Ele a observa através da multidão dançando no clube, um sensual estranho de cabelos escuros que mexe com as mais profundas fantasias de Gabrielle Maxwell. Mas nada nessa noite – ou nesse homem – é o que parece. Porque quando Gabrielle testemunha um assassinato na saída do clube a realidade se transforma em algo escuro e mortal. Naquele momento crucial ela é lançada em um reino que nunca pensou existir – um reino onde vampiros andam nas sombras e uma sangrenta guerra está para começar.
Lucan Thorne despreza a violência cometida pelos seus irmãos sem leis. Ele mesmo é um vampiro, Lucan é um guerreiro da Raça (Breed), que jurou proteger seu povo – e os humanos, que nem têm consciência da ameaça dos Rebeldes(Rogues). Lucan não pode se arriscar a se unir a uma mortal, mas quando Gabrielle se torna alvo de seus inimigos, ele não tem escolha a não ser trazê-la para o escuro submundo que comanda. Aqui, nos braços do formidável líder da Raça, Gabrielle se confrontará com um extraordinário destino de perigo, sedução e desejos...
Gabrielle Maxwell, uma reconhecida artista de Boston, celebra o êxito de sua última exposição exclusiva após o expediente da cidade. Entre a acalorada multidão, sente a presença de um sensual desconhecido que desperta nela as fantasias mais profundas. Mas nada relacionado com essa noite nem com esse homem resulta ser o que parece. À saída, Gabrielle presencia um assassinato e, apartir desse momento, a realidade se converte em algo escuro e mortífero, entrando em um submundo que nunca soube que existia, habitado por vampiros urbanos.
Lucan Thorne é um vampiro, um guerreiro da Raça, que nasceu para proteger aos seus, assim como aos humanos existente em uma vida paralela à dele, da crescente ameaça dos vampiros renegados. Lucan não pode arriscar-se a unir-se a uma humana, mas quando Gabrielle se converte no alvo de seus inimigos, não tem mais opção que levar-lhe a esse outro mundo que ele lidera, no qual serão devorados por um desejo selvagem e insaciável.
Vinte e sete anos atrás
Sua menina não deixava de chorar. Tinha começado a mostrar-se inquieta na última estação, quando o ônibus do Grayhound a Bangor se deteve no Portland para recolher a mais passageiros. Agora, um pouco depois da uma da madrugada, quase tinham chegado à estação de Boston e essas duas horas que levava tentando tranqüilizar a sua garotinha a estavam, tal e como diriam seus amigos da escola, tirando de suas casinhas.
O homem que se encontrava no assento do lado provavelmente tampouco estava muito contente.
—Sinto muito —lhe disse ela, dirigindo-se para lhe falar pela primeira vez desde que tinham subido ao ônibus.
— Normalmente não tem tão mau humor. É a primeira viagem que fazemos juntas. Suponho que tem vontades de chegar ao seu destino.
O homem fechou os olhos e os abriu lentamente, em um gesto de assentimento, e sorriu sem mostrar os dentes.
—Aonde se dirigem?
—A Nova Iorque.
—Ah. A Grande Maçã —murmurou ele. Sua voz soava seca, quase afogada.
— Tem você família ali ou algo?
Ela negou com a cabeça. A única família que tinha se encontrava em um povo provinciano perto do Rangeley, e lhe tinham deixado claro que tinha que arrumar-se por si mesma.
—Vou por trabalho. Quero dizer, que espero encontrar trabalho. Desejo ser bailarina. Possivelmente na Broadway, ou ser uma das Rockette.
—Bom, certamente você é muito bonita.
O homem a olhava fixamente agora. O ônibus estava escuro, mas lhe pareceu que havia algo estranho em seus olhos. Outra vez o mesmo sorriso tenso.
—Com um corpo como o que tem, teria que ser você uma grande estrela.
Ela se ruborizou e baixou o olhar até o bebê que chorava em seus braços. Seu namorado do Maine também tinha por costume lhe dizer coisas como essa. Ele estava acostumado a dizer muitas coisas para levar-lhe ao assento traseiro do carro. E já não era seu namorado, tampouco. Não do último ano do instituto, quando ela começou a engordar por causa da gravidez.
Se não o tivesse deixado para ter à menina, teria se graduado no verão.
—Comeu algo hoje? —perguntou-lhe o homem enquanto o ônibus reduzia a velocidade e entrava na estação de Boston.
—A verdade é que não.
Apesar de que não servia de nada, ela balançava à menina entre os braços. O bebê tinha o rosto avermelhado, os pequenos punhos apertados e chorava como se acabasse o mundo.
—Que coincidência —disse o desconhecido.
— Eu tampouco não comi nada. Iria bem tomar algo. Anima-se a me acompanhar?
—Não. Estou bem. Tenho umas bolachas salgadas na bolsa. E de todas maneiras, acredito que este é o último ônibus para Nova Iorque esta noite, assim não vou ter tempo de fazer grande coisa mais que trocar a menina e descansar. Obrigado, de toda forma.
Ele não disse nada mais. Simplesmente a observou enquanto ela recolhia suas coisas agora que o ônibus já tinha parado em sua plataforma. Logo se apartou para deixá-la passar e dirigir-se para a estação.
Quando saiu dos lavabos, o homem a estava esperando.
Ela sentiu certa intranqüilidade ao lhe ver ali em pé. Não lhe tinha parecido tão alto enquanto estava sentado ao seu lado. Agora que lhe via outra vez, deu-se conta de que definitivamente havia algo muito estranho em seus olhos. Estaria um pouco colocado?
—O que acontece?
Ele soltou uma risada afogada.
—Já o disse. Preciso me alimentar.
Essa era uma forma muito estranha de dizê-lo.
Ela se deu conta de que havia muito poucas pessoas na estação A essa hora tardia. Tinha começado a chover ligeiramente, o chão estava molhado e os últimos atrasados se puseram ao coberto. O ônibus estava esperando na plataforma enquanto carregava aos novos passageiros com suas bagagens. Mas para chegar até ele, tinha que passar primeiro por seu lado.
Encolheu-se de ombros, muito cansada e ansiosa para ter que encontrar-se com essa tolice.
—Bom, pois se tiver fome, vá dizer-o no MacDonald'S. Chego tarde ao ônibus.
—Olhe, puta...
Moveu-se com tanta rapidez que ela não soube com o que a tinha golpeado. Estava em pé a um metro dela e ao cabo de um segundo lhe tinha posto a mão no pescoço e lhe cortava a respiração. Empurrou-a até as sombras do edifício da estação, para um ponto onde ninguém se daria conta se ia ataca-la. Ou a lhe fazer algo pior. Aproximou-lhe tanto a boca que ela notava o fedor de seu fôlego. Ele fez uma careta, ameaçou em um sussurro terrorífico e ela viu uns dentes afiados.
—Se disser uma palavra mais ou move um só músculo, comerei seu suculento coraçãozinho de menina mimada.
Sua garotinha estava gemendo entre seus braços, mas ela não disse nenhuma palavra.
Nem sequer se atrevia a pensar em mover-se.
Quão único importava era sua menina. Protegê-la. Por isso não se atreveu a fazer nada nem sequer quando esses dentes se aproximaram dela e lhe cravaram no pescoço.
Ficou em pé gelada pelo terror, apertando com força ao bebê enquanto seu atacante penetrava com força na ferida sangrenta que lhe tinha feito no pescoço. Sujeitava-lhe a cabeça e o ombro com dedos fortes, suas unhas lhe cravavam como as garras de um demônio. Ele grunhia sem deixar de fincar cada vez com mais força os afiados dentes. Apesar de que tinha os olhos abertos pelo terror, sua visão começava a obscurecer-se e as idéias começavam a resultar confusas, como se rompessem em pedaços. Tudo ao seu redor começava a nublar-se.
Estava-a matando. O monstro a estava matando. E logo ia matar a sua menina, também.
—Não. —Tentou inalar, mas somente tragou sangue.
— Maldito seja... Não!
Com um desesperado esforço de vontade, deu um cabeçada contra o rosto de seu atacante. Ele soltou um grunhido, apartou-se, surpreso, e ela conseguiu soltar-se. separou-se dele, cambaleando, esteve a ponto de cair sobre suas pernas mas conseguiu endireitar-se. Com um braço sujeitava a sua menina e com o outro se cobriu a ferida úmida e quente da garganta enquanto se afastava devagar dessa criatura, que levantava a cabeça e a olhava, zombador, com os olhos amarelados e brilhantes e os lábios manchados de sangue.
—OH, Deus —gemeu, enjoada ante essa visão.
Deu outro passo para trás. Deu a volta e se dispôs a correr, embora fora inútil.
E então foi quando viu o outro.
Um ferozes olhos de cor âmbar a atravessaram, e por entre umas grandes e brilhantes presas soou um assobio que anunciava a morte. Ela pensou que ia correr contra ela e terminar o que o outro havia começado, mas não o fez. Cuspiram uns sons guturais entre eles, e logo o recém-chegado passou por seu lado com uma comprida faca na mão.
«Agarra á menina e vai.»
A ordem pareceu surgir de um nada e atravessar a neblina de sua mente. Voltou a ouvi-la, esta vez mais urgente, empurrando-a à ação. Correu.
Cega de pânico, atordoada pelo medo e a confusão, afastou-se Correndo da estação atravessando uma das ruas mais próximas. Penetrou na cidade desconhecida, na noite. A histeria a possuía e cada ruído, inclusive o de seus pés contra o chão, parecia-lhe monstruoso e mortífero.
E sua menina não deixava de chorar.
As iam descobrir se não conseguia que sua menina se tranqüilizasse. Tinha que colocá-la na cama, tinha que pô-la no berço cálida e acolhedora. Então sua menina estaria contente. Então estariam a salvo. Sim, isso era o que tinha que fazer. Pôr à menina na cama, onde os monstros não poderiam encontrá-la.
Estava cansada, mas não podia descansar. Muito perigoso. Tinha que chegar a casa antes de que sua mãe se desse conta de que outra vez tinha saído tão tarde. Estava confusa, desorientada, mas tinha que correr. E isso fez. Correu até que caiu, exausta e incapaz de dar um passo mais.
Ao despertar, ao cabo de um momento, sentiu que sua mente se partia como alguém quebrasse um ovo. A prudência a estava abandonando, a realidade se deformava e se convertia em um pouco cada vez mais escuro e escorregadio, afastava-se cada vez mais de seu alcance.
Ouviu um choro afogado que procedia de algum lugar, na distância. Um som tão insignificante. Levou-se as mãos aos ouvidos e os cobriu, mas continuava ouvindo esse pequeno uivo de desvalia.
«Shhh —murmurou, a ninguém em especial, balançando-se para frente e para trás.
— Te cale agora, a menina está dormindo. Te cale, te cale, te cale...»
Mas o choro continuava. Não cessava, não cessava. Rompia-lhe o coração, ali, sentada na imunda rua enquanto olhava, sem ver nada, a luz do amanhecer.
Capítulo um
Na atualidade
—«Impressionante. Note no uso da luz e das sombras...
