Não é a primeira vez que fantasio com essa mulher, nem que noto que, mesmo compacta, ela é gostosa. Porém, nunca mexeu comigo desse jeito. Essa mistura de raiva, de querer fodê-la até apagar toda e qualquer superioridade que sente em relação a mim, é intensa demais.
Talvez seja tão somente pelo fato de ela pensar em uma trepada comigo como algo ruim, inimaginável, que eu esteja me sentindo dessa forma, pois seria quase uma punição tê-la sob meu domínio, refém de um desejo que não suporta ter, mas que é inevitável sentir.
De repente seu rosto fica levemente corado, e ela desvia o olhar para Theodoros. Fecho os olhos e busco controle, afinal estamos na sala lotada de uma reunião, embora, há poucos momentos, sentisse que estava a sós com ela e que o ar vibrava ao nosso redor.
Que porra é essa, Konstantinos?
— Kostas? — Alexios me chama, e assinto.
— Ontem tivemos uma reunião interna no jurídico para tratar da Ethernium. Eu entendo a importância de se conseguir esse cliente e, por isso mesmo, sei que os entraves que encontramos da primeira vez não poderão se repetir.
— Nisso concordamos — Theodoros diz. — Nenhuma outra empresa conseguiu o local que eles tanto queriam. Conversei ontem com um dos grandes clientes da Ethernium, que já é nosso cliente, e eles explicaram a importância de se ter a siderúrgica aqui.
— Sabemos disso, Theo, mas o que minha equipe e eu queremos saber é: como? Porque a legislação não mudou, que eu saiba, e, por mais que façamos projetos, demos andamentos às questões administrativas, ainda esbarramos nos entraves legais ambientais e de planejamento urbano.
Abro um sorriso para Alexios depois que ele termina de falar e exponho minha ideia:
— Houve mudanças, sim, e algumas muito benéficas, além do mais, o cliente está aberto a novos estados, já tirou a fixação que tinha em São Paulo. — Alexios parece satisfeito com isso. — Precisamos buscar o local que mais se adeque ao que ele quer e fazer contatos com todas as autoridades locais.
— Acho que dessa vez — Wilka Maria toma a palavra — podemos ter um foco mais amplo também. Eu me lembro de quando eles nos procuraram pela primeira vez e como nos focamos em encontrar lugares próximos ao mar, o que por si só já é complicado por causa das leis de proteção e restringiu bastante nosso campo, pois São Paulo não tem um litoral grande.
— Eu ainda pretendo terminar de expor minhas...
— O que você pensou, senhorita Reinol? — Theo me interrompe, e eu bufo audivelmente, atraindo a atenção dele e de Alexios.
Wilka Maria abre a pasta com documentos que minha equipe preparou e, sem olhar para qualquer um de nós, aparentemente lendo as informações contidas lá, começa a explicar:
— Vamos inverter nosso trabalho. — Arregalo os olhos, sem entender. — Nós temos, por política, procurar os imóveis, não é? Mas e se, dessa vez, ao invés de procurarmos, anunciarmos a procura?
Rio da loucura dela.
— Viramos o quê? Apenas uma imobiliária? — Os engenheiros riem junto a mim. — Vamos colar panfletos na porta da Karamanlis esperando alguém nos procurar com o local perfeito?
Ela sorri lentamente, olha para o Theodoros e depois volta a me encarar.
— Não, doutor, vamos anunciar aos governos, mandar tudo o que a empresa oferecerá em termos de empregabilidade, impostos, compensações ambientais e tudo o mais que está aqui listado. Vamos jogar a isca.
Aperto meus olhos, entendendo o que ela quer e admitindo ser um bom plano, afinal eu mesmo já pensei nisso, mas não como estratégia inicial e sim para barganhar.
— Mas o cliente quer comprar a área, não ter algum tipo de concessão — Alexios emenda.
— Com números como esse? — Aponto para o relatório na mão dele. — Tenho certeza de que qualquer município, devidamente pressionado por seu governador, cederá a área em uma doação onerosa, exigindo mundos e fundos, mas que não chegará à metade do valor que o cliente pagaria.
— Então o que a Karamanlis ganha com isso se partilhamos porcentagem do valor final do terreno? — Theodoros pergunta.
— Continuaremos a partilhar, além dos outros serviços que ele já nos contratou para fazer. — Wilka Maria me encara. — E como disse o doutor Konstantinos, ainda assim será um bom negócio para eles.
Franzo a testa por ela ter dito meu nome sem deboche, fúria ou desprezo. Sim, acabamos de trabalhar em equipe, ela e eu, defendendo a mesma ideia, o que nunca aconteceu desde que ela ficou à frente dos hunters, quando substituiu a antiga gerente que estava de férias.
É realmente uma ótima ideia – embora eu deva ressaltar que já tinha falado sobre isso na reunião ontem – fazer dessa forma. Teremos um cliente satisfeitíssimo e mais conexão com os políticos deste país – não que eu queira muito isso, mas, infelizmente, é necessário.
— É uma estratégia excelente, reconheço — Theo diz antes de olhar para um dos seus brinquedos de pulso. — Tenho certeza de que posso deixar essa empreitada com vocês dois sem que se matem, não é?
— O quê?! — Viro-me para ele, totalmente pego de surpresa, afinal, a ideia era eu liderar isso.
— Doutor Theodoros, tenho certeza de que a equipe de hunters pode... — ela começa a justificar, e percebo que também não ficou satisfeita com isso.
— Não. — Theodoros se levanta. — Eu tenho uma conferência agora, mas acho que falamos tudo o que seria necessário neste momento. Vocês dois ficarão responsáveis por traçar todos os passos desse projeto, e eu vou cobrar aos dois igualmente. — Ele me encara. — Penso que, depois de tudo o que aconteceu no final do ano passado, posso esperar um comportamento mais profissional de vocês dois.
— Eu não concor...
— Já terminamos por aqui — Alexios interrompe. — Minha equipe e eu vamos voltar, porque estamos cheios de projetos e planilhas a finalizar. — Ele se despede de Wilka, parabenizando-a pela ideia. — Aguardaremos memorandos.
Acompanho a saída dos engenheiros e faço sinal para que Murilo e os outros dois advogados os sigam. Eles se despedem, mas, antes de sair, Eleonora cumprimenta Wilka, amigável e orgulhosa:
— Que bom que voltou! A empresa é outra sem você.
— Obrigada, Lê!
Lê?! Mas de onde saiu esse apelido e essa intimidade com um dos meus? Não gosto nada de saber que as duas são amigas, mas era de se esperar, clube da Luluzinha, mulheres unidas formando corporativismo feminista dentro da empresa. Ainda depois se fazem de vítimas!
— Bem, bem... — Theodoros volta a falar — já que estamos sozinhos, não preciso mais usar meias palavras. Parem. Com. A. Porra. Da. Infantilidade! — Olho-o puto, e Wilka fica boquiaberta. — Não vou ficar lidando com vocês como se fosse babá, então comportem-se como os profissionais que são.
— Doutor, eu jamais...
— Você também não é santa, Wilka Maria, embora eu não possa condená-la por falar umas merdas a quem merece. — Abro um sorriso para debochar da gerente – que parece enfezada, porém, não diz nada – e não percebo que a “artilharia” de Theodoros virou para o meu lado. — E você pode ser um bom e organizado advogado, mas enfie um pouco de sua arrogância pelo rabo e considere opiniões alheias. A partir de hoje, vocês dois estão juntos nesse projeto.
— Mas ainda continuo sendo o chefe, afinal, sou superior...
— Não — meu irmão me interrompe. — Juntos, iguais, os dois vão dividir tarefas com suas equipes, traçar cronogramas, estratégias e tudo o mais. Os dois juntos, nenhum pode decidir nada sem o outro.
Wilka Maria abre um enorme sorriso, e seus olhos brilham ao me encarar. Vejo neles o desafio, a provocação, a vitória. Não posso deixar que ela saia por cima, nem pensar.
— Isso é totalmente absurdo, Theodoros! Ela é uma gerente de locação! O que ela sabe além de se um lugar presta ou não? Além disso, não vou me rebaixar a receber ordens de uma...
— É um babaca mesmo! — escuto-a falar, rolando os olhos.
— Viu? Como você acha que eu posso trabalhar com uma pessoa sem o mínimo de respeito com um superior dessa forma?
Theo começa a rir.
— Você acha que está onde? No serviço militar? — Ele pega sua pasta. — Senhorita Reinol, sei que, durante sua negociação – pela qual devo parabenizá-la pelo pulso firme –, ficamos entendidos que você poderia mandá-lo à merda sempre que necessário, porém, eu peço que gaste esse privilégio com moderação.
Franzo o cenho, olho para ela e depois para o insuportável do meu irmão.
— Que loucura é essa de que estão falando?
Theo dá de ombros e para antes de sair da sala.
— Bom, visto que a volta dela deveria ter sido uma incumbência sua, coisa que você não conseguiu fazer, vou deixar que conversem sobre como vão fazer para desenvolver o projeto, mas, antes — ele respira fundo —, só um aviso: essa é um conta muito importante para a Karamanlis; se um dos dois der bobeira nela, tenham certeza de que será rua e pedido de afastamento ao Conselho.
Eu fico sério, minha língua coça para jogar em sua cara que quem terá que se esclarecer com o Conselho não sou eu, mas engulo minha raiva e lhe assisto sair da sala, deixando-me a sós com a irritante gerente.
— Eu sei que não temos como fingir que gostamos um do outro, mas acredito que, como profissionais que somos...
— Foda-se essa conversa! — falo alto e me apoio na mesa. — Que porra é essa de privilégio de me mandar à merda? Quem você pensa que é?
A princípio Wilka parece se assustar com minha expressão, mas depois vejo seu rosto endurecer. Ela levanta o queixo, empina o nariz e me encara sem nenhum vestígio de medo ou respeito.
— Eu sou alguém que vocês queriam muito de volta ao trabalho. — Respira fundo. — Eu sou aquela que acabou de dar uma puta de uma ideia e receber reconhecimento do CEO a ponto de ser igualada a um diretor. — Ela imita minha posição, colocando as mãos sobre a mesa e se inclinando em minha direção. — Vocês demonstraram desespero, me provaram o quanto sou importante para essa empresa, o quanto sou útil para os propósitos da Karamanlis, então tiveram que dançar na minha cartilha. — Wilka sorri, e eu fico tenso. — Ganhei um bônus, muito bom, obrigada; tenho o consentimento expresso de que minha gerência permanecerá onde está; e ainda ganhei o privilégio de mandá-lo para onde eu quiser, caso interfira no meu trabalho. Viu só, doutor, quem eu sou? Consegui tudo o que negociei: grana; conforto no meu trabalho ao saber que não serei movida de um lugar para outro; e o mais gostoso... — ela se apruma — te mostrar quem eu sou. Vocês precisam de mim; eu não precisava ter voltado. Nesses poucos dias, tive muitas propostas, mas escolhi voltar porque vocês precisam de mim. Então espero realmente que possamos nos comportar civilizadamente para trabalhar em paz, porque eu posso até economizar meu privilégio, mas não vou deixar de usá-lo quando sentir que você precisa.
Assisto-lhe sair da sala ainda sem me mover. Meus braços estão tremendo, quase dormentes, pois soltei todo meu peso sobre eles. Minhas mãos, espalmadas na madeira de lei do tampo da mesa, estão esbranquiçadas. Não consigo ordenar os pensamentos, e não é por conta da audácia dela ao falar assim comigo, mas apenas pelo discurso que acabei de ouvir.
Eu conheço esse maldito discurso!
Eu não posso acreditar nisso!
Ando de um lado para o outro dentro do apartamento, sentindo-me enjaulado, enganado, feito de palhaço. Isso faz com que eu sinta a raiva sair por todos os poros junto ao suor que molha minha pele.
Só pode ter sido uma brincadeira proposital, afinal, quais eram as chances de eu entrar em uma plataforma de encontros sexuais e encontrar uma mulher que veio depois a ser a que mais me tira do sério neste mundo? Justo ela!
Caminho até o aparador e sirvo mais uma dose generosa de bourbon, bebendo-a praticamente no primeiro gole.
Passei um dia de cão dentro da Karamanlis hoje, sem conseguir me concentrar direito em mais nada desde a reunião da manhã. Minha cabeça fervilhava com a possibilidade de eu estar certo, mesmo negando a todo momento, dizendo que estava vendo chifre em cabeça de cavalo. Quais as chances?!
Fechei todas as persianas da minha sala na empresa, sentei-me na cadeira, acendi um charuto e bebi doses quase homeopáticas de bourbon ainda com o discurso de Wilka Maria e a semelhança do que eu mesmo fiz para a Caprica.
Caprica! Eu sempre achei horrível esse nickname, e ela dizia que era seu signo, por isso peguei o telefone e pedi para falar com o setor de recursos humanos.
— Pois não, doutor? — um dos funcionários de lá me atendeu.
— Preciso dos dados da gerente de hunter na minha tela nesse momento — pedi e logo desliguei.
Não demorou muito, e a notificação da liberação do arquivo chegou em minha área de acesso, e eu abri a pasta de Wilka Maria Reinol. Fui direto até sua data de nascimento e descobri que ela fará aniversário daqui uma semana. Como não entendo nada de horóscopo, precisei pesquisar se o dia era mesmo o do signo, e, quando confirmei, deitei a cabeça em cima da mesa, amaldiçoando-me.
Não tenho mais dúvidas!
Fiquei repassando um ano de conversas e sacanagens e tentando ver algum indício que eu tenha deixado passar. Naquele momento, sabendo quem ela era, eu achava a conversa sobre sua demissão e a negociação óbvias demais, porém, como ela podia trabalhar em qualquer empresa, nunca me veio a obviedade de que se tratava dela e, o pior, que eu tenha dado conselhos a ela contra mim mesmo.
Gargalhei sozinho no escritório ao constatar isso e desisti de beber devagar, virei o conteúdo que ainda tinha no copo e o enchi novamente.
Eu a aconselhei a não baixar a cabeça para o “sócio boçal”, a mostrar para ele a importância que ela tinha para a empresa, e foi exatamente isso que ela fez naquela reunião.
— Eu vou enlouquecer! — bufei de raiva.
Como trabalhar com ela agora? Como vou conseguir manter minha fantasia, a deusa do sexo que me enlouquecia online, se agora sei que ela e a baixinha marrenta da gerente são a mesma pessoa? Acabou o tesão!, pensei movido pela raiva, mas de repente parei assustado ao perceber que não, pelo contrário. Cada vez que eu me lembrava de como ela se impusera a mim, de como fora inteligente dando uma solução muito prática e funcional, mesmo provocando-me, mais eu me sentia excitado. Acontecera bem antes de eu descobrir seu codinome, eu sentira tesão pela gerente antes mesmo de saber que ela era a Caprica.
Comecei a andar de um lado para o outro, fumando feito um desesperado, tentando ordenar meus pensamentos. Uma mistura de sensações perpassava meu corpo: raiva, desejo, incredulidade e ansiedade. Vi minha fantasia ruir e se materializar ao mesmo tempo, e isso era algo espantoso.
Respirei fundo e, como sempre fiz em toda minha vida adulta, tentei racionalizar as coisas.
— Esse contato online precisa acabar antes que ela descubra que eu sou o Portnoy. — Resolução número um tomada, comecei a me sentir melhor. — Preciso me manter bem longe dela a partir de agora, até controlar essa porra de tesão. — Abri um sorriso de contentamento, sentindo-me novamente tomando as rédeas da situação. — Eu não fodo com mulheres conhecidas, principalmente uma que trabalha na minha empresa, então Wilka Maria não é uma possibilidade de trepada.
Gemi ao olhar para a frente da calça, notando meu pau duro apenas por pensar em trepar com ela.
— Puta que pariu!
— Doutor? — Murilo me chamou à porta da sala, e eu tive que virar de costas para ele, apagando meu charuto no cinzeiro, antes de responder:
— O que foi?
O advogado entrou na sala um tanto ressabiado, percebendo que eu não estava no meu melhor dia. Dei a volta, sentei-me e fechei a pasta virtual com os dados da gerente antes que ele se aproximasse.
— Eleonora terminou de transcrever a ata da reunião e fez também um cronograma provisório para que possamos organizar os trabalhos. — Ele me entregou os papéis. — A ideia inicial era trabalhar separados dos hunters; agora, com a mudança, ela fez uns ajustes, principalmente nas viagens para as visitas a locais.
Conferi a planilha que a advogada fez e concordei com todos os pontos nela, gostando de como ela dividiu as tarefas entre os três setores envolvidos: jurídico, projetos e hunter.
— Pode replicar para os outros setores e peça ao gerente de projetos da K-Eng que agilize o memorial para que possamos começar a sondar os políticos.
— Vamos descartar São Paulo ou ainda tentaremos algo aqui? — Murilo questionou.
— Não vamos descartar nada! — O advogado assentiu, e eu liguei para a mesa do David. — Como não posso abrir mão de você nos processos contenciosos que temos, vou encarregar o David de tratar com a gerente dos hunters.
Murilo enrugou a testa, sem entender.
— Pensamos que vocês dois iriam encabeçar...
— Não posso deixar meus outros trabalhos de lado, para isso tenho meus coordenadores. — David entrou na sala. — A partir de amanhã, você e sua equipe darão prioridade total ao projeto da Ethernium.
— Sim, doutor.
Conversei por mais alguns momentos com os dois e, quando saíram da sala, respirei aliviado por ter conseguido cumprir uma das minhas resoluções: ficar longe de Wilka Maria.
Depois disso, já me sentindo melhor, tentei focar no trabalho, mesmo demorando horas para fazer o que resolveria em minutos, e só vi que já passava das 21h quando entrou um dos funcionários da limpeza e começou a aspirar o chão da sala dos advogados. Fechei o computador, peguei alguns arquivos para analisar em casa, achando que ia conseguir trabalhar mais, e saí para o corredor a tempo de ver a gerente caminhando em direção ao elevador.
Parei.
Esperei.
E só quando ouvi o som das portas do elevador se fecharem, é que descongelei do lugar. Mas que porra! Eu não posso agir como um rato a cada vez que cruze com essa mulher! Não tenho medo dela, porra, tenho... – gemi – tesão puro e dolorido; grande e grosso tesão na maldita gerente.
É por isso que cheguei a casa assim, do jeito que estou, urrando como um bicho, puto como há muito não me lembro de ficar, querendo extravasar toda essa frustração e raiva em sexo até perder a consciência, mas sem fazer nada para conseguir isso, apenas andando de um lado para o outro.
Olho para meu celular, tentado a procurar a mulher que pode aliviar meu estado, amaldiçoando o vício que tenho nela.
Pego o aparelho, entro nas configurações da conta do aplicativo e toco em “cancelar conta”. Basta só um “ok” para que Portnoy deixe de existir e nunca mais saiba nada da Caprica. Há meses não temos atividades na plataforma, só usamos o chat privado para nos comunicar, então, querendo cortar contato com ela, é só cancelar a maldita conta.
— Merda! — xingo ao abrir o chat a fim de falar com ela uma última vez antes de cancelar. A ideia é puxar um assunto de sacanagem, gozar pela última vez e sair. Porém, minha racionalidade não está vencendo o jogo, e a frustração fala mais alto:
“Boa noite. Como foi o trabalho hoje? Alguma novidade?”
Ela não demora a responder, porém, um tanto evasiva, o que me deixa apreensivo. Será que ela já sabe que sou eu?
“Dia normal de trabalho. Correria, correria, correria. Rs. E vc?”
Não, ela não tem como saber! Preciso que ela fale da reunião, preciso da confirmação da Caprica, preciso ler aqui para me convencer de que não estou ficando louco e que as duas são a mesma pessoa. Continuo a falar de trabalho:
“Um dia fodido! Muitas reuniões, muitas coisas para resolver. Por isso estou sem gás para sacanagem hoje, mandei mensagem só para saber de você e desejar boa noite.”
Merda! Nunca fui assim, ela vai desconfiar!
Caprica não digita nada, e eu fico tenso. Ou ela sabe, ou... será que saiu da empresa e foi se encontrar com alguém? Eu nunca soube nada da vida da gerente – nunca me interessou, na verdade –, e talvez ela seja até casada! Tento me lembrar da ficha, mas só li a porra da data de nascimento, não seu estado civil. Arrisco perguntar:
“Estou atrapalhando algo?”
E ela é rápida ao responder:
“O que você estaria atrapalhando?”
Caralho! Hoje, por incrível que pareça, a tagarela Caprica não está facilitando em nada minha vida. Digito com raiva.
“Um encontro, por exemplo.”
“Está tranquilo, Kaká não tem ciúmes!”
Kaká? Mas quem porra é Kaká? Será que Wilka Maria é bissexual e, no momento, está em um relacionamento com outra mulher, mas fica à caça de homens?
“Kaká? Isso é apelido de homem ou de mulher?”
“Faz diferença para você?”
Porra, claro que faz! Eu quero saber se, enquanto eu fico aqui esfolando meu pau para ela, outro homem se refastela da sua boceta. Respiro fundo e tento me acalmar. Estou com raiva, puto de verdade, e sei que ela não é burra, então decido ir por um caminho de brincadeira.
“Depende! Se você for mulher, nenhuma. Mas, se for homem...”
“Sou mulher, pode acreditar. Tenho um chefe boçal que reforça isso a cada vez que quer questionar minha capacidade profissional, como se eu fosse menos eficiente apenas por ter uma vagina.”
Opa! Ela tocou bem no ponto que eu quero, então, é hora de aproveitar.
“Hum, é o mesmo que te fez ser mandada embora do emprego?”
Ela vai morder essa isca de provocação, vai fazer questão de dizer que foi ela quem pediu demissão e então começará a falar do chefe “misógino” dela.
“É, sim, o mesmo que fez com que eu pedisse demissão. Hoje tivemos uma reunião, e o CEO da empresa gostou de uma proposta que fiz e nos colocou para trabalhar juntos, e ele, como sempre, discutiu por não querer.”
Minha última esperança – ridícula diante das evidências, mas, ainda assim, esperança – se desfaz. Não tenho mais nenhuma reação, tudo o que eu quero é tacar a porra do celular na parede e amaldiçoar essa porra de mundo pequeno.
“Hum.”
“Hum? Espero que você não ache a mesma coisa, porque, senão, vou ser obrigada a te tratar como trato aquele advogado misógino! Hoje não deixei dúvidas para ele de quem eu sou!”
É, ela não pode estar mais certa!
“É, aposto que não. Eu preciso ir.”
Saio do chat imediatamente, volto às configurações da conta e a cancelo, enterrando para sempre Portnoy e sua Caprica antes que uma merda aconteça e eu ainda tenha que lidar com a insuportável gerente fazendo graça com isso.
Acabou!
Não há nada mais gostoso do que ver Konstantinos Karamanlis sem palavras! A expressão em seu rosto foi de total assombro enquanto eu o colocava no lugar que merecia. Homem soberbo, irritante e...
Mas o que foi aquilo há pouco?, penso enquanto desço para o meu andar – usando as escadas, pois é a forma que encontrei de fazer um pouco de exercício –, estranhando ter sentido algo diferente, além da raiva tão conhecida que sempre me acomete em nossos embates.
Não sei se foi impressão minha, mas tinha um clima estranho entre nós. Eu vi na expressão dele que não era só irritação, era algo mais...cru? Não, essa não é uma boa expressão, era algo mais carnal. Definitivamente carnal!
Rio nervosa antes de acessar meu andar e seguir para a gerência.
Kostas e eu em clima de tesão? Eu devia ter tomado melhor meu café da manhã e não ter saído apenas com café preto no estômago. Viu só, Kika, o frappuccino é calórico, mas não te causa ilusões! Imagina! Clima de tensão sexual – o que já seria um milagre em se tratando de mim – com o Kostas!
O Bos-tas!
— Como foi, Kika? — Leo me pergunta assim que entro na sala.
— Bem, foi bem, mas preciso comer algo, acho que não estou muito normal.
O homem arregala os olhos.
— Precisa que chame o pessoal da enfermaria? — Nego. — Quer um remédio? Um chocolate?
Gargalho, e ele dá um passo atrás, receoso. Leo é uma figura! Ele é um dos poucos homens a trabalhar aqui na gerência e, como é bem esperto, faz um estoque de ibuprofeno e chocolates – cólicas e TPM, respectivamente – e o mantém sempre à mão para lidar com o séquito de mulheres que o cerca.
— Um chocolate cairia bem agora — peço antes de me sentar à mesa. — Mas não demore, quero contar para você como foi e qual será nosso próximo passo.
Ele relaxa.
— Gostei disso! — Levanta uma sobrancelha. — Sabe que meus chocolates são para fins medicinais, não? — Aperta os olhos. — Estou te achando muito feliz para quem está com TPM.
— Eu não estou, mas quero o doce. — Sorrio. — Se você me negar o chocolate agora, garanto a você, vai preferir me ver com TPM. Eu sou um dragão quando estou com hipoglicemia.
Leo ri e vai até a sala contígua buscar o chocolate. Enquanto isso, mais uma vez meus pensamentos são levados para o que aconteceu naquela reunião. Houve alguma coisa ali, entre nós, eu pude ver nos olhos dele e sentir no meu próprio corpo. É loucura, eu sei, mas aconteceu, não estou maluca.
Trabalhar com Kostas nunca foi meu intento ao sugerir a solução para a questão da Ethernium. Foi uma surpresa a resolução de Theo em colocar nós dois no mesmo projeto e com responsabilidade conjunta, além de tudo. Não posso negar que o CEO foi bem inteligente ao propor isso, afinal me fará ficar de olho em seu irmão detestável, e, ao mesmo tempo, Kostas vai ter que dançar pianinho, pois, se avacalhar o projeto, não poderá pôr a culpa em mim.
Realmente, Theodoros Karamanlis foi sagaz ao fazer isso! Se ele me conhece o mínimo, sabe que não vou descansar até achar um local para o cliente.
O problema, certamente, será como lidar com Kostas, seu gênio terrível e sua beleza inconveniente. O homem é insuportável, fato, mas precisava ser tão gostoso? A natureza podia ter facilitado para o meu lado!
Filho do demo!
Chego a casa às 22h, cansada demais para pensar em passar em qualquer lugar em que possa comer algo, louca para ter um encontro longo e romântico com meu chuveiro antes de me dedicar amorosamente ao meu colchão.
Abro um baita sorriso ao ver a sacolinha pendurada na porta do meu apartamento com um bilhete pregado nela.
“Apostei que ia chegar com fome, espero que goste!
Seu vizinho abelhudo, Vinícius.”
— Ah, que fofo! — Desprendo a sacola e confiro ser uma caixinha, ainda quente, de comida chinesa.
Vinícius tem sido um amor desde que me mudei para o prédio, sempre muito atencioso comigo e com Verinha, suas vizinhas de andar, além de ser pai do menino mais encantador do mundo.
Abro a porta, sou recebida por Kaká pulando e fazendo festa ao me ver – ou talvez para a sacola em minhas mãos, porque o cheiro do frango agridoce está delicioso – e me abaixo para saudar meu companheirinho.
— Ei, sentiu saudades? — Pego-o no colo e coloco a embalagem com a comida no balcão da cozinha. — Recebi uns vídeos seus mais cedo hoje brincando no parque com Ferdinando.
Verinha fez questão de me mandar, junto a muitos emojis gargalhando, os dois cãezinhos de apartamento completamente desajeitados correndo na grama de uma praça aqui perto.
Eu sou muito sortuda mesmo! Uma vizinha ajuda a cuidar do meu bichinho, e o outro, do meu estômago. Definitivamente, penso ao abrir a caixa, já pegando os hashis para comer, sou uma garota de sorte.
— Hum... — Mastigo a comida, deliciando-me. — Kaká, lembre-me de retribuir a gentileza ao Vinícius e, por favor, não morda mais a perna da calça dele, ok?
O celular vibra em cima do balcão, e eu sorrio ao ver uma notificação de Portnoy. Meu corpo inteiro vibra. Mesmo na “distância” desse “relacionamento” virtual, eu posso dizer sem sombra de dúvidas que ele é o homem que mais mexeu comigo até hoje e...
O olhar de Konstantinos me vem à lembrança.
— Merda!
Abro o chat do aplicativo de sexo e franzo o cenho para a mensagem dele.
“Boa noite. Como foi o trabalho hoje? Alguma novidade?”
Hein? Rio ao reler. Que monstro se apossou da senha do aplicativo do Portnoy? O homem sempre me chama para a sacanagem, nunca para conversar! Todas as vezes em que conversamos fora do assunto de sexo, foi porque eu forcei a barra, e ele não conseguiu dizer não.
É estranho ele querer saber do meu dia assim, sem mais nem menos.
“Dia normal de trabalho. Correria, correria, correria. Rs. E vc?”
Decido, pela primeira vez desde que começamos a conversar, ser evasiva nesse tema. Pode parecer loucura, mas ele ter começado a conversa por um assunto tão “pessoal” e sério como meu dia de trabalho me deixa um tanto desconfiada.
“Um dia fodido! Muitas reuniões, muitas coisas para resolver. Por isso estou sem gás para sacanagem hoje, mandei mensagem só para saber de você e desejar boa noite.”
Mais uma vez algo dentro de mim avisa que está acontecendo alguma coisa estranha. Ele está tão... real! É como se fosse um amigo, alguém que se preocupa comigo, e isso nunca esteve em nossos planos, principalmente nos dele.
