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IMAGEM NO ESPELHO / Danielle Steel
IMAGEM NO ESPELHO / Danielle Steel

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

IMAGEM NO ESPELHO

Primeira Parte

 

Nenhum relacionamento pode ser mais profundo e misterioso do que o de irmãs gêmeas idênticas. Esse é o tema de REFLEXO NO ESPELHO, 44º romance de Danielle Steel, uma história emocionante sobre duas irmãs, que se passa no começo do século XX.

Filhas de um pai dedicado e viúvo, Olivia e Victoria Handerson têm uma relação muito próxima, apesar das personalidades completamente diferentes. Olivia, séria, conservadora e tímida, assume o papel de mulher da casa, de "mãe", administrando tanto o orçamento e as propriedades da família, como os relacionamentos entre todos na casa. Dona de personalidade destemida, Victoria sonha mudar o mundo, abraça o movimento feminista e deseja viajar para a Europa do pós-guerra.

No entanto, no aniversário de 21 anos das gêmeas, um escândalo invade a casa dos Handerson: Victoria é a pivô do fato e seu pai é obrigado a salvar a reputação da filha, arranjando para ela um casamento com um viúvo que havia perdido a esposa no naufrágio do Titanic. É quando a vida das duas irmãs muda completamente e o destino as separa: uma vai para os campos de batalha europeus e a outra fica em casa sonhando com um casamento impossível.

Dos salões de Manhattan à França arrasada pela Primeira Guerra Mundial, IMAGEM NO ESPELHO passeia com elegância e dramaticidade por uma época romântica e cheia de conflitos. Um romance sobre as difíceis escolhas de uma mulher entre a família e a paixão, entre o sacrifício e o desejo...

 

 

O som dos pássaros lá fora era abafado pelas pesadas cortinas de brocado de Henderson Manor, enquanto Olívia Henderson, afastando uma mecha de seus longos cabelos escuros, continuava a fazer um inventário cuidadoso das porcelanas de seu pai. Era um dia quente de verão e, como sempre, sua irmã havia saído para algum lugar. Seu pai, Edward Henderson, aguardava a visita de seus advogados.

Isolados como estavam em Croton-on-Hudson, a cerca de três horas de carro de Nova York, os procuradores de seu pai vinham vê-lo com freqüência. Edward Henderson dirigia daqui todos os seus negócios, além de supervisionar as usinas de aço que ainda levavam seu nome, mas que não comandava mais.

Ele havia se retirado inteiramente dos negócios dois anos antes, em 1911. Mantivera todas as empresas, mas delegara os poderes a seus procuradores e aos homens que dirigiam as usinas em seu nome. Sem filhos, não tinha mais o mesmo interesse nos negócios. As filhas jamais dirigiriam suas usinas.

Tinha apenas 65 anos, mas sua saúde começara a piorar nos últimos anos e ele preferia ver o mundo de seu pacífico retiro em Croton-on-Hudson. Ali podia observar o mundo com calma e dar para suas duas filhas uma vida saudável e benéfica.

Não era muito excitante, elas tinham que admitir, mas jamais ficavam entediadas e tinham amigos em todas as grandes famílias acima e abaixo do Hudson. A propriedade dos Van Cordandt ficava próxima, assim como os Shepard em sua velha Lyndhurst. O pai de Helen Shepard, Jay Gouldn, morrera vinte anos antes e deixara a extraordinária propriedade para sua filha.

Ela e seu marido, Finley Shepard, administravam-na maravilhosamente e com freqüência ofereciam festas para os jovens da região. Os Rockefeller haviam acabado de construir naquele ano Kykuit, em Tarrytown, com seus esplêndidos jardins e magníficos campos e uma casa que rivalizava com a de Edward Henderson, ao norte de Croton-on-Hudson.

Henderson Manor era uma casa bonita e as pessoas vinham de longe para espiar seus adoráveis jardins através dos portões. De onde elas ficavam mal podiam ver a casa, cercada por árvores frondosas e escondida atrás das curvas no caminho que levava à estrada. A casa ficava no alto de um penhasco, com uma ampla vista para o rio Hudson.

Edward gostava de sentar-se em seu estúdio durante horas, observando o mundo girar e relembrando os tempos passados, os velhos amigos e os dias em que sua vida se transformara rapidamente em um grande negócio... quando assumira o controle das indústrias do pai, na década de 1870... servindo de instrumento para as grandes mudanças industriais do fim do século passado.

Sua vida havia sido muito ocupada então. Quando era mais novo, havia sido bem diferente. Edward Henderson casara-se quando jovem e perdera a mulher e o filho pequeno de difteria. Depois disso ficara sozinho por muitos anos, até que chegara Elizabeth.

Ela fora tudo o que qualquer homem poderia sonhar: um raio de luz brilhante e iluminado, um cometa em céu de verão, tão efêmera, tão deslumbrante, tão bonita e tão dolorosamente passageira. Casaram-se no mesmo ano em que se conheceram Ela tinha 19 anos e ele estava com pouco mais de quarenta. Aos 21, ela se fora.

Para horror de Edward, Elizabeth morrera ao dar à luz. Após sua morte, ele começara a trabalhar ainda mais, até ficar entorpecido. Havia deixado as filhas aos cuidados da governanta e de babás, mas acabara chegando à conclusão de que era responsável por elas. Foi quando começou a construir Henderson Manor. Queria que as duas tivessem uma vida saudável e benéfica, fora da cidade.

Nova York não era lugar para crianças em 1903. Elas tinham dez anos quando se mudaram para lá e agora estavam com vinte. Ele mantivera a casa na cidade e trabalhava lá, mas vinha vê-las sempre que podia.

A princípio apenas nos fins de semana, mas depois, quando se apaixonara pela casa, começara a passar mais tempo no Hudson, mais do que em Nova York, Pittsburgh ou na Europa. Seu coração estava ali em Croton com suas filhas, enquanto ele as via crescer e pouco a pouco sua vida começou a ficar mais calma. Ele amava estar com elas e agora nunca as deixava.

Nos últimos dois anos, não tinha ido a absolutamente lugar algum. Sua saúde começara a piorar três ou quatro anos atrás. Seu coração era problemático, mas apenas quando trabalhava muito ou deixava algo aborrecê-lo ou ficava terrivelmente irritado, o que raramente acontecia agora. Ele estava feliz em Croton com as filhas.

Fazia vinte anos que a mãe delas morrera na primavera de 1893, num dia quente e cheiroso que parecera a ele a traição final de Deus. Ele ficara esperando lá fora, cheio de orgulho e excitação. Nunca poderia sonhar que aquilo aconteceria novamente com ele. Sua primeira mulher e seu filho pequeno haviam morrido numa epidemia de difteria mais de uma dúzia de anos antes.

Mas, desta vez, perder Elizabeth também o havia matado. Aos 45 anos, era um golpe mortal para ele, que simplesmente não suportaria seguir adiante sem ela. Elizabeth morrera em sua casa de Nova York e no início ele sempre sentia sua presença lá. Mas depois de um certo tempo começara a detestar o vazio da casa e odiava ter de estar lá.

Depois disso viajara durante meses, mas evitar a casa significava evitar as duas garotinhas que Elizabeth lhe deixara. E ele também não seria capaz de vender a casa que seu pai construíra e na qual ele mesmo crescera. Tradicionalista na essência ele sentia a obrigação de mantê-la para suas crianças. Finalmente deixou-a, fechada, e já havia dois anos desde a última vez em que estivera lá. Agora que vivia todo o tempo em Croton, nunca sentia saudades. Nem da casa, nem de Nova York, nem da vida social que havia deixado por lá.

E enquanto zumbiam os sons do verão, Olívia continuava seu esmerado inventário da porcelana. Ela usava longas folhas de papel, nas quais escrevia com sua letra meticulosa, tomando nota do que precisavam repor e do que devia ser colocado em ordem. Às vezes ela mandava um dos empregados da casa à cidade para trazer algo, mas na maior parte do tempo a casa da cidade ficava fechada e elas nunca iam lá. Ela sabia que seu pai não gostava. A saúde de seu pai era frágil e, como ele, Olívia estava feliz aqui, com sua vida quieta em Croton-on-Hudson.

Ela passara muito pouco tempo em Nova York desde criança, exceto o breve período, dois anos atrás, em que seu pai as levara a Nova York a fim de apresentá-las à sociedade e a todos os seus amigos. Ela havia achado interessante, mas muito cansativo. Sentira-se esmagada pelas festas, o teatro, as constantes exigências sociais. Era como se estivesse num palco todo o tempo, e detestara aquela atenção. Fora Victoria quem florescera ali e ficara num estado de total depressão quando retomaram para Croton no Natal.

Olívia ficara aliviada ao voltar para seus livros, sua casa, seus cavalos, suas pacíficas caminhadas no alto das colinas, que às vezes a levavam até as fazendas vizinhas.

Ela adorava cavalgar aqui, escutar os sons da primavera, ver o inverno derreter-se vagarosamente, observar o esplendor das folhas caindo em outubro. Amava tomar conta da casa de seu pai para ele e o fazia desde que era uma garotinha, com a ajuda de Alberta Peabody, a mulher que as criara. Para elas Alberta era “Bertie” e o mais próximo de uma mãe que as garotas Henderson já haviam conhecido. Seus olhos eram ruins, mas sua mente era aguçada e ela seria capaz de distinguir as duas jovens no escuro, de olhos fechados.

Ela aproximou-se para ajudar Olívia e perguntou até onde tinha chegado. Não tinha mais a paciência ou os olhos para fazer este tipo de trabalho minucioso e sempre ficava muito grata quando Olívia o fazia para ela. Olívia checava cuidadosamente os bordados, os cristais, as roupas de cama e mesa. Prestava atenção em tudo e amava fazê-lo, ao contrário de Victoria, que detestava tudo o que era doméstico. Victoria era absolutamente diferente de sua irmã.

Bem, eles quebraram todos os nossos pratos ou ainda seremos capazes de receber para o jantar de Natal?

Bertie sorria enquanto segurava um copo de limonada gelada e um prato de biscoitos de gengibre que acabara de tirar do fomo. Alberta Peabody passara vinte anos cuidando das duas garotas que ela se acostumara a sentir como “suas crianças”.

Haviam se tomado suas quando nasceram. Ela jamais as deixara, nem mesmo por um dia, desde que sua mãe morrera e fora a primeira pessoa a olhar nos olhos de Olívia e perceber o quanto a amava. Bertie era uma mulher pequena e rechonchuda, com os cabelos brancos presos num pequeno coque atrás da cabeça. Tinha um amplo busto, onde Olívia descansara a cabeça durante a maior parte de sua infância. Ela as havia confortado sempre que precisaram e sempre que seu pai não estava lá, o que havia sido mais freqüente quando eram menores.

Durante anos, ele chorara silenciosamente a perda de sua mãe e mantivera distância. Mas se aproximara novamente delas nos últimos anos e suavizara-se consideravelmente desde que sua saúde começara a se debilitar e ele se retirara dos negócios. Ele tinha um coração frágil, o que atribuía ao choque e ao desgosto por ter perdido duas jovens esposas, agravado pela modernização dos negócios. Ele era bem mais feliz agora do que quando dirigia os negócios, e tudo podia ser filtrado através de seus procuradores.

Precisamos de pratos de sopa, Bertie comunicou Olívia solenemente, alisando novamente os longos cabelos negros, sem ter consciência de sua surpreendente beleza. Ela tinha a pele de um branco cremoso, enormes olhos azul-escuros e cabelos finos e brilhantes, negros como um corvo. Precisamos de pratos de peixe também. Vou encomendá-los à Tiffany na próxima semana.

Precisamos dizer às garotas na cozinha para serem mais cuidadosas.Bertie aprovou com a cabeça, sorrindo para ela. Olívia poderia estar casada agora, poderia ter seus próprios pratos de sopa para contar, mas mesmo assim ainda estava aqui, absolutamente tranqüila, tomando conta de seu pai, da casa e de todas as pessoas que viviam ali.

Olívia não desejava ir a lugar algum. Ela nem mesmo pensava sobre isso. Era feliz aqui em Henderson Manor. Ao contrário de Victoria, que falava constantemente sobre lugares distantes ao redor do mundo ou pelo menos na Europa. Ela fechava a cara toda vez que pensava na casa que estavam perdendo em Nova York e na diversão que poderiam ter por lá.

Olívia sorriu como uma criança para Bertie. Ela estava usando um vestido de seda azul-claro, comprido até os tornozelos, e parecia envolvida por um pedaço de céu azul. Ela copiara o vestido de uma revista e mandara fazer numa costureira local. O design era Poiret, e parecia adorável nela.

Era Olívia quem sempre selecionava e desenhava os vestidos delas. Victoria não dava muita importância a isso. Deixava Olívia escolhê-los, principalmente, como ela mesma dizia, por Olívia ser a irmã mais velha.

Os biscoitos estão muito bons hoje, não estão? Papai vai adorá-los. Olívia mandara fazê-los especialmente para o pai e John Watson, seu principal procurador. Devo preparar uma bandeja para eles ou você já o fez?

As duas mulheres trocaram um sorriso, nascido de anos de divisão de responsabilidades e deveres. Vagarosamente, ao longo dos últimos anos, Olívia se transformara de criança em adolescente, então numa moça e finalmente na senhora da casa de seu pai. Olívia tinha controle sobre tudo à sua volta e Bertie sabia disso.

Ela respeitava o fato e agora pedia a opinião de Olívia na maior parte das vezes, embora jamais pensasse diferente dela, ou ainda a repreendesse quando saía na chuva ou fazia algo tolo e infantil, o que ainda acontecia mesmo aos vinte anos. Mas hoje em dia Bertie achava aquilo mais um alívio que uma preocupação. Olívia era tão séria e responsável que fazia bem a ela às vezes esquecer tudo o que deveria estar fazendo.

Preparei a bandeja para você, mas disse a Cook que você gostaria de arrumá-la antes de servir disse Bertie.

Obrigada. Olívia desceu da escada graciosamente e beijou a face da velha mulher, enquanto passava seus longos e elegantes braços em tomo dela. Deixou a cabeça cair sobre os ombros de Bertie por um instante, como uma criança e então, depois de beijá-la mais uma vez afetuosamente, correu para a cozinha a fim de cuidar da bandeja para seu pai e o advogado.

Ela pediu uma jarra de limonada, um grande prato de biscoitos e pequenos sanduíches de agrião e pepino, com fatias finíssimas de tomates colhidos no próprio pomar. Havia também xerez e bebidas mais fortes, se preferissem.

Tendo crescido na companhia do pai, Olívia não era o tipo de garota que se chocava com a idéia de homens bebendo uísque ou fumando charutos; na verdade, ela até gostava do cheiro, bem como sua irmã.

Depois de aprovar as toalhas e a bandeja de prata que Bertie separara, saiu da cozinha e foi encontrar o pai na biblioteca. As cortinas estavam abertas para manter o ambiente fresco. Elas eram de brocado, de um vermelho profundo com pesadas franjas e Olívia arrumou-as instintivamente enquanto olhava para o pai por sobre os ombros.

Como está se sentindo hoje, pai? Está terrivelmente quente, não?

Eu gosto disso. Ele sorriu orgulhosamente da filha, atento a seus eminentes talentos domésticos.Ele sempre dizia que, se não fosse por Olívia, não poderia ter administrado a casa, ou pelo menos não tão facilmente. Chegava a brincar dizendo que tinha medo de que um dos Rockefeller pudesse tentar, e conseguir, se casar com ela, de modo que assim ela pudesse administrar Kykuit.

Ele havia estado lá recentemente para ver a propriedade, e a casa que John D. Rockefeller construíra era realmente espetacular. Tinha todas as facilidades possíveis da vida moderna, incluindo telefones, aquecimento central e um gerador na cocheira. O pai de Olívia caçoara, dizendo que eles haviam feito com que sua casa parecesse uma cabana rude, o que não era absolutamente o caso. Mas Kykuit era certamente seu maior vizinho.

Este calor é bom para meus velhos ossos disse ele confortavelmente acomodado, acendendo um charuto, enquanto esperava pelo advogado. Onde está sua irmã? perguntou casualmente.Sempre era fácil encontrar Olívia em algum lugar da casa, fazendo listas, escrevendo bilhetes para os empregados, checando algo que precisava ser feito ou arranjando flores para a mesa de seu pai. Mas Victoria era bem mais difícil de não perder de vista. Acho que foi jogar tênis nos Astor disse Olívia vagamente, sem ter a menor idéia de onde ela estava, mas apenas uma vaga suspeita.

Típico dela disse ele, com um pesaroso sorriso para sua filha mais velha. Acho que os Astor estão passando o verão no Maine bem como grande parte dos vizinhos.

Os Henderson também haviam ido para o Maine nos verões anteriores e Newport e Rhode Island, mas Edward Henderson não gostava mais de deixar Croton, mesmo no mais quente dos verões.

Desculpe, pai. Olívia corou, embaraçada com a mentira que contara para proteger a irmã. Achei que talvez eles tivessem voltado de Bal Harbor.

Estou certo de que achou. Ele parecia se divertir. E só Deus sabe onde está sua irmã ou que travessuras anda fazendo.

Mas ambos sabiam que os caprichos de Victoria eram geralmente inofensivos. Ela era uma pessoa única, cheia de espírito e determinação. Era tão independente quanto sua mãe fora e de certa maneira Edward Henderson sempre suspeitara de que sua filha mais nova era levemente excêntrica. Mas, desde que ela não fosse indulgente demais consigo mesma, isso era algo que ele podia tolerar, e ela não poderia se machucar demais ali.

O pior que poderia acontecer era cair de uma árvore, ter uma prostração por caminhar quilômetros até seu amigo mais próximo, ou nadar um pouco rápido demais no rio. Os prazeres eram verdadeiramente elegantes ali. Victoria não tinha romances nas vizinhanças e nenhum rapaz a perseguia, embora muitos dos jovens Rockefeller e Van Cordandt certamente tivessem mostrado considerável interesse por ela. Mas todos eram bem-comportados e até mesmo seu pai sabia que Victoria era muito mais intelectual que romântica.

Vou procurar por ela depois que deixá-lo aqui disse Olívia calmamente.

Mas nenhum dos dois estava particularmente preocupado, quando a bandeja da cozinha chegou e ela disse ao garoto da cozinha onde colocá-la.

Vamos precisar de outro copo, minha querida instruiu-a o pai, enquanto reacendia seu charuto e agradecia ao garoto cujo nome ele nunca se lembrava.

Olívia conhecia todas as pessoas que trabalhavam para eles; sabia seus nomes, suas histórias, conhecia seus parentes, suas irmãs, seus filhos.

Sabia de suas fraquezas e virtudes e de qualquer erro no qual incorriam ocasionalmente. Era de fato a senhora de Henderson Manor, talvez ainda mais que sua própria mãe pudesse ter sido se estivesse viva. De certa forma, Olívia suspeitava de que sua mãe havia sido mais parecida com sua irmã. John vai trazer alguém com ele? Olívia parecia surpresa.

O procurador de seu pai normalmente vinha sozinho, exceto quando havia algum problema na usina e ela não sabia nada sobre isso desta vez. Normalmente seu pai dividia esse tipo de informação com elas. Tudo aquilo seria delas um dia, embora, mesmo que gostassem das usinas, as garotas fossem vendê-las, a menos que se casassem com homens capazes de geri-las. Mas Edward considerava essa idéia desagradável. Seu pai suspirou sobre seu charuto, respondendo à pergunta.

Infelizmente, minha querida, John está trazendo alguém hoje. Estou com medo de já ter chegado longe demais neste mundo. Sobrevivi a duas mulheres, um filho, meu médico no ano passado, a maior parte de meus amigos na última década e agora John Watson me diz que está pensando em se aposentar. Está trazendo um homem que se juntou à firma recentemente, de quem ele parece ter uma boa impressão.

Mas John não é tão velho assim Olívia parecia surpresa e quase tão perturbada quanto seu pai e nem você, portanto pare de falar assim. Ela sabia que ele começara a sentir-se velho desde que ficara doente e mais ainda quando se retirara dos negócios.

Eu sou velho. Você não tem idéia do que acontece quando todo mundo à sua volta começa a ir embora disse ele, franzindo as sobrancelhas e pensando no novo advogado que não queria encontrar naquela tarde.

 

Ninguém está indo a lugar nenhum, nem John, pelo menos por enquanto, tenho certeza disse ela, tranqüilizando-o, enquanto servia um pequeno copo de xerez e entregava a ele com o prato de biscoitos frescos de gengibre. Ele serviu-se de um e pareceu extremamente satisfeito quando olhou para ela.

Talvez ele acabe não indo embora, principalmente depois de provar estes biscoitos. Devo dizer, Olívia, que você faz os empregados realizarem milagres naquela cozinha.

Obrigada. Ela inclinou-se e beijou-o, e ele olhou para ela com todo o prazer que sentia a cada vez que a via. Ela parecia bastante confortável e fresca mesmo num dia quente como aquele. Pegou para si um dos biscoitos de gengibre e se sentou perto dele, enquanto esperavam por John Watson. Então, quem é o novo homem? perguntou ela, curiosa, após alguns minutos.

Ela sabia que Watson era um ou dois anos mais moço que seu pai, mas, para ela, ainda parecia muito jovem para se aposentar e sempre parecera muito jovial. Mas talvez estivesse sendo sábio em trazer alguém novo para cuidar dos negócios antes que fosse tarde. Você já o viu antes?

Ainda não. Esta será a primeira vez. John diz que ele é muito competente, principalmente quando se trata de negócios e parece que fez um bom trabalho com os bens dos Astor. Ele saiu de uma firma excelente para o escritório de John e foi muito bem recomendado.

E por que ele mudou de escritório? perguntou ela, intrigada. Gostava de ouvir sobre os negócios do pai. Victoria também, mas ela era mais cabeça quente em suas opiniões.

Algumas vezes os três entabulavam discussões acirradas a respeito de certos assuntos, como política ou negócios, mas, no fundo, todos eles gostavam daquilo. Talvez porque não tivesse filhos, Edward Henderson amava discutir temas inteligentes com suas filhas.

De acordo com John, o novo advogado, Dawson, sofreu um pesado golpe no ano passado. Fiquei realmente triste por ele e acho que foi por isso que deixei John trazê-lo... é o tipo de coisa que receio compreender bem até demais. Ele sorriu tristemente para ela. Ele perdeu a mulher no ano passado, no Titanic. Ela era uma das filhas de lorde Arnsborough e acho que tinha ido visitar a irmã. Infelizmente, voltou no Titanic. Ele quase perdeu o filho também.

Parece que tiraram o menino num dos últimos botes salva-vidas. Já estava muito cheio e a mãe colocou outra criança em seu lugar, dizendo que iria no próximo. Mas não havia próximo; ela estava deixando de entrar no último bote salva-vidas. Pelo que entendi, ele deixou a firma em que trabalhava, pegou o garoto e passou o ano inteiro na Europa.

Isso aconteceu há apenas dezesseis meses e acho que ele só está com Watson desde maio ou junho. Pobre-diabo! John diz que ele é muito eficiente, mas um pouco deprimido. Ele sairá disso, todos nós saímos. Terá de fazê-lo, para o bem de seu filho.

Aquilo lembrava muito a ele de quando perdera Elizabeth, embora sua perda tivesse se devido a complicações de parto e não a um desastre da magnitude do Titanic. Mas ainda assim fora desastroso para ele, e sabia muito bem como o homem se sentia. Edward Henderson ficou ali sentado, perdido, assim como Olívia, digerindo o que seu pai dissera.

E ambos pareceram assustados quando levantaram os olhos e subitamente viram John Watson parado na porta. Bem, como você entrou sem ser anunciado? Será que precisou escalar as janelas?

Edward Henderson sorriu para seu velho amigo enquanto se levantava para cumprimentá-lo e cruzava o aposento, parecendo extremamente saudável. Ele estava em boa forma esses dias, graças aos constantes cuidados de Olívia e apesar de suas preocupações sobre estar envelhecendo mal.

Ninguém mais presta atenção em mim. John Watson sorriu.

Ele era alto e tinha um emaranhado de cabelos brancos, bastante parecido com o pai de Olívia, que também era alto e aristocrático e já tivera o mesmo cabelo preto e brilhante de suas filhas. Os olhos azuis também eram os mesmos e eles se acenderam enquanto conversava animadamente com John Watson.

Os dois homens conheciam-se desde a escola. Edward fora, na verdade, o melhor amigo do irmão mais velho de John. Ele morrera há anos e desde então Edward e John rapidamente haviam se tomado amigos, além de sócios em todas as questões legais dos Henderson.

Vendo-os logo envolvidos numa conversa tão animada, Olívia deu novamente uma olhada na bandeja, para ver se estava tudo em ordem e preparou-se para deixar o aposento. Quando se virou, levou um susto ao quase cair nos braços de Charles Dawson. Era estranho vê-lo ali, logo depois de terem falado sobre ele, e embaraçoso saber tanto sobre sua perda e seu sofrimento sem nunca tê-lo conhecido.

Quando olhou para ele, Charles Dawson pareceu-lhe muito bonito e um tanto austero e ela pensou que nunca havia visto olhos tão tristes em ninguém. Olhos que pareciam poças verde-escuras, quase da cor da água do mar. Mas ele conseguiu dar um pequeno sorriso quando seu pai os apresentou. Havia grande bondade em seus olhos e gentileza, o que quase a fazia ter vontade de estender a mão e consolá-lo.

- Como vai? - perguntou ele polidamente, apertando sua mão e parecendo observar com interesse cada centímetro dela. Embora estivesse ciente de sua beleza, ele não a olhava de maneira imprópria; parecia mais estar curioso a seu respeito.

- Posso oferecer-lhe uma limonada? - perguntou ela, sentindo-se subitamente tímida e escondendo-se atrás de suas confortáveis obrigações. - Ou preferiria um xerez? Receio que papai prefira xerez, mesmo num dia quente como este.

- Limonada seria ótimo. - Ele sorriu novamente para ela e os dois homens mais velhos voltaram à sua conversa.Ela também deu a John Watson um copo de limonada e os três homens aceitaram prazerosamente os biscoitos de gengibre. Depois, tendo cumprido sua responsabilidade para com eles, Olívia retirou-se silenciosamente, fechando as portas atrás de si.

Mas assim que deixou o aposento algo sobre o que vira nos olhos de Charles Dawson assustou-a, ou talvez fosse apenas porque seu pai lhe contara a história dele. Pensou que idade teria seu filho pequeno e em como Charles organizava a vida sem uma esposa. Talvez ele tivesse alguém em sua vida agora. Ela tentou espantar aqueles pensamentos; era ridículo estar se preocupando com um dos advogados de seu pai e também pouco apropriado, censurou a si mesma, enquanto se virava rapidamente para voltar para a cozinha e quase colidia com o segundo-motorista de seu pai.

Era um garoto de 16 anos que havia trabalhado nos estábulos durante anos, mas que sempre soubera mais sobre carros do que sobre cavalos.

E, já que seu pai tinha paixão pelas máquinas modernas e comprara um dos primeiros carros quando ainda vivia em Nova York, Petrie, o garoto do estábulo, fizera uma rápida e prazerosa transição.

O que é, Petrie? Alguma coisa errada? perguntou ela com naturalidade. Ele parecia totalmente desgrenhado e completamente perturbado.

 

Tenho de ver seu pai agora mesmo, senhorita disse ele, obviamente perto das lágrimas, enquanto ela tentava mantê-lo fora da biblioteca antes que perturbasse seu pai que estava em reunião. Acho que vai ser impossível. Ele está ocupado. Posso ajudar em alguma coisa? disse ela, gentil mas firmemente.

Ele hesitou, depois olhou em volta, como se com medo de que alguém o ouvisse.

É o Ford. Ele parecia aterrorizado ao falar. Foi roubado.

Seus olhos estavam cheios de lágrimas, pois sabia o que poderia acontecer a ele quando a notícia se espalhasse. Perderia o melhor emprego que jamais poderia ter e não conseguia entender como aquilo acontecera.

Roubado? Ela parecia tão assustada quanto ele. Como isso é possível? Como alguém poderia entrar na propriedade e simplesmente pegá-lo sem ninguém notar?

Não sei, senhorita. Eu o vi ainda pela manhã. Estava limpando-o. Estava brilhante e lustrado como no dia em que seu pai o comprou. Apenas deixei a porta da garagem aberta por um instante para arejar o local, porque lá fica muito quente, a senhorita sabe, com o sol batendo diretamente sobre ele e meia hora mais tarde ele havia sumido. Apenas sumido. Seus olhos se encheram de lágrimas novamente e Olívia colocou gentilmente a mão em seu ombro. Havia algo estranho sobre aquela história.

A que horas deve ter sido isso, Petrie? Você se lembra? Sua voz e suas maneiras eram extremamente calmas, pouco usuais para uma garota de vinte anos, mas ela estava acostumada a lidar diariamente com as pequenas crises da propriedade. E esta fazia soar um alarme particular. Eram onze e meia, senhorita. Eu sei exatamente.

Olívia vira sua irmã pela última vez às onze. E o Ford com o qual ele estava tão perturbado era o carro que seu pai comprara no ano anterior para fins de trabalho, pequenas viagens à cidade e compromissos em que preferia usar outro carro que não o Cadillac Tourer que usava sempre que deixava Henderson Manor.

Olhe, Petrie disse Olívia calmamente acho que você deve deixar a poeira baixar por um instante. É bem possível que algum dos empregados possa tê-lo tomado emprestado para algum compromisso na cidade, sem lembrar de mencioná-lo a você. Talvez o jardineiro. Pedi a ele que procurasse algumas roseiras para mim nos Shepard. Talvez ele tenha se esquecido de falar com você.

Ela estava subitamente certa de que o carro não fora roubado e precisava segurar o rapaz. Se ele contasse a seu pai, a polícia seria chamada e aquilo seria terrivelmente embaraçoso. Ela não podia deixar que isso acontecesse.

Mas Kittering não pode dirigir, senhorita. Ele não pegaria o carro para procurar suas rosas. Ele pegaria um dos cavalos ou sua bicicleta, mas não o Ford, senhorita.

Bem, talvez outra pessoa esteja dirigindo-o, mas não acho que devamos contar ainda a meu pai. Além do mais, ele está muito ocupado. Portanto, vamos esperar até a hora do jantar. Podemos fazer isso? E até lá veremos se alguém o traz de volta. Tenho certeza de que isso vai acontecer.

Agora você gostaria de beber uma limonada e comer uns biscoitos na cozinha? Ela o conduzia delicadamente naquela direção e ele parecia um pouco mais tranqüilo, apesar de ainda bastante nervoso. Estava apavorado com a possibilidade de perder o emprego quando o pai dela descobrisse que ele deixara o carro ser roubado dentro da garagem. Mas Olívia continuou a acalmá-lo, ao mesmo tempo em que lhe servia um copo de limonada e lhe dava um prato com os irresistíveis biscoitos, enquanto o cozinheiro os observava.

Ela prometeu checar o assunto com Petrie mais tarde e o fez prometer não sussurrar nem uma palavra sobre aquilo com seu pai até lá.

Depois, com uma piscadela para o cozinheiro, saiu apressadamente da cozinha querendo evitar Bertie, que via à distância vindo em sua direção. Mas Olívia era mais rápida que todos eles.

Esgueirou-se por um par de longas portas francesas para o jardim lateral e suspirou quando sentiu o calor esmagador do verão de Nova York. Era por isso que as pessoas iam para Newport e Maine. O verão aqui era insuportável, e não havia ninguém que ficasse, se pudesse evitá-lo. No outono ficaria adorável novamente.

E na primavera, quando o longo inverno finalmente terminava, era sempre idílico. Mas os invernos eram brutais, e os verões ainda mais. Muita gente ia para a cidade no inverno e para o litoral no verão, mas seu pai não ia mais. Agora ficava em Croton-on-Hudson o ano inteiro.

Olívia desejou ter tido tempo para ir nadar naquela tarde, enquanto andava distraída por um de seus caminhos preferidos em direção aos fundos da propriedade, onde havia um belo e escondido jardim. Ela adorava vir cavalgando até aqui. Havia um portão estreito que dava para a propriedade vizinha, por onde ela freqüentemente se esgueirava para aproveitar sua cavalgada ali também, mas ninguém se incomodava com aquilo. Todos os vizinhos partilhavam aquelas montanhas como uma família feliz, e eram apenas os bons amigos que tinham construído ali.

Apesar do calor, ela andou bastante naquela tarde, não mais pensando no carro perdido, mas, muito estranhamente, em Charles Dawson e na história que seu pai lhe contara. Como era terrível perder a mulher de forma tão trágica e dramática. Ele devia ter ficado doente de preocupação quando ouvira sobre o desastre, ela bem imaginá-lo. Sentou-se enfim num tronco, ainda pensando nele e, enquanto o fazia, escutou o ruído de um carro à distância.

Permaneceu sentada e imóvel por mais um minuto ouvindo e, ao levantar os olhos, viu o Ford perdido tentando passar pelo portão estreito de madeira nos fundos da propriedade. Ouviu um súbito rangido áspero enquanto o motorista arrancava a borracha e a pintura das laterais ao passar por ele. Mas, apesar do óbvio aperto, o carro não diminuiu a velocidade nem por um instante.

Olívia observava atônita enquanto o carro movia-se para dentro de seu campo de visão e sua irmã sorria para ela e acenava, sentada atrás do volante. E na mão com que ela acenava, havia um cigarro. Ela estava fumando. Olívia não se moveu de onde estava, apenas encarou-a e acenou, enquanto Victoria parava o carro e continuava a sorrir para ela, soltando uma nuvem de fumaça em sua direção.

Você nem imagina que Petrie queria contar a papai que o carro foi roubado e que ele teria chamado a polícia se eu tivesse deixado?

Olívia não estava surpresa ao vê-la ali, mas também não estava feliz. Estava acostumada às proezas de sua irmã mais nova e as duas mulheres ficaram olhando uma para a outra, uma perfeitamente calma e obviamente insatisfeita, a outra se divertindo enormemente com sua própria leviandade. Mas o que chamava mais a atenção naquilo tudo era que, com exceção da diferença de expressão e o fato de que o cabelo de Victoria parecia mais descuidado e desarrumado pelo vento que o de Olívia, as duas mulheres eram absolutamente idênticas.

Para elas, era como se olhar no espelho. Os mesmos olhos, a mesma boca, as mesmas maçãs do rosto, os cabelos e até mesmo os gestos. Havia diferenças mínimas entre elas. Victoria possuía uma aura de natureza boa e indolente, sempre beirando a travessura, o que acentuava ainda mais essas diferenças. E mesmo assim ninguém conseguia distingui-las uma da outra. Seu próprio pai às vezes errava quando se aproximava de uma delas num aposento ou em algum lugar da propriedade e os empregados as confundiam constantemente.

Antes de terem aulas com tutores em casa, seus amigos na escola não eram capazes de diferenciá-las e seu pai acabou decidindo que elas estudariam em casa, porque causavam muito transtorno na escola e chamavam a atenção demais.

Elas trocavam de lugar quando queriam e atormentavam sem misericórdia as professoras, pelo menos Victoria o fazia, mas isso era o que Olívia dizia. Elas viveram bons momentos na escola, mas seu pai duvidava seriamente de que estivessem sendo bem educadas. No entanto, estudar em casa as deixara muito isoladas, contando apenas com a amizade uma da outra.

Ambas sentiram falta de ir à escola, mas o pai foi irredutível. Não as queria comportando-se como fenômenos circenses e, se a escola não conseguia controlá-las, a Sra. Peabody e seus tutores o fariam.

Na realidade, a Sra. Peabody era a única pessoa viva que infalivelmente sabia exatamente quem era quem. Poderia diferenciá-las em qualquer lugar, de frente, de costas e até mesmo antes que falassem. E ela também sabia o único segredo por meio do qual se poderia distingui-las: uma pequena sarda que Olívia tinha no alto da palma direita e que Victoria tinha idêntica e igualmente pequena na mão esquerda.

Seu pai também sabia sobre isso, claro, embora nenhum de seus amigos o soubesse, mas era muito problemático lembrar-se de procurá-las. Era mais fácil apenas perguntar a elas e esperar que estivessem dizendo a verdade sobre suas identidades, o que normalmente faziam agora que eram mais velhas. Elas eram absolutamente idênticas, gêmeas espelhadas, e causavam furor à sua volta desde o dia de seu nascimento até hoje.

Isso transformara sua apresentação à sociedade em Nova York, dois anos antes, num grande alvoroço e havia sido por causa disso que o pai insistira em trazê-las para casa naquele ano antes mesmo do Natal. Era muito dificí1 lidar com toda aquela atenção em qualquer lugar aonde fossem. Ele sentira que estavam sendo tratadas como uma curiosidade e aquilo era realmente exaustivo. Victoria voltara para casa obrigada, mas Olívia não se importara. Ela sempre estivera pronta para voltar para Croton.

Mas Victoria infernizava suas vidas desde então. Tudo o que falava agora era sobre como a vida era incrivelmente aborrecida no Hudson. Ela não compreendia como qualquer um deles podia suportar aquilo. O único outro assunto que realmente entusiasmava Victoria era o do direito de voto feminino. Este era o fogo com o qual se queimava; a paixão que a incendiava a qualquer momento. E Olívia ficava doente só de ouvir falar no assunto. Victoria falava o tempo todo sobre Alice Paul, que havia organizado a marcha em Washington naquele mês de abril, quando dúzias de mulheres foram presas, quarenta ficaram feridas e uma tropa de cavalaria foi necessária para restabelecer a ordem.

Olívia também ouvira falar muito de Emily Davison, que morrera dois meses antes ao se jogar na frente dos cavalos do rei nas corridas da Inglaterra; e depois houvera as Pankhurst, mère et filles, que se ocupavam em se vingar destruindo tudo em nome dos direitos da mulher na Inglaterra. O simples fato de falar nelas fazia os olhos de Victoria dançarem enquanto Olívia revirava os seus, aborrecida. Mas agora Olívia estava sentada esperando pelas desculpas e explicações da irmã.

Então eles chamaram a polícia? perguntou Victoria, parecendo divertida e nem um pouco culpada. Não, não chamaram a polícia disse Olívia severamente. Eu subornei Petrie com limonada e biscoitos e disse a ele para esperar até o jantar. Mas acho que deveriam ter chamado a polícia. Eu devia tê-los deixado fazer isso. Sabia que tinha sido você. Ela tentou parecer zangada, mas algo em seus olhos dizia que não estava e Victoria sabia disso. Como você sabia que tinha sido eu? Victoria parecia deleitar-se, sem se arrepender nem por um minuto.

Eu senti, sua desastrada. Um dia desses vão chamar a polícia por sua causa e eu vou deixar que o façam. Não, você não vai disse Victoria com uma confiança e um brilho nos olhos que teria feito seu pai lembrar-se de sua mãe.

Fisicamente, Victoria era o retrato de Olívia, inclusive no vestido de seda azul que estava usando. Olívia escolhia as roupas da irmã todas as manhãs e Victoria sempre as colocava sem discutir. Ela amava ser gêmea, sempre amara; ambas amavam. Aquilo as satisfazia perfeitamente e fizera com que Victoria se livrasse de muita confusão em sua vida. Olívia estava sempre querendo pedir desculpas por ela, ou mesmo trocando de lugar com a irmã, fosse para tirá-la de alguma enrascada ou, quando eram crianças, apenas porque era engraçado fazê-lo. Seu pai sempre as ensinara a serem responsáveis e a não tirar vantagem daquelas circunstâncias pouco usuais, mas às vezes era difícil não fazê-lo.

Tudo sobre elas parecia pouco usual. Eram mais próximas do que duas pessoas jamais poderiam ser. E às vezes, para elas, era quase como se fossem a mesma pessoa. Apesar disso, bem lá no fundo, ambas sabiam que eram muito diferentes uma da outra. Victoria era destemida, mais travessa e aventureira. Era aquela que sempre se metia em confusão.

Era muito mais fascinada pela amplitude do mundo do que Olívia, que ficava mais feliz em estar em casa e cujos limites eram aqueles estipulados pela família, o lar e a tradição. Victoria queria lutar pelos direitos femininos, queria manifestar-se e falar. Achava que casamento era algo bárbaro e desnecessário para uma mulher verdadeiramente independente. Olívia achava tudo aquilo uma maluquice, irias também acreditava que era apenas uma ilusão passageira de sua irmã.

Houvera outras: movimentos políticos que a fascinaram, ideais religiosos, conceitos intelectuais sobre os quais havia lido. Olívia estava com os pés mais fincados na terra e com muito menos vontade de entrar em batalhas por causas obscuras. Seu mundo era bem menor. Mesmo assim, para quem não as conhecia e até para aqueles que conviviam com elas, pareciam ser apenas uma e a mesma pessoa.

Então? Quando você aprendeu a dirigir? perguntou Olívia, batendo o pé enquanto Victoria sorria de dentro do carro.

Ela havia acabado de atirar seu cigarro na lixeira perto da qual sua irmã estava sentada. Olívia sempre fazia o papel da irmã mais velha e severa. Ela era onze minutos mais velha que Victoria, mas eram esses onze minutos que faziam toda a diferença. E em momentos tristes, quando elas abriam seu coração, Victoria já havia confessado à irmã que achava ter sido ela quem matara a mãe.

Você não a matou Olívia dissera firmemente, quando eram apenas crianças. Foi Deus.

Ele não fez isso! Victoria O defendera, ultrajada. A Sra. Peabody ficara aterrorizada quando descobrira sobre o que era a discussão e mais tarde explicara que o nascimento de crianças pode ser bastante difícil, e que ter gêmeos era algo sobre-humano, que apenas os anjos podiam fazer. Era claro que sua mãe fora um anjo, as depositara na terra com seu pai que as amava tanto e retornara ao Paraíso.

Aquilo amenizara a questão da culpa na época, mas Victoria sempre sentira secretamente que ela havia realmente matado sua mãe e Olívia o sabia. Mas nada que ela dissesse naqueles vinte anos mudara aquilo. Nenhuma das duas estava pensando naquilo agora, enquanto Olívia questionava Victoria sobre o carro.

Aprendi sozinha, no último inverno. Victoria deu de ombros, divertida.

Aprendeu sozinha? Como?

Eu simplesmente peguei as chaves e tentei. Bati com o carro um pouco nas primeiras vezes, mas Petrie nunca notou. Ele continua pensando que alguém entrou no carro quando ele estava na cidade e o estacionou. Ela parecia satisfeita consigo mesma e Olívia forçou-se a olhá-la com uma expressão carrancuda, tentando não rir, mas Victoria a conhecia bem. Pare de me olhar assim. Dirigir é uma coisa danada de boa. Agora posso levar você até a cidade a qualquer hora que quiser.

Ou até a árvore mais próxima. Olívia recusava a sentir-se tranqüila. Sua irmã poderia ter matado a si mesma dirigindo pelas redondezas um carro que ela não sabia realmente como conduzir. Era uma loucura. E você fumando é muito desagradável.

Mas pelo menos ela soubera disso antes. Encontrara um pacote de Fatimas em seu guarda-roupa naquele inverno e ficara horrorizada. Mas quando o mencionara a Victoria, esta apenas sorrira e dera de ombros, recusando-se a comentar o assunto.

Não seja tão antiquada disse Victoria amavelmente. Se vivêssemos em Londres ou Paris, você também fumaria, apenas para estar na moda e você sabe disso.

Não sei nada sobre isso, Victoria Henderson. É um hábito revoltante para uma dama e você sabe disso. Então, onde é que você estava?

Victoria hesitou por um longo momento enquanto Olívia esperava. Ela estava aguardando uma resposta e Victoria sempre lhe dizia a verdade.

As duas não tinham segredos e as poucas vezes que tentavam tê-los, a outra instintivamente sempre sabia a verdade. Era como se cada uma sempre soubesse o que a outra estava pensando.

Confesse disse Olívia severamente e Victoria subitamente parecia mais jovem do que os seus vinte anos.Está bem. Fui a um encontro da Associação Nacional pelos Direitos da Mulher, em Tarrytown. Alice Paul estava lá. Ela veio especialmente para organizar o encontro e estudar a implantação de um grupo aqui no Hudson. A própria presidente da ANDM, Anna Howard Shaw, estava sendo esperada, mas não pôde ir.

- Pelo amor de Deus, Victoria, o que você está fazendo? Papai vai chamar a polícia se você se meter no meio de manifestações de qualquer tipo.

Mais do que provavelmente você será presa e papai terá de ir lá soltá-la - disse ela, subitamente escandalizada, mas Victoria não parecia desencorajada pela possibilidade, ao contrário, parecia gostar daquilo. Valeria a pena, Ollie. Ela estava absolutamente inspirada. Você deveria vir da próxima vez. Da próxima vez eu estarei amarrando você ao pé da cama. E se você roubar o carro novamente para fazer algo absurdo como isso, vou deixar Petrie chamar a polícia e inclusive direi a ele para fazê-lo.

Não, você não fará isso. Vamos, entre aqui. Eu a levarei de volta para a garagem.

Ótimo. Agora você quer colocar nós duas numa encrenca. Muito obrigada, minha querida irmã. Não seja tão dura. Assim, ninguém saberá qual de nós pegou o carro. Como sempre, o fato de serem idênticas era uma excelente proteção. Ninguém nunca sabia qual das duas fizera alguma coisa, o que servia mais aos propósitos de Victoria do que aos de sua irmã, que raramente precisava de um bode expiatório.

Eles saberão, se tiverem algum cérebro resmungou Olívia, enquanto entrava no carro cautelosamente.

Victoria rodou ao longo do sinuoso caminho dos fundos, enquanto Olívia reclamava alto sobre sua maneira de dirigir. Victoria ofereceu um cigarro a ela e quando Olívia estava prestes a fazer outro discurso, subitamente começou a rir com o absurdo da situação. Era impossível tentar controlar Victoria e Olívia o sabia. Enquanto isso, Victoria entrava com o carro na garagem e quase passava por cima de Petrie. Ele as encarou boquiaberto, enquanto as duas saíam do carro ao mesmo tempo, agradeciam solenemente a ele e Victoria pedia desculpas pela pequena batida.

Mas eu pensei... eu... quando vocês... quero dizer... sim, senhorita... obrigado... senhorita Olívia... Senhorita Victoria... senhorita...

Ele não tinha idéia de quem era quem e de quem havia feito o que, nem não tinha intenção de tentar descobrir. Tudo o que tinha de fazer era repor a borracha na lateral e retocar a pintura. Pelo menos o carro não fora roubado.

 

E, parecendo muito dignas, as duas jovens voltaram para a casa de braços dados e subiram os primeiros degraus, até começarem a rir. Você é realmente horrível censurou-a Olívia. O pobre coitado pensou que papai fosse matá-lo. Você ainda vai terminar na cadeia um dia, estou certa disso.

Eu também disse Victoria com total indiferença, enquanto dava um abraço em sua irmã. Mas talvez você vá me substituir por um mês ou dois e eu possa sair, tomar algum ar e ir a alguns comícios. Que tal?

Desagradável. Meus dias de substituir você acabaram disse Olívia, balançando o dedo para ela, mas amando-a mais que nunca.

Sua irmã era sua melhor amiga, era como a outra parte de sua própria alma. Elas conheciam uma à outra melhor do que quaisquer pessoas poderiam jamais se conhecer e os momentos mais felizes da vida de Olívia, aliás, de ambas, eram quando estavam juntas. Embora Victoria certamente passasse muito tempo saindo sozinha e se metendo em confusão.As duas garotas estavam precisamente chegando ao hall principal, falando e rindo, quando a porta da biblioteca se abriu e os três homens entraram no hall, ainda falando sobre seus próprios planos e decisões. Quando os viram, as duas ficaram subitamente caladas.

Olívia imediatamente olhou para Charles e observou-o novamente, enquanto ele encarava as duas, totalmente assustado e confuso com o que estava vendo.

Ele olhava de uma para a outra repetidamente, enquanto tentava encontrar uma explicação em sua mente para duas mulheres tão absolutamente idênticas e bonitas; mesmo assim era como se ele pudesse sentir a diferença entre elas.

Seus olhos estavam fixos em Victoria, com seus cabelos ligeiramente mais desarrumados que os de Olívia e o vestido idêntico ao da irmã, mas que lhe caía melhor. Havia nela algo de irreverente e chocante. A olho nu, não se podia ver o quanto ela era escandalosamente impressionante, mas ele sentia isso.

Meu Deus disse Edward Henderson, sorrindo enquanto observava a reação de Charles. Esqueci-me de preveni-lo? Receio que sim, senhor disse Charles Dawson, corando e desviando os olhos de Victoria para Olívia, novamente confuso, e depois olhando outra vez para o pai delas. Eles estavam acostumados àquilo e se divertiam, mas era óbvio que Charles não. Apenas uma ilusão de ótica, não se preocupe com isso provocou-o Edward Henderson. Ele gostara de Charles. Parecia ser um bom homem. E haviam tido uma reunião muito boa, cheia de idéias novas e brilhantes e meios de aperfeiçoar seus negócios e proteger seus investimentos. Deve ter sido o xerez.

Ele riu para o homem mais jovem e Charles Dawson sorriu, subitamente parecendo um garoto. Ele tinha trinta e seis anos, mas no último ano tinha começado a ficar tão sério que seus amigos diziam que ele parecia subitamente mais velho.

E agora parecia um garoto novamente, enquanto fitava, descrente e confuso, as duas beldades à sua frente. E, confundindo-o ainda mais, elas se encaminharam para ele com movimentos sincronizados, inconscientes do quanto tais movimentos espelhavam os da outra. Cada uma delas apertou sua mão e Edward apresentou Olívia novamente e Victoria pela primeira vez. Ambas sorriram e disseram ao pai que ele havia se enganado, o que fez Charles rir ainda mais.

Ele faz isso sempre? perguntou ele, sentindo-se mais relaxado com elas do que há poucos momentos, mesmo que ainda estivesse um pouco confuso. Seria impossível não estar.O tempo todo, mas nem sempre nós contamos a ele respondeu Victoria, encontrando seus olhos com sinceridade.

Charles parecia fascinado por ela, como se pudesse sentir algo diferente nela. Sutilmente, ela era mais sensual que sua irmã, ainda que as roupas, a aparência e os cabelos fossem os mesmos. Mas seus íntimos não eram.

Quando elas eram bem pequenas explicou Edward nós costumávamos colocar elásticos de cores diferentes em seus cabelos, para identificá-las. Funcionava perfeitamente até que um dia descobrimos que os pequenos monstros haviam aprendido a tirar os elásticos e colocá-los novamente, para nos confundir. Elas sempre trocavam de lugar dessa maneira e se passaram meses antes que descobríssemos. Elas eram terríveis quando crianças disse ele, obviamente cheio de orgulho e afeição.

Apesar de não gostar da reação pública que causavam quando as levava para passear, ele as adorava. Haviam sido o último presente de uma mulher que ele amara com toda a sua alma. E ele nunca mais amara ninguém após ela, exceto suas filhas.

Estão se comportando melhor agora? perguntou Charles, ainda se divertindo com elas e com o choque que haviam lhe causado. Não fora absolutamente avisado de que eram gêmeas, nem por Edward Henderson, nem por John Watson.

Estão apenas um pouco melhores agora resmungou Edward. Todos riram e ele olhou raivoso para ambas, como se lançando um aviso. Mas vocês deveriam se comportar, as duas. Estes dois cavalheiros disseram-me que será necessário ir a Nova York por um mês ou mais, para tomar conta de alguns de meus negócios. E se vocês puderem administrar a volta à cidade desta vez, eu as levarei comigo. Mas nada de tolices de nenhuma das duas disse ele, desejando poder dizer qual delas era Victoria, mas não podia senão vou mandá-las de volta para Bertie.

Sim, senhor disse Olívia calmamente com um sorriso, sabendo que o aviso não era para ela, mas para sua irmã. Suspeitando de que ele não estava bem certo a qual delas estava se dirigindo, Olívia sempre podia mostrar a ele. Mas Victoria não estava fazendo nenhuma promessa: seus olhos dançavam com a possibilidade de um mês na cidade.

Está falando sério? perguntou ela, de olhos muito abertos, deliciada.

Sobre mandar você de volta? rugiu ele. Absolutamente.

Não, eu quero dizer sobre Nova York. Ela olhou de seu pai para os advogados e todos estavam sorrindo. Aparentemente, sim respondeu o pai. Talvez sejam até mesmo dois meses, se eles não trabalharem direito e começarem a vadiar quando chegarmos lá.

Oh, papai, por favor! disse Victoria, batendo palmas, fazendo uma pequena pirueta sobre um dos saltos e depois agarrando sua irmã pelos ombros. Pense nisso! Nova York, Ollie! Nova York!

Ela estava fora de si de alegria e excitação e isso fez com que o pai se sentisse culpado quando pensava no quanto elas ficavam ali isoladas. Estavam numa idade em que deveriam pertencer à cidade, conhecendo pessoas e encontrando maridos. Mas ele odiava a idéia de elas o deixarem para sempre, particularmente Olívia. Ela o ajudava tanto, fazia tanto por ele. O que seria dele sem ela? Mas estava se preocupando prematuramente. Elas nem mesmo haviam feito as malas e ido para a cidade, e ele já estava imaginando-as casadas e a si mesmo abandonado.

Espero que possamos vê-lo mais, Charles, quando formos para a cidade disse Edward, enquanto finalmente apertava sua mão à porta.

Victoria ainda estava falando sobre Nova York com Olívia, sem prestar nenhuma atenção aos dois homens que haviam vindo visitá-los. E Olívia estava observando Charles calmamente, enquanto ele se despedia de seu pai. Ele assegurou ao Sr. Henderson que fariam grandes negócios no escritório, já que John Watson estava querendo deixá-lo administrar seus negócios, John assegurou-lhe que sim. Edward encorajou Charles a vir vê-los na casa também e Charles agradeceu polidamente o convite.

Ao sair, Charles espiou por sobre os ombros do homem mais velho e olhou novamente dentro dos olhos de Victoria.

Ele não estava certo de qual das duas era ela, mas sentia algo diferente quando olhava para ela. Ele não poderia explicar se alguém perguntasse, mas era uma espécie de eletricidade que sentia vindo dela e não de sua irmã. Era um sentimento estranho não saber qual era qual e mesmo assim ele estava fascinado por ambas. Jamais conhecera ninguém como elas.