—Vê como esta imagem sugere a tristeza do lugar e como, apesar disso, consegue oferecer uma promessa de esperança?
—... uma das fotógrafas mais jovens que vão incluir na nova coleção de arte moderna do museu.
Gabrielle Maxwell estava separada do grupo de assistentes da exposição e sorvia uma taça de champanha quente enquanto outro grupo de personagens importantes de rostos anônimos se mostrava entusiasmado pelas duas dúzias de fotografias em preto e branco que penduravam das paredes da galeria. Jogou uma olhada às fotografias do outro extremo da habitação, divertida em certa maneira. Eram boas fotografias, um pouco inquietantes dado que o tema eram moinhos abandonados e desolados estaleiros dos subúrbios de Boston, mas não conseguia ver o que todo mundo via nelas.
Mas nunca o via. Gabrielle, simplesmente, fazia as fotografias, e deixava sua interpretação e, ao fim, sua valoração aos outros. Introvertida por natureza, o fato de receber tantos elogios e tanta atenção a incomodava... mas lhe permitia pagar as faturas. E muito bem, de fato. Essa noite também pagava as faturas de seu amigo Jamie, o proprietário da moderna e pequena galeria de arte do Newbury Street que, agora que faltavam dez minutos para a hora de fechamento, ainda estava repleta de possíveis compradores.
Atordoada depois de todo o processo de dar a bem-vinda e de saudar e de sorrir educadamente a toda essa gente que, desde as enriquecidas esposas do Back Bay até os góticos tatuados e carregados de piercings, tratava de impressionar mutuamente —a ela— com as análise de seu trabalho, Gabrielle não podia esperar a que a inauguração terminasse. Tinha estado escondida entre as sombras durante a última hora, pensando em escorrer-se até a comodidade da ducha quente e da amaciado travesseiro de seu apartamento ao leste da cidade.
Mas lhes tinha prometido a uns quantos amigos —Jamie, Kendra e Megan— que iria com eles para jantar e a tomar uma taça depois da inauguração. Quando o último casal de visitantes teve feito sua compra e partiu, Gabrielle se encontrou com que a arrastavam fora e a metiam em um táxi antes de ter tido a oportunidade de pensar em uma desculpa.
—Que noite tão incrível! —O cabelo loiro do andrógino do Jamie lhe caiu sobre o rosto quando se inclinou por diante das duas mulheres para tomar a mão de Gabrielle.
— Nunca houve tanto tráfico na galeria em um fim de semana... e as vendas desta noite foram impressionantes ! Agradeço-te muito que me tenha permitido te exibir.
Gabrielle sorriu ante a excitação de seu amigo.
—É obvio. Não faz falta que me dê obrigado.
—Não foi tão mal, verdade?
—Como poderia havê-lo passado mau, se a metade de Boston está aos seus pés? —disse Kendra antes de que Gabrielle pudesse responder.
— Era o governador com quem te vi falar enquanto tomava uns canapés?
Gabrielle assentiu com a cabeça.
—Ofereceu-se a encarregar alguns originais para sua casa de campo do Vineyard.
—Que amável!
—Sim —repôs Gabrielle sem muito entusiasmo. Tinha um montão de cartões de visita no bolso, o qual representava pelo menos um ano de trabalho constante, se o queria. Então, por que sentia a tentação de abrir a janela do táxi e lançar ao vento?
Deixou vagar o olhar para a noite, fora do carro, e observou com estranha indiferença as luzes e quão vistas este deixava atrás. As ruas estavam repletas de gente: casais que caminhavam de mão, grupos de amigos que riam e conversavam, todos eles passavam um bom momento. Acenavam nas mesas de fora dos restaurantes de moda e se detinham a contemplar as vitrines das lojas. Lá onde olhasse, a cidade pulsava com toda sua cor e sua vida. Gabrielle absorvia tudo com olhos de artista e, apesar disso, não sentia nada. Essa explosão de vida, também da sua, parecia continuar rapidamente para frente sem ela. Ultimamente, e cada vez mais, tinha a sensação de estar apanhada em uma roda que não deixava de fazê-la girar em um ciclo interminável de tempo que passava sem um propósito claro.
—Passa algo, Gab? —perguntou-lhe Megan, ao seu lado, no assento traseiro do táxi.
— Está muito calada.
Gabrielle se encolheu de ombros.
—Sinto muito. Só... não sei. Estou cansada, suponho.
—Que alguém convide a esta mulher a uma taça... imediatamente!
— brincou Kendra, a enfermeira de cabelo escuro.
—Não —replicou Jamie, matreiro e felino.
— O que nossa Gab necessita de verdade é um homem. É muito séria, carinho. Não é bom que deixe que o trabalho te consuma desta maneira. Te divirta um pouco! Quando te deitou com alguém pela última vez?
Fazia muito tempo, mas Gabrielle não levava a conta. Nunca lhe tinham faltado os encontros quando as tinha desejado, e o sexo —nessas estranhas ocasiões em que o tinha— não era uma coisa que a obcecasse como a alguns de seus amigos. Por falta de prática que tivesse nesses momentos nessa área, não acreditava que um orgasmo fosse a curar para aquilo que, fosse o que fosse, provocava-lhe esse estado de inquietação.
—Jamie tem razão, já sabe —estava dizendo Kendra.
— Tem que te soltar, fazer alguma loucura.
—Não há momento melhor que o presente —acrescentou Jamie.
—OH, não acredito —disse Gabrielle, negando com a cabeça.
— A verdade é que não tenho vontades de alargar muito a noite, meninos. As inaugurações sempre me tiram muita energia e...
—Chefe. —Sem lhe fazer caso, Jamie se colocou no bordo do assento e deu uns golpezinhos no vidro que separava ao taxista dos passageiros.
— Mudança de planos. Decidimos que temos vontades de ir de celebração, assim cancelamos o restaurante. Queremos ir aonde vai a gente interessante e moderna.
—Se gostarem das salas de baile, têm aberto uma nova no extremo norte da cidade —disse o taxista, sem deixar de mascar o chiclete enquanto falava.
— Estive levando passageiros ali toda a semana. A verdade é que levei a duas esta mesma noite... um moderno após o expediente chamado A Notte.
—OH, OH, «a notte» —brincou Jamie, olhando divertido por cima do ombro e arqueando as elegantes retrocede.
— Sonha maravilhosamente vicioso, garotas. Vamos!
A discoteca, A Notte, encontrava-se em um edifício vitoriano que se conhecia fazia muito tempo como a igreja do Saint John's Trinity Parish e que devido aos recentes escândalos sexuais que salpicavam a alguns sacerdotes, a arquidiocese de Boston conseguiu que fosse fechado, como que outros muitos lugares similares em toda a cidade. A hora, enquanto Gabrielle e seus amigos se abriam passo pela sala abarrotada, essas vigas albergavam a música transe e tecno que soava, estridente, pelos alto-falantes enormes que rodeavam a cabine do dj, no balcão que se encontrava sobre o altar. Umas luzes estroboscópicas, brilhos contra as três vidraças com forma de arco. Os raios de luz atravessavam a densa nuvem de fumaça que pendia no ar, e piscavam ao ritmo de um tema que parecia interminável. Na pista de baile, e quase em cada um dos metros quadrados do piso principal de A Notte e da galeria que o rodeava, as pessoas se apertavam e se retorciam com uma sensualidade inconsciente.
—A Santa festa! —gritou Kendra para fazer-se ouvir por cima da música enquanto levantava os braços e avançava dançando por entre a densa multidão.
Não tinham acabado de cruzar por onde se encontrava o primeiro grupo de gente quando um menino magro abordou à valente morena e se inclinou para lhe dizer algo ao ouvido. Kendra soltou uma profunda gargalhada e asentiu com a cabeça com gesto entusiasmado.
—O menino quer dançar—-riu, dando a bolsa a Gabrielle.
— Quem sou eu para me negar!
—Por aqui —disse Jamie, assinalando uma pequena mesa próxima a barra, enquanto sua amiga se afastava com seu acompanhante.
Os três se sentaram e Jamie pediu uma rodada. Gabrielle escrutinou a pista de baile em busca da Kendra, mas a nuvem de gente a tinha engolido. Apesar de que a sala estava abarrotada de gente, Gabrielle não podia acalmar-se de cima uma repentina sensação de que estavam sentados no centro de atenção. Como se estivessem de algum jeito de baixo de uma estreita vigilância pelo simples feito de encontrar-se na sala. Era absurdo pensar isso. Possivelmente tinha estado trabalhando muito, ou tinha passado demasiado tempo só em casa, já que encontrar-se em um lugar público a fazia sentir tão consciente de si mesmo. Tão paranóica.
—Pela Gab! —exclamou Jamie, fazendo-se ouvir pesar do estrondo da música enquanto levantava o copo de Martini em um gesto de brinde.
Megan também levantou o seu e brindou com Gabrielle.
—Felicidades pela grande inauguração desta noite.
—Obrigado, meninos.
Enquanto sorvia a mescla de uma cor amarela néon, a sensação de ser observada voltou. Ou, melhor dizendo, aumentou. Sentiu que a olhavam do outro extremo da escuridão. Levantou a vista por cima do bordo do copo do Martini e percebeu o brilho das luzes estroboscópicas em uns escuros óculos de sol.
Uns óculos que escondiam um olhar que, sem dúvida, encontrava-se fixo nela do outro extremo da multidão.
Os rápidos pulsos das luzes mostraram uns rasgos afiados entre as escuras sombras, mas o olho de Gabrielle o captou ao segundo. O Cabelo lhe caía, solto, em mechas bicudas por cima de uma frente ampla e inteligente e sobre uns maçãs do rosto angulosas. Uma mandíbula forte e de risco severo. E sua boca... sua boca era generosa e sensual, incluso apesar de que desenhava um sorriso cínico, quase cruel.
Gabrielle apartou a vista, nervosa, e sentiu uma onda de calor nas pernas. Seu rosto ficou como gravado a fogo na mente durante um instante, como uma imagem se grava em um filme. Deixou a taça em cima da mesa e se atreveu a olhar outra vez para onde se encontrava ele. Mas já não estava.
Ao outro extremo da barra se ouviu um forte estrondo e Gabrielle girou a cabeça para olhar por cima do ombro. Em uma das povoadas mesas, o álcool se precipitava ao chão de um montão de cristais quebrados que cobriam a superfície laqueada de negro. Cinco tipos vestidos com couro negro tinham uma discussão com outro tipo que levava uma camiseta sem mangas dos Dead Kennedys e um jeans gasto e rasgados. Um dos caras que vestia de couro negro tinha um braço sobre os ombros de uma loira platinada que estava bêbada e que parecia conhecer punki. Seu namorado, ao parecer. Ele quis tomar à garota pelo braço, mas lhe apartou com um golpe e inclinou a cabeça a um lado para permitir que um dos caras detrás a beijasse no pescoço. Ela olhava desafiante a seu namorado, furioso, sem deixar de brincar com o cabelo castanho do tipo que parecia pego a sua garganta.
—Isto se atou —disse Megan, voltando-se no momento em que a situação parecia complicar-se mais.