Não entendam mal, gosto disso. Na verdade, acho que o que me fez ficar inicialmente foi o desafio, quebrar um pouco a resistência dele com relação à sua vida pessoal, e, ainda que eu fizesse questão de anonimato total – é por isso que não sabemos o nome um do outro até hoje –, queria me aproximar. Depois, quando veio o tesão, as fantasias, eu fiquei ainda mais curiosa, mas já um tanto conformada de ele nunca se revelar para mim a menos que nos encontrássemos.
“Estou atrapalhando algo?”
Assim que a pergunta vem, respondo:
“O que você estaria atrapalhando?”
Ele demora um pouco mais para retrucar:
“Um encontro, por exemplo.”
Rio ao imaginar que ele possa estar com ciúmes. Está aí algo que eu nunca pensei que Portnoy fosse sentir, afinal, não temos nada um com o outro. No entanto, pode ser que ele sinta algum tipo de sentimento ruim por eu não querer encontrá-lo, mas sair com outros homens.
“Está tranquilo, Kaká não tem ciúmes!”
“Kaká? Isso é apelido de homem ou de mulher?”
Olho para o meu lindo yorkshire, comendo sua ração num cantinho, e sorrio.
“Faz diferença para você?”
“Depende! Se você for mulher, nenhuma. Mas, se for homem...”
Gargalho ao me lembrar de uma vez na qual ele cismou que eu tinha que provar ser mulher. Portnoy separou algumas perguntas-testes e as fez de supetão, e eu tinha que responder de bate-pronto. Achei que, na época, eu tivesse conseguido convencê-lo, mas, ao que parece, ainda persiste uma dúvida.
“Sou mulher, pode acreditar. Tenho um chefe boçal que reforça isso a cada vez que quer questionar minha capacidade profissional, como se eu fosse menos eficiente apenas por ter uma vagina.”
“Hum, é o mesmo que te fez ser mandada embora do emprego?”
Faço careta para o celular ao ler isso, pois não fui mandada embora, pedi demissão, e acho que já contei isso a ele.
“É, sim, o mesmo que fez com que eu pedisse demissão. Hoje tivemos uma reunião, e o CEO da empresa gostou de uma proposta que fiz e nos colocou para trabalhar juntos, e ele, como sempre, discutiu por não querer.”
“Hum.”
Hum?!
Nunca estive com um Portnoy monossilábico antes, e isso me intriga. Será que ele é mais um CEO sexista? Eu odiaria descobrir que ele pensa igual ao Bostas, perderia boa parte – ou quase todo – do tesão que sinto por ele.
“Hum? Espero que você não ache a mesma coisa, porque, senão, vou ser obrigada a te tratar como trato aquele advogado misógino! Hoje não deixei dúvidas para ele de quem eu sou!”
“É, aposto que não. Eu preciso ir.”
Fico um tempo olhando para a tela do celular, sem entender o que foi essa conversa louca entre nós. O homem parece que saiu correndo por algum motivo que eu desconheço, pois, mal mandou essa última mensagem, e seu status mudou para offline.
— Kaká, quanto mais eu conheço, menos entendo os homens! — O cachorro late. — Pois é, meu amigo, você é o único espécime que está se salvando dessa loucura.
Dou de ombros e volto a me concentrar no suculento frango deixado pelo meu vizinho prestativo.
A primeira semana de volta ao trabalho passou sem que eu me desse conta. Percebi que hoje era sexta-feira apenas quando as meninas do setor me chamaram para nossa tradicional happy hour, dessa vez em um pub da Vila Madalena.
Deixamos a sede da Karamanlis perto das 19h e seguimos de Uber para o local onde todas queríamos ir havia algum tempo, mas que se tornara um tabu por conta da infindável briga entre a empresa na qual trabalhamos e a proprietária do local.
A verdade é que estávamos transgredindo regras indo ao local proibido, à casa do inimigo, mas estávamos nos divertindo muito com isso.
— Nós podíamos tomar vários dos drinques mais caros da casa e ainda deixar uma boa gorjeta para ajudá-la a nunca ter que vender o bar! — Rosi sugeriu dentro do carro.
— Ou, então, do jeito que gastamos nessas resenhas, podíamos eleger o Hill como o único lugar para irmos. Tenho certeza de que só a cachaça da Vivian é capaz de sustentar o lugar! — Lene sacaneou uma das nossas colegas de trabalho, que não foi conosco, e todas concordamos.
— É certo que deveríamos estar pensando em soltar ratos na cozinha de Maria Eduarda Hill, afinal, com o pub interditado, ela não faturaria, e a Karamanlis poderia finalmente comprar. — Olhamos boquiabertas para a Carol, a mais nova estagiária da gerência, e ela suspirou. — Mas até eu, que cheguei ontem, já admiro essa mulher! Que resistência da porra!
— Esta noite, então, é um tributo a todas as mulheres resilientes, que não têm medo de estar de pé mesmo diante de uma “ameaça” aparentemente mais forte e masculina — propus o brinde mesmo sem bebida, arrancando risadas do motorista do Uber. Olhei-o pelo retrovisor, a sobrancelha erguida, e ele se limitou a dirigir. — Temos muitas Dudas Hill por aí, que só querem viver sem depender de um homem, que querem receber de acordo com seu trabalho, que querem receber promoções sem ouvir piadinhas e que são suficientes para si mesmas.
— É isso aí, irmã! — Lene se empolgou. — A todas nós, que sabemos o que é viver em uma cidade grande e violenta como São Paulo e que compreendemos o risco de que somos as primeiras a serem escolhidas como alvo apenas por sermos mulheres!
Todas as meninas riram e gritaram “amém” dentro do carro, em uma festa totalmente feminina, descontraída, mas cheia de significados que calavam fundo dentro de cada uma de nós.
Descemos do carro em frente ao bar – que, mesmo estando cedo, já tinha alguma fila à porta –, recebemos senha, cartão de consumo e a promessa de que não demoraria para que entrássemos.
Demorou, sim, pouco mais de meia hora, mas, quando acessamos o famoso e proibido Hill Wings Pub, pudemos entender o motivo pelo qual o “boteco” ainda não tinha sucumbido ao poder de fogo da Karamanlis.
A decoração era ótima, bem-feita, descontraída e cheia de estilo. As paredes eram cheias de quadros de grandes artistas – nacionais e internacionais, carros clássicos e motos. O bar era enorme, cheio de banquetas altas e giratórias, muitas bebidas e uma equipe grande de bartenders que trabalhavam em drinques de encher a boca e os olhos.
Apontei para cima e mostrei à Carol a decoração em um canto do bar, feita por lustres pendentes de canecas de chope com lâmpadas de filamento de cobre que conferiam uma luminosidade diferente e charmosa a uma mesinha discreta, de apenas dois lugares, ideal para uns amassos.
— Caramba, a banda é muito boa! — Rosi berrou no meu ouvido, e eu concordei.
Enquanto seguíamos a recepcionista, que nos levava até a nossa mesa, passamos por pessoas dançando e cantando clássicos do rock junto a um rapaz que tinha uma gaita pendurada no pescoço.
Sentamo-nos próximo de uma estrutura toda de vidro, em cujo interior havia mesas, que supus ser a área “VIP” do bar, e começamos logo a pedir as bebidas, indecisas, olhando uma carta com mais de 100 opções.
— Eu vou experimentar esse que tem bourbon e mirtilo — Carol anunciou. — A Flavinha, estagiária do jurídico, diz que o doutor Bostas só bebe bourbon, e ela acha muito chique. — Deu de ombros. — Vou comprovar.
— Ele andou sumido esses dias, você notou, Kika? — Rosi me perguntou. — Fiquei surpresa quando o David apareceu por lá para discutir sobre a Ethernium.
Dei uma risadinha.
— O Bostas amarelou, virou caquinha de nenê. — Todas gargalharam. — Em homenagem ao nosso malvado favorito, vou pagar para todas experimentarmos esse tal bourbon, mas tem que ser a seco! — Elas gritaram em comemoração, e o garçom riu. — Qual o melhor bourbon que vocês têm na casa?
Ele apontou para a foto de uma garrafa bem bonita.
Fiz pose de esnobe, como achei que seria Kostas pedindo a bebida, e falei:
— Uma rodada de Bulleit Bourbon por minha conta!
Depois disso, a noite foi pura “zoação”, risadas e danças. Já passava da meia-noite, nós já havíamos comido uma porção inteira de Buffalo Wings – asas de frango crocantes e apimentadas –, outra de Onion Rings Marguerita – essa coisa tinha que ser proibida de tão boa! – e estávamos brigando por termos demorado a escolher entre batata frita com molhos variados ou gratinada com bacon e cheddar e só ter feito o pedido quando a cozinha já havia fechado, quando eu engasguei e arregalei os olhos.
— Puta que pariu, o que ele faz aqui?
Todas olharam, ficaram boquiabertas, inclusive Carol se enfiou debaixo da mesa, ao ver o todo-poderoso Theodoros Karamanlis entrar no santo pub proibido, sentar-se ao balcão do bar, cumprimentar o barman como se já o conhecesse e ficar ali, bebendo uísque como se estivesse em sua casa!
— Fodeu, amiga, e se ele nos vir? — Lene ria, bêbada e nervosa.
— O homem é gostoso, hein? Se eu não trabalhasse para ele, iria até lá e... — Rosi parou de falar. — O que será que está acontecendo?
Olhei o barman que preparara nossos drinques entregar uma touca para Theo e o vi rir antes de uma mulher lindíssima aparecer do nada, usando uma bandana na cabeça, e conversar com ele.
— Será a Duda Hill? — perguntei-me.
— Está com aquele casaco chique que chefs de cozinha usam — Carol deu seu pitaco antes de soluçar, bêbada como um gambazinho.
A mulher voltou para a cozinha, e Theo voltou a se sentar na banqueta, mas ficou pouco por lá, pois ela retornou, eles conversaram e saíram juntos pela porta da frente.
Posso dizer com certeza que a bebedeira de todas foi curada naquele momento.
— Será que ele finalmente a convenceu a vender? — Lene indagou desanimada.
— Demos azar ao vir aqui! — Rosi pareceu muito chateada.
Eu não tinha o que dizer, simplesmente não entendia o motivo pelo qual o doutor Theodoros Karamanlis fora até aquele pub.
— Para dizer a verdade, Kaká, até agora eu não entendo, viu? — Beijo meu cãozinho, deixando as lembranças para trás e deitando a cabeça no travesseiro.
Foi mesmo uma semana e tanto!
Meu sábado sempre começa igual, pois, na parte da manhã, tenho sempre uma rotina a seguir. Acordo cedo, mesmo de ressaca, como hoje, vou levar Kaká para passear um pouco, faço feira – vocês já perceberam que só compro frutas e legumes; é que eu não sei cozinhar, então me viro com isso – e finalmente levo meu bichinho para o “salão”, o banho e tosa, que o deixa limpinho e cheiroso.
Chego a casa por volta de meio-dia, com Kaká perfumado e de gravata como o homem que inspirou seu nome. Rio ao lhe dizer que, embora seja a cara do “pai”, vai ter melhor caráter por ser criado pela “mãe”. Eu adoro essas brincadeiras, principalmente tendo Kostas alheio a tudo isso; é bem engraçado.
Almoço lascas de frango frio com salada e tomo suco de laranja, leio um pouco, brinco com Kaká, troco os lençóis da cama e – escondo de novo – o vibrador que usei e deixei cair ao adormecer depois de gozar sozinha.
Pensar nisso me faz lembrar-me de Portnoy, e uma saudade estranha me invade. Ele sumiu depois da nossa última conversa, e, ontem, depois que cheguei do pub, descobri que a conta dele foi desativada. Estava bêbada demais, então fiquei puta, sentindo-me abandonada, sem nem mesmo uma palavra de despedida.
Achei tão patético ficar lamentando a perda de alguém que nem cheguei a conhecer de verdade que decidi relaxar antes de dormir e usei o brinquedinho antes de liberar o acesso de Kaká à minha cama.
Lavo o pequeno vibro, embalo-o e o guardo na gaveta da mesinha de cabeceira. Porém, não consigo deixar de imaginar motivos para que Portnoy, depois de um ano de conversas online, tenha desistido de mim.
Confiro as horas e corro para o banho, pois tenho consulta com a doutora Jane em uma hora.
Não precisam se preocupar, não estou doente, ela é minha terapeuta. Vocês agora são os únicos além de mim a saber que faço terapia, nunca disse a ninguém, nem mesmo aos amigos mais chegados. Não tenho vergonha disso, acho que sempre devemos procurar ajuda, sim, mas evito falar sobre o assunto por medo de ser incompreendida.
Aparentemente, quais motivos eu tenho para ir a um terapeuta? Sou bem-sucedida, alegre, bem-resolvida, confiante, corajosa... É, todos, inclusive vocês, me descreveriam assim. A verdade é que sou uma fraude bem montada, talvez não em tudo, mas em alguns pontos que eu sempre menti e escondi.
Eu morro de medo de estar só. Conheci já a escuridão da solidão e nunca mais quero voltar para lá de novo. Nunca mais quero me sentir sozinha e desamparada novamente, e essa é uma das questões que trato com Jane no consultório.
Jane é a única que me conhece de verdade, conhece a Wilka Maria sem a “roupa” de Kika; sabe dos medos da menina que ainda afetam a mulher.
Hoje eu sei que nossa conversa girará em torno de Portnoy e seu sumiço para sempre da minha vida, além de outros pontos que anotei no meu diário para discutir com ela, como, por exemplo, aquela atração estranha que senti por Konstantinos Karamanlis.
Eu não esperava que o homem recuasse tão rapidamente, mas ele sumiu depois da reunião, enviou o David para falar em nome do jurídico – pelo que agradeci – e não interferiu em mais nada desde então.
Visto um vestido leve de cor neutra, calço sandálias vermelhas, penteio meus cabelos para trás para destacar os enormes brincos vermelhos e saio de casa.
— Boa tarde! — Vinícius me cumprimenta, e eu logo sou atraída pelo seu filhinho lindo.
— Boa tarde! — Abaixo-me e abraço o Carlinhos. — Que bom te ver de novo, tudo bem?
— Tudo, Kika! Cadê o Kaká? — ele pergunta animado.
— Direto ao ponto! — Vinícius ri. — Eu deveria tomar aulas com ele.
Rio sem jeito, pois entendi que ele se referiu a ser direto comigo.
— O Kaká está em casa, mas eu vou sair rapidinho e já volto. — Bagunço seus cabelos cortados ao estilo indiozinho. — Posso bater lá com o Kaká mais tarde? — indago ao Vinícius, e ele abre um enorme sorriso.
— Sempre que quiser.
Despeço-me dos dois e entro no elevador que acabou de chegar, pensando em como seria se eu fosse uma pessoa normal e saísse com Vinícius um dia, conversasse com ele e, se rolasse um clima, fizesse sexo a noite toda. Ele não é um homem de se jogar fora, pelo contrário, até pela profissão ele mantém um corpo bonito, tem um rosto muito sensual com aquelas covinhas na bochecha quando sorri e o furinho no queixo.
Penso se eu não gostaria de vê-lo vestido de farda; talvez eu tenha alguma fantasia com isso! Fecho os olhos e o imagino chegando ao meu apartamento vestido com seu uniforme de bombeiro e perguntando onde é o fogo.
Ainda estou gargalhando quando o elevador chega ao térreo, e o porteiro começa a rir comigo, mesmo não sabendo do que se trata.
— A piada deve ter sido boa, dona Kika!
Eu assinto.
— Muito, muito engraçada, Joca! Boa tarde!
Chamo o Uber e fico na calçada, rindo de mim mesma e lamentando, ao mesmo tempo, afinal, fantasias sexuais eram para causar algum tipo de tesão, além do divertimento, mas essa não causou nem mesmo uma faísca.
Cadê você, Portnoy?
O e-mail aberto na tela do computador é animador, embora ainda não seja exatamente aonde eu quero chegar. É um começo, o ponto de partida e a primeira pá de terra para o enterro de Theodoros Karamanlis.
Há algum tempo venho rastreando os contatos de meu irmão mais velho, farejando algo irregular que possa prejudicá-lo aqui, dentro da Karamanlis. Theo não é “santo”, deve ter algum negócio escuso escondido em algum canto, e meu feeling diz que estou mexendo no lugar certo.
O que preciso agora é achar um meio de conquistar esse aliado importante de vez. Já fizemos contato, já plantei a discórdia – na verdade, acho que nem precisava, pois percebi que já havia algum tipo de plano em ação; preciso só de um último motivo para ter sua lealdade.
Rio, girando a cadeira, pois, conhecendo Theodoros do jeito que conheço, motivo para conseguir o que quero não vai faltar. Penso em Maria Eduarda Hill, a dona do boteco que ele tanto quer comprar, e no interesse que vi no rosto do CEO da Karamanlis no dia do baile dos Villazzas, e questiono qual a natureza desse interesse.
Theodoros dispensou a amiga de Viviane para voltar ao baile e ir atrás da mulher na cozinha. Interesse pessoal ou por causa da empresa? Eu aposto que é pessoal, que ele deve estar tentando foder a cozinheira, e não no sentido ruim.
— Doutor? — Petrônio bate à porta da sala, e eu o mando entrar. — O pessoal da K-Eng está perguntando sobre os contratos do Village.
— Já passaram por mim; ainda não desceram?
— Não, subiram para a ratificação da diretoria executiva. O doutor quer que eu entre em contato com o Rômulo para...
— Não! — Abro um sorriso. — Vou buscar pessoalmente e aproveito para resolver outro assunto com o CEO. — Ele concorda, mas não sai da sala. — Algo mais?
— Sobre a Ethernium. — Ele parece sem jeito, e isso me preocupa. — O memorial inicial com o tamanho da área e as condições do entorno foi enviado pela K-Eng e...
Franzo o cenho, achando estranho, e o interrompo:
— Onde está?
Ele respira fundo.
— A gerente dos hunters o solicitou assim que o recebemos, e, como o doutor deixou o doutor David à frente, nós encaminhamos para lá.
Tento não perder a calma, pois não interferir nesse assunto – por enquanto – foi uma decisão minha desde que descobri que Wilka Maria era a Caprica. Eu esperava, claro, que David me consultasse sobre tudo, mas acho que ele entendeu que podia tocar o trabalho como lhe aprouvesse.
Merda!
— Depois falo com David, mas desde já informo que, se algo não passou por mim, não sai desta sala. Estou sendo claro?
— Sim, doutor.
Ele se despede e sai do cômodo.
Não posso deixar as coisas correrem soltas e Wilka Maria achar que está mandando e desmandando no projeto à minha revelia. Pior! Pelo pouco que conheço dela, David já deve estar comendo em sua mão e fazendo tudo o que ela manda.
Porra! Se quer algo bem feito, faça você mesmo!
Levanto-me e sigo para o andar da diretoria executiva, cumprimento alguns funcionários no elevador, e Luiza me recepciona assim que piso no corredor.
— Doutor Kostas, que prazer! — Ela sorri amistosa.
— Meu irmão está sozinho? — vou direto ao assunto.
O sorriso morre, e ela assente, dando um passo para o lado para que eu chegue à porta da sala do todo-poderoso CEO.
— Entra! — Theodoros grita quando bato à porta.
Adentro na sala, notando que o fofoqueiro e esquisito assistente dele está a postos. Puxa-saco dos infernos! Capachão! Desconfio que Rômulo seja secretamente apaixonado pelo Theodoros e por isso vive agarrado às suas bolas, porque ele chega a ser insuportável de tão “prestativo” a seu chefe.
— Millos me pediu ajuda, antes de viajar, para dar andamento à papelada do Village — disparo sem rodeios, afinal, não vim fazer uma visita de cortesia.
— Já estava enviando para seu setor, doutor — Rômulo é quem responde, zumbindo em meus ouvidos como uma mosca de padaria.
Não faço caso dele e continuo a conversar com Theodoros sobre um assunto que também passou a ser do meu interesse: a Vila Madalena.
— Fiquei responsável pela locação das lojas no entorno do boteco dos Hills. — Vejo que ele se interessa pelo assunto e sinto a satisfação de poder alfinetá-lo um pouco. — Fiz uma reunião com os corretores, e alguns já tinham pedido de locação em aberto e...
— Ainda não estou convencido sobre isso — Theodoros morde minha isca.
Bom, a ideia da locação das lojas do entorno foi do Millos, e, em um primeiro momento, achei que meu primo estava um tanto louco ao sugerir isso. Por que ele queria movimentar ainda mais o lugar? Se ele transformasse aquela rua em uma referência gastronômica e um local de entretenimento, ele iria fortalecer ainda mais o Hill, não o enfraquecer.
Entretanto, conhecendo Millos como conheço, sei que meu primo tem algum plano por trás dessa ideia e, por mais que tenha se recusado a me contar qualquer coisa sobre o assunto, também não negou que tinha interesse próprio, além da compra do Hill.
— Millos e eu concordamos. — Dou de ombros e abro um sorriso de satisfação por não depender dele. — Se precisarmos levar isso até o Conselho para ser decidido com a razão e não por uma competição idiota que você tem com Nikkós, eu mesmo pedirei a pauta! — Ah, como eu gosto de tocar nessa ferida! Ele sempre reage, sempre! Aproximo-me dele e pergunto ironicamente: — Nunca se cansa disso?
Vejo a raiva em seu rosto, seu corpo fica tenso, e sei que ele está pronto para atacar. Vem, Theo, perca a paciência, exploda, faça uma cena!
Deixá-lo irritado com seus erros do passado é o mínimo que posso fazer depois de tudo o que nos causou. Sua inconsequência deixou marcas em todos nós, e ele nunca se preocupou com isso ou mesmo pediu perdão, então, atormentá-lo com isso é um gostinho que tenho do que virá quando eu o fizer cair.
— Rômulo, o doutor Konstantinos vai levar os documentos. Não é necessário que você chame o pessoal da correspondência.
Filho da puta! Rio ao notar que ele se controlou e que decidiu mudar de assunto. Tenho certeza de que, se Rômulo não estivesse aqui, ele teria caído na armadilha.
Idiota engomadinho!
— Eu só vou incluir aqui no nosso sistema... — ouço o assistente dizer apressado como sempre e começo a rir.
— Em plena era da tecnologia digital, você vai me fazer assinar algum tipo de caderninho? — debocho. — Onde foi que você achou essa peça de museu, querido irmão?
Mais uma vez vejo a ira tomar conta do seu semblante, mas sua voz soa normal quando ele fala com seu capacho particular:
— Rômulo, entregue o documento ao doutor Karamanlis. Eu mesmo me responsabilizo. — Ele se levanta. — Se era só isso, Kostas — Rômulo deixa a pasta em cima da mesa; Theo pega-a e a estende para mim —, pode ir agora.
— Está me dispensando? — Ergo-me, feliz por ser alguns centímetros mais alto que ele, e o encaro com um sorriso torto e debochado.
— Acho que isso foi óbvio demais até para você — responde, e eu pego a pasta, pronto para retrucar, quando vejo o telefone dele tocar e o nome de Viviane aparecer. Que providencial! — Algo mais?
Não posso deixar passar a oportunidade de deixar claro para ele que estou chegando perto de seus negócios paralelos. Eu gosto de deixá-lo nervoso; é um tanto sádico, mas é interessante ver sua presa se debatendo, tentando escapar do inevitável.
— Sua sócia pode ter algo importante para falar contigo. — A surpresa no rosto dele é impagável. — Não seria melhor atender?
— Eu não tenho sócia, ela é uma amiga — ele responde nervoso, sério, olhando de esguelha para o Rômulo, com medo de que seu bocudo assistente saia por aí espalhando a notícia. — Kostas, eu estou ocupado...
Ah, não... não vai ser assim tão fácil! Ainda não terminei de me divertir um pouco.
— Amiga? — Rio. — Isso é uma espécie de título honorífico? — Ele bufa, e eu gargalho. — Não entendeu? Funciona assim: você fode com a mulher por um tempão, mas aí se cansa e lhe dá o título de amiga para ela não se sentir mal e ainda achar você um cara legal.
— Vá se foder, Kostas! — Quase solto fogos por ter feito com que ele perdesse a falsa calma que aparentava. Theo caminha até a porta da sala, abre-a e manda: — Sai.
Não tão rápido! É preciso que você saiba que eu estou farejando e que vou te foder em breve!
— Eu fiquei bem curioso com a ascensão dessa mulher. Trabalhava em galeria de artes e agora é uma grande investidora, descobridora de talentos, respeitada no métier. — Encaro-o sério. — Ou será que ela tem um amigo por trás dela?
Ele sorri para mim, mas seus olhos o traem, demonstrando todo a raiva que está sentindo.
— Pelo que eu sei, ela tem muitos amigos. Suas insinuações não o levarão a lugar algum.
Sim, tenho certeza de que ele tem tudo muito bem escondido, mas eu sou persistente, vou achar!
— Imagino que não. — Caminho para a porta. — Você é esperto e conhece bem o estatuto, não iria arriscar seu tão pleiteado posto de CEO por um hobby. — Antes de sair, decido fazer uma pequena malvadeza para alegrar a tarde. Aceno para Rômulo e o provoco: — Quando eu assumir a diretoria executiva, Rômulo, te ponho para reciclar os papéis da empresa, já que gosta tanto deles!
Saio da sala e escuto Theodoros fechá-la com força, assustando Luiza, que estava à sua mesa digitando no computador.
— Pode deixar, que não conto para ele que você estava no Facebook no horário do expediente.
Pisco para ela, que fecha o navegador às pressas e fica sem jeito, com cara de cachorro cagando na chuva.
Balanço a pasta com os contratos do último empreendimento imobiliário residencial da Karamanlis e entro no elevador, sentindo-me satisfeito e excitado. Gosto da sensação de ser cruel, gosto de fazer os outros sentirem medo; já passei muito por isso; agora, não mais.
Eu sou o carrasco!
Depois daquele pequeno embate com Theo, não estive mais na diretoria executiva, fiquei absorvido por conta dos processos, que voltaram a tramitar desde que a Justiça voltou do recesso, dos contratos de empresas e de imobiliárias parceiras que temos espalhadas pelo Brasil.
Conversei com o David sobre a conta da Ethernium e deixei bem claro que, mesmo não estando diretamente ligado a ela, quero saber de tudo antes da gerente de hunter. A prioridade é minha; depois as notícias e documentos podem sair do jurídico e ir para o outro lado do andar.
Continuo firme no propósito de evitar contato com ela ao máximo. Não vou mentir que não sinto falta das sacanagens com a Caprica; era divertido, mas não posso confundir as coisas. Lá, éramos outras pessoas. Aquela mulher não existe; ela, na verdade, é uma Medusa dos infernos capaz de transformar qualquer um em pedra.
Bufo e olho para meu colo, vendo meu pau fazer volume por causa da excitação só de pensar nela.
É, é uma Medusa, com certeza!
Ontem eu tive uma noite espetacular com duas garotas de programa perfeitas – de corpo, atitude e safadeza. Escolhi as duas porque já trabalharam juntas e estava no “currículo” delas, então resolvi experimentar. Foi a noite mais louca e divertida que já tive com putas, porém, mesmo enquanto uma se dedicava à boceta da outra e eu me deliciava com seus rabos, ainda pensava em Caprica/Wilka.
Será que ela deixaria outra mulher tocá-la enquanto eu comesse sua bunda?, questionava em meio aos gemidos. Será que ela gostaria de ser comida por dois ao mesmo tempo? Tivemos tantos momentos fantasiosos, escrevendo sacanagens um para o outro, que, agora que ela se materializou em alguém real, fico questionando tudo o que dissemos.
Eu gostaria de ver outro tocando-a?
— Doutor! — David bate à porta, interrompendo minhas lembranças e indagações. — Temos nossa primeira proposta!
Ele entra na sala apressado, com um papel impresso em sua mão.
— O gabinete do governador do Rio de Janeiro entrou em contato para marcarmos reunião e apresentação com todos os detalhes da atividade e da área.
Que notícia excelente!
— Ótimo! — Pego o papel e vejo o brasão do estado. — Já avisaram aos hunters?
— Não, o doutor pediu prioridade, então...
Fico satisfeito ao ouvir isso, pois demonstra que ele entendeu nossa conversa do começo da semana.
— A gerente está trabalhando hoje? — indago, e ele parece estranhar a pergunta.
— Está, sim, senhor.
Sou eu quem acha estranho dessa vez.
— Normalmente? Não está havendo nenhuma comemoração, nenhum evento épico no setor?
Ele nega, e eu fico intrigado, sem entender, afinal, imaginei que a empresa toda iria se mobilizar para fazer do aniversário dela um marco nos anais da Karamanlis. Fizeram festa quando ela voltou a trabalhar; por que não para comemorar seu nascimento?
— Bem, preciso ir agora e avisá-la dessa...
— Não — interrompo-o. — Eu vou.
David para boquiaberto e me assiste sair da sala, marchando rumo ao local do qual me mantenho longe há mais de uma semana.
Kostas, Kostas, você gosta de brincar com fogo!
Outra semana corrida, e, finalmente, ele chegou.
Abro os olhos, e o primeiro pensamento consciente que tenho é sobre o dia de hoje. Aprendi a ser grata pela minha vida, pelas oportunidades que surgiram, pela guinada que ela sofreu e que me possibilitou ser quem sou hoje. Não sou religiosa, mas acredito que, em algum lugar, nosso destino está sendo traçado através de nossas escolhas.
Por algum tempo eu não tive nenhuma, meu destino estava na mão do acaso ou de algum ser superior que me protegeu e me abençoou com uma nova história.