Edward Henderson levou os homens até o carro e enquanto eles saíam Olívia ficou observando-os da janela. E, apesar da selvagem excitação sobre Nova York, Victoria percebeu. O que é isso? Ela vira o intenso olhar de Olívia para o carro que partia vagarosamente pelo caminho. O que você quer dizer? perguntou Olívia, voltando-se para checar a biblioteca e assegurar-se de que a bandeja fora removida após a reunião.

Você está parecendo terrivelmente séria, Ollie acusou Victoria. Elas conheciam uma à outra muito bem. Isso às vezes era perigoso e, em outras, apenas inoportuno.

A mulher dele morreu no Titanic no ano passado. Papai disse que ele tem um filho pequeno. Sinto muito pela mulher disse Victoria, não parecendo nem um pouco abalada. Mas ele parece terrivelmente enfadonho, não? comentou, dispensando-o em favor dos incontáveis e inomináveis prazeres que estavam para ser descobertos em breve em Nova York, entre eles reuniões políticas e encontros feministas, nenhum dos quais interessava à irmã. Acho que ele parece incrivelmente triste.

Olívia concordou com a cabeça e não fez comentários enquanto entrava na biblioteca para escapar de sua irmã. E quando ela saiu novamente, satisfeita com o fato de que a bandeja se fora, Victoria havia subido para se trocar para o jantar. Olívia havia deixado suas roupas do lado de fora mais cedo naquela tarde. Ambas iam usar vestidos de seda branca, cada qual com um broche de água-marinha do par que pertencera à mãe. Poucos minutos depois, Olívia foi para a cozinha para encontrar Bertie, que soube instantaneamente que era Olívia e não sua irmã.

Você está bem? perguntou ela, parecendo preocupada por um momento. Fora um dia terrivelmente quente e ela sabia que Olívia estivera fora, passeando. E a jovem parecia subitamente muito pálida agora.

Estou bem. Papai acaba de me dizer que vamos para Nova York no início de setembro. Vamos ficar um mês ou dois, enquanto ele trata de seus negócios.

As duas mulheres trocaram um sorriso. Ambas sabiam o que aquilo significava. Uma incrível quantidade de trabalho e planejamento para abrir a casa de Nova York. Pensei que eu e você poderíamos nos encontrar amanhã cedo para começar a planejar tudo disse ela calmamente. Era uma grande quantidade de assuntos para resolver, muitos dos quais seu pai nem sabia do que se tratava.

Você é uma boa garota disse Bertie ternamente, tocando a face pálida, enquanto examinava os imensos olhos azuis e se perguntava se a coisa a havia aborrecido.

Olívia estava sentindo algo que nunca sentira antes e estava achando aquilo enervante e confuso. Ainda mais porque se preocupava com o fato de que Victoria iria entrar bem dentro de seus pensamentos e expô-los.

Você trabalha muito para seu pai elogiou-a Bertie.

Ela conhecia as duas muito bem e as amava com todas as suas semelhanças e diferenças. Eram ambas boas garotas, tão diferentes quanto era possível ser abaixo da superfície. Vou encontrá-la amanhã de manhã, então disse Olívia calmamente e depois deixou a cozinha para subir e se trocar.

Subiu pela escada dos fundos, tentando clarear seus pensamentos, para que Victoria não pudesse olhar bem dentro deles como num copo de água clara e transparente. Era impossível guardar segredos dela, impossível para ambas. Elas nunca nem haviam tentado.

Mas enquanto tentava pensar em outras coisas, enquanto se aproximava de seu imenso quarto onde dividiam a mesma cama abobadada na qual haviam dormido a vida inteira, Olívia descobriu que não podia desviar seus pensamentos dele. Tudo em que conseguia pensar era naqueles olhos verdes, aquelas poças profundas e escuras que conduziam diretamente à alma do homem que havia perdido sua mulher para o Atlântico.

Ela fechou os olhos por um momento, enquanto girava a maçaneta e forçou-se a pensar em coisas mais mundanas, como os novos lençóis que provavelmente precisaria encomendar em Nova York e as fronhas que precisava trazer para o pai. Olívia preencheu a cabeça com banalidades e então entrou rapidamente no quarto para encontrar sua irmã.

 

Na primeira quarta-feira de setembro à tarde, Olívia e Victoria Henderson foram levadas a Nova York pelo motorista de seu pai, Donovan, no Cadillac Tourer. Petrie levava a Sra. Peabody no Ford, bem atrás deles. Levavam suprimentos sem fim com eles e dois outros carros haviam sido despachados na véspera, carregando baús de roupas e tudo o que Olívia e Bertie decidiram ser absolutamente necessário para administrar uma casa decentemente.Victoria não se importava com o que estavam levando.

Empacotou dois baús de livros, um caixote cheio de papéis que queria ler e deixou Olívia escolher todas as suas roupas. Ela realmente não se importava com o que vestia. Sempre deixara isso a cargo de Olívia, cujo gosto parecia excelente para sua irmã gêmea. Olívia lia todas as revistas de Paris. Victoria preferia jornais políticos e publicações subversivas, distribuídas por membros do partido das mulheres.

Mas Olívia estava seriamente preocupada com o estado da casa na Baixa Quinta Avenida, que estivera desabitada nos últimos dois anos e, antes disso, raramente fora visitada durante muito tempo. Fora confortável e muito amada um dia, mas isso tinha sido vinte anos antes e Olívia estava certa de que não seria fácil dar à casa um ar aconchegante.

Era, apesar de tudo, a casa onde sua mãe morrera, e ela sabia o quanto eram sofridas as lembranças de seu pai. E também era a casa onde ela e Victoria haviam nascido; um lugar onde, não muito antes disso, Edward Henderson e sua jovem esposa haviam sido imensamente felizes.

Depois de checar o conforto da casa e orientar o perdido Donovan em todos os banheiros, com um alicate em cada mão para apertar e afrouxar o que fosse preciso, ela pediu que Petrie a levasse ao mercado de flores, na esquina da Sexta Avenida com a rua 28 e voltou duas horas mais tarde com o carro cheio de bonitas ásteres e lírios cheirosos. Ela estava determinada a encher a casa com as flores que amava para a chegada de seu pai, dois dias depois.

As capas que protegiam os sofás foram retiradas e guardadas, os quartos foram arejados, as camas foram desfeitas, os colchões foram batidos e os tapetes, sacudidos.

Foi necessário um exército para fazê-lo, mas na tarde seguinte Bertie e Olívia encontraram-se na cozinha para uma xícara de chá e sorriram do que haviam conseguido. Os candelabros estavam brilhando, alguns móveis haviam sido rearrumados, deixando os quartos quase irreconhecíveis e Olívia mandou tirar todas as pesadas cortinas para deixar mais luz entrar.

 

Seu pai ficará muito contente congratulou-a Bertie, enquanto se serviam de uma segunda xícara de chá.Olívia lembrou a si mesma de tentar conseguir entradas para o teatro. Havia muitas novas peças entrando em cartaz e ela e Victoria haviam jurado assistir a todas antes de voltarem para Croton-on-Hudson. Mas pensar naquilo fez com que imaginasse onde estava sua irmã. Ela não a havia visto desde cedo naquela manhã, quando Victoria havia dito que estava indo à Low Library, em Columbia e ao Metropolítan Museu. Era um longo percurso e Olívia oferecera Petrie para levá-la, mas Victoria insistira em pegar o bonde.

Ela preferia a aventura. E, depois daquilo, Olívia se esquecera completamente dela, até agora, quando começou a sentir um preocupante nó na boca do estômago.Você acha que papai vai notar todos os móveis que mudamos de lugar? perguntou Olívia distraidamente, esperando que Bertie não detectasse sua crescente preocupação. As costas de Olívia estavam doendo por tudo o que haviam feito nos últimos dois dias, mas ela nada sentia agora, enquanto começava a se preocupar com sua irmã. Sempre tivera um sentimento instintivo sobre ela e sabia com toda a certeza quando Victoria estava em apuros.

Era algo que ambas tinham e freqüentemente conversavam sobre isso. Era um tipo especial de artifício de advertência que avisava a cada uma delas quando a outra estava doente ou em apuros. E Olívia não estava certa do que aquilo queria dizer, mas sabia que estava tendo uma espécie de sinal.

Seu pai vai ficar tão feliz de ver a casa assim assegurou Bertie, parecendo não ter consciência do crescente desconforto de Olívia. Você deve estar exausta.

Realmente, estou confessou Olívia, de maneira pouco usual, para que pudesse ir para seu quarto e pensar por um momento.

Eram quatro horas da tarde e Victoria havia saído de casa pouco depois das nove da manhã. Apenas pensar sobre isso fazia Olívia entrar em pânico e repreender a si mesma por não ter insistido em mandar alguém com ela. Ali não era Croton-on-Hudson. Sua irmã era jovem, estava bem vestida e obviamente era inexperiente em lidar com grandes cidades.

E se ela tivesse sido atacada ou assaltada? Aquilo não devia nem ser cogitado. Mas enquanto Olívia andava pelo quarto, preocupada, ouviu o telefone tocar e soube instintivamente que era sua irmã. Ela correu para o único telefone que tinham, no hall superior, e agarrou-o antes que qualquer outra pessoa o fizesse.

Alô? disse sem ar, certa de que seria Victoria e instantaneamente desapontada quando ouviu uma voz desconhecida de homem. Olívia estava certa de que fora engano.

É a residência dos Henderson? perguntou a voz num sotaque irlandês, enquanto Olívia franzia as sobrancelhas. Eles não conheciam ninguém em Nova York e Olívia não podia imaginar quem estava chamando. Sim. Quem fala? perguntou ela firmemente, sentindo sua mão tremer enquanto segurava o fone de ouvido numa das mãos e o de voz na outra.

É a senhorita Henderson? perguntou ele num tom ressoante, enquanto Olívia concordava com a cabeça e respondia. Sim. Quem fala? insistiu.

É o sargento O'Shaunessy, do Quinto Distrito disse ele firmemente. Olívia reteve a respiração e fechou os olhos, sabendo o que viria antes mesmo que ele o dissesse.

Eu... ela está bem?...Era quase um suspiro. E se tivesse sido ferida? Pisoteada por um cavalo... esfaqueada por um insignificante criminoso... jogada ao solo e atropelada por uma carruagem... ou um cavalo em fuga... ou por um carro... Olívia não podia nem imaginar.

 

Ela está bem. Ele parecia mais exasperado que simpático. Ela está aqui com... ah... um grupo de jovens senhoritas... e nós... ah... o tenente determinou, por sua aparência, que ela não podia... bem... ficar aqui. As outras... ah... jovens senhoritas... ficarão detidas esta noite. Para colocar de maneira clara, senhorita Henderson, elas todas foram presas por fazerem uma manifestação sem permissão.

E se a senhorita for boa o bastante para vir aqui e pegar sua irmã imediatamente, nós a mandaremos para casa sem registrá-la e seremos muito discretos. Mas eu sugiro que não venha sozinha, se houver alguém que possa trazer consigo.A mente de Olívia estava completamente em branco. Ela não queria Donovan ou Petrie sabendo que Victoria havia sido detida pela polícia e que por pouco não fora presa. E certamente não queria que contassem a seu pai.

O que ela fez exatamente? perguntou Olívia, impressionada e agradecida por estarem querendo soltar Victoria e não prendê-la.

Manifestação, como as outras, mas ela é muito jovem e imprudente e me disse que chegou a Nova York ontem. Sugiro que vocês duas voltem para o local de onde vieram o mais cedo possível, antes que ela se meta em mais enrascadas com esta maldita e louca Associação do Direito de Voto Feminino com a qual ela se misturou. Ela está nos dando trabalho. Não queria que ligássemos para a senhorita. Ela quer que a prendamos disse ele num tom divertido, enquanto Olívia fechava os olhos, horrorizada.

Oh, meu Deus, por favor, não a escute. Eu estarei logo aí.

Traga alguém com a senhorita disse ele novamente, com severidade.

Por favor, não a prenda sussurrou Olívia ao telefone num suspiro, implorando, mas ele não tinha nenhuma intenção de fazê-lo e causar um escândalo.

Era fácil perceber, por seus sapatos e suas roupas, e até pelo chapéu que usava, não importa o quão “simples” ela pudesse achar que parecia, que Victoria não pertencia ao mesmo grupo das outras. E ele não estava disposto a ser expulso da força policial por prender uma filha de aristocrata cheia de sonhos. Ele a queria longe de suas mãos o mais rápido possível, assim que Olívia pudesse chegar lá.

Mas Olívia não sabia nem mesmo por onde começar, ou com quem falar. Ao contrário de sua irmã, ela não sabia dirigir e não queria alertar os empregados. Teria de pegar um táxi, pois levaria muito tempo se fosse de bonde, e não havia absolutamente ninguém que pudesse levar consigo, nem mesmo Bertie. Ela não podia acreditar no que estava acontecendo. Victoria realmente queria ser presa. Ela estava completamente maluca e Olívia prometeu a si mesma ficar absolutamente furiosa assim que a tivesse resgatado do Quinto Distrito. Mas primeiro ela precisava ir buscá-la.

E enquanto pensava em todas as possibilidades de como fazer para ir buscá-la, como tirá-la de lá e como chegar até lá numa cidade que ela pouco conhecia e na qual não tinha idéia de como se locomover, chegou à conclusão de que o sargento estava certo e que deveria levar alguém com ela.

E, tanto quanto odiava fazê-lo, sabia que precisava daquilo. Não tinha escolha. Assim, sentou-se silenciosamente na saleta que usavam para o telefone e lentamente levantou o fone. Era a última coisa que queria fazer, mas simplesmente não havia mais ninguém para chamar, nem mesmo John Watson, a quem ela conhecera durante toda a sua vida. Mas ela não tinha dúvida de que, se o chamasse agora, ele contaria a seu pai.

A recepcionista respondeu imediatamente e disse a ela que esperasse enquanto tentava encontrá-lo. Ela foi extremamente atenciosa desde o momento em que Olívia disse quem era, embora Olívia tivesse tido a esperança de não precisar se anunciar. Eram quatro e meia e ela estava apavorada com o fato de que ele pudesse ter saído mais cedo. Mas ele estava lá e a voz quieta e profunda de Charles, Dawson entrou na linha um momento mais tarde.

Senhorita Henderson? Ele pareceu surpreso mais do que qualquer outra coisa e Olívia teve de se forçar a não sussurrar.

Estou terrivelmente constrangida por aborrecê-lo começou ela, se desculpando.

De maneira nenhuma. Estou feliz que tenha chamado. Mas ele podia sentir em sua voz que algo acontecera e apenas desejava que nada tivesse acontecido a seu pai. Há algo errado? perguntou ele gentilmente.

Ele sabia bem, muito bem, o quão rapidamente uma tragédia podia se abater sobre alguém e parecia incrivelmente doce enquanto perguntava, mas ela não sabia como responder. Teve de lutar contra as lágrimas enquanto pensava no que Victoria fizera dessa vez.

Tentou não pensar na desgraça que seria para seu pai se Victoria tivesse realmente sido presa. E queria gritar com mortificação e medo toda vez que pensava em sua irmã sendo levada para o Quinto Distrito.

Eu... estou com medo... preciso de sua ajuda, Sr. Dawson... e de sua absoluta discrição. Ela parecia muito preocupada e ele não podia sequer começar a imaginar o que acontecera. Receio que minha irmã... eu... O senhor poderia vir até aqui me ver?

Agora? Ele saíra de uma reunião para falar com ela e não podia imaginar o que precisava tanto de sua atenção imediata. É urgente?

Muito disse ela, soando desesperada e ele espiou seu relógio enquanto a ouvia.

Devo ir imediatamente?Ela acenou com a cabeça, enquanto as lágrimas enchiam seus olhos, momentaneamente incapacitada de responder. Quando ela falou novamente, ele pôde ouvir que ela estava chorando.

Sinto terrivelmente... preciso de sua ajuda... Victoria fez algo terrivelmente irresponsável. Tudo o que ele podia pensar daquilo era que ela havia fugido com um amante. Não podia estar ferida, ou sua irmã estaria chamando um médico e não um advogado. Era impossível imaginar o que acontecera. Mas ele pegou um táxi em frente à porta e estava lá menos de quinze minutos mais tarde.

Petrie deixou-o entrar e Olívia estava esperando por ele, andando no salão de baixo. Bertie estava ocupada em algum lugar na casa e por sorte não o escutara chegar. No momento em que ele entrou, ela viu aqueles olhos novamente, os olhos que a hipnotizaram da primeira vez que o vira.

Obrigada por vir tão rapidamente disse ela e era fácil perceber o quanto estava perturbada enquanto pegava o chapéu e o colocava rapidamente, segurando sua bolsa. Precisamos sair imediatamente.

Mas o que aconteceu? Onde está sua irmã, senhorita Henderson? Ela fugiu? Ele estava confuso pelos mistérios que os cercavam e ansioso para fazer o que pudesse, mas não tinha idéia do que ela queria dele.Por um instante, Olívia se esticou e olhou para ele, seus olhos cheios de embaraço e terror. Ela era uma garota capaz, mas isso era de longe a mais chocante experiência de toda a carreira de sua irmã e não queria que absolutamente ninguém mais soubesse daquilo.

Certamente não iriam compreender o quão impetuosa era ela, ou o quão inocentes eram algumas de suas travessuras. E esse era um assunto em que as negociações de Olívia com ela não resolveriam nada. Pela primeira vez em sua vida, sentia-se inteiramente sem saída.

Ela está no Quinto Distrito, Sr. Dawson. disse Olívia num tom pesarosamente abatido. Acabaram de me ligar. Estão segurando-a lá e não vão prendê-la, se chegarmos rapidamente. A menos, é claro, que Victoria o quisesse e eles a prendessem antes que ela e Charles pudessem chegar lá.

Valha-me Deus!

Ele parecia realmente surpreso desta vez, enquanto a seguia até a porta da frente e degraus abaixo, correndo depois para procurar um táxi.

Ajudou Olívia a entrar, em seu simples vestido cinza de trabalho que estivera usando desde a manhã. Ela pusera um chapéu preto moderno e lembrou-se de que Victoria havia colocado um chapéu idêntico quando saíra de manhã. Mesmo quando não planejavam usar as mesmas coisas, elas quase sempre o faziam, como agora.

Mas ela não estava pensando sobre chapéus enquanto tentava explicar a Charles Dawson o que acreditava ter acontecido.

Ela está completamente apaixonada por esta estúpida Associação Nacional dos Direitos da Mulher e pelas pessoas que a dirigem. Olívia contou a ele todos os seus nomes, explicou sobre a manifestação em Washington cinco meses atrás e as prisões das Pankhurst na Inglaterra. Essas pessoas glorificam as prisões como algum tipo de prêmio, é uma espécie de medalha de honra. Suponho que Victoria tenha ido esta tarde a algum lugar em que estava acontecendo uma manifestação e acabou sendo detida com elas. O sargento que telefonou disse que não tinha intenção de prendê-la, mas que Victoria queria que ele o fizesse.

Charles Dawson tentou reprimir um sorriso enquanto olhava para ela e subitamente Olívia se viu sorrindo também. Ouvir a si mesma explicando a situação a ele fez com que aquilo soasse absolutamente ridículo e Victoria mais ainda.

E apenas uma garota, essa sua irmã. Ela sempre faz coisas assim, enquanto você cuida da casa para seu pai?Ela havia explicado a ele que estivera ocupada e não prestara atenção aonde Victoria fora aquele dia.

Ela realmente encarava com seriedade seu papel de irmã mais velha, embora houvesse apenas pouco mais de dez minutos de diferença entre as duas.Ela roubou um dos carros de meu pai para ir a um desses encontros no dia em que você foi nos ver em Croton. Ela estava subitamente rindo com ele, embora ainda se sentisse desesperadamente preocupada.

Bem, ao menos ela não é tola disse ele calmamente. Pense nas crianças que ela terá. É de fazer qualquer um estremecer, não?

Ele estava rindo novamente, mas ambos ficaram sérios quando chegaram ao Quinto Distrito. Ficava num lugar lúgubre, com pessoas pobres e em farrapos vadiando nos portões e muito lixo espalhado nas ruas em toda a sua volta. Enquanto Olívia saltava do táxi com Charles, viu um rato correndo pela rua para dentro da sarjeta e instintivamente chegou mais perto dele.

Quando entraram na delegacia havia bêbados e dois pequenos ladrões que haviam acabado de ser trazidos algemados, além de três prostitutas que gritavam de uma cela gradeada para a mesa do sargento e Charles olhou para Olívia para ver se ela estava prestes a desmaiar por causa do que os rodeava. Mas ela parecia bastante carrancuda e relativamente pouco incomodada pelos comentários dos bêbados e das prostitutas, pois pretendia ignorá-los.

Você está bem? perguntou ele em voz baixa, enfiando a mão dela em seu braço, enquanto Olívia ficava em pé bem próxima a ele. Charles tinha de admirá-la por seu senso esportivo e pelo equilíbrio com que estava encarando o abuso das prostitutas, que gritavam para ela com inveja.

Estou bem sussurrou ela de volta para Charles, levantando os olhos para os dele mas quando sairmos daqui, vou matá-la.

Reprimindo um sorriso, ele voltou a atenção para a mesa do sargento, que os levou para uma sala fechada onde Victoria estava sentada numa cadeira simples, bebendo uma xícara de chá, enquanto uma inspetora tomava conta dela. Victoria parecia irritada e colocou a xícara na mesa e levantou-se quando Charles e Olívia entraram no aposento. Ela não parecia feliz por vê-los.

 

É sua culpa, não é? perguntou Victoria a ela sem nem mesmo reconhecer Charles Dawson.Para ele era estranho ver as duas, tão totalmente idênticas, desde o rosto até os olhos e mesmo os chapéus, embora o de Victoria estivesse levemente fora do lugar e ela parecesse estar usando-o de maneira extravagante. Charles observava as duas, hipnotizado e sentiu instantaneamente a eletricidade entre elas.

O que é minha culpa? perguntou Olívia, claramente furiosa com a irmã.

É sua culpa que eles não tenham me prendido. Victoria parecia igualmente furiosa.

Você está desorientada, Victoria Henderson acusou Olívia. Você merece ser trancafiada, mas não aqui. Devia ir para um hospício. Você tem consciência do escândalo que seria se fosse presa? Você tem alguma idéia do embaraço que causaria a papai por causa disso? Você alguma vez pensa em alguém que não seja você, Victoria? Ou isso não está em sua agenda?

O sargento e a inspetora trocaram um sorriso. Havia pouco que eles pudessem fazer e Charles arranjou tudo calmamente com eles para tirá-la dali.

Não houvera nenhum dano real Ela apenas estivera no lugar errado na hora errada e eles estavam querendo ignorar totalmente este fato. O sargento sugeriu que ficassem de olho nela no futuro e perguntou a Charles se as duas jovens eram suas irmãs mais novas. Ele ficou surpreso com a idéia e elogiou, agora que parava para pensar naquilo, o fato de Olívia tê-lo chamado.

Ela estivera prestes a vir até ali por conta própria, e isso teria sido aterrorizante para ela, além de perigoso. O táxi ainda estava esperando do lado de fora e, enquanto as duas irmãs discutiam no pequeno aposento, ele finalmente as interrompeu e sugeriu que continuassem a conversar no carro. Olívia estava soltando fumaça.

Por um instante, ele pensou que Victoria pudesse se recusar a sair, mas não havia nada para ela fazer ali. A polícia não a queria e a excitação havia acabado.

Mas Olívia ainda estava repreendendo-a quando saíram para voltar ao táxi e Charles, muito calmamente, conduziu-as até o carro e depois se sentou entre elas. Senhoritas, sugiro que chamemos isso de um dia e tanto, mas que concordemos em esquecer este desafortunado incidente. Nada desagradável aconteceu aqui e ninguém precisa ser indiscreto.

Ele se virou então para Olívia e sugeriu que perdoasse a irmã por suas loucuras. Depois se virou para Victoria e pediu a ela que ficasse longe de manifestações pelo resto de sua estadia na cidade. Caso contrário, eles poderiam realmente prendê-la.

Isso teria sido um pouco mais honesto, você não acha? Mais honesto do que nos separar por classe e ir correndo chamar papai.

Ela ainda estava aborrecida por ter sido “salva” por sua irmã e o advogado de seu pai. E achava que Charles era um completo idiota por ter vindo com Olívia. Gostaria de dizer a ele para cuidar de sua própria vida no futuro.

Você tem alguma idéia do que isso faria a papai se ele soubesse? perguntou Olívia asperamente. Por que não pensa nele um pouco em vez de apenas em seus grupos estúpidos e no voto das mulheres? Por que você não se comporta de uma vez, em vez de estar sempre esperando que eu tire você das suas enrascadas?

As mãos de Olívia tremiam enquanto ela colocava as luvas cuidadosamente e Charles olhou para ambas, fascinado. Uma tão contida e responsável, a outra tão ardente e absolutamente sem remorso. De certo modo, Victoria lembrava a ele sua mulher, Susan, sempre sustentando idéias pouco usuais e causas difíceis. Mas ela também tivera um lado obediente, um lado dócil que ele lembrava com nostalgia nas noites calmas em que se deitava sozinho, tentando não pensar nela. Ele tinha que pensar em Geoffrey agora e não na mãe do garoto.

Mas, apesar de saber que devia, nunca poderia obrigar-se a esquecê-la e, no fundo de seu coração, sabia que não desejava realmente fazê-lo. Mas esta garota selvagem e louca, com seu chapéu preto de palha e seus ardentes olhos azuis, o intrigava muito mais do que sua irmã obviamente mais obediente.

Gostaria de deixar claro disse Victoria friamente, enquanto o táxi parava em frente a sua casa que não chamaria nenhum de vocês e não pedi para ser resgatada.

Ela estava sendo infantil e Charles não ajudava em nada sorrindo enquanto olhava para ela. Era como uma garota travessa, que precisava ser mandada para seu quarto ou censurada. Mas ela certamente não estava arrependida ou agradecida por terem ido buscá-la.

Talvez então devêssemos mandá-la de volta disse Charles e Victoria olhou-o furiosamente enquanto saltava do táxi, entrando na casa na frente de sua irmã. Ela deu as costas para ambos, tirou o chapéu e o jogou sobre a mesa.

Obrigada disse Olívia para Charles, embaraçada e furiosa com a irmã. Eu não saberia o que fazer sem você.Sempre que precisar sorriu ele e Olívia revirou os olhos.

Espero não precisar. Tente colocá-la numa coleira até que seu pai chegue disse Charles num sussurro. Estava claro que ela era uma rebelde sem qualquer arrependimento, e havia um certo charme naquilo, se a coisa fosse vista de uma distância segura.

Graças a Deus papai estará aqui amanhã à noite disse Olívia e olhou para Charles com olhos preocupados. Ela acreditara nele e esperava que não a traísse. Por favor, não diga nada a ele. Isso o aborreceria terrivelmente.

Prometo. Nem uma única palavra. Mas agora que tinha acabado, o que acontecera apenas o divertia. Prometo que um dia você vai rir disso tudo, quando vocês duas forem avós e se lembrarem de como ela quase foi presa.

Olívia sorriu do que ele estava dizendo. Victoria murmurou um curto obrigada a ele e depois subiu para se trocar para o jantar. Elas iriam jantar apenas com a Sra. Peabody naquela noite, mas Olívia perguntou a Charles se ele gostaria de se juntar a elas. Parecia o mínimo a fazer por ele e Charles também parecia confortável conversando com Olívia. Ela era a espécie de mulher de quem ele poderia ser amigo. Mas ainda era por Victoria que ele estava hipnotizado, e sentia-se tímido com ela.

Não poderia diferenciá-las, mas mesmo assim, em alguma parte muito profunda e íntima de seu ser, ele sentia quando estava na presença de Victoria e algo nela o deixava confuso e meio abobalhado. Mas Olívia, com seu jeito gentil, o fazia sentir-se confortável e descansado, como uma amiga querida ou uma carinhosa irmã mais nova.

Ele saiu poucos minutos depois e ela fechou a porta silenciosamente, subindo devagar as escadas para falar com a irmã. Victoria estava sentada em seu quarto, olhando pela janela com ar infeliz, pensando naquela tarde e no quanto se sentira tola quando o sargento a separara das outras.

Como é que vou aparecer na frente delas novamente? perguntou infeliz, enquanto Olívia a encarava. Você não devia ter estado com elas, em primeiro lugar. Olívia suspirou e sentou-se na cama, olhando para a irmã. Você não pode continuar fazendo essas coisas, Victoria. Não pode sair perseguindo qualquer idéia selvagem sem pensar nas conseqüências. As pessoas podem ficar feridas com isso, você pode ser ferida. Eu não quero que isso aconteça.Victoria olhou vagarosamente para ela e a luz que Charles vira em seus olhos acendeu-se com muito brilho.

E se mais pessoas forem ajudadas do que feridas? E se alguém tiver de morrer por um ideal, uma causa, para que as coisas certas aconteçam? Sei que para você pode soar como loucura, mas você sabe que às vezes penso que gostaria de fazer isso.

O pior é que Olívia sabia, no fundo de seu coração, que Victoria estava sendo sincera.

Ela tinha em si aquela espécie de fogo que brilhava e queimava seu coração e que a faria morrer por um ideal ou seguir aquilo em que acreditava em direção ao horizonte.

Você me assusta quando fala assim disse Olívia baixinho e Victoria segurou sua mão. Não é a minha intenção. Apenas acho que é assim que sou. Não sou você, Olhe. Mesmo que nós nos pareçamos muito, como poderíamos ser mais diferentes?

Diferentes e a mesma disse Olívia, confusa com o mistério que as seguia desde que nasceram, tão parecidas de tantas maneiras tão absolutamente diferentes de outras.

Sinto muito sobre esta tarde. Eu não queria assustá-la. Victoria estava finalmente arrependida, mas não por causa do que tinha feito, e sim porque aborrecera a irmã. Amava muito Olívia para machucá-la.

Eu sabia que havia algo errado. Senti aqui. Ela tocou o estômago e Victoria acenou com a cabeça. Ambas conheciam bem aquela sensação.

A que horas? perguntou Victoria com interesse. A telepatia entre elas sempre a intrigara.

Às duas disse Olívia e Victoria concordou com a cabeça. Estavam ambas acostumadas com o fenômeno que sempre parecia dizer a cada uma delas quando a outra estava com problemas. Na hora certa. Acho que foi quando eles nos prenderam e nos colocaram no carro. Deve ter sido fascinante disse Olívia, novamente em tom desaprovador, mas Victoria sorriu, parecendo divertir-se muito com aquilo.

No fundo, eu achei que foi muito engraçado. Eles estavam tão determinados a colocar todo mundo lá dentro e ninguém queria ser deixado do lado de fora.

Todas queriam ser presas. Victoria riu mais e Olívia gemeu, lembrando-se do telefonema do sargento O'Shaunessy do Quinto Distrito.

Estou satisfeita que não a tenham prendido disse Olívia firmemente.

Por que você o chamou? perguntou Victoria então, piscando os olhos e procurando por respostas não ditas. Havia uma miríade de coisas que sempre ficavam não ditas, mas eram claramente entendidas por elas.

Não sabia a quem chamar, E não queria levar Donovan ou Petrie. Estava com medo de ir sozinha, e eles me disseram para não ir quando me ligaram.

Você podia ter pensado. Não precisava dele. Ele é tão insignificante.

Victoria espantou Charles Dawson para o lado com um movimento de mão. Para ela, ele era inteiramente sem importância. Ela não via nele nenhum dos méritos que Olívia via. E não tinha por ele nenhum interesse.

Ele não é insignificante - defendeu-o Olívia. Era um homem vencido, qualquer um podia ver facilmente que sua chama fora apagada, mas sofrera um golpe cruel numa das viradas rápidas da vida e Olívia sentia-se desesperadamente triste por ele. Isso não a fazia sentir piedade, mas ela gostava dele. Ela podia ver as qualidades do homem, o homem que devia ter sido antes e que poderia ser novamente, com um pouco de carinho e talvez a mulher certa. Ele está ferido explicou Olívia.

Me poupe. Victoria riu cruelmente, desprezando suas fraquezas e feridas.

Isso não é justo. Hoje ele chegou aqui em dez minutos para ajudá-la.

Papai provavelmente é um de seus maiores clientes.Que coisa desagradável de se dizer! Ele poderia ter me dito que estava ocupado.Talvez ele goste de você disse Victoria travessamente, mas sem muito interesse.

Ou de você disse Olívia com justiça.

Talvez ele não possa perceber a diferença entre nós disse Victoria sinceramente.

Isso não faz dele uma má pessoa. Papai também não pode perceber sempre a diferença entre nós. Bertie é a única que sempre pôde.

Talvez ela tenha sido a única que realmente se preocupou com isso disse Victoria secamente. Por que você é tão cruel às vezes? replicou Olívia, infeliz.

Ela odiava quando a irmã dizia coisas daquele tipo. Às vezes ela conseguia ser tão insensível.

Talvez seja apenas o meu jeito de ser. Victoria falava de modo prosaico, mas sem nenhum remorso. Eu também sou dura comigo. Espero muito de todo mundo, Ollie. Espero fazer mais de minha vida do que apenas sentar aqui e ir a festas e balés e teatros. Ela parecia subitamente muito madura e Olívia estava surpresa com o que ela estava dizendo. Pensei que você quisesse vir para Nova York. Você é quem sempre se queixa de estar presa na entediante e velha Croton-on-Hudson.

Eu sei que faço isso e adoro estar aqui, mas não é apenas a vida social que desejo. Quero que algo importante aconteça em minha vida também. Quero mudar o mundo. Quero me sustentar sendo algo mais do que apenas a filha de Edward Henderson. Ela parecia muito intensa e viva enquanto dizia aquilo.

Soa tão nobre quando você fala sobre isso dessa maneira!

Olívia sorriu para sua irmã gêmea. Victoria às vezes tinha idéias muito grandiosas, mas ainda assim Olívia sabia que ela realmente acreditava nelas. Mas ela ainda era uma criança de certa forma e às vezes uma criança muito mimada. Queria tudo, gente, diversão, festas e Nova York, mas havia nela um lado sério também, que queria lutar todas as batalhas, consertar todas as injustiças e mudar o mundo.

Ela ainda não sabia exatamente o que queria, mas Olívia às vezes sentia que Victoria faria muito mais de sua vida do que simplesmente viver em Croton.

Que tal ser a esposa de alguém? perguntou Olívia calmamente, pois era algo em que pensava de vez em quando, ainda que não pudesse nem mesmo imaginar a hipótese de deixar seu pai. Ele precisava muito dela.

Não é o que quero - respondeu Victoria firmemente. Não quero pertencer a ninguém, como uma mesa ou cadeira, ou um carro. “Esta é minha mulher” é como dizer este é meu chapéu, ou meu sobretudo, ou meu cachorro. Não quero “pertencer” a ninguém, como um objeto. Você tem passado muito tempo com essas sufragistas rosnou Olívia.

Ela não concordava com quase nada do que diziam, exceto talvez sobre o direito de voto. Mas todas as suas idéias sobre liberdade e independência pareciam ser menos importantes do que as que Olívia amava mais, como família e crianças, e ser respeitosa com o pai ou com um marido.

Ela não acreditava naquela espécie de anarquia que estavam pregando e embora Victoria dissesse que gostava, Olívia às vezes duvidava. Victoria gostava de fumar e de roubar o carro de seu pai, de ir sozinha aos lugares e até mesmo de arriscar-se a ser presa por algo em que acreditava, mas ela amava seu pai tão carinhosamente quanto qualquer um e Olívia sentia que, se o homem certo aparecesse, Victoria cairia de amores por ele como qualquer outra mulher o faria, talvez até mais intensamente ainda.

Ela era feita de fogo, de crenças pelas quais queria morrer e de uma espécie de paixão desenfreada. Como ela podia dizer que não queria nunca “pertencer” a ninguém ou ser a esposa de um homem? Ela simplesmente não era assim.

Falo sério disse Victoria calmamente. já tomei esta decisão há muito tempo. Não quero me casar. Ela parecia incrivelmente bela enquanto dizia aquilo e Olívia sorriu, pensando que não acreditava nela.Quando foi “há muito tempo”? No encontro de sufragistas a que você foi hoje ou na semana passada? Não acho que você saiba o que está dizendo. Sim, eu sei. Nunca me casarei. Ela disse isso calma e firmemente, com total convicção. Realmente, não acho que o casamento vá me satisfazer.

Como é que você pode saber isso? Você está me dizendo que vai ficar em casa com papai e tomar conta dele?

A idéia soava ainda mais ridícula naquele momento. Olívia podia ficar em casa e tomar conta dele em seus últimos anos, mas não Victoria. Ambas sabiam que ela não poderia fazê-lo. Ou pelo menos Olívia sabia. E imaginava se Victoria já compreendera aquilo. Será que ela acreditava que podia ser realmente feliz em casa com ele em Croton? Era pouco provável.

Eu não disse isso. Mas talvez eu vá viver na Europa um dia, quando formos mais velhas. Na verdade, acho que gostaria de viver na Inglaterra.

A causa da liberdade feminina estava um pouco mais desenvolvida lá, apesar de não estar sendo mais bem recebida que em Nova York ou em qualquer outro lugar nos Estados Unidos. Apenas nos últimos meses, pelo menos meia dúzia de líderes sufragistas haviam sido detidas e mandadas para a prisão na Inglaterra.

Mas Olívia estava surpresa pelas coisas que Victoria dissera, particularmente sobre nunca se casar e viver na Europa. Tudo aquilo parecia tão estranho e tão diferente para Olívia e isso a lembrava novamente do quanto eram diferentes. Apesar dos instintos parecidos que às vezes partilhavam e de suas aparentes semelhanças, havia algumas diferenças enormes entre elas.

Talvez você devesse se casar com Charles Dawson Victoria estava provocando-a, enquanto ambas começavam a se vestir para jantar com Bertie. já que você o acha tão doce. Talvez você gostasse de se casar com ele disse Victoria, enquanto deslizava o fecho nas costas do vestido de Olívia e depois se voltava para que a irmã fechasse o seu. Aquela era uma nova invenção que havia acabado c entrar na moda naquele ano, algo incrivelmente fácil e bem mais evoluído do que as carreiras de botões que se enroscavam nos dedos das pessoas.

Não seja estúpida disse Olívia a respeito do comentário de sua irmã sobre Charles Dawson. Eu apenas o encontrei duas vezes na vida - completou baixinho.

Mas você gosta dele. Não minta para mim. Eu posso ver.

Tudo bem, então eu gosto dele. E daí? Ele é inteligente e agradável para se conversar, além de terrivelmente útil quando minha irmã se enfia numa cadeia. Talvez eu tenha de me casar com ele se você transformar num hábito essa história de virar um pássaro na gaiola Seria isso ou ir para a escola de Direito.

Isso seria bem melhor disse Victoria firmemente.

As duas irmãs haviam feito as pazes uma com a outra enquanto se vestiam e Olívia quase a perdoara pelo exótico fim de tarde, mas forçara Victoria a jurar que ficaria longe de manifestações pelo resto de sua estadia em Nova York. Ela não queria perder seu tempo na cidade livrando Victoria de problemas. Victoria prometeu relutantemente e fumou um cigarro no banheiro enquanto Olívia penteava os cabelos e queixava-se de quanto era pouco atrativo para uma dama fumar cigarros, mas Victoria apenas sorriu para ela e falou que ela soava como Bertie.

Se ela soubesse que você fumou, seria capaz de matá-la!

Olívia abanava a escova para sua irmã gêmea para enfatizar seu ponto de vista e Victoria ria, parecendo terrivelmente cheia de vida, enquanto se sentava com suas longas pernas cruzadas na beira da gigantesca banheira, num dos vestidos que Olívia havia acabado de comprar para elas.

Era de um vermelho brilhante e um pouco mais curto que alguns dos vestidos que usavam. Era de fato a última moda e caía em arribas com perfeição. Eu gosto disso, por sinal elogiou-a Victoria, enquanto desciam as escadas para a sala de jantar com seus braços em torno uma da outra.

Gosto de todos os vestidos que você escolhe para nós. Talvez eu apenas viva com você pelo resto de minha vida e esqueça a Europa. Eu não consigo imaginá-lo disse Olívia delicadamente, sentindo-se triste com o pensamento de que um dia poderiam não estar mais juntas.

Ela nunca se deixara pensar em casamento porque não podia tolerar a idéia de deixar seu pai ou sua irmã gêmea. Seria como deixar parte de si mesma para trás e às vezes ela sentia que não sobraria nada nela sem eles.

Não posso imaginar o fato de deixá-la disse Olívia, enquanto olhava para o rosto familiar que vira por toda a sua vida, tão totalmente idêntico ao seu próprio que era como olhar no espelho. Cada detalhe que uma tinha, a outra tinha no lado oposto, de modo que realmente era como olhar no espelho.

Eu não poderia deixá-la disse Olívia olhando para Victoria, que sorriu e beijou-lhe o rosto gentilmente. Você não precisará fazê-lo, Ollie. Não acredito que pudesse suportar ir a lugar algum sem você. Estou apenas falando disse ela, sentindo que aborrecera Olívia com sua conversa sobre a Europa. Apenas ficarei em casa com você e serei presa sempre que precisar respirar.

Você não ouse! Olívia balançou o dedo para ela novamente, enquanto Bertie se juntava às duas na sala de jantar num vestido de seda preto que Olívia copiara para ela de uma revista de Paris. Parecia surpreendentemente bem nela e Bertie o usava sempre que tinha de jantar com a família, o que considerava uma honra.

E onde você esteve toda a tarde, Victoria? perguntou Bertie quando se sentavam e ambas as garotas desviaram os olhos enquanto abriam os guardanapos.

No museu. Havia uma esplêndida exposição de Turner, da National Gallery de Londres. Mesmo? disse Bertie, abrindo largamente seus velhos e sábios olhos, querendo acreditar nela. Terei de ter certeza e ver enquanto estivermos aqui.

Você vai amar disse Victoria, com um sorriso brilhante enquanto Olívia olhava para o teto da casa em que seus pais haviam vivido. Ela imaginava como teria sido quando sua mãe estava ali, como seria e quem realmente era espiritualmente mais parecida com a mãe, se ela ou sua irmã.

Era uma questão que elas sempre ponderavam; ambas sabiam que seu pai preferia não discutir o assunto. Mesmo após todos esses anos ainda era muito doloroso para ele. Será bom ver seu pai amanhã, não, garotas? perguntou Bertie prazerosamente, enquanto terminavam a refeição e a copeira servia o café.

Sim, será respondeu Olívia, pensando nele e nas flores que ia colocar em seu quarto, enquanto Victoria se perguntava se ele realmente a mataria se participasse de apenas mais uma manifestação.Ela ouvira falar sobre uma outra naquela tarde, a caminho da delegacia e prometera estar lá. Mas enquanto pensava nisso, Olívia encarou-a e sacudiu a cabeça, já que sabia o que ela estava pensando. Elas conseguiam fazer aquilo uma com a outra algumas vezes.

Nunca sabiam como acontecia, mas acontecia. Era quase como se pudessem ouvir os pensamentos da outra antes que fossem ditos.

Não ouse sussurrou Olívia para ela pelas costas de Bertie quando deixavam a mesa.

Não faço idéia do que você está falando disse Victoria, tentando disfarçar.

Da próxima vez eu a deixarei lá, guarde bem minhas palavras e deixarei que você mesma explique a papai. Duvido disse Victoria com um sorriso, enquanto atirava seus longos cabelos negros sobre os ombros. Não havia quase nada de que ela tivesse medo. Mesmo ter sido detida naquela tarde não causara nenhuma impressão nela, fosse qual fosse. Achara interessante, mas não sentira medo. Você é incorrigível disse Olívia.

Depois elas deram um beijo de boa-noite em Bertie e subiram para o quarto. Olívia folheou algumas revistas de moda e Victoria leu um panfleto escrito por Ermeline Pankhurst sobre greves de fome na prisão. Ela era, de acordo com Victoria, a mais importante sufragista da Inglaterra.

Victoria ousou acender um cigarro no quarto, sabendo que Bertie já fora para a cama, e encorajou Olívia a fumar um, mas ela não quis.

Em vez disso, Olívia sentou-se olhando pela janela para a noite quente de setembro e, apesar de tudo em que tentou pensar, sua mente voltava sempre para Charles Dawson. Não faça isso disse-lhe Victoria, enquanto se deitava na cama e observava a irmã.Não faça o quê? perguntou Olívia, voltando-se para olhar para Victoria, que fumava elegantemente reclinada.

Não pense nele disse Victoria suavemente, soprando uma longa e lenta nuvem de fumaça através da janela. O que você quer dizer? Olívia pareceu assustada. Era sempre estranho quando uma delas adivinhava o que a outra estava pensando.

Você sabe exatamente o que quero dizer: Charles Dawson. Você tinha o mesmo brilho nos olhos quando falou com ele. Ele é muito entediante para você. Haverá muitos homens maravilhosos aqui. Posso senti-lo. Ela parecia muito mundana ao dizê-lo, mas Olívia ainda estava assustada.

Como é que você sabe o que estou pensando? Acontecia com elas tão freqüentemente!

Da mesma maneira que você sabe. Eu às vezes ouço você em minha cabeça, como minha própria voz pensando. Às vezes eu simplesmente posso ver os seus pensamentos quando olho para você.

Isso às vezes me amedronta disse Olívia honestamente. Somos tão unidas que não sei onde você termina e eu começo, ou sabemos? Será que às vezes simplesmente nos fundimos uma na outra?

Às vezes Victoria sorriu para ela mas nem sempre. Gosto de saber o que você pensa... e gosto de ser capaz de surpreender as pessoas e trocar de lugar como costumávamos fazer. Às vezes sinto falta disso. Nós poderíamos fazê-lo novamente em algum momento, enquanto estivermos aqui. Ninguém jamais notaria a diferença. E seria muito divertido, não? A mim me parece diferente agora que somos mais velhas. Parece enganação disse Olívia, pensativa.

Não seja tão moralista, Ollie. É inofensivo. Não machuca ninguém. Tenho certeza de que todos os gêmeos fazem isso. Mas elas tinham conhecido gêmeos apenas uma ou duas vezes na vida e nunca de idades ou sexo comparáveis e nem tão idênticos como elas. Vamos fazê-lo em breve espicaçou-a Victoria, sempre querendo passar dos limites e ser ousada como fora em sua infância.

Mas desta vez, quando Olívia olhou para ela, apenas sorriu e não respondeu, Victoria soube que ela não o faria. Elas tinham crescido agora. E Olívia pensava que a troca era infantilidade.Você vai virar uma sombria e velha senhora encarquilhada se não tomar cuidado advertiu Victoria e Olívia sorriu para ela genuinamente divertida.

Quando eu ficar assim, talvez você tenha aprendido a se comportar. As duas irmãs trocaram um olhar carinhoso e Victoria deu uma risada.

Não conte com isso, irmã mais velha. Não tenho certeza se um dia terei “aprendido a me comportar”. Nem eu sussurrou Olívia e depois deixou o aposento para se preparar para dormir enquanto Victoria olhava melancolicamente pela janela.

Seu pai chegou de Croton-on-Hudson na data marcada, no fim da tarde de sexta-feira. Donovan, fora buscá-lo no Cadillac e Olívia estava com a casa em perfeita ordem. Tudo estava exatamente onde deveria estar, tudo fora limpo, polido e sacudido, e seu quarto estava exatamente do jeito que ele gostava.

Olívia colocara flores por toda a parte, e a casa exalava um cheiro delicado. Mesmo o jardim fora limpo para que ele pudesse usá-lo, embora fosse apenas uma pequena mancha verde comparado ao que estavam acostumados em Croton.

Mas quando ele chegou, ficou extremamente satisfeito com o que viu e fez muitos elogios a Bertie e suas filhas.

Ele sempre incluía Victoria para ser gentil com ela, embora soubesse que fora Olívia quem colocara a casa para funcionar. Ele estava feliz por vê-las e parecia muito amoroso com ambas. Beijou Victoria e agradeceu a ela pelo trabalho pesado de Olívia, o que fez ambas sorrirem e ele entendeu imediatamente o que acontecera.

Vou ter de mandar Bertie fazê-las usarem elásticos coloridos nos cabelos novamente, a menos que vocês façam o que faziam antes e os troquem, o que é bastante provável.

Nós não temos mais idade para isso, papai disse Victoria em tom de queixa e Olívia olhou sutilmente para ela. Está certo e quem e que estava tentando me falar justamente sobre isso na noite passada? disse Olívia, enquanto Victoria não se lembrava.

Ela não o fará mais, papai. Ela não se diverte mais com isso reclamou Victoria

e ele sorriu com tristeza para ela.

Vocês duas tornam qualquer um miserável o suficiente apenas pelo fato de confundi-las, mesmo sem trocar de lugar.

Ele ainda estremecia quando pensava em sua apresentação à sociedade dois anos antes. Ambas se destacaram tanto com seu refinamento, que ele não fora capaz de ir com elas a lugar algum sem parar o trânsito. Em sua opinião, fora um verdadeiro excesso. E desejava que desta vez a pessoas ficassem um pouco menos excitadas quando as vissem Ma logo eles veriam isso. Iriam ao teatro na noite seguinte.

Na noite de sua chegada, Olívia planejou um de seus jantares favoritos, com carne de cervo, aspargos, arroz selvagem e alguns moluscos trazidos naquela manhã de Long Island. Havia verduras de seu jardim em Croton, que Donovan trouxera a seu pedido e um bolo de chocolate que seu pai jurou que ia matá-lo, mas é claro que comeu. E após o jantar os três tomaram café, enquanto ele falava sobre alguns planos que fizera para eles, incluindo o teatro na noite seguinte e em muitas outras nas próximas semanas.

Havia pessoas que ele queria que conhecessem, dois novos restaurantes que esperava experimentar com elas e naquela noite disse a Olívia que queria dar uma festa. Havia anos que ele não se divertia em Nova York e achava que seria interessante para elas, particularmente agora, que todas as pessoas da Nova Inglaterra e de Long Island estavam ali por causa do fim do verão. Era a abertura da estação. E a idéia pareceu fascinante para ambas enquanto escutavam.

Na verdade disse ele, sorrindo para ambas e parecendo mais bem-disposto do que parecera durante anos nós já fomos convidados para um baile nos Astor e os Whitney estão dando uma grande festa daqui a duas semanas. Receio que vocês tenham de fazer algumas compras.Tudo aquilo soava excitante para ambas, mas Olívia estava ainda mais excitada com sua festa. Seu pai dissera que queria convidar cerca de cinqüenta pessoas. Grande o suficiente para ser cheia de vida e pequena o suficiente para poder conversar com quase todos durante a noite. Ele prometeu dar a Olívia a lista de convidados no dia seguinte. Já havia escrito todos os nomes e ela e Bertie estariam bastante ocupadas. Ele sabia muito bem que Victoria não seria de muita ajuda para elas.

 

Na manhã seguinte Olívia já estava em sua escrivaninha, estudando os nomes e escrevendo os convites. A festa seria dentro de quinze dias, na mesma semana do baile dos Astor. Elas ficariam bastante ocupadas. Olívia também ficou satisfeita ao constatar que reconhecia muitos nomes de dois anos atrás, embora nem sempre pudesse relacioná-los aos rostos. Mas ela se lembrava de tê-los conhecido e pensou que seria interessante vê-los novamente, particularmente aqui na casa. Ela amava propiciar diversão para seu pai.

Olívia também já compusera muitos menus em sua cabeça e bem cedo naquela manhã começou a examinar as toalhas de mesa. Teria de mandar buscar mais algumas em Croton. Os cristais e a porcelana chinesa daqui eram adequados e ela sabia exatamente o que queria em termos de flores, esperando que ainda pudesse encontrá-las neste fim de setembro.

Olívia ficou em sua escrivaninha boa parte daquela tarde, trabalhando em seus planos e Victoria saiu para um passeio de carro com o pai. Eles passearam pela cidade no Cadillac e fizeram uma pequena caminhada pela Quinta Avenida, onde Edward encontrou muitas pessoas que conhecia. Estava orgulhoso de apresentar sua filha.

Estavam ambos bem-humorados quando chegaram em casa, assim como Olívia, que já havia organizado a festa toda.

Naquela noite, quando foram ver The Seven Keys to Baldpate, com Wallace Eddinger, no Teatro Astor, seu pai parecia conhecer todo mundo no recinto. E como sempre, quando elas eram apresentadas, criavam quase um tumulto. As garotas estavam usando adequados vestidos de noite de veludo negro, com pequenos agasalhos e colarinhos de peles, e cada uma usava um adorno de plumas longo e negro no cabelo. Juntas eram como uma visão dupla saída de uma revista de moda de Paris e, na manhã seguinte, estavam novamente nos jornais. Mas desta vez Edward estava mais calmo sobre isso do que estivera dois anos antes e as garotas, menos excitadas. Elas estavam dois anos mais velhas e estavam mais ou menos acostumadas a causar sensação em público.

Foi maravilhoso disse Victoria, falando sobre o teatro da noite anterior. Ela gostara da peça e ficara com sua atenção tão voltada para o palco que quase não notara a atenção das pessoas em volta sendo focada nelas.

É bem melhor do que ser presa sussurrou Olívia para ela com um gracejo, enquanto ia pegar outra xícara de café para o pai.

Foram à igreja juntos mais tarde naquela manhã, em St. Thomas e todos os cumprimentaram. Depois os três entraram no carro atrás de Donovan e voltaram para a casa na Quinta Avenida, para passarem um domingo tranqüilo juntos.

Na manhã seguinte, Olívia teve trabalho a fazer, percorrendo a casa e dando ordens para a festa e seu pai saiu para encontrar seus advogados, o que era, na verdade, o motivo de terem vindo para cá. Tanto John Watson quanto Charles Dawson voltaram para casa com ele no fim da tarde e Olívia teve um pequeno momento de terror quando os viu chegando.

Ela estava com medo de que Charles pudesse ter escorregado e dito algo para seu pai sobre o dia em que a levara ao Quinto Distrito. Mas, na verdade, ele não disse absolutamente nada a ela. Charles acenou polidamente para ela quando chegaram e disse adeus quando saíram. Não mostrou qualquer reconhecimento particular, o que foi um grande alívio para ela, embora Victoria dissesse que ela não deveria ter se preocupado, quando Olívia lhe contou.

