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LIÇÕES DO DESEJO
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CAPÍTULO 7

– É uma coleção modesta.

Matthias brilhava de orgulho, apesar de suas palavras.

– Tive a ideia inspirado nos gabinetes renascentistas. É o meu refúgio dentro de casa, cheio dos meus objetos favoritos.

Seu gabinete era uma grande sala quadrada cheia de urnas antigas e ramagens nas paredes de gesso. Além de uma escrivaninha comprida repleta de livros e papéis, o cômodo continha artefatos. O capitel de uma coluna coríntia estava empoleirado em um dos cantos da mesa. Um busto antigo os observava do alto de uma estante de livros. Vitrines com pés, como as das livrarias inglesas, guardavam outros pedaços de peças e antiguidades.

Phaedra caminhava por entre as peças, observando. Randall Whitmarsh a acompanhava, apontando as moedas com as imagens de Júlio César e Tibério gravadas e as pequenas garrafas de vidro.

– Aqui está o grande achado – anunciou Matthias.

Ele abriu uma gaveta, retirou uma trouxinha de tecido e começou a desembrulhar o material.

Surgiu uma pequena estatueta de bronze de uma deusa nua em uma posição relaxada.

– Alguns garotos mergulhavam na enseada e lá estava ela, no fundo da areia. Deve ter ficado lá por 1.500 anos. É grega, tenho certeza. Período clássico. Provavelmente parte de uma carga grega a caminho de alimentar os cobradores do Império Romano.

Whitmarsh levantou a estátua.

– Com certeza um navio naufragou aqui. Deve haver outras peças onde ele afundou, se puder ser achado.

– A água fica profunda rapidamente, o que é muito perigoso – disse Matthias. – Se houver mais peças, elas só vão ser encontradas quando as marés fizerem seu trabalho. Retirei com cuidado as cracas e a melhora foi maravilhosa.

Elliot tomou a estátua em suas mãos.

– É linda. Pretende vendê-la?

– Ainda não sei. Caso decida vender, Whitmarsh poderia pô-la à venda para mim em Roma, não é?

– Ou eu, em Londres – emendou Elliot. – Você conseguiria um preço melhor, não acha?

Matthias sorriu com a indulgência de um mestre. Pegou a estátua das mãos de Elliot.

– E macular o seu sangue com atividades comerciais? Eu não faria isso.

– Não haverá comércio se eu apenas indicar um colecionador. Easterbrook pode até ficar interessado na peça.

Os homens começaram a discutir a data de criação da estatueta e seu valor. Phaedra continuou a andar por entre as vitrines para completar sua visita de reconhecimento.

A coleção de Matthias era muito eclética, como a de um garoto de escola que trouxesse para casa pedaços e peças do mundo que o fascinavam. Uma vitrine continha fragmentos de cerâmica de pouco valor, porém com enfeites primitivos fascinantes. Espirais e formas geométricas se amontoavam sobre as superfícies avermelhadas. Um belo cálice grego intacto ocupava lugar de honra em outra, exibindo o deus Dionísio em um navio em seu interior raso e arredondado.

Prosseguiu até as adagas antigas e partes de armaduras romanas entalhadas e chegou até uma vitrine que continha outros objetos de metal. Essa estava trancada e Phaedra podia entender por quê. Espalhados dentro estavam objetos de ouro e prata e esmaltados, alguns clássicos, outros de épocas posteriores, em que normandos e sarracenos estiveram ali. Pequeninas imagens de deuses romanos e vivas interações de linhas e arabescos disputavam sua atenção.

A vitrine inteira brilhava. Fechos de bolsas, brincos e fileiras de contas de vidro.

– Decidi ficar com minha pequena deusa – anunciou Matthias. – Onde acha que devo alojá-la, Srta. Blair?

Phaedra deu sugestões de lugares onde Matthias poderia exibir a pequena estátua, porém seus pensamentos continuavam na coleção diversificada do seu anfitrião. Ela se perguntava se ele saberia algo sobre camafeus antigos.


De tarde, o Sr. Whitmarsh decidiu pescar, então os cavalheiros desceram a montanha para alugar um barco após a sesta costumeira da cidade. Isso deixou Phaedra com a signora Roviale e a Sra. Whitmarsh.

As damas se sentaram na sala de visitas e tentaram não entediar umas às outras. Quando a Sra. Whitmarsh pediu licença e saiu para escrever uma carta, a signora Roviale abordou o único assunto que achava ter em comum com a outra hóspede.

– É um homem notável, o seu lorde Elliot. Não sou fã de todos os amigos ingleses do signore Greenwood. Eles quase sempre são pálidos demais e reservados a ponto de se tornarem tediosos, e suas mulheres e namoradas também são sem sal e sem assunto. Mas lorde Elliot é ao mesmo tempo bonito e interessante. Un uomo magnifico.

– Lorde Elliot é cunhado de uma grande amiga minha e me acompanha a pedido dela. Não sou sua namorada.

– Veramente? – exclamou ela, depois avaliou Phaedra com frieza. – Talvez, se usasse roupas mais atraentes... Matthias me disse que não está de luto e, por aqui, o preto é mais comum entre as mulheres velhas... E seu cabelo, a minha criada poderia penteá-lo para que não parecesse uma criança nem uma puttana.

“Puttana” tinha sido uma palavra que Gentile Sansoni usara durante o interrogatório. Significava meretriz. Como a signora Roviale não era casada com Matthias, estava enveredando por um campo muito delicado.

– Escolho meus vestidos e meu penteado por bons motivos, signora. Assim não preciso ficar sobrecarregada com criadas nem gasto horas em preparações antes de começar meu dia tão atarefado.

– Aaah, capisco. Entendo.

Ela fez um gesto expressivo, a mão desenhando um amplo arco que incluiu as duas e a casa.

– Mas seu dia está livre hoje. Não está muito ocupada, não é? Não temos nada para fazer enquanto esses ingleses pescam feito camponeses. Ofereço-lhe minha criada; então não ficará, como disse, sobrecarregada.

– Estou muito satisfeita assim, obrigada. Quanto a preencher o meu dia, vou para o meu quarto ler, se me der licença.

– Pode ler outra hora. Acho que é uma mulher que lê demais.

Ela se levantou e acenou para Phaedra, indicando que a acompanhasse.

– Talvez esteja satisfeita em seu vestido, contudo a signora Whitmarsh não está feliz. Ela pensa que você é uma bruxa e que está tentando encantar o marido dela. E você é tão incomum que ela não sabe como competir. É louca por pensar assim, de toda forma posso ver as suspeitas naquele rosto comprido. Nós a deixaremos apresentável e comum para o jantar desta noite, para que ela não pareça ter uma nuvem negra em cima da cabeça.

Revoltada por estar sendo coagida, porém incapaz de pensar em uma desculpa para desfazer o plano de sua anfitriã, Phaedra se levantou. A signora Roviale lhe deu o braço e, com firmeza, conduziu-a escada acima.


Elliot despiu a camisa agora úmida de maresia. Entregou-a ao criado para que fosse lavada, depois foi se arrumar para o jantar. A pesca tinha sido divertida, animada pelos odres de vinho que Matthias tinha jogado no barco.

Saiu para o terraço e apurou os ouvidos. Nenhum som vinha do quarto de Phaedra, portanto supôs que ela já tivesse descido e se dirigiu à sala de visitas. Todos os hóspedes estavam reunidos, exceto a única mulher que ele estava ansioso para ver.

Perguntou-se se ela aproveitara sua ausência para escapar e amaldiçoou a própria negligência. A combinação relaxante de sol e mar e a excitação que não queria deixá-lo o tinham feito esquecer o motivo de ter Phaedra em sua companhia.

Conversou com Whitmarsh e Greenwood. Cada minuto que passava aumentava suas suspeitas da fuga de Phaedra. Estava prestes a perguntar à signora Roviale sobre as atividades da Srta. Blair naquele dia quando Whitmarsh de repente parou de falar e olhou fixo por sobre o ombro de Greenwood. A expressão no rosto dele fez Elliot olhar na mesma direção.

Greenwood virou a cabeça.

– Meu Deus. É a nossa Srta. Blair?

Aparentemente, sim, exceto que aquela Srta. Blair não se parecia muito com a que Elliot conhecia. O vestido preto substituído por um azul-celeste, com um fita marfim e mangas curtas bufantes no ombro e justas no braço. O cinto de seda marcava sua cintura e o decote revelava a pele muito alva do pescoço e dos ombros, destacando o arredondado firme e elegante de seus seios.

O cabelo também tinha sido penteado e preso. Sem mais flutuar solto, formava um penteado com cachos e trançados que a deixavam muito na moda. Usava um pouco de maquiagem no rosto, ou talvez a atenção que despertara a tivesse feito enrubescer.

– É ainda mais bela do que a mãe – sussurrou Whitmarsh. – Se pode ficar bonita assim, por que se esconde naquele hábito de freira?

Elliot sabia por quê. O motivo agora enchia a sala de visitas. O silêncio caiu conforme os homens a olhavam e as mulheres a avaliavam. Elliot andou pelo meio dos outros para poupar-lhe o incômodo de continuar a ser o espetáculo da noite.

– Está muito bonita hoje, Srta. Blair. Vamos pegar um pouco de vinho.

Ela o acompanhou até a criada que servia as bebidas. O grupo retomou suas conversas.

– A signora Roviale fez isso tudo. O vestido é dela – contou Phaedra. – A mulher é implacável. Não havia como escapar.

Ele lhe entregou um cálice de vinho.

– Foi gentileza da sua parte ceder.

Ele se esforçava para que seu olhar não resvalasse para a protuberância branca acima do decote do vestido. Queria lamber e mordiscar aquela pele de leite que surgia além da fronteira azul-celeste.

– Levou horas. Tinha me esquecido dessa parte. E esse espartilho... bem, você pode imaginar como meu pobre corpo não gosta disso.

Não exatamente. Contudo ele podia imaginá-la de camisa e meias, antes de pôr o espartilho, e depois de vesti-lo, quando ainda não houvesse colocado o belo vestido.

– Acredito que, com a prática, fique mais fácil.

– Não vai haver prática. Essa experiência acaba junto com o jantar. Só rezo para que não desmaie antes disso. Mal posso esperar para ser liberada dessa tortura. Para começar, é insuportavelmente quente. Descobri que os árabes usam roupas soltas em climas quentes por um bom motivo. Além disso...

De repente, no meio da frase, suas reclamações pararam. Ela enrubesceu violentamente, como se visse nos olhos dele o que se desdobrava em sua imaginação, o vestido caindo, o espartilho se abrindo e o corpo dela sendo revelado. O traje dava uma visão melhor desse corpo do que seus vestidos pretos, e ele a imaginava nua com muito mais nitidez agora.

Whitmarsh se aproximou exalando charme. Greenwood não perdeu a Srta. Blair de vista enquanto falava com os outros. Ela respirou fundo e partiu para encantar a todos com seu brilho e sua beleza.


Phaedra pretendia escapar direto para seu quarto ao final do jantar, para tirar aquelas roupas desconfortáveis. Mudou de ideia ao ver Matthias Greenwood andar em direção a seu gabinete. Em um impulso, ela o seguiu, alcançando-o no momento em que abria a porta.

– Sr. Greenwood, posso falar com o senhor em particular? – solicitou Phaedra.

– Com certeza, Srta. Blair. Venha comigo. Terá toda a minha atenção aqui.

Ela aceitou sua acolhida e sentou-se na cadeira que ele lhe indicou, ao lado da mesa. Encarapitada lá, sob seu exame tutorial, sentiu-se como uma aluna pleiteando uma vaga na universidade.

– Sr. Greenwood, na Inglaterra eu vinha conversando com pessoas que conheceram minha mãe. Tenho algumas perguntas sobre fatos que aconteceram no final da vida dela. O senhor a conheceu também e seu nome foi mencionado várias vezes. Algumas delas sugeriram que talvez pudesse me ajudar.

– Algumas delas...?

– Amigas de minha mãe. Mulheres que me ajudaram a relacionar as pessoas que faziam parte do convívio social de minha mãe e coisas afins.

– Ajudarei como puder, entretanto não era um amigo próximo. Minhas funções na universidade não me permitiam vê-la com muita frequência.

– Entendo. Contudo é sua distância relativa que pode ter possibilitado ao senhor enxergar com mais clareza do que os amigos mais íntimos.

Ele pareceu cético, mas se mostrou prestativo.

– O que precisa saber?

– Talvez o senhor considere minhas perguntas um pouco ousadas.

Ele riu.

– Ficaria desapontado se não fossem. Se a senhorita está correndo o mundo atrás de respostas, imagino que as perguntas não sejam banais.

Seu bom humor tornava tudo mais fácil. Ela decidiu começar com a pergunta mais ousada de todas.

– Alguma vez suspeitou que minha mãe tivesse um amante nos últimos anos de vida?

Ainda que ele esperasse ousadia, a pergunta o deixou um tanto sem jeito. Sua expressão sempre bem-composta se alterou, ficando próxima do constrangimento.

– Não tive indícios para pensar isso. No entanto... Bem, quando conheci sua mãe, Drury era uma presença constante, mas parecia menos presente por volta do último ano.

– O senhor sabe quem era o outro homem?

Os olhos dele ficaram mais cálidos, demonstrando simpatia. Seu sorriso era o de um tio para a sobrinha preferida.

– Nem sabia se havia alguém. Tem certeza de que houve?

– Meu pai achava que sim.

– Os homens podem errar em relação a essas coisas. A paixão esfria, a distância aumenta... Ele pode ter interpretado errado.

Ela sabia dessa possibilidade. Matthias não era o primeiro a mencioná-la. Vários amigos de sua mãe sugeriram a mesma explicação. Ela mesma também nutria a esperança de que fosse apenas isso.

– Há alguém que o senhor teria considerado provável?

Ele balançou a cabeça.

– É tão importante saber o nome ou mesmo se a suspeita se confirma?

– Se tivesse sido um caso normal, eu diria que não.

Ele esperou pacientemente que ela continuasse, nem encorajando nem desencorajando outras revelações com seu comportamento reconfortante. Ela entendeu por que Elliot gostava desse homem. Havia algo em Matthias Greenwood que inspirava confiança e estimulava confidências. Sua franqueza era tamanha que afastava até a menor possibilidade de dissimulação.

– Minha mãe me deixou um camafeu – contou ela. – Seu testamento dizia que era originário de Pompeia. Sua intenção era que ele me desse alguma segurança financeira, e sempre supus que daria. No entanto, antes de meu pai morrer, ele alegou tratar-se de uma joia falsa, vendida a minha mãe pelo amante.

Matthias franziu o cenho, a preocupação evidente em seu olhar.

– A senhorita depende do valor desse camafeu?

– Minha situação financeira ficou mais complicada nos últimos tempos. Talvez eu precise vendê-lo. Contudo, se for falso...

– Valerá uma mera fração do que ela imaginava e provavelmente do que pagou. E a senhorita também não pode vender a peça antes de ter certeza, a menos que queira se arriscar a fazer parte de uma fraude.

– Exatamente.

– Entendo seu dilema. Lamento que sua herança esteja em questão. Se um admirador tirou vantagens indevidas de Artemis, o canalha deveria ser enforcado. Ela era muito generosa com todos que conhecia, mas... bem, talvez ingênua demais e lenta demais para perceber que alguns teriam interesse em se aproveitar dela.

Ele lhe lançou um olhar que pedia desculpas pela leve crítica.

– Talvez ela tenha sido mesmo ingênua demais, Sr. Greenwood. E sua generosidade significa que ela deixou pouco mais em herança além do camafeu. Suponho que eu poderia guardá-lo como lembrança, contudo, se ele simboliza o roubo de sua afeição e de seus recursos, não terá nenhum valor sentimental para mim.

– Eu pediria para ver o camafeu se pudesse afastar suas preocupações, no entanto confesso não ter muito conhecimento nessa área. Poderíamos mostrá-lo a Whitmarsh, é claro. Ele conhece muito mais pedras preciosas do que eu. No entanto, faria mais sentido perguntar aos especialistas em Pompeia...

Seu cenho se desanuviou. Ele deu um risinho.

– É por isso que está na península Itálica, não é? É claro. Agora compreendo.

– O senhor acha que posso obter uma resposta concreta lá?

– A mais concreta possível. Como já sabe, as opiniões variam. Escreverei para o superintendente, para abrir caminho para a senhorita. Ele está envolvido em escavações há vinte anos e pode atestar a origem do item, bem como seus sinais característicos de antiguidades.

– Agradeço sua boa vontade em me ajudar. Pergunto-me se posso abusar um pouco mais de sua gentileza. Temo que isso signifique pedir que levante hipóteses que talvez não queira.

– Não sou bom demais a ponto de resistir a fofocas, Srta. Blair. Pelo menos, até certo ponto.

Ela suspeitava de que iria chegar a esse ponto e talvez ultrapassá-lo.

– Se, de fato, esse camafeu, real ou falso, foi dado ou vendido a minha mãe por um homem nos seus últimos anos de vida, o senhor pode pensar em alguém em seu círculo que tivesse acesso a coisas assim?

Seus olhos de águia se obscureceram e ele ficou introspectivo, refletindo demoradamente sobre a pergunta. Phaedra imaginou que ele estaria relembrando as festas e jantares de anos atrás, examinando rostos e reconstituindo conversas.

– Não tenho um nome para lhe dar – disse por fim.

Sentiu o desapontamento, mas não foi um golpe tão duro. Teria sido ótimo resolver o mistério naquele dia, entretanto ela na verdade não esperara mesmo que isso acontecesse.

– Contudo, talvez...

Os olhos de águia de Matthias ficaram reflexivos de novo.

– Olhe bem, estou me lembrando de uma joia que diziam ser originária de um tesouro em Pompeia, só que não pertencia a sua mãe. Lembro-me que sua existência foi discutida durante uma das recepções que ela deu. Pode ser a mesma joia que está agora em sua posse ou talvez seja outra.

– O senhor se lembra do que foi dito na ocasião?

– Não de muita coisa. Não tinha interesse no assunto. Nem mesmo consigo determinar a data da conversa com muita precisão.

Ela olhou por cima de seu ombro para as vitrines.

– Eu diria que o assunto o interessa deveras.

– Não em relação a essa joia específica. Percebi logo que a origem da joia era duvidosa. Qualquer item retirado de Pompeia é propriedade roubada. Não há documentação de sua descoberta lá porque isso revelaria tratar-se de um roubo – explicou e deu de ombros para prosseguir: – Há quem não se importe com esses detalhes e pessoas que acreditam em qualquer história que lhe contem. É assim que comerciantes desonestos fazem fortuna.

– O senhor se recorda de como esse camafeu surgiu? Alguém o estava vendendo?

Ele bateu com os dedos na mesa e pensou bem.

– Foi há tanto tempo... Não quero atacar a credibilidade de ninguém...

– O senhor não o fará. Nem eu. Não farei acusações, a menos que tenha certeza de todos os fatos. Não haverá fofoca, nem difamação ou calúnia. Só quero saber em que direção devo seguir.

– Não me lembro dos detalhes. Mas havia vários negociantes que giravam em torno de Artemis Blair. Dois estavam sempre presentes nos últimos anos. Um, Horace Needly, tem uma reputação ilibada, porém nunca se sabe o que acontece nesse meio. No outro tenho menos confiança, principalmente porque ele evitava conversas com acadêmicos como eu. Isso me fazia pensar se seu conhecimento passaria pela prova de alguém experiente.

– Qual era o nome dele?

– Thornton. Nigel Thornton. Um sujeito bem-apessoado. Bem-sucedido também, se não me engano, contudo suas antiguidades tinham origem duvidosa.

– Obrigada pelos dois nomes. Verei o que posso descobrir quando voltar à Inglaterra. O senhor me ajudou bastante e sou muito grata.

Ela se levantou para ir embora. Ele sorriu ternamente, feliz por ter sido útil.

– Sr. Greenwood, me perdoe, mas... não havia pelo menos mais um negociante no círculo de minha mãe naquela época? O Sr. Whitmarsh. O senhor disse no outro dia que ele vende antiguidades em Roma e...

– Aquilo foi só uma brincadeira entre amigos, Srta. Blair. Desde que veio para cá, sabe-se apenas que passou adiante um ou dois objetos que lhe chegaram por acaso e com os quais ele não tinha intenção de ficar. Nada mais. Já fiz isso também. Não se pode considerar isso comércio – ele foi falando de forma indulgente, enquanto a acompanhava até a porta. – Além disso, ele não se dedicou a esse ramo na Inglaterra, nem mesmo por um período breve. Não ficaria bem, não? Afinal, ele é um nobre.


– Rápido, não aguento mais. Rápido.

Um grunhido profundo seguiu os pedidos da Srta. Blair.

– Ai, assim, hum, que maravilha.

Elliot estava de pé no terraço, com as costas apoiadas na parede da casa. Ele ria por dentro dos gemidos que lhe chegavam pelas portas ao lado das dele. Os sons que Phaedra fazia ao ficar livre, aliviada do vestido e do espartilho, lembravam os de uma mulher que se sentisse livre e aliviada por outros motivos.

Pôde ouvir quando ela dispensou a criada e depois resmungou:

– Que diabos. Nunca mais. As mulheres são loucas de se vestirem assim.

Vagos sons de seus movimentos no quarto eram notados. Ele deu alguns passos no terraço e retomou sua posição, desta vez do lado de fora do quarto dela.

– Sobreviveu, Srta. Blair? Ou ficou deformada para sempre?

Ela esticou a cabeça para fora, procurando-o. Ficou surpresa ao vê-lo tão perto.

– Achou graça, não?

– Nem um pouco.

Sua risada mostrou que era mentira. Ela franziu a testa com vigor.

– Espere aí. Quero lhe falar sobre um assunto.

E ela desapareceu no quarto.

Voltou alguns minutos depois, vestida de preto. O penteado não fora desfeito, então ela ainda não tinha voltado a ser a Phaedra de sempre.

– Por quanto tempo pretende me manter aqui? – perguntou ela.

Suas palavras aludiam a tudo o que ocorrera desde o dia em que ele entrara naquele jardim em Nápoles. A observação continha todos os seus ressentimentos.

– Alguns dias. Mais tempo, se a senhorita quiser. Precisa admitir que este é um lugar bem relaxante.

– Não vim da Inglaterra para repousar.

– Podemos partir em três dias, se desejar. Contudo imaginei que apreciasse a companhia de pessoas que conheceram sua mãe.

Ela foi até a balaustrada e olhou para o mar negro. Elliot observava suas costas, mas o que via, apesar do tecido preto que a cobria, era o corpo nu.

– Confesso que estou gostando da visita mais do que esperava, exceto das imposições da signora Roviale hoje. Apesar de inconveniente, esse desvio em meus planos se mostrou proveitoso. Deveria ter considerado que seria útil... que seria possível e até mais provável conhecer as pessoas do círculo da minha mãe se eu o acompanhasse.

Ele teria questionado o motivo de ela considerar isso “útil” se a noite não estivesse tão agradável e calma e a luz da lua não tornasse Phaedra tão linda.

– O Sr. Greenwood mora aqui há muito tempo? – perguntou ela.

– Ele comprou a casa há uns seis ou sete anos. Só veio morar aqui em definitivo faz quatro anos. Na última vez em que vim, a casa ainda era bastante rústica.

– Imagino que ele conheça todos os especialistas em antiguidades, de Milão à Sicília.

– É bem provável. Não se trata de um grupo tão grande. É natural que busquem a companhia de colegas.

– Então foi um professor universitário que comprou esta mansão, fez melhorias e se mudou para cá. Ele deve vir de uma família abastada.

A avidez de Elliot o deixava impaciente por jogar conversa fora com Phaedra, mas ele lhe concederia isso por enquanto. Afastou-se da parede e se juntou a ela na balaustrada.

– Ele vivia de forma frugal em Cambridge. Um parente lhe deixou dinheiro. Esta mansão provavelmente deve ter custado menos do que uma casa pequena em Londres. Os imóveis aqui não têm o mesmo valor de lá.

Ele admirava o trabalho intricado no penteado da Srta. Blair. Levaria um bom tempo para desfazer tudo aquilo antes de dormir. Tempo de mais. Ele deixaria daquele jeito.

Exceto por um olhar, ela não reagiu à sua proximidade.

– Ele falou como se visitasse as escavações com frequência e conhecesse os arqueólogos lá.

– Espero que sim. Por que está tão curiosa sobre ele?

Matthias tinha idade para ser pai dela e Whitmarsh, quase isso. Ainda assim, a admiração deles pela ruiva naquela noite provocara em Elliot uma desconfiança enciumada que provavelmente não tinha fundamento. Agora a desconfiança surgia de novo, irracional porém nítida, atiçando o desejo com os espinhos da possessividade.

– Há algumas páginas nas memórias de meu pai que levantaram questões sobre os últimos anos de vida da minha mãe. Fiz perguntas a Matthias e estou refletindo sobre o peso que devo atribuir às respostas.

Então era nisso que ela pensava nas horas em que ficava séria e introvertida? Ela havia se aventurado até o terraço, apesar da advertência da noite anterior, mas não para implicar ou desafiar. Ela buscava informações que fossem úteis.

Christian sugerira que essas memórias talvez contivessem revelações que Phaedra não iria gostar de ler. O fato de ela confirmar isso provavelmente era significativo, porém naquele exato momento Elliot não se importava. Ele a desejava e estava ali, naquela noite maravilhosa, com ela, uma mulher que acreditava no amor livre e que não se prendia a regras sociais estúpidas.

A luz da lua tornava sua pele branca quase translúcida. O vestido preto ia até o pescoço, mas ele ainda tinha na mente o volume dos seios dela.

– Às vezes é sensato deixar as perguntas sem resposta.

Ela o encarou, indiferente a quão perto estava de ser agarrada.

– Não acredito que creia nisso. Ou, melhor, não acho que o senhor consiga seguir o próprio conselho. Vi seu rosto quando falamos das referências a seu pai nas memórias. Você não quer que elas sejam publicadas, porém precisa saber se o que há lá é verdade.

Sua postura e suas palavras lançavam um novo desafio. Ele não o aceitaria naquela noite; em vez disso, lidaria com os desafios já existentes entre eles. Haveria tempo o bastante para lidar com este mais tarde.

– Já sei que não são verdadeiras. Mas a senhorita fala de questões sérias, Srta. Blair. Por favor, perdoe-me por deixar essa discussão para outro momento. Um em que a luz do luar, a noite e sua beleza não estejam fazendo minha mente se voltar para outros assuntos.

A expressão no rosto dela foi de pura surpresa. Não se moveu ao encará-lo. O que quer que tenha visto no rosto dele gerou faíscas de temor em seus olhos.

Ela se virou para caminhar em direção à porta.

– Então o deixarei refletir sobre esses assuntos, quaisquer que sejam.

Ele pegou no braço dela.

– Não desta vez, Phaedra.

Elliot a virou para si, segurou seu rosto entre as mãos e beijou a boca que o tentava fazia dias.


Como é que ele... como ousava...

Seu espanto por ser puxada para Elliot foi apagado pelo beijo dele. Mas outra coisa a assombrou: a forma como seu coração deu um salto quando ele a dominou.

Só o beijo já fora suficiente para deixá-la assim. Firme, forte e determinado, o beijo dele continha as advertências da noite anterior. Quero-a implorando por mim. Esse perigo a excita.

Com certeza, aquele perigo a excitava. A forma como sua pegada a dominou gerou arrepios traiçoeiros em seu baixo-ventre. Partes dela começaram a implorar de imediato, pedindo mais, desejando que ele não parasse.

A mente de Phaedra se acelerou. Pensamentos se formavam e desapareciam em rápida sucessão.

Ele nem perguntou. Será que pensou...

Os beijos no pescoço fizeram-na perder as palavras. Uma névoa estonteante e sensual obscureceu o resto.

Isso foi um erro, mas, ah...

O calor da boca de Elliot penetrou em seu sangue, fazendo seu corpo formigar em todas as partes para onde ele fluía. Seus seios ficaram mais cheios e firmes e o sentiram através do tecido do vestido. O contato a excitou mais e ela instintivamente colou o corpo no dele em busca de mais estímulos.

Ele beijou sua boca de novo. Não tão forte dessa vez, apenas seduzindo e conduzindo-a, mas igualmente exigente e confiante em que ela lhe daria tudo o que ele desejava.

A forma como ele a agarrava a atiçava, ainda que ela devesse ter se rebelado. Ela via o perigo, mas não conseguia parar porque era excitante. O corpo de Phaedra seguia para o abandono e a mente já estava fora de controle.

Uma carícia. Que não explorava, não procurava, não pedia nada. Firmes e seguras, suas mãos desceram por suas costas, pelo quadril e as nádegas, reivindicando seu corpo como se ela não estivesse vestindo nada, fazendo-a sofrer na expectativa por mais.

A língua dele entrou em sua boca, percorrendo todos os espaços. Arrepios eróticos tremularam em sua vulva. As mãos dele se moviam por seu corpo, sem reservas. Ela não se importou por se render a um inimigo e lhe dar um espaço que talvez nunca mais retomasse no campo de batalha. A excitação comichava, zunia e pulsava, tornando impossível pensar de forma sensata.

Quero-a implorando por mim. Ah, sim, isso era bem possível. Seus seios estavam tão sensíveis que ela pensou que fosse enlouquecer.

Como se ele ouvisse seus pedidos silenciosos, acariciou seu quadril, o ventre e subiu até os seios. Estava zonza de expectativa ao beijá-lo, incitando-o com sua boca, a língua e o abraço.

Devagar, ele tomou o seio em sua mão. Um intenso frêmito de prazer a dominou. A outra mão dele estava firme em suas costas, sustentando-a e movendo-se para baixo devagar a cada fecho que abria do vestido.

Eu não deveria... isso não deveria...

Um beijo avassalador transformou em poeira a objeção que se formava na mente de Phaedra. Afagos deliberados em seus mamilos a espalharam pelo ar.

Ele deu um passo para trás, separando seus corpos. O brilho da lua banhou a ambos e a luz dourada vinda do quarto dela definiu os contornos de Elliot. Ele não lhe deu tempo para se recompor, para juntar os cacos de sua racionalidade. Levou a mão à gola do vestido e começou a fazer o tecido negro escorregar pelo corpo dela.

Nunca antes um homem a tinha despido. Nunca. Ela não permitia que isso acontecesse. Agora o gesto a deixava em transe, imobilizada. A lenta descida do tecido pareceu a carícia mais erótica da noite. Tudo o que ela conseguiu fazer foi olhar para o rosto de Elliot, sentindo mais do que vendo o desejo que impregnava o ar de potência viril.

As mangas desceram por seus braços e o corpete se afrouxou em seu quadril. Ele levou a mão ao ombro da camisa que ela usava por baixo. Phaedra perdeu o fôlego. Seus seios se enrijeceram ainda mais na expectativa de outro desnudar lento e delicioso.

Porém, de novo ele fez algo que a surpreendeu, afastando o último traço de bom senso que restava nela. Ele não a despiu devagar: em vez disso, arrancou a camisa pelos braços dela. Não foi um movimento impaciente nem apaixonado, mas um gesto que confirmava os direitos do conquistador.

A alma de Phaedra tentou se rebelar, porém não encontrou ancoradouro na maré de prazer que a submergia. A forma como ele olhou para sua nudez absorveu sua atenção de tal forma que ela não se moveu para liberar os pulsos da blusa que ainda restringia seus movimentos.

É só um jogo, essa dança de dominação e submissão. Não significa nada. Não estou cedendo nada, na verdade.

Mas...

Pontas de dedos a esquadrinharam. Palmas das mãos alisaram seu corpo. Ela olhou para baixo, para as mãos másculas de dedos delgados que acariciavam seus seios, estimulando-a e excitando-a da forma mais perfeita. Uma doce loucura tomou sua cabeça e ela enveredou para um prazer sensual cada vez maior. O último fio de autocontrole se desgastava rápido. Ela queria que arrebentasse de vez. Queria que lorde Elliot vencesse o último sinal de resistência que tentava arruinar seu êxtase.

Ele a abraçou de novo, fazendo-a arquear as costas. Beijou seu pescoço e peito traçando um caminho quente que a deixou sem fôlego. Seus dentes e sua boca brincaram com o mamilo, torturando-a com sensações que se espalhavam fundo em seu baixo-ventre e faziam sem corpo implorar enquanto ela gemia baixinho.

Phaedra tentou soltar um braço para enlaçá-lo e mantê-lo próximo, para apoiar-se e senti-lo.

– Não – murmurou ele. – Fique assim.

A tempestade sensual em sua cabeça queria obedecer. O prazer era tão grande que ela não podia parar. Seu corpo estava faminto por mais, por ser preenchido, pela completude que o aliviaria. Parar agora seria impossível, iria contra a natureza.

Porém...

Mesmo em seu abandono, conseguiu ver a situação com um olhar racional. Apesar de sentir um prazer tão intenso que quase doía, ela notou sua sutil submissão e tudo o que lorde Elliot dera por certo desde o primeiro beijo.

De alguma forma, a escrava rompeu suas amarras. Sofrendo de arrependimento e frustração, ela recobrou a voz:

– Você tem que parar agora. Quero que pare.

Ele ficou paralisado. Por alguns momentos terríveis, não se moveu. Depois se endireitou e olhou para ela.

O braço dele a puxou para perto, para um abraço forte. Sua outra mão pousou em seu rosto como no primeiro beijo. As pontas de seus dedos faziam pressão sem a machucarem, mas também sem suavidade.

– E se eu não parar?

Como a maior parte dela não queria que ele parasse, aquilo não chegava a ser uma ameaça. Porém, o fato de ele supor que ela cederia se ele continuasse, de que seria fraca diante de seu poder, devolveu-lhe alguma razão.

– Vai parar – disse ela.

– Confia tanto assim em minha honra?

– Confio em seu orgulho. Uma mulher importunada nunca implorará.

Ele a soltou e se afastou. Tudo em sua aura e em seu rosto dizia que ele poderia puxá-la de volta.

Ela subiu o vestido e se cobriu. Correu para a porta. Seu coração estava aos pulos e seu corpo ainda reagia ao perigo com uma excitação que a surpreendia.

– Não vou parar na próxima vez, Phaedra.

Ela parou no limiar da porta antes de replicar:

– Não acho que haverá próxima vez.

– Haverá, sim.

Ela agarrou as portas duplas e começou a fechá-las.

– Se acontecer, não será por sedução. Eu terei optado por isso antes mesmo do primeiro beijo ou não haverá beijo nenhum.


CAPÍTULO 8

Ele ainda ficou do lado de fora. Phaedra queria abrir a porta para deixar a brisa noturna entrar, mas não se atreveu. Ele poderia interpretar mal.

Ele seria ousado a ponto de entrar ainda assim? Ela se sentou na cama abraçando os joelhos, ao mesmo tempo temerosa e esperançosa de que a porta se abrisse de par em par e lorde Elliot entrasse.

Não se sentia tão dona da situação como agira ao fechar a porta. Sua excitação não ia dar trégua. Seu corpo continuava sensível até ao ar.

Ela não saberia dizer em que momento decidira detê-lo. Tinha sido instintivo, a intuição interferira.

Quero-a implorando por mim.

Não seria possível manter uma amizade com aquele homem. Ele queria vê-la fraca e entorpecida, para que pudesse influenciá-la. Afinal, tivera um motivo para ir atrás dela em Nápoles. Um amigo seu não poderia lhe pedir – nem o faria – que suprimisse aquelas passagens das memórias. Mas um homem que a dominasse e possuísse, um amante que a seduzisse, não hesitaria em usar o poder que essa paixão lhe outorgava.

E tudo isso era uma pena, porque ela o queria.

Nunca desejara um homem assim antes. Não havia nada de confortável nisso. Nada de seguro. Não era a mesma atração que experimentara com seus amigos, não se tratava de um encontro intelectual que permitia outras intimidades.

Ao contrário, o encantamento sensual dele provocava o caos, o mistério e uma estupefação que a deixava sem ar. Ele também sabia disso. Sabia que sua mera presença era um feitiço.

Sua excitação aos poucos se acalmou até virar um formigamento, o mesmo desconforto que vinha sentindo há dias. Por fim, o terraço e o quarto ao lado ficaram em silêncio. Jogou o corpo para trás e se deitou em posição fetal, ainda encarando a porta.

Teria sido isso o que acontecera com Artemis? Depois de anos de amizade confortável com Richard Drury, surgira um homem que não jogava de acordo com as regras dela?

Fora um choque descobrir que a mãe tinha sido infiel a seu pai. Acreditar no amor livre não significava rejeitar a crença em um amor perfeito, para a vida toda. Na infância, Phaedra concluíra que os pais tinham ficado juntos porque o amor livre facilitava reconhecer sua alma gêmea no momento que ela chegasse.

Imaginou a mãe. Bela, viva, segura de si. Mais confiante do que a filha chegaria a ser. Menos prática também. Com o passar dos anos, Artemis havia se cercado de um grupo de pessoas que aceitavam a forma como ela vivia. Seu círculo entendia a relação com Richard e o lugar dele em seu mundo.

Talvez já tardiamente, nesse fascinante espetáculo que fora a vida de Artemis Blair, um homem houvesse surgido, determinado a atravessar o fosso e escalar suas muralhas. Ela devia ter se visto sem defesas por falta de experiência em lidar com esse tipo de homem.

Exatamente como sua filha, naquele terraço ali fora.

Phaedra abraçou um travesseiro. Começava a entender o que havia ocorrido com esse amor tardio que tirara a mãe do eixo.

Um sedutor chegara, atiçando a fêmea primitiva que sobrevivia na alma de toda mulher. Ele tomara e conquistara. Influenciara, enfraquecera e, por fim, traíra.

Se houvesse se apresentado fingindo ser alguém de pensamento semelhante ao dos outros homens em torno dela, Artemis não haveria tido a menor chance contra ele.


Aquela vadia.

A frustração levava Elliot a acumular insultos contra Phaedra na manhã seguinte, enquanto terminava seu café na varanda. Considerando o trabalho infernal que seu corpo lhe dera a noite toda, ele não estava disposto a se esforçar para ter pensamentos dignos de um cavalheiro.

Tentava se contentar imaginando como Phaedra ficaria desconfortável em seu quarto quente e fechado, ao passo que ele deixara a brisa da varanda refrescá-lo. Só que, na verdade, cada vez que olhara para a porta da mulher, uma parte de si rezara para que ela se abrisse e Phaedra corresse para seus braços.

A porta não se movera. A contida, independente e pedra no sapato Phaedra Blair nunca lhe daria essa vitória. Por fim, a porta passara a representar um repúdio. Uma acusação. Uma declaração enraivecida de autocontrole. Você ousou seduzir em vez de pedir? Você tentou me dominar, logo eu, entre todas as mulheres?

Serviu-se de café. Os gemidos sensuais da ruiva ainda soavam em sua cabeça. Ainda sentia seu abraço e seus beijos longos e agressivos. Só em lembrar, já se sentia excitado de novo.

Tinha sido bom. Incrível. Onde ela havia encontrado o bom senso necessário para recuar, sem falar na força para deter a torrente que os arrebatava?

Passos leves e fugazes perturbaram a paz na varanda. Não precisava olhar para o limiar da porta para saber quem tinha chegado.

Nos poucos minutos que Phaedra levou para chegar à mesa, ele dominou a terrível raiva que acumulara ao longo da noite quente de vigília. Um último vestígio soou em sua cabeça ao saudá-la, entretanto. Você não vai se recusar na próxima vez, porque não quer isso de verdade.

A acolhida calma a deixou à vontade. Sua postura cuidadosa relaxou. Phaedra se sentou à mesa, lorde Elliot lhe serviu café e ela tomou um gole.

– Obrigada por ser tão civilizado – disse ela.

Ele não podia crer que ela realmente tocara no assunto. Pousou o cotovelo na mesa e descansou o queixo na mão. Algumas imagens sexuais muito pouco civilizadas se formaram em sua mente.

– Está se referindo a permitir que se recusasse na noite passada ou a lhe servir café esta manhã?

Uma criada entrou trazendo uma bandeja de ovos e fatias de toucinho defumado. Matthias podia ter escolhido Positano como seu lar, porém ainda oferecia um típico café da manhã inglês a seus convidados.

Phaedra pegou uma colher e, lentamente, serviu-se de ovos. Direcionava quase toda a sua atenção aos próprios gestos.

– Suponho que tenha me referido às duas coisas.

– Bem, Marsilio ou Pietro certamente teriam feito um escândalo na noite passada, discutindo e acusando até que toda a casa despertasse. Cavalheiros ingleses, contudo, são ensinados a sofrer.

Os lábios dela se franziram. Ela manteve os olhos no prato ao partir um pãozinho.

– Peço desculpas por qualquer sofrimento. Não foi minha intenção. Já que está sendo um verdadeiro cavalheiro inglês, talvez seja melhor eu não tocar mais no assunto.

– Seria o mais sensato.

Ela continuou a tomar o café da manhã devagar. Ele deveria se retirar, porém, é claro, não conseguiu. Phaedra pousou o garfo no prato e limpou a boca com o guardanapo.

– Lorde Elliot, se pretende que fiquemos mais alguns dias, então precisamos chegar a um acordo sobre o terraço.

Ela era inacreditável. Espantosa. Deveria saber que, naquele exato momento, o impulso dele era pegá-la, jogá-la por cima do ombro, carregá-la até o meio das árvores e terminar o que tinham começado. Porém, lá estava ela, negociando sabe-se lá o quê, quando uma noite insone o tinha deixado com muito menos boa vontade para fazer acordos.

– Como assim, Srta. Blair?

– Compartilhamos o terraço. Não é justo que o acesso a ele me seja negado ou que o fato de que eu o use possa ser interpretado como algo mais do que signifique de fato.

– Prometo que não interpretarei erroneamente caso a senhorita se junte a mim no terraço no meio da noite.

A promessa foi analisada com cuidado. Phaedra era esperta o bastante para entender os possíveis significados ocultos nela.

– Podemos pelo menos concordar que tenho o direito de deixar minha porta aberta sem temer que o senhor entre no meu quarto?

– Não.

– Vejo que fui muito otimista quanto a seu caráter.

– Nisso concordamos. Eu avisei.

– Lorde Elliot, eu...

– Insisto que me chame de Elliot em conversas particulares de agora em diante, Phaedra. Não se importa com a informalidade, não é? Podemos deixar de lado essa regra social estúpida. Afinal de contas, beijei seus seios nus e você gemeu de prazer.

Ela ficou estarrecida. Ele teve vontade de sorrir pela primeira vez naquele dia. Phaedra recuou e assumiu uma postura de arrogância controlada.

– Prefiro que evitemos a companhia um do outro o máximo possível, Elliot.

– Isso vai ser fácil esta manhã. Greenwood e eu vamos nos trancar em seu escritório até depois do meio-dia.

Ela se levantou.

– Então acho que vou dar uma longa caminhada e evitar os outros convidados por várias horas.

Ela se virou para ir embora.

– Phaedra.

Ela estacou e olhou por cima do ombro.

– Phaedra, exijo que prometa que não vai tentar fugir e que estará aqui no jantar.

Ela elevou a sobrancelha.

– Por causa de seu juramento ao signore Sansoni?

– Por isso também.

A expressão dela deu a entender que sabia qual era o outro motivo.

– E se eu não der a minha palavra?

– Posso amarrá-la na cama de novo. Gostaria disso?

Ela enrubesceu. Descartou a insinuação com um meneio brusco da cabeça.

– Tenho sua palavra?

– Sim, tem minha palavra, apesar de isso ser desnecessário e ridículo. Não sei nem como descer dessa montanha, que dirá descobrir como viajar para o interior.

Phaedra ergueu a cabeça e se afastou, fazendo o vestido negro ondular atrás de si.


Phaedra voltou para seu quarto e desfez as malas.

Como ele adivinhara seu plano? Não se via como uma mulher previsível, contudo lorde Elliot parecia ler seus pensamentos antes que eles nem sequer tivessem se formado.

Colocou de lado a valise vazia. Preparar-se para fugir fora um impulso nascido de uma noite de reflexão honesta sobre a forma como lorde Elliot a afetava. Ela corria enorme risco de fazer papel de boba, de se derreter toda só porque um homem lhe provocava desejo físico. Evitar completamente o desafio parecera uma boa ideia ao alvorecer.

Sentou-se e calçou as botas de cano curto. Andou até o terraço e olhou para baixo, para a cidade. Vozes chegavam da varanda embaixo dela. Outros convidados tomavam o desjejum.

Respirou fundo e invocou a mulher que sua mãe a ensinara a ser.

Decidir fugir fora covardia. Tinha se deslocado até aquela terra para encontrar respostas sobre a mãe, e algumas delas poderiam estar bem ali, naquela casa. Fazia muito mais sentido ficar e tentar confirmar as suspeitas que fervilhavam por debaixo de seus medos e vulnerabilidades em relação a lorde Elliot.


Quando Phaedra voltou à varanda, Matthias Greenwood desaparecera em seu gabinete com lorde Elliot. Randall Whitmarsh, contudo, estava sentado à mesa com a esposa. Phaedra se reuniu a eles, com a esperança de que a Sra. Whitmarsh logo pedisse licença e saísse. A conversa com Matthias tinha corrido tão bem na noite anterior que ela estava ávida por descobrir se o Sr. Whitmarsh poderia acrescentar mais alguma informação.

Infelizmente o Sr. Whitmarsh foi embora primeiro, para fazer sua longa caminhada matinal.

– A senhorita estava linda na noite passada – disse a Sra. Whitmarsh.

– Obrigada.

– Faz pensar em por que...

Seu olhar percorreu Phaedra dos pés à cabeça, examinando suas vestimentas.

Phaedra não se deu o trabalho de fornecer explicações. A Sra. Whitmarsh não era o tipo de mulher que pudesse entender a mistura de praticidade e teimosia que dera origem a essa opção excêntrica.

– O que quero dizer é que sua mãe não adotava esses símbolos externos para suas ideias singulares.

A atenção de Phaedra foi despertada.

– A senhora a via com frequência?

– Antes de nos mudarmos para Roma, meu marido costumava aceitar seus convites para jantar. Ao contrário de outras esposas, eu concordava em acompanhá-lo. Ele era fascinado por ela. Achei melhor cuidar para que ela nunca ficasse fascinada por ele também.

Phaedra não achava provável que Artemis considerasse o Sr. Whitmarsh fascinante. Porém, antes de ler as memórias, nunca poderia pensar que Artemis pudesse achar outro homem fascinante além de Richard Drury.

– A senhora teve êxito em frustrar uma ligação entre eles? Ou minha mãe teve algum carinho especial para com seu marido?

A Sra. Whitmarsh não demonstrou surpresa com a pergunta atrevida.

– Acho que fui bem-sucedida. Até muito tarde na vida, ela só teve olhos para o Sr. Drury.

– Quer dizer que, em algum momento, os olhos dela encontraram outro homem. Não meça as palavras por delicadeza. Sou a filha e, como ela, acho uma bobagem que as pessoas não falem francamente sobre esses assuntos.

A Sra. Whitmarsh deu de ombros.

– Foi fácil observar certa frieza entre seus pais no último ano de vida dela. Meu marido não percebeu, mas eu, sim. Vários homens a desejavam. Não como esposa, é claro.

O tom crítico e confiante da última frase incomodou Phaedra. Ela correu em defesa de sua mãe, apesar de Artemis não precisar de desculpas.

– Se não viu minha mãe desviar sua afeição para outro homem, tal frieza pode ter sido apenas resultado do passar do tempo e de dois amantes tornando-se amigos e mais à vontade um com o outro.

– Srta. Blair, meu marido e eu jantamos várias vezes com sua mãe, durante muitos anos. Normalmente o Sr. Drury estava presente. A familiaridade e a amizade que havia entre eles era muito clara desde o início. Ninguém precisou me contar na minha primeira visita que eles eram amantes e que você era filha do Sr. Drury. Contudo, no último ano, ele nem sempre se encontrava. E sua mãe ficava estranha na presença dele. Talvez a senhorita se considere mais inteligente do que eu, mas, quando percebo que as coisas não estão bem entre um homem e uma mulher, raramente me engano.

Sim, a Sra. Whitmarsh, que com tanto cuidado mantinha posse do marido, seria especialista nessa área da natureza humana. Será que também era observadora? Será que teria visto alguma coisa? Uma mulher que guarda um tesouro com certeza seria uma das primeiras a perceber se o pirata que ela temia tivesse voltado sua atenção para outro navio.

– Quem era o homem que se tornou objeto da atenção de minha mãe?

– Isso é um debate, em que tenho que dar um nome para que a senhorita respeite meu julgamento?

– É um questionamento sincero, de uma filha que se pergunta sobre os últimos anos de sua mãe.

A postura defensiva da Sra. Whitmarsh se desfez.

– Não sei. Só tenho certeza... certeza quase absoluta... de que não foi meu marido. Ela passou meses radiante, como se fosse jovem de novo, mas aí...

– Aí...?

– Foi como se alguém tivesse apagado a luz. Ela estava melancólica nas últimas vezes que nos vimos. Talvez, quem quer que fosse, a houvesse desapontado.

Phaedra percebera essa melancolia. Não havia entendido os motivos nem a profundidade, contudo a descrição era verdadeira. A luz se apagara.

– A senhora não está sozinha em se perguntar se ela teve um novo amor – falou Phaedra. – Alguns nomes me foram sugeridos. O Sr. Needly, por exemplo. E o Sr. Thornton.

– Needly? Bem, acho que isso pode fazer algum sentido. Ele guardava semelhanças com o Sr. Drury. Tinha a mesma natureza. E sua erudição em arte romana lhe daria algo em comum com sua mãe. Apesar de que, se me perguntassem, eu diria que os dois se estranhavam. Às vezes ele era um homem muito arrogante.

A Sra. Whitmarsh tinha amolecido com a fofoca. Ela apreciava o assunto muito mais do que Phaedra gostaria.

– Às vezes a atração pode criar rusgas.

– De fato, isso pode acontecer. Agora, o outro, Thornton... – disse, e então parou para pensar antes de prosseguir: – Ele era um pouco jovem demais para ela. Enigmático também. Entretanto estava sempre por perto. Não passava despercebido. Era bonito, até demais. Tinha presença, mas...

– Mas...?

– É difícil de explicar. Ele era maravilhoso. De deixar qualquer mulher de queixo caído. Contudo era de certa forma... obscuro. Meu marido uma vez usou essa palavra para descrevê-lo e achei apropriada. Sim, ele era obscuro de muitas maneiras.

Phaedra guardou a descrição em sua mente. Ao voltar para a Inglaterra, teria que procurar o arrogante Sr. Needly e o obscuro Sr. Thornton, além de perguntar a outros amigos íntimos da mãe se Artemis tivera um caso com um desses dois homens.

– Eu gostava dela – disse a Sra. Whitmarsh. – Não aprovava seu estilo de vida e ela sabia disso. Ainda assim, ela aceitava meus pontos de vista. Nunca permitiu que me sentisse deslocada. Era muito gentil.

– Ela estava acostumada com seus pontos de vista. Afinal, eles são os mais costumeiros. Sempre que botava o pé fora de casa, ela era a estranha. Quem dera o mundo tivesse sido tão gentil em relação a ideias diferentes quanto ela provou ser e tão aberto à companhia dela como ela era à de todos.

A Sra. Whitmarsh enrubesceu. A coloração de suas faces disse a Phaedra muito mais do que ela queria saber. Os Whitmarshs nunca tinham retribuído os convites para jantar. Artemis Blair nunca fora incluída no círculo deles e nas festas deles.

Essas confidências matinais de repente pareceram trair a memória de sua mãe. Phaedra suspeitava de que elas ecoavam as fofocas da Sra. Whitmarsh com seus amigos em salas de estar que nunca foram abertas para a intelectual que desafiava as convenções sociais.

Também teve uma amostra das fofocas que deviam correr sobre sua pessoa. Ela sabia que havia mulheres que riam dela, especulavam a seu respeito e a reprovavam, assim como havia homens que entendiam erroneamente sua liberdade. Era mais fácil ignorar essas pessoas se não tivesse que tolerar sua companhia.

Queria muito que a Sra. Whitmarsh tivesse revelado a identidade do homem que usurpara o lugar de Richard Drury. Ela não conseguira, porém suas observações não foram de todo inúteis.

Phaedra pediu licença. Deixou a varanda e tomou o caminho da ladeira que levava à cidade.


Logo depois de o sol nascer, Positano se tornava uma cidade de mulheres. Os homens que tinham condições físicas para pescar haviam saído muito antes de Phaedra começar suas atividades.

Levou um bom tempo para achar o caminho de descida pela densa rede de ruas antigas e estreitas. Mesmo com sua construção escalonada, eram bastante traiçoeiras. Phaedra desejou ter levado consigo sua sombrinha para usá-la como bastão de caminhada e se proteger do sol, que ficava cada vez mais quente conforme ia se aproximando do pico da montanha.

Mulheres e crianças paravam para vê-la passar pela rua do mercado. Ela admirou os limões e as verduras, as peças de carne de carneiro e de boi. Na esquina do mercado, alguns homens estavam sentados em cadeiras do lado de fora da taverna. Eles a olharam com curiosidade e desconfiança.

O mais jovem, um homem de cabelo escuro, vestido com uma sobrecasaca marrom elegante, tinha uma bengala apoiada na cadeira. Os outros pareciam velhos e encarquilhados. Ela supôs que tinham abandonado os rigores da pesca fazia muitos anos.

Phaedra encontrou as outras ruas principais seguindo o fluxo das pessoas. Sua presença era um pequeno espetáculo, como tinha ocorrido com a cavalgada em lombo de burro atrás de lorde Elliot. Cabeças apareciam nas janelas e olhares impetuosos acompanhavam sua caminhada.

As ruas a levaram a uma pequena piazza bem na encosta do morro. Água jorrava da boca de uma cabeça de leão esculpida em um muro baixo construído rente à rocha da montanha. Mulheres se sentavam em bancos de pedra à sombra das árvores, aguardando a vez de encherem seus jarros.

Phaedra encontrou uma vaga para descansar em um banco num local mais fresco. Olhos escuros a observaram interrogativamente. Uma moça sussurrou no ouvido de um menino e ele saiu correndo pela calçada. As mulheres matavam tempo ali depois de usarem a fonte, conversando em uma melodia expressiva, sem perder de vista a recém-chegada.

Logo outra mulher surgiu na calçada. O tecido de sua saia preta balançava com seus longos passos. Ela não se parecia com as demais mulheres.

Para começar, era loura. Seu cabelo louro-escuro estava preso em um nó na nuca, visível sob a grande aba de seu chapéu de palha preto. Ela não era tão clara quanto Phaedra, mas, em vez do bronzeado forte tão comum nessa terra, tinha um leve colorido na pele.

Phaedra se perguntou se era outra forasteira, que, como Matthias, tinha vindo morar ali. Quando a mulher se aproximou, no entanto, seus olhos amendoados, as maçãs do rosto salientes e o rosto em formato de coração revelaram que era uma nativa, mesmo que, num primeiro olhar, sua cor desse outra impressão.

A mulher se sentou no banco de Phaedra e fez algumas saudações às amigas. Phaedra tentou traduzi-las, porém as palavras se seguiam rápido e o sotaque em Positano era diferente do de Nápoles.

Ela se virou e deu uma boa olhada em Phaedra. O volume das conversas em torno delas baixou.

– Inglesa?

Phaedra assentiu.

– Elas imaginaram e mandaram o pequeno Paolo me chamar. Minha prima Julia e eu somos as únicas mulheres aqui que falam inglês. Você conheceu Julia. Ela é sua anfitriã na mansão. Você é viúva?

A conversa era entabulada em um inglês correto, apesar de a cadência e a pronúncia refletirem algum esforço.

– Não, não sou viúva.

O olhar da mulher se voltou para o cabelo longo de Phaedra.

– Não achei que fosse.

Ela olhou para a direita na rua e sorriu de forma dissimulada.

– Ah, lá vem o signore Tarpetta. Ignore-o. Ele gosta de agir como se fosse uma autoridade, mas ela só existe na cabeça dele.

O homem coxo que estava sentado no final da rua do mercado agora vinha mancando, apoiado na bengala, porém exalando presunção. Dois senhores o acompanhavam. Os três se posicionaram do outro lado da piazza.

– Meu nome é Carmelita Messina. Também não sou viúva, caso esteja em dúvida por causa de minha roupa preta.

– Meu nome é Phaedra Blair e fico feliz de conhecer alguém que fale meu idioma tão bem. Tentei falar sua língua, contudo...

Carmelita balançou a mão, dispensando as desculpas.

– Aprendi um pouco de inglês em Nápoles. Morei lá vários anos com Julia e seu falecido marido – explicou Carmelita, e então fez um sinal, apontando com o queixo para o signore Tarpetta, que as observava com atenção, apesar de conversar com os dois senhores. – Ele não gosta quando hóspedes da mansão descem até aqui. Tem medo de que vocês possam corromper seu pequeno reino.

– Os hóspedes descem com muita frequência?

– Somos apenas camponeses pitorescos para a maioria deles. Somos as pessoinhas nos cantos das pinturas sentimentais.

– Nem mesmo o signore Greenwood se mistura com vocês?

– Às vezes. Ele fez várias visitas no ano passado. Uma das vezes, ao voltar, levou Julia com ele – confidenciou, antes de lançar um olhar de escárnio para Tarpetta e acrescentar: – Ele tinha esperanças de se casar com ela. Faz muito alarde de que não a quer mais agora, mas todo mundo sabe que bastaria ela fazer assim – e ela estalou os dedos – que ele iria rastejando.

A conversa delas tinha atraído uma pequena plateia, e risadinhas vinham das mulheres que tinham se aproximado mais.

Carmelita olhou para Phaedra de novo.

– Uso preto para demonstrar luto pelos carbonari que morreram quando o rei matou a república. Se não é viúva, por que está de luto?

– Estou de luto pelo meu pai, porém não é esse o motivo da roupa. O preto não mostra sujeira tão rápido.

Carmelita traduziu para a plateia. Cabeças assentiram.

– Você não prende o cabelo nem usa véu. Tive dúvidas se não era uma puttana, mas não acho que seja, porque as amantes que vêm com os homens que visitam a mansão lá em cima estão sempre na última moda. Talvez você faça isso para apontar o dedo na cara de homens como o nosso Tarpetta lá?

– Talvez sim.

Phaedra olhou para a baía distante lá embaixo.

– O Sr. Greenwood recebe muitos hóspedes? Chegam barcos especiais só para trazê-los para a mansão?

– Sempre há hóspedes e alguns deles vêm com muita frequência. Ele tem muitos amigos, o signore Greenwood. Ele não é um de nós, mas muitos aqui lucram com o dinheiro que ele gasta.

– Como a família dos garotos que encontraram a estatueta antiga?

– Não ouvi falar de estatueta. As famílias gostam de manter essa informação em segredo, para que, se houver outras, fiquem só para elas. Ele gosta de coisas antigas, o signore Greenwood.

Carmelita notou de novo os homens que as observavam.

– Eles não estão gostando nada de ver você sentada aqui por tanto tempo, então espero que fique ainda mais. Conte-nos de sua vida na Inglaterra, Phaedra Blair. As mulheres pararam de levar água para casa só para ouvir algumas histórias suas.

Carmelita precisava traduzir toda a conversa e as mulheres sorriam e davam risadinhas quando ela o fazia.

Uma jovem que não passava dos 18 anos se aventurou mais perto. Com cuidado, esticou a mão e tocou o cabelo ruivo de Phaedra.

Phaedra não se importou com a proximidade, porém outra pessoa, sim. Uma voz masculina ladrou. Do outro lado da piazza, um dos senhores deu um passo à frente. Ele ralhou e fez um gesto para que a garota fosse até ele.

Com a cabeça baixa e os olhos temerosos, a jovem correu até lá. O homem a agarrou pelo braço e a empurrou para a calçada, levando-a embora.

– É o sogro dela – disse Carmelita. – Vai dizer para a família que ela fez amizade com a amante de um forasteiro que desceu da mansão.

Phaedra não quis pensar no destino da moça se a história enraivecesse o marido. As expressões cautelosas que de repente surgiram nos olhos das outras mulheres a entristeceram.

– Não quero causar problema para nenhuma de vocês.

Ela começou a se levantar.

A mão firme de Carmelita segurou seu braço.

– Não há mudança sem problemas. Essas mulheres não sabem nada do mundo fora deste litoral, e minhas histórias de Nápoles estão ficando velhas. Conte-nos de sua casa e como se tornou uma mulher que se aventura sozinha em uma terra estranha, parecendo uma meretriz de luto que não teme a mão de homem nenhum.


Phaedra ficou por uma hora na fonte, aproveitando a companhia feminina. Ela contou a Carmelita e às outras sobre sua vida e como vivia sozinha e livre em Londres. Com o passar do tempo, a torrente de palavras estrangeiras começou a fazer algum sentido para ela. Chegou a compreender algumas das perguntas dirigidas a ela antes de serem traduzidas.

Do outro lado da piazza, o signore Tarpetta observava. Alguém lhe trouxe uma cadeira, para que pudesse se sentar e descansar a perna. O alegre grupo de mulheres não se importava com sua desaprovação. Ele podia até se considerar uma autoridade, contudo ficou claro para Phaedra que as mulheres obedeciam a outro nome: Carmelita Messina.

Por fim, as mulheres se afastaram, carregando água e conversando animadamente umas com as outras.

– Os maridos logo voltarão nos barcos. Elas têm que preparar o almoço – explicou Carmelita.

Phaedra se levantou.

– Obrigada por se juntar a nós – agradeceu. – Assim pude conhecer as mulheres daqui. Vou descer até aquela torre antes de voltar para a mansão.

– Vou acompanhá-la, senão talvez não encontre o caminho até lá. Se Tarpetta nos seguir, finja que ele não está lá. Ele seria um tolo se fizesse isso tendo aquela perna, mas o homem já provou muitas vezes que é estúpido.

Tarpetta provou isso mais uma vez naquele dia. Phaedra achou que ele tivesse desistido de segui-las até que ela e Carmelita chegaram ao caminho do promontório, quando então o viu mancar na direção do cais para não perdê-las de vista.

– Como ele machucou a perna?

Carmelita atravessou o portal na entrada da torre.

– Ele foi soldado e estava entre os que foram atrás do marido de Julia na nossa casa em Nápoles. Ele nos traiu. Nós resistimos, apesar de ser inútil. Acertei-o com uma frigideira de ferro pesada, bem aqui – explicou, apontando para o próprio joelho. – Teria sido melhor se eu tivesse mirado na cabeça.

– Então agora ele a segue por toda parte?

– Ele está seguindo você, não a mim. Mas ele me odeia, porque fui eu quem promoveu o encontro do signore Greenwood com Julia. Ela ficou sem nada depois que o marido foi executado quando a república acabou.

– Se é por ciúmes, ele deveria odiar Greenwood, não você.

Carmelita ia à frente na subida sinuosa da escada de pedra.

– Ele não ousa odiar Greenwood. Como muitos outros, ele lucra com o dinheiro do inglês.

Elas seguiram até o alto da torre, onde havia um cômodo quadrado. Pequenas janelas vazavam duas paredes opostas. Uma dava para o mar e a outra, para a montanha.

– Esta era para vigiarem o mar e evitarem ataques de árabes e piratas pelo porto – explicou Carmelita. – Agora, esta a leste aqui... eles vigiavam outra coisa, não? Um exército vindo pela montanha ou problemas na cidade.

Phaedra olhou para a janela a oeste. A vista do mar era infinita, quilômetros de litoral de um lado e de outro. Ela se moveu para a janela a leste. O sol se elevara na reta do pico da montanha.

Aquela torre fora construída por questões militares. Nas alvoradas, em pleno verão, contudo, o sol devia nascer alinhado com aquela janela.

Não havia muito mais a explorar naquela torre de vigia. As paredes de pedra se erguiam e se curvavam para formar o teto, parecido com as antigas igrejas normandas em sua terra natal. Exceto por um cobertor no chão, estava vazia e surpreendentemente limpa.

Carmelita empurrou o cobertor com o pé e revelou a esteira de palha que estava debaixo dele.

– Este lugar é frequentado por namorados – disse. – Há anos, esta torre recebe visitantes noturnos.

Quando ela e Carmelita reapareceram do lado de fora, a figura esguia e firme do signore Tarpetta ainda podia ser vista no cais.

– Como ele lucra com o dinheiro do Sr. Greenwood?

– Não sei. Mas ele vive bem e não tem renda além da pequena pensão que recebe do Exército. Eles se conhecem. Dá para ver isso na forma como se cumprimentam nos raros momentos em que se encontram. Greenwood talvez o pague para se assegurar de que não vamos perturbar seus amigos importantes, ou, quem sabe, só para ele ficar longe de Julia.

Ela deu de ombros.

– Venha, vamos procurar um burro de aluguel para levá-la de volta. Nem eu aguento subir tudo isso a pé.

No momento em que desciam o promontório, lorde Elliot surgiu no cais. De repente, o braço do signore Tarpetta e os olhos de dois homens se dirigiram para elas.

Lorde Elliot desceu de novo para o cais e se dirigiu para o norte para interceptá-las.

– Quem é aquele? – perguntou Carmelita. – Seu namorado veio buscá-la?

– Ele não é meu namorado.

Phaedra sentiu o rosto queimar.

Carmelita deu uma gargalhada.

– Mas ele bem que gostaria, não? E é tão bonito que você ficou tentada, eu acho. Veja a expressão séria dele enquanto fica lá, esperando por você. É melhor olhar por onde pisa com esse aí, Phaedra Blair.

Phaedra apresentou Carmelita a lorde Elliot assim que o alcançaram. Ele respondeu com gentileza, porém não conseguiu esconder seu desagrado.

– Você nos deixou preocupados, Srta. Blair. Não é aconselhável vir para a cidade sozinha.

O tom de lorde Elliot beirava a censura.

– Duvido que alguém que visite esta cidade corra algum risco.

Lorde Elliot olhou para Carmelita.

– Sou grato por oferecer ajuda e companhia à Srta. Blair.

– Não preciso nem de ajuda nem de companhia – rebateu Phaedra. – Contudo fico feliz de ter feito uma amiga e espero vê-la de novo, Carmelita.

Ainda teso de irritação, lorde Elliot se dirigiu a alguns garotos para alugar burros e voltarem para a mansão.

– Vou deixá-la agora para que possa lidar com esse homem – brincou Carmelita. – Se precisar de uma frigideira de ferro, é só falar.


CAPÍTULO 9

– Escreverei a carta para o superintendente esta manhã – prometeu Matthias. – Apesar de que as cartas de apresentação que trouxe da Inglaterra devam bastar. Talvez eu seja presunçoso em achar que a minha agilizará seu acesso aos sítios das escavações.

– Você o conhece pessoalmente. Ficarei feliz em ter uma carta sua.

Elliot se esforçava por manter pelo menos metade de sua mente nos preparativos para a visita a Pompeia. A outra metade continuava no terraço acima da varanda.

Na noite anterior, Phaedra deixara as portas abertas.

Fizera isso como provocação? Uma declaração de indiferença? De certeza ele só tinha que não fora um convite.

Elliot fumou um longo charuto no terraço à noite, olhando para a escuridão por entre as persianas abertas, incapaz de dominar a tentação que a proximidade dela causava. Os únicos sons que vinham lá de dentro eram os suspiros suaves de uma mulher satisfeita, dormindo muito bem, obrigada.

Por fim, se retirara para o quarto, em uma tentativa de aplacar os impulsos cruéis que aquela mulher incitava. Quando o sono por fim o aliviou, foi um sono profundo, longo, que durou até depois do amanhecer. Ao acordar, descobrira que Phaedra havia desaparecido.

Ela deixara a mansão de novo. Ele lhe mandara não fazer mais isso. Após procurar por Phaedra na véspera, estipulara algumas regras. Ela as desobedecera logo, sem perda de tempo.

– Se preferir, a Srta. Blair pode ficar aqui enquanto você vai a Pompeia – disse Matthias casualmente.

Casualmente demais, como se entendesse o que distraía seu ex-aluno.

– Ela está determinada a ir também.

– Ela não precisa ir em sua companhia. Está claro que ela o atormenta. Posso acompanhá-la, em separado, para poupá-lo do inconveniente. Quanto à questão que me contou sobre Sansoni, tenho certeza de que ele aceitaria minha autoridade para representá-lo, se é que algum dia ficaria ciente da troca.

– Tenho certeza de que ele não aceitaria. Dei-lhe minha palavra em juramento. Estou preso a ela por toda a viagem.

A palavra dada a Sansoni não tinha muito a ver com sua recusa à oferta de Matthias. Naquele momento, a necessidade de controlar os planos de Phaedra para as memórias do pai também não afetava sua decisão. Não diretamente, pelo menos, apesar de tudo estar ligado. O tormento causado pela Srta. Blair tinha assumido outros tons. Ele queria ter poder sobre muito mais do que quando ou como ela publicaria um livro.

– Já que está determinado a mantê-la com você, permita-me sugerir algumas hospedarias que seriam adequadas para uma mulher respeitável.

Com isso, Matthias iniciou uma ladainha sobre instalações em cada cidade.

No final das recomendações, a atenção de Elliot foi desviada para a montanha. Whitmarsh chegava a pé da cidade, o rosto vermelho pelo esforço.

– Muito íngreme, mesmo para você, não, Whitmarsh? – disse Matthias. – Agora entendo por que demorou tanto a chegar de seu exercício matinal.

Whitmarsh se inclinou, as mãos nos joelhos, dando tempo para recuperar o fôlego. Com um aceno dele, Matthias se calou para ouvi-lo:

– Problema... a cidade... torre...

Frustrado por seus pulmões se recusarem a colaborar, apontou para a parte mais baixa do morro.

Elliot e Matthias foram até ele. Elliot olhou para baixo. A cidade estava movimentada, com muita atividade. Ele se concentrou na torre. Um grupo grande se reunia no caminho do promontório.

Whitmarsh inspirou várias vezes, recompondo-se.

– Essa montanha pode matar, se você quiser correr.

– É por isso que não se deve correr – entoou Matthias. – Por que fez isso?

Whitmarsh apontou de novo.

– A Srta. Blair está lá embaixo, naquela torre. Querem prendê-la.


Aquela mulher seria o seu fim.

Elliot subiu correndo para o quarto a fim de procurar o revólver, de forma que seu pensamento não se tornasse verdade. Quando voltou, viu que Whitmarsh conferia a própria arma.

– O que será que ela fez? – refletiu Matthias enquanto desciam pelo morro.

Elliot podia imaginar.

– Até onde posso dizer, eles a consideram uma bruxa ou algo assim – disse Whitmarsh, inspirando fundo várias vezes.

Ele não tinha se recuperado totalmente da subida e agora a descida também exigia bastante.

– Droga! – xingou Elliot.

– Nosso objetivo é claro, cavalheiros – declarou Matthias. – Não podemos deixar que a prendam. Com Sansoni doido para arrumar problema, como você disse, Rothwell, e as noções primitivas de religião e justiça deste lugar, se eles a pegarem, as coisas podem sair do controle.

A inspiração profunda de Elliot teve pouco a ver com a rapidez com que desciam a ladeira para chegar à baía e à torre. Se Phaedra não fosse tão teimosa e tivesse ficado na mansão, três homens não estariam agora correndo desabalados para se meterem em problemas.

Sua raiva era pouca perto da outra reação que pesava como chumbo em seu peito. Não estavam em Londres, mas em uma cidadezinha montanhosa e isolada em um país estrangeiro. A postura e as vestimentas de Phaedra a tornavam vulnerável. Não havia nada de cômico em relação à acusação de bruxaria neste lugar. Ela corria perigo real.

Chegaram às ruas mais baixas e cortaram caminho pela piazza na frente da igreja de Santa Maria. Carros recém-pintados e decorados estavam lá, prontos para a procissão de San Giovanni na manhã seguinte.

Matthias foi na frente, mostrando o caminho no contorno da baía. Um ajuntamento de homens bloqueava o caminho para o promontório. Dessa vez a plateia masculina não era só de velhos e enfermos. Alguns dos pescadores tinham decidido que a cena na torre era mais interessante do que jogar suas redes ao mar.

Os homens estavam inflamados. Xingamentos se faziam ouvir. Olhos escuros flamejavam. Mãos faziam gestos por toda parte. Um homem bem-vestido estava de pé no centro da multidão, com o peso apoiado em uma bengala grossa, instigando os outros.

Matthias inclinou a cabeça, prestando atenção ao que ouvia.

– Ela foi vista na janela na alvorada – sussurrou. – Rezando para o sol nascente ou algo assim. Tarpetta, o manco que está ali, também a viu na cidade ontem, tentando corromper as mulheres. Pelo que entendi, ele a está acusando de bruxaria, meretrício e heresia.

– Heresia? – repetiu Whitmarsh.

– Vamos abrir caminho pela multidão – disse Elliot. – Whitmarsh, devemos manter as armas ocultas por ora.

Com posturas militares, abriram caminho até a frente da turba. Sua presença não fez nada para acalmar a situação.

Uma cena digna de ópera esperava no promontório. Os homens haviam se amontoado no limite da cidade porque o caminho para a torre estava bloqueado por um grande grupo de mulheres. Elas estavam agitadas também e prontas para a briga. Todas tinham arrancado o lenço ou o véu da cabeça e soltado os cabelos.

Carmelita Messina estava ao fundo, posicionada como se fosse a última linha de defesa. Com os cabelos louros soltos e o vestido preto esvoaçando, ela parecia a sacerdotisa da religião de Phaedra.

Segurava uma frigideira de ferro grande e rasa na mão. Às vezes brandia a arma na direção de Tarpetta, que não aceitava os insultos de bom grado.

Um único homem estava de pé entre os dois grupos: o padre da cidade, que mantinha os braços levantados, um em cada direção, como se sozinho pudesse evitar que as duas ondas de raiva colidissem.

– A coisa está bem animada – disse Whitmarsh secamente.

Infelizmente, também estava perigoso. Elliot olhou para o alto da torre. Ao mesmo tempo, Phaedra olhou por uma janela. Ela o viu e ele tentou lhe transmitir confiança.

– Vamos tentar resolver tudo em paz, Greenwood – propôs Elliot.

Com coragem, Elliot se postou entre as duas turbas e foi se aproximando do padre, tendo Matthias a seu lado.

Enquanto Greenwood conversava com o padre, a ira dos homens não parava de chegar aos ouvidos deles. As notícias não eram nada boas.

– A acusação de bruxaria se deve ao ritual com o sol, que aconteceu no pior momento possível. Estamos no solstício – relatou Matthias. – A acusação de meretrício foi feita em termos gerais. A aparência dela, o fato de ter ido sozinha à cidade, coisas assim. Infelizmente, os homens consideram que o apoio das senhoras só confirma a má influência que a Srta. Blair representa sobre elas. Pelo que entendi, houve algumas conversas incomuns nos quartos desta cidade na noite passada.

– E a heresia? – questionou Elliot.

– A Srta. Blair tentou explicar a história com o sol com mais detalhes do que seria sensato. Dissertar sobre os pontos comuns entre as religiões do mundo provavelmente não a ajudou muito.

Elliot imaginou uma acusação sendo transmitida pelas mulheres a Carmelita e então traduzida para Phaedra. Depois visualizou uma longa explicação voltando pela mesma corrente, frases e mais frases longas, tendo um pouco de seu sentido alterado conforme passava a cada elo, até chegar aos homens. Era espantoso que a acusação fosse heresia, em vez de loucura.

O padre era um homem idoso, de cabelo branco e rosto suave. Estava aflito com a situação de descontrole na cidade. Conversou com Matthias e, por fim, juntou as mãos em prece, balançando-as juntas como se assim fortalecesse o pedido.

Elliot entendia muito bem o padre.

– Diga-lhe que não vou deixar a Srta. Blair ao capricho de uma turba.

– Ele está certo de que nossa presença só serve para inflamar ainda mais os ânimos, Rothwell – alertou Matthias. – Os homens acham que usurpamos seu poder e as mulheres, bem, elas não têm boa impressão de homem nenhum neste exato momento.

A última parte era verdade. As mulheres o olhavam como se fosse o inimigo. Lançavam provocações inflamadas que eram sem dúvida insultos. Se ele conseguisse passar por elas, Carmelita da Frigideira de Ferro o esperava.

Elliot recuou e puxou Matthias para o lado assim que conseguiram passar de novo pelo grupo de homens.

– Preciso chegar lá no alto e falar com ela.

– A torre foi construída para defesa. Só há duas maneiras de chegar lá. Por esta faixa de terra ou por mar.

– Então vou ter que chegar por mar.


Phaedra espiou pelo canto da janela. A arruaça lá embaixo continuava. Sempre que os homens pareciam perder o interesse, o signore Tarpetta os incitava a continuar.

Elliot, o Sr. Greenwood e o Sr. Whitmarsh tinham ido embora. Provavelmente esperavam que essa pequena chama se extinguisse por si só. Era o que ela esperaria também, depois de o padre chamar os manifestantes à razão. Infelizmente, Phaedra desconfiava de que o conflito não se dera por haver uma inglesa estranha na torre naquela manhã.

O problema envolvia outras questões. Práticas antigas e eventos recentes colocaram lenha na fogueira. Phaedra se preocupava se as mulheres pagariam caro nos próximos dias por essa rebelião, mesmo que ela própria fosse poupada.

Tinha esperanças de que Carmelita não pagasse com a própria liberdade. Admirava a mulher loura que brandia sua frigideira de ferro, num gesto que anunciava não se tratar de uma pessoa indefesa e, além disso, garantia que Tarpetta se lembrasse de seus próprios crimes e de por que ela não permitiria que a cidade se curvasse ao poder dele.

Era tudo culpa de Tarpetta. Ele a vira na cidade ao amanhecer. Provavelmente a seguira e a avistara na janela que dava para o leste na torre quando o sol atingiu o topo da montanha.

O sol tinha se movido bastante desde então, contudo o confronto lá embaixo não parecia perto de acabar.

Ela correu para a janela a oeste. Carmelita a advertira a respeito de um ataque por mar. Um barco se aventurara nos arredores avaliando essa abordagem havia uma hora, porém ela jogara pedras soltas da construção e o desencorajara.

Outro barco se aproximava agora. Não vinha do cais de Positano, e sim do oeste, como se chegasse de Capri em visita à torre normanda.

Três homens estavam de pé na proa, enquanto criados da mansão remavam. Elliot, Whitmarsh e Greenwood tinham corrido em seu resgate.

Levaram a embarcação o mais próximo possível da torre. O Sr. Whitmarsh acenou. O Sr. Greenwood a chamou. Elliot quase sorriu, mas sua boca não passou de um risco tenso.

– Agora você entende o que eu quis dizer, Rothwell. Se fosse fácil acessar a torre pelo mar, ela seria inútil para proteção – disse Greenwood.

– De qualquer forma, está um dia esplêndido para um passeio de barco – falou Whitmarsh. – Parece que ninguém pensou que tentaríamos essa estratégia. O cais permanece vazio.

Whitmarsh olhou para Phaedra lá no alto:

– Essa janela parece mais longe ainda daqui. Trouxemos alguns víveres, Srta. Blair, porém duvido que nosso plano de levá-los até aí funcione.

Uma onda de gritos chegou à torre vinda do outro lado. Phaedra correu até lá e olhou para baixo. Os homens tinham se aproximado muito do padre. A massa de mulheres se compactara.

Ela voltou para a janela que dava para o mar.

Elliot se curvou. Ao se levantar, exibiu uma corda grande com um gancho na ponta.

– Afaste-se, Srta. Blair. Entre na torre. Se eu conseguir mandar o gancho até aí, prenda-o o melhor que puder.

– Lorde Elliot, não acho que você conseguirá...

O olhar dele a silenciou. Ela foi para o outro lado da torre.

Por três vezes ouviu o barulho alto de metal atingindo a pedra, seguido pelo som de algo caindo pesado na água. Parecia que o plano deles não iria funcionar.

De repente o grande gancho de ferro apareceu na janela, subindo muito, e depois começou a cair. Uma de suas três hastes agarrou no peitoril da janela e parou.

Phaedra correu para lá, soltou-a e a deslizou pelo peitoril até encontrar um sulco profundo entre as pedras da parede onde prender o gancho.

Olhou para o mar. Os três homens puxavam a corda para testar sua segurança. Satisfeito, lorde Elliot pulou do barco para a estreita faixa de areia. Whitmarsh lhe entregou duas cestas.

– Mande primeiro a comida – pediu ela. – Não comi nada hoje.

– Com certeza você imaginou que o deus sol não podia esperar – provocou Elliot ao prender a alça da cesta na corda. – Na infância, quando eu desobedecia a meus pais, era mandado para o quarto sem jantar. Talvez um pouco de fome seja adequado para a senhorita hoje.

Ela deu um pequeno puxão na corda:

– Não vamos ser descuidados por pressa. E precisamos manter nosso senso de humor.

A cesta permaneceu imóvel por um momento, irritando-a, mas logo Elliot a soltou. Phaedra puxou a corda para cima até chegar à alça da cesta. Examinou seu conteúdo e jogou a ponta de volta.

– É um banquete e tanto. Vinho, presunto, pão e figos.

– Espero que goste. Se os homens da cidade tivessem conseguido chegar até aí, você só comeria macarrão e banha de porco pelos próximos dez anos, isso se não a enforcassem de imediato.

Elliot agarrou a extremidade da corda e começou a atar a outra cesta.

– Há cobertores e outros itens de primeira necessidade aí dentro.

Um rugido veio do outro lado da torre. Elliot olhou para cima.

– O que está acontecendo?

Ela correu para a outra janela, depois voltou para contar.

– Se for para aproveitar meu banquete, temo que precise fazê-lo bem rápido. O signore Tarpetta está ordenando que o padre saia do caminho.

– Puxe isso para cima logo e depois mande a corda de volta.

O barulho que entrava pela outra janela fez com que ela puxasse a corda o mais rápido possível. Depois que soltou a cesta, mandou a corda para baixo e correu mais uma vez para a janela que dava para leste.

O padre tinha ido embora. A linha de frente dos homens estava cara a cara com a das mulheres. Os flancos do exército de mulheres já tinham se rompido. Uma derrota se aproximava.

Phaedra voltou para a janela que dava para o mar. Greenwood apontava para a costa.

– Entraremos por ali e chegaremos à linha de batalha em minutos – disse ele a Elliot.

– A questão está ficando difícil no promontório – gritou ela para baixo.

– Mantenha-se firme, cara dama – bradou Whitmarsh em resposta. – Greenwood tem alguma influência na cidade e Rothwell está armado. Em breve estará em segurança.

Se planejavam entrar na luta que estava prestes a começar, Phaedra não contava com a vitória deles. Duvidava de que seus piratas ingleses fossem golpear e atirar para salvá-la, e sem isso ficariam em desvantagem numérica.

Elliot olhava a parede da torre e avaliava a estreita faixa de areia sob suas botas, na base, e as grandes rochas posicionadas de forma a desencorajar os barcos.

– É bem alto. Não posso me arriscar a que você caia se tentar descer pela corda. Se a água fosse mais profunda...

Ele ainda calculava e falava sozinho quando levantou as mãos, agarrou a corda e começou a escalar.

– O quê? Rothwell! Cuidado para não ser você a cair – alertou Greenwood.

Phaedra gelou quando gritos chegaram do promontório. Não foi até lá para ver o que estava acontecendo. Não conseguia tirar os olhos de Elliot pairando acima do mar, cada vez maior ao se aproximar pela corda, com o corpo e o rosto tensos do esforço.

Ela podia imaginar que a batalha não ia bem para as mulheres no promontório, o que significava que não ia bem para ela. Esticou a cabeça para fora da janela e contou a lorde Elliot o que acontecia.

Ele xingou e encontrou novas forças. Um som estranho começou a chegar pelas escadas. Parecia uma frigideira de metal atingindo algo mole. A voz de Carmelita clamava aos santos para ajudá-la e o som se repetia. Um homem grunhiu.

– Eles romperam o cerco à torre, lorde Elliot – gritou Phaedra, abaixada entre as cestas. – Suponho que não tenha posto uma arma junto com a comida ou os cobertores, para que eu pudesse exercer uma última resistência?

– Você sabe usar armas? – perguntou ele, a voz próxima e cansada.

Phaedra olhou para cima e o viu na janela. Os braços dele estavam apoiados no peitoril e seus dedos se agarravam na beirada interna.

– Posso usar uma arma, se tiver que fazê-lo.

Ajudou-o a subir agarrando-o pelos ombros e pelas calças. Ele se agarrou ao corpo dela em busca de apoio.

Finalmente, Elliot caiu na parte de dentro da torre. De um salto, pôs-se de pé com a agilidade de um gato. Do lado de fora, Greenwood ordenava a seus criados que remassem forte para contornarem a ponta do promontório.

Elliot sacou um revólver de seu casaco surrado.

– No caminho até aqui, Whitmarsh me presenteou com histórias sobre injustiças nas cidades deste país. Seria estúpido de nossa parte não levar a sério o perigo. Fique aqui. Não me siga. Se achar que a situação piorou, arrisque-se a descer pela corda e enfrentar o mar.


Elliot não desceu as escadas em silêncio. Deixou que todo o seu aborrecimento se traduzisse em passos estrondosos. Sua aproximação silenciou os homens embaixo.

Quando fez a última curva da escada, encontrou Carmelita Messina no degrau inferior, com a frigideira de ferro em riste. Quatro homens a ameaçavam, porém naquele momento a atenção deles se concentrou em Elliot, não nela.

Carmelita olhou por cima do ombro e percebeu seu revólver. Elliot não conseguiu chegar à conclusão se ela ficou aliviada ou aborrecida.

Passos também pesados, mas irregulares, soaram do lado de fora do portal. O signore Tarpetta apareceu sob ele. Endireitou-se em postura militar ao ver a arma.

– O senhor interferiu – começou ele.

– A Srta. Blair está sob minha autoridade e também sob minha proteção.

Tarpetta empinou o nariz e o olhou com desdém.

– O senhor não exerce a autoridade sobre suas mulheres muito bem.

Elliot não pôde contestá-lo.

– Sou muito melhor na parte da proteção – contrapôs e apontou a arma diretamente para Tarpetta. – Diga a todos para irem para casa.

– Ela infringiu nossas leis.

– Ela não infringiu lei nenhuma – argumentou Carmelita. – Apenas ofendeu as leis de um homem que se considera um reizinho.

– Vê o problema que ela causou? Ela enfeitiçou as mulheres e realizou rituais pagãos. Nós não permitimos esses crimes em Positano.

– Ouçam só! – zombou Carmelita com uma risada estridente. – Ele até fala como rei. O “nós” quer dizer “ele”.

Elliot não estava com ânimo para discussões. Brandiu a arma e ordenou:

– Todos fora desta torre. Signorina Messina, por favor, traduza o que vou dizer.

Tarpetta saiu da torre. Os homens e Carmelita o seguiram. Elliot foi por último. Ao sair, um som nas escadas o fez olhar para trás. Uma mecha de cabelo ruivo flutuava próximo à parede da escadaria.

As mulheres tinham ido embora. Elliot encarou os remanescentes da batalha, vinte homens que ainda não estavam satisfeitos.

O revólver dele os impressionou. Enquanto falava e Carmelita traduzia, o barco de Greenwood alcançou a parte de trás do promontório e Greenwood desceu no banco de areia.

– Sou lorde Elliot Rothwell, irmão do marquês de Easterbrook – disse. – Recebi dos oficiais do tribunal do seu rei a responsabilidade de proteger a Srta. Blair. Se algum de vocês a machucar, há de se haver comigo. Ela não é bruxa, nem herege, nem meretriz. Não há provas que sustentem essas acusações e os senhores têm a minha palavra de cavalheiro que suas suspeitas são infundadas.

Carmelita fez uma tradução muito longa. Dos pontos essenciais que Elliot pescou e pelas expressões nos rostos dos homens, ele suspeitou que ela houvesse enfatizado as palavras lorde, marquês e tribunal.

Matthias chegou quando ela terminava. Tarpetta, reconhecendo que seu grupo perdia força, mancou na direção dele. Os dois homens tiveram uma conversa particular.

Tarpetta foi embora. Os outros homens decidiram que era uma boa ideia bater em retirada com seu líder.

Greenwood se aproximou da torre.

– Você tem minha gratidão, Greenwood, pelo que quer que tenha dito a ele.

– Você não entendeu direito. Nós não os vencemos – explicou Greenwood. – Eles vão mandar alguns homens a Nápoles em busca de orientação e também para pedir ajuda ao Exército.

Carmelita jogou as mãos para o alto, num gesto de exasperação.

– Imbecis.

Tarpetta estava voltando para a cidade, porém dez de seus homens tinham parado na extremidade do promontório.

– O que eles estão fazendo lá? – perguntou Elliot.

– Montando guarda – disse Greenwood. – Não vão tentar entrar na torre, porque você está armado, contudo não vão deixar que a Srta. Blair saia até receberem ordens de Nápoles. Imagino que haverá um ou dois barcos vigiando do mar esta noite também.

Elliot conteve um xingamento. O santuário de Phaedra tinha acabado de virar uma prisão.

– Vamos vigiá-los enquanto eles montam guarda, para que não haja violação dessa trégua – prometeu Carmelita.

– Não martirize as mulheres em seu afã de combater aquele homem – disse Elliot para ela. – Agradeço por sua ajuda, porém temo que o preço pago por suas amigas já será alto o bastante. Deixe comigo agora.

Carmelita Messina deu tanta atenção ao que ele disse quanto Phaedra Blair daria.

– Vamos vigiar. Algumas de nós, viúvas e tal, as que não vivem sob o jugo de ninguém. Confio em seu revólver para manter a paz e em que o signore Greenwood use sua influência com aquele homem para acabar com essa confusão antes do pôr do sol.

Ela se foi, juntando o cabelo em um nó ao se afastar.

– Ela fala como se você pudesse resolver isso se quisesse – disse Elliot para Matthias.

– Carmelita está interpretando mal minha influência aqui. Contudo tentarei chamar Tarpetta à razão quando ele se acalmar, apesar de conhecer o homem somente de vista.

– Veja se ele aceitaria suborno.

Matthias deu um sorriso largo e forçado.

– Quanto ela vale para você?

Elliot guardou o revólver e caminhou para o portal.

– No momento, estou tentado a pagar para que ele a tire das minhas vistas.


CAPÍTULO 10

Pela janela, Phaedra observava a conversa de Elliot e Matthias. Não podia ouvi-los, porém seus rostos sérios indicavam que estavam traçando planos.

Um pequeno grupo formava um círculo no final do promontório. Outros quatro homens tomaram um barco de pesca no cais e zarparam.

Matthias se afastou. A torre ecoou o som de botas subindo os degraus de pedra.

Elliot entrou no cômodo. Ela continuava preocupada com a atividade lá embaixo, ainda assim deu uma boa olhada na direção dele. Sua expressão revelava preocupação e aborrecimento. Phaedra achou a inquietação charmosa, até mesmo lisonjeira. E teve esperança de que a raiva passasse logo.

– Você está em segurança por ora.

Elliot pôs o revólver no chão em um canto para evitar acidentes. Pegou um odre da cesta e o segurou no alto. Um jorro de água fluiu para sua boca.

Os olhos dela se grudaram no fluxo de água pura. Sua garganta se estreitou. Não tinha bebido nada desde antes do raiar do dia.

Elliot notou o interesse e caminhou na direção dela.

– Incline a cabeça para trás.

Ela obedeceu e abriu a boca. Um jorro frio e lento aliviou sua sede.

Phaedra secou a água de seus lábios com a mão.

– Achei que esses odres só continham vinho.

– Os outros, sim. Se tomarmos aos poucos, este nos bastará pelo tempo necessário.

Tempo necessário? Ela olhou de novo pela janela. Percebeu o significado dos homens postos na extremidade do promontório.

– Não posso sair, não é? O que aconteceu?

Ele explicou sobre a ida dos homens a Nápoles. Lembranças do odioso Sansoni invadiram a mente de Phaedra. No silêncio que se seguiu à explicação, o ar ficou mais pesado com o possível perigo à espreita e o peso dos problemas que já enfrentavam.

Lorde Elliot olhou por cima da cabeça de Phaedra para a cidade lá embaixo. Ele pareceu distraído, como se sua mente estivesse ocupada com algo muito distante.

– Você me desobedeceu – disse, provando que os pensamentos tinham tudo a ver com ela. – Você desceu as escadas.

– Ninguém me viu. Com você entre mim e o perigo... Foi uma desobediência pequena.

– Você me desobedeceu antes, ao vir para esta torre. Disse-lhe para permanecer na mansão.

– Não esperava ser vista na torre.

– Só que foi. Um ritual pagão, nada menos do que isso. Nesta terra, pior do que em qualquer outra.

– Não houve ritual nenhum. Nenhuma reza para o deus sol. Tarpetta simplesmente me viu na janela quando o sol nasceu. Não estava erguendo minhas mãos em oração. Estava protegendo meus olhos da luz forte, para que pudesse avaliar a posição exata do sol.

– Não me importo com o que estava fazendo. Foi descuidada com sua segurança e reputação. O resultado foi uma batalha entre os homens e as mulheres desta cidade e sua prisão nesta torre.

Elliot ficava mais exaltado a cada palavra.

– Também nem pense em falar agora de sua sagrada independência. Acabo de escalar a parede de uma torre e ameaçar de morte homens com quem não tenho nenhum problema. Talvez eu até tenha que matar algum, tudo por causa de sua maldita teimosia.

– Só fiz uma visita a uma torre ao alvorecer. Está sugerindo que eu poderia ter previsto tudo isso? – questionou, indicando o promontório abaixo e o drama que se desenrolara. – Se eu tivesse achado que alguém saberia ou se importaria, não teria vindo. Admito que parece muito estúpido agora, mas no momento não pareceu.

Não era bem um pedido de desculpas, mas pareceu aplacar o lado mais sombrio da fúria de lorde Elliot. Sua atenção e olhar se voltaram para ela tão nitidamente que isso enfatizou a proximidade deles.

– Você conseguiu o que veio fazer?

Ele tinha que perguntar.

– Se uma prova negativa puder ser chamada de prova – disse ela e apontou para a montanha alta. – Matthias estava certo. O sol não se eleva diretamente sobre o pico quando se observa desta janela, nem em linha direta com o lugar onde estamos agora. Ele primeiro se mostra à direita, ao sul, um pouco.

Phaedra se preparou para receber a zombaria de Elliot ou mais raiva por seu passeio ter causado tanto problema sem nem ao menos conseguir provar sua teoria.

Em vez disso, ele refletiu sobre a prova.

– Essas coisas não são precisas. O dia exato do solstício varia e ainda estamos mapeando as mudanças sutis que se acumulam na astronomia com o passar do tempo. Cinco séculos atrás, o sol pode muito bem ter nascido no pico da montanha no verão.

Ela achou muita gentileza dele dar desculpas e não chamá-la de tola. Algo mais parecido com uma desculpa direta começou a se formar em sua mente.

– Não tive intenção de causar todo esse problema e sinto muito por isso. Não me surpreende você estar com um pouco de raiva de mim.

– Estou com muita raiva de você, Phaedra. Contudo estou mais preocupado com sua segurança. Até que eu tenha assegurado isso, terá que fazer o que digo, principalmente se eu tiver mais motivos para sacar este revólver.

Elliot caminhou até a janela que dava para oeste. Franziu o cenho com o que viu. Ela andou até lá e espiou também. Um barco com três homens lançou âncora a uns cinquenta metros da torre. O sol tinha começado a se pôr no mar, mas ainda levaria horas até ficar escuro.

– Sua prisão está completa – disse Elliot. – Temos que esperar e confiar em Matthias para negociar sua libertação antes que mais problemas venham de Nápoles. Infelizmente, Tarpetta parece ter o poder nas mãos e Matthias o conhece somente de vista.

Phaedra se ajoelhou ao lado das cestas e começou a retirar seu conteúdo. Fez uma fileira com os odres, frutas e embrulhos de comida contra a parede.

– Carmelita acha que eles se conhecem melhor do que admitem.

Elliot descansou o ombro na parede e a observou mexer nas cestas.

– Seria bom se você estivesse certa, entretanto Matthias não tem motivos para mentir para mim.

Phaedra ficou feliz de encontrar uma xícara de barro por baixo da comida. Não queria beber direto do odre o dia todo, apesar de a experiência ter sido interessante.

– Você conhece Matthias bem? – perguntou ela.

Greenwood talvez tivesse o destino dela nas mãos, porém não era apenas esse o motivo da pergunta.

Elliot se afastou da luz do sol que se esgueirava pela janela. Foi para a área fresca e sombreada onde Phaedra arrumava os alimentos. Sentou-se no chão, apoiando as costas nas pedras, e pegou um figo.

– Eu o adorava na faculdade. Ele é um acadêmico respeitado e com duas obras publicadas. Estimulou meus estudos e me orientou nos métodos de pesquisa necessários para traçar novos caminhos. Seu interesse me lisonjeou, principalmente porque não parecia interesseiro, como outros professores.

Elliot mordeu o figo e depois fez um gesto apontando o restante da comida.

– Você devia comer algo. Se daqui a três dias tivermos que nadar para salvar nossas vidas, não vai querer estar fraca.

Phaedra pegou um pouco de pão e queijo.

– Você não parece adorá-lo agora, e não há mais nada de professor na forma como ele o trata.

– Bem, não sou mais um estudante e tenho um livro publicado.

– Parece mais do que apenas uma amizade construída a partir desses antigos papéis, foi o que eu quis dizer.

Elliot não parecia inclinado a satisfazer a curiosidade dela. Degustou o figo sem pressa. Ela se refugiou concentrando-se na própria comida.

– Meu pai não era um homem caloroso.

Ele falou isso de modo casual, como se não tivessem se passado quinze minutos desde seu último comentário.

– Imagine um homem como meu irmão Hayden, só que sem nenhuma das qualidades que contrabalançam a rigidez dele. Quando criança, eu considerava ter sorte por ser ignorado por meu pai enquanto ele se voltava para meus irmãos. Matthias Greenwood, por sua vez, escolheu colocar o foco de sua atenção em mim. Ele valorizava as mesmas coisas que eu, era rápido em elogiar, mas não se precipitava na hora de expressar desapontamento. Havia algo de paternal em seu interesse, imagino.

Ela notou sua expressão ao descrever o pai. Conhecia bem a reputação do marquês de Easterbrook. Com certeza, tinha sido aquele tipo de pai impossível de agradar e talvez tão duro com os filhos quanto se dizia ter sido em outras áreas.

Porém, não foi a brandura intencional de Elliot que chamou sua atenção. Outra emoção brilhava nos olhos dele.

Ele insistira em que as memórias de Richard Drury faziam insinuações falsas sobre o último marquês, contudo não tinha assegurado que de fato elas fossem mentiras. Ao se sentar ali com ele e observá-lo, Phaedra entendera que lorde Elliot não estava convencido de que o pai não mandara matar o oficial. Aquela suspeita ficaria mais plausível, ganharia corpo e seria inevitável se as insinuações fossem publicadas?

Alguns cientistas acreditavam que o comportamento criminoso era herdado, assim como algumas doenças. Saber que o legado de uma pessoa incluía a capacidade de tramar um assassinato impiedoso poderia ser tão ruim quanto descobrir que seu sangue estava maculado pela insanidade.

– Matthias Greenwood não teve filhos – disse Phaedra. – Você é seu herdeiro intelectual e parte de seu legado profissional. Se havia algo de pai nele, talvez houvesse algo de filho em você.

Ele deu de ombros.

– Talvez esteja certa. Ele pode me ver dessa forma, mesmo na amizade que temos agora.

Phaedra suspeitava de que Greenwood de fato o visse dessa forma, mas achava que Elliot o via assim também. A maneira como se comportavam um com o outro fazia com que ela pensasse na amizade confortável e no amor entre pais e seus filhos adultos quando seu relacionamento amadurecia.

Se fosse assim, Matthias Greenwood seria uma pessoa importante para Elliot.

É claro que ele era. Elliot estava ali, não estava? Ele tinha viajado até Positano para discutir sua nova pesquisa com o antigo mestre, ainda que já o houvesse superado como historiador.

Fazer aquela humilde refeição no chão de pedra os apartava do restante do mundo. Sua descrição franca do pai tinha aberto uma porta de intimidade mais sedutora do que aquela criada pelo prazer físico. Era algo como a relação que se estabelecia entre ela e seus amigos.

– Por que está tão curiosa sobre Greenwood, Phaedra?

Ela examinou a familiaridade branda que compartilhavam e pensou em sua resposta.

– Tenho interesse nele.

– Ele tem idade para ser seu pai!

Ela quase riu com seu tom exasperado, mas o aborrecimento mostrado em seus olhos lhe deu uma indicação. Ele estava com ciúmes. Phaedra achou isso irremediavelmente fora de moda e presunçoso, porém ao mesmo tempo adorável. Teve vontade de rir, em vez de censurá-lo.

– Você entendeu mal, Elliot. Ele conheceu minha mãe e tem sido gentil em responder perguntas que tenho sobre algumas questões.

– Que questões?

– Minha mãe talvez tenha mantido um amante em segredo em seus últimos anos de vida.

Ele franziu o cenho.

– Richard Drury...

– Não nos últimos tempos. Houve outro homem.

– E Matthias sabe quem foi? Ele vivia em Cambridge na ocasião e, apesar de às vezes visitar Londres...

– Ele é um homem perceptivo. Não ficou surpreso quando sugeri que talvez tivesse havido outro homem na vida de minha mãe. Esse amante também mexia com antiguidades e Matthias me deu os nomes de alguns homens do círculo dela que eram do ramo. Muitos de seus amigos íntimos desconversaram na hora em que os procurei. Desconfio que não quisessem que a imagem de Artemis Blair fosse mudada. Mas ele foi sincero comigo e sou grata por isso.

Elliot refletiu sobre o que ela disse e pareceu ao mesmo tempo curioso e cético.