Amanhã irei ver a Jane de novo, em uma sessão semanal de conversas e tentativas de me encontrar. Sou segura no trabalho, sou boa amiga, cidadã, tenho empatia de sobra, por isso mesmo me dedico – como papai fazia – aos que precisam de mim.
Hoje seria um dia assim! Malu era a única que sabia o dia do meu aniversário e, todo ano, me dispensava mais cedo, sempre depois do almoço, e eu ia para algum asilo ou mesmo hospital para levar meu presente à vida. Infelizmente, este ano, com a responsabilidade da gerência e essa conta da Ethernium, será impossível sair do trabalho.
Vou ter que fazer minha “comemoração” no domingo, dia em que normalmente já passo nas instituições que auxilio.
Desligo o Pharell8 e me estico toda, sentindo Kaká deslizando por baixo do lençol até sua carinha peluda e alegre aparecer para me saudar. Ele me dá a tradicional lambidinha no nariz, e eu afago suas orelhas, sem falar hoje, apenas lhe dando o carinho que merece.
O celular toca e, pela hora, já sei que é a Malu.
— Alô, não cante....
— Parabéns pra você, eu sei que você quer me foder, por eu estar cantando essa música e desejar parabéns pra você! — Começo a rir, e ela me segue. — Viu, só? Não cantei a música tradicional, então você não pode brigar comigo!
— Alguém já te disse que você é mestra em burlar as regras? — inquiro com o coração palpitando de alegria por ela ter ligado. — Eu sei que aí no mato todo mundo acorda cedo, mas você está prenhe, mulher, vá dormir mais um pouco!
— Prenhe está seu rabicó! Não sou vaca!
Gargalho com a irritação dela.
— Obrigada por ter ligado — digo com sinceridade. — Eu sinto sua falta aqui.
Ela suspira.
— Eu também! — Ri. — Para duas capricas duronas, hoje estamos emotivas. Tudo bem que eu tenho desculpa, afinal, são os hormônios da gravidez!
— Até parece! Cadê seu peão fake, que não está aí esquentando sua cama?
Ouço risadas abafadas.
— Quem disse que ele não está aqui? Não está falando porque está com a boca ocupada no momento.
Fecho os olhos e faço uma careta imaginando uma cena bem safada.
— Porra, Malu!
Escuto os dois gargalharem, e Guilherme grita:
— Eu estou comendo meu tira-torto, Kika! Acha que eu ia querer gastar meus dotes enquanto ela fala contigo?
Rolo os olhos.
— Ele fez antes, amiga, por isso está quietinho comendo aquela coisa estranha! Vôti, nem grávida consigo comer isso de manhã!
— Vôti?! — Rio sem parar, e ela me xinga. — Mas já está adaptada ao mato, meu!
— Meu, eu já me adaptei aos mato! — ela imita o sotaque paulistano, e eu paro de rir.
— Não falo assim! — retruco, e é a vez de ela rir de mim. — Ah, deixa eu te contar uma nova!
— Conte! Essa semana passou correndo tanto que nem pudemos fofocar. É sobre o gostoso do Theo com a tal da Duda Hill?
— Não, Malu, é sobre o trabalho! Caramba, desde que você arranjou esse Xucro aí, só vê romance em tudo! Acho que Theo só estava tentando comprar o imóvel mais uma vez.
— Amiga, eu conheço aquele homem melhor do que você. — Escuto o Xucro pigarrear e Malu mandar um beijo estalado para ele. — Ele não ia negociar a compra do imóvel depois da meia-noite! Escreva o que eu te digo: cheira a romance clandestino, quente e gostoso.
— Malu! — Rio ao pensar em Theo e Duda Hill juntos. Óbvio que não! — Você anda bem safadinha desde que engravidou, só pensa em sexo e sexo...
— Ah, quem fala! — Fico séria no mesmo instante. — A maior devoradora de incautos que eu conheço! Se um dia você engravidar, tenho pena de quem estiver contigo, porque vai ficar esfolado, o pobre.
Xucro ri, e ela começa a falar das coisas que eu dizia para ela. Enquanto isso, minha cabeça está em turbilhão tentando arranjar um assunto para sair dessa conversa. Eu sei que fui eu quem causou essa situação, afinal, estava sempre falando dos “encontros” e dos “caras” com quem eu transava sem medo de ser feliz.
Ah, Malu...
— Kostas está sumido há mais de uma semana! — disparo, e ela para de falar em sexo. — Eu achei que ele ia ficar no meu pé por causa dessa conta da Ethernium, mas não, nomeou outro advogado e sumiu.
— Estranho! — Malu pondera. — Não confio nele. Fique de olho, Kika!
— Eu vou, não se preocupe, Bostas não me assusta. — Olho para o relógio e me sento apressada na cama. — Malu, preciso ir, senão vou chegar atrasada.
— Não pode! Chefe tem que dar o exemplo! — Ri. — Que seu dia seja especial. Não vou te dar parabéns e nem felicidades, porque você não gosta, então, que essa data seja querida.
Rio e a mando se lascar antes de desligar.
Levanto-me mais animada, menos sombria, e começo minha rotina matinal antes de correr até o metrô e ir parar no coração financeiro de São Paulo. Antes, porém, coloco água e a ração do Kaká e me lembro de pôr em uma sacola o brinquedo que Carlinhos deixou aqui em casa no sábado.
O menino veio brincar com meu cãozinho, e o pai aproveitou para me convidar a comer comida mexicana. O homem também não cozinha, mas conhece os melhores restaurantes temáticos da cidade e encomendou deliciosos burritos com nachos de queijo para acompanhar, que eu comi virando os olhos.
Eu sou fácil de ser conquistada, basta me alimentar bem, e você se tornará meu melhor amigo!
— Eu tenho que retribuir todas as vezes que você me salva à noite! — comentei com ele, referindo-me aos pacotes de comida que sempre deixa na minha porta.
— Ah, Kika, vizinho é para essas coisas! Eu moro só e, se peço para mim, por que não pedir para você também? Relaxa!
E abriu um sorriso daqueles de calendário masculino. Oh, Céus! Saber que o homem é bombeiro também não ajudou muito, porque logo o imaginei só com aquela calça, suspensórios, o corpo malhado todo coberto com vaselina, brilhando como se estivesse molhado, e em suas mãos aquela mangueirona...
Ele falou algo com o filho, e eu deixei de fantasiar com isso. É bom de se imaginar, Vinícius é bonitão, e Jane acha que pode ser uma boa oportunidade para eu comprovar se já estou pronta para ir em frente.
Dê a você mesma a possibilidade de experimentar... ela me aconselhou mais cedo naquele dia, e imediatamente pensei em Portnoy, em sua desistência das nossas conversas, talvez já cansado de todos os convites para um encontro real que me fizera e que eu recusara. Nunca senti antes o que ele, mesmo à distância, fizera-me sentir, mas não me dei a oportunidade de comprovar se era real, então o perdi.
Não vou deixar isso acontecer de novo!
Vinícius e eu ficamos conversando sobre nossas profissões. Ri muito com algumas de suas histórias, até que Carlinhos bocejou, e ele interrompeu a visita para pôr o filho na cama.
Foi assim que o brinquedo ficou para trás, e eu, por causa da falta de tempo desta semana, esqueci por completo de devolvê-lo. O menino só voltará daqui a 15 dias, mas eu deveria ter me lembrado de devolver antes, porque pode estar sentindo falta.
Tomo um banho rápido, lavo meus cabelos, visto uma roupa qualquer, sem escolher muito – um vestido com alguns babados e listras, quase conceitual e que, particularmente, adoro –, deixo a sacola com o brinquedo pendurada na maçaneta da porta do apartamento do vizinho e toco a campainha da Verinha.
— Bom dia! — ela me cumprimenta. — Está linda e cheirosa hoje! Algo especial?
Sorrio sem jeito, mas nego.
— Só trabalho! — Beijo sua bochecha e lhe entrego a chave do meu apartamento para que ela pegue o Kaká. — Tenha um bom dia!
Saio praticamente correndo, descendo as escadas sem paciência para esperar o elevador. Tenho que voar até a estação, pegar o primeiro metrô que passar, senão chegarei atrasada.
Mais um dia na minha vida!
Fecho os olhos rapidamente e recito minha frase favorita:
Seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!
— Nós já solicitamos o EIA/RIMA9 da área, depois têm os passos referentes às compensações, audiências públicas etc. — Alex me explica apontando para o croqui que estendemos em cima da mesa, que contempla o tamanho da área da empresa. — O cliente sabe que isso é demorado e que é o primeiro passo que teremos que fazer assim que tivermos o local. — Eu assinto, pois já tivemos clientes que necessitaram desses estudos ambientais, porém, nenhum com o tamanho de uma pequena cidade do interior. — A equipe da K-Eng está toda à sua disposição, Kika, para acompanhar as visitas e já emitir algum parecer sobre a viabilidade ambiental da locação.
Escuto uma batida à porta, mas não saio da posição em que estou, ao lado de Alex e de costas para a entrada.
— Entra! — apenas grito antes de continuar questionando o CEO da K-Eng. — Os hunters já estão acostumados a consultar toda a legislação das cidades, sempre buscam, junto ao jurídico, que é sempre muito eficiente, levantar qualquer outro entrave legal que possamos ter não só no bojo ambiental, como também na questão de ordenamento urbano, planos diretores e zoneamento das cidades.
— Eu conheço seu trabalho, Kika, e sei que você e sua equipe são muito eficientes — Alex sorri para mim ao elogiar.
— Nós somos! — Pisco para ele e toco seu ombro. — Eu já ouvi muitos elogios sobre a K-Eng, e você sabe que eu te admiro demais...
— Hum-hum — um pigarrear me impede de continuar a dizer a Alexios Karamanlis o quanto eu o vejo como um gestor especial, um chefe preocupado com seus funcionários e engajado para que não só a empresa cresça, mas todos possamos crescer com ela.
Olhamos juntos para ver quem entrou na sala – quieto e quase sem fazer barulho ao andar – e arregalo os olhos ao dar de cara com Konstantinos Karamanlis em toda sua altura monumental e largura impressionante.
— Interrompo algo? — Kostas pergunta com um sorriso malicioso.
Alexios gargalha, balançado a cabeça, e me olha divertido.
— Claro que sim! — o CEO da subsidiária da Karamanlis responde. — Estávamos analisando o croqui da futura planta da Ethernium, pelo menos dentro do padrão que já temos. — O engenheiro pega o enorme papel em minha mesa e começa a enrolá-lo. — Eu já percebi que Kika Reinol está mais do que habituada a grandes desafios e que — ele sorri para mim — gosta deles, então concordo com a decisão de Theo de ter deixado essa conta nas mãos competentes dela.
Abro um enorme sorriso de satisfação e encaro o diretor jurídico, que, como esperado, está com sua sobrancelha levantada e aquela cara irritante de tédio. Focalizo seus olhos azuis, brilhantes, o sorriso mostrando seus dentes brancos em contraste com a pele morena.
Aff, eu odeio admitir, mas o capeta caprichou ao fazer esse homem!
— Eu também estou no projeto, caso tenha esquecido, Alexios. — Konstantinos fica sério e coloca as mãos nos bolsos da calça, para onde meus olhos são atraídos, mas desviados assim que percebo que meu interesse não é nos bolsos da vestimenta.
— Eu sei, Kostas. — Alex passa por ele, indo em direção à porta. — Foi uma boa decisão de Theodoros também.
Percebo que Kostas parece sem jeito com o elogio indireto do irmão; não agradece, nem sorri, apenas assente parecendo que o que Alexios disse não é nenhuma novidade. Arrogante!
— Assim que marcarem algo, avise-me — Alex solicita, e eu assinto. — Bom trabalho para vocês. Adorei nosso papo, Kika!
— Tchau, volte sempre! — despeço-me dele sorrindo, mas, assim que ele fecha a porta da sala e fico sozinha com Konstantinos, meu sorriso morre. Dou a volta na mesa, sento-me em minha cadeira e aponto uma para o diretor jurídico.
Ele se senta, cruza suas enormes pernas e fica me olhando quieto por um tempo. Meu corpo formiga de um jeito estranho, mas logo me abuso de sua análise acurada da minha pessoa e suspiro irritada.
— Bom, parei o que estava fazendo para poder atender ao doutor Alexios, pois entendi que era relevante para o projeto. O que o traz aqui, doutor?
Ele apoia uma de suas mãos no rosto, o indicador tocando a sobrancelha e o dedão apoiando o queixo. Ele sempre faz esse tipo quando quer irritar alguém, e, puta merda, hoje não é um bom dia para me irritar.
— O que a senhorita sabe sobre as leis deste país? — ele pergunta tão vagarosamente que tenho vontade de indagar se está tendo um derrame. — A ouvi dizer ao meu irmão que você e seus hunters fazem essa pesquisa, e fiquei surpreso.
— Sei que temos muitas leis, mas que a maioria não serve para nada — digo impaciente. — Qual é o assunto que o traz aqui de verdade?
Mais uma vez ele se faz de surdo e finge pensar, sem tirar em nenhum momento os olhos dos meus.
— Eficiência e eficácia, princípios básicos do estudo das normas. — Rolo os olhos ao pensar que ele vai começar uma aula sobre leis. — Bom, se a senhorita quisesse saber disso, teria feito direito, não é?
— O congratulo por sua perspicácia! — ironizo, e ele ri.
Kostas ri!
Eu sei que já falei isso, mas ele ri! Só isso! Uma risada sem tédio, sem sarcasmo, sem deboche... só uma risada! Claro que, como eu não esperava por isso, fico totalmente desarmada e admiro – e muito, devo admitir – como fica o rosto dele ao sorrir. O homem, além de grande e charmoso, é bonito!
Filho da mãe!
— Bom, vim até aqui hoje para informar que vou retomar a frente da conta da Ethernium. — Arregalo os olhos, pois não esperava por isso. Estava tão bom lidar com o doutor David! — Pensei que pudesse delegar um pouco, mas vi que não dá. Se não tiver alguém com pulso firme, é capaz de o negócio não andar a contento.
Como é que é?! |Que grande filho da puta!
Estou há mais de uma semana organizando tudo, já fizemos todos os contatos necessários para começar a receber as propostas dos estados para a instalação da siderúrgica, e ele vem querer agora pegar tudo mastigado e levar o nome? Ele acha que está lidando com quem, afinal?
— Eu não... — tento falar, mas ele não deixa:
— David não tem a firmeza necessária para lidar com você. Bastaram poucos dias, e ele já estava parecendo um cachorro adestrado abanando o rabinho para te agradar em tudo. — Ele fica sério, e seu tom de voz muda: — Seu feitiço não funciona em mim!
— Você deve ter algum tipo de transtorno comportamental, não é possível! — Fico em pé para olhá-lo de cima para baixo. — A equipe está trabalhando perfeitamente bem, e tudo o que não precisamos é de um ser com o ego do tamanho do mundo atrapalhando tudo e ainda irritando as pessoas.
Ele se acomoda ainda mais na cadeira.
— Não estou perguntando se posso entrar, Wilka Maria. — Aproxima-se da mesa, e sua voz sai rouca ao dizer: — Já estou dentro!
Sinto um tremor sacudir meu corpo, os cabelos mais curtos de minha nuca se eriçam, e eu seguro o ar por um tempo.
Que merda é essa, Kika?!
Tento buscar a linha do raciocínio que perdi entre estar puta com o autoritarismo dele e excitada só de imaginá-lo dentro... de mim.
— Temos um primeiro retorno. — Ele estende uma folha de papel, e eu a pego como se fosse uma tábua de salvação.
— Por que não recebi esse e-mail também? — questiono assim que o leio. — Era para ter notificado e...
— Minha diretoria está filtrando todos os e-mails dessa conta e compartilhando apenas aquilo que acha imprescindível.
O quê?!
— Olha, assim não vai dar! — Sento-me novamente, encarando-o séria. — O doutor Theodoros foi bem claro ao dizer que iríamos trabalhar juntos nessa conta. Não tem por que você estar filtrando a correspondência, não tem sentido, isso só vai atrasar o trabalho! — argumento, mas ele não parece se convencer, então pego o telefone e ligo para o setor de TI — Oi, Lamir, há uma conta com um filtro, e eu preciso que seja removido. É o filtro no e-mail que criamos para gerir a conta da Ethernium.
— Kika, o filtro foi uma ordem da diretoria jurídica, só ela pode revogar, eu sinto muito! — Bufo irritada, mas sei que Lamir não tem culpa. — Você sabe que, se não fosse isso, eu faria o que está me pedindo, né?
— Sei, sim, não se preocupe — tento parecer menos irritada. — Obrigada pela ajuda, Lamir, dê um beijo na Sarah por mim.
— Pode deixar! Você está devendo uma visita à nossa casa nova!
Eu rio, respondo que vou qualquer dia desses, e, antes de eu desligar o telefone, Kostas se levanta, tira o aparelho do meu ouvido e o põe no seu próprio.
— Aqui é doutor Konstantinos. Tire o filtro.
Isso me surpreende a ponto de me deixar boquiaberta e estática. Kostas fala algo mais com o Lamir, mas não consigo entender o que é, tamanho choque que levei com sua atitude. Nunca, em tempo algum, poderia imaginar que ele agiria dessa forma.
— Por que... — tento começar a perguntar o que houve, mas ele não permite:
— Você quer trabalhar de igual para igual comigo? Ok, eu aceito. — Ele respira fundo, parecendo contrariado, e se afasta. — A partir de segunda-feira estaremos 100% dedicados a essa conta, você e eu. — Olha tudo em volta. — Arranje um jeito de abrir mais espaço; sou grande.
Ele sai da sala, e eu ainda me sinto tão estarrecida que não consigo articular nenhuma palavra.
Ele pretende vir trabalhar aqui?!
Gemo e coloco a cabeça sobre a mesa. Minha vida tão perfeita e organizada profissionalmente acaba de virar um inferno. Como conviver com aquele homem aqui, levando-me da irritação ao tesão em segundos, por mais de 12 horas por dia?
Tesão!
Eu sinto mesmo tesão por Wilka Maria!
Não adiantou de nada ficar dias longe, ignorá-la, fingir que não existia. Bastou entrar em sua sala, sentir seu perfume no ar, ver o contorno de suas costas desenhado contra o vestido leve que, contra a luz da vidraça, ficou quase transparente, e toda a excitação que neguei e reprimi estava presente.
Eu a desejo, é fato, talvez há mais tempo do que gostaria de admitir, por isso minha irritação e a necessidade de provocá-la o tempo todo. Sempre fui reativo quando sentia tesão por alguém que estava fora do “padrão” que estabeleci para mim mesmo, sempre abafei e consegui eliminar a vontade até que não restasse mais nada, porém, com a gerente, parece que não vai ser tão fácil.
É que, mesmo decidido a não dar vazão à essa química, estou sendo atraído para ela e traído pelo meu próprio corpo de uma forma que não consigo deter. Por mais que eu saiba que ela, dentre todas as possibilidades que já tive, é a escolha mais complicada, não só por trabalhar na empresa da minha família, mas também pelo gênio de cão que tem, não consigo deixar de querê-la.
Fui até a sala dela para provocá-la, extravasar um pouco a frustração que estava sentindo por ter perdido a fantasia da Caprica. Culpo-a por isso, por ter eliminado minha diversão, por ter matado a fantasia da mulher que podia ser qualquer uma e que, agora, só consigo enxergar como sendo ela mesma.
Não queria isso, não quero um envolvimento, mesmo que sexual, com ela. Porém, em contradição a esse meu não-querer, só penso em como seria meu corpo junto ao dela, na nossa diferença de tamanho e na forma com que eu conseguiria envolvê-la totalmente com meus braços, a ponto de ela sumir dentro de mim.
É uma fissura que nunca tive, uma fantasia nova que se descortina no auge dos meus 36 anos de vida: envolver alguém com meu corpo, abrigar.
Isso também é contraditório, afinal, Wilka Maria é petulante, marrenta, cheia de si, feminista – desse tipo de mulher que, se um homem abrir a porta para ela passar, é capaz de ser acusado de machista e de estar dizendo implicitamente, com o ato cavalheiresco, que ela não tem força para abrir a maldita porta.
Tudo nela deveria me repelir, mas me atrai sobremaneira.
Tenho vontade de deixá-la trêmula de tesão de tal forma que não consiga se manter de pé naquelas botas de cano longo e coloridas que usa. É, admito, sinto um tesão absurdo por aquelas botas e imagino Wilka toda nua, usando apenas elas.
Quero dobrá-la, deixá-la implorando pelo gozo que só eu posso lhe dar, e... Caralho!
Fecho os olhos e balanço a cabeça, repreendendo-me por estar perdendo o controle desse jeito. Eu não vou tocar nessa mulher! Não sou assim, não fodo com quem conheço, não me envolvo, não posso! Espalmo as mãos na cabeça, os cabelos deslizando entre os dedos, buscando um jeito de retomar minha frieza e controle.
Não me interessa como vou fazer – por mais que eu mesmo me traia, como aconteceu há pouco na sala dela quando decidi que trabalharíamos juntos no mesmo espaço, quando a provoquei com frases de duplo sentido e me imaginei fodendo-a em cima daquela mesa meticulosamente organizada –, não vou tocar nela.
Lembro-me de como ela piscou, brincou e tocou meu irmão caçula e de como reagi àquele gesto simples. Senti-me puto, fervendo de raiva e indignado por ela ser cordial, amistosa e talvez até flertar levemente com Alexios. Ela nunca me tratou daquela forma, nunca recebi um só sorriso como aquele ou mesmo fui alvo de qualquer brincadeira ou mesmo um ingênuo flerte.
Bufo de raiva por ter deixado que isso me afetasse, por ter sentido inveja do tratamento que Alex recebe dela, querendo eu mesmo ser o destinatário do sorriso e da piscadela.
Não vou tocá-la, porra! Já tomei a decisão!
Confiro as horas e entendo o motivo pelo qual o setor está vazio: hora do almoço. Não tenho fome agora – rio, pois tenho, mas não é de comida –, por isso me sento para voltar a trabalhar no arquivo no qual estava quando David me interrompeu para falar do primeiro retorno que tivemos na conta da Ethernium.
Abro meu e-mail, e qual não é minha surpresa ao receber uma mensagem da pessoa que mais estava aguardando nesse tempo todo! Leio atentamente a mensagem, marcando um encontro, e sorrio satisfeito por sentir que realmente vou ganhar um aliado na minha luta para dar ao meu irmão um pouco do mesmo veneno que ele nos deu anos atrás.
Entro no restaurante da empresa quase às 15h para almoçar. Todos já estão de volta ao trabalho, mas, como estou mais interessado em comer uma proteína – coisa que eles sempre fazem na hora para mim – e uma salada, não tenho problema com o horário regrado para o bufê.
Ainda há alguns retardatários no refeitório, especialmente o pessoal que faz serviço de rua e que só deve ter chegado à empresa agora.
— Doutor, posso ajudá-lo em algo? — uma das moças que organizam a cozinha me intercepta ainda na entrada do lugar.
— Um grelhado e uma salada, coisa simples.
Ela assente e vai direto para a cozinha.
O refeitório foi uma ideia de meu irmão mais novo, Alexios. O garoto, mesmo depois de tudo o que passou na mão de Nikkós, ainda se mantém um idealista, cheio de ideias utópicas típicas de um membro do proletariado, não de um herdeiro de algo do porte da Karamanlis.
Quando Alexios assumiu a K-Eng, eu achei que ele ia falir a subsidiária em tempo recorde, mas ele demonstrou ter tino para os negócios, além de ser um engenheiro muito bom. O garoto prodígio é como eu o vejo! Mesmo com o inferno que foi nossa infância e adolescência, ele conseguiu se manter são, deu a volta por cima diante de todos os problemas que enfrentamos, mergulhou nos estudos e acumulou prêmios e mais prêmios na área das ciências exatas.
Mesmo depois de ter sido expulso de várias escolas durante o ensino médio, não foi surpresa para mim ele ter passado em vestibulares para as melhores universidades de engenharia do país aos 16 anos. O menino era um gênio, mas, hoje, parece mais um sonhador.
Desde o começo não levei muita fé nesse modelo de fornecer a comida dentro da empresa. Os funcionários gostam de sair, ver “moda”, saber o que acontece além das paredes da Karamanlis, e a saída para o almoço era uma “desculpa” para fazerem isso. Ademais, a ideia foi perdendo a força, e o restaurante andou totalmente largado às traças, até que o CEO resolveu se juntar à ralé e começou a fazer refeições aqui.
Caminho para uma das mesas livres, mas meus olhos são atraídos por uma mulher miúda, cabelos cortados curtos e com a nuca aparecendo, pois está com a cabeça baixa.
O que eu devo fazer? Sentar-me o mais longe possível dela.
Mas o que estou fazendo?
— Refeição tardia também? — Sento-me à sua mesa, e ela me olha parecendo ver um fantasma. — Não me diga que está na modinha do jejum intermitente!
Wilka Maria respira fundo, termina de mastigar sua comida e me encara.
— Não estou, mas e você, está? Também está vindo comer tarde!
Nego e faço um biquinho.
— Não, geralmente como no horário, mas hoje algo de manhã me deixou com o estômago meio revolto. — Aspiro o ar perto dela, que retesa o corpo. — Ah, seu perfume é muito doce, foi isso!
Seus olhos faíscam de raiva.
— Não me lembro de tê-lo chamado até minha sala de manhã e — ela olha em volta — nem de o ter convidado a se sentar à minha mesa agora. Então, se meu perfume o enoja, sinta-se à vontade para se afastar.
Ela aponta para a mesa mais distante de si, e eu rio.
— Não, Wilka Maria, não me enoja. — Fico sério. — Foi apenas uma provocação, não seja tão tensa.
Pisco para ela da mesma forma que ela fez para meu irmão de manhã, e meu prato é servido.
— Carne e folhas? De dieta, doutor?
Corto um pedaço do bife, mastigo-o e assinto.
— Sempre! Não posso descuidar do corpo. — Acompanho seus olhos descendo pela minha camisa até onde a mesa está tampando e sinto meu pau acordar com a avaliação. — Quer que eu tire para ver melhor?
Ela pula na cadeira e arregala os olhos.
— Não! — Ri nervosa, e suas bochechas ficam mais coradas que o normal. — Está louco?
Dou de ombros.
— Você estava tentando avaliar se preciso ou não de dieta, só ia facilitar. — Sorrio. — Em minha defesa, posso garantir que sou muito regrado com os exercícios. Admito exagerar um pouco no bourbon, mas compenso na alimentação.
— E você fuma também... — ela completa quase automaticamente e, ao perceber que demonstrou ter prestado atenção em mim, fica sem jeito. Sinto satisfação ao saber que ela sabe dos meus vícios, que me observa. — Não vai terminar de comer? — Aponto para seu prato, intacto desde que me sentei de frente para ela. Acho melhor abrir uma concessão no jogo e deixá-la terminar de comer em paz. — Se quiser que eu saia...
Ela aperta os olhos como se desconfiasse das minhas intenções. Então, mesmo parecendo incomodada com minha presença, levanta o queixo, pega o garfo e nega.
— Não, pode ficar. É melhor eu ir me acostumando com sua presença, afinal, trabalharemos no mesmo espaço, não é?
Ela pega um bocado da quiche que estava comendo e mastiga olhando-me com a sobrancelha erguida e com pose de quem está no controle da situação.
O movimento de sua boca chama minha atenção, e eu fixo os olhos em seus lábios fechados, reparando mais uma vez em como são carnudos e tentando imaginar a textura e o sabor deles.
Desvio os olhos e aperto minha coxa por baixo da mesa para me controlar.
— Certo — concordo com o que ela disse. — Então teremos uma espécie de trégua?
Ela ri.
— Não sabia que estávamos em guerra, doutor.
Sua risada rouca estimula meus sentidos. Os pelos dos meus braços se arrepiam por baixo da camisa, e sinto vontade de pular a mesa que nos separa e comprovar se esse tesão todo é real ou fruto das fantasias que criei com ela durante esse ano em que ficamos de sacanagem online.
Resolvo mudar de assunto para não cometer uma sandice.
— Estranhei não encontrar balões, serpentinas e fogos hoje aqui na empresa.
Ela franze a testa e me encara como se não entendesse minha colocação.
— De acordo com sua ficha, hoje é seu aniversário. — Wilka para de mastigar, e a tensão em seu corpo é quase palpável. Hum, interessante! — Não quer que saibam que você entrou na casa dos 30?
— Quando... — ela está ofegante — você leu minha ficha?
Pelo brilho que capto em seus olhos, sei que toquei em assunto complicado. Lá vamos nós... adeus, trégua!
— Quando Theodoros a escalou para trabalhar no projeto — disfarço, pois não posso lhe contar a verdade. — Precisava saber se estava apta.
— O quê?! — Agora, sim, ela está furiosa. Oh, merda! — Queria saber se eu estava apta a fazer meu trabalho?! — Ela se levanta. — Você é mesmo um bostas!
Sou o quê?!
— Não é para tanto, você está fazendo uma tempestade em copo...
Ela sai do refeitório marchando com suas botas vermelhas sem olhar para trás, e eu percebo que estou fodido. Não vou conseguir abafar a química existente entre nós – sim, porque ela também sente! – e, ao mesmo tempo, não conseguirei que ela abaixe suas defesas para que eu possa ver no que isso pode dar.
Pego o celular e abro a loja de aplicativos, buscando o Fantasy novamente.
Preciso ressuscitar o Portnoy!
Pela primeira vez, depois de mais de dois anos de terapia, estou deitada no divã da doutora Jane. Antes eu ficava sentada, conversava, ria e fazia piadas com minha situação, mas hoje, não.