Papai ficaria furioso advertiu-a Olívia, trazendo-a de volta a terra rapidamente e você sabe disso. Você estaria no próximo trem para Croton.

Talvez você esteja certa. Victoria riu para ela.

Ela estava gostando muito de Nova York para perder aquela chance. Ela queria ir aos encontros da Associação Nacional dos Direitos da Mulher, mas prometera ficar bem longe de todas as manifestações.

Elas foram ao teatro novamente naquela noite e jantaram com amigos de seu pai naquela semana. Victoria se divertira ao ouvi-los falar sobre um homem totalmente escandaloso chamado Tobias Whitticomb, que aparentemente fizera uma vasta fortuna em algum tipo de especulação bancária e a aumentara ainda mais se casando com uma Astor. Pelo visto ele era um jovem muito bem-apessoado e tinha uma ótima reputação entre as mulheres. Todo mundo na cidade estivera falando nele depois de alguns recentes casos escandalosos, que ninguém poderia explicar em detalhes para Victoria nem para sua irmã.

Depois seu pai chocou a todos dizendo que fizera negócios recentemente com ele e o achara não só civilizado, mas também agradável. Na verdade, eles haviam fechado alguns negócios muito lucrativos e ele o achara muito honesto e decente.

Depois disso todos discutiram com ele num grande clamor, trocando histórias sobre Whitticomb. Mas tiveram de admitir que, apesar de sua reputação, ele sempre era convidado para as melhores casas e festas. Mas aquilo, disseram, era apenas porque ele se casara com Evangeline Astor. E todos no grupo concordavam que ela era uma garota doce e um absoluto anjo para conseguir ficar com Tobby. E ela já estava com ele havia algum tempo, desde que se casaram, cinco anos antes, e tinham três filhos.

E foi apenas no caminho de casa naquela noite que Olívia lembrou-se de que os Whitticomb haviam sido convidados para a festa de seu pai.

Ele é tão mau como dizem? perguntou Olívia com curiosidade no fim da noite, enquanto rodavam para casa no confortável Cadillac.

Victoria não estava prestando nenhuma atenção neles. Tivera bons momentos naquela noite conversando com algumas mulheres sobre política e parecera ter grandes coisas a dizer sobre o assunto. Mas Edward Henderson sorriu da mais velha das gêmeas e deu de ombros em resposta à sua pergunta.

É preciso ter cuidado com homens como Tobias Whitticomb, minha querida; ele é muito bonito e jovem, e provavelmente muito atraente para a maioria das mulheres. Mas com toda a justiça, acredito que a maior parte de suas conquistas é entre as mulheres casadas e convém a elas serem discretas o suficiente para isso. E se não o forem, então misericórdia para elas. Não acho que ele saia por aí arrebatando jovens garotas ou eu não o teria convidado para nosso jantar.

Quem é esse? perguntou Victoria vagamente, enquanto voltava sua atenção para a conversa. Eles já estavam quase em casa e ela não estava particularmente interessada, já que não ouvira a conversa anterior. Aparentemente, papai convidou um terrível libertino para nossa festa e nossa anfitriã de hoje estava nos alertando sobre ele.

Ele assassina mulheres e criancinhas? perguntou Victoria ainda sem interesse.

Acho que é justamente o oposto explicou-lhe Olívia. Ele parece ser muito charmoso e as mulheres se jogam aos seus pés, como cachorrinhos, esperando que ele as ame.

Que desagradável disse Victoria com indisfarçável desaprovação, enquanto Olívia e seu pai sorriam de sua reação. Por que o estamos convidando?

Ele tem uma esposa muito charmosa também.

E ela também tem homens agarrados a seus pés?

Eles poderiam criar um problema na festa, com todo mundo se jogando no chão ao redor deles a noite toda,

Eles já estavam em casa e os três entraram, cansados e satisfeitos com a noite. E o assunto de Tobias Whitticomb foi rapidamente esquecido. Mas apesar de ter convidado os duvidosos Whitticomb, que já haviam aceitado o convite, estavam todos parecendo entusiasmados com a festa. Quase todos os convidados aceitaram o convite. Haveria quarenta e seis convidados em quatro mesas redondas na sala de jantar, dança na sala de visitas mais tarde e até mesmo uma tenda especialmente montada no jardim para que as pessoas pudessem passear por ali.

Olívia se metera num grande problema em beneficio de seu pai.Parecia que faltavam apenas alguns momentos para que o grande dia chegasse e por dois dias Olívia não fez nada a não ser checar flores, linhos e louças.

Ela provou a comida e observou a montagem da tenda no jardim Havia esculturas de gelo instaladas na sala de jantar, a orquestra chegou e ela colocou os músicos na sala de visitas. Os preparativos pareciam durar para sempre.

A Sra. Peabody fez o que pôde, mas até ela parecia um pouco sobrecarregada e é claro que Victoria jamais poderia ser encontrada a tempo para se tomar útil. Nas últimas semanas ela começara a reunir um grupo de amigos, a maior parte deles claramente intelectual, um ou dois escritores e muitos artistas, todos vivendo em lugares estranhos. Ela começara a visitá-los em seus estúdios e achou que compartilhavam muitos de seus pontos de vista políticos.

Ela estava fazendo amigos mais rapidamente que Olívia, que sempre parecia estar ocupada tomando conta da casa ou do pai.

Victoria sempre dizia a ela que precisava sair mais e Olívia prometia que faria isso assim que acabasse de organizar a festa. Depois disso, ela estaria livre para fazer o que quisesse. De fato, elas iriam ao baile dos Astor no dia seguinte e ela mal podia esperar para se divertir na festa de outra pessoa. Mas esta noite era o seu grande momento como anfitriã. Esta era a primeira festa que ela dava em Nova York.

E estava realmente tremendo de excitação quando ela e Victoria desceram as escadas em seus vestidos de cetim verde-escuro que ela mandara as costureiras de Croton fazer. Os vestidos tinham anquinhas atrás e também pequenas caudas e os decotados espartilhos eram incrustados com contas de azeviche. As duas usavam o cabelo preso no alto da cabeça e sandálias de saltos altos de veludo negro.

Ambas usavam os longos cordões de pérolas que ganharam do pai quando fizeram dezoito anos e idênticos brincos de diamantes. Elas eram como uma visão simétrica, um perfeito dueto e até mesmo a maneira com que se moviam parecia em completa harmonia, enquanto Olívia checava tudo uma última vez e Victoria olhava ao redor do aposento parecendo feliz e excitada.

A banda tinha começado a tocar e a casa tinha uma aparência extraordinária, quase totalmente iluminada com velas. Todos os candelabros foram acesos, havia flores cheirosas por toda parte, e as gêmeas por si só pareciam incríveis enquanto ficavam de pé à luz das velas da sala de visitas, próximas a seu belo pai.

Ele deu um passo atrás por um momento, olhando para elas, e era impossível não ficar abalado com a beleza das duas, com sua graça e elegância. Uma delas apenas ia seria deslumbrante, mas duas deixavam quem quer que as olhasse hipnotizado e descrente, exatamente o que acontecia com os convidados que começavam a chegar e viam as gêmeas em pé ao lado do pai.

Mesmo preparadas como as pessoas deviam estar, subitamente vê-las ali tirava a respiração de qualquer um e os convidados olhavam para elas constantemente, incapazes de lembrar quem era quem e, de certa maneira, vendo-as mais como uma unidade. Nenhuma delas parecia completa sem a outra bem a seu lado.

Elas se identificaram rapidamente para seus amigos e Edward apresentou-as a todos, mas a maior parte dos convidados não tinha idéia de qual gêmea era Olívia e qual era Victoria e Charles Dawson nem mesmo tentou sabê-lo quando chegou. Ele simplesmente cumprimentou as duas com um sorriso caloroso e olhou com interesse de uma para a outra.

E foi apenas quando começou a conversar com elas na sala de visitas que começou a sentir novamente qual delas era mais selvagem e, em voz mais baixa, até ousou provocá-la.Bem longe do Quinto Distrito, não? perguntou ele com uma centelha nos olhos e Victoria encarou-o descaradamente desafiadora, enquanto sorria para ele, não ficando nem mesmo embaraçada com o fato de que alguém pudesse ouvi-los.

Eu disse a Olívia que vocês deviam tê-los deixado me prender. Eu esperava por isso. Fiquei realmente muito desapontada quando eles não o fizeram.

Não acho que sua irmã tenha ficado disse Charles baixo, admirando-a. Ela era a mais bela mulher que vira em anos, assim como sua irmã. Acho que ela ficou bastante aliviada por termos tirado você dali o mais rápido possível. Eu confesso ter achado que teríamos momentos difíceis ali disse ele, soando aliviado. Fora um momento estranho.

Nós sempre podemos de novo. Eu mesma o chamarei da próxima vez disse ela com sua voz sensual sugerindo futuras travessuras.

Ele pensou em como Edward Henderson mantivera sua sanidade tendo duas filhas como estas para se preocupar, apesar de Charles saber que Olívia era bem mais comportada que sua irmã supostamente “mais nova”. Talvez aquilo bastasse para Edward. Ele dizia que Olívia era sua dádiva dos céus.

Avise-me sempre que você precisar de alguma ajuda. Estarei aqui disse Charles calmamente, afastando-se em seguida para falar com muitos outros convidados que ele conhecia e, claro, com seu associado John Watson.

Eles estavam sob a tenda que cobria o jardim admirando as esculturas de gelo, quando os últimos convidados finalmente chegaram e Olívia misturou-se livremente com seus convidados. Era Victoria quem ainda estava de pé próximo à porta quando os Whitticomb chegaram. Ela não tinha idéia de quem eram e não se lembrava da conversa que haviam tido sobre eles. Ela apenas notou uma mulher muito bonita, num vestido com capa prateada e um turbante também prateado, que expunha uma ou duas mechas de um pálido cabelo louro.

Ela estava usando um extraordinário e impressionante colar de diamantes. E o homem a seu lado era ainda mais bem apessoado. Ele quase tirou a respiração de Victoria quando ela olhou para ele e, um momento mais tarde, sua esposa afastou-se para cumprimentar amigos que ela vira indo para a tenda, inexoravelmente atraídos pelo champanhe e pela música.

Era uma moça muito bonita, mas ele não parecia nem mesmo notá-la enquanto encarava Victoria em seu vestido verde-escuro, extremamente na moda, costurado por ágeis dedos em Croton e delicadamente retocado por sua ainda mais talentosa irmã gêmea.

Olá, eu sou Tobias Whitticomb - disse ele, aceitando uma taça de champanhe de uma bandeja de prata que passava e sem jamais tirar seus olhos da espetacular figura de Victoria. Ele olhou dentro de seus olhos enquanto dizia seu nome, como se esperasse que ela soubesse tudo sobre sua reputação. E você é... incitou ele, sem que seus olhos deixassem seu rosto, imaginando por que ele nunca a vira antes e quem ela era. Era uma beleza rara.Sou Victoria Henderson disse ela modestamente, de súbito embaraçada com suas maneiras obviamente sofisticadas.

Oh, querida disse ele, claramente desapontado. Você é casada com nosso anfitrião. Que homem sortudo! Ele sorriu para ela tristemente; fora sua esposa quem respondera ao convite.

Victoria ria para ele, não se lembrando de nada do que ouvira seu pai e sua irmã falarem sobre ele. Ela não estivera prestando muita atenção a eles e seus mexericos sobre um de seus convidados pareceram-lhe absolutamente sem importância. E agora tudo o que Victoria podia ver era o seu cabelo negro brilhante, os olhos escuros sorridentes e a figura bonita. Seu rosto parecia o de um ator e toda a sua aparência era a de alguém cheio de graça. Não sou casada com o anfitrião corrigiu ela, sorrindo do seu erro e imaginando se ele esperava por aquilo. Sou sua filha.

Oh, graças a Deus! A noite está salva. Eu não poderia tolerar se você tivesse se casado com ele, por mais charmoso que seja. De fato, fizemos juntos alguns negócios muito bons.Ele lhe disse isso muito diretamente enquanto se encaminhava para a sala de visitas e, sem mesmo perguntar a ela, pegou-a em seus braços e começou a dançar. Era quase como se estivessem magneticamente atraídos um pelo outro e não havia jeito de resistir a isso.

Ele lhe disse que estudara na Europa por muitos anos, em Oxford, jogar, pólo por lá, e dois anos atrás fora à América do Sul para jogar pólo na Argentina. Contou-lhe uma série de coisas sobre si mesmo e tudo era intrigante.

Ele era fascinante e dançava maravilhosamente, girando com ela em volta do salão, fazendo-a rir e sendo irreverente sobre quase todos no salão. Quando deixaram o salão de dança, ele lhe contou histórias engraçadas sobre todas as pessoas de que podia se lembrar; todos, exceto Evangeline e seus filhos. Ele não os mencionou e quando já estavam na segunda taça de champanhe, ele e Victoria eram velhos amigos. Ele divertiu-se grandemente quando acendeu um cigarro e ela tirou um longo trago quando ninguém estava olhando.

Nossa, você é muito cheia de vida. O que mais você faz? Bebe em excesso, fuma cigarros, sempre fica fascinantemente acordada até tarde da noite? Há outros vícios que eu deveria conhecer? Absinto, talvez? Alguns mistérios do Oriente?

Ele era constante e totalmente brincalhão, mas, além disso, bonito e sofisticado, e estava ficando vertiginosamente perto dela. Ela sabia que nunca conhecera ninguém como ele. Após sua última dança, ela pediu licença, dizendo que tinha de checar o jantar. Mas prometeu estar logo de volta. Então Victoria fez algo que sabia que deixaria Olívia furiosa, mas ela teve de fazê-lo. Na verdade, ela o fez por sua irmã também e ficou satisfeita ao saber que tinha assegurado o resultado do resto da noite.

Quando Victoria cruzava a sala para retornar para Tobby, ela o viu parecendo extremamente confuso. Olívia estava falando com ele, que estava realmente ruborizado. Ele havia sussurrado algo em seu ouvido sobre escapar para os jardins para um cigarro e estava segurando-a pela cintura, como fizera com Victoria enquanto estavam dançando, mas Olívia não pareceu satisfeita e entendeu instantaneamente o que acontecera. Naquele momento Victoria apareceu e Tobby Whitticomb encontrou-se encarando ambas, sentindo como se tivesse uma visão dupla.

Oh, meu Deus! Ele parecia quase doente enquanto olhava para elas. Será que bebi muito champanhe? O que está acontecendo? Ele encarou-as sem acreditar, já que nunca soubera que havia gêmeas Henderson e por uma vez ele ficou completamente abalado e em silêncio. Você se comportou mal com minha irmã mais velha?

perguntou Victoria com um sorriso malvado, enquanto Olívia encarava os dois. Ela ainda não tinha idéia de quem ele era, ou de como sua irmã o conhecera.

Receio que sim respondeu ele, tentando se recuperar do embaraço de ter pegado Olívia pela cintura sem nem mesmo conhecê-la, apesar de também quase não conhecer Victoria, mas ela parecia bem mais aberta a avanços como este e bem mais complacente. Ofereci um cigarro a ela no jardim; espero que ela fume também. Talvez nós pudéssemos ir todos até lá, mas receio que precise de outro drinque agora.

Ele agarrou satisfeito outro copo de champanhe e deu um longo gole enquanto encarava as duas, ainda incrédulo e espantado. Sabe, vocês duas são absolutamente extraordinárias. Nunca vi nada parecido.

É um pouco chocante no início disse Olívia graciosamente para ele, embora não gostasse de suas maneiras ou de seu ar de familiaridade com sua irmã. Mas as pessoas acabam se acostumando. Ou pelo menos parecem fazê-lo.

Sinto muitíssimo se fui rude disse ele, sentindo que ela não era tão fácil quanto a irmã.Você deve ser outra senhorita Henderson. Eu me excedi esta noite, achei que sua irmã era a esposa de Edward riu de si mesmo desta vez e elas também e eu sou Tobby Whitticomb.

Ele estendeu a mão para ela e Olívia imediatamente parou de rir. Ela estava extremamente fria e delicada quando apertou sua mão e Victoria imediatamente percebeu sua tensão. Ouvi grandes coisas sobre você disse ela, esperando amortecer seu interesse em sua irmã. Em meu caso, isso normalmente não é um cumprimento disse ele, não parecendo nem um pouco perturbado com aquilo, bem na hora em que os mordomos anunciaram o jantar.

Olívia reagiu aliviada, sabendo que escolhera um bom assento para sua irmã, entre dois jovens atraentes e bem-nascidos, bem longe de Tobias. Seu próprio assento era num local um tanto mais comportado, próximo a um dos mais antigos amigos de seu pai e um jovem que era dolorosamente tímido e sofrivelmente sem atrativos. Mas ela resolvera fazer uma boa ação para ele e decidira sentar-se entre ele e o velho amigo de seu pai, que tinha um agudo problema de audição. Para Olívia, seria um longo jantar.

E ela colocara ao lado de seu pai dois de seus mais honoráveis convidados. Ela queria que ele tivesse uma noite perfeitamente prazerosa. Ele não se divertia em Nova York havia anos e era quase como um renascimento para ele, bem como para elas, de modo que ela queria que fosse tudo absolutamente perfeito.

Até então, a noite fora muito boa, a música era excelente, a comida estava deliciosa e o champanhe soberbo, escolhido por seu pai.

E enquanto Olívia seguia seus convidados vagarosamente para a sala de jantar, ela observava, vendo se estavam encontrando seus assentos facilmente e se estavam confortáveis onde se sentavam.

Eram quatro mesas grandes, amplas e delicadamente decoradas. Os cristais e pratas brilhavam à luz das velas, quase tão belos quanto as jóias das mulheres. E foi apenas quando viu Victoria sentada que Olívia entendeu o que sua irmã fizera.

Ela arfou, temendo que Victoria tivesse destruído todo o seu planejamento, mas ela de fato apenas trocara seu próprio assento com o de outro convidado, para ficar ao lado de Tobby. Olívia fez um sinal raivoso para ela, mas Victoria era esperta e não foi até ela. Olívia estava furiosa com o que Victoria fizera.

Mas um rápido olhar em torno da sala mostrou a ela que as outras pessoas estavam se sentando exatamente onde deviam, com exceção da mulher bastante simples que fora reservada para o lugar em que Victoria estava sentada. Olívia o fizera de propósito. E aquela mulher estava agora se sentando entre os dois jovens atraentes que ela reservara para sua irmã e parecia muito feliz com aquilo.

Resignada com o escandaloso comportamento de sua irmã, mas determinada a tratar com ela mais tarde sobre a irresponsabilidade de se deixar seduzir por um homem casado, ainda mais com aquela reputação, Olívia estava num terrível mau humor quando se dirigiu para seu próprio assento e encontrou alguém sentado nele. E então ela entendeu que Victoria fizera outro truque com ela. Também trocara o assento de Olívia e a pusera carinhosamente ao lado de Charles Dawson. Olívia corou quando percebeu aquilo, mas tomou seu lugar ao lado dele em silêncio.

Que honra disse ele polidamente, encarando-a, obviamente incerto de qual delas era ela.Charles inclinou-se e sussurrou: Você é o passarinho na gaiola ou a salvadora? Estou envergonhado de admitir que não posso perceber sempre a diferença entre vocês. Ela riu de seu otimismo. Ela não podia imaginar que ele pudesse “alguma vez” perceber a diferença, muito menos “sempre”. E ele a fez rir o suficiente para livrá-la do péssimo humor causado pelo pavoroso comportamento de Victoria.

Você acha que alguma vez poderá nos diferenciar, senhor Dawson? perguntou ela, provocando-o. Por um instante ela ficou tentada a não deixá-lo saber quem era e ver se ele poderia descobrir, mas sentiu-se muito culpada por brincar com ele por muito tempo e realmente não era de seu feitio fazer aquilo. Ele olhou longamente para ela, com esforço, querendo saber com certeza quem era, mas incapaz de dizê-lo. Parecia muito cruel tirá-lo daquela dúvida, então Olívia deixou o jogo continuar por alguns minutos a mais.

Até mesmo seus movimentos são incrivelmente similares. A aparência de seus olhos às vezes é diferente, mas ainda não estou certo de quem é quem. Uma de vocês às vezes tem algo selvagem disse ele cuidadosamente, tendo observado ambas em Croton e no Quinto Distrito.

É algo em seus olhos que provavelmente vai permitir a vocês chegarem a um ponto em que vão lamentar... mas então, qualquer que seja a selvagem, a outra irmã vai amansá-la. Uma de vocês tem uma alma quieta e pacífica, a outra parece um pouco inquieta - disse ele, olhando para ela com interesse, já começando a sentir qual delas era ela e aliviado por estar sentado ao lado de Olívia e não de sua irmã.

Victoria alterava sua alma e era muito cheia de paixão desenfreada para ele se sentir confortável ao lado dela. Mas Olívia estava intrigada pelo que ele dissera e tinha de admitir que ele as observara bem.

Você nos identificou corretamente, senhor Dawson disse ela sorrindo suavemente para ele, que agora estava quase certo de quem era ela, apesar de não dizê-lo.

É um homem muito observador completou calmamente e ele concordou.

Tento ser. É parte de minha profissão disse ele simplesmente.

E parte de quem você é também disse ela, que também o observara cuidadosamente.

E agora você vai me dizer quem é? perguntou ele. Ou vai manter este mistério a noite toda? Ele parecia desejar jogar se ela o quisesse. Victoria o deixaria sofrer, mas Olívia não poderia. Não acho que seria justo. Sou Olívia.

Ela sorriu para ele quando o disse e, embora ainda estivesse furiosa com sua irmã gêmea por sua travessura com os assentos, e com Tobias Whitticomb por seu comportamento com ela, estava subitamente agradecida por estar sentada ao lado de Charles Dawson.

Você é a salvadora, aquela de alma quieta disse ele e ela sentiu-se um pouco inferior com aquela descrição, apesar de certamente não parecer. Olívia era tão bonita quanto sua irmã. Vocês são verdadeiramente tão diferentes? É difícil perceber a princípio, embora eu deva admitir que notei algo insatisfeito nela, como se estivesse em busca de alguma coisa. Você parece mais à vontade em sua própria pele que ela.

Não sei por que é assim. Talvez porque ela pense que matou nossa mãe. Era uma estranha confissão para fazer, mas ele parecia ser alguém com quem se podia falar e em quem se podia confiar e ela sabia que não o havia julgado mal. Ele já havia provado que era confiável por não ter divulgado seu segredo, depois de ajudá-la a resgatar Victoria no Quinto Distrito. Nossa mãe morreu dando à luz e Victoria é a gêmea mais nova.

 

Parece que foi o seu nascimento que provocou isso, embora ninguém possa julgar, mas apenas imaginar, que diferença onze minutos fariam. Receio que o tenhamos feito juntas.

Ela sentira a mesma culpa também, mas não no mesmo grau com que Victoria sofrera por isso. Não se podem ver as coisas dessa maneira. Não há jeito de saber por que algo assim acontece. Vocês eram ambas um grande presente para ela, é uma pena que não tenha podido viver para aproveitar isso. Estou certo de que seu pai teve grandes alegrias com ambas ao longo dos anos. Acho que ser ou ter gêmeos deve ser maravilhoso. Vocês são muito sortudas!

Pelo que ele acabara de dizer, ela sabia que haviam tocado também na morte de sua mulher. Ele devia ter questionado freqüentemente, durante o último ano e meio, por que ela morrera, sem ter encontrado muitas respostas.

Conte-me sobre seu filho disse ela muito gentilmente.

Geoffrey? Ele sorriu. Ele tem nove anos, é a luz da minha vida e eu o amo muito. Estamos só disse ele, sem saber se ela sabia daquilo.   Perdemos sua mãe um pouco mais de um ano atrás... no Titanic.   Ele parecia sufocar com a palavra e ela apenas tocou sua mão, inconsciente de si mesma. Ele olhou para ela e acenou com a cabeça. Foi muito difícil, por muito tempo. Voltei para a Europa com Geoff para ficar com a família dela. Foi um choque terrível para todos nós, especialmente para Geoff. Ele estava com ela. Que terrível para ele disse ela com sinceridade, profundamente tocada pelo jeito dele quando disse aquilo.

Ele tem algumas lembranças terríveis, compreensivelmente. Mas está melhor agora. Ele sorriu com sofrimento, sentindo como se tivesse feito um amigo. Ela era surpreendentemente calorosa e fácil de se conversar. Melhor que eu. Nunca mais fui a festas como esta, mas John e seu pai insistiram.

Não é justo para você, é? Você não pode guardar isso para sempre.

Acho que não disse ele gentilmente, olhando para ela e admirando-a. Fora mais fácil falar com ela do que com qualquer outra pessoa durante o último ano e meio, e isso o surpreendia. Você terá de levar seu filho para nos visitar. Crianças amam ir para Croton. Eu também amava quando era criança.

Eu tinha mais ou menos a idade dele quando mudamos para lá. E agora? Ele estava curioso sobre ela, que parecia ter uma capacidade pouco usual e profunda de compreensão. Você ainda gosta de viver em Croton? Sim. Minha irmã é que não gosta. Ela preferiria estar aqui, ou em manifestações por aí, ou na Inglaterra com as sufragistas, passando fome na prisão.

É o que eu disse sorriu para ela inquieta.

Na verdade, eu tenho com ela um inesperado débito esta noite disse ela, rindo. Não sou diretamente responsável pelos nossos assentos.

Pensei que era você quem organizava essas coisas para seu pai. Edward falara empolgado sobre ela e sua inestimável assistência na administração de todas as questões da casa, até mesmo organizando todos os detalhes daquela festa.

Eu o faço, mas Victoria trocou seu assento esta noite e o meu também. Ela não gostou de onde se sentaria. Bem, estou muito agradecido a ela. Ele sorriu para Olívia, certo de quem era ela agora. Talvez você devesse deixá-la escolher os lugares com mais freqüência.

Ele a chamou para dançar então e eles se moveram respeitosamente em volta da sala de visitas, com sua mão apenas colocada sobre ela. E assim que a dança terminou, ele a levou de volta para a mesa. Era uma experiência muito pouco sensual, mas era prazeroso estar com ele. Ele era inteligente e agradável de se conversar e agora era fácil entender por que se mantinha à distância.

Ela sentia pelo que ele dissera e pela maneira como se comportava, que Charles fora muito apaixonado pela mulher e não tinha intenção de estar próximo a mais ninguém neste momento. Olívia entendeu aquilo, mas não foi o suficiente para que ela deixasse de se sentir atraída por ele, ou de pensar que, se a vida tivesse sido diferente para todos eles, ele teria sido tudo o que ela queria. Mas não havia chance de pensar naquilo agora.

De qualquer maneira, ela não podia deixar seu pai e não achava que jamais pudesse. E Charles Dawson não tinha a intenção de abrir seu coração a ninguém, nem mesmo para o bem de seu pequeno filho, Geoffrey.

As senhoras se retiraram e foram para o andar de cima brevemente no fim do jantar e foi então que Olívia falou com Victoria novamente e a advertiu para não continuar perseguindo Tobby.Não estou fazendo nada disso.

Victoria parecia muito irritada pelas advertências de sua irmã sobre ele. Ele era charmoso, inteligente, dançava brilhantemente e era ainda mais escandaloso do que Victoria jamais sonhara ser e ela não via dano nenhum naquele pequeno flerte. O que ela não entendia era que com Tobby não havia obstáculos. E ele sempre conseguia o que queria.

Eu proíbo você de passar o resto da noite com ele disse Olívia a meia voz, assim que a mulher dele começou a descer. Mas Victoria não estava disposta a ceder para sua irmã. Você não tem o direito de me dizer isso, Olívia rebateu Victoria. Você não é minha mãe e ele não é o homem que você pensa que é. Ele é agradável, decente e eu gosto de conversar com ele. É só isso, Olívia. É uma festa, uma noitada, uma conversa. Não estou fugindo com ele. Ele não está tendo um caso comigo. É apenas conversa e dança. Não há perigo nisso.

Acho muito triste que você não seja capaz de entender isso. Eu entendo muito mais do que você pensa ou do que você parece capaz de discernir por si mesma - disse ela, ainda num sussurro furioso. Você está fazendo algo muito perigoso com ele, Victoria. Você está provocando um leão.

Mas a frase apenas fez Victoria sorrir e ela repetiu-a para Tobby no momento em que desceram novamente, quando foi rápida em achá-lo outra vez. Ninguém parecia perceber o que estava acontecendo entre eles e Victoria e Tobby desapareceram no jardim e foram até além da tenda. Ele permaneceu com um braço em torno dela no ar quente de setembro e dividiu um cigarro com ela, enquanto lhe dizia algo que, segundo ele, nunca dissera a ninguém antes, fora de seu casamento.

Mas apesar de aquilo soar como uma loucura após apenas uma noite com ela, ele disse que achava que a amava. Disse também que não tinha nada mais que um arranjo com Evangeline, que fora tão solitário durante anos que achava que aquilo poderia matá-lo. Suas famílias os haviam forçado a isso e o casamento era vazio, insignificante e significava nada para ele. Era uma união sem amor e ele estivera faminto de amor verdadeiro por tanto tempo que conhecer Victoria naquela noite mudara tudo para ele.

Tivesse Olívia escutado esse discurso, ela o teria matado. Victoria sentou-se enquanto o ouvia, tentando aparentar sofisticação, mas no fundo era incrivelmente ingênua e acreditou em cada palavra que ele disse, olhando-o com inocência e adoração, até que ele a beijou. Ele queria saber quando poderiam se encontrar novamente. Duvidava que pudesse viver sem ela a partir de agora.

Disse que sabia o quão fortes eram seus princípios, depois de tudo o que ela lhe dissera naquela noite, sabia o quão ardentemente ela acreditava na causa do feminismo e do direito de voto da mulher, mas ele era um homem que dividia esses pontos de vista com ela e jamais se aproveitaria dela, de maneira alguma. Ele apenas queria ficar perto dela e conhecê-la melhor.

Victoria estava ofuscada por ele e acreditava em cada palavra que lhe dizia. Ela queria acreditar nele. Nunca ouvira nada como aquilo. E no fim da noite sentia como se tivesse se tornado uma parte de Tobby. Eles falaram sobre a coincidência de que iriam ambos ao baile dos Astor no dia seguinte e ele afirmou que depois daquilo teriam de arranjar alguma maneira de se encontrar. E por um estranho momento, com um brilho esquisito no olhar, ele perguntou se Victoria ficaria mais confortável, quando se encontrassem, se fosse com sua irmã. Mas Victoria pareceu horrorizada.

Ela já sabia o que Olívia pensava dele e que faria tudo o que pudesse para impedir seu encontro. Victoria disse que não levaria Olívia e Tobby pareceu aceitar aquilo. Fora apenas uma idéia divertida à qual ele se apegara por alguns momentos. E depois, tendo combinado de se encontrarem de alguma maneira em algum lugar no dia seguinte ao baile dos Astor, ele a levou novamente para a tenda e dali à sala de visitas, reagindo consternado ao descobrir que Evangeline estava com uma terrível dor de cabeça e insistia para ir para casa imediatamente. Mas então o dano já estava feito, o negócio fora tratado, a data estava marcada e Victoria já estava com a cabeça virada por Tobby.

Olívia estava em algum outro lugar da casa quando os Whitticomb saíram e não viu nenhum deles, mas Charles viu e mais tarde ficou de pé na sala, observando Victoria com interesse. Havia algo na maneira como movia a cabeça, na maneira como olhava para os homens, na sua dissimulação e sedução, no seu ar de mistério, que era inteiramente diferente de sua irmã. Olívia era completamente aberta, desejando estender a mão e abrir seu coração. Ele podia sentir facilmente o quanto ela era generosa, o quanto se preocupava. E ainda assim era a outra, a atormentada, que o fascinava, aquela que ainda não sabia o que queria e que queria todas as coisas erradas daquela maneira voraz que o intrigava.

Havia algo tão insanamente perverso sobre esse sentimento que chegava a irritá-lo e havia uma parte dele que queria caminhar ao longo da sala e agarrar Victoria e sacudi-la por sua maluquice, mas é claro que ele não o fez.

Havia ainda outra parte dele que queria esquecê-la inteiramente e se concentrar em Olívia, muito mais sensível e infinitamente mais decente, mas ela parecia tão descomplicada, tão pronta para dar e receber, que o assustava. Ele ainda estava muito torturado e machucado após a morte de Susan para aceitar tudo o que Olívia oferecia.

Charles crescera acostumado ao sofrimento, à descrença, à frustração e à raiva, e era-lhe muito mais fácil estar próximo de alguém que não o quisesse, que não tivesse expectativas em relação a ele, do que estar perto de tudo o que Olívia tinha para lhe dar. Deixá-la chegar perto dele, com seu coração inteiramente aberto, seria uma traição a Susan. Já Victoria era algo inteiramente diferente.

E ele a observava enquanto a noite caía, fascinado. Ela tinha algo em sua mente agora, provavelmente o infame Tobias Whitticomb, e ele não podia deixar de se perguntar o que ela faria sobre aquilo. Será que ele receberia chamadas de socorro novamente? Olívia tentaria contê-la? Será que ela sequer imaginava o que estava acontecendo ou Victoria era hábil o suficiente para ocultar aquilo dela? Apenas olhá-la o intrigava.

E por fim Charles foi falar com o pai delas e agradecer-lhe pela noite. Fora uma festa esplêndida, a primeira a que ele fora em mais de um ano. Aquilo despertara nele alguns sentimentos velhos e novos, que o enervavam levemente. Tanto a ternura que Olívia despertara quanto aquela espécie de fome crua e a dolorosa solidão que Victoria lhe causava. Nenhuma daquelas emoções era algo com que ele pudesse lidar. E Charles saiu dali naquela noite com um estranho sentimento de vazio, que nem o polido excesso de álcool que ele consumira pôde adormecer, nem seu filho dormindo tranqüilamente em casa pôde preencher.

Ele desejava algo, uma vida, uma pessoa, e ela se fora agora. E nenhuma das gêmeas Henderson, por mais adoráveis que ambas fossem, era substituta adequada para ela. Charles disse boa-noite para ambas as gêmeas quando saiu e agradeceu-lhes pela festa. Victoria falou pouco com ele. Ela parecia algo irritada e distraída e ele percebeu que ela também estivera bebendo, ao contrário de Olívia. Esta bebera poucos goles de champanhe enquanto conversavam e agradeceu-lhe por ter vindo.

Ele se despediu dela, tentando não parecer muito próximo de seu coração, mas ela fazia tudo parecer fácil para ele. Charles queria adverti-la de que a vida seria cruel com ela, que um coração como o dela era perigoso e que ela deveria fazer tudo para protegê-lo. Mas na verdade era Victoria quem estava em perigo.

E Olívia sabia disso. Ela vira Tobby com ela e depois que o último convidado saiu e elas finalmente foram para seu quarto depois das duas da manhã, Olívia seguiu-a até lá e encarou-a.

Você concordou em encontrá-lo, não? confrontou-a. Para ela a festa fora praticamente arruinada por causa da preocupação com sua irmã.

Claro que não mentiu Victoria e Olívia sabia que ela o fazia. Ela sabia tudo. Era impossível não sabê-lo. Victoria era muito transparente. Não era preciso nem mesmo aquele seu dom especial para entender o que estava acontecendo. E depois não é da sua conta.O homem é um patife! gritou Olívia para ela. Todo mundo em Nova York sabe disso. Ele sabe de sua reputação também. Ele mesmo me contou.

Que esperto. Mas isso não o absolve. Victoria, você não pode vê-lo.

Eu posso fazer qualquer coisa que queira, e você não pode me impedir sibilou Victoria.

Nada a deteria. O encanto de Tobby era bem mais poderoso que a advertência de sua irmã. Ele era o demônio, a serpente no Jardim do Éden.

Por favor... me escute... Havia lágrimas nos olhos de Olívia enquanto ela implorava. Você vai se machucar. Você não é sofisticada o suficiente para lidar com um homem como este. Ninguém é, exceto talvez alguém como ele. Victoria, me escute! Acredite em mim. As histórias sobre ele são horríveis.

Ele diz que são mentiras disse Victoria, perfeitamente convencida e manipulada por ele numa única noite. O homem era um gênio na arte de convencer as pessoas de qualquer coisa que quisesse, particularmente as mulheres. Porque as pessoas têm inveja dele. Por quê? Olívia tentou raciocinar com ela para ajudar. Mas não adiantou. Por que teriam inveja? Sua aparência, sua posição, seu dinheiro. Ele dissera a Victoria tudo aquilo e ela acreditava nele.

Sua aparência vai embora logo, sua posição é a de sua esposa e ele teve sorte com dinheiro. Portanto, do que ter inveja? perguntou Olívia friamente.

Talvez você o queira para si mesma sugeriu Victoria maldosamente, não muito segura se acreditava ou não naquilo, mas determinada a dizê-lo de qualquer forma. Ela estava furiosa com Olívia por tentar tirá-la de Tobby. Talvez você o queira e não aquele terrível advogado bobalhão de papai.

Pare de ser tão rude com ele. Ele é um homem decente, Victoria, e você sabe disso.

Ele me aborrece disse ela, o champanhe falando mais que seu coração.

Charles Dawson não vai machucá-la. Tobby Whitticomb vai. Ele vai usá-la e depois vai jogá-la fora, como papel usado. E quando tudo tiver acabado, ele vai voltar para a esposa e ter outro bebê. Você é nojenta disse Victoria e Olívia sentiu a dor familiar no estômago que sempre sentia quando discutiam.

Ela odiava brigar com a irmã e raramente o fazia. Isto não era como suas inocentes disputas ou mesmo aquelas um pouco mais sérias sobre as travessuras e aventuras infantis de Victoria. Esta era uma dança de morte e Olívia o sabia.

Eu não vou falar com você sobre isso de novo, mas quero que você saiba que estarei sempre aqui a seu lado e que amo você. E que estou lhe implorando para não vê-lo. Sei que você vai fazer o que quiser, mas ele é perigoso, Victoria. E papai ficaria muito preocupado se soubesse que você passou a noite toda com ele.

Ele convidou-o apenas para ser polido e você foi muito irresponsável sentando-se ao lado dele. Você teve sorte de papai ter ficado de costas para você e não ter notado. Você está brincando com um leão, Victoria. Você não é grande o suficiente ou forte o suficiente para vencê-lo. E talvez o leão a devore no fim das contas.

Não estou preocupada disse ela em tom confidencial Somos apenas amigos, é tudo. Ele é casado, não é?

Ela estava tentando acabar com a desconfiança de Olívia para que pudesse ter mais liberdade. E não perderia tempo contando a ela sobre o quão vazio era seu casamento. Ele inclusive sugerira que haviam falado sobre divórcio recentemente. Seria um escândalo terrível, claro, mas ele disse que não poderia suportar continuar num casamento como este por muito tempo.

Victoria sentiu-se desesperadamente triste por ele. Mas Olívia não, ela o odiava e queria mandá-lo embora antes que destruísse sua irmã.Quando foram para a cama naquela noite, bem depois das três da manhã, tudo em que Olívia podia pensar era no problema em que sua irmã estava metida e tudo em que Victoria podia pensar era no baile dos Astor na noite seguinte, quando ela sabia que o veria.

Olívia acordou no dia seguinte com sons abafados vindos do andar de baixo e enquanto se deixava ficar na cama ouvindo-os, instantaneamente se lembrou da torturante discussão com sua irmã. Mas quando se virou para olhá-la, viu que o outro lado da cama estava vazio. Olívia levantou-se silenciosamente, penteou os cabelos e colocou o vestido para ver que ruídos eram aqueles e só então ela se lembrou.

Assim que chegou ao andar de baixo, viu homens espalhados por toda parte. Havia pessoas no jardim retirando a tenda, os móveis estavam sendo recolocados em seus lugares e as flores de seus convidados chegavam em braçadas. Era o caos total. E a Sra. Peabody e o mordomo estavam bem no meio daquilo tudo, direcionando o tráfego.

Você dormiu bem? Bertie sorriu para ela e Olívia assentiu, pedindo desculpas por não ter acordado cedo o suficiente para ajudá-la.

Você fez um trabalho encantador na noite passada, minha querida. Merecia um pequeno descanso esta manhã. Estou feliz por você ter podido dormir no meio de toda esta confusão. - Apesar de ser difícil imaginar como, já que eles estavam fazendo muito barulho para retirar a tenda do jardim. - Todos estão dizendo que a noite foi um grande sucesso. Estou certa de que toda Nova York está falando sobre a festa hoje.

Devem estar, a julgar pela quantidade de flores que recebemos. Coloquei a maior parte delas na sala de jantar, por enquanto.Olívia vagou pela sala de jantar silenciosamente, imaginando onde Victoria teria ido. Praticamente o primeiro buquê que viu era um grande vaso com duas dúzias de rosas vermelhas. Mas quando Olívia leu o cartão anexado a elas, dizia apenas: “Obrigado pela noite mais importante de minha vida”.

Estava sem assinatura e ela viu que o envelope estava endereçado à sua irmã. Era muito fácil imaginar quem as mandara.

 

Todos os outros arranjos de flores tinham cartões assinados e eram bem mais circunspectos, apesar de também serem menos bonitos. Ela notou que também havia um encantador arranjo de Charles, endereçado a todos os três, agradecendo pela noite deliciosa.

Ela sabia que fora a primeira vez que ele saíra formalmente desde que sua esposa morrera e estava feliz com o fato de ele ter tido uma noite prazerosa. Ela certamente o tivera, sentada perto dele, apesar de ter ficado aborrecida com Victoria por ter trocado os lugares.Olívia entrou na cozinha para observar a atividade e então viu Victoria, sentada sozinha na sala de café da manhã, bebendo uma xícara de café.

Olívia ficou olhando para ela por um momento, novamente preocupada, e então andou até lá e sentou-se a seu lado. Você dormiu bem?

Perguntou Olívia, pouco confortável, ainda com raiva depois da discussão na noite passada. Fora bem mais séria do que qualquer outra que haviam tido em anos. E desta vez era bem mais letal do que suas brigas de infância. Olívia estava convencida de que a irmã estava correndo verdadeiro perigo.Muito bem, obrigada disse Victoria formalmente, sem olhar para ela. Estou surpresa que tenha podido dormir com todo esse barulho aqui embaixo disse ela, olhando de relance por sobre os ombros.

Olívia achou que ela estava particularmente bonita, o que era estranho. Ela nunca pensara em si mesma daquela maneira e mesmo assim sempre podia ver algo diferente e mais excitante em sua irmã mais nova. E naquela manhã havia algo nos olhos de Victoria que ela jamais vira antes.

Acho que estava exausta. Olívia não mencionou a altercação da noite anterior, mas, depois que se sentou e foi servida por uma das copeiras, perguntou a Victoria se vira suas flores. Sim, eu as vi respondeu ela após um momento de hesitação.

O que você vai fazer hoje? perguntou Victoria.

Trabalhos na casa, como sempre.

Aquilo fez Olívia soar incrivelmente entediante e ela sentiu-o enquanto olhava para a irmã. Ninguém lhe mandara duas dúzias de rosas com um cartão anônimo. O homem que ela admirava mandara um cartão impessoal, endereçado não apenas a ela, mas também a seu pai e sua irmã e, por uma fração de segundo, Olívia pegou-se perguntando a si mesma se Victoria estava certa e ela é que estava com inveja.

Vou ajudar Bertie a colocar a casa em ordem novamente. Nosso pobre pai vai enlouquecer se ficar no meio dessa bagunça por muito tempo. Acho que podemos fazer tudo hoje, antes do baile dos Astor, à noite.

Que divertido!Victoria logo escapou para o andar de cima e deixou a casa uma hora mais tarde, num conjunto azul-escuro de seda com um chapéu moderno, fazendo Petrie levá-la a seu encontro. Era num local de vizinhança bem ordinária e depois que ele a deixou lá, voltou rapidamente.

O resto do dia voou para todos eles. Victoria voltou no início da tarde e Bertie colocou-a para trabalhar também, dando ordens aos homens que estavam trazendo de volta os móveis do local onde foram estocados, na casa de carruagens da esquina.

Olívia estava trabalhando freneticamente, tentando ajudar a consertar os estragos no jardim e, por volta de cinco horas, miraculosamente, parecia que ninguém estivera na casa. Bertie congratulou ambas pelo bom trabalho e, quase como se tivesse sido avisado, o pai entrou e lhes disse como a casa parecia agradável.

Ninguém diria que tivemos uma grande jantar, que dirá que cinqüenta pessoas dançaram em todos os lugares e que uma maldita tenda quase destruiu o jardim. Está muito ruim lá fora? perguntou ele e Olívia tranqüilizou-o.Todo mundo em Nova York está falando sobre como vocês são anfitriãs deliciosas disse ele a ambas, mas Victoria parecia desinteressada de seu elogio e poucos minutos mais tarde subiu para se vestir para a festa dos Astor.

Olívia já havia separado suas roupas. Eram vestidos de gaze rosa-pálido, que ela copiara como sempre, de Poiret, e eram bastante discretos. Ela tivera um momento de dúvida quando os tirara do armário, mas depois decidira que talvez aquilo fosse necessário no momento, precisamente para não atiçar Tobby.

Realmente foi uma festa adorável, Olívia cumprimentou-a o pai novamente e sentou-se em sua cadeira favorita em seu confortável estúdio. Tudo fora recolocado no lugar precisamente como era antes e Olívia serviu a ele um copo de vinho do Porto, enquanto ele olhava para ela com um sorriso caloroso. A cada dia que passava ele parecia gostar de sua companhia mais que nunca.

-Você me estraga terrivelmente, minha querida. Não estou nem mesmo certo de que sua mãe seria tão agradável, se fosse viva. Ela era um pouco mais como sua irmã, um pouco mais ardente às vezes e determinada a ser independente.Estar nesta casa sempre o fazia lembrar-se dela. Era sofrido para ele às vezes e, mesmo assim, ele estava gostando de estar ali com suas filhas.

Estava feliz com os negócios que fechara e o tempo que estava passando com seus advogados fazendo planos. Eram homens interessantes, inteligentes, e aquilo o fazia lembrar-se dos tempos antes de ter se retirado, quando dirigia um império e não apenas um portfolio de investimentos. Estivera pensando em vender suas minas de aço em Pittsburgh recentemente e Charles achava que tinha encontrado um comprador sério e interessado. Mas não era uma decisão simples de se tomar e ele agora estava pensando que deveriam ficar em Nova York até o fim de outubro, se não até ainda mais tarde.

Você está gostando daqui? perguntou o pai, feliz por ter um momento a sós com ela.

Sim, pai, estou gostando respondeu ela com um sorriso calmo. Não estou certa de que gostaria de viver aqui o tempo todo. Acho que sentiria falta do campo se vivêssemos na cidade permanentemente, mas gosto dos museus, das pessoas e das festas. Há sempre muita coisa acontecendo. É divertido estar aqui.

Ela sorriu para ele calorosamente e por um momento pareceu uma criança novamente. Mas ela já era uma mulher e havia horas em que ele se sentia culpado por ser tão possessivo com elas. Sabia que estavam numa idade em que deveriam estar no mundo, como agora, encontrando maridos, e ainda assim ele sabia que seu coração ficaria partido quando elas finalmente o deixassem.

Suponho que deveria estar fazendo um esforço maior para apresentar você a jovens adequados disse ele desanimado, bebericando seu Porto, e eles trocaram um sorriso. Você e Victoria deveriam estar se casando um dia desses, apesar de eu odiar pensar nisso, admito. Não sei o que faria sem você. Você mais que tudo, receio. Você terá de parar de tomar tanto cuidado comigo, minha querida, pois assim não será tão chocante quando você se for. Eu absolutamente morro de medo disso. - Seus olhos estavam cheios de amor paternal quando ela pegou suas mãos nas dela e beijou-as.

Nunca o deixarei. Você sabe. Eu não poderia

Era o que ela dissera a ele quando tinha cinco anos, depois dez, mas agora ela o dizia seriamente. Sua saúde piorara consideravelmente ao longo dos anos, seu coração já não era forte e ela não podia nem imaginar a possibilidade de deixá-lo. Quem tomaria conta dele se ela o deixasse? Quem comandaria as casas? Quem sustentaria tudo ou saberia quando ele estava mentindo sobre sua saúde e se sentindo realmente doente, precisando do médico?

Ela sabia que jamais poderia confiar em outra pessoa para tomar conta dele. Certamente não Victoria, que nunca sequer percebia quando ele estava doente até que alguém, normalmente Olívia, lhe contasse.

Não poderia deixá-lo, papai disse ela firmemente e era exatamente o que queria dizer. Você não pode ficar uma velha solteirona, não sendo tão bonita quanto vocês duas são disse ele, admirando-a e consciente de que seria errado deixá-la agir daquela maneira.

Havia uma parte dele que queria deixá-la seguir seu caminho, mesmo que isso significasse sacrificar a si mesmo. Ele precisava dela muito mais do que ela pensava e era muito fácil tê-la por perto, tomando conta de toda a vida doméstica. Era quase como se ela estivesse casada com sua vida; ela tomava conta dos mínimos detalhes. Ele ficaria perdido sem ela, mas também sabia que não empurrá-la para fora do ninho seria incrivelmente egoísta. E então, não querendo nem mesmo pensar em perdê-la, ele cuidadosamente mudou de assunto.

Victoria conheceu alguém excitante aqui? Eu não prestei muita atenção em nenhum pretendente em potencial.

Ele notara que Charles Dawson parecia ter ficado um pouco fascinado por ela, mas ele estava provavelmente intrigado com ambas. A maior parte das pessoas ficava; era difícil não ficar estupefato com aquela extraordinária beleza duplicada.

Acho que não, papai mentiu Olívia por ela, como sempre, mesmo estando agora preocupada com o abominável Tobby. Nós realmente não conhecemos ninguém ainda. Quero dizer... não realmente...

Naturalmente elas tinham conhecido todos os que eram alguém em Nova York, quando seu pai as levara ao teatro, aos jantares e concertos a que tinham comparecido.

Mas, especificamente, não tinham sido apresentadas a nenhum jovem com a intenção de casar-se com elas. De certa maneira, Olívia supunha, corretamente, que algumas pessoas ficavam intimidadas por elas ou que as viam como um fenômeno ou pensavam que elas nunca concordariam em deixar uma à outra.

Muita gente não tinha noção do quanto eram diferentes, de quão divergentes eram seus gostos e interesses. Eles apenas as viam como uma garota muito bonita, só que em dobro. Victoria está se comportando, não está? perguntou seu pai com um ar de divertimento. Ele finalmente havia ouvido contar, de maneira indireta, que sua filha aprendera a dirigir e que chegara a roubar um de seus carros para ir a algum lugar em Croton.

Afortunadamente ele nunca ouvira falar em sua quase prisão e a escapada com o Ford o surpreendera de maneira inofensiva. Sua mãe talvez tivesse feito a mesma coisa em sua idade e jogado o carro bem em cima de seus canteiros favoritos. Na verdade, uma vez ela já levara seu cavalo para dentro da sala de estar, numa aposta com um amigo e todos ficaram horrorizados. Mas Edward achara muito engraçado.

Ele era surpreendentemente tolerante para um homem de sua idade e nunca ficara particularmente aborrecido com as aventuras de Victoria. Na verdade, ele era indulgente com ela, porque lembrava muito a mãe.

Você ficará bem aqui embaixo? perguntou Olívia quando o deixou para se vestir para a festa dos Astor.Ela serviu a ele outra taça de vinho do Porto e o deixou confortavelmente sentado próximo à lareira, lendo os jornais vespertinos. Ele disse que subiria em poucos minutos para se vestir e disse a que horas deveriam estar prontos para a festa.E enquanto ela subia as escadas, pensava nas perguntas que ele fizera sobre Victoria conhecer um homem em Nova York e ambas encontrarem maridos e se casarem. E pensou muito sobre o que dissera a ele. Ela realmente não podia imaginar deixá-lo e casar-se. E se sua saúde piorasse?

Ou se ele ficasse doente? Quem tomaria conta dele? Teria sido diferente se sua mãe estivesse viva; eles teriam tido o luxo de levar vidas normais então, Mas agora Olívia sentia que ao menos uma delas deveria ficar e tomar conta dele, e obviamente era ela quem devia fazê-lo.

Mas enquanto pensava nisso, deixou sua mente dirigir-se a Charles e subitamente perguntou a si mesma o que aconteceria se um homem como ele a pedisse em casamento. O que ela faria então? Aquilo fazia seu coração bater mais forte só de pensar. Ela nunca poderia imaginar um homem como Charles cortejando-a... mas se ele o fizesse... se... ela não podia nem mesmo permitir-se pensar naquilo.

Ela tinha obrigações aqui. E Charles não tinha absolutamente nenhum interesse nela. Ele apenas era gentil com ela sempre que vinha ver seu pai.

Quando Olívia chegou ao quarto, ouviu sua irmã se vestindo no banheiro ao lado. Elas tinham closets e espelhos lá e, quando ela entrou para tomar banho, viu meia dúzia de vestidos no chão, entre eles aquele cor-de-rosa que escolhera para usarem nos Astor.

- O que você está fazendo? - Ela olhou para Victoria surpresa e então rapidamente entendeu o que acontecera.

- Eu não vou usar esta coisa que você escolheu para esta noite - disse Victoria cruelmente, arremessando outro vestido sobre uma cadeira. - Vamos parecer uma dupla de camponesas grosseiras, embora eu suponha que tenha sido esta a sua intenção.

- Acho que ele é bem bonito - disse Olívia sem querer se comprometer, não admitindo nada para sua agitada irmã gêmea. - O que mais você tinha em mente?

Era óbvio que ela já estivera analisando metade do closet. E no momento estava segurando um vestido de que Olívia jamais gostara. Ela tentara copiar um vestido de Beer, num veludo vermelho profundo com cuidadosas contas de azeviche e um longo laço atrás. Olívia sempre pensara que ele era muito pequeno para elas e, com exceção de uma festa de Natal na casa de Croton-on-Hudson, elas nunca o haviam usado.

- Eu não gosto desse vestido e você sabe - - disse Olívia a Victoria assim que viu o que ela estava segurando. O modelo tinha uma capa de cetim preto por cima, costurada no veludo carmesim. - É muito apertado e chamativo... pareceremos vulgares.

- Isto é um baile, não um chá em Croton, Olívia - disse Victoria friamente.