—Parece que sim —acrescentou Jamie enquanto terminava o Martini e fazia um gesto a um garçom para que lhes trouxesse outra rodada.
— É óbvio que a mamãe dessa idiota esqueceu de lhe dizer que não convém partir sem o menino com quem veio.
Gabrielle observou a situação um momento mais, o tempo suficiente para ver que outro cara de couro se aproximava da garota e a beijava nos lábios, que lhe oferecia. Ela aceitou a ambos ao mesmo tempo, enquanto acariciava o cabelo escuro do tipo que a beijava no pescoço e o cabelo claro do tipo que lhe chupava os lábios como se fosse a comer-lhe viva. O namorado punki lhe gritou uns insultos à garota, deu-se meia volta e se abriu passo a empurrões por entre a multidão.
—Este lugar me está enervando—confessou Gabrielle que, justo nesse momento, acabava de ver alguns clientes da sala preparando-se sem dissimulação umas raias de coca em um extremo da larga barra de mármore.
Seus amigos pareceram não ouvi-la por causa do constante estrondo da música. Tampouco pareciam compartilhar o desconforto de Gabrielle. Havia alguma coisa que não ia bem ali dentro, e Gabrielle não podia tirar-se de cima a sensação de que, ao final, a noite ia ficar feia. Jamie e Megan começaram a conversar de grupos de música locais e deixaram a Gabrielle sozinha, sorvendo o copo de Martini e esperando, ao outro extremo da mesa, encontrar a oportunidade de dar uma desculpa e partir.
Sentindo-se basicamente sozinha, Gabrielle deixou vagar o olhar pela massa de cabeças oscilantes e corpos ondulantes, procurando dissimuladamente esses olhos depois dos óculos de sol que a tinham observado antes. Estaria ele com esses tipos... seria um dos motoqueiros que estavam provocando todo essa baderna? Ele ia vestido como eles, e tinha o mesmo aspecto perigoso que tinham eles.
Fora quem fosse, Gabrielle não via nem rastro dele nesse momento .
Recostou-se no respaldo da cadeira e, de repente, deu um coice ao sentir que umas mãos se posavam sobre seus ombros de detrás.
—Aqui estão! Meninos, estive-lhes procurando por toda parte! — exclamou Kendra, quase sem fôlego mas animada ao mesmo tempo, enquanto se inclinava sobre a mesa.
— Vamos. consegui uma mesa para todos ao outro extremo da sala. Brent e alguns de seus amigos querem vir de festa conosco.
—Bom !
Jamie já se pôs em pé, preparado para ir. Megan agarrou o novo copo do Martini com uma mão e com a outra, a mão da Kendra. Ao ver que Gabrielle não se movia para lhes seguir, Megan se deteve
—Vem?
—Não. —Gabrielle ficou em pé e se pendurou a bolsa do ombro.
— Vão vocês e divirtam-se. Eu estou esgotada. Acredito que vou procurar um táxi e vou direto para casa.
Kendra a olhou fazendo uma cara infantil.
—Gab, não pode ir!
—Quer que te acompanhe a casa? —ofereceu-se Megan, Apesar de que Gabrielle se dava conta de que desejava ficar com outros.
—Estou bem. Desfrutem, mas vão com cuidado, de acordo?
—Seguro que não te quer ficar? Outra taça, somente?
—Não. De verdade que preciso sair e tomar um pouco de ar.
—Você mesma, então —lhe disse Kendra, fingindo brigá-la. aproximou-se e lhe deu um rápido beijo na bochecha. Quando se apartou, Gabrielle notou um ligeiro aroma de vodca e, por debaixo deste, um aroma de alguma coisa menos evidente. Alguma coisa almiscarada, e estranhamente metálica.
— É uma desmancha-prazeres, Gab, mas te quero.
Kendra lhe piscou um olho e passou os braços pelos ombros do Jamie e Megan. Com ar brincalhão atirou de ambos em direção à massa de gente que bulia na sala.
—Me chame amanhã —lhe disse Jamie por cima do ombro enquanto o trio era engolido pela massa.
Gabrielle iniciou imediatamente o caminho para a porta de saída, ansiosa por sair dali. Quanto mais tempo passava ali dentro, mais parecia subir o volume da música. Sentia-a retumbar na cabeça e o fazia difícil pensar com claridade. Custava-lhe fixar-se no que havia ao seu redor. As pessoas a empurravam desde todos os lados enquanto ela tentava abrir-se passo, apertando-se contra a parede de corpos que se expremia e giravam sem deixar de dançar. Empurraram-na e a apertaram, tocaram-na e a manusearam mãos invisíveis na escuridão, até que, finalmente, chegou ao vestíbulo, diante da entrada da sala e conseguiu sair atravessando a pesada porta dupla.
A noite era fria e escura. Inalou com força, tentando limpar a cabeça de todo o ruído e a fumaça e o inquietante ambiente de La Notte. A música ainda se ouvia aí fora, e as luzes estroboscópicas ainda cintilavam do outro lado das vidraças de cores, mas Gabrielle se relaxou um pouco agora, ao sentir-se livre.
Ninguém lhe prestou atenção enquanto se apressava para a esquina e esperava encontrar um táxi. Só havia umas quantas pessoas fora, algumas delas caminhavam pela outra calçada e outras subiam em fila pelos degraus de cimento que conduziam ao salão de baile. Detectou um táxi amarelo que se dirigia para ali e levantou a mão para chamá-lo.
—Táxi!
Enquanto o táxi vazio atravessava o tráfico noturno e se aproximava para ela, as portas da discoteca se abriram com a força de um furacão.
—Né, cara! Que merda faz! —Nas escadas, detrás de Gabrielle, a voz de um homem soava atemorizada.
— Se voltar a me tocar, vou a...
—Vai a que? —repreendeu outra voz em tom provocador, grave e ameaçadora, acompanhada de um coro de risadas.
—Sim, venha, punki de merda. O que vais fazer?
Gabrielle, que já tinha a mão no atirador da porta do táxi, girou a cabeça meio alarmada e atemorizada pelo que ia ver. Tratava-se da turma do clube, os motoristas ou o que fossem, vestidos com couro negro e óculos de sol. Os seis rodeavam ao namorado punki como se fossem uma manada de lobos e lhe davam empurrões por turnos, jogando com ele como se fosse sua presa.
O menino tentou lhe dar um murro a um deles e falhou, e a situação piorou em um abrir e fechar de olhos.
De repente, a briga se aproximou aonde estava Gabrielle. A turma de idiotas empurrou ao punki contra o capô do táxi e começaram a dar lhe murros no rosto. Do nariz e a boca do menino saíram disparadas gotas de sangue e algumas delas mancharam a Gabrielle. Ela deu um passo para trás, aniquilada e horrorizada. O menino se debatia para escapar, mas seus atacantes lhe sujeitavam e lhe golpeavam com uma furia que a Gabrielle resultava difícil de compreender.
—Fora do fodido carro! —gritou o taxista pelo guichê aberto.
— Deus santo! Vai a outra parte! Ouvem-me?
Um dos assaltantes girou a cabeça para o taxista, dirigiu-lhe uma horrivel sorriso e propinó um forte murro no pára-brisa, que se rompeu em mil pedaços. Gabrielle viu que o taxista se benzia e que murmurava umas palavras inaudíveis, dentro do carro. Ouviu-se a mudança de marchas e logo o chiado agudo das rodas no mesmo momento em que o táxi fez marcha atrás para tirar-se de cima a carga do capó.
—Espere! —gritou Gabrielle, mas era muito tarde.
O transporte a casa e a possibilidade de fugir dessa cena brutal hávia desaparecido. Com o medo lhe apertando a garganta, observou ao taxi que se afastava a toda velocidade pela rua e cujas luzes desapareceram na noite.
Na esquina, os seis motoristas não mostravam nenhuma compaixão por sua vítima: estavam tão concentrados em deixar inconsciente ao punki a base de golpes que não prestaram atenção a Gabrielle.
Ela se deu a volta e subiu correndo as escadas até a entrada de La Notte enquanto rebuscava o celular no bolso. Encontrou o magro aparelho e o abriu. Enquanto abria as portas da sala e entrava correndo no vestíbulo, marcou o 911, atendida pelo pânico. Por cima do estrondo da música, das vozes, além do zumbido som de seu próprio coração, Gabrielle somente ouviu o som de espera do outro lado do fio telefônico. Apartou-se o telefone do ouvido...
«Não há sinal.»
—Merda!
Voltou a marcar o 911, sem sorte.
Correu para a zona principal da sala, gritando, desesperada-se, no meio do ruído.
—Por favor, que alguém me ajude! Necessito ajuda!
Ninguém parecia ouvi-la. Golpeou às pessoas nos ombros, atirou das mangás e esteve a ponto de lhe sacudir o braço a um tipo tatuado com pinta de militar, mas ninguém lhe prestou atenção. Nem sequer a olharam. Simplesmente continuaram dançando e conversando como se ela nem sequer se encontrasse ali.
Era um sonho? tratava-se de alguma perverso pesadelo na qual ela era quão única tinha visto os atos de violência que aconteciam ali fora?
Gabrielle desistiu de tentar chamar a atenção dos desconhecidos e decidiu procurar a seus amigos. Enquanto se abria passo através da escura sala, continuava marcando a tecla de rechamada, rezando para conseguir cobertura. Não conseguiu chamar e logo se deu conta de que tampouco ia encontrar a Jamie e aos outros em meio dessa massa de gente.
Frustrada e confundida, correu de volta à entrada do clube.
Possivelmente pudesse deter um motorista, encontrar a um policial, algo!
O ar gelado da noite a golpeou assim que abriu as pesadas portas e saiu fora de novo. Baixou correndo o primeiro lance de escadas, resfolegando, insegura de com o que ia se encontrar: uma mulher só contra seis membros de uma turma que possivelmente estivessem drogados. Mas não lhes viu.
Foram-se.
Um grupo de clientes da sala subiam as escadas animadamente. Um deles fazia como que tocava um violão e seus amigos falavam de ir a alguma outra festa rave mais tarde.
—Né —chamou Gabrielle, quase esperando que aconteceriam comprido. Mas se detiveram e lhe sorriram Apesar de que, seus vinte e oito anos, era quase uma década mais velha que eles.
O menino que partia à frente do grupo a saudou com um gesto de cabeça.
-Sim?
—Algum de vocês...? —duvidou um momento, sem saber se deveria sentir-se aliviada ao dar-se conta de que, depois de tudo, não se tratava de um sonho.
— Algum de vocês viu a briga que havia aqui faz uns minutos?
—Havia uma briga? Impressionante! —disse o líder do grupo.
—Não, tia —repôs outro—. Acabamos de chegar. Não vimos nada.
Passaram por seu lado e subiram o resto de escadas enquanto Gabrielle se perguntava se estava começando a perder a cabeça. Caminhou até a esquina. Havia sangue no chão, mas o punki e seus agressores hávíam desaparecido.
