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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


EXPERIMENTO CONTATO / Marcia Ribeiro Malucelli
EXPERIMENTO CONTATO / Marcia Ribeiro Malucelli

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Montanha Brandberg, Damaraland; Namíbia, África.
21° 4’ 59” S e 14° 9’ 0” E.
10 de outubro; 09h00min.
O homem de pele cor de ébano, brilhando pelo suor e excitação, vinha misturado a uma camada de areia avermelhada típica da Namíbia. Esbaforido pela corrida, alcançou a tenda principal gesticulando em meio ao suor que lhe tomava a fronte. Todos, que no sítio arqueológico próximo a Montanha Brandberg trabalhava calmamente, estranharam a sua atitude.
— Mejuffou?! — gritava Bantuh. — Mejuffou Zôra?!
A ‘Doutora Zôra’ a quem ele se referia, largou os mapas estudados desde os primeiros raios de Sol, e o observou atônito. Era uma jovem bonita, de pele levemente amorenada, olhos verdes intensos e lábios firmes que demonstravam aquilo mesmo de sua personalidade; firmeza. Considerada mente privilegiada no mundo acadêmico, a sua pouca idade não a detinha; Zôra era uma doutora, Ph.D em entomologia.
“Talvez uma herança genética”; gostava de pensar o tempo todo.
Havia fotos cuidadosamente catalogadas, calhamaços de papéis timbrados, vários notebooks e GPS de última geração embaixo da tenda principal, feita de algodão cru, onde ventiladores calmamente giravam suas pás. A Dra. Zôra gostava de trabalhar assim mesmo, no calor, em meio a toda a tecnologia.
Dava graças, naquele momento, por ter se livrado do astuto professor Dr. Antenor Amorin e seu empolado filho, Dr. Narciso Amorin; ambos Ph.D em paleontologia e matemática.
Eles haviam ido para Pretória, no extremo sul do continente africano resolver uma pendência administrativa com a Poliu, Polícia Intercontinental Unida.
Zôra também tinha que admitir que andava feliz sem a presença pedante da nova esposa do Dr. Oliver Gastón, a também Dra. Isadora Gastón, Ph.D em paleontologia, e que viajara à América do Sul para resolver pendências financeiras do casal.
— Mejuffou?! — berrou Bantuh agora na frente dela.
— Calma Bantuh! O que houve?
— Mejuffou Zôra!!! — pulava a levantar a areia vermelha. — Mejuffou Zôra!!!
— Controle-se, Bantuh! — Zôra já perdia a paciência. — E pare de gritar e pular!
— Kameelperd!!! Kameelperd!!! — apontava para fora da tenda.
— “Girafa!”? — ela sorriu. — Como assim ‘girafa’, Bantuh? Mortas? — a entomologista Zôra traduziu.
— Waarskynlik koud.
— “Provavelmente fria”? — a também entomologista Dra. Felicity, traduziu.
Ambas se olharam e Zôra olhou os homens contratados para trabalharem no sítio arqueológico, alguns de etnia Wambo, alguns Kawango, na maioria Banta; eles também não pareciam entender o porquê da gritaria de Bantuh.
— Mejuffou! Mejuffou! Waarskynlik leeg!
— “Provavelmente vazia”? — e foi a vez da botânica Dra. Omana mal acreditar no que entendeu.
— Prehistoric!
— “Pré-histórica”? — Zôra arregalou os olhos verdes após a última tradução.
Aquilo fez sua cabeça girar e ideias passaram por ela. Eram ‘eles’, Zôra podia senti-los como ninguém. A fenda temporal que separava os muitos Universos se aproximava cada vez mais.
— Acha que tem haver com os sinais, Zôra? — questionou a Dra. Lânia. — Com o crop circles provando que estão vindo?
— Cuidado! — alertou a Dra. Palakika. — Sabe que não podemos nos expor com crop circles falsos agora que a venda daquela jazida se aproxima.
— Ek het nie geweet dat hy sou kom nie!!! — mas gritava Bantuh.
— “Seu povo não sabia que eles viriam”? — Zôra olhou em volta novamente, e viu a jovem metereologista Dra. Lenny Calógeras a olhar com rigor. — Compreendo Bantuh! — e Zôra tomou a decisão de decidir sozinha.
Porque era óbvio que a Poliu a proibiria de ir lá.
— Você vai lá, pois? — questionou o Dr. Bonilha.
— Preciso ver Bonilha — e Zôra se virou para o fiel empregado Bantuh. — Entende não Bantuh?
— Nie! Nie! Nie!
— Asseblief! Por favor! Preciso fotografar o crop circle para a professora Lânia antes que Narciso volte e conte a Poliu, que com certeza vai embargar a venda da jazida à Computer Co..
— Nie! Nie! Nie!
— Sabe como esses crop circles são importantes para meu livro Bantuh — tentou argumentar a esmirradinha professora em matemática Lânia.
— Nie! Nie! Nie!
— Preciso ver os crop circles deixados onde você encontrou a girafa, Bantuh. É uma ordem! — agora Zôra foi firme.
— Nagô?
— “Meu pai”? Sei que meu pai não vai gostar disso, mas eu preciso, entende? — mas Zôra via Bantuh balançar freneticamente a cabeça em tom de negação. — Asseblief... Sabe que preciso da ajuda de Sean Queise, Bantuh, e ele não vai vir até aqui de outra maneira; não com meu pai e ele se odiando — Zôra fez sua última tentativa.
Bantuh olhou para os outros contratados para aquele experimento; os doutores Lânia, Oliver, Bonilha, Ignácia, Yerik, Paolo, Enrichetta, Omana, Hélder, Lenny, Emiko, Palakika, Felicity e outros locais. Todos abaixaram a cabeça num gesto de obediência, concordância. Bantuh percebeu que também tinha que obedecê-la, para o bem daquele experimento, eles precisavam de Sean Queise.
Zôra correu a pegar sua câmera digital. Junto, uma caixa de acrílico negro que carregava sempre com ela. De dentro tirou o que parecia ser uma luva de metal, que acionou fazendo uma luz negra e cintilante, seguida de um som agudo, tomar conta do espaço ao redor dela. A luva então se desmontou em diversas lâminas do que parecia ser fibra de carbono e se remontou, incorporando à mão de Zôra, fazendo da mão dela, uma arma.
Bantuh se assustou mais com aquela coisa tomando conta de Zôra, do que com a girafa pré-histórica no meio de um crop circle, o qual não sabia o que significava.

 

 

 

 

 