– Por que você buscaria nomes, Phaedra? Talvez não tenha havido amante nenhum, já que os amigos dela negaram o fato.

– Acho que houve, sim, por causa de uma passagem que meu pai escreveu em suas memórias. Esse homem, quem quer que seja, era um criminoso.

A expressão dele ficou mais séria.

– Outra referência sem nome? Outra fofoca que destruirá uma reputação?

Elliot se pôs de pé em um minuto. Afastou-se, olhou para a parede e depois se voltou para ela.

– Seria melhor se você queimasse essas memórias ou as deixasse em uma gaveta trancada para sempre.

– Isso pode poupar sua família, mas não poupará o amante de minha mãe.

– Por que não?

Ela embrulhou o queijo no guardanapo úmido.

– Porque, mesmo que as memórias não sejam publicadas, destrincharei essa parte delas até ficar satisfeita e lidarei com esse homem do meu jeito.

O cenho de Elliot se manteve franzido, seu humor não melhorou, contudo uma curiosidade cautelosa surgiu em seus olhos.

– Você fala calmamente, porém de forma amarga e decidida. O que seu pai escreveu sobre esse homem que provocou em você a vontade de identificá-lo?

Ela se ajeitou para se levantar. Passou a mão na saia para retirar as migalhas.

– Ele escreveu que esse homem a seduziu, depois a traiu de forma tão desonrosa que acabou provocando sua morte. Preciso descobrir se isso é verdade.

– Na melhor das hipóteses, é ambíguo.

– Nem tão ambíguo assim. Tem mais. Não sou totalmente louca por achar que posso identificar esse homem. Só metade louca.

Ela andou até o centro da sala e olhou em volta.

– Se vamos ficar aqui por dias, temos que deixar esse lugar mais habitável – falou ela, virando uma cesta de cabeça para baixo. – Isso pode servir de banco, se você conseguir tirar a alça.

Elliot procurou a faca que viera junto com a comida. Colocou a cesta nas pedras do peitoril da janela e começou a cortar.

– Você não deveria levar muito a sério o que seu pai escreveu sobre sua mãe. Ele era um amante rejeitado e isso pode enevoar o bom senso de qualquer homem.

Phaedra pegou o cobertor sobre a esteira de palha e verificou se estava limpo. Avistou alguns ganchos de metal presos na abóbada do teto.

– Meu pai entendia bem o que tinha e o que não tinha com minha mãe. Ele não escreveu com amargura, mas como um homem que testemunhou a mulher que amava ser usada.

Elliot continuou a cortar, entretanto sua expressão decidida não tinha a ver com a alça da cesta.

– Trate esse assunto com cautela, Phaedra. Não acuse o homem errado nem conteste um homem bom.

– Se ele for um homem bom, não terá nada a temer de mim ou das memórias. Nenhum homem bom teria.

A alça da cesta se soltou, quebrando-se sob a pressão que ele impunha com a faca. Um barulho seco reverberou na abóbada de pedras, como se a paciência de Elliot tivesse acabado junto com a última frase dela.


Passaram as horas seguintes de forma mais agradável, falando amenidades. A amiga de Phaedra, Alexia, estava recém-casada com o irmão de Elliot, Hayden, e eles especularam sobre o casal e o que os teria unido. Isso suavizou o clima pesado da primeira parte da conversa.

Elliot, no entanto, continuou a refletir sobre o assunto inicial. Ele havia percebido o tom e a expressão de Phaedra ao falar do amante que traíra sua mãe.

Phaedra não era uma simples visitante curiosa na península Itálica, como tinha dito, mas uma mulher com uma missão. Por algum motivo, aquilo a tinha levado a Nápoles. Por isso o humor dela melhorara em relação ao atraso em ir a Pompeia. Sua investigação poderia até estar na origem da amizade com Marsilio e Pietro.

Por tudo o que sabia dela, cada ato, cada palavra, desde o dia em que ele entrou naquele jardim em Nápoles, fora parte de seu plano para saber dos últimos meses da mãe e do homem a quem culpava por seu declínio e morte.

Ela foi dando instruções a Elliot para arrumar sua habitação humilde enquanto conversavam. A pedido da Srta. Blair, ele amarrou a corda em um dos ganchos da abóbada. Phaedra esticou o cobertor velho nela e, assim, separou um canto no qual colocou o penico que os criados de Matthias tinham gentilmente posto em uma das cestas.

Já anoitecia quando tudo ficou arrumado. Com um novo cobertor sobre a esteira de palha e a cesta de cabeça para baixo como banco, Phaedra havia criado um lar rústico, porém agradável. Para uma pessoa.

Havia um cômodo de teto baixo sob essa sala mais alta na torre. Elliot esperava ser posto lá, a menos que, com seu charme, pudesse obter da rainha um convite para partilhar de seu santuário.

– Você tem talento para arrumação doméstica, Phaedra. Isso é resultado de se virar sem criados?

– Acho que aprendi a fazer isso porque minha mãe não levava o menor jeito para assuntos domésticos. Isso se mostrou útil quando tive que cuidar da minha própria vida.

Phaedra levou o odre e a xícara para a janela que dava para a cidade. Depois de derramar fora um pouco de vinho, conseguiu fazer jorrar um arco que encheu a xícara, e então ofereceu a bebida a lorde Elliot.

Ele se juntou a ela próximo à janela e bebeu. Os homens de Tarpetta tinham montado acampamento na base do promontório, para além da longa sombra da torre. A julgar pelos sons distantes das risadas, eles pareciam relaxados e de bom humor.

– Por que teve que cuidar da própria vida?

Ela estava linda demais à luz prateada do anoitecer que entrava pela janela. Atrás deles, pela abertura oposta, as cores chamejantes dos últimos raios de sol penetravam. Esses raios iluminavam a parte de trás da cabeça de Phaedra, transformando suas mechas em brasas, em contraste com a fria translucidez da pele branca do rosto que olhava para oeste.

– Minha mãe acreditava que as mulheres aprendem em casa, com os pais, a serem dependentes. Somos ensinadas e temer a independência e depois convencidas a rejeitá-la mesmo que esteja ao alcance. Assim, quando recebi uma herança do irmão de minha mãe, ela me estimulou a sair de casa e a viver sozinha antes que me acomodasse e virasse uma adulta dependente dela.

Phaedra fez uma pausa ao se esticar calmamente para ver o chão perto da torre. Outro pequeno acampamento tinha sido montado ali, povoado por cinco senhoras e Carmelita Messina.

– Eu tinha 16 anos – acrescentou, ainda distraída com a cena abaixo.

A atenção que dava aos acampamentos não a deixou perceber a reação de Elliot.

– Você era uma criança.

Ele tentou não expressar condenação em seu tom. Phaedra não gostaria de ouvir críticas à mãe, e ele não tinha o menor desejo de discutir com ela naquele minuto.

Ela ainda observava o promontório.

– Sim, eu era uma criança. Contudo há muitas mulheres que são empurradas para o casamento nessa idade. Acho que seria um destino muito mais assustador. Elas são jovens demais para os planos de seus pais, e eu também era jovem demais para os planos dos meus. Ela não se afastou da minha vida, não foi uma rejeição de seus deveres. Minha mãe me ajudou a contratar uma governanta, para que eu não morasse sozinha nos primeiros anos. Eu a visitava com frequência e nos víamos quase tanto quanto no tempo em que morávamos sob o mesmo teto.

Ela fez isso soar quase natural e sensato. Ele não podia pensar em Phaedra aos 16 anos morando sozinha, sem proteção ou supervisão de ninguém, exceto uma criada. Sua prima Caroline, que tinha sido apresentada à sociedade na última temporada, era tão infantil que dava vontade de trancá-la em casa por mais dez anos.

É claro que Phaedra Blair provavelmente não era tão infantil nessa idade, nem tão inocente. Artemis criara a filha para andar com as próprias pernas e traçar o próprio caminho. Ainda assim, essa imagem o deixou irritado. A mulher não deveria ter usado a própria filha como experimento para provar que suas ideias radicais tinham mérito.

– Na época não me importei e tudo saiu como minha mãe esperava. Depois que uma mulher prova uma liberdade assim, nunca mais quer abrir mão dela. Contudo, quando ela morreu... então fiquei enraivecida. Queria que ela houvesse esperado um pouco mais, de forma que eu tivesse aproveitado aqueles dois últimos anos com ela. Ela não previa que seu tempo seria tão curto, é claro.

– Não imagino a independência que me descreve. Mesmo sendo homem, não fico tão por minha conta.

– Não importa que ainda more na mansão de Easterbrook. Sendo homem, você é livre.

– Não falo de leis, costumes ou finanças, mas da vida. Não sou sozinho nem alguém sem laços com outras pessoas. Meus irmãos estão sempre presentes na minha vida e tenho outros parentes a quem devo obrigações. Minha vida faz parte da deles e a deles, da minha. Mesmo que meus irmãos e eu um dia nos odiássemos, ainda teríamos questões em comum a compartilhar.

A expressão de Phaedra se tornou pensativa, deixando-a ainda mais bela.

– Eu gostaria de ter tido um irmão ou uma irmã. Isso teria sido muito bom, principalmente agora.

Agora que estava completamente só, era o que queria dizer. Phaedra havia escolhido um caminho que a deixaria sozinha para sempre, a menos que, como a mãe, tivesse um filho ilegítimo. Elliot percebeu que ela compreendia que abrira mão de certas coisas e que não as menosprezava. Tinha posto as opções na balança, se não aos 16 anos, ao ficar mais madura. Ele não achava que o prêmio valesse o custo, porém admirava a bravura dela.

Ela pareceu um tanto triste. Ele se sentiu péssimo por tê-la obrigado a encarar a própria solidão.

– Espero que suas amizades de alguma forma possam substituir a família que você não tem.

Lampejos traquinas dançaram em seus olhos. Seu humor e animação vieram à tona, surgidos das profundezas de seus pensamentos.

– De certa forma, mas não é uma família como você descreveria a sua. Uns amigos são como irmãos e irmãs, alguns poucos se comportam como os mais afáveis dos maridos, porém esses laços não são permanentes. Com o passar do tempo, é possível que eu me veja imaginando se não fui abençoada com mais independência do que qualquer pessoa quereria.

O que significava que já vinha se questionando sobre isso.

A referência indireta a seus amantes sutilmente mudou o clima entre eles. Elliot não podia ficar tão perto dela naquela luz e não pensar em fazer amor com ela. Imagens e desejos tinham surgido aos borbotões desde que subira os degraus horas antes. A excitação aumentara com as palavras dela. Ele pensou ter visto um desafio na forma como ela o mirava.

De repente o desejo os uniu mais intensamente que nunca. Ela não fez qualquer esforço para refrear seu poder. Ele não se aguentava mais. Jamais tinha encontrado uma mulher que reconhecesse de forma tão ousada a excitação sensual que pode existir antes de um beijo ou um toque.

Com qualquer outra mulher, ele daria o primeiro passo, como fizera com ela antes. No entanto, não se esquecera das palavras dela ao se afastarem no terraço, naquela noite. Se ela fosse honrar sua ameaça, neste momento ele provavelmente não conseguiria se portar de forma honrada o bastante para que ela tivesse a chance de rejeitá-lo.

Phaedra evocava nele o que seu sangue trazia de pior, algo que vinha do pai. Elliot queria se aproximar, abraçá-la, acariciá-la e devorá-la. A tentação de usar o prazer para coagi-la a se submeter ao próprio desejo e a ele ameaçava sobrepujar o que restava de seu bom senso.

Elliot se afastou. Pegou o revólver e um dos cobertores e começou a descer as escadas. A alternativa era se arriscar a se comportar como um canalha, ou, pior, tornar-se uma daquelas abelhas lastimáveis que ficam zumbindo e implorando pelos favores da rainha.


Phaedra observou o sol se pôr no mar. Luzes roxas e laranja coloriam a água com listras sedosas à medida que a escuridão aos poucos se aproximava. Lá embaixo, no barco, os homens acenaram e a saudaram amigavelmente. Parecia que eles também tinham alguns odres de vinho à disposição e que a bebida os deixara mais amistosos.

Phaedra encontrou a única vela mandada junto com os víveres e a acendeu. Sentou-se em um canto onde a brisa noturna não a apagaria. Ouviu Elliot se mexer lá embaixo, talvez na tentativa de achar algum conforto no chão tendo apenas um cobertor sob o corpo.

O corpo dela ainda não tinha se acalmado totalmente desde que ele partira, nem seus pensamentos se afastaram muito dos últimos minutos que tinham passado juntos. Uma pulsação quente continuava a se fazer sentir, atraindo sua atenção. Normalmente ela só tinha que lutar contra isso quando Elliot estava por perto, contudo seu corpo parecia saber que estava perto o bastante e não lhe daria alívio. Seus seios continuavam rígidos e cheios, com os mamilos reagindo a cada roçar do tecido do vestido.

A última conversa deles a desarmara. Agora só conseguia pensar em lorde Elliot de forma gentil. Ele entendera mais do que ela mesma. E não a olhara com pena – em vez disso, expressara uma preocupação verdadeira com esse lado menos perfeito da vida dela.

Ela mentira um pouco para poupar Artemis da censura daquele homem; entretanto, a julgar pelas reações dele, isso fora desnecessário. A verdade era que Artemis estivera correta em suas crenças, mas nem sempre em seus métodos. Ficar sozinha aos 16 anos fora algo devastador e amedrontador, muito mais do que Phaedra admitira. Ela sentira como se a mãe a tivesse jogado de um barco no meio do oceano, simplesmente esperando que ela soubesse nadar.

Phaedra perdoara a mãe por esse engano fazia anos, porém duvidava que outras pessoas fizessem o mesmo se soubessem daquele frágil ano tão carregado de grandes erros. A verdade seria mais uma prova para o mundo de que Artemis Blair não tinha sido uma boa mãe, nem ao menos uma mulher normal.

Elliot já não fazia mais barulho lá embaixo, embora ela pudesse jurar ouvir sua respiração. Ele não teria conseguido pegar no sono tão rápido, disso ela sabia. Phaedra caminhou a passos suaves, numa tentativa de aliviar a forma como seu corpo a atormentava. Tentou harmonizar a ideia de que o desejo não era somente físico agora, mas também um anseio por aumentar a proximidade que sentira com ele ao compartilhar suas confidências e o perigo.

Levou as mãos aos seios. Os estímulos se juntavam, aumentavam e desciam por seu corpo. Fechou os olhos para tentar domá-los e ouviu a lição dada por sua mãe sobre desejo.

O prazer carnal é uma necessidade tanto de homens quanto de mulheres. Não negue seus desejos, só fique atenta a quem escolhe como parceiro. A maioria dos homens são conquistadores em sua essência. Busque os poucos mais esclarecidos que alçaram um lugar acima da maldição primitiva. Se decidir ter prazer com um conquistador, certifique-se de lhe dar somente seu corpo e apenas temporariamente. E nunca, nunca sucumba à ilusão de que pode mudar esse homem.

Phaedra imaginou o homem lá embaixo. Ele se fora apesar de terem estado juntos em um cômodo saturado do desejo de um pelo outro. Elliot podia ser um conquistador, porém não era tolo. Entenderia que ela não cederia nada, exceto o que decidira ceder. Ela faria questão de deixar essa parte bem clara.


CAPÍTULO 11

Elliot se preparou para passar uma noite tendo apenas os próprios pensamentos por companhia. Com um pouco de sorte, logo pararia de ficar imaginando a mulher do andar de cima.

Esforçou-se para pensar no mundo que descrevia nos livros. Não precisava de seus papéis para se aventurar por lá. As notas e os esboços preliminares eram registros de suas ideias, não lembretes. Toda a informação estava em sua cabeça, acessível a qualquer momento. Já tinha passado muito tempo por lá, escapando do tédio quando alguma conversa o incomodava.

Seus irmãos, Christian e Hayden, também tinham câmaras secretas em suas mentes. Quando se aventuravam nelas, fechavam as portas atrás de si e se isolavam por completo da realidade. Somente ele fora abençoado com a capacidade de entrar e sair a seu bel-prazer, como se a porta permanecesse entreaberta. Elliot sempre conseguia manter contato com o mundo real.

Naquele exato momento, contudo, isso não era uma grande vantagem. O mundo externo com o qual não perdia contato consistia de uma frustração física que não se aquietava. Especulações em relação aos movimentos acima o perturbavam. Seu sangue ruim calculava o custo para sua honra e seu orgulho se ele dominasse primeiro e corrigisse depois.

De alguma forma, conseguiu deixar tudo isso do lado de fora, perto da porta, mas sem interferir tanto em seus pensamentos. Voltou sua concentração para as informações sobre práticas funerárias que coletara das antigas histórias romanas.

– Elliot.

Ele abriu os olhos. Cada parte de seu corpo entrou em estado de alerta. Ela poderia estar a centímetros dele, tão nítido fora o chamado. As pedras das paredes e dos degraus tinham transportado sua voz para baixo. Ela nem tivera que elevar o tom.

Phaedra não falou de novo. Só pressupôs que ele tivesse escutado. Ou talvez soubesse que ele responderia ainda que o chamado tivesse sido feito só na mente dela.

Talvez ela só precisasse de ajuda com a vela. Ou talvez tivesse visto algum movimento de uma das janelas e pressentisse problemas provocados por seus carcereiros. Ele podia simplesmente perguntar dali, mas não faria isso, apesar de saber que se afastar de novo seria quase impossível.

Acreditando que Phaedra era esperta demais para brincar com fogo, ele subiu as escadas.

Luzes vagas e sombras escuras dançavam pelas pedras das paredes e da abóbada no cômodo superior. O cobertor pendurado separava um canto numa cortina improvisada. A única e grande vela queimava devagar, suas chamas acrescentando lampejos dourados aos frios raios do luar.

Todas as tênues fontes de luz se juntavam e se intensificavam em um lugar. Uma estátua pálida as absorvia para aumentar a exibição sensual do cobre abrasador e da porcelana branca.

Phaedra estava de joelhos na esteira de palha, apoiada nos calcanhares. Olhava para a escada e para ele. Elliot parou ao vê-la, momentaneamente boquiaberto com sua beleza e ousadia.

Estava nua. Suas madeixas ondeavam pela pele desnuda. Pareciam fitas de seda que se dividiam para deixar ver partes de ombros alvos como leite, de braços macios, seios arredondados e quadril curvilíneo.

Ela deixou que ele observasse um bom tempo, sabendo que uma torrente se armava dentro dele, admitindo com o olhar que sentia o mesmo desejo.

Juntou os cabelos e os jogou para trás, expondo o corpo todo. Seus seios estavam empinados e cheios, com os mamilos róseos rígidos.

– Podemos ter prazer juntos esta noite, se quiser – disse ela.

Ele arrancou o casaco e andou até onde ela estava.

– Se eu quiser? Eu quero possuí-la desde a primeira vez que a vi.

Phaedra relaxou e esticou o corpo nu a seus pés, observando enquanto ele tirava a camisa.

– Não será assim. Possuiremos um ao outro.

– Como queira. Não me importo nem um pouco com os termos dessa rendição.

Naquele momento ele não se importava com absolutamente nada, exceto o desejo que ficava mais forte e convincente a cada instante. Caiu de joelhos ao lado dela.

– Não é uma rendição, Elliot. É uma trégua. Uma noite para gozarmos de nossa amizade.

Ela o ajudou a desabotoar a calça.

As mãos dela o fizeram enlouquecer de excitação. Ele olhou para aquele corpo feminino nu, tão vulnerável e acolhedor. Imagens entraram em sua cabeça e a urgência acelerou sua pulsação. Se ela considerava isso amizade, não conhecia os homens muito bem.

– Com certeza, Phaedra. É claro.


Ele não quisera dizer isso. A alma dela sabia, mas, naquele momento, Phaedra não se importara.

Ele estava lindo e sensual. Até ajoelhado ele era alto. Seu tronco e seus ombros nus se avolumavam acima da esteira de palha e dela, fazendo-a pequena e... vulnerável. Essa sensação era nova. Nunca vivenciara algo assim antes de conhecer aquele homem. Não era uma sensação desagradável. Ela se deixou sentir prazer nessa condição porque sabia que ele não representava um perigo real.

A luz deixava a pele dele cor de bronze e ressaltava seus músculos. Não havia nada de suave para se ver nele. Nem no corpo nem no rosto. Nele, a paixão tornava os traços de família ainda mais duros, mesmo sendo o Rothwell mais afável. O cabelo escuro, solto e despenteado pelas aventuras do dia, caía em mechas sobre a testa e o rosto. Seus olhos se tornaram cristais negros quando ela começou a ajudá-lo a se despir.

Elliot afastou as próprias mãos, deixando que ela fizesse o trabalho sozinha. Só olhou para baixo, talvez desafiando-a a prosseguir, testando se ela recuaria.

Ela não se apressou. Seus olhares ficaram conectados. Sensações maravilhosas davam vida ao corpo dela. A excitação era mais intensa por saber o que estava por vir. A expectativa cresceu entre eles de forma tão maravilhosa que se tornou um dos maiores prazeres que ela jamais experimentara.

Depois de despi-lo da calça, ela levou a palma da mão até o abdome dele, saboreando o toque de sua pele e daquela combinação tão masculina: uma superfície macia sobre uma sustentação rígida. Ela amava a forma como o desejo intensificava todos os sentidos, inclusive a intuição que lhe dizia quanto ele adorava aquele toque e como o resto da realidade desaparecia por completo para ele também.

Quando não conseguiu subir mais, desceu a mão de novo, chegando a sua roupa íntima. Com carícias suaves, ela a puxou para baixo, fazendo o tecido se avolumar em seus joelhos e libertando-o. As pontas dos dedos dela faziam o reconhecimento de seu corpo, centímetro por centímetro. Ela deslizou as mãos e as pressionou nas partes protuberantes do quadril e das coxas dele. Com a ponta dos dedos, alisou sua ereção inteira até a cabeça do pênis, envolvendo-o com suavidade, depois o acariciou de forma mais agressiva.

Elliot tentou conter a sensação que isso provocou, mas ela pôde ver a fúria sensual que o dominava. Todo ele ficou mais duro. Seu rosto e olhar, seu corpo inteiro ficou mais rígido.

– Você corre perigo de ser tomada sem cortesia nem cerimônia, Phaedra.

Ela avaliou a ameaça e a excitação do próprio corpo.

– Não me importo. Estou mais do que pronta também.

Ele se juntou a ela no cobertor e empurrou as roupas para longe. Posicionou seu corpo nu por cima do dela, apoiando-se nos antebraços ao lado dos ombros dela.

Um beijo. Profundo e íntimo, tão lento e sedutor que um anseio estranho e doce venceu sua impaciência. Phaedra afastou as pernas para que ele se aninhasse, instintivamente convidando-o a se unir a ela naquele momento para que talvez a noite toda fosse comovente.

Ele olhou para ela.

– Você é uma mulher muito generosa.

– Generosa, não. Quando a mulher é sincera nesses prazeres, ela ganha também.

– Esta é uma visão admirável e democrática. Só que você não está sendo sincera e me encoraja a ser um amante ruim por causa disso.

– Reconheço minha condição carnal da forma mais sincera.

Tão sincera que essa demora a enlouquecia. Ela mexeu o quadril um pouco para encorajá-lo.

A reação dele foi leve, sutil, mas devastadora. Ele empurrou, mas não tudo. Ela o sentiu lá embaixo, tocando-a de leve, uma provocação terrível e maravilhosa.

Ele a beijou no pescoço e nos ombros.

– Você disse que estava mais do que pronta – falou, administrando o calor daquele deleite. – Não foi verdade, mas talvez tenha falado por ignorância.

A indignação se infiltrou em sua mente, que só pensava nos formigamentos maravilhosos que atingiam seu sangue.

– Não sou ignorante. Acho que isso é óbvio.

Ele suspendeu o tronco, de forma a poder acariciá-la. Observou as pontas dos próprios dedos traçarem levemente uma linha em torno da base e do volume do seio, assim como ela havia feito há pouco no quadril e nas coxas dele.

– Uma mulher mais do que pronta não fica tão controlada quanto você continua. Você não está nem perto de estar pronta como poderia estar. Se não é ignorante, sabe disso. Mas talvez você tenha medo de se abandonar à sensação.

Ele esfregou o mamilo dela. Um tremor profundo a sacudiu, ressoando dos pés à cabeça. O corpo dela ansiava por empurrá-lo fundo para dentro e escapar daquela tortura sensual, por mais deliciosa que fosse.

Ele tocou o seio dela com mais força, esfregando o bico, fazendo os tremores se repetirem com intensidade crescente. Phaedra começara essa sedução confiante e ousada. Agora a onda dessa vulnerabilidade tentadora afastava seu autocontrole.

Ela não conseguia mais resistir à maré de prazer. Elliot pareceu perceber que ela tentava. Saiu do corpo dela como se anunciasse que era ele quem decidiria quando ela estaria pronta. Deitado ao lado dela, apoiado no braço rígido, ele a acariciou devagar e seguro de si, seu toque possessivo percorrendo toda a pele dela.

Seus seios ansiavam para que suas mãos voltassem ali. O outro prazer e os estímulos que ele causava pioravam tudo ainda mais. A frustração a deixava quase louca. Ela nem conseguiria abraçá-lo naquela posição, ficava exposta e submissa ao seu olhar e a suas mãos mal-intencionadas.

Phaedra não podia abraçá-lo, mas podia tocá-lo. Nem todo o corpo dele estava fora de alcance. Ela buscou a parte interna da coxa de Elliot com a mão direita. Acariciou-o com movimentos para cima, certificando-se de que não perderia o controle sozinha.

Ele reagiu como esperado, da forma como ela ansiava. Elliot acariciou seus seios de uma maneira tão perfeita, tão completa, que a fez quase perder a sanidade. O prazer insuportável ficou maravilhosamente pior e o desejo por mais tomou sua mente.

Ele baixou a cabeça e levou a boca ao seio dela. Uma nova sensação percorreu seu corpo. Uma sensação doce e intensa e tão poderosa que a fez perder contato com a realidade. Phaedra agarrou os ombros dele em um abraço selvagem para que não ficasse sozinha em seu abandono. Sua mente se obscurecera e ficara tão focada que apenas uma vaga percepção do mundo ao redor se esgueirava por ela. Sons ecoavam as súplicas em sua cabeça e as necessidades que a devastavam. Pegadas fortes e beijos violentos a levaram mais fundo nessa sensação pura.

Um toque diferente, bem-vindo e temido e tão necessário que ela pensou que desmaiaria de alívio. Sua consciência gritou. Ela abriu mais as pernas para que ele não parasse. Arrepios profundos se acumulavam lá e se espalhavam, aumentando a tortura até ela querer implorar por alívio.

Então lá estava ele com ela de novo, aninhado entre suas coxas como tudo tinha começado, empurrando de leve daquela forma incompleta e enlouquecedora. Ele a beijou com um jeito selvagem ao penetrá-la, engolindo seu gemido de alívio.

Estocadas fortes, profundas e plenas, a levaram ao gozo. A explosão singular de prazer a embebedou de paz e de uma sensação perfeita. Flutuou nela, espantada com a violência do clímax e com a materialidade do êxtase.

Phaedra foi voltando devagar da escuridão sagrada de sua mente. Seus braços sentiram os ombros que ela abraçava e suas pernas, o quadril que circundavam. Ele permanecia teso e pleno dentro dela.

Por entre os cachos úmidos, ela viu os olhos dele, ainda quentes e firmes em sua rigidez sensual.

– Você parece bem satisfeita, Phaedra.

Tão satisfeita que ela pensou que nunca mais poderia se contentar com menos.

– Com toda a certeza.

Ele se mexeu devagar, descrevendo um longo caminho na carne ainda intensamente viva após o clímax.

– Acho que nunca conheci uma mulher com tanta facilidade de ter prazer.

Ele pousou um beijo firme em seus lábios. Bem dentro dela, a satisfação começou a arrefecer. Novas necessidades acenaram de forma sutil, porém perceptível.

Ele fez de novo. Olhava para baixo, controlado demais, seguro demais do que causava com suas investidas lentas e profundas.

– Acho que nunca fui tão possuído por uma mulher antes.

– Não me culpe se não compartilhou a satisfação. Normalmente, há unidade nessas coisas.

– Duvido que já tenha havido unidade com você. Seus amigos encontram o próprio prazer enquanto a ajudam a achar o seu, mas é diferente.

Phaedra viu um insulto nessas observações tranquilas. Se não estivesse tão ligada à potência viril que emanava dele, se os tremores da nova excitação não estivessem preenchendo sua mente, talvez ela achasse as palavras para castigá-lo por sua presunção.

Só que a sensação de saciedade diminuía com rapidez. Lá dentro, desejos ressonantes despertaram, reforçados pela confusão e pelo desespero.

O abandono acenou de novo, mas permaneceu fora de alcance, tentando-a. Ela continuou em contato com o mundo, ciente do homem que se demorava, consciente de que ele também não tirava os olhos dela.

Phaedra mexeu o quadril para encorajá-lo. Mais rápido. Ele acariciou a nádega direita dela e a puxou, detendo-a.

– Você disse que nós possuiríamos um ao outro, e eu quero possuí-la devagar.

– Foi muito indelicado da sua parte não se saciar junto comigo.

Ela nem sabia que um homem podia controlar suas vontades a esse ponto.

Obteve um sorriso quase imperceptível em resposta. Sua mão soltou a nádega dela. Phaedra pensou que ele houvesse se rendido. Em vez disso, ele levou a mão às costas e soltou a perna dela de seu quadril.

Moveu a outra perna também e empurrou as coxas dela unidas para baixo dele. Quando se mexeu dentro dela de novo, o prazer se concentrou e espiralou tão nítido que ela perdeu o fôlego.

As sensações a deslumbraram, a venceram. Ela não podia negá-las, então se rendeu. Porém, desta vez o clímax foi diferente. Phaedra não perdeu o contato com o mundo. Ouvia os próprios gritos. Ficou embebida na aura dele. A vulnerabilidade voltou, mais matizada, ainda excitante, porém levemente assustadora.

Ele não perdeu o controle, não sucumbiu. Mesmo quando suas estocadas ficaram mais rápidas e mais fortes, mesmo na hora em que ela gritou em êxtase, Phaedra sentiu que ele controlava seu poder até o fim.

Dessa vez houve unidade. Ela não chegou sozinha ao clímax. Na verdade, ele pareceu mais presente. Um alívio glorioso a despedaçou como um raio parte uma árvore, porém ele permaneceu a seu alcance durante todo o tempo.

Após o coito, à medida que a alma dela tentava recolher os cacos de seu autocontrole e ela lutava para recompor a mulher que conhecia, receios penetraram seus pensamentos. Ela o sentia em seus braços, seu corpo cobrindo o dela. Ele estava exausto, satisfeito e quieto, mas inteira e estranhamente real.

Phaedra nunca se sentira em desvantagem em situações assim antes. Envolta em êxtase e saciedade, ela examinava sem pressa essa nova situação. Tentava decidir o que significava e como tinha acontecido.

Com certeza, essa misteriosa sensação de desprendimento desapareceria quando ele fosse embora. Tinham sido só a noite, a escuridão e o prazer que a haviam causado.

Ele se apoiou nos antebraços, tirando o peso de cima dela. O olhar dele a invadiu muito fundo e de forma tão calorosa e intensa que ela se perguntou se ele estaria tentando deixar uma marca de fogo em sua mente. Depois ele rolou de cima dela e se deitou de lado. Logo caiu no sono com o braço por cima dela.

Elliot pretendia passar a noite ali. Ela nunca permitira isso com seus amigos, mas não conseguiria acordá-lo e pedir que descesse para deitar no cobertor sobre as pedras no cômodo embaixo. Porém...

Phaedra olhou para as luzes bruxuleantes que brincavam nas pedras acima dela. O olhar dele tinha sido cálido e tocante durante o último e longo olhar, mas também exigira que ela reconhecesse a força da união dos dois. Carregara a profunda intimidade que ainda os unia e se negara a deixar que ela se desvencilhasse de seu abraço.

Porém, tinha havido mais do que isso, algo que ela nunca vira nos olhos de um homem antes, pelo menos não em um que a olhasse.

Ela vira os olhos de um conquistador.

E se perguntara o que ele erroneamente achava ter conquistado.


A porta da mente dele permanecia entreaberta. Elliot a ouviu suspirar e murmurar enquanto dormia. O sol começava a nascer e ela despertaria em breve. No momento, ele aproveitava a paz, a companhia e o ar frio em seu corpo, deixando a mente concluir suas reflexões sobre outras coisas.

Um som o despertara, dando uma vaga indicação do novo dia que começava. Agora ele espiava pela luz prateada à medida que um objeto tomava forma. Havia mais uma cesta no cômodo, bem à direita, no alto das escadas. Uma das senhoras tinha trazido mais víveres.

Phaedra despertou devagar como um gato ronronante. Ela se encolheu e depois se esticou em sua elegância nua e se virou para o outro lado, dando a Elliot a oportunidade de admirar o belo contorno de suas costas e de seu quadril.

Ela parecia muito doce naquele momento e mais jovem. Despida de seu hábito negro, liberta da armadura com que enfrentava o mundo, ela o espantava com sua aparência frágil. A noite anterior revelara esse outro lado de sua alma de uma forma inconfessa e inexplicada. Sua paixão tinha sido ao mesmo tempo experiente e ignorante, ao mesmo tempo segura e amedrontada. Ele experimentara a fraqueza e a suavidade que ela não ousava mostrar ao mundo. Phaedra levava uma vida baseada em símbolos na qual tais contradições não eram permitidas.

Ele a queria de novo, porque ela estava muito bela ali de manhã e porque a Phaedra nua, despida e desarmada, o fascinava. Imaginou que continuaria a desejá-la por muito tempo. Calculou tempo e lugar, dia e noite, tendo as lembranças de seus abraços a tentá-lo.

Num instante ela se pôs alerta, como se tivesse ouvido os pensamentos dele. Deitou-se de costas e, através de pálpebras semiabertas, avaliou onde estava e com quem. Um vago rubor tingiu seu pescoço, descendo até os belos seios. Os mamilos endureceram, mas não por causa da fria brisa marinha.

O constrangimento a fez parecer uma menina insegura. Lorde Elliot se perguntou que pensamentos causaram o franzir de seu cenho ao olhar o próprio corpo. Ela não estava tão atrevida agora, sem a escuridão para transportar os acontecimentos para outro mundo.

Elliot puxou algumas roupas para que ela não fosse obrigada a sair de onde sua escolha a deixara. Ele lhe entregou o monte de tecido negro que era seu vestido. Phaedra se sentou e o passou pela cabeça.

Ele se sentou ao lado dela na esteira. Imaginou se Phaedra mencionaria os acontecimentos da última noite e o que ele deveria dizer quando ela o fizesse. Ela não era uma mulher que esperasse gratidão ou desculpas. Certamente não esperaria que ele lhe oferecesse dinheiro ou qualquer tipo de pagamento. Ela não esperava absolutamente nada dele e levaria a mal qualquer proposta.

– Você tem Alexia – disse ele. – Ontem você falou sobre estar só, mas Alexia é uma amiga leal.

As palavras de Phaedra tinham ecoado na cabeça dele naquela manhã enquanto ficara deitado ao lado dela. Ele se perguntara sobre suas amigas na infância, duvidando de que tivesse alguma. Imaginava que poucas mães permitiriam às filhas serem amigas da filha de Artemis Blair.

Phaedra se esticou para lhe dar um beijo no rosto. Ele supôs que, em algum momento ao longo do dia, a intimidade entre eles chegaria ao fim e Phaedra consideraria a noite da véspera como passado. Agora, contudo, com um gesto ela o fazia entender que achava a preocupação dele, no mínimo, encantadora.

Ele aproveitou a oportunidade para passar o braço em torno dela. Sentado assim numa cama de palha, com as costas apoiadas na parede, a cabeça de uma bela mulher no ombro e os sons e cheiros do mar entrando em lufadas pelas janelas, não seria um jeito ruim de passar o dia.

– Ela fez com que seu irmão permitisse nossa amizade – disse. – Quando Alexia negociou o casamento, ela o fez prometer. Eu tinha imaginado que... Cheguei a recusar o convite de casamento. Escrevi a ela dizendo que isso só causaria problemas com o marido. Ela me respondeu explicando o que conseguira.

Phaedra inspirou profundamente. Sua voz saiu mais fraca quando voltou a falar.

– Chorei ao ler a carta. Foi o gesto mais nobre que qualquer amiga já fez por mim. Preocupar-se comigo naquele momento... Ainda acho difícil de acreditar que seu irmão tenha concordado. Não sou uma mulher que a maioria dos homens deseje como amiga de suas esposas. Uma cortesã seria mais bem-vinda nas salas de estar das famílias elegantes de Londres.

Elliot imaginou que a generosidade do irmão fazia parte de uma estratégia maior. Phaedra Blair era uma concessão pequena para Hayden nas negociações para ficar com a mulher que desejava.

Não ajudaria colocar as coisas dessa forma.

– Hayden nunca foi escravo das regras da sociedade. Ele quer que Alexia seja feliz e sabe que a amizade dela com você não representa qualquer perigo.

– Se ele acredita nisso, o amor o deixou tolo. Não me ressinto com os pais e maridos que não permitem que eu seja recebida, Elliot. Se eu fosse eles e acreditasse no que eles acreditam, estabeleceria as mesmas regras.

Elliot olhou para o topo da cabeça dela. O cabelo parecia mais dourado do que ruivo agora, na luz cristalina da manhã. Ela não queria sua piedade por sua infância solitária. Não esperava que o mundo se transformasse para se adaptar a ela. Só queria que a deixassem quieta para que conduzisse suas crenças como lhe aprouvesse.

Entender isso acrescentou ternura à satisfação que ele sentia naquele momento. Infelizmente, deixá-la quieta seria quase impossível.

– Lorde Elliot.

O chamado de Carmelita não veio das escadas de pedra. Ela estava lá embaixo, do lado de fora da torre. Pelo menos uma das senhoras tinha se intrometido mais cedo e agora faziam uma tentativa de não repetir isso.

Ele se levantou e olhou para fora da janela. As cinco senhoras estavam em volta de Carmelita, falando baixo e ainda montando guarda.

– Lorde Elliot, o signore Greenwood está chegando.

Ela fez um gesto indicando a parte baixa do promontório, para além dos homens que acordavam.

Greenwood passava pelo cais, agora cheio de barcos de pesca. O barulho da cidade lembrou a Elliot por que nenhum deles fora para o mar. Era o dia da festa de San Giovanni.

Os homens deram passagem a Greenwood. Ele lhes disse algo ao passar. Acenou para Elliot quando o avistou na janela. Seu sorriso e andar lépido indicavam que trazia boas notícias.

Ele cumprimentou Carmelita e as senhoras com uma mesura, depois olhou para cima.

– Você e a Srta. Blair têm muitas razões para me agradecer, Rothwell. Fui tão habilidoso, tão brilhante, que mereço um cargo nas relações exteriores.

– O senhor convenceu aquele idiota a pôr fim nisso? – perguntou Carmelita.

– Fechei um acordo. Um tão bom que as senhoras não precisarão mais oferecer seus préstimos.

Carmelita explicou às senhoras o que ele dissera, porém elas relutaram. Uma pequena discussão se seguiu, mas Carmelita as convenceu. Todas as mulheres começaram a caminhar de volta para a cidade.

– Vou subir e explicar – disse Matthias, desaparecendo no limiar do portal.

Elliot se virou para Phaedra. Ela se parecia de novo consigo mesma: composta, orgulhosa e singular. O tecido preto cobria o corpo que ele possuíra horas antes. Phaedra se inclinou e esticou o cobertor por cima da palha, eliminando a mais óbvia evidência dos eventos noturnos.

– Eu devia ter me rendido à tentação e acordado você mais cedo – disse ele. – Uma noite assim não devia terminar de forma tão abrupta.

Phaedra deu um sorrisinho nervoso.

– De forma abrupta ou lenta, as noites sempre acabam.

Havia muita coisa que ele gostaria de dizer em resposta, entretanto as botas de Greenwood já se aproximavam do cômodo.

O cabelo branco e o rosto sorridente de Matthias surgiram. Ele parecia muito satisfeito consigo mesmo.

– Trouxe-lhe a chave de sua prisão, Srta. Blair. Infelizmente, para que tudo dê certo, a senhorita tem que deixar Positano imediatamente.


CONTINUA

CAPÍTULO 7

– É uma coleção modesta.

Matthias brilhava de orgulho, apesar de suas palavras.

– Tive a ideia inspirado nos gabinetes renascentistas. É o meu refúgio dentro de casa, cheio dos meus objetos favoritos.

Seu gabinete era uma grande sala quadrada cheia de urnas antigas e ramagens nas paredes de gesso. Além de uma escrivaninha comprida repleta de livros e papéis, o cômodo continha artefatos. O capitel de uma coluna coríntia estava empoleirado em um dos cantos da mesa. Um busto antigo os observava do alto de uma estante de livros. Vitrines com pés, como as das livrarias inglesas, guardavam outros pedaços de peças e antiguidades.

Phaedra caminhava por entre as peças, observando. Randall Whitmarsh a acompanhava, apontando as moedas com as imagens de Júlio César e Tibério gravadas e as pequenas garrafas de vidro.

– Aqui está o grande achado – anunciou Matthias.

Ele abriu uma gaveta, retirou uma trouxinha de tecido e começou a desembrulhar o material.

Surgiu uma pequena estatueta de bronze de uma deusa nua em uma posição relaxada.

– Alguns garotos mergulhavam na enseada e lá estava ela, no fundo da areia. Deve ter ficado lá por 1.500 anos. É grega, tenho certeza. Período clássico. Provavelmente parte de uma carga grega a caminho de alimentar os cobradores do Império Romano.

Whitmarsh levantou a estátua.

– Com certeza um navio naufragou aqui. Deve haver outras peças onde ele afundou, se puder ser achado.

– A água fica profunda rapidamente, o que é muito perigoso – disse Matthias. – Se houver mais peças, elas só vão ser encontradas quando as marés fizerem seu trabalho. Retirei com cuidado as cracas e a melhora foi maravilhosa.

Elliot tomou a estátua em suas mãos.

– É linda. Pretende vendê-la?

– Ainda não sei. Caso decida vender, Whitmarsh poderia pô-la à venda para mim em Roma, não é?

– Ou eu, em Londres – emendou Elliot. – Você conseguiria um preço melhor, não acha?

Matthias sorriu com a indulgência de um mestre. Pegou a estátua das mãos de Elliot.

– E macular o seu sangue com atividades comerciais? Eu não faria isso.

– Não haverá comércio se eu apenas indicar um colecionador. Easterbrook pode até ficar interessado na peça.

Os homens começaram a discutir a data de criação da estatueta e seu valor. Phaedra continuou a andar por entre as vitrines para completar sua visita de reconhecimento.

A coleção de Matthias era muito eclética, como a de um garoto de escola que trouxesse para casa pedaços e peças do mundo que o fascinavam. Uma vitrine continha fragmentos de cerâmica de pouco valor, porém com enfeites primitivos fascinantes. Espirais e formas geométricas se amontoavam sobre as superfícies avermelhadas. Um belo cálice grego intacto ocupava lugar de honra em outra, exibindo o deus Dionísio em um navio em seu interior raso e arredondado.

Prosseguiu até as adagas antigas e partes de armaduras romanas entalhadas e chegou até uma vitrine que continha outros objetos de metal. Essa estava trancada e Phaedra podia entender por quê. Espalhados dentro estavam objetos de ouro e prata e esmaltados, alguns clássicos, outros de épocas posteriores, em que normandos e sarracenos estiveram ali. Pequeninas imagens de deuses romanos e vivas interações de linhas e arabescos disputavam sua atenção.

A vitrine inteira brilhava. Fechos de bolsas, brincos e fileiras de contas de vidro.

– Decidi ficar com minha pequena deusa – anunciou Matthias. – Onde acha que devo alojá-la, Srta. Blair?

Phaedra deu sugestões de lugares onde Matthias poderia exibir a pequena estátua, porém seus pensamentos continuavam na coleção diversificada do seu anfitrião. Ela se perguntava se ele saberia algo sobre camafeus antigos.


De tarde, o Sr. Whitmarsh decidiu pescar, então os cavalheiros desceram a montanha para alugar um barco após a sesta costumeira da cidade. Isso deixou Phaedra com a signora Roviale e a Sra. Whitmarsh.

As damas se sentaram na sala de visitas e tentaram não entediar umas às outras. Quando a Sra. Whitmarsh pediu licença e saiu para escrever uma carta, a signora Roviale abordou o único assunto que achava ter em comum com a outra hóspede.

– É um homem notável, o seu lorde Elliot. Não sou fã de todos os amigos ingleses do signore Greenwood. Eles quase sempre são pálidos demais e reservados a ponto de se tornarem tediosos, e suas mulheres e namoradas também são sem sal e sem assunto. Mas lorde Elliot é ao mesmo tempo bonito e interessante. Un uomo magnifico.

– Lorde Elliot é cunhado de uma grande amiga minha e me acompanha a pedido dela. Não sou sua namorada.

– Veramente? – exclamou ela, depois avaliou Phaedra com frieza. – Talvez, se usasse roupas mais atraentes... Matthias me disse que não está de luto e, por aqui, o preto é mais comum entre as mulheres velhas... E seu cabelo, a minha criada poderia penteá-lo para que não parecesse uma criança nem uma puttana.

“Puttana” tinha sido uma palavra que Gentile Sansoni usara durante o interrogatório. Significava meretriz. Como a signora Roviale não era casada com Matthias, estava enveredando por um campo muito delicado.

– Escolho meus vestidos e meu penteado por bons motivos, signora. Assim não preciso ficar sobrecarregada com criadas nem gasto horas em preparações antes de começar meu dia tão atarefado.

– Aaah, capisco. Entendo.

Ela fez um gesto expressivo, a mão desenhando um amplo arco que incluiu as duas e a casa.

– Mas seu dia está livre hoje. Não está muito ocupada, não é? Não temos nada para fazer enquanto esses ingleses pescam feito camponeses. Ofereço-lhe minha criada; então não ficará, como disse, sobrecarregada.

– Estou muito satisfeita assim, obrigada. Quanto a preencher o meu dia, vou para o meu quarto ler, se me der licença.

– Pode ler outra hora. Acho que é uma mulher que lê demais.

Ela se levantou e acenou para Phaedra, indicando que a acompanhasse.

– Talvez esteja satisfeita em seu vestido, contudo a signora Whitmarsh não está feliz. Ela pensa que você é uma bruxa e que está tentando encantar o marido dela. E você é tão incomum que ela não sabe como competir. É louca por pensar assim, de toda forma posso ver as suspeitas naquele rosto comprido. Nós a deixaremos apresentável e comum para o jantar desta noite, para que ela não pareça ter uma nuvem negra em cima da cabeça.

Revoltada por estar sendo coagida, porém incapaz de pensar em uma desculpa para desfazer o plano de sua anfitriã, Phaedra se levantou. A signora Roviale lhe deu o braço e, com firmeza, conduziu-a escada acima.


Elliot despiu a camisa agora úmida de maresia. Entregou-a ao criado para que fosse lavada, depois foi se arrumar para o jantar. A pesca tinha sido divertida, animada pelos odres de vinho que Matthias tinha jogado no barco.

Saiu para o terraço e apurou os ouvidos. Nenhum som vinha do quarto de Phaedra, portanto supôs que ela já tivesse descido e se dirigiu à sala de visitas. Todos os hóspedes estavam reunidos, exceto a única mulher que ele estava ansioso para ver.

Perguntou-se se ela aproveitara sua ausência para escapar e amaldiçoou a própria negligência. A combinação relaxante de sol e mar e a excitação que não queria deixá-lo o tinham feito esquecer o motivo de ter Phaedra em sua companhia.

Conversou com Whitmarsh e Greenwood. Cada minuto que passava aumentava suas suspeitas da fuga de Phaedra. Estava prestes a perguntar à signora Roviale sobre as atividades da Srta. Blair naquele dia quando Whitmarsh de repente parou de falar e olhou fixo por sobre o ombro de Greenwood. A expressão no rosto dele fez Elliot olhar na mesma direção.

Greenwood virou a cabeça.

– Meu Deus. É a nossa Srta. Blair?

Aparentemente, sim, exceto que aquela Srta. Blair não se parecia muito com a que Elliot conhecia. O vestido preto substituído por um azul-celeste, com um fita marfim e mangas curtas bufantes no ombro e justas no braço. O cinto de seda marcava sua cintura e o decote revelava a pele muito alva do pescoço e dos ombros, destacando o arredondado firme e elegante de seus seios.

O cabelo também tinha sido penteado e preso. Sem mais flutuar solto, formava um penteado com cachos e trançados que a deixavam muito na moda. Usava um pouco de maquiagem no rosto, ou talvez a atenção que despertara a tivesse feito enrubescer.

– É ainda mais bela do que a mãe – sussurrou Whitmarsh. – Se pode ficar bonita assim, por que se esconde naquele hábito de freira?

Elliot sabia por quê. O motivo agora enchia a sala de visitas. O silêncio caiu conforme os homens a olhavam e as mulheres a avaliavam. Elliot andou pelo meio dos outros para poupar-lhe o incômodo de continuar a ser o espetáculo da noite.

– Está muito bonita hoje, Srta. Blair. Vamos pegar um pouco de vinho.

Ela o acompanhou até a criada que servia as bebidas. O grupo retomou suas conversas.

– A signora Roviale fez isso tudo. O vestido é dela – contou Phaedra. – A mulher é implacável. Não havia como escapar.

Ele lhe entregou um cálice de vinho.

– Foi gentileza da sua parte ceder.

Ele se esforçava para que seu olhar não resvalasse para a protuberância branca acima do decote do vestido. Queria lamber e mordiscar aquela pele de leite que surgia além da fronteira azul-celeste.

– Levou horas. Tinha me esquecido dessa parte. E esse espartilho... bem, você pode imaginar como meu pobre corpo não gosta disso.

Não exatamente. Contudo ele podia imaginá-la de camisa e meias, antes de pôr o espartilho, e depois de vesti-lo, quando ainda não houvesse colocado o belo vestido.

– Acredito que, com a prática, fique mais fácil.

– Não vai haver prática. Essa experiência acaba junto com o jantar. Só rezo para que não desmaie antes disso. Mal posso esperar para ser liberada dessa tortura. Para começar, é insuportavelmente quente. Descobri que os árabes usam roupas soltas em climas quentes por um bom motivo. Além disso...

De repente, no meio da frase, suas reclamações pararam. Ela enrubesceu violentamente, como se visse nos olhos dele o que se desdobrava em sua imaginação, o vestido caindo, o espartilho se abrindo e o corpo dela sendo revelado. O traje dava uma visão melhor desse corpo do que seus vestidos pretos, e ele a imaginava nua com muito mais nitidez agora.

Whitmarsh se aproximou exalando charme. Greenwood não perdeu a Srta. Blair de vista enquanto falava com os outros. Ela respirou fundo e partiu para encantar a todos com seu brilho e sua beleza.


Phaedra pretendia escapar direto para seu quarto ao final do jantar, para tirar aquelas roupas desconfortáveis. Mudou de ideia ao ver Matthias Greenwood andar em direção a seu gabinete. Em um impulso, ela o seguiu, alcançando-o no momento em que abria a porta.

– Sr. Greenwood, posso falar com o senhor em particular? – solicitou Phaedra.

– Com certeza, Srta. Blair. Venha comigo. Terá toda a minha atenção aqui.

Ela aceitou sua acolhida e sentou-se na cadeira que ele lhe indicou, ao lado da mesa. Encarapitada lá, sob seu exame tutorial, sentiu-se como uma aluna pleiteando uma vaga na universidade.

– Sr. Greenwood, na Inglaterra eu vinha conversando com pessoas que conheceram minha mãe. Tenho algumas perguntas sobre fatos que aconteceram no final da vida dela. O senhor a conheceu também e seu nome foi mencionado várias vezes. Algumas delas sugeriram que talvez pudesse me ajudar.

– Algumas delas...?

– Amigas de minha mãe. Mulheres que me ajudaram a relacionar as pessoas que faziam parte do convívio social de minha mãe e coisas afins.

– Ajudarei como puder, entretanto não era um amigo próximo. Minhas funções na universidade não me permitiam vê-la com muita frequência.

– Entendo. Contudo é sua distância relativa que pode ter possibilitado ao senhor enxergar com mais clareza do que os amigos mais íntimos.

Ele pareceu cético, mas se mostrou prestativo.

– O que precisa saber?

– Talvez o senhor considere minhas perguntas um pouco ousadas.

Ele riu.

– Ficaria desapontado se não fossem. Se a senhorita está correndo o mundo atrás de respostas, imagino que as perguntas não sejam banais.

Seu bom humor tornava tudo mais fácil. Ela decidiu começar com a pergunta mais ousada de todas.

– Alguma vez suspeitou que minha mãe tivesse um amante nos últimos anos de vida?

Ainda que ele esperasse ousadia, a pergunta o deixou um tanto sem jeito. Sua expressão sempre bem-composta se alterou, ficando próxima do constrangimento.

– Não tive indícios para pensar isso. No entanto... Bem, quando conheci sua mãe, Drury era uma presença constante, mas parecia menos presente por volta do último ano.

– O senhor sabe quem era o outro homem?

Os olhos dele ficaram mais cálidos, demonstrando simpatia. Seu sorriso era o de um tio para a sobrinha preferida.

– Nem sabia se havia alguém. Tem certeza de que houve?

– Meu pai achava que sim.

– Os homens podem errar em relação a essas coisas. A paixão esfria, a distância aumenta... Ele pode ter interpretado errado.

Ela sabia dessa possibilidade. Matthias não era o primeiro a mencioná-la. Vários amigos de sua mãe sugeriram a mesma explicação. Ela mesma também nutria a esperança de que fosse apenas isso.

– Há alguém que o senhor teria considerado provável?

Ele balançou a cabeça.

– É tão importante saber o nome ou mesmo se a suspeita se confirma?

– Se tivesse sido um caso normal, eu diria que não.

Ele esperou pacientemente que ela continuasse, nem encorajando nem desencorajando outras revelações com seu comportamento reconfortante. Ela entendeu por que Elliot gostava desse homem. Havia algo em Matthias Greenwood que inspirava confiança e estimulava confidências. Sua franqueza era tamanha que afastava até a menor possibilidade de dissimulação.

– Minha mãe me deixou um camafeu – contou ela. – Seu testamento dizia que era originário de Pompeia. Sua intenção era que ele me desse alguma segurança financeira, e sempre supus que daria. No entanto, antes de meu pai morrer, ele alegou tratar-se de uma joia falsa, vendida a minha mãe pelo amante.

Matthias franziu o cenho, a preocupação evidente em seu olhar.

– A senhorita depende do valor desse camafeu?

– Minha situação financeira ficou mais complicada nos últimos tempos. Talvez eu precise vendê-lo. Contudo, se for falso...

– Valerá uma mera fração do que ela imaginava e provavelmente do que pagou. E a senhorita também não pode vender a peça antes de ter certeza, a menos que queira se arriscar a fazer parte de uma fraude.

– Exatamente.

– Entendo seu dilema. Lamento que sua herança esteja em questão. Se um admirador tirou vantagens indevidas de Artemis, o canalha deveria ser enforcado. Ela era muito generosa com todos que conhecia, mas... bem, talvez ingênua demais e lenta demais para perceber que alguns teriam interesse em se aproveitar dela.

Ele lhe lançou um olhar que pedia desculpas pela leve crítica.

– Talvez ela tenha sido mesmo ingênua demais, Sr. Greenwood. E sua generosidade significa que ela deixou pouco mais em herança além do camafeu. Suponho que eu poderia guardá-lo como lembrança, contudo, se ele simboliza o roubo de sua afeição e de seus recursos, não terá nenhum valor sentimental para mim.

– Eu pediria para ver o camafeu se pudesse afastar suas preocupações, no entanto confesso não ter muito conhecimento nessa área. Poderíamos mostrá-lo a Whitmarsh, é claro. Ele conhece muito mais pedras preciosas do que eu. No entanto, faria mais sentido perguntar aos especialistas em Pompeia...

Seu cenho se desanuviou. Ele deu um risinho.

– É por isso que está na península Itálica, não é? É claro. Agora compreendo.

– O senhor acha que posso obter uma resposta concreta lá?

– A mais concreta possível. Como já sabe, as opiniões variam. Escreverei para o superintendente, para abrir caminho para a senhorita. Ele está envolvido em escavações há vinte anos e pode atestar a origem do item, bem como seus sinais característicos de antiguidades.

– Agradeço sua boa vontade em me ajudar. Pergunto-me se posso abusar um pouco mais de sua gentileza. Temo que isso signifique pedir que levante hipóteses que talvez não queira.

– Não sou bom demais a ponto de resistir a fofocas, Srta. Blair. Pelo menos, até certo ponto.

Ela suspeitava de que iria chegar a esse ponto e talvez ultrapassá-lo.

– Se, de fato, esse camafeu, real ou falso, foi dado ou vendido a minha mãe por um homem nos seus últimos anos de vida, o senhor pode pensar em alguém em seu círculo que tivesse acesso a coisas assim?

Seus olhos de águia se obscureceram e ele ficou introspectivo, refletindo demoradamente sobre a pergunta. Phaedra imaginou que ele estaria relembrando as festas e jantares de anos atrás, examinando rostos e reconstituindo conversas.

– Não tenho um nome para lhe dar – disse por fim.

Sentiu o desapontamento, mas não foi um golpe tão duro. Teria sido ótimo resolver o mistério naquele dia, entretanto ela na verdade não esperara mesmo que isso acontecesse.

– Contudo, talvez...

Os olhos de águia de Matthias ficaram reflexivos de novo.

– Olhe bem, estou me lembrando de uma joia que diziam ser originária de um tesouro em Pompeia, só que não pertencia a sua mãe. Lembro-me que sua existência foi discutida durante uma das recepções que ela deu. Pode ser a mesma joia que está agora em sua posse ou talvez seja outra.

– O senhor se lembra do que foi dito na ocasião?

– Não de muita coisa. Não tinha interesse no assunto. Nem mesmo consigo determinar a data da conversa com muita precisão.

Ela olhou por cima de seu ombro para as vitrines.

– Eu diria que o assunto o interessa deveras.

– Não em relação a essa joia específica. Percebi logo que a origem da joia era duvidosa. Qualquer item retirado de Pompeia é propriedade roubada. Não há documentação de sua descoberta lá porque isso revelaria tratar-se de um roubo – explicou e deu de ombros para prosseguir: – Há quem não se importe com esses detalhes e pessoas que acreditam em qualquer história que lhe contem. É assim que comerciantes desonestos fazem fortuna.

– O senhor se recorda de como esse camafeu surgiu? Alguém o estava vendendo?

Ele bateu com os dedos na mesa e pensou bem.

– Foi há tanto tempo... Não quero atacar a credibilidade de ninguém...

– O senhor não o fará. Nem eu. Não farei acusações, a menos que tenha certeza de todos os fatos. Não haverá fofoca, nem difamação ou calúnia. Só quero saber em que direção devo seguir.

– Não me lembro dos detalhes. Mas havia vários negociantes que giravam em torno de Artemis Blair. Dois estavam sempre presentes nos últimos anos. Um, Horace Needly, tem uma reputação ilibada, porém nunca se sabe o que acontece nesse meio. No outro tenho menos confiança, principalmente porque ele evitava conversas com acadêmicos como eu. Isso me fazia pensar se seu conhecimento passaria pela prova de alguém experiente.

– Qual era o nome dele?

– Thornton. Nigel Thornton. Um sujeito bem-apessoado. Bem-sucedido também, se não me engano, contudo suas antiguidades tinham origem duvidosa.

– Obrigada pelos dois nomes. Verei o que posso descobrir quando voltar à Inglaterra. O senhor me ajudou bastante e sou muito grata.

Ela se levantou para ir embora. Ele sorriu ternamente, feliz por ter sido útil.

– Sr. Greenwood, me perdoe, mas... não havia pelo menos mais um negociante no círculo de minha mãe naquela época? O Sr. Whitmarsh. O senhor disse no outro dia que ele vende antiguidades em Roma e...

– Aquilo foi só uma brincadeira entre amigos, Srta. Blair. Desde que veio para cá, sabe-se apenas que passou adiante um ou dois objetos que lhe chegaram por acaso e com os quais ele não tinha intenção de ficar. Nada mais. Já fiz isso também. Não se pode considerar isso comércio – ele foi falando de forma indulgente, enquanto a acompanhava até a porta. – Além disso, ele não se dedicou a esse ramo na Inglaterra, nem mesmo por um período breve. Não ficaria bem, não? Afinal, ele é um nobre.


– Rápido, não aguento mais. Rápido.

Um grunhido profundo seguiu os pedidos da Srta. Blair.

– Ai, assim, hum, que maravilha.

Elliot estava de pé no terraço, com as costas apoiadas na parede da casa. Ele ria por dentro dos gemidos que lhe chegavam pelas portas ao lado das dele. Os sons que Phaedra fazia ao ficar livre, aliviada do vestido e do espartilho, lembravam os de uma mulher que se sentisse livre e aliviada por outros motivos.

Pôde ouvir quando ela dispensou a criada e depois resmungou:

– Que diabos. Nunca mais. As mulheres são loucas de se vestirem assim.

Vagos sons de seus movimentos no quarto eram notados. Ele deu alguns passos no terraço e retomou sua posição, desta vez do lado de fora do quarto dela.

– Sobreviveu, Srta. Blair? Ou ficou deformada para sempre?

Ela esticou a cabeça para fora, procurando-o. Ficou surpresa ao vê-lo tão perto.

– Achou graça, não?

– Nem um pouco.

Sua risada mostrou que era mentira. Ela franziu a testa com vigor.

– Espere aí. Quero lhe falar sobre um assunto.

E ela desapareceu no quarto.

Voltou alguns minutos depois, vestida de preto. O penteado não fora desfeito, então ela ainda não tinha voltado a ser a Phaedra de sempre.

– Por quanto tempo pretende me manter aqui? – perguntou ela.

Suas palavras aludiam a tudo o que ocorrera desde o dia em que ele entrara naquele jardim em Nápoles. A observação continha todos os seus ressentimentos.

– Alguns dias. Mais tempo, se a senhorita quiser. Precisa admitir que este é um lugar bem relaxante.

– Não vim da Inglaterra para repousar.

– Podemos partir em três dias, se desejar. Contudo imaginei que apreciasse a companhia de pessoas que conheceram sua mãe.

Ela foi até a balaustrada e olhou para o mar negro. Elliot observava suas costas, mas o que via, apesar do tecido preto que a cobria, era o corpo nu.

– Confesso que estou gostando da visita mais do que esperava, exceto das imposições da signora Roviale hoje. Apesar de inconveniente, esse desvio em meus planos se mostrou proveitoso. Deveria ter considerado que seria útil... que seria possível e até mais provável conhecer as pessoas do círculo da minha mãe se eu o acompanhasse.

Ele teria questionado o motivo de ela considerar isso “útil” se a noite não estivesse tão agradável e calma e a luz da lua não tornasse Phaedra tão linda.

– O Sr. Greenwood mora aqui há muito tempo? – perguntou ela.

– Ele comprou a casa há uns seis ou sete anos. Só veio morar aqui em definitivo faz quatro anos. Na última vez em que vim, a casa ainda era bastante rústica.

– Imagino que ele conheça todos os especialistas em antiguidades, de Milão à Sicília.

– É bem provável. Não se trata de um grupo tão grande. É natural que busquem a companhia de colegas.

– Então foi um professor universitário que comprou esta mansão, fez melhorias e se mudou para cá. Ele deve vir de uma família abastada.

A avidez de Elliot o deixava impaciente por jogar conversa fora com Phaedra, mas ele lhe concederia isso por enquanto. Afastou-se da parede e se juntou a ela na balaustrada.

– Ele vivia de forma frugal em Cambridge. Um parente lhe deixou dinheiro. Esta mansão provavelmente deve ter custado menos do que uma casa pequena em Londres. Os imóveis aqui não têm o mesmo valor de lá.

Ele admirava o trabalho intricado no penteado da Srta. Blair. Levaria um bom tempo para desfazer tudo aquilo antes de dormir. Tempo de mais. Ele deixaria daquele jeito.

Exceto por um olhar, ela não reagiu à sua proximidade.

– Ele falou como se visitasse as escavações com frequência e conhecesse os arqueólogos lá.

– Espero que sim. Por que está tão curiosa sobre ele?

Matthias tinha idade para ser pai dela e Whitmarsh, quase isso. Ainda assim, a admiração deles pela ruiva naquela noite provocara em Elliot uma desconfiança enciumada que provavelmente não tinha fundamento. Agora a desconfiança surgia de novo, irracional porém nítida, atiçando o desejo com os espinhos da possessividade.

– Há algumas páginas nas memórias de meu pai que levantaram questões sobre os últimos anos de vida da minha mãe. Fiz perguntas a Matthias e estou refletindo sobre o peso que devo atribuir às respostas.

Então era nisso que ela pensava nas horas em que ficava séria e introvertida? Ela havia se aventurado até o terraço, apesar da advertência da noite anterior, mas não para implicar ou desafiar. Ela buscava informações que fossem úteis.

Christian sugerira que essas memórias talvez contivessem revelações que Phaedra não iria gostar de ler. O fato de ela confirmar isso provavelmente era significativo, porém naquele exato momento Elliot não se importava. Ele a desejava e estava ali, naquela noite maravilhosa, com ela, uma mulher que acreditava no amor livre e que não se prendia a regras sociais estúpidas.

A luz da lua tornava sua pele branca quase translúcida. O vestido preto ia até o pescoço, mas ele ainda tinha na mente o volume dos seios dela.

– Às vezes é sensato deixar as perguntas sem resposta.

Ela o encarou, indiferente a quão perto estava de ser agarrada.

– Não acredito que creia nisso. Ou, melhor, não acho que o senhor consiga seguir o próprio conselho. Vi seu rosto quando falamos das referências a seu pai nas memórias. Você não quer que elas sejam publicadas, porém precisa saber se o que há lá é verdade.

Sua postura e suas palavras lançavam um novo desafio. Ele não o aceitaria naquela noite; em vez disso, lidaria com os desafios já existentes entre eles. Haveria tempo o bastante para lidar com este mais tarde.

– Já sei que não são verdadeiras. Mas a senhorita fala de questões sérias, Srta. Blair. Por favor, perdoe-me por deixar essa discussão para outro momento. Um em que a luz do luar, a noite e sua beleza não estejam fazendo minha mente se voltar para outros assuntos.

A expressão no rosto dela foi de pura surpresa. Não se moveu ao encará-lo. O que quer que tenha visto no rosto dele gerou faíscas de temor em seus olhos.

Ela se virou para caminhar em direção à porta.

– Então o deixarei refletir sobre esses assuntos, quaisquer que sejam.

Ele pegou no braço dela.

– Não desta vez, Phaedra.

Elliot a virou para si, segurou seu rosto entre as mãos e beijou a boca que o tentava fazia dias.


Como é que ele... como ousava...

Seu espanto por ser puxada para Elliot foi apagado pelo beijo dele. Mas outra coisa a assombrou: a forma como seu coração deu um salto quando ele a dominou.

Só o beijo já fora suficiente para deixá-la assim. Firme, forte e determinado, o beijo dele continha as advertências da noite anterior. Quero-a implorando por mim. Esse perigo a excita.

Com certeza, aquele perigo a excitava. A forma como sua pegada a dominou gerou arrepios traiçoeiros em seu baixo-ventre. Partes dela começaram a implorar de imediato, pedindo mais, desejando que ele não parasse.

A mente de Phaedra se acelerou. Pensamentos se formavam e desapareciam em rápida sucessão.

Ele nem perguntou. Será que pensou...

Os beijos no pescoço fizeram-na perder as palavras. Uma névoa estonteante e sensual obscureceu o resto.

Isso foi um erro, mas, ah...

O calor da boca de Elliot penetrou em seu sangue, fazendo seu corpo formigar em todas as partes para onde ele fluía. Seus seios ficaram mais cheios e firmes e o sentiram através do tecido do vestido. O contato a excitou mais e ela instintivamente colou o corpo no dele em busca de mais estímulos.

Ele beijou sua boca de novo. Não tão forte dessa vez, apenas seduzindo e conduzindo-a, mas igualmente exigente e confiante em que ela lhe daria tudo o que ele desejava.

A forma como ele a agarrava a atiçava, ainda que ela devesse ter se rebelado. Ela via o perigo, mas não conseguia parar porque era excitante. O corpo de Phaedra seguia para o abandono e a mente já estava fora de controle.

Uma carícia. Que não explorava, não procurava, não pedia nada. Firmes e seguras, suas mãos desceram por suas costas, pelo quadril e as nádegas, reivindicando seu corpo como se ela não estivesse vestindo nada, fazendo-a sofrer na expectativa por mais.

A língua dele entrou em sua boca, percorrendo todos os espaços. Arrepios eróticos tremularam em sua vulva. As mãos dele se moviam por seu corpo, sem reservas. Ela não se importou por se render a um inimigo e lhe dar um espaço que talvez nunca mais retomasse no campo de batalha. A excitação comichava, zunia e pulsava, tornando impossível pensar de forma sensata.

Quero-a implorando por mim. Ah, sim, isso era bem possível. Seus seios estavam tão sensíveis que ela pensou que fosse enlouquecer.

Como se ele ouvisse seus pedidos silenciosos, acariciou seu quadril, o ventre e subiu até os seios. Estava zonza de expectativa ao beijá-lo, incitando-o com sua boca, a língua e o abraço.

Devagar, ele tomou o seio em sua mão. Um intenso frêmito de prazer a dominou. A outra mão dele estava firme em suas costas, sustentando-a e movendo-se para baixo devagar a cada fecho que abria do vestido.

Eu não deveria... isso não deveria...

Um beijo avassalador transformou em poeira a objeção que se formava na mente de Phaedra. Afagos deliberados em seus mamilos a espalharam pelo ar.

Ele deu um passo para trás, separando seus corpos. O brilho da lua banhou a ambos e a luz dourada vinda do quarto dela definiu os contornos de Elliot. Ele não lhe deu tempo para se recompor, para juntar os cacos de sua racionalidade. Levou a mão à gola do vestido e começou a fazer o tecido negro escorregar pelo corpo dela.

Nunca antes um homem a tinha despido. Nunca. Ela não permitia que isso acontecesse. Agora o gesto a deixava em transe, imobilizada. A lenta descida do tecido pareceu a carícia mais erótica da noite. Tudo o que ela conseguiu fazer foi olhar para o rosto de Elliot, sentindo mais do que vendo o desejo que impregnava o ar de potência viril.

As mangas desceram por seus braços e o corpete se afrouxou em seu quadril. Ele levou a mão ao ombro da camisa que ela usava por baixo. Phaedra perdeu o fôlego. Seus seios se enrijeceram ainda mais na expectativa de outro desnudar lento e delicioso.

Porém, de novo ele fez algo que a surpreendeu, afastando o último traço de bom senso que restava nela. Ele não a despiu devagar: em vez disso, arrancou a camisa pelos braços dela. Não foi um movimento impaciente nem apaixonado, mas um gesto que confirmava os direitos do conquistador.

A alma de Phaedra tentou se rebelar, porém não encontrou ancoradouro na maré de prazer que a submergia. A forma como ele olhou para sua nudez absorveu sua atenção de tal forma que ela não se moveu para liberar os pulsos da blusa que ainda restringia seus movimentos.

É só um jogo, essa dança de dominação e submissão. Não significa nada. Não estou cedendo nada, na verdade.

Mas...

Pontas de dedos a esquadrinharam. Palmas das mãos alisaram seu corpo. Ela olhou para baixo, para as mãos másculas de dedos delgados que acariciavam seus seios, estimulando-a e excitando-a da forma mais perfeita. Uma doce loucura tomou sua cabeça e ela enveredou para um prazer sensual cada vez maior. O último fio de autocontrole se desgastava rápido. Ela queria que arrebentasse de vez. Queria que lorde Elliot vencesse o último sinal de resistência que tentava arruinar seu êxtase.

Ele a abraçou de novo, fazendo-a arquear as costas. Beijou seu pescoço e peito traçando um caminho quente que a deixou sem fôlego. Seus dentes e sua boca brincaram com o mamilo, torturando-a com sensações que se espalhavam fundo em seu baixo-ventre e faziam sem corpo implorar enquanto ela gemia baixinho.

Phaedra tentou soltar um braço para enlaçá-lo e mantê-lo próximo, para apoiar-se e senti-lo.

– Não – murmurou ele. – Fique assim.

A tempestade sensual em sua cabeça queria obedecer. O prazer era tão grande que ela não podia parar. Seu corpo estava faminto por mais, por ser preenchido, pela completude que o aliviaria. Parar agora seria impossível, iria contra a natureza.

Porém...

Mesmo em seu abandono, conseguiu ver a situação com um olhar racional. Apesar de sentir um prazer tão intenso que quase doía, ela notou sua sutil submissão e tudo o que lorde Elliot dera por certo desde o primeiro beijo.

De alguma forma, a escrava rompeu suas amarras. Sofrendo de arrependimento e frustração, ela recobrou a voz:

– Você tem que parar agora. Quero que pare.

Ele ficou paralisado. Por alguns momentos terríveis, não se moveu. Depois se endireitou e olhou para ela.

O braço dele a puxou para perto, para um abraço forte. Sua outra mão pousou em seu rosto como no primeiro beijo. As pontas de seus dedos faziam pressão sem a machucarem, mas também sem suavidade.

– E se eu não parar?

Como a maior parte dela não queria que ele parasse, aquilo não chegava a ser uma ameaça. Porém, o fato de ele supor que ela cederia se ele continuasse, de que seria fraca diante de seu poder, devolveu-lhe alguma razão.

– Vai parar – disse ela.

– Confia tanto assim em minha honra?

– Confio em seu orgulho. Uma mulher importunada nunca implorará.

Ele a soltou e se afastou. Tudo em sua aura e em seu rosto dizia que ele poderia puxá-la de volta.

Ela subiu o vestido e se cobriu. Correu para a porta. Seu coração estava aos pulos e seu corpo ainda reagia ao perigo com uma excitação que a surpreendia.

– Não vou parar na próxima vez, Phaedra.

Ela parou no limiar da porta antes de replicar:

– Não acho que haverá próxima vez.

– Haverá, sim.

Ela agarrou as portas duplas e começou a fechá-las.

– Se acontecer, não será por sedução. Eu terei optado por isso antes mesmo do primeiro beijo ou não haverá beijo nenhum.


CAPÍTULO 8

Ele ainda ficou do lado de fora. Phaedra queria abrir a porta para deixar a brisa noturna entrar, mas não se atreveu. Ele poderia interpretar mal.

Ele seria ousado a ponto de entrar ainda assim? Ela se sentou na cama abraçando os joelhos, ao mesmo tempo temerosa e esperançosa de que a porta se abrisse de par em par e lorde Elliot entrasse.

Não se sentia tão dona da situação como agira ao fechar a porta. Sua excitação não ia dar trégua. Seu corpo continuava sensível até ao ar.

Ela não saberia dizer em que momento decidira detê-lo. Tinha sido instintivo, a intuição interferira.

Quero-a implorando por mim.

Não seria possível manter uma amizade com aquele homem. Ele queria vê-la fraca e entorpecida, para que pudesse influenciá-la. Afinal, tivera um motivo para ir atrás dela em Nápoles. Um amigo seu não poderia lhe pedir – nem o faria – que suprimisse aquelas passagens das memórias. Mas um homem que a dominasse e possuísse, um amante que a seduzisse, não hesitaria em usar o poder que essa paixão lhe outorgava.

E tudo isso era uma pena, porque ela o queria.

Nunca desejara um homem assim antes. Não havia nada de confortável nisso. Nada de seguro. Não era a mesma atração que experimentara com seus amigos, não se tratava de um encontro intelectual que permitia outras intimidades.

Ao contrário, o encantamento sensual dele provocava o caos, o mistério e uma estupefação que a deixava sem ar. Ele também sabia disso. Sabia que sua mera presença era um feitiço.

Sua excitação aos poucos se acalmou até virar um formigamento, o mesmo desconforto que vinha sentindo há dias. Por fim, o terraço e o quarto ao lado ficaram em silêncio. Jogou o corpo para trás e se deitou em posição fetal, ainda encarando a porta.

Teria sido isso o que acontecera com Artemis? Depois de anos de amizade confortável com Richard Drury, surgira um homem que não jogava de acordo com as regras dela?

Fora um choque descobrir que a mãe tinha sido infiel a seu pai. Acreditar no amor livre não significava rejeitar a crença em um amor perfeito, para a vida toda. Na infância, Phaedra concluíra que os pais tinham ficado juntos porque o amor livre facilitava reconhecer sua alma gêmea no momento que ela chegasse.

Imaginou a mãe. Bela, viva, segura de si. Mais confiante do que a filha chegaria a ser. Menos prática também. Com o passar dos anos, Artemis havia se cercado de um grupo de pessoas que aceitavam a forma como ela vivia. Seu círculo entendia a relação com Richard e o lugar dele em seu mundo.

Talvez já tardiamente, nesse fascinante espetáculo que fora a vida de Artemis Blair, um homem houvesse surgido, determinado a atravessar o fosso e escalar suas muralhas. Ela devia ter se visto sem defesas por falta de experiência em lidar com esse tipo de homem.

Exatamente como sua filha, naquele terraço ali fora.

Phaedra abraçou um travesseiro. Começava a entender o que havia ocorrido com esse amor tardio que tirara a mãe do eixo.

Um sedutor chegara, atiçando a fêmea primitiva que sobrevivia na alma de toda mulher. Ele tomara e conquistara. Influenciara, enfraquecera e, por fim, traíra.

Se houvesse se apresentado fingindo ser alguém de pensamento semelhante ao dos outros homens em torno dela, Artemis não haveria tido a menor chance contra ele.


Aquela vadia.

A frustração levava Elliot a acumular insultos contra Phaedra na manhã seguinte, enquanto terminava seu café na varanda. Considerando o trabalho infernal que seu corpo lhe dera a noite toda, ele não estava disposto a se esforçar para ter pensamentos dignos de um cavalheiro.

Tentava se contentar imaginando como Phaedra ficaria desconfortável em seu quarto quente e fechado, ao passo que ele deixara a brisa da varanda refrescá-lo. Só que, na verdade, cada vez que olhara para a porta da mulher, uma parte de si rezara para que ela se abrisse e Phaedra corresse para seus braços.

A porta não se movera. A contida, independente e pedra no sapato Phaedra Blair nunca lhe daria essa vitória. Por fim, a porta passara a representar um repúdio. Uma acusação. Uma declaração enraivecida de autocontrole. Você ousou seduzir em vez de pedir? Você tentou me dominar, logo eu, entre todas as mulheres?

Serviu-se de café. Os gemidos sensuais da ruiva ainda soavam em sua cabeça. Ainda sentia seu abraço e seus beijos longos e agressivos. Só em lembrar, já se sentia excitado de novo.

Tinha sido bom. Incrível. Onde ela havia encontrado o bom senso necessário para recuar, sem falar na força para deter a torrente que os arrebatava?

Passos leves e fugazes perturbaram a paz na varanda. Não precisava olhar para o limiar da porta para saber quem tinha chegado.

Nos poucos minutos que Phaedra levou para chegar à mesa, ele dominou a terrível raiva que acumulara ao longo da noite quente de vigília. Um último vestígio soou em sua cabeça ao saudá-la, entretanto. Você não vai se recusar na próxima vez, porque não quer isso de verdade.

A acolhida calma a deixou à vontade. Sua postura cuidadosa relaxou. Phaedra se sentou à mesa, lorde Elliot lhe serviu café e ela tomou um gole.

– Obrigada por ser tão civilizado – disse ela.

Ele não podia crer que ela realmente tocara no assunto. Pousou o cotovelo na mesa e descansou o queixo na mão. Algumas imagens sexuais muito pouco civilizadas se formaram em sua mente.

– Está se referindo a permitir que se recusasse na noite passada ou a lhe servir café esta manhã?

Uma criada entrou trazendo uma bandeja de ovos e fatias de toucinho defumado. Matthias podia ter escolhido Positano como seu lar, porém ainda oferecia um típico café da manhã inglês a seus convidados.

Phaedra pegou uma colher e, lentamente, serviu-se de ovos. Direcionava quase toda a sua atenção aos próprios gestos.

– Suponho que tenha me referido às duas coisas.

– Bem, Marsilio ou Pietro certamente teriam feito um escândalo na noite passada, discutindo e acusando até que toda a casa despertasse. Cavalheiros ingleses, contudo, são ensinados a sofrer.

Os lábios dela se franziram. Ela manteve os olhos no prato ao partir um pãozinho.

– Peço desculpas por qualquer sofrimento. Não foi minha intenção. Já que está sendo um verdadeiro cavalheiro inglês, talvez seja melhor eu não tocar mais no assunto.

– Seria o mais sensato.

Ela continuou a tomar o café da manhã devagar. Ele deveria se retirar, porém, é claro, não conseguiu. Phaedra pousou o garfo no prato e limpou a boca com o guardanapo.

– Lorde Elliot, se pretende que fiquemos mais alguns dias, então precisamos chegar a um acordo sobre o terraço.

Ela era inacreditável. Espantosa. Deveria saber que, naquele exato momento, o impulso dele era pegá-la, jogá-la por cima do ombro, carregá-la até o meio das árvores e terminar o que tinham começado. Porém, lá estava ela, negociando sabe-se lá o quê, quando uma noite insone o tinha deixado com muito menos boa vontade para fazer acordos.

– Como assim, Srta. Blair?

– Compartilhamos o terraço. Não é justo que o acesso a ele me seja negado ou que o fato de que eu o use possa ser interpretado como algo mais do que signifique de fato.

– Prometo que não interpretarei erroneamente caso a senhorita se junte a mim no terraço no meio da noite.

A promessa foi analisada com cuidado. Phaedra era esperta o bastante para entender os possíveis significados ocultos nela.

– Podemos pelo menos concordar que tenho o direito de deixar minha porta aberta sem temer que o senhor entre no meu quarto?

– Não.

– Vejo que fui muito otimista quanto a seu caráter.

– Nisso concordamos. Eu avisei.

– Lorde Elliot, eu...

– Insisto que me chame de Elliot em conversas particulares de agora em diante, Phaedra. Não se importa com a informalidade, não é? Podemos deixar de lado essa regra social estúpida. Afinal de contas, beijei seus seios nus e você gemeu de prazer.

Ela ficou estarrecida. Ele teve vontade de sorrir pela primeira vez naquele dia. Phaedra recuou e assumiu uma postura de arrogância controlada.

– Prefiro que evitemos a companhia um do outro o máximo possível, Elliot.

– Isso vai ser fácil esta manhã. Greenwood e eu vamos nos trancar em seu escritório até depois do meio-dia.

Ela se levantou.

– Então acho que vou dar uma longa caminhada e evitar os outros convidados por várias horas.

Ela se virou para ir embora.

– Phaedra.

Ela estacou e olhou por cima do ombro.

– Phaedra, exijo que prometa que não vai tentar fugir e que estará aqui no jantar.

Ela elevou a sobrancelha.

– Por causa de seu juramento ao signore Sansoni?

– Por isso também.

A expressão dela deu a entender que sabia qual era o outro motivo.

– E se eu não der a minha palavra?

– Posso amarrá-la na cama de novo. Gostaria disso?

Ela enrubesceu. Descartou a insinuação com um meneio brusco da cabeça.

– Tenho sua palavra?

– Sim, tem minha palavra, apesar de isso ser desnecessário e ridículo. Não sei nem como descer dessa montanha, que dirá descobrir como viajar para o interior.

Phaedra ergueu a cabeça e se afastou, fazendo o vestido negro ondular atrás de si.


Phaedra voltou para seu quarto e desfez as malas.

Como ele adivinhara seu plano? Não se via como uma mulher previsível, contudo lorde Elliot parecia ler seus pensamentos antes que eles nem sequer tivessem se formado.

Colocou de lado a valise vazia. Preparar-se para fugir fora um impulso nascido de uma noite de reflexão honesta sobre a forma como lorde Elliot a afetava. Ela corria enorme risco de fazer papel de boba, de se derreter toda só porque um homem lhe provocava desejo físico. Evitar completamente o desafio parecera uma boa ideia ao alvorecer.

Sentou-se e calçou as botas de cano curto. Andou até o terraço e olhou para baixo, para a cidade. Vozes chegavam da varanda embaixo dela. Outros convidados tomavam o desjejum.

Respirou fundo e invocou a mulher que sua mãe a ensinara a ser.

Decidir fugir fora covardia. Tinha se deslocado até aquela terra para encontrar respostas sobre a mãe, e algumas delas poderiam estar bem ali, naquela casa. Fazia muito mais sentido ficar e tentar confirmar as suspeitas que fervilhavam por debaixo de seus medos e vulnerabilidades em relação a lorde Elliot.


Quando Phaedra voltou à varanda, Matthias Greenwood desaparecera em seu gabinete com lorde Elliot. Randall Whitmarsh, contudo, estava sentado à mesa com a esposa. Phaedra se reuniu a eles, com a esperança de que a Sra. Whitmarsh logo pedisse licença e saísse. A conversa com Matthias tinha corrido tão bem na noite anterior que ela estava ávida por descobrir se o Sr. Whitmarsh poderia acrescentar mais alguma informação.

Infelizmente o Sr. Whitmarsh foi embora primeiro, para fazer sua longa caminhada matinal.

– A senhorita estava linda na noite passada – disse a Sra. Whitmarsh.

– Obrigada.

– Faz pensar em por que...

Seu olhar percorreu Phaedra dos pés à cabeça, examinando suas vestimentas.

Phaedra não se deu o trabalho de fornecer explicações. A Sra. Whitmarsh não era o tipo de mulher que pudesse entender a mistura de praticidade e teimosia que dera origem a essa opção excêntrica.

– O que quero dizer é que sua mãe não adotava esses símbolos externos para suas ideias singulares.

A atenção de Phaedra foi despertada.

– A senhora a via com frequência?

– Antes de nos mudarmos para Roma, meu marido costumava aceitar seus convites para jantar. Ao contrário de outras esposas, eu concordava em acompanhá-lo. Ele era fascinado por ela. Achei melhor cuidar para que ela nunca ficasse fascinada por ele também.

Phaedra não achava provável que Artemis considerasse o Sr. Whitmarsh fascinante. Porém, antes de ler as memórias, nunca poderia pensar que Artemis pudesse achar outro homem fascinante além de Richard Drury.

– A senhora teve êxito em frustrar uma ligação entre eles? Ou minha mãe teve algum carinho especial para com seu marido?

A Sra. Whitmarsh não demonstrou surpresa com a pergunta atrevida.

– Acho que fui bem-sucedida. Até muito tarde na vida, ela só teve olhos para o Sr. Drury.

– Quer dizer que, em algum momento, os olhos dela encontraram outro homem. Não meça as palavras por delicadeza. Sou a filha e, como ela, acho uma bobagem que as pessoas não falem francamente sobre esses assuntos.

A Sra. Whitmarsh deu de ombros.

– Foi fácil observar certa frieza entre seus pais no último ano de vida dela. Meu marido não percebeu, mas eu, sim. Vários homens a desejavam. Não como esposa, é claro.

O tom crítico e confiante da última frase incomodou Phaedra. Ela correu em defesa de sua mãe, apesar de Artemis não precisar de desculpas.

– Se não viu minha mãe desviar sua afeição para outro homem, tal frieza pode ter sido apenas resultado do passar do tempo e de dois amantes tornando-se amigos e mais à vontade um com o outro.

– Srta. Blair, meu marido e eu jantamos várias vezes com sua mãe, durante muitos anos. Normalmente o Sr. Drury estava presente. A familiaridade e a amizade que havia entre eles era muito clara desde o início. Ninguém precisou me contar na minha primeira visita que eles eram amantes e que você era filha do Sr. Drury. Contudo, no último ano, ele nem sempre se encontrava. E sua mãe ficava estranha na presença dele. Talvez a senhorita se considere mais inteligente do que eu, mas, quando percebo que as coisas não estão bem entre um homem e uma mulher, raramente me engano.

Sim, a Sra. Whitmarsh, que com tanto cuidado mantinha posse do marido, seria especialista nessa área da natureza humana. Será que também era observadora? Será que teria visto alguma coisa? Uma mulher que guarda um tesouro com certeza seria uma das primeiras a perceber se o pirata que ela temia tivesse voltado sua atenção para outro navio.

– Quem era o homem que se tornou objeto da atenção de minha mãe?

– Isso é um debate, em que tenho que dar um nome para que a senhorita respeite meu julgamento?

– É um questionamento sincero, de uma filha que se pergunta sobre os últimos anos de sua mãe.

A postura defensiva da Sra. Whitmarsh se desfez.

– Não sei. Só tenho certeza... certeza quase absoluta... de que não foi meu marido. Ela passou meses radiante, como se fosse jovem de novo, mas aí...

– Aí...?

– Foi como se alguém tivesse apagado a luz. Ela estava melancólica nas últimas vezes que nos vimos. Talvez, quem quer que fosse, a houvesse desapontado.

Phaedra percebera essa melancolia. Não havia entendido os motivos nem a profundidade, contudo a descrição era verdadeira. A luz se apagara.

– A senhora não está sozinha em se perguntar se ela teve um novo amor – falou Phaedra. – Alguns nomes me foram sugeridos. O Sr. Needly, por exemplo. E o Sr. Thornton.

– Needly? Bem, acho que isso pode fazer algum sentido. Ele guardava semelhanças com o Sr. Drury. Tinha a mesma natureza. E sua erudição em arte romana lhe daria algo em comum com sua mãe. Apesar de que, se me perguntassem, eu diria que os dois se estranhavam. Às vezes ele era um homem muito arrogante.

A Sra. Whitmarsh tinha amolecido com a fofoca. Ela apreciava o assunto muito mais do que Phaedra gostaria.

– Às vezes a atração pode criar rusgas.

– De fato, isso pode acontecer. Agora, o outro, Thornton... – disse, e então parou para pensar antes de prosseguir: – Ele era um pouco jovem demais para ela. Enigmático também. Entretanto estava sempre por perto. Não passava despercebido. Era bonito, até demais. Tinha presença, mas...

– Mas...?

– É difícil de explicar. Ele era maravilhoso. De deixar qualquer mulher de queixo caído. Contudo era de certa forma... obscuro. Meu marido uma vez usou essa palavra para descrevê-lo e achei apropriada. Sim, ele era obscuro de muitas maneiras.

Phaedra guardou a descrição em sua mente. Ao voltar para a Inglaterra, teria que procurar o arrogante Sr. Needly e o obscuro Sr. Thornton, além de perguntar a outros amigos íntimos da mãe se Artemis tivera um caso com um desses dois homens.

– Eu gostava dela – disse a Sra. Whitmarsh. – Não aprovava seu estilo de vida e ela sabia disso. Ainda assim, ela aceitava meus pontos de vista. Nunca permitiu que me sentisse deslocada. Era muito gentil.

– Ela estava acostumada com seus pontos de vista. Afinal, eles são os mais costumeiros. Sempre que botava o pé fora de casa, ela era a estranha. Quem dera o mundo tivesse sido tão gentil em relação a ideias diferentes quanto ela provou ser e tão aberto à companhia dela como ela era à de todos.

A Sra. Whitmarsh enrubesceu. A coloração de suas faces disse a Phaedra muito mais do que ela queria saber. Os Whitmarshs nunca tinham retribuído os convites para jantar. Artemis Blair nunca fora incluída no círculo deles e nas festas deles.

Essas confidências matinais de repente pareceram trair a memória de sua mãe. Phaedra suspeitava de que elas ecoavam as fofocas da Sra. Whitmarsh com seus amigos em salas de estar que nunca foram abertas para a intelectual que desafiava as convenções sociais.

Também teve uma amostra das fofocas que deviam correr sobre sua pessoa. Ela sabia que havia mulheres que riam dela, especulavam a seu respeito e a reprovavam, assim como havia homens que entendiam erroneamente sua liberdade. Era mais fácil ignorar essas pessoas se não tivesse que tolerar sua companhia.

Queria muito que a Sra. Whitmarsh tivesse revelado a identidade do homem que usurpara o lugar de Richard Drury. Ela não conseguira, porém suas observações não foram de todo inúteis.

Phaedra pediu licença. Deixou a varanda e tomou o caminho da ladeira que levava à cidade.


Logo depois de o sol nascer, Positano se tornava uma cidade de mulheres. Os homens que tinham condições físicas para pescar haviam saído muito antes de Phaedra começar suas atividades.

Levou um bom tempo para achar o caminho de descida pela densa rede de ruas antigas e estreitas. Mesmo com sua construção escalonada, eram bastante traiçoeiras. Phaedra desejou ter levado consigo sua sombrinha para usá-la como bastão de caminhada e se proteger do sol, que ficava cada vez mais quente conforme ia se aproximando do pico da montanha.

Mulheres e crianças paravam para vê-la passar pela rua do mercado. Ela admirou os limões e as verduras, as peças de carne de carneiro e de boi. Na esquina do mercado, alguns homens estavam sentados em cadeiras do lado de fora da taverna. Eles a olharam com curiosidade e desconfiança.

O mais jovem, um homem de cabelo escuro, vestido com uma sobrecasaca marrom elegante, tinha uma bengala apoiada na cadeira. Os outros pareciam velhos e encarquilhados. Ela supôs que tinham abandonado os rigores da pesca fazia muitos anos.

Phaedra encontrou as outras ruas principais seguindo o fluxo das pessoas. Sua presença era um pequeno espetáculo, como tinha ocorrido com a cavalgada em lombo de burro atrás de lorde Elliot. Cabeças apareciam nas janelas e olhares impetuosos acompanhavam sua caminhada.

As ruas a levaram a uma pequena piazza bem na encosta do morro. Água jorrava da boca de uma cabeça de leão esculpida em um muro baixo construído rente à rocha da montanha. Mulheres se sentavam em bancos de pedra à sombra das árvores, aguardando a vez de encherem seus jarros.

Phaedra encontrou uma vaga para descansar em um banco num local mais fresco. Olhos escuros a observaram interrogativamente. Uma moça sussurrou no ouvido de um menino e ele saiu correndo pela calçada. As mulheres matavam tempo ali depois de usarem a fonte, conversando em uma melodia expressiva, sem perder de vista a recém-chegada.

Logo outra mulher surgiu na calçada. O tecido de sua saia preta balançava com seus longos passos. Ela não se parecia com as demais mulheres.

Para começar, era loura. Seu cabelo louro-escuro estava preso em um nó na nuca, visível sob a grande aba de seu chapéu de palha preto. Ela não era tão clara quanto Phaedra, mas, em vez do bronzeado forte tão comum nessa terra, tinha um leve colorido na pele.

Phaedra se perguntou se era outra forasteira, que, como Matthias, tinha vindo morar ali. Quando a mulher se aproximou, no entanto, seus olhos amendoados, as maçãs do rosto salientes e o rosto em formato de coração revelaram que era uma nativa, mesmo que, num primeiro olhar, sua cor desse outra impressão.

A mulher se sentou no banco de Phaedra e fez algumas saudações às amigas. Phaedra tentou traduzi-las, porém as palavras se seguiam rápido e o sotaque em Positano era diferente do de Nápoles.

Ela se virou e deu uma boa olhada em Phaedra. O volume das conversas em torno delas baixou.

– Inglesa?

Phaedra assentiu.

– Elas imaginaram e mandaram o pequeno Paolo me chamar. Minha prima Julia e eu somos as únicas mulheres aqui que falam inglês. Você conheceu Julia. Ela é sua anfitriã na mansão. Você é viúva?

A conversa era entabulada em um inglês correto, apesar de a cadência e a pronúncia refletirem algum esforço.

– Não, não sou viúva.

O olhar da mulher se voltou para o cabelo longo de Phaedra.

– Não achei que fosse.

Ela olhou para a direita na rua e sorriu de forma dissimulada.

– Ah, lá vem o signore Tarpetta. Ignore-o. Ele gosta de agir como se fosse uma autoridade, mas ela só existe na cabeça dele.

O homem coxo que estava sentado no final da rua do mercado agora vinha mancando, apoiado na bengala, porém exalando presunção. Dois senhores o acompanhavam. Os três se posicionaram do outro lado da piazza.

– Meu nome é Carmelita Messina. Também não sou viúva, caso esteja em dúvida por causa de minha roupa preta.

– Meu nome é Phaedra Blair e fico feliz de conhecer alguém que fale meu idioma tão bem. Tentei falar sua língua, contudo...

Carmelita balançou a mão, dispensando as desculpas.

– Aprendi um pouco de inglês em Nápoles. Morei lá vários anos com Julia e seu falecido marido – explicou Carmelita, e então fez um sinal, apontando com o queixo para o signore Tarpetta, que as observava com atenção, apesar de conversar com os dois senhores. – Ele não gosta quando hóspedes da mansão descem até aqui. Tem medo de que vocês possam corromper seu pequeno reino.

– Os hóspedes descem com muita frequência?

– Somos apenas camponeses pitorescos para a maioria deles. Somos as pessoinhas nos cantos das pinturas sentimentais.

– Nem mesmo o signore Greenwood se mistura com vocês?

– Às vezes. Ele fez várias visitas no ano passado. Uma das vezes, ao voltar, levou Julia com ele – confidenciou, antes de lançar um olhar de escárnio para Tarpetta e acrescentar: – Ele tinha esperanças de se casar com ela. Faz muito alarde de que não a quer mais agora, mas todo mundo sabe que bastaria ela fazer assim – e ela estalou os dedos – que ele iria rastejando.

A conversa delas tinha atraído uma pequena plateia, e risadinhas vinham das mulheres que tinham se aproximado mais.

Carmelita olhou para Phaedra de novo.

– Uso preto para demonstrar luto pelos carbonari que morreram quando o rei matou a república. Se não é viúva, por que está de luto?

– Estou de luto pelo meu pai, porém não é esse o motivo da roupa. O preto não mostra sujeira tão rápido.

Carmelita traduziu para a plateia. Cabeças assentiram.

– Você não prende o cabelo nem usa véu. Tive dúvidas se não era uma puttana, mas não acho que seja, porque as amantes que vêm com os homens que visitam a mansão lá em cima estão sempre na última moda. Talvez você faça isso para apontar o dedo na cara de homens como o nosso Tarpetta lá?

– Talvez sim.

Phaedra olhou para a baía distante lá embaixo.

– O Sr. Greenwood recebe muitos hóspedes? Chegam barcos especiais só para trazê-los para a mansão?

– Sempre há hóspedes e alguns deles vêm com muita frequência. Ele tem muitos amigos, o signore Greenwood. Ele não é um de nós, mas muitos aqui lucram com o dinheiro que ele gasta.

– Como a família dos garotos que encontraram a estatueta antiga?

– Não ouvi falar de estatueta. As famílias gostam de manter essa informação em segredo, para que, se houver outras, fiquem só para elas. Ele gosta de coisas antigas, o signore Greenwood.

Carmelita notou de novo os homens que as observavam.

– Eles não estão gostando nada de ver você sentada aqui por tanto tempo, então espero que fique ainda mais. Conte-nos de sua vida na Inglaterra, Phaedra Blair. As mulheres pararam de levar água para casa só para ouvir algumas histórias suas.

Carmelita precisava traduzir toda a conversa e as mulheres sorriam e davam risadinhas quando ela o fazia.

Uma jovem que não passava dos 18 anos se aventurou mais perto. Com cuidado, esticou a mão e tocou o cabelo ruivo de Phaedra.

Phaedra não se importou com a proximidade, porém outra pessoa, sim. Uma voz masculina ladrou. Do outro lado da piazza, um dos senhores deu um passo à frente. Ele ralhou e fez um gesto para que a garota fosse até ele.

Com a cabeça baixa e os olhos temerosos, a jovem correu até lá. O homem a agarrou pelo braço e a empurrou para a calçada, levando-a embora.

– É o sogro dela – disse Carmelita. – Vai dizer para a família que ela fez amizade com a amante de um forasteiro que desceu da mansão.

Phaedra não quis pensar no destino da moça se a história enraivecesse o marido. As expressões cautelosas que de repente surgiram nos olhos das outras mulheres a entristeceram.

– Não quero causar problema para nenhuma de vocês.

Ela começou a se levantar.

A mão firme de Carmelita segurou seu braço.

– Não há mudança sem problemas. Essas mulheres não sabem nada do mundo fora deste litoral, e minhas histórias de Nápoles estão ficando velhas. Conte-nos de sua casa e como se tornou uma mulher que se aventura sozinha em uma terra estranha, parecendo uma meretriz de luto que não teme a mão de homem nenhum.


Phaedra ficou por uma hora na fonte, aproveitando a companhia feminina. Ela contou a Carmelita e às outras sobre sua vida e como vivia sozinha e livre em Londres. Com o passar do tempo, a torrente de palavras estrangeiras começou a fazer algum sentido para ela. Chegou a compreender algumas das perguntas dirigidas a ela antes de serem traduzidas.

Do outro lado da piazza, o signore Tarpetta observava. Alguém lhe trouxe uma cadeira, para que pudesse se sentar e descansar a perna. O alegre grupo de mulheres não se importava com sua desaprovação. Ele podia até se considerar uma autoridade, contudo ficou claro para Phaedra que as mulheres obedeciam a outro nome: Carmelita Messina.

Por fim, as mulheres se afastaram, carregando água e conversando animadamente umas com as outras.

– Os maridos logo voltarão nos barcos. Elas têm que preparar o almoço – explicou Carmelita.

Phaedra se levantou.

– Obrigada por se juntar a nós – agradeceu. – Assim pude conhecer as mulheres daqui. Vou descer até aquela torre antes de voltar para a mansão.

– Vou acompanhá-la, senão talvez não encontre o caminho até lá. Se Tarpetta nos seguir, finja que ele não está lá. Ele seria um tolo se fizesse isso tendo aquela perna, mas o homem já provou muitas vezes que é estúpido.

