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A CONFRARIA 4 / John Grisham
A CONFRARIA 4 / John Grisham

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A CONFRARIA

 

XXXI

Chegou sã e salva com mais um milhão de cartas, quilos de papelada enviada para a capital para manter o governo mais um dia. A triagem foi feita por código postal e depois por rua. Três dias depois de Buster a ter expedido, a última carta de Ricky para Al Konyers chegou a Chevy Chase. Foi uma equipa de vigilantes que a encontrou durante uma inspecção de rotina efectuada à Mailbox America. O envelope foi examinado e depois rapidamente levado para Langley.

Teddy estava sozinho no seu gabinete, no intervalo de duas reuniões, quando Deville entrou de rompante com um dossier fino na mão.

- Conseguimos isto há meia hora - disse ele, entregando-lhe três folhas de papel. - É uma fotocópia. O original está no dossier.

O director ajustou os óculos bifocais e olhou para as fotocópias antes de começar a ler. Tinham o carimbo da Florida, como sempre. A letra era-lhe familiar. Percebeu que se tratava de um caso grave antes de iniciar a leitura.

Caro Al,

Na tua última carta tentaste pôr fim à nossa correspondência.

- Desculpa, mas não será assim tão fácil. vou direito ao assunto. Não sou o Ricky e tu não és o Al. Estou numa prisão e não numa clínica de reabilitação.

Sei quem tu és, Mr. Lake. Sei que estás a atravessar um período formidável, envolvido na nomeação e tudo, e que estás a nadar em dinheiro. Dão-nos jornais para ler, aqui em Trumble, e tenho acompanhado o teu sucesso com muito orgulho.

Agora que sei quem é o Al Konyers, tenho a certeza de que gostarias que eu não divulgasse o nosso pequeno segredo. Terei muito gosto em ficar calado, mas isso vai-te sair muito caro.

Preciso de dinheiro e quero sair da prisão. Sou capaz de guardar segredos e sei negociar.

O dinheiro é a parte fácil, porque tens muito. A minha libertação será mais complicada, mas estás a congregar toda a espécie de amigos muito poderosos. Estou certo de que pensarás em alguma coisa.

Não tenho nada a perder e estou disposto a destruir-te se não negociares comigo.

Chamo-me Joe Roy Spicer. Estou detido na Prisão Federal de Trumble. Arranja uma maneira de me contactares e despacha-te.

Não mudarei de ideias.

Cumprimentos Joe Roy Spicer

A reunião seguinte foi cancelada. Deville foi à procura de York e, dez minutos depois, estavam ambos fechados no abrigo.

Matá-los foi a primeira opção discutida. Argrow podia encarregar-se disso desde que tivesse os meios adequados: comprimidos, venenos, etc. Yarber podia morrer durante o sono. Spicer podia cair morto no passeio. Beech, o hipocondríaco, podia ser contemplado com um erro de aviamento na farmácia da prisão. Os homens não eram particularmente aptos nem saudáveis, e não podiam competir com Argrow. Uma queda desastrada, um pescoço partido. Havia muitas maneiras de fazer com que o acontecimento parecesse natural ou acidental.

A coisa teria de ser feita rapidamente, enquanto continuavam à espera de uma resposta de Lake.

Mas criar-se-ia uma situação confusa e indevidamente complicada. Três cadáveres ao mesmo tempo, num estabelecimento prisional pequeno e inofensivo como Trumble. E os três eram amigos íntimos que estavam quase sempre juntos, e cada um morreria de maneira diferente num curto espaço de tempo. O que criaria uma avalancha de suspeitas. E se desconfiassem de Argrow? Para começar, o seu passado era desconhecido.

E o factor Trevor assustava-os. Onde quer que o homem se encontrasse, havia a hipótese de ter conhecimento das mortes. A notícia assustá-lo-ia ainda mais, mas também poderia torná-lo imprevisível. Era possível que soubesse mais do que julgavam.

Deville apostava num plano para os libertar, mas Teddy mostrou-se muito relutante. Não tinha escrúpulos em mandar assassinar os três, mas não estava convencido de que isso protegesse Lake.

E se os Confrades tivessem contado a mais alguém?

Havia demasiados elementos desconhecidos. Elabore os planos, disseram a Deville, mas só devem ser usados quando não houver mais nenhuma opção.

Todos os cenários estavam em cima da mesa. York sugeriu, a bem da discussão, que a carta fosse devolvida à caixa para que Lake a recebesse. Para começar, o problema era dele.

- Ele não saberia o que fazer - disse Teddy.

- E nós sabemos?

- Por enquanto, não.

Pensar que Aaron Lake reagiria à emboscada e tentaria silenciar os Confrades era quase divertido, mas havia uma forte componente de justiça nisso. Fora Lake que criara esta confusão; que se amanhasse com ela.

- Por sinal, fomos nós que criámos esta confusão, e vamos resolvê-la - disse Teddy.

Não podiam prever e, consequentemente, não podiam controlar o que Lake faria. De certo modo, o palerma esquivara-se à rede que lhe tinham lançado durante o tempo suficiente para escrever a Ricky. E fora tão estúpido que os Confrades sabiam quem ele era.

Já para não falar do que era óbvio: Lake era o tipo de pessoa que trocava cartas em segredo com um homossexual. Levava uma vida dupla e não era digno de muita confiança.

Por instantes, admitiram confrontar Lake com a situação. York defendia uma revelação desde a primeira carta vinda de Trumble, mas Teddy não estava convencido. Há muito tempo que as noites perdidas por causa de Lake eram sempre preenchidas com pensamentos e de esperanças de pôr fim à correspondência. De resolver o problema com calma e de ter uma conversa com o candidato.

Oh, como gostaria de confrontar Lake! Adorava sentá-lo ali numa cadeira e começar a mostrar-lhe cópias de todas aquelas malditas cartas num ecrã. E uma cópia do anúncio na Out and About. Falar-lhe de Mr. Quince Garbes em Bakers, lowa, outro idiota que caíra na esparrela, e de Curtis Vann Gates, em Dálias. «Como é que pôde ser tão estúpido?», apetecia-lhe gritar a Aaron Lake.

Mas Teddy concentrou-se na questão mais importante. Os problemas com Lake eram pequenos quando comparados com a urgência da defesa nacional. Os russos estavam a chegar, e quando Natty Chenkov e o novo regime tomassem o poder, o mundo mudaria para sempre.

Teddy neutralizara homens muito mais poderosos do que três juizes desonestos que apodreciam numa prisão federal. O planeamento meticuloso era o seu maior trunfo. Um planeamento paciente e cansativo.

A reunião foi interrompida por uma mensagem vinda do gabinete de Deville. O passaporte de Trevor Carson fora detectado num balcão de partidas do aeroporto de Hamilton, nas Bermudas. O homem partira para San Juan, Porto Rico, e o avião devia aterrar dentro de cerca de cinquenta minutos.

- Sabíamos que ele estava nas Bermudas? - perguntou York.

- Não, não sabíamos - respondeu Deville. - É evidente que entrou sem se servir do passaporte.

- Talvez não seja tão viciado no álcool, como julgávamos.

- Temos alguém em Porto Rico? - perguntou Teddy, com uma voz um pouco mais entusiasmada.

- Claro que temos - respondeu York.

- Vamos investir nesta pista.

- Os planos alteraram-se para o velho Trevor? - perguntou Deville.

- Não, de modo nenhum. De modo nenhum - respondeu Teddy. Deville saiu para ir tratar da mais recente crise de Trevor. Teddy

telefonou a uma assistente e pediu um chá de hortelã-pimenta. York relia a carta. Quando ficaram a sós, perguntou:

- E se os separássemos?

- Sim, estava a pensar nisso. Faça isso depressa, antes que tenham tempo de conferenciar. Envie-os para três prisões diferentes, ponha-os no isolamento durante um certo período, assegure-se de que não há privilégios quanto a telefonemas e a correspondência. E depois? Eles continuarão a guardar o seu segredinho. Qualquer deles poderia destruir o Lake.

- Não sei se temos contactos no Gabinete das Prisões.

- Isso pode ser ultrapassado. Se for necessário, terei uma conversa com o procurador-geral.

- Desde quando é que o senhor e o procurador-geral são amigos?

- É uma questão de segurança nacional.

- Três juízes desonestos numa prisão federal da Florida podem afectar a segurança nacional? Gostaria de ouvir essa conversa.

Teddy tomou o seu chá de olhos fechados, com as duas mãos a agarrar a chávena.

- É demasiado arriscado - disse ele em voz baixa. - Vamos enfurecê-los e isso torna-os ainda mais erráticos. Não podemos correr riscos neste caso.
- Suponha que o Argrow consegue descobrir o arquivo deles disse York. - Pense nisso... São vigaristas, criminosos condenados. Ninguém vai acreditar na história deles acerca do Lake, a menos que tenham provas. A prova é a documentação, papéis, originais e cópias da correspondência. A prova existe em qualquer lado. Descobrimo-la, subtraímo-la, e depois quem lhes dará ouvidos?

Mais um gole de olhos fechados, mais uma longa pausa. Teddy mexeu-se um pouco na cadeira e fez um esgar de dor.

- Isso é verdade - respondeu em voz baixa. - Mas preocupa-me que haja alguém cá fora, alguém cuja existência ignoramos. Estes tipos estão um passo à nossa frente e estarão sempre. Estamos a tentar descobrir o que eles já sabem há algum tempo. Não sei se os conseguiremos apanhar. Talvez se tenham lembrado de perder os seus dossiers. Tenho a certeza de que há regras na prisão quanto à conservação dessa papelada, e portanto já andam a escondê-la. As cartas do Lake são demasiado valiosas para não serem copiadas outra vez e postas cá fora.

- O Trevor era o carteiro deles. Vimos todas as cartas que ele foi buscar a Trumble no mês passado.

- Estamos convencidos de que as vimos. Mas não temos a certeza.

- Mas quem poderia ser?

- Spicer tem mulher. Tem ido visitá-lo. O Yarber está a divorciar-se, mas quem sabe o que andam a fazer? Ela foi visitá-lo nos últimos três meses. Ou talvez andem a subornar guardas para lhes expedirem a correspondência. Não podemos partir do princípio de que sabemos tudo o que fazem. E se cometermos um erro aqui, se partirmos do princípio de que sabemos de mais, então Mr. Aaron Lake será desmascarado à força.

- Como? Como o fariam?

- Talvez contactando um repórter e entregando-lhe uma carta de cada vez até ele ficar convencido. Resultaria.

- A imprensa ficaria louca.

- Isso não pode acontecer, York. Não podemos permitir que aconteça. Deville voltou, à pressa. A Alfândega dos Estados Unidos fora notificada pelas autoridades das Bermudas dez minutos depois de o avião partir de San Juan. Trevor aterraria dentro de dezoito minutos.

Trevor ia apenas atrás do seu dinheiro. Memorizara à pressa os elementos essenciais das transferências e agora aperfeiçoava a arte. Nas
Bermudas, enviara metade para um banco na Suíça e a outra metade para um banco em Grand Cayman. Este ou oeste? Essa fora a grande questão. O primeiro avião a descolar das Bermudas ia para Londres, mas a ideia de andar a esconder-se em Heathrow assustava-o. Não era um homem procurado pelas autoridades, pelo menos não pelo governo. Não havia acusações formais nem pendentes. Mas os ingleses eram muito eficientes na Alfândega. Trevor iria para oeste e arriscaria as Caraíbas.

Aterrou em San Juan e foi direito a um bar, onde pediu uma caneca de cerveja e estudou os voos. Não tinha pressa, não estava sujeito a pressões e tinha os bolsos cheios de dinheiro. Podia ir para qualquer lado, fazer qualquer coisa e demorar-se o tempo que quisesse. Pediu outra cerveja e resolveu passar alguns dias em Grand Cayman, com o seu dinheiro. Dirigiu-se ao balcão da Air Jamaica e comprou um bilhete. Depois, voltou ao bar porque eram quase cinco horas e faltava meia hora para o embarque.

Viajava em primeira classe, evidentemente. Embarcou cedo para tomar mais uma bebida, e quando observava os outros passageiros reparou num rosto que já vira.

Onde estava ele agora? Há pouco, estava algures no aeroporto. Era um rosto alongado e magro, com uma pêra manhosa e umas frestas estreitas que eram os olhos, atrás de óculos quadrados. Os olhos observaram-no o tempo suficiente para se cruzarem com os de Trevor, e depois concentraram-se no corredor, como se não tivessem visto nada.

Isto acontecera junto do balcão da companhia aérea, quando Trevor se virara, depois de comprar o bilhete. O rosto observava-o. O homem estava próximo e examinava as partidas.

Quando vamos a fugir, os olhares vagos, insistentes ou erráticos parecem ainda mais suspeitos. Vemos um rosto uma vez e nem sequer o conhecemos. Vemo-lo outra vez meia hora depois, e alguém vigia todos os nossos passos.

Deixa de beber, ordenou Trevor a si próprio. Pediu um café depois de o avião descolar e tomou-o à pressa. Foi o primeiro passageiro a sair em Kingston. Atravessou rapidamente o terminal e passou pela Imigração. Não havia sinais do homem atrás de si.

Pegou nas duas maletas e correu para a praça de táxis.


XXXII

O jornal de Jacksonville chegava a Trumble todos os dias por volta das sete horas da manhã. Quatro exemplares iam para a sala de jogos para serem lidos por alguns dos reclusos que se interessavam pela vida lá fora. Joe Roy Spicer era quase sempre o único que já estava à espera às sete, e em geral ficava com um jornal para si porque precisava de estudar as apostas durante o dia. A cena raramente mudava: Spicer com uma grande chávena descartável de café, os pés em cima da mesa, à espera que Roderick, o guarda, trouxesse os jornais.

Por isso, Spicer foi o primeiro a ver a notícia, ao fundo da primeira página. TrevorCarson, um advogado norte-americano que desaparecera por qualquer motivo não esclarecido, fora encontrado morto à saída de um hotel em Kingston, Jamaica, com dois tiros na cabeça, na véspera, pouco depois do anoitecer. A notícia não era acompanhada de nenhuma fotografia de Trevor, reparou Spicer. Porque havia o jornal de ter alguma nos seus arquivos? Porque havia alguém de se ralar com a morte de Trevor?

Segundo funcionários jamaicanos, Carson era um turista que aparentemente fora roubado. Uma fonte não identificada junto do local sondara a polícia quanto à identidade de Mr, Carson, visto que a sua carteira desaparecera. A fonte parecia saber muita coisa.

O parágrafo em que se retocava a carreira profissional de Trevor era muito breve. Uma antiga secretária, Jan qualquer-coisa, não fizera comentários. A notícia fora composta à pressa e inserida na primeira página só porque a vítima era um advogado assassinado.

Finn estava no extremo do passeio, a dar a volta, e caminhava a passo rápido na atmosfera húmida do princípio da manhã, já sem camisa. Spicer esperou que ele voltasse e entregou-lhe o jornal sem dizer uma palavra.

Encontraram Beech na fila de espera do refeitório, com o tabuleiro de plástico na mão e a olhar para o amontoado de ovos mexidos há pouco.
Sentaram-se juntos a um canto, longe de toda agente, a comer e a falar em voz baixa.

- Se ele ia a fugir, de quem seria?

- Talvez o Lake o perseguisse.

- Ele não sabia quem era o Lake. Ele não tinham nenhuma pista, pois não?

- Bem, então ia a fugir do Konyers. Da última vez que cá esteve, disse que o Konyers era o homem da massa. Disse que o Konyers sabia tudo a nosso respeito, e depois desapareceu no dia seguinte.

-Talvez estivesse apenas assustado. O Konyers confrontou-o, ameaçou expor o papel que ele desempenhava no nosso golpe e Trevor, que para começar não era das pessoas mais estáveis, resolveu roubar tudo o que pôde e desaparecer.

- O que gostava de saber é a quem pertencia o dinheiro que desapareceu.

- Ninguém sabe da existência do nosso dinheiro. Como podia ele desaparecer?

- Talvez o Trevor tenha roubado toda a gente que pôde e depois se tenha eclipsado. Isso está sempre a acontecer. Os advogados metem-se em sarilhos e entram em depressão. Deitam a mão às acções dos clientes e fogem.

- A sério? - perguntou Spicer.

Beech lembrou-se de três exemplos e Yarber acrescentou mais dois, por precaução.

- Então quem é que o matou?

- Havia uma boa hipótese de se encontrar apenas no sítio errado da cidade.

