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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


KOSTAS / J. Marquesi
KOSTAS / J. Marquesi

                                                                                                 

  

 

 

 

 

Confiança: palavra inexistente no dicionário de Konstantinos Karamanlis.
O segundo filho de Nikkós Karamanlis é um homem duro e frio, que prefere a sinceridade de umas notas deixadas na cama após o sexo à falsidade de carinhos e beijos interesseiros. Arrogante, seguro de si, um brilhante advogado, dirige sua vida como quer e não precisa de ninguém ao seu lado, nem da família e muito menos de uma mulher!
Disposto a ir até às últimas consequências para tirar seu irmão mais velho da presidência da Karamanlis, Kostas não se importa em ser solitário e faz questão de esconder seus medos e traumas do passado. Contudo, há uma pessoa capaz de arranhar suas defesas e causar reações que ele achava não serem possíveis: a irritante e debochada Wilka Maria Reinol.
Kika Reinol vive intensamente!
De personalidade esfuziante, é querida e amada por todos que a cercam. Focada, objetiva, competente, líder nata, é gerente da Karamanlis e odeia intromissões em seu trabalho, principalmente as do diretor jurídico Kostas – ou Bostas, como o apelidou. Embora seu jeito vibrante esteja presente em cada palavra, sorriso ou gesto, Kika esconde algo que pode abalar o que construiu em sua vida, por isso, fará tudo para proteger o seu futuro.
Os dois se detestam; não sabem, no entanto, o quanto já estão envolvidos.

 

 

 

 

 

 

A fumaça turva meus olhos, deixando-os ardidos. Preciso esfregá-los com força, machucando-os ainda mais. Os sons se misturam, cacofônicos, patéticos, risadas fabricadas, gemidos ensaiados, música mal tocada e decadência.

Minha garganta está seca, mas continuo a segurar o copo, sentindo meu estômago se revirar, a bílis subir. Engulo-a de novo com dificuldade; recuso-me a voltar a regurgitar na frente deles, recuso-me a expressar qualquer tipo de reação. Eles não são nada! Eles não são nada!

Inspiro fundo a fim de controlar meu asco, porém, nessa ação acabo por aspirar o nauseabundo perfume que paira no ar. Minha testa sua, meu corpo pega fogo como se estivesse assando lentamente em brasa, a roupa me incomoda, as pessoas à minha volta me incomodam, não queria estar aqui.

Nunca quis!

Olho para o lado, e meus dedos se apertam contra o copo. Sinto ódio, revolta, vontade de gritar e, quem sabe assim, entender o motivo pelo qual tudo tem que ser tão fodido para mim. Lembro-me daquele olhar e me sinto mal por pensar só em mim. Não, não sou o único, e isso dói como se rasgassem meu peito.

Uma mulher se aproxima, conversa, mas não escuto; há muito já não ouço mais nada além de mim mesmo. Ela se senta sobre mim, pernas abertas, coxas apertando meus quadris, enquanto sua bunda rebola sobre meu pau tentando o estimular.

Olho sua cara, sinto repulsa. A vontade de vomitar é ainda mais forte quando ela sorri e geme, tocando meu rosto, elogiando meus olhos.

Mentiras!

— Ajoelha e chupa! — disparo, empurrando-a para o chão.

A imunda sorri, sentada na podridão do chão respingado de conhaque, uísque e cerveja barata, confeitado com bitucas de cigarro. Suas mãos sobem pela minha perna, parecendo garras de alguma ave de rapina. Meu estômago se revira quando ela abre o zíper da minha calça e sua boca pintada de vermelho se abre em um sorriso frouxo antes de avançar sobre meu membro.

A puta deve ter muita experiência no assunto, porque logo faz meu pau reagir à quentura de sua boca, à sucção constante e suas passadas de língua. Ouço a risada das pessoas à minha volta e fecho os olhos, travando os punhos para não explodir tão cedo, retardando o máximo possível a satisfação, cerrando os dentes, deixando o pensamento vagar, mas...

“Puta merda!”

Sento-me na cama e recuo até a cabeceira, suado, apesar do clima frio de inverno, cabelos grudados na testa, respiração ofegante e coração disparado. Olho em volta, confirmando que não estou em nenhum puteiro, mas sim no meu quarto. Passo a mão pelo rosto e amaldiçoo o pesadelo.

Sinto meu estômago tão embrulhado quanto estava no sonho. Jogo as cobertas para o lado, saio da cama e caminho até a porta da sacada do meu apartamento. Escancaro-a, deixando o vento frio baixar a temperatura do meu corpo, olhando para a Avenida Paulista toda iluminada lá embaixo.

Eu escolhi viver perto do trabalho. Daqui do meu apartamento posso ver o prédio da Karamanlis, vou e volto andando para casa, sem me preocupar com o trânsito infernal da cidade, tenho tudo à minha disposição aqui mesmo. Minha vida fora da empresa se resume a trabalho em casa e algumas trepadas ocasionais.

Respiro fundo e saio para a sacada. O ar frio da noite arrepia minha pele quente. Lembro que estou sem camisa, trajando apenas a calça do único pijama que tenho – e que raramente uso – e confiro as horas. Daqui a pouco vai amanhecer, e minha rotina começará. Vou caminhar no Trianon antes de ir para a academia treinar e me arrumar por lá mesmo; em seguida atravessarei a rua, comparei meu café puro, fumarei meu primeiro cigarro do dia e caminharei alguns metros até chegar à empresa.

Como se despertado apenas pelo fato de ter pensado em trabalho, meu cérebro rememora a agenda do dia, com todos os prazos a cumprir e providências a serem tomadas. Eu aprendi a gostar do meu trabalho e a ser o melhor na minha área. Poderia ser apenas mais um Karamanlis a viver do que a velha raposa construiu, como tios e primos vêm fazendo ao longo dos anos, mas não. Eu quis ser a porra do melhor advogado que essa empresa já teve e consegui ser!

Entrei para a faculdade de direito obrigado pelo filho da puta do meu pai, pois essa, nem de longe, era minha primeira opção para seguir como profissão. Passei em um vestibular disputadíssimo, pois sempre fui estudioso, e comecei o curso por pura obrigação. O que eu não esperava era que eu dominasse naturalmente a porra do negócio e tivesse uma facilidade absurda para aprender.

Houve uma época da minha vida em que acreditei naquela coisa de dom, achando que cada pessoa já nasce com suas habilidades para uma certa área, mas a faculdade de direito me fez descobrir que isso é pura balela. O que difere um profissional bem-sucedido de um fracassado é sua dedicação. Não adianta ser bom, tem que ser ótimo!

Peguei meu diploma com honras na faculdade de direito mais velha e bem-conceituada do país e, no ano seguinte, já estava fazendo mestrado em direito imobiliário, estudando os casos da própria empresa junto ao diretor jurídico da gestão de Nikkós – diga-se de passagem que o homem era um incompetente – e unindo teoria e prática.

Apesar da pressão, não fui trabalhar na empresa assim que me formei, pois queria adquirir a prática na advocacia e para isso contei com a ajuda de um dos advogados que eu mais respeito até hoje, Hal Navega. Foram três anos aprendendo sobre contratos, indo para fóruns e tribunais, mexendo nas peças e criando argumentos. Saí quando fui aceito no programa de doutorado na área de negócios imobiliários nos Estados Unidos.

Abro um sorriso ao me lembrar dos anos longe de todo e qualquer Karamanlis, da liberdade que senti por ser eu mesmo, sem influência de nenhum outro membro dessa odiosa família. Cinco anos inteiros sem tempo para pesadelos, recordações amargas e ódio. Só conseguia estudar, estudar e estudar, sobrando pouco – e muito bem aproveitado – tempo para lazer.

Quando retornei ao Brasil – podia ter ficado por lá, mas fiz questão de voltar e tomar o meu lugar na empresa –, Theodoros já tinha dado uma rasteira no incompetente do Nikkós e todo seu séquito de puxa-sacos, então assumi o lugar de diretor jurídico da Karamanlis.

Orgulho-me de ter assumido por meus próprios méritos, mesmo com o peso do sobrenome. Sei que Millos votou pela minha indicação por reconhecer que eu sou o melhor na área, que consigo não só executar o meu trabalho com perfeição, mas que poderia substituir a qualquer um com os pés nas costas.

Substituir! Abro um sorriso ao pensar no meu irmão mais velho ocupando o cargo de CEO. Chegou a hora de mais uma substituição na empresa, é tempo de renovação, de pôr fim ao reinado de Theodoros Karamanlis, e eu, talvez por obra do acaso, já sei como fazer isso.

Entro no quarto e vou direto tomar uma ducha antes de começar meu dia. Minha vontade de derrubar Theodoros não é só pela empresa, é por tudo que ele causou a nós, pelos horrores que nos fez passar na infância ao não medir seus atos, a só pensar em si mesmo. Preciso convencer Alex e Millos de que ele não é a melhor opção e, conhecendo o rancor de meu irmão mais novo, sei que isso não será difícil. O problema é Millos.

Meu primo tem bom relacionamento com Theodoros, foram criados juntos na Grécia e assumiram a gestão da empresa no Brasil para um trabalho em conjunto. Não será fácil convencer Millos, mas sei que tio Vasillis – o pai dele – sempre joga em sua cara que ele é uma sombra, sempre cheirando o rabo de Theo. É nisso que devo focar para fazê-lo mudar de lado.

Claro que quero ser o próximo CEO, estou pronto para isso, mas minha meta principal é expulsar Theodoros da empresa, e farei isso, nem que tenha que renunciar ao maior cargo da Karamanlis em prol de Millos. Quero assistir à derrocada de Theo do mesmo jeito que ele assistiu à do Nikkós – que lamento ter perdido – e provar a doce satisfação de ver as duas pessoas que mais odeio neste mundo na sarjeta.

Saio do banho e pego a mala no armário. Pego um dos Armanis que tenho, dessa vez um azul-escuro, uma camisa branca e gravata Yves Saint Laurent de listras clássicas na diagonal em tons de cinza e azul. Por último, na sacola da academia, ponho os sapatos de couro italiano, e calço tênis de corrida.

Eu treino há tantos anos que nem me lembro de quando comecei. Exercício para mim é fundamental, comecei por causa do corpo, mas descobri que era uma forma de me manter são em meio à bagunça que era minha vida.

Confiro as horas, vestindo o casaco antes de sair do apartamento. Ainda nem amanheceu, mas a academia fica aberta 24 horas, por isso não me importo de ir mais cedo. Não vou voltar a dormir e arriscar ter mais e mais pesadelos. Já tentei de tudo para que eles sumissem, mas nada os faz ir.

— Bom dia, doutor! — o porteiro da madrugada me cumprimenta ao abrir a porta do prédio.

— Bom dia! Acho que seu time leva o brasileirão este ano — comento, apontando para o jornal que ele tem na mão.

— Ah, doutor, vamos levar, sim. Sinto muito pelo seu! — Sua expressão não é nada lamentosa.

— Vou fingir que acredito, Erasmo! Mas a Fiel não desiste, tenho certeza de que conseguiremos entrar na classificação para a Libertadores.

— Sonha, corintiano! — ele debocha, e eu mostro o dedo do meio, levando-o às gargalhadas.

Erasmo é o único porteiro com quem tive contato até hoje no prédio, exatamente por entrar e sair dentro do horário de seu turno. Quase nunca estou em casa antes da meia-noite e nunca permaneço depois das 5h da manhã. Não durmo muito, como perceberam; prefiro não dormir.

Há alguns anos, Erasmo veio trabalhar com a camisa do Palmeiras por baixo do uniforme e, à madrugada, encontrei-o vendo a reprise de um jogo e exibindo o verdão da peça. Ficou roxo ao me ver, pediu desculpas e colocou o uniforme de volta. Reconheci o medo em seu semblante, afinal estava em horário de trabalho dentro de um dos mais luxuosos prédios residenciais da Paulista. Encostei-me contra o balcão e perguntei quanto estava o jogo – um clássico entre Palmeiras e Corinthians a que eu também não tinha assistido –, e, a partir daquele dia, sempre estávamos trocando farpas divertidas sobre futebol.

Não pensem que sou sociável, simpático ou qualquer coisa do tipo. Não sou! Aquilo foi apenas um fato isolado, uma casualidade em um momento em que eu estava de bom humor o suficiente para relevar a falta do funcionário e ainda brincar com a situação. Às vezes gosto de transgredir regras, mas só às vezes. No geral sou bem engessado, o “típico” advogado sério, legalista e burguês.

Há quem diga que sou mais do que isso. Arrogante, misógino, petulante e invejoso. Sinceramente, foda-se para o que pensam e o que digam de mim. Não faço tipo, nunca farei, não faço questão de que gostem de mim, isso tudo é ilusão. Já aprendi que tudo nessa vida gira em torno de um só jogo, o do interesse. Pessoas gostam de quem pode ser útil a elas em algum momento. O ser humano é tosco, como bem asseverou Hobbes1: homo homini lupus.2

Por isso não entro nesse jogo, sou direto, claro e não faço a mínima questão de ser polido com quem não merece ou educado apenas para fazer mise en scène 3. Não uso falsa modéstia, sou foda mesmo e não tenho vergonha nenhuma disso, afinal estudei muito para ser assim; não trato ninguém com meias verdades e não tenho “dedos” para falar com minha equipe. Se não aguenta a pressão que imponho, não serve para estar em um tribunal e defender a Karamanlis.

Entro na academia e, durante uma hora e trinta minutos, não penso em mais nada a não ser nos movimentos e nos exercícios. Acho que é o único momento em que fico com a mente em branco, sem pensar em trabalho ou lembrar da minha vida fodida.

Suado, vou para o banheiro reservado que pago para ser só meu após o treino. Arrumo minha roupa de trabalho, coloco a da academia, inclusive o par de tênis, dentro de uma bag de lavanderia já etiquetada com meu nome e abro o chuveiro, pensando em relaxar.

Meu celular apita uma notificação de mensagem, e, quando vejo o nome da remetente, abro um sorriso faminto e totalmente provocador.


“Acordei excitada, mas preciso trabalhar. O que faço?”


Sério?!

Olho para baixo e já vejo meu pau reagindo à simples imagem que se forma em minha mente ao ler a mensagem. Filha da puta! Ainda não sei por que não bloqueei essa mulher. Respiro fundo, resistindo ao máximo à ideia de esfolar meu pau em busca de alívio. Não sou a porra de um adolescente com uma paixonite.


“Foda-se o trabalho! Só preciso do endereço e fodo com você sem problema!”


Deixo o celular sobre o banco do vestiário e entro no chuveiro, já sabendo que ela me mandará uma resposta padrão: “não dá tempo”; “ainda não sei”; “quem sabe amanhã”. Ouço o barulho da notificação de mensagem do aplicativo, mas ignoro, assim como o faço com minha ereção fora de propósito.

Conheci essa mulher – pelo menos eu acho que seja uma mulher – em uma noite fodida em que eu tentava dormir, e os pesadelos não deixavam. Era véspera de Natal, não tinha nada a fazer, não curti nenhuma das garotas de programa que estavam disponíveis na agência que uso para esse fim, então acabei instalando a porra de um aplicativo de encontros sexuais.

Sempre tive receio de usar essas ferramentas, pois a maioria dos que estão por lá não quer apenas uma trepada ocasional, mas sim um relacionamento. Acabei me rendendo ao Fantasy, que garantia que todos seus membros sabiam que estavam ali para achar parceiros para foder, realizar fantasias e só, sem conversas desnecessárias, sem troca de fotos mentirosas, sem nenhuma expectativa além da satisfação sexual.

Cadastrei-me depois de preencher um longo questionário – inclusive onde coloquei número de documentos para que eles pudessem comprovar que eu era maior de idade –, paguei pelo VIP, com salas exclusivas para encontros grupais – e entrei. Diferentemente do que eu usava na agência de garotas de programa, a pesquisa não era feita por atributos físicos, mas sim por fantasias.

No cadastro eu havia marcado a opção hétero, por isso sabia que não seria direcionado para salas homo ou mesmo bissexuais, mas fiquei perplexo ao descobrir que mesmo com essa opção marcada, havia salas de voyerismo, onde eu podia assistir a um casal ou mesmo um grupo gay, mas sem participar.

Pulei todas elas, indo direto para “encontro sem restrição” ou o que quer que isso significasse e em seguida comecei a receber mensagens de várias mulheres e a visualizar muitos perfis. O primeiro que me chamou a atenção era o único que não tinha um rosto, mas apenas a foto de um belo par de pernas sendo bronzeado numa praia.

Eu fiquei excitado com aquelas pernas! Podia imaginá-las enroscadas em mim, minha boca percorrendo suas coxas de pele brilhante e músculos rijos. Selecionei-a, mostrando interesse e mandei uma mensagem perguntando onde poderíamos nos encontrar para foder.

Fui ignorado, sumariamente ignorado, e acabei fodendo uma loirinha bem gostosa em um motel barato da cidade e, claro, renovando minha assinatura no aplicativo, pois cumpria o que prometia: fodidas rápidas, sem nomes, em locais neutros e só.

Um mês depois, a dona das belas pernas me mandou uma mensagem, e eu, animado, já fui logo querendo marcar encontro, mas, ao contrário das regras claras, ela quis “conversar” sobre minhas preferências primeiro.

E lá se vão quase seis meses conversando sobre preferências!

Antes de me vestir, confiro a mensagem e gemo, pegando meu pau com força. Porra!


“Aqui, na minha cama. Abra a porta e venha direto para o meu quarto. Você vai me encontrar nua sobre lençóis macios e cheirosos. Minhas pernas estão bem abertas, meus dedos patinando na entrada molhada da minha boceta, o que me deixa ainda mais excitada. Adoro estar úmida desse jeito! Adoro saber que é você quem me deixa assim todas as vezes, mesmo tendo esse nome ridículo para falar enquanto gozo. Você se lembra como gosto de me tocar, Portnoy?”


Rosno de raiva e tesão, relembrando todas as vezes que trepamos assim, criando cenários, situações e gozando sem ao menos saber um o rosto do outro. Minha foto de perfil é um copo de cristal cheio de bourbon, e a dela continua sendo de suas belas pernas.

Criei uma imagem dela só minha, sensual, delicada e firme como suas pernas, às vezes era morena, negra, loira ou ruiva, não importava, mas sempre era ela. A Caprica é a minha mais nova obsessão e a única fantasia que tenho buscado no aplicativo ultimamente.

Só não cancelei minha assinatura por causa dela, pois não sabemos nossos nomes, não temos nenhum contato um do outro, o único modo de falarmos é pelo privado do app. Não foi por falta de insistência, quis trocar e-mail, número de telefone e, principalmente, fodê-la de uma vez, mas a espertinha sempre se negou. Ameacei cancelar a conta e sumir, e ela, muito habilidosa e experiente, criou uma cena que me fez gozar como um louco, e eu desisti.

Não é o tipo de sexo que gosto de fazer, mas confesso que é altamente erótico, e, quando cansarmos da brincadeira, nem mesmo vamos ter um nome para lembrar. Seguro, gostoso, sem complicações: perfeito! Meu fluxo com as garotas de programa diminuiu muito depois dos nossos “encontros”, e minha satisfação anda quase a 100% – só não está assim porque não estou dentro dela.


“Eu lembro, gostosa. Você gosta de se lambuzar, deslizar seus dedos em movimentos circulares pelo seu clitóris, introduzir dois dentro dessa sua boceta suculenta e depois voltar a massagear. Gosto de te ver fazendo isso, mas gosto ainda mais de substituir seus dedos pela minha língua.”


Quase posso sentir o sabor dela em minha boca, a tensão de seu clitóris vibrando sob minha língua. Gemo mais alto, movimentando meu pau como se quisesse arrancá-lo do lugar, esperando sua resposta safada para gozarmos juntos.


“É assim que te quero hoje, entre minhas pernas, cabeça espremida entre minhas coxas enquanto me chupa sem parar. Sua língua comprida e tensa dentro de mim, seus lábios sobre os meus lábios íntimos. Posso sentir seus dentes, Portnoy, seu rosto está todo molhado, o que faz você deslizar entre minhas coxas, enquanto eu gozo em sua boca gemendo alto, sem me importar com mais nada além do prazer que me faz sentir.”


Porra!

Só tenho tempo de me desviar do terno pendurado à minha frente e gozo sem parar sobre a parede azulejada do vestiário da academia. Sei que ela espera que eu replique sua mensagem, mas não paro de tremer, ainda sentindo os espasmos de prazer. Nunca me masturbar foi tão prazeroso, e penso até que, sem ela, não consigo mais me tocar sozinho.


“Sujei o banheiro da academia de gozo, e a culpa é sua. Quando?”


A resposta é quase imediata:


“Estou atrasada para o trabalho. Obrigada pelo meu gozo matinal, e de nada pelo seu!”


Dou uma gargalhada ao ver seu status ficar “off-line”, deixo o celular no banco e sigo novamente para o boxe, mais relaxado, animado e bem-humorado.

Essa mulher é um vício!


São Paulo, tempos atuais.


O filho da puta vai conseguir!

É só o que eu penso ao ver o memorando com todas as informações sobre a promissória que a empresa adquiriu de um agiota – o que eu achei temerário e questionável – referente a uma dívida contraída por Patrick Hill, o dono do boteco imundo que foi capaz de acabar com a hegemonia de Nikkós na Karamanlis.

Theodoros andava desesperado pela oportunidade de comprar o único imóvel que faltava de toda uma quadra na Vila Madalena e agora fez a empresa se tornar credora de um espólio.

Pego o telefone e ligo internamente para a mesa de Murilo Barros, um dos grandes advogados que tenho trabalhando comigo.

— Pois não, doutor? — ele atende.

— Preciso que você faça uma pesquisa para mim — informo e lhe dou um tempo para que consiga ter em mãos algo para anotar. — Primeiro preciso descobrir se há inventário judicial do espólio de Patrick Hill. Provavelmente a inventariante é a filha dele, Maria Eduarda Braga Hill. Se houver algum registro, preciso do andamento do processo, se já houve partilha ou não. Caso você não ache nada, comece a contatar todos os nossos contatos dos cartórios em busca de um inventário extrajudicial.

— Em alguns minutos retorno, doutor.

Desligo o telefone e olho novamente o memorando enviado pelo Millos, bem como a cópia da promissória, com data já muito perto de sua prescrição. Particularmente eu torço para que a sucessão ainda não tenha ocorrido, visto que Maria Eduarda Hill é a única herdeira viva do de cujus, pois assim Theo terá seu gostinho de vitória postergado pela morosa justiça brasileira.

Caso o inventário tenha sido feito extrajudicialmente em cartório ou já tenha ocorrido o fechamento do inventário com a emissão do formal de partilha em nome da herdeira, poderemos ingressar com ação contra ela mesma a fim de que pague a dívida no limite do que recebeu de herança.

Não sei quanto Maria Eduarda Hill tinha a receber, se seu pai tinha mais de um bem, dinheiro guardado e outros bens, mas sei que o montante da dívida é suficiente para que Theodoros a convença a vender o imóvel para quitá-la.

Meu irmão mais velho e sua eterna rusga com nosso pai. Balanço a cabeça, sentindo asco exatamente por ter noção dos motivos e das consequências que essa disputa entre eles foi capaz de fazer.

Bufo de raiva por estar pensando no passado. Isso não me faz bem, e é preciso ter cabeça fria para conseguir tudo o que quero. Aparentemente consegui um aliado na minha luta contra meu irmão e estou cada vez mais perto de destroná-lo e expulsá-lo de nossas vidas para sempre.

Caminho até a parede de vidro da minha sala e olho o enorme salão cheio de mesas onde os advogados e alguns assistentes trabalham sem parar. Funcionamos no padrão de um escritório de alto nível, só que em menor escala. Tenho 12 advogados divididos em três equipes de quatro pessoas, sendo um coordenador em cada uma delas.

Ao fundo da sala, compenetrado digitando no computador, vejo David Vieira, o coordenador da equipe responsável por todos os contratos da Karamanlis, tanto os que fazemos com clientes, quanto os que fazemos com fornecedores, prestadores de serviço e outros. Do outro lado da sala, pesquisando o que lhe pedi, está Murilo Barros, coordenador da equipe de contencioso – dos que vão a fóruns, audiências e julgamentos –, responsável por toda e qualquer ação da Karamanlis ou contra a empresa. E, por fim, em um canto mais agitado, fica Petrônio Muniz e sua equipe responsável pelos contratos e pelo contencioso das duas subsidiárias da Karamanlis, a K-Eng e a K-Decor, de responsabilidade de Alexios Karamanlis.

Esse pequeno escritório trabalha como uma máquina bem azeitada, e eu gosto que seja assim. Escolhi a dedo cada um dos advogados, que receberam cargos de acordo com seu currículo, tempo de casa e merecimento. Os três coordenadores vieram de grandes escritórios da cidade, já com alta bagagem em direito obrigacional e imobiliário. Abaixo deles, em cada equipe, tem um advogado sênior que responde em sua ausência e controla todo o fluxo de processos – seja interno ou judicial – auxiliado por um advogado júnior e um assistente.

Temos seis estagiários que circulam dentro e fora da empresa, fazendo carga de processos que ainda continuam em papel, fazendo levantamentos em cartórios e auxiliando outros setores da Karamanlis no que seja concernente ao jurídico.

Tenho muito orgulho disso que montei aqui, porque a diretoria passada era um caos total. Ralei muito com os processos bagunçados, prazos perdidos e documentações sem nenhuma ordem. Foram meses de trabalho intenso para deixar tudo como eu gosto de trabalhar e mais de um ano para que estivesse tudo perfeito.

Chamem-me de arrogante por reconhecer que sou muito bom no que faço, foda-se! Sou espetacular, e os resultados que obtenho são a prova disso. Não pago pau para ninguém, sou convidado a dar palestras, a dar aulas em universidades e cursos, e só não o faço porque não tenho saco para aturar imbecis.

O telefone da minha mesa toca, e eu vou até ele já esperando uma resposta de Murilo.

— Doutor, encaminhei para o seu e-mail todas as informações que levantei sobre o que me pediu.

— Vou verificar.

Desligo o telefone e abro o e-mail e um sorriso.

Inventário judicial ainda em andamento!

— É, querido irmão, ainda não vai ser dessa vez! — comemoro girando na cadeira.

 

 

Assobio uma música qualquer enquanto tiro meu filé da grelha e o coloco no prato com salada. Esta noite decidi ficar em casa e adiantar alguns trabalhos que peguei pessoalmente para fazer. Não é sempre que faço isso, mas, dependendo do assunto, se é desafiador a ponto de me fazer debruçar sobre livros para achar uma solução, prefiro fazer sozinho.

Gosto de ler e estudar, principalmente por serem ações solitárias. Nunca fui muito sociável ou tive muitos amigos, pelo contrário, passei a maior parte da minha vida sozinho, aprendi a gostar da solidão e a fazer bom uso dela.

Coloco o prato sobre a mesa de centro da sala e puxo o suporte do computador para perto de mim a fim de que possa enxergar o artigo em alemão que estou lendo. É, eu estudo em alemão, porque sou poliglota, uma das vantagens de ter morado na Europa até meus 12 anos de idade.

Na verdade, a última língua que aprendi, meses antes de vir morar neste país, foi o português. Eu não falava uma só palavra desse idioma, mas, quando meu avô materno decidiu se livrar de vez de mim e me entregar ao meu pai, fez a enorme caridade de me pagar um professor, com quem tomei aulas exaustivas até aprender a falar e escrever de modo que conseguisse viver no Brasil.

Falo o total de cinco línguas com fluência: inglês, minha língua nativa; francês, porque fui obrigado a estudar desde que comecei a falar; alemão, aprendi no colégio; grego, eu mesmo busquei aprender, pois queria melhor contato com meus familiares na Grécia; e o português. Arranho o espanhol, mas nunca me interessei a ponto de querer estudar, e entendo alguma coisa do italiano.

Parece muito, não? Eu fico assustado em como o brasileiro passa a vida inteira sem nem saber seu próprio idioma direito. Na Europa, o homem de cultura média sabe mais de uma língua.

O ensino também me surpreendeu. Quando cheguei aqui, eram férias de verão. Não estava acostumado a iniciar o ano letivo em fevereiro, pois, nos países do hemisfério norte, começa entre agosto e setembro. Entretanto, não foi complicado de me adaptar a isso, mas sim à metodologia em si. Estudei em colégio interno a vida toda, passava pelo menos 12 horas do meu tempo estudando, e aqui, mesmo em colégio de alto nível, estava em sala por, no máximo, cinco horas por dia.

Quando cheguei ao “segundo grau” – hoje tem nome de ensino médio – é que estudei em período integral por causa do vestibular.

Rio ao lembrar que os outros alunos achavam que eu era um ET, e isso, além de outros fatores, não ajudaram nada na hora de fazer amizade.

Dou um tempo nos pensamentos e na leitura para comer um pouco, deliciando-me com o ponto certo da carne. Eu gosto de cozinhar. Não sou expert como Millos, mas sei me virar em uma cozinha. Morei muitos anos sozinho nos Estados Unidos enquanto fazia o doutorado e aprendi, pois nunca gostei de ter outra pessoa no meu espaço.

Não tenho empregada doméstica, pago uma taxa extra ao condomínio para que uma faxineira venha três vezes por semana para limpar o apartamento. A lavanderia manda um carro para buscar minhas roupas sujas, que vou juntando em bags fornecidas por ela, etiquetadas com meu nome, e depois já as deixa passadas e lavadas na portaria, e a faxineira as guarda no armário.

Como o espaço aqui é pequeno, não tenho muitos móveis, apenas um sofá retrátil de três lugares, uma mesa de apoio, televisão, porque gosto de assistir a canais de esporte, uma mesa que serve tanto para fazer refeições quanto para o trabalho – uso-a apenas para trabalhar, pois como no sofá – e uma micro cozinha embaixo do mezanino onde fica meu quarto, com armários, pia, fogão, geladeira e um micro-ondas.

Na parte de cima, fica o banheiro e meu quarto, onde há meu armário, a cama e uma mesinha de cabeceira.

Não há decoração, não há fotos, apenas livros e mais livros por todos os cantos. É um home office bem prático e profissional, mas é como eu quis que fosse, pois não preciso de grande coisa. Já morei em mansões de 30 quartos e em apartamentos de três andares e me sentia sufocar mais do que neste pequeno espaço.

Meu celular vibra em cima do suporte do computador, e ergo uma sobrancelha, sabendo quem é. Fico tentado a ignorar, mas a vontade de provocar é maior do que o desejo de ficar só.

Minha “amiga” virtual é minha companhia diária. Não há um só dia em que não nos falamos, e isso é um tanto irritante, mesmo que eu sempre lhe responda. Nunca tive tanto contato assim com alguém, o que é estranho, porque nem sei quem é essa doida.


“Ei, Punheteiro! Boa noite. Sozinho?”


Rolo os olhos para ela, pois, desde que finalmente se prestou a ler o livro ao qual inspirou meu apelido no site, ela me chama de Punheteiro. Não lembro o motivo pelo qual usei Portnoy quando me cadastrei, e fiquei bem tenso quando ela disse que tinha achado o livro de Philip Roth quando pesquisou esse nome na internet.

Não fazia ideia de que ela tentava descobrir algo sobre mim; isso foi uma surpresa e me deixou desconfiado também, afinal estávamos sempre falando de sacanagem, nunca tentávamos descobrir nada um do outro, pelo menos até aquele momento.

Há algum tempo percebi que ela tem aprofundado ainda mais nossos papos, falando de gostos pessoais, discutindo sobre filmes, música, literatura, comida e outras coisas mais idiotas, como o tempo etc. Há algumas semanas falou sobre querer praticar exercícios e sobre sua carreira. Acabou que me perguntou sobre a minha também, e conversamos sobre isso.

Toda vez que ela desvia nossas sacanagens para esses assuntos, tento puxá-la de volta para a segurança de nossa “relação” sexual, mas acabo cedendo e conversando com ela sobre o que quer. Ela tem o dom de me conduzir aonde quer, e isso é algo admirável.

“Minha” Caprica é formada em administração de empresas, mas trabalha em outra coisa – não disse ainda no que –, é solteira, viciada em sexo, tem a filosofia “viva e deixe viver” e, infelizmente para ela, tem péssimo gosto literário. Rio ao pensar nisso.


“Oi, Cabritinha. Estou fazendo um intervalo no trabalho e jantando. Aposto que seu rabo é bem mais saboroso que o filé mignon que estou comendo agora.”


Tenho certeza de que ela vai retrucar o fato de eu chamá-la assim, em referência ao seu apelido; mastigo mais um pedaço de carne e quase engasgo quando leio sua resposta.


“Cabritinha de cu é rola! Sou uma caprica já mocha. Quanto ao meu rabo, pode ter certeza de que é muito mais gostoso do que qualquer outra coisa que você já tenha provado.”


Mando um emoji pensativo para ela.


“Que tal provar meu rabo hoje? Comprou o que eu pedi?”


Olho para a sacola preta jogada em cima do balcão da cozinha e respiro fundo, ainda sem acreditar que entrei na porra de um sexshop com a impressão de uma foto que essa doida me mandou. Quando vi que tinha um anexo no chat que a gente usa, corri para abrir pensando que ela finalmente cedera e me mandara uma foto sua – nem que fosse de sua boceta em close –, mas não, apareceu um ovo com uma mensagem escrita embaixo: “me compre”.

Joguei o nome do aparato no Google e descobri que era um masturbador masculino. Vi alguns vídeos explicativos e me senti curioso, imprimi a foto e, depois de sair da Karamanlis, fui até uma loja de brinquedos eróticos e comprei o dito cujo.


“Talvez...”


Respondo ganhando tempo, pois, por mais curioso que eu esteja com o brinquedo, não quero admitir a ela que fiz o que mandou.


“Você comprou, tenho certeza, e o modelo que eu sugeri. Aposto minha bunda nisso!”


Filha da puta!

Reconheço uma adversária à altura, uma pessoa segura de si, poderosa, e isso joga meu tesão nas alturas. Abandono o filé por completo, afasto o computador e vou até o balcão resgatar a sacola com o estranho objeto.

Tiro o invólucro, leio as instruções e abro o fecho da calça, tirando meu pau da cueca, alisando-o ao longo de sua extensão, fazendo-o vibrar em expectativa, sentindo as veias altas se encherem de sangue e sua circunferência aumentar.


“Sua bunda não estará a salvo hoje, Cabrita. Diga-me como você gosta de ser enrabada!”


Pego a embalagem de lubrificante que vem junto, despejo o gel na cavidade do ovo e a esfrego na cabeça do meu pau, sentindo o gelado se misturar ao calor em brasa.

Gemo.


“De quatro. Minha bunda empinada em sua direção, joelhos afastados, tronco todo abaixado, encostado no colchão. Minha cabeça está de lado, pois tento olhar você vindo por trás de mim.”


Fecho os olhos, e a imagem se constrói em minha mente. Uma bunda linda, redonda, bronzeada como as pernas do seu perfil, com uma marquinha de biquíni minúscula a se perder entre suas nádegas. A vontade de enterrar meu pau dentro de seu cu apertado seria enorme, mas eu me conteria; nunca fui afoito ou ansioso.


“Vou segurar seus quadris com força, quero deixar as marcas dos meus dedos sobre sua pele. Depois afastar suas nádegas, exibir seu cu lisinho, todo depilado à minha espera. Vou lamber primeiro, porque não vou colocar pomadas, lubrificantes nem nada que possa facilitar sua vida. Quero você crua, ao natural, para sentir cada pedaço do meu pau entrar no seu rabinho. Vou chupar você, sua boceta, enfiar a língua dentro dela, depois fazer o mesmo no seu cu. Tenho a língua comprida, já te disse isso, e sei usá-la bem, então você vai sentir quando começar a alargar suas pregas.”


Começo a esticar o brinquedo pelo meu pau, sentindo a tensão, a textura dentro dele, fantasiando ser o corpo dela. Escuto a notificação e gemo ao ler.


“Adoro sua língua em mim. Estou pingando de tesão, pronta para sentir seu pau grande e grosso rasgando meu rabo enquanto massageio minha boceta e gozo desesperadamente. Estou quase lá. Já provou o brinquedo?”


Provei e aprovei!, penso agitando-o rapidamente, repreendendo-me por nunca ter procurado algo semelhante para “tocar uma”. É uma delícia! Claro que não substitui ou se compara a uma boceta ou um rabo de verdade, mas é extremamente mais prazeroso do que a mão.

Na minha fantasia, já estou fodendo-a e ouvindo seus gemidos. Ativo a digitação por voz e vou falando enquanto a cena se desenvolve em minha mente:

— Mordo sua bunda antes de me levantar, posiciono a cabeça do meu pau em sua entrada e pressiono, sentindo seu cu apertando a cabeça. Deslizo com mais força para dentro; você geme alto. Eu consigo sentir seu corpo balançando por causa de sua mão estimulando seu clitóris, o que me causa ainda mais prazer. Eu gostaria de ter nascido com dois paus para poder te comer nos dois buracos ao mesmo tempo. — Gemo, sentindo o orgasmo se aproximando, antes de prosseguir: — Goza enquanto como seu rabo com força, te segurando pelos quadris.

Aumento os movimentos e, em instantes, explodo dentro do ovo, deixando minha porra encher o brinquedo como gostaria de estar enchendo o rabo da diaba que me tira do prumo.


— Doutor, saiu a publicação do...

— Agora não, Murilo.

Passo direto por um dos coordenadores de equipe da diretoria jurídica da empresa e entro em minha sala, fechando todas as persianas à minha volta. Xingo, frustrado, sentindo essa energia estranha no meu corpo que só me acomete quando entro em embates desnecessários com aquela baixinha brigona da gerência dos hunters.

Eu estou de saco cheio dela! Sem paciência nenhuma para seu feminismo de folhetim barato e seu jeito de pinscher que se acha pitbull.

Vou até o armário que fica nos fundos da minha sala e pego a garrafa de William Larue Weller4 que trouxe de minha última viagem aos Estados Unidos e deixei guardada aqui para ocasiões especiais – ou emergenciais – como essa.

Pego o copo de cristal que deixei junto, bem como um dos charutos cubanos que gosto de fumar para me acalmar. Eu sou fumante, como vocês já devem saber, comecei a fumar ainda muito novo e, embora evite fazê-lo dentro da empresa, não resisto a, pelo menos, acender um charuto de vez em quando.

Pego uma das toalhas do meu banheiro e cubro o sprinkler para que não acione ao detectar a fumaça do charuto e me dê um banho. Sirvo-me de uma generosa dose de bourbon antes de cortar e acender o charuto.

Eu não entendo o motivo pelo qual aquela mulher me desconserta tanto, mas o fato é que ela consegue me fazer ferver, justo eu, conhecido por ser um homem frio. Nada me tira do sério, estou sempre ironizando, sempre debochando e ligando o “foda-se” para a opinião que qualquer pessoa possa ter de mim. Dificilmente perco a cabeça, senão já teria chamado muito juiz de “burro” e desembargador de “comedor de merda”, mas não, apenas dou uma risada curta que já transmite todo meu desprezo sem precisar dizer uma só palavra.

Ela também não me afetava o mínimo, afinal eu nem sabia que tal criatura existia até meses atrás, quando meu mentecapto irmão mandou a mulher que era a gerente tirar férias por achar que ela estava surtando. Bom, ela estava, mas e daí? Era paga para trabalhar e, se não aguentasse a pressão, que fosse substituída! Mas não, Theodoros Karamanlis, o grande deus dessa pocilga, achou que Malu Ruschel tinha que tirar férias e colocou essa pintora de rodapé em seu lugar.

A garota, que até então era muda e invisível, resolveu crescer e justamente para cima de mim!

Lúcio Xavez, um dos diretores que Theo manteve da gestão de Nikkós, finalmente decidiu pendurar as chuteiras, e, em vez de ser apenas contratada outra pessoa para seu lugar, meu irmão teve a brilhante ideia de fazer uma espécie de concurso interno entre seus gerentes e promover o que fosse melhor.

Pois bem, a tal da Malu Ruschel foi indicada, e até eu via que tinha grandes chances de ganhar, porque a mulher era totalmente louca pelo trabalho. Até que surtou, começou a cair dura para todos os lados e teve que ser enviada – por sua querida amiga da onça – para o cu molhado do mundo, vulgo Pantanal.