1
Computer Co. House’s; São Paulo, capital; Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
01 de outubro; 08h28min.
Gyrimias Leferi era o melhor cientista da computação no mercado e a Computer Co. o tinha em seu staff com muito orgulho. Jovem, magro e alto, usava óculos tão grossos que o deixavam com uma fisionomia ‘nerd’; não que não o fosse. Filho de um amigo de Fernando Queise, Gyrimias foi tirado do MIT para trabalhar com o também jovem Sean Queise na construção de Spartacus, o satélite de observação. E havia nesses últimos anos se tornado um aliado e amigo fiel, nas investigações sobre o grande poderoso Mr. Trevellis, chefe de operações da Poliu.
Apesar da personalidade acanhada sempre atrapalhá-lo quando Oscar Roldman ou Kelly Garcia o colocavam contra a parede, Gyrimias sabia que passava a todos uma aura de fidelidade. E Sean confiava nele. O telefone celular dele tocou quando estava no corredor da cobertura, indo à sala de Kelly Garcia, sócia de Sean Queise na Computer Co..
— Bom dia Senhor Sean Queise — bradou Gyrimias. — A Senhorita Kelly Garcia já me chamou.
— Droga! — Sean explodiu antes mesmo do ‘Bom dia!’ — Você já está na sala de Kelly? — a voz de Sean era de puro desespero.
“Pode entrar Gyrimias!”, Sean ouviu Kelly falar ao fundo.
— Sim, Senhor — foi a resposta dele.
— Não fale nada sobre Spartacus e a LMF, Gyrimias. Muito menos sobre a Namíbia e o que vou fazer realmente lá.
— Parcelada minha curiosidade, por quê?
“Sente-se Gyrimias!”, Sean ouviu ao fundo.
— Kelly vai tentar saber por que não vou levá-la.
— Vai?
— Sim! Vai! E eu não quero que ela saiba o que nós sabemos sobre a Poliu na Namíbia.
— Os sinais?
“Sinais?” “Que sinais?” “Com quem fala Gyrimias?”, Sean ouviu Kelly perguntar.
— Com um técnico, Senhorita — respondeu Gyrimias apavorado por mentir a ela.
“Desligue!” “Por favor!”, foi categórica.
Sean também encerrou a ligação torcendo para que Kelly não fizesse nenhuma besteira. Ele, porém sabia que ela faria. E sabia, porque tinha dons para saber.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital; Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
15 de outubro; 09h00min.
Kelly Garcia entrou de supetão na cobertura da Computer Co., vestindo um vestido florido e insinuante, e trazendo uma bandeja de frutas e água gelada. O calor estava infernal naquela manhã de primavera e Sean Queise, rico empresário da informática ergueu o sobrolho. Sua ex-secretária e agora sócia já fazia daquilo uma rotina, a bandeja e as roupas que chamavam sua atenção, todas elas.
— Café da manhã frugal? — ele sorriu.
— Para você patrãozinho.
— Sabe que não gosto que me chame assim? — fez uma careta.
— Dessa maneira ‘jocosa’? — Kelly brincou e Sean só a olhou. — Estraguei nosso dia, patrãozinho?
— Kelly... — e os olhos azuis dele brilharam no rosto jovem e bonito.
E o sorriso de Kelly também foi belo. E ela era aquilo mesmo, uma mulher bela, de atrativos, que chamavam a atenção. De cabelos escuros, espanhola e catorze anos mais velha que ele, Kelly era uma mulher cobiçada no meio empresarial.
Sem reconhecer ou admitir, Sean sentia ciúme em ver o assédio sobre a sócia e amiga. Contudo ela sonhava com a chance de um dia amá-lo, de dar-lhe o tamanho de amor que sentia por ele. Mas Sean estava fechado ao amor, ao amor verdadeiro, ao amor de Kelly que tentava apesar de tudo, apesar da família dele já perceber o amor que os anos geraram nela, nele, em ambos.
Nelma Queise até que torcia para que o filho enfim descansasse seu coração ferido. E ferido não só pelas perdas adquiridas ao longo de sua vida, mas pela dor de ver seu pai, Fernando Queise se distanciando dele, o filho de outro homem, Oscar Roldman, com quem Nelma dividia filho e amor. O mais obscuro medo de Sean Queise, a verdade sobre Oscar Roldman, sobre ser ele seu pai biológico, assombrava a família Queise, o amor e o orgulho de Fernando por Sean, Sean por ele.
Contudo, não bastassem os confusos sentimentos entre os pais, Sean vivia com mais coisas a lhe assombrar. Desde o suicídio de Sandy Monroe, sua noiva, na noite do noivado, sentia-se perturbado, com dons paranormais fora do controle, com imagens e informações se moldando à ele. Todos na Computer Co. sabiam provável a mídia sabia que Sean tinha problemas; contudo quais e a extensão de tudo aquilo, poucos tinham conhecimento.
E o porquê de Mr. Trevellis da Poliu, conhecer e explorar tais dons, para fins nada bélicos, gerava confusão entre Fernando e Oscar; porque Oscar queria Sean na Polícia Mundial, organização de inteligência que ele chefiava, e porque Fernando empurrava Sean cada vez mais para a Poliu, uma corporação de inteligência não muito bem vista pelos poucos que dela sabiam. E tudo porque gerara mal estar, quando a Poliu acusara Sandy de roubo de importantes cálculos, sobre a construção do satélite de observação Spartacus, que os cientistas da Computer Co. construíram, com um jovem e inteligente Sean Queise de quinze anos, criando seu banco de dados e com toda a programação de gerenciamento do satélite de observação dentro dos mainframes, nos bancos de dados da Computer Co., era o jovem Sean, hoje com 23 anos, quem os comandava; mais atrito entre Mr. Trevellis e Fernando Queise e Oscar Roldman.
Mas na cabeça de Sean a coisa era simples assim, Spartacus era seu trunfo contra a Poliu. Porque com o satélite e todo seu poder de alcance, ele poderia provar ao mundo que a secreta corporação de inteligência denominada Poliu, Polícia Intercontinental Unida, era na verdade a fachada de um governo oculto, gerador de teorias de conspiração, alguns com sólida fundação, e a qual destinava boa parte de suas verbas para entrar em contato com forças de outros mundos; barganhar também.
Armas, conhecimento, poder alienígena.
Como tal experimento que ele sabia que a Poliu desenvolvia; primeiro em Portugal, na Poliu portuguesa sob a orientação de Mona Foad, uma medium egípcia, usada como espiã psíquica, capaz de fazer pensamentos tomarem forma, formas-pensamentos, e mundos inteiros se comunicarem com o poder do teletransportar, e segundo na Namíbia, onde a Poliu tinha uma base montada junto a um sítio arqueológico que estudava crop circles, que para ufólogos espalhados pelo mundo, significava sinais deixados pelos alienígenas.
Quais sinais, Sean ainda não sabia. Mas sabia disso, daquilo e de muito mais, porque havia desenvolvido uma perigosa técnica de hackerismo nesses anos que investigava a Poliu. Horas de estudo, de monitoração; sem parar, sem descansar. Uma técnica paranormal que o permitiria fazer viagens remotas até seu objeto de estudo. Como também enxergar passado, presente e futuro, ouvir pensamentos e transformar um material noutro, dominando-os, fazendo-os se adequarem ao seu comando mental, para então comandar máquinas e muito mais através de um dom paranormal genético, um dom da família Roldman.
E toda aquela transformação acontecia em Spartacus, o satélite de observação.
— Sean? — Kelly tentou tirá-lo de seus pensamentos. — Seu café frugal vai esfriar — mas nada, nenhum movimento. — Sean? — e ele nada falou. — Patrãozinho?
Ele sorriu.
— Eu sei que ainda está aí, Kelly — continuava a digitar sem tirar os olhos azuis da tela do notebook quando o celular tocou e mais rápido que o pensamento, ele cancelou a chamada.
Mas não tão rápido para uma mulher apaixonada, controladora, quando o celular tocou e ele desligou rapidamente outra vez.
— Não vai atender?
— Nada tocou — e o celular ia tocar e ele agora o desligou de vez.
E sem encostar no celular.
— É para isso que usa seus dons paranormais?
Ele previu o tempo esquentando mais que o calor da primavera.
— Não vou responder a isso Kelly.
— Nem vai dizer quem é ela?
— Ela quem?
— Sem jogos de palavras Sean.
— Já disse que... — e Sean desligou o telefone de mesa antes dele tocar; ela só o olhou. — É só uma mulher...
— Ah! Uma mulher desconhecida ou uma daquelas cinco conhecidas no último mês?
Sean girou os olhos.
— Uma mulher...
— Ah!
— Sem mais ‘Ah!’. Não pensei que ela fosse descobrir meus números de telefone — e olhou o telefone da mesa. — Todos eles.
— Porque para isso não usa seus dons...
— Não uso meus dons para isso Kelly — se virou a encarando e desistindo do confronto voltou a digitar.
Kelly respirou profundamente tentando manter a frieza que já não tinha mais.
— O que está fazendo?
— Terminando um estudo.
— Achei que havia terminado aquele estudo com Gyrimias.
— “Aquele estudo”? — Sean deu uma pausa no que o tom de voz dela mudou. — Por que acho que você está desconfiada de algo?
— “Desconfiada”? Eu? Por que seria?
Sean ficou fitando-a com interesse.
Suspirou e retornou a digitar.
— Eu e Gyrimias ainda estamos trabalhando no mesmo ‘estudo’ dos últimos dois meses, Kelly. GPS!
— Investindo em mais aonde?
Sean não achou graça.
— Por que faz isso Kelly? Obrigar Gyrimias a contar-lhe tudo?
— Porque sua mãe me obriga a contar-lhe tudo.
Sean dessa vez não retrucou, sabia que sua mãe o vigiava, que ela também o controlava.
— Ela não vai desistir não?
— Não sei realmente, no que sua mãe insiste tanto Sean.
— Ela quer... Ela quer... — e não conseguiu falar.
— Mantê-lo cada vez mais perto do Sr. Roldman.
— Ah... Kelly... — e ele largou os ombros. — Desculpe-me! Estou investindo em outros campos também. Só isso!
— Quais campos?
— Vai contar a ela?
— Não!
— Jazidas!
— Não entendi.
— Jazidas de níquel, Kelly.
— Usando GPS para isso?
— Estamos rastreando com Spartacus; sensoriamento remoto.
— Por que está se aventurando num campo que não conhece?
— Não é a questão de se conhecer ou não, Kelly. Só não quero ser tão dependente do mercado como sou, como meus computadores são. As coisas não vão bem na Computer Co., e a dependência externa está me matando.
— Mr. Trevellis está o matando — o aroma das frutas invadiu-os e Kelly não insistiu. Sabia a hora de parar. Achou que sabia. Serviu-o com algumas frutas descascadas. — Ok! Então vamos investir quanto?
— Prefiro você envolvida assim, sabia? — sorriu-lhe ao comer a laranja dada.
— Não ando envolvida?
— Não ultimamente — sorriu-lhe. — Porque, digamos que, ultimamente sua energia tenha sido redirecionada a outros interesses — sorriu cínico olhando as curvas do vestido insinuante.
— Eu ou você? — Kelly aproveitou a chance de colocar manga gelada na boca dele.
E seus dedos tocaram os lábios dele.
Sean percebeu a demora dela em retirá-los, nos dedos que insistia em permanecer ali na sua boca, enquanto outra mão caminhou pelos cabelos loiros, que ficaram em desalinho. Sean tinha medo daquela aproximação. Deu uma inclinada no corpo e alcançou a bandeja com frutas pegando uma fruta.
— Obrigado! — voltou a digitar. — Gosto de frutas geladas.
— Sei de tudo que gosta.
— Kelly... — riu sabendo que a sócia ‘agia’ novamente.
— Ok! Para você não dizer que só me interesso em você... — e riu charmosa da careta dele. — Me diz o que nossa Computer Co. anda fazendo...
Sean esperou ela acabar de sorrir maliciosa outra vez.
— Recebi uma proposta de investimento em uma jazida de níquel na África, de um geólogo inglês radicado na Namíbia chamado Dalton Millers.
— E quem é esse Dalton?
— Ele me mandou um e-mail há três meses e alguns links da companhia Moon Metallurgy, que estava procurando investidores. No começo até achei arriscado me envolver em ‘campos desconhecidos’, mas agora acho que não é uma má ideia.
— Por quê?
— Porque as jazidas da Austrália estão se esgotando, as do Brasil idem, a Amazônia inteira é intocável e a Namíbia tem se mostrado o quarto maior exportador de minerais não combustíveis da África, assim como é o quinto maior produtor de urânio do mundo. Além dos mais, 20% do PIB da Namíbia estão na mineração.
— Uau Sean!
— E porque aproximadamente 65% do níquel consumido são empregados na fabricação de aço inoxidável austenico e outros 12% em superligas de níquel. O restante 23% é repartido na produção de outras ligas metálicas, baterias recarregáveis, que o satélite de observação precisa — comeu outra manga gelada e sorriu-lhe.
— Spartacus?
Sean sabia que ela sabia. Que Gyrimias não tinha conseguido.
— A liga níquel-titânio, o nitinol-55, apresenta o LMF, um fenômeno chamado ‘liga de memória de forma’ e que é usado em robótica; onde também existem ligas que apresentam superelasticidade.
— “Memória de forma”? É isso que investiga com Gyrimias?
Sean não queria responder, mas o fez.
— Não Kelly. Com Gyrimias só programas de sensoriamento remoto. O resto é investimento bruto.
— O níquel aparece na forma de metal nos meteoros junto com o ferro, sou geóloga não? — insistia mesmo vendo que Sean desgostava.
Aquilo com certeza era mais que uma visita sazonal à sala dele para tomarem cafés frugais.
— Sim, Kelly. Como geóloga, você sabe que existe no núcleo da Terra as ligas kamacita e taenita.
— E você agora investiga meteoros? Sua mãe sabe?
— O que ela quer Kelly?
— Não sei. Responda você.
— Minha mãe não interfere na Computer Co.. Fizemos um acordo mudo, quando... — e parou sabendo que Kelly sabia de algo, de algo que ele fez com a mãe, para esconder viagens dela a Londres, à Trafalgar Square, que ele vendera segredos do amor dela com Oscar, pela não interferência dela ou da Polícia Mundial no controle da Computer Co..
Sean sentia-se mal por aquilo, mas faria tudo de novo se fosse para controlar e manter a empresa longe da Poliu, longe da Polícia Mundial, e longe de tudo que magoasse seu pai Fernando. Porque ele sabia que ele andava magoado, talvez com sua mãe. E que talvez não fosse só sua mãe, mas também seu pai Fernando a fazer Kelly o vigiar.
“Droga!”, soou dentro dele.
— Prossiga! — Sean a desafiou.
E Kelly o desafiou, pela pressão que sofria, por vê-lo se arriscando, por amá-lo e por não possuí-lo.
— Suas viagens!
— ‘Minhas’ o que?
— Cavernas, buracos, crateras... Tem viajado a todo lugar onde os tais sinais alienígenas aparecem, Sean — e todos os quadros das paredes foram ao chão.
Kelly só piscou pelo susto e só. Sabia que havia o atingido em cheio e que ele se descontrolara, porque ele não controlava tudo aquilo, não quando se descontrolava com ela.
— Saia Kelly!
— Sinais deixados por supostos pousos de UFOs em plantações, água e gelo e sei lá mais aonde.
— Saia Kelly! — soou mais forte.
— É ela por detrás Sean? — ela viu Sean paralisar. — É a Poliu, Sean?
— Vou viajar no fim de semana para Windhoek, capital da Namíbia! — e foi uma exclamação oca e pausada. — Dalton Millers me disse que a Namíbia era uma cidade colônia da Alemanha e que vou gostar dela! — e todos os quadros voltaram a parede no estado em que se encontravam, despencando. — E vou sozinho, verificar pessoalmente se o investimento da jazida de níquel me agrada! — e o notebook se fechou tão rápido que um sinal de desativamento só se fez quando o notebook entrou na gaveta que abriu, que foi trancada, no que Sean saiu.
E tudo sem tocar em nada.
2
Windhoek International Airport’s; Namíbia, África Saariana.
22° 34’ 12” S e 17° 5’ 1” E.
16 de outubro; 16h00min.
O avião da Lufthansa aterrissou em Windhoek, a capital da Namíbia via escala de Frankfurt. Sean Queise ficou a procurar Dalton Millers pelo salão lotado, arrependido de não ter comunicado sua viagem com antecedência.
— Hallo Mister Queise! — falou um homem magro, alto, branco e com enormes tranças enroladas dentro do que Sean julgou ser uma touca feita de lã colorida. Ficou a imaginar o peso do cabelo em cima do corpo franzino. — Hoe gaan dit? Praat jy Afrikaans?
— Sorry Dalton! Como disse?
— Disse ‘Como vai?’ ‘Sabe falar africâner Mister Queise’?
— “Africâner”?
— Africâner, Africânder ou Afrikaans é uma língua do ramo germânico do grupo indo-europeu falada na África do Sul e na Namíbia.
— Não... — sorriu. — Suponho que não falo.
— É um prazer conhecê-lo! — Dalton esticou uma mão a fim de ser cumprimentado e Sean o achou simpático. — Vamos para o hotel, Mister Queise?
— Me chame de Sean.
— Okay! Chame-me de Dalton. Vamos para o hotel então?
— Havia explicado no último e-mail que não precisava se incomodar vindo me buscar no aeroporto, Dalton. Um táxi resolveria.
— Aproveitamos para nos conhecermos melhor, Mister Queise.
Os dois andaram para fora do lotado lobby.
— Me chame de Sean, Dalton.
— Okay! Vou tentar lembrar.
— Como vão as coisas em Damaraland? Na Moon Metallurgy?
— O contrato não podia ser melhor. A Moon Metallurgy irá fornecer também seu sistema de monitoramento de processo chamado SONNAR, uma nova classe de fluxômetro industrial que utiliza princípios de medições que são distintos de todas as outras tecnologias de fluxômetro que operam na indústria de mineração.
— Os sistemas de monitoramento de fluxo não intrusivos da SONNAR não têm contato com os resíduos?
— Não! E podem ser removidos e reinstalados quando necessário para substituição do cano.
— Excelente! Sabe que preciso de um mineral sem resíduos.
— No que mesmo vai usá-lo?
— Em algo que nunca foi usado — sorriu enigmático.
Dalton ficou curioso.
Ambos alcançaram o estacionamento quando Sean impactou ao ver uma figura grande, deveras conhecida poucos metros à sua frente. De olhos verdes, pele jambo e reluzente, porte militar e costume impecável apesar do calor, Mr. Trevellis jamais havia se mostrado tão ao alcance como naquele momento. Nem havia ficado sozinho em lugar algum, sem algum agente da Poliu por perto.
E Sean os perceberia, tinha dons para aquilo.
Voltou a olhar para frente e percebeu que Dalton se afastava a falar sozinho, balançando a touca colorida até ver que Sean Queise ficara para trás.
— Mister Queise? — parou de andar.
Sean deu alguns passos mecânicos e sentiu-se mal, com impressões que Mr. Trevellis não era uma alucinação, que ele estava ali no aeroporto pelo mesmo motivo que o levara a Namíbia; Spartacus e uma LMF que nunca foi usada.
— Desculpe-me Dalton... — passou a mão no suor que escorria. — Acho que o calor...
— Venha! Tem ar-condicionado no carro — sorriu nada percebendo. — Como eu ia dizendo, a SONNAR também demonstrou... — e Dalton parou de falar e seguiu o olhar de um Sean Queise apavorado com as ideias que tinha. — Aconteceu alguma coisa, Mister Queise?
Dalton não parecia ter visto ninguém conhecido.
— Ãh? Não... É ótimo saber que... — olhou para Dalton. —, que tudo pode dar certo.
— Ah! Não! Já deu certo, Sean — riu. — Viu? Agora me lembrei de chamá-lo assim — e voltou a rir.
— Dalton... Eu gostaria de ir para o hotel. Estou cansado.
— Não vamos ver a jazida? Aluguei o carro para isso.
— Não! Amanhã se possível.
— Okay! Vou chamar um táxi — acenou para um carro parado numa fila. — O Heinitzburg Hotel está situado num dos mais belos castelos de Windhoek. Sua secretária escolheu pessoalmente.
— Renata é ótima, mesmo — Sean ainda procurava Mr. Trevellis que sumira de sua visão.
— Engraçado! Ela disse que se chamava Kelly.
Sean girou a cabeça tão rápido que aquilo doeu.
— Conversou com Kelly, minha secretária?
— Sim. Um bocado simpática.
— Ah... Simpática. Ela perguntou muita coisa?
— Não. Foi direta e precisa. Escolheu até a suíte.
“Droga!”, Sean não entendia porque Kelly se envolvia tanto em sua vida.
Entrou no táxi e seguiu para o Heinitzburg Hotel preocupado com o futuro emocional de sua sócia.
Talvez do dele próprio.
Heinitzburg Hotel, Namíbia.
16 de outubro; 17h30min.
A capital de Namíbia está a 1.650 metros de altitude, e em seu maior momento, foi o centro da oposição do avanço alemão. Agora é uma cidade moderna e próspera. E quando o Conde von Schwerin construiu o castelo Heinitzburg para sua noiva Margarethe von Heinitz em 1914, o amor era sua inspiração, a elegância sua realização.
Sean Queise estava encantado pela beleza do lugar, que em nada lembrava o misterioso e exótico continente africano. O check-in do hotel estava vazio e Sean logo se encaminhou para a suíte quando um perfume de flores invadiu-o por completo.
O quarto todo cheirava rosas.
Sean adorou o baldaquino, o véu que cobria a grande cama imersa em pétalas vermelhas. E ele mal teve tempo de acomodar sua mala e seu notebook no chão quando viu o champagne no gelo e duas taças disposta em pontos opostos da mesa.
— Surpreso?
Sean arregalou os olhos azuis. Kelly Garcia estava sentada à esquerda da porta.
— O que... — Sean olhou em volta. — Como?
— Fretei um avião.
— Ah! Kelly... Por que fez isso?
— Por que fiz isso? — ela se ergueu bela, num tailleur de corte elegante, se aproximando dele e o beijando com carinho, nos lábios ainda abertos pelo impacto de vê-la ali, sozinhos, com um champagne no gelo.
Sean sentiu todo seu corpo pedi-la. Porque sabia que a amava, que sempre a amou, provável desde muito antes de ela o amar, antes de Sandy entrar na vida deles.
— A Computer Co.?
Ela foi até a mesa e serviu o champagne.
— Está em boas mãos.
— Nas mãos de quem?
— Gyrimias.
— Ah! Elegi Gyrimias o meu substituto?
— Não seja ingrato, Sean — apontou para os lados. — Não gostou?
— O que pensa que é isso aqui? Lua de mel?
Kelly sentiu dor naquelas palavras.
— Não! Fiz reserva para mim no quarto ao lado. Não se preocupe.
Sean sentiu um peso sobre ele.
— Perdão Kelly...
Ela só estendeu a taça com champagne e um sorriso gélido surgiu no rosto bonito. Sean pegou a taça e tomou tudo num gole. Estava tão atordoado com a visão de Mr. Trevellis no aeroporto que temeu estar surtando.
— Eu...
— Você?
— Vou amanhã para Damaraland visitar a Moon Metallurgy, na Montanha Brandberg. Quer me acompanhar?
Kelly sorriu a ponto dos olhos brilharem.
— Adoraria!
— Faça uma pequena valise de roupas. Talvez demore muito e dormiremos por lá.
— É longe?
— É longe sim. Vamos primeiro de avião até Damaraland, depois de carro até a jazida.
— Vou ter que levantar muito cedo?
— Sim — Sean riu. — Muito cedo.
— É só me dar alguns minutos após o café da manhã para me trocar — ela já ia saindo.
— Minutos, Kelly. Não horas — brincou.
— Minutos, não horas — Kelly saiu e não voltou mais.
Sean sentou-se na cama totalmente arrasado com o que dissera com o que pensara; talvez até mais com o que desejara. Ligou o celular desligado já há algum tempo e viu 108 chamadas perdidas da ‘última mulher conhecida’.
— Wow! — foi só o que disse quando voltou a desligá-lo e ligar o notebook, acessando seus mainframes.
Gyrimias Leferi percebeu o aviso de inserção de permissão na Computer Co., sabia que deveria liberá-lo sabendo que Sean o estava acessando. Havia ficado de ‘guarda’ como Kelly Garcia ordenara, diretamente nos computadores da sala de Sean Queise. Ele sempre se apavorava quando necessitava vigiar Spartacus.
Sean deu ‘enter’ e uma negação lhe foi enviada. Sean arqueou os olhos e pediu outra permissão. Porém dois avisos chegaram simultâneos. Gyrimias também se assustou, ficou na duvida se os computadores haviam sofrido duplicidade de dados. Mas Sean na Namíbia não pensou duas vezes, acessou via VoIP seu computador pessoal na sala da cobertura Computer Co. House’s.
Gyrimias atendeu-o num instante.
— Senhor Sean Queise? — Gyrimias apareceu na tela do notebook.
— Por que não autorizou minha entrada Gyrimias?
— Autorizei Senhor...
Sean ergueu o sobrolho.
— Recebi duas negações, Gyrimias.
— Parcelado meu susto, eu liberei as duas vezes Senhor.
Sean ficou a imaginar o pior.
— Que coordenada Spartacus está seguindo?
— Spartacus segue alguma coordenada, Senhor?
— O satélite de observação seguiu três meses atrás a coordenada 14° 26’ 0” S e 28° 27’ 0” E.
— E onde fica essa coordenada Senhor?
— Kabwe, Zâmbia, uma jazida abandonada.
— Tenho até medo de parcelar a pergunta, se era uma jazida de níquel.
— Era Gyrimias. E eu sei que há algo acontecendo nessas jazidas de níquel.
— A Poliu?
— Não! Algo que meus dons não acessam.
— Espiões psíquicos?
— Não Gyrimias. Algo maior. Porque toda essa técnica de acesso remoto a mentes e acontecimentos, foi ensinada através de conhecimento alienígena, a antigas escolas de mistério egípcias, onde a família de Mona Foad bebeu tal conhecimento e os quais Mona ensina a seus pupilos.
— Minha nossa, Senhor. Acha que alienígenas estão fazendo algo em jazidas de níquel? Minando-as?
— Se escondendo!
— Senhor...
— Não Gyrimias! Não parcele mais nada. Vou ter que presenciar isso pessoalmente.
— Comprou uma jazida inteira para presenciar alienígenas se escondendo?
Sean sorriu para o quarto vazio.
— A coisa é mais complicada Gyrimias, mas acho que Spartacus parou de seguir a coordenada para me seguir de alguma forma.
— O Senhor esteve em Kabwe?
— Sim! Remotamente! Mas não consegui ver nada a não ser uma entrada de túnel subterrâneo quente e fora de foco.
Gyrimias deu um tempo para pensar.
— Por isso a Senhorita Kelly Garcia me perguntou sobre suas viagens astrais atrás de sinais alienígenas, Senhor?
— Mais assustador que Kelly fazendo essa pergunta a você, é o fato de como ela soube que eu viajava remotamente, pelo éter, Gyrimias. Porque sei que Mona pode saber o que eu faço, mas ninguém mais que ela. Porque bloqueio os espiões da Poliu como eles me bloqueiam.
— Então se um anula o poder do outro, de saber o que fazem, como ela soube?
— Porque alguém contou.
— Senhor Fernando Queise?
— Sim Gyrimias.
— Mas como ele saberia?
— Mr. Trevellis! Sozinho num aeroporto do meio da África.
— Senhor... — e Gyrimias nada mais falou sobre aquilo, porque sabia que Sean sabia que ele não entendera nada. — Acha que a duplicidade nos mainframes pode ser streaming na coordenada do satélite de observação?
— Não, Gyrimias. Sabe que preparei Spartacus para usar protocolo de tolerância à falha dos HDs usando redundância de hardware. Os clusters deviam se apresentar como um sistema único, e a integração do processamento distribuído deveriam ser clara e eficiente, a ponto dele, independente de qual sistema estivesse operando, prover um determinado serviço.
— Mas se os clusters dos mainframes estão em arquitetura de centenas de nós, Senhor, então parcelo que tenha dois usuários ‘Sean Queise’ dentro dos mainframes ao mesmo tempo.
— “Dois Sean Queise”, Gyrimias?
— Será que a Poliu, Senhor... Parcelado meu temor, por que a Poliu travaria o satélite de observação na mesma coordenada se o Senhor poderia descobri-la?
Sean olhou em volta, o quarto ainda cheirava rosas. Aquilo o incomodava, porque rosa o lembrava de Sandy Monroe.
— Para que Spartacus observasse os mesmos sinais que eu, três meses atrás, Gyrimias. E a Poliu quer que eu saiba sobre a jazida esgotada e abandonada em Kabwe.
— E por que a Poliu passou a se interessar pelos crop circles, por esses tais sinais, se monitoramos esses sinais há mais de um ano, Senhor?
— Porque a Poliu não sabe que fazemos isso há mais de um ano, ou Kelly também saberia.
— E por que Spartacus está em Damaraland, na Namíbia, na coordenada 21° 4’ 59” S e 14° 9’ 0” E, Senhor?
— Quantas perguntas Gyrimias.
— Desculpe-me Senhor. Estou temeroso que algo esteja acontecendo próximo a Montanha Brandberg, para que estejam interessados no Senhor.
— Não imagino para o que.
— Mas e seus poderes, Senhor? Há algo errado com eles?
— “Poderes”? — riu. — Não, Gyrimias; são dons, apenas. E não é que algo esteja errado, é que há algo em Damaraland que não me permite ir lá, entende? Não consigo sair do corpo e ir à coordenada 21° 4’ 59” S e 14° 9’ 0” E, nem saber o que acontece; se é que acontece.
— Porque lá há a jazida que vai comprar.
— Exato Gyrimias!
— Algo com nossas pesquisas sobre o níquel e o LFM?
— Não! Oscar e Trevellis podem até tentar adivinhar que faço algo para alterar Spartacus, mas jamais vão imaginar que nós estamos criando ‘ficção científica’, Gyrimias.
Gyrimias achou graça apesar de momentaneamente nervoso.
— Acha então que o material não vai alterar algo a ponto da NASA, ESA, ou a Agência Espacial Brasileira anunciar algo à Polícia Mundial?
— Ainda não sei Gyrimias. Não posso adivinhar o que ainda não existe, porque ainda não o fiz — e o cheiro de rosas se espalhou ali mostrando a Sean que ele podia adivinhar sim, que talvez toda filosofia de Santo Agostinho, sobre não se poder mensurar o que não existia, não se aplicava a dons paranormais cada vez mais estranhos.
— Mas Senhor, parcelado meus temores, tenho que perguntar se a Polícia Mundial ou a Poliu… — e Gyrimias se benzeu. —, vão fazer perguntas sobre o que estamos injetando no satélite?
— Acredito que vão. Mas tudo na hora certa, Gyrimias. Não se preocupe.
— Ah! Senhor! Parcelado tudo, eu me preocupo sim. Tenho tantos pesadelos que já não durmo.
— Pesadelos com o que?
— Com Spartacus, Senhor. Com dons paranormais o morfando a ponto de despencar lá de cima.
Sean riu.
— Não vamos aumentar seu peso, Gyrimias. Vamos somente morfar sua estrutura com meus dons para que faça o que quero. E para segurança dos mainframes, cancele toda e qualquer entrada a Spartacus.
— Mas Senhor... — Gyrimias arregalou os olhos por dentro dos espessos óculos de grau. — Vai ficar sem Spartacus se eu cancelar as entradas.
— Posso hackear outro satélite se sentir necessidade, porém a Poliu não vai poder usar Spartacus até eu conseguir deformar todo seu material.
— Senhor... Parcelada minhas dúvidas, preciso prosseguir e perguntar se o níquel que está interessado em comprar em jazidas, é um níquel de minas habitadas por alienígenas capazes de fazer...
— É tarde Gyrimias! Preciso desligar!
Gyrimias sabia que aquilo havia terminado.
— Sim Senhor.
— E use uma chave primária para que não seja permitido, que o usuário consiga cadastrar dois registros ‘Sean Queise’ com chaves primárias iguais.
— Está bem, Senhor. Mas isso não vai detê-los por muito tempo.
Sean suspirou pesado e desligou. Sabia que Gyrimias tinha razão, seus dons o permitam ler pensamentos, ouvir vozes, atravessar paredes e dimensões.
Onze dimensões paralelas, mundos paralelos, sutis, talvez em níveis de energia onde alienígenas estivessem.
Trafalgar Square; Londres, Inglaterra.
51° 30’ 27” N e 0° 7’ 40” W.
16 de outubro; 21h00min.
O nórdico e aristocrático Oscar Roldman balançava o pescoço nervoso, a noite avançava e seu corpo bonito e que avançava na idade, pedia descanso.
A Trafalgar Square estava quieta naquela noite e o trânsito já estava ameno. Até que era uma boa hora para ir embora, mas Oscar não conseguia relaxar, esquecer o trabalho na Polícia Mundial.
Vinha a algum tempo extremamente preocupado com Sean Queise e um silêncio misterioso da Poliu para com ele.
Oscar Roldman sabia que Mr. Trevellis não desistiria tão cedo de tirar a Computer Co. e consequentemente os mainframes que alugavam do comando de Sean, que já não podia retornar às mãos do pai, Fernando Queise, a quem costumavam ‘driblar’, porque com o afastamento cada vez maior entre pai e filho, todas as decisões da Computer Co. foram deixadas com Sean Queise. Inclusive, comprar aquela jazida de níquel na Namíbia, que Oscar sabia, tinha o dedo da Poliu por trás.
E de nada adiantou forçar Kelly a conseguir informações com Sean, incutindo ideias nela para que Sean pensasse que era Fernando quem estava atrás daquelas informações; porque ele era um Roldman, porque tinha dons paranormais e podia fazer outros pensarem aquilo que ele queria que fosse pensado.
Ele voltou a balançar o pescoço demonstrando que seu autocontrole havia se desvanecido há muito. E se Sean Queise não fosse sua maior preocupação, Nelma Queise entrava na sua sala, no Club Quarters Trafalgar Square naquele exato momento.
— Nelma... — e Oscar sentiu todo o ar da sala rarear, não sabendo nem que língua falar.
— Não imagina como foi difícil mentir a minha filha Ana Claudia que vínhamos fazer compras em Londres.
— Porque já não consegue trazer o pequeno Sean para tais compras.
Nelma sorriu majestosamente.
— Nem imagina como Renata ficou ao ver minha passagem na mesa dela.
Oscar alternava em apreciar a beleza que ela possuía; o cabelo loiro e curto, a pele brilhante, os olhos esverdeados por detrás dos óculos de Sol, em meio às ideias que a levaram até lá.
— Eu... Imagino... — foi o que falou em português, mesmo.
— Sean está fazendo algo de errado — Nelma sentou-se largando a bolsa numa canto qualquer e o pescoço dele acabou por travar. — É algum trabalhinho para você? — foi direta.
— Sean não está fazendo ‘trabalhinho’ algum para mim. Você sabe...
— Não sei de nada, Oscar. Mas sei muito bem que você contrata Sean toda vez que não consegue resolver algo por causa daquele maldito satélite que... — e parou de falar.
— Maldito? — e Oscar sentou-se pesado. — Prossiga Nelma — pediu.
— Senhora Queise.
Oscar sentiu dor naquela frase.
— Prossiga Senhora Queise. Onde está Sean?
— Na Namíbia.
— Fazendo?
— Comprando uma jazida.
— De que?
— Níquel.
Agora Oscar entendeu onde ela queira chegar. Mesmo sabendo que não fora Kelly quem falara.
— E acha que eu devo interferir por quê?
— Conhece o negócio?
— Não. Por que conheceria, Senhora Queise?
Nelma ergueu todo o rosto.
— Porque Kelly não sabe.
Oscar prosseguiu.
— Sean não fala comigo, não pede orientação nem ajuda. Não fala nem me deixa participar de sua vida. Então... Deveria falar mais com Kelly, perguntar-lhe mais sobre a empresa e o que realmente deixou para Sean cuidar após o afastamento de Fernando dos negócios.
— Sabe que Fernando não se afastou da Computer Co., se afastou de Sean.
— Por sua causa.
— Não! Por sua causa!
— Não me jogue isso Nelma... Sra. Nelma Queise. Porque nunca pedi nada além de umas poucas viagens de Sean nas férias — olhou-a por detrás dos óculos de lente grossa. — ‘Viagens de compras’.
— Acha que foi fácil para mim Oscar? Que tem sido fácil?
— Não tem sido fácil para nenhum de nós. Até sua filha Ana Claudia sofre com as mentiras.
Nelma continuou com o coração acelerado, o encarando, sabendo que ele a amava.
— Oscar...
— Não Nelma! — ergueu a mão sabendo o que ela ia dizer.
— Sean faz isso igual a você.
— Levantar a mão?
— Ler meus pensamentos.
Oscar abaixou a cabeça nervoso quando viu os passos dela se aproximando dele, da mão dela tocando seu rosto e o levantando, e os lábios dela presos ao dele.
— Nelma... — e se afastou nem soube com que forças.
— Vou me separar de Fernando!
Oscar agora perdeu forças e pensamentos.
— Sean...
— Não sabe! Ou finge não saber.
— Fernando?
— Por que acha que ele se afastou de Sean?
— Não sei o porquê, mas não foi por aproximar Sean da Polícia Mundial. Já disse que Sean não...
— Sean não se aproximou da Polícia Mundial. Porque Fernando sabe que Sean está cada vez mais envolvido com a Poliu.
— Mentira! — ergueu-se furioso. — Trevellis não se atreveria a fazer isso com meu filho.
— Não sei se Trevellis se atreveria porque conhecemos Trevellis, e do que ele é capaz de se atrever. E nós o conhecemos o suficiente, para saber que é Sean quem está atrás da Poliu, porque a Poliu pode dar a ele coisas que sozinhos, seus dons genéticos não lhe dão.
— Contato!
— Isso! Contato com alienígenas.
Oscar caiu sentado na cadeira.
— Meu Deus! O que Sean quer com isso? — olhou Nelma o olhando. — E por que acha que eu...
— Sei que você consegue Oscar. Você o vigia, o persegue tal qual Mr. Trevellis, tal qual faziam com Fernando. E não me venha mais com essa besteira de não participar da vida de Sean.
Oscar cerrou os olhos ainda sentindo seus lábios vibrando pelo beijo roubado.
— Ao contrário do que pensa...
— Ao contrário do que penso não conta. Kelly me disse que toda vez que a Poliu não interfere num contrato que Sean assina, desde que ele assumiu a Computer Co., é porque está interessada em que Sean assine o contrato.
Aquilo alertou Oscar outra vez.
— A Poliu não vetou a compra da jazida?
— Não!
— Como sabe?
— Porque Sean está usando a Computer Co. para fazer a NASA ou outra agência mais, não fazerem perguntas.
“Perguntas?”, ecoou por todo o corpo de Oscar.
— E Kelly também disse...
— Porque faz isso com Kelly, Nelma? — Oscar cortou-a. — Como pode ser tão vil a ponto de usar o amor dela para...
— O que faço para proteger meu filho não lhe interessa! — foi a vez dela o cortar a fala. — E não sou tão vil quanto você o arrastando ao precipício só para poder tê-lo por perto — Nelma se levantou e abriu a porta.
— Nelma! — exclamou com força. Nelma Queise sentiu a força usada. — Eu vou investigar sobre o contrato da jazida e sobre a NASA ou outra agência mais. Mas nunca mais use Kelly Garcia para isso.
— Você, Fernando e Trevellis permitiram que Sean namorasse Sandy.
— Nelma...
— Permitiram! — ela se alterou. — E permitiram mesmo sabendo que ela era uma agente da Poliu.
— Foi por isso que obrigou Fernando a contratar Kelly? — e a porta estremeceu na saída dela, na tamanha força usada por Nelma ao fechá-la. — Inferno! — Oscar esbravejou fazendo todas as luzes da Trafalgar Square se apagarem.
Hotel Heinitzburg.
16 de outubro; 23h50min.
E toda a paranormalidade de Sean Queise também estava sendo posta à prova naquele momento. Sean saía do corpo a procura dela, Sandy Monroe. Buscava anos e anos entender por que a alma dela não conseguia descansar nem a dele compreender o descanso dela. Porque se torturavam ambos, naqueles anos todos, tentando compensar suas perdas falhas, separados apenas pelo fino tecido temporal. Porque Sean abria os horizontes para o universalismo ao sair do corpo, a se lançar no éter. Aprendia com o que via com o que conhecia por onde viajava.
O corpo inerte na cama do Hotel Heinitzburg tinha um cordão etéreo, um cordão de prata que prendia sua alma ao corpo não o permitindo morrer.
Sean até queria. Queria vê-la, falar-lhe mais uma única vez. Tentava desesperadamente atravessar as barreiras, vagando entre mortos, espíritos incompreendidos da situação, da vida pregressa das penas a seguir. Sean via dores e lágrimas alheias, mas não a via; não mais. E Sean não sabia o que acontecera com Sandy porque sabia que o suicídio não a permitiu encontrar a luz.
Mona Foad o havia ensinando ir além das religiões, sem deixar de ser espiritual.
“Mona...”, Sean a chamava.
E Mona o sentiu lhe chamar. Havia, porém, decidido não mais segui-lo em suas projeções, porque ele tinha que aprender sozinho. Sofrer sozinho também.
O estampido de uma arma fez o corpo astral de Sean voltar ao corpo físico.
“Droga!”, olhou em volta, o abat-jour deixara o quarto à meia-luz em meio a brisa suave que vinha da janela entreaberta.
Sean teve mesmo a sensação de ouvir um tiro. Ficou na duvida se havia ouvido enquanto saíra do corpo, se era o tiro que levara a vida de Sandy que ele ouvia, ou algo acontecera no hotel. Concentrou-se, mas nada conseguiu sentir, sair do corpo, quando se viu deitado. Sean ergueu o sobrolho e se tocou, estava fora do corpo sem perceber que saíra.
Voltou a se olhar e o corpo dele estava na cama, imóvel.
“Sean?”
Ele ouviu chamarem seu nome. Sandy Monroe estava linda em seu vestido de chiffon branco, usando um coque discreto que prendiam os cabelos loiros, brilhantes.
— Sandy... — ele ergueu a mão para tocá-la. — Há quanto tempo eu te procuro...
Mas Sandy começou a chorar. Sean impactou, pisava o mármore carrara da mansão dos Queise. Sandy então correu escada acima e Sean já sabia o que procederia, porque sabia que estava na sua casa, na noite do noivado.
Ele foi atrás dela, e nem esperou virar o extenso corredor de muitas portas, no andar de cima da casa, e Sandy Monroe se trancou no quarto dele. O estampido seco fez seu corpo acordar novamente na cama. O tiro havia levado ela para sempre.
“Droga!”
Mas Sean sentiu dor, seu peito estava sendo pressionado por alguma coisa que impedia a circulação do ar.
Olhou para os lados e percebeu que não havia acordado como supunha, não totalmente. Sua alma voltara ao corpo, mas o corpo não acordava. Seus olhos enxergavam o quarto, mas o quarto quase não era enxergado. Toda sua mobília se inclinava; a cama, a poltrona cheia de roupas, as taças de cristal ainda com champagne e o tecido de pura seda em que dormia.
“Mona?”, Sean chamou-a.
Foi a vez de Mona Foad Almeida acordar pelo estampido de um tiro. Ela olhou para o marido Manoel dormindo do outro lado da cama. Olhou o quarto e o corpo dela paralisado. Porque Mona também dormia acordada em meio a um quarto na Lisboa que se inclinava, e voltava e voltava a se inclinar.
“Sean?”, Mona o chamou.
“Mona...”, soava mais longe ainda.
“Sean? O que está acontecendo?”.
Outro tiro ecoou a doer-lhe os ouvidos e Mona penetrou o éter, entrou no quarto do Hotel Heinitzburg, na Namíbia e o viu deitado na cama, tremendo em pulos, quando o corpo dele parou. Sean então girou por sobre seu corpo, ficando de barriga para baixo, para então girar e ficar de barriga para cima e então girar, girar e girar sem controle; 360º, 720º, 1080º.
“Sean?!”, gritou Mona desesperada, tentando se mover até conseguir chegar próximo a cama e tocar-lhe a fronte, fazendo Sean parar de girar.
— Não!!! — Sean gritou com toda dor e força.
Kelly Garcia se assustou no quarto ao lado. Ela correu a vestir o robe de seda e sem achar os chinelos, correu descalça pelo corredor.
— Sean?! — ela bateu na porta dele. — Sean?! Sean?!
Mas Sean ainda tinha o corpo adormecido e os olhos da alma abertos vendo que Mona lutava com algo que também não conseguia ver, que não decifrava o que era, que sabia não estar ali, não naquela época.
E Mona sentia que seus braços e pernas estavam atados por uma força que não conhecia que nunca tinha visto. Ela tentava não soltar a fronte de Sean ou ele giraria até mudar de dimensão, mas acabava por fazê-lo sofrer mais.
— Ahhh!!! — a dor era intensa.
— Sean?! O que está acontecendo?! — gritava Kelly do outro lado da porta.
Sem alternativas, Mona o soltou.
— Não!!! — e o corpo de Sean girou novamente.
— Sean?! — gritava Kelly jogando o corpo mignon contra a porta, a fim de abri-la.
Sean ouviu Kelly gritar no corredor, mas seu corpo girava tanto que ele sentia toda sua alimentação subir por onde havia descido quando percebeu que os dois não estavam ‘sozinhos’ no quarto, que algo estava ali com ele e a alma de Mona, que também sentia que havia ali uma força extraordinária, vindo de uma criatura que estava exercendo algo no seu corpo astral. Mas Sean só via a sombra grande e enegrecida, que não se moldava atrás dela quando um bando de animais parecia correr em suas direções.
Ambos arregalaram os olhos e um pó levantava dentro do quarto que havia se teletransportado para um deserto, onde girafas corriam para fugindo de um enxame, que ambos traduziram como insetos.
A imagem então se inclinou, se inclinou e ambos sumiram do quarto.
“Kelly?!” foi a vez de Sean gritar no éter.
Ela percebeu que a voz dele se fazia no seu pensamento.
— Oh! Meu Deus... Oh! Meu Deus... — e Kelly saiu correndo até seu quarto, até sua maleta de maquiagem, pegando o que fosse de metal e que fosse pontiagudo. Voltou à porta do quarto dele e tentou tudo que tinha tudo que sabia abrindo a porta. Ela entrou, acendeu a luz e olhou em volta. Lá, só a cama vazia e intacta, cadeira com roupas e a mesa com as taças ainda sujas de champagne. — Sean? — olhou um lado e outro. — Sean? — o procurou no banheiro.
Sean de repente apareceu, ela não sabia de onde, girando seu corpo 360º, 720º, 1080º até ambos poderem sentir que uma areia vermelha levantava ali.
Kelly Garcia arregalou os olhos, abriu a boca em choque e Sean Queise caiu desmaiado no chão do quarto, sujo de uma areia fina e avermelhada.
— Ahhh!!! — Mona também acordou ao lado de Manoel, na sua cama, na bela Lisboa.
Manoel se virou bruscamente para o lado como se nada tivesse acontecido. Porque talvez até nada tivesse acontecido.
Mas Mona sabia que acontecera. Ela se olhou, se viu suja de areia, suada, tremendo. Olhou em volta apavorada. Olhou-se novamente e sua camisola estava rasgada, ensanguentada também. Havia ferimentos pelo seu corpo e seu sangue escorria. Ela levantou-se e foi até o banheiro com o coração totalmente descompassado. Um pedaço negro de exoesqueleto de inseto se emaranhava ao tecido da camisola que usava.
Mona podia sentir a presença de Mr. Trevellis e a Poliu naquilo. Tentou afastar seus pensamentos para que não chegassem aos espiões psíquicos da Poliu para que não soubessem. Também tomou a decisão de nada comunicar Sean Queise. Porque sabia que ele podia estar envolvido com o que acontecera a ambos.
Contudo, em toda sua vida de paranormalidade, de espiã psíquica da Poliu ela nunca havia experimentado tocar o éter e de lá voltar com material de outras dimensões.
Mona voltou para a cama atordoada, passando o resto da noite vendo a marca deixada na sua perna machucada, a patada de uma girafa em uma fuga alucinada.
3
Namíbia.
17 de outubro; 10h10min.
Sean Queise e Kelly Garcia haviam pego Dalton Millers no centro de Windhoek logo após o café da manhã, onde Sean jurara mais de oito vezes a Kelly que não sabia o que havia acontecido, nem porque ele girara daquela maneira, e nem o que significava tal areia. Ela enfim desistiu de questionar o que lhe havia acontecido na noite anterior, mesmo depois de ter presenciado algo que ela sabia, tinha haver com a paranormalidade dele que se desenvolvia sem controle.
E porque ele precisava conversar com Mona mesmo ela nunca mais se envolver com as viagens dele.
De lá, como previsto, alugaram um avião em direção ao aeroporto da Cidade de Swakopmund. Do aeroporto, Dalton os levou a casa de aluguel de carros. Lá escolheram uma Nissan 4x4, cabine dupla.
— A Montanha Brandberg seria outro local astronômico, o melhor do mundo se tivesse um pouco mais de investimento privado — falou Dalton de repente.
Sean e Kelly saíram de seus pensamentos e inclinaram a cabeça para olhar.
— Por que diz isso?
— Nas 220 noites médias de um ano a montanha não mostra nenhuma cobertura de nuvem, e a transmissão atmosférica só é reduzida em 5% devido a seu índice de poeira; em muitos casos não chega a 2%.
Dalton arrumou a boina de crochê colorida que segurava suas longas tranças e voltou a sorrir para ela. O que, aliás, fazia desde o primeiro segundo que colocou o olho nela, ainda na porta do hotel. E Sean percebeu os milhares de escorregadelas que o olho de Dalton fazia ao banco de trás da 4x4. Porque a maneira como o geólogo Dalton recebeu a geóloga Kelly, foi espantosamente cheia de gentilezas para quem não se conheciam.
Kelly Garcia era uma mulher esperta e experiente o suficiente para saber que Sean não gostou de sentir aquele ciúme, que sempre a observava pelo retrovisor toda vez que Dalton puxava um assunto referente a geologia, arrependido de tê-la levado. Porque os catorze anos que os separavam começava a desestabilizá-lo.
Há quatrocentos quilômetros de Windhoek, ficava a ‘montanha incendiada’, Omukuru-waros ou Brandberg, em dialeto Herero e Alemão, respectivamente. A Montanha Brandberg com seus 8.362 pés é a mais elevada na Namíbia, cobrindo uma área de 650 quilômetros quadrados; um sonho para astrônomos.
— Onde estamos Dalton? — ela perguntou ao avistarem a montanha de longe; era belíssima.
— Estamos chegando a Damaraland, que foi um nome dado à parte norte-central do que se transformou mais tarde Namíbia, habitada pelos povos Herero-faladores, que no século dezenove foram consultados frequentemente pelos outsiders como ‘Damaras’. Foi limitado aproximadamente por Ovamboland no norte, pelo deserto de Namib no oeste, pelo deserto de Kalahari no leste, e por Windhoek no sul, Mejuffou Kelly.
— “Mejuffou”?
— Sua voz é deliciosa — Dalton não se segurou.
Sean também não. Deixou escapar o pé do acelerador olhando uma Kelly nada arrependida de ter usado sua voz deliciosa.
— Obrigada Dalton... — Kelly não o encarou. — Mas o que é ‘Mejuffou’?
— Quer dizer ‘Miss’, ‘Senhorita’.
— Interessante Dalton — sorriu num cruzar de pernas que empurrou o banco de Sean para frente.
Ele só a olhou furioso pelo retrovisor.
Ela percebeu.
— Isso tudo é o deserto da Namíbia — prosseguiu Dalton apontando logo adiante. —, e mais para frente é o Deserto do Kalahari.
— Deserto? — Kelly viu algumas árvores de longe.
— Kalahari vem da palavra Kgalagadi, Mejuffou Kelly, e que significa ‘a grande sede’. Não é exatamente um deserto já que chove 250 mm, contudo mal distribuída anualmente; por isso a vegetação. É realmente árido somente no sudoeste, fazendo do Kalahari um deserto de fósseis.
— Eu queria tanto ter trazido minha câmera, meu celular, meu tablet, tuitar, postar no Insta, bloggar um pouco... — Kelly era pura lamentação.
Dalton não sabia fazer metade do que ela disse.
— Sinto Mejuffou, mas as comunicações são limitadas aqui.
— Ah... Por isso não trouxe o notebook, patrãozinho?
Sean voltou a olhá-la pelo retrovisor, sabia quando a sócia estava sendo irônica.
— Não vou precisar dele agora, ‘sóciazinha’.
— É que ele nunca sai sem ele... — Kelly sorriu para Dalton.
— Onde estamos indo agora, Dalton? — Sean outra vez a encarou pelo retrovisor e Kelly calou-se.
— Saímos de Swakopmund na B2 até alcançarmos Wilhelmstal — acompanhava ele o mapa. —, giramos na C36 e prosseguirmos até Omaruru. Lá tem o Sandragon é um lugar grande para parar e comer algo refrescante.
— Quero continuar!
— Okay! — Dalton não pareceria perceber o tom de voz enervado de Sean. — Do Omaruru continuaremos na rota 2344 no sentido de Omatjette. Depois alcançaremos a C35 que vem de Uis e o giraremos para a direita no sentido de Khorixas — e Dalton não viu Sean girar os olhos com cansaço. — Continuaremos aproximadamente 20 km antes de girar à esquerda na D2612. Numa dessas, abasteceremos o carro. Depois prosseguiremos para mais 65 km e seguiremos os signboards ao Hotel Damaraland.
— “Signboards”? — Sean estranhou a palavra usada.
Dalton não respondeu e a viagem prosseguiu por mais três horas.
— Vamos chegar depois do almoço? — perguntou Kelly.
— Não podemos visitar a jazida, primeiro? — perguntou Sean.
— Se o geólogo responsável não estiver lá no Hotel Damaraland, teremos que passar uma mensagem de rádio para a Moon Metallurgy. Por aqui não tem antena de celular comum.
— Eu não uso o celular, Dalton — ele viu Dalton o olhar com interesse. — Uso o éter! — sorriu cínico.
E Dalton só escorregou um olhar para ele.
— O hotel é grande? — foi a preocupação de Kelly.
— Ãh? Tem uma equipe de paleontólogos instalados lá há algum tempo, Mejuffou. Vira e mexe tem outros deles acampados ao pé da montanha.
— Outros quem?
— Paleontólogos Mister Queise.
— Chame-me de Sean, Dalton.
— Okay!
— Queria poder tomar um banho — a voz de Kelly era tão abafada quanto ela naquele momento.
— Temo que não vá ter lugar lá, Mejuffou Kelly. O hotel não é muito grande, apesar de ser um bocado exótico.
— Como assim?
— Não tem paredes nas suítes.
— Como assim? — foi a vez de Sean estranhar.
— Eu disse que era exótico, não? — Dalton riu. — Porque existem paredes na frente onde ficam as portas de entrada, nos lados, mas não há paredes no fundo dos quartos, que dão para a imensidão do deserto da Namíbia. E alguns banheiros, Mejuffou Kelly, são incrustados na rocha enquanto outros ficam ao ar livre.
— Uau!
— Paleontólogos? — interessou-se Sean de repente.
— Sim. E tem outros também, acho que botânicos, geólogos, sei não ao certo. Estive lá uma vez para comer. Eles também vão e voltam. Estudam e viajam. Já faz um tempo que não saem de lá.
— Os conhece?
— Os paleontólogos? Não, mas a Moon Metallurgy já até foi proibida de entrar nas suas próprias jazidas porque estavam escavando não sei o quê por lá.
— E houve muitos jornalistas por lá?
— Lá aonde Mister Queise?
— Na montanha.
— Fala das escavações dos paleontólogos?
Sean percebeu que ele nada sabia sobre os crop circle ou qualquer sinal de pouso alienígena.
— Sim, falo das escavações, dos últimos acontecimentos — falou Sean enfim. —, porque afinal os jornais são os primeiros a chegar.
— O que quer dizer com isso Sean?
— Nada Kelly. Comentários sobre um sítio arqueológico, apenas.
— Sabia que tinha um sítio arqueológico lá, Mister Queise?
— É patrãozinho, você sabia? — e a voz de Kelly até mudara.
— Não é o que paleontólogos fazem? Trabalham em sítios arqueológicos? — a fuzilou pelo retrovisor mais uma vez.
— Bem... — Dalton nada percebeu. — Não há muitos acontecimentos por aqui já faz algum tempo.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
17 de outubro; 15h15min.
O carro levantou poeira no que atravessou a placa do Hotel Damaraland. Alguns trabalhadores locais apareceram para ver quem era. Sean desceu de bermuda caqui, camisa branca de algodão egípcio, tênis e ray-ban azul espelhado. Dalton usava shorts colorido, camisa de manga enrolada e sandálias de couro. Kelly, além de vestir um tailleur vermelho Empório Armani, da blusa de seda que colava no corpo dela por causa do calor infernal e poeira abundante, usava um sapato de salto alto e sola vermelha Christian Louboutin, que enterrava a cada passo.
— Ai! Ai! Ai! — reclamou Kelly até a entrada do hotel.
Sean riu ao vê-la combinando com o local.
— Sinto, mas o hotel encontra-se lotado — avisou o namibiano gerente Kaunadodo. no que Dalton foi conversar com ele.
— Não viemos para ficar Sr. Kaunadodo — explicou Sean estranhando os nativos olhando-o de uma maneira assustada.
— Não podemos! — exclamou forte, o gerente Kaunadodo, que olhou para Dalton como numa reprovação. — Se entrarem mais três hoje, amanhã não poderá vir mais quatro.
— Que quer que eu faça? — explodiu Dalton. — Estamos em três.
— Inferno! — enervou-se o gerente. — Você disse mais dois.
— Mas já disse que somos três!
Sean estranhou tal atitude. E não gostou de ler os pensamentos de Dalton, que apesar de nublados cheirava a Poliu.
— Queríamos apenas tomar um banho e comer algo — falou Sean enfim.
Kaunadodo balançava o pescoço nervoso.
— Não entende?! — foi para Dalton que Kaunadodo soltou seu descontrole. — O equilibro diz que os números...
— Sabe Mister Queise? — cortou Dalton sorrindo nervoso. — Kaunadodo é um místico numérico.
— “Místico numérico”? — Sean não acreditou no que ouviu.
— Ele... — Dalton olhou Kaunadodo com os olhos arregalados para Sean; talvez tanto quanto os outros funcionários do hotel. — Ele tem medo de números desiguais; impares.
— “Números desiguais”? — repetiu Kelly. — Estou derretendo, Sean — ela agora olhou para ele também suando por todos os poros.
Sean a olhou sabendo que ela era o número desigual.
— Está tudo bem! Quanto a comida não há problema — Kaunadodo parecia anotar algo num grande caderno. — Quanto ao banho... — girou os olhos no entorno. — Está tudo bem! Posso liberar o banheiro de uma das quatro suítes reservadas... — e os encarou. — Sejam breves!
— Está ótimo! — agradeceu Dalton fazendo uma careta. Depois se virou para Sean que estava de poucas conversas. — Desculpe-me Mister Queise, desculpe-me Mejuffou Kelly, é que ele é chegado à numerologia de...
Sean levantou a mão e Dalton calou-se.
Os dois se dirigiram para um lobby tão extravagante quanto à arquitetura do local, feito de ocas unidas uma as outras, numa sequência que fazia o teto dançarem na sua arquitetura. Era um belo trabalho, Sean admitia, quando o atravessaram e entraram na sala de refeições; um grande alpendre de madeira coberto de piaçava, ainda sem entender o desequilíbrio numérico. Lá, vinte grandes mesas redondas, com hóspedes esperando servirem um almoço tardio.
E foi só Sean Queise pisar ali e um estampido estourou no seu tímpano.
— Ahhh... — Sean foi de joelhos ao chão em meio ao som de cadeiras sendo arrastadas e pessoas correndo a ajudá-lo. — Obrigado... — sussurrou realmente tonto, para todos que correram a auxiliá-lo.
Na mesa do fundo, uma mulher jovem, provável 25 anos, olhos verdes e pele levemente amorenada, e com cabelos lisos e compridos, presos num rabo de cavalo com franja; e ela foi quem mais lhe chamou sua atenção. A mulher jovem, porém sentiu seu coração parar ao vê-lo entrando lá. Não imaginava que ele iria aparecer tão cedo.
O silêncio só foi quebrado por Kelly Garcia passando por todos com as sandálias na mão e todas as atenções de homens ali presentes, se voltando a ela. Kelly aceitou uma toalha que fora estendida pela camareira, se virou e saiu, Sean não soube para onde.
Sean tinha que admitir que nunca seu ciúme fora colocado a prova como naqueles últimos tempos. Mas o silêncio foi quebrado pela segunda vez quando um nativo adentrou gritando:
— Mejuffou Zôra?! Mejuffou Zôra?! — e ele parou com os olhos arregalados para Sean quando o viu. Depois se virou para a mulher jovem e de pele amorenada. — Hy is ryk, Mejuffou Zôra?
“Zôra?”, Sean ouviu o nome da bela de pele amorenada.
— Ek weet dat hy ryk is! — respondeu ela.
E Sean quis o auxílio de Dalton para traduzi-la, mas ele estava conversando algo com outro homem, vestido de calça e camisa social apesar do calor sufocante.
Dalton então se virou e o apresentou:
— Mister Queise. Esse é o professor Dr. Antenor Amorin — apontou Dalton para o homem, vestido de calça e camisa social. — Doutor, esse é Sean Queise, da Computer Co. — e voltou a se virar para Sean. — O Dr. Antenor acabou de chegar de viagem e é o paleontólogo chefe aqui, Ph.D especializado no Oligoceno.
— Doutor... — Sean esticou uma mão para cumprimentá-lo educadamente.
— E se quer mesmo visitar as jazidas Mister Queise, esse é o homem que pode ajeitar as coisas.
Antenor olhou Dalton sem entender.
— Jazidas? Está falando da jazida de níquel próximo a Montanha Brandberg?
— Sim. Mister Queise comprou-a — Dalton apontou para Sean.
— Achei que a Moon Metallurgy ainda estava fazendo avaliações.
— Comprei ontem! Pela Internet! — exclamou Sean Queise.
Antenor usava um antigo pince-nez sobre o nariz que parecia teimar em cair. Mas foram os cabelos brancos como floco de neve que balançaram na frase dita.
— Entendo... — voltou a olhar Sean que lhe sorriu. — É um prazer Sr. Queise! Sempre quis conhecê-lo.
— Quis? — Sean olhou em volta.
Mas Antenor nada explicou.
— Esse é meu filho Dr. Narciso Amorin, Ph.D em matemática e paleontologia — apontou para um jovem que transbordava esnobismo pelos poros.
Narciso era ‘limpo’ demais para alguém que vivia num lugar cheio de areia. Seu cabelo precisamente separado ao meio brilhava como o gel que os mantinha no lugar, e a pele lisa e brilhante lhe dava um aspecto lustroso; Narciso talvez fizesse jus ao nome. Devia estar na casa dos cinquenta anos e não parecia ter o mesmo prazer que o pai em conhecê-lo.
— Olá... — Narciso limitou-se a sorrir de lado.
Sean também não fez questão alguma. Antenor prosseguiu sozinho nas apresentações:
— Essa é a Dra. Ignácia Costa, Ph.D em geologia. Trabalha comigo há mais de vinte anos.
Sean viu uma Senhora de idade tão avançada quanto o professor Dr. Antenor. Com cabelos loiros, recém-pintado, pele extremamente esticadas num botox, ela ergueu-se da cadeira logo em seguida e lhe deu uma mão para ser beijada enquanto a outra balançava com gosto um leque de madrepérola extremamente conservador.
— É um prazer também, Sr. Queise.
Sean a beijou como uma mesura
— O prazer é todo meu, Dra. Ignácia.
O professor Dr. Antenor continuou:
— Esse é o Dr. Yerik Dimitri. Ph.D em engenharia genética.
“Engenharia genética?”, Sean se virou e encarou o doutor russo apresentado.
Yerik Dimitri era o que se poderia chamar de quarentão. Sua pele era branca de nascença, de beleza mediana, ficava calado quando colocado sob evidência. Mal conseguiu falar uma palavra tentando disfarçar a gagueira.
— Pra-prazer! — falou Yerik gago.
— Prazer! — respondeu Sean polidamente.
— Esse é o Dr. Moreno Bonilha, Ph.D em bioquímica — Antenor prosseguiu.
— Prazer! — disse Sean outra vez.
— O mesmo, pois. E por favor, me chame somente de Bonilha — respondeu Moreno Bonilha com um forte sotaque português.
E ‘Moreno’ era ainda mais branco que sua imaginação poderia imaginar para ser chamado assim. Porque Sean imaginou que o nome significasse aos pais, algo que não fosse relacionado com a cor de sua pele. Como sua avó Tereza, Bonilha era um português branco, de olhos verdes e tez suave. Era magro sem ser raquítico, e com uma altura que beirava os dois metros. Jovem, devia estar na casa dos trinta anos, não mais.
— Bonilha é biofísico molecular — prosseguiu Antenor.
— Achei que tinha dito ser bioquímico.
— Quando os bioquímicos fazem uso não apenas dos seus conhecimentos de biologia e química, mas também de física, diz-se que trabalham em biofísica molecular, pois — falou Bonilha.
— Realmente! A bioquímica é a fronteira entre a química e a biologia. Muitos dos mistérios da ciência situam-se hoje ao nível da célula e das suas moléculas — mostrou-se um Sean interessado. — E Francis Crick tornou-se um dos biofísicos mais conhecidos ao usar os seus conhecimentos em física para prever a estrutura do DNA.
— Exato Sr. Queise; Dorothy Hodgkin também recebeu o prêmio Nobel pelo seu trabalho em cristalografia de raios-X. E eu mesmo já trabalhei em todas as áreas da bioquímica, como bioquímica estrutural, bioquímica radicalar, engenharia bioquímica, enzimologia, genética ou biologia molecular, regulação bioquímica, simulação e a biofísica molecular, pois.
— Wow! “Regulação bioquímica e simulação”?
— Regulação bioquímica, estudo global sobre os mecanismos de resposta das células a diferentes estímulos, pois.
— Wow! — repetiu-se. — Interessante saber que trabalha num sítio arqueológico — falou Sean.
E o silêncio se impôs outra vez. Quebrado, porém por Antenor.
— Essa é a professora Dra. Lânia.
A apresentação apontou para outra mulher do grupo, sentada na mesa próxima a porta. Sean a achou encantadora. E apesar de não ser a mais velha nem a mais bonita das mulheres na sala de refeições, era uma mulher muito charmosa em seus quarenta e cinco anos.
Lânia tinha os cabelos curtos, loiros, encaracolados, quase presos à cabeça. Usava óculos redondos sem hastes e tinha um sorriso perfeito. Sua pele clara dava sinais de já ter tido muitas espinhas na adolescência, mas era bem tratada, e encontrava-se um tanto maquiada para aquele lugar.
— Olá, Sr. Queise — ela esticou mãos macias.
— Mãos delicadas, professora — falou charmoso.
Lânia sorriu encantadoramente e a mulher de pele amorenada chamada Zôra se sentiu incomodada.
Sean adorou ter tido tempo de ter visto aquilo.
— Sou como Narciso — falou Lânia, apontando.
— Bem cuidada?
— Não... — sorriu vermelha após todo salão de refeições rir. —, Ph.D em matemática. Sou professora de semiótica na Universidade de Paris.
Sean acordou do torpor.
— “Semiótica”? Quer dizer...
— A semiótica é a disciplina que se ocupa do estudo dos símbolos, do seu processo e sistema em geral. Ensino e estudo símbolos, crop circles, Sr. Queise — sorriu-lhe Lânia.
Sean gostou dela.
— A etimologia grega diz que a palavra símbolo se refere ao sinal de reconhecimento de duas pessoas, que possuem cada uma delas, pedaços de um objeto quebrado, que serve para, quando se juntam, estabelecer uma identidade.
— Perfeito Sr. Queise.
— Ele... — Sean apontou para Narciso que não gostou de ser apontado pelo homem bonito que começava a incomodá-lo, roubando a atenção principalmente das mulheres ali presentes.
— Não… — Lânia parecia ter entendido. —, o estudo matemático de Narciso se concentra nos fractais.
— Matemática do caos.
— Sim, Sr. Queise.
— Chame-me de Sean — Sean não podia ter sido mais charmoso.
— Sean... — soou da boca de Lânia.
— Então há matemáticos hospedados num hotel numeral — Sean viu Lânia suspirar com gosto e outros nem respirar. — Interessante, porque para Pitágoras tudo que existia era regido pelo número, presente na nossa vida e em nossas decisões, que muitas vezes tomamos sem sabedoria; ‘quanto’ é a palavra chave, origem de tudo. A vida Uma, de uma cadeira unitária, e sua importância de gerar todas as outras, 1+1+1+1+...= n, numa cadeia dual, ocultismo representado por um círculo cortado pelo diâmetro, que geometricamente é representada por dois pontos, que por sua vez determinam uma reta, em aparente antagonismo ou pares contrários.
— Talvez ambos, Sean... — e Lânia até ia falar mais quando os olhos azuis dele apareceram no que Sean tirou o azulado óculos espelhado.
— Ia dizer algo professora?
— Sim... Ah... Narciso... — apontou de novo.
— Ohm! — Narciso levantou-se afetadíssimo. — Pare de uma vez com isso Lânia querida. Falo por mim! — e Narciso tentou porque tentou chamar a atenção de Zôra, ali, só observando. — O caos é o comportamento estocástico que ocorre num sistema determinístico. E o determinismo encara o Universo como um relógio...
— A ciência do caos que estuda os fenômenos aparentemente imprevisíveis, na busca de padrões escondidos e de leis simples que regem os comportamentos complexos — Sean cortou sua afetação para Zôra, a jovem de pele amorenada. — ‘Quanto maior a desordem de um sistema, maior a sua entropia’.
— A segunda Lei da Termodinâmica.
— Não! Falo mesmo sobre setas do tempo, guiando viagens interdimensionais... — Sean foi tão cínico como podia.
Havia um homem sentado ao lado da bela Zôra, bem mais velho que ela, e que começou a se perturbar com a discussão de Sean e Narciso, que não parecia querer dar trégua.
Antenor pareceu ter compreendido a aflição do homem velho e correu a apresentá-lo.
— Esse é o Dr. Oliver Gastón — apontou para o homem velho.
“Desgraçada!”, foi só o que Sean pensou no sobrenome ‘Gastón’.
— Oliver é amigo meu de longa data — Antenor apresentou um homem de tez cansada, de cabelos de flocos de neve com os óculos gastos pelo uso. — Ele é pai de Lânia e um dos maiores Ph.D em física.
Oliver Gastón então se levantou, não o cumprimentou e também nada falou sumindo com Narciso, que pegou pelo braço e saiu da sala de refeições. Antenor não entendeu a frieza do amigo Oliver, mas Sean entendeu o quanto a ‘desgraçada’ era perigosa e o quanto ela havia falado o que não devia; algo mais que as 108 ligações em seu celular.
“Droga!”, explodiu outra vez em silêncio.
— Algum problema Sr. Queise? — Antenor aguardou ele acabar de fuzilar o piso da sala de refeições.
— Alguns.
— Desculpe-me por Oliver. Ele deve...
— Prossiga! — foi só o que exclamou sorrindo friamente.
Antenor prosseguiu:
— Esse é o Dr. Paolo Kapranos, Engenheiro mecatrônico, Ph.D em Métodos Quantitativos aplicados às Ciências Biológicas.
Sean viu um jovem bonito, de olhos tremendamente verdes, atrás dele.
— Wow! Mecatrônico? Ph.D em Métodos Quantitativos Aplicados às Ciências Biológicas? Tão extravagante quanto o lugar.
Paolo sorriu e Sean viu que Paolo também era extravagante, com um cabelo moicano, metade pintado de azul metade de branco.
— Cores da bandeira grega — apontou o jovem Paolo para sua própria cabeça. — E ‘grego’ era o nome pelo quais os romanos designavam os Helenos, habitantes da Hélade, que ficou conhecida como Grécia — riu da sua própria graça.
Sean o achou simpático.
Paolo era baixinho, com certo estômago proeminente e jovem, na casa dos vinte e cinco anos. Muito sorridente, mostrava que ainda usava aparelho nos dentes quando a jovem ao lado dele se adiantou e esticou uma mão.
— Olá! Sou Lenny Calógeras, tenho 25 anos e também sou Ph.D.
— Olá! Sou Sean Queise, tenho 23 anos e também sou inteligente.
Lenny, Paolo e Sean riram.
— A Dra. Lenny é minha noiva, Ph.D em meteorologia... — Paolo apontou para uma jovem bonita, de cabelos lisos e escorridos e dentes alvos e levemente saltados para fora da boca.
Antenor percebeu que mais alguém chegava de viagem e prosseguiu ao vê-la de braços dados com Narciso que voltava à sala:
— Ah! E essa é a Dra. Isadora Gastón, nossa paleontóloga assistente — e Antenor não podia prever o quanto Sean odiou ouvir aquele nome.
— “Gastón”? — Sean olhou para Lânia. — Sua irmã?
— Não! Ela é minha ‘madrasta’ — Lânia deu a deixa de uma maneira até humorada. — Esposa de meu pai Oliver.
— Esposa de seu pai Oliver? Quem diria? — Sean era a frieza em pessoa para a mulher jovem, alta, magra, de beleza extasiante e de cabelos enrolados naturalmente vermelhos; e que o encarava com gosto.
Isadora era exótica, sensual, extasiante e pedante, mas uma mulher que Sean não queria ter sido apresentado.
Não depois das 108 ligações.
— Sr. Queise! — Isadora deu passos decisivos para cima dele que recuou. Ela só esticou a lateral do lábio e prosseguiu. — Não imagina como eu queria lhe conhecer.
— Queria Dra. Gastón? Não é a primeira a dizer isso — Sean olhou Antenor sem entendê-lo. — Mesmo porque não sabia que era tão popular assim na Namíbia — riu olhando um lado e outro, vendo Zôra o encarar, com o que traduziu por um, interesse redobrado.
— Popular? Sim! Sua pouca idade... Sua grande beleza... Bastante popular — Isadora também era puro sorriso.
— Patrãozinho? — e Kelly viu Sean paralisar.
Porque Kelly não gostou da mulher ruiva, vistosa e todos os aplicativos que faria uma mulher se alertar, olhando Sean de cima a baixo; e mais abaixo do que ela costumava permitir que a beleza popular dele fosse apreciada.
— Doutor, essa é minha sócia, Srta. Kelly Garcia — apresentou Sean a Antenor.
— Senhorita! — Antenor fez uma mesura à beleza espanhola dela, assim como Paolo e Bonilha também se interessaram no tailleur vermelho Armani e todo seu conteúdo.
Aquilo também não passou despercebida de Zôra que ainda mantinha seu fiel empregado Bantuh calado ao lado dela.
— A Dra. Isadora Gastón é nossa Ph.D, especialista em girafídeos — completou Lânia trazendo todos à realidade.
Agora Sean sentiu todo seu corpo o alertar.
“Girafídeos?”, pensou.
— No Oligoceno os ungulados atingiram grandes dimensões; primitivos rinocerontes, primitivos camelos, primeiros bisões, primitivas girafas, zebras, etc. — Isadora continuava visivelmente animada com a pouca idade e a grande beleza popular de Sean quanto três dias atrás. E Sean temeu os pensamentos dela. Porque se Kelly soubesse que era ela quem ligara 108 vezes ia ter mais que problemas, quando a voz de Isadora voltou. — Mas foi só no Mioceno que o Paleotragus, da família dos girafídeos diferenciou-se dos outros ruminantes há mais ou menos 25 milhões de anos. Os seus numerosos representantes povoaram o mundo até o final do Terciário — sorriu.
Lânia, Zôra e Kelly viram o sorriso demoradamente observatório de Isadora pelo corpo dele.
— “Paleotragus”? — Sean enfim falou.
— Existem duas peças do Paleotragus no Museu Geológico de Lisboa onde trabalho, e um crânio no Museu de História Natural de Viena... Já o viu quando esteve lá?
— “Lá”? Acho que... — Sean pensou em algo. — Como era um Paleotragus? Porque existiam várias subfamílias, todas descendentes do Paleotragus há cerca de 10 milhões de anos, não é?
— Uhm! Gosta de paleontologia? Não havia percebido isso.
— Percebido isso? — Kelly não se segurou.
— Okapi-like giraffid ou Paleotragus tinha um chifre no focinho e apenas uma parte do seu corpo ‘zebrado’. Ainda não tinha as manchas de leopardo conhecida hoje, Sean bonitinho.
— Bonitinho o que? — Kelly também não se segurou.
— Bebe algo? — correu Lânia simpática percebendo algo.
— Estou morto de sede — e foi Sean quem lhe sorriu.
Mas Isadora tinha a atenção de todos.
— Isso se levarmos em conta que o Sivatério, cujo nome científico é Sivatherium, penetrou na África há cinco milhões de anos, para depois desaparecer no Plioceno, por volta de dois milhões de anos atrás.
— Aqui está, Sean! — sorriu Lânia com o copo na mão irritando Isadora. — Srta. Kelly! — também lhe trouxe um copo.
— Obrigado! — agradeceu Sean.
— Obrigada! — agradeceu Kelly.
E Lânia também observou Sean. Mais discretamente era notável. Com ela, Kelly não se importou. Mas foi com a jovem na mesa de pele amorenada, que Kelly se incomodou mais. Mesmo porque Sean tomou toda a água com os olhos nela, e ela nele, e Narciso de olho nela, não gostando de vê-la olhando Sean.
Narciso então se aproximou já com cara de poucos amigos.
— Já se perguntou onde estão os outros de nós, Sr. Queise? — Narciso alterou a voz.
— Como é que é?
— A hipótese exobiológica; hipótese de que existe vida em outros locais do Universo, é tão antiga quanto nossa civilização — Narciso olhou Zôra que nada olhou. — Porque sempre houve breves ciclos de euforia seguidos de longas pausas céticas, não houve? Após milênios de especulações sobre a possibilidade de que não estamos sós no Universo, a ciência deflagrou um aparato de investigação para a busca de formas de vida, inteligentes ou não, entre as estrelas...
— Estamos falando do que exatamente? — Sean o olhou confuso.
— Ohm! Já se perguntou então por que evoluímos dos macacos?
— Evoluímos dos macacos Dr. Narciso? Por que se o homem evoluiu do macaco, por que nem todos os macacos evoluíram para humanos?
Emiko, Ignácia e Lenny gostaram dele.
— Ohm! Sr. Queise... — e Narciso deu uma risada cínica e debochada alertando Sean. — Os seres existem para evoluir e os humanos são o ápice da vida animal. Uma espécie vive para evoluir.
— A resposta não seria porque os seres humanos não evoluíram de orangotangos, gorilas, símios, chipanzés porque na verdade somos todos humanos, orangotangos, gorilas, símios, chipanzés?
— Aonde quer chegar?
— Charles Darwin não usou sua Teoria da Evolução para afirmar que seres humanos são descendentes de macacos, nós simplesmente seguimos diferentes caminhos evolutivos.
— A utilidade de uma evolução é uma questão de preencher nichos ecológicos e sociais — completou Antenor.
— Ou fomos inseminados no meio do caminho — completou Lânia.
— Sim professora. Porque talvez o elo perdido esteja nas histórias contadas pelos Sumérios, que dizem que os Anunnakis, ‘aqueles que vieram do céu para a terra’, nos fizeram por engenharia genética.
— Nós? Alienígenas? — Narciso caiu em risada.
— O que faz exatamente aqui Doutor paleontólogo?
— O Senhor está nervoso, Sr. Queise — Antenor entrou na conversa.
— Pareço estar?
— Não fale assim com meu pai!!! — gritou Narciso.
— Hei? Não grite comigo!
— Então não se meta mais!!!
— Cale a boca, pau mandado.
— Cale-se você, bastardo!!! — Narciso estava totalmente alterado.
Um ‘Oh!’ correu pela sala de refeições e Sean avançou na direção de Narciso.
— Sabia que cientistas se perguntaram afinal por que as mãos humanas evoluíram diferentemente dos macacos, Narciso? — Sean deu mais dois passos para cima dele, que recuou contagem igual. — Porque como paleontólogo deve saber que os chimpanzés modernos, têm longas palmas e dedos com um polegar curto, ao passo que a palma da mão e os dedos humanos são muito mais curtos, e o polegar mais longo e mais forte, não? — e Sean voltou a dar dois passos para cima de Narciso que recuou contagem igual. — Então deve saber que os dedos se colocam dentro da palma da mão e se fecham para fornecer pressão a ponto de desferir um soco com isso... — e Sean fechou o punho para ele que recuou outra vez. — No entanto — e foi Sean quem recuou. —, não foi esse o motivo pelo qual minhas mãos evoluíram, foi?
O silêncio breve foi quebrado pela geóloga.
— Enlouqueceram? — porque foi Ignácia quem encarou Narciso e Antenor, mais Narciso que o pai. — Não podemos brigar!
Sean quis ter entendido aquilo, quando uma mulher mais ao fundo da sala de refeições levantou-se num movimento sensual e tenso, pôde perceber.
— Enlouqueceram mesmo. Onde já se viu Dr. Antenor? Não terminou as apresentações — falou a jovem bonita, sexy até. — Sou a Dra. Felicity Bertizzolo, a outra Ph.D em entomologista — esticou uma mão.
— “A outra?” — e Sean nem teve tempo de cumprimentá-la, e Felicity não se fez de rogada, deu três passos e o beijou no rosto direito, depois no esquerdo, e voltou ao direito.
E a ação da jovem Felicity chamou a atenção de Zôra que nada falou, mas que encarou uma Kelly paralisada pelo montante de beijos no rosto dele.
— O vi uma vez quando esteve na Inglaterra, Sr. Queise — prosseguiu Felicity arrumando o cabelo loiro e extremamente encaracolado no rabo-de-cavalo.
— Viu-me?
— Numa daquelas apresentações que participa — sorriu-lhe sensual. —, sobre agroglífos.
Sean enfim pensou se havia tomado a decisão correta, se não tinha se precipitado em forçar entrar ali. Afinal agroglífos foi traduzido para ‘crop circles’ e ele estava sendo exposto no meio daquela apresentação toda.
— Acredita em UFOs Sean Queise? — gostou de usar intimidades. — Em UFOs deixando suas mensagens cósmicas em plantações de milho? — perguntou agora outra mulher também não apresentada até então; uma jovem de longos cabelos negros e olhos adoravelmente amendoados, quase na casa dos trinta anos. — Ah! Desculpe-nos pelo nosso velho professor Dr. Antenor, que também não me apresentou — riu. —, sou a Dra. Palakika Keoki, geomática.
— Ela é técnica, Sean bonitinho — todos olharam Isadora.
— Sou o que Isadora bonitinha? — Palakika deu dois passos balançando as ancas havaianas e foi segura por Felicity.
— Vamos ajustar o equilíbrio? — Felicity de repente perdeu a pose sensual e colocou uma voz mais tensa ainda.
Sean percebeu que havia ali mais que um gerente místico.
— Deixe-me apresentar-me melhor, Sean Queise — agora Palakika gastou todo o charme que Sean traduziu como havaiano colocando uma mão no ombro dele enquanto a outra mão era esticada. — Sou geógrafa com Ph.D em geografia; geomática é apenas uma de minhas especializações na geografia — Palakika apertou a mão dele com gosto.
— O que inclui atividades de processamento digital de imagens, banco de dados espaciais, e os sistemas de posicionamento por satélite, como o GPS.
“Spartacus!”, e o satélite também se traduziu ali.
Mesmo porque Sean não se deixou levar pela provocação explícita, nem pelo charme despendido da havaiana Palakika e suas ancas poderosas, e nem pelas duas mãos atrevidas que passaram a massagear seu ombro.
E Kelly saiu da sala de refeições.
— Kelly? Kelly? — mas Kelly não parou. — Droga! — e Sean saiu atrás dela.
— Estão satisfeitas com o que fizeram? — Felicity estava extremamente nervosa com Isadora e Palakika.
— Não fizemos nada — falou Palakika.
— Foi o bonequinho do Narciso quem começou — emendou Isadora.
— Cale a boca piranhas! — Narciso explodiu com Isadora.
— Chegam os três!!! — gritou Felicity.
— Controle-se Felicity! — Zôra enfim abriu a boca.
— E você Zôra? Ficou calada até agora sabendo que isso podia acontecer.
— Não leio pensamentos Felicity. Já disse para se controlarem.
E Felicity saiu furiosa.
— E depois somos nós quem desequilibrou tudo — Palakika riu saindo também.
Mas Zôra encarava Isadora até ela se incomodar e também ir embora. Zôra então se virou para Antenor que inclinou a cabeça e a bela morena saiu deixando Paolo, Bonilha, Lenny, Yerik, Lânia e Ignácia a olhando em silêncio, porque eles sabiam que ela podia ler pensamentos.
Já Sean andava a passos largos até o carro Nissan 4x4, atrás de Kelly que levantava areia.
— Kelly? — e o braço dela foi segurado sem que ninguém o tocasse, porque Sean ainda estava longe.
E Kelly realmente se assustou por sentir que era a mão dele, nela, que a tocava.
— Não use seus dons em mim! — exclamou furiosa.
Sean se aproximou dela a beijando. Kelly perdeu a voz e tudo mais que ia dizer.
— Perdão...
Não era o que ela esperava.
— Sean eu...
— Não Kelly. Perdão! Eu menti para você. Sabia que vínhamos aqui, porque provoquei vir aqui. Provoquei a compra da jazida de níquel, porque paguei para Isadora Gastón conseguir informações privilegiadas com a Poliu.
— As 108... — e Kelly não terminou, arregalando tantos os olhos que toda sua face se ergueu.
Ela então se virou e voltou a andar em direção à entrada do hotel.
— Aonde vai? — ele não teve resposta. — Kelly? Aonde vai?
— Estou com fome! — e andou furiosa até entrar novamente no hotel.
— Droga! — Sean explodiu não vendo alternativas, a não ser voltar também sabendo que a sócia não era tão flexível assim.
Antes, porém viu Dalton conversando com Oliver longe dali. E não era uma conversa, o que seus dons alcançavam, era uma discussão.
“As girafas não!” falava Oliver.
“Mas Mr. Trevellis exigiu!” falava Dalton.
“Não nos crop circles! Tragas então!”
“Não vou tocar naquelas coisas esquisitas”.
“Não são esquisitas. São pré-históricas”.
“Que sejam! Não sou pago para...” e a mão de Ignácia no braço dele, fez Sean Queise perder a conexão.
— Sr. Queise? — ela sorriu entre babados e pérolas. — Me acompanha na mesa do almoço? Parece que sua sócia já foi rodeada.
— Claro! — Sean sorriu sem querer sorrir.
Sean voltou a entrar na sala de refeições onde quase todos estavam de volta, e que silenciaram ao virem-no de braço dado com Ignácia.
Um dos garçom/cozinheiro correu a atendê-lo.
— Boa tarde, Senhor. Sou Lumumba, e aquela... — apontou para uma mulher de cabelos avermelhado envolvido numa espécie de trança por baixo da toca de cozinheira, parada na porta da cozinha. —, é Abba, minha esposa. Somos os chefes de cozinha — sorriu gentil. — O que vai querer?
Todos se sentaram e a Sean restou aceitar sentar-se depois de ver Kelly rodeada por Yerik, Paolo e a noiva, que não gostou da bela Kelly ali.
Havia tensão sim.
— O que propõe Lumumba?
— Temos deliciosa cozinha alemã, Senhor. Uma influência escandinava na verdade, das regiões costeiras do nordeste. Aqui sirvo além de deliciosas salsichas e linguiças comuns, a nossa boerewor, uma bem temperada linguiça caseira. Há também uma carne de caça; carne de veado é a opção de hoje.
— Obrigado... — Sean agradeceu voltando a olhar Zôra que voltava à sala, para depois ver Kelly ‘rodeada’ e ainda nervosa com as 108 ligações da madrasta jovem da Dra. Lânia.
“Droga!”, Sean se serviu de carne e começou a comer quando foi a vez de Oliver entrar, querendo desmanchar equilíbrio e o que mais existisse ali, no que se aproximou da mesa em que ele e Ignácia comiam.
— Que tipo de sinal veio realmente estudar aqui, Senhor Queise?
— Estudar?
— Os crop circles de minha filha Lânia? — e a voz de Oliver Gastón não era de boas vizinhanças. — Ou seriam os sinais de ondas eletromagnéticas de sensoriamento?
— Ah! Não... — soou Felicity logo ao lado.
E todos observavam Sean Queise que até quis pensar rápido, mas achou difícil fazê-lo.
— “Sinais de ondas eletromagnéticas”? Está querendo dizer sinais de radiofrequências como mensagens de rádio ou telefonia celular?
— É o que a sua ficção científica usa?
— Minha?
— Aonde quer chegar Oliver? — interessou-se professor Dr. Antenor segurando o pince-nez no nariz.
Mas no fundo Sean sabia.
“Radioastrônomo?”, foi só o que pensou.
— Por que todas essas questões Dr. Oliver? Acha que Steven Spielberg errou ao usar o telefone para seu ‘ET’ falar com sua ‘home’? — Sean foi explícito e Oliver Gastón enfim esboçou um sorriso. — Porque hoje se sabe que enviar uma mensagem escrita aos alienígenas pode ser muito mais eficaz, já que a onda eletromagnética usada para comunicações sem fio corresponde à energia transportada através do espaço, na velocidade da luz, na forma de campo elétrico e magnético.
— É o que a sua ficção científica usa? — Oliver voltou a provocá-lo.
Sean escorregou um olhar para Kelly antes de sorrir e voltar a responder àquela provocação.
— A quantidade de energia associada à onda eletromagnética, depende de suas frequências, às quais são medidas pelo número de oscilações, ciclos por segundo. Então as ondas eletromagnéticas perdem intensidade com a distância e demandam muita energia.
— Então acredita que o envio de ‘mensagens materiais’ seria o ideal? — falou Zôra do nada.
Sean gostou do timbre britânico e suave da voz dela.
— Se você se apresentar.
Um ‘Oh!’ surgiu aqui e ali e Kelly continuou o observando.
— Sou a Dra. Zôra! Ph.D em entomologia — e seus olhos verdes lhe davam um toque tão exótico à pele amorenada quanto o seu redor.
Os cabelos negros, lisos e presos num rabo-de-cavalo de franja bem cortada também chamavam atenção.
— As mensagens precisam ser protegidas da radiação cósmica, Dra. Zôra. As partículas energéticas do espaço podem colidir com o artefato e danificar a mensagem. Mas sim, seria o ideal — completou Sean.
— Então os crop circles nas plantações da Inglaterra são mensagens alienígenas para a humanidade? — questionou Zôra outra vez.
Sean sentiu que Zôra de repente pulava para um terreno mais amplo.
— ‘Crop circles’? Não sei Doutora. Ao contrário do que pensa o Dr. Oliver, nunca estudei isso.
Zôra só ergueu o sobrolho e Kelly sentiu algo no ar.
— Então aceite minhas sinceras desculpas Senhor Queise. Achei que usasse o satélite de observação Spartacus para estudar crop circles — e Oliver Gastón foi direto outra vez, após preparar um prato de comida e sentar-se.
— Achou? — e Sean agora olhou foi Dalton que arregalava os olhos para Sean. — Deve estar enganado, Dr. Oliver Gastón. Projetei os bancos de dados do satélite, não tenho permissão para utilizá-lo.
— Desculpe-me mais uma vez, devo ter me enganado — e sorriu Oliver Gastón acabando a salsicha do prato.
Depois se inclinou numa mesura e abandonou a mesa, se dirigindo para sua suíte de número um, para onde provável Isadora estava, já que não voltou à sala de refeições nem ao almoço tardio. Lânia desculpou-se e foi atrás do pai quando a voz de Antenor voltou ali.
— Bem... — sorriu o professor. — Deixe-me terminar meu serviço antes que reclamem outra vez, e ainda apresentar o Dr. Emiko Kobayashi — apontou para o homem ao seu lado. — Ph.D em paleontologia — apontou para um homem asiático, provavelmente japonês, na casa dos trinta.
— Olá Sr. Queise — Emiko foi simpático ao se inclinar.
Era tímido, com uma pele brilhante.
— E aquele é o Dr. Hélder Herzog, físico — professor Dr. Antenor apontou para o homem sentado no mais extremo da sala de refeições. — Hélder é Físico de plasma, Ph.D em plasmônica.
— Olá Sr. Queise! — Hélder era russo, na casa dos cinquenta anos, tão antipático quanto Narciso, porém mais gélido, sem emoções latentes, aparentando 1 metro e noventa de altura e uns cem quilos de puro músculo; grandalhão mesmo.
— Olá! — mas Sean estava impactado era com o Ph.D dele. — Diga-me, plasmônica é a área de estudo e aplicação da transferência de informações em estruturas manométricas que se dá por meio de plasmons de superfície, não Dr. Hélder? Considerado, claro, uma partícula que transporta momento linear e energia.
— A plasmônica é resultante do confinamento de ondas eletromagnéticas em dimensões menores do que metade do comprimento de onda dos fótons que incidem no espaço livre, Sr. Queise. Se ocorrer um casamento entre as ondas formadas pelos plasmons e a luz incidente, que consistem também em ondas eletromagnéticas ocorrerá um fenômeno de batimento conhecido como, ressonância de plasmons localizada de superfície.
— Em física, um plasmon é um quantum de oscilação de plasma, cujas propriedades são derivadas diretamente das equações de Maxwell, capazes de criar armas.
— Se gosta de ficção científica Sr. Queise.
Sean sorriu o cínico que era.
— É... — e Antenor sentiu que o clima tenso ainda estava ali. — Essa é a Dra. Enrichetta Acetti, Engenheira mecânica, Ph.D em Engenharia Acústica.
— Olá! — Sean cumprimentou outra mulher na casa dos quarenta anos, de pele avermelhada pelo Sol e olhos azuis, bem.
— E por fim, essa é a Dra. Omana Sharma, botânica, Ph.D em fauna pré-histórica, e um empréstimo muito agradecido à Índia, que nos cedeu sua melhor profissional.
— Que é isso... — falou tímida uma jovem que mais parecia uma adolescente, recém-tirada das fraldas, com uma perna mais curta que a outra, provável por queda ou desastre.
Omana se vestia com roupas que deveriam ter sido emprestadas não pela Índia, mas pela mãe indiana. Também antiquado, o lenço colorido era tudo de alegre em sua vestimenta.
— É verdade! — prosseguiu Antenor. — A contribuição de Omana nos foi conseguida diretamente por Mr. Trevellis, que nos financia.
“Que nos financia” aquilo sim impactou Sean Queise.
A refeição terminou no mais languido silêncio. Nem a movimentação das areias até então uivando do lado de fora, chegaram até ali.
E antes que alguém mais falasse algo, que Kelly emitisse mais um dos muitos pensamentos que ela emitia a Sean, e que o estava quase enlouquecendo, ele levantou-se e sumiu para o lobby de entrada, erguendo discretamente Dalton pelo braço, o carregando para fora.
Kelly viu aquilo e os seguiu.
— Está me machucando, Mister Queise — falou Dalton já do lado de fora.
— Por que Trevellis me quer aqui?
— Não sei do que está...
— Por quê?! — gritou Sean.
Sua voz ecoou por todo o Hotel Damaraland.
— Não sei nada sobre isso, Mister Queise. Mr. Trevellis garantiu-nos que você viria com suas próprias pernas — correu ao falar sob o Sol escaldante.
— Garantiu-nos? A nós quem?
— A todos nós.
Dalton então se virou para deixá-lo lá, achando que havia o convencido de algo quando foi erguido do chão, agora sem Sean tocá-lo. Dalton olhou seus pés longe do piso de areia e Sean com os olhos brilhando mais que o normal.
— Quem é você Dalton?
— Dalton...
— Quem é você Dalton?!
— Geólogo contratado por Fernando Queise a mando de Mr. Trevellis, para convencê-lo caso Isadora Gastón falhasse — e foi numa velocidade só.
— Droga!!! — Sean explodiu de uma forma que toda sua face perdeu o brilho.
Dalton então experimentou ver Sean se tomar de uma forma desbotada, se tomando de rabiscos, e toda areia transformar-se em mármore branco, uma escada brotar atrás dele, e um grande lustre de cristal se acender sob o Sol da Namíbia.
— Sean?! — foi o grito de Kelly que fez Sean voltar, se firmar ali, fazer a Namíbia voltar, fazendo sua pele ter brilho e a sala da mansão dos Queise desaparecer.
Dalton podia jurar que nunca teve tanto medo na vida como naquele momento. Nem o que já passara se comparava com aquilo.
— Como meu pai garantiu a Trevellis que eu viria? — a voz dele também se firmou.
— Mister Queise... Eu... — Dalton tremia ainda longe do piso quando o som de um tiro os tirou do espaço comum.
— Ahhh... — Sean soltou o corpo de Dalton que voltou ao piso de areia e todo seu corpo inclinou, porque todo Damaraland inclinou.
— Sean? — foi a voz dela que o trouxe a realidade outra vez e Dalton correu apavorado para longe dali. — O que está acontecendo, Sean?
Sean se virou para ela com os olhos azuis vidrados.
— Se eu disser que não... — sentiu-se tonto. —, que não sei Kelly — e se virou para ela. —, você acredita?
— Não! Você nunca fica sem saber.
— Mas não sei. Juro!
— Sean...
— Não sei! Não sei! Juro!
— Mas você estava... Você estava...
— Eu sei...
— Não sabe. Acabou de dizer que não sabe.
— Sei Kelly...
— Minha Nossa Sean... Você estava se tornando rabiscos e... E se desbotando no meio da sala da sua casa...
— Perdão Kelly! — se virou para ela. — Estava-me teletransportando até minha casa.
— Não Sean. Você estava trazendo a sala da sua casa até aqui. Por quê?
— Para tirar satisfações com um pai que já não mais se importa comigo! — exclamou furioso.
— Não fale isso Sean, Sr. Fernando sofre.
— Não Kelly... Eles vão se separar.
— Quem? — e toda sua tez se enrugou. — Sua mãe... Seu pai... Eles... — olhou em volta. — O que você ia fazer Sean?
— Perdão!
— Nada de perdão Sean. Chega de perdões Sean. O que estamos realmente fazendo aqui?
— Não sei! Não sei! Eu juro Kelly! Disse a você tudo que sabia tudo que vim fazer aqui, mas aquilo... — e parou apontando adiante.
— O que é aquilo?
— Não sei... Provável o sítio arqueológico deles, financiado por Trevellis, que pede ajuda financeira a meu pai, que se afasta de mim, porque minha mãe quer o amor de Oscar.
E Kelly nem soube ao que responder.
— Um sítio com Ph.D que estudam fractais, Sean? — Kelly buscou esse caminho.
— Crop circles!
— Que evidentemente você estuda.
— Sim!
— E por que um Ph.D em física e radioastronomia? Um físico de plasma capaz de criar armas, e uma engenheira acústica trabalhando com outro engenheiro, agora mecatrônico, Sean?
— Porque há algo paralelo acontecendo aqui. Algo que deflagra com o som de um tiro.
— Um tiro? Aquilo que ouvimos foi um tiro? — Kelly olhou em volta. — Minha Nossa Sean... Estou com medo.
Ele a olhou com carinho e seus lábios foram os próximos a encarar.
— Perdão! Não devia tê-la trazido.
— Não! Eu forcei Sean. Não devia ter vindo.
— E por que veio?
— Porque o amo!
— O que há conosco Kelly?
— Não sei Sean. Não sei mesmo se devíamos ter empregado tanto tempo nisso.
— Fala ‘nisso’ como se nosso amor não fosse importante.
— ‘Nosso’? Meu, quer dizer?
— Não faça isso comigo Kelly. Sabe que a Computer Co...
— É! A empresa em primeiro lugar.
— Não faça isso! Por favor! Não está sendo fácil... — e Sean parou no que a figura de Bantuh se fez ali, atrás deles, olhando Sean de uma forma que ele não gostou de ser olhado. Bantuh então se virou e foi embora. — Consiga duas suítes Kelly. Vamos dormir hoje aqui.
— Vamos? — Kelly olhou para trás e viu o empregado de Zôra indo embora.
— Vamos! Porque amanhã vamos à jazida saber se ela existe mesmo, e se não investi o dinheiro da Computer Co. num buraco de alienígenas.
— Num buraco de que?
— Por favor, Kelly! — a encarou. — Há algo acontecendo aqui, no entorno, lá — apontou para o sítio arqueológico outra vez.
— Dalton?
— Não fale mais com ele.
Kelly desistiu de perguntar mais qualquer coisa, nem entrar num confronto que não saberia sair. Voltou para dentro do hall, à procura do gerente Kaunadodo, para conseguir uma suíte, uma só.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número três.
17 de outubro; 22h00min.
Sean adormeceu nu na banheira de porcelana, numa água morna depois de um calor de 44º, na reservada suíte de número três.
— Senhor? — chamou a funcionária do Hotel Damaraland e ela viu o jovem loiro e belo acordar assustado. — Desculpe-me Senhor. Eu o chamei e não respondeu.
— Ah... — Sean inclinou-se na banheira. — Desculpe-me a mim... — e ele ficou encantado com a pele dela, com os cabelos vermelhos e trançados que iam até a cintura.
E a funcionária era talvez ainda mais exótica que o próprio solo da Namíbia.
— Perdeu o jantar Senhor.
Sean olhou para cima, a noite havia caído.
— Você...
— Sou Ebiere, camareira do Hotel Damaraland — Ebiere indicava a toalha deixada na cadeira. — Quer que peça o jantar aqui?
— Não obrigado! — e Sean viu Ebiere se virar para sair. — A minha sócia?
— Recolheu-se Senhor.
Sean voltou a olhar para cima, a visão do anoitecer, da montanha avermelhada, lhe deu medo. Ebiere saiu e Sean levantou-se no banheiro extravagante, incrustado na rocha. Abriu a porta que dava para a sala e abriu a pequena valise que trouxera com roupas limpas, colocando uma underware e uma camiseta branca, e adentrou o quarto exótico, com uma Kelly de camisola amarela, de seda, deitada na única cama ali.
— Droga... — escapou dele.
Sean olhou em volta, as paredes laterais eram de toras envernizadas. Na parede à esquerda, a outra porta do banheiro usado anteriormente, na parede central a janela sem janela dando para o deserto da Namíbia, na parede à direita duas poltronas confortáveis.
No centro do quarto, duas mesas de cabeceira ladeando uma grande e larga cama onde a mulher desejada e toda a diferença de idade entre eles, se deitavam.
— A água estava quente?
— Que água? — Sean sentou-se na beirada da cama sentindo dor, uma dor profunda; uma dor causada pelo erro.
— Está brincando, não?
— Estou? — Sean viu Kelly se esticar até alcançar a mão dele. Ele ia se levantar, mas não fora rápido o suficiente e Kelly o inclinou, o deitou, ela sobre ele. — Kelly não...
Mas o calor dentro do quarto o fez suar mais rápido com uma Kelly próxima o suficiente para que ele a detalhasse.
— Sean... — e Kelly foi beijada por ele.
Sean virou Kelly para debaixo dele. E ela há muito não sentia o peso do corpo viril dele sobre o dela. Mas ele levantou, olhou as paredes que não existiam, com a imagem do deserto o intimidando. Ela se levantou e o virou, se aproximando dele, fazendo Sean sentir a camisola de seda e os seios dentro dela colarem na sua camiseta.
Ela o beijou nos lábios, no rosto, e novamente nos lábios.
— Não podemos...
— Queremos?
Sean a olhou firme.
— Sabe que não é isso — depois se virou para a noite.
Ambos não saíam daquilo quando a mão dela deslizou pela sua perna, pelos músculos rígidos e másculos que sentiram todo trajeto, todo contato da mão macia, da unha que o arranhou. Ele se virou para ela e a encarou. Kelly voltou a beijá-lo e Sean voltou a encará-la, agora com todo seu corpo a pedindo de uma maneira que ele não conseguia mais evitar.
Sean a colou nele e se beijaram, minutos incontáveis quando toda a silhueta dela se desenhou se inclinando, alcançando seu sexo na underware com a boca carnuda, com toda excitação e libido se espalhando nela, nele, na boca que engolia o tecido, o sexo ereto.
Mas ele a segurou pelos cabelos sedosos, a erguendo até cheirá-los, até descer a boca máscula pelo pescoço dela, até que os seios dela empinaram, escaparam da camisola insinuante, da seda umedecida pelo tesão.
Sean a invadiu com os dedos rígidos, com Kelly se erguendo numa ginástica sensual, o imprensando agora na parede que escorou o corpo dele, que invadia a sócia, a mulher amada, sob a noite avermelhada quando um tiro os trouxe a realidade.
Ambos arregalaram os olhos.
— É ela, não é Sean? É ela nos separando mais uma vez? — e Kelly viu Sean perder a cor e a voz. Porque o fantasma de Sandy estava lá, no meio do quarto, os olhando, os intimidando, os julgando também. — Vou tomar um banho! — Kelly anunciou numa mescla de tesão e fúria, em meio ao que se tornava cena comum.
Sean pensou em ir atrás dela. E foi, com ou sem a imagem de Sandy ali. Mas foi só entrar e o corpo dela agora nu, com a camisola de seda amarela no chão de rocha, o olhava como num desafio. Sean retornou ao quarto confuso. Sabia que não devia tê-la deixado começar, ir adiante, permitido tal aproximação. Depois ficou pensando se não previu aquilo, que podia ter previsto aquilo, porque sabia que aquilo ia acontecer que deixou acontecer, que adormeceu na banheira sabendo que ela ia se deitar na cama dele, que haveria uma só cama.
Colocou uma calça de moletom e um tênis, e saiu atrás de Dalton que estava empurrando a Nissan 4x4 com a porta aberta para debaixo dum puxado de telhas, para uma garagem onde três Land Rover Discovery estavam estacionadas, porque aquele tiro significava mais que uma ex-noiva morta.
— Mister... — e Dalton não teve tempo de dizer mais nada quando Sean o empurrou com tanta força que Dalton voou para o lado viajante da Nissan.
— Onde está a chave? — disse já sentado no banco do motorista com a porta trancada.
Dalton balançou a cabeça tentando dizer algo do tipo ‘Não sei!’ e o motor ligou sozinho sob os olhares dele que se arregalou. A marcha também se deslocou ao ‘Drive’ e a Nissan 4x4 começou a sair de onde ele acabara de guardá-la.
— Mister Queise...
— Cale-se!
E Dalton fez aquilo mesmo. Calou-se.
A madrugada avançava rapidamente e a montanha ainda assustava Sean. Quanto mais próxima ela ficava, mais temor ele sentia. Temor igual vivido num passado não muito distante quando a Poliu acusara Sandy Monroe, sua noiva, de roubar planos importantes da construção de Spartacus. Porque Sean duvidara dela, no fundo sabia, porque sabia que Sandy se matara na noite de noivado com um tiro na têmpora porque ele duvidara dela, porque nunca havia tido confiança entre os dois, porque Sean sempre duvidara.
E o estopim da arma disparada agora tirava Kelly dele; mais uma vez.
— Mister Queise? Vamos fazer o quê lá? — apontou para a Montanha Brandberg que se aproximava.
— Não sei!
— Não sabe?
— Não!!! — vociferou. — Não sei!!!
Dalton se encolheu outra vez. Só a touca de crochê era visível.
A Nissan 4x4 levantava poeira e quase nada se via ganhando noite adentro, porque a iluminação da Lua começava a perder força e a noite ganhava nuances de vermelho.
Sean pisou no freio usando tanta raiva quanto pisara o acelerador até então. Dalton já não se atrevia mais a perguntar nada. Sean saiu da Nissan 4x4 e pisou a areia macia, seca, vermelha, removida pelos paleontólogos e viu-se no sítio de arqueologia da Poliu. Lá, oito grandes tendas, sendo uma delas, a maior, equipada com computadores Computer Co..
Sean se odiou.
Alguns trabalhadores se assustaram com sua aproximação, olharam-se sem entender e um deles sacou uma arma.
— Deixe-o! — falou alguém ao fundo.
Sean se virou.
O Dr. Oliver Gastón se aproximava.
— Sabia que eu viria, doutor?
— Sim.
Sean olhou em volta, alguns holofotes estavam acesos, direcionados para uma única tenda.
— Leu minha mente antes mesmo que eu decidisse vir aqui? — riu. — Você é um espião psíquico?
— Já fui... Amigo de Mona.
— Entendi o porquê da provocação.
— Não! A provocação foi por Isadora.
Agora Sean engoliu com dificuldades.
— Eu não sabia que ela era casada.
— Não. Não sabia. Porque a ensinei bloquear espiões psíquicos.
Sean ia falar. Não achou necessidade.
— Compreendo... — ficou naquilo.
— Não compreenda Senhor Queise. E não se descuide. Isadora é perigosa. Fogosa também.
— Eu já disse que não sabia que a Dra. Isadora era casada. Só me pareceu ser alguém da Poliu, vendendo informações sobre um sítio arqueológico numa jazida de níquel, onde crop circles apareceram.
— Sua sócia sabe que se envolve com esse tipo de mulheres?
— “Esse tipo”? Wow!
Oliver Gastón sorriu apenas.
— Mister Queise?! — gritou Dalton ainda de longe.
— Tudo bem!!! — Sean gritou a ele acenando. — Então... O que quer comigo, Dr. Oliver, já que não posso ler sua mente? — quis Sean saber.
— Eu? Nada!
— E quem quer?
— Elas! — apontou para última tenda.
— A tenda iluminada?
— Sim. E temo que seja por isso que o querem aqui Senhor Queise.
Sean começou a andar até a última e mais alta das oito grandes tendas armadas. Abriu o largo velcro que a fechava e seu coração disparou no que seu nariz assimilou algo mais rápido que seus olhos sob os holofotes.
— Wow!
Cinco girafas, algumas com pouco mais de um metro de altura, uma com chifre na testa, outra sem a característica mancha na pele mais parecendo uma meia zebra; girafas pré-históricas. Sean se virou e viu Dalton estancando atrás dele sabendo que Dalton sabia sobre aquilo, porque discutira com Oliver à tarde.
Sean saiu da tenda e encontrou Oliver Gastón o esperando.
— Impactado Senhor Queise?
— Como... — Sean voltou a olhar para a tenda. — Como é possível?
— Não sei — Oliver Gastón sorriu. — E os Ph.D também não sabem.
— Mas a Dra. Zôra é uma entomologista. Por que ela manda aqui?
— Ela manda? Minha mulher é quem foi chamada para estudá-las.
— Sua esposa é jovem para...
— Porque na verdade queriam a mim.
— Por quê?
— Porque sou radioastrônomo, físico, astrônomo, cosmólogo — ele viu Sean o olhar sem entender. — Porque querem saber de onde elas são Senhor Queise — completou Oliver Gastón.
— Está dizendo que... — e Sean parou. — Deus... As girafas são de outro planeta?
— Sim. Algumas girafas, que para nós já estavam extintas, e sabemos porque Yerik Dimitri estudou o DNA delas, nos dizem que sua atividade genética está sem mutações.
— Então em outros planetas ainda... Deus... Como as girafas chegaram até aqui?
— Não sabemos ao certo. Não recebi nenhuma atividade de Arecibo.
Sean sabia o porquê.
— E elas simplesmente apareceram?
— No crop circle que surgiu no outro sítio arqueológico, próximo a Montanha Brandberg. Lânia, Antenor e Narciso estão estudando.
— Quando elas surgiram?
— Há duas semanas. Bantuh veio dar o aviso.
— Bantuh é o escudeiro da Dra. Zôra?
— Cuidado Senhor Queise. Bantuh é a sombra de Zôra, capaz de dar sua vida por ela, como tirar a vida de outros para protegê-la e agradá-la.
E um som agudo ecoou por ali.
— Ouviu isso? — Sean perguntou. — O estampido de uma arma?
— Não! — respondeu Oliver.
— Não... — mal conseguiu responder Dalton.
— Mas... — e Sean olhou as tendas e olhou os homens. — O estampido... — olhou Oliver. — É ele quem abre e fecha a fenda?
— Fenda? — Dalton olhou um e outro perdido.
— Sim Senhor Queise — foi o que Oliver falou. — Só não sabemos como funciona tal fenda, nem quando ela ‘abre e fecha’, como disse.
— Mas tenho ouvido esse estampido...
— Estampido?
— O que são?
— Harmônicas temporais, Senhor Queise, que devido a deformações do espaço-temporal, fazem com que sons do passado se reflitam no presente. Às vezes no mesmo lugar onde anteriormente foram produzidos desde... — e Oliver parou. —, desde quando as escuta?
E Sean não quis comentar sobre a viagem remota dele e Mona, a um deserto onde girafas fugiam de insetos.
— Desde quando minha noiva morreu — foi só o que disse.
Oliver pareceu pensar algo.
— Vamos embora! Está tarde! Amanhã conversaremos sobre isso no café da manhã, já com todos sabendo que você veio até aqui.
— Não queriam que eu viesse?
— Ah! Sim! Queriam! Urgentemente! — e Oliver saiu andando até o Nissan 4x4. — Porque para isso foi trazido Senhor Queise — olhou os dois homens o seguindo. — Por isso Mr. Trevellis insistiu que Isadora colocasse a jazida a venda, que ela espalhasse na comunidade científica sobre o sítio arqueológico aqui e... — e parou para encarar Sean. —, e por isso que seu pai foi obrigado a liberar verbas.
E foi a vez de Sean ter medo de estar ali.
4
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
18 de outubro; 08h00min.
Sean acordou como dormiu, encolhido no sofá, não tendo coragem de deitar-se ao lado de Kelly; não depois de uma ‘Sandy’ entre eles. Levantou-se e não encontrou a sócia no banheiro. Molhou o rosto e os cabelos lisos e loiros, que ficaram em desalinhos, e vestiu uma calça jeans clara com a camiseta que dormiu, botas de couro, e foi tomar café.
Do lado de fora, no trajeto ao apanhado de telhados onde ficava a recepção e a sala de refeições, Sean ficou a observar as distantes suítes ali, em número de 16, iguais a suíte em que dormira; uma sala, um quarto, um banheiro e o deserto como janela.
Sean também se lembrou do gerente Kaunadodo e fez contas enquanto caminhava até a sede principal; ele, Kelly, Dalton, Kaunadodo, Ebiere, Lumumba, Abba, Zôra, Bantuh, Lânia, Oliver, Isadora, Bonilha, Ignácia, Antenor, Narciso, Yerik, Paolo, Lenny, Enrichetta, Omana, Hélder, Emiko, Palakika, Felicity; vinte e cinco pessoas no hotel.
— Impar! — Sean ficou tentando entender o tal desequilíbrio. Depois pegou o celular e tentou um sinal de linha, mas não havia nenhum.
Não queria ter se demorado tanto por ali.
Contornou a suíte de número um e havia um helicóptero em frente a entrada da sala de refeições.
“Trevellis!” foi só o que conseguiu pensar.
Sean saiu em disparada quase derrubando Kaunadodo e Abba à entrada da sala de refeições e lá os outros 22. Mas também mais cinco pessoas, porque lá, também Mr. Trevellis, um homem de terno preto, Oscar Roldman, outro homem com eles e Gyrimias Leferi; mais cinco pessoas.
— Gyrimias?
— Bom dia Senhor Sean Queise! — Gyrimias arregalou os olhos por detrás dos óculos que escorregou pelo calor e pressão. — Me obrigaram a vir — apontou para Oscar Roldman.
— Mas que droga Oscar! O que está acontecendo aqui?
— Olá Sean querido. Também fui obrigado.
Sean então encarou Mr. Trevellis ao lado de seu agente Victor Hugo, um ‘homem de terno preto’ quando viu que Mr. Trevellis sentava à mesa da bela entomologista Zôra. E Sean até teria dito que o mundo nunca ficara tão nublado quanto naquele momento, quando viu os olhos verdes de ambos brilharem iguais.
— Wow...
— Olá filho de Oscar! — Mr. Trevellis era puro cinismo. — Pelo visto não conhecia minha filha mais nova, não?
Sean e Kelly escorregaram um olhar para Zôra ao mesmo tempo.
— Eu não havia dito meu sobrenome... — e Zôra pareceu desconfortável com aquilo.
O fiel escudeiro Bantuh entrou vindo de onde, Sean não soube, mas já estava lá, se sentando à mesa deles. Sean então se virou e viu que Kelly estava sentada na mesa onde sentava Bonilha, Paolo, Oscar e o tal outro homem. E foi nele que Sean se interessou a ponto dele perceber.
— Está me lendo Sr. Queise? — perguntou o tal homem ao lado de Oscar Roldman.
— Preciso?
Um silêncio caiu ali.
— Sou Domingos Carboni, Ph.D em Biologia de Sistemas.
— O biólogo sistêmico uruguaio que ganhou o Nobel de Medicina ano passado? — e Sean nem esperou Domingos se gabar e o atacou. — Porque achei pedante o fato de dizer que alienígenas não possuem sistemas biológicos se nunca foi um estudioso das efemérides.
— Então devo ter sido mal interpretado Sr. Queise — Domingos olhou um e outro. —, porque a hipótese de formas de vida alienígena, tais como bactérias, foi levantada...
— “Bactérias”? — gargalhou. — Está brincando não?
No fundo Sean era tudo o que Mr. Trevellis queria para um filho. Brilhou os olhos olhando Zôra que não gostou daquele brilho.
Mr. Trevellis recuou.
— Está dizendo o que com isso Sr. Queise?
— Estou dizendo algo Dr. Domingos? — Sean apontou para todo seu entorno e todo seu entorno multiplicou pensamentos tão destoantes que Sean se perdeu na leitura.
“Droga!”
— Porque aqui todos nós pensamos que há vida lá fora — foi o que Sean conseguiu dizer.
— Volto a dizer que fui mal interpretado, Sr. Queise. Porque disse que antes de nos preocuparmos em como os alienígenas pensam, precisamos aprender sua biologia, se é que há alguma. Só isso! Porque não somente somos ignorantes sobre suas biologias, como sua maneira de pensar. E a forma com que a sociedade funciona é parcialmente uma função da biologia.
— Sistemas de classes também são similares as do reino animal. A sociologia de rebanho e de colmeia mostra como os animais se comportam. Pombas, por exemplo, aglomeram-se para proteção mútua.
— Sim Sr. Queise — Domingos voltou olhar o entorno parecendo procurar algo. — No mundo dos insetos, seres como as formigas tendem a nascer para papeis fisiológicos específicos, que os preparam para diferentes funções; tais como a formiga rainha que é a mãe de outras formigas na colônia.
“Formigas?”, e outro silêncio incomodativo surgiu ali.
Sean continuava tentando ler os pensamentos ali, mas toda sua estrutura e forma de pensar se viu em curto. Depois olhou Zôra e algo havia ali, nela, com as múltiplas informações no éter. De que talvez fosse ela quem as multiplicasse a ponto dele nada captar. Ficou de sobreaviso com a maneira como ela ‘atrapalhava’ pensamentos.
— Concordo que a investigação de questões básicas da biologia evolutiva seja bem aceita no meio ufológico Sr. Queise — prosseguiu Domingos. —, mas por acaso acreditamos que numa situação hipotética, na qual um alienígena visitasse nossa Terra, esse alienígena entenderia nossa língua? E que sem dificuldade alguma de comunicação, pudesse participar de algum dos nossos maiores congressos científicos?
— Aonde quer chegar?
— Poderia esse ser, juntando a informação contida na soma das nossas pesquisas com a estratégia atual, uma ideia exata daquele fenômeno que chamamos vida?
— Não Dr. Domingos! Porque são bactérias... — e Sean provocou riso.
Domingos sabia que ele era difícil, que ele era um Roldman.
— Não duvido que os alienígenas possam aprender de tudo o que estiver observando Sr. Queise — prosseguiu o Ph.D em Biologia de Sistemas. —, mas serão relâmpagos de informação, fragmentos de conhecimentos, nos extremos que vão do superficialismo ao reducionismo.
— “Reducionismo”? Tales de Mileto se perguntou como podem todas as coisas ser vistas como uma simples realidade, aparecendo em diferentes formas. Porque pessoas de várias formações, filósofos, químicos e físicos procuram até hoje dar uma resposta a essa pergunta.
— Por isso Empédocles disse que todo o Universo é formado a partir de Terra, Água, Fogo, Ar. E reduzir a multiplicidade do que é observado em apenas quatro elementos, é a ordem.
— Que pena ouvir dizer isso doutor! Acaba de matar o sonho grego de explicar o Universo apenas com quatro elementos — e Sean provocou mais riso.
— Não acredita em sinais Dr. Domingos? — a voz de Lânia era suave, um calmante naquela tensão toda. — Não acredita que os crop circles estão se comunicando conosco?
— Podem estar se comunicando, Dra. Lânia Gastón — e Domingos mostrou conhecer todos ali. — Entretanto ter uma ideia completa, complexa e integrada sobre nós, a ponto desses alienígenas dizerem que nos conhecem, ao menos na atual conjuntura de guerras que mal reconhecemos o irmão que matamos, parece-me cada vez mais difícil.
Felicity começou a se incomodar com a discussão e Sean viu que Kaunadodo ainda fazia contas; satisfeitos, porém com as trinta pessoas ali no seu hotel, e enfim o equilíbrio de um número par.
Depois Sean se virou para Isadora a fim de desafiá-la.
— As girafas! Elas nos visitaram Dra. Gastón. E agora?
— Sean querido... — alertou Oscar.
Mas Sean olhou foi Kelly com um ‘Não fale nada!’. Ela jurava que não sabia o que ia falar, mas obedeceu como de costume.
— Íamos falar sobre as girafas... — falou Zôra antes de Isadora abrir a boca.
— Antes ou depois do papai chegar? — Sean estava decididamente arisco.
Zôra o fuzilou.
— No café da manhã Sr. Queise.
— Sou todo ouvido! — exclamou Sean com força se virando para a mesa e enchendo uma xicrona de café.
E foi com força que Sean se virou, jogou café numa xícara, pegou um pão adoçado e se sentou à mesa da entrada com Gyrimias escorregando um olhar e outro tímido, sentado ao lado de Lânia. Sean voltou a gostar da professora, doutora de sinais, em algo nela, quando um estampido estourou perto dele.
Ele virou-se rápido e Lânia assustou-se.
— Que houve Sean?
— Ouviu?
— Ouvi? O quê?
Sean também sentiu o odor fétido que tomou conta do ambiente e só Zôra parecia observá-lo a ponto de ele dizer que ela também ouvira, sentira aquilo.
— Prossiga Srta. Trevellis — agora Sean desafiou-a, alertando Bantuh que se levantou e se sentou quando Zôra o puxou.
— É ‘Doutora Trevellis’, Sr. Queise, mas vou relevar dessa vez— e os olhos verdes brilharam pela intensidade de vê-lo, de tê-lo ali. —, porque não sabemos muito sobre as girafas. Elas apareceram na formação de um crop circle, próximo ao sopé da Montanha Brandberg há duas semanas. Estavam feridas, com marcas de que haviam sido atacadas por um enxame de insetos.
— Que tipos de insetos?
— Formigas.
— Há uma complexa relação entre as girafas e as formigas Sr. Queise — falou Felicity. — Uma questão de David e Golias com as pequeninas lutando para defender árvores acácias.
— As girafas que apareceram no crop circle são pré-históricas, Srta. Trevellis?
Zôra começava a se incomodar com aquilo, com a forma de ser chamada e Kelly se enciumou.
— Sim, Sr. Queise. A família dos girafídeos surgiu no Oligoceno, entre 37 a 21 milhões de anos atrás. Como foi lhe dito ontem, o Dr. Yerik fez o teste de DNA e provou que elas foram extintas a milhões de anos aqui na Terra.
E Isadora deu o dom da palavra enciumando mais ainda a sócia, mas calando Zôra, porque ela era a paleontóloga especialista nas girafas, e não a metida e mimada Zôra Trevellis, a quem devia obediência por pendências que Isadora preferiu deixar de fora de seu currículo.
— A girafa Okapi-like giraffid ou Paleotragus que viu na tenda, Sean bonitinho — e Isadora não se importou com o ‘Oh!’ que pipocou ali. —, com sua estatura semelhante a de um antílope, foi extinta no final do Mioceno, e a girafa sivatério-de-chifre, um girafídeo de chifre no focinho que viveu há cerca de 6 milhões de anos, assim como a girafa Sivatherium maurusium ou Sivatério, um girafídeo ainda com metade do corpo apresentando as listras de uma zebra, foi extinta no Plioceno.
— De onde elas vêm?
— Nã-não sabemos — Yerik gaguejou.
— O estampido Dra. Enrichetta?
Enrichetta se alertou ao ser chamada à roda de questionamentos.
— Não sabemos ao certo Sr. Queise — respondeu a engenheira acústica. — Porque o que ouvimos agora é só um eco do que foi deflagrado há duas semanas.
— Quando a fenda abriu trazendo as girafas.
— Provável...
— E o que é esse estampido?
— Não sabemos, mas o ‘estampido’ provoca uma onda evanescente, um tipo de onda eletromagnética já que na passagem de um meio material para outro, a velocidade da onda muda, mas a frequência permanece constante. A interferência acontece quando duas ou mais ondas resultam em um novo padrão de onda.
— É essa onda evanescente que abre a fenda?
— Estamos inclinados a achar que sim.
— Para que foi chamada Dra. Palakika?
A bela havaiana gostou de estar no palco e se levantou balançando as ancas irritando Kelly, para quem Sean escorregou um olhar e só.
— A geomática, Sean Queise... — Palakika adorava aquela intimidade. —, trata das atividades de produção, coleta, armazenagem, análise, transmissão e gerenciamento de informações geográficas, como topografia, fotogrametria e sensoriamento remoto. Também lido com dados coletados por sensores orbitais, imagens de satélite, e aerotransportados, fotografias aéreas, cujo objetivo principal é o de constituir um referencial o mais fiel possível da realidade de determinado terreno.
— Como os crop circles?
— Sim. E como as minas abandonadas — riu Palakika gingando as ancas.
— Para a Mutual UFO Network, a MUFON?
E Palakika riu como há muito não fazia.
— Bom Sean Queise! Muito bom! Imagino o que faz com suas horas vagas — e Palakika encarou Kelly que se levantou para ser delicadamente puxada por Oscar, que lhe sorriu amigavelmente mostrando estar ali, a protegendo.
Kelly recuou naquilo e voltou a se sentar escorregando um olhar e outro para Oscar Roldman que ainda tinha todos os traços de beleza de Sean Queise.
— Não tenho horas vagas Dra. Palakika — Sean prosseguiu. —, mas vigio ufólogos no Havaí, assim como gente da MUFON que usa Spartacus para buscar sinais de UFOs.
— Mesmo Sean Queise? — e Palakika voltou a rir.
— Por isso volto a perguntar, o que faz aqui?
— Mr. Trevellis me chamou para vigiá-lo, usando seu satélite de observação, é claro.
Outro ‘Oh!’ era de se esperar.
E um Oscar Roldman furioso olhou Mr. Trevellis acendendo um charuto cubano, sendo apagado por Zôra que o fuzilou idem.
— Dra. Omana? — Sean prosseguiu.
— Sou botânica paleontóloga. Fui chamada a fim de recriar a alimentação das girafas, mas as acácias da Namíbia tem dado conta.
— Porque, como previu o DNA, são iguais as girafas que viveram na Terra, milhões de anos atrás.
— Sim Sr. Queise!
E Sean observou Zôra, mas nada tirou dela.
“Droga!”; ela era uma Trevellis.
— Dr. Paolo? — e Sean viu Paolo olhar Zôra antes de qualquer coisa. — Paolo? — insistiu Sean. — O que um Ph.D em Engenharia mecatrônica faz num sítio arqueológico?
— Por que não o lê? — desafiou Mr. Trevellis.
E Sean o encarou quando Paolo enfim falou.
— Vim estudar a fenda Sr. Queise — Paolo respondeu. — Saber se é o som, ou estampido como o chamou que abre a fenda, ou se a própria fenda é algum tipo de artefato mecatrônico.
— É para isso que estou aqui também, não? Para investigar a fenda espacial que o satélite de observação Spartacus detectou.
Mr. Trevellis e Oscar se levantaram da cadeira e dispararam vozes ali.
— Detectou? — falou um.
— Detectou? — falou outro.
— Detectou? — falou ainda outro.
— Sean querido?
— Spartacus vinha acompanhando um fenômeno chamado de ‘explosão de rádio rápida’, detectado pela primeira vez em 2007, a cerca de 5,5 bilhões de anos-luz da Terra.
— E o que é a tal explosão? — Lenny quis saber.
Mas foi Gyrimias quem se adiantou.
— Apesar de parcelar todas minhas observações, os vários comprimentos de onda como luz infravermelha, luz visível, luz ultravioleta e ondas de raios-X, não nos mostrou nada — um ‘Oh!’ surgiu ali e acolá. — Ah! Mas o fato de que não vimos luz em outros comprimentos de onda elimina uma série de fenômenos astronômicos — Gyrimias parecia animado com tão pouco.
— E acredita que a fenda tenha algo haver com essa explosão, Sr. Queise? — quis Hélder, Ph.D em Física de plasma, saber.