Gabrielle ficou em pé debaixo de uma luz e se esfregou os braços para tirar o frio do corpo. Deu-se a volta e olhou a ambos os lados da rua, procurando alguma sinal da violência da que tinha sido testemunha uns minutos antes.
Nada.
Mas então... ouviu-o.
O som provinha de um estreito beco A sua direita. Flanqueado por um muro de cimento que chegava à altura do ombro de uma pessoa e que atuava como tela acústica, uns grunhidos quase imperceptiveis chegavam até a rua do beco quase completamente escuro. Gabrielle não pôde identificar esses sons desagradáveis que lhe gelaram o sangue nas veias, despertaram seu alarme mais instintivo e profundo e lhe puseram em tensão todos os nervos do corpo.
Suas pernas continuaram movendo-se. Não o faziam em direção contraria à fonte desses inquietantes sons, a não ser em direção a eles. O telefone na mão lhe pesava como se fosse um tijolo. Caminhava prendendo a respiração. Não se deu conta de que não estava respirando até que tinha penetrado um par de passos no beco e seu olhar se posou em um grupo de figuras que se encontrava mais adiante.
Os valentões vestidos de couro negro e com óculos de sol.
Estavam agachados, sobre os joelhos e as mãos, manuseando algo, atirando de algo. A tênue luz que chegava da rua, Gabrielle distinguiu um farrapo de tecido no chão, ao lado do açougue. Era a camiseta do punki, destroçada e manchada.
O dedo que Gabrielle ainda tinha sobre o teclado do celular se moveu sigilosamente para a tecla de rechamada. Ouviu-se um calado zumbido ao outro extremo da linha e logo a voz do telefonista da polícia rétumbou na noite como a salva de canhão.
—Novecentos e onze. Qual é sua emergência?
Um dos motoristas girou a cabeça ao notar a repentina interrupção. Uns olhos ferozes e cheios de ódio se cravaram em Gabrielle como adagas. Tinha o rosto completamente ensangüentado. E seus dentes! Eram afiados como os de um animal: não eram dentes, a não ser presas que apontaram para ela no momento no qual ele abriu a boca e vaiou uma palavra de som terrível em um idioma estranho.
—Novecentos e onze —voltou a dizer o telefonista.
— Por favor, relatório de sua emergência.
Gabrielle não era capaz de falar. Estava tão aturdida que quase não conseguiu nem respirar. Aproximou-se o celular ao lábios, mas não conseguiu prónunciar nenhuma palavra.
A chamada de socorro tinha sido inútil.
Dando-se conta disso, e aterrorizada até os ossos, Gabrielle fez a única coisa lógica que lhe ocorreu. Com a mão tremente, dirigiu o aparelho para a turma de motoristas sádicos e apertou o botão de «capturar imagem». Um pequeno brilho de luz iluminou o beco.
OH, Deus. Possivelmente ainda tivesse a oportunidade de escapar dessa noite infernal. Gabrielle apertou o botão outra vez, e outra, e outra, enquanto se retirava para trás pelo beco em direção À rua. Ouviu o murmurio de umas vozes, ouviu uns insultos, o som de pés no beco, mas não se atreveu a olhar para trás. Nem sequer o fez para ouvir um agudo chiado de aço a suas costas, seguido por uns chiados de agonia e de raiva que não eram deste mundo.
Gabrielle correu na noite impulsionada pela adrenalina e o medo e não se deteve até que encontrou um táxi na Commercial Street. Subiu a ele e fechou a porta com um forte golpe. Resfolegava, deslocada de medo.
—Me leve a delegacia de polícia mais próxima!
O taxista apoiou um braço no respaldo do assento do co-piloto e se voltou para ela. Olhou-a com o cenho franzido.
—Está bem, senhorita?
—Sim —repôs ela automaticamente. Depois acrescentou:
— Não. Preciso informar de...
Jesus. Do que tinha intenção de informar? Do frenesi canibal de uma turma de motoristas raivosos? Ou da outra explicação possível, a qual nem sequer era muito mais acreditável?
Gabrielle olhou ao taxista espectador aos olhos.
—Por favor, depressa. Acabo de presenciar um assassinato.
Capítulo dois
Vampiros.
A noite estava infestada deles. Tinha contado mais de uma dúzia na discoteca, a maioria deles rondavam às mulheres meio desnuda que rebolavam dançando na pista de baile, e selecionavam entre elas, seduzindo as mulheres que apagariam sua sede essa noite. Essa era uma relação simbiótica que tinha sido de utilidade a sua raça desde fazia mais de dois mil anos, uma convivência pacífica que dependia da habilidade do vampiro em apagar as lembranças dos humanos de quem se alimentava. Antes de que saísse o sol se teria derramado uma boa quantidade de sangue, mas todos os de sua raça se esconderiam no interior de seus escuros refúgios dos arredores da cidade, e os humanos de quem tinha desfrutado dessa noite não recordariam nada.
Mas esse não era o caso do que aconteceu no beco ao lado da sala de festas.
Para os seis depredadores que se abarrotaram de sangue, essa morte ilícita seria a última. Não eram cuidadosos dirigindo seu apetite, não se tinham dado conta de que lhes tinham visto. Não se tinham dado conta de que ele lhes tinha estado observando na discoteca, nem de que lhes viu sair fora da janela do segundo piso da igreja reconvertida em um clube noturno de moda.
Estavam cegados pelo animado desejo de sangue, esse vício que uma vez tinha sido como uma epidemia para essa raça e que havia provocado que tantos deles se voltassem uns renegados. Igual a esses, que se alimentavam aberta e indiscriminadamente de quão humanos viviam entre eles.
Lucan Thorne não sentia uma simpatia especial pela raça humana, mas o que sentia por esses vampiros renegados era pior ainda. Ver um ou a dois vampiros assassinos em uma só noite rastreando uma cidade do tamanho de Boston não era algo pouco freqüente. Encontrar a vários deles trabalhando em equipe, alimentando-se a céu descoberto como haviam feito esses, era mais que um pequeno problema. O número de assassinos aumentavam outra vez e se faziam cada vez mais fortes.
Terei que fazer algo a respeito.
Para Lucan, igual que para muitos outros de sua raça, cada noite representava a obrigação de realizar uma expedição de caça com a lente de aniquilar aqueles que punham em perigo o que a raça de vampiros lhes havia lutado tanto conseguir. Essa noite, Lucan perseguia a suas presas sozinho, sem lhe importar que lhe superassem em número. Havia esperado que a oportunidade de atacar fosse ótima: quando os renegados tivessem satisfeito esse vício que dirigia suas mentes.
Bêbados depois de ter tomado uma quantidade de sangue muito superior a que podiam ingerir sem riscos, tinham contínuado destroçando e golpeando o corpo desse homem jovem da discoteca, grunhindo e mordendo como se fossem uma manada de cães selvagens. Lucan se tinha preparado para executar uma justiça rápida, e o teria feito a não ser pela repentina aparição dessa mulher ruiva no escuro beco. Em um instante, ela tinha arruinado todo seus propósitos dessa noite ao seguir aos renegados até o beco e ter desviado a atenção de sua presa.
Enquanto o feixe luminoso de seu telefone celular cintilava na escuridão a rede, Lucan baixou do batente da janela oculto em sombras e aterrissou no chão sem fazer nem um som. Ao igual que os renegados, os sensíveis olhos de Lucan se encontraram parcialmente cegados por esse repentino brilho de luz na escuridão. A mulher tinha disparado uma serie de vezes enquanto fugia do açougue e esses brilhos fruto do pánico foram quão único a salvaram da ira de seus selvagens parentes.
Mas enquanto que os sentidos dos outros vampiros se encontravam aturdidos e intumescidos por causa da sede de sangue, os de Lucan estavam completamente acordados. Tirou sua arma debaixo do casaco —uma dupla folha de aço de fio de titânio que sobressaía de uma única empunhadura e agitou reclamando a cabeça do valentão que se encontrava mais perto dele.
A esta seguiram dois mais. Os corpos dos mortos se retorceram ao começar a rápida decomposição celular que convertia a massa azeda que supurava de seus corpos em cinzas. Uns chiados selvagens encheram o beco; Lucan cortou a cabeça de outro deles e, dando-a volta, empalou a outro dos renegados pelo torso. Este soltou um assobio através dos dentes e presas que gotejavam sangue. Uns pálidos olhos de cor áurea se cravaram em Lucan com expressão de desdém: as íris inchadas pela fome se tragavam umas pupilas que se esgotaram até converter-se em duas estreitas ranhuras. A criatura sofreu um espasmo, alargou os braços para ele com os lábios apertados desenhando um horrendo sorriso que não era deste mundo: o aço forjado de forma especifica envenenou seu sangue assassino e reduziu ao vampiro a uma mancha no chão da rua.
Só ficava um. Lucan se voltou para enfrentar-se ao alto macho com as duas folhas levantadas e preparadas para atirar o golpe.
Mas o vampiro se foi: escapou-se em meio da noite antes de que pudesse lhe dar morte.
«Merda.»
Nunca antes tinha permitido que nenhum desses bastardo escapassem a sua justiça. Não deveria havê-lo feito agora. Pensou em perseguir o valentão, mas isso tivesse significado abandonar a cena do ataque exposta, e esse era um risco maior ali: permitir que os humanos conhece a dimensão exata do perigo no qual viviam.
Por causa da ferocidade dos renegados, a raça de Lucan tinha sido perseguida pelos seres humanos durante a velha era; os de sua raça não poderiam sobreviver a outra era de castigo agora que os humanos tinham a tecnologia do seu lado.
Até que os renegados fossem sufocados melhor ainda: eliminados por completo a humanidade não deveria saber que existiam vampiros que viviam entre eles.
Enquanto se dispunha a limpar a zona de todo rastro da matança, os pensamentos de Lucan não deixaram de dirigir-se para a mulher do cabelo aceso e dessa doce beleza de alabastro.
Como era possível que ela tivesse encontrado aos renegados no beco?
Apesar de que era uma crença geral entre os humanos, os vampiros podiam desaparecer a vontade, a realidade era muito menos impactante. Tinham o dom de possuir uma grande agilidade e uma grande velocidade e simplesmente se moviam com uma rapidez maior que a que podia captar o olho humano. Essa habilidade, além disso, via-se aumentada pelo grande poder hipnótico que tinham sobre as mentes dos seres inferiores. Mas, de forma estranha, essa mulher parecia imune a ambas as coisas.
Lucan a tinha visto mover-se pela discoteca, e se deu conta disso nesse momento. Seu olhar se desviou de sua presa atraída por um par de comovedores olhos e por um espírito que parecia tão perdido como o seu. Também lhe tinha visto e lhe tinha olhado de onde se encontrava sentada com seus amigos. Apesar da multidão de gente e do aroma de rançoso que enchia a sala, Lucan tinha detectado o aroma do perfume de sua pele: algo exótico e estranho.
Nesses momentos também o cheirava. Era uma delicada nota aromática que pendia da noite, que incitava seus sentidos e que despertava algo muito primitivo nele. As gengivas lhe doeram A causa do repentino alongamento das presas: uma reação física ante a necessidade de tipo carnal ou de qualquer outro tipo que ele não conseguia controlar. Cheirava-a e a desejava, e não de uma forma mais elevada que a de seus irmãos renegados.