Acontece que, sem querer, Malu achou o local que estávamos procurando havia anos, mas ficou cheia de merda porque estava trepando com o peãozinho do lugar. Foi aí que eu resolvi intervir, claro! Era óbvio que eu não ia deixar um puta negócio daqueles se perder por conta de umas roladas no feno.

Pouco antes de ela comunicar ao seu pessoal que havia encontrado o lugar, aconteceram umas merdas com os outros concorrentes, e o Conselho Administrativo da Karamanlis resolveu nomear “fiscais” do trabalho de cada um dos gerentes que concorriam à vaga, e eu me dispus – porque não era bobo e nem cego – a ficar com a equipe da Malu Ruschel, chefiada no momento por uma tal de Wilka Maria Reinol.

Não tive problemas com ela a princípio; tudo o que eu solicitava, ela me atendia de pronto, sempre muito organizada com suas coisas, com resposta pronta para todas as minhas perguntas, o que me deixou bem admirado de sua competência, afinal era uma moça aparentemente jovem, mas que mostrava segurança e eficiência.

Quando a coisa toda começou a ficar tensa entre nós? Quando eu vi o e-mail que Malu passou para um dos seus hunters – Leonardo Paschoali – indicando o local que havia encontrado. Fiquei louco, principalmente porque tinha certeza de que era o que nosso cliente queria havia meses e não achava, então coloquei uma das equipes, a em que mais confio, para pesquisar documentos e informações, atrás do histórico do imóvel.

Pronto! Foi o que bastou para a mini Mike Tyson querer armar uma luta contra mim.

Rio, bebo um gole do bourbon sentindo o sabor delicioso da bebida envelhecida por mais de dois anos em barris virgens e levemente tostados de carvalho americano e me lembro de como ela invadiu esta mesma sala soltando fogo pelas ventas.

— Suspenda a viagem dos seus advogados agora mesmo!

Eu estava sentado nesta mesma cadeira confortável, calmamente analisando um contrato que David havia me mandado e apenas olhei-a sem erguer a cabeça e franzindo a testa, sem me mover em nenhum momento.

— Retire-se, estou ocupado — respondi e voltei minha atenção ao computador.

Ouvi seus passos firmes, os saltos de seus sapatos fazendo “poc-poc-poc” sobre o assoalho da minha sala. Pensei que tivesse me livrado da pequena invasora, mas não! De repente, ela apoiou suas mãos com força sobre os papéis em cima da minha mesa.

— Doutor Konstantinos, não estou brincando, é uma situação muito delicada essa da propriedade que Malu Ruschel apontou, e nós combinamos de agir com sutileza e cautela, o que suas marionetes não são capazes de fazer. Então recue e nos deixe trabalhar.

Soltei minha risadinha e joguei o peso do corpo para o encosto da cadeira, girando-a de um lado para o outro. Encarei a gerente interina pela primeira vez, notando sua pele bonita, bem-cuidada, os olhos grandes e amendoados e os cabelos negros cortados na altura do pescoço. Ela tinha uma bela boca; mesmo franzida de raiva, era sexy.

— Você já ouviu falar de hierarquia funcional, senhorita Reinol? — Não a deixei responder: — Acho que não, então vou desenhar para você. — Aproximei-me dela, arrastando minha cadeira para bem perto da mesa e inclinando meu corpo em sua direção. — Eu estou aqui. — Coloquei a mão direita bem perto de seus olhos. — Você, aqui. — Encostei o dedo da mão esquerda na mesa. — Agora uma pergunta difícil, preste atenção! Quem é superior a quem?

Vi que ela respirou fundo duas vezes antes de aprumar o corpo e se afastar. Abri um pequeno, mas totalmente vitorioso sorriso.

— É, já vi que é perda de tempo! — Eu assenti, concordando. — Bem, para que vou perder tempo falando com qualquer mensageiro se posso falar direto com deus? — Ela sorriu para mim quando fiquei sério, entendendo sua analogia. — Passar bem, doutor. Espere por um memorando da diretoria executiva. — A petulante caminhou até a porta, mas não saiu. — Ah... — Ela ergueu uma das mãos com a palma virada para mim, e a outra fechada, atrás dessa. — Sabe o que significa? Aposto que não! Essa — mexeu a mão aberta — é o doutor Theodoros, e essa — pus-me de pé assim que ela sorriu e mexeu a mão fechada atrás da outra — é o senhor cheirando o rabo dele. Boa tarde.

Ela virou-se para sair, mas eu – nem lembro como andei tão rápido – a impedi, segurando em seu braço pequeno e frágil.

— Você é muito petulante entrando aqui dessa forma, exigindo coisas de mim. Por acaso tem noção de com quem está falando? Não tenho o mesmo nome dessa porra aqui em vão, sou um dos donos, e você é uma reles...

— Vou contar até três para o senhor tirar sua pata de meu braço, a não ser que o doutor tenha se esquecido das leis com que tanto trabalha e queira levar um enorme processo por assédio.

É sério que eu nunca vou esquecer de sua voz e da determinação que vi em seus olhos naquele dia. Mexeu comigo de um jeito tão estranho, tão desconhecido que me afastei instantaneamente.

— Eu entendo que o doutor tenha sido designado para acompanhar nosso trabalho, mas o que está fazendo é mais do que acompanhamento, é interferência! O local não está à venda e, sim, está em uma situação complicada, mas pressionar como o senhor mandou fazer, é tudo o que não precisávamos para tentar negociar.

— Não preciso de negociação...

— O projeto não é seu, a decisão também não! — Wilka frisou e apontou o dedo para minha cara no exato momento em que vi meu odiado irmão mais velho parar atrás dela. — Malu Ruschel é quem está concorrendo à vaga de diretora, ela é a responsável por achar e negociar os imóveis. Não passe por cima dela com sua arrogância masculina!

— Algum problema? — Theo perguntou, e ela tomou um susto ao vê-lo.

— Espero que não, estava só deixando uma coisa clara aqui para o doutor Konstantinos Karamanlis.

— Não vi nenhuma claridade em seus argumentos, Wilka Maria, só birra de criança mal-educada.

Naquele exato momento pude vê-la ficar roxa de raiva e soube que ia explodir a qualquer momento. Que mulher louca é essa que arrisca o próprio emprego em prol de um pedido de sua chefe? Que tipo de lealdade é essa?

— Senhorita Reinol, eu peço que se acalme e...

— Foda-se! — ela explodiu, seus olhos brilhantes, sua pele ainda mais bonita, corada, o corpo um pouco trêmulo de raiva e saiu marchando para fora, empurrando Theo para o lado e passando entre as mesas dos advogados, que a fitavam pasmos.

Segui-a com os olhos até desaparecer do lado de fora do setor, sem deixar de notar em como, mesmo em um corpo compacto, suas curvas eram bem-proporcionadas, combinando com ela. A petulante é interessante!, pensei.

— Você é mesmo um escroto! — Theo ofendeu-me à queima-roupa, e eu o olhei com a testa franzida e um sorriso cínico.

— Você concordou com todos os meus passos, não estou fazendo nada pelas costas de ninguém. — Voltei para minha mesa a fim de continuar o trabalho que a tempestuosa baixinha havia interrompido. — Não entendo o motivo pelo qual Malu Ruschel está cheia de dedos com esse negócio, ela nunca foi assim.

— Deixe que com Malu eu me entendo! — Ele riu. — Mantenha-se afastado da Kika, ela estava prestes a te dar umas porradas na cara. — Ri em deboche, e ele virou as costas com o intuito de me livrar de sua pestilenta presença. — Eu iria ser obrigado a impedi-la e teria que conviver com esse arrependimento para sempre. Poupe-me!

Arrogante maldito!, penso em Theo, deixando as lembranças do primeiro embate com Kika de lado. Depois desse, tiveram muitos, cada vez mais frequentes e violentos, pelo menos na seara verbal – até hoje.

Passo a mão sobre o rosto, ainda sentindo-o úmido pela água gelada que aquela garnisé me jogou na cara ao pedir demissão. Mulher petulante, deveria ter sido despedida por justa causa, isso sim! E Theodoros? Bufo de raiva, fumando o charuto.

Primeiro, esteve aqui colocando banca para cima de mim com aquele discurso de merda – “eu sou seu chefe” – e apoiando os desmandos de Wilka Maria.

O projeto que ela ia apresentar para o cliente ainda não tinha passado por mim, embora tivesse sido analisado pelo pessoal do David – com quem tive uma conversa clara e o proibi de interagir diretamente com os hunters –, que deu aval a toda a documentação do local escolhido.

Tentei argumentar com a irracional gerente dos hunters, mas ela insistiu em apresentar, alegando que o jurídico já tinha ratificado tudo, e marcou a reunião pelas minhas costas. Quando vi na agenda geral da empresa que haveria uma apresentação e vi sobre qual era o assunto, não pude acreditar, fui até a sala de reuniões principal da empresa, na diretoria, e mandei o doutor João Antônio – um dos meus advogados – descer, pois não compactuaria com uma reunião cujo conteúdo eu não pudera avaliar.

Aí a pirracenta fez um show, dizendo então que ela não iria fazer a apresentação e que deixaria o cliente vir até a empresa à toa e que eu me resolvesse com o Theodoros depois, visto que a participação do jurídico era crucial para sua apresentação.

Pois bem, desci para minha sala de novo, pedi à doutora Eleonora – que também funciona como minha assistente – para ligar desmarcando a fatídica reunião e aguardei a repercussão da minha decisão, pois sabia que a “menininha” iria chorando contar tudo para o “papaizinho”.

Foi o que aconteceu, Theo veio até mim, falou um monte de idiotices, e eu fiquei surpreso por ele não me repreender por ter desmarcado a reunião sem falar com ele; não combinava com o jeito centralizador que tem de gerir a empresa. Olhei para a agenda geral de novo – na nossa intranet – e percebi que a reunião ainda estava marcada como ativa.

Puta que pariu!, pensei ao sair correndo da sala, mas, antes que eu conseguisse alcançar meu irmão, vi as portas do elevador se fecharem e o sorriso debochado de Theo falando com seu assistente.

Foda-se! Dei de ombros e esperei o outro elevador com o firme propósito de ir até lá e assistir ao desespero deles como se não soubesse de nada, porém, antes de chegar lá, pensei melhor e fui para o refeitório da empresa tomar um café, ler um jornal e, quem sabe, até fumar um cigarro no terraço.

O café estava ótimo, o que era quase um milagre, pois o nível de alimentação no refeitório é sofrível, e caminhei com o telefone na mão para fumar meu cigarro. Como não costumo olhar mensagens pessoais durante o expediente, ainda não tinha visto nenhuma das notificações que haviam chegado desde a manhã.

— Ah... olha a Cabritinha aqui! — disse ao abrir o chat do Fantasy.


“Hoje vai ser um dia especial, eu espero. Que tal um encontro hoje à noite para que possamos comemorar meu grande feito? Imaginei se você gostaria de me comer em algum hotel barato de uma área decadente da cidade e já criei minha cena de entrada. Quer saber?”


Como não vi a mensagem e não respondi, ela simplesmente me descreveu a cena deliciosamente construída como só ela sabe fazer, deixando-me de pau duro mesmo diante de toda a tensão despertada na empresa.


“Vou te pedir para ir antes, levar sua bebida favorita, sentar-se em alguma cadeira por lá. Escolha um quarto onde as luzes de néon com o nome do lugar possam iluminar tudo de vermelho ao piscar, sirva-se de sua bebida, não tire a roupa e me espere. Você vai ouvir o som dos meus sapatos enquanto eu subo as escadas de madeira antiga e, a cada degrau que ranger, saberá que estou mais próxima.”


Imediatamente a cena se construiu em minha mente, e comecei a escrever de onde ela parou, sentindo na ponta dos dedos o pulsar do tesão, a sensação de estar esperando por ela, de poder finalmente sentir seu corpo e foder sua boceta até me fartar.


“Bebo devagar e acendo um cigarro para te esperar. Afrouxo a gravata; meu paletó está pendurado no encosto da cadeira, e as luzes do néon deixam o quarto ainda mais decadente. O lençol da cama é quase transparente de tão gasto, deve haver pulgas nesse colchão, assim, não poderei te comer sobre ele. Confiro a mesinha onde está a garrafa do meu uísque, entretanto, dou-me conta de que um de seus pés está apoiado sobre uma pedra. Descarto a chance de te comer ali também. Terá que ser em pé, de assalto, assim que você abrir essa porta.”


O barulho de porta batendo me fez bloquear o celular. Guardei-o no bolso da calça e encarei a pequena gerente, acompanhada de meu irmão, vindo em minha direção muito brava.

— Segundo round; lá vamos nós! — zombei com um sorriso debochado, mas, assim que a vi pegar um copo cheia de água abandonado em uma das mesinhas do terraço, soube de sua intenção.

— Você não... — não terminei de falar, quase afogado na nojenta água em que alguém outrora babara e ficara ali, a pegar poeira e sabe-se lá mais o quê. Fiquei tão estarrecido com a atitude dela que não consegui formular mais nenhuma palavra, apenas olhava-a como se fosse uma criatura de outro planeta.

Ela pôs o copo calmamente sobre a mesa perto de mim, virou-se para o banana do meu irmão, que nada disse sobre a atitude desrespeitosa e antiprofissional que ela acabara de protagonizar, e me surpreendeu pela segunda vez.

— Eu me demito!

Theodoros – e acho que eu também – arregalou os olhos e assistiu, sem palavras, à saída magistral de sua pequena guerreira ofendida.

— Você é mesmo um filho da puta! — Theo me ofendeu sem nem ao menos me olhar, ainda parado e encarando a porta por onde Wilka Maria saíra.

— Eu sou, nunca neguei! — Sequei o rosto precariamente e passei por ele. — Somos todos, caro irmão, cada um com sua maldição.

Desci direto para minha sala, sem nem mesmo passar no banheiro para me secar, pensando apenas em fumar e beber pela segunda vez nesse dia de merda.

O celular treme em meu bolso, e eu lembro que mandei mensagem para minha foda virtual. Não estou com clima para conversa, perdi o tesão nisso. Termino o bourbon, apago o charuto, jogando o resto no lixo e decido que já tive o suficiente de merda por hoje.

Pego o celular, mas vejo uma mensagem do Millos e nenhum sinal da Caprica. Então abro o aplicativo onde contrato as garotas de programa, encomendo logo duas, escolho o local de encontro em um pulgueiro no Centro da cidade e saio da empresa sem falar com ninguém.

Assim que chego à calçada, chamo um Uber e dou o endereço do local marcado como ponto de encontro com as moças.

Eu nunca soube ao certo como minha “amiga” virtual é. Uma vez ela se descreveu alta, corpo curvilíneo, cabelos longos, cacheados e escuros e olhos cor de mel. Era claro que ela estava mentindo, percebi de cara, e a pressionei a me falar a verdade, e a filha da mãe descreveu uma loira.

O que isso tem de relevante? Agora, toda vez que contrato prostitutas, ou são morenas de cabelos cacheados, ou loiras, o que restringiu demais minhas opções nas agências que oferecem esse tipo de serviço.

A danada se infiltrou em minhas fantasias com seu jogo de enrolação, suas conversas madrugada adentro e o sexo delicioso que fazemos juntos.

Fecho os olhos e tento não pensar no dia de hoje na empresa e de tudo o que aconteceu com a gerente irritadinha.


Toda vez que escuto a música Happy do Farrel Williams, sei que é hora de brilhar! É um dia importante, por isso meu despertador aciona a música para eu já acordar animada.

Abro os olhos com um sorriso no rosto, espreguiço-me, balanço o corpo na cama cantando e batendo palmas. Eu adoro essa vibe, adoro minha cama espaçosa, este quarto lindo de viver, os sons gostosos dos pássaros nas árvores das calçadas e...

Sinto um peso em cima do meu corpo e em seguida sou atacada com beijos sem fim.

Dou gargalhadas, às 6h da manhã, com o som alto ecoando felicidade pelo apartamento, e um gostoso em cima de mim. Passo a mão pelo seu corpo firme, sentindo os pelos de sua barriga, subindo em direção ao peito até segurar seu rosto e encarar seus lindos olhos castanhos.

— Bom dia, Kaká! — digo antes de receber outra lambida no nariz. — Com fome? — Ele balança o rabinho. — Vou levantar e fazer nosso café da manhã, mas antes preciso fazer xixi. Já fez o seu?

Ele volta a me lamber, e eu afago suas orelhas, levantando-me da cama com ele em meu colo. Kaká é um yorkshire terrier de pouco mais de seis meses que acabei adotando de uma das meninas com quem dividia apartamento até meses atrás. Ela ganhou o bichinho do namorado, mas o relacionamento durou só mais duas semanas depois do presente. Ela quis devolver o cãozinho, o ex-namorado não aceitou, então eu disse que cuidava e fiquei com ele.

Ela o chamava de Mozi – apelido do namorado –, mas o nome não combinava em nada com o animalzinho tão pomposo, com pedigree registrado de um canil na Inglaterra. Isso me fez lembrar de um certo advogado que, nessa época, achava sexy, charmoso e misterioso, também nascido nesse país.

Sim, infelizmente dei as iniciais daquele boçal do Konstantinos Karamanlis ao meu cãozinho – KK, que estava bordado em todas as coisinhas dele, como caminha, coleira e gravatinha. Ele tinha até sapatinhos com essas iniciais, mas acabou comendo um deles, e os joguei fora.

Kaká – para disfarçar, refiro-me a ele assim agora – não é um animalzinho que dê sorte para relacionamentos em geral – nem mesmo aqueles apenas profissionais –, pois, semanas depois que o adotei e o nomeei, doutor Kostas e eu tivemos uma briga por conta da fazenda Paraíso no Pantanal e, desde então, nunca mais nos entendemos em nada.

Quis me livrar do bichinho? De jeito nenhum! O irracional era aquele Bostas arrogante, não meu bebê peludo. É por isso que, quando Kaká apronta, eu o chamo pelo nome completo!

Gargalho ao entrar no banheiro e o colocar no chão. Ele, muito safadinho, vai direto cheirar meu cesto de roupa que fica em um canto.

— Não coma outra calcinha minha, Kaká, senão vou te chamar de Konstantinos de novo!

Amedrontado com essa possibilidade, pois já conhece o som desse nome e sabe que não é coisa boa – viram só como é esperto? –, Kaká se afasta, vai até onde fica seu tapete sanitário e faz seu xixi matinal.

— Bom garoto! Vai ganhar um biscoito extra!

Tomo meu banho com ele sentado à porta do boxe a me olhar como um cão de guarda. Acho fofo isso nele, é tão protetor! Kaká é minha família, cuido dele como se cuidasse realmente de uma criança, embora saiba que são situações muito diferentes. Ele preenche todo o vazio que eu sentia, é companheiro, afasta um pouco a solidão que ficou em mim quando perdi meus pais – com diferença de meses entre um e outro – e por ter perdido a companhia de Malu, mesmo falando com ela todos os dias.

Saio do banheiro com ele em meu encalço, provavelmente entediado com minha demora para alimentá-lo, e coloco um roupão antes de ir para a cozinha. Lavo o cabelo todo dia de manhã, fico irritada com cabelos agarrados na cabeça e, como o meu é oleoso, necessito limpá-lo sempre. Adoro a sensação de limpeza e só me sinto verdadeiramente desse jeito quando meus fios estão cheirosos. É por isso que mantenho minhas madeixas pouco abaixo das orelhas, porque não tenho tempo a perder, preciso de praticidade, e cabelo longo dá trabalho.

Entro na cozinha e suspiro para os raios de sol entrando pelo vidro da porta da sacada do apartamento. Às vezes nem consigo acreditar que tenho um canto para chamar de meu, pois há menos de seis meses dividia um apartamento quarto e sala com mais duas amigas.

Fato é que minha vida mudou muito nesse pequeno espaço de tempo. Acabei comprando este apartamento – mobiliado e decorado – e assumi a gerência do setor de hunters da Karamanlis.

Não foi pouca diferença!

Coloco um café simples para fazer, pois sou viciada no Starbucks e sempre compro algo lá quando desço do metrô, indo para a Karamanlis. Ah, essa foi outra maravilha que aconteceu nesses últimos meses: metrô!

Antes eu pegava duas conduções para chegar ao trabalho; agora, embora precise mudar de linha, faço apenas viagens rápidas de metrô, desço em uma estação e ando alguns metros até a empresa. Perfeito, barato e muito mais confortável.

Além de tudo isso – abro a porta da sacada –, ainda moro em um bairro muito gostoso de se viver, a Vila Mariana.

Vou até um pequeno armário baixo que instalei perto do sofá de madeira que Malu já tinha na sacada e pego a ração e dois biscoitos para o Kaká. Ele, vendo o alimento, começa a pular e latir. Peço para ficar quieto, pois está cedo, mal amanheceu.

Enquanto ele se farta, escolho uma roupa para o dia de hoje, animada para a apresentação de um projeto incrível que minha equipe conseguiu montar com mais dois setores da Karamanlis, o de arquitetura e o jurídico. Todos se esforçaram muito, desde a escolha do terreno à do projeto e à obtenção das licenças e documentações para as intervenções no local.

Nosso cliente ficará muito satisfeito, e meu chefe – aquele gostoso do Theodoros Karamanlis –, orgulhoso de ter me dado uma chance de assumir a gerência.

Tenho certeza de que o trabalho foi bem executado!

Meu celular avisa que já são 6h30 da manhã, e eu fico parada olhando-o, tentada a conversar, mesmo sabendo que não tenho tempo para isso. Dou de ombros, sorrio e mando mensagem.

Como a resposta não vem, continuo a escolher a roupa, seco e penteio meus cabelos, desejando dar uma iluminada na cor dele, aplico uma leve maquiagem e visto a roupa especial para um dia especial.

Através do reflexo no espelho, vejo Kaká em cima da cama trepando com uma das minhas almofadas.

— Larga de ser safado, Konstantinos! — ralho com ele, que sai de cima da pobre almofada em forma de lhama.

Mais uma vez verifico o celular, escrevo mais uma mensagem e espero, tomando meu café lentamente.

A campainha toca; abro a porta para saudar minha vizinha, que, além de ter se tornado uma grande amiga, leva Kaká para passear e faz companhia a ele enquanto estou fora, pois trabalha em casa.

— Verinha, bom dia! — cumprimento-a, e Kaká praticamente pula em seu colo. — Esse danadinho está muito fogoso hoje; cuidado com suas almofadas.

Ela, como uma boa nordestina que não tem um pingo de vergonha de seu sotaque e suas gírias, logo solta:

— Oxe, bichinho, tais atacado, é? — Kaká lambe-a em resposta. — Vamos gastar essa energia! — Ela faz sinal positivo quando eu aponto para o café, então encho uma xícara para ela enquanto põe o cãozinho no chão. — Vou fazer feira agora cedo e aproveito para andar com ele um pouco. Rapariga, tais bonita! Vais deixar aqueles executivos metidos a besta tudo doido por você.

— Que nada, Verinha! Quero é que eles fiquem doidos com o nosso projeto, isso sim!

Meu celular apita de novo, e eu engulo o resto do café, escovo os dentes e ponho a bolsa apressada no ombro.

— Vou cuidar das plantas lá da sacada hoje, estão murchinhas e tristes.

— Porque são melindrosas! — Dou de ombros, abaixo-me e beijo o Kaká. — Dou água, carinho e conversa todos os dias. — Dou um beijo na bochecha rechonchuda de Vera Lúcia. — Você é meu anjo, obrigada!

— Que Jesus lhe abençoe, rapariga.

E, como sempre, ganho um tapa na bunda em cumprimento.

Saio do apartamento rindo e encontro meu outro vizinho, Vinícius, esperando o elevador.

— Bom dia! — cumprimento-o. — Carlinhos vem nesse final de semana?

O rosto dele se ilumina.

— Vem, sim, e não fala em outra coisa que não do seu cachorro.

— Ah, que bom! Deixe-o dar um pulinho lá em casa, então, para brincar com o Kaká.

— Deixo, sim. Vou aproveitar e te levar uns petiscos se aceitar beber algo comigo. — Seu sorriso aumenta, e eu retribuo.

— Claro que sim! Você leva os “comes,” e eu entro com os “bebes”, combinado?

O elevador chega, e entramos juntos.

Vinícius é um homem entre os trinta e quarenta anos, recém-divorciado e totalmente louco pelo filho, Carlinhos, de quatro anos de idade. O menino é uma graça, e Kaká ficou louco por ele. Desde o primeiro dia em que nos conhecemos, durante minha mudança, Vinícius joga charme para cima de mim – o que é lisonjeador, porque ele é bonitão –, mas ainda não senti nenhuma atração para que haja algum entendimento entre nós.

Despeço-me dele quando o elevador para no térreo, onde eu desço, e ele segue para a garagem no subsolo.

Sinto o celular vibrar no bolso e o pego correndo, ansiando para ler a resposta ao que mandei, porém, é Malu me dando bom dia. Respondo a ela, mando uma gif engraçada que recebi em um grupo e guardo o aparelho de novo.

Ele deve ter ido para a academia e não viu a mensagem!, consolo-me a caminho da estação.

Não sei quando passei a considerá-lo como amigo, mas a verdade é que sinto falta dele quando não interagimos. Portnoy já faz parte do meu dia, influenciou minha leitura, meu gosto musical e comida. Gosto da interação sexual que temos, por mais estranha que seja, pois nunca o vi e nem sei quem é, mas o que tem feito com que eu mantenha a conta no app não são nossos escritos somente, e sim a amizade que nasceu e está crescendo à nossa revelia.

Não estava planejado que isso acontecesse, pelo menos não para mim. Entrei no Fantasy por pura curiosidade, desinteressei-me logo no primeiro dia, mas me esqueci de cancelar a renovação automática e acabei pagando mais um mês. Quando entrei para cancelar minha conta, achei a mensagem dele, respondi e, desde então, nunca mais pensei em cancelar.

Tem sido bom para mim esse contato, inclusive minha terapeuta se surpreendeu e deu a maior força para que continuasse, desde que nesses mesmos termos: sem fotos, sem nomes e sem encontros reais, pelo menos até que eu esteja preparada.

Começou com uma brincadeira, eu apenas estava “tirando onda” com a cara dele. No entanto, o homem escreve tão bem, é tão real em suas cenas, suas descrições, que isso acabou me envolvendo, deixando-me curiosa, e acabei me soltando.

Demorei uns três “encontros” para realmente estar nua – nas outras, disse que estava, porém, usava pijama de flanela e meias, ria muito imaginando-o tocando punheta como um tarado enquanto eu comia Doritos na cama ou brincava de jogar a bolinha para o Kaká.

Todavia, quando me permiti fazer de verdade... ah! Foi delicioso e totalmente viciante. Nós nos conectamos de alguma forma. Tenho confiado cada vez mais nele e estou buscando coragem para lhe dizer que quero conhecê-lo de verdade, em um lugar público e seguro, claro.

Entro na estação e respiro fundo, recitando pela primeira vez minha frase da sorte.

Seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!


Millos liga a moto pela segunda vez, e eu tampo os ouvidos por causa do alto barulho do ronco do motor reverberando no amplo espaço do galpão que ele chama de casa.

— Susanna está tinindo! — Ele beija o tanque de combustível da moto. — Estamos prontos para cair na estrada!

Entrego sua caneca de cerveja e bebo mais um gole da minha, reconhecendo que ele conseguiu se esmerar, a bebida está deliciosa! Saímos da empresa, e ele me convidou para jantar em sua casa, e, como eu não tinha nada para fazer, aceitei, desde que fosse eu a cozinhar.

Não entendam mal, ele cozinha bem, mas só faz coisas rústicas, pesadas, geralmente fritas, não tem nenhuma finesse para comida. Passamos em um açougue de carnes especiais, comprei uma bela picanha invertida e a coloquei no forno em uma cama de sal grosso.

Millos preparou o arroz e um molho enquanto eu dedilhava sua guitarra de colecionador, conferindo o som ao tocar “Pretending” do Eric Clapton. Particularmente não tenho um instrumento preferido, como Millos e suas guitarras. Desde muito novo, aprendi a tocar piano, depois, por insistência de Gordon Abbot, meu avô materno – que o diabo o tenha em glória –, aprendi a tocar violino. Odiava como a morte, até que descobri o violoncelo e, por fim, o contrabaixo. A guitarra veio mais tarde, já morando nos EUA e estudando em Berckley.

Se alguém me perguntar o que prefiro tocar, respondo de pronto: punheta. Contudo, se for instrumento musical, com certeza é o baixo. Sempre fui fã de Gene Simmons, o baixista front man do Kiss; John Paul Jones do Led Zeppelin; e meu conterrâneo John Entwistle do The Who.

Embora seja fã dos guitarristas, meu primo e eu temos gosto musical muito parecido, mesmo que ele se aprofunde no submundo do rock hardcore e eu prefira o próximo ao “blues”. Nós dois não cantamos, gostamos mais das melodias que das letras. Millos toca instrumentos de percussão, e por várias vezes o ouvi seguindo a música que eu tocava batendo a colher sobre a tampa da panela.

— Quando você vai comprar uma moto para fazer uma rota comigo? — ele pergunta, e eu faço careta. — Bando de folgados!

— Alex pilota; convide-o.

Millos ri.

— Alexios não pilota, não sabe degustar uma máquina, o negócio dele é tentar quebrar o pescoço a todo custo! — Franzo a testa, e ele bufa. — Estou sentindo o cheiro da carne; se não estiver pronta, vou fritar batata. Meu estômago está roendo o esôfago.

— Mesmo depois de quase dois litros de cerveja artesanal? — provoco-o.

— Cerveja não me enche, isso é desculpa de fracote. — Ri. — Sério, Kostas, tente se comportar no baile do Frank, cara.

Rio por ele ter voltado ao assunto que discutimos no carro.

— Não vou fazer nada fora do meu normal...

— Puta que pariu, vai deixar o carcamano louco se aparecer por lá com uma puta seminua. — Dou de ombros quando o elevador de carga para, e entramos em sua “casa”. — Você interfere diretamente na imagem da Karamanlis, então...

— Millos, para de tentar coar mosca depois de já ter engolido sapos! Se o nome da Karamanlis depender de seus herdeiros, está mais sujo que pau de galinheiro! Olhe para nós! — Meu primo desvia o olhar. — Há trinta anos o diretor era um bêbado viciado em sexo e drogas. — Ri em deboche. — Há quase 10, o novo diretor é um filho da puta que teve coragem de...

— Kostas, não. — Ele me detém. — Esse assunto já está encerrado.

— Para quem? Só para o desgraçado do Theo, porque para mim não está, nem para o Alex e muito menos para a Kyra! — Sinto meu sangue ferver. — Não foi só o que ele fez, foi o que isso nos causou.

— Eu sei.

Sim, ele sabe!

Respiro fundo e lembro que Millos é o único que consegue ter bom relacionamento com todos nós, conhece nossas histórias, sabe bem das nossas feridas. Muitos anos se passaram, mas elas ainda estão aqui, abertas, sangrando, putrefatas, fedidas.

Eu sei o que passei depois do que o Theodoros fez, sei muita coisa do que Alexios teve que suportar, mas não tenho ideia do que aconteceu com Kyra. Tivemos uma infância e adolescência de merda e estamos condenados a ter um resto de existência tão fodida quanto.

— Não me peça para fingir que somos pessoas normais em uma família normal — comento antes de tirar a picanha do forno. — Nenhum Karamanlis é, muito menos os filhos de Nikkós.

Millos ri sarcástico, e eu sei que pensa em si mesmo e em seus pais. Tenho apenas informações incompletas sobre o que aconteceu com ele e o motivo pelo qual nosso avô o tirou de casa, mas, conhecendo nosso histórico familiar, tenho certeza de que foi algo bem pesado.

Começo a fatiar a carne, e Millos coloca sua playlist para tocar, ecoando o som pesado de Pearl Jam por todo o local. O assunto está encerrado.

Somos amigos, mas temos nossos pontos obscuros, limites sensíveis e sabemos que não devemos avançar para dentro deles. Ele nunca poderá saber a dimensão daquilo por que eu passei, assim como eu nunca poderei imaginar o que ele viveu.

Yellow Ledbetter começa a tocar, e eu particularmente gosto muito dessa música. Cantarolo baixinho enquanto fatio a peça de carne, ouvindo Millos seguindo a música com sua guitarra.

Foi bom ter vindo para cá passar esses momentos com ele e conhecer seus planos de viagem. Olho para meu primo compenetrado e agradeço à boa sorte por tê-lo tirado do caminho neste período; não gostaria que Millos estivesse aqui enquanto cavo a cova do CEO da Karamanlis.

Abro um sorriso de satisfação ao pensar em Theodoros e sua arrogância. Meu irmão acha que pode fazer o que quiser, jogar com a vida das pessoas sem lhes causar nenhum ressentimento, e, o melhor de tudo, descobri que essa mesma prepotência o deixa cego para certas situações, então, nada mais justo que me aproveitar de seus próprios defeitos para fazê-lo cair.

A música acaba no exato momento em que termino de cortar a picanha, e coloco o prato com as fatias de carne no balcão de madeira que Millos usa como mesa.

— O cheiro está bom! — meu primo elogia, sentando-se em uma banqueta, servindo-se de mais uma caneca de cerveja. — Como foi com a Wilka Reinol?

Quase engasgo com a pergunta e o olho puto.

— Esse assunto indigesto justo agora?

— Kostas, em algumas semanas estarei de férias, e quero poder gozar esse tempo sem nenhuma questão ainda por solucionar.

Dou de ombros.

— Não chegamos a lugar nenhum ainda.

A verdade é que chegamos, sim! A esquentadinha me mandou tomar no cu, e eu a mandei para a puta que pariu. Claro que não falamos essas coisas assim, diretamente na cara um do outro, mas, se me pedissem uma síntese da nossa conversa anteontem, encaixar-se-ia perfeitamente.

Tive que pedir o endereço dela no RH, dirigi na hora do almoço – e quem mora em São Paulo sabe que é umas das piores horas para se pegar trânsito – até a Vila Mariana, engoli meu orgulho e me identifiquei para o porteiro.

Nunca teria ido atrás dela por vontade própria, mas não estava disposto a perder o apoio e amizade de Millos por causa de uma rusga com uma funcionária. Se fosse Theo quem tivesse pedido, eu o mandaria se foder, mas eles agiram direito e me acertaram no calcanhar de Aquiles ao ser Millos a conversar comigo sobre a “importância” da pequena abusada na empresa.

— Doutor, sinto muito, mas dona Kika não permitiu sua subida.

Bufei de raiva, sentindo meus pés coçarem de vontade de virar as costas para toda aquela baboseira e voltar para o carro. No entanto, mais do que minha impaciência por estar ali, aquela mulher despertou a raiva por eu ter sido dispensado sem nem ao menos ter falado nada.

Quem ela pensa que é?, pensei indignado.

— Teria como eu falar com ela pelo interfone?

O porteiro ficou um tempo sem saber o que fazer até, talvez por ter se sentido pressionado, abrir o portão e permitir minha entrada em sua cabine, onde me estendeu um telefone.

— Oi, Joca, aquele mala ainda está aí?

Dei uma risada sarcástica ao telefone.

— Aquele mala é quem está falando com você.

— Porra! — Bateu o interfone na minha cara, mas, antes que eu devolvesse o aparelho ao porteiro, ela voltou falar: — O que você quer aqui afinal? Sabia que posso enquadrar isso como assédio e perseguição?

— Pode ficar tranquila, que você seria a última mulher no mundo que eu iria assediar ou perseguir, pelo menos não com intenção de sexo — falei rudemente com ela. — Vim aqui para termos uma conversa civilizada como dois adultos, mas, já que a nervosinha vai me fazer conversar pelo interfone, foda-se! Vim dar meu recado e não vou sair daqui até cumprir minha missão.

— Poderia muito bem ter economizado nosso tempo se, ao invés de fazer esse discursinho de merda, tivesse dito logo para que veio aqui perturbar minha paz!

Eu já tinha ensaiado um discurso bonitinho sobre não deixar nossas questões afetarem a Karamanlis, que, mesmo não nos suportando, deveríamos unir esforços em prol da empresa e blá-blá-blá, mas, sinceramente? Nunca fui a porra de um falso e não iria começar naquele dia.

— Querem você de volta ao trabalho — decidi ser direto.

— Querem? — Ela riu. — Você, pelo visto, não está incluído nisso.

Bufei de raiva, apertei o fone e dei a resposta que ela merecia:

— Você é petulante, boca suja, insubordinada; por que eu deveria querê-la de volta? Aposto que encontro, em uma hora de anúncio, um currículo tão bom ou melhor que o seu.

Wilka Maria riu de novo.

— É assim que você é em um tribunal? Admiro que ainda ganhe alguma ação! — Ela respirou fundo e disparou. — Não.

Perdi a paciência.

— Não vou oferecer de novo, essa é sua última chance.

— Foda-se!

Em seguida ao xingamento, a comunicação foi cortada.

O porteiro parecia ter visto um fantasma, estava branco como cera de vela e com os olhos esbugalhados como se fossem se atirar das órbitas. Admito que nosso tom foi exaltado, gritamos um com o outro no interfone, e, sim, eu deveria ter tido mais bom senso e paciência para conseguir convencê-la.

Acontece que aquela pequena marrenta me tira do sério, e são poucas as pessoas que possuem esse poder de me levar ao limite da irritação. Geralmente eu envio olhares condescendentes, risadas cheias de ironia e uma expressão debochada aos meus interlocutores, mas não para ela.

Millos já mudou de assunto enquanto eu relembrava a conversa com a gerente irritadinha. Ele conta detalhes da rota que irá fazer a partir do ano novo, e eu finjo interesse, mesmo que minha cabeça só pense em como fazer para convencer Wilka Maria a voltar para a empresa antes da viagem dele.

 

 

Depois que cheguei da visita ao Millos, tomei um longo banho, vesti a calça do pijama e me estiquei no sofá procurando qualquer programa de esportes que pudesse encontrar. Servi-me de uma dose de bourbon, acendi meu cigarro – não fumei na casa do meu primo porque ele deixou o fumo há algum tempo – e fiquei trocando os canais da TV.

A verdade é que eu deveria ter saído do banho e deitado na cama, mas estava à espera de Caprica para uma gozada antes de dormir.

Minha “companheira” virtual andava sumida, havia três dias não me mandava mensagem, nem mesmo respondera às últimas que mandei do terraço da Karamanlis antes de ser atacado pela doida dos hunters.

Nunca imaginei que estava tão acostumado às nossas conversas, mas admito que estou. O anonimato me permitiu ficar mais solto, deixar um pouco minhas defesas de lado. Naquele chat eu sou qualquer homem que ela imaginar, sou instrumento do seu prazer e das suas fantasias, não há expectativas ou mesmo cobranças, e isso é libertador.

Eu não conseguiria manter tanto tempo de conversa com ela – já vai completar um ano – se fosse diferente disso. Não mantenho relacionamentos, apenas faço sexo quando a vontade bate. Quando isso acontece, contrato prostitutas, a melhor forma de se obter o que se quer sem nenhum tipo de vínculo e de forma sincera. Eu sei o que posso esperar delas – a melhor desenvoltura possível para uma trepada prazerosa –, e elas, de mim – o dinheiro no final do ato.

Simples e prático.

Não há jogos de sedução, meias-verdades, máscaras. Todas as cartas estão em cima da mesa, sem surpresas ou reviravoltas. Eu percebi que, em geral, um relacionamento começa como um baile de máscaras: cada um usa a que lhe convém, a que o deixa mais misterioso, mais sexy, mais atraente. De acordo com o avanço do baile, a convivência e a intimidade aumentam, bate o cansaço, e as máscaras vão sendo baixadas, as verdadeiras identidades vão sendo reveladas. Os interesses, os defeitos, tudo vem à tona e acaba com a magia que, até então, pairava sobre os casais. Como as horas já se avançaram, as últimas músicas já estão tocando, bate uma certa resignação e preguiça de achar um par melhor, então vem o conformismo, a frustração e intensa vontade de ter outro baile para voltar a sentir a magia, com outro parceiro, é claro.

Não tenho paciência alguma para esse tipo de jogo.

O telefone apita, tirando-me de minhas divagações. Solto o controle-remoto e pego o aparelho, abrindo um sorriso ao ver que foi o aplicativo de sexo que notificou e abro diretamente no chat em que encontro a Caprica fujona.


“Boa noite, Punheteiro! Disponível?”