- À porta do hotel Sheraton? Não me parece.

- Muito bem, e se foi o Konyers que lhe limpou o sebo?

- É possível. De certo modo, foi o Konyers que obrigou o Trevor a sair da toca, sabendo que ele era o contacto de Ricky lá fora. Pressionou-o, ameaçou deitar-lhe a mão ou fosse lá o que fosse, e o Trevor fugiu para as Caraíbas. O Trevor não sabia que o Konyers e o Aaron Lake eram uma e a mesma pessoa.

- E com certeza que o Lake tinha dinheiro e poder para arrasar um advogado bêbado.

- E nós? Agora, o Lake sabe que o Ricky não é o Ricky, que aqui o Joe Roy é que é o homem e que tem amigos na prisão.

- A pergunta é se ele consegue chegar até nós.

- Acho que vou ser o primeiro a descobrir - disse Spicer com uma gargalhada nervosa.

- E há sempre a hipótese de o Trevor estar na Jamaica e andar a passear pela parte errada da cidade, talvez embriagado e a tentar caçar uma mulher, e ter levado um tiro.

Que descanse em paz. Mas só se não lhes tivesse roubado o dinheiro.

Separaram-se mais ou menos por uma hora. Beech foi para a pista, andar e pensar. Yarber estava de serviço, a ganhar vinte cêntimos por hora, tentando reparar um computador no gabinete do capelão. Spicer foi para a biblioteca, onde encontrou Mr. Argrow a ler livros de Direito.

A secção de Direito estava aberta. Não eram necessárias marcações, mas a regra tácita consistia em pedir a um dos Confrades para utilizar os livros. Argrow era novo na casa e, como era óbvio, ainda não conhecia as regras. Spicer resolveu desculpá-lo.

Cumprimentaram-se com um aceno de cabeça, e depois Spicer começou a arrumar as mesas e a endireitar os livros.

- Diz-se que vocês prestam apoio jurídico - disse Argrow do outro lado da sala. Mais ninguém estava presente.

- Aqui diz-se muita coisa.

- O meu caso está em recurso.

- O que aconteceu no julgamento?

- O júri acusou-me de três casos de fraude bancária, de esconder dinheiro offshore, nas Bahamas. O juiz condenou-me a sessenta meses. Já cumpri quatro. Não sei se aguento mais cinquenta e seis. Preciso de ajuda nos meus recursos.

- Qual tribunal?

- Nas Ilhas Virgens. Eu trabalhava para um grande banco em Miami. com muito dinheiro da droga.

Argrow era loquaz, rápido e estava ansioso por falar, o que irritou ligeiramente Spicer. A referência às Bahamas chamou-lhe a atenção.

- Por qualquer motivo, criei um fascínio pela lavagem de dinheiro. Lidava com dezenas de milhões todos os dias, o que era intoxicante. Conseguia transferir dinheiro sujo mais depressa do que qualquer funcionário no Sul da Florida. Ainda consigo. Mas fiz algumas más amizades e más opções.

- Admite que é culpado?

- Com certeza.

- O que o coloca em minoria aqui.

- Não, errei, mas considero que a sentença foi demasiado pesada. Alguém me disse que vocês conseguem reduzir algum tempo.

Spicer já não estava preocupado com as mesas desarrumadas nem com os livros desorganizados. Puxou uma cadeira e arranjou tempo para falar.

- Podemos dar uma vista de olhos aos seus papéis - disse ele, como se tivesse um milhar de recursos entre mãos.

És um idiota, teve vontade de dizer Argrow. Saíste do liceu no décimo ano e roubaste um carro aos dezanove anos. O teu pai mexeu uns cordelinhos e conseguiu que retirassem a queixa. Foste eleito juiz de paz com os votos de gente morta e graças ao preenchimento de votos de abstencionistas, e agora estás enfiado numa prisão federal e tentas dar o grande golpe.

E, reconheceu Argrow, agora, Mr. Spicer, tens o poder de derrubar o próximo presidente dos Estados Unidos.

- Quando é que isso vai custar? - perguntou Argrow.

- Quanto é que você tem? - perguntou Spicer, como um verdadeiro advogado.

- Não tenho muito.

- Julguei que você sabia esconder dinheiro offshore.

- Oh, e sei, acredite. Em dado momento, tinha uma boa maquia, mas deixei-o voar.

- Então, não pode pagar nada?

- Não muito. Talvez uns dois mil dólares.

- E o seu advogado?

- Foi ele que fez com que fosse condenado. Não tenho dinheiro suficiente para contratar outro.

Spicer pensou na situação. Reconheceu que Trevor lhe fazia falta. As coisas seriam muito mais simples se ele estivesse lá fora para receber o dinheiro.

- Ainda tem contactos nas Bahamas?

- Tenho contactos em toda a zona das Caraíbas. Porquê?

- Porque terá de transferir o dinheiro. Aqui é proibido.

- Quer que eu transfira dois mil dólares?

-Não. Quero que transfira cinco mil dólares. São os nossos honorários mínimos.

- Onde é o seu banco?

- Nas Bahamas.

Argrow semicerrou os olhos. Franziu o sobrolho e, tal como Spicer, embrenhou-se nos seus pensamentos. A mente de ambos estava em vias de aproximação.

- Porquê as Bahamas? - perguntou Argrow.

- Pelo mesmo motivo que você utilizou as Bahamas. Os pensamentos agitaram-se na mente de ambos.

- Deixe-me perguntar-lhe uma coisa - disse Spicer. - Você disse que podia transferir dinheiro mais depressa do que outra pessoa qualquer.

Argrow fez um sinal afirmativo e disse:

- Não há problema.

- Ainda pode fazer isso?

- Daqui, é o que quer dizer?

- Sim. Daqui.

Argrow riu-se e encolheu os ombros como se nada fosse mais fácil.

- Com certeza. Ainda tenho alguns amigos.

- Venha ter comigo daqui a uma hora. Talvez tenha uma proposta a fazer-lhe.

Uma hora depois, Argrow voltou à secção de Direito e encontrou os três juizes já a postos, atrás de uma mesa com papéis e livros de Direito espalhados, como se estivesse a decorrer uma sessão no Supremo Tribunal da Florida. Spicer apresentou-o a Beech e a Yarber, e ele sentou-se do outro lado da mesa. Não estava mais ninguém presente.

Durante algum tempo, falaram do recurso de Argrow, que foi suficientemente vago nos pormenores. O seu processo estava em trânsito, vindo do outro estabelecimento prisional, e não podiam fazer grande coisa sem ele.

O recurso era um tópico preliminar da conversa, e ambas as partes o sabiam.

- Mr. Spicer disse-nos que você é especialista em transferir dinheiro sujo - disse Beech.

- Era, até ser apanhado - respondeu Argrow com modéstia. Aposto que têm algum.

- Temos uma pequena conta cffshore, dinheiro que ganhámos a prestar apoio jurídico e a fazer algumas outras coisas acerca das quais não nos podemos abrir muito. Como sabe, não podemos cobrar dinheiro por prestar apoio jurídico.

- Mas fazemo-lo à mesma - acrescentou Yarber. - E somos pagos para isso.

- Quanto é que está na conta? - perguntou Argrow, que conhecia o saldo exacto da véspera até ao cêntimo.

- Vamos devagar-disse Spicer. - Há uma boa hipótese de o dinheiro ter desaparecido.

Argrow deixou as palavras a pairar por instantes e conseguiu fingir-se confuso.

- Como? - disse.

- Nós tínhamos um advogado - explicou Beech devagar, medindo as palavras. - Ele desapareceu e é possível que tenha levado o dinheiro.

- Compreendo. E essa conta está aberta num banco nas Bahamas?

- Estava. Não sei se ainda está.

- Duvidamos que o dinheiro ainda lá esteja - acrescentou Yarber.

- Mas gostaríamos de ter a certeza - disse Beech.

- Qual é o banco? - perguntou Argrow.

- É o Geneva Trust, em Nassau - respondeu Spicer, olhando para os colegas.

Argrow fez um gesto de cabeça com um ar convencido, como se estivesse a par de pequenos segredos inconfessáveis acerca do banco.

- Conhece o banco? - perguntou Beech.

- Claro - respondeu, deixando-os suspensos um longo segundo.

- E? - disse Spicer.

Argrow, cheio de autocomplacência e de saber, levantou-se com dramatismo e deu uma volta pela pequena biblioteca, embrenhado nos seus pensamentos. Depois, aproximou-se da mesa outra vez.

- O que pretendem que faça? Vamos direitos ao assunto.

Os três olharam para ele e depois uns para os outros, e era óbvio que não tinham a certeza de duas coisas: a) até que ponto confiavam no homem que acabavam de conhecer, e b) o que pretendiam exactamente dele.

Mas estavam convencidos de que o dinheiro desaparecera e, portanto, não tinham nada a perder. Yarber disse:

- Não somos muito versados em transferências de dinheiro sujo. Não foi esse o nosso pedido inicial, percebe? Desculpe a nossa falta de conhecimentos, mas é possível verificar se o dinheiro ainda está onde estava?

- Não temos a certeza de que o advogado o tenha roubado - acrescentou Beech.
 - Querem que eu verifique o saldo de uma conta secreta? - perguntou Argrow.

 - Sim, é isso - respondeu Yarber.

- Calculamos que ainda tenha alguns amigos no meio - disse Spicer, avançando. - E temos curiosidade em saber se isso é possível.

- Têm sorte - disse Argrow, deixando assentar as palavras.

- Porquê? - perguntou Beech.

- Escolheram as Bahamas.

- Por sinal, foi o advogado que escolheu as Bahamas - esclareceu Spicer.

- De qualquer modo, lá os bancos são muito negligentes. Há muitos segredos que são revelados. Há muitos funcionários subornados. A maior parte dos tipos que fazem lavagem de dinheiro a sério afastam-se das Bahamas. O que está a dar actualmente é o Panamá e, evidentemente, Grand Cayman continua a ser terreno firme.

Evidentemente, evidentemente, concordaram os três com um gesto ide cabeça. Offshore era offshore, não é verdade? Mais um exemplo das consequências de terem confiado num idiota como o Trevor.

Argrow viu a confusão estampada no rosto daqueles homens e pensou como estavam perdidos. Para três indivíduos capazes de destruir o processo eleitoral americano, pareciam terrivelmente ingénuos.

- Não respondeu à nossa pergunta - disse Spicer.

- Tudo é possível nas Bahamas.

- Então pode fazer isso?

- Posso tentar. Não garanto.

- Aqui vai a proposta - disse Spicer. - Verifica a conta e nós tratamos do recurso gratuitamente.

- Não é mau - disse Argrow.

- Foi o que pensámos. Concorda?

- Concordo.

Durante uns instantes embaraçosos, os dois homens olharam um para o outro, orgulhosos do seu acordo mútuo, mas sem saberem qual deles .daria o passo seguinte. Por fim, Argrow disse: - vou precisar de saber umas coisas acerca da conta.

- Como por exemplo? - perguntou Beech.

- O nome ou o número.

- A conta está em nome de Boomer Realty, Ltd. O número é 144DXN-9593. Argrow tomou alguns apontamentos numa folha de papel.

É curioso - disse Spicer, enquanto os três o observavam de perto.

Como é que consegue comunicar com os seus contactos no exterior?

- Pelo telefone - respondeu Argrow sem levantar a cabeça.

- Não por estes telefones - disse Beech.

- Estes telefones não são seguros - disse Yarber.

- Não pode usar estes telefones - respondeu Spicer, agastado. Argrow sorriu e reconheceu que as preocupações deles se justificavam.

Em seguida, olhou por cima do ombro e tirou do bolso das calças um aparelho qualquer, não maior do que um canivete. Segurou-o entre o polegar e o indicador e disse:

- Isto é um telefone, meus senhores.

Os três homens ficaram a olhar, incrédulos, enquanto ele o abria, por cima, por baixo e por um dos lados. Mesmo assim, depois de aberto, continuava a parecer muito pequeno para manter uma conversa importante.

- É digital - explicou Argrow. - Muito seguro.

- Quem é que recebe a factura mensal? - perguntou Beech.

Tenho um irmão em Boca Raton. O telefone e o serviço foram um

presente dele.

Argrow fechou-o rapidamente e o aparelho desapareceu. Em seguida, apontou para a pequena sala de reuniões atrás deles, para o gabinete dos Confrades.

- O que há ali dentro? - perguntou.

- É apenas uma sala de reuniões.

- Não tem janelas, pois não?

- Não, excepto aquele postigo na porta.

Muito bem. Vou para ali, pego no telefone e começo a trabalhar.

Vocês os três ficam aqui, de guarda. Se alguém entrar na biblioteca, batam

à porta.

Os Confrades concordaram prontamente, embora não acreditassem que Argrow fosse bem sucedido.

O telefonema foi parar à carrinha branca, estacionada a dois quilómetros de Trumble, numa estrada de cascalho cuja manutenção era assegurada pelos serviços camarários. A estrada ficava ao lado de um campo de feno, tratado por um homem que ainda não conheciam. Os limites da propriedade do governo federal ficavam a quatrocentos metros,
mas, do sítio em que a carrinha se encontrava, não se avistava nenhuma prisão.

Só dois técnicos é que estavam na carrinha, um a dormir no banco da frente e outro a dormitar na retaguarda, com uns auscultadores na cabeça. Quando Argrow carregou num botão do seu aparelhinho mágico, foi activado um receptor na carrinha e os dois homens acordaram.

- Olá - disse ele. - Daqui fala Argrow.

- Sim Argrow, daqui Chevy One, continue - disse o técnico que estava na retaguarda.

- Estou junto dos três palhaços, em plena acção, supostamente a fazer telefonemas aos amigos no exterior para verificar a existência da conta deles offshore. Até agora, as coisas estão a andar ainda mais depressa do que esperava.

- Parece que sim.

- Roger. Contacto mais tarde.

Carregou no botão End, mas manteve o telefone junto da cara, como se estivesse embrenhado na conversa. Sentou-se na beira da mesa, depois deu umas voltas e de vez em quando olhava para os Confrades.

Spicer não pôde deixar de espreitar pela janela da porta.

- Ele está a fazer telefonemas - disse ele, excitado.

- O que esperavas que estivesse a fazer? - perguntou Yarber, que estava a ler decisões recentes dos tribunais.

- Acalma-te, Joe - disse Beech. - O dinheiro desapareceu com o Trevor.

Passaram vinte minutos, e a situação era tão monótona como de costume. Enquanto Argrow se afadigava ao telefone, os juizes matavam o tempo, esperando a princípio e depois retomando assuntos mais prementes. Há seis dias que Buster partira com a carta. A falta de notícias significava que Buster conseguira fugir, que expedira a correspondência para Mr. Konyers e que agora se encontrava algures muito longe. Eram precisos três dias para a carta chegar a Chevy Chase e, pelos cálculos deles, nesse momento Mr. Aaron Lake devia estar a engendrar um plano para lidar com eles.

A prisão ensinara-os a ter paciência. Só havia um prazo que os preocupava. Lake tinha a nomeação, o que significava que estaria vulnerável à chantagem até Novembro. Se ganhasse, teriam quatro anos para o atormentar. Mas se perdesse, apagar-se-ia rapidamente, como todos os que perdiam. 275

- Onde está o Dukakis neste momento? - perguntara Beech. Não tencionavam esperar até Novembro. A paciência era uma coisa,

o relaxe era outra. Lake era a primeira oportunidade fugaz que tinham de saírem com dinheiro suficiente para viajarem para sempre.

Tencionavam esperar uma semana, e depois escreveriam outra carta a Mr. Al Konyers, em Chevy Chase. Não sabiam ao certo como haviam de a fazer sair, mas haviam de ter alguma ideia. Link, o guarda da portaria que Trevor subornara durante meses, era a primeira hipótese.

O telefone de Argrow constituía uma opção.

- Se nos deixar utilizá-lo, podemos telefonar ao Lake, para a sede de campanha, para o gabinete no Congresso, para todos os números que vierem na lista. Deixamos a mensagem de que o Ricky da clínica de reabilitação precisava mesmo de se encontrar com Mr. Lake. Isso vai pregar-lhe um susto dos diabos.

- Mas o Argrow terá um registo de todos os nossos telefonemas, ou pelo menos o irmão - disse Yarber.

- E depois? Pagamos-lhe as chamadas, e se souberem que estamos a tentar telefonar ao Aaron Lake? Actualmente, metade do país está a tentar telefonar-lhe. O Argrow não sabe por que motivo é estamos a fazer isso.

