Desço do táxi perto do prédio da Karamanlis, do outro lado da Paulista, pois resolvi comprar algo para comer mais substancioso do que apenas a salada e o grelhado do restaurante da empresa. Dobro a esquina e avisto Wilka praticamente pendurada na janela de um carro estacionado, conversando com alguém.
Ela nega algo várias vezes antes de a portar ser aberta e ela entrar no veículo.
Escondo-me precariamente perto de um poste, esperando que o carro saia, mas não, continua parado nesta rua transversal da Paulista, vidros todos com películas escuras, o que me impede de ver dentro do automóvel.
Fico quase 15 minutos escondido como um idiota, apenas esperando que algo aconteça e, quando vejo a porta se abrir novamente, ando rapidamente para dentro da loja, com portas tanto para esta rua quanto para a Paulista, e fico de olho na calçada, esperando ver Wilka passar.
Pode ser besteira, mas aquela cena toda me incomodou. Sei que sou desconfiado por natureza. Contudo, não pareceria suspeito a qualquer um o que acabei de presenciar?
— Posso ajudá-lo em algo, senhor? — um vendedor pergunta.
— Não. — Saio da loja e a avisto entrar na Karamanlis.
Posso estar desse jeito por causa da conversa com Alexios, mexer no passado sempre me deixa mais sensível, puto, desconfiado e irritadiço. Não tenho motivos para achar que Wilka possa estar fazendo algo errado, não ela. Claro que não!
Atravesso a avenida tentando não ver chifre em cabeça de cavalo. Não há por que ficar incomodado com nada que ela faça, estamos tendo um caso gostoso, temos alguns acordos – como exclusividade e sinceridade com o outro –, então, basta que eu pergunte a ela o que está acontecendo.
Isso! Assunto encerrado!
O saguão do prédio da empresa está lotado, várias pessoas aguardam na recepção para conseguir entrar. Enfio minha chave de acesso aos elevadores no leitor da catraca, mas uma mensagem de erro aparece insistentemente.
— Porra, de novo! — resmungo irritado, e um dos seguranças vem em meu auxílio, mas nego. — Não precisa, vou pedir outra e abrir mais um chamado!
Não adianta ele liberar minha entrada agora; depois; se precisar sair e voltar para cá, vou ter que ficar pedindo sempre para alguém liberar. É melhor pegar uma chave substituta. Vou direto ao balcão de uma das recepcionistas, que atende uma mulher.
— Eu posso transferir para a secretária da diretoria e ver se ela consegue agendar algo. — Ana Flávia, sei o nome porque vejo-o no seu crachá, digita algo no computador.
— Por favor, faça isso, eu... — a voz da mulher parece desesperada, mas nem mesmo lhe olho.
— Minha chave de acesso do elevador parou de funcionar novamente — disparo para a recepcionista, entregando o cartão com defeito para ela. — Me dê uma nova, por favor, e abra um chamado de novo para esses incompetentes.
Ana Flávia arregala os olhos e logo procura os cartões extras em sua gaveta.
— Claro, doutor Karamanlis.
— Kostas! — a mulher que ela atendia diz meu nome de repente, e eu a encaro. De onde a conheço? — Konstantinos, certo? — ela volta a perguntar. Arqueio a sobrancelha, olho-a de cima a baixo, achando-a bonita e tentando lembrar se já utilizei seus serviços antes.
Uma puta não fica vestida com seu “uniforme de trabalho” o dia todo, então, mesmo que essa esteja com uma roupa bem normal, não posso excluir a possibilidade.
— Depende... Quem é você? — inquiro desconfiado.
— Maria Eduarda Hill. Eu sou...
De repente a imagem da chef em cima do palco me acerta, e eu vejo, sim, certa semelhança com essa mulher que fala comigo, embora pareça um tanto abatida, com olheiras fundas, e rosto anguloso de tão magro.
— Ah... — Rio, olhando-a novamente, comparando-a com a amiga de Viviane. — Eu esperava coisa melhor — sou sincero, e ela franze a testa.
— Eu preciso falar com um de vocês. Minha filha está muito doente... — Maria Eduarda Hill nem respira ao me contar a história de sua filha, que está doente em um hospital de referência em hematologia e precisa da nossa ajuda para... paro de prestar atenção ao ouvir a palavra “ajuda”, pois traduzo-a automaticamente por dinheiro. — Eu preciso falar com o Theo...
— Ah! Entendi! — Sorrio malicioso. Meu irmão querido viajou e não entrou mais em contato com ela. — Ele já enjoou de você, não foi? — tento lamentar, mas não consigo. Provavelmente o idiota do Theo encontrou mais uma interesseira que está tentando fisgar o herdeiro de ouro da Karamanlis. Bom, fisgar, não sei, mas o fez atirar no próprio pé. — Olha, você deve ter algo muito especial entre as pernas para ele ainda não ter cobrado a promissória.
Duda Hill arregala os olhos.
— Que promissória?
Puta que pariu! É melhor do que eu imaginava!
Ela não sabe sobre a dívida, então não deve ter pedido nada a ele, o que significa que Theodoros pediu o cancelamento por vontade própria. O filho da puta está mesmo apaixonado!
Abro um enorme sorriso, cruzo os braços e aproveito a oportunidade de causar uma boa dor no cu para Theo.
— Ah, não sabia?! A promissória que seu pai, aquele viciado em jogo, assinou com o agiota para alimentar a farra.
Duda Hill parece levar um soco e se escora ao balcão da recepção. Controlo-me para me manter onde estou, com a atitude mais fria possível, e não demonstrar qualquer tipo de preocupação com a mulher à minha frente. Não gosto de atingir quem não tem nada a ver com minha briga com ele, mas, como é sabido, em uma guerra vale qualquer coisa.
Vejo-a sair da Karamanlis um tanto perdida, mas recuso-me a sentir pena. Éramos todos inocentes quando Theodoros fez a merda que transformou nossas vidas no pesadelo constante de anos e anos nas mãos de Nikkós. Ele não merece pena, nem felicidade, e ela, por mais que sofra agora, um dia me agradecerá por livrá-la dele.
Pego o cartão com a recepcionista e, dentro do elevador, envio uma mensagem de texto.
“Duda Hill está tentando encontrar Theodoros. Seu plano ridículo falhou, parabéns!”
Imediatamente recebo a resposta.
“Você sabe onde ela está?”
Fico olhando para o celular, dividido entre dizer a ela a verdade ou não. Não tenho nada contra Duda Hill, absolutamente nada, mas compreendo que ela é uma peça importante do jogo para foder meu irmão, e, às vezes, para se ganhar uma partida, precisamos sacrificar peças importantes.
Mando o nome do hospital onde ela disse que sua filha está em tratamento e desligo o celular, achando-me ainda mais imundo depois disso, sentindo os vermes que consomem minha alma se refastelando de mais um pedaço dela.
Paro no meu andar e tento ir direto para a gerência de hunter, mas Murilo me para no corredor para mostrar um documento.
— O que eu faço? — o advogado questiona-me.
— Ligue para o gabinete e marque uma reunião com o juiz. — Murilo concorda. — Não dá para arriscar essa juntada sem uma conversa antes.
— Está certo. Obrigado, doutor.
Finalmente chego à gerência, e a primeira coisa que vejo é Wilka Maria comendo – leia-se roendo – uma enorme barra de chocolate.
— Não almoçou? — indago, já pronto para iniciar a pergunta sobre a cena que presenciei na rua.
— Almocei, sim, mas estou precisando de um pouco de açúcar. — Ela tenta sorrir, mas noto a tensão em seu rosto. — Como foi o almoço que você tinha fora da empresa?
Ergo uma sobrancelha para ela por ter mudado de assunto rápido e desviado o foco de si.
— Wilka, quem estava naquele...
Um estrondo, causado pela abertura abrupta da porta, me interrompe, e eu olho espantado para meu primo.
— Que porra está acontecendo para você entrar...
Millos segura-me pelo colarinho, mesmo sendo um pouco mais baixo que eu.
— O que você disse para a Duda?
O quê?!
Como é que esse homem sabe que eu falei com Maria Eduarda Hill? Millos deve ter um pacto com o demônio, não duvido.
— Ei! — Wilka grita. — O que houve, doutor Millos?
Meu primo respira fundo, solta-me e encara Wilka.
— Cheguei há pouco e fui parado pela recepcionista, que me informou que Maria Eduarda Hill esteve aqui à minha procura, que parecia desesperada, mas que foi embora depois de conversar com Kostas. — Ele se vira para mim. — O que você fez?
— Wilka, você poderia nos dar licença para...
— Não! — Millos aponta para ela. — Fique! Eu te conheço, Konstantinos, sei que não iria perder a oportunidade. O que você disse a ela?
— A verdade! — Dou de ombros. — Não tinha como adivinhar que ela não sabia!
— Puta que pariu! — Millos põe a mão na cabeça. — Você já não está satisfeito por ter tornado Theo um alvo para o Conselho, quer foder a vida pessoal dele também?
Isso me surpreende.
— Então ele está mesmo apaixonado! E a tal Valentina, que conheci no baile dos Villazzas? Vi anúncio de compromisso entre eles em uma publicação.
Millos arregala os olhos.
— Que loucura é essa, Kostas?
Dou de ombros.
— Bom, não fui eu quem fodeu a vida pessoal dele!
Olho de esguelha para Wilka, que parece confusa com a história que acaba de ouvir. Pois é, estamos lavando roupa suja na sua frente!
— O que a Duda queria, Kostas?
Porra!
Desvio os olhos de Wilka e volto a olhar meu primo, sentindo raiva dele, pela primeira vez em anos de nossa convivência, por me expor dessa forma. Respiro fundo, sabendo que fiz merda com Duda Hill e que, assim que ouvir as palavras que tenho a dizer, Wilka Maria vai conseguir me ver por dentro, além da aparência que consegui consertar ao longo dos anos.
Eu poderia evitar isso, não me expor dessa forma na frente dela, basta apenas não contar o que Duda queria, dizer que não sei ou apenas que ela precisava falar com Theodoros, mas alguma coisa dentro de mim, me impele a contar a verdade.
— Ela veio pedir ajuda — mal acabo de falar e olho para Wilka, seus olhos arregalados e preocupados. — A filha está doente, em um hospital e, por algum motivo, ela veio atrás de nós, já que Theodoros não está.
Wilka se levanta.
— Do que ela precisa? — ela faz a pergunta antes de Millos.
Reconheço ali a mulher que dedica seu dia livre para ajudar os outros, que se importa com cada pessoa dentro desta empresa como se todos fôssemos sua família.
Ela vai me odiar!
— Tessa está doente?! — a voz apavorada de Millos me assusta. — O que a menina tem? — Não consigo desviar os olhos do rosto de Wilka. — Porra, Kostas, responde!
— Eu não sei — respondo devagar. — Não prestei atenção. Eu só sei que está internada em um hospital para tratar alguma doença relacionada ao sangue e...
— Seu filho da puta! — sinto a raiva vibrar em cada uma das palavras do Millos. — Você não tem noção do que fez! — Desvio os olhos do rosto decepcionado de Wilka e olho para o Millos sem entender. — Qual o hospital em que ela está?
Digo o nome para Millos, que sai correndo da sala.
— Eu sabia que vocês não se davam bem... — a voz triste de Wilka me quebra por dentro. — Eu só não tinha noção de que você o odiava tanto! — Ela se aproxima de mim. — Não vou julgar o relacionamento de vocês, mas negar ajuda a uma mãe desesperada como uma espécie de vingança para atingir seu irmão é monstruoso demais!
Tento não ser atingido por essas palavras, principalmente pelo sentimento contido nelas.
— Eu disse a você que era um monstro. — Encaro-a. — Você disse que não tinha medo.
Wilka ajeita a alça da bolsa no ombro.
— Continuo não tendo, Kostas, mas isso não torna o que você fez menos monstruoso.
Ela sai da sala, bate a porta, e o som alto me faz despencar no chão, sentindo, pela primeira vez, a dor, a vergonha e o medo de ser o monstro que sou.
Menos de 24 horas, e tudo mudou!
Penso deitada na minha cama, sozinha, enquanto Kaká dorme em sua caminha no chão, sentindo-me extremamente doída, confusa e decepcionada. A verdade é que não sei bem por que me sinto assim, não é nenhuma novidade para mim a frieza com que Konstantinos lida com as coisas, com as pessoas e com os sentimentos delas.
Foi assim com Malu, comigo mesma, então não há motivos para me sentir tão mexida quanto estou! Deito-me de lado, apoiando as mãos debaixo da minha cabeça, deixando as lágrimas correrem livres.
Eu me apaixonei por ele, foi isso!
É por esse motivo que meu peito dói quando penso que eu o esteja vendo com lentes apaixonadas, e não o verdadeiro Konstantinos Karamanlis. O homem que eu aprendi a conhecer durante esses dias que ficamos juntos seria capaz de ouvir os apelos de uma mãe desesperada pela saúde de um filho e simplesmente ignorar? Ou pior, aproveitar-se disso para atingir seu irmão por conta da rivalidade por causa de um maldito cargo?
É cruel demais!
Kostas esteve em meus braços na noite passada, não somente de forma sexual, mas buscando conforto, segurança e carinho. Depois do pesadelo que teve, percebi que se sentia sozinho, perdido, e, talvez, a imagem de monstro assustador fosse só um disfarce de um garoto assustado.
Eu entendo bem de disfarces, pensei que soubesse reconhecer um. Pelo visto, estava enganada. Hoje eu vi o monstro assustador! Não entendi muita coisa da conversa na hora, precisei matutar sobre tudo o que ouvi durante algum tempo até perceber que Theo estava apaixonado por Duda, que ela precisava de ajuda e que Konstantinos disse algo para magoá-la e afastá-la do irmão, sem se importar em a ajudar. Sem se importar com uma criança doente!
Ele sabe que fez merda, sua cara não negou em nenhum momento, por mais que tentasse dissimular a vergonha que sentia pelo que fez. Eu enxerguei o arrependimento em seus olhos, mas isso não muda sua atitude, muito menos a abona.
Fecho os olhos e me lembro de como fizemos amor depois de seu pesadelo, da conexão que senti, do transbordar de todo meu sentimento por ele. Só queria mostrar-lhe afeto, carinho, que poderia ser amado e estar seguro. Não tenho a mínima ideia do que o levou a sonhar daquele jeito e a se tornar quem é, mas sinto que posso ajudá-lo; de alguma forma, sinto que eu posso fazer isso.
Algo nos ligou mesmo que não soubéssemos disso enquanto éramos Caprica e Portnoy em seus jogos de sexo ou mesmo Kika e Kostas em suas brigas épicas na Karamanlis. Eu acredito nessas coisas, sei que o destino promove esses encontros e que basta um olhar e um sorriso para mudar tudo em nossa vida.
Mesmo que ele não sinta e nem nunca venha a se sentir apaixonado como eu, vou continuar tendo a certeza de que nossos caminhos tinham que se cruzar em algum momento, por algum motivo. Não me arrependo dele, nem do que sinto agora.
Minha vida já está tão confusa!
O encontro que tive depois do meu almoço foi estranho, constrangedor e muito, muito tenso. Eu não queria ir, mas sabia o que poderia acontecer se não fosse. Já estava perto do meu trabalho, da minha vida pessoal; eu tinha muito a perder se contrariasse e dissesse não.
— Entra no carro! — ordenou, e eu neguei.
— Não tenho tempo, preciso voltar.
— Entra no carro, senão nem terá para onde voltar!
A porta se abriu, e eu, resignada, fiz o que me mandou.
— Estou perdendo a paciência — avisou-me. — Você está se esquecendo do que me prometeu, e isso não é bom!
— Eu não esqueci, só não consegui ainda, falta um documento...
— Bobagem! Você está tentando ganhar tempo e me enrolar! — Apertou meu braço. — Não vai! Hoje de manhã estava te esperando em frente ao seu prédio. — Arregalei os olhos. — Pois é, um dos herdeiros te levou e te esperou trocar de roupa... Konstantinos Karamanlis! — Riu. — Estranhei vê-lo com você, aquele desgraçado! — Estalou a língua no céu da boca, irritando-me. — Foder com ele facilita as coisas para nós, não é?
— Por favor, não se meta nesse assunto!
— Ah, Wilka Maria, você é tão ingênua! Mas devo admitir que por essa eu não esperava, que coincidência do caralho! — Gargalhou, e eu senti a bílis bater na garganta. — Você tem pouco tempo agora, ouviu? Eu te dei seis meses, já se passaram quase três. Preciso ver esforço da sua parte; não tenho visto. — Apontou para a calçada. — Arranje um jeito de conseguir a porra do documento rápido!
Concordei e saí do carro o mais rápido possível, tremendo, por ter lhe dado mais um alvo para que me atingisse: Kostas.
Aperto o papel entre minhas mãos o mais forte que consigo, recitando palavra por palavra do que está escrito nele. Seco as lágrimas e olho para o teto do apartamento.
Seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão.
Kaká late alto e arranha a porta de entrada do apartamento. Rolo os olhos, pensando que ele está, mais uma vez, tentando caçar alguma lagartixa desavisada que entrou em seu campo de visão.
O cão se acha um caçador, não há uma só criatura que ele não enfrente e não mate! Seu alvo principal são as lagartixas, mas já o vi pular alto para matar uma borboleta; tentar pegar um passarinho na varanda ou exterminar todo e qualquer inseto que se atreva a entrar em seu território.
— Kaká! — repreendo-o, saindo do banheiro vestida com meu roupão. — Vem, seu danadinho, vou te dar seu desjejum!
O bichinho nem me dá confiança, tentando enfiar seu focinho debaixo da porta. Lagartixas!
— Konstantinos! — falo firme. Ele me olha por um momento, orelhas baixas, mas depois volta a cheirar debaixo da porta. — O que está acontecendo com você...
Ouço batidas firmes e estranho, pois, além de ser cedo demais para Verinha aparecer, nenhum outro morador bate à porta, geralmente usa a campainha.
Olho pelo olho mágico e quase caio para trás ao ver Konstantinos, todo desalinhado, do outro lado da porta. Afasto-me, coração disparado, sem saber como agir. Kaká roda e pula esperando que eu abra a porta e Kostas surja, mas minha cabeça ainda está um nó.
— Wilka, eu sei que está aí. Abre, precisamos conversar.
Kaká late e uiva ante a voz de Kostas, e eu olho para o cachorro sem entender toda a euforia.
— O homem nem gosta de você, para que essa festa toda? — falo baixinho, pegando-o no colo e o colocando na varanda. — Se apaixonou por ele também, né? Somos péssimos nisso, Kaká!
Ouço mais batidas à porta e a abro antes que ele acorde meus vizinhos.
— O que você quer? — atendo-o, mas minha marra acaba quando noto a mesma roupa do dia anterior – completamente amarrotada – e o cabelo desalinhado. — Dormiu aqui?
Kostas dá de ombros e tenta sorrir debochado, mas só faz uma careta engraçada.
— Era outro porteiro, subornei-o! — diz ao entrar no apartamento. — Aliás, o Joca é bem melhor do que esse.
Ele decorou o nome do meu porteiro?!
Balanço a cabeça.
— Passou a noite na minha porta?
Ele ri e nega.
— Acha que sou doido? Claro que não! — Ele vai até a pia da cozinha, lava as mãos e pega um biscoito no pote. — Cheguei aqui eram umas 2h da manhã.
Arregalo os olhos, assustada com essa confissão.
— Por quê?
— Porque eu pisei na bola. Me doeu, acredite. — Aproxima-se. — Eu gostaria de ter feito diferente, de ter ouvido Duda Hill, de não ter deixado meu ódio se sobrepor a tudo. Nunca quis prejudicar ninguém. Sei o que é descontar a raiva em quem não tem nada a ver e acabei fazendo o mesmo. — Kostas me olha, e vejo a dor pulsando em seus olhos. — Me igualei a ele, como temia.
— A quem? — pergunto baixinho, com medo de que se feche antes de me dizer o que o atormenta.
— Meu pai. — Enfia o biscoito na boca e o mastiga. — Não bastasse eu ter a fuça dele me olhando no espelho todos os dias, me tornei parecido com ele por dentro também.
É doído para ele reconhecer isso. Vejo-o vulnerável, inseguro e sozinho. Meu coração se aperta, vou até ele e o abraço. Kostas me aperta forte contra si, trêmulo, agarrando-se ao meu corpo como uma tábua de salvação para si próprio.
— Eu errei, Wilka. Não posso confundir as coisas, não posso descontar em inocentes os pecados dos outros. — Segura meu rosto. — Eu nunca tive tanta consciência disso, nunca senti tanto quanto quando estou com você. — Abaixa-se e encosta a boca na minha. — Preciso de você!
— Estou aqui.
Ele me beija suavemente, seus dedos entremeados em meus fios de cabelo molhados. Sinto sua respiração lenta e profunda, até ser agarrada com vigor, sua boca tomando a minha por completo, enquanto sua língua busca a minha a todo instante.
Estico-me o máximo que consigo, fico na ponta dos pés e o seguro pelos ombros para não o deixar se afastar. Sua boca absorve a minha, suas mãos agarram-me forte, segurando meus cabelos, e, o tempo todo, suas palavras ressoam em meus ouvidos, a maneira como disse que precisa de mim.
Eu também preciso dele!
Sinto como se estivesse esperando por Konstantinos durante todos esses anos. Pode parecer loucura, mas é como me sinto. Seus beijos, seus carinhos, o sexo delicioso, suas tiradas irônicas e até mesmo seus erros e defeitos me aproximam mais e mais dele.
— Eu quero você — ele sussurra com a boca colada na minha.
— Eu também — rio —, mas vamos chegar atrasados à empresa se...
— Foda-se! — Kostas me ergue nos braços. — Minha prioridade agora não é a Karamanlis, é você!
Ele me carrega até a cama, deita-me sobre a colcha que acabei de esticar sobre o colchão e abre devagar o roupão que uso, alisando cada pedaço do meu corpo que aparece, olhando-me como se quisesse gravar na memória cada reação que me desperta.