— Sim e não Dr. Hélder — e Sean tentou ler os pensamentos gerados ali, mas nada conseguiu. — Spartacus detectou há algum tempo atrás, uma fenda, um wormhole se formando dentro do nosso Sistema Solar.
E outro ‘Oh!’ surgiu ali e acolá.
— E você deveria nos ter avisado? — soou um Mr. Trevellis cínico.
— Não Trevellis... Sinto pelo descuido — soava mais cinco ainda. —, mas na época não me dei conta do que acontecia porque havia outros interesses em jogo — e Sean olhou Isadora que deu uma gargalhada escandalosa ao ponto de Kelly ficar furiosa.
Porque era óbvio que Sean pagou mais que dinheiro pelas informações sobre a jazida, o sítio e seus crop circles desenhando algo após fendas espaçais abrirem.
— E acredita que essa ‘explosão de rádio rápida’ pode estar ligada a algum tipo de objeto compacto, como estrelas de nêutrons ou buracos negros Sr. Queise? — foi a vez de Ignácia perguntar.
Mas foi Oliver quem respondeu:
— O buraco negro é um lugar no espaço onde há uma grande quantidade de massa. Um buraco negro supermassivo tem uma gravidade tão intensa, devido à sua grande massa, que a sua força atrativa poderia atrair uma galáxia inteira. Se um buraco desses estivesse no meio do nosso sistema solar, já teríamos sido engolidos.
— Até 1970, os cientistas acreditavam que nada, nem mesmo a luz, poderia escapar de um buraco negro. Mas o físico Stephen Hawking argumenta que como os pares de partícula estão sempre surgindo, se colidindo e desaparecendo novamente, caso essas partículas fossem formadas na borda de um buraco negro, e apenas uma fosse atraída, a outra partícula poderia escapar — argumentou Sean.
— Como uma nave espacial atravessando as dimensões Sr. Queise?
— Não só uma nave Dra. Felicity, mas uma nebulosa inteira.
— “Nebulosa”? Por que acho que você sabe mais do que diz filho de Oscar?
— Porque sei mais do que falo Trevellis — e Sean viu a filha dele, Zôra, pensativa.
Zôra parou e o encarou.
— Ia dizer algo Sr. Queise?
— Dizer que por isso acredito Srta. Trevellis, que agora vendo as girafas vivas, que tal ‘explosão de rádio rápida’ seja na verdade um planetoide, com suas naves alienígenas, escondido na escuridão do Cosmo, interferindo na energia negra do espaço.
Um ‘Oh!’ violento se seguiu de muitas perguntas.
— Uma nave que deixa as marcas e sinais dos crop circles Sean? — perguntou Lânia.
— U-uma nave que trouxe as gi-girafas Sr. Queise? — perguntou Yerik.
— Uma grande nave que faz marcas e sinais, e trouxe girafas e alienígenas — respondeu Sean enfim. —, mas um planetoide vindo da nebulosa formiga.
— Um planetoide Sr. Queise? Mas nebulosas são acumulações de massas de gases e poeira cósmica — falou Omana.
Outro ‘Oh!’ violento se seguiu de outras muitas perguntas.
— Nebulosa formiga ou Mz 3 ou Menzel 3, é uma jovem nebulosa planetária bipolar, na constelação Norma; um par de brilhantes lóbulos bipolares, dois fluxos opostos muito colimados em forma de coluna, um sistema cônico de estrutura radial e um tênue fluxo radial com a forma de anel — emendou Domingos.
— Mas por que vindo da nebulosa formiga Sr. Queise? — perguntou Enrichetta.
— Por causa de girafas e formigas Sr. Queise? — perguntou Lenny.
— Por causa das mordidas Sr. Queise? — perguntou Dalton.
— Não! — foi Hélder quem respondeu. — Por causa da assinatura plasmática. Como disse a Dr. Omana, nebulosas são nuvens de poeira, hidrogênio e plasma, e uma das hipóteses, inclusive, para o formato de formiga, é que sua forma recorda o tórax e a cabeça de uma formiga e que suporta a ideia de que o próprio giro da estrela central da nebulosa e seu campo magnético estão de alguma forma, canalizando o gás plasma.
— Um objeto astronômico constituído por um invólucro brilhante em expansão de plasma e gás ionizado, que é expulso durante a fase de ramo gigante assintótico, que atravessam as estrelas gigantes vermelhas nos últimos momentos de suas vidas — emendou Emiko.
— O ramo gigante assintótico, ou AGB, é uma região de estrelas de massa moderada e baixa. Na verdade, um período de evolução estelar que ocorre em todas as estrelas no fim de sua vida — voltou Hélder.
— Talvez o enigma da Mz3, é que esta nebulosa pode esconder uma segunda estrela mais tênue, cuja órbita fica bem perto da estrela visível, o que prejudica sua visualização direta — respondeu Sean. — E se esconde algo, podia ter escondido até agora esse planetoide girando em torno dessa estrela mãe.
— Acha que esse planetoide está morrendo Sr. Queise?
— Isso é uma fuga para o Planeta Terra Sr. Queise?
— É por isso que o povo formiga está imortalizado em petroglifos, em Sego Canyon, Utah?
— Acho que devíamos para de fazer tantas perguntas e nos perguntar o porquê de não recebermos tal informação Senhor Queise? — Oliver enfim o questionou.
— Porque morfei a estrutura de Spartacus para que ele não mais seja interceptado, Dr. Oliver.
Gyrimias o olhou sem entender o que ouviu e Kelly olhou furiosa para ele quando outro ‘Oh!’ correu um lado, outro, até Mr. Trevellis gritar nervoso.
— Enlouqueceu filho de Oscar?! Como se atreveu?!
Mas Sean olhou Oscar como quem espera algo dele, porém Oscar manteve-se calado.
— Morfou usando o que Sr. Queise? — o bioquímico Bonilha se interessou.
— Liga níquel-titânio, nitinol-55.
— LMF, ‘Liga de Memória de Forma’ — falou Paolo Kapranos, o engenheiro mecatrônico. —, usado em robótica por sua superelasticidade. Muito bom Sr. Queise.
E outro ‘Oh!’ pipocou.
— NASA, ESA ou AEB, Sean querido?
— Nenhum deles Oscar querido.
E outro ‘Oh!’ já era esperado quando os dois trocaram olhares e Mr. Trevellis fuzilou Oscar sabendo que ele podia e devia saber o que o filho dele fazia, já que tinha dons para saber o que Sean podia e sabia fazer; por isso Sean sabia que nem a MUFFON nem Palakika jamais conseguiriam algo.
— Miséria! — Mr. Trevellis explodiu fazendo sua pele jambo brilhar mais ainda no calor da Namíbia.
— O que esperava conseguir com isso Sr. Queise?
E Sean não respondeu a Emiko. Não podia expor sua busca por jazidas, minas e buracos ocupados. Nem que usasse dons paranormais para deformar e morfar o material de Spartacus com a mente, fazendo matérias se alterarem, se tornarem nitinol-55 ou qualquer outro material, a fim de que novos espiões psíquicos, com novas técnicas não mais interferisse.
Mas a mente de Sean ficou exposta a Omana que lhe enviou uma só frase.
“A voz do silêncio!”
Sean se virou para ela sabendo que ela se comunicava por pensamentos.
“Helena Petrovna Blavatsky?”
— Muito bom Sr. Queise — a voz da jovem Omana se fez e um silêncio caiu ali. — Sabe como ninguém usar seus siddhis.
E todos olharam Omana quando um ‘O quê?’ ‘Quem?’ ‘Como?’ surgiu entre eles.
— Blavatsky escreveu em seu livro ‘A voz do silêncio’ que devíamos evitar os siddhis, os poderes psíquicos — e todos olharam Sean. —, como também escreveu sobre os riscos para aqueles que ignoram os perigos dos siddhi inferiores, energias inferiores, grosseiras, psíquicas e mentais, como clarividência, telepatia consciente, e clariaudiência.
Omana sorriu-lhe.
— Aquele que pretende ouvir a voz do ‘Nada’, o ‘Som Sem Som’, e compreendê-la, Sr. Queise, deve aprender antes a natureza de Dharana.
— Porque tendo se tornado indiferente aos objetos de percepção, o aluno deve buscar o ‘Rajá dos sentidos’, o ‘Produtor do Pensamento’; aquele que desperta a ilusão.
— Sim, porque a mente é o grande ‘Assassino do Real’.
— E porque o Discípulo deve matar o Assassino quando, para ele mesmo, a sua forma parecer irreal.
— Parece ilógico, não Sr. Queise, poder ser o assassino de si mesmo?
— Não sei o que dizer Dra. Lenny, só que somos o único capaz de nos destruir de verdade.
E um silêncio caiu ali.
— Nós e os alienígenas — Paolo riu e parou de rir no momento que todos o encararam.
— Acha que seja um ataque Sr. Queise? Que alienígenas estão vindo à Terra matar ‘os sons externos’? — Ignácia quis saber.
— Outra vez não sei o que responder Dra. Ignácia. Juro!
— Estas ‘explosões rápidas de rádio’ poderiam concebivelmente ser então ‘alertas’ de outras sociedades, tentando levar a uma resposta de qualquer vida inteligente que esteja equipada com tecnologia de rádio? — voltou Enrichetta.
— E por que Spartacus é tão importante a ponto de lhe trazerem Sean? — emendou Lânia.
— Não sei... — e Sean olhou foi para Zôra. — Mas pela primeira vez, acho que o satélite de observação não é tão importante. Ou não é mais.
Mr. Trevellis não gostou do que ouviu.
Mas foi Zôra quem se levantou incomodada com os olhares acusativos de Sean Queise. Passou por ele e Sean segurou o braço dela quando Bantuh derrubou três cadeiras até chegar nele e avançar com dentes e sons grotescos para ele.
— Nie!!! — gritou Zôra e Bantuh estancou.
Mas Sean tinha a face tomada pelo medo. E não foi o medo do ataque dele, foi por ver insetos devorando Bantuh com mandíbulas que se soltavam uma das outras; mandíbulas de um grande inseto negro banhada por uma baba ácida.
— Ahhh... — Sean acordou do torpor, da viagem para fora de seu corpo.
— Hoe gaan dit?! — Bantuh ainda vociferava quando saiu atrás de Zôra que saiu da sala de refeições.
Mas Sean saiu atrás de Zôra. E Kelly atrás dele. E atrás foram Oscar, Gyrimias, Lânia, Mr. Trevellis e Victor Hugo, o agente da Poliu.
Porque foi só Sean correr atrás de Zôra que caminhava a passos largos, que Bantuh se virou para atacar Sean. Sean sumiu da frente de Bantuh e estava dentro da sala da suíte de número cinco de Zôra, com a porta trancada.
— Ah! — ela se assustou por vê-lo ali.
— Pelo visto não tenho muito tempo, então quero saber o que faço aqui?
— Não devia ter provocado Bantuh para...
— Basta! O que faço aqui Srta. Trevellis?
— Não me chame assim!
— Lhe chamo pelo que é — e um bofetão encerrou a entrevista quando Bantuh derrubou a porta. Sean sumiu dali e estava atrás de Kelly que corria para a suíte de número três, onde entrou furiosa. — Kelly?! Kelly?!
— Chega Sean! Vou embora!
— Não vai a nenhum lugar! — e ambos entraram na sala, no quarto.
Kelly pegou a bolsa e Sean a fez voar longe sem tocá-la.
— Já disse para não usar seus dons em mim!
— Cale-se!
— Não me mande calar!
— Basta Kelly!
— Basta o que Sean? Até quando vou ficar com ‘Basta!’ e ‘Cale-se!’ e ‘Não fale nada!’?
— Kelly...
— Nada de ‘Kelly!’ Sean. Você morfou o satélite de observação, ou que diabos isso signifique, para escondê-lo da Poliu, de Mr. Trevellis; e para que? Para ouvir sinais de rádio alienígenas? Minha Nossa, Sean. Em que mundo você vive?
— Não se atreva a falar assim comigo.
— E como vou falar? Você perdeu o rumo da sua vida Sean. Ou não era com aquela piranha da Isadora que você estava? 108 ligações? E antes das 108? Algumas 108 ligações da filhinha de Trevellis?
— Basta Kelly!!! — berrou descontrolado.
Kelly só arregalou os olhos na face bonita e se levantou desamassando o vestido Armani cinza prata que usava e catou a bolsa, terminando por jogar as coisas dentro dela.
Fechou o zíper como pôde e o encarou.
— Para mim chega! — e saiu batendo a porta.
— Ahhh!!! — Sean socou o ar no momento em que as pás do helicóptero fizeram som. — Kelly?! — Sean gritou e saiu correndo atrás dela.
Kelly ia à frente dele, levantando a areia vermelha do chão com seu Christian Louboutin de sola vermelha quando tudo explodiu; helicóptero, Domingos e uma caixa de acrílico preta que voou longe.
As pessoas também foram arremessadas pela explosão, pelo deslocamento de ar.
— Sean... — Kelly estava caída quando ele correu a levantá-la.
— Meu Deus... Você está bem?
Ela o olhou, atordoada.
— Oh! Sean... Fizemos algo, não?
— Desequilíbrio... — soou da boca dele entendendo o que ela dizia. Quando olhou para cima, havia algo parecido com um domo de fios de energia ainda cintilando pelo curto circuito. — Deus... O que é isso?
Zôra correu e resgatou a caixa de acrílico preta que Domingos roubara dela, quando Oscar, Gyrimias, Lânia, Mr. Trevellis e Victor Hugo se aproximaram um do outro, olhando para cima em choque, para os muitos filamentos de uma energia em curto circuito quando um som fez todos se jogarem ao chão pela intensidade, pela dor provocada e o domo pareceu se tomar de aço.
— Mas o que... O que foi isso? — Mr. Trevellis sentia seu ouvido explodido em meio a muitos caídos.
— Estamos dentro! — foi Hélder quem deu a notícia:
Todos ali se olharam.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
18 de outubro; 10h00min.
Sean só teve tempo de levar Kelly de volta à suíte de número três.
Implorou que ela o perdoasse por tudo, pelo que fez pelo que ainda ia fazer em prol daquilo, da investigação que o levara até lá, que o fez fazer coisas que desafiavam sua criação, e saiu da suíte furioso, voltando à sala de refeições para tirar satisfações sobre o que era o domo, agora de aço, acima de suas cabeças. E se aquilo era mesmo um domo, queria saber por que o domo não abriu para o helicóptero passar, fazendo-o se chocar com ele, e explodir quando outro estampido o fez estancar no meio do caminho, entre suítes.
Sean escorregou um olhar para o lado e Sandy o observava.
— Deus... — e a imagem dela se inclinou tanto que Sean teve a sensação de ter girado.
E ele girou, girou e girou como num turbilhão até apagar, achado ter apagado. Quando Sean abriu os olhos, estava caído numa terra batida, com tufos de salsola seca rolando de um lado para o outro, se arrastando solitários pelo deserto.
Sean ergueu-se de supetão e olhou em volta. Não havia Sandy, não havia suítes. Esticou o corpo em choque, e não havia montanha, não havia crop circles, não havia sítio arqueológico, nem Namíbia.
“Droga!” explodiu dentro dele ainda tonto.
Lá, casas de madeira com pequenas janelas pintadas de vermelho e Sean olhando em volta de si mesmo, com olhos que temiam olhar; porque ele estava no meio de uma rua, que parecia ser uma rua, cheia de casebres de madeira vermelha, que não estavam ali segundos atrás.
“Lúpulo?” se perguntou em duvida se reconhecera o cheiro que impregnava o ar, quando um som começou a surgir ali, como num levantar de volume.
E eram sons confusos, de gritaria, risos, piano e esbórnia.
Uma das casas estava iluminada, animada, quando alguém abriu a porta vai-e-vem. Um homem de pele branca, com calça larga, camisa de linho e colete de couro, aportou no alpendre. Mão na cartucheira em uma situação de ataque ou defesa, usando botas com esporas reluzentes que ganharam a rua de terra batida, e o homem pigarreou o gogó cuspindo um bom tamanho de fumo. E mal o cuspe foi ao chão o homem se virou para ver um Sean Queise feito de rabiscos que mal conseguia respirar no meio da rua deserta.
O homem arregalou os olhos e fez a boca cair até sentir o maxilar estalar virando-se para trás, vendo que ninguém no saloon parecia ter visto aquilo. E Sean preferiu mesmo que mais ninguém visse; estava do jeito que se vestiu para o café, jeans azul claro, camiseta branca e amassada e botas pretas, em frente do que julgou ser um cowboy de velho oeste.
O cowboy então se arrastou para mais perto do homem feito um desenho que se movia e Sean sentiu seu coração ir à boca vendo a cartucheira na cintura, o revolver na mão e ele querendo saber como sair dali.
— What are you? — o cowboy perguntou.
E Sean realmente imaginou ter ouvido o cowboy falar.
— Está falando comigo? — o som não reverberava como ele achou que deveria reverberar e Sean olhou em volta, confuso, querendo saber se sonhava, saía do corpo ou mudava de estação.
Porque todas suas viagens até então eram cenas, flash de um acontecimento, recortes de um passado. Nunca havia sido projetado para dentro da história, enquanto a história acontecia.
— I don’t... — Sean tentou as poucas palavras que lembrava não entendendo como o cowboy poderia o estar vendo durante uma viagem astral, porque nunca soubera de ninguém sendo visto a menos que possuíssem dons paranormais, que fossem viajadores também.
— I said what the hell are you?! — o cowboy se irritava.
E Sean pensou até em correr quando a porta vai-e-vem do saloon se abriu de novo e mais dois homens vestindo roupas parecidas apareceram no alpendre, rindo de algo, quando pararam e olharam-se, mal conseguindo visualizar a imagem ainda em rabiscos de Sean e alguém gritou não muito longe dali.
— Be careful!!!
Sean se virou e dez ou mais girafas desembestadas corriam na sua direção, fugindo de luzes negras vinda de um rasgo no céu avermelhado. Sean saltou para longe da galopada e o rasgo de luz negra alcançou o solo, se moldando em partes; pernas, tronco, membros, cabeça de inseto que se protegeu dentro da carcaça negra que se fechou após lâminas do que parecia fibra de carbono, se montar umas sobre as outras, desenhando sua silhueta, protegendo-o dentro dela.
Sean arregalou os olhos azuis para o monstruoso inseto gigante e negro que usava exoesqueleto, e que corria atrás da girafa de chifre no focinho, que desesperada passou pelos três cowboys, passou pelo saloon, e foi pega pelo raio negro que a fez se desintegrar.
— Raio de plasma! — Sean exclamou.
O monstruoso inseto gigante usando exoesqueleto parou de correr, andar ou o que quer que aquele movimento significasse, no que a voz de Sean reverberou até ele. Ele virou o pescoço sem que o resto do exoesqueleto se movesse e o olhar dele para com Sean Queise foi tão aterrador que Sean girou; 360°, 720°, 1080° 1440°, 1800°, 2160°, 2520° até perder as contas dos giros e os sentidos.
Sean acordou na suíte de número cinco, com Zôra saindo do banheiro apoiada por Bantuh e Ebiere. Ela tinha a pele queimada como se há muito estivesse exposta ao Sol.
— Senhor... — Zôra ia falar ao ver Sean Queise ali parado, sujo, confuso, e tremendamente assustado.
— Não é o que está... — e Sean só teve tempo de dizer aquilo para fechar os olhos e apagar de vez.
5
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número três.
19 de outubro; 10h00min.
Sean Queise acordou em choque. Estava de volta à sua suíte de número três com Kelly Garcia vestindo uma blusa e uma saia de seda amarela Givenchy ao seu lado, com o rosto marcado pelas lágrimas e a bolsa outra vez arrumada para partir.
— Não é o que está pensando.
— Não estou pensando nada Sean. Há muito que não...
— Por favor... — Sean a alcançou os lábios dela nem soube como e os tocou com dedos trêmulos. — Por favor... Dê-me uma chance para explicar.
Ela respirou profundamente.
— O que houve?
— Eu não sei...
— Para mim chega! — e Kelly se levantou quando Sean a agarrou pelo braço.
— Não Kelly... Por favor! Disse que me daria uma chance.
— Mais uma?
— Por favor... Eu viajei!
Kelly arregalou os olhos.
— Para onde?
— Velho oeste.
— Velho o que?
— Eu sei que parece loucura, mas eu as vi, as girafas.
— As do sítio?
— Muitas delas, fugindo de formigas gigantes.
— Fugindo do que?
— Por favor... Por favor... Acredite em mim. Eu não sei como, mas ouvi o estampido de uma arma e vi Sandy. Então girei como louco, Kelly, e caí no meio de uma rua do velho oeste.
— Sean...
— Não! Não Kelly! Não sei explicar mais nada, mas acredite em mim, todos aqui no hotel sabem de algo muito maior, que toda minha instrução paranormal um dia sonhou existir. E eu preciso ficar mais um dia aqui.
— Não Sean! — se levantou.
Sean também se levantou e voltou a cama tonto.
— Por favor, Kelly... — sentiu a cabeça querendo explodir. — Não temos alternativa até saber o que significa aquele domo, por que o helicóptero se chocou com ele, e o que significa toda essa viagem.
— Sean...
— Por favor, Kelly! Também preciso saber o que é aquela queimadura em Zôra Trevellis — e Sean viu Kelly não o olhar. — Você viu não?
— Quando Lânia me chamou até a suíte dela, para resgatá-lo.
— Juro que não sei como fui parar lá. Eu girei quando aquela formiga no exoesqueleto me encarou e...
— Chega Sean!
— Não Kelly! Zôra Trevellis estava com o rosto queimado, metade do rosto, como se estivesse...
— Tomado Sol numa Namíbia de 50 graus Sean?
— Não! Não! Kelly! Ontem ela não tinha nada, tinha?
Kelly se sentiu perdida.
— Não...
— Em 1971 um abduzido apareceu com uma marca no braço esquerdo derivado de um contato, em 1977 dois pescadores foram queimados por um objeto luminoso, em 1980 um avistamento de OVNI a curta distância deixou sequelas físicas derivadas do contato, em 1983 um abduzido teve queimadura de 3º grau, e que deixou marcas indolores nas costas e entre 1984 e 1988, centenas de pessoas foram atingidas por foco de luz com estranhas queimaduras no peito ou pescoço.
— E por que tudo isso Sean?
— Porque eu também viajei Kelly, porque também fiz um contato com aqueles insetos gigantes.
— Formigas?
— Formigas alienígenas.
— Oh! Por favor, Sean...
— Não estou dizendo insanidades Kelly, nem o calor da Namíbia me afetou. Estou dizendo que saí daqui ontem para discutir com todos, sobre o domo, e sumi no meio do caminho após ver Sandy.
— Minha Nossa!
— Não estou dizendo insanidades Kelly! — se alterou.
— Já entendi! — olhou-o. — Ou acho que entendi.
— Mais uma noite! Prometo!
Kelly olhou um lado e outro e sua bolsa arrumada ao lado da cama que dormiu, ao lado do corpo dele desmaiado, vindo da suíte da filha de Mr. Trevellis.
— Sabe o que me pede não?
— Seu amor...
Ela o olhou com firmeza.
— E para que precisa do meu amor Sean?
— Para me dar forças.
— Sempre as teve Sean. Nasceu assim.
— Não! Desenvolvi-me... sem entendê-los.
— O que são siddhis, Sean?
Ele agora teve medo de responder.
— Droga! — sentou-se na beirada da cama nervoso. — Siddhis são poderes psíquicos, conhecido há milhares de anos; e há toda uma ciência por trás Kelly. Ela pode ser adquirida por nascença ou através da Ioga, quando o iniciado começa a sofrer a transformação dentro de si, e toda sua visão se expande em uma nova dimensão até você sair do corpo, volitar, mover objetos e fazê-los sumir. E também dominar os materiais a ponto de transformá-los em outros.
— Minha Nossa Sean. Está dizendo que você mudou o material de Spartacus com seus dons paranormais? — e Kelly caiu sentada, em choque. — E o que faz aqui Sean? Veio usar seus dons siddhi para ouvi-los? Vê-los? Entrar em contato com formigas alienígenas?
— Não sei o que vim fazer aqui Kelly. Juro! Nem sei quando tudo isso começou, se começou, ou se sempre fui assim, se sou um deles.
— Um deles quem Sean?! — alterou-se, não gostando do que ele falou. — Não volte a falar isso! Nunca mais!
— E por que Kelly? Por que isso nunca lhe incomodou?
Ela parou o movimento seguinte. Porque aquilo a incomodava sim, mas ela o amava tanto quanto o estranhava.
— Eu nunca...
— Não Kelly! Você nunca disse as palavras que afastaram minha mãe de Oscar Roldman.
Ela o olhou de lado. Porque sabia que Nelma Queise, Fernando Queise, Mr. Trevellis e Oscar Roldman haviam se conhecido na juventude, porque Nelma amara Oscar antes de Fernando, e que Nelma o chamara de ‘esquisito’.
— Uma noite Sean. Uma noite e só!
E Sean a beijou. Minutos incontáveis de pura troca de energia, de um amor incondicional, de ambos.
— Obrigado! — e levantou-se ainda tonto.
— Aonde vai?
— Fique aqui! — foi só o que falou.
Sean foi a passos largos até a sala de refeições agora sabendo que estavam todos lá reunidos, à sua espera. Mas foi só entrar e ver Kaunadodo ainda lamentando a numeração impar com a morte de Domingos, que Felicity partiu para cima dele o esbofeteando.
Outro ‘Oh!’ surgiu ali e o rosto de Sean Queise latejava.
— Satisfeito Sr. Queise? Você e suas discussões provocaram o desequilíbrio.
— Não tenho a mínima ideia do que está falando.
Kaunadodo ia falar, mas o homem de terno preto Victor Hugo, só o encarou e Kaunadodo saiu levando junto seu staff; Ebiere, Abba e Lumumba.
Sean agora sabia que Kelly tinha razão. Deu alguns passos e encarou Hélder.
— O que significa ‘estamos dentro’?
Mas foi Zôra quem tomou a dianteira.
— Experimento ‘Contato!’
Sean teve medo dela; dela e da metade do rosto queimado. E da frase dela também.
— Ohm! Pelo visto sabe o que é — Narciso não perdeu a chance de mexer com Sean Queise.
— Claro que sabe não Sean bonitinho? Vem nos investigando a um preço alto — riu Isadora escandalosamente.
Oliver se incomodou e saiu. Lânia ia atrás, mas Sean a segurou pela mão. Até teria corrido outro ‘Oh!’, mas todos só olharam Sean segurando-a.
— Fique professora!
Lânia sorriu e ficou.
Mas Zôra não se deu por atingida, prosseguiu:
— Dez anos atrás Mona Foad e seus espiões psíquicos fizeram, através de visões remotas, um contato com um inseto alienígena, um insectóide que se identificou como sendo um alienígena errante, que vivia em muitos planetas.
— Priva-me dos detalhes.
— Como queira Sr. Queise — Zôra foi tão cínica quanto uma Trevellis seria. — Esse insectóide afirmou que ao longo de suas muitas jornadas, encontrou uma colônia de alienígenas, interessados num contato maior com os terráqueos, mas não disse que tipo de colônia era. Contudo durante esses dez anos, os espiões buscaram todo tipo de informação, mas nada corroborava aquilo.
— O que? A Poliu gastando milhões de dólares durante dez anos, em um experimento de contato baseado em visões remotas com um insectóide? — e foi a vez de Sean gargalhar com gosto.
Mr. Trevellis levantou e Oscar o sentou sem tocá-lo. Mr. Trevellis só olhou para o amigo velho e Sean sabia que ele estava ‘preso’ pelos dons de Oscar Roldman à cadeira.
Zôra também prosseguiu vendo aquilo.
— Sim Sr. Queise. Dez anos investidos, mas só há dois anos formamos essa equipe — apontou para todos.
— Por causa das girafas? Achei que elas tinham aparecido há duas semanas?
— Estamos atrás de outros sinais há dois anos Sean — foi a vez de Lânia. — Eu, o Professor Antenor e Narciso, primeiramente, estudando os crop circles que surgiram na Inglaterra. E mesmo com os dois fraudadores, Bower e Chorley, reivindicando a autoria de muitos dos círculos registrados, continuamos até que os crop circles aparecessem aqui na Namíbia.
— Próximos a jazidas de níquel — Sean fez todos se olharem.
— Sim — falou Ignácia Della’costa, geóloga.
— E como a jazida de Kabwe, na Zâmbia, secou?
Outra troca de olhares.
— Não sabemos.
— E as girafas?
— Surgiram apenas há duas semanas, como disse. Então chamamos os paleontólogos Emiko e Isadora.
— Claro! A Dra. Isadora especialista em vendas de jazidas — Sean se divertia.
— Mas não foi ideia minha vender nada Sean bonitinho — Isadora também se divertia. — Eu só tinha que fazer você se interessar pela jazida seca — riu. —, para que você achasse que ela era um buraco de alienígenas.
— E ela era Dra. Isadora? — Sean agora se aproximou tanto dela que ela própria sentiu-se mal, olhando Lânia que a olhava com interesse.
— Pergunte ao geólogo — e Isadora apontou para Dalton que ia correr quando o corpo de Dalton foi erguido e colocado de ponta cabeça.
Um ‘Oh!’ pela sala de refeições e Oscar ficou furioso.
— Sean! Não faça isso! — mas Sean fez pior. Dobrou Dalton que gritou quando os 206 ossos do corpo estalaram. — Sean?! — gritou Oscar e Sean soltou Dalton no chão quase sem voz.
Dalton mal conseguiu, mas levantou-se limpando a areia.
— Quem ofereceu o negócio das jazidas de níquel justamente quando eu as pesquisava, Dalton?
— Mister...
— Quem?! — berrava.
— Mister...
— Fale uma frase inteira, desgraçado!!!
— Não grite, por favor! — e Felicity se enervou.
— Cale-se!!! — Sean gritou e Felicity e todos móveis da sala de refeições saíram do chão.
Ela calou-se ao ver-se volitando.
— O Mister Oscar disse... — Dalton olhou em volta tudo solto do chão, tentando engolir a saliva paralisada. — O Mister Oscar disse...
— Oscar disse o que?!
— Sean!
— Para que me trouxe aqui Dalton?!
— Para ver a jazida! — e Dalton se ajoelhou abraçando a boina de crochê colorida.
— Não faça esse papel ridículo!
— Mister... Não quero morrer...
— Dalton!!!
— Ah! Dalton! — Felicity se enervou ainda suspensa no ar. — Fale logo antes que a estrutura do domo rua — e ela viu Sean lhe olhando de uma maneira que ela traduziu. — Fez de propósito, não Sr. Queise? Para saber do domo? — e Felicity e tudo mais, voltaram ao chão.
Mr. Trevellis se divertia com aquilo, mas Zôra se incomodava com o que divertia seu pai.
— O que é o maldito domo Zôra?
Ela se impactou em como foi chamada, com a intimidade em que foi chamada. Passou a mão pelo rosto queimado e foi em frente.
— Ele se moldou há alguns dias, antes de você chegar, e sumiu, pareceu sumir. Mas ele estava lá, transparente. Porque nem o Dr. Oliver, nem Palakika e nem Enrichetta conseguiram algo com o domo; nenhuma atividade elétrica ou eletromagnética segundo Hélder.
— Nem Hélder e nem Paolo, é bem verdade — Narciso prosseguia rindo. — Porque ninguém aqui consegue nada.
— Nem você! — disparou Isadora.
— Calem-se os dois! — Felicity voltou a se alertar.
— Significa que agora estamos presos e daqui não podemos sair — Zôra emendou.
— Presos onde Zôra?
— Ao que parece, dentro de uma prisão alienígena.
— Como sabiam sobre o domo?
— Não sabíamos. Já disse que ele se formou após o crop circle aparecer trazendo as girafas e a luva.
— Luva? A que Domingos veio roubar? Oscar sabia disso? — Sean o encarou.
— Já disse que estou aqui porque sua mãe me obrigou a vir.
— Não vou falar sobre isso Oscar. Não aqui! Não agora!
— Ótimo Sean querido! Então fale mais com seu contratado ao invés de quebrar os ossos dele.
— Fale Dalton! — e foi Zôra deu a ordem.
— Eu... Eu não sei nada sobre sua mãe Mister Queise, foi seu pai Mister Fernando Queise quem me contratou para convencê-lo a vir... — e parou.
— Prossiga! — exclamou um Sean furioso.
Dalton só o olhou e prosseguiu:
— Há duas semanas, procurei Mister Oscar Roldman, na Polícia Mundial porque, no começo, a Poliu não acreditou em mim. Meu amigo Roger... Ele desapareceu durante três dias.
— E onde Oscar...
Dalton fez sinal com as mãos para que ele ficasse calmo tentando fazer seus lábios voltarem ao normal.
— Então ele reapareceu do nada, com a mesma roupa que tinha sumido, usando uma luva de metal — Sean só o olhou e o corpo de Dalton foi erguido do chão. Seus olhos se esbugalharam. — Eu juro! Eu juro Mister Queise! Meu amigo, Roger, reapareceu do nada no meio da avenida principal de Damaraland, usando a mesma roupa do dia do desaparecimento; todo rasgado, sujo, ferido de picadas de formigas e... e com uma luva que parecia uma arma, envolvendo sua mão.
— Que luva era essa? — Sean olhou um e outro. — Um exoesqueleto?
— Não sei. Ela sumiu no hospital.
— Prossiga!
— Ele... — Dalton prosseguiu. — Ele disse que primeiro um som agudo como de um tiro de canhão, quase o ensurdeceu, para depois ver luzes negras que giravam muito rápido e que o deixaram tonto. Tonto o suficiente para ver tudo distorcido.
— “Distorcido”?
— ‘Inclinado’ foi a palavra que ele usou.
“Inclinado”; soou por todo ele.
— Ele disse que girou, girou e girou e tudo inclinou até que desmaiou, achou ter desmaiado, sei lá. Disse que depois de que girou, girou, e girou, acordou num local quente, com vulcões e atividades sísmicas; e o céu era avermelhado.
— Que céu avermelhado?
— Ele disse ‘o céu avermelhou e ficou quente a ponto de seus ossos parecerem espremê-lo no peito’. Ele não soube dizer onde, mas disse que o ar tinha cheiro de enxofre, e que a luva apareceu ao lado dele. Quando ele a tocou, a luva se moldou à sua mão. Ele então fugiu, mas foi atacado.
— Atacado por quem?
— Ele não viu na hora, mas levantou as mãos para se defender do ataque, e a luva fechou, e da sua mão enluvada saíram luzes negras, que atingiram um dos ‘homem das cavernas’; e ele desmaiou.
— ‘Homem das cavernas’? — Sean mal podia acreditar.
— Sim Mister Queise. E quando acordou, Roger disse que estava no meio de um buraco escuro — Dalton olhou um e outro. — Foi o que Roger disse.
— E onde Oscar entra nisso?
— Eu fui pessoalmente falar com Mister Oscar Roldman, e contei a história. A Polícia Mundial levou alguns pedaços de carcaça de formiga que havia ficado presa a roupa.
— “Carcaças de formiga”? Quer dizer exoesqueleto? Oscar mandou analisar? — virou para ele que só o observava.
— Sim. Mister Oscar Roldman disse que o carbono 14 deu-lhe cinquenta milhões de anos.
— 50 milhões de anos? Deus... As formigas também são pré-históricas? — Sean olhou em volta. — O que houve afinal a 50 milhões de anos? Alienígenas estiveram aqui e levaram formigas e girafas para seu planetoide?
— Parcelado, a pergunta é por que as levaram Senhor? — Gyrimias arregalou os olhos.
— Não sei Gyrimias...
— Entre 56 e 34 milhões de anos atrás, houve períodos de eventos hipertermais, em que as temperaturas na Terra subiram para níveis mais altos que os atuais, provavelmente por causa da liberação de gases como o metano na atmosfera.
— Os cientistas já demonstraram que as formigas gigantes pré-históricas quase sempre viveram em climas quentes.
— E o tal Roger?
— Nunca mais o encontramos — foi a vez de Oscar falar. — Roger sumiu do hospital.
— Sumiu ou sumiram com ele? — Sean olhou Mr. Trevellis.
— Não me olhe assim filho de Oscar. Não sou o bandido da história — e Mr. Trevellis acendeu mais um de seus charutos cubanos.
— O domo não permite que fumemos — Felicity se enervou novamente.
— Alguém fala para essa mocinha que ninguém me diz o que fazer?
— Controle-se Mr. Trevellis! — e Zôra usou de uma maneira para falar com o pai que demonstrava que ambos não estavam muito bem quando Sean sentiu sua mão gelar.
— O que está acontecendo aqui? — Sean se olhou.
— O que houve Sean? — Lânia viu que Sean olhava suas mãos se tomarem de gelo.
— Isso é gelo Sean Queise? — Palakika se aproximou dele quando todo o entorno de Sean se tomou por uma neve flocada que caía.
— Está nevando? — Paolo tocou o ar.
— Kelly?! — Sean gritou e saiu correndo. E nada que fizesse parecia fazer seus pés correrem mais, se locomover mais rápido. Nem se teletransportar, conseguiu. Sean chegou nem soube como na suíte de número três invadindo a sala, o quarto, e Kelly estava lá, presa numa parede de gelo. — Kelly?! Kelly?! Não... Meu Deus, não!!!
— Sean... — soava longe.
Kelly estava nublada, embaçada, congelada pelo frio que tomava conta do seu redor.
Sean tocou o que parecia ser uma parede, uma parede de gelo que os separava ali mesmo no quarto, na manhã de calor escaldante.
— Kelly?! — Sean correu até a sala. Nada atrás da cama parecia mostrar o que acontecia. Ele voltou ao quarto e a imagem de uma Kelly no meio da neve sumia. — Kelly?! — gritou. — Não!!! Não!!!
Depois de Sean chegaram Zôra, Bantuh, Lânia, Paolo, Palakika, Lenny, Felicity, Yerik, Dalton, Omana, Oscar, Gyrimias, Antenor, Narciso, Isadora, Emiko, Ignácia, Oliver, Mr. Trevellis, Victor Hugo, Kaunadodo, Ebiere, Abba, Lumumba, Enrichetta, Hélder e Bonilha; respectivamente.
— Senhor Sean Queise? — se apavorou Gyrimias. — Onde está a Srta. Garcia?
Mas Sean não conseguia responder.
— Patrãozinho... — tentava Kelly tocar a parede congelada, tomada pelo gelo.
— Kelly?! Onde você está?! Onde você está?!
— Tenho frio... — ela fechou os olhos sentindo-se cansada.
Ele se desesperou.
— Kelly?! Não!!! — tentava Sean socar o gelo. — Não!!! Não!!! Não!!!
Sean pegou a poltrona e com toda sua força a lançou sobre a parede fazendo a poltrona voltar sobre o colchão e nos seus pés parar.
— Chega Sean querido!
— Não!!! Não!!! — Sean chutava a parede com golpes de jiu-jítsu que congelava a imagem de uma Kelly cada vez mais distante.
— Chega Sean! — ainda insistia Oscar.
— Não!!! Volta!!! Não!!!
— Senhor Sean Queise?
— Faça algo Gyrimias!!! — gritava descontrolado. Gyrimias arregalou os olhos para o entorno em pânico. — Faça algo Zôra!!!
Zôra percebeu outra vez a maneira como foi chamada.
— Sean... Tenho frio... — e Kelly sumiu.
— Não!!! — Sean se jogou contra a parede.
Uma, dez, vinte vezes.
— Chega Sean!!! — Oscar se desesperou.
— Não!!! Não!!! Kelly?!
— Chega Sean!!! Ela se foi!!!
— Não!!! Não!!! Não!!! — e Sean desmaiou quando Oscar o tocou.
Todos ficaram olhando Sean Queise no chão, desligado.
6
14° 26’ 0” S e 28° 27’ 0” E.
Kelly Garcia acordou do sono a que fora colocada. Tinha a pele azulada pelo frio. Os lábios estavam quebradiços, a pele ressecada a se soltar nos cantos da narina.
Entrou em pânico ao ver-se meio a um total branco.
— Sean... — tentou chamar.
A voz pouco ou nada reverberou.
Ela tremeu toda sentindo que estava molhada, congelando temendo estar ficando maluca, quando se lembrou de ver Sean se jogando contra do que calculou ser uma parede de gelo, até desaparecer de suíte.
“Sean?” tentou uma de suas comunicações telepáticas, porque talvez Sean pudesse ouvi-la, porque ele sempre a ouvia, sempre sabia quando estava com problemas, quando seu carro quebrava e ele aparecia ali, com um táxi, para salvá-la.
Ou quando ficava parada à porta de sua sala na Computer Co., com as chaves esquecidas em casa, e Sean a abria pelo simples fato dela pedir-lhe aquilo. Ou quando pedia comida chinesa e ela aparecia, ou quando pedia sua ajuda nos computadores e tudo funcionava a contento, ou quando queria um beijo e Sean estava lá, apesar da distância colocada por ele para os dois, para o amor dos dois. Distância provocada, ela sabia, pela diferença de catorze anos que assustava sua família, o mercado financeiro, funcionários da Computer Co., e Mr. Trevellis que dizia que Sean Queise era um moleque irresponsável até para amar.
E Kelly odiou Mr. Trevellis por aquilo, por fazer Sean se envolver com alienígenas, e por ele ter três filhas lindas; porque sabia que Sean já conhecia as outras duas.
Kelly voltou a olhar em volta e uma única certeza tinha daquele cenário que via, não era nem de perto o deserto de 50 graus do Hotel Damaraland, na Namíbia. Levantou-se com dificuldade ouvindo sons não muito longe e viu uma fumaça não muito espessa anunciando não estar sozinha.
— Ah! Graças a Deus tem alguém aqui — depois estancou na duvida se seria realmente uma boa ideia se aproximar. A fumaça espessa provinha de uma fogueira, uma grande fogueira. Kelly se arrastou na neve do alto da colina branca, e lá embaixo pessoas estavam reunidas em volta do fogo. — Ah! Gente amiga — respirou aliviada, seja lá onde estava ela estava entre amigos.
Kelly ainda vestia a blusa e a saia de seda amarela Givenchy, mas estava descalça e consequentemente com frio quando o som do crispar do fogo também avisava sobre a comida. Estava morta de fome já que se deitara sem comer, que acordara brigando com Sean e não fora tomar o café da manhã. Acabou por descer a colina a fazer com que seus pés descalços congelassem ainda mais. E Kelly tinha tanto frio que se torceu sobre o tecido da saia de seda quando espirrou em meio a sons que se firmaram e a toda aquela ‘gente amiga’ na fogueira ouviu seu espirro. Ela os encarou com cabelos outrora tratados com produtos franceses, agora com estalactites de gelo nas pontas e levantou a mão saudando sabe-se lá quem eram, usando roupas de inverno, pele provável verdadeira, para horror das ativistas da ONG PETA e enfim conseguiu enxergar em meio aos turistas amigos, de cabelos compridos e mal tratados, dentes sujos e apodrecidos, e um cheiro de carniça ainda preso a restos de carne nas lanças apontadas, um grande animal.
“Um mamute?”, Kelly Garcia desmaiou no chão gelado em meio a homens e mulheres pré-históricos.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número cinco.
20 de outubro; 07h30min.
Uma pancada à porta da suíte de número cinco e Zôra Trevellis acordou de um sono pesado. Ela se levantou e ainda descalça chegou à porta que dava para a areia vermelha da Namíbia.
Lá, um Sean Queise com olhos de quem chorou.
— Posso entrar?
E foi só ele falar e Bantuh estava atrás dele, com os dentes cerrados.
— Vá embora Bantuh! — ordenou Zôra e Bantuh sumiu como apareceu. — Entre! — e ela entrou primeiro se perdendo na ampla sala, depois no quarto, onde diferente do seu, havia uma grande mesa com muitos mapas, dois computadores do tipo notebook ligados a uma tela de 32 polegadas e uma caixa de acrílico preta, que Sean sabia, era o motivo da fuga de Domingos. — O que quer?
— Quantos anos têm?
Zôra estranhou-o.
A voz dele era compassada, afetada pela dor.
— Vinte e cinco.
— Ela tem trinta e sete. Eu vinte e três.
Zôra continuou sem entendê-lo.
— Senhor...
— Trevellis... Seu pai... Ele sempre gostou de me falar isso, sobre a diferença de idade entre nós. E o quanto eu sou uma criança para uma mulher... — e Sean chorou. — Por favor! Ajude-me a trazê-la de volta.
Zôra agora sabia onde pisava.
— E acha que eu posso como?
— Porque você esteve lá! — e ele viu Zôra o encarar. — Porque sua queimadura foi feita pelo gelo.
E ela o encarou com metade do rosto queimado.
— Não sei como fui parar lá. Porque diferente da Srta. Kelly Garcia, eu girei...
— Também girei! — cortou-a. — Até o velho oeste!
Ela agora arregalou os olhos.
— Mas não há... — e ela parou de falar algo que Sean quis muito ter captado.
Mas ela era uma Trevellis, era alguém ensinado a bloquear, e provável seus sentimentos por Kelly tivesse o afetado.
— Por favor...
— Não posso Sr. Queise.
— Eu falo com ele.
— Fala com ele quem?
— Seu pai. Eu falo com Trevellis. Peço que me ajude — e Zôra fez um movimento que pareceu algo para tirá-lo de lá e Sean se adiantou. — Por favor, Zôra...
— Não fale meu nome assim. Não somos íntimos.
— Não! Não somos! Nem desejo tal intimidade. Não com uma Trevellis.
— Saia!
— Não vou sair! Preciso de sua ajuda porque conhece o caminho.
— Saia Sr. Queise!
— Por favor, Zôra... — e as lágrimas voltaram a cair.
— Saia!
— Eu amo Kelly desesperadamente.
— Saia Sr. Queise! — se enervava.
— Amo Kelly a ponto de me vender Doutora.
Agora Zôra parou tudo; pensamentos e batidas do coração. Ela se virou para ele o encarando num mescla de fúria e ciúme.
—, pois vá se vender a outra Sr. Queise.
— Já fiz isso! Com Isadora Gastón! Para estar aqui! Abrindo sua fenda! E fechando seu domo Srta. Trevellis! — e saiu furioso após todas aquelas exclamações.
Agora Zôra sabia que ele sabia que ela o queria ali, que ela precisava dele ali, abrindo a fenda como disse, e os fechando no domo como disse, jogando o jogo dos alienígenas como ele também devia saber. Já Sean saiu violentamente da suíte de número cinco. Foi atrás de outra ponta solta.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número quinze.
20 de outubro; 08h28min.
O agente Victor Hugo descansava. Ergueu-se de supetão e brecou a entrada de Sean Queise à suíte de Mr. Trevellis.
— Preciso falar com ele.
— E acredita que ele precise falar com você?
— Diga-me você Victor Hugo? Ele o trouxe não?
Victor Hugo sabia que aquilo era verdade porque ele era depois de Mona, o único espião psíquico capaz de atravessar os pensamentos de Sean Queise. E que Mr. Trevellis o levara até a Namíbia porque ele estava envolvido no Experimento ‘Contato!’ desde o início.
— Mantenha a compostura Sr. Queise. Estarei aqui fora! — e o encarou. — E lá dentro também! — e postou-se na rede.
Sean nada falou e entrou na sala da suíte de número quinze onde Mr. Trevellis sentava-se numa confortável e roxa poltrona de molas, baforando um charuto cubano ao lado de uma mesa e um abat-jour com a iluminação a meia luz, parecendo esperá-lo.
— Olá, ‘filho de Oscar’. Por que demorou? — Mr. Trevellis foi cínico.
— Eu vou atrás de Kelly! — anunciou.
— E como acha que vai fazer isso filho de Oscar? Com sua Nissan 4x4?
— Não vou a lugar nenhum. Vou me transportar até onde Kelly está — Sean desafiou Mr. Trevellis que entendeu o que aquilo significava.
— Ebiere estava junto com Abba quando ambas tentaram fugir agora de manhã, e algo ‘como uma parede, mas era só o ar duro’, as brecou — gargalhou. — Os alienígenas fecharam o domo. Travaram-nos numa dimensão paralela após nossa chegada.
— Não! Foi após a fuga de Domingos que queria a caixa de acrílico.
E Mr. Trevellis gargalhou na poltrona, acendendo seu charuto.
— Foi Zôra quem disse? — riu.
— O que há com você Trevellis? — Sean o viu parar para olhá-lo. — O que aconteceu com seus sentimentos a ponto de não mais saber o que é amar?
E Mr. Trevellis ergueu-se tão furioso da poltrona de mola roxa, que Sean percebeu o quanto grande ele era.
— Não se atreva bastardo!
Sean só sorriu.
— Não tão bastardo se tenho dois pais que me amam, uma mãe que não sabe o que fazer para não me perder e uma mulher catorze anos mais velha que eu, capaz de dar sua vida por mim — o enfrentou. — E você Trevellis? O que você tem?
— Se quer mesmo continuar essa conversa, bastardo, acho bom não me provocar.
E Sean mudou o foco. Precisava continuar a conversa.
— O que é aquele inseto negro usando um exoesqueleto feito do que parece ser fibra de carbono? Uma formiga alienígena?
— Onde você o viu?
— No velho oeste... E ele me olhou Trevellis, de uma maneira telepata, porque formigas são, praticamente telepatas Trevellis, se comunicando com toda colônia, onde cada formigueiro, considerado pelos especialistas como sua filha, um ‘superorganismo’, com uma única consciência.
Mr. Trevellis gargalhou.
— No fundo gosto de você, ‘filho de Oscar’.
— Ao contrário do que faz com suas filhas, não Trevellis?
— Por que acha realmente que não gosto de Umah, Dolores ou Zôra? Por que as uso? E você? Oscar não usa seu único filho? — Mr. Trevellis voltou a gargalhar.
Sean já não se sentia no controle como antes.
— Por que girafas? Por que algumas são pré-históricas?
— Acreditamos que eles as tenham visitado em outras épocas. Há algum temor desses insetos alienígenas por elas, não descobrimos ainda qual.
— Então as formigas pré-históricas são alienígenas insectóides?
— Já eram quando aqui chegaram, na pré-história, se levar em conta que alienígena é um estrangeiro.
— Por que disse ‘eles’? Esses insectóides são inteligentes?
— Não acha que sejam?
— Como os insectóides são por debaixo do esqueleto externo? Daquele exoesqueleto que usam como proteção?
— O exoesqueleto é uma arma, eles a vestem quando lutam. Ao contrário de você, não os vimos sem ela.
Sean lembrou-se do rasgo no céu avermelhado do velho oeste e a figura negra que se moldou, o olhando de uma maneira aterradora.
— Não os vi. Foi tudo muito rápido.
— Então não vai querer vê-los — e Mr. Trevellis gargalhou. — Zôra diria isso se falasse com você — ainda gargalhava.
Sean olhou em volta, estava confuso.
— Oscar...
— Ele não teve coragem de envolvê-lo isso. No fundo, amigo velho teme um confronto com sua mãe antes de tudo. Principalmente agora após a separação.
Sean ergueu-se e o encarou.
— Não quero falar sobre isso.
— Deveria. Porque Oscar vai lutar pelo amor dela.
— Basta Trevellis!
— Como queira filho de Oscar.
Mr. Trevellis baforou sentindo-se outra vez dono da situação.
— Por que estava no aeroporto?
— Queria ter certeza que o abestalhado do Dalton o trouxesse aqui.
— “Abestalhado”? — Sean ergueu o sobrolho enquanto olhava em volta. O cheiro do charuto o irritava. — Dalton não é tão ruim assim se conseguiu convencer Oscar de que havia um amigo chamado Roger — e Sean viu Mr. Trevellis parar de fumar. — O que? — e foi a vez de Sean gargalhar. — Você também acreditou? Mesmo com seu super Victor Hugo trabalhando duro? — riu.
— Quem é Roger?
— Ele! Foi Dalton quem viajou para o ‘céu avermelhado’ e atirou num ‘homem das cavernas’ quando a fenda abriu a mais de duas semanas, moldando sinais, trazendo girafas e luvas mecatrônicas insectóides feitas de carapaças de 50 milhões de anos, a ponto da filha da Poliu chamar vários Ph.D aqui — e ele viu Mr. Trevellis manter-se em silêncio.
— Sente-se! — apontou para a cadeira.
— Estou bem em pé.
— Como queira! O que viu hoje é um alienígena soldado, uma criatura insectóide.
— Quem são eles?
— Não sabemos se já estiveram aqui ou se vieram agora, mas usam uma forte carapaça negra, exoesqueleto como disse. São ágeis e rápidos. E quando atacam, eles não matam a vítima. Eles as levam para sua colônia que pode ser dentro da Terra, em minas abandonadas, ou na nave morfa, invisível aos nossos olhos e aos radares — e olhou Sean enquanto baforava seu charuto.
— Sabia que eu investigaria a jazida abandonada, não?
— Não sei ao certo se consigo saber o que faz ou não filho de Oscar, porque tudo com você é um tanto imprevisível, mas vou alertá-lo uma única vez... Se a rainha tiver sucesso encontrando um local adequado para estabelecer sua colônia, ela irá escavar uma pequena câmara e se fechará nela para sempre.
— E isso porque sua filha entomologista disse?
— Isso porque nem Spartacus os detectou — e Mr. Trevellis viu Sean agora preferir sentar.
E Sean sentou-se na beirada do sofá também de cor roxo e ficou sob o julgo dele.
— Prossiga!
— Não tenho muito, já disse. Mona e Victor Hugo conseguiram com aquele ‘insectóide de meia tigela’, informações que diziam que quando os insetos alienígenas soldados seguram sua vítima, eles se aproximam e realizam o próximo ataque com a projeção de sua mandíbula interna.
— E então se ganha um bônus de três pontos e pula de fase — riu.
Mr. Trevellis o encarou.
— Acha o que filho de Oscar? Que veio aqui para bancar o engraçadinho?
— Quem alterou as coordenadas de Spartacus? E por que o satélite de observação estava em Kabwe, na Zâmbia?
— Não fui eu, ‘filho de Oscar’.
Sean procurava qualquer indício de mentira, mas seus temores só aumentaram quando ele percebeu que Mr. Trevellis falava a verdade, com ou sem poderes.
— E o que esses insectóides querem comigo, Trevellis?
— Deve ser seus dons ou sua beleza — gargalhou.
— Trevellis...
E Mr. Trevellis fez sua grande figura jambo brilhar.
— Mona lhe ensinou mais do que devia, não? Dons como se teletransportar, fazer pensamentos serem incutidos nos outros, morfar materiais — e se aproximou de Sean. — Porque você pode comprar jazidas de níquel e dizer aos quatro ventos que criou ‘memória de forma’, que morfou o material de Spartacus — e se aproximou mais ainda. —, mas sei que você tem dons estranhos para fazer um material virar outro quando... Ahhh!!! — e Mr. Trevellis gritou ao cair da poltrona de madeira, molas e tecido roxo, e que se morfou em látex de bexiga inflável, levando os 170 quilos ao chão duro.
Victor Hugo invadiu o quarto de arma em punho, apontando para a têmpora de Sean Queise que não se moveu, encarando Mr. Trevellis caído.
E Mr. Trevellis gargalhou.
— Mr. Trevellis? — Victor Hugo alternava olhá-lo no chão, em cima de uma bexiga roxa, da cor da poltrona de molas que ali ficava, e olhar Sean o olhando no chão, gargalhando.
— Saia Victor Hugo... — e foi a primeira vez que Mr. Trevellis o chamava assim.
— Mas Mr. Trevellis...
— Saia! — e Mr. Trevellis ainda se divertia com aquilo, com o filho de Oscar. Sean por sua vez se levantou da beirada do sofá de cor roxa, onde sentara e saiu da sala. — Sean? — ele o chamou e Sean parou de andar. — Maquiavel sempre esteve certo; todos veem o que você parece ser, mas poucos sabem o que você realmente é — e Mr. Trevellis havia atingido Sean Queise. Ele se virou para sair outra vez sem argumentar aquilo. — Sean? — voltou a chamar e ele voltou a parar. — Vou falar com Zôra.
E Sean saiu, sabendo que havia se vendido. Abaixou a cabeça se sentindo mal e saiu ganhando as areias da Namíbia vendo que a agitação na suíte de número quinze de Mr. Trevellis alertou alguns ali. Passou por Zôra que ouviu o grito e correu. Também vinha em direção à suíte de número quinze, Bantuh, Narciso, Emiko, Isadora, Palakika, Ignácia, Hélder, Felicity, Paolo, Lenny e Antenor.
Sean viu Oscar parado no mesmo lugar, na frente da sua suíte de número quatro.
— Não o matei! — foi o que Sean falou. — Não ainda! — e se foi para a sala de refeições comer algo.
Tinha fome.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número três.
20 de outubro; 11h11min.
Foi a vez de Sean ouvir uma pancada à sua porta. Ela se abriu sozinha e Zôra entrou.
— Posso imaginar que Trevellis obrigou-a a vir aqui.
— Não foi ele... — soou uma voz arrastada.
Sean pulou da cama porque algo lhe alertara. Ela era uma Zôra Trevellis sensual, no roupão de seda preta e nenhuma lingerie por baixo. E ele percebeu tudo aquilo enquanto ela caminhava com pernas moldadas, mostrando pelos pubianos que ficaram a mostra para ele logo que o roupão foi ao chão e um corpo de quadris largos e seios empinados, e de formato e tamanho generosos caminharam até ele.
Sean jurava que estava confuso. Ele havia se vendido, não comprado a filha de Mr. Trevellis.
— Senhorita... — Sean deu um passo atrás no que sentiu todo seu corpo cintilar numa corrente elétrica de baixa voltagem quando a mão dela invadiu sua jeans, com seu sexo abraçado pela mão firme, que fazia todos seus pelos do corpo se arrepiar, quando uma Zôra sensual e nua, com a outra mão, segurou seu rosto, o beijando com gosto e força.
Sean sentiu algo errado ali quando viu uma Zôra Trevellis sensual e nua ao lado de outra Zôra Trevellis nada animada e uma Lânia Gastón muito chocada, entrarem na suíte de número três e ali ficarem paradas, o olhando.
A Zôra sensual e nua então largou os lábios e o sexo de um Sean em choque, e todo seu corpo voltou a ter uma cor branca, cabelos vermelhos e cheios de cachos e todos os dentes da boca de Isadora Gastón sorriram para ele.
— Achou o que Sean bonitinho? Que ia continuar fugindo de mim?
Mas Lânia deu meia volta e saiu daquele jeito, em choque. Atrás dela foi Isadora, deixando lá, a verdadeira Zôra, numa mescla de indignação e surpresa por ele ter gostado do que viu, porque mesmo não sendo ela.
Os dois se olharam e os dois afastaram os olhares.
Zôra saiu.
— Droga! — Sean foi atrás de Zôra na suíte de número cinco. — Não é o que está pensando! — exclamou logo que entrou.
— Tire a roupa! — exclamou Zôra.
— Tire o que?
— Acalme-se Sr. Queise! Não é o que está pensando! — e gargalhou como uma Trevellis gargalharia. — Se troque! — jogou para ele um casaco de pele branca e botas de esqui.
Ele olhou a roupa dada e a encarou quando ela abriu o guarda-roupa e arrancou a blusa que usava, vestindo uma camiseta branca justa, uma calça de montaria branca e mais justa ainda.
“Droga!” se odiou por estar ali.
Zôra então se sentou para vestir as botas de esqui branca, iguais a que dera a ele, vendo que ele não se mexia.
— Aconselho que me obedeça!
— Obedecê-la? Uma Trevellis?
Zôra quis enfrentá-lo, mas não era hora. E segurou-se nem soube como, se aproximando tanto dele que seu perfume o atingiu.
— Parece que todo o ódio que sente por meu pai o transferiu para mim — ela foi direta e próxima.
E Sean não gostou de tê-la ali tão perto.
— Devo dizer a mesma coisa? — ele viu Zôra se virar e não responder. — Porque preciso ir contra sua ordem, Senhorita.
— Ir contra?
— Para que a coisa funcione. Porque Heráclito de Éfeso dizia que as pessoas não compreendiam como aquilo que está separado se reúne consigo mesmo; porque há harmonia na tensão contrária, Senhorita.
Zôra não quis entender aquela filosofia. Abriu uma gaveta e tirou de dentro um moletom branco cheio de bolsos que vestiu por cima, o enchendo com tudo que tinha noutra gaveta maior; uma corda de 10mmm de diâmetro, dois pares de crampom, ponteiras com 12 pinos para se fixar nas botas, duas lanternas, pilhas, um canivete do tipo suíço, e uma arma calibre .32.
Depois se virou para ele e jogou-lhe a arma.
— Fique com ela!
Sean abriu o tambor e viu que estava carregada. Enfiou na parte de trás da jeans e voltou a ver que Zôra abriu mais uma gaveta e de dentro tirou a caixa de acrílico preta; e de dentro uma luva que parecia de metal, fibra de carbono, que ela enfiou dentro do moletom, fechando o zíper.
— É a luva que Danton/Roger encontrou?
Zôra não respondeu.
Virou-se e vestiu um casaco de pele branca como a que dera a ele e levantou o gorro também tomado por pele branca que a fez parecer uma esquimó.
— Acha que a teoria das dez ou onze dimensões é única, com diferentes estados fundamentais Sr. Queise? Porque há aqui uma confusão de base se olhar para qualquer teoria física com quebra de simetria, onde vários vácuos que surgem correspondem a estados ligados diferentes.
— Mas a teoria é só uma Srta. Trevellis, a teoria das cordas criada pelo físico Michio Kaku, que afirma que os blocos de construção essenciais de todas as matérias, bem como de todas as forças físicas do universo, também a gravidade, existem em um nível subquântico.
— E que estamos vivendo não em um universo tridimensional e sim em onze dimensões?
— Tênue como cordas de um violino, se entrelaçando.
— Ótimo! Então a teoria das cordas supõe que esses universos podem entrar em contato entre si, e que a gravidade pode fluir entre esses muitos universos paralelos, interagindo.
— Que tipo de interagem Srta. Trevellis?
— Não sei Sr. Queise. Diga-me você! — e Zôra o tocou.
— Ahhh!!! — e Sean gritou quando todo seu corpo girou 360, 720, 1080, 1440, 1800, 2160, 2520, 2880, 3240, 3600 graus.
Ele já não sabia onde sua cabeça se segurava, porque todo seu tronco se desmanchou perante os giros e uma imagem nublada se moldou aos poucos.
“Sr. Queise?”; e só o perfume de Zôra Trevellis denunciava que ela estava ali.
Ali aonde, nem ele soube precisar, só que sentiu seu estômago subir, descer, encontrar-se com todos os outros órgãos até estatelar-se no chão gelado no último giro.
7
14° 26’ 0” S e 28° 27’ 0” E.
— Deus... — Sean vomitou tudo o que ainda tinha no estômago e a neve se manchou. Ele olhou para o vômito no chão, para os lados, para cima, e para os lados novamente, com o frio lhe tomando conta das ideias. — Zôra?! — gritou desesperado.
— Estou aqui! — exclamou atrás dele.
Sean imaginou ter ouvido. Virou-se. A figura perfeita da filha de Mr. Trevellis o observava com interesse dentro da roupa de esquimó.
— O quê... — vomitou outra vez. — O quê...
— Não queria ter vindo salvá-la? — passou por ele sem o ajudar e começou a andar.
Sean arregalou os olhos azuis para a neve que gelava suas mãos se vendo de jeans e camiseta no meio da neve. Ergueu-se do chão ainda cambaleando, caindo e se levantando.
— Onde... Onde estamos?
— Não faço a mínima ideia — ela continuava a andar.
— Como... Como conseguimos nos teletransportar?
— Nós não! Você nos teletransportou.
— Deus... — Sean arregalou os olhos azuis novamente. — Como... Como...
— Da mesma maneira como entrou no meu quarto noite passada.
— Curtas distâncias! Eu nunca... Eu nunca... — e Sean só teve tempo de se virar e voltar a vomitar.
Ela girou os olhos e voltou a andar.
— Sempre tem uma primeira vez, não Sr. Queise? — ela se distanciava.
— Hei? Onde estamos indo?
— Lá! — Zôra apontou para uma fumaça mais adiante.
— E o que é lá?
— Neandertais!
— Nean... O que? — Sean olhou para o céu. Era límpido como nunca vira igual e a posição do Sol, estrelas num céu claro e toda sua formação ali nítida. — 14° 26’ 0” S e 28° 27’ 0” E.
“Zâmbia!”, não acreditou nas coordenadas que lhe davam as contas das efemérides.
— Alguns cientistas dizem... — e Sean tremeu. —, que o Homo neanderthalensis coexistiu com o Homo sapiens, que habitou a Europa e partes do sudoeste Asiático. Então os Neandertais da África viveram aqui entre 350.000 anos atrás e aproximadamente 29.000 anos atrás, Paleolíticos Médios e Paleolíticos Inferior, no Pleistoceno.
— “Aqui”? Onde estamos? — Zôra olhou para o céu estrelado.
— No que hoje seria a Zâmbia — tremeu outra vez.
E Zôra parou para vê-lo tremendo de frio.
— Sabia o que Oliver fazia na Namíbia Sr. Queise? Ou só a fogosa da Isadora lhe interessava?
— Por que isso agora?
— Ainda não se questionou o porquê de um radioastrônomo estar num sítio arqueológico de girafas e insetos pré-históricos?
Ele nem esperou Zôra lhe encarar.
— Radiação de micro-ondas de fundo!
— Tem respostas para tudo Sr. Queise?
— Como você!
Zôra não gostou do que ouviu e se pôs a andar novamente.
— A chamada RCFM ou Radiação Cósmica de Fundo em Micro-ondas é um sinal eletromagnético, de origem cosmológica, que pode ser detectada até por um aparelho de TV. Então não devia ser difícil montar algo primário num sítio arqueológico para estudá-la. Mas mesmo assim Oliver levou ao sítio o mais caro e sofisticado instrumentos para detectá-las — e Zôra parou para montar suas crampom nas botas.
Ela então olhou Sean que ainda usava botas de couro preto e girou os olhos. Prosseguiu a passos rápidos e ele a odiou por aquilo.
Sean girou os olhos:
— Você não me disse para...
E ela não esperou ele terminar a frase.
— Uma espécie de ruído que permeia todo o Universo é uma das fontes mais ricas de informação sobre um ‘Universo primordial’, já que nenhum outro observável cosmológico revela um passado mais remoto Sr. Queise, e a Poliu contratou Oliver para isso; que de quebra trouxe Hélder.
— ‘Hélder das plasmas’ ajudando ‘Oliver das micro-ondas’? Aonde quer chegar Srta. Trevellis? — tremeu de frio.
— Física de plasmas! Interação de ondas com plasmas astrofísicas e termonucleares! Além da dinâmica não linear, caos e turbulência e interações partícula-onda e aquecimento de plasma. Sabe tão bem quanto eu, Sr. Queise, que a partícula-onda é a base da do principio da incerteza onde somos criadores da realidade, cooperadores de Deus... — Zôra parou e voltou a andar tão rápido que se Sean não a estivesse vigiando não veria.
— O que? A Poliu procurando uma assinatura do Universo? Por quê?
— “Uma assinatura”? Uma só? — Zôra ria debochando dele.
— Por que a Poliu quer estudar o passado da Terra fora do sentido científico? Qual o interesse?
— Não sei do que está falando!
— Agora não sabe? Então me deixe falar, Srta. Trevellis, que isso é impossível. A história de um cinturão de fótons e o grande Armageddon em 2012 não passou de pseudociência, falsas mensagens canalizadas de supostas entidades espaciais em ‘experimentos de contatos’ ignorantes.
— “Ignorantes”? — gargalhou nervosa, porém. — Achei que os espiões de papai fosse o máximo em avanço científico.
— Ora vamos Srta. Trevellis! Essa coisa da Terra sacolejando ao passar pelo cinturão de fótons, que faz partículas cósmicas desintegrarem os elétrons ao entrar das plêiades...
— Não acredita em profecias de fim de mundo? Muitas vertentes esotéricas alertaram para 2012, o fim dos tempos, a nova era. Maias, egípcios...
— Sim... Sim... E então viriam cataclismos, catástrofes e o último selo provocando o apocalipse — tremia todo.
— O que há Sr. Queise? Por que deixou de lado sua espiritualidade?
Sean teve medo de responder aquilo e não prosseguiu naquele assunto.
— O que o Dr. Emiko veio fazer aqui?
— “Aqui”? — ela olhou em volta. — Nada!
Sean não gostou da brincadeira. Estava nervoso demais para achar graça nela.
— Eu sei que usaram Spartacus para isso, Srta. Trevellis. A Poliu usou Spartacus para isso sem Oscar saber.
Ela estancou de vez.
— Por que acha que Oscar não sabe de nada do que acontece? Por que sempre acha que ele é o mocinho e meu pai o bandido?
Sean outra vez não quis responder a altura.
— Cale-se Srta. Trevellis!
Zôra gargalhou e ele começou a ter medo dos seus desequilíbrios emocionais.
— Vamos! — Zôra pareceu perceber. — Da maneira como o assado foi digerido — apontou mais adiante, para uma réstia de fogo e muitos ossos de mamute largados em volta. —, Kelly ainda pode estar viva.
Sean arregalou os olhos azuis para tudo aquilo.
— “Ainda”? — engoliu a seco a visão surrealista. Sean se abaixou, tocou o marfim nos seus pés. — Mamute! — exclamou atordoado.
Zôra olhou um lado e outro e ergueu uma bússola.
— As contas de suas efemérides nos dizem em que momento da ‘Era do gelo’ estamos?
— Não vai adiantar sua bússola aqui. Um dos sucessos da teoria da gravitação universal de Isaac Newton foi ter conseguido explicar cientificamente o fenômeno da precessão do eixo de rotação da Terra.
— Que não é uma esfera perfeita causando, por exemplo, o deslocamento dos polos, que descreve a superfície de um cone, alterando, assim, o céu observado e Blá Blá Blá — e Zôra o encarou. — Mas sabe que estamos na Zâmbia.
— 14° 26’ 0” S e 28° 27’ 0” E; sei onde a Terra está nesse momento, no que agora é a Zâmbia.
— Mas a precessão se dá pela mudança do ponto em que o percurso aparente do Sol intercepta o Equador Celeste, se antecipando com o tempo, daí o nome precessão.
— Porque Hiparco descobriu que o Sol não está sempre na mesma posição do zodíaco quando ocorrem os equinócios, sendo esta sua maior descoberta científica.
— E? — foi puro cinismo.
— E sabemos, Srta. Trevellis, que há registros na Terra de que esta passou por períodos glaciares, períodos de maior quantidade de gelo, e interglaciares, períodos de menor quantidade de gelo devido à interrupção das correntes quente e fria, e que vivemos num período interglaciar.
— E sabe precisar em que glaciação?
— E por que tal precisão é importante?
— Para saber o que aconteceu aqui a ponto de eles nos quererem aqui Sr. Queise.
— “Aconteceu aqui a ponto de eles nos quererem aqui”? O frio lhe atingiu? Atchim!
— Não Sr. Queise, o frio lhe atingiu. Estou bem aquecida, obrigada pela preocupação.
— Por que não me disse que tinha colocar essas roupas? — apontou nervoso para o corpo dela.
— Foi você quem disse que não ia me obedecer para o equilíbrio permanecer — riu. — E para seu conhecimento, o período paleolítico se apresentou em quatro glaciações.
— Glaciação de Gunz há cerca de 700 mil anos, Glaciação Mindel há cerca de 500 mil anos, Glaciação Riss há cerca de 300 mil anos e Glaciação Wurm há cerca de 150 mil anos; para meu conhecimento — Sean olhou em volta. — Por que isso é importante Zôra?! — se enervou.
— Já disse que não somos íntimos.
— Não! Não somos!
— Isso... Tudo é importante porque foi no Paleolítico Superior que os Neandertais desapareceram, por volta de 25.000 a.C. — e foi a vez dela olhar em volta. — Então devemos estar na Glaciação de Wurm.
— Por que Srta. Trevellis? Por que tudo isso?
Zôra ajoelhou-se e pegou uma ponta de lança com sangue nela.
— Para saber como o Homem de Neandertal conseguia resistir a um frio extremo, num ambiente tão hostil Sr. Queise — o olhou ainda ajoelhada.
— Porque tinham um corpo bem mais robusto e baixo do que o homem moderno, medindo cerca de 1,60m, e acabou por desenvolver traços característicos de animais que vivem no frio. Por isso não suava, ou congelaria a menos 30 graus Celsius; e ele poderia morrer de frio.
— Mas morreu.
— Como é que é? — Sean ficou sem entender por que ela queria falar tudo aquilo, mas tinha que prosseguir. — Atchim! Atchim! Droga... Eles deviam ter uma resistência física tremenda, Srta. Trevellis. Eram, provavelmente, capazes de resistir a dores insuportáveis para nós.
— Dores insuportáveis... — ela repetiu-o.
E Sean alertou-se.
— Por que nos trouxe aqui Srta. Trevellis?
— Já disse que não lhe trouxe. Sua sócia foi irresponsável em...
— Não fale dela!!! — berrou descontrolado. — A Poliu não se atreva!!!
E Zôra enfiou o dedo no rosto dele a ponto de ver que toda a pela dele azulava e congelava.
— Nunca mais grite comigo! Não sou a Poliu! — e Zôra se foi.
Sean a deixou ir, cada vez mais longe. E cada vez mais longe, mais longe, até que a perdeu de vista no morro que ela desceu.
— Droga!!! — socou o ar. — Atchim! Atchim! Atchim! — e Sean virou os olhos, furioso por ter que obedecê-la. Correu agora percebendo que seus movimentos começavam a não responderem como antes. Olhou-se e todas suas juntas demoraram a dobrar-se. Sabia que estava congelando. — Atchim! Atchim! Atchim! — ia ele, atrás dela.
— Estou aqui Sr. Queise! — ela voltou a falar no que ele passou por ela.
— Também... Parece a neve... Atchim!
— A ideia era essa Sr. Queise. Misturar-me a ela! — e se foi.
— Grande inteligência... Atchim!
— Os Neandertais, homens e mulheres, tinham uma inteligência limitada, era verdade, mas tiravam tudo o que precisavam do ambiente em que viviam.
— Menos a pele branca para se mimetizar... Atchim!
“Droga!” pensou outra vez furioso.
— Então volto a perguntar Srta. Trevellis, por que precisávamos vir até aqui aprender o que os livros já nos ensinaram?
Ela estancou.
— Interessante ter percebido que construímos todo o Experimento ‘Contato!’ para vivenciarmos tal experiência e não perceber que não somos nós, quem estamos aqui aprendendo Sr. Queise — e Zôra voltou a andar.
Já Sean paralisou. Pelo frio e pelos pensamentos que se seguiram.
— Meu Deus... Os insectóides estão aprendendo? Aprendendo como e por que os Neandertais sumiram?
— Sim.
— Mas o que os insectóides queriam com Kelly? Por que ela?
— A equipe não conseguiu chegar a um consenso.
— Não conseguiu? Sabiam antes? Está mentido! Eu não sabia que ia trazê-la.
— Sabia!
— Não sabia! Não queria! Kelly veio por conta própria... Ahhh! — e Sean sabia que Fernando Queise obrigou Kelly a seguir seu filho, saber o que ele fazia. — Kelly não veio por conta própria! Como você, foi obrigada a vir.
Zôra gargalhou.
— Você é uma figura ‘filho de Oscar’.
Sean arregalou os olhos azuis para ela, não gostando do tom de deboche.
— Não sou... — e Sean olhou em volta quando o céu avermelhou-se. Sean olhou Zôra andando à sua frente. — Já viu um céu assim? — apontou para o alto. — Sabe o que significa?
— Acho que se vivi nessa época, numa outra vida, não saberia o que significaria um céu assim filho de Oscar.
— Não me chame assim!!! — descontrolou-se.
— Cuidado Sr. Queise! Obrigada a vir ou não, estou aqui lhe ajudando.
— Me chamou de filho de...
— Vamos! Chega de conversa! — e saiu a andar agora mais rápido.
Sean outra vez não soube para onde.
— Eu vomitei Senhorita. Então não me mande ir mais rápido, ok?
E ela o brecou de repente. Uma nova fogueira, mais adiante, anunciava um assentamento.
— Kelly deve estar lá! — apontou Zôra.
— Como sabe?
— Sei! — olhou-o. — E também sei que se o vento mudar vão perceber nosso cheiro.
Sean não gostou de vê-la dona da situação quando ela vestiu a luva de metal indefinido e o encarou. Ele também pegou a arma de calibre .32 e engatilhou-a sentindo que o frio não o deixava fechar os dedos.
— Atchim! — Sean voltou a espirrar ouvindo logo após outro suspiro dela. — Por que não me avisou sobre a roupa?
— Cale-se! — apontou com a cabeça.
E com certeza aquela arma na mão dela, alienígena ou não, era para fazer se calar.
— Como vamos chegar lá?
— Vamos esperar anoitecer — levantou-se e começou a andar para longe.
— Mas Kelly...
— Não se preocupe. Ela está viva.
— Como sabe?
— Sei!
E eles caminharam para longe, para perto de um apanhado de neve que os escondia da vista.
— Ela está... — e Sean parou.
— Com medo? — Zôra foi cínica.
Sean olhou-a com interesse. Ela parecia ler pensamentos noutra dimensão. E se aquilo funcionava nela, então temeu pensar mais qualquer coisa a respeito dela, do que seu corpo sentia na presença dela e se ela era igual a uma perigosa Isadora, uma espiã psíquica capaz de se moldar.
Zôra sorriu discretamente. Ela realmente lia pensamentos noutra dimensão. E estava acostumada a atingi-las com seus siddhis, sob o comando e apoio de Mona Foad.
— Ahhh... — e Sean caiu no chão cansado.
— Descanse! — Zôra se afastou para ver se tudo estava de acordo.
Sean tremeu sentindo todo seu corpo congelar no que os minutos demoravam a passar. Seu corpo começou a sentir a pressão da umidade no ar.
— Que frio... — sussurrou.
Zôra voltou para onde o havia deixado e o olhou tremendo.
— Trema, Sr. Queise. As contrações involuntárias dos músculos esqueléticos geram calor.
Mas Sean tremia demais, sentindo agora toda sua estrutura congelar.
— Frio...
— Trema!
— Frio... Demais...
— Venha! — ela o apoiou pelo braço voltando próximo ao local onde haviam chegado aonde Kelly também chegara.
— Estamos... longe...
— Não se preocupe! Vou deixar você numa caverna ali próximo.
— Kelly...
— Agora não! Já disse que ao anoitecer.
— Não... frio... — e eles se aproximaram de onde haviam surgido, onde realmente havia uma caverna. Zôra o carregou para dentro quando Sean sentiu as pernas falharem. — Isso não podia... Não... Não podia acontecer... Não agora...
— Está com hipotermia!
E Zôra arrancou toda a roupa dele.
— O que... O que...
— Está molhado! Tem que tirar a roupa ou isso vai manter a hipotermia.
Sean não sabia como agir nu. Zôra tirou o casaco de pele e o cobriu. Mas Sean não conseguir parar de tremer. Ela então o encarou e arrancou sua própria roupa.
— O que... — e não conseguiu completar.
Zôra colocou o casaco de pele branca no chão da caverna, deitou-o, e deitou-se nua, em cima dele. Ele sentiu todo o corpo nu da filha de Trevellis sobre o dele, mas não conseguia parar de tremer. Toda sua arcada dentária doía pelo movimento involuntário de bater os dentes. Ela tentava aquecê-lo com seu calor e o casaco de pele, mas Sean não parecia responder. Ela ainda teve tempo de observá-lo, antes de tomar uma decisão radical.
Zôra levantou-se e voltou a se vestir. Acionou a luva que se desmontou e moldou em sua mão num exoesqueleto, que tomou conta de todo seu braço fazendo seu braço, parte dele.
Eles só trocaram olhares.
— Fique aqui!
Sean só teve tempo de erguer a cabeça e pensar ‘E eu vou onde?’.
Ela saiu e Sean olhou em volta, a caverna tinha desenhos rupestres que o frio não lhe permitia decifrar. Ele olhou mais uma e outra vez e tremia tanto que sua cabeça começou a latejar. Tremeu tanto que sua boca sangrou pela pressão dos dentes que batiam sem controle a cortar-lhe as gengivas.
Zôra parecia demorar a voltar e a falta de calor o afetava cada vez mais.
Ele olhou em volta novamente, percebendo que os tremores haviam diminuído e que a sua visão embaçava. Ele tentou até tremer, mas o frio era muito forte quando viu cores vermelhas tomar conta do lado de fora da caverna sabendo que aquilo eram alterações mentais e diminuição da performance motora, promovida pela hipotermia.
“Vou morrer... Vou morrer...”, e um silêncio macabro tomou conta da ‘Era do gelo’ quando ele ouviu gritos ao longe.
Achou que ouviu sons inteligíveis quando a imagem de duas figuras se aproximou dele. Sean já não sentia cheiro, sensação do frio. Desmaiava, sentia que desmaiava.
“Rápido!” “Retire a pele e o aqueça com seu corpo!”; Sean ouviu falarem.
E uma claridade tomou conta do ambiente pré-histórico quando alguém colou em seu corpo; pela frente, por trás.
Sean desmaiou de vez.
8
Zâmbia.
14° 26’ 0” S e 28° 27’ 0” E.
Era do gelo.
Sean ainda sentia o calor que subia dos pés. Uma sensação de bem estar que tomou conta dele, que adormecera sonhando com sua casa, sua família, a infância estável emocionalmente. Breve, porque sua adolescência o desestabilizou por completo, com uma inteligência que o levava para o caminho do hackerismo, com dons paranormais que o faziam fazer coisas que desafiavam a física, a química, a biologia, E foi com toda sua biologia acordada, que ele sentiu no meio da claridade que invadiu seus olhos, Kelly ao lado dele, o observando, quieta. Ela se aproximou e o beijou na boca. Um beijo carinhoso, em lábios que voltaram da morte.
Sean sentiu o corpo dela quente, nu, grudado ao dele, nu, sem saber o que falar naquele momento.
— Kelly... — ele mal conseguiu terminar a frase e toda sua biologia também sentiu que mais alguém colava nele, nua, por trás.
Ele só virou o pescoço e uma bela Zôra Trevellis o observava também.
Sean em fim sabia que estava quente, nu, entre elas duas.
— Você está bem? — Zôra quebrou o silêncio.
— Eu... Acho... Sim...
Ele tentava fugir do olhar de Kelly que observava cada batida de seu coração, cada movimento involuntário de sua musculatura. Zôra percebeu o estado dele e levantou-se recolocando a blusa e a calça de bolsos claros. Recolocou também o moletom e o casaco de pele branca expondo os corpos de Kelly e Sean, que ela cobriu com uma grossa pele de animal.
Sean sentiu o cheiro da pele curtida, usada para aquecê-los.
— Zôra me salvou daqueles... daqueles...
— Homo neanderthalensis! — exclamou Zôra com ciúme.
— Que seja! — exclamou Kelly com mais ciúme ainda. — Eles eram horríveis patrãozinho; fedidos, escandalosos... — alterava-se. — E gritavam, gritavam, e pulavam...
— Kelly! — tentou Sean freá-la. — Acalme-se!
— Suas roupas secaram — entregou Zôra tentando não levar muito em conta o histerismo da sócia de Sean Queise.
Nem o fato deles nus, no chão.
Sean deixou de lado a situação ridícula das duas e ele nu, ali, e passou a repensar a situação de risco que ainda corriam.
— Como vamos sair daqui? — perguntou ele a Zôra que olhava para fora da caverna enquanto ele recolocava a roupa, aceitando uma das peles que Kelly deu a ele.
E ela parecia ‘Pedrita Flintstone’, vestindo pele de animal da cabeça aos pés.
— Tentaremos girar no local onde aparecemos.
— “Girar”? — tentou Kelly entender.
— Depois te explico — respondeu Sean a olhando. — Eles te machucaram? — passou a mão pelos cabelos sujos dela.
— Oh! Patrãozinho! — Kelly pulou no pescoço dele o agarrando e ele só olhou Zôra que abaixou os olhos esverdeados. Sean sentiu algo acontecendo com a filha de Mr. Trevellis e não soube ao certo o que pensar sobre aquilo. — Eles estavam numa fogueira, Sean...
— Quando você chegou?
— Sim. Eles assavam um elefante peludo, um mamute.
— Como eles reagiram quando te viram?
— Um deles, o homem mais peludo, queria me matar, mas o mais baixinho deles não quis, acho que não quis. Ele grunhia algo. E as mulheres gritavam feito macacos de zoo. Ah! Sean... Eu tive tanto medo...
— Imagino como você teve medo, minha querida.
— Temos que partir! — Zôra interrompeu as lástimas da sócia. — Não devemos ficar aqui muito tempo ou vamos acabar alterando o passado.
— Mas se isto aqui for um ambiente plasmado, criado pelos insectóides para nos testar?
— Por que pensa assim, Sr. Queise?
— Impressão.
Zôra ficou atenta a ele, a inteligência dele.
— Sei que não conseguiríamos passar do domo, e também não conseguimos nos comunicar com o mundo exterior, por isso acredito que quanto às viagens, sejam reais Sr. Queise.
— Estamos mesmo na ‘Era do gelo’? — Kelly olhou os dois assustada, alternando-os.
— A era glacial ou ‘Era do gelo’ como chamou se deu em 300.000 a.C., quarto e último resfriamento, que marca o surgimento do Neandertal... — e Zôra parou de falar no que viu Sean se erguer com dificuldades e passar a mão na parede da caverna, que de repente não lhe pareceu estranha. — O que houve Sr. Queise?
— Já estive aqui!
Zôra só o olhou e Kelly achou não ter ouvido direito.
— Aqui?
— Sim. Nessa caverna. Estamos em Broken Hill.
— Broken onde?
— Antiga Rodésia, hoje Kabwe, na Zâmbia. Foi encontrado aqui, em 17 de junho de 1921 por um mineiro suíço de nome Tom Zwiglaar, o primeiro fóssil humano antigo da África. Datado de 38 mil anos, ele tinha um buraco de bala no crânio.
— Buraco?
— Bala?
— Está exposto no Museu Britânico de História Natural em Londres
E passos se enterraram na neve.
Zôra fez sinal para que ambos nada falassem e um silêncio caiu na caverna. Kelly agarrou Sean que ainda não acreditava onde estavam quando Zôra pegou a luva e colocou-a sem, porém acioná-la.
Sean segurou a mão dela segurando também a luva.
— O que?
— Não vamos interferir... — sussurrou.
Os olhos verdes de Zôra brilharam.
— Ok...
Sean então pediu que ela esperasse com Kelly na caverna e ela obedeceu sem relutância.
Ele saiu sem nada ver se não o tapete branco que cobria todo o redor e olhou mais de perto o que as marcas grandes anunciavam e algo saltou sobre ele.
— Ahhh!!! — Sean caiu com alguém sobre ele. Sean rolou então sobre um Neandertal, o acertando com um soco. — Corram!!! — gritou para as duas que saíram da caverna em disparada. Mas o Neandertal despertou e foi para cima de Sean, o fazendo enterrar o rosto na neve gelada.
O Neandertal então levantou e correu atrás das duas.
— Sean?! — berrou Kelly.
Sean levantou-se e entendeu o que o Neandertal queria.
— Kelly?! — gritou desesperado.
O andar, o correr do Neandertal era brusco, rápido, ágil. Sean correu atrás, mas afundou, caiu, afundou e levantou tantas vezes da neve que não as alcançavam, voltando a umedecer a calça jeans.
Zôra e Kelly também caíam e levantavam sistematicamente quando o Neandertal saltou sobre Kelly a derrubando no chão.
— Sean?! Sean?! Sean?! — Kelly berrava, apavorada por reconhecer o Neandertal que tentou matá-la.
Sean se desesperou por não conseguir se adiantar nem se projetar por pequenos espaços, e saltou como pôde e sabia sobre o Neandertal o arrancando de cima de Kelly e o jogando longe.
Zôra então abriu os braços numa inusitada pose mística chamando os céus à Terra e seu corpo todo girou enlouquecidamente fazendo o céu avermelhar-se como até nunca estivera.
Os olhos de pânico da sócia foram a resposta que Sean precisava.
— Corra Kelly!!!
— Ahhh!!! — e Kelly corria, e gritava e corria quando Sean saltou sobre o Neandertal novamente antes mesmo que ele entendesse o que lhe ocorria.
Sean o socou uma, duas, três vezes sentindo todos seus dedos endurecerem pela evolução, e o rosto peludo, grotesco se encheu de sangue.
— Corra!!! Corra!!! Corra!!! — ordenou.
Kelly correu não sabia para onde, mas corria alucinadamente quando se virou e viu o Neandertal correndo atrás de Sean.
— Sean?!
— Entre Kelly!!! — apontou Sean para a fenda de luz avermelhada que se abriu à frente deles num estranho formato fractal.
— Não!!!
— Entre!!! Entre!!! Entre!!! — se desesperava.
Zôra já havia entrado e a fenda fractal perdia força, mudando de forma e tamanho, encolhendo rapidamente.
— Não vou sem você!!!
— Entre!!! Entre!!! Entre Kelly!!!
E Kelly entrou não querendo ter entrado quando viu Sean correndo, saltando e tendo seu braço esquerdo atingido por uma lança que atravessou a roupa e a pele de animal que usava.
— Não!!! — gritou Kelly no que a fenda se fechou e ela caiu no chão da suíte de número três. — Sean?! Sean?! — ela gritou a se ver sem ele.
— Srta. Garcia? — Oscar a viu desesperada, girando entorno dela mesma.
— Sean?! Sean?! Sean?! — continuava Kelly a gritar. — Onde você está?! Onde?! Onde?!
Palakika, Felicity, Emiko e Omana se olharam.
— Srta. Garcia?! — gritou Oscar. — Pare de gritar!
E toda a gritaria e luzes saindo de dentro da suíte de número três alertaram o hotel Damaraland quando Mr. Trevellis, Victor Hugo, Gyrimias, e Narciso também entraram na suíte de número três.
— O que está acontecendo amigo velho?
— Sean?! Sean?! Sean?! — mas continuava Kelly a gritar, e a chorar, agora jogada no chão do quarto.
— Sr. Roldman... — Gyrimias mal conseguir dizer mais que aquilo.
Kelly foi retirada do chão por Oscar usando a pele fedida de animais pré-históricos da cabeça aos pés e Zôra se moldou em rabiscos no meio do quarto do quarto, vestida de branco da cabeça aos pés, parecendo vir do nada, de lugar algum, literalmente.
Ela olhou em volta.
— Onde está Sean? — foi só o que falou.
— Sean está...
— Onde ele está?! — Zôra agarrou Kelly.
— Ferido!
— Onde está Sean?! — Zôra gritou para Oscar e Mr. Trevellis que estavam no quarto exposto ao deserto da Namíbia. — Onde?! Onde?!
— Ele não veio! — falou um Mr. Trevellis seco, direto.
— A fenda?! — arregalou os olhos. — Cadê a fenda?! — e Zôra pareceu tocar o nada, o éter, invisível a olho nu.
Lânia chegou e observou-a tocando o nada.
— Zôra? — a professora a chamou.
— A fenda, Lânia?! Eles a fecharam!!!
“Eles?”, Oscar agarrou Zôra pelo braço num rompante e ele percebeu que ela vestia a luva.
— Onde está Sean, Zôra?!
— A fenda... A fenda... — Zôra mal conseguia falar.
Uma fraqueza a tomou por completo e ela foi ao chão largada por Oscar.
— Oscar?! — Mr. Trevellis se enervou com o amigo velho e Palakika e Lânia a levantaram do chão. — Zôra! Filha? — Mr. Trevellis tentou se aproximar, mas ela abriu os olhos, tentando respirar com dificuldades.
— Por favor, pai...
Mr. Trevellis arregalou os olhos. Era a primeira vez depois de muitos anos que ela o chamava assim.
— Zôra, não!
— Deixe-me ajudá-lo...
— Já ajudou Kelly.
— Não pai... Por favor!
— Do que ela está falando Trevellis? — questionou Oscar.
— Não pode descarregar toda sua força.
— Ele está preso lá.
— Eles vão trazê-lo de volta quando acharem que...
— Os alienígenas nada vão fazer!!! — berrou com o resto de forças que tinha. — Não sabem que eu abri a fenda para salvar Kelly porque Kelly nunca foi importante para eles. E você sabe!!! — berrou.
— Do que Zôra está falando Trevellis?! — Oscar se descontrolava. — Fale!!! — pegou Mr. Trevellis pela blusa e foi seguro por Victor Hugo e Paolo quando os braços de ambos se amarraram de uma maneira que a física jamais permitiria acontecer.
Ambos se calaram mais pelo fato, que toda aquela dobra não avisou suas sinapses nervosas que aquilo doía, do que pelo medo de estarem amarrados.
E Mr. Trevellis não se importou, como de costume.
— Você não pode abrir a fenda mais que uma vez!!! — vociferou o grande Mr. Trevellis. — Já se queimou...
— Eu me queimei porque errei algo. Porque Sean acabou indo ao velho oeste e eu acabei no meio dos Neandertais.
Kelly olhou um e outro.
— Você já havia ido lá? — Kelly olhou-a em choque e foi olhada por todos parecendo a filha de Fred Flintstone.
— Trevellis?! — Oscar se pronunciou perante a discussão e Mr. Trevellis o encarou. — Salve meu filho! — Oscar foi direto.
— Sacrificando minha filha?
Zôra levantou de vez do chão e Kelly via tudo aquilo acontecendo sem entender.
— Por que Kelly sumiu Zôra? — Oscar a agarrou pelo braço agora com Bantuh avançando sobre ele, sendo amarrado tal quais os outros dois. Bantuh arregalou os olhos e se pôs a gritar como um animal caçado. — Por quê? — e a voz de Oscar também era entrecortada pela emoção.
— Porque Kelly é importante para Sean. E porque eu errei, e ele não foi à Era do gelo com queriam. Eles então sabiam que se a levasse até lá, Sean iria salvá-la.
— E por que esses insetos alienígenas queriam Sean lá?
— Para aprender! Porque Sean pode ensinar algo que não sabemos o que é!
— O que Sean sabe ensinar, Zôra?! — Oscar berrava fazendo luzes e energia rarearem.
— Por favor, Oscar meu velho! Vai atingir o domo.
— Não sabemos o que eles querem com ele. Juro Sr. Roldman!
E Oscar sentiu verdade naquele juramento. Zôra falava a verdade. Largou-a em choque.
— Os malditos insectóides o querem mesmo! — exclamou Ignácia como há muito não fazia.
Oscar olhou Zôra numa mescla de desespero e suplica e enviou-lhe uma mensagem telepática.
“Pelo amor que tem por ele!”.
E Zôra recebeu tal comunicação em choque. Ficou na duvida se Mona Foad havia permitido que os dons dele alcançasse tal informação, mas concentrou toda a força que ainda tinha e sua imagem foi embaçando, se tornando de rabiscos, até se desmanchar rapidamente e sumir do quarto de número três.
E foi a vez de Oscar Roldman encarar Mr. Trevellis que olhou Lânia que olhou Oliver, que olhou Isadora que saiu da suíte de número três sabendo algo.
Broken Hill, Rodésia.
14° 26’ 0” S e 28° 27’ 0” E.
Era do gelo.
Segundos preciosos passaram para os que no Hotel Damaraland ficaram; minutos intermináveis passaram para Sean Queise preso no passado, ainda tentando entender porque correu e não conseguiu atravessar a fenda fractal, que se fechou, permitindo a lança o acertar no braço e lá ficar.
— Ahhh... — o som não reverberou. Ele arregalou os olhos como se o mundo tivesse parado e Kelly Garcia havia sumido com a fenda quando o céu perdeu o avermelhado. Sean se olhou com uma lança atravessada em seu braço esquerdo. Arrancou e a dor espalhou adrenalina por todo seu corpo. — Ahhh!!! — se perdeu por Broken Hill.
Sean se levantou e correu com todo seu corpo se agitando pela dor concentrada no local do ferimento, quando um Neandertal saltou sobre ele e a lança enterrou na neve vazia. O Neandertal arregalou os olhos vendo que fosse o que fosse o animal que ele caçava, ele havia sumido.
— Arghhh!!! — gritou erguendo a cabeça e viu Sean mais adiante, correndo, caindo, se levantando e voltando a correr.
E Sean corria não sabia para onde, porque toda sua memória não havia gravado aquele lugar, porque nenhum lugar ali lhe dava alguma segurança, porque ali só a força física e pouca inteligência eram sucesso de sobrevivência quando outra lança o alcançou se enterrando em seu ombro esquerdo.
— Ahhh!!! — Sean foi ao chão com a lança perfurando outra vez a carne de seu braço, agora com músculos e ossos expostos.
Sean chacoalhou a cabeça tentando desviar a dor e voltou a arrancar a lança quando se virou acertando o Neandertal que voou sobre ele, e que caiu com a lança enfiada no coração.
— Arghhh... — e ele morreu.
Sean arregalou os olhos azuis. Arrancou a pele de animal que usava e lhe fazia um alvo e se levantou, voltando a correr para um mundo infinito de neve, um tapete gelado e sem esconderijos quando mais uma lança voou, ele não soube por qual distância e o atravessou agora no tórax.
— Ahhh!!! — Sean agora caiu de joelhos no chão gelado sentindo que morria num mundo frio que se firmava em seu olhar.
Mais Neandertais se aproximavam do corpo ajoelhado, do corpo sangrando em meio a gritos histéricos, de homens e mulheres que levantavam as lanças, apontando satisfeitos para ele, para a caça bem sucedida quando um perfume se fez ali. E não era o perfume de rosas brancas, não era Sandy Monroe; era ela, a mulher que lançou um raio negro, mirando aleatório um e outro, com um e outro Neandertal em pânico, correndo para todos os lados quando Sean alcançou o bolso da calça, a arma calibre .32 e duas outras lanças passaram próximas de sua cabeça.
Sean estava caído, de joelhos, ferido, sem opções.
“Sean?” a voz de Zôra era distante.
Sean olhou para os lados e Neandertais se agitavam cada vez mais, apontando lanças, gritando, gritando e ele atirou para o alto.
— Arghhh!!! — gritos histéricos e Sean se ergueu como pôde, conseguiu, e correu.
Mas o sangue fazia uma trilha e dessa vez, ele não conseguia arrancar a lança de seu tórax, quando foi ao chão novamente, de joelhos, sangrando.
Seus olhos congelavam e toda sua visão periférica ficou afetada, só permitindo que o cheiro deles o orientasse, dissesse que eles estavam ali, que levantavam as lanças, que iam atingi-lo outra vez; e Sean atirou uma, duas, três vezes e mais gritos histéricos se fizeram.
— Arghhh!!! — se espalhou por todo Broken Hill.
Sean se ergueu com a lança ainda atravessada nele, deixando um dos Neandertais para trás, com a cabeça ferida, caído na neve que se manchou de vermelho. Sean havia atravessado um crânio Neandertal de 38 mil anos com uma bala.
— Deus... Deus... — Sean corria percebendo outro Neandertal na sua cola.
E era um Neandertal furioso, vociferando por toda Rodésia antiga, gelada, correndo desembestado.
— Arghhh!!!
— Zôra?!
— Arghhh!!!
— Zôra?! Zôra?! Zôra?! — gritava desesperado.
— Sean...
— Zôra?! Socorro!!! — e uma lança voou muito próximo a ele. — Ahhh!!! — e outra lança e outra lança. — Zôra?! Zôra?! Zôra?!
— Corra Sean! Corra!!!
— Estou correndo!!! Estou correndo!!! — e o céu avermelhou-se com Sean sentindo que não aguentava mais, que a dor era dilacerante, que o sangue se esvaia na roupa que voltava a congelá-lo, matá-lo enfim quando ele caiu e ali ficou.
“Sean?” soou longe.
Sean abriu os olhos do perispírito, elemento intermediário entre corpo e espírito, e estava na sua casa, no segundo andar da mansão dos Queise. Olhou-se e era pequeno outra vez, provável com seis anos de idade, descobrindo que não já não precisava arrumar seus brinquedos porque eles se arrumavam sozinho, que já não precisava pedir refrigerante porque ele aparecia do nada e já não precisava mais pedir doces porque ele fazia pessoas os darem à sua vontade.
“Oscar?”, a voz da sua mãe se perdia na viagem.
“O que ele fez agora Nelma?”, a voz de Oscar também se fez ali.
“Ele não me obedece. Não obedece a Fernando. Não obedece aos professores”.
“Acalme-se Nelma! Ele está crescendo. Só isso!”
“Não Oscar! Sean está se desenvolvendo!”
“Se desenvolvendo... Se desenvolvendo... Se desenvolvendo...” ecoava ali.
Ali onde, não sabia.
— Sean? — a voz de Zôra se firmou.
— Sean? — a voz chorosa de uma Kelly apaixonada também.
Sean acordou na grande cama da suíte de número três sem acordar.
— Sean meu filho? — implorava Oscar vendo ele paralisado na cama, de olhos esbugalhados após ter aparecido do nada, com uma grande mancha de sangue em seu tórax. — Por que ele não responde?
— Porque ele não está aqui.
— Parcelado, como não está aqui?
— Porque ele não está aqui Gyrimias! — Zôra perdeu a paciência. — Seu corpo se teletransportou, mas sua alma ainda está perdida.
— Sean?! — berrava Kelly.
— Por favor, alguém a tira daqui? — Zôra deu a ordem.
E Kelly avançou em Zôra sendo ela quem era. As duas foram da cama ao chão com Palakika, Felicity e Lenny correndo para separá-las e as três separam foi só uma Kelly furiosa.
— Toque nele mais uma vez e você vai se ver comigo! — vociferava uma Kelly descontrolada para uma Zôra mais descontrolada ainda.
E Mr. Trevellis se divertia com uma boa briga de mulher.
— Tirem-na!!! — gritou a Zôra mais descontrolada ainda.
— Ohm! Estamos perdendo tempo fazendo...
— Cale-se!!! — Zôra vociferou para o afetadíssimo Narciso que foi lançado para fora da suíte de número três pela janela que não existia e acabou com a boca enterrada na areia da Namíbia.
— O desequilíbrio vai... — e Felicity outra vez se viu fora do chão, volitando após Zôra acender o que parecia ser seus olhos verdes.
Ela levantou a mão pedindo arrego e voltou ao chão com violência quando a lança se materializou fazendo o tórax perfurado de Sean Queise se encher de sangue.
— Sean?! — berrou Oscar.
— Ahhh!!! — berrou Sean voltando ao corpo, morrendo.
— Sean?! — gritou Zôra vendo a lança atravessá-lo.
— Sean?! — gritou Kelly voltando ao quarto porque nem Palakika, nem Lenny e nem Gyrimias conseguiram segurá-la.
E Sean desmaiou.
— Não!!! Não!!! Sean?! — gritava Oscar desesperado ao ver o sangue escorrer dele.
— Vamos! Corra Ebiere! Traga água quente! — Zôra deu a ordem. — Lânia traga o material de sutura! Helder traga o feixe de energia! Ignácia traga a penicilina! Omana? Todas as ervas que conhece! — e todos saíram em disparada com Omana mancando pela perna mais curta quando Kaunadodo adentrou desesperado na suíte de número três.
— O desequilíbrio!!! O desequilíbrio!!! O desequilíbrio!!! — gritava Kaunadodo ao entrar e se deparar com a cena. — Aconteceu o desequilíbrio!!!
— Chega de gritar Kaunadodo!
— Nei! Nei! — olhou um e outro. — O Dr. Oliver se enforcou.
— Ahhh... — e Lânia foi ao chão ao chegar com o material de sutura.
Zôra só olhou Mr. Trevellis.
— Faça algo!
E ele estalou os dedos para um Victor Hugo agora desamarrado, que saiu correndo para investigar quando Yerik e Enrichetta levantaram Lânia do chão e a colocaram no sofá e Antenor pegou do chão o material caído das mãos de Lânia.
— Obrigada doutor — agradeceu Zôra em meio a muita gaze, solução esterilizada de cloreto de sódio, fazendo suturas e curativos no braço esquerdo, e aplicando muitas ervas em volta do tórax atingido em meio a muito antibiótico administrado.
Hélder chegou com o feixe de energia e Zôra tocou na luva que se abriu em diversas partes e remontou em sua mão, braço e ela apontou para o feixe fazendo um raio negro incidir na luva. Ela então se virou para Sean na cama e toda a energia ali contida tomou o corpo dele.
— Ahhh!!! — todos ali impactaram e a lança se desintegrou.
Zôra então recomeçou o processo de suturas e curativos quando encarou Kelly que encarou Zôra.
9
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número três.
21 de outubro; 10h00min.
A cama estava quente pelo calor do corpo em recuperação, pela febre. Sean delirava e Oscar viu que Kelly e Zôra de lá não saíam, não revezavam com ninguém. Os outros foram proibidos de entrar naquele momento de crise, de recuperação.
Oscar Roldman voltou a olhar seu filho, e o corpo jovem estava à toda prova quando Sean abriu os olhos em meio a dor que sentia. Ele sentiu todo seu mundo se iluminando porque Sean Queise era aquilo mesmo, a luz de seu mundo.
Sean acordou de vez com o pano úmido na testa. Sua febre começava dar sinais de controle e a hemorragia estava estancada. Zôra Trevellis trocava o pano para desespero de Kelly que queria afogá-la na bacia ao lado da cama. Mas com Oscar Roldman ali, ela não se atrevia a dar escândalos.
— Como está Sean querido?
— Onde... — Sean tentou se levantar.
Zôra o segurou com carinho e os olhos deles se encontraram novamente, com Sean se lembrando do calor, do corpo dela.
— Eu suturei o estrago que a lança fez no seu braço esquerdo e no seu tórax — foi Zôra quem falou ao ver que ele se tocava, sentia o curativo. — Deu sorte que as pontas das lanças eram feitas de sílex, uma rocha sedimentar silicatada, constituída de quartzo criptocristalino. Uma infecção por metal, agora não seria a melhor pedida — falava uma Zôra contida.
Sean olhou para o outro lado e viu Kelly; lembrou-se de como sentira sua falta.
— Dói? — falou Kelly com carinho.
— Pouco... — Sean mal conseguiu responder. — Você... — perguntou a Kelly.
— Tive tanto medo patrãozinho — foi só o que falou. — Medo de te perder.
— Perdão...
— Não, não, não fale mais — tocou-lhe os lábios com os dedos. — Você precisa ultrapassar essa etapa.
— Ele já ultrapassou essa etapa Srta. Kelly — Zôra era a frigidez em pessoa.
— Como assim? — ela pareceu não entender.
— O Sr. Queise já se recuperou da infecção.
— Tão rápido? — Kelly olhou Oscar. — Como assim tão rápido? — e outra vez Oscar desviou o olhar. Não podia falar o que também não compreendia muito bem. — Como assim Sr. Roldman? — insistia Kelly.
— ‘Como assim’ o quê? — Zôra se enervava.
— Chega! — Oscar falou e ambas se olharam. — As duas!
— Mas como...
— Kelly... — e foi a maneira como Sean pediu, como Sean sorriu para ela. — Quero ficar a sós com Oscar.
Oscar só o olhou.
— Eu volto mais tarde! — Kelly se levantou usando um vestido verde Moschino. — E vamos embora!
Sean voltou a sorrir e só.
Zôra dessa vez nada falou. Também se levantou e saiu do quarto quando ele a chamou. Ela voltou com Kelly tendo ido para a suíte de número oito onde Gyrimias dormia.
— Obrigado... — soou de um Sean sonolento.
E os olhos dos dois voltaram a se encontrar. Incomodados, porém. Zôra abaixou a cabeça sem responder e saiu.
Sean então se virou para Oscar.
— Eu atirei no ‘Homem de Broken Hill’.
— Como é que é?
— Sente-se! — e ele viu Oscar sentar-se. — Eu atirei no crânio de 38 mil anos que está exposto no Museu Britânico.
— Meu Deus! — e Oscar sentiu todo seu ombro pesar.
— O que vamos fazer?
— Não sei o que dizer. Achei que isso tudo fosse uma experiência deles, uma espécie de teste de aptidão, adaptação, ou como queira chamar. Mas se você diz que esteve lá, no passado, então estamos no meio de algo muito mais complexo.
— Oscar...
— Não sei o que dizer, Sean querido.
— Não! Não! Você precisa dizer algo. Porque eu nunca fiz isso... Nunca girei, entende? É a primeira vez que vejo esse tipo de poder. E não tenho muita certeza se o domino, entende? Acho que os insectóides estão permitindo isso.
— O que os insectóides querem com você Sean querido?
— Eu não sei! Eu não sei! Juro! Preciso... — e ia se levantar voltando à cama.
— Não pode se levantar. Está ferido apesar da notória felicidade de Zôra Trevellis em vê-lo curado.
— Não quero falar sobre isso.
— Ótimo! Então não fale!
— Quem é ela?
— Vai ter que perguntar a Trevellis.
— Está brincando não?
— Então não me faça perguntas.
— Porque meu pai obrigou Kelly a vir? — e ele viu Oscar não responder. — O que? Também vou ter que perguntar a Trevellis? Por que foi ele quem obrigou meu pai obrigar a Kelly a vir? Por que ela é meu ponto fraco? Por que os insectóides queriam barganhar meu amor por ela quando me levaram... — e Sean parou. — O que está acontecendo aqui Oscar?
— Quando descobrir o que os insectóides querem talvez tenhamos uma resposta.
— Wow! Quanta ajuda.
E Oscar escorregou um olhar para ele.
— Sua mãe...
— Eu sei!
— Ah...
A coisa parecia não queria progredir. Não que tivesse sido fácil naqueles anos todos.
— Quando isso começou? O Experimento ‘Contato!’?
— Há dois anos.
— Mona ainda fazia parte da Poliu, Oscar, então não foi há dois anos.
— Mona Foad é uma incógnita Sean. Não devia ter se metido com ela.
— Eu a conhecia...
— Quem? — Oscar se virou para ele e a porta do quarto se abriu.
Oscar se assustou por ver Mr. Trevellis ali, entrando por ela.
— Eu o chamei! — exclamou Sean.
— E não imagina como me encanto cada vez mais com os dons dos Roldmans — gargalhou o grande Mr. Trevellis.
— Chega Trevellis!
— Ela era uma menina, Oscar... — Sean prosseguiu e ambos se alertaram. — Andava sempre com Mona... — e a voz de Sean cortou qualquer graça que o grande chefe de operações da corporação de inteligência chamada Poliu ainda tinha. — Achei que era uma sobrinha, coisa assim. Porque nunca consegui invadi-la.
— Seu bastardo atrevido...
— Trevellis!!! — gritou Oscar.
— Como ele se atreve? — encarou Oscar. — Como se atreve? — encarou Sean ainda deitado. — Devia ter deixado Kelly morrendo lá para você ir sozinho e morrer por lá também.
— O que é aquela luva? — Sean cortou o histerismo.
— Não sei!
— Sabe Trevellis! E sabe que só quem tem os dons que te encantam, podem manuseá-la — e Sean viu toda face jambo de Mr. Trevellis brilhar pela raiva. — Paranormal como Dalton/Roger que a encontrou após lutar com um insectóide, mas que não tinha força suficiente para lidar com ela. E fico imaginando o quanto de poder esquisito, como teria dito Gyrimias, mas tão fenomenal quanto, tem sua filha para dominar aquela luva alienígena.
E Mr. Trevellis deu passos para cima da cama dele.
— Saia Trevellis! — Oscar deu a ordem.
— Como é que é?
— Saia!
— Acha que vai conseguir salvar seu filho o protegendo como protege Oscar meu velho? — e o olhou por debaixo de olhos verdes quase cerrados. — Porque os insetos alienígenas estão atrás de seu filho há muito tempo.
— Eu não os chamei! — exclamou Sean.
— Não filho de Oscar! — encarou-o. — Mas isso não impediu que eles se convidassem.
— Quem é ela Trevellis? Quem é Zôra?
— ‘Zôra’? Não pense que tem tanta intimidade assim.
— Quem é essa Zôra com poderes paranormais se você nem qualquer membro da sua família têm poderes? Porque sei que não estaria no comando da Poliu se tivesse dons.
— Seu... — Mr. Trevellis deu dois passos em direção a cama e todo seu peso de 170 quilos foi arrastado para trás.
Mr. Trevellis só sorriu, sabendo que foi um dos dois.
— O que quer Trevellis? Realmente o que quer com tudo isso? Toda essa busca desenfreada por vida alienígena?
E Mr. Trevellis riu com gosto.
— Quem fala... Você tem me perseguido filho de Oscar, cada passo que dou, na mesma busca.
— Minha busca é pela duvida, Trevellis, sobre mim — e Sean viu Oscar não gostar do que ouviu. — Mas a sua busca é por guerra Trevellis. Por conquista.
— Minha busca é por glória filho de Oscar. Para provar ao mundo que somos superiores, que nossa corporação de inteligência é superior, que podemos lidar com outras civilizações.
— “Lidar com outras civilizações?” — e Sean riu. — Como disse? Maquiavel sempre esteve certo? Porque não se pode chamar de valor assassinar seus cidadãos, trair seus amigos, faltar a palavra dada, ser desapiedado, não ter religião. Essas atitudes podem levar à conquista do seu império, mas não à glória dele.
Mr. Trevellis se virou sobre seu peso e tamanho e saiu sem responder àquilo.
Sean também não falou mais nada. Sentiu sono, dor, cansaço.
— Amanhã voltamos a conversar — e Oscar cerrou a persiana que escurecia a imagem de uma Namíbia que não se escondia.
— Oscar... — ele sentiu que ele parou de andar. — Diga a Lânia que eu sinto muito. Por tudo.
— Direi! — e Oscar saiu.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número três.
21 de outubro; 21h21min.
A meia luz que provinha do abat-jour na mesa lateral iluminou o corpo mignon da mulher loira, de óculos de grau, e que se sentou na poltrona.
— O Sr. Roldman me disse que sentia muito por tudo.
Sean abriu os olhos e a voz de Lânia chegou até ele.
— E sinto. Não sabia que aqueles insectóides iam se vingar de alguém.
— E meu pai era o mais próximo da vingança deles.
— Seu pai me disse que sua madrasta foi chamada para estudar as girafas.
— Aquela vaca! Não entendo até hoje por que meu pai aceitava o que ela fazia. Acho que são aqueles dons malditos dela que o faziam aceitar, concordar, porque Isadora pode fazer você aceitar coisas que não... — e parou de falar. — Desculpe-me! Esqueci que você...
— Pode falar Lânia. Já não me importo mais com os ‘dons malditos’.
— Sinto Sr. Queise. Não o quis magoar.
— Me chame de Sean, professora. E me diga o que seu pai descobriu?
— Que as girafas haviam vindo ao mesmo tempo em que a fenda se formou no nosso sistema solar porque o Planeta Urânio estava se comportando estranho; e que foi pouco antes de haver uma movimentação de meteoros na Nuvem de Oort.
— Ninguém sabe ao certo o que existe na Nuvem de Oort, só que no começo da formação do nosso sistema, há mais de quatro bilhões de anos atrás, havia muitos mais planetas que agora, e que migraram para fora por causa da gravidade do grande Júpiter. Então pode sim haver corpos cósmicos escondidos e também naves alienígenas. Mas uma fenda desse tamanho teria que ter afetado mais, que fazer Urânio se comportar estranhamente.
Lânia respirou profundamente antes de prosseguir.
— Seus dons... Eles são tudo aquilo que Zôra diz sobre eles?
— Não sei o que ela sabe a meu respeito, mas...
— Meu pai também acreditava que sim. Por isso manteve tudo em segredo e procurou Mr. Trevellis para pedir uma equipe; eu, Narciso e o professor Antenor.
— Por quê?
— Por causa dos fractais. Meu pai achava que a fenda era fractal e que havia sinais inclusos nesses símbolos criados.
— Que tipo de sinal? Algum específico que abre a fenda? Como um cadeado aberto por um segredo numérico?
— Não! Era uma comunicação.
— Os insectóides estavam se comunicando através de sinais?
— Sim. Vinte e um símbolos usados por esses insetos alienígenas em suas comunicações entre si.
— Ok! Então vinte e um sinais capazes de abrir a fenda.
— E fechá-la.
— Então por que Zôra abriu os braços e girou, abrindo a fenda que nos trouxe de volta?
— Não sei como a fenda funciona. Talvez Hélder e seu plasma cheguem perto da resposta. Eu e Narciso só conseguimos identificar alguns dos vinte e um sinais; treze para ser exata.
— Treze é quase dois terços do processo. Já é um bom começo.
— Para o que?
— Para abrirmos o domo e sairmos daqui.
— Eles vão nos encontrar Sean. E pior, talvez em um lugar lotado de gente inocente que pode morrer nessa experiência.
— Isso quer dizer que todos vocês foram voluntários?
— A Poliu não funciona com voluntários, Sean, e sim por ordens — sorriu simpática. —, que obedecemos.
Sean só girou os olhos e sentiu seu corpo ainda dolorido.
— O exoesqueleto?
— Não o vimos completo, Sean. Só o que Dalton nos comunicou.
— Sabia que ele e Roger eram a mesma pessoa?
— Sim. Foi ideia de Zôra manter segredo da Poliu.
— Ela então não é realmente da Poliu.
— Não. Mas ela nos financia.
— E os obriga a obedecer.
— Sim — Lânia voltou a sorrir simpática.
— Seu pai usou Spartacus antes de eu morfá-lo?
— Sim. Mas ele me disse que quando voltou a buscar informações em Spartacus ele já não respondia. Papai achou que você estava fazendo algo porque a Poliu também perdeu o acesso que tinha, então Mr. Trevellis conseguiu forçar ainda mais o Sr. Fernando Queise.
— Ele disse como?
— Parece que seus pais estavam se separando.
— Deus... Trevellis não tinha esse direito...
— Mr. Trevellis não se importa muito com direitos, e leis, e dores Sr. Queise.
— Chame-me de Sean.
— Sabe que sua sócia não vai gostar.
Sean sorriu ainda sentindo dor.
— Kelly é meu equilíbrio Lânia. Amar Kelly foi única coisa verdadeiramente honesta que fiz na vida.
— Ela gosta muito de você.
— Eu gosto muito dela.
— Zôra também.
E Sean temeu o que ouviu.
— Não fale mais isso. Não perto de Kelly. Por favor!
— Você sabia?
— Não! Não sabia. Nem a reconheci.
— A conhecia?
— A menina com Mona, que Mona criou... — e parou tentando entender o que falavam porque o que falava ele ainda não sabia. — Quando Trevellis a adotou?
— Não sei. Zôra fala muito pouco. Acho que foi antes da mulher de Mr. Trevellis morrer de câncer, para animá-la.
— Eu sabia que Trevellis tinha três filhas; Umah, Dolores, mas nada sabia sobre a terceira, nem que fosse adotada.
E Lânia ia falar algo quando viu Kelly ali parada, lhe olhando, ouvindo aquilo tudo.
— Vou deixá-los a sós — e Lânia falou de uma maneira que Sean percebeu que Kelly estava ali.
Estranhou não ter sentido sua aproximação. Lânia saiu e Kelly entrou silenciosa, à meia luz, tirando os sapatos, o vestido verde Moschino, e Sean sentiu seu coração disparar. Kelly então tirou o sutiã, a lingerie e ficou nua, o encarando. Sean engoliu tudo aquilo a seco e só levantou o lençol pedindo que ela se deitasse com ele. Kelly nada falou e se deitou na cama com ele, os cobrindo.
Sean não sabia o que falar, preferiu não fazê-lo.
Ambos adormeceram juntos até de manhã.
10
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número cinco.
22 de outubro; 07h15min.
A porta do quarto se abriu sem ninguém tocá-la e Zôra sentiu todo seu corpo arrepiar-se.
— A sabedoria popular diz Srta. Trevellis “Por vontade de um prego, a ferradura foi perdida; por vontade de uma ferradura, o cavalo foi perdido; por vontade de um cavalo, o cavaleiro foi perdido; por vontade de um cavaleiro, a batalha foi perdida; por vontade de uma batalha, o reino foi perdido”.
Zôra se virou e um Sean Queise quase recuperado, vestindo jeans azul clara, camisa polo branca e casaco de moletom cinza, a olhava em pé, parando ao lado da cama dela.
— A ‘vontade’ pode ser o acaso ou uma decisão consciente Sr. Queise? — ela não se deixou levar pela ferocidade dele.
— As metáforas servem para figurar uma das maiores polêmicas da história do Cristianismo, Srta. Trevellis; predestinação ou livre-arbítrio.
Ela impactou.
— E o que acha que eu devia ter escolhido? Deixá-la morrer lá para encobrir meu erro? Ou deixá-lo morrer lá para provar a Kelly, a meu pai, a Lânia e ao mundo inteiro que não me importo com você?
— E você se importa?
— Não vou responder a isso! — ela saltou da cama vestindo camisola curta e insinuante, e foi até a janela abrindo as cortinas para o deserto da Namíbia entrar.
— Por que não me disse quem era?
— ‘Olá! Sou Zôra Trevellis! Adotada e paranormal!’ — esticou uma mão.
— Não precisa ser irônica — e a camisola curta e insinuante o estava deixando nervoso.
— Está bem! E quem sou eu Sr. Queise? — recuou a mão que ficou no ar sem ser cumprimentada.
— A menina que Mona preparava, antes de me preparar, para se comunicar com alienígenas.
— Mona nunca lhe preparou. Você se desenvolveu sozinho — e caminhou até o armário. — E você só procurou Mona para destruir meu pai, a Poliu, com ódio do mundo, de você, de Sandy e tudo o que fez de errado — e se aproximou dele. — Porque você fez tudo errado Sr. Queise. Sabia e permitiu Sandy saber coisas que sabia, porque sabia que ela estava lá, a mando de meu pai.
— Mentira!!! — explodiu. — Eu nunca soube o que Sandy fazia porque ela foi programada para me bloquear! — e ele viu Zôra arrancar a camisola e ficar nua. — Droga! — se virou para o outro lado sabendo que não queria ter se virado. Zôra então se vestiu e saiu do quarto. — Aonde você... Droga! Aonde você vai? — e foi atrás dela. — Volte aqui Zôra! Ainda não acabamos!
— Sean? — Kelly estava atrás dele, no meio da área onde as suítes foram construídas.
— Agora não Kelly!
Mas Kelly não gostou daquilo. Ficou lá, paralisada, o vendo ir atrás de Zôra que já entrava na sala de refeições.
— Sean querido? — Oscar levantou-se da mesa do café da manhã ao vê-lo entrar furioso.
— Por que Narciso acha que estamos pagando por algo que fizemos no passado? — Sean encarou o pai dele, professor Antenor, que percebeu a falta do ‘doutor’ na frase.
Narciso se ergueu furioso.
— Seu filho da...
— Os alienígenas vieram se vingar de nós? — Gyrimias embranqueceu ao entender, achar que entendeu.
— Cretino! — e foi a vez de Omana enervar-se com Narciso. — Havia chegado a uma conclusão sobre os crop circles Dr. Narciso e não nos avisou?
O professor Dr. Antenor balançava a cabeça desgostoso, fazendo o pince-nez descer cada vez mais.
— Ohm! — exclamou Narciso afetado. — Não foi nada. Eu só percebi a terra mexida... — não viu mais alternativa sabendo que Sean falaria até o que não precisava ser falado se ele não abrisse o jogo. Suspirou pesado. — De madrugada, quando vim à cozinha beber água — um ‘Oh!’ correu ali. — Subi no telhado do lobby e percebi o crop circle fora do domo se desmanchando com o vento.
— Isso significa? — interveio Mr. Trevellis.
— Isso significa que a nave-mãe esteve aqui quando a Dra. Zôra Trevellis abriu a fenda para irmos até a Era do gelo — foi Sean quem respondeu. Mas Zôra nada falou. — E os insectóides também — e Sean não tirou o embranquecido Narciso de sua vista.
— Cretino! — voltou Omana a exclamar.
— É bom mesmo se preocupar Dra. Omana, porque o que parece ter sido um erro foi algo maior para eles.
— Como assim Sean Queise? — foi a vez de Palakika.
— Eles nos querem para algo maior Dra. Palakika.
— ‘Algo maior’ quanto? — quis Emiko saber.
— Não sei!
— Como pode não saber Sr. Queise? — Felicity desafiou-o.
— Um bando de Ph.D e vocês também não sabem.
— Ma-mas fizemos tudo certo. Por que e-eles querem se vingar de nós Sr. Queise? — quis Yerik saber.
— De algo que nós não fizemos? — quis Lânia saber. — Por isso mataram meu pai?
— Então eles intervieram mesmo na fenda? — quis Ignácia saber.
— Por que diz isso? — perguntou Sean.
— Porque... — e Ignácia parou no silêncio e na atenção que caiu sobre ela. — Porque eles estão nos fazendo de marionetes Sr. Queise.
— É o suficiente Ignácia! — Antenor pela primeira vez se excedeu.
— Não Antenor. Precisamos falar ou vamos acabar como Oliver.
— Mas Oliver se enforcou.
— Mas não há sinais de que ele fez por conta própria. Não há cadeiras nem nada onde ele possa ter subido e saltado.
— Merda! — explodiu Lenny.
— Fale Dra. Ignácia — foi Oscar quem pediu.
— Há muito tempo que nossas vidas vinham sendo monitoradas. Eu, Oliver e Antenor, vínhamos sendo assediados por esses insetos alienígenas há décadas. E começou tudo em sonhos, pesadelos era verdade, até que vieram os contatos reais e as exigências, e tivemos que nos envolver nisso.
— Sabia disso Trevellis? — Sean viu a cor jambo de Mr. Trevellis desaparecer.
— Não!
— Isso não pode ser possível! — exclamou Zôra. — Mona nunca recebeu informação sobre esses insetos alienígenas nos procurando.
— Não estou mentido sua metida.
— Sua o quê? — Zôra se ergueu furiosa com Ignácia e Kelly entrou na sala de refeições e se sentou num canto quando Oscar levantou-se e foi sentar-se do lado dela.
Sean entendeu aquilo. Oscar tomava partido.
“Droga!”
— Pode ser... — Lânia olhou um e outro. —, que os insetos alienígenas estejam somente se divertindo em caçar girafas...
— Do que está falando sua destrambelhada? — Isadora se enervou.
— Cale-se vaca! Não basta o que fez ao meu pai?
— Chega!!! — gritou Felicity.
— Fale Lânia... — pediu Kelly. —, porque caçar girafas não nos mandaria à Era do gelo nem matariam seu pai.
Todos olharam Kelly.
— É que acredito que os insetos alienígenas têm algo muito grande para nos exigir, do que contatos.
— Que tipo de exigência? — Kelly quis saber.
— Algo grande a ponto de ficar nos observando — foi Sean quem completou.
— Quem? Quem nos observa Senhor? — Gyrimias não gostou de ouvir aquilo olhando para todos os lados e só via a Namíbia lá fora.
— Viu os insectóides na Era do gelo, Sean? — Kelly quis saber.
— Sim!
Um grande ‘Oh!’ se fez e Zôra explodiu:
— Isso é ridículo Sr. Queise! Não vimos ninguém!
— Sim! Não vimos ninguém. Nem precisávamos.
— Por que diz isso Sr. Queise? — perguntou Bonilha.
— Feromônio de alarme Dr. Bonilha.
Outro ‘Oh!’ correu a sala de refeições; e correu porque todos ali entenderam aquilo.
— Feromônios são substâncias químicas secretadas por um indivíduo e que permitem a sua comunicação com outros indivíduos da mesma espécie — falou a entomologista Felicity.
— A mensagem química transmitida pelos feromônios tem por objetivo estimular determinado comportamento, que pode ser de alarme, agregação, contribuição na produção de alimentos, defesa, ataque, acasalamento — acrescentou Omana.
— Cada espécie animal produz um feromônio diferente que é reconhecido somente pelos membros de sua própria espécie — voltou Felicity a falar. — O feromônio de alarme é empregado, principalmente, na orientação de ataque ao inimigo, sendo constituído, em maior proporção, pela 4-metil-3-heptanona, além de outros componentes secundários já identificados, tais como: 2-heptanona, 3-octanona, 3-octanol e 4-metil-3-heptanol.
— O que sentiu Senhor Sean Queise?
— Octanol Gyrimias! — olhou todos. — Octanol, fabricado para a síntese de ésteres e para utilização em perfumes e aromas — e agora só olhou Zôra que não o olhou.
— Os óleos essenciais são geralmente extraídos por destilação, muitas vezes por meio de vapor — falou Omana.
— Outros processos incluem a expressão ou extracção de solvente. E sim, são usados em perfumes, cosméticos, sabonetes e outros produtos, para aromatizar alimentos e bebidas, e para a adição de aromas de incenso e de produtos de limpeza doméstica, pois — falou Bonilha.
— As formigas, principalmente as cortadeiras, apresentam uma sofisticada rede de comunicações, dentre as quais a química, baseada na transmissão de sinais por meio de substâncias voláteis, chamadas feromônios, variáveis em decomposição, de acordo com a espécie — voltou Felicity a falar. — Incrível não sendo um inseto perceber isso Sr. Queise.
— Isso mesmo! — foi Zôra quem se agitou. — Como pode saber com tanta certeza Sr. Queise? Os Neandertais faziam coisas com o sílex, poderiam fazer cola com eles.
— Parcelado o que sei sobre química, a primeira menção registrada das técnicas e métodos utilizados para a produção de óleos essenciais se acredita ser a de Ibn al-Baitar, 1188-1248, um médico, farmacêutico e químico andaluz, Doutora Zôra Trevellis.
— Está bem! — ela explodiu.
— Não se assuste Gyrimias — Sean ainda a encarava. —, a ‘Doutora’ Zôra Trevellis não gosta de não saber as coisas.
— Porque sei!!! — gritou Zôra com Sean.
— Não sabe! Os insectóides não têm feito outra coisa até então, a não ser nos observar. Seja caçando girafas, seja abduzindo seres humanos como disse a Dra. Ignácia — e Sean percebeu que Ignácia havia saído da sala de refeições atrás de Antenor, que também saíra.
— Será que os insetos alienígenas, pois, não estão nos testando quanto à sobrevivência, Sr. Queise? — Bonilha levantou a hipótese.
— Não sei dizer Bonilha. Mas acho que eles têm uma experiência parecida com a da Poliu — Sean foi direto.
— Que experiência Sr. Queise? — Zôra quis saber.
— Das do tipo que seu pai faz.
— Basta ‘filho de Oscar’! — Mr. Trevellis levantou-se irado sem, porém sair da mesa.
— Chega Trevellis! — foi a vez de Oscar. — Atenha-se à Poliu!
Mas Zôra não queria se ater a nada.
— E que tipo de experiências meu pai faz Sr. Queise? — Zôra se aproximou tanto que Kelly se agitou.
— ‘Do tipo’ os alienígenas se preparando para se instalar aqui na Terra, a Poliu se preparando para recebê-los aqui na Terra — Sean ergueu o sobrolho. — Ou não foi para isso que ele lhe adotou? — e ele foi esbofeteado.
Um ‘Oh!’ mais intenso que todos os outros até então, se fez.
— I-isso é uma calunia! Alienígenas querendo se adaptar a uma glaciação? — Yerik se revoltou.