Tarpetta provou isso mais uma vez naquele dia. Phaedra achou que ele tivesse desistido de segui-las até que ela e Carmelita chegaram ao caminho do promontório, quando então o viu mancar na direção do cais para não perdê-las de vista.

– Como ele machucou a perna?

Carmelita atravessou o portal na entrada da torre.

– Ele foi soldado e estava entre os que foram atrás do marido de Julia na nossa casa em Nápoles. Ele nos traiu. Nós resistimos, apesar de ser inútil. Acertei-o com uma frigideira de ferro pesada, bem aqui – explicou, apontando para o próprio joelho. – Teria sido melhor se eu tivesse mirado na cabeça.

– Então agora ele a segue por toda parte?

– Ele está seguindo você, não a mim. Mas ele me odeia, porque fui eu quem promoveu o encontro do signore Greenwood com Julia. Ela ficou sem nada depois que o marido foi executado quando a república acabou.

– Se é por ciúmes, ele deveria odiar Greenwood, não você.

Carmelita ia à frente na subida sinuosa da escada de pedra.

– Ele não ousa odiar Greenwood. Como muitos outros, ele lucra com o dinheiro do inglês.

Elas seguiram até o alto da torre, onde havia um cômodo quadrado. Pequenas janelas vazavam duas paredes opostas. Uma dava para o mar e a outra, para a montanha.

– Esta era para vigiarem o mar e evitarem ataques de árabes e piratas pelo porto – explicou Carmelita. – Agora, esta a leste aqui... eles vigiavam outra coisa, não? Um exército vindo pela montanha ou problemas na cidade.

Phaedra olhou para a janela a oeste. A vista do mar era infinita, quilômetros de litoral de um lado e de outro. Ela se moveu para a janela a leste. O sol se elevara na reta do pico da montanha.

Aquela torre fora construída por questões militares. Nas alvoradas, em pleno verão, contudo, o sol devia nascer alinhado com aquela janela.

Não havia muito mais a explorar naquela torre de vigia. As paredes de pedra se erguiam e se curvavam para formar o teto, parecido com as antigas igrejas normandas em sua terra natal. Exceto por um cobertor no chão, estava vazia e surpreendentemente limpa.

Carmelita empurrou o cobertor com o pé e revelou a esteira de palha que estava debaixo dele.

– Este lugar é frequentado por namorados – disse. – Há anos, esta torre recebe visitantes noturnos.

Quando ela e Carmelita reapareceram do lado de fora, a figura esguia e firme do signore Tarpetta ainda podia ser vista no cais.

– Como ele lucra com o dinheiro do Sr. Greenwood?

– Não sei. Mas ele vive bem e não tem renda além da pequena pensão que recebe do Exército. Eles se conhecem. Dá para ver isso na forma como se cumprimentam nos raros momentos em que se encontram. Greenwood talvez o pague para se assegurar de que não vamos perturbar seus amigos importantes, ou, quem sabe, só para ele ficar longe de Julia.

Ela deu de ombros.

– Venha, vamos procurar um burro de aluguel para levá-la de volta. Nem eu aguento subir tudo isso a pé.

No momento em que desciam o promontório, lorde Elliot surgiu no cais. De repente, o braço do signore Tarpetta e os olhos de dois homens se dirigiram para elas.

Lorde Elliot desceu de novo para o cais e se dirigiu para o norte para interceptá-las.

– Quem é aquele? – perguntou Carmelita. – Seu namorado veio buscá-la?

– Ele não é meu namorado.

Phaedra sentiu o rosto queimar.

Carmelita deu uma gargalhada.

– Mas ele bem que gostaria, não? E é tão bonito que você ficou tentada, eu acho. Veja a expressão séria dele enquanto fica lá, esperando por você. É melhor olhar por onde pisa com esse aí, Phaedra Blair.

Phaedra apresentou Carmelita a lorde Elliot assim que o alcançaram. Ele respondeu com gentileza, porém não conseguiu esconder seu desagrado.

– Você nos deixou preocupados, Srta. Blair. Não é aconselhável vir para a cidade sozinha.

O tom de lorde Elliot beirava a censura.

– Duvido que alguém que visite esta cidade corra algum risco.

Lorde Elliot olhou para Carmelita.

– Sou grato por oferecer ajuda e companhia à Srta. Blair.

– Não preciso nem de ajuda nem de companhia – rebateu Phaedra. – Contudo fico feliz de ter feito uma amiga e espero vê-la de novo, Carmelita.

Ainda teso de irritação, lorde Elliot se dirigiu a alguns garotos para alugar burros e voltarem para a mansão.

– Vou deixá-la agora para que possa lidar com esse homem – brincou Carmelita. – Se precisar de uma frigideira de ferro, é só falar.


CAPÍTULO 9

– Escreverei a carta para o superintendente esta manhã – prometeu Matthias. – Apesar de que as cartas de apresentação que trouxe da Inglaterra devam bastar. Talvez eu seja presunçoso em achar que a minha agilizará seu acesso aos sítios das escavações.

– Você o conhece pessoalmente. Ficarei feliz em ter uma carta sua.

Elliot se esforçava por manter pelo menos metade de sua mente nos preparativos para a visita a Pompeia. A outra metade continuava no terraço acima da varanda.

Na noite anterior, Phaedra deixara as portas abertas.

Fizera isso como provocação? Uma declaração de indiferença? De certeza ele só tinha que não fora um convite.

Elliot fumou um longo charuto no terraço à noite, olhando para a escuridão por entre as persianas abertas, incapaz de dominar a tentação que a proximidade dela causava. Os únicos sons que vinham lá de dentro eram os suspiros suaves de uma mulher satisfeita, dormindo muito bem, obrigada.

Por fim, se retirara para o quarto, em uma tentativa de aplacar os impulsos cruéis que aquela mulher incitava. Quando o sono por fim o aliviou, foi um sono profundo, longo, que durou até depois do amanhecer. Ao acordar, descobrira que Phaedra havia desaparecido.

Ela deixara a mansão de novo. Ele lhe mandara não fazer mais isso. Após procurar por Phaedra na véspera, estipulara algumas regras. Ela as desobedecera logo, sem perda de tempo.

– Se preferir, a Srta. Blair pode ficar aqui enquanto você vai a Pompeia – disse Matthias casualmente.

Casualmente demais, como se entendesse o que distraía seu ex-aluno.

– Ela está determinada a ir também.

– Ela não precisa ir em sua companhia. Está claro que ela o atormenta. Posso acompanhá-la, em separado, para poupá-lo do inconveniente. Quanto à questão que me contou sobre Sansoni, tenho certeza de que ele aceitaria minha autoridade para representá-lo, se é que algum dia ficaria ciente da troca.

– Tenho certeza de que ele não aceitaria. Dei-lhe minha palavra em juramento. Estou preso a ela por toda a viagem.

A palavra dada a Sansoni não tinha muito a ver com sua recusa à oferta de Matthias. Naquele momento, a necessidade de controlar os planos de Phaedra para as memórias do pai também não afetava sua decisão. Não diretamente, pelo menos, apesar de tudo estar ligado. O tormento causado pela Srta. Blair tinha assumido outros tons. Ele queria ter poder sobre muito mais do que quando ou como ela publicaria um livro.

– Já que está determinado a mantê-la com você, permita-me sugerir algumas hospedarias que seriam adequadas para uma mulher respeitável.

Com isso, Matthias iniciou uma ladainha sobre instalações em cada cidade.

No final das recomendações, a atenção de Elliot foi desviada para a montanha. Whitmarsh chegava a pé da cidade, o rosto vermelho pelo esforço.

– Muito íngreme, mesmo para você, não, Whitmarsh? – disse Matthias. – Agora entendo por que demorou tanto a chegar de seu exercício matinal.

Whitmarsh se inclinou, as mãos nos joelhos, dando tempo para recuperar o fôlego. Com um aceno dele, Matthias se calou para ouvi-lo:

– Problema... a cidade... torre...

Frustrado por seus pulmões se recusarem a colaborar, apontou para a parte mais baixa do morro.

Elliot e Matthias foram até ele. Elliot olhou para baixo. A cidade estava movimentada, com muita atividade. Ele se concentrou na torre. Um grupo grande se reunia no caminho do promontório.

Whitmarsh inspirou várias vezes, recompondo-se.

– Essa montanha pode matar, se você quiser correr.

– É por isso que não se deve correr – entoou Matthias. – Por que fez isso?

Whitmarsh apontou de novo.

– A Srta. Blair está lá embaixo, naquela torre. Querem prendê-la.


Aquela mulher seria o seu fim.

Elliot subiu correndo para o quarto a fim de procurar o revólver, de forma que seu pensamento não se tornasse verdade. Quando voltou, viu que Whitmarsh conferia a própria arma.

– O que será que ela fez? – refletiu Matthias enquanto desciam pelo morro.

Elliot podia imaginar.

– Até onde posso dizer, eles a consideram uma bruxa ou algo assim – disse Whitmarsh, inspirando fundo várias vezes.

Ele não tinha se recuperado totalmente da subida e agora a descida também exigia bastante.

– Droga! – xingou Elliot.

– Nosso objetivo é claro, cavalheiros – declarou Matthias. – Não podemos deixar que a prendam. Com Sansoni doido para arrumar problema, como você disse, Rothwell, e as noções primitivas de religião e justiça deste lugar, se eles a pegarem, as coisas podem sair do controle.

A inspiração profunda de Elliot teve pouco a ver com a rapidez com que desciam a ladeira para chegar à baía e à torre. Se Phaedra não fosse tão teimosa e tivesse ficado na mansão, três homens não estariam agora correndo desabalados para se meterem em problemas.

Sua raiva era pouca perto da outra reação que pesava como chumbo em seu peito. Não estavam em Londres, mas em uma cidadezinha montanhosa e isolada em um país estrangeiro. A postura e as vestimentas de Phaedra a tornavam vulnerável. Não havia nada de cômico em relação à acusação de bruxaria neste lugar. Ela corria perigo real.

Chegaram às ruas mais baixas e cortaram caminho pela piazza na frente da igreja de Santa Maria. Carros recém-pintados e decorados estavam lá, prontos para a procissão de San Giovanni na manhã seguinte.

Matthias foi na frente, mostrando o caminho no contorno da baía. Um ajuntamento de homens bloqueava o caminho para o promontório. Dessa vez a plateia masculina não era só de velhos e enfermos. Alguns dos pescadores tinham decidido que a cena na torre era mais interessante do que jogar suas redes ao mar.

Os homens estavam inflamados. Xingamentos se faziam ouvir. Olhos escuros flamejavam. Mãos faziam gestos por toda parte. Um homem bem-vestido estava de pé no centro da multidão, com o peso apoiado em uma bengala grossa, instigando os outros.

Matthias inclinou a cabeça, prestando atenção ao que ouvia.

– Ela foi vista na janela na alvorada – sussurrou. – Rezando para o sol nascente ou algo assim. Tarpetta, o manco que está ali, também a viu na cidade ontem, tentando corromper as mulheres. Pelo que entendi, ele a está acusando de bruxaria, meretrício e heresia.

– Heresia? – repetiu Whitmarsh.

– Vamos abrir caminho pela multidão – disse Elliot. – Whitmarsh, devemos manter as armas ocultas por ora.

Com posturas militares, abriram caminho até a frente da turba. Sua presença não fez nada para acalmar a situação.

Uma cena digna de ópera esperava no promontório. Os homens haviam se amontoado no limite da cidade porque o caminho para a torre estava bloqueado por um grande grupo de mulheres. Elas estavam agitadas também e prontas para a briga. Todas tinham arrancado o lenço ou o véu da cabeça e soltado os cabelos.

Carmelita Messina estava ao fundo, posicionada como se fosse a última linha de defesa. Com os cabelos louros soltos e o vestido preto esvoaçando, ela parecia a sacerdotisa da religião de Phaedra.

Segurava uma frigideira de ferro grande e rasa na mão. Às vezes brandia a arma na direção de Tarpetta, que não aceitava os insultos de bom grado.

Um único homem estava de pé entre os dois grupos: o padre da cidade, que mantinha os braços levantados, um em cada direção, como se sozinho pudesse evitar que as duas ondas de raiva colidissem.

– A coisa está bem animada – disse Whitmarsh secamente.

Infelizmente, também estava perigoso. Elliot olhou para o alto da torre. Ao mesmo tempo, Phaedra olhou por uma janela. Ela o viu e ele tentou lhe transmitir confiança.

– Vamos tentar resolver tudo em paz, Greenwood – propôs Elliot.

Com coragem, Elliot se postou entre as duas turbas e foi se aproximando do padre, tendo Matthias a seu lado.

Enquanto Greenwood conversava com o padre, a ira dos homens não parava de chegar aos ouvidos deles. As notícias não eram nada boas.

– A acusação de bruxaria se deve ao ritual com o sol, que aconteceu no pior momento possível. Estamos no solstício – relatou Matthias. – A acusação de meretrício foi feita em termos gerais. A aparência dela, o fato de ter ido sozinha à cidade, coisas assim. Infelizmente, os homens consideram que o apoio das senhoras só confirma a má influência que a Srta. Blair representa sobre elas. Pelo que entendi, houve algumas conversas incomuns nos quartos desta cidade na noite passada.

– E a heresia? – questionou Elliot.

– A Srta. Blair tentou explicar a história com o sol com mais detalhes do que seria sensato. Dissertar sobre os pontos comuns entre as religiões do mundo provavelmente não a ajudou muito.

Elliot imaginou uma acusação sendo transmitida pelas mulheres a Carmelita e então traduzida para Phaedra. Depois visualizou uma longa explicação voltando pela mesma corrente, frases e mais frases longas, tendo um pouco de seu sentido alterado conforme passava a cada elo, até chegar aos homens. Era espantoso que a acusação fosse heresia, em vez de loucura.

O padre era um homem idoso, de cabelo branco e rosto suave. Estava aflito com a situação de descontrole na cidade. Conversou com Matthias e, por fim, juntou as mãos em prece, balançando-as juntas como se assim fortalecesse o pedido.

Elliot entendia muito bem o padre.

– Diga-lhe que não vou deixar a Srta. Blair ao capricho de uma turba.

– Ele está certo de que nossa presença só serve para inflamar ainda mais os ânimos, Rothwell – alertou Matthias. – Os homens acham que usurpamos seu poder e as mulheres, bem, elas não têm boa impressão de homem nenhum neste exato momento.

A última parte era verdade. As mulheres o olhavam como se fosse o inimigo. Lançavam provocações inflamadas que eram sem dúvida insultos. Se ele conseguisse passar por elas, Carmelita da Frigideira de Ferro o esperava.

Elliot recuou e puxou Matthias para o lado assim que conseguiram passar de novo pelo grupo de homens.

– Preciso chegar lá no alto e falar com ela.

– A torre foi construída para defesa. Só há duas maneiras de chegar lá. Por esta faixa de terra ou por mar.

– Então vou ter que chegar por mar.


Phaedra espiou pelo canto da janela. A arruaça lá embaixo continuava. Sempre que os homens pareciam perder o interesse, o signore Tarpetta os incitava a continuar.

Elliot, o Sr. Greenwood e o Sr. Whitmarsh tinham ido embora. Provavelmente esperavam que essa pequena chama se extinguisse por si só. Era o que ela esperaria também, depois de o padre chamar os manifestantes à razão. Infelizmente, Phaedra desconfiava de que o conflito não se dera por haver uma inglesa estranha na torre naquela manhã.

O problema envolvia outras questões. Práticas antigas e eventos recentes colocaram lenha na fogueira. Phaedra se preocupava se as mulheres pagariam caro nos próximos dias por essa rebelião, mesmo que ela própria fosse poupada.

Tinha esperanças de que Carmelita não pagasse com a própria liberdade. Admirava a mulher loura que brandia sua frigideira de ferro, num gesto que anunciava não se tratar de uma pessoa indefesa e, além disso, garantia que Tarpetta se lembrasse de seus próprios crimes e de por que ela não permitiria que a cidade se curvasse ao poder dele.

Era tudo culpa de Tarpetta. Ele a vira na cidade ao amanhecer. Provavelmente a seguira e a avistara na janela que dava para o leste na torre quando o sol atingiu o topo da montanha.

O sol tinha se movido bastante desde então, contudo o confronto lá embaixo não parecia perto de acabar.

Ela correu para a janela a oeste. Carmelita a advertira a respeito de um ataque por mar. Um barco se aventurara nos arredores avaliando essa abordagem havia uma hora, porém ela jogara pedras soltas da construção e o desencorajara.

Outro barco se aproximava agora. Não vinha do cais de Positano, e sim do oeste, como se chegasse de Capri em visita à torre normanda.

Três homens estavam de pé na proa, enquanto criados da mansão remavam. Elliot, Whitmarsh e Greenwood tinham corrido em seu resgate.

Levaram a embarcação o mais próximo possível da torre. O Sr. Whitmarsh acenou. O Sr. Greenwood a chamou. Elliot quase sorriu, mas sua boca não passou de um risco tenso.

– Agora você entende o que eu quis dizer, Rothwell. Se fosse fácil acessar a torre pelo mar, ela seria inútil para proteção – disse Greenwood.

– De qualquer forma, está um dia esplêndido para um passeio de barco – falou Whitmarsh. – Parece que ninguém pensou que tentaríamos essa estratégia. O cais permanece vazio.

Whitmarsh olhou para Phaedra lá no alto:

– Essa janela parece mais longe ainda daqui. Trouxemos alguns víveres, Srta. Blair, porém duvido que nosso plano de levá-los até aí funcione.

Uma onda de gritos chegou à torre vinda do outro lado. Phaedra correu até lá e olhou para baixo. Os homens tinham se aproximado muito do padre. A massa de mulheres se compactara.

Ela voltou para a janela que dava para o mar.

Elliot se curvou. Ao se levantar, exibiu uma corda grande com um gancho na ponta.

– Afaste-se, Srta. Blair. Entre na torre. Se eu conseguir mandar o gancho até aí, prenda-o o melhor que puder.

– Lorde Elliot, não acho que você conseguirá...

O olhar dele a silenciou. Ela foi para o outro lado da torre.

Por três vezes ouviu o barulho alto de metal atingindo a pedra, seguido pelo som de algo caindo pesado na água. Parecia que o plano deles não iria funcionar.

De repente o grande gancho de ferro apareceu na janela, subindo muito, e depois começou a cair. Uma de suas três hastes agarrou no peitoril da janela e parou.

Phaedra correu para lá, soltou-a e a deslizou pelo peitoril até encontrar um sulco profundo entre as pedras da parede onde prender o gancho.

Olhou para o mar. Os três homens puxavam a corda para testar sua segurança. Satisfeito, lorde Elliot pulou do barco para a estreita faixa de areia. Whitmarsh lhe entregou duas cestas.

– Mande primeiro a comida – pediu ela. – Não comi nada hoje.

– Com certeza você imaginou que o deus sol não podia esperar – provocou Elliot ao prender a alça da cesta na corda. – Na infância, quando eu desobedecia a meus pais, era mandado para o quarto sem jantar. Talvez um pouco de fome seja adequado para a senhorita hoje.

Ela deu um pequeno puxão na corda:

– Não vamos ser descuidados por pressa. E precisamos manter nosso senso de humor.

A cesta permaneceu imóvel por um momento, irritando-a, mas logo Elliot a soltou. Phaedra puxou a corda para cima até chegar à alça da cesta. Examinou seu conteúdo e jogou a ponta de volta.

– É um banquete e tanto. Vinho, presunto, pão e figos.

– Espero que goste. Se os homens da cidade tivessem conseguido chegar até aí, você só comeria macarrão e banha de porco pelos próximos dez anos, isso se não a enforcassem de imediato.

Elliot agarrou a extremidade da corda e começou a atar a outra cesta.

– Há cobertores e outros itens de primeira necessidade aí dentro.

Um rugido veio do outro lado da torre. Elliot olhou para cima.

– O que está acontecendo?

Ela correu para a outra janela, depois voltou para contar.

– Se for para aproveitar meu banquete, temo que precise fazê-lo bem rápido. O signore Tarpetta está ordenando que o padre saia do caminho.

– Puxe isso para cima logo e depois mande a corda de volta.

O barulho que entrava pela outra janela fez com que ela puxasse a corda o mais rápido possível. Depois que soltou a cesta, mandou a corda para baixo e correu mais uma vez para a janela que dava para leste.

O padre tinha ido embora. A linha de frente dos homens estava cara a cara com a das mulheres. Os flancos do exército de mulheres já tinham se rompido. Uma derrota se aproximava.

Phaedra voltou para a janela que dava para o mar. Greenwood apontava para a costa.

– Entraremos por ali e chegaremos à linha de batalha em minutos – disse ele a Elliot.

– A questão está ficando difícil no promontório – gritou ela para baixo.

– Mantenha-se firme, cara dama – bradou Whitmarsh em resposta. – Greenwood tem alguma influência na cidade e Rothwell está armado. Em breve estará em segurança.

Se planejavam entrar na luta que estava prestes a começar, Phaedra não contava com a vitória deles. Duvidava de que seus piratas ingleses fossem golpear e atirar para salvá-la, e sem isso ficariam em desvantagem numérica.

Elliot olhava a parede da torre e avaliava a estreita faixa de areia sob suas botas, na base, e as grandes rochas posicionadas de forma a desencorajar os barcos.

– É bem alto. Não posso me arriscar a que você caia se tentar descer pela corda. Se a água fosse mais profunda...

Ele ainda calculava e falava sozinho quando levantou as mãos, agarrou a corda e começou a escalar.

– O quê? Rothwell! Cuidado para não ser você a cair – alertou Greenwood.

Phaedra gelou quando gritos chegaram do promontório. Não foi até lá para ver o que estava acontecendo. Não conseguia tirar os olhos de Elliot pairando acima do mar, cada vez maior ao se aproximar pela corda, com o corpo e o rosto tensos do esforço.

Ela podia imaginar que a batalha não ia bem para as mulheres no promontório, o que significava que não ia bem para ela. Esticou a cabeça para fora da janela e contou a lorde Elliot o que acontecia.

Ele xingou e encontrou novas forças. Um som estranho começou a chegar pelas escadas. Parecia uma frigideira de metal atingindo algo mole. A voz de Carmelita clamava aos santos para ajudá-la e o som se repetia. Um homem grunhiu.

– Eles romperam o cerco à torre, lorde Elliot – gritou Phaedra, abaixada entre as cestas. – Suponho que não tenha posto uma arma junto com a comida ou os cobertores, para que eu pudesse exercer uma última resistência?

– Você sabe usar armas? – perguntou ele, a voz próxima e cansada.

Phaedra olhou para cima e o viu na janela. Os braços dele estavam apoiados no peitoril e seus dedos se agarravam na beirada interna.

– Posso usar uma arma, se tiver que fazê-lo.

Ajudou-o a subir agarrando-o pelos ombros e pelas calças. Ele se agarrou ao corpo dela em busca de apoio.

Finalmente, Elliot caiu na parte de dentro da torre. De um salto, pôs-se de pé com a agilidade de um gato. Do lado de fora, Greenwood ordenava a seus criados que remassem forte para contornarem a ponta do promontório.

Elliot sacou um revólver de seu casaco surrado.

– No caminho até aqui, Whitmarsh me presenteou com histórias sobre injustiças nas cidades deste país. Seria estúpido de nossa parte não levar a sério o perigo. Fique aqui. Não me siga. Se achar que a situação piorou, arrisque-se a descer pela corda e enfrentar o mar.


Elliot não desceu as escadas em silêncio. Deixou que todo o seu aborrecimento se traduzisse em passos estrondosos. Sua aproximação silenciou os homens embaixo.

Quando fez a última curva da escada, encontrou Carmelita Messina no degrau inferior, com a frigideira de ferro em riste. Quatro homens a ameaçavam, porém naquele momento a atenção deles se concentrou em Elliot, não nela.

Carmelita olhou por cima do ombro e percebeu seu revólver. Elliot não conseguiu chegar à conclusão se ela ficou aliviada ou aborrecida.

Passos também pesados, mas irregulares, soaram do lado de fora do portal. O signore Tarpetta apareceu sob ele. Endireitou-se em postura militar ao ver a arma.

– O senhor interferiu – começou ele.

– A Srta. Blair está sob minha autoridade e também sob minha proteção.

Tarpetta empinou o nariz e o olhou com desdém.

– O senhor não exerce a autoridade sobre suas mulheres muito bem.

Elliot não pôde contestá-lo.

– Sou muito melhor na parte da proteção – contrapôs e apontou a arma diretamente para Tarpetta. – Diga a todos para irem para casa.

– Ela infringiu nossas leis.

– Ela não infringiu lei nenhuma – argumentou Carmelita. – Apenas ofendeu as leis de um homem que se considera um reizinho.

– Vê o problema que ela causou? Ela enfeitiçou as mulheres e realizou rituais pagãos. Nós não permitimos esses crimes em Positano.

– Ouçam só! – zombou Carmelita com uma risada estridente. – Ele até fala como rei. O “nós” quer dizer “ele”.

Elliot não estava com ânimo para discussões. Brandiu a arma e ordenou:

– Todos fora desta torre. Signorina Messina, por favor, traduza o que vou dizer.

Tarpetta saiu da torre. Os homens e Carmelita o seguiram. Elliot foi por último. Ao sair, um som nas escadas o fez olhar para trás. Uma mecha de cabelo ruivo flutuava próximo à parede da escadaria.

As mulheres tinham ido embora. Elliot encarou os remanescentes da batalha, vinte homens que ainda não estavam satisfeitos.

O revólver dele os impressionou. Enquanto falava e Carmelita traduzia, o barco de Greenwood alcançou a parte de trás do promontório e Greenwood desceu no banco de areia.

– Sou lorde Elliot Rothwell, irmão do marquês de Easterbrook – disse. – Recebi dos oficiais do tribunal do seu rei a responsabilidade de proteger a Srta. Blair. Se algum de vocês a machucar, há de se haver comigo. Ela não é bruxa, nem herege, nem meretriz. Não há provas que sustentem essas acusações e os senhores têm a minha palavra de cavalheiro que suas suspeitas são infundadas.

Carmelita fez uma tradução muito longa. Dos pontos essenciais que Elliot pescou e pelas expressões nos rostos dos homens, ele suspeitou que ela houvesse enfatizado as palavras lorde, marquês e tribunal.

Matthias chegou quando ela terminava. Tarpetta, reconhecendo que seu grupo perdia força, mancou na direção dele. Os dois homens tiveram uma conversa particular.

Tarpetta foi embora. Os outros homens decidiram que era uma boa ideia bater em retirada com seu líder.

Greenwood se aproximou da torre.

– Você tem minha gratidão, Greenwood, pelo que quer que tenha dito a ele.

– Você não entendeu direito. Nós não os vencemos – explicou Greenwood. – Eles vão mandar alguns homens a Nápoles em busca de orientação e também para pedir ajuda ao Exército.

Carmelita jogou as mãos para o alto, num gesto de exasperação.

– Imbecis.

Tarpetta estava voltando para a cidade, porém dez de seus homens tinham parado na extremidade do promontório.

– O que eles estão fazendo lá? – perguntou Elliot.

– Montando guarda – disse Greenwood. – Não vão tentar entrar na torre, porque você está armado, contudo não vão deixar que a Srta. Blair saia até receberem ordens de Nápoles. Imagino que haverá um ou dois barcos vigiando do mar esta noite também.

Elliot conteve um xingamento. O santuário de Phaedra tinha acabado de virar uma prisão.

– Vamos vigiá-los enquanto eles montam guarda, para que não haja violação dessa trégua – prometeu Carmelita.

– Não martirize as mulheres em seu afã de combater aquele homem – disse Elliot para ela. – Agradeço por sua ajuda, porém temo que o preço pago por suas amigas já será alto o bastante. Deixe comigo agora.

Carmelita Messina deu tanta atenção ao que ele disse quanto Phaedra Blair daria.

– Vamos vigiar. Algumas de nós, viúvas e tal, as que não vivem sob o jugo de ninguém. Confio em seu revólver para manter a paz e em que o signore Greenwood use sua influência com aquele homem para acabar com essa confusão antes do pôr do sol.

Ela se foi, juntando o cabelo em um nó ao se afastar.

– Ela fala como se você pudesse resolver isso se quisesse – disse Elliot para Matthias.

– Carmelita está interpretando mal minha influência aqui. Contudo tentarei chamar Tarpetta à razão quando ele se acalmar, apesar de conhecer o homem somente de vista.

– Veja se ele aceitaria suborno.

Matthias deu um sorriso largo e forçado.

– Quanto ela vale para você?

Elliot guardou o revólver e caminhou para o portal.

– No momento, estou tentado a pagar para que ele a tire das minhas vistas.


CAPÍTULO 10

Pela janela, Phaedra observava a conversa de Elliot e Matthias. Não podia ouvi-los, porém seus rostos sérios indicavam que estavam traçando planos.

Um pequeno grupo formava um círculo no final do promontório. Outros quatro homens tomaram um barco de pesca no cais e zarparam.

Matthias se afastou. A torre ecoou o som de botas subindo os degraus de pedra.

Elliot entrou no cômodo. Ela continuava preocupada com a atividade lá embaixo, ainda assim deu uma boa olhada na direção dele. Sua expressão revelava preocupação e aborrecimento. Phaedra achou a inquietação charmosa, até mesmo lisonjeira. E teve esperança de que a raiva passasse logo.

– Você está em segurança por ora.

Elliot pôs o revólver no chão em um canto para evitar acidentes. Pegou um odre da cesta e o segurou no alto. Um jorro de água fluiu para sua boca.

Os olhos dela se grudaram no fluxo de água pura. Sua garganta se estreitou. Não tinha bebido nada desde antes do raiar do dia.

Elliot notou o interesse e caminhou na direção dela.

– Incline a cabeça para trás.

Ela obedeceu e abriu a boca. Um jorro frio e lento aliviou sua sede.

Phaedra secou a água de seus lábios com a mão.

– Achei que esses odres só continham vinho.

– Os outros, sim. Se tomarmos aos poucos, este nos bastará pelo tempo necessário.

Tempo necessário? Ela olhou de novo pela janela. Percebeu o significado dos homens postos na extremidade do promontório.

– Não posso sair, não é? O que aconteceu?

Ele explicou sobre a ida dos homens a Nápoles. Lembranças do odioso Sansoni invadiram a mente de Phaedra. No silêncio que se seguiu à explicação, o ar ficou mais pesado com o possível perigo à espreita e o peso dos problemas que já enfrentavam.

Lorde Elliot olhou por cima da cabeça de Phaedra para a cidade lá embaixo. Ele pareceu distraído, como se sua mente estivesse ocupada com algo muito distante.

– Você me desobedeceu – disse, provando que os pensamentos tinham tudo a ver com ela. – Você desceu as escadas.

– Ninguém me viu. Com você entre mim e o perigo... Foi uma desobediência pequena.

– Você me desobedeceu antes, ao vir para esta torre. Disse-lhe para permanecer na mansão.

– Não esperava ser vista na torre.

– Só que foi. Um ritual pagão, nada menos do que isso. Nesta terra, pior do que em qualquer outra.

– Não houve ritual nenhum. Nenhuma reza para o deus sol. Tarpetta simplesmente me viu na janela quando o sol nasceu. Não estava erguendo minhas mãos em oração. Estava protegendo meus olhos da luz forte, para que pudesse avaliar a posição exata do sol.

– Não me importo com o que estava fazendo. Foi descuidada com sua segurança e reputação. O resultado foi uma batalha entre os homens e as mulheres desta cidade e sua prisão nesta torre.

Elliot ficava mais exaltado a cada palavra.

– Também nem pense em falar agora de sua sagrada independência. Acabo de escalar a parede de uma torre e ameaçar de morte homens com quem não tenho nenhum problema. Talvez eu até tenha que matar algum, tudo por causa de sua maldita teimosia.

– Só fiz uma visita a uma torre ao alvorecer. Está sugerindo que eu poderia ter previsto tudo isso? – questionou, indicando o promontório abaixo e o drama que se desenrolara. – Se eu tivesse achado que alguém saberia ou se importaria, não teria vindo. Admito que parece muito estúpido agora, mas no momento não pareceu.

Não era bem um pedido de desculpas, mas pareceu aplacar o lado mais sombrio da fúria de lorde Elliot. Sua atenção e olhar se voltaram para ela tão nitidamente que isso enfatizou a proximidade deles.

– Você conseguiu o que veio fazer?

Ele tinha que perguntar.

– Se uma prova negativa puder ser chamada de prova – disse ela e apontou para a montanha alta. – Matthias estava certo. O sol não se eleva diretamente sobre o pico quando se observa desta janela, nem em linha direta com o lugar onde estamos agora. Ele primeiro se mostra à direita, ao sul, um pouco.

Phaedra se preparou para receber a zombaria de Elliot ou mais raiva por seu passeio ter causado tanto problema sem nem ao menos conseguir provar sua teoria.

Em vez disso, ele refletiu sobre a prova.

– Essas coisas não são precisas. O dia exato do solstício varia e ainda estamos mapeando as mudanças sutis que se acumulam na astronomia com o passar do tempo. Cinco séculos atrás, o sol pode muito bem ter nascido no pico da montanha no verão.

Ela achou muita gentileza dele dar desculpas e não chamá-la de tola. Algo mais parecido com uma desculpa direta começou a se formar em sua mente.

– Não tive intenção de causar todo esse problema e sinto muito por isso. Não me surpreende você estar com um pouco de raiva de mim.

– Estou com muita raiva de você, Phaedra. Contudo estou mais preocupado com sua segurança. Até que eu tenha assegurado isso, terá que fazer o que digo, principalmente se eu tiver mais motivos para sacar este revólver.

Elliot caminhou até a janela que dava para oeste. Franziu o cenho com o que viu. Ela andou até lá e espiou também. Um barco com três homens lançou âncora a uns cinquenta metros da torre. O sol tinha começado a se pôr no mar, mas ainda levaria horas até ficar escuro.

– Sua prisão está completa – disse Elliot. – Temos que esperar e confiar em Matthias para negociar sua libertação antes que mais problemas venham de Nápoles. Infelizmente, Tarpetta parece ter o poder nas mãos e Matthias o conhece somente de vista.

Phaedra se ajoelhou ao lado das cestas e começou a retirar seu conteúdo. Fez uma fileira com os odres, frutas e embrulhos de comida contra a parede.

– Carmelita acha que eles se conhecem melhor do que admitem.

Elliot descansou o ombro na parede e a observou mexer nas cestas.

– Seria bom se você estivesse certa, entretanto Matthias não tem motivos para mentir para mim.

Phaedra ficou feliz de encontrar uma xícara de barro por baixo da comida. Não queria beber direto do odre o dia todo, apesar de a experiência ter sido interessante.

– Você conhece Matthias bem? – perguntou ela.

Greenwood talvez tivesse o destino dela nas mãos, porém não era apenas esse o motivo da pergunta.

Elliot se afastou da luz do sol que se esgueirava pela janela. Foi para a área fresca e sombreada onde Phaedra arrumava os alimentos. Sentou-se no chão, apoiando as costas nas pedras, e pegou um figo.

– Eu o adorava na faculdade. Ele é um acadêmico respeitado e com duas obras publicadas. Estimulou meus estudos e me orientou nos métodos de pesquisa necessários para traçar novos caminhos. Seu interesse me lisonjeou, principalmente porque não parecia interesseiro, como outros professores.

Elliot mordeu o figo e depois fez um gesto apontando o restante da comida.

– Você devia comer algo. Se daqui a três dias tivermos que nadar para salvar nossas vidas, não vai querer estar fraca.

Phaedra pegou um pouco de pão e queijo.

– Você não parece adorá-lo agora, e não há mais nada de professor na forma como ele o trata.

– Bem, não sou mais um estudante e tenho um livro publicado.

– Parece mais do que apenas uma amizade construída a partir desses antigos papéis, foi o que eu quis dizer.

Elliot não parecia inclinado a satisfazer a curiosidade dela. Degustou o figo sem pressa. Ela se refugiou concentrando-se na própria comida.

– Meu pai não era um homem caloroso.

Ele falou isso de modo casual, como se não tivessem se passado quinze minutos desde seu último comentário.

– Imagine um homem como meu irmão Hayden, só que sem nenhuma das qualidades que contrabalançam a rigidez dele. Quando criança, eu considerava ter sorte por ser ignorado por meu pai enquanto ele se voltava para meus irmãos. Matthias Greenwood, por sua vez, escolheu colocar o foco de sua atenção em mim. Ele valorizava as mesmas coisas que eu, era rápido em elogiar, mas não se precipitava na hora de expressar desapontamento. Havia algo de paternal em seu interesse, imagino.

Ela notou sua expressão ao descrever o pai. Conhecia bem a reputação do marquês de Easterbrook. Com certeza, tinha sido aquele tipo de pai impossível de agradar e talvez tão duro com os filhos quanto se dizia ter sido em outras áreas.

Porém, não foi a brandura intencional de Elliot que chamou sua atenção. Outra emoção brilhava nos olhos dele.

Ele insistira em que as memórias de Richard Drury faziam insinuações falsas sobre o último marquês, contudo não tinha assegurado que de fato elas fossem mentiras. Ao se sentar ali com ele e observá-lo, Phaedra entendera que lorde Elliot não estava convencido de que o pai não mandara matar o oficial. Aquela suspeita ficaria mais plausível, ganharia corpo e seria inevitável se as insinuações fossem publicadas?

Alguns cientistas acreditavam que o comportamento criminoso era herdado, assim como algumas doenças. Saber que o legado de uma pessoa incluía a capacidade de tramar um assassinato impiedoso poderia ser tão ruim quanto descobrir que seu sangue estava maculado pela insanidade.

– Matthias Greenwood não teve filhos – disse Phaedra. – Você é seu herdeiro intelectual e parte de seu legado profissional. Se havia algo de pai nele, talvez houvesse algo de filho em você.

Ele deu de ombros.

– Talvez esteja certa. Ele pode me ver dessa forma, mesmo na amizade que temos agora.

Phaedra suspeitava de que Greenwood de fato o visse dessa forma, mas achava que Elliot o via assim também. A maneira como se comportavam um com o outro fazia com que ela pensasse na amizade confortável e no amor entre pais e seus filhos adultos quando seu relacionamento amadurecia.

Se fosse assim, Matthias Greenwood seria uma pessoa importante para Elliot.

É claro que ele era. Elliot estava ali, não estava? Ele tinha viajado até Positano para discutir sua nova pesquisa com o antigo mestre, ainda que já o houvesse superado como historiador.

Fazer aquela humilde refeição no chão de pedra os apartava do restante do mundo. Sua descrição franca do pai tinha aberto uma porta de intimidade mais sedutora do que aquela criada pelo prazer físico. Era algo como a relação que se estabelecia entre ela e seus amigos.

– Por que está tão curiosa sobre Greenwood, Phaedra?

Ela examinou a familiaridade branda que compartilhavam e pensou em sua resposta.

– Tenho interesse nele.

– Ele tem idade para ser seu pai!

Ela quase riu com seu tom exasperado, mas o aborrecimento mostrado em seus olhos lhe deu uma indicação. Ele estava com ciúmes. Phaedra achou isso irremediavelmente fora de moda e presunçoso, porém ao mesmo tempo adorável. Teve vontade de rir, em vez de censurá-lo.

– Você entendeu mal, Elliot. Ele conheceu minha mãe e tem sido gentil em responder perguntas que tenho sobre algumas questões.

– Que questões?

– Minha mãe talvez tenha mantido um amante em segredo em seus últimos anos de vida.

Ele franziu o cenho.

– Richard Drury...

– Não nos últimos tempos. Houve outro homem.

– E Matthias sabe quem foi? Ele vivia em Cambridge na ocasião e, apesar de às vezes visitar Londres...

– Ele é um homem perceptivo. Não ficou surpreso quando sugeri que talvez tivesse havido outro homem na vida de minha mãe. Esse amante também mexia com antiguidades e Matthias me deu os nomes de alguns homens do círculo dela que eram do ramo. Muitos de seus amigos íntimos desconversaram na hora em que os procurei. Desconfio que não quisessem que a imagem de Artemis Blair fosse mudada. Mas ele foi sincero comigo e sou grata por isso.

Elliot refletiu sobre o que ela disse e pareceu ao mesmo tempo curioso e cético.

– Por que você buscaria nomes, Phaedra? Talvez não tenha havido amante nenhum, já que os amigos dela negaram o fato.

– Acho que houve, sim, por causa de uma passagem que meu pai escreveu em suas memórias. Esse homem, quem quer que seja, era um criminoso.

A expressão dele ficou mais séria.

– Outra referência sem nome? Outra fofoca que destruirá uma reputação?

Elliot se pôs de pé em um minuto. Afastou-se, olhou para a parede e depois se voltou para ela.

– Seria melhor se você queimasse essas memórias ou as deixasse em uma gaveta trancada para sempre.

– Isso pode poupar sua família, mas não poupará o amante de minha mãe.

– Por que não?

Ela embrulhou o queijo no guardanapo úmido.

– Porque, mesmo que as memórias não sejam publicadas, destrincharei essa parte delas até ficar satisfeita e lidarei com esse homem do meu jeito.

O cenho de Elliot se manteve franzido, seu humor não melhorou, contudo uma curiosidade cautelosa surgiu em seus olhos.

– Você fala calmamente, porém de forma amarga e decidida. O que seu pai escreveu sobre esse homem que provocou em você a vontade de identificá-lo?

Ela se ajeitou para se levantar. Passou a mão na saia para retirar as migalhas.

– Ele escreveu que esse homem a seduziu, depois a traiu de forma tão desonrosa que acabou provocando sua morte. Preciso descobrir se isso é verdade.

– Na melhor das hipóteses, é ambíguo.

– Nem tão ambíguo assim. Tem mais. Não sou totalmente louca por achar que posso identificar esse homem. Só metade louca.

Ela andou até o centro da sala e olhou em volta.

– Se vamos ficar aqui por dias, temos que deixar esse lugar mais habitável – falou ela, virando uma cesta de cabeça para baixo. – Isso pode servir de banco, se você conseguir tirar a alça.

Elliot procurou a faca que viera junto com a comida. Colocou a cesta nas pedras do peitoril da janela e começou a cortar.

– Você não deveria levar muito a sério o que seu pai escreveu sobre sua mãe. Ele era um amante rejeitado e isso pode enevoar o bom senso de qualquer homem.

Phaedra pegou o cobertor sobre a esteira de palha e verificou se estava limpo. Avistou alguns ganchos de metal presos na abóbada do teto.

– Meu pai entendia bem o que tinha e o que não tinha com minha mãe. Ele não escreveu com amargura, mas como um homem que testemunhou a mulher que amava ser usada.

Elliot continuou a cortar, entretanto sua expressão decidida não tinha a ver com a alça da cesta.

– Trate esse assunto com cautela, Phaedra. Não acuse o homem errado nem conteste um homem bom.

– Se ele for um homem bom, não terá nada a temer de mim ou das memórias. Nenhum homem bom teria.

A alça da cesta se soltou, quebrando-se sob a pressão que ele impunha com a faca. Um barulho seco reverberou na abóbada de pedras, como se a paciência de Elliot tivesse acabado junto com a última frase dela.


Passaram as horas seguintes de forma mais agradável, falando amenidades. A amiga de Phaedra, Alexia, estava recém-casada com o irmão de Elliot, Hayden, e eles especularam sobre o casal e o que os teria unido. Isso suavizou o clima pesado da primeira parte da conversa.

Elliot, no entanto, continuou a refletir sobre o assunto inicial. Ele havia percebido o tom e a expressão de Phaedra ao falar do amante que traíra sua mãe.

Phaedra não era uma simples visitante curiosa na península Itálica, como tinha dito, mas uma mulher com uma missão. Por algum motivo, aquilo a tinha levado a Nápoles. Por isso o humor dela melhorara em relação ao atraso em ir a Pompeia. Sua investigação poderia até estar na origem da amizade com Marsilio e Pietro.

Por tudo o que sabia dela, cada ato, cada palavra, desde o dia em que ele entrou naquele jardim em Nápoles, fora parte de seu plano para saber dos últimos meses da mãe e do homem a quem culpava por seu declínio e morte.

Ela foi dando instruções a Elliot para arrumar sua habitação humilde enquanto conversavam. A pedido da Srta. Blair, ele amarrou a corda em um dos ganchos da abóbada. Phaedra esticou o cobertor velho nela e, assim, separou um canto no qual colocou o penico que os criados de Matthias tinham gentilmente posto em uma das cestas.

Já anoitecia quando tudo ficou arrumado. Com um novo cobertor sobre a esteira de palha e a cesta de cabeça para baixo como banco, Phaedra havia criado um lar rústico, porém agradável. Para uma pessoa.

Havia um cômodo de teto baixo sob essa sala mais alta na torre. Elliot esperava ser posto lá, a menos que, com seu charme, pudesse obter da rainha um convite para partilhar de seu santuário.

– Você tem talento para arrumação doméstica, Phaedra. Isso é resultado de se virar sem criados?

– Acho que aprendi a fazer isso porque minha mãe não levava o menor jeito para assuntos domésticos. Isso se mostrou útil quando tive que cuidar da minha própria vida.

Phaedra levou o odre e a xícara para a janela que dava para a cidade. Depois de derramar fora um pouco de vinho, conseguiu fazer jorrar um arco que encheu a xícara, e então ofereceu a bebida a lorde Elliot.

Ele se juntou a ela próximo à janela e bebeu. Os homens de Tarpetta tinham montado acampamento na base do promontório, para além da longa sombra da torre. A julgar pelos sons distantes das risadas, eles pareciam relaxados e de bom humor.

– Por que teve que cuidar da própria vida?

Ela estava linda demais à luz prateada do anoitecer que entrava pela janela. Atrás deles, pela abertura oposta, as cores chamejantes dos últimos raios de sol penetravam. Esses raios iluminavam a parte de trás da cabeça de Phaedra, transformando suas mechas em brasas, em contraste com a fria translucidez da pele branca do rosto que olhava para oeste.

– Minha mãe acreditava que as mulheres aprendem em casa, com os pais, a serem dependentes. Somos ensinadas e temer a independência e depois convencidas a rejeitá-la mesmo que esteja ao alcance. Assim, quando recebi uma herança do irmão de minha mãe, ela me estimulou a sair de casa e a viver sozinha antes que me acomodasse e virasse uma adulta dependente dela.

Phaedra fez uma pausa ao se esticar calmamente para ver o chão perto da torre. Outro pequeno acampamento tinha sido montado ali, povoado por cinco senhoras e Carmelita Messina.

– Eu tinha 16 anos – acrescentou, ainda distraída com a cena abaixo.

A atenção que dava aos acampamentos não a deixou perceber a reação de Elliot.

– Você era uma criança.

Ele tentou não expressar condenação em seu tom. Phaedra não gostaria de ouvir críticas à mãe, e ele não tinha o menor desejo de discutir com ela naquele minuto.

Ela ainda observava o promontório.

– Sim, eu era uma criança. Contudo há muitas mulheres que são empurradas para o casamento nessa idade. Acho que seria um destino muito mais assustador. Elas são jovens demais para os planos de seus pais, e eu também era jovem demais para os planos dos meus. Ela não se afastou da minha vida, não foi uma rejeição de seus deveres. Minha mãe me ajudou a contratar uma governanta, para que eu não morasse sozinha nos primeiros anos. Eu a visitava com frequência e nos víamos quase tanto quanto no tempo em que morávamos sob o mesmo teto.

Ela fez isso soar quase natural e sensato. Ele não podia pensar em Phaedra aos 16 anos morando sozinha, sem proteção ou supervisão de ninguém, exceto uma criada. Sua prima Caroline, que tinha sido apresentada à sociedade na última temporada, era tão infantil que dava vontade de trancá-la em casa por mais dez anos.

É claro que Phaedra Blair provavelmente não era tão infantil nessa idade, nem tão inocente. Artemis criara a filha para andar com as próprias pernas e traçar o próprio caminho. Ainda assim, essa imagem o deixou irritado. A mulher não deveria ter usado a própria filha como experimento para provar que suas ideias radicais tinham mérito.

– Na época não me importei e tudo saiu como minha mãe esperava. Depois que uma mulher prova uma liberdade assim, nunca mais quer abrir mão dela. Contudo, quando ela morreu... então fiquei enraivecida. Queria que ela houvesse esperado um pouco mais, de forma que eu tivesse aproveitado aqueles dois últimos anos com ela. Ela não previa que seu tempo seria tão curto, é claro.

– Não imagino a independência que me descreve. Mesmo sendo homem, não fico tão por minha conta.

– Não importa que ainda more na mansão de Easterbrook. Sendo homem, você é livre.

– Não falo de leis, costumes ou finanças, mas da vida. Não sou sozinho nem alguém sem laços com outras pessoas. Meus irmãos estão sempre presentes na minha vida e tenho outros parentes a quem devo obrigações. Minha vida faz parte da deles e a deles, da minha. Mesmo que meus irmãos e eu um dia nos odiássemos, ainda teríamos questões em comum a compartilhar.

A expressão de Phaedra se tornou pensativa, deixando-a ainda mais bela.

– Eu gostaria de ter tido um irmão ou uma irmã. Isso teria sido muito bom, principalmente agora.

Agora que estava completamente só, era o que queria dizer. Phaedra havia escolhido um caminho que a deixaria sozinha para sempre, a menos que, como a mãe, tivesse um filho ilegítimo. Elliot percebeu que ela compreendia que abrira mão de certas coisas e que não as menosprezava. Tinha posto as opções na balança, se não aos 16 anos, ao ficar mais madura. Ele não achava que o prêmio valesse o custo, porém admirava a bravura dela.

Ela pareceu um tanto triste. Ele se sentiu péssimo por tê-la obrigado a encarar a própria solidão.

– Espero que suas amizades de alguma forma possam substituir a família que você não tem.

Lampejos traquinas dançaram em seus olhos. Seu humor e animação vieram à tona, surgidos das profundezas de seus pensamentos.

– De certa forma, mas não é uma família como você descreveria a sua. Uns amigos são como irmãos e irmãs, alguns poucos se comportam como os mais afáveis dos maridos, porém esses laços não são permanentes. Com o passar do tempo, é possível que eu me veja imaginando se não fui abençoada com mais independência do que qualquer pessoa quereria.

O que significava que já vinha se questionando sobre isso.

A referência indireta a seus amantes sutilmente mudou o clima entre eles. Elliot não podia ficar tão perto dela naquela luz e não pensar em fazer amor com ela. Imagens e desejos tinham surgido aos borbotões desde que subira os degraus horas antes. A excitação aumentara com as palavras dela. Ele pensou ter visto um desafio na forma como ela o mirava.

De repente o desejo os uniu mais intensamente que nunca. Ela não fez qualquer esforço para refrear seu poder. Ele não se aguentava mais. Jamais tinha encontrado uma mulher que reconhecesse de forma tão ousada a excitação sensual que pode existir antes de um beijo ou um toque.

Com qualquer outra mulher, ele daria o primeiro passo, como fizera com ela antes. No entanto, não se esquecera das palavras dela ao se afastarem no terraço, naquela noite. Se ela fosse honrar sua ameaça, neste momento ele provavelmente não conseguiria se portar de forma honrada o bastante para que ela tivesse a chance de rejeitá-lo.

Phaedra evocava nele o que seu sangue trazia de pior, algo que vinha do pai. Elliot queria se aproximar, abraçá-la, acariciá-la e devorá-la. A tentação de usar o prazer para coagi-la a se submeter ao próprio desejo e a ele ameaçava sobrepujar o que restava de seu bom senso.

Elliot se afastou. Pegou o revólver e um dos cobertores e começou a descer as escadas. A alternativa era se arriscar a se comportar como um canalha, ou, pior, tornar-se uma daquelas abelhas lastimáveis que ficam zumbindo e implorando pelos favores da rainha.


Phaedra observou o sol se pôr no mar. Luzes roxas e laranja coloriam a água com listras sedosas à medida que a escuridão aos poucos se aproximava. Lá embaixo, no barco, os homens acenaram e a saudaram amigavelmente. Parecia que eles também tinham alguns odres de vinho à disposição e que a bebida os deixara mais amistosos.

Phaedra encontrou a única vela mandada junto com os víveres e a acendeu. Sentou-se em um canto onde a brisa noturna não a apagaria. Ouviu Elliot se mexer lá embaixo, talvez na tentativa de achar algum conforto no chão tendo apenas um cobertor sob o corpo.

O corpo dela ainda não tinha se acalmado totalmente desde que ele partira, nem seus pensamentos se afastaram muito dos últimos minutos que tinham passado juntos. Uma pulsação quente continuava a se fazer sentir, atraindo sua atenção. Normalmente ela só tinha que lutar contra isso quando Elliot estava por perto, contudo seu corpo parecia saber que estava perto o bastante e não lhe daria alívio. Seus seios continuavam rígidos e cheios, com os mamilos reagindo a cada roçar do tecido do vestido.

A última conversa deles a desarmara. Agora só conseguia pensar em lorde Elliot de forma gentil. Ele entendera mais do que ela mesma. E não a olhara com pena – em vez disso, expressara uma preocupação verdadeira com esse lado menos perfeito da vida dela.

Ela mentira um pouco para poupar Artemis da censura daquele homem; entretanto, a julgar pelas reações dele, isso fora desnecessário. A verdade era que Artemis estivera correta em suas crenças, mas nem sempre em seus métodos. Ficar sozinha aos 16 anos fora algo devastador e amedrontador, muito mais do que Phaedra admitira. Ela sentira como se a mãe a tivesse jogado de um barco no meio do oceano, simplesmente esperando que ela soubesse nadar.

Phaedra perdoara a mãe por esse engano fazia anos, porém duvidava que outras pessoas fizessem o mesmo se soubessem daquele frágil ano tão carregado de grandes erros. A verdade seria mais uma prova para o mundo de que Artemis Blair não tinha sido uma boa mãe, nem ao menos uma mulher normal.

Elliot já não fazia mais barulho lá embaixo, embora ela pudesse jurar ouvir sua respiração. Ele não teria conseguido pegar no sono tão rápido, disso ela sabia. Phaedra caminhou a passos suaves, numa tentativa de aliviar a forma como seu corpo a atormentava. Tentou harmonizar a ideia de que o desejo não era somente físico agora, mas também um anseio por aumentar a proximidade que sentira com ele ao compartilhar suas confidências e o perigo.

Levou as mãos aos seios. Os estímulos se juntavam, aumentavam e desciam por seu corpo. Fechou os olhos para tentar domá-los e ouviu a lição dada por sua mãe sobre desejo.

O prazer carnal é uma necessidade tanto de homens quanto de mulheres. Não negue seus desejos, só fique atenta a quem escolhe como parceiro. A maioria dos homens são conquistadores em sua essência. Busque os poucos mais esclarecidos que alçaram um lugar acima da maldição primitiva. Se decidir ter prazer com um conquistador, certifique-se de lhe dar somente seu corpo e apenas temporariamente. E nunca, nunca sucumba à ilusão de que pode mudar esse homem.

Phaedra imaginou o homem lá embaixo. Ele se fora apesar de terem estado juntos em um cômodo saturado do desejo de um pelo outro. Elliot podia ser um conquistador, porém não era tolo. Entenderia que ela não cederia nada, exceto o que decidira ceder. Ela faria questão de deixar essa parte bem clara.


CAPÍTULO 11

Elliot se preparou para passar uma noite tendo apenas os próprios pensamentos por companhia. Com um pouco de sorte, logo pararia de ficar imaginando a mulher do andar de cima.

Esforçou-se para pensar no mundo que descrevia nos livros. Não precisava de seus papéis para se aventurar por lá. As notas e os esboços preliminares eram registros de suas ideias, não lembretes. Toda a informação estava em sua cabeça, acessível a qualquer momento. Já tinha passado muito tempo por lá, escapando do tédio quando alguma conversa o incomodava.

Seus irmãos, Christian e Hayden, também tinham câmaras secretas em suas mentes. Quando se aventuravam nelas, fechavam as portas atrás de si e se isolavam por completo da realidade. Somente ele fora abençoado com a capacidade de entrar e sair a seu bel-prazer, como se a porta permanecesse entreaberta. Elliot sempre conseguia manter contato com o mundo real.

Naquele exato momento, contudo, isso não era uma grande vantagem. O mundo externo com o qual não perdia contato consistia de uma frustração física que não se aquietava. Especulações em relação aos movimentos acima o perturbavam. Seu sangue ruim calculava o custo para sua honra e seu orgulho se ele dominasse primeiro e corrigisse depois.

De alguma forma, conseguiu deixar tudo isso do lado de fora, perto da porta, mas sem interferir tanto em seus pensamentos. Voltou sua concentração para as informações sobre práticas funerárias que coletara das antigas histórias romanas.

– Elliot.

Ele abriu os olhos. Cada parte de seu corpo entrou em estado de alerta. Ela poderia estar a centímetros dele, tão nítido fora o chamado. As pedras das paredes e dos degraus tinham transportado sua voz para baixo. Ela nem tivera que elevar o tom.

Phaedra não falou de novo. Só pressupôs que ele tivesse escutado. Ou talvez soubesse que ele responderia ainda que o chamado tivesse sido feito só na mente dela.

Talvez ela só precisasse de ajuda com a vela. Ou talvez tivesse visto algum movimento de uma das janelas e pressentisse problemas provocados por seus carcereiros. Ele podia simplesmente perguntar dali, mas não faria isso, apesar de saber que se afastar de novo seria quase impossível.

Acreditando que Phaedra era esperta demais para brincar com fogo, ele subiu as escadas.

Luzes vagas e sombras escuras dançavam pelas pedras das paredes e da abóbada no cômodo superior. O cobertor pendurado separava um canto numa cortina improvisada. A única e grande vela queimava devagar, suas chamas acrescentando lampejos dourados aos frios raios do luar.

Todas as tênues fontes de luz se juntavam e se intensificavam em um lugar. Uma estátua pálida as absorvia para aumentar a exibição sensual do cobre abrasador e da porcelana branca.

Phaedra estava de joelhos na esteira de palha, apoiada nos calcanhares. Olhava para a escada e para ele. Elliot parou ao vê-la, momentaneamente boquiaberto com sua beleza e ousadia.

Estava nua. Suas madeixas ondeavam pela pele desnuda. Pareciam fitas de seda que se dividiam para deixar ver partes de ombros alvos como leite, de braços macios, seios arredondados e quadril curvilíneo.

Ela deixou que ele observasse um bom tempo, sabendo que uma torrente se armava dentro dele, admitindo com o olhar que sentia o mesmo desejo.

Juntou os cabelos e os jogou para trás, expondo o corpo todo. Seus seios estavam empinados e cheios, com os mamilos róseos rígidos.

– Podemos ter prazer juntos esta noite, se quiser – disse ela.

Ele arrancou o casaco e andou até onde ela estava.

– Se eu quiser? Eu quero possuí-la desde a primeira vez que a vi.

Phaedra relaxou e esticou o corpo nu a seus pés, observando enquanto ele tirava a camisa.

– Não será assim. Possuiremos um ao outro.

– Como queira. Não me importo nem um pouco com os termos dessa rendição.

Naquele momento ele não se importava com absolutamente nada, exceto o desejo que ficava mais forte e convincente a cada instante. Caiu de joelhos ao lado dela.

– Não é uma rendição, Elliot. É uma trégua. Uma noite para gozarmos de nossa amizade.

Ela o ajudou a desabotoar a calça.

As mãos dela o fizeram enlouquecer de excitação. Ele olhou para aquele corpo feminino nu, tão vulnerável e acolhedor. Imagens entraram em sua cabeça e a urgência acelerou sua pulsação. Se ela considerava isso amizade, não conhecia os homens muito bem.

– Com certeza, Phaedra. É claro.


Ele não quisera dizer isso. A alma dela sabia, mas, naquele momento, Phaedra não se importara.

Ele estava lindo e sensual. Até ajoelhado ele era alto. Seu tronco e seus ombros nus se avolumavam acima da esteira de palha e dela, fazendo-a pequena e... vulnerável. Essa sensação era nova. Nunca vivenciara algo assim antes de conhecer aquele homem. Não era uma sensação desagradável. Ela se deixou sentir prazer nessa condição porque sabia que ele não representava um perigo real.

A luz deixava a pele dele cor de bronze e ressaltava seus músculos. Não havia nada de suave para se ver nele. Nem no corpo nem no rosto. Nele, a paixão tornava os traços de família ainda mais duros, mesmo sendo o Rothwell mais afável. O cabelo escuro, solto e despenteado pelas aventuras do dia, caía em mechas sobre a testa e o rosto. Seus olhos se tornaram cristais negros quando ela começou a ajudá-lo a se despir.

Elliot afastou as próprias mãos, deixando que ela fizesse o trabalho sozinha. Só olhou para baixo, talvez desafiando-a a prosseguir, testando se ela recuaria.

Ela não se apressou. Seus olhares ficaram conectados. Sensações maravilhosas davam vida ao corpo dela. A excitação era mais intensa por saber o que estava por vir. A expectativa cresceu entre eles de forma tão maravilhosa que se tornou um dos maiores prazeres que ela jamais experimentara.

Depois de despi-lo da calça, ela levou a palma da mão até o abdome dele, saboreando o toque de sua pele e daquela combinação tão masculina: uma superfície macia sobre uma sustentação rígida. Ela amava a forma como o desejo intensificava todos os sentidos, inclusive a intuição que lhe dizia quanto ele adorava aquele toque e como o resto da realidade desaparecia por completo para ele também.

Quando não conseguiu subir mais, desceu a mão de novo, chegando a sua roupa íntima. Com carícias suaves, ela a puxou para baixo, fazendo o tecido se avolumar em seus joelhos e libertando-o. As pontas dos dedos dela faziam o reconhecimento de seu corpo, centímetro por centímetro. Ela deslizou as mãos e as pressionou nas partes protuberantes do quadril e das coxas dele. Com a ponta dos dedos, alisou sua ereção inteira até a cabeça do pênis, envolvendo-o com suavidade, depois o acariciou de forma mais agressiva.

Elliot tentou conter a sensação que isso provocou, mas ela pôde ver a fúria sensual que o dominava. Todo ele ficou mais duro. Seu rosto e olhar, seu corpo inteiro ficou mais rígido.

– Você corre perigo de ser tomada sem cortesia nem cerimônia, Phaedra.

Ela avaliou a ameaça e a excitação do próprio corpo.

– Não me importo. Estou mais do que pronta também.

Ele se juntou a ela no cobertor e empurrou as roupas para longe. Posicionou seu corpo nu por cima do dela, apoiando-se nos antebraços ao lado dos ombros dela.

Um beijo. Profundo e íntimo, tão lento e sedutor que um anseio estranho e doce venceu sua impaciência. Phaedra afastou as pernas para que ele se aninhasse, instintivamente convidando-o a se unir a ela naquele momento para que talvez a noite toda fosse comovente.

Ele olhou para ela.

– Você é uma mulher muito generosa.

– Generosa, não. Quando a mulher é sincera nesses prazeres, ela ganha também.

– Esta é uma visão admirável e democrática. Só que você não está sendo sincera e me encoraja a ser um amante ruim por causa disso.

– Reconheço minha condição carnal da forma mais sincera.

Tão sincera que essa demora a enlouquecia. Ela mexeu o quadril um pouco para encorajá-lo.

A reação dele foi leve, sutil, mas devastadora. Ele empurrou, mas não tudo. Ela o sentiu lá embaixo, tocando-a de leve, uma provocação terrível e maravilhosa.

Ele a beijou no pescoço e nos ombros.

– Você disse que estava mais do que pronta – falou, administrando o calor daquele deleite. – Não foi verdade, mas talvez tenha falado por ignorância.

A indignação se infiltrou em sua mente, que só pensava nos formigamentos maravilhosos que atingiam seu sangue.

– Não sou ignorante. Acho que isso é óbvio.

Ele suspendeu o tronco, de forma a poder acariciá-la. Observou as pontas dos próprios dedos traçarem levemente uma linha em torno da base e do volume do seio, assim como ela havia feito há pouco no quadril e nas coxas dele.

– Uma mulher mais do que pronta não fica tão controlada quanto você continua. Você não está nem perto de estar pronta como poderia estar. Se não é ignorante, sabe disso. Mas talvez você tenha medo de se abandonar à sensação.

Ele esfregou o mamilo dela. Um tremor profundo a sacudiu, ressoando dos pés à cabeça. O corpo dela ansiava por empurrá-lo fundo para dentro e escapar daquela tortura sensual, por mais deliciosa que fosse.

Ele tocou o seio dela com mais força, esfregando o bico, fazendo os tremores se repetirem com intensidade crescente. Phaedra começara essa sedução confiante e ousada. Agora a onda dessa vulnerabilidade tentadora afastava seu autocontrole.

Ela não conseguia mais resistir à maré de prazer. Elliot pareceu perceber que ela tentava. Saiu do corpo dela como se anunciasse que era ele quem decidiria quando ela estaria pronta. Deitado ao lado dela, apoiado no braço rígido, ele a acariciou devagar e seguro de si, seu toque possessivo percorrendo toda a pele dela.

Seus seios ansiavam para que suas mãos voltassem ali. O outro prazer e os estímulos que ele causava pioravam tudo ainda mais. A frustração a deixava quase louca. Ela nem conseguiria abraçá-lo naquela posição, ficava exposta e submissa ao seu olhar e a suas mãos mal-intencionadas.

Phaedra não podia abraçá-lo, mas podia tocá-lo. Nem todo o corpo dele estava fora de alcance. Ela buscou a parte interna da coxa de Elliot com a mão direita. Acariciou-o com movimentos para cima, certificando-se de que não perderia o controle sozinha.

Ele reagiu como esperado, da forma como ela ansiava. Elliot acariciou seus seios de uma maneira tão perfeita, tão completa, que a fez quase perder a sanidade. O prazer insuportável ficou maravilhosamente pior e o desejo por mais tomou sua mente.

Ele baixou a cabeça e levou a boca ao seio dela. Uma nova sensação percorreu seu corpo. Uma sensação doce e intensa e tão poderosa que a fez perder contato com a realidade. Phaedra agarrou os ombros dele em um abraço selvagem para que não ficasse sozinha em seu abandono. Sua mente se obscurecera e ficara tão focada que apenas uma vaga percepção do mundo ao redor se esgueirava por ela. Sons ecoavam as súplicas em sua cabeça e as necessidades que a devastavam. Pegadas fortes e beijos violentos a levaram mais fundo nessa sensação pura.

Um toque diferente, bem-vindo e temido e tão necessário que ela pensou que desmaiaria de alívio. Sua consciência gritou. Ela abriu mais as pernas para que ele não parasse. Arrepios profundos se acumulavam lá e se espalhavam, aumentando a tortura até ela querer implorar por alívio.

Então lá estava ele com ela de novo, aninhado entre suas coxas como tudo tinha começado, empurrando de leve daquela forma incompleta e enlouquecedora. Ele a beijou com um jeito selvagem ao penetrá-la, engolindo seu gemido de alívio.

Estocadas fortes, profundas e plenas, a levaram ao gozo. A explosão singular de prazer a embebedou de paz e de uma sensação perfeita. Flutuou nela, espantada com a violência do clímax e com a materialidade do êxtase.

Phaedra foi voltando devagar da escuridão sagrada de sua mente. Seus braços sentiram os ombros que ela abraçava e suas pernas, o quadril que circundavam. Ele permanecia teso e pleno dentro dela.

Por entre os cachos úmidos, ela viu os olhos dele, ainda quentes e firmes em sua rigidez sensual.

– Você parece bem satisfeita, Phaedra.

Tão satisfeita que ela pensou que nunca mais poderia se contentar com menos.

– Com toda a certeza.

Ele se mexeu devagar, descrevendo um longo caminho na carne ainda intensamente viva após o clímax.

– Acho que nunca conheci uma mulher com tanta facilidade de ter prazer.

Ele pousou um beijo firme em seus lábios. Bem dentro dela, a satisfação começou a arrefecer. Novas necessidades acenaram de forma sutil, porém perceptível.

Ele fez de novo. Olhava para baixo, controlado demais, seguro demais do que causava com suas investidas lentas e profundas.

– Acho que nunca fui tão possuído por uma mulher antes.

– Não me culpe se não compartilhou a satisfação. Normalmente, há unidade nessas coisas.

– Duvido que já tenha havido unidade com você. Seus amigos encontram o próprio prazer enquanto a ajudam a achar o seu, mas é diferente.

Phaedra viu um insulto nessas observações tranquilas. Se não estivesse tão ligada à potência viril que emanava dele, se os tremores da nova excitação não estivessem preenchendo sua mente, talvez ela achasse as palavras para castigá-lo por sua presunção.

Só que a sensação de saciedade diminuía com rapidez. Lá dentro, desejos ressonantes despertaram, reforçados pela confusão e pelo desespero.

O abandono acenou de novo, mas permaneceu fora de alcance, tentando-a. Ela continuou em contato com o mundo, ciente do homem que se demorava, consciente de que ele também não tirava os olhos dela.

Phaedra mexeu o quadril para encorajá-lo. Mais rápido. Ele acariciou a nádega direita dela e a puxou, detendo-a.

– Você disse que nós possuiríamos um ao outro, e eu quero possuí-la devagar.

– Foi muito indelicado da sua parte não se saciar junto comigo.

Ela nem sabia que um homem podia controlar suas vontades a esse ponto.

Obteve um sorriso quase imperceptível em resposta. Sua mão soltou a nádega dela. Phaedra pensou que ele houvesse se rendido. Em vez disso, ele levou a mão às costas e soltou a perna dela de seu quadril.

Moveu a outra perna também e empurrou as coxas dela unidas para baixo dele. Quando se mexeu dentro dela de novo, o prazer se concentrou e espiralou tão nítido que ela perdeu o fôlego.

As sensações a deslumbraram, a venceram. Ela não podia negá-las, então se rendeu. Porém, desta vez o clímax foi diferente. Phaedra não perdeu o contato com o mundo. Ouvia os próprios gritos. Ficou embebida na aura dele. A vulnerabilidade voltou, mais matizada, ainda excitante, porém levemente assustadora.

Ele não perdeu o controle, não sucumbiu. Mesmo quando suas estocadas ficaram mais rápidas e mais fortes, mesmo na hora em que ela gritou em êxtase, Phaedra sentiu que ele controlava seu poder até o fim.

Dessa vez houve unidade. Ela não chegou sozinha ao clímax. Na verdade, ele pareceu mais presente. Um alívio glorioso a despedaçou como um raio parte uma árvore, porém ele permaneceu a seu alcance durante todo o tempo.

Após o coito, à medida que a alma dela tentava recolher os cacos de seu autocontrole e ela lutava para recompor a mulher que conhecia, receios penetraram seus pensamentos. Ela o sentia em seus braços, seu corpo cobrindo o dela. Ele estava exausto, satisfeito e quieto, mas inteira e estranhamente real.

Phaedra nunca se sentira em desvantagem em situações assim antes. Envolta em êxtase e saciedade, ela examinava sem pressa essa nova situação. Tentava decidir o que significava e como tinha acontecido.

Com certeza, essa misteriosa sensação de desprendimento desapareceria quando ele fosse embora. Tinham sido só a noite, a escuridão e o prazer que a haviam causado.

Ele se apoiou nos antebraços, tirando o peso de cima dela. O olhar dele a invadiu muito fundo e de forma tão calorosa e intensa que ela se perguntou se ele estaria tentando deixar uma marca de fogo em sua mente. Depois ele rolou de cima dela e se deitou de lado. Logo caiu no sono com o braço por cima dela.

Elliot pretendia passar a noite ali. Ela nunca permitira isso com seus amigos, mas não conseguiria acordá-lo e pedir que descesse para deitar no cobertor sobre as pedras no cômodo embaixo. Porém...

Phaedra olhou para as luzes bruxuleantes que brincavam nas pedras acima dela. O olhar dele tinha sido cálido e tocante durante o último e longo olhar, mas também exigira que ela reconhecesse a força da união dos dois. Carregara a profunda intimidade que ainda os unia e se negara a deixar que ela se desvencilhasse de seu abraço.

Porém, tinha havido mais do que isso, algo que ela nunca vira nos olhos de um homem antes, pelo menos não em um que a olhasse.

Ela vira os olhos de um conquistador.

E se perguntara o que ele erroneamente achava ter conquistado.


A porta da mente dele permanecia entreaberta. Elliot a ouviu suspirar e murmurar enquanto dormia. O sol começava a nascer e ela despertaria em breve. No momento, ele aproveitava a paz, a companhia e o ar frio em seu corpo, deixando a mente concluir suas reflexões sobre outras coisas.

Um som o despertara, dando uma vaga indicação do novo dia que começava. Agora ele espiava pela luz prateada à medida que um objeto tomava forma. Havia mais uma cesta no cômodo, bem à direita, no alto das escadas. Uma das senhoras tinha trazido mais víveres.

Phaedra despertou devagar como um gato ronronante. Ela se encolheu e depois se esticou em sua elegância nua e se virou para o outro lado, dando a Elliot a oportunidade de admirar o belo contorno de suas costas e de seu quadril.

Ela parecia muito doce naquele momento e mais jovem. Despida de seu hábito negro, liberta da armadura com que enfrentava o mundo, ela o espantava com sua aparência frágil. A noite anterior revelara esse outro lado de sua alma de uma forma inconfessa e inexplicada. Sua paixão tinha sido ao mesmo tempo experiente e ignorante, ao mesmo tempo segura e amedrontada. Ele experimentara a fraqueza e a suavidade que ela não ousava mostrar ao mundo. Phaedra levava uma vida baseada em símbolos na qual tais contradições não eram permitidas.

Ele a queria de novo, porque ela estava muito bela ali de manhã e porque a Phaedra nua, despida e desarmada, o fascinava. Imaginou que continuaria a desejá-la por muito tempo. Calculou tempo e lugar, dia e noite, tendo as lembranças de seus abraços a tentá-lo.

Num instante ela se pôs alerta, como se tivesse ouvido os pensamentos dele. Deitou-se de costas e, através de pálpebras semiabertas, avaliou onde estava e com quem. Um vago rubor tingiu seu pescoço, descendo até os belos seios. Os mamilos endureceram, mas não por causa da fria brisa marinha.

O constrangimento a fez parecer uma menina insegura. Lorde Elliot se perguntou que pensamentos causaram o franzir de seu cenho ao olhar o próprio corpo. Ela não estava tão atrevida agora, sem a escuridão para transportar os acontecimentos para outro mundo.

Elliot puxou algumas roupas para que ela não fosse obrigada a sair de onde sua escolha a deixara. Ele lhe entregou o monte de tecido negro que era seu vestido. Phaedra se sentou e o passou pela cabeça.

Ele se sentou ao lado dela na esteira. Imaginou se Phaedra mencionaria os acontecimentos da última noite e o que ele deveria dizer quando ela o fizesse. Ela não era uma mulher que esperasse gratidão ou desculpas. Certamente não esperaria que ele lhe oferecesse dinheiro ou qualquer tipo de pagamento. Ela não esperava absolutamente nada dele e levaria a mal qualquer proposta.

– Você tem Alexia – disse ele. – Ontem você falou sobre estar só, mas Alexia é uma amiga leal.

As palavras de Phaedra tinham ecoado na cabeça dele naquela manhã enquanto ficara deitado ao lado dela. Ele se perguntara sobre suas amigas na infância, duvidando de que tivesse alguma. Imaginava que poucas mães permitiriam às filhas serem amigas da filha de Artemis Blair.

Phaedra se esticou para lhe dar um beijo no rosto. Ele supôs que, em algum momento ao longo do dia, a intimidade entre eles chegaria ao fim e Phaedra consideraria a noite da véspera como passado. Agora, contudo, com um gesto ela o fazia entender que achava a preocupação dele, no mínimo, encantadora.

Ele aproveitou a oportunidade para passar o braço em torno dela. Sentado assim numa cama de palha, com as costas apoiadas na parede, a cabeça de uma bela mulher no ombro e os sons e cheiros do mar entrando em lufadas pelas janelas, não seria um jeito ruim de passar o dia.

– Ela fez com que seu irmão permitisse nossa amizade – disse. – Quando Alexia negociou o casamento, ela o fez prometer. Eu tinha imaginado que... Cheguei a recusar o convite de casamento. Escrevi a ela dizendo que isso só causaria problemas com o marido. Ela me respondeu explicando o que conseguira.

Phaedra inspirou profundamente. Sua voz saiu mais fraca quando voltou a falar.

– Chorei ao ler a carta. Foi o gesto mais nobre que qualquer amiga já fez por mim. Preocupar-se comigo naquele momento... Ainda acho difícil de acreditar que seu irmão tenha concordado. Não sou uma mulher que a maioria dos homens deseje como amiga de suas esposas. Uma cortesã seria mais bem-vinda nas salas de estar das famílias elegantes de Londres.

Elliot imaginou que a generosidade do irmão fazia parte de uma estratégia maior. Phaedra Blair era uma concessão pequena para Hayden nas negociações para ficar com a mulher que desejava.

Não ajudaria colocar as coisas dessa forma.

– Hayden nunca foi escravo das regras da sociedade. Ele quer que Alexia seja feliz e sabe que a amizade dela com você não representa qualquer perigo.

– Se ele acredita nisso, o amor o deixou tolo. Não me ressinto com os pais e maridos que não permitem que eu seja recebida, Elliot. Se eu fosse eles e acreditasse no que eles acreditam, estabeleceria as mesmas regras.

Elliot olhou para o topo da cabeça dela. O cabelo parecia mais dourado do que ruivo agora, na luz cristalina da manhã. Ela não queria sua piedade por sua infância solitária. Não esperava que o mundo se transformasse para se adaptar a ela. Só queria que a deixassem quieta para que conduzisse suas crenças como lhe aprouvesse.

Entender isso acrescentou ternura à satisfação que ele sentia naquele momento. Infelizmente, deixá-la quieta seria quase impossível.

– Lorde Elliot.

O chamado de Carmelita não veio das escadas de pedra. Ela estava lá embaixo, do lado de fora da torre. Pelo menos uma das senhoras tinha se intrometido mais cedo e agora faziam uma tentativa de não repetir isso.

Ele se levantou e olhou para fora da janela. As cinco senhoras estavam em volta de Carmelita, falando baixo e ainda montando guarda.

– Lorde Elliot, o signore Greenwood está chegando.

Ela fez um gesto indicando a parte baixa do promontório, para além dos homens que acordavam.

Greenwood passava pelo cais, agora cheio de barcos de pesca. O barulho da cidade lembrou a Elliot por que nenhum deles fora para o mar. Era o dia da festa de San Giovanni.

Os homens deram passagem a Greenwood. Ele lhes disse algo ao passar. Acenou para Elliot quando o avistou na janela. Seu sorriso e andar lépido indicavam que trazia boas notícias.

Ele cumprimentou Carmelita e as senhoras com uma mesura, depois olhou para cima.

– Você e a Srta. Blair têm muitas razões para me agradecer, Rothwell. Fui tão habilidoso, tão brilhante, que mereço um cargo nas relações exteriores.

– O senhor convenceu aquele idiota a pôr fim nisso? – perguntou Carmelita.

– Fechei um acordo. Um tão bom que as senhoras não precisarão mais oferecer seus préstimos.

Carmelita explicou às senhoras o que ele dissera, porém elas relutaram. Uma pequena discussão se seguiu, mas Carmelita as convenceu. Todas as mulheres começaram a caminhar de volta para a cidade.

– Vou subir e explicar – disse Matthias, desaparecendo no limiar do portal.

Elliot se virou para Phaedra. Ela se parecia de novo consigo mesma: composta, orgulhosa e singular. O tecido preto cobria o corpo que ele possuíra horas antes. Phaedra se inclinou e esticou o cobertor por cima da palha, eliminando a mais óbvia evidência dos eventos noturnos.

– Eu devia ter me rendido à tentação e acordado você mais cedo – disse ele. – Uma noite assim não devia terminar de forma tão abrupta.

Phaedra deu um sorrisinho nervoso.

– De forma abrupta ou lenta, as noites sempre acabam.

Havia muita coisa que ele gostaria de dizer em resposta, entretanto as botas de Greenwood já se aproximavam do cômodo.

O cabelo branco e o rosto sorridente de Matthias surgiram. Ele parecia muito satisfeito consigo mesmo.

– Trouxe-lhe a chave de sua prisão, Srta. Blair. Infelizmente, para que tudo dê certo, a senhorita tem que deixar Positano imediatamente.


CONTINUA

CAPÍTULO 7

– É uma coleção modesta.

Matthias brilhava de orgulho, apesar de suas palavras.

– Tive a ideia inspirado nos gabinetes renascentistas. É o meu refúgio dentro de casa, cheio dos meus objetos favoritos.

Seu gabinete era uma grande sala quadrada cheia de urnas antigas e ramagens nas paredes de gesso. Além de uma escrivaninha comprida repleta de livros e papéis, o cômodo continha artefatos. O capitel de uma coluna coríntia estava empoleirado em um dos cantos da mesa. Um busto antigo os observava do alto de uma estante de livros. Vitrines com pés, como as das livrarias inglesas, guardavam outros pedaços de peças e antiguidades.

Phaedra caminhava por entre as peças, observando. Randall Whitmarsh a acompanhava, apontando as moedas com as imagens de Júlio César e Tibério gravadas e as pequenas garrafas de vidro.

– Aqui está o grande achado – anunciou Matthias.

Ele abriu uma gaveta, retirou uma trouxinha de tecido e começou a desembrulhar o material.

Surgiu uma pequena estatueta de bronze de uma deusa nua em uma posição relaxada.

– Alguns garotos mergulhavam na enseada e lá estava ela, no fundo da areia. Deve ter ficado lá por 1.500 anos. É grega, tenho certeza. Período clássico. Provavelmente parte de uma carga grega a caminho de alimentar os cobradores do Império Romano.

Whitmarsh levantou a estátua.

– Com certeza um navio naufragou aqui. Deve haver outras peças onde ele afundou, se puder ser achado.

– A água fica profunda rapidamente, o que é muito perigoso – disse Matthias. – Se houver mais peças, elas só vão ser encontradas quando as marés fizerem seu trabalho. Retirei com cuidado as cracas e a melhora foi maravilhosa.

Elliot tomou a estátua em suas mãos.

– É linda. Pretende vendê-la?

– Ainda não sei. Caso decida vender, Whitmarsh poderia pô-la à venda para mim em Roma, não é?

– Ou eu, em Londres – emendou Elliot. – Você conseguiria um preço melhor, não acha?

Matthias sorriu com a indulgência de um mestre. Pegou a estátua das mãos de Elliot.

– E macular o seu sangue com atividades comerciais? Eu não faria isso.

– Não haverá comércio se eu apenas indicar um colecionador. Easterbrook pode até ficar interessado na peça.

Os homens começaram a discutir a data de criação da estatueta e seu valor. Phaedra continuou a andar por entre as vitrines para completar sua visita de reconhecimento.

A coleção de Matthias era muito eclética, como a de um garoto de escola que trouxesse para casa pedaços e peças do mundo que o fascinavam. Uma vitrine continha fragmentos de cerâmica de pouco valor, porém com enfeites primitivos fascinantes. Espirais e formas geométricas se amontoavam sobre as superfícies avermelhadas. Um belo cálice grego intacto ocupava lugar de honra em outra, exibindo o deus Dionísio em um navio em seu interior raso e arredondado.

Prosseguiu até as adagas antigas e partes de armaduras romanas entalhadas e chegou até uma vitrine que continha outros objetos de metal. Essa estava trancada e Phaedra podia entender por quê. Espalhados dentro estavam objetos de ouro e prata e esmaltados, alguns clássicos, outros de épocas posteriores, em que normandos e sarracenos estiveram ali. Pequeninas imagens de deuses romanos e vivas interações de linhas e arabescos disputavam sua atenção.

A vitrine inteira brilhava. Fechos de bolsas, brincos e fileiras de contas de vidro.

– Decidi ficar com minha pequena deusa – anunciou Matthias. – Onde acha que devo alojá-la, Srta. Blair?

Phaedra deu sugestões de lugares onde Matthias poderia exibir a pequena estátua, porém seus pensamentos continuavam na coleção diversificada do seu anfitrião. Ela se perguntava se ele saberia algo sobre camafeus antigos.


De tarde, o Sr. Whitmarsh decidiu pescar, então os cavalheiros desceram a montanha para alugar um barco após a sesta costumeira da cidade. Isso deixou Phaedra com a signora Roviale e a Sra. Whitmarsh.

As damas se sentaram na sala de visitas e tentaram não entediar umas às outras. Quando a Sra. Whitmarsh pediu licença e saiu para escrever uma carta, a signora Roviale abordou o único assunto que achava ter em comum com a outra hóspede.

– É um homem notável, o seu lorde Elliot. Não sou fã de todos os amigos ingleses do signore Greenwood. Eles quase sempre são pálidos demais e reservados a ponto de se tornarem tediosos, e suas mulheres e namoradas também são sem sal e sem assunto. Mas lorde Elliot é ao mesmo tempo bonito e interessante. Un uomo magnifico.

– Lorde Elliot é cunhado de uma grande amiga minha e me acompanha a pedido dela. Não sou sua namorada.

– Veramente? – exclamou ela, depois avaliou Phaedra com frieza. – Talvez, se usasse roupas mais atraentes... Matthias me disse que não está de luto e, por aqui, o preto é mais comum entre as mulheres velhas... E seu cabelo, a minha criada poderia penteá-lo para que não parecesse uma criança nem uma puttana.

“Puttana” tinha sido uma palavra que Gentile Sansoni usara durante o interrogatório. Significava meretriz. Como a signora Roviale não era casada com Matthias, estava enveredando por um campo muito delicado.

– Escolho meus vestidos e meu penteado por bons motivos, signora. Assim não preciso ficar sobrecarregada com criadas nem gasto horas em preparações antes de começar meu dia tão atarefado.

– Aaah, capisco. Entendo.

Ela fez um gesto expressivo, a mão desenhando um amplo arco que incluiu as duas e a casa.

– Mas seu dia está livre hoje. Não está muito ocupada, não é? Não temos nada para fazer enquanto esses ingleses pescam feito camponeses. Ofereço-lhe minha criada; então não ficará, como disse, sobrecarregada.

– Estou muito satisfeita assim, obrigada. Quanto a preencher o meu dia, vou para o meu quarto ler, se me der licença.

– Pode ler outra hora. Acho que é uma mulher que lê demais.

Ela se levantou e acenou para Phaedra, indicando que a acompanhasse.

– Talvez esteja satisfeita em seu vestido, contudo a signora Whitmarsh não está feliz. Ela pensa que você é uma bruxa e que está tentando encantar o marido dela. E você é tão incomum que ela não sabe como competir. É louca por pensar assim, de toda forma posso ver as suspeitas naquele rosto comprido. Nós a deixaremos apresentável e comum para o jantar desta noite, para que ela não pareça ter uma nuvem negra em cima da cabeça.

Revoltada por estar sendo coagida, porém incapaz de pensar em uma desculpa para desfazer o plano de sua anfitriã, Phaedra se levantou. A signora Roviale lhe deu o braço e, com firmeza, conduziu-a escada acima.


Elliot despiu a camisa agora úmida de maresia. Entregou-a ao criado para que fosse lavada, depois foi se arrumar para o jantar. A pesca tinha sido divertida, animada pelos odres de vinho que Matthias tinha jogado no barco.

Saiu para o terraço e apurou os ouvidos. Nenhum som vinha do quarto de Phaedra, portanto supôs que ela já tivesse descido e se dirigiu à sala de visitas. Todos os hóspedes estavam reunidos, exceto a única mulher que ele estava ansioso para ver.

Perguntou-se se ela aproveitara sua ausência para escapar e amaldiçoou a própria negligência. A combinação relaxante de sol e mar e a excitação que não queria deixá-lo o tinham feito esquecer o motivo de ter Phaedra em sua companhia.

Conversou com Whitmarsh e Greenwood. Cada minuto que passava aumentava suas suspeitas da fuga de Phaedra. Estava prestes a perguntar à signora Roviale sobre as atividades da Srta. Blair naquele dia quando Whitmarsh de repente parou de falar e olhou fixo por sobre o ombro de Greenwood. A expressão no rosto dele fez Elliot olhar na mesma direção.

Greenwood virou a cabeça.

– Meu Deus. É a nossa Srta. Blair?

Aparentemente, sim, exceto que aquela Srta. Blair não se parecia muito com a que Elliot conhecia. O vestido preto substituído por um azul-celeste, com um fita marfim e mangas curtas bufantes no ombro e justas no braço. O cinto de seda marcava sua cintura e o decote revelava a pele muito alva do pescoço e dos ombros, destacando o arredondado firme e elegante de seus seios.

O cabelo também tinha sido penteado e preso. Sem mais flutuar solto, formava um penteado com cachos e trançados que a deixavam muito na moda. Usava um pouco de maquiagem no rosto, ou talvez a atenção que despertara a tivesse feito enrubescer.

– É ainda mais bela do que a mãe – sussurrou Whitmarsh. – Se pode ficar bonita assim, por que se esconde naquele hábito de freira?

Elliot sabia por quê. O motivo agora enchia a sala de visitas. O silêncio caiu conforme os homens a olhavam e as mulheres a avaliavam. Elliot andou pelo meio dos outros para poupar-lhe o incômodo de continuar a ser o espetáculo da noite.

– Está muito bonita hoje, Srta. Blair. Vamos pegar um pouco de vinho.

Ela o acompanhou até a criada que servia as bebidas. O grupo retomou suas conversas.

– A signora Roviale fez isso tudo. O vestido é dela – contou Phaedra. – A mulher é implacável. Não havia como escapar.

Ele lhe entregou um cálice de vinho.

– Foi gentileza da sua parte ceder.

Ele se esforçava para que seu olhar não resvalasse para a protuberância branca acima do decote do vestido. Queria lamber e mordiscar aquela pele de leite que surgia além da fronteira azul-celeste.

– Levou horas. Tinha me esquecido dessa parte. E esse espartilho... bem, você pode imaginar como meu pobre corpo não gosta disso.

Não exatamente. Contudo ele podia imaginá-la de camisa e meias, antes de pôr o espartilho, e depois de vesti-lo, quando ainda não houvesse colocado o belo vestido.

– Acredito que, com a prática, fique mais fácil.

– Não vai haver prática. Essa experiência acaba junto com o jantar. Só rezo para que não desmaie antes disso. Mal posso esperar para ser liberada dessa tortura. Para começar, é insuportavelmente quente. Descobri que os árabes usam roupas soltas em climas quentes por um bom motivo. Além disso...

De repente, no meio da frase, suas reclamações pararam. Ela enrubesceu violentamente, como se visse nos olhos dele o que se desdobrava em sua imaginação, o vestido caindo, o espartilho se abrindo e o corpo dela sendo revelado. O traje dava uma visão melhor desse corpo do que seus vestidos pretos, e ele a imaginava nua com muito mais nitidez agora.

Whitmarsh se aproximou exalando charme. Greenwood não perdeu a Srta. Blair de vista enquanto falava com os outros. Ela respirou fundo e partiu para encantar a todos com seu brilho e sua beleza.


Phaedra pretendia escapar direto para seu quarto ao final do jantar, para tirar aquelas roupas desconfortáveis. Mudou de ideia ao ver Matthias Greenwood andar em direção a seu gabinete. Em um impulso, ela o seguiu, alcançando-o no momento em que abria a porta.

– Sr. Greenwood, posso falar com o senhor em particular? – solicitou Phaedra.

– Com certeza, Srta. Blair. Venha comigo. Terá toda a minha atenção aqui.

Ela aceitou sua acolhida e sentou-se na cadeira que ele lhe indicou, ao lado da mesa. Encarapitada lá, sob seu exame tutorial, sentiu-se como uma aluna pleiteando uma vaga na universidade.

– Sr. Greenwood, na Inglaterra eu vinha conversando com pessoas que conheceram minha mãe. Tenho algumas perguntas sobre fatos que aconteceram no final da vida dela. O senhor a conheceu também e seu nome foi mencionado várias vezes. Algumas delas sugeriram que talvez pudesse me ajudar.

– Algumas delas...?

– Amigas de minha mãe. Mulheres que me ajudaram a relacionar as pessoas que faziam parte do convívio social de minha mãe e coisas afins.

– Ajudarei como puder, entretanto não era um amigo próximo. Minhas funções na universidade não me permitiam vê-la com muita frequência.

– Entendo. Contudo é sua distância relativa que pode ter possibilitado ao senhor enxergar com mais clareza do que os amigos mais íntimos.

Ele pareceu cético, mas se mostrou prestativo.

– O que precisa saber?

– Talvez o senhor considere minhas perguntas um pouco ousadas.

Ele riu.

– Ficaria desapontado se não fossem. Se a senhorita está correndo o mundo atrás de respostas, imagino que as perguntas não sejam banais.

Seu bom humor tornava tudo mais fácil. Ela decidiu começar com a pergunta mais ousada de todas.

– Alguma vez suspeitou que minha mãe tivesse um amante nos últimos anos de vida?

Ainda que ele esperasse ousadia, a pergunta o deixou um tanto sem jeito. Sua expressão sempre bem-composta se alterou, ficando próxima do constrangimento.

– Não tive indícios para pensar isso. No entanto... Bem, quando conheci sua mãe, Drury era uma presença constante, mas parecia menos presente por volta do último ano.

– O senhor sabe quem era o outro homem?

Os olhos dele ficaram mais cálidos, demonstrando simpatia. Seu sorriso era o de um tio para a sobrinha preferida.

– Nem sabia se havia alguém. Tem certeza de que houve?

– Meu pai achava que sim.

– Os homens podem errar em relação a essas coisas. A paixão esfria, a distância aumenta... Ele pode ter interpretado errado.

Ela sabia dessa possibilidade. Matthias não era o primeiro a mencioná-la. Vários amigos de sua mãe sugeriram a mesma explicação. Ela mesma também nutria a esperança de que fosse apenas isso.

– Há alguém que o senhor teria considerado provável?

Ele balançou a cabeça.

– É tão importante saber o nome ou mesmo se a suspeita se confirma?

– Se tivesse sido um caso normal, eu diria que não.

Ele esperou pacientemente que ela continuasse, nem encorajando nem desencorajando outras revelações com seu comportamento reconfortante. Ela entendeu por que Elliot gostava desse homem. Havia algo em Matthias Greenwood que inspirava confiança e estimulava confidências. Sua franqueza era tamanha que afastava até a menor possibilidade de dissimulação.

– Minha mãe me deixou um camafeu – contou ela. – Seu testamento dizia que era originário de Pompeia. Sua intenção era que ele me desse alguma segurança financeira, e sempre supus que daria. No entanto, antes de meu pai morrer, ele alegou tratar-se de uma joia falsa, vendida a minha mãe pelo amante.

Matthias franziu o cenho, a preocupação evidente em seu olhar.

– A senhorita depende do valor desse camafeu?

– Minha situação financeira ficou mais complicada nos últimos tempos. Talvez eu precise vendê-lo. Contudo, se for falso...

– Valerá uma mera fração do que ela imaginava e provavelmente do que pagou. E a senhorita também não pode vender a peça antes de ter certeza, a menos que queira se arriscar a fazer parte de uma fraude.

– Exatamente.

– Entendo seu dilema. Lamento que sua herança esteja em questão. Se um admirador tirou vantagens indevidas de Artemis, o canalha deveria ser enforcado. Ela era muito generosa com todos que conhecia, mas... bem, talvez ingênua demais e lenta demais para perceber que alguns teriam interesse em se aproveitar dela.

Ele lhe lançou um olhar que pedia desculpas pela leve crítica.

– Talvez ela tenha sido mesmo ingênua demais, Sr. Greenwood. E sua generosidade significa que ela deixou pouco mais em herança além do camafeu. Suponho que eu poderia guardá-lo como lembrança, contudo, se ele simboliza o roubo de sua afeição e de seus recursos, não terá nenhum valor sentimental para mim.

– Eu pediria para ver o camafeu se pudesse afastar suas preocupações, no entanto confesso não ter muito conhecimento nessa área. Poderíamos mostrá-lo a Whitmarsh, é claro. Ele conhece muito mais pedras preciosas do que eu. No entanto, faria mais sentido perguntar aos especialistas em Pompeia...

Seu cenho se desanuviou. Ele deu um risinho.

– É por isso que está na península Itálica, não é? É claro. Agora compreendo.

– O senhor acha que posso obter uma resposta concreta lá?

– A mais concreta possível. Como já sabe, as opiniões variam. Escreverei para o superintendente, para abrir caminho para a senhorita. Ele está envolvido em escavações há vinte anos e pode atestar a origem do item, bem como seus sinais característicos de antiguidades.

– Agradeço sua boa vontade em me ajudar. Pergunto-me se posso abusar um pouco mais de sua gentileza. Temo que isso signifique pedir que levante hipóteses que talvez não queira.

– Não sou bom demais a ponto de resistir a fofocas, Srta. Blair. Pelo menos, até certo ponto.

Ela suspeitava de que iria chegar a esse ponto e talvez ultrapassá-lo.

– Se, de fato, esse camafeu, real ou falso, foi dado ou vendido a minha mãe por um homem nos seus últimos anos de vida, o senhor pode pensar em alguém em seu círculo que tivesse acesso a coisas assim?

Seus olhos de águia se obscureceram e ele ficou introspectivo, refletindo demoradamente sobre a pergunta. Phaedra imaginou que ele estaria relembrando as festas e jantares de anos atrás, examinando rostos e reconstituindo conversas.

– Não tenho um nome para lhe dar – disse por fim.

Sentiu o desapontamento, mas não foi um golpe tão duro. Teria sido ótimo resolver o mistério naquele dia, entretanto ela na verdade não esperara mesmo que isso acontecesse.

– Contudo, talvez...

Os olhos de águia de Matthias ficaram reflexivos de novo.

– Olhe bem, estou me lembrando de uma joia que diziam ser originária de um tesouro em Pompeia, só que não pertencia a sua mãe. Lembro-me que sua existência foi discutida durante uma das recepções que ela deu. Pode ser a mesma joia que está agora em sua posse ou talvez seja outra.

– O senhor se lembra do que foi dito na ocasião?

– Não de muita coisa. Não tinha interesse no assunto. Nem mesmo consigo determinar a data da conversa com muita precisão.

Ela olhou por cima de seu ombro para as vitrines.

– Eu diria que o assunto o interessa deveras.

– Não em relação a essa joia específica. Percebi logo que a origem da joia era duvidosa. Qualquer item retirado de Pompeia é propriedade roubada. Não há documentação de sua descoberta lá porque isso revelaria tratar-se de um roubo – explicou e deu de ombros para prosseguir: – Há quem não se importe com esses detalhes e pessoas que acreditam em qualquer história que lhe contem. É assim que comerciantes desonestos fazem fortuna.

– O senhor se recorda de como esse camafeu surgiu? Alguém o estava vendendo?

Ele bateu com os dedos na mesa e pensou bem.

– Foi há tanto tempo... Não quero atacar a credibilidade de ninguém...

– O senhor não o fará. Nem eu. Não farei acusações, a menos que tenha certeza de todos os fatos. Não haverá fofoca, nem difamação ou calúnia. Só quero saber em que direção devo seguir.

– Não me lembro dos detalhes. Mas havia vários negociantes que giravam em torno de Artemis Blair. Dois estavam sempre presentes nos últimos anos. Um, Horace Needly, tem uma reputação ilibada, porém nunca se sabe o que acontece nesse meio. No outro tenho menos confiança, principalmente porque ele evitava conversas com acadêmicos como eu. Isso me fazia pensar se seu conhecimento passaria pela prova de alguém experiente.

– Qual era o nome dele?

– Thornton. Nigel Thornton. Um sujeito bem-apessoado. Bem-sucedido também, se não me engano, contudo suas antiguidades tinham origem duvidosa.

– Obrigada pelos dois nomes. Verei o que posso descobrir quando voltar à Inglaterra. O senhor me ajudou bastante e sou muito grata.

Ela se levantou para ir embora. Ele sorriu ternamente, feliz por ter sido útil.

– Sr. Greenwood, me perdoe, mas... não havia pelo menos mais um negociante no círculo de minha mãe naquela época? O Sr. Whitmarsh. O senhor disse no outro dia que ele vende antiguidades em Roma e...

– Aquilo foi só uma brincadeira entre amigos, Srta. Blair. Desde que veio para cá, sabe-se apenas que passou adiante um ou dois objetos que lhe chegaram por acaso e com os quais ele não tinha intenção de ficar. Nada mais. Já fiz isso também. Não se pode considerar isso comércio – ele foi falando de forma indulgente, enquanto a acompanhava até a porta. – Além disso, ele não se dedicou a esse ramo na Inglaterra, nem mesmo por um período breve. Não ficaria bem, não? Afinal, ele é um nobre.


– Rápido, não aguento mais. Rápido.

Um grunhido profundo seguiu os pedidos da Srta. Blair.

– Ai, assim, hum, que maravilha.

Elliot estava de pé no terraço, com as costas apoiadas na parede da casa. Ele ria por dentro dos gemidos que lhe chegavam pelas portas ao lado das dele. Os sons que Phaedra fazia ao ficar livre, aliviada do vestido e do espartilho, lembravam os de uma mulher que se sentisse livre e aliviada por outros motivos.

Pôde ouvir quando ela dispensou a criada e depois resmungou:

– Que diabos. Nunca mais. As mulheres são loucas de se vestirem assim.

Vagos sons de seus movimentos no quarto eram notados. Ele deu alguns passos no terraço e retomou sua posição, desta vez do lado de fora do quarto dela.

– Sobreviveu, Srta. Blair? Ou ficou deformada para sempre?

Ela esticou a cabeça para fora, procurando-o. Ficou surpresa ao vê-lo tão perto.

– Achou graça, não?

– Nem um pouco.

Sua risada mostrou que era mentira. Ela franziu a testa com vigor.

– Espere aí. Quero lhe falar sobre um assunto.

E ela desapareceu no quarto.