- Você está tentando se mostrar para ele, Victoria, e eu não a ajudarei a fazer isso. Neste vestido, nesta cidade, nós pareceremos prostitutas. E eu não o usarei.

- Ótimo - disse Victoria, dando uma pirueta num dos pés e Olívia não quis admitir o quanto ela parecia sensacional. O vestido era bem melhor do que ela lembrava, mas também parecia muito ousado.

- Então por que você não usa o cor-de-rosa, Ollie querida, e eu uso este? - Para surpresa de Olívia, ela parecia estar falando sério.

- Não seja estúpida!

Elas nunca haviam saído em trajes diferentes. Durante toda a vida haviam combinado cada pequena coisa, inclusive a roupa de baixo e os pregadores de cabelo. Era simplesmente o que faziam sempre e sair vestida com algo diferente de sua irmã gêmea faria com que Olívia se sentisse nua.

- Por que não? Nós somos adultas. Não temos mais que usar a mesma coisa. Bertie sempre achou isso uma doçura quando éramos crianças. Mas não temos mais que ser doçuras, Olívia. Eu me recuso a isso. Essa coisa rosa é uma doçura, é tão doce que me deixa enjoada só de olhar. Isso é o que eu quero usar; o que eu vou usar nos Astor hoje à noite e se você não gosta dele, sinta-se livre para usar algo diferente.

- Isso é muito rancoroso vindo de você, Victoria, e eu sei precisamente o que você está fazendo e você também sabe. E deixe-me dizer, a noite passada não foi a mais importante da vida dele, mas talvez tenha sido a da sua, se você escolher se arruinar por causa de Tobias Whitticomb. Você é uma maldita louca se fizer isso!

 

- Olívia cuspiu as palavras nela, puxando com força para fora do armário o vestido de veludo vermelho idêntico ao dela. - Eu odeio este estúpido vestido e sinto muito por tê-lo feito, particularmente porque você vai nos fazer de tolas, me forçando a usá-lo nos Astor.

- Eu repito - disse Victoria, deixando o vestido de lado novamente enquanto penteava seus cabelos - que você não precisa usá-lo.

Mas desta vez Olívia não respondeu. As duas não se falaram mais, enquanto tomavam banho, se vestiam, se maquiavam e se perfumavam. E Olívia pareceu surpresa quando viu Victoria colocando um pouco de batom vermelho.

Nenhuma delas jamais usara aquilo antes e Olívia pensou que sua irmã subitamente parecia muito diferente. Ela parecia não apenas bonita, mas um pouco mais do que cheia de vida.

- Não vou usar isso - disse Olívia tristemente, enquanto terminava de ajeitar os cabelos e observava Victoria colocando o batom vermelho no espelho.

- Ninguém disse que você precisa.

- Você está com a cabeça virada, Victoria - disse Olívia sombriamente.

- Talvez eu saiba nadar melhor do que você.

- Ele vai afogá-la - disse Olívia tristemente, enquanto Victoria deixava o aposento, arrastando a capa de seda e veludo atrás de si.

Quando as duas garotas desceram as escadas alguns minutos mais tarde, seu pai encarou-as em total silêncio. Tudo no jeito delas esta noite disse a ele que não eram mais garotinhas. Pareciam verdadeiras e deslumbrantes mulheres. Victoria desceu as escadas primeiro e até mesmo o seu jeito de se mover falou de coisas das quais ela nada sabia e ainda assim aquilo era instintivamente parte dela. Foi Olívia quem pareceu consideravelmente menos à vontade no chamativo vestido. Suas formas se adaptaram ao modelo e o vestido deixava à mostra suas peles cremosas e os corpos flexíveis e jovens. Ambas tinham cinturas finas e seios altos, tudo isso bastante à mostra no apertado veludo carmesim.

- Valha-me Deus, onde vocês conseguiram estes vestidos? - perguntou o pai, surpreso ao vê-las em algo tão moderno e exótico.

- Olívia os fez para nós - disse Victoria docemente. - Acho que ela os desenhou.

- Na verdade eu os copiei - disse Olívia, infeliz, enquanto o mordomo as ajudava a colocar suas capas - mas não ficaram do jeito que eu queria.

- Serei invejado por todos os homens da festa - disse o pai generosamente e levou-as para o lado de fora, onde a limusine os esperava.

Havia uma friagem no ar e ele olhou para ambas as garotas enquanto elas entravam no carro à sua frente. Ele estava certo naquela tarde; elas certamente não eram mais crianças. E seria um milagre se todos os homens da festa não propusessem casamento a ambas naquela noite. Ele estava quase triste por sair com elas com aquela aparência, ambas estavam muito sensuais e atraentes. Mas ele nem desconfiava da tristeza de Olívia, sentada imprensada no canto do carro, odiando o vestido que ela fora forçada a usar e furiosa com a irmã.Quando chegaram ao palacete dos Astor na Quinta Avenida, ele estava brilhando com as luzes e parecia mesmo um palácio, por dentro e por fora. Havia quatrocentas pessoas lá e rostos e nomes que as garotas haviam apenas lido ou ouvido falar.

Os Goelet e os Gibson estavam lá, o príncipe Albert de Mônaco, um conde francês, um duque inglês e um sortimento de nobres menores de outros países. Toda a aristocracia disponível de Nova York estava lá, alguns que não saíam havia anos, como os Ellsworth, que ficaram dois anos em reclusão desde a morte de sua filha mais velha.

Um punhado de sobreviventes do desastre do Titanic no ano anterior estava lá, e alguns disseram que era literalmente a primeira vez que saíam, o que fez Olívia pensar imediatamente em Charles Dawson.

Ela acenou para Madeleine Astor, que perdera seu marido John quando o navio afundara e ela estava parecendo excepcionalmente bonita. O bebê que ela tivera depois que o pai morrera tinha quase um ano agora e entristeceu Olívia pensar que ele nunca conheceria o pai.

- Você está parecendo excepcionalmente bem esta noite. - Ela ouviu uma voz familiar, voltou-se para ver quem era e ficou surpresa ao dar com Charles Dawson. E então ele sorriu: Eu sei que você é a senhorita Henderson e poderia fingir saber qual delas você é, mas receio que não saiba, então você terá que me ajudar.

- Olívia - disse ela com um pequeno sorriso, com uma súbita e travessa tentação de fingir que era sua irmã, apenas para ver se ele diria algo diferente. - O que está fazendo aqui, senhor Dawson? - perguntou ela com um sorriso. Ele lhe dissera na noite anterior que jamais ia a festas.

- Espero que você esteja me dizendo a verdade - disse ele, como se soubesse o que ela estivera pensando sobre enganá-lo.

- Só me resta acreditar em você. Na verdade eu me tomei parente dos Astor por casamento. Minha falecida esposa era sobrinha de nossa anfitriã e ela foi muito gentil e insistiu que eu viesse. Não estou muito certo se deveria, não fosse pela noite passada. Você quebrou o gelo para mim, mas receio que isso seja um pouco mais sério do que eu esperava. É um absoluto hospício, não como sua elegante e pequena soirée da noite anterior, com apenas cinqüenta pessoas. Mas a casa dos Astor acomodava facilmente a deslumbrante multidão e Victoria já desaparecera desde o momento em que entraram.

Charles ficou e falou com Olívia por um momento, conversando sobre seu filho e as poucas pessoas que Olívia conhecia ali, algumas que ela reconhecera e então ele disse algo sobre Madeleine Astor ter estado no navio com sua esposa quando ele afundou. Ele sempre parecia tão desesperadamente triste quando falava sobre ela que rasgava o coração de Olívia vê-lo assim.

Ela não tinha idéia do que lhe dizer e suspeitava de que era um sofrimento do qual ele talvez jamais se recuperasse. Ele parecia estar funcionando, mas havia uma parte dele que estava tão claramente despedaçada que dava a impressão de que jamais poderia ser remendada.

- Suponho que sua irmã esteja aqui esta noite - disse ele agradavelmente. - Não a vi.

- Nem eu. Ela desapareceu assim que chegamos.

Está usando este mesmo vestido horrível disse Olívia com aflição, mas pelo menos nessa multidão ele não se destacava; havia outros como ele, até mesmo mais ousados ainda. Mas Charles sorriu do que ela disse. Pelo visto você não gosta dele. É muito bonito, no entanto. Muito... - ele pareceu ligeiramente embaraçado quando disse isso - “adulto” é uma palavra errada para usar com uma jovem da sua idade?

- Pouco apropriado seria melhor. Eu disse a Victoria que me sentia como uma prostituta. Ela o escolheu, mas fui eu quem o fez, então ela pode me culpar e foi o que fez. Pior ainda, meu pai pensa que foi minha escolha.

- Ele se opôs? - perguntou Charles, divertido, e ela olhou dentro de seus olhos enquanto conversavam. Eles eram tão profundos, tão verdes e tão intrigantes... E sem que tivessem intenção, a multidão empurrou-a gentilmente contra ele.

- Não, ele gostou. - Ela fez uma cara imitando seu pai gostando do vestido que ela detestava. Homens sempre gostam de mulheres usando veludo vermelho - informou-a Charles. - Acho que dá a eles a ilusão de algo tentador.

Olívia assentiu, esperando que no caso de sua irmã tudo não passasse de uma ilusão. Charles finalmente a levou para a festa e após um instante ele a deixou com um grupo de moças. Apresentou Olívia a todas elas e desejou que estivesse confortável, quando foi em busca das primas de sua esposa. Ele já explicara que seu filho estava doente e que não queria ficar até tarde na festa. Ela estava triste por vê-lo ir, porque a música acabara de começar.

E poucos minutos mais tarde, ela viu que sua irmã era uma das primeiras no salão e, como era de esperar, nos braços de Tobby. Ela observou-os circular vagarosamente numa valsa lenta e fácil e pouco mais tarde ficou chocada ao vê-los ainda lá, dançando o novíssimo fox-trot.

- Meu Deus, é como ver duas de você - disse uma das garotas, encarando-a fascinada por sua semelhança com a irmã gêmea. Ela disse que nunca vira nada como aquilo. - Vocês são totalmente, mas totalmente parecidas em tudo? - perguntou ela, consumida de curiosidade enquanto Olívia sorria. Era sempre assim para elas; as pessoas queriam saber como era ser uma irmã gêmea idêntica.

- Bastante. Somos gêmeas espelhadas. As coisas que tenho no lado direito, ela tem no esquerdo. Minha sobrancelha direita é um pouco levantada, assim como a esquerda dela. Meu pé esquerdo é maior, o dela é o direito.

- Que engraçado deve ter sido crescer assim - disse outra das primas Astor.

Duas das garotas Rockefeller se juntaram a elas para escutar. Olívia conhecera uma delas na velha propriedade dos Gould e vira a outra num chá que os Rockefeller ofereceram na sala de música de Kykuit. Tudo o que Olívia podia lembrar sobre aquele dia era o incrível órgão. Já que os Rockefeller não dançavam nem bebiam, freqüentemente davam grandes festas como os Vanderbilt e os Astor faziam, mas também ofereciam pequenas soirées musicais ou almoços em Kykuit.

- Vocês trocavam de lugar o tempo todo? - perguntou uma das garotas.

- Não. - Olívia sorriu. - Apenas quando queríamos entrar ou sair de uma brincadeira. Minha irmã odiava fazer exames na escola, então eu sempre os fazia para ela. Quando éramos bem pequenas, ela me convenceu a tomar seu remédio por ela e eu acabei ficando muito doente tomando-o por ambas, até que a senhora que tomava conta de nós compreendeu o que estávamos fazendo. Ela normalmente sabia quem era quem, mas às vezes mandava uma das empregadas nos dar óleo de castor, ou coisas que realmente odiávamos. E nos sempre conseguíamos enlouquecê-las.

- Por que você faria isso? - Uma das garotas fez uma cara horrível com a idéia de uma dose dupla de óleo de castor. Era uma idéia horrível!

- Porque eu a amava - disse Olívia simplesmente, como sempre sem conseguir explicar a que ponto teria chegado por sua irmã gêmea. O laço entre elas era muito forte para ser cortado, para ser negado, para ser explicado. - Fiz um monte de coisas bobas para ela e ela para mim.

De vez em quando papai nos tirava da escola porque causávamos muitos problemas. Nós nos divertimos muito então.

Olívia sorriu para elas, que se maravilharam com suas histórias. Mas conversar com elas a distraíra e uma hora depois Olívia percebeu que Victoria ainda estava dançando com Tobby. Eles não haviam deixado a pista e era como se Victoria estivesse moldada nos seus braços, enquanto circulavam lentamente pela pista, perdidos nos olhos um do outro e esquecidos das centenas de pessoas ao redor. Olívia pediu licença às moças e foi procurar por Charles. Ficou aliviada quando o encontrou próximo à porta da frente, segurando seu sobretudo.

- Você me faria um favor? - perguntou ela baixinho, com olhos suplicantes a que ele achou difícil resistir. Eles combinavam com o tom que ouviu em sua voz no dia em que ela o chamara e pedira para ir com ela ao Quinto Distrito.

- Há algo errado? - perguntou ele, preocupado e surpreso com o quanto se sentia confortável com ela.De certa forma, ela era como uma irmã mais nova. Não era nem um pouco parecido com o que sentia quando estava na presença de sua irmã gêmea. E ainda assim, quando estavam lado a lado, ignorando seus sentimentos instintivos por elas, ele não seria capaz de determinar quem era quem.

Era apenas quando ele falava com elas, quando ficava com elas por um instante e sentia uma estranha comoção em sua alma, que ele sabia. Gostava de pensar que poderia diferenciá-las instantaneamente se as conhecesse melhor.

Nossa amiga está perto de cometer alguma travessura novamente? - perguntou ele, preocupado. Parecia que era Victoria quem sempre se metia em problemas e Olívia quem a resgatava. Ele já havia entendido havia muito tempo esse fato sobre a relação entre elas.

- Receio que sim. Você dançaria comigo, senhor Dawson?

- Charles... por favor. Acho que podemos deixar para trás o “senhor Dawson”. - Ele pegou seu sobretudo e entregou-o ao mordomo novamente, sem sequer uma queixa sobre o fato de ter levado meia hora para conseguir pegá-lo, além de estar ansioso para voltar para casa e para Geoff.

Ele a seguiu obedientemente através das duas salas seguintes até a pista de dança e então viu instantaneamente qual era o problema. Tobby e Victoria estavam dançando ainda mais juntos agora e Olívia parecia extremamente infeliz quando os viu. Charles a levou para a pista de dança e dançou o mais perto possível deles, mas Tobby era hábil em escapar deles e Victoria parecia nem estar vendo os olhares e expressões claramente reprovadoras da irmã. Finalmente ela voltou as costas para eles, sussurrou algo para Tobby e eles deixaram a pista de dança e desapareceram na sala mais próxima. E Olívia não podia vê-los, já que a multidão se fechou à sua volta.

- Obrigada - disse Olívia, parecendo muito desgostosa e Charles sorriu para ela.

- Não é um trabalho fácil este que você escolheu para si mesma. Ela é uma garota muito cabeça-dura.

- Ele ainda lembrava o quanto ela ficara perturbada por não ter sido presa e fora mal-agradecida pelo socorro da irmã. - Aquele era Tobias Whitticomb, não era?Ele conhecia todas as histórias também. Toda Nova York conhecia. Mas elas tinham mais importância agora, se ele estava planejando fazer de Victoria sua próxima vítima. Charles esperava que ele se cansasse dela antes que houvesse algum dano real.

Ou talvez os Henderson se intrometessem antes que o caso fosse mais adiante. Olívia certamente parecia desejar fazê-lo. Ela agradeceu novamente a Charles por ajudá-la a seguir sua irmã pela pista de dança.

- Ela esteve fazendo de si mesma um espetáculo durante a última hora - disse Olívia com os olhos cheios de uma raiva triste.

- Não se preocupe com isso. Ela é jovem e bonita, haverá vários espertalhões correndo atrás dela até que ela encontre um marido. Você não pode se preocupar com todos eles. - Charles tentava acalmá-la, mas tinha de admitir que a reputação de Whitticomb era digna de preocupação e não podia dizer a Olívia que ela estava errada em observá-los.

- Victoria diz que jamais vai se casar. Diz que vai viver na Europa e lutar pelo direito de voto feminino. Oh, querida! Ela vai crescer e desistir disso, estou certo.

Quando o homem certo chegar, ela vai esquecer tudo isso. Apenas não conte a ele que ela quer ser presa - provocou ele - e não se preocupe muito com ela. Você merece se divertir um pouco - disse, enquanto finalmente se despedia dela e saía poucos minutos mais tarde.

Olívia foi então para o banheiro das mulheres e olhou-se no espelho enquanto endireitava os cabelos.

Ela estava com uma terrível dor de cabeça; a discussão com Victoria fizera com que a noite começasse mal e vê-la colada com Tobby naquela última hora não ajudara em nada. Mas, antes que Olívia pudesse se voltar, ela viu Evangeline Whitticomb no espelho, observando-a, e num instante ela já estava em pé bem atrás dela, enquanto Olívia se virava vagarosamente para encará-la.

- Posso sugerir, senhorita Henderson, que brinque com crianças da sua própria idade e que se limite aos solteiros, em vez de homens casados com três filhos?  

Ela olhou Olívia bem nos olhos, sem piscar, e Olívia sentiu um rubor quente encher suas faces, ao perceber que fora confundida com sua irmã. A esposa de Tobby estava lívida e Olívia não a censurou.

- Sinto muitíssimo - disse Olívia com suavidade, tacitamente concordando em ser Victoria e esperando acalmar aquelas águas revoltas. Era uma oportunidade de ouro e ela esperava convencer a esposa de Tobby de que não havia nada mais que conversa de amigos. Seu marido andou fazendo muitos negócios com meu pai e apenas conversamos sobre nossas famílias. Ele não fez nada, a não ser falar da senhora e das crianças enquanto estávamos dançando.

- Duvido disso - disse a esposa de Tobby com raiva. - Estou surpresa de ouvir que ele até mesmo se lembre de que nos tem. Apenas se assegure de você se lembrar disso ou eu posso lhe garantir - ela olhou explicitamente para ela e baixou a voz, mas não o veneno - que você vai se arrepender. Você não significa nada para ele, sabia? Ele vai brincar com você como um brinquedo, por um tempo, e depois vai jogá-la fora. E onde quer que você caia, estará quebrada. No fim de tudo, ele vai voltar para mim... Ele tem que voltar. - Com isso, ela girou nos calcanhares e saiu, e Olívia sentiu como se o ar lhe faltasse.

Felizmente, não havia mais ninguém no banheiro naquela hora e ela teve de se sentar depois que a outra mulher saiu, tão tonta estava. E ela estava certa, é claro. Evangeline Whitticomb conhecia bem seu marido; ela vira seu desempenho dezenas de vezes e ele sempre voltava para ela, por causa de quem ela era, do que ela representava e porque ele era um pouco menos louco do que a mulher com quem ele estava brincando agora.

Muitas delas eram jovens e inexperientes, muitas eram virgens. Elas ficavam encantadas por ele, por sua boa aparência, por seu jeito adulador, pelas coisas que ele sussurrava para elas e tinham suas próprias ilusões de garotas ou até mesmo aspirações ambiciosas. Mas o que quer que elas pensassem e o que quer que ele lhes dissesse, no fim não fazia diferença, ele sempre as deixava.

Exatamente como Olívia tentara alertar Victoria. Ela esperava que tivesse pelo menos assegurado sua respeitabilidade à esposa, ou melhor, a de Victoria, mas ela duvidava, e quando Olívia saiu do banheiro novamente, viu Victoria de volta à pista de dança nos braços de Tobby e desta vez eles pareciam bem mais íntimos, seus corpos próximos e pressionados um ao outro, seus lábios quase se tocando. Olívia queria gritar olhando para eles, mas em vez disso ela fez a única outra coisa em que conseguiu pensar.

Foi dizer ao pai que estava com uma terrível dor de cabeça e ele imediatamente foi bastante solícito, mandando uma empregada encontrar seu casaco para ela e indo ele mesmo buscar Victoria. Ele a encontrou dançando com o jovem Whitticomb e, embora não parecesse satisfeito, não pensou nada sério sobre isso. Ele sabia que haviam se conhecido em sua casa e não os vira juntos desde então.

De qualquer forma, fez um comentário no caminho para casa dizendo que ficara surpreso, depois de tudo o que dissera, que Olívia tivesse sentado Tobby próximo a sua irmã. Mas ele disse com sutileza especial que estava certo de que nenhum dano viera daquilo, e que Victoria era esperta o suficiente para não deixar que ele a cortejasse.

Ele não vira Tobby observando-a enquanto saíam, nem o olhar que trocaram, que apenas confirmava tudo o que disseram naquela noite. Tobby e Victoria haviam encontrado um pequeno quarto delicioso, num pequeno pavilhão nos fundos do jardim. Foi lá que ele a beijou pela primeira vez e onde eles passaram todo o seu tempo, nos braços um do outro, sempre que não estavam dançando.

- Sinto tanto, querida - desculpou-se o pai com Olívia por sua dor de cabeça durante todo o caminho para casa. - Foi demais para você, esse baile hoje depois da festa na noite passada. Não sei o que eu estava pensando quando aceitei vir. Pensei que seria divertido para vocês, mas devem estar exaustas.

Victoria parecia tudo menos isso e lançava farpas com o olhar para Olívia sempre que o pai olhava para fora da janela. Ela conhecia muito bem a irmã e achava difícil acreditar que ela estivesse com dor de cabeça. Ela não fazia idéia do quanto a aborrecera.

- Foi muito hábil de sua parte - disse ela gelada quando subiram para seu quarto.

- Não sei do que você está falando. Eu realmente estou com dor de cabeça - insistiu Olívia, enquanto tirava o odiado vestido. Ela desejava queimá-lo. E depois do jeito como Victoria se comportara, ela realmente se sentia como uma prostituta.

- Você sabe exatamente o que quero dizer. Mas a sua pequena artimanha não mudará nada. Você não tem idéia do que está fazendo.

Ela tinha provas de que Tobby era totalmente sincero. Ele havia se apaixonado loucamente por ela e não a chocava o fato de ele querer divorciar-se da esposa. Ela nem mesmo ligaria se ele fizesse isso. Era totalmente moderna em suas idéias. Ela não tinha que se casar com ele. Podiam ser amantes para sempre. Ele até mesmo falara com ela sobre eventualmente deixar o país e viver na Europa.

Tobby Whitticomb era tudo o que ela sempre quisera. Ousado, bravo, destemido, honesto, querendo pagar qualquer preço por aquilo em que acreditava. Ela o via como um cavaleiro numa armadura brilhante, pronto a resgatá-la de sua pequena vida mundana em sua casa incrivelmente chata no Hudson. Ele já vivera em Paris, Londres e na Argentina. Era tudo música para seus ouvidos e toda vez que pensava nele seu corpo inteiro tremia.

- A mulher dele me atacou no banheiro esta noite - disse Olívia enquanto vestia seu roupão. - Ela pensou que eu fosse você.

- Que conveniente! Você disse a ela o quanto sentia e que era tudo um terrível engano?

- Mais ou menos. - Victoria sorriu quando ouviu aquilo. Mas Olívia continuou, solenemente. - Ela me disse que Tobby tem esse hábito, como todo mundo comenta, e que quando tudo está acabado, ele joga fora as garotas com quem flerta como se fossem bonecas quebradas. Não quero que você seja uma delas - disse Olívia roucamente.

Este era o primeiro episódio que causara uma séria rixa entre elas e estava fazendo Olívia sentir-se doente enquanto aquilo continuava. E ela não conseguia ver como qualquer coisa pudesse mudar até que Victoria não se deixasse mais seduzir pelo que ele dizia. Aquilo fazia Olívia desejar, mais que tudo, que estivessem de volta a Croton-on-Hudson.

Victoria, por favor, seja inteligente... não chegue perto dele... ele é perigoso. Eu quero que você me prometa que não vai tentar vê-lo.

- Eu prometo - disse Victoria sem sinceridade ou expressão.

- Espero que sim. - Olívia tinha lágrimas nos olhos quando falou. Ela o odiava ainda mais agora por fazê-las discutir. Nada nem ninguém tinha o direito de se colocar entre elas. Até onde Olívia sabia, seu laço era sagrado.

- Você está com ciúmes - disse Victoria friamente.

- Não estou - disse Olívia, desesperada para convencê-la.

- Está, sim. Ele me ama e isso a assusta. Você tem medo de que ele me tire de você - disse Victoria com a verdade, mas não exatamente da maneira que queria dizer.

- Ele já está fazendo isso. Mas você não vê o risco que estará correndo em se deixar apaixonar por este homem? Quantas vezes preciso lhe dizer, Victoria, que ele é perigoso? Você tem que ver isso.

- Eu serei cuidadosa, juro - disse ela, amolecendo um pouco.

Odiava brigar com Olívia, ela a amava demais e aquilo a assustava. Mas subitamente ela sabia que amava Tobby também. Estava ficando de cabeça virada por ele e era muito tarde para parar aquele amor. Quando ele a beijara naquela noite ela pensou que todo o seu corpo fosse se derreter e quando ele enfiou a mão dentro de seu espartilho e tocou seus seios, ela teria feito qualquer coisa que ele quisesse. Ninguém jamais fizera aquilo com ela antes.

Ninguém nem mesmo a fizera querer alguém mais que a própria vida e como ela poderia explicar aquilo para sua irmã?

- Prometa-me que você não o verá - implorou Olívia agora que a irmã a estava escutando. - Por favor.

- Não me peça isso. Eu prometo que não farei nada imprudente.

- Vê-lo é imprudente. Até mesmo a esposa dele sabe disso.

- Ela está com raiva porque ele está se divorciando dela. Você não ficaria?

- Pense no escândalo que isso vai causar. Especialmente para uma Astor. Por que você pelo menos não espera que isso aconteça, que o barulho acabe e então ele pode vê-la abertamente e você pode explicar isso a papai. - Agora ela não podia fazer nada, a não ser encontrar-se às escondidas com ele e ser pega no fogo cruzado entre ele e a mulher num mundo que ainda o condenava por suas aventuras passadas.

- Ollie, isso vai demorar muito.

- E quando voltarmos para casa? Então o que vai acontecer? Ele vai ver você lá? O que as pessoas vão dizer, Victoria?... E papai?...

- Não sei. Ele diz que podemos conquistar qualquer coisa se eu o amar. E eu amo, oh, Ollie, eu realmente o amo. - Ela fechou os olhos e seu coração quase pulou do peito enquanto pensava nele. Depois abriu novamente seus olhos e olhou para sua irmã. - Como posso contar a você como é? Eu morreria por ele se ele me pedisse.

- Pelo menos Victoria estava sendo honesta com ela, mas aquilo não fazia Olívia sentir-se nem um pouco melhor.

- É disso que tenho medo - disse Olívia tristemente. - Não quero que ninguém machuque você, nunca.Ele não vai me machucar. Eu juro. Você tem que vir tomar um chá conosco um dia. Eu quero que você o conheça. Eu quero que você o ame também... Ollie, por favor... não posso fazer isso sem você.

Mas aquilo era demais para ela. Até mesmo o silêncio era demais para pedir a ela, mas pedir cumplicidade seria muito doloroso.

- Victoria, não posso ajudá-la desta vez - disse Olívia suavemente. - Acho o que você está fazendo perigoso e errado e receio que você se machuque. Talvez eu não possa impedi-la, mas não a ajudarei a fazer isso. Não desta vez.

- Então jure que você não dirá nada... jure para mim - implorou Victoria de joelhos, os olhos cheios de lágrimas e Olívia, começando a chorar também, pegou-a nos braços e abraçou-a. Como você pode me pedir isso? Como posso deixá-lo machucar você?

- Ele não vai me machucar... acredite em mim ele não vai me machucar... acredite em mim. Você não é a única em quem não acredito. - Mas suspirou, respirando fundo e finalmente enxugando suas lágrimas. - Não direi nada por enquanto... mas se ele a machucar, eu não sei o que farei com ele...

- Ele não vai fazer isso. Eu o conheço melhor do que qualquer pessoa nesta vida, exceto você. - Ela parecia uma criança enquanto rolava na cama e se deitava lá, gargalhando de braços e pernas abertos.

- Em dois dias, Victoria Henderson? Duvido muito. Você é uma sonhadora. Para alguém tão cheia de idéias radicais, você certamente e uma boba romântica. Como você pode acreditar neste homem tão rapidamente?

- Porque eu sei quem ele é. Eu o entendo completamente.

Nós somos duas pessoas completamente independentes, exatamente com as mesmas idéias, que foram sortudas o suficiente para encontrar uma à outra. É um milagre, Ollie. Realmente é. Ele diz que esperou por mim toda a sua vida e agora que estou aqui ele não pode acreditar.

- E sua esposa e seus filhos? Como eles entram nisso tudo? - Olívia parecia cética e Victoria pareceu momentaneamente confusa, sem certeza do que responder.

- Ele diz que ela o forçou a ter os filhos, que ele jamais teria tido filhos num casamento sem amor. É realmente tudo culpa dela e agora o que ela faz com eles é problema dela.

- Esta é uma atitude muito boa e sensível - disse Olívia e o sarcasmo pareceu passar pela cabeça de Victoria enquanto ela continuava a falar com entusiasmo sobre Tobby.

Elas apagaram a luz um pouco mais tarde e Olívia deitou-se com os braços em torno de sua gêmea.

- Seja cuidadosa, irmãzinha... seja prudente... cuidadosa... - sussurrou, mas Victoria já estava meio adormecida enquanto cabeceava sonolentamente e enroscava-se mais em sua irmã. A mente de Victoria estava girando enquanto pensava nele. Eles haviam marcado um encontro para o dia seguinte. Iriam se encontrar na biblioteca às dez horas da manhã seguinte.

 

Olívia estava combinando os menus de almoço e jantar com o cozinheiro na manhã seguinte quando Victoria escapuliu. Ela dissera a Bertie que estava indo à biblioteca encontrar uma das moças Rockefeller e que estaria em casa no fim da tarde. Bertie mandou Donovan levá-la à biblioteca e ninguém pareceu notar que ela estava usando o conjunto branco novo com o chapéu combinando, copiado de Doeuillet, que nem mesmo Olívia usara ainda.

Ela parecia bastante moderna ao subir os degraus da biblioteca segurando os livros para devolver, enquanto Donovan manobrava e voltava para casa para levar o Sr. Henderson ao escritório de John Watson.

Victoria devolveu os livros assim que chegou e quando olhou por cima dos ombros da bibliotecária, ela o viu de pé, olhando-a, bem atrás da educada solteirona de óculos que a ajudara. Victoria riu para ele quando seus olhos se encontraram e um momento mais tarde eles saíram de braços dados. Ainda era cedo e ninguém que eles conheciam jamais ia à biblioteca naquela hora, se é que iam. Ela não tinha nenhuma idéia do que iriam fazer, mas realmente não se importava, desde que estivessem juntos.

Tobby deixara seu carro do lado de fora, um Stoltz que ele comprara naquele ano e sorriu quando Victoria disse que adoraria dirigi-lo.

- Não me diga que você também sabe dirigir - disse ele, parecendo deliciado e impressionado. - Você realmente é a garota moderna que diz ser.

Muitas garotas acham que são, mas na verdade não são. Ele ofereceu a ela um cigarro Milo como se para provar o que dizia e ela o pegou, embora realmente fosse um pouco cedo, mesmo para ela.

Por alguns instantes, eles rodaram em torno do East Side vagarosamente e então, finalmente, ele parou o carro e olhou para ela, como se estivesse bebendo cada detalhe de seu rosto, seus olhos, sua alma. Era como se ele quisesse imprimi-la em seu coração para sempre. Eu adoro você, Victoria - sussurrou ele em seu cabelo.

Nunca conheci ninguém como você.Suas palavras eram como um afrodisíaco para ela e quando ele a beijou, ela sentiu sua alma fundir-se com a dele. Não havia nada que ela não fizesse por ele naquele momento e ele ficou sem ar quando a beijou. Após um longo momento, ele encostou-se no assento do Stutz e olhou para Victoria, totalmente impressionado.

- Você me deixa louco, sabia? Você me faz ter vontade de seqüestrar você e levá-la para o Canadá ou o México, ou ir embora para a Argentina ou Açores... Você é uma mulher que merece estar em lugares exóticos.

Eu adoraria estar com você numa praia quente em algum lugar, escutando música e beijando-a disse ele enquanto se inclinava para beijá-la novamente e desta vez ela mal pôde respirar quando ele a segurou. Foi ela quem se soltou desta vez, incapaz de pensar direito enquanto olhava para dentro de seus olhos escuros e desejou que pudessem fugir para sempre. Era insuportável pensar em deixá-lo novamente; em estar separada dele mesmo que por um instante. Mas quando ele olhou para ela ansiosamente, subitamente sorriu, como se tivesse pensado em algo.

- Tenho uma idéia - disse ele, ligando o carro novamente e virando para o norte na esquina seguinte. - Eu sei exatamente aonde nós vamos hoje. Não vou lá há tempos.

- E onde é isso? - perguntou ela, parecendo muito relaxada enquanto ele lhe oferecia um pequeno frasco e ela dava um gole cuidadoso, para não se exceder.

Era conhaque e queimou sua garganta quando ela bebeu, mas o calor que a aqueceu depois foi muito prazeroso.

- Aonde vamos é um segredo - disse ele misteriosamente, olhando para ela de maneira apaixonada.

Era como se eles sempre tivessem sido destinados a ficar juntos e ambos o sabiam. Ela perguntou novamente a ele sobre onde iam enquanto o carro se dirigia para Uptown, mas ele recusou-se a responder a suas perguntas e fingiu que a estava seqüestrando, mas ela não pareceu preocupada nem mesmo por um momento. Ele parou para beijá-la muitas vezes e eles dividiram o frasco ainda outra vez, mas na terceira vez que ele o ofereceu, ela recusou.

Você sempre bebe conhaque antes do almoço? - perguntou ela casualmente.Aquilo não a aborrecia de maneira alguma; ela sabia que vários amigos de seu pai bebiam bastante e mesmo John Watson carregava sempre um frasco no inverno. Mas não estava frio hoje; aquilo parecia apenas adicionar mais emoção à sua excitação.

- Eu estava tão nervoso esta manhã - confessou ele - que achei que fosse precisar disso. Meus joelhos estavam tremendo quando fui encontrá-la.

Ele parecia um garoto quando olhou para ela, e vê-lo parecer tão vulnerável e apaixonado por ela fez Victoria sentir-se muito mundana. Ele tinha trinta e dois anos e ela sabia que o havia conquistado totalmente. Isso era muito lisonjeiro e tudo sobre ele era excitante, até mesmo o fato de ser proibido estar com ele e de Tobby supostamente ter uma terrível reputação. Subitamente até isso era excitante também, porque ela sabia que nada daquilo era verdade. A única coisa que ela não se deixou pensar foi o fato de ele ser casado.

Não importava para ela, depois de tudo o que ele lhe dissera sobre estar se divorciando de Evangeline, sobre ter cometido um terrível erro e ter desperdiçado cinco anos num casamento sem amor. A idéia de que o divórcio de uma Astor seria o escândalo do século nem mesmo lhe ocorreu, embora tenha ocorrido imediatamente a sua irmã gêmea. Eles já estavam bem longe da cidade agora e as casas ao redor eram pequenas, simples e quadradas e haviam começado a parecer quase rurais.

Vinte minutos depois que eles deixaram a biblioteca, Tobby parou o carro em frente a uma casa branca pequena e elegante, com algumas cercas vivas bastante crescidas na frente e uma cerca de estacas meio pintada em toda a volta.

- O que é isso? - perguntou Victoria, parecendo divertir-se, pensando em quem eles estariam indo visitar.

- É a casa dos meus sonhos.

Ele sorriu para ela e deu a volta no carro para ajudá-la a descer. Ela hesitou por um momento, enquanto ele pegava uma cesta de piquenique. Ela ainda não a vira antes, mas havia champanhe, caviar e um pequeno bolo, além de algumas outras. As delícias que ele furtara de sua cozinha. Tudo fora cuidadosamente arranjado e enquanto ela olhava para ele, divertida, ele tirou uma chave de dentro do bolso.

- De quem é essa casa? - perguntou Victoria, sem sentir medo, mas apenas curiosa e em dúvida. Era estranho não saber onde estava, ou quem eles estavam visitando, e ela o seguiu cautelosamente até a porta enquanto ele a destrancava. Ela pôde ver uma sala pequena e elegante do outro lado. Os moveis, apesar de simples, pareciam estar em bom estado.

Nada era pomposo aqui, mas parecia um lugar prazeroso para passar uma tarde tranqüila e, antes que ela pudesse pisar do lado de dentro, Tobby a pegou em seus braços e beijou-a, afastando os cabelos longos e escuros de seu rosto e sentindo seu corpo próximo ao dele, tão próximo que ele apenas ousava respirar com medo de perdê-la. E então ele olhou para ela sorrindo e, sem uma palavra, pegou-a e carregou-a até o solado da porta.

- Você será minha esposa um dia, Victoria Henderson - disse ele suavemente. Agora você apenas me conhece, mas você será minha um dia e será a próxima senhora Whitticomb... Se você me quiser...

Ele parecia infantil, inseguro e totalmente miserável enquanto olhava para ela no pequeno aposento, seus ombros largos parecendo subitamente muito grandes para ela, suas palavras mais do que ela podia enfrentar. Ela era a garota que dissera que jamais se casaria com ninguém, que queria ser livre e um dia viver na Europa, e agora ali estava ela, sozinha com aquele homem e totalmente sua escrava, para fazer o que ele quisesse.

Ela sabia que não deveria ficar sozinha com ele e que, de certa forma, o que estavam fazendo era errado, mas mesmo assim como poderia ser errado? Como aquilo poderia ser qualquer coisa que não certo? Qualquer coisa que não perfeita? Ela sabia, no fundo de seu coração, o quanto o amava. Estava totalmente atraída por seu coração, seu charme e seu jeito ingênuo. Victoria acreditava nele tanto quanto em seu próprio pai.

- Eu te amo tanto - sussurrou ela suavemente e ele a beijou novamente.

Um momento mais tarde, eles estavam se deitando no sofá, beijando-se apaixonadamente e ela podia sentir seu corpo pulsando junto ao dela. Ela não tinha idéia do que fazer ou do que ele esperava dela, sabia que não faria nenhuma besteira e mesmo assim tudo em que podia pensar era em estar ali com ele, ser sua, estar com ele para sempre.

Foi Tobby quem finalmente parou, brincando com seus cabelos longos com dedos gentis, enquanto sua blusa ficava aberta.

Eles colocaram a cesta de piquenique na cozinha, ele abriu o champanhe e eles o bebericaram, enquanto ela abotoava novamente a blusa e eles saíam para o jardim. Não havia vizinhos por perto, não havia ninguém em lugar algum e, enquanto andavam ao redor, ele explicou a ela que havia alugado aquele local apenas para que pudesse estar sozinho e ficar longe de Evangeline, para que pudesse pensar, sonhar e ter algum tempo para si mesmo. Ele disse a Victoria que fora ali que ele finalmente decidira divorciar-se dela.

- Você vai sentir muita falta das crianças? - perguntou ela com simpatia, enquanto andavam vagarosamente de volta para a casa, de mãos dadas e falando suavemente.

- Vou. Mas espero que ela seja razoável e me deixe vê-los. Será um choque para todo mundo, é claro, mas acho que ela também ficará aliviada. Ninguém deveria ter de viver assim para sempre, Será mais difícil para nossas famílias do que para nós, porque eles não vão entender. Victoria assentiu, enquanto começava a entender com súbita seriedade que seria um escândalo terrível.

Sem dúvida, seu pai ficaria profundamente chocado, mas talvez com o tempo ele entendesse. Victoria não tinha necessidade de casar-se com ele imediatamente. Ela não ligava, desde que pudessem ficar juntos. E compreendeu que seria difícil para ambos quando ela voltasse para Croton.

Mas ele poderia visitá-la freqüentemente e talvez, enquanto ele estivesse se divorciando, assim fosse melhor para eles e tivessem mais privacidade. Era impressionante como a vida de alguém mudava, refletiu ela, era apenas dias ou instantes. Subitamente o curso de toda a sua existência estava voltada para uma direção diferente daquilo que ela havia esperado.

Ele perguntou a ela sobre como era ser uma gêmea e riu de algumas de suas histórias ultrajantes. E então subitamente eles estavam na entrada e ele a estava beijando novamente. Ela nem mesmo sabia que horas eram, mas também não ligava para isso. Tudo o que sabia era que queria estar com ele.

Sentaram-se na sala e falaram mais um pouco, e então ele serviu mais champanhe a ela e se beijaram um pouco mais. Desta vez, sem pensar ou perguntar a ela enquanto se beijavam, ele tirou sua blusa lentamente. Ela começou a objetar, a dizer algo, mas ele a silenciou com lábios hábeis e dedos ágeis e a força de seu próprio desejo quase a apavorou enquanto ele a beijava e lentamente deixava seus lábios se movimentarem de sua boca para seu pescoço e então para baixo, sobre seus seios e seus mamilos. Ela estava gemendo suavemente e ele estava ardendo de desejo por ela.

Subitamente ela olhou para ele e soube, ambos o souberam, que suas vidas haviam mudado para sempre. Aquele momento e a vida inteira eram deles, os riscos, os perigos, as tristezas, as alegrias, ela estava querendo dividir tudo aquilo com ele. E lentamente suas roupas dissolveram-se nas mãos dele e ele a tomou gentilmente em seus braços e a levou para o quarto.

As persianas estavam baixadas, a luz estava fraca, parecia que havia uma espécie de névoa mística em volta deles e, com o maior cuidado e gentileza, a mais infinita experiência, ele a tocou. Seu corpo murmurou e lamentou para ele, seu coração se estendeu ao dele, sua mente era um borrão com tudo o que ele estava fazendo. Horas depois ela deitou-se era seus braços, assustada mas sem medo, meio adormecida, preenchida de amor por ele e com total confiança. Ela havia dado a ele tudo o que tinha para dar e sabia sem dúvida que em dele para sempre.

Eram cinco horas quando ele a acordou e a luz estava um pouco mais fraca. Ele odiava ter de acordá-la, mas sabia que tinham de ir embora. A última coisa que queria para ela, ou para si mesmo, era causar qualquer problema.

Era quase um sofrimento físico ter de afastá-la dele e ela se vestiu silenciosamente enquanto ele a observava, totalmente subjugado com os longos e graciosos membros, a beleza de seus movimentos. Era como se ele não pudesse acreditar na sorte de tê-la encontrado e ela quase não podia acreditar no que tinha acontecido. Eu nunca, nunca a farei se arrepender de me amar - disse-lhe ele antes que saíssem, ambos um pouco abalados pelo enorme passo que haviam dado, mas mesmo assim ela não tinha arrependimentos. Ela fundira seu destino com o dele naquele dia e agora estavam amarrados um ao outro para sempre.

Ele a deixou dirigir parte do caminho para casa e muitas vezes ela o assustou, mas ele amava aquilo. Eles riram, cantaram, eram como duas crianças que tinham soltado as velas de um pequeno barco num mar tempestuoso e tudo o que podiam fazer agora era acreditar no destino para protegê-los.

- Eu te amo Tobby Whitticomb - disse ela numa voz forte e clara quando ele a deixou a três quadras de casa, odiando ter de deixá-la.

- Não tanto quanto eu a amo. Você verá, você será minha um dia - disse ele orgulhosamente - apesar de eu não merecê-la.

- Eu já sou sua - sussurrou ela e então beijou seu rosto, antes de descer para a calçada, ainda um pouco confusa com o que havia feito e com a enormidade de seu comprometimento.

Ela acenou quando ele partiu, seus olhos pregados nele por tanto tempo quanto pôde vê-lo. Haviam prometido encontrar-se novamente no dia seguinte, novamente na biblioteca e iriam voltar à pequena casa que era deles agora.

 

Outubro estava repleto de atividades para todos eles. Edward Henderson estava a ponto de concluir um grande negócio e estava realmente gostando muito daquilo. Ele ia ao escritório de John Watson todos os dias e passava horas em mesas de conferências, cercado de banqueiros e advogados.

Olívia fizera muitos amigos e era convidada para todos os lugares para lanches e chás e, embora Victoria também fosse convidada, raramente se juntava a ela. Ela disse a Olívia que estava freqüentando leituras e encontros da Associação Nacional de Sufragistas Americanas, mas Olívia suspeitava de que havia mais do que aquilo.

Ela sabia instintivamente que, entre as outras coisas que fazia, Victoria estava se encontrando secretamente com Tobias Whitticomb. Olívia não dizia nada, mas estava constantemente observando sua irmã. Ela via as mudanças nela, sabia o quanto devia estar apaixonada, mas sabia também que nada podia fazer para parar com aquilo.

Os Henderson continuaram a ir a concertos e peças e, a pedido de seu pai, Olívia ofereceu mais dois pequenos jantares. Charles Dawson veio para um deles, mas passou a maior parte da noite discutindo negócios com seu pai. E Olívia estava menos falante que o usual. Estava muito preocupada com a irmã. Parecia haver um silêncio entre elas atualmente, um bloco de algo impenetrável que Olívia sentia, mas não podia ver ou passar através, e sempre que tentava questionar Victoria sobre isso, ela insistia que Olívia estava imaginando coisas e que nada mudara entre elas.

Olívia estava começando a esperar ansiosamente a hora de ir para casa, quando ela poderia recuperar sua irmã da paixão cega por Tobby. Mais que nunca, achava que a havia perdido. Mas no fim de outubro Edward Henderson disse que duvidava que voltassem a Croton antes do Dia de Ação de Graças. Ele estava concluindo a venda da fábrica e achava que de qualquer maneira estar em Nova York era bom para elas, pois lhes dava a chance de fazer amigos e, ele às vezes piscava para elas, talvez até de encontrar maridos. Em todo caso, era óbvio o quanto elas gostavam dali.

Olívia ainda era a mesma em muitos aspectos, mas afiara seus conhecimentos sociais e se tomara uma anfitriã perfeita. Mas era Victoria quem parecia ter florescido na condição de mulher. Subitamente parecia haver nela uma aura de algo muito mais sofisticado. Era algo sobre o que ninguém falava, mas que todos aqueles que a conheciam bem haviam notado. Olívia havia visto também, mas nunca questionara abertamente, pois decidira que devia ser um estilo que Victoria adotara a fim de atrair Tobby.

E Victoria não dizia absolutamente nada a ninguém, menos ainda a sua irmã. Olívia não sabia de nada a respeito de seus encontros com ele e certamente não imaginava o que estava acontecendo na pequena casa fora da cidade, onde eles se encontravam todas as manhãs, ainda que sentisse que a relação de Victoria com ele tivesse se aprofundado. Olívia sabia também que Victoria estava evitando-a e parecia sempre muito ocupada, o que Olívia acreditava ser muito suspeito.

- Vocês ainda não se cansaram de nossa cidade? - perguntou Charles Dawson a Olívia uma tarde, quando veio ver seu pai. Ela viera checar a bandeja de chá e seu pai pedira a ela para ficar, já que haviam concluído seus negócios.

- Talvez um pouco - sorriu ela. - Eu gosto daqui, mas sinto falta da troca das folhas em Croton.

- Nós voltaremos logo. - O pai sorriu para ela, agradecido por toda a sua ajuda. Nos dois últimos meses, ela dirigira a casa de Nova York com perfeição.

- Você deve trazer Geoffrey para nos visitar - disse ela calorosamente para Charles, sentindo que ainda não o tivesse conhecido.

- Ele adoraria - assegurou Charles a ela.

- Ele sabe montar? - Charles sacudiu a cabeça pesarosamente em resposta. - Talvez eu possa ensinar a ele.

- Estou certo de que ele gostaria.

- Onde está sua irmã esta tarde, a propósito? - Seu pai interrompeu-os, curioso sobre onde estaria sua outra filha.

- Está fora com amigos. O de sempre. A biblioteca. Não estou certa. Ela deve voltar a qualquer momento. Ela certamente tem saído muito estes dias. - Ele sorriu para ela.

Estava feliz que elas tivessem gostado tanto de Nova York; todo mundo estava encantado com elas e fascinado pelas irmãs totalmente idênticas. Charles saiu pouco depois e Victoria estava justamente subindo as escadas da frente quando ele saiu. Um carro partiu rapidamente, mas ninguém notou, e ele conversou com ela por um momento. Havia algo diferente em seus olhos desta vez, algo vago e sonhador.

Uma vez mais ele ficou surpreso com o quanto ela era parecida com sua irmã gêmea e ainda assim, num sentido mais vago e místico, o quanto eram diferentes. Ainda havia vezes, quando ele as via juntas, em que não podia diferenciá-las no primeiro instante. Ele ainda refletia sobre isso enquanto dirigia para casa e para seu filho. O Dia de Ação de Graças e o Natal chegariam em breve, e Charles os temia.

Os feriados haviam sido uma agonia no ano anterior, sem Susan.Os Henderson foram a um concerto no Carnegie Hall naquela noite e encontraram vários conhecidos, entre eles Tobias Whitticomb, que estava dividindo um camarote com amigos, mas sua esposa não estava entre eles.

Alguém disse que ouvira dizer que ela estava doente, mas outra pessoa sorriu e disse ter ouvido que ela estava esperando outro bebê. Victoria apenas sorriu para si mesma, sabendo que ela não poderia e que ele estaria deixando-a num futuro muito próximo. Talvez tivessem decidido que seria mais simples se ele saísse sozinho.

Mas, qualquer que fosse a razão, ele e Victoria passaram a maior parte da noite com seus olhos voltados um para o outro.

Seu pai também notou isso desta vez, mas não disse nada a ela no caminho de casa e silenciosamente desejou que o jovem Whitticomb não a tivesse escolhido como o próximo objeto de sua afeição.

- Papai viu o que aconteceu hoje - advertiu-a Olívia quando elas tiravam os vestidos, mas Victoria evitou-a, como sempre fazia agora.

Machucava Olívia constantemente sentir a distância entre elas. Era uma dor física, um sofrimento visceral do qual ela nunca parecia livrar-se.

- Papai não sabe de nada - disse Victoria com completa segurança.

- O que exatamente há para saber? - perguntou Olívia suavemente, de súbito terrificada com o quanto aquilo teria ido longe, mas Victoria nem mesmo se dignou a responder e aquela noite ambas tiveram pesadelos.

Mas na manhã seguinte os pesadelos tornaram-se verdade. John Watson ligou como sempre fazia e perguntou se poderia ver Edward Henderson em casa, no caminho para o trabalho. A visita não parecia pouco usual e Henderson sempre ficava feliz ao vê-lo.

Bertie serviu-lhes café na biblioteca e houve uma longa pausa quando John sentou-se e olhou para Edward. Quando ficaram sozinhos, John ainda não tinha idéia de como começar o que tinha a dizer. Ele pensou no coração fraco de seu velho amigo, na saúde que oscilara algumas vezes nos últimos anos, mas ainda assim ele sabia que não tinha escolha. Precisa contar a ele. Devia isso a Edward.

- Receio - começou ele lentamente - que tenha más notícias.

Os dois homens trocaram um longo olhar. Era como observar uma porta aberta para revelar um abismo no qual nenhum deles gostaria de mergulhar agora.

- A venda da fábrica não deu certo? - Edward pareceu desapontado, mas não devastado. No entanto, John sacudiu a cabeça.

- Não, ainda bem, tudo está bem por lá. Na verdade, esperamos ter o negócio fechado até o Natal.Era o que esperava - disse Edward. Haviam trabalhado duro naquilo e não houvera sugestão de qualquer problema.

- É pessoal, receio. Algo que me faz sofrer profundamente por ter de dizer a você e que vai fazê-lo sofrer também. Conversei longamente com Martha sobre isso a noite passada e ambos achamos que você deveria saber. É Victoria, Edward. Receio... - Ele fazia um grande esforço para dizer as palavras, com medo de que aquilo matasse seu amigo, ou no mínimo o golpeasse profundamente. - Ela fez algo muito imprudente. Está envolvida com o jovem Whitticomb... seriamente... sinto muito.

Seus olhos se encontraram, aterrorizados e disseram milhares de coisas indizíveis entre os dois homens. - Aparentemente há uma pequena casa ao norte da cidade onde eles se encontram... onde eles vêm se encontrando. A governanta de alguém os tem visto todos os dias no último mês. Receio que... você pode imaginar o resto. Oh, Deus, Edward, eu sinto tanto! - disse ele, observando os olhos de seu velho amigo se encherem de lágrimas, mas por um momento Edward Henderson não disse nada.

- Você está certo disso? Quem é essa mulher? Eu poderia falar com ela? Talvez ela esteja mentindo. Pode ser chantagem.

- Possivelmente. Mas dada a reputação do homem, fiquei inclinado a acreditar na história. Eu não teria vindo a você se não estivesse com muita certeza disso. - E então: - Você quer que eu fale com ele? Talvez nós dois possamos fazê-lo.

- Eu deveria matá-lo, se for verdade - disse Edward com ódio.

- Apenas não posso acreditar nisso vindo de Victoria. Ela é impulsiva às vezes, mas não faz mais do que dirigir meus carros ou roubar meu cavalo favorito para uma boa corrida nos campos, ou até mesmo nos meus melhores jardins. Mas não isso, John... não isso... eu simplesmente não posso acreditar isso vindo dela.

- Nem eu. Mas ela é muito jovem e ingênua. Acredito que ele seja um perito nisso. A mulher diz que ele mantém a casa apenas para este propósito.

- Este homem merece a cadeia!

- E se for verdade? E sua filha? Ela não pode se casar com ele. Ele já é casado, tem uma casa cheia de crianças, uma esposa aristocrata, e eu soube por Martha que ela está esperando outro bebê. Receio que isto seja muito desgostoso.

- Você acha que alguém sabe? - Os olhos de Edward encontraram os dele honestamente, embora ele odiasse estar fazendo esta pergunta. Para Watson, esta era quase a pior parte. Ele comentou algo com Lionel Matheson no clube poucos dias atrás. Eu não acreditei quando ouvi então. Alguém no escritório me contou. O homem é obviamente um grosseirão, se está tentando destruir a reputação de uma jovem garota. Ele disse a Matheson que estava tendo um caso com uma doce coisinha que não sabia nem que horas eram e que ela tinha uma irmã idêntica. Não mencionou nomes, mas com este complemento, não precisava.