Uma ideia brilhante, na qual ponderaram durante muito tempo. O Ricky da clínica de reabilitação podia fazer telefonemas e deixar mensagens. Spicer podia fazer o mesmo em Trumble. O pobre Lake é que sofreria.

Pobre Lake! O homem recebia dinheiro tão depressa que nem conseguia contá-lo.

Uma hora depois, Argrow saiu do gabinete e anunciou que estava a fazer progressos.

- Tenho de esperar uma hora e depois faço mais uns telefonemas disse ele. - E se fôssemos almoçar?

Estavam ansiosos por continuar a discussão que fizeram acompanhar de café fraco e de salada de repolho cru.

 

XXXIII

 Na sequência das instruções precisas de Mr. Lake, Jayne meteu-se no carro e foi a Chavy Chase, sozinha. Descobriu o centro comercial em Western Avenue e estacionou em frente de Mailbox America. com a chave de Mr. Lake, abriu a caixa, tirou oito folhetos de publicidade e guardou-os num dossier. Não havia cartas pessoais. Dirigiu-se ao balcão e informou a funcionária de que queria prescindir da caixa em nome do patrão, Mr. Al Konyers.

A funcionária dedilhou um teclado durante algum tempo. Os ficheiros indicavam que um homem chamado Aaron L. Lake alugara a caixa em nome de Al Konyers há cerca de sete meses. O aluguer fora pago por doze meses, e portanto nada mais era devido.

- É o candidato à presidência? - perguntou a funcionária, quando lhe entregou o formulário.

- É - respondeu Jayne, assinando onde lhe indicavam.

- Não há nenhum endereço de envio?

- Não.

Jayne saiu com o dossier e dirigiu-se para sul, de regresso à cidade. Nem se interrogara sobre o que levara Lake a alugar a caixa, numa tentativa clandestina de desmascarar uma fraude no Pentágono. Não lhe interessava, nem tinha tempo para fazer uma série de perguntas. Lake fazia-os correr dezoito horas por dia, e ela tinha coisas muito mais importantes em que pensar.

Ele estava à espera no seu gabinete de campanha, momentaneamente sozinho. Os gabinetes e os corredores à sua volta estavam repletos de assistentes de toda a espécie, todos a correr de um lado para o outro, como se a guerra estivesse iminente. Mas Lake gozava um período de calma. Jayne entregou-lhe o dossier e saiu.

Lake contou oito folhetos de publicidade - entrega de refeições ao domicílio, serviços à distância, lavagens de automóveis, talões para isto e para aquilo. E nada de Ricky. A caixa estava fechada e não havia endereço de envio. O pobre rapaz teria de encontrar outra pessoa que o ajudasse a desenvencilhar-se na sua nova vida. Lake atirou os folhetos e o documento de cancelamento para uma pequena máquina de destruir papel que tinha debaixo da secretária, e depois parou por instantes a contar as suas bênçãos. O fardo da sua vida não era pesado, e cometera poucos erros. Escrever a Ricky fora um disparate, mas mesmo assim saíra ileso. Que homem de sorte!

Sorriu e quase se riu sozinho. Em seguida, levantou-se da cadeira, pegou no casaco e contornou o seu séquito. O candidato tinha reuniões e depois um almoço com empresários do sector da defesa.

Oh, que homem de sorte!

Argrow voltou ao canto da secção de Direito, onde os seus três novos amigos guardavam o perímetro como sentinelas ensonada. Dedilhou o telefone o suficiente para os convencer de que estava a puxar cordelinhos no mundo sombrio e lamacento dos bancos offshore. Duas horas a andar de um lado para o outro, a falar em voz baixa e com o telefone encostado à cabeça como um corretor frenético. Por fim, saiu da sala.

- Boas notícias, meus senhores - disse ele com um sorriso cansado. Os homens juntaram-se à sua volta, ansiosos pelos resultados.

- Ainda lá está - disse ele.

Seguiu-se a grande questão, aquela que tinham planeado, aquela que iria provar se Argrow era um impostor ou um brincalhão.

- Quanto? - perguntou Spicer.

- Cento e noventa mil e uns trocos - respondeu Argrow.

Os Confrades respiraram fundo em uníssono. Spicer sorriu. Beech desviou o olhar. Yarber fitou Argrow de sobrolho franzido, com uma expressão estranha mas bastante agradável.

De acordo com os seus cálculos, o saldo era de cento e oitenta e nove mil dólares, além da taxa de lucro miserável que o banco estava a pagar.

- Ele não o roubou - disse Beech em voz baixa.

Todos recordaram com agrado o advogado morto, que de repente deixou de ser o demónio que tinham feito dele.

- Não sei porque não o fez - gracejou Spicer, quase para si próprio.
- Bem, ainda lá está - disse Argrow. - É muito apoio jurídico. Assim parecia, e como nenhum dos três conseguiu inventar uma mentira pronta, ignoraram o comentário.         

- Sugiro que o transfiram, se não se importam que diga isto - disse Argrow. - Este banco é conhecido pelas fugas de informação.

- Transferi-lo para onde? - perguntou Beech.

- Se o dinheiro fosse meu, transferia-o imediatamente para o Panamá. Era uma nova questão, um raciocínio que não tinham desenvolvido porque estavam obcecados com Trevor e com o seu suposto roubo. Mas ponderaram o assunto com todo o cuidado, como seja o tivessem discutido muitas vezes.

- Porquê transferi-lo? - perguntou Beech. - Ele está seguro, não está?

- Creio que sim - apressou-se a responder Argrow. Sabia para onde ia, e eles não. - Mas reparem como a confidencialidade pode ser torneada. Eu não recorreria a bancos nas Bahamas nos tempos que vão correndo, pelo menos a este.

- E não sabemos se o Trevor falou no dinheiro a alguém - disse Spicer, sempre ansioso por apanhar o advogado em falta.

- Se querem o dinheiro protegido, transfiram-no - disse Argrow. Leva menos de um dia e não terão de se preocupar com isso. E ponham o dinheiro a funcionar. Essa conta está ali a render uns patacos de juro. Entreguem-na a um gestor de fundos e deixem-na render quinze ou vinte por cento. Não vão utilizar o dinheiro tão depressa.

Isso é o que tu julgas, pá, pensaram. Mas fazia sentido.

- Presumo que consegue transferi-lo... - disse Yarber.

- É claro que posso. Agora duvidam de mim?

Os três abanaram a cabeça. Não senhor, não duvidavam dele.

- Tenho bons contactos no Panamá. Pensem nisso.

Argrow olhou para o relógio de pulso, como se tivesse perdido o interesse pela conta deles e tivesse uma centena de assuntos urgentes a tratar noutro lado. Aproximava-se o desfecho, e não queria forçar.

- Temos pensado nisso - disse Spicer. - Vamos transferi-lo agora. Argrow enfrentou os três pares de olhos, todos pregados em si.

- Há honorários envolvidos - disse ele, como se fosse experiente em lavagem de dinheiro.

- Que tipo de honorários? - perguntou Spicer.

- Dez por cento, pela transferência.

- Quem é que recebe dez por cento?

- Eu.

- Isso é bastante puxado - disse Beech.

- É uma escala. Qualquer coisa abaixo de um milhão, dez por cento. Acima de cem milhões, um por cento. É muito vulgar no meio, e é exactamente por isso que ando com uma camisa cor de azeitona e não com um fato de mil dólares.

- Isso é bastante inconsistente - disse Spicer, o homem que lesara uma instituição de caridade.

-Não preguemos sermões, está bem? Estamos a falar de uma pequena fatia de dinheiro já marcado, tanto num lado como noutro. É pegar ou largar.

O tom de Argrow era desinteressado, como um veterano frio que já fizera acordos muito mais chorudos.

Eram apenas dezanove mil dólares, e de uma quantia que já tinham dado como perdida. Depois de retirados os 10 por cento de Argrow, ainda ficariam com cento e setenta mil dólares, mais ou menos sessenta mil cada um, e ainda poderiam ter mais se o safado do Trevor não tivesse rapado tanto à cabeça. E, além disso, havia ganhos mais vultuosos no horizonte. O dinheiro das Bahamas era para os alfinetes.

- Está combinado - disse Spicer, olhando para os outros dois em busca de aprovação.

Os dois homens concordaram com um gesto de cabeça lento. Estavam todos a pensar na mesma coisa. Se a extorsão de Aaron Lake corresse como desejavam, então receberiam dinheiro a sério. Iam precisar de um sítio para o esconder e talvez de alguém para os ajudar. Queriam confiar neste novo tipo, o Argrow. Tinham de lhe dar uma oportunidade.

- Além disso, tratam dos meus recursos - disse Argrow.

- Sim, trataremos dos recursos. Argrow sorriu e disse:

- Não é um mau acordo. Deixem-me fazer mais alguns telefonemas.

- Há uma coisa que deve saber - disse Beech.

- Está bem.

- O advogado chamava-se Trevor Carson. Ele é que abriu a conta, fez os depósitos e fez tudo, na realidade. E foi assassinado há duas noites em Kingston, na Jamaica.

Argrow perscrutou o rosto dos três homens, à espera de mais alguma coisa. Yarber estendeu-lhe um exemplar do jornal, que ele leu deliberamente.
- Porque desapareceu ele? - perguntou Argrow, depois de um longo silêncio.

- Não sabemos - respondeu Beech. - Saiu da cidade e soubemos pelo FBI que ele desaparecera. Partimos do princípio de que tinha roubado o nosso dinheiro.

Argrow devolveu o jornal a Yarber e cruzou os braços. Baixou a cabeça, semicerrou os olhos e fez um ar desconfiado. Deixá-los suar.

- Trata-se de dinheiro sujo? - perguntou, como se eventualmente não se quisesse envolver no assunto.

- Não é dinheiro da droga - apressou-se a responder Spicer, na defensiva, como se qualquer outro dinheiro fosse limpo.

- Não podemos dizer - respondeu Beech.

- Você aceitou um acordo. É pegar ou largar - disse Yarber. Boa jogada, meu velho, pensou Argrow.

- O FBI está envolvido nisto? - perguntou.

- Só no desaparecimento do advogado - disse Beech. - As autoridades federais não sabem nada da conta offshore.

- Deixem-me ver se percebo. Vocês têm um advogado morto, o FBI e uma conta offshore onde escondem dinheiro sujo, não é assim? Em que se meteram?

- Nem queira saber - disse Beech.

- Acho que tem razão.

- Ninguém o obriga a meter-se nisto - disse Yarber.

Portanto, tinham de tomar uma decisão. Para Argrow, o desafio estava lançado e o campo de minas assinalado. Se avançasse, fazia-o sabendo que os seus três novos amigos podiam ser perigosos. O que, evidentemente, não tinha importância para si. Mas para Beech, Spicer e Yarber, a brecha aberta na sua pequena e coesa sociedade, por muito pequena que fosse, significava que estavam a admitir mais um elemento na sua trama. Nunca lhe falariam do seu golpe, e muito menos de Aaron Lake, nem ele veria mais um cêntimo do seu dinheiro, a menos que o ganhasse à custa das transferências. Mas Argrow já sabia mais do que devia. Eles não tinham alternativa.

A decisão dos Confrades não estava isenta de desespero. Com Trevor, tinham ganho acesso ao exterior, tinham confiado. Agora que desaparecera, o universo deles ficara consideravelmente reduzido.

Apesar de ainda não o terem reconhecido, tinham cometido um erro ao despedir o advogado. com uma lucidez perfeita em relação ao que se
passara, deviam tê-lo avisado e contado tudo acerca de Lake e da correspondência falsificada. Ele estivera longe de ser perfeito, mas precisavam de toda a ajuda possível.

Talvez devessem ter voltado a contratá-lo um ou dois dias depois, mas não tiveram oportunidade. Trevor saíra à pressa, e agora partira para sempre.

Argrow tinha acesso ao exterior. Tinha um telefone e amigos; tinha coragem e sabia como se faziam as coisas. Talvez precisassem dele, mas queriam avançar a pouco e pouco.

Argrow coçou a cabeça e franziu o sobrolho, como se ela lhe doesse.

- Não me digam mais nada. Não quero saber - disse ele. Voltou para a sala de reuniões e fechou a porta. Em seguida, empoleirou-se na ponta da mesa e mais uma vez fez menção de telefonar para as Caraíbas.

Eles ouviram-no rir duas vezes. Talvez gracejasse com um velho amigo admirado por ouvir a sua voz. Ouviram-no jurar uma vez, mas não imaginavam com quem nem qual o motivo. A voz dele subia e descia de tom e, por muito que tentassem ler decisões do tribunal, limpar o pó de velhos livros e estudar as apostas, não conseguiam ignorar o ruído que vinha da sala ao lado.

Argrow deu um belo espectáculo e, depois de uma hora de conversa inútil, saiu e disse:

- Acho que consigo acabar isto amanhã, mas precisamos de uma declaração assinada por um de vocês, na qual afirmam que são os únicos proprietários da Boomer Realty.

- Quem é que vê a declaração? - perguntou Beech.

- Só o banco nas Bahamas. Acabaram de saber o que aconteceu a Mr. Carson e querem verificar a titularidade da conta.

A ideia de assinarem qualquer tipo de documento em que admitiam que estavam ligados ao dinheiro sujo aterrava-os. Mas o pedido fazia sentido.

- Há algum fax por aqui? - perguntou Argrow.

- Não. Para nós, não - respondeu Beech.

- Estou certo que o director tem um - disse Spicer. - Vá lá acima e diga-lhe que precisa de enviar um documento para o seu banco offshore.

Era um sarcasmo desnecessário. Argrow fulminou-o com o olhar e depois ignorou-o.

- Muito bem, digam-me como é que a declaração vai daqui para as Bahamas. Como é que funciona a correspondência?

- O advgado era o nosso mensageiro - respondeu Yarber. - Tudo o resto está sujeito a inspecção.

- Com que rigor é que eles inspeccionam a correspondência jurídica?

- Olham para ela. Mas não a podem abrir - respondeu Spicer. Argrow começou a andar de um lado para o outro, pensativo. Depois, para benefício do seu público, enfiou-se entre duas estantes para não ser visto de fora da secção de Direito da biblioteca. Abriu o aparelho, marcou os números e colou-o ao ouvido. Disse:

- Sim, daqui fala Wilson Argrow. O Jack está? Sim, diga-lhe que é importante.

- Quem diabo é o Jack? - perguntou Spicer do outro lado da sala. Beech e Yarber estavam à escuta, mas vigiavam quem passava.

- É o meu irmão que está em Boca - respondeu Argrow. - É advogado, especializado em Direito de Propriedade. Vem visitar-me amanhã.

Depois, virou-se para o telefone e disse:

- Olá, Jack, sou eu. Vens cá amanhã? Óptimo, podes vir de manhã? Óptimo. Por volta das dez. Tenho umas cartas para enviar. Óptimo. Como está a mamã? Óptimo. Até amanhã.

A perspectiva de recomeçarem a expedir correspondência intrigou os Confrades. Argrow tinha um irmão que era advogado. E tinha telefone, miolos e coragem.

Argrow guardou o aparelho no bolso e afastou-se das estantes.

- Amanhã, entrego a declaração ao meu irmão. Ele envia-a por fax para o banco. Por volta do meio-dia, o dinheiro estará no Panamá, são e salvo e a render quinze por cento. É canja.

- Podemos confiar no seu irmão? - perguntou Yarber.

- Com a vida - respondeu Argrow, quase ofendido com a pergunta, encaminhando-se para a porta. - Até logo. Preciso de ar puro.

 

XXXIV

A mãe de Trevor chegou de Scranton. Vinha com a irmã, a tia Helen de Trevor. Tinham ambas setenta e tal anos e gozavam mais ou menos de boa saúde. Perderam-se quatro vezes entre o aeroporto e Neptune Beach e andaram a vaguear pelas ruas durante uma hora até darem com a casa de Trevor, um local aonde a mãe não ia há seis anos. Não via Trevor há dois anos. A tia Helen não o via pelo menos há dez, embora não sentisse particularmente a sua falta.

A mãe estacionou o automóvel alugado atrás do pequeno carocha e teve um ataque de choro antes de sair.

Mas que seca, disse a tia Helen com os seus botões.

A porta principal não estava fechada à chave. A casa estivera abandonada mas, muito antes de o dono fugir, os pratos tinham-se acumulado no lava-louças, o lixo não fora recolhido e o aspirador não saíra da despensa.