Lucan jogou a cabeça para trás e inalou com força o aroma da mulher para seguir seu rastro cheiroso pela cidade. Ao ser a única testemunha do ataque dos renegados, não era inteligente permitir que ela conservasse a lembrança do que tinha visto. Lucan encontraria a essa mulher e tomaria as medidas que fossem necessárias para assegurar o amparo de sua raça.
E, desde algum recôndito lugar de sua mente, uma antiga consciência lhe sussurrava que, fora ela quem fosse, já lhe pertencia.
—Eu estou dizendo. Vi-o tudo. Havia seis, e estavam destroçando a esse menino com as mãos e os dentes... como animais. Mataram-lhe!
—Senhorita Maxwell, passamos por isso muitas vezes já esta noite. Agora estamos todos cansados, e a noite se está fazendo muito larga.
Gabrielle levava na delegacia de polícia mais de três horas tentando explicar o horror de que tinha sido testemunha na rua próxima A Notte. Os dois agentes com quem tinha falado se mostraram céticos ao princípio, mas agora já se estavam impacientando e quase tinham uma atitude acusatória para ela. Ao cabo de muito pouco tempo de que ela havia chegado à delegacia de polícia, tinham enviado um carro patrulha à zona da discoteca para comprovar qual era a situação e para recuperar o corpo que Gabrielle havia dito ver. Mas haviam retornado com as mãos vazias. Não havia nenhuma notícia de nenhuma briga com nenhum grupo e não encontraram provas de nenhuma classe de que alguém tivesse sofrido algum ato delitivo. Era como se tudo isso não tivesse acontecido nunca, ou como se os rastros tivessem sido apagados de forma milagrosa.
—Se me escutassem... se queriam olhar as fotos que tenho feito...
—Vimo-las, senhorita Maxwell. Várias vezes, já. Francamente, tudo do que nos contou esta noite se comprovou... sua declaração, essas fotos imprecisas e escuras de seu telefone celular.
—Sinto muito que lhes falte qualidade —replicou Gabrielle em tom ácido.
— A próxima vez que me encontre com uma turma de psicopatas que levão a cabo uma matança sangrenta, tentarei recordar que devo ir buscar minha Leica e um par de lentes extra.
—Possivelmente você queira refazer sua declaração —sugeriu o mais velho dos dois oficiais cujo acento bostoniano estava tingido com o deixe irlandés que lhe tinha dado a juventude no Southie. Levou-se uma mão gorda as sobrancelhas e as esfregou , ato seguido, passou- o celular a Gabrielle por cima da mesa.
— Você deve saber que assinar uma declaração falsa é um delito, senhorita Maxwell.
—Esta não é uma declaração falsa —insistiu ela, frustrada e não pouco zangada de que a tratassem como a uma criminosa.
— Mantenho tudo o que hei dito esta noite. Por que teria que haver inventado isso?
—Isso somente o pode saber você, senhorita Maxwell.
—Isto é incrível. Têm minha chamada ao 911.
—Sim—assentiu o agente.
— Você realizou, efetivamente, uma chamada a Emergências. Desgraçadamente, quão único temos gravado é o soninho de interferências. Você não disse nada, e não respondeu a petição que a telefonista lhe fez de que informasse do que aconteceu.
—Sim, bom, é difícil encontrar as palavras para descrever como lhe estão cortando o pescoço de alguém.
Ele a olhou outra vez com expressão dúbia.
—Essa discoteca... A Notte, é um lugar desenfreado, pelo que sei. Muito popular entre os góticos, os raveros...
—O que quer dizer?
O policial se encolheu de ombros.
—Muitos meninos se metem em confusões estranhas hoje em dia. Possivelmente o único que você viu foi como uma festa ia um pouco das mãos.
Gabrielle soltou uma maldição e alargou a mão até o telefone celular.
—Parece-lhe com você que isto é uma festa que vai um pouco das mãos ?
Apertou a tecla de «mostrar imagem» e voltou a observar as imagens que tinha capturado. Apesar de que as fotos instantâneas eram imprecisas e de que o brilho de luz tinha esfumado a cena, ainda se via claramente a um grupo de homens que rodeava a outro no chão. Apertou o botão para passar a outra imagem e viu o brilho de vários olhos que olhavam a câmara, e uns rostos cujos vagos rasgos faciais se deformavam e adotavam uma expressão de fúria selvagem.
Por que os agentes não viam o que via ela?
—Senhorita Maxwell —interrompeu o agente de polícia mais jovem. Caminhou até o outro lado do escritório e se sentou na esquina do mesmo, diante dela. Tinha sido o que, dos dois, tinha permanecido mais tempo em silêncio, que tinha estado escutando com atenção enquanto seu companheiro comunicava dúvidas e suspeitas.
— É evidente que você crê ter presenciado algo terrível esta noite, nessa discoteca. O agente Carrigan e eu queremos ajudá-la, mas para que possamos fazer-lo, temos que nos assegurar de que estamos falando do mesmo.
Ela assentiu com a cabeça.
—De acordo.
—Agora temos sua declaração e vimos suas fotos. Você me dá a sensação de ser uma pessoa sensata. Antes de que aprofundemos mais nisto, preciso saber se estaria você disposta a submeter-se a uma análise de controle de drogas.
—Uma análise de drogas. —Gabrielle se levantou. repentinamente da cadeira. Agora estava mais que zangada
— Isto é ridículo. Eu não sou uma cabeça oca colocada, e me desgosta que me tratem como se o fosse. Estou tentando informar de um assassinato!
—Gab? Gabby!
Desde algum ponto, a suas costas, na delegacia de polícia, Gabrielle ouviu a voz de Jamie. Tinha chamado a seu amigo ao cabo de muito pouco tempo de ter chegado ali porque necessitava o apoio de ter um rosto familiar por perto depois de tudo o que tinha presenciado.
—Gabrielle! —Jamie correu para ela e lhe deu um quente abraço.
— Sinto não ter podido chegar antes, mas já estava em casa quando recebi sua mensagem no celular. Que horror, carinho! Está bem?
Gabrielle assentiu com a cabeça.
—Acredito que sim. Obrigado por vir.
—Senhorita Maxwell, por que não deixa que seu amigo a leve a casa? —disse-lhe o agente—. Podemos continuar com isto em algum outro momento. Possivelmente poderá pensar com maior claridade depois de ter dormido um pouco.
Os dois policiais se levantaram e fizeram um gesto à Gabrielle para que fizesse o mesmo. Ela não discutiu. Estava cansada, esgotada por completo, e não acreditava que embora ficasse na delegacia de polícia toda a noite conseguisse convencer aos polis do que tinha presenciado fora de La Notte. Um pouco atordoada, deixou que Jamie e que os dois agentes a acompanhasse fora da delegacia de polícia. Já se encontrava a metade das escadas em direção ao estacionamento quando o mais jovem dos dois a chamou
por seu nome.
—Senhorita Maxwell.
Ela se deteve e olhou para trás por cima do ombro, em direção aonde se encontravam os dois policiais em pé, sob a luz que saía da delegacia de polícia.
—Se isso a ajuda a descansar com maior tranqüilidade, enviaremos a alguém para que vigie sua casa, e que possivelmente possa falar com você um pouco mais quando tiver tido tempo de pensar um pouco em sua declaração.
A Gabrielle não gostou do tom de mímico com que o disse, mas tampouco encontrou as forças necessárias para rechaçar essa oferta. Depois do que tinha presenciado essa noite, Gabrielle aceitaria a segurança que lhe oferecia o ter a um policial perto, inclusive embora fosse um policial prepotente. Assentiu com a cabeça e seguiu a Jamie até o carro.
Em um escritório de um tranqüilo rincão da delegacia de polícia, um arquivista apertou o botão de impressão do computador. Uma impressora laser zumbiu e ficou em funcionamento a suas costas, e tirou um relatório de uma só página. O arquivista se tragou o último sorvo de café frio que ficava em sua xícara descascada do Rede Sox e se levantou da desvencilhada cadeira para recolher, com gesto indiferente, o documento que acabava de sair da impressora.
A Central se encontrava em silêncio, vazia, depois da mudança de volta de meia-noite. Mas inclusive embora tivesse estado bulindo de atividade, ninguém tivesse emprestado nenhuma atenção ao reservado e extranho interno em práticas que se mostrava tão fechado em si mesmo.
Essa era a beleza de seu papel.
Por isso o tinham eleito.
Ele não era o único membro do corpo a quem podiam recrutar. Sabia que havia outros, embora suas identidades se mantinham em segredo. Dessa forma era mais seguro, mais limpo. Por sua parte, não recordava quanto tempo fazia que tinha conhecido a seu Professor. Somente sabia que agora vivia para servir.
Com o relatório firmemente sujeito em uma mão, o arquivista caminhou devagar pelo corredor procurando um lugar tranqüilo e privado. A habitação de descanso, que nunca se encontrava vazia fosse a hora do dia que fosse, encontrava-se ocupada nesses momentos por um casal de secretárias e pelo Carrigan, um policial gordo e bocudo que se retirava a final de semana. Estava fanfarroneando a respeito de um fantástico negócio que tinha feito com algum apartamento de Flórida enquanto as mulheres, basicamente, ignoravam-lhe e se dedicavam a desfrutar de um bolo amarelo feito no dia anterior e acompanha-lo com uma Coca-cola de baixa calorias.
O arquivista se passou os dedos por entre o cabelo de uma cor castanho claro e atravessou as portas abertas em direção aos serviços, que se encontravam ao final do corredor. Deteve-se fora do serviço de cavalheiro com a mão em cima do pomo de metal e jogou uma olhada a suas costas. Ao dar-se conta de que ninguém lhe via, dirigiu-se a habitação do lado, ao quarto de fornecimentos de zeladoria. Supunha-se que devia manter-se sempre fechado, mas poucas vezes o estava. De todas formas, não havia grande coisa que valesse a pena roubar ali dentro, a não ser que a gente tivesse debilidade pelo papel higiênico industrial, a amônia ou as toalhas de papel marrom.
Girou o bracelete da porta e empurrou o velho painel de aço para dentro. Quando se encontrou no interior do escuro quarto, pressionou o fechamento de dentro e tirou o telefone celular do bolso da calça. Apertou o botão de marcação rápida e chamou o único número que tinha armazenado nessa unidade indetectavel e descartável. O tom de chamada soou duas vezes e logo se impôs um silêncio ameaçador, a inconfundivel presença de seu Professor espreitava do outro extremo da linha.
—Senhor —disse o arquivista em um sussurro reverente.
— Tenho informações para você.
Falou depressa e em voz baixa, lhe contando todos os detalhes a respeito da mulher chamada Maxwell que tinha ido a delegacia de polícia e da declaração que tinha realizado a respeito de um assassinato por parte de um grupo no centro da cidade. O arquivista ouviu um grunhido e o suave vaio da respiração do outro extremo da linha. Seu professor escutava a informação em silêncio. Notou a fúria contida nessas lentas e compassadas respirações, e lhe gelou todo o sangue.