Desde ontem me sinto mexida com o que aconteceu entre mim e o Kostas Karamanlis, a visita dele à minha sala, seu anúncio de que vai trabalhar diretamente comigo, as provocações dele e minhas reações a elas. Eu estou confusa, muito confusa, e falar sobre isso não está sendo fácil.
— Mas você está se sentindo assediada? — Jane pergunta. — Você não está sendo muito clara sobre isso, Kika. Já a ouvi falar do homem, do quanto vocês se odiavam, me lembro de como ficou quando pediu demissão por causa dele. Agora você me diz que estão acontecendo “climas” estranhos entre vocês e que isso a está deixando confusa? Me explique direito.
Fecho os olhos, nervosa, respiro fundo e tento fazer o meu melhor para explicar a ela a situação toda da maneira mais clara e sincera possível.
— Eu acho que eu poderia me sentir assediada, sim. Ele é meu chefe, como adora ressaltar, então isso por si só é uma questão, mas não. — Olho-a. — O que está me incomodando não é pensar que ele possa estar interessado em mim, mas o que isso me causa.
— Acha que pode prejudicar seu emprego? Há formas de denunciar...
— Não, Jane! — Rio sem jeito. — Ele mexe comigo — não consigo encará-la ao admitir isso. — De todos os homens no mundo, Konstantinos Karamanlis consegue mexer comigo. Não sei como aconteceu. Claro que eu já tinha visto que ele é um homem bonito e muito charmoso, mas isso antes de ele começar a ser uma pedra no meu caminho.
— Hum...
Bufo de raiva e a olho. Odeio quando ela emite apenas esse “hum”! O que significa? Eu venho para a terapia a fim de buscar respostas, mas saio daqui com mais e mais perguntas. Eu sei que é para ser assim, porém, isso irrita!
— Eu ando me sentindo mais solta, sabe?
— Você está, Kika. Se permitiu coisas que vão muito além de todas as suas fantasias. Saiu do seu mundo imaginário e investiu no real; ainda que de forma “virtual”, tinha alguém lá com você.
Concordo e penso em Portnoy e sua volta ontem.
Nem acreditei quando recebi notificação de mensagem privada no chat do Fantasy. Eu estava prestes a cancelar a assinatura e desinstalar o app, mas acabei esquecendo, por isso recebi a mensagem.
Ele tentou se justificar dizendo que estava com alguns problemas pessoais e que precisara de um tempo para pensar longe de tudo. Sinceramente, não me convenceu, mas ainda assim lhe respondi. Disse que ele não me devia explicações e que estávamos ali por isso: sem compromisso, sem amarras.
Foi aí que tudo ficou ainda mais estranho.
“Quais são as novidades de hoje?”
Li pelo menos uma dúzia de vezes essa pergunta, pois não parecia coisa dele. Portnoy sempre se manteve distante desde que começamos a conversar. Claro que eu acabei conseguindo fazer com que ele soltasse uma ou outra informação pessoal, mas ele nunca o fazia voluntariamente. Acho que por isso mesmo quase nunca me perguntava as coisas, para não dar margem a ser questionado também.
Era a segunda vez que ele fazia esse tipo de indagação, e isso era, no mínimo, muito estranho. Alguma coisa mudara!
“Nada de importante, apenas dias corridos de trabalho, pressão e rotina.”
Esperei que ele entrasse no campo da safadeza, para lhe dizer que não estava a fim, mas mais uma vez fui surpreendida.
“Como estão as coisas na empresa onde trabalha?”
Meus pensamentos foram levados para o almoço e para a miscelânea de sentimentos que tive naquele pouco espaço de tempo.
Estava sentada, um tanto aborrecida por ter ficado tão impressionada com a visita do Kostas. Atrasei meu cronograma da manhã e, por isso, tive que ir comer mais tarde e sozinha.
Já como sozinha em casa à noite todos os dias, então, durante a semana de trabalho, sempre aceito os convites para comer com algum grupo, conversar e relaxar um pouco. Como atrasei, não pude ir com as meninas para o refeitório e, por isso, estava comendo o que sobrara nas gôndolas do bufê.
O almoço estava deprimente demais, e eu me concentrava em mastigar – contando cada movimento das mandíbulas – e engolir a comida, olhando para o prato. De repente uma sombra se impôs sobre mim, e fui surpreendida pelo diretor jurídico sentando-se à minha mesa sem nem mesmo perguntar se podia.
Mal-educado!
Não vou dizer que foi tudo ruim, embora um certo formigamento estivesse presente em uma parte sensível do meu corpo, e isso estava me fazendo ficar cada vez mais reativa a ele. Não entendia e nem aceitava o que estava acontecendo, pois ele seria o último homem por quem eu deveria sentir desejo.
A verdade é que senti, e muito! E, mesmo não querendo, ainda sinto!
— Ele leu minha ficha — volto a falar com a Jane — e sabia o dia do meu aniversário. Eu o pressionei a dizer o motivo pelo qual a olhou, e ele disse que queria saber se eu estava apta a assumir um projeto junto a ele. Fiquei enfurecida. Se tivesse outro copo com água na mesa, ele corria sério risco de ficar molhado, então saí de perto. Mas....
— Mas?
Lembro-me da fúria que sentia ao sair do refeitório e do tesão que também estava sentindo. Fiquei ainda mais irada por isso. Como eu posso sentir raiva e desejo ao mesmo tempo? Eu não quero sentir isso por ele, não por ele!
— A atração não deixou de existir mesmo depois de eu ter a confirmação de que ele continuava sendo um babaca e que esse fato não mudaria só porque pediu uma trégua e conversou comigo normalmente.
— Tesão? — Ela considera. — Fale-me sobre isso.
Rolo os olhos. Odeio esse jargão de terapeuta que ela usa. Fale-me sobre isso? Tesão, vontade, curiosidade, tudo junto e misturado à raiva e o desejo de voar em cima dele e dar muitos tapas naquela cara larga!
— Já falei sobre isso, não foi a primeira vez, embora tenha sido mais intensa que das outras — custa-me admitir isso. — Estamos nesse clima diferente desde que voltei para a empresa. É estranho, e eu não entendo o que desencadeou tudo isso. Era para eu desprezá-lo ainda mais depois de tudo, mas não.
— E Portnoy?
Suspiro.
— Voltou a aparecer. — Jane arregala de leve os olhos, talvez não esperando essa resposta. — Disse que teve uns problemas pessoais e por isso se afastou. — Encaro-a. — Acho que ele deve ser um homem casado. — Faço careta. — Fiquei pensando que a esposa deve ter descoberto, ele saiu do app para não deixar rastros e depois voltou...
— Com o mesmo nome e perfil? — Assinto. — Não faz muito sentido.
— É... — Rio de mim mesma. — Ele estava estranho, perguntou sobre meu trabalho, não fez nenhum tipo de gracinha, não tentou uma provocação. Eu também não estava à vontade, era como se ele fosse outra pessoa.
— Como você não sabe quem ele realmente é, podia ser, não?
Nego com segurança.
— Não! Era ele, só que... diferente. — Sorrio. — Parecia que ele estava querendo se aproximar mais de mim.
— Isso é ruim?
Dou de ombros.
— Não sei. Tenho medo de quebrar a fantasia e descobrir que ele me causa o que todos os outros homens me causaram até hoje.
— Menos o doutor Konstantinos.
Gemo e tampo o rosto com as mãos.
— Parece que sim. — Xingo, e ela ri, já acostumada com minha boca suja. — Será que sou sádica? — Jane gargalha. — Sério, de todos os homens com quem já tentei, será que o único a conseguir vai ser justo um que eu desprezo? Isso diz alguma coisa sobre mim? — Sento-me assustada. — Será que tenho alguma síndrome tipo aquela de Estocolmo ou...
— Kika, respira e não viaja, o homem nem tentou te sequestrar! — ela faz a brincadeira para descontrair, mas a vejo anotar no caderninho, e ela só anota nele quando a coisa está séria.
Eu estou mesmo fodida!
O final de semana foi bom! No sábado, depois da ida até a terapia, passei a tarde toda passeando com Kaká, Verinha e Ferdinando. Adoro a companhia da minha vizinha, e ela, como sempre, matou-me de rir com suas histórias. Depois de deixarmos os cachorros em casa, fomos ao cinema, e ela me perguntou, enquanto comíamos uma pizza após o filme, se eu tinha interesse em Vinícius.
— Sim, porque ele está amarradão em você.
— Ah, Verinha, somos vizinhos, e ele tem o Carlinhos também, então não quero misturar as coisas — respondi sem querer entrar muito em detalhes.
Ela não insistiu, e isso é uma das coisas que mais gosto nela. Sem dúvidas é uma grande amiga, mas não se mete na minha vida. Tem acesso ao meu apartamento, confio nela desde a primeira vez em que nos vimos. No entanto, não é de perguntar ou dar pitaco nas minhas coisas.
No dia seguinte, fui até um dos asilos em que faço trabalho voluntário e fui surpreendida por uma pequena festinha. Fiquei sem jeito e vi a felicidade das senhoras e senhores que moram no lugar, recebi presentes – desde poemas a canções executadas por um trio que tocou junto a vida toda – e festejei a vida com as pessoas que mais entendem dela.
Os organizadores – o pessoal da ONG e alguns funcionários do local – levaram tantas coisas legais que passamos o dia fazendo o que eu mais gosto: produzindo as vovós, cuidando de seus cabelos, unhas e caprichando na “make up” e depois jogando damas e baralhos com os grupos.
Eu não gosto de festas de aniversário, mas essa, sem dúvida, foi perfeita para mim. Saí de lá leve, com o coração aquecido e morta de cansaço. À noite, só consegui me jogar na cama de pijama, agarrar meu Kaká e lhe fazer muito carinho, e sabe-se lá quando dormi, pois acordei hoje com o despertador, toda torta na cama e com a TV ligada.
Tinham mais de dez mensagens do Fantasy, mas ignorei todas. Não estava me sentindo à vontade para conversar com Portnoy.
Saí correndo, porque, entre todas as notificações, estava o lembrete do lançamento que eu estava esperando na livraria perto do trabalho e, como não queria chegar atrasada, enfiei a primeira roupa que encontrei – um macacão justo de listras.
Entro na Karamanlis segurando junto ao peito o mais novo lançamento do meu autor favorito, feliz por ter conseguido comprá-lo a tempo. Estava há meses esperando esse livro ser lançado no Brasil para poder tê-lo em minha prateleira, junto aos dois primeiros. Não sei quando terei tempo para o ler, mas meus dedos já coçam de vontade de o folhear para ler o final.
Rio da loucura que sempre faço. Qual é a graça de ler mistério e sempre começar pelo final? Pois é, eu trapaceio! Não dá para ler T.F. Gray sem spoiler, senão arranco todos os cabelos durante a leitura.
Chego tão empolgada com a aquisição que nem percebo os olhares assustados do pessoal da minha equipe.
— Bom dia! — cumprimento-os, mas todos parecem um tanto murchos. — Rosi, o que houve?
A mulher para no meio do ato de carregar um dos meus cactos para fora da minha sala.
— Ele chegou antes de todo mundo e tumultuou tudo...
Ah, porra! Ele veio mesmo!
Lembro-me da “ameaça” de Kostas de se mudar para minha sala e bufo de raiva, esquecendo meu bom humor e afiando as garras para agarrar aquele pescoção e mandá-lo de volta – com um chute na bunda – para o outro lado do prédio.
— Eu posso saber... — emudeço ao ver minha mesa cheia de coisas e, no canto onde ficava uma poltrona – na qual eu gostava de trabalhar à noite, diga-se de passagem –, encontro uma mesa novinha, com um Macbook e uma pilha de pastas.
— Ah, a chefe do setor chegou! — Konstantinos Karamanlis faz questão de olhar para o relógio e levantar a sobrancelha. — Cheguei mais cedo e tive a surpresa de ver que a senhorita não levou a sério meu pedido de sexta-feira.
— Pedido? — Rio. — Isso é uma sandice! Minha sala tem a metade do tamanho da sua, por que quer vir para cá? Não há necessidade alguma!
— Quer ficar na minha? — Ele se encosta à beirada da mesa e abre um sorriso safado. — Eu não queria esse clichê de ter de perguntar se você preferia na minha ou na sua, então, como presumi que você é uma mulher moderna, assumi que preferiria na sua. — Dá de ombros e ri da minha cara de espanto. — Por mim, topo qualquer lugar que quiser. Quer ir para minha sala?
Mas que porra de conversa é essa?!
Está claro que ele fez esse joguinho com as palavras de propósito, e, sinto informar a todos vocês, caí nele como uma pata! Não visualizei as salas enquanto ele falava, mas, sim, camas. Eu estou perdida!
— Ei, algum gato comeu sua língua?
— Não seja ridículo! — reajo. — É claro que não quero ir para sua casa... — balanço a cabeça e corrijo rápido – digo, sala! Não há nenhuma necessidade disso, trabalhamos no mesmo andar!
Ele parece estar se segurando para não rir, e eu tenho vontade de gritar e expulsá-lo daqui a berros! Entretanto, não vou dar esse gostinho de ele me fazer bancar a louca e ainda conseguir me tirar da conta da Ethernium. Sim, deve ser isso que o babaca quer, afinal, por que outro motivo ficaria no meu pé desse jeito?
— A senhorita está enganada sobre o que é necessário ou não. — Senta-se em sua cadeira, dá uns pulinhos ridículos nela para testar – o que faz com que eu olhe para seu colo e imagine como seria me sentar ali, enquanto ele se agita dessa forma – e, em seguida, pega uma das pastas. — Se fosse uma gerente responsável, saberia que tivemos mais cinco pedidos de reuniões e que nosso cliente marcou um encontro conosco, mas... — encara-me — chegou atrasada. Final de semana de muita loucura e comemoração?
Será que sangue ferve ao atingir 100 graus igual à água? Se sim, qual será a temperatura necessária para fazer virar vapor rapidamente? Porque, com certeza, já estou nessa! Se estivéssemos em um desenho animado, vocês veriam nuvens de vapor saírem dos meus ouvidos e narinas.
Primeiro, ele entra na minha sala, mexe nas minhas coisas e faz uma bagunça em tudo. Só isso já era motivo para eu estar apitando igual a uma maria-fumaça, mas não, ele é o Bostas Karamanlis, precisa ir além! E o que ele melhor faz nessa vida senão questionar meu profissionalismo?
Cheguei cinco minutos atrasada porque parei na livraria para pegar o livro, só isso! Tudo bem, admito que poderia ter passado lá na hora do almoço, mas eu corria o risco de não conseguir sair da empresa e o livro esgotar. Não poderia ficar sem meu exemplar!
Contudo, o que ele sabe sobre amar ler e ter um autor favorito? O homem só deve ler jurisprudência o dia todo!
Conto até dez, tentando me acalmar e não dar a ele o que pretende: mais uma desavença entre nós e um problema para o Theodoros resolver. Vou até minha mesa e tiro algumas coisas de cima dela, deixando meu livro em um canto seguro.
— Ainda assim, estamos no mesmo andar, e minha sala é muito apertada para nós dois.
— É, eu sei — encaro-o quando admite. — Tudo bem. — Fica sério e fixa seus olhos azuis nos meus. — Já estou acostumado, Wilka Maria, sou grande, fico apertado na maioria dos lugares.
Ah, puta merda!
Fecho os olhos e tento expulsar da mente a imagem que insiste em aparecer sem parar, mas não consigo! Tudo o que vejo é Konstantinos Karamanlis nu e me provando que realmente é muito grande.
Termino de ler a peça feita por um dos advogados do contencioso para uma ação de reintegração de posse de um dos prédios cuja Karamanlis é dona e que foi invadido há pouco tempo por um desses movimentos sem-teto. Essa é a parte mais chata do trabalho, cuidar desses elefantes brancos adquiridos na gestão de Nikkós, que ficaram sucateados, pois ele mesmo desistiu dos empreendimentos. São verdadeiras carcaças, sem água, sem luz e sem acabamento, abandonadas pela cidade em áreas que não compensam o investimento – mais uma das merdas feitas pelo idiota do meu pai – e que só geram prejuízo e dor de cabeça.
Para piorar, somos depositários de outros desses – a maioria em litígio ou inventário – em áreas nobres da cidade e que passam pelo mesmo problema de invasão. Prédios praticamente prontos, mas abandonados, cujos donos faleceram e os herdeiros não chegaram em consenso sobre a partilha, e a Karamanlis foi indicada como guardiã do bem até o final do litígio. Uma verdadeira merda!
Levanto os olhos e vejo Wilka concentrada lendo algo na tela do computador enquanto rói um tipo de barra de proteínas. Rio disso, pois, nesses dias em que estamos dividindo a sala, percebi que ela não come, ela rói! Vai tirando pedaços mínimos – seja dessa barra proteica ou mesmo de chocolate –, o que faz com que fique muito tempo com aquilo na boca.
Já tive ereções lhe assistindo comer chocolate, admito. Ela colocava uma ponta do doce na boca e deixava derreter, então lambia os lábios. Porra, nunca passei por um negócio tão sensual, só ficava imaginando-a cobrindo meu pau de chocolate e o degustando da mesma forma.
O olhar dela de repente encontra o meu – talvez tenha sentido que eu a estava observando –, e ela arruma a postura e tira a barra da boca, deixando-a de lado.
Ergo a sobrancelha, e ela pigarreia.
— Está à toa aí? — pergunta. — Tenho páginas e páginas de documentação dos locais que nos deram retorno positivo; se quiser, posso dividir com você.
— Ah, que boazinha, dividindo diversão! — Sorrio sarcástico. — Não, obrigado.
Ela cruza os braços, e meus olhos são atraídos para o volume de seus seios. Desvio-os rapidamente para que ela não perceba.
— Ué, o propósito de você ter imposto sua presença aqui na minha sala não foi participar de todas as etapas dessa conta? — Ela me olha com um meio sorriso, e eu fico duro.
Preciso admitir que me mudar para a sala dela não foi a coisa mais inteligente que fiz. É certo que resolvemos muitas questões relacionadas a Ethernium, mas a proximidade física tem fodido com minha libido, deixando-a nas alturas.
Eu só não estou perdendo a cabeça ainda porque reconheço que um jogo inteligente é um bem pensado e feito com calma. Desde que entreguei os pontos e admiti para mim mesmo que, mesmo ela sendo alguém do meu convívio profissional, eu precisava fodê-la, tenho ido devagar para quebrar o gelo com a irritadinha.
Não tem sido fácil! Do mesmo jeito que Caprica e Portnoy se provocam de maneira natural, nós dois, de verdade, discutimos com a mesma naturalidade. É incrível como não percebi antes que ela e a Cabritinha eram a mesma pessoa!
Tenho falado com Caprica todas as noites – o que tem salvado meu saco de ficar preto e cair de tanto tesão acumulado – e, quando leio as mensagens dela, posso ouvir sua voz e reconhecer que ela escreve do mesmo jeito que fala.
Tenho observado como Wilka é com a equipe e visto o porquê de tantas pessoas dentro desta empresa gostarem dela. A mulher não esquece nada! Se um colega de trabalho comenta que está com dor de dente, dias depois ela ainda pergunta se ele já foi ao dentista; se alguém comenta algo do filho, podem se passar dias, mas a pimentinha lembra e indaga. Ela aproxima as pessoas e lhes dá atenção, mesmo em meio a todas as horas que se mantém trabalhando.
Não sei se isso é algo inerente ou se ela criou esse hábito para fazer essa imagem de mulher de negócios, mas afetuosa. A estratégia é inteligente, pois a equipe se mata para cumprir as coisas que ela pede, e nunca, até o momento, a vi falando mais incisivamente com nenhum deles.
A pimentinha guarda sua língua afiada para mim!
— E você ressaltou várias vezes que não precisa que eu me meta em todos os assuntos dos hunters — volto ao assunto e aponto para o computador dela. — Esse, a meu ver, é um assunto da sua gerência.
Ela se surpreende com minha resposta.
— Ora, ora... acho que nossa convivência está te fazendo mais inteligente! — Sorri debochada. — Mais algum tempo por aqui e quem sabe você vire uma pessoa de verdade!
Faço minha cara de tédio, que geralmente deixa engraçadinhos sem jeito, e ela gargalha.
O som da risada preenche o ambiente, e eu sou levado à nossa última conversa no chat do Fantasy.
“Pode esquecer, que não vou comprar isso dessa vez!”
Escrevi categórico quando ela me mandou a foto de um estimulador de próstata. Achei estranha a foto, pensei que ela queria que eu comprasse um vibrador para que usasse em si mesma, mas, quando pesquisei, engasguei-me e cuspi meu caro e macio bourbon, negando em seguida a possibilidade de enfiar algo vibrando no meu rabo para saber se o gozo era mais intenso.
Foi nesse momento que ela enviou um “KKKKKKKK”, e eu pude ouvir, nitidamente, a mesma risada que escuto quando ela está com os amigos ou como a que emitiu agora.
“Está com medo de gostar muito, Portnoy? Não tem problema, isso não afeta sua masculinidade!”
Fiz uma careta, mas ri, imaginando sua expressão debochada e sua gargalhada alta ecoando pelo apartamento.
“Talvez possamos conversar melhor sobre isso quando você se dignar a me conhecer pessoalmente!”
Dei a cartada final, achando que, mais uma vez, ela iria correr, mas conseguiu me surpreender.
“Se prepara, então, estou pensando seriamente em fazer isso!”
Fiquei olhando para o celular sem entender aquilo, afinal, estávamos havia mais de um ano conversando, e ela nunca dera sequer esperanças de um encontro! Por que justamente agora?
“Oi? Não gostou da novidade?”
Não fazia ideia de como responder. Isso era tudo o que eu queria desde quando nos encontramos no aplicativo, mas agora, depois de descobrir quem ela realmente é, não sinto nenhuma vontade mais de ser outra pessoa. Voltei a ser o Portnoy para entender um pouco mais dela, pois, como Kostas, não temos nenhuma intimidade. No entanto, não tenho intenção de me encontrar com ela fingindo ser outra pessoa.
“Não sei se posso confiar nisso! Espero esse encontro há mais de um ano. Por que agora?”
Arrisquei a pergunta, mas ela desviou o assunto dizendo como gostaria de me encontrar, e acabamos em mais uma fantasia que terminou em gozo e uma satisfação questionável, pois a ideia de ela querer ver Portnoy não saía da minha cabeça.
Volto à realidade do escritório ao vê-la sair da sala, passando em frente à mesa que mandei instalar na segunda-feira de manhã. Foi uma delícia vê-la sem saber o que fazer, provocá-la por causa de seu atraso e deixar mais umas frases de duplo sentido no ar.
Eu sei que Wilka Maria sente o mesmo caralho de atração que sinto. Contudo, é muito mais controlada do que eu. Ela citou uma vez um tal Kaká, então presumo que possa buscar alívio nesse pau amigo, mesmo sendo eu a despertar seu tesão, e, por isso, não está tão necessitada quanto eu.
Bem, isso não é de todo verdade, pois tenho ainda contratado uma ou outra prostituta, senão a coisa estaria bem pior, e eu já a teria agarrado, deitado em cima dessa mesa e trepado com ela até perder a razão.
Wilka Maria volta com duas xícaras de café nas mãos, para em frente à minha mesa, deixa uma e segue para a sua própria. Olho para a bebida fumegante, o cheiro maravilhoso invadindo o ambiente, e franzo a testa.
— Pode beber sem medo. É café, não cicuta — informa, bebericando em sua xícara, com sua sobrancelha debochada erguida e um leve sorriso aberto.
Puxo a xícara para mais perto, mas ainda não a pego.
— Cuspiu dentro? — brinco, e ela quase se engasga.
— Como você é desconfiado! Ninguém nunca fez uma gentileza para você, não?
Rio.
— Algo me diz que não foi uma gentileza.
Ela dá de ombros.
— Não foi, é verdade. Foi mais um ato de proteção, afinal você estava aí sentado com uma cara de cachorro que caiu da mudança, resmungando igual ao Muttley — ela me encara —, o cachorro do Dick Vigarista, conhece? — Rolo os olhos e assinto. — Então pensei que um café bem forte poderia curar qualquer que fosse essa coisa que estava acontecendo contigo.
Pego a xícara e experimento a bebida, comprovando que não tem nada estranho mesmo com ela.
— Que atencioso! — debocho.
— Eu sou atenciosa. — Abre um enorme sorriso. — Com quem merece, claro! Mas, no seu caso, foi somente por proteção mesmo. Não preciso de um advogado do seu tamanho andando mal-humorado pelo meu setor.
Bebo de novo e balanço a cabeça.
— Você é mesmo uma pimenta, Wilka Maria! — penso em voz alta.
Ela para de beber e fica um tempo estática, olhando-me assustada, e eu tento lembrar se Portnoy já a chamou assim. Sinceramente, não lembro, então não faço ideia do motivo que a deixou assim.
— Espero que isso não seja uma ofensa — ela diz, e eu resolvo aproveitar o gancho.
— Não, pode ter certeza de que é um grande elogio. Eu adoro pimenta!
Pisco e volto a mexer na peça que estava olhando antes. Escuto-a soltando o ar devagar, meu corpo inteiro treme como se a respiração dela tocasse minha pele, sensual, carregada da eletricidade que sinto quando estamos próximos.
Preciso admitir, mesmo sendo um tanto inconveniente, é muito interessante estar vivenciando algo tão diferente de tudo o que já fiz. Com uma garota de programa ou uma desconhecida não há tempo para isso, é algo quase mecânico; aqui com ela, não.
É nitroglicerina pura, e eu não vejo a hora de poder explodir tudo!
Depois do almoço tive uma rápida reunião com o pessoal do Millos, por quem fiquei encarregado, por isso não encontrei mais Wilka Maria na parte da tarde. Retornei à minha própria sala, chamei os coordenadores para conversar sobre alguns dos processos que mexemos nesta semana em que estou entocado na gerência de hunter e, quando anoiteceu, voltei para a sala que divido com ela.
Claro que a baixinha viciada em trabalho ainda estava à sua mesa, fazendo anotações em um caderno ao lado do teclado do computador, compenetrada em suas análises, a ponto de só erguer o olhar para confirmar que era eu por míseros segundos.
— Amanhã vou ajudar com a documentação que chegou — informei-a, e ela apenas assentiu. — Não é a parte que me cabe, mas parece que você não vai dar conta.
— Vai para o inferno, Kostas — ela disse sem me olhar, e eu ri, gostando de ela não ter dito o “doutor” antes do meu apelido. — Veio para cá para isso, mas, se acha que vou ficar implorando ajuda, está muito enganado. Claro que dou conta!
— Imagino que sim! — Apoiei-me na beirada de sua mesa, e isso fez com que eu tivesse sua atenção. — Quantas páginas analisou hoje? — Não respondeu, apenas deu de ombros. — Já passa das 22h. Pretende ficar aí até quando?
Ela franziu a testa, uma coisa que percebo que faz muito, e se dignou a me olhar.
— Preocupado com meu bem-estar, doutor?
— Não, pelo sarcasmo na sua pergunta, sei que está ótima! — Ri, e ela me acompanhou. — Dividi melhor meus trabalhos com os outros advogados para poder me dedicar mais a essa nossa missão conjunta. Não quero que, depois de conseguirmos fechar a conta, você fique por aí se gabando de que fez tudo sozinha.
Wilka salvou o documento, desligou o computador e pegou seu caderno, colocando-o em sua bolsa.
— Está achando que eu sou você? — provocou-me.
Olhei para o livro que ela tirou da bolsa para acomodar melhor as outras coisas, peguei-o e o folheei um pouco.
— Uma leitura interessante, porém, popular demais — analisei, e ela o tomou de minha mão sem a menor cerimônia. — Não sou eu quem diz isso, mas a crítica no geral.
— Foda-se a crítica! — Gargalhei. — Eu entendo que toda arte tem seus entendidos, mas isso não significa que o que eles dizem seja verdade absoluta. Tudo o que faz muito sucesso, eles rotulam como “popular” ou “para o público em geral”, como se isso fosse ruim.
Levantei as mãos.
— Calma! Não sabia que estava lidando com uma fã. — Ela bufou. — Eu nunca li nada dele, mas cheguei a comprar os primeiros volumes.
Bingo! Quase aplaudi a mim mesmo ao ver a perplexidade em seu rosto. É claro que eu sabia que ela era fã do Gray, afinal, já me disse isso no aplicativo e ainda ficou puta quando fingi confundir o autor com o personagem de um romance, ressaltando que o outro era Grey.
Questionei-me como não pensei nisso antes. O melhor jeito de puxar um assunto era falando sobre livros. Eu conheço o gosto dela, sei o que gosta de ler, embora sejamos diferentes.
— Deveria ler e tirar suas próprias conclusões, então.
Ah, perfeição!
— Quando tiver tempo, quem sabe. Mas você poderia tentar me convencer também. — Apontei para sua bolsa. — Depois que terminar a trilogia, diga se vale a pena; senão, nem começo.
— Combinado, então. — Saí de onde estava para ela passar, mas vi um sorriso aparecer em seu rosto. — Boa noite, doutor.
— Boa noite, Wilka Maria.
Fiquei muito satisfeito com essa conversa, confesso. Senti uma boa camada do gelo entre nós derreter, e isso é algo bom.
Agora, quase à meia-noite, ainda estou na empresa e decido abrir o e-mail corporativo antes de ir para casa.
— Puta que pariu! — solto um berro com o xingamento.