O cheiro obrigou a tia Helen a sair em primeiro lugar, seguida pela mãe de Trevor. Não sabiam o que haviam de fazer. O corpo ainda estava na Jamaica, numa morgue superlotada, e, segundo o jovem antipático com quem falara no Departamento de Estado, o seu repatriamento custava seiscentos dólares. As companhias aéreas colaboravam, mas a documentação estava retida em Kingston.

Andaram meia hora às voltas até encontrarem o escritório. Nesse momento, já toda a gente sabia. Chap, o estagiário, estava à espera na recepção, tentando mostrar-se triste e ocupado ao mesmo tempo. Wes, o chefe de escritório, estava numa sala das traseiras, apenas a escutar e a observar. O telefone não parara de tocar no dia em que se soube da notícia, mas depois de uma ronda de condolências de outros advogados e de um ou dois clientes, calara-se de novo.

À porta principal estava uma coroa de flores barata, paga pela CIA.
- Que bonito! - disse a mãe, quando subiam o passeio. Outra seca, pensou a tia Helen.

Chap cumprimentou-as e apresentou-se como estagiário de Trevor. Estava a tentar encerrar o escritório, uma tarefa muito difícil.

- Onde está a rapariga? - perguntou a mãe com olhos vermelhos.

- Foi-se embora há algum tempo. O Trevor apanhou-a a roubar.

- Oh, meu Deus!

- Querem um café?

- Sim, se não se importa.

Sentaram-se no sofá poeirento e irregular, enquanto Chap enchia três chávenas de café acabado de fazer. Sentou-se em frente delas, numa cadeira de vime instável. A mãe estava desorientada. A tia era curiosa, e os seus olhos percorreram o gabinete à procura de qualquer sinal de prosperidade. Não eram pobres mas, na sua idade, nunca conseguiriam alcançar a abundância.

- Lamento o que aconteceu ao Trevor - disse Chap.

- É terrível - disse Mrs. Carson, com o lábio a tremer.

A chávena estremeceu e o café entornou-se no vestido. Ela nem reparou.

- Ele tinha muitos clientes? - perguntou a tia Helen.

- Sim, era uma pessoa muito ocupada. Um bom advogado. Um dos melhores com quem trabalhei.

- E você é secretário? - perguntou Mrs. Carson.

- Não. Sou estagiário. Frequento a faculdade de Direito à noite.

- Está a tratar dos assuntos dele? - perguntou a tia Helen.

- Bem, não exactamente - respondeu Chap. - Estava à espera que as senhoras cá viessem.

- Oh, nós somos muito velhas - disse a mãe. - Quanto é que ele deixou? - perguntou a tia.

Chap ficou de sobreaviso. A velha era metediça.

- Não faço ideia. Eu não lhe mexia no dinheiro.

- Quem é que o fazia?

- Creio que era o contabilista.

- Quem é o contabilista? - Não sei. O Trevor era muito reservado na maioria das coisas.

 - Sem dúvida - disse a mãe com um ar triste. - Mesmo em criança. Voltou a entornar o café, desta vez no sofá.

- É você que paga as contas por aqui, não é? - perguntou a tia.
- Não. O Trevor é que tomava conta do dinheiro.

- Bem, ouça, jovem, eles querem seiscentos dólares para o trazerem da Jamaica, de avião.

- Por que é que ele lá estava? - perguntou a mãe.

- Tirou umas pequenas férias - respondeu Chap.

- Ela não tem os seiscentos dólares - concluiu Helen.

- Ai isso é que tenho.

- Oh, há aqui algum dinheiro - disse Chap, e a tia Helen mostrou-se satisfeita.

- Quanto? - perguntou ela.

- Pouco mais de novecentos dólares. O Trevor gostava de ter muito dinheiro em caixa.

- Dê-mo - exigiu a tia Helen.

- Achas que devemos? - perguntou a mãe.

- É melhor levarem-no - disse Chap, muito sério. - Se não o levarem, vai parar aos bens dele e as Finanças levam-no todo.

- O que mais entra nos bens dele? - perguntou a tia.

- Tudo isto - disse Chap, apontando para o gabinete, enquanto se dirigia para a secretária.

Tirou um envelope amarrotado cheio de notas de toda a espécie, dinheiro que trouxera do apartamento do outro lado da rua. Entregou-o a Helen, que lho tirou das mãos e o contou.

- Novecentos e vinte e uns trocos - disse Chap.

- Qual era o banco dele? - perguntou Helen.

- Não faço ideia. Como disse, ele era muito reservado quanto ao dinheiro. E num aspecto Chap estava a dizer a verdade. Trevor transferira os novecentos mil dólares das Bahamas para as Bermudas, e a partir daqui o rasto desaparecera. O dinheiro estava agora escondido algures num banco, numa conta numerada à qual só Trevor Carson tinha acesso. Sabiam que ele fora para Grand Cayman, mas os bancos locais eram célebres pelo sigilo. Dois dias de buscas intensas não tinham revelado nada. O homem que o atingira a tiro levara-lhe a carteira e a chave do quarto e, enquanto a polícia inspeccionava o local do crime, o assaltante revolveu o quarto do hotel. Havia cerca de oito mil dólares escondidos numa gaveta e mais nada digno de nota. Nem uma pista quanto ao local em que Trevor guardara o dinheiro.

Era ponto assente em Langley que Trevor, por qualquer motivo, desconfiava que andava a ser seguido de perto. A maior parte do dinheiro
desaparecera, embora fosse possível que o tivesse depositado num banco das Bermudas. O quarto do hotel fora alugado sem reserva. Trevor limitou-se a entrar e pagou uma noite em dinheiro.

Uma pessoa em fuga, a transferir novecentos mil dólares de uma ilha para outra, devia ter provas da sua actividade bancária no corpo ou no meio dos seus haveres. Trevor não tinha nenhuma.

Enquanto a tia Helen se ocupava daquele que seria o único dinheiro que conseguiriam levar dali, Wes pensou na fortuna perdida algures nas Caraíbas.

- O que fazemos agora? - perguntou a mãe de Trevor. Chap encolheu os ombros e disse:

- Acho que têm de o sepultar.

- Pode ajudar-nos?

- Não é uma coisa que eu faça. Eu...

- Devemos levá-lo para Scranton? - perguntou Helen.

- Isso é convosco.

- Quanto é que isso custa? - perguntou Helen.

- Não faço ideia. Nunca tive nada a ver com uma coisa destas.

- Mas todos os amigos dele estão aqui - disse a mãe, levando um lenço de papel aos olhos.

- Ele saiu de Scranton há muito tempo - disse Helen, olhando em todas as direcções, como se houvesse uma longa história por detrás da saída de Trevor de Scranton.

Sem dúvida, pensou Chap.

- Tenho a certeza de que os amigos dele vão querer um serviço fúnebre

- disse Mrs. Carson.

- Por sinal, já foi marcado um - disse Chap. - Foi? - perguntou ela, entusiasmada. - Sim, amanhã às quatro horas.

- Onde?

- Num sítio chamado Pete’s, mesmo ao fundo da rua.

- Pete’s? - perguntou Helen.

- Bem, é uma espécie de restaurante. - Um restaurante. E que tal uma igreja?

- Não creio que ele frequentasse igrejas.

- Quando era pequeno, frequentava - disse a mãe, na defensiva. Em memória de Trevor, as cinco horas começariam às quatro e prolongar-se-iam até à meia-noite. Canecas de cerveja de cinquenta cêntimos, as que Trevor preferia.

- Devemos ir? - perguntou Helen, pressentindo sarilhos.

- Não me parece.

- Porquê? - perguntou Mrs. Carson.

- A frequência pode ser desagradável. Um grupo de advogados e de juizes, estão a ver?

Chap franziu o sobrolho a Helen, que compreendeu a mensagem.

As duas mulheres fizeram perguntas acerca de casas mortuárias e de talhões de cemitério, e Chap sentiu-se cada vez mais arrastado para os problemas delas. A CIA matara Trevor. Seria de esperar que lhe fizesse um funeral como devia ser?

Klockner pensava que não.

Depois de as mulheres saírem, Wes e Chap acabaram de retirar as câmaras, os fios, os microfones e os bocais dos telefones. Limparam o local e, quando fecharam as portas à chave pela última vez, o escritório de Trevor nunca estivera tão arrumado.

Metade da equipa de Klockner já saíra da cidade. A outra metade acompanhava Wilson Argrow em Trumble. E aguardava.

Quando os falsificadores de Langley concluíram o processo de Argrow, meteram-no numa caixa de cartão e enviaram-no para Jacksonville, num pequeno avião a jacto com três agentes. Dele constava, entre muitas outras coisas, uma acusação formal de cinquenta e uma páginas entregue por um grande júri de Dade County, um dossier de correspondência cheio de cartas do advogado de defesa de Argrow e do gabinete do procurador-geral, um dossier grosso com moções e outras manobras anteriores ao julgamento, memorandos, uma lista de testemunhas e de resumos dos seus depoimentos, uma síntese do julgamento, a análise do júri, um resumo do julgamento, relatórios anteriores à leitura da sentença e a sentença final. Estava razoavelmente bem organizado, embora não muito, para não levantar suspeitas. Havia cópias manchadas, folhas a menos e agrafos caídos, pequenos toques de realidade cuidadosamente acrescentados pela boa gente dos Documentos para criar autenticidade. Beech e Yarber não precisariam de noventa por cento daquilo, mas o volume total era impressionante. Até a caixa de cartão tinha um aspecto usado.

A caixa foi entregue em Trumble por Jack Argrow, um advogado de Boca Raton, Florida, na pré-reforma e irmão do recluso. O diploma do advogado Argrow fora enviado por fax para o funcionário administrativo adequado em Trumble, e o seu nome constava da lista de advogados Credenciados.

Jack Argrow era Roger Lyter, um homem de trinta anos com uma licenciatura em Direito do Texas. Nunca vira Kenny Sands, que era Wilson Argrow. Os dois homens apertaram a mão enquanto Link olhava, desconfiado, para a caixa de cartão que estava em cima da mesa.

- O que é que está ali dentro? - perguntou ele.

- É o meu processo - respondeu Wilson.

- É só papelada - esclareceu Jack.

Link enfiou a mão na caixa e mexeu em alguns dossiers. Poucos segundos depois, a busca acabou e saiu da sala.

Wilson fez deslizar um papel por cima da mesa e disse:

- Esta é a declaração. Transfere o dinheiro para o banco do Panamá e depois arranja-me uma autenticação escrita para eu ter alguma coisa para lhes mostrar.

- Menos dez por cento.

- Sim, isso é o que eles pensam.  O Geneva Trust Bank de Nassau não fora contactado. Fazê-lo teria sido inútil e arriscado. Nenhum banco autorizaria o levantamento de fundos nas circunstâncias que Argrow estava a criar. E haveria perguntas se tentasse fazê-lo.

A transferência para o Panamá foi em dinheiro novo.

- Em Langley estão muito ansiosos - disse o advogado.

- Eu vou adiantado em relação ao programa - respondeu o funcionário bancário.

A caixa foi esvaziada em cima de uma mesa na secção de Direito da biblioteca. Beech e Yarber começaram a fazer a triagem do conteúdo, enquanto Argrow, o seu novo cliente, os observava com um interesse simulado. Spicer tinha mais que fazer. Estava no meio do seu jogo de póquer semanal.

- Onde está o relatório da sentença ? – perguntou Beech, procurando na pilha de documentos.

- Quero ver a acusação – disse Yarber em voz baixa, para si próprio.

Encontraram o que pretendiam e instalaram-se ambos nas suas cadeiras para uma boa tarde de leitura.  A escolha de Beech  era bastante monótona, mas não a de Yarber.

A acusação parecia a narrativa de um crime. Argrow e mais sete funcionários bancários, cinco contabilistas, cinco corretores de seguros, dois advogados, onze homens identificados apenas como traficantes de droga e seis homens da Colômbia tinham constituído e gerido uma empresa complicada, destinada a receber lucros provenientes do tráfico de droga em dinheiro e a transformá-los em depósitos respeitáveis. Pelo menos quatrocentos milhões de dólares tinham sido lavados antes de se terem registado infiltrações no círculo, e, aparentemente, Argrow estava mesmo no centro das operações. Yarber admirava-o. Se as alegações fossem verdadeiras, Argrow era um financeiro muito inteligente e de grande talento.

Argrow começou a ficar enfastiado com o silêncio, saiu e foi dar uma volta pela prisão. Quando Yarber acabou de ler a acusação, interrompeu Beech e obrigou-o a lê-la. Beech também gostou.

- Com certeza que ele tem uma parte do dinheiro escondido em qualquer lado - disse ele.

- Bem sabes que tem - concordou Yarber. - Quatrocentos milhões de dólares, e foi só o que conseguiram encontrar. E o recurso dele.

- Não me parece bom. O juiz seguiu as normas. Não detecto nenhum erro.

- Pobre tipo.

- Pobre tipo, uma ova. Sai quatro anos antes de mim.

- Não me parece, Mr. Beech. Foi o último Natal que passámos na prisão.

- Acreditas mesmo nisso? - perguntou Hatlee.

- Acredito mesmo.

Beech pousou a acusação em cima da mesa, depois levantou-se, espreguiçou-se e começou a andar à volta da sala.

- A esta hora já devíamos ter notícias - disse ele muito baixinho, embora não estivesse mais ninguém ali.

- Paciência.

- Mas as primárias estão quase a acabar. Ele está quase sempre em Washington. Recebeu a carta há uma semana.

- Ele não pode ignorá-la, Hatlee. Está a pensar no que há-de fazer. Só isso.

O último memorando do Gabinete das Prisões, em Washington, deixou o director perplexo. Quem diabo é que não tinha mais nada que fazer do
que olhar para um mapa das prisões federais e resolver com qual havia de se meter nesse dia? O director tinha um irmão que ganhava cento e cinquenta mil dólares a vender carros usados, e ali estava ele, que ganhava metade, a dirigir uma prisão e a ler memorandos idiotas de mangas-de-alpaca que ganhavam cem mil dólares e que não faziam nada de produtivo. Estava farto daquilo!

Assunto: Visitas de Advogados, Prisão Federal de Trumble.

Não considere a ordem anterior, aquela que restringe as visitas dos advogados às terças, quintas e sábados, das 3 às 6 horas da tarde.

Os advogados podem agora fazer visitas sete dias por semana, das 9 às 7 horas da tarde.

- É preciso morrer um advogado para os regulamentos serem alterados - resmungou ele.

 

XXXV

Numa garagem subterrânea, levaram Teddy Maynard para a sua carrinha e trancaram as portas. York e Deville sentaram-se ao lado dele. Um motorista e um guarda-costas ocupavam-se da carrinha, que tinha um televisor, uma aparelhagem estereofónica e um pequeno bar com água engarrafada e soda. Tudo isto Teddy ignorava. Estava abatido e temia a hora seguinte. Sentia-se cansado - cansado do trabalho, da luta, de se obrigar a viver mais um dia, e depois outro. Aguenta isto mais seis meses, depois desiste e deixa que outra pessoa qualquer se preocupe com a salvação do mundo, dizia ele a si próprio. Iria tranquilamente para a sua pequena quinta em West Virgínia, onde se sentaria à beira do lago, a ver as folhas a caírem na água, e à espera do fim. Estava cansado de tantas dores.

Havia um automóvel preto à frente deles e um cinzento atrás. O pequeno cortejo deu a volta ao nó rodoviário, depois virou para leste, atravessou a Ponte Roosevelt e entrou em Constitution Avenue.

Teddy ia em silêncio e, consequentemente, York e Deville também não falavam. Sabiam como ele odiava o que o esperava.

Falava com o presidente uma vez por semana, em geral à quarta-feira de manhã, sempre pelo telefone se Teddy levasse a melhor. Tinham-se encontrado pela última vez há nove meses, quando Teddy estava no hospital e o presidente precisou de ser informado da situação.

Em geral, os favores eram recíprocos, mas Teddy detestava estar ao mesmo nível de qualquer presidente. Conseguia o favor que queria, mas o facto de o pedir humilhava-o.

Em trinta anos, sobrevivera a seis presidentes, e a sua arma secreta fora a concessão de favores. Recolher as informações, acumulá-las, raramente dizer alguma coisa ao presidente e, de vez em quando, embrulhar um pequeno milagre e entregá-lo na Casa Branca.