—Reuni toda a informação pessoal para você, senhor, toda —lhe disse, e, servindo do suave resplendor da janela do celular, leu a direção de Gabrielle, seu telefone privado e demais detalhe. O servil subordinado estava ansioso por agradar a seu temível e poderoso senhor.
Capítulo três
Tinham passado dois dias inteiros.
Gabrielle tentou tirar-se da cabeça todo o horror do que tinha visto no beco de La Notte. Que importância tinha, de todas as maneiras? Ninguém a tinha acreditado. Não a tinha acreditado a polícia, que ainda não tinha mandado a ninguém para vê-la tal e como tinham prometido, e tampouco a tinham acreditado seus amigos.
Jamie e Megan, que tinham visto os valentões de jaqueta de couro repreendendo ao punki dentro da sala, disseram que o grupo se havia marchado sem ter provocado nenhum outro incidente em nenhum momento da noite. Kendra tinha estado muito absorta com o Ken —o menino a quem tinha conhecido na pista de baile da sala— e não se deu conta de que tinha havido uma briga na sala. Segundo os policiais que se encontravam na delegacia de polícia na sábado de noite, todo mundo a quem o carro patrulha tinha interrogado em La Notte tinha dado a mesma história: uma breve escaramuça no bar, mas não havia nenhuma testemunha que tivesse presenciado sinais de violência nem dentro nem fora da sala.
Ninguém tinha visto o ataque do que ela tinha informado. Não havia nenhuma admissão em nenhum hospital nem em nenhum depósito de cadáveres. Nem sequer havia uma denúncia de danos do taxista que se encontrou na esquina.
Nada.
Como era possível? Estaria realmente delirando?
Era como se os olhos de Gabrielle fossem os únicos que se houvessem encontrado abertos essa noite. Ou ela era a única havia presenciado algo inexplicável ou estava perdendo a cabeça.
Possivelmente um pouco de ambas as coisas.
Gabrielle não podia enfrentar-se ao que essa idéia implicava, assim procurou consolo no único que lhe oferecia um pouco de alegria. Depois da porta fechada de seu quarto escuro construído a medida, no porão da casa, Gabrielle inundou uma folha de papel fotográfico em uma bandeja com líquido de revelação. Da pálida nada, uma imagem começou a cobrar forma debaixo da superfície do líquido. Observou-a cobrar vida: a ironica beleza de uns tentáculos de marfim que se expandiam por cima de um antigo e abandonado hospital psiquiátrico de tijolos velhos e cimento, de estilo gótico, que fazia pouco que tinha descoberto nos subúrbios da cidade. Saiu melhor do que esperava, e tentou a sua imaginação de artista com a possibilidade de realizar uma série inteira dedicada a esse lugar desolado e inquietante. Deixou a um lado e revelou outra foto, esta de um primeiro plano de um pinheiro jovem que crescia de uma greta aberta no pavimento de um pátio traseiro durante muito tempo abandonado.
Essas imagens a fizeram sorrir enquanto as tirava do líquido e as pendurava na corda de secagem. Tinha quase doze mais como essas acima, sobre sua mesa de trabalho, crú testemunhos da obstinação da natureza e da loucura da cobiça e a arrogância do homem.
Gabrielle sempre se havia sentido um pouco como uma estrangeira, como uma silenciosa observadora, desde que era uma menina. Ela o atribuía ao feito de que não tinha pais; não tinha família absolutamente, exceto o casal que a tinha adotado quando ela era uma problemática menina de doze anos que passou a vida de orfanato em orfanato. Os Maxwell, um casal de classe média alta que não tinha filhos próprios, compadeceram-se bondosamente dela, mas inclusive sua aceitação tinha sido distante. Gabrielle foi mandada imediatamente ao internato , a acampamentos de verão e, finalmente, a uma universidade fora do estado. Seus pais, os que tinham exercido como tais, morreram juntos em um acidente de carro enquanto ela estava longe na universidade.
Gabrielle não assistiu ao funeral, mas a primeira fotografia de verdade que fez era de duas lápides que se encontravam sob a sombra de um arce no cemitério da cidade, no Mount Auburn. Após, não tinha deixado de fazer fotos.
A Gabrielle não gostava de lamentar-se por seu passado, assim apagou a luz da habitação escura e se dirigiu para cima para pensar no que fazer para o jantar. Não levava nem dois minutos na cozinha quando soou o timbre da porta.
Jamie se tinha ficado, generosamente, com ela as duas últimas noites para assegurar-se de que Gabrielle estava bem. Ele estava preocupado por ela e se mostrava protetor como o irmão que não tinha tido. Essa manhã, ao partir, ofereceu-se para voltar outra vez, mas Gabrielle lhe tinha insistido em que podia ficar sozinha. A verdade era que necessitava um pouco de solidão e, agora que o timbre da porta voltava a soar, notou certa irritação ante a possibilidade de que não pudesse ficar só tampouco essa noite.
—Vou em seguida —disse em voz alta do vestíbulo do apartamento.
Olhou, por puro costume, pela mira da porta mas em vez de encontrar-se com a ondulado arbusto de cabelo loiro do Jamie, Gabrielle viu uma escura cabeça com rasgos impactantes que pertenciam a um homem desconhecido que esperava na entrada. No patamar em frente, justo diante de sua escada de entrada, havia uma luz que reproduzia um antigo abajur de gás e seu suave brilho alaranjado envolvia ao homem como com uma capa dourada, como se envolvesse a mesma noite. Esse homem tinha algo que resultava de mau agouro e ao mesmo tempo cativador em seus pálidos olhos cinzas, que agora olhavam diretamente ao círculo de cristal, como se pudesse ver a ela ao outro lado da mira.
Gabrielle abriu a porta, mas pensou que era melhor não tirar a correia de segurança. O homem se aproximou da abertura e observou a tirante correia que se esticava entre ambos. Quando a olhou aos olhos de novo, sorriu-lhe um pouco, como se lhe parecesse divertido que ela acreditasse poder impedir o passo com tanta facilidade no caso de que ele quizesse entrar de verdade.
—A senhorita Maxwell?
Sua voz resultou uma carícia para todos seus sentidos, como se fora de um rico veludo negro.
-Sim?
—Meu nome é Lucan Thorne. —Essas palavras saíram por entre seus labios com um timbre suave e moderado que, por um momento, acalmou parte da ansiedade que ela sentia. Ao dar-se conta de que ela não dizia nada, ele continuou:
— Soube que você teve algumas dificuldades faz um par de noites na delegacia de polícia. Somente queria passar por aqui para me assegurar de que estava bem.
Ela assentiu com a cabeça.
Era evidente que a polícia não a tinha descartado por completo, depois de tudo. Como já fazia dois dias que não tinha notícias deles, Gabrielle não esperava ver ninguém do departamento, apesar da promessa de lhe mandar a alguém para que vigiasse. Tampouco podia estar segura de que esse tipo, de um escuro cabelo liso e brilhante e de facções marcadas, fosse um policial.
Mas tinha um aspecto bastante sério para ser um policial, pensou, e a parte desse aspecto escuro e perigoso, não parecia ter intenção de lhe fazer nenhum dano. Mas, depois de tudo pelo que tinha passado, Gabrielle pensou que seria inteligente exceder-se em cautela.
—Você tem alguma identificação?
—É obvio.
Com um gesto deliberado e quase sensual, ele desdobrou uma fina carteira de pele e a levantou ante a abertura da porta. Fora estava quase completamente escuro e provavelmente foi por isso que Gabrielle necessitou uns segundos para enfocar a vista na brilhante placa de polícia e na foto identificativa que se encontrava a seu lado e que mostrava seu nome.
—De acordo. Entre, detetive.
Soltou a correia da porta e logo abriu a porta e lhe deixou entrar. Os ombros dele quase abrangiam a totalidade da entrada. De fato, sua presença pareceu encher todo o saguão. Era um homem grande, alto e de corpo forte, envolto em um comprido abrigo negro; a roupa escura e o cabelo negro e sedoso absorviam a suave luz do abajur que pendurava do teto. Tinha um porte seguro, quase real, e uma expressão grave, como se estivesse mais dotado para dirigir a uma legião de cavalheiros armados que para arrastar-se até o Beacon Hill para dar consolo a uma mulher que sofria alucinações.
—Não acreditei que viesse ninguém. Depois do recebimento que me ofereceram na delegacia de polícia este fim de semana, acreditei que a inteligência de Boston me teria catalogado como a um caso perdido.
Ele nem o reconheceu nem o negou, simplesmente entrou com passo seguro e tranqüilo na sala de estar e, em silêncio, passeou o olhar por todo o espaço. Deteve-se ante a mesa de trabalho, onde se encontravam as últimas imagens que ela tinha colocado em fileiras. Gabrielle atravessou a habitação detrás dele e observou a reação dele ante seu trabalho. Ele tinha levantado uma sobrancelha escura enquanto estudava as fotografias.
— São suas ? —lhe perguntou, dirigindo seus pálidos e agudos olhos para ela.
—Sim —respondeu Gabrielle—. Formam parte de uma série que vou a intitular a Renovação urbana.
—Interessante.
Ele voltou a olhar as fotos e Gabrielle se sentiu súbitamente incômoda ante essa resposta indiferente e medida.
—Somente estou trabalhando com isto agora mesmo... não é nada que possa ser mostrado ainda.
Ele soltou um grunhido de assentimento sem deixar de observar as fotografias em silêncio.
Gabrielle se aproximou, em um intento de captar melhor a reação dele ou sua ausência de reação.
—Faço muito trabalho por encarrgo na cidade. De fato, é provável que faça umas fotos da casa do governador no Vineyard no fim de mês.
«te cale», disse a si mesmo. Por que estava tentando impressionar a esse tipo?
O detetive Thorne não parecia muito impressionado. Sem dizer nada, alargou uma mão e, com dedos muito elegantes para sua profissão, com gesto elegante recolocou duas das imagens em cima da mesa. Inexplicavelmente, Gabrielle imaginou esses compridos e hábeis dedos sobre sua pele nua, enredados entre seu cabelo, seguindo a forma de sua nuca... Obrigando-a a jogar a cabeça para trás até que esta descansa-se sobre o forte braço dele e esses frios olhos cinzas a tragassem.
—Bom —disse ela, voltando para a realidade.
— Suponho que preferirá você ver as fotos que fiz fora do clube na sábado de noite.
Sem esperar nenhuma resposta, foi até a cozinha e tomou o celular que se encontrava em cima do mármore. Ativou-o, abriu uma das fotos em tela e ofereceu o aparelho ao detetive Thorne.
—Esta é a primeira foto instantânea que fiz. Tremiam-me as mãos, por isso está um pouco tremida. E a luz do flash esfumou muito os detalhes. Mas se a observa com atenção, verá que há seis figuras escuras agachadas no chão. São eles, os assassinos.
Sua vítima é esse vulto que estão maltratando, diante deles.
Estavam-lhe... mordendo. Como animais.
