de Della.

— O que vamos fazer? — ela respondeu no mesmo tom baixo.

— Plano B — ele disse.

— Qual é?

Ele fez uma pausa de um segundo.

— Não faço a mínima ideia.

— Merda! — Ela sussurrou de novo.

Os passos chegaram mais perto, vindos pelo corredor, e estavam quase em frente ao quarto. Nada além de uma fina lâmina de madeira os separava do momento em que seriam pegos, invadindo a casa.

Nunca Della invejou tanto o dom da invisibilidade de Kylie. Mas ficar ali lamentando não ter esse dom não a levaria a lugar nenhum — ela precisava de um plano. E rápido.

— O armário. — Ela enganchou o braço no de Chase e o puxou para dentro.

Mal tinham fechado a porta e se agachado entre sapatos e peças de roupa caídas quando os passos pararam. Bem do lado de fora da porta.

Dela puxou os joelhos na direção do peito. A escuridão enchia o espaço exíguo. O ombro dela pressionava o de Chase. Precisando de mais ar para vencer o pânico que comprimia seus pulmões, respirava rápido e superficialmente, esperando não fazer muito barulho. O aroma de perfume e xampu, obviamente de Natasha, impregnava o ar. Então o cheiro picante do sabonete masculino de Chase, misturado com o aroma de ar fresco, encheu os pulmões de Della. Embora ela não conseguisse enxergar um palmo na frente do nariz, fechou os olhos. Com força. E rezou.

Que ninguém entre. Que ninguém venha até aqui.

A porta se abriu e os passos entraram no quarto. Passos suaves como os de uma mulher. O que aconteceria a seguir? Se a pessoa a quem pertenciam os passos realmente os tivesse ouvido, será que olharia dentro do armário? Ah, não! Por que Della tinha escolhido o armário?

Della sentiu o estômago se contrair ao pensar em ter de explicar aos pais por que ela tinha invadido a casa de alguém.

Droga! Droga! Ela e Chase iriam ser pegos e aquilo acabaria muito mal. Realmente muito mal.

Os passos circularam pelo quarto. Com os olhos ainda fechados com toda a força, Della ouviu a pessoa soltar um suspiro profundo. Os lábios de Chase se aproximaram do ouvido dela.

— Se abrirem a porta, saltamos voando pela janela. É só manter a cabeça abaixada e procurar cair na grama. Se for bem rápido, eles não vão conseguir nos descrever para a polícia.

Della abriu os olhos. Uma réstia de luz entrava por baixo da porta do armário. Aquilo ou seus olhos tinham se acostumado à escuridão, e ela passou a enxergar as coisas à sua volta — as roupas no chão, o par de tênis desgastados no canto do armário. Ela voltou a fitar a porta, preparando-se para correr como louca se ela se abrisse.

Della contou até três, achando que já era hora de a pessoa se decidir se iria examinar o armário.

Um.

Dois.

Três.

A porta não se abriu.

O barulho do colchão cedendo sob o peso de alguém acrescentou outra camada de tristeza à música que tocava ao fundo.

Então ela ouviu um soluço sentido. Um soluço feminino. Não fazia parte da música. Era algo que vinha do fundo do coração. E parecia dor. Pura. Dor.

— Por que eu continuo ouvindo você? — disse a mulher. — Você está aqui, querida? Por que eu não aceito que você se foi? Pode me ouvir? Eu amo você. Sinto muito a sua falta.

Ela não se foi, Della queria dizer. Lágrimas encheram seus olhos. Enquanto sentia o peito doer por Natasha e sua mãe, Della não pôde deixar de imaginar se a mãe sentia a falta dela.

Será que algum dia a mãe tinha entrado no quarto dela e chorado?

Della não percebeu que ainda segurava a mão de Chase até que os dedos dele se entrelaçaram nos dela e os apertaram levemente. Será que ele lamentava a dor da mãe de Natasha também? Era como se ele estivesse tentando comunicar que tudo ficaria bem.

Mas como isso era possível? A tristeza da mulher ficou ainda mais evidente, pesando no ar, até dentro do pequeno armário. O sentimento de injustiça, de pesar, inundou o peito de Della e a fez se sentir sufocada.

A música de repente parou e o toque de um telefone soou em algum lugar.

O toque foi substituído por uma voz eletrônica anunciando: chamada de Miao Hon.

Dela segurou a respiração. Com certeza ela ouvira errado. Mas a mensagem se repetiu. Chamada de Miao Hon.

Por que a sua tia, mãe de Chan, estaria ligando para a mãe de Natasha?

Della respirou com um tremor. Ela desviou os olhos para Chase, mas ele parecia não ter associado o último nome de Chan com a pessoa que estava ligando.

O leve barulho do colchão se infiltrou pela porta. Então os passos deixaram o quarto. O clique da porta do quarto sendo fechada chegou aos ouvidos de Della, mas soou diferente. Distante.

Muito distante. Imediatamente, o armário pareceu mais escuro. Em vez de num esconderijo, ela estava agora numa prisão.

Dela se virou para falar a Chase que ela queria ir embora — queria sair dali, afastar-se da dor —, mas não era mais Chase sentado ao seu lado.


Capítulo Vinte e Quatro

O medo era a emoção que a impelia, mas, quando o sentiu, ele se transformou em outra coisa. Algo que a fez sentir borboletas no estômago. Uma sensação boa.

Com os ombros contra os dele, ela olhou para o garoto, tentando entender. Ele tinha olhos castanhos, quase pretos, amendoados, e pele cor de café com leite com muito leite. Seu cabelo curto era preto e caía em cachos na testa. Seus traços eram... perfeitos, exceto por uma cicatriz ainda recente sobre a sobrancelha esquerda. Algo sobre ele agitou seu banco de memória, mas ela não conseguiu detectar o quê. No entanto, ela tinha o estranho desejo de passar os dedos pelo ferimento em fase de cicatrização.

De repente, outra lembrança sussurrou nos recônditos do seu cérebro. Ela não via nada, mas captou um vago vislumbre de uma briga e soube que ele tinha sido ferido enquanto tentava protegê-la.

Ele olhava para ela com carinho e paixão. Ela queria diminuir a distância entre eles, mas de repente não precisou mais. Ele se inclinou, chegando mais perto, a boca quase na dela. Sua leve respiração tocou seus lábios.

Ele ia beijá-la.

Correção. Ele a estava beijando.

Não, não ela. Ele estava beijando Natasha.

Ele era Liam. E Natasha correspondia ao beijo.

— Você está tão linda! — ele sussurrou, afastando os lábios e percorrendo os dela, ainda úmidos do beijo, com os dedos.

— Não estou, não. Meus cabelos estão duros de sujeira. Preciso de um banho — ela disse rindo.

— Não é o que eu vejo — ele disse.

— Que bom que aqui está escuro! — ela exclamou.

Ele a beijou outra vez e dessa vez o beijo começou suave e depois ficou mais ardente. A boca de Liam tinha um gosto bom. Era doce e tinha um leve sabor acre de sangue. Do sangue dela. Do sangue dele.

Eles deviam ter acabado de se alimentar do sangue um do outro. Mas dessa vez ela não sentia repulsa. Estava muito envolvida com o beijo, com Liam, para se importar.

Ela podia estar frente a frente com a morte, mas no momento queria se sentir viva. Sentir paixão. Tocar. Ser tocada.

Quando viu, eles estavam deitados lado a lado. O chão duro de terra nem parecia tão desconfortável. Tudo o que importava era Liam. Ele estava deitado ao lado dela. Sem camisa. Ela traçou com o dedo a tatuagem de uma cruz de contornos estranhos no ombro dele.

A mão dele se esgueirou por baixo da camiseta dela e os beijos ficaram mais quentes, mais doces.

Natasha acariciou o abdômen e a cintura dele. Eles tinham que parar antes que fossem longe demais, mas então a lógica interveio. Tudo o que eles tinham era um ao outro. Como poderia ser errado se agarrar a isso?

Os dedos dele deslizaram por baixo do sutiã e roçaram o bico do seio dela. O toque era tão divino e real! Até mais real do que antes.

Ela virou a cabeça, abriu os olhos e viu um tênis. O tênis de Natasha. O armário de Natasha. Então sentiu uma mão outra vez, sobre o seu seio.

— Merda! — Della murmurou entredentes, saltando para trás. — Tire a mão do meu...

— Shh. — A outra mão de Chase, aquela que não estava acariciando seu seio, pressionou os lábios dela.

Della instantaneamente se lembrou da razão por que tinha que ficar em silêncio. Mas a mão dele, ainda envolvendo delicadamente seu seio, ficou onde estava. E, embora ela odiasse admitir, seu toque era celestial. Mas aquilo era errado. Muito errado.

— Tire a mão daí, agora! — ela sussurrou num tom de voz baixo o suficiente para que ele não pudesse reclamar. Mas Chase devia ter sentido a ameaça na voz dela, pois seus olhos se arregalaram.

— Desculpe, eu não... eu não tinha... — A voz dele soou mais baixa que um sussurro, só audível aos ouvidos dela. — Ah, droga, eu tiro a mão se você tirar a sua.

Minha mão? Ainda lutando para restabelecer a ligação com seu próprio corpo e dissipar a visão, ela segurou a respiração ao constatar algo alarmante. Chase não era o único com mão boba ali. A mão dela estava na parte de trás da calça dele, sob o algodão macio da cueca, e acariciava o seu traseiro. O sangue afluiu para o rosto dela instantaneamente.

Ela tirou a mão de dentro da cueca o mais rápido possível.

— Calma — ele disse novamente, tirando a mão de debaixo da camiseta dela e puxando-a para perto dele. Ela começou a lutar para se desvencilhar de Chase e ele sussurrou:

— Você vai bater na parede do armário e vão nos pegar aqui.

Pegos no maior amasso dentro do armário de Natasha, enquanto os pais dela estavam no andar de baixo, disse uma voz dentro da cabeça dela. Ela apurou os ouvidos, não para ouvir nenhuma voz, mas para o que estava acontecendo dentro da casa. Claro que ela ouviu vozes, um homem e uma mulher.

Ela respirou fundo e lentamente foi se afastando de Chase, colocando alguns centímetros entre os dois. Mas isso não fez com que se sentisse melhor. Como poderia?

Ela tinha simplesmente trocado carícias íntimas com o Pervertido da Calcinha. Não intencionalmente. Mas ainda assim dava no mesmo, não dava?

Ela tentou se lembrar do que tinha acontecido — de Chase tocando-a, ela tocando-o —, mas só conseguiu se lembrar de que era Natasha e ela estava inebriada com os beijos de Liam.

Foi nesse momento que se deu conta de que Chase estava enxergando pelos olhos de Liam, assim como ela estava enxergando pelos olhos de Natasha. Isso significava que ela não podia ficar furiosa com Chase? Provavelmente. De algum modo, ela tinha a impressão de que não tinha sido ele quem deslizara a mão dela para o interior da cueca dele. Ela tinha feito isso por conta própria. Ou com a ajuda de Natasha.

Ah, mas Della ainda queria ficar furiosa com Chase.

E, quando ele olhou para ela, a vampira o encarou com raiva. Ela podia estar errada, mas mesmo assim a sensação de raiva era boa.

Chase franziu a testa.

— Eu acho que podemos sair... em silêncio. Parece que os dois estão no andar de baixo. Precisamos abrir a janela e pular sem que nos vejam.

Ela tentou engolir a tensão. Dois tipos de tensão. Aquela que sentia no fundo da barriga, por causa do toque de Chase, e outra, diferente. Do tipo que dizia que eles ainda não estavam livres de encrenca. Ainda podiam ser presos por arrombamento e invasão. Não importava que a janela estivesse aberta.

Engatinhando, ela o seguiu para fora do armário. Quando ficou de pé, seu olhar subiu até o traseiro dele, um bumbum atraente e musculoso, e ela corou novamente.

Ele levantou a vidraça com todo o cuidado para não fazer barulho e olhou para ela.

— Pule mais para a direita, assim eles não vão ver você da janela da frente. Fique atrás das árvores e vá para o carro. Eu vou estar bem atrás. — As palavras dele vieram tão baixas que ela mal ouviu.

Della fez o que Chase disse e aterrissou bem à direita da janela. Então correu até a fileira de árvores. O sol já tinha começado a se pôr no horizonte. A luz dourada capturada nas folhas vermelhas e amarelas fazia com que parecessem ainda mais brilhantes.

A adrenalina a ajudou a dar mais alguns passos, e então ela parou. Não o ouvira atrás dela. Ela olhou para trás. Chase não estava ali. Onde diabos ele estava?

Um. Dois. Três. Ela iria contar até dez, depois iria atrás dele.

Estava chegando ao nove quando ele finalmente apareceu na janela e saltou, aterrissando de pé a três metros do ângulo de visão da janela.

Juntos, eles correram até um canteiro de árvores na rua. Quando Della localizou o Camaro azul, quase conseguiu respirar.

— Por que você demorou tanto? — ela perguntou.

— Entre, depois eu falo.

E foi então que Della notou um volume sob a camiseta dele.

— Você pegou alguma coisa! — ela sibilou. — Eles vão notar, caramba! Provavelmente sabem de cor tudo o que tem naquele quarto.

— Estava no armário, atrás de umas caixas de sapatos. Acho que eles nem sabem que estava lá. — Ele tirou de debaixo da camiseta um livreto. — Acho que é um diário.

Della instantaneamente pensou em Miranda e no seu diário. Claro, Della tinha brincado com a amiga, dizendo que gostaria de ver o que ela escrevia ali, mas na verdade não faria isso. Eram coisas particulares.

— Você não pode pegar assim o que não é seu! — ela contestou.

— Se nos ajudar a encontrar Natasha e Liam, vou aceitar qualquer bronca que você me der por causa disso.

Della lutou contra a sua consciência, em dúvida se ele estava certo ou errado, depois decidiu que ela provavelmente faria a mesma coisa. Mas por alguma razão aquilo não a impediu de achar que Chase estava errado.

Talvez ela só estivesse furiosa com ele por causa de outras coisas. Coisas que envolviam ambos dentro do armário. Ah, sim, aquilo tinha sido muito errado!

Eles entraram no carro e Chase subiu a capota para que não ficassem tão expostos, depois deu a partida e arrancou. Quando passaram pela casa, um homem e uma mulher estavam do lado de fora da casa, olhando para cima, na direção da janela aberta. Eles passaram rápido, mas Della notou que o homem parado ao lado da mãe de Natasha não era o mesmo homem da foto de família. Mesmo assim, ver os dois do lado de fora foi para Della a prova de que eles por pouco não tinham sido pegos.

Por muito pouco mesmo.

— Achou alguma coisa útil? — Chase perguntou quinze minutos depois. Ela não tinha falado desde que tinham deixado o bairro de Natasha e Della começara a ler o diário.

— Não — respondeu ela. — São só coisas normais. De dois anos atrás. — Ela examinava as anotações escritas à mão do diário de Natasha.

Outros dois minutos tinham se passado quando ele perguntou:

— Quer falar a respeito?

— Do diário? — ela perguntou, apesar de saber a que Chase se referia. Ou pelo menos, tinha receio de saber.

— Você está se recusando a falar comigo. Acho melhor conversarmos.

Ela de fato não tinha falado com ele de propósito. Estava concentrada na leitura do diário de Natasha e se sentindo culpada por fazer isso. E, depois, tentando descobrir por que sua tia tinha ligado para a mãe de Natasha.

Havia uma ligação entre as duas. Uma ligação que, segundo tinha presumido, era apenas Chan. Mas, se a mãe de Chan estava ligando para a mãe de Natasha, a ligação não era só essa. Della teria que descobrir o que era. Mas como, sem visitar a tia? Sem deixar o pai furioso com ela?

— Você ouviu o que eu disse? — ele perguntou.

— Sim e não.

— O quê? — Chase perguntou, confuso.

— Sim, eu ouvi você, e não, não quero conversar a respeito...

— Você não pode me culpar pelo que aconteceu.

— Claro que posso! — ela sibilou em voz baixa.

— Você não está sendo justa.

— Onde você arranjou essa ideia de que eu sou justa?

Ele riu.

— Ei, você estava com a mão na minha bunda e eu não estou furioso com você.

— Bem, isso é só uma prova de que eu sou mais sensata. Porque você devia estar furioso. Apalpar estranhos não é...

— Nós não somos estranhos. — Chase voltou a olhar para a frente, mas não antes de ela ver o brilho de humor nos olhos dele. Segundos depois, com um ar sério novamente, ele acrescentou: — Estamos ligados. Mais cedo ou mais tarde, você vai ter que aceitar isso.

Della começou a dizer a ele que nunca aceitaria, mas nem sabia mais se isso era verdade. Então ficou de boca fechada. Por mais incrível que pudesse parecer, isso o aborrecia mais do que qualquer outra coisa. Ela guardou a informação na memória para outro dia.

— Olha — ele começou —, aconteceu por causa da visão. E, em vez de ficar encanada com isso, a gente deveria tentar descobrir se a visão pode nos ajudar em alguma coisa.

— Tem razão — ela admitiu.

— Uau, você acha que eu tenho razão? Pode me dar isso por escrito? — ele respondeu com sarcasmo.