A pele arrepia quando ele passa as pontas dos dedos pelo vale dos meus seios. Ele ri, gostando do que vê, e provoca o arrepio de novo e de novo. Depois segue em direção aos meus mamilos, já excitados com seus toques em minha pele, esfrega levemente os dedos na ponta deles, provocando-me um gemido.
— Você gosta assim, suave — ele prende-os entre seus polegares e os indicadores —, ou mais agressivo?
Puxa-os de repente, causando ardência e muito, muito prazer.
— Agressivo — respondo rindo.
Kostas arranca a camisa, jogando-a no chão do quarto e abre o cinto.
— Com a boca também? — Abaixa-se e sopra meu mamilo direito.
Finjo pensar por um instante.
— Não sei... Tem como demonstrar?
Ele gargalha.
— Cabritinha safada!
Envergo-me e gemo alto na cama quando ele chupa com força, arrastando os dentes e depois pincela a língua antes de se afastar para fazer o mesmo do outro lado.
Agarro-o pelos cabelos, sentindo-o sugar cada vez mais forte, apertando meus seios com as mãos, juntando-os ou apenas os acariciando. Sinto minhas coxas nuas já molhadas com a lubrificação resultante da provocação que faz em meus seios, sua cara safada, o sorriso de lobo mau toda vez que se levanta antes de intercalar entre um mamilo e outro.
— Você está me deixando louca! — confesso entre gemidos.
— Essa é a ideia! — Sorri safado, arrastando a barba sobre minha pele, descendo em direção à minha barriga. — Te deixar tão louca quanto você me deixa.
Ele se ajeita na cama, abre a calça, mas não a tira. Posso ver o volume de seu pênis dentro da cueca; meu corpo treme ante a expectativa de tê-lo novamente dentro de mim e receber todo o prazer que me proporciona.
— Você é a causadora do meu tesão. — O descarado lambe o monte de vênus, e eu gemo, pois chegou bem perto do clitóris, mas não o tocou. — Seu cheiro, o modo como suas coxas estão brilhando, molhadas de desejo... não há combustível mais eficaz para meu tesão que você, Wilka.
Abro as pernas no exato momento em que ele mergulha a cabeça entre elas e recolhe cada gota com a língua, espalhando-as, engolindo-as, lambuzando tudo, não só meu sexo, como sua barba, nariz e bochechas.
Seguro firme a colcha, tronco saindo da cama, quadris se movimentando involuntariamente, cadenciados pelos movimentos de seus lábios chupando os meus íntimos, penetrando-me com a língua até onde consegue, depois seguindo em direção ao meu clitóris, que pulsa cheio de vontade e me causa uma descarga de energia pelo corpo quando é estimulado por ele.
— Também quero você. — Chamo-o: — Vem aqui comigo!
Não preciso pedir duas vezes, e ele se livra da calça e da cueca, seu pau já molhado, a cabeça mais avermelhada que o resto, brilhando, e se deita sobre mim, afundando – o máximo que dá – seu membro em minha boca.
Não há nesse mundo algo tão erótico do que ter a boca fodida enquanto se recebe um oral espetacular! Enquanto ele me chupava, eu sentia a boca se enchendo d’água com vontade de prová-lo também. Excita-me ainda mais poder retribuir, perceber o quanto ele perde o controle, obriga-me a parar de chupar por um tempo e depois volta me fodendo a ponto de fazer meus olhos lacrimejarem, de tão fundo que vai.
Em um movimento inesperado, ele gira na cama e me carrega para cima dele, invertendo nossas posições – coisa que já percebi que faz para ter mais controle e não gozar na minha boca –, e eu aproveito a liberdade para agitar mais meus quadris, usando sua língua parada e esticada para fora a fim de me masturbar.
Ele ri quando percebe que eu o estou usando descaradamente e desfere um tapa ruidoso sobre minha nádega, mas muda de ideia depois e, ao invés de bater em minha bunda, resolve invadi-la.
Kostas molha o dedo, enfiando-o dentro de mim, encharcando-o com meus próprios fluidos, e depois o insere vagarosamente em meu ânus.
Seguro o pau dele com mais força, gemendo, adorando a sensação de ter minha boceta fodida por sua língua, e meu rabo, por seu dedo comprido e grosso. Engulo-o com mais gula, chupando-o mais forte, mantendo-o no fundo da minha garganta.
— Isso, porra! — ele geme. — Engole mais!
Faço o que me pede, minha garganta se contrai com a invasão, causando-me espasmos que o fazem gemer ainda mais forte. Tiro-o da boca ainda mais molhado, aproveitando a lubrificação extra da minha saliva para masturbá-lo com força, como gosta.
Ele percebe que eu quero enlouquecê-lo e me paga com a mesma moeda, sugando e lambendo bem em cima do meu clitóris, o que rapidamente me faz explodir em gozo, gritar seu nome e parar o movimento em seu pau.
Desabo trêmula, sem conseguir falar, os músculos do meu corpo todos pulando como se estivessem tomando choques constantes. Busco ar, tenho vontade de rir e chorar ao mesmo tempo, mas tudo o que consigo fazer é ficar parada, estatelada sobre ele, enquanto o desgraçado ri da surra que o orgasmo me deu.
Kostas me joga para o lado, e eu mal aterrisso na cama, mole como gelatina, e sinto minhas pernas sendo elevadas. O bruto enfia todo seu pau calibroso dentro de mim.
— Porra! — gemo, meu corpo vibrando com as estocadas nervosas. — Você quer me matar!
Continuo gemendo, com ele segurando meus pés para o alto, sentado sobre as pernas na cama, apenas jogando seus quadris para frente e para trás, socando dentro de mim.
Konstantinos está sério, concentrado em minha boceta recebendo seu pau, olhar vidrado no encaixe dos nossos corpos. A expressão dele me excita ainda mais. Movimento-me junto a ele, intensificando o ato, causando gemidos.
Ele me encara, sério, para bem fundo dentro de mim. Apenas eu continuo me movendo. Solta meus pés e se inclina sobre mim.
— Você é minha! — a declaração, intensificada pela expressão determinada em seu rosto, faz meu corpo inteiro se arrepiar, um calor se acumular em meu ventre e coração ao mesmo tempo. — Diz isso para mim.
— Eu sou sua! — Ele fecha os olhos e nega, só então eu entendo o que ele quer. — Você também é meu!
Sério, quando a gente é criança, sonha com palavras mágicas capazes de realizar desejos, então, neste momento, ao dizer isso para ele, é como se uma mágica se iniciasse. Seus movimentos voltam a ficar firmes. Meu corpo acolhe o dele de forma diferente, e, quando o orgasmo vem de novo, acerta-nos no mesmo instante, e, enquanto gozo trêmula, vejo-o tirar o pau rapidamente de dentro de mim e derramar seu gozo, quente e espesso, sobre minha barriga.
— Eu não tenho a mínima condição de ir trabalhar agora — digo sonolenta, ainda nua e toda melada de porra, jogada nos braços dele. — A mínima! Sinto-me destruída!
Ele ri.
— Não vou pedir desculpas por isso! — provoca-me, e eu mordo seu ombro e tomo um tapa firme na bunda. — Não me provoca, cabrita, você sabe que minha recuperação é rápida!
Eu sei! Rio sem disfarçar, lembrando-me de todas as vezes que, ainda no banho, depois do sexo, o pau dele simplesmente levantava, e eu era comida no chuveiro. Sempre pensei que os romances que lia – onde isso acontecia – eram exagerados, mas não, acontece na vida real. Konstantinos só precisa de cinco ou dez minutos e, voilá, pau em riste!
Sento-me antes que ele se anime de novo e passemos o dia na cama. Não podemos, temos muito a fazer no projeto da siderúrgica, e ontem, por algum motivo, eu o notei disperso pela manhã, e seu trabalho ficou acumulado.
— Vou para o banho! — aviso-lhe. — Passamos no seu apartamento antes de irmos para a empresa?
— Certamente! — Ele ri. — Não posso chegar lá com a mesma roupa de ontem, amassada desse jeito. — Ele faz uma cara debochada. — Como ficaria minha fama de o diretor mais bem-vestido daquela empresa?
Eu rio e balanço a cabeça.
— Essa fama não é sua! Sinto desiludi-lo, mas esse título é do doutor Millos!
Kostas parece interessado.
— Temos títulos?!
— Claro! Theo é o CEO gostoso, e Alexios, o CEO pra casar. — Ele gargalha. — Millos, o diretor elegante, e você...
Ele cruza os braços, sério, e levanta a sobrancelha quando titubeio.
— E eu?
Ai, merda, como saio dessa saia justa?!
Não posso simplesmente falar que ele é o Bostas! Ele vai querer saber por que, vai querer saber de onde veio isso, e eu não vou ter um buraco para enterrar minha vergonha.
— Você é o diretor casca grossa... — tento uma saída diplomática, mas ele não parece convencido. — Vem pro banho comigo ou vai ficar aí?
Ele olha para seu colo, e eu sigo seu olhar.
— Ai, meu De... — não termino a frase, pois ele me carrega para o chuveiro.
— Kika?
Dou um pulo no chuveiro ao ouvir a voz da Verinha.
— Quem é? — Konstantinos pergunta.
— Minha vizinha, esqueci dela! — Faço careta. — Preciso... — gemo quando ele se movimenta dentro de mim — sair.
Konstantinos pressiona-me ainda mais contra a parede azulejada.
— Ela vai embora!
— Não... sério, tenho que ir!
Ele respira fundo, afasta-se e me desce de seu colo.
— Dois minutos. Livre-se dela e volte para cá!
Cruzo os braços e o encaro séria.
— Não acha que está sendo muito mandão?
— Você é minha, lembra? — Ele abaixa a cabeça e morde minha orelha.
Jogo sujo!
Saio do boxe, mas, antes, recebo um estalado tapa na bunda. Olho-o de cara feia, mas não resisto e sorrio. Sim, eu sou dele, e ele é meu! Que sensação deliciosa!
— A porta do quarto está fechada, ela nunca fecha! — ouço a voz da Verinha e paro, nua e de toalha enrolada sobre o corpo, ao perceber que ela não está sozinha.
Ah, merda!
Quem foi que fechou a porta do quarto? Deve ter sido o Kostas quando entrou para cá me arrastando, provavelmente pensando em evitar o Kaká, sem saber que o pobre estava exilado na varanda.
Ah, o Kaká!
Enfio pela cabeça o primeiro vestido soltinho que acho e saio o mais rápido possível do quarto, dando de cara com Verinha – com Kaká no colo – e Vinícius.
— Oi! — é a primeira coisa que penso em dizer quando os vejo.
Verinha observa-me de cima a baixo, arregala os olhos e fita o Vinícius.
— Ah, olha, ela está bem! Kika, vou levar o Kaká! — E começa a sair do apartamento levando o Vinícius consigo. — Bom trabalho!
— Verinha! — Vinícius a detém. — Você está bem, Kika? — Ele se aproxima de mim. — Está toda vermelha e arranhada, aconteceu algo?
Agora é a minha vez de arregalar os olhos, e minha amiga esconde a risada e assente atrás de Vinícius.
— Estou ótima! — Sorrio sem jeito. — Deve ter sido alergia, eu acabei de sair do banho e...
— Verinha me disse que ontem você chegou triste. — Ele segura minha mão. — Sabe que somos amigos, não é? Pode contar conosco sempre!
— Vinícius, ela está ótima! — Verinha o segura pelo ombro e tenta puxá-lo para longe de mim, mas ele parece pregado no chão.
Abro um sorriso exageradamente grande e concordo com minha amiga.
— Eu estou ótima, mesmo! Ontem só estava cansada e...
— Seus dois minutos já se passaram, ela já...
Verinha abre a boca – sério, abre mesmo –, e eu congelo ao ouvir a voz de Kostas, abrindo a porta do quarto.
Vinícius o encara, testa franzida, como se o reconhecesse, e eu me sinto, pela segunda vez seguida, dentro da maldita saia justa! Porra!
— Quem é você? — os dois indagam ao mesmo tempo, e eu não tenho outra reação a não ser gargalhar.
Sim, gargalho como louca, nervosa, mas tento me conter, puxando minha mão da de Vinícius.
— Kostas, esse é o Vinícius, e essa é a Verinha. Ambos são vizinhos e amigos queridos.
Vinícius apruma o corpo, aquela pose de militar fortão que faz tantas mulheres suspirarem e cumprimenta Kostas com um aceno de cabeça.
— Konstantinos Karamanlis, o namorado — Kostas se apresenta, e eu o olho surpresa com o que diz, mas quase volto a ter um ataque de riso ao perceber que ele só está com uma toalha enrolada na cintura e que, por causa do seu tamanho, a toalha parece uma minissaia. Bom, ninguém tinha dúvida do que ele era, mas eu gostei de que tenha assumido.
— É um prazer, doutor! — Verinha cumprimenta-o, mas Vinícius parece pensar, encarando-o longamente. Então, sem dizer nada, olha para o meu cãozinho no colo da Verinha e começa a rir.
— Foi dele que veio a inspiração? — Vinícius ri sem parar, e meu coração dispara ao perceber que ele está falando do Kaká.
Saia justa número três à vista!
Aposto que, quando eu sair daqui, minha mão estará vermelha e marcada de tanto que eu aperto a porra da maçaneta da porta para não avançar sobre o “mamãe, tô forte” e obrigá-lo a tirar a mão da minha Wilka.
Minha!
Quando eu disse a ela que era minha e pedi que me dissesse de volta, não imaginei que ela confirmaria minhas palavras. Ouvi-la dizer que era minha e, em seguida, que eu era dela foi foda! Nunca passei por uma experiência que se compare àquele momento.
Pela primeira vez na vida eu pertencia a alguém!
Não posso nomear ainda o que está acontecendo comigo, sinceramente não sei. Não conheço a sensação de ser amado e, muito menos, de amar de volta. Não sei reconhecer o afeto, o amor, mas sinto, em cada terminação nervosa do meu corpo, todo o carinho que ela sente por mim.
Isso é inegável!
Não sei o que eu fiz para ter o privilégio de ter uma pessoa como Wilka ao meu lado, realmente eu não mereço tê-la, mas, não obstante a sensação de demérito, isso está causado algum tipo de reação em cadeia dentro de mim, tornando-me quase humano de novo.
É claro que tenho medo de corrompê-la com a sujeira da minha vida, tenho receio de que, quando ela me vir de verdade, como teve um pequeno vislumbre ontem, queira manter-se afastada de mim.
Isso terminará de estraçalhar minha alma!
Não foi exagero quando disse que preciso dela; sinto-me melhor ao seu lado, é como se Wilka conseguisse iluminar a escuridão que me envolve e aquecer o frio dentro de mim.
Há algo nela que atenua minha dor, desaparece com minha solidão e desnuda todas as minhas capas, e eu consigo sentir de novo aquele garoto cheio de esperança, louco para ter uma família e ser amado.
Ela é minha! E por que esse desgraçado está com a pata nela?!
— Kostas, esse é o Vinícius, e essa é a Verinha. Ambos são vizinhos e amigos queridos.
Vizinhos e amigos...
Porra, esse é o mesmo homem do restaurante e o cara que lhe mandou as flores!, constato, reconhecendo-o e me lembrando do bilhete que escreveu para Wilka agradecendo-a pela ajuda.
Vizinho dela! O cara mora aqui ao lado!
Puta que pariu!
— Konstantinos Karamanlis, o namorado.
O vizinho me olha sério, e eu me sinto poderoso, mesmo parcamente vestido com essa toalha – lembrar-me de comprar tamanho extragrande para mim –, sentindo o gosto da vitória por ser o homem que ela escolheu.
Perdeu, Johnny Bravo da cabeça raspada!
O tal Vinícius não para de me encarar, e eu o olho entediado, esperando que suma do apartamento e me deixe com minha namorada em paz. Porém, do nada, o cara olha para o Kaká e começa a rir.
— Foi dele que veio a inspiração?
Não entendo do que ele está falando, mas, a julgar pela expressão de Wilka – ela está mais vermelha do que antes, por causa da minha barba – e a risada nervosa de Verinha, não deve ser algo bom.
— Acho que estamos incomodando o casal, Vinícius! — Verinha o puxa. — Já peguei o Kaká e ainda preciso levar o Ferdinando para fazer suas necessidades. — Ela me olha sem jeito. — Foi um prazer! Bom dia para vocês!
Vinícius para de rir, encara-me sério, seus olhos faiscando de inveja e ciúmes.
— Kika é a mulher mais incrível que eu já conheci — ele começa o discurso, e minha cara de tédio aumenta. — Espero sinceramente que ela tenha feito a escolha certa e que você não seja um babaca com ela.
— Vinícius... — Wilka tenta interrompê-lo.
— Será um prazer quebrar sua cara caso você apronte qualquer coisa com ela.
Solto a maçaneta por fim e caminho para perto dele. Esse homem não sabe o que eu já passei na vida, não conhece minha história, no mínimo pensa que sabe quem eu sou, o rico advogado e um dos chefes dela, então não sabe o risco que está correndo ao me ameaçar desse jeito.
— Você e quantos mais? — pergunto em uma provocação clara.
— Gente... — Wilka se posta bem no meio de nós dois. — Está tudo bem, Vinícius, eu agradeço a preocupação, mas já sou bem grandinha, não acha? — Ela ri, tentando descontrair, mas nem ele, nem muito menos eu queremos descontração. — Tá, ok! — Ela olha para a amiga. — Verinha!
A amiga, com o cãozinho no colo, puxa o bombadinho para fora do apartamento, e o palhaço vai sem deixar de me olhar.
— Que loucura foi essa?! — Wilka me encara séria. — Precisava mesmo disso tudo?
O quê?! Ela está brigando comigo?!
— Não fui eu quem começou, porra! — viro as costas, puto, e entro no quarto. — Mas, da próxima vez que eu o vir encostando um dedo em você, não vou me conter!
— Ah, pode parar com essa merda, Konstantinos! — Ela põe a mão na cintura. — Ele é meu amigo!
Rio, cheio de ciúmes.
— Amigo, sei... — Visto a calça. — É o cara das flores e do restaurante, é óbvio que sempre quis mais do que amizade com você e... — Eu a encaro, lembrando-me de uma conversa que tivemos no aplicativo. — Ele queria trepar com você na festa da sua amiga!
Wilka rola os olhos.
— Vinícius sempre me respeitou, Konstantinos. Sempre foi um bom vizinho e...
— Você é minha! — Lembro-lhe e a abraço. — Lembra disso?
— Claro que sim, mas o fato de eu ter amigos não muda isso, entendeu?
— Ele não quer só sua amizade — argumento.
— Mas eu, sim, e é em mim que você tem que confiar.
Confiança!
...nunca vai ter nada desinteressadamente! Olha para você! Acha mesmo que alguém poderia amar algo assim? Aprenda uma coisa desde já, confie no dinheiro, na sinceridade das mulheres que você paga para comer. Qualquer outra que se aproximar de você pedindo confiança em seus sentimentos estará mentindo. Ninguém pode amar você!
— Kostas?
Encaro Wilka, o coração disparado por causa da lembrança nítida que veio à minha mente. Ela me pediu confiança, mas será que sou capaz disso? Se há alguém que merece esse sentimento, é ela. No entanto, eu não sei como demonstrar, como sentir. Ele destruiu tudo!
— Ei, está tudo bem? — Ela põe a mão sobre meu peito, bem onde meu coração palpita desenfreadamente. — Eu sou sua, só sua, da forma mais sincera possível.
— Eu sei — confesso. — Não mereço isso, mas sei!
Wilka ri.
— Mereça, então. — Ela se estica e me beija. — Porque, da mesma forma que sou sua, você é meu. Isso é irrevogável.
Sorrio e a abraço apertado, sentindo-me pertencente a algum lugar pela primeira vez na vida.
Fomos para a empresa apenas depois do almoço. Não, para meu lamento profundo, não ficamos a manhã toda no apartamento dela fodendo, porque Wilka teve a brilhante ideia de aproveitar a manhã de folga fazendo algo especial, então, quando me dei conta, estava carregando sacolas e mais sacolas de produtos de armarinho para dentro de um asilo.
Sim, Konstantinos Karamanlis dentro de um asilo!
Como sempre acontece em qualquer lugar que ela entre, Wilka foi recebida com festa pelas pessoas da casa de repouso, tanto pelos funcionários quanto pelos pacientes, principalmente os velhinhos assanhados, que ficavam – literalmente – babando sobre ela.
O que eu não esperava era que o assanhamento no local fosse algo contagioso e que, durante minha passagem por um corredor de velhinhas, tivesse a bunda mais apertada do que teta de vaca leiteira.
Sério, senti-me assediado por vovós cujas idades, se somadas, davam quase na invenção da roda!
— Quem manda ser gostoso!? — Wilka riu e ainda apertou minha bunda também quando reclamei com ela.
— Que abuso! Onde denuncio isso? — Agarrei-a. — Levei tanto beliscão que agora preciso de algo para afagar minha masculinidade. — Lambi sua orelha antes de perguntar: — Onde tem um local reservado para que você possa me consolar?
Bom, eu tentei, mas é claro que não colou, e ainda tomei um tapão no peito e o título de pervertido por ter, segundo ela, ficado excitado com as investidas inocentes das vovós.
Foram duas longas horas indo com ela de quarto em quarto – que eu percebi que eram coletivos – e a ajudando a entregar lã, linhas e agulhas àquelas que gostariam de tricotar – ou o que quer que fossem fazer com aquilo – peças para o inverno.
— Não está muito longe? — questionei quando estávamos indo embora.
— Claro que não! Você acha que elas não têm mais nada a fazer além de tricotar? A vida delas é intensa! — Wilka ri. — Todo dia aqui tem uma atividade diferente, jogos, bailes, além das visitas de voluntários, familiares e, claro, o tempo para os namoros.
— Namoros?! — inquiri divertido e assombrado.
— Em que mundo você vive? Acha que, quando ficar velho, não vai namorar mais, não?
