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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


INESQUECIVEL
INESQUECIVEL

                                                                                                                                                  

 

 

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

 

Capítulo 10

– Certo, Artie, meu braço vai cair daqui a pouco – Callie se agachou e abraçou o cachorro. Ele estava ofegante, a respiração saindo em nuvens de vapor. – Além disso, daqui a uns cinco minutos vai escurecer. Você não vai mais encontrar o galho.

Ela ouviu um carro e viu um Jaguar sair, com a sra. Walker atrás do volante. Não vira a mulher com frequência nos últimos dias e torcera para que isso fosse o começo de uma tendência.

Estava voltando para a casa quando a porta se abriu. Jack estava do outro lado, a luz sob a entrada iluminando seu rosto. Sorriu para Callie, uma bebida nas mãos, enquanto ela subia os degraus.

– Falei com Gray. Talvez ele esteja livre para o jantar hoje, e deve chegar daqui uma meia hora – ele disse, fechando a porta atrás dela.

Por algum motivo, o fato de Jack ter realmente arranjado aquele encontro a incomodou.

Depois de terminar a documentação do projeto, e já vesga de tanto trabalho concentrado com o microscópio, a última coisa que Callie queria era conhecer um dos amigos dele. Ou talvez fosse a ideia de ser simpática na frente de Jack e seu colega de faculdade que a deixava exausta. Fingir interesse em um homem enquanto ignorava sua atração por outro exigiria mais coordenação do que ela acreditava ter.

Callie disse a si mesma que seu mau humor não estava relacionado ao fato de que estivera animada com a ideia de jantar sozinha com Jack, como vinham fazendo nas últimas noites. Ele tendia a ficar no escritório até tarde e ela trabalhava o dia todo no retrato. Quando ele chegava em casa, verificava seu progresso com a pintura e eles comiam na cozinha, trocando histórias sobre seus dias.

Na noite anterior, ela apontara que as habilidades dele com o micro-ondas tinham melhorado, e o orgulho óbvio de Jack a fez sorrir. Aparentemente, sua incompetência se devia a falta de treino. Ele dissera que não costumava chegar em casa antes das dez e que comia no escritório, mas agora tinha um motivo para sair mais cedo. Evidentemente gostava daqueles jantares tanto quanto ela.

Naqueles momentos íntimos, Callie sentia que estava começando a conhecê-lo e o que descobria era surpreendente. Sim, ele era um homem de negócios implacável, mas se importava com as pessoas. Um funcionário sênior da gerência do Fundo Walker tinha uma filha que estava morrendo de neuroblastoma aos seis anos. Jack estava fora de si com dor pela família do homem e Callie nunca esqueceria a expressão dele enquanto descrevia como todos se sentiam impotentes. Todo o dinheiro e poder no mundo não salvariam a menininha. Algumas conexões conseguiram que ela fosse tratada no Instituto do Câncer Dana Farber e examinada pelos melhores profissionais, especialistas treinados em Harvard em oncologia e pediatria. Mas ela ainda morreria.

Callie podia jurar que os olhos de Jack tinham ficado marejados enquanto falava sobre a situação e ela precisara de todo o autocontrole para não estender a mão sobre a mesa e apertar a dele.

Arthur era outro dos seus pontos fracos. Na outra noite, o cachorro entrara na casa mancando. Jack se agachara, de terno, para examinar a pata ferida. Ele gentilmente apalpara a área, e Artie tinha consentido com total confiança, mesmo ao extremecer quando Jack extraiu um espinho. Ao terminar, Jack colocara um pouco de antibiótico em um algodão, enrolara com uma gaze ao redor da ferida, e dera a Artie um pedaço de filé mignon do próprio prato. Naquela noite, o cachorro quis dormir com ele.

– Olá? – Jack chamou.

Ela balançou a cabeça.

– Desculpe. Que cheiro fantástico é esse?

– O molho marinara de Thomas, creio eu.

– Thomas?

– Nosso cozinheiro – ele franziu a testa. – Não o vê durante o dia?

– Não, fico na garagem.

– O dia inteiro? Até eu voltar pra casa? Você não come?

Ela deu de ombros.

– Perco a noção do tempo e me esqueço.

– Cadê seu relógio?

– Não tenho um.

Ele resmungou algo e tomou o cotovelo dela. O contato queimou sua pele e ela fechou os olhos por um momento, deixando-se conduzir até a cozinha.

– Acho que vai gostar de Thomas.

Enquanto ela resistia à vontade de se encostar no corpo de Jack, pensou que talvez fosse bom que esse outro cara viesse para o jantar. Talvez ela realmente gostasse dele e deixasse de pensar em Jack.

Quando entraram na cozinha, Callie ficou surpresa ao ver um homem com um só braço segurando uma panela de água fervente sobre uma peneira na cozinha. Duvidava que ela mesma aguentasse a panela com duas mãos, mas o cara parecia perfeitamente à vontade enquanto inclinava o cabo e despejava uma torrente de água quente e macarrão.

– Thomas, quero lhe apresentar a alguém.

O cozinheiro olhou por sobre o ombro. Tinha cerca de sessenta anos, um rosto como o de um buldogue, e também o corpo baixo e robusto de um. Ela avistou uma tatuagem sob sua camisa de manga curta e notou uma pequena argola de ouro em sua orelha. Nunca pensaria que um personagem como aquele estaria no comando da cozinha de Buona Fortuna. Imaginara que o chef seria um europeu magrelo com uma atitude arrogante de rivalizar com a sra. Walker.

Thomas sorriu e Callie gostou dele de imediato.

– Então é você que está roubando comida da minha geladeira – ele disse. O homem tinha um fantástico sotaque de New England, marcado por vogais curtas e consoantes duras e longas. – Todo dia chego aqui e falta fruta da tigela, alguém mexeu nos ovos, e o pão sumiu. Como se alguém estivesse fazendo um café da manhã.

Ele colocou a panela de lado e foi até Callie. Sua roupa branca era imaculada, ela notou, exceto pelo pano de prato no cinto, que tinha algumas manchas vermelhas.

Quando apertaram as mãos, ela notou que ele tinha uma tatuagem de âncora no interior do antebraço. Um marinheiro, pensou.

– Então o que temos hoje, chef? – Jack perguntou, tirando uma pilha de pratos do armário. Ele começou a arrumar a mesa de carvalho baixa que ficava em frente a uma janela panorâmica.

– Meu molho marinara. Para uma noite fria como essa, é exatamente o que você precisa antes de cair na cama.

Jack lhe deu um tapa no ombro.

– Deus lhe abençoe. Estou faminto.

– É, é sua mãe que não conseguimos que coma aqui – quando Arthur foi até Thomas e o olhou, o homem riu. – Mas este aqui não para de mastigar, não é?

O cachorro abanou o rabo e lambeu os beiços.

– Quais são seus planos hoje? – Jack perguntou, pegando alguns guardanapos de linho.

– Tenho um encontro com a doce Angelina.

Jack riu.

– Ainda está com ela?

– Filho, não se recusa uma mulher daquelas. Ela tem habilidades especiais com a... – Thomas pausou e olhou para Callie. – Ahn. Ela é boa de papo.

Callie riu enquanto o homem despia o avental e o atirava em uma cesta no canto.

– Vou tomar um banho e sair. Não espere acordado.

– Nem pensaria em fazer isso – Jack respondeu.

– Prazer em conhecê-la, Callie.

Ela acenou.

– Igualmente.

Então as luzes diminuíram e ela olhou para cima, surpresa. Jack foi até a mesa, acendeu velas e lhe ofereceu vinho. Callie decidiu não exagerar no álcool até que o amigo de Jack chegasse. A atmosfera era íntima demais, e ela queria se manter afiada.

Aquilo não era para ela e Jack, ela se lembrou quando eles se sentaram. Ele tinha uma noiva e ela estava prestes a ser apresentada ao amigo dele. O jantar não era nem um pouco para os dois.

– Você vai gostar de Gray – Jack disse. O que se seguiu foi uma longa lista das qualidades do homem, incluindo algumas anedotas sobre os dias de faculdade de Jack, que ela ouviu mais para tirar alguma pista sobre Jack do que para saber do amigo dele.

– E falei de você pra ele.

– O que disse?

– Que é inteligente e... – ele limpou a garganta. – E que é linda.

Ela ergueu os olhos lentamente para o rosto dele. Jack encarava o vermelho profundo do vinho em sua taça, mexendo-o de modo que pegava a luz.

– Então, como você e Nathaniel estão se dando? – ele disse abruptamente.

– Bem – ela não se importava nem um pouco de falar de trabalho –, demorei um pouco para terminar a análise preliminar, mas é importante documentar com precisão. Tirei fotos dele hoje e começarei a trabalhar na tela amanhã.

Houve um breve silêncio, então ela perguntou:

– Como foi o seu dia?

Jack sorriu e começou a remover as abotoaduras. Ela ouviu uma atingir a mesa com um som forte.

– Não muito bom – ele tirou a outra e começou a enrolar as mangas. Seus braços eram cobertos por pelos escuros e finos e ela teve de desviar o olhar. – Os irmãos do sangue ainda estão me deixando louco, acho que os juros vão subir e minha assistente me deu aviso-prévio porque vai começar a faculdade de Administração em janeiro. Por outro lado, um dos meus competidores foi acusado de fraude. Que tal? A melhor coisa que aconteceu hoje foi imaginar alguém de quem não gosto vestindo listras horizontais. Ah, mas meu irmão vem nos visitar em breve.

Ela mexeu com os talheres à sua frente, virando a faca várias vezes.

– Ah, é? Fale mais sobre ele.

– Somos gêmeos. – Ele riu quando ela lhe olhou secamente. – Estou brincando. Quer dizer, não somos nem um pouco parecidos fisicamente. Ele é cozinheiro de mão cheia, como mencionei. Thomas lhe ensinou o básico e então, depois que se formou em Harvard, ele foi para a CIA.

– Era um espião, também?

– O Culinary Institute of America.1

– Ah – ela sorriu. – Vocês devem ser próximos. Ou pelo menos é o que ouvi sobre gêmeos.

– Somos, mesmo não tendo muito em comum – a voz de Jack adquiriu uma nota dura. – Exceto o fato de que meu pai não gostava de nenhum dos dois.

Callie tentou imaginar como um pai poderia não se orgulhar de tudo o que Jack havia realizado. Dez bilhões de dólares era bastante dinheiro para um homem ter em mãos.

– Mas por quê?

Ele deu de ombros.

– Eu era agressivo demais, Nate relaxado demais. Pensando bem, acho que meu pai se deu melhor com mulheres a vida toda. Ele provavelmente teria sido menos exigente com filhas.

O telefone tocou e Jack estendeu a mão à parede. Quando desligou, pareceu perturbado.

– Gray não vem. Pediu desculpas e disse que está ansioso para conhecer você.

– Ah.

Ele franziu o cenho por um momento, mas foi ao fogão, colocou a massa em dois pratos e despejou o molho. Depois de servir Callie, ele sentou com o próprio prato, e ela pensou que tudo parecia bom demais para ser verdade. As velas. Os pratos quentes de macarrão.

Ele.

– Vinho? – ele perguntou.

Sim, ela bem que precisava de uma bebida no momento.

– Sim. Mas branco, por favor. Minha cabeça não gosta de tinto.

Jack foi a uma adega de vinho e puxou uma garrafa. Quando a abriu, os olhos de Callie pousaram em suas mãos, traçando as veias grossas que desciam dos braços até os dedos. Lembrou de como ele estivera após voltar de uma corrida. Todo suor e músculos.

– Está quente aqui, não? – ela perguntou de repente.

– Quer que eu abra a janela?

Ela abanou a cabeça enquanto ele servia o vinho. Quando se sentou, Jack ergueu a taça em um brinde.

– A Nathaniel.

– A Nathaniel.

Suas taças de encontraram. E então seus olhos.

Encarando-o do outro lado das velas, Callie pensou que a cena era bem diferente da rotina deles.

Ela rapidamente bebeu um gole e se focou em sua taça.

– Meu Deus. Que vinho é esse?

Ele disse algo em francês e seguiu o título grandioso com o ano em que ela tirara a carteira de motorista.

– É, ah... muito bom. – Sem dúvida, o melhor que ela já tomara.

Quando experimentou a massa, soltou um som baixo de apreciação.

Jack a observou.

– Sinto o mesmo. O homem é um gênio.

– Há quanto tempo o conhece?

– Ele está aqui desde os anos setenta. Podia ser chef de qualquer restaurante de primeira classe, mas trabalha melhor sozinho. E você? – ele habilmente mudou de assunto. – Tem irmãos?

Callie engoliu um bocado que perdeu o gosto. Roubou um pouco de tempo bebendo um gole de vinho.

– Tenho uma meia-irmã – ela disse em voz baixa.

– Vocês são próximas?

– Ah... é complicado. Mas gosto muito dela.

Ele assentiu e deixou o assunto para lá, só para perguntar algo que definitivamente tirou o apetite dela.

– E seus pais? Como são?

Ele estava casualmente enrolando a massa com o garfo, mas ela não se enganou. Jack esperava uma resposta.

– Os dois morreram.

Ele abaixou o garfo.

– Sinto muito.

Ela deu de ombros. A luz fraca a deixou estupidamente tentada a falar. Sobre a mãe, pelo menos. Mas então viu o lugar vazio onde o amigo dele deveria estar e se lembrou que o fato de estarem a sós era um acidente. Não era um começo mágico para eles.

– Obrigada, mas estou bem.

– Então com quem fala quando precisa de ajuda? – ele perguntou. – Quem é seu apoio?

Ela tomou um longo gole.

– Eu, ah... não sei como responder isso.

– Poderia tentar um substantivo próprio – ele a repreendeu gentilmente.

Ela sorriu. Quando ele brincava daquele jeito, era quase irresistível.

– Sou uma pessoa reservada – ela disse.

Ele inclinou a cabeça.

– De que tipo de homem você gosta?

Ela o olhou com surpresa.

– Que tipo de... nossa, não sei.

– Deve ter um conjunto de características que acha atraente. Aparência, humor, dinheiro...

– Definitivamente não dinheiro.

Ele sorriu e pegou a taça.

– Então estou fora da corrida.

– Está fora da corrida porque tem uma noiva.

Assim que disse aquelas palavras, Callie quis soltar um xingamento.

– Quero dizer...

Jack tomou um gole rápido.

– Eu sei, eu sei.

Houve um longo silêncio.

– Então, seus homens. Qual seu tipo?

Callie balançou a cabeça diante da persistência dele.

– Não tenho um tipo.

– Todo mundo tem.

– Então qual é o seu? – ela retrucou rápido.

– Touché. Mas por que você não responde primeiro desta vez?

Quando ela só sorriu e ficou em silêncio, ele riu.

– Não me diga que agora vai dar pra trás!

Quando ela permaneceu quieta, ele disse:

– Tá bom. Por que não me diz qual você acha que é meu tipo de mulher? Mas lembre-se, a caridade começa em casa e você está sob meu teto.

Ela hesitou.

– Estamos falando do novo e melhorado Jack Walker, socialmente responsável? Ou do playboy cujas calças percorriam saguões de hotel sem ele?

Ele riu.

– Será melhor pra ambos considerar o atual.

– Certo. – Ela tomou um gole e se surpreendeu quando esvaziou a taça. – Tenho certeza de que você gostaria de alguém que compartilha sua origem e seus valores, que seja linda e socialmente hábil. Não imagino que desperdiçaria tempo com uma idiota, portanto ela teria que ser inteligente. E acho que seria mais fácil pra você se sua mãe aprovasse, embora duvide que você fizesse disso uma condição.

As sobrancelhas dele se ergueram e ela teve a impressão de que acertara em cheio.

– Posso beber mais vinho? – ela perguntou rápido.

Os lábios dele se curvaram.

– Claro. Se responder à minha pergunta.

– Acabei de responder.

Ele sorriu.

– Ainda quero falar sobre seus homens.

Seria uma conversa curta, ela pensou secamente.

Ela se ajeitou na cadeira, notando que ele parecia contente por esperar.

– Meu vinho primeiro – ela insistiu, inclinando a taça para a frente.

Ele a serviu e a olhou diretamente.

– E então?

Callie deu de ombros.

– Não há nada para contar.

– Ou nada que você queira compartilhar.

– O resultado é o mesmo, não é?

– Você é tão fugidia – ele murmurou. – Tentar tirar alguma coisa de você é como puxar um carvalho da terra com um cadarço.

Ela sorriu.

– Um jeito interessante de pôr as coisas.

– Você é frustrante demais.

– Então talvez você devesse desistir.

Ele balançou a cabeça, olhando-a sob aqueles cílios densos. O castanho em seus olhos queimava.

– Desculpe, Callie. Não sou esse tipo de homem.

Ela empurrou o vinho de repente e se ergueu.

– Seria melhor pra nós dois se fosse.

Quando ela passava por ele, Jack apanhou sua mão. Seu toque era quente. Urgente.

– Não vá.

Callie sabia que se encarasse os olhos dele estaria perdida, então olhou uma das velas, que ondulava lentamente. O ar parecia ter ficado mais denso de repente, e seus pulmões pareciam apertados.

– Queria muito que você não tivesse me beijado – ela murmurou.

A declaração ousada foi seguida por uma vontade absurda de bater a mão contra a boca.

– Fale a verdade – ele disse em voz baixa. – Quer que eu peça desculpas de novo? Ou diz isso porque não consegue esquecer?

Através da luz das velas, a voz de Jack flutuou até ela e a abraçou.

Ela tentou respirar fundo. Seu coração não conseguia decidir entre bater três vezes a velocidade normal e parar completamente.

– Callie?

Cautelosa, ela se virou para ele. Coisas loucas começaram a passar em sua mente, como imagens dela mesma se inclinando para ele.

Viu os olhos de Jack se focarem nos seus lábios. Quando eles escureceram, até ficar quase pretos, Callie teve a sensação de que ele estava tão dividido quanto ela.

Ela balançou a cabeça, tentando puxar a mão. Quando Jack não a soltou, ela perguntou:

– O que estamos fazendo aqui?

– Eu bem que queria saber.

Então ele se levantou e a puxou para si. Pondo as mãos no rosto dela, se inclinou e Callie fechou os olhos, erguendo a boca para o beijo mesmo enquanto dizia a si mesma que aquilo era errado.

Ele já tinha uma mulher. Uma noiva. Aquilo era muito errado.

Mesmo assim, quando o beijo não veio, ela ficou amargamente decepcionada.

Abriu os olhos. Ele estava parado, a centímetros dos lábios dela, os olhos queimando. Mas não se aproximava.

Tomada por uma onda de insanidade, ela agarrou os ombros dele e o puxou para um beijo. Ele resistiu por um segundo e então a estreitou contra seu corpo até estarem quadril com quadril, peito com peito. Sua boca estava feroz na dela; deslizou a língua entre seus lábios e enfiou as mãos no seu cabelo. Ela gemeu e se aproximou dele, sentindo seu corpo contra o dela, tão sólido e forte.

– Nossa, que delícia – Jack grunhiu enquanto puxava sua camisa e deslizava as mãos sobre a pele nua. – Estar com você é bom demais.

Ele a pressionou contra algo, talvez a parede, as mãos passando ao redor da cintura dela enquanto beijava seu pescoço. A parte de baixo do corpo estava colada no dela, a ereção pressionando-a, e Callie só o queria mais próximo. Nu. Dentro dela. Apertou os ombros de Jack com toda a força enquanto ele lentamente subia as mãos para seus seios. Traçou-os, sentindo os lados, mas não os tocou de verdade. Ela se espremeu contra ele, querendo mais.

Com um gemido, ele parou de beijá-la e descansou a cabeça em seu ombro, ofegante. O ouvido de Jack zumbia, seu sangue gritava. Ele lutava para se controlar, e ela não sabia se ficava agradecida ou não.

– Não está certo – ele disse, rouco. – Não devíamos fazer isso.

Mas então passou o dedo pelo mamilo dela. Foi um toque gentil, que a fez querer gritar de satisfação e desejo. Ela arqueou as costas, tentando lhe dar mais espaço, e se viu em contato direto com sua ereção.

De repente, ele praticamente pulou para o outro lado da cozinha. Callie ficou em choque com a retirada, sem saber o que o fizera parar, enquanto a vergonha cortava através da névoa sensual em que ela estivera.

E então a mãe dele entrou na cozinha.

Callie tentou retomar a compostura e não parecer ter sido apaixonadamente beijada e sexualmente frustrada. Voltando para a cadeira, ela com discrição puxou a camisa para baixo, feliz pelo hábito da sra. Walker de ignorar sua presença.

Graças a Deus Jack ouvira a porta da frente abrir. Ela não.

– Bom – disse Mercedes. – Que aconchegante.

Callie agradeceu a pouca iluminação enquanto pegava o garfo e mexia a comida fria no prato. Não tinha dúvidas de que seu rosto mostrava o que seu corpo ainda sentia, e nenhuma mãe precisava ver aquilo.

Especialmente não Mercedes Walker.

– Chegou cedo, mãe – a voz de Jack estava seca e Callie arriscou um olhar. O rosto dele estava completamente calmo, como se nada tivesse acontecido. Considerando como sua voz estivera rouca alguns momentos antes, a recuperação era extraordinária.

– Não estava me sentindo bem.

Callie olhou para a mulher. Ela parecia perfeitamente bem.

Para alguém que estava irada, mas que sabia disfarçar.

Os olhos de Mercedes estavam atirando mensagens para Jack e o conteúdo delas era claro. A mulher obviamente não aprovava a atmosfera íntima na cozinha, nem que seu filho tivesse jantares a dois com alguém que não era sua noiva. Sem dúvida teria desmaiado se tivesse entrado na cozinha enquanto eles se beijavam.

Claro que Callie teria desmaiado também.

Um silêncio constrangedor se seguiu enquanto Mercedes encarava o filho e Jack se encostou casualmente no balcão de granito.

Então é assim que as classes altas brigam, pensou Callie. Sem gritaria, sem xingamentos. Só muitos olhares gélidos e o odor de decepção enchendo o cômodo.

– Queria alguma coisa? – Jack perguntou suavemente.