Os olhos de Thorne se mantiveram fixos na imagem; sua expressão continuou mostrando-se séria, imperturbável. Gabrielle abriu a seguinte fotografia.
—O flash lhes sobressaltou. Não sei, acredito que deveu lhes cegar ou algo. Quando fiz as seguintes fotos instantâneas, alguns deles se detiveram e me olharam. Não posso distinguir os rasgos de tudo, mas este é o rosto de um deles. Essas estranhas raias de luz são o reflexo de seus olhos. — estremeceu-se ao recordar o brilho amarelado desses olhos malignos e desumanos.
— Me estavam olhando diretamente.
Mais silencio por parte do detetive. Tomou o celular dos dedos de Gabrielle e abriu as seguintes imagens.
—O que pensa você? —perguntou ela, esperando obter uma comfirmação.
— Você também pode vê-lo, verdade?
—Vejo... algo, sim.
—Graças a Deus. Seus colegas de delegacia de polícia tentaram me fazer acreditar que estava louca, ou que eu era uma espécie de perdedora drogada que não sabia do que estava falando. Nem sequer meus amigos me acreditaram quando lhes contei o que tinha visto essa noite.
—Seus amigos —disse ele, com uma expressão deliberadamente meditativa.
— Quer dizer alguém além do homem com quem você estava na delegacia de polícia... Seu amante?
—Meu amante? —riu ao ouvi-lo.
— Jamie não é meu amante.
Thorne levantou a cabeça e apartou o olhar da tela do telefone celular para olhá-la aos olhos.
—Passou as duas últimas noites com você a sós, aqui, neste apartamento.
Como sabia? Gabrielle sentiu uma pontada de irritação ante a idéia de que estava sendo espiada por alguém, embora fosse a polícia, e que provavelmente o tivessem feito mais por suspeitar dela que com intenção de protegê-la. Mas ali, em pé ao lado do detetive Lucan Thorne, na sala de estar, parte dessa irritação desapareceu e se viu substituído por um sentimento de tranqüila aceitação, de uma sutil e lânguida cooperação. Estranho, pensou, mas se sentia bastante indiferente ante essa ídeia.
—Jamie ficou comigo um par de noites porque estava preocupado por mim depois do que aconteceu este fim de semana. É meu amigo, isso é tudo.
«Bem.»
Os lábios de Thorne não se moveram, mas Gabrielle estava segura de ter ouvido sua resposta. Sua voz inaudível, sua complacência ao saber que não se tratava de seu amante, parecia ressonar em algum lugar dentro dela. Possivelmente era seu desejo, pensou. Fazia muito tempo que não tinha nada parecido a um namorado, e somente estar ao lado de Lucan Thorne lhe provocava coisas estranhas na mente. Ou, melhor dizendo, em seu corpo.
Ele a olhava, e Gabrielle sentiu um agradável foco de calor no ventre. Seu olhar a penetrou como penetra o calor, de forma tangível e íntima. De repente, uma imagem se formou em sua mente: ela e ele, nus e embolados a rede um com o outro sob a luz da lua, em seu dormitório. Uma foto instantânea quebra de onda de calor a encheu. Sentia os músculos duros dele na ponta dos dedos, o firme corpo dele movendo-se em cima do dela... seu grosso pênis enchendo-a, abrindo-a, explorando dentro dela.
OH, sim, pensou, quase retorcendo-se sem mover-se de lugar. Jamie tinha razão. Verdadeiramente levava muito tempo de celibato.
Thorne piscou lentamente; as densas e negras pestanas ocultaram uns tormentosos olhos chapeados. Como a brisa fria acaricia a pele dele, Gabrielle sentiu que parte da tensão de suas pernas se dissipava. O coração lhe pulsava com força; a habitação parecia extranhamente cálida.
Ele apartou o olhar e girou a cabeça e os olhos de Gabrielle se encontraram com sua nuca, no ponto em que esta se encontrava com o pescoço de sua camisa de alfaiate. Tinha uma tatuagem no pescoço, ou, pelo menos, parecia-lhe que era uma tatuagem. Uns redemoinhos intrincados e uns símbolos que pareciam geométricos, feitos com tinta em um tom só ligeiramente mais escuro que o de sua pele, desapareciam por debaixo do denso arbusto de cabelo. Ela se perguntou como seria o resto da tatuagem e se esse bonito desenho tinha algum significado especial.
Sentiu quase uma urgência irrefreável por continuar essas interessantes linhas com os dedos. Possivelmente com a língua.
—Me conte o que disse aos seus amigos sobre o ataque que viu você nessa sala.
Ela tragou saliva e sentiu que a garganta lhe secava. Maneou a cabeça para voltar a concentrar-se na conversação.
—Sim, de acordo.
Deus, o que lhe estava passando? Gabrielle ignorou o estranho ritmo que tinha cobrado seu pulso e se concentrou nos sucessos da outra noite. Voltou a contar a história para o detetive, igual ao tinha feito para os dois agentes e, logo, para seus amigos. Contou-lhe todos os detalhes horríveis e ele escutou atentamente, permitindo que ela o contasse tudo sem ser interrompida. Ante a fria aceitação que encontrou em seus olhos, a lembrança que Gabrielle tinha do assassinato, parecia fazer-se mais preciso, como se a lente de sua memória se ajustou e tivesse aumentado os detalhes.
Ao terminar, viu que Thorne estava voltando a abrir as fotos de seu telefone celular. A expressão de sua boca tinha passado de ser séria a grave.
—O que você crê que mostram estas imagens exatamente, senhorita Maxwell?
Ela levantou a vista e se encontrou com o olhar dele, com esses inteligente e penetrantes olhos que se cravavam nos seus. Em um instante uma palavra se formou na mente de Gabrielle: uma palavra incrível, ridícula e terroríficamente clara.
«Vampiros.»
—Não sei —disse com pouca convicção, levantando a voz por cima do sussurro que sentia em sua própria cabeça.
— Quero dizer, não estou segura do que pensar.
Se o detetive ainda não tinha acreditado que estava louca, acreditaria se pronunciava o nome que não ia da mente e a deixava gelada de terror. Essa era a única explicação que podia encontrar para essa horripilante matança que tinha presenciado a outra noite.
«Vampiros?»
Jesus. Tornou-se louca de verdade.
—Tenho que levar este aparelho, senhorita Maxwell.
—Gabrielle —lhe disse ela. Sorriu-lhe e se sentiu estranha ao fazer.
— Você crê que os forenses, ou quem faça este tipo de coisas, serão capazes de limpar as imagens?
Ele fez uma ligeira inclinação com a cabeça, sem chegar a assentir, e logo se meteu o celular dela no bolso.
—O devolverei amanhã ao final da tarde. Estará você em casa?
—Claro.
Como era possível que ele fora capaz de fazer que uma simples pergunta parecesse uma ordem?
—Agradeço-lhe que tenha vindo, detetive Thorne. Foram dias difíceis.
—Lucan —disse ele, observando o rosto dela um momento.
— Me chame Lucan.
Parecia que o calor que emanava de seus olhos chegavam até ela, ao mesmo tempo que via neles uma estóica compreensão, como se esse homem tivesse visto horrores maiores dos que ela poderia comprender nunca. Não podia encontrar uma palavra para definir a emoção que a embargava nesse momento, mas lhe tinha acelerado o pulso e sentiu que a habitação se esvaziou de todo ar. Ele continuava olhando, esperando, como se esperava que ela satisfizesse imediatamente sua petição de que pronunciasse seu nome.
—De acordo..., Lucan.
—Gabrielle —respondeu ele, e ouvir o som de seu nome nos lábios dele a fez tremer e sentir uma aguda consciência de si mesmo.
Algo que havia na parede, detrás dela, chamou a atenção dele e davagar a vista para o ponto onde uma das fotografias mais celebradas de Gabrielle estava pendurada. Apertou os lábios ligeiramente em um gesto sensual que delatava diversão e possivelmente certa surpresa. Gabrielle se deu a volta para olhar a imagem de um parque do interior da cidade que estava gelado e se via desolado, cobeto por uma grosa capa de neve típica do mês de dezembro.
—Não gosta de meu trabalho —disse ela.
Ele meneou um pouco a cabeça.
—Encontro-o... intrigante.
Ela sentiu curiosidade agora.
—Por que?
—Porque você encontra beleza nos lugares mais insólitos —disse ao cabo de um comprido momento, com a atenção agora dirigida para ela.
— Suas fotos estão cheias de paixão.
—Mas?
Para sua perplexidade, ele alargou a mão e lhe passou um dedo pela linha da mandíbula.
—Não há pessoas nelas, Gabrielle.
—É obvio que...
Ela tinha começado a negá-lo, mas antes de que as palavras lhe saissem dos lábios, deu-se conta de que ele tinha razão. Dirigiu o olhar a cada uma das fotos que tinha emolduradas em seu apartamento e repasou mentalmente todas as que se encontravam penduradas em galerias de arte, museus e coleções privadas de toda a cidade.
Ele tinha razão. As imagens, fosse qual fosse o tema, sempre eram lugares vazios, lugares solitários.
Nenhuma delas continha nem um só rosto, nem sequer a sombra de vida humana.
—OH, Meu deus —sussurrou, aniquilada ao dar-se conta disso.
Em uns poucos instantes, esse homem tinha definido seu trabalho como nunca ninguém o tinha feito antes. Nem sequer ela se deu conta da verdade tão evidente de sua arte, mas Lucan Thorne, de forma inexplicavel, tinha-lhe aberto os olhos. Era como se tivesse olhado diretamente em sua alma.
—Tenho que ir agora —disse ele, dirigindo-se já para a porta.
Gabrielle lhe seguiu, desejando que ficasse mais tempo. Possivelmente voltasse mais tarde. Esteve a ponto de lhe pedir que o fizesse, mas se obrigou a si mesmo a manter um mínimo de compostura. Thorne já quase tinha cruzado a porta quando, de repente, deteve-se no pequeno espaço do saguão. Seu corpo grande se encontrava muito perto do dela, mas a Gabrielle não importou. Nem sequer se atreveu a respirar.
—Acontece algo?
As magras fossas nasais dele se alargaram quase imperceptivelmente.
—Que tipo de perfume leva você?
Essa pergunta a pôs nervosa. Tinha sido tão inesperada, tão íntima. Notou que lhe ruborizavam as bochechas, apesar de que não tinha nem idéia de por que.
—Não levo perfume. Não posso fazê-lo. Sou alérgica.
—De verdade?
Os lábios dele desenharam um sorriso forçado, como se seus dentes se incharam muito dentro de sua boca. Inclinou-se para ela, lentamente, e inclinou a cabeça até que ficou muito perto do pescoço dela. Gabrielle ouviu o áspero som da respiração dele —e notou a carícia desta sobre sua pele, fria primeiro e quente logo— enquanto ele se enchia os pulmões com seu aroma e o soltava pelos lábios. Sentiu o pescoço muito quente e tivesse jurado que notava o rápido roce de seus lábios sobre a veia de seu pescoço, que se alargava em um descompassado pulso sob a influência dessa cabeça que se aproximava tão íntimamente a ela. Ouviu um grunhido muito baixo perto de seu ouvido e algo que parecia uma maldição.