— Desminta-me! — Sean desafiou-o ainda olhando Zôra. — Ou diga-me, você Narciso, por que os alienígenas pararam com os crop circles nos últimos tempos? — deixou claro que estudava os sinais deixados pelos alienígenas sim, com ou sem seu rosto vibrando pela mão evoluída dela.
— Você nos vigiava não Sr. Queise? — Narciso quis saber.
— A recíproca é verdadeira.
— Do ponto de vista da antropologia, matemática e psicologia, o crop circle define e conceitua para toda a humanidade ideias temporais e territoriais — foi Lânia quem falou. — Um símbolo religioso sagrado para muitas culturas antigas. Se feitos por naves, não sabemos.
— E como acha que eles conseguem força para manter suas naves aqui a ponto de fazer tais sinais, Dr. Bonilha? — Sean pegou o Ph.D em bioquímica de jeito.
Ele correu o olho para todos antes de olhar Sean.
— Estou a acreditar, pois que a oxidação eletroquímica de pequenas moléculas orgânicas, Sr. Queise, como metanol, ácido fórmico e formaldeído, tem sido extensivamente estudada devido a possível aplicação em sistemas eletroquímicos de conversão de energia conhecidas como células de combustível.
— É, imaginei algo complexo mesmo.
— Eu já imaginava combustível fóssil, mesmo — falou Gyrimias pensativo.
— “Fóssil”? Nunca vi qualquer fumaça de UFO — riu Lenny sem malícia.
— Uma das aplicações do ácido fórmico é no controle de pH do processo Saarberg-Hoelter-Umwelttecnik, SHU de dessulfurização de gás combustível — ensinou Omana. — A maioria dos combustíveis fósseis contém enxofre que, quando queimado, libera no ar o dióxido de enxofre.
— Isso prova o quê? Que os alienígenas chegaram à mesma resposta que nós? — perguntou Kelly.
Zôra estava a alturas com ela, com ele, com o mundo.
— Nem todos ‘nós’ sabemos tanto — desafiou-a. — Ou você saberia, por exemplo, por que não deve tomar metanol.
— Quê? — Kelly olhou Sean que não gostou de como sua sócia foi tratada por uma Trevellis. — Porque até onde sei, o metanol, também conhecido como álcool metílico, no corpo, decompõe-se em ácido fórmico e formaldeído.
— O formaldeído é uma neurotoxina mortal — e Sean viu Kelly o olhar mais perdida ainda. — Formaldeído é formol, Kelly.
— Ohm! O Sr. Queise não é empírico — debochou Narciso.
Zôra pareceu acender seus olhos verdes para Narciso e ele parou.
Só ele e Sean viram aquilo.
— O formol é tóxico quando ingerido, inalado ou quando entra em contato com a pele — falou Felicity. — Em concentrações de 20 partes por milhão, no ar, causa rapidamente irritação nos olhos. Sob a forma de gás é mais perigoso do que em estado de vapor.
— A atividade eletrocatalítica para a oxidação de ácido fórmico e formaldeído em eletrodos binários, foi investigada através das técnicas de voltametria cíclica e cronoamperometria — Bonilha prosseguiu.
Sean riu.
— É por isso que trabalhava com Yerik, Bonilha? Estavam trabalhando no combustível que os insectóides usam para suas naves?
Yerik e Bonilha trocaram olhares.
— E-ele me ajudava neste último estágio, no ma-material para oxidar o ácido fórmico e o formaldeído. Porém, devido a adsorção de intermediários reacionais na superfície eletródica, a mesma sofre um bloqueio pe-perdendo progressivamente a eficiência catalítica.
— Mas não só como combustíveis de suas naves Sr. Queise. Acreditamos que o mecanismo do exoesqueleto o usa como combustível num processo muito mais avançado que pistões hidráulicos — completou Omana.
— Já que todo equipamento é controlado por atividades do cérebro do inseto alienígena, ele também recebe sinais sensoriais da máquina e produz ele próprio o combustível do exoesqueleto — explicou Paolo Kapranos, engenheiro mecatrônico.
— Agora entendi o que faz aqui Paolo — e Sean encarou Zôra. — É tudo pelo formaldeído, fabricado por formigas.
— Sim Sr. Queise! — Zôra enervou-se, levantou e só deu poucos passos até encontrar um Kaunadodo paralisado à porta, outra vez. — Não diga? O equilíbrio foi rompido?
— A Dra. Ignácia sumiu... — a voz de Kaunadodo quase não saiu.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número nove.
22 de outubro; 08h50min.
Foi Paolo quem se manifestou.
Estava com Emiko, Gyrimias, Hélder, Bantuh, Lumumba e Victor Hugo após vasculharem todo o hotel, ainda preso no domo que dava sinais de curto, com o que pareciam faíscas, saindo dele.
Todos estavam lá, na suíte de número nove de Ignácia.
— Já procuramos o corpo dela por todo o hotel, cada suíte.
— Até qualquer monte de terra que parecesse um túmulo, e nada — completou Lumumba.
— Merda! Acha que ela conseguiu sair do domo em curto circuito? — quis Lenny saber.
— Não! — exclamou Sean. — Acredito mais que ela tenha viajado.
— Sem o controle de Zôra? — olhou Isadora.
Sean quis ter entendido aquilo.
— Então ela viajou como o Senhor?
— Não sei Gyrimias. Não sei mesmo como essa coisa funciona, porque sumi no meio do trajeto da minha suíte até a sala de refeições ‘sem o controle de Zôra’.
Ela o olhou furiosa.
— E por que ela viajaria?
— O que aqueles insetos alienígenas iam querer com ela?
— O que ela tem para ensiná-los é o que devia estar se perguntando — Sean olhava uma coisa e outra da suíte de número nove e lá só a cama arrumada, pérolas saindo de uma caixa de joias de madrepérola e alguns porta-retratos de uma garota. — Quem é ela? — apontou.
Enrichetta olhou Felicity que olhou Omana que olhou Lânia que olhou Zôra.
— Filha dela. Faleceu de Fibrose cística.
E Sean encarou Oscar, ambos sabendo que ela barganhara algo com os insectóides para rever sua filha, e talvez salvá-la da morte.
“Droga!”
— Quando ela morreu professora?
— Dez... Onze anos atrás — sorriu Lânia simpática. — Não tenho certeza. Meu pai e o professor Dr. Antenor que a conheciam melhor.
— Quem a viu pela última vez? — perguntou Oscar.
— Eu! Quando ela saiu da sala de refeições atrás do professor Antenor — falou Sean.
— Ignácia sempre foi encantada pelo Professor — Palakika ria e balançava as ancas.
— Mas que absurdo! — Antenor entrou furioso na suíte de número nove e Palakika ainda ria.
— Controlem-se vocês! — Zôra se adiantou debaixo de um domo instável.
Felicity viu Gyrimias agachado.
— O que houve Gyrimias? — estava era ela, interessada no nerd cientista da Computer Co..
— Há... — Gyrimias mediu as palavras. —, parcelado o que penso... — e olhou Sean.
Zôra, Kelly, Bantuh, Oscar, Mr. Trevellis, Victor Hugo, Yerik, Emiko, Kaunadodo, Ebiere, Abba, Antenor, Narciso, Lânia, Isadora, Palakika, Felicity, Enrichetta, Omana, Hélder, Bonilha, Lumumba, Paolo e Lenny se olharam.
— Fale Gyrimias!
— Há cartuchos disparados aqui no chão — pegou-os.
— “Cartuchos”? — e Sean viu os cartuchos na mão de Gyrimias. — Deus... 9 mm parabellum! Luger P08!
— Nazistas? — foi Victor Hugo quem perguntou observando os cartuchos deflagrados. — Sim! Vindo de uma pistola clássica da 2ª Grande Guerra, facilmente reconhecível pelo seu formato característico, a Luger P08 entrou em serviço no exército alemão em 1908, sendo produzida até 1942, quando foi, afinal, substituída pela Walther P 3, pois sua fabricação era muito complexa e cara, fato não desejável em períodos de guerra — falava o agente da Poliu.
Todos se olharam agitados.
— Nazistas aqui? — Mr. Trevellis encarou foi Narciso, filho de professor Dr. Antenor.
Narciso mal conseguia respirar pela proximidade de Victor Hugo.
— Eu não... Eu não...
— Chega!!! — berrou Mr. Trevellis erguendo Narciso pelo colarinho já que não tinha dons para amarrá-lo ou mantê-lo de ponta cabeça. — Porque espero que já tenha as respostas, Dr. Narciso, Ph.D em geometria euclidiana, e porque pago caro por suas experiências extravagantes no Grande Colisor de Hádrons do CERN.
— Porque sabe que preciso dele Mr. Trevellis — Narciso nem se deu ao luxo de absorver o fel.
— Sei?
— Sim! Sabe que o Grande Colisor de Hádrons pode criar microscópicos buracos negros ao se colocar em rota de impactos, feixes de prótons para assim criar colisões de alta energia. E até agora o colisor ainda não produziu qualquer colisão, e é a energia extrema destas colisões, até 14 tera-elétron Volts, que potencialmente poderia criar um microscópico buraco negro que...
— Basta Narciso! — Sean se enervava. — Qualquer micro buraco negro criado pelo Grande Colisor de Hádrons evaporaria rapidamente, perdendo massa e energia através da radiação de Hawking.
— Então va-vai poder nos explicar o que significa o crop circle em to-torno do Hotel Damaraland, ou não? — Yerik também perdia a paciência com Narciso.
— Por que não disse nada, Narciso? — repreendeu o pai, professor Dr. Antenor.
— Ohm! — Narciso não sabia como falar. — Queria ter certeza...
— Não pode descobrir algo e não comunicar a equipe — repreendeu Lânia.
— I-isso é ina-inadimíssivel — Yerik se enervava.
Narciso odiou Sean mais ainda.
— Não adianta me odiar — Sean percebeu. — Não vai ajudar-nos a sair daqui escondendo informações — completou.
— Como... — Narciso estava notoriamente incomodado. — Como percebeu?
Sean sorriu de uma maneira estranha.
— O que significa aquele crop circle afinal?! — gritou Mr. Trevellis se descontrolando.
— Koch snowflake! — Narciso percebeu que todos esperavam mais. — O que? Não entenderam?
— Narciso!!! — Lânia se descontrolou.
— Ohm! Está bem! Floco de neve de Koch, que é o resultado de infinitas adições de triângulos ao perímetro de um triângulo inicial.
— O que é isso? — perguntou Kelly a Gyrimias.
— A geometria fractal é o ramo da matemática que estuda as propriedades e comportamento dos fractais, Senhorita Kelly Garcia. Descreve muitas situações que não podem ser explicadas facilmente pela geometria clássica, e foi aplicada em ciência, tecnologia e arte gerada por computador.
— A curva de Koch é uma curva geométrica e um dos primeiros fractais a serem descritos. Aparece pela primeira vez num artigo de 1906, do matemático sueco Helge von Koch. O mais conhecido Floco de neve de Koch corresponde à mesma curva — explicou Narciso.
— Por que parou de usar a teoria do caos? Hélder deixou de auxiliar?
Outra vez Narciso odiou Sean Queise por ler seus pensamentos.
— “Caos”? — Kelly voltou a nada entender.
— Muitos fenômenos não podem ser previstos por leis matemáticas, como o gotejar de uma torneira na qual nunca se sabe a frequência com que às gotas de água cairão — voltou Gyrimias a falar.
— Ohm! Parece que o nerd realmente tirava boas notas na escola — Narciso gostou de atingi-lo e se dirigiu a Kelly. — Nas últimas décadas, bela Kelly — e Narciso fez Sean dar dois passos até ele. —, depois de um árduo trabalho, matemáticos e físicos elaboraram muitas teorias para explicar o caos. Uma lei básica da Teoria do Caos afirma que a evolução de um sistema dinâmico depende crucialmente das suas condições iniciais, porque a geometria fractal busca padrões organizados de comportamento dentro de um sistema aparentemente aleatório. Até ganhou uma metáfora de ‘Demônio de Laplace’, propondo que se uma consciência soubesse todos os dados de todas as partículas do Universo e fosse capaz de fazer os cálculos necessários, teria condições de prever o seu funcionamento. Inclusive, o ‘Demônio Laplaciano’ teria diante de si o passado, o presente e o futuro — Narciso parecia mais querer atingir Sean Queise — e sorriu afetado.
— É só isso Narciso? — Isadora não gostava de Narciso. — Porque estamos perdendo tempo com essa baboseira.
— “Baboseira”? Ohm! — arregalou os olhos afetadíssimo. — Fico mesmo pensando como conseguiu seu Ph.D — gargalhou Narciso.
— Chega! — foi a vez de Hélder falar.
— Por isto costuma-se associar à teoria do caos ao chamado “efeito borboleta” — Sean sentiu que o assunto incomodou Zôra de repente.
— Efeito o quê? — interessou-se Enrichetta.
— Efeito borboleta, um termo que se refere às condições iniciais dentro da teoria do caos — Sean não tirava Zôra e Narciso de vista. —, onde o bater de asas de uma borboleta na Namíbia muda o curso natural, provocando um furacão no Rio Grande do Norte, um tufão na Varsóvia.
— Aonde quer chegar Sr. Queise? — Emiko quis saber. — Todos sabemos que não podemos viajar ao passado, que acabamos gerando outras sinas. A cada nova escolha, um novo futuro também lhe é dado.
— Isso é ridículo! — Isadora gargalhou.
— Ridículo por quê?
— Porque sabemos quais são os locais que...
— Ridículo ou não Isadora Gastón, coisas pequenas que fazemos hoje podem se tornar grandes amanhã — e Zôra finalizou o que ela ia dizer.
— Parcelado o que pensou Dra. Isadora, isso até é interessante — emendou Gyrimias. —, porque a filha da cibernética e da teoria da informação é a Teoria do Caos, que surgiu com as elaborações do matemático Benoit Mandelbrot a respeito do tempo meteorológico.
— Então você não é só um consorte da bela Kelly? — riu Narciso.
Gyrimias sentiu-se atingido mesmo e Sean deu mais dois passos, ferido ou não, quando percebeu que outra vez faltava alguém ali.
— Onde está Dalton? — todos se olharam dentro da suíte nove.
E todos correram para fora.
— Ahhh!!! — e Lânia, Ebiere, Omana, Lenny e Narciso desmaiaram.
O corpo de Dalton estava amarrado a uma estaca, com a estaca o atravessando. Havia sido empalado vivo, com mesas e cadeiras a seu redor como se ele fosse o centro de um banquete.
— O que os insetos alienígenas querem? Que o comemos?
— Meu Deus santíssimo! — exclamou Enrichetta em choque. — O ser humano é extremamente criativo e inteligente em se tratando de métodos de tortura. É isso o que eles querem aprender conosco?
Sean e Victor Hugo correram e tiraram Dalton da estaca. Colocaram o corpo dele no chão, que se tomou de sangue.
— Todos os cuidados para que o torturado não morresse muito rapidamente eram aplicados, mas parcelado o que vejo, Senhor Sean Queise, os insectóides tinham pressa em matá-lo.
— Ou não o mataram aqui Gyrimias — e Sean se aproximou do corpo cheirando-o. — Octanol! — anunciou e todos se agitaram.
— A-assim como o Sr. Queise e sua lança, Dalton fo-foi levado e trazido com a estaca — falou Yerik em choque.
— Onde fizeram isso Sean? — Kelly chorava pela cena.
— Assim como a crucificação, o ato de empalar foi usado por muitos e por muito tempo, até mesmo para o entretenimento, Kelly. Assurbanipal, último grande rei assírio, empalava suas vítimas vivas e apreciava assistir as sessões de empalamento, enquanto fazia suas refeições.
— O Conde romeno Vlad Tepes, da Valáquia, também conhecido como Vlad III, O Empalador, mandava armar sua mesa de refeições, e comia, enquanto suas vítimas políticas eram empaladas vivas Senhorita Kelly Garcia — emendou Gyrimias.
— Vlad foi usado por Brian Stocker em seu livro ‘Drácula’. Daí o mito dele se alimentar de sangue... — e Sean se virou em pânico para os lados. — Quantos somos agora?
— Eu — Kaunadodo se adiantou na contagem. —, o Senhor...
— Sem o ‘Senhores’, ‘doutores’ e ‘Ph.D’, Kaunadodo.
— Sim! Sim! Eu, Sean, Zôra, Kelly, Bantuh, Oscar, Mr. Trevellis, Victor Hugo, Yerik, Emiko, Ebiere, Antenor, Narciso, Lânia, Isadora, Palakika, Felicity, Enrichetta, Omana, Hélder, Bonilha, Lumumba, Gyrimias, Paolo e Lenny; somos vinte e cinco — apontou cada um de olhos negros arregalados. — Oh! Não! Somos impares! Somos impares!
— “Vinte e cinco”? — Lânia se alertou — Então está faltando Abba.
— Abba?! Abba?! — gritava Kaunadodo. — Abba?! Onde você está?
— Kaunadodo — Sean o fez virar-se. —, vá com Ebiere e Lumumba preparar o almoço; retome a rotina do hotel.
— Mas Abba...
— Sem ‘mas’ Kaunadodo — anunciou Sean sabendo que ele ia se desesperar pelo número impar. — Eu, Victor Hugo, Bonilha e Paolo, vamos procurar no entorno das suítes, até onde o domo nos permitir atingir. Yerik, Hélder, Felicity, Palakika e Gyrimias vão reorganizar as suítes para não ficarmos sozinhos. O restante aguarda na sala.
— Ohm! Eu e meu pai continuamos na suíte de número dois — se adiantou Narciso.
— Só estou pedindo para não ficar sozinho Narciso. Só isso!
— Em me recuso a dividir algo com alguém — e Mr. Trevellis se virou indo embora.
Oscar só o olhou e Mr. Trevellis estava de volta no mesmo lugar, encarando o amigo velho.
— Repita Trevellis! — falou um Sean cínico.
— Vou dividir minha suíte de número quinze com Victor Hugo — sorriu Mr. Trevellis para Oscar. — Longe de um Roldman.
— Fico com Zôra — anunciou Lânia.
— Fico com Sean bonitinho — falou Isadora.
— Atreva-se! — exclamou Kelly. — Eu fico com você Lânia, na suíte de número quatro, Lânia. Zôra continua na suíte de número cinco com Bantuh e o Sr. Roldman fica com Sean na suíte de número três.
E nenhum ‘Oh!’ ou qualquer movimento labial se fez.
— Está bem! — agradeceu Lânia.
— Fico com Gyrimias na suíte de número oito — anunciou Felicity para um nerd que suou litros.
— Fico com Omana na suíte de número dez — anunciou Enrichetta.
— Eu e Lenny já estamos juntos na suíte de número nove — anunciou Paolo.
— Fico com Emiko na suíte de número doze — anunciou Yerik.
— Fico com Palakika na suíte de número seis — anunciou Hélder para um olhar frio da havaiana. — Há duas camas de solteiro lá.
— Bonilha? Fica com Isadora na suíte de número treze? — os dois olharam Sean. — Quero manter a suíte de número um, onde o Dr. Oliver foi enforcado, sem ninguém. Equivale para a suíte de número nove da Dra. Ignácia e a suíte de número catorze de Dalton.
— É melhor que nada... — sorriu Isadora para Bonilha.
— Vaca... — soou de Lânia.
— A suíte de número onze de Domingos pode ficar com o casal Lumumba e Ebiere. Não é bom ficarem no alojamento longe das suítes.
— Fico com a suíte de número sete — anunciou Kaunadodo.
— Ótimo! Vamos todos descansar até o almoço e repensarmos o que deixamos escapar.
E todos se dispersaram com Sean sabendo que Abba não seria encontrada..
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número três.
22 de outubro; 11h11min.
Oscar Roldman ouviu algo cair na sala da suíte de número três. Havia ido ao quarto trocar a camisa. Quando a alcançou, viu Gyrimias Leferi ali parado.
E Gyrimias nunca havia falado com ele.
— Tenho até medo de perguntar — falou Oscar no que viu Gyrimias engolir a saliva para falar. Mas a porta voltou a abrir e Kelly também entrou ali. Oscar percebeu que a reunião era algo haver com a Computer Co.. — Sabe que não posso decidir nada Srta. Garcia — Oscar até sabia o que dizer.
— O Senhor Sean Queise está encrencado — foi Gyrimias quem se adiantou.
Oscar o encarou.
— Sean sempre está encrencado Sr. Leferi.
— Não é de mulheres a que me refiro Senhor.
Oscar ergueu o sobrolho e Kelly se incomodou.
O nível da conversa diferia da personalidade tímida de Gyrimias.
— O que...
— Spartacus, Senhor. Parcelado meus temores, Spartacus está dando sinais de que vai falir.
— “Falir”? — Oscar percebeu as coordenadas digitadas no GPS que Gyrimias entregou. — O que é isso? — Oscar olhou Gyrimias e Kelly alternadamente.
— Um GPS que eu criei junto com o Senhor Sean Queise para que ele vigiasse as coordenadas aleatórias que Spartacus seguia.
Oscar observou-o por alguns segundos.
— Latitude 14º 33’ 0” E e Longitude 21º 7’ 0” S. Está funcionando aqui? — estranhou.
— Sim. E parcelado tudo o que sei e não é muito, Spartacus atravessa a barreira desse... — apontou para o alto. —, desse domo, ou malha temporal, fenda, ou como chamem; e que nos prende aqui.
— Mas e o satélite de observação Spartacus?
— O Senhor Sean Queise o chama, conversa com ele, porque eles são quase algo simbiótico — Gyrimias olhou o céu da Namíbia exposto pelo quarto sem janela.
Oscar não quis discutir aquilo.
Porque Nelma tinha razão, Sean se desenvolvia de uma maneira assustadora.
— Spartacus está estacionado?
— Sim. É a coordenada daqui. Há quase quatro meses que o satélite não sai dessa coordenada.
— E o que isso...
— São eles.
— “Eles”. A Poliu?
— Não, Senhor. São eles, os insectóides. Eles queriam o Senhor Sean Queise aqui, por isso ele veio.
— Meu Deus... — Oscar ergueu o sobrolho novamente. — Zôra tinha razão. Sean sabia que eles o queriam.
— Como Mr. Trevellis também queria — Gyrimias completou e Oscar levantou o rosto. — Como o Senhor também queria — Gyrimias completou mais ainda e nunca havia tido coragem para aquilo.
Oscar o encarou e encarou Kelly.
— Por que acha que eu o queria aqui, Sr. Leferi?
— Porque tem investigado o exoesqueleto achado, não?
— O que descobriu sobre o exoesqueleto Sr. Roldman?
— Ainda não o vi Srta. Garcia. Só tenho pegado informações fragmentadas, mas calculo que a luva encontrada por Dalton e que Zôra usa, faça parte do exoesqueleto completo que a Poliu quer encontrar.
E Gyrimias pareceu pensar algo que não quis dizer. Mas disse algo mesmo assim.
— E parcelado o que penso Senhor — e Gyrimias olhou Kelly. —, e que comuniquei a Senhorita Kelly Garcia — e se virou para Oscar. —, essa luva não veio ‘sozinha’. Acho que ela veio junto com a mão que a arma recobria. Parcelo que um corpo alienígena veio junto Senhor. Morto ou vivo, não sei dizer.
Oscar caiu sentado na beirada da cama.
— O que Sean fez com Spartacus, para todos aqui precisarem dele?
Gyrimias calculou o impacto que aquilo teria se Sean descobrisse que ele falou.
— Quero que saiba que respeito muito o Senhor Sean Queise... — ele olhou Oscar lhe olhando. — E que sempre lhe fui fiel... — e viu Oscar perder a paciência. — E que...
— Chega Gyrimias!
— Ele... O Senhor Sean... Ele vigiava os crop circles que a Poliu vigiava também, e sabia que uma das minas de níquel havia sido esvaziada e que lá havia um buraco desses insectóides que...
— Adiante-se Gyrimias!
— Nada sei sobre o que querem com o satélite de observação, mas o Senhor Sean Queise sabe transformar um material noutro. E se o Senhor Sean Queise pode controlar a física, então pode controlar os três estados da matéria como sólido, líquido e gasoso; como também os outros tipos de fases da matéria, como o Condensado de Bose-Einstein e o plasma.
Oscar arregalou os olhos e viu Kelly cabisbaixa.
— Plasma?
— Sim Senhor Oscar Roldman.
— Inferno! É atrás do plasma que Sean está atrás não? — Oscar ergueu-se furioso. — O plasma que abastece a luva do exoesqueleto, porque a maldita luva é uma arma. E por isso Zôra mandou chamar Hélder e seu aparelho.
— E parcelado todos meus medos, vem o pior... Porque talvez isso também atinja não só a física, mas a química e biologia, então ele pode, como as formigas, gerar o tal combustível que comanda o tal exoesqueleto, caso o vista.
Oscar agora teve medo.
— Sean sempre soube sobre ela... — e Oscar parou sabendo que ele seguia Zôra, a menina de Mona, no éter.
Que ele deve ter captado mais que uma menina sendo preparada para contatos com alienígenas.
“Inferno!” pensou Oscar nervoso olhando Kelly ainda cabisbaixa.
— Fale Kelly...
E Kelly se assustou em como foi chamada.
— Sean precisa continuar Sr. Roldman.
— Sabe o que está me pedindo? Ajudar meu filho a...
— Ou ele derrota os insectóides, ou eles nos vencem Sr. Roldman — ela agora levantou o belo rosto e o encarou.
— Sean sabia o que vinha fazer aqui não?
— O que Sean não sabe Sr. Roldman, é irrelevante. Sean precisa terminar o que veio fazer aqui.
— E você? Por que veio?
— Porque eu o amo.
— Meu Deus! — e Oscar se virou e encarou a Namíbia.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número quatro.
22 de outubro; 11h11min.
Sean havia ido a antiga suíte de Oscar Roldman, agora ocupada por Lânia e Kelly.
E foi só entrar e logo questionou:
— De onde me conhece, professora?
Lânia foi pega de surpresa.
— Eu e Zôra somos amigas desde a escola.
— Zôra parece... Desculpe-me.
— Mais nova? Sim, ela é mais jovem. Fui professora dela na escola. Uma escola longe da Poliu, Sean — Lânia riu sem graça. — Professora de uma Zôra cada vez mais apaixonada por você.
Sean tentou não ser pego.
— Onde esta Zôra?
— Ela deve estar na piscina. É para onde vai quando está estressada.
— Água! — concluiu.
— Sente-se! — Lânia apontou para sua cama e Sean temeu que Kelly os visse ali. — Sente-se então na outra cama — apontou para a cama de Kelly ao perceber.
— Me fale de Zôra.
— Não!
— Não? — Sean a olhou com interesse e os passos dela se aproximaram tanto que Lânia o beijou.
Sean achou graça.
— Não ria de meus sentimentos.
Ele parou.
— Não era essa minha intenção, professora.
Lânia se aproximou outra vez.
— Está temeroso, não? — e o beijou outra vez.
— Você também esconde algo da equipe?
Lânia ficou mesmo achando que ele lia pensamentos como Zôra.
— Talvez esconda... — Lânia levantou-se ao suspirar longamente. — Toda nossa vida gira em torno de símbolos. Os algarismos são símbolos utilizados para escrever os números. Em nosso sistema de numeração de base 10, existem dez algarismos; 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9.
— Os acha com inteligência avançada?
— Para serem insectóides? Sim. E muito. Os intrincados fractais que eles passaram a desenvolver em suas aterrissagens são um mistério.
— Alguns crop circles foram criados pelo homem para brincar com a mídia e povoar o medo da população.
— Sabe melhor que eu, Sean, que nem todos crop circles foram trabalho de uns ou outros engraçadinhos. Que há sinais deixados, que nem os cientistas conseguiram provar que eram humanamente possíveis de se fazer, devido ao tempo gasto para construí-los.
— “Sabe melhor que eu”? — Sean olhou em volta e Lânia não se deixou perder em lamurias o beijando pela terceira vez.
Sean nada fez e Lânia o segurou pelo rosto. Sean deixou-se estar dominado pelos lábios quentes e deixou-se levar pelo momento, pelas emoções dela que expeliam pelos poros tirando o casaco de moletom cinza que ele usava quando Sean ouviu a conversa de Oscar, Gyrimias e Kelly.
— Deus...
— O que disse?
Sean a olhou em choque, confuso, sem saber o que realmente fazer. Mas diferente do que Lânia o supôs, ele a beijou. E Lânia o beijou mais desesperadamente ainda girando sua boca úmida de um lado e outro, molhando a boca, todo o rosto, o pescoço, seu peito, sua ferida.
— Lânia... — e Sean a segurou sem saber se era aquilo que devia ser feito, se estava tomando a decisão certa, se concordava com Oscar, Gyrimias e Kelly, a fim de romper o domo.
Mas Lânia não queria ser parada. Ela arrancou a camisa polo dele e invadiu seu peito viril. O cheiro dele, o suor que emanava do corpo másculo, belo a encantava. Sean foi deitado, embarcava cada vez mais na ânsia dela de tê-lo, possuí-lo.
Lânia voltava a beijá-lo freneticamente enquanto alcançava as calças dele.
Sean acordou no ato. Afastou-se dela vendo que Zôra os observava. E Zôra estava realmente bela no vestido verde longo e comprido, usando um lenço colorido na cabeça.
— Doutora... — Sean mal conseguiu falar. — Não é o que está pensando...
— Não? — Zôra saiu do quarto sem trocar mais uma única palavra com os dois.
Lânia acordou também e viu Sean pegando a camisa polo e o casaco de moletom do chão. Ele saiu da suíte de número quatro tentando alcançar Zôra, que estancou à frente da recepção onde Oscar, Gyrimias e Kelly discutiam no calor da areia vermelha.
E Oscar segurava Kelly pelo braço de uma maneira tão agressiva, que ela dobrou-se pela força empregada.
— Ahhh...
— Você não deveria ter vindo Srta. Garcia! — Oscar foi cruel.
Kelly se viu presa pelas mãos fortes do todo poderoso homem da Polícia Mundial.
— Claro! E deixar Sean a mercê de sua criação.
— Não vê que o atrapalha?
— E você só quer respostas, não Sr. Roldman? Sempre quis as respostas não se importando se Sean se machucasse.
Oscar a esbofeteou e Emiko, Palakika, Felicity, Ebiere, Paolo e Lenny chegaram ali.
— Ai!!! — Kelly gritou ao chegar à areia quente do deserto.
Sean os viu de longe e já estava ao lado dela, segurando a mão de Oscar que ia arrancá-la do chão.
— Não se atreva!!! — berrou Sean furioso e agora todos estavam lá.
Kaunadodo, Ebiere, Lumumba, Gyrimias, Antenor, Narciso, Isadora, Lânia, Bantuh, Bonilha, Yerik, Paolo, Lenny, Felicity, Palakika, Emiko, Hélder, Enrichetta, Omana, Mr. Trevellis, Victor Hugo e Zôra.
— Levante-se Kelly!!! — mas Oscar dava a ordem aos gritos a Kelly que chorava no chão com Sean a protegendo.
— Não grite com ela!!!
— Cale-se Sean!!!
— Você não o ama! — Kelly chorava no chão quente.
— Chega Kelly! — Oscar repreendeu-a.
— Não a chame assim. Não permito tal intimidade.
— E quem é você para permitir algo? — e Oscar lançou Sean longe com um levantar de mão.
— Ahhh!!! — Sean voou longe com seu corpo ainda dolorido rolando.
— Sean?! — Kelly se levantou do chão e foi puxada por Oscar. — Ahhh!!!
Mas Mr. Trevellis brilhou os olhos foi para o domo que se moldou ali entre fios de energia plasmática.
— Largue-a!!! — berrava Sean descontrolado.
— Não o ama como eu... Ai! — e Kelly foi arrastada pelo braço. — Está me machucando! — chorou.
— Largue-a!!! — Sean ainda gritava de longe.
— Não se meta!!! — Oscar gritou com ele.
— Mandei largá-la!
E Oscar a largou fazendo Kelly ir à areia.
— Você nunca fez nada direito, não Sean querido?
— Não sou seu querido!
— Não! Não é mais!
— Cale-se!!! — Sean explodia toda sua raiva contida.
Kelly chorava no chão que ondulava enquanto Sean se descontrolava. Ele se abaixou para levantá-la e viu Gyrimias apavorado ao segurar o GPS deles nas mãos quando Oscar outra vez levantou a mão e sem tocá-lo, segurou Sean com sua força paranormal.
— Ahhh!!! — ele sentiu todo seu corpo espremer-se.
— Sr. Roldman?! — e foi a vez de Zôra gritar. — Não faça isso!!!
— Cale-se bastarda!
— Oscar?! — e Mr. Trevellis se alterou como nunca havia se alterado com o velho amigo.
— Tudo culpa usa!!! — Oscar vociferava para Kelly que ainda chorava no chão quando Paolo se dirigiu até ela e foi lançado longe por Oscar.
E Sean voltou à realidade.
— Me largue Oscar!!! — Sean tentou se largar se vendo preso.
— Largue-o!!! — gritava Zôra.
Oscar então voltou a pegar Kelly do chão e ela voltou a sentir dor na pressão das mãos dele em seus braços delicados.
— Perdedor! — exclamou Kelly e Oscar a esbofeteando novamente. — Ahhh!!! — e Kelly foi ao chão que ondulou e ondulou e que derrubou Ebiere e Yerik no chão.
— Parem com isso!!! — gritou Felicity desesperada ao ver tudo ondulando.
— Não se meta!!! — e Oscar a fez voar para cima do telhado e lá cair desmaiada pega por Victor Hugo que olhou Mr. Trevellis olhando o domo ruir.
— Você é que um perdedor, Oscar! — Sean empurrou Oscar.
— Vamos! Vamos! — Mr. Trevellis tentou intervir para os dois.
— Não se meta!!! — gritaram Oscar e Sean uníssonos.
Mr. Trevellis não se meteu mais.
Bantuh e Zôra se aproximaram da roda que se formou entorno deles.
— Perdeu a amizade de meu pai! Perdeu o amor e respeito de minha mãe! Nunca me teve!!! — e Sean foi esbofeteado por Oscar.
Girou caindo novamente no chão que ondulava até perto das suítes.
— Eu nunca deveria ter deixado Fernando o criar! — apontava descontrolado, como até nunca havia sido.
Sean partiu para cima dele o socando.
— Sean não!!! — gritou Kelly ao vê-lo fazer aquilo.
Sean então arregalou os olhos. Olhou para sua mão que tinha sangue da boca de Oscar e o olhou sangrando, no chão, sabendo que aquele era seu sangue também.
— Você não devia ter nascido! Nelma não podia ter feito isso comigo!
E as palavras doeram realmente. Toda uma vida de questionamentos e dor, de dor pela angustia de ver sua mãe chorar quando sorria, de vê-la quere sair quando não saia do lugar, de ver seus olhos brilhando quando tirava férias em Londres.
— Por que tanta preocupação, Oscar querido? Nunca fui seu filho! — e Sean foi lançado longe
— Sean?! — gritou Kelly atrás do corpo dele.
Sean se levantou, agora com dificuldades, e Kelly o abraçou. Sean viu o rosto sujo pelo sangue, pela areia e a tocou. Oscar sentiu todo seu sangue ferver enquanto Sean puxava Kelly para longe e o piso inclinava, inclinava, inclinava.
— Você a prefere, não? Sempre preferiu! — Oscar se aproximou. — Uma funcionariazinha qualquer.
— Cale-se, idiota!!! — berrou Sean.
— Não Sean! Ele é seu pai!
— Ele não é meu pai!!!
— Você nunca devia ter assumido o comando da Computer Co.!!! — berrou Oscar não deixando Sean acalmar-se. — Fernando foi fraco mais uma vez!
Aquilo foi a gota de água para Sean. Ele se levantou e caminhou até Oscar com Kelly agarrada nele.
— Defina fraqueza Oscar? Porque era meu pai Fernando quem me dava ‘Boa noite!’ à beira da cama.
E Oscar o esbofeteou-o de novo.
Sean foi ao chão e toda a areia do Hotel Damaraland ondulou em meio há um grande estampido que estourou os tímpanos de todos.
— Ahhh!!! — gritaram todos ao tentar aliviar a pressão do som.
O céu avermelhou-se e o domo que cobria o Hotel Damaraland explodiu com faíscas caindo sobre todos.
— Ahhh!!! — e aquilo foi o fim do equilíbrio local.
Sean, Zôra, Lânia, Isadora, Bonilha, Narciso, Hélder, Bantuh, Enrichetta, Omana, Lenny, Yerik e Ebiere giraram. Seus órgãos se espalharam se misturaram, se desintegraram numa fenda fractal que se abriu e formou um extenso túnel.
— Sean?! — Kelly gritou ao vê-los se desmancharem. Ela tentava correr ao encontro dele, mas o piso de areia quente ondulava. Ela caía, levantava, caía novamente. — Sean, não!!! — desesperava-se Kelly.
Gyrimias só teve tempo de lançar o GPS no meio da imagem que se expungia e Sean, Zôra, Lânia, Isadora, Bonilha, Narciso, Hélder, Bantuh, Enrichetta, Omana, Lenny, Yerik e Ebiere desapareceram, os treze, e o piso parou de ondular, o céu parou de avermelhar-se e o domo que retinha o Hotel Damaraland preso em outra dimensão se reestruturou e voltou a fechar.
— Senhorita Kelly Garcia?! — gritou Gyrimias num som que mal reverberou.
Ela pulava e girava tentando tocar o nada.
— Onde ele está?! Onde ele está, Gyrimias?! Onde?!
— Senhorita?! — tentava Gyrimias segurá-la.
— Me larga Gyrimias!!! — gritava. — Sean?! Sean?!
— Srta. Garcia!!! — gritou Oscar.
— Eles foram levados! — explicou Paolo nervoso.
— Onde?! Onde ele está?! — Kelly tocava o nada.
— Srta. Garcia chega!!! — enervou-se Oscar. — Nós conseguimos! — Oscar exclamou e foi levado ao chão pelo soco de Paolo.
— Desgraçado! — Paolo vibrava pela emoção e Lumumba e Gyrimias correram para acudir Oscar caído. — O desgraçado sabia que a briga ia destruir o equilíbrio! — Paolo vociferava para Mr. Trevellis sendo seguro por Kaunadodo e Victor Hugo.
— E por que eles Oscar? Por que nós ficamos? — foi Mr. Trevellis quem conseguiu perguntar algo.
— O equilíbrio se reestruturou? O equilíbrio se reestruturou? O equilíbrio se reestruturou? — Felicity só queria saber.
— Parcelado... — Gyrimias mal conseguia assimilar o que lhes aconteceu.
— Quantos somos? Quantos somos? — Felicity se enervava.
— Não sei... Não sei... Éramos 25 — Palakika dava voltas em torno de si mesma, ao tentar contar todos.
— Viajaram treze? Viajaram treze? — Felicity se desesperava.
— Fala dos treze sinais? — Emiko quis saber.
— Ficamos em doze? Há equilíbrio? — insistia Felicity.
Palakika voltou a contar:
— Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze... Onde está o professor Antenor? — ela sobressaltou.
— Desequilíbrio! Desequilíbrio! — Kaunadodo chorava pelo medo, pelo susto, com a cabeça entre os joelhos magros, encostado na parede de barro.
Lumumba correu até a suíte de número dois e lá ficou pouco tempo. Voltou tão branco pelo susto que todos paralisaram ao vê-lo.
— O professor... O professor...
— Fale homem!!! — berrou Mr. Trevellis nervoso.
— O professor Dr. Antenor está no meio da sala, enforcado.
Todos se olharam.
— Como? — Gyrimias quis saber. — Ele se enforcou?
— Éramos doze e agora somos onze? — tentava Paolo entender.
— Calma! Calma! Depois descobrimos o que aconteceu, agora precisamos... — e Oscar parou de falar com os olhos esbugalhados olhando Victor Hugo sumir, apagar-se.
Victor Hugo se olhava. Como todos ali, não entendia o que lhe acontecia.
— Ele está sumindo?! — gritou Felicity apontando para o agente da Poliu.
Mr. Trevellis deu um salto longe dele e Victor Hugo se apagava como borracha no grafite.
— Não houve equilíbrio aqui!!! Não houve equilíbrio aqui!!! Não houve equilíbrio aqui!!! — berrava Kaunadodo.
— Cale-se!!! — estressou-se Lumumba. — Os insetos alienígenas vão equilibrar. Os insetos alienígenas vão equilibrar
— O que... O que... — Victor Hugo ia sumindo da vista de todos. — Mr. Trevellis?! — berrou num último intuito.
E Mr. Trevellis só teve tempo de arregalar os olhos esverdeados e Victor Hugo sumiu.
— Meu Deus!!! — berrou Felicity abraçada a Lumumba.
— Para onde ele foi?! — gritou Gyrimias.
— Minha Nossa! O que está acontecendo, Gyrimias? — chorava Kelly.
— Não sei Senhorita Kelly Garcia. Juro que não sei...
— Quantos somos?! Quantos somos?! Somos dez?! — berrava agora Emiko nervoso quando o domo voltou a cintilar.
— Olhem?! — gritou Palakika para cima.
E todos olharam para o domo que voltava a entrar em curto.
— Oh não!!! Oh não!!! — berrava Felicity.
— Somos dez não? Há equilíbrio não? — se desesperava Kaunadodo.
E Palakika olhou para mais adiante.
— Vejam! Vejam!
E todos olharam Yerik vindo de algum lugar, sujo de algo que parecia serem cinzas.
— Yerik? — correram todos e todos o tocaram.
— Parcelado o que acho, isso são cinzas vulcânicas?
— Vulcânicas? — Kelly arregalou os olhos. — De um vulcão em erupção?
— Como conseguiu voltar? Como?! — se desesperava Oscar com Yerik.
— Na-não sei... Na-não sei...
— Mas então eles voltaram a ser doze? — perguntou Oscar desesperado. — Voltaram? — perguntou a Felicity. — Voltaram?! — berrou para Paolo.
— Não podem estar em doze ou a fenda não abriria.
— Sabíamos que tinha que ser treze. Que era o número em que Lânia e Narciso chegaram.
— Mas Yerik voltou.
— E se Yerik voltou... — Paolo olhou Yerik ainda em choque, coberto por cinzas vulcânicas. —, então há alguém mais com eles.
E Oscar não sabia se foram as pernas que falharam pela idade ou a emoção de ver seu filho em perigo, mas foi ao chão.
— Oscar meu velho? — correu Mr. Trevellis a ajudá-lo quando Kelly também o segurou.
— Sean... — a boca amolecida quase não soletrou tudo aquilo.
— Veja ao longe o céu avermelhado! — apontou Felicity.
— O domo se estabilizou? — olhou Palakika.
— Como pode? Estamos em onze!
Um silêncio caiu no Hotel Damaraland e Palakika, olhou para Kaunadodo, que olhou para Lumumba, que olhou para Emiko, que olhou para Felicity, que olhou para Kelly, que olhou para Gyrimias, que olhou para Oscar, que olhou para Mr. Trevellis, que olhou para Paolo, que olhou para Yerik que arregalou os olhos a quase saltarem da órbita e todos viram Palakika derreter.
— Ahhh!!! — Palakika berrou e seu corpo girou a levantar a areia do chão e uma fenda fractal se abriu novamente fazendo uma força ventaneia iniciar.
— Protejam-se!!! — gritou Oscar no que um tufão desceu do domo e tocou o chão fazendo cabelos, areia e pessoas se erguerem do chão.
— Ahhh!!!
— Segurem-se em algo!!!
Mas o corpo de Kelly começou a ser arrastada pelo vento para a fenda.
— Socorro!!! — Kelly gritou e Oscar se jogou para segurá-la.
Quando Oscar começou a levantar voo, Lumumba usando de uma força fenomenal segurou Oscar que segurava Kelly que segurou Gyrimias no que ele escapou de onde se segurava.
Do outro lado Mr. Trevellis precisou de Kaunadodo e Paolo para segurá-lo e Emiko voou até parar enrolado na tenda armada com Felicity se segurando a ela.
O corpo de Palakika sumiu e a fenda começou a se fechar quando Felicity se soltou da tenda e seu corpo foi levado até a fenda, sem, porém conseguir entrar na fenda que se fechava, com pedaços do corpo da doutora sendo triturado e lançado para todos os lados.
— Não!!! Felicity não!!! — gritava Emiko desesperado.
Kelly sentia todo seu estômago a prova, e a fenda fractal fechou, a ventania parou e o corpo de Felicity caiu, se espalhando perante todos. Uma calma surreal se instalou no Hotel Damaraland e Emiko foi ao chão chorando, sendo amparado por Kaunadodo e Lumumba.
— Por que está tudo tão silencioso? — todos arregalaram os olhos para Gyrimias.
— Quantos somos?
— Nove!
— Alguém mais vai morrer?
Olharam-se minutos seguidos.
— Ainda ninguém sumiu... — Lumumba mal conseguiu falar.
— Ne-Nem di-diluiu... — tentou Yerik, também.
— É! — concluiu Mr. Trevellis. — Somos nove!
— Então como... — Emiko tinha o coração nas mãos.
E a calma surreal permaneceu ali.
11
40° 49’ 17” N e 14° 25’ 32” E.
O dia estava bonito e, como na véspera, se anunciava quente. Atores de teatro vindo de Roma se apresentariam no Grande Teatro naquele dia. O espetáculo começaria por volta das 11 horas da manhã e deveria durar, como sempre, até a noite. Os padeiros vendiam em suas cestas pães e doces a todos da arquibancada que já lotava. Era cedo, mas diante das thermopolia, bares ao ar livre, os consumidores já terminavam de beber suas últimas taças de posca e as lojas começavam a descer as persianas de madeira, em sinal de fechamento; todos pareciam estar indo ver o espetáculo.
Sean abriu os olhos, e mal conseguia ouvir o barulho das vozes à sua volta. Percebeu-se sentado no chão duro e um desenho se formou. Havia muita gente a sua volta e um homem passou por ele oferecendo-lhe pão. Sean arregalou os olhos azuis e o homem como todos à sua volta vestiam-se como greco-romanos.
No monte logo acima, verdejavam vinhas e olivais. Sean olhou mais para cima, e não havia uma única nuvem no céu avermelhado. Sean estranhou o local, o grande teatro à sua frente, o tempo quente, o ambiente em si. Todos também o estranharam sujo de terra usando um tipo de calça clara até então desconhecida, uma camisa polo branca e suja e um moletom cinza.
O padeiro voltou a oferecer pão às pessoas vizinhas a ele e Sean levantou-se atordoado com o local, com o calor, com a viagem, aonde, e o som chegou de vez até ele. Sean começou a se afastar saindo do que calculou ser um teatro ao ar livre e pessoas iam e vinham, muitas delas agitadas com o horário.
Corredores estreitos de terra batida se afunilavam e lojas com tendas abertas se amontoavam em meio a crianças que corriam o tempo todo. E embora o mês fosse de paisagens ressequidas, estradas poeirentas e nenhuma chuva, os jardins e pátios por onde passava brotavam em flor.
— Deus! Que lugar é esse? — se perguntou maravilhado com a beleza local quando se aproximou da fonte pública que jorrava água sem cessar e sentou-se atordoado, vendo nas esquinas das ruas, mulheres pobres carregando água em cântaros ao ombro ou à cabeça.
Sean voltou a olhar em volta, olhar para cima, e ver novamente o grande monte à sua cabeça. A cidade, seja ela qual fosse, ficava aos pés de uma montanha. Ele tocou-se percebendo que o GPS estava no seu bolso. Lembrava que Gyrimias havia jogado algo e que ele tentara pegá-lo, mas seus braços haviam se separado do corpo, e ele não tinha certeza de ter conseguido.
As coordenadas se moviam quando ele o movia e Sean olhou para o céu. Não acreditou que satélites de posição global existissem numa cidade onde todos se vestiam de greco-romanos antigos.
— Sean? — Lânia o chamou por detrás de uma tenda de frutas.
— Oh! Professora Lânia — abraçou-a, agradecendo aos deuses por não mais estar sozinho sabia-se lá onde. — O que houve?
Lânia se refez do abraço.
— Não sei — ela o puxou para trás da tenda onde estavam Zôra que o observava, Isadora que o desejava, Narciso que o odiava, e Bonilha, Hélder e Enrichetta com Bantuh que pouco entendia o redor ao lado de Omana que rezava, Lenny que chorava e Ebiere que a consolava.
— Você demorou, pois — falou Bonilha.
— Demorei?
— Merda! Chegamos a mais de doze horas — falou Lenny enxugando as lágrimas.
— Como sabem?
— O relógio de Narciso não parou, Sean bonitinho — foi Isadora muito solicita quem falou.
Narciso estava paralisado, apavorado, de tez realmente cadavérica.
— Acho que me desloquei naquela fenda quando Gyrimias... — e Sean parou de falar.
E parou porque não sabia bem o que falava.
— Vamos sair daqui! — anunciou Zôra entrando mata adentro após amarrar nas pernas o vestido verde que usava ainda no Damaraland.
Sean percebeu que ela também ainda tinha o lenço colorido na cabeça.
— Que cheiro de peixe — Enrichetta se enojou.
— Ohm! Estamos num mercado, esperta — para aquilo Narciso servia.
— Não diga? — Enrichetta se irritou. — Eu como Engenheira mecânica, Ph.D em Engenharia acústica não sabia disso.
Narciso nem ligou.
— É mesmo provável que tenha um porto por aqui pelo tamanho do mercado — Sean interveio contra vontade.
— Então onde estamos Sean bonitinho?
— Roma antiga? — Sean foi cínico com ela não gostando que ela voltasse a se soltar em relação a ele.
E os doze andaram muito até chegarem numa clareia onde grandes rochas faziam um bom esconderijo. Zôra estancou na frente de Sean o fazendo trombar nela. O calor do corpo dela afetou-o. Ela realmente mexia com ele.
— Use-o!
— Quê?
— Use-o, Sr. Queise!
Todos o olharam e Sean sentiu-se tão perdido quanto o local onde haviam chegado.
— Não entendi...
— O GPS! Eu o vi pegar no túnel.
Sean encarou uma Zôra totalmente transtornada.
— Não posso.
— Por quê?
— Estamos numa Itália antiga? Talvez? — usou do mesmo cinismo de antes.
— Estamos viajando em túneis do tempo, Sr. Queise — foi Hélder quem se intrometeu.
— Está dizendo que isso aqui é a Roma antiga? — Omana não gostou do que pensou.
— Estamos viajando no tempo, Dra. Omana — Sean olhou Zôra com nervosismo. —, inseridos na fenda, sei lá onde realmente, e no passado.
Todos se olharam.
— Fomos inseridos numa dimensão paralela mantida sobre ação vibracional pelos alienígenas — falava agora Zôra por entre dentes cerrados. —, do lado de fora a Terra continua no século 21.
Sean não gostou de como ela falou para com ele, mas sabia que não havia outra Terra atual correndo ao lado.
— Prove!
— Use o GPS! — Zôra arrancou-o de dentro do moletom e empurrou contra ele que sentiu dor onde o ferimento da lança ainda cicatrizava.
— Não posso!
Narciso riu nervoso:
— Ohm! Claro que ele não pode. Qualquer wormhole não estático e sem simetria esférica como aquela fenda fractal que abriu para nós, constituída por matéria cuja densidade de energia negativa é...
— Sim, Narciso — Hélder cortou-o. —, mas o feixe luminoso que entra numa boca de wormhole e emerge na outra tem uma secção eficaz que inicialmente diminui e depois aumenta ao atravessar a garganta.
— Use-o Sr. Queise! — voltou Zôra a insistir.
— Não sei o quanto viajamos.
— Use-o Sr. Queise!
— Já disse que...
— A conversão do decréscimo para o acréscimo da secção reta, eficaz é produzida pela repulsão gravitacional da matéria que constitui o wormhole, o que corresponde à existência de densidades de energia negativas. Use-o Sr. Queise!
Sean mal podia acreditar no quanto Zôra sabia.
— Não posso usar meus dons para isso!
— Use-o!!! — berrou Zôra chegando mais perto ainda de um Sean estático.
— A quem quer enganar Srta. Trevellis?
— Como é que é? — ela arregalou os olhos verdes.
— Sabe que fomos a Broken Hill! — e Sean viu todos se olharem. — Sabe que eu atirei no crânio do Neandertal que está exposto no Museu britânico!
Todos agora perderam a fala.
— Não se atreva Sr. Queise.
— Porque sabe tão bem quanto eu — e quase respirou o ar dela. —, que realmente estamos em 40° 49’ 17” N e 14° 25’ 32” E... — e Sean olhou para cima. — Em Pompéia!
E a terra toda tremeu.
As mulheres do grupo gritaram ao cair no chão. Narciso também gritou. Bantuh, Hélder e Bonilha caíram de um lado e Sean tombou do outro. O tremor não durou muito, quarenta segundos no máximo. Suficientemente assustador, porém.
— O que foi isso? — perguntou Isadora colocando a mão no coração.
— Sismo! — respondeu Lânia irônica. — Movimento do interior da Terra, o qual, conforme a localização de sua origem e produz ondas...
— Terremoto! — Sean cortou a explicação.
— Que medo... — Isadora não perdeu tempo e arrematou o braço de Sean que se soltou dela na mesma velocidade.
Ela resolveu dobrar seu autocontrole para com ele.
— Onde estamos afinal, Sr. Queise? — a calada Ebiere quis saber.
— Em Pompéia, Srta. Ebiere.
— Então se estamos realmente no passado, por que o GPS funciona Sean? — perguntou Lânia com carinho.
Zôra ficou enciumada.
— Não sei...
— E por que Zôra insiste em usá-lo?
— Porque meus dons podem se comunicar com Spartacus que ficou no século 21 — encarou Zôra. — Só que isso não é confiável. Porque nunca fiz isso — e Sean leu o GPS após o apelo nos olhos de Lânia. — Droga! 40° 49’ 17” N e 14° 25’ 32” E — Sean olhou para o longe; residências de telhados de terracota amarela e mosaicos de um azul e dourado brilhantes se mostravam.
Paredões que davam para beira-mar, com magníficas residências patrícias, todas com terraços, galerias, jardins suspensos, fontes e pérgulas. De seus pórticos pintados de vermelho, as casas luxuosas e elegantes, eram perfeitamente projetadas para a beira-mar.
— Seu medo é pela posição das estrelas terem mudado dentro da fenda? Porque parece ser mesmo Pompéia, uma cidade do Império Romano Sr. Queise — falou Omana.
— As flutuações no vácuo gravitacional, aleatórias e probabilísticas na curvatura do espaço-tempo devido às tensões entre regiões espaciais adjacentes é continua, e mutuamente retiram e restituem energia — disse Bonilha.
— Ohm! Para que a firula Bonilha? Mais um ‘Senhor Empírico’ que não sabe onde estamos? — Narciso falou do outro lado da clareira e quase foi socado por Sean, que foi agarrado por Bonilha e Bantuh e afastado por Lânia, Lenny e Omana. E Narciso ficou assustado com a reação de Sean que sabia que era dele que ele falava. — Nossa! — Narciso odiou Sean mais ainda.
— Está cem por cento, certo disso Sr. Queise? — Zôra se aproximou dele.
— Não sei como isso aqui ainda funciona se não tenho o azimute, Spartacus e os satélites lá em cima — Sean apontou para o céu ainda grudado, nela. —, mas acertei na Rodésia.
— Azimute? — Isadora também queria aquela aproximação.
— Cale a boca! — Lânia cortou seu caminho.
— Merda!!! — berrou Lenny até então calada. — Vamos começar de novo o desequilíbrio?
— Cale-se você desbocada...
— Controlem-se todos! — e Zôra se virou para ele. — Não sei se acertou ou não Sr. Queise, mas vamos ter que precisar saber bem onde estamos, para poder abrir nova fenda e sair daqui, já que éramos treze e Yerik sumiu. Além do que você apareceu noutro lugar — olhou em volta. —, e eu ainda não sei o que fazemos em Pompéia em número de doze.
— Achei que o número par nos trouxesse equilíbrio.
— Debaixo do domo a coisa até funcionava. Ou parecia funcionar.
— Porque a professora Lânia e o empolado do Narciso decifraram dois terços dos vinte e um sinais, e descobriram que com treze sinais já dava para desenhar o símbolo que abre a fenda — Lânia e Narciso se olharam. — A mesma fenda que você abriu para a ‘Era do gelo’.
— Sim Sr. Queise. E espero que esteja certo quanto Pompéia, já que me parece que está sempre certo quanto a tudo.
— Sem ironia Srta. Trevellis.
— Não me chame assim! Sou a Dra. Trevellis.
— Chega você agora Zôra! — Bonilha se enervou.
— E o que acontece conosco agora? — falou Ebiere. — Também podemos desaparecer como o Dr. Yerik?
— Sr. Queise sabe! — voltou Zôra a insistir.
— Desculpe-me! A enciclopédia está temporariamente fora do ar.
Isadora gargalhou com gosto e Zôra só a olhou.
— Acha que se estudarmos os treze sinais do fractal, nós talvez possamos tirar alguma medida? — propôs Enrichetta.
Sean suspirou totalmente descontrolado.
— Que tipo de medida que já não tenham estudado? Porque primeiro não temos a fenda aberta para compreendermos seus sinais, e segundo... Droga!
— O que houve Sr. Queise?
— Havia algo no chão quando apareci naquele teatro... Um desenho no chão, acho... Mas as pessoas começaram a ir e vir e sentarem-se nas arquibancadas, que me distrai com tudo.
— Merda! Também não me lembro de ter prestado atenção a algum símbolo — lamentou Lenny.
— Geralmente os fractais têm semelhança a um grau infinito, isto é, pequenas partes da figura são iguais ao todo. Assim os fractais têm dimensões não inteiras, e a sua dimensão é sempre inferior à do espaço que ocupa — prosseguiu Lânia.
— Consegue se lembrar Sr. Queise? — pediu Omana.
— Acho que não.
— E nem deve tentar — todos olharam Narciso fazendo um desenho no chão com pedrinhas. — Ohm! O que? Se ele tentar desenhar algo errado podemos ir parar no navio do Pirata barba negra.
— E por que um pirata seria... — e Isadora não pôde terminar porque seus lábios colaram pela força paranormal de Zôra.
Isadora a olhou furiosa e Lânia percebeu que algo a fez parar de falar, porque Isadora queria falar; e Sean também viu aquilo.
— É que o processo de cálculo envolve primeiro determinar o tamanho do objeto depois de se efetuar um dado aumento — Narciso enfim explicou.
— Ah! Você veio por algum motivo Narciso? — Isadora queria confusão logo que seus lábios foram liberados.
— Não Zôra — pediu Lânia sabendo que ela faria algo pior e Sean outra vez viu aquilo.
— Então esse é o esboço do desenho do crop circle que se fez sobre o Hotel Damaraland? — Bonilha apontou para o chão, para o desenho de Narciso feito de pedrinhas.
— Isso! — Sean encarou Narciso, olhou em volta, e voltou a encarar Narciso. — Acabe de desenhar o fractal que você viu no Hotel Damaraland antes de desmanchar.
Narciso ergueu-se contra a vontade do chão em que sentara e recomeçou a montar as pedrinhas, com todos acompanhando. Quando Narciso acabou, Sean e Hélder se aproximaram.
— Se fizermos a divisão entre o logaritmo... — Sean rearranjou o desenho. —, não interessa a base do novo tamanho e o logaritmo com a mesma base do anterior, do fator de aumento... — falava sozinho.
— Mas se aumentarmos duas vezes o segmento de reta este fica com o dobro de comprimento; cabem dois segmentos com a dimensão original no novo segmento — completou Hélder remexendo o desenho.
— Uma reta transformada em curva até completar o giro? — perguntou Sean.
— E chegamos numa onda evanescente.
— Ainda não! — Sean voltou a remexer o desenho de pedrinhas. — Mas se aumentarmos duas vezes o quadrado, este fica com o quádruplo do tamanho e cabem quatro quadrados com a dimensão original no novo quadrado... — e todos se olharam; porque só Lânia e Narciso estavam entendendo quando Sean digitou algo no GPS que Gyrimias lhe dera e arqueou as sobrancelhas. — A dimensão é então log 4/log 2 = 2... — prosseguia.
Zôra percebeu Lânia o admirando e Lânia ficou sem graça ao ver Zôra lhe vigiando.
— Sr. Queise? — chamou Zôra.
— E se eu ainda aumentar duas vezes o quadrado este fica com o óctuplo do tamanho — prosseguia Sean animado. —, porque cabem oito cubos com a dimensão original no novo cubo...
— Sr. Queise?
— A dimensão é então log 8/log 2 = 3...
— Sean?! — gritou Zôra e ele acordou. — O que está fazendo?
— Revendo as coordenadas.
— Por quê?
— Porque não podem estar certas — olhou em volta, olhou para todos novamente e olhou em volta como numa sequência.
— Por que não podem estar certas? — Hélder quis saber.
— Porque estão erradas!
— Ohm! ‘Porque estão erradas!’ — Narciso ria. — Quanta inteligência não é Zôra?
— Cale-se! — mas foi Lânia quem o repreendeu. — Ok?
— Ok! — falou Narciso sem muito empenho; e o fez porque tinha muito respeito e admiração por ela.
— Não é questão de inteligência, Narciso — Sean apontou para o chão. — É questão de contas. Porque como podem ver — mostrou Sean o desenho de pedrinhas de Narciso modificado. —, esta figura tem todas as características de um fractal, porém...
— O que descobriu Sr. Queise?! — Zôra perdeu a paciência.
— Gritar comigo não vai adiantar. 40° 49’ 17” N e 14° 25’ 32” E, Srta. Trevellis. Porque estamos numa região próxima de Nápoles. Vesúvio! — exclamou nervoso.
— Céus! Estamos na Pompéia destruída? — Lânia apavorou-se.
— Estou a acreditar, pois, que não pode ser... — Bonilha olhou para cima, para a montanha acima deles. — Ou ela ainda não foi destruída.
— Zôra nos garantiu que toda essa experiência seria plasmada — Narciso se alterava.
— Uma garantia sem garantias, não é Zôra bonitinha?
— Cale-se Isadora! Você não deveria ter vindo.
— Isso! Não deveria ter vindo! — e Isadora olhou Sean. — Porque sabe, Sean bonitinho, foram todos escolhidos a dedo — e gargalhou deixando Zôra mais furiosa ainda.
— Quem foram os escolhidos?
— Com certeza você Sr. Queise! — foi Hélder quem pôs mais fogo na fogueira.
— Quem filha de Trevellis?
— Não me chame assim!
— Quem?! — se enervou.
— Sua sócia é que não foi — voltava Isadora a se divertir e ela e toda sua beleza irritante voaram longe, para dentro da mata. — Ahhh!!! — gritou.
Ebiere, Omana e Lenny correram a acudi-la.
— Não podemos fazer isso Zôra — repreendeu Lânia.
Sean ficou sem respostas sabendo apenas que Kelly Garcia não estava na lista de Zôra Trevellis para uma experiência que estava longe de ser plasmada.
— Então não é uma viagem ao passado de Terra plasmada? — Enrichetta olhava Zôra que desviava o olhar.
— Não! O que nos diz que, se interferirmos, algo muito ruim vai acontecer a toda Terra — foi Sean quem respondeu.
— O que há?! — Zôra explodiu com ele. — Os espiões psíquicos da Poliu já viajaram no tempo e nada aconteceu — se defendeu. — Interagi, conversei e nada aconteceu.
— Você viajou com os malditos espiões psíquicos da Poliu? Porque nunca vi a Poliu fazendo nada certo.
— Cuidado, Sr. Queise. Isso aqui não é uma experiência de posições mal sucedidas.
— Viu? Até você não acredita na Poliu, ‘filha de Trevellis’?
— Não me chame assim! — partiu para o ataque dessa vez físico.
Sean foi empurrado com as próprias mãos dela, que se descontrolava cada vez mais. Sean chegou ao chão e se levantou furioso.
— Agora de nada vai adiantar qualquer descontrole Zôra — falou Omana vendo o desenho de pedrinhas de Narciso desmanchar. A terra parou de tremer e ela se virou para Zôra. — Temos que saber por que Isadora, Ebiere e Bantuh vieram.
Zôra ainda via Sean a encarando mais furioso ainda.
— O quê foi?! — ela explodiu. — A lista original continha treze pessoas, como dito antes, por causa dos sinais decifrados.
— Quem fez a lista?
Zôra olhou todos e todos olharam Zôra antes dela responder.
— Eles.
— “Eles”? Os insectóides?
— Sim!
— Deus... Então eles sabiam que... Deus... — e Sean desabou.
— Não sei o que eles sabiam nem o que anda fazendo com sua vida Sr. Queise, mas por isso precisávamos que você fosse a Namíbia com urgência.
— Minha parte... — Isadora sabia que Sean se incomodara.
Ela gargalhou e depois levantou as mãos dando a entender que não ia mais insistir e se afastou.
— A lista?
— Você, não sei por que — e Zôra viu Sean olhá-la nada amigável. —, eu Zôra como entomologista, Omana como botânica, Narciso como paleontólogo, Lânia como uma matemática semiótica, Bonilha como bioquímico, Lenny como metereologista...
— Merda! Eu não sabia dessa lista! — Lenny se alterou. — Eu nunca quis fazer parte dessa lista.
— Eu sei querida...
— Nada de ‘querida’. Merda! Fui para Namíbia porque Paolo me levou. Merda! Merda! Eu não sabia nada sobre experiência alguma.
— Prossiga! — voltou Sean a pedir perante o descontrole de Lenny.
Zôra prosseguiu:
— Enrichetta como engenheira acústica, Hélder como físico de plasma, Domingos como biólogo sistêmico, e que resolveu fugir e acabou morto. Então Isadora parece que veio no lugar dele. Não entendo só o porquê de dois paleontólogos aqui.
— Ebiere?
Ebiere arregalou os olhos e só.
— Não sabemos.
— Bantuh?
— Também não sabemos — Zôra olhou um e outro. — Mesmo porque Bantuh veio errado, a lista havia colocado a geóloga Ignácia, que por algum motivo rompeu o acordo.
— E Yerik?
— Yerik é um engenheiro genético. Sua vinda era primordial caso nos deparássemos com um deles.
— E a urgência se fez quando?
— Quando o domo começou a dar sinais de ruir, após Dalton desaparecer durante nossa chegada à Montanha Brandberg, e reaparecer com a luva e um inseto alienígena morto. Por isso, repito a importância de Yerik.
— Então a luva não veio sozinha?
— Não. O exoesqueleto estava incompleto. E Dalton afirmou que só havia uma luva com ele.
— E onde está a luva agora?
— Damaraland!
E Sean não gostou de como ela exclamou aquilo.
— Não sabemos o que aconteceu — emendou Lânia. — Só que as girafas vieram logo depois, no mesmo sítio onde os crop circles se formaram. Tentamos identificar para onde Dalton foi levado, a fim de que isso ajudasse no fractal, mas não conseguimos.
— Dalton disse que esteve com um ‘homem das cavernas’, e homens das cavernas é um estereotipo baseado nos seres humanos pré-históricos; não tem como saber quando e onde esteve professora — Sean se agitou. —, e ‘um local quente, com vulcões e atividades sísmicas’ pode estar se referindo ao final do período cretáceo quando os grandes répteis desapareceram, ou foram à extinção. Não há como humanos e dinossauros terem coexistido.
— A menos que fossem alienígenas — emendou Bonilha.
— Isso até faz mais sentido — sorriu Omana.
— Mas ‘um local quente, com vulcões e atividades sísmicas’ e ‘o céu avermelhou e ficou quente a ponto de seus ossos parecerem espremê-lo no peito’, chega mais próximo da teoria aceita pelos cientistas que um meteoro caiu na Península de Yucatán, México, no final do cretáceo, e a atmosfera entrou em combustão, incinerando tudo e todos há centenas de quilômetros da queda — emendou Sean.
— Equivalente a milhares de bombas atômicas — emendou Hélder.
— ‘E o ar tinha cheiro de enxofre’... E maremotos, terremotos e tsunamis se seguiram... — Sean divagava.
Lânia foi a primeira a perceber.
Depois Zôra o viu divagando.
— Sim Sr. Queise. O que levou a Terra a uma ‘ovalização’ nos polos, no que hoje é a Sibéria. Depois a formação de supervulcões, o que culminou no escurecimento da Terra — emendou Lenny.
— E que inviabilizou a fotossíntese — emendou Omana.
— Ohm! E o que tal aula de ciência nos diz? — Narciso prosseguiu irônico.
— Que estamos perdidos — gargalhava Isadora longe dali.
— Chegam os dois! — Lânia interviu. — Estamos ou não num planeta paralelo, Zôra?
— Não! Estamos no passado real! — Zôra enfim falou. Um ‘Oh!’ surgiu e ela só olhou Sean. — Contudo estamos sob vigilância. Não podemos alterar nada do passado ou o passado se alterará.
— E a Poliu parece que não aprendeu com os erros, não Srta. Trevellis? — Sean se aproximou de Zôra. — Só nunca imaginei que Mona fosse tão sórdida a esse ponto.
— Não sei o que Mona andou fazendo com seus espiões psíquicos, com você, comigo, mas não se arrisque Sr. Queise. Qualquer interferência e faremos um desastre maior que morrermos num passado que não nos pertence.
— E o que pode nos acontecer? O que? — Narciso olhou para Lânia. — O que? — Narciso olhou para Zôra. — O que? — Narciso olhou para o vulcão.
E a terra voltou a tremer.
— “O que? O que?” A erupção do vulcão no ano de 79 d.C. provocou uma intensa chuva de cinzas que sepultou completamente a cidade, que se manteve oculta por mais de um século — Sean estava atormentado com as ideias que lhe pipocavam.
— Merda! E isso foi antes? — Lenny quis saber.
— É claro que não! — Bonilha olhou para o Monte Vesúvio. — Já não disse que o monte está intacto?
— Mas então o que foi esse tremor? — Ebiere se apavorou.
— Em seus últimos anos de vida, os terremotos na região de Pompéia eram tão intensos, que muitas famílias venderam suas propriedades por preços irrisórios e abandonaram a cidade — emendou Sean. — Teve de haver uma intervenção do império para expulsar gente da classe baixa que se apossou de bens particulares e terras do governo.
— Ohm! Agora aula de história.
E Sean fechou os punhos para Narciso que pulou longe.
— Então o povo de Pompéia já sabia de algo, pois Sr. Queise?
— A história nunca contou isso, Dr. Bonilha.
Todos se agitaram.
— Temos que sair daqui de outra maneira! — Zôra olhava para os lados.
— Fugindo, não? — zombou Sean.
Ela não se deu ao trabalho de responder.
— As cinzas e lama moldaram os corpos das vítimas, permitindo que fossem encontradas do modo exato em que foram atingidas pela erupção do Vesúvio — Narciso começava a dar sinais de descontrole. — Se ficarmos aqui será nosso fim.
— Sr. Queise? — Ebiere suplicou.
— Diante de uma catástrofe Srta. Ebiere, o povo foge não importa para onde, mas se formos para o norte, seja pela ‘Porta Herculana’ do Vesúvio ou de Cápua, iremos como muitos foram na época, de encontro ao Vesúvio que se situa ao norte.
— É sabido que quem saiu pela Porta Marina, ganhando-se rapidamente a praia tenha sobrevivido — Hélder respondeu.
— Com exceção do mar agitado? — foi a vez de Enrichetta querer saber.
— Plínio o Velho relatou que as praias destas cidades estavam interditadas e era impossível desembarcar — interveio Lânia.
— Temos chegar ao porto e tentar atravessar Pompéia — concluiu Sean. — De Pompéia, restam às saídas ao Sul e ao Leste.
— Talvez quem por aí fugiu tão logo iniciou a erupção, tenha sobrevivido, uma vez que quem se retardou reunindo seus pertences, certamente pereceu — prosseguiu Lânia.
Zôra odiava ser excluída da conversa.
— Ohm! Não era bem essa a minha ideia de fazer parte das escavações de um sítio arqueológico, literalmente — Narciso foi repugnante.
— Pompéia estava situada a 22 km da moderna Nápoles. Como iremos atravessar Sean bonitinho?
— De barco, Sra. Gaston. Suponho? — Sean já não tinha paciência com ninguém.
— Não me chame de Senhora, Sean bonitinho — Isadora passou um dedo na camiseta dele.
— Por quê? — Lânia se alterou. — Deixou de ser casada?
— Sou viúva, não? — Isadora não tirou os olhos de Sean que não gostou do que pensou.
— Vaca!
— Merda! Merda! Merda! Podem parar as duas? — Lenny perdeu o controle.
Isadora levantou as duas mãos em trégua; debochada, porém e Lânia prosseguiu irritada com Lenny e Isadora.
— Certo é que o vento soprará para o Sul, a nuvem letal atingirá as encostas do Vesúvio e se abaterá sobre Herculanum, Oplonte, Pompéia, avançando em direção a Stábia — Omana ajudou. — Ela só atingirá Miseno no dia seguinte, quando o vento mudar de direção, Sr. Queise.
— Deixe-me lembrar... Deixe-me lembrar... — Sean se desesperava. — Antes de Pompéia ser edificada, a que foi destruída, claro, ao sul, o platô dominava o Sarno, o rio cuja nascente brota do monte Torrenone, um dos últimos contrafortes dos Apeninos, cerca de 20 km à leste da futura Pompéia.
— Se alcançarmos o rio...
— O rio tem uma larga e suave curva em sentido norte, costeando o sul do platô e desaguando no Golfo de Nápoles.
— O que fazemos aqui, Sean? — tentou Lânia entender.
Lânia fez todos pararem para pensar.
— Tirando o episódio do History Channel, não entendo a lógica desse Experimento ‘Contato!’, professora Lânia — falou Sean olhando em volta. — Não sei mesmo o que os alienígenas querem com isso além da inquietação provocada ante a noção de um perigo real ou imaginário. Por isso vamos arrumar um lugar para comermos algo e descansarmos. Amanhã de manhã, partiremos.
Todos concordaram.
12
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número três.
23 de outubro; 07h07min.
A suíte de número três foi invadida por uma Kelly, furiosa; Oscar Roldman era seu alvo de ataque.
— Quem é Zôra? — Kelly viu que Oscar não se deu ao trabalho de responder e ficou mais furiosa ainda. — Quem é ela?! — gritou e Oscar não se virou, continuando a digitar algo no notebook que ela reconheceu ser de Sean. — Sean o havia deixado no Hotel Heinitzburg — Kelly arregalava os olhos para computador sabendo que Oscar havia estado no hotel antes de ir lá.
— Não se preocupe, Sean está em boas mãos — só se limitou a falar aquilo.
E Kelly não gostou.
— Zôra é como Mona? — Kelly continuava a desafiá-lo.
Oscar começava a ter receios.
— Zôra é o que Mona jamais conseguirá ser.
— Ela é mesmo filha de Mr. Trevellis?
— Sean sabia que você conhecia a filha de Trevellis, Srta. Garcia? — se virou para uma Kelly agora embranquecida. — Porque Sean sabe que Nelma contou-lhe sobre Zôra e você mentiu a ele.
— Eu não... Sean não... — mesmo sabendo que sim, ele sabia tudo.
— Ele deve mesmo ama-la muito Srta. Garcia — e Oscar voltou a digitar algo.
Kelly engoliu aquilo tudo com a voz presa.
— A Sra. Nelma havia me contado sobre as filhas de Mr. Trevellis, e que uma delas tinha problemas mentais desde pequena. Não vi necessidades de contar a Sean...
Oscar parou de digitar e virou-se para ela.
— Não entende o que seja ‘problemas mentais’, não Srta. Garcia? Não pode entender o patamar de Zôra, simplesmente porque Trevellis montou aquela maldita ‘equipe’ de espiões psíquicos, amplamente financiados por Fernando, sob o comando de Mona, para preparar Zôra para ser espiã psíquica, uma viajante do tempo que...
— Que preparou todo esse esquema para viajar com seu filho — Kelly não podia ter sido mais cínica. E Oscar não respondeu. — E Sean descobriu?
— Sean nunca soube a extensão do que eram os espiões psíquicos. Além do que, Zôra ficou sabendo o que a Poliu fazia com ela e rompeu relações com o pai.
— Não teme o que possa acontecer a Sean?
— Ao contrário do que pensa, Srta. Garcia, amo meu filho.
— Se amasse...
Oscar ergueu-se com toda sua magnificência e Kelly sentiu-se assustada.
— Não se atreva a julgar-me. Sofro, porque Fernando me garantiu que Sean sofreria se eu contasse que era seu pai. Então nunca contei e sofri. E vi Sean sofrendo com algo, com um vazio existencial porque no fundo sua genética dizia que ele sofria. E nunca, nunca mesmo imaginei que seria minha, nossa genética que fosse fazer isso por mim. Porque Fernando sofre por Sean ter descoberto tudo ainda criança, porque ele olhava para mim e sabia que eu era seu pai, e que eu sofria — e voltou a se sentar e teclar.
Kelly teve vontade de chorar. Depois olhou a suíte onde noite anterior dormira com Sean. Não foi o que ela programara o que ela sonhara, mas sabia que Sean sabia de tudo e estava ao lado dela por escolha. Escolhas que ainda doíam em todos os envolvidos.
Ela se virou para sair e Oscar arrastou a cadeira quando se levantou. Ela se virou para olhá-lo de costas, olhando a Namíbia.
— Boa noite! — e abriu a porta.
— Amo Sean, Srta. Garcia, a ponto de ter preferido colocá-lo lá, lá não sei aonde, a tentar fazer algo para vê-lo ficar aqui e morrer sem lutar. Porque esses insetos alienígenas não estão jogando para perder.
Kelly arregalou os olhos bonitos.
— Quando eu disse que precisávamos ajudar Sean, você começou o desequilíbrio sabendo que o domo ruiria e a fenda abriria o levando. Mas conheço Sean o suficiente para saber que seus dons paranormais têm limites, pontos cegos, níveis de consciência que vocês não podem atingir... — ela viu Oscar brilhar seus olhos astutos, de homem de inteligência acima da média. E Oscar sorriu cínico voltando a se sentar e digitar no notebook de Sean como se nada tivesse acontecido até então. — Mas você não foi buscar esse notebook no hotel, não é Sr. Roldman? Porque não há domos para prendê-los aqui — e ela sabia que ele não se daria ao trabalho de retrucar. — Contudo, Sr. Roldman, deveria penetrar mais nos pensamentos de seu filho, ou nos da Sra. Nelma — e a cadeira agora rangeu no piso com a violência com que ele se virou para ela. —, porque o Centro de Controle de Voos Espaciais da Rússia informou antes da Sra. Nelma Queise me obrigar a vir para cá, e foi ela quem meu obrigou a vir — sorriu Kelly mais cínica ainda. —, que a Progress M-60 seria colocada em órbita por um foguete portador Soyuz-U.
— Sean fez o quê?! — Oscar enervou-se.
— O lançamento estava previsto para as 7h25min de Moscou, 0h25min de Brasília, a partir da base de Baikonur, no Cazaquistão, na manhã que partimos. Contudo, Sr. Roldman, não sei o que Sean queria com Spartacus, já que pode modificá-lo de qualquer lugar, de ‘lá, lá não sei aonde’ — e Kelly saiu sabendo que se Sean quisesse não participar daquele ‘Experimento Contato!’, ele não teria ido a Namíbia, com ou sem Isadora e suas minas de alienígenas, e da Namíbia saído a hora que o conviesse.
E Kelly saiu sem o ouvir falar nada.
13
Pompéia, Nápoles; Itália.
40° 45’ 0” N e 14° 30’ 0” E.
79 d.C.; 10h00min.
A manhã terminava em Pompéia, e mais de cinco tremores haviam se somado àquele presenciado pelo grupo. Nas ruas, todas as tabernas acabavam por abrir e vendiam pão, queijos, vinho, nozes, figos e pratos quentes. Apesar da sua localização e da espécie de frequentadores, a casa não aparentava aquela miséria sórdida característica de um antro, com cores vistosas decorando as paredes, lâmpadas de bronze acesas em todo seu entorno.
O homem de braços nus, avental branco, e toalha enfiada de qualquer jeito no cinturão, indicava ser o dono da taberna. Ele arregalou os olhos para ao casal negro que estendiam a mão em pedido de comida. O taberneiro pompeiano entregou um tanto de comida numa tigela, os achando ambos, escravos exóticos de algum nobre estrangeiro. Bantuh queria explicar, mas Ebiere achou que calados ganhavam mais. Lojas de cereais e verduras, fazenda e artigos de pesca, estavam abertos havia horas, e foi a vez de Lânia e Omana também conseguirem alguns alimentos que eram aos poucos deixados para trás na feira. Depois, os quatro reunidos, prosseguiram mais adiante. Bantuh apontou uma padaria e Lânia permitiu que ele fosse. Bantuh se aproximou de uma casa, o padeiro e seus ajudantes preparavam-se para tirar do forno as formas de bronze com bolos e tortas e ele surrupiou dois. Os quatro retornaram ao esconderijo e os alimentos foram distribuídos ao grupo.
Eles comeram e se puseram a andar em sentido ao Sul enquanto o Vesúvio ainda não dava sinais de fumaça alguma.
— Preciso descansar — anunciou Isadora de repente sentando-se no chão.
— Estava até agora sem fazer nada — reclamou Enrichetta.
— Bastam as duas! — Sean olhou uma e outra. — Venha! — ergueu Isadora do chão com tanta força que a machucou.
— Ouch!!! — gritou Isadora.
— Pare de reclamar! — exclamou não muito amigo. E Sean vinha por último para dar segurança ao grupo quando voltou a agarrar. — Falei para andar! Vamos!
E Isadora não se fez de rogada quando girou o corpo, e segurou o rosto dele com tanta força, que Sean mal pode escapar do beijo. Ele percebeu pelo canto do olho que Zôra voltava para vê-los.
— Problemas Dra. Gastón? — Zôra cortou-lhe o afago.
— Estou cansada... — ela parou o beijo a contragosto. — Não pedi para vir — Isadora completou encarando Sean que começava a se incomodar com a situação.
E Isadora também dava sinais de quem não gostava de ser interrompida.
— Ninguém pediu para vir Senhora — ele foi frio.
— Não me chame mais de ‘Senhora’ Sean bonitinho. Não vai gostar de me ver furiosa — e Isadora limpou os lábios dele.
Sean não soube o que falar; nem o que fazer e Zôra o odiou mais que tudo.
— Ohm! Quero descansar também! — Narciso estancou mais a frente dando sinal de não querer arredar o pé olhando o relógio de pulso. — Ainda é cedo!
Sean o ergueu pelo colarinho da blusa de linho que usava desde o café da manhã no Hotel Damaraland.
— Por base nos relatos de Plínio o Jovem, a erupção, começou às 13 horas — Sean estava totalmente descontrolado. — Não vou ficar aqui para fazer contas se seu relógio está em conformidade ao horário GMT ou não.
— Sean... — falou uma Lânia mais comedida. — Estive pensando sobre Dalton — e Lânia via que Sean ainda segurava o colarinho da camisa de Narciso, que tremia tanto que todo percebeu seu controle urinário falir.
Sean o soltou e ele correu para uma moita. Mas não antes dele ver que algo caiu do bolso da calça de Narciso, e que recuperou e guardou-o.
Era um pedaço de papel em que Bantuh trouxera algumas frutas embrulhadas da feira, e que provável Narciso havia algo rabiscado ali.
— No que mesmo pensava professora? — Sean ainda olhava para a moita em que Narciso sumira.
— Ãh? Ah! O Vesúvio sofreu diversas erupções. Claro que a mais conhecida, foi a de 79 a.C., mas houve muitas outras na pré-história, incluindo pelo menos três de significante impacto, sendo a mais conhecida, a erupção de Avelino por volta de 1800 a.C..
— Merda! É verdade! — Lenny se exaltou. — Isso explicaria a visão de Dalton quanto o céu avermelhado e o calor.
— A erupção de 1800 a.C. cobriu diversos povoados da Idade do Bronze, e depositou no Monte Vesúvio aproximadamente 0.32 km³ de pedra púmice branca, enquanto uma segunda e mais intensa explosão levantara uma coluna de 31 km e depositara 1.25 km³ de pedra púmice cinza — Sean pensava em algo maior.
— O que me leva a crer que era aqui que os insetos alienígenas trouxeram Dalton.
— E no instante da erupção de 79 d.C., em Miseno, a mãe de Plínio notificou que uma estranha nuvem aparecera no céu e Plínio, tio e sobrinho, procuraram um local de onde avistá-la melhor — Omana falou entre uma mordida e outra de pão quando outro tremor agora mais forte derrubou os doze do grupo no chão.
Crianças desesperadas passaram perto dali. Sean as ouviu gritar, e correu para onde os gritos foram ouvidos.
Zôra foi atrás dele.
— O que houve Sr. Queise? Por que correu?
— Eu... — Sean olhou em volta. — Ouvi crianças gritarem — e se virou para correr outra vez.
Zôra o segurou pelo braço e ele estancou não a compreendendo.
— Não pode!
— Quê?
— Não pode interferir Sr. Queise. Não pode avisá-los do perigo.
Sean percebeu que ela lia seus pensamentos.
— Deus... São crianças.
— Eles passariam isso ou outra coisa.
— Mas as crianças... — Sean fez menção de ir atrás das crianças e outra vez Zôra o segurou.
Ele gostou e não gostou do contato.
— Entendeu ou não? — e Zôra se foi.
Sean engoliu aquilo a seco, e voltou para perto dos outros, quando de relance pareceu ter visto alguém ao seu lado.
— Olá? — mas ninguém apareceu. — Olá? — Sean novamente olhou em volta. — Tem alguém aí?! — gritou.
Zôra se aproximou novamente.
— O que foi agora?
— Vi alguém ali — apontou para o lado.
— Deve ser alguém da região. Vamos! Precisamos nos apressar! — e se foi mais uma vez.
Sean ficou ali mais alguns segundos, com a sensação de estar sendo espreitado, mas desistiu. O grupo andava rápido por caminhos desconhecidos, o cansaço voltava a bater. Zôra sentiu algo queimar-lhe o braço direito.
— Ai!!! — gritou ao cair no chão.
Bantuh e Sean correram.
— O que houve? — Enrichetta perguntou ao mesmo tempo em que viu o braço direito de Zôra queimado.
— Eu — ela olhou em volta. —, não sei.
Bantuh olhava em volta também. Arrancou algumas folhas de árvores que cresciam ao redor e as cheirava incessantemente. Omana tirou das mãos de Bantuh as plantas sabendo o que ele fazia, e fez do lenço de Zôra uma atadura amarrando-a, espremendo-as até que um caldo verde escorrer sobre a ferida.
— Veja! — apontou Lânia para o chão.
Sean alcançou algo que destruíra a plantação rasteira. Era pequena, e quente.
— Ai! — Sean largou no que a pegou.
Depois pegou um pedaço de galho e a ergueu do chão.
— O que é isso? — Hélder quis saber.
Sean arregalou os olhos azuis para Lânia no que Bonilha, Narciso, Ebiere, Lenny, Enrichetta e Isadora se aproximaram.
— Lapíli!
— Fragmentos piroclásticos? — Bonilha se adiantou.
— Ignácia seria de bom uso aqui e agora — emendou Enrichetta.
Sean prestou atenção na Engenheira mecânica, Ph.D em Engenharia acústica com interesse, porque sabia que a utilidade de uma geóloga no grupo era maior que aquilo. Depois encarou Zôra que pareceu querer mudar o pensamento para não ser descoberta, quando um uivo chegou até eles. Sean olhou para cima e entendeu o uivo que ouviam.
— O tempo não está passando normalmente aqui. Os eventos estão mais adiantados.
— Como assim, Sr. Queise? — Ebiere se perdeu na explicação.
— As lapílis são ejetadas já no estado sólido ou ainda em fusão? — Sean desconfiava de algo.
— Ohm! Ambos! — Narciso quis ser engraçadinho.
— Os fragmentos piroclásticos são classificados, pelo tamanho, em cinzas de dois mm de diâmetro, em lapíli de dois mm a 64 mm de diâmetro e bombas ou blocos de 64 mm de diâmetro — Enrichetta tinha um pouco de conhecimento.
— Erro temporal, pois?
— Provável Bonilha! — Sean olhou em volta e encarou Isadora. — Onde estão as girafas?
— “Girafas”?
— Não se faça de desentendida que eu sei que faz gênero, ‘Senhora’ Isadora Gastón. Você é inteligente, expert no seu ramo, ou a Poliu não a teria contratado para essa empreitada.
Isadora gostou de vê-lo daquele jeito. Contudo Zôra sentiu-se a mais atingida. Continuava no chão a sentir dor.
— Não sei do que fala Sean bonitinho — Isadora tocou seu peito.
— Não me toque! Não te dou este direito.
— Qual é Sean bonitinho? Por que a cisma comigo?
— Onde estão as girafas, Isadora? — Sean se enervava com ela.
— Não sei.
— Por que os alienígenas não as caçam como faziam antes?
— Já disse que não sei.
— Sabe!
— Não sei!!! — Isadora gritou o encarando.
— Você sabe tanto, que sabe até o porquê de elas ainda não aparecerem. Nem por que não apareceram quando resgatamos Kelly na Era do gelo.
— Qual o preço?
— “Preço”?
— Porque não vai conseguir nada comigo se não me der o quero — e o tocou nas calças.
Sean recuou.
— Ohm! Quanta sede minha cara — Narciso se divertia.
— Sua piranha... — Lânia foi para cima dela.
— Controle-se!!! — gritou Zôra e todos se calaram. Depois se virou para Sean. — Temos que sair daqui!
— Como? — perguntou ele transtornado, sem conseguir tirar Isadora de sua visão.
— Pelo mesmo túnel de curva fechada que nos trouxe, Sr. Queise?
— “Túnel”? — todos o olharam e Sean só olhou Hélder que pensava. — Não abrimos buracos de minhoca na esquina.
— Sabe que é relativamente simples encontrar soluções das equações de Einstein, com uma rotação em torno de um eixo, que gerem curvas temporais — Zôra parecia entender do que fala. — Tem poderes para fabricá-los!
Sean caiu em sonora gargalhada e parou na seriedade de todos.
— Estão brincando, não? Porque sabemos que é relativamente simples encontrar soluções das equações de Einstein que gerem curvas temporais fechadas, porque passamos por uma delas, se não percebeu — Sean a desafiava. — Mas fabricar uma?
— Ahhh!!! — Narciso explodiu perante a discussão. — Eu sempre disse que não queria viajar!!! —Narciso gritou com Zôra e Bantuh correu a se pôr na frente dela. Então Narciso se voltou a Sean. — Idiota! Ela nos trouxe sim!!! — e Narciso foi para cima de Sean Queise que caiu no chão não acreditando na força que o empolado tinha.
— Existe uma grande variedade de soluções das equações de Einstein contendo curvas temporais fechadas, mas duas características parecem se ressaltar — Hélder interferiu na confusão. —, soluções com inclinação dos cones de luz devido a uma rotação em torno de um eixo com simetria cilíndrica; e soluções que violam as condições de energia da teoria da gravitação de Einstein, a Relatividade Geral.
E todos gritaram perante o som ensurdecedor.
— Ahhh!!!
Zôra, Sean, Narciso, Bantuh e Lânia caíram para um lado, Bonilha, Hélder, Ebiere, Omana, Isadora, Enrichetta e Lenny para o outro.
— Merda!!! — gritou Lenny ao olhar para cima.
O Vesúvio expelia uma grande quantidade de fragmentos de rocha e uma grande quantidade de uma mistura de vapor de água, cinzas e magma liquefeito. Uma enorme coluna de vários quilômetros de altura subiu feito um cogumelo gigante.
— O que é... — Bantuh perdeu a voz.
— Aquilo?! — gritou Isadora no complemento.
O som ensurdecedor não deixava escutarem-se.
— Calma!!! A fase inicial, de queda de pedra-pomes não é particularmente letal!!! — gritava Bonilha. — Daí, pois que os autores disseram que a maioria das pessoas havia sobrevivido à fuga!!!
— E agora?! — gritava Isadora não levando muito em conta a história dos autores de Bonilha.
— Não sei!!! — gritava Lânia para ser ouvida.
Mais um estrondo e foi a fase terminal. O chão tremeu, o som realmente ensurdeceu a todos não permitindo ouvirem os gritos lançados em longas distâncias.
E a visão de uma erupção se formou na retina de todos.
— Vamos!!! Temos que sair daqui!!! — gritou Sean ao levantar Zôra do chão.
Bantuh a tirou de seus braços e Sean correu com os outros.
Uma parcela de pompeianos se abrigou em suas casas ao ver que o tampo do Vesúvio havia sido destruído, outra parcela correu, abandonando seus abrigos, suas casas, tomando ou não o cuidado de levar consigo seus tesouros, com milhares se dirigindo às portas da cidade.
— Sean?! — gritou Lânia apontando para o céu.
E a noção de dia e noite se perdera no instante em que o céu escureceu rapidamente. Uma chuva densa, carregada de vapores clorídricos caiu sobre Pompéia.
— Arranquem um pedaço da roupa!!! Tentem fazer uma máscara!!! — gritava Sean.
— Para que?! — Lenny queria respostas.
— Não discuta!!! Foi pela intoxicação por gás, e não por soterramento, que morreram as pessoas em Pompéia!!! — gritava Sean atrás de Bantuh que ajudava Zôra a correr mais rápido.
Todos obedeceram.
— A primeira guerra química contra o homem foi feita pelo Vesúvio!!! — gritava Lânia correndo.
— É!!! — gritava Narciso. — Uma verdade!!!
Isadora continuava para trás. Sean não teve alternativa a não ser voltar e puxá-la. Ela gostou do contato. Zôra não.
Muitos habitantes de Pompéia haviam perdido tempo precioso se refugiando, e quando resolveram sair pela porta de Herculanum aquilo significou ir jogar-se numa tempestade que nenhuma construção ou abrigo poderia amenizar. Sufocados e cegos eles buscavam abrigo desesperadamente.
— Onde estamos?! — tentava Enrichetta enxergar.
— O que é isso?! — Narciso tentava tocar o ar e enxergar através dele ao mesmo tempo.
— Jazigos!!! — Ebiere quem respondeu.
— Merda! Estamos num cemitério?! — gritava Lenny para ser ouvida.
Isadora caiu no chão batendo a cabeça em algo duro e gelado. Ela ficou lá desacordada. Sean outra vez voltou atrás e socorreu-a, erguendo-a desmaiada por um ombro e Bonilha pelo outro. Bantuh não soltava Zôra.
Uma mulher carregava uma criança, correu para se abrigar num mausoléu quando este desabou sobre ela. Sean ia atrás dela.
— Me larga!!! — gritou Sean ao ser agarrado por Zôra e posteriormente por Bantuh.
— Não pode fazer nada!!! Já disse!!!
Isadora acordou e Bonilha e Narciso a ampararam quando outro grupo de quatro pessoas, dentre as quais uma mulher ricamente enfeitada, apertando um bebê contra o seio também se refugiou com pressa, sob o outro lado do pórtico da tumba, mas o pórtico também desabou matando todos.
— Deus!!! — Sean não queria acreditar no que seus olhos viam. — Deus!!! Deus!!! — ele revivia a história.
— Controle-se Sr. Queise!!! Não pode salvar poucos e não todos!!! — gritou com ele no que se aproximou dele em meio a escuridão.
Sean olhou em volta perdido com a bronca dela.
— O que...
— Não se faça de idiota!!!
Sean não gostou de como foi tratado.
— Posso tentar ao menos... — e recomeçou a andar
— Sean, não!!! — Zôra foi firme o segurando com força.
O resto do grupo chegou. Bantuh e os outros viram Zôra segurá-lo pelo braço. Isadora não gostou Narciso idem. Lânia teve um ciúme contido e Lenny, Omana, Enrichetta e Ebiere estavam apáticas à situação.
Sean se desenvencilhou dela e saiu sendo seguido por todos. Zôra ficou lá por instantes, olhou em volta apertando os olhos esverdeados e astutos. Sentiu que mais alguém estava ali e não pertencia a Pompéia.
Ela voltou ao grupo sem comentar.
— Cuidado!!! — gritou Lânia apontando.
Uma massa de gente invadiu o espaço e eles começaram a ser empurrados. Alguns pompeianos também queriam dar meia-volta e se deparavam com a massa que tentava descer. Zôra, Bantuh, Enrichetta, Lenny, Ebiere, Isadora e Lânia foram derrubados. Bonilha, Hélder, Omana e Narciso foram arrastados pela multidão, que como perceberam, estavam desesperados na escuridão que se transformou o dia, ao pé do Monte Vesúvio.
— Narciso?! Omana?! Hélder?! — chamou Bonilha agarrando-se numa estátua que adornava a praça.
Narciso esticou a mão para se segurar em algo, em alguém que tomava o rumo contrário, mas foi outra vez arrastado pela multidão desesperada, ensandecida.
— Socorro!!! — gritava Narciso sendo levado muito rápido; crianças, mulheres e homens que também gritavam na escuridão.
Sean também foi levado pela massa desinformada que fugia para o mar. Ele sentiu a umidade, o cheiro de peixe e o desespero tomou conta de si.
— Sean?! — Lânia o chamou.
Ele a viu em meio a fumaça espessa, enegrecida que descia do céu. Assovio do vento que à beira do mar recobravam toda a sua fúria mostrando uma cena bucólica. Gente que se esmagavam uns contra os outros; muitos pisoteados. Sean caiu sobre corpos caídos, agonizantes, calcinados. Ele não acreditou no que viu. Alguém morria antes da fumaça quente o calcinar.
— Erro temporal? Por quê? — Sean se perguntava atônito olhando para cima, vendo uma nova onda de fumaça. Agora eles estavam sendo tomados pelo calor enquanto alguns cozinharam ao lado dele.
Sean correu até sentir que a areia debaixo dos seus pés dera lugar a terra batida, a calçada de pedras. Ele voltava de onde havia saído de onde começara a ser empurrado.
“Sean?”, Zôra o chamou pelo pensamento.
Ele seguiu seus instintos, seus pensamentos. Encontrou todos debaixo do que já fora um jardim cheio de flores que cobriam lindos pergolados de mármore.
— A porta de Stábia também foi soterrada — anunciou Narciso ao conseguir voltar com Bonilha do fluxo a que foram levados.
O cansaço começava a ser sentido, o grupo perdia o equilíbrio em meio a escuridão.
— Vamos mais rápido!!! — ordenou Zôra tomando outra direção.
O piso não parava de se mexer.
— Mas há um vulcão em erupção!!! — Narciso teimava em não fugir.
— Os gases vão nos matar, idiota!!! — gritava Hélder que gostava do termo usado.
Narciso parou de reclamar. Pelo menos perto de Hélder.
— Temos que fugir mais rápido do que reclamam!!! — Sean se enervou.
— Em 79 d.C. o vento soprava de Norte para Sul, o que impediu que a nuvem se abatesse sobre Nápoles e Miseno, e Miseno dista cerca de 30 km a noroeste do Vesúvio!!! — gritava Zôra. — Não vamos conseguir assim!!!
Sean olhou em volta e todos o fizeram.
E ele tomou outra decisão.
— Qual é sua técnica Srta. Trevellis?! Qual é a sua maldita técnica?! — insistia Sean aos gritos.
— Efeito túnel, reflexão interna total, onda evanescente, ressonância de plasmons de superfície!!!
Sean ergueu o sobrolho.
— Quê?!
— Girando Sr. Queise!!! — e Zôra só o tocou.
Sean girou tantos graus que perdeu a noção do peso. 360, 720, 1080, 1440, 1800, 2160 graus.
— Ahhh!!! — gritava Sean na terra que ondulava como uma onda evanescente na superfície.
Zôra outra vez viu que não estavam sozinhos. Contudo sem muito tempo para falar ou fazer algo.
Tudo se avermelhou à beira do vulcão que soterrava Pompéia e eles foram lançados juntos, no que se transportaram por um wormhole.
14
22° 8’ 0” N e 90° 8’ 0” E.
Quando Sean Queise abriu os olhos, havia muita gente ao seu redor, abaixo dele, por todos os lados. Ele sentiu o frio erguer seus cabelos loiros os deixando em desalinho, empoeirados anteriormente pela exposição à pedra-pomes do Vesúvio.
O trem corria em velocidade assustadora e ele sentava-se em cima do teto dele.
Havia homens, crianças, senhoras de todas as idades com malas e bolsas, mochilas, sacolas feitas de pano nas costas, nas mãos, no colo. Sean olhou em volta não acreditando, estava sobre um trem lotado de viajantes. Inclinou-se no que pôde e viu que as janelas, portas e provavelmente todos os vagões estavam apinhados de gente quando o trem deu uma parada brusca e como num formigueiro feito de gente, todos se puseram a descer de todos os espaços visíveis e possíveis dele.
Sean desceu atordoado pisando em uma estação. Viu que as mulheres usavam vestidos compridos, alguns na tonalidade vermelha e que tinham outro tecido transpassado por cima dele. Algumas tinham turbante, usavam joias no centro da testa e todos tinham uma pele escura, avermelhada. Ele teve certeza de ter saído da Itália. Ao menos dos anos que iniciavam os séculos depois de Cristo.
Tocou-se, ainda usava a roupa com que saíra do Hotel Damaraland, janelas e camisa polo, já não tão branca assim. E o GPS funcionava ali também.
— Latitude 22° 8’ 0” N e Longitude 90° 8’ 0” E? — leu olhando em volta, fazendo contas; olhando para cima. — Deus... Se 23° 42’ N e 90° 22’ E, fica em Dhaka, capital de Bangladesh; então devemos estar em alguma cidade costeira, ao sudoeste de...
E Sean tentou pensar em Spartacus e como ficava difícil se comunicar com o satélite de observação por pensamento.
“Algo aconteceu!”; teve certeza, e teve certeza de ter sido Mr. Trevellis a fazer aquilo.
Olhou em volta e olhou-se.
— Bangladesh. Índia. Que eu vim fazer aqui?
Havia um movimento frenético nas ruas de terra batida da cidade aonde chegara. Bicicletas nuas, bicicletas vestidas, bicicletas novas, bicicletas com toldos, algumas cheias de franjas feitas de contas brilhantes, bicicletas de todo jeito. A cidade inteira parecia andar de bicicleta. Sean Queise tentou entender o que fazia ali, no meio de uma rua movimentada, com mulheres e homens indo e vindo em bicicletas. Mas tinha fome, sede, precisava arranjar uma maneira de encontrar o resto do grupo.
Ficou na duvida se eles não estavam no trem que o trouxera e resolveu meio duvidoso voltar à estação de trem quando uma mulher de cabelos em desalinho e roupas indianas curtas, andava a sua frente. Nem sua roupa pouco recatada nem seu andar vulgar, se encaixavam com o redor.
— Isadora?! — Sean chamou-a.
Ela virou para trás.
— Sean bonitinho! — tocou-o diretamente em seu rosto o puxando com tanta rapidez que Sean não escapou do beijo.
Sean afastou suas mãos com força.
— Enlouqueceu Isadora? — mas ela voltou a segurá-lo com força e outra vez Sean foi beijado. — Basta!
Ela riu escandalosamente. À frente dela caminhava Narciso, Hélder, Omana, Lenny, Enrichetta Bonilha e Bantuh usando roupas largas e turbante. Eles os perceberam e voltaram passos atrás quando Bantuh chegou perto e o olhou apavorado.
Sean logo entendeu por que.
— Onde está Zôra, Ebiere e Lânia?
— Não sabemos. Acordamos debaixo de um... um...
— Na marquise de um edifício — completou Isadora sem paciência.
— Elas não estavam em volta?
— Não.
— Chegaram agora? — Sean olhou um e outro.
— Chegamos de noite, ontem a noite, pois. Quando amanheceu, Bantuh arrumou roupa para nós.
— Esqueceu-se de arrumar algo mais decente para Isadora, Bantuh? — Sean olhou-a.
— Ela não quis! — foi Enrichetta quem teve gosto em falar.
— Cuidado sua velha...
— Cuidado você, Senhora Gastón — Sean enervou-se. — Mantenha a compostura. Estamos numa terra mulçumana.
— “Mulçumana”? — Hélder se assustou.
— Onde estamos Sr. Queise? — Bonilha quis saber.
— A sudoeste de Bangladesh. Índia.
— O que fazemos aqui? — Narciso mal ouvia suas palavras, até se achou um pouco surdo.
— Percebe que já não estamos nos anos...
— Já percebi Dra. Enrichetta — Sean olhou em volta. —, e vamos procurar abrigo. Depois vamos sair pelas ruas para que Lânia, Ebiere ou Zôra possam nos ver.
Todos obedeceram.
— Que ano estamos?
— Não sei. Vamos ver — apontou Sean ao pegar um jornal da mão de um garoto que o amassava. — Consegue ler, Narciso?
Narciso olhou o jornal.
— Não! — exclamou com desdenho passando o Jornal da Manhã Paulista para Enrichetta.
— Deixe-me ver — Enrichetta pegou o jornal. — Trabalhei na Índia por dez anos. Conheço Dogri, língua oficial de Jammu e Caxemira, também conheço Maithili, língua oficial de Bihar e conheço Manipuri ou Meithei, língua oficial de Manipur... — e fez uma careta. — Mas isso aqui é bengali, uma escrita brâmica, muito similar ao devanagari usado pelo hindi e pelo sânscrito... — e Enrichetta não pode terminar porque Sean se virou com toda velocidade e arrancou o jornal das mãos dela.
— Leia! — Sean quase impede o fluxo de ar de Narciso ao lançar o jornal no estomago do Ph.D em matemática.
— Eu já disse...
— Leia!!!
Narciso encolheu-se. Ficou apavorado por Sean saber que ele sabia ler bengali.
— Barguna.
— “Barguna”? Distrito costeiro de Bangladesh. Baía de bengala de marfim acobreado — Sean arregalou os olhos azuis.
— Isso faz algum sentido, Sean bonitinho? — Isadora queria passar a mão nele.
Sean recuou antecipando o pensamento dela. Não entendeu como os pensamentos pareciam fluir mais facilmente do que antes, até mais do que no Damaraland.
— Sabe o que significa Sr. Queise? — Omana quis saber sem perceber aquilo.
— Ainda não — Sean se voltou para Narciso novamente. — Leia o nome do jornal.
— “Dainik Dipanchal”.
— A data? Tudo! — falou sem paciência com o Ph.D
Ele agora o temia.
— Dainik Dipanchal. Barguna, 10 de novembro de 1970!
Sean recomeçou a andar e todos o seguiram.
— Nossa! 79 d.C. e agora 1970, pois? — Bonilha parecia não conseguir pensar. — Por que a disparidade?
— Deve haver uma resposta, Bonilha... Em algum lugar deve haver — e Sean parou olhando o chão. — Barguna é um distrito localizado na divisão de Barisal, no sudoeste do Banglades; Blangadesh. Estamos no Golfo de Bengala.
— O que fazemos aqui?
— Não sei... — e Sean olhou todos. — Alguém se lembra de ter visto algum fractal durante a viagem? Ou depois que chegaram?
— Ninguém se lembra de nada, não é? — insinuou Narciso lendo algo num muro não muito distante de uma rua discreta.
Narciso vinha ficando cada vez mais para trás.
— Não, Narciso — Sean colou nele de repente. — Ninguém se lembra de nada, não é?
Narciso ergueu a cabeça do que fazia e percebeu Sean o observando de muito perto. Apertou o passo e continuou a andar, passando à frente deles.
Sean continuava a prestar atenção nele.
— E se não conseguirmos encontrá-las, merda? — Lenny coçou a cabeça suja. — Digo, e se não encontramos Ebiere, Lânia e Zôra?
E Bantuh se colocou na frente de Lenny que se apavorou pelas feições carregadas e assustadoras de Bantuh que parecia querer engoli-la.
— Por que diz isso, Doutora?
— Não sei... — Lenny ainda olhava o assustador Bantuh. — Isso aqui é a Índia. Uma terra lotada de gente.
— Onde estão as girafas? — Sean se aproximou de Isadora que riu escrachadamente como a mulher vulgar que era. Alguns transeuntes a observavam. — Não chame atenção!
— Se me der algo em troca — agarrou-o pelo pescoço e o jogou contra a parede.
Sean se viu colado nos lábios dela contra sua vontade outra vez. Narciso riu de lado enquanto os outros ficaram incomodados por saber que Lânia se entristecia com as atitudes insanas dela.
— Pare Dra. Isadora! — exclamou Hélder enfim.
Isadora largou Sean ainda rindo alto. Sean queria a esbofetear, mas conteve-se, porém.
— Precisamos encontrar Mejuffou — falou Bantuh pela primeira com Sean.
— Eu sei... — Sean ainda tentava se recuperar da guerra de nervos que Isadora provocava.
— Já que estamos em 1970, podemos nos comunicar com o Hotel Damaraland, Sr. Queise?
— Em 1970 a Internet nem pensava em existir e não havia computadores pessoais; não como os conhecemos hoje, Bonilha.
— Ah! Pensei em algo mais simples como um telefone.
— Não há telefones no hotel — falou Narciso. — O link de Internet deles é via satélite e só usamos celulares.
— Que não existiam em 1970. Já sei, pois... — e Bonilha largou os ombros.
— Se formos às ruas em dois grupos? — Lenny pensava em algo.
— Pode ser uma boa ideia — Sean olhou em volta e a rua não estava tão movimentada, com alguns casebres abandonados, antigas moradias que foram transformadas em comércio. — Há um salão de refeições ali — apontou Sean. — Bantuh, Hélder e Bonilha tentem conseguir algo.
— Acho melhor só eu ir — falou Bantuh já saindo.
— Vamos achar uma casa no fim da rua — avisou Sean e Bantuh se foi.
A casa escolhida estava quase podre. O telhado dava sinais de um possível e proeminente desabamento. Havia cupins por todas as peças de madeira e o piso já ruía há algum tempo. Alguns móveis também estavam podres e pareciam ter sido abandonados na última mudança.
Sean entrou e procurou banheiros, cozinha, um quarto. Só encontrou um colchão abandonado e uma mesa com três cadeiras na cozinha onde os armários, cinco ao todo, nem mais tinham portas.
— Isso está necrótico — anunciou Isadora vendo as marcas de água nas paredes.
— Mas estamos seguros — Sean não tinha muita paciência com ela. — Teremos que nos comportar igual a eles torcendo que nos encare como turistas. Não sabemos o que fazemos aqui e nem o que os alienígenas querem com a Índia de 1970.
Bantuh entrou meia hora depois com algumas verduras e comida não muito fresca, trazendo folhas de bananeira.
— Comida velha? — Isadora enojou-se.
— Agradeça a comida que come, Dra. Gastón.
— Devo agradecer comer lixo Sean bonitinho?
— O trecho no Vimalakirti Sutra diz que quando a pessoa se encontra identificada com a comida que consome, estará então identificada com o Universo inteiro; eis que o Universo inteiro e uma refeição são a mesma e idêntica coisa.
— Profundo! — gargalhou Isadora. — Sou lixo? É isso?
— Talvez! — Sean a desdenhou.
Isadora se virou indo para um canto.
— O que é isso? — Narciso fez cara feia para a comida sem, porém nada comentar.
— Tarka daal.
— Lentilha, gengibre, massala de vegetais e curry — completou Lânia ao adentrar e todos se assustaram com a entrada dela, de Ebiere e de Zôra. — Zôra leu seus pensamentos — Lânia respondeu antes mesmo de Sean formular a pergunta. —, e nós o seguimos.
Ele temeu o que a filha de Mr. Trevellis era capaz.
— Ótimo! — ele exclamou tentando não se mostrar atingido. — Bantuh conseguiu comida.
— Onde conseguiram as roupas? — Isadora quis saber ao vê-las tão bem vestidas.
— Num mercado, próximo ao cais — Lânia respondeu a Isadora a contragosto. — Onde estamos Sean?
Sean era o único ainda a se vestir com roupas do século XXI.
— Barguna, sudoeste de Bangladesh. Estamos em 1970 — e Sean parou ao ver o quanto Zôra estava linda com aquela roupa indiana. —, na Baía de Bengala...
E Sean falou-lhe por telepatia:
“Toque a paredes!”
Zôra tocou as paredes da sala onde estavam.
“Está úmida?” ela respondeu em pensamentos.
“Ainda está úmida!” ele completou.
“Como assim, ‘ainda’?” ela quis saber.
— Preciso de água — anunciou Lânia sentindo-se tonta.
Ela suava muito, Sean achou que era pela roupa quente, pesada.
— Vou ver se consigo água fresca! — Sean encarou Zôra. — Fiquem aqui! — falou para todos.
— Vou com você! — anunciou Zôra.
Sean nada falou. Queria mesmo ficar a sós com ela. Ele tinha muitas perguntas sem respostas.
— O que significa as paredes úmidas?
— Não sei. Só que o entorno da casa não demonstra um nível de água intenso a ponto de fazer aquelas marcas altas na parede — e se virou para ela fazendo-a estancar. — Por que me mandou girar, Srta. Trevellis? — e Zôra não respondeu. — Por que me mandou girar em Pompéia? — Sean insistia. — Me viu girar com Mona no hotel?
Eles andaram muito até que Zôra falou.
— Precisamos encontrar alguma captação de água. A Índia tem escassez de água potável. Ainda mais em Bengala!
Sean a odiou por não respondê-lo.
— Na verdade, Srta. Trevellis, se estamos em 1970 aqui ainda é Bengala Oriental, só em 1971, depois de uma guerra de libertação contra as forças do Paquistão Ocidental, o Bangladesh finalmente se tornou independente.
Ela só o olhou de lado.
— Pegue aquela roupa na bicicleta! — ela apontou.
— Isso é roubo.
— Estamos realmente nos importando com leis morais, filho de Oscar?
Sean a odiou novamente, principalmente em como foi chamado. Tirou a camisa suja e pegou emprestado, como quis pensar, a roupa que jogou sobre a calça suja.
Zôra agachou-se, e arrancou um pedaço da sua própria roupa.
— O que... — ele mal teve tempo de falar.
Zôra desamassou o tecido e enrolou-o como um turbante na cabeça dele que ficou lindo.
— Precisa... — ela mesma não se conteve de não olhar. —, parecer um deles — voltou a andar. —, mesmo que seja loiro com lindos olhos azuis.
Sean sorriu sem que ela notasse. E ambos demoraram a andar.
— A Índia tem sofrido escassez de água potável há muitos anos, atribuída à utilização das águas do curso superior do Rio Yamuna por parte do Estado de Haryana.
— O que vai acontecer aqui, Srta. Trevellis?
Zôra parou de andar.
— Por que acha que vai acontecer algo?
— Fomo levados ao pé do Vesúvio.
— Pode ter sido coincidência.
— Coincidência de que, Srta. Trevellis?
— Não sei, Senhor Queise — voltou a andar.
— Aonde vocês três apareceram?
— Lânia e eu aparecemos num barco de bananas. Não preciso dizer o susto do barqueiro ao nos ver ali, vestindo roupas ‘esquisitas’. Mais a frente, encontramos Ebiere tendo problemas com homens locais.
— Que tipo de problemas?
— Ela falava outra língua. Isso os atiçou. E sabe que não podemos interagir.
— Chegaram ontem como os outros?
— E você não estava junto com eles?
— Não leu meus pensamentos?
Zôra parou o fazendo tombar sobre ela. Eles dois sentiram seus corpos se desejarem. Afastaram-se totalmente sem graça.
— Não, Sr. Queise. Só segui seu pensamento há pouco tempo atrás porque deve ter pensado em mim.
Sean impactou para depois rir debochadamente.
— Eu? — riu. — Pensando em você?
Zôra estava tão séria que Sean parou de rir. Eles continuaram sem nada mais falar por um tempo até que Sean teve a sensação de estarem sendo seguidos. Zôra ia à frente e Sean parou, virando-se para olhar para trás quando teve a impressão de que havia mais alguém ali, e que cheirava enxofre. Zôra sentiu que ele não estava atrás dela e também se virou o vendo um pouco longe.
Voltou atrás.
— O que...
Sean ergueu a mão e Zôra calou-se.
— Nada! — Sean a empurrou fazendo-a voltar andar.
Zôra teve receios da aceleração do coração dele e Sean a empurrava, acelerando o passo.
— O que está fazendo? — voltou ela a perguntar. Mas Sean sentiu-se oprimido, com a respiração comprimida, e a imagem de Sandy banhada em sangue, moldou-se à sua frente. — Sr. Queise? Sr. Queise? Sean? — Mas Sean não conseguir mais se fixar à calçada do sudoeste de Bangladesh, só tinha Sandy morta aos seus olhos quando outro estampido o trouxe de volta. Olhou Zôra o olhando. — Você está bem?
— Estou... — tremeu. — úmido...
— Está o que? — tocou-lhe e viu que sua roupa estava úmida. Zôra arregalou os olhos. — Venha! — puxou-o ainda atordoado. — Vamos voltar e dizer aos outros que... — e parou. Havia um garoto a frente deles. Eles o observavam todo machucado. — Sean?
— O que houve com menino?
O menino estava molhado, sua camisa de flanela vermelha e suas calças verdes e curtas estavam ensopadas, rasgadas, queimadas. Havia cortes pelo corpo e seu medo era real, Sean podia sentir.
— Sean? — ambos voltaram a ver o garoto ferido. — vamos andar devagar, devagar o suficiente para não alertarmos nenhuma molécula.
E o menino apontou para o céu avermelhado.
Sean seguiu sua indicação.
— Fizemos algo errado...
— “Fizemos”?
— As paredes estavam úmidas.
— Paredes? Não... Não... Preste atenção Sean. Nada aconteceu ok?
Mas Sean apontou para cima.
— O que há com o céu Zôra?
— Não há nada com o céu Sean — ela não olhou. — E nada machucou ninguém, entendeu? — Zôra o empurrava e Sandy se uniu ao garoto machucado que olhava um céu que escurecia. — Sean? Sean está me ouvindo? Sem pensar em nada ok? — ela o empurrava devagar para que nada fosse alterado. — Sean? — mas ele se umedecia, e suas roupas pingavam água. — Não, Sean, não pense no garoto. Ouviu-me?
— Ele estava ferido no dia de hoje...
— Dia de hoje? — Zôra olhava um lado, olhava outro lado, olhava para cima, para baixo. — Que dia é hoje Sean?
— Ele estava ferido no dia de hoje...
— Não... Não... Ninguém estava ferido... — e Zôra começou a se desesperar para um Sean estranhamente molhado.
Quando ele estancou e a olhou de olhos arregalados.
— 12 de novembro de 1970. O pior ciclone já registrado na História, o Bhola, atingiu o Paquistão Oriental e o oeste de Bengala, inundando grande parte das ilhas baixas do Ganges. Aproximadamente 500 mil pessoas morreram, principalmente por causa das inundações que resultaram da onda causada pelo Ciclone Bhola, ou ainda devido ao aumento do nível da água na costa... — e um novo estampido ensurdeceu a todos.
— Ahhh!!! — todos gritaram na rua e uma parede de água desceu sobre eles.
— Ahhh!!! — gritou Zôra sendo levada pela enxurrada.
— Ahhh!!! — gritou Sean afundando, afundando. Quando Sean voltou a si nadou até a superfície na onda e viu Zôra desaparecida. — Zôra?! Zôra?! — e o corpo dela voltou a superfície desmaiado. — Zôra?! — Sean nadou tentando alcançá-la, mas seu corpo desmaiado flutuava levado para cada vez mais longe. E o corpo de Zôra afundou, voltou a superfície, arrastado, jogado contra plantas, terra, areia, tijolos, telhas, barcos, gente; tudo se misturava numa onda levada pela fúria das águas. — Zôra?! Zôra?! Zôra?! — gritava Sean.
Casas eram agora levantadas, barcos haviam sido retirados do cais, do alto mar, projetados para todos os lados quando uma voz o alcançou.
“Cuidado!” soou Zôra.
Sean só teve tempo de ler os pensamentos dela e jogar-se ao chão levando três mulheres juntas que se salvaram do pedaço de mastro que atravessava a cidade como um dardo.
Ele interferira no acontecido.
— Socorro!!! — gritavam as mulheres.
— Socorro!!! — gritavam os homens.
— Socorro!!! — gritavam todos.
Sean ergueu-se a procura de Zôra sem a encontrar. A água estava fria, seu corpo todo sentiu a força daquilo. O vento soprava cada vez mais forte e a chuva o cegava. Sean tentou se manter em pé, mas as ruas se alagavam, o barro misturava-se a ela. As pessoas já com a água no pescoço nadavam para sobreviver.
Sean Queise viu uma mulher carregando um garoto usando calça curta verde e blusa vermelha.
Ele arregalou os olhos.
— Hei?! — gritou para a mulher. — Hei?! Aqui!!!
Sean correu atrás dela, caiu, nadou tentando alcançar a mulher. Estava cego pelo nervoso, pelo desespero, porque o garoto ainda não estava ferido. E Sean sabia que não havia visto um garoto ferido e sim um garoto morto, ao lado de uma Sandy morta.
— Não faça isso, Sean?! — gritou Zôra quando enfim o alcançou, em meio à multidão que nadavam e se afogavam, levados pela força das águas do Ciclone de 1970.
Sean correu de encontro aos troncos, lixo, escombros. As casas, bicicletas agora eram empecilhos para salvar vidas. Misturava-se a tudo, a água barrenta e suja, cheia de corpos mortos, passando por cima de corpos vivos os levando a morte.
A mulher trombou em algo, e o garoto tombou na água gélida.
— Não!!! — gritou Sean desesperado. O poste que pouca energia podia levar soltou-se na água, sobre o garoto.
— Sean não!!! Não interfira!!!
Mas Sean tentava desesperadamente aproximar-se, mas foi erguido no ar pela força do vento e lançado depois do garoto. Desesperou-se tentando voltar, nem sentindo dor pelo impacto da queda. Nadava, caía em buracos, era levado pela força do ciclone que ganhava forma sobre toda Barguna.
O poste irrompeu energia na água, ferindo muitos, também a mãe do garoto; eletrocutando o garoto de calça curta verde e camisa vermelha.
— Não!!! — Sean gritava no que o corpo pequeno balançava freneticamente sobre os fios desencapados quando Zôra o agarrou pelo pescoço e afundou Sean na água barrenta, gelada no que ele ia tocá-lo. O garoto também afundou e sumiu. — Não!!! Não!!! Não!!!
— Controle-se Sean!!! — Zôra lutou para arrastá-lo para longe do rio que se transformou o centro da cidade.
Ela o arrastava para cada vez mais longe até ambos alcançarem um ponto mais alto onde a água começava a subir.
— Por quê?! Por quê?! — Sean gritava e chorava.
— Por que o que?! Por que o que droga!!! Você não pode interferir!!! — berrou com ele. — Já não disse?!
Sean enfim entendeu.
Os dois correram para casa onde os outros do grupo ainda os esperavam com a água potável.
— O terreno está seco! — Sean estancou naquilo.
Zôra também percebeu. Os dois se olharam e continuaram a correr para casa.
Sean entrou de supetão quase derrubando a porta. Bonilha, Lânia, Isadora, Lenny, Enrichetta, Hélder, Ebiere, Narciso, Omana e Bantuh nada pareciam ter notado.
— Por que está todo molhado Sean? — perguntou Lânia.
Zôra entrou logo depois tão ensopada quanto. Tinha um ferimento na cabeça que sangrava.
Bantuh correu a acudi-la.
— O passado nos alcançou! — Sean estava atônito.
— Como é que é Sr. Queise? — Omana parecia não ter ouvido direito.
— O passado está sendo modificado porque alguém está fazendo algo errado — Sean viu o susto nos rostos do grupo.
— Não fizemos nada! — falou Bonilha olhando todos. — Fizemos?
— Isso é ridículo! — bradou Narciso a Sean. — O passado é imutável.
— Mas se uma nova linha temporal for criada... — ia Ebiere falar.
Sean olhou para ela.
— Quem é você Srta. Ebiere?
Ebiere só arregalou os olhos mantendo a calma e todos a olharam.
— Agente da Polícia Mundial! — Ebiere foi direta.
— Deus... Você e mais quem?
— Abba, Lumumba e eu. Somos astrônomos e cosmólogos contratados por seu pai.
— Meu... — e Sean teve medo de completar as lacunas.
— Perdão Sr. Queise, seu pai Oscar Roldman.
— Deus...
— Sabia! — explodiu Narciso. — Por isso vi Lumumba mexendo em meus papéis — Narciso lembrou-se.
— É... Andou de conversinha com Oliver por causa de disso— Isadora completou.
Sean se virou para Isadora e a viu com as mãos no pescoço do marido. Assustou-se com a imagem de um Oliver Gastón morto sendo levantado pela força paranormal de Isadora e colocado pendurado numa corda.
— Deus! Foi você quem... — e quase escapou de sua boca.
— O que disse Sean?
— É! O que disse Sean bonitinho?
— Nada!
— O que disse Sean? — insistiu Lânia.
— Controle-se Lânia! — Zôra não quis prolongar aquilo.
— Não Zôra! Eu quero saber!
— Sean, por favor? — reprendeu Zôra e todos virão a intimidade usada.
— ‘Sean’? — Isadora não podia ficar calada.
— Cale a boca Isadora! — Zôra a fuzilou.
— Assassina! — Lânia voou da cadeira onde estava quase desmaiada e bateu a cabeça de Isadora na beirada da mesa desmaiando em seguida.
— Professora? — Sean correu para acudi-la.
Aquilo foi a gota para uma Isadora enciumada.
— Sua encalhada! — Isadora se levantou com a testa sangrando e não conseguiu fazer mais nada, seu corpo voou por cima de Lenny e Omana, que só tiveram tempo de abaixar.
Narciso olhou Sean e Zôra sem saber quais dois fizeram aquilo, quando Sean voltou a se virar para Isadora.
— Está bem Sr. Queise! — foi Enrichetta quem se adiantou. — Isso não vem mais ao caso. Precisamos saber qual foi o erro cometido e depois julgamo-la, ok?
Isadora se levantava ainda em choque por ele ter sabido aquilo, por ela ser uma espiã psíquica preparada para bloqueá-lo.
Lânia acordou ainda zonza e voltou a saltar em cima de Isadora.
— Maldita! — avançava sobre ela sendo segura por Bonilha e Bantuh. — Vaca maldita!
— Sr. Queise! — chamou Bonilha. — Por favor! — implorou sabendo que ele fazia algo para tumultuar.
— Desgraçada! Piranha, vaca desgraçada e maldita!!! — berrava Lânia sendo segura.
Mas Isadora só olhava Sean sentindo frio.
— O erro Sr. Queise? — voltou Enrichetta a perguntar.
— Não há erro nenhum, querida Enrichetta. Não vê que o Sr. Queise está dissimulando seu próprio engano? — foi a vez de Narciso partir para o ataque.
Sean voltou a si.
— Não errei em nada. Nem ao certo sei o que fazemos aqui.
— E se for um novo ‘passado’? — tentou Lânia pensar em meio às lagrimas que corriam. — Talvez, transitório Sean?
— “Ondulações no Mar de Dirac”? — perguntou Sean com frio.
— Sim — respondeu Lânia.
— O que a encalhada está dizendo Sean bonitinho?
— Cale-se piranha!!! — explodiu Lânia outra vez.
— Calem-se!!! — berrou Omana mais alto ainda.
— “Ondulações no Mar de Dirac”, de Geoffrey Landis, publicado na Isaac Asimov Magazine.
— Seja mais completo Sr. Queise — pediu Hélder.
— Um sujeito inventa uma máquina do tempo, e quando está preste a apresentá-la ao mundo, um incêndio irrompe no hotel. Prestes a morrer, ele aciona a máquina e volta ao passado, até o momento em que o fogo no hotel se irrompe, mas ele não consegue detê-lo. Então antes de morrer, novamente volta ao passado, e novamente ele incendeia. E novamente, e novamente, até conseguir deter e prender o cara que incendiou o hotel. Mas quando chega o dia do incêndio, tudo volta ao passado original e o hotel pega fogo.
— Quantos retornos? — quis Hélder saber.
— Muitos. Sempre gastando alguns segundos para fazê-lo, cada vez mais próximo de ser morto pelo incêndio que acontece...
— Mas... — Zôra ia falar.
— Mas nada! — Sean a cortou. — Não estamos falando de uma máquina do tempo alienígena, terrestre, ou qualquer coisa assim. Estou falando de teletransporte, puro e logicamente.
— Pelo jeito você não acredita em Deus, não é Sr. Queise? — debochou Narciso.
— Por que, Narciso? Se eu viajar no tempo e mudar o passado e criar uma nova linha temporal, este novo Universo terá um Deus diferente?
— Não disse...
— Mas Giordano Bruno disse — falou Enrichetta. — E foi queimado vivo por isso.
A água molhou os pés de todos.
— Ahhh!!! — gritou Isadora.
A água começou a subir pelo piso da cozinha e Omana e Lânia correram para cima das cadeiras, uma delas já ocupada por Narciso e Lenny.
— Que foi? — Narciso fez uma careta para Lânia. — Não quero me molhar.
— Não se preocupe em se molhar, Narciso querido — sorriu Enrichetta. — Vai morrer afogado no seu orgulho.
— Mejuffou? — Bantuh a olhou desesperado.
— Faça algo?! — gritou Isadora para Sean.
— O que, por exemplo?
— Você tem esse GPS aí. Contate o futuro.
— Acha que isso aqui é o quê? Um filme scifi?
— Controlem-se todos vocês! — interrompeu Zôra. — Temos que sair daqui!
— Alguma ideia além de me fazer vomitar? — Sean quis saber. Mas Zôra não se fez de rogada e só o tocou. — Ahhh!!! — e Sean girou.
Um fractal se abriu no meio da cozinha que inundava sem que, porém a água o tocasse. Narciso saltou da cadeira e se jogou dentro. Isadora foi logo em seguida. Depois Lenny, Omana, Enrichetta, Hélder, Bonilha.
Zôra mandou Bantuh entrar e Lânia e Ebiere foram logo atrás.
Sean parou de girar e caiu na cozinha cheia de água. Levantou-se atordoado olhando a fenda aberta. Mas mais atordoado ficou ao ver Zôra se dirigindo para a sala.
— Aonde vai?
— Vou matá-lo! — Zôra se arrastava pela água.
— Matar quem?
— Quem veio conosco.
— Enlouqueceu?
— Não vamos conseguir voltar ao Hotel Damaraland enquanto ele estiver indo e vindo pelos túneis conosco.
— De que diabo está falando... — Sean arregalou os olhos azuis ao ver a fenda começar a se fechar. — Precisamos ir Zôra!
— Vá você!
— Não vou sem você! — anunciou Sean.
— Não seja ridículo! A fenda vai se fechar... Ahhh!!! — e Zôra foi lançada longe pela lança que a pregou na parede umedecida.
— Zôra?! — gritou Sean ao vê-la ser arrancada do lugar. Ele saltou dentro da água que subia cada vez mais rápido e a fenda ameaçou fechar. Sean voltou à fenda e o segurou com as mãos como se aquilo fosse possível. Os armários se soltaram da parede pela força da água que irrompeu dentro da cozinha e já alcançava a sala. Sean largou a fenda e subiu a superfície. — Zôra?!
— O que faço?! — Zôra percebeu que não era hora de lutar, arrancou-se da lança que a prendia a parede e nadou.
— Vamos embora!!! Rápido!!!
— Entre você!!!
— Já disse que não vou sem você!
— Entre! Entre! Ahhh!!! — e uma tora de madeira chocou-se com seu corpo a levando à sala novamente.
— Zôra?! — gritou Sean na cozinha tentando segurar a fenda fractal com metade de seu corpo dentro dele. — As paredes vão se colapsar sobre elas próprias!!! — gritava desesperado. — Rápido Zôra!!!
Ambos mal conseguiam respirar, já sentido o pescoço encontrar o teto da casa quando Zôra jogou-se de volta a tentar nadar, já naquela altura de água.
— Eu não consigo!!!
— Nade!!! Nade!!!
— A fenda... — apontou ela.
Sean ainda se encontrava com metade do corpo em Bangladesh dos anos 70.
— Nade Zôra!!! — gritava ele. — Nade!!!
Zôra afundava e voltava a nadar na mesma frequência quando Sean mergulhou na água atrás dela.
As paredes da fenda se inclinaram e balançaram feita gelatina e Sean a puxou pela gola da roupa para dentro do fractal que se desmanchava, fechava, diminuía, diluía, colapsava-se sobre si mesmo.
“Sean”; ecoou por todo o túnel que escondia os segredos de um viajante extra.