Foi então que fui tomado por algo, não por lembranças do passado, mas visões do futuro, do meu, velhinho, meio calvo, um tanto fora de forma e talvez encurvado de tanto namorar uma baixinha – mais baixinha ainda, porque velho encolhe – de pose marrenta, sorriso fácil e olhos divertidos.
Abri um sorriso involuntariamente, e ela me perguntou se eu estava pensando em sacanagem.
— Sempre! — Pisquei para ela e pus a mão em sua coxa, subindo em direção até sua boceta gostosa.
Almoçamos na Paulista mesmo e depois seguimos juntos para a empresa. Eu queria muito chocar a todos entrando de mãos dadas com ela, porém, lembrei-me do que Millos falou sobre um relacionamento entre nós acabar prejudicando-a dentro da empresa, por isso segui apenas ao seu lado.
— Ah, doutor Kostas, que bom que chegou! — a mesma recepcionista linguaruda que me delatou para Millos ontem corria em minha direção. — Doutor Millos deixou recado para que, assim que o senhor pisasse na empresa, subisse até a diretoria.
Bufei, vendo ir embora meu dia bem-humorado.
— Aconteceu algo, Ana Flávia? — Wilka questionou.
— Deve ter acontecido, sim, porque dei o mesmo recado ao doutor Alexios há pouco.
Ela conversou um pouco mais com a recepcionista, e logo depois subimos juntos. Ela ficou no nosso andar, e eu segui para a diretoria executiva, onde Millos me aguardava com uma notícia completamente inacreditável.
— Como assim a menina é filha do Theodoros? — questionei-lhe.
Millos deu de ombros e, como sempre, disse que não cabia a nós comentarmos sobre os detalhes da história, apenas que era fato indubitável que Tessa – o nome da criança – era filha de Theodoros.
— A doença é muito grave, Millos? — Alexios perguntou.
— É, e rara. — Ele me olhou. — Em algum momento você já ouviu falar em Geórgios II?
O nome arrepiou todo o meu corpo, e, pela postura e tensão de Alex, ele também se lembrava.
— O filho mais velho do pappoús — concluí, e ele assentiu. — Morreu jovem de uma doença rara.
— É a mesma doença? — Alex arregalou os olhos.
— Parece que sim. — Millos respirou fundo. — Precisamos de um doador familiar.
Puta que pariu! A criança vai ter que passar por um transplante para sobreviver! Pela primeira vez pensei em como Theodoros reagiria a essas notícias, primeiro, que era pai de uma menina, e, por fim, que ela poderia morrer.
Pensei na lei do retorno, mas isso me incomodou, pois a criança era uma inocente no meio de nós, todos tão fodidos que, se existisse mesmo lei do retorno, nenhum estaria aqui mais.
Não, Theodoros merecia sofrer sozinho, não junto ou através de uma inocente.
— É claro que eu quero! — Alexios respondeu a algo que Millos indagou, e depois os dois me olharam.
— O quê?
— Fazer o teste de compatibilidade com ela.
— Temos chance? Afinal somos todos de mães diferentes! — Millos assentiu. — Eu farei também, conte comigo!
Meu primo sorriu aliviado e informou que um pessoal viria à empresa colher amostras de sangue, e isso foi feito ao final da tarde.
— Tem certeza de que eu não posso fazer? — Wilka ficou questionando a enfermeira que tirava meu sangue na sala da gerência de hunter. — Olha só, vamos colher meu sague também, quem sabe?
— Por favor, colha o sangue dela, senão não teremos paz! — implorei à moça, que sorriu e disse que ia cadastrá-la no banco de medulas chamado REDOME.
Morri de rir dela depois, quando confessou ter medo de agulhas, mas enfrentou bravamente o pavor – porque era mais do que simples medo – e deixou sua contribuição à sociedade, o que, por si só, já a fez feliz.
Depois que a equipe do laboratório foi embora, ela se sentou no meu colo, deu-me um beijo que acordou meu pau na hora e sussurrou no meu ouvido:
— Como você foi corajoso e altruísta hoje, merece um tratamento VIP mais tarde.
— Ô sorte! — Ri, esfregando sua bunda contra meu pau duro. — Que tipo de tratamento VIP?
Ela apertou os olhos e sorriu cheia de malícia.
— Um bem sujo, doutor!
— Maravilha! Espero que honre suas promessas!
Ela piscou e saiu do meu colo.
— Pode apostar nisso!
E ela cumpriu!
Respiro fundo, suado, deitado no chão do quarto dela sem conseguir respirar direito. Como vim parar no assoalho de madeira? Não faço a mínima ideia, mas aqui estou eu, largado, moído, mas totalmente satisfeito e...
Sorrio ao constatar que a palavra que vou usar a seguir nunca esteve tão certa: feliz! Eu estou feliz. Ela me faz feliz.
Fecho os olhos, meu corpo relaxando devagar, na chamada petit mort, meu coração desacelerando, os músculos ficando mais leves, e os olhos, pesados. Ao longe ouço o barulho de vasilhas na cozinha, porque a louca da mulher que me deixa assim mal acabou de gozar e saiu correndo para matar outra fome, a de comida, dessa vez.
É bom sentir essa satisfação pós-sexo, é algo novo também, porque antes, quando só utilizava profissionais, não podia me dar ao luxo de ficar assim com nenhuma delas, de curtir esse momento de paumolecência depois de passar horas e horas e horas endurecendo por causa da Cabritinha.
Sinto algo roçar minha canela, mas estou tão zen que nem abro os olhos para conferir o que é. Só quando sinto o movimento é que desperto de vez e encaro o danado do cãozinho trepando com a minha perna.
Mais que merda!
— Wilka! — chamo-a, dividido entre a ofensa e a diversão.
Ela aparece – linda demais! – vestida com minha camisa social – quase um vestido longo para ela – e arregala os olhos ao pegar o meliante no flagra, em pleno ato de abuso qualificado por total impossibilidade de resistência da vítima (se isso não existir no ordenamento jurídico, acho que, a partir desse momento, deveria!).
— Kaká, seu... — ela gargalha — dana... — senta-se no chão, rindo de chorar — dinho!
Sento-me, completamente desperto agora, e o arranco da minha perna, encarando-o muito sério.
— Olha aqui, meu chapa, pelo visto vamos conviver um bocado, então precisamos impor certos limites! — O bicho tenta me lamber, mas eu me desvio a tempo. — Você e eu temos algumas coisas em comum: somos daquela ilha chuvosa e sem graça; temos pedigree; somos charmosos; usamos barba e — toco a gravata ridícula com um K bordado — usamos gravata, então somos machos. Não fica bem você trepar com a minha perna, fica estranho, entendeu?
Olho para Wilka, esperando vê-la se debulhando em risadas, mas ela está séria e um tanto vermelha.
— O que foi?
Ela sorri sem jeito.
— Eu tenho que contar algo sobre ele antes que você descubra de outro jeito. — Olho-o assustado e o solto no chão, já imaginando que o bicho esteja com sarna. — Sobre as coisas que vocês têm em comum, então, eu também percebi todas elas... — Ela começa a rir, mas fica séria. — E, bom, o apelido dele é Kaká por causa do nome que registrei em seu pedigree.
Não entendo nada do que ela me fala, então a vejo sair do quarto e voltar com um documento na mão, parecido com um passaporte.
— Todas as informações dele estão aí. — Ela me entrega.
Abro o caderninho, vejo as vacinas – todas em dia, por sinal –, constato que ele realmente é um cão inglês e que seu nome é...
— Puta que pariu, você não fez isso! — Gargalho. — Me detestava tanto a ponto de pôr meu nome no seu bichinho de estimação?
Ela fica ainda mais vermelha e nega.
— Não, quando Kaká chegou, eu não te detestava...
Hum! Abro um sorriso ao pensar que terei outra revelação neste momento e que essa, diferentemente de descobrir que tenho um cachorro xará, irá me agradar mais.
— Não? — Aproximo-me dela, puxo-a para mim e a encaro. — Então o que você sentia?
— Te achava charmoso...
— Charmoso? — Faço careta. — Só?
Nega.
— Gostoso também. — Abro um sorriso quando ela diz isso. — Misterioso.
Abro os primeiros botões da camisa social.
— Continua...
Ela ri.
— Exatamente, também soberbo e convencido como agora.
— O que posso fazer? — Tiro a camisa de seus ombros e a deixo cair até sua cintura. — Eu sei que eu sou foda!
Beijo seu pescoço, desço pelo colo até chegar aos sensíveis mamilos escuros e duros. Chupo-os com força e depois dou uma leve mordida.
— Não sou?
Ela geme em resposta e assente, puxando-me de volta para seu peito.
Olho para as inúmeras chamadas não atendidas no meu celular e sinto meu corpo ficar tenso. Meu tempo está se esgotando. Estou quase conseguindo cumprir o combinado. Contudo, sinto-me cada vez mais com a corda no pescoço.
Kostas tem desconfiado das ligações, já presenciou como fico nervosa quando ligam e até me perguntou se estava tudo bem, o que eu confirmei. Não tenho coragem de contar para ele, tento certeza de que destruiria nosso relacionamento na hora!
Relacionamento!, suspiro ao pensar nessa palavra e termino de lavar o prato da salada que acabei de comer junto a...
— Larga de ser olho grande! — ouço Konstantinos repreender o Kaká, mas em seguida o vejo fazer carinho na cabeça do bichinho, deitado ao seu lado, enquanto ele come um enorme sanduíche e assiste um VT de um jogo de basquete da NBA. — Quando começarem os playoffs, espero que você já tenha aprendido a gostar mais do esporte.
Faço careta e rio por ele esperar que Kaká entenda de basquete, então percebo que falou comigo, pois se vira no sofá, encarando-me e esperando a resposta.
— Ah, sim, quem sabe! — Rio, e ele bufa. — Para mim é um bando de homem grandão quicando uma bola de um lado para o outro. Prometo que assisto ao futebol contigo!
— Palmeirense! — ele geme. — Já que não vou ter companhia nos playoffs, poderia ter pelo menos com quem ir ao estádio assistir às partidas do Brasileirão!
— Claro que podemos ir juntos! — provoco-o, sentando-me ao seu lado no sofá da sala. — Quando o Corinthians jogar, vou com você, e quando o Palmeiras jogar, você vai comigo! — Ele faz careta e nega, mas finjo que não vejo. — Aí, quando for clássico entre eles, podemos ir juntos, cada um com a camisa de seu time, mostrando que tem que haver união no esporte e...
Ele tampa minha boca com sua mão.
— Esquece isso! Nunca vou te enfiar no meio da torcida do Timão vestida com a camisa do Porco! Caso eu cometa a loucura de ir assistir a um clássico com você, vamos de camarote.
— Esnobe! — mexo com ele e mostro a língua.
Kostas age rápido e a captura, sugando-a com força. Sinto o gosto do sanduíche de pernil que está devorando, bem como da cerveja – ele disse que bourbon não combina com sanduíche, então comprou uma cerveja importada de que nunca ouvi falar – e fecho os olhos, aproveitando o beijo.
Estamos juntos há mais de um mês, em uma convivência intensa dentro do trabalho e em casa. Dormimos juntos todos os dias, saímos juntos de casa para ir trabalhar e voltamos juntos da empresa. Sinceramente, nunca pensei em viver algo assim, mas está sendo tão natural, curtimos tanto a companhia um do outro que nem percebemos que passamos todas essas horas juntos.
Têm sido semanas de boas descobertas!
Somos muito diferentes e, por isso mesmo, decidimos que iríamos experimentar fazer coisas um do outro para saber o que gostamos e o que não. Não precisei fumar para saber que não gostava, afinal, sou muito alérgica, então ele maneirou o fumo. Já não o fazia perto de mim desde que percebeu que não me fazia bem a fumaça, mas agora tem diminuído a quantidade fumada consideravelmente.
— Estou gostando! — ele alegou quando perguntei se estava se sentindo pressionado a parar. — Apenas com essa diminuição, já senti diferença no meu treino, melhorou muito minha respiração durante os exercícios.
Fiquei feliz com isso e mais empenhada em acompanhá-lo na academia todos os dias. Sim, meu povo, essa é a minha parte! Treinar todos os dias antes do trabalho, o que fez com que eu passasse a acordar às 5h, ao invés de às 6h como fazia antes.
Konstantinos me confessou que nunca teve contato com bichinhos de estimação. Quando criança, enquanto morava com o avô na Inglaterra, não pôde ter nenhum, depois, aqui no Brasil, também não deu, então ele não sabia como lidar com o Kaká.
Ele não precisou lidar, porque o traidor do meu york simplesmente o adotou. O bichinho, que se tremia todo ao ouvir o nome do malvadão, agora pula e faz festa ao mesmo som. Kaká fica tão eufórico quando Kostas chega a casa comigo que faz xixi na entrada do apartamento e não para de latir enquanto não recebe um afago.
— Homens! — reclamei uma vez, por puro ciúme, ao ver meu cãozinho deitado no peito do Kostas assistindo ao campeonato paulista na TV. — Futebol passando, e eu posso andar nua pela casa que nem me notam.
— Você é quem pensa! — Ele ergueu minha calcinha em sua mão, rindo. — Kaká roubou do cesto e trouxe para mim. — O desgraçado a cheirou. — Estou aqui louco pelo intervalo para poder trepar contigo.
Fiquei indignada primeiro pela atitude do Kaká de roubar minha calcinha e levá-la como um tributo para o Kostas e, segundo, porque ele só ia trepar comigo no intervalo, o que significava que a porcaria daquele jogo era mais importante que eu!
Recusei-me a fazer sexo naquela noite e, quando acordei no dia seguinte, descobri que estava menstruada. Além do óbvio alívio que senti – pois pesquisei no doutor Google, e as chances de eu ter engravidado com coito interrompido eram enormes –, fui até o meu ginecologista tomar a primeira injeção anticoncepcional da minha vida.
— Quando vou poder gozar dentro? — Kostas perguntou ansioso, tal qual uma criança esperando o Natal para ganhar brinquedo novo.
— No próximo ciclo é o mais recomendado. — Ele arregalou os olhos. — Preciso que meu corpo se adapte ao medicamento, nunca tomei isso antes!
Foi a vez de ele pesquisar o doutor Google.
— Duas semanas. — Ele apontou com o celular. — Duas semanas, e já estamos seguros... — Eu respirei fundo, e ele me abraçou. — Tudo bem, se você diz que precisamos de quatro longas semanas, então eu espero.
Sorri aliviada por ele ter entendido que eu queria estar segura. Nossa relação era frágil, nova, tínhamos problemas pessoais para resolver, fora nossa carreira, e engravidar seria desastroso para nós dois.
Falta pouco agora, apenas alguns dias, como eu sou obrigada a lembrar toda vez que vou abrir a minha geladeira e vejo um X vermelho riscando os números no calendário. Ele nunca esqueceu um e, ontem, quando informei que tinha menstruado de novo, Kostas só faltou soltar fogos.
Ele fica tão diferente nesses momentos descontraídos! Em nada se parece com o advogado prepotente que eu o julgava ser.
— Cinco dias! — murmura com a boca ainda na minha, parecendo ler meus pensamentos, com um sorriso enorme aberto.
— Aposto com você que até o Kaká já está sabendo dessa data!
Kostas esfrega a mão enorme, sem nenhuma delicadeza, na cabeça do cachorro.
— Garoto esperto!
Levanto-me e estico o corpo.
— Vou me deitar, estou dolorida dos treinos e sonolenta. — Imediatamente ele desliga a TV e pega seu prato – com umas migalhas do sanduíche. — Não precisa vir se deitar também, pode continuar...
— Sem chance de você adormecer naquela cama sem mim! — Ele me abraça por trás e me arrasta para dentro do quarto. — Não vai liberar mesmo a área em manutenção para eu usar um pouco?
Rio e nego.
— Nem pensar! — Faço cara de nojo, e ele gargalha.
— Eu adoraria comer sua boceta de qualquer jeito, não tenho essas frescuras que você tem, e dizem que nessa época não corremos o risco de...
— Não! — Ele suspira, mas concorda. — Isso não quer dizer que você vai ficar à mingua... — Kostas volta a se animar – sei disso por causa do seu pau grosso cutucando minhas costas – e beija meu pescoço. — Não demora muito no banheiro, senão vou...
Nem termino de falar, e ele já corre para escovar os dentes.
Sorrio, satisfeita, sentindo tudo se iluminar à minha volta.
— Boa tarde! — cumprimento minhas colegas de trabalho e me sento com elas à mesa para almoçar. — O clima na empresa ainda continua pesado depois que Theodoros foi afastado da diretoria executiva. Uma injustiça!
— Concordo plenamente! — Rosi aponta disfarçadamente para um homem que não conheço. — Auditoria em todos os setores! Além da que já passamos normalmente todo ano, agora tem mais essa para apurar outras possíveis irregularidades da gestão do Theo.
— Absurdo! — Lene balança a cabeça, lamentosa, seguida por Carol e Vivian, que suspiram.
— Dizem que foi o irmão quem o denunciou — Lorena, uma das funcionárias do administrativo que de vez em quando almoça conosco, segreda baixinho. — O Bostas! Ouvi dizer que ele contratou um detetive e descobriu o envolvimento do doutor Theodoros com a tal Duda Hill.
Olho para ela assustada com a informação.
— Ah, mas isso é boato... — Rosi tenta mudar de assunto. — A comida melhorou muito desde que mudaram a empresa contratada para...
— Por que ele faria isso? Todo mundo já sabe que Theo e Duda tiveram um relacionamento, afinal, Tessa existe!
Lorena se aproxima mais de mim a fim de falar baixo:
— Isso foi antes de a menina ficar doente. Ele fez isso pra foder com o irmão mesmo!
Sinto o coração gelar somente com a possibilidade de que, mesmo vendo Theodoros passar por tudo o que está passando com a filha, Kostas tenha tido coragem de puxar seu tapete desse jeito.
Minha garganta se aperta, e eu perco totalmente o apetite.
— Com licença!
Afasto-me da mesa, indo para as escadas, descendo correndo para poder chegar ao nosso andar e tirar essa história a limpo. Encontro-o em sua própria sala, conversando ao telefone com alguém. Espero que termine. Ele abre um sorriso, olha em volta para confirmar que estão todos ocupados e tenta me beijar rapidamente, mas desvio o rosto.
— Foi você quem denunciou o relacionamento de Theodoros e Duda Hill para o Conselho?
Ele bufa.
— Fui eu, mas apenas adiantei o inevitável, pois, depois de Tessa...
— Como você pôde fazer isso?! — Sinto-me estupefata com sua frieza. — Eles estão passando por um momento delicadíssimo com a menina, que você nem ao menos foi visitar até hoje e...
— Não se meta nesse assunto, Wilka! — ele diz com voz baixa e rouca, como sempre fala quando seu limite foi extrapolado.
Eu já o vi gritar e socar a mesa algumas vezes, mas não comigo. Pode ser que, no passado, em algum momento, ele tenha levantado a voz para mim. No entanto, desde que começamos a dormir juntos, ele se contém, mesmo furioso.
Eu disse a ele, assim que percebi isso, que era um alívio enorme, pois apenas por ser como é – muito mais alto e bem mais forte que eu – já causava uma certa disparidade entre nós. Imagina se, além de tudo, ele ainda vociferasse comigo? Eu me sentiria, sim, acuada, amedrontada e agredida por ele.
— Nunca quero te causar medo ou que se sinta ameaçada e agredida por mim — respondeu na época em que conversamos sobre isso.
Agora, mesmo não levantando a voz ou demonstrando seu furor, sinto-me ameaçada por sua frieza e total falta de sentimentos fraternos. Todos se empenharam em ajudar e apoiar Theodoros, inclusive nós, meros funcionários. Não Kostas! Ele só fez o exame de sangue – que foi incompatível entre Tessa e ele –, e, quando saiu o resulto positivo e começaram os procedimentos para que sua sobrinha fosse transplantada, ele sequer tocou no assunto e nem mesmo foi ver ou perguntou dela.
Eu fico muito confusa sobre esse homem com quem estou e por quem me apaixonei. Kostas sabe ser sedutor, galante, engraçado e até – por que não, já que foi comigo ao asilo e ao hospital para ajudar? – altruísta. Todavia, quando a coisa é relacionada à sua própria família, não há nenhum calor humano ou misericórdia dentro dele.
— Eu não entendo, Kostas! O que você quer afinal? Por que o odeia tanto?
Ele desliga o computador e se levanta.
— Não quero conversar com você sobre isso. Se afaste desse assunto, não cabe a você!
Sinto a ferida que sua fala me causa instantaneamente. Eu já o vejo como parte da minha vida e pensei que eu estivesse me tornando da dele, mas, pelo que acabei de ouvir, isso não é verdadeiro.
— Está certo, não vou me meter. Contudo, quero dar minha opinião! — Ele para de recolher suas coisas sobre a mesa e me encara. — É vil, desumano fazer um pai que acabou de encontrar sua filha e que a acompanha em um tratamento médico, com risco de perdê-la sem ao menos ter estado com ela, comparecer a reuniões, ser auditado e receber mais uma preocupação à sua vida.
Seus olhos brilham de um jeito diferente, e, então, ele cruza os braços.
— Vejo que Theodoros tem uma defensora e fã.
Rolo os olhos, mas não nego.
— Theodoros é o melhor chefe com quem já trabalhei! Se há alguém aqui dentro que nasceu para estar à frente desta empresa, é ele!
Konstantinos desvia os olhos, assente e sai da sala sem falar nada. Fico muito tempo olhando para a porta fechada, tentando entender o que acabou de acontecer.
Por que Konstantinos odeia tanto o Theo?
Mereço ser feliz?, é o que me perguntava todos os dias em que me sentia o mais filho da puta dos felizes dessa Terra. Wilka foi o melhor presente que a vida me deu, e tê-la é como se eu estivesse, enfim, tendo a oportunidade de realizar os sonhos que já nem tenho mais.
Não, não tenho mais os sonhos, porque eles se transformaram!