Voltou alguns minutos depois, vestida de preto. O penteado não fora desfeito, então ela ainda não tinha voltado a ser a Phaedra de sempre.

– Por quanto tempo pretende me manter aqui? – perguntou ela.

Suas palavras aludiam a tudo o que ocorrera desde o dia em que ele entrara naquele jardim em Nápoles. A observação continha todos os seus ressentimentos.

– Alguns dias. Mais tempo, se a senhorita quiser. Precisa admitir que este é um lugar bem relaxante.

– Não vim da Inglaterra para repousar.

– Podemos partir em três dias, se desejar. Contudo imaginei que apreciasse a companhia de pessoas que conheceram sua mãe.

Ela foi até a balaustrada e olhou para o mar negro. Elliot observava suas costas, mas o que via, apesar do tecido preto que a cobria, era o corpo nu.

– Confesso que estou gostando da visita mais do que esperava, exceto das imposições da signora Roviale hoje. Apesar de inconveniente, esse desvio em meus planos se mostrou proveitoso. Deveria ter considerado que seria útil... que seria possível e até mais provável conhecer as pessoas do círculo da minha mãe se eu o acompanhasse.

Ele teria questionado o motivo de ela considerar isso “útil” se a noite não estivesse tão agradável e calma e a luz da lua não tornasse Phaedra tão linda.

– O Sr. Greenwood mora aqui há muito tempo? – perguntou ela.

– Ele comprou a casa há uns seis ou sete anos. Só veio morar aqui em definitivo faz quatro anos. Na última vez em que vim, a casa ainda era bastante rústica.

– Imagino que ele conheça todos os especialistas em antiguidades, de Milão à Sicília.

– É bem provável. Não se trata de um grupo tão grande. É natural que busquem a companhia de colegas.

– Então foi um professor universitário que comprou esta mansão, fez melhorias e se mudou para cá. Ele deve vir de uma família abastada.

A avidez de Elliot o deixava impaciente por jogar conversa fora com Phaedra, mas ele lhe concederia isso por enquanto. Afastou-se da parede e se juntou a ela na balaustrada.

– Ele vivia de forma frugal em Cambridge. Um parente lhe deixou dinheiro. Esta mansão provavelmente deve ter custado menos do que uma casa pequena em Londres. Os imóveis aqui não têm o mesmo valor de lá.

Ele admirava o trabalho intricado no penteado da Srta. Blair. Levaria um bom tempo para desfazer tudo aquilo antes de dormir. Tempo de mais. Ele deixaria daquele jeito.

Exceto por um olhar, ela não reagiu à sua proximidade.

– Ele falou como se visitasse as escavações com frequência e conhecesse os arqueólogos lá.

– Espero que sim. Por que está tão curiosa sobre ele?

Matthias tinha idade para ser pai dela e Whitmarsh, quase isso. Ainda assim, a admiração deles pela ruiva naquela noite provocara em Elliot uma desconfiança enciumada que provavelmente não tinha fundamento. Agora a desconfiança surgia de novo, irracional porém nítida, atiçando o desejo com os espinhos da possessividade.

– Há algumas páginas nas memórias de meu pai que levantaram questões sobre os últimos anos de vida da minha mãe. Fiz perguntas a Matthias e estou refletindo sobre o peso que devo atribuir às respostas.

Então era nisso que ela pensava nas horas em que ficava séria e introvertida? Ela havia se aventurado até o terraço, apesar da advertência da noite anterior, mas não para implicar ou desafiar. Ela buscava informações que fossem úteis.

Christian sugerira que essas memórias talvez contivessem revelações que Phaedra não iria gostar de ler. O fato de ela confirmar isso provavelmente era significativo, porém naquele exato momento Elliot não se importava. Ele a desejava e estava ali, naquela noite maravilhosa, com ela, uma mulher que acreditava no amor livre e que não se prendia a regras sociais estúpidas.

A luz da lua tornava sua pele branca quase translúcida. O vestido preto ia até o pescoço, mas ele ainda tinha na mente o volume dos seios dela.

– Às vezes é sensato deixar as perguntas sem resposta.

Ela o encarou, indiferente a quão perto estava de ser agarrada.

– Não acredito que creia nisso. Ou, melhor, não acho que o senhor consiga seguir o próprio conselho. Vi seu rosto quando falamos das referências a seu pai nas memórias. Você não quer que elas sejam publicadas, porém precisa saber se o que há lá é verdade.

Sua postura e suas palavras lançavam um novo desafio. Ele não o aceitaria naquela noite; em vez disso, lidaria com os desafios já existentes entre eles. Haveria tempo o bastante para lidar com este mais tarde.

– Já sei que não são verdadeiras. Mas a senhorita fala de questões sérias, Srta. Blair. Por favor, perdoe-me por deixar essa discussão para outro momento. Um em que a luz do luar, a noite e sua beleza não estejam fazendo minha mente se voltar para outros assuntos.

A expressão no rosto dela foi de pura surpresa. Não se moveu ao encará-lo. O que quer que tenha visto no rosto dele gerou faíscas de temor em seus olhos.

Ela se virou para caminhar em direção à porta.

– Então o deixarei refletir sobre esses assuntos, quaisquer que sejam.

Ele pegou no braço dela.

– Não desta vez, Phaedra.

Elliot a virou para si, segurou seu rosto entre as mãos e beijou a boca que o tentava fazia dias.


Como é que ele... como ousava...

Seu espanto por ser puxada para Elliot foi apagado pelo beijo dele. Mas outra coisa a assombrou: a forma como seu coração deu um salto quando ele a dominou.

Só o beijo já fora suficiente para deixá-la assim. Firme, forte e determinado, o beijo dele continha as advertências da noite anterior. Quero-a implorando por mim. Esse perigo a excita.

Com certeza, aquele perigo a excitava. A forma como sua pegada a dominou gerou arrepios traiçoeiros em seu baixo-ventre. Partes dela começaram a implorar de imediato, pedindo mais, desejando que ele não parasse.

A mente de Phaedra se acelerou. Pensamentos se formavam e desapareciam em rápida sucessão.

Ele nem perguntou. Será que pensou...

Os beijos no pescoço fizeram-na perder as palavras. Uma névoa estonteante e sensual obscureceu o resto.

Isso foi um erro, mas, ah...

O calor da boca de Elliot penetrou em seu sangue, fazendo seu corpo formigar em todas as partes para onde ele fluía. Seus seios ficaram mais cheios e firmes e o sentiram através do tecido do vestido. O contato a excitou mais e ela instintivamente colou o corpo no dele em busca de mais estímulos.

Ele beijou sua boca de novo. Não tão forte dessa vez, apenas seduzindo e conduzindo-a, mas igualmente exigente e confiante em que ela lhe daria tudo o que ele desejava.

A forma como ele a agarrava a atiçava, ainda que ela devesse ter se rebelado. Ela via o perigo, mas não conseguia parar porque era excitante. O corpo de Phaedra seguia para o abandono e a mente já estava fora de controle.

Uma carícia. Que não explorava, não procurava, não pedia nada. Firmes e seguras, suas mãos desceram por suas costas, pelo quadril e as nádegas, reivindicando seu corpo como se ela não estivesse vestindo nada, fazendo-a sofrer na expectativa por mais.

A língua dele entrou em sua boca, percorrendo todos os espaços. Arrepios eróticos tremularam em sua vulva. As mãos dele se moviam por seu corpo, sem reservas. Ela não se importou por se render a um inimigo e lhe dar um espaço que talvez nunca mais retomasse no campo de batalha. A excitação comichava, zunia e pulsava, tornando impossível pensar de forma sensata.

Quero-a implorando por mim. Ah, sim, isso era bem possível. Seus seios estavam tão sensíveis que ela pensou que fosse enlouquecer.

Como se ele ouvisse seus pedidos silenciosos, acariciou seu quadril, o ventre e subiu até os seios. Estava zonza de expectativa ao beijá-lo, incitando-o com sua boca, a língua e o abraço.

Devagar, ele tomou o seio em sua mão. Um intenso frêmito de prazer a dominou. A outra mão dele estava firme em suas costas, sustentando-a e movendo-se para baixo devagar a cada fecho que abria do vestido.

Eu não deveria... isso não deveria...

Um beijo avassalador transformou em poeira a objeção que se formava na mente de Phaedra. Afagos deliberados em seus mamilos a espalharam pelo ar.

Ele deu um passo para trás, separando seus corpos. O brilho da lua banhou a ambos e a luz dourada vinda do quarto dela definiu os contornos de Elliot. Ele não lhe deu tempo para se recompor, para juntar os cacos de sua racionalidade. Levou a mão à gola do vestido e começou a fazer o tecido negro escorregar pelo corpo dela.

Nunca antes um homem a tinha despido. Nunca. Ela não permitia que isso acontecesse. Agora o gesto a deixava em transe, imobilizada. A lenta descida do tecido pareceu a carícia mais erótica da noite. Tudo o que ela conseguiu fazer foi olhar para o rosto de Elliot, sentindo mais do que vendo o desejo que impregnava o ar de potência viril.

As mangas desceram por seus braços e o corpete se afrouxou em seu quadril. Ele levou a mão ao ombro da camisa que ela usava por baixo. Phaedra perdeu o fôlego. Seus seios se enrijeceram ainda mais na expectativa de outro desnudar lento e delicioso.

Porém, de novo ele fez algo que a surpreendeu, afastando o último traço de bom senso que restava nela. Ele não a despiu devagar: em vez disso, arrancou a camisa pelos braços dela. Não foi um movimento impaciente nem apaixonado, mas um gesto que confirmava os direitos do conquistador.

A alma de Phaedra tentou se rebelar, porém não encontrou ancoradouro na maré de prazer que a submergia. A forma como ele olhou para sua nudez absorveu sua atenção de tal forma que ela não se moveu para liberar os pulsos da blusa que ainda restringia seus movimentos.

É só um jogo, essa dança de dominação e submissão. Não significa nada. Não estou cedendo nada, na verdade.

Mas...

Pontas de dedos a esquadrinharam. Palmas das mãos alisaram seu corpo. Ela olhou para baixo, para as mãos másculas de dedos delgados que acariciavam seus seios, estimulando-a e excitando-a da forma mais perfeita. Uma doce loucura tomou sua cabeça e ela enveredou para um prazer sensual cada vez maior. O último fio de autocontrole se desgastava rápido. Ela queria que arrebentasse de vez. Queria que lorde Elliot vencesse o último sinal de resistência que tentava arruinar seu êxtase.

Ele a abraçou de novo, fazendo-a arquear as costas. Beijou seu pescoço e peito traçando um caminho quente que a deixou sem fôlego. Seus dentes e sua boca brincaram com o mamilo, torturando-a com sensações que se espalhavam fundo em seu baixo-ventre e faziam sem corpo implorar enquanto ela gemia baixinho.

Phaedra tentou soltar um braço para enlaçá-lo e mantê-lo próximo, para apoiar-se e senti-lo.

– Não – murmurou ele. – Fique assim.

A tempestade sensual em sua cabeça queria obedecer. O prazer era tão grande que ela não podia parar. Seu corpo estava faminto por mais, por ser preenchido, pela completude que o aliviaria. Parar agora seria impossível, iria contra a natureza.

Porém...

Mesmo em seu abandono, conseguiu ver a situação com um olhar racional. Apesar de sentir um prazer tão intenso que quase doía, ela notou sua sutil submissão e tudo o que lorde Elliot dera por certo desde o primeiro beijo.

De alguma forma, a escrava rompeu suas amarras. Sofrendo de arrependimento e frustração, ela recobrou a voz:

– Você tem que parar agora. Quero que pare.

Ele ficou paralisado. Por alguns momentos terríveis, não se moveu. Depois se endireitou e olhou para ela.

O braço dele a puxou para perto, para um abraço forte. Sua outra mão pousou em seu rosto como no primeiro beijo. As pontas de seus dedos faziam pressão sem a machucarem, mas também sem suavidade.

– E se eu não parar?

Como a maior parte dela não queria que ele parasse, aquilo não chegava a ser uma ameaça. Porém, o fato de ele supor que ela cederia se ele continuasse, de que seria fraca diante de seu poder, devolveu-lhe alguma razão.

– Vai parar – disse ela.

– Confia tanto assim em minha honra?

– Confio em seu orgulho. Uma mulher importunada nunca implorará.

Ele a soltou e se afastou. Tudo em sua aura e em seu rosto dizia que ele poderia puxá-la de volta.

Ela subiu o vestido e se cobriu. Correu para a porta. Seu coração estava aos pulos e seu corpo ainda reagia ao perigo com uma excitação que a surpreendia.

– Não vou parar na próxima vez, Phaedra.

Ela parou no limiar da porta antes de replicar:

– Não acho que haverá próxima vez.

– Haverá, sim.

Ela agarrou as portas duplas e começou a fechá-las.

– Se acontecer, não será por sedução. Eu terei optado por isso antes mesmo do primeiro beijo ou não haverá beijo nenhum.


CAPÍTULO 8

Ele ainda ficou do lado de fora. Phaedra queria abrir a porta para deixar a brisa noturna entrar, mas não se atreveu. Ele poderia interpretar mal.

Ele seria ousado a ponto de entrar ainda assim? Ela se sentou na cama abraçando os joelhos, ao mesmo tempo temerosa e esperançosa de que a porta se abrisse de par em par e lorde Elliot entrasse.

Não se sentia tão dona da situação como agira ao fechar a porta. Sua excitação não ia dar trégua. Seu corpo continuava sensível até ao ar.

Ela não saberia dizer em que momento decidira detê-lo. Tinha sido instintivo, a intuição interferira.

Quero-a implorando por mim.

Não seria possível manter uma amizade com aquele homem. Ele queria vê-la fraca e entorpecida, para que pudesse influenciá-la. Afinal, tivera um motivo para ir atrás dela em Nápoles. Um amigo seu não poderia lhe pedir – nem o faria – que suprimisse aquelas passagens das memórias. Mas um homem que a dominasse e possuísse, um amante que a seduzisse, não hesitaria em usar o poder que essa paixão lhe outorgava.

E tudo isso era uma pena, porque ela o queria.

Nunca desejara um homem assim antes. Não havia nada de confortável nisso. Nada de seguro. Não era a mesma atração que experimentara com seus amigos, não se tratava de um encontro intelectual que permitia outras intimidades.

Ao contrário, o encantamento sensual dele provocava o caos, o mistério e uma estupefação que a deixava sem ar. Ele também sabia disso. Sabia que sua mera presença era um feitiço.

Sua excitação aos poucos se acalmou até virar um formigamento, o mesmo desconforto que vinha sentindo há dias. Por fim, o terraço e o quarto ao lado ficaram em silêncio. Jogou o corpo para trás e se deitou em posição fetal, ainda encarando a porta.

Teria sido isso o que acontecera com Artemis? Depois de anos de amizade confortável com Richard Drury, surgira um homem que não jogava de acordo com as regras dela?

Fora um choque descobrir que a mãe tinha sido infiel a seu pai. Acreditar no amor livre não significava rejeitar a crença em um amor perfeito, para a vida toda. Na infância, Phaedra concluíra que os pais tinham ficado juntos porque o amor livre facilitava reconhecer sua alma gêmea no momento que ela chegasse.

Imaginou a mãe. Bela, viva, segura de si. Mais confiante do que a filha chegaria a ser. Menos prática também. Com o passar dos anos, Artemis havia se cercado de um grupo de pessoas que aceitavam a forma como ela vivia. Seu círculo entendia a relação com Richard e o lugar dele em seu mundo.

Talvez já tardiamente, nesse fascinante espetáculo que fora a vida de Artemis Blair, um homem houvesse surgido, determinado a atravessar o fosso e escalar suas muralhas. Ela devia ter se visto sem defesas por falta de experiência em lidar com esse tipo de homem.

Exatamente como sua filha, naquele terraço ali fora.

Phaedra abraçou um travesseiro. Começava a entender o que havia ocorrido com esse amor tardio que tirara a mãe do eixo.

Um sedutor chegara, atiçando a fêmea primitiva que sobrevivia na alma de toda mulher. Ele tomara e conquistara. Influenciara, enfraquecera e, por fim, traíra.

Se houvesse se apresentado fingindo ser alguém de pensamento semelhante ao dos outros homens em torno dela, Artemis não haveria tido a menor chance contra ele.


Aquela vadia.

A frustração levava Elliot a acumular insultos contra Phaedra na manhã seguinte, enquanto terminava seu café na varanda. Considerando o trabalho infernal que seu corpo lhe dera a noite toda, ele não estava disposto a se esforçar para ter pensamentos dignos de um cavalheiro.

Tentava se contentar imaginando como Phaedra ficaria desconfortável em seu quarto quente e fechado, ao passo que ele deixara a brisa da varanda refrescá-lo. Só que, na verdade, cada vez que olhara para a porta da mulher, uma parte de si rezara para que ela se abrisse e Phaedra corresse para seus braços.

A porta não se movera. A contida, independente e pedra no sapato Phaedra Blair nunca lhe daria essa vitória. Por fim, a porta passara a representar um repúdio. Uma acusação. Uma declaração enraivecida de autocontrole. Você ousou seduzir em vez de pedir? Você tentou me dominar, logo eu, entre todas as mulheres?

Serviu-se de café. Os gemidos sensuais da ruiva ainda soavam em sua cabeça. Ainda sentia seu abraço e seus beijos longos e agressivos. Só em lembrar, já se sentia excitado de novo.

Tinha sido bom. Incrível. Onde ela havia encontrado o bom senso necessário para recuar, sem falar na força para deter a torrente que os arrebatava?

Passos leves e fugazes perturbaram a paz na varanda. Não precisava olhar para o limiar da porta para saber quem tinha chegado.

Nos poucos minutos que Phaedra levou para chegar à mesa, ele dominou a terrível raiva que acumulara ao longo da noite quente de vigília. Um último vestígio soou em sua cabeça ao saudá-la, entretanto. Você não vai se recusar na próxima vez, porque não quer isso de verdade.

A acolhida calma a deixou à vontade. Sua postura cuidadosa relaxou. Phaedra se sentou à mesa, lorde Elliot lhe serviu café e ela tomou um gole.

– Obrigada por ser tão civilizado – disse ela.

Ele não podia crer que ela realmente tocara no assunto. Pousou o cotovelo na mesa e descansou o queixo na mão. Algumas imagens sexuais muito pouco civilizadas se formaram em sua mente.

– Está se referindo a permitir que se recusasse na noite passada ou a lhe servir café esta manhã?

Uma criada entrou trazendo uma bandeja de ovos e fatias de toucinho defumado. Matthias podia ter escolhido Positano como seu lar, porém ainda oferecia um típico café da manhã inglês a seus convidados.

Phaedra pegou uma colher e, lentamente, serviu-se de ovos. Direcionava quase toda a sua atenção aos próprios gestos.

– Suponho que tenha me referido às duas coisas.

– Bem, Marsilio ou Pietro certamente teriam feito um escândalo na noite passada, discutindo e acusando até que toda a casa despertasse. Cavalheiros ingleses, contudo, são ensinados a sofrer.

Os lábios dela se franziram. Ela manteve os olhos no prato ao partir um pãozinho.

– Peço desculpas por qualquer sofrimento. Não foi minha intenção. Já que está sendo um verdadeiro cavalheiro inglês, talvez seja melhor eu não tocar mais no assunto.

– Seria o mais sensato.

Ela continuou a tomar o café da manhã devagar. Ele deveria se retirar, porém, é claro, não conseguiu. Phaedra pousou o garfo no prato e limpou a boca com o guardanapo.

– Lorde Elliot, se pretende que fiquemos mais alguns dias, então precisamos chegar a um acordo sobre o terraço.

Ela era inacreditável. Espantosa. Deveria saber que, naquele exato momento, o impulso dele era pegá-la, jogá-la por cima do ombro, carregá-la até o meio das árvores e terminar o que tinham começado. Porém, lá estava ela, negociando sabe-se lá o quê, quando uma noite insone o tinha deixado com muito menos boa vontade para fazer acordos.

– Como assim, Srta. Blair?

– Compartilhamos o terraço. Não é justo que o acesso a ele me seja negado ou que o fato de que eu o use possa ser interpretado como algo mais do que signifique de fato.

– Prometo que não interpretarei erroneamente caso a senhorita se junte a mim no terraço no meio da noite.

A promessa foi analisada com cuidado. Phaedra era esperta o bastante para entender os possíveis significados ocultos nela.

– Podemos pelo menos concordar que tenho o direito de deixar minha porta aberta sem temer que o senhor entre no meu quarto?

– Não.

– Vejo que fui muito otimista quanto a seu caráter.

– Nisso concordamos. Eu avisei.

– Lorde Elliot, eu...

– Insisto que me chame de Elliot em conversas particulares de agora em diante, Phaedra. Não se importa com a informalidade, não é? Podemos deixar de lado essa regra social estúpida. Afinal de contas, beijei seus seios nus e você gemeu de prazer.

Ela ficou estarrecida. Ele teve vontade de sorrir pela primeira vez naquele dia. Phaedra recuou e assumiu uma postura de arrogância controlada.

– Prefiro que evitemos a companhia um do outro o máximo possível, Elliot.

– Isso vai ser fácil esta manhã. Greenwood e eu vamos nos trancar em seu escritório até depois do meio-dia.

Ela se levantou.

– Então acho que vou dar uma longa caminhada e evitar os outros convidados por várias horas.

Ela se virou para ir embora.

– Phaedra.

Ela estacou e olhou por cima do ombro.

– Phaedra, exijo que prometa que não vai tentar fugir e que estará aqui no jantar.

Ela elevou a sobrancelha.

– Por causa de seu juramento ao signore Sansoni?

– Por isso também.

A expressão dela deu a entender que sabia qual era o outro motivo.

– E se eu não der a minha palavra?

– Posso amarrá-la na cama de novo. Gostaria disso?

Ela enrubesceu. Descartou a insinuação com um meneio brusco da cabeça.

– Tenho sua palavra?

– Sim, tem minha palavra, apesar de isso ser desnecessário e ridículo. Não sei nem como descer dessa montanha, que dirá descobrir como viajar para o interior.

Phaedra ergueu a cabeça e se afastou, fazendo o vestido negro ondular atrás de si.


Phaedra voltou para seu quarto e desfez as malas.

Como ele adivinhara seu plano? Não se via como uma mulher previsível, contudo lorde Elliot parecia ler seus pensamentos antes que eles nem sequer tivessem se formado.

Colocou de lado a valise vazia. Preparar-se para fugir fora um impulso nascido de uma noite de reflexão honesta sobre a forma como lorde Elliot a afetava. Ela corria enorme risco de fazer papel de boba, de se derreter toda só porque um homem lhe provocava desejo físico. Evitar completamente o desafio parecera uma boa ideia ao alvorecer.

Sentou-se e calçou as botas de cano curto. Andou até o terraço e olhou para baixo, para a cidade. Vozes chegavam da varanda embaixo dela. Outros convidados tomavam o desjejum.

Respirou fundo e invocou a mulher que sua mãe a ensinara a ser.

Decidir fugir fora covardia. Tinha se deslocado até aquela terra para encontrar respostas sobre a mãe, e algumas delas poderiam estar bem ali, naquela casa. Fazia muito mais sentido ficar e tentar confirmar as suspeitas que fervilhavam por debaixo de seus medos e vulnerabilidades em relação a lorde Elliot.


Quando Phaedra voltou à varanda, Matthias Greenwood desaparecera em seu gabinete com lorde Elliot. Randall Whitmarsh, contudo, estava sentado à mesa com a esposa. Phaedra se reuniu a eles, com a esperança de que a Sra. Whitmarsh logo pedisse licença e saísse. A conversa com Matthias tinha corrido tão bem na noite anterior que ela estava ávida por descobrir se o Sr. Whitmarsh poderia acrescentar mais alguma informação.

Infelizmente o Sr. Whitmarsh foi embora primeiro, para fazer sua longa caminhada matinal.

– A senhorita estava linda na noite passada – disse a Sra. Whitmarsh.

– Obrigada.

– Faz pensar em por que...

Seu olhar percorreu Phaedra dos pés à cabeça, examinando suas vestimentas.

Phaedra não se deu o trabalho de fornecer explicações. A Sra. Whitmarsh não era o tipo de mulher que pudesse entender a mistura de praticidade e teimosia que dera origem a essa opção excêntrica.

– O que quero dizer é que sua mãe não adotava esses símbolos externos para suas ideias singulares.

A atenção de Phaedra foi despertada.

– A senhora a via com frequência?

– Antes de nos mudarmos para Roma, meu marido costumava aceitar seus convites para jantar. Ao contrário de outras esposas, eu concordava em acompanhá-lo. Ele era fascinado por ela. Achei melhor cuidar para que ela nunca ficasse fascinada por ele também.

Phaedra não achava provável que Artemis considerasse o Sr. Whitmarsh fascinante. Porém, antes de ler as memórias, nunca poderia pensar que Artemis pudesse achar outro homem fascinante além de Richard Drury.

– A senhora teve êxito em frustrar uma ligação entre eles? Ou minha mãe teve algum carinho especial para com seu marido?

A Sra. Whitmarsh não demonstrou surpresa com a pergunta atrevida.

– Acho que fui bem-sucedida. Até muito tarde na vida, ela só teve olhos para o Sr. Drury.

– Quer dizer que, em algum momento, os olhos dela encontraram outro homem. Não meça as palavras por delicadeza. Sou a filha e, como ela, acho uma bobagem que as pessoas não falem francamente sobre esses assuntos.

A Sra. Whitmarsh deu de ombros.

– Foi fácil observar certa frieza entre seus pais no último ano de vida dela. Meu marido não percebeu, mas eu, sim. Vários homens a desejavam. Não como esposa, é claro.

O tom crítico e confiante da última frase incomodou Phaedra. Ela correu em defesa de sua mãe, apesar de Artemis não precisar de desculpas.

– Se não viu minha mãe desviar sua afeição para outro homem, tal frieza pode ter sido apenas resultado do passar do tempo e de dois amantes tornando-se amigos e mais à vontade um com o outro.

– Srta. Blair, meu marido e eu jantamos várias vezes com sua mãe, durante muitos anos. Normalmente o Sr. Drury estava presente. A familiaridade e a amizade que havia entre eles era muito clara desde o início. Ninguém precisou me contar na minha primeira visita que eles eram amantes e que você era filha do Sr. Drury. Contudo, no último ano, ele nem sempre se encontrava. E sua mãe ficava estranha na presença dele. Talvez a senhorita se considere mais inteligente do que eu, mas, quando percebo que as coisas não estão bem entre um homem e uma mulher, raramente me engano.

Sim, a Sra. Whitmarsh, que com tanto cuidado mantinha posse do marido, seria especialista nessa área da natureza humana. Será que também era observadora? Será que teria visto alguma coisa? Uma mulher que guarda um tesouro com certeza seria uma das primeiras a perceber se o pirata que ela temia tivesse voltado sua atenção para outro navio.

– Quem era o homem que se tornou objeto da atenção de minha mãe?

– Isso é um debate, em que tenho que dar um nome para que a senhorita respeite meu julgamento?

– É um questionamento sincero, de uma filha que se pergunta sobre os últimos anos de sua mãe.

A postura defensiva da Sra. Whitmarsh se desfez.

– Não sei. Só tenho certeza... certeza quase absoluta... de que não foi meu marido. Ela passou meses radiante, como se fosse jovem de novo, mas aí...

– Aí...?

– Foi como se alguém tivesse apagado a luz. Ela estava melancólica nas últimas vezes que nos vimos. Talvez, quem quer que fosse, a houvesse desapontado.

Phaedra percebera essa melancolia. Não havia entendido os motivos nem a profundidade, contudo a descrição era verdadeira. A luz se apagara.

– A senhora não está sozinha em se perguntar se ela teve um novo amor – falou Phaedra. – Alguns nomes me foram sugeridos. O Sr. Needly, por exemplo. E o Sr. Thornton.

– Needly? Bem, acho que isso pode fazer algum sentido. Ele guardava semelhanças com o Sr. Drury. Tinha a mesma natureza. E sua erudição em arte romana lhe daria algo em comum com sua mãe. Apesar de que, se me perguntassem, eu diria que os dois se estranhavam. Às vezes ele era um homem muito arrogante.

A Sra. Whitmarsh tinha amolecido com a fofoca. Ela apreciava o assunto muito mais do que Phaedra gostaria.

– Às vezes a atração pode criar rusgas.

– De fato, isso pode acontecer. Agora, o outro, Thornton... – disse, e então parou para pensar antes de prosseguir: – Ele era um pouco jovem demais para ela. Enigmático também. Entretanto estava sempre por perto. Não passava despercebido. Era bonito, até demais. Tinha presença, mas...

– Mas...?

– É difícil de explicar. Ele era maravilhoso. De deixar qualquer mulher de queixo caído. Contudo era de certa forma... obscuro. Meu marido uma vez usou essa palavra para descrevê-lo e achei apropriada. Sim, ele era obscuro de muitas maneiras.

Phaedra guardou a descrição em sua mente. Ao voltar para a Inglaterra, teria que procurar o arrogante Sr. Needly e o obscuro Sr. Thornton, além de perguntar a outros amigos íntimos da mãe se Artemis tivera um caso com um desses dois homens.

– Eu gostava dela – disse a Sra. Whitmarsh. – Não aprovava seu estilo de vida e ela sabia disso. Ainda assim, ela aceitava meus pontos de vista. Nunca permitiu que me sentisse deslocada. Era muito gentil.

– Ela estava acostumada com seus pontos de vista. Afinal, eles são os mais costumeiros. Sempre que botava o pé fora de casa, ela era a estranha. Quem dera o mundo tivesse sido tão gentil em relação a ideias diferentes quanto ela provou ser e tão aberto à companhia dela como ela era à de todos.

A Sra. Whitmarsh enrubesceu. A coloração de suas faces disse a Phaedra muito mais do que ela queria saber. Os Whitmarshs nunca tinham retribuído os convites para jantar. Artemis Blair nunca fora incluída no círculo deles e nas festas deles.

Essas confidências matinais de repente pareceram trair a memória de sua mãe. Phaedra suspeitava de que elas ecoavam as fofocas da Sra. Whitmarsh com seus amigos em salas de estar que nunca foram abertas para a intelectual que desafiava as convenções sociais.

Também teve uma amostra das fofocas que deviam correr sobre sua pessoa. Ela sabia que havia mulheres que riam dela, especulavam a seu respeito e a reprovavam, assim como havia homens que entendiam erroneamente sua liberdade. Era mais fácil ignorar essas pessoas se não tivesse que tolerar sua companhia.

Queria muito que a Sra. Whitmarsh tivesse revelado a identidade do homem que usurpara o lugar de Richard Drury. Ela não conseguira, porém suas observações não foram de todo inúteis.

Phaedra pediu licença. Deixou a varanda e tomou o caminho da ladeira que levava à cidade.


Logo depois de o sol nascer, Positano se tornava uma cidade de mulheres. Os homens que tinham condições físicas para pescar haviam saído muito antes de Phaedra começar suas atividades.

Levou um bom tempo para achar o caminho de descida pela densa rede de ruas antigas e estreitas. Mesmo com sua construção escalonada, eram bastante traiçoeiras. Phaedra desejou ter levado consigo sua sombrinha para usá-la como bastão de caminhada e se proteger do sol, que ficava cada vez mais quente conforme ia se aproximando do pico da montanha.

Mulheres e crianças paravam para vê-la passar pela rua do mercado. Ela admirou os limões e as verduras, as peças de carne de carneiro e de boi. Na esquina do mercado, alguns homens estavam sentados em cadeiras do lado de fora da taverna. Eles a olharam com curiosidade e desconfiança.

O mais jovem, um homem de cabelo escuro, vestido com uma sobrecasaca marrom elegante, tinha uma bengala apoiada na cadeira. Os outros pareciam velhos e encarquilhados. Ela supôs que tinham abandonado os rigores da pesca fazia muitos anos.

Phaedra encontrou as outras ruas principais seguindo o fluxo das pessoas. Sua presença era um pequeno espetáculo, como tinha ocorrido com a cavalgada em lombo de burro atrás de lorde Elliot. Cabeças apareciam nas janelas e olhares impetuosos acompanhavam sua caminhada.

As ruas a levaram a uma pequena piazza bem na encosta do morro. Água jorrava da boca de uma cabeça de leão esculpida em um muro baixo construído rente à rocha da montanha. Mulheres se sentavam em bancos de pedra à sombra das árvores, aguardando a vez de encherem seus jarros.

Phaedra encontrou uma vaga para descansar em um banco num local mais fresco. Olhos escuros a observaram interrogativamente. Uma moça sussurrou no ouvido de um menino e ele saiu correndo pela calçada. As mulheres matavam tempo ali depois de usarem a fonte, conversando em uma melodia expressiva, sem perder de vista a recém-chegada.

Logo outra mulher surgiu na calçada. O tecido de sua saia preta balançava com seus longos passos. Ela não se parecia com as demais mulheres.

Para começar, era loura. Seu cabelo louro-escuro estava preso em um nó na nuca, visível sob a grande aba de seu chapéu de palha preto. Ela não era tão clara quanto Phaedra, mas, em vez do bronzeado forte tão comum nessa terra, tinha um leve colorido na pele.

Phaedra se perguntou se era outra forasteira, que, como Matthias, tinha vindo morar ali. Quando a mulher se aproximou, no entanto, seus olhos amendoados, as maçãs do rosto salientes e o rosto em formato de coração revelaram que era uma nativa, mesmo que, num primeiro olhar, sua cor desse outra impressão.

A mulher se sentou no banco de Phaedra e fez algumas saudações às amigas. Phaedra tentou traduzi-las, porém as palavras se seguiam rápido e o sotaque em Positano era diferente do de Nápoles.

Ela se virou e deu uma boa olhada em Phaedra. O volume das conversas em torno delas baixou.

– Inglesa?

Phaedra assentiu.

– Elas imaginaram e mandaram o pequeno Paolo me chamar. Minha prima Julia e eu somos as únicas mulheres aqui que falam inglês. Você conheceu Julia. Ela é sua anfitriã na mansão. Você é viúva?

A conversa era entabulada em um inglês correto, apesar de a cadência e a pronúncia refletirem algum esforço.

– Não, não sou viúva.

O olhar da mulher se voltou para o cabelo longo de Phaedra.

– Não achei que fosse.

Ela olhou para a direita na rua e sorriu de forma dissimulada.

– Ah, lá vem o signore Tarpetta. Ignore-o. Ele gosta de agir como se fosse uma autoridade, mas ela só existe na cabeça dele.

O homem coxo que estava sentado no final da rua do mercado agora vinha mancando, apoiado na bengala, porém exalando presunção. Dois senhores o acompanhavam. Os três se posicionaram do outro lado da piazza.

– Meu nome é Carmelita Messina. Também não sou viúva, caso esteja em dúvida por causa de minha roupa preta.

– Meu nome é Phaedra Blair e fico feliz de conhecer alguém que fale meu idioma tão bem. Tentei falar sua língua, contudo...

Carmelita balançou a mão, dispensando as desculpas.

– Aprendi um pouco de inglês em Nápoles. Morei lá vários anos com Julia e seu falecido marido – explicou Carmelita, e então fez um sinal, apontando com o queixo para o signore Tarpetta, que as observava com atenção, apesar de conversar com os dois senhores. – Ele não gosta quando hóspedes da mansão descem até aqui. Tem medo de que vocês possam corromper seu pequeno reino.

– Os hóspedes descem com muita frequência?

– Somos apenas camponeses pitorescos para a maioria deles. Somos as pessoinhas nos cantos das pinturas sentimentais.

– Nem mesmo o signore Greenwood se mistura com vocês?

– Às vezes. Ele fez várias visitas no ano passado. Uma das vezes, ao voltar, levou Julia com ele – confidenciou, antes de lançar um olhar de escárnio para Tarpetta e acrescentar: – Ele tinha esperanças de se casar com ela. Faz muito alarde de que não a quer mais agora, mas todo mundo sabe que bastaria ela fazer assim – e ela estalou os dedos – que ele iria rastejando.

A conversa delas tinha atraído uma pequena plateia, e risadinhas vinham das mulheres que tinham se aproximado mais.

Carmelita olhou para Phaedra de novo.

– Uso preto para demonstrar luto pelos carbonari que morreram quando o rei matou a república. Se não é viúva, por que está de luto?

– Estou de luto pelo meu pai, porém não é esse o motivo da roupa. O preto não mostra sujeira tão rápido.

Carmelita traduziu para a plateia. Cabeças assentiram.

– Você não prende o cabelo nem usa véu. Tive dúvidas se não era uma puttana, mas não acho que seja, porque as amantes que vêm com os homens que visitam a mansão lá em cima estão sempre na última moda. Talvez você faça isso para apontar o dedo na cara de homens como o nosso Tarpetta lá?

– Talvez sim.

Phaedra olhou para a baía distante lá embaixo.

– O Sr. Greenwood recebe muitos hóspedes? Chegam barcos especiais só para trazê-los para a mansão?

– Sempre há hóspedes e alguns deles vêm com muita frequência. Ele tem muitos amigos, o signore Greenwood. Ele não é um de nós, mas muitos aqui lucram com o dinheiro que ele gasta.

– Como a família dos garotos que encontraram a estatueta antiga?

– Não ouvi falar de estatueta. As famílias gostam de manter essa informação em segredo, para que, se houver outras, fiquem só para elas. Ele gosta de coisas antigas, o signore Greenwood.

Carmelita notou de novo os homens que as observavam.

– Eles não estão gostando nada de ver você sentada aqui por tanto tempo, então espero que fique ainda mais. Conte-nos de sua vida na Inglaterra, Phaedra Blair. As mulheres pararam de levar água para casa só para ouvir algumas histórias suas.

Carmelita precisava traduzir toda a conversa e as mulheres sorriam e davam risadinhas quando ela o fazia.

Uma jovem que não passava dos 18 anos se aventurou mais perto. Com cuidado, esticou a mão e tocou o cabelo ruivo de Phaedra.

Phaedra não se importou com a proximidade, porém outra pessoa, sim. Uma voz masculina ladrou. Do outro lado da piazza, um dos senhores deu um passo à frente. Ele ralhou e fez um gesto para que a garota fosse até ele.

Com a cabeça baixa e os olhos temerosos, a jovem correu até lá. O homem a agarrou pelo braço e a empurrou para a calçada, levando-a embora.

– É o sogro dela – disse Carmelita. – Vai dizer para a família que ela fez amizade com a amante de um forasteiro que desceu da mansão.

Phaedra não quis pensar no destino da moça se a história enraivecesse o marido. As expressões cautelosas que de repente surgiram nos olhos das outras mulheres a entristeceram.

– Não quero causar problema para nenhuma de vocês.

Ela começou a se levantar.

A mão firme de Carmelita segurou seu braço.

– Não há mudança sem problemas. Essas mulheres não sabem nada do mundo fora deste litoral, e minhas histórias de Nápoles estão ficando velhas. Conte-nos de sua casa e como se tornou uma mulher que se aventura sozinha em uma terra estranha, parecendo uma meretriz de luto que não teme a mão de homem nenhum.


Phaedra ficou por uma hora na fonte, aproveitando a companhia feminina. Ela contou a Carmelita e às outras sobre sua vida e como vivia sozinha e livre em Londres. Com o passar do tempo, a torrente de palavras estrangeiras começou a fazer algum sentido para ela. Chegou a compreender algumas das perguntas dirigidas a ela antes de serem traduzidas.

Do outro lado da piazza, o signore Tarpetta observava. Alguém lhe trouxe uma cadeira, para que pudesse se sentar e descansar a perna. O alegre grupo de mulheres não se importava com sua desaprovação. Ele podia até se considerar uma autoridade, contudo ficou claro para Phaedra que as mulheres obedeciam a outro nome: Carmelita Messina.

Por fim, as mulheres se afastaram, carregando água e conversando animadamente umas com as outras.

– Os maridos logo voltarão nos barcos. Elas têm que preparar o almoço – explicou Carmelita.

Phaedra se levantou.

– Obrigada por se juntar a nós – agradeceu. – Assim pude conhecer as mulheres daqui. Vou descer até aquela torre antes de voltar para a mansão.

– Vou acompanhá-la, senão talvez não encontre o caminho até lá. Se Tarpetta nos seguir, finja que ele não está lá. Ele seria um tolo se fizesse isso tendo aquela perna, mas o homem já provou muitas vezes que é estúpido.

Tarpetta provou isso mais uma vez naquele dia. Phaedra achou que ele tivesse desistido de segui-las até que ela e Carmelita chegaram ao caminho do promontório, quando então o viu mancar na direção do cais para não perdê-las de vista.

– Como ele machucou a perna?

Carmelita atravessou o portal na entrada da torre.

– Ele foi soldado e estava entre os que foram atrás do marido de Julia na nossa casa em Nápoles. Ele nos traiu. Nós resistimos, apesar de ser inútil. Acertei-o com uma frigideira de ferro pesada, bem aqui – explicou, apontando para o próprio joelho. – Teria sido melhor se eu tivesse mirado na cabeça.

– Então agora ele a segue por toda parte?

– Ele está seguindo você, não a mim. Mas ele me odeia, porque fui eu quem promoveu o encontro do signore Greenwood com Julia. Ela ficou sem nada depois que o marido foi executado quando a república acabou.

– Se é por ciúmes, ele deveria odiar Greenwood, não você.

Carmelita ia à frente na subida sinuosa da escada de pedra.

– Ele não ousa odiar Greenwood. Como muitos outros, ele lucra com o dinheiro do inglês.

Elas seguiram até o alto da torre, onde havia um cômodo quadrado. Pequenas janelas vazavam duas paredes opostas. Uma dava para o mar e a outra, para a montanha.

– Esta era para vigiarem o mar e evitarem ataques de árabes e piratas pelo porto – explicou Carmelita. – Agora, esta a leste aqui... eles vigiavam outra coisa, não? Um exército vindo pela montanha ou problemas na cidade.

Phaedra olhou para a janela a oeste. A vista do mar era infinita, quilômetros de litoral de um lado e de outro. Ela se moveu para a janela a leste. O sol se elevara na reta do pico da montanha.

Aquela torre fora construída por questões militares. Nas alvoradas, em pleno verão, contudo, o sol devia nascer alinhado com aquela janela.

Não havia muito mais a explorar naquela torre de vigia. As paredes de pedra se erguiam e se curvavam para formar o teto, parecido com as antigas igrejas normandas em sua terra natal. Exceto por um cobertor no chão, estava vazia e surpreendentemente limpa.

Carmelita empurrou o cobertor com o pé e revelou a esteira de palha que estava debaixo dele.

– Este lugar é frequentado por namorados – disse. – Há anos, esta torre recebe visitantes noturnos.

Quando ela e Carmelita reapareceram do lado de fora, a figura esguia e firme do signore Tarpetta ainda podia ser vista no cais.

– Como ele lucra com o dinheiro do Sr. Greenwood?

– Não sei. Mas ele vive bem e não tem renda além da pequena pensão que recebe do Exército. Eles se conhecem. Dá para ver isso na forma como se cumprimentam nos raros momentos em que se encontram. Greenwood talvez o pague para se assegurar de que não vamos perturbar seus amigos importantes, ou, quem sabe, só para ele ficar longe de Julia.

Ela deu de ombros.

– Venha, vamos procurar um burro de aluguel para levá-la de volta. Nem eu aguento subir tudo isso a pé.

No momento em que desciam o promontório, lorde Elliot surgiu no cais. De repente, o braço do signore Tarpetta e os olhos de dois homens se dirigiram para elas.

Lorde Elliot desceu de novo para o cais e se dirigiu para o norte para interceptá-las.

– Quem é aquele? – perguntou Carmelita. – Seu namorado veio buscá-la?

– Ele não é meu namorado.

Phaedra sentiu o rosto queimar.

Carmelita deu uma gargalhada.

– Mas ele bem que gostaria, não? E é tão bonito que você ficou tentada, eu acho. Veja a expressão séria dele enquanto fica lá, esperando por você. É melhor olhar por onde pisa com esse aí, Phaedra Blair.

Phaedra apresentou Carmelita a lorde Elliot assim que o alcançaram. Ele respondeu com gentileza, porém não conseguiu esconder seu desagrado.

– Você nos deixou preocupados, Srta. Blair. Não é aconselhável vir para a cidade sozinha.

O tom de lorde Elliot beirava a censura.

– Duvido que alguém que visite esta cidade corra algum risco.

Lorde Elliot olhou para Carmelita.

– Sou grato por oferecer ajuda e companhia à Srta. Blair.

– Não preciso nem de ajuda nem de companhia – rebateu Phaedra. – Contudo fico feliz de ter feito uma amiga e espero vê-la de novo, Carmelita.

Ainda teso de irritação, lorde Elliot se dirigiu a alguns garotos para alugar burros e voltarem para a mansão.

– Vou deixá-la agora para que possa lidar com esse homem – brincou Carmelita. – Se precisar de uma frigideira de ferro, é só falar.


CAPÍTULO 9

– Escreverei a carta para o superintendente esta manhã – prometeu Matthias. – Apesar de que as cartas de apresentação que trouxe da Inglaterra devam bastar. Talvez eu seja presunçoso em achar que a minha agilizará seu acesso aos sítios das escavações.

– Você o conhece pessoalmente. Ficarei feliz em ter uma carta sua.

Elliot se esforçava por manter pelo menos metade de sua mente nos preparativos para a visita a Pompeia. A outra metade continuava no terraço acima da varanda.

Na noite anterior, Phaedra deixara as portas abertas.

Fizera isso como provocação? Uma declaração de indiferença? De certeza ele só tinha que não fora um convite.

Elliot fumou um longo charuto no terraço à noite, olhando para a escuridão por entre as persianas abertas, incapaz de dominar a tentação que a proximidade dela causava. Os únicos sons que vinham lá de dentro eram os suspiros suaves de uma mulher satisfeita, dormindo muito bem, obrigada.

Por fim, se retirara para o quarto, em uma tentativa de aplacar os impulsos cruéis que aquela mulher incitava. Quando o sono por fim o aliviou, foi um sono profundo, longo, que durou até depois do amanhecer. Ao acordar, descobrira que Phaedra havia desaparecido.

Ela deixara a mansão de novo. Ele lhe mandara não fazer mais isso. Após procurar por Phaedra na véspera, estipulara algumas regras. Ela as desobedecera logo, sem perda de tempo.

– Se preferir, a Srta. Blair pode ficar aqui enquanto você vai a Pompeia – disse Matthias casualmente.

Casualmente demais, como se entendesse o que distraía seu ex-aluno.

– Ela está determinada a ir também.

– Ela não precisa ir em sua companhia. Está claro que ela o atormenta. Posso acompanhá-la, em separado, para poupá-lo do inconveniente. Quanto à questão que me contou sobre Sansoni, tenho certeza de que ele aceitaria minha autoridade para representá-lo, se é que algum dia ficaria ciente da troca.

– Tenho certeza de que ele não aceitaria. Dei-lhe minha palavra em juramento. Estou preso a ela por toda a viagem.

A palavra dada a Sansoni não tinha muito a ver com sua recusa à oferta de Matthias. Naquele momento, a necessidade de controlar os planos de Phaedra para as memórias do pai também não afetava sua decisão. Não diretamente, pelo menos, apesar de tudo estar ligado. O tormento causado pela Srta. Blair tinha assumido outros tons. Ele queria ter poder sobre muito mais do que quando ou como ela publicaria um livro.

– Já que está determinado a mantê-la com você, permita-me sugerir algumas hospedarias que seriam adequadas para uma mulher respeitável.

Com isso, Matthias iniciou uma ladainha sobre instalações em cada cidade.

No final das recomendações, a atenção de Elliot foi desviada para a montanha. Whitmarsh chegava a pé da cidade, o rosto vermelho pelo esforço.

– Muito íngreme, mesmo para você, não, Whitmarsh? – disse Matthias. – Agora entendo por que demorou tanto a chegar de seu exercício matinal.

Whitmarsh se inclinou, as mãos nos joelhos, dando tempo para recuperar o fôlego. Com um aceno dele, Matthias se calou para ouvi-lo:

– Problema... a cidade... torre...

Frustrado por seus pulmões se recusarem a colaborar, apontou para a parte mais baixa do morro.

Elliot e Matthias foram até ele. Elliot olhou para baixo. A cidade estava movimentada, com muita atividade. Ele se concentrou na torre. Um grupo grande se reunia no caminho do promontório.

Whitmarsh inspirou várias vezes, recompondo-se.

– Essa montanha pode matar, se você quiser correr.

– É por isso que não se deve correr – entoou Matthias. – Por que fez isso?

Whitmarsh apontou de novo.

– A Srta. Blair está lá embaixo, naquela torre. Querem prendê-la.


Aquela mulher seria o seu fim.

Elliot subiu correndo para o quarto a fim de procurar o revólver, de forma que seu pensamento não se tornasse verdade. Quando voltou, viu que Whitmarsh conferia a própria arma.

– O que será que ela fez? – refletiu Matthias enquanto desciam pelo morro.

Elliot podia imaginar.

– Até onde posso dizer, eles a consideram uma bruxa ou algo assim – disse Whitmarsh, inspirando fundo várias vezes.

Ele não tinha se recuperado totalmente da subida e agora a descida também exigia bastante.

– Droga! – xingou Elliot.

– Nosso objetivo é claro, cavalheiros – declarou Matthias. – Não podemos deixar que a prendam. Com Sansoni doido para arrumar problema, como você disse, Rothwell, e as noções primitivas de religião e justiça deste lugar, se eles a pegarem, as coisas podem sair do controle.

A inspiração profunda de Elliot teve pouco a ver com a rapidez com que desciam a ladeira para chegar à baía e à torre. Se Phaedra não fosse tão teimosa e tivesse ficado na mansão, três homens não estariam agora correndo desabalados para se meterem em problemas.

Sua raiva era pouca perto da outra reação que pesava como chumbo em seu peito. Não estavam em Londres, mas em uma cidadezinha montanhosa e isolada em um país estrangeiro. A postura e as vestimentas de Phaedra a tornavam vulnerável. Não havia nada de cômico em relação à acusação de bruxaria neste lugar. Ela corria perigo real.

Chegaram às ruas mais baixas e cortaram caminho pela piazza na frente da igreja de Santa Maria. Carros recém-pintados e decorados estavam lá, prontos para a procissão de San Giovanni na manhã seguinte.

Matthias foi na frente, mostrando o caminho no contorno da baía. Um ajuntamento de homens bloqueava o caminho para o promontório. Dessa vez a plateia masculina não era só de velhos e enfermos. Alguns dos pescadores tinham decidido que a cena na torre era mais interessante do que jogar suas redes ao mar.

Os homens estavam inflamados. Xingamentos se faziam ouvir. Olhos escuros flamejavam. Mãos faziam gestos por toda parte. Um homem bem-vestido estava de pé no centro da multidão, com o peso apoiado em uma bengala grossa, instigando os outros.

Matthias inclinou a cabeça, prestando atenção ao que ouvia.

– Ela foi vista na janela na alvorada – sussurrou. – Rezando para o sol nascente ou algo assim. Tarpetta, o manco que está ali, também a viu na cidade ontem, tentando corromper as mulheres. Pelo que entendi, ele a está acusando de bruxaria, meretrício e heresia.

– Heresia? – repetiu Whitmarsh.

– Vamos abrir caminho pela multidão – disse Elliot. – Whitmarsh, devemos manter as armas ocultas por ora.

Com posturas militares, abriram caminho até a frente da turba. Sua presença não fez nada para acalmar a situação.

Uma cena digna de ópera esperava no promontório. Os homens haviam se amontoado no limite da cidade porque o caminho para a torre estava bloqueado por um grande grupo de mulheres. Elas estavam agitadas também e prontas para a briga. Todas tinham arrancado o lenço ou o véu da cabeça e soltado os cabelos.

Carmelita Messina estava ao fundo, posicionada como se fosse a última linha de defesa. Com os cabelos louros soltos e o vestido preto esvoaçando, ela parecia a sacerdotisa da religião de Phaedra.

Segurava uma frigideira de ferro grande e rasa na mão. Às vezes brandia a arma na direção de Tarpetta, que não aceitava os insultos de bom grado.

Um único homem estava de pé entre os dois grupos: o padre da cidade, que mantinha os braços levantados, um em cada direção, como se sozinho pudesse evitar que as duas ondas de raiva colidissem.

– A coisa está bem animada – disse Whitmarsh secamente.

Infelizmente, também estava perigoso. Elliot olhou para o alto da torre. Ao mesmo tempo, Phaedra olhou por uma janela. Ela o viu e ele tentou lhe transmitir confiança.

– Vamos tentar resolver tudo em paz, Greenwood – propôs Elliot.

Com coragem, Elliot se postou entre as duas turbas e foi se aproximando do padre, tendo Matthias a seu lado.

Enquanto Greenwood conversava com o padre, a ira dos homens não parava de chegar aos ouvidos deles. As notícias não eram nada boas.

– A acusação de bruxaria se deve ao ritual com o sol, que aconteceu no pior momento possível. Estamos no solstício – relatou Matthias. – A acusação de meretrício foi feita em termos gerais. A aparência dela, o fato de ter ido sozinha à cidade, coisas assim. Infelizmente, os homens consideram que o apoio das senhoras só confirma a má influência que a Srta. Blair representa sobre elas. Pelo que entendi, houve algumas conversas incomuns nos quartos desta cidade na noite passada.

– E a heresia? – questionou Elliot.

– A Srta. Blair tentou explicar a história com o sol com mais detalhes do que seria sensato. Dissertar sobre os pontos comuns entre as religiões do mundo provavelmente não a ajudou muito.

Elliot imaginou uma acusação sendo transmitida pelas mulheres a Carmelita e então traduzida para Phaedra. Depois visualizou uma longa explicação voltando pela mesma corrente, frases e mais frases longas, tendo um pouco de seu sentido alterado conforme passava a cada elo, até chegar aos homens. Era espantoso que a acusação fosse heresia, em vez de loucura.

O padre era um homem idoso, de cabelo branco e rosto suave. Estava aflito com a situação de descontrole na cidade. Conversou com Matthias e, por fim, juntou as mãos em prece, balançando-as juntas como se assim fortalecesse o pedido.

Elliot entendia muito bem o padre.

– Diga-lhe que não vou deixar a Srta. Blair ao capricho de uma turba.

– Ele está certo de que nossa presença só serve para inflamar ainda mais os ânimos, Rothwell – alertou Matthias. – Os homens acham que usurpamos seu poder e as mulheres, bem, elas não têm boa impressão de homem nenhum neste exato momento.

A última parte era verdade. As mulheres o olhavam como se fosse o inimigo. Lançavam provocações inflamadas que eram sem dúvida insultos. Se ele conseguisse passar por elas, Carmelita da Frigideira de Ferro o esperava.

Elliot recuou e puxou Matthias para o lado assim que conseguiram passar de novo pelo grupo de homens.

– Preciso chegar lá no alto e falar com ela.

– A torre foi construída para defesa. Só há duas maneiras de chegar lá. Por esta faixa de terra ou por mar.

– Então vou ter que chegar por mar.


Phaedra espiou pelo canto da janela. A arruaça lá embaixo continuava. Sempre que os homens pareciam perder o interesse, o signore Tarpetta os incitava a continuar.

Elliot, o Sr. Greenwood e o Sr. Whitmarsh tinham ido embora. Provavelmente esperavam que essa pequena chama se extinguisse por si só. Era o que ela esperaria também, depois de o padre chamar os manifestantes à razão. Infelizmente, Phaedra desconfiava de que o conflito não se dera por haver uma inglesa estranha na torre naquela manhã.

O problema envolvia outras questões. Práticas antigas e eventos recentes colocaram lenha na fogueira. Phaedra se preocupava se as mulheres pagariam caro nos próximos dias por essa rebelião, mesmo que ela própria fosse poupada.

Tinha esperanças de que Carmelita não pagasse com a própria liberdade. Admirava a mulher loura que brandia sua frigideira de ferro, num gesto que anunciava não se tratar de uma pessoa indefesa e, além disso, garantia que Tarpetta se lembrasse de seus próprios crimes e de por que ela não permitiria que a cidade se curvasse ao poder dele.

Era tudo culpa de Tarpetta. Ele a vira na cidade ao amanhecer. Provavelmente a seguira e a avistara na janela que dava para o leste na torre quando o sol atingiu o topo da montanha.

O sol tinha se movido bastante desde então, contudo o confronto lá embaixo não parecia perto de acabar.

Ela correu para a janela a oeste. Carmelita a advertira a respeito de um ataque por mar. Um barco se aventurara nos arredores avaliando essa abordagem havia uma hora, porém ela jogara pedras soltas da construção e o desencorajara.

Outro barco se aproximava agora. Não vinha do cais de Positano, e sim do oeste, como se chegasse de Capri em visita à torre normanda.

Três homens estavam de pé na proa, enquanto criados da mansão remavam. Elliot, Whitmarsh e Greenwood tinham corrido em seu resgate.

Levaram a embarcação o mais próximo possível da torre. O Sr. Whitmarsh acenou. O Sr. Greenwood a chamou. Elliot quase sorriu, mas sua boca não passou de um risco tenso.

– Agora você entende o que eu quis dizer, Rothwell. Se fosse fácil acessar a torre pelo mar, ela seria inútil para proteção – disse Greenwood.

– De qualquer forma, está um dia esplêndido para um passeio de barco – falou Whitmarsh. – Parece que ninguém pensou que tentaríamos essa estratégia. O cais permanece vazio.

Whitmarsh olhou para Phaedra lá no alto:

– Essa janela parece mais longe ainda daqui. Trouxemos alguns víveres, Srta. Blair, porém duvido que nosso plano de levá-los até aí funcione.

Uma onda de gritos chegou à torre vinda do outro lado. Phaedra correu até lá e olhou para baixo. Os homens tinham se aproximado muito do padre. A massa de mulheres se compactara.

Ela voltou para a janela que dava para o mar.

Elliot se curvou. Ao se levantar, exibiu uma corda grande com um gancho na ponta.

– Afaste-se, Srta. Blair. Entre na torre. Se eu conseguir mandar o gancho até aí, prenda-o o melhor que puder.

– Lorde Elliot, não acho que você conseguirá...

O olhar dele a silenciou. Ela foi para o outro lado da torre.

Por três vezes ouviu o barulho alto de metal atingindo a pedra, seguido pelo som de algo caindo pesado na água. Parecia que o plano deles não iria funcionar.

De repente o grande gancho de ferro apareceu na janela, subindo muito, e depois começou a cair. Uma de suas três hastes agarrou no peitoril da janela e parou.

Phaedra correu para lá, soltou-a e a deslizou pelo peitoril até encontrar um sulco profundo entre as pedras da parede onde prender o gancho.

Olhou para o mar. Os três homens puxavam a corda para testar sua segurança. Satisfeito, lorde Elliot pulou do barco para a estreita faixa de areia. Whitmarsh lhe entregou duas cestas.

– Mande primeiro a comida – pediu ela. – Não comi nada hoje.

– Com certeza você imaginou que o deus sol não podia esperar – provocou Elliot ao prender a alça da cesta na corda. – Na infância, quando eu desobedecia a meus pais, era mandado para o quarto sem jantar. Talvez um pouco de fome seja adequado para a senhorita hoje.

Ela deu um pequeno puxão na corda:

– Não vamos ser descuidados por pressa. E precisamos manter nosso senso de humor.

A cesta permaneceu imóvel por um momento, irritando-a, mas logo Elliot a soltou. Phaedra puxou a corda para cima até chegar à alça da cesta. Examinou seu conteúdo e jogou a ponta de volta.

– É um banquete e tanto. Vinho, presunto, pão e figos.

– Espero que goste. Se os homens da cidade tivessem conseguido chegar até aí, você só comeria macarrão e banha de porco pelos próximos dez anos, isso se não a enforcassem de imediato.

Elliot agarrou a extremidade da corda e começou a atar a outra cesta.

– Há cobertores e outros itens de primeira necessidade aí dentro.

Um rugido veio do outro lado da torre. Elliot olhou para cima.

– O que está acontecendo?

Ela correu para a outra janela, depois voltou para contar.

– Se for para aproveitar meu banquete, temo que precise fazê-lo bem rápido. O signore Tarpetta está ordenando que o padre saia do caminho.

– Puxe isso para cima logo e depois mande a corda de volta.

O barulho que entrava pela outra janela fez com que ela puxasse a corda o mais rápido possível. Depois que soltou a cesta, mandou a corda para baixo e correu mais uma vez para a janela que dava para leste.

O padre tinha ido embora. A linha de frente dos homens estava cara a cara com a das mulheres. Os flancos do exército de mulheres já tinham se rompido. Uma derrota se aproximava.

Phaedra voltou para a janela que dava para o mar. Greenwood apontava para a costa.

– Entraremos por ali e chegaremos à linha de batalha em minutos – disse ele a Elliot.

– A questão está ficando difícil no promontório – gritou ela para baixo.

– Mantenha-se firme, cara dama – bradou Whitmarsh em resposta. – Greenwood tem alguma influência na cidade e Rothwell está armado. Em breve estará em segurança.

Se planejavam entrar na luta que estava prestes a começar, Phaedra não contava com a vitória deles. Duvidava de que seus piratas ingleses fossem golpear e atirar para salvá-la, e sem isso ficariam em desvantagem numérica.

Elliot olhava a parede da torre e avaliava a estreita faixa de areia sob suas botas, na base, e as grandes rochas posicionadas de forma a desencorajar os barcos.

– É bem alto. Não posso me arriscar a que você caia se tentar descer pela corda. Se a água fosse mais profunda...

Ele ainda calculava e falava sozinho quando levantou as mãos, agarrou a corda e começou a escalar.

– O quê? Rothwell! Cuidado para não ser você a cair – alertou Greenwood.

Phaedra gelou quando gritos chegaram do promontório. Não foi até lá para ver o que estava acontecendo. Não conseguia tirar os olhos de Elliot pairando acima do mar, cada vez maior ao se aproximar pela corda, com o corpo e o rosto tensos do esforço.

Ela podia imaginar que a batalha não ia bem para as mulheres no promontório, o que significava que não ia bem para ela. Esticou a cabeça para fora da janela e contou a lorde Elliot o que acontecia.

Ele xingou e encontrou novas forças. Um som estranho começou a chegar pelas escadas. Parecia uma frigideira de metal atingindo algo mole. A voz de Carmelita clamava aos santos para ajudá-la e o som se repetia. Um homem grunhiu.

– Eles romperam o cerco à torre, lorde Elliot – gritou Phaedra, abaixada entre as cestas. – Suponho que não tenha posto uma arma junto com a comida ou os cobertores, para que eu pudesse exercer uma última resistência?

– Você sabe usar armas? – perguntou ele, a voz próxima e cansada.

Phaedra olhou para cima e o viu na janela. Os braços dele estavam apoiados no peitoril e seus dedos se agarravam na beirada interna.

– Posso usar uma arma, se tiver que fazê-lo.

Ajudou-o a subir agarrando-o pelos ombros e pelas calças. Ele se agarrou ao corpo dela em busca de apoio.

Finalmente, Elliot caiu na parte de dentro da torre. De um salto, pôs-se de pé com a agilidade de um gato. Do lado de fora, Greenwood ordenava a seus criados que remassem forte para contornarem a ponta do promontório.

Elliot sacou um revólver de seu casaco surrado.

– No caminho até aqui, Whitmarsh me presenteou com histórias sobre injustiças nas cidades deste país. Seria estúpido de nossa parte não levar a sério o perigo. Fique aqui. Não me siga. Se achar que a situação piorou, arrisque-se a descer pela corda e enfrentar o mar.


Elliot não desceu as escadas em silêncio. Deixou que todo o seu aborrecimento se traduzisse em passos estrondosos. Sua aproximação silenciou os homens embaixo.

Quando fez a última curva da escada, encontrou Carmelita Messina no degrau inferior, com a frigideira de ferro em riste. Quatro homens a ameaçavam, porém naquele momento a atenção deles se concentrou em Elliot, não nela.

Carmelita olhou por cima do ombro e percebeu seu revólver. Elliot não conseguiu chegar à conclusão se ela ficou aliviada ou aborrecida.

Passos também pesados, mas irregulares, soaram do lado de fora do portal. O signore Tarpetta apareceu sob ele. Endireitou-se em postura militar ao ver a arma.

– O senhor interferiu – começou ele.

– A Srta. Blair está sob minha autoridade e também sob minha proteção.

Tarpetta empinou o nariz e o olhou com desdém.

– O senhor não exerce a autoridade sobre suas mulheres muito bem.

Elliot não pôde contestá-lo.

– Sou muito melhor na parte da proteção – contrapôs e apontou a arma diretamente para Tarpetta. – Diga a todos para irem para casa.

– Ela infringiu nossas leis.

– Ela não infringiu lei nenhuma – argumentou Carmelita. – Apenas ofendeu as leis de um homem que se considera um reizinho.

– Vê o problema que ela causou? Ela enfeitiçou as mulheres e realizou rituais pagãos. Nós não permitimos esses crimes em Positano.

– Ouçam só! – zombou Carmelita com uma risada estridente. – Ele até fala como rei. O “nós” quer dizer “ele”.

Elliot não estava com ânimo para discussões. Brandiu a arma e ordenou:

– Todos fora desta torre. Signorina Messina, por favor, traduza o que vou dizer.

Tarpetta saiu da torre. Os homens e Carmelita o seguiram. Elliot foi por último. Ao sair, um som nas escadas o fez olhar para trás. Uma mecha de cabelo ruivo flutuava próximo à parede da escadaria.

As mulheres tinham ido embora. Elliot encarou os remanescentes da batalha, vinte homens que ainda não estavam satisfeitos.

O revólver dele os impressionou. Enquanto falava e Carmelita traduzia, o barco de Greenwood alcançou a parte de trás do promontório e Greenwood desceu no banco de areia.

– Sou lorde Elliot Rothwell, irmão do marquês de Easterbrook – disse. – Recebi dos oficiais do tribunal do seu rei a responsabilidade de proteger a Srta. Blair. Se algum de vocês a machucar, há de se haver comigo. Ela não é bruxa, nem herege, nem meretriz. Não há provas que sustentem essas acusações e os senhores têm a minha palavra de cavalheiro que suas suspeitas são infundadas.

Carmelita fez uma tradução muito longa. Dos pontos essenciais que Elliot pescou e pelas expressões nos rostos dos homens, ele suspeitou que ela houvesse enfatizado as palavras lorde, marquês e tribunal.

Matthias chegou quando ela terminava. Tarpetta, reconhecendo que seu grupo perdia força, mancou na direção dele. Os dois homens tiveram uma conversa particular.

Tarpetta foi embora. Os outros homens decidiram que era uma boa ideia bater em retirada com seu líder.

Greenwood se aproximou da torre.

– Você tem minha gratidão, Greenwood, pelo que quer que tenha dito a ele.

– Você não entendeu direito. Nós não os vencemos – explicou Greenwood. – Eles vão mandar alguns homens a Nápoles em busca de orientação e também para pedir ajuda ao Exército.

Carmelita jogou as mãos para o alto, num gesto de exasperação.

– Imbecis.

Tarpetta estava voltando para a cidade, porém dez de seus homens tinham parado na extremidade do promontório.

– O que eles estão fazendo lá? – perguntou Elliot.

– Montando guarda – disse Greenwood. – Não vão tentar entrar na torre, porque você está armado, contudo não vão deixar que a Srta. Blair saia até receberem ordens de Nápoles. Imagino que haverá um ou dois barcos vigiando do mar esta noite também.

Elliot conteve um xingamento. O santuário de Phaedra tinha acabado de virar uma prisão.

– Vamos vigiá-los enquanto eles montam guarda, para que não haja violação dessa trégua – prometeu Carmelita.

– Não martirize as mulheres em seu afã de combater aquele homem – disse Elliot para ela. – Agradeço por sua ajuda, porém temo que o preço pago por suas amigas já será alto o bastante. Deixe comigo agora.

Carmelita Messina deu tanta atenção ao que ele disse quanto Phaedra Blair daria.

– Vamos vigiar. Algumas de nós, viúvas e tal, as que não vivem sob o jugo de ninguém. Confio em seu revólver para manter a paz e em que o signore Greenwood use sua influência com aquele homem para acabar com essa confusão antes do pôr do sol.

Ela se foi, juntando o cabelo em um nó ao se afastar.

– Ela fala como se você pudesse resolver isso se quisesse – disse Elliot para Matthias.

– Carmelita está interpretando mal minha influência aqui. Contudo tentarei chamar Tarpetta à razão quando ele se acalmar, apesar de conhecer o homem somente de vista.

– Veja se ele aceitaria suborno.

Matthias deu um sorriso largo e forçado.

– Quanto ela vale para você?

Elliot guardou o revólver e caminhou para o portal.

– No momento, estou tentado a pagar para que ele a tire das minhas vistas.


CAPÍTULO 10

Pela janela, Phaedra observava a conversa de Elliot e Matthias. Não podia ouvi-los, porém seus rostos sérios indicavam que estavam traçando planos.

Um pequeno grupo formava um círculo no final do promontório. Outros quatro homens tomaram um barco de pesca no cais e zarparam.

Matthias se afastou. A torre ecoou o som de botas subindo os degraus de pedra.

Elliot entrou no cômodo. Ela continuava preocupada com a atividade lá embaixo, ainda assim deu uma boa olhada na direção dele. Sua expressão revelava preocupação e aborrecimento. Phaedra achou a inquietação charmosa, até mesmo lisonjeira. E teve esperança de que a raiva passasse logo.

– Você está em segurança por ora.

Elliot pôs o revólver no chão em um canto para evitar acidentes. Pegou um odre da cesta e o segurou no alto. Um jorro de água fluiu para sua boca.

Os olhos dela se grudaram no fluxo de água pura. Sua garganta se estreitou. Não tinha bebido nada desde antes do raiar do dia.

Elliot notou o interesse e caminhou na direção dela.

– Incline a cabeça para trás.

Ela obedeceu e abriu a boca. Um jorro frio e lento aliviou sua sede.

Phaedra secou a água de seus lábios com a mão.

– Achei que esses odres só continham vinho.

– Os outros, sim. Se tomarmos aos poucos, este nos bastará pelo tempo necessário.

Tempo necessário? Ela olhou de novo pela janela. Percebeu o significado dos homens postos na extremidade do promontório.

– Não posso sair, não é? O que aconteceu?

Ele explicou sobre a ida dos homens a Nápoles. Lembranças do odioso Sansoni invadiram a mente de Phaedra. No silêncio que se seguiu à explicação, o ar ficou mais pesado com o possível perigo à espreita e o peso dos problemas que já enfrentavam.

Lorde Elliot olhou por cima da cabeça de Phaedra para a cidade lá embaixo. Ele pareceu distraído, como se sua mente estivesse ocupada com algo muito distante.

– Você me desobedeceu – disse, provando que os pensamentos tinham tudo a ver com ela. – Você desceu as escadas.

– Ninguém me viu. Com você entre mim e o perigo... Foi uma desobediência pequena.

– Você me desobedeceu antes, ao vir para esta torre. Disse-lhe para permanecer na mansão.

– Não esperava ser vista na torre.

– Só que foi. Um ritual pagão, nada menos do que isso. Nesta terra, pior do que em qualquer outra.

– Não houve ritual nenhum. Nenhuma reza para o deus sol. Tarpetta simplesmente me viu na janela quando o sol nasceu. Não estava erguendo minhas mãos em oração. Estava protegendo meus olhos da luz forte, para que pudesse avaliar a posição exata do sol.

– Não me importo com o que estava fazendo. Foi descuidada com sua segurança e reputação. O resultado foi uma batalha entre os homens e as mulheres desta cidade e sua prisão nesta torre.

Elliot ficava mais exaltado a cada palavra.

– Também nem pense em falar agora de sua sagrada independência. Acabo de escalar a parede de uma torre e ameaçar de morte homens com quem não tenho nenhum problema. Talvez eu até tenha que matar algum, tudo por causa de sua maldita teimosia.

– Só fiz uma visita a uma torre ao alvorecer. Está sugerindo que eu poderia ter previsto tudo isso? – questionou, indicando o promontório abaixo e o drama que se desenrolara. – Se eu tivesse achado que alguém saberia ou se importaria, não teria vindo. Admito que parece muito estúpido agora, mas no momento não pareceu.

Não era bem um pedido de desculpas, mas pareceu aplacar o lado mais sombrio da fúria de lorde Elliot. Sua atenção e olhar se voltaram para ela tão nitidamente que isso enfatizou a proximidade deles.

– Você conseguiu o que veio fazer?

Ele tinha que perguntar.

– Se uma prova negativa puder ser chamada de prova – disse ela e apontou para a montanha alta. – Matthias estava certo. O sol não se eleva diretamente sobre o pico quando se observa desta janela, nem em linha direta com o lugar onde estamos agora. Ele primeiro se mostra à direita, ao sul, um pouco.

Phaedra se preparou para receber a zombaria de Elliot ou mais raiva por seu passeio ter causado tanto problema sem nem ao menos conseguir provar sua teoria.

Em vez disso, ele refletiu sobre a prova.

– Essas coisas não são precisas. O dia exato do solstício varia e ainda estamos mapeando as mudanças sutis que se acumulam na astronomia com o passar do tempo. Cinco séculos atrás, o sol pode muito bem ter nascido no pico da montanha no verão.

Ela achou muita gentileza dele dar desculpas e não chamá-la de tola. Algo mais parecido com uma desculpa direta começou a se formar em sua mente.

– Não tive intenção de causar todo esse problema e sinto muito por isso. Não me surpreende você estar com um pouco de raiva de mim.

– Estou com muita raiva de você, Phaedra. Contudo estou mais preocupado com sua segurança. Até que eu tenha assegurado isso, terá que fazer o que digo, principalmente se eu tiver mais motivos para sacar este revólver.

Elliot caminhou até a janela que dava para oeste. Franziu o cenho com o que viu. Ela andou até lá e espiou também. Um barco com três homens lançou âncora a uns cinquenta metros da torre. O sol tinha começado a se pôr no mar, mas ainda levaria horas até ficar escuro.

– Sua prisão está completa – disse Elliot. – Temos que esperar e confiar em Matthias para negociar sua libertação antes que mais problemas venham de Nápoles. Infelizmente, Tarpetta parece ter o poder nas mãos e Matthias o conhece somente de vista.

Phaedra se ajoelhou ao lado das cestas e começou a retirar seu conteúdo. Fez uma fileira com os odres, frutas e embrulhos de comida contra a parede.

– Carmelita acha que eles se conhecem melhor do que admitem.

Elliot descansou o ombro na parede e a observou mexer nas cestas.

– Seria bom se você estivesse certa, entretanto Matthias não tem motivos para mentir para mim.

Phaedra ficou feliz de encontrar uma xícara de barro por baixo da comida. Não queria beber direto do odre o dia todo, apesar de a experiência ter sido interessante.

– Você conhece Matthias bem? – perguntou ela.

Greenwood talvez tivesse o destino dela nas mãos, porém não era apenas esse o motivo da pergunta.

Elliot se afastou da luz do sol que se esgueirava pela janela. Foi para a área fresca e sombreada onde Phaedra arrumava os alimentos. Sentou-se no chão, apoiando as costas nas pedras, e pegou um figo.

– Eu o adorava na faculdade. Ele é um acadêmico respeitado e com duas obras publicadas. Estimulou meus estudos e me orientou nos métodos de pesquisa necessários para traçar novos caminhos. Seu interesse me lisonjeou, principalmente porque não parecia interesseiro, como outros professores.

Elliot mordeu o figo e depois fez um gesto apontando o restante da comida.

– Você devia comer algo. Se daqui a três dias tivermos que nadar para salvar nossas vidas, não vai querer estar fraca.

Phaedra pegou um pouco de pão e queijo.

– Você não parece adorá-lo agora, e não há mais nada de professor na forma como ele o trata.

– Bem, não sou mais um estudante e tenho um livro publicado.

– Parece mais do que apenas uma amizade construída a partir desses antigos papéis, foi o que eu quis dizer.

Elliot não parecia inclinado a satisfazer a curiosidade dela. Degustou o figo sem pressa. Ela se refugiou concentrando-se na própria comida.

– Meu pai não era um homem caloroso.

Ele falou isso de modo casual, como se não tivessem se passado quinze minutos desde seu último comentário.

– Imagine um homem como meu irmão Hayden, só que sem nenhuma das qualidades que contrabalançam a rigidez dele. Quando criança, eu considerava ter sorte por ser ignorado por meu pai enquanto ele se voltava para meus irmãos. Matthias Greenwood, por sua vez, escolheu colocar o foco de sua atenção em mim. Ele valorizava as mesmas coisas que eu, era rápido em elogiar, mas não se precipitava na hora de expressar desapontamento. Havia algo de paternal em seu interesse, imagino.

Ela notou sua expressão ao descrever o pai. Conhecia bem a reputação do marquês de Easterbrook. Com certeza, tinha sido aquele tipo de pai impossível de agradar e talvez tão duro com os filhos quanto se dizia ter sido em outras áreas.

Porém, não foi a brandura intencional de Elliot que chamou sua atenção. Outra emoção brilhava nos olhos dele.

Ele insistira em que as memórias de Richard Drury faziam insinuações falsas sobre o último marquês, contudo não tinha assegurado que de fato elas fossem mentiras. Ao se sentar ali com ele e observá-lo, Phaedra entendera que lorde Elliot não estava convencido de que o pai não mandara matar o oficial. Aquela suspeita ficaria mais plausível, ganharia corpo e seria inevitável se as insinuações fossem publicadas?

Alguns cientistas acreditavam que o comportamento criminoso era herdado, assim como algumas doenças. Saber que o legado de uma pessoa incluía a capacidade de tramar um assassinato impiedoso poderia ser tão ruim quanto descobrir que seu sangue estava maculado pela insanidade.

– Matthias Greenwood não teve filhos – disse Phaedra. – Você é seu herdeiro intelectual e parte de seu legado profissional. Se havia algo de pai nele, talvez houvesse algo de filho em você.

Ele deu de ombros.

– Talvez esteja certa. Ele pode me ver dessa forma, mesmo na amizade que temos agora.

Phaedra suspeitava de que Greenwood de fato o visse dessa forma, mas achava que Elliot o via assim também. A maneira como se comportavam um com o outro fazia com que ela pensasse na amizade confortável e no amor entre pais e seus filhos adultos quando seu relacionamento amadurecia.

Se fosse assim, Matthias Greenwood seria uma pessoa importante para Elliot.

É claro que ele era. Elliot estava ali, não estava? Ele tinha viajado até Positano para discutir sua nova pesquisa com o antigo mestre, ainda que já o houvesse superado como historiador.

Fazer aquela humilde refeição no chão de pedra os apartava do restante do mundo. Sua descrição franca do pai tinha aberto uma porta de intimidade mais sedutora do que aquela criada pelo prazer físico. Era algo como a relação que se estabelecia entre ela e seus amigos.

– Por que está tão curiosa sobre Greenwood, Phaedra?

Ela examinou a familiaridade branda que compartilhavam e pensou em sua resposta.

– Tenho interesse nele.

– Ele tem idade para ser seu pai!

Ela quase riu com seu tom exasperado, mas o aborrecimento mostrado em seus olhos lhe deu uma indicação. Ele estava com ciúmes. Phaedra achou isso irremediavelmente fora de moda e presunçoso, porém ao mesmo tempo adorável. Teve vontade de rir, em vez de censurá-lo.

– Você entendeu mal, Elliot. Ele conheceu minha mãe e tem sido gentil em responder perguntas que tenho sobre algumas questões.

– Que questões?

– Minha mãe talvez tenha mantido um amante em segredo em seus últimos anos de vida.

Ele franziu o cenho.

– Richard Drury...

– Não nos últimos tempos. Houve outro homem.

– E Matthias sabe quem foi? Ele vivia em Cambridge na ocasião e, apesar de às vezes visitar Londres...

– Ele é um homem perceptivo. Não ficou surpreso quando sugeri que talvez tivesse havido outro homem na vida de minha mãe. Esse amante também mexia com antiguidades e Matthias me deu os nomes de alguns homens do círculo dela que eram do ramo. Muitos de seus amigos íntimos desconversaram na hora em que os procurei. Desconfio que não quisessem que a imagem de Artemis Blair fosse mudada. Mas ele foi sincero comigo e sou grata por isso.

Elliot refletiu sobre o que ela disse e pareceu ao mesmo tempo curioso e cético.

– Por que você buscaria nomes, Phaedra? Talvez não tenha havido amante nenhum, já que os amigos dela negaram o fato.

– Acho que houve, sim, por causa de uma passagem que meu pai escreveu em suas memórias. Esse homem, quem quer que seja, era um criminoso.

A expressão dele ficou mais séria.

– Outra referência sem nome? Outra fofoca que destruirá uma reputação?

Elliot se pôs de pé em um minuto. Afastou-se, olhou para a parede e depois se voltou para ela.

– Seria melhor se você queimasse essas memórias ou as deixasse em uma gaveta trancada para sempre.

– Isso pode poupar sua família, mas não poupará o amante de minha mãe.

– Por que não?

Ela embrulhou o queijo no guardanapo úmido.

– Porque, mesmo que as memórias não sejam publicadas, destrincharei essa parte delas até ficar satisfeita e lidarei com esse homem do meu jeito.

O cenho de Elliot se manteve franzido, seu humor não melhorou, contudo uma curiosidade cautelosa surgiu em seus olhos.

– Você fala calmamente, porém de forma amarga e decidida. O que seu pai escreveu sobre esse homem que provocou em você a vontade de identificá-lo?

Ela se ajeitou para se levantar. Passou a mão na saia para retirar as migalhas.

– Ele escreveu que esse homem a seduziu, depois a traiu de forma tão desonrosa que acabou provocando sua morte. Preciso descobrir se isso é verdade.

– Na melhor das hipóteses, é ambíguo.

– Nem tão ambíguo assim. Tem mais. Não sou totalmente louca por achar que posso identificar esse homem. Só metade louca.

Ela andou até o centro da sala e olhou em volta.

– Se vamos ficar aqui por dias, temos que deixar esse lugar mais habitável – falou ela, virando uma cesta de cabeça para baixo. – Isso pode servir de banco, se você conseguir tirar a alça.

Elliot procurou a faca que viera junto com a comida. Colocou a cesta nas pedras do peitoril da janela e começou a cortar.

– Você não deveria levar muito a sério o que seu pai escreveu sobre sua mãe. Ele era um amante rejeitado e isso pode enevoar o bom senso de qualquer homem.

Phaedra pegou o cobertor sobre a esteira de palha e verificou se estava limpo. Avistou alguns ganchos de metal presos na abóbada do teto.

– Meu pai entendia bem o que tinha e o que não tinha com minha mãe. Ele não escreveu com amargura, mas como um homem que testemunhou a mulher que amava ser usada.

Elliot continuou a cortar, entretanto sua expressão decidida não tinha a ver com a alça da cesta.

– Trate esse assunto com cautela, Phaedra. Não acuse o homem errado nem conteste um homem bom.

– Se ele for um homem bom, não terá nada a temer de mim ou das memórias. Nenhum homem bom teria.

A alça da cesta se soltou, quebrando-se sob a pressão que ele impunha com a faca. Um barulho seco reverberou na abóbada de pedras, como se a paciência de Elliot tivesse acabado junto com a última frase dela.


Passaram as horas seguintes de forma mais agradável, falando amenidades. A amiga de Phaedra, Alexia, estava recém-casada com o irmão de Elliot, Hayden, e eles especularam sobre o casal e o que os teria unido. Isso suavizou o clima pesado da primeira parte da conversa.

Elliot, no entanto, continuou a refletir sobre o assunto inicial. Ele havia percebido o tom e a expressão de Phaedra ao falar do amante que traíra sua mãe.

Phaedra não era uma simples visitante curiosa na península Itálica, como tinha dito, mas uma mulher com uma missão. Por algum motivo, aquilo a tinha levado a Nápoles. Por isso o humor dela melhorara em relação ao atraso em ir a Pompeia. Sua investigação poderia até estar na origem da amizade com Marsilio e Pietro.

Por tudo o que sabia dela, cada ato, cada palavra, desde o dia em que ele entrou naquele jardim em Nápoles, fora parte de seu plano para saber dos últimos meses da mãe e do homem a quem culpava por seu declínio e morte.

Ela foi dando instruções a Elliot para arrumar sua habitação humilde enquanto conversavam. A pedido da Srta. Blair, ele amarrou a corda em um dos ganchos da abóbada. Phaedra esticou o cobertor velho nela e, assim, separou um canto no qual colocou o penico que os criados de Matthias tinham gentilmente posto em uma das cestas.

Já anoitecia quando tudo ficou arrumado. Com um novo cobertor sobre a esteira de palha e a cesta de cabeça para baixo como banco, Phaedra havia criado um lar rústico, porém agradável. Para uma pessoa.

Havia um cômodo de teto baixo sob essa sala mais alta na torre. Elliot esperava ser posto lá, a menos que, com seu charme, pudesse obter da rainha um convite para partilhar de seu santuário.

– Você tem talento para arrumação doméstica, Phaedra. Isso é resultado de se virar sem criados?

– Acho que aprendi a fazer isso porque minha mãe não levava o menor jeito para assuntos domésticos. Isso se mostrou útil quando tive que cuidar da minha própria vida.

Phaedra levou o odre e a xícara para a janela que dava para a cidade. Depois de derramar fora um pouco de vinho, conseguiu fazer jorrar um arco que encheu a xícara, e então ofereceu a bebida a lorde Elliot.

Ele se juntou a ela próximo à janela e bebeu. Os homens de Tarpetta tinham montado acampamento na base do promontório, para além da longa sombra da torre. A julgar pelos sons distantes das risadas, eles pareciam relaxados e de bom humor.

– Por que teve que cuidar da própria vida?

Ela estava linda demais à luz prateada do anoitecer que entrava pela janela. Atrás deles, pela abertura oposta, as cores chamejantes dos últimos raios de sol penetravam. Esses raios iluminavam a parte de trás da cabeça de Phaedra, transformando suas mechas em brasas, em contraste com a fria translucidez da pele branca do rosto que olhava para oeste.

– Minha mãe acreditava que as mulheres aprendem em casa, com os pais, a serem dependentes. Somos ensinadas e temer a independência e depois convencidas a rejeitá-la mesmo que esteja ao alcance. Assim, quando recebi uma herança do irmão de minha mãe, ela me estimulou a sair de casa e a viver sozinha antes que me acomodasse e virasse uma adulta dependente dela.

Phaedra fez uma pausa ao se esticar calmamente para ver o chão perto da torre. Outro pequeno acampamento tinha sido montado ali, povoado por cinco senhoras e Carmelita Messina.

– Eu tinha 16 anos – acrescentou, ainda distraída com a cena abaixo.

A atenção que dava aos acampamentos não a deixou perceber a reação de Elliot.

– Você era uma criança.

Ele tentou não expressar condenação em seu tom. Phaedra não gostaria de ouvir críticas à mãe, e ele não tinha o menor desejo de discutir com ela naquele minuto.

Ela ainda observava o promontório.

– Sim, eu era uma criança. Contudo há muitas mulheres que são empurradas para o casamento nessa idade. Acho que seria um destino muito mais assustador. Elas são jovens demais para os planos de seus pais, e eu também era jovem demais para os planos dos meus. Ela não se afastou da minha vida, não foi uma rejeição de seus deveres. Minha mãe me ajudou a contratar uma governanta, para que eu não morasse sozinha nos primeiros anos. Eu a visitava com frequência e nos víamos quase tanto quanto no tempo em que morávamos sob o mesmo teto.

Ela fez isso soar quase natural e sensato. Ele não podia pensar em Phaedra aos 16 anos morando sozinha, sem proteção ou supervisão de ninguém, exceto uma criada. Sua prima Caroline, que tinha sido apresentada à sociedade na última temporada, era tão infantil que dava vontade de trancá-la em casa por mais dez anos.

É claro que Phaedra Blair provavelmente não era tão infantil nessa idade, nem tão inocente. Artemis criara a filha para andar com as próprias pernas e traçar o próprio caminho. Ainda assim, essa imagem o deixou irritado. A mulher não deveria ter usado a própria filha como experimento para provar que suas ideias radicais tinham mérito.

– Na época não me importei e tudo saiu como minha mãe esperava. Depois que uma mulher prova uma liberdade assim, nunca mais quer abrir mão dela. Contudo, quando ela morreu... então fiquei enraivecida. Queria que ela houvesse esperado um pouco mais, de forma que eu tivesse aproveitado aqueles dois últimos anos com ela. Ela não previa que seu tempo seria tão curto, é claro.

– Não imagino a independência que me descreve. Mesmo sendo homem, não fico tão por minha conta.

– Não importa que ainda more na mansão de Easterbrook. Sendo homem, você é livre.

– Não falo de leis, costumes ou finanças, mas da vida. Não sou sozinho nem alguém sem laços com outras pessoas. Meus irmãos estão sempre presentes na minha vida e tenho outros parentes a quem devo obrigações. Minha vida faz parte da deles e a deles, da minha. Mesmo que meus irmãos e eu um dia nos odiássemos, ainda teríamos questões em comum a compartilhar.

A expressão de Phaedra se tornou pensativa, deixando-a ainda mais bela.

– Eu gostaria de ter tido um irmão ou uma irmã. Isso teria sido muito bom, principalmente agora.

Agora que estava completamente só, era o que queria dizer. Phaedra havia escolhido um caminho que a deixaria sozinha para sempre, a menos que, como a mãe, tivesse um filho ilegítimo. Elliot percebeu que ela compreendia que abrira mão de certas coisas e que não as menosprezava. Tinha posto as opções na balança, se não aos 16 anos, ao ficar mais madura. Ele não achava que o prêmio valesse o custo, porém admirava a bravura dela.

Ela pareceu um tanto triste. Ele se sentiu péssimo por tê-la obrigado a encarar a própria solidão.

– Espero que suas amizades de alguma forma possam substituir a família que você não tem.

Lampejos traquinas dançaram em seus olhos. Seu humor e animação vieram à tona, surgidos das profundezas de seus pensamentos.

– De certa forma, mas não é uma família como você descreveria a sua. Uns amigos são como irmãos e irmãs, alguns poucos se comportam como os mais afáveis dos maridos, porém esses laços não são permanentes. Com o passar do tempo, é possível que eu me veja imaginando se não fui abençoada com mais independência do que qualquer pessoa quereria.

O que significava que já vinha se questionando sobre isso.

A referência indireta a seus amantes sutilmente mudou o clima entre eles. Elliot não podia ficar tão perto dela naquela luz e não pensar em fazer amor com ela. Imagens e desejos tinham surgido aos borbotões desde que subira os degraus horas antes. A excitação aumentara com as palavras dela. Ele pensou ter visto um desafio na forma como ela o mirava.

De repente o desejo os uniu mais intensamente que nunca. Ela não fez qualquer esforço para refrear seu poder. Ele não se aguentava mais. Jamais tinha encontrado uma mulher que reconhecesse de forma tão ousada a excitação sensual que pode existir antes de um beijo ou um toque.

Com qualquer outra mulher, ele daria o primeiro passo, como fizera com ela antes. No entanto, não se esquecera das palavras dela ao se afastarem no terraço, naquela noite. Se ela fosse honrar sua ameaça, neste momento ele provavelmente não conseguiria se portar de forma honrada o bastante para que ela tivesse a chance de rejeitá-lo.

Phaedra evocava nele o que seu sangue trazia de pior, algo que vinha do pai. Elliot queria se aproximar, abraçá-la, acariciá-la e devorá-la. A tentação de usar o prazer para coagi-la a se submeter ao próprio desejo e a ele ameaçava sobrepujar o que restava de seu bom senso.

Elliot se afastou. Pegou o revólver e um dos cobertores e começou a descer as escadas. A alternativa era se arriscar a se comportar como um canalha, ou, pior, tornar-se uma daquelas abelhas lastimáveis que ficam zumbindo e implorando pelos favores da rainha.


Phaedra observou o sol se pôr no mar. Luzes roxas e laranja coloriam a água com listras sedosas à medida que a escuridão aos poucos se aproximava. Lá embaixo, no barco, os homens acenaram e a saudaram amigavelmente. Parecia que eles também tinham alguns odres de vinho à disposição e que a bebida os deixara mais amistosos.

Phaedra encontrou a única vela mandada junto com os víveres e a acendeu. Sentou-se em um canto onde a brisa noturna não a apagaria. Ouviu Elliot se mexer lá embaixo, talvez na tentativa de achar algum conforto no chão tendo apenas um cobertor sob o corpo.

O corpo dela ainda não tinha se acalmado totalmente desde que ele partira, nem seus pensamentos se afastaram muito dos últimos minutos que tinham passado juntos. Uma pulsação quente continuava a se fazer sentir, atraindo sua atenção. Normalmente ela só tinha que lutar contra isso quando Elliot estava por perto, contudo seu corpo parecia saber que estava perto o bastante e não lhe daria alívio. Seus seios continuavam rígidos e cheios, com os mamilos reagindo a cada roçar do tecido do vestido.

A última conversa deles a desarmara. Agora só conseguia pensar em lorde Elliot de forma gentil. Ele entendera mais do que ela mesma. E não a olhara com pena – em vez disso, expressara uma preocupação verdadeira com esse lado menos perfeito da vida dela.

Ela mentira um pouco para poupar Artemis da censura daquele homem; entretanto, a julgar pelas reações dele, isso fora desnecessário. A verdade era que Artemis estivera correta em suas crenças, mas nem sempre em seus métodos. Ficar sozinha aos 16 anos fora algo devastador e amedrontador, muito mais do que Phaedra admitira. Ela sentira como se a mãe a tivesse jogado de um barco no meio do oceano, simplesmente esperando que ela soubesse nadar.

Phaedra perdoara a mãe por esse engano fazia anos, porém duvidava que outras pessoas fizessem o mesmo se soubessem daquele frágil ano tão carregado de grandes erros. A verdade seria mais uma prova para o mundo de que Artemis Blair não tinha sido uma boa mãe, nem ao menos uma mulher normal.

Elliot já não fazia mais barulho lá embaixo, embora ela pudesse jurar ouvir sua respiração. Ele não teria conseguido pegar no sono tão rápido, disso ela sabia. Phaedra caminhou a passos suaves, numa tentativa de aliviar a forma como seu corpo a atormentava. Tentou harmonizar a ideia de que o desejo não era somente físico agora, mas também um anseio por aumentar a proximidade que sentira com ele ao compartilhar suas confidências e o perigo.

Levou as mãos aos seios. Os estímulos se juntavam, aumentavam e desciam por seu corpo. Fechou os olhos para tentar domá-los e ouviu a lição dada por sua mãe sobre desejo.

O prazer carnal é uma necessidade tanto de homens quanto de mulheres. Não negue seus desejos, só fique atenta a quem escolhe como parceiro. A maioria dos homens são conquistadores em sua essência. Busque os poucos mais esclarecidos que alçaram um lugar acima da maldição primitiva. Se decidir ter prazer com um conquistador, certifique-se de lhe dar somente seu corpo e apenas temporariamente. E nunca, nunca sucumba à ilusão de que pode mudar esse homem.

Phaedra imaginou o homem lá embaixo. Ele se fora apesar de terem estado juntos em um cômodo saturado do desejo de um pelo outro. Elliot podia ser um conquistador, porém não era tolo. Entenderia que ela não cederia nada, exceto o que decidira ceder. Ela faria questão de deixar essa parte bem clara.


CAPÍTULO 11

Elliot se preparou para passar uma noite tendo apenas os próprios pensamentos por companhia. Com um pouco de sorte, logo pararia de ficar imaginando a mulher do andar de cima.

Esforçou-se para pensar no mundo que descrevia nos livros. Não precisava de seus papéis para se aventurar por lá. As notas e os esboços preliminares eram registros de suas ideias, não lembretes. Toda a informação estava em sua cabeça, acessível a qualquer momento. Já tinha passado muito tempo por lá, escapando do tédio quando alguma conversa o incomodava.

Seus irmãos, Christian e Hayden, também tinham câmaras secretas em suas mentes. Quando se aventuravam nelas, fechavam as portas atrás de si e se isolavam por completo da realidade. Somente ele fora abençoado com a capacidade de entrar e sair a seu bel-prazer, como se a porta permanecesse entreaberta. Elliot sempre conseguia manter contato com o mundo real.

Naquele exato momento, contudo, isso não era uma grande vantagem. O mundo externo com o qual não perdia contato consistia de uma frustração física que não se aquietava. Especulações em relação aos movimentos acima o perturbavam. Seu sangue ruim calculava o custo para sua honra e seu orgulho se ele dominasse primeiro e corrigisse depois.

De alguma forma, conseguiu deixar tudo isso do lado de fora, perto da porta, mas sem interferir tanto em seus pensamentos. Voltou sua concentração para as informações sobre práticas funerárias que coletara das antigas histórias romanas.

– Elliot.

Ele abriu os olhos. Cada parte de seu corpo entrou em estado de alerta. Ela poderia estar a centímetros dele, tão nítido fora o chamado. As pedras das paredes e dos degraus tinham transportado sua voz para baixo. Ela nem tivera que elevar o tom.

Phaedra não falou de novo. Só pressupôs que ele tivesse escutado. Ou talvez soubesse que ele responderia ainda que o chamado tivesse sido feito só na mente dela.

Talvez ela só precisasse de ajuda com a vela. Ou talvez tivesse visto algum movimento de uma das janelas e pressentisse problemas provocados por seus carcereiros. Ele podia simplesmente perguntar dali, mas não faria isso, apesar de saber que se afastar de novo seria quase impossível.

Acreditando que Phaedra era esperta demais para brincar com fogo, ele subiu as escadas.

Luzes vagas e sombras escuras dançavam pelas pedras das paredes e da abóbada no cômodo superior. O cobertor pendurado separava um canto numa cortina improvisada. A única e grande vela queimava devagar, suas chamas acrescentando lampejos dourados aos frios raios do luar.

Todas as tênues fontes de luz se juntavam e se intensificavam em um lugar. Uma estátua pálida as absorvia para aumentar a exibição sensual do cobre abrasador e da porcelana branca.

Phaedra estava de joelhos na esteira de palha, apoiada nos calcanhares. Olhava para a escada e para ele. Elliot parou ao vê-la, momentaneamente boquiaberto com sua beleza e ousadia.

Estava nua. Suas madeixas ondeavam pela pele desnuda. Pareciam fitas de seda que se dividiam para deixar ver partes de ombros alvos como leite, de braços macios, seios arredondados e quadril curvilíneo.

Ela deixou que ele observasse um bom tempo, sabendo que uma torrente se armava dentro dele, admitindo com o olhar que sentia o mesmo desejo.

Juntou os cabelos e os jogou para trás, expondo o corpo todo. Seus seios estavam empinados e cheios, com os mamilos róseos rígidos.

– Podemos ter prazer juntos esta noite, se quiser – disse ela.

Ele arrancou o casaco e andou até onde ela estava.

– Se eu quiser? Eu quero possuí-la desde a primeira vez que a vi.

Phaedra relaxou e esticou o corpo nu a seus pés, observando enquanto ele tirava a camisa.

– Não será assim. Possuiremos um ao outro.

– Como queira. Não me importo nem um pouco com os termos dessa rendição.

Naquele momento ele não se importava com absolutamente nada, exceto o desejo que ficava mais forte e convincente a cada instante. Caiu de joelhos ao lado dela.

– Não é uma rendição, Elliot. É uma trégua. Uma noite para gozarmos de nossa amizade.

Ela o ajudou a desabotoar a calça.

As mãos dela o fizeram enlouquecer de excitação. Ele olhou para aquele corpo feminino nu, tão vulnerável e acolhedor. Imagens entraram em sua cabeça e a urgência acelerou sua pulsação. Se ela considerava isso amizade, não conhecia os homens muito bem.

– Com certeza, Phaedra. É claro.


Ele não quisera dizer isso. A alma dela sabia, mas, naquele momento, Phaedra não se importara.

Ele estava lindo e sensual. Até ajoelhado ele era alto. Seu tronco e seus ombros nus se avolumavam acima da esteira de palha e dela, fazendo-a pequena e... vulnerável. Essa sensação era nova. Nunca vivenciara algo assim antes de conhecer aquele homem. Não era uma sensação desagradável. Ela se deixou sentir prazer nessa condição porque sabia que ele não representava um perigo real.

A luz deixava a pele dele cor de bronze e ressaltava seus músculos. Não havia nada de suave para se ver nele. Nem no corpo nem no rosto. Nele, a paixão tornava os traços de família ainda mais duros, mesmo sendo o Rothwell mais afável. O cabelo escuro, solto e despenteado pelas aventuras do dia, caía em mechas sobre a testa e o rosto. Seus olhos se tornaram cristais negros quando ela começou a ajudá-lo a se despir.

Elliot afastou as próprias mãos, deixando que ela fizesse o trabalho sozinha. Só olhou para baixo, talvez desafiando-a a prosseguir, testando se ela recuaria.

Ela não se apressou. Seus olhares ficaram conectados. Sensações maravilhosas davam vida ao corpo dela. A excitação era mais intensa por saber o que estava por vir. A expectativa cresceu entre eles de forma tão maravilhosa que se tornou um dos maiores prazeres que ela jamais experimentara.

Depois de despi-lo da calça, ela levou a palma da mão até o abdome dele, saboreando o toque de sua pele e daquela combinação tão masculina: uma superfície macia sobre uma sustentação rígida. Ela amava a forma como o desejo intensificava todos os sentidos, inclusive a intuição que lhe dizia quanto ele adorava aquele toque e como o resto da realidade desaparecia por completo para ele também.

Quando não conseguiu subir mais, desceu a mão de novo, chegando a sua roupa íntima. Com carícias suaves, ela a puxou para baixo, fazendo o tecido se avolumar em seus joelhos e libertando-o. As pontas dos dedos dela faziam o reconhecimento de seu corpo, centímetro por centímetro. Ela deslizou as mãos e as pressionou nas partes protuberantes do quadril e das coxas dele. Com a ponta dos dedos, alisou sua ereção inteira até a cabeça do pênis, envolvendo-o com suavidade, depois o acariciou de forma mais agressiva.