Della franziu a testa e fechou o diário. Natasha tinha escrito sobre um garoto de quem gostava e sobre o que as amigas diziam. Aquilo quase partiu o coração de Della, porque o relacionamento entre Natasha, Amy e Jennifer parecia muito especial. Tão especial quanto o seu relacionamento com Miranda e Kylie.

O que teria acontecido com essas garotas? Será que sentiam falta de Natasha?

— Eu não me lembro muito da visão — disse Della.

— Eu pude ver melhor desta vez — disse Chase. — Não sei se foi porque havia mais luz no lugar onde estavam ou porque o fantasma nos deixou ver mais.

— Eu consegui ver melhor também. E acho que por esses dois motivos. — Della tentou se lembrar dos detalhes. — Liam tinha um corte na sobrancelha. — Ela deixou sua mente voltar à visão e tentou encaixar as peças. — Ele se machucou quando tentava proteger Natasha.

— De quem? — Chase perguntou, como se Della pudesse ter a chave para descobrir o mistério.

E bem que ela queria, droga!

— Eu não sei, eu só... Natasha pensou sobre a briga e eu vi Liam sendo agredido e ela tentando apartar a briga e se sentindo culpada. O que Liam estava pensando? — ela perguntou.

Ele a olhou de relance, parecendo quase culpado. Ela soltou um grunhido baixo.

— Ah, droga... Por que eu fui perguntar? Você só conseguia pensar em tirar a roupa dela, não é?

— Ei, isso era ele! Não eu! — Chase voltou a olhar para a frente. — E eu não acho que ele era o único pensando nisso.

Dela não podia negar. Natasha desejava Liam também. Della só queria que isso não a tivesse levado a passar a mão na bunda de Chase.

— Ela tinha uma tatuagem — disse Chase, trocando a marcha.

— Ela não parecia o tipo de garota que teria uma tatuagem — estranhou Della.

— Bem, mas ela tinha. No ombro. — Della de repente se lembrou de ver uma no ombro de Liam também. Estranhamente, ela se lembrava de Natasha passando o dedo sobre ela, como se já soubesse seu contorno, embora Della mal conseguisse enxergá-la.

— Isso é estranho — murmurou Della.

— O que é estranho?

Um toque soou no carro. Ela interrompeu a conversa e tirou o celular do bolso. Seu coração acelerou.

Que não seja Steve.

Quando ela viu que não era Steve, seu coração voltou a bater normalmente. Então ele ficou apertado. Ele não tinha ligado para ela. Provavelmente não ligaria mais. Assim como Perry. Caramba, aquilo doía!

Encarando o telefone, ela se obrigou a falar.

— É Burnett.

Chase corrigiu a postura no banco, fazendo o couro do estofamento estalar.

— Com certeza para se certificar de que não fizemos nenhuma idiotice.

— Nós fizemos uma idiotice — ela disse.

— Aquilo não foi uma idiotice. — Chase olhou para ela com um sorriso sexy. — Pode me odiar se quiser, mas eu gostei.

Della rosnou para ele.

— Olha só, você é como todos os outros caras. Só pensa em sexo. Eu estava falando em invadir a casa.

— Ah, mas aquilo definitivamente não foi uma idiotice. Descobrimos o que precisávamos saber.

Ela concordou com ele, mas não deixou de achar que também tinha razão.

— Seria idiotice se tivessem pegado a gente.

— Mas não pegaram — ele justificou. Então olhou para a estrada e depois para ela novamente. — E não é só isso que eu penso. Não com relação a você.

— Certo. — Della olhou de volta para o telefone que ainda tocava.

— É melhor atender ou ele vai ter um aneurisma.

Ela lançou um olhar desaprovador para Chase.

— Você precisa parar com essa animosidade com Burnett.

— Ele é superprotetor demais!

— Porque ele se preocupa. — Ela atendeu o telefone. — Oi — Della cumprimentou, falando perto do fone.

— Onde vocês estão? — A voz de Burnett explodiu dentro do carro.

Della ficou tensa na hora, mas decidiu ignorar a tensão e torcer para que o tom de voz exaltado fosse só o jeito normal de o vampiro dizer “Eu estou preocupado, por isso pareço furioso”.

— Saímos da casa dos Owen há uns quinze minutos.

— E então?

— É ela — confirmou Della, sentindo o olhar de Chase sobre ela. E sem conseguir evitar, olhou para ele também. Chase parecia preocupado e estava com a mão estendida como se quisesse falar com Burnett também. Ela balançou a cabeça.

— E os pais? Vocês não complicaram as coisas, né? — A pergunta era quase uma defensiva.

Talvez um pouquinho.

— Não fizemos nada muito grave! — ela respondeu, esperando ter evitado a mentira.

— Então quer me explicar por que a polícia está atrás de vocês agora?


Capítulo Vinte e Cinco

Della foi obrigada a explicar a Burnett tudo o que tinha acontecido. Sim, ele ficou muito contrariado quando ela contou que tinham invadido a casa, mas não tanto quanto achou que ficaria. Parece que obviamente ele também tinha sua cota de arrombamentos no passado. Por que outro motivo não teria surtado?

Ela se perguntou se o motivo de Chase e Burnett baterem de frente tantas vezes era porque os dois eram muito parecidos. Ela se lembrou de quando Kylie tinha lhe contado que Della e Burnett costumavam se estranhar porque pensavam e agiam da mesma forma. Esse era o jeito de Kylie falar que os dois eram cabeças-duras que nunca pensavam antes de abrir a boca.

Seria essa também a razão por que ela e Chase viviam discutindo? Não, eles não eram nada parecidos. Ele era um pé no saco.

Mas tinha um traseiro bem gostoso. Della deu um chute bem dado naquele pensamento e expulsou-o da sua mente. Deixando um vazio no lugar... e adivinha que pensamento o preencheu?

Um certo metamorfo, cujo traseiro era igualmente gostoso. Cujo traseiro tinha partido para longe e a abandonado. Cujo traseiro estava agora em Paris, provavelmente flertando com todas aquelas beldades francesas. E numa cultura na qual a televisão e os livros fazem com que o sexo seja encarado como uma prática tão comum quanto escovar os dentes. Houve uma época em que essa cultura a intrigava, mas não agora que o cara de quem ela gostava, um cara supergato, estava à solta por lá.

Droga! Droga! Droga!

Tentando afastar aquele pensamento, ela pensou no telefonema que a mãe de Natasha tinha recebido. Por mais que Della detestasse a ideia, se eles não encontrassem outra solução, ela teria que visitar a tia.

E a tia provavelmente contaria ao pai dela. E então o pai provavelmente a tiraria de Shadow Falls. Sim, ela se lembrava de ter ouvido o pai dizer à mãe, quando ela sugeriu que levassem Della para ver a tia: Não lavamos nossa roupa suja fora de casa.

Roupa suja.

O pai dela achava que ela era sua roupa suja.

Ela soltou um suspiro trêmulo. Desculpe, pai!

O pensamento no pai a levou de volta à visão em que viu o pai ou o tio de pé ao lado do corpo da tia, com uma faca ensanguentada na mão. Correção, seu tio. Ela já tinha se convencido de que o pai não poderia ter feito aquilo. Ele não poderia. Ela o conhecia muito bem. Ela o conhecia!

— Vamos sair ou ficar sentados aqui simplesmente? — A voz de Chase a tirou da sua pequena sessão de autopiedade.

Ao erguer os olhos, ela percebeu que ele tinha estacionado em frente ao restaurante onde deveriam encontrar outro agente — uma retaguarda para o caso de se virem em apuros.

— Não, acho melhor a gente ficar sentado aqui — ela disse, com ironia, e saiu do carro.

Ele a esperou enquanto Della contrornava o carro e então caminharam na direção do restaurante.

— Qual o problema? — ele perguntou.

Bastou aquela pergunta, ou talvez o tom preocupado com que Chase a fez, para que um nó se formasse na garganta dela. Ela engoliu aquilo inteiro também. Não daria para começar a desfazê-lo naquele momento.

— Vamos só fazer o nosso trabalho — ela disse, tentando não ser sarcástica. Della olhou para a placa de neon pendurada sobre o prediozinho do restaurante. Buck’s Burgers, mas o B estava faltando, então se lia Uck’s Burgers. Não era um nome muito apetitoso.

Ela abriu a porta do restaurante e farejou o ar para detectar alguém sobrenatural. O cheiro de carne na grelha e óleo velho de fritar batatas enchia o ar de tal maneira que Della não conseguiu ter certeza.

Uck’s Burgers de repente pareceu um nome apropriado. Ela já tinha sido apaixonada, um dia, por comida barata e gordurosa, mas, desde que tinha se transformado, aquela paixão tinha esfriado bastante.

Um coro de vozes ecoava pelo salão, junto com o chiado de carne fritando na grelha. O lugar não era o que ela chamaria de restaurante fino. O chão parecia precisar de muita água e sabão, e a superfície do balcão tinha um aspecto pegajoso. Aquele era com certeza um reduto de caras da pesada.

Della farejou o ar novamente, tentando detectar o cheiro do agente. Ela podia jurar que havia um vampiro ali, mas não tinha certeza absoluta. Chase parou ao lado dela e sussurrou:

— Você não disse que conhecia esse cara?

— Eu conheço. — Della foi olhando de assento em assento.

— Onde ele está? — Chase perguntou.

— Ali. — Della andou até Shawn Hanson, o bruxo que tinha sido tão gentil no enterro de Chan e tinha uma queda por Miranda.

Chase insistira com Burnett de que eles precisavam de alguém com uma aparência jovem. Burnett tinha conseguido. Shawn não podia ter mais de 20 anos, talvez 19, mas parecia ter uns 16 anos, usando um blusão de capuz e um jeans gasto. Com o brinco, ele não só parecia jovem, mas meio rebelde e bem gato.

O cabelo loiro e encaracolado parecia meio despenteado — ele não era como aqueles caras que andam por aí com o cabelo todo estiloso. Ela tinha a impressão de que aquele era o Shawn que tinha agradado Miranda também. De certa forma, aquele visual meio desleixado, o ar afável e os olhos azuis lembravam um pouco Perry.

— Oi — disse ela.

— Por que demoraram tanto? Estou esperando há quase meia hora. — Os olhos dele se estreitaram como se dessem um aviso.

Não que ela precisasse. O fato de Shawn entrar imediatamente no disfarce deixava claro que alguma coisa estava acontecendo. Ela lutou contra a necessidade de levantar o nariz e farejar o ar outra vez.

— Foi mal — desculpou-se Chase, entrando no disfarce também. — O pai de Della mostrou o revólver outra vez. Acho que a gente não devia ter se beijado na frente dele. — Ele empurrou-a para o lugar vago no banco e depois se sentou ao lado dela.

— Ele vai te dar um tiro qualquer dia desses se você não respeitá-lo — disse Della.

Shawn deu uma risada.

— Vamos pedir alguma coisa pra beber ou vamos para o parque andar por lá e dar um gole naquilo que eu trouxe? — ele perguntou, se inclinando sobre a mesa.

A princípio, Della achou que ele se referia a alguma coisa real.

— Eu trouxe o que vocês pediram. — Obviamente isso fazia parte do disfarce.

Ele pegou a mochila que estava no banco, ao lado dele.

— Um litro de O. E está fresco.

Isso foi o suficiente para que Della soubesse que qualquer que fosse o sujeito para quem Shawn estava fazendo aquela encenação toda era um vampiro. Quando ela inspirou novamente, detectou o cheiro deles. Estavam em dois, não, três.

Então Della farejou um cheiro forte e doce. Droga, Shawn tinha de fato trazido sangue, e tinha até cheiro de O. Sua boca encheu de água... já fazia tempo que ela não conseguia nada tão fresco.

— Por mim, podemos ir — disse Chase, se levantando e oferecendo a mão a ela.

Della se levantou sem a ajuda de ninguém. Quando ficou de pé, ela viu três sujeitos sentados num canto. Vampiros. Com uma aparência jovem, mas malcuidada. Possivelmente membros de uma gangue. Chase pôs a mão na cintura dela enquanto andavam até a porta. Ela saiu do alcance dele e no mesmo instante captou outro cheiro. Um lobisomem. Bem perto.

O cheiro dele penetrou no nariz de Della e despertou uma memória. Ela queria poder olhar em volta para encontrá-lo. O cheiro não estava ligado a uma lembrança negativa, mas, com exceção dos lobisomens de Shadow Falls, as memórias que ela tinha dessa espécie raramente eram boas.

Eles cruzaram a porta de saída e Shadow esperou até que se afastassem para sussurrar:

— Estou supondo que eles vão nos seguir.

— Ainda não saíram — disse Chase.

— Você viu o lobisomem? — Della perguntou a Shawn, que estava à sua direita, enquanto Chase andava à esquerda. — O cheiro dele é familiar.

— Não vi nenhum lobisomem — disse Shawn. — Mas havia uns seis caras lá de boné e um casal trabalhando nos fundos. Poderia ser um deles.

— Eu também senti o cheiro dele — disse Chase, olhando para Della. — Você sabe onde já o viu antes?

— Não, não era um cheiro associado a nada ruim. Só me deixou meio desconfiada.

— É de Shadow Falls? — Chase perguntou.

— Não. Eu não desconfio dos lobisomens de Shadow Falls.

Eles continuaram andando pela calçada. Os olhos azul-claros de Shawn fitaram Chase.

— A propósito, eu sou Shawn Hanson. Muito prazer.

Chase acenou com a cabeça.

— Prazer.

Shawn olhou para Della e algo em sua expressão mudou.

— Você está bem?

Ela sabia que ele se referia à morte de Chan.

— Sim, tudo bem — ela disse e quase se sentiu culpada por não ter ficado muito tempo arrasada com a morte do primo. — Obrigada novamente por... dar um jeito no lugar da sepultura.

— Não foi nada.

Della sentiu o ombro de Chase roçar no dela e ela olhou para ele.

— Shawn foi um dos agentes que ajudou a enterrar Chan.

— Certo. — Chase inclinou um pouco a cabeça para o lado. — Eles estão nos seguindo agora.

Della se concentrou e pôde ouvir o leve som de passos, mas ainda estavam distantes. Sem dúvida, eles achavam que a conversa entre eles estava fora do alcance dos três. Mas, além da força superior, os Renascidos também tinham uma audição extrassensível.

— Devo me virar para olhá-los? — ela perguntou.

— Não — avisou Shawn, baixando a voz. — Vamos para o parque. Conheço um lugar lá dentro onde quase ninguém passa. Vamos ter mais privacidade para fazer perguntas a esses caras.

Eles continuaram descendo pela calçada, os passos ecoando na noite. Shawn falava como se aquilo fosse tão simples... — encontrar um lugar sossegado e fazer algumas perguntas.

Podiam chamá-la de pessimista, mas não achava que seria tão fácil. Um pressentimento, uma premonição talvez, lhe dizia que aquela noite não iria acabar bem.

Para ela tudo bem, disse a si mesma. Ela podia dar conta de três vampiros. As questões do coração eram o que a derrubavam, e seus pensamentos se voltaram para Chan.

* * *

Eles chegaram ao parque e continuaram a andar por uma trilha que levava até um dos lagos. Só as estrelas e a lua iluminavam a paisagem. Della ouviu passos distantes se misturando com os sons da noite e até detectou o som de algum animal selvagem contrariado buscando um esconderijo.

Depois de alguns minutos, os passos que os seguiam mudaram de trajeto. Della teve a impressão de que os três vampiros achavam que sabiam para onde eles estavam indo e queriam pegar um caminho diferente para preparar uma emboscada.

Ela olhou para Chase e ele fez um sinal com a cabeça, como se tivesse notado a estratégia. Della estendeu a mão e tocou o braço de Shawn, fitando-o com um aviso no olhar. Ele assentiu como se entendesse exatamente o que ela queria dizer.

Eles chegaram ao lago, a lua e as estrelas refletidas no espelho d’água. Continuaram andando ao lado do lago até uma área mais recuada.

Depois de alguns passos, ela sentiu um cheiro forte de gambá. Chase e Shawn gemeram de nojo, ao sentir o fedor. Mas ela não se importava. Della era uma daquelas pessoas esquisitas que na verdade gostavam do cheiro. Ela respirou fundo. Misturado ao fedor do animal, ela detectou outro cheiro. Ah, droga, era cheiro de rato. Três deles. Não, muito mais que três.

Ela desviou o olhar, já brilhante por causa da ameaça que sentia, e fitou Chase. Ele estava com uma das mãos cobrindo o nariz e não pareceu notar. O que será que aqueles vampiros fora da lei esperavam conseguir? Eles estavam obviamente dispostos a seguir seu propósito, esperando que não fossem detectados. Mal sabiam eles.

— Temos companhia.

Ela mal deu o aviso e oito vampiros apareceram e os cercaram.

Com a ameaça agora visível, as presas dela se projetaram.

— Vocês não vão querer fazer isso — disse Shawn.

— Parece que vão, sim — murmurou Chase, os olhos agora brilhantes e as presas à mostra.

— Ei, esse garoto é bem esperto! — disse um dos vampiros fora da lei, apontando para Chase.