Mercedes tirou as luvas com movimentos ríspidos e as enfiou no bolso do casaco de pele.

– Não.

– Boa noite, então.

– Boa noite, de fato – Mercedes disparou antes de se virar e sair.

Callie respirou fundo e olhou para os restos do jantar. A massa meio comida no prato de Jack. As velas pingando cera. Os guardanapos na mesa.

Uma refeição tão boa, ela pensou. Ou pelo menos começara assim.

– Você está bem? – Jack perguntou.

Callie assentiu, embora não estivesse nada bem. Agora que conseguia pensar com clareza, se perguntava o que teria acontecido se Mercedes não tivesse chegado. Eles terminariam em um dos quartos? Ela realmente era tão imprudente? Perderia a virgindade com um homem sem ter um relacionamento, sem nenhuma declaração de amor? Sem chance de um futuro, uma vez que ele estava noivo de outra mulher?

Infelizmente, ela se lembrava de como era estar nos braços de Jack, e pensou que sim, talvez ela fosse precipitada a esse ponto. Talvez devesse agradecer à mãe dele por ser uma chata importuna.

Jack limpou a garganta.

– Se prepare. Estou prestes a me desculpar outra vez.

Callie olhou para ele.

– Desta vez, não tem do que se desculpar. Eu fui a... a...

Agressora provavelmente era a palavra. Ela estremeceu.

Jack balançou a cabeça e foi até a mesa. Ela pensou por um momento que ele a tomaria nos braços de novo, mas ele só apanhou os pratos.

Quando foi até a pia, Jack acendeu as luzes, e Callie piscou com a claridade. Ele parou e então atirou um prato com força, fazendo-a pular em surpresa quando a massa bateu na pia.

– Merda, eu não quero... querer você desse jeito. O que está acontecendo entre a gente... não é certo.

– Concordo – ela disse em voz baixa. – Devemos, ahn... esquecer que isso aconteceu.

O rosto dele estava severo quando a olhou por sobre o ombro.

– Acha que isso é possível?

– Temos escolha?

No silêncio terrível que se seguiu, ela o ajudou a tirar a mesa. Assim que terminaram o trabalho, ela jogou os guardanapos na pia e se virou para a porta.

– Boa noite.

Ele não a impediu.

– Boa noite, Callie.
Instituto de Culinária da América.


Capítulo 11

Jack amassou os guardanapos, os jogou no cesto e apagou as luzes. Em vez de se dirigir às escadas, saiu por uma porta lateral. A última coisa que queria era deitar em uma cama com apenas um corredor separando-o de Callie.

O vento gélido atravessou suas roupas e ele gostou da noite cortante enquanto perambulava sem rumo pelo jardim. À distância, ouviu carros passando – o som da Rota 9, um zumbido suave e incessante.

Ela queria que ele esquecesse? Seria mais fácil voltar no tempo.

Quando uma luz se acendeu no quarto de Callie, Jack parou para observar sua silhueta se movendo. Ela se deteve em frente à janela, e ele se escondeu nas sombras. Ela parecia examinar a noite.

Esquecê-la não era uma opção.

Ele sabia que ficar espiando só o colocaria ainda mais nas garras da insônia, então foi para a garagem. Acendeu as luzes e subiu as escadas estreitas. Olhou para o local de trabalho dela, cuidadosamente arrumado.

Potes marrons com líquidos estavam ordenadamente alinhados à esquerda da pintura, assim como uma série de pincéis, varetas de madeira e tufos de algodão. O microscópio, que antes estivera sobre a superfície da pintura, fora colocado de lado, e ele viu que uma máscara respiratória e luvas de borracha estavam sobre a mesa. Apanhou um caderno e o abriu. As notas de Callie sobre as condições do retrato eram numerosas, a escrita muito clara, as declarações quase como as de um advogado em seu tom e precisão. Ela ordenara a documentação sob categorias como “Superfície”, “Lados”, “Absorção” e “Oxidação”. Falando com Callie sobre seu trabalho, ele ficara surpreso com a terminologia científica. Ela sabia muito sobre química, por exemplo, e fora capaz de descrever a um nível molecular o que aconteceria quando o solvente atingisse e liquefizesse o antigo verniz.

Ela era, ele tinha descoberto, incrivelmente inteligente.

E sexy pra caramba.

Jack fechou o caderno e o colocou de volta no lugar.

Merda. Se sua mãe não tivesse chegado, ele teria transado com Callie na mesa da cozinha. Em cima dos pratos. Estava tão determinado a tê-la que não teria importado o lugar.

Ele balançou a cabeça. Precisava falar com Blair. Podia relevar um único lapso com Callie. Mas dois formavam uma tendência que ele não podia ignorar.

Não seria fácil. Por mais cuidadosamente que ele se expressasse, machucaria uma mulher que o amava e aquilo o fazia se sentir péssimo. Também sabia da possibilidade de ela terminar o noivado e não a culparia se assim o fizesse.

Quando o rugido de um motor soou no meio da noite, ele olhou seu relógio, surpreso por Thomas estar de volta tão cedo.

Antes de desligar as luzes, Jack olhou para a mesa outra vez, imaginando Callie debruçada sobre a pintura, totalmente absorvida no trabalho. Imaginou-a perdendo a noção do tempo e não comendo direito e percebeu que não havia um único relógio no lugar, nem um letreiro digital no aparelho de som.

Ele tirou do pulso o seu Patek Philippe. Tinha comprado o relógio quando a primeira empresa em que investira se tornara pública e o deixara várias vezes milionário. Era de ouro, com uma pulseira preta de couro de jacaré, e ele só o tirava para tomar banho, embora fosse à prova d’água até profundidades ridículas.

Ele o pôs virado para cima ao lado da lata de pincéis de Callie, torcendo para que ela o usasse até que ele descobrisse que tipo de relógio instalar ali. Ele mantinha a hora com perfeição e, com sorte, ela saberia a hora do almoço a partir de agora.

Jack estava saindo da garagem quando Thomas desceu do carro. O Pontiac GTO era o orgulho e a alegria da vida do homem. Roxo-escuro cromado, era o muscle car por excelência.

– Chegou cedo, vô.

Thomas soltou uma risada alta.

– Ela é conhecida como “a bela Angelina”, não “a fiel”. Encontrou outro banco traseiro para experimentar.

– Sinto muito.

Thomas sorriu e foi até ele.

– Não tem problema. Haverá outras.

Eles foram até a cozinha juntos.

– Cerveja? – Thomas perguntou, abrindo a geladeira.

Quando Jack assentiu, uma garrafa veio voando até ele. Ele a pegou, abriu e a deslizou pelo balcão. Thomas jogou outra para ele.

– Aquela restauradora é uma beleza – Thomas comentou depois de um gole demorado.

Jack franziu a testa, abrindo sua garrafa.

– É.

– Vocês estão se dando bem?

– Isso é uma pergunta de verdade ou uma insinuação?

Jack inclinou a garrafa, engolindo com força.

Era melhor que xingar.

– Um pouquinho dos dois. Você está rondando como se estivesse em uma coleira curta com um prato de comida fora de alcance. Então fico me perguntando.

– Está imaginando coisas.

– Acho que não.

Jack ficou tentado a mentir, mas sabia que não funcionaria. Não enganaria Thomas. O homem o conhecia desde criança.

– Não adianta – Jack balançou a cabeça. – E a hora é a pior possível. Bem quando decido me estabilizar. Achei que tinha parado de correr atrás de mulheres.

– Sorte sua que aconteceu agora. Antes que as coisas sejam permanentes.

– É por isso que nunca se casou?

Thomas sorriu.

– Não. Nunca me casei porque a mulher que eu amava não estava interessada em mim.

– Sério?

– Eu sei. Acredita? Com todo o meu charme!

Thomas arqueou o pescoço para terminar a cerveja. Quando abaixou a cabeça, tinha um olhar distante.

– Ela não me quis. Achava que era boa demais para mim e provavelmente tinha razão.

– O que aconteceu com ela? – Jack terminou a cerveja e pôs a garrafa no balcão.

Thomas deu de ombros.

– O que importa?

– Talvez você possa ter uma segunda chance.

– Não existem segundas chances, Jack-o’-lantern – disse o homem, usando o apelido de infância. Jogou a cerveja no lixo. – Vou subir. Boa noite.

– Ei, Thomas?

– Sim?

– Se Callie não vier comer por volta do meio-dia, você pode levar algo pra ela?

Thomas lentamente abriu um sorriso.

– Pode deixar.

Quando o homem subiu para o quarto, Jack foi ao escritório e ligou para Blair. Depois de três toques, a chamada caiu no correio de voz. Tentou o Waldorf, o hotel onde ela estava hospedada, e então se lembrou que ela mudara para o Cosgrove. Quando a recepcionista atendeu e ele perguntou por ela, transferiram a ligação imediatamente, mas não houve resposta.

Ele olhou o relógio. Eram dez e meia. Ela provavelmente ainda estava trabalhando.

Jack esfregou os olhos cansados. Era melhor que Blair não tivesse atendido. Ele estava com pressa de ter aquela conversa difícil e corria o risco de ser egoísta o bastante para fazer aquilo por telefone.

Além disso, sua mente estava tão clara quanto lodo.

Na manhã seguinte, Callie saiu do quarto cedo. Depois do que acontecera à noite, preferia não encontrar Jack. Ou a mãe dele.

Ficou surpresa ao encontrar Thomas na cozinha, mas ele explicou que, por ter dormido cedo, levantara com o sol e estava com vontade de fazer pão.

Ela pegou um pedaço de fruta, porque era o único jeito de ele deixá-la sair sem preparar alguma coisa para ela, e foi à garagem. Arthur estava animado com a movimentação, e caminhava ao seu lado.

Quando chegou ao ateliê e sentou-se em frente à pintura, viu um pesado relógio de ouro cuidadosamente colocado ao lado de suas ferramentas.

Ela o apanhou, reconhecendo-o imediatamente.

– Ah, Jack.

Tinha passado a noite sentada ao lado da janela, abraçada com um travesseiro de seda enquanto Arthur dormia no chão ao seu lado. Durante aquelas horas silenciosas, tentou atingir um meio-termo entre o que era bom para ela e o que ela queria. Era como tentar negociar paz entre tribos em guerra.

O que era um tanto surpreendente, considerando a clareza da situação. Ela sabia que era loucura imaginar que Jack terminaria o noivado. Então, se decidisse se envolver com ele, ficaria exatamente na posição de sua mãe. Tornaria-se a segunda opção de um homem rico.

Ela precisava se empenhar para não ficar sozinha com ele outra vez.

Porque obviamente não podia confiar em si mesma. E se deixasse Jack beijá-la outra vez, se o deixasse tocar em seu corpo, e – pior – se o deixasse fazer amor com ela, sem dúvida começaria a confundir as sensações físicas intensas com emoções. Não era isso que as pessoas ingênuas sempre faziam e o motivo de os primeiros amores serem tão dolorosos? Se seu coração entrasse na jogada, Callie se sentiria muito pior do que só sexualmente frustrada.

Se.

Ela suspeitava que era tarde demais para “se”. O homem a tinha cativado com todas as suas contradições, com seu exterior duro e seus toques suaves. Ela nunca conhecera alguém como ele, e não porque era rico e poderoso.

Mas Jack nunca pertenceria a ela.

Respirando fundo, Callie pôs o relógio de volta onde o encontrara, desesperadamente tentando não se perder no gesto atencioso.

Encarando a pintura, tentou encontrar o entusiasmo adequado para a aventura em que embarcaria, mas levou um tempo até estar pronta para começar.

Com a documentação terminada, o próximo passo era remover a sujeira e a antiga camada de verniz. Primeiro, precisava determinar que tipo de verniz fora aplicado e escolher um solvente forte o bastante para remover a camada protetora, mas não tão intenso para retirar a camada de tinta. Usaria o canto inferior esquerdo para testar, numa área que seria coberta pela moldura.

Quando enfim tinha ido dormir na noite anterior, reviu os registros da pintura. O verniz fora aplicado no começo dos anos 1930, à época da última limpeza, e por isso tinha compostos naturais. Nada sintético teria sido usado e Callie estava preparada com substâncias adequadas para remover resina com base de seiva.

Ela tinha seis solventes de força diferente e pegou o mais fraco, abrindo a tampa e liberando o cheiro familiar e doce da substância química. Antes de começar, abriu duas janelas em alguns centímetros para garantir que Artie tivesse ar fresco. Colocando a máscara respiratória, que filtraria os vapores enquanto trabalhava tão próxima ao solvente, escolheu uma vareta da lata e enrolou um pouco de algodão na ponta, que depois molhou na solução, e com gentileza a passou sobre a tela. Não ficou surpresa quando nada aconteceu. Testou o próximo solvente.

Depois de considerar o efeito do solvente mais forte, reajustou a força mais uma vez até atingir a composição perfeita para dissolver a camada de verniz com segurança. Tomou cuidado para documentar os compostos químicos que testou, notando quando atingira o equilíbrio ideal.

E quando isso aconteceu, se aventurou na pintura em si. Sempre que o algodão se tornava sujo, Callie o jogava em um pote selado, amarrava mais na vareta e continuava. Era a parte do trabalho de que mais gostava. O foco quieto e intenso em uma área tão pequena, o trabalho delicado, a solidão. Dava-lhe paz, acalmando sua mente enquanto precisava usar as mãos. O mundo e seus problemas esvaneciam à distância – não mais címbalos, nem mesmo um sussurro.

Era só ela e a pintura.

Enquanto trabalhava, seus olhos passavam intermitentemente sobre o quadro. Estava aprendendo a paisagem da obra-prima, a vasta escuridão ao redor da cabeça de Nathaniel, os cinzas densos e os pretos profundos do casaco, o creme e o branco espumoso da camisa. Seu rosto bonito e atormentado era a parte favorita dela. Estava encantada com o leve tom de rosa nas bochechas dele, o veludo escuro de suas pupilas, os marrons e pretos grossos do seu cabelo.

Talvez até o fim do projeto eu me apaixone por ele, ela pensou, focada em seus olhos outra vez.

Eram tão parecidos com os de Jack.

Algumas horas depois, a paz do ateliê foi quebrada.

– Callie? – a voz de Thomas cortou o silêncio. – Posso subir?

– Oi! Você é sempre bem-vindo!

Ela se levantou, assim como Arthur. O cachorro fora um observador paciente toda a manhã, e quando se alongou, estendendo as patas da frente e abaixando os ombros, parecia ter grandes esperanças com a chegada do chef.

– Trouxe almoço pra você – disse Thomas enquanto subia pesadamente as escadas. Estava carregando uma cesta de piquenique e um cabo de telefone.

Arthur foi até ele, ignorando o fio e cheirando o vime. A abanação do rabo sugeria que ele estava emocionado pelo gesto.

– É muito gentil da sua parte – Callie disse, aceitando a comida e franzindo a testa quando Thomas se pôs de mãos e joelhos sob a mesa. – Não precisava. Ahn. Está tudo certo?

– Só estou instalando um telefone pra você – a cabeça dele emergiu sob a mesa e ele indicou a cesta. – Faz o favor? Está aí dentro.

Ela riu e apanhou um pequeno telefone sem fio.

– Mas não preciso de um.

– Jack ligou de manhã. Quer que eu instale um pra você.

– Ah.

Quando Thomas terminou de conectar os fios, verificou se havia um tom de discagem.

– Prontinho. E tenho um recado de Jack pra você. Queria saber se você pode encontrá-lo em Little Italy para jantar hoje. Às sete, no Nico’s.

Nico’s. Às sete. Seu coração pulou uma batida.

Pelo menos não estariam sozinhos. Havia pessoas em restaurantes. Muitas pessoas.

– Certo.

– E não se preocupe em ir até lá, eu levo você. Ei, posso ver o que está fazendo?

– Claro.

Enquanto Thomas estudava o retrato, Callie colocou a cesta numa mesa lateral. Arthur pôs o focinho bem ao lado, como que para lembrar a todos do papel fundamental que teria quando fosse aberta.

Callie estava afagando uma das orelhas do cão quando Thomas a olhou.

– Quanto tempo você levou para fazer esses dez centímetros?

– Umas duas horas.

– Tem bastante trabalho pela frente – ele disse com um sorriso. – Melhor deixá-la em paz.

– Obrigada pelo almoço. E pelo telefone.

– Sem problemas.

Thomas parou no topo das escadas. Quando olhou para trás, parecia sério, como se debatesse consigo mesmo os méritos de dizer algo. Evidentemente mudou de ideia, porque só ergueu a mão em um aceno e desapareceu.

Callie olhou nos olhos castanhos de Artie, dizendo a si mesma para não ficar ansiosa.

Era só um jantar. Em um lugar público. Onde não teriam como fazer algo errado.

Ela tentou não pensar sobre como seria se Jack fosse um homem livre e eles estivessem indo juntos para algum lugar.

Seria legal ter um encontro com alguém, ela pensou. Ela gostaria de se preparar para um amante. Queria entrar em um restaurante lotado no qual um homem a olharia e a tomaria nos braços só com os olhos. Queria saber como era sentir que era linda para alguém e que fora ansiosamente aguardada.

Callie xingou baixinho. É claro que, na sua fantasia, Jack sentava-se na mesa. A imagem a fez pensar em seus pais.

Em todas aquelas noites em que sua mãe se arrumara para o marido de outra mulher.

A preparação para a chegada do pai normalmente começava no final da tarde, e enquanto a mãe se arrumava na frente do espelho, o prazer fazia brilhar seus olhos em geral pálidos. Callie sempre a ajudava a decidir o que usar e como deixar o cabelo, mas não importava quão cuidadosa a escolha, sempre havia uma mudança de último minuto. Um vestido diferente, outro par de sapatos, o cabelo preso ao invés de solto.

Infelizmente, na maioria das vezes, as noites terminavam com um atraso, uma desculpa, uma decepção. Fora sempre terrível assisti-la se despir.

E mesmo assim ela esperara décadas pelo homem.

Callie se questionara várias vezes sobre o motivo disso, antes de conhecer Jack.

A resposta, ela sabia agora, era a paixão. Quando seus pais estavam juntos, havia magia e faíscas e ternura, mesmo em meio ao conflito eterno. Seu pai era muito alto e imponente, um homem poderoso com um peito largo e uma voz grave que ribombava como trovão. Normalmente era muito sério, mas em certas circunstâncias sua mãe conseguia tirá-lo de seu humor severo. Callie suspeitava que aquilo deveria ter sido parte da atração para sua mãe. Transformar alguém tão importante, tão poderoso, mesmo que por um curto período, deveria ser muito significativo.

E talvez a paixão, a emoção e as risadas fossem o que faltava a seu pai em sua família legítima, e que encontrava no pequeno apartamento delas.

Callie balançou a cabeça, pensando que jamais saberia. Talvez ele também tivesse aquelas coisas na casa de Grace.

Arthur encostou a cabeça na mão dela, mas quando Callie foi afagá-lo sob o queixo, ele olhou para a cesta de piquenique.

– Certo.

Ela despertou e abriu a cesta. Jogando um pedaço de frango para ele, começou a comer a salada e decidiu que era hora de fazer uma pausa. Considerou dar uma volta quando se lembrou dos documentos que estavam no armário.

Quando terminou o almoço, abriu a caixa no topo da pilha e a arrastou com esforço para o sofá. Enquanto removia a tampa, pensou que não tinha por que fingir não estar preocupada com o jantar, mas achou que não haveria problema em separar papéis com um cérebro distraído.

Era certamente mais seguro que brincar com substâncias químicas e a pintura.


Capítulo 12

Naquela noite, Callie olhou seu reflexo no espelho do banheiro e experimentou com o cabelo. Preso? Solto?

Deixou-o cair sobre os ombros, sabendo que não deveria importar.

Dois minutos depois, prendeu-o com as mãos outra vez. Não podia evitar, em grande parte pelo orgulho. Não queria encontrar Jack aparentando qualquer coisa exceto calma. Requinte. Elegância.

Mas isso exigiria outro guarda-roupa. Acabou escolhendo uma saia preta na altura do joelho, uma blusa branca discreta, e um suéter preto para jogar nos ombros. A meia-calça preta e os sapatos também não tinham nada de especial. Olhando-se no espelho, pensou que estava a um passo de parecer uma freira, não fossem seus cachos ruivos.

Definitivamente solto, pensou. E sem a meia-calça de velha.

Passou uma lâmina nas panturrilhas, colocou uma meia-calça cor da pele, e enfiou um par de sapatos com um salto moderado.

Colocou o suéter nas costas e pegou a bolsa, andando com pressa até as escadas porque Thomas já a esperava. Estava no primeiro degrau quando a voz da sra. Walker a fez parar.

– Vai sair hoje?

A mulher saiu no corredor e examinou o que Callie estava vestindo.

– Sim.

– Com meu filho?

Callie ergueu o queixo. Regra número dois para lidar com perseguição: não mostrar medo.

– Sim.

– Bem. Parece que realmente deixou uma impressão nele. Imagino que esteja satisfeita.

Como se o plano de Callie fosse, desde o início, seduzir o filho dela.

– Se me dá licença, não quero deixar Jack esperando.

Ela se virou e começou a descer as escadas.

– Não se engane, srta. Burke. Meu filho está muito apaixonado pela noiva. Você não tem nenhuma chance.

Regra número três para lidar com perseguição: se precisa corrigir a pessoa, faça com firmeza. Qualquer fraqueza é percebida como uma oportunidade e será imediatamente usada contra você.

Callie olhou por sobre o ombro e falou claramente:

– Não se ofenda, sra. Walker, mas a senhora está presumindo coisas demais sem motivo. Boa noite.

Ela se obrigou a descer as escadas com calma. A última coisa que queria era tropeçar e cair, e suas pernas já estavam moles.

Foi um alívio encontrar Thomas na cozinha usando uma jaqueta de motoqueiro, pronto para sair.

– Você vai gostar do Nico’s – ele disse, abrindo a porta dos fundos para ela. – O dono é um amigo meu. Melhor ossobuco de Little Italy.

Esperando lá fora, com o motor ligado, estava o Pontiac GTO que ela vira na entrada antes.