Subo para meu quarto, abro o armário onde guardei o ovo que ela me fez comprar – adquiri outros modelos também para testar, mas ela não precisa saber disso – e me deito na cama.


“Para foder? Sempre. Me passa o endereço, que te mostro minha disponibilidade.”


Espero a piadinha em resposta à minha provocação enquanto puxo meu pau para fora do short pela abertura frontal e começo a alisá-lo com olhos fechados, quase podendo senti-la aqui comigo, mesmo não fazendo ideia de como é seu rosto.


“Hoje não. Desculpa, eu não estou em uma boa fase. Só pensei em vir aqui conversar um pouco. Podemos?”


Ah, porra!, xingo-a mentalmente, o pau doendo na mão de tão duro, ovinhos novos prontos para serem desvirginados, e ela quer só conversar? Desde quando esse caralho virou chat de desabafo? Rosno de raiva, soltando meu pênis e pensando em fazer uma reclamação aos criadores do aplicativo, denunciar o perfil dela e sair dessa porra.

Claro, não o faço, não tenho como encontrá-la a não ser aqui. Vamos conversar, então!


“Conversar... okay, let’s do it!”


A fujona sempre manda risadinhas quando escrevo em inglês e, em uma das vezes em que trocávamos sacanagens, ela se animou, e fizemos sexo virtual na minha língua materna, o que demonstrou que ela domina muito bem o idioma, fazendo o sexo ficar ainda mais louco, pois eu me sentia em um filme pornô com os “yeah, yeah, fuck my ass” que ela escrevia.


“Na verdade, eu preciso de sua ajuda. Rs.”


Puta que pariu! A coisa fica cada vez pior. Fico tenso só ao pensar no que ela pode querer de mim. Será que descobriu quem sou? Não é possível!

Ela manda outra mensagem:


“Não é dinheiro, não se preocupe. Preciso do conselho de um profissional mais experiente que eu, e, como você disse que é um CEO, pensei que seria a pessoa ideal a me aconselhar.”


Rio ao ler isso e balanço a cabeça. É, eu posso ter exagerado meu cargo um pouquinho, porém, como espero que isso um dia aconteça, não me sinto mal com essa pequena mentira.


“Se estiver ao meu alcance ajudar você...”


Ela volta a digitar e demora um tempão, o que me prepara para um texto enorme. Desço para a sala novamente, resgato meu bourbon, acendo outro cigarro e espero que ela termine de digitar sua história para, no fim dela, ter uma pergunta idiota ou retórica. Geralmente quem pede conselho só quer que a outra pessoa confirme aquilo que ela decidiu fazer, mas é muito covarde para assumir a responsabilidade sozinha.


“Eu tenho um bom cargo na empresa onde trabalho, boa remuneração, bons contatos e gosto muito de trabalhar lá. Acontece que um dos donos é um idiota e, por causa da babaquice dele, saí do emprego.”


Ah, merda, ela foi demitida e vai me pedir emprego! Franzo o cenho, esperando o: “eu sei que você é um Karamanlis, então não teria uma vaguinha na sua empresa?”. Internamente torço para estar errado, porque isso acabará com a “fantasia” que criamos aqui, e eu terei de colocá-la junto às pessoas reais do mundo real, ou seja, mais uma interesseira.


“Sou boa no que faço, Portnoy. Não, não sou boa, sou ótima! E eles sabem disso e me querem de volta.”


Aliviado, volto a sorrir, satisfeito por manter minha fantasia intacta.


“Acho mesmo que estão desesperados, para terem feito o que fizeram. Rs. Enfim, mal saí de lá e já fui sondada por duas outras empresas, inclusive uma concorrente direta.”


Acho isso bom e sinto até um certo orgulho da cabrita fujona. Gosto de profissionais seguros, que reconhecem seu valor. Eu mesmo sou assim, não fico com falsa modéstia. Admitir isso é bom e sincero da parte dela.


“Acontece que eu amo aquele lugar, sabe? Estou sentindo falta de tudo por lá, é como se meus colegas fossem minha família. Quero voltar, mas sei que os problemas que me fizeram sair continuarão, enquanto, em outra empresa, posso começar tudo do zero e não ter uma pedra no meu sapato. O que você me aconselha?”


Penso por um momento, percebendo que ela me pediu para pensar como CEO, e isso é a última coisa de que ela precisa. O conselho que é o mais eficaz para ela nesse momento é o de um advogado, e isso, porra, eu sou, e dos bons para caralho!


“Negocie. Primeiro, esqueça essa porra de ‘eu amo aquele lugar, é como se fosse família’. Isso é balela de empresa para fingir que se importa com você. Acha que, se você não fosse boa funcionária, estariam considerando seus sentimentos? Porra nenhuma! Funcionário é família enquanto ele está sendo útil e gerando lucro. Vá duro contra eles, exija, antes de tudo, um aumento, um bônus, gratificação, o que seja, não volte nos mesmos termos, isso não te valoriza. Se te querem de volta, façam demonstrar com o que realmente importa para eles: grana. Depois peça algo que te deixe trabalhar confortável e, claro, não esqueça de pedir algo relacionado ao outro sócio para que ele entenda que você tem prestígio e que voltou porque precisam de você, não o contrário.”


Ela fica sem reação alguma depois que mando o texto, não digita nada, mas continua online. Deve estar processando tudo o que lhe aconselhei a fazer. Se realmente a empresa precisa dos serviços dela, vai acatar tudo; se não, ela terá que escolher entre as outras empresas que a sondaram.

Há uns meses, quando falamos sobre nossas profissões, Caprica me confidenciou que era formada em administração de empresas, e eu não achei grande coisa. No entanto, tenho sido testemunha – por meio das mensagens que trocamos – de que ela é uma funcionária exemplar, sempre chegando cedo – ela me manda “bom dia” sempre enquanto se arruma para trabalhar – e voltando para casa tarde da noite.

Algumas vezes eu a chamei para transarmos, e ela estava ocupada com trabalho que havia levado para casa. Então, sim, acho mesmo que ela seja ótima no que faz e que, se seus patrões forem inteligentes, a recontratarão.

Posso estar sendo condescendente com ela apenas porque sou louco para fodê-la sem parar, afinal nem gosto muito de trabalhar com mulher, acho complicadas todas aquelas coisas do politicamente correto, ficar vigiando o que eu posso ou não falar, com medo de esbarrar em alguma e logo tomar um processo por assédio, e ainda tem a questão da TPM, cólicas, filhos. Contudo, ainda receoso com isso, tenho duas em minhas equipes e reconheço outras, como minha irmã, que levantou sozinha uma empresa, e minha própria mãe, que abandonou tudo – inclusive a mim – em prol de sua carreira.

Porra! Faça tudo, Kostas, menos pensar na merda do seu passado!


“Você é um gênio!”


Gargalho ao ler a mensagem, afinal, ela não está me contando nenhuma novidade.


“Amanhã ligarei para eles e...”


Decido interrompê-la antes que faça merda.


“Não, não procure. Eles não estão desesperados? Vão atrás de você de novo. Seja firme quando falar com eles, se imponha.”


“Ah, Punheteiro, obrigada por isso. Eu te daria um beijo na boca depois desse conselho!”


Abro um sorriso safado e olho meu pau já acordando de novo.


“Faça-me gozar agora, será uma ótima recompensa, já que sei que vai fugir mais uma vez de um encontro real comigo.”


“Como você quer gozar hoje?”


Quase posso ouvir sua voz sexy perguntando-me isso.


“Na sua boca enquanto você me chupa. Quero que engula minha porra até não sobrar nenhuma só gota. Gosta disso, não gosta?”


“Adoro!”


Ela começa a digitar sem parar, montando a descrição de como vai me tocar, me lamber e me chupar. Seguro meu pau em expectativa, lamentando ter deixado os ovos na cama, mas sem nenhuma vontade de subir para buscá-los. Não preciso deles! Concentro-me apenas em ler o que ela me escreve, imaginar sua boca de lábios carnudos, atrevidos e macios, seu corpo pequeno, de curvas generosas, pele morena e...

Arregalo os olhos pouco antes de gozar, mas o orgasmo não permite que eu reprima as imagens.

Mas que porra aconteceu comigo?!

Pela primeira vez minha Caprica fujona teve um rosto conhecido e, pasmem, era o de alguém por quem eu nunca poderia sequer imaginar sentir tesão dessa forma, mas aconteceu.

Enquanto explodo porra em minha própria barriga, o sorriso atrevido de Wilka Maria me persegue.


Caçar é algo que meus ancestrais faziam bem. Os ingleses eram famosos por suas festas e reuniões de caçadas, principalmente entre a nobreza e os mais abastados, como era o caso dos Abbots. A família de minha mãe possuía terras e mais terras a perder de vista no interior da Inglaterra, e, dentro do mausoléu onde passei parte da infância, havia quadros e fotos dos eventos de caça que eles promoviam.

Rio de mim mesmo, pensando que talvez vocês estejam achando que eu não estou falando coisa com coisa, não é? Totalmente non sense! Não estou, apenas divago, aqui sentado em minha poltrona de couro, sobre a armadilha que estou preparando para derrubar Theodoros.

Eu estava certo o tempo todo ao pensar que ele era o pior tipo de arrogante deste mundo, aquele que só enxerga o próprio umbigo e esquece de olhar a retaguarda.

É aí que eu enxerguei uma possibilidade, comecei a trabalhar nela e, embora ainda resistente, sinto que, depois da noite de ano novo, o caminho começará a ser aberto para mim.

Saio da poltrona e caminho até o vidro que separa minha sala do grande salão onde trabalham as equipes de advogados. Como a Justiça ainda não voltou do recesso, o clima anda lento, mesmo com outros afazeres, pois os prazos estão suspensos.

A verdade é que todos ficam cansados da rotina do final do ano. Eu mesmo me sinto assim, afinal, até a Justiça paralisar, tivemos uma enxurrada de prazos a cumprir, além do trabalho interno da Karamanlis e a prestação de contas que o Conselho exige todo ano.

Para piorar, tivemos uma festa de final de ano na empresa – muito mixuruca, diga-se de passagem – e, por isso, perdemos um dia de trabalho em um período já com poucos.

Penso na festa, tão diferente da organizada por Kyra no ano anterior. Não sei o motivo pelo qual Theodoros decidiu fazer a comemoração no refeitório e no terraço da empresa. O lugar ficou cheio, a comida estava boa, mas bem mais simples do que a do bufê da Kyra, e a música... tudo bem que não tive que suportar o jazz imposto pelo Theo, mas ficar ouvindo sertanejo, pagode e funk em conjunto com rock, MPB e baladas românticas foi de doer.

Eu entendi que eles quiseram deixar a festa mais “popular” e diversificada, mas não vou fingir que gostei. Assim que fizeram os sorteios – nós somos obrigados a entregar alguns dos prêmios –, fui embora.

À noite fui para uma balada a que gosto de ir de vez em quando, encontrei alguns conhecidos, fumei, bebi, fui ostensivamente cantado pelo sexo empoderado, mas ainda me sentia tão entediado que nem a mais gostosa da noite me atraiu.

Entendam bem, eu não transo com mulheres que conheci na balada, mas isso não quer dizer que não note uma ou outra. Como já expliquei, evito ao máximo que uma foda possa evoluir para algo mais, por isso me alivio com profissionais do sexo. Não quero passar a imagem errada ficando com uma mulher que ache que eu deva ligar para ela no dia seguinte.

Eu sou sincero com relação ao que quero, mas nem sempre as pessoas estão prontas para lidar com essa sinceridade. Já aconteceu, principalmente quando morava nos Estados Unidos, de eu sair com uma mulher que dizia querer só uma foda satisfatória, mas que depois ficou de melindre e ainda disse que eu a usei.

Porra! Não tem isso de usar alguém!

Se as cartas já estavam na mesa, não houve nenhuma tentativa de ilusão, era a verdade nua e crua, como é possível sentir-se usada? Não gozou comigo? Não lhe dei o prazer que tínhamos acordado de sentir juntos? Então por que sentir-se um objeto? Pensando assim, eu também não o fui?

Ora bolas, direitos iguais!

Apanhei muito, real e figurativamente falando, até perceber que só quem entende essa dinâmica são as profissionais do sexo. Relutei um pouco no começo, mas depois, quando consegui um contato confiável e que me atendia em todos os quesitos que me impus a exigir para minha segurança, relaxei.

O Fantasy – o app de sexo – parecia ser a solução para meus dilemas, um local onde as mulheres entendiam as regras do jogo e estavam ali porque queriam um parceiro que também entendesse. Ali eu me senti igual, sem essa conversa de estar “usando” alguém; todos tínhamos um só propósito: prazer.

Infelizmente conheci a Cabritinha fujona e perdi o interesse em outros encontros, voltando a fazer a economia girar ao dar trabalho para as prostitutas.

Quando o Natal chegou, recebi um convite da Kyra para uma confraternização no showroom de sua empresa, o que me surpreendeu. Minha irmã caçula e eu não somos amigos, mas também não nos odiamos. Há um certo constrangimento entre mim e ela, principalmente porque sei que ela viu e se lembra muito do que passei nas mãos de Nikkós.

Acabei indo até a festa dela e encontrei Alex e Millos por lá. Cumprimentei meu irmão mais novo com um aceno de cabeça e fui até onde Millos estava, conversando com uma linda morena e tomando cerveja.

— Boa noite! — cumprimentei-os. — Que surpresa esse acontecimento aqui. Não me diga que minha irmãzinha decidiu promover a paz mundial? — Olhei em volta. — Juro que, se eu vir Theodoros por aqui, vou começar a acreditar em Papai Noel.

— Não, ele não está! — Millos respondeu seco. — E você só foi convidado porque ela precisava de mais um homem à mesa.

Pus a mão no peito e fingi que essa verdade quebrava meu coração.

— Desculpe a indelicadeza do meu primo — Millos se justificou com a bela morena. — Ele é um caso perdido; mesmo tendo nascido na Inglaterra, nunca conseguiu ser um gentleman.

— Tudo bem. — Ela deu um sorriso que me fez achá-la ainda mais interessante. — Foi um prazer revê-lo, Millos. Preciso ir. — Olhou para mim e apenas fez um gesto de cabeça.

— Foi um prazer, Helena! Boas festas.

Acompanhei com o olhar a linda mulher enquanto ela se despedia de Kyra e ia na direção de um homem que eu sabia que conhecia de algum lugar.

— Ela é maravilhosa! — Millos registrou. — Já falou com sua irmã?

— Ainda não, pensei em vir até aqui e tentar descobrir o há por trás desse convite. — Millos ergueu uma sobrancelha. — O quê? Isso nunca aconteceu antes! Os filhos de Nikkós celebrando juntos o Natal?

— Não é só o Natal, idiota! — Ele perdeu a calma por um momento, mas depois respirou fundo e voltou a falar com a serenidade de um monge. — Ela está comemorando o crescimento da empresa, fez sua primeira expansão.

Arregalei os olhos.

— Já? — Voltei a olhar para ela, linda e sorridente ao lado de Alexios. — Ao que parece, minha irmãzinha tem o tino dos Karamanlis para os negócios.

— Ela tem, então, lembre-se de fingir que se importa com os outros e a cumprimente por esse feito.

Tentei fazer o que ele me pediu, mas não consegui. Aquela estranheza entre mim e ela ainda permanecia, e o máximo que consegui foi desejar feliz Natal a ela de longe.

Desde que saí de Londres e vim morar no Brasil, não me lembro de ter uma ceia tão suntuosa como a que ela fez. Gordon Abbot era anglicano, então todo ano fazia uma ceia recheada para mostrar aos amigos o quanto ele era rico e para fingir que era um ser humano de verdade, não o monstro de frieza e desprezo que eu conhecia.

Nikkós achava o Natal uma futilidade, mas, enquanto Sabrina morou conosco, tivemos uma árvore, presentes e ceia. Depois disso...

Droga!

Sem querer me desviar para as lembranças do meu passado, volto a pensar no final do ano.

O trabalho na semana entre Natal e Ano Novo foi uma perda de tempo. As equipes estavam dispersas demais, estavam com três advogados de férias, e ainda comecei a receber trabalhos do setor do Millos, pois ele iria se ausentar a partir do Ano Novo.

Jantei com meu primo no dia 28 de dezembro em um restaurante novo que ele insistiu para eu conhecer e, durante o jantar, troquei algumas mensagens com a Caprica.

— Ainda conversando com a mulher das belas pernas? — Millos me questionou.

— Ainda — respondi seco, sem encará-lo, cortando uma boa fatia do magret de carnard5 que pedi.

Não sei o motivo pelo qual contei a Millos sobre ela. Acho que foi ainda no começo, quando eu tentava um encontro a todo custo, e ela me enrolava. Estava frustrado e desabafei com meu primo dizendo que ia cancelar a conta, porque o aplicativo era uma farsa.

— Já tem um tempo que vocês estão nessa troca de mensagens — ele continuou o assunto. — Já se encontraram? — Neguei. — Já trocaram fotos ou vídeos?

— Não, porra, ainda nem sei nada sobre ela!

Foi então que o filho da puta começou a rir sem parar.

— Você nem sabe se ela é realmente “ela”! — debochou. — Pode estar falando e tocando punheta para outro macho há quase um ano e...

— Porra, Millos, cala essa boca! Ela é mulher, sim, só deve ser feia, por isso não quer me encontrar! — assim que disse isso, Millos parou de rir e me olhou assombrado.

— Você pensa que ela é feia, mas ainda assim continua a trocar mensagens?

— E daí? Somente você, e por burrice minha, sabe desses encontros virtuais. Ela me diverte, me relaxa, além disso, não temos como saber quem é quem, é perfeito!

— Sim, perfeito... — Millos balançou a cabeça, mas não disse nada.

Eu sei que ele reprova meu comportamento, principalmente em relação às prostitutas, mas, como também é tão fodido quanto eu, não pode me julgar ou falar nada sobre o assunto. Eu tenho minhas defesas, e umas delas é não deixar ninguém se aproximar de mim o suficiente para ver o que tento esconder de todos.

É, sou uma espécie de Dorian Gray6 moderno. As pessoas me veem alto, malhado, bem-vestido e rico e pensam que sou lindo, mas não conhecem minha verdadeira face, a que escondo debaixo de todo o verniz brilhante. Como na obra de Oscar Wild, os demônios do meu verdadeiro eu me perseguem da mesma forma que a feiura do quadro persegue Dorian.

Terminamos de jantar sem entrar em assuntos desconfortáveis, basicamente comentando sobre o balanço anual da Karamanlis e o roteiro da viagem que ele iria começar em poucos dias.

Na véspera de Ano Novo, mandei mensagem desejando boa viagem, e ele aproveitou para reforçar o pedido para que eu agilizasse a questão dos aluguéis dos imóveis no entorno do pub da Vila Madalena.

Mais tarde, ainda nesse mesmo dia, arrumei-me para o chatíssimo baile dos Villazzas. Contratei uma acompanhante e solicitei que estivesse vestida de branco, com um vestido sexy e moderno. Não esperava que viesse uma mulher tão perfeita como a que me mandaram e, por isso, atrasei-me para o baile, pois parei em um motel qualquer para foder um pouco antes de enfrentar a noite maçante.

Baile de caridade! Que coisa mais démodé7!

Tive que render homenagens a Kyra pela decoração fabulosa que havia feito, bem como para o chef francês que assinou o menu da noite. Estava tudo perfeito, mesmo que comer à mesa com Theodoros e sua deslumbrante companhia fosse um tanto indigesto.

Ali estava uma coisa que me chamou atenção. Eu conhecia aquela mulher com ele, já a tinha visto havia poucos dias em companhia de Viviane, a “amiga” de Theodoros, em situação um tanto comprometedora. Acho que ela não me viu por lá, mesmo porque era difícil ver qualquer coisa com a língua de Viviane enfiada em sua garganta, por isso não me reconheceu.

Ela parecia querer agradar meu irmão de qualquer jeito, tocando-o, fazendo carícias em seus cabelos. No entanto, ele a repelia. A reação de Theodoros me deixou muito intrigado. Mesmo que a loira fosse um caso de Viviane, creio que ele não se importaria com isso, pelo contrário.

Minha intuição não estava errada, e bastou Maria Eduarda Hill aparecer no palco do baile para eu perceber a diferença em sua expressão de quando está interessado em alguém. Fiquei tentando me lembrar de onde já tinha ouvido falar dela, até que de repente arregalei os olhos e recordei:

— A dona do boteco! — Comecei a rir sem poder me conter, e Bruninha – ou qualquer que fosse o nome verdadeiro da minha acompanhante – ficou me olhando como se eu fosse maluco. — Ora, ora...

Olhei para a expressão deslumbrada de Theodoros, olhos fixos na mulher como se estivesse comendo-a de verdade.

Muito interessante!

Fiquei mais algum tempo no evento, conversando com alguns conhecidos, encontrei Margareth Dubois, uma advogada carne de pescoço que já tive o prazer de enfrentar em uma audiência – prazer porque, além de linda, é uma mulher inteligentíssima –, e ela me provocou sobre o potro que eu tentara comprar no leilão.

— Onde você iria colocar um cavalo? — questionou rindo, pois sabia que eu morava no prédio de home offices na Paulista.

— Para que eu iria querer a porra de um equino?! — Ri. — Entrei só para dificultar um pouco as coisas para você, já que, na última audiência, dificultou para mim.

— Você é um babaca, doutor Konstantinos! — ela xingou, mas ainda assim vi seu olhar divertido e interessado.

— Nunca disse que não era! — Pisquei para ela.

Margareth se aproximou de mim e disse em meus ouvidos:

— Que tal comemorarmos esse novo ano de forma mais privada?

Sim, meu pau ficou duro na hora, sua voz gostosa em meus ouvidos, a promessa de sexo delicioso. Ela é mais velha que eu, segura do que quer, bem-sucedida, admirável. Tenho absoluta certeza de que comemoraríamos muito bem.

— Eu já tenho companhia! — Apontei para Bruninha, que estava bebendo com uns homens no bar.

A advogada levantou uma sobrancelha.

— Sério? Uma acompanhante?

Dei de ombros.

— Gosto delas, são sinceras. — Bebi meu bourbon antes de continuar: — Vou passar o resto da noite fodendo, depois ela vai pegar o pagamento, virar as costas, e nunca mais vou vê-la de novo.

— Uau! Isso é bem cínico de sua parte. — Ela riu. — Já tinha ouvido falar que Kostas Karamanlis curtia putas, mas nunca entendi bem o motivo, afinal, você conseguiria uma mulher sem ter que pagar para ela gemer seu nome.

Fiquei sério. Minha expressão demonstrava todo o desprezo por essa conversa, acho até que fiz um biquinho debochado.

— Nada é de graça, doutora. Há sempre algum interesse por trás das ações dos seres humanos. — Coloquei o copo em uma das mesas altas colocadas próximas ao bar. — Não se iluda!

Ela deu de ombros sem rir, sem brincar e simplesmente afastou-se de mim.

Já estava pronto para deixar o local da festa, quando vi Theodoros adentrar ao salão como se estivesse sendo perseguido pelo capiroto. Ele procurou alguém por algum tempo, depois foi até o Frank Villazza. Fiquei observando os dois conversarem, o irmão e o cunhado de Frank se afastarem, e então os dois saírem juntos por uma porta lateral.

Um garçom passou por mim e, antes de pegar mais bebida, questionei onde a porta iria dar.

— Cozinha, senhor — respondeu antes de sair.

Abri um sorriso, sabendo o que os dois tinham ido fazer nos bastidores do baile. Peguei meu celular e enviei uma mensagem.


“Seja lá o que você estiver planejando, não vai dar certo. Pergunte à sua namoradinha. Acho que é hora de conversarmos.”


Voltei a colocar o telefone no bolso sem ao menos esperar uma resposta. Senti-me extremamente excitado pela possibilidade de a cena que presenciei ser mais uma pedra para atirar em Theodoros quando o crucificassem.

De repente, uma comoção chama minha atenção no salão dos advogados, e eu paro de me lembrar dos acontecimentos do final do ano, intrigado sobre o motivo pelo qual todos ficaram agitados de repente.

Saio da sala e me encontro com Murilo, o advogado em quem eu mais confio aqui dentro.

— O que houve?

Ele dá de ombros.

— Kika está de volta.

Puta que pariu, mais essa!


Meu coração está disparado como se fosse meu primeiro dia na empresa, minhas mãos suam, sinto como se mil borboletas voassem dentro do meu estômago. Tomo meu frappuccino chocomallow, com zilhões de calorias, sem me importar o mínimo; estou nervosa!

Ah, como eu sinto falta da Malu! Tenho certeza de que nesse momento ela estaria me dando um esporro por eu estar tão emotiva desse jeito... se bem que, a cada vez que nos falamos ao telefone, minha amiga chora emocionada me contando da gravidez e de todos os planos que está traçando com seu peão fake.

Não, Malu não estaria brigando comigo, mas sim me incentivando a continuar dizendo o quanto sou competente, chorando de emoção por eu ter conseguido um belo aumento, mesmo depois de todo o risco que corri ao pedir demissão.

Olho para o alto do prédio, ainda parada feito uma doida na calçada da Avenida Paulista, e leio o nome em aço escovado no terraço onde funciona o refeitório: Karamanlis.

Lembro-me, como se fosse hoje, do primeiro dia em que passei por essas portas; estava trêmula, nervosa e ansiosa por ter sido selecionada para uma entrevista. Estava no último ano de administração de empresas, e o local onde eu fazia estágio faliu e eu fiquei desesperada, com medo de não conseguir as horas para me formar. Foi quando vi uma propaganda do programa de estágio da Karamanlis e me cadastrei na empresa responsável pela triagem.

Eu tremia de nervosismo e expectativa e fiquei tensa ao ver que a sala que tinham separado para a entrevista era enorme e estava apinhada de gente, mesmo depois de termos passado por três seleções na empresa de recursos humanos que eles contratavam para fazer a triagem. Demorei duas horas para entrar e, enquanto isso, devorei o livro de um dos meus escritores favoritos e não senti o tempo passar, viajando com ele através de um mundo arrasado pela guerra.

Na entrevista estavam duas pessoas além do entrevistador, Millos Karamanlis e Malu Ruschel, a gerente de uma das áreas que necessitavam de estagiários. A conversa foi boa, mas nada diferente de outros processos seletivos por que eu já havia passado. O que tornou aquele dia único – e eu acho que garantiu minha escolha – foi a parte prática.

Uma pilha de papel foi colocada em cima da mesa, além de pastas, prendedores e post-it. Pediram para que eu organizasse os papéis de acordo com o que achasse melhor.

— Tem tempo para isso? — perguntei.

— Hoje, não — Malu foi quem respondeu. — Mas, se for trabalhar comigo, tem que unir atenção à agilidade, porém, hoje, como não conhece o trabalho, não vou considerar o tempo.

Assenti e comecei a ler papel por papel, colando post-it neles de cores diversas, separando-os por tema. Fiz cinco blocos com tema diferentes – por causa de detalhes sutis entre um e outro –, mas percebi que só havia três pastas. Peguei os prendedores, coloquei um em cada bloco e depois juntei os assuntos afins de forma macro e consegui reunir três pilhas. Coloquei-as nas pastas e as classifiquei com os temas e subtemas.

Quando entreguei, ninguém falou nada, mas Malu Ruschel estava com um sorriso deslumbrado de quem ama organização, e eu soube que, se não aparecesse alguém melhor do que eu nisso – o que era improvável, porque eu tinha orgulho de ser muito organizada, a ponto de ser chata –, a vaga era minha.

Um ano de estágio que pareceu o inferno!

Malu era seca, obcecada por organização (tanto quanto eu), burocrática e teimosa. Tinham coisas que eu achava que poderiam ser facilitadas e que ela não mudava por pura teimosia. Prestes a acabar o estágio e já próximo da minha formatura, ela me chamou à sua sala e me mandou fechar a porta.

— Quantos anos você tem, Wilka Maria?

Sempre que me chamavam de Wilka, eu corrigia por Kika. Achava Wilka Maria um nome muito forte e muito sério para mim. Eu gostava de ser Kika, leve, despojada, feliz. Entretanto, claro, nunca corrigi minha chefe.

— Vou fazer 24 no final do ano, Malu.

Ah, a ironia do destino! Minha chefe se chamava Maria da Luz, mas não deixava ninguém a chamar assim, apenas de Malu. No começo, eu me referia a ela como senhorita Ruschel, mas depois relaxei e comecei a tratá-la pelo apelido como todos os outros a chamavam e, como ela não me repreendeu – ela sempre repreendia quando eu fazia algo errado –, continuei.

— Entrou tarde na faculdade?

Assenti.

— Eu precisei ficar um tempo afastada dos estudos, por isso ainda não me formei.

Ela assentiu pensativa, mas não perguntou meus motivos. Esse era o jeito dela, não procurava saber profundamente nada com relação à vida pessoal dos seus colegas de trabalho, bem como também não sabíamos nada sobre ela. Eu poderia ter emendado minha história a fim de tentar comovê-la, mas, sinceramente, isso não era algo que eu faria e, muito menos, a convenceria de algo.

Malu era uma pessoa prática, como eu, embora um pouco mais rígida.

— Seu contrato de estágio termina no mês que vem. — Ela olhou algo no computador antes de continuar: — Sabe o que eu fiz para conseguir chegar à gerência de uma empresa desse tamanho? — Neguei, não entendendo aonde ela queria chegar com essa pergunta. — Trabalhei. — Franzi a testa com a resposta óbvia, e ela riu. — Parece besteira, não? Afinal, tudo o que uma pessoa precisa fazer para progredir na vida é trabalhar.

— Acho que sim...

— Mentira, Kika! — foi a primeira vez que ela usou meu apelido, e isso me fez prestar atenção a ela. — Quantas mulheres você vê aqui em altos cargos?

— Não muitas...

— E quantas estavam sentadas nas cadeiras da sua universidade enquanto você estudava?

— A maioria na minha sala era mulher.

— Exatamente! Nós nos qualificamos, corremos atrás, somos boas no que fazemos, mas, na hora de uma promoção ou mesmo na concorrência de uma vaga, nosso sexo pesa.

— Por conta de possíveis gravidezes e...

Ela riu de novo.

— Isso é desculpa! É medo, Kika. Os homens têm medo de mulheres como nós. — Arregalei os olhos quando ela me incluiu na mesma categoria que a dela. — Isso mesmo, Wilka Maria, eu vejo muito de mim mesma em você e sei que você é alguém em quem eu apostaria minha carreira como vai longe.

Não conseguia me mover na cadeira, olhando-a embasbacada. Malu Ruschel fizera minha vida um tormento durante um ano inteiro e estava dizendo que eu era como ela? Eu trabalhei horas a mais todos os dias, aprendi o trabalho de todo mundo do setor, porque ela me infernizava com perguntas, voltei para o curso de inglês – parado havia anos –, porque ela me colocava para falar com seus contatos fora do país. Eu xinguei aquela mulher, chamei-a de mal-amada e mal fodida, principalmente quando me mandava e-mail de madrugada e aos finais de semana com providências a serem tomadas.

— Vilma, minha assistente, vai sair da empresa no final do ano... — ela voltou a falar, e eu parei de respirar em expectativa. — Solicitei ao CEO que você continue comigo e seja efetivada após a conclusão de seu curso, e ele aceitou.

Ninguém nunca vai poder ter ideia do que senti naquele momento! Eu morava em uma república que iria acabar após a formatura. Tinha conseguido vaga com duas outras colegas que já estavam empregadas, e elas me tinham dado um prazo de dois meses para ficar no apartamento sem pagar nada, até que eu conseguisse uma colocação no mercado. Já estava pensando em voltar a trabalhar em loja, coisa que tinha feito por anos, para manter o aluguel e bancar um curso ou, se conseguisse bolsa, uma pós-graduação.

Então, do nada, a bruxa Malu Ruschel se transformou em minha fada madrinha.

— Obrigada, Malu, eu prometo que não vou decepcioná-la e...

— Não! Você não promete nada para mim. Não entendeu o que eu falei com você antes? Não estou te fazendo um favor, Kika, é mérito seu; não seja subserviente com as pessoas, porque, senão, você não chega a lugar algum. — Assenti sorrindo mesmo depois desse pequeno esporro. — A primeira coisa que você tem que ter em mente é isso: seu mérito. Quando você se reconhece, os outros também o fazem. Não estou falando de soberba ou arrogância, mas sim de saber quem você é, de autoconhecimento e, claro, segurança.

As palavras dela calaram fundo dentro de mim naquele momento. Malu enxergava em mim algo que nem eu via, mas que, a partir daquele dia, passei a valorizar.

Foi por isso que pedi demissão no mês passado! Não podia admitir que um arrogante qualquer, sem a mínima noção do trabalho que minha equipe e eu desenvolvíamos, interferisse, e ficasse por isso mesmo! Não dava, eu não estava no jardim de infância, mas sim dentro de uma empresa conceituada na qual lutei muito e me esforcei demais para estar.

Eu cresci na Karamanlis, não só profissionalmente, também como pessoa. Os anos de convivência com a Malu me ajudaram a perceber que tudo o que ela me disse naquele dia era verdade. Vibrei quando ela foi indicada para a diretoria e, embora saiba que hoje ela está feliz e montando algo próprio, senti-me frustrada ao ver outro homem tomar posse do cargo.

Não podia permitir que Kostas Karamanlis continuasse a me tratar sem o respeito com o qual trata os outros gerentes. Eu sou mulher, orgulho-me disso, sou uma profissional de peso, e a prova disso foram todos os contatos que recebi para trabalhar na concorrência. Não fui porque não tive tempo de avaliar as propostas, pois logo Millos entrou em contato comigo solicitando que eu voltasse atrás e retornasse ao trabalho.

Termino minha bebida, deixando de lado todo o sentimentalismo que me atacou há pouco, jogo o copo no lixo e entro no saguão da empresa. Já era hora de voltar! Fiquei um mês afastada, pude me dedicar aos meus trabalhos extras durante o final do ano e agora é hora de retomar o controle do meu destino!

Seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!

— Bem-vinda de volta, Kika! — Celina, uma das recepcionistas, diz acenando para mim de longe.

— Ei, Kika, vamos almoçar hoje? — Ana Flávia vem correndo até onde estou e entrega minha chave de acesso de volta. — Fiquei tão feliz quando soube que ia voltar! — Abraça-me. — Essa empresa parecia um cemitério sem você!

— Oi, Ana, vamos, sim! Como estão seus filhos? Conseguiu tirar a chupeta do mais novo?

Ela sorri e começa a me contar as aventuras da maternidade até o elevador chegar. Assim que as portas se abrem, ela se despede, e eu coloco satisfeita o meu crachá no leitor para liberar a catraca e poder subir, junto aos outros executivos, a fim de começar mais um dia de trabalho.

Cumprimento cada um dentro do elevador, recebo algumas palavras de congratulação por ter voltado e sigo satisfeita, acompanhando o display do número dos andares avançar até chegar ao que trabalho.

Respiro fundo antes de sair e, mal piso fora do elevador, começo a receber saudações de boas-vindas de alguns advogados e assistentes que trabalham com o detestável Kostas Karamanlis. Infelizmente o sexto andar é conhecido na empresa como “Faixa de Gaza” por conta das brigas épicas que o diretor jurídico e eu já tivemos.

Como eu queria que ele fosse lá para cima, junto aos outros diretores, e deixasse só sua equipe aqui! Seria sem dúvida uma maravilha, mas a diretoria jurídica é a única que não possui gerente. O andar é praticamente deles, e minha gerência, conhecida como hunter – ou seja, caçador –, ocupa apenas três salas: a minha – que foi dividida com uma antessala –, a dos projetos – onde ficam todos os hunters – e uma pequena sala de reunião de equipe, pois para coisas maiores usamos ou a do jurídico, ou a da diretoria executiva.

A convivência entre esses dois setores no mesmo andar sempre foi tranquila, até uns meses atrás, quando eu assumi interinamente a gerência enquanto Malu passava férias – forçadas – no Pantanal. O CEO da Karamanlis obrigou minha amiga a se afastar do trabalho por um tempo, e eu, conhecendo-a como conheço, decidi bolar um plano para que ela efetivamente descansasse: enviei-a ao Pantanal sem que ela soubesse e a deixei sem celular ou qualquer outro aparelho com o qual ela ainda pudesse trabalhar.

Juro a vocês que nunca pensei que ela iria conhecer alguém lá. Malu Ruschel e um peão? Nunca! Porém, aconteceu, e isso acabou por possibilitar que eu assumisse seu lugar na empresa. A princípio tive muito medo de que pudesse ser interpretada erroneamente sobre tê-la mandado para longe, mas não, apenas o babaca do Bostas é quem questionou minha lealdade e amizade por Malu, dizendo que eu havia lhe puxado o tapete.

Nunca faria algo assim! Malu e os outros funcionários da Karamanlis com um cérebro digno funcionando nem pensaram nessa possibilidade.

Passo em frente à porta de entrada do setor jurídico e já sinto uma certa tensão me invadir. Este local protagonizou meus piores momentos, com certeza. Não sou uma pessoa difícil, pelo contrário, me dou bem com quase todo mundo, tenho um feeling especial para me conectar às pessoas, e, para me fazer sentir algum tipo de ranço, o sujeito tem que ter a aura bem escura.

É o caso de Konstantinos Karamanlis! A aura daquele homem é mais densa que um buraco negro e contamina todos à sua volta, trazendo o pior da personalidade de alguém. Quando eu poderia imaginar que chamaria um diretor de babaca misógino e ainda apontaria o dedo na sua cara? Quando em minha vida eu teria tanta raiva de alguém a ponto de lhe jogar um copo d’água na fuça?

Sim... eu fiz isso tudo, e foi pouco! Aquele homem tem o dom de me tirar do sério! E pensar que, até um ano atrás, eu suspirava enquanto ele passava – achando sua seriedade sexy e perigosa.

Abro a porta do meu setor com um sorriso nos lábios e sou surpreendida por gritos, som de alguma coisa explodindo e papel picado voando em minha direção.

— Bem-vinda de volta, chefe! — ouço um grito do Leo, um dos hunters.

— Kika está de volta! — Rosi e Vivian gritam.

Meus olhos se enchem de lágrimas de tal forma que eu não consigo ver mais ninguém.

Há balões de gás flutuando por toda parte, plaquinhas com frases de acolhimento e admiração, além, claro, de uma mesa forrada de salgadinhos, pãezinhos, doces e sucos.

Eu sempre digo que não sou emotiva, afinal sou capricorniana, sou prática, mas sentir esse carinho, perceber que, mesmo com uma vaga como a gerência tendo ficado vazia, eles estão felizes com minha volta é mais do que qualquer coração metido a frozen pode aguentar.

Sou abraçada, felicitada e festejada pelos meus colegas de trabalho e não escondo nenhuma das minhas emoções, sorrindo, chorando e – o que sei fazer bem – xingando-os com carinho. Sem saber como aconteceu, percebo uma taça de champanhe – de plástico dourado – em minha mão com refrigerante. Dou uma golada, mesmo ainda estando cheia do frappuccino que tomei no caminho para cá, e ouço todas as novidades que aconteceram na minha ausência.

— Bem-vinda de volta, senhorita Reinol!

Theodoros Karamanlis, o CEO dessa porra toda, está parado com um puta sorriso (parênteses para dizer que esse homem é um espetáculo aos olhos) e uma das mãos num bolso da calça do terno.

Abro meu melhor sorriso zombeteiro e caminho até ele.

— Para com isso de senhorita Reinol! — brinco. — É Kika! Obrigada por me trazer de volta; eu sei que teve sua interferência nessa questão.

Ele expande o sorriso, fecha os olhos levemente e assente.

— Já perdi uma gerente excepcional, não poderia perder outra — elogia-me, e eu quase vou ao céu por saber o quanto ele me valoriza. — Além do mais, meu irmão é um babaca.

Não resisto à menção do “irmão babaca” e faço uma careta, erguendo minha taça em um brinde à sensatez dele. Por isso o homem é o CEO!

— Nisso concordamos plenamente! Espero que ele fique na dele de agora em diante.

— Eu também, embora ainda ache que você poderia se mudar com sua equipe para...

O quê? Me mudar?! Nem fodendo!

Quando Millos foi falar comigo sobre voltar para a Karamanlis depois que o idiota do Konstantinos teve a infeliz ideia de ir até meu apartamento e me encher o saco para voltar, claro que ressaltando que só estava ali pela empresa e não porque achava que estava errado, o vice-diretor da Karamanlis entrou em contato comigo para negociarmos como os profissionais que somos, e eu – depois de receber sábios conselhos profissionais – impus algumas condições, e a principal delas era não mudar de andar.