CONTINUA
Não é a primeira vez que fantasio com essa mulher, nem que noto que, mesmo compacta, ela é gostosa. Porém, nunca mexeu comigo desse jeito. Essa mistura de raiva, de querer fodê-la até apagar toda e qualquer superioridade que sente em relação a mim, é intensa demais.
Talvez seja tão somente pelo fato de ela pensar em uma trepada comigo como algo ruim, inimaginável, que eu esteja me sentindo dessa forma, pois seria quase uma punição tê-la sob meu domínio, refém de um desejo que não suporta ter, mas que é inevitável sentir.
De repente seu rosto fica levemente corado, e ela desvia o olhar para Theodoros. Fecho os olhos e busco controle, afinal estamos na sala lotada de uma reunião, embora, há poucos momentos, sentisse que estava a sós com ela e que o ar vibrava ao nosso redor.
Que porra é essa, Konstantinos?
— Kostas? — Alexios me chama, e assinto.
— Ontem tivemos uma reunião interna no jurídico para tratar da Ethernium. Eu entendo a importância de se conseguir esse cliente e, por isso mesmo, sei que os entraves que encontramos da primeira vez não poderão se repetir.
— Nisso concordamos — Theodoros diz. — Nenhuma outra empresa conseguiu o local que eles tanto queriam. Conversei ontem com um dos grandes clientes da Ethernium, que já é nosso cliente, e eles explicaram a importância de se ter a siderúrgica aqui.
— Sabemos disso, Theo, mas o que minha equipe e eu queremos saber é: como? Porque a legislação não mudou, que eu saiba, e, por mais que façamos projetos, demos andamentos às questões administrativas, ainda esbarramos nos entraves legais ambientais e de planejamento urbano.
Abro um sorriso para Alexios depois que ele termina de falar e exponho minha ideia:
— Houve mudanças, sim, e algumas muito benéficas, além do mais, o cliente está aberto a novos estados, já tirou a fixação que tinha em São Paulo. — Alexios parece satisfeito com isso. — Precisamos buscar o local que mais se adeque ao que ele quer e fazer contatos com todas as autoridades locais.
— Acho que dessa vez — Wilka Maria toma a palavra — podemos ter um foco mais amplo também. Eu me lembro de quando eles nos procuraram pela primeira vez e como nos focamos em encontrar lugares próximos ao mar, o que por si só já é complicado por causa das leis de proteção e restringiu bastante nosso campo, pois São Paulo não tem um litoral grande.
— Eu ainda pretendo terminar de expor minhas...
— O que você pensou, senhorita Reinol? — Theo me interrompe, e eu bufo audivelmente, atraindo a atenção dele e de Alexios.
Wilka Maria abre a pasta com documentos que minha equipe preparou e, sem olhar para qualquer um de nós, aparentemente lendo as informações contidas lá, começa a explicar:
— Vamos inverter nosso trabalho. — Arregalo os olhos, sem entender. — Nós temos, por política, procurar os imóveis, não é? Mas e se, dessa vez, ao invés de procurarmos, anunciarmos a procura?
Rio da loucura dela.
— Viramos o quê? Apenas uma imobiliária? — Os engenheiros riem junto a mim. — Vamos colar panfletos na porta da Karamanlis esperando alguém nos procurar com o local perfeito?
Ela sorri lentamente, olha para o Theodoros e depois volta a me encarar.
— Não, doutor, vamos anunciar aos governos, mandar tudo o que a empresa oferecerá em termos de empregabilidade, impostos, compensações ambientais e tudo o mais que está aqui listado. Vamos jogar a isca.
Aperto meus olhos, entendendo o que ela quer e admitindo ser um bom plano, afinal eu mesmo já pensei nisso, mas não como estratégia inicial e sim para barganhar.
— Mas o cliente quer comprar a área, não ter algum tipo de concessão — Alexios emenda.
— Com números como esse? — Aponto para o relatório na mão dele. — Tenho certeza de que qualquer município, devidamente pressionado por seu governador, cederá a área em uma doação onerosa, exigindo mundos e fundos, mas que não chegará à metade do valor que o cliente pagaria.
— Então o que a Karamanlis ganha com isso se partilhamos porcentagem do valor final do terreno? — Theodoros pergunta.
— Continuaremos a partilhar, além dos outros serviços que ele já nos contratou para fazer. — Wilka Maria me encara. — E como disse o doutor Konstantinos, ainda assim será um bom negócio para eles.
Franzo a testa por ela ter dito meu nome sem deboche, fúria ou desprezo. Sim, acabamos de trabalhar em equipe, ela e eu, defendendo a mesma ideia, o que nunca aconteceu desde que ela ficou à frente dos hunters, quando substituiu a antiga gerente que estava de férias.
É realmente uma ótima ideia – embora eu deva ressaltar que já tinha falado sobre isso na reunião ontem – fazer dessa forma. Teremos um cliente satisfeitíssimo e mais conexão com os políticos deste país – não que eu queira muito isso, mas, infelizmente, é necessário.
— É uma estratégia excelente, reconheço — Theo diz antes de olhar para um dos seus brinquedos de pulso. — Tenho certeza de que posso deixar essa empreitada com vocês dois sem que se matem, não é?
— O quê?! — Viro-me para ele, totalmente pego de surpresa, afinal, a ideia era eu liderar isso.
— Doutor Theodoros, tenho certeza de que a equipe de hunters pode... — ela começa a justificar, e percebo que também não ficou satisfeita com isso.
— Não. — Theodoros se levanta. — Eu tenho uma conferência agora, mas acho que falamos tudo o que seria necessário neste momento. Vocês dois ficarão responsáveis por traçar todos os passos desse projeto, e eu vou cobrar aos dois igualmente. — Ele me encara. — Penso que, depois de tudo o que aconteceu no final do ano passado, posso esperar um comportamento mais profissional de vocês dois.
— Eu não concor...
— Já terminamos por aqui — Alexios interrompe. — Minha equipe e eu vamos voltar, porque estamos cheios de projetos e planilhas a finalizar. — Ele se despede de Wilka, parabenizando-a pela ideia. — Aguardaremos memorandos.
Acompanho a saída dos engenheiros e faço sinal para que Murilo e os outros dois advogados os sigam. Eles se despedem, mas, antes de sair, Eleonora cumprimenta Wilka, amigável e orgulhosa:
— Que bom que voltou! A empresa é outra sem você.
— Obrigada, Lê!
Lê?! Mas de onde saiu esse apelido e essa intimidade com um dos meus? Não gosto nada de saber que as duas são amigas, mas era de se esperar, clube da Luluzinha, mulheres unidas formando corporativismo feminista dentro da empresa. Ainda depois se fazem de vítimas!
— Bem, bem... — Theodoros volta a falar — já que estamos sozinhos, não preciso mais usar meias palavras. Parem. Com. A. Porra. Da. Infantilidade! — Olho-o puto, e Wilka fica boquiaberta. — Não vou ficar lidando com vocês como se fosse babá, então comportem-se como os profissionais que são.
— Doutor, eu jamais...
— Você também não é santa, Wilka Maria, embora eu não possa condená-la por falar umas merdas a quem merece. — Abro um sorriso para debochar da gerente – que parece enfezada, porém, não diz nada – e não percebo que a “artilharia” de Theodoros virou para o meu lado. — E você pode ser um bom e organizado advogado, mas enfie um pouco de sua arrogância pelo rabo e considere opiniões alheias. A partir de hoje, vocês dois estão juntos nesse projeto.
— Mas ainda continuo sendo o chefe, afinal, sou superior...
— Não — meu irmão me interrompe. — Juntos, iguais, os dois vão dividir tarefas com suas equipes, traçar cronogramas, estratégias e tudo o mais. Os dois juntos, nenhum pode decidir nada sem o outro.
Wilka Maria abre um enorme sorriso, e seus olhos brilham ao me encarar. Vejo neles o desafio, a provocação, a vitória. Não posso deixar que ela saia por cima, nem pensar.
— Isso é totalmente absurdo, Theodoros! Ela é uma gerente de locação! O que ela sabe além de se um lugar presta ou não? Além disso, não vou me rebaixar a receber ordens de uma...
— É um babaca mesmo! — escuto-a falar, rolando os olhos.
— Viu? Como você acha que eu posso trabalhar com uma pessoa sem o mínimo de respeito com um superior dessa forma?
Theo começa a rir.
— Você acha que está onde? No serviço militar? — Ele pega sua pasta. — Senhorita Reinol, sei que, durante sua negociação – pela qual devo parabenizá-la pelo pulso firme –, ficamos entendidos que você poderia mandá-lo à merda sempre que necessário, porém, eu peço que gaste esse privilégio com moderação.
Franzo o cenho, olho para ela e depois para o insuportável do meu irmão.
— Que loucura é essa de que estão falando?
Theo dá de ombros e para antes de sair da sala.
— Bom, visto que a volta dela deveria ter sido uma incumbência sua, coisa que você não conseguiu fazer, vou deixar que conversem sobre como vão fazer para desenvolver o projeto, mas, antes — ele respira fundo —, só um aviso: essa é um conta muito importante para a Karamanlis; se um dos dois der bobeira nela, tenham certeza de que será rua e pedido de afastamento ao Conselho.
Eu fico sério, minha língua coça para jogar em sua cara que quem terá que se esclarecer com o Conselho não sou eu, mas engulo minha raiva e lhe assisto sair da sala, deixando-me a sós com a irritante gerente.
— Eu sei que não temos como fingir que gostamos um do outro, mas acredito que, como profissionais que somos...
— Foda-se essa conversa! — falo alto e me apoio na mesa. — Que porra é essa de privilégio de me mandar à merda? Quem você pensa que é?
A princípio Wilka parece se assustar com minha expressão, mas depois vejo seu rosto endurecer. Ela levanta o queixo, empina o nariz e me encara sem nenhum vestígio de medo ou respeito.
— Eu sou alguém que vocês queriam muito de volta ao trabalho. — Respira fundo. — Eu sou aquela que acabou de dar uma puta de uma ideia e receber reconhecimento do CEO a ponto de ser igualada a um diretor. — Ela imita minha posição, colocando as mãos sobre a mesa e se inclinando em minha direção. — Vocês demonstraram desespero, me provaram o quanto sou importante para essa empresa, o quanto sou útil para os propósitos da Karamanlis, então tiveram que dançar na minha cartilha. — Wilka sorri, e eu fico tenso. — Ganhei um bônus, muito bom, obrigada; tenho o consentimento expresso de que minha gerência permanecerá onde está; e ainda ganhei o privilégio de mandá-lo para onde eu quiser, caso interfira no meu trabalho. Viu só, doutor, quem eu sou? Consegui tudo o que negociei: grana; conforto no meu trabalho ao saber que não serei movida de um lugar para outro; e o mais gostoso... — ela se apruma — te mostrar quem eu sou. Vocês precisam de mim; eu não precisava ter voltado. Nesses poucos dias, tive muitas propostas, mas escolhi voltar porque vocês precisam de mim. Então espero realmente que possamos nos comportar civilizadamente para trabalhar em paz, porque eu posso até economizar meu privilégio, mas não vou deixar de usá-lo quando sentir que você precisa.
Assisto-lhe sair da sala ainda sem me mover. Meus braços estão tremendo, quase dormentes, pois soltei todo meu peso sobre eles. Minhas mãos, espalmadas na madeira de lei do tampo da mesa, estão esbranquiçadas. Não consigo ordenar os pensamentos, e não é por conta da audácia dela ao falar assim comigo, mas apenas pelo discurso que acabei de ouvir.
Eu conheço esse maldito discurso!
Eu não posso acreditar nisso!
Ando de um lado para o outro dentro do apartamento, sentindo-me enjaulado, enganado, feito de palhaço. Isso faz com que eu sinta a raiva sair por todos os poros junto ao suor que molha minha pele.
Só pode ter sido uma brincadeira proposital, afinal, quais eram as chances de eu entrar em uma plataforma de encontros sexuais e encontrar uma mulher que veio depois a ser a que mais me tira do sério neste mundo? Justo ela!
Caminho até o aparador e sirvo mais uma dose generosa de bourbon, bebendo-a praticamente no primeiro gole.
Passei um dia de cão dentro da Karamanlis hoje, sem conseguir me concentrar direito em mais nada desde a reunião da manhã. Minha cabeça fervilhava com a possibilidade de eu estar certo, mesmo negando a todo momento, dizendo que estava vendo chifre em cabeça de cavalo. Quais as chances?!
Fechei todas as persianas da minha sala na empresa, sentei-me na cadeira, acendi um charuto e bebi doses quase homeopáticas de bourbon ainda com o discurso de Wilka Maria e a semelhança do que eu mesmo fiz para a Caprica.
Caprica! Eu sempre achei horrível esse nickname, e ela dizia que era seu signo, por isso peguei o telefone e pedi para falar com o setor de recursos humanos.
— Pois não, doutor? — um dos funcionários de lá me atendeu.
— Preciso dos dados da gerente de hunter na minha tela nesse momento — pedi e logo desliguei.
Não demorou muito, e a notificação da liberação do arquivo chegou em minha área de acesso, e eu abri a pasta de Wilka Maria Reinol. Fui direto até sua data de nascimento e descobri que ela fará aniversário daqui uma semana. Como não entendo nada de horóscopo, precisei pesquisar se o dia era mesmo o do signo, e, quando confirmei, deitei a cabeça em cima da mesa, amaldiçoando-me.
Não tenho mais dúvidas!
Fiquei repassando um ano de conversas e sacanagens e tentando ver algum indício que eu tenha deixado passar. Naquele momento, sabendo quem ela era, eu achava a conversa sobre sua demissão e a negociação óbvias demais, porém, como ela podia trabalhar em qualquer empresa, nunca me veio a obviedade de que se tratava dela e, o pior, que eu tenha dado conselhos a ela contra mim mesmo.
Gargalhei sozinho no escritório ao constatar isso e desisti de beber devagar, virei o conteúdo que ainda tinha no copo e o enchi novamente.
Eu a aconselhei a não baixar a cabeça para o “sócio boçal”, a mostrar para ele a importância que ela tinha para a empresa, e foi exatamente isso que ela fez naquela reunião.
— Eu vou enlouquecer! — bufei de raiva.
Como trabalhar com ela agora? Como vou conseguir manter minha fantasia, a deusa do sexo que me enlouquecia online, se agora sei que ela e a baixinha marrenta da gerente são a mesma pessoa? Acabou o tesão!, pensei movido pela raiva, mas de repente parei assustado ao perceber que não, pelo contrário. Cada vez que eu me lembrava de como ela se impusera a mim, de como fora inteligente dando uma solução muito prática e funcional, mesmo provocando-me, mais eu me sentia excitado. Acontecera bem antes de eu descobrir seu codinome, eu sentira tesão pela gerente antes mesmo de saber que ela era a Caprica.
Comecei a andar de um lado para o outro, fumando feito um desesperado, tentando ordenar meus pensamentos. Uma mistura de sensações perpassava meu corpo: raiva, desejo, incredulidade e ansiedade. Vi minha fantasia ruir e se materializar ao mesmo tempo, e isso era algo espantoso.
Respirei fundo e, como sempre fiz em toda minha vida adulta, tentei racionalizar as coisas.
— Esse contato online precisa acabar antes que ela descubra que eu sou o Portnoy. — Resolução número um tomada, comecei a me sentir melhor. — Preciso me manter bem longe dela a partir de agora, até controlar essa porra de tesão. — Abri um sorriso de contentamento, sentindo-me novamente tomando as rédeas da situação. — Eu não fodo com mulheres conhecidas, principalmente uma que trabalha na minha empresa, então Wilka Maria não é uma possibilidade de trepada.
Gemi ao olhar para a frente da calça, notando meu pau duro apenas por pensar em trepar com ela.
— Puta que pariu!
— Doutor? — Murilo me chamou à porta da sala, e eu tive que virar de costas para ele, apagando meu charuto no cinzeiro, antes de responder:
— O que foi?
O advogado entrou na sala um tanto ressabiado, percebendo que eu não estava no meu melhor dia. Dei a volta, sentei-me e fechei a pasta virtual com os dados da gerente antes que ele se aproximasse.
— Eleonora terminou de transcrever a ata da reunião e fez também um cronograma provisório para que possamos organizar os trabalhos. — Ele me entregou os papéis. — A ideia inicial era trabalhar separados dos hunters; agora, com a mudança, ela fez uns ajustes, principalmente nas viagens para as visitas a locais.
Conferi a planilha que a advogada fez e concordei com todos os pontos nela, gostando de como ela dividiu as tarefas entre os três setores envolvidos: jurídico, projetos e hunter.
— Pode replicar para os outros setores e peça ao gerente de projetos da K-Eng que agilize o memorial para que possamos começar a sondar os políticos.
— Vamos descartar São Paulo ou ainda tentaremos algo aqui? — Murilo questionou.
— Não vamos descartar nada! — O advogado assentiu, e eu liguei para a mesa do David. — Como não posso abrir mão de você nos processos contenciosos que temos, vou encarregar o David de tratar com a gerente dos hunters.
Murilo enrugou a testa, sem entender.
— Pensamos que vocês dois iriam encabeçar...
— Não posso deixar meus outros trabalhos de lado, para isso tenho meus coordenadores. — David entrou na sala. — A partir de amanhã, você e sua equipe darão prioridade total ao projeto da Ethernium.
— Sim, doutor.
Conversei por mais alguns momentos com os dois e, quando saíram da sala, respirei aliviado por ter conseguido cumprir uma das minhas resoluções: ficar longe de Wilka Maria.
Depois disso, já me sentindo melhor, tentei focar no trabalho, mesmo demorando horas para fazer o que resolveria em minutos, e só vi que já passava das 21h quando entrou um dos funcionários da limpeza e começou a aspirar o chão da sala dos advogados. Fechei o computador, peguei alguns arquivos para analisar em casa, achando que ia conseguir trabalhar mais, e saí para o corredor a tempo de ver a gerente caminhando em direção ao elevador.
Parei.
Esperei.
E só quando ouvi o som das portas do elevador se fecharem, é que descongelei do lugar. Mas que porra! Eu não posso agir como um rato a cada vez que cruze com essa mulher! Não tenho medo dela, porra, tenho... – gemi – tesão puro e dolorido; grande e grosso tesão na maldita gerente.
É por isso que cheguei a casa assim, do jeito que estou, urrando como um bicho, puto como há muito não me lembro de ficar, querendo extravasar toda essa frustração e raiva em sexo até perder a consciência, mas sem fazer nada para conseguir isso, apenas andando de um lado para o outro.
Olho para meu celular, tentado a procurar a mulher que pode aliviar meu estado, amaldiçoando o vício que tenho nela.
Pego o aparelho, entro nas configurações da conta do aplicativo e toco em “cancelar conta”. Basta só um “ok” para que Portnoy deixe de existir e nunca mais saiba nada da Caprica. Há meses não temos atividades na plataforma, só usamos o chat privado para nos comunicar, então, querendo cortar contato com ela, é só cancelar a maldita conta.
— Merda! — xingo ao abrir o chat a fim de falar com ela uma última vez antes de cancelar. A ideia é puxar um assunto de sacanagem, gozar pela última vez e sair. Porém, minha racionalidade não está vencendo o jogo, e a frustração fala mais alto:
“Boa noite. Como foi o trabalho hoje? Alguma novidade?”
Ela não demora a responder, porém, um tanto evasiva, o que me deixa apreensivo. Será que ela já sabe que sou eu?
“Dia normal de trabalho. Correria, correria, correria. Rs. E vc?”
Não, ela não tem como saber! Preciso que ela fale da reunião, preciso da confirmação da Caprica, preciso ler aqui para me convencer de que não estou ficando louco e que as duas são a mesma pessoa. Continuo a falar de trabalho:
“Um dia fodido! Muitas reuniões, muitas coisas para resolver. Por isso estou sem gás para sacanagem hoje, mandei mensagem só para saber de você e desejar boa noite.”
Merda! Nunca fui assim, ela vai desconfiar!
Caprica não digita nada, e eu fico tenso. Ou ela sabe, ou... será que saiu da empresa e foi se encontrar com alguém? Eu nunca soube nada da vida da gerente – nunca me interessou, na verdade –, e talvez ela seja até casada! Tento me lembrar da ficha, mas só li a porra da data de nascimento, não seu estado civil. Arrisco perguntar:
“Estou atrapalhando algo?”
E ela é rápida ao responder:
“O que você estaria atrapalhando?”
Caralho! Hoje, por incrível que pareça, a tagarela Caprica não está facilitando em nada minha vida. Digito com raiva.
“Um encontro, por exemplo.”
“Está tranquilo, Kaká não tem ciúmes!”
Kaká? Mas quem porra é Kaká? Será que Wilka Maria é bissexual e, no momento, está em um relacionamento com outra mulher, mas fica à caça de homens?
“Kaká? Isso é apelido de homem ou de mulher?”
“Faz diferença para você?”
Porra, claro que faz! Eu quero saber se, enquanto eu fico aqui esfolando meu pau para ela, outro homem se refastela da sua boceta. Respiro fundo e tento me acalmar. Estou com raiva, puto de verdade, e sei que ela não é burra, então decido ir por um caminho de brincadeira.
“Depende! Se você for mulher, nenhuma. Mas, se for homem...”
“Sou mulher, pode acreditar. Tenho um chefe boçal que reforça isso a cada vez que quer questionar minha capacidade profissional, como se eu fosse menos eficiente apenas por ter uma vagina.”
Opa! Ela tocou bem no ponto que eu quero, então, é hora de aproveitar.
“Hum, é o mesmo que te fez ser mandada embora do emprego?”
Ela vai morder essa isca de provocação, vai fazer questão de dizer que foi ela quem pediu demissão e então começará a falar do chefe “misógino” dela.
“É, sim, o mesmo que fez com que eu pedisse demissão. Hoje tivemos uma reunião, e o CEO da empresa gostou de uma proposta que fiz e nos colocou para trabalhar juntos, e ele, como sempre, discutiu por não querer.”
Minha última esperança – ridícula diante das evidências, mas, ainda assim, esperança – se desfaz. Não tenho mais nenhuma reação, tudo o que eu quero é tacar a porra do celular na parede e amaldiçoar essa porra de mundo pequeno.
“Hum.”
“Hum? Espero que você não ache a mesma coisa, porque, senão, vou ser obrigada a te tratar como trato aquele advogado misógino! Hoje não deixei dúvidas para ele de quem eu sou!”
É, ela não pode estar mais certa!
“É, aposto que não. Eu preciso ir.”
Saio do chat imediatamente, volto às configurações da conta e a cancelo, enterrando para sempre Portnoy e sua Caprica antes que uma merda aconteça e eu ainda tenha que lidar com a insuportável gerente fazendo graça com isso.
Acabou!
Não há nada mais gostoso do que ver Konstantinos Karamanlis sem palavras! A expressão em seu rosto foi de total assombro enquanto eu o colocava no lugar que merecia. Homem soberbo, irritante e...
Mas o que foi aquilo há pouco?, penso enquanto desço para o meu andar – usando as escadas, pois é a forma que encontrei de fazer um pouco de exercício –, estranhando ter sentido algo diferente, além da raiva tão conhecida que sempre me acomete em nossos embates.
Não sei se foi impressão minha, mas tinha um clima estranho entre nós. Eu vi na expressão dele que não era só irritação, era algo mais...cru? Não, essa não é uma boa expressão, era algo mais carnal. Definitivamente carnal!
Rio nervosa antes de acessar meu andar e seguir para a gerência.
Kostas e eu em clima de tesão? Eu devia ter tomado melhor meu café da manhã e não ter saído apenas com café preto no estômago. Viu só, Kika, o frappuccino é calórico, mas não te causa ilusões! Imagina! Clima de tensão sexual – o que já seria um milagre em se tratando de mim – com o Kostas!
O Bos-tas!
— Como foi, Kika? — Leo me pergunta assim que entro na sala.
— Bem, foi bem, mas preciso comer algo, acho que não estou muito normal.
O homem arregala os olhos.
— Precisa que chame o pessoal da enfermaria? — Nego. — Quer um remédio? Um chocolate?
Gargalho, e ele dá um passo atrás, receoso. Leo é uma figura! Ele é um dos poucos homens a trabalhar aqui na gerência e, como é bem esperto, faz um estoque de ibuprofeno e chocolates – cólicas e TPM, respectivamente – e o mantém sempre à mão para lidar com o séquito de mulheres que o cerca.
— Um chocolate cairia bem agora — peço antes de me sentar à mesa. — Mas não demore, quero contar para você como foi e qual será nosso próximo passo.
Ele relaxa.
— Gostei disso! — Levanta uma sobrancelha. — Sabe que meus chocolates são para fins medicinais, não? — Aperta os olhos. — Estou te achando muito feliz para quem está com TPM.
— Eu não estou, mas quero o doce. — Sorrio. — Se você me negar o chocolate agora, garanto a você, vai preferir me ver com TPM. Eu sou um dragão quando estou com hipoglicemia.
Leo ri e vai até a sala contígua buscar o chocolate. Enquanto isso, mais uma vez meus pensamentos são levados para o que aconteceu naquela reunião. Houve alguma coisa ali, entre nós, eu pude ver nos olhos dele e sentir no meu próprio corpo. É loucura, eu sei, mas aconteceu, não estou maluca.
Trabalhar com Kostas nunca foi meu intento ao sugerir a solução para a questão da Ethernium. Foi uma surpresa a resolução de Theo em colocar nós dois no mesmo projeto e com responsabilidade conjunta, além de tudo. Não posso negar que o CEO foi bem inteligente ao propor isso, afinal me fará ficar de olho em seu irmão detestável, e, ao mesmo tempo, Kostas vai ter que dançar pianinho, pois, se avacalhar o projeto, não poderá pôr a culpa em mim.
Realmente, Theodoros Karamanlis foi sagaz ao fazer isso! Se ele me conhece o mínimo, sabe que não vou descansar até achar um local para o cliente.
O problema, certamente, será como lidar com Kostas, seu gênio terrível e sua beleza inconveniente. O homem é insuportável, fato, mas precisava ser tão gostoso? A natureza podia ter facilitado para o meu lado!
Filho do demo!
Chego a casa às 22h, cansada demais para pensar em passar em qualquer lugar em que possa comer algo, louca para ter um encontro longo e romântico com meu chuveiro antes de me dedicar amorosamente ao meu colchão.
Abro um baita sorriso ao ver a sacolinha pendurada na porta do meu apartamento com um bilhete pregado nela.
“Apostei que ia chegar com fome, espero que goste!
Seu vizinho abelhudo, Vinícius.”
— Ah, que fofo! — Desprendo a sacola e confiro ser uma caixinha, ainda quente, de comida chinesa.
Vinícius tem sido um amor desde que me mudei para o prédio, sempre muito atencioso comigo e com Verinha, suas vizinhas de andar, além de ser pai do menino mais encantador do mundo.
Abro a porta, sou recebida por Kaká pulando e fazendo festa ao me ver – ou talvez para a sacola em minhas mãos, porque o cheiro do frango agridoce está delicioso – e me abaixo para saudar meu companheirinho.
— Ei, sentiu saudades? — Pego-o no colo e coloco a embalagem com a comida no balcão da cozinha. — Recebi uns vídeos seus mais cedo hoje brincando no parque com Ferdinando.
Verinha fez questão de me mandar, junto a muitos emojis gargalhando, os dois cãezinhos de apartamento completamente desajeitados correndo na grama de uma praça aqui perto.
Eu sou muito sortuda mesmo! Uma vizinha ajuda a cuidar do meu bichinho, e o outro, do meu estômago. Definitivamente, penso ao abrir a caixa, já pegando os hashis para comer, sou uma garota de sorte.
— Hum... — Mastigo a comida, deliciando-me. — Kaká, lembre-me de retribuir a gentileza ao Vinícius e, por favor, não morda mais a perna da calça dele, ok?
O celular vibra em cima do balcão, e eu sorrio ao ver uma notificação de Portnoy. Meu corpo inteiro vibra. Mesmo na “distância” desse “relacionamento” virtual, eu posso dizer sem sombra de dúvidas que ele é o homem que mais mexeu comigo até hoje e...
O olhar de Konstantinos me vem à lembrança.
— Merda!
Abro o chat do aplicativo de sexo e franzo o cenho para a mensagem dele.
“Boa noite. Como foi o trabalho hoje? Alguma novidade?”
Hein? Rio ao reler. Que monstro se apossou da senha do aplicativo do Portnoy? O homem sempre me chama para a sacanagem, nunca para conversar! Todas as vezes em que conversamos fora do assunto de sexo, foi porque eu forcei a barra, e ele não conseguiu dizer não.
É estranho ele querer saber do meu dia assim, sem mais nem menos.
“Dia normal de trabalho. Correria, correria, correria. Rs. E vc?”
Decido, pela primeira vez desde que começamos a conversar, ser evasiva nesse tema. Pode parecer loucura, mas ele ter começado a conversa por um assunto tão “pessoal” e sério como meu dia de trabalho me deixa um tanto desconfiada.
“Um dia fodido! Muitas reuniões, muitas coisas para resolver. Por isso estou sem gás para sacanagem hoje, mandei mensagem só para saber de você e desejar boa noite.”
Mais uma vez algo dentro de mim avisa que está acontecendo alguma coisa estranha. Ele está tão... real! É como se fosse um amigo, alguém que se preocupa comigo, e isso nunca esteve em nossos planos, principalmente nos dele.