O presidente ainda estava amuado com o malogro humilhante de um tratado de não proliferação nuclear que Teddy ajudara a sabotar. Na véspera, o Senado rejeitara-o, a CIA divulgara um relatório confidencial a suscitar preocupações legítimas acerca do tratado e o presidente fora ultrapassado no meio do barulho. Estava a terminar o mandato, e preocupava-se mais com o seu legado do que com os assuntos prementes do país.

Teddy já lidara com presidentes não reelegíveis, e eles eram insuportáveis. Como não voltariam a encarar os eleitores, apoiavam-se nas grandes questões. Na fase final do mandato, gostavam de viajar, com muitos amigos, para países estrangeiros, onde realizavam cimeiras com outros presidentes nas mesmas circunstâncias. Preocupavam-se com as suas bibliotecas presidenciais. E com os seus retratos. E com as suas biografias; por isso passavam muito tempo com historiadores. E à medida que o tempo avançava, tornavam-se mais sábios e filosóficos e os seus discursos eram mais imponentes. Falavam do futuro, dos desafios e da maneira como as coisas deviam ser, ignorando convenientemente o facto de terem tido oito anos para fazer tudo o que era preciso ser feito.

Não havia nada pior do que um presidente não reelegível. E Lake seria igualmente mau se e quando tivesse essa oportunidade.

Entraram pela Ala Oeste, onde Teddy sofreu a indignidade de um agente dos serviços secretos lhe examinar a cadeira de rodas. Em seguida, levaram-no para uma pequena sala ao lado do gabinete. Uma secretária atarefada explicou, sem apresentar desculpas, que o presidente estava atrasado. Teddy sorriu, despachou-a e resmungou entredentes que aquele presidente nunca chegava a horas a coisa senhuma. Tivera uma dúzia de secretárias meticulosas exactamente como ela, na mesma posição em que ela se encontrava, e as outras há muito que se tinham ido embora. A mulher conduziu York, Deville e os outros à sala de jantar, onde comeriam sozinhos.

Teddy ficou à espera, como já sabia que iria acontecer. Leu um relatório grosso, como se o tempo não tivesse importância. Passaram dez minutos. Levaram-lhe um café. Há dois anos, o presidente visitara Langley e Teddy fizera-o esperar vinte e um minutos. Nessa altura, era o presidente que precisava de um favor, que um assunto sem grande importância fosse mantido em sigilo.

A única vantagem de ser deficiente era não ter de se levantar quando o presidente entrasse na sala. Por fim, este chegou, à pressa, com os
adjuntos atrás, como se isso impressionasse Teddy Maynard. Os dois        homens apertaram as mãos e trocaram os cumprimentos da praxe enquanto se viam livres dos adjuntos. Entrou um criado que colocou pequenas saladas à frente de cada um.

- Tenho muito gosto em vê-lo - disse o presidente com uma voz suave e um sorriso meloso.

Deixa isso para a televisão, pensou Teddy, que não pôde deixar de retribuir a mentira.

- O senhor está com bom aspecto - disse ele, só porque em parte era verdade.

O presidente tinha uma nova cor de cabelo e parecia mais novo. Comeram as saladas e o silêncio instalou-se entre eles. Nenhum desejava um almoço prolongado.

- Os franceses andam outra vez a vender brinquedos aos norte-coreanos - disse Teddy, para fazer conversa.

- Que tipo de brinquedos? - perguntou o presidente, embora estivesse perfeitamente a par do tráfico. E Teddy sabia que estava.

- É a versão deles do radar não detectável, o que é uma estupidez porque ainda não o aperfeiçoaram. Mas os norte-coreanos são ainda mais estúpidos porque estão a pagá-lo. Compram seja o que for à França, sobretudo aquilo que os franceses tentam esconder. Os franceses sabem-no, evidentemente, são todos mesuras, e os norte-coreanos pagam o couro e cabelo.

O presidente carregou num botão e o criado veio tirar os pratos. Outro trouxe frango com massa.

- Como vai a sua saúde? - perguntou o presidente.

- Mais ou menos na mesma. É provável que saia ao mesmo tempo que o senhor.

Isto agradava a ambos, a perspectiva de o outro também sair. Sem motivo aparente, o presidente entregou-se a uma conversa sinuosa acerca do seu vice-presidente e do trabalho excepcional que ele iria desenvolver na Sala Oval. Ignorou o almoço e acentuou muito a sua opinião segundo a qual o homem era boa pessoa, um pensador brilhante e um líder capaz. Teddy brincava com o seu frango.

- O que acha da campanha? - perguntou o presidente.

- Sinceramente, não me interessa - respondeu Teddy, mentindo outra vez. - Como lhe disse, estou prestes a sair de Washington, como o senhor presidente. vou retirar-me para a minha pequena quinta, onde não
há televisão, jornais, nada, a não ser umas horas de pesca e muito repouso. Estou cansado.

- O Aaron Lake assusta-me - disse o presidente. E não sabes da missa a metade, pensou Teddy.

- Porquê? - perguntou, dando uma dentada no frango. Come e deixa-o falar.

Só fala de um tema. A defesa e mais nada. Se der recursos ilimitados ao Pentágono, estafam tudo a alimentar o Terceiro Mundo. E todo aquele dinheiro me preocupa.

Nunca te preocupou. A última coisa que Teddy desejava era uma conversa longa e inútil sobre política. Estavam a perder tempo. Quanto mais depressa acabassem o assunto, mais depressa voltaria à segurança de Langley.

- Estou aqui para lhe pedir um favor - disse ele devagar.

- Sim, eu sei. Em que posso ajudá-lo?

O presidente sorria e mastigava, saboreando o frango e o raro momento de se encontrar em vantagem.

- É um pouco fora do vulgar. Gostava de pedir clemência para três prisioneiros federais.

O presidente parou de mastigar e de sorrir, por ter sido apanhado de surpresa. Em geral, a clemência era uma questão simples, a menos que envolvesse espiões, terroristas ou políticos infames.

- São espiões? - perguntou o presidente.

Não. Juizes. Um da Califórnia, outro do Texas e outro do Mississipi.

Estão a cumprir pena juntos numa prisão federal da Florida.

- Juizes?

- Sim, senhor presidente.

- E conheço essa gente?

- Duvido. O da Califórnia foi em tempos presidente do supremo tribunal daqui. Foi destituído e depois teve um pequeno problema com a administração fiscal.

- Creio que me recordo disso.

- Foi acusado de evasão fiscal e condenado a sete anos. Cumpriu dois. O do Texas era um juiz do tribunal comum, nomeado pelo Reagan. Embriagou-se e matou um casal de peões em Yellowstone.

- Lembro-me disso, mas vagamente.

- Foi há vários anos. O do Mississipi era juiz de paz e foi apanhado num desfalque.
- Deve-me ter passado esse. Seguiu-se uma longa pausa, como se ambos ponderassem nos assuntos.

O presidente sentia-se confuso e não sabia por onde começar. Teddy não sabia ao certo o que sairia dali. Acabaram de comer em silêncio. Nenhum deles quis sobremesa.

O pedido era simples, pelo menos para o presidente. Os criminosos eram praticamente desconhecidos, como se fossem vítimas. Qualquer libertação seria rápida e indolor, sobretudo para um político cuja carreira estava a menos de sete meses do fim. Fora pressionado para conceder indultos muito mais difíceis. Os russos tinham sempre alguns espiões que tentavam recuperar. Havia dois empresários mexicanos detidos em Idaho por tráfico de droga, e sempre que uma negociação do género estava em cima da mesa o perdão era um dado adquirido. Havia um judeu canadiano a cumprir uma sentença de prisão perpétua por espionagem e os israelitas estavam determinados a conseguir a sua libertação.

Três juizes desconhecidos? O presidente podia assinar o seu nome três vezes e o assunto ficaria resolvido. Teddy ficaria em dívida para com ele.

E seria uma questão simples, mas isso não era motivo para facilitar a vida a Teddy.

- Tenho a certeza de que há uma boa razão por trás desse pedido disse ele.

- Evidentemente.

- É um problema grave de segurança nacional?

- Não exactamente. Apenas uns favores a uns velhos amigos.

- Velhos amigos? Conhece esses homens?

- Não. Mas conheço os amigos deles.

A mentira era tão óbvia que o presidente quase reagiu. Como podia Teddy conhecer os amigos de três juizes que cumpriam pena ao mesmo tempo?

Nada adviria do facto de interrogar Teddy Maynard, a não ser a frustração. E o presidente não iria descer tão baixo. Não iria suplicar informações que nunca conseguiria obter. Fossem quais fossem os motivos de Teddy, levá-los-ia para o túmulo.

- Isso é um pouco confuso - disse o presidente, encolhendo os ombros.

- Eu sei. Fiquemos por aqui.

- Quais são as consequências?

- Nada de especial. As famílias dos dois jovens que morreram em Yellowstone poderiam ripostar, e não as censuraria.

- Há quanto tempo foi isso?

- Há três anos e meio.

- Quer que eu indulte um juiz federal republicano?

- Ele já não é republicano, senhor presidente. Eles têm de jurar que põem de lado a política quando entram na magistratura. Agora que foi condenado, nem sequer pode votar. Tenho a certeza que, se o senhor o indultasse, ele passaria a ser um grande admirador seu.

- Não duvido.

- Se isso facilitar as coisas, os três homens comprometem-se a sair do país pelo menos durante dois anos.

- Porquê?

- Pode parecer mal eles voltarem para casa. As pessoas perceberão que conseguiram sair mais cedo. Isto pode ser feito com discrição.

- O juiz da Califórnia pagou os impostos a que tentou fugir?

- Pagou.

- E o tipo do Mississipi repôs o dinheiro que roubou?

- Sim, senhor.

Todas as perguntas eram superficiais. Ele tinha de perguntar qualquer coisa.

O último favor estava relacionado com a espionagem nuclear. A CIA tinha em seu poder um relatório que documentava uma ampla infiltração de espiões chineses praticamente a todos os níveis do programa de armamento nuclear dos Estados Unidos. O presidente soube da existência do relatório poucos dias antes de uma visita à China, onde iria participar numa cimeira alvo de todas as atenções. Pediu a Teddy que fosse almoçar com ele e, enquanto comia o mesmo frango com massa, solicitou-lhe que o relatório fosse suspenso durante algumas semanas. Teddy concordou. Mais tarde, quis que o relatório fosse alterado no sentido de lançar mais iculpas sobre anteriores administrações. Foi o próprio Teddy que o refez. Quando o documento foi divulgado, o presidente declinou a maior parte idas responsabilidades.

A espionagem chinesa e a segurança nacional contra três ex-juízes desconhecidos. Teddy sabia que conseguiria os indultos.

- Se eles saírem do país, para onde irão? - perguntou o presidente.

- Ainda não sei ao certo.

O criado trouxe os cafés. Quando ele saiu, o presidente perguntou:
- Isso afectará de algum modo o vice-presidente? Com o mesmo rosto inexpressivo, Teddy respondeu:

- Não. Como poderia afectar?

- Você é que sabe. Não sei o que você anda a fazer.

- Não há motivos para se preocupar, senhor presidente. Estou a pedir um pequeno favor. Com um pouco de sorte, ninguém falará deles.

Beberam o café e ambos tinham vontade de se separar. O presidente tinha a tarde preenchida com assuntos mais agradáveis. Teddy precisava de dormir uma sesta. O presidente estava aliviado por o pedido ser tão benigno. Teddy pensava se tu soubesses...

- Dê-me alguns dias para me organizar - disse o presidente. Estes pedidos chovem, comodevecalcular.Parecequetodaa                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          trabalhar

febrilmente, sem dúvida a tentar redigir o seu último e frágil recurso.

Spicer estava a rearrumar livros de Direito, fingindo-se muito ocupado. Beech estava no gabinete a escrever qualquer coisa. Yarber não estava.

Argrow tirou uma folha de papel branco dobrada do bolso e entregou-a a Spicer.

- Acabei de estar com o meu advogado - disse em voz baixa.

- O que é isso? - perguntou Spicer, pegando no papel.

- É uma confirmação da transferência. O vosso dinheiro já está no Panamá.

Spicer olhou para o advogado que se encontrava do outro lado da sala, mas o homem estava concentrado no seu bloco de apontamentos.

- Obrigado - disse ele em surdina.

Argrow saiu da sala e Spicer entregou o papel a Beech, que o examinou

com todo o cuidado.

O dinheiro estava agora a salvo no First Coast Bank, do Panamá.


XXXVI

Joe Roy perdera mais quatro quilos, só fumava dez cigarros por dia e fazia em média quarenta quilómetros por semana na pista. Argrow foi encontrá-lo lá, a andar a passo ao calor do fim da tarde.

- Mr. Spicer, precisamos de conversar - disse Argrow.

- Só mais duas voltas - disse Joe Roy, sem abrandar o passo. Argrow ficou a olhar para ele durante alguns segundos. Depois percorreu

cinquenta metros até o apanhar.

- Importa-se que o acompanhe? - perguntou.

- De modo nenhum.

Entraram na primeira curva, com o passo acertado.

- Acabei de me encontrar com o meu advogado outra vez - disse Argrow.

- O seu irmão? - perguntou Spicer, ofegante.

O seu andar não era tão gracioso como o de Argrow, um homem vinte anos mais novo do que ele.

- Sim. Ele falou com Aaron Lake.

Spicer parou, como se tivesse chocado com um muro. Fitou Argrow e depois olhou para qualquer coisa ao longe.

- Como disse, precisamos de conversar.

- Creio que sim - disse Spicer.

- Vou ter convosco à biblioteca dentro de meia hora - disse Argrow, afastando-se.

Spicer observou-o até ele desaparecer. -

Não havia nenhum Jack Argrow, advogado em Boca Raton, nas Páginas Amarelas, o que a princípio causou preocupação. Finn Yarber, recorrendo ao telefone inseguro, procurou freneticamente obter informações sobre o Sul da Florida. Quando perguntou por Pompano Beach, a operadora respondeu: «Um momento, por favor», e Finn sorriu. Tomou nota do número e depois ligou. Respondeu-lhe uma gravação: «Fala do escritório de advogados de Jack Argrow. Mr. Argrow só recebe por marcação. Por favor, deixe o seu nome, número do telefone e uma breve descrição da propriedade em que está interessado. Entraremos em contacto consigo.» Finn desligou e atravessou apressadamente o relvado em direcção à biblioteca, onde os colegas estavam à espera. Argrow já estava atrasado dez minutos.

Pouco antes de ele chegar, o mesmo ex-advogado entrou na sala com um dossier volumoso, obviamente pronto a passar ali umas horas para tentar salvar a pele. Pedir-lhe que saísse daria origem a uma discussão e levantaria suspeitas. Além disso, o homem não era do tipo de respeitar juizes. Um a um, retiraram-se para a pequena sala de reuniões, onde Argrow se lhes juntou. A sala ficava atravancada quando Beech e Yarber iam para lá trabalhar. com quatro pessoas lá dentro e toda a pressão envolvida, a sala nunca estivera tão cheia. Sentaram-se à volta da pequena mesa, quase em cima uns dos outros.

- Só sei o que me disseram - disse Argrow. - O meu irmão é advogado a tempo parcial em Boca Raton. Tem algum dinheiro e há anos que é activista republicano no Sul da Florida. Ontem, foi abordado por algumas pessoas que trabalham para o Aaron Lake. Tinham feito umas certas averiguações e sabiam que eu era irmão dele e que estava em Trumble com Mr. Spicer. Fizeram promessas, fizeram-no jurar sigilo e agora ele obrigou-me a jurar sigilo. Agora que é tudo confidencial, creio que podem juntar dois mais dois.

Spicer não tomara duche. Ainda tinha o rosto e a camisa molhados, mas o ritmo respiratório abrandara. Beech e Yarber não produziam o mais pequeno som. Os Confrades estavam num transe colectivo. Continua, diziam eles com o olhar.

Argrow olhou para o rosto dos três homens e chegou-se mais para a frente. Meteu a mão no bolso e tirou uma folha de papel, que desdobrou e pôs à frente deles. Era uma cópia da última carta a Al Konyers, o pedido de extorsão, assinado por Joe Roy Spicer, cujo endereço era a Prisão Federal de Trumble. Sabiam as palavras de cor e, por conseguinte, não precisaram de a ler outra vez. Reconheceram a letra, a do pobre Ricky, e compreenderam que ela acabara de descrever o círculo completo. Dos Confrades para Mr. Lake, de Mr. Lake para o irmão de Argrow e do irmão de Argrow para Trumble, tudo em treze dias.

Por fim, Spicer pegou nela e olhou para as palavras.