— Vai devagar e pega leve — Della sussurrou, avisando Chase, esperando que ele entendesse que deveriam deixar Shawn, o agente encarregado por Burnett, tomar a iniciativa antes de atacarem.

— Mas eu gosto de ir rápido e pegar pesado — disse um dos vampiros delinquentes, balançando os quadris com um movimento vulgar.

Chase grunhiu.

— Calma — Della sussurrou.

— Passa a mochila, Garoto Bruxo — disse um vampiro de cabelo preto à direita de Della.

— Acho que a gente pode resolver isso. Eu tenho um plano — disse Shawn, parecendo muito calmo e no controle da situação. Della admirou sua abordagem tranquila. Não que ela achasse que iria funcionar, mas tinha que reconhecer que ele estava tentando.

— Vamos fazer o seguinte — Shawn continuou. — Eu dou a mochila a vocês e conto onde enterrei mais alguns litros aqui perto. Tudo o que vocês têm que fazer é responder a algumas perguntas.

— Você tem mais O? — perguntou o vampiro que gostava de ir rápido e pegar pesado.

— É isso aí. E tudo o que têm que fazer é responder a algumas perguntas.

O vampiro de cabelos escuros, obviamente o líder, e ainda mais obviamente um delinquente, tirou uma faca escondida na panturrilha. Uma faca bem impressionante — com uma lâmina de uns dez a doze centímetros. Grande o suficiente para causar um bom estrago.

Ela se lembrou da faca que tinha atingido seu peito na sua primeira missão, e que era do mesmo tamanho. Não que pudesse acontecer de novo. Sendo uma Renascida, esse cara não tinha a mínima chance. Ou, pelo menos ela esperava que não.

— Tudo bem — disse o vampiro —, mas, olha só, eu não gosto de perguntas. Gosto de sangue O. Então por que você não me diz simplesmente onde está o sangue e talvez assim você me convença a não te matar. Ou pelo menos te matar bem rápido.

A ameaça fez o sangue de Della ferver nas veias. O vampiro empunhando a faca sorriu, um sorriso tão perverso que Della estremeceu. Não de medo, mas de expectativa. Arrancar aquele sorriso da cara dele ia ser bem divertido!

Ela olhou para Chase.

— Tudo bem, talvez ir devagar e pegar leve não seja uma boa ideia.

— Ainda não — disse Shawn, levantando a mão. Então ele se dirigiu ao líder do bando. — Você vai preferir não se meter conosco. — Ele levantou a camisa e mostrou o distintivo e uma faixa do abdômen malhado.

Uau! Della agora entendia por que Miranda tinha uma queda pelo garoto.

Todos caíram num silêncio mortal. Nem as folhas se moviam. Sem dúvida, o líder dos delinquentes estava analisando suas opções: cooperar, correr como louco ou continuar com a ameaça.

— Não queríamos assustar vocês — disse o vampiro tagarela, rápido e pesado. — Não é mesmo, Marco? — ele perguntou ao líder.

Marco não disse nada a princípio. Aparentemente, não era tão idiota quanto o amigo.

— Eles só estão em três — disse outro vampiro.

Marco, o mandachuva, mudou de postura. Seus ombros ficaram mais tensos, como se estivesse na defensiva. Talvez Della tivesse superestimado sua inteligência.

Os olhos dele ficaram um pouco mais brilhantes, revelando que ele não tinha nenhuma intenção de recuar. Ela quase bateu palmas.

Marco levantou a faca.

— Acho que ganhamos pontos extras se tirarmos um agente da UPF do caminho, não acham, rapazes?

Della viu todos os outros vampiros sacando facas e, sem aviso, atacarem. Os oito de uma vez.


Capítulo Vinte e Seis

Della investiu contra Marco primeiro. Ela agarrou a faca e arremessou-a num tronco de árvore, onde ficou cravada até o cabo. Girando o corpo, deu um bom chute na barriga do vampiro. Isso não foi suficiente para tirá-lo de cena. Então ela o acertou nas bolas. Ele se estatelou no chão com um gemido.

Com o canto do olho, ela viu o vampiro rápido e duro deitado de bruços no chão, desacordado. Chase estava agora investindo contra outro vampiro e parecia que estava se saindo muito bem. Ela virou a cabeça para checar Shawn. Ele tinha duas espadas nas mãos e aquelas lâminas bizarras emitiam luz! Elas faziam Della se lembrar da espada mágica de Kylie. Ele já tinha derrubado alguns, mas com três vampiros golpeando-o com facas, provavelmente precisaria de ajuda.

Della andou até lá calmamente e bateu o dedo no ombro de um deles. Quando o delinquente se virou, com a faca na mão, ela o chutou entre as pernas. Ei... se tinha funcionado da primeira vez, por que não funcionaria da segunda?

Ele caiu no chão e se encolheu até ficar numa posição fetal, gemendo como o líder. Ela avançou mais um passo e ajudou Shawn com os outros dois, mas viu um dos vampiros correndo com a mochila e o sangue O negativo.

E aquilo simplesmente não era aceitável.

— Volte aqui, seu covarde! — Della disparou atrás dele.

O fugitivo corria rápido. Provavelmente sairia vencedor nas Olimpíadas, se não estivesse concorrendo com Renascidos. Ela o pegou pelo colarinho da camisa em menos de trinta segundos.

Ele se virou e investiu com a faca. Ela se desviou. Pegando-o pelo punho, ela girou o braço dele até quase o ponto de quebrá-lo, forçando-o a soltar a arma.

O vampiro deixou a mochila cair no chão também e tentou acertar Della com a mão esquerda. Ela não esperava o ataque e ele conseguiu golpeá-la no queixo. Ela sentiu muita dor, mas a irritação foi ainda maior!

— Abaixa! — Della ouviu o grito de Chase vindo de trás e o farfalhar dos arbustos enquanto ele se aproximava a toda velocidade.

— Não! Ele é meu! — E querendo mudar sua tática um pouquinho, ela fechou o punho e deu um murro no vampiro. Ele caiu no chão, inconsciente.

Ela ainda sentia dor nos nós dos dedos quando ouviu um grito de Shawn em meio à escuridão. De dor ou de raiva, Della não sabia. E não tinha tempo para pensar nisso. Ela e Chase dispararam na direção do bruxo.

O agente loiro estava com o ombro ensanguentado e tinha perdido uma das espadas. Mas seu olhar de determinação deu a Della a certeza de que ele ainda não tinha desistido de lutar. Avançava com passos leves e ágeis, mantendo afastado o vampiro mais alto, o último que restava do grupo.

Della fisgou o olhar de Shawn.

— Quer ajuda?

— Não — ele sibilou ao mesmo tempo que arremetia com tudo e bloqueava outro golpe de faca do vampiro. — Eu dou conta! — garantiu. E deu mesmo. Quando o vampiro desviou os olhos para Della e Chase, Shawn arrancou a faca da mão do malandro. O vampiro deu meia-volta e começou correr, mas de repente ficou paralisado. Não paralisado como a pessoa fica quando está cansada demais para se mexer. Literalmente congelado.

Finíssimos cristais de gelo pendiam do nariz dele.

Della olhou novamente para o bruxo e ele ainda estava com o dedo mínimo suspenso no ar.

— Por que você não fez isso logo de cara? — Della massageava o queixo onde tinha levado um soco. Não estava quebrado, mas já tinha inchado um pouco.

— É preciso um segundo de calma para dar certo. Eles investiram rápido demais. E eu sou mais rápido em desembainhar espadas do que em lançar feitiços.

— Ahh... — exclamou Della, sem entender direito aquela coisa de magia.

— Nojento... — murmurou Chase, chegando mais perto para ver melhor a cara do sujeito.

— Você está bem? — perguntou Della, examinando o braço de Shawn.

— É só um cortezinho. — Ele se fez de durão, mas, como já tinha levado uma facada, Della sabia que o corte devia estar ardendo como o diabo.

Shawn olhou em volta, procurando alguma coisa.

— Eu tenho algemas elétricas na mochila, se você quiser começar a prender esses caras.

— Ah, um dos caras ia fugindo com ela. Vou pegar — disse Della, mas, quando ela se virou, Chase já estava voltando com a mochila numa mão e arrastando com a outra o delinquente que ela tinha nocauteado.

— Essa foi fácil — disse Shawn alguns minutos depois, enquanto observava Della e Chase algemando todos os vampiros, com exceção do que estava congelado. — Vocês dois são muito bons.

Shawn olhou para Della e depois desviou os olhos para Chase.

— Burnett está certo. Precisamos roubar você daquele Conselho dos Vampiros.

— Obrigado, mas não obrigado — respondeu Chase.

— Sabia que nós pagamos duas vezes mais?

— Sem chance — repetiu Chase, convicto.

Por que não?, Della queria saber, mas deixou o assunto de lado para pensar nele mais tarde.

Suspirando e sentindo o fluxo de adrenalina diminuir, ela fechou a mão, que parecia ligeiramente inchada por causa do soco, e sentiu o queixo latejar. Um leve grunhido veio do vampiro congelado, que devia estar descongelando, porque saliva pingava da sua boca. Ela olhou para Shawn.

Della arremessou para ele o último par de algemas. Shawn as pegou no ar e prendeu-as em volta dos pulsos do vampiro congelado.

— Você também não foi nada mal — Della disse a ele.

— Na verdade... — Shawn forçou o vampiro a se deitar no chão ao lado dos outros e depois se afastou um pouco e pegou o celular —, recebi ordens para conseguir informações sem causar problemas. Burnett não vai ficar nem um pouco satisfeito.

— E ele algum dia já ficou? — murmurou Chase, e depois se aproximou de Della e segurou o queixo da vampira.

— Aquele idiota deixou um hematoma em você. — Ele olhou para trás, na direção do agressor inconsciente.

— Não foi nada. — Della se afastou do toque de Chase.

— Acabou. — A voz no telefone ecoou atrás deles. — Sim, ela está bem.

Della revirou os olhos, sabendo que Burnett tinha perguntado dela primeiro, como se ela não soubesse se cuidar. Que constrangedor!

— Eu disse que ele é superprotetor — Chase cochichou, levantando o queixo dela outra vez.

— E você, é o quê? — Ela deu um tapa na mão dele.

— Estamos todos bem — disse Shawn, um pouco mais alto, como se para se certificar de que Burnett iria ouvir.

Ela e Chase olharam para o bruxo e Della inclinou a cabeça para o lado, tentando ouvir a voz do outro lado da linha.

— Os outros estão bem? — veio a voz de Burnett pelo telefone.

— Sim. — Shawn deu uma olhada no seu ombro sangrando.

— Algum problema? — Burnett perguntou, percebendo a mentira.

— Estou com um corte, mas não é nada grave.

Burnett gemeu.

— Conseguimos alguma coisa?

— Bem, as coisas não saíram como que a gente queria... Vamos precisar de um camburão aqui.

Burnett gemeou de novo.

— Quantos são?

— Oito. — Shawn se afastou um pouco mais e Della não conseguiu mais ouvir Burnett.

— Você está bem mesmo? — Chase perguntou a ela, estendendo o braço para pegar a mão que Della tinha usado para nocautear o vampiro.

— Dá pra parar! — ela avisou.

— Ei, vocês dois! — Shawn olhou por sobre o ombro. — Eles estão todos vivos, certo?

Chase deu uma olhada nos oito vampiros enfileirados como peças de dominó.

— Sim, mas eu posso dar um jeito nisso — disse, olhando feio para o vampiro que acertara Della.

* * *

Della e Chase seguiram o carro onde estavam os vampiros, escoltados pelos seguranças da UPF. Burnett encontrou-os na rua. Andou até Della e levantou-lhe o queixo.

— Não foi nada — ela garantiu, irritada.

— Qual deles fez isso? — ele perguntou com uma fúria silenciosa.

— Isso importa?

— Aquele de camiseta marrom — disse Chase, sem que ninguém lhe perguntasse.

Della olhou carrancuda para Chase e depois voltou a se dirigir a Burnett.

— Por que Shawn, que levou uma facada, passou por aqui e já foi embora e você não ficou todo preocupado com ele?

Burnett franziu a testa.

— Porque o nome do meio da minha filha não é Rose por causa dele. Além disso, eu já marquei uma consulta médica para Shawn. E você, mais algum ferimento?

— Não, estou bem.

— O pulso — Chase respondeu. — Ela nocauteou um dos caras. Deu um belo soco nele.

— Eu estou bem! — ela grunhiu.

Só então Burnett deu uma olhada em Chase.

— Você está bem?

— Nem um arranhão.

— Presunçoso! — Della vociferou.

Burnett olhou para a porta.

— Você pode levar Della de volta para Shadow Falls? Assumimos daqui em diante.

— Não! — Della e Chase falaram ao mesmo tempo.

Della levantou o queixo roxo.

— Eu... nós queremos saber se eles sabem alguma coisa sobre Liam.

A expressão de Burnett endureceu, mas os olhos dele revelavam que ele não estava a fim de discussão. Ele se virou e olhou para outro agente em pé no balcão da recepção da UPF.

— Leve esses dois à sala seis para assistirem aos interrogatórios.

Chase se aproximou de Burnett. Della notou que o vampiro mais velho só era uns dois centímetros mais alto que Chase.

— Eu deveria fazer os interrogatórios — queixou-se Chase.

— Lamento. — A determinação deixou a expressão de Burnett mais severa. — Trabalhe para nós e você terá todos os privilégios. Enquanto isso, fará só que eu mandar.

Os olhos de Chase ficaram um pouco mais brilhantes, mas ele não respondeu. Lembrando-se da resposta negativa de Chase antes, quando Shawn mencionou a possibilidade de ele trabalhar para a UPF, a curiosidade dela sobre o trabalho com o Conselho dos Vampiros se reacendeu. Por que Chase estava trabalhando para eles? Como isso tinha começado? Havia uma razão para a lealdade que ele demonstrava?

O outro agente, um lobisomem, saiu na frente e fez sinal para que ela e Chase o seguissem. Enquanto Della obedecia, ela se lembrou do cheiro de lobisomem que tinha sentido no restaurante.

O agente abriu uma porta no final de um corredor cinzento e sem graça.

— Eles vão trazê-los um a um... daqui a uns três minutos. Vocês vão poder ver e ouvir todos eles, mas eles não vão poder ver nem ouvir vocês. — O lobisomem foi até uma parede de vidro. Não que ele precisasse explicar. Tanto Chase quanto ela já tinham estado ali antes. — Burnett vai fazer os interrogatórios.

Quando ficaram sozinhos na sala, Della olhou para Chase e sua curiosidade aumentou.

— Porque você é leal ao Conselho dos Vampiros?

— O que quer dizer? — ele perguntou.

— Você parece bem leal a eles.

Os ombros dele enrijeceram.

— Eles não são um bando de malfeitores como vocês costumam pensar. Podemos não concordar com todas as políticas da UPF, mas...

— Eu não disse isso. Estou simplesmente perguntando por que você é tão leal a eles.

Chase pareceu acuado com o questionamento.

— É uma pergunta estranha partindo de você, que defende Burnett mesmo odiando que ele fique te mimando o tempo todo.

O contra-ataque dele, em vez de dar uma resposta direta, só a deixou mais curiosa. Será que ele estava escondendo alguma coisa?

— Não é tão estranho — Della respondeu. — É exatamente por isso que estou curiosa. Eu sou leal a Burnett porque... — Ela fez uma pausa, achando difícil admitir aquilo em voz alta. — Ele é mais do que apenas um trampolim para a minha carreira. Ele é como se fosse da minha família. Qual é a sua desculpa?

Ele não respondeu de imediato. Será que estava inventando uma mentira ou...

— Eu gosto do meu trabalho. Gosto da liberdade que o Conselho me dá. Não é nenhum segredo que acho ridícula a preocupação de Burnett com os agentes.

— Sim, mas Burnett só é assim comigo. Estamos falando de trabalhar para a UPF, não de trabalhar para Burnett.

— Tem razão, mas eu sinto que ele tem bastante influência na UPF. E os outros são exatamente como ele.

Della poderia ter contestado aquele ponto de vista. Ninguém se preocupava tanto quanto Burnett e, embora ela odiasse ser tão mimada, tinha que admitir que gostava dele. Fora isso, Della não podia negar que a resposta de Chase fazia sentido.

— Como você foi contratado pelo Conselho dos Vampiros?

Ele olhou através da parede de vidro, para a sala de interrogatórios vazia.

— Eles ficaram sabendo que sou um Renascido. Então foram me procurar.

Por hábito, ela tentou ouvir o batimento cardíaco dele. Não notou nenhuma alteração, mas ela não podia se esquecer da capacidade dele de controlar esse órgão. Suas suspeitas aumentaram. Será que Chase tinha se virado de costas de propósito, só para Della não notar os sinais de que ele estava mentindo?

Ela estava prestes a chamar a atenção dele para esse fato quando ouviu um barulho. Era um agente, um dos vampiros que tinha ido ajudá-los a transportar os delinquentes para lá, trazendo para a sala um dos suspeitos que seriam interrogados e forçando-o a se sentar numa cadeira.

Alguns segundos depois, Burnett entrou na sala e se sentou do outro lado da mesa, em frente ao pobre vampiro algemado. Burnett carregava um arquivo, que ele abriu sobre a mesa. Seu olhar se fixou nos papéis por alguns instantes. Ele não agia com violência, mas, sendo Burnett, só sua presença já intimidava.