Thorne se afastou imediatamente, sem olhá-la aos olhos. Tampouco ofereceu nenhuma desculpa nem nenhuma desculpa pelo estranho comportamento.
—Você cheira como o jasmim —foi o único que lhe disse.
E logo, sem olhá-la, atravessou a porta e penetrou na escuridão da rua.
Era um engano procurar a essa mulher.
Lucan sabia, sabia inclusive enquanto esperava nos degraus do apartamento de Gabrielle Maxwell essa mesma tarde e lhe mostrava uma placa de detetive e a foto do cartão de identificação. Não era dele. A verdade era que se tratava somente de uma manipulação hipnótica que obrigou a acreditar nessa mente humana que ele era quem dizia ser.
Era um truque muito singelo para os mais velhos de sua raça, como ele, era um truque que poucas vezes se rebaixava a utilizar.
E Apesar disso, ali estava ele outra vez, um pouco mais tarde que meia noite, comprometendo seu código de honra um pouco mais enquanto intentava abrir a correia de segurança da porta de entrada. Encontrou que não estava posta. Sabia que não o estaria: ele a tinha sugestionado quando falava com ela essa tarde, ao lhe demonstrar o que desejava fazer com ela e ao encontrar-se com sua resposta de surpresa, embora receptiva, em seus lânguidos olhos marrons.
Tivesse podido tomá-la nesse momento. Lhe teria acolhido de bom grau, estava seguro disso, e o fato de estar seguro do intenso prazer que tivessem compartilhado nesse processo quase tinha sido sua perdição. Mas a obrigação de Lucan se devia, em primeiro lugar, a sua raça e aos guerreiros que se uniram a ele para combater o crescente problema dos renegados.
Era uma pena que Gabrielle tivesse presenciado a matança da discoteca e tivesse informado isso a polícia e a seus amigos antes de que tivesse podido apagar sua memória, mas além disso tinha conseguido tomar umas fotografias. Eram umas fotografias com grão e quase ilegíveis, mas resultavam igual a ervas daninhas. Tinha que proteger essas imagens antes de que ela pudesse mostra-las a alguém mais. Ele o tinha feito bem nesse aspecto, pelo menos. De fato, teria que encontrar-se no laboratório com o Gideon para identificar ao valentão que tinha escapado,
ou teria que estar registrando a cidade, armado, com Dante, Rio, Conlan e outros, À caça de outros irmãos de raça doentes. E isso era o que estaria fazendo quando tivesse terminado com a última parte do assunto relacionado com a encantada Gabrielle Maxwell.
Lucan penetrou no interior do velho edifício de tijolo no Willow Street e fechou a porta detrás dele. O incitante aroma de Gabrielle lhe alagava o olfato e lhe atraía para ela igual ao tinha feito essa noite fora da discoteca e na delegacia de polícia , no centro da cidade. Percorreu seu apartamento em silêncio, atravessou o piso principal e subiu as escadas até a habitação do piso de acima. As clarabóias que havia no teto abovedado deixavam entrar a pálida luz da lua que caía com suavidade sobre as elegantes curva do corpo de Gabrielle. Dormia nua, como se esperasse sua chegada. Tinha as largas pernas enredadas nos lençóis e o cabelo lhe pulverizava, ao redor da cabeça, por cima do travesseiro e formava umas luxuriosas ondas de bronze.
Seu aroma lhe envolveu, doce e sedutor, lhe provocando dor nos dentes.
Jasmim, pensou, com expressão sardônica: uma flor exótica que abre suas fragrantes pétalas somente sob a influência da noite.
«te abra para mim agora, Gabrielle.»
Mas decidiu que não ia seduzi-la, não o faria dessa maneira. Essa noite somente queria provar um bocado, o justo para satisfazer sua curiosidade. Isso era quão único ia permitir se. Quando houvesse terminado, Gabrielle não recordaria lhe haver conhecido, tampouco recordaria o horror que tinha presenciado no beco fazia umas noites.
Seu próprio desejo tinha que esperar.
Lucan se aproximou dela e deixou descansar o quadril no colchão, ao seu lado. Acariciou a suavidade acesa do cabelo dela. Passou os dedos pela esbelta linha de um de seus braços.
Ela se moveu, gemeu com doçura, reagindo ao seu ligeiro contato.
—Lucan —murmurou, dormitada, não de tudo acordada, mas inconscientemente segura de que ele se encontrava na habitação com ela.
—É só um sonho —sussurrou ele, assombrado por ouvir seu nome nos lábios dela apesar de que não tinha utilizado nenhuma artimanha vampiírica para fazer que o pronunciasse.
Ela suspirou profundamente e se apertou contra ele.
—Sabia que voltaria.
—Sabia?
—Sim. —Foi somente um ronrono que lhe saiu da garganta, rouco e erótico. Mantinha os olhos fechados e sua mente ainda estava apanhada no labirinto dos sonhos.
— Queria que voltasse.
Lucan sorriu por ouvir isso e lhe acariciou uma sobrancelha com a ponta dos dedos.
—Não me tem medo, preciosa?
Ela fez um rápido movimento negativo com a cabeça e apertou a face contra a palma da mão dele. Tinha os lábios ligeiramente entreabertos e os pequenos dentes alvos brilhavam sob a luz que caía enviesada do teto. Seu pescoço era elegante, de linha orgulhosa, como uma coluna real de alabastro que se levantasse dos frágeis ossos dos ombros. Que sabor tão doce devia ter, que suave tinha que ser sob sua língua.
E seus peitos... Lucan não pôde resistir a esse escuro mamilo , que aparecia desde debaixo do lençol que lhe envolvia o torso de forma caprichosa. Jogou um pouco com o pequeno casulo entre os dêdos, atirou dele brandamente e quase grunhiu de desejo ao notar que se endureciam sob seu tato.
Ele também se havia posto duro. Lambeu-se os lábios, sentindo um desejo crescente, ansioso por possuí-la.
Gabrielle se retorceu com um gesto lânguido, enredada entre as cobertas. Lucan apartou com suavidade o lençol de algodão e a deixou completamente nua ante ele. Era deliciosa, tal e como sabia que seria. Pequena, mas forte, seu corpo era ágil e jovem, flexível e formoso. Uns firmes músculos davam forma a suas elegantes pernas; suas mãos de artista eram largas e expressivas, e se moveram com um gesto inconsciente momentos atrás Lucan lhe passou um dedo por cima do esterno para a cavidade do ventre. Ali sua pele era como o veludo e estava cálida, muito tentadora para resistir.
Lucan se colocou em cima dela na cama, e lhe passou as mãos por debaixo do corpo. Levantou-a, fazendo que se arqueasse para ele em cima do colchão. Beijou a suave curva de seu quadril e logo jogou com a língua por cima do pequeno vale de sua entre pernas. Ela agüentou a respiração e ele penetrou nessa pequena concavidade: a fragrância do desejo lhe alagou os sentidos.
—Jasmim —disse ele com voz rouca contra a pele cálida dela. A acariciou com os dentes e descendeu um pouco mais.
O gemido de prazer que ela deixou escapar quando a boca dele invadiu seu sexo despertou uma violenta corrente de luxúria por todo o corpo. Já estava duro e ereto; o pênis lhe pulsava contra a barreira de suas roupas. Notava a umidade dela em seus lábios e sua fenda lhe envolvia e lhe queimava a língua. Lucan a sorveu igual a tivesse sorvido um néctar, até que o corpo dela se convulsionou com a chegada do orgasmo. E continuou lambendo-a e voltou a conduzi-la até o climax, e logo outra vez.
Ela ficou inerte em seus braços, relaxada e tremente. Lucan também tremia, igual as suas mãos enquanto voltava a depositá-la com suavidade em cima do colchão. Nunca tinha desejado tanto a uma mulher. Deu-se conta de que queria algo mais ao notar, divertido, que lhe surgia o impulsou de protegê-la. Gabrielle respirava agitadamente e com suavidade momentos depois do último orgasmo remetia, e se enroscou tombada sobre um flanco, inocente como uma criança.
Lucan baixou o olhar para ela e a observou com fúria silenciosa, lutando contra a força de seu desejo. A dor surda das presas alargando-se das gengivas o fazia apertar os lábios. Tinha a língua seca e o desejo formava um nó em seu ventre. A lascívia de sangue e o desejo do encher-se agonizou a vista e lhe envolveu como uns tentáculos sedutores. As pupilas lhe dilataram como as de um gato em seus pálidos olhos.
«Toma-a», incitou-lhe essa parte dele que era desumana, de outro mundo.
«É tua. Toma-a.»
Somente a provaria: isso era o que se prometeu. Não lhe faria mal, somente aumentaria o prazer dela e se daria um pouco a si mesmo. Ela nem sequer recordaria esse momento quando chegasse o amanhecer. Como sua anfitriã de sangue, lhe ofereceria um substancioso gole de vida e quando despertasse, mais tarde, sonolenta e saciada, faria-o felizmente ignorante da causa.
Esse era um pequeno ato de misericórdia, disse a si mesmo, apesar de que todo seu corpo se esticava pelo desejo de alimentar-se.
Lucan se inclinou em cima do corpo lânguido de Gabrielle e com ternura lhe apartou as ondas de cabelo que lhe cobriam o pescoço. Sentia seu próprio coração que pulsava com força no peito e que lhe urgia a satisfazer a sede que lhe queimava. Somente a provaria, nada mais. Só por prazer. Aproximou-se com a boca aberta, os sentidos alagados pelo penetrante aroma de fêmea. Pressionou os lábios contra a calidez dela, colocou a língua no ponto no qual seu delicado pulso pulsava. Suas presas arranharam a suavidade de veludo do pescoço dela e também lhe pulsavam, como outra parte exigente de sua anatomia.
E no instante mesmo em que suas presas afiadas foram penetrar a frágil pele dela, sua aguda vista reparou em uma pequena marca de nascimento que tinha justo detrás da orelha.
Quase invisível, a diminuta marca de uma lágrima caindo na concha de uma lua crescente fez que Lucan se apartasse surpreso. Esse símbolo, tão estranho entre as mulheres humanas, somente significava uma coisa...
Companheira de raça.
Separou-se da cama como tocado por um raio e emitiu uma sibilante maldição na escuridão. O desejo pela Gabrielle ainda pulsava dentro dele apesar de que tentava resolver as conseqüências do que havia estado fazendo podia provocar em ambos.
Gabrielle Maxwell era uma companheira de raça, uma humana que tinha umas características de sangue e de DNA únicas e complementares com os de sua raça. Ela e as poucas que havia como ela eram as rainhas entre as fêmeas humanas. Para a raça de Lucan, uma raça formada somente por homens, esta mulher era adorada como uma deusa, como uma doadora de vida, destinada a vincular-se por sangue e a levar a semente de uma nova geração de vampiros.
E em sua imparavel luxúria por saboreá-la, Lucan tinha estado a ponto de tomá-la para si.