- Creio que sabe tudo, não é verdade? - perguntou.

- Desconheço a extensão daquilo que sei. - Conte-nos o que lhe disseram.      

- Que estão a cometer uma fraude, os três. Que põem anúncios em revistas de homossexuais, mantêm relações com homens mais velhos, pelo correio, que conseguem saber a verdadeira identidade deles e que depois lhes extorquem dinheiro.

- É um bom resumo da jogada - disse Beech.

- E que Mr. Lake cometeu o erro de responder a um dos vossos anúncios. Não sei quando é que ele o fez e não sei como é que descobriram quem ele era. Há algumas lacunas nesta história, no que me diz respeito. - É melhor ficar assim - disse Yarber.

 - Muito bem. Não fui eu que me ofereci para fazer este trabalho.

- O que consegue você? - perguntou Spicer.

- Sair mais cedo. Passo aqui mais umas semanas e depois transferem-me outra vez. Saio no fim do ano e, se Mr. Lake for eleito, consigo o perdão total. Não é um mau acordo. O meu irmão consegue um grande favor do próximo presidente.

- Então você é que negoceia? - perguntou Beech.

- Não. Eu sou o mensageiro.

- Vamos então começar?

- Os primeiros a jogar são vocês.

- Você tem a carta. Nós queremos algum dinheiro e sair daqui.

- Quanto?

- Dois milhões para cada um - respondeu Spicer, e era óbvio que o assunto já fora discutido muitas vezes.

Três pares de olhos fixaram-se em Argrow, esperando uma contracção muscular, um sobrolho franzido, o choque. Mas não houve reacção, apenas uma pausa em que Argrow enfrentou o olhar deles.

- Não tenho qualquer autoridade nesta matéria, percebem? Não posso dizer que sim ou que não às vossas exigências. Limito-me a transmitir os pormenores ao meu irmão.

- Nós lemos o jornal todos os dias - disse Beech. - Mr. Lake não consegue gastar todo o dinheiro que tem. Seis milhões são uma gota de água no oceano.

- Ele tem setenta e oito milhões na mão, sem dívidas - acrescentou Yarber.
- Seja o que for. Eu sou apenas o correio, o carteiro, uma espécie de Trevor.

Os três calaram-se de novo ao ouvirem a referência ao advogado morto. Deitaram um olhar fulminante a Argrow, cujas unhas lhes tinham chamado a atenção, e perguntaram a si próprios se o comentário acerca de Trevor fora uma espécie de aviso. Até que ponto o seu jogo se tornara mortífero? Estavam atordoados de tanto pensarem em dinheiro e em liberdade, mas até que ponto estavam seguros naquele momento? Até que ponto estariam seguros no futuro?

Saberiam sempre o segredo de Lake.

- E como é que seria pago o dinheiro? - perguntou Argrow.

- É muito simples - respondeu Spicer. - Todo à cabeça, todo transferido para um pequeno paraíso, talvez o Panamá.

- Está bem. E quanto à vossa libertação?

- O quê? - perguntou Beech.

- Não há sugestões?

- Não. Pensámos que Mr. Lake poderia tratar disso. Ele tem muitos amigos actualmente.

- Sim, mas ainda não é presidente. Ainda não se pode encostar às pessoas certas.

- Não vamos esperar até Janeiro, quando tomar posse-disse Yarber.

- Por sinal, nem vamos esperar até Novembro para ver se ele ganha.

- Então querem ser libertados agora?

- O mais depressa possível - respondeu Spicer.

- É importante o modo como serão libertados? Ficaram a pensar e depois Beech respondeu:

- Tem de ser um processo limpo. Não queremos passar o resto da vida a fugir, a espreitar por cima do ombro.

- Saem juntos?

- Sim - respondeu Yarber. - E temos alguns planos definidos quanto a isso. Mas, primeiro, temos de chegar a acordo quanto às coisas importantes: o dinheiro e a data exacta em que sairemos daqui.

- Certo. Por este lado, vão querer os vossos processos, todas as cartas, bilhetes e documentos da vossa jogada. Como é óbvio, Mr. Lake tem de receber garantias de que os segredos serão enterrados.

- Se conseguirmos o que pretendemos, não tem nada de que se preocupar-disse Beech. - Teremos o maior prazer em nos esquecermos que ouvimos falar de Aaron Lake. Mas devemos avisá-lo, para você avisar Mr. Lake, de que, se nos acontecer alguma coisa, a história será divulgada.

- Temos um contacto lá fora - disse Yarber.

- É uma reacção retardada - acrescentou Spicer, como se ajudasse a explicar o inexplicável. - Se nos acontecer alguma coisa, por exemplo, o mesmo que aconteceu ao Trevor, alguns dias depois rebenta uma pequena bomba. Mr. Lake é desmascarado.

- Isso não vai acontecer - disse Argrow.

- Você é o mensageiro. Não tem que saber o que vai ou não vai acontecer - disse Beech, pregando. - Essas são as mesmas pessoas que mataram o Trevor.

- Vocês não têm a certeza disso.

- Não, mas temos as nossas opiniões.

- Não vamos discutir uma coisa que não podemos provar, meus senhores - disse Argrow, terminando a sessão. - Amanhã de manhã encontro-me com o meu irmão às nove horas. Reunimo-nos aqui às dez.

Argrow saiu da sala, deixando-os sentados como que em transe, mergulhados nos seus pensamentos, a contarem o dinheiro mas com receio de começarem a gastá-lo. Encaminhou-se para a pista, mas afastou-se ao ver um grupo de reclusos a correr. Vagueou pelos campos até encontrar um local isolado atrás do refeitório. Em seguida, telefonou a Klockner.

Daí a uma hora, Teddy foi informado.

 

XXXVII

Às seis horas da manhã, a campainha tocava em Trumble, atravessando os corredores dos dormitórios e os relvados, contornando os edifícios e ouvindo-se na floresta em redor. A maioria dos reclusos garantia que o toque durava exactamente trinta segundos, e quando terminava ninguém continuava a dormir. Acordava-os, como se estivessem marcados acontecimentos importantes para esse dia e eles tivessem pressa de se aprontar. Mas a única coisa que os pressionava era o pequeno-almoço.

A campainha sobressaltou Beech, Spicer e Yarber, mas não acordou Argrow. O sono fora ilusório e os motivos eram óbvios. Dormiam em camaratas diferentes, mas, o que não era de admirar, encontraram-se na bicha para o café às seis e dez. com as chávenas altas na mão e sem dizerem uma palavra, dirigiram-se para o campo de basquetebol, sentaram-se num banco e aspiraram o ar da manhã. Olharam para o recinto da prisão; a pista ficava atrás deles.

Durante quantos dias mais vestiriam as camisas cor de azeitona e se sentariam ao calor da Florida, receberiam alguns cêntimos por hora para não fazerem nada, ficariam à espera, a sonhar e a beber chávenas de café que nunca mais acabavam? Um, dois meses? Estariam agora a falar de dias? Estas hipóteses tinham-lhe roubado o sono.

- Só há duas possibilidades - dizia Beech. Era o juiz federal, e escutavam-no atentamente, embora já soubessem o que ele ia dizer. - A primeira é voltar à jurisdição da sentença e requerer a redução da pena. Em circunstâncias muito especiais, o juiz pode libertar um recluso. Mas é raro.

- Alguma vez o fizeste? - perguntou Spicer.

- Não.

- Idiota.

- Por que motivos? - perguntou Yarber.

- Só quando o prisioneiro fornece novas informações sobre velhos crimes. Se o prisioneiro cooperar substancialmente com as autoridades, pode conseguir uns anos a menos.

- Isso não é encorajador - disse Yarber.

- E qual é a outra possibilidade? - perguntou Spicer.

- Somos enviados para uma unidade de reabilitação, das boas, onde ninguém espera que vivamos de acordo com os regulamentos. Só o Gabinete das Prisões é que tem autoridade para dispor dos reclusos. Se os nossos novos amigos em Washington forem devidamente pressionados, o gabinete pode libertar-nos e esquecer-se de nós.

- Não temos de viver numa unidade de recuperação? - perguntou Spicer.

- Sim, na maior parte dos casos. Mas são todas diferentes. Algumas fecham as portas à noite e têm regras rígidas. Outras são muito permissivas. Podes telefonar uma vez por dia, ou por semana. Tudo isso é com o gabinete.

- Mas continuamos a ser condenados - disse Spicer.

- Isso não me incomoda-respondeu Yarber. - Nunca mais voltarei a votar.

-Tenho uma ideia - disse Beech. - Lembrei-me dela ontem à noite. Como parte do acordo, obrigamos o Lake a indultar-nos se for eleito.

- Também pensei nisso - disse Spicer.

- Também eu - disse Yarber. - Mas o que interessa que tenhamos provas? A única coisa que interessa é que sejamos libertados.

- Perguntar não ofende - replicou Beech.

Durante alguns minutos, concentraram-se no café.

- O Argrow está a enervar-me - disse Finn. - Porquê?

- Cai aqui vindo sabe-se lá donde e, de repente, torna-se o nosso melhor amigo. Faz um truque mágico com o nosso dinheiro e consegue que ele seja transferido para um banco mais seguro. Agora, é o nosso contacto com o Aaron Lake. Metam na cabeça que há alguém lá fora que andou a ler a nossa correspondência. E não foi o Lake.

- Ele não me incomoda - disse Spicer. - O Lake tinha de arranjar alguém para falar connosco. Puxou uns cordelinhos, fez umas averiguações e descobriu que o Argrow estava aqui e que tinha um irmão com quem podiam chegar à fala.

- Isso é muito conveniente, não achas? - perguntou Beech.

- E tu?

- Talvez. O Finn tem razão. Sabemos que houve mais alguém metido nisto.

- Quem? - Isso é que nos falta saber - disse Finn. - Por isso é que não durmo há uma semana. Há mais alguém lá fora.

- E que nos interessa isso? - perguntou Spicer. - Se o Lake nos conseguir tirar daqui, óptimo. Se mais alguém nos conseguir tirar daqui, o que há de mal nisso?

- Não te esqueças do Trevor - disse Beech. - Duas balas na nuca.

- Talvez este sítio seja mais seguro do que julgamos. Spicer não ficou convencido. Acabou de beber e disse:

- Acham que o Aaron Lake, um homem que está prestes a ser eleito presidente dos Estados Unidos, mandaria matar um advogado insignificante como o Trevor?

- Não - respondeu Yarber. -Não o faria. É demasiado arriscado. E não nos mataria. Mas o homem-mistério, sim. O tipo que matou o Trevor é o mesmo que leu a nossa correspondência.

- Não estou convencido disso.

Estavam juntos onde Argrow esperava encontrá-los, na secção de Direito da biblioteca, e pareciam estar à espera. Ele entrou à pressa e, quando teve a certeza de que estavam sós, disse:

- Acabei de ver o meu irmão. Vamos conversar.

Correram para a pequena sala de reuniões, fecharam a porta e reuniram-se à volta da mesa.

- As coisas estão a acontecer muito depressa - disse Argrow com nervosismo. - O Lake paga o dinheiro. Será transferido para onde vocês quiserem. Posso ajudar, se quiserem; caso contrário, façam dele o que vos apetecer.

Spicer pigarreou.

- Dois milhões para cada um?

- Foi o que pediram. Não conheço Mr. Lake, mas é evidente que ele é rápido a agir. - Argrow olhou para o relógio e depois espreitou para a porta por cima do ombro.- Finjam-se admirados, está bem?

- Não há problema.

- Isso será fácil.

- Como é que conseguiu estas cópias? - perguntou Yarber.

- Deram-nas ao meu irmão. Não faço ideia como. O Lake tem amigos poderosos. De qualquer modo, o acordo é o seguinte: vocês vão ser libertados a qualquer momento. Uma carrinha leva-vos para Jacksonville, para um hotel onde o meu irmão estará à vossa espera. Vocês esperam lá que as transferências sejam confirmadas e depois entregam todos os vossos dossiers sujos. Tudo. Entendido?

Fizeram um sinal afirmativo ao mesmo tempo. Por dois milhões de dólares, fariam tudo.

- Saem já do país e não voltam pelo menos durante dois anos.

- Como é que podemos sair do país? - perguntou Beech. - Não temos passaportes, nem documentos.

- O meu irmão tratará disso tudo. Dar-vos-ão novas identidades, com um jogo completo de documentos, incluindo cartões de crédito. Estará tudo à vossa espera.

- Dois anos? - perguntou Spicer, e Yarber fitou-o como se ele tivesse perdido o juízo. - Exactamente. Dois anos. Faz parte do acordo. Entendido?

- Não sei - disse Spicer, com a voz a tremer. Spicer nunca saíra dos Estados Unidos.

- Não sejas parvo - disparou Yarber. - Um perdão total, um milhão de dólares por ano durante dois anos para viver no estrangeiro. Sim, aceitamos o acordo.

De súbito, alguém bateu à porta e ficaram aterrados. Dois guardas olhavam lá para dentro. Argrow pegou nas cópias dos indultos e meteu-as no bolso.

- Estamos de acordo, meus senhores? - Fizeram um gesto afirmativo e apertaram-lhe a mão.

- Ainda bem - disse ele. - Não se esqueçam de se mostrarem surpreendidos.

Os três homens foram conduzidos pelos guardas ao gabinete do director, onde foram apresentados a dois indivíduos de Washington, muito sérios, um da Justiça e outro do Gabinete das Prisões. O director concluiu as apresentações formais sem confundir os nomes e em seguida entregou um documento de formato legal a cada um. Eram os originais dos que Argrow lhes mostrara.

- Meus senhores - anunciou o director com o maior dramatismo de que foi capaz. - Acabam de ser indultados pelo presidente dos Estados Unidos.

Sorriu cordialmente como se fosse responsável pela boa notícia.

Os Confrades ficaram a olhar para os indultos, ainda em estado de choque, ainda atordoados com mil e uma perguntas, a principal das quais era: como é que o Argrow se antecipou ao director e lhes mostrou os documentos primeiro?

- Não sei o que dizer - conseguiu balbuciar Spicer, e os outros tartamudearam outra coisa qualquer.

O homem da Justiça disse:

- O presidente reviu os vossos casos e concluiu que já tinham cumprido uma pena suficiente. Está convencido de que têm mais a oferecer ao vosso país tornando-se de novo cidadões produtivos.

Os três ficaram a olhar para ele. Aquele pateta não sabia que iriam assumir novos nomes e manter-se afastados do seu país e das suas comunidades pelo menos durante dois anos? De que lado estava ele?

E por que os indultava o presidente depois de terem tentado destruir Aaron Lake, o homem mais bem posicionado para derrotar o vice-presidente? Era Lake que os queria silenciar e não o presidente. Não é verdade?

Como é que Lake conseguira convencê-lo a indultá-los?

Como é que Lake conseguira convencer o presidente a fazer fosse o que fosse, naquela fase da campanha?

Agarraram nos indultos e não disseram nada, com o rosto crispado, como se as perguntas os atormentassem.

O homem do gabinete disse:

- Deviam sentir-se honrados. Os actos de clemência são muito raros. Yarber conseguiu concordar com ele com um gesto rápido de cabeça, mas continuava a pensar: quem é que está à nossa espera lá fora?

- Acho que ficámos em estado de choque - disse Beech.

Era a primeira vez que tal coisa acontecia em Trumble, que o presidente resolvia indultar reclusos tão importantes. O director estava muito orgulhoso dos três, mas não sabia ao certo como havia de comemorar o momento.

- Quando gostariam de sair? - perguntou, como se eles quisessem ir a uma festa.

- Imediatamente - respondeu Spicer.

- Muito bem. Vamos levá-los a Jacksonville.

- Não, obrigado. Temos quem nos venha buscar. - Bem, então, há uma certa burocracia a cumprir.

- Despache-se - disse Spicer.

Entregaram a cada um uma mochila de lona para guardarem os objectos pessoais. Quando iam a atravessar os campos, apressados e ainda todos muito juntos e com o passo acertado, com um guarda atrás deles, Beech disse, em surdina:

- Então quem é que nos arranjou os indultos?

- Não foi o Lake - disse Yarber, suficientemente alto para ser ouvido.

- Evidentemente que não foi o Lake - disse Beech. - O presidente não faria nada que o Aaron Lake lhe pedisse.

Estugaram o passo.

- O que interessa isso? - perguntou Spicer.

- Não faz sentido - disse Yarber.