Ele ficou sentado ali sem falar nada. Sem nem olhar para o vampiro. Mesmo por trás da parede de vidro, Della podia sentir a tensão aumentando na sala.

O vampiro não aguentou mais o silêncio.

— A gente não ia machucar ninguém, só queríamos o sangue.

— Engraçado, não foi o que pareceu, não é mesmo? — Chase perguntou a Della.

— Não — ela admitiu.

Lentamente, Burnett olhou para a frente.

— Diga isso para aquele agente que levou uma facada e para a que levou um soco no queixo.

— Ei, aquela mina me deu um chute no saco!

— Você tem sorte de ela não ter arrancado seu saco e jogado badminton com ele...

Chase deu uma risadinha.

— Burnett te conhece bem...

Della deu de ombros, mas não respondeu. Estava ocupada demais observando o que estava acontecendo na outra sala, na esperança de aprender uma coisinha ou duas.

Burnett se reclinou na cadeira e endireitou os ombros, fazendo o garoto do outro lado da mesa parecer menor ainda. Será que ele fazia isso de propósito?

Por fim, Burnett falou, mas olhando novamente para os arquivos.

— Ela geralmente não pega tão leve com otários que ameaçam a vida dela.

— Eu já disse que a gente não ia...

— Jason Von, certo?

Quando o garoto não respondeu, Burnett se inclinou para a frente, os olhos brilhando.

— Esse é o seu nome?

— É — Jason respondeu.

Burnett assentiu.

— Olha aqui, Jason, eu não vou fazer rodeios. Vocês oito vão ficar detidos por tentativa de roubo, e dois de vocês ainda têm um bônus extra por assalto. As celas estão quase cheias. Temos dois lugares em Burton. Não é um passeio no parque, mas Parkrow, nossa outra prisão, aquela é barra-pesada. Só cinquenta por cento do pessoal que entra lá sai vivo. E vinte cinco por cento acaba tirando a própria vida. E os dois primeiros de vocês cinco com ficha mais leve que nos contarem o que precisamos saber vão poder ir para Burton.

Ele tirou uma fotografia do arquivo e deslizou-a pela mesa até ela ficar na frente do vampiro. O mesmo vampiro que de repente começou a parecer jovem demais para estar numa enrascada daquele tamanho.

— Você é um dos que vai ter a sorte de ir para Burton? — Burnett deu uma batidinha na foto com o dedo indicador. — Eu preciso de informações sobre este garoto. — Ele olhou dentro dos olhos do vampiro. — Você o conhece? Já o viu antes? Eu sei que ele andava circulando pela área da gangue de vocês.

O vampiro, que provavelmente não era mais velho do que Della, deu uma olhada na foto e seus olhos se arregalaram de reconhecimento. Nas suas pupilas castanhas Della viu outra coisa. Medo.

— Ele está apavorado — constatou Della.

— Com razão — Chase respondeu. — Eu já vi Parkrow, é o mesmo que ir para o inferno.

— Não — disse Della. — Ele ficou apavorado quando olhou a foto. Ele sabe alguma coisa e está com medo de falar.

O garoto olhou novamente para Burnett.

— Eu...

— Burton ou Parkrow? — perguntou Burnett.

— Eu... ahn... — o vampiro vacilou.

— Muito bem — disse Burnett. — Parkrow. Ele se levantou para sair da sala.

— Não — Della murmurou. — Ele sabe alguma coisa.

Sim, ele sabe. Encontre Natasha.

A voz ecoou na cabeça de Della. Ela olhou para Chase para ver se ele tinha ouvido também, mas aparentemente não tinha.

Ainda pensando na voz, Della farejou o cheiro do lobisomem outra vez. Ela olhou para trás para ver se algum lobisomem tinha entrado na sala, mas não viu ninguém.

Inspirou o ar outra vez, para ver se estava enganada. O cheiro persistia. E a familiaridade que sentiu deixou seus sentidos em alerta. Era o mesmo cheiro que tinha percebido no restaurante.

— Está sentindo esse cheiro? — ela perguntou a Chase.

Ele pareceu confuso, mas ergueu o rosto e respirou fundo.

— Cheiro do quê?

Droga! O fantasma estava tentando lhe dizer alguma coisa. Mas o quê?

Seu olhar se desviou para o garoto novamente, para o medo em seus olhos.

— Não sei merda nenhuma! — ele disse.

Della viu a sobrancelha esquerda do garoto se agitar. Assim como a de Chase quando ele mentia.

Burnett parou na porta.

— Vai se arrepender disso.

Ele está mentindo. O fantasma falou de novo.

Burnett virou a maçaneta.

— Não! — Sem conseguir reprimir o grito, ela deu dois passos na direção da parede de vidro e levantou o punho.

— Não! — Chase investiu como se fosse detê-la.

Tarde demais, ela deu um soco no vidro.

O olhar de Burnett e do vampiro voaram para lá ao mesmo tempo. O garoto pareceu absolutamente chocado, mas Burnett só fez cara feia. Mas não era uma cara feia qualquer. Era uma cara feia que beirava à fúria assassina.

Ele saiu e fechou a porta atrás de si. Sem dúvida para bater um papinho com a pessoa que ousara golpear o vidro. Mas tudo bem. Ela precisava mesmo falar com ele. Della tinha começado a andar em direção à porta quando ela de repente se escancarou e bateu na parede com tanta força que pedacinhos de reboco caíram do teto como flocos de neve.

— Que diabos pensa que está fazendo? — Burnett rugiu. — Nunca interrompa um interrogatório!


Capítulo Vinte e Sete

Chase se aproximou um pouco mais, como se tivesse receio de Burnett bater nela. Della não estava tão preocupada. Não que ela não tivesse medo de Burnett. Ela tinha medo de desapontá-lo, medo que ele visse suas fraquezas. Mas nunca sentira medo de que ele a agredisse fisicamente.

— Desculpe, mas é que ele sabe alguma coisa — Della despejou.

A cara feia de Burnett piorou.

— Eu sei que ele sabe alguma coisa! — Ele jogou as mãos para cima com frustração. — E estava prestes a me contar!

— Não, ele não estava. Ele ia despistar porque está com medo.

— Não, ele ia me dizer a verdade porque está com medo! — Burnett insistiu.

Ela balançou a cabeça.

— Você precisa perguntar sobre o lobisomem.

— Que lobisomem?

— Eu... não sei. Mas se você perguntar... Espere, deixe que eu pergunte, eu vou agir como se soubesse mais e vou arrancar a verdade dele.

— O quê? — Burnett sibilou e, quando viu que Della não respondia, ele desviou o olhar para Chase. — De que diabos ela está falando?

Chase parecia confuso, mas então seus olhos verdes encontraram os dela e ele quase sorriu.

— Eu estou boiando, mas aposto meu braço direito que ela sabe alguma coisa. Se for esperto, vai confiar nela.

Burnett voltou a encarar Della.

— Eu confio nela. Mas ainda preciso de uma explicação.

Della deu. Em uma palavra.

— Fantasma.

* * *

Della parou do lado de fora da porta, tentando reunir coragem e invocar a adulta dentro dela. Tinha pedido por isso, agora precisava seguir em frente.

Mesmo com a sua temperatura fria de vampiro, ela podia sentir gotinhas de suor se acumulando na testa. Nervoso. Nada mais do que isso.

E se ela estivesse errada? E se só tivesse imaginado o cheiro de lobisomem? E se o garoto não soubesse merda nenhuma mesmo? E se ela falhasse? Tanto Burnett quanto Chase estavam assistindo tudo da outra sala com parede de vidro.

Minha nossa! Onde ela estava com a cabeça para sugerir aquilo?

Encontre Natasha.

Ah, sim, agora ela sabia. A voz. O fantasma.

Endireitando a coluna, lembrando-se de que a vida de Natasha e a de Liam estavam em perigo, varrendo de dentro dela qualquer rastro de insegurança, ela abriu a porta.

Lembrando-se do modo como a presença de Burnett enchia a sala, ela entrou. Não olhou o vampiro imediatamente.

— Eles mandaram você? — o vampiro perguntou numa voz condescendente.

Ela cruzou os braços e por fim olhou para ele.

— É por causa do que eu sei.

— O que você sabe? — ele perguntou, os olhos castanhos não demonstrando o mesmo medo que ela viu quando ele estava na presença de Burnett.

Ela engoliu o nó da dúvida. Pensou em pegá-lo pelo colarinho e prensá-lo na parede. Mas suspeitava que Burnett não iria respeitar aquilo.

— O gato comeu sua língua? — ele perguntou, quase sorrindo.

Ela sentiu o risco de fracassar se esgueirando dentro de si, mas não iria desistir sem uma boa briga.

Puxou a cadeira em frente a ele, fazendo com que ela arranhasse o chão de ladrilho, e deixou-se cair no assento.

— Eu sei que você estava prestes a esconder a verdade quando respondeu ao agente.

— Você sabe, é? — Ele deu um sorriso afetado.

Ela queria bater nele.

— Sim, você não estava pensando em contar a eles sobre os lobisomens.

O olhar em seus olhos castanhos dizia a Della que ela conseguiria sair da sala de cabeça erguida.

— Você não entende... — Ele fez uma pausa, depois acrescentou: — Merda!

— Me passe os nomes agora e você vai ser levado para a melhor prisão.

Ele literalmente se encolheu de medo.

— Acho melhor tentar a sorte na prisão pior.

— Sério? — Ela se inclinou para a frente, entrando propositalmente no espaço dele, tentando pressioná-lo a falar. — Porque eu estou imaginando que pelo menos metade dos detentos em Parkrow são lobisomens. E membros de gangues — ela acrescentou, rezando para que os lobisomens que ele tanto temia pertencessem a gangues. — E você sabe que vamos conseguir respostas e eles vão presumir que você foi o dedo-duro.

Ele deu um pulo da cadeira, agarrou o encosto com as mãos algemadas e jogou-a de encontro à parede. O móvel espatifou no chão, a alguns centímetros de onde Della estava. Não era bem uma tentativa de agredi-la, era mais um ataque de fúria.

Della levantou a mão para a parede de vidro, onde Burnett e Chase estavam, esperando que eles entendessem que ela estava pedindo que não interrompessem. Deixar o vampiro delinquente nervoso fazia parte do plano.

Ela deu alguns passos, pegou a cadeira e atirou-a de volta no lugar.

— Sente-se! — ela mandou. E, quando olhou nos olhos dele, ela se deu conta do quanto ele era jovem. Ser jovem não era desculpa para aquele comportamento, mas ela de novo se sentiu privilegiada por ter um primo para ajudá-la na transformação e depois por ter Shadow Falls para lhe dar retaguarda e mantê-la na linha. Será que esse garoto tinha alguém para cuidar dele?

Como ele não respondeu imediatamente, Della tentou outra tática.

— Olha só, eu sei que você está nervoso. E provavelmente com medo. Mas diga o que precisamos saber e aposto que a UPF vai manter você vivo até que consiga mudar o rumo da sua vida.

Ele praticamente caiu sentado na cadeira. Não demonstrava mais nenhuma arrogância, ele parecia... desesperado. Ela conhecia aquele sentimento também.

— Eu... não sei muito. Vi um grupo de lobisomens com esse garoto. Acho que o nome dele era Liam. Marco estava tentando recrutá-lo quando vimos os lobisomens com ele. Ele cedeu rapidinho. Disse que os lobos eram fudidos, disse que pegavam recém-criados e que não valia a pena brigar com eles.

— Qual era o nome da gangue? — Della perguntou.

Quando ele não respondeu, Della deu um murro na mesa.

— Eu não sei! Eles não disseram o nome da gangue. Eu não sei nem se eram uma gangue. — Ele parou de falar um minuto. — Mas ele disse o nome de um dos lobisomens. Um tal de Damian Baker, ou talvez Bryan, um nome com B. Isso é tudo o que eu sei.

Della acreditava nele. Ela começou a deixar a sala, mas então se lembrou do cheiro familiar de lobisomem no restaurante.

— Damian ou um dos amigos dele estavam no Buck’s Burgers? — ela perguntou.

— Eu não sei. Acho que podiam estar.

— Como são esses lobisomens?

— Como todo lobisomem, cães fedorentos.

Sem aviso, Della teve aquela sensação de vazio no estômago. Uma fome tão grande que a barriga até doía, e ela sabia que a sensação era de Natasha.

— Vou precisar mais do que isso! — ela disse, e a sensação de vazio no estômago era um aviso de que precisaria andar rápido, se quisesse encontrar Natasha e Liam vivos.

Burnett interrogou os outros vampiros usando as informações que Della tinha conseguido com Jason Von. Eles acabaram conseguindo mais informações. O nome do lobisomem que tinha sido visto levando Liam era Damian Bond. Burnett estava investigando esse nome no banco de dados da UPF para ver se encontrava mais alguma coisa.

Antes de deixar o escritório da UPF, Burnett chamou Della de lado e disse quanto ela tinha ido bem no interrogatório. No entanto, tomada pelo sentimento de que Natasha e Liam estavam correndo contra o tempo, Della não conseguiu saborear o elogio.

Apesar da ordem de Burnett para que fossem direto para casa, ela e Chase voltaram ao Uck’s Burgers. Era quase uma da manhã, o restaurante estava fechado, como a maior parte do comércio, e eles ficaram sentados dentro do carro, no estacionamento, com a capota arriada. Não estavam farejando nenhum lobisomem na área. Tudo estava em silêncio, e eles reclinaram só um pouco o banco, confortáveis em meio à noite e ao silêncio, olhando as estrelas.

— Estou vendo a Ursa Menor — disse Chase.

— É, acabei de encontrá-la.

— Minha mãe adorava observas as estrelas — contou Chase. — Às vezes, à noite, ela colocava nossos sacos de dormir no jardim e ficávamos deitados lá, olhando o céu.

— Parece bem legal — disse ela, olhando para ele. — Você sente muita falta deles?

— Sinto, mas não tanto quanto antes.

Depois de uns dez minutos, pensando em quanto Burnett ficaria bravo se soubessem que estavam ali, ela disse a ele que era melhor irem para casa.

Quando Chase estacionou em frente a Shadow Falls, ela pegou o diário, falou um rápido “até mais” e pulou do carro sem nem abrir a porta. Ela tinha uma sensação maluca de que, se não fugisse, ele tentaria beijá-la.

Quando saiu do carro, sentiu que Chase olhava para ela.

— Te vejo amanhã! — ele disse, saindo do carro.

Ela não olhou para trás, mas que um raio a partisse se não estava sentindo como se uma parte importante dela estivesse ficando para trás. Uma parte dela queria dar meia-volta e pedir a ele que lhe garantisse que iriam mesmo encontrar Natasha e Liam.

— Vou sentir sua falta! — Chase gritou quando ela passava pelo portão de Shadow Falls.

Eu também. O pensamento cruzou sua mente, mas ela se recusou a dizê-lo em voz alta. Então se lembrou de algo e se virou. Antes de falar, Della inclinou a cabeça ligeiramente para ter certeza de que ninguém estava ouvindo. Não escutou nada.

— Não se esqueça de me arranjar uma reunião com o Conselho.

Ela o viu acenando e entrando no carro. Ela ficou parada ali, olhando enquanto os faróis traseiros desapareciam na estrada. Engraçado como o pedido dela tinha feito com que ele fosse embora rápido, quando antes ele não parecia ter nenhuma pressa. Será que isso significava alguma coisa?


Capítulo Vinte e Oito

Eram quase duas da manhã quando ela entrou no quarto. A cabana estava em silêncio. Só o som suave da respiração de Miranda e Kylie adormecidas enchia o espaço. Della tirou as roupas, vestiu o pijama e se arrastou para a cama, abraçando o travesseiro. Sua mente dava voltas, muito agitada para dormir.

Agora, na cama, sentindo um leve arrepio pouco natural, os pensamentos em Chase se dispersaram e foram substituídos por outros pensamentos...

Ela olhou em volta do quarto em busca de algum sinal do fantasma. Não viu nada, mas isso não queria dizer que não havia ninguém ali.

— Você é minha tia?

As palavras pareceram pairar no ar acima dela, numa nuvenzinha de névoa.

Della puxou as cobertas até o pescoço, depois colocou o diário na sua frente e começou a ler. Encontrou a página onde tinha parado antes. Algumas datas não tinham o ano, mas pela letra Della podia ver que eram de uma época em que Natasha ainda estava no secundário.

Curiosa para saber se havia alguma coisa sobre a transformação dela, Della passou para as páginas finais, conferindo a data. Escritas nas últimas páginas estavam as palavras: Adeus, diário. Mas a data no alto era 13 de outubro do ano anterior.

O que significava que ler o diário de Natasha não iria ajudar em nada, era só invasão à privacidade. Uma privacidade entendiante, diga-se de passagem, mas mesmo assim era uma invasão. Ela fechou o diário e colocou-o de lado, mas ele de repente se abriu.

Olhando em volta, ainda sentindo um calafrio, ela fechou o diário novamente. Dessa vez, quando ele voltou a se abrir, Della pressupôs que deveria ler a página em que ele estava aberto. Assim como tinha acontecido com a foto no caixão de Chan.