Dou de ombros antes de dar uma resposta curta e grossa a essa sugestão.

— Os incomodados que se mudem, conhece o ditado, chefe? Não vou conceder esse prazer a ele a não ser que seja obrigada.

Vejo os olhos de Theodoros brilharem de admiração e percebo que ele concorda comigo e nunca me obrigaria a sair daqui.

— Não será — garante. — Bom, preciso ir. Seja bem-vinda novamente.

Ah, que fofo!

— Obrigada!

Seu gostoso!, concluo mentalmente, claro, afinal o homem é meu chefe, mas eu não sou cega. Ele é tão bom de ver indo quanto vindo!

O sorriso e o olhar de loba malvada para cima do CEO da Karamanlis morrem quando vejo Konstantinos Karamanlis parado na entrada do setor. Theodoros para a fim de falar com o irmão, mas segue adiante, e eu respiro fundo, sabendo que a comemoração pela minha volta vai começar a feder.

— Alerta de Bostas na área, pessoal! — aviso, e todos riem.


Respira fundo, Kika! Você tem que mostrar a ele que voltou porque precisam de você, tem que demarcar seu território e fazê-lo enfiar o rabo entre as (longas, muito longas) pernas.

Balanço a cabeça e desvio o olhar o homem. Eu sei que ele é irritante, mas poxa! A natureza não contribuiu em nada fazendo-o tão grande desse jeito. Chama a atenção de qualquer uma, e eu não sou de ferro, gosto de coisas espalhafatosas.

A simples presença de Kostas na sala já é suficiente para baixar o ânimo de toda a equipe que, até poucos segundos, confraternizava livre e sem nenhum constrangimento. Nem mesmo quando o CEO esteve aqui, eles ficaram emudecidos, mas o diretor jurídico da empresa tem esse dom, essa aura pesada que escurece tudo à sua volta.

Seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!

— Olha só quem resolveu nos dar o ar de sua graça! — Ele cruza os braços sobre o peito e abre aquele frio sorriso irritante. — Decidiu, enfim, baixar as orelhas e retornar ao trabalho.

Abro meu melhor sorriso, aliso a saia de linho ao estilo envelope que decidi usar hoje e o encaro. Não é fácil para mim, sou pelo menos 30 centímetros mais baixa que ele, mas, mesmo correndo o risco de ter a cervical travada, olho diretamente em seus olhos.

— Não graças ao seu poder de negociação, convenhamos! — Ele franze o cenho. — Por isso Theodoros é o CEO, e Millos, o segundo no comando. Eles sabem negociar. — Pisco para ele. — Fica a dica!

— Você é muito abusada! Foi mandada embora e ainda volta insolente?

— Epa! Primeiro de tudo, não fui mandada embora, pedi demissão e, se lembro certo, bem na sua cara. — Ah, nada vai me tirar o prazer de ter jogado aquela água nele. — Depois, vocês foram atrás de mim, não o contrário, então quem tem que baixar a bola aqui é você.

Escuto um pigarrear leve, e Leonardo estende uma bandeja com salgadinhos para ele.

— O doutor aceita? — pergunta.

Basta só um olhar entediado do diretor jurídico para que Leo perceba que o homem não gostou de sua intromissão. Ele me oferece, eu nego com um sorriso, e, após isso, sai de fininho de perto de onde estamos, mas posso ouvi-lo dizer baixinho: “eu tentei, gente, seja o que Deus quiser!”

— Acho que precisamos esclarecer umas coisas aqui, já que voltou, senão você e sua equipe mudarão de andar. — Sua arrogância não tem limites, e eu ponho as mãos na cintura, esperando-o fazer seu discurso. — Eu sou superior a você não só na altura — dá um risinho debochado —, mas em hierarquia. Sabe o que é isso, não? Sou seu chefe. Modere seu palavreado comigo, dirija-se a mim por doutor e não questione minhas ordens...

— Que déspota! Alguém já te contou que a maioria igual ao doutor se fodeu? — Faço cara de assustada e tampo a boca, fingindo não ter xingado de propósito, mas depois rio. — Doutor Konstantinos, talvez o senhor não saiba, mas exigi algumas concessões ao voltar para a empresa, e, como sou indispensável para a Karamanlis, todos os meus pedidos foram aceitos.

— Eu soube que conseguiu um bônus, mas seu cargo continua o mesmo, ou seja — ele faz um gesto com o polegar e o indicador indicando coisa pequena —, sou um diretor, e você, uma gerente. Ponha-se no seu lugar.

Respiro fundo três vezes, lembrando-me dos conselhos de Portnoy.

— Eu sei qual é o meu lugar. — Abro os braços e mostro a sala toda. — Aqui, e não vou sair. Os incomodados que se mudem.

Aproveito a deixa e aponto para a porta em um recado claro para que ele saia.

— Veremos, senhorita Reinol.

Kostas faz a irritante careta de desprezo que sempre dá quando quer colocar alguém abaixo de si e sai da sala. Homem miserável! Filho de uma bela puta!

— Ei, tudo bem? — Leo toca meu ombro, e eu percebo que estou tremendo.

De que adiantou usar minhas botas vermelhas da Mulher Maravilha? O homem tem o poder de me tirar do sério, fazer-me estremecer de raiva, de vontade de dar uns tapas naquela cara larga, morena e sensual.

Aff!

— Estou bem — tranquilizo meu colega de trabalho. — Vou até minha sala para ver se me livro um pouco do ranço que aquele ser me causa.

Abro a porta da divisória entre as salas e entro em meu escritório. Imediatamente tantas lembranças boas vem à minha mente, tantos momentos de superação, de adrenalina nas alturas, que tudo o que sinto é gratidão por estar de volta.

A negociação com Millos foi por telefone, mas, há alguns dias, encontrei-o sem querer na fila do Starbucks. Eu estava mandando uma mensagem quando ele tampou meus olhos por trás e disse:

— Não sou o Kostas, não me mate!

Eu gargalhei com sua brincadeira e o cumprimentei, feliz por vê-lo.

— Feliz Natal atrasado! — Abracei-o.

— Pois é, este ano ninguém deixou Papai Noel de chocolate nas mesas da Karamanlis. — Fiquei sem jeito por ele saber que era eu quem deixava os presentes para os funcionários. — Eu sei tudo, Wilka Maria, acredite nisso.

Eu adoro o Natal, aprendi com meus pais. Mamãe enfeitava a casa toda, colocava lampadinhas em volta de nossa casa, comprava enchimento de bonecas para simular neve e pendurava meias de lã – de verdade! – na maçaneta das portas e trinco das janelas. Papai era o responsável pela ceia, amava cozinhar e se vestia de Bom Velhinho todo ano para entregar meus presentes, também os das crianças dos abrigos em que eram voluntários.

Era uma época cheia de risos, cheiros e sabores maravilhosos. Eu adorava os presentes, claro, mas amava a atmosfera festiva e as histórias de papai.

— Wilka Maria, que nome forte! — ele dizia. — Significa vencedora e pureza. Duas coisas ótimas! — Ele apontava para meu coração. — As duas vêm daí.

Meus pais foram incríveis. Muito do que sou hoje, devo à educação simples, mas cheia de princípios que eles me deram. Uma das coisas que mais me orgulho de ter aprendido com eles foi sobre empatia. Mesmo não tendo muitos recursos financeiros, faziam questão de dividir com quem não tinha nada. Mamãe ajudava a vizinhança, acolhia as crianças mais pobres de nossa rua em nossa casa, muitas vezes cuidava delas quando doentes e auxiliava as outras mães.

Papai era... Não tenho palavras para descrevê-lo. Ele se aposentou quando eu tinha 15 anos e, a partir daí, começou a se dedicar plenamente ao que gostava: o trabalho voluntário. Todos os dias saía de casa para doar seu tempo a alguma instituição e, como bom marceneiro que era, ajudava a construir novas áreas, reformar móveis e fazer pequenos reparos em abrigos, asilos, creches e até hospitais.

Nas férias escolares, eu ia com ele, ajudava com a pintura, tomava conta de crianças, contava histórias e às vezes apenas me sentava ao lado de uma idosa e emprestava meus ouvidos para ouvir seus relatos, lamentos ou só para lhe fazer companhia.

Quando ele morreu, eu tinha acabado de entrar na faculdade. Mamãe não conseguiu se recuperar da perda. Plínio era o homem de seus sonhos, o mocinho de seus romances, como ela sempre me dizia. Dona Zelina era professora aposentada, amava ler e me ensinou a gostar também, embora descobrisse que eu tinha melhor aptidão para as ciências exatas do que para humanas. Os meses em que sobreviveu à morte do papai, passou dentro de casa, relendo cada romance, chorando pela perda de sua metade.

A casa que por muitos anos me encheu de alegria voltou para os donos, ex-patrões de papai que a cederam em comodato enquanto eles vivessem, e, por isso, fui morar em um pensionato com o dinheiro que meus pais conseguiram economizar para quando me faltassem.

Eu fiquei sozinha ali, com 20 anos, enterrei os dois, um ao lado do outro, em menos de um ano. Não foi fácil ver a escuridão da tristeza me assombrar novamente, mas eu me apeguei a cada lição de esperança que aprendi com eles e, por isso, mesmo tendo que trabalhar muito, consegui voltar a estudar e me formar.

Meus pais sempre serão meus heróis!

— Por que nunca me disse que sabia que quem deixava os chocolates era eu? — perguntei ao Millos.

— Se você nunca contou, era porque queria manter-se no anonimato. Respeito isso. — Sorriu. — Confesso que me divertia também com o burburinho que isso causava na empresa. Você tinha ajuda, não tinha?

— Não revelo meu modus operandi, doutor — tirei onda, e ele gargalhou.

— Não me chame de doutor, não tenho essas frescuras. — Minha vez chegou, e ele me perguntou o que eu queria e ainda pagou meu café. — Presente de Natal atrasado.

Ficamos conversando por mais alguns momentos, ele me informou que estava entrando de férias e me desejou um feliz Ano Novo antes de irmos cada um para um lado.

De todos os Karamanlis, eu o acho o mais normal, mesmo com suas tatuagens assustadoras que tanto faz questão de esconder, mas as quais uma vez consegui ver. Ele tinha me chamado à sua sala, e, quando cheguei lá, a Lu – uma amiga querida que é secretária da diretoria – me deixou entrar sem me anunciar, alegando que ele já me aguardava.

Pois bem, entrei sem nem bater e o encontrei terminando de abotoar sua camisa social. Arregalei os olhos, quis que o chão se abrisse, pedi desculpas, mas ele riu, mandou que eu me sentasse e terminou de se vestir.

— Acabei derramando café na outra. Por sorte deixo algumas extras aqui no escritório — justificou-se antes de me mostrar um documento, motivo pelo qual tinha me chamado.

Trabalhei com ele concentrada em todos os pontos que me apontara no relatório em sua mão, mas a imagem de um corpo musculoso e todo coberto por tatuagens não saiu nunca mais das minhas lembranças.

Não entendam mal, ele é bonitão, mas não me atraiu, só me deixou um tanto surpresa, pois sempre pareceu tão formal com o jeito de se vestir e de se portar dentro da empresa que eu nunca poderia supor que, debaixo do terno italiano, havia um corpo praticamente preenchido com desenhos.

Sento-me, depois de dias, em minha cadeira e a giro de um lado para o outro, adorando estar de volta. Por mais que eu tenha negociado duro com Millos – ele mesmo ressaltou isso –, eu já queria voltar para cá.

Abro minhas gavetas, vazias, e sinto falta de meus blocos de anotações e os posts-it que tanto amo. Em cima da mesa, um amontoado de documentos comprova que ninguém assumiu o cargo durante minha ausência; era como se soubessem que eu iria voltar.

Leo aparece na fresta da porta depois de bater levemente e me mostra uma caixa com um “Kika” escrito bem grande nas laterais.

— Minhas coisas?

— Sim, pediram para que esvaziássemos a mesa e enviássemos as coisas para você, mas sabíamos que estaria de volta em breve. — Ele coloca a caixa sobre minha mesa. — Sentimos demais sua ausência. O setor está bem porque, no final de ano, as coisas ficam mais lentas mesmo, mas... — Leo respira fundo. — Lembra que, antes de você sair, havia o burburinho de voltarmos a ter a conta de uma siderúrgica que quer se instalar aqui no Brasil? — Os olhos dele brilham. — Soube que desengavetaram os projetos. Acho que é o maior empreendimento que essa gestão da Karamanlis já pegou, mas é coisa séria, já passou por aqui uma vez e por várias outras empresas.

— Complicado demais? — Sinto o coração disparar pelo desafio à frente.

— Do jeito que você gosta!

— Conta mais! — Bato palmas, excitada.

— Ainda não foi dita muita coisa, os chefões vão querer conversar contigo diretamente, talvez esperem a volta do doutor Millos. — Ele dá de ombros. — O fato é: vamos voltar àquela correria da época em que Malu concorria à diretoria, e quem sabe é uma oportunidade para você.

Assinto e me jogo para trás, balançando o encosto da cadeira. Leo se despede e sai, deixando-me sozinha novamente.

Um novo ano, um novo desafio! Ah, como amo esse trabalho! Mesmo depois do choque de realidade sobre empresas que Portnoy me deu, continuo a me sentir apaixonada pelo que faço.

Pego o celular, animada, e digito uma mensagem para ele.


Abusada!

Fervo de raiva por me irritar com ela. Wilka Maria não deveria ter essa capacidade, afinal nem as pessoas que mais desprezo neste mundo – Nikkós e Theo – conseguem esse intento.

Eu deveria já ter deixado de lado toda essa conversa com ela, não é necessária. Wilka é apenas uma funcionária como qualquer outra aqui da Karamanlis, mas não resisto a ir provocá-la. Não havia nenhuma necessidade de eu ir até sua sala, mas, desde que Murilo me disse que ela estava de volta, não pensei em outra coisa senão ir até lá para irritá-la.

Provei do meu próprio veneno! Rio de mim mesmo, admitindo que sempre provo do meu veneno com aquela baixinha abusada. Aposto que ela deve ser solteira e que não fode há tempos, por isso está sempre tão estressada e irascível.

Abro um meio sorriso e levanto uma sobrancelha ao imaginar que tipo de mulher ela é na cama. Frígida, com certeza! A Malu, que era gerente antes dela, nunca me enganou com sua pose profissional, seu tipo discreto e viciado em trabalho. Eu sabia que, na cama, devia ser fogo puro, tanto que foi incendiar uns fenos lá naquele inferno molhado chamado Pantanal. Mas Wilka Maria? Sinto gelo em meu sangue só de pensar nessa mulher trepando.

Penso na pequena gerente com mais cuidado e admito que ela não é feia. Tem uma maneira peculiar de se vestir, adora botas coloridas e outras peças que nunca vi uma executiva usando, porém, ainda assim fica com um “quê” de mulher sexy. Talvez por esse motivo tenha invadido minha mente enquanto eu me masturbava.

Lembro que uma vez veio vestida de terno! Não, não era tailleur, era terno! Calça, colete, camisa, gravata e blazer! O corte era feminino, devo admitir, pois, quando passou por mim no corredor sem o blazer, olhei para trás e percebi como sua bunda redondinha ficava bem na calça, mas convenhamos que é muito fora do senso comum uma mulher se vestir assim.

Balanço a cabeça, afinal, o que sei de moda? Não tenho essas frescuras! Gosto de me vestir bem, tenho minhas marcas favoritas, sim, mas não sou um aficionado que fica seguindo tendências e que precisa de outro cômodo para fazer de armário. Tenho alguns ternos e roupas sociais; roupas esporte fino; um smoking para ocasiões especiais; roupa de treino; cuecas e meias. Você encontra, no máximo, uma única calça de pijama, que visto em dias frios ou quando quero sair para a varanda do apartamento sem provocar um ato obsceno.

Atravesso o salão onde ficam as mesas dos advogados e entro em uma das salas de apoio para pegar uma pasta com documentações de um cliente antigo da Karamanlis. Mal abro a porta e dou de cara com um dos estagiários cochilando.

— Sai! — Aponto para fora.

— Doutor Karamanlis, me desculpe! Eu tenho andado com problemas para dormir e...

— Fora! — repito. — Acha que ninguém aqui nunca ficou dias sem dormir? Já, sim! Adivinha quantos se esconderam em um canto para cochilar no meio do expediente? Ninguém. — Afasto-me da porta e aguardo que ele saia. — Vá para casa dormir. — O rapaz sorri e assente, parecendo aliviado. Ele não me conhece! — Volte amanhã para assinar a rescisão do seu contrato de estágio.

Ele para, abre a boca para se justificar, mas não lhe dou chance, simplesmente fecho a porta e vou até o arquivo, pensando no que acabou de acontecer. Se não aguenta meu ritmo, não serve para trabalhar comigo, nem como estagiário.

Prevejo períodos de trabalho intenso, pois soube pelo Millos, via mensagem, que iremos voltar a mexer na conta da Ethernium, uma empresa de siderurgia europeia que tenta se instalar no Brasil há anos, mas que sempre cai em entraves burocráticos.

Acho a caixa com os documentos, ligo para a mesa do Murilo e peço para que ele me encontre com David e Petrônio na sala de reuniões. Abro a porta de comunicação e acendo a luz, bem como ligo o ar-condicionado. Quase não usamos esta sala, nossos trabalhos são feitos por cada equipe, e elas estão dispostas de modo a conseguir interação entre seus membros.

Murilo, eficiente como sempre, entra na sala com Eleonora sempre pronta para tomar notas.

— Bom dia! — ela me cumprimenta, pois não tínhamos nos visto ainda.

Cumprimento-a de volta e olho para Murilo.

— Onde estão os demais? — mal acabo de perguntar, David e Petrônio entram na sala. Espero todos tomarem assento e começo: — A Karamanlis resgatou a conta da Ethernium. — David logo mexe em seu iPad em busca de informações sobre a empresa. — Ela quer se estabelecer em São Paulo, mas a equipe de licenciamento — aponto para Petrônio — fez uma lista de problemáticas tão grandes que eles desistiram.

— Kostas, a legislação não ajuda muito, nós não dissemos que era impossível. O parecer do consultor ambiental foi feito dentro da legislação vigente na época.

— Ele se baseou nos estudos feitos pelos técnicos da K-Eng — David complementa. — As áreas escolhidas eram inviáveis e seriam reprovadas ainda na licença prévia.

Concordo com ele.

— O fato é que não vamos brigar por aquelas áreas mais, eles flexibilizaram com relação à região. — Abro a caixa e pego o antigo briefing sobre a Ethernium. — O que uma siderúrgica tem que ter em seu entorno?

— Porto — Murilo responde de pronto. — Ou pelo menos um local que dê acesso a um, afinal, vai produzir aço para exportação.

Assinto.

— Água — Petrônio arrisca —, necessária no processo de produção e em grande quantidade para o resfriamento do aço. — Ele passa umas páginas. — Todas as unidades da Ethernium têm captação e tratamento próprios.

— Incentivo fiscal. — David ri. — Já que eles não querem mais especificamente ficar em São Paulo, por que não barganhamos incentivos fiscais? Imagine a quantidade de empregos diretos e indiretos gerados por uma empresa desse tamanho? É quase uma cidade do interior! Qual governante não quer?

— Exatamente isso, David. Sabemos que precisamos desses três elementos, mas nosso diferencial vai ser o incentivo fiscal. Então não se fixem em ficar perto de portos ou mesmo do mar, precisamos de locais onde já se tenha uma linha férrea que faça essa logística.

— Doutor... — Murilo me interrompe, mas parece reticente — esse é o serviço dos hunters.

Bufo de raiva e me inclino sobre a mesa.

— Eu sei, mas quero acompanhar de perto. — Eleonora não disfarça a risadinha, mas, quando nota que estou vendo, fica séria. — É por isso que estamos conversando aqui antes de termos uma reunião conjunta. O David é quem lida com os hunters diretamente, então é quem vai cuidar da questão de procurar junto a eles o melhor incentivo fiscal, de ir atrás das autoridades, negociar, conseguir um projeto de lei, qualquer coisa que possibilite a instalação da empresa. Murilo vai lidar com qualquer entrave legal que vier posteriormente, na fase de licenciamento. — Ele assente. — E, Petrônio, quero você em cima dos engenheiros e gestores ambientais da K-Eng. Pare de ser tão burocrático e procure brechas na porra da lei!

— Qual é o prazo para apresentarmos o local com os cronogramas das outras áreas? — Petrônio questiona.

— Ainda não sei, provavelmente vamos trabalhar isso apenas após a volta do Millos. De qualquer forma, sei que Theodoros vai viajar ao Rio de Janeiro para uma reunião esta semana e lá já deve fazer contato com eles.

— A reunião é da montadora de veículos — Eleonora aponta.

— Sim, por isso mesmo! A Ethernium é a principal fornecedora das chapas de aço que eles usam.

Os três recolhem o material dentro da caixa para ler, mas eu penso na concretização desse negócio. Theodoros ganhará muita força em sua gestão se conseguir fechar esses dois clientes ao mesmo tempo, sem falar no prestígio que isso lhe dará, afinal, trata-se de uma conta que já passou por várias incorporadoras, inclusive nossas maiores concorrentes.

Esse é um projeto que consolidará a Karamanlis como a maior do Brasil, quiçá da América do Sul no setor imobiliário, o que para mim, em termos profissionais, é ótimo. O que me incomoda é apenas estar ajudando Theodoros a se firmar como CEO, indo completamente contra tudo o que quero.

— Doutor? — Murilo me chama, e eu o encaro. — É um dos maiores empreendimentos que já passou por aqui.

Rio amargo, dividido entre a excitação de um desafio e a frustração de não conseguir pôr meu irmão em seu devido lugar: fora daqui.

 

 

Chego a casa molhado de suor e já arranco a roupa antes mesmo de fechar a porta de entrada. Fui jogar tênis no clube e hoje achei um adversário à altura, Nicholas Smythe-Fox, o atual CEO da Novak Engenharia. Não somos amigos, apenas conhecidos, e, quando ele me convidou para uma partida, não pensei duas vezes antes de aceitar.

Achei que ganharia fácil, afinal sou um pouco maior que ele, e isso ajuda na hora da defesa, pois tenho maior envergadura. Eu só esqueci que, além de maior, também sou mais pesado que ele, e o homem demonstrou que jogava tênis muito bem.

— Na casa dos meus pais tem uma quadra — o filho da mãe me disse, rindo, quando me deitei desmontado na quadra. — Mas não esperava ser vencido por você no último game.

— Eu... — tomei fôlego — sou foda!

Na verdade, eu estava morto, só sou teimoso demais e não queria perder para ele de jeito algum. Nick gargalhou e me ofereceu uma cerveja, que, mesmo não sendo minha bebida preferida, aceitei de bom grado.

— Fiquei surpreso por você ter querido comprar o potro no leilão — comentou.

— Era pura implicância; se tivesse ganhado, não saberia o que fazer com um cavalo.

— Mesmo? — Ele pareceu bem surpreso. — Eu nasci na Inglaterra também, você sabe? — Fiquei tenso, mas concordei. — E fui criado um bom tempo por lá, então sei que faz parte, da educação de um jovem de família tradicional – como a minha e a sua –, a equitação. Não gosta?

Minha vontade era de ir embora naquele momento. Se tem uma coisa que odeio, é gente especulando meu passado, mesmo sem querer; me enerva.

— Não gosto — respondi seco.

Não faço questão alguma de me lembrar da minha infância ou adolescência. Cada uma delas teve seu demônio específico. Não vou até a maldita ilha há anos, nem mesmo apareci por lá quando o velhote Abbot morreu e não faço questão alguma de ser lembrado dos momentos que passei lá sob o domínio de Gordon Abbot.

Depois dessa conversa desconfortável, fiquei mais uns minutos conversando com Nick, até que ele alegou ser esperado pela esposa e pela filha e se despediu.

Entrei no carro, puto, porque sempre fico nesse estado quando remexo a merda do meu passado, e agora não vejo a hora de tomar um banho, tirar todo o suor que o jogo me proporcionou e trabalhar um pouco antes de dormir.

Olho para o celular que acabei de colocar em cima de um móvel e penso na Caprica. Hoje mais cedo ela me mandou mensagem pedindo-me para torcer por ela, por isso pensei que ia negociar com seus chefes sobre sua volta. Não sei se o “silêncio” dela quer dizer que conseguiu o emprego de volta ou se tomou um pé na bunda definitivo.

— O problema não é meu! — digo antes de entrar sob a ducha de água gelada e forte, decidido a nem olhar mais o celular à procura de notícias dela, afinal, não tenho nada a ver com sua vida, muito menos quero que ela pense que somos amigos.

Ela serve apenas para me distrair, um sexo virtual para apimentar minhas masturbações, sacanagem escrita para me fazer rir – eu gosto do humor dela – e assim aliviar um pouco minha ânsia por prazer e sexo, tirando o trabalho honesto das prostitutas que contrato.

Concorrência desleal, meninas! Que sexo mais desunido!

Rio em deboche, pensando em como as feministas iriam reagir ao meu pensamento. Provavelmente me acusariam de “usar” as mulheres apenas para o meu prazer. Se eu um dia fosse questionado sobre isso, iria rir e informar à pessoa que estava apenas em uma relação de consumo e que só estava usando porque há bastante oferta e que, mesmo com as profissionais, eu sou um homem cuidadoso com o prazer feminino.

O som da notificação do aplicativo de sexo ecoa e, instintivamente, abro um sorriso.


Voltei ao trabalho com força total!, penso terminando de lavar a louça que usei ao jantar uma salada com peito de peru para compensar os excessos do dia. Não sou de me privar de comer o que gosto, mas aprendi que é necessário haver equilíbrio, então, quando como algo muito pesado ou calórico em uma refeição, evito na outra.

Nunca fui a louca das dietas – como Malu era, por exemplo –, mas, como tenho pouco tempo para me exercitar, dou uma freada na boca. Desde que me tornei gerente da Karamanlis, só consigo ir treinar duas vezes na semana, e, nos finais de semana, já estou tão cansada que é raro eu ir.

Além de tudo, não gosto de malhação, prefiro fazer outros tipos de treinos, principalmente ao ar livre. Fui ao Trianon algumas vezes e vi um pessoal fazendo tai chi e caminhando. No domingo, a Avenida Paulista fecha e a ciclovia desce para o asfalto, o que é ótimo para quem curte pedalar, sentir o vento no rosto. Eu gosto muito. Preciso deixar de preguiça e ir.

É, mas, trabalhando como estou, vai ficar cada vez mais difícil! Agora eu entendo a Malu em algumas coisas. É quase meia-noite, e eu acabei de jantar, passei em um supermercado, comprei as coisas para a salada, fiz, comi e agora vou tomar banho e dormir.

Sinto patinhas baterem em minha perna.

— Ah, Kaká! — Seco as mãos e pego meu bichinho. — Como foi o dia? Passeou muito? — Ele me lambe o rosto. — Desculpa ter chegado tão tarde, estava tudo meio acumulado lá no trabalho, sabe? — Sento-me e o coloco no colo, fazendo carinho em sua barriguinha. — O pessoal gosta mesmo de mim. É tão legal receber carinho, não é? Fizeram uma festa de boas-vindas, o Theo... — Suspiro. — Já te falei dele, lembra? O CEO, o irmão mais velho do Bostas. — Kaká emite um ganido, e eu rio. — É, aquele “malvadão” do Bostas. Desculpa por ter colocado seu nome igual ao dele, mas já resolvemos com os apelidos, né? Bostas para ele, e Kaká para você!

Fico um tempo em silêncio, apenas acariciando meu cãozinho, feliz por ter alguém com quem conversar em casa. Kaká foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido! Não gosto de estar só, e um amiguinho pet foi a melhor decisão para me fazer companhia, dar carinho e aquecer meu coração.

Amo tanto esses bichinhos!

Claro que precisei ajeitar alguém para sair com ele, pois passo muitas horas fora de casa. Verinha foi um achado, além de vizinha maravilhosa, também tem um bichinho – um bulldog francês – e leva os dois para brincar no parque. Aqui próximo tem uma clínica veterinária que fez um “day care” para os pets. Eles não ficam fechados em gaiolas – eu nunca permitiria isso –, e sim em um espaço de grama atrás da loja, com brinquedos e um monitor.

Verinha e eu matriculamos nossos bichinhos lá, e, na parte da tarde, Kaká e Ferdinando vão para a “escolinha”. Minha terapeuta achou muito benéfico eu ter adotado um pet, pois tenho com quem dividir afeto, tenho de quem cuidar e assim me sinto menos sozinha neste mundo.

A coisa que mais me dá medo é ser sozinha.

Respiro fundo para espantar qualquer sombra de tristeza que esse pensamento me causa, ergo Kaká e sorrio para ele.

Seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!

— Não precisa ter medo do “malvadão”, não, viu? Hoje ele saiu da minha sala com o rabinho entre as pernas. — Rio ao lembrar. — Ah, tenho novidades!

Coloco-o no chão e vou para meu quarto contando o pouco que sei sobre o novo projeto que vou pegar na Karamanlis e o quanto será incrível se eu conseguir realizá-lo bem.

— Já pensou, Kaká? Eu, uma diretora da Karamanlis! — Ele pula e late. — É, eu sei que você vai gostar de ser filho de uma diretora!

Entro para o banho pensando em como foi bom ter colocado Kostas e sua arrogância no lugar que merecem. Mandei mensagem para Portnoy contando um pouco sobre meu dia, mas ele ainda não retornou, pelo menos, não ouvi a notificação. Quero muito contar para ele como foi que me senti com o Bostas.

Saio do banho, limpo o vapor que ficou embaçando o espelho – mesmo no verão preciso de um banho quente para relaxar antes de dormir – e começo o ritual de toda noite, usando meus cremes para a pele. Lembro-me do meu aniversário e respiro fundo. Sou muito festiva, adoro comemorar por qualquer motivo, mas esse não é um deles.

Daqui a poucos dias faço 30 anos. Não estou chateada por causa da idade, pelo contrário, hoje é até moda a festa do “trintei”, mas é que não gosto mesmo da data. Não curto meus aniversários, sinto muito vazio, sinto a solidão de verdade. Eu sei que não deveria sentir, afinal tenho muitos amigos, muitos colegas de trabalho que gostam de mim e que adorariam festejar essa data comigo, mas nem digo a ninguém o dia.

Nas redes sociais, optei por não colocar, e na empresa meus dados pessoais são sigilosos, então não revelo. Não é um dia muito feliz para mim, prefiro não comemorar, deixar passar como qualquer outro.

Termino de passar meus cremes, escovo os dentes e os cabelos, visto um baby-doll e pulo na cama com Kaká já se esgueirando à procura de um cantinho para dormir.

Pego o celular para conferir o despertador e me assusto com o número de notificações nele. Franzo o cenho e vejo o sinal de que eu o silenciei. Droga! Devo ter feito isso sem querer, pois não me lembro, por isso não ouvi a chegada de nenhuma mensagem.

Abro primeiro o app de mensagens, respondo algumas, inclusive de Malu, que me perguntou como foi o dia de trabalho. Depois vejo as notificações das redes sociais e, por último, com um sorriso no rosto, abro o chat do Fantasy.


“Ei, gostosa, que bom que seu dia foi bom. Deve ser uma delícia poder comemorar comendo sua boceta deliciosa! Endereço?”


Rio de mais uma tentativa dele de me encontrar. Portnoy não desiste nunca! Continuo a ler:


“Eu estou aqui, deitado na minha cama, cansado para caralho, pensando em como deve ser o seu sabor. Já provou?”


Faço careta, mas uma pulguinha de curiosidade se instala atrás de minha orelha. Contorço-me na cama, gemo por sentir a calcinha já levemente úmida e penso se devo provar. Olho as mensagens seguintes.


“Li uma matéria esses dias que falava sobre a famosa ejaculação feminina. Segundo o que estava escrito, tem como a mulher controlar e provocar isso. Nunca vi acontecer fora dos filmes. Acontece com você? Eu gosto de pensar que sim, me excita.”


Fico tensa ao pensar na alta expectativa que ele tem de mim. Meu Deus, se ele soubesse! Rio, abro uma aba no navegador e pesquiso sobre o que ele me citou.

— Oh, meu Deus! — Arregalo os olhos vendo uma gif e começo a rir de nervosismo, percebendo que ele me imagina uma espécie de rockstar sexual.

Tudo bem, posso ter exagerado uma coisinha ou outra... Bem, posso ter exagerado bastante, mas caramba! Daqui a pouco o homem vai me imaginar fazendo sexo oral em mim mesma!


“De qualquer forma, se você não fizer isso, já fico satisfeito em provar sua boceta molhada e sentir meu pau patinando dentro dela. Quando?”


A última mensagem foi enviada já faz quase uma hora, então ele já deve ter dormido ou não está mais olhando o chat para ver se respondo. Portnoy é o homem das minhas fantasias. Somente ler as coisas que escreve para mim já é o suficiente para me deixar excitada.

Ajeito-me na cama e ponho a mão dentro do short do pijama. Sinto a pele lisinha da minha virilha depilada a laser – coisa que Malu e eu decidimos fazer juntas e quase morremos de tanto xingar a depiladora, que, enquanto exterminava nossos pelos, fazia churrasquinho de nós duas – e finalmente chego aonde quero. Fecho os olhos e deixo a mente viajar por todos os cenários e todas as situações que já criamos juntos. Imagino a voz dele, seus lábios me tocando bem onde minha mão está e, então, seu olhar safado, sorriso malicioso igual ao do Kostas e... Paraliso a mão no mesmo momento.

De onde veio isso?! Por que o desgraçado do advogado tem que se meter até nos meus momentos íntimos? Já é perseguição isso!

Continuo excitada, molhada, pulsando, mas não tenho mais coragem de fechar os olhos. Não quero ver aqueles olhos azuis ressaltados pela pele morena, não quero os cabelos lisos e negros molhados de suor, nem mesmo seu sorriso safado, sua boca em mim e... Gemo, dando-me conta de que continuei a masturbação.

— Foda-se, Konstantinos Karamanlis! — amaldiçoo-o segundos antes de gozar.

 

 

— Kika, reunião na sala da diretoria executiva agora — Vivian anuncia ao entrar na minha sala.

Ergo os olhos do computador e enrugo a testa, sem entender de onde veio isso, pois acabei de olhar a agenda interna.

— Não tem...

— Eu sei, acabaram de marcar. Ao que parece, o CEO viajou e pediu urgência nisso. — Ela põe uma pasta na minha mesa. — Material que o jurídico enviou.

Levanto-me imediatamente, entendendo o que ela está informando.

— Theodoros não está? — Vivian nega. — Quem é que convocou a reunião?

— Doutor Konstantinos e Alexios. O doutor Theodoros foi para o Rio de Janeiro, mas vai voltar a tempo, parece que tem uma videoconferência com o pessoal da Grécia hoje, segundo Luiza me informou.

Respiro aliviada, pois Theo estará de volta e, por isso, vou me esforçar para não retrucar à primeira gracinha que ouvir do Bostas. Todavia, se ele abusar da sorte, não vou me conter. Tenho autorização explícita do Millos para mandar Kostas para onde bem entender.

Pego o material em cima da mesa e abro um sorriso, prevendo o desafio que me espera ao ver o nome da Ethernium na capa. Eu era assistente da Malu quando essa empresa nos procurou pela primeira vez, querendo um local para a instalação de sua siderúrgica gigantesca. Recusou todas as nossas indicações, e já sabíamos que seria assim, pois as melhores, as que mais se adequavam ao que procuravam, tinham tantos entraves legais que desistimos.

Sinto a adrenalina passar pelo meu corpo. Sei que essa é uma oportunidade única, é a chance de eu melhorar tudo para mim e ainda quebrar um pouco a crista de um certo diretor jurídico. Ah, como eu quero chegar ao mesmo patamar hierárquico dele, para que não jogue mais isso na minha cara, olhá-lo frente a frente – figurativamente falando, claro –, vendo-o se rasgar porque também sou uma diretora.

Despeço-me de Vivian e sigo direto para o elevador a fim de participar da reunião e saber todos os detalhes dessa nova empreitada.

— Kika, ainda bem que chegou, estão todos lá dentro. — Luiza vem ao meu encontro parecendo ansiosa.

— Fiquei sabendo da reunião agora; como já estão todos lá dentro? — questiono, achando estranho.

— A reunião começou há pouco mais de 15 minutos, o jurídico esqueceu de compartilhar com vocês na agenda. — Ela faz uma cara de quem sabe que foi de propósito. — O doutor Alexios sentiu sua falta, e, quando viram, os hunters não estavam marcados na agenda. Foi tudo muito em cima da hora...

Aquele filho da puta de novo!

— Tudo bem, Lu — interrompo as justificativas dela e abro um sorriso. — Vou para lá agora, antes que fique ainda mais atrasada. O doutor Theodoros já chegou?

— Ainda não, mas já está a caminho.

Agradeço a ela e sigo para a sala. Bato rapidamente antes de entrar.

— Bom dia, já estou aqui. — Abro meu melhor sorriso para cumprimentar os advogados que trabalham com Kostas, engenheiros que trabalham com Alex, o próprio diretor da K-Eng e, por fim, o diretor jurídico. — Se não se importarem, como não foi de responsabilidade minha o atraso, poderiam voltar ao começo do assunto?

Kostas ergue uma de suas escuras sobrancelhas.

— Já ouviu a expressão time is money, senhorita Reinol? — Ele abre um sorriso, e vejo os engenheiros rirem também. — Não posso voltar ao assunto apenas e exclusivamente porque a senhorita, uma gerente, quer. É perda de tempo!

Theo entra na sala neste exato instante. Eu sorrio ao lhe apontar.

— Mas para ele você não só pode, deve!

— Bom dia, já começaram a reunião? — Theo questiona e vai até onde Kostas está, no lugar da cabeceira que pertence ao CEO da empresa. — O que você deve fazer segundo a senhorita Reinol?

— A reunião começou há quase 20 minutos. Não podemos voltar ao assunto, é injusto com quem já ouviu e uma perda de tempo — ele tenta argumentar, mas Theo nega com a cabeça.

— Eu não estava presente, nem era para ter começado. — O CEO me encara. — Por que chegou atrasada?

— Houve um erro, e os hunters não foram informados — Alex explica.

Theodoros encara Kostas e bufa antes de dizer:

— Do começo. — Senta-se. — Agora você já pode começar a reunião, Kostas.

Ah, que vontade de subir na mesa e fazer uma dancinha bem ridícula para ele! Vocês se lembram de um comercial de cerveja em que dois siris rebolavam e cantarolavam “ná, ná, ná, ná!”? Sério, tenho vontade de fazer isso!

Seguro o riso, mas Kostas nota e me encara. Enfrento seu olhar, suas íris azuis lindas, brilhantes de raiva.

Pois é, Bostas querido, vou atualizar o placar dessa nova disputa do ano:

Kika 2; Bostas 0!


Raiva, frustração e muita, muita vontade de extravasar isso em alguém. Encaro a irritante gerente e sinto meu sangue borbulhar pelo que ela causou. A abusada tenta conter um sorriso de satisfação, mas vejo seus olhos escuros brilharem de contentamento.

Sim, baixinha marrenta, dessa vez você conseguiu, mas não crie asas, não vai muito longe!

Wilka Maria não desvia os olhos dos meus, enfrenta-me como se quem desviasse o olhar primeiro fosse o perdedor. Começo a sentir uma energia forte, estranha, meu corpo esquenta, e os pelos se arrepiam por baixo da roupa. Deve ser a raiva contida sendo descontada nela.

Já não enxergo mais ninguém na sala, não escuto o som da voz de Alex, que conversa com Theo, não posso sentir nada além do cheiro do perfume da gerente, que está sentada do outro lado da mesa. Aperto meus olhos e fecho os punhos quando sinto meu pau endurecendo.

Não é novidade eu ficar excitado enquanto estou com raiva. Faz parte de mim, da minha escuridão, mas nunca aconteceu dessa forma, nunca com imagens de uma mulher que conheço nua em cima da mesa de reuniões, amarrada, totalmente à minha mercê, nunca criando expectativa de ter essa boca debochada, essa língua ferina e rápida, servindo meu pau.

Estremeço quando percebo que ela está ofegante, que o sorriso vitorioso sumiu e seus olhos já refletem outro sentimento. Curiosidade!