CONTINUA

Montanha Brandberg, Damaraland; Namíbia, África.
21° 4’ 59” S e 14° 9’ 0” E.
10 de outubro; 09h00min.
O homem de pele cor de ébano, brilhando pelo suor e excitação, vinha misturado a uma camada de areia avermelhada típica da Namíbia. Esbaforido pela corrida, alcançou a tenda principal gesticulando em meio ao suor que lhe tomava a fronte. Todos, que no sítio arqueológico próximo a Montanha Brandberg trabalhava calmamente, estranharam a sua atitude.
— Mejuffou?! — gritava Bantuh. — Mejuffou Zôra?!
A ‘Doutora Zôra’ a quem ele se referia, largou os mapas estudados desde os primeiros raios de Sol, e o observou atônito. Era uma jovem bonita, de pele levemente amorenada, olhos verdes intensos e lábios firmes que demonstravam aquilo mesmo de sua personalidade; firmeza. Considerada mente privilegiada no mundo acadêmico, a sua pouca idade não a detinha; Zôra era uma doutora, Ph.D em entomologia.
“Talvez uma herança genética”; gostava de pensar o tempo todo.
Havia fotos cuidadosamente catalogadas, calhamaços de papéis timbrados, vários notebooks e GPS de última geração embaixo da tenda principal, feita de algodão cru, onde ventiladores calmamente giravam suas pás. A Dra. Zôra gostava de trabalhar assim mesmo, no calor, em meio a toda a tecnologia.
Dava graças, naquele momento, por ter se livrado do astuto professor Dr. Antenor Amorin e seu empolado filho, Dr. Narciso Amorin; ambos Ph.D em paleontologia e matemática.
Eles haviam ido para Pretória, no extremo sul do continente africano resolver uma pendência administrativa com a Poliu, Polícia Intercontinental Unida.
Zôra também tinha que admitir que andava feliz sem a presença pedante da nova esposa do Dr. Oliver Gastón, a também Dra. Isadora Gastón, Ph.D em paleontologia, e que viajara à América do Sul para resolver pendências financeiras do casal.
— Mejuffou?! — berrou Bantuh agora na frente dela.
— Calma Bantuh! O que houve?
— Mejuffou Zôra!!! — pulava a levantar a areia vermelha. — Mejuffou Zôra!!!
— Controle-se, Bantuh! — Zôra já perdia a paciência. — E pare de gritar e pular!
— Kameelperd!!! Kameelperd!!! — apontava para fora da tenda.
— “Girafa!”? — ela sorriu. — Como assim ‘girafa’, Bantuh? Mortas? — a entomologista Zôra traduziu.
— Waarskynlik koud.
— “Provavelmente fria”? — a também entomologista Dra. Felicity, traduziu.
Ambas se olharam e Zôra olhou os homens contratados para trabalharem no sítio arqueológico, alguns de etnia Wambo, alguns Kawango, na maioria Banta; eles também não pareciam entender o porquê da gritaria de Bantuh.
— Mejuffou! Mejuffou! Waarskynlik leeg!
— “Provavelmente vazia”? — e foi a vez da botânica Dra. Omana mal acreditar no que entendeu.
— Prehistoric!
— “Pré-histórica”? — Zôra arregalou os olhos verdes após a última tradução.
Aquilo fez sua cabeça girar e ideias passaram por ela. Eram ‘eles’, Zôra podia senti-los como ninguém. A fenda temporal que separava os muitos Universos se aproximava cada vez mais.
— Acha que tem haver com os sinais, Zôra? — questionou a Dra. Lânia. — Com o crop circles provando que estão vindo?
— Cuidado! — alertou a Dra. Palakika. — Sabe que não podemos nos expor com crop circles falsos agora que a venda daquela jazida se aproxima.
— Ek het nie geweet dat hy sou kom nie!!! — mas gritava Bantuh.
— “Seu povo não sabia que eles viriam”? — Zôra olhou em volta novamente, e viu a jovem metereologista Dra. Lenny Calógeras a olhar com rigor. — Compreendo Bantuh! — e Zôra tomou a decisão de decidir sozinha.
Porque era óbvio que a Poliu a proibiria de ir lá.
— Você vai lá, pois? — questionou o Dr. Bonilha.
— Preciso ver Bonilha — e Zôra se virou para o fiel empregado Bantuh. — Entende não Bantuh?
— Nie! Nie! Nie!
— Asseblief! Por favor! Preciso fotografar o crop circle para a professora Lânia antes que Narciso volte e conte a Poliu, que com certeza vai embargar a venda da jazida à Computer Co..
— Nie! Nie! Nie!
— Sabe como esses crop circles são importantes para meu livro Bantuh — tentou argumentar a esmirradinha professora em matemática Lânia.
— Nie! Nie! Nie!
— Preciso ver os crop circles deixados onde você encontrou a girafa, Bantuh. É uma ordem! — agora Zôra foi firme.
— Nagô?
— “Meu pai”? Sei que meu pai não vai gostar disso, mas eu preciso, entende? — mas Zôra via Bantuh balançar freneticamente a cabeça em tom de negação. — Asseblief... Sabe que preciso da ajuda de Sean Queise, Bantuh, e ele não vai vir até aqui de outra maneira; não com meu pai e ele se odiando — Zôra fez sua última tentativa.
Bantuh olhou para os outros contratados para aquele experimento; os doutores Lânia, Oliver, Bonilha, Ignácia, Yerik, Paolo, Enrichetta, Omana, Hélder, Lenny, Emiko, Palakika, Felicity e outros locais. Todos abaixaram a cabeça num gesto de obediência, concordância. Bantuh percebeu que também tinha que obedecê-la, para o bem daquele experimento, eles precisavam de Sean Queise.
Zôra correu a pegar sua câmera digital. Junto, uma caixa de acrílico negro que carregava sempre com ela. De dentro tirou o que parecia ser uma luva de metal, que acionou fazendo uma luz negra e cintilante, seguida de um som agudo, tomar conta do espaço ao redor dela. A luva então se desmontou em diversas lâminas do que parecia ser fibra de carbono e se remontou, incorporando à mão de Zôra, fazendo da mão dela, uma arma.
Bantuh se assustou mais com aquela coisa tomando conta de Zôra, do que com a girafa pré-histórica no meio de um crop circle, o qual não sabia o que significava.