— Ótimo. Mas como isso vai me ajudar a encontrá-la. Ela só descreve coisas normais do dia a dia aqui. — O que Della tinha achado uma coisa chata, verídica e normal pareceu algo bom. Como seria se o seu único problema fosse saber que o cara de quem ela gostava nem sabia da existência dela? Ela costumava ter essa vida, pensou. E Natasha também, ponderou. Agora a vida da garota tinha virado um pesadelo também.

Della olhou para a página do dia 10 de janeiro. Começou a ler.


Mamãe me chamou no quarto dela hoje. Eu sabia o que ela ia me dizer. Ela vai se casar com Tom.


Dela soltou um suspiro. Então a vida de Natasha não era tão perfeita assim. Della lembrou-se da foto do homem mestiço na mesinha de cabeceira da garota. Aquele devia ser o pai dela de verdade. Será que ele tinha morrido ou os pais eram divorciados? Então ela se lembrou do homem do lado de fora da casa, olhando para a janela do andar de cima. Devia ser Tom.

Ela continuou a leitura.

Eu fiz o que devia. Disse que estava feliz por ela. Mas foi difícil. Também é difícil constatar quanto sou egoísta. Quero minha mãe só pra mim. Não quero dividi-la com ninguém. Mas não penso em viver para sempre na casa dela. Vou me formar em menos de um ano. E então ela ficará sozinha. Ela não merece isso.

Não é que eu não goste de Tom. Bem, talvez eu não goste dele, mas também não desgosto. E não acho que ele seja ruim. Eu sei que ele ama minha mãe. E é legal comigo. Mas não é o meu pai. E eu sinto que ele está querendo substitui-lo. Eu não quero que Tom seja o meu pai.

E tê-lo por perto me lembra do pai que eu tinha. É loucura sentir falta de alguém depois de tantos anos. Eu sinto muita falta dele, mas o tempo também faz a gente esquecer. Como a voz dele. Eu costumava achar que sempre me lembraria dela. O jeito como ele me chamava de docinho — mas não me lembro mais. Já se passaram sete anos desde que ele morreu. Eu ainda olho para a foto dele quase toda noite e tento me ver nele. E eu vejo um pouco, mas não muito. Eu gostaria de ter o nariz dele.


Della olhou para a página e percebeu quanto ela tinha em comum com Natasha. Quantas vezes ela não tinha olhado no espelho e se perguntado por que não se parecia mais com o pai, mais com a família dele e com a cultura de que tanto se orgulhava? Talvez o fato de ser mestiça levasse a pessoa a se sentir assim — como se não pertencesse nem a um grupo nem a outro.

Della continuou a ler, mas o diário passou a relatar só coisas mais corriqueiras. Uma briga que ela teve com Tom, a escolha de um vestido para o baile de formatura. Ela leu tudo e só faltavam algumas páginas para o final. O último relato era mais longo do que os demais.


Falta uma semana para eu fazer 18 anos. Hoje mamãe me perguntou o que eu queria de aniversário. Eu sabia que ela perguntaria, como sempre faz. Ela é um doce, quer que a gente ganhe o que quer e não apenas o que ela quer dar. Mas este ano eu olhei nos olhos dela e decidi não mentir. Eu quero a verdade, disse a ela. Sua expressão quase me fez chorar. Me lembrou de como ela ficou quando a polícia bateu na nossa porta e disse que o meu pai tinha morrido na explosão da fábrica. Eu acho que ela tem medo de me perder. Ela não vai me perder, mas vou ficar com raiva se aquilo em que acredito for verdade. Ela deveria ter me contado há muito tempo.


Curiosa, Della virou a página, mas não havia mais nada para ler. Do que Natasha estava falando? Que mentira a mãe teria contado a ela? Della fechou o diário, seus sentimentos em relação à mentira com relação ao pai de Natasha espicaçando-a, enquanto sentia o sofrimento de garota.

Della colocou o diário na mesinha de cabeceira e ficou pasma quando o viu voar dali e bater na parede. E o frio no quarto tornou-se mais intenso.

— Por que você está infeliz? — Della olhou para cima e viu cristais de gelo brancos caindo do teto. Estava nevando em seu quarto.

— Chega dessa merda de frio! — gritou ela e se sentou. — Por que não podemos apenas conversar? Me diga onde está Natasha e eu vou salvá-la. Me diga como vocês duas estão ligadas.

Suas palavras fizeram mais nuvens de vapor pairar no ar. Elas estavam a alguns centímetros dos seus lábios.

— Me conte... me diga quem matou você. E juro por Deus que, se você disser que foi meu pai, eu vou saber que você é uma mentirosa.

Della prendeu a respiração. O coração dela a levou de volta para o tempo em que ficava no escritório na companhia do pai. As risadas que tinham dado juntos. O amor que tinham um pelo outro. Seu pai podia não ter morrido como o de Natasha, mas ela sentia falta dele do mesmo jeito.

— Fale comigo — disse ela novamente. Nenhuma resposta. E aquilo deixou Della furiosa. — Muito bem! Se você não vai falar, então faça o favor de tirar o seu traseiro gelado daqui. — Ela voltou a deitar a cabeça no travesseiro.

Passos soaram na cabana. A porta se abriu. Kylie estava ali.

— Você está bem?

— Não tenho paciência com fantasmas — disse Della com a voz firme, tirando com um tapa um floco de gelo dos cílios.

— Quer que eu durma com você?

— Eu não estou com medo, só de saco cheio. — O coração dela deu uma sacudida anormal. E se Kylie estivesse no modo vampiro teria ouvido. Della não verificou. Ela estava cansada demais para levantar a cabeça.

Kylie foi até a cama e se deitou com ela. Mesmo cansada, Della encontrou forças para contar à amiga sobre o seu dia. Desde a visão no armário de Natasha, até Chase afanando o diário, até a briga no parque, atrás do lago. A frustração dela agora era por causa de Natasha e Liam, que não tinham muito tempo.

— Você não pode fazer mais nada — disse Kylie, mas Della percebeu a desesperança na voz da amiga. Ela, como Holiday, ainda tinha dúvidas se Natasha e Liam ainda estavam vivos. Della se recusava a acreditar.

A temperatura do quarto por fim voltou ao normal. Com uma protetora ao seu lado, Della puxou os cobertores até o queixo — não para se esconder do frio, mas para se manter longe dos pensamentos de assassinato, fantasmas e duas pessoas presas em algum lugar, correndo contra o tempo.

Della estava quase dormindo quando Kylie fez uma última pergunta.

— Você fez o que Miranda disse?

— O quê? — Della murmurou.

— Abriu seu coração para Chase, para saber se ele é um príncipe ou um sapo?

— Eu acho que ele é as duas coisas — disse Della, e recordou da mão de Chase em seu seio quando saiu da visão. Como era ser tocada por ele. De repente, ela se sentiu muito quente e desejou que o fantasma voltasse e fizesse nevar novamente.

Na quarta-feira de manhã, o toque do celular despertou Della com um sobressalto. Ela se sentou e se lembrou de ouvir Kylie saindo da sua cama e se vestindo para ir à escola, junto com Miranda. Olhando pela janela, viu o sol atravessando a vidraça.

— Merda! — Ela devia ter voltado a dormir depois disso. Se começasse a dormir até tarde e a faltar nas aulas, Burnett provavelmente iria diminuir seu tempo de trabalho.

Ela pegou o celular. Seu coração deu uma sacudida quando ela pensou que poderia ser Steve. Olhando para o número, fechou os olhos, caiu de costas na cama e repreendeu-se por ainda querer que fosse Steve.

Então, a contragosto, atendeu à chamada.

— O que você quer?

— Bom dia, Raio de Sol!

— Vá pro inferno.

Chase riu.

A risada dele se derramou sobre ela como uma calda quente. Maldito seja! Foi então que Della se lembrou do que tinha dito a Kylie. Príncipe e sapo.

Ela o ouviu se mexer, quase como se ainda estivesse na cama também.

— Sabe, a única coisa melhor do que ouvir sua voz rouca pela manhã seria acordar ao seu lado. Seu cabelo bagunçado, a luz do sol entrando pela janela e fazendo sua pele macia brilhar. Aposto que você está sexy como o diabo.

Ela passou a mão pelos cabelos, olhou para baixo e percebeu que estava usando o pijama dos Smurfs.

— Eu não apostaria nisso.

— Não me diga. Você está vestindo o pijama dos Smurfs, não está?

Ela mordeu o lábio para não xingá-lo. Ela ficou de boca fechada, não porque estivesse com um palavrão na ponta da língua, mas porque sabia que ele estava certo.

— Você tem um conjunto de calcinha e sutiã que combina com o pijama? — perguntou ele, sem dúvida querendo provocá-la.

— Você realmente é o Pervertido da Calcinha! — ela disse.

— Sou o quê?

— O Pervertido da Calcinha!

Ele riu.

— Não, eu só sou pervertido quando se trata de você! — disse Chase parecendo sincero. — Você está bem?

— Claro que estou. Por quê?

— Anda dormindo tarde. Ficou acordada pensando em mim?

Ela ia começar a dizer que era óbvio que não, mas teria sido uma mentira.

— O fantasma veio me ver — ela disse a verdade, em vez de responder à pergunta dele. — E você? Qual é sua desculpa? — Ele tinha pensado nela? Não, espere, ela não queria saber.

— Minha desculpa para quê? — Chase perguntou.

Della não conseguiu encontrar uma resposta atravessada, então simplesmente a deixou pairando no ar.

— Parece que você ainda está na cama também. Ou isso não foi o barulho do colchão?

— Estou. Quer saber o que estou vestindo?

— Não! — Mas uma imagem se formou na mente dela. Seu rosto ficou quente quando ela se lembrou de quando estava naquele armário, passando a mão na bunda dele.

— Eu fiquei até quase quatro da manhã trabalhando no caso — Ele fez uma pausa. — E pensando em você. — Della o ouviu rolar na cama novamente.

Ela fechou os olhos e não soube o que dizer. Então não disse nada.

— O que ela disse? — Chase perguntou.

— Ela quem? — Della respondeu, a mente num turbilhão, o rosto ainda quente.

— O fantasma? — ele perguntou.

Ótimo, ela precisava mesmo mudar de assunto.

— Esse é o problema, ela não disse nada. Apenas fez nevar.

— Nevar?

— Sim, no meu quarto!

Ele fez uma pausa.

— Você sabe quem é ela?

— Eu não estou bem certa — respondeu.

— Quem você pensa que é? — ele perguntou.

Talvez esse assunto não fosse melhor do que o anterior.

— Que horas são? — ela perguntou, na esperança de desviar a conversa.

— Oito e meia.

— Se eu correr, ainda consigo pegar a primeira aula. Preciso ir.

— Então você não quer saber o que eu descobri sobre o nosso cara, Damian Bond?

Ah, mas que inferno, ela estava caindo na dele. É claro que queria saber.

— O que você descobriu? — Ela se sentou.


Capítulo Vinte e Nove

— Quem você acha que o fantasma é? — perguntou Chase, como se só estivesse disposto a contar as novidades se ela também contasse.

— Eu não tenho certeza absoluta. — Della falou a verdade.

— Então, quem você acha que é? — ele perguntou pela segunda vez.

— Não foi você quem disse que ela era o meu fantasma? — Della rebateu e sentou-se na beirada da cama.

— Não foi você quem disse que tínhamos a guarda conjunta? — ele rebateu, como se estivesse frustrado. — Se isso vai nos ajudar a encontrar...

— Se fosse nos ajudar, eu diria, mas agora só estou confusa. Então pare com essa enrolação e me diga o que você sabe sobre Damian Bond.

Ele a deixou sofrer por alguns segundos antes de começar a falar.

— O mais importante é que ele está na Califórnia agora, e já faz três dias. Portanto, não era dele o cheiro que você sentiu ontem à noite.

— Como... Como você sabe disso?

— A UPF não é a única que tem um banco de dados. Eu pedi para o Conselho dos Vampiros fazer um relatório sobre ele. Quando estava indo para casa ontem à noite, eles me ligaram. Ele está numa lista de observação. Já pertenceu a uma gangue que tinha como alvo os vampiros. Supostamente, desistiu, mas nós temos um endereço dele. Eu farei uma visita à casa de Damian. A namorada me disse que ele estava em Los Angeles. Ele faz uns trabalhos de dublê em filmes. Mas está voando para casa na sexta à noite. Acho melhor encontrá-lo na esteira de bagagens, não acha?

A mente de Della girava.

— Sim. — Mas ela não podia negar que tinha ficado desiludida ao saber que Damian não era o lobisomem que ela tinha farejado no Uck’s Burgers. Especialmente porque era esse o cheiro que o fantasma a tinha feito sentir quando estavam assistindo ao interrogatório. Como tudo isso se encaixava?

Expelindo o ar dos pulmões, ela olhou para os dedos dos pés descalços.

— Você já contou isso a Burnett?

— Ainda não. Pensei em contar primeiro para a minha parceira.

Algo na maneira como ele disse “parceira” causou uma vibração no estômago dela. E foi uma vibração boa — como se Della fosse parte de algo... ou alguém... importante.

Ela tirou o cabelo do rosto e voltou a olhar para a porta do quarto quando ouviu passos correndo na frente da varanda da sua cabana. Uma boa farejada e ela reconheceu o cheiro da bruxa.

— Miranda vem aí — Della disse ao telefone. — Eu tenho que ir. Ligue para Burnett e conte tudo a ele. Se não fizer isso, ele vai ficar puto.

— Esse não é o estado normal dele?

— Faça isso e pronto. — Ela desligou quando a porta se abriu e Miranda irrompeu para dentro do quarto.

— O que há de errado? — perguntou Della.

A bruxa respirou fundo como se tivesse corrido.

— Kylie me disse que Shawn foi esfaqueado! — ela exclamou, parecendo um pouco em pânico. — Ele está bem? — Ela ainda tinha o garfo na mão como se tivesse recebido a notícia durante o café da manhã e esquecido de deixá-lo no prato.

Della tomou a decisão rápida de manipular um pouco a verdade. Ei... se Kylie podia bancar a casamenteira, talvez Della pudesse também.

— Eu não sei. Ele estava bem machucado. Eu tenho o celular dele. É melhor você ligar e ver como ele está.

Shawn na verdade estava bem. Depois de tomar alguns pontos, tinha voltado a viver normalmente. Ele tinha dado o número de seu celular para ela e Chase na entrada de Shadow Falls, apenas para o caso de haver mais alguma notícia sobre o lobisomem. Aparentemente, ele ia continuar ajudando no caso.

Miranda franziu a testa.

— Por que eu iria ligar para ele?

— Humm, vamos ver. Talvez porque você esteja tão preocupada que correu do refeitório até aqui com um garfo na mão, para perguntar como ele estava — disse Della.

— Mas... eu não... não somos... amigos.

— Mas poderiam ser.

Miranda revirou os olhos.

— Eu me lembro do que você disse sobre ele exalar feromônios e tudo mais, mas ele é mais velho do que eu.

— Mais velho quanto? Dois anos? Ligue pra ele.

— Mas eu não estou... Eu só...

Della quase podia ler a mente da bruxa.

— Perry ligou?

Um olhar triste e tocante se estampou no rosto da bruxa.

— Não.

— Deixe-me ver se entendi. Perry diz que quer dar um tempo no tal relacionamento entre vocês. Ele vai embora. Você dá a ele um telefone mágico e ele pode ligar a hora que quiser, de qualquer lugar, e ele não se dá ao trabalho de usá-lo. Certo?

O lábio inferior de Miranda tremeu um pouco, mas ela confirmou com a cabeça.

— Então que se dane! Ligue para Shawn!

Della pegou o celular e mandou uma mensagem para Miranda com o número do celular do bruxo.

— Ligue pra ele! — ela sibilou quando o telefone da bruxa apitou. — Nós tínhamos um acordo, lembra?

Miranda fez beicinho e fulminou Della com os olhos, e era difícil fazer as duas coisas ao mesmo tempo, mas ela conseguiu.

— Você cumpriu a sua parte do trato... com Chase? Porque, se não cumpriu, eu não vou...

— Ele colocou a mão dentro do meu sutiã e eu passei a mão na bunda dele. Será que isso pode ser considerado a minha parte do trato?

Uma hora depois, no caminho para a aula de matemática, o celular de Della tocou. Ela olhou para a tela; era uma daquelas chamadas de alguém tentando vender seguros. Mas logo antes de ela enfiar o telefone de volta no bolso, percebeu que não falava com a mãe... havia um século! A mãe não ligava todos os dias, mas pelo menos duas vezes por semana Della recebia um telefonema “só para saber se estava tudo bem”.

A constatação ficou dando voltas na cabeça dela, então caiu como um pássaro morto no seu coração. Será que a mãe estava tentando esquecer que ela existia, assim como o pai? Ou talvez ela só estivesse ocupada. Antes que perdesse a coragem, procurou o nome da mãe na sua lista de contatos e ligou.

O telefone tocou uma vez.

Duas vezes.

Três vezes.

E foi para o correio de voz.