– Carro legal – ela disse, entrando.

– Você tem ótimo gosto.

Vinte minutos depois, após guiá-lo por uma rede de ruas apertadas, ele parou em frente a uma porta vermelha.

– Obrigada pela carona.

Callie saiu e acenou enquanto ele cantava os pneus.

Quando entrou e seus olhos se ajustaram à penumbra, ela viu uma série de mesinhas e uma dúzia de garçons andando pelo ambiente segurando bandejas acima dos ombros. O lugar estava lotado de gente conversando e rindo e havia algum tipo de ópera tocando ao fundo.

Não – era um dos garçons cantando.

– Bem-vinda! – um homem se aproximou sorrindo. – Sou Nico! Venha por aqui, srta. Burke.

– Como você...

– Ele estava certo, é claro. A cor do seu cabelo é mesmo linda.

Perplexa, Callie seguiu o homem, passando na frente de pessoas que obviamente esperavam mesas e procurando Jack na multidão.

Mas ele não estava lá e ela não foi levada a uma mesa. Nico atravessou o restaurante e entrou na cozinha. Lá no fundo, em uma mesa coberta com uma toalha de linho, Jack estava sentado e rindo de algo que um dos cozinheiros dissera.

– O sr. Walker é um velho amigo – Nico explicou com um sorriso. – Sempre preparamos um lugar especial para ele.

Nico tirou o casaco dela bem quando Jack se virou e a avistou. Ele parou de rir e pareceu respirar fundo. Abruptamente, o som na cozinha diminuiu e ela sentiu os olhos da equipe sobre si.

– Vá até ele, sim? – Nico propôs alegremente. – Estava esperando você.

Jack se levantou, a examinando de cima a baixo. Ele usava um terno preto, uma camisa branca impecável e uma gravata vermelha brilhante. Por algum motivo, parecia mais alto do que ela lembrava.

Oh, Deus, pensou Callie. Ela realmente queria ir até ele.

Enquanto andava até a mesa, ouviu os chefs voltarem ao trabalho. Ainda bem, pensou. A atenção de Jack já era o bastante.

– Olá.

Ele puxou a cadeira para ela. Estava prestes a se sentar outra vez quando seu rosto se abriu em um sorriso.

– Gray! Você veio!

O alívio em sua voz era óbvio.

Callie olhou a mesa e viu que havia um terceiro lugar arrumado. Era isso, então. Ele ainda queria arranjá-la para o amigo e estava fazendo uma segunda tentativa.

Certo. Bom.

Quando se voltou, certificou-se de que o sorriso estava no lugar.

Bom, pelo menos Gray Bennett era um colírio.

O amigo de Jack era alto e seu cabelo estava ficando grisalho nas têmporas. Seus olhos claros eram perspicazes, o terno listrado e feito sob medida, e a gravata perfeitamente amarrada. Ela podia ver por que ele e Jack eram amigos.

– Jack me falou muito sobre você – disse o homem, oferecendo-lhe a mão.

– Ah, é? – ela não sentiu nada quando eles se tocaram, e ficou um pouco decepcionada.

Mas a noite mal começou, pensou.

Quando foi sentar, tanto Jack como Gray estenderam a mão para afastar a cadeira para ela. Com uma risada sem humor, Jack se afastou e deixou o amigo acomodá-la.

Gray sorriu para Callie ao se sentar.

– Jack me disse que você trabalhou no De Kooning com Micheline. Ela é uma grande amiga minha. Restaurou dois retratos da minha família.

É claro. Era Bennett, da Bennett Trust Company. Da Escola de Indústria Privada Bennett na Universidade de Harvard.

Ela franziu o cenho, pensando que já ouvira falar de Gray Bennett especificamente, mas não no setor financeiro. Onde tinha sido?

– Um pouco de vinho? – perguntou Gray, pegando a garrafa de tinto na mesa.

– Ela só gosta de branco – Jack disse, enchendo a taça dela com Chardonnay que estava esfriando em um balde.

Quando acabaram com os antepastos, Callie estava surpresa com o quão fácil era falar com Gray. Ele estava interessado no que ela tinha a dizer e fazia perguntas sobre seu trabalho e origens, mas não insistia como Jack. E, quando falou sobre si, ela descobriu de onde o conhecia.

Gray Bennett era um grande nome da política. Sendo um consultor especializado em eleições, sabia muito sobre Washington, e ela ficou fascinada por suas histórias escandalosas sobre esse meio, mesmo que ele editasse muitos dos nomes. Quando chegaram as entradas, Callie concluiu que jantar com ele não era uma tarefa tão maçante quanto imaginara.

Era Jack quem a estava deixando desconfortável. Ele era uma fonte constante de movimento, batendo o pé no chão, dobrando e redobrando o guardanapo, rearranjando os talheres. Parecia que mal podia esperar o fim da refeição, e quando um prato de massa foi colocado à sua frente, disse ao garçom para começar a preparar a sobremesa.

Gray sorriu para ela.

– Você tem que desculpar Jack. Ele odeia tempo livre. Qualquer momento perdido é um crime para ele.

Quando os lábios de Jack se contraíram, Gray ergueu uma sobrancelha.

– Quer ir embora? Garanto que Callie e eu ficaremos muito bem sozinhos.

A expressão de Jack sugeria que essa opção era tão atraente quanto ficar. Ele passou uma mão pelo cabelo e pareceu cansado.

– Só me ignore. Estou com muita coisa na cabeça.

Gray a olhou do outro lado da mesa.

– Jack contou que fomos colegas de quarto em Harvard?

Quando ela assentiu, o homem se serviu de mais vinho e se encostou na cadeira.

– E contou como fomos quase expulsos?

– Não, não contei – Jack disse.

– Ah, ótimo. Uma página em branco – Gray esfregou as mãos. – Imagine a cena: logo antes do Natal, perto da meia-noite. Jack, seu irmão Nate e eu decidimos que já tínhamos estudado demais. Saímos da Eliot House, convencidos de que havia mais na vida do que Aristóteles, Homero e seu grupo de pensadores de toga.

– Eu estudava estatística, na verdade.

Gray fez um aceno para ele se calar.

– Fomos parar no estaleiro e decidimos que pôr uns barcos no Charles seria um jeito ótimo de gastar um pouco de energia. Entramos cada um em um barco e decidimos fazer uma corrida entre pontes. Os perdedores teriam que tirar uma peça de roupa depois de cada corrida. O vencedor poderia se gabar e ganharia setenta e quatro dólares e cinquenta e três centavos, que era todo o dinheiro que tínhamos na hora.

– Deus, lembra como a noite estava fria? – Jack interveio.

– Agora, Nate e eu sabíamos contra o que estávamos competindo. Jack foi capitão do time de remo da faculdade. Podia remar mais rápido que qualquer um; talvez ainda possa. Considerando suas habilidades assustadoras, o obrigamos a começar uns vinte metros atrás. Mas você trapaceou, não foi?

– Como se eu precisasse trapacear com dois fracotes – Jack estava ficando mais animado agora, os olhos brilhando. – Acho que não.

– Então começamos a corrida – Gray continuou. – Depois de umas quatro voltas, Jack estava completamente vestido, e Nate e eu estávamos remando sem camisa nem sapatos. Começa a se formar uma plateia numa das pontes, então, naturalmente, começamos a nos exibir. Jack não perdeu uma única corrida, e Nate e eu fazíamos um show de strip cada vez que perdíamos. Estávamos só de cueca quando o acidente aconteceu.

Callie olhou para Jack e viu seu sorriso desaparecer. Gray também ficou mais sério.

– Nate tirou a cueca e estava agitando ela para a plateia quando seu barco virou. Ainda posso vê-lo caindo, inclinado num ângulo muito errado, os braços girando, os olhos arregalados. Bateu a cabeça num remo antes de cair no rio. Antes que eu pudesse me levantar, Jack já tinha tirado a jaqueta e pulado na água. Quão fria estava?

– Uns sete graus. A água ainda não tinha congelado, mas estava quase – Jack disse, levando a taça aos lábios.

– Enfim, Jack arrastou Nate para a margem. A polícia, alertada pelo barulho da plateia, apareceu bem quando eles tinham desabado no chão, ao lado da ponte. Os dois foram levados com as luzes da viatura piscando. Foi muito emocionante.

– Pelo menos nos deram cobertores.

Gray olhou pensativo para o amigo.

– Nunca vi ninguém se mover tão rápido na vida.

– Era meu irmão naquele rio.

Os dois caíram em silêncio.

– Vocês tiveram muita sorte – Callie disse, imaginando o que poderia ter resultado de um mergulho naquele tipo de água. – Mas o que aconteceu com você, Gray?

– Nada – ele abriu um sorriso largo. – Não sou idiota. Assim que vi que Nate estava bem, me escondi com o barco embaixo da ponte até o furor diminuir. Depois levei o barco de volta no estaleiro escondido. Nunca fui pego.

Jack sorriu.

– Não é típico de um consultor político?

– Ei, eu paguei sua fiança!

– É, pagou. Meu pai não tinha nenhum interesse em cuidar disso. Depois me disse que preferia que eu tivesse passado a semana na prisão – Jack olhou para Callie. – Felizmente, as acusações de ato obsceno e uso indevido de propriedade foram retiradas depois, mas só porque o pai de um dos meus colegas de time era juiz. Harvard nos colocou em liberdade condicional.

– Fomos heróis naquele semestre – Gray disse, rindo.

Quando o jantar terminou e os pratos estavam sendo tirados, Gray começou a falar sobre sua casa de férias nas montanhas Adirondack.

– Está na família há gerações. Jack passou bastante tempo lá, mas Blair ainda não a conhece, não é? – ele se recostou enquanto uma xícara de cappuccino era posta à sua frente. – Vocês dois têm que subir lá para umas férias de verdade. Fiquem por uma semana.

Callie desviou o olhar enquanto Jack dava alguma resposta descomprometida. Gray pressionou:

– Sabe, acho que ela gostaria de lá. Me parece que Blair ficaria tão confortável em botas de escalada quanto num vestido de festa.

A resposta de Jack foi baixa, algo como uma concordância.

– Callie, já conheceu a noiva dele? – Gray perguntou.

O coração dela parou e podia sentir os olhos de Jack queimando do outro lado da mesa. Ela se obrigou a sorrir.

– Ainda não tive o prazer.

– Vai adorá-la. É uma mulher extraordinária. E uma ótima companheira para Jack, considerando no que ele vai se meter agora.

Quando Gray levantou uma sobrancelha em dúvida, Jack limpou a garganta.

– Não mencionei nada, mas podemos falar na frente dela.

Callie teria preferido que ninguém falasse mais nada.

– Há grandes chances – Gray disse – de que nosso amigo aqui concorra a governador do nosso belo estado ano que vem!

Callie olhou para Jack. Ambições políticas. Que apropriado, considerando o histórico da sua família.

Tentou imaginá-lo liderando o estado e podia ver com clareza. Jack era carismático, inteligente, convincente. E provavelmente não pararia ali. Conhecendo-o, ele ambicionaria a Casa Branca.

Jack indicou o amigo.

– Estou formando minha equipe agora. Gray vai ser indispensável, não vai?

– E você vai precisar de toda a ajuda que conseguir. Vai ser uma briga feia, considerando seu concorrente.

– Quem vai enfrentar? – Callie perguntou.

– Bill Callahan. Melhor conhecido como Butch Callahan – disse Jack. – Gosta de jogar sujo, mas, felizmente, eu também gosto. Adorarei tentar derrotá-lo.

Ela se lembrou dele no escritório, o telefone no ouvido, parecendo que atravessaria os fios e pularia na garganta de alguém. E então se lembrou dele engatinhando no teto na garagem, determinado a consertar o som mesmo se levasse a noite toda. Era o tipo de homem que confrontava qualquer coisa e perseverava até conseguir o que queria. Quem quer que estivesse contra ele precisava tomar cuidado.

Gray balançou a cabeça.

– Como eu disse antes, vai ter que se preparar para ter muita lama jogada na cara. Butch e os amigos vão falar de tudo, especialmente do seu, ahn, passado.

Jack franziu o cenho enquanto o amigo olhava para Callie.

– Mas, felizmente, os dias selvagens de Jack estão para trás. Acabaram as farras com mulheres e Blair é um recurso ótimo. Fotogênica pra caramba, com um passado limpinho. Também é uma ótima pessoa, que é a parte mais importante.

– Que tal sobremesa? – Jack perguntou.

Que tal sair daqui agora, pensou Callie.

Enquanto Jack chamava o garçom, ela não tinha ideia de como se manteria sentada por mais um momento. Foi um alívio quando, enfim, terminaram de comer e Jack, que insistiu em pagar, os deixou e foi falar com Nico.

Gray a examinou calmamente e sorriu.

– Estarei na cidade pelas próximas semanas. Gostaria de sair novamente?

Ela hesitou, mas então Jack voltou à mesa.

– Sim.

– Sim o quê? – Jack perguntou.

Antes que Gray pudesse dizer qualquer coisa, ela se levantou.

– Foi um prazer conhecê-lo.

O que era parcialmente verdade. Sob circunstâncias diferentes, ela teria apreciado Gray. Ele era charmoso e engraçado, embora pudesse muito bem ser um ogro, considerando o quão pouco ela se sentia atraída por ele.

Não, sortuda que era, Callie reservava sua atração para os homens inatingíveis.

Depois de agradecer os chefs e Nico, ela e Gray esperaram lá fora enquanto Jack foi pegar o carro.

– Então, o que acha de trabalhar para Jack? – Gray perguntou.

– Amo a pintura – era o máximo de verdade que ela podia dizer no momento.

– É uma obra-prima. Quando faliu e a vendeu, Jack ficou irado. Na época, ele tinha acabado a faculdade e estava começando a trabalhar na J. P. Morgan em Nova York. Trabalhava dia e noite, mas não tinha dinheiro suficiente para cobrir o preço. Esperou anos para recuperar aquele retrato.

Callie olhou para Gray com surpresa. Falência e o nome Walker eram duas coisas que nunca achou que veria relacionadas.

– Como o sr. Walker entrou em... ahn, o que o sr. Walker fazia da vida?

– Não muito. E não digo isso de modo pejorativo – Gray esfregou o queixo e deu de ombros. – Bom, talvez diga, sim. O homem era um filantropo. Doava dinheiro para caridade e universidades como se fosse sua profissão. Ele fundou a Cadeira Walker em História da Arte na Universidade de Nova York. Você estudou lá, né? Deve ter ouvido sobre isso.

– Sim – ela limpou a garganta. – Se o sr. Walker perdeu todo seu dinheiro, como pagou por...

Ela não continuou. Não conseguia acreditar que quase tinha feito uma questão tão intrometida.

– Jack. Jack pagou por tudo. Ainda paga.

– O sr. Walker deve ter ficado agradecido – apesar de tudo que Jack dizia sobre o relacionamento deles.

– Nem um pouco. Ele achava que Jack era um réprobo ganancioso, o que era muito irônico. Se o filho não fosse tão bom nos negócios, teria passado seus últimos anos em um lugar muito mais modesto que Buona Fortuna – Gray lhe deu um olhar significativo. – O pai de Jack era um filho da puta, pra falar a verdade, e alcoólatra. Acho que poucas pessoas de fora da família sabiam como a situação era ruim. Em público, era um cavalheiro perfeito. Guardava a feiura para os mais próximos.

– Que horror!

– É. Gosto de pensar que Jack se saiu bem apesar do pai, não graças a ele. Embora me preocupe.

Ela esperou que ele se explicasse.

– Com o quê? – perguntou depois de um momento.

Gray cruzou os braços sobre o peito, o olhar perdido através dos transeuntes que passavam por eles.

– Ele está sob muita pressão. O Fundo Walker emprega várias centenas de pessoas, e sei que Jack se sente pessoalmente responsável por cada uma. Se concorrer mesmo às eleições, alguém terá que tomar seu lugar, e ninguém jamais terá o mesmo comprometimento. E se ganhar, vai ter que pensar seriamente sobre o futuro dos seus negócios – Gray franziu o cenho. – Tem a eleição em si, ainda por cima. Ele acha que está preparado, mas não sei se entende realmente como a coisa pode ficar feia. Jack é um homem extraordinário, mas todo mundo tem seus limites e o estresse faz coisas estranhas com as pessoas.

Houve uma pausa.

Gray a olhou, sorrindo lentamente. Seus olhos se animaram.

– Mas já falamos demais sobre Jack.

Callie ficou aliviada ao ouvir o ronco do Aston Martin virando a esquina.

– Foi um prazer conhecê-lo – ela disse.

– O prazer foi meu, acredite. Ligo para você na casa de Jack.

Com uma pequena reverência, Gray abriu a porta do carro e ofereceu a mão para ajudá-la a entrar.

– Quer uma carona? – Jack perguntou, se inclinando sobre o assento de Callie para encontrar os olhos do amigo.

Callie se encolheu, tentando evitar contato com ele, e viu a boca de Jack se contrair.

– Obrigado, mas não acho que vou caber nesse banco traseiro. Além disso, do jeito como você dirige, é mais seguro percorrer becos escuros a pé! – Gray fechou a porta com um sorriso e andou na direção oposta.

Jack deu partida no carro e eles não tinham percorrido dois metros quando perguntou:

– Então, o que achou de Gray?

– Acho que vocês dois foram separados ao nascer – ela disse, olhando para fora da janela.

Na calçada, as pessoas caminhavam no frio, entrando e saindo de restaurantes. Um casal atraiu a atenção de Callie, um homem e uma mulher caminhando próximos. Ele olhava para a frente, ela inclinava a cabeça na direção dele, e ambos tinham sorrisos largos. São jovens, ela pensou. Vinte e poucos anos. Tão próximos da idade dela.

– Mas, sobre ele – Jack insistiu. – Alguma conexão?

A mulher na calçada deu um empurrãozinho no cara, o desequilibrando, e ele passou um braço ao redor dela, a trazendo para perto. Quando o Aston Martin virou a esquina, Callie perdeu o casal de vista.

– Callie?

Ela balançou a cabeça.

– Desculpe, estava pensando em outra coisa.

– Em quê?

Sonhos, ela pensou. Os meus e os dos outros.

– Nada. Gray é simpático. Muito inteligente. Bonito.

Jack lhe deu um olhar ríspido.

Quando se focou na rua outra vez, ele murmurou:

– Concordo que seja bonito. Mas saiba que a cicatriz do apêndice dele é assustadora.

Quando eles entraram em um tipo de estrada, ela não tinha ideia de onde estavam e ficou feliz com o trânsito leve. Encostou-se contra o macio apoio de cabeça e torceu para que voltassem para Wellesley sãos e salvos.

Blair. A noiva dele se chamava Blair.

Que adequado. Que elegante.

Mas o que ela esperava? Que ele casasse com uma Irma? Uma Gertrude?

Enquanto visões de uma socialite alta e bem vestida com dicção perfeita e uma raiz genealógica impecável passavam por sua mente, Callie fechou os olhos e rezou por uma distração.

E pensou que talvez encontrasse uma em Gray Bennett.

Enquanto os levava para casa, Jack sentia-se pouco satisfeito com o óbvio sucesso da noite.

Então ela achava Gray bonito.

Aquele maldito.

Ele queria se chutar por colocá-los juntos. Agora que seu plano de arranjá-la com alguém podia estar funcionando, Jack odiava que ela achasse outro homem bonito. Inteligente. E o que mais? Simpático.

Simpático. Que merda isso significa?

Jack a olhou. Ela estava com a cabeça inclinada contra o assento e parecia observar a rua. Luzes nas calçadas e faróis de carros passavam sobre seu rosto.

– Callie?

Ela virou a cabeça.

– Você vai sair com ele?

Ela deu de ombros e se virou.

Ele tentou adivinhar a resposta nas linhas do seu rosto.

– Jack! Preste atenção!

Ele virou a cabeça com tudo e girou a direção, bem em tempo de desviar de um carro quebrado no acostamento.

– Meu Deus! – ele respirou quando parou de cantar os pneus. – Foi perto!

Callie apertava o peito com a mão.

– Tem que aprender a ir mais devagar!

– Eu sei.

E provavelmente deveria parar de fazer planos brilhantes, também.

Ficaram em silêncio até que ele entrou na garagem de Buona Fortuna e desligou o carro.

– Obrigada pelo jantar – ela disse, abrindo a porta.

– Então, você vai?

Callie saiu e colocou a cabeça dentro do carro. Uma cortina longa e grossa de cabelo ruivo caiu para a frente e balançou no ar. Jack queria passar os dedos por ela, puxar Callie para sua boca e beijá-la até que ela não achasse que seu amigo era tão inteligente ou simpático ou bonito.

– Quer dizer, se vou sair com Gray? – quando ele assentiu, ela disse: – Sim, vou.

E então fechou a porta na cara dele.

Jack pulou para fora do carro e a alcançou em três passos largos. Ela estava andando rápido, os saltos altos batendo no chão.

– Quando? – perguntou.

– Não sei.

– Vai ligar pra ele?

– Ele vai me ligar.

– Aonde vocês vão?

Ela o olhou irritada.

– Qual é a do interrogatório?

– Você gosta mesmo dele?

Callie parou e pôs as mãos nos quadris.

– Não. Achei que é um imbecil completo, e por isso decidi vê-lo outra vez. Mais alguma coisa que deseja saber?

Você se sente atraída por ele? Jack pensou. Vai deixar que ele lhe beije? Vai fazer amor com ele?

Seu estômago se revirou. A ideia de Callie ficar com seu amigo, com qualquer outro homem, fazia Jack se sentir como se uma bigorna o tivesse atingido em cheio.

E se Callie se apaixonasse por Gray? O homem tinha jeito com as mulheres. E sua série de sucessos era quase tão lendária quanto a de Jack. Assim como suas infidelidades.

Meu Deus, talvez ele devesse ter arranjado outra pessoa para Callie. Como Charlie Feldman, seu contador, que era praticamente um eunuco.

– Só tenha cuidado – Jack disse, pensando que mataria Gray se ele a machucasse.

Callie inclinou a cabeça e estreitou os olhos.