 


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1
Computer Co. House’s; São Paulo, capital; Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
01 de outubro; 08h28min.
Gyrimias Leferi era o melhor cientista da computação no mercado e a Computer Co. o tinha em seu staff com muito orgulho. Jovem, magro e alto, usava óculos tão grossos que o deixavam com uma fisionomia ‘nerd’; não que não o fosse. Filho de um amigo de Fernando Queise, Gyrimias foi tirado do MIT para trabalhar com o também jovem Sean Queise na construção de Spartacus, o satélite de observação. E havia nesses últimos anos se tornado um aliado e amigo fiel, nas investigações sobre o grande poderoso Mr. Trevellis, chefe de operações da Poliu.
Apesar da personalidade acanhada sempre atrapalhá-lo quando Oscar Roldman ou Kelly Garcia o colocavam contra a parede, Gyrimias sabia que passava a todos uma aura de fidelidade. E Sean confiava nele. O telefone celular dele tocou quando estava no corredor da cobertura, indo à sala de Kelly Garcia, sócia de Sean Queise na Computer Co..
— Bom dia Senhor Sean Queise — bradou Gyrimias. — A Senhorita Kelly Garcia já me chamou.
— Droga! — Sean explodiu antes mesmo do ‘Bom dia!’ — Você já está na sala de Kelly? — a voz de Sean era de puro desespero.
“Pode entrar Gyrimias!”, Sean ouviu Kelly falar ao fundo.
— Sim, Senhor — foi a resposta dele.
— Não fale nada sobre Spartacus e a LMF, Gyrimias. Muito menos sobre a Namíbia e o que vou fazer realmente lá.
— Parcelada minha curiosidade, por quê?
“Sente-se Gyrimias!”, Sean ouviu ao fundo.
— Kelly vai tentar saber por que não vou levá-la.
— Vai?
— Sim! Vai! E eu não quero que ela saiba o que nós sabemos sobre a Poliu na Namíbia.
— Os sinais?
“Sinais?” “Que sinais?” “Com quem fala Gyrimias?”, Sean ouviu Kelly perguntar.
— Com um técnico, Senhorita — respondeu Gyrimias apavorado por mentir a ela.
“Desligue!” “Por favor!”, foi categórica.
Sean também encerrou a ligação torcendo para que Kelly não fizesse nenhuma besteira. Ele, porém sabia que ela faria. E sabia, porque tinha dons para saber.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital; Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
15 de outubro; 09h00min.
Kelly Garcia entrou de supetão na cobertura da Computer Co., vestindo um vestido florido e insinuante, e trazendo uma bandeja de frutas e água gelada. O calor estava infernal naquela manhã de primavera e Sean Queise, rico empresário da informática ergueu o sobrolho. Sua ex-secretária e agora sócia já fazia daquilo uma rotina, a bandeja e as roupas que chamavam sua atenção, todas elas.
— Café da manhã frugal? — ele sorriu.
— Para você patrãozinho.
— Sabe que não gosto que me chame assim? — fez uma careta.
— Dessa maneira ‘jocosa’? — Kelly brincou e Sean só a olhou. — Estraguei nosso dia, patrãozinho?
— Kelly... — e os olhos azuis dele brilharam no rosto jovem e bonito.
E o sorriso de Kelly também foi belo. E ela era aquilo mesmo, uma mulher bela, de atrativos, que chamavam a atenção. De cabelos escuros, espanhola e catorze anos mais velha que ele, Kelly era uma mulher cobiçada no meio empresarial.
Sem reconhecer ou admitir, Sean sentia ciúme em ver o assédio sobre a sócia e amiga. Contudo ela sonhava com a chance de um dia amá-lo, de dar-lhe o tamanho de amor que sentia por ele. Mas Sean estava fechado ao amor, ao amor verdadeiro, ao amor de Kelly que tentava apesar de tudo, apesar da família dele já perceber o amor que os anos geraram nela, nele, em ambos.
Nelma Queise até que torcia para que o filho enfim descansasse seu coração ferido. E ferido não só pelas perdas adquiridas ao longo de sua vida, mas pela dor de ver seu pai, Fernando Queise se distanciando dele, o filho de outro homem, Oscar Roldman, com quem Nelma dividia filho e amor. O mais obscuro medo de Sean Queise, a verdade sobre Oscar Roldman, sobre ser ele seu pai biológico, assombrava a família Queise, o amor e o orgulho de Fernando por Sean, Sean por ele.
Contudo, não bastassem os confusos sentimentos entre os pais, Sean vivia com mais coisas a lhe assombrar. Desde o suicídio de Sandy Monroe, sua noiva, na noite do noivado, sentia-se perturbado, com dons paranormais fora do controle, com imagens e informações se moldando à ele. Todos na Computer Co. sabiam provável a mídia sabia que Sean tinha problemas; contudo quais e a extensão de tudo aquilo, poucos tinham conhecimento.
E o porquê de Mr. Trevellis da Poliu, conhecer e explorar tais dons, para fins nada bélicos, gerava confusão entre Fernando e Oscar; porque Oscar queria Sean na Polícia Mundial, organização de inteligência que ele chefiava, e porque Fernando empurrava Sean cada vez mais para a Poliu, uma corporação de inteligência não muito bem vista pelos poucos que dela sabiam. E tudo porque gerara mal estar, quando a Poliu acusara Sandy de roubo de importantes cálculos, sobre a construção do satélite de observação Spartacus, que os cientistas da Computer Co. construíram, com um jovem e inteligente Sean Queise de quinze anos, criando seu banco de dados e com toda a programação de gerenciamento do satélite de observação dentro dos mainframes, nos bancos de dados da Computer Co., era o jovem Sean, hoje com 23 anos, quem os comandava; mais atrito entre Mr. Trevellis e Fernando Queise e Oscar Roldman.
Mas na cabeça de Sean a coisa era simples assim, Spartacus era seu trunfo contra a Poliu. Porque com o satélite e todo seu poder de alcance, ele poderia provar ao mundo que a secreta corporação de inteligência denominada Poliu, Polícia Intercontinental Unida, era na verdade a fachada de um governo oculto, gerador de teorias de conspiração, alguns com sólida fundação, e a qual destinava boa parte de suas verbas para entrar em contato com forças de outros mundos; barganhar também.
Armas, conhecimento, poder alienígena.
Como tal experimento que ele sabia que a Poliu desenvolvia; primeiro em Portugal, na Poliu portuguesa sob a orientação de Mona Foad, uma medium egípcia, usada como espiã psíquica, capaz de fazer pensamentos tomarem forma, formas-pensamentos, e mundos inteiros se comunicarem com o poder do teletransportar, e segundo na Namíbia, onde a Poliu tinha uma base montada junto a um sítio arqueológico que estudava crop circles, que para ufólogos espalhados pelo mundo, significava sinais deixados pelos alienígenas.
Quais sinais, Sean ainda não sabia. Mas sabia disso, daquilo e de muito mais, porque havia desenvolvido uma perigosa técnica de hackerismo nesses anos que investigava a Poliu. Horas de estudo, de monitoração; sem parar, sem descansar. Uma técnica paranormal que o permitiria fazer viagens remotas até seu objeto de estudo. Como também enxergar passado, presente e futuro, ouvir pensamentos e transformar um material noutro, dominando-os, fazendo-os se adequarem ao seu comando mental, para então comandar máquinas e muito mais através de um dom paranormal genético, um dom da família Roldman.
E toda aquela transformação acontecia em Spartacus, o satélite de observação.
— Sean? — Kelly tentou tirá-lo de seus pensamentos. — Seu café frugal vai esfriar — mas nada, nenhum movimento. — Sean? — e ele nada falou. — Patrãozinho?
Ele sorriu.
— Eu sei que ainda está aí, Kelly — continuava a digitar sem tirar os olhos azuis da tela do notebook quando o celular tocou e mais rápido que o pensamento, ele cancelou a chamada.
Mas não tão rápido para uma mulher apaixonada, controladora, quando o celular tocou e ele desligou rapidamente outra vez.
— Não vai atender?
— Nada tocou — e o celular ia tocar e ele agora o desligou de vez.
E sem encostar no celular.
— É para isso que usa seus dons paranormais?
Ele previu o tempo esquentando mais que o calor da primavera.
— Não vou responder a isso Kelly.
— Nem vai dizer quem é ela?
— Ela quem?
— Sem jogos de palavras Sean.
— Já disse que... — e Sean desligou o telefone de mesa antes dele tocar; ela só o olhou. — É só uma mulher...
— Ah! Uma mulher desconhecida ou uma daquelas cinco conhecidas no último mês?
Sean girou os olhos.
— Uma mulher...
— Ah!
— Sem mais ‘Ah!’. Não pensei que ela fosse descobrir meus números de telefone — e olhou o telefone da mesa. — Todos eles.
— Porque para isso não usa seus dons...
— Não uso meus dons para isso Kelly — se virou a encarando e desistindo do confronto voltou a digitar.
Kelly respirou profundamente tentando manter a frieza que já não tinha mais.
— O que está fazendo?
— Terminando um estudo.
— Achei que havia terminado aquele estudo com Gyrimias.
— “Aquele estudo”? — Sean deu uma pausa no que o tom de voz dela mudou. — Por que acho que você está desconfiada de algo?
— “Desconfiada”? Eu? Por que seria?
Sean ficou fitando-a com interesse.
Suspirou e retornou a digitar.
— Eu e Gyrimias ainda estamos trabalhando no mesmo ‘estudo’ dos últimos dois meses, Kelly. GPS!
— Investindo em mais aonde?
Sean não achou graça.
— Por que faz isso Kelly? Obrigar Gyrimias a contar-lhe tudo?
— Porque sua mãe me obriga a contar-lhe tudo.
Sean dessa vez não retrucou, sabia que sua mãe o vigiava, que ela também o controlava.
— Ela não vai desistir não?
— Não sei realmente, no que sua mãe insiste tanto Sean.
— Ela quer... Ela quer... — e não conseguiu falar.
— Mantê-lo cada vez mais perto do Sr. Roldman.
— Ah... Kelly... — e ele largou os ombros. — Desculpe-me! Estou investindo em outros campos também. Só isso!
— Quais campos?
— Vai contar a ela?
— Não!
— Jazidas!
— Não entendi.
— Jazidas de níquel, Kelly.
— Usando GPS para isso?
— Estamos rastreando com Spartacus; sensoriamento remoto.
— Por que está se aventurando num campo que não conhece?
— Não é a questão de se conhecer ou não, Kelly. Só não quero ser tão dependente do mercado como sou, como meus computadores são. As coisas não vão bem na Computer Co., e a dependência externa está me matando.
— Mr. Trevellis está o matando — o aroma das frutas invadiu-os e Kelly não insistiu. Sabia a hora de parar. Achou que sabia. Serviu-o com algumas frutas descascadas. — Ok! Então vamos investir quanto?
— Prefiro você envolvida assim, sabia? — sorriu-lhe ao comer a laranja dada.
— Não ando envolvida?
— Não ultimamente — sorriu-lhe. — Porque, digamos que, ultimamente sua energia tenha sido redirecionada a outros interesses — sorriu cínico olhando as curvas do vestido insinuante.
— Eu ou você? — Kelly aproveitou a chance de colocar manga gelada na boca dele.
E seus dedos tocaram os lábios dele.
Sean percebeu a demora dela em retirá-los, nos dedos que insistia em permanecer ali na sua boca, enquanto outra mão caminhou pelos cabelos loiros, que ficaram em desalinho. Sean tinha medo daquela aproximação. Deu uma inclinada no corpo e alcançou a bandeja com frutas pegando uma fruta.
— Obrigado! — voltou a digitar. — Gosto de frutas geladas.
— Sei de tudo que gosta.
— Kelly... — riu sabendo que a sócia ‘agia’ novamente.
— Ok! Para você não dizer que só me interesso em você... — e riu charmosa da careta dele. — Me diz o que nossa Computer Co. anda fazendo...
Sean esperou ela acabar de sorrir maliciosa outra vez.
— Recebi uma proposta de investimento em uma jazida de níquel na África, de um geólogo inglês radicado na Namíbia chamado Dalton Millers.
— E quem é esse Dalton?
— Ele me mandou um e-mail há três meses e alguns links da companhia Moon Metallurgy, que estava procurando investidores. No começo até achei arriscado me envolver em ‘campos desconhecidos’, mas agora acho que não é uma má ideia.
— Por quê?
— Porque as jazidas da Austrália estão se esgotando, as do Brasil idem, a Amazônia inteira é intocável e a Namíbia tem se mostrado o quarto maior exportador de minerais não combustíveis da África, assim como é o quinto maior produtor de urânio do mundo. Além dos mais, 20% do PIB da Namíbia estão na mineração.
— Uau Sean!
— E porque aproximadamente 65% do níquel consumido são empregados na fabricação de aço inoxidável austenico e outros 12% em superligas de níquel. O restante 23% é repartido na produção de outras ligas metálicas, baterias recarregáveis, que o satélite de observação precisa — comeu outra manga gelada e sorriu-lhe.
— Spartacus?
Sean sabia que ela sabia. Que Gyrimias não tinha conseguido.
— A liga níquel-titânio, o nitinol-55, apresenta o LMF, um fenômeno chamado ‘liga de memória de forma’ e que é usado em robótica; onde também existem ligas que apresentam superelasticidade.
— “Memória de forma”? É isso que investiga com Gyrimias?
Sean não queria responder, mas o fez.
— Não Kelly. Com Gyrimias só programas de sensoriamento remoto. O resto é investimento bruto.
— O níquel aparece na forma de metal nos meteoros junto com o ferro, sou geóloga não? — insistia mesmo vendo que Sean desgostava.
Aquilo com certeza era mais que uma visita sazonal à sala dele para tomarem cafés frugais.
— Sim, Kelly. Como geóloga, você sabe que existe no núcleo da Terra as ligas kamacita e taenita.
— E você agora investiga meteoros? Sua mãe sabe?
— O que ela quer Kelly?
— Não sei. Responda você.
— Minha mãe não interfere na Computer Co.. Fizemos um acordo mudo, quando... — e parou sabendo que Kelly sabia de algo, de algo que ele fez com a mãe, para esconder viagens dela a Londres, à Trafalgar Square, que ele vendera segredos do amor dela com Oscar, pela não interferência dela ou da Polícia Mundial no controle da Computer Co..
Sean sentia-se mal por aquilo, mas faria tudo de novo se fosse para controlar e manter a empresa longe da Poliu, longe da Polícia Mundial, e longe de tudo que magoasse seu pai Fernando. Porque ele sabia que ele andava magoado, talvez com sua mãe. E que talvez não fosse só sua mãe, mas também seu pai Fernando a fazer Kelly o vigiar.
“Droga!”, soou dentro dele.
— Prossiga! — Sean a desafiou.
E Kelly o desafiou, pela pressão que sofria, por vê-lo se arriscando, por amá-lo e por não possuí-lo.
— Suas viagens!
— ‘Minhas’ o que?
— Cavernas, buracos, crateras... Tem viajado a todo lugar onde os tais sinais alienígenas aparecem, Sean — e todos os quadros das paredes foram ao chão.
Kelly só piscou pelo susto e só. Sabia que havia o atingido em cheio e que ele se descontrolara, porque ele não controlava tudo aquilo, não quando se descontrolava com ela.
— Saia Kelly!
— Sinais deixados por supostos pousos de UFOs em plantações, água e gelo e sei lá mais aonde.
— Saia Kelly! — soou mais forte.
— É ela por detrás Sean? — ela viu Sean paralisar. — É a Poliu, Sean?
— Vou viajar no fim de semana para Windhoek, capital da Namíbia! — e foi uma exclamação oca e pausada. — Dalton Millers me disse que a Namíbia era uma cidade colônia da Alemanha e que vou gostar dela! — e todos os quadros voltaram a parede no estado em que se encontravam, despencando. — E vou sozinho, verificar pessoalmente se o investimento da jazida de níquel me agrada! — e o notebook se fechou tão rápido que um sinal de desativamento só se fez quando o notebook entrou na gaveta que abriu, que foi trancada, no que Sean saiu.
E tudo sem tocar em nada.
2
Windhoek International Airport’s; Namíbia, África Saariana.
22° 34’ 12” S e 17° 5’ 1” E.
16 de outubro; 16h00min.
O avião da Lufthansa aterrissou em Windhoek, a capital da Namíbia via escala de Frankfurt. Sean Queise ficou a procurar Dalton Millers pelo salão lotado, arrependido de não ter comunicado sua viagem com antecedência.
— Hallo Mister Queise! — falou um homem magro, alto, branco e com enormes tranças enroladas dentro do que Sean julgou ser uma touca feita de lã colorida. Ficou a imaginar o peso do cabelo em cima do corpo franzino. — Hoe gaan dit? Praat jy Afrikaans?
— Sorry Dalton! Como disse?
— Disse ‘Como vai?’ ‘Sabe falar africâner Mister Queise’?
— “Africâner”?
— Africâner, Africânder ou Afrikaans é uma língua do ramo germânico do grupo indo-europeu falada na África do Sul e na Namíbia.
— Não... — sorriu. — Suponho que não falo.
— É um prazer conhecê-lo! — Dalton esticou uma mão a fim de ser cumprimentado e Sean o achou simpático. — Vamos para o hotel, Mister Queise?
— Me chame de Sean.
— Okay! Chame-me de Dalton. Vamos para o hotel então?
— Havia explicado no último e-mail que não precisava se incomodar vindo me buscar no aeroporto, Dalton. Um táxi resolveria.
— Aproveitamos para nos conhecermos melhor, Mister Queise.
Os dois andaram para fora do lotado lobby.
— Me chame de Sean, Dalton.
— Okay! Vou tentar lembrar.
— Como vão as coisas em Damaraland? Na Moon Metallurgy?
— O contrato não podia ser melhor. A Moon Metallurgy irá fornecer também seu sistema de monitoramento de processo chamado SONNAR, uma nova classe de fluxômetro industrial que utiliza princípios de medições que são distintos de todas as outras tecnologias de fluxômetro que operam na indústria de mineração.
— Os sistemas de monitoramento de fluxo não intrusivos da SONNAR não têm contato com os resíduos?
— Não! E podem ser removidos e reinstalados quando necessário para substituição do cano.
— Excelente! Sabe que preciso de um mineral sem resíduos.
— No que mesmo vai usá-lo?
— Em algo que nunca foi usado — sorriu enigmático.
Dalton ficou curioso.
Ambos alcançaram o estacionamento quando Sean impactou ao ver uma figura grande, deveras conhecida poucos metros à sua frente. De olhos verdes, pele jambo e reluzente, porte militar e costume impecável apesar do calor, Mr. Trevellis jamais havia se mostrado tão ao alcance como naquele momento. Nem havia ficado sozinho em lugar algum, sem algum agente da Poliu por perto.
E Sean os perceberia, tinha dons para aquilo.
Voltou a olhar para frente e percebeu que Dalton se afastava a falar sozinho, balançando a touca colorida até ver que Sean Queise ficara para trás.
— Mister Queise? — parou de andar.
Sean deu alguns passos mecânicos e sentiu-se mal, com impressões que Mr. Trevellis não era uma alucinação, que ele estava ali no aeroporto pelo mesmo motivo que o levara a Namíbia; Spartacus e uma LMF que nunca foi usada.
— Desculpe-me Dalton... — passou a mão no suor que escorria. — Acho que o calor...
— Venha! Tem ar-condicionado no carro — sorriu nada percebendo. — Como eu ia dizendo, a SONNAR também demonstrou... — e Dalton parou de falar e seguiu o olhar de um Sean Queise apavorado com as ideias que tinha. — Aconteceu alguma coisa, Mister Queise?
Dalton não parecia ter visto ninguém conhecido.
— Ãh? Não... É ótimo saber que... — olhou para Dalton. —, que tudo pode dar certo.
— Ah! Não! Já deu certo, Sean — riu. — Viu? Agora me lembrei de chamá-lo assim — e voltou a rir.
— Dalton... Eu gostaria de ir para o hotel. Estou cansado.
— Não vamos ver a jazida? Aluguei o carro para isso.
— Não! Amanhã se possível.
— Okay! Vou chamar um táxi — acenou para um carro parado numa fila. — O Heinitzburg Hotel está situado num dos mais belos castelos de Windhoek. Sua secretária escolheu pessoalmente.
— Renata é ótima, mesmo — Sean ainda procurava Mr. Trevellis que sumira de sua visão.
— Engraçado! Ela disse que se chamava Kelly.
Sean girou a cabeça tão rápido que aquilo doeu.
— Conversou com Kelly, minha secretária?
— Sim. Um bocado simpática.
— Ah... Simpática. Ela perguntou muita coisa?
— Não. Foi direta e precisa. Escolheu até a suíte.
“Droga!”, Sean não entendia porque Kelly se envolvia tanto em sua vida.
Entrou no táxi e seguiu para o Heinitzburg Hotel preocupado com o futuro emocional de sua sócia.
Talvez do dele próprio.
Heinitzburg Hotel, Namíbia.
16 de outubro; 17h30min.
A capital de Namíbia está a 1.650 metros de altitude, e em seu maior momento, foi o centro da oposição do avanço alemão. Agora é uma cidade moderna e próspera. E quando o Conde von Schwerin construiu o castelo Heinitzburg para sua noiva Margarethe von Heinitz em 1914, o amor era sua inspiração, a elegância sua realização.
Sean Queise estava encantado pela beleza do lugar, que em nada lembrava o misterioso e exótico continente africano. O check-in do hotel estava vazio e Sean logo se encaminhou para a suíte quando um perfume de flores invadiu-o por completo.
O quarto todo cheirava rosas.
Sean adorou o baldaquino, o véu que cobria a grande cama imersa em pétalas vermelhas. E ele mal teve tempo de acomodar sua mala e seu notebook no chão quando viu o champagne no gelo e duas taças disposta em pontos opostos da mesa.
— Surpreso?
Sean arregalou os olhos azuis. Kelly Garcia estava sentada à esquerda da porta.
— O que... — Sean olhou em volta. — Como?
— Fretei um avião.
— Ah! Kelly... Por que fez isso?
— Por que fiz isso? — ela se ergueu bela, num tailleur de corte elegante, se aproximando dele e o beijando com carinho, nos lábios ainda abertos pelo impacto de vê-la ali, sozinhos, com um champagne no gelo.
Sean sentiu todo seu corpo pedi-la. Porque sabia que a amava, que sempre a amou, provável desde muito antes de ela o amar, antes de Sandy entrar na vida deles.
— A Computer Co.?
Ela foi até a mesa e serviu o champagne.
— Está em boas mãos.
— Nas mãos de quem?
— Gyrimias.
— Ah! Elegi Gyrimias o meu substituto?
— Não seja ingrato, Sean — apontou para os lados. — Não gostou?
— O que pensa que é isso aqui? Lua de mel?
Kelly sentiu dor naquelas palavras.
— Não! Fiz reserva para mim no quarto ao lado. Não se preocupe.
Sean sentiu um peso sobre ele.
— Perdão Kelly...
Ela só estendeu a taça com champagne e um sorriso gélido surgiu no rosto bonito. Sean pegou a taça e tomou tudo num gole. Estava tão atordoado com a visão de Mr. Trevellis no aeroporto que temeu estar surtando.
— Eu...
— Você?
— Vou amanhã para Damaraland visitar a Moon Metallurgy, na Montanha Brandberg. Quer me acompanhar?
Kelly sorriu a ponto dos olhos brilharem.
— Adoraria!
— Faça uma pequena valise de roupas. Talvez demore muito e dormiremos por lá.
— É longe?
— É longe sim. Vamos primeiro de avião até Damaraland, depois de carro até a jazida.
— Vou ter que levantar muito cedo?
— Sim — Sean riu. — Muito cedo.
— É só me dar alguns minutos após o café da manhã para me trocar — ela já ia saindo.
— Minutos, Kelly. Não horas — brincou.
— Minutos, não horas — Kelly saiu e não voltou mais.
Sean sentou-se na cama totalmente arrasado com o que dissera com o que pensara; talvez até mais com o que desejara. Ligou o celular desligado já há algum tempo e viu 108 chamadas perdidas da ‘última mulher conhecida’.
— Wow! — foi só o que disse quando voltou a desligá-lo e ligar o notebook, acessando seus mainframes.
Gyrimias Leferi percebeu o aviso de inserção de permissão na Computer Co., sabia que deveria liberá-lo sabendo que Sean o estava acessando. Havia ficado de ‘guarda’ como Kelly Garcia ordenara, diretamente nos computadores da sala de Sean Queise. Ele sempre se apavorava quando necessitava vigiar Spartacus.
Sean deu ‘enter’ e uma negação lhe foi enviada. Sean arqueou os olhos e pediu outra permissão. Porém dois avisos chegaram simultâneos. Gyrimias também se assustou, ficou na duvida se os computadores haviam sofrido duplicidade de dados. Mas Sean na Namíbia não pensou duas vezes, acessou via VoIP seu computador pessoal na sala da cobertura Computer Co. House’s.
Gyrimias atendeu-o num instante.
— Senhor Sean Queise? — Gyrimias apareceu na tela do notebook.
— Por que não autorizou minha entrada Gyrimias?
— Autorizei Senhor...
Sean ergueu o sobrolho.
— Recebi duas negações, Gyrimias.
— Parcelado meu susto, eu liberei as duas vezes Senhor.
Sean ficou a imaginar o pior.
— Que coordenada Spartacus está seguindo?
— Spartacus segue alguma coordenada, Senhor?
— O satélite de observação seguiu três meses atrás a coordenada 14° 26’ 0” S e 28° 27’ 0” E.
— E onde fica essa coordenada Senhor?
— Kabwe, Zâmbia, uma jazida abandonada.
— Tenho até medo de parcelar a pergunta, se era uma jazida de níquel.
— Era Gyrimias. E eu sei que há algo acontecendo nessas jazidas de níquel.
— A Poliu?
— Não! Algo que meus dons não acessam.
— Espiões psíquicos?
— Não Gyrimias. Algo maior. Porque toda essa técnica de acesso remoto a mentes e acontecimentos, foi ensinada através de conhecimento alienígena, a antigas escolas de mistério egípcias, onde a família de Mona Foad bebeu tal conhecimento e os quais Mona ensina a seus pupilos.
— Minha nossa, Senhor. Acha que alienígenas estão fazendo algo em jazidas de níquel? Minando-as?
— Se escondendo!
— Senhor...
— Não Gyrimias! Não parcele mais nada. Vou ter que presenciar isso pessoalmente.
— Comprou uma jazida inteira para presenciar alienígenas se escondendo?
Sean sorriu para o quarto vazio.
— A coisa é mais complicada Gyrimias, mas acho que Spartacus parou de seguir a coordenada para me seguir de alguma forma.
— O Senhor esteve em Kabwe?
— Sim! Remotamente! Mas não consegui ver nada a não ser uma entrada de túnel subterrâneo quente e fora de foco.
Gyrimias deu um tempo para pensar.
— Por isso a Senhorita Kelly Garcia me perguntou sobre suas viagens astrais atrás de sinais alienígenas, Senhor?
— Mais assustador que Kelly fazendo essa pergunta a você, é o fato de como ela soube que eu viajava remotamente, pelo éter, Gyrimias. Porque sei que Mona pode saber o que eu faço, mas ninguém mais que ela. Porque bloqueio os espiões da Poliu como eles me bloqueiam.
— Então se um anula o poder do outro, de saber o que fazem, como ela soube?
— Porque alguém contou.
— Senhor Fernando Queise?
— Sim Gyrimias.
— Mas como ele saberia?
— Mr. Trevellis! Sozinho num aeroporto do meio da África.
— Senhor... — e Gyrimias nada mais falou sobre aquilo, porque sabia que Sean sabia que ele não entendera nada. — Acha que a duplicidade nos mainframes pode ser streaming na coordenada do satélite de observação?
— Não, Gyrimias. Sabe que preparei Spartacus para usar protocolo de tolerância à falha dos HDs usando redundância de hardware. Os clusters deviam se apresentar como um sistema único, e a integração do processamento distribuído deveriam ser clara e eficiente, a ponto dele, independente de qual sistema estivesse operando, prover um determinado serviço.
— Mas se os clusters dos mainframes estão em arquitetura de centenas de nós, Senhor, então parcelo que tenha dois usuários ‘Sean Queise’ dentro dos mainframes ao mesmo tempo.
— “Dois Sean Queise”, Gyrimias?
— Será que a Poliu, Senhor... Parcelado meu temor, por que a Poliu travaria o satélite de observação na mesma coordenada se o Senhor poderia descobri-la?
Sean olhou em volta, o quarto ainda cheirava rosas. Aquilo o incomodava, porque rosa o lembrava de Sandy Monroe.
— Para que Spartacus observasse os mesmos sinais que eu, três meses atrás, Gyrimias. E a Poliu quer que eu saiba sobre a jazida esgotada e abandonada em Kabwe.
— E por que a Poliu passou a se interessar pelos crop circles, por esses tais sinais, se monitoramos esses sinais há mais de um ano, Senhor?
— Porque a Poliu não sabe que fazemos isso há mais de um ano, ou Kelly também saberia.
— E por que Spartacus está em Damaraland, na Namíbia, na coordenada 21° 4’ 59” S e 14° 9’ 0” E, Senhor?
— Quantas perguntas Gyrimias.
— Desculpe-me Senhor. Estou temeroso que algo esteja acontecendo próximo a Montanha Brandberg, para que estejam interessados no Senhor.
— Não imagino para o que.
— Mas e seus poderes, Senhor? Há algo errado com eles?
— “Poderes”? — riu. — Não, Gyrimias; são dons, apenas. E não é que algo esteja errado, é que há algo em Damaraland que não me permite ir lá, entende? Não consigo sair do corpo e ir à coordenada 21° 4’ 59” S e 14° 9’ 0” E, nem saber o que acontece; se é que acontece.
— Porque lá há a jazida que vai comprar.
— Exato Gyrimias!
— Algo com nossas pesquisas sobre o níquel e o LFM?
— Não! Oscar e Trevellis podem até tentar adivinhar que faço algo para alterar Spartacus, mas jamais vão imaginar que nós estamos criando ‘ficção científica’, Gyrimias.
Gyrimias achou graça apesar de momentaneamente nervoso.
— Acha então que o material não vai alterar algo a ponto da NASA, ESA, ou a Agência Espacial Brasileira anunciar algo à Polícia Mundial?
— Ainda não sei Gyrimias. Não posso adivinhar o que ainda não existe, porque ainda não o fiz — e o cheiro de rosas se espalhou ali mostrando a Sean que ele podia adivinhar sim, que talvez toda filosofia de Santo Agostinho, sobre não se poder mensurar o que não existia, não se aplicava a dons paranormais cada vez mais estranhos.
— Mas Senhor, parcelado meus temores, tenho que perguntar se a Polícia Mundial ou a Poliu… — e Gyrimias se benzeu. —, vão fazer perguntas sobre o que estamos injetando no satélite?
— Acredito que vão. Mas tudo na hora certa, Gyrimias. Não se preocupe.
— Ah! Senhor! Parcelado tudo, eu me preocupo sim. Tenho tantos pesadelos que já não durmo.
— Pesadelos com o que?
— Com Spartacus, Senhor. Com dons paranormais o morfando a ponto de despencar lá de cima.
Sean riu.
— Não vamos aumentar seu peso, Gyrimias. Vamos somente morfar sua estrutura com meus dons para que faça o que quero. E para segurança dos mainframes, cancele toda e qualquer entrada a Spartacus.
— Mas Senhor... — Gyrimias arregalou os olhos por dentro dos espessos óculos de grau. — Vai ficar sem Spartacus se eu cancelar as entradas.
— Posso hackear outro satélite se sentir necessidade, porém a Poliu não vai poder usar Spartacus até eu conseguir deformar todo seu material.
— Senhor... Parcelada minhas dúvidas, preciso prosseguir e perguntar se o níquel que está interessado em comprar em jazidas, é um níquel de minas habitadas por alienígenas capazes de fazer...
— É tarde Gyrimias! Preciso desligar!
Gyrimias sabia que aquilo havia terminado.
— Sim Senhor.
— E use uma chave primária para que não seja permitido, que o usuário consiga cadastrar dois registros ‘Sean Queise’ com chaves primárias iguais.
— Está bem, Senhor. Mas isso não vai detê-los por muito tempo.
Sean suspirou pesado e desligou. Sabia que Gyrimias tinha razão, seus dons o permitam ler pensamentos, ouvir vozes, atravessar paredes e dimensões.
Onze dimensões paralelas, mundos paralelos, sutis, talvez em níveis de energia onde alienígenas estivessem.
Trafalgar Square; Londres, Inglaterra.
51° 30’ 27” N e 0° 7’ 40” W.
16 de outubro; 21h00min.
O nórdico e aristocrático Oscar Roldman balançava o pescoço nervoso, a noite avançava e seu corpo bonito e que avançava na idade, pedia descanso.
A Trafalgar Square estava quieta naquela noite e o trânsito já estava ameno. Até que era uma boa hora para ir embora, mas Oscar não conseguia relaxar, esquecer o trabalho na Polícia Mundial.
Vinha a algum tempo extremamente preocupado com Sean Queise e um silêncio misterioso da Poliu para com ele.
Oscar Roldman sabia que Mr. Trevellis não desistiria tão cedo de tirar a Computer Co. e consequentemente os mainframes que alugavam do comando de Sean, que já não podia retornar às mãos do pai, Fernando Queise, a quem costumavam ‘driblar’, porque com o afastamento cada vez maior entre pai e filho, todas as decisões da Computer Co. foram deixadas com Sean Queise. Inclusive, comprar aquela jazida de níquel na Namíbia, que Oscar sabia, tinha o dedo da Poliu por trás.
E de nada adiantou forçar Kelly a conseguir informações com Sean, incutindo ideias nela para que Sean pensasse que era Fernando quem estava atrás daquelas informações; porque ele era um Roldman, porque tinha dons paranormais e podia fazer outros pensarem aquilo que ele queria que fosse pensado.
Ele voltou a balançar o pescoço demonstrando que seu autocontrole havia se desvanecido há muito. E se Sean Queise não fosse sua maior preocupação, Nelma Queise entrava na sua sala, no Club Quarters Trafalgar Square naquele exato momento.
— Nelma... — e Oscar sentiu todo o ar da sala rarear, não sabendo nem que língua falar.
— Não imagina como foi difícil mentir a minha filha Ana Claudia que vínhamos fazer compras em Londres.
— Porque já não consegue trazer o pequeno Sean para tais compras.
Nelma sorriu majestosamente.
— Nem imagina como Renata ficou ao ver minha passagem na mesa dela.
Oscar alternava em apreciar a beleza que ela possuía; o cabelo loiro e curto, a pele brilhante, os olhos esverdeados por detrás dos óculos de Sol, em meio às ideias que a levaram até lá.
— Eu... Imagino... — foi o que falou em português, mesmo.
— Sean está fazendo algo de errado — Nelma sentou-se largando a bolsa numa canto qualquer e o pescoço dele acabou por travar. — É algum trabalhinho para você? — foi direta.
— Sean não está fazendo ‘trabalhinho’ algum para mim. Você sabe...
— Não sei de nada, Oscar. Mas sei muito bem que você contrata Sean toda vez que não consegue resolver algo por causa daquele maldito satélite que... — e parou de falar.
— Maldito? — e Oscar sentou-se pesado. — Prossiga Nelma — pediu.
— Senhora Queise.
Oscar sentiu dor naquela frase.
— Prossiga Senhora Queise. Onde está Sean?
— Na Namíbia.
— Fazendo?
— Comprando uma jazida.
— De que?
— Níquel.
Agora Oscar entendeu onde ela queira chegar. Mesmo sabendo que não fora Kelly quem falara.
— E acha que eu devo interferir por quê?
— Conhece o negócio?
— Não. Por que conheceria, Senhora Queise?
Nelma ergueu todo o rosto.
— Porque Kelly não sabe.
Oscar prosseguiu.
— Sean não fala comigo, não pede orientação nem ajuda. Não fala nem me deixa participar de sua vida. Então... Deveria falar mais com Kelly, perguntar-lhe mais sobre a empresa e o que realmente deixou para Sean cuidar após o afastamento de Fernando dos negócios.
— Sabe que Fernando não se afastou da Computer Co., se afastou de Sean.
— Por sua causa.
— Não! Por sua causa!
— Não me jogue isso Nelma... Sra. Nelma Queise. Porque nunca pedi nada além de umas poucas viagens de Sean nas férias — olhou-a por detrás dos óculos de lente grossa. — ‘Viagens de compras’.
— Acha que foi fácil para mim Oscar? Que tem sido fácil?
— Não tem sido fácil para nenhum de nós. Até sua filha Ana Claudia sofre com as mentiras.
Nelma continuou com o coração acelerado, o encarando, sabendo que ele a amava.
— Oscar...
— Não Nelma! — ergueu a mão sabendo o que ela ia dizer.
— Sean faz isso igual a você.
— Levantar a mão?
— Ler meus pensamentos.
Oscar abaixou a cabeça nervoso quando viu os passos dela se aproximando dele, da mão dela tocando seu rosto e o levantando, e os lábios dela presos ao dele.
— Nelma... — e se afastou nem soube com que forças.
— Vou me separar de Fernando!
Oscar agora perdeu forças e pensamentos.
— Sean...
— Não sabe! Ou finge não saber.
— Fernando?
— Por que acha que ele se afastou de Sean?
— Não sei o porquê, mas não foi por aproximar Sean da Polícia Mundial. Já disse que Sean não...
— Sean não se aproximou da Polícia Mundial. Porque Fernando sabe que Sean está cada vez mais envolvido com a Poliu.
— Mentira! — ergueu-se furioso. — Trevellis não se atreveria a fazer isso com meu filho.
— Não sei se Trevellis se atreveria porque conhecemos Trevellis, e do que ele é capaz de se atrever. E nós o conhecemos o suficiente, para saber que é Sean quem está atrás da Poliu, porque a Poliu pode dar a ele coisas que sozinhos, seus dons genéticos não lhe dão.
— Contato!
— Isso! Contato com alienígenas.
Oscar caiu sentado na cadeira.
— Meu Deus! O que Sean quer com isso? — olhou Nelma o olhando. — E por que acha que eu...
— Sei que você consegue Oscar. Você o vigia, o persegue tal qual Mr. Trevellis, tal qual faziam com Fernando. E não me venha mais com essa besteira de não participar da vida de Sean.
Oscar cerrou os olhos ainda sentindo seus lábios vibrando pelo beijo roubado.
— Ao contrário do que pensa...
— Ao contrário do que penso não conta. Kelly me disse que toda vez que a Poliu não interfere num contrato que Sean assina, desde que ele assumiu a Computer Co., é porque está interessada em que Sean assine o contrato.
Aquilo alertou Oscar outra vez.
— A Poliu não vetou a compra da jazida?
— Não!
— Como sabe?
— Porque Sean está usando a Computer Co. para fazer a NASA ou outra agência mais, não fazerem perguntas.
“Perguntas?”, ecoou por todo o corpo de Oscar.
— E Kelly também disse...
— Porque faz isso com Kelly, Nelma? — Oscar cortou-a. — Como pode ser tão vil a ponto de usar o amor dela para...
— O que faço para proteger meu filho não lhe interessa! — foi a vez dela o cortar a fala. — E não sou tão vil quanto você o arrastando ao precipício só para poder tê-lo por perto — Nelma se levantou e abriu a porta.
— Nelma! — exclamou com força. Nelma Queise sentiu a força usada. — Eu vou investigar sobre o contrato da jazida e sobre a NASA ou outra agência mais. Mas nunca mais use Kelly Garcia para isso.
— Você, Fernando e Trevellis permitiram que Sean namorasse Sandy.
— Nelma...
— Permitiram! — ela se alterou. — E permitiram mesmo sabendo que ela era uma agente da Poliu.
— Foi por isso que obrigou Fernando a contratar Kelly? — e a porta estremeceu na saída dela, na tamanha força usada por Nelma ao fechá-la. — Inferno! — Oscar esbravejou fazendo todas as luzes da Trafalgar Square se apagarem.
Hotel Heinitzburg.
16 de outubro; 23h50min.
E toda a paranormalidade de Sean Queise também estava sendo posta à prova naquele momento. Sean saía do corpo a procura dela, Sandy Monroe. Buscava anos e anos entender por que a alma dela não conseguia descansar nem a dele compreender o descanso dela. Porque se torturavam ambos, naqueles anos todos, tentando compensar suas perdas falhas, separados apenas pelo fino tecido temporal. Porque Sean abria os horizontes para o universalismo ao sair do corpo, a se lançar no éter. Aprendia com o que via com o que conhecia por onde viajava.
O corpo inerte na cama do Hotel Heinitzburg tinha um cordão etéreo, um cordão de prata que prendia sua alma ao corpo não o permitindo morrer.
Sean até queria. Queria vê-la, falar-lhe mais uma única vez. Tentava desesperadamente atravessar as barreiras, vagando entre mortos, espíritos incompreendidos da situação, da vida pregressa das penas a seguir. Sean via dores e lágrimas alheias, mas não a via; não mais. E Sean não sabia o que acontecera com Sandy porque sabia que o suicídio não a permitiu encontrar a luz.
Mona Foad o havia ensinando ir além das religiões, sem deixar de ser espiritual.
“Mona...”, Sean a chamava.
E Mona o sentiu lhe chamar. Havia, porém, decidido não mais segui-lo em suas projeções, porque ele tinha que aprender sozinho. Sofrer sozinho também.
O estampido de uma arma fez o corpo astral de Sean voltar ao corpo físico.
“Droga!”, olhou em volta, o abat-jour deixara o quarto à meia-luz em meio a brisa suave que vinha da janela entreaberta.
Sean teve mesmo a sensação de ouvir um tiro. Ficou na duvida se havia ouvido enquanto saíra do corpo, se era o tiro que levara a vida de Sandy que ele ouvia, ou algo acontecera no hotel. Concentrou-se, mas nada conseguiu sentir, sair do corpo, quando se viu deitado. Sean ergueu o sobrolho e se tocou, estava fora do corpo sem perceber que saíra.
Voltou a se olhar e o corpo dele estava na cama, imóvel.
“Sean?”
Ele ouviu chamarem seu nome. Sandy Monroe estava linda em seu vestido de chiffon branco, usando um coque discreto que prendiam os cabelos loiros, brilhantes.
— Sandy... — ele ergueu a mão para tocá-la. — Há quanto tempo eu te procuro...
Mas Sandy começou a chorar. Sean impactou, pisava o mármore carrara da mansão dos Queise. Sandy então correu escada acima e Sean já sabia o que procederia, porque sabia que estava na sua casa, na noite do noivado.
Ele foi atrás dela, e nem esperou virar o extenso corredor de muitas portas, no andar de cima da casa, e Sandy Monroe se trancou no quarto dele. O estampido seco fez seu corpo acordar novamente na cama. O tiro havia levado ela para sempre.
“Droga!”
Mas Sean sentiu dor, seu peito estava sendo pressionado por alguma coisa que impedia a circulação do ar.
Olhou para os lados e percebeu que não havia acordado como supunha, não totalmente. Sua alma voltara ao corpo, mas o corpo não acordava. Seus olhos enxergavam o quarto, mas o quarto quase não era enxergado. Toda sua mobília se inclinava; a cama, a poltrona cheia de roupas, as taças de cristal ainda com champagne e o tecido de pura seda em que dormia.
“Mona?”, Sean chamou-a.
Foi a vez de Mona Foad Almeida acordar pelo estampido de um tiro. Ela olhou para o marido Manoel dormindo do outro lado da cama. Olhou o quarto e o corpo dela paralisado. Porque Mona também dormia acordada em meio a um quarto na Lisboa que se inclinava, e voltava e voltava a se inclinar.
“Sean?”, Mona o chamou.
“Mona...”, soava mais longe ainda.
“Sean? O que está acontecendo?”.
Outro tiro ecoou a doer-lhe os ouvidos e Mona penetrou o éter, entrou no quarto do Hotel Heinitzburg, na Namíbia e o viu deitado na cama, tremendo em pulos, quando o corpo dele parou. Sean então girou por sobre seu corpo, ficando de barriga para baixo, para então girar e ficar de barriga para cima e então girar, girar e girar sem controle; 360º, 720º, 1080º.
“Sean?!”, gritou Mona desesperada, tentando se mover até conseguir chegar próximo a cama e tocar-lhe a fronte, fazendo Sean parar de girar.
— Não!!! — Sean gritou com toda dor e força.
Kelly Garcia se assustou no quarto ao lado. Ela correu a vestir o robe de seda e sem achar os chinelos, correu descalça pelo corredor.
— Sean?! — ela bateu na porta dele. — Sean?! Sean?!
Mas Sean ainda tinha o corpo adormecido e os olhos da alma abertos vendo que Mona lutava com algo que também não conseguia ver, que não decifrava o que era, que sabia não estar ali, não naquela época.
E Mona sentia que seus braços e pernas estavam atados por uma força que não conhecia que nunca tinha visto. Ela tentava não soltar a fronte de Sean ou ele giraria até mudar de dimensão, mas acabava por fazê-lo sofrer mais.
— Ahhh!!! — a dor era intensa.
— Sean?! O que está acontecendo?! — gritava Kelly do outro lado da porta.
Sem alternativas, Mona o soltou.
— Não!!! — e o corpo de Sean girou novamente.
— Sean?! — gritava Kelly jogando o corpo mignon contra a porta, a fim de abri-la.
Sean ouviu Kelly gritar no corredor, mas seu corpo girava tanto que ele sentia toda sua alimentação subir por onde havia descido quando percebeu que os dois não estavam ‘sozinhos’ no quarto, que algo estava ali com ele e a alma de Mona, que também sentia que havia ali uma força extraordinária, vindo de uma criatura que estava exercendo algo no seu corpo astral. Mas Sean só via a sombra grande e enegrecida, que não se moldava atrás dela quando um bando de animais parecia correr em suas direções.
Ambos arregalaram os olhos e um pó levantava dentro do quarto que havia se teletransportado para um deserto, onde girafas corriam para fugindo de um enxame, que ambos traduziram como insetos.
A imagem então se inclinou, se inclinou e ambos sumiram do quarto.
“Kelly?!” foi a vez de Sean gritar no éter.
Ela percebeu que a voz dele se fazia no seu pensamento.
— Oh! Meu Deus... Oh! Meu Deus... — e Kelly saiu correndo até seu quarto, até sua maleta de maquiagem, pegando o que fosse de metal e que fosse pontiagudo. Voltou à porta do quarto dele e tentou tudo que tinha tudo que sabia abrindo a porta. Ela entrou, acendeu a luz e olhou em volta. Lá, só a cama vazia e intacta, cadeira com roupas e a mesa com as taças ainda sujas de champagne. — Sean? — olhou um lado e outro. — Sean? — o procurou no banheiro.
Sean de repente apareceu, ela não sabia de onde, girando seu corpo 360º, 720º, 1080º até ambos poderem sentir que uma areia vermelha levantava ali.
Kelly Garcia arregalou os olhos, abriu a boca em choque e Sean Queise caiu desmaiado no chão do quarto, sujo de uma areia fina e avermelhada.
— Ahhh!!! — Mona também acordou ao lado de Manoel, na sua cama, na bela Lisboa.
Manoel se virou bruscamente para o lado como se nada tivesse acontecido. Porque talvez até nada tivesse acontecido.
Mas Mona sabia que acontecera. Ela se olhou, se viu suja de areia, suada, tremendo. Olhou em volta apavorada. Olhou-se novamente e sua camisola estava rasgada, ensanguentada também. Havia ferimentos pelo seu corpo e seu sangue escorria. Ela levantou-se e foi até o banheiro com o coração totalmente descompassado. Um pedaço negro de exoesqueleto de inseto se emaranhava ao tecido da camisola que usava.
Mona podia sentir a presença de Mr. Trevellis e a Poliu naquilo. Tentou afastar seus pensamentos para que não chegassem aos espiões psíquicos da Poliu para que não soubessem. Também tomou a decisão de nada comunicar Sean Queise. Porque sabia que ele podia estar envolvido com o que acontecera a ambos.
Contudo, em toda sua vida de paranormalidade, de espiã psíquica da Poliu ela nunca havia experimentado tocar o éter e de lá voltar com material de outras dimensões.
Mona voltou para a cama atordoada, passando o resto da noite vendo a marca deixada na sua perna machucada, a patada de uma girafa em uma fuga alucinada.
3
Namíbia.
17 de outubro; 10h10min.
Sean Queise e Kelly Garcia haviam pego Dalton Millers no centro de Windhoek logo após o café da manhã, onde Sean jurara mais de oito vezes a Kelly que não sabia o que havia acontecido, nem porque ele girara daquela maneira, e nem o que significava tal areia. Ela enfim desistiu de questionar o que lhe havia acontecido na noite anterior, mesmo depois de ter presenciado algo que ela sabia, tinha haver com a paranormalidade dele que se desenvolvia sem controle.
E porque ele precisava conversar com Mona mesmo ela nunca mais se envolver com as viagens dele.
De lá, como previsto, alugaram um avião em direção ao aeroporto da Cidade de Swakopmund. Do aeroporto, Dalton os levou a casa de aluguel de carros. Lá escolheram uma Nissan 4x4, cabine dupla.
— A Montanha Brandberg seria outro local astronômico, o melhor do mundo se tivesse um pouco mais de investimento privado — falou Dalton de repente.
Sean e Kelly saíram de seus pensamentos e inclinaram a cabeça para olhar.
— Por que diz isso?
— Nas 220 noites médias de um ano a montanha não mostra nenhuma cobertura de nuvem, e a transmissão atmosférica só é reduzida em 5% devido a seu índice de poeira; em muitos casos não chega a 2%.
Dalton arrumou a boina de crochê colorida que segurava suas longas tranças e voltou a sorrir para ela. O que, aliás, fazia desde o primeiro segundo que colocou o olho nela, ainda na porta do hotel. E Sean percebeu os milhares de escorregadelas que o olho de Dalton fazia ao banco de trás da 4x4. Porque a maneira como o geólogo Dalton recebeu a geóloga Kelly, foi espantosamente cheia de gentilezas para quem não se conheciam.
Kelly Garcia era uma mulher esperta e experiente o suficiente para saber que Sean não gostou de sentir aquele ciúme, que sempre a observava pelo retrovisor toda vez que Dalton puxava um assunto referente a geologia, arrependido de tê-la levado. Porque os catorze anos que os separavam começava a desestabilizá-lo.
Há quatrocentos quilômetros de Windhoek, ficava a ‘montanha incendiada’, Omukuru-waros ou Brandberg, em dialeto Herero e Alemão, respectivamente. A Montanha Brandberg com seus 8.362 pés é a mais elevada na Namíbia, cobrindo uma área de 650 quilômetros quadrados; um sonho para astrônomos.
— Onde estamos Dalton? — ela perguntou ao avistarem a montanha de longe; era belíssima.
— Estamos chegando a Damaraland, que foi um nome dado à parte norte-central do que se transformou mais tarde Namíbia, habitada pelos povos Herero-faladores, que no século dezenove foram consultados frequentemente pelos outsiders como ‘Damaras’. Foi limitado aproximadamente por Ovamboland no norte, pelo deserto de Namib no oeste, pelo deserto de Kalahari no leste, e por Windhoek no sul, Mejuffou Kelly.
— “Mejuffou”?
— Sua voz é deliciosa — Dalton não se segurou.
Sean também não. Deixou escapar o pé do acelerador olhando uma Kelly nada arrependida de ter usado sua voz deliciosa.
— Obrigada Dalton... — Kelly não o encarou. — Mas o que é ‘Mejuffou’?
— Quer dizer ‘Miss’, ‘Senhorita’.
— Interessante Dalton — sorriu num cruzar de pernas que empurrou o banco de Sean para frente.
Ele só a olhou furioso pelo retrovisor.
Ela percebeu.
— Isso tudo é o deserto da Namíbia — prosseguiu Dalton apontando logo adiante. —, e mais para frente é o Deserto do Kalahari.
— Deserto? — Kelly viu algumas árvores de longe.
— Kalahari vem da palavra Kgalagadi, Mejuffou Kelly, e que significa ‘a grande sede’. Não é exatamente um deserto já que chove 250 mm, contudo mal distribuída anualmente; por isso a vegetação. É realmente árido somente no sudoeste, fazendo do Kalahari um deserto de fósseis.
— Eu queria tanto ter trazido minha câmera, meu celular, meu tablet, tuitar, postar no Insta, bloggar um pouco... — Kelly era pura lamentação.
Dalton não sabia fazer metade do que ela disse.
— Sinto Mejuffou, mas as comunicações são limitadas aqui.
— Ah... Por isso não trouxe o notebook, patrãozinho?
Sean voltou a olhá-la pelo retrovisor, sabia quando a sócia estava sendo irônica.
— Não vou precisar dele agora, ‘sóciazinha’.
— É que ele nunca sai sem ele... — Kelly sorriu para Dalton.
— Onde estamos indo agora, Dalton? — Sean outra vez a encarou pelo retrovisor e Kelly calou-se.
— Saímos de Swakopmund na B2 até alcançarmos Wilhelmstal — acompanhava ele o mapa. —, giramos na C36 e prosseguirmos até Omaruru. Lá tem o Sandragon é um lugar grande para parar e comer algo refrescante.
— Quero continuar!
— Okay! — Dalton não pareceria perceber o tom de voz enervado de Sean. — Do Omaruru continuaremos na rota 2344 no sentido de Omatjette. Depois alcançaremos a C35 que vem de Uis e o giraremos para a direita no sentido de Khorixas — e Dalton não viu Sean girar os olhos com cansaço. — Continuaremos aproximadamente 20 km antes de girar à esquerda na D2612. Numa dessas, abasteceremos o carro. Depois prosseguiremos para mais 65 km e seguiremos os signboards ao Hotel Damaraland.
— “Signboards”? — Sean estranhou a palavra usada.
Dalton não respondeu e a viagem prosseguiu por mais três horas.
— Vamos chegar depois do almoço? — perguntou Kelly.
— Não podemos visitar a jazida, primeiro? — perguntou Sean.
— Se o geólogo responsável não estiver lá no Hotel Damaraland, teremos que passar uma mensagem de rádio para a Moon Metallurgy. Por aqui não tem antena de celular comum.
— Eu não uso o celular, Dalton — ele viu Dalton o olhar com interesse. — Uso o éter! — sorriu cínico.
E Dalton só escorregou um olhar para ele.
— O hotel é grande? — foi a preocupação de Kelly.
— Ãh? Tem uma equipe de paleontólogos instalados lá há algum tempo, Mejuffou. Vira e mexe tem outros deles acampados ao pé da montanha.
— Outros quem?
— Paleontólogos Mister Queise.
— Chame-me de Sean, Dalton.
— Okay!
— Queria poder tomar um banho — a voz de Kelly era tão abafada quanto ela naquele momento.
— Temo que não vá ter lugar lá, Mejuffou Kelly. O hotel não é muito grande, apesar de ser um bocado exótico.
— Como assim?
— Não tem paredes nas suítes.
— Como assim? — foi a vez de Sean estranhar.
— Eu disse que era exótico, não? — Dalton riu. — Porque existem paredes na frente onde ficam as portas de entrada, nos lados, mas não há paredes no fundo dos quartos, que dão para a imensidão do deserto da Namíbia. E alguns banheiros, Mejuffou Kelly, são incrustados na rocha enquanto outros ficam ao ar livre.
— Uau!
— Paleontólogos? — interessou-se Sean de repente.
— Sim. E tem outros também, acho que botânicos, geólogos, sei não ao certo. Estive lá uma vez para comer. Eles também vão e voltam. Estudam e viajam. Já faz um tempo que não saem de lá.
— Os conhece?
— Os paleontólogos? Não, mas a Moon Metallurgy já até foi proibida de entrar nas suas próprias jazidas porque estavam escavando não sei o quê por lá.
— E houve muitos jornalistas por lá?
— Lá aonde Mister Queise?
— Na montanha.
— Fala das escavações dos paleontólogos?
Sean percebeu que ele nada sabia sobre os crop circle ou qualquer sinal de pouso alienígena.
— Sim, falo das escavações, dos últimos acontecimentos — falou Sean enfim. —, porque afinal os jornais são os primeiros a chegar.
— O que quer dizer com isso Sean?
— Nada Kelly. Comentários sobre um sítio arqueológico, apenas.
— Sabia que tinha um sítio arqueológico lá, Mister Queise?
— É patrãozinho, você sabia? — e a voz de Kelly até mudara.
— Não é o que paleontólogos fazem? Trabalham em sítios arqueológicos? — a fuzilou pelo retrovisor mais uma vez.
— Bem... — Dalton nada percebeu. — Não há muitos acontecimentos por aqui já faz algum tempo.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
17 de outubro; 15h15min.
O carro levantou poeira no que atravessou a placa do Hotel Damaraland. Alguns trabalhadores locais apareceram para ver quem era. Sean desceu de bermuda caqui, camisa branca de algodão egípcio, tênis e ray-ban azul espelhado. Dalton usava shorts colorido, camisa de manga enrolada e sandálias de couro. Kelly, além de vestir um tailleur vermelho Empório Armani, da blusa de seda que colava no corpo dela por causa do calor infernal e poeira abundante, usava um sapato de salto alto e sola vermelha Christian Louboutin, que enterrava a cada passo.
— Ai! Ai! Ai! — reclamou Kelly até a entrada do hotel.
Sean riu ao vê-la combinando com o local.
— Sinto, mas o hotel encontra-se lotado — avisou o namibiano gerente Kaunadodo. no que Dalton foi conversar com ele.
— Não viemos para ficar Sr. Kaunadodo — explicou Sean estranhando os nativos olhando-o de uma maneira assustada.
— Não podemos! — exclamou forte, o gerente Kaunadodo, que olhou para Dalton como numa reprovação. — Se entrarem mais três hoje, amanhã não poderá vir mais quatro.
— Que quer que eu faça? — explodiu Dalton. — Estamos em três.
— Inferno! — enervou-se o gerente. — Você disse mais dois.
— Mas já disse que somos três!
Sean estranhou tal atitude. E não gostou de ler os pensamentos de Dalton, que apesar de nublados cheirava a Poliu.
— Queríamos apenas tomar um banho e comer algo — falou Sean enfim.
Kaunadodo balançava o pescoço nervoso.
— Não entende?! — foi para Dalton que Kaunadodo soltou seu descontrole. — O equilibro diz que os números...
— Sabe Mister Queise? — cortou Dalton sorrindo nervoso. — Kaunadodo é um místico numérico.
— “Místico numérico”? — Sean não acreditou no que ouviu.
— Ele... — Dalton olhou Kaunadodo com os olhos arregalados para Sean; talvez tanto quanto os outros funcionários do hotel. — Ele tem medo de números desiguais; impares.
— “Números desiguais”? — repetiu Kelly. — Estou derretendo, Sean — ela agora olhou para ele também suando por todos os poros.
Sean a olhou sabendo que ela era o número desigual.
— Está tudo bem! Quanto a comida não há problema — Kaunadodo parecia anotar algo num grande caderno. — Quanto ao banho... — girou os olhos no entorno. — Está tudo bem! Posso liberar o banheiro de uma das quatro suítes reservadas... — e os encarou. — Sejam breves!
— Está ótimo! — agradeceu Dalton fazendo uma careta. Depois se virou para Sean que estava de poucas conversas. — Desculpe-me Mister Queise, desculpe-me Mejuffou Kelly, é que ele é chegado à numerologia de...
Sean levantou a mão e Dalton calou-se.
Os dois se dirigiram para um lobby tão extravagante quanto à arquitetura do local, feito de ocas unidas uma as outras, numa sequência que fazia o teto dançarem na sua arquitetura. Era um belo trabalho, Sean admitia, quando o atravessaram e entraram na sala de refeições; um grande alpendre de madeira coberto de piaçava, ainda sem entender o desequilíbrio numérico. Lá, vinte grandes mesas redondas, com hóspedes esperando servirem um almoço tardio.
E foi só Sean Queise pisar ali e um estampido estourou no seu tímpano.
— Ahhh... — Sean foi de joelhos ao chão em meio ao som de cadeiras sendo arrastadas e pessoas correndo a ajudá-lo. — Obrigado... — sussurrou realmente tonto, para todos que correram a auxiliá-lo.
Na mesa do fundo, uma mulher jovem, provável 25 anos, olhos verdes e pele levemente amorenada, e com cabelos lisos e compridos, presos num rabo de cavalo com franja; e ela foi quem mais lhe chamou sua atenção. A mulher jovem, porém sentiu seu coração parar ao vê-lo entrando lá. Não imaginava que ele iria aparecer tão cedo.
O silêncio só foi quebrado por Kelly Garcia passando por todos com as sandálias na mão e todas as atenções de homens ali presentes, se voltando a ela. Kelly aceitou uma toalha que fora estendida pela camareira, se virou e saiu, Sean não soube para onde.
Sean tinha que admitir que nunca seu ciúme fora colocado a prova como naqueles últimos tempos. Mas o silêncio foi quebrado pela segunda vez quando um nativo adentrou gritando:
— Mejuffou Zôra?! Mejuffou Zôra?! — e ele parou com os olhos arregalados para Sean quando o viu. Depois se virou para a mulher jovem e de pele amorenada. — Hy is ryk, Mejuffou Zôra?
“Zôra?”, Sean ouviu o nome da bela de pele amorenada.
— Ek weet dat hy ryk is! — respondeu ela.
E Sean quis o auxílio de Dalton para traduzi-la, mas ele estava conversando algo com outro homem, vestido de calça e camisa social apesar do calor sufocante.
Dalton então se virou e o apresentou:
— Mister Queise. Esse é o professor Dr. Antenor Amorin — apontou Dalton para o homem, vestido de calça e camisa social. — Doutor, esse é Sean Queise, da Computer Co. — e voltou a se virar para Sean. — O Dr. Antenor acabou de chegar de viagem e é o paleontólogo chefe aqui, Ph.D especializado no Oligoceno.
— Doutor... — Sean esticou uma mão para cumprimentá-lo educadamente.
— E se quer mesmo visitar as jazidas Mister Queise, esse é o homem que pode ajeitar as coisas.
Antenor olhou Dalton sem entender.
— Jazidas? Está falando da jazida de níquel próximo a Montanha Brandberg?
— Sim. Mister Queise comprou-a — Dalton apontou para Sean.
— Achei que a Moon Metallurgy ainda estava fazendo avaliações.
— Comprei ontem! Pela Internet! — exclamou Sean Queise.
Antenor usava um antigo pince-nez sobre o nariz que parecia teimar em cair. Mas foram os cabelos brancos como floco de neve que balançaram na frase dita.
— Entendo... — voltou a olhar Sean que lhe sorriu. — É um prazer Sr. Queise! Sempre quis conhecê-lo.
— Quis? — Sean olhou em volta.
Mas Antenor nada explicou.
— Esse é meu filho Dr. Narciso Amorin, Ph.D em matemática e paleontologia — apontou para um jovem que transbordava esnobismo pelos poros.
Narciso era ‘limpo’ demais para alguém que vivia num lugar cheio de areia. Seu cabelo precisamente separado ao meio brilhava como o gel que os mantinha no lugar, e a pele lisa e brilhante lhe dava um aspecto lustroso; Narciso talvez fizesse jus ao nome. Devia estar na casa dos cinquenta anos e não parecia ter o mesmo prazer que o pai em conhecê-lo.
— Olá... — Narciso limitou-se a sorrir de lado.
Sean também não fez questão alguma. Antenor prosseguiu sozinho nas apresentações:
— Essa é a Dra. Ignácia Costa, Ph.D em geologia. Trabalha comigo há mais de vinte anos.
Sean viu uma Senhora de idade tão avançada quanto o professor Dr. Antenor. Com cabelos loiros, recém-pintado, pele extremamente esticadas num botox, ela ergueu-se da cadeira logo em seguida e lhe deu uma mão para ser beijada enquanto a outra balançava com gosto um leque de madrepérola extremamente conservador.
— É um prazer também, Sr. Queise.
Sean a beijou como uma mesura
— O prazer é todo meu, Dra. Ignácia.
O professor Dr. Antenor continuou:
— Esse é o Dr. Yerik Dimitri. Ph.D em engenharia genética.
“Engenharia genética?”, Sean se virou e encarou o doutor russo apresentado.
Yerik Dimitri era o que se poderia chamar de quarentão. Sua pele era branca de nascença, de beleza mediana, ficava calado quando colocado sob evidência. Mal conseguiu falar uma palavra tentando disfarçar a gagueira.
— Pra-prazer! — falou Yerik gago.
— Prazer! — respondeu Sean polidamente.
— Esse é o Dr. Moreno Bonilha, Ph.D em bioquímica — Antenor prosseguiu.
— Prazer! — disse Sean outra vez.
— O mesmo, pois. E por favor, me chame somente de Bonilha — respondeu Moreno Bonilha com um forte sotaque português.
E ‘Moreno’ era ainda mais branco que sua imaginação poderia imaginar para ser chamado assim. Porque Sean imaginou que o nome significasse aos pais, algo que não fosse relacionado com a cor de sua pele. Como sua avó Tereza, Bonilha era um português branco, de olhos verdes e tez suave. Era magro sem ser raquítico, e com uma altura que beirava os dois metros. Jovem, devia estar na casa dos trinta anos, não mais.
— Bonilha é biofísico molecular — prosseguiu Antenor.
— Achei que tinha dito ser bioquímico.
— Quando os bioquímicos fazem uso não apenas dos seus conhecimentos de biologia e química, mas também de física, diz-se que trabalham em biofísica molecular, pois — falou Bonilha.
— Realmente! A bioquímica é a fronteira entre a química e a biologia. Muitos dos mistérios da ciência situam-se hoje ao nível da célula e das suas moléculas — mostrou-se um Sean interessado. — E Francis Crick tornou-se um dos biofísicos mais conhecidos ao usar os seus conhecimentos em física para prever a estrutura do DNA.
— Exato Sr. Queise; Dorothy Hodgkin também recebeu o prêmio Nobel pelo seu trabalho em cristalografia de raios-X. E eu mesmo já trabalhei em todas as áreas da bioquímica, como bioquímica estrutural, bioquímica radicalar, engenharia bioquímica, enzimologia, genética ou biologia molecular, regulação bioquímica, simulação e a biofísica molecular, pois.
— Wow! “Regulação bioquímica e simulação”?
— Regulação bioquímica, estudo global sobre os mecanismos de resposta das células a diferentes estímulos, pois.
— Wow! — repetiu-se. — Interessante saber que trabalha num sítio arqueológico — falou Sean.
E o silêncio se impôs outra vez. Quebrado, porém por Antenor.
— Essa é a professora Dra. Lânia.
A apresentação apontou para outra mulher do grupo, sentada na mesa próxima a porta. Sean a achou encantadora. E apesar de não ser a mais velha nem a mais bonita das mulheres na sala de refeições, era uma mulher muito charmosa em seus quarenta e cinco anos.
Lânia tinha os cabelos curtos, loiros, encaracolados, quase presos à cabeça. Usava óculos redondos sem hastes e tinha um sorriso perfeito. Sua pele clara dava sinais de já ter tido muitas espinhas na adolescência, mas era bem tratada, e encontrava-se um tanto maquiada para aquele lugar.
— Olá, Sr. Queise — ela esticou mãos macias.
— Mãos delicadas, professora — falou charmoso.
Lânia sorriu encantadoramente e a mulher de pele amorenada chamada Zôra se sentiu incomodada.
Sean adorou ter tido tempo de ter visto aquilo.
— Sou como Narciso — falou Lânia, apontando.
— Bem cuidada?
— Não... — sorriu vermelha após todo salão de refeições rir. —, Ph.D em matemática. Sou professora de semiótica na Universidade de Paris.
Sean acordou do torpor.
— “Semiótica”? Quer dizer...
— A semiótica é a disciplina que se ocupa do estudo dos símbolos, do seu processo e sistema em geral. Ensino e estudo símbolos, crop circles, Sr. Queise — sorriu-lhe Lânia.
Sean gostou dela.
— A etimologia grega diz que a palavra símbolo se refere ao sinal de reconhecimento de duas pessoas, que possuem cada uma delas, pedaços de um objeto quebrado, que serve para, quando se juntam, estabelecer uma identidade.
— Perfeito Sr. Queise.
— Ele... — Sean apontou para Narciso que não gostou de ser apontado pelo homem bonito que começava a incomodá-lo, roubando a atenção principalmente das mulheres ali presentes.
— Não… — Lânia parecia ter entendido. —, o estudo matemático de Narciso se concentra nos fractais.
— Matemática do caos.
— Sim, Sr. Queise.
— Chame-me de Sean — Sean não podia ter sido mais charmoso.
— Sean... — soou da boca de Lânia.
— Então há matemáticos hospedados num hotel numeral — Sean viu Lânia suspirar com gosto e outros nem respirar. — Interessante, porque para Pitágoras tudo que existia era regido pelo número, presente na nossa vida e em nossas decisões, que muitas vezes tomamos sem sabedoria; ‘quanto’ é a palavra chave, origem de tudo. A vida Uma, de uma cadeira unitária, e sua importância de gerar todas as outras, 1+1+1+1+...= n, numa cadeia dual, ocultismo representado por um círculo cortado pelo diâmetro, que geometricamente é representada por dois pontos, que por sua vez determinam uma reta, em aparente antagonismo ou pares contrários.
— Talvez ambos, Sean... — e Lânia até ia falar mais quando os olhos azuis dele apareceram no que Sean tirou o azulado óculos espelhado.
— Ia dizer algo professora?
— Sim... Ah... Narciso... — apontou de novo.
— Ohm! — Narciso levantou-se afetadíssimo. — Pare de uma vez com isso Lânia querida. Falo por mim! — e Narciso tentou porque tentou chamar a atenção de Zôra, ali, só observando. — O caos é o comportamento estocástico que ocorre num sistema determinístico. E o determinismo encara o Universo como um relógio...
— A ciência do caos que estuda os fenômenos aparentemente imprevisíveis, na busca de padrões escondidos e de leis simples que regem os comportamentos complexos — Sean cortou sua afetação para Zôra, a jovem de pele amorenada. — ‘Quanto maior a desordem de um sistema, maior a sua entropia’.
— A segunda Lei da Termodinâmica.
— Não! Falo mesmo sobre setas do tempo, guiando viagens interdimensionais... — Sean foi tão cínico como podia.
Havia um homem sentado ao lado da bela Zôra, bem mais velho que ela, e que começou a se perturbar com a discussão de Sean e Narciso, que não parecia querer dar trégua.
Antenor pareceu ter compreendido a aflição do homem velho e correu a apresentá-lo.
— Esse é o Dr. Oliver Gastón — apontou para o homem velho.
“Desgraçada!”, foi só o que Sean pensou no sobrenome ‘Gastón’.
— Oliver é amigo meu de longa data — Antenor apresentou um homem de tez cansada, de cabelos de flocos de neve com os óculos gastos pelo uso. — Ele é pai de Lânia e um dos maiores Ph.D em física.
Oliver Gastón então se levantou, não o cumprimentou e também nada falou sumindo com Narciso, que pegou pelo braço e saiu da sala de refeições. Antenor não entendeu a frieza do amigo Oliver, mas Sean entendeu o quanto a ‘desgraçada’ era perigosa e o quanto ela havia falado o que não devia; algo mais que as 108 ligações em seu celular.
“Droga!”, explodiu outra vez em silêncio.
— Algum problema Sr. Queise? — Antenor aguardou ele acabar de fuzilar o piso da sala de refeições.
— Alguns.
— Desculpe-me por Oliver. Ele deve...
— Prossiga! — foi só o que exclamou sorrindo friamente.
Antenor prosseguiu:
— Esse é o Dr. Paolo Kapranos, Engenheiro mecatrônico, Ph.D em Métodos Quantitativos aplicados às Ciências Biológicas.
Sean viu um jovem bonito, de olhos tremendamente verdes, atrás dele.
— Wow! Mecatrônico? Ph.D em Métodos Quantitativos Aplicados às Ciências Biológicas? Tão extravagante quanto o lugar.
Paolo sorriu e Sean viu que Paolo também era extravagante, com um cabelo moicano, metade pintado de azul metade de branco.
— Cores da bandeira grega — apontou o jovem Paolo para sua própria cabeça. — E ‘grego’ era o nome pelo quais os romanos designavam os Helenos, habitantes da Hélade, que ficou conhecida como Grécia — riu da sua própria graça.
Sean o achou simpático.
Paolo era baixinho, com certo estômago proeminente e jovem, na casa dos vinte e cinco anos. Muito sorridente, mostrava que ainda usava aparelho nos dentes quando a jovem ao lado dele se adiantou e esticou uma mão.
— Olá! Sou Lenny Calógeras, tenho 25 anos e também sou Ph.D.
— Olá! Sou Sean Queise, tenho 23 anos e também sou inteligente.
Lenny, Paolo e Sean riram.
— A Dra. Lenny é minha noiva, Ph.D em meteorologia... — Paolo apontou para uma jovem bonita, de cabelos lisos e escorridos e dentes alvos e levemente saltados para fora da boca.
Antenor percebeu que mais alguém chegava de viagem e prosseguiu ao vê-la de braços dados com Narciso que voltava à sala:
— Ah! E essa é a Dra. Isadora Gastón, nossa paleontóloga assistente — e Antenor não podia prever o quanto Sean odiou ouvir aquele nome.
— “Gastón”? — Sean olhou para Lânia. — Sua irmã?
— Não! Ela é minha ‘madrasta’ — Lânia deu a deixa de uma maneira até humorada. — Esposa de meu pai Oliver.
— Esposa de seu pai Oliver? Quem diria? — Sean era a frieza em pessoa para a mulher jovem, alta, magra, de beleza extasiante e de cabelos enrolados naturalmente vermelhos; e que o encarava com gosto.
Isadora era exótica, sensual, extasiante e pedante, mas uma mulher que Sean não queria ter sido apresentado.
Não depois das 108 ligações.
— Sr. Queise! — Isadora deu passos decisivos para cima dele que recuou. Ela só esticou a lateral do lábio e prosseguiu. — Não imagina como eu queria lhe conhecer.
— Queria Dra. Gastón? Não é a primeira a dizer isso — Sean olhou Antenor sem entendê-lo. — Mesmo porque não sabia que era tão popular assim na Namíbia — riu olhando um lado e outro, vendo Zôra o encarar, com o que traduziu por um, interesse redobrado.
— Popular? Sim! Sua pouca idade... Sua grande beleza... Bastante popular — Isadora também era puro sorriso.
— Patrãozinho? — e Kelly viu Sean paralisar.
Porque Kelly não gostou da mulher ruiva, vistosa e todos os aplicativos que faria uma mulher se alertar, olhando Sean de cima a baixo; e mais abaixo do que ela costumava permitir que a beleza popular dele fosse apreciada.
— Doutor, essa é minha sócia, Srta. Kelly Garcia — apresentou Sean a Antenor.
— Senhorita! — Antenor fez uma mesura à beleza espanhola dela, assim como Paolo e Bonilha também se interessaram no tailleur vermelho Armani e todo seu conteúdo.
Aquilo também não passou despercebida de Zôra que ainda mantinha seu fiel empregado Bantuh calado ao lado dela.
— A Dra. Isadora Gastón é nossa Ph.D, especialista em girafídeos — completou Lânia trazendo todos à realidade.
Agora Sean sentiu todo seu corpo o alertar.
“Girafídeos?”, pensou.
— No Oligoceno os ungulados atingiram grandes dimensões; primitivos rinocerontes, primitivos camelos, primeiros bisões, primitivas girafas, zebras, etc. — Isadora continuava visivelmente animada com a pouca idade e a grande beleza popular de Sean quanto três dias atrás. E Sean temeu os pensamentos dela. Porque se Kelly soubesse que era ela quem ligara 108 vezes ia ter mais que problemas, quando a voz de Isadora voltou. — Mas foi só no Mioceno que o Paleotragus, da família dos girafídeos diferenciou-se dos outros ruminantes há mais ou menos 25 milhões de anos. Os seus numerosos representantes povoaram o mundo até o final do Terciário — sorriu.
Lânia, Zôra e Kelly viram o sorriso demoradamente observatório de Isadora pelo corpo dele.
— “Paleotragus”? — Sean enfim falou.
— Existem duas peças do Paleotragus no Museu Geológico de Lisboa onde trabalho, e um crânio no Museu de História Natural de Viena... Já o viu quando esteve lá?
— “Lá”? Acho que... — Sean pensou em algo. — Como era um Paleotragus? Porque existiam várias subfamílias, todas descendentes do Paleotragus há cerca de 10 milhões de anos, não é?
— Uhm! Gosta de paleontologia? Não havia percebido isso.
— Percebido isso? — Kelly não se segurou.
— Okapi-like giraffid ou Paleotragus tinha um chifre no focinho e apenas uma parte do seu corpo ‘zebrado’. Ainda não tinha as manchas de leopardo conhecida hoje, Sean bonitinho.
— Bonitinho o que? — Kelly também não se segurou.
— Bebe algo? — correu Lânia simpática percebendo algo.
— Estou morto de sede — e foi Sean quem lhe sorriu.
Mas Isadora tinha a atenção de todos.
— Isso se levarmos em conta que o Sivatério, cujo nome científico é Sivatherium, penetrou na África há cinco milhões de anos, para depois desaparecer no Plioceno, por volta de dois milhões de anos atrás.
— Aqui está, Sean! — sorriu Lânia com o copo na mão irritando Isadora. — Srta. Kelly! — também lhe trouxe um copo.
— Obrigado! — agradeceu Sean.
— Obrigada! — agradeceu Kelly.
E Lânia também observou Sean. Mais discretamente era notável. Com ela, Kelly não se importou. Mas foi com a jovem na mesa de pele amorenada, que Kelly se incomodou mais. Mesmo porque Sean tomou toda a água com os olhos nela, e ela nele, e Narciso de olho nela, não gostando de vê-la olhando Sean.
Narciso então se aproximou já com cara de poucos amigos.
— Já se perguntou onde estão os outros de nós, Sr. Queise? — Narciso alterou a voz.
— Como é que é?
— A hipótese exobiológica; hipótese de que existe vida em outros locais do Universo, é tão antiga quanto nossa civilização — Narciso olhou Zôra que nada olhou. — Porque sempre houve breves ciclos de euforia seguidos de longas pausas céticas, não houve? Após milênios de especulações sobre a possibilidade de que não estamos sós no Universo, a ciência deflagrou um aparato de investigação para a busca de formas de vida, inteligentes ou não, entre as estrelas...
— Estamos falando do que exatamente? — Sean o olhou confuso.
— Ohm! Já se perguntou então por que evoluímos dos macacos?
— Evoluímos dos macacos Dr. Narciso? Por que se o homem evoluiu do macaco, por que nem todos os macacos evoluíram para humanos?
Emiko, Ignácia e Lenny gostaram dele.
— Ohm! Sr. Queise... — e Narciso deu uma risada cínica e debochada alertando Sean. — Os seres existem para evoluir e os humanos são o ápice da vida animal. Uma espécie vive para evoluir.
— A resposta não seria porque os seres humanos não evoluíram de orangotangos, gorilas, símios, chipanzés porque na verdade somos todos humanos, orangotangos, gorilas, símios, chipanzés?
— Aonde quer chegar?
— Charles Darwin não usou sua Teoria da Evolução para afirmar que seres humanos são descendentes de macacos, nós simplesmente seguimos diferentes caminhos evolutivos.
— A utilidade de uma evolução é uma questão de preencher nichos ecológicos e sociais — completou Antenor.
— Ou fomos inseminados no meio do caminho — completou Lânia.
— Sim professora. Porque talvez o elo perdido esteja nas histórias contadas pelos Sumérios, que dizem que os Anunnakis, ‘aqueles que vieram do céu para a terra’, nos fizeram por engenharia genética.
— Nós? Alienígenas? — Narciso caiu em risada.
— O que faz exatamente aqui Doutor paleontólogo?
— O Senhor está nervoso, Sr. Queise — Antenor entrou na conversa.
— Pareço estar?
— Não fale assim com meu pai!!! — gritou Narciso.
— Hei? Não grite comigo!
— Então não se meta mais!!!
— Cale a boca, pau mandado.
— Cale-se você, bastardo!!! — Narciso estava totalmente alterado.
Um ‘Oh!’ correu pela sala de refeições e Sean avançou na direção de Narciso.
— Sabia que cientistas se perguntaram afinal por que as mãos humanas evoluíram diferentemente dos macacos, Narciso? — Sean deu mais dois passos para cima dele, que recuou contagem igual. — Porque como paleontólogo deve saber que os chimpanzés modernos, têm longas palmas e dedos com um polegar curto, ao passo que a palma da mão e os dedos humanos são muito mais curtos, e o polegar mais longo e mais forte, não? — e Sean voltou a dar dois passos para cima de Narciso que recuou contagem igual. — Então deve saber que os dedos se colocam dentro da palma da mão e se fecham para fornecer pressão a ponto de desferir um soco com isso... — e Sean fechou o punho para ele que recuou outra vez. — No entanto — e foi Sean quem recuou. —, não foi esse o motivo pelo qual minhas mãos evoluíram, foi?
O silêncio breve foi quebrado pela geóloga.
— Enlouqueceram? — porque foi Ignácia quem encarou Narciso e Antenor, mais Narciso que o pai. — Não podemos brigar!
Sean quis ter entendido aquilo, quando uma mulher mais ao fundo da sala de refeições levantou-se num movimento sensual e tenso, pôde perceber.
— Enlouqueceram mesmo. Onde já se viu Dr. Antenor? Não terminou as apresentações — falou a jovem bonita, sexy até. — Sou a Dra. Felicity Bertizzolo, a outra Ph.D em entomologista — esticou uma mão.
— “A outra?” — e Sean nem teve tempo de cumprimentá-la, e Felicity não se fez de rogada, deu três passos e o beijou no rosto direito, depois no esquerdo, e voltou ao direito.
E a ação da jovem Felicity chamou a atenção de Zôra que nada falou, mas que encarou uma Kelly paralisada pelo montante de beijos no rosto dele.
— O vi uma vez quando esteve na Inglaterra, Sr. Queise — prosseguiu Felicity arrumando o cabelo loiro e extremamente encaracolado no rabo-de-cavalo.
— Viu-me?
— Numa daquelas apresentações que participa — sorriu-lhe sensual. —, sobre agroglífos.
Sean enfim pensou se havia tomado a decisão correta, se não tinha se precipitado em forçar entrar ali. Afinal agroglífos foi traduzido para ‘crop circles’ e ele estava sendo exposto no meio daquela apresentação toda.
— Acredita em UFOs Sean Queise? — gostou de usar intimidades. — Em UFOs deixando suas mensagens cósmicas em plantações de milho? — perguntou agora outra mulher também não apresentada até então; uma jovem de longos cabelos negros e olhos adoravelmente amendoados, quase na casa dos trinta anos. — Ah! Desculpe-nos pelo nosso velho professor Dr. Antenor, que também não me apresentou — riu. —, sou a Dra. Palakika Keoki, geomática.
— Ela é técnica, Sean bonitinho — todos olharam Isadora.
— Sou o que Isadora bonitinha? — Palakika deu dois passos balançando as ancas havaianas e foi segura por Felicity.
— Vamos ajustar o equilíbrio? — Felicity de repente perdeu a pose sensual e colocou uma voz mais tensa ainda.
Sean percebeu que havia ali mais que um gerente místico.
— Deixe-me apresentar-me melhor, Sean Queise — agora Palakika gastou todo o charme que Sean traduziu como havaiano colocando uma mão no ombro dele enquanto a outra mão era esticada. — Sou geógrafa com Ph.D em geografia; geomática é apenas uma de minhas especializações na geografia — Palakika apertou a mão dele com gosto.
— O que inclui atividades de processamento digital de imagens, banco de dados espaciais, e os sistemas de posicionamento por satélite, como o GPS.
“Spartacus!”, e o satélite também se traduziu ali.
Mesmo porque Sean não se deixou levar pela provocação explícita, nem pelo charme despendido da havaiana Palakika e suas ancas poderosas, e nem pelas duas mãos atrevidas que passaram a massagear seu ombro.
E Kelly saiu da sala de refeições.
— Kelly? Kelly? — mas Kelly não parou. — Droga! — e Sean saiu atrás dela.
— Estão satisfeitas com o que fizeram? — Felicity estava extremamente nervosa com Isadora e Palakika.
— Não fizemos nada — falou Palakika.
— Foi o bonequinho do Narciso quem começou — emendou Isadora.
— Cale a boca piranhas! — Narciso explodiu com Isadora.
— Chegam os três!!! — gritou Felicity.
— Controle-se Felicity! — Zôra enfim abriu a boca.
— E você Zôra? Ficou calada até agora sabendo que isso podia acontecer.
— Não leio pensamentos Felicity. Já disse para se controlarem.
E Felicity saiu furiosa.
— E depois somos nós quem desequilibrou tudo — Palakika riu saindo também.
Mas Zôra encarava Isadora até ela se incomodar e também ir embora. Zôra então se virou para Antenor que inclinou a cabeça e a bela morena saiu deixando Paolo, Bonilha, Lenny, Yerik, Lânia e Ignácia a olhando em silêncio, porque eles sabiam que ela podia ler pensamentos.
Já Sean andava a passos largos até o carro Nissan 4x4, atrás de Kelly que levantava areia.
— Kelly? — e o braço dela foi segurado sem que ninguém o tocasse, porque Sean ainda estava longe.
E Kelly realmente se assustou por sentir que era a mão dele, nela, que a tocava.
— Não use seus dons em mim! — exclamou furiosa.
Sean se aproximou dela a beijando. Kelly perdeu a voz e tudo mais que ia dizer.
— Perdão...
Não era o que ela esperava.
— Sean eu...
— Não Kelly. Perdão! Eu menti para você. Sabia que vínhamos aqui, porque provoquei vir aqui. Provoquei a compra da jazida de níquel, porque paguei para Isadora Gastón conseguir informações privilegiadas com a Poliu.
— As 108... — e Kelly não terminou, arregalando tantos os olhos que toda sua face se ergueu.
Ela então se virou e voltou a andar em direção à entrada do hotel.
— Aonde vai? — ele não teve resposta. — Kelly? Aonde vai?
— Estou com fome! — e andou furiosa até entrar novamente no hotel.
— Droga! — Sean explodiu não vendo alternativas, a não ser voltar também sabendo que a sócia não era tão flexível assim.
Antes, porém viu Dalton conversando com Oliver longe dali. E não era uma conversa, o que seus dons alcançavam, era uma discussão.
“As girafas não!” falava Oliver.
“Mas Mr. Trevellis exigiu!” falava Dalton.
“Não nos crop circles! Tragas então!”
“Não vou tocar naquelas coisas esquisitas”.
“Não são esquisitas. São pré-históricas”.
“Que sejam! Não sou pago para...” e a mão de Ignácia no braço dele, fez Sean Queise perder a conexão.
— Sr. Queise? — ela sorriu entre babados e pérolas. — Me acompanha na mesa do almoço? Parece que sua sócia já foi rodeada.
— Claro! — Sean sorriu sem querer sorrir.
Sean voltou a entrar na sala de refeições onde quase todos estavam de volta, e que silenciaram ao virem-no de braço dado com Ignácia.
Um dos garçom/cozinheiro correu a atendê-lo.
— Boa tarde, Senhor. Sou Lumumba, e aquela... — apontou para uma mulher de cabelos avermelhado envolvido numa espécie de trança por baixo da toca de cozinheira, parada na porta da cozinha. —, é Abba, minha esposa. Somos os chefes de cozinha — sorriu gentil. — O que vai querer?
Todos se sentaram e a Sean restou aceitar sentar-se depois de ver Kelly rodeada por Yerik, Paolo e a noiva, que não gostou da bela Kelly ali.
Havia tensão sim.
— O que propõe Lumumba?
— Temos deliciosa cozinha alemã, Senhor. Uma influência escandinava na verdade, das regiões costeiras do nordeste. Aqui sirvo além de deliciosas salsichas e linguiças comuns, a nossa boerewor, uma bem temperada linguiça caseira. Há também uma carne de caça; carne de veado é a opção de hoje.
— Obrigado... — Sean agradeceu voltando a olhar Zôra que voltava à sala, para depois ver Kelly ‘rodeada’ e ainda nervosa com as 108 ligações da madrasta jovem da Dra. Lânia.
“Droga!”, Sean se serviu de carne e começou a comer quando foi a vez de Oliver entrar, querendo desmanchar equilíbrio e o que mais existisse ali, no que se aproximou da mesa em que ele e Ignácia comiam.
— Que tipo de sinal veio realmente estudar aqui, Senhor Queise?
— Estudar?
— Os crop circles de minha filha Lânia? — e a voz de Oliver Gastón não era de boas vizinhanças. — Ou seriam os sinais de ondas eletromagnéticas de sensoriamento?
— Ah! Não... — soou Felicity logo ao lado.
E todos observavam Sean Queise que até quis pensar rápido, mas achou difícil fazê-lo.
— “Sinais de ondas eletromagnéticas”? Está querendo dizer sinais de radiofrequências como mensagens de rádio ou telefonia celular?
— É o que a sua ficção científica usa?
— Minha?
— Aonde quer chegar Oliver? — interessou-se professor Dr. Antenor segurando o pince-nez no nariz.
Mas no fundo Sean sabia.
“Radioastrônomo?”, foi só o que pensou.
— Por que todas essas questões Dr. Oliver? Acha que Steven Spielberg errou ao usar o telefone para seu ‘ET’ falar com sua ‘home’? — Sean foi explícito e Oliver Gastón enfim esboçou um sorriso. — Porque hoje se sabe que enviar uma mensagem escrita aos alienígenas pode ser muito mais eficaz, já que a onda eletromagnética usada para comunicações sem fio corresponde à energia transportada através do espaço, na velocidade da luz, na forma de campo elétrico e magnético.
— É o que a sua ficção científica usa? — Oliver voltou a provocá-lo.
Sean escorregou um olhar para Kelly antes de sorrir e voltar a responder àquela provocação.
— A quantidade de energia associada à onda eletromagnética, depende de suas frequências, às quais são medidas pelo número de oscilações, ciclos por segundo. Então as ondas eletromagnéticas perdem intensidade com a distância e demandam muita energia.
— Então acredita que o envio de ‘mensagens materiais’ seria o ideal? — falou Zôra do nada.
Sean gostou do timbre britânico e suave da voz dela.
— Se você se apresentar.
Um ‘Oh!’ surgiu aqui e ali e Kelly continuou o observando.
— Sou a Dra. Zôra! Ph.D em entomologia — e seus olhos verdes lhe davam um toque tão exótico à pele amorenada quanto o seu redor.
Os cabelos negros, lisos e presos num rabo-de-cavalo de franja bem cortada também chamavam atenção.
— As mensagens precisam ser protegidas da radiação cósmica, Dra. Zôra. As partículas energéticas do espaço podem colidir com o artefato e danificar a mensagem. Mas sim, seria o ideal — completou Sean.
— Então os crop circles nas plantações da Inglaterra são mensagens alienígenas para a humanidade? — questionou Zôra outra vez.
Sean sentiu que Zôra de repente pulava para um terreno mais amplo.
— ‘Crop circles’? Não sei Doutora. Ao contrário do que pensa o Dr. Oliver, nunca estudei isso.
Zôra só ergueu o sobrolho e Kelly sentiu algo no ar.
— Então aceite minhas sinceras desculpas Senhor Queise. Achei que usasse o satélite de observação Spartacus para estudar crop circles — e Oliver Gastón foi direto outra vez, após preparar um prato de comida e sentar-se.
— Achou? — e Sean agora olhou foi Dalton que arregalava os olhos para Sean. — Deve estar enganado, Dr. Oliver Gastón. Projetei os bancos de dados do satélite, não tenho permissão para utilizá-lo.
— Desculpe-me mais uma vez, devo ter me enganado — e sorriu Oliver Gastón acabando a salsicha do prato.
Depois se inclinou numa mesura e abandonou a mesa, se dirigindo para sua suíte de número um, para onde provável Isadora estava, já que não voltou à sala de refeições nem ao almoço tardio. Lânia desculpou-se e foi atrás do pai quando a voz de Antenor voltou ali.
— Bem... — sorriu o professor. — Deixe-me terminar meu serviço antes que reclamem outra vez, e ainda apresentar o Dr. Emiko Kobayashi — apontou para o homem ao seu lado. — Ph.D em paleontologia — apontou para um homem asiático, provavelmente japonês, na casa dos trinta.
— Olá Sr. Queise — Emiko foi simpático ao se inclinar.
Era tímido, com uma pele brilhante.
— E aquele é o Dr. Hélder Herzog, físico — professor Dr. Antenor apontou para o homem sentado no mais extremo da sala de refeições. — Hélder é Físico de plasma, Ph.D em plasmônica.
— Olá Sr. Queise! — Hélder era russo, na casa dos cinquenta anos, tão antipático quanto Narciso, porém mais gélido, sem emoções latentes, aparentando 1 metro e noventa de altura e uns cem quilos de puro músculo; grandalhão mesmo.
— Olá! — mas Sean estava impactado era com o Ph.D dele. — Diga-me, plasmônica é a área de estudo e aplicação da transferência de informações em estruturas manométricas que se dá por meio de plasmons de superfície, não Dr. Hélder? Considerado, claro, uma partícula que transporta momento linear e energia.
— A plasmônica é resultante do confinamento de ondas eletromagnéticas em dimensões menores do que metade do comprimento de onda dos fótons que incidem no espaço livre, Sr. Queise. Se ocorrer um casamento entre as ondas formadas pelos plasmons e a luz incidente, que consistem também em ondas eletromagnéticas ocorrerá um fenômeno de batimento conhecido como, ressonância de plasmons localizada de superfície.
— Em física, um plasmon é um quantum de oscilação de plasma, cujas propriedades são derivadas diretamente das equações de Maxwell, capazes de criar armas.
— Se gosta de ficção científica Sr. Queise.
Sean sorriu o cínico que era.
— É... — e Antenor sentiu que o clima tenso ainda estava ali. — Essa é a Dra. Enrichetta Acetti, Engenheira mecânica, Ph.D em Engenharia Acústica.
— Olá! — Sean cumprimentou outra mulher na casa dos quarenta anos, de pele avermelhada pelo Sol e olhos azuis, bem.
— E por fim, essa é a Dra. Omana Sharma, botânica, Ph.D em fauna pré-histórica, e um empréstimo muito agradecido à Índia, que nos cedeu sua melhor profissional.
— Que é isso... — falou tímida uma jovem que mais parecia uma adolescente, recém-tirada das fraldas, com uma perna mais curta que a outra, provável por queda ou desastre.
Omana se vestia com roupas que deveriam ter sido emprestadas não pela Índia, mas pela mãe indiana. Também antiquado, o lenço colorido era tudo de alegre em sua vestimenta.
— É verdade! — prosseguiu Antenor. — A contribuição de Omana nos foi conseguida diretamente por Mr. Trevellis, que nos financia.
“Que nos financia” aquilo sim impactou Sean Queise.
A refeição terminou no mais languido silêncio. Nem a movimentação das areias até então uivando do lado de fora, chegaram até ali.
E antes que alguém mais falasse algo, que Kelly emitisse mais um dos muitos pensamentos que ela emitia a Sean, e que o estava quase enlouquecendo, ele levantou-se e sumiu para o lobby de entrada, erguendo discretamente Dalton pelo braço, o carregando para fora.
Kelly viu aquilo e os seguiu.
— Está me machucando, Mister Queise — falou Dalton já do lado de fora.
— Por que Trevellis me quer aqui?
— Não sei do que está...
— Por quê?! — gritou Sean.
Sua voz ecoou por todo o Hotel Damaraland.
— Não sei nada sobre isso, Mister Queise. Mr. Trevellis garantiu-nos que você viria com suas próprias pernas — correu ao falar sob o Sol escaldante.
— Garantiu-nos? A nós quem?
— A todos nós.
Dalton então se virou para deixá-lo lá, achando que havia o convencido de algo quando foi erguido do chão, agora sem Sean tocá-lo. Dalton olhou seus pés longe do piso de areia e Sean com os olhos brilhando mais que o normal.
— Quem é você Dalton?
— Dalton...
— Quem é você Dalton?!
— Geólogo contratado por Fernando Queise a mando de Mr. Trevellis, para convencê-lo caso Isadora Gastón falhasse — e foi numa velocidade só.
— Droga!!! — Sean explodiu de uma forma que toda sua face perdeu o brilho.
Dalton então experimentou ver Sean se tomar de uma forma desbotada, se tomando de rabiscos, e toda areia transformar-se em mármore branco, uma escada brotar atrás dele, e um grande lustre de cristal se acender sob o Sol da Namíbia.
— Sean?! — foi o grito de Kelly que fez Sean voltar, se firmar ali, fazer a Namíbia voltar, fazendo sua pele ter brilho e a sala da mansão dos Queise desaparecer.
Dalton podia jurar que nunca teve tanto medo na vida como naquele momento. Nem o que já passara se comparava com aquilo.
— Como meu pai garantiu a Trevellis que eu viria? — a voz dele também se firmou.
— Mister Queise... Eu... — Dalton tremia ainda longe do piso quando o som de um tiro os tirou do espaço comum.
— Ahhh... — Sean soltou o corpo de Dalton que voltou ao piso de areia e todo seu corpo inclinou, porque todo Damaraland inclinou.
— Sean? — foi a voz dela que o trouxe a realidade outra vez e Dalton correu apavorado para longe dali. — O que está acontecendo, Sean?
Sean se virou para ela com os olhos azuis vidrados.
— Se eu disser que não... — sentiu-se tonto. —, que não sei Kelly — e se virou para ela. —, você acredita?
— Não! Você nunca fica sem saber.
— Mas não sei. Juro!
— Sean...
— Não sei! Não sei! Juro!
— Mas você estava... Você estava...
— Eu sei...
— Não sabe. Acabou de dizer que não sabe.
— Sei Kelly...
— Minha Nossa Sean... Você estava se tornando rabiscos e... E se desbotando no meio da sala da sua casa...
— Perdão Kelly! — se virou para ela. — Estava-me teletransportando até minha casa.
— Não Sean. Você estava trazendo a sala da sua casa até aqui. Por quê?
— Para tirar satisfações com um pai que já não mais se importa comigo! — exclamou furioso.
— Não fale isso Sean, Sr. Fernando sofre.
— Não Kelly... Eles vão se separar.
— Quem? — e toda sua tez se enrugou. — Sua mãe... Seu pai... Eles... — olhou em volta. — O que você ia fazer Sean?
— Perdão!
— Nada de perdão Sean. Chega de perdões Sean. O que estamos realmente fazendo aqui?
— Não sei! Não sei! Eu juro Kelly! Disse a você tudo que sabia tudo que vim fazer aqui, mas aquilo... — e parou apontando adiante.
— O que é aquilo?
— Não sei... Provável o sítio arqueológico deles, financiado por Trevellis, que pede ajuda financeira a meu pai, que se afasta de mim, porque minha mãe quer o amor de Oscar.
E Kelly nem soube ao que responder.
— Um sítio com Ph.D que estudam fractais, Sean? — Kelly buscou esse caminho.
— Crop circles!
— Que evidentemente você estuda.
— Sim!
— E por que um Ph.D em física e radioastronomia? Um físico de plasma capaz de criar armas, e uma engenheira acústica trabalhando com outro engenheiro, agora mecatrônico, Sean?
— Porque há algo paralelo acontecendo aqui. Algo que deflagra com o som de um tiro.
— Um tiro? Aquilo que ouvimos foi um tiro? — Kelly olhou em volta. — Minha Nossa Sean... Estou com medo.
Ele a olhou com carinho e seus lábios foram os próximos a encarar.
— Perdão! Não devia tê-la trazido.
— Não! Eu forcei Sean. Não devia ter vindo.
— E por que veio?
— Porque o amo!
— O que há conosco Kelly?
— Não sei Sean. Não sei mesmo se devíamos ter empregado tanto tempo nisso.
— Fala ‘nisso’ como se nosso amor não fosse importante.
— ‘Nosso’? Meu, quer dizer?
— Não faça isso comigo Kelly. Sabe que a Computer Co...
— É! A empresa em primeiro lugar.
— Não faça isso! Por favor! Não está sendo fácil... — e Sean parou no que a figura de Bantuh se fez ali, atrás deles, olhando Sean de uma forma que ele não gostou de ser olhado. Bantuh então se virou e foi embora. — Consiga duas suítes Kelly. Vamos dormir hoje aqui.
— Vamos? — Kelly olhou para trás e viu o empregado de Zôra indo embora.
— Vamos! Porque amanhã vamos à jazida saber se ela existe mesmo, e se não investi o dinheiro da Computer Co. num buraco de alienígenas.
— Num buraco de que?
— Por favor, Kelly! — a encarou. — Há algo acontecendo aqui, no entorno, lá — apontou para o sítio arqueológico outra vez.
— Dalton?
— Não fale mais com ele.
Kelly desistiu de perguntar mais qualquer coisa, nem entrar num confronto que não saberia sair. Voltou para dentro do hall, à procura do gerente Kaunadodo, para conseguir uma suíte, uma só.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número três.
17 de outubro; 22h00min.
Sean adormeceu nu na banheira de porcelana, numa água morna depois de um calor de 44º, na reservada suíte de número três.
— Senhor? — chamou a funcionária do Hotel Damaraland e ela viu o jovem loiro e belo acordar assustado. — Desculpe-me Senhor. Eu o chamei e não respondeu.
— Ah... — Sean inclinou-se na banheira. — Desculpe-me a mim... — e ele ficou encantado com a pele dela, com os cabelos vermelhos e trançados que iam até a cintura.
E a funcionária era talvez ainda mais exótica que o próprio solo da Namíbia.
— Perdeu o jantar Senhor.
Sean olhou para cima, a noite havia caído.
— Você...
— Sou Ebiere, camareira do Hotel Damaraland — Ebiere indicava a toalha deixada na cadeira. — Quer que peça o jantar aqui?
— Não obrigado! — e Sean viu Ebiere se virar para sair. — A minha sócia?
— Recolheu-se Senhor.
Sean voltou a olhar para cima, a visão do anoitecer, da montanha avermelhada, lhe deu medo. Ebiere saiu e Sean levantou-se no banheiro extravagante, incrustado na rocha. Abriu a porta que dava para a sala e abriu a pequena valise que trouxera com roupas limpas, colocando uma underware e uma camiseta branca, e adentrou o quarto exótico, com uma Kelly de camisola amarela, de seda, deitada na única cama ali.
— Droga... — escapou dele.
Sean olhou em volta, as paredes laterais eram de toras envernizadas. Na parede à esquerda, a outra porta do banheiro usado anteriormente, na parede central a janela sem janela dando para o deserto da Namíbia, na parede à direita duas poltronas confortáveis.
No centro do quarto, duas mesas de cabeceira ladeando uma grande e larga cama onde a mulher desejada e toda a diferença de idade entre eles, se deitavam.
— A água estava quente?
— Que água? — Sean sentou-se na beirada da cama sentindo dor, uma dor profunda; uma dor causada pelo erro.
— Está brincando, não?
— Estou? — Sean viu Kelly se esticar até alcançar a mão dele. Ele ia se levantar, mas não fora rápido o suficiente e Kelly o inclinou, o deitou, ela sobre ele. — Kelly não...
Mas o calor dentro do quarto o fez suar mais rápido com uma Kelly próxima o suficiente para que ele a detalhasse.
— Sean... — e Kelly foi beijada por ele.
Sean virou Kelly para debaixo dele. E ela há muito não sentia o peso do corpo viril dele sobre o dela. Mas ele levantou, olhou as paredes que não existiam, com a imagem do deserto o intimidando. Ela se levantou e o virou, se aproximando dele, fazendo Sean sentir a camisola de seda e os seios dentro dela colarem na sua camiseta.
Ela o beijou nos lábios, no rosto, e novamente nos lábios.
— Não podemos...
— Queremos?
Sean a olhou firme.
— Sabe que não é isso — depois se virou para a noite.
Ambos não saíam daquilo quando a mão dela deslizou pela sua perna, pelos músculos rígidos e másculos que sentiram todo trajeto, todo contato da mão macia, da unha que o arranhou. Ele se virou para ela e a encarou. Kelly voltou a beijá-lo e Sean voltou a encará-la, agora com todo seu corpo a pedindo de uma maneira que ele não conseguia mais evitar.
Sean a colou nele e se beijaram, minutos incontáveis quando toda a silhueta dela se desenhou se inclinando, alcançando seu sexo na underware com a boca carnuda, com toda excitação e libido se espalhando nela, nele, na boca que engolia o tecido, o sexo ereto.
Mas ele a segurou pelos cabelos sedosos, a erguendo até cheirá-los, até descer a boca máscula pelo pescoço dela, até que os seios dela empinaram, escaparam da camisola insinuante, da seda umedecida pelo tesão.
Sean a invadiu com os dedos rígidos, com Kelly se erguendo numa ginástica sensual, o imprensando agora na parede que escorou o corpo dele, que invadia a sócia, a mulher amada, sob a noite avermelhada quando um tiro os trouxe a realidade.
Ambos arregalaram os olhos.
— É ela, não é Sean? É ela nos separando mais uma vez? — e Kelly viu Sean perder a cor e a voz. Porque o fantasma de Sandy estava lá, no meio do quarto, os olhando, os intimidando, os julgando também. — Vou tomar um banho! — Kelly anunciou numa mescla de tesão e fúria, em meio ao que se tornava cena comum.
Sean pensou em ir atrás dela. E foi, com ou sem a imagem de Sandy ali. Mas foi só entrar e o corpo dela agora nu, com a camisola de seda amarela no chão de rocha, o olhava como num desafio. Sean retornou ao quarto confuso. Sabia que não devia tê-la deixado começar, ir adiante, permitido tal aproximação. Depois ficou pensando se não previu aquilo, que podia ter previsto aquilo, porque sabia que aquilo ia acontecer que deixou acontecer, que adormeceu na banheira sabendo que ela ia se deitar na cama dele, que haveria uma só cama.
Colocou uma calça de moletom e um tênis, e saiu atrás de Dalton que estava empurrando a Nissan 4x4 com a porta aberta para debaixo dum puxado de telhas, para uma garagem onde três Land Rover Discovery estavam estacionadas, porque aquele tiro significava mais que uma ex-noiva morta.
— Mister... — e Dalton não teve tempo de dizer mais nada quando Sean o empurrou com tanta força que Dalton voou para o lado viajante da Nissan.
— Onde está a chave? — disse já sentado no banco do motorista com a porta trancada.
Dalton balançou a cabeça tentando dizer algo do tipo ‘Não sei!’ e o motor ligou sozinho sob os olhares dele que se arregalou. A marcha também se deslocou ao ‘Drive’ e a Nissan 4x4 começou a sair de onde ele acabara de guardá-la.
— Mister Queise...
— Cale-se!
E Dalton fez aquilo mesmo. Calou-se.
A madrugada avançava rapidamente e a montanha ainda assustava Sean. Quanto mais próxima ela ficava, mais temor ele sentia. Temor igual vivido num passado não muito distante quando a Poliu acusara Sandy Monroe, sua noiva, de roubar planos importantes da construção de Spartacus. Porque Sean duvidara dela, no fundo sabia, porque sabia que Sandy se matara na noite de noivado com um tiro na têmpora porque ele duvidara dela, porque nunca havia tido confiança entre os dois, porque Sean sempre duvidara.
E o estopim da arma disparada agora tirava Kelly dele; mais uma vez.
— Mister Queise? Vamos fazer o quê lá? — apontou para a Montanha Brandberg que se aproximava.
— Não sei!
— Não sabe?
— Não!!! — vociferou. — Não sei!!!
Dalton se encolheu outra vez. Só a touca de crochê era visível.
A Nissan 4x4 levantava poeira e quase nada se via ganhando noite adentro, porque a iluminação da Lua começava a perder força e a noite ganhava nuances de vermelho.
Sean pisou no freio usando tanta raiva quanto pisara o acelerador até então. Dalton já não se atrevia mais a perguntar nada. Sean saiu da Nissan 4x4 e pisou a areia macia, seca, vermelha, removida pelos paleontólogos e viu-se no sítio de arqueologia da Poliu. Lá, oito grandes tendas, sendo uma delas, a maior, equipada com computadores Computer Co..
Sean se odiou.
Alguns trabalhadores se assustaram com sua aproximação, olharam-se sem entender e um deles sacou uma arma.
— Deixe-o! — falou alguém ao fundo.
Sean se virou.
O Dr. Oliver Gastón se aproximava.
— Sabia que eu viria, doutor?
— Sim.
Sean olhou em volta, alguns holofotes estavam acesos, direcionados para uma única tenda.
— Leu minha mente antes mesmo que eu decidisse vir aqui? — riu. — Você é um espião psíquico?
— Já fui... Amigo de Mona.
— Entendi o porquê da provocação.
— Não! A provocação foi por Isadora.
Agora Sean engoliu com dificuldades.
— Eu não sabia que ela era casada.
— Não. Não sabia. Porque a ensinei bloquear espiões psíquicos.
Sean ia falar. Não achou necessidade.
— Compreendo... — ficou naquilo.
— Não compreenda Senhor Queise. E não se descuide. Isadora é perigosa. Fogosa também.
— Eu já disse que não sabia que a Dra. Isadora era casada. Só me pareceu ser alguém da Poliu, vendendo informações sobre um sítio arqueológico numa jazida de níquel, onde crop circles apareceram.
— Sua sócia sabe que se envolve com esse tipo de mulheres?
— “Esse tipo”? Wow!
Oliver Gastón sorriu apenas.
— Mister Queise?! — gritou Dalton ainda de longe.
— Tudo bem!!! — Sean gritou a ele acenando. — Então... O que quer comigo, Dr. Oliver, já que não posso ler sua mente? — quis Sean saber.
— Eu? Nada!
— E quem quer?
— Elas! — apontou para última tenda.
— A tenda iluminada?
— Sim. E temo que seja por isso que o querem aqui Senhor Queise.
Sean começou a andar até a última e mais alta das oito grandes tendas armadas. Abriu o largo velcro que a fechava e seu coração disparou no que seu nariz assimilou algo mais rápido que seus olhos sob os holofotes.
— Wow!
Cinco girafas, algumas com pouco mais de um metro de altura, uma com chifre na testa, outra sem a característica mancha na pele mais parecendo uma meia zebra; girafas pré-históricas. Sean se virou e viu Dalton estancando atrás dele sabendo que Dalton sabia sobre aquilo, porque discutira com Oliver à tarde.
Sean saiu da tenda e encontrou Oliver Gastón o esperando.
— Impactado Senhor Queise?
— Como... — Sean voltou a olhar para a tenda. — Como é possível?
— Não sei — Oliver Gastón sorriu. — E os Ph.D também não sabem.
— Mas a Dra. Zôra é uma entomologista. Por que ela manda aqui?
— Ela manda? Minha mulher é quem foi chamada para estudá-las.
— Sua esposa é jovem para...
— Porque na verdade queriam a mim.
— Por quê?
— Porque sou radioastrônomo, físico, astrônomo, cosmólogo — ele viu Sean o olhar sem entender. — Porque querem saber de onde elas são Senhor Queise — completou Oliver Gastón.
— Está dizendo que... — e Sean parou. — Deus... As girafas são de outro planeta?
— Sim. Algumas girafas, que para nós já estavam extintas, e sabemos porque Yerik Dimitri estudou o DNA delas, nos dizem que sua atividade genética está sem mutações.
— Então em outros planetas ainda... Deus... Como as girafas chegaram até aqui?
— Não sabemos ao certo. Não recebi nenhuma atividade de Arecibo.
Sean sabia o porquê.
— E elas simplesmente apareceram?
— No crop circle que surgiu no outro sítio arqueológico, próximo a Montanha Brandberg. Lânia, Antenor e Narciso estão estudando.
— Quando elas surgiram?
— Há duas semanas. Bantuh veio dar o aviso.
— Bantuh é o escudeiro da Dra. Zôra?
— Cuidado Senhor Queise. Bantuh é a sombra de Zôra, capaz de dar sua vida por ela, como tirar a vida de outros para protegê-la e agradá-la.
E um som agudo ecoou por ali.
— Ouviu isso? — Sean perguntou. — O estampido de uma arma?
— Não! — respondeu Oliver.
— Não... — mal conseguiu responder Dalton.
— Mas... — e Sean olhou as tendas e olhou os homens. — O estampido... — olhou Oliver. — É ele quem abre e fecha a fenda?
— Fenda? — Dalton olhou um e outro perdido.
— Sim Senhor Queise — foi o que Oliver falou. — Só não sabemos como funciona tal fenda, nem quando ela ‘abre e fecha’, como disse.
— Mas tenho ouvido esse estampido...
— Estampido?
— O que são?
— Harmônicas temporais, Senhor Queise, que devido a deformações do espaço-temporal, fazem com que sons do passado se reflitam no presente. Às vezes no mesmo lugar onde anteriormente foram produzidos desde... — e Oliver parou. —, desde quando as escuta?
E Sean não quis comentar sobre a viagem remota dele e Mona, a um deserto onde girafas fugiam de insetos.
— Desde quando minha noiva morreu — foi só o que disse.
Oliver pareceu pensar algo.
— Vamos embora! Está tarde! Amanhã conversaremos sobre isso no café da manhã, já com todos sabendo que você veio até aqui.
— Não queriam que eu viesse?
— Ah! Sim! Queriam! Urgentemente! — e Oliver saiu andando até o Nissan 4x4. — Porque para isso foi trazido Senhor Queise — olhou os dois homens o seguindo. — Por isso Mr. Trevellis insistiu que Isadora colocasse a jazida a venda, que ela espalhasse na comunidade científica sobre o sítio arqueológico aqui e... — e parou para encarar Sean. —, e por isso que seu pai foi obrigado a liberar verbas.
E foi a vez de Sean ter medo de estar ali.
4
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
18 de outubro; 08h00min.
Sean acordou como dormiu, encolhido no sofá, não tendo coragem de deitar-se ao lado de Kelly; não depois de uma ‘Sandy’ entre eles. Levantou-se e não encontrou a sócia no banheiro. Molhou o rosto e os cabelos lisos e loiros, que ficaram em desalinhos, e vestiu uma calça jeans clara com a camiseta que dormiu, botas de couro, e foi tomar café.
Do lado de fora, no trajeto ao apanhado de telhados onde ficava a recepção e a sala de refeições, Sean ficou a observar as distantes suítes ali, em número de 16, iguais a suíte em que dormira; uma sala, um quarto, um banheiro e o deserto como janela.
Sean também se lembrou do gerente Kaunadodo e fez contas enquanto caminhava até a sede principal; ele, Kelly, Dalton, Kaunadodo, Ebiere, Lumumba, Abba, Zôra, Bantuh, Lânia, Oliver, Isadora, Bonilha, Ignácia, Antenor, Narciso, Yerik, Paolo, Lenny, Enrichetta, Omana, Hélder, Emiko, Palakika, Felicity; vinte e cinco pessoas no hotel.
— Impar! — Sean ficou tentando entender o tal desequilíbrio. Depois pegou o celular e tentou um sinal de linha, mas não havia nenhum.
Não queria ter se demorado tanto por ali.
Contornou a suíte de número um e havia um helicóptero em frente a entrada da sala de refeições.
“Trevellis!” foi só o que conseguiu pensar.
Sean saiu em disparada quase derrubando Kaunadodo e Abba à entrada da sala de refeições e lá os outros 22. Mas também mais cinco pessoas, porque lá, também Mr. Trevellis, um homem de terno preto, Oscar Roldman, outro homem com eles e Gyrimias Leferi; mais cinco pessoas.
— Gyrimias?
— Bom dia Senhor Sean Queise! — Gyrimias arregalou os olhos por detrás dos óculos que escorregou pelo calor e pressão. — Me obrigaram a vir — apontou para Oscar Roldman.
— Mas que droga Oscar! O que está acontecendo aqui?
— Olá Sean querido. Também fui obrigado.
Sean então encarou Mr. Trevellis ao lado de seu agente Victor Hugo, um ‘homem de terno preto’ quando viu que Mr. Trevellis sentava à mesa da bela entomologista Zôra. E Sean até teria dito que o mundo nunca ficara tão nublado quanto naquele momento, quando viu os olhos verdes de ambos brilharem iguais.
— Wow...
— Olá filho de Oscar! — Mr. Trevellis era puro cinismo. — Pelo visto não conhecia minha filha mais nova, não?
Sean e Kelly escorregaram um olhar para Zôra ao mesmo tempo.
— Eu não havia dito meu sobrenome... — e Zôra pareceu desconfortável com aquilo.
O fiel escudeiro Bantuh entrou vindo de onde, Sean não soube, mas já estava lá, se sentando à mesa deles. Sean então se virou e viu que Kelly estava sentada na mesa onde sentava Bonilha, Paolo, Oscar e o tal outro homem. E foi nele que Sean se interessou a ponto dele perceber.
— Está me lendo Sr. Queise? — perguntou o tal homem ao lado de Oscar Roldman.
— Preciso?
Um silêncio caiu ali.
— Sou Domingos Carboni, Ph.D em Biologia de Sistemas.
— O biólogo sistêmico uruguaio que ganhou o Nobel de Medicina ano passado? — e Sean nem esperou Domingos se gabar e o atacou. — Porque achei pedante o fato de dizer que alienígenas não possuem sistemas biológicos se nunca foi um estudioso das efemérides.
— Então devo ter sido mal interpretado Sr. Queise — Domingos olhou um e outro. —, porque a hipótese de formas de vida alienígena, tais como bactérias, foi levantada...
— “Bactérias”? — gargalhou. — Está brincando não?
No fundo Sean era tudo o que Mr. Trevellis queria para um filho. Brilhou os olhos olhando Zôra que não gostou daquele brilho.
Mr. Trevellis recuou.
— Está dizendo o que com isso Sr. Queise?
— Estou dizendo algo Dr. Domingos? — Sean apontou para todo seu entorno e todo seu entorno multiplicou pensamentos tão destoantes que Sean se perdeu na leitura.
“Droga!”
— Porque aqui todos nós pensamos que há vida lá fora — foi o que Sean conseguiu dizer.
— Volto a dizer que fui mal interpretado, Sr. Queise. Porque disse que antes de nos preocuparmos em como os alienígenas pensam, precisamos aprender sua biologia, se é que há alguma. Só isso! Porque não somente somos ignorantes sobre suas biologias, como sua maneira de pensar. E a forma com que a sociedade funciona é parcialmente uma função da biologia.
— Sistemas de classes também são similares as do reino animal. A sociologia de rebanho e de colmeia mostra como os animais se comportam. Pombas, por exemplo, aglomeram-se para proteção mútua.
— Sim Sr. Queise — Domingos voltou olhar o entorno parecendo procurar algo. — No mundo dos insetos, seres como as formigas tendem a nascer para papeis fisiológicos específicos, que os preparam para diferentes funções; tais como a formiga rainha que é a mãe de outras formigas na colônia.
“Formigas?”, e outro silêncio incomodativo surgiu ali.
Sean continuava tentando ler os pensamentos ali, mas toda sua estrutura e forma de pensar se viu em curto. Depois olhou Zôra e algo havia ali, nela, com as múltiplas informações no éter. De que talvez fosse ela quem as multiplicasse a ponto dele nada captar. Ficou de sobreaviso com a maneira como ela ‘atrapalhava’ pensamentos.
— Concordo que a investigação de questões básicas da biologia evolutiva seja bem aceita no meio ufológico Sr. Queise — prosseguiu Domingos. —, mas por acaso acreditamos que numa situação hipotética, na qual um alienígena visitasse nossa Terra, esse alienígena entenderia nossa língua? E que sem dificuldade alguma de comunicação, pudesse participar de algum dos nossos maiores congressos científicos?
— Aonde quer chegar?
— Poderia esse ser, juntando a informação contida na soma das nossas pesquisas com a estratégia atual, uma ideia exata daquele fenômeno que chamamos vida?
— Não Dr. Domingos! Porque são bactérias... — e Sean provocou riso.
Domingos sabia que ele era difícil, que ele era um Roldman.
— Não duvido que os alienígenas possam aprender de tudo o que estiver observando Sr. Queise — prosseguiu o Ph.D em Biologia de Sistemas. —, mas serão relâmpagos de informação, fragmentos de conhecimentos, nos extremos que vão do superficialismo ao reducionismo.
— “Reducionismo”? Tales de Mileto se perguntou como podem todas as coisas ser vistas como uma simples realidade, aparecendo em diferentes formas. Porque pessoas de várias formações, filósofos, químicos e físicos procuram até hoje dar uma resposta a essa pergunta.
— Por isso Empédocles disse que todo o Universo é formado a partir de Terra, Água, Fogo, Ar. E reduzir a multiplicidade do que é observado em apenas quatro elementos, é a ordem.
— Que pena ouvir dizer isso doutor! Acaba de matar o sonho grego de explicar o Universo apenas com quatro elementos — e Sean provocou mais riso.
— Não acredita em sinais Dr. Domingos? — a voz de Lânia era suave, um calmante naquela tensão toda. — Não acredita que os crop circles estão se comunicando conosco?
— Podem estar se comunicando, Dra. Lânia Gastón — e Domingos mostrou conhecer todos ali. — Entretanto ter uma ideia completa, complexa e integrada sobre nós, a ponto desses alienígenas dizerem que nos conhecem, ao menos na atual conjuntura de guerras que mal reconhecemos o irmão que matamos, parece-me cada vez mais difícil.
Felicity começou a se incomodar com a discussão e Sean viu que Kaunadodo ainda fazia contas; satisfeitos, porém com as trinta pessoas ali no seu hotel, e enfim o equilíbrio de um número par.
Depois Sean se virou para Isadora a fim de desafiá-la.
— As girafas! Elas nos visitaram Dra. Gastón. E agora?
— Sean querido... — alertou Oscar.
Mas Sean olhou foi Kelly com um ‘Não fale nada!’. Ela jurava que não sabia o que ia falar, mas obedeceu como de costume.
— Íamos falar sobre as girafas... — falou Zôra antes de Isadora abrir a boca.
— Antes ou depois do papai chegar? — Sean estava decididamente arisco.
Zôra o fuzilou.
— No café da manhã Sr. Queise.
— Sou todo ouvido! — exclamou Sean com força se virando para a mesa e enchendo uma xicrona de café.
E foi com força que Sean se virou, jogou café numa xícara, pegou um pão adoçado e se sentou à mesa da entrada com Gyrimias escorregando um olhar e outro tímido, sentado ao lado de Lânia. Sean voltou a gostar da professora, doutora de sinais, em algo nela, quando um estampido estourou perto dele.
Ele virou-se rápido e Lânia assustou-se.
— Que houve Sean?
— Ouviu?
— Ouvi? O quê?
Sean também sentiu o odor fétido que tomou conta do ambiente e só Zôra parecia observá-lo a ponto de ele dizer que ela também ouvira, sentira aquilo.
— Prossiga Srta. Trevellis — agora Sean desafiou-a, alertando Bantuh que se levantou e se sentou quando Zôra o puxou.
— É ‘Doutora Trevellis’, Sr. Queise, mas vou relevar dessa vez— e os olhos verdes brilharam pela intensidade de vê-lo, de tê-lo ali. —, porque não sabemos muito sobre as girafas. Elas apareceram na formação de um crop circle, próximo ao sopé da Montanha Brandberg há duas semanas. Estavam feridas, com marcas de que haviam sido atacadas por um enxame de insetos.
— Que tipos de insetos?
— Formigas.
— Há uma complexa relação entre as girafas e as formigas Sr. Queise — falou Felicity. — Uma questão de David e Golias com as pequeninas lutando para defender árvores acácias.
— As girafas que apareceram no crop circle são pré-históricas, Srta. Trevellis?
Zôra começava a se incomodar com aquilo, com a forma de ser chamada e Kelly se enciumou.
— Sim, Sr. Queise. A família dos girafídeos surgiu no Oligoceno, entre 37 a 21 milhões de anos atrás. Como foi lhe dito ontem, o Dr. Yerik fez o teste de DNA e provou que elas foram extintas a milhões de anos aqui na Terra.
E Isadora deu o dom da palavra enciumando mais ainda a sócia, mas calando Zôra, porque ela era a paleontóloga especialista nas girafas, e não a metida e mimada Zôra Trevellis, a quem devia obediência por pendências que Isadora preferiu deixar de fora de seu currículo.
— A girafa Okapi-like giraffid ou Paleotragus que viu na tenda, Sean bonitinho — e Isadora não se importou com o ‘Oh!’ que pipocou ali. —, com sua estatura semelhante a de um antílope, foi extinta no final do Mioceno, e a girafa sivatério-de-chifre, um girafídeo de chifre no focinho que viveu há cerca de 6 milhões de anos, assim como a girafa Sivatherium maurusium ou Sivatério, um girafídeo ainda com metade do corpo apresentando as listras de uma zebra, foi extinta no Plioceno.
— De onde elas vêm?
— Nã-não sabemos — Yerik gaguejou.
— O estampido Dra. Enrichetta?
Enrichetta se alertou ao ser chamada à roda de questionamentos.
— Não sabemos ao certo Sr. Queise — respondeu a engenheira acústica. — Porque o que ouvimos agora é só um eco do que foi deflagrado há duas semanas.
— Quando a fenda abriu trazendo as girafas.
— Provável...
— E o que é esse estampido?
— Não sabemos, mas o ‘estampido’ provoca uma onda evanescente, um tipo de onda eletromagnética já que na passagem de um meio material para outro, a velocidade da onda muda, mas a frequência permanece constante. A interferência acontece quando duas ou mais ondas resultam em um novo padrão de onda.
— É essa onda evanescente que abre a fenda?
— Estamos inclinados a achar que sim.
— Para que foi chamada Dra. Palakika?
A bela havaiana gostou de estar no palco e se levantou balançando as ancas irritando Kelly, para quem Sean escorregou um olhar e só.
— A geomática, Sean Queise... — Palakika adorava aquela intimidade. —, trata das atividades de produção, coleta, armazenagem, análise, transmissão e gerenciamento de informações geográficas, como topografia, fotogrametria e sensoriamento remoto. Também lido com dados coletados por sensores orbitais, imagens de satélite, e aerotransportados, fotografias aéreas, cujo objetivo principal é o de constituir um referencial o mais fiel possível da realidade de determinado terreno.
— Como os crop circles?
— Sim. E como as minas abandonadas — riu Palakika gingando as ancas.
— Para a Mutual UFO Network, a MUFON?
E Palakika riu como há muito não fazia.
— Bom Sean Queise! Muito bom! Imagino o que faz com suas horas vagas — e Palakika encarou Kelly que se levantou para ser delicadamente puxada por Oscar, que lhe sorriu amigavelmente mostrando estar ali, a protegendo.
Kelly recuou naquilo e voltou a se sentar escorregando um olhar e outro para Oscar Roldman que ainda tinha todos os traços de beleza de Sean Queise.
— Não tenho horas vagas Dra. Palakika — Sean prosseguiu. —, mas vigio ufólogos no Havaí, assim como gente da MUFON que usa Spartacus para buscar sinais de UFOs.
— Mesmo Sean Queise? — e Palakika voltou a rir.
— Por isso volto a perguntar, o que faz aqui?
— Mr. Trevellis me chamou para vigiá-lo, usando seu satélite de observação, é claro.
Outro ‘Oh!’ era de se esperar.
E um Oscar Roldman furioso olhou Mr. Trevellis acendendo um charuto cubano, sendo apagado por Zôra que o fuzilou idem.
— Dra. Omana? — Sean prosseguiu.
— Sou botânica paleontóloga. Fui chamada a fim de recriar a alimentação das girafas, mas as acácias da Namíbia tem dado conta.
— Porque, como previu o DNA, são iguais as girafas que viveram na Terra, milhões de anos atrás.
— Sim Sr. Queise!
E Sean observou Zôra, mas nada tirou dela.
“Droga!”; ela era uma Trevellis.
— Dr. Paolo? — e Sean viu Paolo olhar Zôra antes de qualquer coisa. — Paolo? — insistiu Sean. — O que um Ph.D em Engenharia mecatrônica faz num sítio arqueológico?
— Por que não o lê? — desafiou Mr. Trevellis.
E Sean o encarou quando Paolo enfim falou.
— Vim estudar a fenda Sr. Queise — Paolo respondeu. — Saber se é o som, ou estampido como o chamou que abre a fenda, ou se a própria fenda é algum tipo de artefato mecatrônico.
— É para isso que estou aqui também, não? Para investigar a fenda espacial que o satélite de observação Spartacus detectou.
Mr. Trevellis e Oscar se levantaram da cadeira e dispararam vozes ali.
— Detectou? — falou um.
— Detectou? — falou outro.
— Detectou? — falou ainda outro.
— Sean querido?
— Spartacus vinha acompanhando um fenômeno chamado de ‘explosão de rádio rápida’, detectado pela primeira vez em 2007, a cerca de 5,5 bilhões de anos-luz da Terra.
— E o que é a tal explosão? — Lenny quis saber.
Mas foi Gyrimias quem se adiantou.
— Apesar de parcelar todas minhas observações, os vários comprimentos de onda como luz infravermelha, luz visível, luz ultravioleta e ondas de raios-X, não nos mostrou nada — um ‘Oh!’ surgiu ali e acolá. — Ah! Mas o fato de que não vimos luz em outros comprimentos de onda elimina uma série de fenômenos astronômicos — Gyrimias parecia animado com tão pouco.
— E acredita que a fenda tenha algo haver com essa explosão, Sr. Queise? — quis Hélder, Ph.D em Física de plasma, saber.