— Ei, mãe, sou eu, Della. — Para o caso de você ter esquecido quem eu sou. — Eu acabei de perceber que não nos falamos e queria ter certeza de que está tudo bem. — Eu te amo. Sinto sua falta. — Me liga.

Della tinha acabado de colocar o celular de volta no bolso quando Holiday apareceu.

— Ei, eu estava procurando você.

— Por quê? A minha mãe ligou? — perguntou Della, pensando que talvez ela só tivesse perdido o telefonema da mãe mais cedo.

— Hã, não. Algo errado?

— Não, eu só... Eu não tenho notícias dela há algum tempo. Ela tem ligado ultimamente para saber de mim?

Holiday pensou um minutinho.

— Não na semana passada. Você está preocupada com alguma coisa? — a líder do acampamento perguntou, captando as emoções de Della.

— Nada de mais — disse Della, e em seguida perguntou: — Precisa de alguma coisa?

— Ah, bem, eu precisava dar uma esticada nas pernas e achei que você podia se juntar a mim.

Della olhou bem para a líder do acampamento.

— O que eu fiz?

Holiday riu.

— Nada.

— Então o que você precisa falar comigo? — perguntou Della. — E não diga que não é nada, porque isso seria uma mentira e faes boazinhas não mentem.

Holiday fez uma careta.

— Nós mentimos às vezes. Mentirinhas brancas. — Ela sorriu. — Então, tudo bem, eu quero falar com você, mas você não está em apuros.

— Se você está grávida e quer que eu faça o parto do seu segundo filho, a resposta é não — brincou Della. — Eu não me recuperei do primeiro ainda.

Holiday riu.

— Bem, se você precisar de terapia, pode deixar que eu pago. Venha, vamos caminhar até o lago.

Elas entraram numa trilha na floresta e tudo ficou em silêncio. Os sons dos outros campistas desapareceram, e só um inseto ocasional fazia barulho.

— Você tem certeza de que não estou em apuros? — perguntou Della.

— Eu só estou um pouco preocupada — disse Holiday.

— Com o quê?

— Você... e toda essa coisa de ligação com Chase. Vocês estão passando bastante tempo juntos. Eu só queria ter certeza de que você está... ok.

— Não estamos rebolando os quadris — Della garantiu.

Holiday riu.

— Você tem mesmo jeito com as palavras, mocinha. E, sim, essa era uma das minhas preocupações, mas não é só isso. — Holiday ficou séria novamente. — Então você não está nem um pouco interessada nele dessa forma?

Della chutou uma pedra inocente que por acaso estava na frente do seu pé.

— Eu não diria “nem um pouco”.

— Então, o que você diria?

— Eu preferiria não dizer nada. — Ela encolheu os ombros.

Holiday suspirou.

Elas chegaram ao lago e Holiday apontou para a frente.

— Vamos nos sentar no píer.

Elas andaram até o fim da ponte de madeira.

Holiday se sentou, tirou os sapatos e enrolou a barra da calça jeans. Os dedos dos pés mal tocaram a água.

— Hoje está um dia bonito! — ela disse.

— Está mesmo — Della concordou, com sinceridade. Não estava frio, nem calor. O céu estava azul brilhante, as nuvens brancas e o sol estava quente em seus ombros. Della se sentou ao lado dela e tirou as botas e as meias. A água só causou um friozinho refrescante em seus pés.

— Onde está Hannah? — perguntou Della.

— Eu contratei uma babá para me ajudar a cuidar dela durante parte do dia. Sinto como se estivesse ignorando o meu trabalho.

Depois de alguns minutos, Holiday falou novamente.

— Burnett está investigando essa coisa toda de ligação e existem algumas poucas informações que confirmam o fato de que é real, mas elas são vagas. Muito vagas.

— O que dizem? — perguntou Della, querendo ver se ela sabia mais do que Chase tinha contado.

— Que os dois vampiros ficam ligados emocionalmente. Há provas de que podem ser membros da mesma família, por isso a ligação não é necessariamente romântica.

Um peixe deu um salto a alguns metros do píer e Holiday e Della olharam para ele.

— O que você acha que esse vínculo significa? A ligação entre vocês é romântica? — Holiday perguntou.

— Você sabia que os peixes fazem xixi e cocô na água? — disse Della quando Holiday esticou as pernas e afundou os pés na água.

Holiday revirou os olhos.

— Eu sei. E essa foi provavelmente a pior tentativa de mudar de assunto que eu já ouvi.

— Sim, mas eu não consegui pensar em nenhuma outra coisa — disse Della.

Holiday sorriu e então sua expressão ficou séria novamente.

— O que eu estou dizendo é que o que Chase fez por você foi uma coisa maravilhosa, mas eu não quero que se sinta obrigada a oferecer parte de si mesma que não deseja oferecer.

— Ele não está me pressionando para fazer sexo — disse Della, sabendo que era verdade. A coisa toda do armário tinha sido por causa da visão, não tinha nada a ver com eles. Mesmo que ele tivesse gostado. E ela também, admitiu para si mesma.

— Isso me deixa mais tranquila — disse Holiday, passando o pé pela superfície da água. — Mas você sente algo por ele. Eu posso dizer. E também posso dizer que você não está completamente confortável com isso. E isso me preocupa.

Della chutou a água.

— Eu odeio quando você faz isso, sabe?

— Faço o quê? — Holiday puxou o cabelo por sobre o ombro.

— Lê minhas emoções. — Della franziu a testa. — Porque, embora você esteja certa ao dizer que me sinto desconfortável, não é o que você está pensando. Se eu me sinto desconfortável, é por causa do que eu sinto, não porque ele está tentando me pressionar a fazer alguma coisa.

Holiday olhou para Della.

— E o que você sente?

— É maluquice minha — ela disse.

— Isso faz sentido. — Ela estendeu a mão e tocou o braço de Della. — Eu só quero ajudar. E eu sei que você é uma pessoa muito reservada, mas às vezes ajuda falar sobre as coisas.

— Que coisas? — perguntou Della.

— O que você sente?

Della engoliu a frustração.

— Eu já disse, é maluquice. — Ela suspirou. — Olha, se eu soubesse de verdade o que sinto, eu diria, mas eu não sei. Eu gosto dele? Sim. Me sinto atraída por ele? Sim. Se eu acho que a coisa da ligação é real? — Ela quase disse que não, mas a verdade escapou. — Sim. Mas eu não sei em que medida ou aonde isso vai me levar. Parte de mim confia nele. Parte de mim, não. E então, você conseguiu entender alguma coisa disso, exceto que eu estou completamente confusa e me sentindo meio paranoica?

Holiday sorriu.

— O amor é confuso e pode fazer você se sentir paranoica.

— Eu não disse nada sobre amor — disse Della.

Holiday sorriu.

— Eu não quero dizer um “amor”, para o resto da sua vida. Apenas um romance. — Ela se inclinou para trás e olhou o céu. — No entanto, eu não estaria fazendo meu trabalho como líder do acampamento se não contasse sobre as preocupações de Burnett com você.

— Ah, mas que inferno! Ele mandou você falar comigo sobre Chase?

— Não, foi ideia minha, e quando contei a ele, ele... bem, também falou como se sentia a respeito.

— Ele não gosta de Chase — disse Della.

— Ele não confia totalmente em Chase. E realmente não confia no Conselho dos Vampiros.

— E eu acho que ele é um tantinho superprotetor.

Holiday sorriu.

— Ele não seria ele mesmo se não fosse superprotetor. Mas tem faro para essas coisas. Então, eu só quero que você seja cuidadosa.

— Eu sou sempre cuidadosa. — Pelo menos a maior parte do tempo.


Capítulo Trinta

Della almoçou com Jenny, Kylie e Miranda. Elas pegaram suas bandejas e levaram para trás do escritório, sentando-se sob a sombra das árvores para comer.

Passaram metade do tempo rindo, enquanto Miranda contava sobre alguns de seus feitiços que tinham dado errado. Como no dia em que ela queria remover uma mancha da camisa do pai e acabou removendo todas as roupas dele.

Quando viram que o vizinho idoso “humano” tinha visto a cena, tudo virou um caos. Especialmente porque as roupas desapareceram quando o pai dela estava inclinado, tirando um assado do forno. Momentos depois, o pai estava usando dois pegadores de panela para cobrir as partes.

Della precisava mesmo dar umas risadas. Uma ou duas vezes, ela viu a tentação nos olhos de Miranda para contar o que Della tinha dito a ela sobre Chase e toda aquela história da mão dele e da mão dela, mas a garota deve ter entendido o olhar de Della dizendo “eu mato você” e não abriu a boca sobre o assunto. Della não tinha a mínima necessidade de falar sobre isso.

Especialmente depois da conversinha com Holiday. Não que Holiday a tivesse feito se sentir diferente, ela só não queria que Burnett ficasse sabendo de alguma coisa e realmente começasse a surtar.

Miranda não mencionou se ela tinha ligado para Shawn. Della decidiu que não iria pressionar mais. Tinha que ser decisão dela. Mas, se a amiga começasse a voltar ao modo “sorvete e lágrimas”, Della poderia mudar de ideia.

Ela não conseguiria, e não iria, ficar por perto, vendo a amiga sofrer e se castigar por causa da idiotice de um garoto. E, sim, ela considerava Perry um cretino. Miranda gostava dele, e o fato de ele pedir um tempo quando na verdade gostava dela, também era idiotice.

Depois de um almoço tão divertido, o dia pareceu mais leve. Após as aulas, Della esperou Chase no portão da frente. Burnett tinha precisado sair para tratar de outro caso e por isso eles não tiveram antes a reunião habitual para repassarem as regras. O plano era voltar ao Uck’s Burgers e ver se ela encontrava algum vestígio do lobisomem.

Quando o Camaro azul de Chase encostou, ela andou até o carro. Fazia meses que não andava tanto de carro e, embora adorasse voar, todo aquele tempo dentro de um carro fazia com que se sentisse um pouco mais humana. Como uma verdadeira adolescente. E isso era bem legal.

Ele parou ao lado dela. Seu cabelo estava despenteado pelo vento, Chase usava óculos escuros e seu sorriso era tão caloroso quanto o sol. Ela sentiu a mesma emoção que sempre sentia quando o via. A ligação? Ou, como Holiday tinha falado, apenas um romance normal? Mas, no momento, Della não queria pensar ou julgar. Quando saltou a porta, caindo no banco do passageiro, ele estendeu para ela um saquinho.

— O que é isso? — ela perguntou.

— Eu comprei mais elásticos de cabelo. Você continua levando todos e não trazendo nenhum de volta.

Ela pegou o saquinho e, quando o virou no colo, mais do que apenas elásticos de cabelo caíram de lá. Uma bonequinha Smurf — uma Smurfette — caiu em seu colo. Ela olhou para ele.

O sorriso dele se alargou.

— Desculpe, mas, quando vi, tive que comprá-la. Sério, eu tentei deixá-la lá, mas não consegui. Ela chamou meu nome e não me deixou ir embora. E você devia ter visto o olhar com que o brutamonte tatuado no caixa me encarou.

Antes que percebesse, ela estava sorrindo de volta.

— Obrigada — agradeceu.

— De nada. — Seus olhos se encontraram e se mantiveram assim por um segundo longo demais.

Ela pegou um dos elásticos e prendeu o cabelo. Ele só ficou observando e ela viu o olhar dele deslizando para os seus peitos por alguns segundos, como se ele estivesse se lembrando do tempo em que tinham ficado no armário.

E, por um breve segundo, ela quase invejou Natasha, que tinha vivido tudo aquilo enquanto ela só tinha vivido alguns segundos. Não era estranho pensar que uma garota que estava enfrentando a morte estava vivendo mais e passando por mais experiências do que ela mesma?

— Precisamos ir — disse Della, lembrando-se de sua conversa com Holiday.

— Tem razão. — Ele ligou o carro e, quando se reclinou no banco, colocou a mão na parte de trás do banco do passageiro, virando o corpo para olhar por sobre o ombro. O movimento foi natural, como se ele sempre o fizesse quando se virava para pegar algo no banco de trás. Mas, enquanto sua mão estava lá, seus dedos roçaram no pescoço dela. O toque, acidental ou intencional, enviou um doce arrepio pela espinha dela.

Ela observou enquanto Chase saía do estacionamento, trocando as marchas. Algo sobre o processo parecia legal. Ela lembrou que, quando era menor e o pai a levava para assistir a corridas de carro, ficava fascinada com os pilotos. Quando olhou para cima, Chase estava olhando para ela novamente.

Depois de alguns minutos apreciando o vento nos cabelos, Della notou que ele pegou uma estrada secundária.

— Aonde você está indo?

— Você já vai ver — disse ele.

Chase dirigiu mais alguns quilômetros e então entrou no que parecia uma estrada rural que terminava num bairro pouco desenvolvido. Lá havia ruas, mas não havia casas. Ele estacionou o carro e, em seguida, saiu e deu a volta até o lado dela.

— O que está fazendo? — ela perguntou, ainda no banco do passageiro, olhando para ele e vendo a si mesma em seus óculos de sol. Por um segundo, a visão a fez se lembrar da velha Della, aquele que podia só curtir um passeio de carro com um garoto bonito.

— Chega pra lá.

— O quê?

— Senta atrás do volante. Eu quero que você dirija.

— Não. — Ela negou com a cabeça, seu rabo de cavalo balançando para os lados e fazendo cócegas na parte de trás do seu pescoço. — Eu disse que não sei trocar marchas.

— Você não sabe trocar marchas... ainda. Eu vou te ensinar.

— Eu... eu não...

Antes que ela percebesse o que Chase pretendia fazer, ele escorregou para o banco dela, pegou-a no colo e passou-a por sobre o console e o câmbio, depositando-a no banco do motorista. O toque rápido contra seu traseiro enviou outra onda de formigamento através dela.

Ela franziu a testa para ele, mas Chase apenas sorriu. Ele estava se divertindo. E que Deus a ajudasse, porque ela também. Talvez fosse por causa do almoço em que apenas tinha dado risadas com as amigas. Talvez fosse o fato de aquilo ser algo diferente, porque ela podia tentar algo novo sem ter de ouvir Burnett discorrer sobre perigos e regras. Ou talvez ela estivesse cansada da pressão de tudo e, só por um tempinho, quisesse se esquecer e se divertir.

— Vamos lá — ele começou. — Está vendo os pedais? É como um carro automático. Só que ele tem um pedal a mais. O primeiro da esquerda para a direita é a embreagem, o segundo é o freio e o terceiro é o acelerador. Para você ligar o carro e engatar a marcha, precisa pisar na embreagem, então soltar lentamente enquanto pisa no acelerador. É muito fácil. Você só precisa soltar a embreagem enquanto pisa no acelerador. Então tira o pé da embreagem.

Della inclinou a cabeça para o lado, olhando os pedais.

— Não é tão fácil, ainda tenho que trocar as marchas.

— Sim, mas é simples. Quando o carro precisar de outra marcha, você vai ouvir e sentir. Você tira o pé do acelerador e faz a mesma coisa: pisa na embreagem, troca a marcha, em seguida pisa no acelerador de novo.

Ele pegou a mão dela e colocou-a sobre o câmbio. A palma da mão dele ficou em cima da dela para mostrar como trocar a marcha.

— Esta é a primeira. Está sentindo?

Ela sentia a mão dele. Sentia arrepios.

— Sim — Della disse, esperando que a voz não soasse tão trêmula quanto ela se sentia por dentro.

— Aqui é a segunda. — Ele moveu o câmbio para baixo. O polegar dele moveu-se para cima e para baixo ao lado de dedo mindinho dela, enviando todo tipo de sensação maravilhosamente quente para seu coração.

Ele ensinou a ela todas as diferentes marchas. Della tentou arduamente pensar na troca das marchas e não na mão dele sobre a dela.

— Agora você troca. — Chase tirou a mão. Somente o orgulho a impediu de fingir que não se lembrava, para que ele mostrasse de novo.

Ela fez o que ele tinha mostrado. A única marcha que não conseguiu encontrar foi a sexta.

— É bem aqui. — Ele chegou um pouco mais perto, a mão dele pressionando a dela novamente enquanto ele mostrava o leve movimento para baixo e ligeiramente para o lado direito.

— Sentiu?

— Sim. — Ela sentia tudo. Quando ele deslizou o braço esquerdo por sobre a parte de trás do seu assento e quando o antebraço dele roçou o ombro dela. Quando Chase falou bem perto e sua respiração fez cócegas na bochecha dela.

— Pronta pra tentar? — ele perguntou.

Ela olhou para ele. A pergunta ecoou dentro dela. Ela estaria pronta?

Pronta para parar de lutar contra o que sentia? Combater a chamada “ligação”, que fazia algo dentro dela se sentir completa?

A resposta sussurrou através da sua mente. Talvez.

— Sim — ela respondeu, enquanto um “talvez” era tudo o que podia dar à sua própria pergunta. E ela sabia o que a detinha. Ela ainda não estava completamente certa de que ele não sabia mais sobre quem o tinha enviado para ter certeza de que ela conseguiria passa pelo renascimento.

— Tudo bem — disse ele. — Vamos nessa.