Elliot tentou conter a sensação que isso provocou, mas ela pôde ver a fúria sensual que o dominava. Todo ele ficou mais duro. Seu rosto e olhar, seu corpo inteiro ficou mais rígido.

– Você corre perigo de ser tomada sem cortesia nem cerimônia, Phaedra.

Ela avaliou a ameaça e a excitação do próprio corpo.

– Não me importo. Estou mais do que pronta também.

Ele se juntou a ela no cobertor e empurrou as roupas para longe. Posicionou seu corpo nu por cima do dela, apoiando-se nos antebraços ao lado dos ombros dela.

Um beijo. Profundo e íntimo, tão lento e sedutor que um anseio estranho e doce venceu sua impaciência. Phaedra afastou as pernas para que ele se aninhasse, instintivamente convidando-o a se unir a ela naquele momento para que talvez a noite toda fosse comovente.

Ele olhou para ela.

– Você é uma mulher muito generosa.

– Generosa, não. Quando a mulher é sincera nesses prazeres, ela ganha também.

– Esta é uma visão admirável e democrática. Só que você não está sendo sincera e me encoraja a ser um amante ruim por causa disso.

– Reconheço minha condição carnal da forma mais sincera.

Tão sincera que essa demora a enlouquecia. Ela mexeu o quadril um pouco para encorajá-lo.

A reação dele foi leve, sutil, mas devastadora. Ele empurrou, mas não tudo. Ela o sentiu lá embaixo, tocando-a de leve, uma provocação terrível e maravilhosa.

Ele a beijou no pescoço e nos ombros.

– Você disse que estava mais do que pronta – falou, administrando o calor daquele deleite. – Não foi verdade, mas talvez tenha falado por ignorância.

A indignação se infiltrou em sua mente, que só pensava nos formigamentos maravilhosos que atingiam seu sangue.

– Não sou ignorante. Acho que isso é óbvio.

Ele suspendeu o tronco, de forma a poder acariciá-la. Observou as pontas dos próprios dedos traçarem levemente uma linha em torno da base e do volume do seio, assim como ela havia feito há pouco no quadril e nas coxas dele.

– Uma mulher mais do que pronta não fica tão controlada quanto você continua. Você não está nem perto de estar pronta como poderia estar. Se não é ignorante, sabe disso. Mas talvez você tenha medo de se abandonar à sensação.

Ele esfregou o mamilo dela. Um tremor profundo a sacudiu, ressoando dos pés à cabeça. O corpo dela ansiava por empurrá-lo fundo para dentro e escapar daquela tortura sensual, por mais deliciosa que fosse.

Ele tocou o seio dela com mais força, esfregando o bico, fazendo os tremores se repetirem com intensidade crescente. Phaedra começara essa sedução confiante e ousada. Agora a onda dessa vulnerabilidade tentadora afastava seu autocontrole.

Ela não conseguia mais resistir à maré de prazer. Elliot pareceu perceber que ela tentava. Saiu do corpo dela como se anunciasse que era ele quem decidiria quando ela estaria pronta. Deitado ao lado dela, apoiado no braço rígido, ele a acariciou devagar e seguro de si, seu toque possessivo percorrendo toda a pele dela.

Seus seios ansiavam para que suas mãos voltassem ali. O outro prazer e os estímulos que ele causava pioravam tudo ainda mais. A frustração a deixava quase louca. Ela nem conseguiria abraçá-lo naquela posição, ficava exposta e submissa ao seu olhar e a suas mãos mal-intencionadas.

Phaedra não podia abraçá-lo, mas podia tocá-lo. Nem todo o corpo dele estava fora de alcance. Ela buscou a parte interna da coxa de Elliot com a mão direita. Acariciou-o com movimentos para cima, certificando-se de que não perderia o controle sozinha.

Ele reagiu como esperado, da forma como ela ansiava. Elliot acariciou seus seios de uma maneira tão perfeita, tão completa, que a fez quase perder a sanidade. O prazer insuportável ficou maravilhosamente pior e o desejo por mais tomou sua mente.

Ele baixou a cabeça e levou a boca ao seio dela. Uma nova sensação percorreu seu corpo. Uma sensação doce e intensa e tão poderosa que a fez perder contato com a realidade. Phaedra agarrou os ombros dele em um abraço selvagem para que não ficasse sozinha em seu abandono. Sua mente se obscurecera e ficara tão focada que apenas uma vaga percepção do mundo ao redor se esgueirava por ela. Sons ecoavam as súplicas em sua cabeça e as necessidades que a devastavam. Pegadas fortes e beijos violentos a levaram mais fundo nessa sensação pura.

Um toque diferente, bem-vindo e temido e tão necessário que ela pensou que desmaiaria de alívio. Sua consciência gritou. Ela abriu mais as pernas para que ele não parasse. Arrepios profundos se acumulavam lá e se espalhavam, aumentando a tortura até ela querer implorar por alívio.

Então lá estava ele com ela de novo, aninhado entre suas coxas como tudo tinha começado, empurrando de leve daquela forma incompleta e enlouquecedora. Ele a beijou com um jeito selvagem ao penetrá-la, engolindo seu gemido de alívio.

Estocadas fortes, profundas e plenas, a levaram ao gozo. A explosão singular de prazer a embebedou de paz e de uma sensação perfeita. Flutuou nela, espantada com a violência do clímax e com a materialidade do êxtase.

Phaedra foi voltando devagar da escuridão sagrada de sua mente. Seus braços sentiram os ombros que ela abraçava e suas pernas, o quadril que circundavam. Ele permanecia teso e pleno dentro dela.

Por entre os cachos úmidos, ela viu os olhos dele, ainda quentes e firmes em sua rigidez sensual.

– Você parece bem satisfeita, Phaedra.

Tão satisfeita que ela pensou que nunca mais poderia se contentar com menos.

– Com toda a certeza.

Ele se mexeu devagar, descrevendo um longo caminho na carne ainda intensamente viva após o clímax.

– Acho que nunca conheci uma mulher com tanta facilidade de ter prazer.

Ele pousou um beijo firme em seus lábios. Bem dentro dela, a satisfação começou a arrefecer. Novas necessidades acenaram de forma sutil, porém perceptível.

Ele fez de novo. Olhava para baixo, controlado demais, seguro demais do que causava com suas investidas lentas e profundas.

– Acho que nunca fui tão possuído por uma mulher antes.

– Não me culpe se não compartilhou a satisfação. Normalmente, há unidade nessas coisas.

– Duvido que já tenha havido unidade com você. Seus amigos encontram o próprio prazer enquanto a ajudam a achar o seu, mas é diferente.

Phaedra viu um insulto nessas observações tranquilas. Se não estivesse tão ligada à potência viril que emanava dele, se os tremores da nova excitação não estivessem preenchendo sua mente, talvez ela achasse as palavras para castigá-lo por sua presunção.

Só que a sensação de saciedade diminuía com rapidez. Lá dentro, desejos ressonantes despertaram, reforçados pela confusão e pelo desespero.

O abandono acenou de novo, mas permaneceu fora de alcance, tentando-a. Ela continuou em contato com o mundo, ciente do homem que se demorava, consciente de que ele também não tirava os olhos dela.

Phaedra mexeu o quadril para encorajá-lo. Mais rápido. Ele acariciou a nádega direita dela e a puxou, detendo-a.

– Você disse que nós possuiríamos um ao outro, e eu quero possuí-la devagar.

– Foi muito indelicado da sua parte não se saciar junto comigo.

Ela nem sabia que um homem podia controlar suas vontades a esse ponto.

Obteve um sorriso quase imperceptível em resposta. Sua mão soltou a nádega dela. Phaedra pensou que ele houvesse se rendido. Em vez disso, ele levou a mão às costas e soltou a perna dela de seu quadril.

Moveu a outra perna também e empurrou as coxas dela unidas para baixo dele. Quando se mexeu dentro dela de novo, o prazer se concentrou e espiralou tão nítido que ela perdeu o fôlego.

As sensações a deslumbraram, a venceram. Ela não podia negá-las, então se rendeu. Porém, desta vez o clímax foi diferente. Phaedra não perdeu o contato com o mundo. Ouvia os próprios gritos. Ficou embebida na aura dele. A vulnerabilidade voltou, mais matizada, ainda excitante, porém levemente assustadora.

Ele não perdeu o controle, não sucumbiu. Mesmo quando suas estocadas ficaram mais rápidas e mais fortes, mesmo na hora em que ela gritou em êxtase, Phaedra sentiu que ele controlava seu poder até o fim.

Dessa vez houve unidade. Ela não chegou sozinha ao clímax. Na verdade, ele pareceu mais presente. Um alívio glorioso a despedaçou como um raio parte uma árvore, porém ele permaneceu a seu alcance durante todo o tempo.

Após o coito, à medida que a alma dela tentava recolher os cacos de seu autocontrole e ela lutava para recompor a mulher que conhecia, receios penetraram seus pensamentos. Ela o sentia em seus braços, seu corpo cobrindo o dela. Ele estava exausto, satisfeito e quieto, mas inteira e estranhamente real.

Phaedra nunca se sentira em desvantagem em situações assim antes. Envolta em êxtase e saciedade, ela examinava sem pressa essa nova situação. Tentava decidir o que significava e como tinha acontecido.

Com certeza, essa misteriosa sensação de desprendimento desapareceria quando ele fosse embora. Tinham sido só a noite, a escuridão e o prazer que a haviam causado.

Ele se apoiou nos antebraços, tirando o peso de cima dela. O olhar dele a invadiu muito fundo e de forma tão calorosa e intensa que ela se perguntou se ele estaria tentando deixar uma marca de fogo em sua mente. Depois ele rolou de cima dela e se deitou de lado. Logo caiu no sono com o braço por cima dela.

Elliot pretendia passar a noite ali. Ela nunca permitira isso com seus amigos, mas não conseguiria acordá-lo e pedir que descesse para deitar no cobertor sobre as pedras no cômodo embaixo. Porém...

Phaedra olhou para as luzes bruxuleantes que brincavam nas pedras acima dela. O olhar dele tinha sido cálido e tocante durante o último e longo olhar, mas também exigira que ela reconhecesse a força da união dos dois. Carregara a profunda intimidade que ainda os unia e se negara a deixar que ela se desvencilhasse de seu abraço.

Porém, tinha havido mais do que isso, algo que ela nunca vira nos olhos de um homem antes, pelo menos não em um que a olhasse.

Ela vira os olhos de um conquistador.

E se perguntara o que ele erroneamente achava ter conquistado.


A porta da mente dele permanecia entreaberta. Elliot a ouviu suspirar e murmurar enquanto dormia. O sol começava a nascer e ela despertaria em breve. No momento, ele aproveitava a paz, a companhia e o ar frio em seu corpo, deixando a mente concluir suas reflexões sobre outras coisas.

Um som o despertara, dando uma vaga indicação do novo dia que começava. Agora ele espiava pela luz prateada à medida que um objeto tomava forma. Havia mais uma cesta no cômodo, bem à direita, no alto das escadas. Uma das senhoras tinha trazido mais víveres.

Phaedra despertou devagar como um gato ronronante. Ela se encolheu e depois se esticou em sua elegância nua e se virou para o outro lado, dando a Elliot a oportunidade de admirar o belo contorno de suas costas e de seu quadril.

Ela parecia muito doce naquele momento e mais jovem. Despida de seu hábito negro, liberta da armadura com que enfrentava o mundo, ela o espantava com sua aparência frágil. A noite anterior revelara esse outro lado de sua alma de uma forma inconfessa e inexplicada. Sua paixão tinha sido ao mesmo tempo experiente e ignorante, ao mesmo tempo segura e amedrontada. Ele experimentara a fraqueza e a suavidade que ela não ousava mostrar ao mundo. Phaedra levava uma vida baseada em símbolos na qual tais contradições não eram permitidas.

Ele a queria de novo, porque ela estava muito bela ali de manhã e porque a Phaedra nua, despida e desarmada, o fascinava. Imaginou que continuaria a desejá-la por muito tempo. Calculou tempo e lugar, dia e noite, tendo as lembranças de seus abraços a tentá-lo.

Num instante ela se pôs alerta, como se tivesse ouvido os pensamentos dele. Deitou-se de costas e, através de pálpebras semiabertas, avaliou onde estava e com quem. Um vago rubor tingiu seu pescoço, descendo até os belos seios. Os mamilos endureceram, mas não por causa da fria brisa marinha.

O constrangimento a fez parecer uma menina insegura. Lorde Elliot se perguntou que pensamentos causaram o franzir de seu cenho ao olhar o próprio corpo. Ela não estava tão atrevida agora, sem a escuridão para transportar os acontecimentos para outro mundo.

Elliot puxou algumas roupas para que ela não fosse obrigada a sair de onde sua escolha a deixara. Ele lhe entregou o monte de tecido negro que era seu vestido. Phaedra se sentou e o passou pela cabeça.

Ele se sentou ao lado dela na esteira. Imaginou se Phaedra mencionaria os acontecimentos da última noite e o que ele deveria dizer quando ela o fizesse. Ela não era uma mulher que esperasse gratidão ou desculpas. Certamente não esperaria que ele lhe oferecesse dinheiro ou qualquer tipo de pagamento. Ela não esperava absolutamente nada dele e levaria a mal qualquer proposta.

– Você tem Alexia – disse ele. – Ontem você falou sobre estar só, mas Alexia é uma amiga leal.

As palavras de Phaedra tinham ecoado na cabeça dele naquela manhã enquanto ficara deitado ao lado dela. Ele se perguntara sobre suas amigas na infância, duvidando de que tivesse alguma. Imaginava que poucas mães permitiriam às filhas serem amigas da filha de Artemis Blair.

Phaedra se esticou para lhe dar um beijo no rosto. Ele supôs que, em algum momento ao longo do dia, a intimidade entre eles chegaria ao fim e Phaedra consideraria a noite da véspera como passado. Agora, contudo, com um gesto ela o fazia entender que achava a preocupação dele, no mínimo, encantadora.

Ele aproveitou a oportunidade para passar o braço em torno dela. Sentado assim numa cama de palha, com as costas apoiadas na parede, a cabeça de uma bela mulher no ombro e os sons e cheiros do mar entrando em lufadas pelas janelas, não seria um jeito ruim de passar o dia.

– Ela fez com que seu irmão permitisse nossa amizade – disse. – Quando Alexia negociou o casamento, ela o fez prometer. Eu tinha imaginado que... Cheguei a recusar o convite de casamento. Escrevi a ela dizendo que isso só causaria problemas com o marido. Ela me respondeu explicando o que conseguira.

Phaedra inspirou profundamente. Sua voz saiu mais fraca quando voltou a falar.

– Chorei ao ler a carta. Foi o gesto mais nobre que qualquer amiga já fez por mim. Preocupar-se comigo naquele momento... Ainda acho difícil de acreditar que seu irmão tenha concordado. Não sou uma mulher que a maioria dos homens deseje como amiga de suas esposas. Uma cortesã seria mais bem-vinda nas salas de estar das famílias elegantes de Londres.

Elliot imaginou que a generosidade do irmão fazia parte de uma estratégia maior. Phaedra Blair era uma concessão pequena para Hayden nas negociações para ficar com a mulher que desejava.

Não ajudaria colocar as coisas dessa forma.

– Hayden nunca foi escravo das regras da sociedade. Ele quer que Alexia seja feliz e sabe que a amizade dela com você não representa qualquer perigo.

– Se ele acredita nisso, o amor o deixou tolo. Não me ressinto com os pais e maridos que não permitem que eu seja recebida, Elliot. Se eu fosse eles e acreditasse no que eles acreditam, estabeleceria as mesmas regras.

Elliot olhou para o topo da cabeça dela. O cabelo parecia mais dourado do que ruivo agora, na luz cristalina da manhã. Ela não queria sua piedade por sua infância solitária. Não esperava que o mundo se transformasse para se adaptar a ela. Só queria que a deixassem quieta para que conduzisse suas crenças como lhe aprouvesse.

Entender isso acrescentou ternura à satisfação que ele sentia naquele momento. Infelizmente, deixá-la quieta seria quase impossível.

– Lorde Elliot.

O chamado de Carmelita não veio das escadas de pedra. Ela estava lá embaixo, do lado de fora da torre. Pelo menos uma das senhoras tinha se intrometido mais cedo e agora faziam uma tentativa de não repetir isso.

Ele se levantou e olhou para fora da janela. As cinco senhoras estavam em volta de Carmelita, falando baixo e ainda montando guarda.

– Lorde Elliot, o signore Greenwood está chegando.

Ela fez um gesto indicando a parte baixa do promontório, para além dos homens que acordavam.

Greenwood passava pelo cais, agora cheio de barcos de pesca. O barulho da cidade lembrou a Elliot por que nenhum deles fora para o mar. Era o dia da festa de San Giovanni.

Os homens deram passagem a Greenwood. Ele lhes disse algo ao passar. Acenou para Elliot quando o avistou na janela. Seu sorriso e andar lépido indicavam que trazia boas notícias.

Ele cumprimentou Carmelita e as senhoras com uma mesura, depois olhou para cima.

– Você e a Srta. Blair têm muitas razões para me agradecer, Rothwell. Fui tão habilidoso, tão brilhante, que mereço um cargo nas relações exteriores.

– O senhor convenceu aquele idiota a pôr fim nisso? – perguntou Carmelita.

– Fechei um acordo. Um tão bom que as senhoras não precisarão mais oferecer seus préstimos.

Carmelita explicou às senhoras o que ele dissera, porém elas relutaram. Uma pequena discussão se seguiu, mas Carmelita as convenceu. Todas as mulheres começaram a caminhar de volta para a cidade.

– Vou subir e explicar – disse Matthias, desaparecendo no limiar do portal.

Elliot se virou para Phaedra. Ela se parecia de novo consigo mesma: composta, orgulhosa e singular. O tecido preto cobria o corpo que ele possuíra horas antes. Phaedra se inclinou e esticou o cobertor por cima da palha, eliminando a mais óbvia evidência dos eventos noturnos.

– Eu devia ter me rendido à tentação e acordado você mais cedo – disse ele. – Uma noite assim não devia terminar de forma tão abrupta.

Phaedra deu um sorrisinho nervoso.

– De forma abrupta ou lenta, as noites sempre acabam.

Havia muita coisa que ele gostaria de dizer em resposta, entretanto as botas de Greenwood já se aproximavam do cômodo.

O cabelo branco e o rosto sorridente de Matthias surgiram. Ele parecia muito satisfeito consigo mesmo.

– Trouxe-lhe a chave de sua prisão, Srta. Blair. Infelizmente, para que tudo dê certo, a senhorita tem que deixar Positano imediatamente.


CONTINUA

CAPÍTULO 7

– É uma coleção modesta.

Matthias brilhava de orgulho, apesar de suas palavras.

– Tive a ideia inspirado nos gabinetes renascentistas. É o meu refúgio dentro de casa, cheio dos meus objetos favoritos.

Seu gabinete era uma grande sala quadrada cheia de urnas antigas e ramagens nas paredes de gesso. Além de uma escrivaninha comprida repleta de livros e papéis, o cômodo continha artefatos. O capitel de uma coluna coríntia estava empoleirado em um dos cantos da mesa. Um busto antigo os observava do alto de uma estante de livros. Vitrines com pés, como as das livrarias inglesas, guardavam outros pedaços de peças e antiguidades.

Phaedra caminhava por entre as peças, observando. Randall Whitmarsh a acompanhava, apontando as moedas com as imagens de Júlio César e Tibério gravadas e as pequenas garrafas de vidro.

– Aqui está o grande achado – anunciou Matthias.

Ele abriu uma gaveta, retirou uma trouxinha de tecido e começou a desembrulhar o material.

Surgiu uma pequena estatueta de bronze de uma deusa nua em uma posição relaxada.

– Alguns garotos mergulhavam na enseada e lá estava ela, no fundo da areia. Deve ter ficado lá por 1.500 anos. É grega, tenho certeza. Período clássico. Provavelmente parte de uma carga grega a caminho de alimentar os cobradores do Império Romano.

Whitmarsh levantou a estátua.

– Com certeza um navio naufragou aqui. Deve haver outras peças onde ele afundou, se puder ser achado.

– A água fica profunda rapidamente, o que é muito perigoso – disse Matthias. – Se houver mais peças, elas só vão ser encontradas quando as marés fizerem seu trabalho. Retirei com cuidado as cracas e a melhora foi maravilhosa.

Elliot tomou a estátua em suas mãos.

– É linda. Pretende vendê-la?

– Ainda não sei. Caso decida vender, Whitmarsh poderia pô-la à venda para mim em Roma, não é?

– Ou eu, em Londres – emendou Elliot. – Você conseguiria um preço melhor, não acha?

Matthias sorriu com a indulgência de um mestre. Pegou a estátua das mãos de Elliot.

– E macular o seu sangue com atividades comerciais? Eu não faria isso.

– Não haverá comércio se eu apenas indicar um colecionador. Easterbrook pode até ficar interessado na peça.

Os homens começaram a discutir a data de criação da estatueta e seu valor. Phaedra continuou a andar por entre as vitrines para completar sua visita de reconhecimento.

A coleção de Matthias era muito eclética, como a de um garoto de escola que trouxesse para casa pedaços e peças do mundo que o fascinavam. Uma vitrine continha fragmentos de cerâmica de pouco valor, porém com enfeites primitivos fascinantes. Espirais e formas geométricas se amontoavam sobre as superfícies avermelhadas. Um belo cálice grego intacto ocupava lugar de honra em outra, exibindo o deus Dionísio em um navio em seu interior raso e arredondado.

Prosseguiu até as adagas antigas e partes de armaduras romanas entalhadas e chegou até uma vitrine que continha outros objetos de metal. Essa estava trancada e Phaedra podia entender por quê. Espalhados dentro estavam objetos de ouro e prata e esmaltados, alguns clássicos, outros de épocas posteriores, em que normandos e sarracenos estiveram ali. Pequeninas imagens de deuses romanos e vivas interações de linhas e arabescos disputavam sua atenção.

A vitrine inteira brilhava. Fechos de bolsas, brincos e fileiras de contas de vidro.

– Decidi ficar com minha pequena deusa – anunciou Matthias. – Onde acha que devo alojá-la, Srta. Blair?

Phaedra deu sugestões de lugares onde Matthias poderia exibir a pequena estátua, porém seus pensamentos continuavam na coleção diversificada do seu anfitrião. Ela se perguntava se ele saberia algo sobre camafeus antigos.


De tarde, o Sr. Whitmarsh decidiu pescar, então os cavalheiros desceram a montanha para alugar um barco após a sesta costumeira da cidade. Isso deixou Phaedra com a signora Roviale e a Sra. Whitmarsh.

As damas se sentaram na sala de visitas e tentaram não entediar umas às outras. Quando a Sra. Whitmarsh pediu licença e saiu para escrever uma carta, a signora Roviale abordou o único assunto que achava ter em comum com a outra hóspede.

– É um homem notável, o seu lorde Elliot. Não sou fã de todos os amigos ingleses do signore Greenwood. Eles quase sempre são pálidos demais e reservados a ponto de se tornarem tediosos, e suas mulheres e namoradas também são sem sal e sem assunto. Mas lorde Elliot é ao mesmo tempo bonito e interessante. Un uomo magnifico.

– Lorde Elliot é cunhado de uma grande amiga minha e me acompanha a pedido dela. Não sou sua namorada.

– Veramente? – exclamou ela, depois avaliou Phaedra com frieza. – Talvez, se usasse roupas mais atraentes... Matthias me disse que não está de luto e, por aqui, o preto é mais comum entre as mulheres velhas... E seu cabelo, a minha criada poderia penteá-lo para que não parecesse uma criança nem uma puttana.

“Puttana” tinha sido uma palavra que Gentile Sansoni usara durante o interrogatório. Significava meretriz. Como a signora Roviale não era casada com Matthias, estava enveredando por um campo muito delicado.

– Escolho meus vestidos e meu penteado por bons motivos, signora. Assim não preciso ficar sobrecarregada com criadas nem gasto horas em preparações antes de começar meu dia tão atarefado.

– Aaah, capisco. Entendo.

Ela fez um gesto expressivo, a mão desenhando um amplo arco que incluiu as duas e a casa.

– Mas seu dia está livre hoje. Não está muito ocupada, não é? Não temos nada para fazer enquanto esses ingleses pescam feito camponeses. Ofereço-lhe minha criada; então não ficará, como disse, sobrecarregada.

– Estou muito satisfeita assim, obrigada. Quanto a preencher o meu dia, vou para o meu quarto ler, se me der licença.

– Pode ler outra hora. Acho que é uma mulher que lê demais.

Ela se levantou e acenou para Phaedra, indicando que a acompanhasse.

– Talvez esteja satisfeita em seu vestido, contudo a signora Whitmarsh não está feliz. Ela pensa que você é uma bruxa e que está tentando encantar o marido dela. E você é tão incomum que ela não sabe como competir. É louca por pensar assim, de toda forma posso ver as suspeitas naquele rosto comprido. Nós a deixaremos apresentável e comum para o jantar desta noite, para que ela não pareça ter uma nuvem negra em cima da cabeça.

Revoltada por estar sendo coagida, porém incapaz de pensar em uma desculpa para desfazer o plano de sua anfitriã, Phaedra se levantou. A signora Roviale lhe deu o braço e, com firmeza, conduziu-a escada acima.


Elliot despiu a camisa agora úmida de maresia. Entregou-a ao criado para que fosse lavada, depois foi se arrumar para o jantar. A pesca tinha sido divertida, animada pelos odres de vinho que Matthias tinha jogado no barco.

Saiu para o terraço e apurou os ouvidos. Nenhum som vinha do quarto de Phaedra, portanto supôs que ela já tivesse descido e se dirigiu à sala de visitas. Todos os hóspedes estavam reunidos, exceto a única mulher que ele estava ansioso para ver.

Perguntou-se se ela aproveitara sua ausência para escapar e amaldiçoou a própria negligência. A combinação relaxante de sol e mar e a excitação que não queria deixá-lo o tinham feito esquecer o motivo de ter Phaedra em sua companhia.

Conversou com Whitmarsh e Greenwood. Cada minuto que passava aumentava suas suspeitas da fuga de Phaedra. Estava prestes a perguntar à signora Roviale sobre as atividades da Srta. Blair naquele dia quando Whitmarsh de repente parou de falar e olhou fixo por sobre o ombro de Greenwood. A expressão no rosto dele fez Elliot olhar na mesma direção.

Greenwood virou a cabeça.

– Meu Deus. É a nossa Srta. Blair?

Aparentemente, sim, exceto que aquela Srta. Blair não se parecia muito com a que Elliot conhecia. O vestido preto substituído por um azul-celeste, com um fita marfim e mangas curtas bufantes no ombro e justas no braço. O cinto de seda marcava sua cintura e o decote revelava a pele muito alva do pescoço e dos ombros, destacando o arredondado firme e elegante de seus seios.

O cabelo também tinha sido penteado e preso. Sem mais flutuar solto, formava um penteado com cachos e trançados que a deixavam muito na moda. Usava um pouco de maquiagem no rosto, ou talvez a atenção que despertara a tivesse feito enrubescer.

– É ainda mais bela do que a mãe – sussurrou Whitmarsh. – Se pode ficar bonita assim, por que se esconde naquele hábito de freira?

Elliot sabia por quê. O motivo agora enchia a sala de visitas. O silêncio caiu conforme os homens a olhavam e as mulheres a avaliavam. Elliot andou pelo meio dos outros para poupar-lhe o incômodo de continuar a ser o espetáculo da noite.

– Está muito bonita hoje, Srta. Blair. Vamos pegar um pouco de vinho.

Ela o acompanhou até a criada que servia as bebidas. O grupo retomou suas conversas.

– A signora Roviale fez isso tudo. O vestido é dela – contou Phaedra. – A mulher é implacável. Não havia como escapar.

Ele lhe entregou um cálice de vinho.

– Foi gentileza da sua parte ceder.

Ele se esforçava para que seu olhar não resvalasse para a protuberância branca acima do decote do vestido. Queria lamber e mordiscar aquela pele de leite que surgia além da fronteira azul-celeste.

– Levou horas. Tinha me esquecido dessa parte. E esse espartilho... bem, você pode imaginar como meu pobre corpo não gosta disso.

Não exatamente. Contudo ele podia imaginá-la de camisa e meias, antes de pôr o espartilho, e depois de vesti-lo, quando ainda não houvesse colocado o belo vestido.

– Acredito que, com a prática, fique mais fácil.

– Não vai haver prática. Essa experiência acaba junto com o jantar. Só rezo para que não desmaie antes disso. Mal posso esperar para ser liberada dessa tortura. Para começar, é insuportavelmente quente. Descobri que os árabes usam roupas soltas em climas quentes por um bom motivo. Além disso...

De repente, no meio da frase, suas reclamações pararam. Ela enrubesceu violentamente, como se visse nos olhos dele o que se desdobrava em sua imaginação, o vestido caindo, o espartilho se abrindo e o corpo dela sendo revelado. O traje dava uma visão melhor desse corpo do que seus vestidos pretos, e ele a imaginava nua com muito mais nitidez agora.

Whitmarsh se aproximou exalando charme. Greenwood não perdeu a Srta. Blair de vista enquanto falava com os outros. Ela respirou fundo e partiu para encantar a todos com seu brilho e sua beleza.


Phaedra pretendia escapar direto para seu quarto ao final do jantar, para tirar aquelas roupas desconfortáveis. Mudou de ideia ao ver Matthias Greenwood andar em direção a seu gabinete. Em um impulso, ela o seguiu, alcançando-o no momento em que abria a porta.

– Sr. Greenwood, posso falar com o senhor em particular? – solicitou Phaedra.

– Com certeza, Srta. Blair. Venha comigo. Terá toda a minha atenção aqui.

Ela aceitou sua acolhida e sentou-se na cadeira que ele lhe indicou, ao lado da mesa. Encarapitada lá, sob seu exame tutorial, sentiu-se como uma aluna pleiteando uma vaga na universidade.

– Sr. Greenwood, na Inglaterra eu vinha conversando com pessoas que conheceram minha mãe. Tenho algumas perguntas sobre fatos que aconteceram no final da vida dela. O senhor a conheceu também e seu nome foi mencionado várias vezes. Algumas delas sugeriram que talvez pudesse me ajudar.

– Algumas delas...?

– Amigas de minha mãe. Mulheres que me ajudaram a relacionar as pessoas que faziam parte do convívio social de minha mãe e coisas afins.

– Ajudarei como puder, entretanto não era um amigo próximo. Minhas funções na universidade não me permitiam vê-la com muita frequência.

– Entendo. Contudo é sua distância relativa que pode ter possibilitado ao senhor enxergar com mais clareza do que os amigos mais íntimos.

Ele pareceu cético, mas se mostrou prestativo.

– O que precisa saber?

– Talvez o senhor considere minhas perguntas um pouco ousadas.

Ele riu.

– Ficaria desapontado se não fossem. Se a senhorita está correndo o mundo atrás de respostas, imagino que as perguntas não sejam banais.

Seu bom humor tornava tudo mais fácil. Ela decidiu começar com a pergunta mais ousada de todas.

– Alguma vez suspeitou que minha mãe tivesse um amante nos últimos anos de vida?

Ainda que ele esperasse ousadia, a pergunta o deixou um tanto sem jeito. Sua expressão sempre bem-composta se alterou, ficando próxima do constrangimento.

– Não tive indícios para pensar isso. No entanto... Bem, quando conheci sua mãe, Drury era uma presença constante, mas parecia menos presente por volta do último ano.

– O senhor sabe quem era o outro homem?

Os olhos dele ficaram mais cálidos, demonstrando simpatia. Seu sorriso era o de um tio para a sobrinha preferida.

– Nem sabia se havia alguém. Tem certeza de que houve?

– Meu pai achava que sim.

– Os homens podem errar em relação a essas coisas. A paixão esfria, a distância aumenta... Ele pode ter interpretado errado.

Ela sabia dessa possibilidade. Matthias não era o primeiro a mencioná-la. Vários amigos de sua mãe sugeriram a mesma explicação. Ela mesma também nutria a esperança de que fosse apenas isso.

– Há alguém que o senhor teria considerado provável?

Ele balançou a cabeça.

– É tão importante saber o nome ou mesmo se a suspeita se confirma?

– Se tivesse sido um caso normal, eu diria que não.

Ele esperou pacientemente que ela continuasse, nem encorajando nem desencorajando outras revelações com seu comportamento reconfortante. Ela entendeu por que Elliot gostava desse homem. Havia algo em Matthias Greenwood que inspirava confiança e estimulava confidências. Sua franqueza era tamanha que afastava até a menor possibilidade de dissimulação.

– Minha mãe me deixou um camafeu – contou ela. – Seu testamento dizia que era originário de Pompeia. Sua intenção era que ele me desse alguma segurança financeira, e sempre supus que daria. No entanto, antes de meu pai morrer, ele alegou tratar-se de uma joia falsa, vendida a minha mãe pelo amante.

Matthias franziu o cenho, a preocupação evidente em seu olhar.

– A senhorita depende do valor desse camafeu?

– Minha situação financeira ficou mais complicada nos últimos tempos. Talvez eu precise vendê-lo. Contudo, se for falso...

– Valerá uma mera fração do que ela imaginava e provavelmente do que pagou. E a senhorita também não pode vender a peça antes de ter certeza, a menos que queira se arriscar a fazer parte de uma fraude.

– Exatamente.

– Entendo seu dilema. Lamento que sua herança esteja em questão. Se um admirador tirou vantagens indevidas de Artemis, o canalha deveria ser enforcado. Ela era muito generosa com todos que conhecia, mas... bem, talvez ingênua demais e lenta demais para perceber que alguns teriam interesse em se aproveitar dela.

Ele lhe lançou um olhar que pedia desculpas pela leve crítica.

– Talvez ela tenha sido mesmo ingênua demais, Sr. Greenwood. E sua generosidade significa que ela deixou pouco mais em herança além do camafeu. Suponho que eu poderia guardá-lo como lembrança, contudo, se ele simboliza o roubo de sua afeição e de seus recursos, não terá nenhum valor sentimental para mim.

– Eu pediria para ver o camafeu se pudesse afastar suas preocupações, no entanto confesso não ter muito conhecimento nessa área. Poderíamos mostrá-lo a Whitmarsh, é claro. Ele conhece muito mais pedras preciosas do que eu. No entanto, faria mais sentido perguntar aos especialistas em Pompeia...

Seu cenho se desanuviou. Ele deu um risinho.

– É por isso que está na península Itálica, não é? É claro. Agora compreendo.

– O senhor acha que posso obter uma resposta concreta lá?

– A mais concreta possível. Como já sabe, as opiniões variam. Escreverei para o superintendente, para abrir caminho para a senhorita. Ele está envolvido em escavações há vinte anos e pode atestar a origem do item, bem como seus sinais característicos de antiguidades.

– Agradeço sua boa vontade em me ajudar. Pergunto-me se posso abusar um pouco mais de sua gentileza. Temo que isso signifique pedir que levante hipóteses que talvez não queira.

– Não sou bom demais a ponto de resistir a fofocas, Srta. Blair. Pelo menos, até certo ponto.

Ela suspeitava de que iria chegar a esse ponto e talvez ultrapassá-lo.

– Se, de fato, esse camafeu, real ou falso, foi dado ou vendido a minha mãe por um homem nos seus últimos anos de vida, o senhor pode pensar em alguém em seu círculo que tivesse acesso a coisas assim?

Seus olhos de águia se obscureceram e ele ficou introspectivo, refletindo demoradamente sobre a pergunta. Phaedra imaginou que ele estaria relembrando as festas e jantares de anos atrás, examinando rostos e reconstituindo conversas.

– Não tenho um nome para lhe dar – disse por fim.

Sentiu o desapontamento, mas não foi um golpe tão duro. Teria sido ótimo resolver o mistério naquele dia, entretanto ela na verdade não esperara mesmo que isso acontecesse.

– Contudo, talvez...

Os olhos de águia de Matthias ficaram reflexivos de novo.

– Olhe bem, estou me lembrando de uma joia que diziam ser originária de um tesouro em Pompeia, só que não pertencia a sua mãe. Lembro-me que sua existência foi discutida durante uma das recepções que ela deu. Pode ser a mesma joia que está agora em sua posse ou talvez seja outra.

– O senhor se lembra do que foi dito na ocasião?

– Não de muita coisa. Não tinha interesse no assunto. Nem mesmo consigo determinar a data da conversa com muita precisão.

Ela olhou por cima de seu ombro para as vitrines.

– Eu diria que o assunto o interessa deveras.

– Não em relação a essa joia específica. Percebi logo que a origem da joia era duvidosa. Qualquer item retirado de Pompeia é propriedade roubada. Não há documentação de sua descoberta lá porque isso revelaria tratar-se de um roubo – explicou e deu de ombros para prosseguir: – Há quem não se importe com esses detalhes e pessoas que acreditam em qualquer história que lhe contem. É assim que comerciantes desonestos fazem fortuna.

– O senhor se recorda de como esse camafeu surgiu? Alguém o estava vendendo?

Ele bateu com os dedos na mesa e pensou bem.

– Foi há tanto tempo... Não quero atacar a credibilidade de ninguém...

– O senhor não o fará. Nem eu. Não farei acusações, a menos que tenha certeza de todos os fatos. Não haverá fofoca, nem difamação ou calúnia. Só quero saber em que direção devo seguir.

– Não me lembro dos detalhes. Mas havia vários negociantes que giravam em torno de Artemis Blair. Dois estavam sempre presentes nos últimos anos. Um, Horace Needly, tem uma reputação ilibada, porém nunca se sabe o que acontece nesse meio. No outro tenho menos confiança, principalmente porque ele evitava conversas com acadêmicos como eu. Isso me fazia pensar se seu conhecimento passaria pela prova de alguém experiente.

– Qual era o nome dele?

– Thornton. Nigel Thornton. Um sujeito bem-apessoado. Bem-sucedido também, se não me engano, contudo suas antiguidades tinham origem duvidosa.

– Obrigada pelos dois nomes. Verei o que posso descobrir quando voltar à Inglaterra. O senhor me ajudou bastante e sou muito grata.

Ela se levantou para ir embora. Ele sorriu ternamente, feliz por ter sido útil.

– Sr. Greenwood, me perdoe, mas... não havia pelo menos mais um negociante no círculo de minha mãe naquela época? O Sr. Whitmarsh. O senhor disse no outro dia que ele vende antiguidades em Roma e...

– Aquilo foi só uma brincadeira entre amigos, Srta. Blair. Desde que veio para cá, sabe-se apenas que passou adiante um ou dois objetos que lhe chegaram por acaso e com os quais ele não tinha intenção de ficar. Nada mais. Já fiz isso também. Não se pode considerar isso comércio – ele foi falando de forma indulgente, enquanto a acompanhava até a porta. – Além disso, ele não se dedicou a esse ramo na Inglaterra, nem mesmo por um período breve. Não ficaria bem, não? Afinal, ele é um nobre.


– Rápido, não aguento mais. Rápido.

Um grunhido profundo seguiu os pedidos da Srta. Blair.

– Ai, assim, hum, que maravilha.

Elliot estava de pé no terraço, com as costas apoiadas na parede da casa. Ele ria por dentro dos gemidos que lhe chegavam pelas portas ao lado das dele. Os sons que Phaedra fazia ao ficar livre, aliviada do vestido e do espartilho, lembravam os de uma mulher que se sentisse livre e aliviada por outros motivos.

Pôde ouvir quando ela dispensou a criada e depois resmungou:

– Que diabos. Nunca mais. As mulheres são loucas de se vestirem assim.

Vagos sons de seus movimentos no quarto eram notados. Ele deu alguns passos no terraço e retomou sua posição, desta vez do lado de fora do quarto dela.

– Sobreviveu, Srta. Blair? Ou ficou deformada para sempre?

Ela esticou a cabeça para fora, procurando-o. Ficou surpresa ao vê-lo tão perto.

– Achou graça, não?

– Nem um pouco.

Sua risada mostrou que era mentira. Ela franziu a testa com vigor.

– Espere aí. Quero lhe falar sobre um assunto.

E ela desapareceu no quarto.

Voltou alguns minutos depois, vestida de preto. O penteado não fora desfeito, então ela ainda não tinha voltado a ser a Phaedra de sempre.

– Por quanto tempo pretende me manter aqui? – perguntou ela.

Suas palavras aludiam a tudo o que ocorrera desde o dia em que ele entrara naquele jardim em Nápoles. A observação continha todos os seus ressentimentos.

– Alguns dias. Mais tempo, se a senhorita quiser. Precisa admitir que este é um lugar bem relaxante.

– Não vim da Inglaterra para repousar.

– Podemos partir em três dias, se desejar. Contudo imaginei que apreciasse a companhia de pessoas que conheceram sua mãe.

Ela foi até a balaustrada e olhou para o mar negro. Elliot observava suas costas, mas o que via, apesar do tecido preto que a cobria, era o corpo nu.

– Confesso que estou gostando da visita mais do que esperava, exceto das imposições da signora Roviale hoje. Apesar de inconveniente, esse desvio em meus planos se mostrou proveitoso. Deveria ter considerado que seria útil... que seria possível e até mais provável conhecer as pessoas do círculo da minha mãe se eu o acompanhasse.

Ele teria questionado o motivo de ela considerar isso “útil” se a noite não estivesse tão agradável e calma e a luz da lua não tornasse Phaedra tão linda.

– O Sr. Greenwood mora aqui há muito tempo? – perguntou ela.

– Ele comprou a casa há uns seis ou sete anos. Só veio morar aqui em definitivo faz quatro anos. Na última vez em que vim, a casa ainda era bastante rústica.

– Imagino que ele conheça todos os especialistas em antiguidades, de Milão à Sicília.

– É bem provável. Não se trata de um grupo tão grande. É natural que busquem a companhia de colegas.

– Então foi um professor universitário que comprou esta mansão, fez melhorias e se mudou para cá. Ele deve vir de uma família abastada.

A avidez de Elliot o deixava impaciente por jogar conversa fora com Phaedra, mas ele lhe concederia isso por enquanto. Afastou-se da parede e se juntou a ela na balaustrada.

– Ele vivia de forma frugal em Cambridge. Um parente lhe deixou dinheiro. Esta mansão provavelmente deve ter custado menos do que uma casa pequena em Londres. Os imóveis aqui não têm o mesmo valor de lá.

Ele admirava o trabalho intricado no penteado da Srta. Blair. Levaria um bom tempo para desfazer tudo aquilo antes de dormir. Tempo de mais. Ele deixaria daquele jeito.

Exceto por um olhar, ela não reagiu à sua proximidade.

– Ele falou como se visitasse as escavações com frequência e conhecesse os arqueólogos lá.

– Espero que sim. Por que está tão curiosa sobre ele?

Matthias tinha idade para ser pai dela e Whitmarsh, quase isso. Ainda assim, a admiração deles pela ruiva naquela noite provocara em Elliot uma desconfiança enciumada que provavelmente não tinha fundamento. Agora a desconfiança surgia de novo, irracional porém nítida, atiçando o desejo com os espinhos da possessividade.

– Há algumas páginas nas memórias de meu pai que levantaram questões sobre os últimos anos de vida da minha mãe. Fiz perguntas a Matthias e estou refletindo sobre o peso que devo atribuir às respostas.

Então era nisso que ela pensava nas horas em que ficava séria e introvertida? Ela havia se aventurado até o terraço, apesar da advertência da noite anterior, mas não para implicar ou desafiar. Ela buscava informações que fossem úteis.

Christian sugerira que essas memórias talvez contivessem revelações que Phaedra não iria gostar de ler. O fato de ela confirmar isso provavelmente era significativo, porém naquele exato momento Elliot não se importava. Ele a desejava e estava ali, naquela noite maravilhosa, com ela, uma mulher que acreditava no amor livre e que não se prendia a regras sociais estúpidas.

A luz da lua tornava sua pele branca quase translúcida. O vestido preto ia até o pescoço, mas ele ainda tinha na mente o volume dos seios dela.

– Às vezes é sensato deixar as perguntas sem resposta.

Ela o encarou, indiferente a quão perto estava de ser agarrada.

– Não acredito que creia nisso. Ou, melhor, não acho que o senhor consiga seguir o próprio conselho. Vi seu rosto quando falamos das referências a seu pai nas memórias. Você não quer que elas sejam publicadas, porém precisa saber se o que há lá é verdade.

Sua postura e suas palavras lançavam um novo desafio. Ele não o aceitaria naquela noite; em vez disso, lidaria com os desafios já existentes entre eles. Haveria tempo o bastante para lidar com este mais tarde.

– Já sei que não são verdadeiras. Mas a senhorita fala de questões sérias, Srta. Blair. Por favor, perdoe-me por deixar essa discussão para outro momento. Um em que a luz do luar, a noite e sua beleza não estejam fazendo minha mente se voltar para outros assuntos.

A expressão no rosto dela foi de pura surpresa. Não se moveu ao encará-lo. O que quer que tenha visto no rosto dele gerou faíscas de temor em seus olhos.

Ela se virou para caminhar em direção à porta.

– Então o deixarei refletir sobre esses assuntos, quaisquer que sejam.

Ele pegou no braço dela.

– Não desta vez, Phaedra.

Elliot a virou para si, segurou seu rosto entre as mãos e beijou a boca que o tentava fazia dias.


Como é que ele... como ousava...

Seu espanto por ser puxada para Elliot foi apagado pelo beijo dele. Mas outra coisa a assombrou: a forma como seu coração deu um salto quando ele a dominou.

Só o beijo já fora suficiente para deixá-la assim. Firme, forte e determinado, o beijo dele continha as advertências da noite anterior. Quero-a implorando por mim. Esse perigo a excita.

Com certeza, aquele perigo a excitava. A forma como sua pegada a dominou gerou arrepios traiçoeiros em seu baixo-ventre. Partes dela começaram a implorar de imediato, pedindo mais, desejando que ele não parasse.

A mente de Phaedra se acelerou. Pensamentos se formavam e desapareciam em rápida sucessão.

Ele nem perguntou. Será que pensou...

Os beijos no pescoço fizeram-na perder as palavras. Uma névoa estonteante e sensual obscureceu o resto.

Isso foi um erro, mas, ah...

O calor da boca de Elliot penetrou em seu sangue, fazendo seu corpo formigar em todas as partes para onde ele fluía. Seus seios ficaram mais cheios e firmes e o sentiram através do tecido do vestido. O contato a excitou mais e ela instintivamente colou o corpo no dele em busca de mais estímulos.

Ele beijou sua boca de novo. Não tão forte dessa vez, apenas seduzindo e conduzindo-a, mas igualmente exigente e confiante em que ela lhe daria tudo o que ele desejava.

A forma como ele a agarrava a atiçava, ainda que ela devesse ter se rebelado. Ela via o perigo, mas não conseguia parar porque era excitante. O corpo de Phaedra seguia para o abandono e a mente já estava fora de controle.

Uma carícia. Que não explorava, não procurava, não pedia nada. Firmes e seguras, suas mãos desceram por suas costas, pelo quadril e as nádegas, reivindicando seu corpo como se ela não estivesse vestindo nada, fazendo-a sofrer na expectativa por mais.

A língua dele entrou em sua boca, percorrendo todos os espaços. Arrepios eróticos tremularam em sua vulva. As mãos dele se moviam por seu corpo, sem reservas. Ela não se importou por se render a um inimigo e lhe dar um espaço que talvez nunca mais retomasse no campo de batalha. A excitação comichava, zunia e pulsava, tornando impossível pensar de forma sensata.

Quero-a implorando por mim. Ah, sim, isso era bem possível. Seus seios estavam tão sensíveis que ela pensou que fosse enlouquecer.

Como se ele ouvisse seus pedidos silenciosos, acariciou seu quadril, o ventre e subiu até os seios. Estava zonza de expectativa ao beijá-lo, incitando-o com sua boca, a língua e o abraço.

Devagar, ele tomou o seio em sua mão. Um intenso frêmito de prazer a dominou. A outra mão dele estava firme em suas costas, sustentando-a e movendo-se para baixo devagar a cada fecho que abria do vestido.

Eu não deveria... isso não deveria...

Um beijo avassalador transformou em poeira a objeção que se formava na mente de Phaedra. Afagos deliberados em seus mamilos a espalharam pelo ar.

Ele deu um passo para trás, separando seus corpos. O brilho da lua banhou a ambos e a luz dourada vinda do quarto dela definiu os contornos de Elliot. Ele não lhe deu tempo para se recompor, para juntar os cacos de sua racionalidade. Levou a mão à gola do vestido e começou a fazer o tecido negro escorregar pelo corpo dela.

Nunca antes um homem a tinha despido. Nunca. Ela não permitia que isso acontecesse. Agora o gesto a deixava em transe, imobilizada. A lenta descida do tecido pareceu a carícia mais erótica da noite. Tudo o que ela conseguiu fazer foi olhar para o rosto de Elliot, sentindo mais do que vendo o desejo que impregnava o ar de potência viril.

As mangas desceram por seus braços e o corpete se afrouxou em seu quadril. Ele levou a mão ao ombro da camisa que ela usava por baixo. Phaedra perdeu o fôlego. Seus seios se enrijeceram ainda mais na expectativa de outro desnudar lento e delicioso.

Porém, de novo ele fez algo que a surpreendeu, afastando o último traço de bom senso que restava nela. Ele não a despiu devagar: em vez disso, arrancou a camisa pelos braços dela. Não foi um movimento impaciente nem apaixonado, mas um gesto que confirmava os direitos do conquistador.

A alma de Phaedra tentou se rebelar, porém não encontrou ancoradouro na maré de prazer que a submergia. A forma como ele olhou para sua nudez absorveu sua atenção de tal forma que ela não se moveu para liberar os pulsos da blusa que ainda restringia seus movimentos.

É só um jogo, essa dança de dominação e submissão. Não significa nada. Não estou cedendo nada, na verdade.

Mas...

Pontas de dedos a esquadrinharam. Palmas das mãos alisaram seu corpo. Ela olhou para baixo, para as mãos másculas de dedos delgados que acariciavam seus seios, estimulando-a e excitando-a da forma mais perfeita. Uma doce loucura tomou sua cabeça e ela enveredou para um prazer sensual cada vez maior. O último fio de autocontrole se desgastava rápido. Ela queria que arrebentasse de vez. Queria que lorde Elliot vencesse o último sinal de resistência que tentava arruinar seu êxtase.

Ele a abraçou de novo, fazendo-a arquear as costas. Beijou seu pescoço e peito traçando um caminho quente que a deixou sem fôlego. Seus dentes e sua boca brincaram com o mamilo, torturando-a com sensações que se espalhavam fundo em seu baixo-ventre e faziam sem corpo implorar enquanto ela gemia baixinho.

Phaedra tentou soltar um braço para enlaçá-lo e mantê-lo próximo, para apoiar-se e senti-lo.

– Não – murmurou ele. – Fique assim.

A tempestade sensual em sua cabeça queria obedecer. O prazer era tão grande que ela não podia parar. Seu corpo estava faminto por mais, por ser preenchido, pela completude que o aliviaria. Parar agora seria impossível, iria contra a natureza.

Porém...

Mesmo em seu abandono, conseguiu ver a situação com um olhar racional. Apesar de sentir um prazer tão intenso que quase doía, ela notou sua sutil submissão e tudo o que lorde Elliot dera por certo desde o primeiro beijo.

De alguma forma, a escrava rompeu suas amarras. Sofrendo de arrependimento e frustração, ela recobrou a voz:

– Você tem que parar agora. Quero que pare.

Ele ficou paralisado. Por alguns momentos terríveis, não se moveu. Depois se endireitou e olhou para ela.

O braço dele a puxou para perto, para um abraço forte. Sua outra mão pousou em seu rosto como no primeiro beijo. As pontas de seus dedos faziam pressão sem a machucarem, mas também sem suavidade.

– E se eu não parar?

Como a maior parte dela não queria que ele parasse, aquilo não chegava a ser uma ameaça. Porém, o fato de ele supor que ela cederia se ele continuasse, de que seria fraca diante de seu poder, devolveu-lhe alguma razão.

– Vai parar – disse ela.

– Confia tanto assim em minha honra?

– Confio em seu orgulho. Uma mulher importunada nunca implorará.

Ele a soltou e se afastou. Tudo em sua aura e em seu rosto dizia que ele poderia puxá-la de volta.

Ela subiu o vestido e se cobriu. Correu para a porta. Seu coração estava aos pulos e seu corpo ainda reagia ao perigo com uma excitação que a surpreendia.

– Não vou parar na próxima vez, Phaedra.

Ela parou no limiar da porta antes de replicar:

– Não acho que haverá próxima vez.

– Haverá, sim.

Ela agarrou as portas duplas e começou a fechá-las.

– Se acontecer, não será por sedução. Eu terei optado por isso antes mesmo do primeiro beijo ou não haverá beijo nenhum.


CAPÍTULO 8

Ele ainda ficou do lado de fora. Phaedra queria abrir a porta para deixar a brisa noturna entrar, mas não se atreveu. Ele poderia interpretar mal.

Ele seria ousado a ponto de entrar ainda assim? Ela se sentou na cama abraçando os joelhos, ao mesmo tempo temerosa e esperançosa de que a porta se abrisse de par em par e lorde Elliot entrasse.

Não se sentia tão dona da situação como agira ao fechar a porta. Sua excitação não ia dar trégua. Seu corpo continuava sensível até ao ar.

Ela não saberia dizer em que momento decidira detê-lo. Tinha sido instintivo, a intuição interferira.

Quero-a implorando por mim.

Não seria possível manter uma amizade com aquele homem. Ele queria vê-la fraca e entorpecida, para que pudesse influenciá-la. Afinal, tivera um motivo para ir atrás dela em Nápoles. Um amigo seu não poderia lhe pedir – nem o faria – que suprimisse aquelas passagens das memórias. Mas um homem que a dominasse e possuísse, um amante que a seduzisse, não hesitaria em usar o poder que essa paixão lhe outorgava.

E tudo isso era uma pena, porque ela o queria.

Nunca desejara um homem assim antes. Não havia nada de confortável nisso. Nada de seguro. Não era a mesma atração que experimentara com seus amigos, não se tratava de um encontro intelectual que permitia outras intimidades.

Ao contrário, o encantamento sensual dele provocava o caos, o mistério e uma estupefação que a deixava sem ar. Ele também sabia disso. Sabia que sua mera presença era um feitiço.

Sua excitação aos poucos se acalmou até virar um formigamento, o mesmo desconforto que vinha sentindo há dias. Por fim, o terraço e o quarto ao lado ficaram em silêncio. Jogou o corpo para trás e se deitou em posição fetal, ainda encarando a porta.

Teria sido isso o que acontecera com Artemis? Depois de anos de amizade confortável com Richard Drury, surgira um homem que não jogava de acordo com as regras dela?

Fora um choque descobrir que a mãe tinha sido infiel a seu pai. Acreditar no amor livre não significava rejeitar a crença em um amor perfeito, para a vida toda. Na infância, Phaedra concluíra que os pais tinham ficado juntos porque o amor livre facilitava reconhecer sua alma gêmea no momento que ela chegasse.

Imaginou a mãe. Bela, viva, segura de si. Mais confiante do que a filha chegaria a ser. Menos prática também. Com o passar dos anos, Artemis havia se cercado de um grupo de pessoas que aceitavam a forma como ela vivia. Seu círculo entendia a relação com Richard e o lugar dele em seu mundo.

Talvez já tardiamente, nesse fascinante espetáculo que fora a vida de Artemis Blair, um homem houvesse surgido, determinado a atravessar o fosso e escalar suas muralhas. Ela devia ter se visto sem defesas por falta de experiência em lidar com esse tipo de homem.

Exatamente como sua filha, naquele terraço ali fora.

Phaedra abraçou um travesseiro. Começava a entender o que havia ocorrido com esse amor tardio que tirara a mãe do eixo.

Um sedutor chegara, atiçando a fêmea primitiva que sobrevivia na alma de toda mulher. Ele tomara e conquistara. Influenciara, enfraquecera e, por fim, traíra.

Se houvesse se apresentado fingindo ser alguém de pensamento semelhante ao dos outros homens em torno dela, Artemis não haveria tido a menor chance contra ele.


Aquela vadia.

A frustração levava Elliot a acumular insultos contra Phaedra na manhã seguinte, enquanto terminava seu café na varanda. Considerando o trabalho infernal que seu corpo lhe dera a noite toda, ele não estava disposto a se esforçar para ter pensamentos dignos de um cavalheiro.

Tentava se contentar imaginando como Phaedra ficaria desconfortável em seu quarto quente e fechado, ao passo que ele deixara a brisa da varanda refrescá-lo. Só que, na verdade, cada vez que olhara para a porta da mulher, uma parte de si rezara para que ela se abrisse e Phaedra corresse para seus braços.

A porta não se movera. A contida, independente e pedra no sapato Phaedra Blair nunca lhe daria essa vitória. Por fim, a porta passara a representar um repúdio. Uma acusação. Uma declaração enraivecida de autocontrole. Você ousou seduzir em vez de pedir? Você tentou me dominar, logo eu, entre todas as mulheres?

Serviu-se de café. Os gemidos sensuais da ruiva ainda soavam em sua cabeça. Ainda sentia seu abraço e seus beijos longos e agressivos. Só em lembrar, já se sentia excitado de novo.

Tinha sido bom. Incrível. Onde ela havia encontrado o bom senso necessário para recuar, sem falar na força para deter a torrente que os arrebatava?

Passos leves e fugazes perturbaram a paz na varanda. Não precisava olhar para o limiar da porta para saber quem tinha chegado.

Nos poucos minutos que Phaedra levou para chegar à mesa, ele dominou a terrível raiva que acumulara ao longo da noite quente de vigília. Um último vestígio soou em sua cabeça ao saudá-la, entretanto. Você não vai se recusar na próxima vez, porque não quer isso de verdade.

A acolhida calma a deixou à vontade. Sua postura cuidadosa relaxou. Phaedra se sentou à mesa, lorde Elliot lhe serviu café e ela tomou um gole.

– Obrigada por ser tão civilizado – disse ela.

Ele não podia crer que ela realmente tocara no assunto. Pousou o cotovelo na mesa e descansou o queixo na mão. Algumas imagens sexuais muito pouco civilizadas se formaram em sua mente.

– Está se referindo a permitir que se recusasse na noite passada ou a lhe servir café esta manhã?

Uma criada entrou trazendo uma bandeja de ovos e fatias de toucinho defumado. Matthias podia ter escolhido Positano como seu lar, porém ainda oferecia um típico café da manhã inglês a seus convidados.

Phaedra pegou uma colher e, lentamente, serviu-se de ovos. Direcionava quase toda a sua atenção aos próprios gestos.

– Suponho que tenha me referido às duas coisas.

– Bem, Marsilio ou Pietro certamente teriam feito um escândalo na noite passada, discutindo e acusando até que toda a casa despertasse. Cavalheiros ingleses, contudo, são ensinados a sofrer.

Os lábios dela se franziram. Ela manteve os olhos no prato ao partir um pãozinho.

– Peço desculpas por qualquer sofrimento. Não foi minha intenção. Já que está sendo um verdadeiro cavalheiro inglês, talvez seja melhor eu não tocar mais no assunto.

– Seria o mais sensato.

Ela continuou a tomar o café da manhã devagar. Ele deveria se retirar, porém, é claro, não conseguiu. Phaedra pousou o garfo no prato e limpou a boca com o guardanapo.

– Lorde Elliot, se pretende que fiquemos mais alguns dias, então precisamos chegar a um acordo sobre o terraço.

Ela era inacreditável. Espantosa. Deveria saber que, naquele exato momento, o impulso dele era pegá-la, jogá-la por cima do ombro, carregá-la até o meio das árvores e terminar o que tinham começado. Porém, lá estava ela, negociando sabe-se lá o quê, quando uma noite insone o tinha deixado com muito menos boa vontade para fazer acordos.

– Como assim, Srta. Blair?

– Compartilhamos o terraço. Não é justo que o acesso a ele me seja negado ou que o fato de que eu o use possa ser interpretado como algo mais do que signifique de fato.

– Prometo que não interpretarei erroneamente caso a senhorita se junte a mim no terraço no meio da noite.

A promessa foi analisada com cuidado. Phaedra era esperta o bastante para entender os possíveis significados ocultos nela.

– Podemos pelo menos concordar que tenho o direito de deixar minha porta aberta sem temer que o senhor entre no meu quarto?

– Não.

– Vejo que fui muito otimista quanto a seu caráter.

– Nisso concordamos. Eu avisei.

– Lorde Elliot, eu...

– Insisto que me chame de Elliot em conversas particulares de agora em diante, Phaedra. Não se importa com a informalidade, não é? Podemos deixar de lado essa regra social estúpida. Afinal de contas, beijei seus seios nus e você gemeu de prazer.

Ela ficou estarrecida. Ele teve vontade de sorrir pela primeira vez naquele dia. Phaedra recuou e assumiu uma postura de arrogância controlada.

– Prefiro que evitemos a companhia um do outro o máximo possível, Elliot.

– Isso vai ser fácil esta manhã. Greenwood e eu vamos nos trancar em seu escritório até depois do meio-dia.

Ela se levantou.

– Então acho que vou dar uma longa caminhada e evitar os outros convidados por várias horas.

Ela se virou para ir embora.

– Phaedra.

Ela estacou e olhou por cima do ombro.

– Phaedra, exijo que prometa que não vai tentar fugir e que estará aqui no jantar.

Ela elevou a sobrancelha.

– Por causa de seu juramento ao signore Sansoni?

– Por isso também.

A expressão dela deu a entender que sabia qual era o outro motivo.

– E se eu não der a minha palavra?

– Posso amarrá-la na cama de novo. Gostaria disso?

Ela enrubesceu. Descartou a insinuação com um meneio brusco da cabeça.

– Tenho sua palavra?

– Sim, tem minha palavra, apesar de isso ser desnecessário e ridículo. Não sei nem como descer dessa montanha, que dirá descobrir como viajar para o interior.

Phaedra ergueu a cabeça e se afastou, fazendo o vestido negro ondular atrás de si.


Phaedra voltou para seu quarto e desfez as malas.

Como ele adivinhara seu plano? Não se via como uma mulher previsível, contudo lorde Elliot parecia ler seus pensamentos antes que eles nem sequer tivessem se formado.

Colocou de lado a valise vazia. Preparar-se para fugir fora um impulso nascido de uma noite de reflexão honesta sobre a forma como lorde Elliot a afetava. Ela corria enorme risco de fazer papel de boba, de se derreter toda só porque um homem lhe provocava desejo físico. Evitar completamente o desafio parecera uma boa ideia ao alvorecer.

Sentou-se e calçou as botas de cano curto. Andou até o terraço e olhou para baixo, para a cidade. Vozes chegavam da varanda embaixo dela. Outros convidados tomavam o desjejum.

Respirou fundo e invocou a mulher que sua mãe a ensinara a ser.

Decidir fugir fora covardia. Tinha se deslocado até aquela terra para encontrar respostas sobre a mãe, e algumas delas poderiam estar bem ali, naquela casa. Fazia muito mais sentido ficar e tentar confirmar as suspeitas que fervilhavam por debaixo de seus medos e vulnerabilidades em relação a lorde Elliot.


Quando Phaedra voltou à varanda, Matthias Greenwood desaparecera em seu gabinete com lorde Elliot. Randall Whitmarsh, contudo, estava sentado à mesa com a esposa. Phaedra se reuniu a eles, com a esperança de que a Sra. Whitmarsh logo pedisse licença e saísse. A conversa com Matthias tinha corrido tão bem na noite anterior que ela estava ávida por descobrir se o Sr. Whitmarsh poderia acrescentar mais alguma informação.

Infelizmente o Sr. Whitmarsh foi embora primeiro, para fazer sua longa caminhada matinal.

– A senhorita estava linda na noite passada – disse a Sra. Whitmarsh.

– Obrigada.

– Faz pensar em por que...

Seu olhar percorreu Phaedra dos pés à cabeça, examinando suas vestimentas.

Phaedra não se deu o trabalho de fornecer explicações. A Sra. Whitmarsh não era o tipo de mulher que pudesse entender a mistura de praticidade e teimosia que dera origem a essa opção excêntrica.

– O que quero dizer é que sua mãe não adotava esses símbolos externos para suas ideias singulares.

A atenção de Phaedra foi despertada.

– A senhora a via com frequência?

– Antes de nos mudarmos para Roma, meu marido costumava aceitar seus convites para jantar. Ao contrário de outras esposas, eu concordava em acompanhá-lo. Ele era fascinado por ela. Achei melhor cuidar para que ela nunca ficasse fascinada por ele também.

Phaedra não achava provável que Artemis considerasse o Sr. Whitmarsh fascinante. Porém, antes de ler as memórias, nunca poderia pensar que Artemis pudesse achar outro homem fascinante além de Richard Drury.

– A senhora teve êxito em frustrar uma ligação entre eles? Ou minha mãe teve algum carinho especial para com seu marido?

A Sra. Whitmarsh não demonstrou surpresa com a pergunta atrevida.

– Acho que fui bem-sucedida. Até muito tarde na vida, ela só teve olhos para o Sr. Drury.

– Quer dizer que, em algum momento, os olhos dela encontraram outro homem. Não meça as palavras por delicadeza. Sou a filha e, como ela, acho uma bobagem que as pessoas não falem francamente sobre esses assuntos.

A Sra. Whitmarsh deu de ombros.

– Foi fácil observar certa frieza entre seus pais no último ano de vida dela. Meu marido não percebeu, mas eu, sim. Vários homens a desejavam. Não como esposa, é claro.

O tom crítico e confiante da última frase incomodou Phaedra. Ela correu em defesa de sua mãe, apesar de Artemis não precisar de desculpas.

– Se não viu minha mãe desviar sua afeição para outro homem, tal frieza pode ter sido apenas resultado do passar do tempo e de dois amantes tornando-se amigos e mais à vontade um com o outro.

– Srta. Blair, meu marido e eu jantamos várias vezes com sua mãe, durante muitos anos. Normalmente o Sr. Drury estava presente. A familiaridade e a amizade que havia entre eles era muito clara desde o início. Ninguém precisou me contar na minha primeira visita que eles eram amantes e que você era filha do Sr. Drury. Contudo, no último ano, ele nem sempre se encontrava. E sua mãe ficava estranha na presença dele. Talvez a senhorita se considere mais inteligente do que eu, mas, quando percebo que as coisas não estão bem entre um homem e uma mulher, raramente me engano.

Sim, a Sra. Whitmarsh, que com tanto cuidado mantinha posse do marido, seria especialista nessa área da natureza humana. Será que também era observadora? Será que teria visto alguma coisa? Uma mulher que guarda um tesouro com certeza seria uma das primeiras a perceber se o pirata que ela temia tivesse voltado sua atenção para outro navio.

– Quem era o homem que se tornou objeto da atenção de minha mãe?

– Isso é um debate, em que tenho que dar um nome para que a senhorita respeite meu julgamento?

– É um questionamento sincero, de uma filha que se pergunta sobre os últimos anos de sua mãe.

A postura defensiva da Sra. Whitmarsh se desfez.

– Não sei. Só tenho certeza... certeza quase absoluta... de que não foi meu marido. Ela passou meses radiante, como se fosse jovem de novo, mas aí...

– Aí...?

– Foi como se alguém tivesse apagado a luz. Ela estava melancólica nas últimas vezes que nos vimos. Talvez, quem quer que fosse, a houvesse desapontado.

Phaedra percebera essa melancolia. Não havia entendido os motivos nem a profundidade, contudo a descrição era verdadeira. A luz se apagara.

– A senhora não está sozinha em se perguntar se ela teve um novo amor – falou Phaedra. – Alguns nomes me foram sugeridos. O Sr. Needly, por exemplo. E o Sr. Thornton.

– Needly? Bem, acho que isso pode fazer algum sentido. Ele guardava semelhanças com o Sr. Drury. Tinha a mesma natureza. E sua erudição em arte romana lhe daria algo em comum com sua mãe. Apesar de que, se me perguntassem, eu diria que os dois se estranhavam. Às vezes ele era um homem muito arrogante.

A Sra. Whitmarsh tinha amolecido com a fofoca. Ela apreciava o assunto muito mais do que Phaedra gostaria.

– Às vezes a atração pode criar rusgas.

– De fato, isso pode acontecer. Agora, o outro, Thornton... – disse, e então parou para pensar antes de prosseguir: – Ele era um pouco jovem demais para ela. Enigmático também. Entretanto estava sempre por perto. Não passava despercebido. Era bonito, até demais. Tinha presença, mas...

– Mas...?

– É difícil de explicar. Ele era maravilhoso. De deixar qualquer mulher de queixo caído. Contudo era de certa forma... obscuro. Meu marido uma vez usou essa palavra para descrevê-lo e achei apropriada. Sim, ele era obscuro de muitas maneiras.

Phaedra guardou a descrição em sua mente. Ao voltar para a Inglaterra, teria que procurar o arrogante Sr. Needly e o obscuro Sr. Thornton, além de perguntar a outros amigos íntimos da mãe se Artemis tivera um caso com um desses dois homens.

– Eu gostava dela – disse a Sra. Whitmarsh. – Não aprovava seu estilo de vida e ela sabia disso. Ainda assim, ela aceitava meus pontos de vista. Nunca permitiu que me sentisse deslocada. Era muito gentil.

– Ela estava acostumada com seus pontos de vista. Afinal, eles são os mais costumeiros. Sempre que botava o pé fora de casa, ela era a estranha. Quem dera o mundo tivesse sido tão gentil em relação a ideias diferentes quanto ela provou ser e tão aberto à companhia dela como ela era à de todos.

A Sra. Whitmarsh enrubesceu. A coloração de suas faces disse a Phaedra muito mais do que ela queria saber. Os Whitmarshs nunca tinham retribuído os convites para jantar. Artemis Blair nunca fora incluída no círculo deles e nas festas deles.

Essas confidências matinais de repente pareceram trair a memória de sua mãe. Phaedra suspeitava de que elas ecoavam as fofocas da Sra. Whitmarsh com seus amigos em salas de estar que nunca foram abertas para a intelectual que desafiava as convenções sociais.

Também teve uma amostra das fofocas que deviam correr sobre sua pessoa. Ela sabia que havia mulheres que riam dela, especulavam a seu respeito e a reprovavam, assim como havia homens que entendiam erroneamente sua liberdade. Era mais fácil ignorar essas pessoas se não tivesse que tolerar sua companhia.

Queria muito que a Sra. Whitmarsh tivesse revelado a identidade do homem que usurpara o lugar de Richard Drury. Ela não conseguira, porém suas observações não foram de todo inúteis.

Phaedra pediu licença. Deixou a varanda e tomou o caminho da ladeira que levava à cidade.


Logo depois de o sol nascer, Positano se tornava uma cidade de mulheres. Os homens que tinham condições físicas para pescar haviam saído muito antes de Phaedra começar suas atividades.

Levou um bom tempo para achar o caminho de descida pela densa rede de ruas antigas e estreitas. Mesmo com sua construção escalonada, eram bastante traiçoeiras. Phaedra desejou ter levado consigo sua sombrinha para usá-la como bastão de caminhada e se proteger do sol, que ficava cada vez mais quente conforme ia se aproximando do pico da montanha.

Mulheres e crianças paravam para vê-la passar pela rua do mercado. Ela admirou os limões e as verduras, as peças de carne de carneiro e de boi. Na esquina do mercado, alguns homens estavam sentados em cadeiras do lado de fora da taverna. Eles a olharam com curiosidade e desconfiança.

O mais jovem, um homem de cabelo escuro, vestido com uma sobrecasaca marrom elegante, tinha uma bengala apoiada na cadeira. Os outros pareciam velhos e encarquilhados. Ela supôs que tinham abandonado os rigores da pesca fazia muitos anos.

Phaedra encontrou as outras ruas principais seguindo o fluxo das pessoas. Sua presença era um pequeno espetáculo, como tinha ocorrido com a cavalgada em lombo de burro atrás de lorde Elliot. Cabeças apareciam nas janelas e olhares impetuosos acompanhavam sua caminhada.

As ruas a levaram a uma pequena piazza bem na encosta do morro. Água jorrava da boca de uma cabeça de leão esculpida em um muro baixo construído rente à rocha da montanha. Mulheres se sentavam em bancos de pedra à sombra das árvores, aguardando a vez de encherem seus jarros.

Phaedra encontrou uma vaga para descansar em um banco num local mais fresco. Olhos escuros a observaram interrogativamente. Uma moça sussurrou no ouvido de um menino e ele saiu correndo pela calçada. As mulheres matavam tempo ali depois de usarem a fonte, conversando em uma melodia expressiva, sem perder de vista a recém-chegada.

Logo outra mulher surgiu na calçada. O tecido de sua saia preta balançava com seus longos passos. Ela não se parecia com as demais mulheres.

Para começar, era loura. Seu cabelo louro-escuro estava preso em um nó na nuca, visível sob a grande aba de seu chapéu de palha preto. Ela não era tão clara quanto Phaedra, mas, em vez do bronzeado forte tão comum nessa terra, tinha um leve colorido na pele.

Phaedra se perguntou se era outra forasteira, que, como Matthias, tinha vindo morar ali. Quando a mulher se aproximou, no entanto, seus olhos amendoados, as maçãs do rosto salientes e o rosto em formato de coração revelaram que era uma nativa, mesmo que, num primeiro olhar, sua cor desse outra impressão.

A mulher se sentou no banco de Phaedra e fez algumas saudações às amigas. Phaedra tentou traduzi-las, porém as palavras se seguiam rápido e o sotaque em Positano era diferente do de Nápoles.

Ela se virou e deu uma boa olhada em Phaedra. O volume das conversas em torno delas baixou.

– Inglesa?

Phaedra assentiu.

– Elas imaginaram e mandaram o pequeno Paolo me chamar. Minha prima Julia e eu somos as únicas mulheres aqui que falam inglês. Você conheceu Julia. Ela é sua anfitriã na mansão. Você é viúva?

A conversa era entabulada em um inglês correto, apesar de a cadência e a pronúncia refletirem algum esforço.

– Não, não sou viúva.

O olhar da mulher se voltou para o cabelo longo de Phaedra.

– Não achei que fosse.

Ela olhou para a direita na rua e sorriu de forma dissimulada.

– Ah, lá vem o signore Tarpetta. Ignore-o. Ele gosta de agir como se fosse uma autoridade, mas ela só existe na cabeça dele.

O homem coxo que estava sentado no final da rua do mercado agora vinha mancando, apoiado na bengala, porém exalando presunção. Dois senhores o acompanhavam. Os três se posicionaram do outro lado da piazza.

– Meu nome é Carmelita Messina. Também não sou viúva, caso esteja em dúvida por causa de minha roupa preta.

– Meu nome é Phaedra Blair e fico feliz de conhecer alguém que fale meu idioma tão bem. Tentei falar sua língua, contudo...

Carmelita balançou a mão, dispensando as desculpas.

– Aprendi um pouco de inglês em Nápoles. Morei lá vários anos com Julia e seu falecido marido – explicou Carmelita, e então fez um sinal, apontando com o queixo para o signore Tarpetta, que as observava com atenção, apesar de conversar com os dois senhores. – Ele não gosta quando hóspedes da mansão descem até aqui. Tem medo de que vocês possam corromper seu pequeno reino.

– Os hóspedes descem com muita frequência?

– Somos apenas camponeses pitorescos para a maioria deles. Somos as pessoinhas nos cantos das pinturas sentimentais.

– Nem mesmo o signore Greenwood se mistura com vocês?

– Às vezes. Ele fez várias visitas no ano passado. Uma das vezes, ao voltar, levou Julia com ele – confidenciou, antes de lançar um olhar de escárnio para Tarpetta e acrescentar: – Ele tinha esperanças de se casar com ela. Faz muito alarde de que não a quer mais agora, mas todo mundo sabe que bastaria ela fazer assim – e ela estalou os dedos – que ele iria rastejando.

A conversa delas tinha atraído uma pequena plateia, e risadinhas vinham das mulheres que tinham se aproximado mais.

Carmelita olhou para Phaedra de novo.

– Uso preto para demonstrar luto pelos carbonari que morreram quando o rei matou a república. Se não é viúva, por que está de luto?

– Estou de luto pelo meu pai, porém não é esse o motivo da roupa. O preto não mostra sujeira tão rápido.

Carmelita traduziu para a plateia. Cabeças assentiram.

– Você não prende o cabelo nem usa véu. Tive dúvidas se não era uma puttana, mas não acho que seja, porque as amantes que vêm com os homens que visitam a mansão lá em cima estão sempre na última moda. Talvez você faça isso para apontar o dedo na cara de homens como o nosso Tarpetta lá?

– Talvez sim.

Phaedra olhou para a baía distante lá embaixo.

– O Sr. Greenwood recebe muitos hóspedes? Chegam barcos especiais só para trazê-los para a mansão?

– Sempre há hóspedes e alguns deles vêm com muita frequência. Ele tem muitos amigos, o signore Greenwood. Ele não é um de nós, mas muitos aqui lucram com o dinheiro que ele gasta.

– Como a família dos garotos que encontraram a estatueta antiga?

– Não ouvi falar de estatueta. As famílias gostam de manter essa informação em segredo, para que, se houver outras, fiquem só para elas. Ele gosta de coisas antigas, o signore Greenwood.

Carmelita notou de novo os homens que as observavam.

– Eles não estão gostando nada de ver você sentada aqui por tanto tempo, então espero que fique ainda mais. Conte-nos de sua vida na Inglaterra, Phaedra Blair. As mulheres pararam de levar água para casa só para ouvir algumas histórias suas.

Carmelita precisava traduzir toda a conversa e as mulheres sorriam e davam risadinhas quando ela o fazia.

Uma jovem que não passava dos 18 anos se aventurou mais perto. Com cuidado, esticou a mão e tocou o cabelo ruivo de Phaedra.

Phaedra não se importou com a proximidade, porém outra pessoa, sim. Uma voz masculina ladrou. Do outro lado da piazza, um dos senhores deu um passo à frente. Ele ralhou e fez um gesto para que a garota fosse até ele.

Com a cabeça baixa e os olhos temerosos, a jovem correu até lá. O homem a agarrou pelo braço e a empurrou para a calçada, levando-a embora.

– É o sogro dela – disse Carmelita. – Vai dizer para a família que ela fez amizade com a amante de um forasteiro que desceu da mansão.

Phaedra não quis pensar no destino da moça se a história enraivecesse o marido. As expressões cautelosas que de repente surgiram nos olhos das outras mulheres a entristeceram.

– Não quero causar problema para nenhuma de vocês.

Ela começou a se levantar.

A mão firme de Carmelita segurou seu braço.

– Não há mudança sem problemas. Essas mulheres não sabem nada do mundo fora deste litoral, e minhas histórias de Nápoles estão ficando velhas. Conte-nos de sua casa e como se tornou uma mulher que se aventura sozinha em uma terra estranha, parecendo uma meretriz de luto que não teme a mão de homem nenhum.


Phaedra ficou por uma hora na fonte, aproveitando a companhia feminina. Ela contou a Carmelita e às outras sobre sua vida e como vivia sozinha e livre em Londres. Com o passar do tempo, a torrente de palavras estrangeiras começou a fazer algum sentido para ela. Chegou a compreender algumas das perguntas dirigidas a ela antes de serem traduzidas.

Do outro lado da piazza, o signore Tarpetta observava. Alguém lhe trouxe uma cadeira, para que pudesse se sentar e descansar a perna. O alegre grupo de mulheres não se importava com sua desaprovação. Ele podia até se considerar uma autoridade, contudo ficou claro para Phaedra que as mulheres obedeciam a outro nome: Carmelita Messina.

Por fim, as mulheres se afastaram, carregando água e conversando animadamente umas com as outras.

– Os maridos logo voltarão nos barcos. Elas têm que preparar o almoço – explicou Carmelita.

Phaedra se levantou.

– Obrigada por se juntar a nós – agradeceu. – Assim pude conhecer as mulheres daqui. Vou descer até aquela torre antes de voltar para a mansão.

– Vou acompanhá-la, senão talvez não encontre o caminho até lá. Se Tarpetta nos seguir, finja que ele não está lá. Ele seria um tolo se fizesse isso tendo aquela perna, mas o homem já provou muitas vezes que é estúpido.

Tarpetta provou isso mais uma vez naquele dia. Phaedra achou que ele tivesse desistido de segui-las até que ela e Carmelita chegaram ao caminho do promontório, quando então o viu mancar na direção do cais para não perdê-las de vista.

– Como ele machucou a perna?

Carmelita atravessou o portal na entrada da torre.

– Ele foi soldado e estava entre os que foram atrás do marido de Julia na nossa casa em Nápoles. Ele nos traiu. Nós resistimos, apesar de ser inútil. Acertei-o com uma frigideira de ferro pesada, bem aqui – explicou, apontando para o próprio joelho. – Teria sido melhor se eu tivesse mirado na cabeça.

– Então agora ele a segue por toda parte?

– Ele está seguindo você, não a mim. Mas ele me odeia, porque fui eu quem promoveu o encontro do signore Greenwood com Julia. Ela ficou sem nada depois que o marido foi executado quando a república acabou.

– Se é por ciúmes, ele deveria odiar Greenwood, não você.

Carmelita ia à frente na subida sinuosa da escada de pedra.

– Ele não ousa odiar Greenwood. Como muitos outros, ele lucra com o dinheiro do inglês.

Elas seguiram até o alto da torre, onde havia um cômodo quadrado. Pequenas janelas vazavam duas paredes opostas. Uma dava para o mar e a outra, para a montanha.

– Esta era para vigiarem o mar e evitarem ataques de árabes e piratas pelo porto – explicou Carmelita. – Agora, esta a leste aqui... eles vigiavam outra coisa, não? Um exército vindo pela montanha ou problemas na cidade.

Phaedra olhou para a janela a oeste. A vista do mar era infinita, quilômetros de litoral de um lado e de outro. Ela se moveu para a janela a leste. O sol se elevara na reta do pico da montanha.

Aquela torre fora construída por questões militares. Nas alvoradas, em pleno verão, contudo, o sol devia nascer alinhado com aquela janela.

Não havia muito mais a explorar naquela torre de vigia. As paredes de pedra se erguiam e se curvavam para formar o teto, parecido com as antigas igrejas normandas em sua terra natal. Exceto por um cobertor no chão, estava vazia e surpreendentemente limpa.

Carmelita empurrou o cobertor com o pé e revelou a esteira de palha que estava debaixo dele.

– Este lugar é frequentado por namorados – disse. – Há anos, esta torre recebe visitantes noturnos.

Quando ela e Carmelita reapareceram do lado de fora, a figura esguia e firme do signore Tarpetta ainda podia ser vista no cais.

– Como ele lucra com o dinheiro do Sr. Greenwood?

– Não sei. Mas ele vive bem e não tem renda além da pequena pensão que recebe do Exército. Eles se conhecem. Dá para ver isso na forma como se cumprimentam nos raros momentos em que se encontram. Greenwood talvez o pague para se assegurar de que não vamos perturbar seus amigos importantes, ou, quem sabe, só para ele ficar longe de Julia.

Ela deu de ombros.

– Venha, vamos procurar um burro de aluguel para levá-la de volta. Nem eu aguento subir tudo isso a pé.

No momento em que desciam o promontório, lorde Elliot surgiu no cais. De repente, o braço do signore Tarpetta e os olhos de dois homens se dirigiram para elas.

Lorde Elliot desceu de novo para o cais e se dirigiu para o norte para interceptá-las.

– Quem é aquele? – perguntou Carmelita. – Seu namorado veio buscá-la?

– Ele não é meu namorado.

Phaedra sentiu o rosto queimar.

Carmelita deu uma gargalhada.

– Mas ele bem que gostaria, não? E é tão bonito que você ficou tentada, eu acho. Veja a expressão séria dele enquanto fica lá, esperando por você. É melhor olhar por onde pisa com esse aí, Phaedra Blair.

Phaedra apresentou Carmelita a lorde Elliot assim que o alcançaram. Ele respondeu com gentileza, porém não conseguiu esconder seu desagrado.

– Você nos deixou preocupados, Srta. Blair. Não é aconselhável vir para a cidade sozinha.

O tom de lorde Elliot beirava a censura.

– Duvido que alguém que visite esta cidade corra algum risco.

Lorde Elliot olhou para Carmelita.

– Sou grato por oferecer ajuda e companhia à Srta. Blair.

– Não preciso nem de ajuda nem de companhia – rebateu Phaedra. – Contudo fico feliz de ter feito uma amiga e espero vê-la de novo, Carmelita.

Ainda teso de irritação, lorde Elliot se dirigiu a alguns garotos para alugar burros e voltarem para a mansão.

– Vou deixá-la agora para que possa lidar com esse homem – brincou Carmelita. – Se precisar de uma frigideira de ferro, é só falar.


CAPÍTULO 9

– Escreverei a carta para o superintendente esta manhã – prometeu Matthias. – Apesar de que as cartas de apresentação que trouxe da Inglaterra devam bastar. Talvez eu seja presunçoso em achar que a minha agilizará seu acesso aos sítios das escavações.

– Você o conhece pessoalmente. Ficarei feliz em ter uma carta sua.

Elliot se esforçava por manter pelo menos metade de sua mente nos preparativos para a visita a Pompeia. A outra metade continuava no terraço acima da varanda.

Na noite anterior, Phaedra deixara as portas abertas.

Fizera isso como provocação? Uma declaração de indiferença? De certeza ele só tinha que não fora um convite.

Elliot fumou um longo charuto no terraço à noite, olhando para a escuridão por entre as persianas abertas, incapaz de dominar a tentação que a proximidade dela causava. Os únicos sons que vinham lá de dentro eram os suspiros suaves de uma mulher satisfeita, dormindo muito bem, obrigada.

Por fim, se retirara para o quarto, em uma tentativa de aplacar os impulsos cruéis que aquela mulher incitava. Quando o sono por fim o aliviou, foi um sono profundo, longo, que durou até depois do amanhecer. Ao acordar, descobrira que Phaedra havia desaparecido.

Ela deixara a mansão de novo. Ele lhe mandara não fazer mais isso. Após procurar por Phaedra na véspera, estipulara algumas regras. Ela as desobedecera logo, sem perda de tempo.

– Se preferir, a Srta. Blair pode ficar aqui enquanto você vai a Pompeia – disse Matthias casualmente.

Casualmente demais, como se entendesse o que distraía seu ex-aluno.

– Ela está determinada a ir também.

– Ela não precisa ir em sua companhia. Está claro que ela o atormenta. Posso acompanhá-la, em separado, para poupá-lo do inconveniente. Quanto à questão que me contou sobre Sansoni, tenho certeza de que ele aceitaria minha autoridade para representá-lo, se é que algum dia ficaria ciente da troca.

– Tenho certeza de que ele não aceitaria. Dei-lhe minha palavra em juramento. Estou preso a ela por toda a viagem.

A palavra dada a Sansoni não tinha muito a ver com sua recusa à oferta de Matthias. Naquele momento, a necessidade de controlar os planos de Phaedra para as memórias do pai também não afetava sua decisão. Não diretamente, pelo menos, apesar de tudo estar ligado. O tormento causado pela Srta. Blair tinha assumido outros tons. Ele queria ter poder sobre muito mais do que quando ou como ela publicaria um livro.

– Já que está determinado a mantê-la com você, permita-me sugerir algumas hospedarias que seriam adequadas para uma mulher respeitável.

Com isso, Matthias iniciou uma ladainha sobre instalações em cada cidade.

No final das recomendações, a atenção de Elliot foi desviada para a montanha. Whitmarsh chegava a pé da cidade, o rosto vermelho pelo esforço.

– Muito íngreme, mesmo para você, não, Whitmarsh? – disse Matthias. – Agora entendo por que demorou tanto a chegar de seu exercício matinal.

Whitmarsh se inclinou, as mãos nos joelhos, dando tempo para recuperar o fôlego. Com um aceno dele, Matthias se calou para ouvi-lo:

– Problema... a cidade... torre...

Frustrado por seus pulmões se recusarem a colaborar, apontou para a parte mais baixa do morro.

Elliot e Matthias foram até ele. Elliot olhou para baixo. A cidade estava movimentada, com muita atividade. Ele se concentrou na torre. Um grupo grande se reunia no caminho do promontório.

Whitmarsh inspirou várias vezes, recompondo-se.

– Essa montanha pode matar, se você quiser correr.

– É por isso que não se deve correr – entoou Matthias. – Por que fez isso?

Whitmarsh apontou de novo.

– A Srta. Blair está lá embaixo, naquela torre. Querem prendê-la.


Aquela mulher seria o seu fim.

Elliot subiu correndo para o quarto a fim de procurar o revólver, de forma que seu pensamento não se tornasse verdade. Quando voltou, viu que Whitmarsh conferia a própria arma.

– O que será que ela fez? – refletiu Matthias enquanto desciam pelo morro.

Elliot podia imaginar.

– Até onde posso dizer, eles a consideram uma bruxa ou algo assim – disse Whitmarsh, inspirando fundo várias vezes.

Ele não tinha se recuperado totalmente da subida e agora a descida também exigia bastante.

– Droga! – xingou Elliot.

– Nosso objetivo é claro, cavalheiros – declarou Matthias. – Não podemos deixar que a prendam. Com Sansoni doido para arrumar problema, como você disse, Rothwell, e as noções primitivas de religião e justiça deste lugar, se eles a pegarem, as coisas podem sair do controle.

A inspiração profunda de Elliot teve pouco a ver com a rapidez com que desciam a ladeira para chegar à baía e à torre. Se Phaedra não fosse tão teimosa e tivesse ficado na mansão, três homens não estariam agora correndo desabalados para se meterem em problemas.

Sua raiva era pouca perto da outra reação que pesava como chumbo em seu peito. Não estavam em Londres, mas em uma cidadezinha montanhosa e isolada em um país estrangeiro. A postura e as vestimentas de Phaedra a tornavam vulnerável. Não havia nada de cômico em relação à acusação de bruxaria neste lugar. Ela corria perigo real.

Chegaram às ruas mais baixas e cortaram caminho pela piazza na frente da igreja de Santa Maria. Carros recém-pintados e decorados estavam lá, prontos para a procissão de San Giovanni na manhã seguinte.

Matthias foi na frente, mostrando o caminho no contorno da baía. Um ajuntamento de homens bloqueava o caminho para o promontório. Dessa vez a plateia masculina não era só de velhos e enfermos. Alguns dos pescadores tinham decidido que a cena na torre era mais interessante do que jogar suas redes ao mar.

Os homens estavam inflamados. Xingamentos se faziam ouvir. Olhos escuros flamejavam. Mãos faziam gestos por toda parte. Um homem bem-vestido estava de pé no centro da multidão, com o peso apoiado em uma bengala grossa, instigando os outros.

Matthias inclinou a cabeça, prestando atenção ao que ouvia.

– Ela foi vista na janela na alvorada – sussurrou. – Rezando para o sol nascente ou algo assim. Tarpetta, o manco que está ali, também a viu na cidade ontem, tentando corromper as mulheres. Pelo que entendi, ele a está acusando de bruxaria, meretrício e heresia.

– Heresia? – repetiu Whitmarsh.

– Vamos abrir caminho pela multidão – disse Elliot. – Whitmarsh, devemos manter as armas ocultas por ora.

Com posturas militares, abriram caminho até a frente da turba. Sua presença não fez nada para acalmar a situação.

Uma cena digna de ópera esperava no promontório. Os homens haviam se amontoado no limite da cidade porque o caminho para a torre estava bloqueado por um grande grupo de mulheres. Elas estavam agitadas também e prontas para a briga. Todas tinham arrancado o lenço ou o véu da cabeça e soltado os cabelos.

Carmelita Messina estava ao fundo, posicionada como se fosse a última linha de defesa. Com os cabelos louros soltos e o vestido preto esvoaçando, ela parecia a sacerdotisa da religião de Phaedra.

Segurava uma frigideira de ferro grande e rasa na mão. Às vezes brandia a arma na direção de Tarpetta, que não aceitava os insultos de bom grado.

Um único homem estava de pé entre os dois grupos: o padre da cidade, que mantinha os braços levantados, um em cada direção, como se sozinho pudesse evitar que as duas ondas de raiva colidissem.

– A coisa está bem animada – disse Whitmarsh secamente.

Infelizmente, também estava perigoso. Elliot olhou para o alto da torre. Ao mesmo tempo, Phaedra olhou por uma janela. Ela o viu e ele tentou lhe transmitir confiança.

– Vamos tentar resolver tudo em paz, Greenwood – propôs Elliot.

Com coragem, Elliot se postou entre as duas turbas e foi se aproximando do padre, tendo Matthias a seu lado.

Enquanto Greenwood conversava com o padre, a ira dos homens não parava de chegar aos ouvidos deles. As notícias não eram nada boas.

– A acusação de bruxaria se deve ao ritual com o sol, que aconteceu no pior momento possível. Estamos no solstício – relatou Matthias. – A acusação de meretrício foi feita em termos gerais. A aparência dela, o fato de ter ido sozinha à cidade, coisas assim. Infelizmente, os homens consideram que o apoio das senhoras só confirma a má influência que a Srta. Blair representa sobre elas. Pelo que entendi, houve algumas conversas incomuns nos quartos desta cidade na noite passada.

– E a heresia? – questionou Elliot.

– A Srta. Blair tentou explicar a história com o sol com mais detalhes do que seria sensato. Dissertar sobre os pontos comuns entre as religiões do mundo provavelmente não a ajudou muito.

Elliot imaginou uma acusação sendo transmitida pelas mulheres a Carmelita e então traduzida para Phaedra. Depois visualizou uma longa explicação voltando pela mesma corrente, frases e mais frases longas, tendo um pouco de seu sentido alterado conforme passava a cada elo, até chegar aos homens. Era espantoso que a acusação fosse heresia, em vez de loucura.

O padre era um homem idoso, de cabelo branco e rosto suave. Estava aflito com a situação de descontrole na cidade. Conversou com Matthias e, por fim, juntou as mãos em prece, balançando-as juntas como se assim fortalecesse o pedido.

Elliot entendia muito bem o padre.

– Diga-lhe que não vou deixar a Srta. Blair ao capricho de uma turba.

– Ele está certo de que nossa presença só serve para inflamar ainda mais os ânimos, Rothwell – alertou Matthias. – Os homens acham que usurpamos seu poder e as mulheres, bem, elas não têm boa impressão de homem nenhum neste exato momento.

A última parte era verdade. As mulheres o olhavam como se fosse o inimigo. Lançavam provocações inflamadas que eram sem dúvida insultos. Se ele conseguisse passar por elas, Carmelita da Frigideira de Ferro o esperava.

Elliot recuou e puxou Matthias para o lado assim que conseguiram passar de novo pelo grupo de homens.

– Preciso chegar lá no alto e falar com ela.

– A torre foi construída para defesa. Só há duas maneiras de chegar lá. Por esta faixa de terra ou por mar.

– Então vou ter que chegar por mar.


Phaedra espiou pelo canto da janela. A arruaça lá embaixo continuava. Sempre que os homens pareciam perder o interesse, o signore Tarpetta os incitava a continuar.

Elliot, o Sr. Greenwood e o Sr. Whitmarsh tinham ido embora. Provavelmente esperavam que essa pequena chama se extinguisse por si só. Era o que ela esperaria também, depois de o padre chamar os manifestantes à razão. Infelizmente, Phaedra desconfiava de que o conflito não se dera por haver uma inglesa estranha na torre naquela manhã.

O problema envolvia outras questões. Práticas antigas e eventos recentes colocaram lenha na fogueira. Phaedra se preocupava se as mulheres pagariam caro nos próximos dias por essa rebelião, mesmo que ela própria fosse poupada.

Tinha esperanças de que Carmelita não pagasse com a própria liberdade. Admirava a mulher loura que brandia sua frigideira de ferro, num gesto que anunciava não se tratar de uma pessoa indefesa e, além disso, garantia que Tarpetta se lembrasse de seus próprios crimes e de por que ela não permitiria que a cidade se curvasse ao poder dele.

Era tudo culpa de Tarpetta. Ele a vira na cidade ao amanhecer. Provavelmente a seguira e a avistara na janela que dava para o leste na torre quando o sol atingiu o topo da montanha.

O sol tinha se movido bastante desde então, contudo o confronto lá embaixo não parecia perto de acabar.

Ela correu para a janela a oeste. Carmelita a advertira a respeito de um ataque por mar. Um barco se aventurara nos arredores avaliando essa abordagem havia uma hora, porém ela jogara pedras soltas da construção e o desencorajara.

Outro barco se aproximava agora. Não vinha do cais de Positano, e sim do oeste, como se chegasse de Capri em visita à torre normanda.

Três homens estavam de pé na proa, enquanto criados da mansão remavam. Elliot, Whitmarsh e Greenwood tinham corrido em seu resgate.

Levaram a embarcação o mais próximo possível da torre. O Sr. Whitmarsh acenou. O Sr. Greenwood a chamou. Elliot quase sorriu, mas sua boca não passou de um risco tenso.

– Agora você entende o que eu quis dizer, Rothwell. Se fosse fácil acessar a torre pelo mar, ela seria inútil para proteção – disse Greenwood.

– De qualquer forma, está um dia esplêndido para um passeio de barco – falou Whitmarsh. – Parece que ninguém pensou que tentaríamos essa estratégia. O cais permanece vazio.

Whitmarsh olhou para Phaedra lá no alto:

– Essa janela parece mais longe ainda daqui. Trouxemos alguns víveres, Srta. Blair, porém duvido que nosso plano de levá-los até aí funcione.

Uma onda de gritos chegou à torre vinda do outro lado. Phaedra correu até lá e olhou para baixo. Os homens tinham se aproximado muito do padre. A massa de mulheres se compactara.

Ela voltou para a janela que dava para o mar.

Elliot se curvou. Ao se levantar, exibiu uma corda grande com um gancho na ponta.

– Afaste-se, Srta. Blair. Entre na torre. Se eu conseguir mandar o gancho até aí, prenda-o o melhor que puder.

– Lorde Elliot, não acho que você conseguirá...

O olhar dele a silenciou. Ela foi para o outro lado da torre.

Por três vezes ouviu o barulho alto de metal atingindo a pedra, seguido pelo som de algo caindo pesado na água. Parecia que o plano deles não iria funcionar.

De repente o grande gancho de ferro apareceu na janela, subindo muito, e depois começou a cair. Uma de suas três hastes agarrou no peitoril da janela e parou.

Phaedra correu para lá, soltou-a e a deslizou pelo peitoril até encontrar um sulco profundo entre as pedras da parede onde prender o gancho.

Olhou para o mar. Os três homens puxavam a corda para testar sua segurança. Satisfeito, lorde Elliot pulou do barco para a estreita faixa de areia. Whitmarsh lhe entregou duas cestas.

– Mande primeiro a comida – pediu ela. – Não comi nada hoje.

– Com certeza você imaginou que o deus sol não podia esperar – provocou Elliot ao prender a alça da cesta na corda. – Na infância, quando eu desobedecia a meus pais, era mandado para o quarto sem jantar. Talvez um pouco de fome seja adequado para a senhorita hoje.

Ela deu um pequeno puxão na corda:

– Não vamos ser descuidados por pressa. E precisamos manter nosso senso de humor.

A cesta permaneceu imóvel por um momento, irritando-a, mas logo Elliot a soltou. Phaedra puxou a corda para cima até chegar à alça da cesta. Examinou seu conteúdo e jogou a ponta de volta.

– É um banquete e tanto. Vinho, presunto, pão e figos.

– Espero que goste. Se os homens da cidade tivessem conseguido chegar até aí, você só comeria macarrão e banha de porco pelos próximos dez anos, isso se não a enforcassem de imediato.

Elliot agarrou a extremidade da corda e começou a atar a outra cesta.

– Há cobertores e outros itens de primeira necessidade aí dentro.

Um rugido veio do outro lado da torre. Elliot olhou para cima.

– O que está acontecendo?

Ela correu para a outra janela, depois voltou para contar.

– Se for para aproveitar meu banquete, temo que precise fazê-lo bem rápido. O signore Tarpetta está ordenando que o padre saia do caminho.

– Puxe isso para cima logo e depois mande a corda de volta.

O barulho que entrava pela outra janela fez com que ela puxasse a corda o mais rápido possível. Depois que soltou a cesta, mandou a corda para baixo e correu mais uma vez para a janela que dava para leste.

O padre tinha ido embora. A linha de frente dos homens estava cara a cara com a das mulheres. Os flancos do exército de mulheres já tinham se rompido. Uma derrota se aproximava.

Phaedra voltou para a janela que dava para o mar. Greenwood apontava para a costa.

– Entraremos por ali e chegaremos à linha de batalha em minutos – disse ele a Elliot.

– A questão está ficando difícil no promontório – gritou ela para baixo.

– Mantenha-se firme, cara dama – bradou Whitmarsh em resposta. – Greenwood tem alguma influência na cidade e Rothwell está armado. Em breve estará em segurança.

Se planejavam entrar na luta que estava prestes a começar, Phaedra não contava com a vitória deles. Duvidava de que seus piratas ingleses fossem golpear e atirar para salvá-la, e sem isso ficariam em desvantagem numérica.

Elliot olhava a parede da torre e avaliava a estreita faixa de areia sob suas botas, na base, e as grandes rochas posicionadas de forma a desencorajar os barcos.

– É bem alto. Não posso me arriscar a que você caia se tentar descer pela corda. Se a água fosse mais profunda...

Ele ainda calculava e falava sozinho quando levantou as mãos, agarrou a corda e começou a escalar.

– O quê? Rothwell! Cuidado para não ser você a cair – alertou Greenwood.