Não há mais o menino que sonhava em ter a mãe por perto ou a atenção do pai; não existe mais o garoto cujo avô fingia ignorar a existência, deixando meses e meses dentro de um internato sem ao menos um telefonema; não há o iludido que achou que tinha ganhado uma família, mas nem poderia imaginar que tinha chegado ao inferno!
Eu não sou mais esse menino, não tenho mais os anseios que ele tinha, por isso Wilka é a realização de sonhos de alguém que não existe mais, e isso é impressionante. Se eu pudesse, durante a adolescência, ter pensado em encontrar alguém para amar, com certeza seria como ela.
Ela é um tanto doida – falando com o cachorro como se fosse gente –, cheia de manias com organização, limpeza e posts-it (juro que uma vez vi um pregado em sua pasta de dentes! Ela nega, mas eu juro que vi!). Enlouqueceu-me no mesmo nível que me fez feliz durante essas semanas que passamos juntos. Contudo, eu nunca me senti tão completo!
É isso! Acho que ela não é a realização de um sonho, mesmo porque, como explanei antes, o dono das fantasias já não existia mais. Wilka me completa, ela conserta parte dos danos que foram causados há tanto tempo. Sempre achei que não haveria mais como me sentir inteiro de novo.
Estar com ela durante esse tempo tem me ensinado muitas coisas. Acompanhei-a algumas vezes até os locais onde faz seu trabalho social – às vezes só dava carona, auxiliando-a a levar mantimentos, livros e material para artesanato. Tomei um susto quando a vi aparecer fantasiada de palhaça, com vestido rodado e colorido e usando uma peruca de cabelos longos e rosa, penteada com marias-chiquinhas.
— Se eu ouvir uma só palavra de deboche, faço greve! — ela ameaçou ao passar por mim, notando minha cara de assombro e a vontade que eu – muito bravamente, confesso – tive de gargalhar. — Hoje tem evento na ala pediátrica do hospital onde sou voluntária.
Eu estava sentado na poltrona que ela tem no quarto, lendo calmamente um livro, quando ela saiu do banheiro fantasiada desse jeito. Estava maquiada ao estilo boneca, o rosto mais branco, a boca reduzida a um coração vermelho e muito brilho por todo lado.
Ela estava inocente, engraçada e linda!
Nesse dia eu não apenas a levei, como também a acompanhei e lhe assisti, junto aos outros voluntários, a fazer as crianças rirem e esquecerem dos problemas.
Talvez, digo só talvez, porque ainda não entendo o que me deu, tenha sido por ter ido até aquele local com ela que eu fui parar no hospital onde a filha do Theo estava internada. Estacionei e fiquei muito tempo dentro do veículo, sem coragem de subir ou mesmo de perguntar sobre a menina para algum funcionário.
Tudo o que eu sei sobre a Tessa chegou até mim por alto, apenas por ouvir uma conversa aqui e outra acolá, porque ninguém conversa sobre ela comigo, e eu também não pergunto sobre sua saúde e seu progresso.
Soube, com alívio, que conseguiram um doador, mas não pude ao menos demonstrar que isso me deixou contente, pois a bomba das denúncias que fiz contra Theodoros ao Conselho explodiu logo em seguida.
Não houve consideração com o momento que ele estava passado, não existe isso dentro de uma empresa do tamanho da nossa. Tempo é dinheiro, e nem mesmo a vida de uma criança faria os sócios perderem seus queridos dividendos. Theodoros foi chamado para algumas reuniões. Millos tentou de tudo para adiar qualquer decisão do Conselho sobre ele, mas eu já havia colocado pressão demais – como eu ia adivinhar que ele tinha uma filha e que a menina estaria doente bem no meio dessa confusão? Eles não recuaram e afastaram Theodoros do cargo, colocando – interinamente – Millos em seu lugar.
Vocês entendem o motivo pelo qual eu me sinto tão incomodado por ter ido ao hospital? Eu parecia um hipócrita ali, a todo momento me lembrando de tudo o que passamos por causa dos erros do Theodoros, justificando as decisões que tomei contra ele – coisa de que não me arrependo – e, ao mesmo tempo, louco para subir e conhecer a menina que todos dizem ser uma cópia da Kyra e da giagiá.
Eu estava paralisado ali, não queria subir e me encontrar com Theodoros e Duda Hill, mas também não conseguia ir embora; algo me puxava como um ímã.
“Eu estou em frente ao hospital onde a filha de Theodoros está internada. Não sei para que vim, não deveria ter vindo, mas não consigo ir embora.”
Enviei a mensagem para o Millos e logo em seguida recebi a resposta.
“Sobe! Estou aqui também, vem conhecê-la.”
Meu coração disparou, a boca secou. Eu olhava para o enorme prédio, louco para adentrar aquelas portas, mas não saía do lugar.
“Não posso! Eu não deveria estar aqui. Ninguém daí me quer junto nesse momento, e eu os entendo.”
“Besteira! Esse é o momento de todos ficarem juntos, você não acha? É hora de superar!”
Balancei a cabeça negativamente. Eu sentia muito pela menina, lamentava o momento em que a cabeça de Theodoros ficara a prêmio na empresa ter coincidido com a doença de sua filha, mas não estava ali para fingir que nada acontecera e perdoar o meu irmão.
Nem poderia, não é? Theo sequer nos pediu perdão ou mesmo tentou conversar conosco esses anos todos!
“Não posso deixar para trás o que ele nos causou, Millos. Não foi por isso que vim. Eu só queria conhecer a menina.”
Ele leu a mensagem, mas não respondeu. Olhei para a sacola de papel no banco do carona e respirei fundo, culpando Wilka e seu trabalho voluntário no domingo por me amolecerem.
“Sobe! Duda e Theo foram almoçar, eu estou com a Tessa e disse a ela que um amigo meu está vindo conhecê-la.”
Xinguei o Millos dentro do carro, segurei no volante, liguei o motor, desliguei-o, deitei a cabeça sobre a direção, mas, quando dei por mim, já estava na recepção, recebendo meu crachá de visitante e entrando no elevador com a maldita sacola na mão.
Bati à porta do quarto dela, e Millos me atendeu.
— Olá! — cumprimentou-me e já foi me entregando uma roupa de hospital. — A enfermeira vai te ajudar e te passar todos os cuidados. Tessa está mais suscetível por causa da quimioterapia, então sua visita vai ser muito rápida, só um oi.
Fui equipado com roupa esterilizada por cima da minha, touca, máscara, luvas e até protetor nos sapatos. A enfermeira pegou a sacola da minha mão, olhou o conteúdo e o embalou para que Tessa o recebesse sem correr riscos.
Saí do quarto contíguo e entrei na área isolada por uma parede de vidro, onde uma garotinha estava deitada, também usando máscara, no leito do hospital.
— Tessa, esse aqui é o amigo que disse que vinha te ver.
A menina olhou para mim, e o impacto de seus olhos verdes nos meus foi como a explosão de uma bomba atômica. Senti-me sendo puxado para fora de lá, flutuando pelos ares, rebobinando minha vida como se fosse um filme.
Lá estava eu de novo, chorando de cabeça baixa, soluçando por toda sujeira que me envolvia e, de repente, uma mão tocou meu rosto, levantou minha cabeça e secou minhas lágrimas.
— Nós vamos ficar bem...
Millos tocou meu ombro, e a imagem da pequena Kyra olhando-me com seus enormes olhos verdes cheios de lágrimas se desvaneceu.
— Oi! — Tessa me cumprimentou, e, pelo repuxar de seus olhos, supus que sorria. — Eu sou a Tessa!
— Oi, Tessa — minha voz falhou ao dizer seu nome, e tive que pigarrear para engolir o bolo que se formara na minha garganta quando a vira. — Eu sou amigo do Millos...
— Qual seu nome, amigo do tio Millos?
Meu primo riu alto do jeito dela, e percebi que ela não tinha apenas os olhos da Kyra, seu gênio e personalidade também eram parecidos.
— Meu nome é... — respirei fundo e me surpreendi – e ao Millos também, tenho certeza – quando respondi: — Tim.
Tessa sorriu como se gostasse do nome ou se compartilhasse comigo alguma travessura.
— O que você tem aí? — Apontou para a sacola em minha mão. Entreguei-a para a enfermeira e fiquei apenas com o presente que – juro que ainda não entendo o motivo – comprei para ela. — Ah, é um ursinho! — Ela tentou se levantar, mas não conseguiu, então Millos a auxiliou. — Eu posso abrir?
— Ainda não — respondi, e uma sombra cobriu sua alegria. — Mas poderá muito em breve, e aí ele será seu companheiro em muitas brincadeiras.
— É meu primeiro bichinho desde que vim para cá. — Ela parecia emocionada. — Eu ganhei presentes, foi meu aniversário, mas nenhum bichinho. — Ela abraçou o presente, mesmo envolvido por um saco, e tocou minha mão enluvada. — Obrigada, Tim!
Não consegui responder, tremia, imagens de Tessa se misturando às de Kyra com a mesma idade. A mistura de sentimentos dentro de mim era enorme! Medo, aflição, resistência e proteção, eu revivi todos os momentos ruins que passamos – Alex e eu – na esperança de livrá-la do monstro que tínhamos dentro de casa.
— Vocês têm que sair agora — a enfermeira anunciou, e Millos falou algo para Tessa que lhe arrancou gargalhadas.
Despedi-me dela ainda mudo, apenas acenei, e só voltei a respirar quando estava do lado de fora do quarto.
— Uma menina de 1,20m deixou um gigante no chão! — Millos me sacaneou. — Foi bom saber que algo do Tim ainda está vivo.
Neguei.
— Não está, só não queria que ela dissesse meu nome para a mãe ou para o Theodoros. — Millos sorri, não acreditando na minha desculpa. — Vou descer antes que me vejam.
— Eles te receberiam muito bem. Duda é incrível!
— Não posso ficar.
Afastei-me dele, andando rápido em direção ao elevador e, assim que ele se abriu, tomei meu segundo tombo do dia.
— Kostas! — Kyra se surpreendeu ao me ver. — Que bom que você...
— Não comente com ninguém, eu só queria conhecer a menina — logo a interrompi antes que achasse que, assim como perdoou Theodoros, eu também o tinha feito.
— Tessa é maravilhosa, não é? Eu...
— Ela me lembrou você, baby girl. — Ainda não entendo por que usei o apelido pelo qual a chamava quando criança. — Era como se eu a estivesse vendo de novo.
Seus olhos se encheram de lágrimas, e ela olhou para baixo a fim de contê-las.
— Tessa pode parecer comigo fisicamente, mas será muito melhor do que eu quando crescer.
Ouvir isso foi a confirmação de que nós falhamos. Tentamos manter o demônio o mais longe possível dela, mas não conseguimos. Sinto-me culpado por ter saído de casa aos 18 anos e deixado os dois para trás com aquele louco. Eu não podia fazer mais nada, não podia tirá-los dele e, se ficasse, ao invés da faculdade, iria sair de casa direto para a cadeia.
— Você é ótima, Kyra! — elogiei-a, e ela me olhou surpresa. — Eu gostaria de ter dito isso a você no Natal, mas não pude. — Balancei os ombros. — Você está fazendo um trabalho esplendoroso.
Ela sorriu e inesperadamente se jogou em meus braços. Eu a abracei de volta, o bolo na minha garganta quase me sufocando, o coração batendo forte e os olhos ardendo.
— Nós ficamos bem, Tim! — ouvi-la me chamar desse jeito foi como sentir alguém abrir feridas inflamadas para drenar a infecção. Doeu, doeu demais, porém, eu sabia que, a partir dali, a cura seria possível. — O pesadelo acabou!
Eu queria ter essa mesma certeza, mas não, o meu pesadelo persistia, repetia-se a cada noite, eu me lembrando ou não, mas estava lá, sempre!
Mereço ser feliz?, volto a me perguntar agora, voltando ao presente, depois de ouvir tantas verdades de Kika. Sou vil, cruel e desumano por trazer mais preocupações ao Theodoros. Sou egoísta, soberbo e sem coração por fazer meu irmão mais velho sofrer com a possibilidade de perder o cargo na empresa. Não importa o que ele fez, o que eu passei por causa das consequências de seu erro, nem que ele nunca tenha se dignado a saber de nós e só tenha voltado ao Brasil para assumir aquela maldita empresa!
Nada disso importa, porque eu sou a porra do vilão dessa história!
Saí da sala tão magoado, tão puto por perceber que, embora Wilka e eu tenhamos vivido momentos inesquecíveis, a defesa dela é do meu irmão. Chamem-me de ciumento, egocêntrico que só se preocupa com seu próprio umbigo, e mesmo assim continuarei me sentindo preterido por ela.
Caminho pela Paulista até chegar ao parque onde trocamos nosso primeiro beijo. Estou aqui, de terno completo, parado no meio da ponte, esperando que todos esses sentimentos novos dentro de mim vão embora. Meu estômago está fervendo, a cabeça, estourando, mas a única dor que me incomoda de verdade não é física.
Abro a porta do home office ao primeiro toque da campainha e encaro a mulher sorridente e maliciosa, que faz questão de me olhar por inteiro, lamber os lábios de forma provocativa e voltar a me encarar cheia de más-intenções.
— Konstantinos Karamanlis em seu habitat. — A mulher peçonhenta olha tudo em volta. — Confesso que esperava algo melhor!
Viviane entrou em contato comigo no mesmo dia em que Wilka e eu tivemos a discussão sobre Theodoros. Aparentemente a mulher decidiu aceitar o dinheiro que lhe ofereci em troca das provas contra meu irmão mais velho.
— Só me importa agora vê-lo perder sua posição na empresa — ela disse ao telefone, mas pude sentir seu rancor como se estivesse ao meu lado. — Ele não merece se safar depois de como me tratou ou como tratou a todas as mulheres que se apaixonaram e ele menosprezou.
Confesso que quase bocejei por causa de seu discurso de vilã mal-amada de novela mexicana, mas disse-lhe que, assim que resgatasse a quantia no banco, entraria em contato com ela, e fiz isso ontem à noite, solicitando que viesse ao meu apartamento para que me entregasse os documentos, e eu, o dinheiro.
— Sinto desapontar seu gosto refinado, mas estou ligando uma porra para o que você esperava.
— Uau! — Ela ri. — Grosseiro e gostoso — aproxima-se de mim —, gosto disso!
Desvio-me de sua rota, colocando o balcão da cozinha entre nós.
— Os documentos! — Estendo a mão. — Todas as cópias, como combinamos.
Ela rola os olhos, mas assente.
— Se eu fosse desonesta, não teria ido tão longe como mecenas, não acha?
Gargalho, pois existem mecenas que são verdadeiros pilantras, mas não discuto com ela ou a desiludo sobre me enganar com esse papinho fodido de honestidade.
Pego a sacola de papel onde coloquei o dinheiro que ela pediu, que deixei em cima da minha mesa de trabalho, onde estava até há pouco revisando meu trabalho, e a estendo em sua direção.
— É todo seu!
Viviane retira os maços de dentro da sacola e os confere, nota por nota, então abre um enorme sorriso de satisfação.
— Quando vai encaminhar ao Conselho? Soube que Theodoros levou a botequeira para morar com ele.
Bufo, desejando um caralho me envolver nas fofocas dela.
— O que eu vou ou não fazer com isso não te diz respeito! — Os olhos dela brilham de forma estranha. — Terminamos aqui, então você pode...
— Hum, cheiro maravilhoso de café! Poderia tomar uma xícara? Vim tão apressada que nem pude fazer um desjejum decente — ela me interrompe com um olhar doce e sensual.
Sinto-me me ferver a ponto de deixar o café em ebulição também, mas pego uma xícara, coloco-a na máquina e vejo Viviane perambular pela pequena sala, distraída, olhando a falta de decoração do meu lugar.
Xingo ao sentir o líquido fervendo do café derramar em minha mão e me dou conta de que peguei uma xícara comum, mas pedi a opção de um café longo. Porra, ela merece um “ristretto”, no máximo! Troco de xícara, lavo minha mão na pia e levo o café, enfim, para ela, esperando que o tome depressa e saia do meu apartamento.
Viviane está de costas, levemente inclinada, lendo o título de um livro.
— O caf... porra!
Ela se virou-se tão depressa que esbarrou em mim e todo o líquido fervente veio parar no meu peito, encharcando minha camisa de algodão egípcio branquíssima, que veio da lavanderia ontem.
— Ai, Kostas, mil perdões... — Ela fica visivelmente sem jeito. — Há algo que posso fazer para ajudá-lo? — Ela vai até a cozinha correndo pegar um pano, mas a impeço de me tocar. — Vou me trocar, essa porra está ardendo!
Caralho!
Pego o envelope com as cópias que comprovam o dinheiro no exterior que Theodoros mantém e subo para o mezanino.
— Você consegue achar a saída sem um mapa, não?
Viviane ri.
— Claro que sim!
Ela se abaixa para pegar os pedaços da xícara no chão, e entro para o banheiro do meu quarto. Quando volto, poucos minutos depois, ela não está mais, e tudo está em seu devido lugar, inclusive a xícara quebrada, que confiro no lixo.
Volto para minha mesa de trabalho e pego o parecer que estava fazendo para a área da Ethernium, corrigindo uma coisa ou outra do texto que imprimi – eu sou desses que só consegue revisar com o texto em mãos –, e então, depois de pronto, envio o tão esperado, cobrado e desejado documento para Wilka Maria.
Suspiro, pensando em como ela está, reconhecendo que sinto sua falta e até a do mijão do Kaká.
A notificação da chegada de um e-mail soa alta nos fones de ouvido que uso enquanto ouço música, deitada no sofá da sala, com Kaká ao meu lado. Em minhas mãos, o último volume da trilogia de suspense de T. F. Gray, meus olhos arregalados para não chorar, porque é sempre assim, todo final desse autor filho da puta, mas que eu adoro, me deixa estendida na BR.
Finais felizes? Esquece! Emocionantes, mas nunca imaginem que o romance do enredo vai prosperar, mesmo porque nem é o foco do livro. Ele tem esse jeito especial de escrever, sinto tanta coisa, são tantos sentimentos contidos em cada palavra, tanta profundidade!
Além disso, ninguém descreve a solidão, angústia e o abandono como ele.
— Ele me entende! — disse isso uma vez ao Kostas enquanto recolhia seus exemplares – em inglês e com dedicatória do próprio autor, para minha inveja –, que estavam jogados pela casa. — Eu sinto tanta verdade no que escreve, nas mazelas da vida, na aflição do suspense. Nada é o que parece quando é uma história dele.
— O pouco que li, achei apelador e piegas. — Kostas deu de ombros.
— Você leu errado, leia de novo! — Apontei para ele com pose de brava. — Além do mais, acho que é uma leitura que combina com você.
Ele parou de ler o jornal e me encarou.
— Por que você acha isso?
Alisei as capas dos livros, abracei-os com força e os coloquei sobre a mesa onde ele tomava café.
— Sua leitura de cabeceira diz muito sobre seu gosto e, acredite, se há algo que eu presto atenção são os livros. Desde a primeira vez que vim aqui, os mesmos títulos estão lá no criado-mudo: O Retrato de Dorian Gray e Frankenstein.
— Frankenstein ou o Prometeu Moderno. — Ele riu. — Adoro esse título! Sim, gosto de tê-los no meu criado-mudo, são livros clássicos de edições antiquíssimas que trouxe da Inglaterra comigo.
Isso me interessou.
— Edições muito antigas?
— Sim, é um dos primeiros com o nome da Mary Shelley na capa, e o do Oscar Wild, comprei de um colecionar. São as primeiras edições.
Ele pegou os livros, que eu reconheci o quanto eram antigos só de manuseá-los, e ficamos conversando sobre literatura durante boa parte da noite.
— Eu sinto saudades, Kaká — comento com meu cãozinho. — Já tem três dias que ele não vem dormir aqui com a gente.
O york gane baixinho, um lamento canino cheio de saudades.
O fato é que, depois da nossa discussão sobre Theodoros, Kostas ficou mais distante. Ainda estamos juntos na mesma sala, ainda tocamos o mesmo projeto, mas eu o senti distante. Não me arrependo do que disse a ele sobre sua atitude para com o irmão. No entanto, comecei a considerar que talvez eu o tenha julgado rápido demais.
Sempre soube que a Karamanlis era uma família complicada. Nunca vi nenhum dos três irmãos interagindo muito, apenas o doutor Millos, que mantém conversas e uma relação mais pessoal com todos eles. Claro que já ouvi rumores, principalmente relacionados aos ciúmes de Kostas por Theo ter conseguido a diretoria executiva, mas agora me pergunto: será só isso?
Pego o celular e olho a notificação do e-mail que acabou de chegar, e meu coração dispara ao ler o nome de Kostas. Abro-o, esperando que ele tenha feito contato por esse canal, mas rio de mim mesma ao ver a mensagem fria e profissional, enviando-me finalmente o documento com todas as brechas legais para que o empreendimento da Ethernium possa ser instalado no local que escolhemos, na região metropolitana do estado do Rio de Janeiro.
Leio o documento atentamente, lembrando-me de tê-lo visto trabalhar incessantemente para que ficasse pronto e indiscutível. Os argumentos dele são incríveis e só demonstram o quanto estudou profundamente as legislações de lá e sua inteligência ao deixar prontos argumentos para toda e qualquer indagação do cliente sobre os entraves legais.
Fecho os olhos e respiro fundo, o coração dividido entre a satisfação e a dor por ele ter concluído esse documento.
O telefone volta a notificar, dessa vez uma mensagem, mas não o olho. Eu tenho medo do que vai acontecer agora, porque sei que as coisas irão mudar e que, talvez, eu não esteja pronta para ver isso acontecer. Apaixonar-me por Kostas foi um risco que corri e que, mesmo sob o forte pressentimento de que vou sofrer, não me arrependo de sentir.
Abro o aplicativo de mensagens, e meu coração dispara ao ver mais uma questão da minha vida se resolvendo, ainda que eu vá pagar por ela durante muito tempo ainda.
“Recebi o documento que faltava. Vou encaminhar amanhã e entro em contato. Depois que fizermos isso, por favor, esqueça a minha existência.”