Não entendam mal, gosto disso. Na verdade, acho que o que me fez ficar inicialmente foi o desafio, quebrar um pouco a resistência dele com relação à sua vida pessoal, e, ainda que eu fizesse questão de anonimato total – é por isso que não sabemos o nome um do outro até hoje –, queria me aproximar. Depois, quando veio o tesão, as fantasias, eu fiquei ainda mais curiosa, mas já um tanto conformada de ele nunca se revelar para mim a menos que nos encontrássemos.
“Estou atrapalhando algo?”
Assim que a pergunta vem, respondo:
“O que você estaria atrapalhando?”
Ele demora um pouco mais para retrucar:
“Um encontro, por exemplo.”
Rio ao imaginar que ele possa estar com ciúmes. Está aí algo que eu nunca pensei que Portnoy fosse sentir, afinal, não temos nada um com o outro. No entanto, pode ser que ele sinta algum tipo de sentimento ruim por eu não querer encontrá-lo, mas sair com outros homens.
“Está tranquilo, Kaká não tem ciúmes!”
“Kaká? Isso é apelido de homem ou de mulher?”
Olho para o meu lindo yorkshire, comendo sua ração num cantinho, e sorrio.
“Faz diferença para você?”
“Depende! Se você for mulher, nenhuma. Mas, se for homem...”
Gargalho ao me lembrar de uma vez na qual ele cismou que eu tinha que provar ser mulher. Portnoy separou algumas perguntas-testes e as fez de supetão, e eu tinha que responder de bate-pronto. Achei que, na época, eu tivesse conseguido convencê-lo, mas, ao que parece, ainda persiste uma dúvida.
“Sou mulher, pode acreditar. Tenho um chefe boçal que reforça isso a cada vez que quer questionar minha capacidade profissional, como se eu fosse menos eficiente apenas por ter uma vagina.”
“Hum, é o mesmo que te fez ser mandada embora do emprego?”
Faço careta para o celular ao ler isso, pois não fui mandada embora, pedi demissão, e acho que já contei isso a ele.
“É, sim, o mesmo que fez com que eu pedisse demissão. Hoje tivemos uma reunião, e o CEO da empresa gostou de uma proposta que fiz e nos colocou para trabalhar juntos, e ele, como sempre, discutiu por não querer.”
“Hum.”
Hum?!
Nunca estive com um Portnoy monossilábico antes, e isso me intriga. Será que ele é mais um CEO sexista? Eu odiaria descobrir que ele pensa igual ao Bostas, perderia boa parte – ou quase todo – do tesão que sinto por ele.
“Hum? Espero que você não ache a mesma coisa, porque, senão, vou ser obrigada a te tratar como trato aquele advogado misógino! Hoje não deixei dúvidas para ele de quem eu sou!”
“É, aposto que não. Eu preciso ir.”
Fico um tempo olhando para a tela do celular, sem entender o que foi essa conversa louca entre nós. O homem parece que saiu correndo por algum motivo que eu desconheço, pois, mal mandou essa última mensagem, e seu status mudou para offline.
— Kaká, quanto mais eu conheço, menos entendo os homens! — O cachorro late. — Pois é, meu amigo, você é o único espécime que está se salvando dessa loucura.
Dou de ombros e volto a me concentrar no suculento frango deixado pelo meu vizinho prestativo.
A primeira semana de volta ao trabalho passou sem que eu me desse conta. Percebi que hoje era sexta-feira apenas quando as meninas do setor me chamaram para nossa tradicional happy hour, dessa vez em um pub da Vila Madalena.
Deixamos a sede da Karamanlis perto das 19h e seguimos de Uber para o local onde todas queríamos ir havia algum tempo, mas que se tornara um tabu por conta da infindável briga entre a empresa na qual trabalhamos e a proprietária do local.
A verdade é que estávamos transgredindo regras indo ao local proibido, à casa do inimigo, mas estávamos nos divertindo muito com isso.
— Nós podíamos tomar vários dos drinques mais caros da casa e ainda deixar uma boa gorjeta para ajudá-la a nunca ter que vender o bar! — Rosi sugeriu dentro do carro.
— Ou, então, do jeito que gastamos nessas resenhas, podíamos eleger o Hill como o único lugar para irmos. Tenho certeza de que só a cachaça da Vivian é capaz de sustentar o lugar! — Lene sacaneou uma das nossas colegas de trabalho, que não foi conosco, e todas concordamos.
— É certo que deveríamos estar pensando em soltar ratos na cozinha de Maria Eduarda Hill, afinal, com o pub interditado, ela não faturaria, e a Karamanlis poderia finalmente comprar. — Olhamos boquiabertas para a Carol, a mais nova estagiária da gerência, e ela suspirou. — Mas até eu, que cheguei ontem, já admiro essa mulher! Que resistência da porra!
— Esta noite, então, é um tributo a todas as mulheres resilientes, que não têm medo de estar de pé mesmo diante de uma “ameaça” aparentemente mais forte e masculina — propus o brinde mesmo sem bebida, arrancando risadas do motorista do Uber. Olhei-o pelo retrovisor, a sobrancelha erguida, e ele se limitou a dirigir. — Temos muitas Dudas Hill por aí, que só querem viver sem depender de um homem, que querem receber de acordo com seu trabalho, que querem receber promoções sem ouvir piadinhas e que são suficientes para si mesmas.
— É isso aí, irmã! — Lene se empolgou. — A todas nós, que sabemos o que é viver em uma cidade grande e violenta como São Paulo e que compreendemos o risco de que somos as primeiras a serem escolhidas como alvo apenas por sermos mulheres!
Todas as meninas riram e gritaram “amém” dentro do carro, em uma festa totalmente feminina, descontraída, mas cheia de significados que calavam fundo dentro de cada uma de nós.
Descemos do carro em frente ao bar – que, mesmo estando cedo, já tinha alguma fila à porta –, recebemos senha, cartão de consumo e a promessa de que não demoraria para que entrássemos.
Demorou, sim, pouco mais de meia hora, mas, quando acessamos o famoso e proibido Hill Wings Pub, pudemos entender o motivo pelo qual o “boteco” ainda não tinha sucumbido ao poder de fogo da Karamanlis.
A decoração era ótima, bem-feita, descontraída e cheia de estilo. As paredes eram cheias de quadros de grandes artistas – nacionais e internacionais, carros clássicos e motos. O bar era enorme, cheio de banquetas altas e giratórias, muitas bebidas e uma equipe grande de bartenders que trabalhavam em drinques de encher a boca e os olhos.
Apontei para cima e mostrei à Carol a decoração em um canto do bar, feita por lustres pendentes de canecas de chope com lâmpadas de filamento de cobre que conferiam uma luminosidade diferente e charmosa a uma mesinha discreta, de apenas dois lugares, ideal para uns amassos.
— Caramba, a banda é muito boa! — Rosi berrou no meu ouvido, e eu concordei.
Enquanto seguíamos a recepcionista, que nos levava até a nossa mesa, passamos por pessoas dançando e cantando clássicos do rock junto a um rapaz que tinha uma gaita pendurada no pescoço.
Sentamo-nos próximo de uma estrutura toda de vidro, em cujo interior havia mesas, que supus ser a área “VIP” do bar, e começamos logo a pedir as bebidas, indecisas, olhando uma carta com mais de 100 opções.
— Eu vou experimentar esse que tem bourbon e mirtilo — Carol anunciou. — A Flavinha, estagiária do jurídico, diz que o doutor Bostas só bebe bourbon, e ela acha muito chique. — Deu de ombros. — Vou comprovar.
— Ele andou sumido esses dias, você notou, Kika? — Rosi me perguntou. — Fiquei surpresa quando o David apareceu por lá para discutir sobre a Ethernium.
Dei uma risadinha.
— O Bostas amarelou, virou caquinha de nenê. — Todas gargalharam. — Em homenagem ao nosso malvado favorito, vou pagar para todas experimentarmos esse tal bourbon, mas tem que ser a seco! — Elas gritaram em comemoração, e o garçom riu. — Qual o melhor bourbon que vocês têm na casa?
Ele apontou para a foto de uma garrafa bem bonita.
Fiz pose de esnobe, como achei que seria Kostas pedindo a bebida, e falei:
— Uma rodada de Bulleit Bourbon por minha conta!
Depois disso, a noite foi pura “zoação”, risadas e danças. Já passava da meia-noite, nós já havíamos comido uma porção inteira de Buffalo Wings – asas de frango crocantes e apimentadas –, outra de Onion Rings Marguerita – essa coisa tinha que ser proibida de tão boa! – e estávamos brigando por termos demorado a escolher entre batata frita com molhos variados ou gratinada com bacon e cheddar e só ter feito o pedido quando a cozinha já havia fechado, quando eu engasguei e arregalei os olhos.
— Puta que pariu, o que ele faz aqui?
Todas olharam, ficaram boquiabertas, inclusive Carol se enfiou debaixo da mesa, ao ver o todo-poderoso Theodoros Karamanlis entrar no santo pub proibido, sentar-se ao balcão do bar, cumprimentar o barman como se já o conhecesse e ficar ali, bebendo uísque como se estivesse em sua casa!
— Fodeu, amiga, e se ele nos vir? — Lene ria, bêbada e nervosa.
— O homem é gostoso, hein? Se eu não trabalhasse para ele, iria até lá e... — Rosi parou de falar. — O que será que está acontecendo?
Olhei o barman que preparara nossos drinques entregar uma touca para Theo e o vi rir antes de uma mulher lindíssima aparecer do nada, usando uma bandana na cabeça, e conversar com ele.
— Será a Duda Hill? — perguntei-me.
— Está com aquele casaco chique que chefs de cozinha usam — Carol deu seu pitaco antes de soluçar, bêbada como um gambazinho.
A mulher voltou para a cozinha, e Theo voltou a se sentar na banqueta, mas ficou pouco por lá, pois ela retornou, eles conversaram e saíram juntos pela porta da frente.
Posso dizer com certeza que a bebedeira de todas foi curada naquele momento.
— Será que ele finalmente a convenceu a vender? — Lene indagou desanimada.
— Demos azar ao vir aqui! — Rosi pareceu muito chateada.
Eu não tinha o que dizer, simplesmente não entendia o motivo pelo qual o doutor Theodoros Karamanlis fora até aquele pub.
— Para dizer a verdade, Kaká, até agora eu não entendo, viu? — Beijo meu cãozinho, deixando as lembranças para trás e deitando a cabeça no travesseiro.
Foi mesmo uma semana e tanto!
Meu sábado sempre começa igual, pois, na parte da manhã, tenho sempre uma rotina a seguir. Acordo cedo, mesmo de ressaca, como hoje, vou levar Kaká para passear um pouco, faço feira – vocês já perceberam que só compro frutas e legumes; é que eu não sei cozinhar, então me viro com isso – e finalmente levo meu bichinho para o “salão”, o banho e tosa, que o deixa limpinho e cheiroso.
Chego a casa por volta de meio-dia, com Kaká perfumado e de gravata como o homem que inspirou seu nome. Rio ao lhe dizer que, embora seja a cara do “pai”, vai ter melhor caráter por ser criado pela “mãe”. Eu adoro essas brincadeiras, principalmente tendo Kostas alheio a tudo isso; é bem engraçado.
Almoço lascas de frango frio com salada e tomo suco de laranja, leio um pouco, brinco com Kaká, troco os lençóis da cama e – escondo de novo – o vibrador que usei e deixei cair ao adormecer depois de gozar sozinha.
Pensar nisso me faz lembrar-me de Portnoy, e uma saudade estranha me invade. Ele sumiu depois da nossa última conversa, e, ontem, depois que cheguei do pub, descobri que a conta dele foi desativada. Estava bêbada demais, então fiquei puta, sentindo-me abandonada, sem nem mesmo uma palavra de despedida.
Achei tão patético ficar lamentando a perda de alguém que nem cheguei a conhecer de verdade que decidi relaxar antes de dormir e usei o brinquedinho antes de liberar o acesso de Kaká à minha cama.
Lavo o pequeno vibro, embalo-o e o guardo na gaveta da mesinha de cabeceira. Porém, não consigo deixar de imaginar motivos para que Portnoy, depois de um ano de conversas online, tenha desistido de mim.
Confiro as horas e corro para o banho, pois tenho consulta com a doutora Jane em uma hora.
Não precisam se preocupar, não estou doente, ela é minha terapeuta. Vocês agora são os únicos além de mim a saber que faço terapia, nunca disse a ninguém, nem mesmo aos amigos mais chegados. Não tenho vergonha disso, acho que sempre devemos procurar ajuda, sim, mas evito falar sobre o assunto por medo de ser incompreendida.
Aparentemente, quais motivos eu tenho para ir a um terapeuta? Sou bem-sucedida, alegre, bem-resolvida, confiante, corajosa... É, todos, inclusive vocês, me descreveriam assim. A verdade é que sou uma fraude bem montada, talvez não em tudo, mas em alguns pontos que eu sempre menti e escondi.
Eu morro de medo de estar só. Conheci já a escuridão da solidão e nunca mais quero voltar para lá de novo. Nunca mais quero me sentir sozinha e desamparada novamente, e essa é uma das questões que trato com Jane no consultório.
Jane é a única que me conhece de verdade, conhece a Wilka Maria sem a “roupa” de Kika; sabe dos medos da menina que ainda afetam a mulher.
Hoje eu sei que nossa conversa girará em torno de Portnoy e seu sumiço para sempre da minha vida, além de outros pontos que anotei no meu diário para discutir com ela, como, por exemplo, aquela atração estranha que senti por Konstantinos Karamanlis.
Eu não esperava que o homem recuasse tão rapidamente, mas ele sumiu depois da reunião, enviou o David para falar em nome do jurídico – pelo que agradeci – e não interferiu em mais nada desde então.
Visto um vestido leve de cor neutra, calço sandálias vermelhas, penteio meus cabelos para trás para destacar os enormes brincos vermelhos e saio de casa.
— Boa tarde! — Vinícius me cumprimenta, e eu logo sou atraída pelo seu filhinho lindo.
— Boa tarde! — Abaixo-me e abraço o Carlinhos. — Que bom te ver de novo, tudo bem?
— Tudo, Kika! Cadê o Kaká? — ele pergunta animado.
— Direto ao ponto! — Vinícius ri. — Eu deveria tomar aulas com ele.
Rio sem jeito, pois entendi que ele se referiu a ser direto comigo.
— O Kaká está em casa, mas eu vou sair rapidinho e já volto. — Bagunço seus cabelos cortados ao estilo indiozinho. — Posso bater lá com o Kaká mais tarde? — indago ao Vinícius, e ele abre um enorme sorriso.
— Sempre que quiser.
Despeço-me dos dois e entro no elevador que acabou de chegar, pensando em como seria se eu fosse uma pessoa normal e saísse com Vinícius um dia, conversasse com ele e, se rolasse um clima, fizesse sexo a noite toda. Ele não é um homem de se jogar fora, pelo contrário, até pela profissão ele mantém um corpo bonito, tem um rosto muito sensual com aquelas covinhas na bochecha quando sorri e o furinho no queixo.
Penso se eu não gostaria de vê-lo vestido de farda; talvez eu tenha alguma fantasia com isso! Fecho os olhos e o imagino chegando ao meu apartamento vestido com seu uniforme de bombeiro e perguntando onde é o fogo.
Ainda estou gargalhando quando o elevador chega ao térreo, e o porteiro começa a rir comigo, mesmo não sabendo do que se trata.
— A piada deve ter sido boa, dona Kika!
Eu assinto.
— Muito, muito engraçada, Joca! Boa tarde!
Chamo o Uber e fico na calçada, rindo de mim mesma e lamentando, ao mesmo tempo, afinal, fantasias sexuais eram para causar algum tipo de tesão, além do divertimento, mas essa não causou nem mesmo uma faísca.
Cadê você, Portnoy?
O e-mail aberto na tela do computador é animador, embora ainda não seja exatamente aonde eu quero chegar. É um começo, o ponto de partida e a primeira pá de terra para o enterro de Theodoros Karamanlis.
Há algum tempo venho rastreando os contatos de meu irmão mais velho, farejando algo irregular que possa prejudicá-lo aqui, dentro da Karamanlis. Theo não é “santo”, deve ter algum negócio escuso escondido em algum canto, e meu feeling diz que estou mexendo no lugar certo.
O que preciso agora é achar um meio de conquistar esse aliado importante de vez. Já fizemos contato, já plantei a discórdia – na verdade, acho que nem precisava, pois percebi que já havia algum tipo de plano em ação; preciso só de um último motivo para ter sua lealdade.
Rio, girando a cadeira, pois, conhecendo Theodoros do jeito que conheço, motivo para conseguir o que quero não vai faltar. Penso em Maria Eduarda Hill, a dona do boteco que ele tanto quer comprar, e no interesse que vi no rosto do CEO da Karamanlis no dia do baile dos Villazzas, e questiono qual a natureza desse interesse.
Theodoros dispensou a amiga de Viviane para voltar ao baile e ir atrás da mulher na cozinha. Interesse pessoal ou por causa da empresa? Eu aposto que é pessoal, que ele deve estar tentando foder a cozinheira, e não no sentido ruim.
— Doutor? — Petrônio bate à porta da sala, e eu o mando entrar. — O pessoal da K-Eng está perguntando sobre os contratos do Village.
— Já passaram por mim; ainda não desceram?
— Não, subiram para a ratificação da diretoria executiva. O doutor quer que eu entre em contato com o Rômulo para...
— Não! — Abro um sorriso. — Vou buscar pessoalmente e aproveito para resolver outro assunto com o CEO. — Ele concorda, mas não sai da sala. — Algo mais?
— Sobre a Ethernium. — Ele parece sem jeito, e isso me preocupa. — O memorial inicial com o tamanho da área e as condições do entorno foi enviado pela K-Eng e...
Franzo o cenho, achando estranho, e o interrompo:
— Onde está?
Ele respira fundo.
— A gerente dos hunters o solicitou assim que o recebemos, e, como o doutor deixou o doutor David à frente, nós encaminhamos para lá.
Tento não perder a calma, pois não interferir nesse assunto – por enquanto – foi uma decisão minha desde que descobri que Wilka Maria era a Caprica. Eu esperava, claro, que David me consultasse sobre tudo, mas acho que ele entendeu que podia tocar o trabalho como lhe aprouvesse.
Merda!
— Depois falo com David, mas desde já informo que, se algo não passou por mim, não sai desta sala. Estou sendo claro?
— Sim, doutor.
Ele se despede e sai do cômodo.
Não posso deixar as coisas correrem soltas e Wilka Maria achar que está mandando e desmandando no projeto à minha revelia. Pior! Pelo pouco que conheço dela, David já deve estar comendo em sua mão e fazendo tudo o que ela manda.
Porra! Se quer algo bem feito, faça você mesmo!
Levanto-me e sigo para o andar da diretoria executiva, cumprimento alguns funcionários no elevador, e Luiza me recepciona assim que piso no corredor.
— Doutor Kostas, que prazer! — Ela sorri amistosa.
— Meu irmão está sozinho? — vou direto ao assunto.
O sorriso morre, e ela assente, dando um passo para o lado para que eu chegue à porta da sala do todo-poderoso CEO.
— Entra! — Theodoros grita quando bato à porta.
Adentro na sala, notando que o fofoqueiro e esquisito assistente dele está a postos. Puxa-saco dos infernos! Capachão! Desconfio que Rômulo seja secretamente apaixonado pelo Theodoros e por isso vive agarrado às suas bolas, porque ele chega a ser insuportável de tão “prestativo” a seu chefe.
— Millos me pediu ajuda, antes de viajar, para dar andamento à papelada do Village — disparo sem rodeios, afinal, não vim fazer uma visita de cortesia.
— Já estava enviando para seu setor, doutor — Rômulo é quem responde, zumbindo em meus ouvidos como uma mosca de padaria.
Não faço caso dele e continuo a conversar com Theodoros sobre um assunto que também passou a ser do meu interesse: a Vila Madalena.
— Fiquei responsável pela locação das lojas no entorno do boteco dos Hills. — Vejo que ele se interessa pelo assunto e sinto a satisfação de poder alfinetá-lo um pouco. — Fiz uma reunião com os corretores, e alguns já tinham pedido de locação em aberto e...
— Ainda não estou convencido sobre isso — Theodoros morde minha isca.
Bom, a ideia da locação das lojas do entorno foi do Millos, e, em um primeiro momento, achei que meu primo estava um tanto louco ao sugerir isso. Por que ele queria movimentar ainda mais o lugar? Se ele transformasse aquela rua em uma referência gastronômica e um local de entretenimento, ele iria fortalecer ainda mais o Hill, não o enfraquecer.
Entretanto, conhecendo Millos como conheço, sei que meu primo tem algum plano por trás dessa ideia e, por mais que tenha se recusado a me contar qualquer coisa sobre o assunto, também não negou que tinha interesse próprio, além da compra do Hill.
— Millos e eu concordamos. — Dou de ombros e abro um sorriso de satisfação por não depender dele. — Se precisarmos levar isso até o Conselho para ser decidido com a razão e não por uma competição idiota que você tem com Nikkós, eu mesmo pedirei a pauta! — Ah, como eu gosto de tocar nessa ferida! Ele sempre reage, sempre! Aproximo-me dele e pergunto ironicamente: — Nunca se cansa disso?
Vejo a raiva em seu rosto, seu corpo fica tenso, e sei que ele está pronto para atacar. Vem, Theo, perca a paciência, exploda, faça uma cena!
Deixá-lo irritado com seus erros do passado é o mínimo que posso fazer depois de tudo o que nos causou. Sua inconsequência deixou marcas em todos nós, e ele nunca se preocupou com isso ou mesmo pediu perdão, então, atormentá-lo com isso é um gostinho que tenho do que virá quando eu o fizer cair.
— Rômulo, o doutor Konstantinos vai levar os documentos. Não é necessário que você chame o pessoal da correspondência.
Filho da puta! Rio ao notar que ele se controlou e que decidiu mudar de assunto. Tenho certeza de que, se Rômulo não estivesse aqui, ele teria caído na armadilha.
Idiota engomadinho!
— Eu só vou incluir aqui no nosso sistema... — ouço o assistente dizer apressado como sempre e começo a rir.
— Em plena era da tecnologia digital, você vai me fazer assinar algum tipo de caderninho? — debocho. — Onde foi que você achou essa peça de museu, querido irmão?
Mais uma vez vejo a ira tomar conta do seu semblante, mas sua voz soa normal quando ele fala com seu capacho particular:
— Rômulo, entregue o documento ao doutor Karamanlis. Eu mesmo me responsabilizo. — Ele se levanta. — Se era só isso, Kostas — Rômulo deixa a pasta em cima da mesa; Theo pega-a e a estende para mim —, pode ir agora.
— Está me dispensando? — Ergo-me, feliz por ser alguns centímetros mais alto que ele, e o encaro com um sorriso torto e debochado.
— Acho que isso foi óbvio demais até para você — responde, e eu pego a pasta, pronto para retrucar, quando vejo o telefone dele tocar e o nome de Viviane aparecer. Que providencial! — Algo mais?
Não posso deixar passar a oportunidade de deixar claro para ele que estou chegando perto de seus negócios paralelos. Eu gosto de deixá-lo nervoso; é um tanto sádico, mas é interessante ver sua presa se debatendo, tentando escapar do inevitável.
— Sua sócia pode ter algo importante para falar contigo. — A surpresa no rosto dele é impagável. — Não seria melhor atender?
— Eu não tenho sócia, ela é uma amiga — ele responde nervoso, sério, olhando de esguelha para o Rômulo, com medo de que seu bocudo assistente saia por aí espalhando a notícia. — Kostas, eu estou ocupado...
Ah, não... não vai ser assim tão fácil! Ainda não terminei de me divertir um pouco.
— Amiga? — Rio. — Isso é uma espécie de título honorífico? — Ele bufa, e eu gargalho. — Não entendeu? Funciona assim: você fode com a mulher por um tempão, mas aí se cansa e lhe dá o título de amiga para ela não se sentir mal e ainda achar você um cara legal.
— Vá se foder, Kostas! — Quase solto fogos por ter feito com que ele perdesse a falsa calma que aparentava. Theo caminha até a porta da sala, abre-a e manda: — Sai.
Não tão rápido! É preciso que você saiba que eu estou farejando e que vou te foder em breve!
— Eu fiquei bem curioso com a ascensão dessa mulher. Trabalhava em galeria de artes e agora é uma grande investidora, descobridora de talentos, respeitada no métier. — Encaro-o sério. — Ou será que ela tem um amigo por trás dela?
Ele sorri para mim, mas seus olhos o traem, demonstrando todo a raiva que está sentindo.
— Pelo que eu sei, ela tem muitos amigos. Suas insinuações não o levarão a lugar algum.
Sim, tenho certeza de que ele tem tudo muito bem escondido, mas eu sou persistente, vou achar!
— Imagino que não. — Caminho para a porta. — Você é esperto e conhece bem o estatuto, não iria arriscar seu tão pleiteado posto de CEO por um hobby. — Antes de sair, decido fazer uma pequena malvadeza para alegrar a tarde. Aceno para Rômulo e o provoco: — Quando eu assumir a diretoria executiva, Rômulo, te ponho para reciclar os papéis da empresa, já que gosta tanto deles!
Saio da sala e escuto Theodoros fechá-la com força, assustando Luiza, que estava à sua mesa digitando no computador.
— Pode deixar, que não conto para ele que você estava no Facebook no horário do expediente.
Pisco para ela, que fecha o navegador às pressas e fica sem jeito, com cara de cachorro cagando na chuva.
Balanço a pasta com os contratos do último empreendimento imobiliário residencial da Karamanlis e entro no elevador, sentindo-me satisfeito e excitado. Gosto da sensação de ser cruel, gosto de fazer os outros sentirem medo; já passei muito por isso; agora, não mais.
Eu sou o carrasco!
Depois daquele pequeno embate com Theo, não estive mais na diretoria executiva, fiquei absorvido por conta dos processos, que voltaram a tramitar desde que a Justiça voltou do recesso, dos contratos de empresas e de imobiliárias parceiras que temos espalhadas pelo Brasil.
Conversei com o David sobre a conta da Ethernium e deixei bem claro que, mesmo não estando diretamente ligado a ela, quero saber de tudo antes da gerente de hunter. A prioridade é minha; depois as notícias e documentos podem sair do jurídico e ir para o outro lado do andar.
Continuo firme no propósito de evitar contato com ela ao máximo. Não vou mentir que não sinto falta das sacanagens com a Caprica; era divertido, mas não posso confundir as coisas. Lá, éramos outras pessoas. Aquela mulher não existe; ela, na verdade, é uma Medusa dos infernos capaz de transformar qualquer um em pedra.
Bufo e olho para meu colo, vendo meu pau fazer volume por causa da excitação só de pensar nela.
É, é uma Medusa, com certeza!
Ontem eu tive uma noite espetacular com duas garotas de programa perfeitas – de corpo, atitude e safadeza. Escolhi as duas porque já trabalharam juntas e estava no “currículo” delas, então resolvi experimentar. Foi a noite mais louca e divertida que já tive com putas, porém, mesmo enquanto uma se dedicava à boceta da outra e eu me deliciava com seus rabos, ainda pensava em Caprica/Wilka.
Será que ela deixaria outra mulher tocá-la enquanto eu comesse sua bunda?, questionava em meio aos gemidos. Será que ela gostaria de ser comida por dois ao mesmo tempo? Tivemos tantos momentos fantasiosos, escrevendo sacanagens um para o outro, que, agora que ela se materializou em alguém real, fico questionando tudo o que dissemos.
Eu gostaria de ver outro tocando-a?
— Doutor! — David bate à porta, interrompendo minhas lembranças e indagações. — Temos nossa primeira proposta!
Ele entra na sala apressado, com um papel impresso em sua mão.
— O gabinete do governador do Rio de Janeiro entrou em contato para marcarmos reunião e apresentação com todos os detalhes da atividade e da área.
Que notícia excelente!
— Ótimo! — Pego o papel e vejo o brasão do estado. — Já avisaram aos hunters?
— Não, o doutor pediu prioridade, então...
Fico satisfeito ao ouvir isso, pois demonstra que ele entendeu nossa conversa do começo da semana.
— A gerente está trabalhando hoje? — indago, e ele parece estranhar a pergunta.
— Está, sim, senhor.
Sou eu quem acha estranho dessa vez.
— Normalmente? Não está havendo nenhuma comemoração, nenhum evento épico no setor?
Ele nega, e eu fico intrigado, sem entender, afinal, imaginei que a empresa toda iria se mobilizar para fazer do aniversário dela um marco nos anais da Karamanlis. Fizeram festa quando ela voltou a trabalhar; por que não para comemorar seu nascimento?
— Bem, preciso ir agora e avisá-la dessa...
— Não — interrompo-o. — Eu vou.
David para boquiaberto e me assiste sair da sala, marchando rumo ao local do qual me mantenho longe há mais de uma semana.
Kostas, Kostas, você gosta de brincar com fogo!
Outra semana corrida, e, finalmente, ele chegou.
Abro os olhos, e o primeiro pensamento consciente que tenho é sobre o dia de hoje. Aprendi a ser grata pela minha vida, pelas oportunidades que surgiram, pela guinada que ela sofreu e que me possibilitou ser quem sou hoje. Não sou religiosa, mas acredito que, em algum lugar, nosso destino está sendo traçado através de nossas escolhas.
Por algum tempo eu não tive nenhuma, meu destino estava na mão do acaso ou de algum ser superior que me protegeu e me abençoou com uma nova história.