– Você é louco, sabia? Me arranja com um dos seus amigos e então diz pra eu ter cuidado? Se ele é tão canalha, por que nos apresentou?

– Não quero que você se machuque. Gray já machucou mulheres antes.

– E você sabe tudo sobre machucar mulheres – ela murmurou, retomando o passo.

Jack xingou, desejando ter uma réplica, e rapidamente percorreu a distância entre eles.

– Se sente melhor agora? Depois da indireta?

– Não muito, na verdade. Odeio me lembrar do que você é tanto quanto você. E no momento gostaria que nunca tivesse me apresentado a Gray.

Engraçado, ele sentia o mesmo.

Jack cerrou os dentes.

– O que é tão ofensivo em eu tentar arranjar um encontro pra você?

Tirando o fato de que ele talvez tivesse de assistir o começo de um romance entre a mulher que desejava e seu melhor amigo. Ah, que alegria.

– O que você fez não é o problema. O problema é como está agindo agora.

– Acha que dar conselhos é errado?

Ela parou outra vez e o encarou.

– Acho que você está sendo possessivo, não prestativo.

E era exatamente o que ele estava fazendo.

– E me faz pensar – ela continuou – onde está com a cabeça. Você tem alguém na sua vida. Por que se importa com o que eu faço ou não faço com Gray Bennett?

Porque estou claramente louco, Jack pensou.

– Isso não tem nada a ver comigo – ele disse.

– Aí é que está errado – ela enfiou um dedo no peito dele. – Tem tudo a ver com você. Você tem um problema sério com esse seu noivado, se está agindo com ciúmes de outra mulher.

Ela andou com rapidez até a casa e abriu com força a porta dos fundos. Ele a seguiu de perto e os dois entraram na cozinha.

– Dá pra esperar um minuto? – ele perguntou.

– Vou dormir. Obrigada por uma noite muito estranha, Jack.

– Callie, pelo amor de Deus...

Ela se virou, os olhos brilhando de raiva, e o interrompeu.

– Chega. Agora eu não aguento mais. Amanhã, quem sabe? Talvez você convença outro homem e tente nos arranjar um encontro e a gente possa fazer essa dança estúpida outra vez. Pelo menos já teremos praticado os passos.

– Amanhã vou para Nova York.

Ela ficou em silêncio.

– Ver Blair?

Ele assentiu lentamente.

Ela levantou o queixo.

– Bom, divirta-se. Tenho certeza de que vocês dois têm muitas novidades a discutir, embora me pergunte se alguma delas será sobre mim – ela deu uma risada sombria. – Deus, não acredito que isso está acontecendo. Sou o segredinho sujo de uma pessoa outra vez!

Jack franziu a testa.

– Outra vez?

A mão dela cortou o ar e o interrompeu.

– Não importa. Não é problema seu. Assim como o que quer que aconteça entre Gray e eu não é problema seu.

Ela deixou a cozinha, os cachos ruivos balançando de um lado para o outro enquanto se afastava apressada.


Capítulo 13

Sentindo-se absolutamente horrível, Jack entrou no escritório, se serviu de um pouco de bourbon e sentou.

A noite tinha ido bem. Callie estava irritada e ele, bebendo sozinho.

Se continuasse gerindo sua vida desse jeito, não serviria nem para vender donuts, muito menos dirigir um estado.

Ele virou a cadeira para olhar pela janela, estendeu as pernas e observou o luar através das árvores. Os galhos balançavam no vento suave, projetando sombras no jardim, mas a paz da cena não aliviou seu estado de espírito.

Callie tinha razão. Ele estava com ciúmes sem direito nenhum.

E o pior era que, independente de seu relacionamento com Blair, e apesar da sua tentativa imbecil de colocar uma barreira arbitrária entre eles, ainda estava correndo atrás de Callie. E não achava que conseguiria parar até tê-la.

– Merda – ele murmurou, apoiando o bourbon na perna e deixando a cabeça cair para trás. Encarou o teto ornado até o querubim e as nuvens ficarem embaçados.

Ele planejara ir a Nova York para confessar a Blair o que acontecera e reestabelecer seu compromisso com ela. Com o futuro deles.

Porém, depois daquela noite, sabia que não poderia. Não depois do jantar com Callie e Gray. Vê-la sorrir para o amigo fora uma tortura e Jack tivera que se controlar a noite toda para não competir pela atenção da mulher. A cada coisa engraçada que Gray dizia, a cada gesto cavalheiresco que fazia, Jack quisera interrompê-lo.

Callie estava certa. Ele estava sendo extremamente possessivo.

E ele precisava encarar a verdade. Callie não era só mais uma conquista. Para ele, era muito mais que isso. Primeiro, pensava nela bastante, e não só sexualmente. Lembrava-se de algo que ela dissera e que lhe parecera inteligente ou engraçado e ficava refletindo sobre aquilo, lembrando-se da expressão dela ao falar. Ou lia ou ouvia algo e queria compartilhar com ela, só para saber o que achava daquilo. E sorria simplesmente por estar preso no trânsito, tentando chegar em casa para jantar com ela.

Mas o sinal mais revelador estava ao sul da cabeça e ao norte dos quadris. Recentemente, Jack vinha sentindo uma sensação estranha no peito sempre que pensava em Callie e aquele peso curioso era algo que nunca experimentara antes. Suspeitou que aquilo significava que ele estava se tornando emocionalmente envolvido de alguma forma.

“Amarrado” seria uma palavra melhor.

Ele estava se enganando se achava que poderia forçar aqueles sentimentos a desaparecer e continuar com a vida. Poderia manter o noivado com Blair, caso tivesse apenas se distraído com outra mulher. Mas Callie não era uma distração.

Longe disso.

Na verdade, para um homem com um passado como o dele, ela não era nada menos do que uma revelação. A prova definitiva de que mesmo o filho da puta mais apático e cínico podia encontrar o...

Jack balançou a cabeça, não acreditando que realmente pensara na palavra “amor”.

Ele virou o bourbon e discou o número da suíte de Blair no Cosgrove. Quando caiu na secretária eletrônica, ele deixou uma mensagem dizendo que estaria em Nova York pela manhã e que precisava vê-la imediatamente. Em seguida, ligou para Gray.

O amigo atendeu no segundo toque.

– Tem que ser você, Jack.

– Como sabia?

– Porque imaginei que ligaria para saber detalhes. Sim, acho ela linda. Sim, perguntei se queria sair comigo. E sim, a tratarei bem. Mais alguma coisa?

Merda.

– Tem certeza de que gosta dela?

– Claro. O que tem pra não gostar? – houve uma pausa. – Algum problema? Achei que tinha sido ideia sua nos apresentar.

Sim, ele tinha um problema com aquilo, mas Callie acabara de anunciar que sairia com Gray. Que direito Jack tinha de dizer quem ela podia namorar? Mesmo que fosse romper o noivado, ele tinha certeza de que Callie não apreciaria que ele lhe afastasse de outros homens.

– Não, não tem problema – Jack tomou um longo gole. – Quais seriam as repercussões se eu concorresse solteiro?

Houve uma pausa, como se a pergunta tivesse surpreendido Gray.

– Não acho que seria necessariamente um problema. Ter uma família é uma vantagem, é claro, em especial considerando os escândalos em que você esteve envolvido. Os eleitores gostam de candidatos com esposa e filhos; é toda aquela ilusão de estabilidade. E ter uma família também dá maior credibilidade em relação a assuntos como educação e saúde. Mas nada disso importa porque você tem Blair – outra pausa. – Certo?

– Ligo pra você amanhã.

– O que está acontecendo, Jack?

– Amanhã.

Ele desligou.

Imaginou dizer para Callie que tinha sentimentos por ela quando voltasse de Nova York. Será que ela lhe daria uma chance, caso ele se explicasse? Não era uma certeza; seu passado e seu presente falavam muito bem por si mesmos. Depois de como se comportara, Jack não estava certo de que ela ouviria qualquer coisa que tivesse a dizer.

Além disso, ela iria sair com Gray.

Jack pegou o copo e uma sensação de desconforto se assentou em seus ossos. Perguntou-se o que tinha a oferecer a alguém como ela, afinal. Todas as mulheres com quem já ficara tinham se contentado com joias e roupas e viagens e festas, coisas que ele podia fornecer em abundância. Mas Callie não se importaria com nada daquilo.

Mas, tirando essas coisas, o que sobrava? Apenas ele. Um homem governado por suas ambições. Alguém que trabalhara até cair, noite após noite, durante a última década, sem diminuir o passo. Um homem que demonstrara total falta de consideração pelos sentimentos das mulheres desde os vinte até os trinta e poucos anos e que agora rompia seu noivado de três semanas.

Que ótimos atrativos.

Jack ficou imóvel.

Era muito provável que Callie não o escolhesse. Talvez Gray ou qualquer outro homem, mesmo ela tendo gostado do seu beijo. E quem a culparia? Jack tinha todo o sucesso e sofisticação do mundo, mas isso não era suficiente para ela. Porque ela queria mais de um homem do que uma carteira gorda e um nome antigo. E, na verdade, ela merecia mais.

Raiva contra si mesmo o atingiu em uma onda negra, trazendo bílis até sua boca.

Jack apertou o copo que segurava. Olhando a parede em frente à mesa, se ergueu e jogou-o com o máximo de força. O copo quebrou no impacto, bebida e cacos de vidro voando em todas as direções.

Passando uma mão pelo cabelo, apenas um pouco aliviado, ele desabou de novo na cadeira.

Na manhã seguinte, Callie estava sentada no assento ao lado da janela em seu quarto, olhando pelas janelas límpidas ao lado do vidro manchado, quando uma limusine passou pela entrada e parou sob o pórtico. Do outro lado do corredor, a porta de Jack se abriu e fechou; então passos ritmados soaram e gradualmente desapareceram. Instantes depois, a limusine acelerou para longe da casa como se não houvesse um segundo a desperdiçar.

Ela fechou os olhos e encostou a testa contra o vidro.

Quando era mais jovem, passava muito tempo sozinha, pois era filha única e tinha uma vida familiar estranha. A tendência à solidão só continuou, ao longo do Ensino Médio e da universidade. E depois da turbulência da morte de sua mãe, Callie gostara da paz e facilidade da própria companhia enquanto se reajustava a uma vida que não era apenas sofrimento.

Mas solidão não era o mesmo que ser abandonada.

Ela tentou imaginar como Blair reagiria ao saber que Jack beijara outra mulher. Claro que ele diria que não tinha significado nada, que fora um erro, que nunca aconteceria outra vez. De que outro modo ele poderia se explicar? Será que a mulher choraria e o expulsaria? Ou teria gelo nas veias, como a mãe dele?

Parte dela queria culpar Jack e ficar com raiva dele por colocá-los em uma situação tão ruim. Mas não podia ignorar o próprio papel na farsa. Na penúltima noite, na cozinha, ele tentara não a beijar. Fora ela quem o havia puxado para sua boca, então não era bem uma vítima inocente. Era cúmplice naquilo, e a ideia de que tinha estragado o relacionamento de outra pessoa a enojava. Parecia vazia aquela velha história de que, para haver infidelidade, deveria haver algo inerentemente errado entre o casal.

Havia poucas coisas de que Callie de fato se arrependia. Mas, sentada na luz clara da manhã, cercada por coisas que a lembravam de Jack, ela desejou nunca o ter conhecido. Poderia muito bem ter continuado a vida, perfeitamente feliz em seu casulo de isolamento.

Em vez disso, estava dividida.

Enquanto continuava a pensar sobre ele, todo tipo de cena veio à sua mente, nenhuma fácil de aguentar. Quando já lhe parecia que estava sentada ali desde sempre, verificou o relógio. Só meia hora havia passado.

Como ela sobreviveria àquele dia? Ou pior, à noite? Embora se odiasse por isso, sabia que só estava matando tempo até que Jack voltasse. E, assim como a distinção entre estar sozinha e ser abandonada, também era grande a diferença entre entender que ele tinha outra mulher e saber que estava com ela naquele momento.

Callie pensou em todas as vezes que viu a mãe esperar uma visita que era cancelada. Todas aquelas noites passadas ao lado de um telefone que nunca tocava. Todas aquelas traições, grandes e pequenas, que decorriam do fato de ela ser a segunda opção. Sua mãe vivera uma meia vida enquanto se segurava a um homem que nunca fora realmente dela. Depois de tantos anos vendo os efeitos daquele relacionamento, Callie achava que teria aprendido com um exemplo tão ruim e que nunca se colocaria em posição semelhante.

Ela fechou os olhos e encostou a bochecha contra o vidro, arrebatada por uma memória da infância.

Era seu aniversário de nove anos. Sua mãe preparara um bolo com cobertura de chocolate e lhe disse para arrumar a pequena mesa de fórmica com três lugares. Callie sabia o que aquilo significava e mal conseguira conter a animação.

Ele viria. Desta vez, seu pai realmente viria.

Em uma inversão de papéis, a mãe a ajudara a escolher um vestido e elas passaram um tempo enrolando o cabelo dela e o prendendo com laços. O humor da mãe estivera mais leve naquele dia e Callie aproveitara o momento, ciente de que não duraria.

Os bons momentos raramente duravam.

Elas estavam na sala, sua mãe folheando uma revista velha sem parar, Callie forçada a brincar com seus bichos de pelúcia na cadeira em vez do chão, por causa do vestido, quando o telefone tocou. Ela parou de brincar quando a mãe atendeu e disse algumas palavras curtas. O sorriso congelado que deu para Callie significava que os planos tinham mudado e que sua mãe estava tentando ser boa e não gritar na frente dela.

A mãe tinha recuado para o quarto, arrastando o telefone, e rapidamente se fechado lá. Enquanto palavras abafadas e iradas escapavam pela porta, Callie fora à cozinha, até o lugar extra na mesa. Pegou o guardanapo que havia dobrado com tanto cuidado, a faca de aço inoxidável e o garfo e a colher desemparelhados, e os guardou. Não conseguia alcançar o armário para guardar o prato dele, então o escondeu sob a pia.

Sua mãe tinha emergido algum tempo depois, os olhos vermelhos e o rosto inchado. O bolo foi tirado da geladeira, as velas acesas e apagadas e os presentes abertos, mas não foi uma festa.

Callie tinha ido dormir cedo e foi acordada quando a porta do quarto foi aberta. A luz do corredor tinha caído sobre os cobertores e a mãe estava de pé, sua figura magra uma silhueta escura. A primeira coisa que Callie notara fora o cabelo dela, que tinha sido arrumado em um coque elaborado durante a noite e agora estava desarrumado. Fios caíam ao redor da cabeça como um halo ou uma coroa bagunçada.

– Levante-se, Callie – a voz da mãe tremeu com urgência.

– O que aconteceu?

– Temos que sair – a mãe fora até a cômoda e começara a puxar casacos e calças, jogando-os em desordem no chão. – Venha, rápido. Vista alguma coisa.

Callie sabia que era melhor não fazer mais perguntas. Quando a mãe ficava daquele jeito, a coisa mais fácil era fazer o que ela mandava. E, naquela noite, a raiva no ar estivera tão ruim quanto ela se lembrava.

Na rua, no vento gélido de janeiro, a mãe chamara um táxi. Quando se apertaram lá dentro, ela dissera um endereço que Callie não reconheceu. Durante a viagem de dez minutos, o táxi tinha avançado e parado nos semáforos e ela quisera estar de volta em casa. Ficava pensando sobre sua cama quente para se distrair do cheiro do táxi e de como a mãe murmurava para si mesma.

O táxi tinha parado em frente a uma enorme casa em um bairro muito melhor que o delas. Naquela parte da cidade, não havia lixo nas sarjetas e todas as casas estavam enfeitadas para as festas. Cada porta de entrada tinha uma coroa bonita com um laço de veludo, e árvores de Natal brilhavam atrás de janelas largas e limpas.

A mãe a tinha pegado pela mão e subido as escadas da casa. Quando chegaram à porta lustrosa, ela apertou a aldrava e Callie torceu para que não a quebrasse. Era uma cabeça de leão dourada com um anel atravessado no nariz, mais majestosa que assustadora.

Sua mãe erguera o anel e Callie se preparou para a batida. Mas a mãe tinha parado. Apenas ficara lá em pé, congelada, uma mão na aldrava de bronze, a outra apertando o braço de Callie.

Quando o aperto interrompeu sua circulação, Callie soltara um queixume.

– Mamãe, está me machucando.

A mãe olhara para baixo e piscara, como que se perguntando o que Callie estava fazendo ali. Então a porta se abriu, arrancando da mão dela a aldrava, que caiu com uma batida forte.

Do outro lado havia um casal como os que Callie via no jornal ou na TV. A mulher usava um casaco de pele longo e escuro e o homem, um terno e um cachecol branco ao redor do pescoço.

Eles tinham parecido tão surpresos quanto sua mãe.

– Boa noite – o homem dissera, se dobrando levemente na cintura. Ele abrira a porta e o calor e a luz de dentro tinham escapado. Enquanto a esposa saía na entrada, ele pacientemente segurava a porta aberta. – Madame?

– Não vamos... – a mãe tinha hesitado. – Não vamos entrar.

O homem franzira o cenho e então a mulher o impelira, puxando-o pelo braço. Antes que a porta fechasse, Callie tivera um rápido vislumbre de algumas das pessoas lá dentro. Todas pareciam tão bonitas. Como bonecos em um bolo de casamento.

Enquanto a mãe olhava para o nada, Callie vira o casal passar por duas casas e então desaparecer dentro de outra mansão chique com uma guirlanda bonita. Ela teria gostado de explorar o bairro, mas o vento gélido penetrava pelo casaco e ela começara a tremer. Perguntava-se por que a mãe não estava com frio. Nem colocara um casaco sobre o vestido.

– Mamãe? Podemos ir pra casa agora?

– Sim.

Sua mãe começara a percorrer a rua, todo o tempo olhando através das grandes janelas da mansão. Antes de segui-la, Callie tinha ficado na ponta dos pés, tentando descobrir o que a fascinara tanto.

E então vira seu pai.

– É o papai! – ela pulara de animação. – Vamos ver o papai!

Sua mãe a tinha silenciado.

– Venha.

– Quero ver o papai!

A mãe tinha subido as escadas correndo e a apanhado. A voz de Callie se erguera em um lamento:

– Mas por que não podemos ver o papai?

De repente, a mãe se agachou no nível dela.

– Eu disse não! – ela disparou, agarrando os ombros de Callie e a sacudindo. – Não vamos entrar lá. Não entende? Ele teve uma chance de vê-la hoje, e a desperdiçou!

Callie tinha rompido em lágrimas.

– Então por que viemos aqui? – ela soluçara.

A mãe imediatamente parou. Com um gemido triste, apertara Callie contra o peito.

– Sinto muito, querida. Sinto muito mesmo.

Com um susto, Callie voltou ao presente. Seu pai nunca a visitara em seu aniversário. Teve vinte e sete chances, e não apareceu uma única vez.

Ela suspirou e tirou o cabelo do rosto.

Deus, ela odiava se lembrar do passado. Isso causava sensações horríveis em seu peito, como se ela estivesse respirando com um pano enfiado na garganta.

Pulando do assento da janela, se vestiu e foi ao ateliê. Quando chegou à garagem, decidiu colocar uma música e trabalhar nos documentos. Investigou a coleção de CDs e decidiu que Norah Jones não seria uma boa escolha, se não quisesse chorar o dia inteiro. Quando o som de uma banda de swing começou a sair do teto, Callie sentou à frente da caixa que tinha levado ao sofá.

Ela começara a separar os papéis cronologicamente, e era uma coleção fascinante. Recibos manuscritos de mercadorias do século XIX. O contrato de compra de 1871, do terreno sobre o qual Buona Fortuna se erguia hoje. Um diploma de Harvard com o nome Phillip Constantine Walker e o ano 1811. Um pedaço de papel com uma assinatura Walker rabiscada.

Enfiando a mão cegamente na caixa, puxou uma pilha de papéis e os colocou no colo. O primeiro era o começo do inventário de uma casa e ela sorriu enquanto lia a lista de roupas de cama, cômodas e afins. As avaliações eram incríveis: vinte dólares por uma escrivaninha de mogno e dez centavos por um cobertor. Considerando a caligrafia e o tipo de papel, que era similar a outros que vira, imaginou que o documento provavelmente remetia ao final do século XIX e era um registro de Buona Fortuna. Ela torceu para encontrar o resto do documento.

Cinco outras páginas de inventário se seguiram, uma sobre artigos de cozinha.

A próxima folha foi uma surpresa. Era mais antiga e a letra era difícil de ler, as palavras inclinadas e a tinta esvanecida quase impossíveis de decifrar. Ela estreitou os olhos e leu a página.

Enquanto esperava, não vendo sua face se aproximando da minha janela, mas apenas sombras, eu pensei sobre o amor e expus memórias de grandes perdas. Para forjar a independência, me ofereço à guerra à nossa frente, mas não posso fazer esse sacrifício sem você. Esperei em vão e devo agora ir para o norte, para Concord, com meus homens. Não se preocupe. Nosso segredo está a salvo. Seu general jamais ficará sabendo. Não por mim.

N.W.


Callie releu a carta e olhou para a pintura, surpresa.

Poderia ser o primeiro Nathaniel? Escrevendo a caminho da batalha de Concord?

Ou ela estava mais uma vez vendo cascos e pensando em zebras?

Ela pôs a carta de lado e examinou rapidamente o resto dos papéis, dando uma olhada nas folhas sem se incomodar em separá-las. Colocou a mão na caixa várias vezes, mas, duas horas depois, atingiu o fundo sem encontrar a primeira página da carta.

– Droga.

Sua mente revolveu o conteúdo do fragmento outra vez. Seu conhecimento de história americana era mediano. Claro que sabia quem fora Nathaniel Walker e se lembrava um pouco da batalha de Concord. Mas quem era o grande general que ele acompanhara na batalha?

Grace, ela pensou. Grace saberia.

Callie voltou para a casa, determinada a pegar seu livro de endereços no quarto. Quando entrou na cozinha, encontrou Elsie, que falava com Thomas, claramente angustiada.

– O que aconteceu? – Callie perguntou.