A mensagem é visualizada, mas não tenho resposta de volta. Nem preciso disso, pedir para me esquecer foi mera formalidade, afinal, eu nunca tive significado algum.
Não almocei na Karamanlis, por isso não consegui falar com Konstantinos. Pela manhã, ele teve mais uma reunião do Conselho Administrativo e, quando saí para terminar o último compromisso que tinha com meu passado – assim espero –, ele ainda não tinha vindo para nossa sala.
Olho para a mesa dele, passo as mãos sobre o teclado do seu computador, sento-me em sua cadeira grande, sentindo quase como se estivesse sendo abraçada por ele. Consigo sentir o cheiro do perfume dele na sala. Sorrio ao me lembrar de quantas vezes estive em seu colo, ou de pé aqui com a mão dele se esgueirando por baixo das minhas saias, enquanto revisávamos algum relatório.
Assim que cheguei hoje de manhã, já pedi às meninas que organizassem a apresentação ao cliente, e ao Leo para montar todo o dossiê para a reunião, com informações, valores e as condições que negociamos com o governo local.
Alexios confirmou, por e-mail, que sua equipe de engenheiros ambientais, biólogos e gestores estava pronta para começar a montar os estudos e a dar entrada no licenciamento assim que o cliente aceitasse a área. O trabalho está bem-feito, finalizado, mas...
Respiro fundo para não pensar em nada pessimista, não é bom. Tudo vai continuar dando certo, mesmo com a pressão que estou sofrendo. Eu tenho que acreditar que nada disso irá influenciar no meu trabalho.
Tudo vai dar certo!
Repito essa frase constantemente conforme vou abrindo todos os e-mails que chegaram durante minha ausência na sala. Olho para minha bolsa e sinto um arrepio de medo transpassar minha coluna. Nunca fiz uma loucura dessas antes, sinto como se o objeto pudesse estourar como uma bomba atômica a qualquer momento.
Se concentre, Kika, você já fez, não tem como voltar atrás!
Volto a prestar atenção ao computador, mas o barulho da porta se abrindo atrai meus olhos, e contenho a respiração esperando ver Konstantinos, mas é Millos quem aparece.
— Oi! — cumprimenta-me. — Achei que Kostas estivesse por aqui.
Sorrio e lhe ofereço um café, mas ele nega.
— Vim só dar a notícia sobre o transplante de Tessa.
Levanto-me da cadeira e sigo até ele com o coração disparado.
— Como foi?
— Bem, deu tudo certo, as duas passam bem. — Ele sorri. — Queria avisar meu primo, pois sei que ele é orgulhoso demais para pedir notícias...
— Por quê, Millos? — questiono por impulso. — Você sabe que estamos juntos, não sabe? — Ele assente. — Eu não consigo entender por que ele agiu daquela forma com o doutor Theodoros. — Suspiro e resolvo me abrir com ele, pois confio em Millos. — Nós brigamos por isso, eu disse coisas pesadas para ele, mas depois pensei que eu realmente não sei o motivo dele para ser assim.
Millos põe as mãos nos bolsos.
— Kika, eu nunca revelaria algo que não é meu. — Concordo com ele e peço desculpas, mas Millos balança a cabeça como se não fossem necessárias. — Mas posso dar minha impressão sobre meu primo. Ele se fechou há muitos anos, e, pela primeira vez, vi uma abertura se mostrar e foi por sua causa. — Meus olhos se enchem de lágrimas, e ele toca meu ombro de leve. — Acho que você é tudo o que ele precisa para voltar a sentir esperança, afeto e amor.
— Eu não sei se ele me vê...
Millos ri e me interrompe:
— Você é como um facho de luz, e ele ficou anos no escuro. Então é normal incomodar, arder, doer e desnortear, mas, depois que ele se acostumar, vai revelar tudo o que ele já nem lembrava mais que existia, ou que nunca existiu, e trazê-lo de volta à vida. — Ele olha dentro dos meus olhos. — Você o está trazendo de volta à vida. Não desista dele!
Essas palavras calam fundo dentro de mim, principalmente por causa da metáfora que ele usou para nos ilustrar. Eu sei o que é ficar no escuro, conheço a sensação de desesperança e de falta de amor, de não pertencer a lugar algum, a solidão.
— Diga a ele que o procedimento de Tessa foi um sucesso e que ela não largou o ursinho nem por um dia sequer.
Franzo a testa.
— Que ursinho?
Millos dá de ombros e se despede.
Homem misterioso da porra! Sorrio ao pensar no quanto eu o acho especial. Millos tem um comportamento estranho, pois, apesar de sua fala mansa, seu jeito calmo e polido, seus olhos mostram outra coisa. Tempestade! Os olhos verdes dele são tempestuosos, agitados, totalmente o oposto do que ele demonstra.
Já percebi que os Karamanlis são assim, todos contraditórios ao extremo!
Alexios é um gênio, inteligentíssimo, generoso, consciente, mas, de vez em quando, estampa revistas parecendo ser um playboy, participando de suas corridas de StockCar ou de moto, desfilando com uma mulher diferente a cada evento ou pilotando sua lancha no Guarujá, cheia de celebridades dentro.
Theodoros parecia frio, ótimo gestor, mas um tanto cheio de pose, obrigava-nos a ouvir uma música nas festas que a maioria nem sabia o que era, não se misturava com ninguém e tinha obsessão por aquele bar na Vila Madalena. Agora o homem se revelou superapaixonado e romântico, um pai dedicado, disposto a renunciar a tudo por sua filha, e isso surpreendeu a todos.
O jeito de Millos me incomoda às vezes, parece ser calculado demais, sinto-o se podando, medindo o que e como falar as coisas. Não que seja falso, mas me passa a impressão de que se contém, se esconde.
Já Konstantinos... quem poderia supor que eu iria me apaixonar por ele?
— Tudo bem? — Pulo e me viro na direção da porta, vendo-o parado atrás de mim. — Entrei, e você continuou parada aí no meio da sala.
— Estava pensando em vocês. — Ele ergue a sobrancelha. — Em você e seus irmãos e até no Millos. O que houve para que se tornassem tão distantes, tão...
— Não quero falar sobre isso! — Kostas passa por mim, recolhe umas pastas em sua mesa e respira fundo. — Não há nada no meu passado que a ajude a encontrar o homem que você quer que eu seja. Eu sou assim — ele abre os braços —, querendo ou não, eu sou.
Ele caminha para a saída, então me lembro do aviso do Millos.
— O transplante de Tessa foi um sucesso. Ela e sua irmã estão se recuperando bem. — Vejo-o respirar fundo. — Millos disse que ela não soltou o urso nem por um minuto. — Ponho a mão nas suas costas. — Você mandou um presente a ela?
Ele nega.
— Eu fui vê-la.
Sou tomada pela surpresa, mas, antes que eu possa dizer algo, ele sai da sala, batendo a porta. Ando de um lado para o outro, inquieta por causa do que ele acabou de me confessar, questionando quando ele foi – se antes ou depois da nossa discussão – e por que não me disse nada.
Paro, olho a porta fechada mais uma vez e me lembro de todas as vezes que isso aconteceu, que ele simplesmente me deixou para trás e bateu a porta desta sala como se fechasse a da sua vida.
Não mais!
Pego minha bolsa e decido que não vou mais lhe assistir sair desse jeito, sem conversarmos, sem eu entender o que está acontecendo, sem dizer a ele o que eu sinto e demonstrar que o aceito como é, mesmo que desconfie que nem mesmo ele saiba quem é o verdadeiro Konstantinos Karamanlis.
— Quando nós vamos ter a confirmação de que ela está curada? — pergunto ao Millos por telefone, já no meu apartamento.
— Ainda é cedo, eles precisam acompanhar para que não haja rejeição e a nova medula se forme e funcione corretamente. Tessa ainda vai passar algum tempo em recuperação.
A imagem da menina linda, sorridente e doce vem nitidamente às minhas lembranças, principalmente a de quando ela abraçou o presente que lhe dei, mesmo todo embrulhado em plástico.
— Por que você falou do urso para a Wilka? — questiono Millos.
— Não sabia que você não lhe tinha dito — meu primo responde, seu tom neutro, nenhuma tremida na voz, porém, sei quando ele está mexendo seus pauzinhos, e foi essa a intenção dele, manipular a todos. — Eu gosto dela, Kostas.
Fecho e abro as mãos, invadido por ciúmes, pensando em como e por que meu primo gosta de Wilka. Rio de mim mesmo, do modo como sou possessivo em relação a tudo que diz respeito a ela, e a razão volta. Millos não dá ponto sem nó, ele não diria algo assim, não se exporia à toa.
— O que você pretende com isso, Millos? — a pergunta direta será claramente entendida, afinal, ele não é nenhum pouco burro ou ingênuo.
— Que você seja feliz e que não estrague tudo sendo o babaca que sempre é quando se sente acuado.
Tenho um sobressalto com a resposta, pois não esperava tanta objetividade de meu primo. Achei que ele iria florear algo, usar alguma metáfora, ou mesmo fazer piadinhas, mas não, o filho da puta enfiou o dedo bem dentro da ferida.
Respiro fundo e me sento na poltrona, sentindo meu corpo cansado de sustentar toda a armadura que tenho usado durante todos esses dias longe dela para me manter de pé. Eu sinto muita falta do que estávamos construindo juntos, sinto falta dela e até mesmo do cachorro grudento e mijão.
— Eu não sou o homem que ela quer e não sei se um dia conseguirei ser.
— Bobagem! Você sabe que eu faço pesquisas sobre nossos funcionários mais graduados e que cavamos fundo para não correr o risco de acontecer o que houve com aquele diretor psicopata que trabalhou com os Villazzas. — Concordo com ele. — Wilka é incrível, Kostas. Ela é dedicada, tem um senso de responsabilidade social e um amor ao próximo que nunca vi antes — a voz de Millos demonstra toda a admiração que sente, e eu o entendo, porque, mesmo não me importando com nenhuma dessas coisas a vida toda, acompanhá-la a seus trabalhos voluntários me encheu de orgulho dela. — É positiva, alegre, empática... enfim, tudo o que você não é!
Eu gargalho por sua opinião crua sobre mim, mesmo que concorde.
— Exatamente, esse é o ponto. Somos diferentes demais!
— São, sim, mas vejo isso como algo bom. — Ouço um barulho ao fundo da ligação que reconheço como o som do elevador de carga que ele mantém naquele galpão que chama de casa. — Vejo-o amanhã na empresa. Qualquer outra notícia sobre Tessa, eu entro em contato.
— Certo, obrigado.
Desligo, mas as palavras dele sobre Wilka e mim não saem da minha cabeça. Sim, eu sinto essas diferenças entre nós repercutirem positivamente em mim. Sinto-me feliz perto dela, muitas emoções, que eu nem lembrava que existiam, estão presentes quando ela está próxima, e sentimentos novos parecem crescer apenas por pensar nela.
Fico melhor com Wilka ao meu lado, isso é inegável, mas ainda sou eu. Ainda sou o mesmo homem que guarda tanto rancor e que não consegue deixar isso de lado nem em um momento difícil. Ainda sou aquele que quer ver Theodoros longe da empresa, longe de mim. A grande diferença é que me sinto mal por ser assim, pois isso a decepciona, coloca aquele brilho triste em seus olhos, tira um pouco da luminosidade deles.
Não sei ser diferente! Sou grosso, irritado, soberbo, toco o foda-se para a opinião alheia, mas a dela... a dela me destrói.
Estou destruído desde nossa última discussão sobre Theodoros. Entendo seu ponto de vista e a acho admirável por defender o que acha certo, mas isso não diminui o que senti sendo preterido por ela. Isso não atenua a dor que me causou saber que ela me enxerga como todos, mesmo que seja a única que já teve a chance de ver um pouco sob o meu verniz.
Fui julgado sem poder apresentar meus motivos – parte por minha culpa, afinal nunca disse, e nem pretendo dizer, a causa de toda minha revolta com Theodoros – e condenado por me sentir injustiçado, magoado – olho para o livro que estava folheando ontem – e abandonado.
O cheiro da fumaça de cigarros está forte, afinal, fumei nesses poucos dias tudo o que tinha economizado durante as semanas que passei no apartamento dela. Meu estoque de bourbon baixou consideravelmente, tanto que abri garrafas que ganhei de outros empresários ou velhos colegas de faculdade.
Três noites infernais dentro deste apartamento, sem conseguir dormir, trabalhando como um louco. A única vantagem foi que consegui adiantar um prazo que tinha e ao qual já estavam me cobrando notícias, colocar em dia alguns contatos obrigatórios que tenho que manter, porém, ainda assim, não consegui deixar de me lembrar dela em cada um desses momentos.
As provas que comprei de Viviane, que podem sujar a reputação de Theodoros a ponto de ele perder o cargo de vez, continuam no meu cofre. Não tive coragem ainda de usá-las, não depois de tudo o que Wilka me disse. A verdade é que estou em guerra comigo mesmo e não sei o que fazer.
Wilka se infiltrou na minha vida, nas minhas entranhas, é difícil fazer qualquer coisa – desde a mais simples até a mais complicada – sem que seu rosto, perfume, risada e gemidos venham até mim.
Abro o arquivo no qual venho trabalhando há quase um ano, mas que parece nunca ficar pronto. Sempre fui devagar nisso, gosto de ser assim, pois me permite amadurecer muito mais as ideias, mas preciso admitir que, dessa vez, estou ainda mais lento e já estou recebendo cobranças por causa disso.
O interfone toca, e bufo de raiva, arrastando-me até o aparelho para saber o que meu porteiro quer.
— Oi!
— Boa noite, doutor, chegou uma visita...
— Não estou esperando ninguém! — corto-o, pronto para desligar.
— O nome dela é Wilka e está insistindo para...
Nem processo o resto da fala dele, estupefato por ela estar aqui no prédio. Meu coração dispara igual a um corredor dos 100m rasos em disputa com o Bolt. Começo a tremer e me engasgo antes de responder:
— Deixe-a subir.
Minhas mãos suam. Dou uma olhada na zona que está o home office e já imagino a cara de espanto dela. Lembro-me do cheiro do maldito cigarro e corro até o lavabo para buscar um desodorizador, além de jogar no lixo as cinzas e guimbas que estão nos cinzeiros espalhados pela sala.
A campainha toca quando estou lavando as mãos, então, só então, dou-me conta de que estou usando apenas cueca.
Porra!
Fico indeciso entre pedir a ela que espere enquanto me visto ou apenas ir até a porta e deixá-la entrar; já me viu pelado – até já enfiou a língua no meu rabo! –, não é uma cueca boxer que vai ofender sua virtude.
Respiro fundo, dando-me esporro por estar sendo tão melindroso com uma visita que nem sei para que é – espero que não seja para me dar um pé na bunda definitivo, embora seja uma opção sensata – e abro a porta.
— Oi! — Ela sorri e descaradamente me olha de cima a baixo. — Hum, espero que ainda não tenha comido nada.
Franzo a testa, sem entender, e ela ergue duas sacolas de comida japonesa. Vou confessar que sinto alívio, pois, pelo olhar e a frase dita depois, pensei que ela estava perguntando sobre eu ter comido/estar comendo alguém!
Wilka percebe que continuo mudo, parado na entrada, e seu sorriso morre. Ela olha para os lados, depois abaixa as sacolas e sorri sem graça.
— Talvez não tenha sido uma boa ideia ter vindo aqui sem...
Não a deixo terminar de falar, puxo-a para meus braços e encosto minha boca na sua. Não há possibilidade de vê-la tão perto, de sentir a luz que emana dela e se choca contra minha escuridão sem querer absorvê-la toda, consumi-la, fazer com que sejamos um só.
Sinto o gosto do bourbon se misturar ao de alguma bebida doce que ela tomou, a maciez dos seus lábios contrasta com a ferocidade com que corresponde ao meu ímpeto de tê-la toda em mim. Nosso toque é delicado e, ao mesmo tempo, desesperado.
As sacolas de comida devem estar no chão, junto à sua bolsa, pois suas mãos apertam meus braços, mantendo-me colado a ela como se houvesse alguma possibilidade de eu me afastar. Não há! Nem física, nem emocionalmente. Ela é minha, e eu sou dela!
Meu corpo se aquece com o beijo, meu pau pulsa a cada vez que sua língua se esfrega na minha, sinto tudo mais intenso, como se estivesse sob o efeito de alguma droga que potencializa as sensações. Mas não, é ela! Somente ela me causa tudo isso.
Ergo-a, e ela passa as pernas em volta do meu corpo, encaixando-se nos meus quadris. O desespero de estar dentro dela é enorme, e preciso de todo autocontrole que tenho para não dar vazão a ele. Quero estar com ela, pertencer ao seu corpo, receber seus carinhos, seus abraços, sorrisos e absorver sua luz. Preciso disso!
O sexo com Wilka é mais do que um ato de penetração, é uma experiência religiosa, um encontro com algo que busquei a vida toda: um lar. Sinto-me em casa dentro dela, poderia morrer nos momentos em que estamos juntos, que iria satisfeito por ter realizado o sonho de pertencer a algum lugar, a alguém.
Ela se afasta, sem fôlego, sorrindo, descabelada e linda e esfrega seu nariz no meu. Fecho os olhos, impactado pela força desse carinho, e meu coração chega a doer ao receber o afeto.
— Senti sua falta. Sua falta! — ela começa, ainda no meu colo e com nós dois à porta do apartamento. — Eu vejo você, Konstantinos, sempre vi. Lembro de cada motivo que tive para te xingar e desafiar, não ache que me esqueci. — Assinto, e ela sorri ainda mais, seus olhos brilhando. — Mais acabei descobrindo outros motivos para te admirar e amar você.
Paro de respirar. Meu corpo inteiro está paralisado neste momento, na verdade. Não sei se eu ouvi direito ou se significa o que acho que significa, contudo, sinto como se um raio tivesse acabado de atingir minha cabeça neste instante.
Wilka ri dessa expressão embasbacada e desce do meu colo, resgatando as sacolas do chão.
— Vamos ficar a noite toda aqui no corredor? — ela brinca, mas sua voz sai trêmula.
— Você disse que...
— Eu te amo — admite e suspira. — Está surpreso com isso?
Saio da porta, permitindo sua entrada, ainda sem saber o que lhe dizer. Na verdade, não sei como estou fazendo qualquer coisa, pois meu cérebro está bugado, derretido igual a porra de uma gelatina fora da geladeira. Nunca alguém disse essas palavras para mim, então não me xinguem por não saber como agir ao ouvi-las.
— Por quê?
Wilka dá de ombros, tirando as embalagens com várias peças da culinária japonesa da sacola.
— Por que alguém se apaixona? — questiona-me de volta. — Não há lógica no amor, Kostas, não adianta buscar uma. Essa é a graça de se apaixonar, apenas sentir. — Seus olhos se encontram com os meus. — Eu sinto e queria que você soubesse disso, ainda que não sinta o mesmo.
Encosto-me ao balcão da cozinha, inseguro sobre minhas pernas trêmulas darem conta do meu peso, ainda sem saber o que responder a ela. Minha consciência questiona o tempo todo o motivo pelo qual ela se apaixonou por mim. Eu não tenho nada apaixonante, eu nunca... Respiro fundo, impedindo que a ansiedade e o medo tomem conta de mim, afinal, não sou mais aquele garoto.
— Eu não sou o homem que você merece, Wilka — decido ser sincero. — Aquele Kostas que você conheceu, que te irritava, que era grosseiro e arrogante ainda sou eu!
Ela fica séria, para de mexer na comida, dá a volta ao balcão e fica de frente para mim.
— Eu sei que é. — Sua mão toca meu peito, sobe em direção ao meu pescoço, e ela me abraça forte. — Eu aprendi a amar você por inteiro. Ainda não conheci tudo, sei que há muito mais escondido, mas isso não muda o que sinto. — Ela deita a cabeça no meu peito. — Eu não espero que você seja o homem que eu mereço, quero apenas que seja o homem que eu amo.
Essa declaração é como a detonação de explosivos dentro de mim, causando a implosão de todas as paredes que eu usava como defesa e que fui construindo ao longo dos anos. Tudo se vai, sinto as palavras dela preenchendo cada canto, cada espaço vazio, iluminando toda a escuridão.
Pego-a no colo, sua risada assustada e feliz enchendo o apartamento que, por muitos anos, foi uma caixa fria de cimento, como eu, aquecendo tudo, como se o sol estivesse brilhando aqui agora.
Ela é o meu sol, minha luz, meu calor. Nomear o que sinto ainda é complicado, não sei como dizer a ela o que sinto, então tudo o que posso fazer é demonstrar a cada toque, cada beijo, cada estocada firme o que estou sentindo.
Subo as escadas do mezanino com ela abraçada a mim, a cabeça no meu ombro, às vezes sinto uma lambida na curva do pescoço, outras vezes seus dentes se cravam de leve no lóbulo da minha orelha.
Coloco-a no chão e começo a abrir sua blusa, botão por botão, sem tirar meus olhos dos seus. Espero que ela consiga ver e sentir tudo o que eu gostaria de colocar em palavras. Talvez pudesse escrever para ela como me sinto; transferir meus sentimentos para o papel sempre foi fácil. No entanto, espero que dessa vez meu corpo diga a ela as palavras que minha voz não sabe expressar.
Retiro a blusa, deixo o lindo sutiã branco, de renda delicada, transparente, através do qual consigo ver os mamilos. Sua pele está arrepiada; a minha, ferve. Seus olhos se fecham; os meus estão atentos a cada reação dela. As pontas dos meus dedos vão traçando caminhos nos seus ombros, braços e colo, escrevendo sobre ela palavras que julguei nunca exprimir, ou mesmo sentir.
Seus lábios carnudos se abrem de leve. Entre eles passam a respiração e alguns gemidos baixos, quase um ronronar. Busco o fecho da saia, ignorando o estado dolorosamente ereto do meu pau contra o tecido da cueca, esticando-o a tal ponto que parece que irá arrebentar a qualquer momento.