Edward Henderson ficou pálido e, se John Watson não estivesse lá, teria subido direto as escadas para ver suas filhas.

- Você vai ter de fazer algo sobre isso rapidamente - disse Watson o que já estava claro para ambos. - Se ele está fazendo comentários como este, isso se espalhará por toda a cidade a qualquer momento. Que tal mandá-la para a Europa por um tempo, numa viagem para algum lugar... qualquer lugar... apenas para tirá-la daqui e dele? Mas depois disso você vai ter de pensar seriamente sobre seu futuro. Você vai ter de fazer algo. Você não pode simplesmente deixar as coisas assim, isso vai arruiná-la. Ela nunca encontrará um marido depois disso ou, se encontrar, não será alguém que você queira para ela.

- Eu sei disso - disse Edward Henderson miseravelmente, agradecido a seu velho amigo por sua honestidade, ainda sofrendo com o que acabara de ouvir. - Vou ter que pensar sobre isso. Vou mandá-la de volta para Croton amanhã. Mas depois disso, não estou certo. Europa não é a resposta... não sei o que fazer com ela. Eu o forçaria a casar-se com ela se pudesse, mas que diabo eu tenho a fazer com um homem casado com quatro crianças?

- Atire nele - disse John Watson, tentando injetar um pouco de humor onde não havia nenhum, mas Edward soltou um tenebroso sorriso para ele e assentiu.

- Acredite em mim, eu gostaria de fazê-lo. Acho que deveria falar com ele. Gostaria de saber o que aconteceu.

- Não acho que você deva fazer isso, já está suficientemente óbvio e você vai se aborrecer, Eu gostaria de acreditar que ele é sincero, apesar de duvidar disso, mas, mesmo se ele o for, de que isso vai adiantar para Victoria? Ele não pode casar-se com ela. Ele possivelmente não pode divorciar-se de Evangeline, certamente não se ela estiver mesmo esperando outra criança. O escândalo seria pavoroso. A melhor coisa que Victoria pode fazer é esquecê-lo.

- Tente dizer isso a ela se estiver realmente apaixonada por ele. Eu os vi dançando e até mesmo flertando uma ou duas vezes, mas nunca imaginei que isso iria tão longe.

Eu deveria ter visto tudo isso. Não sei o que estava pensando. Nem questionei por que ela estava fora o tempo todo.

Ele estava pressionando as mãos e culpando a si mesmo por tudo aquilo e na hora em que John Watson saiu, Edward Henderson estava profundamente agitado. Era um pesadelo. Os dois homens haviam concordado finalmente que Watson iria falar com Tobby Whitticomb e que Edward ficaria fora daquilo completamente. Parecia bem mais discreto dessa maneira e Watson receava que o coração de Edward parasse se ele fosse confrontar Tobby.

De fato John foi direto da casa de Henderson para o escritório de Tobby Whitticomb, onde Tobby nunca estava, mas por sorte aconteceu de ele estar lá naquela manhã.

Victoria tivera uma hora marcada com o dentista e ele estava esperando encontrá-la mais tarde, logo que ela se visse livre da irmã. Mas a história que John ouviu dele era ainda mais apavorante do que eles haviam imaginado.

Ele foi quase cavalheiresco, se se pode chamar isso assim e assegurou a John que não veria a garota novamente agora que o caso viera à luz. Fora tudo uma boa diversão, disse ele. Afirmou que ela era um tanto selvagem e que foi ela quem disse que estava acostumada a seduzir homens casados.

Não houvera nunca, jamais, promessas feitas, certamente nenhuma esperança de futuro, já que ele e Evangeline eram muito felizes, a despeito do que se ouvia. E é claro que John sabia, ele supunha, que Evangeline estava esperando um bebê para abril. E não houvera nunca qualquer menção de nada tão escandaloso quanto ele deixá-la.

Aquilo estava obviamente fora de questão. Era simplesmente um problema com uma jovem garota selvagem, e ele fora, segundo disse, sua vítima. Disse que ela literalmente o seduzira. E parecia particularmente assustado quando disse isso.

John Watson não acreditou numa palavra do que ele disse e estava certo agora de que a história inteira que ouvira antes era verdade. Victoria tinha tido de fato um caso com ele e John estava igualmente certo de que ela fora a vítima, e não Tobby. Mais do que provavelmente, ele fizera promessas exorbitantes a ela, mentira para ela, sabe Deus o que mais fizera e a seduzira. Ela era jovem e ingênua e ele muito glamouroso, à sua própria e desagradável maneira. Estava tudo bastante óbvio para John, apesar de certamente causar nojo; e a grande questão agora era o que fazer com o futuro dela.

Ele voltou para a casa dos Henderson à tarde e disse a Edward tanto quanto ousou. Amenizou a maior parte, mas a palavra final era que ela estivera envolvida com Whitticomb que, por sua vez, estava mais que feliz por acabar com aquilo. Ele certamente não queria nenhum problema. Mas o que podiam fazer por Victoria agora, socialmente, se tornara um grande problema. Se nada fosse feito e Tobby falasse, ela estaria arruinada, ninguém decente jamais chegaria perto dela.

Edward agradeceu a John uma vez mais quando ele deixou a casa novamente e parecia cinza quando Victoria e Olívia voltaram do dentista. Fora uma manhã incrivelmente dolorosa e ele estava cheio de desespero quando ficou de pé na entrada da biblioteca com as filhas. Estamos indo para casa pela manhã, Olívia - rugiu ele com uma aparência terrível, enquanto olhava furioso para ambas. Não podia evitar se perguntar se Olívia soubera e ocultara o sombrio segredo de sua irmã e ele repreendeu-a silenciosamente pela decepção. - Por favor, embale tudo e feche a casa de uma vez. Faça o que puder hoje e o que você não puder terminar, deixaremos Petrie e alguns dos outros para finalizar depois que tivermos partido.

- Ele parecia tão carrancudo que Olívia quase tremeu. Estamos indo embora agora? Tão cedo? Mas eu pensei... você disse... - Ela parecia totalmente abalada pela notícia.

- Eu disse que estamos partindo - gritou ele para ela, o que era muito raro, mas ele estava devastado pelos eventos da manhã.

E então ele se voltou para Victoria e sem uma única palavra, chamou-a para entrar. Ela sentiu suas pernas se dissolverem sob si mesma enquanto olhava para ele e voltou os olhos para a irmã. Era óbvio para ambas que algo terrível acontecera.

- Há algo errado? - perguntou Olívia suavemente e por um longo momento ele não respondeu. Apenas ficou ali silenciosamente esperando que Victoria se juntasse a ele. E assim que ela entrou na biblioteca, fechou a porta com estrondo atrás dela.

Olívia ficou no hall, olhando para a porta com seu chapéu ainda na cabeça, imaginando o que estava acontecendo e subitamente com medo de que ele tivesse descoberto que Victoria estava escapulindo da casa para encontrar-se com Tobby. Mas ela não podia imaginar quem contara a ele. E certamente Victoria havia sido imprudente, mas ela não era uma criminosa, embora fosse assim que ele tivesse olhado para ela.

Ela nunca vira seu pai tão zangado.Olívia correu para a cozinha para contar a Bertie o que acontecera, saber o que ela sabia sobre aquilo e dizer que estavam partindo na manhã seguinte. Ela ficou tão surpresa quanto elas e em poucos instantes as duas mulheres estavam mexendo em toda parte, tirando caixas e malas e distribuindo ordens e instruções.

Seria impossível fazer tudo, mas seu pai fora bastante claro. Eles estariam partindo de manhã e ela devia fazer o que pudesse agora. O resto seria feito pelos empregados. Enquanto as duas mulheres trabalhavam freneticamente, com seus aventais, Victoria soluçava na biblioteca enquanto seu pai a olhava.

- Você arruinou sua vida, Victoria. Este é o começo e o fim disso. Você não tem absolutamente nenhum futuro. Nenhum. Não há um homem decente vivo que a pudesse querer. Apenas lhe dizer aquelas palavras o deixava doente e escutar seu choro fazia seu coração doer. Ele nem mesmo queria saber o que acontecera entre eles, ainda que não pudesse tolerar a crença de que ela fora insensível ou vulgar. O homem devia ter lhe prometido a lua para tirar vantagem dela. Ela estava chorando miseravelmente, mas então olhou para ele deprimida.

- Eu nunca quis me casar mesmo - disse ela, embora aquilo fizesse diferença agora. Uma coisa era dizer estupidamente que você nunca se casaria, outra era ser uma pária e saber que ninguém a quereria.

- Foi por isso que você fez isso? Por que você não ligava? Você queria arruinar seu futuro... talvez até mesmo o futuro de sua irmã? E a reputação de nossa família? - Tudo o que ela podia fazer era sacudir a cabeça e chorar em resposta. - Ele prometeu alguma coisa a você? Ele prometeu se casar com você, Victoria? - Ela não olhava para o pai; seus olhos apenas fixavam seu colo, enquanto ela apertava as mãos, chorava e assentia. - Como ele pôde? O que ele estava pensando? O homem é um completo patife. Eu nunca deveria tê-lo trazido para dentro desta casa. É tudo culpa minha.

Seu pai então contou a ela que Tobby começara a fazer comentários sobre ela, contara a homens no clube que estava dormindo com ela. Ele se comportara como um grosseirão e dissera a John Watson que era tudo culpa dela, que ela o seduzira. Ele estava quase em lágrimas enquanto falava e então finalmente ela disse a ele tanto quanto ousava, tanto quanto podia agora.

Ele me disse que nunca se apaixonara por ninguém além de mim, que nunca se sentira dessa maneira com ninguém... - Victoria soluçava miseravelmente, mas o pai não se aproximou dela. - Ele disse que eles estavam se divorciando, que era um casamento sem amor e que ele ia deixá-la e casar-se comigo.

Então a garota que não queria se casar o quisera, afinal de contas. Com todas as suas idéias bravas e novas, ela era uma completa criança e uma romântica.

- E você acreditou nele? - Ele pareceu horrorizado e ela assentiu. - Em primeiro lugar, o que você estava fazendo sozinha com ele?

 

Aquilo o apavorava muito e o fazia entender que ele tinha de ter monitorado ambas muito mais de perto, embora Olívia certamente nunca tivesse ido a lugar algum ou feito nada que não fosse para ser feito. Pensei que apenas nos encontraríamos para passar a tarde. Nunca tencionei... nunca pensei... eu não teria... oh, papai...

Era um horrível lamento, não tanto pelo sofrimento que causara a ele, mas pelo horror de compreender que Tobby a traíra. Ele dissera a John Watson que não era mais nada que um caso passageiro e que ela o seduzira... e não que ele dissera a ela que a amava mais que a vida e prometera se casar com ela.

Ela quase não podia acreditar no quanto tinha sido estúpida e no quanto ele a havia traído totalmente. Ele realmente era tão mau quanto as pessoas diziam que era, e pior. Ele mentira para ela do começo ao fim e ela acreditara nele.Com uma aparência de total desespero, seu pai fez a ela uma última pergunta. Não suponho que você vá me contar a verdade sobre isso, mas vou perguntar de qualquer maneira. Sua irmã sabia sobre isso, Victoria? Ela estava ciente do que você estava fazendo?Victoria estava quase sem poder falar então, mas sacudiu sua cabeça e encarou-o sinceramente nos olhos.

- Não, ela não sabia - sussurrou. - Ela nos viu dançando nos Astor, no baile, e nós tivemos uma terrível discussão. Ela disse tudo o que eu deveria saber por mim mesma... mas eu não acreditei nela. Eu nunca contei a ela o que estava acontecendo. Acho que ela sabia que eu o havia visto uma vez ou duas, mas não... não o resto...

Ela estava tão envergonhada agora que ele sabia, que dificilmente poderia encará-lo. E logo toda a cidade saberia, se Tobby fizesse dela alvo de riso. Ela estava subitamente agradecida que estivessem voltando para Croton. Ela nunca mais queria ver Nova York ou qualquer das pessoas daquela cidade.

A história que eles contariam era que uma das gêmeas ficara doente e que haviam tido de voltar para Croton de vez. Se tornaria de fato um longuíssimo ataque de gripe. De fato, como sua filha, Edward não tinha absolutamente nenhum desejo de voltar a Nova York agora. Nada de bom jamais acontecera a ele ali.

Sua mulher morrera ali, a primeira apresentação das garotas à sociedade fora pouco mais que um ato de circo para elas e esta segunda vinda se transformara num completo desastre. Edward Henderson duvidava muito que ele jamais as trouxesse novamente de Croton. Mas, enquanto olhava para Victoria, ele sabia que por ela, apesar do que dissera, aquilo ainda não estava acabado. E ele sabia que tinha de direcioná-la no assunto.

- Eu proíbo você de algum dia voltar a vê-lo, Victoria, está claro? O homem não liga para você. Ele negou-a, ele a ridicularizou, ele a traiu. Se ele tivesse dito a John que você era o amor de sua vida e que não sabia o que fazer agora, seria uma história diferente. Não acho que toda a coisa fosse terminar de maneira diferente, mas você poderia ir para o túmulo daqui a cinqüenta anos, esperançosamente, sabendo que o homem realmente a amara.

Você poderia agarrar-se a isso em suas piores horas. Você não tem nada em que se agarrar agora, exceto em sua própria desgraça, nos retalhos da reputação que você destruiu e que não poderão nunca ser reparados e no fato de que você foi usada por um homem completamente baixo, que não sente nada por você. Quero que você se lembre disso. Talvez haja algum meio de redimi-la algum dia.

Quero pensar sobre isso. Mas enquanto isso, não tenha ilusões sobre este homem. E lembre-se - rugiu ele para ela, que tremeu quando o ouviu - eu a proíbo de vê-lo! Você está entendendo? Sim, senhor. - Victoria assentiu e limpou o nariz novamente, tentando segurar as lágrimas frescas, mas ela simplesmente não conseguia. Ele falara muito claramente. E não havia como esconder-se agora. Era um total pesadelo.

- Agora vá para seu quarto e fique lá até que partamos de manhã.

Ela escapou da biblioteca tão rapidamente quanto pôde e correu escadas acima, agradecida por não haver ninguém no caminho. Bertie e Olívia estavam no sótão então, abrindo baús e recolhendo suas valises. Na hora em que elas desceram novamente, Victoria havia corrido rapidamente escada abaixo e saído porta da frente afora, usando um vestido negro e um chapéu com um véu que cobria inteiramente seu rosto.

Ela ouvira o que seu pai dissera, mas tinha de ouvi-lo por si mesma desta vez. Era impossível acreditar. Talvez John Watson estivesse mentindo. Ela pegou um táxi para seu escritório e quase colidiu com ele nos degraus, já que ele estava saindo. Ele parecia mais bonito que nunca, mas assustado ao ver quem era e não particularmente feliz por vê-la. Preciso falar com você - disse ela, lutando contra as lágrimas, enquanto Tobby olhava para ela com óbvia irritação.

- Por que você simplesmente não mandou outro advogado? O que você pensou que estava fazendo? Pressionar-me a deixá-la esta semana? Por que a pressa?

- Não tive nada a ver com isso. Alguém contou ao advogado de meu pai que você fez um comentário sobre mim, que nós estávamos tendo um caso, e ele contou a meu pai. E parece que alguém nos viu na casa.

- Ora, pelo amor de Deus. Você é uma grande garota, “Senhorita Moderna Eu Nunca Quero Me Casar”. Você sabia o que estava acontecendo. Você apenas queria ouvir todas as palavras bonitas, mas sabia exatamente do que se tratava, e não me diga que não sabia. Ela pareceu chocada com a crueldade do que ele estava dizendo e desejou que pudessem ir a algum lugar para conversar, mas estava claro que ele não o desejava. Não fez nenhum movimento para descer os degraus e não a convidou a voltar ao prédio, para irem a seu escritório. O que foi aquilo tudo? Não sei o que pensar agora... - perguntou ela amedrontada, enquanto ficava lá tremendo, o pesado véu ocultando as lágrimas que escorriam em silêncio por suas faces.

- Aquilo foi naquela hora, isto é agora. Foi divertido. Foi muito divertido. Eu faria tudo novamente neste minuto. Mas isso é tudo o que foi, um bom momento que durou pouco tempo. Todas vocês, mulheres, são as mesmas danadas, vocês têm que fingir que vão ganhar um anel de ouro no fim de tudo. Não me diga o quanto você é moderna, você é tão desonesta quanto o resto delas.

Você não quer ir para a cama com um homem, a menos que consiga com isso um anel de casamento. O quanto isso é real? Você realmente pensa que estou pronto para deixar Evangeline e três crianças... quatro, agora... você realmente pensa que ela me deixaria ir? Ou que você é o amor da minha vida? Como diabos eu saberia disso após dois dias?

Como você poderia saber? Tudo o que você sabia era o que eu sabia: o que estava entre suas pernas e o que você queria com aquilo; então não venha me contar qualquer história bonita. Foi isso, neném: um bom momento e nós o vivemos. E não me diga que você pensou que eu estava deixando minha esposa. Os Astor me matariam e você sabe disso. Então nós estávamos apenas brincando. Nós dois brincamos. E se você falar, eu também vou falar. Vou contar a todo mundo o quanto você era boa... e você era boa, neném... você era demais. - Ele tocou seu chapéu para ela, inclinou-se levemente e quando se levantou com um sorriso afetado no rosto, ela o esbofeteou violentamente, fazendo com que uma mulher que passava perto deles olhasse espantada.

- Você é um bastardo, Tobby Whitticomb - disse ela, enquanto as lágrimas corriam mais fortes. Ela nunca ouvira nada tão repugnante como o que ele acabara de dizer. Ele apenas a usara e nem mesmo tivera a honra de admiti-lo. Tentou culpá-la também, desprezá-la e fazê-la   pensar que ela nunca o amara, E a coisa mais triste é que ela o amara, e muito. Ela fora incrivelmente estúpida.

- Já fui chamado disso antes - ele sorriu - por pessoas que realmente sabiam o que estavam fazendo, não apenas por bebês.

Ela fora uma completa inocente, presa fácil para ele, e ele o sabia. Ele se aproveitara dela e não dava a mínima ao que isso representava para ela agora, ou para o que quer que acontecesse com ela.

- Estamos indo embora amanhã - disse ela miseravelmente, como se ainda esperasse que ele a impedisse, mas é claro que ele não o fez.

- Acho que é uma boa coisa a fazer. Devo esperar uma visita de seu pai agora também? perguntou ele desagradavelmente. - Ou ele apenas manda seus empregados?

- Você não merece mais do que isso - disse ela, querendo odiá-lo, mas ainda não o conseguindo. Ele quebrara seu coração, e mesmo assim uma parte dela ainda o amava.

- Você sabe muito bem disso - falou ele, parecendo incrivelmente sedutor novamente enquanto a levava lentamente até um táxi. - Tivemos bons momentos, Victoria... deixe assim... não peça mais do que foi... - Era apenas um jogo para ele. Sempre fora.

- Você disse que me amava. - Lágrimas rolavam por sua face enquanto ela falava. - Você disse que nunca amara ninguém assim... você disse...

Ele dissera que deixaria sua mulher, que queria passar o resto de sua vida com ela e ter filhos. Eles iam fugir e viver em Paris. Ela estava soluçando enquanto o encarava.

- Eu sei o que disse. Eu menti - disse ele, enquanto a colocava no táxi. - Agora não importa mais. - Ele olhou para ela, quase culpado desta vez. Ela era quase uma criança. Desta vez não fora mesmo um jogo justo, mas agora era muito tarde de qualquer maneira. - Vá para casa e me esqueça. Você vai se casar com alguém bom algum dia, mas eu aposto que você vai se lembrar disso como a maior diversão que já teve.

Ele deu uma risada maldosa para ela e Victoria desejou esbofeteá-lo novamente, mas não havia mais motivo. Estava tudo acabado. Ele nem sequer começou a entender o que ela sentira por ele. Era tão vazio que nunca o saberia e seu coração doía enquanto olhava para ele. E então, lenta e finalmente, começou a odiá-lo.

- Eu sei - sussurrou ele, enquanto olhava para ela uma última vez, embebido em sua aparência. Ela era ainda mais bonita quando chorava. Era realmente muito ruim que ela não fosse mais velha. Mas ele tivera diversão o bastante por um tempo. Era hora de ir adiante agora. - Sou mau - sussurrou para ela - mas às vezes as coisas são assim...

Ele deu ao motorista seu endereço e saiu do táxi. Então ele se virou e andou pela calçada sem nunca olhar para trás. Victoria Henderson fora apenas um momento em sua vida. Ela viera e se fora, e agora era hora de algo diferente.

Victoria chorou durante todo o caminho de volta para casa. Ela deslizou pela porta dos fundos e subiu silenciosamente as escadas, rezando para que ninguém tivesse descoberto que ela saíra. Na verdade, Olívia descobrira. Ela fora levar uma xícara de chá e ver como ela estava e saber o que acontecera com seu pai. E soubera instintivamente o que acontecera quando viu que Victoria saíra.

Sabia que ela provavelmente fora encontrar Tobby. Olívia podia sentir em seu próprio coração a agonia em que sua irmã se encontrava. E sem dizer uma palavra sobre o desaparecimento de Victoria, Olívia silenciosamente fechou a porta e voltou ao seu trabalho no sótão com Bertie.

As duas irmãs não se encontraram novamente até o fim daquela tarde, quando Olívia foi checar o quarto novamente e desta vez encontrou-a lá.

Victoria estava sentada numa poltrona, segurando um lenço e olhando pela janela. Ela não se voltou quando ouviu Olívia entrar no quarto e apenas vê-la ali daquele jeito quase matou Olívia enquanto a observava. Ela andou silenciosamente até ela e colocou uma das mãos em seu ombro.

- Você está bem? - sussurrou.

Qualquer animosidade que existira entre elas desaparecera naquela manhã. Era como se tivessem se encontrado novamente. E Olívia sabia o quanto sua irmã estava mal e precisaria dela. Houve um longo silêncio em resposta à sua pergunta, e então Victoria deu de ombros, enquanto lágrimas frescas rolavam por suas faces, derramando-se sobre sua blusa e seus dedos.Eu fui tão estúpida - sussurrou ela finalmente. - Como pude ser tão estúpida? - Ela soava trágica.

- Você queria acreditar nele e era muito excitante. Ele queria que você acreditasse nele. Ele é muito bom nisso. - Mas apenas o fato de escutar sua irmã fez com que Victoria chorasse ainda mais e finalmente Olívia apenas a abraçou. - Vai ficar tudo bem de novo, nós vamos voltar para casa e você não o verá mais... Você vai esquecer e todo mundo também vai acabar esquecendo. Nada disso dura para sempre.

- Como você sabe? - Victoria soluçou nos braços de sua irmã enquanto fazia a pergunta, e Olívia sorriu para ela.

Ela a amava tanto e desejava que pudesse tirar dela o sofrimento, o desapontamento e a decepção.

Estava furiosa com Tobby Whitticomb por causa de sua irmã, aliviada porque Victoria estava livre dele e também muito agradecida porque ela e sua irmã gêmea estavam próximas uma da outra novamente. Tobby certamente se colocara entre elas.

- Sou mais velha que você. - Olívia sorriu, reassegurando o que disse. - Eu sei sobre as coisas. Isso não vai doer para sempre - disse ela, tentando soar esperançosa.

- Eu nunca soube que havia pessoas como ele... tão enganador.. tão mau... Eu odeio os homens...

- Não - disse Olívia, beijando o topo de sua cabeça com sabedoria. - Odeie apenas Tobby.Victoria olhou para ela e por um instante houve um olhar familiar entre elas. Elas conheciam uma à outra tão bem, cada olhar, cada palavra, cada alegria, cada momento de dor. Era assustador compreender que nas últimas semanas elas quase haviam perdido uma à outra. O laço entre elas era tão apertado, tão forte, era muito profundo e muito importante. Era como partilhar um osso ou um coração. Era algo que pertencia a elas como se fossem uma só e que nenhuma delas poderia tirar da outra.

Elas ficaram de mãos dadas no dia seguinte, no banco de trás do carro, enquanto saíam da cidade. Olívia sabia tudo o que sua irmã sentia: a dor, o sofrimento, o arrependimento, a agonia de nunca mais vê-lo novamente. E enquanto Victoria chorava silenciosamente, segurando fortemente a mão da irmã, seu pai ia sentado no banco da frente, num silêncio absoluto.

 

E de certa maneira, foi um alívio para todos voltar a Henderson Manor, em Croton-on-Hudson. Os dois meses em Nova York haviam sido frenéticos e o choque de emoções de seu caso deixara Victoria completamente destruída. Foi bom para as gêmeas estarem novamente juntas e sozinhas e conversarem como faziam antes, sobre as coisas que importavam a elas. Parecia que Victoria se esquecera de tudo em Nova York, exceto de Tobby.

Ele obscurecera todos os seus objetivos, todos os seus sonhos, todas as crenças calorosas que já haviam sido tão importantes para ela. Ela desistira de tudo por ele, até mesmo de sua reputação.

Em cinco breves semanas de amor, ela destruíra tudo, ou pelo menos era o que parecia a Victoria agora e a seu pai também. Ele falava muito pouco sobre aquilo, mas era fácil perceber o quanto estava profundamente aborrecido com tudo o que acontecera. Apenas Olívia permanecera tranqüila e fazia todo o possível para encorajá-los a se recuperarem.

Ela mimava seu pai constantemente, levando a ele seus chás favoritos, mandando preparar suas comidas favoritas, planejando menus e colhendo flores que ela sabia que lhe agradariam. Mas ele ficara extremamente carrancudo em sua primeira semana de volta e muito silencioso com ambas as filhas. A venda da fábrica estava quase fechada então, mas ele parecia ter um grande problema em sua mente na primeira semana de novembro.As folhas haviam caído completamente e Olívia amava aquela época do ano no Hudson.

Ela encorajava Victoria a sair para caminhar com ela e até mesmo a cavalgar quando possível, embora Victoria preferisse muito mais dirigir do que cavalgar. Oh, não seja tão mimada - provocou-a Olívia no fim de uma tarde, no final de sua primeira semana em casa.

As coisas haviam quase começado a parecerem normais então. A casa em Nova York fora completamente fechada e Bertie voltara com o resto de suas coisas e os empregados. Por que não cavalgamos até Kykuit? - Olívia encorajou a irmã, mas Victoria não pareceu entusiasmada com a aventura.

- Porque os Rockefeller provavelmente ouviram falar que eu sou uma vagabunda e jogarão pedras em mim se chegarmos perto deles - respondeu Victoria, enquanto Olívia ria de sua irmã.

- Pare de sentir pena de si mesma.

Eu jogarei pedras em você se não sair para cavalgar comigo esta tarde, Estou cansada de ficar sentada aqui, vendo você e papai tentando competirem para ver quem fica mais deprimido. Quero cavalgar e vou levar você comigo.Victoria finalmente concordou e elas não foram tão longe quanto a Kykuit, mas fizeram uma adorável cavalgada ao longo do rio. Estavam quase chegando em casa quando um esquilo correu inesperadamente de uma árvore e o cavalo de Victoria disparou.

Ela não o montava havia algum tempo e nunca fora uma cavaleira entusiasta como sua irmã e, antes que Olívia pudesse segurar as rédeas para ela, Victoria foi jogada para fora da sela. Ela bateu no solo com uma pancada e pareceu surpresa enquanto seu cavalo galopava facilmente de volta para o estábulo.

- Você vê o que quero dizer? - Victoria levantou-se e espanou-se enquanto Olívia ria dela. - Isso nunca me acontece quando eu roubo os carros de papai e saio dirigindo. - Ela estava sorrindo.

- Você está perdida! Venha atrás de mim. - Olívia deu uma mão firme a Victoria, que colocou o pé dentro do estribo de sua irmã e num instante estava sentada atrás de Olívia, galopando para o estábulo.

Era um dia frio de novembro e estavam ambas geladas na hora em que voltaram para casa. Ficaram em frente ao fogo na biblioteca, esquentando as mãos e rindo, enquanto contavam ao pai sobre sua aventura. Ele até sorriu para elas e Victoria pensou que era a primeira vez que ele falava com ela normalmente desde que haviam voltado para Croton. Ela comentou isso com Olívia quando foram para o quarto, a fim de se trocarem para o jantar. Pare de dizer isso! reprovou-a Olívia - Ele parece estar perfeitamente bem agora.

- Não quando está sozinho comigo. Acho que ele jamais vai me perdoar - disse ela baixinho, esperando que Olívia escolhesse seus vestidos para o jantar.

- Isso não faz sentido - disse Olívia rudemente, mas ela também notara que seu pai estava muito mais quieto do que costumava ser e até Victoria estava bem mais dócil.

Ela falava muito pouco atualmente e nunca ia a lugar algum. Parecia bem menos interessada nas sufragistas e parara de ir aos encontros. De certa forma, o coração quebrado por Tobias Whitticomb parecia tê-la amaciado. Ela não era mais tão segura de si ou tão aventureira. Era como se tivesse se aventurado pelo mundo inteiro, confiante em si mesma, e retornado dois meses mais tarde, destruída. E tudo o que Olívia queria agora era ver sua irmã e seu pai se tomarem novamente as pessoas que eram. Ela sabia que aquilo poderia acabar acontecendo, mas era difícil estar com ambos ao mesmo tempo.

A única coisa boa que viera do caso era que ela nunca se sentira tão próxima de sua irmã gêmea. Elas subitamente eram tão inseparáveis agora como haviam sido na infância. Era como se, de uma maneira não dita, Victoria precisasse dela desesperadamente, e ela sabia disso. E Olívia estava mais feliz do que nunca por estar com ela. Agora não se separavam nem por um momento. E, afortunadamente, as notícias das desventuras de Victoria não pareciam ter alcançado Croton.

Elas jantaram com o pai naquela noite e, como sempre, todos foram para a cama cedo. Olívia fora à biblioteca e pegara livros para ambas. Ela estava lendo O Pioneers e adormeceu à meia-noite com o livro nas mãos. Victoria há muito havia se virado de costas para ela e dormira às dez e meia.

E finalmente, em algum momento da noite, Olívia levantou-se e apagou a luz. Ainda havia fogo na lareira e o quarto estava quente. Quando ela se virou para dormir, pensou que estava sonhando ao ouvir um suave suspiro a seu lado. Ela deixou o som niná-la para dormir novamente, mas logo depois sentiu uma punhalada dolorosa atravessando-a no escuro, como nenhuma outra sensação que jamais conhecera.

Aquilo tirou sua respiração e Olívia levantou-se arfando e instintivamente procurando por sua irmã. Imediatamente agarrou a mão de Victoria, mas assim que despertou compreendeu que a dor não era dela, mas de sua irmã gêmea. Ela a sentira como se fosse sua, mas quando acordou completamente, a dor desaparecera e o que ela viu foi o rosto de Victoria contorcido de dor, enquanto ela se agarrava ao balaústre da cama. Seus joelhos estavam encolhidos junto ao peito e ela mal conseguiu falar quando Olívia se curvava sobre ela aterrorizada.

- O que é? O que está errado?

Elas haviam sentido dor pela outra antes, mas Olívia jamais sentira algo parecido com aquilo.

Fora como uma faca a atravessando, e ela agora podia ver facilmente a agonia em que Victoria estava. Ela não fazia idéia do que era, mas enquanto tirava as cobertas de seu lado da cama, viu que havia sangue por toda parte.

- Oh, meu Deus!... Victoria... fale comigo...

Ela não fazia idéia de onde o sangue estava saindo, mas estava em toda parte e parecia haver muito. Estava em toda a camisola de Olívia, mas ela estava certa de que não era ela que estava sangrando. O rosto de Victoria estava mortalmente pálido quando ela se virou e agarrou a mão de Olívia violentamente. Ela mal podia falar que estava sentindo muita dor, mas forçou as palavras e falou muito claramente.

- Não chame um médico.

- Por que não?

- Não chame. - Seus olhos pareciam arregalados enquanto Olívia a observava, paralisada com a agonia no rosto de sua irmã. Ajude-me a ir ao banheiro.

Olívia literalmente a carregou e o sangue se espalhou por toda parte num rastro atrás delas. Victoria estava tendo uma hemorragia e Olívia não sabia como estancá-la. Ela estava sofrendo em dobro e caiu no chão do banheiro, subitamente numa agonia tão grande que, enquanto ela chorava, Olívia chorava com ela. Ela estava aterrorizada porque sua irmã estava morrendo.

- Me diga o que está errado - disse ela, sentindo que Victoria sabia, mas não contaria a ela. - Se você não me disser, vou chamar Bertie e o médico.

- Estou grávida. - O rosto de Victoria se contorceu de dor novamente, enquanto dores aleatórias pareciam rasgá-la por dentro.

- Oh, Deus!... por que você não me contou?

- Eu não podia encarar isso - disse Victoria honestamente, chorando de agonia e sofrimento. O que eu faço? - Olívia estava ajoelhada ao lado dela no chão do banheiro, rezando para que sua irmã não sangrasse até morrer.

Devia ter sido por causa do tombo do cavalo naquela tarde, ou então talvez pudesse ter algo a ver com a história de sua própria mãe. Mas aquilo era muito assustador até mesmo de se pensar e não havia tempo agora. Olívia estava subitamente aterrorizada porque Victoria morreria no banheiro.

- Eu tenho de chamar alguém, Victoria. Você tem de me deixar fazer isso!

- Não... não chame... fique... comigo... não... me deixe... - Ela estava chorando horrivelmente e parecia estar sangrando mais que nunca.

Mas assim que Olívia começou realmente a entrar em pânico, Victoria se contorceu com uma expressão de dor e a origem de seu sofrimento saiu lentamente de dentro dela. Nenhuma delas tinha qualquer idéia do que estava acontecendo de início e então ambas entenderam. A dor parecia cortá-la interminavelmente, mas enquanto ela recuava vagarosamente, o que deveria ter sido um bebê ficou numa massa entre as pernas de Victoria, em sua camisola. Ela começou a soluçar histericamente e Olívia tirou-o dela e começou a limpá-la.

E pouco a pouco o sangramento começou a diminuir. Olívia então a embrulhou em cobertores e usou toalhas e panos para limpar tudo, enquanto Victoria continuava deitada no chão do banheiro, sacudida por soluços e, apesar do cobertor em que Olívia a enrolara, convulsionada por um tremor tão terrível que seus dentes batiam.

Eram seis horas da manhã quando Olívia finalmente acabou de limpar tudo e trocou suas camisolas. E então, sempre muito gentilmente e com força pouco usual, ela carregou sua irmã de volta para a cama e colocou-a para dormir como um bebê.

- Está tudo bem, Victoria. Estou bem aqui a seu lado. Nada vai acontecer a você agora. Você está salva e eu a amo. Está tudo acabado.

Nenhuma delas disse uma palavra sobre o que havia acabado de acontecer ou o horror que presenciaram, nem falaram sobre o que teria acontecido se ela não tivesse perdido o bebê.

Dar a luz uma criança ilegítima de Tobby Whitticomb teria realmente destruído sua vida para sempre e matado seu pai. Mas não havia mais chance disso acontecer agora. O bebê se formara, mas ainda era muito cedo.

Olívia pôs lenha no fogo, colocou outro cobertor sobre sua irmã gêmea e sentou-se ao lado dela enquanto a observava finalmente começar a dormir, mortalmente pálida, imaginando tristemente se havia uma maldição sobre elas. Sabendo o que acontecera com sua mãe quando nasceram, ela não podia deixar de se perguntar agora se nenhuma delas jamais seria capaz de ter filhos. Ela não podia imaginar a si mesma se casando ou tendo uma criança sozinha, mas era intrigante imaginar se aquilo era mesmo uma possibilidade ou se elas morreriam ao dar à luz. Ninguém jamais dissera isso a elas.

Victoria estava dormindo profundamente agora e Olívia colocou um casaco sobre a camisola e desceu carregando a grande trouxa de roupas sujas. Ela ia queimá-las. Mas, para seu desapontamento, a cozinha já começara a funcionar. Eram quase oito da manhã e quando ela saiu, encontrou com Bertie.

- O que é isso tudo que você tem ai? - perguntou ela alegremente e Olívia instintivamente afastou-se dela.Nada. Eu... eu cuidarei disso - disse Olívia firmemente e a velha mulher notou um tom em sua voz que a surpreendeu.

- O que é isso?

- Nada, Bertie - disse ela, quando os olhos das duas mulheres se encontraram e Olívia segurou com firmeza a trouxa. - Vou queimá-la.

Houve uma pausa sem fim, enquanto Bertie procurava seus olhos e então, com um pequeno passo para trás, ela assentiu.

- Vou pedir a Petrie para fazer uma fogueira do lado de fora para você. Talvez devamos enterrar alguns deles. Olívia assentiu. Ela fizera uma trouxa menor e separada com o que teria sido o bebê e aquela era sua intenção. Olívia e Bertie pareciam amarguradas enquanto olhavam Petrie cavar um buraco e depois fazer uma fogueira. As roupas foram para dentro dela, o resto para dentro do buraco e tudo acabou rapidamente. As duas mulheres ficaram lado a lado, tremendo na manhã de inverno. Era uma vigília silenciosa que jamais deveria ter acontecido e Bertie colocou gentilmente um braço em volta de seus ombros.

- Você é uma boa garota, Olívia - disse ela suavemente. Ela entendera tudo. - Como está ela? Parece horrível - disse Olívia honestamente. - Mas, por favor, não diga a ela que contei a você. Ela me mataria.

- Não direi. Mas ela precisa ver o médico hoje. Ela pode morrer de infecção. - Apenas ouvir aquelas palavras fez o coração de Olívia tremer em seu peito e ela concordou.

- Então o traga. Eu negociarei com ela - e depois, com olhos preocupados: - O que diremos a papai?

- Gripe, acho - disse Bertie com um suspiro. Ela tivera medo daquilo. Como todos na casa, ouvira sussurros e histórias. - Não é justo preocupá-lo. Talvez você queira dizer algo. Oh, Bertie, eu não posso. - Olívia parecia horrorizada. Como ela poderia dizer a ele que Victoria estivera grávida? - Eu não saberia o que dizer a ele. - Mas ela também não queria preocupá-lo com a gripe.

- Você vai pensar em algo, querida. - assegurou-lhe Bertie.

Mas mais tarde naquela manhã, quando Olívia examinou-a, Victoria estava tendo uma nova hemorragia e já não falava com coerência. Naquela tarde o médico foi chamado. Ele mandou vir uma ambulância e levou Victoria para o hospital em Tarrytown para três transfusões. Não houvera jeito de deixar seu pai fora daquilo e Victoria soluçava histericamente enquanto garrafas de sangue entravam em seu braço e Olívia, sentada ao seu lado, tentava acalmá-la.

Mas era sem esperança; ela estava consumida de culpa e sofrimento, ainda sentia dores, estava frágil e confusa e, embora Victoria jurasse que não era verdade, Olívia sabia que ela ainda amava Tobby e sentia saudades dele.

Seu pai sentou-se na sala de espera durante horas e pareceu desolado quando Olívia finalmente veio dizer a ele que Victoria estava dormindo. O médico assegurara que ela estaria bem logo. Eles decidiram não fazer nenhuma cirurgia, e ele garantiu a todos os interessados que ela ainda seria capaz de ter filhos. O bebê que ela concebera aparentemente havia crescido mais do que deveria naquele estágio. Ela poderia até mesmo ter concebido gêmeos e houvera uma quantidade pouco usual de sangue quando o perdera.

Mas certamente não havia jeito de fingir para qualquer pessoa no hospital ou na família que Victoria havia tido uma gripe. O médico prometera a Edward Henderson que tudo seria feito o mais discretamente possível, mas Edward também sabia que, não importa o que fizessem, alguma palavra acabaria saindo dali. E toda Nova York saberia que Victoria perdera o bebê de Tobby Whitticomb. Aquilo confirmaria qualquer rumor que houvessem ouvido previamente e colocaria o último prego no caixão que continha sua reputação agora morta.

- Seria melhor se ele tivesse atirado na cabeça dela - disse Henderson infeliz, enquanto se sentava na sala de espera com Olívia antes de voltar para casa. Olívia já havia dito que ela dormiria numa cama portátil aos pés da cama de sua irmã por tanto tempo quanto fosse necessário.

Papai! Não diga isso - desaprovou Olívia gentilmente. Mas ela podia ver em seus olhos o quanto ele estava devastado por tudo aquilo e o quanto ele temia gravemente por sua reputação. É verdade. O homem a destruiu. E para colocar ao menos alguma culpa nela, Victoria destruiu a si mesma. Ela foi incrivelmente irresponsável. Eu apenas desejaria que alguém pudesse tê-la feito parar. - Ele não disse aquilo para ninguém em particular, mas Olívia sentiu como uma reprovação, à qual ela instantaneamente respondeu.

- Eu tentei, papai - disse ela suavemente.

- Estou certo que sim - disse ele através dos dentes apertados.

Seus lábios estavam tão finos que eram quase invisíveis, como sempre ficavam quando ele estava com raiva. E ele estava mais do que com raiva desta vez; estava preocupado com Victoria também e com o que fizera a si mesma e ao resto deles, com aquele breve mas estúpido caso. Então ele olhou pensativamente para sua outra filha.

- Ela realmente tem que se casar. Isso limparia tudo um pouco. As línguas devem ficar menos inclinadas a falar se a história tiver um final apropriado.

- Ele não pode se casar com ela - disse Olívia suavemente. Seu pai estava tão iludido quanto Victoria se pensava que Tobby faria aquilo. Ele estava casado com uma Astor.

- Ele não pode se casar com ela - seu pai concordou - mas alguém mais pode. Se alguém estiver querendo, após tudo isso. Seria provavelmente a melhor coisa para ela.

- Ela não quer se casar com ninguém - explicou Olívia, como se seu pai não estivesse entendendo. - Ela diz que não quer se casar com ninguém nunca, ou mesmo ver outro homem novamente e desta vez acho que ela está falando sério.

- É compreensível, após tudo o que ela passou. - Ele não sabia dos detalhes, mas estava certo de que o que acontecera na noite passada estivera longe de ser prazeroso. Talvez, à sua própria maneira, aquilo tivesse servido como uma lição adicional para ela.

- Estou certo de que ela se sentirá diferente sobre isso mais tarde. - E ele não estava certo se ligava para o fato de ela não se sentir. Ela fizera algo que machucara a todos eles e agora tinha que pagar por aquilo. - Não se preocupe com isso, minha querida. - Ele beijou Olívia distraidamente e estava com a testa franzida quando voltou para casa, deixando Olívia com sua irmã.

Eles deram a Victoria outra transfusão mais tarde naquela noite e por um momento pareceu que depois de tudo ela ainda teria de fazer uma cirurgia, mas pela manhã ela parecia desesperadamente debilitada, mas levemente melhor. Passaram-se outros dois dias antes que ela se sentasse na cama e mais dois antes que ela andasse, mas no fim da semana ela estava em casa, em sua própria cama, com Olívia e Bertie fazendo alvoroço em torno dela e parecendo-se mais consigo mesma enquanto elas a ampararam na cama e a alimentaram.

 

Mas na época em que Victoria voltou para casa, seu pai fora a Nova York para tratar de negócios. Precisava encontrar com seus advogados para tratar da fábrica e tudo o que pôde fazer foi controlar a si mesmo ao deparar-se com Tobby Whitticomb no Clube Universitário, quando foi lá para almoçar com John Watson e Charles Dawson. John Watson olhou para Edward atentamente e perguntou se ele estava bem, e Edward apenas assentiu. Mas afortunadamente Tobby saiu com um grupo de amigos poucos minutos mais tarde. Ele não dissera nada a Henderson e evitara encarar John Watson.

Edward voltou para Croton depois de dois dias, satisfeito por ter cuidado de tudo o que queria fazer em Nova York. Ficara no Waldorf Astoria desta vez, pois nem mesmo queria ver a casa novamente. Muita coisa acontecera ali no passado e recentemente e, de qualquer maneira, ele não levara nenhum dos empregados. Apenas Donovan e seu carro e o hotel providenciava tudo o mais que ele precisasse.

Ele voltou dez dias antes do Dia de Ação de Graças e Victoria estava andando vagarosamente em torno dos canteiros, de braços dados com a irmã, quando ele chegou. Ela parecia bem mais saudável do que quando ele partiu. Edward estava certo de que em um ou dois dias ela estaria bem. Esperaria até lá para contar a ela.

Contou a ambas ao mesmo tempo. Não tinha segredos para Olívia e queria seu apoio. Mas quer ela concordasse com ele ou não, os arranjos já haviam sido feitos. E tudo fora combinado.No domingo à tarde ele pediu a ambas que entrassem na biblioteca com ele e Olívia sentiu imediatamente que ele tinha algo a lhes dizer.

Ela tinha o estranho sentimento de que ele iria mandá-las a algum lugar, talvez à Europa por um tempo, para tirar Tobby da cabeça de Victoria, embora ela não tivesse dito nada sobre ele desde Nova York. Mesmo no hospital ela se recusara a falar sobre ele. Olívia sabia que ela não tinha deixado de amá-lo completamente, e sim que ainda se sentia tão traída que não tolerava falar sobre aquilo.

- Garotas - começou o pai sem cerimônia - tenho algo para lhes contar.

Ele olhou para ambas algo ferozmente, enquanto Victoria imaginava o que ele tinha a dizer e Olívia assentia. Victoria podia sentir facilmente que esta conversa tinha a ver com sua transgressão. E para confirmar isso, ele olhou diretamente para ela enquanto continuava.As pessoas estão falando em Nova York, Victoria, Há muito pouco que possamos fazer a respeito, exceto ignorar ou negar tudo.

E neste exato momento acho que talvez o silêncio seja a única resposta. As pessoas estarão falando aqui em breve, após sua recente internação. E, desafortunadamente, ambas as histórias, quando colocadas lado a lado, formam uma história ainda mais feia.

Estão começando a dizer, abastecidos pelo senhor Whitticomb, que você é uma garota libertina e não apenas mal comportada, mas também sem coração. Aparentemente, ele está contando alguma espécie de história sobre sua tentativa de seduzi-lo. Há aqueles que não acreditam nele, é claro, muitos, eu espero, mas não importa o que ele diga, ou se as pessoas acreditam ou não, o fato é que a verdade não é uma história bonita.

- Eu fui tola, papai - disse Victoria, admitindo sua culpa novamente e sentindo-se mais fraca do que estivera naqueles dias, tendo de ouvir o que ele estava dizendo. - Eu estava errada... eu fui libertina, se você quiser..., mas eu acreditei que ele me amava.

- Isto apenas a torna estúpida, mais que sem coração - disse ele grosseiramente, o que não era de seu feitio.

Mas Edward não ficara feliz com o comportamento da filha nas últimas semanas e estava frustrado pela compreensão de que havia muito pouco que pudesse fazer para consertar aquilo. Ele podia fazer pelo menos uma coisa e era o que estava determinado a fazer agora.

- Não podemos mudar muito as histórias, receio, ou silenciar o senhor Whitticomb. Mas podemos torná-la respeitável novamente, pelo menos, e o resto de nós também, por associação. Acho que você nos deve isso.

- O que eu poderia fazer, papai? Você sabe que eu o faria.

Naquele ponto, ela teria feito qualquer coisa para agradá-lo. A força de seu desapontamento com ela era um peso esmagador que ela mal podia carregar agora.

- Fico satisfeito de ouvir isso. Você pode se casar, Victoria, e você o fará. Isso pelo menos vai parar com os rumores. Vai dar às pessoas algo mais para pensar e, embora você possa ter sido uma garota tola, talvez até a vítima de um calhorda, e isso pode ser dito algum dia, você vai ser pelo menos uma mulher casada respeitável, acima de qualquer reprovação. Finalmente as pessoas poderão esquecer a outra história. Sem esta respeitabilidade disse ele, juntando as sobrancelhas e olhando furiosa e assustadoramente para ela há apenas uma história a se contar, e não será uma boa história.

É a única história que ouvirão ou contarão durante anos e você vai de fato se tomar uma pária social e ser tratada como uma prostituta. Ele não fez rodeios sobre isso e ambas as gêmeas estavam olhando para ele confusas, mas foi Victoria quem respondeu. Mas ele não vai se casar comigo, papai. Você sabe. Ele mentiu para mim, ele próprio o disse. Ele nunca teve nenhuma intenção de se casar comigo. Foi tudo um jogo para ele - e ela lhes contou o que Tobby lhe dissera na última vez em que o vira. - E Evangeline vai ter outro bebê na primavera. Ele não pode deixá-la.

- Eu espero que não. - Seu pai parecia terrível. - Não, Tobias Whitticomb não vai se casar com você, Victoria. Não há dúvida sobre isso agora. Mas Charles Dawson vai. Nós conversamos sobre isso longamente. Ele é um homem inteligente e razoável. Acredito que seja bom e de boa moral, e ele entende a situação. Charles não tem ilusões sobre seus sentimentos por ele e, embora não saiba os detalhes, entende que houve algum evento desafortunado durante nossa recente estada em Nova York.

É um viúvo, perdeu a mulher que amava profundamente e ele mesmo não está procurando substituí-la em seu coração, mas tem um filho pequeno e precisa de uma mãe para ele.

Victoria o encarava enquanto ele falava e olhou para ele com total espanto.

- É como um emprego ao qual estou me candidatando? Mãe de seu filho, mas não esposa de seu coração? Papai, como você pôde!?

- Como eu pude? Como eu pude? - falou Edward Henderson num rugido terrível para a gêmea mais nova. Era uma voz que nenhuma delas jamais ouvira em toda a sua vida. Desta vez seu pai estava dando as ordens. - Como você ousa me perguntar isso depois de nos desgraçar andando com um homem casado na frente de toda Nova York e até mesmo ficando grávida de um bastardo?! Victoria, como você ousa? E você fará exatamente o que estou dizendo agora, sem um instante de hesitação ou eu a trancarei num convento em algum lugar ou a deserdarei e a deixarei sem um penny.

- Então faça isso! - Ela levantou-se e gritou para ele, para horror de sua irmã. O que sua família subitamente se tornara?

- Eu não serei forçada a me casar com um homem que mal conheço e não amo, que não me ama, vendida como uma escrava, como um móvel, uma coisa, um objeto! Você não tem o direito de dispor de mim dessa maneira, de fazer um arranjo com seu advogado, de ordenar a ele que se case comigo. Você vai pagar a ele por isso também? - perguntou ela, ofendida e chocada no fundo de seu coração.

E além do mais, ela nem mesmo gostava de Charles Dawson. Como eles podiam fazer isso com ela?

- Não estou pagando a ninguém, Victoria. E ele entende a situação muito claramente. Talvez melhor do que você. Você não está em posição de esperar o Príncipe Encantado chegar ou até mesmo de ficar aqui em Croton comigo e sua irmã. Nenhum de nós pode ousar pisar em Nova York novamente até que você tenha colocado esta medonha situação no lugar. Depende de você agora limpar a sujeira que fez e nos devolver o que nos deve.

- Corte meu cabelo, corte minha cabeça, tranque-me, faça o que você quiser! Mas você não pode me vender para um homem como reparação! - Para Victoria, entre todas as pessoas, aquilo era o derradeiro ultraje. - Estamos em 1913, papai, não em 1812. Você não pode fazer isso! Eu posso e você vai se casar e dar fim a isso, Victoria! Ou eu realmente vou cortar relações com você e deserdá-la de hoje em diante. Não vou deixá-la arruinar a si mesma ou a Olívia, simplesmente porque você é teimosa e estúpida. Ele é um bom homem e você tem muita sorte por ele estar querendo fazer isso. Francamente, acho que se não fosse pelo garoto, ele não o faria em absoluto, de modo que você deveria agradecer esta bênção.

- Você está falando sério? - Ela encarou-o, incapaz de acreditar no que estava ouvindo. E em sua cadeira, próxima a ela, Olívia parecia tão chocada quanto ela, por diferentes razões. - Você vai realmente cortar relações comigo se eu não me casar com ele? Vou. Estou falando sério, Victoria. E você vai se casar. É o preço que você deve pagar por sua irresponsabilidade e é um preço justo! Você vai viver muito confortavelmente em Nova York.

Ele é um homem honesto, com uma boa carreira e um futuro respeitável. E um dia você vai dividir com Olívia o que eu deixar para vocês. Isso por si só dará a você muito mais liberdade. Sem isso, você estará limpando o chão em pensões por aí, e eu falo sério.

Você vai fazer isso por todos nós, por mim, por você, por sua irmã. Se nada mais a move para a razão, faça isso por Olívia. Ela jamais poderá aparecer em Nova York novamente se você não o fizer. Victoria, você deve se casar com Charles Dawson. Não precisa ser agora, esta semana. Você pode esperar alguns meses, até mesmo até a primavera se quiser, assim ninguém pensará que você foi forçada a isso por... ah... razões óbvias. Mas nós anunciaremos seu noivado imediatamente após o Dia de Ação de Graças. - Victoria parecia doente quando se levantou da cadeira e foi olhar para fora da janela. - Você me entendeu? - perguntou ele, indicando o fim da conversa.

Victoria não se voltou quando respondeu.

- Sim, papai, perfeitamente - disse ela, odiando-o quase tanto quanto odiava Tobby e agora Charles. Os homens eram todos iguais, todos eles eram compradores de escravos, usuários das carnes femininas. Para qualquer um deles, uma mulher não significava nada mais que uma cadeira enquanto estivesse interessado. E quando se voltou ela ficou surpresa ao ver que Olívia estava chorando. Ela estava certa de que era porque elas ficariam separadas, agora para sempre. Nova York não era longe, mas era longe o suficiente e elas mal veriam uma à outra. Ela estava certa de que seu pai jamais deixaria Olívia ir visitá-la.

Sinto muito por arrastá-la nisso também disse ele mais gentilmente para Olívia, enquanto batia em seus ombros. Ele estava profundamente pesaroso por tê-la aborrecido. - Mas achei que precisaria de seu toque sensível para trazer sua irmã à razão. Quero estar certo de que ela entende que não tem escolha aqui.

- Eu entendo, papai - disse Olívia baixinho. - Você tem toda a nossa compreensão.

Mas era estranho que o castigo cruel que ele dera a Victoria fosse ainda mais cruel para ela.

Era ela quem estava envolvida com Charles Dawson e Victoria quem o achava chato e alguém que nem mesmo era digno de se conversar. Parecia irônico que seu pai ferira a ambas tão mortalmente com a mesma espada e sem nem saber disso. A deusa cega da justiça...