Ela teve que ajustar o assento para que pudesse alcançar os pedais. Respirando fundo, querendo aprender aquilo, ela colocou o carro em ponto morto, pôs o pé na embreagem e virou a ignição. Ela o sentiu observando e abriu um sorriso.

— Até agora foi fácil.

A maneira como ele tinha estacionado obrigava-a a dar marcha à ré no carro, então ela engrenou a primeira marcha. Ela fez o que ele tinha ensinado, colocou o pé no acelerador e liberou lentamente a embreagem. O carro avançou. Uma sensação de vitória envolveu-a, mas desapareceu no instante em que o carro engasgou e morreu.

— O que aconteceu? — ela perguntou, olhando para ele. O sorriso de Chase fez com que ela gemesse de frustração.

— Você tirou o pé da embreagem muito rápido. Precisa soltar mais devagar. Mas quase conseguiu. Tente novamente.

Determinada, ela repetiu os passos. E, dessa vez, o carro andou quase dez metros antes de engasgar e morrer.

Ela rosnou, bateu a mão no volante e lançou um olhar infeliz para ele.

— Tem algo errado.

— Não tem nada errado. É só ter um pouco mais de sutileza. — Ele riu.

— Pare de rir! — disse ela.

— Ei, eu não estou rindo de você. Estou rindo porque... Porque me lembrei de Jimmy tentando me ensinar. E porque eu adoro... estar aqui, com você. Com você não brigando comigo, mas brigando com o meu carro. — Ele se inclinou. — Tente de novo.

Seus lábios estavam tão perto... Então, eles roçaram levemente nos dela.


Capítulo Trinta e Um

— Para dar sorte — disse Chase, então recuou como se não quisesse assustar Della, para não deixá-la ainda mais irritada.

Ela não estava irritada. Ou talvez uma parte dela estivesse, mas ela não queria que essa parte importasse agora.

Quando Della não disse nada, não reclamou, ele a beijou novamente. Dessa vez, o beijo durou alguns segundos.

Ela colocou a mão no peito dele e lhe deu um empurrão de leve.

— Você deveria estar me ensinando a dirigir.

A língua dele se afastou e passou pelo lábio inferior dela.

— Ok — ele disse, seu sorriso tão brilhante que a fazia querer beijá-lo novamente. Então Chase deu um puxão no rabo de cavalo dela. — Lembre-se, devagar e bem de leve.

Sim, ela pensou. Era assim que ela queria levar aquilo. Devagar e bem de leve.

Depois de cerca de mais três tentativas, ela finalmente conseguiu.

— Olha só! — ele disse. — Eu disse que você ia conseguir.

Ela começou a dirigir um pouco mais rápido. O vento era bom; o ronco do motor dava uma sensação boa. Era potente.

— É quase tão bom quanto voar, não é? — ele perguntou, olhando-a passar de uma rua pavimentada para outra.

— Pode ser até melhor — disse ela, trocando as marchas e adorando a suavidade com que conseguia fazer isso. — Até que velocidade ele pode ir? — ela perguntou e olhou para ele.

— Ele é rápido — disse Chase. — Acelere um pouco mais.

Ela olhou em volta e não havia outro carro à vista. Então fez isso. Pisou no acelerador e sentiu o rugido. Olhando de relance para o velocímetro, viu que tinha passado dos 140 por hora.

Estava prestes a diminuir a velocidade quando ouviu a sirene.

— Merda! Meu pai vai me matar! — ela murmurou. Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, antes que pudesse olhar pelo espelho retrovisor, Chase agarrou o volante com uma mão, ergueu o traseiro dela do assento com a outra, e eles trocaram de lugar.

Em seguida, ele desacelerou rapidamente e parou no acostamento.

— O que está fazendo? — ela perguntou, virando a cabeça para ver o carro da polícia parando atrás deles.

— Garantindo que o seu pai não vá matá-la — disse ele. — Porque, se ele magoar você, vou ter que dar uma lição nele, e essa não é a melhor forma de começarmos nosso relacionamento.

Ela estava prestes a dizer que eles não teriam um relacionamento, mas então mordeu o lábio.

— É um conversível; o guarda provavelmente viu que eu estava dirigindo.

— Você estava indo muito rápido, ele não pode dizer com certeza quem estava dirigindo.

Della olhou para ele.

— Certo. Eu estava indo rápido. Era eu que...

— Tudo bem — disse ele. — Apenas deixe que eu resolva isso.

— Mas a culpa é minha. Você não devia...

— Eu é que fiz você dirigir.

Ela já podia até ouvir o sermão, o mesmo que seu pai lhe dava cada vez que ela pegava o carro. O sermão sobre o perigo de escrever mensagens de texto enquanto dirigia... Sobre...

— Seu seguro vai subir e...

— Dinheiro não é problema.

— O seu pai... Quer dizer, Jimmy, não vai ficar chateado? Eu não quero você levando a culpa por algo que eu...

Chase enfiou a mão no bolso de trás e tirou a carteira de motorista, pronto para assumir a culpa.

— Tenho 18 anos, Jimmy não é mais responsável por mim.

Della olhou para o carro de polícia novamente, sentindo o estômago embrulhar.

— O que ele está fazendo? Por que não está vindo para cá?

— Calma. Ele está só verificando se o carro não é roubado.

Ela lançou para Chase um olhar de pânico.

— Merda! Não é roubado, é?

Ele olhou para ela de cara feia.

— Eu não sou ladrão de carros.

— Eu sei... Desculpe, é só que... Eu nunca fui parada pela polícia antes.

— Relaxa. Ele não vai prender a gente.

— Ah, meu Deus, eu nem tinha pensado nisso. Aí, sim, meu pai me mataria. E Burnett... ele me mataria outra vez. Onde eu estava com a cabeça? Eu não deveria ter dirigido acima do limite de velocidade. Ah, Jesus, eu coloquei a gente nessa encrenca.

Chase estendeu a mão e tocou o ombro dela.

— Fica fria. Vai ficar tudo bem. Se exceder o limite de velocidade é a pior coisa que você já faz, você é uma boa cidadã. — Então ele sorriu. — Você fica bonita quando está assustada.

Ela bateu na mão dele.

— Eu não estou assustada. Eu estou... preocupada.

— Eu sei, mas vai ficar tudo bem. Prometo. Confie em mim. E ninguém nunca vai descobrir. Nem o seu pai nem Burnett. Vai ser o nosso segredo.

Ela olhou fixamente para os olhos verdes dele. E uma parte dela confiava nele. Mas apenas uma parte.

De repente, ela se sentiu culpada. Culpada por ter tempo para se divertir quando deveriam estar à procura de Natasha e Liam.

Ela lançou outro olhar para o carro da polícia e, por puro nervosismo, começou a bater o pé no assoalho do carro.

— Fala sério, por que está demorando tanto?

Chase tocou em seu ombro novamente.

— Calma ou ele vai pensar que sequestrei você ou algo assim.

— Ok. Eu estou me acalmando. Eu estou. — Ela olhou para a frente. Então, depois de algumas respirações profundas, inclinou a cabeça para trás e fechou os olhos.

— Você sabe que vai ficar tudo bem. Nós vamos sair dessa.

Chase tinha acabado de dizer isso, mas, quando ela pensou nas palavras, a voz em sua cabeça não era de Chase. Ela abriu os olhos. O sol, o céu azul, o Camaro, o carro da polícia, tudo tinha desaparecido.

Virado fumaça.

De uma só vez.

Escuridão, tudo o que via era escuridão. Ela piscou novamente.

— Você está bem? — Dessa vez ela reconheceu a voz.

Liam.

— Posso perguntar uma coisa? — ela disse. Ah, pode apostar, Della tinha perguntas também. Onde estamos?

— Sim — ele respondeu.

Ela virou a cabeça e mal conseguiu vê-lo. Ele era bonito, mesmo com um dos olhos meio inchado.

Me diga onde vocês estão para que eu possa tirar você e Natasha daí. Ela tentou dizer as palavras, mas elas não saíram. Ela podia estar dentro do corpo de Natasha, mas não tinha controle sobre ele.

Em vez disso, Natasha perguntou:

— Você tem alguém?

— Como assim? — perguntou Liam.

— Tem namorada?

Ele estendeu a mão e tocou o rosto dela.

— Eu acho que depois do que fizemos, três vezes, isso significa que temos... “alguma coisa”. — Ele riu.

Natasha sorriu, mas na realidade ela não estava de muito bom humor.

— Eu quero dizer antes de agora.

Ele hesitou.

— Eu costumava ter. Um ano atrás, mas ela se formou e foi embora estudar na Faculdade do Sul da Califórnia.

— Você a ama? — Natasha espanou a terra do joelho e Della sentiu quanto ela queria que Liam dissesse não.

— Eu achava que sim. Eu queria ir com ela, mas, mesmo com a bolsa de estudos que me deram, minha mãe não podia pagar. Ela já tinha dois empregos para poder pagar meu colégio aqui.

— Então você é inteligente. Eu percebi isso — disse ela.

— Sim — disse ele. — Mas aposto que você não se sai mal na escola também.

— Eu não sou tão inteligente a ponto de entrar na Faculdade do Sul da Califórnia — disse ela. Fez uma pausa, e então perguntou: — Então vocês dois só se separaram quando ela foi embora?

— Não, nós tentamos continuar. Sabe, esperar um pelo outro. Tomar um avião para nos ver quando possível. Mas, depois de algumas semanas, ela conheceu outra pessoa.

— Sinto muito.

— Eu não — disse ele. — Virar vampiro teria colocado um ponto final no relacionamento, de qualquer maneira.

— Sim, é o tipo de coisa que atrapalha um pouco as coisas, não é? — A emoção se acumulou no peito de Natasha e Della percebeu que os sentimentos de Natasha eram muito parecidos com os que ela sentia em relação a ser transformada. A vida tinha sido arrancada dela.

— Por favor, não me diga que você tem alguém! — disse Liam. — Porque eu não vou gostar disso.

— Não tenho, não — disse ela. — Como você, havia uma pessoa, mas eu tinha terminado quando... quando me transformei.

— Você forjou sua própria morte? — ele perguntou.

— Aquele cara da funerária me disse que eu tinha que forjar. Disse que eu ia acabar matando meus pais ou coisa assim.

— Isso é mentira, você sabe. — Ele pressionou os lábios contra a testa de Natasha.

— Não sei, não. No começo é a maior loucura.

— Eu sei, mas eu não sou um assassino nem acredito que você seja. — Ele colocou os braços em volta dela. Ela enterrou o rosto no ombro dele.

— Isso é o que eles querem que a gente seja. Ou queriam. Por que você acha que eles não voltaram?

— Eu não sei.

Della tentou descobrir o que eles queriam dizer com aquilo, mas não tinha informação suficiente.

Um som retumbou acima, como se fosse algum tipo de equipamento de escavação. Natasha olhou para cima.

— Você forjou a sua morte? — ela perguntou a Liam.

— Não, nem tive chance. Aquele grupo de lobisomens me encontrou no segundo dia. Eu estava vagando pelas ruas, sofrendo como o cão. Eles me pegaram e me colocaram com os outros. — Ele fez uma pausa, então ergueu o queixo dela e a fez olhar para ele. — Eu não me importo se vou viver ou morrer. Eu estava a ponto de acabar com tudo quando vi você. Estava tão assustada... e tudo o que eu queria era fazer com que você se sentisse melhor. Você salvou a minha vida.

— Não, você salvou a minha. E quase foi morto por causa disso. Ela levantou a mão e tocou a sobrancelha e o olho dele.

— Não, só apanhei um pouco. Mas valeu a pena.

Alguns minutos de silêncio se passaram. O estômago de Natasha roncou de fome e seus pensamentos a levaram ao passado.

— Sinto falta deles — ela disse.

— Não daquele namorado, espero — ele disse.

— Não, ele era só... não era nada sério. Sinto falta dos meus pais. Minhas amigas, Amy e Jennifer. Elas eram minhas melhores amigas deste mundo. E eu sei que estão sofrendo. Especialmente minha mãe. Ela me amava tanto... — Natasha começou a chorar.

Liam a levantou do chão e a colocou no colo dele.

— Vamos sair daqui. Então você vai poder revê-los.

— Como? Eles acham que estou morta. — Ela pressionou o rosto contra o peito dele.

— Vamos inventar uma história. Dizer que você foi sequestrada ou algo assim. Vamos dizer que eles enterraram o corpo errado. Ei... Eu vou fazer isso acontecer. De alguma forma, Natasha, eu vou dar um jeito.

Della sentiu o desespero inchar dentro do peito de Natasha.

— A quem estamos querendo enganar?

Natasha agarrou a camisa de Liam.

— Nós não vamos sair daqui, Liam. Nós vamos morrer.

— Pelo amor de Deus! Não diga isso. Vamos sair daqui, sim, então vamos descobrir de que forma outros como nós vivem. Deve haver outra maneira.

Natasha chorou mais alguns minutos, então, finalmente esgotada, ela apenas se inclinou contra ele. Ele sabia exatamente como abraçá-la para fazê-la se sentir... amada.

E ela o amava, ela percebeu. Ela nunca tinha se sentido assim com ninguém antes. Era quase como se ele captasse os pensamentos dela. Ele se inclinou e beijou a testa dela novamente.

— Ah, e se você conseguir uma bolsa de estudos para alguma faculdade, eu vou com você. Eu não vou te perder, ok?

— Você não vai — disse ela. E, embora quisesse acreditar nele, que eles iriam sair daquela vivos, que iriam realmente ter uma chance de viver juntos, ela não conseguiu. Não acreditava.

Mas pelo menos eles tinham um ao outro agora. Ela ergueu o rosto e o beijou. Beijou-o com desejo e paixão.

— Quer fazer aquilo pela quarta vez?

— Eu lhe fiz uma pergunta! — A voz veio de algum outro lugar. E agora não era a voz de Liam, nem de Chase.

Della abriu os olhos rapidamente e o sol quase a cegou.

— Desculpe — disse Chase.

Della se virou e olhou para Chase, ele estava com a mesma expressão atordoada que ela devia ter em seu próprio rosto. Então viu o policial ao lado da porta do motorista e seu olhar nos olhos castanhos — um olhar bem contrariado. Um homem contrariado. Ele parecia um buldogue — que, aliás, precisava ficar um pouco menos diante da sua tigela de comida. Ele até tinha bochechas flácidas como as de buldogues, daqueles que babavam.

— Estamos um pouco nervosos — ela deixou escapar. — Quero dizer, eu estou nervosa. Nunca fui parada pela polícia antes.

— Isso provavelmente porque não faz muito tempo que anda saindo com o senhor Ligueirinho aqui.

Chase perdeu o olhar habitual de superioridade e sua expressão era um pedido de desculpas.

— Eu só estava tentando me exibir para a minha nova namorada — Chase disse ao policial. — Sei que estava errado. Pode me multar se quiser. Mas pelo menos eu a trouxe a esta estrada vazia, para não correr o risco de causar um acidente.

— Para não correr o risco de ser pego, você quer dizer. — O policial franziu a testa e as bochechas balançaram. — Passe a carteira de motorista, filho — ele mandou.

Chase entregou a carteira a ele.

O guarda se afastou, ou melhor, bamboleou para longe. Além de tudo, ele andava como um buldogue. Entrou na viatura outra vez, com as luzes azuis ainda piscando.

Chase olhou para ela. Della não disse nada, mas ele devia ter visto a aflição em seus olhos.

— Nós vamos achá-los.

— Nós temos que achá-los — disse Della.

O celular dela tocou. Ela o tirou do bolso e olhou o visor. Provavelmente a mãe dela, que ainda não tinha retornado a sua ligação. Verificou o número.

— É Burnett. Você acha que ele já sabe que nós...?

— Só se tiver um informante em cada delegacia do Texas.

Della se preparou para levar uma bronca.

— Eu não acho isso muito difícil.


Capítulo Trinta e Dois

Burnett não sabia que eles tinham sido parados e multados. Tinha ligado para informá-los de que Shawn não iria encontrá-los no Uck’s Burgers. O agente supostamente estava trabalhando em outro caso. O fato de Burnett ter sido vago com relação aos detalhes quase fez Della suspeitar.

A voz de Burnett soou do outro lado da linha.

— Eu acho que seria melhor vocês voltarem para Shadow Falls.

— Não, estamos indo para o Buck’s.

— Por quê? Nosso principal suspeito só vai estar na cidade na sexta-feira. Vocês vão perder tempo.

— Não, lembra que eu senti um cheiro conhecido quando estávamos no restaurante aquela noite? Acho que isso significa alguma coisa.

— Eu sei mas... Shawn não vai poder estar lá e...

— Vamos ficar bem — disse ela num tom determinado. — Confie em mim.

Burnett ficou quieto.

— Tudo bem, mas lembrem-se das regras. Não arranjem confusão. Se conseguirem alguma pista, me liguem o mais rápido possível. E... — Ele continuou por mais dois minutos e terminou com: — Mas eu realmente acho que vocês só vão perder tempo.

Felizmente, ele desligou antes que o guarda voltasse para entregar a Chase a multa dela.