CONTINUA

Confiança: palavra inexistente no dicionário de Konstantinos Karamanlis.
O segundo filho de Nikkós Karamanlis é um homem duro e frio, que prefere a sinceridade de umas notas deixadas na cama após o sexo à falsidade de carinhos e beijos interesseiros. Arrogante, seguro de si, um brilhante advogado, dirige sua vida como quer e não precisa de ninguém ao seu lado, nem da família e muito menos de uma mulher!
Disposto a ir até às últimas consequências para tirar seu irmão mais velho da presidência da Karamanlis, Kostas não se importa em ser solitário e faz questão de esconder seus medos e traumas do passado. Contudo, há uma pessoa capaz de arranhar suas defesas e causar reações que ele achava não serem possíveis: a irritante e debochada Wilka Maria Reinol.
Kika Reinol vive intensamente!
De personalidade esfuziante, é querida e amada por todos que a cercam. Focada, objetiva, competente, líder nata, é gerente da Karamanlis e odeia intromissões em seu trabalho, principalmente as do diretor jurídico Kostas – ou Bostas, como o apelidou. Embora seu jeito vibrante esteja presente em cada palavra, sorriso ou gesto, Kika esconde algo que pode abalar o que construiu em sua vida, por isso, fará tudo para proteger o seu futuro.
Os dois se detestam; não sabem, no entanto, o quanto já estão envolvidos.

 

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A fumaça turva meus olhos, deixando-os ardidos. Preciso esfregá-los com força, machucando-os ainda mais. Os sons se misturam, cacofônicos, patéticos, risadas fabricadas, gemidos ensaiados, música mal tocada e decadência.

Minha garganta está seca, mas continuo a segurar o copo, sentindo meu estômago se revirar, a bílis subir. Engulo-a de novo com dificuldade; recuso-me a voltar a regurgitar na frente deles, recuso-me a expressar qualquer tipo de reação. Eles não são nada! Eles não são nada!

Inspiro fundo a fim de controlar meu asco, porém, nessa ação acabo por aspirar o nauseabundo perfume que paira no ar. Minha testa sua, meu corpo pega fogo como se estivesse assando lentamente em brasa, a roupa me incomoda, as pessoas à minha volta me incomodam, não queria estar aqui.

Nunca quis!

Olho para o lado, e meus dedos se apertam contra o copo. Sinto ódio, revolta, vontade de gritar e, quem sabe assim, entender o motivo pelo qual tudo tem que ser tão fodido para mim. Lembro-me daquele olhar e me sinto mal por pensar só em mim. Não, não sou o único, e isso dói como se rasgassem meu peito.

Uma mulher se aproxima, conversa, mas não escuto; há muito já não ouço mais nada além de mim mesmo. Ela se senta sobre mim, pernas abertas, coxas apertando meus quadris, enquanto sua bunda rebola sobre meu pau tentando o estimular.

Olho sua cara, sinto repulsa. A vontade de vomitar é ainda mais forte quando ela sorri e geme, tocando meu rosto, elogiando meus olhos.

Mentiras!

— Ajoelha e chupa! — disparo, empurrando-a para o chão.

A imunda sorri, sentada na podridão do chão respingado de conhaque, uísque e cerveja barata, confeitado com bitucas de cigarro. Suas mãos sobem pela minha perna, parecendo garras de alguma ave de rapina. Meu estômago se revira quando ela abre o zíper da minha calça e sua boca pintada de vermelho se abre em um sorriso frouxo antes de avançar sobre meu membro.

A puta deve ter muita experiência no assunto, porque logo faz meu pau reagir à quentura de sua boca, à sucção constante e suas passadas de língua. Ouço a risada das pessoas à minha volta e fecho os olhos, travando os punhos para não explodir tão cedo, retardando o máximo possível a satisfação, cerrando os dentes, deixando o pensamento vagar, mas...

“Puta merda!”

Sento-me na cama e recuo até a cabeceira, suado, apesar do clima frio de inverno, cabelos grudados na testa, respiração ofegante e coração disparado. Olho em volta, confirmando que não estou em nenhum puteiro, mas sim no meu quarto. Passo a mão pelo rosto e amaldiçoo o pesadelo.

Sinto meu estômago tão embrulhado quanto estava no sonho. Jogo as cobertas para o lado, saio da cama e caminho até a porta da sacada do meu apartamento. Escancaro-a, deixando o vento frio baixar a temperatura do meu corpo, olhando para a Avenida Paulista toda iluminada lá embaixo.

Eu escolhi viver perto do trabalho. Daqui do meu apartamento posso ver o prédio da Karamanlis, vou e volto andando para casa, sem me preocupar com o trânsito infernal da cidade, tenho tudo à minha disposição aqui mesmo. Minha vida fora da empresa se resume a trabalho em casa e algumas trepadas ocasionais.

Respiro fundo e saio para a sacada. O ar frio da noite arrepia minha pele quente. Lembro que estou sem camisa, trajando apenas a calça do único pijama que tenho – e que raramente uso – e confiro as horas. Daqui a pouco vai amanhecer, e minha rotina começará. Vou caminhar no Trianon antes de ir para a academia treinar e me arrumar por lá mesmo; em seguida atravessarei a rua, comparei meu café puro, fumarei meu primeiro cigarro do dia e caminharei alguns metros até chegar à empresa.

Como se despertado apenas pelo fato de ter pensado em trabalho, meu cérebro rememora a agenda do dia, com todos os prazos a cumprir e providências a serem tomadas. Eu aprendi a gostar do meu trabalho e a ser o melhor na minha área. Poderia ser apenas mais um Karamanlis a viver do que a velha raposa construiu, como tios e primos vêm fazendo ao longo dos anos, mas não. Eu quis ser a porra do melhor advogado que essa empresa já teve e consegui ser!

Entrei para a faculdade de direito obrigado pelo filho da puta do meu pai, pois essa, nem de longe, era minha primeira opção para seguir como profissão. Passei em um vestibular disputadíssimo, pois sempre fui estudioso, e comecei o curso por pura obrigação. O que eu não esperava era que eu dominasse naturalmente a porra do negócio e tivesse uma facilidade absurda para aprender.

Houve uma época da minha vida em que acreditei naquela coisa de dom, achando que cada pessoa já nasce com suas habilidades para uma certa área, mas a faculdade de direito me fez descobrir que isso é pura balela. O que difere um profissional bem-sucedido de um fracassado é sua dedicação. Não adianta ser bom, tem que ser ótimo!

Peguei meu diploma com honras na faculdade de direito mais velha e bem-conceituada do país e, no ano seguinte, já estava fazendo mestrado em direito imobiliário, estudando os casos da própria empresa junto ao diretor jurídico da gestão de Nikkós – diga-se de passagem que o homem era um incompetente – e unindo teoria e prática.

Apesar da pressão, não fui trabalhar na empresa assim que me formei, pois queria adquirir a prática na advocacia e para isso contei com a ajuda de um dos advogados que eu mais respeito até hoje, Hal Navega. Foram três anos aprendendo sobre contratos, indo para fóruns e tribunais, mexendo nas peças e criando argumentos. Saí quando fui aceito no programa de doutorado na área de negócios imobiliários nos Estados Unidos.

Abro um sorriso ao me lembrar dos anos longe de todo e qualquer Karamanlis, da liberdade que senti por ser eu mesmo, sem influência de nenhum outro membro dessa odiosa família. Cinco anos inteiros sem tempo para pesadelos, recordações amargas e ódio. Só conseguia estudar, estudar e estudar, sobrando pouco – e muito bem aproveitado – tempo para lazer.

Quando retornei ao Brasil – podia ter ficado por lá, mas fiz questão de voltar e tomar o meu lugar na empresa –, Theodoros já tinha dado uma rasteira no incompetente do Nikkós e todo seu séquito de puxa-sacos, então assumi o lugar de diretor jurídico da Karamanlis.

Orgulho-me de ter assumido por meus próprios méritos, mesmo com o peso do sobrenome. Sei que Millos votou pela minha indicação por reconhecer que eu sou o melhor na área, que consigo não só executar o meu trabalho com perfeição, mas que poderia substituir a qualquer um com os pés nas costas.

Substituir! Abro um sorriso ao pensar no meu irmão mais velho ocupando o cargo de CEO. Chegou a hora de mais uma substituição na empresa, é tempo de renovação, de pôr fim ao reinado de Theodoros Karamanlis, e eu, talvez por obra do acaso, já sei como fazer isso.

Entro no quarto e vou direto tomar uma ducha antes de começar meu dia. Minha vontade de derrubar Theodoros não é só pela empresa, é por tudo que ele causou a nós, pelos horrores que nos fez passar na infância ao não medir seus atos, a só pensar em si mesmo. Preciso convencer Alex e Millos de que ele não é a melhor opção e, conhecendo o rancor de meu irmão mais novo, sei que isso não será difícil. O problema é Millos.

Meu primo tem bom relacionamento com Theodoros, foram criados juntos na Grécia e assumiram a gestão da empresa no Brasil para um trabalho em conjunto. Não será fácil convencer Millos, mas sei que tio Vasillis – o pai dele – sempre joga em sua cara que ele é uma sombra, sempre cheirando o rabo de Theo. É nisso que devo focar para fazê-lo mudar de lado.

Claro que quero ser o próximo CEO, estou pronto para isso, mas minha meta principal é expulsar Theodoros da empresa, e farei isso, nem que tenha que renunciar ao maior cargo da Karamanlis em prol de Millos. Quero assistir à derrocada de Theo do mesmo jeito que ele assistiu à do Nikkós – que lamento ter perdido – e provar a doce satisfação de ver as duas pessoas que mais odeio neste mundo na sarjeta.

Saio do banho e pego a mala no armário. Pego um dos Armanis que tenho, dessa vez um azul-escuro, uma camisa branca e gravata Yves Saint Laurent de listras clássicas na diagonal em tons de cinza e azul. Por último, na sacola da academia, ponho os sapatos de couro italiano, e calço tênis de corrida.

Eu treino há tantos anos que nem me lembro de quando comecei. Exercício para mim é fundamental, comecei por causa do corpo, mas descobri que era uma forma de me manter são em meio à bagunça que era minha vida.

Confiro as horas, vestindo o casaco antes de sair do apartamento. Ainda nem amanheceu, mas a academia fica aberta 24 horas, por isso não me importo de ir mais cedo. Não vou voltar a dormir e arriscar ter mais e mais pesadelos. Já tentei de tudo para que eles sumissem, mas nada os faz ir.

— Bom dia, doutor! — o porteiro da madrugada me cumprimenta ao abrir a porta do prédio.

— Bom dia! Acho que seu time leva o brasileirão este ano — comento, apontando para o jornal que ele tem na mão.

— Ah, doutor, vamos levar, sim. Sinto muito pelo seu! — Sua expressão não é nada lamentosa.

— Vou fingir que acredito, Erasmo! Mas a Fiel não desiste, tenho certeza de que conseguiremos entrar na classificação para a Libertadores.

— Sonha, corintiano! — ele debocha, e eu mostro o dedo do meio, levando-o às gargalhadas.

Erasmo é o único porteiro com quem tive contato até hoje no prédio, exatamente por entrar e sair dentro do horário de seu turno. Quase nunca estou em casa antes da meia-noite e nunca permaneço depois das 5h da manhã. Não durmo muito, como perceberam; prefiro não dormir.

Há alguns anos, Erasmo veio trabalhar com a camisa do Palmeiras por baixo do uniforme e, à madrugada, encontrei-o vendo a reprise de um jogo e exibindo o verdão da peça. Ficou roxo ao me ver, pediu desculpas e colocou o uniforme de volta. Reconheci o medo em seu semblante, afinal estava em horário de trabalho dentro de um dos mais luxuosos prédios residenciais da Paulista. Encostei-me contra o balcão e perguntei quanto estava o jogo – um clássico entre Palmeiras e Corinthians a que eu também não tinha assistido –, e, a partir daquele dia, sempre estávamos trocando farpas divertidas sobre futebol.

Não pensem que sou sociável, simpático ou qualquer coisa do tipo. Não sou! Aquilo foi apenas um fato isolado, uma casualidade em um momento em que eu estava de bom humor o suficiente para relevar a falta do funcionário e ainda brincar com a situação. Às vezes gosto de transgredir regras, mas só às vezes. No geral sou bem engessado, o “típico” advogado sério, legalista e burguês.

Há quem diga que sou mais do que isso. Arrogante, misógino, petulante e invejoso. Sinceramente, foda-se para o que pensam e o que digam de mim. Não faço tipo, nunca farei, não faço questão de que gostem de mim, isso tudo é ilusão. Já aprendi que tudo nessa vida gira em torno de um só jogo, o do interesse. Pessoas gostam de quem pode ser útil a elas em algum momento. O ser humano é tosco, como bem asseverou Hobbes1: homo homini lupus.2

Por isso não entro nesse jogo, sou direto, claro e não faço a mínima questão de ser polido com quem não merece ou educado apenas para fazer mise en scène 3. Não uso falsa modéstia, sou foda mesmo e não tenho vergonha nenhuma disso, afinal estudei muito para ser assim; não trato ninguém com meias verdades e não tenho “dedos” para falar com minha equipe. Se não aguenta a pressão que imponho, não serve para estar em um tribunal e defender a Karamanlis.

Entro na academia e, durante uma hora e trinta minutos, não penso em mais nada a não ser nos movimentos e nos exercícios. Acho que é o único momento em que fico com a mente em branco, sem pensar em trabalho ou lembrar da minha vida fodida.

Suado, vou para o banheiro reservado que pago para ser só meu após o treino. Arrumo minha roupa de trabalho, coloco a da academia, inclusive o par de tênis, dentro de uma bag de lavanderia já etiquetada com meu nome e abro o chuveiro, pensando em relaxar.

Meu celular apita uma notificação de mensagem, e, quando vejo o nome da remetente, abro um sorriso faminto e totalmente provocador.


“Acordei excitada, mas preciso trabalhar. O que faço?”


Sério?!

Olho para baixo e já vejo meu pau reagindo à simples imagem que se forma em minha mente ao ler a mensagem. Filha da puta! Ainda não sei por que não bloqueei essa mulher. Respiro fundo, resistindo ao máximo à ideia de esfolar meu pau em busca de alívio. Não sou a porra de um adolescente com uma paixonite.


“Foda-se o trabalho! Só preciso do endereço e fodo com você sem problema!”


Deixo o celular sobre o banco do vestiário e entro no chuveiro, já sabendo que ela me mandará uma resposta padrão: “não dá tempo”; “ainda não sei”; “quem sabe amanhã”. Ouço o barulho da notificação de mensagem do aplicativo, mas ignoro, assim como o faço com minha ereção fora de propósito.

Conheci essa mulher – pelo menos eu acho que seja uma mulher – em uma noite fodida em que eu tentava dormir, e os pesadelos não deixavam. Era véspera de Natal, não tinha nada a fazer, não curti nenhuma das garotas de programa que estavam disponíveis na agência que uso para esse fim, então acabei instalando a porra de um aplicativo de encontros sexuais.

Sempre tive receio de usar essas ferramentas, pois a maioria dos que estão por lá não quer apenas uma trepada ocasional, mas sim um relacionamento. Acabei me rendendo ao Fantasy, que garantia que todos seus membros sabiam que estavam ali para achar parceiros para foder, realizar fantasias e só, sem conversas desnecessárias, sem troca de fotos mentirosas, sem nenhuma expectativa além da satisfação sexual.

Cadastrei-me depois de preencher um longo questionário – inclusive onde coloquei número de documentos para que eles pudessem comprovar que eu era maior de idade –, paguei pelo VIP, com salas exclusivas para encontros grupais – e entrei. Diferentemente do que eu usava na agência de garotas de programa, a pesquisa não era feita por atributos físicos, mas sim por fantasias.

No cadastro eu havia marcado a opção hétero, por isso sabia que não seria direcionado para salas homo ou mesmo bissexuais, mas fiquei perplexo ao descobrir que mesmo com essa opção marcada, havia salas de voyerismo, onde eu podia assistir a um casal ou mesmo um grupo gay, mas sem participar.

Pulei todas elas, indo direto para “encontro sem restrição” ou o que quer que isso significasse e em seguida comecei a receber mensagens de várias mulheres e a visualizar muitos perfis. O primeiro que me chamou a atenção era o único que não tinha um rosto, mas apenas a foto de um belo par de pernas sendo bronzeado numa praia.

Eu fiquei excitado com aquelas pernas! Podia imaginá-las enroscadas em mim, minha boca percorrendo suas coxas de pele brilhante e músculos rijos. Selecionei-a, mostrando interesse e mandei uma mensagem perguntando onde poderíamos nos encontrar para foder.

Fui ignorado, sumariamente ignorado, e acabei fodendo uma loirinha bem gostosa em um motel barato da cidade e, claro, renovando minha assinatura no aplicativo, pois cumpria o que prometia: fodidas rápidas, sem nomes, em locais neutros e só.

Um mês depois, a dona das belas pernas me mandou uma mensagem, e eu, animado, já fui logo querendo marcar encontro, mas, ao contrário das regras claras, ela quis “conversar” sobre minhas preferências primeiro.

E lá se vão quase seis meses conversando sobre preferências!

Antes de me vestir, confiro a mensagem e gemo, pegando meu pau com força. Porra!


“Aqui, na minha cama. Abra a porta e venha direto para o meu quarto. Você vai me encontrar nua sobre lençóis macios e cheirosos. Minhas pernas estão bem abertas, meus dedos patinando na entrada molhada da minha boceta, o que me deixa ainda mais excitada. Adoro estar úmida desse jeito! Adoro saber que é você quem me deixa assim todas as vezes, mesmo tendo esse nome ridículo para falar enquanto gozo. Você se lembra como gosto de me tocar, Portnoy?”


Rosno de raiva e tesão, relembrando todas as vezes que trepamos assim, criando cenários, situações e gozando sem ao menos saber um o rosto do outro. Minha foto de perfil é um copo de cristal cheio de bourbon, e a dela continua sendo de suas belas pernas.

Criei uma imagem dela só minha, sensual, delicada e firme como suas pernas, às vezes era morena, negra, loira ou ruiva, não importava, mas sempre era ela. A Caprica é a minha mais nova obsessão e a única fantasia que tenho buscado no aplicativo ultimamente.

Só não cancelei minha assinatura por causa dela, pois não sabemos nossos nomes, não temos nenhum contato um do outro, o único modo de falarmos é pelo privado do app. Não foi por falta de insistência, quis trocar e-mail, número de telefone e, principalmente, fodê-la de uma vez, mas a espertinha sempre se negou. Ameacei cancelar a conta e sumir, e ela, muito habilidosa e experiente, criou uma cena que me fez gozar como um louco, e eu desisti.

Não é o tipo de sexo que gosto de fazer, mas confesso que é altamente erótico, e, quando cansarmos da brincadeira, nem mesmo vamos ter um nome para lembrar. Seguro, gostoso, sem complicações: perfeito! Meu fluxo com as garotas de programa diminuiu muito depois dos nossos “encontros”, e minha satisfação anda quase a 100% – só não está assim porque não estou dentro dela.


“Eu lembro, gostosa. Você gosta de se lambuzar, deslizar seus dedos em movimentos circulares pelo seu clitóris, introduzir dois dentro dessa sua boceta suculenta e depois voltar a massagear. Gosto de te ver fazendo isso, mas gosto ainda mais de substituir seus dedos pela minha língua.”


Quase posso sentir o sabor dela em minha boca, a tensão de seu clitóris vibrando sob minha língua. Gemo mais alto, movimentando meu pau como se quisesse arrancá-lo do lugar, esperando sua resposta safada para gozarmos juntos.


“É assim que te quero hoje, entre minhas pernas, cabeça espremida entre minhas coxas enquanto me chupa sem parar. Sua língua comprida e tensa dentro de mim, seus lábios sobre os meus lábios íntimos. Posso sentir seus dentes, Portnoy, seu rosto está todo molhado, o que faz você deslizar entre minhas coxas, enquanto eu gozo em sua boca gemendo alto, sem me importar com mais nada além do prazer que me faz sentir.”


Porra!

Só tenho tempo de me desviar do terno pendurado à minha frente e gozo sem parar sobre a parede azulejada do vestiário da academia. Sei que ela espera que eu replique sua mensagem, mas não paro de tremer, ainda sentindo os espasmos de prazer. Nunca me masturbar foi tão prazeroso, e penso até que, sem ela, não consigo mais me tocar sozinho.


“Sujei o banheiro da academia de gozo, e a culpa é sua. Quando?”


A resposta é quase imediata:


“Estou atrasada para o trabalho. Obrigada pelo meu gozo matinal, e de nada pelo seu!”


Dou uma gargalhada ao ver seu status ficar “off-line”, deixo o celular no banco e sigo novamente para o boxe, mais relaxado, animado e bem-humorado.

Essa mulher é um vício!


São Paulo, tempos atuais.


O filho da puta vai conseguir!

É só o que eu penso ao ver o memorando com todas as informações sobre a promissória que a empresa adquiriu de um agiota – o que eu achei temerário e questionável – referente a uma dívida contraída por Patrick Hill, o dono do boteco imundo que foi capaz de acabar com a hegemonia de Nikkós na Karamanlis.

Theodoros andava desesperado pela oportunidade de comprar o único imóvel que faltava de toda uma quadra na Vila Madalena e agora fez a empresa se tornar credora de um espólio.

Pego o telefone e ligo internamente para a mesa de Murilo Barros, um dos grandes advogados que tenho trabalhando comigo.

— Pois não, doutor? — ele atende.

— Preciso que você faça uma pesquisa para mim — informo e lhe dou um tempo para que consiga ter em mãos algo para anotar. — Primeiro preciso descobrir se há inventário judicial do espólio de Patrick Hill. Provavelmente a inventariante é a filha dele, Maria Eduarda Braga Hill. Se houver algum registro, preciso do andamento do processo, se já houve partilha ou não. Caso você não ache nada, comece a contatar todos os nossos contatos dos cartórios em busca de um inventário extrajudicial.

— Em alguns minutos retorno, doutor.

Desligo o telefone e olho novamente o memorando enviado pelo Millos, bem como a cópia da promissória, com data já muito perto de sua prescrição. Particularmente eu torço para que a sucessão ainda não tenha ocorrido, visto que Maria Eduarda Hill é a única herdeira viva do de cujus, pois assim Theo terá seu gostinho de vitória postergado pela morosa justiça brasileira.

Caso o inventário tenha sido feito extrajudicialmente em cartório ou já tenha ocorrido o fechamento do inventário com a emissão do formal de partilha em nome da herdeira, poderemos ingressar com ação contra ela mesma a fim de que pague a dívida no limite do que recebeu de herança.

Não sei quanto Maria Eduarda Hill tinha a receber, se seu pai tinha mais de um bem, dinheiro guardado e outros bens, mas sei que o montante da dívida é suficiente para que Theodoros a convença a vender o imóvel para quitá-la.

Meu irmão mais velho e sua eterna rusga com nosso pai. Balanço a cabeça, sentindo asco exatamente por ter noção dos motivos e das consequências que essa disputa entre eles foi capaz de fazer.

Bufo de raiva por estar pensando no passado. Isso não me faz bem, e é preciso ter cabeça fria para conseguir tudo o que quero. Aparentemente consegui um aliado na minha luta contra meu irmão e estou cada vez mais perto de destroná-lo e expulsá-lo de nossas vidas para sempre.

Caminho até a parede de vidro da minha sala e olho o enorme salão cheio de mesas onde os advogados e alguns assistentes trabalham sem parar. Funcionamos no padrão de um escritório de alto nível, só que em menor escala. Tenho 12 advogados divididos em três equipes de quatro pessoas, sendo um coordenador em cada uma delas.

Ao fundo da sala, compenetrado digitando no computador, vejo David Vieira, o coordenador da equipe responsável por todos os contratos da Karamanlis, tanto os que fazemos com clientes, quanto os que fazemos com fornecedores, prestadores de serviço e outros. Do outro lado da sala, pesquisando o que lhe pedi, está Murilo Barros, coordenador da equipe de contencioso – dos que vão a fóruns, audiências e julgamentos –, responsável por toda e qualquer ação da Karamanlis ou contra a empresa. E, por fim, em um canto mais agitado, fica Petrônio Muniz e sua equipe responsável pelos contratos e pelo contencioso das duas subsidiárias da Karamanlis, a K-Eng e a K-Decor, de responsabilidade de Alexios Karamanlis.

Esse pequeno escritório trabalha como uma máquina bem azeitada, e eu gosto que seja assim. Escolhi a dedo cada um dos advogados, que receberam cargos de acordo com seu currículo, tempo de casa e merecimento. Os três coordenadores vieram de grandes escritórios da cidade, já com alta bagagem em direito obrigacional e imobiliário. Abaixo deles, em cada equipe, tem um advogado sênior que responde em sua ausência e controla todo o fluxo de processos – seja interno ou judicial – auxiliado por um advogado júnior e um assistente.

Temos seis estagiários que circulam dentro e fora da empresa, fazendo carga de processos que ainda continuam em papel, fazendo levantamentos em cartórios e auxiliando outros setores da Karamanlis no que seja concernente ao jurídico.

Tenho muito orgulho disso que montei aqui, porque a diretoria passada era um caos total. Ralei muito com os processos bagunçados, prazos perdidos e documentações sem nenhuma ordem. Foram meses de trabalho intenso para deixar tudo como eu gosto de trabalhar e mais de um ano para que estivesse tudo perfeito.

Chamem-me de arrogante por reconhecer que sou muito bom no que faço, foda-se! Sou espetacular, e os resultados que obtenho são a prova disso. Não pago pau para ninguém, sou convidado a dar palestras, a dar aulas em universidades e cursos, e só não o faço porque não tenho saco para aturar imbecis.

O telefone da minha mesa toca, e eu vou até ele já esperando uma resposta de Murilo.

— Doutor, encaminhei para o seu e-mail todas as informações que levantei sobre o que me pediu.

— Vou verificar.

Desligo o telefone e abro o e-mail e um sorriso.

Inventário judicial ainda em andamento!

— É, querido irmão, ainda não vai ser dessa vez! — comemoro girando na cadeira.

 

 

Assobio uma música qualquer enquanto tiro meu filé da grelha e o coloco no prato com salada. Esta noite decidi ficar em casa e adiantar alguns trabalhos que peguei pessoalmente para fazer. Não é sempre que faço isso, mas, dependendo do assunto, se é desafiador a ponto de me fazer debruçar sobre livros para achar uma solução, prefiro fazer sozinho.

Gosto de ler e estudar, principalmente por serem ações solitárias. Nunca fui muito sociável ou tive muitos amigos, pelo contrário, passei a maior parte da minha vida sozinho, aprendi a gostar da solidão e a fazer bom uso dela.

Coloco o prato sobre a mesa de centro da sala e puxo o suporte do computador para perto de mim a fim de que possa enxergar o artigo em alemão que estou lendo. É, eu estudo em alemão, porque sou poliglota, uma das vantagens de ter morado na Europa até meus 12 anos de idade.

Na verdade, a última língua que aprendi, meses antes de vir morar neste país, foi o português. Eu não falava uma só palavra desse idioma, mas, quando meu avô materno decidiu se livrar de vez de mim e me entregar ao meu pai, fez a enorme caridade de me pagar um professor, com quem tomei aulas exaustivas até aprender a falar e escrever de modo que conseguisse viver no Brasil.

Falo o total de cinco línguas com fluência: inglês, minha língua nativa; francês, porque fui obrigado a estudar desde que comecei a falar; alemão, aprendi no colégio; grego, eu mesmo busquei aprender, pois queria melhor contato com meus familiares na Grécia; e o português. Arranho o espanhol, mas nunca me interessei a ponto de querer estudar, e entendo alguma coisa do italiano.

Parece muito, não? Eu fico assustado em como o brasileiro passa a vida inteira sem nem saber seu próprio idioma direito. Na Europa, o homem de cultura média sabe mais de uma língua.

O ensino também me surpreendeu. Quando cheguei aqui, eram férias de verão. Não estava acostumado a iniciar o ano letivo em fevereiro, pois, nos países do hemisfério norte, começa entre agosto e setembro. Entretanto, não foi complicado de me adaptar a isso, mas sim à metodologia em si. Estudei em colégio interno a vida toda, passava pelo menos 12 horas do meu tempo estudando, e aqui, mesmo em colégio de alto nível, estava em sala por, no máximo, cinco horas por dia.

Quando cheguei ao “segundo grau” – hoje tem nome de ensino médio – é que estudei em período integral por causa do vestibular.

Rio ao lembrar que os outros alunos achavam que eu era um ET, e isso, além de outros fatores, não ajudaram nada na hora de fazer amizade.

Dou um tempo nos pensamentos e na leitura para comer um pouco, deliciando-me com o ponto certo da carne. Eu gosto de cozinhar. Não sou expert como Millos, mas sei me virar em uma cozinha. Morei muitos anos sozinho nos Estados Unidos enquanto fazia o doutorado e aprendi, pois nunca gostei de ter outra pessoa no meu espaço.

Não tenho empregada doméstica, pago uma taxa extra ao condomínio para que uma faxineira venha três vezes por semana para limpar o apartamento. A lavanderia manda um carro para buscar minhas roupas sujas, que vou juntando em bags fornecidas por ela, etiquetadas com meu nome, e depois já as deixa passadas e lavadas na portaria, e a faxineira as guarda no armário.

Como o espaço aqui é pequeno, não tenho muitos móveis, apenas um sofá retrátil de três lugares, uma mesa de apoio, televisão, porque gosto de assistir a canais de esporte, uma mesa que serve tanto para fazer refeições quanto para o trabalho – uso-a apenas para trabalhar, pois como no sofá – e uma micro cozinha embaixo do mezanino onde fica meu quarto, com armários, pia, fogão, geladeira e um micro-ondas.

Na parte de cima, fica o banheiro e meu quarto, onde há meu armário, a cama e uma mesinha de cabeceira.

Não há decoração, não há fotos, apenas livros e mais livros por todos os cantos. É um home office bem prático e profissional, mas é como eu quis que fosse, pois não preciso de grande coisa. Já morei em mansões de 30 quartos e em apartamentos de três andares e me sentia sufocar mais do que neste pequeno espaço.

Meu celular vibra em cima do suporte do computador, e ergo uma sobrancelha, sabendo quem é. Fico tentado a ignorar, mas a vontade de provocar é maior do que o desejo de ficar só.

Minha “amiga” virtual é minha companhia diária. Não há um só dia em que não nos falamos, e isso é um tanto irritante, mesmo que eu sempre lhe responda. Nunca tive tanto contato assim com alguém, o que é estranho, porque nem sei quem é essa doida.


“Ei, Punheteiro! Boa noite. Sozinho?”


Rolo os olhos para ela, pois, desde que finalmente se prestou a ler o livro ao qual inspirou meu apelido no site, ela me chama de Punheteiro. Não lembro o motivo pelo qual usei Portnoy quando me cadastrei, e fiquei bem tenso quando ela disse que tinha achado o livro de Philip Roth quando pesquisou esse nome na internet.

Não fazia ideia de que ela tentava descobrir algo sobre mim; isso foi uma surpresa e me deixou desconfiado também, afinal estávamos sempre falando de sacanagem, nunca tentávamos descobrir nada um do outro, pelo menos até aquele momento.

Há algum tempo percebi que ela tem aprofundado ainda mais nossos papos, falando de gostos pessoais, discutindo sobre filmes, música, literatura, comida e outras coisas mais idiotas, como o tempo etc. Há algumas semanas falou sobre querer praticar exercícios e sobre sua carreira. Acabou que me perguntou sobre a minha também, e conversamos sobre isso.

Toda vez que ela desvia nossas sacanagens para esses assuntos, tento puxá-la de volta para a segurança de nossa “relação” sexual, mas acabo cedendo e conversando com ela sobre o que quer. Ela tem o dom de me conduzir aonde quer, e isso é algo admirável.

“Minha” Caprica é formada em administração de empresas, mas trabalha em outra coisa – não disse ainda no que –, é solteira, viciada em sexo, tem a filosofia “viva e deixe viver” e, infelizmente para ela, tem péssimo gosto literário. Rio ao pensar nisso.


“Oi, Cabritinha. Estou fazendo um intervalo no trabalho e jantando. Aposto que seu rabo é bem mais saboroso que o filé mignon que estou comendo agora.”


Tenho certeza de que ela vai retrucar o fato de eu chamá-la assim, em referência ao seu apelido; mastigo mais um pedaço de carne e quase engasgo quando leio sua resposta.


“Cabritinha de cu é rola! Sou uma caprica já mocha. Quanto ao meu rabo, pode ter certeza de que é muito mais gostoso do que qualquer outra coisa que você já tenha provado.”


Mando um emoji pensativo para ela.


“Que tal provar meu rabo hoje? Comprou o que eu pedi?”


Olho para a sacola preta jogada em cima do balcão da cozinha e respiro fundo, ainda sem acreditar que entrei na porra de um sexshop com a impressão de uma foto que essa doida me mandou. Quando vi que tinha um anexo no chat que a gente usa, corri para abrir pensando que ela finalmente cedera e me mandara uma foto sua – nem que fosse de sua boceta em close –, mas não, apareceu um ovo com uma mensagem escrita embaixo: “me compre”.

Joguei o nome do aparato no Google e descobri que era um masturbador masculino. Vi alguns vídeos explicativos e me senti curioso, imprimi a foto e, depois de sair da Karamanlis, fui até uma loja de brinquedos eróticos e comprei o dito cujo.


“Talvez...”


Respondo ganhando tempo, pois, por mais curioso que eu esteja com o brinquedo, não quero admitir a ela que fiz o que mandou.


“Você comprou, tenho certeza, e o modelo que eu sugeri. Aposto minha bunda nisso!”


Filha da puta!

Reconheço uma adversária à altura, uma pessoa segura de si, poderosa, e isso joga meu tesão nas alturas. Abandono o filé por completo, afasto o computador e vou até o balcão resgatar a sacola com o estranho objeto.

Tiro o invólucro, leio as instruções e abro o fecho da calça, tirando meu pau da cueca, alisando-o ao longo de sua extensão, fazendo-o vibrar em expectativa, sentindo as veias altas se encherem de sangue e sua circunferência aumentar.


“Sua bunda não estará a salvo hoje, Cabrita. Diga-me como você gosta de ser enrabada!”


Pego a embalagem de lubrificante que vem junto, despejo o gel na cavidade do ovo e a esfrego na cabeça do meu pau, sentindo o gelado se misturar ao calor em brasa.

Gemo.


“De quatro. Minha bunda empinada em sua direção, joelhos afastados, tronco todo abaixado, encostado no colchão. Minha cabeça está de lado, pois tento olhar você vindo por trás de mim.”


Fecho os olhos, e a imagem se constrói em minha mente. Uma bunda linda, redonda, bronzeada como as pernas do seu perfil, com uma marquinha de biquíni minúscula a se perder entre suas nádegas. A vontade de enterrar meu pau dentro de seu cu apertado seria enorme, mas eu me conteria; nunca fui afoito ou ansioso.


“Vou segurar seus quadris com força, quero deixar as marcas dos meus dedos sobre sua pele. Depois afastar suas nádegas, exibir seu cu lisinho, todo depilado à minha espera. Vou lamber primeiro, porque não vou colocar pomadas, lubrificantes nem nada que possa facilitar sua vida. Quero você crua, ao natural, para sentir cada pedaço do meu pau entrar no seu rabinho. Vou chupar você, sua boceta, enfiar a língua dentro dela, depois fazer o mesmo no seu cu. Tenho a língua comprida, já te disse isso, e sei usá-la bem, então você vai sentir quando começar a alargar suas pregas.”


Começo a esticar o brinquedo pelo meu pau, sentindo a tensão, a textura dentro dele, fantasiando ser o corpo dela. Escuto a notificação e gemo ao ler.


“Adoro sua língua em mim. Estou pingando de tesão, pronta para sentir seu pau grande e grosso rasgando meu rabo enquanto massageio minha boceta e gozo desesperadamente. Estou quase lá. Já provou o brinquedo?”


Provei e aprovei!, penso agitando-o rapidamente, repreendendo-me por nunca ter procurado algo semelhante para “tocar uma”. É uma delícia! Claro que não substitui ou se compara a uma boceta ou um rabo de verdade, mas é extremamente mais prazeroso do que a mão.

Na minha fantasia, já estou fodendo-a e ouvindo seus gemidos. Ativo a digitação por voz e vou falando enquanto a cena se desenvolve em minha mente:

— Mordo sua bunda antes de me levantar, posiciono a cabeça do meu pau em sua entrada e pressiono, sentindo seu cu apertando a cabeça. Deslizo com mais força para dentro; você geme alto. Eu consigo sentir seu corpo balançando por causa de sua mão estimulando seu clitóris, o que me causa ainda mais prazer. Eu gostaria de ter nascido com dois paus para poder te comer nos dois buracos ao mesmo tempo. — Gemo, sentindo o orgasmo se aproximando, antes de prosseguir: — Goza enquanto como seu rabo com força, te segurando pelos quadris.

Aumento os movimentos e, em instantes, explodo dentro do ovo, deixando minha porra encher o brinquedo como gostaria de estar enchendo o rabo da diaba que me tira do prumo.


— Doutor, saiu a publicação do...

— Agora não, Murilo.

Passo direto por um dos coordenadores de equipe da diretoria jurídica da empresa e entro em minha sala, fechando todas as persianas à minha volta. Xingo, frustrado, sentindo essa energia estranha no meu corpo que só me acomete quando entro em embates desnecessários com aquela baixinha brigona da gerência dos hunters.

Eu estou de saco cheio dela! Sem paciência nenhuma para seu feminismo de folhetim barato e seu jeito de pinscher que se acha pitbull.

Vou até o armário que fica nos fundos da minha sala e pego a garrafa de William Larue Weller4 que trouxe de minha última viagem aos Estados Unidos e deixei guardada aqui para ocasiões especiais – ou emergenciais – como essa.

Pego o copo de cristal que deixei junto, bem como um dos charutos cubanos que gosto de fumar para me acalmar. Eu sou fumante, como vocês já devem saber, comecei a fumar ainda muito novo e, embora evite fazê-lo dentro da empresa, não resisto a, pelo menos, acender um charuto de vez em quando.

Pego uma das toalhas do meu banheiro e cubro o sprinkler para que não acione ao detectar a fumaça do charuto e me dê um banho. Sirvo-me de uma generosa dose de bourbon antes de cortar e acender o charuto.

Eu não entendo o motivo pelo qual aquela mulher me desconserta tanto, mas o fato é que ela consegue me fazer ferver, justo eu, conhecido por ser um homem frio. Nada me tira do sério, estou sempre ironizando, sempre debochando e ligando o “foda-se” para a opinião que qualquer pessoa possa ter de mim. Dificilmente perco a cabeça, senão já teria chamado muito juiz de “burro” e desembargador de “comedor de merda”, mas não, apenas dou uma risada curta que já transmite todo meu desprezo sem precisar dizer uma só palavra.

Ela também não me afetava o mínimo, afinal eu nem sabia que tal criatura existia até meses atrás, quando meu mentecapto irmão mandou a mulher que era a gerente tirar férias por achar que ela estava surtando. Bom, ela estava, mas e daí? Era paga para trabalhar e, se não aguentasse a pressão, que fosse substituída! Mas não, Theodoros Karamanlis, o grande deus dessa pocilga, achou que Malu Ruschel tinha que tirar férias e colocou essa pintora de rodapé em seu lugar.

A garota, que até então era muda e invisível, resolveu crescer e justamente para cima de mim!

Lúcio Xavez, um dos diretores que Theo manteve da gestão de Nikkós, finalmente decidiu pendurar as chuteiras, e, em vez de ser apenas contratada outra pessoa para seu lugar, meu irmão teve a brilhante ideia de fazer uma espécie de concurso interno entre seus gerentes e promover o que fosse melhor.

Pois bem, a tal da Malu Ruschel foi indicada, e até eu via que tinha grandes chances de ganhar, porque a mulher era totalmente louca pelo trabalho. Até que surtou, começou a cair dura para todos os lados e teve que ser enviada – por sua querida amiga da onça – para o cu molhado do mundo, vulgo Pantanal.

Acontece que, sem querer, Malu achou o local que estávamos procurando havia anos, mas ficou cheia de merda porque estava trepando com o peãozinho do lugar. Foi aí que eu resolvi intervir, claro! Era óbvio que eu não ia deixar um puta negócio daqueles se perder por conta de umas roladas no feno.