- Então o que vais fazer, Finn? - perguntou Spicer sem olhar para ele. - Ficar aqui durante uns dias a pensar na situação? E depois, se descobrires quem foi o responsável pelo perdão, talvez não o aceites? Não me lixes.

- Há outra pessoa por trás disto - disse Beech.

- Então adoro essa pessoa, está bem? - disse Spicer. - Não vou perder tempo a fazer perguntas.

Deram a volta aos quartos numa correria e nem abrandaram para se despedir de ninguém. A maioria dos amigos encontravam-se espalhados pelas instalações.

Tinham de se apressar, antes que o sonho acabasse ou que o presidente mudasse de ideias.

Às onze e um quarto, saíram pela porta principal do edifício da administração, a mesma por onde tinham entrado há anos, e ficaram à espera no passeio aquecido pelo sol. Nenhum dos três olhou para trás.

A carrinha era conduzida por Wes e Chap, que no entanto se apresentaram com outros nomes. Usavam tantos!

Joe Roe Spicer recostou-se no banco de trás e tapou os olhos com o braço, resolvido a não ver nada senão quando estivesse longe dali. Apetecia-lhe chorar e gritar, mas estava apático com a euforia, uma euforia total, completa, descarada. Tapou os olhos e fez um sorriso enlevado. Apetecia-lhe uma cerveja e uma mulher, de preferência a sua.

Ia telefonar-lhe. A carrinha já estava em movimento.

A libertação súbita deixara-os agitados. A maioria dos reclusos contavam os dias e, ao fazê-lo, sabiam com um certo rigor quando chegaria o momento. E sabiam para onde iam e quem tinham à espera.

Mas os Confrades sabiam tão pouco! E não acreditavam no pouco que sabiam. Os indultos eram um embuste. O dinheiro não passava de um isco. Estavam a ser levados para o matadouro, como o pobre Trevor. A carrinha iria parar a qualquer instante e os dois matulões que iam à frente iriam revistar-lhes as mochilas, encontrariam os dossiers sujos e assassiná-los-iam na berma de uma estrada.

Talvez. Mas, nesse momento, não sentiam a falta da segurança de Trumble.

Finn Yarber ia sentado atrás do motorista e observava a estrada à sua frente. Levava o indulto na mão, pronto a apresentá-lo a alguém que os mandasse parar e lhe dissesse que o sonho tinha acabado. A seu lado ia Hatlee Beech que, alguns minutos depois de se porem a caminho, desatou a chorar, baixinho, mas com os olhos fechados e a boca a tremer.

Beech tinha motivos para chorar. com quase oito anos e meio por cumprir, o indulto era mais importante para ele do que para os seus dois colegasjuntos.

Ninguém pronunciou uma palavra entre Trumble e Jacksonville. Quando se aproximaram da cidade e as estradas se tornaram mais largas e o trânsito mais denso, os três observaram o que os rodeava com grande curiosidade. As pessoas andavam de automóvel, deslocavam-se de um
lado para o outro. Havia aviões no ar. Barcos nos rios. A situação voltara à normalidade.

Abriram caminho no meio do trânsito de Atlantic Boulevard, saboreando cada momento do engarrafamento. O tempo estava quente, os turistas andavam na rua e viam-se mulheres de pernas compridas e bronzeadas. Os três viam as marisqueiras e os bares com tabuletas a anunciar cerveja fresca e ostras a bom preço. Quando a rua terminou, começou a praia. Pararam debaixo da varanda da Sea Turtle. Atravessaram a recepção atrás de um dos homens que os escoltavam e foram alvo das atenções de algumas pessoas porque ainda estavam todos vestidos de igual. Subiram ao quinto andar e, à saída do elevador, Chap disse:

- Os vosso quartos são aqui, estes três. - Apontou para o fundo do corredor. - Mr. Argrow gostaria de os ver o mais depressa possível.

- Onde está ele? - perguntou Spicer. Chap apontou outra vez.

- Ali, na suite do canto. Está à espera. - Vamos - disse Spicer.

Seguiram Chap até ao canto, com as mochilas a baterem umas nas outras.

Jack Argrow não era nada parecido com o irmão. Era muito mais baixo e tinha o cabelo louro e ondulado, enquanto o do irmão era preto e ralo. Tratou-se apenas de uma conversa informal, mas os três retiveram-na e falaram dela mais tarde. Argrow apertou-lhes a mão à pressa, mas só por delicadeza. Estava impaciente e falava muito depressa.

- Como está o meu irmão? - perguntou.

- Está bom - respondeu Beech.

- Vimo-lo esta manhã - acrescentou Yarber.

- Eu quero-o fora da prisão - disse Argrow. - Ouçam, não sei como nem porque estou metido nisto. Estou muito nervoso. Estou aqui em nome de Mr. Aaron Lake, um homem em cuja eleição acredito e que dará um grande presidente. Creio que depois conseguirei tirar o meu irmão da prisão. Mas de qualquer modo, nunca vi Mr. Lake. Alguns dos seus homens abordaram-me há uma semana e pediram-me que me envolvesse num assunto muito secreto e delicado. É por isso que estou aqui. É um favor, hem? Não sei de nada, percebem?

As frases eram sincopadas e rápidas. O homem falava com as mãos e com a boca, e não conseguia estar quieto.

Os Confrades não deram resposta, nem ninguém esperava tal coisa.
Duas câmaras ocultas gravavam a cena e enviavam-na imediatamente para Langley, onde Teddy, York e Deville a acompanhavam num grande ecrã montado no abrigo. Os ex-juízes, agora ex-reclusos, pareciam prisioneiros de guerra recém-libertados, atordoados e submissos, ainda fardados, ainda incrédulos. Sentaram-se muito juntos, a assistir ao espectáculo extraordinário do Agente Lyter.

Depois de tentarem imaginá-los e manobrá-los do exterior durante três meses, era fascinante vê-los. Teddy examinou os seus rostos e admitiu, contrafeito, que tinha uma certa admiração por eles. Tinham sido astutos e felizes ao ponto de conseguirem apanhar a vítima certa; agora estavam livres e prestes a serem bem recompensados pela sua ingenuidade.

- Está bem, olhem, a primeira coisa é o dinheiro - rosnou Argrow.

- Dois milhões para cada um. Onde o querem?

Não era o tipo de pergunta a que estivessem muito habituados a responder.

- Quais são as hipóteses? - perguntou Spicer.

- Têm de o transferir para qualquer lado - respondeu Argrow.

- E se for para Londres? - perguntou Yarber.

- Londres?

- Gostaríamos que o dinheiro, todo, os seis milhões, fosse transferido ao mesmo tempo para uma única conta, para um banco em Londres disse Yarber.

- Podemos transferi-lo para qualquer lado. Para que banco?

- Pode ajudar-nos nos pormenores? - perguntou Yarber.

- Disseram-me que podemos fazer tudo o que vocês quiserem. Terei de fazer uns telefonemas. Porque não vão para os vossos quartos, tomam um duche e mudam de roupa? Dêem-me um quarto de hora.

- Não temos roupa - disse Beech.

- Há algumas coisas nos vossos quartos.

Chap acompanhou-os até ao fundo do corredor e entregou-lhes as chaves.

Spicer estendeu-se na sua cama enorme e olhou para o tecto. Spicer pôs-se à janela do quarto e olhou para norte, para os quilómetros de praia, para as ondas de água azul que se desfaziam na areia branca. As crianças brincavam junto das mães. Casais passeavam de mão dada. Um barco de pesca avistava-se no horizonte. Finalmente livre, pensou Spicer. Finalmente livre.

Yarber tomou um grande duche quente - privacidade total, sem limite de tempo, sabonete à descrição, toalhas felpudas. Alguém colocara uma
série de artigos de higiene no toucador-desodorizante, creme de barbear, lâminas, dentífrico, escova de dentes, creme. Yarber não se apressou. Em seguida, vestiu umas bermudas e uma t-shirt branca e calçou umas sandálias. Seria o primeiro a sair e precisava de encontrar uma loja de roupa.

Vinte minutos depois, voltaram a encontrar-se na suite de Argrow e levaram a colecção de dossiers cuidadosamente embrulhados na fronha de uma almofada. Argrow estava tão ansioso como antes.

- Há um grande banco em Londres chamado Metropolitan Trust. Podemos transferir o dinheiro para lá, e depois fazem o que quiserem dele.

- Está bem - disse Yarber. - A conta fica apenas em meu nome. Argrow olhou para Beech e para Spicer, que fizeram um gesto de

aprovação.

- Muito bem. Calculo que tenham um plano qualquer.

- Temos - respondeu Spicer. - Mr. Yarber parte para Londres esta tarde e, quando lá chegar, vai ao banco e toma conta do dinheiro. Se tudo correr bem, partiremos pouco depois.

- Garanto que as coisas vão correr bem.

- E nós acreditamos em si. Estamos apenas a ser cautelosos. Argrow entregou duas folhas de papel a Finn.

- Preciso da sua assinatura para fazer a transferência e abrir a conta. Yarber assinou.

- Já almoçaram? - perguntou.

Eles abanaram a cabeça. Pensavam no almoço, mas não sabiam o que haviam de fazer.

- Agora são homens livres. Há uns bons restaurantes a uns quarteirões daqui. Divirtam-se. Dêem-me uma hora para fazer a transferência. Encontramo-nos às duas e meia.

Spicer tinha a fronha na mão. Agitou-na na direcção de Argrow e disse:

- Estão aqui os dossiers.

- Está bem. Deixe-os ali em cima do sofá.

 

XXXVIII

Saíram do hotel a pé, sem escolta, sem restrições, mas com os indultos no bolso, por precaução. E apesar de o sol estar mais quente na praia, a atmosfera era mais leve. O céu estava mais claro. O mundo era belo outra vez. A esperança pairava no ar. Os Confrades sorriam e riam-se de quase tudo. Passearam em Atlantic Avenue e misturaram-se facilmente com os turistas.

O almoço foi bife e cerveja numa esplanada ao ar livre, debaixo de um guarda-sol, o que lhes permitiu observar os transeuntes. Pouco falaram enquanto comiam e bebiam. Observavam tudo, sobretudo as jovens de calções e de tops reduzidos. A prisão transformara-os nuns velhos. Agora, estavam ansiosos por se integrarem.

Em especial Hatlee Beech. Tivera dinheiro, estatuto e ambição e, como juiz federal, tivera o que era impossível perder: um cargo vitalício. Estatelara-se, perdera tudo e, durante os dois primeiros anos em Trumble, vivera em depressão. Aceitara o facto de que morreria ali, e pensara seriamente no suicídio. Agora, com cinquenta e seis anos, emergia das trevas numa esplêndida forma física. Pesava menos sete quilos e meio, estava bem bronzeado, gozava de boa saúde, divorciara-se de uma mulher que só tinha dinheiro para oferecer, e estava prestes a receber uma fortuna. Não era mau para um homem de meia idade, pensou. Sentia a falta dos filhos, mas eles tinham ido atrás do dinheiro e esquecido o pai.

Hatlee Beech estava pronto para se divertir um pouco.

Spicer Nunca sairia de lá. Nunca voltaria ao seu país natal. Tinha sessenta anos, estava em boa forma física, tinha agora muito dinheiro e apetecia-lhe andar por Itália e pela Grécia nos dez anos seguintes.

Do outro lado da rua, descobriram uma pequena livraria e compraram vários guias de viagens. Num estabelecimento de roupa de praia, encontraram os óculos escuros adequados. Depois, chegou a hora de voltarem a encontrar-se com Jack Argrow e de concluirem o acordo.

Klockner e companhia viram-nos regressar à Sea Turtle. Klockner e companhia estavam cansados de Neptune Beach, do Pete’s, da Sea Turtle e do apartamento apinhado. Ainda lá estavam seis agentes, incluindo Chap e Wes, todos muito ansiosos por outra missão. A unidade descobrira os Confrades, tirara-os de Trumble, levara-os para a praia e agora queria apenas que eles saíssem do país.

Jack Argrow não tocara nos dossiers, ou pelo menos era o que parecia. Ainda estavam embrulhados na fronha, em cima do sofá, no mesmo sítio em que Spicer os deixara.

- A transferência vai a caminho - anunciou Argrow quando eles se instalaram na suite

Teddy continuava a observá-los de Langley. Os três vestiam agora roupa de praia. Yarber tinha um boné à pescador com uma pala de quinze centímetros. Spicer tinha um chapéu de palha e uma t-shirt amarela. Beech, o republicano, vestia uns calções de caqui, uma camisola e um boné de golfe.

Em cima da mesa, estavam três grandes envelopes. Argrow entregou um a cada um dos Confrades.

- Lá dentro encontram a vossa nova identidade. Certidões de nascimento, cartões de crédito e cartões da Segurança Social.

- E os passaportes? - perguntou Yarber.

- Temos uma câmara instalada no quarto ao lado. Os passaportes e as cartas de condução vão precisar de fotografias. Isso demora trinta minutos. Dentro desses pequenos envelopes também estão cinco mil dólares em dinheiro.

- Eu sou Harvey Moss? - perguntou Spicer, olhando para a sua certidão de nascimento.
- É. Não gosta do nome de Harvey?

- Acho que agora gosto.

- Tens mesmo cara de Harvey - disse Beech.

- E quem és tu?

- Bem, eu sou James Nunley.

- Muito prazer, James.

Argrow nunca sorria; não se descontraía nem um segundo.

- Preciso de saber quais são os vossos planos de viagem. As pessoas de Washington querem mesmo que saiam do país.

- Tenho de saber quais são os voos para Londres - disse Yarber.

- Já tratei disso. Daqui a duas horas parte um avião de Jacksonville para Atlanta. Às sete e dez da tarde de hoje, há um voo para Heathrow que chega amanhã de manhã cedo.

- Pode arranjar-me um lugar?

- Já está reservado. Em primeira classe. Finn fechou os olhos e sorriu.

- E vocês? - perguntou Argrow, olhando para os outros dois.

- Eu gosto disto aqui - disse Spicer.

- Lamento. Fizemos um acordo.

- Seguimos nos mesmos voos amanhã à tarde - disse Beech. Partindo do princípio de que tudo corre bem com Mr. Yarber.

- Querem que façamos as reservas?

- Sim, por favor.

Chap entrou no quarto sem fazer barulho e tirou a fronha que estava em cima do sofá. Saiu com os dossiers.

- Vamos tirar as fotografias - disse Argrow.

Finn Yarber, que agora viajava como Mr. William McCoy, de San José, Califórnia, partiu para Atlanta sem incidentes. Durante uma hora, passeou pelo aeroporto, andou de autocarro e gostou muito do frenesi e do caos de se encontrar no meio de uma multidão apressada.

O lugar em primeira classe era uma poltrona de couro, reclinável. Depois de beber duas taças de champanhe, começou a pairar e a sonhar. Tinha medo de adormecer porque receava acordar. Tinha a certeza de que voltaria ao seu beliche superior, a olhar para o tecto e a descontar mais um dia passado em Trumble.

Joe Roy conseguiu finalmente apanhar a mulher por um telefone público perto de Beach Java. A princípio, ela julgou que o telefonema era uma brincadeira e recusou-se a aceitar o pagamento no destino.

- Quem fala? - perguntou ela.

- Sou eu, querida. Já não estou na prisão.

- Joe Roy?

- Sim, agora escuta. Saí da prisão. Estás aí?

- Acho que sim. Onde estás?

- Estou num hotel nos arredores de Jacksonville, Florida. Saí da prisão esta manhã.

- Saíste? Mas como...

- Não faças perguntas. Depois explico tudo. Parto amanhã para Londres. Quero que vás aos correios logo de manhã e peças um impresso para o passaporte.

- Londres? Disseste Londres?

- Sim.

- Em Inglaterra?

- Exactamente. Tenho de passar lá algum tempo. Faz parte do acordo.

- Quanto tempo?

- Dois anos. Escuta, eu sei que é difícil acreditar, mas estou livre e vamos viver dois anos no estrangeiro.

- Que tipo de acordo? Fugiste, Joe Roy? Disseste que seria fácil.

- Não. Fui libertado.

- Mas ainda tens mais de vinte meses a cumprir.

- Agora já não. Escuta, vai buscar o impresso para o passaporte e segue as instruções.

- Para que preciso eu de um passaporte?

- Para nos encontrarmos na Europa.

- Durante dois anos?

- Sim, isso mesmo.

- Mas a mãe está doente. Não posso simplesmente fugir e abandonar a mãe.

Spicer pensou em todas as coisas que gostaria de dizer acerca da mãe dela, mas calou-se. Suspirou e deitou uma olhadela à rua.