Phaedra gelou quando gritos chegaram do promontório. Não foi até lá para ver o que estava acontecendo. Não conseguia tirar os olhos de Elliot pairando acima do mar, cada vez maior ao se aproximar pela corda, com o corpo e o rosto tensos do esforço.

Ela podia imaginar que a batalha não ia bem para as mulheres no promontório, o que significava que não ia bem para ela. Esticou a cabeça para fora da janela e contou a lorde Elliot o que acontecia.

Ele xingou e encontrou novas forças. Um som estranho começou a chegar pelas escadas. Parecia uma frigideira de metal atingindo algo mole. A voz de Carmelita clamava aos santos para ajudá-la e o som se repetia. Um homem grunhiu.

– Eles romperam o cerco à torre, lorde Elliot – gritou Phaedra, abaixada entre as cestas. – Suponho que não tenha posto uma arma junto com a comida ou os cobertores, para que eu pudesse exercer uma última resistência?

– Você sabe usar armas? – perguntou ele, a voz próxima e cansada.

Phaedra olhou para cima e o viu na janela. Os braços dele estavam apoiados no peitoril e seus dedos se agarravam na beirada interna.

– Posso usar uma arma, se tiver que fazê-lo.

Ajudou-o a subir agarrando-o pelos ombros e pelas calças. Ele se agarrou ao corpo dela em busca de apoio.

Finalmente, Elliot caiu na parte de dentro da torre. De um salto, pôs-se de pé com a agilidade de um gato. Do lado de fora, Greenwood ordenava a seus criados que remassem forte para contornarem a ponta do promontório.

Elliot sacou um revólver de seu casaco surrado.

– No caminho até aqui, Whitmarsh me presenteou com histórias sobre injustiças nas cidades deste país. Seria estúpido de nossa parte não levar a sério o perigo. Fique aqui. Não me siga. Se achar que a situação piorou, arrisque-se a descer pela corda e enfrentar o mar.


Elliot não desceu as escadas em silêncio. Deixou que todo o seu aborrecimento se traduzisse em passos estrondosos. Sua aproximação silenciou os homens embaixo.

Quando fez a última curva da escada, encontrou Carmelita Messina no degrau inferior, com a frigideira de ferro em riste. Quatro homens a ameaçavam, porém naquele momento a atenção deles se concentrou em Elliot, não nela.

Carmelita olhou por cima do ombro e percebeu seu revólver. Elliot não conseguiu chegar à conclusão se ela ficou aliviada ou aborrecida.

Passos também pesados, mas irregulares, soaram do lado de fora do portal. O signore Tarpetta apareceu sob ele. Endireitou-se em postura militar ao ver a arma.

– O senhor interferiu – começou ele.

– A Srta. Blair está sob minha autoridade e também sob minha proteção.

Tarpetta empinou o nariz e o olhou com desdém.

– O senhor não exerce a autoridade sobre suas mulheres muito bem.

Elliot não pôde contestá-lo.

– Sou muito melhor na parte da proteção – contrapôs e apontou a arma diretamente para Tarpetta. – Diga a todos para irem para casa.

– Ela infringiu nossas leis.

– Ela não infringiu lei nenhuma – argumentou Carmelita. – Apenas ofendeu as leis de um homem que se considera um reizinho.

– Vê o problema que ela causou? Ela enfeitiçou as mulheres e realizou rituais pagãos. Nós não permitimos esses crimes em Positano.

– Ouçam só! – zombou Carmelita com uma risada estridente. – Ele até fala como rei. O “nós” quer dizer “ele”.

Elliot não estava com ânimo para discussões. Brandiu a arma e ordenou:

– Todos fora desta torre. Signorina Messina, por favor, traduza o que vou dizer.

Tarpetta saiu da torre. Os homens e Carmelita o seguiram. Elliot foi por último. Ao sair, um som nas escadas o fez olhar para trás. Uma mecha de cabelo ruivo flutuava próximo à parede da escadaria.

As mulheres tinham ido embora. Elliot encarou os remanescentes da batalha, vinte homens que ainda não estavam satisfeitos.

O revólver dele os impressionou. Enquanto falava e Carmelita traduzia, o barco de Greenwood alcançou a parte de trás do promontório e Greenwood desceu no banco de areia.

– Sou lorde Elliot Rothwell, irmão do marquês de Easterbrook – disse. – Recebi dos oficiais do tribunal do seu rei a responsabilidade de proteger a Srta. Blair. Se algum de vocês a machucar, há de se haver comigo. Ela não é bruxa, nem herege, nem meretriz. Não há provas que sustentem essas acusações e os senhores têm a minha palavra de cavalheiro que suas suspeitas são infundadas.

Carmelita fez uma tradução muito longa. Dos pontos essenciais que Elliot pescou e pelas expressões nos rostos dos homens, ele suspeitou que ela houvesse enfatizado as palavras lorde, marquês e tribunal.

Matthias chegou quando ela terminava. Tarpetta, reconhecendo que seu grupo perdia força, mancou na direção dele. Os dois homens tiveram uma conversa particular.

Tarpetta foi embora. Os outros homens decidiram que era uma boa ideia bater em retirada com seu líder.

Greenwood se aproximou da torre.

– Você tem minha gratidão, Greenwood, pelo que quer que tenha dito a ele.

– Você não entendeu direito. Nós não os vencemos – explicou Greenwood. – Eles vão mandar alguns homens a Nápoles em busca de orientação e também para pedir ajuda ao Exército.

Carmelita jogou as mãos para o alto, num gesto de exasperação.

– Imbecis.

Tarpetta estava voltando para a cidade, porém dez de seus homens tinham parado na extremidade do promontório.

– O que eles estão fazendo lá? – perguntou Elliot.

– Montando guarda – disse Greenwood. – Não vão tentar entrar na torre, porque você está armado, contudo não vão deixar que a Srta. Blair saia até receberem ordens de Nápoles. Imagino que haverá um ou dois barcos vigiando do mar esta noite também.

Elliot conteve um xingamento. O santuário de Phaedra tinha acabado de virar uma prisão.

– Vamos vigiá-los enquanto eles montam guarda, para que não haja violação dessa trégua – prometeu Carmelita.

– Não martirize as mulheres em seu afã de combater aquele homem – disse Elliot para ela. – Agradeço por sua ajuda, porém temo que o preço pago por suas amigas já será alto o bastante. Deixe comigo agora.

Carmelita Messina deu tanta atenção ao que ele disse quanto Phaedra Blair daria.

– Vamos vigiar. Algumas de nós, viúvas e tal, as que não vivem sob o jugo de ninguém. Confio em seu revólver para manter a paz e em que o signore Greenwood use sua influência com aquele homem para acabar com essa confusão antes do pôr do sol.

Ela se foi, juntando o cabelo em um nó ao se afastar.

– Ela fala como se você pudesse resolver isso se quisesse – disse Elliot para Matthias.

– Carmelita está interpretando mal minha influência aqui. Contudo tentarei chamar Tarpetta à razão quando ele se acalmar, apesar de conhecer o homem somente de vista.

– Veja se ele aceitaria suborno.

Matthias deu um sorriso largo e forçado.

– Quanto ela vale para você?

Elliot guardou o revólver e caminhou para o portal.

– No momento, estou tentado a pagar para que ele a tire das minhas vistas.


CAPÍTULO 10

Pela janela, Phaedra observava a conversa de Elliot e Matthias. Não podia ouvi-los, porém seus rostos sérios indicavam que estavam traçando planos.

Um pequeno grupo formava um círculo no final do promontório. Outros quatro homens tomaram um barco de pesca no cais e zarparam.

Matthias se afastou. A torre ecoou o som de botas subindo os degraus de pedra.

Elliot entrou no cômodo. Ela continuava preocupada com a atividade lá embaixo, ainda assim deu uma boa olhada na direção dele. Sua expressão revelava preocupação e aborrecimento. Phaedra achou a inquietação charmosa, até mesmo lisonjeira. E teve esperança de que a raiva passasse logo.

– Você está em segurança por ora.

Elliot pôs o revólver no chão em um canto para evitar acidentes. Pegou um odre da cesta e o segurou no alto. Um jorro de água fluiu para sua boca.

Os olhos dela se grudaram no fluxo de água pura. Sua garganta se estreitou. Não tinha bebido nada desde antes do raiar do dia.

Elliot notou o interesse e caminhou na direção dela.

– Incline a cabeça para trás.

Ela obedeceu e abriu a boca. Um jorro frio e lento aliviou sua sede.

Phaedra secou a água de seus lábios com a mão.

– Achei que esses odres só continham vinho.

– Os outros, sim. Se tomarmos aos poucos, este nos bastará pelo tempo necessário.

Tempo necessário? Ela olhou de novo pela janela. Percebeu o significado dos homens postos na extremidade do promontório.

– Não posso sair, não é? O que aconteceu?

Ele explicou sobre a ida dos homens a Nápoles. Lembranças do odioso Sansoni invadiram a mente de Phaedra. No silêncio que se seguiu à explicação, o ar ficou mais pesado com o possível perigo à espreita e o peso dos problemas que já enfrentavam.

Lorde Elliot olhou por cima da cabeça de Phaedra para a cidade lá embaixo. Ele pareceu distraído, como se sua mente estivesse ocupada com algo muito distante.

– Você me desobedeceu – disse, provando que os pensamentos tinham tudo a ver com ela. – Você desceu as escadas.

– Ninguém me viu. Com você entre mim e o perigo... Foi uma desobediência pequena.

– Você me desobedeceu antes, ao vir para esta torre. Disse-lhe para permanecer na mansão.

– Não esperava ser vista na torre.

– Só que foi. Um ritual pagão, nada menos do que isso. Nesta terra, pior do que em qualquer outra.

– Não houve ritual nenhum. Nenhuma reza para o deus sol. Tarpetta simplesmente me viu na janela quando o sol nasceu. Não estava erguendo minhas mãos em oração. Estava protegendo meus olhos da luz forte, para que pudesse avaliar a posição exata do sol.

– Não me importo com o que estava fazendo. Foi descuidada com sua segurança e reputação. O resultado foi uma batalha entre os homens e as mulheres desta cidade e sua prisão nesta torre.

Elliot ficava mais exaltado a cada palavra.

– Também nem pense em falar agora de sua sagrada independência. Acabo de escalar a parede de uma torre e ameaçar de morte homens com quem não tenho nenhum problema. Talvez eu até tenha que matar algum, tudo por causa de sua maldita teimosia.

– Só fiz uma visita a uma torre ao alvorecer. Está sugerindo que eu poderia ter previsto tudo isso? – questionou, indicando o promontório abaixo e o drama que se desenrolara. – Se eu tivesse achado que alguém saberia ou se importaria, não teria vindo. Admito que parece muito estúpido agora, mas no momento não pareceu.

Não era bem um pedido de desculpas, mas pareceu aplacar o lado mais sombrio da fúria de lorde Elliot. Sua atenção e olhar se voltaram para ela tão nitidamente que isso enfatizou a proximidade deles.

– Você conseguiu o que veio fazer?

Ele tinha que perguntar.

– Se uma prova negativa puder ser chamada de prova – disse ela e apontou para a montanha alta. – Matthias estava certo. O sol não se eleva diretamente sobre o pico quando se observa desta janela, nem em linha direta com o lugar onde estamos agora. Ele primeiro se mostra à direita, ao sul, um pouco.

Phaedra se preparou para receber a zombaria de Elliot ou mais raiva por seu passeio ter causado tanto problema sem nem ao menos conseguir provar sua teoria.

Em vez disso, ele refletiu sobre a prova.

– Essas coisas não são precisas. O dia exato do solstício varia e ainda estamos mapeando as mudanças sutis que se acumulam na astronomia com o passar do tempo. Cinco séculos atrás, o sol pode muito bem ter nascido no pico da montanha no verão.

Ela achou muita gentileza dele dar desculpas e não chamá-la de tola. Algo mais parecido com uma desculpa direta começou a se formar em sua mente.

– Não tive intenção de causar todo esse problema e sinto muito por isso. Não me surpreende você estar com um pouco de raiva de mim.

– Estou com muita raiva de você, Phaedra. Contudo estou mais preocupado com sua segurança. Até que eu tenha assegurado isso, terá que fazer o que digo, principalmente se eu tiver mais motivos para sacar este revólver.

Elliot caminhou até a janela que dava para oeste. Franziu o cenho com o que viu. Ela andou até lá e espiou também. Um barco com três homens lançou âncora a uns cinquenta metros da torre. O sol tinha começado a se pôr no mar, mas ainda levaria horas até ficar escuro.

– Sua prisão está completa – disse Elliot. – Temos que esperar e confiar em Matthias para negociar sua libertação antes que mais problemas venham de Nápoles. Infelizmente, Tarpetta parece ter o poder nas mãos e Matthias o conhece somente de vista.

Phaedra se ajoelhou ao lado das cestas e começou a retirar seu conteúdo. Fez uma fileira com os odres, frutas e embrulhos de comida contra a parede.

– Carmelita acha que eles se conhecem melhor do que admitem.

Elliot descansou o ombro na parede e a observou mexer nas cestas.

– Seria bom se você estivesse certa, entretanto Matthias não tem motivos para mentir para mim.

Phaedra ficou feliz de encontrar uma xícara de barro por baixo da comida. Não queria beber direto do odre o dia todo, apesar de a experiência ter sido interessante.

– Você conhece Matthias bem? – perguntou ela.

Greenwood talvez tivesse o destino dela nas mãos, porém não era apenas esse o motivo da pergunta.

Elliot se afastou da luz do sol que se esgueirava pela janela. Foi para a área fresca e sombreada onde Phaedra arrumava os alimentos. Sentou-se no chão, apoiando as costas nas pedras, e pegou um figo.

– Eu o adorava na faculdade. Ele é um acadêmico respeitado e com duas obras publicadas. Estimulou meus estudos e me orientou nos métodos de pesquisa necessários para traçar novos caminhos. Seu interesse me lisonjeou, principalmente porque não parecia interesseiro, como outros professores.

Elliot mordeu o figo e depois fez um gesto apontando o restante da comida.

– Você devia comer algo. Se daqui a três dias tivermos que nadar para salvar nossas vidas, não vai querer estar fraca.

Phaedra pegou um pouco de pão e queijo.

– Você não parece adorá-lo agora, e não há mais nada de professor na forma como ele o trata.

– Bem, não sou mais um estudante e tenho um livro publicado.

– Parece mais do que apenas uma amizade construída a partir desses antigos papéis, foi o que eu quis dizer.

Elliot não parecia inclinado a satisfazer a curiosidade dela. Degustou o figo sem pressa. Ela se refugiou concentrando-se na própria comida.

– Meu pai não era um homem caloroso.

Ele falou isso de modo casual, como se não tivessem se passado quinze minutos desde seu último comentário.

– Imagine um homem como meu irmão Hayden, só que sem nenhuma das qualidades que contrabalançam a rigidez dele. Quando criança, eu considerava ter sorte por ser ignorado por meu pai enquanto ele se voltava para meus irmãos. Matthias Greenwood, por sua vez, escolheu colocar o foco de sua atenção em mim. Ele valorizava as mesmas coisas que eu, era rápido em elogiar, mas não se precipitava na hora de expressar desapontamento. Havia algo de paternal em seu interesse, imagino.

Ela notou sua expressão ao descrever o pai. Conhecia bem a reputação do marquês de Easterbrook. Com certeza, tinha sido aquele tipo de pai impossível de agradar e talvez tão duro com os filhos quanto se dizia ter sido em outras áreas.

Porém, não foi a brandura intencional de Elliot que chamou sua atenção. Outra emoção brilhava nos olhos dele.

Ele insistira em que as memórias de Richard Drury faziam insinuações falsas sobre o último marquês, contudo não tinha assegurado que de fato elas fossem mentiras. Ao se sentar ali com ele e observá-lo, Phaedra entendera que lorde Elliot não estava convencido de que o pai não mandara matar o oficial. Aquela suspeita ficaria mais plausível, ganharia corpo e seria inevitável se as insinuações fossem publicadas?

Alguns cientistas acreditavam que o comportamento criminoso era herdado, assim como algumas doenças. Saber que o legado de uma pessoa incluía a capacidade de tramar um assassinato impiedoso poderia ser tão ruim quanto descobrir que seu sangue estava maculado pela insanidade.

– Matthias Greenwood não teve filhos – disse Phaedra. – Você é seu herdeiro intelectual e parte de seu legado profissional. Se havia algo de pai nele, talvez houvesse algo de filho em você.

Ele deu de ombros.

– Talvez esteja certa. Ele pode me ver dessa forma, mesmo na amizade que temos agora.

Phaedra suspeitava de que Greenwood de fato o visse dessa forma, mas achava que Elliot o via assim também. A maneira como se comportavam um com o outro fazia com que ela pensasse na amizade confortável e no amor entre pais e seus filhos adultos quando seu relacionamento amadurecia.

Se fosse assim, Matthias Greenwood seria uma pessoa importante para Elliot.

É claro que ele era. Elliot estava ali, não estava? Ele tinha viajado até Positano para discutir sua nova pesquisa com o antigo mestre, ainda que já o houvesse superado como historiador.

Fazer aquela humilde refeição no chão de pedra os apartava do restante do mundo. Sua descrição franca do pai tinha aberto uma porta de intimidade mais sedutora do que aquela criada pelo prazer físico. Era algo como a relação que se estabelecia entre ela e seus amigos.

– Por que está tão curiosa sobre Greenwood, Phaedra?

Ela examinou a familiaridade branda que compartilhavam e pensou em sua resposta.

– Tenho interesse nele.

– Ele tem idade para ser seu pai!

Ela quase riu com seu tom exasperado, mas o aborrecimento mostrado em seus olhos lhe deu uma indicação. Ele estava com ciúmes. Phaedra achou isso irremediavelmente fora de moda e presunçoso, porém ao mesmo tempo adorável. Teve vontade de rir, em vez de censurá-lo.

– Você entendeu mal, Elliot. Ele conheceu minha mãe e tem sido gentil em responder perguntas que tenho sobre algumas questões.

– Que questões?

– Minha mãe talvez tenha mantido um amante em segredo em seus últimos anos de vida.

Ele franziu o cenho.

– Richard Drury...

– Não nos últimos tempos. Houve outro homem.

– E Matthias sabe quem foi? Ele vivia em Cambridge na ocasião e, apesar de às vezes visitar Londres...

– Ele é um homem perceptivo. Não ficou surpreso quando sugeri que talvez tivesse havido outro homem na vida de minha mãe. Esse amante também mexia com antiguidades e Matthias me deu os nomes de alguns homens do círculo dela que eram do ramo. Muitos de seus amigos íntimos desconversaram na hora em que os procurei. Desconfio que não quisessem que a imagem de Artemis Blair fosse mudada. Mas ele foi sincero comigo e sou grata por isso.

Elliot refletiu sobre o que ela disse e pareceu ao mesmo tempo curioso e cético.

– Por que você buscaria nomes, Phaedra? Talvez não tenha havido amante nenhum, já que os amigos dela negaram o fato.

– Acho que houve, sim, por causa de uma passagem que meu pai escreveu em suas memórias. Esse homem, quem quer que seja, era um criminoso.

A expressão dele ficou mais séria.

– Outra referência sem nome? Outra fofoca que destruirá uma reputação?

Elliot se pôs de pé em um minuto. Afastou-se, olhou para a parede e depois se voltou para ela.

– Seria melhor se você queimasse essas memórias ou as deixasse em uma gaveta trancada para sempre.

– Isso pode poupar sua família, mas não poupará o amante de minha mãe.

– Por que não?

Ela embrulhou o queijo no guardanapo úmido.

– Porque, mesmo que as memórias não sejam publicadas, destrincharei essa parte delas até ficar satisfeita e lidarei com esse homem do meu jeito.

O cenho de Elliot se manteve franzido, seu humor não melhorou, contudo uma curiosidade cautelosa surgiu em seus olhos.

– Você fala calmamente, porém de forma amarga e decidida. O que seu pai escreveu sobre esse homem que provocou em você a vontade de identificá-lo?

Ela se ajeitou para se levantar. Passou a mão na saia para retirar as migalhas.

– Ele escreveu que esse homem a seduziu, depois a traiu de forma tão desonrosa que acabou provocando sua morte. Preciso descobrir se isso é verdade.

– Na melhor das hipóteses, é ambíguo.

– Nem tão ambíguo assim. Tem mais. Não sou totalmente louca por achar que posso identificar esse homem. Só metade louca.

Ela andou até o centro da sala e olhou em volta.

– Se vamos ficar aqui por dias, temos que deixar esse lugar mais habitável – falou ela, virando uma cesta de cabeça para baixo. – Isso pode servir de banco, se você conseguir tirar a alça.

Elliot procurou a faca que viera junto com a comida. Colocou a cesta nas pedras do peitoril da janela e começou a cortar.

– Você não deveria levar muito a sério o que seu pai escreveu sobre sua mãe. Ele era um amante rejeitado e isso pode enevoar o bom senso de qualquer homem.

Phaedra pegou o cobertor sobre a esteira de palha e verificou se estava limpo. Avistou alguns ganchos de metal presos na abóbada do teto.

– Meu pai entendia bem o que tinha e o que não tinha com minha mãe. Ele não escreveu com amargura, mas como um homem que testemunhou a mulher que amava ser usada.

Elliot continuou a cortar, entretanto sua expressão decidida não tinha a ver com a alça da cesta.

– Trate esse assunto com cautela, Phaedra. Não acuse o homem errado nem conteste um homem bom.

– Se ele for um homem bom, não terá nada a temer de mim ou das memórias. Nenhum homem bom teria.

A alça da cesta se soltou, quebrando-se sob a pressão que ele impunha com a faca. Um barulho seco reverberou na abóbada de pedras, como se a paciência de Elliot tivesse acabado junto com a última frase dela.


Passaram as horas seguintes de forma mais agradável, falando amenidades. A amiga de Phaedra, Alexia, estava recém-casada com o irmão de Elliot, Hayden, e eles especularam sobre o casal e o que os teria unido. Isso suavizou o clima pesado da primeira parte da conversa.

Elliot, no entanto, continuou a refletir sobre o assunto inicial. Ele havia percebido o tom e a expressão de Phaedra ao falar do amante que traíra sua mãe.

Phaedra não era uma simples visitante curiosa na península Itálica, como tinha dito, mas uma mulher com uma missão. Por algum motivo, aquilo a tinha levado a Nápoles. Por isso o humor dela melhorara em relação ao atraso em ir a Pompeia. Sua investigação poderia até estar na origem da amizade com Marsilio e Pietro.

Por tudo o que sabia dela, cada ato, cada palavra, desde o dia em que ele entrou naquele jardim em Nápoles, fora parte de seu plano para saber dos últimos meses da mãe e do homem a quem culpava por seu declínio e morte.

Ela foi dando instruções a Elliot para arrumar sua habitação humilde enquanto conversavam. A pedido da Srta. Blair, ele amarrou a corda em um dos ganchos da abóbada. Phaedra esticou o cobertor velho nela e, assim, separou um canto no qual colocou o penico que os criados de Matthias tinham gentilmente posto em uma das cestas.

Já anoitecia quando tudo ficou arrumado. Com um novo cobertor sobre a esteira de palha e a cesta de cabeça para baixo como banco, Phaedra havia criado um lar rústico, porém agradável. Para uma pessoa.

Havia um cômodo de teto baixo sob essa sala mais alta na torre. Elliot esperava ser posto lá, a menos que, com seu charme, pudesse obter da rainha um convite para partilhar de seu santuário.

– Você tem talento para arrumação doméstica, Phaedra. Isso é resultado de se virar sem criados?

– Acho que aprendi a fazer isso porque minha mãe não levava o menor jeito para assuntos domésticos. Isso se mostrou útil quando tive que cuidar da minha própria vida.

Phaedra levou o odre e a xícara para a janela que dava para a cidade. Depois de derramar fora um pouco de vinho, conseguiu fazer jorrar um arco que encheu a xícara, e então ofereceu a bebida a lorde Elliot.

Ele se juntou a ela próximo à janela e bebeu. Os homens de Tarpetta tinham montado acampamento na base do promontório, para além da longa sombra da torre. A julgar pelos sons distantes das risadas, eles pareciam relaxados e de bom humor.

– Por que teve que cuidar da própria vida?

Ela estava linda demais à luz prateada do anoitecer que entrava pela janela. Atrás deles, pela abertura oposta, as cores chamejantes dos últimos raios de sol penetravam. Esses raios iluminavam a parte de trás da cabeça de Phaedra, transformando suas mechas em brasas, em contraste com a fria translucidez da pele branca do rosto que olhava para oeste.

– Minha mãe acreditava que as mulheres aprendem em casa, com os pais, a serem dependentes. Somos ensinadas e temer a independência e depois convencidas a rejeitá-la mesmo que esteja ao alcance. Assim, quando recebi uma herança do irmão de minha mãe, ela me estimulou a sair de casa e a viver sozinha antes que me acomodasse e virasse uma adulta dependente dela.

Phaedra fez uma pausa ao se esticar calmamente para ver o chão perto da torre. Outro pequeno acampamento tinha sido montado ali, povoado por cinco senhoras e Carmelita Messina.

– Eu tinha 16 anos – acrescentou, ainda distraída com a cena abaixo.

A atenção que dava aos acampamentos não a deixou perceber a reação de Elliot.

– Você era uma criança.

Ele tentou não expressar condenação em seu tom. Phaedra não gostaria de ouvir críticas à mãe, e ele não tinha o menor desejo de discutir com ela naquele minuto.

Ela ainda observava o promontório.

– Sim, eu era uma criança. Contudo há muitas mulheres que são empurradas para o casamento nessa idade. Acho que seria um destino muito mais assustador. Elas são jovens demais para os planos de seus pais, e eu também era jovem demais para os planos dos meus. Ela não se afastou da minha vida, não foi uma rejeição de seus deveres. Minha mãe me ajudou a contratar uma governanta, para que eu não morasse sozinha nos primeiros anos. Eu a visitava com frequência e nos víamos quase tanto quanto no tempo em que morávamos sob o mesmo teto.

Ela fez isso soar quase natural e sensato. Ele não podia pensar em Phaedra aos 16 anos morando sozinha, sem proteção ou supervisão de ninguém, exceto uma criada. Sua prima Caroline, que tinha sido apresentada à sociedade na última temporada, era tão infantil que dava vontade de trancá-la em casa por mais dez anos.

É claro que Phaedra Blair provavelmente não era tão infantil nessa idade, nem tão inocente. Artemis criara a filha para andar com as próprias pernas e traçar o próprio caminho. Ainda assim, essa imagem o deixou irritado. A mulher não deveria ter usado a própria filha como experimento para provar que suas ideias radicais tinham mérito.

– Na época não me importei e tudo saiu como minha mãe esperava. Depois que uma mulher prova uma liberdade assim, nunca mais quer abrir mão dela. Contudo, quando ela morreu... então fiquei enraivecida. Queria que ela houvesse esperado um pouco mais, de forma que eu tivesse aproveitado aqueles dois últimos anos com ela. Ela não previa que seu tempo seria tão curto, é claro.

– Não imagino a independência que me descreve. Mesmo sendo homem, não fico tão por minha conta.

– Não importa que ainda more na mansão de Easterbrook. Sendo homem, você é livre.

– Não falo de leis, costumes ou finanças, mas da vida. Não sou sozinho nem alguém sem laços com outras pessoas. Meus irmãos estão sempre presentes na minha vida e tenho outros parentes a quem devo obrigações. Minha vida faz parte da deles e a deles, da minha. Mesmo que meus irmãos e eu um dia nos odiássemos, ainda teríamos questões em comum a compartilhar.

A expressão de Phaedra se tornou pensativa, deixando-a ainda mais bela.

– Eu gostaria de ter tido um irmão ou uma irmã. Isso teria sido muito bom, principalmente agora.

Agora que estava completamente só, era o que queria dizer. Phaedra havia escolhido um caminho que a deixaria sozinha para sempre, a menos que, como a mãe, tivesse um filho ilegítimo. Elliot percebeu que ela compreendia que abrira mão de certas coisas e que não as menosprezava. Tinha posto as opções na balança, se não aos 16 anos, ao ficar mais madura. Ele não achava que o prêmio valesse o custo, porém admirava a bravura dela.

Ela pareceu um tanto triste. Ele se sentiu péssimo por tê-la obrigado a encarar a própria solidão.

– Espero que suas amizades de alguma forma possam substituir a família que você não tem.

Lampejos traquinas dançaram em seus olhos. Seu humor e animação vieram à tona, surgidos das profundezas de seus pensamentos.

– De certa forma, mas não é uma família como você descreveria a sua. Uns amigos são como irmãos e irmãs, alguns poucos se comportam como os mais afáveis dos maridos, porém esses laços não são permanentes. Com o passar do tempo, é possível que eu me veja imaginando se não fui abençoada com mais independência do que qualquer pessoa quereria.

O que significava que já vinha se questionando sobre isso.

A referência indireta a seus amantes sutilmente mudou o clima entre eles. Elliot não podia ficar tão perto dela naquela luz e não pensar em fazer amor com ela. Imagens e desejos tinham surgido aos borbotões desde que subira os degraus horas antes. A excitação aumentara com as palavras dela. Ele pensou ter visto um desafio na forma como ela o mirava.

De repente o desejo os uniu mais intensamente que nunca. Ela não fez qualquer esforço para refrear seu poder. Ele não se aguentava mais. Jamais tinha encontrado uma mulher que reconhecesse de forma tão ousada a excitação sensual que pode existir antes de um beijo ou um toque.

Com qualquer outra mulher, ele daria o primeiro passo, como fizera com ela antes. No entanto, não se esquecera das palavras dela ao se afastarem no terraço, naquela noite. Se ela fosse honrar sua ameaça, neste momento ele provavelmente não conseguiria se portar de forma honrada o bastante para que ela tivesse a chance de rejeitá-lo.

Phaedra evocava nele o que seu sangue trazia de pior, algo que vinha do pai. Elliot queria se aproximar, abraçá-la, acariciá-la e devorá-la. A tentação de usar o prazer para coagi-la a se submeter ao próprio desejo e a ele ameaçava sobrepujar o que restava de seu bom senso.

Elliot se afastou. Pegou o revólver e um dos cobertores e começou a descer as escadas. A alternativa era se arriscar a se comportar como um canalha, ou, pior, tornar-se uma daquelas abelhas lastimáveis que ficam zumbindo e implorando pelos favores da rainha.


Phaedra observou o sol se pôr no mar. Luzes roxas e laranja coloriam a água com listras sedosas à medida que a escuridão aos poucos se aproximava. Lá embaixo, no barco, os homens acenaram e a saudaram amigavelmente. Parecia que eles também tinham alguns odres de vinho à disposição e que a bebida os deixara mais amistosos.

Phaedra encontrou a única vela mandada junto com os víveres e a acendeu. Sentou-se em um canto onde a brisa noturna não a apagaria. Ouviu Elliot se mexer lá embaixo, talvez na tentativa de achar algum conforto no chão tendo apenas um cobertor sob o corpo.

O corpo dela ainda não tinha se acalmado totalmente desde que ele partira, nem seus pensamentos se afastaram muito dos últimos minutos que tinham passado juntos. Uma pulsação quente continuava a se fazer sentir, atraindo sua atenção. Normalmente ela só tinha que lutar contra isso quando Elliot estava por perto, contudo seu corpo parecia saber que estava perto o bastante e não lhe daria alívio. Seus seios continuavam rígidos e cheios, com os mamilos reagindo a cada roçar do tecido do vestido.

A última conversa deles a desarmara. Agora só conseguia pensar em lorde Elliot de forma gentil. Ele entendera mais do que ela mesma. E não a olhara com pena – em vez disso, expressara uma preocupação verdadeira com esse lado menos perfeito da vida dela.

Ela mentira um pouco para poupar Artemis da censura daquele homem; entretanto, a julgar pelas reações dele, isso fora desnecessário. A verdade era que Artemis estivera correta em suas crenças, mas nem sempre em seus métodos. Ficar sozinha aos 16 anos fora algo devastador e amedrontador, muito mais do que Phaedra admitira. Ela sentira como se a mãe a tivesse jogado de um barco no meio do oceano, simplesmente esperando que ela soubesse nadar.

Phaedra perdoara a mãe por esse engano fazia anos, porém duvidava que outras pessoas fizessem o mesmo se soubessem daquele frágil ano tão carregado de grandes erros. A verdade seria mais uma prova para o mundo de que Artemis Blair não tinha sido uma boa mãe, nem ao menos uma mulher normal.

Elliot já não fazia mais barulho lá embaixo, embora ela pudesse jurar ouvir sua respiração. Ele não teria conseguido pegar no sono tão rápido, disso ela sabia. Phaedra caminhou a passos suaves, numa tentativa de aliviar a forma como seu corpo a atormentava. Tentou harmonizar a ideia de que o desejo não era somente físico agora, mas também um anseio por aumentar a proximidade que sentira com ele ao compartilhar suas confidências e o perigo.

Levou as mãos aos seios. Os estímulos se juntavam, aumentavam e desciam por seu corpo. Fechou os olhos para tentar domá-los e ouviu a lição dada por sua mãe sobre desejo.

O prazer carnal é uma necessidade tanto de homens quanto de mulheres. Não negue seus desejos, só fique atenta a quem escolhe como parceiro. A maioria dos homens são conquistadores em sua essência. Busque os poucos mais esclarecidos que alçaram um lugar acima da maldição primitiva. Se decidir ter prazer com um conquistador, certifique-se de lhe dar somente seu corpo e apenas temporariamente. E nunca, nunca sucumba à ilusão de que pode mudar esse homem.

Phaedra imaginou o homem lá embaixo. Ele se fora apesar de terem estado juntos em um cômodo saturado do desejo de um pelo outro. Elliot podia ser um conquistador, porém não era tolo. Entenderia que ela não cederia nada, exceto o que decidira ceder. Ela faria questão de deixar essa parte bem clara.


CAPÍTULO 11

Elliot se preparou para passar uma noite tendo apenas os próprios pensamentos por companhia. Com um pouco de sorte, logo pararia de ficar imaginando a mulher do andar de cima.

Esforçou-se para pensar no mundo que descrevia nos livros. Não precisava de seus papéis para se aventurar por lá. As notas e os esboços preliminares eram registros de suas ideias, não lembretes. Toda a informação estava em sua cabeça, acessível a qualquer momento. Já tinha passado muito tempo por lá, escapando do tédio quando alguma conversa o incomodava.

Seus irmãos, Christian e Hayden, também tinham câmaras secretas em suas mentes. Quando se aventuravam nelas, fechavam as portas atrás de si e se isolavam por completo da realidade. Somente ele fora abençoado com a capacidade de entrar e sair a seu bel-prazer, como se a porta permanecesse entreaberta. Elliot sempre conseguia manter contato com o mundo real.

Naquele exato momento, contudo, isso não era uma grande vantagem. O mundo externo com o qual não perdia contato consistia de uma frustração física que não se aquietava. Especulações em relação aos movimentos acima o perturbavam. Seu sangue ruim calculava o custo para sua honra e seu orgulho se ele dominasse primeiro e corrigisse depois.

De alguma forma, conseguiu deixar tudo isso do lado de fora, perto da porta, mas sem interferir tanto em seus pensamentos. Voltou sua concentração para as informações sobre práticas funerárias que coletara das antigas histórias romanas.

– Elliot.

Ele abriu os olhos. Cada parte de seu corpo entrou em estado de alerta. Ela poderia estar a centímetros dele, tão nítido fora o chamado. As pedras das paredes e dos degraus tinham transportado sua voz para baixo. Ela nem tivera que elevar o tom.

Phaedra não falou de novo. Só pressupôs que ele tivesse escutado. Ou talvez soubesse que ele responderia ainda que o chamado tivesse sido feito só na mente dela.

Talvez ela só precisasse de ajuda com a vela. Ou talvez tivesse visto algum movimento de uma das janelas e pressentisse problemas provocados por seus carcereiros. Ele podia simplesmente perguntar dali, mas não faria isso, apesar de saber que se afastar de novo seria quase impossível.

Acreditando que Phaedra era esperta demais para brincar com fogo, ele subiu as escadas.

Luzes vagas e sombras escuras dançavam pelas pedras das paredes e da abóbada no cômodo superior. O cobertor pendurado separava um canto numa cortina improvisada. A única e grande vela queimava devagar, suas chamas acrescentando lampejos dourados aos frios raios do luar.

Todas as tênues fontes de luz se juntavam e se intensificavam em um lugar. Uma estátua pálida as absorvia para aumentar a exibição sensual do cobre abrasador e da porcelana branca.

Phaedra estava de joelhos na esteira de palha, apoiada nos calcanhares. Olhava para a escada e para ele. Elliot parou ao vê-la, momentaneamente boquiaberto com sua beleza e ousadia.

Estava nua. Suas madeixas ondeavam pela pele desnuda. Pareciam fitas de seda que se dividiam para deixar ver partes de ombros alvos como leite, de braços macios, seios arredondados e quadril curvilíneo.

Ela deixou que ele observasse um bom tempo, sabendo que uma torrente se armava dentro dele, admitindo com o olhar que sentia o mesmo desejo.

Juntou os cabelos e os jogou para trás, expondo o corpo todo. Seus seios estavam empinados e cheios, com os mamilos róseos rígidos.

– Podemos ter prazer juntos esta noite, se quiser – disse ela.

Ele arrancou o casaco e andou até onde ela estava.

– Se eu quiser? Eu quero possuí-la desde a primeira vez que a vi.

Phaedra relaxou e esticou o corpo nu a seus pés, observando enquanto ele tirava a camisa.

– Não será assim. Possuiremos um ao outro.

– Como queira. Não me importo nem um pouco com os termos dessa rendição.

Naquele momento ele não se importava com absolutamente nada, exceto o desejo que ficava mais forte e convincente a cada instante. Caiu de joelhos ao lado dela.

– Não é uma rendição, Elliot. É uma trégua. Uma noite para gozarmos de nossa amizade.

Ela o ajudou a desabotoar a calça.

As mãos dela o fizeram enlouquecer de excitação. Ele olhou para aquele corpo feminino nu, tão vulnerável e acolhedor. Imagens entraram em sua cabeça e a urgência acelerou sua pulsação. Se ela considerava isso amizade, não conhecia os homens muito bem.

– Com certeza, Phaedra. É claro.


Ele não quisera dizer isso. A alma dela sabia, mas, naquele momento, Phaedra não se importara.

Ele estava lindo e sensual. Até ajoelhado ele era alto. Seu tronco e seus ombros nus se avolumavam acima da esteira de palha e dela, fazendo-a pequena e... vulnerável. Essa sensação era nova. Nunca vivenciara algo assim antes de conhecer aquele homem. Não era uma sensação desagradável. Ela se deixou sentir prazer nessa condição porque sabia que ele não representava um perigo real.

A luz deixava a pele dele cor de bronze e ressaltava seus músculos. Não havia nada de suave para se ver nele. Nem no corpo nem no rosto. Nele, a paixão tornava os traços de família ainda mais duros, mesmo sendo o Rothwell mais afável. O cabelo escuro, solto e despenteado pelas aventuras do dia, caía em mechas sobre a testa e o rosto. Seus olhos se tornaram cristais negros quando ela começou a ajudá-lo a se despir.

Elliot afastou as próprias mãos, deixando que ela fizesse o trabalho sozinha. Só olhou para baixo, talvez desafiando-a a prosseguir, testando se ela recuaria.

Ela não se apressou. Seus olhares ficaram conectados. Sensações maravilhosas davam vida ao corpo dela. A excitação era mais intensa por saber o que estava por vir. A expectativa cresceu entre eles de forma tão maravilhosa que se tornou um dos maiores prazeres que ela jamais experimentara.

Depois de despi-lo da calça, ela levou a palma da mão até o abdome dele, saboreando o toque de sua pele e daquela combinação tão masculina: uma superfície macia sobre uma sustentação rígida. Ela amava a forma como o desejo intensificava todos os sentidos, inclusive a intuição que lhe dizia quanto ele adorava aquele toque e como o resto da realidade desaparecia por completo para ele também.

Quando não conseguiu subir mais, desceu a mão de novo, chegando a sua roupa íntima. Com carícias suaves, ela a puxou para baixo, fazendo o tecido se avolumar em seus joelhos e libertando-o. As pontas dos dedos dela faziam o reconhecimento de seu corpo, centímetro por centímetro. Ela deslizou as mãos e as pressionou nas partes protuberantes do quadril e das coxas dele. Com a ponta dos dedos, alisou sua ereção inteira até a cabeça do pênis, envolvendo-o com suavidade, depois o acariciou de forma mais agressiva.

Elliot tentou conter a sensação que isso provocou, mas ela pôde ver a fúria sensual que o dominava. Todo ele ficou mais duro. Seu rosto e olhar, seu corpo inteiro ficou mais rígido.

– Você corre perigo de ser tomada sem cortesia nem cerimônia, Phaedra.

Ela avaliou a ameaça e a excitação do próprio corpo.

– Não me importo. Estou mais do que pronta também.

Ele se juntou a ela no cobertor e empurrou as roupas para longe. Posicionou seu corpo nu por cima do dela, apoiando-se nos antebraços ao lado dos ombros dela.

Um beijo. Profundo e íntimo, tão lento e sedutor que um anseio estranho e doce venceu sua impaciência. Phaedra afastou as pernas para que ele se aninhasse, instintivamente convidando-o a se unir a ela naquele momento para que talvez a noite toda fosse comovente.

Ele olhou para ela.

– Você é uma mulher muito generosa.

– Generosa, não. Quando a mulher é sincera nesses prazeres, ela ganha também.

– Esta é uma visão admirável e democrática. Só que você não está sendo sincera e me encoraja a ser um amante ruim por causa disso.

– Reconheço minha condição carnal da forma mais sincera.

Tão sincera que essa demora a enlouquecia. Ela mexeu o quadril um pouco para encorajá-lo.

A reação dele foi leve, sutil, mas devastadora. Ele empurrou, mas não tudo. Ela o sentiu lá embaixo, tocando-a de leve, uma provocação terrível e maravilhosa.

Ele a beijou no pescoço e nos ombros.

– Você disse que estava mais do que pronta – falou, administrando o calor daquele deleite. – Não foi verdade, mas talvez tenha falado por ignorância.

A indignação se infiltrou em sua mente, que só pensava nos formigamentos maravilhosos que atingiam seu sangue.

– Não sou ignorante. Acho que isso é óbvio.

Ele suspendeu o tronco, de forma a poder acariciá-la. Observou as pontas dos próprios dedos traçarem levemente uma linha em torno da base e do volume do seio, assim como ela havia feito há pouco no quadril e nas coxas dele.

– Uma mulher mais do que pronta não fica tão controlada quanto você continua. Você não está nem perto de estar pronta como poderia estar. Se não é ignorante, sabe disso. Mas talvez você tenha medo de se abandonar à sensação.

Ele esfregou o mamilo dela. Um tremor profundo a sacudiu, ressoando dos pés à cabeça. O corpo dela ansiava por empurrá-lo fundo para dentro e escapar daquela tortura sensual, por mais deliciosa que fosse.

Ele tocou o seio dela com mais força, esfregando o bico, fazendo os tremores se repetirem com intensidade crescente. Phaedra começara essa sedução confiante e ousada. Agora a onda dessa vulnerabilidade tentadora afastava seu autocontrole.

Ela não conseguia mais resistir à maré de prazer. Elliot pareceu perceber que ela tentava. Saiu do corpo dela como se anunciasse que era ele quem decidiria quando ela estaria pronta. Deitado ao lado dela, apoiado no braço rígido, ele a acariciou devagar e seguro de si, seu toque possessivo percorrendo toda a pele dela.

Seus seios ansiavam para que suas mãos voltassem ali. O outro prazer e os estímulos que ele causava pioravam tudo ainda mais. A frustração a deixava quase louca. Ela nem conseguiria abraçá-lo naquela posição, ficava exposta e submissa ao seu olhar e a suas mãos mal-intencionadas.

Phaedra não podia abraçá-lo, mas podia tocá-lo. Nem todo o corpo dele estava fora de alcance. Ela buscou a parte interna da coxa de Elliot com a mão direita. Acariciou-o com movimentos para cima, certificando-se de que não perderia o controle sozinha.

Ele reagiu como esperado, da forma como ela ansiava. Elliot acariciou seus seios de uma maneira tão perfeita, tão completa, que a fez quase perder a sanidade. O prazer insuportável ficou maravilhosamente pior e o desejo por mais tomou sua mente.

Ele baixou a cabeça e levou a boca ao seio dela. Uma nova sensação percorreu seu corpo. Uma sensação doce e intensa e tão poderosa que a fez perder contato com a realidade. Phaedra agarrou os ombros dele em um abraço selvagem para que não ficasse sozinha em seu abandono. Sua mente se obscurecera e ficara tão focada que apenas uma vaga percepção do mundo ao redor se esgueirava por ela. Sons ecoavam as súplicas em sua cabeça e as necessidades que a devastavam. Pegadas fortes e beijos violentos a levaram mais fundo nessa sensação pura.

Um toque diferente, bem-vindo e temido e tão necessário que ela pensou que desmaiaria de alívio. Sua consciência gritou. Ela abriu mais as pernas para que ele não parasse. Arrepios profundos se acumulavam lá e se espalhavam, aumentando a tortura até ela querer implorar por alívio.

Então lá estava ele com ela de novo, aninhado entre suas coxas como tudo tinha começado, empurrando de leve daquela forma incompleta e enlouquecedora. Ele a beijou com um jeito selvagem ao penetrá-la, engolindo seu gemido de alívio.

Estocadas fortes, profundas e plenas, a levaram ao gozo. A explosão singular de prazer a embebedou de paz e de uma sensação perfeita. Flutuou nela, espantada com a violência do clímax e com a materialidade do êxtase.

Phaedra foi voltando devagar da escuridão sagrada de sua mente. Seus braços sentiram os ombros que ela abraçava e suas pernas, o quadril que circundavam. Ele permanecia teso e pleno dentro dela.

Por entre os cachos úmidos, ela viu os olhos dele, ainda quentes e firmes em sua rigidez sensual.

– Você parece bem satisfeita, Phaedra.

Tão satisfeita que ela pensou que nunca mais poderia se contentar com menos.

– Com toda a certeza.

Ele se mexeu devagar, descrevendo um longo caminho na carne ainda intensamente viva após o clímax.

– Acho que nunca conheci uma mulher com tanta facilidade de ter prazer.

Ele pousou um beijo firme em seus lábios. Bem dentro dela, a satisfação começou a arrefecer. Novas necessidades acenaram de forma sutil, porém perceptível.

Ele fez de novo. Olhava para baixo, controlado demais, seguro demais do que causava com suas investidas lentas e profundas.

– Acho que nunca fui tão possuído por uma mulher antes.

– Não me culpe se não compartilhou a satisfação. Normalmente, há unidade nessas coisas.

– Duvido que já tenha havido unidade com você. Seus amigos encontram o próprio prazer enquanto a ajudam a achar o seu, mas é diferente.

Phaedra viu um insulto nessas observações tranquilas. Se não estivesse tão ligada à potência viril que emanava dele, se os tremores da nova excitação não estivessem preenchendo sua mente, talvez ela achasse as palavras para castigá-lo por sua presunção.

Só que a sensação de saciedade diminuía com rapidez. Lá dentro, desejos ressonantes despertaram, reforçados pela confusão e pelo desespero.

O abandono acenou de novo, mas permaneceu fora de alcance, tentando-a. Ela continuou em contato com o mundo, ciente do homem que se demorava, consciente de que ele também não tirava os olhos dela.

Phaedra mexeu o quadril para encorajá-lo. Mais rápido. Ele acariciou a nádega direita dela e a puxou, detendo-a.

– Você disse que nós possuiríamos um ao outro, e eu quero possuí-la devagar.

– Foi muito indelicado da sua parte não se saciar junto comigo.

Ela nem sabia que um homem podia controlar suas vontades a esse ponto.

Obteve um sorriso quase imperceptível em resposta. Sua mão soltou a nádega dela. Phaedra pensou que ele houvesse se rendido. Em vez disso, ele levou a mão às costas e soltou a perna dela de seu quadril.

Moveu a outra perna também e empurrou as coxas dela unidas para baixo dele. Quando se mexeu dentro dela de novo, o prazer se concentrou e espiralou tão nítido que ela perdeu o fôlego.

As sensações a deslumbraram, a venceram. Ela não podia negá-las, então se rendeu. Porém, desta vez o clímax foi diferente. Phaedra não perdeu o contato com o mundo. Ouvia os próprios gritos. Ficou embebida na aura dele. A vulnerabilidade voltou, mais matizada, ainda excitante, porém levemente assustadora.

Ele não perdeu o controle, não sucumbiu. Mesmo quando suas estocadas ficaram mais rápidas e mais fortes, mesmo na hora em que ela gritou em êxtase, Phaedra sentiu que ele controlava seu poder até o fim.

Dessa vez houve unidade. Ela não chegou sozinha ao clímax. Na verdade, ele pareceu mais presente. Um alívio glorioso a despedaçou como um raio parte uma árvore, porém ele permaneceu a seu alcance durante todo o tempo.

Após o coito, à medida que a alma dela tentava recolher os cacos de seu autocontrole e ela lutava para recompor a mulher que conhecia, receios penetraram seus pensamentos. Ela o sentia em seus braços, seu corpo cobrindo o dela. Ele estava exausto, satisfeito e quieto, mas inteira e estranhamente real.

Phaedra nunca se sentira em desvantagem em situações assim antes. Envolta em êxtase e saciedade, ela examinava sem pressa essa nova situação. Tentava decidir o que significava e como tinha acontecido.

Com certeza, essa misteriosa sensação de desprendimento desapareceria quando ele fosse embora. Tinham sido só a noite, a escuridão e o prazer que a haviam causado.

Ele se apoiou nos antebraços, tirando o peso de cima dela. O olhar dele a invadiu muito fundo e de forma tão calorosa e intensa que ela se perguntou se ele estaria tentando deixar uma marca de fogo em sua mente. Depois ele rolou de cima dela e se deitou de lado. Logo caiu no sono com o braço por cima dela.

Elliot pretendia passar a noite ali. Ela nunca permitira isso com seus amigos, mas não conseguiria acordá-lo e pedir que descesse para deitar no cobertor sobre as pedras no cômodo embaixo. Porém...

Phaedra olhou para as luzes bruxuleantes que brincavam nas pedras acima dela. O olhar dele tinha sido cálido e tocante durante o último e longo olhar, mas também exigira que ela reconhecesse a força da união dos dois. Carregara a profunda intimidade que ainda os unia e se negara a deixar que ela se desvencilhasse de seu abraço.

Porém, tinha havido mais do que isso, algo que ela nunca vira nos olhos de um homem antes, pelo menos não em um que a olhasse.

Ela vira os olhos de um conquistador.

E se perguntara o que ele erroneamente achava ter conquistado.


A porta da mente dele permanecia entreaberta. Elliot a ouviu suspirar e murmurar enquanto dormia. O sol começava a nascer e ela despertaria em breve. No momento, ele aproveitava a paz, a companhia e o ar frio em seu corpo, deixando a mente concluir suas reflexões sobre outras coisas.

Um som o despertara, dando uma vaga indicação do novo dia que começava. Agora ele espiava pela luz prateada à medida que um objeto tomava forma. Havia mais uma cesta no cômodo, bem à direita, no alto das escadas. Uma das senhoras tinha trazido mais víveres.

Phaedra despertou devagar como um gato ronronante. Ela se encolheu e depois se esticou em sua elegância nua e se virou para o outro lado, dando a Elliot a oportunidade de admirar o belo contorno de suas costas e de seu quadril.

Ela parecia muito doce naquele momento e mais jovem. Despida de seu hábito negro, liberta da armadura com que enfrentava o mundo, ela o espantava com sua aparência frágil. A noite anterior revelara esse outro lado de sua alma de uma forma inconfessa e inexplicada. Sua paixão tinha sido ao mesmo tempo experiente e ignorante, ao mesmo tempo segura e amedrontada. Ele experimentara a fraqueza e a suavidade que ela não ousava mostrar ao mundo. Phaedra levava uma vida baseada em símbolos na qual tais contradições não eram permitidas.

Ele a queria de novo, porque ela estava muito bela ali de manhã e porque a Phaedra nua, despida e desarmada, o fascinava. Imaginou que continuaria a desejá-la por muito tempo. Calculou tempo e lugar, dia e noite, tendo as lembranças de seus abraços a tentá-lo.

Num instante ela se pôs alerta, como se tivesse ouvido os pensamentos dele. Deitou-se de costas e, através de pálpebras semiabertas, avaliou onde estava e com quem. Um vago rubor tingiu seu pescoço, descendo até os belos seios. Os mamilos endureceram, mas não por causa da fria brisa marinha.

O constrangimento a fez parecer uma menina insegura. Lorde Elliot se perguntou que pensamentos causaram o franzir de seu cenho ao olhar o próprio corpo. Ela não estava tão atrevida agora, sem a escuridão para transportar os acontecimentos para outro mundo.

Elliot puxou algumas roupas para que ela não fosse obrigada a sair de onde sua escolha a deixara. Ele lhe entregou o monte de tecido negro que era seu vestido. Phaedra se sentou e o passou pela cabeça.

Ele se sentou ao lado dela na esteira. Imaginou se Phaedra mencionaria os acontecimentos da última noite e o que ele deveria dizer quando ela o fizesse. Ela não era uma mulher que esperasse gratidão ou desculpas. Certamente não esperaria que ele lhe oferecesse dinheiro ou qualquer tipo de pagamento. Ela não esperava absolutamente nada dele e levaria a mal qualquer proposta.

– Você tem Alexia – disse ele. – Ontem você falou sobre estar só, mas Alexia é uma amiga leal.

As palavras de Phaedra tinham ecoado na cabeça dele naquela manhã enquanto ficara deitado ao lado dela. Ele se perguntara sobre suas amigas na infância, duvidando de que tivesse alguma. Imaginava que poucas mães permitiriam às filhas serem amigas da filha de Artemis Blair.

Phaedra se esticou para lhe dar um beijo no rosto. Ele supôs que, em algum momento ao longo do dia, a intimidade entre eles chegaria ao fim e Phaedra consideraria a noite da véspera como passado. Agora, contudo, com um gesto ela o fazia entender que achava a preocupação dele, no mínimo, encantadora.

Ele aproveitou a oportunidade para passar o braço em torno dela. Sentado assim numa cama de palha, com as costas apoiadas na parede, a cabeça de uma bela mulher no ombro e os sons e cheiros do mar entrando em lufadas pelas janelas, não seria um jeito ruim de passar o dia.

– Ela fez com que seu irmão permitisse nossa amizade – disse. – Quando Alexia negociou o casamento, ela o fez prometer. Eu tinha imaginado que... Cheguei a recusar o convite de casamento. Escrevi a ela dizendo que isso só causaria problemas com o marido. Ela me respondeu explicando o que conseguira.

Phaedra inspirou profundamente. Sua voz saiu mais fraca quando voltou a falar.

– Chorei ao ler a carta. Foi o gesto mais nobre que qualquer amiga já fez por mim. Preocupar-se comigo naquele momento... Ainda acho difícil de acreditar que seu irmão tenha concordado. Não sou uma mulher que a maioria dos homens deseje como amiga de suas esposas. Uma cortesã seria mais bem-vinda nas salas de estar das famílias elegantes de Londres.

Elliot imaginou que a generosidade do irmão fazia parte de uma estratégia maior. Phaedra Blair era uma concessão pequena para Hayden nas negociações para ficar com a mulher que desejava.

Não ajudaria colocar as coisas dessa forma.

– Hayden nunca foi escravo das regras da sociedade. Ele quer que Alexia seja feliz e sabe que a amizade dela com você não representa qualquer perigo.

– Se ele acredita nisso, o amor o deixou tolo. Não me ressinto com os pais e maridos que não permitem que eu seja recebida, Elliot. Se eu fosse eles e acreditasse no que eles acreditam, estabeleceria as mesmas regras.

Elliot olhou para o topo da cabeça dela. O cabelo parecia mais dourado do que ruivo agora, na luz cristalina da manhã. Ela não queria sua piedade por sua infância solitária. Não esperava que o mundo se transformasse para se adaptar a ela. Só queria que a deixassem quieta para que conduzisse suas crenças como lhe aprouvesse.

Entender isso acrescentou ternura à satisfação que ele sentia naquele momento. Infelizmente, deixá-la quieta seria quase impossível.

– Lorde Elliot.

O chamado de Carmelita não veio das escadas de pedra. Ela estava lá embaixo, do lado de fora da torre. Pelo menos uma das senhoras tinha se intrometido mais cedo e agora faziam uma tentativa de não repetir isso.

Ele se levantou e olhou para fora da janela. As cinco senhoras estavam em volta de Carmelita, falando baixo e ainda montando guarda.

– Lorde Elliot, o signore Greenwood está chegando.

Ela fez um gesto indicando a parte baixa do promontório, para além dos homens que acordavam.

Greenwood passava pelo cais, agora cheio de barcos de pesca. O barulho da cidade lembrou a Elliot por que nenhum deles fora para o mar. Era o dia da festa de San Giovanni.

Os homens deram passagem a Greenwood. Ele lhes disse algo ao passar. Acenou para Elliot quando o avistou na janela. Seu sorriso e andar lépido indicavam que trazia boas notícias.

Ele cumprimentou Carmelita e as senhoras com uma mesura, depois olhou para cima.

– Você e a Srta. Blair têm muitas razões para me agradecer, Rothwell. Fui tão habilidoso, tão brilhante, que mereço um cargo nas relações exteriores.

– O senhor convenceu aquele idiota a pôr fim nisso? – perguntou Carmelita.

– Fechei um acordo. Um tão bom que as senhoras não precisarão mais oferecer seus préstimos.

Carmelita explicou às senhoras o que ele dissera, porém elas relutaram. Uma pequena discussão se seguiu, mas Carmelita as convenceu. Todas as mulheres começaram a caminhar de volta para a cidade.

– Vou subir e explicar – disse Matthias, desaparecendo no limiar do portal.

Elliot se virou para Phaedra. Ela se parecia de novo consigo mesma: composta, orgulhosa e singular. O tecido preto cobria o corpo que ele possuíra horas antes. Phaedra se inclinou e esticou o cobertor por cima da palha, eliminando a mais óbvia evidência dos eventos noturnos.

– Eu devia ter me rendido à tentação e acordado você mais cedo – disse ele. – Uma noite assim não devia terminar de forma tão abrupta.

Phaedra deu um sorrisinho nervoso.

– De forma abrupta ou lenta, as noites sempre acabam.

Havia muita coisa que ele gostaria de dizer em resposta, entretanto as botas de Greenwood já se aproximavam do cômodo.

O cabelo branco e o rosto sorridente de Matthias surgiram. Ele parecia muito satisfeito consigo mesmo.

– Trouxe-lhe a chave de sua prisão, Srta. Blair. Infelizmente, para que tudo dê certo, a senhorita tem que deixar Positano imediatamente.


CONTINUA

CAPÍTULO 7

– É uma coleção modesta.

Matthias brilhava de orgulho, apesar de suas palavras.

– Tive a ideia inspirado nos gabinetes renascentistas. É o meu refúgio dentro de casa, cheio dos meus objetos favoritos.

Seu gabinete era uma grande sala quadrada cheia de urnas antigas e ramagens nas paredes de gesso. Além de uma escrivaninha comprida repleta de livros e papéis, o cômodo continha artefatos. O capitel de uma coluna coríntia estava empoleirado em um dos cantos da mesa. Um busto antigo os observava do alto de uma estante de livros. Vitrines com pés, como as das livrarias inglesas, guardavam outros pedaços de peças e antiguidades.

Phaedra caminhava por entre as peças, observando. Randall Whitmarsh a acompanhava, apontando as moedas com as imagens de Júlio César e Tibério gravadas e as pequenas garrafas de vidro.

– Aqui está o grande achado – anunciou Matthias.

Ele abriu uma gaveta, retirou uma trouxinha de tecido e começou a desembrulhar o material.

Surgiu uma pequena estatueta de bronze de uma deusa nua em uma posição relaxada.

– Alguns garotos mergulhavam na enseada e lá estava ela, no fundo da areia. Deve ter ficado lá por 1.500 anos. É grega, tenho certeza. Período clássico. Provavelmente parte de uma carga grega a caminho de alimentar os cobradores do Império Romano.

Whitmarsh levantou a estátua.

– Com certeza um navio naufragou aqui. Deve haver outras peças onde ele afundou, se puder ser achado.

– A água fica profunda rapidamente, o que é muito perigoso – disse Matthias. – Se houver mais peças, elas só vão ser encontradas quando as marés fizerem seu trabalho. Retirei com cuidado as cracas e a melhora foi maravilhosa.

Elliot tomou a estátua em suas mãos.

– É linda. Pretende vendê-la?

– Ainda não sei. Caso decida vender, Whitmarsh poderia pô-la à venda para mim em Roma, não é?

– Ou eu, em Londres – emendou Elliot. – Você conseguiria um preço melhor, não acha?

Matthias sorriu com a indulgência de um mestre. Pegou a estátua das mãos de Elliot.

– E macular o seu sangue com atividades comerciais? Eu não faria isso.

– Não haverá comércio se eu apenas indicar um colecionador. Easterbrook pode até ficar interessado na peça.

Os homens começaram a discutir a data de criação da estatueta e seu valor. Phaedra continuou a andar por entre as vitrines para completar sua visita de reconhecimento.

A coleção de Matthias era muito eclética, como a de um garoto de escola que trouxesse para casa pedaços e peças do mundo que o fascinavam. Uma vitrine continha fragmentos de cerâmica de pouco valor, porém com enfeites primitivos fascinantes. Espirais e formas geométricas se amontoavam sobre as superfícies avermelhadas. Um belo cálice grego intacto ocupava lugar de honra em outra, exibindo o deus Dionísio em um navio em seu interior raso e arredondado.

Prosseguiu até as adagas antigas e partes de armaduras romanas entalhadas e chegou até uma vitrine que continha outros objetos de metal. Essa estava trancada e Phaedra podia entender por quê. Espalhados dentro estavam objetos de ouro e prata e esmaltados, alguns clássicos, outros de épocas posteriores, em que normandos e sarracenos estiveram ali. Pequeninas imagens de deuses romanos e vivas interações de linhas e arabescos disputavam sua atenção.

A vitrine inteira brilhava. Fechos de bolsas, brincos e fileiras de contas de vidro.

– Decidi ficar com minha pequena deusa – anunciou Matthias. – Onde acha que devo alojá-la, Srta. Blair?

Phaedra deu sugestões de lugares onde Matthias poderia exibir a pequena estátua, porém seus pensamentos continuavam na coleção diversificada do seu anfitrião. Ela se perguntava se ele saberia algo sobre camafeus antigos.


De tarde, o Sr. Whitmarsh decidiu pescar, então os cavalheiros desceram a montanha para alugar um barco após a sesta costumeira da cidade. Isso deixou Phaedra com a signora Roviale e a Sra. Whitmarsh.

As damas se sentaram na sala de visitas e tentaram não entediar umas às outras. Quando a Sra. Whitmarsh pediu licença e saiu para escrever uma carta, a signora Roviale abordou o único assunto que achava ter em comum com a outra hóspede.

– É um homem notável, o seu lorde Elliot. Não sou fã de todos os amigos ingleses do signore Greenwood. Eles quase sempre são pálidos demais e reservados a ponto de se tornarem tediosos, e suas mulheres e namoradas também são sem sal e sem assunto. Mas lorde Elliot é ao mesmo tempo bonito e interessante. Un uomo magnifico.

– Lorde Elliot é cunhado de uma grande amiga minha e me acompanha a pedido dela. Não sou sua namorada.

– Veramente? – exclamou ela, depois avaliou Phaedra com frieza. – Talvez, se usasse roupas mais atraentes... Matthias me disse que não está de luto e, por aqui, o preto é mais comum entre as mulheres velhas... E seu cabelo, a minha criada poderia penteá-lo para que não parecesse uma criança nem uma puttana.

“Puttana” tinha sido uma palavra que Gentile Sansoni usara durante o interrogatório. Significava meretriz. Como a signora Roviale não era casada com Matthias, estava enveredando por um campo muito delicado.

– Escolho meus vestidos e meu penteado por bons motivos, signora. Assim não preciso ficar sobrecarregada com criadas nem gasto horas em preparações antes de começar meu dia tão atarefado.

– Aaah, capisco. Entendo.

Ela fez um gesto expressivo, a mão desenhando um amplo arco que incluiu as duas e a casa.

– Mas seu dia está livre hoje. Não está muito ocupada, não é? Não temos nada para fazer enquanto esses ingleses pescam feito camponeses. Ofereço-lhe minha criada; então não ficará, como disse, sobrecarregada.

– Estou muito satisfeita assim, obrigada. Quanto a preencher o meu dia, vou para o meu quarto ler, se me der licença.

– Pode ler outra hora. Acho que é uma mulher que lê demais.

Ela se levantou e acenou para Phaedra, indicando que a acompanhasse.

– Talvez esteja satisfeita em seu vestido, contudo a signora Whitmarsh não está feliz. Ela pensa que você é uma bruxa e que está tentando encantar o marido dela. E você é tão incomum que ela não sabe como competir. É louca por pensar assim, de toda forma posso ver as suspeitas naquele rosto comprido. Nós a deixaremos apresentável e comum para o jantar desta noite, para que ela não pareça ter uma nuvem negra em cima da cabeça.

Revoltada por estar sendo coagida, porém incapaz de pensar em uma desculpa para desfazer o plano de sua anfitriã, Phaedra se levantou. A signora Roviale lhe deu o braço e, com firmeza, conduziu-a escada acima.


Elliot despiu a camisa agora úmida de maresia. Entregou-a ao criado para que fosse lavada, depois foi se arrumar para o jantar. A pesca tinha sido divertida, animada pelos odres de vinho que Matthias tinha jogado no barco.

Saiu para o terraço e apurou os ouvidos. Nenhum som vinha do quarto de Phaedra, portanto supôs que ela já tivesse descido e se dirigiu à sala de visitas. Todos os hóspedes estavam reunidos, exceto a única mulher que ele estava ansioso para ver.

Perguntou-se se ela aproveitara sua ausência para escapar e amaldiçoou a própria negligência. A combinação relaxante de sol e mar e a excitação que não queria deixá-lo o tinham feito esquecer o motivo de ter Phaedra em sua companhia.

Conversou com Whitmarsh e Greenwood. Cada minuto que passava aumentava suas suspeitas da fuga de Phaedra. Estava prestes a perguntar à signora Roviale sobre as atividades da Srta. Blair naquele dia quando Whitmarsh de repente parou de falar e olhou fixo por sobre o ombro de Greenwood. A expressão no rosto dele fez Elliot olhar na mesma direção.

Greenwood virou a cabeça.

– Meu Deus. É a nossa Srta. Blair?

Aparentemente, sim, exceto que aquela Srta. Blair não se parecia muito com a que Elliot conhecia. O vestido preto substituído por um azul-celeste, com um fita marfim e mangas curtas bufantes no ombro e justas no braço. O cinto de seda marcava sua cintura e o decote revelava a pele muito alva do pescoço e dos ombros, destacando o arredondado firme e elegante de seus seios.

O cabelo também tinha sido penteado e preso. Sem mais flutuar solto, formava um penteado com cachos e trançados que a deixavam muito na moda. Usava um pouco de maquiagem no rosto, ou talvez a atenção que despertara a tivesse feito enrubescer.

– É ainda mais bela do que a mãe – sussurrou Whitmarsh. – Se pode ficar bonita assim, por que se esconde naquele hábito de freira?

Elliot sabia por quê. O motivo agora enchia a sala de visitas. O silêncio caiu conforme os homens a olhavam e as mulheres a avaliavam. Elliot andou pelo meio dos outros para poupar-lhe o incômodo de continuar a ser o espetáculo da noite.

– Está muito bonita hoje, Srta. Blair. Vamos pegar um pouco de vinho.

Ela o acompanhou até a criada que servia as bebidas. O grupo retomou suas conversas.

– A signora Roviale fez isso tudo. O vestido é dela – contou Phaedra. – A mulher é implacável. Não havia como escapar.

Ele lhe entregou um cálice de vinho.

– Foi gentileza da sua parte ceder.

Ele se esforçava para que seu olhar não resvalasse para a protuberância branca acima do decote do vestido. Queria lamber e mordiscar aquela pele de leite que surgia além da fronteira azul-celeste.

– Levou horas. Tinha me esquecido dessa parte. E esse espartilho... bem, você pode imaginar como meu pobre corpo não gosta disso.

Não exatamente. Contudo ele podia imaginá-la de camisa e meias, antes de pôr o espartilho, e depois de vesti-lo, quando ainda não houvesse colocado o belo vestido.

– Acredito que, com a prática, fique mais fácil.

– Não vai haver prática. Essa experiência acaba junto com o jantar. Só rezo para que não desmaie antes disso. Mal posso esperar para ser liberada dessa tortura. Para começar, é insuportavelmente quente. Descobri que os árabes usam roupas soltas em climas quentes por um bom motivo. Além disso...

De repente, no meio da frase, suas reclamações pararam. Ela enrubesceu violentamente, como se visse nos olhos dele o que se desdobrava em sua imaginação, o vestido caindo, o espartilho se abrindo e o corpo dela sendo revelado. O traje dava uma visão melhor desse corpo do que seus vestidos pretos, e ele a imaginava nua com muito mais nitidez agora.

Whitmarsh se aproximou exalando charme. Greenwood não perdeu a Srta. Blair de vista enquanto falava com os outros. Ela respirou fundo e partiu para encantar a todos com seu brilho e sua beleza.


Phaedra pretendia escapar direto para seu quarto ao final do jantar, para tirar aquelas roupas desconfortáveis. Mudou de ideia ao ver Matthias Greenwood andar em direção a seu gabinete. Em um impulso, ela o seguiu, alcançando-o no momento em que abria a porta.

– Sr. Greenwood, posso falar com o senhor em particular? – solicitou Phaedra.

– Com certeza, Srta. Blair. Venha comigo. Terá toda a minha atenção aqui.

Ela aceitou sua acolhida e sentou-se na cadeira que ele lhe indicou, ao lado da mesa. Encarapitada lá, sob seu exame tutorial, sentiu-se como uma aluna pleiteando uma vaga na universidade.

– Sr. Greenwood, na Inglaterra eu vinha conversando com pessoas que conheceram minha mãe. Tenho algumas perguntas sobre fatos que aconteceram no final da vida dela. O senhor a conheceu também e seu nome foi mencionado várias vezes. Algumas delas sugeriram que talvez pudesse me ajudar.

– Algumas delas...?

– Amigas de minha mãe. Mulheres que me ajudaram a relacionar as pessoas que faziam parte do convívio social de minha mãe e coisas afins.

– Ajudarei como puder, entretanto não era um amigo próximo. Minhas funções na universidade não me permitiam vê-la com muita frequência.

– Entendo. Contudo é sua distância relativa que pode ter possibilitado ao senhor enxergar com mais clareza do que os amigos mais íntimos.

Ele pareceu cético, mas se mostrou prestativo.

– O que precisa saber?

– Talvez o senhor considere minhas perguntas um pouco ousadas.

Ele riu.

– Ficaria desapontado se não fossem. Se a senhorita está correndo o mundo atrás de respostas, imagino que as perguntas não sejam banais.

Seu bom humor tornava tudo mais fácil. Ela decidiu começar com a pergunta mais ousada de todas.

– Alguma vez suspeitou que minha mãe tivesse um amante nos últimos anos de vida?

Ainda que ele esperasse ousadia, a pergunta o deixou um tanto sem jeito. Sua expressão sempre bem-composta se alterou, ficando próxima do constrangimento.

– Não tive indícios para pensar isso. No entanto... Bem, quando conheci sua mãe, Drury era uma presença constante, mas parecia menos presente por volta do último ano.

– O senhor sabe quem era o outro homem?

Os olhos dele ficaram mais cálidos, demonstrando simpatia. Seu sorriso era o de um tio para a sobrinha preferida.

– Nem sabia se havia alguém. Tem certeza de que houve?

– Meu pai achava que sim.

– Os homens podem errar em relação a essas coisas. A paixão esfria, a distância aumenta... Ele pode ter interpretado errado.

Ela sabia dessa possibilidade. Matthias não era o primeiro a mencioná-la. Vários amigos de sua mãe sugeriram a mesma explicação. Ela mesma também nutria a esperança de que fosse apenas isso.

– Há alguém que o senhor teria considerado provável?

Ele balançou a cabeça.

– É tão importante saber o nome ou mesmo se a suspeita se confirma?

– Se tivesse sido um caso normal, eu diria que não.

Ele esperou pacientemente que ela continuasse, nem encorajando nem desencorajando outras revelações com seu comportamento reconfortante. Ela entendeu por que Elliot gostava desse homem. Havia algo em Matthias Greenwood que inspirava confiança e estimulava confidências. Sua franqueza era tamanha que afastava até a menor possibilidade de dissimulação.

– Minha mãe me deixou um camafeu – contou ela. – Seu testamento dizia que era originário de Pompeia. Sua intenção era que ele me desse alguma segurança financeira, e sempre supus que daria. No entanto, antes de meu pai morrer, ele alegou tratar-se de uma joia falsa, vendida a minha mãe pelo amante.

Matthias franziu o cenho, a preocupação evidente em seu olhar.

– A senhorita depende do valor desse camafeu?

– Minha situação financeira ficou mais complicada nos últimos tempos. Talvez eu precise vendê-lo. Contudo, se for falso...

– Valerá uma mera fração do que ela imaginava e provavelmente do que pagou. E a senhorita também não pode vender a peça antes de ter certeza, a menos que queira se arriscar a fazer parte de uma fraude.

– Exatamente.

– Entendo seu dilema. Lamento que sua herança esteja em questão. Se um admirador tirou vantagens indevidas de Artemis, o canalha deveria ser enforcado. Ela era muito generosa com todos que conhecia, mas... bem, talvez ingênua demais e lenta demais para perceber que alguns teriam interesse em se aproveitar dela.

Ele lhe lançou um olhar que pedia desculpas pela leve crítica.

– Talvez ela tenha sido mesmo ingênua demais, Sr. Greenwood. E sua generosidade significa que ela deixou pouco mais em herança além do camafeu. Suponho que eu poderia guardá-lo como lembrança, contudo, se ele simboliza o roubo de sua afeição e de seus recursos, não terá nenhum valor sentimental para mim.

– Eu pediria para ver o camafeu se pudesse afastar suas preocupações, no entanto confesso não ter muito conhecimento nessa área. Poderíamos mostrá-lo a Whitmarsh, é claro. Ele conhece muito mais pedras preciosas do que eu. No entanto, faria mais sentido perguntar aos especialistas em Pompeia...

Seu cenho se desanuviou. Ele deu um risinho.

– É por isso que está na península Itálica, não é? É claro. Agora compreendo.

– O senhor acha que posso obter uma resposta concreta lá?

– A mais concreta possível. Como já sabe, as opiniões variam. Escreverei para o superintendente, para abrir caminho para a senhorita. Ele está envolvido em escavações há vinte anos e pode atestar a origem do item, bem como seus sinais característicos de antiguidades.

– Agradeço sua boa vontade em me ajudar. Pergunto-me se posso abusar um pouco mais de sua gentileza. Temo que isso signifique pedir que levante hipóteses que talvez não queira.

– Não sou bom demais a ponto de resistir a fofocas, Srta. Blair. Pelo menos, até certo ponto.

Ela suspeitava de que iria chegar a esse ponto e talvez ultrapassá-lo.

– Se, de fato, esse camafeu, real ou falso, foi dado ou vendido a minha mãe por um homem nos seus últimos anos de vida, o senhor pode pensar em alguém em seu círculo que tivesse acesso a coisas assim?

Seus olhos de águia se obscureceram e ele ficou introspectivo, refletindo demoradamente sobre a pergunta. Phaedra imaginou que ele estaria relembrando as festas e jantares de anos atrás, examinando rostos e reconstituindo conversas.

– Não tenho um nome para lhe dar – disse por fim.

Sentiu o desapontamento, mas não foi um golpe tão duro. Teria sido ótimo resolver o mistério naquele dia, entretanto ela na verdade não esperara mesmo que isso acontecesse.

– Contudo, talvez...

Os olhos de águia de Matthias ficaram reflexivos de novo.

– Olhe bem, estou me lembrando de uma joia que diziam ser originária de um tesouro em Pompeia, só que não pertencia a sua mãe. Lembro-me que sua existência foi discutida durante uma das recepções que ela deu. Pode ser a mesma joia que está agora em sua posse ou talvez seja outra.

– O senhor se lembra do que foi dito na ocasião?

– Não de muita coisa. Não tinha interesse no assunto. Nem mesmo consigo determinar a data da conversa com muita precisão.

Ela olhou por cima de seu ombro para as vitrines.

– Eu diria que o assunto o interessa deveras.

– Não em relação a essa joia específica. Percebi logo que a origem da joia era duvidosa. Qualquer item retirado de Pompeia é propriedade roubada. Não há documentação de sua descoberta lá porque isso revelaria tratar-se de um roubo – explicou e deu de ombros para prosseguir: – Há quem não se importe com esses detalhes e pessoas que acreditam em qualquer história que lhe contem. É assim que comerciantes desonestos fazem fortuna.

– O senhor se recorda de como esse camafeu surgiu? Alguém o estava vendendo?

Ele bateu com os dedos na mesa e pensou bem.

– Foi há tanto tempo... Não quero atacar a credibilidade de ninguém...

– O senhor não o fará. Nem eu. Não farei acusações, a menos que tenha certeza de todos os fatos. Não haverá fofoca, nem difamação ou calúnia. Só quero saber em que direção devo seguir.

– Não me lembro dos detalhes. Mas havia vários negociantes que giravam em torno de Artemis Blair. Dois estavam sempre presentes nos últimos anos. Um, Horace Needly, tem uma reputação ilibada, porém nunca se sabe o que acontece nesse meio. No outro tenho menos confiança, principalmente porque ele evitava conversas com acadêmicos como eu. Isso me fazia pensar se seu conhecimento passaria pela prova de alguém experiente.

– Qual era o nome dele?

– Thornton. Nigel Thornton. Um sujeito bem-apessoado. Bem-sucedido também, se não me engano, contudo suas antiguidades tinham origem duvidosa.

– Obrigada pelos dois nomes. Verei o que posso descobrir quando voltar à Inglaterra. O senhor me ajudou bastante e sou muito grata.

Ela se levantou para ir embora. Ele sorriu ternamente, feliz por ter sido útil.

– Sr. Greenwood, me perdoe, mas... não havia pelo menos mais um negociante no círculo de minha mãe naquela época? O Sr. Whitmarsh. O senhor disse no outro dia que ele vende antiguidades em Roma e...

– Aquilo foi só uma brincadeira entre amigos, Srta. Blair. Desde que veio para cá, sabe-se apenas que passou adiante um ou dois objetos que lhe chegaram por acaso e com os quais ele não tinha intenção de ficar. Nada mais. Já fiz isso também. Não se pode considerar isso comércio – ele foi falando de forma indulgente, enquanto a acompanhava até a porta. – Além disso, ele não se dedicou a esse ramo na Inglaterra, nem mesmo por um período breve. Não ficaria bem, não? Afinal, ele é um nobre.


– Rápido, não aguento mais. Rápido.

Um grunhido profundo seguiu os pedidos da Srta. Blair.

– Ai, assim, hum, que maravilha.

Elliot estava de pé no terraço, com as costas apoiadas na parede da casa. Ele ria por dentro dos gemidos que lhe chegavam pelas portas ao lado das dele. Os sons que Phaedra fazia ao ficar livre, aliviada do vestido e do espartilho, lembravam os de uma mulher que se sentisse livre e aliviada por outros motivos.

Pôde ouvir quando ela dispensou a criada e depois resmungou:

– Que diabos. Nunca mais. As mulheres são loucas de se vestirem assim.

Vagos sons de seus movimentos no quarto eram notados. Ele deu alguns passos no terraço e retomou sua posição, desta vez do lado de fora do quarto dela.

– Sobreviveu, Srta. Blair? Ou ficou deformada para sempre?

Ela esticou a cabeça para fora, procurando-o. Ficou surpresa ao vê-lo tão perto.

– Achou graça, não?

– Nem um pouco.

Sua risada mostrou que era mentira. Ela franziu a testa com vigor.

– Espere aí. Quero lhe falar sobre um assunto.

E ela desapareceu no quarto.

Voltou alguns minutos depois, vestida de preto. O penteado não fora desfeito, então ela ainda não tinha voltado a ser a Phaedra de sempre.

– Por quanto tempo pretende me manter aqui? – perguntou ela.

Suas palavras aludiam a tudo o que ocorrera desde o dia em que ele entrara naquele jardim em Nápoles. A observação continha todos os seus ressentimentos.

– Alguns dias. Mais tempo, se a senhorita quiser. Precisa admitir que este é um lugar bem relaxante.

– Não vim da Inglaterra para repousar.

– Podemos partir em três dias, se desejar. Contudo imaginei que apreciasse a companhia de pessoas que conheceram sua mãe.

Ela foi até a balaustrada e olhou para o mar negro. Elliot observava suas costas, mas o que via, apesar do tecido preto que a cobria, era o corpo nu.

– Confesso que estou gostando da visita mais do que esperava, exceto das imposições da signora Roviale hoje. Apesar de inconveniente, esse desvio em meus planos se mostrou proveitoso. Deveria ter considerado que seria útil... que seria possível e até mais provável conhecer as pessoas do círculo da minha mãe se eu o acompanhasse.

Ele teria questionado o motivo de ela considerar isso “útil” se a noite não estivesse tão agradável e calma e a luz da lua não tornasse Phaedra tão linda.

– O Sr. Greenwood mora aqui há muito tempo? – perguntou ela.

– Ele comprou a casa há uns seis ou sete anos. Só veio morar aqui em definitivo faz quatro anos. Na última vez em que vim, a casa ainda era bastante rústica.

– Imagino que ele conheça todos os especialistas em antiguidades, de Milão à Sicília.

– É bem provável. Não se trata de um grupo tão grande. É natural que busquem a companhia de colegas.

– Então foi um professor universitário que comprou esta mansão, fez melhorias e se mudou para cá. Ele deve vir de uma família abastada.

A avidez de Elliot o deixava impaciente por jogar conversa fora com Phaedra, mas ele lhe concederia isso por enquanto. Afastou-se da parede e se juntou a ela na balaustrada.

– Ele vivia de forma frugal em Cambridge. Um parente lhe deixou dinheiro. Esta mansão provavelmente deve ter custado menos do que uma casa pequena em Londres. Os imóveis aqui não têm o mesmo valor de lá.

Ele admirava o trabalho intricado no penteado da Srta. Blair. Levaria um bom tempo para desfazer tudo aquilo antes de dormir. Tempo de mais. Ele deixaria daquele jeito.

Exceto por um olhar, ela não reagiu à sua proximidade.

– Ele falou como se visitasse as escavações com frequência e conhecesse os arqueólogos lá.

– Espero que sim. Por que está tão curiosa sobre ele?

Matthias tinha idade para ser pai dela e Whitmarsh, quase isso. Ainda assim, a admiração deles pela ruiva naquela noite provocara em Elliot uma desconfiança enciumada que provavelmente não tinha fundamento. Agora a desconfiança surgia de novo, irracional porém nítida, atiçando o desejo com os espinhos da possessividade.

– Há algumas páginas nas memórias de meu pai que levantaram questões sobre os últimos anos de vida da minha mãe. Fiz perguntas a Matthias e estou refletindo sobre o peso que devo atribuir às respostas.

Então era nisso que ela pensava nas horas em que ficava séria e introvertida? Ela havia se aventurado até o terraço, apesar da advertência da noite anterior, mas não para implicar ou desafiar. Ela buscava informações que fossem úteis.

Christian sugerira que essas memórias talvez contivessem revelações que Phaedra não iria gostar de ler. O fato de ela confirmar isso provavelmente era significativo, porém naquele exato momento Elliot não se importava. Ele a desejava e estava ali, naquela noite maravilhosa, com ela, uma mulher que acreditava no amor livre e que não se prendia a regras sociais estúpidas.

A luz da lua tornava sua pele branca quase translúcida. O vestido preto ia até o pescoço, mas ele ainda tinha na mente o volume dos seios dela.

– Às vezes é sensato deixar as perguntas sem resposta.

Ela o encarou, indiferente a quão perto estava de ser agarrada.

– Não acredito que creia nisso. Ou, melhor, não acho que o senhor consiga seguir o próprio conselho. Vi seu rosto quando falamos das referências a seu pai nas memórias. Você não quer que elas sejam publicadas, porém precisa saber se o que há lá é verdade.

Sua postura e suas palavras lançavam um novo desafio. Ele não o aceitaria naquela noite; em vez disso, lidaria com os desafios já existentes entre eles. Haveria tempo o bastante para lidar com este mais tarde.

– Já sei que não são verdadeiras. Mas a senhorita fala de questões sérias, Srta. Blair. Por favor, perdoe-me por deixar essa discussão para outro momento. Um em que a luz do luar, a noite e sua beleza não estejam fazendo minha mente se voltar para outros assuntos.

A expressão no rosto dela foi de pura surpresa. Não se moveu ao encará-lo. O que quer que tenha visto no rosto dele gerou faíscas de temor em seus olhos.

Ela se virou para caminhar em direção à porta.

– Então o deixarei refletir sobre esses assuntos, quaisquer que sejam.

Ele pegou no braço dela.

– Não desta vez, Phaedra.

Elliot a virou para si, segurou seu rosto entre as mãos e beijou a boca que o tentava fazia dias.


Como é que ele... como ousava...

Seu espanto por ser puxada para Elliot foi apagado pelo beijo dele. Mas outra coisa a assombrou: a forma como seu coração deu um salto quando ele a dominou.

Só o beijo já fora suficiente para deixá-la assim. Firme, forte e determinado, o beijo dele continha as advertências da noite anterior. Quero-a implorando por mim. Esse perigo a excita.

Com certeza, aquele perigo a excitava. A forma como sua pegada a dominou gerou arrepios traiçoeiros em seu baixo-ventre. Partes dela começaram a implorar de imediato, pedindo mais, desejando que ele não parasse.

A mente de Phaedra se acelerou. Pensamentos se formavam e desapareciam em rápida sucessão.

Ele nem perguntou. Será que pensou...

Os beijos no pescoço fizeram-na perder as palavras. Uma névoa estonteante e sensual obscureceu o resto.

Isso foi um erro, mas, ah...

O calor da boca de Elliot penetrou em seu sangue, fazendo seu corpo formigar em todas as partes para onde ele fluía. Seus seios ficaram mais cheios e firmes e o sentiram através do tecido do vestido. O contato a excitou mais e ela instintivamente colou o corpo no dele em busca de mais estímulos.

Ele beijou sua boca de novo. Não tão forte dessa vez, apenas seduzindo e conduzindo-a, mas igualmente exigente e confiante em que ela lhe daria tudo o que ele desejava.

A forma como ele a agarrava a atiçava, ainda que ela devesse ter se rebelado. Ela via o perigo, mas não conseguia parar porque era excitante. O corpo de Phaedra seguia para o abandono e a mente já estava fora de controle.

Uma carícia. Que não explorava, não procurava, não pedia nada. Firmes e seguras, suas mãos desceram por suas costas, pelo quadril e as nádegas, reivindicando seu corpo como se ela não estivesse vestindo nada, fazendo-a sofrer na expectativa por mais.

A língua dele entrou em sua boca, percorrendo todos os espaços. Arrepios eróticos tremularam em sua vulva. As mãos dele se moviam por seu corpo, sem reservas. Ela não se importou por se render a um inimigo e lhe dar um espaço que talvez nunca mais retomasse no campo de batalha. A excitação comichava, zunia e pulsava, tornando impossível pensar de forma sensata.

Quero-a implorando por mim. Ah, sim, isso era bem possível. Seus seios estavam tão sensíveis que ela pensou que fosse enlouquecer.

Como se ele ouvisse seus pedidos silenciosos, acariciou seu quadril, o ventre e subiu até os seios. Estava zonza de expectativa ao beijá-lo, incitando-o com sua boca, a língua e o abraço.

Devagar, ele tomou o seio em sua mão. Um intenso frêmito de prazer a dominou. A outra mão dele estava firme em suas costas, sustentando-a e movendo-se para baixo devagar a cada fecho que abria do vestido.

Eu não deveria... isso não deveria...

Um beijo avassalador transformou em poeira a objeção que se formava na mente de Phaedra. Afagos deliberados em seus mamilos a espalharam pelo ar.

Ele deu um passo para trás, separando seus corpos. O brilho da lua banhou a ambos e a luz dourada vinda do quarto dela definiu os contornos de Elliot. Ele não lhe deu tempo para se recompor, para juntar os cacos de sua racionalidade. Levou a mão à gola do vestido e começou a fazer o tecido negro escorregar pelo corpo dela.

Nunca antes um homem a tinha despido. Nunca. Ela não permitia que isso acontecesse. Agora o gesto a deixava em transe, imobilizada. A lenta descida do tecido pareceu a carícia mais erótica da noite. Tudo o que ela conseguiu fazer foi olhar para o rosto de Elliot, sentindo mais do que vendo o desejo que impregnava o ar de potência viril.

As mangas desceram por seus braços e o corpete se afrouxou em seu quadril. Ele levou a mão ao ombro da camisa que ela usava por baixo. Phaedra perdeu o fôlego. Seus seios se enrijeceram ainda mais na expectativa de outro desnudar lento e delicioso.

Porém, de novo ele fez algo que a surpreendeu, afastando o último traço de bom senso que restava nela. Ele não a despiu devagar: em vez disso, arrancou a camisa pelos braços dela. Não foi um movimento impaciente nem apaixonado, mas um gesto que confirmava os direitos do conquistador.

A alma de Phaedra tentou se rebelar, porém não encontrou ancoradouro na maré de prazer que a submergia. A forma como ele olhou para sua nudez absorveu sua atenção de tal forma que ela não se moveu para liberar os pulsos da blusa que ainda restringia seus movimentos.

É só um jogo, essa dança de dominação e submissão. Não significa nada. Não estou cedendo nada, na verdade.

Mas...

Pontas de dedos a esquadrinharam. Palmas das mãos alisaram seu corpo. Ela olhou para baixo, para as mãos másculas de dedos delgados que acariciavam seus seios, estimulando-a e excitando-a da forma mais perfeita. Uma doce loucura tomou sua cabeça e ela enveredou para um prazer sensual cada vez maior. O último fio de autocontrole se desgastava rápido. Ela queria que arrebentasse de vez. Queria que lorde Elliot vencesse o último sinal de resistência que tentava arruinar seu êxtase.

Ele a abraçou de novo, fazendo-a arquear as costas. Beijou seu pescoço e peito traçando um caminho quente que a deixou sem fôlego. Seus dentes e sua boca brincaram com o mamilo, torturando-a com sensações que se espalhavam fundo em seu baixo-ventre e faziam sem corpo implorar enquanto ela gemia baixinho.

Phaedra tentou soltar um braço para enlaçá-lo e mantê-lo próximo, para apoiar-se e senti-lo.

– Não – murmurou ele. – Fique assim.

A tempestade sensual em sua cabeça queria obedecer. O prazer era tão grande que ela não podia parar. Seu corpo estava faminto por mais, por ser preenchido, pela completude que o aliviaria. Parar agora seria impossível, iria contra a natureza.

Porém...

Mesmo em seu abandono, conseguiu ver a situação com um olhar racional. Apesar de sentir um prazer tão intenso que quase doía, ela notou sua sutil submissão e tudo o que lorde Elliot dera por certo desde o primeiro beijo.

De alguma forma, a escrava rompeu suas amarras. Sofrendo de arrependimento e frustração, ela recobrou a voz:

– Você tem que parar agora. Quero que pare.

Ele ficou paralisado. Por alguns momentos terríveis, não se moveu. Depois se endireitou e olhou para ela.

O braço dele a puxou para perto, para um abraço forte. Sua outra mão pousou em seu rosto como no primeiro beijo. As pontas de seus dedos faziam pressão sem a machucarem, mas também sem suavidade.

– E se eu não parar?

Como a maior parte dela não queria que ele parasse, aquilo não chegava a ser uma ameaça. Porém, o fato de ele supor que ela cederia se ele continuasse, de que seria fraca diante de seu poder, devolveu-lhe alguma razão.

– Vai parar – disse ela.

– Confia tanto assim em minha honra?

– Confio em seu orgulho. Uma mulher importunada nunca implorará.

Ele a soltou e se afastou. Tudo em sua aura e em seu rosto dizia que ele poderia puxá-la de volta.

Ela subiu o vestido e se cobriu. Correu para a porta. Seu coração estava aos pulos e seu corpo ainda reagia ao perigo com uma excitação que a surpreendia.

– Não vou parar na próxima vez, Phaedra.

Ela parou no limiar da porta antes de replicar:

– Não acho que haverá próxima vez.

– Haverá, sim.

Ela agarrou as portas duplas e começou a fechá-las.

– Se acontecer, não será por sedução. Eu terei optado por isso antes mesmo do primeiro beijo ou não haverá beijo nenhum.


CAPÍTULO 8

Ele ainda ficou do lado de fora. Phaedra queria abrir a porta para deixar a brisa noturna entrar, mas não se atreveu. Ele poderia interpretar mal.

Ele seria ousado a ponto de entrar ainda assim? Ela se sentou na cama abraçando os joelhos, ao mesmo tempo temerosa e esperançosa de que a porta se abrisse de par em par e lorde Elliot entrasse.

Não se sentia tão dona da situação como agira ao fechar a porta. Sua excitação não ia dar trégua. Seu corpo continuava sensível até ao ar.

Ela não saberia dizer em que momento decidira detê-lo. Tinha sido instintivo, a intuição interferira.

Quero-a implorando por mim.

Não seria possível manter uma amizade com aquele homem. Ele queria vê-la fraca e entorpecida, para que pudesse influenciá-la. Afinal, tivera um motivo para ir atrás dela em Nápoles. Um amigo seu não poderia lhe pedir – nem o faria – que suprimisse aquelas passagens das memórias. Mas um homem que a dominasse e possuísse, um amante que a seduzisse, não hesitaria em usar o poder que essa paixão lhe outorgava.

E tudo isso era uma pena, porque ela o queria.

Nunca desejara um homem assim antes. Não havia nada de confortável nisso. Nada de seguro. Não era a mesma atração que experimentara com seus amigos, não se tratava de um encontro intelectual que permitia outras intimidades.

Ao contrário, o encantamento sensual dele provocava o caos, o mistério e uma estupefação que a deixava sem ar. Ele também sabia disso. Sabia que sua mera presença era um feitiço.

Sua excitação aos poucos se acalmou até virar um formigamento, o mesmo desconforto que vinha sentindo há dias. Por fim, o terraço e o quarto ao lado ficaram em silêncio. Jogou o corpo para trás e se deitou em posição fetal, ainda encarando a porta.

Teria sido isso o que acontecera com Artemis? Depois de anos de amizade confortável com Richard Drury, surgira um homem que não jogava de acordo com as regras dela?

Fora um choque descobrir que a mãe tinha sido infiel a seu pai. Acreditar no amor livre não significava rejeitar a crença em um amor perfeito, para a vida toda. Na infância, Phaedra concluíra que os pais tinham ficado juntos porque o amor livre facilitava reconhecer sua alma gêmea no momento que ela chegasse.

Imaginou a mãe. Bela, viva, segura de si. Mais confiante do que a filha chegaria a ser. Menos prática também. Com o passar dos anos, Artemis havia se cercado de um grupo de pessoas que aceitavam a forma como ela vivia. Seu círculo entendia a relação com Richard e o lugar dele em seu mundo.

Talvez já tardiamente, nesse fascinante espetáculo que fora a vida de Artemis Blair, um homem houvesse surgido, determinado a atravessar o fosso e escalar suas muralhas. Ela devia ter se visto sem defesas por falta de experiência em lidar com esse tipo de homem.

Exatamente como sua filha, naquele terraço ali fora.

Phaedra abraçou um travesseiro. Começava a entender o que havia ocorrido com esse amor tardio que tirara a mãe do eixo.

Um sedutor chegara, atiçando a fêmea primitiva que sobrevivia na alma de toda mulher. Ele tomara e conquistara. Influenciara, enfraquecera e, por fim, traíra.

Se houvesse se apresentado fingindo ser alguém de pensamento semelhante ao dos outros homens em torno dela, Artemis não haveria tido a menor chance contra ele.


Aquela vadia.

A frustração levava Elliot a acumular insultos contra Phaedra na manhã seguinte, enquanto terminava seu café na varanda. Considerando o trabalho infernal que seu corpo lhe dera a noite toda, ele não estava disposto a se esforçar para ter pensamentos dignos de um cavalheiro.

Tentava se contentar imaginando como Phaedra ficaria desconfortável em seu quarto quente e fechado, ao passo que ele deixara a brisa da varanda refrescá-lo. Só que, na verdade, cada vez que olhara para a porta da mulher, uma parte de si rezara para que ela se abrisse e Phaedra corresse para seus braços.

A porta não se movera. A contida, independente e pedra no sapato Phaedra Blair nunca lhe daria essa vitória. Por fim, a porta passara a representar um repúdio. Uma acusação. Uma declaração enraivecida de autocontrole. Você ousou seduzir em vez de pedir? Você tentou me dominar, logo eu, entre todas as mulheres?

Serviu-se de café. Os gemidos sensuais da ruiva ainda soavam em sua cabeça. Ainda sentia seu abraço e seus beijos longos e agressivos. Só em lembrar, já se sentia excitado de novo.

Tinha sido bom. Incrível. Onde ela havia encontrado o bom senso necessário para recuar, sem falar na força para deter a torrente que os arrebatava?

Passos leves e fugazes perturbaram a paz na varanda. Não precisava olhar para o limiar da porta para saber quem tinha chegado.

Nos poucos minutos que Phaedra levou para chegar à mesa, ele dominou a terrível raiva que acumulara ao longo da noite quente de vigília. Um último vestígio soou em sua cabeça ao saudá-la, entretanto. Você não vai se recusar na próxima vez, porque não quer isso de verdade.

A acolhida calma a deixou à vontade. Sua postura cuidadosa relaxou. Phaedra se sentou à mesa, lorde Elliot lhe serviu café e ela tomou um gole.

– Obrigada por ser tão civilizado – disse ela.

Ele não podia crer que ela realmente tocara no assunto. Pousou o cotovelo na mesa e descansou o queixo na mão. Algumas imagens sexuais muito pouco civilizadas se formaram em sua mente.

– Está se referindo a permitir que se recusasse na noite passada ou a lhe servir café esta manhã?

Uma criada entrou trazendo uma bandeja de ovos e fatias de toucinho defumado. Matthias podia ter escolhido Positano como seu lar, porém ainda oferecia um típico café da manhã inglês a seus convidados.

Phaedra pegou uma colher e, lentamente, serviu-se de ovos. Direcionava quase toda a sua atenção aos próprios gestos.

– Suponho que tenha me referido às duas coisas.

– Bem, Marsilio ou Pietro certamente teriam feito um escândalo na noite passada, discutindo e acusando até que toda a casa despertasse. Cavalheiros ingleses, contudo, são ensinados a sofrer.

Os lábios dela se franziram. Ela manteve os olhos no prato ao partir um pãozinho.

– Peço desculpas por qualquer sofrimento. Não foi minha intenção. Já que está sendo um verdadeiro cavalheiro inglês, talvez seja melhor eu não tocar mais no assunto.

– Seria o mais sensato.

Ela continuou a tomar o café da manhã devagar. Ele deveria se retirar, porém, é claro, não conseguiu. Phaedra pousou o garfo no prato e limpou a boca com o guardanapo.

– Lorde Elliot, se pretende que fiquemos mais alguns dias, então precisamos chegar a um acordo sobre o terraço.

Ela era inacreditável. Espantosa. Deveria saber que, naquele exato momento, o impulso dele era pegá-la, jogá-la por cima do ombro, carregá-la até o meio das árvores e terminar o que tinham começado. Porém, lá estava ela, negociando sabe-se lá o quê, quando uma noite insone o tinha deixado com muito menos boa vontade para fazer acordos.

– Como assim, Srta. Blair?

– Compartilhamos o terraço. Não é justo que o acesso a ele me seja negado ou que o fato de que eu o use possa ser interpretado como algo mais do que signifique de fato.

– Prometo que não interpretarei erroneamente caso a senhorita se junte a mim no terraço no meio da noite.

A promessa foi analisada com cuidado. Phaedra era esperta o bastante para entender os possíveis significados ocultos nela.

– Podemos pelo menos concordar que tenho o direito de deixar minha porta aberta sem temer que o senhor entre no meu quarto?

– Não.

– Vejo que fui muito otimista quanto a seu caráter.

– Nisso concordamos. Eu avisei.

– Lorde Elliot, eu...

– Insisto que me chame de Elliot em conversas particulares de agora em diante, Phaedra. Não se importa com a informalidade, não é? Podemos deixar de lado essa regra social estúpida. Afinal de contas, beijei seus seios nus e você gemeu de prazer.

Ela ficou estarrecida. Ele teve vontade de sorrir pela primeira vez naquele dia. Phaedra recuou e assumiu uma postura de arrogância controlada.

– Prefiro que evitemos a companhia um do outro o máximo possível, Elliot.

– Isso vai ser fácil esta manhã. Greenwood e eu vamos nos trancar em seu escritório até depois do meio-dia.

Ela se levantou.

– Então acho que vou dar uma longa caminhada e evitar os outros convidados por várias horas.

Ela se virou para ir embora.

– Phaedra.

Ela estacou e olhou por cima do ombro.

– Phaedra, exijo que prometa que não vai tentar fugir e que estará aqui no jantar.

Ela elevou a sobrancelha.

– Por causa de seu juramento ao signore Sansoni?

– Por isso também.

A expressão dela deu a entender que sabia qual era o outro motivo.

– E se eu não der a minha palavra?