— Sim e não Dr. Hélder — e Sean tentou ler os pensamentos gerados ali, mas nada conseguiu. — Spartacus detectou há algum tempo atrás, uma fenda, um wormhole se formando dentro do nosso Sistema Solar.
E outro ‘Oh!’ surgiu ali e acolá.
— E você deveria nos ter avisado? — soou um Mr. Trevellis cínico.
— Não Trevellis... Sinto pelo descuido — soava mais cinco ainda. —, mas na época não me dei conta do que acontecia porque havia outros interesses em jogo — e Sean olhou Isadora que deu uma gargalhada escandalosa ao ponto de Kelly ficar furiosa.
Porque era óbvio que Sean pagou mais que dinheiro pelas informações sobre a jazida, o sítio e seus crop circles desenhando algo após fendas espaçais abrirem.
— E acredita que essa ‘explosão de rádio rápida’ pode estar ligada a algum tipo de objeto compacto, como estrelas de nêutrons ou buracos negros Sr. Queise? — foi a vez de Ignácia perguntar.
Mas foi Oliver quem respondeu:
— O buraco negro é um lugar no espaço onde há uma grande quantidade de massa. Um buraco negro supermassivo tem uma gravidade tão intensa, devido à sua grande massa, que a sua força atrativa poderia atrair uma galáxia inteira. Se um buraco desses estivesse no meio do nosso sistema solar, já teríamos sido engolidos.
— Até 1970, os cientistas acreditavam que nada, nem mesmo a luz, poderia escapar de um buraco negro. Mas o físico Stephen Hawking argumenta que como os pares de partícula estão sempre surgindo, se colidindo e desaparecendo novamente, caso essas partículas fossem formadas na borda de um buraco negro, e apenas uma fosse atraída, a outra partícula poderia escapar — argumentou Sean.
— Como uma nave espacial atravessando as dimensões Sr. Queise?
— Não só uma nave Dra. Felicity, mas uma nebulosa inteira.
— “Nebulosa”? Por que acho que você sabe mais do que diz filho de Oscar?
— Porque sei mais do que falo Trevellis — e Sean viu a filha dele, Zôra, pensativa.
Zôra parou e o encarou.
— Ia dizer algo Sr. Queise?
— Dizer que por isso acredito Srta. Trevellis, que agora vendo as girafas vivas, que tal ‘explosão de rádio rápida’ seja na verdade um planetoide, com suas naves alienígenas, escondido na escuridão do Cosmo, interferindo na energia negra do espaço.
Um ‘Oh!’ violento se seguiu de muitas perguntas.
— Uma nave que deixa as marcas e sinais dos crop circles Sean? — perguntou Lânia.
— U-uma nave que trouxe as gi-girafas Sr. Queise? — perguntou Yerik.
— Uma grande nave que faz marcas e sinais, e trouxe girafas e alienígenas — respondeu Sean enfim. —, mas um planetoide vindo da nebulosa formiga.
— Um planetoide Sr. Queise? Mas nebulosas são acumulações de massas de gases e poeira cósmica — falou Omana.
Outro ‘Oh!’ violento se seguiu de outras muitas perguntas.
— Nebulosa formiga ou Mz 3 ou Menzel 3, é uma jovem nebulosa planetária bipolar, na constelação Norma; um par de brilhantes lóbulos bipolares, dois fluxos opostos muito colimados em forma de coluna, um sistema cônico de estrutura radial e um tênue fluxo radial com a forma de anel — emendou Domingos.
— Mas por que vindo da nebulosa formiga Sr. Queise? — perguntou Enrichetta.
— Por causa de girafas e formigas Sr. Queise? — perguntou Lenny.
— Por causa das mordidas Sr. Queise? — perguntou Dalton.
— Não! — foi Hélder quem respondeu. — Por causa da assinatura plasmática. Como disse a Dr. Omana, nebulosas são nuvens de poeira, hidrogênio e plasma, e uma das hipóteses, inclusive, para o formato de formiga, é que sua forma recorda o tórax e a cabeça de uma formiga e que suporta a ideia de que o próprio giro da estrela central da nebulosa e seu campo magnético estão de alguma forma, canalizando o gás plasma.
— Um objeto astronômico constituído por um invólucro brilhante em expansão de plasma e gás ionizado, que é expulso durante a fase de ramo gigante assintótico, que atravessam as estrelas gigantes vermelhas nos últimos momentos de suas vidas — emendou Emiko.
— O ramo gigante assintótico, ou AGB, é uma região de estrelas de massa moderada e baixa. Na verdade, um período de evolução estelar que ocorre em todas as estrelas no fim de sua vida — voltou Hélder.
— Talvez o enigma da Mz3, é que esta nebulosa pode esconder uma segunda estrela mais tênue, cuja órbita fica bem perto da estrela visível, o que prejudica sua visualização direta — respondeu Sean. — E se esconde algo, podia ter escondido até agora esse planetoide girando em torno dessa estrela mãe.
— Acha que esse planetoide está morrendo Sr. Queise?
— Isso é uma fuga para o Planeta Terra Sr. Queise?
— É por isso que o povo formiga está imortalizado em petroglifos, em Sego Canyon, Utah?
— Acho que devíamos para de fazer tantas perguntas e nos perguntar o porquê de não recebermos tal informação Senhor Queise? — Oliver enfim o questionou.
— Porque morfei a estrutura de Spartacus para que ele não mais seja interceptado, Dr. Oliver.
Gyrimias o olhou sem entender o que ouviu e Kelly olhou furiosa para ele quando outro ‘Oh!’ correu um lado, outro, até Mr. Trevellis gritar nervoso.
— Enlouqueceu filho de Oscar?! Como se atreveu?!
Mas Sean olhou Oscar como quem espera algo dele, porém Oscar manteve-se calado.
— Morfou usando o que Sr. Queise? — o bioquímico Bonilha se interessou.
— Liga níquel-titânio, nitinol-55.
— LMF, ‘Liga de Memória de Forma’ — falou Paolo Kapranos, o engenheiro mecatrônico. —, usado em robótica por sua superelasticidade. Muito bom Sr. Queise.
E outro ‘Oh!’ pipocou.
— NASA, ESA ou AEB, Sean querido?
— Nenhum deles Oscar querido.
E outro ‘Oh!’ já era esperado quando os dois trocaram olhares e Mr. Trevellis fuzilou Oscar sabendo que ele podia e devia saber o que o filho dele fazia, já que tinha dons para saber o que Sean podia e sabia fazer; por isso Sean sabia que nem a MUFFON nem Palakika jamais conseguiriam algo.
— Miséria! — Mr. Trevellis explodiu fazendo sua pele jambo brilhar mais ainda no calor da Namíbia.
— O que esperava conseguir com isso Sr. Queise?
E Sean não respondeu a Emiko. Não podia expor sua busca por jazidas, minas e buracos ocupados. Nem que usasse dons paranormais para deformar e morfar o material de Spartacus com a mente, fazendo matérias se alterarem, se tornarem nitinol-55 ou qualquer outro material, a fim de que novos espiões psíquicos, com novas técnicas não mais interferisse.
Mas a mente de Sean ficou exposta a Omana que lhe enviou uma só frase.
“A voz do silêncio!”
Sean se virou para ela sabendo que ela se comunicava por pensamentos.
“Helena Petrovna Blavatsky?”
— Muito bom Sr. Queise — a voz da jovem Omana se fez e um silêncio caiu ali. — Sabe como ninguém usar seus siddhis.
E todos olharam Omana quando um ‘O quê?’ ‘Quem?’ ‘Como?’ surgiu entre eles.
— Blavatsky escreveu em seu livro ‘A voz do silêncio’ que devíamos evitar os siddhis, os poderes psíquicos — e todos olharam Sean. —, como também escreveu sobre os riscos para aqueles que ignoram os perigos dos siddhi inferiores, energias inferiores, grosseiras, psíquicas e mentais, como clarividência, telepatia consciente, e clariaudiência.
Omana sorriu-lhe.
— Aquele que pretende ouvir a voz do ‘Nada’, o ‘Som Sem Som’, e compreendê-la, Sr. Queise, deve aprender antes a natureza de Dharana.
— Porque tendo se tornado indiferente aos objetos de percepção, o aluno deve buscar o ‘Rajá dos sentidos’, o ‘Produtor do Pensamento’; aquele que desperta a ilusão.
— Sim, porque a mente é o grande ‘Assassino do Real’.
— E porque o Discípulo deve matar o Assassino quando, para ele mesmo, a sua forma parecer irreal.
— Parece ilógico, não Sr. Queise, poder ser o assassino de si mesmo?
— Não sei o que dizer Dra. Lenny, só que somos o único capaz de nos destruir de verdade.
E um silêncio caiu ali.
— Nós e os alienígenas — Paolo riu e parou de rir no momento que todos o encararam.
— Acha que seja um ataque Sr. Queise? Que alienígenas estão vindo à Terra matar ‘os sons externos’? — Ignácia quis saber.
— Outra vez não sei o que responder Dra. Ignácia. Juro!
— Estas ‘explosões rápidas de rádio’ poderiam concebivelmente ser então ‘alertas’ de outras sociedades, tentando levar a uma resposta de qualquer vida inteligente que esteja equipada com tecnologia de rádio? — voltou Enrichetta.
— E por que Spartacus é tão importante a ponto de lhe trazerem Sean? — emendou Lânia.
— Não sei... — e Sean olhou foi para Zôra. — Mas pela primeira vez, acho que o satélite de observação não é tão importante. Ou não é mais.
Mr. Trevellis não gostou do que ouviu.
Mas foi Zôra quem se levantou incomodada com os olhares acusativos de Sean Queise. Passou por ele e Sean segurou o braço dela quando Bantuh derrubou três cadeiras até chegar nele e avançar com dentes e sons grotescos para ele.
— Nie!!! — gritou Zôra e Bantuh estancou.
Mas Sean tinha a face tomada pelo medo. E não foi o medo do ataque dele, foi por ver insetos devorando Bantuh com mandíbulas que se soltavam uma das outras; mandíbulas de um grande inseto negro banhada por uma baba ácida.
— Ahhh... — Sean acordou do torpor, da viagem para fora de seu corpo.
— Hoe gaan dit?! — Bantuh ainda vociferava quando saiu atrás de Zôra que saiu da sala de refeições.
Mas Sean saiu atrás de Zôra. E Kelly atrás dele. E atrás foram Oscar, Gyrimias, Lânia, Mr. Trevellis e Victor Hugo, o agente da Poliu.
Porque foi só Sean correr atrás de Zôra que caminhava a passos largos, que Bantuh se virou para atacar Sean. Sean sumiu da frente de Bantuh e estava dentro da sala da suíte de número cinco de Zôra, com a porta trancada.
— Ah! — ela se assustou por vê-lo ali.
— Pelo visto não tenho muito tempo, então quero saber o que faço aqui?
— Não devia ter provocado Bantuh para...
— Basta! O que faço aqui Srta. Trevellis?
— Não me chame assim!
— Lhe chamo pelo que é — e um bofetão encerrou a entrevista quando Bantuh derrubou a porta. Sean sumiu dali e estava atrás de Kelly que corria para a suíte de número três, onde entrou furiosa. — Kelly?! Kelly?!
— Chega Sean! Vou embora!
— Não vai a nenhum lugar! — e ambos entraram na sala, no quarto.
Kelly pegou a bolsa e Sean a fez voar longe sem tocá-la.
— Já disse para não usar seus dons em mim!
— Cale-se!
— Não me mande calar!
— Basta Kelly!
— Basta o que Sean? Até quando vou ficar com ‘Basta!’ e ‘Cale-se!’ e ‘Não fale nada!’?
— Kelly...
— Nada de ‘Kelly!’ Sean. Você morfou o satélite de observação, ou que diabos isso signifique, para escondê-lo da Poliu, de Mr. Trevellis; e para que? Para ouvir sinais de rádio alienígenas? Minha Nossa, Sean. Em que mundo você vive?
— Não se atreva a falar assim comigo.
— E como vou falar? Você perdeu o rumo da sua vida Sean. Ou não era com aquela piranha da Isadora que você estava? 108 ligações? E antes das 108? Algumas 108 ligações da filhinha de Trevellis?
— Basta Kelly!!! — berrou descontrolado.
Kelly só arregalou os olhos na face bonita e se levantou desamassando o vestido Armani cinza prata que usava e catou a bolsa, terminando por jogar as coisas dentro dela.
Fechou o zíper como pôde e o encarou.
— Para mim chega! — e saiu batendo a porta.
— Ahhh!!! — Sean socou o ar no momento em que as pás do helicóptero fizeram som. — Kelly?! — Sean gritou e saiu correndo atrás dela.
Kelly ia à frente dele, levantando a areia vermelha do chão com seu Christian Louboutin de sola vermelha quando tudo explodiu; helicóptero, Domingos e uma caixa de acrílico preta que voou longe.
As pessoas também foram arremessadas pela explosão, pelo deslocamento de ar.
— Sean... — Kelly estava caída quando ele correu a levantá-la.
— Meu Deus... Você está bem?
Ela o olhou, atordoada.
— Oh! Sean... Fizemos algo, não?
— Desequilíbrio... — soou da boca dele entendendo o que ela dizia. Quando olhou para cima, havia algo parecido com um domo de fios de energia ainda cintilando pelo curto circuito. — Deus... O que é isso?
Zôra correu e resgatou a caixa de acrílico preta que Domingos roubara dela, quando Oscar, Gyrimias, Lânia, Mr. Trevellis e Victor Hugo se aproximaram um do outro, olhando para cima em choque, para os muitos filamentos de uma energia em curto circuito quando um som fez todos se jogarem ao chão pela intensidade, pela dor provocada e o domo pareceu se tomar de aço.
— Mas o que... O que foi isso? — Mr. Trevellis sentia seu ouvido explodido em meio a muitos caídos.
— Estamos dentro! — foi Hélder quem deu a notícia:
Todos ali se olharam.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
18 de outubro; 10h00min.
Sean só teve tempo de levar Kelly de volta à suíte de número três.
Implorou que ela o perdoasse por tudo, pelo que fez pelo que ainda ia fazer em prol daquilo, da investigação que o levara até lá, que o fez fazer coisas que desafiavam sua criação, e saiu da suíte furioso, voltando à sala de refeições para tirar satisfações sobre o que era o domo, agora de aço, acima de suas cabeças. E se aquilo era mesmo um domo, queria saber por que o domo não abriu para o helicóptero passar, fazendo-o se chocar com ele, e explodir quando outro estampido o fez estancar no meio do caminho, entre suítes.
Sean escorregou um olhar para o lado e Sandy o observava.
— Deus... — e a imagem dela se inclinou tanto que Sean teve a sensação de ter girado.
E ele girou, girou e girou como num turbilhão até apagar, achado ter apagado. Quando Sean abriu os olhos, estava caído numa terra batida, com tufos de salsola seca rolando de um lado para o outro, se arrastando solitários pelo deserto.
Sean ergueu-se de supetão e olhou em volta. Não havia Sandy, não havia suítes. Esticou o corpo em choque, e não havia montanha, não havia crop circles, não havia sítio arqueológico, nem Namíbia.
“Droga!” explodiu dentro dele ainda tonto.
Lá, casas de madeira com pequenas janelas pintadas de vermelho e Sean olhando em volta de si mesmo, com olhos que temiam olhar; porque ele estava no meio de uma rua, que parecia ser uma rua, cheia de casebres de madeira vermelha, que não estavam ali segundos atrás.
“Lúpulo?” se perguntou em duvida se reconhecera o cheiro que impregnava o ar, quando um som começou a surgir ali, como num levantar de volume.
E eram sons confusos, de gritaria, risos, piano e esbórnia.
Uma das casas estava iluminada, animada, quando alguém abriu a porta vai-e-vem. Um homem de pele branca, com calça larga, camisa de linho e colete de couro, aportou no alpendre. Mão na cartucheira em uma situação de ataque ou defesa, usando botas com esporas reluzentes que ganharam a rua de terra batida, e o homem pigarreou o gogó cuspindo um bom tamanho de fumo. E mal o cuspe foi ao chão o homem se virou para ver um Sean Queise feito de rabiscos que mal conseguia respirar no meio da rua deserta.
O homem arregalou os olhos e fez a boca cair até sentir o maxilar estalar virando-se para trás, vendo que ninguém no saloon parecia ter visto aquilo. E Sean preferiu mesmo que mais ninguém visse; estava do jeito que se vestiu para o café, jeans azul claro, camiseta branca e amassada e botas pretas, em frente do que julgou ser um cowboy de velho oeste.
O cowboy então se arrastou para mais perto do homem feito um desenho que se movia e Sean sentiu seu coração ir à boca vendo a cartucheira na cintura, o revolver na mão e ele querendo saber como sair dali.
— What are you? — o cowboy perguntou.
E Sean realmente imaginou ter ouvido o cowboy falar.
— Está falando comigo? — o som não reverberava como ele achou que deveria reverberar e Sean olhou em volta, confuso, querendo saber se sonhava, saía do corpo ou mudava de estação.
Porque todas suas viagens até então eram cenas, flash de um acontecimento, recortes de um passado. Nunca havia sido projetado para dentro da história, enquanto a história acontecia.
— I don’t... — Sean tentou as poucas palavras que lembrava não entendendo como o cowboy poderia o estar vendo durante uma viagem astral, porque nunca soubera de ninguém sendo visto a menos que possuíssem dons paranormais, que fossem viajadores também.
— I said what the hell are you?! — o cowboy se irritava.
E Sean pensou até em correr quando a porta vai-e-vem do saloon se abriu de novo e mais dois homens vestindo roupas parecidas apareceram no alpendre, rindo de algo, quando pararam e olharam-se, mal conseguindo visualizar a imagem ainda em rabiscos de Sean e alguém gritou não muito longe dali.
— Be careful!!!
Sean se virou e dez ou mais girafas desembestadas corriam na sua direção, fugindo de luzes negras vinda de um rasgo no céu avermelhado. Sean saltou para longe da galopada e o rasgo de luz negra alcançou o solo, se moldando em partes; pernas, tronco, membros, cabeça de inseto que se protegeu dentro da carcaça negra que se fechou após lâminas do que parecia fibra de carbono, se montar umas sobre as outras, desenhando sua silhueta, protegendo-o dentro dela.
Sean arregalou os olhos azuis para o monstruoso inseto gigante e negro que usava exoesqueleto, e que corria atrás da girafa de chifre no focinho, que desesperada passou pelos três cowboys, passou pelo saloon, e foi pega pelo raio negro que a fez se desintegrar.
— Raio de plasma! — Sean exclamou.
O monstruoso inseto gigante usando exoesqueleto parou de correr, andar ou o que quer que aquele movimento significasse, no que a voz de Sean reverberou até ele. Ele virou o pescoço sem que o resto do exoesqueleto se movesse e o olhar dele para com Sean Queise foi tão aterrador que Sean girou; 360°, 720°, 1080° 1440°, 1800°, 2160°, 2520° até perder as contas dos giros e os sentidos.
Sean acordou na suíte de número cinco, com Zôra saindo do banheiro apoiada por Bantuh e Ebiere. Ela tinha a pele queimada como se há muito estivesse exposta ao Sol.
— Senhor... — Zôra ia falar ao ver Sean Queise ali parado, sujo, confuso, e tremendamente assustado.
— Não é o que está... — e Sean só teve tempo de dizer aquilo para fechar os olhos e apagar de vez.
5
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número três.
19 de outubro; 10h00min.
Sean Queise acordou em choque. Estava de volta à sua suíte de número três com Kelly Garcia vestindo uma blusa e uma saia de seda amarela Givenchy ao seu lado, com o rosto marcado pelas lágrimas e a bolsa outra vez arrumada para partir.
— Não é o que está pensando.
— Não estou pensando nada Sean. Há muito que não...
— Por favor... — Sean a alcançou os lábios dela nem soube como e os tocou com dedos trêmulos. — Por favor... Dê-me uma chance para explicar.
Ela respirou profundamente.
— O que houve?
— Eu não sei...
— Para mim chega! — e Kelly se levantou quando Sean a agarrou pelo braço.
— Não Kelly... Por favor! Disse que me daria uma chance.
— Mais uma?
— Por favor... Eu viajei!
Kelly arregalou os olhos.
— Para onde?
— Velho oeste.
— Velho o que?
— Eu sei que parece loucura, mas eu as vi, as girafas.
— As do sítio?
— Muitas delas, fugindo de formigas gigantes.
— Fugindo do que?
— Por favor... Por favor... Acredite em mim. Eu não sei como, mas ouvi o estampido de uma arma e vi Sandy. Então girei como louco, Kelly, e caí no meio de uma rua do velho oeste.
— Sean...
— Não! Não Kelly! Não sei explicar mais nada, mas acredite em mim, todos aqui no hotel sabem de algo muito maior, que toda minha instrução paranormal um dia sonhou existir. E eu preciso ficar mais um dia aqui.
— Não Sean! — se levantou.
Sean também se levantou e voltou a cama tonto.
— Por favor, Kelly... — sentiu a cabeça querendo explodir. — Não temos alternativa até saber o que significa aquele domo, por que o helicóptero se chocou com ele, e o que significa toda essa viagem.
— Sean...
— Por favor, Kelly! Também preciso saber o que é aquela queimadura em Zôra Trevellis — e Sean viu Kelly não o olhar. — Você viu não?
— Quando Lânia me chamou até a suíte dela, para resgatá-lo.
— Juro que não sei como fui parar lá. Eu girei quando aquela formiga no exoesqueleto me encarou e...
— Chega Sean!
— Não Kelly! Zôra Trevellis estava com o rosto queimado, metade do rosto, como se estivesse...
— Tomado Sol numa Namíbia de 50 graus Sean?
— Não! Não! Kelly! Ontem ela não tinha nada, tinha?
Kelly se sentiu perdida.
— Não...
— Em 1971 um abduzido apareceu com uma marca no braço esquerdo derivado de um contato, em 1977 dois pescadores foram queimados por um objeto luminoso, em 1980 um avistamento de OVNI a curta distância deixou sequelas físicas derivadas do contato, em 1983 um abduzido teve queimadura de 3º grau, e que deixou marcas indolores nas costas e entre 1984 e 1988, centenas de pessoas foram atingidas por foco de luz com estranhas queimaduras no peito ou pescoço.
— E por que tudo isso Sean?
— Porque eu também viajei Kelly, porque também fiz um contato com aqueles insetos gigantes.
— Formigas?
— Formigas alienígenas.
— Oh! Por favor, Sean...
— Não estou dizendo insanidades Kelly, nem o calor da Namíbia me afetou. Estou dizendo que saí daqui ontem para discutir com todos, sobre o domo, e sumi no meio do caminho após ver Sandy.
— Minha Nossa!
— Não estou dizendo insanidades Kelly! — se alterou.
— Já entendi! — olhou-o. — Ou acho que entendi.
— Mais uma noite! Prometo!
Kelly olhou um lado e outro e sua bolsa arrumada ao lado da cama que dormiu, ao lado do corpo dele desmaiado, vindo da suíte da filha de Mr. Trevellis.
— Sabe o que me pede não?
— Seu amor...
Ela o olhou com firmeza.
— E para que precisa do meu amor Sean?
— Para me dar forças.
— Sempre as teve Sean. Nasceu assim.
— Não! Desenvolvi-me... sem entendê-los.
— O que são siddhis, Sean?
Ele agora teve medo de responder.
— Droga! — sentou-se na beirada da cama nervoso. — Siddhis são poderes psíquicos, conhecido há milhares de anos; e há toda uma ciência por trás Kelly. Ela pode ser adquirida por nascença ou através da Ioga, quando o iniciado começa a sofrer a transformação dentro de si, e toda sua visão se expande em uma nova dimensão até você sair do corpo, volitar, mover objetos e fazê-los sumir. E também dominar os materiais a ponto de transformá-los em outros.
— Minha Nossa Sean. Está dizendo que você mudou o material de Spartacus com seus dons paranormais? — e Kelly caiu sentada, em choque. — E o que faz aqui Sean? Veio usar seus dons siddhi para ouvi-los? Vê-los? Entrar em contato com formigas alienígenas?
— Não sei o que vim fazer aqui Kelly. Juro! Nem sei quando tudo isso começou, se começou, ou se sempre fui assim, se sou um deles.
— Um deles quem Sean?! — alterou-se, não gostando do que ele falou. — Não volte a falar isso! Nunca mais!
— E por que Kelly? Por que isso nunca lhe incomodou?
Ela parou o movimento seguinte. Porque aquilo a incomodava sim, mas ela o amava tanto quanto o estranhava.
— Eu nunca...
— Não Kelly! Você nunca disse as palavras que afastaram minha mãe de Oscar Roldman.
Ela o olhou de lado. Porque sabia que Nelma Queise, Fernando Queise, Mr. Trevellis e Oscar Roldman haviam se conhecido na juventude, porque Nelma amara Oscar antes de Fernando, e que Nelma o chamara de ‘esquisito’.
— Uma noite Sean. Uma noite e só!
E Sean a beijou. Minutos incontáveis de pura troca de energia, de um amor incondicional, de ambos.
— Obrigado! — e levantou-se ainda tonto.
— Aonde vai?
— Fique aqui! — foi só o que falou.
Sean foi a passos largos até a sala de refeições agora sabendo que estavam todos lá reunidos, à sua espera. Mas foi só entrar e ver Kaunadodo ainda lamentando a numeração impar com a morte de Domingos, que Felicity partiu para cima dele o esbofeteando.
Outro ‘Oh!’ surgiu ali e o rosto de Sean Queise latejava.
— Satisfeito Sr. Queise? Você e suas discussões provocaram o desequilíbrio.
— Não tenho a mínima ideia do que está falando.
Kaunadodo ia falar, mas o homem de terno preto Victor Hugo, só o encarou e Kaunadodo saiu levando junto seu staff; Ebiere, Abba e Lumumba.
Sean agora sabia que Kelly tinha razão. Deu alguns passos e encarou Hélder.
— O que significa ‘estamos dentro’?
Mas foi Zôra quem tomou a dianteira.
— Experimento ‘Contato!’
Sean teve medo dela; dela e da metade do rosto queimado. E da frase dela também.
— Ohm! Pelo visto sabe o que é — Narciso não perdeu a chance de mexer com Sean Queise.
— Claro que sabe não Sean bonitinho? Vem nos investigando a um preço alto — riu Isadora escandalosamente.
Oliver se incomodou e saiu. Lânia ia atrás, mas Sean a segurou pela mão. Até teria corrido outro ‘Oh!’, mas todos só olharam Sean segurando-a.
— Fique professora!
Lânia sorriu e ficou.
Mas Zôra não se deu por atingida, prosseguiu:
— Dez anos atrás Mona Foad e seus espiões psíquicos fizeram, através de visões remotas, um contato com um inseto alienígena, um insectóide que se identificou como sendo um alienígena errante, que vivia em muitos planetas.
— Priva-me dos detalhes.
— Como queira Sr. Queise — Zôra foi tão cínica quanto uma Trevellis seria. — Esse insectóide afirmou que ao longo de suas muitas jornadas, encontrou uma colônia de alienígenas, interessados num contato maior com os terráqueos, mas não disse que tipo de colônia era. Contudo durante esses dez anos, os espiões buscaram todo tipo de informação, mas nada corroborava aquilo.
— O que? A Poliu gastando milhões de dólares durante dez anos, em um experimento de contato baseado em visões remotas com um insectóide? — e foi a vez de Sean gargalhar com gosto.
Mr. Trevellis levantou e Oscar o sentou sem tocá-lo. Mr. Trevellis só olhou para o amigo velho e Sean sabia que ele estava ‘preso’ pelos dons de Oscar Roldman à cadeira.
Zôra também prosseguiu vendo aquilo.
— Sim Sr. Queise. Dez anos investidos, mas só há dois anos formamos essa equipe — apontou para todos.
— Por causa das girafas? Achei que elas tinham aparecido há duas semanas?
— Estamos atrás de outros sinais há dois anos Sean — foi a vez de Lânia. — Eu, o Professor Antenor e Narciso, primeiramente, estudando os crop circles que surgiram na Inglaterra. E mesmo com os dois fraudadores, Bower e Chorley, reivindicando a autoria de muitos dos círculos registrados, continuamos até que os crop circles aparecessem aqui na Namíbia.
— Próximos a jazidas de níquel — Sean fez todos se olharem.
— Sim — falou Ignácia Della’costa, geóloga.
— E como a jazida de Kabwe, na Zâmbia, secou?
Outra troca de olhares.
— Não sabemos.
— E as girafas?
— Surgiram apenas há duas semanas, como disse. Então chamamos os paleontólogos Emiko e Isadora.
— Claro! A Dra. Isadora especialista em vendas de jazidas — Sean se divertia.
— Mas não foi ideia minha vender nada Sean bonitinho — Isadora também se divertia. — Eu só tinha que fazer você se interessar pela jazida seca — riu. —, para que você achasse que ela era um buraco de alienígenas.
— E ela era Dra. Isadora? — Sean agora se aproximou tanto dela que ela própria sentiu-se mal, olhando Lânia que a olhava com interesse.
— Pergunte ao geólogo — e Isadora apontou para Dalton que ia correr quando o corpo de Dalton foi erguido e colocado de ponta cabeça.
Um ‘Oh!’ pela sala de refeições e Oscar ficou furioso.
— Sean! Não faça isso! — mas Sean fez pior. Dobrou Dalton que gritou quando os 206 ossos do corpo estalaram. — Sean?! — gritou Oscar e Sean soltou Dalton no chão quase sem voz.
Dalton mal conseguiu, mas levantou-se limpando a areia.
— Quem ofereceu o negócio das jazidas de níquel justamente quando eu as pesquisava, Dalton?
— Mister...
— Quem?! — berrava.
— Mister...
— Fale uma frase inteira, desgraçado!!!
— Não grite, por favor! — e Felicity se enervou.
— Cale-se!!! — Sean gritou e Felicity e todos móveis da sala de refeições saíram do chão.
Ela calou-se ao ver-se volitando.
— O Mister Oscar disse... — Dalton olhou em volta tudo solto do chão, tentando engolir a saliva paralisada. — O Mister Oscar disse...
— Oscar disse o que?!
— Sean!
— Para que me trouxe aqui Dalton?!
— Para ver a jazida! — e Dalton se ajoelhou abraçando a boina de crochê colorida.
— Não faça esse papel ridículo!
— Mister... Não quero morrer...
— Dalton!!!
— Ah! Dalton! — Felicity se enervou ainda suspensa no ar. — Fale logo antes que a estrutura do domo rua — e ela viu Sean lhe olhando de uma maneira que ela traduziu. — Fez de propósito, não Sr. Queise? Para saber do domo? — e Felicity e tudo mais, voltaram ao chão.
Mr. Trevellis se divertia com aquilo, mas Zôra se incomodava com o que divertia seu pai.
— O que é o maldito domo Zôra?
Ela se impactou em como foi chamada, com a intimidade em que foi chamada. Passou a mão pelo rosto queimado e foi em frente.
— Ele se moldou há alguns dias, antes de você chegar, e sumiu, pareceu sumir. Mas ele estava lá, transparente. Porque nem o Dr. Oliver, nem Palakika e nem Enrichetta conseguiram algo com o domo; nenhuma atividade elétrica ou eletromagnética segundo Hélder.
— Nem Hélder e nem Paolo, é bem verdade — Narciso prosseguia rindo. — Porque ninguém aqui consegue nada.
— Nem você! — disparou Isadora.
— Calem-se os dois! — Felicity voltou a se alertar.
— Significa que agora estamos presos e daqui não podemos sair — Zôra emendou.
— Presos onde Zôra?
— Ao que parece, dentro de uma prisão alienígena.
— Como sabiam sobre o domo?
— Não sabíamos. Já disse que ele se formou após o crop circle aparecer trazendo as girafas e a luva.
— Luva? A que Domingos veio roubar? Oscar sabia disso? — Sean o encarou.
— Já disse que estou aqui porque sua mãe me obrigou a vir.
— Não vou falar sobre isso Oscar. Não aqui! Não agora!
— Ótimo Sean querido! Então fale mais com seu contratado ao invés de quebrar os ossos dele.
— Fale Dalton! — e foi Zôra deu a ordem.
— Eu... Eu não sei nada sobre sua mãe Mister Queise, foi seu pai Mister Fernando Queise quem me contratou para convencê-lo a vir... — e parou.
— Prossiga! — exclamou um Sean furioso.
Dalton só o olhou e prosseguiu:
— Há duas semanas, procurei Mister Oscar Roldman, na Polícia Mundial porque, no começo, a Poliu não acreditou em mim. Meu amigo Roger... Ele desapareceu durante três dias.
— E onde Oscar...
Dalton fez sinal com as mãos para que ele ficasse calmo tentando fazer seus lábios voltarem ao normal.
— Então ele reapareceu do nada, com a mesma roupa que tinha sumido, usando uma luva de metal — Sean só o olhou e o corpo de Dalton foi erguido do chão. Seus olhos se esbugalharam. — Eu juro! Eu juro Mister Queise! Meu amigo, Roger, reapareceu do nada no meio da avenida principal de Damaraland, usando a mesma roupa do dia do desaparecimento; todo rasgado, sujo, ferido de picadas de formigas e... e com uma luva que parecia uma arma, envolvendo sua mão.
— Que luva era essa? — Sean olhou um e outro. — Um exoesqueleto?
— Não sei. Ela sumiu no hospital.
— Prossiga!
— Ele... — Dalton prosseguiu. — Ele disse que primeiro um som agudo como de um tiro de canhão, quase o ensurdeceu, para depois ver luzes negras que giravam muito rápido e que o deixaram tonto. Tonto o suficiente para ver tudo distorcido.
— “Distorcido”?
— ‘Inclinado’ foi a palavra que ele usou.
“Inclinado”; soou por todo ele.
— Ele disse que girou, girou e girou e tudo inclinou até que desmaiou, achou ter desmaiado, sei lá. Disse que depois de que girou, girou, e girou, acordou num local quente, com vulcões e atividades sísmicas; e o céu era avermelhado.
— Que céu avermelhado?
— Ele disse ‘o céu avermelhou e ficou quente a ponto de seus ossos parecerem espremê-lo no peito’. Ele não soube dizer onde, mas disse que o ar tinha cheiro de enxofre, e que a luva apareceu ao lado dele. Quando ele a tocou, a luva se moldou à sua mão. Ele então fugiu, mas foi atacado.
— Atacado por quem?
— Ele não viu na hora, mas levantou as mãos para se defender do ataque, e a luva fechou, e da sua mão enluvada saíram luzes negras, que atingiram um dos ‘homem das cavernas’; e ele desmaiou.
— ‘Homem das cavernas’? — Sean mal podia acreditar.
— Sim Mister Queise. E quando acordou, Roger disse que estava no meio de um buraco escuro — Dalton olhou um e outro. — Foi o que Roger disse.
— E onde Oscar entra nisso?
— Eu fui pessoalmente falar com Mister Oscar Roldman, e contei a história. A Polícia Mundial levou alguns pedaços de carcaça de formiga que havia ficado presa a roupa.
— “Carcaças de formiga”? Quer dizer exoesqueleto? Oscar mandou analisar? — virou para ele que só o observava.
— Sim. Mister Oscar Roldman disse que o carbono 14 deu-lhe cinquenta milhões de anos.
— 50 milhões de anos? Deus... As formigas também são pré-históricas? — Sean olhou em volta. — O que houve afinal a 50 milhões de anos? Alienígenas estiveram aqui e levaram formigas e girafas para seu planetoide?
— Parcelado, a pergunta é por que as levaram Senhor? — Gyrimias arregalou os olhos.
— Não sei Gyrimias...
— Entre 56 e 34 milhões de anos atrás, houve períodos de eventos hipertermais, em que as temperaturas na Terra subiram para níveis mais altos que os atuais, provavelmente por causa da liberação de gases como o metano na atmosfera.
— Os cientistas já demonstraram que as formigas gigantes pré-históricas quase sempre viveram em climas quentes.
— E o tal Roger?
— Nunca mais o encontramos — foi a vez de Oscar falar. — Roger sumiu do hospital.
— Sumiu ou sumiram com ele? — Sean olhou Mr. Trevellis.
— Não me olhe assim filho de Oscar. Não sou o bandido da história — e Mr. Trevellis acendeu mais um de seus charutos cubanos.
— O domo não permite que fumemos — Felicity se enervou novamente.
— Alguém fala para essa mocinha que ninguém me diz o que fazer?
— Controle-se Mr. Trevellis! — e Zôra usou de uma maneira para falar com o pai que demonstrava que ambos não estavam muito bem quando Sean sentiu sua mão gelar.
— O que está acontecendo aqui? — Sean se olhou.
— O que houve Sean? — Lânia viu que Sean olhava suas mãos se tomarem de gelo.
— Isso é gelo Sean Queise? — Palakika se aproximou dele quando todo o entorno de Sean se tomou por uma neve flocada que caía.
— Está nevando? — Paolo tocou o ar.
— Kelly?! — Sean gritou e saiu correndo. E nada que fizesse parecia fazer seus pés correrem mais, se locomover mais rápido. Nem se teletransportar, conseguiu. Sean chegou nem soube como na suíte de número três invadindo a sala, o quarto, e Kelly estava lá, presa numa parede de gelo. — Kelly?! Kelly?! Não... Meu Deus, não!!!
— Sean... — soava longe.
Kelly estava nublada, embaçada, congelada pelo frio que tomava conta do seu redor.
Sean tocou o que parecia ser uma parede, uma parede de gelo que os separava ali mesmo no quarto, na manhã de calor escaldante.
— Kelly?! — Sean correu até a sala. Nada atrás da cama parecia mostrar o que acontecia. Ele voltou ao quarto e a imagem de uma Kelly no meio da neve sumia. — Kelly?! — gritou. — Não!!! Não!!!
Depois de Sean chegaram Zôra, Bantuh, Lânia, Paolo, Palakika, Lenny, Felicity, Yerik, Dalton, Omana, Oscar, Gyrimias, Antenor, Narciso, Isadora, Emiko, Ignácia, Oliver, Mr. Trevellis, Victor Hugo, Kaunadodo, Ebiere, Abba, Lumumba, Enrichetta, Hélder e Bonilha; respectivamente.
— Senhor Sean Queise? — se apavorou Gyrimias. — Onde está a Srta. Garcia?
Mas Sean não conseguia responder.
— Patrãozinho... — tentava Kelly tocar a parede congelada, tomada pelo gelo.
— Kelly?! Onde você está?! Onde você está?!
— Tenho frio... — ela fechou os olhos sentindo-se cansada.
Ele se desesperou.
— Kelly?! Não!!! — tentava Sean socar o gelo. — Não!!! Não!!! Não!!!
Sean pegou a poltrona e com toda sua força a lançou sobre a parede fazendo a poltrona voltar sobre o colchão e nos seus pés parar.
— Chega Sean querido!
— Não!!! Não!!! — Sean chutava a parede com golpes de jiu-jítsu que congelava a imagem de uma Kelly cada vez mais distante.
— Chega Sean! — ainda insistia Oscar.
— Não!!! Volta!!! Não!!!
— Senhor Sean Queise?
— Faça algo Gyrimias!!! — gritava descontrolado. Gyrimias arregalou os olhos para o entorno em pânico. — Faça algo Zôra!!!
Zôra percebeu outra vez a maneira como foi chamada.
— Sean... Tenho frio... — e Kelly sumiu.
— Não!!! — Sean se jogou contra a parede.
Uma, dez, vinte vezes.
— Chega Sean!!! — Oscar se desesperou.
— Não!!! Não!!! Kelly?!
— Chega Sean!!! Ela se foi!!!
— Não!!! Não!!! Não!!! — e Sean desmaiou quando Oscar o tocou.
Todos ficaram olhando Sean Queise no chão, desligado.
6
14° 26’ 0” S e 28° 27’ 0” E.
Kelly Garcia acordou do sono a que fora colocada. Tinha a pele azulada pelo frio. Os lábios estavam quebradiços, a pele ressecada a se soltar nos cantos da narina.
Entrou em pânico ao ver-se meio a um total branco.
— Sean... — tentou chamar.
A voz pouco ou nada reverberou.
Ela tremeu toda sentindo que estava molhada, congelando temendo estar ficando maluca, quando se lembrou de ver Sean se jogando contra do que calculou ser uma parede de gelo, até desaparecer de suíte.
“Sean?” tentou uma de suas comunicações telepáticas, porque talvez Sean pudesse ouvi-la, porque ele sempre a ouvia, sempre sabia quando estava com problemas, quando seu carro quebrava e ele aparecia ali, com um táxi, para salvá-la.
Ou quando ficava parada à porta de sua sala na Computer Co., com as chaves esquecidas em casa, e Sean a abria pelo simples fato dela pedir-lhe aquilo. Ou quando pedia comida chinesa e ela aparecia, ou quando pedia sua ajuda nos computadores e tudo funcionava a contento, ou quando queria um beijo e Sean estava lá, apesar da distância colocada por ele para os dois, para o amor dos dois. Distância provocada, ela sabia, pela diferença de catorze anos que assustava sua família, o mercado financeiro, funcionários da Computer Co., e Mr. Trevellis que dizia que Sean Queise era um moleque irresponsável até para amar.
E Kelly odiou Mr. Trevellis por aquilo, por fazer Sean se envolver com alienígenas, e por ele ter três filhas lindas; porque sabia que Sean já conhecia as outras duas.
Kelly voltou a olhar em volta e uma única certeza tinha daquele cenário que via, não era nem de perto o deserto de 50 graus do Hotel Damaraland, na Namíbia. Levantou-se com dificuldade ouvindo sons não muito longe e viu uma fumaça não muito espessa anunciando não estar sozinha.
— Ah! Graças a Deus tem alguém aqui — depois estancou na duvida se seria realmente uma boa ideia se aproximar. A fumaça espessa provinha de uma fogueira, uma grande fogueira. Kelly se arrastou na neve do alto da colina branca, e lá embaixo pessoas estavam reunidas em volta do fogo. — Ah! Gente amiga — respirou aliviada, seja lá onde estava ela estava entre amigos.
Kelly ainda vestia a blusa e a saia de seda amarela Givenchy, mas estava descalça e consequentemente com frio quando o som do crispar do fogo também avisava sobre a comida. Estava morta de fome já que se deitara sem comer, que acordara brigando com Sean e não fora tomar o café da manhã. Acabou por descer a colina a fazer com que seus pés descalços congelassem ainda mais. E Kelly tinha tanto frio que se torceu sobre o tecido da saia de seda quando espirrou em meio a sons que se firmaram e a toda aquela ‘gente amiga’ na fogueira ouviu seu espirro. Ela os encarou com cabelos outrora tratados com produtos franceses, agora com estalactites de gelo nas pontas e levantou a mão saudando sabe-se lá quem eram, usando roupas de inverno, pele provável verdadeira, para horror das ativistas da ONG PETA e enfim conseguiu enxergar em meio aos turistas amigos, de cabelos compridos e mal tratados, dentes sujos e apodrecidos, e um cheiro de carniça ainda preso a restos de carne nas lanças apontadas, um grande animal.
“Um mamute?”, Kelly Garcia desmaiou no chão gelado em meio a homens e mulheres pré-históricos.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número cinco.
20 de outubro; 07h30min.
Uma pancada à porta da suíte de número cinco e Zôra Trevellis acordou de um sono pesado. Ela se levantou e ainda descalça chegou à porta que dava para a areia vermelha da Namíbia.
Lá, um Sean Queise com olhos de quem chorou.
— Posso entrar?
E foi só ele falar e Bantuh estava atrás dele, com os dentes cerrados.
— Vá embora Bantuh! — ordenou Zôra e Bantuh sumiu como apareceu. — Entre! — e ela entrou primeiro se perdendo na ampla sala, depois no quarto, onde diferente do seu, havia uma grande mesa com muitos mapas, dois computadores do tipo notebook ligados a uma tela de 32 polegadas e uma caixa de acrílico preta, que Sean sabia, era o motivo da fuga de Domingos. — O que quer?
— Quantos anos têm?
Zôra estranhou-o.
A voz dele era compassada, afetada pela dor.
— Vinte e cinco.
— Ela tem trinta e sete. Eu vinte e três.
Zôra continuou sem entendê-lo.
— Senhor...
— Trevellis... Seu pai... Ele sempre gostou de me falar isso, sobre a diferença de idade entre nós. E o quanto eu sou uma criança para uma mulher... — e Sean chorou. — Por favor! Ajude-me a trazê-la de volta.
Zôra agora sabia onde pisava.
— E acha que eu posso como?
— Porque você esteve lá! — e ele viu Zôra o encarar. — Porque sua queimadura foi feita pelo gelo.
E ela o encarou com metade do rosto queimado.
— Não sei como fui parar lá. Porque diferente da Srta. Kelly Garcia, eu girei...
— Também girei! — cortou-a. — Até o velho oeste!
Ela agora arregalou os olhos.
— Mas não há... — e ela parou de falar algo que Sean quis muito ter captado.
Mas ela era uma Trevellis, era alguém ensinado a bloquear, e provável seus sentimentos por Kelly tivesse o afetado.
— Por favor...
— Não posso Sr. Queise.
— Eu falo com ele.
— Fala com ele quem?
— Seu pai. Eu falo com Trevellis. Peço que me ajude — e Zôra fez um movimento que pareceu algo para tirá-lo de lá e Sean se adiantou. — Por favor, Zôra...
— Não fale meu nome assim. Não somos íntimos.
— Não! Não somos! Nem desejo tal intimidade. Não com uma Trevellis.
— Saia!
— Não vou sair! Preciso de sua ajuda porque conhece o caminho.
— Saia Sr. Queise!
— Por favor, Zôra... — e as lágrimas voltaram a cair.
— Saia!
— Eu amo Kelly desesperadamente.
— Saia Sr. Queise! — se enervava.
— Amo Kelly a ponto de me vender Doutora.
Agora Zôra parou tudo; pensamentos e batidas do coração. Ela se virou para ele o encarando num mescla de fúria e ciúme.
—, pois vá se vender a outra Sr. Queise.
— Já fiz isso! Com Isadora Gastón! Para estar aqui! Abrindo sua fenda! E fechando seu domo Srta. Trevellis! — e saiu furioso após todas aquelas exclamações.
Agora Zôra sabia que ele sabia que ela o queria ali, que ela precisava dele ali, abrindo a fenda como disse, e os fechando no domo como disse, jogando o jogo dos alienígenas como ele também devia saber. Já Sean saiu violentamente da suíte de número cinco. Foi atrás de outra ponta solta.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número quinze.
20 de outubro; 08h28min.
O agente Victor Hugo descansava. Ergueu-se de supetão e brecou a entrada de Sean Queise à suíte de Mr. Trevellis.
— Preciso falar com ele.
— E acredita que ele precise falar com você?
— Diga-me você Victor Hugo? Ele o trouxe não?
Victor Hugo sabia que aquilo era verdade porque ele era depois de Mona, o único espião psíquico capaz de atravessar os pensamentos de Sean Queise. E que Mr. Trevellis o levara até a Namíbia porque ele estava envolvido no Experimento ‘Contato!’ desde o início.
— Mantenha a compostura Sr. Queise. Estarei aqui fora! — e o encarou. — E lá dentro também! — e postou-se na rede.
Sean nada falou e entrou na sala da suíte de número quinze onde Mr. Trevellis sentava-se numa confortável e roxa poltrona de molas, baforando um charuto cubano ao lado de uma mesa e um abat-jour com a iluminação a meia luz, parecendo esperá-lo.
— Olá, ‘filho de Oscar’. Por que demorou? — Mr. Trevellis foi cínico.
— Eu vou atrás de Kelly! — anunciou.
— E como acha que vai fazer isso filho de Oscar? Com sua Nissan 4x4?
— Não vou a lugar nenhum. Vou me transportar até onde Kelly está — Sean desafiou Mr. Trevellis que entendeu o que aquilo significava.
— Ebiere estava junto com Abba quando ambas tentaram fugir agora de manhã, e algo ‘como uma parede, mas era só o ar duro’, as brecou — gargalhou. — Os alienígenas fecharam o domo. Travaram-nos numa dimensão paralela após nossa chegada.
— Não! Foi após a fuga de Domingos que queria a caixa de acrílico.
E Mr. Trevellis gargalhou na poltrona, acendendo seu charuto.
— Foi Zôra quem disse? — riu.
— O que há com você Trevellis? — Sean o viu parar para olhá-lo. — O que aconteceu com seus sentimentos a ponto de não mais saber o que é amar?
E Mr. Trevellis ergueu-se tão furioso da poltrona de mola roxa, que Sean percebeu o quanto grande ele era.
— Não se atreva bastardo!
Sean só sorriu.
— Não tão bastardo se tenho dois pais que me amam, uma mãe que não sabe o que fazer para não me perder e uma mulher catorze anos mais velha que eu, capaz de dar sua vida por mim — o enfrentou. — E você Trevellis? O que você tem?
— Se quer mesmo continuar essa conversa, bastardo, acho bom não me provocar.
E Sean mudou o foco. Precisava continuar a conversa.
— O que é aquele inseto negro usando um exoesqueleto feito do que parece ser fibra de carbono? Uma formiga alienígena?
— Onde você o viu?
— No velho oeste... E ele me olhou Trevellis, de uma maneira telepata, porque formigas são, praticamente telepatas Trevellis, se comunicando com toda colônia, onde cada formigueiro, considerado pelos especialistas como sua filha, um ‘superorganismo’, com uma única consciência.
Mr. Trevellis gargalhou.
— No fundo gosto de você, ‘filho de Oscar’.
— Ao contrário do que faz com suas filhas, não Trevellis?
— Por que acha realmente que não gosto de Umah, Dolores ou Zôra? Por que as uso? E você? Oscar não usa seu único filho? — Mr. Trevellis voltou a gargalhar.
Sean já não se sentia no controle como antes.
— Por que girafas? Por que algumas são pré-históricas?
— Acreditamos que eles as tenham visitado em outras épocas. Há algum temor desses insetos alienígenas por elas, não descobrimos ainda qual.
— Então as formigas pré-históricas são alienígenas insectóides?
— Já eram quando aqui chegaram, na pré-história, se levar em conta que alienígena é um estrangeiro.
— Por que disse ‘eles’? Esses insectóides são inteligentes?
— Não acha que sejam?
— Como os insectóides são por debaixo do esqueleto externo? Daquele exoesqueleto que usam como proteção?
— O exoesqueleto é uma arma, eles a vestem quando lutam. Ao contrário de você, não os vimos sem ela.
Sean lembrou-se do rasgo no céu avermelhado do velho oeste e a figura negra que se moldou, o olhando de uma maneira aterradora.
— Não os vi. Foi tudo muito rápido.
— Então não vai querer vê-los — e Mr. Trevellis gargalhou. — Zôra diria isso se falasse com você — ainda gargalhava.
Sean olhou em volta, estava confuso.
— Oscar...
— Ele não teve coragem de envolvê-lo isso. No fundo, amigo velho teme um confronto com sua mãe antes de tudo. Principalmente agora após a separação.
Sean ergueu-se e o encarou.
— Não quero falar sobre isso.
— Deveria. Porque Oscar vai lutar pelo amor dela.
— Basta Trevellis!
— Como queira filho de Oscar.
Mr. Trevellis baforou sentindo-se outra vez dono da situação.
— Por que estava no aeroporto?
— Queria ter certeza que o abestalhado do Dalton o trouxesse aqui.
— “Abestalhado”? — Sean ergueu o sobrolho enquanto olhava em volta. O cheiro do charuto o irritava. — Dalton não é tão ruim assim se conseguiu convencer Oscar de que havia um amigo chamado Roger — e Sean viu Mr. Trevellis parar de fumar. — O que? — e foi a vez de Sean gargalhar. — Você também acreditou? Mesmo com seu super Victor Hugo trabalhando duro? — riu.
— Quem é Roger?
— Ele! Foi Dalton quem viajou para o ‘céu avermelhado’ e atirou num ‘homem das cavernas’ quando a fenda abriu a mais de duas semanas, moldando sinais, trazendo girafas e luvas mecatrônicas insectóides feitas de carapaças de 50 milhões de anos, a ponto da filha da Poliu chamar vários Ph.D aqui — e ele viu Mr. Trevellis manter-se em silêncio.
— Sente-se! — apontou para a cadeira.
— Estou bem em pé.
— Como queira! O que viu hoje é um alienígena soldado, uma criatura insectóide.
— Quem são eles?
— Não sabemos se já estiveram aqui ou se vieram agora, mas usam uma forte carapaça negra, exoesqueleto como disse. São ágeis e rápidos. E quando atacam, eles não matam a vítima. Eles as levam para sua colônia que pode ser dentro da Terra, em minas abandonadas, ou na nave morfa, invisível aos nossos olhos e aos radares — e olhou Sean enquanto baforava seu charuto.
— Sabia que eu investigaria a jazida abandonada, não?
— Não sei ao certo se consigo saber o que faz ou não filho de Oscar, porque tudo com você é um tanto imprevisível, mas vou alertá-lo uma única vez... Se a rainha tiver sucesso encontrando um local adequado para estabelecer sua colônia, ela irá escavar uma pequena câmara e se fechará nela para sempre.
— E isso porque sua filha entomologista disse?
— Isso porque nem Spartacus os detectou — e Mr. Trevellis viu Sean agora preferir sentar.
E Sean sentou-se na beirada do sofá também de cor roxo e ficou sob o julgo dele.
— Prossiga!
— Não tenho muito, já disse. Mona e Victor Hugo conseguiram com aquele ‘insectóide de meia tigela’, informações que diziam que quando os insetos alienígenas soldados seguram sua vítima, eles se aproximam e realizam o próximo ataque com a projeção de sua mandíbula interna.
— E então se ganha um bônus de três pontos e pula de fase — riu.
Mr. Trevellis o encarou.
— Acha o que filho de Oscar? Que veio aqui para bancar o engraçadinho?
— Quem alterou as coordenadas de Spartacus? E por que o satélite de observação estava em Kabwe, na Zâmbia?
— Não fui eu, ‘filho de Oscar’.
Sean procurava qualquer indício de mentira, mas seus temores só aumentaram quando ele percebeu que Mr. Trevellis falava a verdade, com ou sem poderes.
— E o que esses insectóides querem comigo, Trevellis?
— Deve ser seus dons ou sua beleza — gargalhou.
— Trevellis...
E Mr. Trevellis fez sua grande figura jambo brilhar.
— Mona lhe ensinou mais do que devia, não? Dons como se teletransportar, fazer pensamentos serem incutidos nos outros, morfar materiais — e se aproximou de Sean. — Porque você pode comprar jazidas de níquel e dizer aos quatro ventos que criou ‘memória de forma’, que morfou o material de Spartacus — e se aproximou mais ainda. —, mas sei que você tem dons estranhos para fazer um material virar outro quando... Ahhh!!! — e Mr. Trevellis gritou ao cair da poltrona de madeira, molas e tecido roxo, e que se morfou em látex de bexiga inflável, levando os 170 quilos ao chão duro.
Victor Hugo invadiu o quarto de arma em punho, apontando para a têmpora de Sean Queise que não se moveu, encarando Mr. Trevellis caído.
E Mr. Trevellis gargalhou.
— Mr. Trevellis? — Victor Hugo alternava olhá-lo no chão, em cima de uma bexiga roxa, da cor da poltrona de molas que ali ficava, e olhar Sean o olhando no chão, gargalhando.
— Saia Victor Hugo... — e foi a primeira vez que Mr. Trevellis o chamava assim.
— Mas Mr. Trevellis...
— Saia! — e Mr. Trevellis ainda se divertia com aquilo, com o filho de Oscar. Sean por sua vez se levantou da beirada do sofá de cor roxa, onde sentara e saiu da sala. — Sean? — ele o chamou e Sean parou de andar. — Maquiavel sempre esteve certo; todos veem o que você parece ser, mas poucos sabem o que você realmente é — e Mr. Trevellis havia atingido Sean Queise. Ele se virou para sair outra vez sem argumentar aquilo. — Sean? — voltou a chamar e ele voltou a parar. — Vou falar com Zôra.
E Sean saiu, sabendo que havia se vendido. Abaixou a cabeça se sentindo mal e saiu ganhando as areias da Namíbia vendo que a agitação na suíte de número quinze de Mr. Trevellis alertou alguns ali. Passou por Zôra que ouviu o grito e correu. Também vinha em direção à suíte de número quinze, Bantuh, Narciso, Emiko, Isadora, Palakika, Ignácia, Hélder, Felicity, Paolo, Lenny e Antenor.
Sean viu Oscar parado no mesmo lugar, na frente da sua suíte de número quatro.
— Não o matei! — foi o que Sean falou. — Não ainda! — e se foi para a sala de refeições comer algo.
Tinha fome.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número três.
20 de outubro; 11h11min.
Foi a vez de Sean ouvir uma pancada à sua porta. Ela se abriu sozinha e Zôra entrou.
— Posso imaginar que Trevellis obrigou-a a vir aqui.
— Não foi ele... — soou uma voz arrastada.
Sean pulou da cama porque algo lhe alertara. Ela era uma Zôra Trevellis sensual, no roupão de seda preta e nenhuma lingerie por baixo. E ele percebeu tudo aquilo enquanto ela caminhava com pernas moldadas, mostrando pelos pubianos que ficaram a mostra para ele logo que o roupão foi ao chão e um corpo de quadris largos e seios empinados, e de formato e tamanho generosos caminharam até ele.
Sean jurava que estava confuso. Ele havia se vendido, não comprado a filha de Mr. Trevellis.
— Senhorita... — Sean deu um passo atrás no que sentiu todo seu corpo cintilar numa corrente elétrica de baixa voltagem quando a mão dela invadiu sua jeans, com seu sexo abraçado pela mão firme, que fazia todos seus pelos do corpo se arrepiar, quando uma Zôra sensual e nua, com a outra mão, segurou seu rosto, o beijando com gosto e força.
Sean sentiu algo errado ali quando viu uma Zôra Trevellis sensual e nua ao lado de outra Zôra Trevellis nada animada e uma Lânia Gastón muito chocada, entrarem na suíte de número três e ali ficarem paradas, o olhando.
A Zôra sensual e nua então largou os lábios e o sexo de um Sean em choque, e todo seu corpo voltou a ter uma cor branca, cabelos vermelhos e cheios de cachos e todos os dentes da boca de Isadora Gastón sorriram para ele.
— Achou o que Sean bonitinho? Que ia continuar fugindo de mim?
Mas Lânia deu meia volta e saiu daquele jeito, em choque. Atrás dela foi Isadora, deixando lá, a verdadeira Zôra, numa mescla de indignação e surpresa por ele ter gostado do que viu, porque mesmo não sendo ela.
Os dois se olharam e os dois afastaram os olhares.
Zôra saiu.
— Droga! — Sean foi atrás de Zôra na suíte de número cinco. — Não é o que está pensando! — exclamou logo que entrou.
— Tire a roupa! — exclamou Zôra.
— Tire o que?
— Acalme-se Sr. Queise! Não é o que está pensando! — e gargalhou como uma Trevellis gargalharia. — Se troque! — jogou para ele um casaco de pele branca e botas de esqui.
Ele olhou a roupa dada e a encarou quando ela abriu o guarda-roupa e arrancou a blusa que usava, vestindo uma camiseta branca justa, uma calça de montaria branca e mais justa ainda.
“Droga!” se odiou por estar ali.
Zôra então se sentou para vestir as botas de esqui branca, iguais a que dera a ele, vendo que ele não se mexia.
— Aconselho que me obedeça!
— Obedecê-la? Uma Trevellis?
Zôra quis enfrentá-lo, mas não era hora. E segurou-se nem soube como, se aproximando tanto dele que seu perfume o atingiu.
— Parece que todo o ódio que sente por meu pai o transferiu para mim — ela foi direta e próxima.
E Sean não gostou de tê-la ali tão perto.
— Devo dizer a mesma coisa? — ele viu Zôra se virar e não responder. — Porque preciso ir contra sua ordem, Senhorita.
— Ir contra?
— Para que a coisa funcione. Porque Heráclito de Éfeso dizia que as pessoas não compreendiam como aquilo que está separado se reúne consigo mesmo; porque há harmonia na tensão contrária, Senhorita.
Zôra não quis entender aquela filosofia. Abriu uma gaveta e tirou de dentro um moletom branco cheio de bolsos que vestiu por cima, o enchendo com tudo que tinha noutra gaveta maior; uma corda de 10mmm de diâmetro, dois pares de crampom, ponteiras com 12 pinos para se fixar nas botas, duas lanternas, pilhas, um canivete do tipo suíço, e uma arma calibre .32.
Depois se virou para ele e jogou-lhe a arma.
— Fique com ela!
Sean abriu o tambor e viu que estava carregada. Enfiou na parte de trás da jeans e voltou a ver que Zôra abriu mais uma gaveta e de dentro tirou a caixa de acrílico preta; e de dentro uma luva que parecia de metal, fibra de carbono, que ela enfiou dentro do moletom, fechando o zíper.
— É a luva que Danton/Roger encontrou?
Zôra não respondeu.
Virou-se e vestiu um casaco de pele branca como a que dera a ele e levantou o gorro também tomado por pele branca que a fez parecer uma esquimó.
— Acha que a teoria das dez ou onze dimensões é única, com diferentes estados fundamentais Sr. Queise? Porque há aqui uma confusão de base se olhar para qualquer teoria física com quebra de simetria, onde vários vácuos que surgem correspondem a estados ligados diferentes.
— Mas a teoria é só uma Srta. Trevellis, a teoria das cordas criada pelo físico Michio Kaku, que afirma que os blocos de construção essenciais de todas as matérias, bem como de todas as forças físicas do universo, também a gravidade, existem em um nível subquântico.
— E que estamos vivendo não em um universo tridimensional e sim em onze dimensões?
— Tênue como cordas de um violino, se entrelaçando.
— Ótimo! Então a teoria das cordas supõe que esses universos podem entrar em contato entre si, e que a gravidade pode fluir entre esses muitos universos paralelos, interagindo.
— Que tipo de interagem Srta. Trevellis?
— Não sei Sr. Queise. Diga-me você! — e Zôra o tocou.
— Ahhh!!! — e Sean gritou quando todo seu corpo girou 360, 720, 1080, 1440, 1800, 2160, 2520, 2880, 3240, 3600 graus.
Ele já não sabia onde sua cabeça se segurava, porque todo seu tronco se desmanchou perante os giros e uma imagem nublada se moldou aos poucos.
“Sr. Queise?”; e só o perfume de Zôra Trevellis denunciava que ela estava ali.
Ali aonde, nem ele soube precisar, só que sentiu seu estômago subir, descer, encontrar-se com todos os outros órgãos até estatelar-se no chão gelado no último giro.
7
14° 26’ 0” S e 28° 27’ 0” E.
— Deus... — Sean vomitou tudo o que ainda tinha no estômago e a neve se manchou. Ele olhou para o vômito no chão, para os lados, para cima, e para os lados novamente, com o frio lhe tomando conta das ideias. — Zôra?! — gritou desesperado.
— Estou aqui! — exclamou atrás dele.
Sean imaginou ter ouvido. Virou-se. A figura perfeita da filha de Mr. Trevellis o observava com interesse dentro da roupa de esquimó.
— O quê... — vomitou outra vez. — O quê...
— Não queria ter vindo salvá-la? — passou por ele sem o ajudar e começou a andar.
Sean arregalou os olhos azuis para a neve que gelava suas mãos se vendo de jeans e camiseta no meio da neve. Ergueu-se do chão ainda cambaleando, caindo e se levantando.
— Onde... Onde estamos?
— Não faço a mínima ideia — ela continuava a andar.
— Como... Como conseguimos nos teletransportar?
— Nós não! Você nos teletransportou.
— Deus... — Sean arregalou os olhos azuis novamente. — Como... Como...
— Da mesma maneira como entrou no meu quarto noite passada.
— Curtas distâncias! Eu nunca... Eu nunca... — e Sean só teve tempo de se virar e voltar a vomitar.
Ela girou os olhos e voltou a andar.
— Sempre tem uma primeira vez, não Sr. Queise? — ela se distanciava.
— Hei? Onde estamos indo?
— Lá! — Zôra apontou para uma fumaça mais adiante.
— E o que é lá?
— Neandertais!
— Nean... O que? — Sean olhou para o céu. Era límpido como nunca vira igual e a posição do Sol, estrelas num céu claro e toda sua formação ali nítida. — 14° 26’ 0” S e 28° 27’ 0” E.
“Zâmbia!”, não acreditou nas coordenadas que lhe davam as contas das efemérides.
— Alguns cientistas dizem... — e Sean tremeu. —, que o Homo neanderthalensis coexistiu com o Homo sapiens, que habitou a Europa e partes do sudoeste Asiático. Então os Neandertais da África viveram aqui entre 350.000 anos atrás e aproximadamente 29.000 anos atrás, Paleolíticos Médios e Paleolíticos Inferior, no Pleistoceno.
— “Aqui”? Onde estamos? — Zôra olhou para o céu estrelado.
— No que hoje seria a Zâmbia — tremeu outra vez.
E Zôra parou para vê-lo tremendo de frio.
— Sabia o que Oliver fazia na Namíbia Sr. Queise? Ou só a fogosa da Isadora lhe interessava?
— Por que isso agora?
— Ainda não se questionou o porquê de um radioastrônomo estar num sítio arqueológico de girafas e insetos pré-históricos?
Ele nem esperou Zôra lhe encarar.
— Radiação de micro-ondas de fundo!
— Tem respostas para tudo Sr. Queise?
— Como você!
Zôra não gostou do que ouviu e se pôs a andar novamente.
— A chamada RCFM ou Radiação Cósmica de Fundo em Micro-ondas é um sinal eletromagnético, de origem cosmológica, que pode ser detectada até por um aparelho de TV. Então não devia ser difícil montar algo primário num sítio arqueológico para estudá-la. Mas mesmo assim Oliver levou ao sítio o mais caro e sofisticado instrumentos para detectá-las — e Zôra parou para montar suas crampom nas botas.
Ela então olhou Sean que ainda usava botas de couro preto e girou os olhos. Prosseguiu a passos rápidos e ele a odiou por aquilo.
Sean girou os olhos:
— Você não me disse para...
E ela não esperou ele terminar a frase.
— Uma espécie de ruído que permeia todo o Universo é uma das fontes mais ricas de informação sobre um ‘Universo primordial’, já que nenhum outro observável cosmológico revela um passado mais remoto Sr. Queise, e a Poliu contratou Oliver para isso; que de quebra trouxe Hélder.
— ‘Hélder das plasmas’ ajudando ‘Oliver das micro-ondas’? Aonde quer chegar Srta. Trevellis? — tremeu de frio.
— Física de plasmas! Interação de ondas com plasmas astrofísicas e termonucleares! Além da dinâmica não linear, caos e turbulência e interações partícula-onda e aquecimento de plasma. Sabe tão bem quanto eu, Sr. Queise, que a partícula-onda é a base da do principio da incerteza onde somos criadores da realidade, cooperadores de Deus... — Zôra parou e voltou a andar tão rápido que se Sean não a estivesse vigiando não veria.
— O que? A Poliu procurando uma assinatura do Universo? Por quê?
— “Uma assinatura”? Uma só? — Zôra ria debochando dele.
— Por que a Poliu quer estudar o passado da Terra fora do sentido científico? Qual o interesse?
— Não sei do que está falando!
— Agora não sabe? Então me deixe falar, Srta. Trevellis, que isso é impossível. A história de um cinturão de fótons e o grande Armageddon em 2012 não passou de pseudociência, falsas mensagens canalizadas de supostas entidades espaciais em ‘experimentos de contatos’ ignorantes.
— “Ignorantes”? — gargalhou nervosa, porém. — Achei que os espiões de papai fosse o máximo em avanço científico.
— Ora vamos Srta. Trevellis! Essa coisa da Terra sacolejando ao passar pelo cinturão de fótons, que faz partículas cósmicas desintegrarem os elétrons ao entrar das plêiades...
— Não acredita em profecias de fim de mundo? Muitas vertentes esotéricas alertaram para 2012, o fim dos tempos, a nova era. Maias, egípcios...
— Sim... Sim... E então viriam cataclismos, catástrofes e o último selo provocando o apocalipse — tremia todo.
— O que há Sr. Queise? Por que deixou de lado sua espiritualidade?
Sean teve medo de responder aquilo e não prosseguiu naquele assunto.
— O que o Dr. Emiko veio fazer aqui?
— “Aqui”? — ela olhou em volta. — Nada!
Sean não gostou da brincadeira. Estava nervoso demais para achar graça nela.
— Eu sei que usaram Spartacus para isso, Srta. Trevellis. A Poliu usou Spartacus para isso sem Oscar saber.
Ela estancou de vez.
— Por que acha que Oscar não sabe de nada do que acontece? Por que sempre acha que ele é o mocinho e meu pai o bandido?
Sean outra vez não quis responder a altura.
— Cale-se Srta. Trevellis!
Zôra gargalhou e ele começou a ter medo dos seus desequilíbrios emocionais.
— Vamos! — Zôra pareceu perceber. — Da maneira como o assado foi digerido — apontou mais adiante, para uma réstia de fogo e muitos ossos de mamute largados em volta. —, Kelly ainda pode estar viva.
Sean arregalou os olhos azuis para tudo aquilo.
— “Ainda”? — engoliu a seco a visão surrealista. Sean se abaixou, tocou o marfim nos seus pés. — Mamute! — exclamou atordoado.
Zôra olhou um lado e outro e ergueu uma bússola.
— As contas de suas efemérides nos dizem em que momento da ‘Era do gelo’ estamos?
— Não vai adiantar sua bússola aqui. Um dos sucessos da teoria da gravitação universal de Isaac Newton foi ter conseguido explicar cientificamente o fenômeno da precessão do eixo de rotação da Terra.
— Que não é uma esfera perfeita causando, por exemplo, o deslocamento dos polos, que descreve a superfície de um cone, alterando, assim, o céu observado e Blá Blá Blá — e Zôra o encarou. — Mas sabe que estamos na Zâmbia.
— 14° 26’ 0” S e 28° 27’ 0” E; sei onde a Terra está nesse momento, no que agora é a Zâmbia.
— Mas a precessão se dá pela mudança do ponto em que o percurso aparente do Sol intercepta o Equador Celeste, se antecipando com o tempo, daí o nome precessão.
— Porque Hiparco descobriu que o Sol não está sempre na mesma posição do zodíaco quando ocorrem os equinócios, sendo esta sua maior descoberta científica.
— E? — foi puro cinismo.
— E sabemos, Srta. Trevellis, que há registros na Terra de que esta passou por períodos glaciares, períodos de maior quantidade de gelo, e interglaciares, períodos de menor quantidade de gelo devido à interrupção das correntes quente e fria, e que vivemos num período interglaciar.
— E sabe precisar em que glaciação?
— E por que tal precisão é importante?
— Para saber o que aconteceu aqui a ponto de eles nos quererem aqui Sr. Queise.
— “Aconteceu aqui a ponto de eles nos quererem aqui”? O frio lhe atingiu? Atchim!
— Não Sr. Queise, o frio lhe atingiu. Estou bem aquecida, obrigada pela preocupação.
— Por que não me disse que tinha colocar essas roupas? — apontou nervoso para o corpo dela.
— Foi você quem disse que não ia me obedecer para o equilíbrio permanecer — riu. — E para seu conhecimento, o período paleolítico se apresentou em quatro glaciações.
— Glaciação de Gunz há cerca de 700 mil anos, Glaciação Mindel há cerca de 500 mil anos, Glaciação Riss há cerca de 300 mil anos e Glaciação Wurm há cerca de 150 mil anos; para meu conhecimento — Sean olhou em volta. — Por que isso é importante Zôra?! — se enervou.
— Já disse que não somos íntimos.
— Não! Não somos!
— Isso... Tudo é importante porque foi no Paleolítico Superior que os Neandertais desapareceram, por volta de 25.000 a.C. — e foi a vez dela olhar em volta. — Então devemos estar na Glaciação de Wurm.
— Por que Srta. Trevellis? Por que tudo isso?
Zôra ajoelhou-se e pegou uma ponta de lança com sangue nela.
— Para saber como o Homem de Neandertal conseguia resistir a um frio extremo, num ambiente tão hostil Sr. Queise — o olhou ainda ajoelhada.
— Porque tinham um corpo bem mais robusto e baixo do que o homem moderno, medindo cerca de 1,60m, e acabou por desenvolver traços característicos de animais que vivem no frio. Por isso não suava, ou congelaria a menos 30 graus Celsius; e ele poderia morrer de frio.
— Mas morreu.
— Como é que é? — Sean ficou sem entender por que ela queria falar tudo aquilo, mas tinha que prosseguir. — Atchim! Atchim! Droga... Eles deviam ter uma resistência física tremenda, Srta. Trevellis. Eram, provavelmente, capazes de resistir a dores insuportáveis para nós.
— Dores insuportáveis... — ela repetiu-o.
E Sean alertou-se.
— Por que nos trouxe aqui Srta. Trevellis?
— Já disse que não lhe trouxe. Sua sócia foi irresponsável em...
— Não fale dela!!! — berrou descontrolado. — A Poliu não se atreva!!!
E Zôra enfiou o dedo no rosto dele a ponto de ver que toda a pela dele azulava e congelava.
— Nunca mais grite comigo! Não sou a Poliu! — e Zôra se foi.
Sean a deixou ir, cada vez mais longe. E cada vez mais longe, mais longe, até que a perdeu de vista no morro que ela desceu.
— Droga!!! — socou o ar. — Atchim! Atchim! Atchim! — e Sean virou os olhos, furioso por ter que obedecê-la. Correu agora percebendo que seus movimentos começavam a não responderem como antes. Olhou-se e todas suas juntas demoraram a dobrar-se. Sabia que estava congelando. — Atchim! Atchim! Atchim! — ia ele, atrás dela.
— Estou aqui Sr. Queise! — ela voltou a falar no que ele passou por ela.
— Também... Parece a neve... Atchim!
— A ideia era essa Sr. Queise. Misturar-me a ela! — e se foi.
— Grande inteligência... Atchim!
— Os Neandertais, homens e mulheres, tinham uma inteligência limitada, era verdade, mas tiravam tudo o que precisavam do ambiente em que viviam.
— Menos a pele branca para se mimetizar... Atchim!
“Droga!” pensou outra vez furioso.
— Então volto a perguntar Srta. Trevellis, por que precisávamos vir até aqui aprender o que os livros já nos ensinaram?
Ela estancou.
— Interessante ter percebido que construímos todo o Experimento ‘Contato!’ para vivenciarmos tal experiência e não perceber que não somos nós, quem estamos aqui aprendendo Sr. Queise — e Zôra voltou a andar.
Já Sean paralisou. Pelo frio e pelos pensamentos que se seguiram.
— Meu Deus... Os insectóides estão aprendendo? Aprendendo como e por que os Neandertais sumiram?
— Sim.
— Mas o que os insectóides queriam com Kelly? Por que ela?
— A equipe não conseguiu chegar a um consenso.
— Não conseguiu? Sabiam antes? Está mentido! Eu não sabia que ia trazê-la.
— Sabia!
— Não sabia! Não queria! Kelly veio por conta própria... Ahhh! — e Sean sabia que Fernando Queise obrigou Kelly a seguir seu filho, saber o que ele fazia. — Kelly não veio por conta própria! Como você, foi obrigada a vir.
Zôra gargalhou.
— Você é uma figura ‘filho de Oscar’.
Sean arregalou os olhos azuis para ela, não gostando do tom de deboche.
— Não sou... — e Sean olhou em volta quando o céu avermelhou-se. Sean olhou Zôra andando à sua frente. — Já viu um céu assim? — apontou para o alto. — Sabe o que significa?
— Acho que se vivi nessa época, numa outra vida, não saberia o que significaria um céu assim filho de Oscar.
— Não me chame assim!!! — descontrolou-se.
— Cuidado Sr. Queise! Obrigada a vir ou não, estou aqui lhe ajudando.
— Me chamou de filho de...
— Vamos! Chega de conversa! — e saiu a andar agora mais rápido.
Sean outra vez não soube para onde.
— Eu vomitei Senhorita. Então não me mande ir mais rápido, ok?
E ela o brecou de repente. Uma nova fogueira, mais adiante, anunciava um assentamento.
— Kelly deve estar lá! — apontou Zôra.
— Como sabe?
— Sei! — olhou-o. — E também sei que se o vento mudar vão perceber nosso cheiro.
Sean não gostou de vê-la dona da situação quando ela vestiu a luva de metal indefinido e o encarou. Ele também pegou a arma de calibre .32 e engatilhou-a sentindo que o frio não o deixava fechar os dedos.
— Atchim! — Sean voltou a espirrar ouvindo logo após outro suspiro dela. — Por que não me avisou sobre a roupa?
— Cale-se! — apontou com a cabeça.
E com certeza aquela arma na mão dela, alienígena ou não, era para fazer se calar.
— Como vamos chegar lá?
— Vamos esperar anoitecer — levantou-se e começou a andar para longe.
— Mas Kelly...
— Não se preocupe. Ela está viva.
— Como sabe?
— Sei!
E eles caminharam para longe, para perto de um apanhado de neve que os escondia da vista.
— Ela está... — e Sean parou.
— Com medo? — Zôra foi cínica.
Sean olhou-a com interesse. Ela parecia ler pensamentos noutra dimensão. E se aquilo funcionava nela, então temeu pensar mais qualquer coisa a respeito dela, do que seu corpo sentia na presença dela e se ela era igual a uma perigosa Isadora, uma espiã psíquica capaz de se moldar.
Zôra sorriu discretamente. Ela realmente lia pensamentos noutra dimensão. E estava acostumada a atingi-las com seus siddhis, sob o comando e apoio de Mona Foad.
— Ahhh... — e Sean caiu no chão cansado.
— Descanse! — Zôra se afastou para ver se tudo estava de acordo.
Sean tremeu sentindo todo seu corpo congelar no que os minutos demoravam a passar. Seu corpo começou a sentir a pressão da umidade no ar.
— Que frio... — sussurrou.
Zôra voltou para onde o havia deixado e o olhou tremendo.
— Trema, Sr. Queise. As contrações involuntárias dos músculos esqueléticos geram calor.
Mas Sean tremia demais, sentindo agora toda sua estrutura congelar.
— Frio...
— Trema!
— Frio... Demais...
— Venha! — ela o apoiou pelo braço voltando próximo ao local onde haviam chegado aonde Kelly também chegara.
— Estamos... longe...
— Não se preocupe! Vou deixar você numa caverna ali próximo.
— Kelly...
— Agora não! Já disse que ao anoitecer.
— Não... frio... — e eles se aproximaram de onde haviam surgido, onde realmente havia uma caverna. Zôra o carregou para dentro quando Sean sentiu as pernas falharem. — Isso não podia... Não... Não podia acontecer... Não agora...
— Está com hipotermia!
E Zôra arrancou toda a roupa dele.
— O que... O que...
— Está molhado! Tem que tirar a roupa ou isso vai manter a hipotermia.
Sean não sabia como agir nu. Zôra tirou o casaco de pele e o cobriu. Mas Sean não conseguir parar de tremer. Ela então o encarou e arrancou sua própria roupa.
— O que... — e não conseguiu completar.
Zôra colocou o casaco de pele branca no chão da caverna, deitou-o, e deitou-se nua, em cima dele. Ele sentiu todo o corpo nu da filha de Trevellis sobre o dele, mas não conseguia parar de tremer. Toda sua arcada dentária doía pelo movimento involuntário de bater os dentes. Ela tentava aquecê-lo com seu calor e o casaco de pele, mas Sean não parecia responder. Ela ainda teve tempo de observá-lo, antes de tomar uma decisão radical.
Zôra levantou-se e voltou a se vestir. Acionou a luva que se desmontou e moldou em sua mão num exoesqueleto, que tomou conta de todo seu braço fazendo seu braço, parte dele.
Eles só trocaram olhares.
— Fique aqui!
Sean só teve tempo de erguer a cabeça e pensar ‘E eu vou onde?’.
Ela saiu e Sean olhou em volta, a caverna tinha desenhos rupestres que o frio não lhe permitia decifrar. Ele olhou mais uma e outra vez e tremia tanto que sua cabeça começou a latejar. Tremeu tanto que sua boca sangrou pela pressão dos dentes que batiam sem controle a cortar-lhe as gengivas.
Zôra parecia demorar a voltar e a falta de calor o afetava cada vez mais.
Ele olhou em volta novamente, percebendo que os tremores haviam diminuído e que a sua visão embaçava. Ele tentou até tremer, mas o frio era muito forte quando viu cores vermelhas tomar conta do lado de fora da caverna sabendo que aquilo eram alterações mentais e diminuição da performance motora, promovida pela hipotermia.
“Vou morrer... Vou morrer...”, e um silêncio macabro tomou conta da ‘Era do gelo’ quando ele ouviu gritos ao longe.
Achou que ouviu sons inteligíveis quando a imagem de duas figuras se aproximou dele. Sean já não sentia cheiro, sensação do frio. Desmaiava, sentia que desmaiava.
“Rápido!” “Retire a pele e o aqueça com seu corpo!”; Sean ouviu falarem.
E uma claridade tomou conta do ambiente pré-histórico quando alguém colou em seu corpo; pela frente, por trás.
Sean desmaiou de vez.
8
Zâmbia.
14° 26’ 0” S e 28° 27’ 0” E.
Era do gelo.
Sean ainda sentia o calor que subia dos pés. Uma sensação de bem estar que tomou conta dele, que adormecera sonhando com sua casa, sua família, a infância estável emocionalmente. Breve, porque sua adolescência o desestabilizou por completo, com uma inteligência que o levava para o caminho do hackerismo, com dons paranormais que o faziam fazer coisas que desafiavam a física, a química, a biologia, E foi com toda sua biologia acordada, que ele sentiu no meio da claridade que invadiu seus olhos, Kelly ao lado dele, o observando, quieta. Ela se aproximou e o beijou na boca. Um beijo carinhoso, em lábios que voltaram da morte.
Sean sentiu o corpo dela quente, nu, grudado ao dele, nu, sem saber o que falar naquele momento.
— Kelly... — ele mal conseguiu terminar a frase e toda sua biologia também sentiu que mais alguém colava nele, nua, por trás.
Ele só virou o pescoço e uma bela Zôra Trevellis o observava também.
Sean em fim sabia que estava quente, nu, entre elas duas.
— Você está bem? — Zôra quebrou o silêncio.
— Eu... Acho... Sim...
Ele tentava fugir do olhar de Kelly que observava cada batida de seu coração, cada movimento involuntário de sua musculatura. Zôra percebeu o estado dele e levantou-se recolocando a blusa e a calça de bolsos claros. Recolocou também o moletom e o casaco de pele branca expondo os corpos de Kelly e Sean, que ela cobriu com uma grossa pele de animal.
Sean sentiu o cheiro da pele curtida, usada para aquecê-los.
— Zôra me salvou daqueles... daqueles...
— Homo neanderthalensis! — exclamou Zôra com ciúme.
— Que seja! — exclamou Kelly com mais ciúme ainda. — Eles eram horríveis patrãozinho; fedidos, escandalosos... — alterava-se. — E gritavam, gritavam, e pulavam...
— Kelly! — tentou Sean freá-la. — Acalme-se!
— Suas roupas secaram — entregou Zôra tentando não levar muito em conta o histerismo da sócia de Sean Queise.
Nem o fato deles nus, no chão.
Sean deixou de lado a situação ridícula das duas e ele nu, ali, e passou a repensar a situação de risco que ainda corriam.
— Como vamos sair daqui? — perguntou ele a Zôra que olhava para fora da caverna enquanto ele recolocava a roupa, aceitando uma das peles que Kelly deu a ele.
E ela parecia ‘Pedrita Flintstone’, vestindo pele de animal da cabeça aos pés.
— Tentaremos girar no local onde aparecemos.
— “Girar”? — tentou Kelly entender.
— Depois te explico — respondeu Sean a olhando. — Eles te machucaram? — passou a mão pelos cabelos sujos dela.
— Oh! Patrãozinho! — Kelly pulou no pescoço dele o agarrando e ele só olhou Zôra que abaixou os olhos esverdeados. Sean sentiu algo acontecendo com a filha de Mr. Trevellis e não soube ao certo o que pensar sobre aquilo. — Eles estavam numa fogueira, Sean...
— Quando você chegou?
— Sim. Eles assavam um elefante peludo, um mamute.
— Como eles reagiram quando te viram?
— Um deles, o homem mais peludo, queria me matar, mas o mais baixinho deles não quis, acho que não quis. Ele grunhia algo. E as mulheres gritavam feito macacos de zoo. Ah! Sean... Eu tive tanto medo...
— Imagino como você teve medo, minha querida.
— Temos que partir! — Zôra interrompeu as lástimas da sócia. — Não devemos ficar aqui muito tempo ou vamos acabar alterando o passado.
— Mas se isto aqui for um ambiente plasmado, criado pelos insectóides para nos testar?
— Por que pensa assim, Sr. Queise?
— Impressão.
Zôra ficou atenta a ele, a inteligência dele.
— Sei que não conseguiríamos passar do domo, e também não conseguimos nos comunicar com o mundo exterior, por isso acredito que quanto às viagens, sejam reais Sr. Queise.
— Estamos mesmo na ‘Era do gelo’? — Kelly olhou os dois assustada, alternando-os.
— A era glacial ou ‘Era do gelo’ como chamou se deu em 300.000 a.C., quarto e último resfriamento, que marca o surgimento do Neandertal... — e Zôra parou de falar no que viu Sean se erguer com dificuldades e passar a mão na parede da caverna, que de repente não lhe pareceu estranha. — O que houve Sr. Queise?
— Já estive aqui!
Zôra só o olhou e Kelly achou não ter ouvido direito.
— Aqui?
— Sim. Nessa caverna. Estamos em Broken Hill.
— Broken onde?
— Antiga Rodésia, hoje Kabwe, na Zâmbia. Foi encontrado aqui, em 17 de junho de 1921 por um mineiro suíço de nome Tom Zwiglaar, o primeiro fóssil humano antigo da África. Datado de 38 mil anos, ele tinha um buraco de bala no crânio.
— Buraco?
— Bala?
— Está exposto no Museu Britânico de História Natural em Londres
E passos se enterraram na neve.
Zôra fez sinal para que ambos nada falassem e um silêncio caiu na caverna. Kelly agarrou Sean que ainda não acreditava onde estavam quando Zôra pegou a luva e colocou-a sem, porém acioná-la.
Sean segurou a mão dela segurando também a luva.
— O que?
— Não vamos interferir... — sussurrou.
Os olhos verdes de Zôra brilharam.
— Ok...
Sean então pediu que ela esperasse com Kelly na caverna e ela obedeceu sem relutância.
Ele saiu sem nada ver se não o tapete branco que cobria todo o redor e olhou mais de perto o que as marcas grandes anunciavam e algo saltou sobre ele.
— Ahhh!!! — Sean caiu com alguém sobre ele. Sean rolou então sobre um Neandertal, o acertando com um soco. — Corram!!! — gritou para as duas que saíram da caverna em disparada. Mas o Neandertal despertou e foi para cima de Sean, o fazendo enterrar o rosto na neve gelada.
O Neandertal então levantou e correu atrás das duas.
— Sean?! — berrou Kelly.
Sean levantou-se e entendeu o que o Neandertal queria.
— Kelly?! — gritou desesperado.
O andar, o correr do Neandertal era brusco, rápido, ágil. Sean correu atrás, mas afundou, caiu, afundou e levantou tantas vezes da neve que não as alcançavam, voltando a umedecer a calça jeans.
Zôra e Kelly também caíam e levantavam sistematicamente quando o Neandertal saltou sobre Kelly a derrubando no chão.
— Sean?! Sean?! Sean?! — Kelly berrava, apavorada por reconhecer o Neandertal que tentou matá-la.
Sean se desesperou por não conseguir se adiantar nem se projetar por pequenos espaços, e saltou como pôde e sabia sobre o Neandertal o arrancando de cima de Kelly e o jogando longe.
Zôra então abriu os braços numa inusitada pose mística chamando os céus à Terra e seu corpo todo girou enlouquecidamente fazendo o céu avermelhar-se como até nunca estivera.
Os olhos de pânico da sócia foram a resposta que Sean precisava.
— Corra Kelly!!!
— Ahhh!!! — e Kelly corria, e gritava e corria quando Sean saltou sobre o Neandertal novamente antes mesmo que ele entendesse o que lhe ocorria.
Sean o socou uma, duas, três vezes sentindo todos seus dedos endurecerem pela evolução, e o rosto peludo, grotesco se encheu de sangue.
— Corra!!! Corra!!! Corra!!! — ordenou.
Kelly correu não sabia para onde, mas corria alucinadamente quando se virou e viu o Neandertal correndo atrás de Sean.
— Sean?!
— Entre Kelly!!! — apontou Sean para a fenda de luz avermelhada que se abriu à frente deles num estranho formato fractal.
— Não!!!
— Entre!!! Entre!!! Entre!!! — se desesperava.
Zôra já havia entrado e a fenda fractal perdia força, mudando de forma e tamanho, encolhendo rapidamente.
— Não vou sem você!!!
— Entre!!! Entre!!! Entre Kelly!!!
E Kelly entrou não querendo ter entrado quando viu Sean correndo, saltando e tendo seu braço esquerdo atingido por uma lança que atravessou a roupa e a pele de animal que usava.
— Não!!! — gritou Kelly no que a fenda se fechou e ela caiu no chão da suíte de número três. — Sean?! Sean?! — ela gritou a se ver sem ele.
— Srta. Garcia? — Oscar a viu desesperada, girando entorno dela mesma.
— Sean?! Sean?! Sean?! — continuava Kelly a gritar. — Onde você está?! Onde?! Onde?!
Palakika, Felicity, Emiko e Omana se olharam.
— Srta. Garcia?! — gritou Oscar. — Pare de gritar!
E toda a gritaria e luzes saindo de dentro da suíte de número três alertaram o hotel Damaraland quando Mr. Trevellis, Victor Hugo, Gyrimias, e Narciso também entraram na suíte de número três.
— O que está acontecendo amigo velho?
— Sean?! Sean?! Sean?! — mas continuava Kelly a gritar, e a chorar, agora jogada no chão do quarto.
— Sr. Roldman... — Gyrimias mal conseguir dizer mais que aquilo.
Kelly foi retirada do chão por Oscar usando a pele fedida de animais pré-históricos da cabeça aos pés e Zôra se moldou em rabiscos no meio do quarto do quarto, vestida de branco da cabeça aos pés, parecendo vir do nada, de lugar algum, literalmente.
Ela olhou em volta.
— Onde está Sean? — foi só o que falou.
— Sean está...
— Onde ele está?! — Zôra agarrou Kelly.
— Ferido!
— Onde está Sean?! — Zôra gritou para Oscar e Mr. Trevellis que estavam no quarto exposto ao deserto da Namíbia. — Onde?! Onde?!
— Ele não veio! — falou um Mr. Trevellis seco, direto.
— A fenda?! — arregalou os olhos. — Cadê a fenda?! — e Zôra pareceu tocar o nada, o éter, invisível a olho nu.
Lânia chegou e observou-a tocando o nada.
— Zôra? — a professora a chamou.
— A fenda, Lânia?! Eles a fecharam!!!
“Eles?”, Oscar agarrou Zôra pelo braço num rompante e ele percebeu que ela vestia a luva.
— Onde está Sean, Zôra?!
— A fenda... A fenda... — Zôra mal conseguia falar.
Uma fraqueza a tomou por completo e ela foi ao chão largada por Oscar.
— Oscar?! — Mr. Trevellis se enervou com o amigo velho e Palakika e Lânia a levantaram do chão. — Zôra! Filha? — Mr. Trevellis tentou se aproximar, mas ela abriu os olhos, tentando respirar com dificuldades.
— Por favor, pai...
Mr. Trevellis arregalou os olhos. Era a primeira vez depois de muitos anos que ela o chamava assim.
— Zôra, não!
— Deixe-me ajudá-lo...
— Já ajudou Kelly.
— Não pai... Por favor!
— Do que ela está falando Trevellis? — questionou Oscar.
— Não pode descarregar toda sua força.
— Ele está preso lá.
— Eles vão trazê-lo de volta quando acharem que...
— Os alienígenas nada vão fazer!!! — berrou com o resto de forças que tinha. — Não sabem que eu abri a fenda para salvar Kelly porque Kelly nunca foi importante para eles. E você sabe!!! — berrou.
— Do que Zôra está falando Trevellis?! — Oscar se descontrolava. — Fale!!! — pegou Mr. Trevellis pela blusa e foi seguro por Victor Hugo e Paolo quando os braços de ambos se amarraram de uma maneira que a física jamais permitiria acontecer.
Ambos se calaram mais pelo fato, que toda aquela dobra não avisou suas sinapses nervosas que aquilo doía, do que pelo medo de estarem amarrados.
E Mr. Trevellis não se importou, como de costume.
— Você não pode abrir a fenda mais que uma vez!!! — vociferou o grande Mr. Trevellis. — Já se queimou...
— Eu me queimei porque errei algo. Porque Sean acabou indo ao velho oeste e eu acabei no meio dos Neandertais.
Kelly olhou um e outro.
— Você já havia ido lá? — Kelly olhou-a em choque e foi olhada por todos parecendo a filha de Fred Flintstone.
— Trevellis?! — Oscar se pronunciou perante a discussão e Mr. Trevellis o encarou. — Salve meu filho! — Oscar foi direto.
— Sacrificando minha filha?
Zôra levantou de vez do chão e Kelly via tudo aquilo acontecendo sem entender.
— Por que Kelly sumiu Zôra? — Oscar a agarrou pelo braço agora com Bantuh avançando sobre ele, sendo amarrado tal quais os outros dois. Bantuh arregalou os olhos e se pôs a gritar como um animal caçado. — Por quê? — e a voz de Oscar também era entrecortada pela emoção.
— Porque Kelly é importante para Sean. E porque eu errei, e ele não foi à Era do gelo com queriam. Eles então sabiam que se a levasse até lá, Sean iria salvá-la.
— E por que esses insetos alienígenas queriam Sean lá?
— Para aprender! Porque Sean pode ensinar algo que não sabemos o que é!
— O que Sean sabe ensinar, Zôra?! — Oscar berrava fazendo luzes e energia rarearem.
— Por favor, Oscar meu velho! Vai atingir o domo.
— Não sabemos o que eles querem com ele. Juro Sr. Roldman!
E Oscar sentiu verdade naquele juramento. Zôra falava a verdade. Largou-a em choque.
— Os malditos insectóides o querem mesmo! — exclamou Ignácia como há muito não fazia.
Oscar olhou Zôra numa mescla de desespero e suplica e enviou-lhe uma mensagem telepática.
“Pelo amor que tem por ele!”.
E Zôra recebeu tal comunicação em choque. Ficou na duvida se Mona Foad havia permitido que os dons dele alcançasse tal informação, mas concentrou toda a força que ainda tinha e sua imagem foi embaçando, se tornando de rabiscos, até se desmanchar rapidamente e sumir do quarto de número três.
E foi a vez de Oscar Roldman encarar Mr. Trevellis que olhou Lânia que olhou Oliver, que olhou Isadora que saiu da suíte de número três sabendo algo.
Broken Hill, Rodésia.
14° 26’ 0” S e 28° 27’ 0” E.
Era do gelo.
Segundos preciosos passaram para os que no Hotel Damaraland ficaram; minutos intermináveis passaram para Sean Queise preso no passado, ainda tentando entender porque correu e não conseguiu atravessar a fenda fractal, que se fechou, permitindo a lança o acertar no braço e lá ficar.
— Ahhh... — o som não reverberou. Ele arregalou os olhos como se o mundo tivesse parado e Kelly Garcia havia sumido com a fenda quando o céu perdeu o avermelhado. Sean se olhou com uma lança atravessada em seu braço esquerdo. Arrancou e a dor espalhou adrenalina por todo seu corpo. — Ahhh!!! — se perdeu por Broken Hill.
Sean se levantou e correu com todo seu corpo se agitando pela dor concentrada no local do ferimento, quando um Neandertal saltou sobre ele e a lança enterrou na neve vazia. O Neandertal arregalou os olhos vendo que fosse o que fosse o animal que ele caçava, ele havia sumido.
— Arghhh!!! — gritou erguendo a cabeça e viu Sean mais adiante, correndo, caindo, se levantando e voltando a correr.
E Sean corria não sabia para onde, porque toda sua memória não havia gravado aquele lugar, porque nenhum lugar ali lhe dava alguma segurança, porque ali só a força física e pouca inteligência eram sucesso de sobrevivência quando outra lança o alcançou se enterrando em seu ombro esquerdo.
— Ahhh!!! — Sean foi ao chão com a lança perfurando outra vez a carne de seu braço, agora com músculos e ossos expostos.
Sean chacoalhou a cabeça tentando desviar a dor e voltou a arrancar a lança quando se virou acertando o Neandertal que voou sobre ele, e que caiu com a lança enfiada no coração.
— Arghhh... — e ele morreu.
Sean arregalou os olhos azuis. Arrancou a pele de animal que usava e lhe fazia um alvo e se levantou, voltando a correr para um mundo infinito de neve, um tapete gelado e sem esconderijos quando mais uma lança voou, ele não soube por qual distância e o atravessou agora no tórax.
— Ahhh!!! — Sean agora caiu de joelhos no chão gelado sentindo que morria num mundo frio que se firmava em seu olhar.
Mais Neandertais se aproximavam do corpo ajoelhado, do corpo sangrando em meio a gritos histéricos, de homens e mulheres que levantavam as lanças, apontando satisfeitos para ele, para a caça bem sucedida quando um perfume se fez ali. E não era o perfume de rosas brancas, não era Sandy Monroe; era ela, a mulher que lançou um raio negro, mirando aleatório um e outro, com um e outro Neandertal em pânico, correndo para todos os lados quando Sean alcançou o bolso da calça, a arma calibre .32 e duas outras lanças passaram próximas de sua cabeça.
Sean estava caído, de joelhos, ferido, sem opções.
“Sean?” a voz de Zôra era distante.
Sean olhou para os lados e Neandertais se agitavam cada vez mais, apontando lanças, gritando, gritando e ele atirou para o alto.
— Arghhh!!! — gritos histéricos e Sean se ergueu como pôde, conseguiu, e correu.
Mas o sangue fazia uma trilha e dessa vez, ele não conseguia arrancar a lança de seu tórax, quando foi ao chão novamente, de joelhos, sangrando.
Seus olhos congelavam e toda sua visão periférica ficou afetada, só permitindo que o cheiro deles o orientasse, dissesse que eles estavam ali, que levantavam as lanças, que iam atingi-lo outra vez; e Sean atirou uma, duas, três vezes e mais gritos histéricos se fizeram.
— Arghhh!!! — se espalhou por todo Broken Hill.
Sean se ergueu com a lança ainda atravessada nele, deixando um dos Neandertais para trás, com a cabeça ferida, caído na neve que se manchou de vermelho. Sean havia atravessado um crânio Neandertal de 38 mil anos com uma bala.
— Deus... Deus... — Sean corria percebendo outro Neandertal na sua cola.
E era um Neandertal furioso, vociferando por toda Rodésia antiga, gelada, correndo desembestado.
— Arghhh!!!
— Zôra?!
— Arghhh!!!
— Zôra?! Zôra?! Zôra?! — gritava desesperado.
— Sean...
— Zôra?! Socorro!!! — e uma lança voou muito próximo a ele. — Ahhh!!! — e outra lança e outra lança. — Zôra?! Zôra?! Zôra?!
— Corra Sean! Corra!!!
— Estou correndo!!! Estou correndo!!! — e o céu avermelhou-se com Sean sentindo que não aguentava mais, que a dor era dilacerante, que o sangue se esvaia na roupa que voltava a congelá-lo, matá-lo enfim quando ele caiu e ali ficou.
“Sean?” soou longe.
Sean abriu os olhos do perispírito, elemento intermediário entre corpo e espírito, e estava na sua casa, no segundo andar da mansão dos Queise. Olhou-se e era pequeno outra vez, provável com seis anos de idade, descobrindo que não já não precisava arrumar seus brinquedos porque eles se arrumavam sozinho, que já não precisava pedir refrigerante porque ele aparecia do nada e já não precisava mais pedir doces porque ele fazia pessoas os darem à sua vontade.
“Oscar?”, a voz da sua mãe se perdia na viagem.
“O que ele fez agora Nelma?”, a voz de Oscar também se fez ali.
“Ele não me obedece. Não obedece a Fernando. Não obedece aos professores”.
“Acalme-se Nelma! Ele está crescendo. Só isso!”
“Não Oscar! Sean está se desenvolvendo!”
“Se desenvolvendo... Se desenvolvendo... Se desenvolvendo...” ecoava ali.
Ali onde, não sabia.
— Sean? — a voz de Zôra se firmou.
— Sean? — a voz chorosa de uma Kelly apaixonada também.
Sean acordou na grande cama da suíte de número três sem acordar.
— Sean meu filho? — implorava Oscar vendo ele paralisado na cama, de olhos esbugalhados após ter aparecido do nada, com uma grande mancha de sangue em seu tórax. — Por que ele não responde?
— Porque ele não está aqui.
— Parcelado, como não está aqui?
— Porque ele não está aqui Gyrimias! — Zôra perdeu a paciência. — Seu corpo se teletransportou, mas sua alma ainda está perdida.
— Sean?! — berrava Kelly.
— Por favor, alguém a tira daqui? — Zôra deu a ordem.
E Kelly avançou em Zôra sendo ela quem era. As duas foram da cama ao chão com Palakika, Felicity e Lenny correndo para separá-las e as três separam foi só uma Kelly furiosa.
— Toque nele mais uma vez e você vai se ver comigo! — vociferava uma Kelly descontrolada para uma Zôra mais descontrolada ainda.
E Mr. Trevellis se divertia com uma boa briga de mulher.
— Tirem-na!!! — gritou a Zôra mais descontrolada ainda.
— Ohm! Estamos perdendo tempo fazendo...
— Cale-se!!! — Zôra vociferou para o afetadíssimo Narciso que foi lançado para fora da suíte de número três pela janela que não existia e acabou com a boca enterrada na areia da Namíbia.
— O desequilíbrio vai... — e Felicity outra vez se viu fora do chão, volitando após Zôra acender o que parecia ser seus olhos verdes.
Ela levantou a mão pedindo arrego e voltou ao chão com violência quando a lança se materializou fazendo o tórax perfurado de Sean Queise se encher de sangue.
— Sean?! — berrou Oscar.
— Ahhh!!! — berrou Sean voltando ao corpo, morrendo.
— Sean?! — gritou Zôra vendo a lança atravessá-lo.
— Sean?! — gritou Kelly voltando ao quarto porque nem Palakika, nem Lenny e nem Gyrimias conseguiram segurá-la.
E Sean desmaiou.
— Não!!! Não!!! Sean?! — gritava Oscar desesperado ao ver o sangue escorrer dele.
— Vamos! Corra Ebiere! Traga água quente! — Zôra deu a ordem. — Lânia traga o material de sutura! Helder traga o feixe de energia! Ignácia traga a penicilina! Omana? Todas as ervas que conhece! — e todos saíram em disparada com Omana mancando pela perna mais curta quando Kaunadodo adentrou desesperado na suíte de número três.
— O desequilíbrio!!! O desequilíbrio!!! O desequilíbrio!!! — gritava Kaunadodo ao entrar e se deparar com a cena. — Aconteceu o desequilíbrio!!!
— Chega de gritar Kaunadodo!
— Nei! Nei! — olhou um e outro. — O Dr. Oliver se enforcou.
— Ahhh... — e Lânia foi ao chão ao chegar com o material de sutura.
Zôra só olhou Mr. Trevellis.
— Faça algo!
E ele estalou os dedos para um Victor Hugo agora desamarrado, que saiu correndo para investigar quando Yerik e Enrichetta levantaram Lânia do chão e a colocaram no sofá e Antenor pegou do chão o material caído das mãos de Lânia.
— Obrigada doutor — agradeceu Zôra em meio a muita gaze, solução esterilizada de cloreto de sódio, fazendo suturas e curativos no braço esquerdo, e aplicando muitas ervas em volta do tórax atingido em meio a muito antibiótico administrado.
Hélder chegou com o feixe de energia e Zôra tocou na luva que se abriu em diversas partes e remontou em sua mão, braço e ela apontou para o feixe fazendo um raio negro incidir na luva. Ela então se virou para Sean na cama e toda a energia ali contida tomou o corpo dele.
— Ahhh!!! — todos ali impactaram e a lança se desintegrou.
Zôra então recomeçou o processo de suturas e curativos quando encarou Kelly que encarou Zôra.
9
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número três.
21 de outubro; 10h00min.
A cama estava quente pelo calor do corpo em recuperação, pela febre. Sean delirava e Oscar viu que Kelly e Zôra de lá não saíam, não revezavam com ninguém. Os outros foram proibidos de entrar naquele momento de crise, de recuperação.
Oscar Roldman voltou a olhar seu filho, e o corpo jovem estava à toda prova quando Sean abriu os olhos em meio a dor que sentia. Ele sentiu todo seu mundo se iluminando porque Sean Queise era aquilo mesmo, a luz de seu mundo.
Sean acordou de vez com o pano úmido na testa. Sua febre começava dar sinais de controle e a hemorragia estava estancada. Zôra Trevellis trocava o pano para desespero de Kelly que queria afogá-la na bacia ao lado da cama. Mas com Oscar Roldman ali, ela não se atrevia a dar escândalos.
— Como está Sean querido?
— Onde... — Sean tentou se levantar.
Zôra o segurou com carinho e os olhos deles se encontraram novamente, com Sean se lembrando do calor, do corpo dela.
— Eu suturei o estrago que a lança fez no seu braço esquerdo e no seu tórax — foi Zôra quem falou ao ver que ele se tocava, sentia o curativo. — Deu sorte que as pontas das lanças eram feitas de sílex, uma rocha sedimentar silicatada, constituída de quartzo criptocristalino. Uma infecção por metal, agora não seria a melhor pedida — falava uma Zôra contida.
Sean olhou para o outro lado e viu Kelly; lembrou-se de como sentira sua falta.
— Dói? — falou Kelly com carinho.
— Pouco... — Sean mal conseguiu responder. — Você... — perguntou a Kelly.
— Tive tanto medo patrãozinho — foi só o que falou. — Medo de te perder.
— Perdão...
— Não, não, não fale mais — tocou-lhe os lábios com os dedos. — Você precisa ultrapassar essa etapa.
— Ele já ultrapassou essa etapa Srta. Kelly — Zôra era a frigidez em pessoa.
— Como assim? — ela pareceu não entender.
— O Sr. Queise já se recuperou da infecção.
— Tão rápido? — Kelly olhou Oscar. — Como assim tão rápido? — e outra vez Oscar desviou o olhar. Não podia falar o que também não compreendia muito bem. — Como assim Sr. Roldman? — insistia Kelly.
— ‘Como assim’ o quê? — Zôra se enervava.
— Chega! — Oscar falou e ambas se olharam. — As duas!
— Mas como...
— Kelly... — e foi a maneira como Sean pediu, como Sean sorriu para ela. — Quero ficar a sós com Oscar.
Oscar só o olhou.
— Eu volto mais tarde! — Kelly se levantou usando um vestido verde Moschino. — E vamos embora!
Sean voltou a sorrir e só.
Zôra dessa vez nada falou. Também se levantou e saiu do quarto quando ele a chamou. Ela voltou com Kelly tendo ido para a suíte de número oito onde Gyrimias dormia.
— Obrigado... — soou de um Sean sonolento.
E os olhos dos dois voltaram a se encontrar. Incomodados, porém. Zôra abaixou a cabeça sem responder e saiu.
Sean então se virou para Oscar.
— Eu atirei no ‘Homem de Broken Hill’.
— Como é que é?
— Sente-se! — e ele viu Oscar sentar-se. — Eu atirei no crânio de 38 mil anos que está exposto no Museu Britânico.
— Meu Deus! — e Oscar sentiu todo seu ombro pesar.
— O que vamos fazer?
— Não sei o que dizer. Achei que isso tudo fosse uma experiência deles, uma espécie de teste de aptidão, adaptação, ou como queira chamar. Mas se você diz que esteve lá, no passado, então estamos no meio de algo muito mais complexo.
— Oscar...
— Não sei o que dizer, Sean querido.
— Não! Não! Você precisa dizer algo. Porque eu nunca fiz isso... Nunca girei, entende? É a primeira vez que vejo esse tipo de poder. E não tenho muita certeza se o domino, entende? Acho que os insectóides estão permitindo isso.
— O que os insectóides querem com você Sean querido?
— Eu não sei! Eu não sei! Juro! Preciso... — e ia se levantar voltando à cama.
— Não pode se levantar. Está ferido apesar da notória felicidade de Zôra Trevellis em vê-lo curado.
— Não quero falar sobre isso.
— Ótimo! Então não fale!
— Quem é ela?
— Vai ter que perguntar a Trevellis.
— Está brincando não?
— Então não me faça perguntas.
— Porque meu pai obrigou Kelly a vir? — e ele viu Oscar não responder. — O que? Também vou ter que perguntar a Trevellis? Por que foi ele quem obrigou meu pai obrigar a Kelly a vir? Por que ela é meu ponto fraco? Por que os insectóides queriam barganhar meu amor por ela quando me levaram... — e Sean parou. — O que está acontecendo aqui Oscar?
— Quando descobrir o que os insectóides querem talvez tenhamos uma resposta.
— Wow! Quanta ajuda.
E Oscar escorregou um olhar para ele.
— Sua mãe...
— Eu sei!
— Ah...
A coisa parecia não queria progredir. Não que tivesse sido fácil naqueles anos todos.
— Quando isso começou? O Experimento ‘Contato!’?
— Há dois anos.
— Mona ainda fazia parte da Poliu, Oscar, então não foi há dois anos.
— Mona Foad é uma incógnita Sean. Não devia ter se metido com ela.
— Eu a conhecia...
— Quem? — Oscar se virou para ele e a porta do quarto se abriu.
Oscar se assustou por ver Mr. Trevellis ali, entrando por ela.
— Eu o chamei! — exclamou Sean.
— E não imagina como me encanto cada vez mais com os dons dos Roldmans — gargalhou o grande Mr. Trevellis.
— Chega Trevellis!
— Ela era uma menina, Oscar... — Sean prosseguiu e ambos se alertaram. — Andava sempre com Mona... — e a voz de Sean cortou qualquer graça que o grande chefe de operações da corporação de inteligência chamada Poliu ainda tinha. — Achei que era uma sobrinha, coisa assim. Porque nunca consegui invadi-la.
— Seu bastardo atrevido...
— Trevellis!!! — gritou Oscar.
— Como ele se atreve? — encarou Oscar. — Como se atreve? — encarou Sean ainda deitado. — Devia ter deixado Kelly morrendo lá para você ir sozinho e morrer por lá também.
— O que é aquela luva? — Sean cortou o histerismo.
— Não sei!
— Sabe Trevellis! E sabe que só quem tem os dons que te encantam, podem manuseá-la — e Sean viu toda face jambo de Mr. Trevellis brilhar pela raiva. — Paranormal como Dalton/Roger que a encontrou após lutar com um insectóide, mas que não tinha força suficiente para lidar com ela. E fico imaginando o quanto de poder esquisito, como teria dito Gyrimias, mas tão fenomenal quanto, tem sua filha para dominar aquela luva alienígena.
E Mr. Trevellis deu passos para cima da cama dele.
— Saia Trevellis! — Oscar deu a ordem.
— Como é que é?
— Saia!
— Acha que vai conseguir salvar seu filho o protegendo como protege Oscar meu velho? — e o olhou por debaixo de olhos verdes quase cerrados. — Porque os insetos alienígenas estão atrás de seu filho há muito tempo.
— Eu não os chamei! — exclamou Sean.
— Não filho de Oscar! — encarou-o. — Mas isso não impediu que eles se convidassem.
— Quem é ela Trevellis? Quem é Zôra?
— ‘Zôra’? Não pense que tem tanta intimidade assim.
— Quem é essa Zôra com poderes paranormais se você nem qualquer membro da sua família têm poderes? Porque sei que não estaria no comando da Poliu se tivesse dons.
— Seu... — Mr. Trevellis deu dois passos em direção a cama e todo seu peso de 170 quilos foi arrastado para trás.
Mr. Trevellis só sorriu, sabendo que foi um dos dois.
— O que quer Trevellis? Realmente o que quer com tudo isso? Toda essa busca desenfreada por vida alienígena?
E Mr. Trevellis riu com gosto.
— Quem fala... Você tem me perseguido filho de Oscar, cada passo que dou, na mesma busca.
— Minha busca é pela duvida, Trevellis, sobre mim — e Sean viu Oscar não gostar do que ouviu. — Mas a sua busca é por guerra Trevellis. Por conquista.
— Minha busca é por glória filho de Oscar. Para provar ao mundo que somos superiores, que nossa corporação de inteligência é superior, que podemos lidar com outras civilizações.
— “Lidar com outras civilizações?” — e Sean riu. — Como disse? Maquiavel sempre esteve certo? Porque não se pode chamar de valor assassinar seus cidadãos, trair seus amigos, faltar a palavra dada, ser desapiedado, não ter religião. Essas atitudes podem levar à conquista do seu império, mas não à glória dele.
Mr. Trevellis se virou sobre seu peso e tamanho e saiu sem responder àquilo.
Sean também não falou mais nada. Sentiu sono, dor, cansaço.
— Amanhã voltamos a conversar — e Oscar cerrou a persiana que escurecia a imagem de uma Namíbia que não se escondia.
— Oscar... — ele sentiu que ele parou de andar. — Diga a Lânia que eu sinto muito. Por tudo.
— Direi! — e Oscar saiu.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número três.
21 de outubro; 21h21min.
A meia luz que provinha do abat-jour na mesa lateral iluminou o corpo mignon da mulher loira, de óculos de grau, e que se sentou na poltrona.
— O Sr. Roldman me disse que sentia muito por tudo.
Sean abriu os olhos e a voz de Lânia chegou até ele.
— E sinto. Não sabia que aqueles insectóides iam se vingar de alguém.
— E meu pai era o mais próximo da vingança deles.
— Seu pai me disse que sua madrasta foi chamada para estudar as girafas.
— Aquela vaca! Não entendo até hoje por que meu pai aceitava o que ela fazia. Acho que são aqueles dons malditos dela que o faziam aceitar, concordar, porque Isadora pode fazer você aceitar coisas que não... — e parou de falar. — Desculpe-me! Esqueci que você...
— Pode falar Lânia. Já não me importo mais com os ‘dons malditos’.
— Sinto Sr. Queise. Não o quis magoar.
— Me chame de Sean, professora. E me diga o que seu pai descobriu?
— Que as girafas haviam vindo ao mesmo tempo em que a fenda se formou no nosso sistema solar porque o Planeta Urânio estava se comportando estranho; e que foi pouco antes de haver uma movimentação de meteoros na Nuvem de Oort.
— Ninguém sabe ao certo o que existe na Nuvem de Oort, só que no começo da formação do nosso sistema, há mais de quatro bilhões de anos atrás, havia muitos mais planetas que agora, e que migraram para fora por causa da gravidade do grande Júpiter. Então pode sim haver corpos cósmicos escondidos e também naves alienígenas. Mas uma fenda desse tamanho teria que ter afetado mais, que fazer Urânio se comportar estranhamente.
Lânia respirou profundamente antes de prosseguir.
— Seus dons... Eles são tudo aquilo que Zôra diz sobre eles?
— Não sei o que ela sabe a meu respeito, mas...
— Meu pai também acreditava que sim. Por isso manteve tudo em segredo e procurou Mr. Trevellis para pedir uma equipe; eu, Narciso e o professor Antenor.
— Por quê?
— Por causa dos fractais. Meu pai achava que a fenda era fractal e que havia sinais inclusos nesses símbolos criados.
— Que tipo de sinal? Algum específico que abre a fenda? Como um cadeado aberto por um segredo numérico?
— Não! Era uma comunicação.
— Os insectóides estavam se comunicando através de sinais?
— Sim. Vinte e um símbolos usados por esses insetos alienígenas em suas comunicações entre si.
— Ok! Então vinte e um sinais capazes de abrir a fenda.
— E fechá-la.
— Então por que Zôra abriu os braços e girou, abrindo a fenda que nos trouxe de volta?
— Não sei como a fenda funciona. Talvez Hélder e seu plasma cheguem perto da resposta. Eu e Narciso só conseguimos identificar alguns dos vinte e um sinais; treze para ser exata.
— Treze é quase dois terços do processo. Já é um bom começo.
— Para o que?
— Para abrirmos o domo e sairmos daqui.
— Eles vão nos encontrar Sean. E pior, talvez em um lugar lotado de gente inocente que pode morrer nessa experiência.
— Isso quer dizer que todos vocês foram voluntários?
— A Poliu não funciona com voluntários, Sean, e sim por ordens — sorriu simpática. —, que obedecemos.
Sean só girou os olhos e sentiu seu corpo ainda dolorido.
— O exoesqueleto?
— Não o vimos completo, Sean. Só o que Dalton nos comunicou.
— Sabia que ele e Roger eram a mesma pessoa?
— Sim. Foi ideia de Zôra manter segredo da Poliu.
— Ela então não é realmente da Poliu.
— Não. Mas ela nos financia.
— E os obriga a obedecer.
— Sim — Lânia voltou a sorrir simpática.
— Seu pai usou Spartacus antes de eu morfá-lo?
— Sim. Mas ele me disse que quando voltou a buscar informações em Spartacus ele já não respondia. Papai achou que você estava fazendo algo porque a Poliu também perdeu o acesso que tinha, então Mr. Trevellis conseguiu forçar ainda mais o Sr. Fernando Queise.
— Ele disse como?
— Parece que seus pais estavam se separando.
— Deus... Trevellis não tinha esse direito...
— Mr. Trevellis não se importa muito com direitos, e leis, e dores Sr. Queise.
— Chame-me de Sean.
— Sabe que sua sócia não vai gostar.
Sean sorriu ainda sentindo dor.
— Kelly é meu equilíbrio Lânia. Amar Kelly foi única coisa verdadeiramente honesta que fiz na vida.
— Ela gosta muito de você.
— Eu gosto muito dela.
— Zôra também.
E Sean temeu o que ouviu.
— Não fale mais isso. Não perto de Kelly. Por favor!
— Você sabia?
— Não! Não sabia. Nem a reconheci.
— A conhecia?
— A menina com Mona, que Mona criou... — e parou tentando entender o que falavam porque o que falava ele ainda não sabia. — Quando Trevellis a adotou?
— Não sei. Zôra fala muito pouco. Acho que foi antes da mulher de Mr. Trevellis morrer de câncer, para animá-la.
— Eu sabia que Trevellis tinha três filhas; Umah, Dolores, mas nada sabia sobre a terceira, nem que fosse adotada.
E Lânia ia falar algo quando viu Kelly ali parada, lhe olhando, ouvindo aquilo tudo.
— Vou deixá-los a sós — e Lânia falou de uma maneira que Sean percebeu que Kelly estava ali.
Estranhou não ter sentido sua aproximação. Lânia saiu e Kelly entrou silenciosa, à meia luz, tirando os sapatos, o vestido verde Moschino, e Sean sentiu seu coração disparar. Kelly então tirou o sutiã, a lingerie e ficou nua, o encarando. Sean engoliu tudo aquilo a seco e só levantou o lençol pedindo que ela se deitasse com ele. Kelly nada falou e se deitou na cama com ele, os cobrindo.
Sean não sabia o que falar, preferiu não fazê-lo.
Ambos adormeceram juntos até de manhã.
10
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número cinco.
22 de outubro; 07h15min.
A porta do quarto se abriu sem ninguém tocá-la e Zôra sentiu todo seu corpo arrepiar-se.
— A sabedoria popular diz Srta. Trevellis “Por vontade de um prego, a ferradura foi perdida; por vontade de uma ferradura, o cavalo foi perdido; por vontade de um cavalo, o cavaleiro foi perdido; por vontade de um cavaleiro, a batalha foi perdida; por vontade de uma batalha, o reino foi perdido”.
Zôra se virou e um Sean Queise quase recuperado, vestindo jeans azul clara, camisa polo branca e casaco de moletom cinza, a olhava em pé, parando ao lado da cama dela.
— A ‘vontade’ pode ser o acaso ou uma decisão consciente Sr. Queise? — ela não se deixou levar pela ferocidade dele.
— As metáforas servem para figurar uma das maiores polêmicas da história do Cristianismo, Srta. Trevellis; predestinação ou livre-arbítrio.
Ela impactou.
— E o que acha que eu devia ter escolhido? Deixá-la morrer lá para encobrir meu erro? Ou deixá-lo morrer lá para provar a Kelly, a meu pai, a Lânia e ao mundo inteiro que não me importo com você?
— E você se importa?
— Não vou responder a isso! — ela saltou da cama vestindo camisola curta e insinuante, e foi até a janela abrindo as cortinas para o deserto da Namíbia entrar.
— Por que não me disse quem era?
— ‘Olá! Sou Zôra Trevellis! Adotada e paranormal!’ — esticou uma mão.
— Não precisa ser irônica — e a camisola curta e insinuante o estava deixando nervoso.
— Está bem! E quem sou eu Sr. Queise? — recuou a mão que ficou no ar sem ser cumprimentada.
— A menina que Mona preparava, antes de me preparar, para se comunicar com alienígenas.
— Mona nunca lhe preparou. Você se desenvolveu sozinho — e caminhou até o armário. — E você só procurou Mona para destruir meu pai, a Poliu, com ódio do mundo, de você, de Sandy e tudo o que fez de errado — e se aproximou dele. — Porque você fez tudo errado Sr. Queise. Sabia e permitiu Sandy saber coisas que sabia, porque sabia que ela estava lá, a mando de meu pai.
— Mentira!!! — explodiu. — Eu nunca soube o que Sandy fazia porque ela foi programada para me bloquear! — e ele viu Zôra arrancar a camisola e ficar nua. — Droga! — se virou para o outro lado sabendo que não queria ter se virado. Zôra então se vestiu e saiu do quarto. — Aonde você... Droga! Aonde você vai? — e foi atrás dela. — Volte aqui Zôra! Ainda não acabamos!
— Sean? — Kelly estava atrás dele, no meio da área onde as suítes foram construídas.
— Agora não Kelly!
Mas Kelly não gostou daquilo. Ficou lá, paralisada, o vendo ir atrás de Zôra que já entrava na sala de refeições.
— Sean querido? — Oscar levantou-se da mesa do café da manhã ao vê-lo entrar furioso.
— Por que Narciso acha que estamos pagando por algo que fizemos no passado? — Sean encarou o pai dele, professor Antenor, que percebeu a falta do ‘doutor’ na frase.
Narciso se ergueu furioso.
— Seu filho da...
— Os alienígenas vieram se vingar de nós? — Gyrimias embranqueceu ao entender, achar que entendeu.
— Cretino! — e foi a vez de Omana enervar-se com Narciso. — Havia chegado a uma conclusão sobre os crop circles Dr. Narciso e não nos avisou?
O professor Dr. Antenor balançava a cabeça desgostoso, fazendo o pince-nez descer cada vez mais.
— Ohm! — exclamou Narciso afetado. — Não foi nada. Eu só percebi a terra mexida... — não viu mais alternativa sabendo que Sean falaria até o que não precisava ser falado se ele não abrisse o jogo. Suspirou pesado. — De madrugada, quando vim à cozinha beber água — um ‘Oh!’ correu ali. — Subi no telhado do lobby e percebi o crop circle fora do domo se desmanchando com o vento.
— Isso significa? — interveio Mr. Trevellis.
— Isso significa que a nave-mãe esteve aqui quando a Dra. Zôra Trevellis abriu a fenda para irmos até a Era do gelo — foi Sean quem respondeu. Mas Zôra nada falou. — E os insectóides também — e Sean não tirou o embranquecido Narciso de sua vista.
— Cretino! — voltou Omana a exclamar.
— É bom mesmo se preocupar Dra. Omana, porque o que parece ter sido um erro foi algo maior para eles.
— Como assim Sean Queise? — foi a vez de Palakika.
— Eles nos querem para algo maior Dra. Palakika.
— ‘Algo maior’ quanto? — quis Emiko saber.
— Não sei!
— Como pode não saber Sr. Queise? — Felicity desafiou-o.
— Um bando de Ph.D e vocês também não sabem.
— Ma-mas fizemos tudo certo. Por que e-eles querem se vingar de nós Sr. Queise? — quis Yerik saber.
— De algo que nós não fizemos? — quis Lânia saber. — Por isso mataram meu pai?
— Então eles intervieram mesmo na fenda? — quis Ignácia saber.
— Por que diz isso? — perguntou Sean.
— Porque... — e Ignácia parou no silêncio e na atenção que caiu sobre ela. — Porque eles estão nos fazendo de marionetes Sr. Queise.
— É o suficiente Ignácia! — Antenor pela primeira vez se excedeu.
— Não Antenor. Precisamos falar ou vamos acabar como Oliver.
— Mas Oliver se enforcou.
— Mas não há sinais de que ele fez por conta própria. Não há cadeiras nem nada onde ele possa ter subido e saltado.
— Merda! — explodiu Lenny.
— Fale Dra. Ignácia — foi Oscar quem pediu.
— Há muito tempo que nossas vidas vinham sendo monitoradas. Eu, Oliver e Antenor, vínhamos sendo assediados por esses insetos alienígenas há décadas. E começou tudo em sonhos, pesadelos era verdade, até que vieram os contatos reais e as exigências, e tivemos que nos envolver nisso.
— Sabia disso Trevellis? — Sean viu a cor jambo de Mr. Trevellis desaparecer.
— Não!
— Isso não pode ser possível! — exclamou Zôra. — Mona nunca recebeu informação sobre esses insetos alienígenas nos procurando.
— Não estou mentido sua metida.
— Sua o quê? — Zôra se ergueu furiosa com Ignácia e Kelly entrou na sala de refeições e se sentou num canto quando Oscar levantou-se e foi sentar-se do lado dela.
Sean entendeu aquilo. Oscar tomava partido.
“Droga!”
— Pode ser... — Lânia olhou um e outro. —, que os insetos alienígenas estejam somente se divertindo em caçar girafas...
— Do que está falando sua destrambelhada? — Isadora se enervou.
— Cale-se vaca! Não basta o que fez ao meu pai?
— Chega!!! — gritou Felicity.
— Fale Lânia... — pediu Kelly. —, porque caçar girafas não nos mandaria à Era do gelo nem matariam seu pai.
Todos olharam Kelly.
— É que acredito que os insetos alienígenas têm algo muito grande para nos exigir, do que contatos.
— Que tipo de exigência? — Kelly quis saber.
— Algo grande a ponto de ficar nos observando — foi Sean quem completou.
— Quem? Quem nos observa Senhor? — Gyrimias não gostou de ouvir aquilo olhando para todos os lados e só via a Namíbia lá fora.
— Viu os insectóides na Era do gelo, Sean? — Kelly quis saber.
— Sim!
Um grande ‘Oh!’ se fez e Zôra explodiu:
— Isso é ridículo Sr. Queise! Não vimos ninguém!
— Sim! Não vimos ninguém. Nem precisávamos.
— Por que diz isso Sr. Queise? — perguntou Bonilha.
— Feromônio de alarme Dr. Bonilha.
Outro ‘Oh!’ correu a sala de refeições; e correu porque todos ali entenderam aquilo.
— Feromônios são substâncias químicas secretadas por um indivíduo e que permitem a sua comunicação com outros indivíduos da mesma espécie — falou a entomologista Felicity.
— A mensagem química transmitida pelos feromônios tem por objetivo estimular determinado comportamento, que pode ser de alarme, agregação, contribuição na produção de alimentos, defesa, ataque, acasalamento — acrescentou Omana.
— Cada espécie animal produz um feromônio diferente que é reconhecido somente pelos membros de sua própria espécie — voltou Felicity a falar. — O feromônio de alarme é empregado, principalmente, na orientação de ataque ao inimigo, sendo constituído, em maior proporção, pela 4-metil-3-heptanona, além de outros componentes secundários já identificados, tais como: 2-heptanona, 3-octanona, 3-octanol e 4-metil-3-heptanol.
— O que sentiu Senhor Sean Queise?
— Octanol Gyrimias! — olhou todos. — Octanol, fabricado para a síntese de ésteres e para utilização em perfumes e aromas — e agora só olhou Zôra que não o olhou.
— Os óleos essenciais são geralmente extraídos por destilação, muitas vezes por meio de vapor — falou Omana.
— Outros processos incluem a expressão ou extracção de solvente. E sim, são usados em perfumes, cosméticos, sabonetes e outros produtos, para aromatizar alimentos e bebidas, e para a adição de aromas de incenso e de produtos de limpeza doméstica, pois — falou Bonilha.
— As formigas, principalmente as cortadeiras, apresentam uma sofisticada rede de comunicações, dentre as quais a química, baseada na transmissão de sinais por meio de substâncias voláteis, chamadas feromônios, variáveis em decomposição, de acordo com a espécie — voltou Felicity a falar. — Incrível não sendo um inseto perceber isso Sr. Queise.
— Isso mesmo! — foi Zôra quem se agitou. — Como pode saber com tanta certeza Sr. Queise? Os Neandertais faziam coisas com o sílex, poderiam fazer cola com eles.
— Parcelado o que sei sobre química, a primeira menção registrada das técnicas e métodos utilizados para a produção de óleos essenciais se acredita ser a de Ibn al-Baitar, 1188-1248, um médico, farmacêutico e químico andaluz, Doutora Zôra Trevellis.
— Está bem! — ela explodiu.
— Não se assuste Gyrimias — Sean ainda a encarava. —, a ‘Doutora’ Zôra Trevellis não gosta de não saber as coisas.
— Porque sei!!! — gritou Zôra com Sean.
— Não sabe! Os insectóides não têm feito outra coisa até então, a não ser nos observar. Seja caçando girafas, seja abduzindo seres humanos como disse a Dra. Ignácia — e Sean percebeu que Ignácia havia saído da sala de refeições atrás de Antenor, que também saíra.
— Será que os insetos alienígenas, pois, não estão nos testando quanto à sobrevivência, Sr. Queise? — Bonilha levantou a hipótese.
— Não sei dizer Bonilha. Mas acho que eles têm uma experiência parecida com a da Poliu — Sean foi direto.
— Que experiência Sr. Queise? — Zôra quis saber.
— Das do tipo que seu pai faz.
— Basta ‘filho de Oscar’! — Mr. Trevellis levantou-se irado sem, porém sair da mesa.
— Chega Trevellis! — foi a vez de Oscar. — Atenha-se à Poliu!
Mas Zôra não queria se ater a nada.
— E que tipo de experiências meu pai faz Sr. Queise? — Zôra se aproximou tanto que Kelly se agitou.
— ‘Do tipo’ os alienígenas se preparando para se instalar aqui na Terra, a Poliu se preparando para recebê-los aqui na Terra — Sean ergueu o sobrolho. — Ou não foi para isso que ele lhe adotou? — e ele foi esbofeteado.
Um ‘Oh!’ mais intenso que todos os outros até então, se fez.
— I-isso é uma calunia! Alienígenas querendo se adaptar a uma glaciação? — Yerik se revoltou.