Arrepios descem pela minha coluna, desde a cervical até o cóccix, liberando uma energia que queima meu pau da base à ponta e faz minhas bolas se contraírem.
Não me toco, ela também não. Estou musicalizando o que sinto em cada fibra do corpo dela, explorando cada músculo como se eles fossem as cordas de um contrabaixo, extraindo um som lamentoso, belo e profundo. Espero sinceramente que ela possa ouvir, através dos meus afagos, tudo o que desejo expressar, tudo o que necessito que ela entenda.
— Você é minha! — é a única sentença que consigo exprimir.
Wilka geme mais alto. Abro a saia, deixo-a cair sobre seus pés, calçados em deliciosos scarpins altíssimos cor de pele. Afasto-me para olhá-la, conjunto de lingerie que eu ainda não conhecia, de renda e um outro tecido fininho, furadinho e transparente, com bordados brancos, puros como ela.
Nós nos encaramos. O fogo está ardendo em suas pupilas, a face, corada, os lábios secos sendo hidratados pela língua pequena e vermelha. Fecho os olhos, a sensação dessa mesma língua roçando na cabeça do meu pau, lambendo minha virilha, as bolas, passando perigosamente pelo períneo até chegar às minhas pregas, provocante, desafiadora, retornando ao cume onde concentro meu tesão e depois engolindo meu falo até onde consegue.
Não, ela não está me fazendo um boquete, mas sinto, gravada em mim com ferro em brasa, cada coisa que fizemos juntos ao longo dessas semanas. Outras lembranças, outras mulheres, outros prazeres, nada disso existe mais na memória. É como se toda minha experiência anterior tivesse zerado e meu ponto de partida e chegada se tornasse um só: Wilka.
— Vira — sussurro ainda sem olhá-la.
Aproximo-me. Seu rabo perfeito acerta minhas coxas. Minhas mãos buscam a frente de seu corpo, os pequenos montes de carne que enchem as minhas palmas, cujos mamilos balançam a cada roçar.
Cheiro sua nuca, as penugens dos cabelos curtos espetando meu nariz, o cheiro delicioso de sua pele – não é o seu perfume –, os pelos arrepiados contra meus lábios.
Solto gemidos quando a sinto rebolar contra meu pau. Invado seu sutiã, descendo as alças, alcançando seus peitos por dentro da peça sem bojo. Nos movemos juntos, como se dançássemos, a ponto de despertar em mim essa vontade, tê-la em meus braços enquanto uma música toca.
Agora, no entanto, não precisamos de som. O único que desejo ouvir é esse que dela ressoa. Prazer, tesão, amor.
Porra, amor!
Começo a beijar suas costas, descendo sobre seu corpo. Abro o fecho do sutiã, mas não o tiro, deixo que caia e fique pendurado em seus braços. Sigo com as carícias, aperto firme sua cintura, mordo o músculo duro de sua lombar e, então, chego à calcinha.
A peça delicada clama para que seja destruída, mas não quero. Dessa vez vou ficar com ela, guardá-la como um troféu, uma lembrança da noite mais foda da minha vida, a noite em que me senti amado e amando pela primeira vez.
Retiro-a devagar, cuidadoso. Percebo o fundo molhado, sinal de que ela está tão desesperadamente excitada como eu, mas também está degustando dessa demora de toques de mãos, boca e corpos.
Faço-a sair da calcinha, cheiro a lingerie longamente, absorvendo o aroma de seu tesão e depois a coloco em cima da poltrona perto da minha cama. Volto a beijá-la, agora em seus tornozelos lindos, subindo pelo interior das coxas, lambendo e mordendo lá e cá, passando direto pela área de sua boceta encharcada.
Viro-a para mim, tomo sua boca com volúpia, cheio de tesão, sentindo o cheiro pungente de sexo, tesão. Cada terminação nervosa do meu corpo se convulsiona, agitando-me.
Seguro-a pelos cabelos, puxo-os para trás, e sua cabeça se ergue mais, liberando seu pescoço para minha boca. Devoro-a, molho-a, lambuzo-a de saliva dos beijos molhados e intensos.
— Abre as pernas — solicito já com a boca sobre seu seio.
Wilka obedece, e minha mão vai em busca da carne macia, molhada e inchada de seu sexo. Gemo alto ao tatear a umidade, deslizando meus dedos febris e impacientes sobre seus lábios, explorando sua entrada e seu clitóris duro.
— Konstantinos... — geme quando massageio o feixe de sensações que ela tem protegido entre as coxas macias que me conquistaram à primeira vista, desde que vi aquela foto no Fantasy.
Chupo seu mamilo com força, sugando-o como um faminto, apertando-o com os dentes, puxando-o o máximo que consigo, deixando-a no limiar do tesão e dor.
Ela agarra meus cabelos com força, o couro cabeludo arde, e meu pau se contrai na cueca, liberando uma gota a mais de excitação que mela minha cueca já úmida.
Passo para o outro peito, lambendo-o devagar, contornando o mamilo, soprando-o para eriçá-lo ainda mais. Dois dedos agora brincam no charco de sua boceta. Fodo-a profundamente, mexendo os dedos dentro dela, deliciando-me com as texturas, com a sedosidade e a calidez molhada, sentindo o líquido escorrer para a mão.
Mordo o mamilo provocado, afasto-me para olhá-la, seus olhos semicerrados de desejo, os gemidos enlouquecidos escapando de seus lábios enquanto goza na minha mão com os olhos fechados.
— Você é sexy pra caralho! — Retiro a mão de dentro de seu corpo, ofereço o dedo médio para ela chupar, cheio de seu próprio gozo, e ela o ataca como se lambesse meu pau. — Porra!
Puxo a mão e provo meu indicador antes de beijá-la para compartilhar o sabor de sua boceta.
— Ajoelha — mando com a boca colada na dela. — Quero foder sua boca e gozar nela para aliviar a pressão antes de te comer.
Wilka não só faz o que peço, como me leva às alturas em poucos segundos, recebendo meu pau até o limite de sua garganta, encharcando-o com sua saliva, chupando minhas bolas e masturbando-me com força.
O arrepio volta a cruzar minha espinha. A ardência da porra vindo me consome. Pego-a pelos cabelos, seguro meu pau firme na direção de sua boca. Uma, duas, três agitadas nele, e trinco os dentes antes de sentir o mundo todo girando rápido, saindo do eixo, explodindo no vácuo do universo quando meu gozo se derrama e ela o consome como um néctar.
Caio ajoelhado diante dela, abraço-a, ainda tremendo, corpo suado, os olhos ardendo como se estivessem cheios de areia, ao mesmo tempo em que meus cílios estão úmidos. Uma lágrima escorre. Meu peito parece que vai se desfragmentar, os efeitos do orgasmo ainda me deixando sem fôlego e sem palavras.
— Você é minha! — repito o mantra, como se procurasse as palavras certas para expressar o que sinto, mas não conseguisse.
— E você é meu! — ela completa, passando as mãos pelos meus cabelos.
Não sei quanto tempo ficamos assim, no assoalho do quarto, os dois ajoelhados, abraçados, acariciando um o corpo do outro. Deve ter sido um bom tempo, porque só me dou conta disso quando sinto meu pau ereto novamente e o desejo incontrolável de me afundar e me perder nela.
Não digo nada, nem mesmo faço algum gesto para avisá-la, seguro-a pela cintura apenas, deito-me no chão e a encaixo sobre meu quadril.
— Mas já? — Ela ri e começa a se movimentar, masturbando meu pau com sua boceta ainda úmida.
Eu adoro que ela faça isso! É um dos momentos mais fodas que já tive, essa sensação de estar sendo utilizado para excitá-la sem nem mesmo tocá-la. Wilka é a dona do meu corpo, e ele está à sua disposição para o que lhe aprouver.
Observo seus quadris indo e voltando. A lubrificação dela faz sua boceta deslizar forte sobre mim, arrancando-me gemidos sofridos de antecipação. Aperto as mãos para refrear minha vontade de erguê-la e empalá-la com meu pênis, mas me controlo, esperando pelo gozo safado que sempre vem quando ela me usa como brinquedo sexual.
Lembro-me da vez em que usamos um anel peniano vibratório e de, entre gargalhadas, ela me dizer que eu fui o melhor brinquedo que ela já usou. Senti um tesão da porra ao ouvir isso, porque sei o quanto as mulheres curtem seus vibradores.
— Está gostando? — ela me pergunta já com a fala afetada pelo prazer. — Quero cavalgar em você, quicar sobre seu pau até desfalecer.
Agarro-a pela cintura.
— Vem!
A cada centímetro afundado dentro dela, solto um gemido rouco. Wilka se ajeita, a fim de não me receber todo em ângulo reto, pois ela alega que pode sentir meu pau sacudir seu útero nessa posição, por isso sempre a deixo no controle.
Apoio as mãos em seus peitos, ela ondula sobre mim, rebolando curto, apenas curtindo a ponta do meu pau se esfregar em suas paredes vaginais.
— Senta! — ordeno, e ela nega, sorriso insolente, e continua rebolando devagar. — Senta, porra!
Wilka gargalha, agora subindo e descendo devagar, mas ainda não do jeito que quero. Puxo-a para mim, seus peitos quase tocam o meu, sua bunda empina gostosa. Dobro os joelhos e começo a estocar dentro dela sem nenhuma piedade.
Ela grita, morde o lábio, aperta meus ombros, e eu a mantenho firme na posição, erguendo e baixando meus quadris para ir cada vez mais fundo e mais rápido.
Seu corpo se retesa de forma linda, o gemido muda, porém, antes de gozar, ela se inclina toda sobre mim, sua face denotando o prazer, os olhos rasos de lágrimas de puro deleite.
— Eu amo você!
Porra!
Nem entendo como, mas me vejo urrando como um bicho, meus gemidos altos e incontidos misturados aos dela, minha porra a inundando toda, sua boceta apertando meu pau de maneira dolorosa e erótica.
Ela desmonta sobre mim, nossos corações agitados, os pulmões lutando para buscar ar, os corpos moídos. Nunca me senti tão vivo!
Eu amo você também!, grito na consciência. Espero que ela possa ouvir mesmo que eu não consiga lhe falar.
Because, maybe, you're gonna be the one that saves me. And after all, you're my wonderwall.25
Olho para Wilka, que dorme serena em meus braços, a cabeça apoiada em meu peito, minhas mãos alisando suas costas desde que se deitou ao meu lado, depois de mais sexo amoroso, e balbuciou mais uma vez que me amava.
Não consegui pregar os olhos a noite toda, e o dia já está amanhecendo. Revivi cada momento nosso da noite anterior, cada palavra, cada gesto, cada olhar. Relembro e tomo vários murros no estômago, analisando minha covardia por não ter dito a ela que sinto o mesmo, bem como o medo que sinto de decepcioná-la.
Não posso e nem devo perdê-la, nunca!
Como diz a música que martela em minha cabeça, tocando em looping como se eu tivesse um maldito repeat no cérebro, ela pode ser aquela que me salva, minha protetora.
Abraço-a mais apertado, tenso, com medo das coisas que planejei fazer para destruir Theodoros e de como isso irá repercutir em nossa relação.
A acidez do rancor cultivado todos esses anos, que me impele a continuar e a arranhar ao máximo a reputação do meu irmão mais velho, digladia com a doçura do amor dela, que se instalou dentro de mim e exige que eu aja diferente.
Não posso negar quem sou, disse isso a ela, que me aceitou por inteiro. Contudo, manter minha identidade não requer que eu jogue sujo.
Wilka se move na cama, deita-se de lado, liberando o meu corpo do calor e da proximidade do seu. Olho para meu celular, a consciência me mandando agir, o orgulho e o ressentimento me mandando ficar na cama.
Levanto-me.
Fico parado olhando, com um puta sorriso besta e apaixonado, para a mulher que dorme em minha cama. O home office nunca teve tanto aconchego, nunca cheirou a um lar, mas, com ela aqui, o calor é enorme, e o perfume, maravilhoso.
Ficamos horas conversando na cama, rindo, comemorando os feitos que concluímos nesta semana intensa de trabalho, depois tomamos banho, compartilhamos a comida japonesa, ela resgatou seu kit emergencial dentro da bolsa – ela sempre diz isso quando pega a pequena bolsinha com calcinha extra, escova de dentes, pasta e demaquilante –, fodemos de novo e caímos exaustos na cama.
Em breve irá amanhecer, ela vai acordar iluminando minha vida com seu sorriso, acalentando meu coração com seu amor. Eu sei que realmente não sou o homem que ela merece. No entanto, sou aquele a quem ela escolheu amar, e isso me deixa mais do que disposto a tentar merecer esse sentimento.
Desço para a cozinha, sentindo sede e vontade de pensar um pouco no que devo fazer da minha vida. Pego um copo e o coloco no purificador de água, escolhendo a opção de temperatura gelada, e aguardo o líquido enchê-lo até a boca.
Finalmente tenho a chance que preciso para tirar Theodoros da empresa e de perto de mim para sempre. Os documentos que Viviane me entregou são suficientes para pôr mais fogo na fogueira na qual ele está queimando. Contudo, estou há dias em posse deles e sem saber o que fazer.
Bebo um gole da água, aliviando minha garganta seca, sento-me em uma das banquetas altas do balcão e vejo a bolsa da Wilka aberta e toda torta, pronta para deixar cair no chão todas as quinquilharias que ela carrega lá dentro.
Confiro as horas no celular, abro o app de mensagens e tomo uma decisão que nunca pensei ter, começando a zerar minha vida.
“Encontre-me às 9h, naquela maldita rua. Vou atender seu pedido, então faça direito o que tem que fazer, porque será sua única oportunidade.”
Saio do app sem nem mesmo esperar uma resposta, olho para o alto, para o mezanino acima de minha cabeça, onde uma mulher pequena e tinhosa dorme. Abro um sorriso por tê-la comigo e ergo sua bolsa antes que tudo caia no chão e Wilka Maria acorde de mau humor por conta da desordem e... paro o pensamento, pois algo me chama atenção inesperadamente. Franzo o cenho e, aproveitando que a bolsa já está aberta, olho com mais cuidado o envelope pardo que parece ter centenas de notas de 100 reais.
Por que ela está andando com todo esse dinheiro na bolsa?, questiono a mim mesmo, sem entender, preocupado com a ideia de que ela esteja envolvida em algum problema.
Rio apenas, por considerar algo assim, afinal, é a Wilka, a pessoa mais terrivelmente sincera que eu já conheci em minha vida.
Fecho a bolsa e a deixo no mesmo local em que estava capenga. Saio para a varanda minúscula da sala. O ar gelado de uma manhã que promete ser quente arrepia meu corpo seminu. Inspiro fundo e vejo os primeiros movimentos da cidade.
Acho que fiquei um bom tempo por aqui, pois me assusto ao ouvir uma batida à porta de vidro e vejo Wilka já arrumada, com bolsa no ombro, sorrindo e fazendo mímica para mim.
Abro a porta.
— Aonde você vai a essa hora? O prédio ainda nem abriu! — Beijo-a em cumprimento. — Bom dia!
— Bom dia! — Ela passa a mão descaradamente pelo meu tórax, mas depois me faz um carinho delicioso no rosto. — Não trouxe roupa, preciso ir para casa, senão vou me atrasar. — Ela desvia os olhos, mas depois sorri. — Tenho um compromisso agora de manhã, mas chego à empresa ainda antes do almoço.
— Eu também tenho compromisso fora da Karamanlis daqui a pouco. — Abraço-a. — Obrigado por ter vindo ontem.
Obrigado por me amar!
Ela me beija rápido, acena e sai correndo do apartamento.
Sinto-me terrivelmente incomodado por estar aqui, neste lugar onde eu jurei não pisar e que, se o fiz depois desse compromisso, foi porque estava bêbado demais para racionar.
Sóbrio como agora, é a primeira vez em que venho aqui.
Olho para o casarão velho e decadente, o sol forte ressaltando ainda mais sua podridão, a fachada já com parte do reboco solto, boa parte das vidraças, protegidas por grades de ferro, já quebrada pela ação de vândalos e, talvez, do tempo. O tapume em volta do prédio impede que ele fique em plena visão dos transeuntes deste bairro tão pobre e violento.
Olho para a janela do sótão, grande e imponente, seus vitrais ainda no lugar, e rio amargamente, pensando na contradição que é o único local preservado desse prédio ser onde eu quis me despedaçar.
Mais uma vez a curiosidade me invade, o desejo de saber se eu fiz a coisa certa há 23 anos. Eu confio que sim, que pior do que estava, não poderia ficar. Preciso me fiar nisso para que eu consiga ficar bem.
O barulho de alguém batendo no vidro do carro me assusta. Olho na direção da calçada e vejo Alexios. Destravo o carro, e meu irmão entra, sua jaqueta de couro aberta, a camisa de uma banda de rock nacional – alternativa e muito louca – estampada em seu peito e o capacete na mão.
— Você ainda corre? — pergunto inicialmente.
— Sim, mesma coisa, preciso manter alguns hábitos. — Ele sorri como se fizesse piada consigo mesmo. — Por que mudou de ideia?
Wilka! Preciso ser o homem que ela ama!, gostaria de responder isso a ele, mas não o faço.
— Decidi zerar o meu passado. — Alexios se surpreende, e eu aponto para o casarão. — Isso é uma parte dele que eu nunca deixo ir, que mantenho para me lembrar de quem eu sou, de quem me tornei.
Ele assente.
— Você vai o demolir?
— Vou. — Entrego a ele as malditas chaves do meu inferno particular. — Vasculhe tudo, o máximo que você puder, depois me avise para eu ter o prazer de apertar o botão de implosão dessa porra toda.
— Eu vou, mas não hoje, e prometo te ajudar com toda a papelada para pôr esse lugar no chão e explodir tudo o que representa para você e para mim.
Concordo com ele e ponho a mão sobre seu ombro.
— Como você soube de sua mãe?
Alexios olha para frente, mente vagando, olhar perdido.
— Encontrei alguém que ouviu sobre ela e que me deu a dica de que poderia encontrar algo aqui, afinal todos os móveis ainda estão dentro da casa.
— Casa... — debocho da palavra. — Isso nunca será uma casa, é o lobby do inferno, o hall do capeta!
Alexios ri, e eu acabo acompanhando-o, mesmo que pense exatamente assim.
Despeço-me dele e o sigo de carro, voltando para casa para me trocar e trabalhar. Relembro o dinheiro na bolsa de Wilka. Acho estranho, bem como as ligações que ela sempre rejeitava, nervosa. Decido que precisamos conversar e que eu me colocarei à sua disposição para qualquer problema que possa ter.
Chego ao home office e começo a subir as escadas para o quarto, mas paro. Olho para trás, para meu armário, onde tenho o cofre escondido, e vou até ele.
Pego o envelope com os extratos e o contrato da conta no exterior de Theodoros, coloco-o na lixeira de inox, banhado com muito álcool, e desativo o sprinkler antes de fazê-los desaparecer para sempre.
Assunto encerrado, hora de virar essa página da minha vida!
— Boa tarde! — cumprimento Leonardo, Vivian e Rosi antes de entrar na sala da gerência e encontrá-la vazia. Volto para a outra sala. — Wilka ainda não voltou para a empresa?
— Ah, voltou, sim, mas saiu com o doutor Millos para visitar a filha do Theo no hospital — Rosi informa com um sorriso. — Ela avisou que não vai demorar, foi só levar um presente para a menina.
Agradeço pelo recado e pergunto ao Leonardo como vão as coisas para a reunião com nosso cliente.
— Eles agendaram para a próxima semana, então estamos em ritmo acelerado para deixar todas as informações da área prontas, inclusive com o pessoal do doutor Alexios.
— Wilka repassou o parecer que fiz sobre a área?
— Não, isso vai entrar em meu dossiê, e, como estou ajudando na criação da apresentação junto ao pessoal de TI, ela ainda não me passou.
— Certo, então vou para o jurídico. Caso ela retorne, peça que me encontre lá.
— Pode deixar, doutor!
Saio da área dos hunters, mas paro antes de entrar na diretoria jurídica, pois vejo o mensageiro da empresa vindo em minha direção com outro buquê de flores.
— Entrega para quem? — pergunto.
— Para a Kika!
Bufo de raiva e praticamente tomo a porra do buquê das mãos dele.
— Eu fico com isso, pode ir!
O garoto arregala os olhos e sai correndo, balançando os fios de seus fones de ouvido.
Não posso acreditar que o petulante do bombeiro continue no encalço dela, mesmo depois de ter me visto e sabido que eu sou o namorado – sorrio ao incrementar o pensamento –, que sou o homem que ela ama!
Puxo o cartão de novo, mas só há uma mensagem muito estranha, impressa e sem assinatura.
“Nunca pensei que iria gostar de ter cometido um erro!”
A mensagem soa assombrosa, remetendo-me aos corredores escuros, úmidos e putrefatos do meu passado.
Analiso o arranjo, percebo que, diferentemente do ramalhete do bombeiro, as flores não são rosas, mas de outra espécie que não conheço. Procuro uma lixeira grande, sentindo que devo me livrar de tal presente, mas, antes que eu faça isso, Eleonora sai da diretoria e me encontra com a porra do buquê na mão.
— Ah, que camélias mais delicadas, doutor! — Ela sorri maliciosa, como se compartilhasse comigo algum segredo. — Hum, acho que acabei de me ferrar no bolão de novo!
— Que bolão?! — pergunto intrigado, embora puto por estar de conversa com ela no corredor.
Eleonora olha para todos os lados, conferindo que não tem ninguém por perto.
— Já estamos na segunda rodada, e a grana está alta — segreda baixinho. — Está acontecendo desde que o doutor e Kika foram trabalhar juntos. Ninguém acertou na primeira rodada, porque o maior chute de quanto tempo vocês conseguiriam ficar juntos era de apenas um mês! — Ela olha o buquê, mas especificamente o cartão na minha mão com o nome de Wilka em letras garrafais. — As apostas fecharam novamente, e eu tinha apostado em mais duas semanas!