– Posso amarrá-la na cama de novo. Gostaria disso?

Ela enrubesceu. Descartou a insinuação com um meneio brusco da cabeça.

– Tenho sua palavra?

– Sim, tem minha palavra, apesar de isso ser desnecessário e ridículo. Não sei nem como descer dessa montanha, que dirá descobrir como viajar para o interior.

Phaedra ergueu a cabeça e se afastou, fazendo o vestido negro ondular atrás de si.


Phaedra voltou para seu quarto e desfez as malas.

Como ele adivinhara seu plano? Não se via como uma mulher previsível, contudo lorde Elliot parecia ler seus pensamentos antes que eles nem sequer tivessem se formado.

Colocou de lado a valise vazia. Preparar-se para fugir fora um impulso nascido de uma noite de reflexão honesta sobre a forma como lorde Elliot a afetava. Ela corria enorme risco de fazer papel de boba, de se derreter toda só porque um homem lhe provocava desejo físico. Evitar completamente o desafio parecera uma boa ideia ao alvorecer.

Sentou-se e calçou as botas de cano curto. Andou até o terraço e olhou para baixo, para a cidade. Vozes chegavam da varanda embaixo dela. Outros convidados tomavam o desjejum.

Respirou fundo e invocou a mulher que sua mãe a ensinara a ser.

Decidir fugir fora covardia. Tinha se deslocado até aquela terra para encontrar respostas sobre a mãe, e algumas delas poderiam estar bem ali, naquela casa. Fazia muito mais sentido ficar e tentar confirmar as suspeitas que fervilhavam por debaixo de seus medos e vulnerabilidades em relação a lorde Elliot.


Quando Phaedra voltou à varanda, Matthias Greenwood desaparecera em seu gabinete com lorde Elliot. Randall Whitmarsh, contudo, estava sentado à mesa com a esposa. Phaedra se reuniu a eles, com a esperança de que a Sra. Whitmarsh logo pedisse licença e saísse. A conversa com Matthias tinha corrido tão bem na noite anterior que ela estava ávida por descobrir se o Sr. Whitmarsh poderia acrescentar mais alguma informação.

Infelizmente o Sr. Whitmarsh foi embora primeiro, para fazer sua longa caminhada matinal.

– A senhorita estava linda na noite passada – disse a Sra. Whitmarsh.

– Obrigada.

– Faz pensar em por que...

Seu olhar percorreu Phaedra dos pés à cabeça, examinando suas vestimentas.

Phaedra não se deu o trabalho de fornecer explicações. A Sra. Whitmarsh não era o tipo de mulher que pudesse entender a mistura de praticidade e teimosia que dera origem a essa opção excêntrica.

– O que quero dizer é que sua mãe não adotava esses símbolos externos para suas ideias singulares.

A atenção de Phaedra foi despertada.

– A senhora a via com frequência?

– Antes de nos mudarmos para Roma, meu marido costumava aceitar seus convites para jantar. Ao contrário de outras esposas, eu concordava em acompanhá-lo. Ele era fascinado por ela. Achei melhor cuidar para que ela nunca ficasse fascinada por ele também.

Phaedra não achava provável que Artemis considerasse o Sr. Whitmarsh fascinante. Porém, antes de ler as memórias, nunca poderia pensar que Artemis pudesse achar outro homem fascinante além de Richard Drury.

– A senhora teve êxito em frustrar uma ligação entre eles? Ou minha mãe teve algum carinho especial para com seu marido?

A Sra. Whitmarsh não demonstrou surpresa com a pergunta atrevida.

– Acho que fui bem-sucedida. Até muito tarde na vida, ela só teve olhos para o Sr. Drury.

– Quer dizer que, em algum momento, os olhos dela encontraram outro homem. Não meça as palavras por delicadeza. Sou a filha e, como ela, acho uma bobagem que as pessoas não falem francamente sobre esses assuntos.

A Sra. Whitmarsh deu de ombros.

– Foi fácil observar certa frieza entre seus pais no último ano de vida dela. Meu marido não percebeu, mas eu, sim. Vários homens a desejavam. Não como esposa, é claro.

O tom crítico e confiante da última frase incomodou Phaedra. Ela correu em defesa de sua mãe, apesar de Artemis não precisar de desculpas.

– Se não viu minha mãe desviar sua afeição para outro homem, tal frieza pode ter sido apenas resultado do passar do tempo e de dois amantes tornando-se amigos e mais à vontade um com o outro.

– Srta. Blair, meu marido e eu jantamos várias vezes com sua mãe, durante muitos anos. Normalmente o Sr. Drury estava presente. A familiaridade e a amizade que havia entre eles era muito clara desde o início. Ninguém precisou me contar na minha primeira visita que eles eram amantes e que você era filha do Sr. Drury. Contudo, no último ano, ele nem sempre se encontrava. E sua mãe ficava estranha na presença dele. Talvez a senhorita se considere mais inteligente do que eu, mas, quando percebo que as coisas não estão bem entre um homem e uma mulher, raramente me engano.

Sim, a Sra. Whitmarsh, que com tanto cuidado mantinha posse do marido, seria especialista nessa área da natureza humana. Será que também era observadora? Será que teria visto alguma coisa? Uma mulher que guarda um tesouro com certeza seria uma das primeiras a perceber se o pirata que ela temia tivesse voltado sua atenção para outro navio.

– Quem era o homem que se tornou objeto da atenção de minha mãe?

– Isso é um debate, em que tenho que dar um nome para que a senhorita respeite meu julgamento?

– É um questionamento sincero, de uma filha que se pergunta sobre os últimos anos de sua mãe.

A postura defensiva da Sra. Whitmarsh se desfez.

– Não sei. Só tenho certeza... certeza quase absoluta... de que não foi meu marido. Ela passou meses radiante, como se fosse jovem de novo, mas aí...

– Aí...?

– Foi como se alguém tivesse apagado a luz. Ela estava melancólica nas últimas vezes que nos vimos. Talvez, quem quer que fosse, a houvesse desapontado.

Phaedra percebera essa melancolia. Não havia entendido os motivos nem a profundidade, contudo a descrição era verdadeira. A luz se apagara.

– A senhora não está sozinha em se perguntar se ela teve um novo amor – falou Phaedra. – Alguns nomes me foram sugeridos. O Sr. Needly, por exemplo. E o Sr. Thornton.

– Needly? Bem, acho que isso pode fazer algum sentido. Ele guardava semelhanças com o Sr. Drury. Tinha a mesma natureza. E sua erudição em arte romana lhe daria algo em comum com sua mãe. Apesar de que, se me perguntassem, eu diria que os dois se estranhavam. Às vezes ele era um homem muito arrogante.

A Sra. Whitmarsh tinha amolecido com a fofoca. Ela apreciava o assunto muito mais do que Phaedra gostaria.

– Às vezes a atração pode criar rusgas.

– De fato, isso pode acontecer. Agora, o outro, Thornton... – disse, e então parou para pensar antes de prosseguir: – Ele era um pouco jovem demais para ela. Enigmático também. Entretanto estava sempre por perto. Não passava despercebido. Era bonito, até demais. Tinha presença, mas...

– Mas...?

– É difícil de explicar. Ele era maravilhoso. De deixar qualquer mulher de queixo caído. Contudo era de certa forma... obscuro. Meu marido uma vez usou essa palavra para descrevê-lo e achei apropriada. Sim, ele era obscuro de muitas maneiras.

Phaedra guardou a descrição em sua mente. Ao voltar para a Inglaterra, teria que procurar o arrogante Sr. Needly e o obscuro Sr. Thornton, além de perguntar a outros amigos íntimos da mãe se Artemis tivera um caso com um desses dois homens.

– Eu gostava dela – disse a Sra. Whitmarsh. – Não aprovava seu estilo de vida e ela sabia disso. Ainda assim, ela aceitava meus pontos de vista. Nunca permitiu que me sentisse deslocada. Era muito gentil.

– Ela estava acostumada com seus pontos de vista. Afinal, eles são os mais costumeiros. Sempre que botava o pé fora de casa, ela era a estranha. Quem dera o mundo tivesse sido tão gentil em relação a ideias diferentes quanto ela provou ser e tão aberto à companhia dela como ela era à de todos.

A Sra. Whitmarsh enrubesceu. A coloração de suas faces disse a Phaedra muito mais do que ela queria saber. Os Whitmarshs nunca tinham retribuído os convites para jantar. Artemis Blair nunca fora incluída no círculo deles e nas festas deles.

Essas confidências matinais de repente pareceram trair a memória de sua mãe. Phaedra suspeitava de que elas ecoavam as fofocas da Sra. Whitmarsh com seus amigos em salas de estar que nunca foram abertas para a intelectual que desafiava as convenções sociais.

Também teve uma amostra das fofocas que deviam correr sobre sua pessoa. Ela sabia que havia mulheres que riam dela, especulavam a seu respeito e a reprovavam, assim como havia homens que entendiam erroneamente sua liberdade. Era mais fácil ignorar essas pessoas se não tivesse que tolerar sua companhia.

Queria muito que a Sra. Whitmarsh tivesse revelado a identidade do homem que usurpara o lugar de Richard Drury. Ela não conseguira, porém suas observações não foram de todo inúteis.

Phaedra pediu licença. Deixou a varanda e tomou o caminho da ladeira que levava à cidade.


Logo depois de o sol nascer, Positano se tornava uma cidade de mulheres. Os homens que tinham condições físicas para pescar haviam saído muito antes de Phaedra começar suas atividades.

Levou um bom tempo para achar o caminho de descida pela densa rede de ruas antigas e estreitas. Mesmo com sua construção escalonada, eram bastante traiçoeiras. Phaedra desejou ter levado consigo sua sombrinha para usá-la como bastão de caminhada e se proteger do sol, que ficava cada vez mais quente conforme ia se aproximando do pico da montanha.

Mulheres e crianças paravam para vê-la passar pela rua do mercado. Ela admirou os limões e as verduras, as peças de carne de carneiro e de boi. Na esquina do mercado, alguns homens estavam sentados em cadeiras do lado de fora da taverna. Eles a olharam com curiosidade e desconfiança.

O mais jovem, um homem de cabelo escuro, vestido com uma sobrecasaca marrom elegante, tinha uma bengala apoiada na cadeira. Os outros pareciam velhos e encarquilhados. Ela supôs que tinham abandonado os rigores da pesca fazia muitos anos.

Phaedra encontrou as outras ruas principais seguindo o fluxo das pessoas. Sua presença era um pequeno espetáculo, como tinha ocorrido com a cavalgada em lombo de burro atrás de lorde Elliot. Cabeças apareciam nas janelas e olhares impetuosos acompanhavam sua caminhada.

As ruas a levaram a uma pequena piazza bem na encosta do morro. Água jorrava da boca de uma cabeça de leão esculpida em um muro baixo construído rente à rocha da montanha. Mulheres se sentavam em bancos de pedra à sombra das árvores, aguardando a vez de encherem seus jarros.

Phaedra encontrou uma vaga para descansar em um banco num local mais fresco. Olhos escuros a observaram interrogativamente. Uma moça sussurrou no ouvido de um menino e ele saiu correndo pela calçada. As mulheres matavam tempo ali depois de usarem a fonte, conversando em uma melodia expressiva, sem perder de vista a recém-chegada.

Logo outra mulher surgiu na calçada. O tecido de sua saia preta balançava com seus longos passos. Ela não se parecia com as demais mulheres.

Para começar, era loura. Seu cabelo louro-escuro estava preso em um nó na nuca, visível sob a grande aba de seu chapéu de palha preto. Ela não era tão clara quanto Phaedra, mas, em vez do bronzeado forte tão comum nessa terra, tinha um leve colorido na pele.

Phaedra se perguntou se era outra forasteira, que, como Matthias, tinha vindo morar ali. Quando a mulher se aproximou, no entanto, seus olhos amendoados, as maçãs do rosto salientes e o rosto em formato de coração revelaram que era uma nativa, mesmo que, num primeiro olhar, sua cor desse outra impressão.

A mulher se sentou no banco de Phaedra e fez algumas saudações às amigas. Phaedra tentou traduzi-las, porém as palavras se seguiam rápido e o sotaque em Positano era diferente do de Nápoles.

Ela se virou e deu uma boa olhada em Phaedra. O volume das conversas em torno delas baixou.

– Inglesa?

Phaedra assentiu.

– Elas imaginaram e mandaram o pequeno Paolo me chamar. Minha prima Julia e eu somos as únicas mulheres aqui que falam inglês. Você conheceu Julia. Ela é sua anfitriã na mansão. Você é viúva?

A conversa era entabulada em um inglês correto, apesar de a cadência e a pronúncia refletirem algum esforço.

– Não, não sou viúva.

O olhar da mulher se voltou para o cabelo longo de Phaedra.

– Não achei que fosse.

Ela olhou para a direita na rua e sorriu de forma dissimulada.

– Ah, lá vem o signore Tarpetta. Ignore-o. Ele gosta de agir como se fosse uma autoridade, mas ela só existe na cabeça dele.

O homem coxo que estava sentado no final da rua do mercado agora vinha mancando, apoiado na bengala, porém exalando presunção. Dois senhores o acompanhavam. Os três se posicionaram do outro lado da piazza.

– Meu nome é Carmelita Messina. Também não sou viúva, caso esteja em dúvida por causa de minha roupa preta.

– Meu nome é Phaedra Blair e fico feliz de conhecer alguém que fale meu idioma tão bem. Tentei falar sua língua, contudo...

Carmelita balançou a mão, dispensando as desculpas.

– Aprendi um pouco de inglês em Nápoles. Morei lá vários anos com Julia e seu falecido marido – explicou Carmelita, e então fez um sinal, apontando com o queixo para o signore Tarpetta, que as observava com atenção, apesar de conversar com os dois senhores. – Ele não gosta quando hóspedes da mansão descem até aqui. Tem medo de que vocês possam corromper seu pequeno reino.

– Os hóspedes descem com muita frequência?

– Somos apenas camponeses pitorescos para a maioria deles. Somos as pessoinhas nos cantos das pinturas sentimentais.

– Nem mesmo o signore Greenwood se mistura com vocês?

– Às vezes. Ele fez várias visitas no ano passado. Uma das vezes, ao voltar, levou Julia com ele – confidenciou, antes de lançar um olhar de escárnio para Tarpetta e acrescentar: – Ele tinha esperanças de se casar com ela. Faz muito alarde de que não a quer mais agora, mas todo mundo sabe que bastaria ela fazer assim – e ela estalou os dedos – que ele iria rastejando.

A conversa delas tinha atraído uma pequena plateia, e risadinhas vinham das mulheres que tinham se aproximado mais.

Carmelita olhou para Phaedra de novo.

– Uso preto para demonstrar luto pelos carbonari que morreram quando o rei matou a república. Se não é viúva, por que está de luto?

– Estou de luto pelo meu pai, porém não é esse o motivo da roupa. O preto não mostra sujeira tão rápido.

Carmelita traduziu para a plateia. Cabeças assentiram.

– Você não prende o cabelo nem usa véu. Tive dúvidas se não era uma puttana, mas não acho que seja, porque as amantes que vêm com os homens que visitam a mansão lá em cima estão sempre na última moda. Talvez você faça isso para apontar o dedo na cara de homens como o nosso Tarpetta lá?

– Talvez sim.

Phaedra olhou para a baía distante lá embaixo.

– O Sr. Greenwood recebe muitos hóspedes? Chegam barcos especiais só para trazê-los para a mansão?

– Sempre há hóspedes e alguns deles vêm com muita frequência. Ele tem muitos amigos, o signore Greenwood. Ele não é um de nós, mas muitos aqui lucram com o dinheiro que ele gasta.

– Como a família dos garotos que encontraram a estatueta antiga?

– Não ouvi falar de estatueta. As famílias gostam de manter essa informação em segredo, para que, se houver outras, fiquem só para elas. Ele gosta de coisas antigas, o signore Greenwood.

Carmelita notou de novo os homens que as observavam.

– Eles não estão gostando nada de ver você sentada aqui por tanto tempo, então espero que fique ainda mais. Conte-nos de sua vida na Inglaterra, Phaedra Blair. As mulheres pararam de levar água para casa só para ouvir algumas histórias suas.

Carmelita precisava traduzir toda a conversa e as mulheres sorriam e davam risadinhas quando ela o fazia.

Uma jovem que não passava dos 18 anos se aventurou mais perto. Com cuidado, esticou a mão e tocou o cabelo ruivo de Phaedra.

Phaedra não se importou com a proximidade, porém outra pessoa, sim. Uma voz masculina ladrou. Do outro lado da piazza, um dos senhores deu um passo à frente. Ele ralhou e fez um gesto para que a garota fosse até ele.

Com a cabeça baixa e os olhos temerosos, a jovem correu até lá. O homem a agarrou pelo braço e a empurrou para a calçada, levando-a embora.

– É o sogro dela – disse Carmelita. – Vai dizer para a família que ela fez amizade com a amante de um forasteiro que desceu da mansão.

Phaedra não quis pensar no destino da moça se a história enraivecesse o marido. As expressões cautelosas que de repente surgiram nos olhos das outras mulheres a entristeceram.

– Não quero causar problema para nenhuma de vocês.

Ela começou a se levantar.

A mão firme de Carmelita segurou seu braço.

– Não há mudança sem problemas. Essas mulheres não sabem nada do mundo fora deste litoral, e minhas histórias de Nápoles estão ficando velhas. Conte-nos de sua casa e como se tornou uma mulher que se aventura sozinha em uma terra estranha, parecendo uma meretriz de luto que não teme a mão de homem nenhum.


Phaedra ficou por uma hora na fonte, aproveitando a companhia feminina. Ela contou a Carmelita e às outras sobre sua vida e como vivia sozinha e livre em Londres. Com o passar do tempo, a torrente de palavras estrangeiras começou a fazer algum sentido para ela. Chegou a compreender algumas das perguntas dirigidas a ela antes de serem traduzidas.

Do outro lado da piazza, o signore Tarpetta observava. Alguém lhe trouxe uma cadeira, para que pudesse se sentar e descansar a perna. O alegre grupo de mulheres não se importava com sua desaprovação. Ele podia até se considerar uma autoridade, contudo ficou claro para Phaedra que as mulheres obedeciam a outro nome: Carmelita Messina.

Por fim, as mulheres se afastaram, carregando água e conversando animadamente umas com as outras.

– Os maridos logo voltarão nos barcos. Elas têm que preparar o almoço – explicou Carmelita.

Phaedra se levantou.

– Obrigada por se juntar a nós – agradeceu. – Assim pude conhecer as mulheres daqui. Vou descer até aquela torre antes de voltar para a mansão.

– Vou acompanhá-la, senão talvez não encontre o caminho até lá. Se Tarpetta nos seguir, finja que ele não está lá. Ele seria um tolo se fizesse isso tendo aquela perna, mas o homem já provou muitas vezes que é estúpido.

Tarpetta provou isso mais uma vez naquele dia. Phaedra achou que ele tivesse desistido de segui-las até que ela e Carmelita chegaram ao caminho do promontório, quando então o viu mancar na direção do cais para não perdê-las de vista.

– Como ele machucou a perna?

Carmelita atravessou o portal na entrada da torre.

– Ele foi soldado e estava entre os que foram atrás do marido de Julia na nossa casa em Nápoles. Ele nos traiu. Nós resistimos, apesar de ser inútil. Acertei-o com uma frigideira de ferro pesada, bem aqui – explicou, apontando para o próprio joelho. – Teria sido melhor se eu tivesse mirado na cabeça.

– Então agora ele a segue por toda parte?

– Ele está seguindo você, não a mim. Mas ele me odeia, porque fui eu quem promoveu o encontro do signore Greenwood com Julia. Ela ficou sem nada depois que o marido foi executado quando a república acabou.

– Se é por ciúmes, ele deveria odiar Greenwood, não você.

Carmelita ia à frente na subida sinuosa da escada de pedra.

– Ele não ousa odiar Greenwood. Como muitos outros, ele lucra com o dinheiro do inglês.

Elas seguiram até o alto da torre, onde havia um cômodo quadrado. Pequenas janelas vazavam duas paredes opostas. Uma dava para o mar e a outra, para a montanha.

– Esta era para vigiarem o mar e evitarem ataques de árabes e piratas pelo porto – explicou Carmelita. – Agora, esta a leste aqui... eles vigiavam outra coisa, não? Um exército vindo pela montanha ou problemas na cidade.

Phaedra olhou para a janela a oeste. A vista do mar era infinita, quilômetros de litoral de um lado e de outro. Ela se moveu para a janela a leste. O sol se elevara na reta do pico da montanha.

Aquela torre fora construída por questões militares. Nas alvoradas, em pleno verão, contudo, o sol devia nascer alinhado com aquela janela.

Não havia muito mais a explorar naquela torre de vigia. As paredes de pedra se erguiam e se curvavam para formar o teto, parecido com as antigas igrejas normandas em sua terra natal. Exceto por um cobertor no chão, estava vazia e surpreendentemente limpa.

Carmelita empurrou o cobertor com o pé e revelou a esteira de palha que estava debaixo dele.

– Este lugar é frequentado por namorados – disse. – Há anos, esta torre recebe visitantes noturnos.

Quando ela e Carmelita reapareceram do lado de fora, a figura esguia e firme do signore Tarpetta ainda podia ser vista no cais.

– Como ele lucra com o dinheiro do Sr. Greenwood?

– Não sei. Mas ele vive bem e não tem renda além da pequena pensão que recebe do Exército. Eles se conhecem. Dá para ver isso na forma como se cumprimentam nos raros momentos em que se encontram. Greenwood talvez o pague para se assegurar de que não vamos perturbar seus amigos importantes, ou, quem sabe, só para ele ficar longe de Julia.

Ela deu de ombros.

– Venha, vamos procurar um burro de aluguel para levá-la de volta. Nem eu aguento subir tudo isso a pé.

No momento em que desciam o promontório, lorde Elliot surgiu no cais. De repente, o braço do signore Tarpetta e os olhos de dois homens se dirigiram para elas.

Lorde Elliot desceu de novo para o cais e se dirigiu para o norte para interceptá-las.

– Quem é aquele? – perguntou Carmelita. – Seu namorado veio buscá-la?

– Ele não é meu namorado.

Phaedra sentiu o rosto queimar.

Carmelita deu uma gargalhada.

– Mas ele bem que gostaria, não? E é tão bonito que você ficou tentada, eu acho. Veja a expressão séria dele enquanto fica lá, esperando por você. É melhor olhar por onde pisa com esse aí, Phaedra Blair.

Phaedra apresentou Carmelita a lorde Elliot assim que o alcançaram. Ele respondeu com gentileza, porém não conseguiu esconder seu desagrado.

– Você nos deixou preocupados, Srta. Blair. Não é aconselhável vir para a cidade sozinha.

O tom de lorde Elliot beirava a censura.

– Duvido que alguém que visite esta cidade corra algum risco.

Lorde Elliot olhou para Carmelita.

– Sou grato por oferecer ajuda e companhia à Srta. Blair.

– Não preciso nem de ajuda nem de companhia – rebateu Phaedra. – Contudo fico feliz de ter feito uma amiga e espero vê-la de novo, Carmelita.

Ainda teso de irritação, lorde Elliot se dirigiu a alguns garotos para alugar burros e voltarem para a mansão.

– Vou deixá-la agora para que possa lidar com esse homem – brincou Carmelita. – Se precisar de uma frigideira de ferro, é só falar.


CAPÍTULO 9

– Escreverei a carta para o superintendente esta manhã – prometeu Matthias. – Apesar de que as cartas de apresentação que trouxe da Inglaterra devam bastar. Talvez eu seja presunçoso em achar que a minha agilizará seu acesso aos sítios das escavações.

– Você o conhece pessoalmente. Ficarei feliz em ter uma carta sua.

Elliot se esforçava por manter pelo menos metade de sua mente nos preparativos para a visita a Pompeia. A outra metade continuava no terraço acima da varanda.

Na noite anterior, Phaedra deixara as portas abertas.

Fizera isso como provocação? Uma declaração de indiferença? De certeza ele só tinha que não fora um convite.

Elliot fumou um longo charuto no terraço à noite, olhando para a escuridão por entre as persianas abertas, incapaz de dominar a tentação que a proximidade dela causava. Os únicos sons que vinham lá de dentro eram os suspiros suaves de uma mulher satisfeita, dormindo muito bem, obrigada.

Por fim, se retirara para o quarto, em uma tentativa de aplacar os impulsos cruéis que aquela mulher incitava. Quando o sono por fim o aliviou, foi um sono profundo, longo, que durou até depois do amanhecer. Ao acordar, descobrira que Phaedra havia desaparecido.

Ela deixara a mansão de novo. Ele lhe mandara não fazer mais isso. Após procurar por Phaedra na véspera, estipulara algumas regras. Ela as desobedecera logo, sem perda de tempo.

– Se preferir, a Srta. Blair pode ficar aqui enquanto você vai a Pompeia – disse Matthias casualmente.

Casualmente demais, como se entendesse o que distraía seu ex-aluno.

– Ela está determinada a ir também.

– Ela não precisa ir em sua companhia. Está claro que ela o atormenta. Posso acompanhá-la, em separado, para poupá-lo do inconveniente. Quanto à questão que me contou sobre Sansoni, tenho certeza de que ele aceitaria minha autoridade para representá-lo, se é que algum dia ficaria ciente da troca.

– Tenho certeza de que ele não aceitaria. Dei-lhe minha palavra em juramento. Estou preso a ela por toda a viagem.

A palavra dada a Sansoni não tinha muito a ver com sua recusa à oferta de Matthias. Naquele momento, a necessidade de controlar os planos de Phaedra para as memórias do pai também não afetava sua decisão. Não diretamente, pelo menos, apesar de tudo estar ligado. O tormento causado pela Srta. Blair tinha assumido outros tons. Ele queria ter poder sobre muito mais do que quando ou como ela publicaria um livro.

– Já que está determinado a mantê-la com você, permita-me sugerir algumas hospedarias que seriam adequadas para uma mulher respeitável.

Com isso, Matthias iniciou uma ladainha sobre instalações em cada cidade.

No final das recomendações, a atenção de Elliot foi desviada para a montanha. Whitmarsh chegava a pé da cidade, o rosto vermelho pelo esforço.

– Muito íngreme, mesmo para você, não, Whitmarsh? – disse Matthias. – Agora entendo por que demorou tanto a chegar de seu exercício matinal.

Whitmarsh se inclinou, as mãos nos joelhos, dando tempo para recuperar o fôlego. Com um aceno dele, Matthias se calou para ouvi-lo:

– Problema... a cidade... torre...

Frustrado por seus pulmões se recusarem a colaborar, apontou para a parte mais baixa do morro.

Elliot e Matthias foram até ele. Elliot olhou para baixo. A cidade estava movimentada, com muita atividade. Ele se concentrou na torre. Um grupo grande se reunia no caminho do promontório.

Whitmarsh inspirou várias vezes, recompondo-se.

– Essa montanha pode matar, se você quiser correr.

– É por isso que não se deve correr – entoou Matthias. – Por que fez isso?

Whitmarsh apontou de novo.

– A Srta. Blair está lá embaixo, naquela torre. Querem prendê-la.


Aquela mulher seria o seu fim.

Elliot subiu correndo para o quarto a fim de procurar o revólver, de forma que seu pensamento não se tornasse verdade. Quando voltou, viu que Whitmarsh conferia a própria arma.

– O que será que ela fez? – refletiu Matthias enquanto desciam pelo morro.

Elliot podia imaginar.

– Até onde posso dizer, eles a consideram uma bruxa ou algo assim – disse Whitmarsh, inspirando fundo várias vezes.

Ele não tinha se recuperado totalmente da subida e agora a descida também exigia bastante.

– Droga! – xingou Elliot.

– Nosso objetivo é claro, cavalheiros – declarou Matthias. – Não podemos deixar que a prendam. Com Sansoni doido para arrumar problema, como você disse, Rothwell, e as noções primitivas de religião e justiça deste lugar, se eles a pegarem, as coisas podem sair do controle.

A inspiração profunda de Elliot teve pouco a ver com a rapidez com que desciam a ladeira para chegar à baía e à torre. Se Phaedra não fosse tão teimosa e tivesse ficado na mansão, três homens não estariam agora correndo desabalados para se meterem em problemas.

Sua raiva era pouca perto da outra reação que pesava como chumbo em seu peito. Não estavam em Londres, mas em uma cidadezinha montanhosa e isolada em um país estrangeiro. A postura e as vestimentas de Phaedra a tornavam vulnerável. Não havia nada de cômico em relação à acusação de bruxaria neste lugar. Ela corria perigo real.

Chegaram às ruas mais baixas e cortaram caminho pela piazza na frente da igreja de Santa Maria. Carros recém-pintados e decorados estavam lá, prontos para a procissão de San Giovanni na manhã seguinte.

Matthias foi na frente, mostrando o caminho no contorno da baía. Um ajuntamento de homens bloqueava o caminho para o promontório. Dessa vez a plateia masculina não era só de velhos e enfermos. Alguns dos pescadores tinham decidido que a cena na torre era mais interessante do que jogar suas redes ao mar.

Os homens estavam inflamados. Xingamentos se faziam ouvir. Olhos escuros flamejavam. Mãos faziam gestos por toda parte. Um homem bem-vestido estava de pé no centro da multidão, com o peso apoiado em uma bengala grossa, instigando os outros.

Matthias inclinou a cabeça, prestando atenção ao que ouvia.

– Ela foi vista na janela na alvorada – sussurrou. – Rezando para o sol nascente ou algo assim. Tarpetta, o manco que está ali, também a viu na cidade ontem, tentando corromper as mulheres. Pelo que entendi, ele a está acusando de bruxaria, meretrício e heresia.

– Heresia? – repetiu Whitmarsh.

– Vamos abrir caminho pela multidão – disse Elliot. – Whitmarsh, devemos manter as armas ocultas por ora.

Com posturas militares, abriram caminho até a frente da turba. Sua presença não fez nada para acalmar a situação.

Uma cena digna de ópera esperava no promontório. Os homens haviam se amontoado no limite da cidade porque o caminho para a torre estava bloqueado por um grande grupo de mulheres. Elas estavam agitadas também e prontas para a briga. Todas tinham arrancado o lenço ou o véu da cabeça e soltado os cabelos.

Carmelita Messina estava ao fundo, posicionada como se fosse a última linha de defesa. Com os cabelos louros soltos e o vestido preto esvoaçando, ela parecia a sacerdotisa da religião de Phaedra.

Segurava uma frigideira de ferro grande e rasa na mão. Às vezes brandia a arma na direção de Tarpetta, que não aceitava os insultos de bom grado.

Um único homem estava de pé entre os dois grupos: o padre da cidade, que mantinha os braços levantados, um em cada direção, como se sozinho pudesse evitar que as duas ondas de raiva colidissem.

– A coisa está bem animada – disse Whitmarsh secamente.

Infelizmente, também estava perigoso. Elliot olhou para o alto da torre. Ao mesmo tempo, Phaedra olhou por uma janela. Ela o viu e ele tentou lhe transmitir confiança.

– Vamos tentar resolver tudo em paz, Greenwood – propôs Elliot.

Com coragem, Elliot se postou entre as duas turbas e foi se aproximando do padre, tendo Matthias a seu lado.

Enquanto Greenwood conversava com o padre, a ira dos homens não parava de chegar aos ouvidos deles. As notícias não eram nada boas.

– A acusação de bruxaria se deve ao ritual com o sol, que aconteceu no pior momento possível. Estamos no solstício – relatou Matthias. – A acusação de meretrício foi feita em termos gerais. A aparência dela, o fato de ter ido sozinha à cidade, coisas assim. Infelizmente, os homens consideram que o apoio das senhoras só confirma a má influência que a Srta. Blair representa sobre elas. Pelo que entendi, houve algumas conversas incomuns nos quartos desta cidade na noite passada.

– E a heresia? – questionou Elliot.

– A Srta. Blair tentou explicar a história com o sol com mais detalhes do que seria sensato. Dissertar sobre os pontos comuns entre as religiões do mundo provavelmente não a ajudou muito.

Elliot imaginou uma acusação sendo transmitida pelas mulheres a Carmelita e então traduzida para Phaedra. Depois visualizou uma longa explicação voltando pela mesma corrente, frases e mais frases longas, tendo um pouco de seu sentido alterado conforme passava a cada elo, até chegar aos homens. Era espantoso que a acusação fosse heresia, em vez de loucura.

O padre era um homem idoso, de cabelo branco e rosto suave. Estava aflito com a situação de descontrole na cidade. Conversou com Matthias e, por fim, juntou as mãos em prece, balançando-as juntas como se assim fortalecesse o pedido.

Elliot entendia muito bem o padre.

– Diga-lhe que não vou deixar a Srta. Blair ao capricho de uma turba.

– Ele está certo de que nossa presença só serve para inflamar ainda mais os ânimos, Rothwell – alertou Matthias. – Os homens acham que usurpamos seu poder e as mulheres, bem, elas não têm boa impressão de homem nenhum neste exato momento.

A última parte era verdade. As mulheres o olhavam como se fosse o inimigo. Lançavam provocações inflamadas que eram sem dúvida insultos. Se ele conseguisse passar por elas, Carmelita da Frigideira de Ferro o esperava.

Elliot recuou e puxou Matthias para o lado assim que conseguiram passar de novo pelo grupo de homens.

– Preciso chegar lá no alto e falar com ela.

– A torre foi construída para defesa. Só há duas maneiras de chegar lá. Por esta faixa de terra ou por mar.

– Então vou ter que chegar por mar.


Phaedra espiou pelo canto da janela. A arruaça lá embaixo continuava. Sempre que os homens pareciam perder o interesse, o signore Tarpetta os incitava a continuar.

Elliot, o Sr. Greenwood e o Sr. Whitmarsh tinham ido embora. Provavelmente esperavam que essa pequena chama se extinguisse por si só. Era o que ela esperaria também, depois de o padre chamar os manifestantes à razão. Infelizmente, Phaedra desconfiava de que o conflito não se dera por haver uma inglesa estranha na torre naquela manhã.

O problema envolvia outras questões. Práticas antigas e eventos recentes colocaram lenha na fogueira. Phaedra se preocupava se as mulheres pagariam caro nos próximos dias por essa rebelião, mesmo que ela própria fosse poupada.

Tinha esperanças de que Carmelita não pagasse com a própria liberdade. Admirava a mulher loura que brandia sua frigideira de ferro, num gesto que anunciava não se tratar de uma pessoa indefesa e, além disso, garantia que Tarpetta se lembrasse de seus próprios crimes e de por que ela não permitiria que a cidade se curvasse ao poder dele.

Era tudo culpa de Tarpetta. Ele a vira na cidade ao amanhecer. Provavelmente a seguira e a avistara na janela que dava para o leste na torre quando o sol atingiu o topo da montanha.

O sol tinha se movido bastante desde então, contudo o confronto lá embaixo não parecia perto de acabar.

Ela correu para a janela a oeste. Carmelita a advertira a respeito de um ataque por mar. Um barco se aventurara nos arredores avaliando essa abordagem havia uma hora, porém ela jogara pedras soltas da construção e o desencorajara.

Outro barco se aproximava agora. Não vinha do cais de Positano, e sim do oeste, como se chegasse de Capri em visita à torre normanda.

Três homens estavam de pé na proa, enquanto criados da mansão remavam. Elliot, Whitmarsh e Greenwood tinham corrido em seu resgate.

Levaram a embarcação o mais próximo possível da torre. O Sr. Whitmarsh acenou. O Sr. Greenwood a chamou. Elliot quase sorriu, mas sua boca não passou de um risco tenso.

– Agora você entende o que eu quis dizer, Rothwell. Se fosse fácil acessar a torre pelo mar, ela seria inútil para proteção – disse Greenwood.

– De qualquer forma, está um dia esplêndido para um passeio de barco – falou Whitmarsh. – Parece que ninguém pensou que tentaríamos essa estratégia. O cais permanece vazio.

Whitmarsh olhou para Phaedra lá no alto:

– Essa janela parece mais longe ainda daqui. Trouxemos alguns víveres, Srta. Blair, porém duvido que nosso plano de levá-los até aí funcione.

Uma onda de gritos chegou à torre vinda do outro lado. Phaedra correu até lá e olhou para baixo. Os homens tinham se aproximado muito do padre. A massa de mulheres se compactara.

Ela voltou para a janela que dava para o mar.

Elliot se curvou. Ao se levantar, exibiu uma corda grande com um gancho na ponta.

– Afaste-se, Srta. Blair. Entre na torre. Se eu conseguir mandar o gancho até aí, prenda-o o melhor que puder.

– Lorde Elliot, não acho que você conseguirá...

O olhar dele a silenciou. Ela foi para o outro lado da torre.

Por três vezes ouviu o barulho alto de metal atingindo a pedra, seguido pelo som de algo caindo pesado na água. Parecia que o plano deles não iria funcionar.

De repente o grande gancho de ferro apareceu na janela, subindo muito, e depois começou a cair. Uma de suas três hastes agarrou no peitoril da janela e parou.

Phaedra correu para lá, soltou-a e a deslizou pelo peitoril até encontrar um sulco profundo entre as pedras da parede onde prender o gancho.

Olhou para o mar. Os três homens puxavam a corda para testar sua segurança. Satisfeito, lorde Elliot pulou do barco para a estreita faixa de areia. Whitmarsh lhe entregou duas cestas.

– Mande primeiro a comida – pediu ela. – Não comi nada hoje.

– Com certeza você imaginou que o deus sol não podia esperar – provocou Elliot ao prender a alça da cesta na corda. – Na infância, quando eu desobedecia a meus pais, era mandado para o quarto sem jantar. Talvez um pouco de fome seja adequado para a senhorita hoje.

Ela deu um pequeno puxão na corda:

– Não vamos ser descuidados por pressa. E precisamos manter nosso senso de humor.

A cesta permaneceu imóvel por um momento, irritando-a, mas logo Elliot a soltou. Phaedra puxou a corda para cima até chegar à alça da cesta. Examinou seu conteúdo e jogou a ponta de volta.

– É um banquete e tanto. Vinho, presunto, pão e figos.

– Espero que goste. Se os homens da cidade tivessem conseguido chegar até aí, você só comeria macarrão e banha de porco pelos próximos dez anos, isso se não a enforcassem de imediato.

Elliot agarrou a extremidade da corda e começou a atar a outra cesta.

– Há cobertores e outros itens de primeira necessidade aí dentro.

Um rugido veio do outro lado da torre. Elliot olhou para cima.

– O que está acontecendo?

Ela correu para a outra janela, depois voltou para contar.

– Se for para aproveitar meu banquete, temo que precise fazê-lo bem rápido. O signore Tarpetta está ordenando que o padre saia do caminho.

– Puxe isso para cima logo e depois mande a corda de volta.

O barulho que entrava pela outra janela fez com que ela puxasse a corda o mais rápido possível. Depois que soltou a cesta, mandou a corda para baixo e correu mais uma vez para a janela que dava para leste.

O padre tinha ido embora. A linha de frente dos homens estava cara a cara com a das mulheres. Os flancos do exército de mulheres já tinham se rompido. Uma derrota se aproximava.

Phaedra voltou para a janela que dava para o mar. Greenwood apontava para a costa.

– Entraremos por ali e chegaremos à linha de batalha em minutos – disse ele a Elliot.

– A questão está ficando difícil no promontório – gritou ela para baixo.

– Mantenha-se firme, cara dama – bradou Whitmarsh em resposta. – Greenwood tem alguma influência na cidade e Rothwell está armado. Em breve estará em segurança.

Se planejavam entrar na luta que estava prestes a começar, Phaedra não contava com a vitória deles. Duvidava de que seus piratas ingleses fossem golpear e atirar para salvá-la, e sem isso ficariam em desvantagem numérica.

Elliot olhava a parede da torre e avaliava a estreita faixa de areia sob suas botas, na base, e as grandes rochas posicionadas de forma a desencorajar os barcos.

– É bem alto. Não posso me arriscar a que você caia se tentar descer pela corda. Se a água fosse mais profunda...

Ele ainda calculava e falava sozinho quando levantou as mãos, agarrou a corda e começou a escalar.

– O quê? Rothwell! Cuidado para não ser você a cair – alertou Greenwood.

Phaedra gelou quando gritos chegaram do promontório. Não foi até lá para ver o que estava acontecendo. Não conseguia tirar os olhos de Elliot pairando acima do mar, cada vez maior ao se aproximar pela corda, com o corpo e o rosto tensos do esforço.

Ela podia imaginar que a batalha não ia bem para as mulheres no promontório, o que significava que não ia bem para ela. Esticou a cabeça para fora da janela e contou a lorde Elliot o que acontecia.

Ele xingou e encontrou novas forças. Um som estranho começou a chegar pelas escadas. Parecia uma frigideira de metal atingindo algo mole. A voz de Carmelita clamava aos santos para ajudá-la e o som se repetia. Um homem grunhiu.

– Eles romperam o cerco à torre, lorde Elliot – gritou Phaedra, abaixada entre as cestas. – Suponho que não tenha posto uma arma junto com a comida ou os cobertores, para que eu pudesse exercer uma última resistência?

– Você sabe usar armas? – perguntou ele, a voz próxima e cansada.

Phaedra olhou para cima e o viu na janela. Os braços dele estavam apoiados no peitoril e seus dedos se agarravam na beirada interna.

– Posso usar uma arma, se tiver que fazê-lo.

Ajudou-o a subir agarrando-o pelos ombros e pelas calças. Ele se agarrou ao corpo dela em busca de apoio.

Finalmente, Elliot caiu na parte de dentro da torre. De um salto, pôs-se de pé com a agilidade de um gato. Do lado de fora, Greenwood ordenava a seus criados que remassem forte para contornarem a ponta do promontório.

Elliot sacou um revólver de seu casaco surrado.

– No caminho até aqui, Whitmarsh me presenteou com histórias sobre injustiças nas cidades deste país. Seria estúpido de nossa parte não levar a sério o perigo. Fique aqui. Não me siga. Se achar que a situação piorou, arrisque-se a descer pela corda e enfrentar o mar.


Elliot não desceu as escadas em silêncio. Deixou que todo o seu aborrecimento se traduzisse em passos estrondosos. Sua aproximação silenciou os homens embaixo.

Quando fez a última curva da escada, encontrou Carmelita Messina no degrau inferior, com a frigideira de ferro em riste. Quatro homens a ameaçavam, porém naquele momento a atenção deles se concentrou em Elliot, não nela.

Carmelita olhou por cima do ombro e percebeu seu revólver. Elliot não conseguiu chegar à conclusão se ela ficou aliviada ou aborrecida.

Passos também pesados, mas irregulares, soaram do lado de fora do portal. O signore Tarpetta apareceu sob ele. Endireitou-se em postura militar ao ver a arma.

– O senhor interferiu – começou ele.

– A Srta. Blair está sob minha autoridade e também sob minha proteção.

Tarpetta empinou o nariz e o olhou com desdém.

– O senhor não exerce a autoridade sobre suas mulheres muito bem.

Elliot não pôde contestá-lo.

– Sou muito melhor na parte da proteção – contrapôs e apontou a arma diretamente para Tarpetta. – Diga a todos para irem para casa.

– Ela infringiu nossas leis.

– Ela não infringiu lei nenhuma – argumentou Carmelita. – Apenas ofendeu as leis de um homem que se considera um reizinho.

– Vê o problema que ela causou? Ela enfeitiçou as mulheres e realizou rituais pagãos. Nós não permitimos esses crimes em Positano.

– Ouçam só! – zombou Carmelita com uma risada estridente. – Ele até fala como rei. O “nós” quer dizer “ele”.

Elliot não estava com ânimo para discussões. Brandiu a arma e ordenou:

– Todos fora desta torre. Signorina Messina, por favor, traduza o que vou dizer.

Tarpetta saiu da torre. Os homens e Carmelita o seguiram. Elliot foi por último. Ao sair, um som nas escadas o fez olhar para trás. Uma mecha de cabelo ruivo flutuava próximo à parede da escadaria.

As mulheres tinham ido embora. Elliot encarou os remanescentes da batalha, vinte homens que ainda não estavam satisfeitos.

O revólver dele os impressionou. Enquanto falava e Carmelita traduzia, o barco de Greenwood alcançou a parte de trás do promontório e Greenwood desceu no banco de areia.

– Sou lorde Elliot Rothwell, irmão do marquês de Easterbrook – disse. – Recebi dos oficiais do tribunal do seu rei a responsabilidade de proteger a Srta. Blair. Se algum de vocês a machucar, há de se haver comigo. Ela não é bruxa, nem herege, nem meretriz. Não há provas que sustentem essas acusações e os senhores têm a minha palavra de cavalheiro que suas suspeitas são infundadas.

Carmelita fez uma tradução muito longa. Dos pontos essenciais que Elliot pescou e pelas expressões nos rostos dos homens, ele suspeitou que ela houvesse enfatizado as palavras lorde, marquês e tribunal.

Matthias chegou quando ela terminava. Tarpetta, reconhecendo que seu grupo perdia força, mancou na direção dele. Os dois homens tiveram uma conversa particular.

Tarpetta foi embora. Os outros homens decidiram que era uma boa ideia bater em retirada com seu líder.

Greenwood se aproximou da torre.

– Você tem minha gratidão, Greenwood, pelo que quer que tenha dito a ele.

– Você não entendeu direito. Nós não os vencemos – explicou Greenwood. – Eles vão mandar alguns homens a Nápoles em busca de orientação e também para pedir ajuda ao Exército.

Carmelita jogou as mãos para o alto, num gesto de exasperação.

– Imbecis.

Tarpetta estava voltando para a cidade, porém dez de seus homens tinham parado na extremidade do promontório.

– O que eles estão fazendo lá? – perguntou Elliot.

– Montando guarda – disse Greenwood. – Não vão tentar entrar na torre, porque você está armado, contudo não vão deixar que a Srta. Blair saia até receberem ordens de Nápoles. Imagino que haverá um ou dois barcos vigiando do mar esta noite também.

Elliot conteve um xingamento. O santuário de Phaedra tinha acabado de virar uma prisão.

– Vamos vigiá-los enquanto eles montam guarda, para que não haja violação dessa trégua – prometeu Carmelita.

– Não martirize as mulheres em seu afã de combater aquele homem – disse Elliot para ela. – Agradeço por sua ajuda, porém temo que o preço pago por suas amigas já será alto o bastante. Deixe comigo agora.

Carmelita Messina deu tanta atenção ao que ele disse quanto Phaedra Blair daria.

– Vamos vigiar. Algumas de nós, viúvas e tal, as que não vivem sob o jugo de ninguém. Confio em seu revólver para manter a paz e em que o signore Greenwood use sua influência com aquele homem para acabar com essa confusão antes do pôr do sol.

Ela se foi, juntando o cabelo em um nó ao se afastar.

– Ela fala como se você pudesse resolver isso se quisesse – disse Elliot para Matthias.

– Carmelita está interpretando mal minha influência aqui. Contudo tentarei chamar Tarpetta à razão quando ele se acalmar, apesar de conhecer o homem somente de vista.

– Veja se ele aceitaria suborno.

Matthias deu um sorriso largo e forçado.

– Quanto ela vale para você?

Elliot guardou o revólver e caminhou para o portal.

– No momento, estou tentado a pagar para que ele a tire das minhas vistas.


CAPÍTULO 10

Pela janela, Phaedra observava a conversa de Elliot e Matthias. Não podia ouvi-los, porém seus rostos sérios indicavam que estavam traçando planos.

Um pequeno grupo formava um círculo no final do promontório. Outros quatro homens tomaram um barco de pesca no cais e zarparam.

Matthias se afastou. A torre ecoou o som de botas subindo os degraus de pedra.

Elliot entrou no cômodo. Ela continuava preocupada com a atividade lá embaixo, ainda assim deu uma boa olhada na direção dele. Sua expressão revelava preocupação e aborrecimento. Phaedra achou a inquietação charmosa, até mesmo lisonjeira. E teve esperança de que a raiva passasse logo.

– Você está em segurança por ora.

Elliot pôs o revólver no chão em um canto para evitar acidentes. Pegou um odre da cesta e o segurou no alto. Um jorro de água fluiu para sua boca.

Os olhos dela se grudaram no fluxo de água pura. Sua garganta se estreitou. Não tinha bebido nada desde antes do raiar do dia.

Elliot notou o interesse e caminhou na direção dela.

– Incline a cabeça para trás.

Ela obedeceu e abriu a boca. Um jorro frio e lento aliviou sua sede.

Phaedra secou a água de seus lábios com a mão.

– Achei que esses odres só continham vinho.

– Os outros, sim. Se tomarmos aos poucos, este nos bastará pelo tempo necessário.

Tempo necessário? Ela olhou de novo pela janela. Percebeu o significado dos homens postos na extremidade do promontório.

– Não posso sair, não é? O que aconteceu?

Ele explicou sobre a ida dos homens a Nápoles. Lembranças do odioso Sansoni invadiram a mente de Phaedra. No silêncio que se seguiu à explicação, o ar ficou mais pesado com o possível perigo à espreita e o peso dos problemas que já enfrentavam.

Lorde Elliot olhou por cima da cabeça de Phaedra para a cidade lá embaixo. Ele pareceu distraído, como se sua mente estivesse ocupada com algo muito distante.

– Você me desobedeceu – disse, provando que os pensamentos tinham tudo a ver com ela. – Você desceu as escadas.

– Ninguém me viu. Com você entre mim e o perigo... Foi uma desobediência pequena.

– Você me desobedeceu antes, ao vir para esta torre. Disse-lhe para permanecer na mansão.

– Não esperava ser vista na torre.

– Só que foi. Um ritual pagão, nada menos do que isso. Nesta terra, pior do que em qualquer outra.

– Não houve ritual nenhum. Nenhuma reza para o deus sol. Tarpetta simplesmente me viu na janela quando o sol nasceu. Não estava erguendo minhas mãos em oração. Estava protegendo meus olhos da luz forte, para que pudesse avaliar a posição exata do sol.

– Não me importo com o que estava fazendo. Foi descuidada com sua segurança e reputação. O resultado foi uma batalha entre os homens e as mulheres desta cidade e sua prisão nesta torre.

Elliot ficava mais exaltado a cada palavra.

– Também nem pense em falar agora de sua sagrada independência. Acabo de escalar a parede de uma torre e ameaçar de morte homens com quem não tenho nenhum problema. Talvez eu até tenha que matar algum, tudo por causa de sua maldita teimosia.

– Só fiz uma visita a uma torre ao alvorecer. Está sugerindo que eu poderia ter previsto tudo isso? – questionou, indicando o promontório abaixo e o drama que se desenrolara. – Se eu tivesse achado que alguém saberia ou se importaria, não teria vindo. Admito que parece muito estúpido agora, mas no momento não pareceu.

Não era bem um pedido de desculpas, mas pareceu aplacar o lado mais sombrio da fúria de lorde Elliot. Sua atenção e olhar se voltaram para ela tão nitidamente que isso enfatizou a proximidade deles.

– Você conseguiu o que veio fazer?

Ele tinha que perguntar.

– Se uma prova negativa puder ser chamada de prova – disse ela e apontou para a montanha alta. – Matthias estava certo. O sol não se eleva diretamente sobre o pico quando se observa desta janela, nem em linha direta com o lugar onde estamos agora. Ele primeiro se mostra à direita, ao sul, um pouco.

Phaedra se preparou para receber a zombaria de Elliot ou mais raiva por seu passeio ter causado tanto problema sem nem ao menos conseguir provar sua teoria.

Em vez disso, ele refletiu sobre a prova.

– Essas coisas não são precisas. O dia exato do solstício varia e ainda estamos mapeando as mudanças sutis que se acumulam na astronomia com o passar do tempo. Cinco séculos atrás, o sol pode muito bem ter nascido no pico da montanha no verão.

Ela achou muita gentileza dele dar desculpas e não chamá-la de tola. Algo mais parecido com uma desculpa direta começou a se formar em sua mente.

– Não tive intenção de causar todo esse problema e sinto muito por isso. Não me surpreende você estar com um pouco de raiva de mim.

– Estou com muita raiva de você, Phaedra. Contudo estou mais preocupado com sua segurança. Até que eu tenha assegurado isso, terá que fazer o que digo, principalmente se eu tiver mais motivos para sacar este revólver.

Elliot caminhou até a janela que dava para oeste. Franziu o cenho com o que viu. Ela andou até lá e espiou também. Um barco com três homens lançou âncora a uns cinquenta metros da torre. O sol tinha começado a se pôr no mar, mas ainda levaria horas até ficar escuro.

– Sua prisão está completa – disse Elliot. – Temos que esperar e confiar em Matthias para negociar sua libertação antes que mais problemas venham de Nápoles. Infelizmente, Tarpetta parece ter o poder nas mãos e Matthias o conhece somente de vista.

Phaedra se ajoelhou ao lado das cestas e começou a retirar seu conteúdo. Fez uma fileira com os odres, frutas e embrulhos de comida contra a parede.

– Carmelita acha que eles se conhecem melhor do que admitem.

Elliot descansou o ombro na parede e a observou mexer nas cestas.

– Seria bom se você estivesse certa, entretanto Matthias não tem motivos para mentir para mim.

Phaedra ficou feliz de encontrar uma xícara de barro por baixo da comida. Não queria beber direto do odre o dia todo, apesar de a experiência ter sido interessante.

– Você conhece Matthias bem? – perguntou ela.

Greenwood talvez tivesse o destino dela nas mãos, porém não era apenas esse o motivo da pergunta.

Elliot se afastou da luz do sol que se esgueirava pela janela. Foi para a área fresca e sombreada onde Phaedra arrumava os alimentos. Sentou-se no chão, apoiando as costas nas pedras, e pegou um figo.

– Eu o adorava na faculdade. Ele é um acadêmico respeitado e com duas obras publicadas. Estimulou meus estudos e me orientou nos métodos de pesquisa necessários para traçar novos caminhos. Seu interesse me lisonjeou, principalmente porque não parecia interesseiro, como outros professores.

Elliot mordeu o figo e depois fez um gesto apontando o restante da comida.

– Você devia comer algo. Se daqui a três dias tivermos que nadar para salvar nossas vidas, não vai querer estar fraca.

Phaedra pegou um pouco de pão e queijo.

– Você não parece adorá-lo agora, e não há mais nada de professor na forma como ele o trata.

– Bem, não sou mais um estudante e tenho um livro publicado.

– Parece mais do que apenas uma amizade construída a partir desses antigos papéis, foi o que eu quis dizer.

Elliot não parecia inclinado a satisfazer a curiosidade dela. Degustou o figo sem pressa. Ela se refugiou concentrando-se na própria comida.

– Meu pai não era um homem caloroso.

Ele falou isso de modo casual, como se não tivessem se passado quinze minutos desde seu último comentário.

– Imagine um homem como meu irmão Hayden, só que sem nenhuma das qualidades que contrabalançam a rigidez dele. Quando criança, eu considerava ter sorte por ser ignorado por meu pai enquanto ele se voltava para meus irmãos. Matthias Greenwood, por sua vez, escolheu colocar o foco de sua atenção em mim. Ele valorizava as mesmas coisas que eu, era rápido em elogiar, mas não se precipitava na hora de expressar desapontamento. Havia algo de paternal em seu interesse, imagino.

Ela notou sua expressão ao descrever o pai. Conhecia bem a reputação do marquês de Easterbrook. Com certeza, tinha sido aquele tipo de pai impossível de agradar e talvez tão duro com os filhos quanto se dizia ter sido em outras áreas.

Porém, não foi a brandura intencional de Elliot que chamou sua atenção. Outra emoção brilhava nos olhos dele.

Ele insistira em que as memórias de Richard Drury faziam insinuações falsas sobre o último marquês, contudo não tinha assegurado que de fato elas fossem mentiras. Ao se sentar ali com ele e observá-lo, Phaedra entendera que lorde Elliot não estava convencido de que o pai não mandara matar o oficial. Aquela suspeita ficaria mais plausível, ganharia corpo e seria inevitável se as insinuações fossem publicadas?

Alguns cientistas acreditavam que o comportamento criminoso era herdado, assim como algumas doenças. Saber que o legado de uma pessoa incluía a capacidade de tramar um assassinato impiedoso poderia ser tão ruim quanto descobrir que seu sangue estava maculado pela insanidade.

– Matthias Greenwood não teve filhos – disse Phaedra. – Você é seu herdeiro intelectual e parte de seu legado profissional. Se havia algo de pai nele, talvez houvesse algo de filho em você.

Ele deu de ombros.

– Talvez esteja certa. Ele pode me ver dessa forma, mesmo na amizade que temos agora.

Phaedra suspeitava de que Greenwood de fato o visse dessa forma, mas achava que Elliot o via assim também. A maneira como se comportavam um com o outro fazia com que ela pensasse na amizade confortável e no amor entre pais e seus filhos adultos quando seu relacionamento amadurecia.

Se fosse assim, Matthias Greenwood seria uma pessoa importante para Elliot.

É claro que ele era. Elliot estava ali, não estava? Ele tinha viajado até Positano para discutir sua nova pesquisa com o antigo mestre, ainda que já o houvesse superado como historiador.

Fazer aquela humilde refeição no chão de pedra os apartava do restante do mundo. Sua descrição franca do pai tinha aberto uma porta de intimidade mais sedutora do que aquela criada pelo prazer físico. Era algo como a relação que se estabelecia entre ela e seus amigos.

– Por que está tão curiosa sobre Greenwood, Phaedra?

Ela examinou a familiaridade branda que compartilhavam e pensou em sua resposta.

– Tenho interesse nele.

– Ele tem idade para ser seu pai!

Ela quase riu com seu tom exasperado, mas o aborrecimento mostrado em seus olhos lhe deu uma indicação. Ele estava com ciúmes. Phaedra achou isso irremediavelmente fora de moda e presunçoso, porém ao mesmo tempo adorável. Teve vontade de rir, em vez de censurá-lo.

– Você entendeu mal, Elliot. Ele conheceu minha mãe e tem sido gentil em responder perguntas que tenho sobre algumas questões.

– Que questões?

– Minha mãe talvez tenha mantido um amante em segredo em seus últimos anos de vida.

Ele franziu o cenho.

– Richard Drury...

– Não nos últimos tempos. Houve outro homem.

– E Matthias sabe quem foi? Ele vivia em Cambridge na ocasião e, apesar de às vezes visitar Londres...

– Ele é um homem perceptivo. Não ficou surpreso quando sugeri que talvez tivesse havido outro homem na vida de minha mãe. Esse amante também mexia com antiguidades e Matthias me deu os nomes de alguns homens do círculo dela que eram do ramo. Muitos de seus amigos íntimos desconversaram na hora em que os procurei. Desconfio que não quisessem que a imagem de Artemis Blair fosse mudada. Mas ele foi sincero comigo e sou grata por isso.

Elliot refletiu sobre o que ela disse e pareceu ao mesmo tempo curioso e cético.

– Por que você buscaria nomes, Phaedra? Talvez não tenha havido amante nenhum, já que os amigos dela negaram o fato.

– Acho que houve, sim, por causa de uma passagem que meu pai escreveu em suas memórias. Esse homem, quem quer que seja, era um criminoso.

A expressão dele ficou mais séria.

– Outra referência sem nome? Outra fofoca que destruirá uma reputação?

Elliot se pôs de pé em um minuto. Afastou-se, olhou para a parede e depois se voltou para ela.

– Seria melhor se você queimasse essas memórias ou as deixasse em uma gaveta trancada para sempre.

– Isso pode poupar sua família, mas não poupará o amante de minha mãe.

– Por que não?

Ela embrulhou o queijo no guardanapo úmido.

– Porque, mesmo que as memórias não sejam publicadas, destrincharei essa parte delas até ficar satisfeita e lidarei com esse homem do meu jeito.

O cenho de Elliot se manteve franzido, seu humor não melhorou, contudo uma curiosidade cautelosa surgiu em seus olhos.

– Você fala calmamente, porém de forma amarga e decidida. O que seu pai escreveu sobre esse homem que provocou em você a vontade de identificá-lo?

Ela se ajeitou para se levantar. Passou a mão na saia para retirar as migalhas.

– Ele escreveu que esse homem a seduziu, depois a traiu de forma tão desonrosa que acabou provocando sua morte. Preciso descobrir se isso é verdade.

– Na melhor das hipóteses, é ambíguo.

– Nem tão ambíguo assim. Tem mais. Não sou totalmente louca por achar que posso identificar esse homem. Só metade louca.

Ela andou até o centro da sala e olhou em volta.

– Se vamos ficar aqui por dias, temos que deixar esse lugar mais habitável – falou ela, virando uma cesta de cabeça para baixo. – Isso pode servir de banco, se você conseguir tirar a alça.

Elliot procurou a faca que viera junto com a comida. Colocou a cesta nas pedras do peitoril da janela e começou a cortar.

– Você não deveria levar muito a sério o que seu pai escreveu sobre sua mãe. Ele era um amante rejeitado e isso pode enevoar o bom senso de qualquer homem.

Phaedra pegou o cobertor sobre a esteira de palha e verificou se estava limpo. Avistou alguns ganchos de metal presos na abóbada do teto.

– Meu pai entendia bem o que tinha e o que não tinha com minha mãe. Ele não escreveu com amargura, mas como um homem que testemunhou a mulher que amava ser usada.

Elliot continuou a cortar, entretanto sua expressão decidida não tinha a ver com a alça da cesta.

– Trate esse assunto com cautela, Phaedra. Não acuse o homem errado nem conteste um homem bom.

– Se ele for um homem bom, não terá nada a temer de mim ou das memórias. Nenhum homem bom teria.

A alça da cesta se soltou, quebrando-se sob a pressão que ele impunha com a faca. Um barulho seco reverberou na abóbada de pedras, como se a paciência de Elliot tivesse acabado junto com a última frase dela.


Passaram as horas seguintes de forma mais agradável, falando amenidades. A amiga de Phaedra, Alexia, estava recém-casada com o irmão de Elliot, Hayden, e eles especularam sobre o casal e o que os teria unido. Isso suavizou o clima pesado da primeira parte da conversa.

Elliot, no entanto, continuou a refletir sobre o assunto inicial. Ele havia percebido o tom e a expressão de Phaedra ao falar do amante que traíra sua mãe.

Phaedra não era uma simples visitante curiosa na península Itálica, como tinha dito, mas uma mulher com uma missão. Por algum motivo, aquilo a tinha levado a Nápoles. Por isso o humor dela melhorara em relação ao atraso em ir a Pompeia. Sua investigação poderia até estar na origem da amizade com Marsilio e Pietro.

Por tudo o que sabia dela, cada ato, cada palavra, desde o dia em que ele entrou naquele jardim em Nápoles, fora parte de seu plano para saber dos últimos meses da mãe e do homem a quem culpava por seu declínio e morte.

Ela foi dando instruções a Elliot para arrumar sua habitação humilde enquanto conversavam. A pedido da Srta. Blair, ele amarrou a corda em um dos ganchos da abóbada. Phaedra esticou o cobertor velho nela e, assim, separou um canto no qual colocou o penico que os criados de Matthias tinham gentilmente posto em uma das cestas.

Já anoitecia quando tudo ficou arrumado. Com um novo cobertor sobre a esteira de palha e a cesta de cabeça para baixo como banco, Phaedra havia criado um lar rústico, porém agradável. Para uma pessoa.

Havia um cômodo de teto baixo sob essa sala mais alta na torre. Elliot esperava ser posto lá, a menos que, com seu charme, pudesse obter da rainha um convite para partilhar de seu santuário.

– Você tem talento para arrumação doméstica, Phaedra. Isso é resultado de se virar sem criados?

– Acho que aprendi a fazer isso porque minha mãe não levava o menor jeito para assuntos domésticos. Isso se mostrou útil quando tive que cuidar da minha própria vida.

Phaedra levou o odre e a xícara para a janela que dava para a cidade. Depois de derramar fora um pouco de vinho, conseguiu fazer jorrar um arco que encheu a xícara, e então ofereceu a bebida a lorde Elliot.

Ele se juntou a ela próximo à janela e bebeu. Os homens de Tarpetta tinham montado acampamento na base do promontório, para além da longa sombra da torre. A julgar pelos sons distantes das risadas, eles pareciam relaxados e de bom humor.

– Por que teve que cuidar da própria vida?

Ela estava linda demais à luz prateada do anoitecer que entrava pela janela. Atrás deles, pela abertura oposta, as cores chamejantes dos últimos raios de sol penetravam. Esses raios iluminavam a parte de trás da cabeça de Phaedra, transformando suas mechas em brasas, em contraste com a fria translucidez da pele branca do rosto que olhava para oeste.

– Minha mãe acreditava que as mulheres aprendem em casa, com os pais, a serem dependentes. Somos ensinadas e temer a independência e depois convencidas a rejeitá-la mesmo que esteja ao alcance. Assim, quando recebi uma herança do irmão de minha mãe, ela me estimulou a sair de casa e a viver sozinha antes que me acomodasse e virasse uma adulta dependente dela.

Phaedra fez uma pausa ao se esticar calmamente para ver o chão perto da torre. Outro pequeno acampamento tinha sido montado ali, povoado por cinco senhoras e Carmelita Messina.

– Eu tinha 16 anos – acrescentou, ainda distraída com a cena abaixo.

A atenção que dava aos acampamentos não a deixou perceber a reação de Elliot.

– Você era uma criança.

Ele tentou não expressar condenação em seu tom. Phaedra não gostaria de ouvir críticas à mãe, e ele não tinha o menor desejo de discutir com ela naquele minuto.

Ela ainda observava o promontório.

– Sim, eu era uma criança. Contudo há muitas mulheres que são empurradas para o casamento nessa idade. Acho que seria um destino muito mais assustador. Elas são jovens demais para os planos de seus pais, e eu também era jovem demais para os planos dos meus. Ela não se afastou da minha vida, não foi uma rejeição de seus deveres. Minha mãe me ajudou a contratar uma governanta, para que eu não morasse sozinha nos primeiros anos. Eu a visitava com frequência e nos víamos quase tanto quanto no tempo em que morávamos sob o mesmo teto.

Ela fez isso soar quase natural e sensato. Ele não podia pensar em Phaedra aos 16 anos morando sozinha, sem proteção ou supervisão de ninguém, exceto uma criada. Sua prima Caroline, que tinha sido apresentada à sociedade na última temporada, era tão infantil que dava vontade de trancá-la em casa por mais dez anos.

É claro que Phaedra Blair provavelmente não era tão infantil nessa idade, nem tão inocente. Artemis criara a filha para andar com as próprias pernas e traçar o próprio caminho. Ainda assim, essa imagem o deixou irritado. A mulher não deveria ter usado a própria filha como experimento para provar que suas ideias radicais tinham mérito.

– Na época não me importei e tudo saiu como minha mãe esperava. Depois que uma mulher prova uma liberdade assim, nunca mais quer abrir mão dela. Contudo, quando ela morreu... então fiquei enraivecida. Queria que ela houvesse esperado um pouco mais, de forma que eu tivesse aproveitado aqueles dois últimos anos com ela. Ela não previa que seu tempo seria tão curto, é claro.

– Não imagino a independência que me descreve. Mesmo sendo homem, não fico tão por minha conta.

– Não importa que ainda more na mansão de Easterbrook. Sendo homem, você é livre.

– Não falo de leis, costumes ou finanças, mas da vida. Não sou sozinho nem alguém sem laços com outras pessoas. Meus irmãos estão sempre presentes na minha vida e tenho outros parentes a quem devo obrigações. Minha vida faz parte da deles e a deles, da minha. Mesmo que meus irmãos e eu um dia nos odiássemos, ainda teríamos questões em comum a compartilhar.

A expressão de Phaedra se tornou pensativa, deixando-a ainda mais bela.

– Eu gostaria de ter tido um irmão ou uma irmã. Isso teria sido muito bom, principalmente agora.

Agora que estava completamente só, era o que queria dizer. Phaedra havia escolhido um caminho que a deixaria sozinha para sempre, a menos que, como a mãe, tivesse um filho ilegítimo. Elliot percebeu que ela compreendia que abrira mão de certas coisas e que não as menosprezava. Tinha posto as opções na balança, se não aos 16 anos, ao ficar mais madura. Ele não achava que o prêmio valesse o custo, porém admirava a bravura dela.

Ela pareceu um tanto triste. Ele se sentiu péssimo por tê-la obrigado a encarar a própria solidão.

– Espero que suas amizades de alguma forma possam substituir a família que você não tem.

Lampejos traquinas dançaram em seus olhos. Seu humor e animação vieram à tona, surgidos das profundezas de seus pensamentos.

– De certa forma, mas não é uma família como você descreveria a sua. Uns amigos são como irmãos e irmãs, alguns poucos se comportam como os mais afáveis dos maridos, porém esses laços não são permanentes. Com o passar do tempo, é possível que eu me veja imaginando se não fui abençoada com mais independência do que qualquer pessoa quereria.

O que significava que já vinha se questionando sobre isso.

A referência indireta a seus amantes sutilmente mudou o clima entre eles. Elliot não podia ficar tão perto dela naquela luz e não pensar em fazer amor com ela. Imagens e desejos tinham surgido aos borbotões desde que subira os degraus horas antes. A excitação aumentara com as palavras dela. Ele pensou ter visto um desafio na forma como ela o mirava.

De repente o desejo os uniu mais intensamente que nunca. Ela não fez qualquer esforço para refrear seu poder. Ele não se aguentava mais. Jamais tinha encontrado uma mulher que reconhecesse de forma tão ousada a excitação sensual que pode existir antes de um beijo ou um toque.

Com qualquer outra mulher, ele daria o primeiro passo, como fizera com ela antes. No entanto, não se esquecera das palavras dela ao se afastarem no terraço, naquela noite. Se ela fosse honrar sua ameaça, neste momento ele provavelmente não conseguiria se portar de forma honrada o bastante para que ela tivesse a chance de rejeitá-lo.

Phaedra evocava nele o que seu sangue trazia de pior, algo que vinha do pai. Elliot queria se aproximar, abraçá-la, acariciá-la e devorá-la. A tentação de usar o prazer para coagi-la a se submeter ao próprio desejo e a ele ameaçava sobrepujar o que restava de seu bom senso.

Elliot se afastou. Pegou o revólver e um dos cobertores e começou a descer as escadas. A alternativa era se arriscar a se comportar como um canalha, ou, pior, tornar-se uma daquelas abelhas lastimáveis que ficam zumbindo e implorando pelos favores da rainha.


Phaedra observou o sol se pôr no mar. Luzes roxas e laranja coloriam a água com listras sedosas à medida que a escuridão aos poucos se aproximava. Lá embaixo, no barco, os homens acenaram e a saudaram amigavelmente. Parecia que eles também tinham alguns odres de vinho à disposição e que a bebida os deixara mais amistosos.

Phaedra encontrou a única vela mandada junto com os víveres e a acendeu. Sentou-se em um canto onde a brisa noturna não a apagaria. Ouviu Elliot se mexer lá embaixo, talvez na tentativa de achar algum conforto no chão tendo apenas um cobertor sob o corpo.

O corpo dela ainda não tinha se acalmado totalmente desde que ele partira, nem seus pensamentos se afastaram muito dos últimos minutos que tinham passado juntos. Uma pulsação quente continuava a se fazer sentir, atraindo sua atenção. Normalmente ela só tinha que lutar contra isso quando Elliot estava por perto, contudo seu corpo parecia saber que estava perto o bastante e não lhe daria alívio. Seus seios continuavam rígidos e cheios, com os mamilos reagindo a cada roçar do tecido do vestido.

A última conversa deles a desarmara. Agora só conseguia pensar em lorde Elliot de forma gentil. Ele entendera mais do que ela mesma. E não a olhara com pena – em vez disso, expressara uma preocupação verdadeira com esse lado menos perfeito da vida dela.

Ela mentira um pouco para poupar Artemis da censura daquele homem; entretanto, a julgar pelas reações dele, isso fora desnecessário. A verdade era que Artemis estivera correta em suas crenças, mas nem sempre em seus métodos. Ficar sozinha aos 16 anos fora algo devastador e amedrontador, muito mais do que Phaedra admitira. Ela sentira como se a mãe a tivesse jogado de um barco no meio do oceano, simplesmente esperando que ela soubesse nadar.

Phaedra perdoara a mãe por esse engano fazia anos, porém duvidava que outras pessoas fizessem o mesmo se soubessem daquele frágil ano tão carregado de grandes erros. A verdade seria mais uma prova para o mundo de que Artemis Blair não tinha sido uma boa mãe, nem ao menos uma mulher normal.

Elliot já não fazia mais barulho lá embaixo, embora ela pudesse jurar ouvir sua respiração. Ele não teria conseguido pegar no sono tão rápido, disso ela sabia. Phaedra caminhou a passos suaves, numa tentativa de aliviar a forma como seu corpo a atormentava. Tentou harmonizar a ideia de que o desejo não era somente físico agora, mas também um anseio por aumentar a proximidade que sentira com ele ao compartilhar suas confidências e o perigo.

Levou as mãos aos seios. Os estímulos se juntavam, aumentavam e desciam por seu corpo. Fechou os olhos para tentar domá-los e ouviu a lição dada por sua mãe sobre desejo.

O prazer carnal é uma necessidade tanto de homens quanto de mulheres. Não negue seus desejos, só fique atenta a quem escolhe como parceiro. A maioria dos homens são conquistadores em sua essência. Busque os poucos mais esclarecidos que alçaram um lugar acima da maldição primitiva. Se decidir ter prazer com um conquistador, certifique-se de lhe dar somente seu corpo e apenas temporariamente. E nunca, nunca sucumba à ilusão de que pode mudar esse homem.

Phaedra imaginou o homem lá embaixo. Ele se fora apesar de terem estado juntos em um cômodo saturado do desejo de um pelo outro. Elliot podia ser um conquistador, porém não era tolo. Entenderia que ela não cederia nada, exceto o que decidira ceder. Ela faria questão de deixar essa parte bem clara.


CAPÍTULO 11

Elliot se preparou para passar uma noite tendo apenas os próprios pensamentos por companhia. Com um pouco de sorte, logo pararia de ficar imaginando a mulher do andar de cima.

Esforçou-se para pensar no mundo que descrevia nos livros. Não precisava de seus papéis para se aventurar por lá. As notas e os esboços preliminares eram registros de suas ideias, não lembretes. Toda a informação estava em sua cabeça, acessível a qualquer momento. Já tinha passado muito tempo por lá, escapando do tédio quando alguma conversa o incomodava.

Seus irmãos, Christian e Hayden, também tinham câmaras secretas em suas mentes. Quando se aventuravam nelas, fechavam as portas atrás de si e se isolavam por completo da realidade. Somente ele fora abençoado com a capacidade de entrar e sair a seu bel-prazer, como se a porta permanecesse entreaberta. Elliot sempre conseguia manter contato com o mundo real.

Naquele exato momento, contudo, isso não era uma grande vantagem. O mundo externo com o qual não perdia contato consistia de uma frustração física que não se aquietava. Especulações em relação aos movimentos acima o perturbavam. Seu sangue ruim calculava o custo para sua honra e seu orgulho se ele dominasse primeiro e corrigisse depois.

De alguma forma, conseguiu deixar tudo isso do lado de fora, perto da porta, mas sem interferir tanto em seus pensamentos. Voltou sua concentração para as informações sobre práticas funerárias que coletara das antigas histórias romanas.

– Elliot.

Ele abriu os olhos. Cada parte de seu corpo entrou em estado de alerta. Ela poderia estar a centímetros dele, tão nítido fora o chamado. As pedras das paredes e dos degraus tinham transportado sua voz para baixo. Ela nem tivera que elevar o tom.

Phaedra não falou de novo. Só pressupôs que ele tivesse escutado. Ou talvez soubesse que ele responderia ainda que o chamado tivesse sido feito só na mente dela.

Talvez ela só precisasse de ajuda com a vela. Ou talvez tivesse visto algum movimento de uma das janelas e pressentisse problemas provocados por seus carcereiros. Ele podia simplesmente perguntar dali, mas não faria isso, apesar de saber que se afastar de novo seria quase impossível.

Acreditando que Phaedra era esperta demais para brincar com fogo, ele subiu as escadas.

Luzes vagas e sombras escuras dançavam pelas pedras das paredes e da abóbada no cômodo superior. O cobertor pendurado separava um canto numa cortina improvisada. A única e grande vela queimava devagar, suas chamas acrescentando lampejos dourados aos frios raios do luar.

Todas as tênues fontes de luz se juntavam e se intensificavam em um lugar. Uma estátua pálida as absorvia para aumentar a exibição sensual do cobre abrasador e da porcelana branca.

Phaedra estava de joelhos na esteira de palha, apoiada nos calcanhares. Olhava para a escada e para ele. Elliot parou ao vê-la, momentaneamente boquiaberto com sua beleza e ousadia.

Estava nua. Suas madeixas ondeavam pela pele desnuda. Pareciam fitas de seda que se dividiam para deixar ver partes de ombros alvos como leite, de braços macios, seios arredondados e quadril curvilíneo.

Ela deixou que ele observasse um bom tempo, sabendo que uma torrente se armava dentro dele, admitindo com o olhar que sentia o mesmo desejo.

Juntou os cabelos e os jogou para trás, expondo o corpo todo. Seus seios estavam empinados e cheios, com os mamilos róseos rígidos.

– Podemos ter prazer juntos esta noite, se quiser – disse ela.

Ele arrancou o casaco e andou até onde ela estava.

– Se eu quiser? Eu quero possuí-la desde a primeira vez que a vi.

Phaedra relaxou e esticou o corpo nu a seus pés, observando enquanto ele tirava a camisa.

– Não será assim. Possuiremos um ao outro.

– Como queira. Não me importo nem um pouco com os termos dessa rendição.

Naquele momento ele não se importava com absolutamente nada, exceto o desejo que ficava mais forte e convincente a cada instante. Caiu de joelhos ao lado dela.

– Não é uma rendição, Elliot. É uma trégua. Uma noite para gozarmos de nossa amizade.

Ela o ajudou a desabotoar a calça.

As mãos dela o fizeram enlouquecer de excitação. Ele olhou para aquele corpo feminino nu, tão vulnerável e acolhedor. Imagens entraram em sua cabeça e a urgência acelerou sua pulsação. Se ela considerava isso amizade, não conhecia os homens muito bem.

– Com certeza, Phaedra. É claro.


Ele não quisera dizer isso. A alma dela sabia, mas, naquele momento, Phaedra não se importara.

Ele estava lindo e sensual. Até ajoelhado ele era alto. Seu tronco e seus ombros nus se avolumavam acima da esteira de palha e dela, fazendo-a pequena e... vulnerável. Essa sensação era nova. Nunca vivenciara algo assim antes de conhecer aquele homem. Não era uma sensação desagradável. Ela se deixou sentir prazer nessa condição porque sabia que ele não representava um perigo real.

A luz deixava a pele dele cor de bronze e ressaltava seus músculos. Não havia nada de suave para se ver nele. Nem no corpo nem no rosto. Nele, a paixão tornava os traços de família ainda mais duros, mesmo sendo o Rothwell mais afável. O cabelo escuro, solto e despenteado pelas aventuras do dia, caía em mechas sobre a testa e o rosto. Seus olhos se tornaram cristais negros quando ela começou a ajudá-lo a se despir.

Elliot afastou as próprias mãos, deixando que ela fizesse o trabalho sozinha. Só olhou para baixo, talvez desafiando-a a prosseguir, testando se ela recuaria.

Ela não se apressou. Seus olhares ficaram conectados. Sensações maravilhosas davam vida ao corpo dela. A excitação era mais intensa por saber o que estava por vir. A expectativa cresceu entre eles de forma tão maravilhosa que se tornou um dos maiores prazeres que ela jamais experimentara.

Depois de despi-lo da calça, ela levou a palma da mão até o abdome dele, saboreando o toque de sua pele e daquela combinação tão masculina: uma superfície macia sobre uma sustentação rígida. Ela amava a forma como o desejo intensificava todos os sentidos, inclusive a intuição que lhe dizia quanto ele adorava aquele toque e como o resto da realidade desaparecia por completo para ele também.

Quando não conseguiu subir mais, desceu a mão de novo, chegando a sua roupa íntima. Com carícias suaves, ela a puxou para baixo, fazendo o tecido se avolumar em seus joelhos e libertando-o. As pontas dos dedos dela faziam o reconhecimento de seu corpo, centímetro por centímetro. Ela deslizou as mãos e as pressionou nas partes protuberantes do quadril e das coxas dele. Com a ponta dos dedos, alisou sua ereção inteira até a cabeça do pênis, envolvendo-o com suavidade, depois o acariciou de forma mais agressiva.

Elliot tentou conter a sensação que isso provocou, mas ela pôde ver a fúria sensual que o dominava. Todo ele ficou mais duro. Seu rosto e olhar, seu corpo inteiro ficou mais rígido.

– Você corre perigo de ser tomada sem cortesia nem cerimônia, Phaedra.

Ela avaliou a ameaça e a excitação do próprio corpo.

– Não me importo. Estou mais do que pronta também.

Ele se juntou a ela no cobertor e empurrou as roupas para longe. Posicionou seu corpo nu por cima do dela, apoiando-se nos antebraços ao lado dos ombros dela.

Um beijo. Profundo e íntimo, tão lento e sedutor que um anseio estranho e doce venceu sua impaciência. Phaedra afastou as pernas para que ele se aninhasse, instintivamente convidando-o a se unir a ela naquele momento para que talvez a noite toda fosse comovente.

Ele olhou para ela.

– Você é uma mulher muito generosa.

– Generosa, não. Quando a mulher é sincera nesses prazeres, ela ganha também.

– Esta é uma visão admirável e democrática. Só que você não está sendo sincera e me encoraja a ser um amante ruim por causa disso.

– Reconheço minha condição carnal da forma mais sincera.

Tão sincera que essa demora a enlouquecia. Ela mexeu o quadril um pouco para encorajá-lo.

A reação dele foi leve, sutil, mas devastadora. Ele empurrou, mas não tudo. Ela o sentiu lá embaixo, tocando-a de leve, uma provocação terrível e maravilhosa.

Ele a beijou no pescoço e nos ombros.

– Você disse que estava mais do que pronta – falou, administrando o calor daquele deleite. – Não foi verdade, mas talvez tenha falado por ignorância.

A indignação se infiltrou em sua mente, que só pensava nos formigamentos maravilhosos que atingiam seu sangue.

– Não sou ignorante. Acho que isso é óbvio.

Ele suspendeu o tronco, de forma a poder acariciá-la. Observou as pontas dos próprios dedos traçarem levemente uma linha em torno da base e do volume do seio, assim como ela havia feito há pouco no quadril e nas coxas dele.

– Uma mulher mais do que pronta não fica tão controlada quanto você continua. Você não está nem perto de estar pronta como poderia estar. Se não é ignorante, sabe disso. Mas talvez você tenha medo de se abandonar à sensação.

Ele esfregou o mamilo dela. Um tremor profundo a sacudiu, ressoando dos pés à cabeça. O corpo dela ansiava por empurrá-lo fundo para dentro e escapar daquela tortura sensual, por mais deliciosa que fosse.

Ele tocou o seio dela com mais força, esfregando o bico, fazendo os tremores se repetirem com intensidade crescente. Phaedra começara essa sedução confiante e ousada. Agora a onda dessa vulnerabilidade tentadora afastava seu autocontrole.

Ela não conseguia mais resistir à maré de prazer. Elliot pareceu perceber que ela tentava. Saiu do corpo dela como se anunciasse que era ele quem decidiria quando ela estaria pronta. Deitado ao lado dela, apoiado no braço rígido, ele a acariciou devagar e seguro de si, seu toque possessivo percorrendo toda a pele dela.

Seus seios ansiavam para que suas mãos voltassem ali. O outro prazer e os estímulos que ele causava pioravam tudo ainda mais. A frustração a deixava quase louca. Ela nem conseguiria abraçá-lo naquela posição, ficava exposta e submissa ao seu olhar e a suas mãos mal-intencionadas.

Phaedra não podia abraçá-lo, mas podia tocá-lo. Nem todo o corpo dele estava fora de alcance. Ela buscou a parte interna da coxa de Elliot com a mão direita. Acariciou-o com movimentos para cima, certificando-se de que não perderia o controle sozinha.

Ele reagiu como esperado, da forma como ela ansiava. Elliot acariciou seus seios de uma maneira tão perfeita, tão completa, que a fez quase perder a sanidade. O prazer insuportável ficou maravilhosamente pior e o desejo por mais tomou sua mente.

Ele baixou a cabeça e levou a boca ao seio dela. Uma nova sensação percorreu seu corpo. Uma sensação doce e intensa e tão poderosa que a fez perder contato com a realidade. Phaedra agarrou os ombros dele em um abraço selvagem para que não ficasse sozinha em seu abandono. Sua mente se obscurecera e ficara tão focada que apenas uma vaga percepção do mundo ao redor se esgueirava por ela. Sons ecoavam as súplicas em sua cabeça e as necessidades que a devastavam. Pegadas fortes e beijos violentos a levaram mais fundo nessa sensação pura.

Um toque diferente, bem-vindo e temido e tão necessário que ela pensou que desmaiaria de alívio. Sua consciência gritou. Ela abriu mais as pernas para que ele não parasse. Arrepios profundos se acumulavam lá e se espalhavam, aumentando a tortura até ela querer implorar por alívio.

Então lá estava ele com ela de novo, aninhado entre suas coxas como tudo tinha começado, empurrando de leve daquela forma incompleta e enlouquecedora. Ele a beijou com um jeito selvagem ao penetrá-la, engolindo seu gemido de alívio.

Estocadas fortes, profundas e plenas, a levaram ao gozo. A explosão singular de prazer a embebedou de paz e de uma sensação perfeita. Flutuou nela, espantada com a violência do clímax e com a materialidade do êxtase.

Phaedra foi voltando devagar da escuridão sagrada de sua mente. Seus braços sentiram os ombros que ela abraçava e suas pernas, o quadril que circundavam. Ele permanecia teso e pleno dentro dela.

Por entre os cachos úmidos, ela viu os olhos dele, ainda quentes e firmes em sua rigidez sensual.

– Você parece bem satisfeita, Phaedra.

Tão satisfeita que ela pensou que nunca mais poderia se contentar com menos.

– Com toda a certeza.

Ele se mexeu devagar, descrevendo um longo caminho na carne ainda intensamente viva após o clímax.

– Acho que nunca conheci uma mulher com tanta facilidade de ter prazer.

Ele pousou um beijo firme em seus lábios. Bem dentro dela, a satisfação começou a arrefecer. Novas necessidades acenaram de forma sutil, porém perceptível.

Ele fez de novo. Olhava para baixo, controlado demais, seguro demais do que causava com suas investidas lentas e profundas.

– Acho que nunca fui tão possuído por uma mulher antes.

– Não me culpe se não compartilhou a satisfação. Normalmente, há unidade nessas coisas.

– Duvido que já tenha havido unidade com você. Seus amigos encontram o próprio prazer enquanto a ajudam a achar o seu, mas é diferente.

Phaedra viu um insulto nessas observações tranquilas. Se não estivesse tão ligada à potência viril que emanava dele, se os tremores da nova excitação não estivessem preenchendo sua mente, talvez ela achasse as palavras para castigá-lo por sua presunção.

Só que a sensação de saciedade diminuía com rapidez. Lá dentro, desejos ressonantes despertaram, reforçados pela confusão e pelo desespero.

O abandono acenou de novo, mas permaneceu fora de alcance, tentando-a. Ela continuou em contato com o mundo, ciente do homem que se demorava, consciente de que ele também não tirava os olhos dela.

Phaedra mexeu o quadril para encorajá-lo. Mais rápido. Ele acariciou a nádega direita dela e a puxou, detendo-a.

– Você disse que nós possuiríamos um ao outro, e eu quero possuí-la devagar.

– Foi muito indelicado da sua parte não se saciar junto comigo.

Ela nem sabia que um homem podia controlar suas vontades a esse ponto.

Obteve um sorriso quase imperceptível em resposta. Sua mão soltou a nádega dela. Phaedra pensou que ele houvesse se rendido. Em vez disso, ele levou a mão às costas e soltou a perna dela de seu quadril.

Moveu a outra perna também e empurrou as coxas dela unidas para baixo dele. Quando se mexeu dentro dela de novo, o prazer se concentrou e espiralou tão nítido que ela perdeu o fôlego.

As sensações a deslumbraram, a venceram. Ela não podia negá-las, então se rendeu. Porém, desta vez o clímax foi diferente. Phaedra não perdeu o contato com o mundo. Ouvia os próprios gritos. Ficou embebida na aura dele. A vulnerabilidade voltou, mais matizada, ainda excitante, porém levemente assustadora.

Ele não perdeu o controle, não sucumbiu. Mesmo quando suas estocadas ficaram mais rápidas e mais fortes, mesmo na hora em que ela gritou em êxtase, Phaedra sentiu que ele controlava seu poder até o fim.

Dessa vez houve unidade. Ela não chegou sozinha ao clímax. Na verdade, ele pareceu mais presente. Um alívio glorioso a despedaçou como um raio parte uma árvore, porém ele permaneceu a seu alcance durante todo o tempo.

Após o coito, à medida que a alma dela tentava recolher os cacos de seu autocontrole e ela lutava para recompor a mulher que conhecia, receios penetraram seus pensamentos. Ela o sentia em seus braços, seu corpo cobrindo o dela. Ele estava exausto, satisfeito e quieto, mas inteira e estranhamente real.

Phaedra nunca se sentira em desvantagem em situações assim antes. Envolta em êxtase e saciedade, ela examinava sem pressa essa nova situação. Tentava decidir o que significava e como tinha acontecido.

Com certeza, essa misteriosa sensação de desprendimento desapareceria quando ele fosse embora. Tinham sido só a noite, a escuridão e o prazer que a haviam causado.

Ele se apoiou nos antebraços, tirando o peso de cima dela. O olhar dele a invadiu muito fundo e de forma tão calorosa e intensa que ela se perguntou se ele estaria tentando deixar uma marca de fogo em sua mente. Depois ele rolou de cima dela e se deitou de lado. Logo caiu no sono com o braço por cima dela.

Elliot pretendia passar a noite ali. Ela nunca permitira isso com seus amigos, mas não conseguiria acordá-lo e pedir que descesse para deitar no cobertor sobre as pedras no cômodo embaixo. Porém...

Phaedra olhou para as luzes bruxuleantes que brincavam nas pedras acima dela. O olhar dele tinha sido cálido e tocante durante o último e longo olhar, mas também exigira que ela reconhecesse a força da união dos dois. Carregara a profunda intimidade que ainda os unia e se negara a deixar que ela se desvencilhasse de seu abraço.

Porém, tinha havido mais do que isso, algo que ela nunca vira nos olhos de um homem antes, pelo menos não em um que a olhasse.

Ela vira os olhos de um conquistador.

E se perguntara o que ele erroneamente achava ter conquistado.


A porta da mente dele permanecia entreaberta. Elliot a ouviu suspirar e murmurar enquanto dormia. O sol começava a nascer e ela despertaria em breve. No momento, ele aproveitava a paz, a companhia e o ar frio em seu corpo, deixando a mente concluir suas reflexões sobre outras coisas.

Um som o despertara, dando uma vaga indicação do novo dia que começava. Agora ele espiava pela luz prateada à medida que um objeto tomava forma. Havia mais uma cesta no cômodo, bem à direita, no alto das escadas. Uma das senhoras tinha trazido mais víveres.

Phaedra despertou devagar como um gato ronronante. Ela se encolheu e depois se esticou em sua elegância nua e se virou para o outro lado, dando a Elliot a oportunidade de admirar o belo contorno de suas costas e de seu quadril.

Ela parecia muito doce naquele momento e mais jovem. Despida de seu hábito negro, liberta da armadura com que enfrentava o mundo, ela o espantava com sua aparência frágil. A noite anterior revelara esse outro lado de sua alma de uma forma inconfessa e inexplicada. Sua paixão tinha sido ao mesmo tempo experiente e ignorante, ao mesmo tempo segura e amedrontada. Ele experimentara a fraqueza e a suavidade que ela não ousava mostrar ao mundo. Phaedra levava uma vida baseada em símbolos na qual tais contradições não eram permitidas.

Ele a queria de novo, porque ela estava muito bela ali de manhã e porque a Phaedra nua, despida e desarmada, o fascinava. Imaginou que continuaria a desejá-la por muito tempo. Calculou tempo e lugar, dia e noite, tendo as lembranças de seus abraços a tentá-lo.

Num instante ela se pôs alerta, como se tivesse ouvido os pensamentos dele. Deitou-se de costas e, através de pálpebras semiabertas, avaliou onde estava e com quem. Um vago rubor tingiu seu pescoço, descendo até os belos seios. Os mamilos endureceram, mas não por causa da fria brisa marinha.

O constrangimento a fez parecer uma menina insegura. Lorde Elliot se perguntou que pensamentos causaram o franzir de seu cenho ao olhar o próprio corpo. Ela não estava tão atrevida agora, sem a escuridão para transportar os acontecimentos para outro mundo.

Elliot puxou algumas roupas para que ela não fosse obrigada a sair de onde sua escolha a deixara. Ele lhe entregou o monte de tecido negro que era seu vestido. Phaedra se sentou e o passou pela cabeça.

Ele se sentou ao lado dela na esteira. Imaginou se Phaedra mencionaria os acontecimentos da última noite e o que ele deveria dizer quando ela o fizesse. Ela não era uma mulher que esperasse gratidão ou desculpas. Certamente não esperaria que ele lhe oferecesse dinheiro ou qualquer tipo de pagamento. Ela não esperava absolutamente nada dele e levaria a mal qualquer proposta.

– Você tem Alexia – disse ele. – Ontem você falou sobre estar só, mas Alexia é uma amiga leal.

As palavras de Phaedra tinham ecoado na cabeça dele naquela manhã enquanto ficara deitado ao lado dela. Ele se perguntara sobre suas amigas na infância, duvidando de que tivesse alguma. Imaginava que poucas mães permitiriam às filhas serem amigas da filha de Artemis Blair.

Phaedra se esticou para lhe dar um beijo no rosto. Ele supôs que, em algum momento ao longo do dia, a intimidade entre eles chegaria ao fim e Phaedra consideraria a noite da véspera como passado. Agora, contudo, com um gesto ela o fazia entender que achava a preocupação dele, no mínimo, encantadora.

Ele aproveitou a oportunidade para passar o braço em torno dela. Sentado assim numa cama de palha, com as costas apoiadas na parede, a cabeça de uma bela mulher no ombro e os sons e cheiros do mar entrando em lufadas pelas janelas, não seria um jeito ruim de passar o dia.

– Ela fez com que seu irmão permitisse nossa amizade – disse. – Quando Alexia negociou o casamento, ela o fez prometer. Eu tinha imaginado que... Cheguei a recusar o convite de casamento. Escrevi a ela dizendo que isso só causaria problemas com o marido. Ela me respondeu explicando o que conseguira.

Phaedra inspirou profundamente. Sua voz saiu mais fraca quando voltou a falar.

– Chorei ao ler a carta. Foi o gesto mais nobre que qualquer amiga já fez por mim. Preocupar-se comigo naquele momento... Ainda acho difícil de acreditar que seu irmão tenha concordado. Não sou uma mulher que a maioria dos homens deseje como amiga de suas esposas. Uma cortesã seria mais bem-vinda nas salas de estar das famílias elegantes de Londres.

Elliot imaginou que a generosidade do irmão fazia parte de uma estratégia maior. Phaedra Blair era uma concessão pequena para Hayden nas negociações para ficar com a mulher que desejava.

Não ajudaria colocar as coisas dessa forma.

– Hayden nunca foi escravo das regras da sociedade. Ele quer que Alexia seja feliz e sabe que a amizade dela com você não representa qualquer perigo.

– Se ele acredita nisso, o amor o deixou tolo. Não me ressinto com os pais e maridos que não permitem que eu seja recebida, Elliot. Se eu fosse eles e acreditasse no que eles acreditam, estabeleceria as mesmas regras.

Elliot olhou para o topo da cabeça dela. O cabelo parecia mais dourado do que ruivo agora, na luz cristalina da manhã. Ela não queria sua piedade por sua infância solitária. Não esperava que o mundo se transformasse para se adaptar a ela. Só queria que a deixassem quieta para que conduzisse suas crenças como lhe aprouvesse.

Entender isso acrescentou ternura à satisfação que ele sentia naquele momento. Infelizmente, deixá-la quieta seria quase impossível.

– Lorde Elliot.

O chamado de Carmelita não veio das escadas de pedra. Ela estava lá embaixo, do lado de fora da torre. Pelo menos uma das senhoras tinha se intrometido mais cedo e agora faziam uma tentativa de não repetir isso.

Ele se levantou e olhou para fora da janela. As cinco senhoras estavam em volta de Carmelita, falando baixo e ainda montando guarda.

– Lorde Elliot, o signore Greenwood está chegando.

Ela fez um gesto indicando a parte baixa do promontório, para além dos homens que acordavam.

Greenwood passava pelo cais, agora cheio de barcos de pesca. O barulho da cidade lembrou a Elliot por que nenhum deles fora para o mar. Era o dia da festa de San Giovanni.

Os homens deram passagem a Greenwood. Ele lhes disse algo ao passar. Acenou para Elliot quando o avistou na janela. Seu sorriso e andar lépido indicavam que trazia boas notícias.

Ele cumprimentou Carmelita e as senhoras com uma mesura, depois olhou para cima.

– Você e a Srta. Blair têm muitas razões para me agradecer, Rothwell. Fui tão habilidoso, tão brilhante, que mereço um cargo nas relações exteriores.

– O senhor convenceu aquele idiota a pôr fim nisso? – perguntou Carmelita.

– Fechei um acordo. Um tão bom que as senhoras não precisarão mais oferecer seus préstimos.

Carmelita explicou às senhoras o que ele dissera, porém elas relutaram. Uma pequena discussão se seguiu, mas Carmelita as convenceu. Todas as mulheres começaram a caminhar de volta para a cidade.

– Vou subir e explicar – disse Matthias, desaparecendo no limiar do portal.

Elliot se virou para Phaedra. Ela se parecia de novo consigo mesma: composta, orgulhosa e singular. O tecido preto cobria o corpo que ele possuíra horas antes. Phaedra se inclinou e esticou o cobertor por cima da palha, eliminando a mais óbvia evidência dos eventos noturnos.

– Eu devia ter me rendido à tentação e acordado você mais cedo – disse ele. – Uma noite assim não devia terminar de forma tão abrupta.

Phaedra deu um sorrisinho nervoso.

– De forma abrupta ou lenta, as noites sempre acabam.

Havia muita coisa que ele gostaria de dizer em resposta, entretanto as botas de Greenwood já se aproximavam do cômodo.

O cabelo branco e o rosto sorridente de Matthias surgiram. Ele parecia muito satisfeito consigo mesmo.

– Trouxe-lhe a chave de sua prisão, Srta. Blair. Infelizmente, para que tudo dê certo, a senhorita tem que deixar Positano imediatamente.


CONTINUA

CAPÍTULO 7

– É uma coleção modesta.

Matthias brilhava de orgulho, apesar de suas palavras.

– Tive a ideia inspirado nos gabinetes renascentistas. É o meu refúgio dentro de casa, cheio dos meus objetos favoritos.

Seu gabinete era uma grande sala quadrada cheia de urnas antigas e ramagens nas paredes de gesso. Além de uma escrivaninha comprida repleta de livros e papéis, o cômodo continha artefatos. O capitel de uma coluna coríntia estava empoleirado em um dos cantos da mesa. Um busto antigo os observava do alto de uma estante de livros. Vitrines com pés, como as das livrarias inglesas, guardavam outros pedaços de peças e antiguidades.

Phaedra caminhava por entre as peças, observando. Randall Whitmarsh a acompanhava, apontando as moedas com as imagens de Júlio César e Tibério gravadas e as pequenas garrafas de vidro.

– Aqui está o grande achado – anunciou Matthias.

Ele abriu uma gaveta, retirou uma trouxinha de tecido e começou a desembrulhar o material.

Surgiu uma pequena estatueta de bronze de uma deusa nua em uma posição relaxada.

– Alguns garotos mergulhavam na enseada e lá estava ela, no fundo da areia. Deve ter ficado lá por 1.500 anos. É grega, tenho certeza. Período clássico. Provavelmente parte de uma carga grega a caminho de alimentar os cobradores do Império Romano.

Whitmarsh levantou a estátua.

– Com certeza um navio naufragou aqui. Deve haver outras peças onde ele afundou, se puder ser achado.

– A água fica profunda rapidamente, o que é muito perigoso – disse Matthias. – Se houver mais peças, elas só vão ser encontradas quando as marés fizerem seu trabalho. Retirei com cuidado as cracas e a melhora foi maravilhosa.

Elliot tomou a estátua em suas mãos.

– É linda. Pretende vendê-la?

– Ainda não sei. Caso decida vender, Whitmarsh poderia pô-la à venda para mim em Roma, não é?

– Ou eu, em Londres – emendou Elliot. – Você conseguiria um preço melhor, não acha?

Matthias sorriu com a indulgência de um mestre. Pegou a estátua das mãos de Elliot.

– E macular o seu sangue com atividades comerciais? Eu não faria isso.

– Não haverá comércio se eu apenas indicar um colecionador. Easterbrook pode até ficar interessado na peça.

Os homens começaram a discutir a data de criação da estatueta e seu valor. Phaedra continuou a andar por entre as vitrines para completar sua visita de reconhecimento.

A coleção de Matthias era muito eclética, como a de um garoto de escola que trouxesse para casa pedaços e peças do mundo que o fascinavam. Uma vitrine continha fragmentos de cerâmica de pouco valor, porém com enfeites primitivos fascinantes. Espirais e formas geométricas se amontoavam sobre as superfícies avermelhadas. Um belo cálice grego intacto ocupava lugar de honra em outra, exibindo o deus Dionísio em um navio em seu interior raso e arredondado.