— Desminta-me! — Sean desafiou-o ainda olhando Zôra. — Ou diga-me, você Narciso, por que os alienígenas pararam com os crop circles nos últimos tempos? — deixou claro que estudava os sinais deixados pelos alienígenas sim, com ou sem seu rosto vibrando pela mão evoluída dela.
— Você nos vigiava não Sr. Queise? — Narciso quis saber.
— A recíproca é verdadeira.
— Do ponto de vista da antropologia, matemática e psicologia, o crop circle define e conceitua para toda a humanidade ideias temporais e territoriais — foi Lânia quem falou. — Um símbolo religioso sagrado para muitas culturas antigas. Se feitos por naves, não sabemos.
— E como acha que eles conseguem força para manter suas naves aqui a ponto de fazer tais sinais, Dr. Bonilha? — Sean pegou o Ph.D em bioquímica de jeito.
Ele correu o olho para todos antes de olhar Sean.
— Estou a acreditar, pois que a oxidação eletroquímica de pequenas moléculas orgânicas, Sr. Queise, como metanol, ácido fórmico e formaldeído, tem sido extensivamente estudada devido a possível aplicação em sistemas eletroquímicos de conversão de energia conhecidas como células de combustível.
— É, imaginei algo complexo mesmo.
— Eu já imaginava combustível fóssil, mesmo — falou Gyrimias pensativo.
— “Fóssil”? Nunca vi qualquer fumaça de UFO — riu Lenny sem malícia.
— Uma das aplicações do ácido fórmico é no controle de pH do processo Saarberg-Hoelter-Umwelttecnik, SHU de dessulfurização de gás combustível — ensinou Omana. — A maioria dos combustíveis fósseis contém enxofre que, quando queimado, libera no ar o dióxido de enxofre.
— Isso prova o quê? Que os alienígenas chegaram à mesma resposta que nós? — perguntou Kelly.
Zôra estava a alturas com ela, com ele, com o mundo.
— Nem todos ‘nós’ sabemos tanto — desafiou-a. — Ou você saberia, por exemplo, por que não deve tomar metanol.
— Quê? — Kelly olhou Sean que não gostou de como sua sócia foi tratada por uma Trevellis. — Porque até onde sei, o metanol, também conhecido como álcool metílico, no corpo, decompõe-se em ácido fórmico e formaldeído.
— O formaldeído é uma neurotoxina mortal — e Sean viu Kelly o olhar mais perdida ainda. — Formaldeído é formol, Kelly.
— Ohm! O Sr. Queise não é empírico — debochou Narciso.
Zôra pareceu acender seus olhos verdes para Narciso e ele parou.
Só ele e Sean viram aquilo.
— O formol é tóxico quando ingerido, inalado ou quando entra em contato com a pele — falou Felicity. — Em concentrações de 20 partes por milhão, no ar, causa rapidamente irritação nos olhos. Sob a forma de gás é mais perigoso do que em estado de vapor.
— A atividade eletrocatalítica para a oxidação de ácido fórmico e formaldeído em eletrodos binários, foi investigada através das técnicas de voltametria cíclica e cronoamperometria — Bonilha prosseguiu.
Sean riu.
— É por isso que trabalhava com Yerik, Bonilha? Estavam trabalhando no combustível que os insectóides usam para suas naves?
Yerik e Bonilha trocaram olhares.
— E-ele me ajudava neste último estágio, no ma-material para oxidar o ácido fórmico e o formaldeído. Porém, devido a adsorção de intermediários reacionais na superfície eletródica, a mesma sofre um bloqueio pe-perdendo progressivamente a eficiência catalítica.
— Mas não só como combustíveis de suas naves Sr. Queise. Acreditamos que o mecanismo do exoesqueleto o usa como combustível num processo muito mais avançado que pistões hidráulicos — completou Omana.
— Já que todo equipamento é controlado por atividades do cérebro do inseto alienígena, ele também recebe sinais sensoriais da máquina e produz ele próprio o combustível do exoesqueleto — explicou Paolo Kapranos, engenheiro mecatrônico.
— Agora entendi o que faz aqui Paolo — e Sean encarou Zôra. — É tudo pelo formaldeído, fabricado por formigas.
— Sim Sr. Queise! — Zôra enervou-se, levantou e só deu poucos passos até encontrar um Kaunadodo paralisado à porta, outra vez. — Não diga? O equilíbrio foi rompido?
— A Dra. Ignácia sumiu... — a voz de Kaunadodo quase não saiu.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número nove.
22 de outubro; 08h50min.
Foi Paolo quem se manifestou.
Estava com Emiko, Gyrimias, Hélder, Bantuh, Lumumba e Victor Hugo após vasculharem todo o hotel, ainda preso no domo que dava sinais de curto, com o que pareciam faíscas, saindo dele.
Todos estavam lá, na suíte de número nove de Ignácia.
— Já procuramos o corpo dela por todo o hotel, cada suíte.
— Até qualquer monte de terra que parecesse um túmulo, e nada — completou Lumumba.
— Merda! Acha que ela conseguiu sair do domo em curto circuito? — quis Lenny saber.
— Não! — exclamou Sean. — Acredito mais que ela tenha viajado.
— Sem o controle de Zôra? — olhou Isadora.
Sean quis ter entendido aquilo.
— Então ela viajou como o Senhor?
— Não sei Gyrimias. Não sei mesmo como essa coisa funciona, porque sumi no meio do trajeto da minha suíte até a sala de refeições ‘sem o controle de Zôra’.
Ela o olhou furiosa.
— E por que ela viajaria?
— O que aqueles insetos alienígenas iam querer com ela?
— O que ela tem para ensiná-los é o que devia estar se perguntando — Sean olhava uma coisa e outra da suíte de número nove e lá só a cama arrumada, pérolas saindo de uma caixa de joias de madrepérola e alguns porta-retratos de uma garota. — Quem é ela? — apontou.
Enrichetta olhou Felicity que olhou Omana que olhou Lânia que olhou Zôra.
— Filha dela. Faleceu de Fibrose cística.
E Sean encarou Oscar, ambos sabendo que ela barganhara algo com os insectóides para rever sua filha, e talvez salvá-la da morte.
“Droga!”
— Quando ela morreu professora?
— Dez... Onze anos atrás — sorriu Lânia simpática. — Não tenho certeza. Meu pai e o professor Dr. Antenor que a conheciam melhor.
— Quem a viu pela última vez? — perguntou Oscar.
— Eu! Quando ela saiu da sala de refeições atrás do professor Antenor — falou Sean.
— Ignácia sempre foi encantada pelo Professor — Palakika ria e balançava as ancas.
— Mas que absurdo! — Antenor entrou furioso na suíte de número nove e Palakika ainda ria.
— Controlem-se vocês! — Zôra se adiantou debaixo de um domo instável.
Felicity viu Gyrimias agachado.
— O que houve Gyrimias? — estava era ela, interessada no nerd cientista da Computer Co..
— Há... — Gyrimias mediu as palavras. —, parcelado o que penso... — e olhou Sean.
Zôra, Kelly, Bantuh, Oscar, Mr. Trevellis, Victor Hugo, Yerik, Emiko, Kaunadodo, Ebiere, Abba, Antenor, Narciso, Lânia, Isadora, Palakika, Felicity, Enrichetta, Omana, Hélder, Bonilha, Lumumba, Paolo e Lenny se olharam.
— Fale Gyrimias!
— Há cartuchos disparados aqui no chão — pegou-os.
— “Cartuchos”? — e Sean viu os cartuchos na mão de Gyrimias. — Deus... 9 mm parabellum! Luger P08!
— Nazistas? — foi Victor Hugo quem perguntou observando os cartuchos deflagrados. — Sim! Vindo de uma pistola clássica da 2ª Grande Guerra, facilmente reconhecível pelo seu formato característico, a Luger P08 entrou em serviço no exército alemão em 1908, sendo produzida até 1942, quando foi, afinal, substituída pela Walther P 3, pois sua fabricação era muito complexa e cara, fato não desejável em períodos de guerra — falava o agente da Poliu.
Todos se olharam agitados.
— Nazistas aqui? — Mr. Trevellis encarou foi Narciso, filho de professor Dr. Antenor.
Narciso mal conseguia respirar pela proximidade de Victor Hugo.
— Eu não... Eu não...
— Chega!!! — berrou Mr. Trevellis erguendo Narciso pelo colarinho já que não tinha dons para amarrá-lo ou mantê-lo de ponta cabeça. — Porque espero que já tenha as respostas, Dr. Narciso, Ph.D em geometria euclidiana, e porque pago caro por suas experiências extravagantes no Grande Colisor de Hádrons do CERN.
— Porque sabe que preciso dele Mr. Trevellis — Narciso nem se deu ao luxo de absorver o fel.
— Sei?
— Sim! Sabe que o Grande Colisor de Hádrons pode criar microscópicos buracos negros ao se colocar em rota de impactos, feixes de prótons para assim criar colisões de alta energia. E até agora o colisor ainda não produziu qualquer colisão, e é a energia extrema destas colisões, até 14 tera-elétron Volts, que potencialmente poderia criar um microscópico buraco negro que...
— Basta Narciso! — Sean se enervava. — Qualquer micro buraco negro criado pelo Grande Colisor de Hádrons evaporaria rapidamente, perdendo massa e energia através da radiação de Hawking.
— Então va-vai poder nos explicar o que significa o crop circle em to-torno do Hotel Damaraland, ou não? — Yerik também perdia a paciência com Narciso.
— Por que não disse nada, Narciso? — repreendeu o pai, professor Dr. Antenor.
— Ohm! — Narciso não sabia como falar. — Queria ter certeza...
— Não pode descobrir algo e não comunicar a equipe — repreendeu Lânia.
— I-isso é ina-inadimíssivel — Yerik se enervava.
Narciso odiou Sean mais ainda.
— Não adianta me odiar — Sean percebeu. — Não vai ajudar-nos a sair daqui escondendo informações — completou.
— Como... — Narciso estava notoriamente incomodado. — Como percebeu?
Sean sorriu de uma maneira estranha.
— O que significa aquele crop circle afinal?! — gritou Mr. Trevellis se descontrolando.
— Koch snowflake! — Narciso percebeu que todos esperavam mais. — O que? Não entenderam?
— Narciso!!! — Lânia se descontrolou.
— Ohm! Está bem! Floco de neve de Koch, que é o resultado de infinitas adições de triângulos ao perímetro de um triângulo inicial.
— O que é isso? — perguntou Kelly a Gyrimias.
— A geometria fractal é o ramo da matemática que estuda as propriedades e comportamento dos fractais, Senhorita Kelly Garcia. Descreve muitas situações que não podem ser explicadas facilmente pela geometria clássica, e foi aplicada em ciência, tecnologia e arte gerada por computador.
— A curva de Koch é uma curva geométrica e um dos primeiros fractais a serem descritos. Aparece pela primeira vez num artigo de 1906, do matemático sueco Helge von Koch. O mais conhecido Floco de neve de Koch corresponde à mesma curva — explicou Narciso.
— Por que parou de usar a teoria do caos? Hélder deixou de auxiliar?
Outra vez Narciso odiou Sean Queise por ler seus pensamentos.
— “Caos”? — Kelly voltou a nada entender.
— Muitos fenômenos não podem ser previstos por leis matemáticas, como o gotejar de uma torneira na qual nunca se sabe a frequência com que às gotas de água cairão — voltou Gyrimias a falar.
— Ohm! Parece que o nerd realmente tirava boas notas na escola — Narciso gostou de atingi-lo e se dirigiu a Kelly. — Nas últimas décadas, bela Kelly — e Narciso fez Sean dar dois passos até ele. —, depois de um árduo trabalho, matemáticos e físicos elaboraram muitas teorias para explicar o caos. Uma lei básica da Teoria do Caos afirma que a evolução de um sistema dinâmico depende crucialmente das suas condições iniciais, porque a geometria fractal busca padrões organizados de comportamento dentro de um sistema aparentemente aleatório. Até ganhou uma metáfora de ‘Demônio de Laplace’, propondo que se uma consciência soubesse todos os dados de todas as partículas do Universo e fosse capaz de fazer os cálculos necessários, teria condições de prever o seu funcionamento. Inclusive, o ‘Demônio Laplaciano’ teria diante de si o passado, o presente e o futuro — Narciso parecia mais querer atingir Sean Queise — e sorriu afetado.
— É só isso Narciso? — Isadora não gostava de Narciso. — Porque estamos perdendo tempo com essa baboseira.
— “Baboseira”? Ohm! — arregalou os olhos afetadíssimo. — Fico mesmo pensando como conseguiu seu Ph.D — gargalhou Narciso.
— Chega! — foi a vez de Hélder falar.
— Por isto costuma-se associar à teoria do caos ao chamado “efeito borboleta” — Sean sentiu que o assunto incomodou Zôra de repente.
— Efeito o quê? — interessou-se Enrichetta.
— Efeito borboleta, um termo que se refere às condições iniciais dentro da teoria do caos — Sean não tirava Zôra e Narciso de vista. —, onde o bater de asas de uma borboleta na Namíbia muda o curso natural, provocando um furacão no Rio Grande do Norte, um tufão na Varsóvia.
— Aonde quer chegar Sr. Queise? — Emiko quis saber. — Todos sabemos que não podemos viajar ao passado, que acabamos gerando outras sinas. A cada nova escolha, um novo futuro também lhe é dado.
— Isso é ridículo! — Isadora gargalhou.
— Ridículo por quê?
— Porque sabemos quais são os locais que...
— Ridículo ou não Isadora Gastón, coisas pequenas que fazemos hoje podem se tornar grandes amanhã — e Zôra finalizou o que ela ia dizer.
— Parcelado o que pensou Dra. Isadora, isso até é interessante — emendou Gyrimias. —, porque a filha da cibernética e da teoria da informação é a Teoria do Caos, que surgiu com as elaborações do matemático Benoit Mandelbrot a respeito do tempo meteorológico.
— Então você não é só um consorte da bela Kelly? — riu Narciso.
Gyrimias sentiu-se atingido mesmo e Sean deu mais dois passos, ferido ou não, quando percebeu que outra vez faltava alguém ali.
— Onde está Dalton? — todos se olharam dentro da suíte nove.
E todos correram para fora.
— Ahhh!!! — e Lânia, Ebiere, Omana, Lenny e Narciso desmaiaram.
O corpo de Dalton estava amarrado a uma estaca, com a estaca o atravessando. Havia sido empalado vivo, com mesas e cadeiras a seu redor como se ele fosse o centro de um banquete.
— O que os insetos alienígenas querem? Que o comemos?
— Meu Deus santíssimo! — exclamou Enrichetta em choque. — O ser humano é extremamente criativo e inteligente em se tratando de métodos de tortura. É isso o que eles querem aprender conosco?
Sean e Victor Hugo correram e tiraram Dalton da estaca. Colocaram o corpo dele no chão, que se tomou de sangue.
— Todos os cuidados para que o torturado não morresse muito rapidamente eram aplicados, mas parcelado o que vejo, Senhor Sean Queise, os insectóides tinham pressa em matá-lo.
— Ou não o mataram aqui Gyrimias — e Sean se aproximou do corpo cheirando-o. — Octanol! — anunciou e todos se agitaram.
— A-assim como o Sr. Queise e sua lança, Dalton fo-foi levado e trazido com a estaca — falou Yerik em choque.
— Onde fizeram isso Sean? — Kelly chorava pela cena.
— Assim como a crucificação, o ato de empalar foi usado por muitos e por muito tempo, até mesmo para o entretenimento, Kelly. Assurbanipal, último grande rei assírio, empalava suas vítimas vivas e apreciava assistir as sessões de empalamento, enquanto fazia suas refeições.
— O Conde romeno Vlad Tepes, da Valáquia, também conhecido como Vlad III, O Empalador, mandava armar sua mesa de refeições, e comia, enquanto suas vítimas políticas eram empaladas vivas Senhorita Kelly Garcia — emendou Gyrimias.
— Vlad foi usado por Brian Stocker em seu livro ‘Drácula’. Daí o mito dele se alimentar de sangue... — e Sean se virou em pânico para os lados. — Quantos somos agora?
— Eu — Kaunadodo se adiantou na contagem. —, o Senhor...
— Sem o ‘Senhores’, ‘doutores’ e ‘Ph.D’, Kaunadodo.
— Sim! Sim! Eu, Sean, Zôra, Kelly, Bantuh, Oscar, Mr. Trevellis, Victor Hugo, Yerik, Emiko, Ebiere, Antenor, Narciso, Lânia, Isadora, Palakika, Felicity, Enrichetta, Omana, Hélder, Bonilha, Lumumba, Gyrimias, Paolo e Lenny; somos vinte e cinco — apontou cada um de olhos negros arregalados. — Oh! Não! Somos impares! Somos impares!
— “Vinte e cinco”? — Lânia se alertou — Então está faltando Abba.
— Abba?! Abba?! — gritava Kaunadodo. — Abba?! Onde você está?
— Kaunadodo — Sean o fez virar-se. —, vá com Ebiere e Lumumba preparar o almoço; retome a rotina do hotel.
— Mas Abba...
— Sem ‘mas’ Kaunadodo — anunciou Sean sabendo que ele ia se desesperar pelo número impar. — Eu, Victor Hugo, Bonilha e Paolo, vamos procurar no entorno das suítes, até onde o domo nos permitir atingir. Yerik, Hélder, Felicity, Palakika e Gyrimias vão reorganizar as suítes para não ficarmos sozinhos. O restante aguarda na sala.
— Ohm! Eu e meu pai continuamos na suíte de número dois — se adiantou Narciso.
— Só estou pedindo para não ficar sozinho Narciso. Só isso!
— Em me recuso a dividir algo com alguém — e Mr. Trevellis se virou indo embora.
Oscar só o olhou e Mr. Trevellis estava de volta no mesmo lugar, encarando o amigo velho.
— Repita Trevellis! — falou um Sean cínico.
— Vou dividir minha suíte de número quinze com Victor Hugo — sorriu Mr. Trevellis para Oscar. — Longe de um Roldman.
— Fico com Zôra — anunciou Lânia.
— Fico com Sean bonitinho — falou Isadora.
— Atreva-se! — exclamou Kelly. — Eu fico com você Lânia, na suíte de número quatro, Lânia. Zôra continua na suíte de número cinco com Bantuh e o Sr. Roldman fica com Sean na suíte de número três.
E nenhum ‘Oh!’ ou qualquer movimento labial se fez.
— Está bem! — agradeceu Lânia.
— Fico com Gyrimias na suíte de número oito — anunciou Felicity para um nerd que suou litros.
— Fico com Omana na suíte de número dez — anunciou Enrichetta.
— Eu e Lenny já estamos juntos na suíte de número nove — anunciou Paolo.
— Fico com Emiko na suíte de número doze — anunciou Yerik.
— Fico com Palakika na suíte de número seis — anunciou Hélder para um olhar frio da havaiana. — Há duas camas de solteiro lá.
— Bonilha? Fica com Isadora na suíte de número treze? — os dois olharam Sean. — Quero manter a suíte de número um, onde o Dr. Oliver foi enforcado, sem ninguém. Equivale para a suíte de número nove da Dra. Ignácia e a suíte de número catorze de Dalton.
— É melhor que nada... — sorriu Isadora para Bonilha.
— Vaca... — soou de Lânia.
— A suíte de número onze de Domingos pode ficar com o casal Lumumba e Ebiere. Não é bom ficarem no alojamento longe das suítes.
— Fico com a suíte de número sete — anunciou Kaunadodo.
— Ótimo! Vamos todos descansar até o almoço e repensarmos o que deixamos escapar.
E todos se dispersaram com Sean sabendo que Abba não seria encontrada..
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número três.
22 de outubro; 11h11min.
Oscar Roldman ouviu algo cair na sala da suíte de número três. Havia ido ao quarto trocar a camisa. Quando a alcançou, viu Gyrimias Leferi ali parado.
E Gyrimias nunca havia falado com ele.
— Tenho até medo de perguntar — falou Oscar no que viu Gyrimias engolir a saliva para falar. Mas a porta voltou a abrir e Kelly também entrou ali. Oscar percebeu que a reunião era algo haver com a Computer Co.. — Sabe que não posso decidir nada Srta. Garcia — Oscar até sabia o que dizer.
— O Senhor Sean Queise está encrencado — foi Gyrimias quem se adiantou.
Oscar o encarou.
— Sean sempre está encrencado Sr. Leferi.
— Não é de mulheres a que me refiro Senhor.
Oscar ergueu o sobrolho e Kelly se incomodou.
O nível da conversa diferia da personalidade tímida de Gyrimias.
— O que...
— Spartacus, Senhor. Parcelado meus temores, Spartacus está dando sinais de que vai falir.
— “Falir”? — Oscar percebeu as coordenadas digitadas no GPS que Gyrimias entregou. — O que é isso? — Oscar olhou Gyrimias e Kelly alternadamente.
— Um GPS que eu criei junto com o Senhor Sean Queise para que ele vigiasse as coordenadas aleatórias que Spartacus seguia.
Oscar observou-o por alguns segundos.
— Latitude 14º 33’ 0” E e Longitude 21º 7’ 0” S. Está funcionando aqui? — estranhou.
— Sim. E parcelado tudo o que sei e não é muito, Spartacus atravessa a barreira desse... — apontou para o alto. —, desse domo, ou malha temporal, fenda, ou como chamem; e que nos prende aqui.
— Mas e o satélite de observação Spartacus?
— O Senhor Sean Queise o chama, conversa com ele, porque eles são quase algo simbiótico — Gyrimias olhou o céu da Namíbia exposto pelo quarto sem janela.
Oscar não quis discutir aquilo.
Porque Nelma tinha razão, Sean se desenvolvia de uma maneira assustadora.
— Spartacus está estacionado?
— Sim. É a coordenada daqui. Há quase quatro meses que o satélite não sai dessa coordenada.
— E o que isso...
— São eles.
— “Eles”. A Poliu?
— Não, Senhor. São eles, os insectóides. Eles queriam o Senhor Sean Queise aqui, por isso ele veio.
— Meu Deus... — Oscar ergueu o sobrolho novamente. — Zôra tinha razão. Sean sabia que eles o queriam.
— Como Mr. Trevellis também queria — Gyrimias completou e Oscar levantou o rosto. — Como o Senhor também queria — Gyrimias completou mais ainda e nunca havia tido coragem para aquilo.
Oscar o encarou e encarou Kelly.
— Por que acha que eu o queria aqui, Sr. Leferi?
— Porque tem investigado o exoesqueleto achado, não?
— O que descobriu sobre o exoesqueleto Sr. Roldman?
— Ainda não o vi Srta. Garcia. Só tenho pegado informações fragmentadas, mas calculo que a luva encontrada por Dalton e que Zôra usa, faça parte do exoesqueleto completo que a Poliu quer encontrar.
E Gyrimias pareceu pensar algo que não quis dizer. Mas disse algo mesmo assim.
— E parcelado o que penso Senhor — e Gyrimias olhou Kelly. —, e que comuniquei a Senhorita Kelly Garcia — e se virou para Oscar. —, essa luva não veio ‘sozinha’. Acho que ela veio junto com a mão que a arma recobria. Parcelo que um corpo alienígena veio junto Senhor. Morto ou vivo, não sei dizer.
Oscar caiu sentado na beirada da cama.
— O que Sean fez com Spartacus, para todos aqui precisarem dele?
Gyrimias calculou o impacto que aquilo teria se Sean descobrisse que ele falou.
— Quero que saiba que respeito muito o Senhor Sean Queise... — ele olhou Oscar lhe olhando. — E que sempre lhe fui fiel... — e viu Oscar perder a paciência. — E que...
— Chega Gyrimias!
— Ele... O Senhor Sean... Ele vigiava os crop circles que a Poliu vigiava também, e sabia que uma das minas de níquel havia sido esvaziada e que lá havia um buraco desses insectóides que...
— Adiante-se Gyrimias!
— Nada sei sobre o que querem com o satélite de observação, mas o Senhor Sean Queise sabe transformar um material noutro. E se o Senhor Sean Queise pode controlar a física, então pode controlar os três estados da matéria como sólido, líquido e gasoso; como também os outros tipos de fases da matéria, como o Condensado de Bose-Einstein e o plasma.
Oscar arregalou os olhos e viu Kelly cabisbaixa.
— Plasma?
— Sim Senhor Oscar Roldman.
— Inferno! É atrás do plasma que Sean está atrás não? — Oscar ergueu-se furioso. — O plasma que abastece a luva do exoesqueleto, porque a maldita luva é uma arma. E por isso Zôra mandou chamar Hélder e seu aparelho.
— E parcelado todos meus medos, vem o pior... Porque talvez isso também atinja não só a física, mas a química e biologia, então ele pode, como as formigas, gerar o tal combustível que comanda o tal exoesqueleto, caso o vista.
Oscar agora teve medo.
— Sean sempre soube sobre ela... — e Oscar parou sabendo que ele seguia Zôra, a menina de Mona, no éter.
Que ele deve ter captado mais que uma menina sendo preparada para contatos com alienígenas.
“Inferno!” pensou Oscar nervoso olhando Kelly ainda cabisbaixa.
— Fale Kelly...
E Kelly se assustou em como foi chamada.
— Sean precisa continuar Sr. Roldman.
— Sabe o que está me pedindo? Ajudar meu filho a...
— Ou ele derrota os insectóides, ou eles nos vencem Sr. Roldman — ela agora levantou o belo rosto e o encarou.
— Sean sabia o que vinha fazer aqui não?
— O que Sean não sabe Sr. Roldman, é irrelevante. Sean precisa terminar o que veio fazer aqui.
— E você? Por que veio?
— Porque eu o amo.
— Meu Deus! — e Oscar se virou e encarou a Namíbia.
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número quatro.
22 de outubro; 11h11min.
Sean havia ido a antiga suíte de Oscar Roldman, agora ocupada por Lânia e Kelly.
E foi só entrar e logo questionou:
— De onde me conhece, professora?
Lânia foi pega de surpresa.
— Eu e Zôra somos amigas desde a escola.
— Zôra parece... Desculpe-me.
— Mais nova? Sim, ela é mais jovem. Fui professora dela na escola. Uma escola longe da Poliu, Sean — Lânia riu sem graça. — Professora de uma Zôra cada vez mais apaixonada por você.
Sean tentou não ser pego.
— Onde esta Zôra?
— Ela deve estar na piscina. É para onde vai quando está estressada.
— Água! — concluiu.
— Sente-se! — Lânia apontou para sua cama e Sean temeu que Kelly os visse ali. — Sente-se então na outra cama — apontou para a cama de Kelly ao perceber.
— Me fale de Zôra.
— Não!
— Não? — Sean a olhou com interesse e os passos dela se aproximaram tanto que Lânia o beijou.
Sean achou graça.
— Não ria de meus sentimentos.
Ele parou.
— Não era essa minha intenção, professora.
Lânia se aproximou outra vez.
— Está temeroso, não? — e o beijou outra vez.
— Você também esconde algo da equipe?
Lânia ficou mesmo achando que ele lia pensamentos como Zôra.
— Talvez esconda... — Lânia levantou-se ao suspirar longamente. — Toda nossa vida gira em torno de símbolos. Os algarismos são símbolos utilizados para escrever os números. Em nosso sistema de numeração de base 10, existem dez algarismos; 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9.
— Os acha com inteligência avançada?
— Para serem insectóides? Sim. E muito. Os intrincados fractais que eles passaram a desenvolver em suas aterrissagens são um mistério.
— Alguns crop circles foram criados pelo homem para brincar com a mídia e povoar o medo da população.
— Sabe melhor que eu, Sean, que nem todos crop circles foram trabalho de uns ou outros engraçadinhos. Que há sinais deixados, que nem os cientistas conseguiram provar que eram humanamente possíveis de se fazer, devido ao tempo gasto para construí-los.
— “Sabe melhor que eu”? — Sean olhou em volta e Lânia não se deixou perder em lamurias o beijando pela terceira vez.
Sean nada fez e Lânia o segurou pelo rosto. Sean deixou-se estar dominado pelos lábios quentes e deixou-se levar pelo momento, pelas emoções dela que expeliam pelos poros tirando o casaco de moletom cinza que ele usava quando Sean ouviu a conversa de Oscar, Gyrimias e Kelly.
— Deus...
— O que disse?
Sean a olhou em choque, confuso, sem saber o que realmente fazer. Mas diferente do que Lânia o supôs, ele a beijou. E Lânia o beijou mais desesperadamente ainda girando sua boca úmida de um lado e outro, molhando a boca, todo o rosto, o pescoço, seu peito, sua ferida.
— Lânia... — e Sean a segurou sem saber se era aquilo que devia ser feito, se estava tomando a decisão certa, se concordava com Oscar, Gyrimias e Kelly, a fim de romper o domo.
Mas Lânia não queria ser parada. Ela arrancou a camisa polo dele e invadiu seu peito viril. O cheiro dele, o suor que emanava do corpo másculo, belo a encantava. Sean foi deitado, embarcava cada vez mais na ânsia dela de tê-lo, possuí-lo.
Lânia voltava a beijá-lo freneticamente enquanto alcançava as calças dele.
Sean acordou no ato. Afastou-se dela vendo que Zôra os observava. E Zôra estava realmente bela no vestido verde longo e comprido, usando um lenço colorido na cabeça.
— Doutora... — Sean mal conseguiu falar. — Não é o que está pensando...
— Não? — Zôra saiu do quarto sem trocar mais uma única palavra com os dois.
Lânia acordou também e viu Sean pegando a camisa polo e o casaco de moletom do chão. Ele saiu da suíte de número quatro tentando alcançar Zôra, que estancou à frente da recepção onde Oscar, Gyrimias e Kelly discutiam no calor da areia vermelha.
E Oscar segurava Kelly pelo braço de uma maneira tão agressiva, que ela dobrou-se pela força empregada.
— Ahhh...
— Você não deveria ter vindo Srta. Garcia! — Oscar foi cruel.
Kelly se viu presa pelas mãos fortes do todo poderoso homem da Polícia Mundial.
— Claro! E deixar Sean a mercê de sua criação.
— Não vê que o atrapalha?
— E você só quer respostas, não Sr. Roldman? Sempre quis as respostas não se importando se Sean se machucasse.
Oscar a esbofeteou e Emiko, Palakika, Felicity, Ebiere, Paolo e Lenny chegaram ali.
— Ai!!! — Kelly gritou ao chegar à areia quente do deserto.
Sean os viu de longe e já estava ao lado dela, segurando a mão de Oscar que ia arrancá-la do chão.
— Não se atreva!!! — berrou Sean furioso e agora todos estavam lá.
Kaunadodo, Ebiere, Lumumba, Gyrimias, Antenor, Narciso, Isadora, Lânia, Bantuh, Bonilha, Yerik, Paolo, Lenny, Felicity, Palakika, Emiko, Hélder, Enrichetta, Omana, Mr. Trevellis, Victor Hugo e Zôra.
— Levante-se Kelly!!! — mas Oscar dava a ordem aos gritos a Kelly que chorava no chão com Sean a protegendo.
— Não grite com ela!!!
— Cale-se Sean!!!
— Você não o ama! — Kelly chorava no chão quente.
— Chega Kelly! — Oscar repreendeu-a.
— Não a chame assim. Não permito tal intimidade.
— E quem é você para permitir algo? — e Oscar lançou Sean longe com um levantar de mão.
— Ahhh!!! — Sean voou longe com seu corpo ainda dolorido rolando.
— Sean?! — Kelly se levantou do chão e foi puxada por Oscar. — Ahhh!!!
Mas Mr. Trevellis brilhou os olhos foi para o domo que se moldou ali entre fios de energia plasmática.
— Largue-a!!! — berrava Sean descontrolado.
— Não o ama como eu... Ai! — e Kelly foi arrastada pelo braço. — Está me machucando! — chorou.
— Largue-a!!! — Sean ainda gritava de longe.
— Não se meta!!! — Oscar gritou com ele.
— Mandei largá-la!
E Oscar a largou fazendo Kelly ir à areia.
— Você nunca fez nada direito, não Sean querido?
— Não sou seu querido!
— Não! Não é mais!
— Cale-se!!! — Sean explodia toda sua raiva contida.
Kelly chorava no chão que ondulava enquanto Sean se descontrolava. Ele se abaixou para levantá-la e viu Gyrimias apavorado ao segurar o GPS deles nas mãos quando Oscar outra vez levantou a mão e sem tocá-lo, segurou Sean com sua força paranormal.
— Ahhh!!! — ele sentiu todo seu corpo espremer-se.
— Sr. Roldman?! — e foi a vez de Zôra gritar. — Não faça isso!!!
— Cale-se bastarda!
— Oscar?! — e Mr. Trevellis se alterou como nunca havia se alterado com o velho amigo.
— Tudo culpa usa!!! — Oscar vociferava para Kelly que ainda chorava no chão quando Paolo se dirigiu até ela e foi lançado longe por Oscar.
E Sean voltou à realidade.
— Me largue Oscar!!! — Sean tentou se largar se vendo preso.
— Largue-o!!! — gritava Zôra.
Oscar então voltou a pegar Kelly do chão e ela voltou a sentir dor na pressão das mãos dele em seus braços delicados.
— Perdedor! — exclamou Kelly e Oscar a esbofeteando novamente. — Ahhh!!! — e Kelly foi ao chão que ondulou e ondulou e que derrubou Ebiere e Yerik no chão.
— Parem com isso!!! — gritou Felicity desesperada ao ver tudo ondulando.
— Não se meta!!! — e Oscar a fez voar para cima do telhado e lá cair desmaiada pega por Victor Hugo que olhou Mr. Trevellis olhando o domo ruir.
— Você é que um perdedor, Oscar! — Sean empurrou Oscar.
— Vamos! Vamos! — Mr. Trevellis tentou intervir para os dois.
— Não se meta!!! — gritaram Oscar e Sean uníssonos.
Mr. Trevellis não se meteu mais.
Bantuh e Zôra se aproximaram da roda que se formou entorno deles.
— Perdeu a amizade de meu pai! Perdeu o amor e respeito de minha mãe! Nunca me teve!!! — e Sean foi esbofeteado por Oscar.
Girou caindo novamente no chão que ondulava até perto das suítes.
— Eu nunca deveria ter deixado Fernando o criar! — apontava descontrolado, como até nunca havia sido.
Sean partiu para cima dele o socando.
— Sean não!!! — gritou Kelly ao vê-lo fazer aquilo.
Sean então arregalou os olhos. Olhou para sua mão que tinha sangue da boca de Oscar e o olhou sangrando, no chão, sabendo que aquele era seu sangue também.
— Você não devia ter nascido! Nelma não podia ter feito isso comigo!
E as palavras doeram realmente. Toda uma vida de questionamentos e dor, de dor pela angustia de ver sua mãe chorar quando sorria, de vê-la quere sair quando não saia do lugar, de ver seus olhos brilhando quando tirava férias em Londres.
— Por que tanta preocupação, Oscar querido? Nunca fui seu filho! — e Sean foi lançado longe
— Sean?! — gritou Kelly atrás do corpo dele.
Sean se levantou, agora com dificuldades, e Kelly o abraçou. Sean viu o rosto sujo pelo sangue, pela areia e a tocou. Oscar sentiu todo seu sangue ferver enquanto Sean puxava Kelly para longe e o piso inclinava, inclinava, inclinava.
— Você a prefere, não? Sempre preferiu! — Oscar se aproximou. — Uma funcionariazinha qualquer.
— Cale-se, idiota!!! — berrou Sean.
— Não Sean! Ele é seu pai!
— Ele não é meu pai!!!
— Você nunca devia ter assumido o comando da Computer Co.!!! — berrou Oscar não deixando Sean acalmar-se. — Fernando foi fraco mais uma vez!
Aquilo foi a gota de água para Sean. Ele se levantou e caminhou até Oscar com Kelly agarrada nele.
— Defina fraqueza Oscar? Porque era meu pai Fernando quem me dava ‘Boa noite!’ à beira da cama.
E Oscar o esbofeteou-o de novo.
Sean foi ao chão e toda a areia do Hotel Damaraland ondulou em meio há um grande estampido que estourou os tímpanos de todos.
— Ahhh!!! — gritaram todos ao tentar aliviar a pressão do som.
O céu avermelhou-se e o domo que cobria o Hotel Damaraland explodiu com faíscas caindo sobre todos.
— Ahhh!!! — e aquilo foi o fim do equilíbrio local.
Sean, Zôra, Lânia, Isadora, Bonilha, Narciso, Hélder, Bantuh, Enrichetta, Omana, Lenny, Yerik e Ebiere giraram. Seus órgãos se espalharam se misturaram, se desintegraram numa fenda fractal que se abriu e formou um extenso túnel.
— Sean?! — Kelly gritou ao vê-los se desmancharem. Ela tentava correr ao encontro dele, mas o piso de areia quente ondulava. Ela caía, levantava, caía novamente. — Sean, não!!! — desesperava-se Kelly.
Gyrimias só teve tempo de lançar o GPS no meio da imagem que se expungia e Sean, Zôra, Lânia, Isadora, Bonilha, Narciso, Hélder, Bantuh, Enrichetta, Omana, Lenny, Yerik e Ebiere desapareceram, os treze, e o piso parou de ondular, o céu parou de avermelhar-se e o domo que retinha o Hotel Damaraland preso em outra dimensão se reestruturou e voltou a fechar.
— Senhorita Kelly Garcia?! — gritou Gyrimias num som que mal reverberou.
Ela pulava e girava tentando tocar o nada.
— Onde ele está?! Onde ele está, Gyrimias?! Onde?!
— Senhorita?! — tentava Gyrimias segurá-la.
— Me larga Gyrimias!!! — gritava. — Sean?! Sean?!
— Srta. Garcia!!! — gritou Oscar.
— Eles foram levados! — explicou Paolo nervoso.
— Onde?! Onde ele está?! — Kelly tocava o nada.
— Srta. Garcia chega!!! — enervou-se Oscar. — Nós conseguimos! — Oscar exclamou e foi levado ao chão pelo soco de Paolo.
— Desgraçado! — Paolo vibrava pela emoção e Lumumba e Gyrimias correram para acudir Oscar caído. — O desgraçado sabia que a briga ia destruir o equilíbrio! — Paolo vociferava para Mr. Trevellis sendo seguro por Kaunadodo e Victor Hugo.
— E por que eles Oscar? Por que nós ficamos? — foi Mr. Trevellis quem conseguiu perguntar algo.
— O equilíbrio se reestruturou? O equilíbrio se reestruturou? O equilíbrio se reestruturou? — Felicity só queria saber.
— Parcelado... — Gyrimias mal conseguia assimilar o que lhes aconteceu.
— Quantos somos? Quantos somos? — Felicity se enervava.
— Não sei... Não sei... Éramos 25 — Palakika dava voltas em torno de si mesma, ao tentar contar todos.
— Viajaram treze? Viajaram treze? — Felicity se desesperava.
— Fala dos treze sinais? — Emiko quis saber.
— Ficamos em doze? Há equilíbrio? — insistia Felicity.
Palakika voltou a contar:
— Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze... Onde está o professor Antenor? — ela sobressaltou.
— Desequilíbrio! Desequilíbrio! — Kaunadodo chorava pelo medo, pelo susto, com a cabeça entre os joelhos magros, encostado na parede de barro.
Lumumba correu até a suíte de número dois e lá ficou pouco tempo. Voltou tão branco pelo susto que todos paralisaram ao vê-lo.
— O professor... O professor...
— Fale homem!!! — berrou Mr. Trevellis nervoso.
— O professor Dr. Antenor está no meio da sala, enforcado.
Todos se olharam.
— Como? — Gyrimias quis saber. — Ele se enforcou?
— Éramos doze e agora somos onze? — tentava Paolo entender.
— Calma! Calma! Depois descobrimos o que aconteceu, agora precisamos... — e Oscar parou de falar com os olhos esbugalhados olhando Victor Hugo sumir, apagar-se.
Victor Hugo se olhava. Como todos ali, não entendia o que lhe acontecia.
— Ele está sumindo?! — gritou Felicity apontando para o agente da Poliu.
Mr. Trevellis deu um salto longe dele e Victor Hugo se apagava como borracha no grafite.
— Não houve equilíbrio aqui!!! Não houve equilíbrio aqui!!! Não houve equilíbrio aqui!!! — berrava Kaunadodo.
— Cale-se!!! — estressou-se Lumumba. — Os insetos alienígenas vão equilibrar. Os insetos alienígenas vão equilibrar
— O que... O que... — Victor Hugo ia sumindo da vista de todos. — Mr. Trevellis?! — berrou num último intuito.
E Mr. Trevellis só teve tempo de arregalar os olhos esverdeados e Victor Hugo sumiu.
— Meu Deus!!! — berrou Felicity abraçada a Lumumba.
— Para onde ele foi?! — gritou Gyrimias.
— Minha Nossa! O que está acontecendo, Gyrimias? — chorava Kelly.
— Não sei Senhorita Kelly Garcia. Juro que não sei...
— Quantos somos?! Quantos somos?! Somos dez?! — berrava agora Emiko nervoso quando o domo voltou a cintilar.
— Olhem?! — gritou Palakika para cima.
E todos olharam para o domo que voltava a entrar em curto.
— Oh não!!! Oh não!!! — berrava Felicity.
— Somos dez não? Há equilíbrio não? — se desesperava Kaunadodo.
E Palakika olhou para mais adiante.
— Vejam! Vejam!
E todos olharam Yerik vindo de algum lugar, sujo de algo que parecia serem cinzas.
— Yerik? — correram todos e todos o tocaram.
— Parcelado o que acho, isso são cinzas vulcânicas?
— Vulcânicas? — Kelly arregalou os olhos. — De um vulcão em erupção?
— Como conseguiu voltar? Como?! — se desesperava Oscar com Yerik.
— Na-não sei... Na-não sei...
— Mas então eles voltaram a ser doze? — perguntou Oscar desesperado. — Voltaram? — perguntou a Felicity. — Voltaram?! — berrou para Paolo.
— Não podem estar em doze ou a fenda não abriria.
— Sabíamos que tinha que ser treze. Que era o número em que Lânia e Narciso chegaram.
— Mas Yerik voltou.
— E se Yerik voltou... — Paolo olhou Yerik ainda em choque, coberto por cinzas vulcânicas. —, então há alguém mais com eles.
E Oscar não sabia se foram as pernas que falharam pela idade ou a emoção de ver seu filho em perigo, mas foi ao chão.
— Oscar meu velho? — correu Mr. Trevellis a ajudá-lo quando Kelly também o segurou.
— Sean... — a boca amolecida quase não soletrou tudo aquilo.
— Veja ao longe o céu avermelhado! — apontou Felicity.
— O domo se estabilizou? — olhou Palakika.
— Como pode? Estamos em onze!
Um silêncio caiu no Hotel Damaraland e Palakika, olhou para Kaunadodo, que olhou para Lumumba, que olhou para Emiko, que olhou para Felicity, que olhou para Kelly, que olhou para Gyrimias, que olhou para Oscar, que olhou para Mr. Trevellis, que olhou para Paolo, que olhou para Yerik que arregalou os olhos a quase saltarem da órbita e todos viram Palakika derreter.
— Ahhh!!! — Palakika berrou e seu corpo girou a levantar a areia do chão e uma fenda fractal se abriu novamente fazendo uma força ventaneia iniciar.
— Protejam-se!!! — gritou Oscar no que um tufão desceu do domo e tocou o chão fazendo cabelos, areia e pessoas se erguerem do chão.
— Ahhh!!!
— Segurem-se em algo!!!
Mas o corpo de Kelly começou a ser arrastada pelo vento para a fenda.
— Socorro!!! — Kelly gritou e Oscar se jogou para segurá-la.
Quando Oscar começou a levantar voo, Lumumba usando de uma força fenomenal segurou Oscar que segurava Kelly que segurou Gyrimias no que ele escapou de onde se segurava.
Do outro lado Mr. Trevellis precisou de Kaunadodo e Paolo para segurá-lo e Emiko voou até parar enrolado na tenda armada com Felicity se segurando a ela.
O corpo de Palakika sumiu e a fenda começou a se fechar quando Felicity se soltou da tenda e seu corpo foi levado até a fenda, sem, porém conseguir entrar na fenda que se fechava, com pedaços do corpo da doutora sendo triturado e lançado para todos os lados.
— Não!!! Felicity não!!! — gritava Emiko desesperado.
Kelly sentia todo seu estômago a prova, e a fenda fractal fechou, a ventania parou e o corpo de Felicity caiu, se espalhando perante todos. Uma calma surreal se instalou no Hotel Damaraland e Emiko foi ao chão chorando, sendo amparado por Kaunadodo e Lumumba.
— Por que está tudo tão silencioso? — todos arregalaram os olhos para Gyrimias.
— Quantos somos?
— Nove!
— Alguém mais vai morrer?
Olharam-se minutos seguidos.
— Ainda ninguém sumiu... — Lumumba mal conseguiu falar.
— Ne-Nem di-diluiu... — tentou Yerik, também.
— É! — concluiu Mr. Trevellis. — Somos nove!
— Então como... — Emiko tinha o coração nas mãos.
E a calma surreal permaneceu ali.
11
40° 49’ 17” N e 14° 25’ 32” E.
O dia estava bonito e, como na véspera, se anunciava quente. Atores de teatro vindo de Roma se apresentariam no Grande Teatro naquele dia. O espetáculo começaria por volta das 11 horas da manhã e deveria durar, como sempre, até a noite. Os padeiros vendiam em suas cestas pães e doces a todos da arquibancada que já lotava. Era cedo, mas diante das thermopolia, bares ao ar livre, os consumidores já terminavam de beber suas últimas taças de posca e as lojas começavam a descer as persianas de madeira, em sinal de fechamento; todos pareciam estar indo ver o espetáculo.
Sean abriu os olhos, e mal conseguia ouvir o barulho das vozes à sua volta. Percebeu-se sentado no chão duro e um desenho se formou. Havia muita gente a sua volta e um homem passou por ele oferecendo-lhe pão. Sean arregalou os olhos azuis e o homem como todos à sua volta vestiam-se como greco-romanos.
No monte logo acima, verdejavam vinhas e olivais. Sean olhou mais para cima, e não havia uma única nuvem no céu avermelhado. Sean estranhou o local, o grande teatro à sua frente, o tempo quente, o ambiente em si. Todos também o estranharam sujo de terra usando um tipo de calça clara até então desconhecida, uma camisa polo branca e suja e um moletom cinza.
O padeiro voltou a oferecer pão às pessoas vizinhas a ele e Sean levantou-se atordoado com o local, com o calor, com a viagem, aonde, e o som chegou de vez até ele. Sean começou a se afastar saindo do que calculou ser um teatro ao ar livre e pessoas iam e vinham, muitas delas agitadas com o horário.
Corredores estreitos de terra batida se afunilavam e lojas com tendas abertas se amontoavam em meio a crianças que corriam o tempo todo. E embora o mês fosse de paisagens ressequidas, estradas poeirentas e nenhuma chuva, os jardins e pátios por onde passava brotavam em flor.
— Deus! Que lugar é esse? — se perguntou maravilhado com a beleza local quando se aproximou da fonte pública que jorrava água sem cessar e sentou-se atordoado, vendo nas esquinas das ruas, mulheres pobres carregando água em cântaros ao ombro ou à cabeça.
Sean voltou a olhar em volta, olhar para cima, e ver novamente o grande monte à sua cabeça. A cidade, seja ela qual fosse, ficava aos pés de uma montanha. Ele tocou-se percebendo que o GPS estava no seu bolso. Lembrava que Gyrimias havia jogado algo e que ele tentara pegá-lo, mas seus braços haviam se separado do corpo, e ele não tinha certeza de ter conseguido.
As coordenadas se moviam quando ele o movia e Sean olhou para o céu. Não acreditou que satélites de posição global existissem numa cidade onde todos se vestiam de greco-romanos antigos.
— Sean? — Lânia o chamou por detrás de uma tenda de frutas.
— Oh! Professora Lânia — abraçou-a, agradecendo aos deuses por não mais estar sozinho sabia-se lá onde. — O que houve?
Lânia se refez do abraço.
— Não sei — ela o puxou para trás da tenda onde estavam Zôra que o observava, Isadora que o desejava, Narciso que o odiava, e Bonilha, Hélder e Enrichetta com Bantuh que pouco entendia o redor ao lado de Omana que rezava, Lenny que chorava e Ebiere que a consolava.
— Você demorou, pois — falou Bonilha.
— Demorei?
— Merda! Chegamos a mais de doze horas — falou Lenny enxugando as lágrimas.
— Como sabem?
— O relógio de Narciso não parou, Sean bonitinho — foi Isadora muito solicita quem falou.
Narciso estava paralisado, apavorado, de tez realmente cadavérica.
— Acho que me desloquei naquela fenda quando Gyrimias... — e Sean parou de falar.
E parou porque não sabia bem o que falava.
— Vamos sair daqui! — anunciou Zôra entrando mata adentro após amarrar nas pernas o vestido verde que usava ainda no Damaraland.
Sean percebeu que ela também ainda tinha o lenço colorido na cabeça.
— Que cheiro de peixe — Enrichetta se enojou.
— Ohm! Estamos num mercado, esperta — para aquilo Narciso servia.
— Não diga? — Enrichetta se irritou. — Eu como Engenheira mecânica, Ph.D em Engenharia acústica não sabia disso.
Narciso nem ligou.
— É mesmo provável que tenha um porto por aqui pelo tamanho do mercado — Sean interveio contra vontade.
— Então onde estamos Sean bonitinho?
— Roma antiga? — Sean foi cínico com ela não gostando que ela voltasse a se soltar em relação a ele.
E os doze andaram muito até chegarem numa clareia onde grandes rochas faziam um bom esconderijo. Zôra estancou na frente de Sean o fazendo trombar nela. O calor do corpo dela afetou-o. Ela realmente mexia com ele.
— Use-o!
— Quê?
— Use-o, Sr. Queise!
Todos o olharam e Sean sentiu-se tão perdido quanto o local onde haviam chegado.
— Não entendi...
— O GPS! Eu o vi pegar no túnel.
Sean encarou uma Zôra totalmente transtornada.
— Não posso.
— Por quê?
— Estamos numa Itália antiga? Talvez? — usou do mesmo cinismo de antes.
— Estamos viajando em túneis do tempo, Sr. Queise — foi Hélder quem se intrometeu.
— Está dizendo que isso aqui é a Roma antiga? — Omana não gostou do que pensou.
— Estamos viajando no tempo, Dra. Omana — Sean olhou Zôra com nervosismo. —, inseridos na fenda, sei lá onde realmente, e no passado.
Todos se olharam.
— Fomos inseridos numa dimensão paralela mantida sobre ação vibracional pelos alienígenas — falava agora Zôra por entre dentes cerrados. —, do lado de fora a Terra continua no século 21.
Sean não gostou de como ela falou para com ele, mas sabia que não havia outra Terra atual correndo ao lado.
— Prove!
— Use o GPS! — Zôra arrancou-o de dentro do moletom e empurrou contra ele que sentiu dor onde o ferimento da lança ainda cicatrizava.
— Não posso!
Narciso riu nervoso:
— Ohm! Claro que ele não pode. Qualquer wormhole não estático e sem simetria esférica como aquela fenda fractal que abriu para nós, constituída por matéria cuja densidade de energia negativa é...
— Sim, Narciso — Hélder cortou-o. —, mas o feixe luminoso que entra numa boca de wormhole e emerge na outra tem uma secção eficaz que inicialmente diminui e depois aumenta ao atravessar a garganta.
— Use-o Sr. Queise! — voltou Zôra a insistir.
— Não sei o quanto viajamos.
— Use-o Sr. Queise!
— Já disse que...
— A conversão do decréscimo para o acréscimo da secção reta, eficaz é produzida pela repulsão gravitacional da matéria que constitui o wormhole, o que corresponde à existência de densidades de energia negativas. Use-o Sr. Queise!
Sean mal podia acreditar no quanto Zôra sabia.
— Não posso usar meus dons para isso!
— Use-o!!! — berrou Zôra chegando mais perto ainda de um Sean estático.
— A quem quer enganar Srta. Trevellis?
— Como é que é? — ela arregalou os olhos verdes.
— Sabe que fomos a Broken Hill! — e Sean viu todos se olharem. — Sabe que eu atirei no crânio do Neandertal que está exposto no Museu britânico!
Todos agora perderam a fala.
— Não se atreva Sr. Queise.
— Porque sabe tão bem quanto eu — e quase respirou o ar dela. —, que realmente estamos em 40° 49’ 17” N e 14° 25’ 32” E... — e Sean olhou para cima. — Em Pompéia!
E a terra toda tremeu.
As mulheres do grupo gritaram ao cair no chão. Narciso também gritou. Bantuh, Hélder e Bonilha caíram de um lado e Sean tombou do outro. O tremor não durou muito, quarenta segundos no máximo. Suficientemente assustador, porém.
— O que foi isso? — perguntou Isadora colocando a mão no coração.
— Sismo! — respondeu Lânia irônica. — Movimento do interior da Terra, o qual, conforme a localização de sua origem e produz ondas...
— Terremoto! — Sean cortou a explicação.
— Que medo... — Isadora não perdeu tempo e arrematou o braço de Sean que se soltou dela na mesma velocidade.
Ela resolveu dobrar seu autocontrole para com ele.
— Onde estamos afinal, Sr. Queise? — a calada Ebiere quis saber.
— Em Pompéia, Srta. Ebiere.
— Então se estamos realmente no passado, por que o GPS funciona Sean? — perguntou Lânia com carinho.
Zôra ficou enciumada.
— Não sei...
— E por que Zôra insiste em usá-lo?
— Porque meus dons podem se comunicar com Spartacus que ficou no século 21 — encarou Zôra. — Só que isso não é confiável. Porque nunca fiz isso — e Sean leu o GPS após o apelo nos olhos de Lânia. — Droga! 40° 49’ 17” N e 14° 25’ 32” E — Sean olhou para o longe; residências de telhados de terracota amarela e mosaicos de um azul e dourado brilhantes se mostravam.
Paredões que davam para beira-mar, com magníficas residências patrícias, todas com terraços, galerias, jardins suspensos, fontes e pérgulas. De seus pórticos pintados de vermelho, as casas luxuosas e elegantes, eram perfeitamente projetadas para a beira-mar.
— Seu medo é pela posição das estrelas terem mudado dentro da fenda? Porque parece ser mesmo Pompéia, uma cidade do Império Romano Sr. Queise — falou Omana.
— As flutuações no vácuo gravitacional, aleatórias e probabilísticas na curvatura do espaço-tempo devido às tensões entre regiões espaciais adjacentes é continua, e mutuamente retiram e restituem energia — disse Bonilha.
— Ohm! Para que a firula Bonilha? Mais um ‘Senhor Empírico’ que não sabe onde estamos? — Narciso falou do outro lado da clareira e quase foi socado por Sean, que foi agarrado por Bonilha e Bantuh e afastado por Lânia, Lenny e Omana. E Narciso ficou assustado com a reação de Sean que sabia que era dele que ele falava. — Nossa! — Narciso odiou Sean mais ainda.
— Está cem por cento, certo disso Sr. Queise? — Zôra se aproximou dele.
— Não sei como isso aqui ainda funciona se não tenho o azimute, Spartacus e os satélites lá em cima — Sean apontou para o céu ainda grudado, nela. —, mas acertei na Rodésia.
— Azimute? — Isadora também queria aquela aproximação.
— Cale a boca! — Lânia cortou seu caminho.
— Merda!!! — berrou Lenny até então calada. — Vamos começar de novo o desequilíbrio?
— Cale-se você desbocada...
— Controlem-se todos! — e Zôra se virou para ele. — Não sei se acertou ou não Sr. Queise, mas vamos ter que precisar saber bem onde estamos, para poder abrir nova fenda e sair daqui, já que éramos treze e Yerik sumiu. Além do que você apareceu noutro lugar — olhou em volta. —, e eu ainda não sei o que fazemos em Pompéia em número de doze.
— Achei que o número par nos trouxesse equilíbrio.
— Debaixo do domo a coisa até funcionava. Ou parecia funcionar.
— Porque a professora Lânia e o empolado do Narciso decifraram dois terços dos vinte e um sinais, e descobriram que com treze sinais já dava para desenhar o símbolo que abre a fenda — Lânia e Narciso se olharam. — A mesma fenda que você abriu para a ‘Era do gelo’.
— Sim Sr. Queise. E espero que esteja certo quanto Pompéia, já que me parece que está sempre certo quanto a tudo.
— Sem ironia Srta. Trevellis.
— Não me chame assim! Sou a Dra. Trevellis.
— Chega você agora Zôra! — Bonilha se enervou.
— E o que acontece conosco agora? — falou Ebiere. — Também podemos desaparecer como o Dr. Yerik?
— Sr. Queise sabe! — voltou Zôra a insistir.
— Desculpe-me! A enciclopédia está temporariamente fora do ar.
Isadora gargalhou com gosto e Zôra só a olhou.
— Acha que se estudarmos os treze sinais do fractal, nós talvez possamos tirar alguma medida? — propôs Enrichetta.
Sean suspirou totalmente descontrolado.
— Que tipo de medida que já não tenham estudado? Porque primeiro não temos a fenda aberta para compreendermos seus sinais, e segundo... Droga!
— O que houve Sr. Queise?
— Havia algo no chão quando apareci naquele teatro... Um desenho no chão, acho... Mas as pessoas começaram a ir e vir e sentarem-se nas arquibancadas, que me distrai com tudo.
— Merda! Também não me lembro de ter prestado atenção a algum símbolo — lamentou Lenny.
— Geralmente os fractais têm semelhança a um grau infinito, isto é, pequenas partes da figura são iguais ao todo. Assim os fractais têm dimensões não inteiras, e a sua dimensão é sempre inferior à do espaço que ocupa — prosseguiu Lânia.
— Consegue se lembrar Sr. Queise? — pediu Omana.
— Acho que não.
— E nem deve tentar — todos olharam Narciso fazendo um desenho no chão com pedrinhas. — Ohm! O que? Se ele tentar desenhar algo errado podemos ir parar no navio do Pirata barba negra.
— E por que um pirata seria... — e Isadora não pôde terminar porque seus lábios colaram pela força paranormal de Zôra.
Isadora a olhou furiosa e Lânia percebeu que algo a fez parar de falar, porque Isadora queria falar; e Sean também viu aquilo.
— É que o processo de cálculo envolve primeiro determinar o tamanho do objeto depois de se efetuar um dado aumento — Narciso enfim explicou.
— Ah! Você veio por algum motivo Narciso? — Isadora queria confusão logo que seus lábios foram liberados.
— Não Zôra — pediu Lânia sabendo que ela faria algo pior e Sean outra vez viu aquilo.
— Então esse é o esboço do desenho do crop circle que se fez sobre o Hotel Damaraland? — Bonilha apontou para o chão, para o desenho de Narciso feito de pedrinhas.
— Isso! — Sean encarou Narciso, olhou em volta, e voltou a encarar Narciso. — Acabe de desenhar o fractal que você viu no Hotel Damaraland antes de desmanchar.
Narciso ergueu-se contra a vontade do chão em que sentara e recomeçou a montar as pedrinhas, com todos acompanhando. Quando Narciso acabou, Sean e Hélder se aproximaram.
— Se fizermos a divisão entre o logaritmo... — Sean rearranjou o desenho. —, não interessa a base do novo tamanho e o logaritmo com a mesma base do anterior, do fator de aumento... — falava sozinho.
— Mas se aumentarmos duas vezes o segmento de reta este fica com o dobro de comprimento; cabem dois segmentos com a dimensão original no novo segmento — completou Hélder remexendo o desenho.
— Uma reta transformada em curva até completar o giro? — perguntou Sean.
— E chegamos numa onda evanescente.
— Ainda não! — Sean voltou a remexer o desenho de pedrinhas. — Mas se aumentarmos duas vezes o quadrado, este fica com o quádruplo do tamanho e cabem quatro quadrados com a dimensão original no novo quadrado... — e todos se olharam; porque só Lânia e Narciso estavam entendendo quando Sean digitou algo no GPS que Gyrimias lhe dera e arqueou as sobrancelhas. — A dimensão é então log 4/log 2 = 2... — prosseguia.
Zôra percebeu Lânia o admirando e Lânia ficou sem graça ao ver Zôra lhe vigiando.
— Sr. Queise? — chamou Zôra.
— E se eu ainda aumentar duas vezes o quadrado este fica com o óctuplo do tamanho — prosseguia Sean animado. —, porque cabem oito cubos com a dimensão original no novo cubo...
— Sr. Queise?
— A dimensão é então log 8/log 2 = 3...
— Sean?! — gritou Zôra e ele acordou. — O que está fazendo?
— Revendo as coordenadas.
— Por quê?
— Porque não podem estar certas — olhou em volta, olhou para todos novamente e olhou em volta como numa sequência.
— Por que não podem estar certas? — Hélder quis saber.
— Porque estão erradas!
— Ohm! ‘Porque estão erradas!’ — Narciso ria. — Quanta inteligência não é Zôra?
— Cale-se! — mas foi Lânia quem o repreendeu. — Ok?
— Ok! — falou Narciso sem muito empenho; e o fez porque tinha muito respeito e admiração por ela.
— Não é questão de inteligência, Narciso — Sean apontou para o chão. — É questão de contas. Porque como podem ver — mostrou Sean o desenho de pedrinhas de Narciso modificado. —, esta figura tem todas as características de um fractal, porém...
— O que descobriu Sr. Queise?! — Zôra perdeu a paciência.
— Gritar comigo não vai adiantar. 40° 49’ 17” N e 14° 25’ 32” E, Srta. Trevellis. Porque estamos numa região próxima de Nápoles. Vesúvio! — exclamou nervoso.
— Céus! Estamos na Pompéia destruída? — Lânia apavorou-se.
— Estou a acreditar, pois, que não pode ser... — Bonilha olhou para cima, para a montanha acima deles. — Ou ela ainda não foi destruída.
— Zôra nos garantiu que toda essa experiência seria plasmada — Narciso se alterava.
— Uma garantia sem garantias, não é Zôra bonitinha?
— Cale-se Isadora! Você não deveria ter vindo.
— Isso! Não deveria ter vindo! — e Isadora olhou Sean. — Porque sabe, Sean bonitinho, foram todos escolhidos a dedo — e gargalhou deixando Zôra mais furiosa ainda.
— Quem foram os escolhidos?
— Com certeza você Sr. Queise! — foi Hélder quem pôs mais fogo na fogueira.
— Quem filha de Trevellis?
— Não me chame assim!
— Quem?! — se enervou.
— Sua sócia é que não foi — voltava Isadora a se divertir e ela e toda sua beleza irritante voaram longe, para dentro da mata. — Ahhh!!! — gritou.
Ebiere, Omana e Lenny correram a acudi-la.
— Não podemos fazer isso Zôra — repreendeu Lânia.
Sean ficou sem respostas sabendo apenas que Kelly Garcia não estava na lista de Zôra Trevellis para uma experiência que estava longe de ser plasmada.
— Então não é uma viagem ao passado de Terra plasmada? — Enrichetta olhava Zôra que desviava o olhar.
— Não! O que nos diz que, se interferirmos, algo muito ruim vai acontecer a toda Terra — foi Sean quem respondeu.
— O que há?! — Zôra explodiu com ele. — Os espiões psíquicos da Poliu já viajaram no tempo e nada aconteceu — se defendeu. — Interagi, conversei e nada aconteceu.
— Você viajou com os malditos espiões psíquicos da Poliu? Porque nunca vi a Poliu fazendo nada certo.
— Cuidado, Sr. Queise. Isso aqui não é uma experiência de posições mal sucedidas.
— Viu? Até você não acredita na Poliu, ‘filha de Trevellis’?
— Não me chame assim! — partiu para o ataque dessa vez físico.
Sean foi empurrado com as próprias mãos dela, que se descontrolava cada vez mais. Sean chegou ao chão e se levantou furioso.
— Agora de nada vai adiantar qualquer descontrole Zôra — falou Omana vendo o desenho de pedrinhas de Narciso desmanchar. A terra parou de tremer e ela se virou para Zôra. — Temos que saber por que Isadora, Ebiere e Bantuh vieram.
Zôra ainda via Sean a encarando mais furioso ainda.
— O quê foi?! — ela explodiu. — A lista original continha treze pessoas, como dito antes, por causa dos sinais decifrados.
— Quem fez a lista?
Zôra olhou todos e todos olharam Zôra antes dela responder.
— Eles.
— “Eles”? Os insectóides?
— Sim!
— Deus... Então eles sabiam que... Deus... — e Sean desabou.
— Não sei o que eles sabiam nem o que anda fazendo com sua vida Sr. Queise, mas por isso precisávamos que você fosse a Namíbia com urgência.
— Minha parte... — Isadora sabia que Sean se incomodara.
Ela gargalhou e depois levantou as mãos dando a entender que não ia mais insistir e se afastou.
— A lista?
— Você, não sei por que — e Zôra viu Sean olhá-la nada amigável. —, eu Zôra como entomologista, Omana como botânica, Narciso como paleontólogo, Lânia como uma matemática semiótica, Bonilha como bioquímico, Lenny como metereologista...
— Merda! Eu não sabia dessa lista! — Lenny se alterou. — Eu nunca quis fazer parte dessa lista.
— Eu sei querida...
— Nada de ‘querida’. Merda! Fui para Namíbia porque Paolo me levou. Merda! Merda! Eu não sabia nada sobre experiência alguma.
— Prossiga! — voltou Sean a pedir perante o descontrole de Lenny.
Zôra prosseguiu:
— Enrichetta como engenheira acústica, Hélder como físico de plasma, Domingos como biólogo sistêmico, e que resolveu fugir e acabou morto. Então Isadora parece que veio no lugar dele. Não entendo só o porquê de dois paleontólogos aqui.
— Ebiere?
Ebiere arregalou os olhos e só.
— Não sabemos.
— Bantuh?
— Também não sabemos — Zôra olhou um e outro. — Mesmo porque Bantuh veio errado, a lista havia colocado a geóloga Ignácia, que por algum motivo rompeu o acordo.
— E Yerik?
— Yerik é um engenheiro genético. Sua vinda era primordial caso nos deparássemos com um deles.
— E a urgência se fez quando?
— Quando o domo começou a dar sinais de ruir, após Dalton desaparecer durante nossa chegada à Montanha Brandberg, e reaparecer com a luva e um inseto alienígena morto. Por isso, repito a importância de Yerik.
— Então a luva não veio sozinha?
— Não. O exoesqueleto estava incompleto. E Dalton afirmou que só havia uma luva com ele.
— E onde está a luva agora?
— Damaraland!
E Sean não gostou de como ela exclamou aquilo.
— Não sabemos o que aconteceu — emendou Lânia. — Só que as girafas vieram logo depois, no mesmo sítio onde os crop circles se formaram. Tentamos identificar para onde Dalton foi levado, a fim de que isso ajudasse no fractal, mas não conseguimos.
— Dalton disse que esteve com um ‘homem das cavernas’, e homens das cavernas é um estereotipo baseado nos seres humanos pré-históricos; não tem como saber quando e onde esteve professora — Sean se agitou. —, e ‘um local quente, com vulcões e atividades sísmicas’ pode estar se referindo ao final do período cretáceo quando os grandes répteis desapareceram, ou foram à extinção. Não há como humanos e dinossauros terem coexistido.
— A menos que fossem alienígenas — emendou Bonilha.
— Isso até faz mais sentido — sorriu Omana.
— Mas ‘um local quente, com vulcões e atividades sísmicas’ e ‘o céu avermelhou e ficou quente a ponto de seus ossos parecerem espremê-lo no peito’, chega mais próximo da teoria aceita pelos cientistas que um meteoro caiu na Península de Yucatán, México, no final do cretáceo, e a atmosfera entrou em combustão, incinerando tudo e todos há centenas de quilômetros da queda — emendou Sean.
— Equivalente a milhares de bombas atômicas — emendou Hélder.
— ‘E o ar tinha cheiro de enxofre’... E maremotos, terremotos e tsunamis se seguiram... — Sean divagava.
Lânia foi a primeira a perceber.
Depois Zôra o viu divagando.
— Sim Sr. Queise. O que levou a Terra a uma ‘ovalização’ nos polos, no que hoje é a Sibéria. Depois a formação de supervulcões, o que culminou no escurecimento da Terra — emendou Lenny.
— E que inviabilizou a fotossíntese — emendou Omana.
— Ohm! E o que tal aula de ciência nos diz? — Narciso prosseguiu irônico.
— Que estamos perdidos — gargalhava Isadora longe dali.
— Chegam os dois! — Lânia interviu. — Estamos ou não num planeta paralelo, Zôra?
— Não! Estamos no passado real! — Zôra enfim falou. Um ‘Oh!’ surgiu e ela só olhou Sean. — Contudo estamos sob vigilância. Não podemos alterar nada do passado ou o passado se alterará.
— E a Poliu parece que não aprendeu com os erros, não Srta. Trevellis? — Sean se aproximou de Zôra. — Só nunca imaginei que Mona fosse tão sórdida a esse ponto.
— Não sei o que Mona andou fazendo com seus espiões psíquicos, com você, comigo, mas não se arrisque Sr. Queise. Qualquer interferência e faremos um desastre maior que morrermos num passado que não nos pertence.
— E o que pode nos acontecer? O que? — Narciso olhou para Lânia. — O que? — Narciso olhou para Zôra. — O que? — Narciso olhou para o vulcão.
E a terra voltou a tremer.
— “O que? O que?” A erupção do vulcão no ano de 79 d.C. provocou uma intensa chuva de cinzas que sepultou completamente a cidade, que se manteve oculta por mais de um século — Sean estava atormentado com as ideias que lhe pipocavam.
— Merda! E isso foi antes? — Lenny quis saber.
— É claro que não! — Bonilha olhou para o Monte Vesúvio. — Já não disse que o monte está intacto?
— Mas então o que foi esse tremor? — Ebiere se apavorou.
— Em seus últimos anos de vida, os terremotos na região de Pompéia eram tão intensos, que muitas famílias venderam suas propriedades por preços irrisórios e abandonaram a cidade — emendou Sean. — Teve de haver uma intervenção do império para expulsar gente da classe baixa que se apossou de bens particulares e terras do governo.
— Ohm! Agora aula de história.
E Sean fechou os punhos para Narciso que pulou longe.
— Então o povo de Pompéia já sabia de algo, pois Sr. Queise?
— A história nunca contou isso, Dr. Bonilha.
Todos se agitaram.
— Temos que sair daqui de outra maneira! — Zôra olhava para os lados.
— Fugindo, não? — zombou Sean.
Ela não se deu ao trabalho de responder.
— As cinzas e lama moldaram os corpos das vítimas, permitindo que fossem encontradas do modo exato em que foram atingidas pela erupção do Vesúvio — Narciso começava a dar sinais de descontrole. — Se ficarmos aqui será nosso fim.
— Sr. Queise? — Ebiere suplicou.
— Diante de uma catástrofe Srta. Ebiere, o povo foge não importa para onde, mas se formos para o norte, seja pela ‘Porta Herculana’ do Vesúvio ou de Cápua, iremos como muitos foram na época, de encontro ao Vesúvio que se situa ao norte.
— É sabido que quem saiu pela Porta Marina, ganhando-se rapidamente a praia tenha sobrevivido — Hélder respondeu.
— Com exceção do mar agitado? — foi a vez de Enrichetta querer saber.
— Plínio o Velho relatou que as praias destas cidades estavam interditadas e era impossível desembarcar — interveio Lânia.
— Temos chegar ao porto e tentar atravessar Pompéia — concluiu Sean. — De Pompéia, restam às saídas ao Sul e ao Leste.
— Talvez quem por aí fugiu tão logo iniciou a erupção, tenha sobrevivido, uma vez que quem se retardou reunindo seus pertences, certamente pereceu — prosseguiu Lânia.
Zôra odiava ser excluída da conversa.
— Ohm! Não era bem essa a minha ideia de fazer parte das escavações de um sítio arqueológico, literalmente — Narciso foi repugnante.
— Pompéia estava situada a 22 km da moderna Nápoles. Como iremos atravessar Sean bonitinho?
— De barco, Sra. Gaston. Suponho? — Sean já não tinha paciência com ninguém.
— Não me chame de Senhora, Sean bonitinho — Isadora passou um dedo na camiseta dele.
— Por quê? — Lânia se alterou. — Deixou de ser casada?
— Sou viúva, não? — Isadora não tirou os olhos de Sean que não gostou do que pensou.
— Vaca!
— Merda! Merda! Merda! Podem parar as duas? — Lenny perdeu o controle.
Isadora levantou as duas mãos em trégua; debochada, porém e Lânia prosseguiu irritada com Lenny e Isadora.
— Certo é que o vento soprará para o Sul, a nuvem letal atingirá as encostas do Vesúvio e se abaterá sobre Herculanum, Oplonte, Pompéia, avançando em direção a Stábia — Omana ajudou. — Ela só atingirá Miseno no dia seguinte, quando o vento mudar de direção, Sr. Queise.
— Deixe-me lembrar... Deixe-me lembrar... — Sean se desesperava. — Antes de Pompéia ser edificada, a que foi destruída, claro, ao sul, o platô dominava o Sarno, o rio cuja nascente brota do monte Torrenone, um dos últimos contrafortes dos Apeninos, cerca de 20 km à leste da futura Pompéia.
— Se alcançarmos o rio...
— O rio tem uma larga e suave curva em sentido norte, costeando o sul do platô e desaguando no Golfo de Nápoles.
— O que fazemos aqui, Sean? — tentou Lânia entender.
Lânia fez todos pararem para pensar.
— Tirando o episódio do History Channel, não entendo a lógica desse Experimento ‘Contato!’, professora Lânia — falou Sean olhando em volta. — Não sei mesmo o que os alienígenas querem com isso além da inquietação provocada ante a noção de um perigo real ou imaginário. Por isso vamos arrumar um lugar para comermos algo e descansarmos. Amanhã de manhã, partiremos.
Todos concordaram.
12
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número três.
23 de outubro; 07h07min.
A suíte de número três foi invadida por uma Kelly, furiosa; Oscar Roldman era seu alvo de ataque.
— Quem é Zôra? — Kelly viu que Oscar não se deu ao trabalho de responder e ficou mais furiosa ainda. — Quem é ela?! — gritou e Oscar não se virou, continuando a digitar algo no notebook que ela reconheceu ser de Sean. — Sean o havia deixado no Hotel Heinitzburg — Kelly arregalava os olhos para computador sabendo que Oscar havia estado no hotel antes de ir lá.
— Não se preocupe, Sean está em boas mãos — só se limitou a falar aquilo.
E Kelly não gostou.
— Zôra é como Mona? — Kelly continuava a desafiá-lo.
Oscar começava a ter receios.
— Zôra é o que Mona jamais conseguirá ser.
— Ela é mesmo filha de Mr. Trevellis?
— Sean sabia que você conhecia a filha de Trevellis, Srta. Garcia? — se virou para uma Kelly agora embranquecida. — Porque Sean sabe que Nelma contou-lhe sobre Zôra e você mentiu a ele.
— Eu não... Sean não... — mesmo sabendo que sim, ele sabia tudo.
— Ele deve mesmo ama-la muito Srta. Garcia — e Oscar voltou a digitar algo.
Kelly engoliu aquilo tudo com a voz presa.
— A Sra. Nelma havia me contado sobre as filhas de Mr. Trevellis, e que uma delas tinha problemas mentais desde pequena. Não vi necessidades de contar a Sean...
Oscar parou de digitar e virou-se para ela.
— Não entende o que seja ‘problemas mentais’, não Srta. Garcia? Não pode entender o patamar de Zôra, simplesmente porque Trevellis montou aquela maldita ‘equipe’ de espiões psíquicos, amplamente financiados por Fernando, sob o comando de Mona, para preparar Zôra para ser espiã psíquica, uma viajante do tempo que...
— Que preparou todo esse esquema para viajar com seu filho — Kelly não podia ter sido mais cínica. E Oscar não respondeu. — E Sean descobriu?
— Sean nunca soube a extensão do que eram os espiões psíquicos. Além do que, Zôra ficou sabendo o que a Poliu fazia com ela e rompeu relações com o pai.
— Não teme o que possa acontecer a Sean?
— Ao contrário do que pensa, Srta. Garcia, amo meu filho.
— Se amasse...
Oscar ergueu-se com toda sua magnificência e Kelly sentiu-se assustada.
— Não se atreva a julgar-me. Sofro, porque Fernando me garantiu que Sean sofreria se eu contasse que era seu pai. Então nunca contei e sofri. E vi Sean sofrendo com algo, com um vazio existencial porque no fundo sua genética dizia que ele sofria. E nunca, nunca mesmo imaginei que seria minha, nossa genética que fosse fazer isso por mim. Porque Fernando sofre por Sean ter descoberto tudo ainda criança, porque ele olhava para mim e sabia que eu era seu pai, e que eu sofria — e voltou a se sentar e teclar.
Kelly teve vontade de chorar. Depois olhou a suíte onde noite anterior dormira com Sean. Não foi o que ela programara o que ela sonhara, mas sabia que Sean sabia de tudo e estava ao lado dela por escolha. Escolhas que ainda doíam em todos os envolvidos.
Ela se virou para sair e Oscar arrastou a cadeira quando se levantou. Ela se virou para olhá-lo de costas, olhando a Namíbia.
— Boa noite! — e abriu a porta.
— Amo Sean, Srta. Garcia, a ponto de ter preferido colocá-lo lá, lá não sei aonde, a tentar fazer algo para vê-lo ficar aqui e morrer sem lutar. Porque esses insetos alienígenas não estão jogando para perder.
Kelly arregalou os olhos bonitos.
— Quando eu disse que precisávamos ajudar Sean, você começou o desequilíbrio sabendo que o domo ruiria e a fenda abriria o levando. Mas conheço Sean o suficiente para saber que seus dons paranormais têm limites, pontos cegos, níveis de consciência que vocês não podem atingir... — ela viu Oscar brilhar seus olhos astutos, de homem de inteligência acima da média. E Oscar sorriu cínico voltando a se sentar e digitar no notebook de Sean como se nada tivesse acontecido até então. — Mas você não foi buscar esse notebook no hotel, não é Sr. Roldman? Porque não há domos para prendê-los aqui — e ela sabia que ele não se daria ao trabalho de retrucar. — Contudo, Sr. Roldman, deveria penetrar mais nos pensamentos de seu filho, ou nos da Sra. Nelma — e a cadeira agora rangeu no piso com a violência com que ele se virou para ela. —, porque o Centro de Controle de Voos Espaciais da Rússia informou antes da Sra. Nelma Queise me obrigar a vir para cá, e foi ela quem meu obrigou a vir — sorriu Kelly mais cínica ainda. —, que a Progress M-60 seria colocada em órbita por um foguete portador Soyuz-U.
— Sean fez o quê?! — Oscar enervou-se.
— O lançamento estava previsto para as 7h25min de Moscou, 0h25min de Brasília, a partir da base de Baikonur, no Cazaquistão, na manhã que partimos. Contudo, Sr. Roldman, não sei o que Sean queria com Spartacus, já que pode modificá-lo de qualquer lugar, de ‘lá, lá não sei aonde’ — e Kelly saiu sabendo que se Sean quisesse não participar daquele ‘Experimento Contato!’, ele não teria ido a Namíbia, com ou sem Isadora e suas minas de alienígenas, e da Namíbia saído a hora que o conviesse.
E Kelly saiu sem o ouvir falar nada.
13
Pompéia, Nápoles; Itália.
40° 45’ 0” N e 14° 30’ 0” E.
79 d.C.; 10h00min.
A manhã terminava em Pompéia, e mais de cinco tremores haviam se somado àquele presenciado pelo grupo. Nas ruas, todas as tabernas acabavam por abrir e vendiam pão, queijos, vinho, nozes, figos e pratos quentes. Apesar da sua localização e da espécie de frequentadores, a casa não aparentava aquela miséria sórdida característica de um antro, com cores vistosas decorando as paredes, lâmpadas de bronze acesas em todo seu entorno.
O homem de braços nus, avental branco, e toalha enfiada de qualquer jeito no cinturão, indicava ser o dono da taberna. Ele arregalou os olhos para ao casal negro que estendiam a mão em pedido de comida. O taberneiro pompeiano entregou um tanto de comida numa tigela, os achando ambos, escravos exóticos de algum nobre estrangeiro. Bantuh queria explicar, mas Ebiere achou que calados ganhavam mais. Lojas de cereais e verduras, fazenda e artigos de pesca, estavam abertos havia horas, e foi a vez de Lânia e Omana também conseguirem alguns alimentos que eram aos poucos deixados para trás na feira. Depois, os quatro reunidos, prosseguiram mais adiante. Bantuh apontou uma padaria e Lânia permitiu que ele fosse. Bantuh se aproximou de uma casa, o padeiro e seus ajudantes preparavam-se para tirar do forno as formas de bronze com bolos e tortas e ele surrupiou dois. Os quatro retornaram ao esconderijo e os alimentos foram distribuídos ao grupo.
Eles comeram e se puseram a andar em sentido ao Sul enquanto o Vesúvio ainda não dava sinais de fumaça alguma.
— Preciso descansar — anunciou Isadora de repente sentando-se no chão.
— Estava até agora sem fazer nada — reclamou Enrichetta.
— Bastam as duas! — Sean olhou uma e outra. — Venha! — ergueu Isadora do chão com tanta força que a machucou.
— Ouch!!! — gritou Isadora.
— Pare de reclamar! — exclamou não muito amigo. E Sean vinha por último para dar segurança ao grupo quando voltou a agarrar. — Falei para andar! Vamos!
E Isadora não se fez de rogada quando girou o corpo, e segurou o rosto dele com tanta força, que Sean mal pode escapar do beijo. Ele percebeu pelo canto do olho que Zôra voltava para vê-los.
— Problemas Dra. Gastón? — Zôra cortou-lhe o afago.
— Estou cansada... — ela parou o beijo a contragosto. — Não pedi para vir — Isadora completou encarando Sean que começava a se incomodar com a situação.
E Isadora também dava sinais de quem não gostava de ser interrompida.
— Ninguém pediu para vir Senhora — ele foi frio.
— Não me chame mais de ‘Senhora’ Sean bonitinho. Não vai gostar de me ver furiosa — e Isadora limpou os lábios dele.
Sean não soube o que falar; nem o que fazer e Zôra o odiou mais que tudo.
— Ohm! Quero descansar também! — Narciso estancou mais a frente dando sinal de não querer arredar o pé olhando o relógio de pulso. — Ainda é cedo!
Sean o ergueu pelo colarinho da blusa de linho que usava desde o café da manhã no Hotel Damaraland.
— Por base nos relatos de Plínio o Jovem, a erupção, começou às 13 horas — Sean estava totalmente descontrolado. — Não vou ficar aqui para fazer contas se seu relógio está em conformidade ao horário GMT ou não.
— Sean... — falou uma Lânia mais comedida. — Estive pensando sobre Dalton — e Lânia via que Sean ainda segurava o colarinho da camisa de Narciso, que tremia tanto que todo percebeu seu controle urinário falir.
Sean o soltou e ele correu para uma moita. Mas não antes dele ver que algo caiu do bolso da calça de Narciso, e que recuperou e guardou-o.
Era um pedaço de papel em que Bantuh trouxera algumas frutas embrulhadas da feira, e que provável Narciso havia algo rabiscado ali.
— No que mesmo pensava professora? — Sean ainda olhava para a moita em que Narciso sumira.
— Ãh? Ah! O Vesúvio sofreu diversas erupções. Claro que a mais conhecida, foi a de 79 a.C., mas houve muitas outras na pré-história, incluindo pelo menos três de significante impacto, sendo a mais conhecida, a erupção de Avelino por volta de 1800 a.C..
— Merda! É verdade! — Lenny se exaltou. — Isso explicaria a visão de Dalton quanto o céu avermelhado e o calor.
— A erupção de 1800 a.C. cobriu diversos povoados da Idade do Bronze, e depositou no Monte Vesúvio aproximadamente 0.32 km³ de pedra púmice branca, enquanto uma segunda e mais intensa explosão levantara uma coluna de 31 km e depositara 1.25 km³ de pedra púmice cinza — Sean pensava em algo maior.
— O que me leva a crer que era aqui que os insetos alienígenas trouxeram Dalton.
— E no instante da erupção de 79 d.C., em Miseno, a mãe de Plínio notificou que uma estranha nuvem aparecera no céu e Plínio, tio e sobrinho, procuraram um local de onde avistá-la melhor — Omana falou entre uma mordida e outra de pão quando outro tremor agora mais forte derrubou os doze do grupo no chão.
Crianças desesperadas passaram perto dali. Sean as ouviu gritar, e correu para onde os gritos foram ouvidos.
Zôra foi atrás dele.
— O que houve Sr. Queise? Por que correu?
— Eu... — Sean olhou em volta. — Ouvi crianças gritarem — e se virou para correr outra vez.
Zôra o segurou pelo braço e ele estancou não a compreendendo.
— Não pode!
— Quê?
— Não pode interferir Sr. Queise. Não pode avisá-los do perigo.
Sean percebeu que ela lia seus pensamentos.
— Deus... São crianças.
— Eles passariam isso ou outra coisa.
— Mas as crianças... — Sean fez menção de ir atrás das crianças e outra vez Zôra o segurou.
Ele gostou e não gostou do contato.
— Entendeu ou não? — e Zôra se foi.
Sean engoliu aquilo a seco, e voltou para perto dos outros, quando de relance pareceu ter visto alguém ao seu lado.
— Olá? — mas ninguém apareceu. — Olá? — Sean novamente olhou em volta. — Tem alguém aí?! — gritou.
Zôra se aproximou novamente.
— O que foi agora?
— Vi alguém ali — apontou para o lado.
— Deve ser alguém da região. Vamos! Precisamos nos apressar! — e se foi mais uma vez.
Sean ficou ali mais alguns segundos, com a sensação de estar sendo espreitado, mas desistiu. O grupo andava rápido por caminhos desconhecidos, o cansaço voltava a bater. Zôra sentiu algo queimar-lhe o braço direito.
— Ai!!! — gritou ao cair no chão.
Bantuh e Sean correram.
— O que houve? — Enrichetta perguntou ao mesmo tempo em que viu o braço direito de Zôra queimado.
— Eu — ela olhou em volta. —, não sei.
Bantuh olhava em volta também. Arrancou algumas folhas de árvores que cresciam ao redor e as cheirava incessantemente. Omana tirou das mãos de Bantuh as plantas sabendo o que ele fazia, e fez do lenço de Zôra uma atadura amarrando-a, espremendo-as até que um caldo verde escorrer sobre a ferida.
— Veja! — apontou Lânia para o chão.
Sean alcançou algo que destruíra a plantação rasteira. Era pequena, e quente.
— Ai! — Sean largou no que a pegou.
Depois pegou um pedaço de galho e a ergueu do chão.
— O que é isso? — Hélder quis saber.
Sean arregalou os olhos azuis para Lânia no que Bonilha, Narciso, Ebiere, Lenny, Enrichetta e Isadora se aproximaram.
— Lapíli!
— Fragmentos piroclásticos? — Bonilha se adiantou.
— Ignácia seria de bom uso aqui e agora — emendou Enrichetta.
Sean prestou atenção na Engenheira mecânica, Ph.D em Engenharia acústica com interesse, porque sabia que a utilidade de uma geóloga no grupo era maior que aquilo. Depois encarou Zôra que pareceu querer mudar o pensamento para não ser descoberta, quando um uivo chegou até eles. Sean olhou para cima e entendeu o uivo que ouviam.
— O tempo não está passando normalmente aqui. Os eventos estão mais adiantados.
— Como assim, Sr. Queise? — Ebiere se perdeu na explicação.
— As lapílis são ejetadas já no estado sólido ou ainda em fusão? — Sean desconfiava de algo.
— Ohm! Ambos! — Narciso quis ser engraçadinho.
— Os fragmentos piroclásticos são classificados, pelo tamanho, em cinzas de dois mm de diâmetro, em lapíli de dois mm a 64 mm de diâmetro e bombas ou blocos de 64 mm de diâmetro — Enrichetta tinha um pouco de conhecimento.
— Erro temporal, pois?
— Provável Bonilha! — Sean olhou em volta e encarou Isadora. — Onde estão as girafas?
— “Girafas”?
— Não se faça de desentendida que eu sei que faz gênero, ‘Senhora’ Isadora Gastón. Você é inteligente, expert no seu ramo, ou a Poliu não a teria contratado para essa empreitada.
Isadora gostou de vê-lo daquele jeito. Contudo Zôra sentiu-se a mais atingida. Continuava no chão a sentir dor.
— Não sei do que fala Sean bonitinho — Isadora tocou seu peito.
— Não me toque! Não te dou este direito.
— Qual é Sean bonitinho? Por que a cisma comigo?
— Onde estão as girafas, Isadora? — Sean se enervava com ela.
— Não sei.
— Por que os alienígenas não as caçam como faziam antes?
— Já disse que não sei.
— Sabe!
— Não sei!!! — Isadora gritou o encarando.
— Você sabe tanto, que sabe até o porquê de elas ainda não aparecerem. Nem por que não apareceram quando resgatamos Kelly na Era do gelo.
— Qual o preço?
— “Preço”?
— Porque não vai conseguir nada comigo se não me der o quero — e o tocou nas calças.
Sean recuou.
— Ohm! Quanta sede minha cara — Narciso se divertia.
— Sua piranha... — Lânia foi para cima dela.
— Controle-se!!! — gritou Zôra e todos se calaram. Depois se virou para Sean. — Temos que sair daqui!
— Como? — perguntou ele transtornado, sem conseguir tirar Isadora de sua visão.
— Pelo mesmo túnel de curva fechada que nos trouxe, Sr. Queise?
— “Túnel”? — todos o olharam e Sean só olhou Hélder que pensava. — Não abrimos buracos de minhoca na esquina.
— Sabe que é relativamente simples encontrar soluções das equações de Einstein, com uma rotação em torno de um eixo, que gerem curvas temporais — Zôra parecia entender do que fala. — Tem poderes para fabricá-los!
Sean caiu em sonora gargalhada e parou na seriedade de todos.
— Estão brincando, não? Porque sabemos que é relativamente simples encontrar soluções das equações de Einstein que gerem curvas temporais fechadas, porque passamos por uma delas, se não percebeu — Sean a desafiava. — Mas fabricar uma?
— Ahhh!!! — Narciso explodiu perante a discussão. — Eu sempre disse que não queria viajar!!! —Narciso gritou com Zôra e Bantuh correu a se pôr na frente dela. Então Narciso se voltou a Sean. — Idiota! Ela nos trouxe sim!!! — e Narciso foi para cima de Sean Queise que caiu no chão não acreditando na força que o empolado tinha.
— Existe uma grande variedade de soluções das equações de Einstein contendo curvas temporais fechadas, mas duas características parecem se ressaltar — Hélder interferiu na confusão. —, soluções com inclinação dos cones de luz devido a uma rotação em torno de um eixo com simetria cilíndrica; e soluções que violam as condições de energia da teoria da gravitação de Einstein, a Relatividade Geral.
E todos gritaram perante o som ensurdecedor.
— Ahhh!!!
Zôra, Sean, Narciso, Bantuh e Lânia caíram para um lado, Bonilha, Hélder, Ebiere, Omana, Isadora, Enrichetta e Lenny para o outro.
— Merda!!! — gritou Lenny ao olhar para cima.
O Vesúvio expelia uma grande quantidade de fragmentos de rocha e uma grande quantidade de uma mistura de vapor de água, cinzas e magma liquefeito. Uma enorme coluna de vários quilômetros de altura subiu feito um cogumelo gigante.
— O que é... — Bantuh perdeu a voz.
— Aquilo?! — gritou Isadora no complemento.
O som ensurdecedor não deixava escutarem-se.
— Calma!!! A fase inicial, de queda de pedra-pomes não é particularmente letal!!! — gritava Bonilha. — Daí, pois que os autores disseram que a maioria das pessoas havia sobrevivido à fuga!!!
— E agora?! — gritava Isadora não levando muito em conta a história dos autores de Bonilha.
— Não sei!!! — gritava Lânia para ser ouvida.
Mais um estrondo e foi a fase terminal. O chão tremeu, o som realmente ensurdeceu a todos não permitindo ouvirem os gritos lançados em longas distâncias.
E a visão de uma erupção se formou na retina de todos.
— Vamos!!! Temos que sair daqui!!! — gritou Sean ao levantar Zôra do chão.
Bantuh a tirou de seus braços e Sean correu com os outros.
Uma parcela de pompeianos se abrigou em suas casas ao ver que o tampo do Vesúvio havia sido destruído, outra parcela correu, abandonando seus abrigos, suas casas, tomando ou não o cuidado de levar consigo seus tesouros, com milhares se dirigindo às portas da cidade.
— Sean?! — gritou Lânia apontando para o céu.
E a noção de dia e noite se perdera no instante em que o céu escureceu rapidamente. Uma chuva densa, carregada de vapores clorídricos caiu sobre Pompéia.
— Arranquem um pedaço da roupa!!! Tentem fazer uma máscara!!! — gritava Sean.
— Para que?! — Lenny queria respostas.
— Não discuta!!! Foi pela intoxicação por gás, e não por soterramento, que morreram as pessoas em Pompéia!!! — gritava Sean atrás de Bantuh que ajudava Zôra a correr mais rápido.
Todos obedeceram.
— A primeira guerra química contra o homem foi feita pelo Vesúvio!!! — gritava Lânia correndo.
— É!!! — gritava Narciso. — Uma verdade!!!
Isadora continuava para trás. Sean não teve alternativa a não ser voltar e puxá-la. Ela gostou do contato. Zôra não.
Muitos habitantes de Pompéia haviam perdido tempo precioso se refugiando, e quando resolveram sair pela porta de Herculanum aquilo significou ir jogar-se numa tempestade que nenhuma construção ou abrigo poderia amenizar. Sufocados e cegos eles buscavam abrigo desesperadamente.
— Onde estamos?! — tentava Enrichetta enxergar.
— O que é isso?! — Narciso tentava tocar o ar e enxergar através dele ao mesmo tempo.
— Jazigos!!! — Ebiere quem respondeu.
— Merda! Estamos num cemitério?! — gritava Lenny para ser ouvida.
Isadora caiu no chão batendo a cabeça em algo duro e gelado. Ela ficou lá desacordada. Sean outra vez voltou atrás e socorreu-a, erguendo-a desmaiada por um ombro e Bonilha pelo outro. Bantuh não soltava Zôra.
Uma mulher carregava uma criança, correu para se abrigar num mausoléu quando este desabou sobre ela. Sean ia atrás dela.
— Me larga!!! — gritou Sean ao ser agarrado por Zôra e posteriormente por Bantuh.
— Não pode fazer nada!!! Já disse!!!
Isadora acordou e Bonilha e Narciso a ampararam quando outro grupo de quatro pessoas, dentre as quais uma mulher ricamente enfeitada, apertando um bebê contra o seio também se refugiou com pressa, sob o outro lado do pórtico da tumba, mas o pórtico também desabou matando todos.
— Deus!!! — Sean não queria acreditar no que seus olhos viam. — Deus!!! Deus!!! — ele revivia a história.
— Controle-se Sr. Queise!!! Não pode salvar poucos e não todos!!! — gritou com ele no que se aproximou dele em meio a escuridão.
Sean olhou em volta perdido com a bronca dela.
— O que...
— Não se faça de idiota!!!
Sean não gostou de como foi tratado.
— Posso tentar ao menos... — e recomeçou a andar
— Sean, não!!! — Zôra foi firme o segurando com força.
O resto do grupo chegou. Bantuh e os outros viram Zôra segurá-lo pelo braço. Isadora não gostou Narciso idem. Lânia teve um ciúme contido e Lenny, Omana, Enrichetta e Ebiere estavam apáticas à situação.
Sean se desenvencilhou dela e saiu sendo seguido por todos. Zôra ficou lá por instantes, olhou em volta apertando os olhos esverdeados e astutos. Sentiu que mais alguém estava ali e não pertencia a Pompéia.
Ela voltou ao grupo sem comentar.
— Cuidado!!! — gritou Lânia apontando.
Uma massa de gente invadiu o espaço e eles começaram a ser empurrados. Alguns pompeianos também queriam dar meia-volta e se deparavam com a massa que tentava descer. Zôra, Bantuh, Enrichetta, Lenny, Ebiere, Isadora e Lânia foram derrubados. Bonilha, Hélder, Omana e Narciso foram arrastados pela multidão, que como perceberam, estavam desesperados na escuridão que se transformou o dia, ao pé do Monte Vesúvio.
— Narciso?! Omana?! Hélder?! — chamou Bonilha agarrando-se numa estátua que adornava a praça.
Narciso esticou a mão para se segurar em algo, em alguém que tomava o rumo contrário, mas foi outra vez arrastado pela multidão desesperada, ensandecida.
— Socorro!!! — gritava Narciso sendo levado muito rápido; crianças, mulheres e homens que também gritavam na escuridão.
Sean também foi levado pela massa desinformada que fugia para o mar. Ele sentiu a umidade, o cheiro de peixe e o desespero tomou conta de si.
— Sean?! — Lânia o chamou.
Ele a viu em meio a fumaça espessa, enegrecida que descia do céu. Assovio do vento que à beira do mar recobravam toda a sua fúria mostrando uma cena bucólica. Gente que se esmagavam uns contra os outros; muitos pisoteados. Sean caiu sobre corpos caídos, agonizantes, calcinados. Ele não acreditou no que viu. Alguém morria antes da fumaça quente o calcinar.
— Erro temporal? Por quê? — Sean se perguntava atônito olhando para cima, vendo uma nova onda de fumaça. Agora eles estavam sendo tomados pelo calor enquanto alguns cozinharam ao lado dele.
Sean correu até sentir que a areia debaixo dos seus pés dera lugar a terra batida, a calçada de pedras. Ele voltava de onde havia saído de onde começara a ser empurrado.
“Sean?”, Zôra o chamou pelo pensamento.
Ele seguiu seus instintos, seus pensamentos. Encontrou todos debaixo do que já fora um jardim cheio de flores que cobriam lindos pergolados de mármore.
— A porta de Stábia também foi soterrada — anunciou Narciso ao conseguir voltar com Bonilha do fluxo a que foram levados.
O cansaço começava a ser sentido, o grupo perdia o equilíbrio em meio a escuridão.
— Vamos mais rápido!!! — ordenou Zôra tomando outra direção.
O piso não parava de se mexer.
— Mas há um vulcão em erupção!!! — Narciso teimava em não fugir.
— Os gases vão nos matar, idiota!!! — gritava Hélder que gostava do termo usado.
Narciso parou de reclamar. Pelo menos perto de Hélder.
— Temos que fugir mais rápido do que reclamam!!! — Sean se enervou.
— Em 79 d.C. o vento soprava de Norte para Sul, o que impediu que a nuvem se abatesse sobre Nápoles e Miseno, e Miseno dista cerca de 30 km a noroeste do Vesúvio!!! — gritava Zôra. — Não vamos conseguir assim!!!
Sean olhou em volta e todos o fizeram.
E ele tomou outra decisão.
— Qual é sua técnica Srta. Trevellis?! Qual é a sua maldita técnica?! — insistia Sean aos gritos.
— Efeito túnel, reflexão interna total, onda evanescente, ressonância de plasmons de superfície!!!
Sean ergueu o sobrolho.
— Quê?!
— Girando Sr. Queise!!! — e Zôra só o tocou.
Sean girou tantos graus que perdeu a noção do peso. 360, 720, 1080, 1440, 1800, 2160 graus.
— Ahhh!!! — gritava Sean na terra que ondulava como uma onda evanescente na superfície.
Zôra outra vez viu que não estavam sozinhos. Contudo sem muito tempo para falar ou fazer algo.
Tudo se avermelhou à beira do vulcão que soterrava Pompéia e eles foram lançados juntos, no que se transportaram por um wormhole.
14
22° 8’ 0” N e 90° 8’ 0” E.
Quando Sean Queise abriu os olhos, havia muita gente ao seu redor, abaixo dele, por todos os lados. Ele sentiu o frio erguer seus cabelos loiros os deixando em desalinho, empoeirados anteriormente pela exposição à pedra-pomes do Vesúvio.
O trem corria em velocidade assustadora e ele sentava-se em cima do teto dele.
Havia homens, crianças, senhoras de todas as idades com malas e bolsas, mochilas, sacolas feitas de pano nas costas, nas mãos, no colo. Sean olhou em volta não acreditando, estava sobre um trem lotado de viajantes. Inclinou-se no que pôde e viu que as janelas, portas e provavelmente todos os vagões estavam apinhados de gente quando o trem deu uma parada brusca e como num formigueiro feito de gente, todos se puseram a descer de todos os espaços visíveis e possíveis dele.
Sean desceu atordoado pisando em uma estação. Viu que as mulheres usavam vestidos compridos, alguns na tonalidade vermelha e que tinham outro tecido transpassado por cima dele. Algumas tinham turbante, usavam joias no centro da testa e todos tinham uma pele escura, avermelhada. Ele teve certeza de ter saído da Itália. Ao menos dos anos que iniciavam os séculos depois de Cristo.
Tocou-se, ainda usava a roupa com que saíra do Hotel Damaraland, janelas e camisa polo, já não tão branca assim. E o GPS funcionava ali também.
— Latitude 22° 8’ 0” N e Longitude 90° 8’ 0” E? — leu olhando em volta, fazendo contas; olhando para cima. — Deus... Se 23° 42’ N e 90° 22’ E, fica em Dhaka, capital de Bangladesh; então devemos estar em alguma cidade costeira, ao sudoeste de...
E Sean tentou pensar em Spartacus e como ficava difícil se comunicar com o satélite de observação por pensamento.
“Algo aconteceu!”; teve certeza, e teve certeza de ter sido Mr. Trevellis a fazer aquilo.
Olhou em volta e olhou-se.
— Bangladesh. Índia. Que eu vim fazer aqui?
Havia um movimento frenético nas ruas de terra batida da cidade aonde chegara. Bicicletas nuas, bicicletas vestidas, bicicletas novas, bicicletas com toldos, algumas cheias de franjas feitas de contas brilhantes, bicicletas de todo jeito. A cidade inteira parecia andar de bicicleta. Sean Queise tentou entender o que fazia ali, no meio de uma rua movimentada, com mulheres e homens indo e vindo em bicicletas. Mas tinha fome, sede, precisava arranjar uma maneira de encontrar o resto do grupo.
Ficou na duvida se eles não estavam no trem que o trouxera e resolveu meio duvidoso voltar à estação de trem quando uma mulher de cabelos em desalinho e roupas indianas curtas, andava a sua frente. Nem sua roupa pouco recatada nem seu andar vulgar, se encaixavam com o redor.
— Isadora?! — Sean chamou-a.
Ela virou para trás.
— Sean bonitinho! — tocou-o diretamente em seu rosto o puxando com tanta rapidez que Sean não escapou do beijo.
Sean afastou suas mãos com força.
— Enlouqueceu Isadora? — mas ela voltou a segurá-lo com força e outra vez Sean foi beijado. — Basta!
Ela riu escandalosamente. À frente dela caminhava Narciso, Hélder, Omana, Lenny, Enrichetta Bonilha e Bantuh usando roupas largas e turbante. Eles os perceberam e voltaram passos atrás quando Bantuh chegou perto e o olhou apavorado.
Sean logo entendeu por que.
— Onde está Zôra, Ebiere e Lânia?
— Não sabemos. Acordamos debaixo de um... um...
— Na marquise de um edifício — completou Isadora sem paciência.
— Elas não estavam em volta?
— Não.
— Chegaram agora? — Sean olhou um e outro.
— Chegamos de noite, ontem a noite, pois. Quando amanheceu, Bantuh arrumou roupa para nós.
— Esqueceu-se de arrumar algo mais decente para Isadora, Bantuh? — Sean olhou-a.
— Ela não quis! — foi Enrichetta quem teve gosto em falar.
— Cuidado sua velha...
— Cuidado você, Senhora Gastón — Sean enervou-se. — Mantenha a compostura. Estamos numa terra mulçumana.
— “Mulçumana”? — Hélder se assustou.
— Onde estamos Sr. Queise? — Bonilha quis saber.
— A sudoeste de Bangladesh. Índia.
— O que fazemos aqui? — Narciso mal ouvia suas palavras, até se achou um pouco surdo.
— Percebe que já não estamos nos anos...
— Já percebi Dra. Enrichetta — Sean olhou em volta. —, e vamos procurar abrigo. Depois vamos sair pelas ruas para que Lânia, Ebiere ou Zôra possam nos ver.
Todos obedeceram.
— Que ano estamos?
— Não sei. Vamos ver — apontou Sean ao pegar um jornal da mão de um garoto que o amassava. — Consegue ler, Narciso?
Narciso olhou o jornal.
— Não! — exclamou com desdenho passando o Jornal da Manhã Paulista para Enrichetta.
— Deixe-me ver — Enrichetta pegou o jornal. — Trabalhei na Índia por dez anos. Conheço Dogri, língua oficial de Jammu e Caxemira, também conheço Maithili, língua oficial de Bihar e conheço Manipuri ou Meithei, língua oficial de Manipur... — e fez uma careta. — Mas isso aqui é bengali, uma escrita brâmica, muito similar ao devanagari usado pelo hindi e pelo sânscrito... — e Enrichetta não pode terminar porque Sean se virou com toda velocidade e arrancou o jornal das mãos dela.
— Leia! — Sean quase impede o fluxo de ar de Narciso ao lançar o jornal no estomago do Ph.D em matemática.
— Eu já disse...
— Leia!!!
Narciso encolheu-se. Ficou apavorado por Sean saber que ele sabia ler bengali.
— Barguna.
— “Barguna”? Distrito costeiro de Bangladesh. Baía de bengala de marfim acobreado — Sean arregalou os olhos azuis.
— Isso faz algum sentido, Sean bonitinho? — Isadora queria passar a mão nele.
Sean recuou antecipando o pensamento dela. Não entendeu como os pensamentos pareciam fluir mais facilmente do que antes, até mais do que no Damaraland.
— Sabe o que significa Sr. Queise? — Omana quis saber sem perceber aquilo.
— Ainda não — Sean se voltou para Narciso novamente. — Leia o nome do jornal.
— “Dainik Dipanchal”.
— A data? Tudo! — falou sem paciência com o Ph.D
Ele agora o temia.
— Dainik Dipanchal. Barguna, 10 de novembro de 1970!
Sean recomeçou a andar e todos o seguiram.
— Nossa! 79 d.C. e agora 1970, pois? — Bonilha parecia não conseguir pensar. — Por que a disparidade?
— Deve haver uma resposta, Bonilha... Em algum lugar deve haver — e Sean parou olhando o chão. — Barguna é um distrito localizado na divisão de Barisal, no sudoeste do Banglades; Blangadesh. Estamos no Golfo de Bengala.
— O que fazemos aqui?
— Não sei... — e Sean olhou todos. — Alguém se lembra de ter visto algum fractal durante a viagem? Ou depois que chegaram?
— Ninguém se lembra de nada, não é? — insinuou Narciso lendo algo num muro não muito distante de uma rua discreta.
Narciso vinha ficando cada vez mais para trás.
— Não, Narciso — Sean colou nele de repente. — Ninguém se lembra de nada, não é?
Narciso ergueu a cabeça do que fazia e percebeu Sean o observando de muito perto. Apertou o passo e continuou a andar, passando à frente deles.
Sean continuava a prestar atenção nele.
— E se não conseguirmos encontrá-las, merda? — Lenny coçou a cabeça suja. — Digo, e se não encontramos Ebiere, Lânia e Zôra?
E Bantuh se colocou na frente de Lenny que se apavorou pelas feições carregadas e assustadoras de Bantuh que parecia querer engoli-la.
— Por que diz isso, Doutora?
— Não sei... — Lenny ainda olhava o assustador Bantuh. — Isso aqui é a Índia. Uma terra lotada de gente.
— Onde estão as girafas? — Sean se aproximou de Isadora que riu escrachadamente como a mulher vulgar que era. Alguns transeuntes a observavam. — Não chame atenção!
— Se me der algo em troca — agarrou-o pelo pescoço e o jogou contra a parede.
Sean se viu colado nos lábios dela contra sua vontade outra vez. Narciso riu de lado enquanto os outros ficaram incomodados por saber que Lânia se entristecia com as atitudes insanas dela.
— Pare Dra. Isadora! — exclamou Hélder enfim.
Isadora largou Sean ainda rindo alto. Sean queria a esbofetear, mas conteve-se, porém.
— Precisamos encontrar Mejuffou — falou Bantuh pela primeira com Sean.
— Eu sei... — Sean ainda tentava se recuperar da guerra de nervos que Isadora provocava.
— Já que estamos em 1970, podemos nos comunicar com o Hotel Damaraland, Sr. Queise?
— Em 1970 a Internet nem pensava em existir e não havia computadores pessoais; não como os conhecemos hoje, Bonilha.
— Ah! Pensei em algo mais simples como um telefone.
— Não há telefones no hotel — falou Narciso. — O link de Internet deles é via satélite e só usamos celulares.
— Que não existiam em 1970. Já sei, pois... — e Bonilha largou os ombros.
— Se formos às ruas em dois grupos? — Lenny pensava em algo.
— Pode ser uma boa ideia — Sean olhou em volta e a rua não estava tão movimentada, com alguns casebres abandonados, antigas moradias que foram transformadas em comércio. — Há um salão de refeições ali — apontou Sean. — Bantuh, Hélder e Bonilha tentem conseguir algo.
— Acho melhor só eu ir — falou Bantuh já saindo.
— Vamos achar uma casa no fim da rua — avisou Sean e Bantuh se foi.
A casa escolhida estava quase podre. O telhado dava sinais de um possível e proeminente desabamento. Havia cupins por todas as peças de madeira e o piso já ruía há algum tempo. Alguns móveis também estavam podres e pareciam ter sido abandonados na última mudança.
Sean entrou e procurou banheiros, cozinha, um quarto. Só encontrou um colchão abandonado e uma mesa com três cadeiras na cozinha onde os armários, cinco ao todo, nem mais tinham portas.
— Isso está necrótico — anunciou Isadora vendo as marcas de água nas paredes.
— Mas estamos seguros — Sean não tinha muita paciência com ela. — Teremos que nos comportar igual a eles torcendo que nos encare como turistas. Não sabemos o que fazemos aqui e nem o que os alienígenas querem com a Índia de 1970.
Bantuh entrou meia hora depois com algumas verduras e comida não muito fresca, trazendo folhas de bananeira.
— Comida velha? — Isadora enojou-se.
— Agradeça a comida que come, Dra. Gastón.
— Devo agradecer comer lixo Sean bonitinho?
— O trecho no Vimalakirti Sutra diz que quando a pessoa se encontra identificada com a comida que consome, estará então identificada com o Universo inteiro; eis que o Universo inteiro e uma refeição são a mesma e idêntica coisa.
— Profundo! — gargalhou Isadora. — Sou lixo? É isso?
— Talvez! — Sean a desdenhou.
Isadora se virou indo para um canto.
— O que é isso? — Narciso fez cara feia para a comida sem, porém nada comentar.
— Tarka daal.
— Lentilha, gengibre, massala de vegetais e curry — completou Lânia ao adentrar e todos se assustaram com a entrada dela, de Ebiere e de Zôra. — Zôra leu seus pensamentos — Lânia respondeu antes mesmo de Sean formular a pergunta. —, e nós o seguimos.
Ele temeu o que a filha de Mr. Trevellis era capaz.
— Ótimo! — ele exclamou tentando não se mostrar atingido. — Bantuh conseguiu comida.
— Onde conseguiram as roupas? — Isadora quis saber ao vê-las tão bem vestidas.
— Num mercado, próximo ao cais — Lânia respondeu a Isadora a contragosto. — Onde estamos Sean?
Sean era o único ainda a se vestir com roupas do século XXI.
— Barguna, sudoeste de Bangladesh. Estamos em 1970 — e Sean parou ao ver o quanto Zôra estava linda com aquela roupa indiana. —, na Baía de Bengala...
E Sean falou-lhe por telepatia:
“Toque a paredes!”
Zôra tocou as paredes da sala onde estavam.
“Está úmida?” ela respondeu em pensamentos.
“Ainda está úmida!” ele completou.
“Como assim, ‘ainda’?” ela quis saber.
— Preciso de água — anunciou Lânia sentindo-se tonta.
Ela suava muito, Sean achou que era pela roupa quente, pesada.
— Vou ver se consigo água fresca! — Sean encarou Zôra. — Fiquem aqui! — falou para todos.
— Vou com você! — anunciou Zôra.
Sean nada falou. Queria mesmo ficar a sós com ela. Ele tinha muitas perguntas sem respostas.
— O que significa as paredes úmidas?
— Não sei. Só que o entorno da casa não demonstra um nível de água intenso a ponto de fazer aquelas marcas altas na parede — e se virou para ela fazendo-a estancar. — Por que me mandou girar, Srta. Trevellis? — e Zôra não respondeu. — Por que me mandou girar em Pompéia? — Sean insistia. — Me viu girar com Mona no hotel?
Eles andaram muito até que Zôra falou.
— Precisamos encontrar alguma captação de água. A Índia tem escassez de água potável. Ainda mais em Bengala!
Sean a odiou por não respondê-lo.
— Na verdade, Srta. Trevellis, se estamos em 1970 aqui ainda é Bengala Oriental, só em 1971, depois de uma guerra de libertação contra as forças do Paquistão Ocidental, o Bangladesh finalmente se tornou independente.
Ela só o olhou de lado.
— Pegue aquela roupa na bicicleta! — ela apontou.
— Isso é roubo.
— Estamos realmente nos importando com leis morais, filho de Oscar?
Sean a odiou novamente, principalmente em como foi chamado. Tirou a camisa suja e pegou emprestado, como quis pensar, a roupa que jogou sobre a calça suja.
Zôra agachou-se, e arrancou um pedaço da sua própria roupa.
— O que... — ele mal teve tempo de falar.
Zôra desamassou o tecido e enrolou-o como um turbante na cabeça dele que ficou lindo.
— Precisa... — ela mesma não se conteve de não olhar. —, parecer um deles — voltou a andar. —, mesmo que seja loiro com lindos olhos azuis.
Sean sorriu sem que ela notasse. E ambos demoraram a andar.
— A Índia tem sofrido escassez de água potável há muitos anos, atribuída à utilização das águas do curso superior do Rio Yamuna por parte do Estado de Haryana.
— O que vai acontecer aqui, Srta. Trevellis?
Zôra parou de andar.
— Por que acha que vai acontecer algo?
— Fomo levados ao pé do Vesúvio.
— Pode ter sido coincidência.
— Coincidência de que, Srta. Trevellis?
— Não sei, Senhor Queise — voltou a andar.
— Aonde vocês três apareceram?
— Lânia e eu aparecemos num barco de bananas. Não preciso dizer o susto do barqueiro ao nos ver ali, vestindo roupas ‘esquisitas’. Mais a frente, encontramos Ebiere tendo problemas com homens locais.
— Que tipo de problemas?
— Ela falava outra língua. Isso os atiçou. E sabe que não podemos interagir.
— Chegaram ontem como os outros?
— E você não estava junto com eles?
— Não leu meus pensamentos?
Zôra parou o fazendo tombar sobre ela. Eles dois sentiram seus corpos se desejarem. Afastaram-se totalmente sem graça.
— Não, Sr. Queise. Só segui seu pensamento há pouco tempo atrás porque deve ter pensado em mim.
Sean impactou para depois rir debochadamente.
— Eu? — riu. — Pensando em você?
Zôra estava tão séria que Sean parou de rir. Eles continuaram sem nada mais falar por um tempo até que Sean teve a sensação de estarem sendo seguidos. Zôra ia à frente e Sean parou, virando-se para olhar para trás quando teve a impressão de que havia mais alguém ali, e que cheirava enxofre. Zôra sentiu que ele não estava atrás dela e também se virou o vendo um pouco longe.
Voltou atrás.
— O que...
Sean ergueu a mão e Zôra calou-se.
— Nada! — Sean a empurrou fazendo-a voltar andar.
Zôra teve receios da aceleração do coração dele e Sean a empurrava, acelerando o passo.
— O que está fazendo? — voltou ela a perguntar. Mas Sean sentiu-se oprimido, com a respiração comprimida, e a imagem de Sandy banhada em sangue, moldou-se à sua frente. — Sr. Queise? Sr. Queise? Sean? — Mas Sean não conseguir mais se fixar à calçada do sudoeste de Bangladesh, só tinha Sandy morta aos seus olhos quando outro estampido o trouxe de volta. Olhou Zôra o olhando. — Você está bem?
— Estou... — tremeu. — úmido...
— Está o que? — tocou-lhe e viu que sua roupa estava úmida. Zôra arregalou os olhos. — Venha! — puxou-o ainda atordoado. — Vamos voltar e dizer aos outros que... — e parou. Havia um garoto a frente deles. Eles o observavam todo machucado. — Sean?
— O que houve com menino?
O menino estava molhado, sua camisa de flanela vermelha e suas calças verdes e curtas estavam ensopadas, rasgadas, queimadas. Havia cortes pelo corpo e seu medo era real, Sean podia sentir.
— Sean? — ambos voltaram a ver o garoto ferido. — vamos andar devagar, devagar o suficiente para não alertarmos nenhuma molécula.
E o menino apontou para o céu avermelhado.
Sean seguiu sua indicação.
— Fizemos algo errado...
— “Fizemos”?
— As paredes estavam úmidas.
— Paredes? Não... Não... Preste atenção Sean. Nada aconteceu ok?
Mas Sean apontou para cima.
— O que há com o céu Zôra?
— Não há nada com o céu Sean — ela não olhou. — E nada machucou ninguém, entendeu? — Zôra o empurrava e Sandy se uniu ao garoto machucado que olhava um céu que escurecia. — Sean? Sean está me ouvindo? Sem pensar em nada ok? — ela o empurrava devagar para que nada fosse alterado. — Sean? — mas ele se umedecia, e suas roupas pingavam água. — Não, Sean, não pense no garoto. Ouviu-me?
— Ele estava ferido no dia de hoje...
— Dia de hoje? — Zôra olhava um lado, olhava outro lado, olhava para cima, para baixo. — Que dia é hoje Sean?
— Ele estava ferido no dia de hoje...
— Não... Não... Ninguém estava ferido... — e Zôra começou a se desesperar para um Sean estranhamente molhado.
Quando ele estancou e a olhou de olhos arregalados.
— 12 de novembro de 1970. O pior ciclone já registrado na História, o Bhola, atingiu o Paquistão Oriental e o oeste de Bengala, inundando grande parte das ilhas baixas do Ganges. Aproximadamente 500 mil pessoas morreram, principalmente por causa das inundações que resultaram da onda causada pelo Ciclone Bhola, ou ainda devido ao aumento do nível da água na costa... — e um novo estampido ensurdeceu a todos.
— Ahhh!!! — todos gritaram na rua e uma parede de água desceu sobre eles.
— Ahhh!!! — gritou Zôra sendo levada pela enxurrada.
— Ahhh!!! — gritou Sean afundando, afundando. Quando Sean voltou a si nadou até a superfície na onda e viu Zôra desaparecida. — Zôra?! Zôra?! — e o corpo dela voltou a superfície desmaiado. — Zôra?! — Sean nadou tentando alcançá-la, mas seu corpo desmaiado flutuava levado para cada vez mais longe. E o corpo de Zôra afundou, voltou a superfície, arrastado, jogado contra plantas, terra, areia, tijolos, telhas, barcos, gente; tudo se misturava numa onda levada pela fúria das águas. — Zôra?! Zôra?! Zôra?! — gritava Sean.
Casas eram agora levantadas, barcos haviam sido retirados do cais, do alto mar, projetados para todos os lados quando uma voz o alcançou.
“Cuidado!” soou Zôra.
Sean só teve tempo de ler os pensamentos dela e jogar-se ao chão levando três mulheres juntas que se salvaram do pedaço de mastro que atravessava a cidade como um dardo.
Ele interferira no acontecido.
— Socorro!!! — gritavam as mulheres.
— Socorro!!! — gritavam os homens.
— Socorro!!! — gritavam todos.
Sean ergueu-se a procura de Zôra sem a encontrar. A água estava fria, seu corpo todo sentiu a força daquilo. O vento soprava cada vez mais forte e a chuva o cegava. Sean tentou se manter em pé, mas as ruas se alagavam, o barro misturava-se a ela. As pessoas já com a água no pescoço nadavam para sobreviver.
Sean Queise viu uma mulher carregando um garoto usando calça curta verde e blusa vermelha.
Ele arregalou os olhos.
— Hei?! — gritou para a mulher. — Hei?! Aqui!!!
Sean correu atrás dela, caiu, nadou tentando alcançar a mulher. Estava cego pelo nervoso, pelo desespero, porque o garoto ainda não estava ferido. E Sean sabia que não havia visto um garoto ferido e sim um garoto morto, ao lado de uma Sandy morta.
— Não faça isso, Sean?! — gritou Zôra quando enfim o alcançou, em meio à multidão que nadavam e se afogavam, levados pela força das águas do Ciclone de 1970.
Sean correu de encontro aos troncos, lixo, escombros. As casas, bicicletas agora eram empecilhos para salvar vidas. Misturava-se a tudo, a água barrenta e suja, cheia de corpos mortos, passando por cima de corpos vivos os levando a morte.
A mulher trombou em algo, e o garoto tombou na água gélida.
— Não!!! — gritou Sean desesperado. O poste que pouca energia podia levar soltou-se na água, sobre o garoto.
— Sean não!!! Não interfira!!!
Mas Sean tentava desesperadamente aproximar-se, mas foi erguido no ar pela força do vento e lançado depois do garoto. Desesperou-se tentando voltar, nem sentindo dor pelo impacto da queda. Nadava, caía em buracos, era levado pela força do ciclone que ganhava forma sobre toda Barguna.
O poste irrompeu energia na água, ferindo muitos, também a mãe do garoto; eletrocutando o garoto de calça curta verde e camisa vermelha.
— Não!!! — Sean gritava no que o corpo pequeno balançava freneticamente sobre os fios desencapados quando Zôra o agarrou pelo pescoço e afundou Sean na água barrenta, gelada no que ele ia tocá-lo. O garoto também afundou e sumiu. — Não!!! Não!!! Não!!!
— Controle-se Sean!!! — Zôra lutou para arrastá-lo para longe do rio que se transformou o centro da cidade.
Ela o arrastava para cada vez mais longe até ambos alcançarem um ponto mais alto onde a água começava a subir.
— Por quê?! Por quê?! — Sean gritava e chorava.
— Por que o que?! Por que o que droga!!! Você não pode interferir!!! — berrou com ele. — Já não disse?!
Sean enfim entendeu.
Os dois correram para casa onde os outros do grupo ainda os esperavam com a água potável.
— O terreno está seco! — Sean estancou naquilo.
Zôra também percebeu. Os dois se olharam e continuaram a correr para casa.
Sean entrou de supetão quase derrubando a porta. Bonilha, Lânia, Isadora, Lenny, Enrichetta, Hélder, Ebiere, Narciso, Omana e Bantuh nada pareciam ter notado.
— Por que está todo molhado Sean? — perguntou Lânia.
Zôra entrou logo depois tão ensopada quanto. Tinha um ferimento na cabeça que sangrava.
Bantuh correu a acudi-la.
— O passado nos alcançou! — Sean estava atônito.
— Como é que é Sr. Queise? — Omana parecia não ter ouvido direito.
— O passado está sendo modificado porque alguém está fazendo algo errado — Sean viu o susto nos rostos do grupo.
— Não fizemos nada! — falou Bonilha olhando todos. — Fizemos?
— Isso é ridículo! — bradou Narciso a Sean. — O passado é imutável.
— Mas se uma nova linha temporal for criada... — ia Ebiere falar.
Sean olhou para ela.
— Quem é você Srta. Ebiere?
Ebiere só arregalou os olhos mantendo a calma e todos a olharam.
— Agente da Polícia Mundial! — Ebiere foi direta.
— Deus... Você e mais quem?
— Abba, Lumumba e eu. Somos astrônomos e cosmólogos contratados por seu pai.
— Meu... — e Sean teve medo de completar as lacunas.
— Perdão Sr. Queise, seu pai Oscar Roldman.
— Deus...
— Sabia! — explodiu Narciso. — Por isso vi Lumumba mexendo em meus papéis — Narciso lembrou-se.
— É... Andou de conversinha com Oliver por causa de disso— Isadora completou.
Sean se virou para Isadora e a viu com as mãos no pescoço do marido. Assustou-se com a imagem de um Oliver Gastón morto sendo levantado pela força paranormal de Isadora e colocado pendurado numa corda.
— Deus! Foi você quem... — e quase escapou de sua boca.
— O que disse Sean?
— É! O que disse Sean bonitinho?
— Nada!
— O que disse Sean? — insistiu Lânia.
— Controle-se Lânia! — Zôra não quis prolongar aquilo.
— Não Zôra! Eu quero saber!
— Sean, por favor? — reprendeu Zôra e todos virão a intimidade usada.
— ‘Sean’? — Isadora não podia ficar calada.
— Cale a boca Isadora! — Zôra a fuzilou.
— Assassina! — Lânia voou da cadeira onde estava quase desmaiada e bateu a cabeça de Isadora na beirada da mesa desmaiando em seguida.
— Professora? — Sean correu para acudi-la.
Aquilo foi a gota para uma Isadora enciumada.
— Sua encalhada! — Isadora se levantou com a testa sangrando e não conseguiu fazer mais nada, seu corpo voou por cima de Lenny e Omana, que só tiveram tempo de abaixar.
Narciso olhou Sean e Zôra sem saber quais dois fizeram aquilo, quando Sean voltou a se virar para Isadora.
— Está bem Sr. Queise! — foi Enrichetta quem se adiantou. — Isso não vem mais ao caso. Precisamos saber qual foi o erro cometido e depois julgamo-la, ok?
Isadora se levantava ainda em choque por ele ter sabido aquilo, por ela ser uma espiã psíquica preparada para bloqueá-lo.
Lânia acordou ainda zonza e voltou a saltar em cima de Isadora.
— Maldita! — avançava sobre ela sendo segura por Bonilha e Bantuh. — Vaca maldita!
— Sr. Queise! — chamou Bonilha. — Por favor! — implorou sabendo que ele fazia algo para tumultuar.
— Desgraçada! Piranha, vaca desgraçada e maldita!!! — berrava Lânia sendo segura.
Mas Isadora só olhava Sean sentindo frio.
— O erro Sr. Queise? — voltou Enrichetta a perguntar.
— Não há erro nenhum, querida Enrichetta. Não vê que o Sr. Queise está dissimulando seu próprio engano? — foi a vez de Narciso partir para o ataque.
Sean voltou a si.
— Não errei em nada. Nem ao certo sei o que fazemos aqui.
— E se for um novo ‘passado’? — tentou Lânia pensar em meio às lagrimas que corriam. — Talvez, transitório Sean?
— “Ondulações no Mar de Dirac”? — perguntou Sean com frio.
— Sim — respondeu Lânia.
— O que a encalhada está dizendo Sean bonitinho?
— Cale-se piranha!!! — explodiu Lânia outra vez.
— Calem-se!!! — berrou Omana mais alto ainda.
— “Ondulações no Mar de Dirac”, de Geoffrey Landis, publicado na Isaac Asimov Magazine.
— Seja mais completo Sr. Queise — pediu Hélder.
— Um sujeito inventa uma máquina do tempo, e quando está preste a apresentá-la ao mundo, um incêndio irrompe no hotel. Prestes a morrer, ele aciona a máquina e volta ao passado, até o momento em que o fogo no hotel se irrompe, mas ele não consegue detê-lo. Então antes de morrer, novamente volta ao passado, e novamente ele incendeia. E novamente, e novamente, até conseguir deter e prender o cara que incendiou o hotel. Mas quando chega o dia do incêndio, tudo volta ao passado original e o hotel pega fogo.
— Quantos retornos? — quis Hélder saber.
— Muitos. Sempre gastando alguns segundos para fazê-lo, cada vez mais próximo de ser morto pelo incêndio que acontece...
— Mas... — Zôra ia falar.
— Mas nada! — Sean a cortou. — Não estamos falando de uma máquina do tempo alienígena, terrestre, ou qualquer coisa assim. Estou falando de teletransporte, puro e logicamente.
— Pelo jeito você não acredita em Deus, não é Sr. Queise? — debochou Narciso.
— Por que, Narciso? Se eu viajar no tempo e mudar o passado e criar uma nova linha temporal, este novo Universo terá um Deus diferente?
— Não disse...
— Mas Giordano Bruno disse — falou Enrichetta. — E foi queimado vivo por isso.
A água molhou os pés de todos.
— Ahhh!!! — gritou Isadora.
A água começou a subir pelo piso da cozinha e Omana e Lânia correram para cima das cadeiras, uma delas já ocupada por Narciso e Lenny.
— Que foi? — Narciso fez uma careta para Lânia. — Não quero me molhar.
— Não se preocupe em se molhar, Narciso querido — sorriu Enrichetta. — Vai morrer afogado no seu orgulho.
— Mejuffou? — Bantuh a olhou desesperado.
— Faça algo?! — gritou Isadora para Sean.
— O que, por exemplo?
— Você tem esse GPS aí. Contate o futuro.
— Acha que isso aqui é o quê? Um filme scifi?
— Controlem-se todos vocês! — interrompeu Zôra. — Temos que sair daqui!
— Alguma ideia além de me fazer vomitar? — Sean quis saber. Mas Zôra não se fez de rogada e só o tocou. — Ahhh!!! — e Sean girou.
Um fractal se abriu no meio da cozinha que inundava sem que, porém a água o tocasse. Narciso saltou da cadeira e se jogou dentro. Isadora foi logo em seguida. Depois Lenny, Omana, Enrichetta, Hélder, Bonilha.
Zôra mandou Bantuh entrar e Lânia e Ebiere foram logo atrás.
Sean parou de girar e caiu na cozinha cheia de água. Levantou-se atordoado olhando a fenda aberta. Mas mais atordoado ficou ao ver Zôra se dirigindo para a sala.
— Aonde vai?
— Vou matá-lo! — Zôra se arrastava pela água.
— Matar quem?
— Quem veio conosco.
— Enlouqueceu?
— Não vamos conseguir voltar ao Hotel Damaraland enquanto ele estiver indo e vindo pelos túneis conosco.
— De que diabo está falando... — Sean arregalou os olhos azuis ao ver a fenda começar a se fechar. — Precisamos ir Zôra!
— Vá você!
— Não vou sem você! — anunciou Sean.
— Não seja ridículo! A fenda vai se fechar... Ahhh!!! — e Zôra foi lançada longe pela lança que a pregou na parede umedecida.
— Zôra?! — gritou Sean ao vê-la ser arrancada do lugar. Ele saltou dentro da água que subia cada vez mais rápido e a fenda ameaçou fechar. Sean voltou à fenda e o segurou com as mãos como se aquilo fosse possível. Os armários se soltaram da parede pela força da água que irrompeu dentro da cozinha e já alcançava a sala. Sean largou a fenda e subiu a superfície. — Zôra?!
— O que faço?! — Zôra percebeu que não era hora de lutar, arrancou-se da lança que a prendia a parede e nadou.
— Vamos embora!!! Rápido!!!
— Entre você!!!
— Já disse que não vou sem você!
— Entre! Entre! Ahhh!!! — e uma tora de madeira chocou-se com seu corpo a levando à sala novamente.
— Zôra?! — gritou Sean na cozinha tentando segurar a fenda fractal com metade de seu corpo dentro dele. — As paredes vão se colapsar sobre elas próprias!!! — gritava desesperado. — Rápido Zôra!!!
Ambos mal conseguiam respirar, já sentido o pescoço encontrar o teto da casa quando Zôra jogou-se de volta a tentar nadar, já naquela altura de água.
— Eu não consigo!!!
— Nade!!! Nade!!!
— A fenda... — apontou ela.
Sean ainda se encontrava com metade do corpo em Bangladesh dos anos 70.
— Nade Zôra!!! — gritava ele. — Nade!!!
Zôra afundava e voltava a nadar na mesma frequência quando Sean mergulhou na água atrás dela.
As paredes da fenda se inclinaram e balançaram feita gelatina e Sean a puxou pela gola da roupa para dentro do fractal que se desmanchava, fechava, diminuía, diluía, colapsava-se sobre si mesmo.
“Sean”; ecoou por todo o túnel que escondia os segredos de um viajante extra.

 

 

 


C O N T I N U A