- Talvez vocês duas queiram ir para o quarto e falar sobre isso um pouco - sugeriu ele, sentindo que haviam ido longe o suficiente por enquanto.

Ele deixara tudo bastante claro e embora soubesse que ela o odiava então, estava certo de que Victoria faria o que ele queria.

Ambas as garotas deixaram a sala sentindo-se paralisadas e confusas enquanto subiam lentamente as escadas para o quarto e foi apenas quando a porta se fechou que Victoria se deixou enfurecer, gritar e chorar. Ela não podia acreditar.

- Como ele pode ter feito isso comigo? Como ele pode ter ido a Nova York e me vendido para aquele pequeno verme? Como ele ousou?

- Ele não é um verme. - Olívia sorriu através de suas próprias lágrimas para ela. Ele é decente, bom e inteligente. Você gostará dele.

- Oh, pare com isso! - Victoria cuspiu. - Você soa como papai!

- Talvez ele esteja certo, talvez você não tenha escolha depois de tudo. Talvez a única coisa que vá torná-la respeitável novamente seja casar-se com Charles Dawson.

- Não dou a mínima sobre ser respeitável. Eu pegaria hoje um navio à noite e iria para a Inglaterra. Posso trabalhar lá e me juntar às Pankhurst.

- Elas não estão na cadeia pelos próximos três anos? Ou uma delas pelo menos, se eu me lembro do que você me disse a respeito no último verão. E como você vai pagar a passagem do navio? Acho que papai talvez esteja certo, Victoria. Você não tem escolha.

- Que homem iria querer uma mulher que conseguiu assim? Como ele pode fazer isso?

- Você ouviu o que papai disse. Ele quer uma mãe para seu filho.

Parecia estranho para Olívia também e ela conhecia o homem, ou pelo menos tinha conversado com ele mais que Victoria. Talvez ele não pudesse lidar com aquilo sozinho. Parecia uma coisa estranha a se fazer, mas talvez fosse para o bem, pelo menos para o deles. Mas aquilo deixava Olívia sem nada.

- Victoria, pelo menos tente gostar dele, para o seu próprio bem.

Ela nunca admitira para ninguém, nem mesmo para sua irmã gêmea, o quanto gostava de Charles e pelo menos agora Victoria não tinha idéia do quanto ela estava devastada com suas próprias emoções. Victoria ficou muito desgostosa por si mesma durante toda a tarde para até mesmo notar o quanto Olívia estava aborrecida e naquela noite ela recusou-se a descer para jantar com seu pai.

- Como ela está? - perguntou ele a Olívia suavemente quando ela desceu sozinha para o jantar. Aborrecida, chocada. Ela passou por maus momentos nestas últimas semanas. Ela vai se acostumar com isso. Dê-lhe tempo.

Ele assentiu em resposta e quando a refeição estava próxima do fim, pegou a mão de Olívia e olhou para ela tristemente.

- Isso vai deixar apenas nós dois aqui. Você se sentirá muito sozinha?

- Vou sentir terrivelmente a falta dela - disse ela, enquanto as lágrimas enchiam seus olhos novamente. O pensamento de não viver mais com sua irmã gêmea era quase mais do que podia suportar e perder Charles para sempre para a irmã também era o golpe mortal final em seus próprios sonhos de garota.

- Mas eu não o deixarei, papai, eu prometo. Talvez você deva algum dia. Talvez quando tudo isso baixar, depois que ela se casar com Charles, nós devamos encarar Nova York novamente e ver se você encontra um belo príncipe. - Ele sorriu gentilmente para a filha e não tinha idéia do sofrimento que acabara de causar a ela.

- Não quero um belo príncipe, papai. Eu tenho você. E pertenço a este lugar. Não há ninguém com quem eu queira me casar.

Ela disse aquilo com absoluta convicção. Parecia triste para ele deixá-la tornar-se uma velha solteirona, mas ainda havia um lado egoísta nele que queria que ela ficasse ali com ele. Ela dirigia sua casa tão bem e era um grande conforto para ele, muito mais do que Victoria jamais teria sido. Ele pensou se isso não era para o bem de todos, então.

- Eu sempre tomarei conta de você. Eu prometo isso também. E um dia, tudo isso será seu. Henderson Manor será seu, Olívia. Você pode passar o resto de sua vida aqui. Eu a tirarei de Victoria, mas ela terá a casa em Nova York para viver com Charles quando eu me for. Você não vai precisar dela.

Ele já dispusera tudo para ambas. Estava tudo arranjado. Ela ficaria e tomaria conta dele pelo resto de sua vida e Victoria teria Charles. Olívia se perguntou que deuses ela tinha ofendido tanto para que isso tivesse acontecido com ela. Ela nunca sonhara ter Charles, mas nunca imaginou que ele fosse ser servido num prato para sua irmã, muito menos como uma absurda “punição” por suas transgressões.

- Você vai me deixar ir a Nova York vê-la? - perguntou Olívia, prendendo a respiração. Aquilo seria duplamente cruel, perder ambos um para o outro, um que ela jamais tivera, mas sonhara com ele e a outra que ela amava tão intensamente e não podia imaginar ficar longe.

- Claro, querida - concordou o pai. - Não desejo separar vocês, apenas quero ajudar Victoria a limpar a terrível sujeira que ela fez. - Ouvindo-o, Olívia desejou mais que nunca que ela tivesse sido capaz de manter Victoria longe de Tobby. Que bagunça ele fizera em sua vida em apenas alguns instantes! - Você pode visitá-la sempre que quiser, contanto que não me abandone completamente.

Ele sorriu e ela colocou seus braços em volta dele, enquanto as lágrimas rolavam silenciosamente por suas faces e por seus ombros. Ela não tinha nada para desejar agora, para querer ou para sonhar. Ela seria sempre dele agora. E para Olívia, parecia que a vida tinha acabado.

 

Charles e Geoffrey Dawson chegaram a Croton-on-Hudson num dia brilhante de outono no fim de novembro. Estava frio e enfumaçado, havia fogueiras queimando em algum lugar e o cheiro do inverno estava no ar. Pouco antes que eles chegassem, o cozinheiro havia abatido o peru. Era a véspera do Dia de Ação de Graças.

O pai fora a Tarrytown tratar de negócios e Victoria saíra para cavalgar sozinha, como vinha fazendo havia dias. Parecia que não havia ninguém em casa quando eles chegaram e por acaso Olívia os viu ao olhar por uma janela da cozinha. Ela enxugou suas mãos no avental e correu para fora até eles, sem colocar seu sobretudo e sem nem mesmo pensar, queria colocar seus braços em torno de Charles e beijá-lo; estava muito feliz por vê-lo. Ela se perguntou se poderia fazer isso um dia, quando fossem cunhados.

Era um sentimento muito estranho. Em vez disso, ela sorriu para ele, apertou sua mão, disse o quanto estava feliz por eles terem vindo e então olhou para Geoffrey. E quando o viu, sentiu algo capturado em seu coração. Era como se ele sempre tivesse sido parte de sua vida em algum lugar e ela já o conhecesse. Ela sentiu como se fosse assim, enquanto se curvava levemente e apertava sua mão com grande solenidade.

- Olá, Geoffrey, eu sou Olívia. Irmã de Victoria. - Mas quando ela olhou para Charles, instantaneamente pôde ver que ele ainda não havia contado ao garoto. Queria falar com Victoria primeiro e ver se eles realmente podiam fazer aquilo. - Victoria e eu somos gêmeas - explicou ela e na mesma hora percebeu que ele ficara fascinado pelo que ela dissera. - Nós somos exatamente iguais, e eu aposto que você não será capaz de nos diferenciar quando a conhecer.

- Aposto que serei! - disse ele bravamente, o cabelo louro e os olhos verdes cheios de graça e travessura.

Ele se parecia muito com Charles, mas também havia mais alguém e Olívia podia apenas imaginar que era Susan. O estranho era que ela quase a sentia próxima de si, como se os observasse, como se tivesse se tornado seu anjo da guarda e fosse um espírito cheio de paz. Era uma sensação estranha, que ela não ousaria explicar a ninguém, talvez nem mesmo a sua irmã.

- Vou contar-lhe um segredo sobre nós um dia, se nós nos tornarmos bons amigos, sobre como você pode nos diferenciar com certeza - disse ela com ar de conspiração, enquanto o levava pela porta dos fundos para a cozinha, para comer alguns biscoitos recém-assados. Eu poderia ter usado este segredo enquanto vocês estavam em Nova York. - Charles sortiu para ela. - Por que você não me contou?

- Nós nunca contamos a ninguém, mas Geoffrey é especial - disse ela, olhando para o garoto e deixando uma mão gentil em seu ombro.

Ela nem mesmo estava certa do que a levara a fazer isso. Mas se sentia estranhamente próxima a ele, como se ele tivesse vindo a ela por alguma razão. Talvez ele fosse seu prêmio de consolação, a criança que iluminaria sua alma, já que ela não teria nunca nenhuma. Na época em que seu pai morresse, seria muito tarde para ela se casar e ter filhos.

Numa única semana ela perdera sua irmã e seu futuro. Ela pensara em ficar aqui com ele antes, mas havia sido apenas conversa, agora era certeza.

- Ninguém mais sabe? - O garoto parecia genuinamente intrigado e um tanto honrado.

- Bertie sabe - explicou Olívia e então os apresentou, quando a Sra. Peabody entrou na cozinha.Ela estava muito satisfeita por conhecer Charles Dawson. E poucos minutos mais tarde levou-os a seus quartos e desembalou suas coisas para eles. Meia hora mais tarde Charles desceu novamente, sozinho. Geoffrey estava ajudando Bertie.

- Ele é um menino maravilhoso - disse Olívia com um sorriso caloroso e Charles ficou ali por um longo momento, sem lhe dizer nada, apenas olhando-a. Então ele se voltou e olhou tristemente pela janela. Era difícil saber o que estava pensando.

- Ele é muito parecido com a mãe - disse Charles baixinho, voltando-se novamente para Olívia. - Como você tem passado desde que saiu de Nova York? - Ele realmente parecia se importar, o que apenas machucava mais, e ela desejou que os outros chegassem logo e se juntassem a eles.

- Bem. Temos andado ocupados aqui. - Ela não mencionou que Victoria estivera doente e se perguntou se ele sabia disso.

- Andou tirando sua irmã da cadeia esses dias? - perguntou ele e ambos sorriram enquanto Victoria entrava no aposento em suas roupas de montar, com botas lamacentas e os cabelos voando em torno da cabeça como um halo negro.

- Não acho este comentário engraçado - disse ela, olhando para ambos.

- Charles está aqui - disse Olívia algo nervosa, enquanto Victoria olhava para ela com desgosto. Posso ver. Não acho mais esta história sobre a manifestação em Nova York engraçada - informou ela a ambos. Charles e Olívia trocaram um olhar como duas crianças travessas que levaram uma bronca.

- Desculpe, Victoria - disse ele gentilmente e foi apertar sua mão. - Como foi sua cavalgada? Ele obviamente estava fazendo um esforço sincero para conhecê-la melhor, mas a resposta dela foi fria e curta, antes que subisse as escadas para se trocar.

- Ela não parece muito feliz - disse Charles bruscamente depois que ela deixou o aposento. Era uma afirmação que quase fez Olívia sorrir por sua simplicidade.

- Acho que podemos dizer isso. Ela passou por maus momentos desde que deixamos Nova York tão rapidamente. - Ela não estava certa do quanto ele sabia e não queria ser ela a contar. E esteve doente recentemente também. - Ela tentou valentemente pedir desculpas por sua irmã.

- Suponho que nada disso seja fácil para ela - disse ele abertamente, o que surpreendeu Olívia. - É um pouco chocante para mim também - explicou ele com candura - mas penso que será bom para Geoffrey.

- É por ele que você está fazendo isso? - Ela queria perguntar se esta era a única razão, mas não ousava. Ela mal o conhecia.

- Não posso educar uma criança apropriadamente sem uma mãe - disse ele, olhando friamente em torno do aposento enquanto falava.

- Meu pai o fez - disse ela suavemente e Charles sorriu.

- Você está me dizendo para não me casar com sua irmã?

Ela desejou ter coragem para fazer isso.

- Não. - Olívia sorriu para ele. - Estou apenas dizendo que deveria haver outras razões. Estou certo de que haverá quando nos conhecermos melhor. - Os dois assentiram um para o outro e ouviram vozes nas escadas. Era Victoria descendo com Geoffrey.

-Você é igual a ela!

- dizia ele, fascinado pela garota de cabelos escuros que descia as escadas bem atrás dele.

- Eu sei que sou. E qual é o seu nome?

- Geoffrey - respondeu ele, sem um pingo de timidez.

- Quantos anos você tem? - Ela parecia não se importar realmente, e ele o sabia. Geoffrey tinha um instinto sobre essas coisas e subitamente se perguntou se ela e Olívia eram realmente tão diferentes.

- Nove. - Ele respondeu à pergunta quando chegaram ao pé da escada, mas ela não fez qualquer movimento para apertar sua mão ou tocá-lo.

- Você é pequeno para sua idade? - Ela estava surpresa por ele não ser mais velho.

- Não, sou grande - explicou ele pacientemente. - Não sei muito sobre crianças.

- Olívia sabe. Eu gosto dela.

- Eu também. - A gêmea mais nova sorriu enquanto eles entravam juntos na biblioteca.Ela foi para o lado de Olívia e subitamente a semelhança entre elas era ainda mais extraordinária. Elas pareciam duas cópias da mesma pessoa. Seus cabelos, seus olhos, a boca, a maneira como se vestiam, seus sapatos, as mãos, o sorriso. Geoffrey estreitou os olhos, encarou-as por um longo tempo e então sacudiu a cabeça, para espanto de todos. Não acho que vocês sejam parecidas de jeito nenhum - disse ele seriamente e todos os adultos presentes sorriram, inclusive Charles.

- Vou levá-lo ao oculista na segunda-feira - disse Charles, enquanto as gêmeas riam.

- Elas não se parecem, pai. Olhe para elas.

- Eu já olhei. Muitas vezes. E nunca deixo de me sentir um tolo a cada vez. Se você pode diferenciá-las, eu o congratulo. Eu não posso.

Mas de uma estranha maneira ele também podia, às vezes, e sabia disso. Não sempre, mas às vezes. Elas o afetavam de maneira diferente, se ele deixasse.

Mas se apenas olhasse para elas, sem pensar sobre isso ou “senti-las”, então ele não poderia dizer a diferença. Era a qualidade a que Geoffrey estava se referindo. Era algo visceral e sexual para Charles, pelo menos algumas vezes. Mas para Geoffrey era bem mais simples. Ele apenas as conhecia.

- Esta é Olívia - disse ele, apontando para a gêmea certa sem hesitar - e esta é Victoria e acertou novamente.

E então elas trocaram de lugar e ele disse novamente e acertou outra vez. E então Olívia o provocou dançando em torno dele, segurando as mãos de Victoria e ele ficou confuso e errou. Mas na próxima vez ele adivinhou novamente e todos ficaram espantados, até mesmo Victoria, que sempre insistia que odiava crianças. Olívia já sugerira que ela não mencionasse isso nesta noite.

- Por que não? Talvez ele não se case comigo - dissera ela, parecendo travessa.

- E então papai vai mandá-la para um convento na Sibéria ou casá-la com um pescador no Alasca. Por favor, Victoria - implorara ela - não os ofenda!

- Tudo bem, tudo bem, não vou fazer isso - concordara ela.

E não o fizera. Ela não dissera quase nada, mesmo quando seu pai chegou e os quatro se sentaram para jantar. Foram Olívia e Charles que sustentaram a maior parte da conversa. Por que você não se casa com ele? - disse Victoria mais tarde naquela noite quando foram para a cama. - Você não parece ter qualquer problema para conversar com ele. Eu não tenho uma reputação para salvar e papai me quer para cuidar da casa - disse ela asperamente.

Ele colocara sua posição claramente para ambas, dizendo precisamente o que esperava e Olívia casar-se com Charles não era parte da barganha, independente do quanto suas conversas fossem fáceis.

- Geoffrey é adorável, não é? - perguntou Olívia enquanto elas se deitavam lado a lado na cama, vestindo camisolas iguais.

- Não sei. Não notei realmente. Crianças não me interessam, você sabe disso.

- Ele está fascinado por nós. - Olívia sorriu, lembrando-se do garoto tentando identificá-las, o que fizera corretamente na maior parte das vezes.

Olívia sentia que tinha um laço sem palavras com ele, que parecia sentir o mesmo por ela, ou talvez por ambas.

Ele parecia gostar de Victoria também, embora ela não tivesse prestado muita atenção nele. Geoffrey comera na sala de café da manhã com Bertie naquela noite e ela estava encantada por ter uma criança na casa novamente, assim como seu pai.

Ele levou-o para uma longa caminhada no dia seguinte, antes do almoço e Olívia acabou se juntando a eles. Ela vira Victoria sair com Charles e não queria interrompê-los. Eles tinham muito a dizer um ao outro agora, e ela esperava que sua irmã ficasse em paz com ele e não o ofendesse. Se ela o ofendesse e ele se recusasse a se casar com ela, seu pai ficaria ainda mais aborrecido do que estava no momento.

- É pouco usual tudo isso, não? - perguntou Charles, enquanto andavam vagarosamente através dos jardins simétricos. - Eu nem mesmo sei como dizer a você. Fiquei um pouco assustado quando seu pai falou comigo. Mas eu realmente gosto da idéia. Faz muito sentido para mim, com Geoffrey.

- Esta é a única razão pela qual você está fazendo isso? - perguntou-lhe Victoria asperamente. Ela não podia imaginar por que um homem iria querer uma esposa que não o amava. Em grande parte - disse ele honestamente. - Não é justo para ele que eu fique sozinho deste jeito. Sua própria irmã me disse isso quando vocês estavam em Nova York e ela nem mesmo nos conhecia. Eu amava muito a mãe dele - disse Charles, obviamente sofrendo. Jamais haverá ninguém como ela. Nós nos conhecemos quando ainda éramos muito jovens.

Ela era um pouco selvagem e muito estranha. Ria o tempo todo e era muito voluntariosa. E então ele sorriu para Victoria. - Como você, de certa maneira - e então seus olhos se nublaram novamente. - No fim, foi isso que a matou. Ela era muito teimosa e tinha uma paixão por crianças.

- Papai disse que ela morreu no Titanic - disse Victoria de maneira trivial.

Ela estava interessada, mas não era nem de perto tão simpática quanto sua irmã. Mas estranhamente, novamente aquilo tornava mais fácil para ele contar a ela. Falar com Olívia trazia lágrimas a seus olhos às vezes. Havia algo tão sensível e cuidadoso nela...

- Ela morreu. Aparentemente estava prestes a entrar no bote salva-vidas com Geoff, mas havia várias crianças em volta. Ela deu seu lugar para uma delas. De certa forma, não consigo acreditar que não havia lugar para ela também, que ela não tenha entrado com eles. Mas ela ficou para ajudar a colocar um monte de crianças no último bote e em uma ou duas balsas. Ela até mesmo deu a uma delas seu colete salva-vidas. A última pessoa que a viu disse que ela tinha uma criança nos braços. Graças a Deus não era Geoffrey. - Houve um longo silêncio e então: Ela era uma mulher extraordinária.

- Sinto muito - disse Victoria suavemente e desta vez falava sério.

- Posso imaginar você fazendo algo assim - disse ele generosamente, enquanto olhava para ela, mas ela balançou a cabeça. Ela se conhecia bem.

- Talvez Olívia. Mas não acho que eu o faria. Sou muito egoísta. E não sou muito boa com crianças. Você vai aprender - disse ele gentilmente. - E você? E este relacionamento partido? Creio que ainda não era oficial.

- Pode-se dizer isso. - Ela estivera dormindo com um homem casado e essa era certamente uma maneira simpática de descrever a situação. - Foi o que papai contou?

- Não realmente. - Ele sorriu para ela, sem querer ferir seus sentimentos. Seu pai fora tão honesto com ele quanto sentira que podia ser. - Eu sei que foi um pouco mais duro que isso. Mas não tenho nenhuma ilusão sobre isto ser um romance entre nós dois. Acho que podemos ser bons amigos.

Eu preciso de uma mãe para Geoff. Você precisa de um porto seguro na tempestade em que está agora. - Ele ouvira alguns rumores sobre ela e Tobby em Nova York, embora ainda não soubesse exatamente o que havia acontecido. Ele sabia que houvera um flerte com um homem casado, promessas que não foram cumpridas e um coração partido. Mas não sabia de nenhum detalhe sobre sua indiscrição ou o aborto que quase a havia matado.

- Nós realmente começamos com mais sorte do que alguns, porque não temos nenhuma ilusão. Não temos sonhos desfeitos ou corações partidos. Nem promessas que não serão cumpridas.

Podemos ser muito bons amigos; é realmente tudo o que quero agora. - Ele não podia imaginar voltar a amar algum dia e até mesmo a vaga emoção que sentia por ela não era bem-vinda.

Por que você simplesmente não contrata uma governanta para ele? - perguntou ela honestamente. - Alguém como Bertie. - Ele sorriu da simplicidade da sugestão e olhou para ela com aberto divertimento.

- Você deve pensar que sou muito estranho, casando com uma mulher que não me ama. Mas eu não quero amar novamente. Eu não quero perder mais ninguém que amo, nunca mais. Eu não suportaria. E se nos apaixonarmos um pelo outro no final das contas? - perguntou ela, mais para ser do contra do que por achar a idéia agradável.

- Você se sente inclinada a isso? - perguntou ele, totalmente ciente de sua indiferença por ele. - Você me acha irresistível? Você acha que vai se apaixonar por mim rapidamente? Claro que não! - disse Victoria, sorrindo para ele. Ela estava surpresa ao descobrir que gostava dele. Ele não a atraía, mas era muito agradável. Você não corre perigo. Excelente! E se eu contratar uma governanta, você não terá um marido. Ou pelo menos não a mim; então teria de procurar por outra pessoa e isso seria muito problemático. Assim será mais simples. Apenas uma coisa... disse ele cautelosamente.O quê? - perguntou ela com óbvia suspeita, mas ele tinha um brilho nos olhos quando se dirigiu a ela.

- Eu preferiria que você tentasse não ser presa, ou pelo menos não com tanta freqüência. Como advogado, isso seria complicado.

- Farei o melhor que puder - disse ela com um leve sorriso, imaginando o que seria viver em Nova York novamente e ir para perto de Tobby.

Neste momento ela o odiava e gostaria de arrancar seus olhos ou talvez cortar sua garganta na próxima vez que o visse. Ele teria feito melhor se a tivesse matado. E então ela olhou para Charles seriamente e falou diretamente:

- Não vou parar de ir a manifestações. Sou uma feminista e uma sufragista. E se isso o embaraça, sinto muito.

- De jeito nenhum. Acho que é muito interessante. Não vejo razão para obstruir seus pontos de vista políticos. Você cuida de suas opiniões.

- Não sei por que você está fazendo isso - disse ela, olhando para ele, inconsciente do quanto ele a achava encantadora.

E ele era imprudente também. Sabia precisamente o quanto ela era selvagem e havia uma parte dele que gostaria de domá-la. De certa forma, ela era uma espécie de desafio, ainda mais porque não o amava. Aquela seria uma união interessante.

- Não sei por que estou fazendo isso também - disse ele honestamente. - Provavelmente por uma série de razões estranhas, nenhuma delas perigosa, apenas estúpidas. E então, enquanto andavam vagarosamente de volta para a casa, ele fez a pergunta final. Era como um negócio que haviam fechado. Nenhum deles estava encantado com isso, mas ambos pensavam que valia a pena tentar.

- Quando você quer se casar?

O mais tarde possível, ela quis dizer a ele, mas não disse.

- Não por enquanto. Não há pressa. - E daquele jeito, ninguém pensaria que ela estava fazendo aquilo porque estava grávida. - Que tal junho?

- Parece razoável. Geoff estará fora da escola então. Seria uma boa época para vir conhecer você melhor. Que tal uma lua-de-mel? - perguntou ele casualmente. - Era a conversa mais estranha de suas vidas, quase a ponto de ser maluca. - Você gostaria de uma viagem?

- Sim, eu realmente gostaria - disse ela relaxadamente.

- Que tal a Califórnia? - propôs ele. Era o negócio novamente, mas ela declinou sua oferta e reagiu.

- Europa.

- Não quero pegar um navio - disse ele por razões óbvias, mas ela era mais teimosa que ele.

- Não quero ir para a Califórnia.

- Teremos que falar sobre isso mais tarde.

- Ótimo! - disse ela e olharam um para o outro.

Não havia emoção ali, nem romance, nem sentimento, nem amor da parte dela, e apenas um vago mal-estar sensual nele. Estas eram as razões mais estranhas possíveis para duas pessoas se casarem. Eles estavam construindo uma vida em cima de nada. Mas ele precisava de uma mãe para sua criança, e ela precisava de um marido para restaurar sua reputação. E de fato era tudo o que tinham para oferecer um ao outro. E voltaram para a casa em silêncio.

 

Apesar do estranho começo, o fim de semana do Dia de Ação de Graças transcorreu de maneira surpreendentemente fácil. Victoria parecia estar condescendente e até mesmo Edward pareceu surpreso por ter sido tão fácil e por Victoria estar tão determinada. Victoria falou muito pouco com Charles e não conversou com Geoff, mas ele estava apaixonado por Olívia e Charles ficara conhecendo melhor seu futuro sogro e se divertira com suas histórias sobre seus negócios.

E embora fosse sofrido para Olívia passar seu tempo com Charles, ela estava completamente encantada com Geoffrey. Ela o levou para cavalgar no sábado e ele adorou. Ela lhe deu seu cavalo favorito, Sunny. E no domingo de manhã, enquanto se sentavam numa pedra no campo e o cachorro do caseiro brincava por perto, ela mostrou a ele a sarda.

Estava em sua palma direita, entre seus dedos, e era tão discreta que quase era preciso entortar os olhos para vê-la. Ela fez com que ele prometesse não contar a ninguém, nem mesmo a seu pai. Ela o fez segurar sua mão no alto e jurar com um velho canto índio que ela e Victoria haviam aprendido quando eram crianças.

- Quando nós tínhamos a sua idade, costumávamos pregar peças nas pessoas e trocar de lugar. Eu fingia ser Victoria e ela fingia ser eu. Era engraçado a maior parte do tempo e ninguém sabia que o fazíamos, exceto Bertie.

- Vocês vão fazer isso com meu pai? - perguntou ele interessado e Olívia sorriu da idéia. Claro que não! Seria uma coisa malvada de se fazer. Nós fazíamos isso quando éramos crianças.

- E vocês nunca mais fizeram desde então? - Ele parecia surpreso, como se não acreditasse. Era muito esperto para sua idade e estava louco por sua nova tia. Eles haviam lhe contado no dia anterior que seu pai e Victoria iam se casar. Ele pareceu surpreso, mas não muito preocupado com aquilo.

- Na verdade, nós trocamos apenas algumas poucas vezes desde que crescemos confessou Olívia - normalmente com pessoas de que não gostamos, ou quando uma de nós tem algo a fazer que realmente deteste.

- Como o dentista? - perguntou Geoffrey interessado.

- Não, nós não trocamos de lugar para ir ao dentista. Mas podemos fazê-lo para um jantar muito chato que uma de nós tenha aceitado e não queira ir. Mas usualmente vamos a essas coisas assim juntas.

- Você vai sentir muita falta de Victoria quando ela for morar com a gente?

- Sim, eu vou - disse Olívia tristemente, sem conseguir nem mesmo pensar naquilo naquele momento. - Vou sentir uma falta terrível dela. Vocês vão ter de vir todos aqui para me ver, especialmente você. - Ela sorriu para ele. - Estou feliz que tenha vindo para o Dia de Ação de Graças.

- Eu também - disse ele, enquanto escorregava sua mão para dentro das dela. Ele realmente gostava dela. - E não vou contar a ninguém sobre a sarda.

- É melhor mesmo que não conte - disse ela e o abraçou mais apertado. Era estranho pensar sobre como seria ser sua mãe. Ela pensou que Victoria era duplamente sortuda.

Eles voltaram lentamente para casa e no fim da tarde Charles o levou de volta para Nova York. Mas prometeram voltar para o Natal. Geoffrey estava excitado apenas de falar naquilo e Olívia prometera fazer um jantar para eles. Seria seu primeiro jantar depois do anúncio do noivado na próxima semana e Olívia ia convidar todo mundo que conheciam acima e abaixo do Hudson.

Quando Charles partiu, Edward parecia satisfeito e Victoria, exausta. Fora uma pressão para ela, mas não tão ruim quanto ela esperava. Ela foi para a cama cedo naquela noite. E Olívia sentou-se horas diante do fogo, pensando em Geoffrey e seu pai. Era estranho pensar em Victoria, Charles e Geoffrey. Eles tinham uns aos outros agora. Eram subitamente uma família. E do dia para a noite, ela se tornara uma solteirona.

O noivado de Victoria Elizabeth Henderson e Charles Westerbrook Dawson foi anunciado no New York Times na quarta-feira seguinte ao Dia de Ação de Graças. Dizia que o casamento seria em junho, mas ainda não fora marcada uma data. E Edward Henderson parecia satisfeito consigo mesmo quando dobrou o jornal e colocou-o em sua escrivaninha. Estava feito.

Após a notícia, como de costume, houve um pequeno furor. Alguns telefonemas de Nova York e muitas cartas chegaram para ela. Na cidade, houve pequenas ondas de mexericos, mas nenhum deles tão danoso quanto poderia ter sido. Não fosse por Charles, as conseqüências da leviandade de Victoria teriam sido desastrosas.

Agora as pessoas estavam dizendo apenas que ela tivera um sério flerte com Tobby Whitticomb e fora vista com ele em locais bastante indiscretos. Mas pouco mais poderia ser dito com certeza absoluta. O único que sabia a verdade era Tobby e, para ele, dizê-la agora o faria parecer pior do que desejava. Ela estava salva. Quase. Ou estaria, aos olhos de seu pai, assim que se tornasse a Sra. Charles Westerbrook Dawson.

Mas quando Victoria sentou-se para ler o anúncio mais tarde, olhou para ele com um espanto sombrio. Como eles podiam ter feito aquilo? E por quê? Tudo porque ela se apaixonara tão desesperadamente por Tobby, porque ela acreditara nele. Agora ela tivera que ser vendida como uma escrava a um homem para quem ela não ligava, a fim de ser punida. E ela teria de fazer com ele as mesmas coisas que fizera com Tobby. Mas, em vez de sentir-se excitada, desta vez ela se sentia paralisada e desgostosa. Achava que jamais poderia fazê-lo. Charles dissera que eles seriam bons amigos e que não esperava amor dela. Ele não esperava nada, exceto companheirismo e uma mãe para Geoffrey.

Até mesmo pensar na criança a revoltava. Ela não queria ser a mãe de ninguém e sabia que nunca o seria novamente. Pensar nele a fazia lembrar-se do bebê que perdera e aquilo fora traumático o suficiente. Ela tinha toda a intenção, uma vez que estivesse casada com Charles, de fazer tudo o que as mulheres faziam para evitar filhos. Ela não sabia o que faziam, mas estava certa de que havia algo. E talvez, pensou esperançosa, ele não estivesse esperando aquilo dela de qualquer modo. Aquilo não fazia parte de ser “amigos” como ele disse que eram. Talvez ele não esperasse nada dela, fisicamente. Ela desejava ardentemente que não. O pensamento de Charles tocando nela, de qualquer das maneiras que Tobby o fizera, a esfriava profundamente.

- O que você está olhando tão seriamente? - perguntou Olívia quando entrou no aposento, carregando uma braçada de toalhas limpas. Uma das empregadas as estava levando para cima e Olívia se oferecera para ajudá-la. Mas ela via agora que Victoria estava parecendo profundamente sentida enquanto olhava para o jornal de Nova York e então ela entendeu o que era e sorriu para ela gentilmente.

- Você vai ser feliz com ele, Victoria... ele é um bom homem... e você poderá fazer o que quiser em Nova York... pense nisso... Isso era alguma coisa. Victoria olhou para ela desoladamente e assentiu, tão envolvida em seu próprio desespero que nem mesmo percebeu o sofrimento de Olívia. Depois disso, Victoria passou a sair para longas caminhadas à tarde e Olívia nunca mais disse nada quando sua irmã desaparecia para Croton ou Dobbs Ferry, ou até mesmo Ossining.

Sabia que ela ia a encontros com outras mulheres sempre que podia e era fácil de se notar que havia algo mais cortante em Victoria agora, uma raiva real contra os homens que beirava o ódio.

Ela mantinha sua língua sob controle a maior parte do tempo, mas quando surgia a oportunidade, ou alguém dizia algo, Victoria era rápida em soltar suas opiniões como um chicote. Muitas delas mascaradas como políticas, como haviam sido um dia, mas Olívia sabia muito bem que agora seus sentimentos contra os homens e sua campanha a favor das mulheres como vítimas de governos em geral e dos homens em particular haviam sido semeados por Tobby Whitticomb e até mesmo por Charles Dawson. Ela via Charles como uma espécie de seqüestrador, que estava aliado a seu pai para puni-la por ter amado Tobby.

Infelizmente, a festa que Olívia planejava para ela não interessou a Victoria, que mal ouviu quando Olívia leu a lista de convidados. Disse que não se importava com quem viesse e o fato de os Rockefeller e os Clark terem aceitado o convite não era uma vitória para ela. Ela sentia muito que qualquer um deles viesse. Não havia nada a celebrar. Era simplesmente um arranjo.

- Não chame assim, Victoria! - disse Olívia infeliz, quando Victoria lhe contou sobre isso no dia anterior à volta dos Dawson a Croton para o Natal. - A intenção é boa. Vocês dois estão oferecendo um ao outro algo importante. Charles a salvou das coisas horríveis que as pessoas teriam falado se fosse de outra forma. E pense no pequeno Geoffrey e no quanto ele ficará feliz por ter você como mãe.

- Não quero ser a mãe dele - disse Victoria com raiva. Desde o Dia de Ação de Graças ela não fizera nada, a não ser pensar no quanto era miserável. - Não tenho idéia de como ser mãe dele. Ele nem mesmo gosta de mim!

- É claro que ele gosta, não seja estúpida.

- Ele gosta de você - disse Victoria firmemente. - E está certo. Ele sabe a diferença entre nós e acho que ele sente que não gosto de crianças.

Ela estava certa sobre uma coisa, embora Olívia não admitisse para ela. Geoffrey Dawson tinha um misterioso talento para diferenciá-las, mesmo sem ver a famosa sarda que Olívia mostrara a ele. Ele gosta de nós duas. E estou certa de que num curto espaço de tempo você vai começar a amá-lo.

Mas Victoria se sentia forçada àquilo e ainda se ressentia pela obrigação. Tudo o que queria agora era um arranjo civilizado com Charles e a oportunidade de ver alguns amigos em Nova York e ir a reuniões e comícios políticos. Ela até mesmo sonhava ser política um dia. Estava certa de que aquilo era um chamado para ela, assim como a vida religiosa era para outras. Ela via a si mesma como uma espécie de Joana D'Arc, uma purista que daria a vida por seus ideais. Sempre que Olívia a escutava ficava assustada pelos extremos aos quais sua irmã gêmea estava chegando.

- Você precisa pensar um pouco mais sobre coisas comuns, Victoria. Como seu marido, sua casa e seu casamento.

Mas chamar Charles de “marido” de sua irmã cortava sua alma e ela quase recuou com o choque que sentiu quando o disse. Era pecaminoso reagir desta maneira, ela sabia; perigoso desejar o marido de sua irmã apenas porque ele era tão bom e ela adorava conversar com ele.

Ela não tinha o direito de pensar nele daquela forma agora. Nunca tivera, mas enquanto estavam em Nova York fora tão fácil se deixar levar por seus sonhos de menina com ele. Mas para ambas seus dias de meninas haviam acabado. Elas teriam em breve vinte e um anos e, de maneiras diferentes, por diferentes propósitos, ambas haviam se tornado mulheres. Victoria conhecera o amor carnal, embora ilegitimamente, e se casaria em breve.

E Olívia agora pertencia inteiramente a seu pai e passaria a próxima década, ou até mesmo duas ou três, se ele vivesse o bastante, a seu serviço. A vida de Victoria seria de compromisso. Sua vida seria de sacrifício e negação. E ambas tinham de ir de encontro a seus futuros, ou pelo menos ela pensava assim.Olívia falou novamente com Victoria sobre a festa e desta vez forçou-a a escutar.

Ela encomendara vestidos novos para elas, de um pesado veludo negro, com pequenas caudas. Eram bem modernos, estavam na última moda e foram copiados de desenhos das irmãs Callot em Paris.

- Quando eu for a Paris - Victoria sorriu para ela com amor; ela apreciava tudo o que Olívia fizera por ela nos últimos tempos, embora nem sempre o dissesse - vou comprar algo “real” para você, de um dos desenhistas que você gosta tanto. O que será? Um Beer? Um Worth? Um Poìret? Você vai ter de me dar uma lista e eu vou fazer compras para você.Era agonizante para ambas pensar agora num tempo em que elas não estariam juntas e havia horas em que Olívia se recusava a fazê-lo.

Uma coisa era pensar nela se casando e indo embora, mas outra bem diferente era se permitir sentir a dor real de não ter mais sua irmã com ela, noite e dia, onde quer que fossem. Não houvera um dia sequer em toda a sua vida em que estiveram separadas por mais de poucas horas. Seria como perder um membro, Olívia temia, ou todos eles. Ela podia sentir o ar fugir com uma dor entorpecente sempre que se permitia pensar naquilo. Então ela abraçava Victoria e dizia a ela que sentiria terrivelmente sua falta quando ela se fosse. Era quase insuportável.

- Você terá de vir morar conosco - disse Victoria de maneira trivial. Ela já pensara naquilo e queria que Olívia o fizesse.

- Estou certa de que Charles estremeceria com isso. - Olívia deu um sorriso falso. Seria uma agonia para ela viver sob o mesmo teto que ele e nunca ter o que sonhara.

- Ele vai ter duas pelo preço de uma - disse Victoria alegremente. - E você pode tomar conta de Geoff. - Victoria riu e acendeu um cigarro no quarto, enquanto Olívia fazia uma careta e abria a janela. - É perfeito.

- Bertie vai matá-la se pegá-la fumando - advertiu-a Olívia e então trancou a porta do quarto para que ela não entrasse. - E se eu for com você? E papai? Ele terá de ir também? - Ela sorriu tristemente para Victoria. Elas podiam fingir tudo o que quisessem agora, mas ambas sabiam que teriam de enfrentá-lo. Começando pela lua-de-mel, suas vidas estariam para sempre separadas. - Papai diz que me deixará ir a Nova York sempre que quiser.

- Não é a mesma coisa, Ollie, e você sabe.

- Não. - Ela suspirou. - Mas é o melhor que posso fazer por enquanto. - E então ela teve outra idéia, que seria pelo menos uma pequena consolação. - E Geoff? Vocês vão levá-lo na lua-de-mel?Deus, espero que não! -Victoria fez uma careta enquanto tirava outro trago de seu cigarro e Olívia espantou a fumaça em outra direção.

- Isso é uma coisa tão desagradável de se fazer. Eu gostaria que você não fumasse.

- Fumar é a última moda entre as mulheres na Europa - disse Victoria, sorrindo para sua irmã. Assim como ordenhar vacas. Eu também não gostaria de fazê-lo, mas pelo menos não cheira tão mal. De qualquer maneira, e sobre Geoff? Vocês vão levá-lo?

- Charles e eu não falamos sobre isso, mas eu não acho que ele iria querer. Eu quero ir à Europa. - Olívia sentiu seu coração doer novamente à menção daquilo. Ela em breve não seria mais parte da vida de Victoria.

- Talvez Geoff pudesse ficar aqui comigo. Seria bom para ele e eu adoraria.

- Que grande idéia! - Victoria sorriu para ela.

Ela não achava nada melhor do que a idéia de deixar o garoto em Croton. A última coisa que queria fazer era persegui-lo por todo o navio, ou pior ainda, por toda a Europa. Charles ainda não concordara realmente em ir à Europa na lua-de-mel. Ele ainda estava falando sobre a Califórnia, mas Victoria era teimosa e estava certa de que poderia convencê-lo. Ela não iria à Califórnia. De tudo o que ouvira, a Califórnia soava pouco civilizada, desconfortável e terrível.

- Eu vou sugerir isto a Charles enquanto eles estiverem aqui. Ou você quer falar com ele? - perguntou Olívia enquanto fechava a janela.

Estava gelado lá fora e já nevara duas vezes desde o Dia de Ação de Graças.

- Você fala com ele. Eu trabalharei sobre a Europa. - Ela sorriu e pouco mais tarde as irmãs desceram de braços dados, sentindo-se um pouco melhor.

Victoria estava pensando em sua lua-de-mel e nas mulheres que queria ver em Londres. Ela já escrevera a elas. Na verdade, sem que Olívia soubesse, ela mandara uma carta a Emmeline Pankhurst na prisão. E Olívia estava feliz, pensando em ter Geoffrey com eles no verão. Seria uma pequena consolação por não estar com sua irmã. Os Dawson chegaram de Nova York no dia seguinte, no novo Packard de Charles e Geoffrey quase correu para fora do carro.

Ele estava muito excitado. Correu até Victoria, que estava do lado de fora esperando por eles e gritou para ela.

- Onde está Ollie?

- Na cozinha - respondeu ela, enquanto ele corria para a porta dos fundos e seu pai olhava para ela cautelosamente com um sorriso tímido, sentindo-se um pouco envergonhado. Ele desejava ter o olhar certeiro de seu filho, mas não tinha.

- Ele está certo? Você é Victoria?

Era ridículo não saber qual delas era sua noiva, mas na verdade ele não sabia. A princípio ele pensara que podia sentir quem ela era, mas após sua última visita ele não estava mais tão certo. Havia vezes em que Victoria era tão tímida quanto Olívia e outras vezes em que Olívia relaxava, sentindo que ele era da família agora e era tão ousada quanto Victoria fora com ele desde o início.

Estava se tornando mais confuso, em vez de menos, à medida que ele começava a conhecê-las melhor e as diferenças entre elas pareciam menos distintas agora. Mas quando elas ficavam mais relaxadas com ele, Charles achava que tinham um senso de humor parecido e riam das mesmas coisas. Elas tinham o mesmo sorriso, a mesma alegria, as mesmas maneiras. Elas tinham até o mesmo espirro.

De qualquer maneira, ele estava ainda mais confuso agora do que estivera no começo.Victoria estava sorrindo abertamente para ele, enquanto assentia e confirmava que era mesmo sua futura esposa e Charles pareceu mais aliviado quando deu nela um beijo casto no rosto e lhe disse o quanto estava feliz por vê-la.

- Acho que vou ter de comprar um par de belos broches de diamantes com suas iniciais para cada uma de vocês, ou acabarei virando um tolo a cada vez que viermos aqui.

Ambos sorriram enquanto ela enfiava uma das mãos em seu braço e o levava até o hall de Henderson Manor. Esta é uma idéia muito boa -disse ela e então olhou para ele, louca para brincar um pouco. Era muito difícil resistir à tentação. Apesar de ter assegurado a ele quem era, ela subitamente pensou que seria engraçado virar a mesa e ver como ele reagiria. - Como você sabe realmente que eu não sou Ollie? - perguntou ela inocentemente, confundindo-o de súbito e gostando daquilo mais do que deveria.

- Você é? - E afastou-se dela rapidamente, parecendo mortificado por ter agido de forma tão familiar com ela.

E Victoria assentiu, fingindo ser sua irmã. Mas assim que ela o fez, Geoffrey chegou pulando, com as faces rosadas e o cabelo desarrumado, segurando a mão de Olívia enquanto saíam da cozinha.

- Olá, Victoria - disse Geoff relaxadamente e seu pai pareceu algo exasperado com a peça que Victoria pregara nele. Ou teria o garoto se enganado também?

Charles olhou para ambas as gêmeas, incapaz de dizer agora quem era quem, mas Olívia começou a sacudir o dedo para sua irmã. Ela instantaneamente sentira o que Victoria estivera fazendo.

- Você andou torturando Charles? - perguntou acusadoramente. Ela conhecia sua irmã muito bem. Sempre fora Victoria quem amava genuinamente trocar de lugar.

- Andou - disse ele, corando fortemente e lançando um olhar agradecido para sua futura cunhada por terminar com a charada tão depressa. - Ela estava tentando me fazer pensar que era você - explicou ele, enquanto Geoffrey ria dele. - E por um instante ela me confundiu completamente.

Geoffrey pensou que seu pai era muito bobo por não saber a diferença entre as duas mulheres.

- Agora, como você soube com tanta certeza? - perguntou Charles a ele, frustrado. Espantava-o o fato de uma criança tão pequena poder dizer a diferença entre as duas e ele não. Talvez tivesse ficado confuso com suas próprias emoções, pensou.

- Não sei. - Geoffrey deu de ombros. - Elas apenas parecem diferentes para mim.

- Ele é a única pessoa que já conheci, além de Bertie, que sabe a diferença. - Olívia sorriu para o garoto e estendeu a mão para Charles, que a apertou.

Ele se voltou então para sua noiva, que ainda estava se divertindo com o que fizera. Ela gostava de fazê-lo sentir-se inseguro e desequilibrá-lo e ele sabia disso.

- Jamais acreditarei em você novamente, Victoria Henderson - disse ele, desta vez para a gêmea certa e Olívia riu para ele.

- Isso é muito sábio de sua parte, Charles. Sugiro que você se lembre disso!

- O que está acontecendo aqui? - Edward Henderson entrou no hall e ficou satisfeito ao vê-los.Eles tiveram um jantar animado naquela noite, falando sobre Nova York e os negócios de Edward. A fábrica de aço fora finalmente vendida e Edward estava extremamente satisfeito com os resultados e a maneira como Charles lidara com tudo. Ele era um homem quieto, mas era um mestre nos negócios.

Por fim, após o jantar, Edward e Olívia os deixaram a sós. Olívia subiu para ver Geoff e Edward disse que estava cansado e queria se retirar mais cedo. Olívia e seu pai subiram as escadas lentamente de braços dados e sussurraram sobre como as coisas estavam evoluindo facilmente.

Ele estava muito aliviado com tudo aquilo e Olívia assentiu concordando, mas ela tinha emoções contraditórias. Mas esqueceu todas elas quando viu Geoff lá em cima. Bertie o colocara na cama, mas ele não estava dormindo, estava deitado em uma de suas enormes camas de visitas, com os braços em torno de um macaco puído e rasgado.

- Quem é este? - perguntou Olívia interessada, enquanto se sentava perto dele.

- É Henry. Ele é muito velho. Tão velho quanto eu. Eu o levo para todos os lugares, menos para a escola - disse ele com simplicidade, segurando-o pela curva de um dos braços enquanto sorria para Olívia. O garoto parecia muito pequeno naquela cama enorme e ela quis se abaixar e beijá-lo, mas não o conhecia bem o suficiente para fazê-lo. Ele é muito bonito - disse Olívia, séria. - Ele morde? Macacos mordem às vezes, você sabe.

- Claro que não! - disse ele, rindo para ela. Ele a achava bonita e engraçada. - Eu queria ter um irmão gêmeo.

Poderia pregar peças nas pessoas o tempo todo, como Victoria fez com papai hoje. Ele realmente pensou que ela fosse você. E ficou todo sem graça. - Ele achava aquilo particularmente divertido.

- Como você pode saber a diferença entre nós? - perguntou ela, curiosa, imaginando o que ele via que os outros não viam. Ele tinha a inocência de uma criança e como resultado, talvez, uma visão mais clara.

- Vocês pensam diferente - disse ele com simplicidade. - Eu posso ver isso.

- Você pode ver como pensamos? - Olívia parecia assustada. Ele era muito esperto para sua idade e ela imaginou se sempre o fora ou se se tornara assim quando perdera a mãe.

- Às vezes - respondeu ele e então a assustou ainda mais. - Victoria não gosta de mim. Claro que gosta! - Olívia foi rápida na resposta. - Ela apenas não está acostumada com crianças.

- Ela está acostumada com todas as coisas a que você está. Ela apenas não gosta delas. Ela não fala comigo como você fala. Ela realmente gosta de meu pai? - Era uma pergunta direta e dolorosa para uma criança de sua idade e por um instante Olívia não teve certeza do que responder.

- Acho que ela gosta muito de seu pai, Geoff. Não acho que eles se conheçam muito bem ainda, mas eles terão tempo para isso.

- Então por que eles estão se casando se não se conhecem bem? Isso é muito estúpido. Ele não estava inteiramente errado, mas a vida era muito mais complicada que aquilo, embora ela não pudesse explicar isso a ele.

- Às vezes as pessoas se casam porque sabem que é uma boa coisa a se fazer e que com o tempo elas vão crescer e amar uma à outra. Às vezes esses são os melhores casamentos, aqueles em que se começa como amigos e acaba se tornando uma grande coisa por toda a vida. Soava sensato para ela, mas Geoffrey parecia em dúvida.

- Mamãe costumava dizer que ela nos amava mais que tudo no mundo e mais um pouco. Ela disse que amava papai mais do que qualquer pessoa no mundo quando se casou com ele, mais ainda do que sua mãe e seu pai. Então ela me teve e ela me amou ainda mais que a ele. - Ele baixou sua voz em tom de conspiração.

- Realmente ela disse que me amava mais, mas disse para não contar a ele, porque feriria seus sentimentos. Acredito nisso - disse Olívia, enquanto seu coração quase saía do peito por ele, pela mãe que perdera e pela infância que quase fora danificada para sempre. - Ela deve ter amado você muito, muito.

- Ela me amou - disse ele tristemente e então se sentiu calmo enquanto pensava nela. Ele sempre pensava nela e sonhava com ela freqüentemente. Ela estava sempre usando um vestido branco e sorrindo para ele enquanto andava a seu lado. Mas ele sempre acordava antes que ela o alcançasse.

- Eu também a amava - disse ele, segurando a mão de Olívia apertada. - Ela era muito bonita e ria muito... mais ou menos como você... - e então, sem dizer nada, ela se abaixou, beijou-o no rosto e segurou-o junto de si por um minuto. Ele era a criança que ela nunca teria agora, o presente que fora dado a ela inesperadamente, a criança que viera para ela no lugar de sua irmã.

- Eu te amo, Geoffy - disse ela suavemente e queria dizer cada palavra daquelas enquanto acariciava seu cabelo e sorria para ele, e ele sorria em paz para ela.

- Minha mãe costumava me chamar assim... mas tudo bem... você pode me chamar assim também. Acho que ela ia gostar.

 

- Obrigada.Então ela contou a ele uma história sobre quando ela e Victoria eram jovens e deram um chá para todos os seus amigos da escola e provocaram todo mundo trocando de lugar e como aquilo se tornou confuso porque todo mundo esperava que elas soubessem coisas que não sabiam.

E ele adorou ouvir sobre aquilo e riu muito. Ela se sentou com ele por cerca de uma hora e ele acabou dormindo segurando sua mão, o macaco no travesseiro perto dele. Ela o beijou novamente e silenciosamente deixou o quarto, pensando nele e em sua mãe. Olívia sentia uma estranha afinidade com ela; era quase como se a conhecesse. Victoria já estava no quarto. Fumava um cigarro e nem mesmo se importara em abrir a janela.

- Mal posso esperar que você se vá. - Olívia revirou os olhos e fingiu se estrangular na fumaça no quarto, enquanto Victoria ria para ela. Elas eram amigas tão boas e tão felizes juntas. Olívia odiava a idéia de sua partida.

- Onde você estava?

- Com Geoff. Pobre menino! Acho que ele realmente sente falta da mãe. - Victoria assentiu, mas não fez nenhum comentário.

- Charles concordou em ir para a Europa em nossa lua-de-mel. - Ela parecia satisfeita consigo mesma e Olívia sorriu e sacudiu a cabeça.

- Pobre homem! Você é um monstro! Ele sabe que você fuma? - Victoria sacudiu a cabeça e ambas riram. - Talvez você deva contar a ele, ou deixar de fumar. Esta é uma idéia melhor.

- Talvez ele possa começar a fumar.

- Que charmoso! - disse Olívia, tirando a roupa lentamente e tentando não pensar em Charles de qualquer outra maneira que não como um irmão.

- Eu disse a ele que você gostaria que Geoffrey ficasse aqui. Ele gostou da idéia. Ele não quer levá-lo à Europa. Está com medo de que o navio o desestruture.

- Acho que isso aconteceria mesmo - disse Olívia, lembrando o que ele acabara de dizer sobre sua mãe. Obviamente tudo ainda estava muito fresco em sua mente. Não havìam se passado nem mesmo dois anos, mesmo que tal período já tivesse se passado quando eles se casassem. Já marcaram a data?

Victoria assentiu, mas não pareceu satisfeita. Eles apenas discutiram aquilo naquela noite. Vinte de junho. O Aquatania sai de Nova York no dia 21. Será a viagem de estréia. Victoria sorriu com prazer com aquilo, mas não com o casamento e Olívia pareceu preocupada quando soube.

- Você não acha que será traumático para ele? - perguntou Olívia e Victoria hesitou, mas depois deu de ombros.

- Ele não estava no navio com ela. Ela estava voltando da Europa com Geoff. Ele nunca esteve no navio.

-Mas deve tê-lo preocupado terrivelmente. Você terá de ser muito gentil com ele durante a viagem - disse ela pensativa e Victoria pareceu irritada.

- Talvez você deva ir com ele então. Ele nunca saberia a diferença.

           - Talvez não - respondeu Olívia baixinho, mas Geoff saberia.

E no dia seguinte Charles solucionou ele mesmo a situação quando foi caminhar com Victoria antes do almoço e eles se sentaram silenciosamente por poucos minutos num banco, olhando para o Hudson.

- É tão bonito aqui, não sei como você pode sair daqui - Charles disse e Victoria forçou-se a não lembrar a ele que seu pai a estava forçando a fazê-lo. Mas ela era sábia o suficiente para não dizê-lo.

- Realmente eu prefiro Nova York, de qualquer maneira. Aqui é incrivelmente monótono. É Olívia que ama viver aqui. Eu gosto de um pouco mais de excitação.