- Vou-me embora. Não tenho alternativa - disse ele, i   - Vem para casa - disse ela.

- Não posso. Depois explico-te.

- Uma explicação seria agradável.

- Amanhã telefono-te.

Beech e Spicer comeram marisco num restaurante a abarrotar de gente mais nova. Deambularam pelos passeios e pouco depois foram dar ao Pete’s Bar and Grill, onde ouviram os Braves e gozaram o ruído.

Finn encontrava-se algures sobre o Atlântico, atrás do dinheiro dos três. !

EmHeatrhow o funcionário da Alfândega mal olhou para o passaporte de Finn, um prodígio de falsificação. Tinha um aspecto usado e acompanhara Mr. William McCoy por todo o mundo. De facto, Aaron Lake tinha amigos poderosos.

Finn apanhou um táxi para o hotel Basil Street, em Knightsbridge, e pagou em dinheiro o quarto mais pequeno que havia. Ele e Beech tinham escolhido o hotel ao acaso num guia de viagens. Era um edifício de outra época, cheio de antiguidades, e a decoração variava consoante os pisos. No pequeno restaurante, num piso superior, Finn tomou um pequeno-almoço constituído por café, ovos e salsichas. Em seguida, foi dar um passeio. Às dez horas, o seu táxi parou em frente do Metropolitan Trust, na City. A recepcionista não se importou com as suas roupas -jeans e um pulôver mas quando precebeu que se tratava de um americano, encolheu os ombros e deu mostras de tolerar a situação.

Fizeram-no esperar uma hora, mas não se importou. Finn estava nervoso, mas não o mostrava. Esperara dias, semanas, meses, para receber o dinheiro. Aprendera a ser paciente. Mr. MacGregor, o responsável pela transferência, veio finalmente ter com ele. O dinheiro acabara de chegar; que desculpasse o atraso. Os seis milhões de dólares tinham atravessado o Atlântico em segurança e encontravam-se agora em solo britânico. Mas não por muito tempo.

- Quero transferi-lo para a Suíça - disse Finn, com a dose adequada de confiança e de experiência.

Nessa tarde, Beech e Spicer apanharam um avião para Atlanta. Tal como Yarber, deambularam pelo aeroporto com liberdade total enquanto aguardavam o voo para Londres. Viajaram em primeira classe, comeram e beberam durante horas, viram filmes e tentaram dormir durante a travessia do oceano.

Ficaram muito admirados ao ver que Yarber os esperava quando passaram na Alfândega de Heathrow. Ele deu-lhes a óptima notícia de que o dinheiro chegara e partira. Estava escondido na Suíça. Yarber surpreendeu-os de novo com a ideia de partirem imediatamente.

- Eles sabem que nós estamos cá - disse, quando tomavam um café no bar do aeroporto. - Vamos livrar-nos deles.

-Estás convencido de que eles vêm atrás de nós?-perguntou Beech.

- Vamos partir desse princípio.

- Mas porquê? - perguntou Spicer.

Discutiram o assunto durante meia hora e depois começaram à procura de voos. O da Alitalia para Roma foi o escolhido. Em primeira classe, evidentemente.

- Fala-se inglês em Roma? - perguntou Spicer quando estavam a embarcar.

- Por sinal, fala-se italiano - respondeu Yarber.

- Acham que o papa nos recebe?

- É capaz de estar ocupado.

 

XXXIX

Durante vários dias, Buster seguiu para oeste, aos ziguezagues, até que o autocarro chegou ao seu destino: San Diego. O mar atraía-o, e há vários meses que não o via. Deambulou pelas docas, à procura de trabalhos bizarros e metendo conversa com a gente local. O capitão de um navio fretado contratou-o como moço de fretes e Buster desembarcou em Los Cabos, México, na ponta meridional do Baja. O porto estava repleto de barcos de pesca caros, muito mais bonitos do que aqueles em que ele e o pai tinham negociado. Travou conhecimento com alguns dos capitães e, daí a dois dias, tinha emprego como encarregado da limpeza de convés. Os clientes eram americanos ricos do Texas e da Califórnia e passavam mais tempo a beber do que a pescar. Buster não ganhava ao mês nem à hora; trabalhava em troca de gratificações, invariavelmente tanto maiores quanto mais os clientes bebiam. Um dia sem grande movimento rendia-lhe duzentos dólares; um dia bom, quinhentos dólares, tudo em dinheiro. Vivia num hotel barato e, alguns dias depois, deixou de olhar por cima do ombro. Los Cabos depressa passou a ser a sua terra.

De um momento para o outro, Wilson Argrow saiu de Trumble e foi enviado para uma unidade de reabilitação em Milwaukee, onde ficou exactamente uma noite antes de sair. Como não existia, não podia ser encontrado. Jack Argrow foi ter com ele ao aeroporto e levou bilhetes. Voaram juntos para Washington. Depois de partirem da Florida, os irmãos Argrow, Kenny Sands e Roger Lyter, apresentaram-se em Langley, a postos para a missão seguinte.

Três dias antes de sair de Washington para a convenção em Denver, Aaron Lake chegou a Langley para almoçar com o director. Esperava-se que fosse uma ocasião alegre, em que o candidato vencedor agradeceria mais uma vez ao génio que lhe pedira para entrar na corrida. O seu discurso de posse estava escrito há um mês, mas Teddy tinha algumas sugestões que queria discutir com ele.

Acompanharam-no ao gabinete de Teddy, onde o velho o esperava debaixo da sua manta. Estava pálido e cansado, pensou Lake. Os adjuntos desapareceram, a porta fechou-se e Lake reparou que a mesa não estava posta. Sentaram-se longe da secretária, face a face, muito perto um do outro.

Teddy gostou do discurso e fez apenas alguns comentários.

- Os seus discursos estão a tornar-se demasiado longos - disse ele tranquilamente.

Mas Lake tinha tanta coisa para dizer nesta fase!

- Ainda estamos a revê-lo - disse ele.

- Estas eleições são suas, Mr. Lake - disse Teddy, com uma voz débil.

- Sinto-me bem, mas vai ser uma luta renhida.

- Você vai ganhar por quinze pontos. Lake deixou de sorrir e apurou o ouvido.

- Ah, essa é uma boa margem.

- Você vai um pouco à frente nas sondagens. Para o mês que vem, o vice-presidente sobe. A situação oscilará até meados de Outubro. Depois, registar-se-á uma situação ligada às armas nucleares que aterrará o mundo. E o senhor, Mr. Lake, será o messias.

A perspectiva assustava até o messias.

- Uma guerra? - perguntou Lake tranquilamente.

- Não. Haverá baixas, mas não serão americanos. O Natty Chenkov é que ficará com as culpas, e os bons eleitores desta república afluirão às urnas. Você pode ganhar por vinte pontos.

Lake respirou fundo. Queria fazer mais perguntas e talvez até levantar objecções ao derramamento de sangue. Mas seria inútil. O ambiente de terror que Teddy planeava para Outubro, fosse ele qual fosse, já estava em preparação. Lake nada podia dizer ou fazer para o evitar.

- Continue a bater na mesma tecla, Mr. Lake. A mesma mensagem. O mundo está prestes a enlouquecer, e nós temos de ser fortes para proteger a nossa maneira de viver.

- Até agora, a mensagem resultou.

- O seu opositor vai ficar desesperado. Vai atacá-lo com o tema único e ladrar por causa do dinheiro. Vai batê-lo e conseguir alguns pontos. Não entre em pânico. Em Outubro, o mundo fica virado de pernas para o ar. Confie em mim.

- Eu confio.

-O senhor ganhou isto, Mr. Lake. Continue a pregar a mesma mensagem.

- É o que farei.

- Óptimo - disse Teddy, e fechou os olhos por instantes, como se precisasse de dormir uma curta sesta.

Depois, abriu-os e disse:

- Agora, falando de um assunto diferente, tenho uma certa curiosidade em saber quais são os seus planos depois de chegar à Casa Branca.

Lake ficou atrapalhado, e o seu rosto mostrou-o. Teddy continuou a armar a emboscada.

- O senhor precisa de uma companheira, Mr. Lake, de uma Primeira Dama, alguém que dê graça à Casa Branca com a sua presença. Alguém que dê recepções e se preocupe com a decoração, uma mulher bonita, suficientemente jovem para ter filhos. Há muito tempo que não temos crianças na Casa Branca, Mr. Lake.

- O senhor deve estar a brincar. Lake ficou pasmado.

- Gosto dessa tal Jayne Cordell da sua equipa. Tem trinta e oito anos, é bem falante e muito bonita, embora tenha de perder oito quilos. Está divorciada há doze anos, e o assunto está esquecido. Creio que daria uma boa Primeira Dama.

Lake inclinou a cabeça para o lado e, de súbito, sentiu-se furioso. Apetecia-lhe desancar Teddy, mas nesse momento faltavam-lhe as palavras. Conseguiu balbuciar:

- O senhor enlouqueceu?

- Sabemos do Ricky - disse Teddy, com uma grande frieza e um olhar penetrante.

O ar desapareceu dos pulmões de Lake, que suspirou e exclamou:

- Oh, meu Deus!

Ficou a olhar para os pés, completamente imóvel com o choque.

Para piorar as coisas, Teddy entregou-lhe uma folha de papel. Lake pegou nela e reconheceu imediatamente uma cópia do seu último bilhete a Ricky.

Caro Ricky,

Creio que é melhor pormos fim à nossa correspondência. Desejo-te felicidades na tua recuperação.

Cumprimentos,

Lake ia a dizer que podia explicar tudo; as coisas não eram o que pareciam. Mas resolveu não dizer nada, pelo menos por enquanto. As perguntas inundavam-lhe a mente. O que sabiam eles? Como é que tinham interceptado a correspondência? Quem mais é que sabia?

Teddy deixou-o sofrer em silêncio. Não havia pressa. Quando os seus pensamentos se organizaram, o político que havia em Lake veio à superfície. Teddy oferecia-lhe uma saída. Era como se Teddy dissesse: «Joga bola comigo, filho, que as coisas vão correr bem. Fá-las à minha maneira.»

Por isso, Lake engoliu em seco e disse:

-Por sinal, gosto dela.

- É claro que gosta. Ela é perfeita para o lugar.

- Sim. É muito leal.

- Dorme com ela?

- Não. Por enquanto, não.

- Despache-se. Dê-lhe a mão durante a convenção. Deixe que os

mexericos comecem, deixe a natureza seguir o seu curso. Uma semana

antes das eleições, anuncie um casamento no Natal.

- Grande ou pequeno?

- Enorme. O acontecimento social do ano em Washington.

- Isso agrada-me.

- Engravide-a rapidamente. Antes da tomada de posse, anuncie que a Primeira Dama está à espera de um filho. Isso dará uma notícia formidável. E será tão bom ver crianças outra vez na Casa Branca!

Lake sorriu e fez um gesto de cabeça, como se o pensamento lhe Agradasse. De repente, franziu o sobrolho e perguntou:

- Alguém virá a saber do Ricky?

- Não. Ele foi neutralizado.

 - Neutralizado?

- Nunca mais escreverá outra carta, Mr. Lake. E o senhor andará tão ocupado com os seus filhos que nem terá tempo para pensar em gente como o Ricky.

- Ricky quê?

- Adiante, Lake. Adiante.

- Lamento muito, Mr. Lake. Lamento muito. Que isto não volte a acontecer.

-Evidentemente que não. Eu é que tenho o dossier, Mr. Lake, Lembre-se sempre disso.

Teddy começou a rodar a cadeira para trás, como se a reunião tivesse acabado.

- Foi um momento de fraqueza isolado - disse Lake.

- Não se preocupe, Lake. Cuide da Jayne. Compre-lhe roupas novas. Ela trabalha muito e anda com um ar cansado. Alivie-a. Ela tem tudo para dar uma Primeira Dama maravilhosa.

- Sim, senhor. Teddy estava à porta.

- Não quero mais surpresas, Lake.

- Não, senhor.

Teddy abriu a porta e afastou-se.

No fim de Novembro, tinham-se instalado em Monte Carlo, essencialmente devido à beleza do local e ao tempo quente, mas também porque lá se falava muito inglês. E havia casinos, que eram indispensáveis a Spicer. Nem Beech nem Yarber sabiam se ele estava a ganhar ou a perder, mas estava com certeza a divertir-se. A mulher continuava a tomar conta da mãe, que ainda não morrera. A situação estava tensa, porque Joe Roy não iria para casa e ela não sairia do Mississipi.

Viviam os três no mesmo hotel, pequeno mas elegante, nos limites da cidade, e em geral tomavam o pequeno-almoço juntos duas vezes por semana, antes de se separarem. À medida que os meses passavam e que se instalavam nas suas novas vidas, viam-se cada vez menos. Tinham interesses diferentes. Spicer queria jogar, beber e passar algum tempo com mulheres. Beech preferia o mar e gostava da pesca. Yarber viajava e estudava a história do Sul de França e do Norte de Itália.

Mas cada um sabia sempre onde os outros estavam. Se algum desaparecesse, os outros dois queriam ser informados.

Não leram nada acerca dos seus indultos. Beech e Yarber tinham passado várias horas numa biblioteca de Roma a ler jornais americanos, pouco depois de terem saído do país. Nem uma palavra a respeito deles. Não mantinham contacto com ninguém dos Estados Unidos. A mulher de
Spicer afirmava que não dissera a ninguém que o marido saíra da prisão. Continuava convencida de que ele fugira.

No Dia de Acção de Graças, Finn Yarber estava a tomar um café na baixa de Monte Carlo. Estava um dia quente e cheio de sol e Yarber lembrava-se vagamente de que havia um feriado importante no seu país. Não se importava porque não tencionava voltar. Beech estava a dormir no quarto do hotel. Spicer num casino a três quarteirões dali.

Um rosto vagamente familiar surgiu não se sabe de onde. Numa fracção de segundo, o homem sentou-se em frente de Yarber e disse: - Olá, Finn. Lembra-se de mim?

Yarber tomou um gole de café tranquilamente e examinou a face do homem. Vira-o pela última vez em Trumble.

- Wilson Argrow, da prisão - disse o homem. Yarber pousou a chávena, não fosse deixá-la cair.

- Bom-dia, Mr. Argrow - disse Finn devagar, com calma, embora lhe apetecesse dizer muitas outras coisas.

- Aposto que está admirado por me ver.

- Sim, por acaso.

- A vitória esmagadora do Aaron Lake não foi uma notícia formidável?

- É verdade. Em que posso ajudá-lo?

- Só queria que soubesse que andamos sempre perto, caso precise de nós.

Finn riu-se e disse:

- Não me parece provável.

Há cinco meses que tinham sido libertados. Tinham andado de país em país, da Grécia para a Suécia, da Polónia para Portugal, sempre a caminho do Sul à medida que o tempo mudava. Como diabo é que Argrow conseguira dar com eles?

Era impossível.

Argrow tirou uma revista do bolso interior do casaco.

-Descobri isto a semana passada-disse ele, entregando-lhe a revista.

Numa das últimas páginas, via-se um anúncio assinalado a marcador vermelho:

JOVEM DE 20 E TAL ANOS PROCURA CAVALHEIRO AMERICANO SIMPÁTICO E DISCRETO DE 40 OU 50 ANOS PARA CONVÍVIO.

Yarber já vira aquilo, mas encolheu os ombros como se não imaginasse do que se tratava.

- Parece familiar, não é verdade? - perguntou Argrow.

- A mim, parecem-me todos iguais - respondeu Finn.

Atirou a revista para cima da mesa. Era a edição europeia de Out and Abóut.

- Descobrimos que o endereço da caixa postal é aqui em Monte Carlo - disse Argrow. - Uma caixa postal novinha em folha, com um nome falso e tudo. Que coincidência!

- Ouça, não sei para quem é que trabalha, mas desconfio que não estamos sob a sua jurisdição. Não violámos uma única lei. Porque não desaparece?

- Claro, Finn, mas dois milhões de dólares não chegam? Finn sorriu e olhou à sua volta. Tomou um gole de café e disse:

- Você conseguiu manter-se ocupado.

- Até qualquer dia - disse Argrow, levantando-se e desaparecendo. Yarber acabou de beber o café como se nada tivesse acontecido.

Durante algum tempo, ficou a olhar para a rua e para o trânsito. Em seguida, foi ter com os colegas.

 

                                                                                            John Grisham

 

 

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Carlos Cunha        Arte & Produção Visual

 

 

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