Os olhos de Elsie se voltaram para Thomas, que estava de pé em frente à pia, enxaguando espinafre.

O homem deu de ombros, resignado.

– O sr. Walker morreu exatamente cinco anos atrás. A patroa sempre acha esse dia difícil.

Callie ficou surpresa. Era um pouco difícil imaginar a mãe de Jack em luto por qualquer coisa.

Thomas se virou para Elsie.

– Tente Côte Basque. Diga a Billy que eu a enviei. Ele me deve uma e vai arranjar um lugar para ela. Então ligue para a mãe de Curt Thorndyke, Fiona. As duas vão lembrar os velhos tempos e ela vai ficar contente.

Elsie respirou fundo.

– Certo.

– E não leve o que ela disse pro lado pessoal. Sabe como ela é.

– Sim, eu sei. Mas, sinceramente, quando ela fica desse jeito, não me importo.

Depois que a mulher saiu, Thomas disse:

– Estava prestes a levar um recado para você. Gray Bennett ligou. O número dele está naquele bloquinho.

– Ah, obrigada. Ouvi o telefone tocando na garagem, mas não sabia se podia atender.

Ela arrancou a folha, pensando que aquela noite seria ideal para sair com Gray. Qualquer coisa para tirar Jack da cabeça.

Ela estava saindo quando se lembrou do que Gray dissera sobre Nathaniel VI.

– Sei que não é assunto meu, mas como ele era? O sr. Walker, quero dizer.

Thomas desligou a torneira e apoiou o quadril contra o balcão.

– Ele ajudou muitas pessoas. E amava a sra. Walker. Costumava dizer que ela era a melhor criação dele – houve uma pausa e Callie não sabia dizer se ele estava tentando evocar o passado ou escolher as palavras com cuidado. – Era um homem bonito. Um bom atleta. Morreu de repente. Acordou uma manhã, sentindo-se bem. Vinte minutos depois, foi encontrado morto no chuveiro. Um aneurisma cerebral. Simplesmente morreu.

Embora o tom fosse casual, o homem abanava a cabeça, como se lamentasse a perda.

– Ele me tratava muito bem. Conheci Nathaniel quando passei um verão em Osterville. Eu tinha acabado de sair da Marinha e trabalhava como carregador de tacos de golfe, no Wianno Club. Uma tarde, em julho, carreguei a bolsa dele. Estava um calor infernal naquele dia. Trinta e sete graus e sem vento, mas ele estava determinado a completar dezoito buracos. O resto do grupo e seus carregadores desistiram, mas ele e eu fizemos todo o circuito. Depois daquilo, ele não deixava mais ninguém ser o seu carregador. Fomos ele e eu, o verão inteiro. Chegamos ao fim de agosto e ele me perguntou o que eu queria fazer da vida. Eu disse que gostava de cozinhar e ele me deu uma bolsa no Culinary Institute of America, que suspeito que criou só pra mim. Quando saí, trabalhei em alguns restaurantes em Nova York, e era muito bom no que fazia. Até que perdi o braço.

Thomas abaixou os olhos.

– Uma manobra infeliz numa moto e fui do topo do mundo para não conseguir abrir uma garrafa sozinho.

O sorriso dele era calculado e ela não podia imaginar pelo que o homem tivera de passar para superar aquilo.

– Enfim, depois que me recuperei, recebi uma carta dele. Tínhamos mantido contato todo esse tempo. Eu tinha lhe contado sobre o acidente. Dois dias depois da carta, ele me ligou e ofereceu um emprego como seu chef pessoal. Foi uns trinta anos trás. O salário é bom. Tenho minha própria cozinha. Sou um homem feliz.

O homem deu um sorriso torto, como que encabulado por ter falado tanto.

Ela sorriu de volta.

– Parece sentir falta dele.

– Acho que sinto. Ele era bom comigo, mesmo que fosse... difícil com outras pessoas – Thomas apertou os lábios. – Se você quiser um telefone com uma linha privada, tem um na biblioteca.

Callie agradeceu, e depois de pegar sua agenda de telefones, encontrou a biblioteca, sentou em uma poltrona de couro e apanhou o telefone. Gray atendeu e a convidou para jantar às sete. Ela aceitou.

Em seguida, ligou para a Hall Foundation e a assistente de Grace a transferiu imediatamente.

– Callie! Como está? Acabei de voltar de uma viagem e ia ligar pra você nesse exato minuto. Estou tão feliz que tenha aceitado o trabalho!

– E eu preciso agradecê-la pela recomendação.

– Era o mínimo que eu podia fazer. Como você e Nathaniel estão se dando?

– Bastante bem. Ele é calado, mas seus olhos me seguem por todo canto.

Grace riu.

– E como o resto da família está tratando você?

Callie abaixou a voz.

– A sra. Walker está sendo um desafio.

– Posso imaginar. E Jack?

– Bem. Sem problemas. Perfeitamente bem. Mas como está você?

Houve uma pausa.

– Não tão bem, pra falar a verdade. Sinto que todo mundo que conheço está tentando lucrar às minhas custas. Meu ex-marido está ameaçando escrever um livro de revelações sobre nosso casamento, apesar das cláusulas de confidencialidade no nosso acordo de separação. Meu ex-chefe de desenvolvimento estava tentando vender uma reportagem sobre a Hall Foundation e tive que pedir uma injunção contra ele. E um porteiro contratou um ghost writer e vai escrever suas memórias sobre o tempo que trabalhou no meu prédio. As quais, é claro, vão incluir detalhes sobre mim e sobre meu casamento.

Callie abanou a cabeça.

– Grace, isso é horrível. Especialmente considerando tudo pelo que você vem passando. Deve estar exausta.

– Estou. Com todas essas propostas de livro por aí, a imprensa está em polvorosa. “Sem comentários” virou meu nome do meio. – Houve uma pausa. – Sabe, Callie, você é a pessoa que poderia fazer o maior estrago para mim, para a Hall Foundation, para minha mãe. Seria tão fácil pra você lucrar com sua história e acabar com a reputação do nosso pai, mas não fez isso. Nem posso dizer o quanto isso significa para mim.

Callie sorriu com gratidão.

– Eu nunca trairia você, Grace. Não direi nada a ninguém. Nunca. Pode confiar em mim.

– Sabe, muitas pessoas me disseram isso ao longo dos anos. Mas vindo de você, eu acredito de verdade – Grace ficou em silêncio por um momento. – Confiança não é algo com que eu tenha muita experiência. Exceto com Ross, e agora você.

– Ross?

– Lembra? Meu guarda-costas.

– Ah! Achava que o nome dele era outro.

– Era, mas agora ele é conhecido como Ross.

Callie ficou tentada a fazer perguntas, mas imaginou que não deveria se intrometer.

Elas conversaram mais um pouco e, então, Callie disse:

– Queria perguntar uma coisa. Estou arrumando uns antigos papéis da família Walker e encontrei parte de uma carta do primeiro Nathaniel Walker para uma mulher. Pelo menos acho que é o primeiro, mas não tenho certeza. Ele menciona a batalha de Concord e um general. Você se lembra de quem lutou com Walker em Concord? Antes de ele ser capturado pelos britânicos?

– Claro. Foi o general Rowe. Era um cavalheiro rico de Boston, um dos pais fundadores – a voz de Grace se animou. – Mas conte mais sobre a carta!

Callie compartilhou os detalhes e as duas discutiram sobre diversos pontos.

– Acontece – Callie disse – que essa carta tinha um tom muito íntimo. Mas ele não se casou até depois da guerra, correto?

– Certo. Casou com Jane Hatte com quase cinquenta anos, o que naquela época era considerado idoso. Eles tiveram quatro filhos.

– Então talvez Nathaniel não tenha escrito a carta. Ou talvez estivesse escrevendo para Jane – ela sugeriu.

Grace riu baixinho.

– Duvido que tenha sido para a esposa. A batalha de Concord aconteceu em 1775. Quando os dois se casaram, em 1793, ela tinha vinte anos. Ele estaria escrevendo para uma criança de dois anos.

– Bom, espero que eu encontre o resto da carta.

– Eu também. Pode ser uma revelação e tanto. Correspondência entre Walker e qualquer um de seus contemporâneos atrairia uma atenção tremenda, em especial se revelasse um relacionamento anteriormente desconhecido – Grace hesitou. – Diga, o que acha do retrato, agora que teve a chance de trabalhar nele?

– Copley é um gênio. Agora que estou tirando o verniz antigo, seu uso de cor, especialmente nas partes mais escuras da pintura, está se revelando. É extraordinário. Ele consegue fazer uma manga preta projetar sombra. E suas pinceladas são fantásticas.

– Encontrou algum problema?

– Na verdade, não. O apoio da tela é sólido. A tinta está em boa condição, na maior parte. Há uma pequena área da qual estou suspeitando, mas não acho que é nada demais. É possível que tenha acontecido uma repintura.

– Sério?

– Mas não tenho certeza. Estou limpando as bordas primeiro, então vai demorar até ter uma visão clara dessa área. No momento, é só meu instinto falando.

– Bem, não se subestime – Grace disse. – Olhos novos podem encontrar coisas surpreendentes.

– Talvez.

– E adivinha? Vou para Boston depois da Ação de Graças. Para a festa Walker. Jack convidou Ross e eu para ficar com vocês.

– Ah. Quer dizer, isso é ótimo! – era a primeira vez que Callie ouvia sobre uma festa dessas e lhe ocorreu que deveria ir para Nova York durante o feriado. Se Jack estava convidando pessoas para ficar na casa, poderia querer usar o quarto dela.

Então franziu a testa, preocupada.

– Espera. Seu guarda-costas vem com você? Ainda precisa de proteção?

– Na verdade, ele é muito mais que isso – a felicidade coloriu as palavras de Grace, dando-lhes uma entonação que expressou tudo o que Callie precisava saber.

Ela sorriu.

– Parece que está apaixonada.

– Estamos. Demoramos um pouco para resolver as coisas e ainda estamos trabalhando nisso. Mas minha vida não estaria completa sem ele.

– Estou muito feliz por você. De verdade.

Depois que desligaram, Callie olhou para fora da janela. Era o fim da tarde e o céu estava branco. Ela ficou surpresa por a Ação de Graças estar tão perto e se imaginou em Chelsea enfiando um prato congelado no forno e pensando sobre Jack.

Não é exatamente um feriado dos sonhos, ela pensou.


Capítulo 14

Quando Jack voltou para casa àquela noite, estava cansado. Nada ocorrera como esperado. Nem particularmente bem.

Blair nem estava em Nova York.

Ele tinha ligado para ela no caminho para o aeroporto, tentado tanto o hotel como o celular, para se certificar de que ela sabia que ele estava a caminho. Quando caiu no correio de voz em ambos, não pareceu tão estranho, e pensou o mesmo quando ela não ligou de volta. Estavam se desencontrando ultimamente e às vezes passavam um dia ou dois sem se falar.

De qualquer modo, fora uma surpresa quando ele fora informado na recepção do Cosgrove que a srta. Stanford e o sr. Graves tinham ido para Londres na noite anterior. O gerente explicara que eles foram visitar a nova mansão de Graves em Belgravia e que voltariam em breve. Quão breve o homem não soube dizer, e considerando seus olhos ansiosos, claramente desejava ter uma resposta melhor.

Baseado nos planos de viagem indeterminados de Blair, Jack imaginara que, ao retornar para o país, ela iria direto para Boston. Então não fazia sentido ele ficar esperando em Nova York quando tinha negócios para fechar e planos para fazer com Gray. Estava no aeroporto quando o celular tocou. Pelo visto, o funcionário de Graves tinha ligado antes que ele pudesse. Blair se desculpou, ansiosa pela sua visita inesperada. Sabia que aparições não programadas não eram um hábito de Jack.

Quando ela o pressionou por detalhes, ele só tentou descobrir quando ela voltaria. Embora fosse chegar no dia seguinte, Blair tinha se recusado a desligar e não parava de perguntar qual era o problema. Quando ficou claro que ela não esperaria até que pudessem se encontrar, ele disse a verdade tão gentilmente quanto pudera. Silêncio fora a primeira resposta, e então ela foi tipicamente estoica. Ela só perguntou se ele tinha conhecido alguém e ele respondera com honestidade.

A verdade terrível era que ela não parecera muito surpresa com nada daquilo.

Quando a ligação terminou, Jack entrara no avião e dissera ao piloto para levá-lo a Chicago. Havia uma empresa lá que ele pretendia visitar há algum tempo e imaginou que a viagem seria um alívio para sua mente. Não funcionou. Ele continuou arrependido por ter machucado Blair, embora estivesse mais triste por perder sua amizade do que pelo lado íntimo do relacionamento.

Fechando a porta da frente de Buona Fortuna, Jack pôs a mala no chão e começou a afrouxar a gravata. Queria uma bebida. Algo para comer.

E queria ver Callie.

Foi à cozinha e encontrou Thomas, que estava pondo sua jaqueta de couro de motoqueiro e lhe informou que a sra. Walker tinha saído para jantar. A ansiedade em sua voz revelou a Jack que Mercedes não estava muito bem, mas ele não pediu detalhes. Tinha problemas suficientes na própria vida.

Thomas se voltou na porta.

– Ah, e Callie saiu com Gray.

Jack sentiu como que atingido por uma onda.

– Ah, é? Onde eles foram?

– Disseram algo sobre o Biba’s – Thomas hesitou. – Vai ficar bem aqui sozinho?

– Sim – em seu humor atual, era mais seguro para todo mundo que ele ficasse sozinho.


Quando a porta fechou, Jack se dirigiu não à geladeira, mas ao seu bar privado. Apesar de estar faminto, procurava mais o esquecimento do que comida.

Quando chegou ao escritório, tirou o terno, pendurou-o em uma cadeira e foi direto ao bourbon. Atravessando o cômodo, notou que o vidro quebrado ainda estava no chão. Odiava que mexessem em seu escritório, então só era limpado uma vez por semana, e ele fez uma nota mental para cuidar daquilo sozinho.

Mas não agora.

Pegou um decantador e um copo e decidiu ficar completamente bêbado.

Era o jeito perfeito para terminar um dia que até então tinha sido horrível.

Estava na metade do terceiro copo, e começando a sentir os efeitos do álcool, quando lembrou que era o aniversário de morte do pai.

O que explicava por que Thomas estava tão preocupado com sua mãe.

Jack pôs o copo na mesa e sentiu o anel sinete fazer contato com o móvel, as batidas soando no ar quando o ouro atingiu a madeira. Virou a mão e olhou para o brasão que fora pressionado profundamente no metal. O anel deveria ser usado por um Nathaniel, como sempre fora, incluindo seu pai.

Mas quando morreu, o sétimo Nate declarara que, como Jack era o chefe da família para todos os efeitos, ele deveria usar o anel. Jack nunca gostara de joias, exceto sua coleção de abotoaduras, mas ter aquele anel na mão parecia correto.

Olhando os arranhões no ouro e pensando em quantos homens em sua família o haviam usado, se lembrou da última vez que vira o pai vivo. Tinha sido a noite anterior à sua morte. Para variar, eles discutiram, porque o pai tinha bebido uísque e Jack estava determinado a ser linha dura em relação a dinheiro.

Depois de anos vendendo ações para o filho para financiar seu hábito filantrópico, não tinha mais nada com que barganhar. Depois que as últimas ações da casa em Palm Beach tinham sido transferidas, Jack dissera ao pai que estaria disposto a apoiar despesas razoáveis, mas que não mais pagaria por presentes. E, por algum tempo, não houve nenhum.

Naquela noite, no entanto, o Nathaniel sênior tinha anunciado que prometera meio milhão de dólares ao Museu de Belas-Artes. Ele enfatizara que tinha dividido o pagamento em valores mensais, claramente pensando que desse jeito pareceria uma despesa normal. Quando Jack se recusara a ajudá-lo com o compromisso, o pai tinha ficado lívido.

A situação teria sido difícil em qualquer momento, mas eram dez horas da noite, e seu pai estava bebendo há cinco horas. O homem tinha passado do ponto de conversa racional. Quando Jack estava saindo do quarto, Nathaniel acusara o filho de ser um capitalista ganancioso que virava as costas para os necessitados.

Jack tinha lembrado o pai de que aquelas batalhas gananciosas no mundo financeiro haviam permitido a presença contínua de Nathaniel em Buona Fortuna. Também apontara que não havia muitos “necessitados” no Museu de Belas-Artes e que, se o pai estava verdadeiramente preocupado com o bem-estar social, deveria ter se voluntariado para dar sopa aos pobres ou ajudar algum abrigo digno.

Quando os insultos bêbados continuaram, Jack ficou frustrado por terem sempre a mesma conversa, e acabou perdendo a paciência. Então disse algo sobre o pai fracassar em tudo que tinha feito na vida exceto ter o saco puxado por pessoas atrás de dinheiro.

Aquilo tinha acabado com a discussão. O pai tinha ficado tão chocado que caíra em silêncio por um momento, mas então revidara. Jack nunca se esqueceria das palavras ou do tom da voz dele.

Meus filhos são uma fonte de tristeza inestimável para mim, meu maior fracasso. Pelo menos seu irmão tem a decência de manter distância.

E, na manhã seguinte, ele morreu.

Um jeito e tanto de deixar as coisas, Jack pensou, trazendo o copo de volta à boca e terminando o bourbon. Era difícil entender como o pai fora capaz de acolher tantos desconhecidos enquanto tinha tanto desdém pelos filhos. Claro que às vezes as pessoas faziam coisas sem sentido – o que Jack estava começando a entender com as próprias escolhas.

Servindo-se de outro copo, Jack ergueu as pernas e cruzou os tornozelos sobre a mesa. Estava contemplando a cor do licor quando, do outro lado da casa, ouviu a porta da frente abrir e vozes no corredor.

Levantando-se, saiu no corredor e viu Gray e Callie na entrada. Estava prestes a dizer algo quando o amigo colocou uma mão no ombro dela e abaixou a cabeça.

Jack fechou os olhos, sentindo uma queimação no estômago que não tinha nada a ver com o bourbon. Voltou ao escritório e esperou.

Quando finalmente ouviu a porta fechar, correu de volta para o corredor, preparando-se para encontrar os dois subindo juntos. Em vez disso, Callie estava sozinha, tirando o casaco.

– Divertiu-se? – ele perguntou, aproximando-se até estar iluminado.

A cabeça dela virou imediatamente. Como se estivesse recuperando o controle, colocou um cacho atrás da orelha.

– Você voltou.

Os olhos dela o avaliaram, pausando no colarinho aberto da camisa.

– Sentiu minha falta? – ele perguntou. – Ou estava ocupada com outras coisas?

Ela franziu a testa, notando o copo na mão dele.

– Quanto você já bebeu?

Ele olhou para o bourbon.

– Um pouco.

Ela colocou o casaco no corrimão e deu um passo à frente, estendendo a mão.

– Acho que já foi o bastante.

– Não tenho certeza.

– O que você acha que vai conseguir bebendo até entrar em coma?

Os olhos de Jack passaram do topo da cabeça de Callie para o resto do seu corpo. Então voltaram aos lábios e aos seios dela.

– Talvez consiga esquecer você por um minuto.

Ele inclinou a cabeça para trás e tomou outro gole.

A voz dela era gentil.

– Me dê o copo, Jack.

Ela continuou a encará-lo com calma, até que ele obedeceu. Ela tinha razão. Ficar bêbado não resolveria nada. Pior, só o lembrava do pai e aumentava suas chances de fazer algo estúpido.

Como cair de joelhos e implorar que Callie o escolhesse em vez de Gray.

Callie passou por ele e foi até a cozinha. Enquanto a seguia, Jack acompanhou cada movimento, seus quadris mexendo-se elegantemente, as pernas tão longas na saia preta que vestia. Quando seu sangue começou a esquentar, ele pensou que deveria se afastar. Apenas subir para o quarto e desmaiar.

Porque, na penumbra silenciosa, tudo o que ele conseguia pensar era em fazer amor com ela. E se queria que ela o considerasse digno de algum modo, precisava se comportar como um cavalheiro, não como um homem das cavernas.

Callie estava enxaguando o copo na pia quando perguntou, em voz baixa:

– Você está bem?

Ele mal ouviu as palavras sobre o barulho da água corrente.

– Poderia estar bem mais bêbado – ele disse casualmente. – O plano é beber até cair e esquecer de tudo. Nem estou enxergando duplo ainda. E ainda estou de pé.

Callie puxou uma toalha da gaveta e o olhou com olhos semicerrados enquanto secava o copo.

– Sei que deve ser uma noite difícil pra você.

Ele lembrou do amigo a beijando. Sentiu uma pontada de ciúmes, que tornou sua resposta mais dura do que ele gostaria.

– Que magnânimo da sua parte. A maioria das mulheres não teria pena de um homem que viajou seiscentos quilômetros para acabar com a competição.

Callie franziu a testa, como se não o tivesse ouvido direito, e então seus olhos se tornaram diretos – e sua voz mais ainda.

– Vou deixar essa passar porque você bebeu demais. E estou falando do aniversário da morte do seu pai, não sobre o que quer que tenha acontecido hoje entre você e Blair.

Jack se encostou contra a porta, sentindo-se um idiota.

O arrependimento trouxe um pouco de sobriedade de volta e ele reconheceu como estava no limite do autocontrole. Callie era sexy e linda e estava a apenas alguns metros dele. Ele lutava contra uma vontade terrível de puxá-la para seus braços e colocar a boca na dela até que ela esquecesse o beijo de Gray.

Só a ideia de tocá-la o deixava duro.

– Acho melhor você ir embora – ele disse.

– Por quê?

– Só acredite em mim.

Callie deu de ombros e colocou o copo no balcão.

– Sabe, perdi meu pai recentemente – ela disse. – E nosso relacionamento não era nem um pouco corações e flores. Mas, mesmo que tenha sido há muito tempo, e mesmo que ele tenha tido um papel complicado na sua vida, é difícil superar a morte de um pai.

Jack quase riu. Era verdade, ele estava vivendo com as consequências das desavenças com o pai. Mas um problema muito mais imediato estava à sua frente, olhando-o com ansiedade e compaixão.