- É mesmo? - perguntou ele, provocando-a. Ele a conhecia melhor do que ela pensava, mesmo que nem sempre pudesse saber a diferença entre elas. - Eu nunca teria pensado isso! Ela sorriu para ele então. Ele era inteligente e tinha senso de humor. Ela gostava daquilo. E de qualquer maneira ele não tinha ilusões sobre sua união, ou pelo menos não parecia ter. - Realmente eu tive uma idéia muito boa enquanto estava em Nova York. É uma maneira de diferenciá-la de Olívia. Espero que você goste.

Ela imaginou alguma espécie de elástico ridículo, como aqueles que elas usavam quando eram garotas e estava prestes a objetar, quando ele pegou sua mão na dele, tirou sua outra mão do bolso e, sem dizer uma palavra, colocou um belíssimo anel de diamantes em seu dedo.

Era muito delicado, a pedra não era grande, mas era bela e fora de sua mãe. Ela morrera muitos anos antes e ele ainda tinha todas as suas jóias. Algumas delas foram de Susan antes dela morrer, mas ele nunca dera este anel a ela. Sua mãe ainda estava viva e o usava quando ele se casou pela primeira vez.

Victoria olhou para baixo em total surpresa, assustada e em silêncio. Ele lhe servia perfeitamente e sua mão estava tremendo. E Charles apenas ficou ali de pé, olhando para ela de sua considerável altura, com algo doce, quente e esperançoso em seus olhos. Mas, ao contrário de Tobby, ele não a pegou em seus braços ou disse o quanto a amava.

- Era de minha mãe - foi tudo o que ele disse, desejando ter a coragem de beijá-la.

- É adorável... obrigada... - Ela se virou para ele então, desejando apenas por um momento que as coisas tivessem sido diferentes.

- Espero que sejamos felizes um dia - disse ele, pegando sua mão. - Casamento pode ser uma grande coisa entre bons amigos.

- Não deveria ser mais do que isso? - perguntou ela tristemente, lembrando-se dos breves mas excelentes momentos que partilhara com Tobby, o amor genuíno que sentira por ele, assim como a paixão.

- Às vezes, se você é muito sortudo - respondeu Charles, lembrando-se de seu próprio passado e desejando não se lembrar. Isto seria inteiramente diferente. Mas talvez, se ele a conquistasse, se ela pudesse ser domada, Victoria viesse a ser uma boa esposa também. Ele estava desejando tentar, para o bem de Geoff. - O amor é uma coisa estranha, não é? - disse ele, colocando um braço em torno dela.

- Às vezes você o encontra onde menos espera. Eu não vou machucá-la, Victoria - disse ele muito gentilmente. - Eu serei seu amigo... e você poderá contar comigo, se você deixar.

Mas ambos sabiam que ela ainda o estava mantendo à distância. Ele não estava certo de por quanto tempo ela o faria, mas por enquanto ela era como uma égua selvagem e ele sabia que não poderia chegar mais perto.

- Não vou assustá-la - disse ele e ela assentiu.

- Sinto muito, Charles. - A tristeza em seus olhos era real, por todos eles. Ela se perguntou quanto tempo levaria para esquecer a dor que Tobby lhe causara, se é que um dia esqueceria.

- Não sinta - disse Charles suavemente. Ambos sabiam as condições sob as quais seu noivado fora feito e nenhum deles tinha nenhuma ilusão. - Você não me deve nada ainda. Mas e mais tarde? ela se perguntou. Seria diferente então? Será que ela subitamente o desejaria como desejara Tobby, apenas porque havia usado um vestido branco e um padre havia dito uma confusão de palavras para eles? Que diferença aquilo faria? Suponho que é oficial então - disse ela cautelosamente, olhando para o anel em seu dedo. - Estamos noivos. - Disse isso como se ainda não entendesse bem e ele sorriu suavemente para ela.

- Sim, estamos. E em junho você será a senhora Charles Dawson. Isso dá a você seis meses para se acostumar - disse ele e então se encaminhou cuidadosamente em direção a ela e, muito gentilmente, colocou as mãos em seus ombros. - Posso beijar a noiva um pouco antes do programado? - perguntou ele e, sem saber o que mais fazer, ela assentiu.Ele a pegou em seus braços então e muito cautelosamente a beijou. E apenas senti-la próxima a ele trouxe uma explosão de memórias a sua mente e seu corpo.

Ele sentiu uma pressa feita de saudade e desejo por ela, enquanto pensava em Susan e nela, e teve de lutar para não se deixar levar por suas próprias emoções. Ela era a primeira mulher que ele tocava em quase dois anos e estava quase subjugado pela tristeza e pela ternura enquanto a segurava, mas ela não entendeu nada. Sentiu apenas os lábios de um homem que ela não amava, com quem estava sendo forçada a casar. Ele segurou-a por um longo tempo, sabendo que ela ainda não sentia nada por ele e convencido de que isso viria com o tempo. Seria bom passar o verão na Europa.

- Devemos voltar? - perguntou ele alegremente, pegando sua mão na dele e sentindo o diamante que colocara em seu dedo.

Ela não disse nada sobre aquilo quando eles voltaram e foi no almoço que Olívia viu o anel pela primeira vez. A visão do dedo de Victoria assustou-a. Subitamente era tudo real para ela: o noivado, o casamento, o fato de que Victoria em breve iria embora e ela seria deixada sozinha com seu pai.

Os olhos de Olívia encheram-se de lágrimas e ela olhou para longe, profundamente embaraçada. Victoria sentiu instantaneamente que algo estava errado e então olhou para sua própria mão, sentindo-se cheia de remorsos e culpa, e assim que o almoço terminou, ela colocou os braços em torno da irmã. Charles não entendeu o que estava acontecendo, enquanto olhava as duas abraçadas uma à outra num silêncio doloroso. Vou sentir sua falta terrivelmente - sussurrou Olívia quando elas finalmente deixaram a sala de jantar.

- Você tem que vir comigo - respondeu Victoria com raiva.

- Você sabe que não posso - disse Olívia, enquanto as lágrimas enchiam seus olhos novamente. Charles ficou no hall, olhando-as à distância, imaginando o que elas diziam.

- Nunca amarei ninguém, a não ser você - disse Victoria e falava sério cada palavra, mas Olívia sacudiu a cabeça em resposta.

- Você deve. Você deve isso a ele. Você deve aprender a amá-los - sussurrou Olívia e então foi dizer a Charles o quanto achara o anel bonito. Ele pareceu satisfeito e os três saíram de braços dados para o sol do inverno.

 

O Natal foi mais divertido do que o normal com os Dawson lá, apesar da hesitação de Victoria. Olívia adorou ver o rosto de Geoff enquanto abria os presentes e todos eles saíram para um passeio de trenó na manhã de Natal. Nevara fortemente na véspera e, depois que foram à igreja, as montanhas altas, acima do Hudson, ficaram brancas, cobertas com um fino manto de veludo branco.

Olívia deixou Geoff dirigir o trenó e juntos eles fizeram bolas de neve e jogaram em Victoria e Charles até que eles fossem para dentro e então Olívia ajudou-o a fazer um boneco de neve. Eles nem mesmo voltaram para a casa até o cair da noite. Foi um dia perfeito para todos, estragado apenas pelo fato de Edward ter apanhado um resfriado que o deixou de cama quase até o Ano Novo. Mas ele conseguiu levantar-se para a festa que Olívia preparara para Victoria e Charles na véspera do Ano Novo.

Foi uma noite adorável. Todos comeram bem, beberam dúzias de champanhe e estavam muito elegantes na festa. Olívia arranjou até músicos. Houve dança no hall da frente e todos estavam de bom humor.

Eles deixaram Geoff descer antes do jantar e todos os convidados pareceram felizes em conhecê-lo. Eles congratularam Victoria generosamente e não houve o mínimo sussurro de escândalo. Sua reputação fora salva. Seu futuro estava assegurado. Tudo estava bem em Croton-on-Hudson.

E no dia de Ano Novo, Victoria e Charles pareciam estar completamente confortáveis um com o outro. Eles conversavam amigavelmente de tempos em tempos e, se não estavam profundamente apaixonados, pelo menos pareciam muito amigos. A única coisa que parecia preocupar Victoria verdadeiramente era Geoffrey. Olívia estava ciente disso e o levava com ela sempre que possível, para que Charles não notasse. Mas ela encorajava Victoria constantemente a conhecê-lo melhor.

- Ele é apenas uma criança, pelo amor de Deus! Um garoto de nove anos. Que dano ele pode lhe causar? Não seja tão estúpida!

- Ele me odeia - disse Victoria com simplicidade.

- Ele não odeia você. Ele gosta de você. - Era uma mentira, mas Olívia estava desesperada para que sua irmã gostasse dele. - Ele está apenas mais acostumado comigo. Provavelmente nós podemos trocar de lugar, se realmente o quisermos, e ele nunca saberá. Mas ambas sabiam que era mentira e no dia de Ano Novo, como sempre, Olívia levou-o para fora com ela, para mantê-lo longe de sua irmã. E apesar de algum gelo e da neve que ainda havia no solo, ela decidiu levá-lo para cavalgar.

- Tenha cuidado, senhorita - advertiu o cocheiro. - O tempo está traiçoeiro lá fora.

Olívia podia ver que havia outra tempestade se armando.

- Nós não vamos longe, Robert. Obrigada.

Ela deu o cavalo mais obediente para Geoff, um doce e velho pônei que ela mesma cavalgara quando criança e usou seu próprio animal para ir ao lado dele. Sua égua estava cheia de alegria naquela tarde e também um pouco voluntariosa. Ela fizera muito pouco exercício ao longo dos feriados e o tempo estivera ruim. Mas Olívia gostava de uma cavalgada vigorosa e levou Geoffrey para as montanhas, mostrando a ele todos os lugares que ela amara quando criança, até mesmo a casa da árvore e a clareira secreta onde ela muitas vezes se escondera de Bertie com sua irmã.

Ela contou a ele sobre a vez em que haviam ficado fora a noite toda, quando tinham doze anos, porque tinham feito muitas travessuras na escola e ficaram com medo de que seu pai brigasse com elas. O xerife fora chamado, com seus cachorros e as encontrara, é claro; elas choraram, mas nada sério acontecera com elas.

Seu pai sempre fora muito bom e até mesmo um pouco indulgente. Até a última aventura de Victoria em Nova York. Não houvera indulgência possível ali, eles estavam à mercê das próprias ações de Victoria e das fofocas de Nova York. A única solução possível para ela era se casar com Charles Dawson, mas Olívia não explicou aquilo a Geoffrey.

- Vocês já levaram uma surra? - perguntou Geoffrey com interesse, enquanto Olívia sacudia a cabeça. Seu pai jamais as tocara. - Nem eu - confirmou ele, para satisfação dela.Eles brincaram de caubóis e índios a cavalo por um tempo e era difícil acreditar que ela tinha vinte anos e não dez, enquanto eles caçavam um ao outro sobre as montanhas e através de valas e dos rios gelados. Olívia pulava um tronco aqui e ali, mas era cuidadosa para não fazer nada que colocasse Geoff em perigo. E enquanto a noite caía, eles cavalgavam vagarosamente para casa, em direção ao estábulo.

Olívia seguiu alguns coelhos através da neve, enquanto Geoff ria dela e eles já estavam quase em casa quando houve o estrondo de um trovão.

Houve um raio de luz no céu e outro ruído de trovão, que parecia estar logo acima deles e antes que Olívia pudesse dizer qualquer coisa, o cavalo de Geoff disparou.

Tudo o que ela pôde ver foram os olhos aterrorizados de Geoff enquanto o cavalo corria através do solo gelado, pulando todos os obstáculos entre ele e os estábulos.

- Geoff, segure! - gritou ela ao vento, rezando para que ele pudesse ouvi-la - Segure firme! Não o deixe ir! Estou chegando!

O velho pônei, que mal se movera nos últimos anos, corria facilmente ao longo do campo, enquanto ela o perseguia e o pegava rapidamente. Ela inclinou-se e esticou os braços graciosos o mais que pôde, segurando sua própria sela com uma das mãos e agarrando a rédea do pônei com a outra. Foi um movimento perfeito e, com mão firme, ela diminuiu a velocidade do outro cavalo para um trote apenas a tempo de outro estrondo de trovão. Ela segurou com força desta vez, pegou uma das rédeas de Geoff e a segurou firme, enquanto seu próprio cavalo pulava e mordia o freio.

Ela teve de deixar as rédeas de Geoff para não levá-lo com ela e sua égua ficou de pé nas pernas traseiras, pulando sob os relâmpagos, enquanto Olívia lutava para controlá-la. Ela podia ver que o cavalo de Geoff estava aterrorizado, mas desta vez ele não se moveu, pois estava exausto.

Foi Olívia quem teve de lutar desta vez, mas outro estrondo de trovão levou sua nervosa égua à loucura e ela pulou primeiro de lado e depois diretamente para a frente, bem alto no ar, ìnesperadamente, por cima de uma cerca viva. O animal desapareceu no outro lado, mas deixou para trás o corpo machucado de Olívia, que caiu no chão perto de Geoffrey. E ele pôde ver num simples relance que ela estava inconsciente.

- Olívia! Ollie!...

Ele começou a chorar, mas estava com medo de desmontar por achar que não saberia subir novamente e, em vez disso, soluçando histericamente enquanto começava a chover, ele foi em direção aos estábulos. Seu pai e o cocheiro o viram chegando, chorando incoerentemente e acenando, e antes mesmo que ele pudesse explicar, a égua de Olívia chegou galopando atrás dele.

Ela entrou direto em sua cocheira e foi fácil ver que sua amazona não estava mais na sela. Geoff estava tentando explicar a eles freneticamente... o trovão... o relâmpago... o cavalo... o tombo... as cercas. Robert já estava montado em seu próprio cavalo enquanto ouvia.

- Você cavalga? - perguntou ele a Charles, que assentiu. Ele ajudou o filho a desmontar e pegou o cansado cavalo dele. Foi difícil fazê-lo deixar o estábulo novamente, mas eles não tinham tempo para pegar outro cavalo e selar.

Robert entendera instantaneamente onde eles haviam estado e Charles pôde sentir seu coração golpear suas orelhas enquanto cavalgavam sob a chuva forte até que a encontrassem. Eles quase não a viram a princípio.

Ela era uma massa de roupa de montar marrom, com seu longo cabelo negro espalhado no chão em torno dela. O cocheiro foi o primeiro a desmontar e Charles vinha bem atrás dele. Ela estava mortalmente pálida e para ambos ela parecia sem vida.

Charles sentiu-se cambalear ao pensar naquilo e no terror do que diria a Geoff, seu pai e sua irmã se o tombo a tivesse matado. Ela está...? - sussurrou ele, mas no vento feroz Robert não o ouviu. Ele apenas se virou para ele, sacudiu sua cabeça e disse que tinha de voltar para pegar a carruagem.

- Fique com ela. Estarei de volta em dez minutos. Vou chamar o médico.

Charles pôde ver então, quando se ajoelhou a seu lado, que ela estava respirando, mas totalmente inconsciente. Ele tirou seu próprio casaco e tentou fazer uma pequena tenda para ela, protegendo-a da chuva. Ficou surpreso ao perceber, ajoelhado a seu lado no solo e olhando para ela, que estava chorando.

Ela era uma louca por ter saído com gelo no solo e poderia ter sido Geoff a cair ali, mas ele também sabia que ela jamais deixaria isso acontecer. Sabia, apenas por tê-lo cavalgado, que o pônei que a criança havia usado estava praticamente morto de tão velho e não o teria machucado.

E enquanto Charles olhava para ela, sentiu algo emocioná-lo, algo agonizante e quente que o fazia lembrar-se de Susan. Era o que ele sentira por ela sempre que conversavam, aquela doçura em sua alma, aquele cuidado, o sorriso em seus olhos, era aquilo que machucava muito, que era como uma estaca atravessando seu coração e o fazia lembrar-se do que ele perdera quase dois anos antes.

Olhando para ela agora, não pôde suportar aquilo. O garoto estava certo, as gêmeas não eram iguais. Elas eram inteiramente diferentes. Victoria, tão selvagem, tão livre, tão indiferente a ele, tão naturalmente sensual e, ainda assim, desamparada. Ele queria domá-la, ser seu dono, modificá-la, ainda que soubesse em seu coração que jamais a amaria. Mas esta mulher era inteiramente diferente.

E o que ele sentiu enquanto olhava para ela o fez querer fugir para a segurança. Nunca mais ele perderia o que amava, nunca mais daria seu coração e depois deixaria o destino roubá-la dele. Para ele, Victoria era infinitamente mais segura... Olívia, dolorosamente querida... e se ela morresse agora... se ela morresse... se ela se fosse... ele sabia que não poderia suportar. Não novamente, não agora. Não era justo... não era certo o que ele sentia por ela. E mesmo assim, sabia, acontecesse o que acontecesse, ele ia se casar com sua irmã.

- Olívia... - Ele se curvou próximo a ela, chamando seu nome e gentilmente acariciando seu cabelo, rezando para que seu pescoço não estivesse quebrado. Ele podia ver que ela ainda estava respirando. - Olívia... fale comigo... Ollie, Por favor... - disse ele, chorando como uma criança, sentindo uma onda de amor por ela e odiando-se por isso. - Olívia... Ela se movimentou e abriu os olhos, e ele teve de lutar para recuperar seu autocontrole. Ela estava olhando para ele, confusa, como se não o conhecesse.

- Não se mexa, você levou um tombo feio - disse ele no vento furioso que soprava em torno dele. O corpo dela já estava totalmente molhado, mas seu rosto estava protegido pela jaqueta que ele segurava sobre ela. Seu próprio rosto estava pingando, o cabelo castanho-escuro colado à cabeça, as lágrimas misturadas coma chuva. E ela não podia ver nada do que ele estivera pensando. E então ela se lembrou.

- Geoff está bem?

Ela mal podia falar, estava muito sufocada e sua visão estava embaçada, o que tornava mais difícil vê-lo. Ela não estava certa a princípio de quem ele era e então compreendeu que era Charles. Ela tentou sorrir, mas era muito doloroso.

- Ele está bem. Ele foi nos buscar.

Ela tentou assentir, mas desistiu e então fechou os olhos e deitou-se enquanto ele a observava. O que ele acabara de sentir por ela o aterrorizava, mas mesmo assim ele sabia que estava fazendo a coisa certa se casando com Victoria. Seria muito perigoso amar uma mulher como aquela. Seu coração inteiro e sua alma eram como um quebra-mar no caminho de uma onda grande. Ele nunca sentira por ninguém o que sentia por ela, exceto por Susan. Victoria era muito mais segura... perigosa a seu jeito, mas não para ele. Ela era apenas intrigante. Era esta mulher, com suas maneiras gentis, que poderia destruí-lo.

- Como está se sentindo? - perguntou ele novamente um minuto mais tarde, ainda protegendo-a do vento e da chuva e morrendo de vontade de tocá-la.

 

- Terrível! - Ela sorriu para ele de maneira ofuscante, e ele gentilmente tocou seu rosto e manteve sua mão lá, lutando contra tudo o que sentia, lembrando a si mesmo que isso era apenas um erro, um simples e breve momento de indulgência. - Você vai me ajudar a levantar? - perguntou ela, insegura se poderia fazê-lo.

- Não acho que você deva. Robert está trazendo a carruagem. Ele estará aqui em um minuto.

- Não quero preocupar papai.

- Você teria preocupado a todos nós se tivesse matado a si mesma, Olívia. Eu agradeceria se você fosse mais cuidadosa no futuro.

Geoffrey não precisava de outra tragédia em sua vida, nem ele. Ajoelhado perto dela, ele não sabia se brigava com ela ou a beijava.

- Estou bem.

- Você parece mesmo.

Ele sorriu e os dois trocaram um olhar que falava intensamente. Ela esquecera tudo menos ele, seu passado, seu futuro, tudo isso, havia apenas este momento, com a chuva batendo neles e ela no chão, a mão dele gentilmente tocando seu rosto e seus olhos, acariciando-a. Por um momento, ela se perguntou se havia ficado louca.

- Minha égua está bem?

- Suas prioridades me repugnam - disse ele, enquanto ela tentava se sentar. - Sua égua está bem. Bem melhor do que você.

Ela se deitou novamente, a cabeça seriamente machucada, mas quando ela se moveu, Robert chegou pela montanha com a carruagem e, por um instante louco, Charles quis escondê-la dele. Quis mantê-la consigo para sempre. Ambos sabiam que aquele momento jamais voltaria, que nunca seria comentado ou citado. Tinha de ser esquecido. Seus olhos procuraram famintos um ao outro dentro de suas almas e então as portas se fecharam. Para sempre.

- Como ela está? - perguntou Robert enquanto descia da carruagem.

- Melhor, eu acho. Charles assentiu e então se voltou para olhar para ela novamente. E então, com um simples e cuidadoso gesto, ele a pegou facilmente em seus braços, como uma boneca, e colocou-a dentro da carruagem. Ele a colocou no assento e ela deixou cair a cabeça com um gemido, parecendo muito mal. Nada parecia estar quebrado, mas era óbvio que ela tinha uma severa concussão.

Charles entrou com ela e sentou-se ao seu lado, enquanto Robert amarrava o cavalo que Charles cavalgara atrás da carruagem e os levava para casa. Charles a olhou em silêncio. Havia tanto que ele queria dizer a ela e sabia que não podia. Não havia propósito em

Dizer nada daquilo. Era muito perigoso. Ele encontrara a bifurcação no caminho e passara por ela. Ele escolhera seu caminho quando Susan morrera e seu casamento com Victoria não era ameaça ao que sentira por Susan.

Era precisamente o que devia ser: um arranjo. Isto era diferente. Isto era fogo que poderia incendiar seu coração e queimar seus dedos. Victoria era toda faíscas e sensualidade. Olívia era algo que ele desejara e sabia que nunca teria novamente, pois não ousava. Ele tivera uma vez e sabia o quanto era devastador perder. Ele nunca pegaria o penny dourado novamente, nem o gastaria.

Ela olhou para ele como se pudesse ouvir seus pensamentos e assentiu. Estendeu uma mão para ele, que pegou seus dedos gelados nos seus e segurou-os.

- Sinto muito - disse ele suavemente, como se ela tivesse entendido tudo o que ele estava pensando e não dissera.

E ela apenas sorriu e deitou-se novamente de olhos fechados. Tudo parecia um sonho para ela. Charles próximo a ela, a tempestade, a chuva, o garoto... sua mão nas dela. Era tudo tão complicado e tão difícil de entender.

Parecia haver razões para coisas que ela não entendera e então subitamente Victoria estava ali com ele, como deveria... e Bertie, seu pai e o médico. Sua cabeça estava rodando.

Eles a colocaram na cama e Victoria sentou-se com ela. Olívia insistiu em ver Geoff, pois não queria que ele ficasse assustado. Ela disse a ele que fora boba de levá-lo para passear com aquele mau tempo e ele entendeu. Prometeu voltar e visitá-la em breve e então a beijou e a fez pensar em alguém mais, mas ela não podia se lembrar de quem, ou quando.

Parecia apenas momentos atrás, ou anos. Ela não estava certa. Haviam dado a ela algo para dormir, embora ela não o quisesse realmente. E Victoria ficou com ela até que pegasse no sono. Bertie quisera ficar também, mas Victoria não a deixaria. E Olívia tinha algo a dizer para ela. Era terrivelmente importante, ela sabia, e tinha de dizê-lo.

- Você tem de amá-lo, Victoria, você tem... ele precisa de você.

E então ela adormeceu, pensando em ambos. Ela viu todos eles de pé, num navio. Victoria em seu vestido de casamento e Charles próximo a ela, tentando dizer algo, mas Olívia não podia ouvi-lo. Geoff estava perto dele e segurava a mão da mãe. Susan estava olhando-os e Victoria não compreendia... ela não entendia nada daquilo... nenhum deles entendia. E então o navio afundou em total silêncio.

Olívia acordou na noite do dia seguinte com uma dor de cabeça explosiva. Ela sentia como se tivesse ficado acordada toda a noite, sendo espancada por demônios, mas sabia que não ficara. Victoria disse a ela que os Dawson haviam partido. Geoffrey deixara um buquê de flores para ela e Charles deixara um breve bilhete, dizendo o quanto sentia por ela ter caído e desejando que ela se sentisse melhor.

Ela se deitou na cama e leu novamente o bilhete, imaginando se o que ela vira fora real ou um sonho. Ela havia visto algo em seu rosto que jamais vira antes, ou vira? Era impossível agora distinguir a verdade do delírio.

- Você levou uma pancada daquelas na cabeça, minha velha - disse Victoria, servindo a ela uma xícara de chá que ela pegou com uma expressão de sofrimento.

- Devo ter levado mesmo. Tive os sonhos mais malucos a noite toda. - Ela ainda estava assombrada com tudo, real e imaginário. - Não estou surpresa. O médico disse que você estará melhor em poucos dias. Apenas feche seus olhos e durma - disse ela.

A pessoa com que Victoria mais se importava no mundo era sua irmã gêmea. Ela ficou ao seu lado durante horas naquele dia, olhando para ela, alisando seus cabelos, falando com ela quando acordava. E quando Olívia se levantou, ainda sem estabilidade, no fim daquela semana, ela soube que todos os fantasmas que a visitaram durante dias em seus sonhos haviam sido apenas aquilo... fábulas de sua imaginação... e visões. Algumas delas eram quase embaraçosas.

Ela realmente achava que vira Charles em alguns de seus sonhos... ele estivera olhando para ela e acariciando seu rosto... eles haviam cavalgado numa carruagem para algum lugar e ele estava chorando...

- Sentindo-se melhor? - perguntou Victoria enquanto a ajudava a descer as escadas pela primeira vez para se juntarem ao pai no jantar.

- Muito - disse Olívia sem convicção, mas estava determinada a voltar a ser ela mesma completamente. Não tinha tempo para esta tolice. - Agora vamos nos ocupar de pensar no seu casamento.

Victoria não respondeu, e Olívia resolutamente expulsou tudo de sua mente, exceto o que ela devia fazer agora. O leve tremor que sentia em seu coração era inteiramente sem importância. Você está parecendo muito bem - disse seu pai, feliz por vê-la.

E ela estava igualmente feliz por estar com ele e longe dos sonhos que ficaram em seu quarto. Ela fora pega por eles durante dias e não podia mais suportar aquilo.

- Obrigada, papai -disse Olívia suavemente e ambas as irmãs tomaram seus lugares silenciosamente, uma de cada lado do pai, e sentaram-se para jantar.

Durante os meses de janeiro e fevereiro, Charles esteve muito ocupado para ir a Croton novamente, já que tinha um julgamento importante para preparar e negócios de seu futuro sogro a tratar.

Mas Olívia planejou uma viagem para Nova York no fim de fevereiro, a fim de procurar um vestido de noiva para sua irmã. Victoria concordara, mas estava muito mais interessada nas notícias de Londres.

Emmeline Pankhurst aparentemente fora solta depois de um ano na prisão e organizara um ataque ao escritório da Home Secretary de Londres, onde quebraram todas as janelas, após o que haviam ateado fogo ao Lawn Tennis Club, tudo em nome da liberdade das mulheres.

- Bem feito! - disse Victoria fervorosamente quando ouviu as notícias. Ela se tornara mais feminista que nunca desde o noivado.

- Victoria! - disse Olívia, chocada com a violência daquilo. - Acho que é totalmente desagradável. Como você pode apoiar atos como este? - A última prisão de Pankhurst fora por causa de explosivos.

- São por uma boa causa, Olívia. É como a guerra, não é bonita, mas às vezes é necessária. As mulheres têm direito à liberdade.

- Não seja ridícula. - Olívia ficou seriamente irritada com ela por isso. - Do jeito que você fala, parecemos animais de circo em jaulas, pelo amor de Deus!

- Nunca ocorreu a você que é precisamente o que somos? Animais, animais de estimação, para homens que dispõem de nós como querem. Isso é o que é desagradável.

- Não deixe, pelo amor de Deus, ninguém ouvir você dizer coisas como essa em público! Ela lançou um olhar repressor para sua irmã e deixou o assunto de lado. Não havia esperança em discutir com ela, sabia. Victoria era radical sobre os direitos da mulher e o sufragismo. Era mais fácil lhe mostrar desenhos de vestidos de noiva, que não lhe causavam qualquer emoção. Ela já dissera a Olívia para escolher qualquer coisa de que gostasse e que achasse que ficaria bem nela. Até mesmo sugerira que Olívia o comprasse sozinha, já que não precisava dela realmente.

- Isso traz má sorte, não é nada engraçado e não o farei.

Olívia às vezes queria estrangulá-la quando ela tentava falar sobre o casamento. Como sempre, Olívia estava planejando tudo. Ela colocara um monte de nomes na lista de Victoria, e Charles fora solicito em mandar os seus. Eles trocaram uma breve, superficial e polida correspondência e havia cerca de cem pessoas que ele gostaria de convidar, se fosse agradável para elas. Ele não tinha família, mas vários amigos e algumas relações de trabalho. Edward tinha duzentos convidados ou mais e as garotas, outros cinqüenta.

Ao todo havia quatrocentas pessoas na lista e Olívia tinha certeza de que trezentas viriam, pois algumas eram muito velhas ou moravam muito longe ou foram convidadas por pura cortesia. O casamento em si seria em Croton-on-Hudson. A recepção, em Henderson Manor. Olívia seria sua dama de honra, claro, e Geoffrey carregaria as alianças, mas Victoria se recusara teimosamente a ter outras damas de honra. Não há ninguém de que eu goste tanto quanto de você - disse ela em meio a um nevoeiro de fumaça de cigarro, tarde da noite, quando falavam sobre aquilo pela nona vez. Mas Victoria não cederia nem um centímetro sobre aquele assunto.

- Eu gostaria que você fumasse em outro lugar - rosnou Olívia para ela. Ela parecia fumar constantemente agora; estava muito nervosa. - E, além disso, há muitas garotas boas com quem fomos à escola. Elas adorariam ser suas damas de honra.

- Bem, eu não gostaria de tê-las. Além do mais, nós não vamos à escola há oito anos. E eu não posso imaginar nenhuma de nossas tutoras como damas de honra.

Ambas riram com aquilo. Elas haviam tido como tutoras uma série de damas solteironas, velhas, às vezes quase carecas e com caras de cavalo.

- Tudo bem, eu desisto. Então seu vestido terá de ser muito mais bonito.

- Assim como o seu - disse Victoria com razão, mas ainda sem muito interesse no casamento.

A única maneira pela qual ela realmente podia tolerar aquele pensamento era olhando para a frente, para sua lua-de-mel, para a Europa, para as coisas que ela queria fazer e as pessoas que queria ver lá, e depois voltar a Nova York para viver com uma certa dose de independência. Mas o casamento em si não interessava a ela.

- Por que não usamos o mesmo vestido de casamento nós duas? - sugeriu maldosamente, com um sorriso. - E confundimos todo mundo? O que você acha disso?

- Acho que você esteve bebendo tanto quanto está fumando.

- Esta é uma idéia. Você acha que papai iria notar?

- Não, mas Bertie iria. Portanto nem mesmo considere isso e eu não vou deixar você transformar isso aqui num bar nem numa sala de fumar.

Olívia sacudiu o dedo para ela e então sentiu uma facada de pânico com a possibilidade de não tê-la mais ali, fumando em seu quarto e reclamando. O pensamento de Victoria indo embora era insuportável e agora faltavam apenas quatro meses.

 

Elas foram a Nova York, como planejado, no fim de fevereiro, e ficaram no Plaza para que Olívia não tivesse de abrir a casa e elas não tivessem de levar uma frota de empregados com elas. Seu pai sugerira que levassem a Sra. Peabody, apenas pelas aparências, mas Victoria insistira que não precisavam. E ela arremessou seu chapéu para o alto quando entraram em seu quarto no hotel. Estavam completamente sozinhas em Nova York e poderiam fazer qualquer coisa que quisessem. A primeira coisa que ela fez foi pedir um drinque no restaurante e acender um cigarro na frente de sua irmã.

- Não ligo para o que você fizer neste quarto - disse Olívia severamente enquanto olhava para ela - mas se você não se comportar neste hotel, ou em qualquer outro lugar de Nova York, vou levá-la direto para casa, depois que chamar papai. Não vou querer que as pessoas pensem que eu sou uma bêbada ou que fumo o dia todo só porque você o faz. Portanto, comporte-se.

- Sim, Ollie - disse Victoria com um sorriso travesso.

Ela estava amando estar ali com ela, principalmente sem acompanhantes. Ela iria jantar com Charles aquela noite. Mas naquela tarde elas iam a Bonwit Teller para procurar vestidos. Ela não apenas precisava de um traje de noiva e de um vestido de casamento para Olívia, mas também de vestidos para a lua-de-mel, tanto para o navio quanto para a Europa. Olívia já copiara alguns desenhos e tinha algumas coisas feitas para ela, mas apenas coisas simples para que ela usasse na viagem. Os vestidos sofisticados e elegantes, aqueles realmente na moda, seriam comprados em Nova York. E Olívia já dissera a ela onde ir em Paris. Mas o mais estranho de tudo era estarem comprando coisas separadamente agora.

Pela primeira vez em suas vidas, não estavam comprando em dobro. Olívia não tinha necessidade de vestidos elegantes e elas não estariam juntas para usá-los.

O primeiro pedido que ela fez de apenas um vestido quase quebrou o coração de Olívia, mas ela sabia que tinha de fazê-lo. Era quase hora de Victoria se mudar agora.Elas fizeram um almoço rápido no hotel e depois pegaram um táxi para a Saks, mas em todo lugar a que iam, no restaurante, no lobby, saltando do táxi, as pessoas olhavam para elas. Eram duplamente bonitas, incrivelmente impressionantes e as pessoas não podiam impedir a si mesmas de encará-las.

Elas causaram um imediato tumulto no minuto em que colocaram o pé na B. Altman, e um exército de vendedoras e um gerente correram para ajudá-las. Olívia trouxera esboços com ela, fotografias de revistas e alguns poucos rascunhos que ela mesma fizera. Pelo menos para o vestido de noiva, ela sabia exatamente o que queria. Fileiras de cetim branco, de preferência num corte inclinado, cobertas de milhares de laços brancos e uma cauda do tamanho de toda a igreja. E na cabeça Victoria usaria a antiga tiara de

diamantes de sua mãe. Ela seria coberta com renda também. E Olívia sabia que ela pareceria uma rainha se pudessem encontrar alguém para fazê-lo. E na Bonwit Teller o gerente disse que não haveria absolutamente nenhum problema.

Eles se sentaram e conversaram sobre aquilo por uma hora, procurando por tecidos de fábrica e discutindo o tipo de renda que Olívia tinha em mente, enquanto Victoria os ignorava e experimentava chapéus e sapatos.

- Eles precisam de suas medidas - disse Olívia finalmente, feliz com tudo o que tinha conseguido. Deixe-os tirar as suas, são exatamente iguais às minhas - disse Victoria simplesmente e Olívia ralhou com ela.

- Não, não são, e você sabe disso. - O busto de Victoria era ligeiramente maior e sua cintura apenas uma fração menor, mas o suficiente para fazer diferença. - Ande, tire as roupas. Tudo bem, tudo bem - concordou Victoria e então o gerente e Olívia desceram para tratar de seu próprio vestido.

Olívia havia imaginado cetim azul-gelo, num desenho similar ao vestido de noiva de sua irmã, mas não tão longo, sem a cauda e sem a renda sobre ele. Apenas cetim azul-gelo em tiras, corte inclinado e perfeitamente simples. Mas enquanto eles faziam o rascunho o gerente insistiu que o vestido era muito simples em contraste com o traje de noiva de Victoria, que ficaria espetacular.

Eles acrescentaram enfim uma pequena cauda e a pièce de résistance era uma longa capa de renda azul-clara sobre o traje, com um chapéu combinando. Agora estava em perfeita harmonia com o que sua irmã estaria usando. Olívia sorria enquanto olhava os rascunhos e os mostrava para sua irmã, que sorriu amavelmente e sussurrou irreverente para ela. Por que não trocamos de lugar no dia do casamento? Ninguém jamais notaria a diferença.

- Comporte-se! - disse Olívia severamente.

E elas foram olhar desenhos de outros trajes e os incontáveis vestidos de que Victoria precisava. Seria um longo verão na Europa. Olívia compreendeu que elas teriam de voltar à loja para procurar mais coisas e também para provar as roupas. Ela havia acabado de concordar em voltar no dia seguinte sem Victoria e ficou de pé para agradecer ao gerente por sua ajuda, quando notou sua irmã olhando para alguns novos clientes que chegavam. Havia um homem alto de cabelos escuros falando com alguém, ela pôde ouvi-lo rindo, e todas as vendedoras pareciam estar aglomeradas em torno dele e da mulher que o acompanhava. Ela era alta e loura e estava envolvida numa pele de chinchila.

Quando eles se voltaram, Olívia pôde ver facilmente que eram Tobby Whitticomb e Evangeline, enormemente grávida. Ela não podia imaginar o que ela estava fazendo em público com aquela aparência, mas Evangeline não parecia se incomodar enquanto tirava o casaco de chinchila e expunha uma vasta extensão redonda de um cetim cinza. Ela parecia estar com no mínimo sete meses de gravidez. E enquanto Olívia olhava de volta para ela, lançou um olhar rápido para a irmã. Victoria parecia ter sido golpeada por um raio. Olívia despediu-se do gerente o mais rápido que pôde e empurrou sua irmã em direção à entrada.

- Vamos, Victoria, já acabamos - disse ela gentilmente, mas era como se ela não pudesse se mover.

Victoria estava pregada ao chão, olhando para Tobby. E assim que ele sentiu seus olhos nele, subitamente olhou de volta para ela e então para sua irmã e era óbvio que não sabia qual delas era ela, mas ele parecia mais do que nervoso com a dupla visão. Ele desviou os olhos delas o mais rápido que pôde e levou Evangeline para um canto longínquo da loja, mas ela também as vira e começou a discutir com ele.

- Victoria, por favor... - disse Olívia numa voz firme e baixa, embaraçada pela cena em torno deles. As vendedoras estavam olhando para eles, Tobby havia acabado de dizer algo grosseiro para sua esposa e Evangeline começara a chorar e a lançar olhares para as gêmeas. Com aquilo, Olívia agarrou o braço de sua irmã e quase a arrastou à força da loja, de volta para a rua onde ela procurou um táxi. E misericordiosamente havia um esperando. Mas enquanto Olívia empurrava a irmã para dentro e quase desmoronava no assento próximo a ela, pôde ver que Victoria estava chorando.

Ela deu ao motorista o nome do hotel e sentou-se em silêncio, enquanto Victoria soluçava incontrolavelmente. Era a primeira vez que ela o via desde aquela cena medonha nos degraus de seu escritório.

           - Eu estaria grávida de cinco meses agora - gemeu ela, dando pela primeira vez sinais de luto pelo bebê que perdera em novembro em Croton.

- Com sua vida esmagada em pedaços à sua volta. Pelo amor de Deus, Victoria, olhe para o que ele fez a você! Ele a arruinou e depois a rejeitou. Por favor, não me diga que você ainda o ama - sussurrou ela com horror no banco de trás do carro, mas Victoria apenas sacudiu a cabeça e chorou mais forte.

- Eu o odeio! Odeio tudo o que ele significa, tudo o que ele fez comigo!

E mesmo assim quando ela pensava naquelas tardes no chalé seu coração ainda doía. Ela acreditara em tudo o que ele lhe dissera sobre deixar a mulher e amá-la, e agora Evangeline estava se mostrando por aí, apontando para ela como uma prostituta e carregando o bebê dele. Aquilo lhe trouxe a amarga compreensão de que seu pai estava tentando protegê-la quando a forçou a ficar noiva de Charles Dawson.

E aquilo a fez sentir-se agradecida a Charles pela primeira vez, por sua proteção, mas isso não a faria amá-lo nunca.Ela ainda estava chorando quando chegaram ao hotel e quando voltaram para o quarto ela deitou-se na cama e soluçou até que Olívia achou que seu coração se quebraria e nada que ela dissesse ou fizesse poderia interromper aquilo.

Fora uma lição amarga sobre a crueldade dos homens e Olívia sabia que sua irmã jamais esqueceria. Victoria finalmente parou de chorar às seis horas e sentou-se parecendo abatida e derrotada enquanto olhava para sua irmã.

- Você vai esquecê-lo um dia. Você vai - prometeu Olívia suavemente.

- Nunca mais acreditarei em ninguém! Você não pode imaginar as coisas que ele disse, Ollie... Eu nunca o teria feito de outra maneira...

Ou teria? Ela nem mesmo estava certa de que se conhecia agora. Ele a fizera fazer coisas que ela nunca sonhara. E como ela poderia explicar aquilo a Charles um dia? Era difícil agora, vendo Tobby novamente, acreditar que Charles se casaria realmente com ela e ela estava ainda mais agradecida.

- Eu fui muito estúpida - confessou ela à sua irmã novamente e Olívia sentou-se com seus braços em torno dela até que Charles chegou e encontrou ambas extraordinariamente abatidas, especialmente sua noiva.

- Há algo errado? - perguntou ele preocupado. - Você está doente?

Ele olhou de uma para a outra e Olívia sorriu enquanto Victoria sacudia a cabeça silenciosamente.Foi apenas um dia muito longo e um pouco emocionante. Comprar um vestido de noiva é um dos momentos mais importantes na vida de uma mulher - explicou Olívia, mas não o convenceu inteiramente.

Ele se perguntou se ambas estavam começando a sentir a dor de deixar uma à outra, sentiu muito por elas quando pensou nisso e poucos minutos mais tarde convidou Olívia a se juntar a eles para o jantar. Estavam indo ao Ritz-Carlton e depois a um concerto. Mas ela insistiu que fossem sozinhos, não queria se intrometer entre eles. Eles não viam um ao outro havia dois meses e achava melhor se eles ficassem algum tempo juntos. Ela ia jantar sozinha no hotel, em seu quarto, e olhar mais alguns desenhos de trajes para sua irmã. Você tem certeza? - perguntou Charles suavemente, enquanto estavam esperando que Victoria terminasse de se vestir.

- Toda - respondeu ela suavemente, lembrando-se de algo vago e evasivo sobre a noite em que caíra do cavalo em Croton, mas não conseguia saber o que era agora. - É difícil para ela às vezes - tentou explicar, querendo que ele amasse sua irmã.

Ela amava tanto sua irmã que não podia nem imaginá-la com um homem que não a compreendesse. Mas ela sabia que Charles era decente e cuidadoso e que seria bom para ela, não importa o que acontecesse entre eles.

- Vamos sentir terrivelmente a falta uma da outra - disse Olívia com um sorriso melancólico. - Estou feliz que Geoff vá ficar comigo no verão.

- Ele está empolgado com isso.

E então seus olhos procuraram os dela, mas não puderam encontrar respostas. Ele se perguntava quem ela era às vezes, e por que desejara tanto desistir de tudo por seu pai. Ela era tão bonita quanto sua irmã gêmea, por que concordaria em desistir de tudo por ele? Qual era seu segredo solitário? Ela não se mostrara tão recatada quando se conheceram, em setembro.

- Estamos pensando em ir vê-los na Páscoa - disse Charles cautelosamente para mudar de assunto. - Se não for muito problemático. Seu pai mencionou isso quando o vi.

           - Nós adoraríamos receber vocês para a Páscoa! - disse Olívia com uma aparência de prazer quando Victoria se juntou a eles.

Ela estava usando um vestido de cetim azul-escuro que Olívia escolhera para ela e parecia a rainha da noite. Safiras e diamantes que seu pai lhes dera brilhavam em suas orelhas e ela usava o longo cordão de pérolas que fora de sua mãe e que elas dividiam em ocasiões importantes.Você está adorável! - disse ele, enquanto olhava para ela com orgulho. Ela era uma mulher jovem e espetacular.

E era ainda mais extraordinário pensar que havia duas delas. Ele sentiu novamente que Olívia não fosse sair com eles. Ele teria gostado. Mas não houve o que a convencesse e Charles e Victoria saíram poucos minutos mais tarde. O restaurante era muito elegante e Victoria subitamente ficou nervosa depois que chegaram. E se Tobby chegasse com a esposa? Ela sentia-se completamente despreparada para vê-lo outra vez e extremamente ansiosa.

-Você está muito quieta esta noite - disse Charles enquanto pegava sua mão depois que fizeram o pedido. - Há algo errado?

Ela sacudiu a cabeça, mas ele viu lágrimas em seus olhos e não quis pressioná-la mais. Eles falaram de outras coisas então, política, a viagem, o casamento e os problemas na Europa.

Ele gostava do fato de ela estar interessada em acontecimentos mundiais e ser bem-informada. Embora suas idéias fossem extremamente liberais, quase ao ponto de serem escandalosas, às vezes aquilo o agradava.

Ele apresentou-a a vários de seus conhecidos naquela noite. Eles se sentaram num camarote com amigos no concerto e Victoria parecia mais relaxada quando ele a levou de volta para o hotel. Ela até mesmo acendeu um cigarro enquanto dividia um drinque com ele no restaurante próximo ao saguão.

- Oh, meu Deus! - disse ele e então riu de sua própria reação, enquanto ela sorria divertida. Chocado, Charles? - Ela gostava daquilo. Ela parecia mais consigo mesma agora do que parecera toda a noite.

- Você quer que eu fique?

Ele bebeu seu uísque e olhou-a com admiração. Ela tinha muito espírito e inteligência, além de sua boa aparência. Pela segunda vez na vida, ele tivera sorte, embora isso não pudesse ser mais diferente do que seu namoro com Susan.

- Talvez. Talvez eu goste quando você fica chocado. - Ela sorriu e soprou fumaça em sua direção. Suspeito que seja verdade - disse ele filosoficamente. - Em todo caso, nós deveremos ter uma vida muito interessante, eu e você, não? - E então, com o uísque soltando sua língua, ele ousou perguntar a ela algo que tinha imaginado. - Você o amou muito? O homem que quebrou seu compromisso.

Ele observou-a de perto e esperou. Ela hesitou, lembrando o Tobby que ela conhecera, aquele que ela amara tão ferozmente e aquele que ela vira apenas naquela manhã... aquele nos degraus de seu escritório, que a rejeitara... aquele que contara a seu pai que ela o seduzira...

- Amei. Um dia. Mas não amo mais. Na verdade, há vezes em que acho que o odeio.

- É apenas o outro lado do amor, não é?

- Suponho que sim. - Quase a matara vê-lo naquela manhã. - Nós não estávamos noivos...

Ela encontrou seus olhos honestamente, sem querer enganá-lo. Já era suficiente que ele a estivesse salvando. Ela não tinha que mentir para ele, mas ele assentiu.

- Eu sabia disso. Apenas pareceu mais fácil colocar desta maneira. Seu pai me deu uma vaga idéia do que aconteceu. Você era muito jovem. Ainda é. - Ele sorriu gentilmente para ela, desejando que houvesse algo mais entre eles e ao mesmo tempo aliviado por não haver. Ela o estimulava incrivelmente, mas aquilo era inteiramente outro assunto. - Foi desleal da parte dele tirar vantagem de você. Seu pai disse que ele mentiu para você e prometeu casamento.

Ela concordou, sem desejar adicionar nada àquilo que ele já sabia. Parecia ser suficiente. E ainda assim ele estava desejando tê-la. Era difícil entender por quê. Talvez fosse apenas o destino.

- É difícil entender as coisas que as pessoas fazem às outras - disse ela tristemente. - Não vai acontecer novamente - acrescentou, encarando-o, como um aviso.

- Devo esperar que não - ele sorriu.

Mas ele entendera o que ela queria dizer. Ela estava dizendo que nunca acreditaria nele. Mas não importava. Ele nunca a machucaria.

-Eu não vou enganá-la, Victoria. Não vou mentir para você, se é disso que você tem medo. Nunca enganei ninguém, não que eu saiba. Sou um homem honesto. Tedioso, talvez... mas verdadeiro. Isso tem sua utilidade.

- Eu... eu... - O fato de ter visto Tobby naquele dia a fazia entender bem melhor o que devia a ele. - Obrigada por fazer isso por mim - disse ela, levantando os olhos cheios de lágrimas para ele. - Você não precisava.

- Não, mas você também não - disse ele suavemente. - Há sempre outras soluções. Talvez nós dois queiramos fazê-lo e não saibamos de que outro modo poderíamos fazer. - Ele queria acreditar naquilo. E sorriu para ela, enquanto acabava seu drinque e ela apagava seu cigarro. Então ele a beijou gentilmente. - Não fique com medo de mim, Victoria. Eu juro que não vou machucá-la.

Ela o deixou beijá-la, mas seu coração doía ao compreender que não sentia nada e Victoria se perguntou se ele sabia disso. Ele a levou para cima pouco depois e Olívia, que estava esperando por ela, viu que Victoria ainda estava triste, mas estava mais em paz do que estivera por muito tempo. Sob certos aspectos, devia ter feito bem a ela ver Tobby e sua esposa naquela tarde. Olívia esperava que aquilo a tivesse trazido para mais perto de Charles. Ela parecia mais em paz agora sobre seu futuro.

Ele saíra rapidamente naquela noite e levou ambas para almoçar no dia seguinte no Della Robbia, no meio de suas compras, e Olívia o divertiu com histórias sobre suas aquisições. Victoria falou muito pouco, mas estava confortável com ele quando saíram e ele as deixou na Bonwit's para continuarem. E naquela noite, sem vê-lo novamente, elas voltaram para Croton. Donovan pegou-as no hotel, como programado, e levou-as de volta para o Hudson de carro. Olívia sentiu por não ter visto Geoff, mas elas não tiveram tempo e ela prometeu vê-lo em março, quando voltassem à cidade para acabar as compras.

Mas todos os seus planos mudaram quando seu pai caiu doente no fim de fevereiro e ficou um mês inteiro de cama com gripe. Olívia estava com um medo mortal de que ele pegasse pneumonia, mas não pegou. Ele ficou muito doente e ela raramente o deixava por mais de poucas horas, mas no início de abril ele finalmente saiu do quarto. E duas semanas mais tarde os Dawson chegaram para sua prometida visita de Páscoa. E Olívia tinha uma maravilhosa surpresa para Geoffrey. Ela tinha dois pintinhos que haviam nascido recentemente e um pequeno coelhinho.

- Uau! Uau! Pai, você viu? - perguntou ele quando Olívia o presenteou com os bichinhos.

Ela tentara fazer com que Victoria os desse a ele, mas ela insistira que não gostava de animais mais do que de crianças. Olívia constantemente se sentia como se estivesse treinando uma relutante estudante para fazer seus deveres. Mas as coisas estavam melhorando um pouco. Desta vez ela pareceu satisfeita ao ver Charles, o que já era alguma coisa.Houve muitas festas nas vizinhanças para eles e um adorável concerto nos Rockefeller, ao qual todos foram. E era a oportunidade perfeita para apresentar Charles àqueles que ainda não o haviam conhecido.

Ele era sempre muito polido com todos e extremamente amável e Olívia continuou lembrando a sua irmã que não era um funeral o que estavam planejando, mas um casamento.

- Você, por favor, entre no espírito da coisa! - ralhou, checando novamente a lista de convidados com ela.Levara três meses para conseguir que ela falasse sobre o menu. E agora que os presentes haviam começado a chegar, Olívia tinha de abrir todos para ela e catalogá-los. Victoria nem mesmo os viu. E, em desespero, Olívia escreveu as notas de agradecimento para ela, por medo de que ela nunca o fizesse.

- Acho tudo isso estúpido - disse Victoria, soando mais como uma criança mimada do que como uma sufragista, de acordo com sua irmã. - É frívolo, desnecessário e esbanjador. Eles deveriam mandar o dinheiro que gastam em presentes para as mulheres na prisão. Oh, que encantador -disse Olívia, revirando os olhos. - Estou certa de que eles adorariam isso. Nós podemos enviar pequenos avisos impressos explicando às pessoas como fazê-lo.

- Está bem, está bem.

Victoria riu para a irmã, mas tudo em que ela podia pensar era na falta que ia sentir dela. Aquilo a fazia odiar a idéia do casamento mais que nunca. Ela não se importava mais em se casar com Charles. Podia ver a sensatez daquilo, sabia que fora uma conseqüência necessária de sua própria leviandade e gostava da liberdade que estar casada e viver em Nova York lhe dariam. Mas ainda odiava o pensamento de estar tão longe de Ollie e estava desesperada para encontrar uma solução para aquilo.

- Você é muito melhor com Geoff do que eu - disse ela ansiosamente, pensando que era uma razão convincente para ela ir viver com eles em Nova York.

- É por isso que ele está se casando com você, pelo menos supostamente. - Olívia estava bem certa de que havia mais razões de interesse do que aquela. - Ele não me quer por perto tomando conta de seu filho se está se casando com você. E depois, você sabe que não posso deixar papai. Olhe para o mês passado. Quem tomaria conta dele se eu não estivesse aqui para fazê-lo?

- Bertie - disse Victoria alegremente.

-Não é a mesma coisa e você sabe - disse Olívia friamente.

- E se você se casar? - disse Victoria com praticidade. - Então ele vai ter de se virar sem você.Eu não me casaria - disse Olívia baixinho - e ele sabe. - Então é isso. Agora o que você quer para a sobremesa em seu casamento?

Victoria fingiu gritar e Charles a resgatou para uma caminhada ao longo do rio poucos minutos mais tarde.

- Minha irmã vai me levar à loucura com nosso casamento - disse Victoria, olhando para Charles com um sorriso fácil antes que saíssem para sua caminhada.

Eles haviam conseguido convencer a si mesmos nos últimos meses que aquela era a solução perfeita para suas vidas e ambos pareciam mais felizes com aquilo.

- Ela nunca quer me dar respostas - reclamou Olívia. - Você vai ter de bater nela com uma vara para conseguir que ela faça qualquer coisa - advertiu-o Olívia.

- Vou providenciar uma bem grande, ou talvez um chicote?

Ele sorriu para sua futura esposa e para a cunhada e então levou Victoria e deixou Geoff com Ollie. Ele já começara a chamá-la de “tia Ollie”. E quando a Páscoa terminou, ele levou os coelhos e pintinhos para Nova York, mas poucas semanas mais tarde Olívia deu outro presente a ele, quando foi a Nova York para tratar das últimas providências. Restavam algumas coisas para comprar, embora todos os trajes já tivessem sido enviados. O vestido de noiva já estava num quarto especial, esperando pelo grande dia, em Croton-on-Hudson.