Amanhã irei ver a Jane de novo, em uma sessão semanal de conversas e tentativas de me encontrar. Sou segura no trabalho, sou boa amiga, cidadã, tenho empatia de sobra, por isso mesmo me dedico – como papai fazia – aos que precisam de mim.
Hoje seria um dia assim! Malu era a única que sabia o dia do meu aniversário e, todo ano, me dispensava mais cedo, sempre depois do almoço, e eu ia para algum asilo ou mesmo hospital para levar meu presente à vida. Infelizmente, este ano, com a responsabilidade da gerência e essa conta da Ethernium, será impossível sair do trabalho.
Vou ter que fazer minha “comemoração” no domingo, dia em que normalmente já passo nas instituições que auxilio.
Desligo o Pharell8 e me estico toda, sentindo Kaká deslizando por baixo do lençol até sua carinha peluda e alegre aparecer para me saudar. Ele me dá a tradicional lambidinha no nariz, e eu afago suas orelhas, sem falar hoje, apenas lhe dando o carinho que merece.
O celular toca e, pela hora, já sei que é a Malu.
— Alô, não cante....
— Parabéns pra você, eu sei que você quer me foder, por eu estar cantando essa música e desejar parabéns pra você! — Começo a rir, e ela me segue. — Viu, só? Não cantei a música tradicional, então você não pode brigar comigo!
— Alguém já te disse que você é mestra em burlar as regras? — inquiro com o coração palpitando de alegria por ela ter ligado. — Eu sei que aí no mato todo mundo acorda cedo, mas você está prenhe, mulher, vá dormir mais um pouco!
— Prenhe está seu rabicó! Não sou vaca!
Gargalho com a irritação dela.
— Obrigada por ter ligado — digo com sinceridade. — Eu sinto sua falta aqui.
Ela suspira.
— Eu também! — Ri. — Para duas capricas duronas, hoje estamos emotivas. Tudo bem que eu tenho desculpa, afinal, são os hormônios da gravidez!
— Até parece! Cadê seu peão fake, que não está aí esquentando sua cama?
Ouço risadas abafadas.
— Quem disse que ele não está aqui? Não está falando porque está com a boca ocupada no momento.
Fecho os olhos e faço uma careta imaginando uma cena bem safada.
— Porra, Malu!
Escuto os dois gargalharem, e Guilherme grita:
— Eu estou comendo meu tira-torto, Kika! Acha que eu ia querer gastar meus dotes enquanto ela fala contigo?
Rolo os olhos.
— Ele fez antes, amiga, por isso está quietinho comendo aquela coisa estranha! Vôti, nem grávida consigo comer isso de manhã!
— Vôti?! — Rio sem parar, e ela me xinga. — Mas já está adaptada ao mato, meu!
— Meu, eu já me adaptei aos mato! — ela imita o sotaque paulistano, e eu paro de rir.
— Não falo assim! — retruco, e é a vez de ela rir de mim. — Ah, deixa eu te contar uma nova!
— Conte! Essa semana passou correndo tanto que nem pudemos fofocar. É sobre o gostoso do Theo com a tal da Duda Hill?
— Não, Malu, é sobre o trabalho! Caramba, desde que você arranjou esse Xucro aí, só vê romance em tudo! Acho que Theo só estava tentando comprar o imóvel mais uma vez.
— Amiga, eu conheço aquele homem melhor do que você. — Escuto o Xucro pigarrear e Malu mandar um beijo estalado para ele. — Ele não ia negociar a compra do imóvel depois da meia-noite! Escreva o que eu te digo: cheira a romance clandestino, quente e gostoso.
— Malu! — Rio ao pensar em Theo e Duda Hill juntos. Óbvio que não! — Você anda bem safadinha desde que engravidou, só pensa em sexo e sexo...
— Ah, quem fala! — Fico séria no mesmo instante. — A maior devoradora de incautos que eu conheço! Se um dia você engravidar, tenho pena de quem estiver contigo, porque vai ficar esfolado, o pobre.
Xucro ri, e ela começa a falar das coisas que eu dizia para ela. Enquanto isso, minha cabeça está em turbilhão tentando arranjar um assunto para sair dessa conversa. Eu sei que fui eu quem causou essa situação, afinal, estava sempre falando dos “encontros” e dos “caras” com quem eu transava sem medo de ser feliz.
Ah, Malu...
— Kostas está sumido há mais de uma semana! — disparo, e ela para de falar em sexo. — Eu achei que ele ia ficar no meu pé por causa dessa conta da Ethernium, mas não, nomeou outro advogado e sumiu.
— Estranho! — Malu pondera. — Não confio nele. Fique de olho, Kika!
— Eu vou, não se preocupe, Bostas não me assusta. — Olho para o relógio e me sento apressada na cama. — Malu, preciso ir, senão vou chegar atrasada.
— Não pode! Chefe tem que dar o exemplo! — Ri. — Que seu dia seja especial. Não vou te dar parabéns e nem felicidades, porque você não gosta, então, que essa data seja querida.
Rio e a mando se lascar antes de desligar.
Levanto-me mais animada, menos sombria, e começo minha rotina matinal antes de correr até o metrô e ir parar no coração financeiro de São Paulo. Antes, porém, coloco água e a ração do Kaká e me lembro de pôr em uma sacola o brinquedo que Carlinhos deixou aqui em casa no sábado.
O menino veio brincar com meu cãozinho, e o pai aproveitou para me convidar a comer comida mexicana. O homem também não cozinha, mas conhece os melhores restaurantes temáticos da cidade e encomendou deliciosos burritos com nachos de queijo para acompanhar, que eu comi virando os olhos.
Eu sou fácil de ser conquistada, basta me alimentar bem, e você se tornará meu melhor amigo!
— Eu tenho que retribuir todas as vezes que você me salva à noite! — comentei com ele, referindo-me aos pacotes de comida que sempre deixa na minha porta.
— Ah, Kika, vizinho é para essas coisas! Eu moro só e, se peço para mim, por que não pedir para você também? Relaxa!
E abriu um sorriso daqueles de calendário masculino. Oh, Céus! Saber que o homem é bombeiro também não ajudou muito, porque logo o imaginei só com aquela calça, suspensórios, o corpo malhado todo coberto com vaselina, brilhando como se estivesse molhado, e em suas mãos aquela mangueirona...
Ele falou algo com o filho, e eu deixei de fantasiar com isso. É bom de se imaginar, Vinícius é bonitão, e Jane acha que pode ser uma boa oportunidade para eu comprovar se já estou pronta para ir em frente.
Dê a você mesma a possibilidade de experimentar... ela me aconselhou mais cedo naquele dia, e imediatamente pensei em Portnoy, em sua desistência das nossas conversas, talvez já cansado de todos os convites para um encontro real que me fizera e que eu recusara. Nunca senti antes o que ele, mesmo à distância, fizera-me sentir, mas não me dei a oportunidade de comprovar se era real, então o perdi.
Não vou deixar isso acontecer de novo!
Vinícius e eu ficamos conversando sobre nossas profissões. Ri muito com algumas de suas histórias, até que Carlinhos bocejou, e ele interrompeu a visita para pôr o filho na cama.
Foi assim que o brinquedo ficou para trás, e eu, por causa da falta de tempo desta semana, esqueci por completo de devolvê-lo. O menino só voltará daqui a 15 dias, mas eu deveria ter me lembrado de devolver antes, porque pode estar sentindo falta.
Tomo um banho rápido, lavo meus cabelos, visto uma roupa qualquer, sem escolher muito – um vestido com alguns babados e listras, quase conceitual e que, particularmente, adoro –, deixo a sacola com o brinquedo pendurada na maçaneta da porta do apartamento do vizinho e toco a campainha da Verinha.
— Bom dia! — ela me cumprimenta. — Está linda e cheirosa hoje! Algo especial?
Sorrio sem jeito, mas nego.
— Só trabalho! — Beijo sua bochecha e lhe entrego a chave do meu apartamento para que ela pegue o Kaká. — Tenha um bom dia!
Saio praticamente correndo, descendo as escadas sem paciência para esperar o elevador. Tenho que voar até a estação, pegar o primeiro metrô que passar, senão chegarei atrasada.
Mais um dia na minha vida!
Fecho os olhos rapidamente e recito minha frase favorita:
Seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!
— Nós já solicitamos o EIA/RIMA9 da área, depois têm os passos referentes às compensações, audiências públicas etc. — Alex me explica apontando para o croqui que estendemos em cima da mesa, que contempla o tamanho da área da empresa. — O cliente sabe que isso é demorado e que é o primeiro passo que teremos que fazer assim que tivermos o local. — Eu assinto, pois já tivemos clientes que necessitaram desses estudos ambientais, porém, nenhum com o tamanho de uma pequena cidade do interior. — A equipe da K-Eng está toda à sua disposição, Kika, para acompanhar as visitas e já emitir algum parecer sobre a viabilidade ambiental da locação.
Escuto uma batida à porta, mas não saio da posição em que estou, ao lado de Alex e de costas para a entrada.
— Entra! — apenas grito antes de continuar questionando o CEO da K-Eng. — Os hunters já estão acostumados a consultar toda a legislação das cidades, sempre buscam, junto ao jurídico, que é sempre muito eficiente, levantar qualquer outro entrave legal que possamos ter não só no bojo ambiental, como também na questão de ordenamento urbano, planos diretores e zoneamento das cidades.
— Eu conheço seu trabalho, Kika, e sei que você e sua equipe são muito eficientes — Alex sorri para mim ao elogiar.
— Nós somos! — Pisco para ele e toco seu ombro. — Eu já ouvi muitos elogios sobre a K-Eng, e você sabe que eu te admiro demais...
— Hum-hum — um pigarrear me impede de continuar a dizer a Alexios Karamanlis o quanto eu o vejo como um gestor especial, um chefe preocupado com seus funcionários e engajado para que não só a empresa cresça, mas todos possamos crescer com ela.
Olhamos juntos para ver quem entrou na sala – quieto e quase sem fazer barulho ao andar – e arregalo os olhos ao dar de cara com Konstantinos Karamanlis em toda sua altura monumental e largura impressionante.
— Interrompo algo? — Kostas pergunta com um sorriso malicioso.
Alexios gargalha, balançado a cabeça, e me olha divertido.
— Claro que sim! — o CEO da subsidiária da Karamanlis responde. — Estávamos analisando o croqui da futura planta da Ethernium, pelo menos dentro do padrão que já temos. — O engenheiro pega o enorme papel em minha mesa e começa a enrolá-lo. — Eu já percebi que Kika Reinol está mais do que habituada a grandes desafios e que — ele sorri para mim — gosta deles, então concordo com a decisão de Theo de ter deixado essa conta nas mãos competentes dela.
Abro um enorme sorriso de satisfação e encaro o diretor jurídico, que, como esperado, está com sua sobrancelha levantada e aquela cara irritante de tédio. Focalizo seus olhos azuis, brilhantes, o sorriso mostrando seus dentes brancos em contraste com a pele morena.
Aff, eu odeio admitir, mas o capeta caprichou ao fazer esse homem!
— Eu também estou no projeto, caso tenha esquecido, Alexios. — Konstantinos fica sério e coloca as mãos nos bolsos da calça, para onde meus olhos são atraídos, mas desviados assim que percebo que meu interesse não é nos bolsos da vestimenta.
— Eu sei, Kostas. — Alex passa por ele, indo em direção à porta. — Foi uma boa decisão de Theodoros também.
Percebo que Kostas parece sem jeito com o elogio indireto do irmão; não agradece, nem sorri, apenas assente parecendo que o que Alexios disse não é nenhuma novidade. Arrogante!
— Assim que marcarem algo, avise-me — Alex solicita, e eu assinto. — Bom trabalho para vocês. Adorei nosso papo, Kika!
— Tchau, volte sempre! — despeço-me dele sorrindo, mas, assim que ele fecha a porta da sala e fico sozinha com Konstantinos, meu sorriso morre. Dou a volta na mesa, sento-me em minha cadeira e aponto uma para o diretor jurídico.
Ele se senta, cruza suas enormes pernas e fica me olhando quieto por um tempo. Meu corpo formiga de um jeito estranho, mas logo me abuso de sua análise acurada da minha pessoa e suspiro irritada.
— Bom, parei o que estava fazendo para poder atender ao doutor Alexios, pois entendi que era relevante para o projeto. O que o traz aqui, doutor?
Ele apoia uma de suas mãos no rosto, o indicador tocando a sobrancelha e o dedão apoiando o queixo. Ele sempre faz esse tipo quando quer irritar alguém, e, puta merda, hoje não é um bom dia para me irritar.
— O que a senhorita sabe sobre as leis deste país? — ele pergunta tão vagarosamente que tenho vontade de indagar se está tendo um derrame. — A ouvi dizer ao meu irmão que você e seus hunters fazem essa pesquisa, e fiquei surpreso.
— Sei que temos muitas leis, mas que a maioria não serve para nada — digo impaciente. — Qual é o assunto que o traz aqui de verdade?
Mais uma vez ele se faz de surdo e finge pensar, sem tirar em nenhum momento os olhos dos meus.
— Eficiência e eficácia, princípios básicos do estudo das normas. — Rolo os olhos ao pensar que ele vai começar uma aula sobre leis. — Bom, se a senhorita quisesse saber disso, teria feito direito, não é?
— O congratulo por sua perspicácia! — ironizo, e ele ri.
Kostas ri!
Eu sei que já falei isso, mas ele ri! Só isso! Uma risada sem tédio, sem sarcasmo, sem deboche... só uma risada! Claro que, como eu não esperava por isso, fico totalmente desarmada e admiro – e muito, devo admitir – como fica o rosto dele ao sorrir. O homem, além de grande e charmoso, é bonito!
Filho da mãe!
— Bom, vim até aqui hoje para informar que vou retomar a frente da conta da Ethernium. — Arregalo os olhos, pois não esperava por isso. Estava tão bom lidar com o doutor David! — Pensei que pudesse delegar um pouco, mas vi que não dá. Se não tiver alguém com pulso firme, é capaz de o negócio não andar a contento.
Como é que é?! |Que grande filho da puta!
Estou há mais de uma semana organizando tudo, já fizemos todos os contatos necessários para começar a receber as propostas dos estados para a instalação da siderúrgica, e ele vem querer agora pegar tudo mastigado e levar o nome? Ele acha que está lidando com quem, afinal?
— Eu não... — tento falar, mas ele não deixa:
— David não tem a firmeza necessária para lidar com você. Bastaram poucos dias, e ele já estava parecendo um cachorro adestrado abanando o rabinho para te agradar em tudo. — Ele fica sério, e seu tom de voz muda: — Seu feitiço não funciona em mim!
— Você deve ter algum tipo de transtorno comportamental, não é possível! — Fico em pé para olhá-lo de cima para baixo. — A equipe está trabalhando perfeitamente bem, e tudo o que não precisamos é de um ser com o ego do tamanho do mundo atrapalhando tudo e ainda irritando as pessoas.
Ele se acomoda ainda mais na cadeira.
— Não estou perguntando se posso entrar, Wilka Maria. — Aproxima-se da mesa, e sua voz sai rouca ao dizer: — Já estou dentro!
Sinto um tremor sacudir meu corpo, os cabelos mais curtos de minha nuca se eriçam, e eu seguro o ar por um tempo.
Que merda é essa, Kika?!
Tento buscar a linha do raciocínio que perdi entre estar puta com o autoritarismo dele e excitada só de imaginá-lo dentro... de mim.
— Temos um primeiro retorno. — Ele estende uma folha de papel, e eu a pego como se fosse uma tábua de salvação.
— Por que não recebi esse e-mail também? — questiono assim que o leio. — Era para ter notificado e...
— Minha diretoria está filtrando todos os e-mails dessa conta e compartilhando apenas aquilo que acha imprescindível.
O quê?!
— Olha, assim não vai dar! — Sento-me novamente, encarando-o séria. — O doutor Theodoros foi bem claro ao dizer que iríamos trabalhar juntos nessa conta. Não tem por que você estar filtrando a correspondência, não tem sentido, isso só vai atrasar o trabalho! — argumento, mas ele não parece se convencer, então pego o telefone e ligo para o setor de TI — Oi, Lamir, há uma conta com um filtro, e eu preciso que seja removido. É o filtro no e-mail que criamos para gerir a conta da Ethernium.
— Kika, o filtro foi uma ordem da diretoria jurídica, só ela pode revogar, eu sinto muito! — Bufo irritada, mas sei que Lamir não tem culpa. — Você sabe que, se não fosse isso, eu faria o que está me pedindo, né?
— Sei, sim, não se preocupe — tento parecer menos irritada. — Obrigada pela ajuda, Lamir, dê um beijo na Sarah por mim.
— Pode deixar! Você está devendo uma visita à nossa casa nova!
Eu rio, respondo que vou qualquer dia desses, e, antes de eu desligar o telefone, Kostas se levanta, tira o aparelho do meu ouvido e o põe no seu próprio.
— Aqui é doutor Konstantinos. Tire o filtro.
Isso me surpreende a ponto de me deixar boquiaberta e estática. Kostas fala algo mais com o Lamir, mas não consigo entender o que é, tamanho choque que levei com sua atitude. Nunca, em tempo algum, poderia imaginar que ele agiria dessa forma.
— Por que... — tento começar a perguntar o que houve, mas ele não permite:
— Você quer trabalhar de igual para igual comigo? Ok, eu aceito. — Ele respira fundo, parecendo contrariado, e se afasta. — A partir de segunda-feira estaremos 100% dedicados a essa conta, você e eu. — Olha tudo em volta. — Arranje um jeito de abrir mais espaço; sou grande.
Ele sai da sala, e eu ainda me sinto tão estarrecida que não consigo articular nenhuma palavra.
Ele pretende vir trabalhar aqui?!
Gemo e coloco a cabeça sobre a mesa. Minha vida tão perfeita e organizada profissionalmente acaba de virar um inferno. Como conviver com aquele homem aqui, levando-me da irritação ao tesão em segundos, por mais de 12 horas por dia?
Tesão!
Eu sinto mesmo tesão por Wilka Maria!
Não adiantou de nada ficar dias longe, ignorá-la, fingir que não existia. Bastou entrar em sua sala, sentir seu perfume no ar, ver o contorno de suas costas desenhado contra o vestido leve que, contra a luz da vidraça, ficou quase transparente, e toda a excitação que neguei e reprimi estava presente.
Eu a desejo, é fato, talvez há mais tempo do que gostaria de admitir, por isso minha irritação e a necessidade de provocá-la o tempo todo. Sempre fui reativo quando sentia tesão por alguém que estava fora do “padrão” que estabeleci para mim mesmo, sempre abafei e consegui eliminar a vontade até que não restasse mais nada, porém, com a gerente, parece que não vai ser tão fácil.
É que, mesmo decidido a não dar vazão à essa química, estou sendo atraído para ela e traído pelo meu próprio corpo de uma forma que não consigo deter. Por mais que eu saiba que ela, dentre todas as possibilidades que já tive, é a escolha mais complicada, não só por trabalhar na empresa da minha família, mas também pelo gênio de cão que tem, não consigo deixar de querê-la.
Fui até a sala dela para provocá-la, extravasar um pouco a frustração que estava sentindo por ter perdido a fantasia da Caprica. Culpo-a por isso, por ter eliminado minha diversão, por ter matado a fantasia da mulher que podia ser qualquer uma e que, agora, só consigo enxergar como sendo ela mesma.
Não queria isso, não quero um envolvimento, mesmo que sexual, com ela. Porém, em contradição a esse meu não-querer, só penso em como seria meu corpo junto ao dela, na nossa diferença de tamanho e na forma com que eu conseguiria envolvê-la totalmente com meus braços, a ponto de ela sumir dentro de mim.
É uma fissura que nunca tive, uma fantasia nova que se descortina no auge dos meus 36 anos de vida: envolver alguém com meu corpo, abrigar.
Isso também é contraditório, afinal, Wilka Maria é petulante, marrenta, cheia de si, feminista – desse tipo de mulher que, se um homem abrir a porta para ela passar, é capaz de ser acusado de machista e de estar dizendo implicitamente, com o ato cavalheiresco, que ela não tem força para abrir a maldita porta.
Tudo nela deveria me repelir, mas me atrai sobremaneira.
Tenho vontade de deixá-la trêmula de tesão de tal forma que não consiga se manter de pé naquelas botas de cano longo e coloridas que usa. É, admito, sinto um tesão absurdo por aquelas botas e imagino Wilka toda nua, usando apenas elas.
Quero dobrá-la, deixá-la implorando pelo gozo que só eu posso lhe dar, e... Caralho!
Fecho os olhos e balanço a cabeça, repreendendo-me por estar perdendo o controle desse jeito. Eu não vou tocar nessa mulher! Não sou assim, não fodo com quem conheço, não me envolvo, não posso! Espalmo as mãos na cabeça, os cabelos deslizando entre os dedos, buscando um jeito de retomar minha frieza e controle.
Não me interessa como vou fazer – por mais que eu mesmo me traia, como aconteceu há pouco na sala dela quando decidi que trabalharíamos juntos no mesmo espaço, quando a provoquei com frases de duplo sentido e me imaginei fodendo-a em cima daquela mesa meticulosamente organizada –, não vou tocar nela.
Lembro-me de como ela piscou, brincou e tocou meu irmão caçula e de como reagi àquele gesto simples. Senti-me puto, fervendo de raiva e indignado por ela ser cordial, amistosa e talvez até flertar levemente com Alexios. Ela nunca me tratou daquela forma, nunca recebi um só sorriso como aquele ou mesmo fui alvo de qualquer brincadeira ou mesmo um ingênuo flerte.
Bufo de raiva por ter deixado que isso me afetasse, por ter sentido inveja do tratamento que Alex recebe dela, querendo eu mesmo ser o destinatário do sorriso e da piscadela.
Não vou tocá-la, porra! Já tomei a decisão!
Confiro as horas e entendo o motivo pelo qual o setor está vazio: hora do almoço. Não tenho fome agora – rio, pois tenho, mas não é de comida –, por isso me sento para voltar a trabalhar no arquivo no qual estava quando David me interrompeu para falar do primeiro retorno que tivemos na conta da Ethernium.
Abro meu e-mail, e qual não é minha surpresa ao receber uma mensagem da pessoa que mais estava aguardando nesse tempo todo! Leio atentamente a mensagem, marcando um encontro, e sorrio satisfeito por sentir que realmente vou ganhar um aliado na minha luta para dar ao meu irmão um pouco do mesmo veneno que ele nos deu anos atrás.
Entro no restaurante da empresa quase às 15h para almoçar. Todos já estão de volta ao trabalho, mas, como estou mais interessado em comer uma proteína – coisa que eles sempre fazem na hora para mim – e uma salada, não tenho problema com o horário regrado para o bufê.
Ainda há alguns retardatários no refeitório, especialmente o pessoal que faz serviço de rua e que só deve ter chegado à empresa agora.
— Doutor, posso ajudá-lo em algo? — uma das moças que organizam a cozinha me intercepta ainda na entrada do lugar.
— Um grelhado e uma salada, coisa simples.
Ela assente e vai direto para a cozinha.
O refeitório foi uma ideia de meu irmão mais novo, Alexios. O garoto, mesmo depois de tudo o que passou na mão de Nikkós, ainda se mantém um idealista, cheio de ideias utópicas típicas de um membro do proletariado, não de um herdeiro de algo do porte da Karamanlis.
Quando Alexios assumiu a K-Eng, eu achei que ele ia falir a subsidiária em tempo recorde, mas ele demonstrou ter tino para os negócios, além de ser um engenheiro muito bom. O garoto prodígio é como eu o vejo! Mesmo com o inferno que foi nossa infância e adolescência, ele conseguiu se manter são, deu a volta por cima diante de todos os problemas que enfrentamos, mergulhou nos estudos e acumulou prêmios e mais prêmios na área das ciências exatas.
Mesmo depois de ter sido expulso de várias escolas durante o ensino médio, não foi surpresa para mim ele ter passado em vestibulares para as melhores universidades de engenharia do país aos 16 anos. O menino era um gênio, mas, hoje, parece mais um sonhador.
Desde o começo não levei muita fé nesse modelo de fornecer a comida dentro da empresa. Os funcionários gostam de sair, ver “moda”, saber o que acontece além das paredes da Karamanlis, e a saída para o almoço era uma “desculpa” para fazerem isso. Ademais, a ideia foi perdendo a força, e o restaurante andou totalmente largado às traças, até que o CEO resolveu se juntar à ralé e começou a fazer refeições aqui.
Caminho para uma das mesas livres, mas meus olhos são atraídos por uma mulher miúda, cabelos cortados curtos e com a nuca aparecendo, pois está com a cabeça baixa.
O que eu devo fazer? Sentar-me o mais longe possível dela.
Mas o que estou fazendo?
— Refeição tardia também? — Sento-me à sua mesa, e ela me olha parecendo ver um fantasma. — Não me diga que está na modinha do jejum intermitente!
Wilka Maria respira fundo, termina de mastigar sua comida e me encara.
— Não estou, mas e você, está? Também está vindo comer tarde!
Nego e faço um biquinho.
— Não, geralmente como no horário, mas hoje algo de manhã me deixou com o estômago meio revolto. — Aspiro o ar perto dela, que retesa o corpo. — Ah, seu perfume é muito doce, foi isso!
Seus olhos faíscam de raiva.
— Não me lembro de tê-lo chamado até minha sala de manhã e — ela olha em volta — nem de o ter convidado a se sentar à minha mesa agora. Então, se meu perfume o enoja, sinta-se à vontade para se afastar.
Ela aponta para a mesa mais distante de si, e eu rio.
— Não, Wilka Maria, não me enoja. — Fico sério. — Foi apenas uma provocação, não seja tão tensa.
Pisco para ela da mesma forma que ela fez para meu irmão de manhã, e meu prato é servido.
— Carne e folhas? De dieta, doutor?
Corto um pedaço do bife, mastigo-o e assinto.
— Sempre! Não posso descuidar do corpo. — Acompanho seus olhos descendo pela minha camisa até onde a mesa está tampando e sinto meu pau acordar com a avaliação. — Quer que eu tire para ver melhor?
Ela pula na cadeira e arregala os olhos.
— Não! — Ri nervosa, e suas bochechas ficam mais coradas que o normal. — Está louco?
Dou de ombros.
— Você estava tentando avaliar se preciso ou não de dieta, só ia facilitar. — Sorrio. — Em minha defesa, posso garantir que sou muito regrado com os exercícios. Admito exagerar um pouco no bourbon, mas compenso na alimentação.
— E você fuma também... — ela completa quase automaticamente e, ao perceber que demonstrou ter prestado atenção em mim, fica sem jeito. Sinto satisfação ao saber que ela sabe dos meus vícios, que me observa. — Não vai terminar de comer? — Aponto para seu prato, intacto desde que me sentei de frente para ela. Acho melhor abrir uma concessão no jogo e deixá-la terminar de comer em paz. — Se quiser que eu saia...
Ela aperta os olhos como se desconfiasse das minhas intenções. Então, mesmo parecendo incomodada com minha presença, levanta o queixo, pega o garfo e nega.
— Não, pode ficar. É melhor eu ir me acostumando com sua presença, afinal, trabalharemos no mesmo espaço, não é?
Ela pega um bocado da quiche que estava comendo e mastiga olhando-me com a sobrancelha erguida e com pose de quem está no controle da situação.
O movimento de sua boca chama minha atenção, e eu fixo os olhos em seus lábios fechados, reparando mais uma vez em como são carnudos e tentando imaginar a textura e o sabor deles.
Desvio os olhos e aperto minha coxa por baixo da mesa para me controlar.
— Certo — concordo com o que ela disse. — Então teremos uma espécie de trégua?
Ela ri.
— Não sabia que estávamos em guerra, doutor.
Sua risada rouca estimula meus sentidos. Os pelos dos meus braços se arrepiam por baixo da camisa, e sinto vontade de pular a mesa que nos separa e comprovar se esse tesão todo é real ou fruto das fantasias que criei com ela durante esse ano em que ficamos de sacanagem online.
Resolvo mudar de assunto para não cometer uma sandice.
— Estranhei não encontrar balões, serpentinas e fogos hoje aqui na empresa.
Ela franze a testa e me encara como se não entendesse minha colocação.
— De acordo com sua ficha, hoje é seu aniversário. — Wilka para de mastigar, e a tensão em seu corpo é quase palpável. Hum, interessante! — Não quer que saibam que você entrou na casa dos 30?
— Quando... — ela está ofegante — você leu minha ficha?
Pelo brilho que capto em seus olhos, sei que toquei em assunto complicado. Lá vamos nós... adeus, trégua!
— Quando Theodoros a escalou para trabalhar no projeto — disfarço, pois não posso lhe contar a verdade. — Precisava saber se estava apta.
— O quê?! — Agora, sim, ela está furiosa. Oh, merda! — Queria saber se eu estava apta a fazer meu trabalho?! — Ela se levanta. — Você é mesmo um bostas!
Sou o quê?!
— Não é para tanto, você está fazendo uma tempestade em copo...
Ela sai do refeitório marchando com suas botas vermelhas sem olhar para trás, e eu percebo que estou fodido. Não vou conseguir abafar a química existente entre nós – sim, porque ela também sente! – e, ao mesmo tempo, não conseguirei que ela abaixe suas defesas para que eu possa ver no que isso pode dar.
Pego o celular e abro a loja de aplicativos, buscando o Fantasy novamente.
Preciso ressuscitar o Portnoy!
Pela primeira vez, depois de mais de dois anos de terapia, estou deitada no divã da doutora Jane. Antes eu ficava sentada, conversava, ria e fazia piadas com minha situação, mas hoje, não.