Ela limpou a garganta.

– Há muitas coisas que eu queria ter dito ao meu pai e muitas respostas que nunca terei dele. Isso gera raiva e frustração. Sei que você sente algo parecido, porque está claramente chateado e nunca vejo você beber assim. Talvez ajude se falar sobre isso.

Jack se moveu antes que soubesse o que estava fazendo e cruzou a cozinha em dois passos. Pegou-a pelo pescoço e pela cintura e a puxou contra o corpo. Garantindo que ela sentisse sua ereção, ele a olhou nos olhos e não fez nada para manter o tesão longe do rosto ou da voz.

– Não estou a fim de conversar, e não tem nada a ver com meu pai.

Ele deliberadamente olhou para os seios dela. Imaginou sua boca em um mamilo que tinha começado a aparecer sob o tecido fino do suéter dela. Então imaginou como seria lamber sua pele até que Callie gemesse seu nome sem parar.

Callie engoliu e seus lábios se entreabriram. Ele quase podia sentir o gosto dela.

Jack se afastou, xingando. O que precisava fazer era falar com ela, não tentar levá-la para a cama. Como ela poderia considerá-lo algo além de um playboy, se Jack não conseguia manter as mãos longe dela?

– Puta merda! Estou tentando fazer a coisa certa. De verdade.

A expressão dela caiu.

– Por causa de Blair.

– Não. Rompi o noivado hoje. Estou tentando fazer a coisa certa por você.

Os olhos dela se voltaram para ele em um instante.

– O que disse?

– Que rompi o noivado.

Ele se afastou e passou uma mão pelo cabelo. Quando um metro de separação não pareceu o suficiente, recuou até a porta.

Houve um silêncio longo e tenso.

– Está acabado mesmo?

– Sim. Terminei.

– Por quê – as palavras não foram ditas como uma pergunta. Eram uma exigência.

Jack sentiu que sua resposta de algum modo determinaria o futuro deles, então falou com cuidado, desejando poder confiar mais em si mesmo. Ele era capaz de ser persuasivo, mas Callie merecia honestidade total.

– Eu nunca a amei. Sabia disso quando a pedi em casamento. Pensei que respeito e amizade seriam suficientes, mas conhecer você me fez perceber o que eu estava perdendo.

A voz dela se tornou um sussurro.

– E o que você está perdendo?

Ele deu uma risada sem humor, pensando que deveria calar a boca. Jack tinha bebido demais para ter uma conversa tão complicada. Quem sabia o que poderia sair dele? De jeito nenhum ela o levaria a sério, por exemplo, se ele dissesse que a amava.

E aquelas palavras estavam na ponta da língua dele.

Não, ele precisava começar devagar. Dar uma chance para ela considerá-lo algo além de um pêndulo entre extremos.

– Não me peça para explicar agora. Especialmente como me sinto – ele disse. – Não estou muito eloquente hoje.

– Tente mesmo assim – ela se encostou contra o balcão, como se precisasse do apoio.

Quando ele ficou em silêncio, ela disse:

– Não acredito que vou perguntar isso, mas Jack, pra onde estamos indo com isso?

Ele pensou no amigo se inclinando e beijando Callie.

– Se importa se eu perguntar sobre Gray? – ele perguntou, o tom sombrio.

Ela corou.

– Ele não é pra mim.

– Mas achei que ele era inteligente e bonito e simpático.

Deus, ele odiava aquelas palavras.

– Muitos homens são. Não significa que quero namorá-los.

Jack soltou uma risada curta.

– Bem, eu recentemente fiquei disponível e não tenho nada a ver com pelo menos duas dessas características. Tive momentos de verdadeira estupidez nas últimas semanas e você com certeza passou algum tempo me odiando, e com bons motivos, devo dizer. Sobre a parte da beleza, não posso comentar – sentindo-se um imbecil, ele abanou a cabeça. – Merda. Não estou fazendo sentido nenhum agora.

Callie sorriu gentilmente.

– Não tem problema. Gosto de você quando está meio fora do ar.

Jack olhou-a nos olhos.

Não conseguia acreditar, mas ela o estava olhando com afeto. A tensão nos ombros ainda expressava cautela, mas a sinceridade em seu rosto sugeria que talvez, inesperadamente, ele tivesse uma chance.

– Meu Deus, Callie. Só quero ficar com você – ele disse, tentando encontrar as palavras certas. – Tanto. Já. Você é a única mulher que me fez sentir desse jeito e só quero uma chance com você. Sei que fiz muita coisa errada, mas quero tentar fazer você feliz. Quero fazer promessas, mesmo que não possa esperar que acredite nelas, considerando... toda a minha história.

Ele ficou quieto. Ela não precisava ouvir mais detalhes sórdidos sobre seus fracassos com monogamia.

– Não tem problema – ela disse, pegando-o de surpresa. – Não preciso de promessas. Não estou procurando uma fantasia.

Jack sentiu uma pontada de esperança, à qual se agarrou.

– Sei que não sou a melhor aposta se você está procurando um relacionamento...

– Não diga. E eu aqui já planejando o casamento!

Ele a estudou por um longo momento. O pequeno sorriso no rosto já era o bastante para derretê-lo.

Queria tocá-la, mas resistiu.

– Você, ah... me faz acreditar em coisas de que eu costumava rir.

– Papai Noel? – ela perguntou, os olhos brilhando.

Jack sorriu de volta.

– Estou falando de amor. Eterno.

A expressão dela mudou, um pouco do prazer desaparecendo.

– Não diga isso. Não agora.

Ele abriu a boca, mas fechou quando ela se afastou do balcão. Callie deu um passo, e outro, e então estava indo na direção dele.

– Não quero conversar – ela murmurou, a voz rouca.

E o corpo de Jack praticamente explodiu.

Através de olhos arregalados com descrença e gratidão, ele a viu se aproximar, todo aquele cabelo ruivo, aqueles quadris, a cintura pequena. Ela se movia como se soubesse o que estava fazendo, e não era atravessar a cozinha. Também parecia tímida, mordendo o lábio enquanto seus olhos passavam do rosto de Jack para o peito e de volta.

Inocência e sensualidade natural é uma combinação e tanto, ele pensou, sentindo a boca ficar seca.

– Você não respondeu à minha questão – ela disse em voz baixa.

Uma nova gota de suor apareceu na testa dele.

– Qual?

– O que você estava perdendo?

E, então, ela o tocou no peito, acima do coração, que começou a bater como uma britadeira.

Outras mulheres já haviam tentado seduzi-lo antes, mas não tinha sido nada parecido. Parada à frente dele, com o braço preenchendo o espaço entre seus corpos, ela tinha poder total sobre Jack. Poderia destruí-lo.

Simplesmente se afastando.

– Você – ele gemeu. – Estava perdendo você.

Ele inclinou a cabeça para um beijo, mas ela o parou.

– Lembra de quando me perguntou que tipo de homem eu procuro? – ele assentiu. – Quero alguém que só me trate com carinho e amor. Que me respeite e faça qualquer coisa por mim. E quero poder confiar nele completamente.

Jack deu um passo para trás, mas ela colocou a mão em seu pescoço e o acariciou.

– Mas quer saber? – ela disse. – Nunca encontrei esse homem. Nem cheguei perto. E não vou fingir que é você. Não há muitos heróis românticos no mundo real – sua mão subiu para o rosto dele e ele virou os lábios para a palma dela. – Eu quero você.

Ele fechou os olhos, pensando que aquelas três palavras faladas na voz rouca de Callie eram mais sedutoras do que qualquer corpo nu que já vira.

– Jack, não quero que me prometa nada, mas vou pedir um favor.

Ele abriu os olhos, torcendo para que, o que quer que fosse, estivesse ao seu alcance.

– Diga.

– Me avise quando perder o interesse, antes que a próxima mulher entre na sua vida – ela inclinou a cabeça, os lábios tão próximos dos dele que Jack podia sentir sua respiração na própria boca. – Estou encarando isso como um caso rápido, então não tenho grandes expectativas. Só quero manter minha dignidade, tudo bem?

Ele estava prestes a dizer que não a deixaria, quando viu um brilho de desconfiança nos olhos dela. Claro que não acreditaria na palavra dele por enquanto.

– Sim, claro. Prometo.

Com um gemido, colocou os lábios contra os dela, enfiando a língua na sua boca. Quando tocou seus quadris, sentiu Callie apertar seus ombros e se aproximar. Erguendo a cabeça, ele fez um som no fundo na garganta, pronto a cair de joelhos e implorar, se precisasse.

– Vamos subir? – ele mal conseguiu perguntar.

Quando ela assentiu, ele tomou sua mão com urgência e a guiou pela casa até o Quarto Vermelho. Nem tinha fechado a porta atrás deles quando a tomou nos braços de novo e lhe deu um beijo longo e forte, abraçando-a e segurando-a contra o corpo.

Fechou a porta com o pé e mal a ouviu bater porque estava enfiando as mãos sob a blusa de Callie, encontrando pele quente e suave. Soltou um gemido enquanto puxava a blusa dela e tirava os próprios sapatos. Quando tirou a blusa e a jogou no chão, precisou fechar os olhos para retomar um pouco do controle.

Se continuassem assim, ele ainda estaria meio vestido quando gozasse dentro dela.

As mãos dela passaram ao redor do pescoço e o puxaram para os lábios enquanto ele a guiava para a cama. Eles trombaram em uma cadeira e ele teve que apanhar uma lâmpada para que não caísse quando bateram em uma mesa. Mantendo contato com os lábios de Callie, abriu a própria camisa com um único movimento, mas as mangas ficaram presas pelas abotoaduras.

Ele xingou em frustração e ela riu baixinho enquanto ele puxava e se contorcia para tirar a camisa.

– Pare de se debater e deixe que eu faço – ela disse.

Ele olhou as mãos dela, desejando que seus dedos se movessem rápido. Enquanto ela o libertava, ele murmurou:

– Talvez eu nunca mais use essas coisas malditas. E foda-se essa camisa também.

O sorriso dela estava trêmulo enquanto colocava o par de brincos de ouro sobre o criado-mudo. A camisa caiu ao chão como uma nuvem branca, e quando seus olhos arregalados encontraram o corpo dele, Jack teve vontade de ir mais devagar, para poder se lembrar de cada instante com ela. Ela o olhava como se nunca tivesse visto o peito de um homem antes, e a maravilha em seus olhos azuis o fez sentir como se estivesse fazendo amor pela primeira vez. De repente, sentiu vontade de ser paciente.

Não fariam sexo apressado hoje. Jack queria que ficassem juntos do jeito certo. Lentamente. Reverentemente.

Mas quando viu que ela ainda o olhava, sentiu um pouco da urgência voltar.

– Você é lindo – ela suspirou, a voz abafada. Ergueu a mão à boca, como que tentando esconder sua reação.

Jack estava perdido.

– Vem aqui – ele disse.

Tomando a mão dela, sentou na cama e a acomodou entre suas pernas. Seus seios estavam cobertos por uma fina renda branca e ela estava resplandecente na luz suave; os contornos de seu corpo eram sombras sedutoras.

Ele colocou as mãos nos quadris dela e as desceu lentamente até a beira da saia. Deslizando-as para dentro, alisou os joelhos e então passou para as coxas, sentindo o calor da pele dela. Colocando os lábios em seu estômago, procurou o zíper e os botões atrás da saia.

E, então, a peça caiu ao chão, e depois a meia-calça.

Tomando Callie nos braços, ele a puxou para cima de si e eles caíram na cama. Enquanto a beijava profundamente, rolou-a e gentilmente tocou seus seios. Ela apertou seus braços, o corpo se contraindo com prazer, e ele impacientemente enfiou uma mão dentro do sutiã e tomou o seio na boca, olhando seu rosto. Os olhos dela estavam arregalados com espanto enquanto ela arqueava o corpo, abrindo as pernas. Era como se não tivesse ideia de que seu corpo pudesse reagir daquele jeito, e Jack quase perdeu todo o controle.

Com mãos trêmulas, rapidamente abriu o sutiã e se acomodou sobre ela, sentindo seus dedos no cabelo enquanto ela absorvia seu peso sobre os quadris. No momento que sentiu os seios nus contra o peito e o calor dela através das calças, teve o pensamento vago de que poderia não ser o mesmo homem depois daquilo.

E que isso não seria nem um pouco ruim.


Capítulo 15

Callie sentiu Jack se abaixar sobre si e passou as mãos sobre a pele suave das costas dele. Quando ele beijou seu pescoço, ela soube que tinha tomado a decisão certa. Ela queria Jack, ele a queria. Fantasias adolescentes de amor perfeito não tinham lugar no mundo real. Tudo o que se tinha era o aqui e o agora.

E o que ela tinha era Jack nu e a tocando com mãos trêmulas.

Ele beijou um caminho até os seios dela e suas mãos alcançaram a calcinha. Impaciente, ela ergueu os quadris, pensando em como seria bom não ter nada entre eles. Deslizou o tecido pelas pernas e, assim que se livrou da peça de seda, começou a esfregar as coxas dela.

– Preciso de você – ele disse, rouco. – Ah, Deus...

Ela sentiu a boca dele, quente e doce, sobre o umbigo, e o choque do beijo foi encoberto por uma onda de calor quando os dedos dele tocaram seu centro. Jack soltou um som baixo de satisfação e ela tocou seu rosto, precisando do beijo dele.

Quando ele recuou, ela soltou um protesto, mas ele só estava tirando as calças. Elas foram jogadas no chão, seguidas pela cueca, e então seu corpo nu estava sobre Callie. A sensação dura e direta daquele corpo a fez arquear, e ela ficou instantaneamente frustrada quando ele parou de beijá-la e se afastou.

– Não posso esperar, não... me mande parar agora ou eu vou...

As veias no pescoço dele estavam retesadas e seus ombros largos, rígidos com tensão. Ele estava se controlando. Por pouco.

Por um segundo, Callie ficou com medo. Era o momento.

Ela o olhou nos olhos. Podia simplesmente dizer não e eles parariam ali. Ela acordaria amanhã sem um pedaço do céu. Acordaria sozinha. Ainda virgem.

Mas a vida era curta demais para viver nas sombras. Então tocou o rosto dele, o puxando para sua boca.

– Faça amor comigo – sussurrou.

Ela o sentiu relaxar de alívio. Jack começou a beijá-la de novo enquanto subia nela. Num ímpeto, penetrou seu corpo.

Uma dor aguda a fez gemer, mas a pontada foi seguida por uma sensação diferente de tudo que ela já tinha experimentado. Ela soltou um murmúrio de prazer e, então, percebeu que Jack tinha congelado.

Não gostou da expressão dele. Seus olhos estavam arregalados com choque enquanto se focavam em algum ponto atrás dela.

– Jack? – ela perguntou suavemente.

Ele a olhou estranhamente calmo. Callie quase não o reconheceu, e encarar um desconhecido era perturbador, considerando que ele ainda estava dentro dela.

– Você está bem? – ele perguntou com uma voz vazia.

Quando ela deu um aceno, ele saiu de seu corpo devagar e envolveu-a com cuidado no cobertor.

– Me diga que não é... que você não é...

– Virgem? – ela se focou nas mãos dele, apoiadas nos joelhos. – Bem, sim.

Ele a olhou de lado.

– E não achou importante mencionar?

– Não estava pensando muito na hora.

Ele começou a abanar a cabeça de um lado para o outro.

– Deus...

– O que importa que é a primeira vez? Você não teria se importado se eu... se eu tivesse tido outro homem antes de você, não é?

Ele riu sem humor.

– Não acredito que estou dizendo isso, mas fico feliz por não ter tido ninguém antes – ele balançou a cabeça. – Só queria que tivesse me contado. Eu teria feito as coisas de outro jeito.

– Eu achei... ah, que você estava indo muito bem.

Houve um longo momento de silêncio. Ela começou a se sentir fria quando o imaginou pegando as roupas e fugindo, como aquele cara da faculdade.

Mas Jack não faria isso, ela disse a si mesma. Claro que não.

Ele a olhou outra vez.

– Você merece algo digno de ser lembrado.

– Não sei, Jack. Você estava sendo inesquecível.

Ela deliberadamente tentou manter o tom leve, não querendo indicar o desespero que sentiria se ele a deixasse. Insatisfeita. Sozinha.

Os olhos dele a mediram com seriedade. Ela podia ver que ele imaginava se a tinha machucado.

Ele limpou a garganta.

– Gostaria de... tentar de novo.

Ela sorriu e o puxou para si.

Movendo-se com cuidado, como se pudesse quebrá-la, ele se aproximou. Passou um dedo pela bochecha dela e então colocou um cacho do cabelo ruivo atrás da orelha. Ele desceu a mão ao seu queixo e passou um dedo sobre o lábio inferior, erguendo o rosto de Callie. Havia uma gentileza nele, uma preocupação que temperava a urgência que havia retornado ao seu rosto.

Quando a beijou, pôs a boca de leve sobre seus lábios, a pressão suave a ponto de ser frustrante. Ele se recusava a aprofundar o contato. Embora Callie quisesse mais, e se contorcesse para chegar mais perto, ele ficava fora de alcance. Suas mãos começaram a esfregar o pescoço e a clavícula dela, e então abaixo dos seios, e uma languidez sensual a tomou quando os lábios dele fizeram o mesmo.

Não importava o quanto ela tentasse, Jack se mantinha elusivo, lhe dando prazer com as mãos e a boca sem deixar que ela retribuísse o favor. Mesmo quando Callie soltava uma queixa, ele se recusava a trazer o corpo contra o dela. Callie agarrava os seus braços para puxá-lo, mas ele ficava sobre ela, beijando seus seios e depois sua barriga, enquanto acariciava suas coxas. A tortura era deliciosamente frustrante e a pressão no corpo dela começou a crescer e crescer até marcar a pele dele com as unhas enquanto se segurava a ele.

E, então, ele a beijou onde ela nunca tinha sido beijada antes.

Uma explosão de calor a atravessou e só depois que as ondas tinham parado de sacudir seu corpo Jack se acomodou sobre ela. Desta vez, quando a penetrou, ela sentiu apenas uma pontada doce de prazer.

– Callie – ele disse, rouco –, está tudo bem?

Era como se estivesse falando através de dentes cerrados. O corpo dele estava tremendo. Ela podia senti-lo sobre si. Dentro de si.

– É tão bom – ela murmurou contra o pescoço dele.

Jack não se mexeu. Passando as mãos sobre os músculos tensos das costas e dos ombros dele, Callie foi atingida pela ideia súbita de que ele a deixaria outra vez.

– Você... está bom pra você? – ela perguntou.

A cabeça dele caiu sobre o pescoço dela.

– Meu Deus. Sim.

Ela se moveu sob ele e o ouviu gemer com a fricção entre os corpos.

Ele a agarrou com força e começou a se mexer dentro dela. Quando seus movimentos ganharam força, a levaram a um frenesi de calor. Ela soltou um grito rouco quando sentiu a explosão dentro dela outra vez, e ouviu um som gutural escapar de Jack enquanto o corpo dele tremia.

Na calma que se seguiu, ela o sentiu relaxar, embora estivesse ofegante.

– Você está bem? – ele perguntou.

Callie assentiu, não confiando em sua voz.

Ela estava feliz por tê-lo esperado.

Quando uma lágrima caiu de um dos olhos, ela agradeceu a escuridão. Não queria ter de se explicar. Teria sido difícil fazê-lo entender como aquilo tinha sido bom. Como ele fora bom para ela.

Jack mudou de posição, deitando ao seu lado, e ela desviou o olhar, observando a luz que entrava pela janela de vidro manchado. Ele acariciou seu rosto, e parou quando encontrou as lágrimas dela.

– Callie, o que foi? – ele perguntou com urgência.

O som engasgado que ela fez deveria ter sido um nada.

Ele inclinou a cabeça para ela.

– Me diga o que está acontecendo.

Ela soluçou e limpou as lágrimas.

– Só estou um pouco emocionada, é só isso.

– Eu machuquei você? – a voz dele era profunda e masculina, como veludo na escuridão. Cheia de preocupação.

Ainda não, ela pensou. E esperava muito que ele nunca fizesse isso.

– Callie?

Enquanto Jack limpava outra lágrima, ela disse:

– Não quero me apaixonar por você.

– Como se eu pudesse ter tanta sorte... – a voz dele sumiu. – Sabe que não quero machucar você, não é? – ela assentiu. – E farei o meu melhor.

Ela começou a se preocupar com o que aconteceria entre eles, mas então se forçou a parar. O presente. Ela tinha o presente. Ele estava ali, segurando-a com força. Pensamentos sobre o futuro só estragariam o que eles tinham no momento. Fechando os olhos resolutamente, ela se aproximou para descansar a cabeça no braço dele.

Ele a tranquilizou com carícias suaves e ela acabou caindo no sono.

Era cedo na manhã seguinte quando o sentiu levantar da cama. Na luz cinza da aurora, o viu vestir as calças, a cabeça abaixava enquanto subia o zíper e fechava os botões. Quando se virou e a viu assistindo, ele sorriu.

– Tenho que ir, mas posso dar um beijo de bom dia?

Aquele tom sedoso tinha voltado à voz dele.

– Por favor.

Jack sentou na cama ao lado dela e se inclinou. Ela ergueu a boca para um beijo, mas ele apanhou sua mão. Abrindo seu punho, pressionou os lábios à pele suave da sua palma.

– Bom dia, Callie – ele disse. Fechou os dedos dela outra vez e apertou. E então a beijou suavemente na boca e saiu do quarto.

Quando Callie acordou de novo e se alongou, sentia no corpo uma tensão desconhecida mas nada incômoda. Ficou deitada de costas, olhando o dossel acima da cama e pensando sobre Jack. Imagens do que eles tinham feito na noite anterior eram impossíveis de resistir.

Ela tinha razão. Ele era um amante incrível, embora não necessariamente pelas razões que imaginara a princípio. O modo como a abraçara depois tinha sido a melhor parte da experiência.

Quando por fim se levantou, ela viu a camisa de Jack no chão e a apanhou. Levou o algodão fino ao nariz e respirou fundo, cheirando sabonete de cedro e algo mais elusivo, distintamente Jack.