Começo a rir, assustando-a, sem poder acreditar que Wilka Maria e eu agitamos a Karamanlis a ponto de todos os funcionários fazerem um bolão maluco valendo dinheiro!
— Doutora Eleonora! — chamo-a para mais perto. — Façamos o seguinte: quando abrir nova rodada, a senhora vai fazer outra aposta, dessa vez com o dobro de dinheiro que colocou no bolão.
A mulher fica muito interessada.
— E devo apostar em mais quanto tempo?
Respiro fundo e sorrio sexy para a mulher curiosa à minha frente.
— Para sempre.
Ela não esconde o espanto – que só dobra quando me vê jogar as flores no lixo. Volto até ela e peço:
— Vamos esquecer o buquê, ok? Veio errado da floricultura, Wilka prefere flores vivas, plantadas em terra, e já mandei encomendar. — Pisco. — Por favor, mantenha o segredo, afinal, é um bolão!
Entro na diretoria sentindo um quê de perversidade ao confirmar para ela que Wilka e eu estamos juntos, mas usar de sua ambição pelo dinheiro do tal bolão para mantê-la de boca calada.
Eu sou terrível!
— Faltam três dias, porra! — Soco a mesa e olho de soslaio para Wilka, que não parece nada satisfeita por eu estar falando duro com a equipe dela, mas que, supreendentemente, mantém-se calada. — Lamir, como está o vídeo de apresentação?
O garoto ruivo que trabalha no departamento de TI fica vermelho como a porra de um tomate, e eu sei que a coisa não anda bem.
— O pessoal do georreferenciamento está me devendo um gráfico, então...
— Algum de vocês sabe o que é responsabilidade? — Irrito-me novamente. — A tarefa é sua, faça a porra que for preciso para executá-la dentro do tempo estipulado, porque é o seu nome nela e não o de alguém do georreferenciamento. — Olho para a estagiária dos hunters. — Carolina, o material gráfico impresso já chegou?
— Sim, doutor! Eu já estou separando as pastas com cada documento dentro, mas ainda faltam as pranchas virem da K-Eng.
Meu sangue ferve mais uma vez.
— Ligue para o Alexios e o mande pressionar seus engenheiros. — A garota assente e sai correndo para ligar. — Coffee-break, quem está organizando...
A mão de Wilka desliza sobre meu ombro. Eu respiro fundo e fecho os olhos, sentindo meu corpo inteiro responder às suas carícias.
Acho que o que temos vivido juntos pode ser comparado à tal lua de mel com que todo mundo que se casa sonha. Não com relação a viagens, mas no contexto geral, no sentimento, na alegria e, claro, na fodelância infinita.
Eu praticamente me mudei para o apartamento dela desde sexta-feira passada. Amanhã fará uma semana que esvaziei meu armário, encaixotei meus livros e despejei tudo lá na Vila Mariana.
Vim dirigindo para a empresa quase todos os dias, usando o serviço VIP do aplicativo de carros no dia que era proibido transitar – por conta do rodízio –, e quase caí para trás ao descobrir que Wilka Maria não era habilitada.
— Eu sempre tive outras prioridades, nunca pensei em ter um carro. — Deu de ombros. — Eu sei dirigir, mas não achei que valesse a pena tirar a carta. Nunca me vi dirigindo pela cidade.
— Mas é necessário, faça isso!
— Talvez; ainda tenho outras prioridades! — Piscou para mim.
Pensei em comprar um carro de presente para ela e, com isso, incentivá-la a entrar na autoescola, mas, conhecendo-a como conheço, se lhe der um presente desse, é capaz de termos um abalo quase sísmico em nosso relacionamento.
Porém, uma coisa não consegui conter, e espero que ela não fique muito puta quando souber que pedi a Samara Schneider, uma arquiteta de interiores, que concebesse o projeto de sua sala de leitura. Tirei muitas fotos, medi escondido o cômodo e tentei passar a ideia que ela me apresentou no dia em que estive lá pela primeira vez.
Será uma surpresa que ficará pronta em 30 dias. Só espero não morrer por isso.
— Doutor, acho que estamos todos cansados, são quase 23h, ninguém consegue resolver nada com a maioria dos setores já fechados — Wilka fala baixo e bem calma, com um sorriso. — Podemos continuar as verificações amanhã, o que acha?
Quero ir para casa e trepar contigo a noite toda!
— Concordo — respondo.
— Ótimo! — ela comemora, mas olha séria para sua equipe em seguida. — Mesmo cansados, por favor, agilizem! Fiquei tão preocupada quanto o doutor Konstantinos com os entraves que vocês estão achando. Esse é o maior projeto da Karamanlis no momento, então empenho é a palavra.
— Pode deixar, Kika! — Leo é o primeiro a se manifestar, depois seguido dos outros hunters.
Olho divertido para ela, que faz expressão de desentendida.
— Feiticeira! — sussurro, e ela ri. — Você deve ter algum feitiço que os deixa assim!
— Não, é só jeito de falar, reconhecimento pelo esforço e atenção. Você deveria praticar de vez em quando!
— Pimentinha!
Adoro chamá-la assim quando me provoca no trabalho! Não consigo chamá-la de Kika como todo mundo faz, não, para mim ela é Cabritinha na hora da safadeza, pimentinha quando me provoca no trabalho e Wilka Maria quando estamos na cama, abraçados, carinhosos ou mesmo fazendo coisas rotineiras.
Coisas rotineiras!
Nunca pensei sentir tanto prazer em fazer isso, mas sinto. Fomos ao cinema no final de semana, depois jantamos e voltamos correndo para casa, passamos a noite na safadeza, estreando brinquedos novos que ela comprou, e eu finalmente lhe mostrei os ovos, e ela pôde assistir ao vivo como é gostoso me masturbar com eles.
No domingo de manhã, antes de irmos para a casa de repouso de velhinhas assanhadas, fomos passear em um parque com o Kaká. Tentei ensiná-lo a pegar e trazer a bolinha, mas o cãozinho sofre de algum tipo de transtorno de atenção, pois não podia ver uma borboleta passar que pulava e ia atrás, tentando pegá-la.
Carreguei uma caixa pesada da porra para dentro do asilo e descobri – olha, confesso para vocês, fiquei assombrado – que eram livros eróticos para o clube de leitura. Livros eróticos, caramba!
— Já te falei para colocar o preconceito de lado. Elas são velhinhas, mas estão vivas!
— Ô, e bem vivas! — sacaneei e tomei um tapa na nuca – que só foi possível porque estávamos sentados – e meu pau reagiu na hora. — Não me provoca, Cabritinha!
— Só porque você acha que não vai mais — ela esticou e ergueu o dedo indicador lentamente, simulando uma ereção, e senti o mesmo acontecer dentro da minha calça — quando estiver na idade deles, não significa que eles não possam!
Fiz cara de indignação, cruzei os braços sobre o peito e lancei um desafio:
— Eu duvido que isso irá acontecer, vou trepar contigo até os 90 anos, no mínimo.
Ela sorriu largo, olhos brilhando, entendendo o que eu quis dizer com essa afirmação absurda. Eu consigo me ver velhinho ao lado dela e gosto muito do que vejo.
A semana que passou, embora corrida, foi cheia de acontecimentos marcantes, como a primeira refeição que ela preparou – que foi para o lixo, queimada –, o primeiro surto de ciúmes por Kaká só obedecer aos meus comandos e não mais aos dela – principalmente com relação às calcinhas roubadas – e nossa primeira noite de filmes na Netflix com sua amiga Verinha e o bulldog roncador do Ferdinando, ontem.
— O Carlinhos esteve aqui no prédio no final de semana e perguntou de você e do Kaká — a vizinha disse a Wilka assim que chegou, cheia de baldes de pipoca.
— Quem é Carlinhos? — perguntei, sem nenhum constrangimento por me meter na conversa.
— Um garotinho pequeno que adora meu cãozinho — Wilka respondeu, cortando o assunto.
Mais tarde, porém, consegui descobrir que a tal criança era do bombeiro, divorciado e com um filhinho lindo e fofo – palavras de Verinha, cheia de álcool –, e que ambos já frequentaram muito o apartamento de Wilka.
— Ele não tentou mais nenhuma aproximação? — indaguei assim que a amiga dela foi embora.
— Kostas, ele é meu amigo, e sim, já falei com ele algumas vezes no corredor, no saguão e no elevador. — Crispei as mãos, puto, imaginando-a presa no elevador com o sujeito. — Mas nunca mais veio aqui, está respeitando nosso relacionamento como eu sempre soube que faria.
— Bom! — disse ameaçador, e ela riu, balançando a cabeça, chamando-me de troglodita.
Troglodita?
Brinquei de homem das cavernas com ela a noite inteira, mostrando meu porrete, segurando-a pelos cabelos, devorando-a inteira com a boca a ponto de ela gritar e eu ter de calar sua boca.
— No que você está pensando com esse sorriso sacana na cara? — Wilka interrompe minhas lembranças.
— Gostou do troglodita ontem?
Ela suspira, e eu tenho minha resposta.
— Adoro te ver gozar daquele jeito! — Aproximo-me dela devagar e a esmago contra mim, fazendo-a gemer ao se dar conta do quanto estou duro só de me lembrar da nossa noite. — Queria te fazer gozar aqui — aponto para sua mesa — para acabar de vez com as lembranças ruins de nossa primeira vez.
Ela parece considerar a ideia, e eu me animo.
— Vamos...
Uma batida à porta nos faz afastar um do outro.
— Posso? — Millos aparece, e eu faço sinal para que entre. — Que bom encontrar vocês dois aqui ainda.
O tom dele me deixa alerta. Por mais que meu primo se faça de zen, suas nuances não passam desapercebidas a mim.
— O que houve? — inquiro.
Ele bufa, demonstrando seu nervosismo, anda de um lado para o outro e encara Wilka.
— Perdemos a área da Ethernium.
— O quê?! — grito e vejo Wilka se sentar, estupefata, pálida e trêmula.
Millos dá de ombros, mas suas mãos abrem e fecham.
— Nosso concorrente entrou em contato com o pessoal do governo, solicitaram a mesma área, empreendimento semelhante — ele ri —, a concorrente chinesa da Ethernium.
— Puta que pariu! — Não consigo conceber que isso esteja acontecendo, e a inércia de Wilka me preocupa. — Você está bem? — Ela assente, mas não parece. — Como isso é possível? Nós negociamos e escolhemos pessoalmente essa área, ficamos semanas conversando com eles, eu fiz a porra de um parecer enorme com todas as brechas legais para a implantação de uma siderúrgica lá!
Millos respira fundo e fecha os olhos.
— Pelo que meu contato no governo disse, alguns documentos que eles apresentaram no projeto são semelhantes aos do nosso — arregalo os olhos — inclusive. — Ele me estende a impressão de uma foto.
Pego a folha, e basta ler dois parágrafos para reconhecer – de forma modificada, claro – os meus argumentos e até minha forma de escrever.
Não!
— O que significa isso?
Millos dá de ombros.
— Alguém vazou nossas informações confidenciais, não só da área que estivemos à caça, como também de detalhes técnicos desenvolvidos dentro da Karamanlis.
— Isso é ridículo! Nossas equipes são totalmente confiáveis!
— Quem teve acesso ao seu parecer? — Millos questiona.
Paro um minuto para pensar e olho para a Wilka, que diz:
— Você, Leo e eu.
— Leonardo só o recebeu ontem, eu mesmo o encaminhei para ele, pois estava preocupado de o documento não constar no dossiê. — Fico sério. — Será que deu tempo de... — a pergunta é tão ridícula que nem a termino, pois não daria tempo de fechar um negócio assim do dia para a noite.
Wilka se aproxima de mim.
— Como pode ter certeza de que se trata do seu documento? — Ela pega a folha da minha mão, e noto o quanto está tremendo, embora tente disfarçar. — Realmente parece muito, no entanto, há alguns...
Encaro-a, coração disparado, ouvidos zunindo, não querendo ouvir a voz que insiste em sussurrar em meus ouvidos.
— Eu posso reconhecer algo que escrevo mesmo quando alguém tenta maquiar. — Bufo, inconformado com a notícia. — Bom, se não tem como ser o Leo, e com certeza não fui eu...
Ela arregala os olhos e me interrompe:
— Você acha que fui eu?
Millos pigarreia.
— Gente, não vamos começar...
Encaro-a, pálida, trêmula, nervosa como nunca a vi antes, e as lembranças dos telefonemas estranhos, do encontro com alguém em segredo dentro de um carro, o envelope cheio de dinheiro me atingem, e eu chego a cambalear, ouvindo agora claramente o que antes não passava de um sopro em meus ouvidos.
...Você sempre será um meio para o fim! Não se iluda achando que alguém irá te querer pelo que é, pelo amor de Deus, se olhe no espelho! Elas vão te usar, então, seja esperto e as use primeiro!
— ...a data em que foi entregue para eles?
Millos olha em seu celular e encara Wilka.
— Segunda-feira desta semana.
Não!
Ela está ainda mais pálida e volta a se sentar na cadeira, olha-me com os olhos cheios d’água, nervosa a ponto de torcer os dedos da mão.
— Eu não entendo como...
— Você está com problemas financeiros? — disparo a pergunta.
Ela franze a testa.
— Por que você quer saber isso? — sua voz soa fraca e trêmula.
— Só me responde!
Ela respira fundo e nega.
— Não entendo o que isso tem a ver...
— Puta que pariu, eu não acredito nisso! — grito para mim mesmo e começo a andar pela sala. Vejo Millos atrás de mim, tentando me acalmar.
Wilka vem em minha direção.
— Konstantinos, você não pode estar pensando que eu possa ter feito algo assim! — ela parece indignada, mas não me encara, e eu sei que mente.
Eu sinto!
— Me explica a porra do dinheiro na sua bolsa! — Olho em seus olhos, coração pronto para se estilhaçar. Sinto-me o moleque de novo, o garoto louco por amor, por ser amado, que não percebe a verdadeira face das pessoas. — Sexta-feira de manhã havia um envelope cheio de notas...
— Mexeu na minha bolsa? — ela indaga magoada.
Eu rio, sarcástico.
— Kostas, tenho certeza de que Wilka pode explicar...
— Não, não tenho que explicar sobre isso! — ela se exalta, acuada, e sua voz treme junto ao seu corpo. — Vocês estão mesmo me acusando de vender informações para nosso concorrente?
...mal saí de lá e já fui sondada por duas outras empresas, inclusive uma concorrente direta.
A mensagem de Caprica se destaca entre minhas lembranças, e eu começo a gargalhar como um louco.
— Eu sou mesmo um otário! — Rio e olho para ela. — Você, quando foi mandada embora, teve contato com eles, recebeu proposta de trabalho e tudo! Você mesma me disse isso.
Ela concorda:
— Sim, mas isso não quer dizer...
— Chega! — falo duro, e ela se afasta de mim. — Ninguém mais teve acesso a esse documento além de mim e de você. Você andou recebendo ligações estranhas, que recusava quando eu estava perto, depois encontrou-se com alguém às escondidas na hora do almoço e desconversou quando questionei onde você estava. — Wilka arregala os olhos e fica ainda mais pálida. — Cobrou o documento o tempo todo, preocupada com o prazo, mas até ontem não o tinha repassado ao Leonardo! — Vejo lágrimas escorrerem pelo rosto de Wilka, mas elas não me convencem mais.
— Kostas, deve haver alguma explicação! — Millos tenta apaziguar o clima, mas eu só me sinto traído, feito de idiota, usado como sempre previram que eu seria. — Wilka?
Ela nega com a cabeça, mas se recusa a falar.
— Você não precisa me explicar nada! — Rio, amargurado e vou até minha mesa pegar a pasta. — Para mim está tudo muito claro!
— Acha mesmo que fui eu? — Ela tenta me tocar, mas recuso seu toque. Wilka soluça. — Eu amo...
— Não, por favor! — Aproximo-me dela, mas não a toco. — Você não ama ninguém! Aproveitou a primeira oportunidade para apunhalar sua amiga pelas costas e ficar com o cargo dela. — Wilka recua. — É uma mentirosa nata, manipuladora, não é à toa que nunca teve ninguém antes de...
Millos se interpõe entre mim e ela, e seu olhar diz muito como está seu interior por baixo da aparente calma. Ele não precisa falar ou erguer a voz para que eu entenda que, se continuar atacando-a, se me aproximar mais dela, ele me mostrará o homem que é de verdade.
Sorrio, frio, entendendo a mensagem e caminho para a porta da sala, porém, paro, querendo que ela sinta um pouco – se realmente gostou um pouco de mim – do que eu estou sentindo.
— Sinto muito! Se seu plano era conseguir algum dinheiro sendo espiã da concorrência, parabéns, conseguiu sua esmola! Mas lamento dizer que foi burra e perdeu o grande prêmio, o herdeiro da empresa. — Abro os braços para ela e depois balanço a cabeça, debochando.
Wilka respira pesado, o rosto banhando de lágrimas. Millos ainda mantém uma mão sobre seu ombro.
— Kostas, só vai embora! — meu primo pede.
— Vou, mas, quando voltar amanhã, não quero vê-la aqui.
Saio e bato a porta com força, não só a da sala, como também a do meu coração.
O som da porta batendo estilhaça meu coração de uma forma tão real que não consigo reprimir o gemido de dor. Abaixo-me, sentindo-me dolorida fisicamente depois dessa discussão, sem ter a mínima ideia de como tudo isso aconteceu.
— Kika? — A mão de Millos toca levemente meu ombro, e eu o encaro.
— O que foi isso tudo? — pergunto-lhe, mas na verdade a questão é direcionada a mim mesma. — Eu ainda estou sem entender o que aconteceu.
Ele se senta no chão ao meu lado, porém, mantém certa distância.
— Alguém nos fodeu, foi isso que aconteceu — a voz de Millos demonstra sua preocupação, e eu entendo o motivo, afinal o cliente já foi informado de que achamos a área, estamos com projeto, apresentação, dossiê e uma reunião marcada, e essa notícia vem para jogar por terra todo nosso planejamento, mas, sinceramente, no momento não consigo pensar nas implicações disso tudo, só penso nas acusações de Konstantinos.
— Ele acha que fui eu... — Suspiro magoada, as lágrimas pingando no chão da sala.
— O que ele quis dizer sobre encontros, ligações e dinheiro na sua bolsa?
Fecho os olhos, pois reconheço a desconfiança nessa pergunta de Millos.
— Eu não tenho como explicar isso!
Eu nunca explicarei isso!, penso soluçando. O último encontro, para finalizarmos de vez nossa pendência, provou-me que falar sobre essa ligação só irá me causar problemas – mais do que já está causando.
— Kika, você precisa explicar. — Millos bufa. — Eu não acredito que você tenha algo a ver com esse vazamento, mas sei que, quando estamos acuados, podemos fazer coisas que julgamos nunca ter coragem de executar — sua voz treme ao terminar a frase.
Seco o rosto. Acho que ainda estou em choque com a reação de Kostas, pois, apesar da opressão no peito, estou calma, esperando essa maldita porta abrir a qualquer momento e vê-lo dizendo, pelo menos, a mesma coisa que Millos acabou de me dizer.
— A gente só tem ideia do que é capaz de fazer quando chega ao limite. — Olho para o homem que sempre reconheceu meu trabalho e me tratou de igual para igual dentro desta empresa. — O que acontece agora?
Millos sacode a cabeça.
— Não faça isso, não se sacrifique para proteger quem quer que esteja protegendo, Wilka. — Eu rio amarga, pois ele não poderia estar mais enganado. Não estou protegendo ninguém senão a mim mesma. — Eu não tenho alternativa além de suspender você enquanto investigamos o que houve.
Engulo o choro, a vontade de gritar e espernear como uma louca e me levanto.
— Está certo — concordo, magoada, porém, entendendo que o meu silêncio está causando tudo o que eu sempre temi que acontecesse.
Pego minha bolsa, vejo-o se levantar também e passo por ele antes de sair.
— Eu realmente não entendo o motivo do seu silêncio, mas sei que vocês dois estão envolvidos de verdade um com o outro e imagino o quanto estão sofrendo com isso.
Minha garganta trava, meus olhos queimam, mas tento manter o mínimo de dignidade.
— Se ele sentisse por mim o que sinto por ele, nunca cogitaria pensar algo desse tipo. — Millos concorda, tenta falar, mas não permito. — Eu poderia desconfiar dele também, não acha? Tem feito de tudo para acabar com a reputação de Theodoros na empresa, e perder um negócio desse porte, com certeza, não ajudará em nada na imagem do CEO. — Millos arregala os olhos, e eu percebo que concorda comigo. — Mas não, Millos, em momento algum pensei em acusá-lo, ao menos desconfiei dele, sabe por quê?
— Você confia nele! — ele vai direto ao ponto.
— Exatamente. Confiança, algo que ele não conhece.
Saio da sala tentando ainda me manter firme e agradeço por não ter ninguém mais no prédio. Entro no elevador e me olho no espelho. Lembranças dos momentos com Konstantinos ao meu lado, da nossa reconciliação, do final de semana incrível que passamos juntos me machucam demais, e eu desabo, soluçando feito uma criança.
Em algum momento o elevador para, pois sinto braços fortes me abraçarem e tocarem minha cabeça em consolo, mas estou tão consumida pela dor, pelo medo e decepção que aceito o apoio sem nem saber quem é a pessoa.
— Tente ficar calma. — Alex me segura firme, e eu soluço em seus braços, dando vazão a todo desespero que sinto pela forma como Kostas me acusou e falou comigo. — Eu acabei de saber sobre essa sacanagem, mas nós vamos arranjar um jeito.
O elevador chega ao térreo, as portas se abrem, mas nós permanecemos no mesmo lugar.
— Nossas informações foram passadas para eles, Alexios. — Ele assente. — Informações que só seu irmão e eu tínhamos.
— Eu sei. — Ele seca minhas bochechas com seus dedões. — Nós vamos descobrir como isso aconteceu.
Paraliso, franzo a testa e pergunto baixinho:
— Não acha que fui eu? — Ele nega. — Por quê?