Pouco antes de ela comunicar ao seu pessoal que havia encontrado o lugar, aconteceram umas merdas com os outros concorrentes, e o Conselho Administrativo da Karamanlis resolveu nomear “fiscais” do trabalho de cada um dos gerentes que concorriam à vaga, e eu me dispus – porque não era bobo e nem cego – a ficar com a equipe da Malu Ruschel, chefiada no momento por uma tal de Wilka Maria Reinol.

Não tive problemas com ela a princípio; tudo o que eu solicitava, ela me atendia de pronto, sempre muito organizada com suas coisas, com resposta pronta para todas as minhas perguntas, o que me deixou bem admirado de sua competência, afinal era uma moça aparentemente jovem, mas que mostrava segurança e eficiência.

Quando a coisa toda começou a ficar tensa entre nós? Quando eu vi o e-mail que Malu passou para um dos seus hunters – Leonardo Paschoali – indicando o local que havia encontrado. Fiquei louco, principalmente porque tinha certeza de que era o que nosso cliente queria havia meses e não achava, então coloquei uma das equipes, a em que mais confio, para pesquisar documentos e informações, atrás do histórico do imóvel.

Pronto! Foi o que bastou para a mini Mike Tyson querer armar uma luta contra mim.

Rio, bebo um gole do bourbon sentindo o sabor delicioso da bebida envelhecida por mais de dois anos em barris virgens e levemente tostados de carvalho americano e me lembro de como ela invadiu esta mesma sala soltando fogo pelas ventas.

— Suspenda a viagem dos seus advogados agora mesmo!

Eu estava sentado nesta mesma cadeira confortável, calmamente analisando um contrato que David havia me mandado e apenas olhei-a sem erguer a cabeça e franzindo a testa, sem me mover em nenhum momento.

— Retire-se, estou ocupado — respondi e voltei minha atenção ao computador.

Ouvi seus passos firmes, os saltos de seus sapatos fazendo “poc-poc-poc” sobre o assoalho da minha sala. Pensei que tivesse me livrado da pequena invasora, mas não! De repente, ela apoiou suas mãos com força sobre os papéis em cima da minha mesa.

— Doutor Konstantinos, não estou brincando, é uma situação muito delicada essa da propriedade que Malu Ruschel apontou, e nós combinamos de agir com sutileza e cautela, o que suas marionetes não são capazes de fazer. Então recue e nos deixe trabalhar.

Soltei minha risadinha e joguei o peso do corpo para o encosto da cadeira, girando-a de um lado para o outro. Encarei a gerente interina pela primeira vez, notando sua pele bonita, bem-cuidada, os olhos grandes e amendoados e os cabelos negros cortados na altura do pescoço. Ela tinha uma bela boca; mesmo franzida de raiva, era sexy.

— Você já ouviu falar de hierarquia funcional, senhorita Reinol? — Não a deixei responder: — Acho que não, então vou desenhar para você. — Aproximei-me dela, arrastando minha cadeira para bem perto da mesa e inclinando meu corpo em sua direção. — Eu estou aqui. — Coloquei a mão direita bem perto de seus olhos. — Você, aqui. — Encostei o dedo da mão esquerda na mesa. — Agora uma pergunta difícil, preste atenção! Quem é superior a quem?

Vi que ela respirou fundo duas vezes antes de aprumar o corpo e se afastar. Abri um pequeno, mas totalmente vitorioso sorriso.

— É, já vi que é perda de tempo! — Eu assenti, concordando. — Bem, para que vou perder tempo falando com qualquer mensageiro se posso falar direto com deus? — Ela sorriu para mim quando fiquei sério, entendendo sua analogia. — Passar bem, doutor. Espere por um memorando da diretoria executiva. — A petulante caminhou até a porta, mas não saiu. — Ah... — Ela ergueu uma das mãos com a palma virada para mim, e a outra fechada, atrás dessa. — Sabe o que significa? Aposto que não! Essa — mexeu a mão aberta — é o doutor Theodoros, e essa — pus-me de pé assim que ela sorriu e mexeu a mão fechada atrás da outra — é o senhor cheirando o rabo dele. Boa tarde.

Ela virou-se para sair, mas eu – nem lembro como andei tão rápido – a impedi, segurando em seu braço pequeno e frágil.

— Você é muito petulante entrando aqui dessa forma, exigindo coisas de mim. Por acaso tem noção de com quem está falando? Não tenho o mesmo nome dessa porra aqui em vão, sou um dos donos, e você é uma reles...

— Vou contar até três para o senhor tirar sua pata de meu braço, a não ser que o doutor tenha se esquecido das leis com que tanto trabalha e queira levar um enorme processo por assédio.

É sério que eu nunca vou esquecer de sua voz e da determinação que vi em seus olhos naquele dia. Mexeu comigo de um jeito tão estranho, tão desconhecido que me afastei instantaneamente.

— Eu entendo que o doutor tenha sido designado para acompanhar nosso trabalho, mas o que está fazendo é mais do que acompanhamento, é interferência! O local não está à venda e, sim, está em uma situação complicada, mas pressionar como o senhor mandou fazer, é tudo o que não precisávamos para tentar negociar.

— Não preciso de negociação...

— O projeto não é seu, a decisão também não! — Wilka frisou e apontou o dedo para minha cara no exato momento em que vi meu odiado irmão mais velho parar atrás dela. — Malu Ruschel é quem está concorrendo à vaga de diretora, ela é a responsável por achar e negociar os imóveis. Não passe por cima dela com sua arrogância masculina!

— Algum problema? — Theo perguntou, e ela tomou um susto ao vê-lo.

— Espero que não, estava só deixando uma coisa clara aqui para o doutor Konstantinos Karamanlis.

— Não vi nenhuma claridade em seus argumentos, Wilka Maria, só birra de criança mal-educada.

Naquele exato momento pude vê-la ficar roxa de raiva e soube que ia explodir a qualquer momento. Que mulher louca é essa que arrisca o próprio emprego em prol de um pedido de sua chefe? Que tipo de lealdade é essa?

— Senhorita Reinol, eu peço que se acalme e...

— Foda-se! — ela explodiu, seus olhos brilhantes, sua pele ainda mais bonita, corada, o corpo um pouco trêmulo de raiva e saiu marchando para fora, empurrando Theo para o lado e passando entre as mesas dos advogados, que a fitavam pasmos.

Segui-a com os olhos até desaparecer do lado de fora do setor, sem deixar de notar em como, mesmo em um corpo compacto, suas curvas eram bem-proporcionadas, combinando com ela. A petulante é interessante!, pensei.

— Você é mesmo um escroto! — Theo ofendeu-me à queima-roupa, e eu o olhei com a testa franzida e um sorriso cínico.

— Você concordou com todos os meus passos, não estou fazendo nada pelas costas de ninguém. — Voltei para minha mesa a fim de continuar o trabalho que a tempestuosa baixinha havia interrompido. — Não entendo o motivo pelo qual Malu Ruschel está cheia de dedos com esse negócio, ela nunca foi assim.

— Deixe que com Malu eu me entendo! — Ele riu. — Mantenha-se afastado da Kika, ela estava prestes a te dar umas porradas na cara. — Ri em deboche, e ele virou as costas com o intuito de me livrar de sua pestilenta presença. — Eu iria ser obrigado a impedi-la e teria que conviver com esse arrependimento para sempre. Poupe-me!

Arrogante maldito!, penso em Theo, deixando as lembranças do primeiro embate com Kika de lado. Depois desse, tiveram muitos, cada vez mais frequentes e violentos, pelo menos na seara verbal – até hoje.

Passo a mão sobre o rosto, ainda sentindo-o úmido pela água gelada que aquela garnisé me jogou na cara ao pedir demissão. Mulher petulante, deveria ter sido despedida por justa causa, isso sim! E Theodoros? Bufo de raiva, fumando o charuto.

Primeiro, esteve aqui colocando banca para cima de mim com aquele discurso de merda – “eu sou seu chefe” – e apoiando os desmandos de Wilka Maria.

O projeto que ela ia apresentar para o cliente ainda não tinha passado por mim, embora tivesse sido analisado pelo pessoal do David – com quem tive uma conversa clara e o proibi de interagir diretamente com os hunters –, que deu aval a toda a documentação do local escolhido.

Tentei argumentar com a irracional gerente dos hunters, mas ela insistiu em apresentar, alegando que o jurídico já tinha ratificado tudo, e marcou a reunião pelas minhas costas. Quando vi na agenda geral da empresa que haveria uma apresentação e vi sobre qual era o assunto, não pude acreditar, fui até a sala de reuniões principal da empresa, na diretoria, e mandei o doutor João Antônio – um dos meus advogados – descer, pois não compactuaria com uma reunião cujo conteúdo eu não pudera avaliar.

Aí a pirracenta fez um show, dizendo então que ela não iria fazer a apresentação e que deixaria o cliente vir até a empresa à toa e que eu me resolvesse com o Theodoros depois, visto que a participação do jurídico era crucial para sua apresentação.

Pois bem, desci para minha sala de novo, pedi à doutora Eleonora – que também funciona como minha assistente – para ligar desmarcando a fatídica reunião e aguardei a repercussão da minha decisão, pois sabia que a “menininha” iria chorando contar tudo para o “papaizinho”.

Foi o que aconteceu, Theo veio até mim, falou um monte de idiotices, e eu fiquei surpreso por ele não me repreender por ter desmarcado a reunião sem falar com ele; não combinava com o jeito centralizador que tem de gerir a empresa. Olhei para a agenda geral de novo – na nossa intranet – e percebi que a reunião ainda estava marcada como ativa.

Puta que pariu!, pensei ao sair correndo da sala, mas, antes que eu conseguisse alcançar meu irmão, vi as portas do elevador se fecharem e o sorriso debochado de Theo falando com seu assistente.

Foda-se! Dei de ombros e esperei o outro elevador com o firme propósito de ir até lá e assistir ao desespero deles como se não soubesse de nada, porém, antes de chegar lá, pensei melhor e fui para o refeitório da empresa tomar um café, ler um jornal e, quem sabe, até fumar um cigarro no terraço.

O café estava ótimo, o que era quase um milagre, pois o nível de alimentação no refeitório é sofrível, e caminhei com o telefone na mão para fumar meu cigarro. Como não costumo olhar mensagens pessoais durante o expediente, ainda não tinha visto nenhuma das notificações que haviam chegado desde a manhã.

— Ah... olha a Cabritinha aqui! — disse ao abrir o chat do Fantasy.


“Hoje vai ser um dia especial, eu espero. Que tal um encontro hoje à noite para que possamos comemorar meu grande feito? Imaginei se você gostaria de me comer em algum hotel barato de uma área decadente da cidade e já criei minha cena de entrada. Quer saber?”


Como não vi a mensagem e não respondi, ela simplesmente me descreveu a cena deliciosamente construída como só ela sabe fazer, deixando-me de pau duro mesmo diante de toda a tensão despertada na empresa.


“Vou te pedir para ir antes, levar sua bebida favorita, sentar-se em alguma cadeira por lá. Escolha um quarto onde as luzes de néon com o nome do lugar possam iluminar tudo de vermelho ao piscar, sirva-se de sua bebida, não tire a roupa e me espere. Você vai ouvir o som dos meus sapatos enquanto eu subo as escadas de madeira antiga e, a cada degrau que ranger, saberá que estou mais próxima.”


Imediatamente a cena se construiu em minha mente, e comecei a escrever de onde ela parou, sentindo na ponta dos dedos o pulsar do tesão, a sensação de estar esperando por ela, de poder finalmente sentir seu corpo e foder sua boceta até me fartar.


“Bebo devagar e acendo um cigarro para te esperar. Afrouxo a gravata; meu paletó está pendurado no encosto da cadeira, e as luzes do néon deixam o quarto ainda mais decadente. O lençol da cama é quase transparente de tão gasto, deve haver pulgas nesse colchão, assim, não poderei te comer sobre ele. Confiro a mesinha onde está a garrafa do meu uísque, entretanto, dou-me conta de que um de seus pés está apoiado sobre uma pedra. Descarto a chance de te comer ali também. Terá que ser em pé, de assalto, assim que você abrir essa porta.”


O barulho de porta batendo me fez bloquear o celular. Guardei-o no bolso da calça e encarei a pequena gerente, acompanhada de meu irmão, vindo em minha direção muito brava.

— Segundo round; lá vamos nós! — zombei com um sorriso debochado, mas, assim que a vi pegar um copo cheia de água abandonado em uma das mesinhas do terraço, soube de sua intenção.

— Você não... — não terminei de falar, quase afogado na nojenta água em que alguém outrora babara e ficara ali, a pegar poeira e sabe-se lá mais o quê. Fiquei tão estarrecido com a atitude dela que não consegui formular mais nenhuma palavra, apenas olhava-a como se fosse uma criatura de outro planeta.

Ela pôs o copo calmamente sobre a mesa perto de mim, virou-se para o banana do meu irmão, que nada disse sobre a atitude desrespeitosa e antiprofissional que ela acabara de protagonizar, e me surpreendeu pela segunda vez.

— Eu me demito!

Theodoros – e acho que eu também – arregalou os olhos e assistiu, sem palavras, à saída magistral de sua pequena guerreira ofendida.

— Você é mesmo um filho da puta! — Theo me ofendeu sem nem ao menos me olhar, ainda parado e encarando a porta por onde Wilka Maria saíra.

— Eu sou, nunca neguei! — Sequei o rosto precariamente e passei por ele. — Somos todos, caro irmão, cada um com sua maldição.

Desci direto para minha sala, sem nem mesmo passar no banheiro para me secar, pensando apenas em fumar e beber pela segunda vez nesse dia de merda.

O celular treme em meu bolso, e eu lembro que mandei mensagem para minha foda virtual. Não estou com clima para conversa, perdi o tesão nisso. Termino o bourbon, apago o charuto, jogando o resto no lixo e decido que já tive o suficiente de merda por hoje.

Pego o celular, mas vejo uma mensagem do Millos e nenhum sinal da Caprica. Então abro o aplicativo onde contrato as garotas de programa, encomendo logo duas, escolho o local de encontro em um pulgueiro no Centro da cidade e saio da empresa sem falar com ninguém.

Assim que chego à calçada, chamo um Uber e dou o endereço do local marcado como ponto de encontro com as moças.

Eu nunca soube ao certo como minha “amiga” virtual é. Uma vez ela se descreveu alta, corpo curvilíneo, cabelos longos, cacheados e escuros e olhos cor de mel. Era claro que ela estava mentindo, percebi de cara, e a pressionei a me falar a verdade, e a filha da mãe descreveu uma loira.

O que isso tem de relevante? Agora, toda vez que contrato prostitutas, ou são morenas de cabelos cacheados, ou loiras, o que restringiu demais minhas opções nas agências que oferecem esse tipo de serviço.

A danada se infiltrou em minhas fantasias com seu jogo de enrolação, suas conversas madrugada adentro e o sexo delicioso que fazemos juntos.

Fecho os olhos e tento não pensar no dia de hoje na empresa e de tudo o que aconteceu com a gerente irritadinha.


Toda vez que escuto a música Happy do Farrel Williams, sei que é hora de brilhar! É um dia importante, por isso meu despertador aciona a música para eu já acordar animada.

Abro os olhos com um sorriso no rosto, espreguiço-me, balanço o corpo na cama cantando e batendo palmas. Eu adoro essa vibe, adoro minha cama espaçosa, este quarto lindo de viver, os sons gostosos dos pássaros nas árvores das calçadas e...

Sinto um peso em cima do meu corpo e em seguida sou atacada com beijos sem fim.

Dou gargalhadas, às 6h da manhã, com o som alto ecoando felicidade pelo apartamento, e um gostoso em cima de mim. Passo a mão pelo seu corpo firme, sentindo os pelos de sua barriga, subindo em direção ao peito até segurar seu rosto e encarar seus lindos olhos castanhos.

— Bom dia, Kaká! — digo antes de receber outra lambida no nariz. — Com fome? — Ele balança o rabinho. — Vou levantar e fazer nosso café da manhã, mas antes preciso fazer xixi. Já fez o seu?

Ele volta a me lamber, e eu afago suas orelhas, levantando-me da cama com ele em meu colo. Kaká é um yorkshire terrier de pouco mais de seis meses que acabei adotando de uma das meninas com quem dividia apartamento até meses atrás. Ela ganhou o bichinho do namorado, mas o relacionamento durou só mais duas semanas depois do presente. Ela quis devolver o cãozinho, o ex-namorado não aceitou, então eu disse que cuidava e fiquei com ele.

Ela o chamava de Mozi – apelido do namorado –, mas o nome não combinava em nada com o animalzinho tão pomposo, com pedigree registrado de um canil na Inglaterra. Isso me fez lembrar de um certo advogado que, nessa época, achava sexy, charmoso e misterioso, também nascido nesse país.

Sim, infelizmente dei as iniciais daquele boçal do Konstantinos Karamanlis ao meu cãozinho – KK, que estava bordado em todas as coisinhas dele, como caminha, coleira e gravatinha. Ele tinha até sapatinhos com essas iniciais, mas acabou comendo um deles, e os joguei fora.

Kaká – para disfarçar, refiro-me a ele assim agora – não é um animalzinho que dê sorte para relacionamentos em geral – nem mesmo aqueles apenas profissionais –, pois, semanas depois que o adotei e o nomeei, doutor Kostas e eu tivemos uma briga por conta da fazenda Paraíso no Pantanal e, desde então, nunca mais nos entendemos em nada.

Quis me livrar do bichinho? De jeito nenhum! O irracional era aquele Bostas arrogante, não meu bebê peludo. É por isso que, quando Kaká apronta, eu o chamo pelo nome completo!

Gargalho ao entrar no banheiro e o colocar no chão. Ele, muito safadinho, vai direto cheirar meu cesto de roupa que fica em um canto.

— Não coma outra calcinha minha, Kaká, senão vou te chamar de Konstantinos de novo!

Amedrontado com essa possibilidade, pois já conhece o som desse nome e sabe que não é coisa boa – viram só como é esperto? –, Kaká se afasta, vai até onde fica seu tapete sanitário e faz seu xixi matinal.

— Bom garoto! Vai ganhar um biscoito extra!

Tomo meu banho com ele sentado à porta do boxe a me olhar como um cão de guarda. Acho fofo isso nele, é tão protetor! Kaká é minha família, cuido dele como se cuidasse realmente de uma criança, embora saiba que são situações muito diferentes. Ele preenche todo o vazio que eu sentia, é companheiro, afasta um pouco a solidão que ficou em mim quando perdi meus pais – com diferença de meses entre um e outro – e por ter perdido a companhia de Malu, mesmo falando com ela todos os dias.

Saio do banheiro com ele em meu encalço, provavelmente entediado com minha demora para alimentá-lo, e coloco um roupão antes de ir para a cozinha. Lavo o cabelo todo dia de manhã, fico irritada com cabelos agarrados na cabeça e, como o meu é oleoso, necessito limpá-lo sempre. Adoro a sensação de limpeza e só me sinto verdadeiramente desse jeito quando meus fios estão cheirosos. É por isso que mantenho minhas madeixas pouco abaixo das orelhas, porque não tenho tempo a perder, preciso de praticidade, e cabelo longo dá trabalho.

Entro na cozinha e suspiro para os raios de sol entrando pelo vidro da porta da sacada do apartamento. Às vezes nem consigo acreditar que tenho um canto para chamar de meu, pois há menos de seis meses dividia um apartamento quarto e sala com mais duas amigas.

Fato é que minha vida mudou muito nesse pequeno espaço de tempo. Acabei comprando este apartamento – mobiliado e decorado – e assumi a gerência do setor de hunters da Karamanlis.

Não foi pouca diferença!

Coloco um café simples para fazer, pois sou viciada no Starbucks e sempre compro algo lá quando desço do metrô, indo para a Karamanlis. Ah, essa foi outra maravilha que aconteceu nesses últimos meses: metrô!

Antes eu pegava duas conduções para chegar ao trabalho; agora, embora precise mudar de linha, faço apenas viagens rápidas de metrô, desço em uma estação e ando alguns metros até a empresa. Perfeito, barato e muito mais confortável.

Além de tudo isso – abro a porta da sacada –, ainda moro em um bairro muito gostoso de se viver, a Vila Mariana.

Vou até um pequeno armário baixo que instalei perto do sofá de madeira que Malu já tinha na sacada e pego a ração e dois biscoitos para o Kaká. Ele, vendo o alimento, começa a pular e latir. Peço para ficar quieto, pois está cedo, mal amanheceu.

Enquanto ele se farta, escolho uma roupa para o dia de hoje, animada para a apresentação de um projeto incrível que minha equipe conseguiu montar com mais dois setores da Karamanlis, o de arquitetura e o jurídico. Todos se esforçaram muito, desde a escolha do terreno à do projeto e à obtenção das licenças e documentações para as intervenções no local.

Nosso cliente ficará muito satisfeito, e meu chefe – aquele gostoso do Theodoros Karamanlis –, orgulhoso de ter me dado uma chance de assumir a gerência.

Tenho certeza de que o trabalho foi bem executado!

Meu celular avisa que já são 6h30 da manhã, e eu fico parada olhando-o, tentada a conversar, mesmo sabendo que não tenho tempo para isso. Dou de ombros, sorrio e mando mensagem.

Como a resposta não vem, continuo a escolher a roupa, seco e penteio meus cabelos, desejando dar uma iluminada na cor dele, aplico uma leve maquiagem e visto a roupa especial para um dia especial.

Através do reflexo no espelho, vejo Kaká em cima da cama trepando com uma das minhas almofadas.

— Larga de ser safado, Konstantinos! — ralho com ele, que sai de cima da pobre almofada em forma de lhama.

Mais uma vez verifico o celular, escrevo mais uma mensagem e espero, tomando meu café lentamente.

A campainha toca; abro a porta para saudar minha vizinha, que, além de ter se tornado uma grande amiga, leva Kaká para passear e faz companhia a ele enquanto estou fora, pois trabalha em casa.

— Verinha, bom dia! — cumprimento-a, e Kaká praticamente pula em seu colo. — Esse danadinho está muito fogoso hoje; cuidado com suas almofadas.

Ela, como uma boa nordestina que não tem um pingo de vergonha de seu sotaque e suas gírias, logo solta:

— Oxe, bichinho, tais atacado, é? — Kaká lambe-a em resposta. — Vamos gastar essa energia! — Ela faz sinal positivo quando eu aponto para o café, então encho uma xícara para ela enquanto põe o cãozinho no chão. — Vou fazer feira agora cedo e aproveito para andar com ele um pouco. Rapariga, tais bonita! Vais deixar aqueles executivos metidos a besta tudo doido por você.

— Que nada, Verinha! Quero é que eles fiquem doidos com o nosso projeto, isso sim!

Meu celular apita de novo, e eu engulo o resto do café, escovo os dentes e ponho a bolsa apressada no ombro.

— Vou cuidar das plantas lá da sacada hoje, estão murchinhas e tristes.

— Porque são melindrosas! — Dou de ombros, abaixo-me e beijo o Kaká. — Dou água, carinho e conversa todos os dias. — Dou um beijo na bochecha rechonchuda de Vera Lúcia. — Você é meu anjo, obrigada!

— Que Jesus lhe abençoe, rapariga.

E, como sempre, ganho um tapa na bunda em cumprimento.

Saio do apartamento rindo e encontro meu outro vizinho, Vinícius, esperando o elevador.

— Bom dia! — cumprimento-o. — Carlinhos vem nesse final de semana?

O rosto dele se ilumina.

— Vem, sim, e não fala em outra coisa que não do seu cachorro.

— Ah, que bom! Deixe-o dar um pulinho lá em casa, então, para brincar com o Kaká.

— Deixo, sim. Vou aproveitar e te levar uns petiscos se aceitar beber algo comigo. — Seu sorriso aumenta, e eu retribuo.

— Claro que sim! Você leva os “comes,” e eu entro com os “bebes”, combinado?

O elevador chega, e entramos juntos.

Vinícius é um homem entre os trinta e quarenta anos, recém-divorciado e totalmente louco pelo filho, Carlinhos, de quatro anos de idade. O menino é uma graça, e Kaká ficou louco por ele. Desde o primeiro dia em que nos conhecemos, durante minha mudança, Vinícius joga charme para cima de mim – o que é lisonjeador, porque ele é bonitão –, mas ainda não senti nenhuma atração para que haja algum entendimento entre nós.

Despeço-me dele quando o elevador para no térreo, onde eu desço, e ele segue para a garagem no subsolo.

Sinto o celular vibrar no bolso e o pego correndo, ansiando para ler a resposta ao que mandei, porém, é Malu me dando bom dia. Respondo a ela, mando uma gif engraçada que recebi em um grupo e guardo o aparelho de novo.

Ele deve ter ido para a academia e não viu a mensagem!, consolo-me a caminho da estação.

Não sei quando passei a considerá-lo como amigo, mas a verdade é que sinto falta dele quando não interagimos. Portnoy já faz parte do meu dia, influenciou minha leitura, meu gosto musical e comida. Gosto da interação sexual que temos, por mais estranha que seja, pois nunca o vi e nem sei quem é, mas o que tem feito com que eu mantenha a conta no app não são nossos escritos somente, e sim a amizade que nasceu e está crescendo à nossa revelia.

Não estava planejado que isso acontecesse, pelo menos não para mim. Entrei no Fantasy por pura curiosidade, desinteressei-me logo no primeiro dia, mas me esqueci de cancelar a renovação automática e acabei pagando mais um mês. Quando entrei para cancelar minha conta, achei a mensagem dele, respondi e, desde então, nunca mais pensei em cancelar.

Tem sido bom para mim esse contato, inclusive minha terapeuta se surpreendeu e deu a maior força para que continuasse, desde que nesses mesmos termos: sem fotos, sem nomes e sem encontros reais, pelo menos até que eu esteja preparada.

Começou com uma brincadeira, eu apenas estava “tirando onda” com a cara dele. No entanto, o homem escreve tão bem, é tão real em suas cenas, suas descrições, que isso acabou me envolvendo, deixando-me curiosa, e acabei me soltando.

Demorei uns três “encontros” para realmente estar nua – nas outras, disse que estava, porém, usava pijama de flanela e meias, ria muito imaginando-o tocando punheta como um tarado enquanto eu comia Doritos na cama ou brincava de jogar a bolinha para o Kaká.

Todavia, quando me permiti fazer de verdade... ah! Foi delicioso e totalmente viciante. Nós nos conectamos de alguma forma. Tenho confiado cada vez mais nele e estou buscando coragem para lhe dizer que quero conhecê-lo de verdade, em um lugar público e seguro, claro.

Entro na estação e respiro fundo, recitando pela primeira vez minha frase da sorte.

Seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!


Millos liga a moto pela segunda vez, e eu tampo os ouvidos por causa do alto barulho do ronco do motor reverberando no amplo espaço do galpão que ele chama de casa.

— Susanna está tinindo! — Ele beija o tanque de combustível da moto. — Estamos prontos para cair na estrada!

Entrego sua caneca de cerveja e bebo mais um gole da minha, reconhecendo que ele conseguiu se esmerar, a bebida está deliciosa! Saímos da empresa, e ele me convidou para jantar em sua casa, e, como eu não tinha nada para fazer, aceitei, desde que fosse eu a cozinhar.

Não entendam mal, ele cozinha bem, mas só faz coisas rústicas, pesadas, geralmente fritas, não tem nenhuma finesse para comida. Passamos em um açougue de carnes especiais, comprei uma bela picanha invertida e a coloquei no forno em uma cama de sal grosso.

Millos preparou o arroz e um molho enquanto eu dedilhava sua guitarra de colecionador, conferindo o som ao tocar “Pretending” do Eric Clapton. Particularmente não tenho um instrumento preferido, como Millos e suas guitarras. Desde muito novo, aprendi a tocar piano, depois, por insistência de Gordon Abbot, meu avô materno – que o diabo o tenha em glória –, aprendi a tocar violino. Odiava como a morte, até que descobri o violoncelo e, por fim, o contrabaixo. A guitarra veio mais tarde, já morando nos EUA e estudando em Berckley.

Se alguém me perguntar o que prefiro tocar, respondo de pronto: punheta. Contudo, se for instrumento musical, com certeza é o baixo. Sempre fui fã de Gene Simmons, o baixista front man do Kiss; John Paul Jones do Led Zeppelin; e meu conterrâneo John Entwistle do The Who.

Embora seja fã dos guitarristas, meu primo e eu temos gosto musical muito parecido, mesmo que ele se aprofunde no submundo do rock hardcore e eu prefira o próximo ao “blues”. Nós dois não cantamos, gostamos mais das melodias que das letras. Millos toca instrumentos de percussão, e por várias vezes o ouvi seguindo a música que eu tocava batendo a colher sobre a tampa da panela.

— Quando você vai comprar uma moto para fazer uma rota comigo? — ele pergunta, e eu faço careta. — Bando de folgados!

— Alex pilota; convide-o.

Millos ri.

— Alexios não pilota, não sabe degustar uma máquina, o negócio dele é tentar quebrar o pescoço a todo custo! — Franzo a testa, e ele bufa. — Estou sentindo o cheiro da carne; se não estiver pronta, vou fritar batata. Meu estômago está roendo o esôfago.

— Mesmo depois de quase dois litros de cerveja artesanal? — provoco-o.

— Cerveja não me enche, isso é desculpa de fracote. — Ri. — Sério, Kostas, tente se comportar no baile do Frank, cara.

Rio por ele ter voltado ao assunto que discutimos no carro.

— Não vou fazer nada fora do meu normal...

— Puta que pariu, vai deixar o carcamano louco se aparecer por lá com uma puta seminua. — Dou de ombros quando o elevador de carga para, e entramos em sua “casa”. — Você interfere diretamente na imagem da Karamanlis, então...

— Millos, para de tentar coar mosca depois de já ter engolido sapos! Se o nome da Karamanlis depender de seus herdeiros, está mais sujo que pau de galinheiro! Olhe para nós! — Meu primo desvia o olhar. — Há trinta anos o diretor era um bêbado viciado em sexo e drogas. — Ri em deboche. — Há quase 10, o novo diretor é um filho da puta que teve coragem de...

— Kostas, não. — Ele me detém. — Esse assunto já está encerrado.

— Para quem? Só para o desgraçado do Theo, porque para mim não está, nem para o Alex e muito menos para a Kyra! — Sinto meu sangue ferver. — Não foi só o que ele fez, foi o que isso nos causou.

— Eu sei.

Sim, ele sabe!

Respiro fundo e lembro que Millos é o único que consegue ter bom relacionamento com todos nós, conhece nossas histórias, sabe bem das nossas feridas. Muitos anos se passaram, mas elas ainda estão aqui, abertas, sangrando, putrefatas, fedidas.

Eu sei o que passei depois do que o Theodoros fez, sei muita coisa do que Alexios teve que suportar, mas não tenho ideia do que aconteceu com Kyra. Tivemos uma infância e adolescência de merda e estamos condenados a ter um resto de existência tão fodida quanto.

— Não me peça para fingir que somos pessoas normais em uma família normal — comento antes de tirar a picanha do forno. — Nenhum Karamanlis é, muito menos os filhos de Nikkós.

Millos ri sarcástico, e eu sei que pensa em si mesmo e em seus pais. Tenho apenas informações incompletas sobre o que aconteceu com ele e o motivo pelo qual nosso avô o tirou de casa, mas, conhecendo nosso histórico familiar, tenho certeza de que foi algo bem pesado.

Começo a fatiar a carne, e Millos coloca sua playlist para tocar, ecoando o som pesado de Pearl Jam por todo o local. O assunto está encerrado.

Somos amigos, mas temos nossos pontos obscuros, limites sensíveis e sabemos que não devemos avançar para dentro deles. Ele nunca poderá saber a dimensão daquilo por que eu passei, assim como eu nunca poderei imaginar o que ele viveu.

Yellow Ledbetter começa a tocar, e eu particularmente gosto muito dessa música. Cantarolo baixinho enquanto fatio a peça de carne, ouvindo Millos seguindo a música com sua guitarra.

Foi bom ter vindo para cá passar esses momentos com ele e conhecer seus planos de viagem. Olho para meu primo compenetrado e agradeço à boa sorte por tê-lo tirado do caminho neste período; não gostaria que Millos estivesse aqui enquanto cavo a cova do CEO da Karamanlis.

Abro um sorriso de satisfação ao pensar em Theodoros e sua arrogância. Meu irmão acha que pode fazer o que quiser, jogar com a vida das pessoas sem lhes causar nenhum ressentimento, e, o melhor de tudo, descobri que essa mesma prepotência o deixa cego para certas situações, então, nada mais justo que me aproveitar de seus próprios defeitos para fazê-lo cair.

A música acaba no exato momento em que termino de cortar a picanha, e coloco o prato com as fatias de carne no balcão de madeira que Millos usa como mesa.

— O cheiro está bom! — meu primo elogia, sentando-se em uma banqueta, servindo-se de mais uma caneca de cerveja. — Como foi com a Wilka Reinol?

Quase engasgo com a pergunta e o olho puto.

— Esse assunto indigesto justo agora?

— Kostas, em algumas semanas estarei de férias, e quero poder gozar esse tempo sem nenhuma questão ainda por solucionar.

Dou de ombros.

— Não chegamos a lugar nenhum ainda.

A verdade é que chegamos, sim! A esquentadinha me mandou tomar no cu, e eu a mandei para a puta que pariu. Claro que não falamos essas coisas assim, diretamente na cara um do outro, mas, se me pedissem uma síntese da nossa conversa anteontem, encaixar-se-ia perfeitamente.

Tive que pedir o endereço dela no RH, dirigi na hora do almoço – e quem mora em São Paulo sabe que é umas das piores horas para se pegar trânsito – até a Vila Mariana, engoli meu orgulho e me identifiquei para o porteiro.

Nunca teria ido atrás dela por vontade própria, mas não estava disposto a perder o apoio e amizade de Millos por causa de uma rusga com uma funcionária. Se fosse Theo quem tivesse pedido, eu o mandaria se foder, mas eles agiram direito e me acertaram no calcanhar de Aquiles ao ser Millos a conversar comigo sobre a “importância” da pequena abusada na empresa.

— Doutor, sinto muito, mas dona Kika não permitiu sua subida.

Bufei de raiva, sentindo meus pés coçarem de vontade de virar as costas para toda aquela baboseira e voltar para o carro. No entanto, mais do que minha impaciência por estar ali, aquela mulher despertou a raiva por eu ter sido dispensado sem nem ao menos ter falado nada.

Quem ela pensa que é?, pensei indignado.

— Teria como eu falar com ela pelo interfone?

O porteiro ficou um tempo sem saber o que fazer até, talvez por ter se sentido pressionado, abrir o portão e permitir minha entrada em sua cabine, onde me estendeu um telefone.

— Oi, Joca, aquele mala ainda está aí?

Dei uma risada sarcástica ao telefone.

— Aquele mala é quem está falando com você.

— Porra! — Bateu o interfone na minha cara, mas, antes que eu devolvesse o aparelho ao porteiro, ela voltou falar: — O que você quer aqui afinal? Sabia que posso enquadrar isso como assédio e perseguição?

— Pode ficar tranquila, que você seria a última mulher no mundo que eu iria assediar ou perseguir, pelo menos não com intenção de sexo — falei rudemente com ela. — Vim aqui para termos uma conversa civilizada como dois adultos, mas, já que a nervosinha vai me fazer conversar pelo interfone, foda-se! Vim dar meu recado e não vou sair daqui até cumprir minha missão.

— Poderia muito bem ter economizado nosso tempo se, ao invés de fazer esse discursinho de merda, tivesse dito logo para que veio aqui perturbar minha paz!

Eu já tinha ensaiado um discurso bonitinho sobre não deixar nossas questões afetarem a Karamanlis, que, mesmo não nos suportando, deveríamos unir esforços em prol da empresa e blá-blá-blá, mas, sinceramente? Nunca fui a porra de um falso e não iria começar naquele dia.

— Querem você de volta ao trabalho — decidi ser direto.

— Querem? — Ela riu. — Você, pelo visto, não está incluído nisso.

Bufei de raiva, apertei o fone e dei a resposta que ela merecia:

— Você é petulante, boca suja, insubordinada; por que eu deveria querê-la de volta? Aposto que encontro, em uma hora de anúncio, um currículo tão bom ou melhor que o seu.

Wilka Maria riu de novo.

— É assim que você é em um tribunal? Admiro que ainda ganhe alguma ação! — Ela respirou fundo e disparou. — Não.

Perdi a paciência.

— Não vou oferecer de novo, essa é sua última chance.

— Foda-se!

Em seguida ao xingamento, a comunicação foi cortada.

O porteiro parecia ter visto um fantasma, estava branco como cera de vela e com os olhos esbugalhados como se fossem se atirar das órbitas. Admito que nosso tom foi exaltado, gritamos um com o outro no interfone, e, sim, eu deveria ter tido mais bom senso e paciência para conseguir convencê-la.

Acontece que aquela pequena marrenta me tira do sério, e são poucas as pessoas que possuem esse poder de me levar ao limite da irritação. Geralmente eu envio olhares condescendentes, risadas cheias de ironia e uma expressão debochada aos meus interlocutores, mas não para ela.

Millos já mudou de assunto enquanto eu relembrava a conversa com a gerente irritadinha. Ele conta detalhes da rota que irá fazer a partir do ano novo, e eu finjo interesse, mesmo que minha cabeça só pense em como fazer para convencer Wilka Maria a voltar para a empresa antes da viagem dele.

 

 

Depois que cheguei da visita ao Millos, tomei um longo banho, vesti a calça do pijama e me estiquei no sofá procurando qualquer programa de esportes que pudesse encontrar. Servi-me de uma dose de bourbon, acendi meu cigarro – não fumei na casa do meu primo porque ele deixou o fumo há algum tempo – e fiquei trocando os canais da TV.

A verdade é que eu deveria ter saído do banho e deitado na cama, mas estava à espera de Caprica para uma gozada antes de dormir.

Minha “companheira” virtual andava sumida, havia três dias não me mandava mensagem, nem mesmo respondera às últimas que mandei do terraço da Karamanlis antes de ser atacado pela doida dos hunters.

Nunca imaginei que estava tão acostumado às nossas conversas, mas admito que estou. O anonimato me permitiu ficar mais solto, deixar um pouco minhas defesas de lado. Naquele chat eu sou qualquer homem que ela imaginar, sou instrumento do seu prazer e das suas fantasias, não há expectativas ou mesmo cobranças, e isso é libertador.

Eu não conseguiria manter tanto tempo de conversa com ela – já vai completar um ano – se fosse diferente disso. Não mantenho relacionamentos, apenas faço sexo quando a vontade bate. Quando isso acontece, contrato prostitutas, a melhor forma de se obter o que se quer sem nenhum tipo de vínculo e de forma sincera. Eu sei o que posso esperar delas – a melhor desenvoltura possível para uma trepada prazerosa –, e elas, de mim – o dinheiro no final do ato.

Simples e prático.

Não há jogos de sedução, meias-verdades, máscaras. Todas as cartas estão em cima da mesa, sem surpresas ou reviravoltas. Eu percebi que, em geral, um relacionamento começa como um baile de máscaras: cada um usa a que lhe convém, a que o deixa mais misterioso, mais sexy, mais atraente. De acordo com o avanço do baile, a convivência e a intimidade aumentam, bate o cansaço, e as máscaras vão sendo baixadas, as verdadeiras identidades vão sendo reveladas. Os interesses, os defeitos, tudo vem à tona e acaba com a magia que, até então, pairava sobre os casais. Como as horas já se avançaram, as últimas músicas já estão tocando, bate uma certa resignação e preguiça de achar um par melhor, então vem o conformismo, a frustração e intensa vontade de ter outro baile para voltar a sentir a magia, com outro parceiro, é claro.

Não tenho paciência alguma para esse tipo de jogo.

O telefone apita, tirando-me de minhas divagações. Solto o controle-remoto e pego o aparelho, abrindo um sorriso ao ver que foi o aplicativo de sexo que notificou e abro diretamente no chat em que encontro a Caprica fujona.


“Boa noite, Punheteiro! Disponível?”


Subo para meu quarto, abro o armário onde guardei o ovo que ela me fez comprar – adquiri outros modelos também para testar, mas ela não precisa saber disso – e me deito na cama.