Ela olhou ao redor, notando os botões que haviam estourado e estavam caídos sobre o tapete oriental. Ser pega pela empregada segurando a camisa rasgada de Jack em seu quarto revelaria coisas com que nenhum deles queria lidar. Callie rapidamente limpou o chão, tomou um banho e se vestiu.

Com a camisa enfiada embaixo do braço, atravessou o corredor. Não houve resposta quando bateu, então enfiou a cabeça no quarto dele e chamou-o em voz baixa.

As antiguidades em mogno e pinturas a óleo ela já esperava; o que a surpreendeu foi o anonimato do quarto. Não havia fotos de Jack em férias, nenhuma roupa jogada nas costas de uma cadeira, nenhum livro ou revista aberto no criado-mudo. Poderia muito bem ser um luxuoso quarto de hotel e ela ficou decepcionada que o cômodo não revelasse nada sobre ele.

O que seria demais para exigir de uma combinação de cores, ela pensou secamente, observando as paredes verde-escuras. Mesmo um tão bem pensado como aquele.

A única coisa desarrumada era a cama. As cobertas tinham sido puxadas e os travesseiros postos contra a cabeceira de veludo, como se ele tivesse passado algum tempo sentado, refletindo.

– Posso ajudá-la? – a sra. Walker disse alto.

Callie se virou, se preparando enquanto a mulher atravessava o corredor como se a ordem natural das coisas tivesse sido perturbada.

A sra. Walker viu a camisa e seus olhos se estreitaram.

– Precisa de algo do meu filho?

Num ímpeto de levianidade, Callie pensou: Não, já o tive na noite passada.

Endireitando os ombros, ela se lembrou da regra número quatro para lidar com perseguidores: a ignorância é uma benção. Não pode haver um problema se você se recusar a reconhecer a existência dele.

Ela foi calmamente até a cama e colocou a camisa sobre as cobertas amarrotadas.

– Tenha um bom dia, sra. Walker – ela murmurou enquanto saía.

Pela primeira vez, a mulher ficou sem palavras.

Enquanto ia até a cozinha, Callie desejou que o timing da sra. Walker não tivesse sido tão bom. Ou talvez ela não devesse ter sido tão cuidadosa. Se tivesse apenas deixado a camisa no seu quarto, a enfiado em uma gaveta até que pudesse devolvê-la a Jack...

Droga! Era como sofrer um acidente de carro porque você estava distraído colocando o cinto de segurança.

Jack estava lendo o jornal e bebendo café quando ela entrou na cozinha, e assim que o viu, Callie sorriu. Ele estava de terno, sua gravata azul com um nó preciso, parecendo civilizado demais para ter feito as coisas que fizera na noite anterior.

Mas então ele a viu e seus olhos brilharam com energia.

– Bom dia – o sorriso dele era lento e sexy enquanto abaixava o Boston Globe. – Dormiu bem?

Callie sentiu um calor como um incêndio no rosto.

– Bem. Muito bem.

– Venha aqui – ele murmurou.

Ela olhou para trás para se certificar de que ninguém estava por perto e foi até ele. Assim que estava ao seu alcance, as mãos dele a puxaram para perto. Instintivamente, as de Callie tocaram seu cabelo, e então ela parou, não querendo desajeitá-lo.

– Não, me toque – ele disse. – Onde quiser.

Quando ela enfiou os dedos nos fios grossos, ele a olhou.

– Desculpe não passarmos mais tempo juntos de manhã, mas achei que você gostaria de um pouco de discrição.

– Obrigada – ela abaixou os lábios contra os dele e o beijou de leve, mas ele não a deixou se afastar. Quando aprofundou o contato com a língua, ela relutantemente recuou.

A frustração dele era evidente quando a soltou.

– Você me faz querer subir de novo e começar o dia do jeito certo. Ou melhor, nem sair da cama.

Ela estava sorrindo quando Thomas saiu das escadas dos fundos. Enquanto ele e Jack conversavam, Callie preparou seu café da manhã e pensou sobre o dia à sua frente. Quando se lembrou da carta que tinha encontrado, teve vontade de mostrá-la a Jack.

– Tem um minuto antes de ir? – ela perguntou quando ele se levantou. – Tenho algo pra mostrar na garagem.

Ele apanhou a maleta e correu até a porta.

– Que ideia fantástica!

Ela riu enquanto ele a apressava, Arthur indo na frente. A manhã estava fria e sua respiração saía em nuvens enquanto atravessavam a entrada.

– Aliás, Jack, acho que podemos ter um problema.

– Com a pintura?

– Não. Sua mãe me encontrou no seu quarto hoje de manhã – as sobrancelhas dele se ergueram. – Eu estava devolvendo sua camisa.

– Ah.

– Achei que gostaria de saber. Ela não pareceu feliz.

– Não, imagino que não tenha ficado.

– Você não parece muito preocupado – ela disse, abrindo a porta da garagem.

Ele deu um sorriso amargo.

– Lembre-se de que minha mãe é problema meu. E não se preocupe com isso. Ela ladra muito, mas é essencialmente inofensiva.

Callie lembrou do calculismo nos olhos da mulher e não teve tanta certeza.

Quando subiram as escadas estreitas, ela sentiu agudamente a presença dele atrás de si e percebeu que não estava interessada em falar sobre o que tinha encontrado na caixa de documentos.

É por isso que dizem pra não misturar negócios e prazer, ela pensou. Ela estava tão preocupada em fazer amor com o homem que teria sorte se conseguisse formar uma frase coerente.

E ficou decepcionada quando ele foi diretamente para a pintura.

Enquanto Jack examinava o quadro, ela ligou a lâmpada de halogênio para que ele enxergasse melhor. O trabalho que vinha fazendo no canto inferior esquerdo tinha se espalhado até o lado da pintura.

– Já fez bastante.

– Está indo bem. Acho que acertei em cheio o solvente. A única coisa saindo é o verniz antigo e fico feliz em dizer que a tinta embaixo dele é sólida. Mal posso esperar pra começar o rosto.

Ele se empertigou.

– E o que queria me mostrar?

Os olhos dele estavam focados nas roupas de Callie e, considerando a expectativa em seu rosto, ele a estava imaginando sem elas. Ela sorriu e foi até a mesinha ao lado do sofá.

Pegando o fragmento de carta, ela disse:

– Não quero tirar conclusões apressadas, mas é tentador pensar que Nathaniel escreveu essas palavras.

Jack leu o fragmento, segurando o papel com cuidado pelas bordas.

– Estava torcendo para que você encontrasse algo assim.

Ela franziu a testa, não entendendo o que ele queria dizer.

– Venha comigo.


Capítulo 16

Callie o seguiu até o escritório. Ela ia se sentar do outro lado da mesa quando viu cacos de vidro no chão.

- O que aconteceu aqui?

Ela se curvou e começou a recolher alguns dos cacos maiores. Ele fez o mesmo.

- Evidentemente, eu não lido bem com introspecção – ele lhe deu um sorriso irônico quando ela hesitou e encontrou seus olhos. – Mas não se preocupe. Se eu começar a fazer terapia, tranco as porcelanas.

- Sobre o que estava pensando?

Ele passou o dedo sobre alguns pedaços de vidro em sua palma.

- Em como você é diferente.

- Ah.

Não era uma resposta exatamente reconfortante, considerando que ele acabara jogando um copo na parede.

- Sabia que uma mulher uma vez quis que eu comprasse um carro pra ela?

Callie balançou a cabeça e voltou a apanhar o vidro. Ela não estava nem um pouco a fim de ouvir sobre uma amante dele.

- Não me surpreende.

- Ela queria para fazer compras. Estávamos na Itália e ela nem queria ouvir falar de alugar um carro. Achava parecido demais com transporte público.

Callie abriu um sorriso pequeno, embora embrulhasse seu estômago pensar em Jack em uma viagem romântica.

- E deixe-me adivinhar. Não estamos falando de um Ford Escort, não é?

Ele abanou a cabeça.

- Uma Ferrari. Ela queria uma amarela.

Ela ergueu uma sobrancelha.

- Para combinar com o cabelo, sem dúvida. O que você fez?

- Comprei o carro.

- Ela deve ter ficado contente – então ouviu a censura na própria voz. - Quero dizer...

- Ela ficou feliz mesmo, mas não porque queria o carro. Era um teste, um pedido absurdo pra ver até onde eu iria – Jack deu de ombros. - E tive o maior prazer em mostrar a ela onde ficavam meus limites. Sabia que ela nunca esqueceria aquele carro que não fez nenhuma diferença pra mim, especialmente se a deixasse usá-lo por um dia. Comprei a Ferrari, embrulhei com um laço vermelho e disse pra ela se divertir. Naquela noite, depois que ela chegou, eu disse que não queria vê-la de novo e fui embora com o carro. Ela me ligou por meses depois disso.

Callie se ergueu e jogou os cacos na lixeira. Aquele tipo de jogo sujo, de ambos os lados, estava além da sua compreensão.

- Tem certeza de que era um teste? Talvez ela estivesse sendo sincera.

- Ela usou o carro pra ver o outro amante. Sem dúvida pra tentar convencê-lo a cobrir a oferta da concorrência.

- Ah.

- O que interessa é que você nunca faria isso.

Ela riu.

- É verdade.

Jack colocou no lixo os cacos que estava segurando.

- Esta manhã eu estava na cama e percebi que queria coisas de você. Coisas que nunca pedi a nenhuma outra mulher.

- Como o quê? – ela segurou a respiração.

- Tive muitos relacionamentos que pareciam perfeitos quando vistos de fora – ele hesitou, sorrindo com frieza –, provavelmente porque estávamos com roupa de festa a maior parte do tempo. Mas o que acontecia atrás de portas fechadas não era mais do que sexo atlético. Mesmo com Blair, que eu respeitava, faltava alguma coisa. Com você – seus olhos encontraram os dela – sei que há mais, e quero tudo. Sei que está encarando isso como um caso rápido, mas não quero você só na minha cama. Quero na minha vida também. Quero acordar de manhã e ver seu rosto. Quero voltar pra casa no meio do dia porque estou impaciente para vê-la e saber que você está aqui. Quero que confie em mim. E quero merecer essa confiança.

Ele jogou as mãos para cima e revirou os olhos antes que ela pudesse responder.

- Eu sei, eu sei. Isso tudo vindo de um homem que na noite passada disse que não era uma boa aposta pra um relacionamento. Mas realmente pensei sobre isso. Na verdade, estou pensando nisso sem parar há semanas.

Acreditar nele e imaginar um futuro juntos era tentador. Mas Callie tentou se lembrar de que considerar Jack um amante casual ainda era a coisa mais esperta a fazer. Eles tinham falado sobre sentimentos e passado uma ótima noite juntos, mas ainda era cedo demais para prever como seria um relacionamento entre eles.

- Vai levar algum tempo, Jack.

- Eu sei. E estou disposto a investir nisso, se você estiver.

Ela o examinou.

- Estou.

- Bom.

Ele a beijou com força e então abriu uma gaveta da escrivaninha.

- Jack?

Ele se virou.

– Só pra você saber, o transporte público está mais do que bom pra mim. Mas não quer dizer que eu queira que me compre um ônibus para provar seus sentimentos, ok?

Ele riu enquanto tirava um envelope da gaveta.

- Combinado.

A folha de papel que retirou era muito menor que a carta que Callie descobrira, mas tinha a mesma cor marrom clara.

- É um fragmento de carta que encontrei cinco anos atrás enquanto jogava fora as coisas do meu pai.

Ela se aproximou enquanto Jack lia a carta.

- “Meu coração, é claro que gostaria de encontrá-lo. Foi medo, não falta de amor, que me manteve a distância. Arriscar tudo para vê-lo parece uma troca pobre, mas ele acharia o nosso amor uma traição imperdoável. Sua amizade, como a de filho com um pai e a de pai com um filho, seria arrasada. E como, depois, você poderia lutar sob o comando dele? Mas depois de Concord nos encontremos de novo em...” - Ele ergueu os olhos. – É só isso.

Ela o encarou, maravilhada.

- Posso ver?

Jack lhe passou o documento. A letra era diferente, mais curvilínea. De mulher, ela pensou.

- Guardei a carta – Jack disse – porque era antiga e curiosa, mas nunca achei que tivesse algo a ver com Nathaniel. Muitos membros da família serviram no exército e lutaram no final do século XVIII e no início do XIX. Mas a folha que você encontrou me faz pensar...

- Com certeza – ela comparou as duas e notou que a tinta tinha desbotado de modo semelhante.

Jack deu de ombros.

- Li todos os diários de Nathaniel. Ele nunca menciona uma mulher até se casar com Jane Hatte. Mas fala sobre o general Rowe, o homem com quem lutou contra os britânicos na batalha de Concord. Os dois eram próximos e Rowe tinha uma esposa, Sarah.

Callie olhou para ele.

- Então talvez Nathaniel e Sarah tivessem um caso.

- O que pode explicar por que ele não casou até muito tempo depois – ele olhou de volta para as duas cartas e as colocou no envelope. – Que bom que Grace está vindo para a festa semana que vem. Talvez ela possa esclarecer alguns detalhes.

Callie limpou a garganta.

- Olha, sobre a Ação de Graças, sei que você vai receber convidados, então vou voltar à cidade...

- Mas não quero que vá embora. Se não tiver que visitar a família, fique aqui.

As palavras dele saíram rápidas e incisivas, e ela não pôde deixar de sorrir.

- Não vai precisar do meu quarto?

- Não. E mesmo que não pudéssemos acomodar todo mundo, eu mandaria os outros para um hotel em vez de tirar você daqui.

O sorriso dela aumentou.

- E o jantar?

- Não fazemos toda aquela coisa com o peru desde que meu pai morreu. O grande evento é nossa festa anual no dia seguinte. Para a qual, é claro, você está convidada.

Callie assentiu, feliz.

- Certo. Fico para os dois.

Ele sorriu com satisfação.

- E janta comigo hoje?

- Adoraria.

- Que bom. Tenho que enfrentar umas reuniões difíceis, mas prometo estar de volta umas seis. E estarei faminto.

Quando ele a olhou sob pálpebras pesadas, o corpo dela esquentou. Movendo-se com intenção clara, Jack contornou a mesa, tomou Callie nos braços e a beijou até que ambos respirassem com dificuldade.

- Vou pensar em você – Jack disse. – O dia todo.

O sentimento era mútuo.

Callie passou a maior parte do tempo trabalhando na pintura, com imagens de Jack flutuando na mente. Às quatro, fez uma pausa e foi brincar com Arthur no jardim. Ela estava do lado da casa, jogando o galho preferido dele tão longe quanto conseguia, quando uma limusine preta imbicou na entrada. Quando Arthur saiu correndo atrás do galho, Callie viu o carro parar sob o pórtico. Um motorista de uniforme saiu e abriu a porta.

Uma mulher alta e loira saiu do carro. Mesmo através do jardim, era óbvio que se tratava de alguém importante. Estava usando um terninho e, com seu cabelo curto e estilizado, era muito chique.

Callie pensou de repente que já vira a mulher em algum lugar. Talvez na galeria de Stanley?

A porta da casa se abriu e a sra. Walker saiu com os braços estendidos. Enquanto as duas se abraçavam, Arthur voltou com o galho e o jogou aos pés de Callie.

Ela o lançou outra vez e se virou, mas não havia mais o que ver. As duas mulheres tinham desaparecido dentro da casa e o motorista da limusine se apoiou no carro, como se estivesse acostumado a esperar.

Callie voltou ao trabalho, ansiosa para que aquelas duas horas passassem e Jack e ela pudessem sair da casa. Era curioso como mil metros quadrados podiam ser sufocantes. Ela mal podia esperar para estar a sós com ele. Tinha decidido que dar uns beijos no Aston Martin seria um ótimo jeito de começar e terminar uma noite. Embora, seguindo aquela lógica, fosse uma pena que o homem não tivesse uma perua Volvo.

Ou uma minivan.

Uma hora depois ela ouviu a porta da garagem abrir e o ronronar baixo do carro de Jack. Tirou a máscara respiratória e passou os dedos no cabelo, deixando-o cair sobre os ombros.

Quando ele chegou ao segundo andar, ela adorou o sorriso largo em seu rosto.

– Senti sua falta – ele disse. – Como foi seu dia?

– Consegui trabalhar bastante à tarde. Olhe para o topo da cabeça dele. Os cachos no cabelo são incríveis. – Callie se aproximou da tela, apontando a área com sua vareta.

Jack se aproximou por trás e ela sentiu suas mãos nos ombros. Quando ele falou, sua voz soou bem ao lado do ouvido dela.

– Tenho algo pra você.

Ela o olhou, sentindo a ansiedade esquentar o sangue. Mas, em vez de beijá-la, Jack colocou sobre a mesa uma sacola brilhante com alças de cetim.

Callie ficou tensa quando leu o nome Cartier.

– O que é isso?

– Só um presentinho. Veja o que tem dentro.

Ela tirou uma grande caixa de couro vermelho, e quando abriu, abanou a cabeça. Dentro havia um relógio de ouro.

– Jack, não posso aceitar isso.

– Por que não? – ele tirou a peça incrível de sua cama de cetim. – Você precisa de um relógio.

– Não um como esse. – Devia ter custado uns 10 ou 20 mil dólares.

– Experimente.

Ele fechou o relógio no pulso dela. Era pesado e dava uma sensação estranha.

– Serve perfeitamente – ele disse, satisfeito.

– Jack, é demais.

Uma expressão de impaciência passou de relance no rosto dele.

– Ele mostra as horas. É tudo o que importa.

– Um Timex também faz isso.

Jack franziu a testa.

– Por que não posso comprar um presente pra você? As pessoas dão e recebem presentes toda hora. É a base da nossa economia de mercado, na verdade.

Callie se ergueu da cadeira.

– Você pode. Mas... sua versão de um presente e a do resto do mundo são bem diferentes.

– Não me importo com o resto do mundo.

– Que seja. A minha versão de um presente, então – ela o encarou. – Jack, vou ser sincera com você. Não tenho um centavo na minha conta além do que você vai me pagar ao final do trabalho. Aquele lugar em Chelsea é onde moro. O terninho Chanel é de uma amiga. Não faço parte do seu mundo. Nem chego perto.

– Eu sei.

Ela estreitou os olhos.

É claro, ela pensou. Ele não é estúpido.

Jack cruzou os braços sobre o peito.

– Sei onde você quer chegar com tudo isso, então deixe-me dizer logo que não me importa de onde você vem. Nem um pouco.

Callie o examinou atentamente e, então, olhou para o relógio.

– Você entende que não vou mudar? Não importa o que compre pra mim, nunca serei uma socialite que se interessa por vestidos e sapatos e festas. Pra começo de conversa, odeio fazer compras.

– Então não faça.

– E meus pés são rediculamente largos, então de qualquer jeito nunca entrariam naqueles sapatos estilo Sex and the City.

– Quer dizer que você fica estável em rampas. Uma virtude tremenda – ele disse, sério.

Ela revirou os olhos.

– E odeio multidões. Pra ser honesta, sou uma antissocial pacífica. As pessoas não me incomodam, mas prefiro não ter muitas delas por perto.

– Então não vamos na Times Square no ano-novo? Que decepção.

A expressão de horror no rosto de Jack a fez rir.

– Não acredito que não se importa com nada disso.

– Bem, estou um pouco abalado por não irmos ao especial de ano-novo do Dick Clark, mas sempre podemos vê-lo na TV.

Jack estava sorrindo quando a puxou contra ele e a beijou.

– Gosto de você como é – ele indicou o pulso dela. – Se realmente odeia o relógio, posso devolver, contanto que prometa que vai almoçar todo dia. Mas é um presente meu pra você e espero que pelo menos o experimente.

Ela jogou os braços ao redor dos ombros dele.

– Está bem. E obrigada.

Jack abaixou a cabeça para a pele sensível do pescoço dela.

– Você está cheirando bem. Que perfume é esse?

– Eau de isopropanol.

Ele recuou.

– O que é isso?

– O solvente que estou usando para remover o verniz de resina oxidado da sua pintura.

– Ah, certo. Achei que tinha reconhecido – ele mordeu o lóbulo da sua orelha gentilmente. – Então por que não começamos de novo?

Em um instante, eles estavam no sofá. Com mãos impacientes, jogaram as roupas no chão e tiraram os sapatos. Quando ele se acomodou entre as pernas dela, hesitou, os olhos acalorados mas preocupados.

– Tem certeza de que... você vai ficar bem? – ele perguntou.

Sua preocupação encabulada a fez sorrir.

– Só há um jeito de descobrir – ela murmurou, movendo os quadris contra os dele.

Ele a penetrou devagar, com cuidado – apesar da paixão que ela podia sentir em seu corpo. Callie estremeceu de prazer. Sentiu o peso de Jack sobre ela e gostava da sensação. Quando ele começou a se mover, ela se segurou nele e acompanhou o ritmo com os próprios quadris até que o ouviu gritar seu nome com voz rouca. Quando os braços dele se contraíram ao seu redor, ela se deixou ser tomada pelo prazer.

Mais tarde, quando a respiração dela não estava mais ofegante e seu coração não batia tão rápido, Callie abriu os olhos. Jack tinha mudado de posição e se estendido ao lado dela, tomando a maior parte do sofá. Seu rosto estava relaxado e contente, os olhos brilhando de satisfação.

– Como se sente? Bem? – ele perguntou, a voz grave.

– Melhor que bem.

– Não queria machucar você.

– Sou mais forte do que pareço.

Ele beijou a ponta do seu nariz.

– E não parece pouca coisa, não.

O estômago dela roncou.

– Hora de comer?

Quando ela assentiu, Jack se sentou e lhe deu o suéter que ela estivera usando.

– Pensei que podíamos experimentar uma lanchonete que anda fazendo sucesso.

Por ela, podiam ir ao McDonald’s e comer com garfos de plástico.

Abraçando o suéter, Callie estava contente em ficar deitada e observar Jack. Quando ele apanhou a camisa e a vestiu, suas costas largas se flexionaram e ela notou as marcas que deixara nele na noite anterior.

– O que está olhando? – ele perguntou.