— Porque trabalhamos juntos há algum tempo já, e eu sei que você não faria isso e, se fizesse, é inteligente demais para deixar as coisas assim, tão na cara. — Ele respira fundo. — Se as coisas estivessem como antes, eu suspeitaria de Kostas, mas agora sei que não foi ele também.
Volto a chorar, ele me abraça e aperta o botão para o elevador ir para a garagem.
— Vou te levar para casa e...
— Konstantinos tinha motivos para desconfiar de mim — admito. — Eu recebi algumas ligações, encontrei-me com alguém em segredo, e ele viu muito dinheiro na minha bolsa.
Alex fica sério.
— Está com problemas financeiros? — Assinto. — Mais um motivo para eu não acreditar que foi você. O bônus que receberia com esse negócio era grande demais para perder e ainda arriscar ficar desempregada, e, se ele viu dinheiro em sua bolsa, presumo que não fosse muito.
— 250 mil reais — revelo, esperando alguma reação assustada por parte dele, mas Alex se restringe a sair comigo do elevador e me encaminhar para seu carro. — Não vai dizer nada?
Ele ri.
— Se meu irmão acha mesmo que foi você quem sabotou nossa conta, presumo que você não tenha explicado isso tudo para ele. — Concordo. — Então eu não tenho o que dizer, Kika. Tenho certeza de que há alguma explicação que, por algum motivo, você não pode dar. Respeito isso, só espero que não te cause ainda mais prejuízo e sofrimento.
Entro no carro e desabo de novo, chorando como há muito não o faço.
— Eu não quero perdê-lo, mas eu gostaria que ele agisse como você, que confiasse em mim!
— Kostas não confia nem nele mesmo, infelizmente. — Ele dá a partida. — Seu endereço?
— Moro no apartamento que era da Malu.
Alexios dirige, sabendo o caminho, pois, quando Malu passou mal em uma festa de final de ano no Villazza SP, foi ele quem nos levou para o apartamento dela.
As acusações de Kostas queimam dentro do meu peito, não só sobre a traição à empresa, mas, principalmente, sobre Malu, sobre como ele me via – sozinha e amarga – e por ter jogado na minha cara até o fato de eu ter permanecido virgem até pouco tempo.
Dói lentamente dentro de mim, como se houvesse algo constantemente me ferindo, causando o machucado aos poucos para me fazer sentir mais. Se ele me amasse... Soluço, e Alex põe a mão sobre a minha.
Kostas nunca disse o que sentia por mim, eu que presumi que era correspondida pela forma como eu o sentia ao meu lado. O jeito como me olhava, me tocava, me amava dizia isso, ou, pelo menos, eu achava que era assim.
Estava enganada! Ele não confia em ninguém, não ama ninguém!
Perdi tudo!
Eu sei que minha inocência será provada, tenho absoluta certeza disso, mas não poderei seguir trabalhando na Karamanlis e nem amando Konstantinos. Nosso relacionamento acabou, pois ele nunca irá conseguir deixar para trás as perguntas sobre as coisas que viu e nem poderei esquecer as coisas que me disse.
— Eu prometo a você, Kika, que vou descobrir como eles fizeram isso, quem foi o responsável pelo vazamento.
Respiro fundo, engulo as lágrimas e balanço a cabeça positivamente.
— Millos me suspendeu enquanto abre uma investigação.
Alex bufa de raiva.
— O Conselho está pressionando todo mundo desde a situação com Theodoros. Há algum tempo que eles estão defendendo a ideia de alguém de fora da família na direção, mas, como a Karamanlis grega tem a maioria das ações da daqui, eles não tinham força.
— O que mudou?
— Alguns membros do Conselho estão desde a gestão desastrosa de Nikkós. — Quase pergunto quem é, então lembro que, antes de Theodoros, o CEO era Nikólaos Karamanlis, pai deles. — Outros entraram a partir da gestão do Theo e teoricamente sempre o apoiaram. Agora os mais velhos estão conseguindo certa influência sobre os mais novos, e a pressão em cima de Millos está enorme.
Eu entendo que Millos tenha me afastado para tentar conter um pouco da pressão do Conselho, mostrar que está tomando iniciativa sobre as merdas que ocorrem na empresa e que está mantendo tudo a rédeas curtas, mas isso não ajuda a me sentir melhor.
Na verdade, nada vai! Preciso encarar que tudo ruiu, que meu passado me acertou como eu nunca imaginei que pudesse acontecer. A escuridão me tomou por completo, engoliu-me como um buraco negro e está me consumindo.
— Só preciso de um tempo para me refazer — justifico para Verinha e termino de fechar as malas, secando as lágrimas dos olhos.
Pedi a ela para que ficasse um tempo com o Kaká, e ela entendeu que eu não estava bem, não questionou meus motivos ou minha decisão, apenas me perguntou quanto tempo ficaria fora.
— Pode ir tranquila, porque você sabe que eu sou louca por esse moleque aqui. — Ela beija a cabeça de Kaká, que está no seu colo. — Mas ele sentirá sua falta também.
— Eu sei. — Meu coração aperta. — É só que não dá pra levá-lo comigo nesse momento.
Verinha concorda.
— Já chamou um carro?
— Sim, daqui a pouco estará aqui.
— O Vinícius poderia te levar também e...
— Não, Verinha, não quero envolvê-lo nisso.
Eu sei que ela já supôs que algo entre Kostas e mim deu errado e que, além disso, afetou meu trabalho. Verinha sabe como sou, é parecida comigo nisso, e, se eu não me abrir para ela, também não irá me questionar. Já Vinícius, não. Tenho certeza de que irá me encher de perguntas que não tenho a mínima vontade de responder.
Essa noite foi um verdadeiro caos, não dormi um minuto sequer, chorei, peguei todas as malditas peças de roupas de Kostas no armário, abracei algumas, depois a revolta tomou conta de mim e as coloquei todas em sacos de lixo pretos.
Por muitas horas esperei receber um telefonema, uma visita ou mesmo uma mensagem dele. Mas não, ele realmente saiu da minha vida daquele jeito tão violento e definitivo.
Não queria incomodar a Malu, mas calhou de ela me mandar uma mensagem à noite, e eu acabei desabafando com ela, e o convite para ir até Aquidauana para ficar com ela e, quem sabe, assistir ao parto do meu afilhado foi a solução que eu esperava para deixar as coisas se assentarem por um momento.
Uma semana para colocar minha cabeça no lugar e decidir o que eu farei com minha vida, porque, além de uma enorme dívida, vou ter que procurar outro emprego e torcer para que o que houve na Karamanlis não manche meu currículo.
E ainda tem Kostas.
Eu evito pensar nele, mesmo pensando a cada segundo. Dói demais me lembrar de sua expressão, de suas acusações, palavras e ver a desconfiança refletida em seus olhos.
Tento não parecer, mas estou destruída e sei que toda essa minha carapaça de força irá desaparecer assim que abraçar minha melhor amiga.
Ouço a notificação do aplicativo indicando que o motorista chegou. Choro, abraço a Verinha, aperto e beijo meu Kaká, que gane baixinho, sabendo que algo errado está acontecendo, olho para os sacos pretos no chão do apartamento, lembro de cada peça de roupa que coloquei dentro deles, chorando, buscando esperança onde não tinha mais nenhuma.
Nem mesmo meu amuleto, que me consolou e me encheu de fé durante anos, deu-me força para acreditar que tudo ficaria bem!
Seu sorriso é capaz de iluminar qualquer escuridão!, dizia a última frase de uma carta tão antiga, mas que, de alguma maneira, mudou meu destino.
Sim, sempre acreditei nessas palavras e ainda acredito. No entanto, não é possível vencer a escuridão sem o sorriso, e ele, sinto profundamente dentro de mim, estará apagado por muito tempo ainda.
Estou de volta ao inferno!
Abro a porta do maldito sobrado, fechada há mais de 15 anos, e respiro o cheiro putrefato do local misturado a mofo e poeira. Caminho devagar pela entrada, ouvindo as tábuas do assoalho rangerem, usando a lanterna do celular para me desviar de buracos e outras coisas no chão.
Entro no grande salão. O piso de carpete vermelho já nem tem cor, muitas partes estão puídas ou roídas por traças, roedores e baratas. Chuto um rato que atravessa meu caminho e olho para as prateleiras espelhadas do bar no fundo do cômodo.
A poeira e as teias de aranha não me permitem ver meu reflexo nos espelhos quebrados. As prateleiras de vidro que outrora abrigavam bebidas para todos os gostos – desde as mais vagabundas até as importadas – já não existem mais, apenas estilhaços do vidro estão no chão.
Antes de eu comprar este lugar, ele foi invadido e pilhado. Levaram os lustres suntuosos, as estátuas de gosto duvidoso, alguns móveis, eletrodomésticos e tudo o mais que poderia render alguma grana. Deixaram apenas o esqueleto e, dentro dele, todas as malditas lembranças.
Por que voltei para cá?, é uma pergunta que conscientemente me faço, mas que ignoro, pois sei muito bem qual foi o gatilho.
Wilka Maria e sua traição.
Já se passaram horas desde que tivemos a discussão, bebi, fumei, tive vontade de arrancar o coração do peito, gritar minha indignação e minha dor aos quatros cantos, mas tudo o que fiz foi pegar a cópia das chaves deste maldito lugar – as originais estão com o Alexios – e vir para cá.
Este foi o lugar onde perdi minha fé, minha esperança e todo sentimento bom que tinha dentro de mim; talvez, voltando agora, possa expurgar o amor que ela despertou dentro de mim, matar a esperança que renasceu por causa dela ou tentar restabelecer minha fé e confiar em Wilka sem precisar ouvir explicações.
Não posso!
Passo de uma sala para outra, o cheiro de algo podre – provavelmente algum bicho – se impregnando em minhas narinas, ouvindo o som dos ratos e outros bichos que fizeram morada nesta casa amaldiçoada.
Olho a enorme escada de madeira que leva para o segundo piso e, contra toda lógica e segurança, começo a subir seus degraus.
O barulho da madeira ecoa pelos ambientes vazios, e, quando chego ao segundo piso em segurança, sinto meu corpo inteiro se sacudir e meu estômago embrulhar.
Não me atrevo a abrir as portas do enorme e escuro corredor. Sei que isso me levará à borda do precipício, e não preciso disso. Um passo em falso, e caio para nunca mais voltar.
Já passei da fase de ser autodestrutivo. Flagelei-me, cortei meus braços e pernas, estive a ponto de me mutilar e de cometer suicídio, mas sempre acreditei que superei, que foi uma fase e, apesar de toda essa dor represada dentro de mim, nunca mais pensei em me machucar.
Vejo a escada de cimento estreita e coberta de retalhos do que um dia foi um tapete aparecer e sigo por ela, entrando finalmente no sótão.
Lembranças da primeira vez em que estive aqui me fazem vomitar em um canto. Meu estômago expulsa, em contrações dolorosas, todo o bourbon que consumi noite adentro, e, quando já não há mais o líquido, sinto a ardência da bílis passando à força pela minha garganta.
Meus cabelos colam no escalpo, minha roupa está ensopada de suor. Contudo, não estou nem um pouco preocupado com isso. Minha cabeça dá voltas, imagens de momentos incríveis com Wilka povoam a minha mente, e, então, as dela entrando naquele carro misterioso, recusando ligações e desconversando, com a bolsa cheia de dinheiro.
Fecho os olhos, e as imagens do passado voltam com tudo.
Estou nu na frente do espelho. Atrás de mim, sombras escuras, iluminadas, de tempos em tempos, pela brasa de um cigarro. Desvio os olhos, mas sou obrigado a voltar a olhar.
— Acha que foi à toa que sua mãe te abandonou sem nem olhar para trás? — Risadas. — Ou que seu avô desistiu de você agora? — sua voz baixa, ébria e rouca me atinge como um chicote. — Não! Você é uma aberração. — Em minhas mãos é colocado um maço de dinheiro. — Esse é o único jeito que você tem para mudar isso.
Duas mulheres se aproximam e começam a me tocar.
Fecho os olhos, não aceitando o que escuto, mesmo concordando com as palavras. Eu sou esquisito, grande e desproporcional, um monstro sem nenhum atrativo que repele a todos desde que nasci.
— Diga a ele! — ele obriga uma das mulheres a me olhar.
— Você é lindo! — ela diz rindo da mentira e pega uma das notas em minha mão. — Lindo!
Abro os olhos e me situo de novo, saindo das lembranças perturbadoras que sempre povoaram minhas noites.
— Não, porra! — grito. — Eu não sou mais a porra de um menino assustado! — Olho em volta, para as paredes cheias de portas e o vitral no final do corredor. — Eu não sou mais a porra de um menino assustado!
Sinto lágrimas quentes e grossas escorrendo pelo meu rosto, ando tropegamente pelo corredor, como se estivesse bêbado, mesmo não tendo bebido tanto assim e ter vomitado a maior parte do álcool. Estou cansado disso tudo, do fardo pesado de carregar essas lembranças, de ter dentro de mim todo esse rancor e ódio.
Eu fui sincero quando disse a Alexios que queria zerar minha história, deixar essas merdas todas para trás. Sento-me debaixo da janela, apago a luz da lanterna e penso em tudo o que mudou durante esses poucos meses deste ano.
Theodoros descobriu que tem uma filha, minha sobrinha, quase a perdeu. Consegui meu objetivo de afastá-lo da Karamanlis e tive até a oportunidade de acabar de vez com ele, mas não quis. Eu não quero mais me importar ou me sentir mal por vê-lo bem. Eu quero ficar bem também!
Os sonhos acalentados pelo menino que chegou aqui ao Brasil há 24 anos, que julguei já estarem enterrados, estão de volta em mim. Eu senti esperança, eu acreditei que poderia provar que eles estavam errados sobre mim. Eu poderia ser amado, eu poderia amar!
Soluço feito uma criança, dobro minhas pernas e abraço os joelhos, tremendo, chorando, refutando a ideia de que era tudo mentira, de que ela tinha qualquer outro interesse além de em mim.
Eu senti!
Eu toquei!
Eu provei!
Não posso estar louco!
Eu sei diferenciar interesse de sentimento verdadeiro, porque nunca tive contato com esse último, e o que Wilka sentia por mim, o que ela me fazia sentir, era algo inédito.
O dia começa a clarear, os raios invadindo os vitrais desse local assombroso e assombrado. A luminosidade parece despertar os fantasmas que essas paredes abrigam. Ouço novamente os sons de prazer, dor, desespero e resignação. A música do salão inferior que escapava para cá, os cheiros, a fumaça, as vozes cheias de malícia, álcool, violência e risadas vazias.
Estar aqui é como ser transportado de novo para aquela época, voltar a ser um menino de 13 anos, tímido, grande, acima do peso, com o rosto marcado por espinhas e aparelho nos dentes. Neste sótão, o Kostas arrogante, confiante e seguro de si assiste ao menino Tim, neste lugar que era a área educacional para clientes e putas.
Vejo e compartilho o sofrimento de um garoto que só queria uma família, sentir-se parte de algo, pertencer a algum lugar. Na Inglaterra, não era inglês, tinha o físico e a aparência de um grego. Já na Grécia era ridicularizado por seu jeito inglês, sua reserva e timidez. O Brasil seria seu ponto zero, o recomeço, era a chance de conviver com os irmãos que via apenas em momentos esparsos e com o pai, que nunca se lembrava nem de seu nome.
Este sótão foi seu inferno!
Quase posso me enxergar, parado depois de mais uma noite intensa, recheada de todo tipo de orgia que um garoto da minha idade nunca seria capaz de processar, tremendo por conta do que viu acontecer a uma menina um pouco mais velha do que eu, cuja dona do lugar estava “educando” para ser uma das suas “filhas”.
Meus olhos estavam vermelhos de lágrimas que eu não conseguia derramar mais, não depois de ter sido submetido a todo tipo de perversidade que se possa imaginar. Minha inocência se fora; minha alma estava indo também.
Todos dormiam, mas eu estava muito quebrado para fechar os olhos. Sentia repulsa, ódio, fervia inconformado com o que estava me acontecendo, por conta da clara noção de que não haveria nada que eu pudesse fazer para me salvar.
Soluço alto ao me ver caminhar para a janela. Fecho os olhos, mas a imagem continua lá. O fantasma do garoto tão desesperado que tentou tirar sua própria vida não se desvaneceu. Acompanho-o fazendo força para abrir os vitrais, apoiando-se na parede antes de se pendurar na janela.
Diferente do meu pesadelo, não era madrugada, era alvorada, o sol estava se levantando no céu, seus raios dourados iluminando tudo. Uma lembrança linda daquela luz outonal que eu fiz questão de gravar em minha memória como a última coisa que veria em minha parca existência.
Pensei em Kyra, minha baby girl, a irmã que eu tanto sonhava conhecer e que conquistou meu coração assim que pus os olhos nela. Esperava que Alex pudesse ser capaz de protegê-la, sentindo-me covarde por deixá-lo sozinho na mira do louco a quem chamávamos de pai.
Meu coração apertou, e de repente outra imagem se projetou em minha mente. Olhos grandes em um rosto miúdo, cheios de lágrimas, transbordando de medo, testemunhas de tanta atrocidade que nenhuma criança deveria ver. Os olhos dela me gelavam, pois ali eu via tanto do meu próprio temor. Eu sabia que, em pouco tempo, ela seria educada, talvez como fora a menina da noite anterior.
Essa certeza me fez segurar mais firme contra as vidraças. Meu corpo se balançou precariamente para frente, meus pés – grandes demais já nessa idade – tinham apoio apenas nos calcanhares, por isso era difícil manter o equilíbrio.
Deixei-me cair para trás, aterrissando neste exato lugar onde estou sentado agora, lembrando-me disso tudo. Fiquei sem fôlego, a cabeça explodiu de dor, os olhos ficaram momentaneamente sem foco. No entanto, uma obstinação cresceu dentro de mim.
Eu não poderia mudar o meu destino, minha alma estava perdida, mas poderia mudar o dela!
— Kostas? — a voz de Alexios me faz abrir os olhos, e eu o vejo, expressão assustada, cara de quem não dormiu a noite toda, como eu, capacete na mão e a jaqueta de couro posta. — Caralho, o que aconteceu com você?
Seus olhos tomam ciência da sujeira da minha roupa. Minha calça escura do terno está com os joelhos imundos de quando me ajoelhei para vomitar, devem ter respingos do vômito na camisa branca. Não sei onde estão o paletó, nem a gravata, e meus sapatos fedem a excremento de bichos.
— O demônio está de volta ao inferno de onde fugiu, mas que nunca saiu dele! — divago, e ele vem ao meu encontro. — Nunca mais tinha entrado aqui desde que me libertei daquele filho da puta desgraçado.
Alexios assente.
— Eu sei. — Meu irmão, três anos mais novo que eu, olha tudo em volta. — Só vim aqui uma vez. Acho que o assustei com minha reação, e ele achou que a técnica de tortura que usou contigo não funcionava comigo.
— Mas ele achou outras, não? — pergunto retoricamente, pois sei bem que Nikkós achou o ponto fraco de cada um de nós.
— Achou, ele sempre achava. — Alex senta-se ao meu lado. — O que desencadeou essa visita?
A imagem de Wilka decepcionada, magoada com minhas palavras, as acusações que fiz a ela, seus olhos brilhando de lágrimas... Gemo alto.
— Eu acho que fiz merda — confesso. — Tenho certeza de que fiz merda!
Alexios ri.
— Fez. — Encaro-o. — Mas fico feliz ao vê-lo admitir isso.
Meu coração dispara. O medo toma conta de cada célula do meu corpo.
— Esteve com ela? — minha voz treme ao fazer a pergunta.
Alexios respira fundo e balança a cabeça. Sua expressão diz tudo o que eu temia saber: eu a machuquei. Magoei a única pessoa que já amei na minha vida, a única que conseguiu me amar!
Não tenho mais nenhuma dúvida sobre os sentimentos dela, e, ainda que não queira me explicar o que houve, isso não muda nada. Eu a amo, ela é a mulher por quem estive esperando, a única capaz de destruir todas as minhas defesas, penetrar, mesmo sem que eu deixe, até o mais profundo do meu ser e resgatar minha alma.
— Vou para a empresa! — Levanto-me disposto a fazer tudo para tê-la de volta. Irei rastejar no chão, deixar que ela me chute com aquelas botas de bicos finos ou pise em mim com aqueles saltos enormes. — Preciso falar com ela e...
— Ela não está lá!
Meus joelhos falham, e eu me desiquilibro, caindo de joelhos, desesperado com a possibilidade de que ela tenha sido demitida.
— Millos a suspendeu. — Dá de ombros. — O Conselho vai fazer um inferno na vida dele, você sabe.
Sinto-me desnorteado, sem entender o que ele diz, apenas pensando em como ela está, querendo abraçá-la, implorar seu perdão e dizer que confio nela, em seu amor, e que sinto o mesmo, que sou completamente apaixonado por ela.
— Foda-se o Conselho! — Ergo-me com o propósito de não fraquejar mais, de provar para ela que sou o homem que ela ama. — Foda-se a Karamanlis, a Ethernium e aquela porra de empresa desonesta! Nada disso é relevante, nada é mais importante do que Wilka.
Alexios sorri e estende a mão para mim, que o ajudo a se levantar.
— Eu a deixei em casa ontem. — Franzo o cenho, tentando entender essa aproximação dos dois, não querendo sentir ciúmes dele, mas sim lhe agradecer por estar ao seu lado, como eu deveria ter feito. — Estava arrasada, Kostas, tentava ser forte, mas estava quebrada.
Porra!
Não escuto mais nada, saio correndo deste local que, por muitos anos, foi o epicentro de toda minha mágoa, do rancor e do peso que me impedia de seguir em frente e buscar o que sempre quis.
Ela!
Dirijo como um louco, todo amarrotado, fedido, bem diferente do alinhado e orgulhoso Konstantinos Karamanlis. Levo muito tempo para chegar até a Vila Mariana, o trânsito infernal como sempre, tocando o foda-se para o fato de hoje ser o dia de eu não usar meu carro, por conta do rodízio.