“Para foder? Sempre. Me passa o endereço, que te mostro minha disponibilidade.”


Espero a piadinha em resposta à minha provocação enquanto puxo meu pau para fora do short pela abertura frontal e começo a alisá-lo com olhos fechados, quase podendo senti-la aqui comigo, mesmo não fazendo ideia de como é seu rosto.


“Hoje não. Desculpa, eu não estou em uma boa fase. Só pensei em vir aqui conversar um pouco. Podemos?”


Ah, porra!, xingo-a mentalmente, o pau doendo na mão de tão duro, ovinhos novos prontos para serem desvirginados, e ela quer só conversar? Desde quando esse caralho virou chat de desabafo? Rosno de raiva, soltando meu pênis e pensando em fazer uma reclamação aos criadores do aplicativo, denunciar o perfil dela e sair dessa porra.

Claro, não o faço, não tenho como encontrá-la a não ser aqui. Vamos conversar, então!


“Conversar... okay, let’s do it!”


A fujona sempre manda risadinhas quando escrevo em inglês e, em uma das vezes em que trocávamos sacanagens, ela se animou, e fizemos sexo virtual na minha língua materna, o que demonstrou que ela domina muito bem o idioma, fazendo o sexo ficar ainda mais louco, pois eu me sentia em um filme pornô com os “yeah, yeah, fuck my ass” que ela escrevia.


“Na verdade, eu preciso de sua ajuda. Rs.”


Puta que pariu! A coisa fica cada vez pior. Fico tenso só ao pensar no que ela pode querer de mim. Será que descobriu quem sou? Não é possível!

Ela manda outra mensagem:


“Não é dinheiro, não se preocupe. Preciso do conselho de um profissional mais experiente que eu, e, como você disse que é um CEO, pensei que seria a pessoa ideal a me aconselhar.”


Rio ao ler isso e balanço a cabeça. É, eu posso ter exagerado meu cargo um pouquinho, porém, como espero que isso um dia aconteça, não me sinto mal com essa pequena mentira.


“Se estiver ao meu alcance ajudar você...”


Ela volta a digitar e demora um tempão, o que me prepara para um texto enorme. Desço para a sala novamente, resgato meu bourbon, acendo outro cigarro e espero que ela termine de digitar sua história para, no fim dela, ter uma pergunta idiota ou retórica. Geralmente quem pede conselho só quer que a outra pessoa confirme aquilo que ela decidiu fazer, mas é muito covarde para assumir a responsabilidade sozinha.


“Eu tenho um bom cargo na empresa onde trabalho, boa remuneração, bons contatos e gosto muito de trabalhar lá. Acontece que um dos donos é um idiota e, por causa da babaquice dele, saí do emprego.”


Ah, merda, ela foi demitida e vai me pedir emprego! Franzo o cenho, esperando o: “eu sei que você é um Karamanlis, então não teria uma vaguinha na sua empresa?”. Internamente torço para estar errado, porque isso acabará com a “fantasia” que criamos aqui, e eu terei de colocá-la junto às pessoas reais do mundo real, ou seja, mais uma interesseira.


“Sou boa no que faço, Portnoy. Não, não sou boa, sou ótima! E eles sabem disso e me querem de volta.”


Aliviado, volto a sorrir, satisfeito por manter minha fantasia intacta.


“Acho mesmo que estão desesperados, para terem feito o que fizeram. Rs. Enfim, mal saí de lá e já fui sondada por duas outras empresas, inclusive uma concorrente direta.”


Acho isso bom e sinto até um certo orgulho da cabrita fujona. Gosto de profissionais seguros, que reconhecem seu valor. Eu mesmo sou assim, não fico com falsa modéstia. Admitir isso é bom e sincero da parte dela.


“Acontece que eu amo aquele lugar, sabe? Estou sentindo falta de tudo por lá, é como se meus colegas fossem minha família. Quero voltar, mas sei que os problemas que me fizeram sair continuarão, enquanto, em outra empresa, posso começar tudo do zero e não ter uma pedra no meu sapato. O que você me aconselha?”


Penso por um momento, percebendo que ela me pediu para pensar como CEO, e isso é a última coisa de que ela precisa. O conselho que é o mais eficaz para ela nesse momento é o de um advogado, e isso, porra, eu sou, e dos bons para caralho!


“Negocie. Primeiro, esqueça essa porra de ‘eu amo aquele lugar, é como se fosse família’. Isso é balela de empresa para fingir que se importa com você. Acha que, se você não fosse boa funcionária, estariam considerando seus sentimentos? Porra nenhuma! Funcionário é família enquanto ele está sendo útil e gerando lucro. Vá duro contra eles, exija, antes de tudo, um aumento, um bônus, gratificação, o que seja, não volte nos mesmos termos, isso não te valoriza. Se te querem de volta, façam demonstrar com o que realmente importa para eles: grana. Depois peça algo que te deixe trabalhar confortável e, claro, não esqueça de pedir algo relacionado ao outro sócio para que ele entenda que você tem prestígio e que voltou porque precisam de você, não o contrário.”


Ela fica sem reação alguma depois que mando o texto, não digita nada, mas continua online. Deve estar processando tudo o que lhe aconselhei a fazer. Se realmente a empresa precisa dos serviços dela, vai acatar tudo; se não, ela terá que escolher entre as outras empresas que a sondaram.

Há uns meses, quando falamos sobre nossas profissões, Caprica me confidenciou que era formada em administração de empresas, e eu não achei grande coisa. No entanto, tenho sido testemunha – por meio das mensagens que trocamos – de que ela é uma funcionária exemplar, sempre chegando cedo – ela me manda “bom dia” sempre enquanto se arruma para trabalhar – e voltando para casa tarde da noite.

Algumas vezes eu a chamei para transarmos, e ela estava ocupada com trabalho que havia levado para casa. Então, sim, acho mesmo que ela seja ótima no que faz e que, se seus patrões forem inteligentes, a recontratarão.

Posso estar sendo condescendente com ela apenas porque sou louco para fodê-la sem parar, afinal nem gosto muito de trabalhar com mulher, acho complicadas todas aquelas coisas do politicamente correto, ficar vigiando o que eu posso ou não falar, com medo de esbarrar em alguma e logo tomar um processo por assédio, e ainda tem a questão da TPM, cólicas, filhos. Contudo, ainda receoso com isso, tenho duas em minhas equipes e reconheço outras, como minha irmã, que levantou sozinha uma empresa, e minha própria mãe, que abandonou tudo – inclusive a mim – em prol de sua carreira.

Porra! Faça tudo, Kostas, menos pensar na merda do seu passado!


“Você é um gênio!”


Gargalho ao ler a mensagem, afinal, ela não está me contando nenhuma novidade.


“Amanhã ligarei para eles e...”


Decido interrompê-la antes que faça merda.


“Não, não procure. Eles não estão desesperados? Vão atrás de você de novo. Seja firme quando falar com eles, se imponha.”


“Ah, Punheteiro, obrigada por isso. Eu te daria um beijo na boca depois desse conselho!”


Abro um sorriso safado e olho meu pau já acordando de novo.


“Faça-me gozar agora, será uma ótima recompensa, já que sei que vai fugir mais uma vez de um encontro real comigo.”


“Como você quer gozar hoje?”


Quase posso ouvir sua voz sexy perguntando-me isso.


“Na sua boca enquanto você me chupa. Quero que engula minha porra até não sobrar nenhuma só gota. Gosta disso, não gosta?”


“Adoro!”


Ela começa a digitar sem parar, montando a descrição de como vai me tocar, me lamber e me chupar. Seguro meu pau em expectativa, lamentando ter deixado os ovos na cama, mas sem nenhuma vontade de subir para buscá-los. Não preciso deles! Concentro-me apenas em ler o que ela me escreve, imaginar sua boca de lábios carnudos, atrevidos e macios, seu corpo pequeno, de curvas generosas, pele morena e...

Arregalo os olhos pouco antes de gozar, mas o orgasmo não permite que eu reprima as imagens.

Mas que porra aconteceu comigo?!

Pela primeira vez minha Caprica fujona teve um rosto conhecido e, pasmem, era o de alguém por quem eu nunca poderia sequer imaginar sentir tesão dessa forma, mas aconteceu.

Enquanto explodo porra em minha própria barriga, o sorriso atrevido de Wilka Maria me persegue.


Caçar é algo que meus ancestrais faziam bem. Os ingleses eram famosos por suas festas e reuniões de caçadas, principalmente entre a nobreza e os mais abastados, como era o caso dos Abbots. A família de minha mãe possuía terras e mais terras a perder de vista no interior da Inglaterra, e, dentro do mausoléu onde passei parte da infância, havia quadros e fotos dos eventos de caça que eles promoviam.

Rio de mim mesmo, pensando que talvez vocês estejam achando que eu não estou falando coisa com coisa, não é? Totalmente non sense! Não estou, apenas divago, aqui sentado em minha poltrona de couro, sobre a armadilha que estou preparando para derrubar Theodoros.

Eu estava certo o tempo todo ao pensar que ele era o pior tipo de arrogante deste mundo, aquele que só enxerga o próprio umbigo e esquece de olhar a retaguarda.

É aí que eu enxerguei uma possibilidade, comecei a trabalhar nela e, embora ainda resistente, sinto que, depois da noite de ano novo, o caminho começará a ser aberto para mim.

Saio da poltrona e caminho até o vidro que separa minha sala do grande salão onde trabalham as equipes de advogados. Como a Justiça ainda não voltou do recesso, o clima anda lento, mesmo com outros afazeres, pois os prazos estão suspensos.

A verdade é que todos ficam cansados da rotina do final do ano. Eu mesmo me sinto assim, afinal, até a Justiça paralisar, tivemos uma enxurrada de prazos a cumprir, além do trabalho interno da Karamanlis e a prestação de contas que o Conselho exige todo ano.

Para piorar, tivemos uma festa de final de ano na empresa – muito mixuruca, diga-se de passagem – e, por isso, perdemos um dia de trabalho em um período já com poucos.

Penso na festa, tão diferente da organizada por Kyra no ano anterior. Não sei o motivo pelo qual Theodoros decidiu fazer a comemoração no refeitório e no terraço da empresa. O lugar ficou cheio, a comida estava boa, mas bem mais simples do que a do bufê da Kyra, e a música... tudo bem que não tive que suportar o jazz imposto pelo Theo, mas ficar ouvindo sertanejo, pagode e funk em conjunto com rock, MPB e baladas românticas foi de doer.

Eu entendi que eles quiseram deixar a festa mais “popular” e diversificada, mas não vou fingir que gostei. Assim que fizeram os sorteios – nós somos obrigados a entregar alguns dos prêmios –, fui embora.

À noite fui para uma balada a que gosto de ir de vez em quando, encontrei alguns conhecidos, fumei, bebi, fui ostensivamente cantado pelo sexo empoderado, mas ainda me sentia tão entediado que nem a mais gostosa da noite me atraiu.

Entendam bem, eu não transo com mulheres que conheci na balada, mas isso não quer dizer que não note uma ou outra. Como já expliquei, evito ao máximo que uma foda possa evoluir para algo mais, por isso me alivio com profissionais do sexo. Não quero passar a imagem errada ficando com uma mulher que ache que eu deva ligar para ela no dia seguinte.

Eu sou sincero com relação ao que quero, mas nem sempre as pessoas estão prontas para lidar com essa sinceridade. Já aconteceu, principalmente quando morava nos Estados Unidos, de eu sair com uma mulher que dizia querer só uma foda satisfatória, mas que depois ficou de melindre e ainda disse que eu a usei.

Porra! Não tem isso de usar alguém!

Se as cartas já estavam na mesa, não houve nenhuma tentativa de ilusão, era a verdade nua e crua, como é possível sentir-se usada? Não gozou comigo? Não lhe dei o prazer que tínhamos acordado de sentir juntos? Então por que sentir-se um objeto? Pensando assim, eu também não o fui?

Ora bolas, direitos iguais!

Apanhei muito, real e figurativamente falando, até perceber que só quem entende essa dinâmica são as profissionais do sexo. Relutei um pouco no começo, mas depois, quando consegui um contato confiável e que me atendia em todos os quesitos que me impus a exigir para minha segurança, relaxei.

O Fantasy – o app de sexo – parecia ser a solução para meus dilemas, um local onde as mulheres entendiam as regras do jogo e estavam ali porque queriam um parceiro que também entendesse. Ali eu me senti igual, sem essa conversa de estar “usando” alguém; todos tínhamos um só propósito: prazer.

Infelizmente conheci a Cabritinha fujona e perdi o interesse em outros encontros, voltando a fazer a economia girar ao dar trabalho para as prostitutas.

Quando o Natal chegou, recebi um convite da Kyra para uma confraternização no showroom de sua empresa, o que me surpreendeu. Minha irmã caçula e eu não somos amigos, mas também não nos odiamos. Há um certo constrangimento entre mim e ela, principalmente porque sei que ela viu e se lembra muito do que passei nas mãos de Nikkós.

Acabei indo até a festa dela e encontrei Alex e Millos por lá. Cumprimentei meu irmão mais novo com um aceno de cabeça e fui até onde Millos estava, conversando com uma linda morena e tomando cerveja.

— Boa noite! — cumprimentei-os. — Que surpresa esse acontecimento aqui. Não me diga que minha irmãzinha decidiu promover a paz mundial? — Olhei em volta. — Juro que, se eu vir Theodoros por aqui, vou começar a acreditar em Papai Noel.

— Não, ele não está! — Millos respondeu seco. — E você só foi convidado porque ela precisava de mais um homem à mesa.

Pus a mão no peito e fingi que essa verdade quebrava meu coração.

— Desculpe a indelicadeza do meu primo — Millos se justificou com a bela morena. — Ele é um caso perdido; mesmo tendo nascido na Inglaterra, nunca conseguiu ser um gentleman.

— Tudo bem. — Ela deu um sorriso que me fez achá-la ainda mais interessante. — Foi um prazer revê-lo, Millos. Preciso ir. — Olhou para mim e apenas fez um gesto de cabeça.

— Foi um prazer, Helena! Boas festas.

Acompanhei com o olhar a linda mulher enquanto ela se despedia de Kyra e ia na direção de um homem que eu sabia que conhecia de algum lugar.

— Ela é maravilhosa! — Millos registrou. — Já falou com sua irmã?

— Ainda não, pensei em vir até aqui e tentar descobrir o há por trás desse convite. — Millos ergueu uma sobrancelha. — O quê? Isso nunca aconteceu antes! Os filhos de Nikkós celebrando juntos o Natal?

— Não é só o Natal, idiota! — Ele perdeu a calma por um momento, mas depois respirou fundo e voltou a falar com a serenidade de um monge. — Ela está comemorando o crescimento da empresa, fez sua primeira expansão.

Arregalei os olhos.

— Já? — Voltei a olhar para ela, linda e sorridente ao lado de Alexios. — Ao que parece, minha irmãzinha tem o tino dos Karamanlis para os negócios.

— Ela tem, então, lembre-se de fingir que se importa com os outros e a cumprimente por esse feito.

Tentei fazer o que ele me pediu, mas não consegui. Aquela estranheza entre mim e ela ainda permanecia, e o máximo que consegui foi desejar feliz Natal a ela de longe.

Desde que saí de Londres e vim morar no Brasil, não me lembro de ter uma ceia tão suntuosa como a que ela fez. Gordon Abbot era anglicano, então todo ano fazia uma ceia recheada para mostrar aos amigos o quanto ele era rico e para fingir que era um ser humano de verdade, não o monstro de frieza e desprezo que eu conhecia.

Nikkós achava o Natal uma futilidade, mas, enquanto Sabrina morou conosco, tivemos uma árvore, presentes e ceia. Depois disso...

Droga!

Sem querer me desviar para as lembranças do meu passado, volto a pensar no final do ano.

O trabalho na semana entre Natal e Ano Novo foi uma perda de tempo. As equipes estavam dispersas demais, estavam com três advogados de férias, e ainda comecei a receber trabalhos do setor do Millos, pois ele iria se ausentar a partir do Ano Novo.

Jantei com meu primo no dia 28 de dezembro em um restaurante novo que ele insistiu para eu conhecer e, durante o jantar, troquei algumas mensagens com a Caprica.

— Ainda conversando com a mulher das belas pernas? — Millos me questionou.

— Ainda — respondi seco, sem encará-lo, cortando uma boa fatia do magret de carnard5 que pedi.

Não sei o motivo pelo qual contei a Millos sobre ela. Acho que foi ainda no começo, quando eu tentava um encontro a todo custo, e ela me enrolava. Estava frustrado e desabafei com meu primo dizendo que ia cancelar a conta, porque o aplicativo era uma farsa.

— Já tem um tempo que vocês estão nessa troca de mensagens — ele continuou o assunto. — Já se encontraram? — Neguei. — Já trocaram fotos ou vídeos?

— Não, porra, ainda nem sei nada sobre ela!

Foi então que o filho da puta começou a rir sem parar.

— Você nem sabe se ela é realmente “ela”! — debochou. — Pode estar falando e tocando punheta para outro macho há quase um ano e...

— Porra, Millos, cala essa boca! Ela é mulher, sim, só deve ser feia, por isso não quer me encontrar! — assim que disse isso, Millos parou de rir e me olhou assombrado.

— Você pensa que ela é feia, mas ainda assim continua a trocar mensagens?

— E daí? Somente você, e por burrice minha, sabe desses encontros virtuais. Ela me diverte, me relaxa, além disso, não temos como saber quem é quem, é perfeito!

— Sim, perfeito... — Millos balançou a cabeça, mas não disse nada.

Eu sei que ele reprova meu comportamento, principalmente em relação às prostitutas, mas, como também é tão fodido quanto eu, não pode me julgar ou falar nada sobre o assunto. Eu tenho minhas defesas, e umas delas é não deixar ninguém se aproximar de mim o suficiente para ver o que tento esconder de todos.

É, sou uma espécie de Dorian Gray6 moderno. As pessoas me veem alto, malhado, bem-vestido e rico e pensam que sou lindo, mas não conhecem minha verdadeira face, a que escondo debaixo de todo o verniz brilhante. Como na obra de Oscar Wild, os demônios do meu verdadeiro eu me perseguem da mesma forma que a feiura do quadro persegue Dorian.

Terminamos de jantar sem entrar em assuntos desconfortáveis, basicamente comentando sobre o balanço anual da Karamanlis e o roteiro da viagem que ele iria começar em poucos dias.

Na véspera de Ano Novo, mandei mensagem desejando boa viagem, e ele aproveitou para reforçar o pedido para que eu agilizasse a questão dos aluguéis dos imóveis no entorno do pub da Vila Madalena.

Mais tarde, ainda nesse mesmo dia, arrumei-me para o chatíssimo baile dos Villazzas. Contratei uma acompanhante e solicitei que estivesse vestida de branco, com um vestido sexy e moderno. Não esperava que viesse uma mulher tão perfeita como a que me mandaram e, por isso, atrasei-me para o baile, pois parei em um motel qualquer para foder um pouco antes de enfrentar a noite maçante.

Baile de caridade! Que coisa mais démodé7!

Tive que render homenagens a Kyra pela decoração fabulosa que havia feito, bem como para o chef francês que assinou o menu da noite. Estava tudo perfeito, mesmo que comer à mesa com Theodoros e sua deslumbrante companhia fosse um tanto indigesto.

Ali estava uma coisa que me chamou atenção. Eu conhecia aquela mulher com ele, já a tinha visto havia poucos dias em companhia de Viviane, a “amiga” de Theodoros, em situação um tanto comprometedora. Acho que ela não me viu por lá, mesmo porque era difícil ver qualquer coisa com a língua de Viviane enfiada em sua garganta, por isso não me reconheceu.

Ela parecia querer agradar meu irmão de qualquer jeito, tocando-o, fazendo carícias em seus cabelos. No entanto, ele a repelia. A reação de Theodoros me deixou muito intrigado. Mesmo que a loira fosse um caso de Viviane, creio que ele não se importaria com isso, pelo contrário.

Minha intuição não estava errada, e bastou Maria Eduarda Hill aparecer no palco do baile para eu perceber a diferença em sua expressão de quando está interessado em alguém. Fiquei tentando me lembrar de onde já tinha ouvido falar dela, até que de repente arregalei os olhos e recordei:

— A dona do boteco! — Comecei a rir sem poder me conter, e Bruninha – ou qualquer que fosse o nome verdadeiro da minha acompanhante – ficou me olhando como se eu fosse maluco. — Ora, ora...

Olhei para a expressão deslumbrada de Theodoros, olhos fixos na mulher como se estivesse comendo-a de verdade.

Muito interessante!

Fiquei mais algum tempo no evento, conversando com alguns conhecidos, encontrei Margareth Dubois, uma advogada carne de pescoço que já tive o prazer de enfrentar em uma audiência – prazer porque, além de linda, é uma mulher inteligentíssima –, e ela me provocou sobre o potro que eu tentara comprar no leilão.

— Onde você iria colocar um cavalo? — questionou rindo, pois sabia que eu morava no prédio de home offices na Paulista.

— Para que eu iria querer a porra de um equino?! — Ri. — Entrei só para dificultar um pouco as coisas para você, já que, na última audiência, dificultou para mim.

— Você é um babaca, doutor Konstantinos! — ela xingou, mas ainda assim vi seu olhar divertido e interessado.

— Nunca disse que não era! — Pisquei para ela.

Margareth se aproximou de mim e disse em meus ouvidos:

— Que tal comemorarmos esse novo ano de forma mais privada?

Sim, meu pau ficou duro na hora, sua voz gostosa em meus ouvidos, a promessa de sexo delicioso. Ela é mais velha que eu, segura do que quer, bem-sucedida, admirável. Tenho absoluta certeza de que comemoraríamos muito bem.

— Eu já tenho companhia! — Apontei para Bruninha, que estava bebendo com uns homens no bar.

A advogada levantou uma sobrancelha.

— Sério? Uma acompanhante?

Dei de ombros.

— Gosto delas, são sinceras. — Bebi meu bourbon antes de continuar: — Vou passar o resto da noite fodendo, depois ela vai pegar o pagamento, virar as costas, e nunca mais vou vê-la de novo.

— Uau! Isso é bem cínico de sua parte. — Ela riu. — Já tinha ouvido falar que Kostas Karamanlis curtia putas, mas nunca entendi bem o motivo, afinal, você conseguiria uma mulher sem ter que pagar para ela gemer seu nome.

Fiquei sério. Minha expressão demonstrava todo o desprezo por essa conversa, acho até que fiz um biquinho debochado.

— Nada é de graça, doutora. Há sempre algum interesse por trás das ações dos seres humanos. — Coloquei o copo em uma das mesas altas colocadas próximas ao bar. — Não se iluda!

Ela deu de ombros sem rir, sem brincar e simplesmente afastou-se de mim.

Já estava pronto para deixar o local da festa, quando vi Theodoros adentrar ao salão como se estivesse sendo perseguido pelo capiroto. Ele procurou alguém por algum tempo, depois foi até o Frank Villazza. Fiquei observando os dois conversarem, o irmão e o cunhado de Frank se afastarem, e então os dois saírem juntos por uma porta lateral.

Um garçom passou por mim e, antes de pegar mais bebida, questionei onde a porta iria dar.

— Cozinha, senhor — respondeu antes de sair.

Abri um sorriso, sabendo o que os dois tinham ido fazer nos bastidores do baile. Peguei meu celular e enviei uma mensagem.


“Seja lá o que você estiver planejando, não vai dar certo. Pergunte à sua namoradinha. Acho que é hora de conversarmos.”


Voltei a colocar o telefone no bolso sem ao menos esperar uma resposta. Senti-me extremamente excitado pela possibilidade de a cena que presenciei ser mais uma pedra para atirar em Theodoros quando o crucificassem.

De repente, uma comoção chama minha atenção no salão dos advogados, e eu paro de me lembrar dos acontecimentos do final do ano, intrigado sobre o motivo pelo qual todos ficaram agitados de repente.

Saio da sala e me encontro com Murilo, o advogado em quem eu mais confio aqui dentro.

— O que houve?

Ele dá de ombros.

— Kika está de volta.

Puta que pariu, mais essa!


Meu coração está disparado como se fosse meu primeiro dia na empresa, minhas mãos suam, sinto como se mil borboletas voassem dentro do meu estômago. Tomo meu frappuccino chocomallow, com zilhões de calorias, sem me importar o mínimo; estou nervosa!

Ah, como eu sinto falta da Malu! Tenho certeza de que nesse momento ela estaria me dando um esporro por eu estar tão emotiva desse jeito... se bem que, a cada vez que nos falamos ao telefone, minha amiga chora emocionada me contando da gravidez e de todos os planos que está traçando com seu peão fake.

Não, Malu não estaria brigando comigo, mas sim me incentivando a continuar dizendo o quanto sou competente, chorando de emoção por eu ter conseguido um belo aumento, mesmo depois de todo o risco que corri ao pedir demissão.

Olho para o alto do prédio, ainda parada feito uma doida na calçada da Avenida Paulista, e leio o nome em aço escovado no terraço onde funciona o refeitório: Karamanlis.

Lembro-me, como se fosse hoje, do primeiro dia em que passei por essas portas; estava trêmula, nervosa e ansiosa por ter sido selecionada para uma entrevista. Estava no último ano de administração de empresas, e o local onde eu fazia estágio faliu e eu fiquei desesperada, com medo de não conseguir as horas para me formar. Foi quando vi uma propaganda do programa de estágio da Karamanlis e me cadastrei na empresa responsável pela triagem.

Eu tremia de nervosismo e expectativa e fiquei tensa ao ver que a sala que tinham separado para a entrevista era enorme e estava apinhada de gente, mesmo depois de termos passado por três seleções na empresa de recursos humanos que eles contratavam para fazer a triagem. Demorei duas horas para entrar e, enquanto isso, devorei o livro de um dos meus escritores favoritos e não senti o tempo passar, viajando com ele através de um mundo arrasado pela guerra.

Na entrevista estavam duas pessoas além do entrevistador, Millos Karamanlis e Malu Ruschel, a gerente de uma das áreas que necessitavam de estagiários. A conversa foi boa, mas nada diferente de outros processos seletivos por que eu já havia passado. O que tornou aquele dia único – e eu acho que garantiu minha escolha – foi a parte prática.

Uma pilha de papel foi colocada em cima da mesa, além de pastas, prendedores e post-it. Pediram para que eu organizasse os papéis de acordo com o que achasse melhor.

— Tem tempo para isso? — perguntei.

— Hoje, não — Malu foi quem respondeu. — Mas, se for trabalhar comigo, tem que unir atenção à agilidade, porém, hoje, como não conhece o trabalho, não vou considerar o tempo.

Assenti e comecei a ler papel por papel, colando post-it neles de cores diversas, separando-os por tema. Fiz cinco blocos com tema diferentes – por causa de detalhes sutis entre um e outro –, mas percebi que só havia três pastas. Peguei os prendedores, coloquei um em cada bloco e depois juntei os assuntos afins de forma macro e consegui reunir três pilhas. Coloquei-as nas pastas e as classifiquei com os temas e subtemas.

Quando entreguei, ninguém falou nada, mas Malu Ruschel estava com um sorriso deslumbrado de quem ama organização, e eu soube que, se não aparecesse alguém melhor do que eu nisso – o que era improvável, porque eu tinha orgulho de ser muito organizada, a ponto de ser chata –, a vaga era minha.

Um ano de estágio que pareceu o inferno!

Malu era seca, obcecada por organização (tanto quanto eu), burocrática e teimosa. Tinham coisas que eu achava que poderiam ser facilitadas e que ela não mudava por pura teimosia. Prestes a acabar o estágio e já próximo da minha formatura, ela me chamou à sua sala e me mandou fechar a porta.

— Quantos anos você tem, Wilka Maria?

Sempre que me chamavam de Wilka, eu corrigia por Kika. Achava Wilka Maria um nome muito forte e muito sério para mim. Eu gostava de ser Kika, leve, despojada, feliz. Entretanto, claro, nunca corrigi minha chefe.

— Vou fazer 24 no final do ano, Malu.

Ah, a ironia do destino! Minha chefe se chamava Maria da Luz, mas não deixava ninguém a chamar assim, apenas de Malu. No começo, eu me referia a ela como senhorita Ruschel, mas depois relaxei e comecei a tratá-la pelo apelido como todos os outros a chamavam e, como ela não me repreendeu – ela sempre repreendia quando eu fazia algo errado –, continuei.

— Entrou tarde na faculdade?

Assenti.

— Eu precisei ficar um tempo afastada dos estudos, por isso ainda não me formei.

Ela assentiu pensativa, mas não perguntou meus motivos. Esse era o jeito dela, não procurava saber profundamente nada com relação à vida pessoal dos seus colegas de trabalho, bem como também não sabíamos nada sobre ela. Eu poderia ter emendado minha história a fim de tentar comovê-la, mas, sinceramente, isso não era algo que eu faria e, muito menos, a convenceria de algo.

Malu era uma pessoa prática, como eu, embora um pouco mais rígida.

— Seu contrato de estágio termina no mês que vem. — Ela olhou algo no computador antes de continuar: — Sabe o que eu fiz para conseguir chegar à gerência de uma empresa desse tamanho? — Neguei, não entendendo aonde ela queria chegar com essa pergunta. — Trabalhei. — Franzi a testa com a resposta óbvia, e ela riu. — Parece besteira, não? Afinal, tudo o que uma pessoa precisa fazer para progredir na vida é trabalhar.

— Acho que sim...

— Mentira, Kika! — foi a primeira vez que ela usou meu apelido, e isso me fez prestar atenção a ela. — Quantas mulheres você vê aqui em altos cargos?

— Não muitas...

— E quantas estavam sentadas nas cadeiras da sua universidade enquanto você estudava?

— A maioria na minha sala era mulher.

— Exatamente! Nós nos qualificamos, corremos atrás, somos boas no que fazemos, mas, na hora de uma promoção ou mesmo na concorrência de uma vaga, nosso sexo pesa.

— Por conta de possíveis gravidezes e...

Ela riu de novo.

— Isso é desculpa! É medo, Kika. Os homens têm medo de mulheres como nós. — Arregalei os olhos quando ela me incluiu na mesma categoria que a dela. — Isso mesmo, Wilka Maria, eu vejo muito de mim mesma em você e sei que você é alguém em quem eu apostaria minha carreira como vai longe.

Não conseguia me mover na cadeira, olhando-a embasbacada. Malu Ruschel fizera minha vida um tormento durante um ano inteiro e estava dizendo que eu era como ela? Eu trabalhei horas a mais todos os dias, aprendi o trabalho de todo mundo do setor, porque ela me infernizava com perguntas, voltei para o curso de inglês – parado havia anos –, porque ela me colocava para falar com seus contatos fora do país. Eu xinguei aquela mulher, chamei-a de mal-amada e mal fodida, principalmente quando me mandava e-mail de madrugada e aos finais de semana com providências a serem tomadas.

— Vilma, minha assistente, vai sair da empresa no final do ano... — ela voltou a falar, e eu parei de respirar em expectativa. — Solicitei ao CEO que você continue comigo e seja efetivada após a conclusão de seu curso, e ele aceitou.

Ninguém nunca vai poder ter ideia do que senti naquele momento! Eu morava em uma república que iria acabar após a formatura. Tinha conseguido vaga com duas outras colegas que já estavam empregadas, e elas me tinham dado um prazo de dois meses para ficar no apartamento sem pagar nada, até que eu conseguisse uma colocação no mercado. Já estava pensando em voltar a trabalhar em loja, coisa que tinha feito por anos, para manter o aluguel e bancar um curso ou, se conseguisse bolsa, uma pós-graduação.

Então, do nada, a bruxa Malu Ruschel se transformou em minha fada madrinha.

— Obrigada, Malu, eu prometo que não vou decepcioná-la e...

— Não! Você não promete nada para mim. Não entendeu o que eu falei com você antes? Não estou te fazendo um favor, Kika, é mérito seu; não seja subserviente com as pessoas, porque, senão, você não chega a lugar algum. — Assenti sorrindo mesmo depois desse pequeno esporro. — A primeira coisa que você tem que ter em mente é isso: seu mérito. Quando você se reconhece, os outros também o fazem. Não estou falando de soberba ou arrogância, mas sim de saber quem você é, de autoconhecimento e, claro, segurança.

As palavras dela calaram fundo dentro de mim naquele momento. Malu enxergava em mim algo que nem eu via, mas que, a partir daquele dia, passei a valorizar.

Foi por isso que pedi demissão no mês passado! Não podia admitir que um arrogante qualquer, sem a mínima noção do trabalho que minha equipe e eu desenvolvíamos, interferisse, e ficasse por isso mesmo! Não dava, eu não estava no jardim de infância, mas sim dentro de uma empresa conceituada na qual lutei muito e me esforcei demais para estar.

Eu cresci na Karamanlis, não só profissionalmente, também como pessoa. Os anos de convivência com a Malu me ajudaram a perceber que tudo o que ela me disse naquele dia era verdade. Vibrei quando ela foi indicada para a diretoria e, embora saiba que hoje ela está feliz e montando algo próprio, senti-me frustrada ao ver outro homem tomar posse do cargo.

Não podia permitir que Kostas Karamanlis continuasse a me tratar sem o respeito com o qual trata os outros gerentes. Eu sou mulher, orgulho-me disso, sou uma profissional de peso, e a prova disso foram todos os contatos que recebi para trabalhar na concorrência. Não fui porque não tive tempo de avaliar as propostas, pois logo Millos entrou em contato comigo solicitando que eu voltasse atrás e retornasse ao trabalho.

Termino minha bebida, deixando de lado todo o sentimentalismo que me atacou há pouco, jogo o copo no lixo e entro no saguão da empresa. Já era hora de voltar! Fiquei um mês afastada, pude me dedicar aos meus trabalhos extras durante o final do ano e agora é hora de retomar o controle do meu destino!

Seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!

— Bem-vinda de volta, Kika! — Celina, uma das recepcionistas, diz acenando para mim de longe.

— Ei, Kika, vamos almoçar hoje? — Ana Flávia vem correndo até onde estou e entrega minha chave de acesso de volta. — Fiquei tão feliz quando soube que ia voltar! — Abraça-me. — Essa empresa parecia um cemitério sem você!

— Oi, Ana, vamos, sim! Como estão seus filhos? Conseguiu tirar a chupeta do mais novo?

Ela sorri e começa a me contar as aventuras da maternidade até o elevador chegar. Assim que as portas se abrem, ela se despede, e eu coloco satisfeita o meu crachá no leitor para liberar a catraca e poder subir, junto aos outros executivos, a fim de começar mais um dia de trabalho.

Cumprimento cada um dentro do elevador, recebo algumas palavras de congratulação por ter voltado e sigo satisfeita, acompanhando o display do número dos andares avançar até chegar ao que trabalho.

Respiro fundo antes de sair e, mal piso fora do elevador, começo a receber saudações de boas-vindas de alguns advogados e assistentes que trabalham com o detestável Kostas Karamanlis. Infelizmente o sexto andar é conhecido na empresa como “Faixa de Gaza” por conta das brigas épicas que o diretor jurídico e eu já tivemos.

Como eu queria que ele fosse lá para cima, junto aos outros diretores, e deixasse só sua equipe aqui! Seria sem dúvida uma maravilha, mas a diretoria jurídica é a única que não possui gerente. O andar é praticamente deles, e minha gerência, conhecida como hunter – ou seja, caçador –, ocupa apenas três salas: a minha – que foi dividida com uma antessala –, a dos projetos – onde ficam todos os hunters – e uma pequena sala de reunião de equipe, pois para coisas maiores usamos ou a do jurídico, ou a da diretoria executiva.

A convivência entre esses dois setores no mesmo andar sempre foi tranquila, até uns meses atrás, quando eu assumi interinamente a gerência enquanto Malu passava férias – forçadas – no Pantanal. O CEO da Karamanlis obrigou minha amiga a se afastar do trabalho por um tempo, e eu, conhecendo-a como conheço, decidi bolar um plano para que ela efetivamente descansasse: enviei-a ao Pantanal sem que ela soubesse e a deixei sem celular ou qualquer outro aparelho com o qual ela ainda pudesse trabalhar.

Juro a vocês que nunca pensei que ela iria conhecer alguém lá. Malu Ruschel e um peão? Nunca! Porém, aconteceu, e isso acabou por possibilitar que eu assumisse seu lugar na empresa. A princípio tive muito medo de que pudesse ser interpretada erroneamente sobre tê-la mandado para longe, mas não, apenas o babaca do Bostas é quem questionou minha lealdade e amizade por Malu, dizendo que eu havia lhe puxado o tapete.

Nunca faria algo assim! Malu e os outros funcionários da Karamanlis com um cérebro digno funcionando nem pensaram nessa possibilidade.

Passo em frente à porta de entrada do setor jurídico e já sinto uma certa tensão me invadir. Este local protagonizou meus piores momentos, com certeza. Não sou uma pessoa difícil, pelo contrário, me dou bem com quase todo mundo, tenho um feeling especial para me conectar às pessoas, e, para me fazer sentir algum tipo de ranço, o sujeito tem que ter a aura bem escura.

É o caso de Konstantinos Karamanlis! A aura daquele homem é mais densa que um buraco negro e contamina todos à sua volta, trazendo o pior da personalidade de alguém. Quando eu poderia imaginar que chamaria um diretor de babaca misógino e ainda apontaria o dedo na sua cara? Quando em minha vida eu teria tanta raiva de alguém a ponto de lhe jogar um copo d’água na fuça?

Sim... eu fiz isso tudo, e foi pouco! Aquele homem tem o dom de me tirar do sério! E pensar que, até um ano atrás, eu suspirava enquanto ele passava – achando sua seriedade sexy e perigosa.

Abro a porta do meu setor com um sorriso nos lábios e sou surpreendida por gritos, som de alguma coisa explodindo e papel picado voando em minha direção.

— Bem-vinda de volta, chefe! — ouço um grito do Leo, um dos hunters.

— Kika está de volta! — Rosi e Vivian gritam.

Meus olhos se enchem de lágrimas de tal forma que eu não consigo ver mais ninguém.

Há balões de gás flutuando por toda parte, plaquinhas com frases de acolhimento e admiração, além, claro, de uma mesa forrada de salgadinhos, pãezinhos, doces e sucos.

Eu sempre digo que não sou emotiva, afinal sou capricorniana, sou prática, mas sentir esse carinho, perceber que, mesmo com uma vaga como a gerência tendo ficado vazia, eles estão felizes com minha volta é mais do que qualquer coração metido a frozen pode aguentar.

Sou abraçada, felicitada e festejada pelos meus colegas de trabalho e não escondo nenhuma das minhas emoções, sorrindo, chorando e – o que sei fazer bem – xingando-os com carinho. Sem saber como aconteceu, percebo uma taça de champanhe – de plástico dourado – em minha mão com refrigerante. Dou uma golada, mesmo ainda estando cheia do frappuccino que tomei no caminho para cá, e ouço todas as novidades que aconteceram na minha ausência.

— Bem-vinda de volta, senhorita Reinol!

Theodoros Karamanlis, o CEO dessa porra toda, está parado com um puta sorriso (parênteses para dizer que esse homem é um espetáculo aos olhos) e uma das mãos num bolso da calça do terno.

Abro meu melhor sorriso zombeteiro e caminho até ele.

— Para com isso de senhorita Reinol! — brinco. — É Kika! Obrigada por me trazer de volta; eu sei que teve sua interferência nessa questão.

Ele expande o sorriso, fecha os olhos levemente e assente.

— Já perdi uma gerente excepcional, não poderia perder outra — elogia-me, e eu quase vou ao céu por saber o quanto ele me valoriza. — Além do mais, meu irmão é um babaca.

Não resisto à menção do “irmão babaca” e faço uma careta, erguendo minha taça em um brinde à sensatez dele. Por isso o homem é o CEO!

— Nisso concordamos plenamente! Espero que ele fique na dele de agora em diante.

— Eu também, embora ainda ache que você poderia se mudar com sua equipe para...

O quê? Me mudar?! Nem fodendo!

Quando Millos foi falar comigo sobre voltar para a Karamanlis depois que o idiota do Konstantinos teve a infeliz ideia de ir até meu apartamento e me encher o saco para voltar, claro que ressaltando que só estava ali pela empresa e não porque achava que estava errado, o vice-diretor da Karamanlis entrou em contato comigo para negociarmos como os profissionais que somos, e eu – depois de receber sábios conselhos profissionais – impus algumas condições, e a principal delas era não mudar de andar.