Desde ontem me sinto mexida com o que aconteceu entre mim e o Kostas Karamanlis, a visita dele à minha sala, seu anúncio de que vai trabalhar diretamente comigo, as provocações dele e minhas reações a elas. Eu estou confusa, muito confusa, e falar sobre isso não está sendo fácil.
— Mas você está se sentindo assediada? — Jane pergunta. — Você não está sendo muito clara sobre isso, Kika. Já a ouvi falar do homem, do quanto vocês se odiavam, me lembro de como ficou quando pediu demissão por causa dele. Agora você me diz que estão acontecendo “climas” estranhos entre vocês e que isso a está deixando confusa? Me explique direito.
Fecho os olhos, nervosa, respiro fundo e tento fazer o meu melhor para explicar a ela a situação toda da maneira mais clara e sincera possível.
— Eu acho que eu poderia me sentir assediada, sim. Ele é meu chefe, como adora ressaltar, então isso por si só é uma questão, mas não. — Olho-a. — O que está me incomodando não é pensar que ele possa estar interessado em mim, mas o que isso me causa.
— Acha que pode prejudicar seu emprego? Há formas de denunciar...
— Não, Jane! — Rio sem jeito. — Ele mexe comigo — não consigo encará-la ao admitir isso. — De todos os homens no mundo, Konstantinos Karamanlis consegue mexer comigo. Não sei como aconteceu. Claro que eu já tinha visto que ele é um homem bonito e muito charmoso, mas isso antes de ele começar a ser uma pedra no meu caminho.
— Hum...
Bufo de raiva e a olho. Odeio quando ela emite apenas esse “hum”! O que significa? Eu venho para a terapia a fim de buscar respostas, mas saio daqui com mais e mais perguntas. Eu sei que é para ser assim, porém, isso irrita!
— Eu ando me sentindo mais solta, sabe?
— Você está, Kika. Se permitiu coisas que vão muito além de todas as suas fantasias. Saiu do seu mundo imaginário e investiu no real; ainda que de forma “virtual”, tinha alguém lá com você.
Concordo e penso em Portnoy e sua volta ontem.
Nem acreditei quando recebi notificação de mensagem privada no chat do Fantasy. Eu estava prestes a cancelar a assinatura e desinstalar o app, mas acabei esquecendo, por isso recebi a mensagem.
Ele tentou se justificar dizendo que estava com alguns problemas pessoais e que precisara de um tempo para pensar longe de tudo. Sinceramente, não me convenceu, mas ainda assim lhe respondi. Disse que ele não me devia explicações e que estávamos ali por isso: sem compromisso, sem amarras.
Foi aí que tudo ficou ainda mais estranho.
“Quais são as novidades de hoje?”
Li pelo menos uma dúzia de vezes essa pergunta, pois não parecia coisa dele. Portnoy sempre se manteve distante desde que começamos a conversar. Claro que eu acabei conseguindo fazer com que ele soltasse uma ou outra informação pessoal, mas ele nunca o fazia voluntariamente. Acho que por isso mesmo quase nunca me perguntava as coisas, para não dar margem a ser questionado também.
Era a segunda vez que ele fazia esse tipo de indagação, e isso era, no mínimo, muito estranho. Alguma coisa mudara!
“Nada de importante, apenas dias corridos de trabalho, pressão e rotina.”
Esperei que ele entrasse no campo da safadeza, para lhe dizer que não estava a fim, mas mais uma vez fui surpreendida.
“Como estão as coisas na empresa onde trabalha?”
Meus pensamentos foram levados para o almoço e para a miscelânea de sentimentos que tive naquele pouco espaço de tempo.
Estava sentada, um tanto aborrecida por ter ficado tão impressionada com a visita do Kostas. Atrasei meu cronograma da manhã e, por isso, tive que ir comer mais tarde e sozinha.
Já como sozinha em casa à noite todos os dias, então, durante a semana de trabalho, sempre aceito os convites para comer com algum grupo, conversar e relaxar um pouco. Como atrasei, não pude ir com as meninas para o refeitório e, por isso, estava comendo o que sobrara nas gôndolas do bufê.
O almoço estava deprimente demais, e eu me concentrava em mastigar – contando cada movimento das mandíbulas – e engolir a comida, olhando para o prato. De repente uma sombra se impôs sobre mim, e fui surpreendida pelo diretor jurídico sentando-se à minha mesa sem nem mesmo perguntar se podia.
Mal-educado!
Não vou dizer que foi tudo ruim, embora um certo formigamento estivesse presente em uma parte sensível do meu corpo, e isso estava me fazendo ficar cada vez mais reativa a ele. Não entendia e nem aceitava o que estava acontecendo, pois ele seria o último homem por quem eu deveria sentir desejo.
A verdade é que senti, e muito! E, mesmo não querendo, ainda sinto!
— Ele leu minha ficha — volto a falar com a Jane — e sabia o dia do meu aniversário. Eu o pressionei a dizer o motivo pelo qual a olhou, e ele disse que queria saber se eu estava apta a assumir um projeto junto a ele. Fiquei enfurecida. Se tivesse outro copo com água na mesa, ele corria sério risco de ficar molhado, então saí de perto. Mas....
— Mas?
Lembro-me da fúria que sentia ao sair do refeitório e do tesão que também estava sentindo. Fiquei ainda mais irada por isso. Como eu posso sentir raiva e desejo ao mesmo tempo? Eu não quero sentir isso por ele, não por ele!
— A atração não deixou de existir mesmo depois de eu ter a confirmação de que ele continuava sendo um babaca e que esse fato não mudaria só porque pediu uma trégua e conversou comigo normalmente.
— Tesão? — Ela considera. — Fale-me sobre isso.
Rolo os olhos. Odeio esse jargão de terapeuta que ela usa. Fale-me sobre isso? Tesão, vontade, curiosidade, tudo junto e misturado à raiva e o desejo de voar em cima dele e dar muitos tapas naquela cara larga!
— Já falei sobre isso, não foi a primeira vez, embora tenha sido mais intensa que das outras — custa-me admitir isso. — Estamos nesse clima diferente desde que voltei para a empresa. É estranho, e eu não entendo o que desencadeou tudo isso. Era para eu desprezá-lo ainda mais depois de tudo, mas não.
— E Portnoy?
Suspiro.
— Voltou a aparecer. — Jane arregala de leve os olhos, talvez não esperando essa resposta. — Disse que teve uns problemas pessoais e por isso se afastou. — Encaro-a. — Acho que ele deve ser um homem casado. — Faço careta. — Fiquei pensando que a esposa deve ter descoberto, ele saiu do app para não deixar rastros e depois voltou...
— Com o mesmo nome e perfil? — Assinto. — Não faz muito sentido.
— É... — Rio de mim mesma. — Ele estava estranho, perguntou sobre meu trabalho, não fez nenhum tipo de gracinha, não tentou uma provocação. Eu também não estava à vontade, era como se ele fosse outra pessoa.
— Como você não sabe quem ele realmente é, podia ser, não?
Nego com segurança.
— Não! Era ele, só que... diferente. — Sorrio. — Parecia que ele estava querendo se aproximar mais de mim.
— Isso é ruim?
Dou de ombros.
— Não sei. Tenho medo de quebrar a fantasia e descobrir que ele me causa o que todos os outros homens me causaram até hoje.
— Menos o doutor Konstantinos.
Gemo e tampo o rosto com as mãos.
— Parece que sim. — Xingo, e ela ri, já acostumada com minha boca suja. — Será que sou sádica? — Jane gargalha. — Sério, de todos os homens com quem já tentei, será que o único a conseguir vai ser justo um que eu desprezo? Isso diz alguma coisa sobre mim? — Sento-me assustada. — Será que tenho alguma síndrome tipo aquela de Estocolmo ou...
— Kika, respira e não viaja, o homem nem tentou te sequestrar! — ela faz a brincadeira para descontrair, mas a vejo anotar no caderninho, e ela só anota nele quando a coisa está séria.
Eu estou mesmo fodida!
O final de semana foi bom! No sábado, depois da ida até a terapia, passei a tarde toda passeando com Kaká, Verinha e Ferdinando. Adoro a companhia da minha vizinha, e ela, como sempre, matou-me de rir com suas histórias. Depois de deixarmos os cachorros em casa, fomos ao cinema, e ela me perguntou, enquanto comíamos uma pizza após o filme, se eu tinha interesse em Vinícius.
— Sim, porque ele está amarradão em você.
— Ah, Verinha, somos vizinhos, e ele tem o Carlinhos também, então não quero misturar as coisas — respondi sem querer entrar muito em detalhes.
Ela não insistiu, e isso é uma das coisas que mais gosto nela. Sem dúvidas é uma grande amiga, mas não se mete na minha vida. Tem acesso ao meu apartamento, confio nela desde a primeira vez em que nos vimos. No entanto, não é de perguntar ou dar pitaco nas minhas coisas.
No dia seguinte, fui até um dos asilos em que faço trabalho voluntário e fui surpreendida por uma pequena festinha. Fiquei sem jeito e vi a felicidade das senhoras e senhores que moram no lugar, recebi presentes – desde poemas a canções executadas por um trio que tocou junto a vida toda – e festejei a vida com as pessoas que mais entendem dela.
Os organizadores – o pessoal da ONG e alguns funcionários do local – levaram tantas coisas legais que passamos o dia fazendo o que eu mais gosto: produzindo as vovós, cuidando de seus cabelos, unhas e caprichando na “make up” e depois jogando damas e baralhos com os grupos.
Eu não gosto de festas de aniversário, mas essa, sem dúvida, foi perfeita para mim. Saí de lá leve, com o coração aquecido e morta de cansaço. À noite, só consegui me jogar na cama de pijama, agarrar meu Kaká e lhe fazer muito carinho, e sabe-se lá quando dormi, pois acordei hoje com o despertador, toda torta na cama e com a TV ligada.
Tinham mais de dez mensagens do Fantasy, mas ignorei todas. Não estava me sentindo à vontade para conversar com Portnoy.
Saí correndo, porque, entre todas as notificações, estava o lembrete do lançamento que eu estava esperando na livraria perto do trabalho e, como não queria chegar atrasada, enfiei a primeira roupa que encontrei – um macacão justo de listras.
Entro na Karamanlis segurando junto ao peito o mais novo lançamento do meu autor favorito, feliz por ter conseguido comprá-lo a tempo. Estava há meses esperando esse livro ser lançado no Brasil para poder tê-lo em minha prateleira, junto aos dois primeiros. Não sei quando terei tempo para o ler, mas meus dedos já coçam de vontade de o folhear para ler o final.
Rio da loucura que sempre faço. Qual é a graça de ler mistério e sempre começar pelo final? Pois é, eu trapaceio! Não dá para ler T.F. Gray sem spoiler, senão arranco todos os cabelos durante a leitura.
Chego tão empolgada com a aquisição que nem percebo os olhares assustados do pessoal da minha equipe.
— Bom dia! — cumprimento-os, mas todos parecem um tanto murchos. — Rosi, o que houve?
A mulher para no meio do ato de carregar um dos meus cactos para fora da minha sala.
— Ele chegou antes de todo mundo e tumultuou tudo...
Ah, porra! Ele veio mesmo!
Lembro-me da “ameaça” de Kostas de se mudar para minha sala e bufo de raiva, esquecendo meu bom humor e afiando as garras para agarrar aquele pescoção e mandá-lo de volta – com um chute na bunda – para o outro lado do prédio.
— Eu posso saber... — emudeço ao ver minha mesa cheia de coisas e, no canto onde ficava uma poltrona – na qual eu gostava de trabalhar à noite, diga-se de passagem –, encontro uma mesa novinha, com um Macbook e uma pilha de pastas.
— Ah, a chefe do setor chegou! — Konstantinos Karamanlis faz questão de olhar para o relógio e levantar a sobrancelha. — Cheguei mais cedo e tive a surpresa de ver que a senhorita não levou a sério meu pedido de sexta-feira.
— Pedido? — Rio. — Isso é uma sandice! Minha sala tem a metade do tamanho da sua, por que quer vir para cá? Não há necessidade alguma!
— Quer ficar na minha? — Ele se encosta à beirada da mesa e abre um sorriso safado. — Eu não queria esse clichê de ter de perguntar se você preferia na minha ou na sua, então, como presumi que você é uma mulher moderna, assumi que preferiria na sua. — Dá de ombros e ri da minha cara de espanto. — Por mim, topo qualquer lugar que quiser. Quer ir para minha sala?
Mas que porra de conversa é essa?!
Está claro que ele fez esse joguinho com as palavras de propósito, e, sinto informar a todos vocês, caí nele como uma pata! Não visualizei as salas enquanto ele falava, mas, sim, camas. Eu estou perdida!
— Ei, algum gato comeu sua língua?
— Não seja ridículo! — reajo. — É claro que não quero ir para sua casa... — balanço a cabeça e corrijo rápido – digo, sala! Não há nenhuma necessidade disso, trabalhamos no mesmo andar!
Ele parece estar se segurando para não rir, e eu tenho vontade de gritar e expulsá-lo daqui a berros! Entretanto, não vou dar esse gostinho de ele me fazer bancar a louca e ainda conseguir me tirar da conta da Ethernium. Sim, deve ser isso que o babaca quer, afinal, por que outro motivo ficaria no meu pé desse jeito?
— A senhorita está enganada sobre o que é necessário ou não. — Senta-se em sua cadeira, dá uns pulinhos ridículos nela para testar – o que faz com que eu olhe para seu colo e imagine como seria me sentar ali, enquanto ele se agita dessa forma – e, em seguida, pega uma das pastas. — Se fosse uma gerente responsável, saberia que tivemos mais cinco pedidos de reuniões e que nosso cliente marcou um encontro conosco, mas... — encara-me — chegou atrasada. Final de semana de muita loucura e comemoração?
Será que sangue ferve ao atingir 100 graus igual à água? Se sim, qual será a temperatura necessária para fazer virar vapor rapidamente? Porque, com certeza, já estou nessa! Se estivéssemos em um desenho animado, vocês veriam nuvens de vapor saírem dos meus ouvidos e narinas.
Primeiro, ele entra na minha sala, mexe nas minhas coisas e faz uma bagunça em tudo. Só isso já era motivo para eu estar apitando igual a uma maria-fumaça, mas não, ele é o Bostas Karamanlis, precisa ir além! E o que ele melhor faz nessa vida senão questionar meu profissionalismo?
Cheguei cinco minutos atrasada porque parei na livraria para pegar o livro, só isso! Tudo bem, admito que poderia ter passado lá na hora do almoço, mas eu corria o risco de não conseguir sair da empresa e o livro esgotar. Não poderia ficar sem meu exemplar!
Contudo, o que ele sabe sobre amar ler e ter um autor favorito? O homem só deve ler jurisprudência o dia todo!
Conto até dez, tentando me acalmar e não dar a ele o que pretende: mais uma desavença entre nós e um problema para o Theodoros resolver. Vou até minha mesa e tiro algumas coisas de cima dela, deixando meu livro em um canto seguro.
— Ainda assim, estamos no mesmo andar, e minha sala é muito apertada para nós dois.
— É, eu sei — encaro-o quando admite. — Tudo bem. — Fica sério e fixa seus olhos azuis nos meus. — Já estou acostumado, Wilka Maria, sou grande, fico apertado na maioria dos lugares.
Ah, puta merda!
Fecho os olhos e tento expulsar da mente a imagem que insiste em aparecer sem parar, mas não consigo! Tudo o que vejo é Konstantinos Karamanlis nu e me provando que realmente é muito grande.
Termino de ler a peça feita por um dos advogados do contencioso para uma ação de reintegração de posse de um dos prédios cuja Karamanlis é dona e que foi invadido há pouco tempo por um desses movimentos sem-teto. Essa é a parte mais chata do trabalho, cuidar desses elefantes brancos adquiridos na gestão de Nikkós, que ficaram sucateados, pois ele mesmo desistiu dos empreendimentos. São verdadeiras carcaças, sem água, sem luz e sem acabamento, abandonadas pela cidade em áreas que não compensam o investimento – mais uma das merdas feitas pelo idiota do meu pai – e que só geram prejuízo e dor de cabeça.
Para piorar, somos depositários de outros desses – a maioria em litígio ou inventário – em áreas nobres da cidade e que passam pelo mesmo problema de invasão. Prédios praticamente prontos, mas abandonados, cujos donos faleceram e os herdeiros não chegaram em consenso sobre a partilha, e a Karamanlis foi indicada como guardiã do bem até o final do litígio. Uma verdadeira merda!
Levanto os olhos e vejo Wilka concentrada lendo algo na tela do computador enquanto rói um tipo de barra de proteínas. Rio disso, pois, nesses dias em que estamos dividindo a sala, percebi que ela não come, ela rói! Vai tirando pedaços mínimos – seja dessa barra proteica ou mesmo de chocolate –, o que faz com que fique muito tempo com aquilo na boca.
Já tive ereções lhe assistindo comer chocolate, admito. Ela colocava uma ponta do doce na boca e deixava derreter, então lambia os lábios. Porra, nunca passei por um negócio tão sensual, só ficava imaginando-a cobrindo meu pau de chocolate e o degustando da mesma forma.
O olhar dela de repente encontra o meu – talvez tenha sentido que eu a estava observando –, e ela arruma a postura e tira a barra da boca, deixando-a de lado.
Ergo a sobrancelha, e ela pigarreia.
— Está à toa aí? — pergunta. — Tenho páginas e páginas de documentação dos locais que nos deram retorno positivo; se quiser, posso dividir com você.
— Ah, que boazinha, dividindo diversão! — Sorrio sarcástico. — Não, obrigado.
Ela cruza os braços, e meus olhos são atraídos para o volume de seus seios. Desvio-os rapidamente para que ela não perceba.
— Ué, o propósito de você ter imposto sua presença aqui na minha sala não foi participar de todas as etapas dessa conta? — Ela me olha com um meio sorriso, e eu fico duro.
Preciso admitir que me mudar para a sala dela não foi a coisa mais inteligente que fiz. É certo que resolvemos muitas questões relacionadas a Ethernium, mas a proximidade física tem fodido com minha libido, deixando-a nas alturas.
Eu só não estou perdendo a cabeça ainda porque reconheço que um jogo inteligente é um bem pensado e feito com calma. Desde que entreguei os pontos e admiti para mim mesmo que, mesmo ela sendo alguém do meu convívio profissional, eu precisava fodê-la, tenho ido devagar para quebrar o gelo com a irritadinha.
Não tem sido fácil! Do mesmo jeito que Caprica e Portnoy se provocam de maneira natural, nós dois, de verdade, discutimos com a mesma naturalidade. É incrível como não percebi antes que ela e a Cabritinha eram a mesma pessoa!
Tenho falado com Caprica todas as noites – o que tem salvado meu saco de ficar preto e cair de tanto tesão acumulado – e, quando leio as mensagens dela, posso ouvir sua voz e reconhecer que ela escreve do mesmo jeito que fala.
Tenho observado como Wilka é com a equipe e visto o porquê de tantas pessoas dentro desta empresa gostarem dela. A mulher não esquece nada! Se um colega de trabalho comenta que está com dor de dente, dias depois ela ainda pergunta se ele já foi ao dentista; se alguém comenta algo do filho, podem se passar dias, mas a pimentinha lembra e indaga. Ela aproxima as pessoas e lhes dá atenção, mesmo em meio a todas as horas que se mantém trabalhando.
Não sei se isso é algo inerente ou se ela criou esse hábito para fazer essa imagem de mulher de negócios, mas afetuosa. A estratégia é inteligente, pois a equipe se mata para cumprir as coisas que ela pede, e nunca, até o momento, a vi falando mais incisivamente com nenhum deles.
A pimentinha guarda sua língua afiada para mim!
— E você ressaltou várias vezes que não precisa que eu me meta em todos os assuntos dos hunters — volto ao assunto e aponto para o computador dela. — Esse, a meu ver, é um assunto da sua gerência.
Ela se surpreende com minha resposta.
— Ora, ora... acho que nossa convivência está te fazendo mais inteligente! — Sorri debochada. — Mais algum tempo por aqui e quem sabe você vire uma pessoa de verdade!
Faço minha cara de tédio, que geralmente deixa engraçadinhos sem jeito, e ela gargalha.
O som da risada preenche o ambiente, e eu sou levado à nossa última conversa no chat do Fantasy.
“Pode esquecer, que não vou comprar isso dessa vez!”
Escrevi categórico quando ela me mandou a foto de um estimulador de próstata. Achei estranha a foto, pensei que ela queria que eu comprasse um vibrador para que usasse em si mesma, mas, quando pesquisei, engasguei-me e cuspi meu caro e macio bourbon, negando em seguida a possibilidade de enfiar algo vibrando no meu rabo para saber se o gozo era mais intenso.
Foi nesse momento que ela enviou um “KKKKKKKK”, e eu pude ouvir, nitidamente, a mesma risada que escuto quando ela está com os amigos ou como a que emitiu agora.
“Está com medo de gostar muito, Portnoy? Não tem problema, isso não afeta sua masculinidade!”
Fiz uma careta, mas ri, imaginando sua expressão debochada e sua gargalhada alta ecoando pelo apartamento.
“Talvez possamos conversar melhor sobre isso quando você se dignar a me conhecer pessoalmente!”
Dei a cartada final, achando que, mais uma vez, ela iria correr, mas conseguiu me surpreender.
“Se prepara, então, estou pensando seriamente em fazer isso!”
Fiquei olhando para o celular sem entender aquilo, afinal, estávamos havia mais de um ano conversando, e ela nunca dera sequer esperanças de um encontro! Por que justamente agora?
“Oi? Não gostou da novidade?”
Não fazia ideia de como responder. Isso era tudo o que eu queria desde quando nos encontramos no aplicativo, mas agora, depois de descobrir quem ela realmente é, não sinto nenhuma vontade mais de ser outra pessoa. Voltei a ser o Portnoy para entender um pouco mais dela, pois, como Kostas, não temos nenhuma intimidade. No entanto, não tenho intenção de me encontrar com ela fingindo ser outra pessoa.
“Não sei se posso confiar nisso! Espero esse encontro há mais de um ano. Por que agora?”
Arrisquei a pergunta, mas ela desviou o assunto dizendo como gostaria de me encontrar, e acabamos em mais uma fantasia que terminou em gozo e uma satisfação questionável, pois a ideia de ela querer ver Portnoy não saía da minha cabeça.
Volto à realidade do escritório ao vê-la sair da sala, passando em frente à mesa que mandei instalar na segunda-feira de manhã. Foi uma delícia vê-la sem saber o que fazer, provocá-la por causa de seu atraso e deixar mais umas frases de duplo sentido no ar.
Eu sei que Wilka Maria sente o mesmo caralho de atração que sinto. Contudo, é muito mais controlada do que eu. Ela citou uma vez um tal Kaká, então presumo que possa buscar alívio nesse pau amigo, mesmo sendo eu a despertar seu tesão, e, por isso, não está tão necessitada quanto eu.
Bem, isso não é de todo verdade, pois tenho ainda contratado uma ou outra prostituta, senão a coisa estaria bem pior, e eu já a teria agarrado, deitado em cima dessa mesa e trepado com ela até perder a razão.
Wilka Maria volta com duas xícaras de café nas mãos, para em frente à minha mesa, deixa uma e segue para a sua própria. Olho para a bebida fumegante, o cheiro maravilhoso invadindo o ambiente, e franzo a testa.
— Pode beber sem medo. É café, não cicuta — informa, bebericando em sua xícara, com sua sobrancelha debochada erguida e um leve sorriso aberto.
Puxo a xícara para mais perto, mas ainda não a pego.
— Cuspiu dentro? — brinco, e ela quase se engasga.
— Como você é desconfiado! Ninguém nunca fez uma gentileza para você, não?
Rio.
— Algo me diz que não foi uma gentileza.
Ela dá de ombros.
— Não foi, é verdade. Foi mais um ato de proteção, afinal você estava aí sentado com uma cara de cachorro que caiu da mudança, resmungando igual ao Muttley — ela me encara —, o cachorro do Dick Vigarista, conhece? — Rolo os olhos e assinto. — Então pensei que um café bem forte poderia curar qualquer que fosse essa coisa que estava acontecendo contigo.
Pego a xícara e experimento a bebida, comprovando que não tem nada estranho mesmo com ela.
— Que atencioso! — debocho.
— Eu sou atenciosa. — Abre um enorme sorriso. — Com quem merece, claro! Mas, no seu caso, foi somente por proteção mesmo. Não preciso de um advogado do seu tamanho andando mal-humorado pelo meu setor.
Bebo de novo e balanço a cabeça.
— Você é mesmo uma pimenta, Wilka Maria! — penso em voz alta.
Ela para de beber e fica um tempo estática, olhando-me assustada, e eu tento lembrar se Portnoy já a chamou assim. Sinceramente, não lembro, então não faço ideia do motivo que a deixou assim.
— Espero que isso não seja uma ofensa — ela diz, e eu resolvo aproveitar o gancho.
— Não, pode ter certeza de que é um grande elogio. Eu adoro pimenta!
Pisco e volto a mexer na peça que estava olhando antes. Escuto-a soltando o ar devagar, meu corpo inteiro treme como se a respiração dela tocasse minha pele, sensual, carregada da eletricidade que sinto quando estamos próximos.
Preciso admitir, mesmo sendo um tanto inconveniente, é muito interessante estar vivenciando algo tão diferente de tudo o que já fiz. Com uma garota de programa ou uma desconhecida não há tempo para isso, é algo quase mecânico; aqui com ela, não.
É nitroglicerina pura, e eu não vejo a hora de poder explodir tudo!
Depois do almoço tive uma rápida reunião com o pessoal do Millos, por quem fiquei encarregado, por isso não encontrei mais Wilka Maria na parte da tarde. Retornei à minha própria sala, chamei os coordenadores para conversar sobre alguns dos processos que mexemos nesta semana em que estou entocado na gerência de hunter e, quando anoiteceu, voltei para a sala que divido com ela.
Claro que a baixinha viciada em trabalho ainda estava à sua mesa, fazendo anotações em um caderno ao lado do teclado do computador, compenetrada em suas análises, a ponto de só erguer o olhar para confirmar que era eu por míseros segundos.
— Amanhã vou ajudar com a documentação que chegou — informei-a, e ela apenas assentiu. — Não é a parte que me cabe, mas parece que você não vai dar conta.
— Vai para o inferno, Kostas — ela disse sem me olhar, e eu ri, gostando de ela não ter dito o “doutor” antes do meu apelido. — Veio para cá para isso, mas, se acha que vou ficar implorando ajuda, está muito enganado. Claro que dou conta!
— Imagino que sim! — Apoiei-me na beirada de sua mesa, e isso fez com que eu tivesse sua atenção. — Quantas páginas analisou hoje? — Não respondeu, apenas deu de ombros. — Já passa das 22h. Pretende ficar aí até quando?
Ela franziu a testa, uma coisa que percebo que faz muito, e se dignou a me olhar.
— Preocupado com meu bem-estar, doutor?
— Não, pelo sarcasmo na sua pergunta, sei que está ótima! — Ri, e ela me acompanhou. — Dividi melhor meus trabalhos com os outros advogados para poder me dedicar mais a essa nossa missão conjunta. Não quero que, depois de conseguirmos fechar a conta, você fique por aí se gabando de que fez tudo sozinha.
Wilka salvou o documento, desligou o computador e pegou seu caderno, colocando-o em sua bolsa.
— Está achando que eu sou você? — provocou-me.
Olhei para o livro que ela tirou da bolsa para acomodar melhor as outras coisas, peguei-o e o folheei um pouco.
— Uma leitura interessante, porém, popular demais — analisei, e ela o tomou de minha mão sem a menor cerimônia. — Não sou eu quem diz isso, mas a crítica no geral.
— Foda-se a crítica! — Gargalhei. — Eu entendo que toda arte tem seus entendidos, mas isso não significa que o que eles dizem seja verdade absoluta. Tudo o que faz muito sucesso, eles rotulam como “popular” ou “para o público em geral”, como se isso fosse ruim.
Levantei as mãos.
— Calma! Não sabia que estava lidando com uma fã. — Ela bufou. — Eu nunca li nada dele, mas cheguei a comprar os primeiros volumes.
Bingo! Quase aplaudi a mim mesmo ao ver a perplexidade em seu rosto. É claro que eu sabia que ela era fã do Gray, afinal, já me disse isso no aplicativo e ainda ficou puta quando fingi confundir o autor com o personagem de um romance, ressaltando que o outro era Grey.
Questionei-me como não pensei nisso antes. O melhor jeito de puxar um assunto era falando sobre livros. Eu conheço o gosto dela, sei o que gosta de ler, embora sejamos diferentes.
— Deveria ler e tirar suas próprias conclusões, então.
Ah, perfeição!
— Quando tiver tempo, quem sabe. Mas você poderia tentar me convencer também. — Apontei para sua bolsa. — Depois que terminar a trilogia, diga se vale a pena; senão, nem começo.
— Combinado, então. — Saí de onde estava para ela passar, mas vi um sorriso aparecer em seu rosto. — Boa noite, doutor.
— Boa noite, Wilka Maria.
Fiquei muito satisfeito com essa conversa, confesso. Senti uma boa camada do gelo entre nós derreter, e isso é algo bom.
Agora, quase à meia-noite, ainda estou na empresa e decido abrir o e-mail corporativo antes de ir para casa.
— Puta que pariu! — solto um berro com o xingamento.