Infelizmente, trinta minutos depois de se sentarem no Uck’s Burgers, Della ficou com medo de que Burnett estivesse certo. Nem ela nem Chase tinham percebido no ar qualquer cheiro de lobisomem. Havia alguns vampiros no lugar, e eles certamente tinham checado Della e Chase, mas, obviamente, decidido não arranjar encrenca.

Chase pediu dois refrigerantes. Lembrou-se de que ela bebia diet e, por alguma razão, isso a agradou. Conversaram sobre banalidades, sabendo que os outros vampiros estavam ouvindo.

Mas, quando eles foram embora, a conversa ficou um pouco menos banal.

— Você conseguiu descobrir se a visão pode nos ajudar? — perguntou Chase.

Della deixou sua mente divagar até a lembrança que poderia facilmente partir seu coração.

— Eles disseram algo sobre alguém querer que eles se tornassem assassinos.

— Eu sei.

— Você acha que alguém está fazendo os recém-criados se tornarem assassinos?

Chase balançou a cabeça.

— Eles poderiam, mas é preciso confiar na pessoa que te manda fazer algo assim.

— E o barulho? — perguntou Della. — Era como se houvesse um equipamento de construção acima deles.

Ele assentiu.

— Mas poderia ser qualquer coisa.

Ela passou o dedo pela borda do copo.

— Nós precisamos contar a Burnett sobre isso. Nem chegamos a contar sobre a outra visão.

— Se você acha que isso vai ajudar, então conte. Eu simplesmente não consigo ver como. — Ele pegou um guardanapo e enrolou-o no dedo de pura frustração. — O que eu não entendo é por que o fantasma está fazendo isso. Nos fazendo ter essas visões sem nenhuma razão. Não estamos conseguindo nada que vá nos ajudar a encontrá-los.

Della sentia a mesma coisa, mas, de repente, a resposta lhe ocorreu.

— Mas nós nos importamos.

— O quê?

— Nós nos importamos. Ela quer que a gente se preocupe com eles.

Chase soltou a respiração e olhou para sua bebida.

— Então ela está conseguindo.

Ele enfiou o canudo no copo.

Os dois ficaram em silêncio, como se estivessem tentando processar aquela ideia. Então Chase olhou para ela e Della viu que ele já não estava mais pensando na visão.

— Por que você não forjou sua morte como a maioria faz? — ele perguntou.

Ela encolheu os ombros.

— Eu tinha Chan e, quando meus pais me levaram para o hospital, porque eu estava doente, encontrei outros sobrenaturais que me deram o telefone de Shadow Falls. Holiday não é muito a favor de vampiros forjando a própria morte.

Ele balançou a cabeça e olhou para seu refrigerante por um tempo.

— Mas, obviamente, não foi tão fácil pra você. Eu ouvi você reclamando do seu pai... e sobre a sua tia. E no dia dos pais eu estava lá, você... parecia bem infeliz sentada ali com eles.

Ela suspirou.

— Houve momentos em que eu pensei que poderia ser mais fácil de outra maneira, mas depois de ouvir o que Natasha disse, não sei. Holiday pode ter razão.

Ele assentiu.

— Você perdeu outras pessoas, também?

Lembrando-se da conversa que ambos tinham ouvido entre Natasha e Liam, Della suspeitou que ele se referia a um namorado.

— Sim. Eu tinha alguém.

— Era muito próximo?

— Eu achava que éramos. Mas estava errada.

— Ele magoou você? — Chase perguntou, e seus olhos ficaram um pouco mais brilhantes com a raiva óbvia.

— Sim. — Ela girou a bebida nas mãos, acompanhando com o dedo uma gota que escorreu pelo vidro, reunindo coragem para fazer a mesma pergunta. — E você?

— Eu tinha só 14 anos. — Ele fez uma pausa, como se essa fosse a resposta, em seguida, acrescentou. — Mas, sim, havia alguém.

— Você a amava? — perguntou Della.

— Era um amor juvenil — disse Chase. — Ela era amiga da minha irmã. Eu tinha uma queda por ela fazia bastante tempo. Até que ela finalmente parou de me olhar como o irmão mais novo.

— Você nunca foi vê-la? Quer dizer, eu sei que ela pensa que você está morto, mas você nunca a observou nem de longe para ver como ela está?

— Não. — Ele baixou os olhos, olhando para o próprio copo. — Ela morreu.

— Como? — perguntou Della, seu peito se enchendo de emoção.

— Ela estava no avião quando a gente caiu.

O coração de Della então realmente se contraiu de dor.

— Sinto muito.

— Eu também. Mas eu a vi depois... ou quase isso.

Della pegou o canudo e agitou o gelo.

— Você quer dizer como um fantasma?

Ele fez uma careta.

— Eu acho que você chamaria assim. Eu estava mal por causa do acidente, e estava meio cá meio lá... com eles. Ou quase lá, se você me entende...

Ela assentiu com a cabeça.

— Eu entendo. A mesma coisa aconteceu comigo quando eu estava... renascendo.

— Fico feliz que você não tenha decidido ficar lá — disse Chase.

— Você também — Della admitiu.

Ele sorriu.

— Quer saber, acho que ela sabia de você.

Della fez uma careta.

— A sua namorada? Como ela podia saber de mim?

— Ela disse que os espíritos podiam prever o futuro e que eu conheceria alguém que seria um verdadeiro desafio.

— Isso não quer dizer que seja eu! — Della insistiu.

Ele riu.

— Eu não acho que já tenha conhecido alguém mais desafiador do que você.

Ela ergueu o terceiro dedo do copo só um pouquinho.

Ele viu e riu.

— Eu me diverti hoje.

Ela mordeu o lábio.

— Eu vou te pagar a multa. Quem ia adivinhar que iriam nos multar em quatrocentos dólares?

— Sim, mas eu estava 80 quilômetros acima do limite de velocidade.

Della franziu a testa.

— Eu estava 80 quilômetros acima do limite.

— E você curtiu cada segundo — disse Chase. — Eu pagaria duas vezes esse valor para vê-la se divertindo de novo.

— Sim, mas você não vai pagar. Vou receber alguma coisa por trabalhar neste caso e vou reembolsá-lo.

— Viu só? Você é um desafio — provou ele. — Eu tenho muito dinheiro, Della.

— E você é só um playboyzinho pentelho! — disse ela, mas não pôde deixar de sorrir.

Seu parceiro estava ou não estava sendo mais um príncipe do que um sapo no momento?

Naquela noite, Della se deitou na cama com a Smurfette sobre a mesinha de cabeceira, olhando para ela.

Por que aquela bonequinha idiota significava tanto?

Porque ele tinha comprado para ela. Porque ele tinha passado vergonha e mesmo assim comprado para ela. Porque era evidente que ele estava pensando nela quando a viu.

Ela se lembrou do aviso de Holiday. Basta ter cuidado.

Ela teria, disse a si mesma.

Antes de levar aquilo adiante ela queria...

O que ela queria?

E a resposta veio. Ela queria saber com certeza se podia confiar em Chase. Queria ter certeza de que ele não estava guardando mais segredos.

Enquanto estava pensando no que queria, ela pegou o celular só para ter certeza de que não tinha perdido nenhuma ligação da mãe.

Nenhuma chamada.

Ficou em dúvida se ligava de novo, mas então percebeu que isso a magoaria muito. Se a mãe não se dava ao trabalhado de ligar de volta, Della não ligaria também.

Quinta-feira, logo depois das aulas, o celular de Della tocou. Esperando que fosse a mãe, ela correu e atendeu, sem sequer verificar o número. Não era a mãe. Era Burnett novamente — precisava vê-la. Ela decolou e jurou não pensar na mãe novamente. O líder do acampamento estava esperando na varanda da frente da cabana. Não era um bom sinal.

Ela o seguiu até o escritório dos fundos, porque o escritório de Holiday estava ocupado. Ele se encostou à mesa e fez sinal para que ela se sentasse na cadeira. Um olhar ao redor e Della percebeu que Holiday tinha redecorado a sala — havia um peso de papel de cristal sobre a mesa, juntamente com fotos mais coloridas de Hannah, o orgulho e a alegria de Burnett. No canto da sala havia uma planta, uma planta viva. A sala não parecia mais tão austera.

Não até Della ver a expressão de Burnett.

Alguma coisa estava errada.

— O que foi? — perguntou Della.

— Nós tentamos ir atrás de Damian Bond na Califórnia. Ele não estava onde disse à namorada que estaria e foi demitido do emprego há dois dias. Mas eu verifiquei e, até agora, ele ainda tem uma reserva para um voo na sexta-feira à tarde. Então eu estava pensando, por que você não tira uma noite de folga, fica aqui e descansa um pouco.

— É porque eu dormi tarde ontem, não é? Mas eu estava bem hoje de manhã.

— Não é isso — disse ele. — Bem, talvez um pouco. Você não tem parado um instante. Eu sei que ficou correndo ontem à noite até quase duas da manhã. Você não pode continuar indo até o limite desse jeito. Sei o que estou dizendo, eu sou agente. Você precisa relaxar, respirar um pouco.

Della controlou seu temperamento estourado.

— Está tudo bem. Não preciso dormir muito. Você devia saber disso, também. E ainda estou respirando. Não está ouvindo? — Ela respirou fundo.

Ele franziu a testa.

— Eu posso ver nos seus olhos. Você não pensa em mais nada que não seja esse caso. Você tem que aprender a relaxar. Isso pode te consumir por dentro se não aprender a deixar tudo de lado às vezes.

— Eu vou deixar tudo de lado e relaxar quando encontrar Natasha e Liam. Você mesmo disse que eles não têm muito tempo.

Ele soltou o ar com frustração e Della sentiu que ele sabia de mais alguma coisa. O que não tinha contado a ela?

— Tem outra coisa, não tem?

Quando ele não respondeu de imediato, ela teve vontade de gritar, mas se forçou a ficar sentada e perguntar novamente numa voz calma. Ei... se ele queria que ela ficasse calma para trabalhar no caso, ela ficaria... mesmo que isso a matasse.

— O que você não está me dizendo, Burnett?

Ele contornou a mesa e sentou-se em sua cadeira.

— Um dos outros lobisomens que foi preso finalmente decidiu falar ontem. Ele confirmou o que Jason Von disse. E o que o Conselho dos Vampiros desenterrou nos arquivos dele. Mas... — Ele fez uma pausa. — Ele também disse que faz quatro semanas que pegaram Liam. Ele sabe com certeza porque era aniversário do irmão dele. — Burnett balançou a cabeça. — Della, não há como eles terem sobrevivido tanto tempo.

Ainda controlando suas emoções, ela disse:

— Você estava lá quando o fantasma fez aquela coisa. Ela soletrou a palavra “vivos”. Você viu. Como ainda pode questionar?

— Até Holiday disse que os fantasmas, às vezes... ficam confusos. Talvez Natasha seja o fantasma e ela não queira aceitar que...

— Não. — Ela balançou a cabeça. — Nós não sabemos se eles foram colocados naquele túnel, ou o que quer que seja, há quatro semanas. Eles podem ter sido trancados lá recentemente.

A expressão de Burnett permaneceu firme e Della viu isso em seus olhos. Ele tinha provas, ou achava que tinha.

— O que mais? Apenas me diga o que você sabe — disse ela, e seu coração ficou apertado com a possibilidade de ouvir o que ela sabia que não queria ouvir. O que sabia que não queria acreditar.

Ele soltou um longo suspiro.

— Eu queria que Holiday estivesse aqui. Ela deve chegar daqui a alguns minutos.

— Eu não preciso de Holiday, Burnett. Só preciso saber o que está acontecendo.

Ele assentiu.

— Eles estavam sequestrando recém-criados e os usando em lutas nos subterrâneos.

Della lembrou-se da visão que tinha tido no dia anterior... agora fazia sentido.

Burnett se ajeitou melhor em sua cadeira.

— Descobrimos que a mesma coisa estava acontecendo em Dallas e conseguimos detê-los. Prendemos os envolvidos lá, e conseguimos até libertar vários recém-criados que tinham sido capturados. Eles estavam sendo trazidos de outros países.

Della continuou ouvindo, mas até o momento, ele não tinha dito nada que provasse que Natasha e Liam estavam mortos.

— Até o outro comparsa falar hoje, não sabíamos o que estava acontecendo aqui. Ele nos deu os nomes dos responsáveis. Às cinco da manhã, prendemos três deles. Achamos que esse Damian Bond poderia ser um deles também.

— Portanto, essa é uma boa notícia — disse Della. — Estamos mais perto de encontrá-los. Por que você...?

— Tem mais. — Burnett cruzou as mãos sobre a mesa. — Soubemos que, quando aconteceram as primeiras prisões em Dallas, eles mandaram avisar os parceiros de Houston para que eliminassem as provas.

— Eliminassem? — Della repetiu. — Eles os mataram?

Ele assentiu.

— Fomos informados sobre uma vala comum. Fica num ferro-velho, onde destruíam e enterravam carros.

Nesse instante, Della se lembrou dos ruídos que ouvira na visão, os sons de equipamentos de grande porte. A dúvida começou a cortar os fios de esperança que ela tinha amarrado tão forte no coração.

— A UPF ainda está recolhendo os corpos, e vamos levá-los para serem identificados. Eu sei que você não quer acreditar, mas há uma boa chance de Natasha e Liam estarem entre as vítimas.

As lágrimas encheram os olhos dela, mas ela não se importou.

Encontre Natasha.

A voz sussurrou na cabeça de Della. A voz estaria errada? Mas o queria dizer a visão: a visão da mulher assassinada por alguém tão parecido com seu pai ou seu tio? Perguntas começaram a espicaçar seu coração dolorido, sedento de respostas.

Ela enxugou as lágrimas.

— Quanto tempo... antes de termos certeza?

— Pode levar até uma semana para confirmarmos a identidade de todos os mortos.

Della se levantou.

— Tudo bem, mas até que você encontre os corpos de Natasha e Liam, vou continuar procurando. E não vou acreditar que eles estejam mortos até que eu mesma os veja no necrotério.

— Della, você precisa...

— Não! — rebateu Della. — Vou continuar procurando.

— Onde? Você já seguiu todas as pistas.

Ligação de Miao Hon. As palavras de repente ecoaram dentro da cabeça de Della. Não vindas da memória, mas, obviamente, do fantasma.

Mas por quê? A resposta veio com clareza. Pela mesma razão que ela tinha enviado a foto. Sua tia sabia algo que Della precisava descobrir. E talvez, apenas talvez, fosse a informação de que ela precisava para encontrar Natasha.

— Não, eu não segui todas ainda — garantiu Della. Ainda havia a pista que ela estava evitando.

Ela deixou Burnett, sem olhar para trás quando ele chamou o nome dela. Voou da varanda do escritório e se dirigiu para sua cabana. Encontrou a fotografia na gaveta da mesinha de cabeceira, e em seguida foi embora. Ela decolou e saltou o portão. Sabia que o alarme iria soar e Burnett e saberia que era ela.

Della não se importava.

Ela precisava chegar à única pessoa que achava que iria entender como ela se sentia. A pessoa que poderia ajudá-la a fazer o que tinha fazer.

Chase.


Capítulo Trinta e Três

Chase estava na varanda de casa quando ela atravessou o topo das árvores. Ele estava com o celular na mão, o olhar focado em algo mais acima, como se olhasse para ela.

— Ela está aqui — Della o ouviu dizer enquanto se aproximava.

Provavelmente Burnett, talvez muito aborrecido porque ela tinha saído sem a permissão dele. A quem ela queria enganar? Ele devia estar furioso.

Ela não se importava.

Chase desligou o celular e largou-o numa das cadeiras de vime da varanda.

Ela aterrissou em frente à varanda com um baque não muito gracioso.

Della não se importava.

Ele se lançou para a frente como se quisesse segurá-la, mas ela se apoiou no balaústre da varanda.

Chase estava sem camisa. Obviamente não esperava receber visitas.

Ela não se importava.

O rosto úmido revelaria que ela tinha chorado.

Ela não se importava.

Chase olhou para ela preocupado, com ternura nos olhos.

E, maldição, ela se importava! Della se importava com Chase. Ela sabia que ele se importava com ela também. Como tinha chegado a essa conclusão ela não sabia, mas isso não vinha ao caso no momento.

— Era Burnett — ele avisou.

— Ele te contou? — ela perguntou, as emoções se agitando dentro dela, quase a deixando atordoada.

— Só que você ficou aborrecida com as notícias e saiu de lá sem avisar. Ele começou a explicar, mas eu vi você e desliguei. O que aconteceu?

— Eles acham que eles estão mortos. — As narinas dela ardiam e ela teve que engolir a saliva para impedir que mais lágrimas caíssem.

— Mas nós sabemos que eles não estão — Chase disse, chegando mais perto. Ela podia sentir o cheiro dele, o aroma fresco de vento e alguma erva natural.

Quando ele estendeu o braço na direção dela, ela recuou. Tinha que contar a ele. Então queria que ele acabasse com todas as suas dúvidas, convencesse-a de que seus medos não tinham fundamento.

— Mas algumas coisas que eles disseram fazem sentido.

— O quê?

— Burnett disse que havia um cafajeste qualquer organizando lutas entre eles para entretenimento. Lembra que eles disseram que queriam que se tornassem assassinos?

— Lembro, mas como é que isso...

 

 

 

C O N T I N U A