Dou de ombros antes de dar uma resposta curta e grossa a essa sugestão.

— Os incomodados que se mudem, conhece o ditado, chefe? Não vou conceder esse prazer a ele a não ser que seja obrigada.

Vejo os olhos de Theodoros brilharem de admiração e percebo que ele concorda comigo e nunca me obrigaria a sair daqui.

— Não será — garante. — Bom, preciso ir. Seja bem-vinda novamente.

Ah, que fofo!

— Obrigada!

Seu gostoso!, concluo mentalmente, claro, afinal o homem é meu chefe, mas eu não sou cega. Ele é tão bom de ver indo quanto vindo!

O sorriso e o olhar de loba malvada para cima do CEO da Karamanlis morrem quando vejo Konstantinos Karamanlis parado na entrada do setor. Theodoros para a fim de falar com o irmão, mas segue adiante, e eu respiro fundo, sabendo que a comemoração pela minha volta vai começar a feder.

— Alerta de Bostas na área, pessoal! — aviso, e todos riem.


Respira fundo, Kika! Você tem que mostrar a ele que voltou porque precisam de você, tem que demarcar seu território e fazê-lo enfiar o rabo entre as (longas, muito longas) pernas.

Balanço a cabeça e desvio o olhar o homem. Eu sei que ele é irritante, mas poxa! A natureza não contribuiu em nada fazendo-o tão grande desse jeito. Chama a atenção de qualquer uma, e eu não sou de ferro, gosto de coisas espalhafatosas.

A simples presença de Kostas na sala já é suficiente para baixar o ânimo de toda a equipe que, até poucos segundos, confraternizava livre e sem nenhum constrangimento. Nem mesmo quando o CEO esteve aqui, eles ficaram emudecidos, mas o diretor jurídico da empresa tem esse dom, essa aura pesada que escurece tudo à sua volta.

Seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!

— Olha só quem resolveu nos dar o ar de sua graça! — Ele cruza os braços sobre o peito e abre aquele frio sorriso irritante. — Decidiu, enfim, baixar as orelhas e retornar ao trabalho.

Abro meu melhor sorriso, aliso a saia de linho ao estilo envelope que decidi usar hoje e o encaro. Não é fácil para mim, sou pelo menos 30 centímetros mais baixa que ele, mas, mesmo correndo o risco de ter a cervical travada, olho diretamente em seus olhos.

— Não graças ao seu poder de negociação, convenhamos! — Ele franze o cenho. — Por isso Theodoros é o CEO, e Millos, o segundo no comando. Eles sabem negociar. — Pisco para ele. — Fica a dica!

— Você é muito abusada! Foi mandada embora e ainda volta insolente?

— Epa! Primeiro de tudo, não fui mandada embora, pedi demissão e, se lembro certo, bem na sua cara. — Ah, nada vai me tirar o prazer de ter jogado aquela água nele. — Depois, vocês foram atrás de mim, não o contrário, então quem tem que baixar a bola aqui é você.

Escuto um pigarrear leve, e Leonardo estende uma bandeja com salgadinhos para ele.

— O doutor aceita? — pergunta.

Basta só um olhar entediado do diretor jurídico para que Leo perceba que o homem não gostou de sua intromissão. Ele me oferece, eu nego com um sorriso, e, após isso, sai de fininho de perto de onde estamos, mas posso ouvi-lo dizer baixinho: “eu tentei, gente, seja o que Deus quiser!”

— Acho que precisamos esclarecer umas coisas aqui, já que voltou, senão você e sua equipe mudarão de andar. — Sua arrogância não tem limites, e eu ponho as mãos na cintura, esperando-o fazer seu discurso. — Eu sou superior a você não só na altura — dá um risinho debochado —, mas em hierarquia. Sabe o que é isso, não? Sou seu chefe. Modere seu palavreado comigo, dirija-se a mim por doutor e não questione minhas ordens...

— Que déspota! Alguém já te contou que a maioria igual ao doutor se fodeu? — Faço cara de assustada e tampo a boca, fingindo não ter xingado de propósito, mas depois rio. — Doutor Konstantinos, talvez o senhor não saiba, mas exigi algumas concessões ao voltar para a empresa, e, como sou indispensável para a Karamanlis, todos os meus pedidos foram aceitos.

— Eu soube que conseguiu um bônus, mas seu cargo continua o mesmo, ou seja — ele faz um gesto com o polegar e o indicador indicando coisa pequena —, sou um diretor, e você, uma gerente. Ponha-se no seu lugar.

Respiro fundo três vezes, lembrando-me dos conselhos de Portnoy.

— Eu sei qual é o meu lugar. — Abro os braços e mostro a sala toda. — Aqui, e não vou sair. Os incomodados que se mudem.

Aproveito a deixa e aponto para a porta em um recado claro para que ele saia.

— Veremos, senhorita Reinol.

Kostas faz a irritante careta de desprezo que sempre dá quando quer colocar alguém abaixo de si e sai da sala. Homem miserável! Filho de uma bela puta!

— Ei, tudo bem? — Leo toca meu ombro, e eu percebo que estou tremendo.

De que adiantou usar minhas botas vermelhas da Mulher Maravilha? O homem tem o poder de me tirar do sério, fazer-me estremecer de raiva, de vontade de dar uns tapas naquela cara larga, morena e sensual.

Aff!

— Estou bem — tranquilizo meu colega de trabalho. — Vou até minha sala para ver se me livro um pouco do ranço que aquele ser me causa.

Abro a porta da divisória entre as salas e entro em meu escritório. Imediatamente tantas lembranças boas vem à minha mente, tantos momentos de superação, de adrenalina nas alturas, que tudo o que sinto é gratidão por estar de volta.

A negociação com Millos foi por telefone, mas, há alguns dias, encontrei-o sem querer na fila do Starbucks. Eu estava mandando uma mensagem quando ele tampou meus olhos por trás e disse:

— Não sou o Kostas, não me mate!

Eu gargalhei com sua brincadeira e o cumprimentei, feliz por vê-lo.

— Feliz Natal atrasado! — Abracei-o.

— Pois é, este ano ninguém deixou Papai Noel de chocolate nas mesas da Karamanlis. — Fiquei sem jeito por ele saber que era eu quem deixava os presentes para os funcionários. — Eu sei tudo, Wilka Maria, acredite nisso.

Eu adoro o Natal, aprendi com meus pais. Mamãe enfeitava a casa toda, colocava lampadinhas em volta de nossa casa, comprava enchimento de bonecas para simular neve e pendurava meias de lã – de verdade! – na maçaneta das portas e trinco das janelas. Papai era o responsável pela ceia, amava cozinhar e se vestia de Bom Velhinho todo ano para entregar meus presentes, também os das crianças dos abrigos em que eram voluntários.

Era uma época cheia de risos, cheiros e sabores maravilhosos. Eu adorava os presentes, claro, mas amava a atmosfera festiva e as histórias de papai.

— Wilka Maria, que nome forte! — ele dizia. — Significa vencedora e pureza. Duas coisas ótimas! — Ele apontava para meu coração. — As duas vêm daí.

Meus pais foram incríveis. Muito do que sou hoje, devo à educação simples, mas cheia de princípios que eles me deram. Uma das coisas que mais me orgulho de ter aprendido com eles foi sobre empatia. Mesmo não tendo muitos recursos financeiros, faziam questão de dividir com quem não tinha nada. Mamãe ajudava a vizinhança, acolhia as crianças mais pobres de nossa rua em nossa casa, muitas vezes cuidava delas quando doentes e auxiliava as outras mães.

Papai era... Não tenho palavras para descrevê-lo. Ele se aposentou quando eu tinha 15 anos e, a partir daí, começou a se dedicar plenamente ao que gostava: o trabalho voluntário. Todos os dias saía de casa para doar seu tempo a alguma instituição e, como bom marceneiro que era, ajudava a construir novas áreas, reformar móveis e fazer pequenos reparos em abrigos, asilos, creches e até hospitais.

Nas férias escolares, eu ia com ele, ajudava com a pintura, tomava conta de crianças, contava histórias e às vezes apenas me sentava ao lado de uma idosa e emprestava meus ouvidos para ouvir seus relatos, lamentos ou só para lhe fazer companhia.

Quando ele morreu, eu tinha acabado de entrar na faculdade. Mamãe não conseguiu se recuperar da perda. Plínio era o homem de seus sonhos, o mocinho de seus romances, como ela sempre me dizia. Dona Zelina era professora aposentada, amava ler e me ensinou a gostar também, embora descobrisse que eu tinha melhor aptidão para as ciências exatas do que para humanas. Os meses em que sobreviveu à morte do papai, passou dentro de casa, relendo cada romance, chorando pela perda de sua metade.

A casa que por muitos anos me encheu de alegria voltou para os donos, ex-patrões de papai que a cederam em comodato enquanto eles vivessem, e, por isso, fui morar em um pensionato com o dinheiro que meus pais conseguiram economizar para quando me faltassem.

Eu fiquei sozinha ali, com 20 anos, enterrei os dois, um ao lado do outro, em menos de um ano. Não foi fácil ver a escuridão da tristeza me assombrar novamente, mas eu me apeguei a cada lição de esperança que aprendi com eles e, por isso, mesmo tendo que trabalhar muito, consegui voltar a estudar e me formar.

Meus pais sempre serão meus heróis!

— Por que nunca me disse que sabia que quem deixava os chocolates era eu? — perguntei ao Millos.

— Se você nunca contou, era porque queria manter-se no anonimato. Respeito isso. — Sorriu. — Confesso que me divertia também com o burburinho que isso causava na empresa. Você tinha ajuda, não tinha?

— Não revelo meu modus operandi, doutor — tirei onda, e ele gargalhou.

— Não me chame de doutor, não tenho essas frescuras. — Minha vez chegou, e ele me perguntou o que eu queria e ainda pagou meu café. — Presente de Natal atrasado.

Ficamos conversando por mais alguns momentos, ele me informou que estava entrando de férias e me desejou um feliz Ano Novo antes de irmos cada um para um lado.

De todos os Karamanlis, eu o acho o mais normal, mesmo com suas tatuagens assustadoras que tanto faz questão de esconder, mas as quais uma vez consegui ver. Ele tinha me chamado à sua sala, e, quando cheguei lá, a Lu – uma amiga querida que é secretária da diretoria – me deixou entrar sem me anunciar, alegando que ele já me aguardava.

Pois bem, entrei sem nem bater e o encontrei terminando de abotoar sua camisa social. Arregalei os olhos, quis que o chão se abrisse, pedi desculpas, mas ele riu, mandou que eu me sentasse e terminou de se vestir.

— Acabei derramando café na outra. Por sorte deixo algumas extras aqui no escritório — justificou-se antes de me mostrar um documento, motivo pelo qual tinha me chamado.

Trabalhei com ele concentrada em todos os pontos que me apontara no relatório em sua mão, mas a imagem de um corpo musculoso e todo coberto por tatuagens não saiu nunca mais das minhas lembranças.

Não entendam mal, ele é bonitão, mas não me atraiu, só me deixou um tanto surpresa, pois sempre pareceu tão formal com o jeito de se vestir e de se portar dentro da empresa que eu nunca poderia supor que, debaixo do terno italiano, havia um corpo praticamente preenchido com desenhos.

Sento-me, depois de dias, em minha cadeira e a giro de um lado para o outro, adorando estar de volta. Por mais que eu tenha negociado duro com Millos – ele mesmo ressaltou isso –, eu já queria voltar para cá.

Abro minhas gavetas, vazias, e sinto falta de meus blocos de anotações e os posts-it que tanto amo. Em cima da mesa, um amontoado de documentos comprova que ninguém assumiu o cargo durante minha ausência; era como se soubessem que eu iria voltar.

Leo aparece na fresta da porta depois de bater levemente e me mostra uma caixa com um “Kika” escrito bem grande nas laterais.

— Minhas coisas?

— Sim, pediram para que esvaziássemos a mesa e enviássemos as coisas para você, mas sabíamos que estaria de volta em breve. — Ele coloca a caixa sobre minha mesa. — Sentimos demais sua ausência. O setor está bem porque, no final de ano, as coisas ficam mais lentas mesmo, mas... — Leo respira fundo. — Lembra que, antes de você sair, havia o burburinho de voltarmos a ter a conta de uma siderúrgica que quer se instalar aqui no Brasil? — Os olhos dele brilham. — Soube que desengavetaram os projetos. Acho que é o maior empreendimento que essa gestão da Karamanlis já pegou, mas é coisa séria, já passou por aqui uma vez e por várias outras empresas.

— Complicado demais? — Sinto o coração disparar pelo desafio à frente.

— Do jeito que você gosta!

— Conta mais! — Bato palmas, excitada.

— Ainda não foi dita muita coisa, os chefões vão querer conversar contigo diretamente, talvez esperem a volta do doutor Millos. — Ele dá de ombros. — O fato é: vamos voltar àquela correria da época em que Malu concorria à diretoria, e quem sabe é uma oportunidade para você.

Assinto e me jogo para trás, balançando o encosto da cadeira. Leo se despede e sai, deixando-me sozinha novamente.

Um novo ano, um novo desafio! Ah, como amo esse trabalho! Mesmo depois do choque de realidade sobre empresas que Portnoy me deu, continuo a me sentir apaixonada pelo que faço.

Pego o celular, animada, e digito uma mensagem para ele.


Abusada!

Fervo de raiva por me irritar com ela. Wilka Maria não deveria ter essa capacidade, afinal nem as pessoas que mais desprezo neste mundo – Nikkós e Theo – conseguem esse intento.

Eu deveria já ter deixado de lado toda essa conversa com ela, não é necessária. Wilka é apenas uma funcionária como qualquer outra aqui da Karamanlis, mas não resisto a ir provocá-la. Não havia nenhuma necessidade de eu ir até sua sala, mas, desde que Murilo me disse que ela estava de volta, não pensei em outra coisa senão ir até lá para irritá-la.

Provei do meu próprio veneno! Rio de mim mesmo, admitindo que sempre provo do meu veneno com aquela baixinha abusada. Aposto que ela deve ser solteira e que não fode há tempos, por isso está sempre tão estressada e irascível.

Abro um meio sorriso e levanto uma sobrancelha ao imaginar que tipo de mulher ela é na cama. Frígida, com certeza! A Malu, que era gerente antes dela, nunca me enganou com sua pose profissional, seu tipo discreto e viciado em trabalho. Eu sabia que, na cama, devia ser fogo puro, tanto que foi incendiar uns fenos lá naquele inferno molhado chamado Pantanal. Mas Wilka Maria? Sinto gelo em meu sangue só de pensar nessa mulher trepando.

Penso na pequena gerente com mais cuidado e admito que ela não é feia. Tem uma maneira peculiar de se vestir, adora botas coloridas e outras peças que nunca vi uma executiva usando, porém, ainda assim fica com um “quê” de mulher sexy. Talvez por esse motivo tenha invadido minha mente enquanto eu me masturbava.

Lembro que uma vez veio vestida de terno! Não, não era tailleur, era terno! Calça, colete, camisa, gravata e blazer! O corte era feminino, devo admitir, pois, quando passou por mim no corredor sem o blazer, olhei para trás e percebi como sua bunda redondinha ficava bem na calça, mas convenhamos que é muito fora do senso comum uma mulher se vestir assim.

Balanço a cabeça, afinal, o que sei de moda? Não tenho essas frescuras! Gosto de me vestir bem, tenho minhas marcas favoritas, sim, mas não sou um aficionado que fica seguindo tendências e que precisa de outro cômodo para fazer de armário. Tenho alguns ternos e roupas sociais; roupas esporte fino; um smoking para ocasiões especiais; roupa de treino; cuecas e meias. Você encontra, no máximo, uma única calça de pijama, que visto em dias frios ou quando quero sair para a varanda do apartamento sem provocar um ato obsceno.

Atravesso o salão onde ficam as mesas dos advogados e entro em uma das salas de apoio para pegar uma pasta com documentações de um cliente antigo da Karamanlis. Mal abro a porta e dou de cara com um dos estagiários cochilando.

— Sai! — Aponto para fora.

— Doutor Karamanlis, me desculpe! Eu tenho andado com problemas para dormir e...

— Fora! — repito. — Acha que ninguém aqui nunca ficou dias sem dormir? Já, sim! Adivinha quantos se esconderam em um canto para cochilar no meio do expediente? Ninguém. — Afasto-me da porta e aguardo que ele saia. — Vá para casa dormir. — O rapaz sorri e assente, parecendo aliviado. Ele não me conhece! — Volte amanhã para assinar a rescisão do seu contrato de estágio.

Ele para, abre a boca para se justificar, mas não lhe dou chance, simplesmente fecho a porta e vou até o arquivo, pensando no que acabou de acontecer. Se não aguenta meu ritmo, não serve para trabalhar comigo, nem como estagiário.

Prevejo períodos de trabalho intenso, pois soube pelo Millos, via mensagem, que iremos voltar a mexer na conta da Ethernium, uma empresa de siderurgia europeia que tenta se instalar no Brasil há anos, mas que sempre cai em entraves burocráticos.

Acho a caixa com os documentos, ligo para a mesa do Murilo e peço para que ele me encontre com David e Petrônio na sala de reuniões. Abro a porta de comunicação e acendo a luz, bem como ligo o ar-condicionado. Quase não usamos esta sala, nossos trabalhos são feitos por cada equipe, e elas estão dispostas de modo a conseguir interação entre seus membros.

Murilo, eficiente como sempre, entra na sala com Eleonora sempre pronta para tomar notas.

— Bom dia! — ela me cumprimenta, pois não tínhamos nos visto ainda.

Cumprimento-a de volta e olho para Murilo.

— Onde estão os demais? — mal acabo de perguntar, David e Petrônio entram na sala. Espero todos tomarem assento e começo: — A Karamanlis resgatou a conta da Ethernium. — David logo mexe em seu iPad em busca de informações sobre a empresa. — Ela quer se estabelecer em São Paulo, mas a equipe de licenciamento — aponto para Petrônio — fez uma lista de problemáticas tão grandes que eles desistiram.

— Kostas, a legislação não ajuda muito, nós não dissemos que era impossível. O parecer do consultor ambiental foi feito dentro da legislação vigente na época.

— Ele se baseou nos estudos feitos pelos técnicos da K-Eng — David complementa. — As áreas escolhidas eram inviáveis e seriam reprovadas ainda na licença prévia.

Concordo com ele.

— O fato é que não vamos brigar por aquelas áreas mais, eles flexibilizaram com relação à região. — Abro a caixa e pego o antigo briefing sobre a Ethernium. — O que uma siderúrgica tem que ter em seu entorno?

— Porto — Murilo responde de pronto. — Ou pelo menos um local que dê acesso a um, afinal, vai produzir aço para exportação.

Assinto.

— Água — Petrônio arrisca —, necessária no processo de produção e em grande quantidade para o resfriamento do aço. — Ele passa umas páginas. — Todas as unidades da Ethernium têm captação e tratamento próprios.

— Incentivo fiscal. — David ri. — Já que eles não querem mais especificamente ficar em São Paulo, por que não barganhamos incentivos fiscais? Imagine a quantidade de empregos diretos e indiretos gerados por uma empresa desse tamanho? É quase uma cidade do interior! Qual governante não quer?

— Exatamente isso, David. Sabemos que precisamos desses três elementos, mas nosso diferencial vai ser o incentivo fiscal. Então não se fixem em ficar perto de portos ou mesmo do mar, precisamos de locais onde já se tenha uma linha férrea que faça essa logística.

— Doutor... — Murilo me interrompe, mas parece reticente — esse é o serviço dos hunters.

Bufo de raiva e me inclino sobre a mesa.

— Eu sei, mas quero acompanhar de perto. — Eleonora não disfarça a risadinha, mas, quando nota que estou vendo, fica séria. — É por isso que estamos conversando aqui antes de termos uma reunião conjunta. O David é quem lida com os hunters diretamente, então é quem vai cuidar da questão de procurar junto a eles o melhor incentivo fiscal, de ir atrás das autoridades, negociar, conseguir um projeto de lei, qualquer coisa que possibilite a instalação da empresa. Murilo vai lidar com qualquer entrave legal que vier posteriormente, na fase de licenciamento. — Ele assente. — E, Petrônio, quero você em cima dos engenheiros e gestores ambientais da K-Eng. Pare de ser tão burocrático e procure brechas na porra da lei!

— Qual é o prazo para apresentarmos o local com os cronogramas das outras áreas? — Petrônio questiona.

— Ainda não sei, provavelmente vamos trabalhar isso apenas após a volta do Millos. De qualquer forma, sei que Theodoros vai viajar ao Rio de Janeiro para uma reunião esta semana e lá já deve fazer contato com eles.

— A reunião é da montadora de veículos — Eleonora aponta.

— Sim, por isso mesmo! A Ethernium é a principal fornecedora das chapas de aço que eles usam.

Os três recolhem o material dentro da caixa para ler, mas eu penso na concretização desse negócio. Theodoros ganhará muita força em sua gestão se conseguir fechar esses dois clientes ao mesmo tempo, sem falar no prestígio que isso lhe dará, afinal, trata-se de uma conta que já passou por várias incorporadoras, inclusive nossas maiores concorrentes.

Esse é um projeto que consolidará a Karamanlis como a maior do Brasil, quiçá da América do Sul no setor imobiliário, o que para mim, em termos profissionais, é ótimo. O que me incomoda é apenas estar ajudando Theodoros a se firmar como CEO, indo completamente contra tudo o que quero.

— Doutor? — Murilo me chama, e eu o encaro. — É um dos maiores empreendimentos que já passou por aqui.

Rio amargo, dividido entre a excitação de um desafio e a frustração de não conseguir pôr meu irmão em seu devido lugar: fora daqui.

 

 

Chego a casa molhado de suor e já arranco a roupa antes mesmo de fechar a porta de entrada. Fui jogar tênis no clube e hoje achei um adversário à altura, Nicholas Smythe-Fox, o atual CEO da Novak Engenharia. Não somos amigos, apenas conhecidos, e, quando ele me convidou para uma partida, não pensei duas vezes antes de aceitar.

Achei que ganharia fácil, afinal sou um pouco maior que ele, e isso ajuda na hora da defesa, pois tenho maior envergadura. Eu só esqueci que, além de maior, também sou mais pesado que ele, e o homem demonstrou que jogava tênis muito bem.

— Na casa dos meus pais tem uma quadra — o filho da mãe me disse, rindo, quando me deitei desmontado na quadra. — Mas não esperava ser vencido por você no último game.

— Eu... — tomei fôlego — sou foda!

Na verdade, eu estava morto, só sou teimoso demais e não queria perder para ele de jeito algum. Nick gargalhou e me ofereceu uma cerveja, que, mesmo não sendo minha bebida preferida, aceitei de bom grado.

— Fiquei surpreso por você ter querido comprar o potro no leilão — comentou.

— Era pura implicância; se tivesse ganhado, não saberia o que fazer com um cavalo.

— Mesmo? — Ele pareceu bem surpreso. — Eu nasci na Inglaterra também, você sabe? — Fiquei tenso, mas concordei. — E fui criado um bom tempo por lá, então sei que faz parte, da educação de um jovem de família tradicional – como a minha e a sua –, a equitação. Não gosta?

Minha vontade era de ir embora naquele momento. Se tem uma coisa que odeio, é gente especulando meu passado, mesmo sem querer; me enerva.

— Não gosto — respondi seco.

Não faço questão alguma de me lembrar da minha infância ou adolescência. Cada uma delas teve seu demônio específico. Não vou até a maldita ilha há anos, nem mesmo apareci por lá quando o velhote Abbot morreu e não faço questão alguma de ser lembrado dos momentos que passei lá sob o domínio de Gordon Abbot.

Depois dessa conversa desconfortável, fiquei mais uns minutos conversando com Nick, até que ele alegou ser esperado pela esposa e pela filha e se despediu.

Entrei no carro, puto, porque sempre fico nesse estado quando remexo a merda do meu passado, e agora não vejo a hora de tomar um banho, tirar todo o suor que o jogo me proporcionou e trabalhar um pouco antes de dormir.

Olho para o celular que acabei de colocar em cima de um móvel e penso na Caprica. Hoje mais cedo ela me mandou mensagem pedindo-me para torcer por ela, por isso pensei que ia negociar com seus chefes sobre sua volta. Não sei se o “silêncio” dela quer dizer que conseguiu o emprego de volta ou se tomou um pé na bunda definitivo.

— O problema não é meu! — digo antes de entrar sob a ducha de água gelada e forte, decidido a nem olhar mais o celular à procura de notícias dela, afinal, não tenho nada a ver com sua vida, muito menos quero que ela pense que somos amigos.

Ela serve apenas para me distrair, um sexo virtual para apimentar minhas masturbações, sacanagem escrita para me fazer rir – eu gosto do humor dela – e assim aliviar um pouco minha ânsia por prazer e sexo, tirando o trabalho honesto das prostitutas que contrato.

Concorrência desleal, meninas! Que sexo mais desunido!

Rio em deboche, pensando em como as feministas iriam reagir ao meu pensamento. Provavelmente me acusariam de “usar” as mulheres apenas para o meu prazer. Se eu um dia fosse questionado sobre isso, iria rir e informar à pessoa que estava apenas em uma relação de consumo e que só estava usando porque há bastante oferta e que, mesmo com as profissionais, eu sou um homem cuidadoso com o prazer feminino.

O som da notificação do aplicativo de sexo ecoa e, instintivamente, abro um sorriso.


Voltei ao trabalho com força total!, penso terminando de lavar a louça que usei ao jantar uma salada com peito de peru para compensar os excessos do dia. Não sou de me privar de comer o que gosto, mas aprendi que é necessário haver equilíbrio, então, quando como algo muito pesado ou calórico em uma refeição, evito na outra.

Nunca fui a louca das dietas – como Malu era, por exemplo –, mas, como tenho pouco tempo para me exercitar, dou uma freada na boca. Desde que me tornei gerente da Karamanlis, só consigo ir treinar duas vezes na semana, e, nos finais de semana, já estou tão cansada que é raro eu ir.

Além de tudo, não gosto de malhação, prefiro fazer outros tipos de treinos, principalmente ao ar livre. Fui ao Trianon algumas vezes e vi um pessoal fazendo tai chi e caminhando. No domingo, a Avenida Paulista fecha e a ciclovia desce para o asfalto, o que é ótimo para quem curte pedalar, sentir o vento no rosto. Eu gosto muito. Preciso deixar de preguiça e ir.

É, mas, trabalhando como estou, vai ficar cada vez mais difícil! Agora eu entendo a Malu em algumas coisas. É quase meia-noite, e eu acabei de jantar, passei em um supermercado, comprei as coisas para a salada, fiz, comi e agora vou tomar banho e dormir.

Sinto patinhas baterem em minha perna.

— Ah, Kaká! — Seco as mãos e pego meu bichinho. — Como foi o dia? Passeou muito? — Ele me lambe o rosto. — Desculpa ter chegado tão tarde, estava tudo meio acumulado lá no trabalho, sabe? — Sento-me e o coloco no colo, fazendo carinho em sua barriguinha. — O pessoal gosta mesmo de mim. É tão legal receber carinho, não é? Fizeram uma festa de boas-vindas, o Theo... — Suspiro. — Já te falei dele, lembra? O CEO, o irmão mais velho do Bostas. — Kaká emite um ganido, e eu rio. — É, aquele “malvadão” do Bostas. Desculpa por ter colocado seu nome igual ao dele, mas já resolvemos com os apelidos, né? Bostas para ele, e Kaká para você!

Fico um tempo em silêncio, apenas acariciando meu cãozinho, feliz por ter alguém com quem conversar em casa. Kaká foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido! Não gosto de estar só, e um amiguinho pet foi a melhor decisão para me fazer companhia, dar carinho e aquecer meu coração.

Amo tanto esses bichinhos!

Claro que precisei ajeitar alguém para sair com ele, pois passo muitas horas fora de casa. Verinha foi um achado, além de vizinha maravilhosa, também tem um bichinho – um bulldog francês – e leva os dois para brincar no parque. Aqui próximo tem uma clínica veterinária que fez um “day care” para os pets. Eles não ficam fechados em gaiolas – eu nunca permitiria isso –, e sim em um espaço de grama atrás da loja, com brinquedos e um monitor.

Verinha e eu matriculamos nossos bichinhos lá, e, na parte da tarde, Kaká e Ferdinando vão para a “escolinha”. Minha terapeuta achou muito benéfico eu ter adotado um pet, pois tenho com quem dividir afeto, tenho de quem cuidar e assim me sinto menos sozinha neste mundo.

A coisa que mais me dá medo é ser sozinha.

Respiro fundo para espantar qualquer sombra de tristeza que esse pensamento me causa, ergo Kaká e sorrio para ele.

Seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!

— Não precisa ter medo do “malvadão”, não, viu? Hoje ele saiu da minha sala com o rabinho entre as pernas. — Rio ao lembrar. — Ah, tenho novidades!

Coloco-o no chão e vou para meu quarto contando o pouco que sei sobre o novo projeto que vou pegar na Karamanlis e o quanto será incrível se eu conseguir realizá-lo bem.

— Já pensou, Kaká? Eu, uma diretora da Karamanlis! — Ele pula e late. — É, eu sei que você vai gostar de ser filho de uma diretora!

Entro para o banho pensando em como foi bom ter colocado Kostas e sua arrogância no lugar que merecem. Mandei mensagem para Portnoy contando um pouco sobre meu dia, mas ele ainda não retornou, pelo menos, não ouvi a notificação. Quero muito contar para ele como foi que me senti com o Bostas.

Saio do banho, limpo o vapor que ficou embaçando o espelho – mesmo no verão preciso de um banho quente para relaxar antes de dormir – e começo o ritual de toda noite, usando meus cremes para a pele. Lembro-me do meu aniversário e respiro fundo. Sou muito festiva, adoro comemorar por qualquer motivo, mas esse não é um deles.

Daqui a poucos dias faço 30 anos. Não estou chateada por causa da idade, pelo contrário, hoje é até moda a festa do “trintei”, mas é que não gosto mesmo da data. Não curto meus aniversários, sinto muito vazio, sinto a solidão de verdade. Eu sei que não deveria sentir, afinal tenho muitos amigos, muitos colegas de trabalho que gostam de mim e que adorariam festejar essa data comigo, mas nem digo a ninguém o dia.

Nas redes sociais, optei por não colocar, e na empresa meus dados pessoais são sigilosos, então não revelo. Não é um dia muito feliz para mim, prefiro não comemorar, deixar passar como qualquer outro.

Termino de passar meus cremes, escovo os dentes e os cabelos, visto um baby-doll e pulo na cama com Kaká já se esgueirando à procura de um cantinho para dormir.

Pego o celular para conferir o despertador e me assusto com o número de notificações nele. Franzo o cenho e vejo o sinal de que eu o silenciei. Droga! Devo ter feito isso sem querer, pois não me lembro, por isso não ouvi a chegada de nenhuma mensagem.

Abro primeiro o app de mensagens, respondo algumas, inclusive de Malu, que me perguntou como foi o dia de trabalho. Depois vejo as notificações das redes sociais e, por último, com um sorriso no rosto, abro o chat do Fantasy.


“Ei, gostosa, que bom que seu dia foi bom. Deve ser uma delícia poder comemorar comendo sua boceta deliciosa! Endereço?”


Rio de mais uma tentativa dele de me encontrar. Portnoy não desiste nunca! Continuo a ler:


“Eu estou aqui, deitado na minha cama, cansado para caralho, pensando em como deve ser o seu sabor. Já provou?”


Faço careta, mas uma pulguinha de curiosidade se instala atrás de minha orelha. Contorço-me na cama, gemo por sentir a calcinha já levemente úmida e penso se devo provar. Olho as mensagens seguintes.


“Li uma matéria esses dias que falava sobre a famosa ejaculação feminina. Segundo o que estava escrito, tem como a mulher controlar e provocar isso. Nunca vi acontecer fora dos filmes. Acontece com você? Eu gosto de pensar que sim, me excita.”


Fico tensa ao pensar na alta expectativa que ele tem de mim. Meu Deus, se ele soubesse! Rio, abro uma aba no navegador e pesquiso sobre o que ele me citou.

— Oh, meu Deus! — Arregalo os olhos vendo uma gif e começo a rir de nervosismo, percebendo que ele me imagina uma espécie de rockstar sexual.

Tudo bem, posso ter exagerado uma coisinha ou outra... Bem, posso ter exagerado bastante, mas caramba! Daqui a pouco o homem vai me imaginar fazendo sexo oral em mim mesma!


“De qualquer forma, se você não fizer isso, já fico satisfeito em provar sua boceta molhada e sentir meu pau patinando dentro dela. Quando?”


A última mensagem foi enviada já faz quase uma hora, então ele já deve ter dormido ou não está mais olhando o chat para ver se respondo. Portnoy é o homem das minhas fantasias. Somente ler as coisas que escreve para mim já é o suficiente para me deixar excitada.

Ajeito-me na cama e ponho a mão dentro do short do pijama. Sinto a pele lisinha da minha virilha depilada a laser – coisa que Malu e eu decidimos fazer juntas e quase morremos de tanto xingar a depiladora, que, enquanto exterminava nossos pelos, fazia churrasquinho de nós duas – e finalmente chego aonde quero. Fecho os olhos e deixo a mente viajar por todos os cenários e todas as situações que já criamos juntos. Imagino a voz dele, seus lábios me tocando bem onde minha mão está e, então, seu olhar safado, sorriso malicioso igual ao do Kostas e... Paraliso a mão no mesmo momento.

De onde veio isso?! Por que o desgraçado do advogado tem que se meter até nos meus momentos íntimos? Já é perseguição isso!

Continuo excitada, molhada, pulsando, mas não tenho mais coragem de fechar os olhos. Não quero ver aqueles olhos azuis ressaltados pela pele morena, não quero os cabelos lisos e negros molhados de suor, nem mesmo seu sorriso safado, sua boca em mim e... Gemo, dando-me conta de que continuei a masturbação.

— Foda-se, Konstantinos Karamanlis! — amaldiçoo-o segundos antes de gozar.

 

 

— Kika, reunião na sala da diretoria executiva agora — Vivian anuncia ao entrar na minha sala.

Ergo os olhos do computador e enrugo a testa, sem entender de onde veio isso, pois acabei de olhar a agenda interna.

— Não tem...

— Eu sei, acabaram de marcar. Ao que parece, o CEO viajou e pediu urgência nisso. — Ela põe uma pasta na minha mesa. — Material que o jurídico enviou.

Levanto-me imediatamente, entendendo o que ela está informando.

— Theodoros não está? — Vivian nega. — Quem é que convocou a reunião?

— Doutor Konstantinos e Alexios. O doutor Theodoros foi para o Rio de Janeiro, mas vai voltar a tempo, parece que tem uma videoconferência com o pessoal da Grécia hoje, segundo Luiza me informou.

Respiro aliviada, pois Theo estará de volta e, por isso, vou me esforçar para não retrucar à primeira gracinha que ouvir do Bostas. Todavia, se ele abusar da sorte, não vou me conter. Tenho autorização explícita do Millos para mandar Kostas para onde bem entender.

Pego o material em cima da mesa e abro um sorriso, prevendo o desafio que me espera ao ver o nome da Ethernium na capa. Eu era assistente da Malu quando essa empresa nos procurou pela primeira vez, querendo um local para a instalação de sua siderúrgica gigantesca. Recusou todas as nossas indicações, e já sabíamos que seria assim, pois as melhores, as que mais se adequavam ao que procuravam, tinham tantos entraves legais que desistimos.

Sinto a adrenalina passar pelo meu corpo. Sei que essa é uma oportunidade única, é a chance de eu melhorar tudo para mim e ainda quebrar um pouco a crista de um certo diretor jurídico. Ah, como eu quero chegar ao mesmo patamar hierárquico dele, para que não jogue mais isso na minha cara, olhá-lo frente a frente – figurativamente falando, claro –, vendo-o se rasgar porque também sou uma diretora.

Despeço-me de Vivian e sigo direto para o elevador a fim de participar da reunião e saber todos os detalhes dessa nova empreitada.

— Kika, ainda bem que chegou, estão todos lá dentro. — Luiza vem ao meu encontro parecendo ansiosa.

— Fiquei sabendo da reunião agora; como já estão todos lá dentro? — questiono, achando estranho.

— A reunião começou há pouco mais de 15 minutos, o jurídico esqueceu de compartilhar com vocês na agenda. — Ela faz uma cara de quem sabe que foi de propósito. — O doutor Alexios sentiu sua falta, e, quando viram, os hunters não estavam marcados na agenda. Foi tudo muito em cima da hora...

Aquele filho da puta de novo!

— Tudo bem, Lu — interrompo as justificativas dela e abro um sorriso. — Vou para lá agora, antes que fique ainda mais atrasada. O doutor Theodoros já chegou?

— Ainda não, mas já está a caminho.

Agradeço a ela e sigo para a sala. Bato rapidamente antes de entrar.

— Bom dia, já estou aqui. — Abro meu melhor sorriso para cumprimentar os advogados que trabalham com Kostas, engenheiros que trabalham com Alex, o próprio diretor da K-Eng e, por fim, o diretor jurídico. — Se não se importarem, como não foi de responsabilidade minha o atraso, poderiam voltar ao começo do assunto?

Kostas ergue uma de suas escuras sobrancelhas.

— Já ouviu a expressão time is money, senhorita Reinol? — Ele abre um sorriso, e vejo os engenheiros rirem também. — Não posso voltar ao assunto apenas e exclusivamente porque a senhorita, uma gerente, quer. É perda de tempo!

Theo entra na sala neste exato instante. Eu sorrio ao lhe apontar.

— Mas para ele você não só pode, deve!

— Bom dia, já começaram a reunião? — Theo questiona e vai até onde Kostas está, no lugar da cabeceira que pertence ao CEO da empresa. — O que você deve fazer segundo a senhorita Reinol?

— A reunião começou há quase 20 minutos. Não podemos voltar ao assunto, é injusto com quem já ouviu e uma perda de tempo — ele tenta argumentar, mas Theo nega com a cabeça.

— Eu não estava presente, nem era para ter começado. — O CEO me encara. — Por que chegou atrasada?

— Houve um erro, e os hunters não foram informados — Alex explica.

Theodoros encara Kostas e bufa antes de dizer:

— Do começo. — Senta-se. — Agora você já pode começar a reunião, Kostas.

Ah, que vontade de subir na mesa e fazer uma dancinha bem ridícula para ele! Vocês se lembram de um comercial de cerveja em que dois siris rebolavam e cantarolavam “ná, ná, ná, ná!”? Sério, tenho vontade de fazer isso!

Seguro o riso, mas Kostas nota e me encara. Enfrento seu olhar, suas íris azuis lindas, brilhantes de raiva.

Pois é, Bostas querido, vou atualizar o placar dessa nova disputa do ano:

Kika 2; Bostas 0!


Raiva, frustração e muita, muita vontade de extravasar isso em alguém. Encaro a irritante gerente e sinto meu sangue borbulhar pelo que ela causou. A abusada tenta conter um sorriso de satisfação, mas vejo seus olhos escuros brilharem de contentamento.

Sim, baixinha marrenta, dessa vez você conseguiu, mas não crie asas, não vai muito longe!

Wilka Maria não desvia os olhos dos meus, enfrenta-me como se quem desviasse o olhar primeiro fosse o perdedor. Começo a sentir uma energia forte, estranha, meu corpo esquenta, e os pelos se arrepiam por baixo da roupa. Deve ser a raiva contida sendo descontada nela.

Já não enxergo mais ninguém na sala, não escuto o som da voz de Alex, que conversa com Theo, não posso sentir nada além do cheiro do perfume da gerente, que está sentada do outro lado da mesa. Aperto meus olhos e fecho os punhos quando sinto meu pau endurecendo.

Não é novidade eu ficar excitado enquanto estou com raiva. Faz parte de mim, da minha escuridão, mas nunca aconteceu dessa forma, nunca com imagens de uma mulher que conheço nua em cima da mesa de reuniões, amarrada, totalmente à minha mercê, nunca criando expectativa de ter essa boca debochada, essa língua ferina e rápida, servindo meu pau.

Estremeço quando percebo que ela está ofegante, que o sorriso vitorioso sumiu e seus olhos já refletem outro sentimento. Curiosidade!

 


                                      CONTINUA