– Parece que cometi uns danos estéticos nas suas costas.

Jack a puxou em pé, estreitando-a contra si.

– E pode trabalhar na frente hoje à noite.

Os lábios dele desceram para um beijo rápido que logo se inflamou de paixão.

– Talvez possamos adiar o jantar um pouquinho – ele murmurou. Suas mãos deslizaram sobre os quadris de Callie e ela o sentiu, duro e pronto, quando seu corpo se curvou sobre ela. – Meu Deus, você me deixa insaciável.

E que palavra maravilhosa é essa, Callie pensou, deixando cair o suéter e passando os braços ao redor de Jack. Ele a empurrou contra as portas do armário e a ergueu, suspendendo-a do chão com os braços. Quando ela envolveu as pernas ao redor dele, Jack a penetrou outra vez e os corpos tomaram conta. O movimento crescente era frenético e ela gritou enquanto as ondas de energia a atingiam.

Quando parou de tremer, estendeu as pernas e sentiu os pés tocarem o chão.

– Deus – Jack murmurou, apoiando as mãos no armário. Ele estava ofegante.

Passando uma mão no cabelo dela, tirou alguns cachos da frente de seu rosto e beijou-a na testa. Seus braços, que antes usaram tanta força, agora a seguravam com gentileza.

– Callie – a respiração dele era suave contra sua pele.

Antes de fechar os olhos para aproveitar o momento, ela viu o lindo terno de Jack jogado no chão, as calças sobre a caixa Rubbermaid aberta, e a gravata amassada enfiada no sofá.

Aquelas marcas de riqueza não significavam nada para ela. Era Jack que ela queria. Nu e tremendo com paixão. A voz sem cultura nem refinamento, o nome dela saindo daqueles lábios em um gemido gutural.

Ela se inclinou para ele, abraçando-o. Queria Jack Walker, o homem. Não a lenda dos negócios. Não a estrela mais nova de uma família de prestígio.

Quando se afastou, ele disse:

– Você sempre me surpreende.

Passou os dedos sobre o rosto dela e levantou seu queixo para beijá-la. Seus lábios estavam tão suaves quanto seus olhos.

– É melhor irmos – ela disse. – Eu o encontro na casa. Tenho que trancar o salão de beleza de Nathaniel e quero me trocar.

Ele lhe deu outro beijo demorado e pôs as calças. Depois de enfiar a camisa para dentro com movimentos rápidos, vestiu a jaqueta do terno e casualmente deslizou a gravata azul ao redor do pescoço.

Mas não saiu imediatamente. Só a encarou, um sorriso brincando de leve nos lábios.

– Venha aqui – Callie disse, gesticulando. – Parece que secou o cabelo com um ventilador.

Jack foi até ela e abaixou a cabeça, esperando pacientemente enquanto ela o arrumava.

– E precisamos amarrar essa gravata direito. Vai parecer menos que foi atacado – com um sorriso sedutor, ela virou o colarinho para cima, deslizou a seda no lugar, e rapidamente deu um nó Windsor bastante bom. Fez um aceno quando viu o resultado. – Quase perfeito. Mas o terno e a calça não têm solução.

Jack a abraçou, envolvendo-a por inteiro.

– Parece que não consigo soltá-la.

– Não tenho problema algum com isso.

Depois que ele finalmente saiu, ela levou dez minutos para ajeitar tudo e ir para casa. Quando emergiu no ar frio da noite, sentia-se tão viva que queria rir. O mundo parecia ter se expandido e ela encontrava possibilidades e emoções em tudo, mesmo no céu escuro. Havia coisas pelas quais ansiar, planos que podia fazer, lugares que de repente queria visitar.

Tudo com Jack, é claro.

Ela os imaginou indo para o norte do estado e ficando em alguma pousada no inverno. Haveria uma lareira no quarto deles e uma cama grande com muitos cobertores e travesseiros. Eles fariam amor por dias enquanto a neve caía lá fora.

Callie estava sorrindo quando abriu a porta dos fundos.

Então congelou.

Jack e a loira estavam se olhando no balcão da cozinha. Sobre a pedra de granito entre eles havia um grande anel de diamante.

Ambos se voltaram para ela.

– Então você é a Callie – a mulher disse suavemente. – É você.


Capítulo 17

Olhando de um para o outro, Callie entendeu. A mulher era a loira do corredor do Plaza Hotel. O cachecol e os brincos no quarto de Jack eram dela.

De repente, Callie sentiu-se nauseada.

– Sou Blair Stanford – a mulher disse, estendendo a mão e estreitando os olhos.

Provavelmente porque ela também estava se lembrando do breve encontro.

Callie a cumprimentou encabulada, olhando de soslaio para Jack. Ele encontrou seus olhos e abanou a cabeça, como que se desculpando pela situação em que a pusera.

– Queria poder dizer que é um prazer conhecê-la – Blair disse, com mais honestidade que hostilidade. – Mas foi uma decepção, como pode imaginar.

Callie não sabia como responder e, quando desviou o olhar, viu novamente o diamante. Tinha o diâmetro de uma moeda de cinco centavos.

– Acho melhor eu subir – ela murmurou.

– Não é necessário – Blair disse. – Jack e eu só estávamos fazendo uma despedida oficial.

Ela apanhou uma bolsa Vuitton e deu um aceno curto para Callie. Então, olhou para Jack e disse:

– Cuide-se. Sei que é bom nisso.

– Acompanho você até a porta.

– Não precisa. Na verdade, prefiro ir sozinha.

Antes de sair, ela hesitou e se virou para Callie.

– Tenha cuidado, querida. Ele é um homem maravilhoso de muitos modos, mas deixa um grande vazio quando vai embora.

Callie pensou que a mulher provavelmente estava certa.

O som da porta da frente sendo aberta e fechada foi seguido por um longo silêncio.

Callie olhou para Jack. Sua cabeça estava abaixada e ele apertava a borda do balcão.

– Você está bem? – ela perguntou.

O peito dele subiu e desceu.

– Sim.

Ela esperou que dissesse algo mais. Como ele continuou em silêncio, Callie murmurou:

– Quer adiar o jantar?

Ele a olhou.

– Talvez. Não sei se seria uma companhia muito boa.

Seu coração pulou uma batida e Callie se perguntou se ele mudara de ideia. Mas talvez estivesse apenas constrangido por Blair ter aparecido ali.

– Entendo.

Ele se aproximou e a beijou rapidamente.

– Obrigado.

Depois que ele saiu, Callie olhou para o anel e se imaginou usando aquilo. Não conseguia vê-lo no seu dedo.

O que não era algo necessariamente ruim. Jack não tinha falado nada sobre casamento, afinal.

Ela resmungou. Casamento?! Eles tinham feito amor três vezes e ela já estava pensando sobre altares? Estava claramente louca. Uma escapada de fim de semana era uma coisa. E, mesmo assim, talvez estivesse esperando demais.

Ela se forçou a considerar há quanto tempo eles se conheciam e não gostou da resposta. Era uma questão de semanas, não meses. Tinham muito caminho a percorrer antes que ela pudesse pensar no futuro com pelo menos dias de antecedência.

Jack entrou no escritório e tentou fingir que se acomodar com um copo de bourbon não estava se tornando rotina. Depois de alguns goles, empurrou o copo e o decantador para longe, sentindo-se parecido demais com o pai. O que queria daquela bebida era um pouco de paz, não um mecanismo de sobrevivência com consequências perigosas.

Contudo, quando a mãe apareceu na porta, ele apanhou o copo outra vez. Ela usava um vestido de festa e muitas pérolas, e ele viu a roupa como um bom sinal de que ela estava saindo.

O que poderia não acontecer rápido o bastante, considerando o desagrado no rosto dela.

– Onde está Blair? E por que isso – ela mostrou o diamante – estava na cozinha?

Merda. Ele devia ter guardado o anel quando teve a chance.

– O noivado foi cancelado.

– Por que motivo? – ela exigiu.

– Não é problema seu.

Mercedes começou a balançar a cabeça.

– Jack, não. Não faça isso. Não se apaixone por uma mulher insignificante, especialmente quando tem alguém como Blair. Os sacrifícios não valem a pena.

Ele encheu o copo outra vez.

– Garanto a você que estar com Callie não é nenhum sacrifício para mim.

A expressão da mãe se contraiu.

– Talvez na privacidade da sua casa. Mas e no mundo real? Você precisa de alguém que entenda o tipo de vida que você leva. Blair pode apoiá-lo...

– E você acha que Callie não? Meu estilo de vida não é nada muito complicado. Vejo as mesmas quinhentas pessoas nas mesmas festas todo ano. Posso fazer isso com os olhos fechados, e qualquer um com meio cérebro também consegue.

– Você sabe que está simplificando demais as coisas. Ouça, Jack, sei como foi difícil para seu pai e eu...

Jack não se deu ao trabalho de disfarçar o tédio.

– Meu pai a adorava e você se divertiu fazendo o papel de grande dama pelos últimos quarenta anos. Então não aja como se tivesse sido uma obrigação, tudo bem?

Ela respirou fundo.

– Não precisa falar comigo desse jeito.

– Você tem mais alguma coisa a dizer, mãe?

Assim que disse as palavras, se arrependeu.

Claro que ela tinha mais alguma coisa a dizer.

– Jack, você não pode mesmo fazer isso. Especialmente se for candidato a governador.

Ele levantou as sobrancelhas, e ela explicou:

– A mãe de Gray Bennett ligou e me disse que ele está em Boston para se encontrar com você. É óbvio o que está planejando.

– Ah, se não é a rede de ex-alunos da Smith College em ação.

Mercedes foi até a escrivaninha com sua urgência típica, claramente preparada a forçar sua vontade sobre Jack. Embora nunca tivesse funcionado, estava sempre disposta a tentar.

Nesse momento, Jack pensou que seu pai de fato não tivera nenhuma chance depois que pôs os olhos nela.

– Você sabe que sempre tive esperanças de que você concorresse – ela disse –, e não só dentro do estado. Não vê o que uma função pública faria por você? O poder que lhe daria? O respeito? Não quer tudo isso?

– Já tenho poder, então muitas pessoas me respeitam – ele respondeu secamente. – E sinto que você está mais interessada em ser a mãe de um senador, não é? Mas sua lógica não está me impressionando. Não vejo como casar com Blair sem amá-la me faria ser eleito, nem como estar com Callie impediria isso.

O tom da mãe ficou mais severo.

– Não pense que sua vida amorosa não terá um papel na eleição. Deus sabe que já será difícil o bastante superar seu passado. Você não deveria dificultar as coisas ainda mais perdendo uma mulher como Blair porque quer dormir com um membro das classes mais baixas.

– Basta – ele disse rispidamente, batendo o copo na mesa.

Isso não desencorajou a mãe.

– Jackson, não posso deixar você cometer um erro desses. Há jeitos de consertar essas coisas.

Ele estreitou os olhos.

– É muito nobre da sua parte querer me salvar de mim mesmo, mas tenha isto em mente: se quer continuar morando aqui, vai abandonar esse assunto e parar de se intrometer na minha vida. Entendido?

As sobrancelhas finas de Mercedes se ergueram.

– Mas você tem que perceber que nunca daria certo entre você e aquela... Callie – ela disse, gesticulando vagamente com uma mão cheia de anéis.

– Desculpe, não concordamos que você não iria interferir? Ou está de mudança?

Mercedes parecia quase desamparada. Ele podia imaginar a frustração dela em estar tão perto dos seus sonhos, mas incapaz de controlar a situação.

– Jack, sou sua mãe...

– O que não significa que esteja no controle aqui. Feche a porta quando sair.

Ela continuou olhando para Jack e ele levantou uma sobrancelha.

– Agora.

Quando estava sozinho, terminou a bebida e foi procurar Callie.

Mesmo que estivesse meio perturbado, não queria estar em nenhum outro lugar.

Uma semana depois, Callie estava voltando à casa depois de uma tarde produtiva com o retrato. Após trabalhar nas bordas da pintura, tinha avançado o suficiente para o interior e alcançado o rosto de Nathaniel. Mesmo com a sujeira, ele tinha sido bonito, embora um tanto soturno. Mas agora, revelado em toda sua glória, era resplandecente. Seus olhos eram cor de mogno escuro, as bochechas um pouco rosadas, o cabelo grosso era uma série de marrons. Copley destacara o melhor de seu modelo, mas ela suspeitava que houvera bastante com o que trabalhar. E, sem o verniz antigo, a expressão taciturna era menos intensa.

Quando Callie abriu a porta dos fundos, o silêncio absoluto na cozinha a lembrou de que era o dia de folga de Thomas. Isso significava que a sra. Walker sairia para jantar, e Callie sorriu. Embora ela e Jack tivessem planos de ir ao cinema e jantar fora, talvez devessem só ficar em casa. Parecia uma pena desperdiçar a privacidade.

Ela olhou para o novo relógio. Estava se acostumando com ele, realmente servia o propósito de lembrá-la da hora do almoço. Mais do que qualquer coisa, no entanto, ela gostava do acessório porque a lembrava de Jack.

Sentando-se à mesa, começou a folhear o jornal, acariciando a orelha de Arthur com a mão livre.

Uma hora depois, olhou para o relógio de novo e começou a andar de um lado para o outro da cozinha. Jack nunca se atrasava e dissera que estaria em casa uma hora e meia atrás. Callie estava se perguntando se deveria ligar para o escritório dele quando o telefone tocou.

Embora não tivesse o hábito de atender ligações na casa, ela apanhou o receptor, esperando que fosse ele.

– Alô?

– Callie, é o Jack. Preciso da sua ajuda.

No fundo, ela ouviu vozes abafadas e o som de algo estridente. Alarmes?

– O que aconteceu? – ela perguntou, pondo uma mão na testa.

– Bati o carro.

Os pulmões dela imediatamente pararam de funcionar.

Calma, ela disse a si mesma, fique calma. Pelo menos ele ainda consegue segurar o telefone.

– Meu Deus, você está bem?

– Estou, tirando que quebrei a droga do meu braço. Pode vir me pegar? Estou no hospital Beth Israel.

– Onde? Que carro posso pegar?

– Pegue o outro Jag.

Ele disse onde ficavam as chaves e deu as direções até o hospital. Quando saiu correndo da casa, Callie imaginava todo tipo de cenários com consequências horríveis. Do jeito que ele dirigia, poderia ter sofrido algo muito pior do que um braço quebrado.

O “outro Jag” era um conversível e, para azar dela, tinha câmbio manual. Enquanto saía aos trancos, torceu para que durasse o bastante da transmissão quando chegasse a Boston para levá-los de volta para casa. O trajeto foi interminável. Ela era uma motorista relutante na melhor das circunstâncias, e o estresse não melhorava suas habilidades. Atrás da direção de um motor poderoso, pisando na embreagem e no acelerador com toda a finesse de uma principiante, não era nenhum Jeff Gordon.

Uma vida depois, Callie estacionou na ala de emergência do enorme complexo do hospital. Imaginou que teria de sair do carro para encontrar Jack, mas então ele saiu mancando das portas duplas, o braço em uma tipoia. Ela puxou o freio e pulou do carro.

– Você machucou mais do que o braço – ela disse, olhando o curativo na cabeça dele.

– Você tinha que ver o DB9 – ele abanou a cabeça e fez uma careta. – Parece que passou por um compactador. De manhã era um carro esportivo. Agora é um acordeão.

Callie abriu a porta para ele e Jack estremeceu ao se sentar cuidadosamente. Ela entrou de volta no carro, mas hesitou antes de dar partida, porque queria dar uma boa olhada nele. A jaqueta cobria os ombros, a gravata estava enfiada no bolso, e a camisa, que estava fora das calças, tinha um pouco de sangue seco no colarinho. Ela imaginou que tipo de machucados estavam escondidos sob as roupas.

– Podemos ir agora?

Ele encostou a cabeça no assento e fechou os olhos. Parecia cansado e desconfortável, mas longe da beira da morte.

Assim que se convenceu de que ele estava bem, Callie ficou irada.

– Em que você bateu?

Ele estremeceu quando a voz dela ressoou dentro do carro.

– Como sabe que foi culpa minha? – ele perguntou em voz baixa.

– Eu já estive num carro com você. Jack, você podia ter morrido!

– Primeiro, não morri. E sei disso porque meu corpo inteiro dói. Segundo, o motorista que entrou na minha pista teve alguma coisa a ver com o acidente também. Podemos ir logo?

Mordendo os lábios para não xingar, Callie apertou a direção e entrou na Brookline Avenue.

– Como aconteceu? – ela resmungou.

– Foi na Storrow Drive. Um cara numa SUV entrou na minha pista, e quando tentei contorná-lo atingi a grade de segurança, girei 360 graus, acho, e parei na esplanada – ele se voltou para ela. – É a área verde entre a Storrow e o rio Charles. Normalmente é reservada a pedestres, então eu não fui o único surpreso por estar num carro na pista de corrida. Graças a Deus ninguém mais se machucou.

Ela abanou a cabeça.

– Você dirige rápido demais.

– Eu sei.

– É muito agressivo.

– Eu sei.

– Poderia ter morrido – ela repetiu, irritada com as respostas lacônicas. – E não diga “eu sei”!

– Certo.

Ela lhe lançou um olhar duro. Sob o brilho do painel, viu que Jack estava com os olhos fechados. Parecia acabado e a vontade de gritar com ele desapareceu. Focando-se na estrada, Callie pensou que o levaria para casa e o colocaria direto na cama.

Isso se ele não dormisse no carro.

Quando entrou em Buona Fortuna, ela pensou que teria de acordá-lo, mas ele ergueu a cabeça e deu um longo suspiro. Cuidadosamente estacionando o Jag na garagem, Callie se perguntou se precisaria ajudar Jack a sair do carro, mas ele levantou sozinho e saiu mancando na noite. Fechando a porta da garagem, ela notou que o carro da sra. Walker estava de volta, e imaginou qual seria a reação da mulher ao ver todo estropiado o seu filho perfeito. Provavelmente teria um ataque.

Quando Callie chegou ao seu lado, Jack olhava para as estrelas com uma expressão pensativa, seu braço bom segurando o machucado apesar da tipoia ao redor do pescoço.

Ela gentilmente pôs a mão no ombro dele. Precisava tocá-lo, e não por cima das roupas. Precisava sentir o calor da sua pele, ter o corpo dele contra o seu, sentir que ele estava bem, não apenas supor à distância.

– Obrigado – ele murmurou baixinho. – Por me pegar.

– É claro.

Ela o seguiu em direção à casa, medindo o jeito como Jack favorecia o pé direito e a rigidez com que se movia. Quando ela abriu a porta para ele, Jack parecia visivelmente aliviado por estar em casa.

– Quer comer alguma coisa? – ela perguntou.

– Pode me levar algo lá em cima? Quero tirar essas roupas e deitar.

Quando Callie chegou no quarto, o homem confiante e elegante que conhecia estava de pé ao lado da cama, completamente enrolado nas próprias roupas. A tipoia caía torta do ombro, a camisa estava presa ao redor do pescoço, e o cinto meio aberto.

– Precisa de ajuda? – ela colocou o prato e o copo no criado-mudo, disfarçando um sorriso.

Um olho a censurou de dentro da bagunça.

– Sim. Por favor.

Callie rapidamente abriu os botões, tirou a camisa e removeu a tipoia.

E parou de respirar quando viu um machucado na clavícula de Jack.

– Deve ter doído – ela o tocou, passando os dedos de leve ao redor da marca vermelha.

Ele não disse nada. Os olhos estavam fechados e seu rosto indicava uma concentração intensa, como se absorvesse o toque dela.

A voz de Jack estava rouca.

– Quando o carro parou de girar eu estava tão atordoado que nem sabia o quanto tinha me machucado.

Ela estremeceu, tentando não pensar no corpo quebrado de Jack sendo puxado do carro pelos paramédicos.

Os olhos dele se abriram lentamente.

– A primeira coisa em que pensei foi você. A ideia de não ver você de novo foi... insuportável.

Callie tocou o rosto dele, sentindo a barba não feita, a cavidade acima do maxilar, o pulso batendo na garganta.

Quando abaixou a mão, ele a pegou e pôs de volta.

– Me toque – ele disse. – Você faz a dormência desaparecer.

Ela passou a mão sobre os ombros dele até o bíceps. Traçando de leve os peitorais, parou sobre o coração e desceu até o estômago. Podia sentir o corpo dele se contrair sob seus dedos e ouviu-o ofegar. Quando passou os nós dos dedos sobre seu umbigo, ele soltou o ar, mordendo o lábio inferior.

Ela parou, com medo de estar machucando-o.

– Não pare – ele disse, a voz embargada. Seus olhos estavam selvagens, beirando a violência. – Por favor, não pare.

Ela abriu a fivela do cinto, sentindo o couro flexível enquanto o tirava. As calças dele caíram no chão em um instante e ela o olhou. Uma camada fina de suor tinha brotado na testa dele.

Jack a pegou com o braço bom, apertando-a contra si e enfiando a cabeça em seu cabelo. Sentindo a parede sólida do seu peito, ouvindo as batidas do seu coração, Callie estremeceu e abriu a boca.

Sabendo que corria o maior risco de sua vida, sabendo que era cedo demais e que talvez estivesse apenas inspirada por paixão e alívio, ela sussurrou:

– Eu te amo.

Jack congelou e ela imediatamente desejou se retratar.

No que estava pensando? Claro que ele se importava com ela. E sentia paixão por ela. Mas amor?

Callie deu um passo para trás, tentando disfarçar o que dissera, mas os olhos dele a prenderam no lugar com uma intensidade que ela nunca vira em Jack antes.

Ele a trouxe de novo contra si.

– Não acredito, nunca achei que isso fosse acontecer, mas... também te amo.

Ele a puxou para perto e ela quis chorar. Era mais do que a bênção de tê-lo em casa a salvo. Era o fato de que ele sentia o mesmo. De suas palavras não serem uma promessa, mas uma declaração. Não, era a sensação de que o mundo não era o lugar duro e frio que ela sempre achara que fosse.

Depois de tantos anos sozinha, ela tinha alguém que lhe pertencia.

 

 


CONTINUA