Charles ficou surpreso quando Olívia ligou de Nova York e ficou feliz ao vê-la quando ela chegou com um presente de aniversário para Geoffrey. Seus aniversários eram quase no mesmo dia. Ela e Victoria haviam acabado de fazer 21 anos. Charles dera a sua futura esposa um belo bracelete de ouro e a Olívia um vidro de perfume.

Mas Olívia trouxera para Geoff algo bem mais excitante. Ela pedira permissão a Charles algum tempo antes e ele relutantemente concordara, embora no ínterim tivesse esquecido completamente daquilo. Ela trouxera para ele um filhote de cocker spaniel manchado. E Geoffrey ficou fora de si com ele. Seus olhos ficaram do tamanho de pratos de jantar quando Olívia tirou o filhote da caixa e entregou-o a ele gentilmente.

Ele o agarrou junto a si e houve gritos de excitação tanto do cachorro quanto de seu dono e quando Olívia olhou para Charles, viu lágrimas de ternura em seus olhos, enquanto ele lhe agradecia. Você é tão boa para ele. Ele precisa disso.

Ele teve dois anos difíceis sem a mãe. Havia exatamente dois anos desde que o Titanic afundara, em abril. Ele é um garoto maravilhoso. Nós vamos ter um grande verão - disse ela otimista, tentando não pensar na perda de sua irmã. Estavam ambas entrando em pânico.

- Nós escreveremos para você da Europa - disse ele, como se sentisse o que ela estava pensando. Mas não seria a mesma coisa e todos eles sabiam disso. Talvez Victoria estivesse certa e ela devesse ir morar com eles em Nova York, disse a si mesma e depois riu de seu próprio terror.

- Nós ficaremos bem - disse a Charles quando Geoff entrou correndo no quarto novamente com o cachorrinho. - Como você vai chamá-lo?

- Não sei ainda - disse Geoff sem ar, todo cabelos louros, os olhos verdes e excitação. Talvez Jack... George... Harry... não sei, ele parece com chips de chocolate, não parece?

           - Que tal Chip? - perguntou Olívia, enquanto ela e Charles sorriam de sua excitação.

- Chip! - Ele gritou com alegria. - Eu gosto!

E o cachorrinho também. Ele balançou o rabo, ou o que havia dele, deitou-se, rolou e latiu o latido mais fino que Olívia jamais ouvira, enquanto todos riam e Geoffrey saiu levando-o para mostrá-lo ao cozinheiro e à empregada. Eles tinham uma casa modesta, mas atraente, no East Side, com uma vista para o rio. Certamente não era glamourosa, mas era respeitável e Victoria não dissera nada sobre mudar-se ou fazer mudanças na casa. Seus interesses eram bem menos domésticos do que os de sua irmã. Olívia teria tumultuado tudo, comprando plantas, tecidos novos e escabelos, almofadas novas e um piano.

De certa forma, era mais fácil assim. Victoria não tinha grande interesse em sua vida doméstica ou em trocar qualquer coisa. Ela queria sua própria vida, principalmente em círculos políticos.Olívia ficou apenas um pouco, já que tinha milhares de providências a tomar, mas Charles tentou convencê-la a voltar para jantar, o que ela fez, e os três se divertiram muito entre si, fazendo charadas, rindo, conversando e brincando com o cachorrinho.

- Victoria está certa - disse Charles, sorrindo, enquanto a cozinheira levava Geoff para a cama com o novo cachorrinho. - Talvez você devesse vir morar aqui.

- Ela andou incomodando você com esta tolice? - Olívia pareceu alegre e olhou através da janela para um rebocador no rio. - Vocês ficarão cansados o suficiente de mim quando eu vier visitá-los. Mas não posso deixar papai agora e ela sabe disso.

- Esta não é bem uma vida para você, Olívia - disse ele tristemente, sentindo-se culpado por levar sua irmã para longe dela. O que ela teria em sua vida quando Victoria se fosse? A vida de uma mulher de sessenta anos. O que eles estavam fazendo?

- É a maneira como as coisas às vezes acontecem. Nós não as planejamos da maneira que queremos. Elas apenas acontecem. Como você, nos últimos dois anos. Não deve ter sido fácil para você também - disse ela gentilmente.

- Não foi - confirmou ele, seus olhos procurando os dela e depois recuando instantaneamente com a tristeza que viu lá.

Ir a qualquer lugar perto dela era como entrar num fogão quente e queimar os dedos. As emoções fluíam altas e quentes, e seu coração era tão caloroso que ele quase não podia imaginar o que ela estava sentindo.

- Me preocupo em tirar Victoria de você.

Ela assentiu diante daquilo, havia muito pouco que pudesse dizer em resposta. Ele começara a vislumbrar o quanto seria doloroso para ambas. Ela apenas esperava que ele confortasse Victoria adequadamente naquele verão em sua lua-de-mel na Europa.

Olívia beijou Geoffrey em sua cama naquela noite, com Henry num braço e Chip aconchegado perto dele. O garoto estava sorrindo de orelha a orelha e ela sorriu quando o viu.

Não se esqueça de levá-lo quando você for me ver advertiu Olívia e ele jurou que jamais deixaria Chip por um instante para ir a qualquer lugar, exceto à escola e talvez seu professor até o deixasse levar o cachorrinho.

- Duvido - disse ela, prometendo vê-lo novamente em breve e então voltou a descer as escadas para encontrar seu pai.

Charles insistiu em levá-la de volta ao hotel e conduziu-a vagarosamente através do saguão. Suponho que não a verei novamente até o casamento - disse ele com uma expressão estranha. Era tão estranho pensar em casar novamente e de certa maneira parecia uma terrível traição a Susan, mas ele sabia que devia fazê-lo, pelo bem de Geoff. Aquela vida sem uma mulher não era para o garoto. Até as breves visitas de Olívia provavam aquilo. O garoto florescia como uma pequena flor quando a via. Victoria ainda não causava o mesmo efeito sobre ele, mas Charles estava certo de que seria uma questão de tempo. Afinal, elas eram gêmeas idênticas.

- Serei aquela de vestido azul - lembrou Olívia - no caso de você ficar confuso. - Ela estava sorrindo.

- Provavelmente será a única vez que saberei quem é quem sem procurar pelo anel de noivado de minha mãe - disse ele, rindo de si mesmo e de sua constante confusão.

-Apenas pergunte a Geoff - provocou ela. - Ele dirá a você. - E então ela olhou para ele sabendo que seria diferente da próxima vez. Eles eram apenas amigos, mas ele seria um homem casado em breve e mais, o marido de sua irmã. - Eu o verei no casamento - sussurrou ela e ele assentiu com um olhar de sofrimento.

Ele beijou seu rosto então, voltou-se e andou rapidamente ao longo do saguão.

 

A última noite de Victoria no quarto familiar foi estranha para as duas. Ambas sabiam que ela jamais dormiria ali novamente. Quando voltasse novamente para a casa de seu pai, dormiria em outro quarto com o marido. As irmãs jamais ficariam juntas da mesma maneira novamente. E deixar uma à outra era como arrancar pele de pele, coração de alma, um membro do corpo.

Nenhuma das duas achava que seria capaz de suportar aquilo. Victoria finalmente dormiu, enroscada em seu canto como sempre fazia e Olívia ficou deitada perto dela e observou-a. Tocou os longos cabelos negros e sedosos, idênticos aos seus próprios, e tocou o rosto de sua irmã. Segurou sua mão e deitou-se abraçada a ela, rezando para que a manhã não chegasse. Mas quando chegou, o dia era glorioso e ensolarado.

Olívia não dormira nada, apenas ficara deitada lá, observando a irmã. Quando por fim Victoria movimentou-se e voltou-se para sorrir para ela, então se lembrou. Seria um dia de glória amarga. Um preço a ser pago, uma promessa a ser feita, uma vida na qual embarcar, um porto a ser deixado. Fazia seu coração doer apenas pensar em tudo o que aconteceria a elas naquela manhã.

- Hoje é o dia de seu casamento - disse Olívia solenemente, enquanto ambas saíam da cama, em total harmonia de movimentos.

Elas sempre se moviam da mesma maneira ao mesmo tempo, mas raramente o percebiam. E parecia tão estranho dizer aquelas palavras, pensar em uma delas se casando. E Olívia não conseguia evitar pensar, com certa raiva, que se Victoria não tivesse sido tão irresponsável em Nova York nove meses atrás, talvez nada disso tivesse acontecido.Elas tomaram banho e vestiram-se vagarosamente, falando muito pouco.

Não tinham necessidade de dizer as palavras. Elas as sentiam, as escutavam em suas cabeças, assim como faziam quando eram crianças. Elas tinham sua própria linguagem quando eram muito novas e às vezes simplesmente não falavam; suas mensagens uma à outra eram mais sentidas do que faladas.

Por fim seus cabelos estavam feitos; ambas os usavam puxados para trás em coque. Elas usavam meias de seda e roupas de baixo de cetim e cada uma delas pusera a menor quantidade possível de maquiagem nos olhos e batom.

Tudo nelas era exatamente o mesmo, idêntico, e absolutamente ninguém poderia dizer a diferença entre elas naquela manhã. Até mesmo o anel da mãe de Charles estava na penteadeira.

- Ainda não é tarde demais - sorriu Victoria para ela. - Este poderia ser o seu casamento. - Olívia riu e apenas por um momento elas sentiram aquela ligação particular, o mundo em que ninguém jamais havia entrado, a não ser elas. - Nós podíamos desafiá-los a dizer qual é a noiva. Eu duvido que mesmo Charles soubesse a diferença. Ele saberia. Você saberia... - disse Olívia calmamente. - Este é o seu dia e dele... e de Geoffrey... Minha querida Victoria, como eu a amo. - Seus olhos se encheram de lágrimas enquanto dizia as palavras. - Espero que você seja muito feliz.

Elas se abraçaram fortemente e os olhos de Victoria também se encheram de lágrimas. Então ela se desprendeu e olhou para a irmã.

- E se eu não for? - Era um sussurro de absoluto terror.

-Você vai. Eu sei que vai... dê-lhe uma chance justa. Ele a ama. - Ou pelo menos ela esperava que sim.

- E se eu não for feliz, Ollie - disse Victoria, enquanto se sentava e olhava para sua irmã gêmea - eu me divorciarei dele. Tobby pode não ter tido entranhas para fazê-lo, mas eu teria... Não vou ficar com ele se não for feliz.

Olívia franziu as sobrancelhas enquanto escutava.

- Esta não é uma boa maneira de se começar um casamento. Dê a ele todo o seu coração. Eu sei que ele não vai desapontá-la.

- E se eu desapontá-lo? Nós dois estamos fazendo isso de uma maneira tão estranha! Ele, com o fantasma de sua esposa se arrastando atrás dele e eu com meu terrível pecado -disse ela com certo tom sarcástico -...Tobby.

- Ele já se foi, acabou - lembrou Olívia. - Esta é a sua vida. E a de Charles. Já se passaram dois anos desde que ele perdeu a mulher. É hora. Eu sei que é certo para vocês dois. Eu sinto. Sente? - sussurrou Victoria infeliz. - Então por que eu não sinto? Ollie, quando eu estou com ele, não sinto nada.

A tragédia daquilo era que quando Olívia estava com ele, sentia muitas coisas e estava sempre com medo de que Charles visse aquilo.

- Você ainda não deu uma chance a ele. Espere até que vocês estejam sozinhos por um tempo, sem mais ninguém por perto. - Olívia olhou para ela tristemente. - Será muito romântico. Mas eu não sou - disse Victoria e olhou com cansaço para sua irmã. - Às vezes penso que simplesmente não posso fazer isso. E o pior é que nem mesmo começamos.

- Dê uma chance... por favor... por causa dele... por sua causa... por causa de Geoff.

- Você está tentando se ver livre de mim, não? - Victoria sorriu para ela com melancolia. - Você quer meu closet!

- O que eu realmente quero é seu chapéu amarelo com a pluma verde. - Era um horror que elas haviam comprado no campo muitos anos antes e havia apenas um deles, então Victoria o comprara.

- Eu o darei a você. Você pode usá-lo hoje! Vai ficar bonito com seu vestido no casamento. - Elas estavam encurraladas e ambas sabiam. Poucos minutos mais tarde Bertie veio vê-las e censurou-as por ainda não estarem vestidas.

- Só faltam os vestidos, Bertie - explicou Olívia. - Tudo o mais está feito. Nós até já calçamos os sapatos.

- Bem, vocês não podem ir para a igreja assim. Andem logo... vistam seus vestidos...

           Olívia vestiu o dela primeiro e era espetacular, azul-gelo, moldando suas formas. Ela colocou o colar de águas-marinhas que fora de sua mãe e depois o bracelete e os brincos; subitamente parecia muito adulta enquanto colocava o casaco de renda e o chapéu. Victoria sorriu para ela, de pé em seus sapatos brancos de cetim e em suas roupas de baixo de seda branca.

- Queria que você estivesse se casando, Ollie - disse ela suavemente e sua irmã assentiu. Eu também. Mas este é o seu dia, neném.

Ela não a chamava assim desde que eram muito pequenas e então foram para o outro quarto de mãos dadas e colocaram o vestido de casamento de Victoria, ajustaram a cauda sem fim, fixaram a tiara e assentaram o véu sobre ela.

Olívia pensou que nunca, jamais vira nada como aquilo e quando Bertie entrou, se debulhou em lágrimas. As garotas pareciam réplicas exatas de sua mãe.

- Oh, minhas queridas - foi tudo o que ela pôde dizer, ajustando seus vestidos, apertando o véu de Victoria pela décima vez e apenas olhando para elas.

Eram belezas verdadeiramente lendárias. Ela correu para pegar as flores então. Cada uma carregava braçadas de orquídeas brancas entremeadas com lírios do vale. A fragrância era paradisíaca e enquanto Ollie seguia Victoria pelo corredor, elas viram seu pai. Ele parou onde estava e por um momento ambas tiveram medo de que ele desmaiasse ao vê-las. Mas ele não desmaiou, apenas ficou ali e chorou de prazer.

Bertie sabia exatamente o que ele estava pensando então. Elas pareciam tão exatamente com ela, e ela tinha exatamente aquela idade quando morreu. Era como ter uma dupla visão, enquanto ele andava vagarosamente em direção a elas.

- Bem, pelo menos hoje eu sei quem é quem - disse ele com a voz rouca e então secou os olhos com o lenço e sorriu para elas, tentando não pensar em sua mãe. - Ou vocês estão brincando novamente? O pobre Charles está levando a noiva certa para a igreja hoje? Quem pode dizer, papai? - respondeu Victoria por elas e todos os três sorriram enquanto desciam vagarosamente as escadas e Olívia carregava sua cauda para ela.

Todos concordaram que nunca haviam visto um vestido tão bonito quanto aquele. Levou dez minutos apenas para colocar a cauda, o vestido e o véu dentro do carro, mas Donovan foi extremamente paciente enquanto Bertie os ajudava. E por fim eles partiram para a igreja. Bertie foi no Ford com Petrie. Olívia se oferecera para levar Geoff com eles, mas Charles quisera ter o garoto no hotel com ele na noite anterior e estavam indo juntos para a igreja.

No caminho para a igreja, as pessoas por quem passavam paravam e admiravam; os carros buzinavam e as crianças acenavam; era sinal de boa sorte ver uma noiva tão bonita quanto aquela.

Mas Victoria apenas passava os olhos por eles. Ela estava perdida em pensamentos, pensando em Charles e em toda a irresponsabilidade e má sorte que os levaram àquele momento. Não parecia de maneira nenhuma providencial para ela, parecia um erro gigantesco e tudo em que ela podia pensar era nas coisas que dissera para sua irmã naquela manhã.

 

Ela estava prestes a se virar para seu pai, enquanto eles chegavam à igreja, e dizer a ele que não podia fazê-lo, que ele deveria tê-la mandado para um convento na França ou na Sibéria, ou algo pior. Mas antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Olívia a estava ajudando a sair do carro e arrumando seu véu novamente, e ela perdera o momento.

Eles foram rapidamente escoltados até os fundos da igreja e Victoria tentou desesperadamente ter um momento sozinha com a irmã. Passaram-se ainda mais dez minutos antes que as coisas se assentassem novamente e Victoria ainda pôde ouvir a música enquanto mergulhava no pânico.

- Não posso!... - sussurrou ela, agarrando o braço de Olívia bem no momento em que estavam para entrar no corredor da igreja com seu pai. - Não posso, Ollie! Tire-me disso! Você tem que poder! - sussurrou Ollie com raiva. Ela podia ver que Victoria estava mortalmente pálida e dominada pelo terror. - Você tem que fazer isso! Não pode parar agora. Vá em frente, você jamais vai se arrepender.

- E se eu me arrepender? Não há saída. E se ele não quiser se divorciar de mim?

- Você não pode pensar nisso agora, Victoria. Você tem que fazer funcionar, pelo bem dele... pelo bem de Geoff... por você... por favor, por favor, neném... vá!

Os olhos de Victoria estavam cheios de lágrimas e ela estava muda de tristeza e terror quando uma porta se abriu, o órgão tocou e Olívia deslizou suavemente pela nave da igreja à frente deles, e antes que pudesse parar, Victoria estava agarrando o braço do pai e eles estavam andando solenemente atrás dela. Ela queria parar, se virar e sair correndo, ir embora antes que fosse tarde demais, mas já era, e ela o sabia.

Ela se sentia como se estivesse marchando para a morte enquanto andava vagarosamente em direção ao altar atrás de sua irmã e na frente de quatrocentas pessoas.

E quando chegaram lá, seu pai apertou sua mão e deixou-a, as lágrimas escorrendo por seu rosto. Então ela olhou para cima e o viu. Era Charles, tão alto, tão orgulhoso, tão decente; ele estava fazendo um esforço tão grande, preocupava-se tanto e queria tanto fazer a coisa certa, enquanto ficava lá em seu casaco matutino e suas calças listradas. Ele parecia tão bonito e seus olhos eram tão gentis quando olhava para ela que Victoria quase acreditou que tudo ficaria bem entre eles. Ela queria que ficasse.

Ambos queriam. E quando ele se colocou a seu lado e pegou sua mão, sentiu-a tremer violentamente e tentou acalmá-la. Ficou bem próximo a ela e segurou seu braço. Ele queria que ela soubesse que sempre teria sua proteção.

Era menos do que ele gostaria de dar a ela, menos do que ele já partilhara uma vez, mas era tudo o que tinha para oferecer agora. Ela olhou para ele silenciosamente e compreendeu. Sua união não era a que nenhum deles teria desejado anos antes, mas era certa para eles agora. Era um acordo, um juramento solene, uma troca de honra entre duas pessoas que entendiam uma à outra e estavam desejando aceitar menos do que ambos haviam sonhado.Eles trocaram anéis, votos e promessas, e Victoria parou de tremer.

E sorriu enquanto andava solenemente de volta pela nave ao lado de Charles. Bem atrás deles vinha Olívia, de braços dados com seu pai e apertando a mão de Geoff. Olívia se sentiu fracassada, triste, alegre e amorosa, tudo ao mesmo tempo e, junto com seu pai, este pequeno garoto, esta criança que perdera tanto, era tudo o que ela tinha agora.

O casamento foi um enorme sucesso, uma vitória total. Como sempre, Olívia cuidara de todos os detalhes. Os vários meses de planejamento cuidadoso valeram a pena.

A comida estava excelente, a decoração, sublime; as flores eram as mais elaboradas que qualquer pessoa jamais vira, as esculturas de gelo pareciam reais e realmente ficaram intactas na maior parte da festa. A orquestra era de Nova York e tocou músicas que todos adoravam dançar. Os convidados estavam lindamente vestidos e todos concordavam que ninguém jamais vira uma noiva tão encantadora quanto Victoria.

Houvera rumores, era verdade, mas era difícil acreditar naquilo tudo agora, quando a viam parecendo tão respeitável, tão recatada, tão apaixonada por seu belo marido. Quatrocentas pessoas aplaudiram a primeira valsa, o Danúbio Azul, que Charles dançou com sua noiva. Seu vestido ondulava em torno dela como um mar de renda, a cada movimento gracioso. E Olívia, claro, embora menos em evidência hoje, estava tão bonita quanto ela. Ela dançou primeiro com seu pai, depois com Charles, depois com Geoff. E todos concordaram que ela estava adorável.

O dia já estava quase no fim quando Olívia dançou novamente com Charles. Ela sabia que Victoria tiraria em breve seu vestido de noiva, colocaria seu traje de lua-de-mel e partiria para a cidade. Eles passariam a noite no Waldorf-Astoria e então embarcariam no Aquatania pela manhã.

Eles haviam cogitado a idéia de ela, seu pai e Geoff irem a Nova York vê-los embarcar, mas a criança estava terrivelmente nervosa com o fato de seu pai viajar num navio e Olívia fora a primeira a concordar que ele não deveria ver isso. Então eles diriam adeus aos recém casados aqui mesmo em Croton.

- Você fez um trabalho incrível, Olívia - disse Charles alegremente. Fora um casamento verdadeiramente perfeito. - Você é muito boa nisso.

- Eu venho administrando a casa de papai há anos - ela sorriu com facilidade. - Mas estou feliz por ter ido tudo tão bem. - Ela também estava satisfeita. E então se inclinou para trás e fingiu examiná-lo através de olhos estreitos que mal escondiam tudo o que ela estava sentindo. - Então, você se sente diferente agora que é novamente um homem casado? Totalmente! Você não pode perceber pela maneira que estou dançando? Esta bola e esta corrente em minha perna realmente fazem diferença.

- Você é horrível! - disse ela, rindo para ele, mas era bom vê-lo parecer tão feliz.

E Victoria parecia aliviada também. Estava feito, estava acabado. Ela o fizera. Ela quase saíra correndo gritando, no momento em que estavam prestes a entrar na nave da igreja, mas agora tudo aquilo parecia ter acabado.

Ela parecia imensamente satisfeita consigo mesma e totalmente relaxada enquanto agradecia aos convidados e dançava com velhos amigos de seu pai e novos amigos de seu marido.

E enquanto Olívia dançava com Charles, Victoria acenou para ela. Era hora de Victoria trocar o vestido de noiva pela roupa com a qual partiria, Olívia explicou a ele e deixou-o conversando com alguns amigos, com Geoffrey próximo a ele. O garoto estava preocupado com o fato de o pai ficar longe tanto tempo, mas Olívia prometera tomar conta dele muito bem e mantê-lo feliz. Victoria estava esperando por ela ao pé das escadas, sorridente, e Olívia não podia acreditar na mudança que se operara nela desde aquela manhã.

- O que aconteceu? - sussurrou ela, enquanto subiam as escadas de mãos dadas, parecendo mais idênticas que nunca, com exceção dos vestidos. Mas seus rostos, mãos e cabelos pareciam particularmente idênticos naquele dia, bem como todos os seus gestos.

- Você parece estar gostando disso tudo de repente. - Olívia estivera observando-a em sua fascinação. Eu não sei - disse Victoria honestamente. - Não estou certa. Apenas decidi ir em frente, fazer o que devia ser feito e parar de me preocupar. Suponho que vamos concluir o resto mais tarde - disse ela de maneira filosófica e Olívia pôde ver que ela estivera bebendo.Não muito, mas o suficiente para tirá-la do sério.

- Boa garota! Você vai ficar bem - disse ela para acalmá-la, enquanto Victoria tirava o maravilhoso vestido.

Elas o colocaram cuidadosamente sobre a cama e Olívia foi pegar o conjunto de seda branca que fora feito em Nova York apenas para aquela ocasião. Havia um chapéu-coco de seda branca para combinar e os olhos de Victoria pareceram imensos quando ela o colocou em sua cabeça e olhou para a irmã.

- O que vou fazer sem você? - perguntou Victoria num sussurro e Olívia se sentiu exatamente da mesma maneira que sua gêmea se sentira naquela manhã, cheia de pânico. Não pense nisso - sussurrou ela, sufocando as lágrimas. - Estarei aqui, esperando por você, com Geoffrey.

- Oh, Deus, Ollie! - foi tudo o que Victoria disse e elas caíram nos braços uma da outra e se abraçaram apertadamente. - Não posso deixá-la.

- Eu sei... eu sei... - Ollie estava tentando ser forte por ela, mas por uma vez não pôde fazê-lo. - Mas eu acho que você tem que me deixar. Charles pode ficar chateado se você mandar Geoffrey em seu lugar na lua-de-mel e ficar comigo aqui em Croton.

- Vamos tentar, talvez ele não note. - Ambas riram através das lágrimas, mas era o pior momento de suas vidas e passou-se meia hora antes que elas descessem as escadas novamente, com um cor-de-rosa suspeito em torno dos olhos e o nariz cuidadosamente cheio de pó. Onde estavam vocês? - perguntou seu pai ao lado de Charles, mas as garotas apenas deram a ele desculpas vagas.

Era hora de Victoria jogar o buquê, o que ela fez do alto das escadas de pedra do lado de fora da casa, para um grupo de mulheres solteiras que esperavam ansiosamente por ele no jardim. E sem se preocupar, mais por afeição, Olívia estava entre elas. Victoria mirou-o cuidadosamente em sua gêmea e jogou-o na direção dela. E ela teve de pegá-lo, ou ele a teria machucado.

Houve gritos sorridentes de “não vale”, “injusto”, “foi combinado”, mas ninguém realmente se importava e então subitamente Charles e Victoria estavam perto do carro e Olívia estava sozinha ao lado de seu pai. Um soluço travou sua garganta e ela e Victoria caíram nos braços uma da outra e ficaram lá, agarradas uma à outra em silêncio. Os olhos de Charles se encheram de lágrimas, ele desviou o olhar e então olhou para Edward. Ele parecia tão infeliz quanto elas.

- Eu te amo... se cuide... - sussurrou Olívia para ela, chorando sem vergonha enquanto os outros olhavam e depois se viravam.

Era muito sofrimento para ser visto. Victoria mal podia falar e apenas assentiu enquanto beijava o pai e entrava no carro. Ela não disse absolutamente nada a Geoffrey. Charles abraçou o garoto apertado por um longo momento, com lágrimas em seus próprios olhos, depois apertou a mão do sogro, agradeceu a ele e então, por um único momento, ele abraçou a cunhada.

- Tome conta dela - sussurrou Olívia para ele, ainda chorando. E ele se afastou para olhar para ela com todos os sentimentos que haviam sido por tanto tempo enterrados. Vou tomar... Deus te abençoe, Olívia... Tome conta de meu garoto se qualquer coisa acontecer conosco.

- Não vai acontecer nada - disse ela, sorrindo para ele através das lágrimas e vendo-o entrar no carro com sua irmã.

Eles acenaram quando partiam, e os outros ficaram lá, imprestáveis, solitários, abandonados, como marinheiros naufragados numa ilha deserta depois que os passageiros foram resgatados. Sem dizer uma palavra, Olívia apertou Geoffrey junto a si e então, de mãos dadas, eles voltaram para os outros. Não havia mais nada a fazer agora, a não ser esperar que eles voltassem para casa. Seria um longo e lento verão.

 

E enquanto faziam a primeira curva na estrada, Charles deu seu lenço à sua esposa sem uma palavra. Ele podia ver o quanto ela estava sofrendo. E sabia que havia muito pouco que pudesse fazer para aliviar aquilo. Ele sabia pelo que haviam conversado antes, que elas nunca haviam ficado separadas por mais do que poucas horas durante toda a vida. E nos últimos meses ele começara a entender o quanto aquela ligação era rara e poderosa.

- Você está bem? - perguntou solicitamente, enquanto ela assoava o nariz pela terceira vez e continuava a chorar.

- Acho que sim.

Ela olhou para ele e tentou sorrir, mas aquilo apenas a fez chorar mais forte. Ela nunca se sentira tão miserável, nem mesmo quando perdera Tobby.

- Será difícil para vocês duas no início - disse ele honestamente; nunca mentiria sobre algo doloroso ou desagradável. - Mas vocês vão se acostumar. Outras gêmeas devem ter se casado e mudado. Vocês já perguntaram a alguém sobre isso?

Ela sacudiu a cabeça e se chegou um pouco mais para perto dele para ficar mais confortável. Aquilo o tocou mais do que qualquer outra coisa. Sem Olívia, ela parecia mais vulnerável, menor e menos segura de si mesma. Todo o seu delicado lado ultrajante parecia ter ido embora agora.

- Você vai se divertir no navio - disse ele, por falta de algo mais a dizer. - Você já esteve em um navio? Ela sacudiu a cabeça e suspirou. Ele estava tentando tanto e ela estava tão incrivelmente sozinha sem Ollie. Não era culpa dele.

- Sinto muito - disse ela, olhando para ele e notando novamente como ele era bonito. E ainda assim ele não era nada parecido com Tobby, nem seus sentimentos por ele. - Nunca pensei que seria assim. - Ela nem mesmo poderia imaginar que deixar Olívia seria tão doloroso.

Está tudo bem - disse ele gentilmente. - Está tudo bem, Victoria - repetiu, passando um braço em torno dela.

Eles falaram muito pouco durante o resto do caminho até Nova York e quando foram para a cama naquela noite no hotel, ela estava tão agitada e exausta com as emoções daquela tarde, que já estava dormindo antes que ele saísse do banheiro.

Ele havia pedido champanhe para eles, e a garrafa estava no outro quarto, num balde de gelo, mas ele pôde apenas sorrir para si mesmo quando a viu.

- Boa noite, garotinha - sussurrou e cobriu-a. Ela estava roncando suavemente. Será uma longa vida. Haverá muito champanhe outras vezes...

Ele entrou no outro quarto e serviu-se de uma taça, pensando em seu filho e na irmã dela e imaginando como estariam passando.

Olívia também estava acordada àquela hora, assim como Geoff, abraçados um ao outro na cama de Olívia, com Henry, o macaco empalhado, na cama com eles e Chip, o filhote, adormecido. Teria aquecido o coração de Charles se ele pudesse vê-los. Em vez disso, ele andou vagarosamente para o quarto e olhou para sua nova esposa dormindo ali, imaginando como seria ser casado com ela. De certa maneira, a perspectiva o excitava; de outra, o aterrorizava. Na verdade, era difícil imaginar.

Charles estava de pé e vestido quando Victoria acordou no dia seguinte. Ele havia se barbeado, tomado um banho e se vestido por volta de nove horas e pedira os jornais e o café. Bom dia, Bela Adormecida!

- disse ele com um sorriso enquanto ela vagava pelo quarto em sua camisola, ainda parecendo adormecida. Ela bebera mais do que ele imaginava no dia anterior e aquilo acabara com ela à noite. - Você dormiu bem?

- Muito - disse ela e serviu-se de uma xícara de café. Victoria procurou a bolsa de mão que usara na véspera, tirou um cigarro e acendeu-o. Ele olhou para ela por sobre os jornais, surpreso, e observou-a fumar.

- Você sempre faz isso a essa hora do dia? - Ele parecia divertir-se, pois ela era mesmo a renegada que ele sempre achara que era.

- Se eu puder escapar com ele - sorriu. - Posso?

- Acho que sim, se você não soprar no meu rosto antes de minha primeira xícara de café. Não posso dizer que amo este cheiro, mas suponho que possa viver com ele, se tiver de viver.

- Bom. - Ela sorriu para ele, satisfeita.

Seu primeiro obstáculo fora superado com sucesso. Então, ao próximo. Ela olhou os jornais com ele e comentou sobre o tumulto ocorrido na Itália e a greve de fome de Mary Richardson na prisão, na Inglaterra. Os jornais diziam que tiveram de alimentá-la à força. Você é fascinada por esse tipo de coisa, não é? - perguntou ele, intrigado.

Era interessante estar sozinho com ela agora. Eles podiam perguntar qualquer coisa um ao outro, ou fazer o que quisessem.

- Sou fascinada pela liberdade - disse ela honestamente - e por aquilo que custa para consegui-la e mantê-la. Liberdade do perdedor, quem quer que seja ele. E acredito muito intensamente na liberdade das mulheres.

Ela encontrou seus olhos abertamente e ele novamente se sentiu abalado pela sensualidade da qual ela parecia não ter nenhuma consciência.

- Então por que o casamento? - perguntou ele, divertido com a conversa.

- Porque é um caminho para a liberdade também. Serei muito mais livre casada com você do que era vivendo com meu pai.

- Como você sabe disso? - Ele sorriu de sua resposta.

- Porque agora sou uma adulta. Eu era uma criança até ontem e tinha de fazer tudo o que ele queria.E agora você tem de fazer tudo o que eu quero - disse ele, soando como um tirano. Ela olhou em seus olhos para ver se ele estava falando sério, mas ele foi rápido em acalmá-la. - Não, Victoria, não sou um monstro. Você deve fazer como quiser quando voltarmos, contanto que você não me embarace em público ou se coloque em perigo, de alguma maneira.

Eu já disse a você, eu preferiria se você parasse de tentar ser presa. Mas quanto ao resto, você é quem sabe. Se você quer apoiar greves de fome ou participar de encontros e leituras com seus grupos políticos, ou passar seu tempo com outras mulheres falando sobre o quanto os homens são maus, você tem toda a minha permissão.

Ela pareceu satisfeita com sua resposta. Seu pai estava certo. Ele era uma pessoa extremamente razoável. E no momento parecia não querer nada dela.

- Obrigada - disse ela baixinho, parecendo muito jovem e um pouco menos ousada do que parecera um momento antes, com um cigarro entre os dedos.

- Acho que você deve se vestir agora, ou chegaremos atrasados para embarcar no navio. Ele olhou para o relógio. Eram dez horas e deveriam estar lá às onze e meia. - Você gostaria de um desjejum? - perguntou educadamente.

Era como visitar um amigo muito civilizado. Ele era solícito, cortês e muito bem-comportado. Não fizera nada para assustá-la ou aborrecê-la.

- Não estou com fome - disse ela cautelosamente, imaginando como fora dormir com ele na noite passada.

 

Ele fora para a cama depois que ela estava dormindo e deixara o quarto antes que ela acordasse naquela manhã. Era estranho ter passado a noite com ele e não ter tido a menor consciência disso. Ele não se sentia realmente seu marido. Isso não era nada parecido com o que ela partilhara com Tobby. E ela sabia o que era esperado dela aqui, mas não podia nem mesmo imaginá-lo com Charles. Na verdade, ela temia particularmente aquilo, mas Charles havia sido sempre um perfeito cavalheiro e de qualquer maneira não mostrara qualquer interesse amoroso nela.

Ela foi se vestir e uma hora mais tarde estava de pé na saleta de sua suíte, usando o vestido vermelho que Olívia escolhera para ela, com o casaco combinando. Ela estava usando um coque novamente, com um chapéu-coco também combinando e causava impressão no maravilhoso conjunto vermelho.

Era estranho estar sozinha com ele e não ser automaticamente a metade de um par, com uma pessoa idêntica bem a seu lado, mas era muito agradável deixar o hotel com ele e vê-lo receber congratulações de todos. Charles era respeitado e benquisto, e ela se sentiu muito bem cuidada quando ele a conduzia ao carro que esperava por eles. Suas malas já haviam ido na frente para o Aquatania e estariam esperando por eles em sua cabine.

E quando eles chegaram ao grande navio no Píer 55, havia uma banda tocando, confete voando por toda parte e pessoas elegantemente vestidas subindo a prancha, tanto para encontrar suas cabines quanto para visitar amigos que estavam embarcando. Havia uma grande quantidade de gente em toda parte e os olhos de Victoria se arregalaram enquanto ela observava a excitação em torno de si. Victoria desejava apenas que Olívia pudesse estar ali com ela para ver aquilo. Charles viu o breve brilho de sofrimento cruzar seus olhos e sabia em que ela estava pensando.

- Talvez ela possa vir conosco da próxima vez - disse ele gentilmente.

E ela olhou para ele e sorriu, grata por sua generosidade de espírito.

Sua cabine no deck B era bonita, grande e surpreendentemente ensolarada. Era próxima ao Jardim de Estar, que parecia um velho jardim inglês, e enquanto eles passeavam pelo navio, Victoria ficou impressionada com a chaminé de mármore na Sala de Estar Adam e o elegante estilo do navio. Ela estava fascinada pelo que as outras mulheres estavam usando. Era como olhar para uma das revistas de moda de Olívia e ela estava feliz por Olívia tê-la forçado a trazer todos os trajes que foram cuidadosamente embrulhados em suas malas e que a comissária de bordo já estava desembrulhando.

- Oh, isso é tão divertido! - disse ela a Charles, batendo as mãos como uma criança, e ele colocou um braço em volta de seus ombros.

Ele já estivera em navios antes e sempre gostara deles, mas depois do que acontecera com sua mulher, ele estava certo de que jamais se sentiria feliz novamente em nenhum deles. Mas Victoria havia mudado aquilo.

Eles desceram para olhar a piscina e então voltaram para o deck principal, para a partida. A música aumentou, as buzinas soaram e o grande navio começou a se mover vagarosamente para longe das docas e para fora do porto. Os visitantes acenavam freneticamente das docas. Victoria tirou o chapéu e seu cabelo ficou imediatamente coberto de confete.

Era a primeira viagem do Aquatania depois de sua viagem de estréia para Nova York na semana anterior e Charles esperava apenas que ele fosse mais afortunado que seu primo mais velho, o Titanic. Supunha-se que este era um navio melhor e que devia ter o número certo de botes salva-vidas a bordo, mas mesmo assim ele estava sério enquanto voltavam para sua cabine. Inevitavelmente ele estava pensando em Susan.

- Como era ela? - perguntou Victoria corajosamente, enquanto acendia um cigarro, mas ele não objetou. Ele queria que ela ficasse confortável com ele.

- Não seria justo se eu dissesse que era perfeita - respondeu ele honestamente - porque ela não era. Mas era a mulher certa para mim, e eu a amava muito carinhosamente. Foi muito difícil me acostumar ao fato de ela ter ido embora assim. Talvez seja diferente agora que estamos casados - disse ele esperançosamente, como se esperasse que uma longa doença fosse curada, mas Charles ainda não estava certo.

- Foi corajoso de sua parte - disse Victoria baixinho. - Você não me conhece realmente. Acho que conheço. E nós dois precisamos de ajuda nestas más situações.

- É uma razão estranha para se casar, não? - perguntou ela, subitamente querendo mais do que aquilo, enquanto ele pegava uma taça de champanhe e servia a ela.

Victoria se sentia muito adulta agora que estava casada e gostava dos privilégios que vinham com aquilo. Casar é uma coisa estranha de qualquer maneira, não? Eu quero dizer duas pessoas juntas para o resto da vida. É um grande risco a se correr, mas acho que vale a pena disse ele, enquanto se sentava próximo a ela e a olhava.

- E se o risco não der resultado? - Ela olhou em seus olhos e desta vez ele estava assustado com a pergunta.

- O risco dá resultado se você quer que dê - disse ele firmemente. - Você apenas tem de querer com força suficiente. - E então ele olhou nos olhos dela e fez-lhe uma pergunta direta. Você quer?

Houve um longo silêncio. E então, finalmente:

- Acho que sim. Eu estava aterrorizada ontem. Quase saí correndo pouco antes do casamento - confessou ela e depois sorriu de seu próprio terror.

- É compreensível. Se as pessoas fossem honestas, a maior parte delas diria a você que quis sair correndo antes do casamento. Eu também quis, por mais ou menos meio minuto.

- O meu durou um pouco mais - disse ela suavemente.

- E agora? - perguntou ele, aproximando-se dela e observando-a, fascinado. Ele podia sentir aquela qualidade sensual nela novamente; a coisa que Olívia não tinha e que o deixava louco. - Você ainda quer sair correndo? - perguntou, enquanto chegava bem perto dela. Victoria olhou dentro de seus olhos e sacudiu a cabeça. Ela não sabia o que queria ainda, mas sair correndo não era.

- Você não pode correr muito rápido num navio - disse ele numa voz rouca, enquanto deixava sua taça de champanhe e se sentava ainda mais perto dela.

E então, sem dizer mais nada, ele colocou seus braços em torno dela e a beijou. Por um momento ele tirou sua respiração e então ela o beijou de volta, mais forte e profundamente do que ele esperava. Ela era exatamente o que ele suspeitara: um cavalo selvagem que ele jamais domaria, mas que jamais pediria aquilo que ele jamais poderia dar. Você é muito bonita, Victoria - sussurrou ele para ela, não inteiramente certo da extensão de sua experiência.

Ele sabia que ela não era inteiramente inocente, mas seu pai não lhe dera detalhes nem ele quisera conhecê-los. Charles tirou cuidadosamente seu casaco carmesim e então a puxou novamente para seus braços, enquanto se sentavam na poltrona da sala de estar da cabine. Os aposentos eram extremamente luxuosos e Charles não medira despesas para agradá-la.

Ela acendeu outro cigarro, um pouco nervosa, e desta vez ele colocou-o de lado e beijou-a. Ele pôde sentir o gosto da fumaça do cigarro em seus lábios, mas não se importava realmente. Tudo nela o estimulava. E enquanto ela se sentava próximo a ele, languidamente, ele a beijou e ela o beijou de volta. Aquilo pareceu durar horas e então finalmente ele a pegou nos braços e a carregou para o quarto.

Eles estavam no mar então, mas ainda havia gaivotas voando próximo às janelas. Não havia ninguém por perto, eles estavam totalmente sozinhos, sem ninguém para perturbá-los, enquanto ele tirava o vestido vermelho e o jogava perto da cama, admirando suas longas pernas, os quadris estreitos, a cintura delicada e os seios fartos. Ela tirou sua respiração quando ele a viu e então Charles tirou suas roupas também. Ele fechou as cortinas antes de tirá-las inteiramente e deslizou para debaixo dos cobertores com ela.

Ali ele tirou o resto do que estavam vestindo e sentiu a opulência de sua carne contra a dele, o corpo sedoso que ele desejara tanto. Seu corpo estava gritando por ela como jamais estivera antes. Não houvera nenhuma mulher em sua vida desde Susan. Haviam sido dois longos e agonizantes anos e enquanto ele procurava sua atual esposa, sentiu-a subitamente recuar e começar a tremer.

- Não tenha medo - disse ele em seu cabelo, enquanto a tocava, louco para estar dentro dela. - Não vou machucá-la, eu prometo.

Mas ela já se afastara dele e estava tremendo tanto que não podia parar enquanto ele a abraçava. Ele a segurou desta maneira por um longo tempo e depois a virou e forçou-a a encará-lo. Não vou forçá-la a fazer nada que não queira, Victoria. Você não precisa ter medo de mim, eu sei que isso é difícil para você.

Ele se lembrou de sua primeira noite de casado com Susan e do quanto fora jovem, inocente e tímida com ele. Muito mais que Victoria, que parecia muito mais ousada. Mas ela não era. Era uma garota de vinte e um anos e ele imaginou que, apesar de seu coração partido, ainda era virgem. Ele era dezesseis anos mais velho que ela e tinha tempo. Apesar de sua fome por ela, estava querendo ser paciente.

- Eu não posso - disse ela, enterrando o rosto contra ele, parecendo tão apavorada quanto estivera antes do casamento.

Tudo o que ela podia pensar agora era nos êxtases que tivera com um homem que ela amara e na agonia que acabara no banheiro. Não posso fazer isso com você...

- Você não tem que fazer... não agora... nós temos a vida inteira juntos.

Mas ao som dessas palavras ela começou a chorar e tudo o que queria era sua irmã.

- Sinto muito... - disse ela miseravelmente. - Sinto tanto... não posso fazer isso...

- Shhh... - disse ele e abraçou-a pelo que pareceram horas, assim como ele teria feito com Geoffrey se ele tivesse machucado o joelho ou ficado amargamente desapontado.

E, por fim, ela enroscou-se e adormeceu em seus braços. E enquanto ela dormia, ele levantou-se e colocou uma roupa de dormir. Ele não queria assustá-la se o visse nu. Pediu chá para ambos e quando ela se levantou, no fim daquela tarde, ele estava esperando por ela e serviu-lhe chá e biscoitos.

- Eu não mereço isso - disse ela, infeliz, desejando que as coisas fossem diferentes.

Ela nem mesmo queria tomar chá com ele. Ela sentia como se o tivesse desapontado. E se sentiu ainda pior quando receberam um telegrama de casa.

"Nós amamos vocês. Bon voyage e feliz lua-de-mel. Papai, Olívia e Geoffrey."

Aquilo a fez sentir saudades de casa apenas de pensar neles e Victoria levantou-se e correu como uma corça para o banheiro. Ele tentou não olhar, mas ela era tão adorável que ele não conseguiu. Pouco mais tarde ela voltou e sentou-se com ele, coberta com a camisola de seda púrpura que Olívia comprara para ela.

- Não se preocupe - acalmou-a ele novamente e beijou-a gentilmente.

Ele jamais admitiria para ela, mas seu desejo por Victoria o estava deixando louco.

 

No entanto, ele não fez nenhuma tentativa de sedução novamente e pouco mais tarde eles se vestiram para o jantar. Ela usou um traje de noite de cetim branco que aderia ao corpo ousadamente e o decote atrás era tão baixo que quase se podia ver seu traseiro.

- Bem, isso certamente vai chamar a atenção dos rapazes.

Ele sorriu feliz para ela e depois a seguiu para fora da cabine. Eles se sentaram à mesa do capitão Turner naquela noite e, assim que a música começou a tocar, Charles levou sua esposa para a pista de dança. Eles estavam tocando um tango e ele pôde senti-la movendo-se sensualmente em seus braços. Era tudo o que precisava sentir para querer se precipitar com ela para sua cabine.

- Não acho que possa deixá-la sair novamente - disse ele quando a música chegou ao fim. - Você está deixando todos os homens loucos.

Ela riu para ele e claramente não se importava com o tumulto que estava causando. Mas quando ele veio para ela... ela estava assustada. Era tão estranho, ele simplesmente não conseguia entender aquilo.

E quando ele se deitou próximo a ela naquela noite, olhou para Victoria e quase sentiu medo de tocá-la. Mas simplesmente não podia controlar aquilo e ela sabia que teria que encarar isso também. Não podia ser dessa maneira para sempre. Ele tirou sua camisola e ela se deitou em seus braços, delicada e inerte. Ele sabia o quanto ela estava com medo, podia senti-lo e estava determinado a não forçá-la. Queria deixá-la tão louca quanto ela o deixava e introduzi-la em todos os caminhos do prazer.

Ele começou muito gentil e vagarosamente, mas à medida que seu desejo aumentava, ele se tornou mais apaixonado e era de fato um amante gentil e experiente. Mais ainda que Tobby, que realmente a usara muito mais rudemente do que Charles o fazia. Mas a diferença entre eles era que ela amara Tobby e seu próprio desejo por ele fora tão grande que ela não se importara com coisa alguma que eles fizessem, ela não temera nada. Ela desejara tudo o que eles partilharam.

E também queria desejar agora com Charles. Queria ser a esposa que ele esperava, mas ainda que o sentisse estremecer em seus braços e finalmente se deitar exausto, ela não sentiu nada.

Ele foi muito rápido em olhar para ela, chamar seu nome, beijá-la e assegurar-lhe que se preocupava com ela profundamente. Ele estava aterrorizado com o fato de tê-la assustado de novo e então ele entendeu o que acontecera. Subitamente Charles compreendeu o que ela sabia e ele não.

- Não foi a primeira vez, foi? - perguntou ele roucamente, enterrando o rosto entre seus seios e depois se voltando para encará-la, enquanto ela sacudia a cabeça tristemente. - Você deveria ter me contado, Victoria. Eu fiquei aterrorizado com a possibilidade de machucá-la.

- Você não me machucou - disse ela suavemente.

Ela não fora mesmo a lugar nenhum enquanto ele era transportado pela paixão. Ela se sentira próxima a ele, mas apenas porque sentia muito por ele e pelo que ela não podia lhe dar. E já não acreditava no que diziam. Você não aprende essas coisas. Seu amor por alguém não “cresce”. Você amou, ou não amou. E ela sabia que fora traída e agora o traíra. Eles não “cresceriam” para nada. Eles simplesmente passariam a vida juntos, como estranhos.

- E você o amou, não amou? - Charles queria saber tudo agora.

- Sim - disse ela honestamente. Ela não evitou seus olhos agora. Apenas parecia justo contar a ele. - Eu o amei.

- Quanto tempo durou?

- Quase dois meses. - Charles assentiu, pelo menos não foram um ano ou dois, não que isso realmente importasse. - Ele mentiu para mim. Sobre tudo.

Ele nunca me amou realmente. Ele me disse que estava preso num casamento sem amor e que estava deixando-a para se divorciar. E eu acreditei nele. Eu nunca o teria feito de outra forma - e então ela pensou sobre isso - ou talvez o tivesse. Não sei agora.

Ela parecia miserável, mas pelo menos não estava mentindo para ele. Isso já era algo. Ele começou a contar às pessoas, rindo daquilo. E quando perguntaram a ele, disse que eu o seduzi. Disse que eu não significava nada para ele, era tudo uma diversão. Ele nunca teve a intenção de deixar sua esposa ou se casar comigo. Na verdade, ela estava esperando um bebê durante todo o tempo em que o amei.

- Que bastardo! E agora você não acredita em mim, não é?

- Não é isso - disse ela miseravelmente, tocando seu rosto com os dedos. - Eu não sei o que é. Eu apenas não posso... é como um muro entre nós... entre mim e qualquer pessoa... qualquer homem... eu não quero que ninguém me toque.

Aquilo certamente não era um bom prenúncio para seu futuro.

- Alguma coisa a mais aconteceu, Victoria, que você não esteja me contando?

Ele suspeitava mesmo antes que ela contasse a ele. Ela começou a sacudir a cabeça e então olhou para ele e deu de ombros. Aquilo era uma coisa que ela realmente não queria contar a ele.

- Nada...

Mas desta vez ele sabia que ela estava mentindo. Ele tocou seus seios com uma das mãos e desejou que ela o quisesse, mas ela apenas olhou para ele tristemente.

- Eu fiquei grávida - disse ela em voz muito baixa. - Foi o que pensei.

- Caí do meu cavalo e perdi o bebê logo depois que voltamos para Croton. Olívia estava comigo, mas eu não contei a ela. Ela me salvou... eu estava tendo uma hemorragia... foi horrível... acho que quase morri, e eles me levaram para o hospital numa ambulância. - Lágrimas rolaram suavemente por suas faces enquanto ele segurava sua mão, desejando que as coisas tivessem sido diferentes. - Não quero ter filhos nunca. Não tem que ser assim. Não tem que ser aterrorizante, horrível e errado...

Não sozinha no chão de um banheiro, com o bebê de um homem que não a amava. Mas ele não podia dizer a ela que a amava, não honestamente, e ela sabia disso. E não importaria se ele a amasse, pois ela não o amava.

- Minha mãe morreu quando eu nasci. Eu a matei - disse ela, enquanto lágrimas frescas rolavam por suas faces, e ele a abraçou.

- Estou certo de que isso não é verdade - disse ele, certo de que havia mais na história.

- Ela estava bem quando Olívia nasceu e eu era tão grande que ela morreu logo depois que me teve. Eu nasci onze minutos depois de Ollie.

- Mas você não a matou - explicou ele; ela era infantil de certa forma, mesmo apesar de ter perdido um bebê. - Eu não ligo se jamais tiver outro filho - explicou ele - mas não quero que você se sinta como não deve. Ter Geoff foi o momento mais feliz da vida de Susan, ou... mais tarde, pelo menos - ele sorriu.

Não fora fácil para ela também e Geoff fora um bebê grande. Mas ele ainda se lembrava do olhar em seu rosto na primeira vez que a vira depois que Geoff nascera, enquanto o bebê se aconchegava em seu seio e mamava. Ele nunca vira nada tão doce e chorou quando os viu. Era difícil esquecer aquilo mesmo agora, dez anos mais tarde.

- Você deveria ter um bebê um dia, Victoria. Provavelmente as coisas serão diferentes. Nós nos acostumaremos um com o outro. Nós dois esqueceremos as pessoas de quem gostamos um dia, ou as colocaremos de lado, com toda a tristeza e as coisas que fizeram para nos machucar.

- O que ela fez para machucar você? - perguntou Victoria surpresa, desejando que pudesse acreditar que um dia as coisas seriam diferentes.

Mas ela não acreditava. Eles estavam muito longe um do outro. E a verdade era que, além de simpatia, ela não sentia nada por ele.

- Ela morreu - disse ele asperamente. - Ela embarcou naquele maldito navio. Eis o que ela fez para me machucar. Ela deu seu assento a uma criança, a alguém que não conheço e com quem não me importo, e me deixou.

Havia lágrimas em seus olhos agora; ele conhecera a dor, o sofrimento, a perda e a raiva. Ele conhecera a agonia, mas estava de volta agora. E desejava estender a mão para Victoria e deixá-la juntar-se a ele. Mas a verdade era que ela não queria.

- Nós não podemos desistir - disse ele suavemente. - Não podemos apenas olhar para trás, para as pessoas que deixamos em nossas vidas. Mesmo que ele a tenha machucado terrivelmente, se ele a traiu, você tem que esquecer.

- Ainda não consigo.

- Você vai acabar conseguindo. E eu estarei aqui esperando.

- E enquanto isso? - perguntou ela, parecendo preocupada.

Não era de maneira alguma perfeito entre eles neste ponto, mas era mais do que Charles tivera em anos, e ele estava desejando pagar para ver por enquanto.

- Nós damos o melhor de nós... esperamos... nos tornamos amigos... vou tentar não aborrecê-la mais do que devo.

- Mas ela sabia que não tinha o direito de recusá-lo, mesmo que não o quisesse, e ele sabia disso. - Nós veremos... é o melhor que podemos fazer, Victoria. Nós estamos casados.

- Você merece mais do que eu tenho para lhe dar, Charles - disse ela e falava sério. Se isso é verdade, então vou encontrar isso algum dia. E você também. Até lá, isso é tudo o que é...

Ele sorriu para ela filosoficamente, desejando aceitá-la como ela era: uma jovem e bonita mulher, que o emocionava até a alma, mas não o amava. Mas ele sabia que ela era jovem também. Ela acabaria esquecendo Tobby. Ela viria para o homem com quem se casara. E quando ela o fizesse, ele estaria esperando.

 

                                                                                CONTINUA  

 

                      

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