Prosseguiu até as adagas antigas e partes de armaduras romanas entalhadas e chegou até uma vitrine que continha outros objetos de metal. Essa estava trancada e Phaedra podia entender por quê. Espalhados dentro estavam objetos de ouro e prata e esmaltados, alguns clássicos, outros de épocas posteriores, em que normandos e sarracenos estiveram ali. Pequeninas imagens de deuses romanos e vivas interações de linhas e arabescos disputavam sua atenção.

A vitrine inteira brilhava. Fechos de bolsas, brincos e fileiras de contas de vidro.

– Decidi ficar com minha pequena deusa – anunciou Matthias. – Onde acha que devo alojá-la, Srta. Blair?

Phaedra deu sugestões de lugares onde Matthias poderia exibir a pequena estátua, porém seus pensamentos continuavam na coleção diversificada do seu anfitrião. Ela se perguntava se ele saberia algo sobre camafeus antigos.


De tarde, o Sr. Whitmarsh decidiu pescar, então os cavalheiros desceram a montanha para alugar um barco após a sesta costumeira da cidade. Isso deixou Phaedra com a signora Roviale e a Sra. Whitmarsh.

As damas se sentaram na sala de visitas e tentaram não entediar umas às outras. Quando a Sra. Whitmarsh pediu licença e saiu para escrever uma carta, a signora Roviale abordou o único assunto que achava ter em comum com a outra hóspede.

– É um homem notável, o seu lorde Elliot. Não sou fã de todos os amigos ingleses do signore Greenwood. Eles quase sempre são pálidos demais e reservados a ponto de se tornarem tediosos, e suas mulheres e namoradas também são sem sal e sem assunto. Mas lorde Elliot é ao mesmo tempo bonito e interessante. Un uomo magnifico.

– Lorde Elliot é cunhado de uma grande amiga minha e me acompanha a pedido dela. Não sou sua namorada.

– Veramente? – exclamou ela, depois avaliou Phaedra com frieza. – Talvez, se usasse roupas mais atraentes... Matthias me disse que não está de luto e, por aqui, o preto é mais comum entre as mulheres velhas... E seu cabelo, a minha criada poderia penteá-lo para que não parecesse uma criança nem uma puttana.

“Puttana” tinha sido uma palavra que Gentile Sansoni usara durante o interrogatório. Significava meretriz. Como a signora Roviale não era casada com Matthias, estava enveredando por um campo muito delicado.

– Escolho meus vestidos e meu penteado por bons motivos, signora. Assim não preciso ficar sobrecarregada com criadas nem gasto horas em preparações antes de começar meu dia tão atarefado.

– Aaah, capisco. Entendo.

Ela fez um gesto expressivo, a mão desenhando um amplo arco que incluiu as duas e a casa.

– Mas seu dia está livre hoje. Não está muito ocupada, não é? Não temos nada para fazer enquanto esses ingleses pescam feito camponeses. Ofereço-lhe minha criada; então não ficará, como disse, sobrecarregada.

– Estou muito satisfeita assim, obrigada. Quanto a preencher o meu dia, vou para o meu quarto ler, se me der licença.

– Pode ler outra hora. Acho que é uma mulher que lê demais.

Ela se levantou e acenou para Phaedra, indicando que a acompanhasse.

– Talvez esteja satisfeita em seu vestido, contudo a signora Whitmarsh não está feliz. Ela pensa que você é uma bruxa e que está tentando encantar o marido dela. E você é tão incomum que ela não sabe como competir. É louca por pensar assim, de toda forma posso ver as suspeitas naquele rosto comprido. Nós a deixaremos apresentável e comum para o jantar desta noite, para que ela não pareça ter uma nuvem negra em cima da cabeça.

Revoltada por estar sendo coagida, porém incapaz de pensar em uma desculpa para desfazer o plano de sua anfitriã, Phaedra se levantou. A signora Roviale lhe deu o braço e, com firmeza, conduziu-a escada acima.


Elliot despiu a camisa agora úmida de maresia. Entregou-a ao criado para que fosse lavada, depois foi se arrumar para o jantar. A pesca tinha sido divertida, animada pelos odres de vinho que Matthias tinha jogado no barco.

Saiu para o terraço e apurou os ouvidos. Nenhum som vinha do quarto de Phaedra, portanto supôs que ela já tivesse descido e se dirigiu à sala de visitas. Todos os hóspedes estavam reunidos, exceto a única mulher que ele estava ansioso para ver.

Perguntou-se se ela aproveitara sua ausência para escapar e amaldiçoou a própria negligência. A combinação relaxante de sol e mar e a excitação que não queria deixá-lo o tinham feito esquecer o motivo de ter Phaedra em sua companhia.

Conversou com Whitmarsh e Greenwood. Cada minuto que passava aumentava suas suspeitas da fuga de Phaedra. Estava prestes a perguntar à signora Roviale sobre as atividades da Srta. Blair naquele dia quando Whitmarsh de repente parou de falar e olhou fixo por sobre o ombro de Greenwood. A expressão no rosto dele fez Elliot olhar na mesma direção.

Greenwood virou a cabeça.

– Meu Deus. É a nossa Srta. Blair?

Aparentemente, sim, exceto que aquela Srta. Blair não se parecia muito com a que Elliot conhecia. O vestido preto substituído por um azul-celeste, com um fita marfim e mangas curtas bufantes no ombro e justas no braço. O cinto de seda marcava sua cintura e o decote revelava a pele muito alva do pescoço e dos ombros, destacando o arredondado firme e elegante de seus seios.

O cabelo também tinha sido penteado e preso. Sem mais flutuar solto, formava um penteado com cachos e trançados que a deixavam muito na moda. Usava um pouco de maquiagem no rosto, ou talvez a atenção que despertara a tivesse feito enrubescer.

– É ainda mais bela do que a mãe – sussurrou Whitmarsh. – Se pode ficar bonita assim, por que se esconde naquele hábito de freira?

Elliot sabia por quê. O motivo agora enchia a sala de visitas. O silêncio caiu conforme os homens a olhavam e as mulheres a avaliavam. Elliot andou pelo meio dos outros para poupar-lhe o incômodo de continuar a ser o espetáculo da noite.

– Está muito bonita hoje, Srta. Blair. Vamos pegar um pouco de vinho.

Ela o acompanhou até a criada que servia as bebidas. O grupo retomou suas conversas.

– A signora Roviale fez isso tudo. O vestido é dela – contou Phaedra. – A mulher é implacável. Não havia como escapar.

Ele lhe entregou um cálice de vinho.

– Foi gentileza da sua parte ceder.

Ele se esforçava para que seu olhar não resvalasse para a protuberância branca acima do decote do vestido. Queria lamber e mordiscar aquela pele de leite que surgia além da fronteira azul-celeste.

– Levou horas. Tinha me esquecido dessa parte. E esse espartilho... bem, você pode imaginar como meu pobre corpo não gosta disso.

Não exatamente. Contudo ele podia imaginá-la de camisa e meias, antes de pôr o espartilho, e depois de vesti-lo, quando ainda não houvesse colocado o belo vestido.

– Acredito que, com a prática, fique mais fácil.

– Não vai haver prática. Essa experiência acaba junto com o jantar. Só rezo para que não desmaie antes disso. Mal posso esperar para ser liberada dessa tortura. Para começar, é insuportavelmente quente. Descobri que os árabes usam roupas soltas em climas quentes por um bom motivo. Além disso...

De repente, no meio da frase, suas reclamações pararam. Ela enrubesceu violentamente, como se visse nos olhos dele o que se desdobrava em sua imaginação, o vestido caindo, o espartilho se abrindo e o corpo dela sendo revelado. O traje dava uma visão melhor desse corpo do que seus vestidos pretos, e ele a imaginava nua com muito mais nitidez agora.

Whitmarsh se aproximou exalando charme. Greenwood não perdeu a Srta. Blair de vista enquanto falava com os outros. Ela respirou fundo e partiu para encantar a todos com seu brilho e sua beleza.


Phaedra pretendia escapar direto para seu quarto ao final do jantar, para tirar aquelas roupas desconfortáveis. Mudou de ideia ao ver Matthias Greenwood andar em direção a seu gabinete. Em um impulso, ela o seguiu, alcançando-o no momento em que abria a porta.

– Sr. Greenwood, posso falar com o senhor em particular? – solicitou Phaedra.

– Com certeza, Srta. Blair. Venha comigo. Terá toda a minha atenção aqui.

Ela aceitou sua acolhida e sentou-se na cadeira que ele lhe indicou, ao lado da mesa. Encarapitada lá, sob seu exame tutorial, sentiu-se como uma aluna pleiteando uma vaga na universidade.

– Sr. Greenwood, na Inglaterra eu vinha conversando com pessoas que conheceram minha mãe. Tenho algumas perguntas sobre fatos que aconteceram no final da vida dela. O senhor a conheceu também e seu nome foi mencionado várias vezes. Algumas delas sugeriram que talvez pudesse me ajudar.

– Algumas delas...?

– Amigas de minha mãe. Mulheres que me ajudaram a relacionar as pessoas que faziam parte do convívio social de minha mãe e coisas afins.

– Ajudarei como puder, entretanto não era um amigo próximo. Minhas funções na universidade não me permitiam vê-la com muita frequência.

– Entendo. Contudo é sua distância relativa que pode ter possibilitado ao senhor enxergar com mais clareza do que os amigos mais íntimos.

Ele pareceu cético, mas se mostrou prestativo.

– O que precisa saber?

– Talvez o senhor considere minhas perguntas um pouco ousadas.

Ele riu.

– Ficaria desapontado se não fossem. Se a senhorita está correndo o mundo atrás de respostas, imagino que as perguntas não sejam banais.

Seu bom humor tornava tudo mais fácil. Ela decidiu começar com a pergunta mais ousada de todas.

– Alguma vez suspeitou que minha mãe tivesse um amante nos últimos anos de vida?

Ainda que ele esperasse ousadia, a pergunta o deixou um tanto sem jeito. Sua expressão sempre bem-composta se alterou, ficando próxima do constrangimento.

– Não tive indícios para pensar isso. No entanto... Bem, quando conheci sua mãe, Drury era uma presença constante, mas parecia menos presente por volta do último ano.

– O senhor sabe quem era o outro homem?

Os olhos dele ficaram mais cálidos, demonstrando simpatia. Seu sorriso era o de um tio para a sobrinha preferida.

– Nem sabia se havia alguém. Tem certeza de que houve?

– Meu pai achava que sim.

– Os homens podem errar em relação a essas coisas. A paixão esfria, a distância aumenta... Ele pode ter interpretado errado.

Ela sabia dessa possibilidade. Matthias não era o primeiro a mencioná-la. Vários amigos de sua mãe sugeriram a mesma explicação. Ela mesma também nutria a esperança de que fosse apenas isso.

– Há alguém que o senhor teria considerado provável?

Ele balançou a cabeça.

– É tão importante saber o nome ou mesmo se a suspeita se confirma?

– Se tivesse sido um caso normal, eu diria que não.

Ele esperou pacientemente que ela continuasse, nem encorajando nem desencorajando outras revelações com seu comportamento reconfortante. Ela entendeu por que Elliot gostava desse homem. Havia algo em Matthias Greenwood que inspirava confiança e estimulava confidências. Sua franqueza era tamanha que afastava até a menor possibilidade de dissimulação.

– Minha mãe me deixou um camafeu – contou ela. – Seu testamento dizia que era originário de Pompeia. Sua intenção era que ele me desse alguma segurança financeira, e sempre supus que daria. No entanto, antes de meu pai morrer, ele alegou tratar-se de uma joia falsa, vendida a minha mãe pelo amante.

Matthias franziu o cenho, a preocupação evidente em seu olhar.

– A senhorita depende do valor desse camafeu?

– Minha situação financeira ficou mais complicada nos últimos tempos. Talvez eu precise vendê-lo. Contudo, se for falso...

– Valerá uma mera fração do que ela imaginava e provavelmente do que pagou. E a senhorita também não pode vender a peça antes de ter certeza, a menos que queira se arriscar a fazer parte de uma fraude.

– Exatamente.

– Entendo seu dilema. Lamento que sua herança esteja em questão. Se um admirador tirou vantagens indevidas de Artemis, o canalha deveria ser enforcado. Ela era muito generosa com todos que conhecia, mas... bem, talvez ingênua demais e lenta demais para perceber que alguns teriam interesse em se aproveitar dela.

Ele lhe lançou um olhar que pedia desculpas pela leve crítica.

– Talvez ela tenha sido mesmo ingênua demais, Sr. Greenwood. E sua generosidade significa que ela deixou pouco mais em herança além do camafeu. Suponho que eu poderia guardá-lo como lembrança, contudo, se ele simboliza o roubo de sua afeição e de seus recursos, não terá nenhum valor sentimental para mim.

– Eu pediria para ver o camafeu se pudesse afastar suas preocupações, no entanto confesso não ter muito conhecimento nessa área. Poderíamos mostrá-lo a Whitmarsh, é claro. Ele conhece muito mais pedras preciosas do que eu. No entanto, faria mais sentido perguntar aos especialistas em Pompeia...

Seu cenho se desanuviou. Ele deu um risinho.

– É por isso que está na península Itálica, não é? É claro. Agora compreendo.

– O senhor acha que posso obter uma resposta concreta lá?

– A mais concreta possível. Como já sabe, as opiniões variam. Escreverei para o superintendente, para abrir caminho para a senhorita. Ele está envolvido em escavações há vinte anos e pode atestar a origem do item, bem como seus sinais característicos de antiguidades.

– Agradeço sua boa vontade em me ajudar. Pergunto-me se posso abusar um pouco mais de sua gentileza. Temo que isso signifique pedir que levante hipóteses que talvez não queira.

– Não sou bom demais a ponto de resistir a fofocas, Srta. Blair. Pelo menos, até certo ponto.

Ela suspeitava de que iria chegar a esse ponto e talvez ultrapassá-lo.

– Se, de fato, esse camafeu, real ou falso, foi dado ou vendido a minha mãe por um homem nos seus últimos anos de vida, o senhor pode pensar em alguém em seu círculo que tivesse acesso a coisas assim?

Seus olhos de águia se obscureceram e ele ficou introspectivo, refletindo demoradamente sobre a pergunta. Phaedra imaginou que ele estaria relembrando as festas e jantares de anos atrás, examinando rostos e reconstituindo conversas.

– Não tenho um nome para lhe dar – disse por fim.

Sentiu o desapontamento, mas não foi um golpe tão duro. Teria sido ótimo resolver o mistério naquele dia, entretanto ela na verdade não esperara mesmo que isso acontecesse.

– Contudo, talvez...

Os olhos de águia de Matthias ficaram reflexivos de novo.

– Olhe bem, estou me lembrando de uma joia que diziam ser originária de um tesouro em Pompeia, só que não pertencia a sua mãe. Lembro-me que sua existência foi discutida durante uma das recepções que ela deu. Pode ser a mesma joia que está agora em sua posse ou talvez seja outra.

– O senhor se lembra do que foi dito na ocasião?

– Não de muita coisa. Não tinha interesse no assunto. Nem mesmo consigo determinar a data da conversa com muita precisão.

Ela olhou por cima de seu ombro para as vitrines.

– Eu diria que o assunto o interessa deveras.

– Não em relação a essa joia específica. Percebi logo que a origem da joia era duvidosa. Qualquer item retirado de Pompeia é propriedade roubada. Não há documentação de sua descoberta lá porque isso revelaria tratar-se de um roubo – explicou e deu de ombros para prosseguir: – Há quem não se importe com esses detalhes e pessoas que acreditam em qualquer história que lhe contem. É assim que comerciantes desonestos fazem fortuna.

– O senhor se recorda de como esse camafeu surgiu? Alguém o estava vendendo?

Ele bateu com os dedos na mesa e pensou bem.

– Foi há tanto tempo... Não quero atacar a credibilidade de ninguém...

– O senhor não o fará. Nem eu. Não farei acusações, a menos que tenha certeza de todos os fatos. Não haverá fofoca, nem difamação ou calúnia. Só quero saber em que direção devo seguir.

– Não me lembro dos detalhes. Mas havia vários negociantes que giravam em torno de Artemis Blair. Dois estavam sempre presentes nos últimos anos. Um, Horace Needly, tem uma reputação ilibada, porém nunca se sabe o que acontece nesse meio. No outro tenho menos confiança, principalmente porque ele evitava conversas com acadêmicos como eu. Isso me fazia pensar se seu conhecimento passaria pela prova de alguém experiente.

– Qual era o nome dele?

– Thornton. Nigel Thornton. Um sujeito bem-apessoado. Bem-sucedido também, se não me engano, contudo suas antiguidades tinham origem duvidosa.

– Obrigada pelos dois nomes. Verei o que posso descobrir quando voltar à Inglaterra. O senhor me ajudou bastante e sou muito grata.

Ela se levantou para ir embora. Ele sorriu ternamente, feliz por ter sido útil.

– Sr. Greenwood, me perdoe, mas... não havia pelo menos mais um negociante no círculo de minha mãe naquela época? O Sr. Whitmarsh. O senhor disse no outro dia que ele vende antiguidades em Roma e...

– Aquilo foi só uma brincadeira entre amigos, Srta. Blair. Desde que veio para cá, sabe-se apenas que passou adiante um ou dois objetos que lhe chegaram por acaso e com os quais ele não tinha intenção de ficar. Nada mais. Já fiz isso também. Não se pode considerar isso comércio – ele foi falando de forma indulgente, enquanto a acompanhava até a porta. – Além disso, ele não se dedicou a esse ramo na Inglaterra, nem mesmo por um período breve. Não ficaria bem, não? Afinal, ele é um nobre.


– Rápido, não aguento mais. Rápido.

Um grunhido profundo seguiu os pedidos da Srta. Blair.

– Ai, assim, hum, que maravilha.

Elliot estava de pé no terraço, com as costas apoiadas na parede da casa. Ele ria por dentro dos gemidos que lhe chegavam pelas portas ao lado das dele. Os sons que Phaedra fazia ao ficar livre, aliviada do vestido e do espartilho, lembravam os de uma mulher que se sentisse livre e aliviada por outros motivos.

Pôde ouvir quando ela dispensou a criada e depois resmungou:

– Que diabos. Nunca mais. As mulheres são loucas de se vestirem assim.

Vagos sons de seus movimentos no quarto eram notados. Ele deu alguns passos no terraço e retomou sua posição, desta vez do lado de fora do quarto dela.

– Sobreviveu, Srta. Blair? Ou ficou deformada para sempre?

Ela esticou a cabeça para fora, procurando-o. Ficou surpresa ao vê-lo tão perto.

– Achou graça, não?

– Nem um pouco.

Sua risada mostrou que era mentira. Ela franziu a testa com vigor.

– Espere aí. Quero lhe falar sobre um assunto.

E ela desapareceu no quarto.

Voltou alguns minutos depois, vestida de preto. O penteado não fora desfeito, então ela ainda não tinha voltado a ser a Phaedra de sempre.

– Por quanto tempo pretende me manter aqui? – perguntou ela.

Suas palavras aludiam a tudo o que ocorrera desde o dia em que ele entrara naquele jardim em Nápoles. A observação continha todos os seus ressentimentos.

– Alguns dias. Mais tempo, se a senhorita quiser. Precisa admitir que este é um lugar bem relaxante.

– Não vim da Inglaterra para repousar.

– Podemos partir em três dias, se desejar. Contudo imaginei que apreciasse a companhia de pessoas que conheceram sua mãe.

Ela foi até a balaustrada e olhou para o mar negro. Elliot observava suas costas, mas o que via, apesar do tecido preto que a cobria, era o corpo nu.

– Confesso que estou gostando da visita mais do que esperava, exceto das imposições da signora Roviale hoje. Apesar de inconveniente, esse desvio em meus planos se mostrou proveitoso. Deveria ter considerado que seria útil... que seria possível e até mais provável conhecer as pessoas do círculo da minha mãe se eu o acompanhasse.

Ele teria questionado o motivo de ela considerar isso “útil” se a noite não estivesse tão agradável e calma e a luz da lua não tornasse Phaedra tão linda.

– O Sr. Greenwood mora aqui há muito tempo? – perguntou ela.

– Ele comprou a casa há uns seis ou sete anos. Só veio morar aqui em definitivo faz quatro anos. Na última vez em que vim, a casa ainda era bastante rústica.

– Imagino que ele conheça todos os especialistas em antiguidades, de Milão à Sicília.

– É bem provável. Não se trata de um grupo tão grande. É natural que busquem a companhia de colegas.

– Então foi um professor universitário que comprou esta mansão, fez melhorias e se mudou para cá. Ele deve vir de uma família abastada.

A avidez de Elliot o deixava impaciente por jogar conversa fora com Phaedra, mas ele lhe concederia isso por enquanto. Afastou-se da parede e se juntou a ela na balaustrada.

– Ele vivia de forma frugal em Cambridge. Um parente lhe deixou dinheiro. Esta mansão provavelmente deve ter custado menos do que uma casa pequena em Londres. Os imóveis aqui não têm o mesmo valor de lá.

Ele admirava o trabalho intricado no penteado da Srta. Blair. Levaria um bom tempo para desfazer tudo aquilo antes de dormir. Tempo de mais. Ele deixaria daquele jeito.

Exceto por um olhar, ela não reagiu à sua proximidade.

– Ele falou como se visitasse as escavações com frequência e conhecesse os arqueólogos lá.

– Espero que sim. Por que está tão curiosa sobre ele?

Matthias tinha idade para ser pai dela e Whitmarsh, quase isso. Ainda assim, a admiração deles pela ruiva naquela noite provocara em Elliot uma desconfiança enciumada que provavelmente não tinha fundamento. Agora a desconfiança surgia de novo, irracional porém nítida, atiçando o desejo com os espinhos da possessividade.

– Há algumas páginas nas memórias de meu pai que levantaram questões sobre os últimos anos de vida da minha mãe. Fiz perguntas a Matthias e estou refletindo sobre o peso que devo atribuir às respostas.

Então era nisso que ela pensava nas horas em que ficava séria e introvertida? Ela havia se aventurado até o terraço, apesar da advertência da noite anterior, mas não para implicar ou desafiar. Ela buscava informações que fossem úteis.

Christian sugerira que essas memórias talvez contivessem revelações que Phaedra não iria gostar de ler. O fato de ela confirmar isso provavelmente era significativo, porém naquele exato momento Elliot não se importava. Ele a desejava e estava ali, naquela noite maravilhosa, com ela, uma mulher que acreditava no amor livre e que não se prendia a regras sociais estúpidas.

A luz da lua tornava sua pele branca quase translúcida. O vestido preto ia até o pescoço, mas ele ainda tinha na mente o volume dos seios dela.

– Às vezes é sensato deixar as perguntas sem resposta.

Ela o encarou, indiferente a quão perto estava de ser agarrada.

– Não acredito que creia nisso. Ou, melhor, não acho que o senhor consiga seguir o próprio conselho. Vi seu rosto quando falamos das referências a seu pai nas memórias. Você não quer que elas sejam publicadas, porém precisa saber se o que há lá é verdade.

Sua postura e suas palavras lançavam um novo desafio. Ele não o aceitaria naquela noite; em vez disso, lidaria com os desafios já existentes entre eles. Haveria tempo o bastante para lidar com este mais tarde.

– Já sei que não são verdadeiras. Mas a senhorita fala de questões sérias, Srta. Blair. Por favor, perdoe-me por deixar essa discussão para outro momento. Um em que a luz do luar, a noite e sua beleza não estejam fazendo minha mente se voltar para outros assuntos.

A expressão no rosto dela foi de pura surpresa. Não se moveu ao encará-lo. O que quer que tenha visto no rosto dele gerou faíscas de temor em seus olhos.

Ela se virou para caminhar em direção à porta.

– Então o deixarei refletir sobre esses assuntos, quaisquer que sejam.

Ele pegou no braço dela.

– Não desta vez, Phaedra.

Elliot a virou para si, segurou seu rosto entre as mãos e beijou a boca que o tentava fazia dias.


Como é que ele... como ousava...

Seu espanto por ser puxada para Elliot foi apagado pelo beijo dele. Mas outra coisa a assombrou: a forma como seu coração deu um salto quando ele a dominou.

Só o beijo já fora suficiente para deixá-la assim. Firme, forte e determinado, o beijo dele continha as advertências da noite anterior. Quero-a implorando por mim. Esse perigo a excita.

Com certeza, aquele perigo a excitava. A forma como sua pegada a dominou gerou arrepios traiçoeiros em seu baixo-ventre. Partes dela começaram a implorar de imediato, pedindo mais, desejando que ele não parasse.

A mente de Phaedra se acelerou. Pensamentos se formavam e desapareciam em rápida sucessão.

Ele nem perguntou. Será que pensou...

Os beijos no pescoço fizeram-na perder as palavras. Uma névoa estonteante e sensual obscureceu o resto.

Isso foi um erro, mas, ah...

O calor da boca de Elliot penetrou em seu sangue, fazendo seu corpo formigar em todas as partes para onde ele fluía. Seus seios ficaram mais cheios e firmes e o sentiram através do tecido do vestido. O contato a excitou mais e ela instintivamente colou o corpo no dele em busca de mais estímulos.

Ele beijou sua boca de novo. Não tão forte dessa vez, apenas seduzindo e conduzindo-a, mas igualmente exigente e confiante em que ela lhe daria tudo o que ele desejava.

A forma como ele a agarrava a atiçava, ainda que ela devesse ter se rebelado. Ela via o perigo, mas não conseguia parar porque era excitante. O corpo de Phaedra seguia para o abandono e a mente já estava fora de controle.

Uma carícia. Que não explorava, não procurava, não pedia nada. Firmes e seguras, suas mãos desceram por suas costas, pelo quadril e as nádegas, reivindicando seu corpo como se ela não estivesse vestindo nada, fazendo-a sofrer na expectativa por mais.

A língua dele entrou em sua boca, percorrendo todos os espaços. Arrepios eróticos tremularam em sua vulva. As mãos dele se moviam por seu corpo, sem reservas. Ela não se importou por se render a um inimigo e lhe dar um espaço que talvez nunca mais retomasse no campo de batalha. A excitação comichava, zunia e pulsava, tornando impossível pensar de forma sensata.

Quero-a implorando por mim. Ah, sim, isso era bem possível. Seus seios estavam tão sensíveis que ela pensou que fosse enlouquecer.

Como se ele ouvisse seus pedidos silenciosos, acariciou seu quadril, o ventre e subiu até os seios. Estava zonza de expectativa ao beijá-lo, incitando-o com sua boca, a língua e o abraço.

Devagar, ele tomou o seio em sua mão. Um intenso frêmito de prazer a dominou. A outra mão dele estava firme em suas costas, sustentando-a e movendo-se para baixo devagar a cada fecho que abria do vestido.

Eu não deveria... isso não deveria...

Um beijo avassalador transformou em poeira a objeção que se formava na mente de Phaedra. Afagos deliberados em seus mamilos a espalharam pelo ar.

Ele deu um passo para trás, separando seus corpos. O brilho da lua banhou a ambos e a luz dourada vinda do quarto dela definiu os contornos de Elliot. Ele não lhe deu tempo para se recompor, para juntar os cacos de sua racionalidade. Levou a mão à gola do vestido e começou a fazer o tecido negro escorregar pelo corpo dela.

Nunca antes um homem a tinha despido. Nunca. Ela não permitia que isso acontecesse. Agora o gesto a deixava em transe, imobilizada. A lenta descida do tecido pareceu a carícia mais erótica da noite. Tudo o que ela conseguiu fazer foi olhar para o rosto de Elliot, sentindo mais do que vendo o desejo que impregnava o ar de potência viril.

As mangas desceram por seus braços e o corpete se afrouxou em seu quadril. Ele levou a mão ao ombro da camisa que ela usava por baixo. Phaedra perdeu o fôlego. Seus seios se enrijeceram ainda mais na expectativa de outro desnudar lento e delicioso.

Porém, de novo ele fez algo que a surpreendeu, afastando o último traço de bom senso que restava nela. Ele não a despiu devagar: em vez disso, arrancou a camisa pelos braços dela. Não foi um movimento impaciente nem apaixonado, mas um gesto que confirmava os direitos do conquistador.

A alma de Phaedra tentou se rebelar, porém não encontrou ancoradouro na maré de prazer que a submergia. A forma como ele olhou para sua nudez absorveu sua atenção de tal forma que ela não se moveu para liberar os pulsos da blusa que ainda restringia seus movimentos.

É só um jogo, essa dança de dominação e submissão. Não significa nada. Não estou cedendo nada, na verdade.

Mas...

Pontas de dedos a esquadrinharam. Palmas das mãos alisaram seu corpo. Ela olhou para baixo, para as mãos másculas de dedos delgados que acariciavam seus seios, estimulando-a e excitando-a da forma mais perfeita. Uma doce loucura tomou sua cabeça e ela enveredou para um prazer sensual cada vez maior. O último fio de autocontrole se desgastava rápido. Ela queria que arrebentasse de vez. Queria que lorde Elliot vencesse o último sinal de resistência que tentava arruinar seu êxtase.

Ele a abraçou de novo, fazendo-a arquear as costas. Beijou seu pescoço e peito traçando um caminho quente que a deixou sem fôlego. Seus dentes e sua boca brincaram com o mamilo, torturando-a com sensações que se espalhavam fundo em seu baixo-ventre e faziam sem corpo implorar enquanto ela gemia baixinho.

Phaedra tentou soltar um braço para enlaçá-lo e mantê-lo próximo, para apoiar-se e senti-lo.

– Não – murmurou ele. – Fique assim.

A tempestade sensual em sua cabeça queria obedecer. O prazer era tão grande que ela não podia parar. Seu corpo estava faminto por mais, por ser preenchido, pela completude que o aliviaria. Parar agora seria impossível, iria contra a natureza.

Porém...

Mesmo em seu abandono, conseguiu ver a situação com um olhar racional. Apesar de sentir um prazer tão intenso que quase doía, ela notou sua sutil submissão e tudo o que lorde Elliot dera por certo desde o primeiro beijo.

De alguma forma, a escrava rompeu suas amarras. Sofrendo de arrependimento e frustração, ela recobrou a voz:

– Você tem que parar agora. Quero que pare.

Ele ficou paralisado. Por alguns momentos terríveis, não se moveu. Depois se endireitou e olhou para ela.

O braço dele a puxou para perto, para um abraço forte. Sua outra mão pousou em seu rosto como no primeiro beijo. As pontas de seus dedos faziam pressão sem a machucarem, mas também sem suavidade.

– E se eu não parar?

Como a maior parte dela não queria que ele parasse, aquilo não chegava a ser uma ameaça. Porém, o fato de ele supor que ela cederia se ele continuasse, de que seria fraca diante de seu poder, devolveu-lhe alguma razão.

– Vai parar – disse ela.

– Confia tanto assim em minha honra?

– Confio em seu orgulho. Uma mulher importunada nunca implorará.

Ele a soltou e se afastou. Tudo em sua aura e em seu rosto dizia que ele poderia puxá-la de volta.

Ela subiu o vestido e se cobriu. Correu para a porta. Seu coração estava aos pulos e seu corpo ainda reagia ao perigo com uma excitação que a surpreendia.

– Não vou parar na próxima vez, Phaedra.

Ela parou no limiar da porta antes de replicar:

– Não acho que haverá próxima vez.

– Haverá, sim.

Ela agarrou as portas duplas e começou a fechá-las.

– Se acontecer, não será por sedução. Eu terei optado por isso antes mesmo do primeiro beijo ou não haverá beijo nenhum.


CAPÍTULO 8

Ele ainda ficou do lado de fora. Phaedra queria abrir a porta para deixar a brisa noturna entrar, mas não se atreveu. Ele poderia interpretar mal.

Ele seria ousado a ponto de entrar ainda assim? Ela se sentou na cama abraçando os joelhos, ao mesmo tempo temerosa e esperançosa de que a porta se abrisse de par em par e lorde Elliot entrasse.

Não se sentia tão dona da situação como agira ao fechar a porta. Sua excitação não ia dar trégua. Seu corpo continuava sensível até ao ar.

Ela não saberia dizer em que momento decidira detê-lo. Tinha sido instintivo, a intuição interferira.

Quero-a implorando por mim.

Não seria possível manter uma amizade com aquele homem. Ele queria vê-la fraca e entorpecida, para que pudesse influenciá-la. Afinal, tivera um motivo para ir atrás dela em Nápoles. Um amigo seu não poderia lhe pedir – nem o faria – que suprimisse aquelas passagens das memórias. Mas um homem que a dominasse e possuísse, um amante que a seduzisse, não hesitaria em usar o poder que essa paixão lhe outorgava.

E tudo isso era uma pena, porque ela o queria.

Nunca desejara um homem assim antes. Não havia nada de confortável nisso. Nada de seguro. Não era a mesma atração que experimentara com seus amigos, não se tratava de um encontro intelectual que permitia outras intimidades.

Ao contrário, o encantamento sensual dele provocava o caos, o mistério e uma estupefação que a deixava sem ar. Ele também sabia disso. Sabia que sua mera presença era um feitiço.

Sua excitação aos poucos se acalmou até virar um formigamento, o mesmo desconforto que vinha sentindo há dias. Por fim, o terraço e o quarto ao lado ficaram em silêncio. Jogou o corpo para trás e se deitou em posição fetal, ainda encarando a porta.

Teria sido isso o que acontecera com Artemis? Depois de anos de amizade confortável com Richard Drury, surgira um homem que não jogava de acordo com as regras dela?

Fora um choque descobrir que a mãe tinha sido infiel a seu pai. Acreditar no amor livre não significava rejeitar a crença em um amor perfeito, para a vida toda. Na infância, Phaedra concluíra que os pais tinham ficado juntos porque o amor livre facilitava reconhecer sua alma gêmea no momento que ela chegasse.

Imaginou a mãe. Bela, viva, segura de si. Mais confiante do que a filha chegaria a ser. Menos prática também. Com o passar dos anos, Artemis havia se cercado de um grupo de pessoas que aceitavam a forma como ela vivia. Seu círculo entendia a relação com Richard e o lugar dele em seu mundo.

Talvez já tardiamente, nesse fascinante espetáculo que fora a vida de Artemis Blair, um homem houvesse surgido, determinado a atravessar o fosso e escalar suas muralhas. Ela devia ter se visto sem defesas por falta de experiência em lidar com esse tipo de homem.

Exatamente como sua filha, naquele terraço ali fora.

Phaedra abraçou um travesseiro. Começava a entender o que havia ocorrido com esse amor tardio que tirara a mãe do eixo.

Um sedutor chegara, atiçando a fêmea primitiva que sobrevivia na alma de toda mulher. Ele tomara e conquistara. Influenciara, enfraquecera e, por fim, traíra.

Se houvesse se apresentado fingindo ser alguém de pensamento semelhante ao dos outros homens em torno dela, Artemis não haveria tido a menor chance contra ele.


Aquela vadia.

A frustração levava Elliot a acumular insultos contra Phaedra na manhã seguinte, enquanto terminava seu café na varanda. Considerando o trabalho infernal que seu corpo lhe dera a noite toda, ele não estava disposto a se esforçar para ter pensamentos dignos de um cavalheiro.

Tentava se contentar imaginando como Phaedra ficaria desconfortável em seu quarto quente e fechado, ao passo que ele deixara a brisa da varanda refrescá-lo. Só que, na verdade, cada vez que olhara para a porta da mulher, uma parte de si rezara para que ela se abrisse e Phaedra corresse para seus braços.

A porta não se movera. A contida, independente e pedra no sapato Phaedra Blair nunca lhe daria essa vitória. Por fim, a porta passara a representar um repúdio. Uma acusação. Uma declaração enraivecida de autocontrole. Você ousou seduzir em vez de pedir? Você tentou me dominar, logo eu, entre todas as mulheres?

Serviu-se de café. Os gemidos sensuais da ruiva ainda soavam em sua cabeça. Ainda sentia seu abraço e seus beijos longos e agressivos. Só em lembrar, já se sentia excitado de novo.

Tinha sido bom. Incrível. Onde ela havia encontrado o bom senso necessário para recuar, sem falar na força para deter a torrente que os arrebatava?

Passos leves e fugazes perturbaram a paz na varanda. Não precisava olhar para o limiar da porta para saber quem tinha chegado.

Nos poucos minutos que Phaedra levou para chegar à mesa, ele dominou a terrível raiva que acumulara ao longo da noite quente de vigília. Um último vestígio soou em sua cabeça ao saudá-la, entretanto. Você não vai se recusar na próxima vez, porque não quer isso de verdade.

A acolhida calma a deixou à vontade. Sua postura cuidadosa relaxou. Phaedra se sentou à mesa, lorde Elliot lhe serviu café e ela tomou um gole.

– Obrigada por ser tão civilizado – disse ela.

Ele não podia crer que ela realmente tocara no assunto. Pousou o cotovelo na mesa e descansou o queixo na mão. Algumas imagens sexuais muito pouco civilizadas se formaram em sua mente.

– Está se referindo a permitir que se recusasse na noite passada ou a lhe servir café esta manhã?

Uma criada entrou trazendo uma bandeja de ovos e fatias de toucinho defumado. Matthias podia ter escolhido Positano como seu lar, porém ainda oferecia um típico café da manhã inglês a seus convidados.

Phaedra pegou uma colher e, lentamente, serviu-se de ovos. Direcionava quase toda a sua atenção aos próprios gestos.

– Suponho que tenha me referido às duas coisas.

– Bem, Marsilio ou Pietro certamente teriam feito um escândalo na noite passada, discutindo e acusando até que toda a casa despertasse. Cavalheiros ingleses, contudo, são ensinados a sofrer.

Os lábios dela se franziram. Ela manteve os olhos no prato ao partir um pãozinho.

– Peço desculpas por qualquer sofrimento. Não foi minha intenção. Já que está sendo um verdadeiro cavalheiro inglês, talvez seja melhor eu não tocar mais no assunto.

– Seria o mais sensato.

Ela continuou a tomar o café da manhã devagar. Ele deveria se retirar, porém, é claro, não conseguiu. Phaedra pousou o garfo no prato e limpou a boca com o guardanapo.

– Lorde Elliot, se pretende que fiquemos mais alguns dias, então precisamos chegar a um acordo sobre o terraço.

Ela era inacreditável. Espantosa. Deveria saber que, naquele exato momento, o impulso dele era pegá-la, jogá-la por cima do ombro, carregá-la até o meio das árvores e terminar o que tinham começado. Porém, lá estava ela, negociando sabe-se lá o quê, quando uma noite insone o tinha deixado com muito menos boa vontade para fazer acordos.

– Como assim, Srta. Blair?

– Compartilhamos o terraço. Não é justo que o acesso a ele me seja negado ou que o fato de que eu o use possa ser interpretado como algo mais do que signifique de fato.

– Prometo que não interpretarei erroneamente caso a senhorita se junte a mim no terraço no meio da noite.

A promessa foi analisada com cuidado. Phaedra era esperta o bastante para entender os possíveis significados ocultos nela.

– Podemos pelo menos concordar que tenho o direito de deixar minha porta aberta sem temer que o senhor entre no meu quarto?

– Não.

– Vejo que fui muito otimista quanto a seu caráter.

– Nisso concordamos. Eu avisei.

– Lorde Elliot, eu...

– Insisto que me chame de Elliot em conversas particulares de agora em diante, Phaedra. Não se importa com a informalidade, não é? Podemos deixar de lado essa regra social estúpida. Afinal de contas, beijei seus seios nus e você gemeu de prazer.

Ela ficou estarrecida. Ele teve vontade de sorrir pela primeira vez naquele dia. Phaedra recuou e assumiu uma postura de arrogância controlada.

– Prefiro que evitemos a companhia um do outro o máximo possível, Elliot.

– Isso vai ser fácil esta manhã. Greenwood e eu vamos nos trancar em seu escritório até depois do meio-dia.

Ela se levantou.

– Então acho que vou dar uma longa caminhada e evitar os outros convidados por várias horas.

Ela se virou para ir embora.

– Phaedra.

Ela estacou e olhou por cima do ombro.

– Phaedra, exijo que prometa que não vai tentar fugir e que estará aqui no jantar.

Ela elevou a sobrancelha.

– Por causa de seu juramento ao signore Sansoni?

– Por isso também.

A expressão dela deu a entender que sabia qual era o outro motivo.

– E se eu não der a minha palavra?

– Posso amarrá-la na cama de novo. Gostaria disso?

Ela enrubesceu. Descartou a insinuação com um meneio brusco da cabeça.

– Tenho sua palavra?

– Sim, tem minha palavra, apesar de isso ser desnecessário e ridículo. Não sei nem como descer dessa montanha, que dirá descobrir como viajar para o interior.

Phaedra ergueu a cabeça e se afastou, fazendo o vestido negro ondular atrás de si.


Phaedra voltou para seu quarto e desfez as malas.

Como ele adivinhara seu plano? Não se via como uma mulher previsível, contudo lorde Elliot parecia ler seus pensamentos antes que eles nem sequer tivessem se formado.

Colocou de lado a valise vazia. Preparar-se para fugir fora um impulso nascido de uma noite de reflexão honesta sobre a forma como lorde Elliot a afetava. Ela corria enorme risco de fazer papel de boba, de se derreter toda só porque um homem lhe provocava desejo físico. Evitar completamente o desafio parecera uma boa ideia ao alvorecer.

Sentou-se e calçou as botas de cano curto. Andou até o terraço e olhou para baixo, para a cidade. Vozes chegavam da varanda embaixo dela. Outros convidados tomavam o desjejum.

Respirou fundo e invocou a mulher que sua mãe a ensinara a ser.

Decidir fugir fora covardia. Tinha se deslocado até aquela terra para encontrar respostas sobre a mãe, e algumas delas poderiam estar bem ali, naquela casa. Fazia muito mais sentido ficar e tentar confirmar as suspeitas que fervilhavam por debaixo de seus medos e vulnerabilidades em relação a lorde Elliot.


Quando Phaedra voltou à varanda, Matthias Greenwood desaparecera em seu gabinete com lorde Elliot. Randall Whitmarsh, contudo, estava sentado à mesa com a esposa. Phaedra se reuniu a eles, com a esperança de que a Sra. Whitmarsh logo pedisse licença e saísse. A conversa com Matthias tinha corrido tão bem na noite anterior que ela estava ávida por descobrir se o Sr. Whitmarsh poderia acrescentar mais alguma informação.

Infelizmente o Sr. Whitmarsh foi embora primeiro, para fazer sua longa caminhada matinal.

– A senhorita estava linda na noite passada – disse a Sra. Whitmarsh.

– Obrigada.

– Faz pensar em por que...

Seu olhar percorreu Phaedra dos pés à cabeça, examinando suas vestimentas.

Phaedra não se deu o trabalho de fornecer explicações. A Sra. Whitmarsh não era o tipo de mulher que pudesse entender a mistura de praticidade e teimosia que dera origem a essa opção excêntrica.

– O que quero dizer é que sua mãe não adotava esses símbolos externos para suas ideias singulares.

A atenção de Phaedra foi despertada.

– A senhora a via com frequência?

– Antes de nos mudarmos para Roma, meu marido costumava aceitar seus convites para jantar. Ao contrário de outras esposas, eu concordava em acompanhá-lo. Ele era fascinado por ela. Achei melhor cuidar para que ela nunca ficasse fascinada por ele também.

Phaedra não achava provável que Artemis considerasse o Sr. Whitmarsh fascinante. Porém, antes de ler as memórias, nunca poderia pensar que Artemis pudesse achar outro homem fascinante além de Richard Drury.

– A senhora teve êxito em frustrar uma ligação entre eles? Ou minha mãe teve algum carinho especial para com seu marido?

A Sra. Whitmarsh não demonstrou surpresa com a pergunta atrevida.

– Acho que fui bem-sucedida. Até muito tarde na vida, ela só teve olhos para o Sr. Drury.

– Quer dizer que, em algum momento, os olhos dela encontraram outro homem. Não meça as palavras por delicadeza. Sou a filha e, como ela, acho uma bobagem que as pessoas não falem francamente sobre esses assuntos.

A Sra. Whitmarsh deu de ombros.

– Foi fácil observar certa frieza entre seus pais no último ano de vida dela. Meu marido não percebeu, mas eu, sim. Vários homens a desejavam. Não como esposa, é claro.

O tom crítico e confiante da última frase incomodou Phaedra. Ela correu em defesa de sua mãe, apesar de Artemis não precisar de desculpas.

– Se não viu minha mãe desviar sua afeição para outro homem, tal frieza pode ter sido apenas resultado do passar do tempo e de dois amantes tornando-se amigos e mais à vontade um com o outro.

– Srta. Blair, meu marido e eu jantamos várias vezes com sua mãe, durante muitos anos. Normalmente o Sr. Drury estava presente. A familiaridade e a amizade que havia entre eles era muito clara desde o início. Ninguém precisou me contar na minha primeira visita que eles eram amantes e que você era filha do Sr. Drury. Contudo, no último ano, ele nem sempre se encontrava. E sua mãe ficava estranha na presença dele. Talvez a senhorita se considere mais inteligente do que eu, mas, quando percebo que as coisas não estão bem entre um homem e uma mulher, raramente me engano.

Sim, a Sra. Whitmarsh, que com tanto cuidado mantinha posse do marido, seria especialista nessa área da natureza humana. Será que também era observadora? Será que teria visto alguma coisa? Uma mulher que guarda um tesouro com certeza seria uma das primeiras a perceber se o pirata que ela temia tivesse voltado sua atenção para outro navio.

– Quem era o homem que se tornou objeto da atenção de minha mãe?

– Isso é um debate, em que tenho que dar um nome para que a senhorita respeite meu julgamento?

– É um questionamento sincero, de uma filha que se pergunta sobre os últimos anos de sua mãe.

A postura defensiva da Sra. Whitmarsh se desfez.

– Não sei. Só tenho certeza... certeza quase absoluta... de que não foi meu marido. Ela passou meses radiante, como se fosse jovem de novo, mas aí...

– Aí...?

– Foi como se alguém tivesse apagado a luz. Ela estava melancólica nas últimas vezes que nos vimos. Talvez, quem quer que fosse, a houvesse desapontado.

Phaedra percebera essa melancolia. Não havia entendido os motivos nem a profundidade, contudo a descrição era verdadeira. A luz se apagara.

– A senhora não está sozinha em se perguntar se ela teve um novo amor – falou Phaedra. – Alguns nomes me foram sugeridos. O Sr. Needly, por exemplo. E o Sr. Thornton.

– Needly? Bem, acho que isso pode fazer algum sentido. Ele guardava semelhanças com o Sr. Drury. Tinha a mesma natureza. E sua erudição em arte romana lhe daria algo em comum com sua mãe. Apesar de que, se me perguntassem, eu diria que os dois se estranhavam. Às vezes ele era um homem muito arrogante.

A Sra. Whitmarsh tinha amolecido com a fofoca. Ela apreciava o assunto muito mais do que Phaedra gostaria.

– Às vezes a atração pode criar rusgas.

– De fato, isso pode acontecer. Agora, o outro, Thornton... – disse, e então parou para pensar antes de prosseguir: – Ele era um pouco jovem demais para ela. Enigmático também. Entretanto estava sempre por perto. Não passava despercebido. Era bonito, até demais. Tinha presença, mas...

– Mas...?

– É difícil de explicar. Ele era maravilhoso. De deixar qualquer mulher de queixo caído. Contudo era de certa forma... obscuro. Meu marido uma vez usou essa palavra para descrevê-lo e achei apropriada. Sim, ele era obscuro de muitas maneiras.

Phaedra guardou a descrição em sua mente. Ao voltar para a Inglaterra, teria que procurar o arrogante Sr. Needly e o obscuro Sr. Thornton, além de perguntar a outros amigos íntimos da mãe se Artemis tivera um caso com um desses dois homens.

– Eu gostava dela – disse a Sra. Whitmarsh. – Não aprovava seu estilo de vida e ela sabia disso. Ainda assim, ela aceitava meus pontos de vista. Nunca permitiu que me sentisse deslocada. Era muito gentil.

– Ela estava acostumada com seus pontos de vista. Afinal, eles são os mais costumeiros. Sempre que botava o pé fora de casa, ela era a estranha. Quem dera o mundo tivesse sido tão gentil em relação a ideias diferentes quanto ela provou ser e tão aberto à companhia dela como ela era à de todos.

A Sra. Whitmarsh enrubesceu. A coloração de suas faces disse a Phaedra muito mais do que ela queria saber. Os Whitmarshs nunca tinham retribuído os convites para jantar. Artemis Blair nunca fora incluída no círculo deles e nas festas deles.

Essas confidências matinais de repente pareceram trair a memória de sua mãe. Phaedra suspeitava de que elas ecoavam as fofocas da Sra. Whitmarsh com seus amigos em salas de estar que nunca foram abertas para a intelectual que desafiava as convenções sociais.

Também teve uma amostra das fofocas que deviam correr sobre sua pessoa. Ela sabia que havia mulheres que riam dela, especulavam a seu respeito e a reprovavam, assim como havia homens que entendiam erroneamente sua liberdade. Era mais fácil ignorar essas pessoas se não tivesse que tolerar sua companhia.

Queria muito que a Sra. Whitmarsh tivesse revelado a identidade do homem que usurpara o lugar de Richard Drury. Ela não conseguira, porém suas observações não foram de todo inúteis.

Phaedra pediu licença. Deixou a varanda e tomou o caminho da ladeira que levava à cidade.


Logo depois de o sol nascer, Positano se tornava uma cidade de mulheres. Os homens que tinham condições físicas para pescar haviam saído muito antes de Phaedra começar suas atividades.

Levou um bom tempo para achar o caminho de descida pela densa rede de ruas antigas e estreitas. Mesmo com sua construção escalonada, eram bastante traiçoeiras. Phaedra desejou ter levado consigo sua sombrinha para usá-la como bastão de caminhada e se proteger do sol, que ficava cada vez mais quente conforme ia se aproximando do pico da montanha.

Mulheres e crianças paravam para vê-la passar pela rua do mercado. Ela admirou os limões e as verduras, as peças de carne de carneiro e de boi. Na esquina do mercado, alguns homens estavam sentados em cadeiras do lado de fora da taverna. Eles a olharam com curiosidade e desconfiança.

O mais jovem, um homem de cabelo escuro, vestido com uma sobrecasaca marrom elegante, tinha uma bengala apoiada na cadeira. Os outros pareciam velhos e encarquilhados. Ela supôs que tinham abandonado os rigores da pesca fazia muitos anos.

Phaedra encontrou as outras ruas principais seguindo o fluxo das pessoas. Sua presença era um pequeno espetáculo, como tinha ocorrido com a cavalgada em lombo de burro atrás de lorde Elliot. Cabeças apareciam nas janelas e olhares impetuosos acompanhavam sua caminhada.

As ruas a levaram a uma pequena piazza bem na encosta do morro. Água jorrava da boca de uma cabeça de leão esculpida em um muro baixo construído rente à rocha da montanha. Mulheres se sentavam em bancos de pedra à sombra das árvores, aguardando a vez de encherem seus jarros.

Phaedra encontrou uma vaga para descansar em um banco num local mais fresco. Olhos escuros a observaram interrogativamente. Uma moça sussurrou no ouvido de um menino e ele saiu correndo pela calçada. As mulheres matavam tempo ali depois de usarem a fonte, conversando em uma melodia expressiva, sem perder de vista a recém-chegada.

Logo outra mulher surgiu na calçada. O tecido de sua saia preta balançava com seus longos passos. Ela não se parecia com as demais mulheres.

Para começar, era loura. Seu cabelo louro-escuro estava preso em um nó na nuca, visível sob a grande aba de seu chapéu de palha preto. Ela não era tão clara quanto Phaedra, mas, em vez do bronzeado forte tão comum nessa terra, tinha um leve colorido na pele.

Phaedra se perguntou se era outra forasteira, que, como Matthias, tinha vindo morar ali. Quando a mulher se aproximou, no entanto, seus olhos amendoados, as maçãs do rosto salientes e o rosto em formato de coração revelaram que era uma nativa, mesmo que, num primeiro olhar, sua cor desse outra impressão.

A mulher se sentou no banco de Phaedra e fez algumas saudações às amigas. Phaedra tentou traduzi-las, porém as palavras se seguiam rápido e o sotaque em Positano era diferente do de Nápoles.

Ela se virou e deu uma boa olhada em Phaedra. O volume das conversas em torno delas baixou.

– Inglesa?

Phaedra assentiu.

– Elas imaginaram e mandaram o pequeno Paolo me chamar. Minha prima Julia e eu somos as únicas mulheres aqui que falam inglês. Você conheceu Julia. Ela é sua anfitriã na mansão. Você é viúva?

A conversa era entabulada em um inglês correto, apesar de a cadência e a pronúncia refletirem algum esforço.

– Não, não sou viúva.

O olhar da mulher se voltou para o cabelo longo de Phaedra.

– Não achei que fosse.

Ela olhou para a direita na rua e sorriu de forma dissimulada.

– Ah, lá vem o signore Tarpetta. Ignore-o. Ele gosta de agir como se fosse uma autoridade, mas ela só existe na cabeça dele.

O homem coxo que estava sentado no final da rua do mercado agora vinha mancando, apoiado na bengala, porém exalando presunção. Dois senhores o acompanhavam. Os três se posicionaram do outro lado da piazza.

– Meu nome é Carmelita Messina. Também não sou viúva, caso esteja em dúvida por causa de minha roupa preta.

– Meu nome é Phaedra Blair e fico feliz de conhecer alguém que fale meu idioma tão bem. Tentei falar sua língua, contudo...

Carmelita balançou a mão, dispensando as desculpas.

– Aprendi um pouco de inglês em Nápoles. Morei lá vários anos com Julia e seu falecido marido – explicou Carmelita, e então fez um sinal, apontando com o queixo para o signore Tarpetta, que as observava com atenção, apesar de conversar com os dois senhores. – Ele não gosta quando hóspedes da mansão descem até aqui. Tem medo de que vocês possam corromper seu pequeno reino.

– Os hóspedes descem com muita frequência?

– Somos apenas camponeses pitorescos para a maioria deles. Somos as pessoinhas nos cantos das pinturas sentimentais.

– Nem mesmo o signore Greenwood se mistura com vocês?

– Às vezes. Ele fez várias visitas no ano passado. Uma das vezes, ao voltar, levou Julia com ele – confidenciou, antes de lançar um olhar de escárnio para Tarpetta e acrescentar: – Ele tinha esperanças de se casar com ela. Faz muito alarde de que não a quer mais agora, mas todo mundo sabe que bastaria ela fazer assim – e ela estalou os dedos – que ele iria rastejando.

A conversa delas tinha atraído uma pequena plateia, e risadinhas vinham das mulheres que tinham se aproximado mais.

Carmelita olhou para Phaedra de novo.

– Uso preto para demonstrar luto pelos carbonari que morreram quando o rei matou a república. Se não é viúva, por que está de luto?

– Estou de luto pelo meu pai, porém não é esse o motivo da roupa. O preto não mostra sujeira tão rápido.

Carmelita traduziu para a plateia. Cabeças assentiram.

– Você não prende o cabelo nem usa véu. Tive dúvidas se não era uma puttana, mas não acho que seja, porque as amantes que vêm com os homens que visitam a mansão lá em cima estão sempre na última moda. Talvez você faça isso para apontar o dedo na cara de homens como o nosso Tarpetta lá?

– Talvez sim.

Phaedra olhou para a baía distante lá embaixo.

– O Sr. Greenwood recebe muitos hóspedes? Chegam barcos especiais só para trazê-los para a mansão?

– Sempre há hóspedes e alguns deles vêm com muita frequência. Ele tem muitos amigos, o signore Greenwood. Ele não é um de nós, mas muitos aqui lucram com o dinheiro que ele gasta.

– Como a família dos garotos que encontraram a estatueta antiga?

– Não ouvi falar de estatueta. As famílias gostam de manter essa informação em segredo, para que, se houver outras, fiquem só para elas. Ele gosta de coisas antigas, o signore Greenwood.

Carmelita notou de novo os homens que as observavam.

– Eles não estão gostando nada de ver você sentada aqui por tanto tempo, então espero que fique ainda mais. Conte-nos de sua vida na Inglaterra, Phaedra Blair. As mulheres pararam de levar água para casa só para ouvir algumas histórias suas.

Carmelita precisava traduzir toda a conversa e as mulheres sorriam e davam risadinhas quando ela o fazia.

Uma jovem que não passava dos 18 anos se aventurou mais perto. Com cuidado, esticou a mão e tocou o cabelo ruivo de Phaedra.

Phaedra não se importou com a proximidade, porém outra pessoa, sim. Uma voz masculina ladrou. Do outro lado da piazza, um dos senhores deu um passo à frente. Ele ralhou e fez um gesto para que a garota fosse até ele.

Com a cabeça baixa e os olhos temerosos, a jovem correu até lá. O homem a agarrou pelo braço e a empurrou para a calçada, levando-a embora.

– É o sogro dela – disse Carmelita. – Vai dizer para a família que ela fez amizade com a amante de um forasteiro que desceu da mansão.

Phaedra não quis pensar no destino da moça se a história enraivecesse o marido. As expressões cautelosas que de repente surgiram nos olhos das outras mulheres a entristeceram.

– Não quero causar problema para nenhuma de vocês.

Ela começou a se levantar.

A mão firme de Carmelita segurou seu braço.

– Não há mudança sem problemas. Essas mulheres não sabem nada do mundo fora deste litoral, e minhas histórias de Nápoles estão ficando velhas. Conte-nos de sua casa e como se tornou uma mulher que se aventura sozinha em uma terra estranha, parecendo uma meretriz de luto que não teme a mão de homem nenhum.


Phaedra ficou por uma hora na fonte, aproveitando a companhia feminina. Ela contou a Carmelita e às outras sobre sua vida e como vivia sozinha e livre em Londres. Com o passar do tempo, a torrente de palavras estrangeiras começou a fazer algum sentido para ela. Chegou a compreender algumas das perguntas dirigidas a ela antes de serem traduzidas.

Do outro lado da piazza, o signore Tarpetta observava. Alguém lhe trouxe uma cadeira, para que pudesse se sentar e descansar a perna. O alegre grupo de mulheres não se importava com sua desaprovação. Ele podia até se considerar uma autoridade, contudo ficou claro para Phaedra que as mulheres obedeciam a outro nome: Carmelita Messina.

Por fim, as mulheres se afastaram, carregando água e conversando animadamente umas com as outras.

– Os maridos logo voltarão nos barcos. Elas têm que preparar o almoço – explicou Carmelita.

Phaedra se levantou.

– Obrigada por se juntar a nós – agradeceu. – Assim pude conhecer as mulheres daqui. Vou descer até aquela torre antes de voltar para a mansão.

– Vou acompanhá-la, senão talvez não encontre o caminho até lá. Se Tarpetta nos seguir, finja que ele não está lá. Ele seria um tolo se fizesse isso tendo aquela perna, mas o homem já provou muitas vezes que é estúpido.

Tarpetta provou isso mais uma vez naquele dia. Phaedra achou que ele tivesse desistido de segui-las até que ela e Carmelita chegaram ao caminho do promontório, quando então o viu mancar na direção do cais para não perdê-las de vista.

– Como ele machucou a perna?

Carmelita atravessou o portal na entrada da torre.

– Ele foi soldado e estava entre os que foram atrás do marido de Julia na nossa casa em Nápoles. Ele nos traiu. Nós resistimos, apesar de ser inútil. Acertei-o com uma frigideira de ferro pesada, bem aqui – explicou, apontando para o próprio joelho. – Teria sido melhor se eu tivesse mirado na cabeça.

– Então agora ele a segue por toda parte?

– Ele está seguindo você, não a mim. Mas ele me odeia, porque fui eu quem promoveu o encontro do signore Greenwood com Julia. Ela ficou sem nada depois que o marido foi executado quando a república acabou.

– Se é por ciúmes, ele deveria odiar Greenwood, não você.

Carmelita ia à frente na subida sinuosa da escada de pedra.

– Ele não ousa odiar Greenwood. Como muitos outros, ele lucra com o dinheiro do inglês.

Elas seguiram até o alto da torre, onde havia um cômodo quadrado. Pequenas janelas vazavam duas paredes opostas. Uma dava para o mar e a outra, para a montanha.

– Esta era para vigiarem o mar e evitarem ataques de árabes e piratas pelo porto – explicou Carmelita. – Agora, esta a leste aqui... eles vigiavam outra coisa, não? Um exército vindo pela montanha ou problemas na cidade.

Phaedra olhou para a janela a oeste. A vista do mar era infinita, quilômetros de litoral de um lado e de outro. Ela se moveu para a janela a leste. O sol se elevara na reta do pico da montanha.

Aquela torre fora construída por questões militares. Nas alvoradas, em pleno verão, contudo, o sol devia nascer alinhado com aquela janela.

Não havia muito mais a explorar naquela torre de vigia. As paredes de pedra se erguiam e se curvavam para formar o teto, parecido com as antigas igrejas normandas em sua terra natal. Exceto por um cobertor no chão, estava vazia e surpreendentemente limpa.

Carmelita empurrou o cobertor com o pé e revelou a esteira de palha que estava debaixo dele.

– Este lugar é frequentado por namorados – disse. – Há anos, esta torre recebe visitantes noturnos.

Quando ela e Carmelita reapareceram do lado de fora, a figura esguia e firme do signore Tarpetta ainda podia ser vista no cais.

– Como ele lucra com o dinheiro do Sr. Greenwood?

– Não sei. Mas ele vive bem e não tem renda além da pequena pensão que recebe do Exército. Eles se conhecem. Dá para ver isso na forma como se cumprimentam nos raros momentos em que se encontram. Greenwood talvez o pague para se assegurar de que não vamos perturbar seus amigos importantes, ou, quem sabe, só para ele ficar longe de Julia.

Ela deu de ombros.

– Venha, vamos procurar um burro de aluguel para levá-la de volta. Nem eu aguento subir tudo isso a pé.

No momento em que desciam o promontório, lorde Elliot surgiu no cais. De repente, o braço do signore Tarpetta e os olhos de dois homens se dirigiram para elas.

Lorde Elliot desceu de novo para o cais e se dirigiu para o norte para interceptá-las.

– Quem é aquele? – perguntou Carmelita. – Seu namorado veio buscá-la?

– Ele não é meu namorado.

Phaedra sentiu o rosto queimar.

Carmelita deu uma gargalhada.

– Mas ele bem que gostaria, não? E é tão bonito que você ficou tentada, eu acho. Veja a expressão séria dele enquanto fica lá, esperando por você. É melhor olhar por onde pisa com esse aí, Phaedra Blair.

Phaedra apresentou Carmelita a lorde Elliot assim que o alcançaram. Ele respondeu com gentileza, porém não conseguiu esconder seu desagrado.

– Você nos deixou preocupados, Srta. Blair. Não é aconselhável vir para a cidade sozinha.

O tom de lorde Elliot beirava a censura.

– Duvido que alguém que visite esta cidade corra algum risco.

Lorde Elliot olhou para Carmelita.

– Sou grato por oferecer ajuda e companhia à Srta. Blair.

– Não preciso nem de ajuda nem de companhia – rebateu Phaedra. – Contudo fico feliz de ter feito uma amiga e espero vê-la de novo, Carmelita.

Ainda teso de irritação, lorde Elliot se dirigiu a alguns garotos para alugar burros e voltarem para a mansão.

– Vou deixá-la agora para que possa lidar com esse homem – brincou Carmelita. – Se precisar de uma frigideira de ferro, é só falar.


CAPÍTULO 9

– Escreverei a carta para o superintendente esta manhã – prometeu Matthias. – Apesar de que as cartas de apresentação que trouxe da Inglaterra devam bastar. Talvez eu seja presunçoso em achar que a minha agilizará seu acesso aos sítios das escavações.

– Você o conhece pessoalmente. Ficarei feliz em ter uma carta sua.

Elliot se esforçava por manter pelo menos metade de sua mente nos preparativos para a visita a Pompeia. A outra metade continuava no terraço acima da varanda.

Na noite anterior, Phaedra deixara as portas abertas.

Fizera isso como provocação? Uma declaração de indiferença? De certeza ele só tinha que não fora um convite.

Elliot fumou um longo charuto no terraço à noite, olhando para a escuridão por entre as persianas abertas, incapaz de dominar a tentação que a proximidade dela causava. Os únicos sons que vinham lá de dentro eram os suspiros suaves de uma mulher satisfeita, dormindo muito bem, obrigada.

Por fim, se retirara para o quarto, em uma tentativa de aplacar os impulsos cruéis que aquela mulher incitava. Quando o sono por fim o aliviou, foi um sono profundo, longo, que durou até depois do amanhecer. Ao acordar, descobrira que Phaedra havia desaparecido.

Ela deixara a mansão de novo. Ele lhe mandara não fazer mais isso. Após procurar por Phaedra na véspera, estipulara algumas regras. Ela as desobedecera logo, sem perda de tempo.

– Se preferir, a Srta. Blair pode ficar aqui enquanto você vai a Pompeia – disse Matthias casualmente.

Casualmente demais, como se entendesse o que distraía seu ex-aluno.

– Ela está determinada a ir também.

– Ela não precisa ir em sua companhia. Está claro que ela o atormenta. Posso acompanhá-la, em separado, para poupá-lo do inconveniente. Quanto à questão que me contou sobre Sansoni, tenho certeza de que ele aceitaria minha autoridade para representá-lo, se é que algum dia ficaria ciente da troca.

– Tenho certeza de que ele não aceitaria. Dei-lhe minha palavra em juramento. Estou preso a ela por toda a viagem.

A palavra dada a Sansoni não tinha muito a ver com sua recusa à oferta de Matthias. Naquele momento, a necessidade de controlar os planos de Phaedra para as memórias do pai também não afetava sua decisão. Não diretamente, pelo menos, apesar de tudo estar ligado. O tormento causado pela Srta. Blair tinha assumido outros tons. Ele queria ter poder sobre muito mais do que quando ou como ela publicaria um livro.

– Já que está determinado a mantê-la com você, permita-me sugerir algumas hospedarias que seriam adequadas para uma mulher respeitável.

Com isso, Matthias iniciou uma ladainha sobre instalações em cada cidade.

No final das recomendações, a atenção de Elliot foi desviada para a montanha. Whitmarsh chegava a pé da cidade, o rosto vermelho pelo esforço.

– Muito íngreme, mesmo para você, não, Whitmarsh? – disse Matthias. – Agora entendo por que demorou tanto a chegar de seu exercício matinal.

Whitmarsh se inclinou, as mãos nos joelhos, dando tempo para recuperar o fôlego. Com um aceno dele, Matthias se calou para ouvi-lo:

– Problema... a cidade... torre...

Frustrado por seus pulmões se recusarem a colaborar, apontou para a parte mais baixa do morro.

Elliot e Matthias foram até ele. Elliot olhou para baixo. A cidade estava movimentada, com muita atividade. Ele se concentrou na torre. Um grupo grande se reunia no caminho do promontório.

Whitmarsh inspirou várias vezes, recompondo-se.

– Essa montanha pode matar, se você quiser correr.

– É por isso que não se deve correr – entoou Matthias. – Por que fez isso?

Whitmarsh apontou de novo.

– A Srta. Blair está lá embaixo, naquela torre. Querem prendê-la.


Aquela mulher seria o seu fim.

Elliot subiu correndo para o quarto a fim de procurar o revólver, de forma que seu pensamento não se tornasse verdade. Quando voltou, viu que Whitmarsh conferia a própria arma.

– O que será que ela fez? – refletiu Matthias enquanto desciam pelo morro.

Elliot podia imaginar.

– Até onde posso dizer, eles a consideram uma bruxa ou algo assim – disse Whitmarsh, inspirando fundo várias vezes.

Ele não tinha se recuperado totalmente da subida e agora a descida também exigia bastante.

– Droga! – xingou Elliot.

– Nosso objetivo é claro, cavalheiros – declarou Matthias. – Não podemos deixar que a prendam. Com Sansoni doido para arrumar problema, como você disse, Rothwell, e as noções primitivas de religião e justiça deste lugar, se eles a pegarem, as coisas podem sair do controle.

A inspiração profunda de Elliot teve pouco a ver com a rapidez com que desciam a ladeira para chegar à baía e à torre. Se Phaedra não fosse tão teimosa e tivesse ficado na mansão, três homens não estariam agora correndo desabalados para se meterem em problemas.

Sua raiva era pouca perto da outra reação que pesava como chumbo em seu peito. Não estavam em Londres, mas em uma cidadezinha montanhosa e isolada em um país estrangeiro. A postura e as vestimentas de Phaedra a tornavam vulnerável. Não havia nada de cômico em relação à acusação de bruxaria neste lugar. Ela corria perigo real.

Chegaram às ruas mais baixas e cortaram caminho pela piazza na frente da igreja de Santa Maria. Carros recém-pintados e decorados estavam lá, prontos para a procissão de San Giovanni na manhã seguinte.

Matthias foi na frente, mostrando o caminho no contorno da baía. Um ajuntamento de homens bloqueava o caminho para o promontório. Dessa vez a plateia masculina não era só de velhos e enfermos. Alguns dos pescadores tinham decidido que a cena na torre era mais interessante do que jogar suas redes ao mar.

Os homens estavam inflamados. Xingamentos se faziam ouvir. Olhos escuros flamejavam. Mãos faziam gestos por toda parte. Um homem bem-vestido estava de pé no centro da multidão, com o peso apoiado em uma bengala grossa, instigando os outros.

Matthias inclinou a cabeça, prestando atenção ao que ouvia.

– Ela foi vista na janela na alvorada – sussurrou. – Rezando para o sol nascente ou algo assim. Tarpetta, o manco que está ali, também a viu na cidade ontem, tentando corromper as mulheres. Pelo que entendi, ele a está acusando de bruxaria, meretrício e heresia.

– Heresia? – repetiu Whitmarsh.

– Vamos abrir caminho pela multidão – disse Elliot. – Whitmarsh, devemos manter as armas ocultas por ora.

Com posturas militares, abriram caminho até a frente da turba. Sua presença não fez nada para acalmar a situação.

Uma cena digna de ópera esperava no promontório. Os homens haviam se amontoado no limite da cidade porque o caminho para a torre estava bloqueado por um grande grupo de mulheres. Elas estavam agitadas também e prontas para a briga. Todas tinham arrancado o lenço ou o véu da cabeça e soltado os cabelos.

Carmelita Messina estava ao fundo, posicionada como se fosse a última linha de defesa. Com os cabelos louros soltos e o vestido preto esvoaçando, ela parecia a sacerdotisa da religião de Phaedra.

Segurava uma frigideira de ferro grande e rasa na mão. Às vezes brandia a arma na direção de Tarpetta, que não aceitava os insultos de bom grado.

Um único homem estava de pé entre os dois grupos: o padre da cidade, que mantinha os braços levantados, um em cada direção, como se sozinho pudesse evitar que as duas ondas de raiva colidissem.

– A coisa está bem animada – disse Whitmarsh secamente.

Infelizmente, também estava perigoso. Elliot olhou para o alto da torre. Ao mesmo tempo, Phaedra olhou por uma janela. Ela o viu e ele tentou lhe transmitir confiança.

– Vamos tentar resolver tudo em paz, Greenwood – propôs Elliot.

Com coragem, Elliot se postou entre as duas turbas e foi se aproximando do padre, tendo Matthias a seu lado.

Enquanto Greenwood conversava com o padre, a ira dos homens não parava de chegar aos ouvidos deles. As notícias não eram nada boas.

– A acusação de bruxaria se deve ao ritual com o sol, que aconteceu no pior momento possível. Estamos no solstício – relatou Matthias. – A acusação de meretrício foi feita em termos gerais. A aparência dela, o fato de ter ido sozinha à cidade, coisas assim. Infelizmente, os homens consideram que o apoio das senhoras só confirma a má influência que a Srta. Blair representa sobre elas. Pelo que entendi, houve algumas conversas incomuns nos quartos desta cidade na noite passada.

– E a heresia? – questionou Elliot.

– A Srta. Blair tentou explicar a história com o sol com mais detalhes do que seria sensato. Dissertar sobre os pontos comuns entre as religiões do mundo provavelmente não a ajudou muito.

Elliot imaginou uma acusação sendo transmitida pelas mulheres a Carmelita e então traduzida para Phaedra. Depois visualizou uma longa explicação voltando pela mesma corrente, frases e mais frases longas, tendo um pouco de seu sentido alterado conforme passava a cada elo, até chegar aos homens. Era espantoso que a acusação fosse heresia, em vez de loucura.

O padre era um homem idoso, de cabelo branco e rosto suave. Estava aflito com a situação de descontrole na cidade. Conversou com Matthias e, por fim, juntou as mãos em prece, balançando-as juntas como se assim fortalecesse o pedido.

Elliot entendia muito bem o padre.

– Diga-lhe que não vou deixar a Srta. Blair ao capricho de uma turba.

– Ele está certo de que nossa presença só serve para inflamar ainda mais os ânimos, Rothwell – alertou Matthias. – Os homens acham que usurpamos seu poder e as mulheres, bem, elas não têm boa impressão de homem nenhum neste exato momento.

A última parte era verdade. As mulheres o olhavam como se fosse o inimigo. Lançavam provocações inflamadas que eram sem dúvida insultos. Se ele conseguisse passar por elas, Carmelita da Frigideira de Ferro o esperava.

Elliot recuou e puxou Matthias para o lado assim que conseguiram passar de novo pelo grupo de homens.

– Preciso chegar lá no alto e falar com ela.

– A torre foi construída para defesa. Só há duas maneiras de chegar lá. Por esta faixa de terra ou por mar.

– Então vou ter que chegar por mar.


Phaedra espiou pelo canto da janela. A arruaça lá embaixo continuava. Sempre que os homens pareciam perder o interesse, o signore Tarpetta os incitava a continuar.

Elliot, o Sr. Greenwood e o Sr. Whitmarsh tinham ido embora. Provavelmente esperavam que essa pequena chama se extinguisse por si só. Era o que ela esperaria também, depois de o padre chamar os manifestantes à razão. Infelizmente, Phaedra desconfiava de que o conflito não se dera por haver uma inglesa estranha na torre naquela manhã.

O problema envolvia outras questões. Práticas antigas e eventos recentes colocaram lenha na fogueira. Phaedra se preocupava se as mulheres pagariam caro nos próximos dias por essa rebelião, mesmo que ela própria fosse poupada.

Tinha esperanças de que Carmelita não pagasse com a própria liberdade. Admirava a mulher loura que brandia sua frigideira de ferro, num gesto que anunciava não se tratar de uma pessoa indefesa e, além disso, garantia que Tarpetta se lembrasse de seus próprios crimes e de por que ela não permitiria que a cidade se curvasse ao poder dele.

Era tudo culpa de Tarpetta. Ele a vira na cidade ao amanhecer. Provavelmente a seguira e a avistara na janela que dava para o leste na torre quando o sol atingiu o topo da montanha.

O sol tinha se movido bastante desde então, contudo o confronto lá embaixo não parecia perto de acabar.

Ela correu para a janela a oeste. Carmelita a advertira a respeito de um ataque por mar. Um barco se aventurara nos arredores avaliando essa abordagem havia uma hora, porém ela jogara pedras soltas da construção e o desencorajara.

Outro barco se aproximava agora. Não vinha do cais de Positano, e sim do oeste, como se chegasse de Capri em visita à torre normanda.

Três homens estavam de pé na proa, enquanto criados da mansão remavam. Elliot, Whitmarsh e Greenwood tinham corrido em seu resgate.

Levaram a embarcação o mais próximo possível da torre. O Sr. Whitmarsh acenou. O Sr. Greenwood a chamou. Elliot quase sorriu, mas sua boca não passou de um risco tenso.

– Agora você entende o que eu quis dizer, Rothwell. Se fosse fácil acessar a torre pelo mar, ela seria inútil para proteção – disse Greenwood.

– De qualquer forma, está um dia esplêndido para um passeio de barco – falou Whitmarsh. – Parece que ninguém pensou que tentaríamos essa estratégia. O cais permanece vazio.

Whitmarsh olhou para Phaedra lá no alto:

– Essa janela parece mais longe ainda daqui. Trouxemos alguns víveres, Srta. Blair, porém duvido que nosso plano de levá-los até aí funcione.

Uma onda de gritos chegou à torre vinda do outro lado. Phaedra correu até lá e olhou para baixo. Os homens tinham se aproximado muito do padre. A massa de mulheres se compactara.

Ela voltou para a janela que dava para o mar.

Elliot se curvou. Ao se levantar, exibiu uma corda grande com um gancho na ponta.

– Afaste-se, Srta. Blair. Entre na torre. Se eu conseguir mandar o gancho até aí, prenda-o o melhor que puder.

– Lorde Elliot, não acho que você conseguirá...

O olhar dele a silenciou. Ela foi para o outro lado da torre.

Por três vezes ouviu o barulho alto de metal atingindo a pedra, seguido pelo som de algo caindo pesado na água. Parecia que o plano deles não iria funcionar.

De repente o grande gancho de ferro apareceu na janela, subindo muito, e depois começou a cair. Uma de suas três hastes agarrou no peitoril da janela e parou.

Phaedra correu para lá, soltou-a e a deslizou pelo peitoril até encontrar um sulco profundo entre as pedras da parede onde prender o gancho.

Olhou para o mar. Os três homens puxavam a corda para testar sua segurança. Satisfeito, lorde Elliot pulou do barco para a estreita faixa de areia. Whitmarsh lhe entregou duas cestas.

– Mande primeiro a comida – pediu ela. – Não comi nada hoje.

– Com certeza você imaginou que o deus sol não podia esperar – provocou Elliot ao prender a alça da cesta na corda. – Na infância, quando eu desobedecia a meus pais, era mandado para o quarto sem jantar. Talvez um pouco de fome seja adequado para a senhorita hoje.

Ela deu um pequeno puxão na corda:

– Não vamos ser descuidados por pressa. E precisamos manter nosso senso de humor.

A cesta permaneceu imóvel por um momento, irritando-a, mas logo Elliot a soltou. Phaedra puxou a corda para cima até chegar à alça da cesta. Examinou seu conteúdo e jogou a ponta de volta.

– É um banquete e tanto. Vinho, presunto, pão e figos.

– Espero que goste. Se os homens da cidade tivessem conseguido chegar até aí, você só comeria macarrão e banha de porco pelos próximos dez anos, isso se não a enforcassem de imediato.

Elliot agarrou a extremidade da corda e começou a atar a outra cesta.

– Há cobertores e outros itens de primeira necessidade aí dentro.

Um rugido veio do outro lado da torre. Elliot olhou para cima.

– O que está acontecendo?

Ela correu para a outra janela, depois voltou para contar.

– Se for para aproveitar meu banquete, temo que precise fazê-lo bem rápido. O signore Tarpetta está ordenando que o padre saia do caminho.

– Puxe isso para cima logo e depois mande a corda de volta.

O barulho que entrava pela outra janela fez com que ela puxasse a corda o mais rápido possível. Depois que soltou a cesta, mandou a corda para baixo e correu mais uma vez para a janela que dava para leste.

O padre tinha ido embora. A linha de frente dos homens estava cara a cara com a das mulheres. Os flancos do exército de mulheres já tinham se rompido. Uma derrota se aproximava.

Phaedra voltou para a janela que dava para o mar. Greenwood apontava para a costa.

– Entraremos por ali e chegaremos à linha de batalha em minutos – disse ele a Elliot.

– A questão está ficando difícil no promontório – gritou ela para baixo.

– Mantenha-se firme, cara dama – bradou Whitmarsh em resposta. – Greenwood tem alguma influência na cidade e Rothwell está armado. Em breve estará em segurança.

Se planejavam entrar na luta que estava prestes a começar, Phaedra não contava com a vitória deles. Duvidava de que seus piratas ingleses fossem golpear e atirar para salvá-la, e sem isso ficariam em desvantagem numérica.

Elliot olhava a parede da torre e avaliava a estreita faixa de areia sob suas botas, na base, e as grandes rochas posicionadas de forma a desencorajar os barcos.

– É bem alto. Não posso me arriscar a que você caia se tentar descer pela corda. Se a água fosse mais profunda...

Ele ainda calculava e falava sozinho quando levantou as mãos, agarrou a corda e começou a escalar.

– O quê? Rothwell! Cuidado para não ser você a cair – alertou Greenwood.

Phaedra gelou quando gritos chegaram do promontório. Não foi até lá para ver o que estava acontecendo. Não conseguia tirar os olhos de Elliot pairando acima do mar, cada vez maior ao se aproximar pela corda, com o corpo e o rosto tensos do esforço.

Ela podia imaginar que a batalha não ia bem para as mulheres no promontório, o que significava que não ia bem para ela. Esticou a cabeça para fora da janela e contou a lorde Elliot o que acontecia.

Ele xingou e encontrou novas forças. Um som estranho começou a chegar pelas escadas. Parecia uma frigideira de metal atingindo algo mole. A voz de Carmelita clamava aos santos para ajudá-la e o som se repetia. Um homem grunhiu.

– Eles romperam o cerco à torre, lorde Elliot – gritou Phaedra, abaixada entre as cestas. – Suponho que não tenha posto uma arma junto com a comida ou os cobertores, para que eu pudesse exercer uma última resistência?

– Você sabe usar armas? – perguntou ele, a voz próxima e cansada.

Phaedra olhou para cima e o viu na janela. Os braços dele estavam apoiados no peitoril e seus dedos se agarravam na beirada interna.

– Posso usar uma arma, se tiver que fazê-lo.

Ajudou-o a subir agarrando-o pelos ombros e pelas calças. Ele se agarrou ao corpo dela em busca de apoio.

Finalmente, Elliot caiu na parte de dentro da torre. De um salto, pôs-se de pé com a agilidade de um gato. Do lado de fora, Greenwood ordenava a seus criados que remassem forte para contornarem a ponta do promontório.

Elliot sacou um revólver de seu casaco surrado.

– No caminho até aqui, Whitmarsh me presenteou com histórias sobre injustiças nas cidades deste país. Seria estúpido de nossa parte não levar a sério o perigo. Fique aqui. Não me siga. Se achar que a situação piorou, arrisque-se a descer pela corda e enfrentar o mar.


Elliot não desceu as escadas em silêncio. Deixou que todo o seu aborrecimento se traduzisse em passos estrondosos. Sua aproximação silenciou os homens embaixo.

Quando fez a última curva da escada, encontrou Carmelita Messina no degrau inferior, com a frigideira de ferro em riste. Quatro homens a ameaçavam, porém naquele momento a atenção deles se concentrou em Elliot, não nela.

Carmelita olhou por cima do ombro e percebeu seu revólver. Elliot não conseguiu chegar à conclusão se ela ficou aliviada ou aborrecida.

Passos também pesados, mas irregulares, soaram do lado de fora do portal. O signore Tarpetta apareceu sob ele. Endireitou-se em postura militar ao ver a arma.

– O senhor interferiu – começou ele.

– A Srta. Blair está sob minha autoridade e também sob minha proteção.

Tarpetta empinou o nariz e o olhou com desdém.

– O senhor não exerce a autoridade sobre suas mulheres muito bem.

Elliot não pôde contestá-lo.

– Sou muito melhor na parte da proteção – contrapôs e apontou a arma diretamente para Tarpetta. – Diga a todos para irem para casa.

– Ela infringiu nossas leis.

– Ela não infringiu lei nenhuma – argumentou Carmelita. – Apenas ofendeu as leis de um homem que se considera um reizinho.

– Vê o problema que ela causou? Ela enfeitiçou as mulheres e realizou rituais pagãos. Nós não permitimos esses crimes em Positano.

– Ouçam só! – zombou Carmelita com uma risada estridente. – Ele até fala como rei. O “nós” quer dizer “ele”.

Elliot não estava com ânimo para discussões. Brandiu a arma e ordenou:

– Todos fora desta torre. Signorina Messina, por favor, traduza o que vou dizer.

Tarpetta saiu da torre. Os homens e Carmelita o seguiram. Elliot foi por último. Ao sair, um som nas escadas o fez olhar para trás. Uma mecha de cabelo ruivo flutuava próximo à parede da escadaria.

As mulheres tinham ido embora. Elliot encarou os remanescentes da batalha, vinte homens que ainda não estavam satisfeitos.

O revólver dele os impressionou. Enquanto falava e Carmelita traduzia, o barco de Greenwood alcançou a parte de trás do promontório e Greenwood desceu no banco de areia.

– Sou lorde Elliot Rothwell, irmão do marquês de Easterbrook – disse. – Recebi dos oficiais do tribunal do seu rei a responsabilidade de proteger a Srta. Blair. Se algum de vocês a machucar, há de se haver comigo. Ela não é bruxa, nem herege, nem meretriz. Não há provas que sustentem essas acusações e os senhores têm a minha palavra de cavalheiro que suas suspeitas são infundadas.

Carmelita fez uma tradução muito longa. Dos pontos essenciais que Elliot pescou e pelas expressões nos rostos dos homens, ele suspeitou que ela houvesse enfatizado as palavras lorde, marquês e tribunal.

Matthias chegou quando ela terminava. Tarpetta, reconhecendo que seu grupo perdia força, mancou na direção dele. Os dois homens tiveram uma conversa particular.

Tarpetta foi embora. Os outros homens decidiram que era uma boa ideia bater em retirada com seu líder.

Greenwood se aproximou da torre.

– Você tem minha gratidão, Greenwood, pelo que quer que tenha dito a ele.

– Você não entendeu direito. Nós não os vencemos – explicou Greenwood. – Eles vão mandar alguns homens a Nápoles em busca de orientação e também para pedir ajuda ao Exército.

Carmelita jogou as mãos para o alto, num gesto de exasperação.

– Imbecis.

Tarpetta estava voltando para a cidade, porém dez de seus homens tinham parado na extremidade do promontório.

– O que eles estão fazendo lá? – perguntou Elliot.

– Montando guarda – disse Greenwood. – Não vão tentar entrar na torre, porque você está armado, contudo não vão deixar que a Srta. Blair saia até receberem ordens de Nápoles. Imagino que haverá um ou dois barcos vigiando do mar esta noite também.

Elliot conteve um xingamento. O santuário de Phaedra tinha acabado de virar uma prisão.

– Vamos vigiá-los enquanto eles montam guarda, para que não haja violação dessa trégua – prometeu Carmelita.

– Não martirize as mulheres em seu afã de combater aquele homem – disse Elliot para ela. – Agradeço por sua ajuda, porém temo que o preço pago por suas amigas já será alto o bastante. Deixe comigo agora.

Carmelita Messina deu tanta atenção ao que ele disse quanto Phaedra Blair daria.

– Vamos vigiar. Algumas de nós, viúvas e tal, as que não vivem sob o jugo de ninguém. Confio em seu revólver para manter a paz e em que o signore Greenwood use sua influência com aquele homem para acabar com essa confusão antes do pôr do sol.

Ela se foi, juntando o cabelo em um nó ao se afastar.

– Ela fala como se você pudesse resolver isso se quisesse – disse Elliot para Matthias.

– Carmelita está interpretando mal minha influência aqui. Contudo tentarei chamar Tarpetta à razão quando ele se acalmar, apesar de conhecer o homem somente de vista.

– Veja se ele aceitaria suborno.

Matthias deu um sorriso largo e forçado.

– Quanto ela vale para você?

Elliot guardou o revólver e caminhou para o portal.

– No momento, estou tentado a pagar para que ele a tire das minhas vistas.


CAPÍTULO 10

Pela janela, Phaedra observava a conversa de Elliot e Matthias. Não podia ouvi-los, porém seus rostos sérios indicavam que estavam traçando planos.

Um pequeno grupo formava um círculo no final do promontório. Outros quatro homens tomaram um barco de pesca no cais e zarparam.

Matthias se afastou. A torre ecoou o som de botas subindo os degraus de pedra.

Elliot entrou no cômodo. Ela continuava preocupada com a atividade lá embaixo, ainda assim deu uma boa olhada na direção dele. Sua expressão revelava preocupação e aborrecimento. Phaedra achou a inquietação charmosa, até mesmo lisonjeira. E teve esperança de que a raiva passasse logo.

– Você está em segurança por ora.

Elliot pôs o revólver no chão em um canto para evitar acidentes. Pegou um odre da cesta e o segurou no alto. Um jorro de água fluiu para sua boca.

Os olhos dela se grudaram no fluxo de água pura. Sua garganta se estreitou. Não tinha bebido nada desde antes do raiar do dia.

Elliot notou o interesse e caminhou na direção dela.

– Incline a cabeça para trás.

Ela obedeceu e abriu a boca. Um jorro frio e lento aliviou sua sede.

Phaedra secou a água de seus lábios com a mão.

– Achei que esses odres só continham vinho.

– Os outros, sim. Se tomarmos aos poucos, este nos bastará pelo tempo necessário.

Tempo necessário? Ela olhou de novo pela janela. Percebeu o significado dos homens postos na extremidade do promontório.

– Não posso sair, não é? O que aconteceu?

Ele explicou sobre a ida dos homens a Nápoles. Lembranças do odioso Sansoni invadiram a mente de Phaedra. No silêncio que se seguiu à explicação, o ar ficou mais pesado com o possível perigo à espreita e o peso dos problemas que já enfrentavam.

Lorde Elliot olhou por cima da cabeça de Phaedra para a cidade lá embaixo. Ele pareceu distraído, como se sua mente estivesse ocupada com algo muito distante.

– Você me desobedeceu – disse, provando que os pensamentos tinham tudo a ver com ela. – Você desceu as escadas.

– Ninguém me viu. Com você entre mim e o perigo... Foi uma desobediência pequena.

– Você me desobedeceu antes, ao vir para esta torre. Disse-lhe para permanecer na mansão.

– Não esperava ser vista na torre.

– Só que foi. Um ritual pagão, nada menos do que isso. Nesta terra, pior do que em qualquer outra.

– Não houve ritual nenhum. Nenhuma reza para o deus sol. Tarpetta simplesmente me viu na janela quando o sol nasceu. Não estava erguendo minhas mãos em oração. Estava protegendo meus olhos da luz forte, para que pudesse avaliar a posição exata do sol.

– Não me importo com o que estava fazendo. Foi descuidada com sua segurança e reputação. O resultado foi uma batalha entre os homens e as mulheres desta cidade e sua prisão nesta torre.

Elliot ficava mais exaltado a cada palavra.

– Também nem pense em falar agora de sua sagrada independência. Acabo de escalar a parede de uma torre e ameaçar de morte homens com quem não tenho nenhum problema. Talvez eu até tenha que matar algum, tudo por causa de sua maldita teimosia.

– Só fiz uma visita a uma torre ao alvorecer. Está sugerindo que eu poderia ter previsto tudo isso? – questionou, indicando o promontório abaixo e o drama que se desenrolara. – Se eu tivesse achado que alguém saberia ou se importaria, não teria vindo. Admito que parece muito estúpido agora, mas no momento não pareceu.

Não era bem um pedido de desculpas, mas pareceu aplacar o lado mais sombrio da fúria de lorde Elliot. Sua atenção e olhar se voltaram para ela tão nitidamente que isso enfatizou a proximidade deles.

– Você conseguiu o que veio fazer?

Ele tinha que perguntar.

– Se uma prova negativa puder ser chamada de prova – disse ela e apontou para a montanha alta. – Matthias estava certo. O sol não se eleva diretamente sobre o pico quando se observa desta janela, nem em linha direta com o lugar onde estamos agora. Ele primeiro se mostra à direita, ao sul, um pouco.

Phaedra se preparou para receber a zombaria de Elliot ou mais raiva por seu passeio ter causado tanto problema sem nem ao menos conseguir provar sua teoria.

Em vez disso, ele refletiu sobre a prova.

– Essas coisas não são precisas. O dia exato do solstício varia e ainda estamos mapeando as mudanças sutis que se acumulam na astronomia com o passar do tempo. Cinco séculos atrás, o sol pode muito bem ter nascido no pico da montanha no verão.

Ela achou muita gentileza dele dar desculpas e não chamá-la de tola. Algo mais parecido com uma desculpa direta começou a se formar em sua mente.

– Não tive intenção de causar todo esse problema e sinto muito por isso. Não me surpreende você estar com um pouco de raiva de mim.

– Estou com muita raiva de você, Phaedra. Contudo estou mais preocupado com sua segurança. Até que eu tenha assegurado isso, terá que fazer o que digo, principalmente se eu tiver mais motivos para sacar este revólver.

Elliot caminhou até a janela que dava para oeste. Franziu o cenho com o que viu. Ela andou até lá e espiou também. Um barco com três homens lançou âncora a uns cinquenta metros da torre. O sol tinha começado a se pôr no mar, mas ainda levaria horas até ficar escuro.

– Sua prisão está completa – disse Elliot. – Temos que esperar e confiar em Matthias para negociar sua libertação antes que mais problemas venham de Nápoles. Infelizmente, Tarpetta parece ter o poder nas mãos e Matthias o conhece somente de vista.

Phaedra se ajoelhou ao lado das cestas e começou a retirar seu conteúdo. Fez uma fileira com os odres, frutas e embrulhos de comida contra a parede.

– Carmelita acha que eles se conhecem melhor do que admitem.

Elliot descansou o ombro na parede e a observou mexer nas cestas.

– Seria bom se você estivesse certa, entretanto Matthias não tem motivos para mentir para mim.

Phaedra ficou feliz de encontrar uma xícara de barro por baixo da comida. Não queria beber direto do odre o dia todo, apesar de a experiência ter sido interessante.

– Você conhece Matthias bem? – perguntou ela.

Greenwood talvez tivesse o destino dela nas mãos, porém não era apenas esse o motivo da pergunta.

Elliot se afastou da luz do sol que se esgueirava pela janela. Foi para a área fresca e sombreada onde Phaedra arrumava os alimentos. Sentou-se no chão, apoiando as costas nas pedras, e pegou um figo.

– Eu o adorava na faculdade. Ele é um acadêmico respeitado e com duas obras publicadas. Estimulou meus estudos e me orientou nos métodos de pesquisa necessários para traçar novos caminhos. Seu interesse me lisonjeou, principalmente porque não parecia interesseiro, como outros professores.

Elliot mordeu o figo e depois fez um gesto apontando o restante da comida.

– Você devia comer algo. Se daqui a três dias tivermos que nadar para salvar nossas vidas, não vai querer estar fraca.

Phaedra pegou um pouco de pão e queijo.

– Você não parece adorá-lo agora, e não há mais nada de professor na forma como ele o trata.

– Bem, não sou mais um estudante e tenho um livro publicado.

– Parece mais do que apenas uma amizade construída a partir desses antigos papéis, foi o que eu quis dizer.

Elliot não parecia inclinado a satisfazer a curiosidade dela. Degustou o figo sem pressa. Ela se refugiou concentrando-se na própria comida.

– Meu pai não era um homem caloroso.

Ele falou isso de modo casual, como se não tivessem se passado quinze minutos desde seu último comentário.

– Imagine um homem como meu irmão Hayden, só que sem nenhuma das qualidades que contrabalançam a rigidez dele. Quando criança, eu considerava ter sorte por ser ignorado por meu pai enquanto ele se voltava para meus irmãos. Matthias Greenwood, por sua vez, escolheu colocar o foco de sua atenção em mim. Ele valorizava as mesmas coisas que eu, era rápido em elogiar, mas não se precipitava na hora de expressar desapontamento. Havia algo de paternal em seu interesse, imagino.

Ela notou sua expressão ao descrever o pai. Conhecia bem a reputação do marquês de Easterbrook. Com certeza, tinha sido aquele tipo de pai impossível de agradar e talvez tão duro com os filhos quanto se dizia ter sido em outras áreas.

Porém, não foi a brandura intencional de Elliot que chamou sua atenção. Outra emoção brilhava nos olhos dele.

Ele insistira em que as memórias de Richard Drury faziam insinuações falsas sobre o último marquês, contudo não tinha assegurado que de fato elas fossem mentiras. Ao se sentar ali com ele e observá-lo, Phaedra entendera que lorde Elliot não estava convencido de que o pai não mandara matar o oficial. Aquela suspeita ficaria mais plausível, ganharia corpo e seria inevitável se as insinuações fossem publicadas?

Alguns cientistas acreditavam que o comportamento criminoso era herdado, assim como algumas doenças. Saber que o legado de uma pessoa incluía a capacidade de tramar um assassinato impiedoso poderia ser tão ruim quanto descobrir que seu sangue estava maculado pela insanidade.

– Matthias Greenwood não teve filhos – disse Phaedra. – Você é seu herdeiro intelectual e parte de seu legado profissional. Se havia algo de pai nele, talvez houvesse algo de filho em você.

Ele deu de ombros.

– Talvez esteja certa. Ele pode me ver dessa forma, mesmo na amizade que temos agora.

Phaedra suspeitava de que Greenwood de fato o visse dessa forma, mas achava que Elliot o via assim também. A maneira como se comportavam um com o outro fazia com que ela pensasse na amizade confortável e no amor entre pais e seus filhos adultos quando seu relacionamento amadurecia.

Se fosse assim, Matthias Greenwood seria uma pessoa importante para Elliot.

É claro que ele era. Elliot estava ali, não estava? Ele tinha viajado até Positano para discutir sua nova pesquisa com o antigo mestre, ainda que já o houvesse superado como historiador.

Fazer aquela humilde refeição no chão de pedra os apartava do restante do mundo. Sua descrição franca do pai tinha aberto uma porta de intimidade mais sedutora do que aquela criada pelo prazer físico. Era algo como a relação que se estabelecia entre ela e seus amigos.

– Por que está tão curiosa sobre Greenwood, Phaedra?

Ela examinou a familiaridade branda que compartilhavam e pensou em sua resposta.

– Tenho interesse nele.

– Ele tem idade para ser seu pai!

Ela quase riu com seu tom exasperado, mas o aborrecimento mostrado em seus olhos lhe deu uma indicação. Ele estava com ciúmes. Phaedra achou isso irremediavelmente fora de moda e presunçoso, porém ao mesmo tempo adorável. Teve vontade de rir, em vez de censurá-lo.

– Você entendeu mal, Elliot. Ele conheceu minha mãe e tem sido gentil em responder perguntas que tenho sobre algumas questões.

– Que questões?

– Minha mãe talvez tenha mantido um amante em segredo em seus últimos anos de vida.

Ele franziu o cenho.

– Richard Drury...

– Não nos últimos tempos. Houve outro homem.

– E Matthias sabe quem foi? Ele vivia em Cambridge na ocasião e, apesar de às vezes visitar Londres...

– Ele é um homem perceptivo. Não ficou surpreso quando sugeri que talvez tivesse havido outro homem na vida de minha mãe. Esse amante também mexia com antiguidades e Matthias me deu os nomes de alguns homens do círculo dela que eram do ramo. Muitos de seus amigos íntimos desconversaram na hora em que os procurei. Desconfio que não quisessem que a imagem de Artemis Blair fosse mudada. Mas ele foi sincero comigo e sou grata por isso.

Elliot refletiu sobre o que ela disse e pareceu ao mesmo tempo curioso e cético.

– Por que você buscaria nomes, Phaedra? Talvez não tenha havido amante nenhum, já que os amigos dela negaram o fato.

– Acho que houve, sim, por causa de uma passagem que meu pai escreveu em suas memórias. Esse homem, quem quer que seja, era um criminoso.

A expressão dele ficou mais séria.

– Outra referência sem nome? Outra fofoca que destruirá uma reputação?

Elliot se pôs de pé em um minuto. Afastou-se, olhou para a parede e depois se voltou para ela.

– Seria melhor se você queimasse essas memórias ou as deixasse em uma gaveta trancada para sempre.

– Isso pode poupar sua família, mas não poupará o amante de minha mãe.

– Por que não?

Ela embrulhou o queijo no guardanapo úmido.

– Porque, mesmo que as memórias não sejam publicadas, destrincharei essa parte delas até ficar satisfeita e lidarei com esse homem do meu jeito.

O cenho de Elliot se manteve franzido, seu humor não melhorou, contudo uma curiosidade cautelosa surgiu em seus olhos.

– Você fala calmamente, porém de forma amarga e decidida. O que seu pai escreveu sobre esse homem que provocou em você a vontade de identificá-lo?

Ela se ajeitou para se levantar. Passou a mão na saia para retirar as migalhas.

– Ele escreveu que esse homem a seduziu, depois a traiu de forma tão desonrosa que acabou provocando sua morte. Preciso descobrir se isso é verdade.

– Na melhor das hipóteses, é ambíguo.

– Nem tão ambíguo assim. Tem mais. Não sou totalmente louca por achar que posso identificar esse homem. Só metade louca.

Ela andou até o centro da sala e olhou em volta.

– Se vamos ficar aqui por dias, temos que deixar esse lugar mais habitável – falou ela, virando uma cesta de cabeça para baixo. – Isso pode servir de banco, se você conseguir tirar a alça.

Elliot procurou a faca que viera junto com a comida. Colocou a cesta nas pedras do peitoril da janela e começou a cortar.

– Você não deveria levar muito a sério o que seu pai escreveu sobre sua mãe. Ele era um amante rejeitado e isso pode enevoar o bom senso de qualquer homem.

Phaedra pegou o cobertor sobre a esteira de palha e verificou se estava limpo. Avistou alguns ganchos de metal presos na abóbada do teto.

– Meu pai entendia bem o que tinha e o que não tinha com minha mãe. Ele não escreveu com amargura, mas como um homem que testemunhou a mulher que amava ser usada.

Elliot continuou a cortar, entretanto sua expressão decidida não tinha a ver com a alça da cesta.

– Trate esse assunto com cautela, Phaedra. Não acuse o homem errado nem conteste um homem bom.

– Se ele for um homem bom, não terá nada a temer de mim ou das memórias. Nenhum homem bom teria.

A alça da cesta se soltou, quebrando-se sob a pressão que ele impunha com a faca. Um barulho seco reverberou na abóbada de pedras, como se a paciência de Elliot tivesse acabado junto com a última frase dela.


Passaram as horas seguintes de forma mais agradável, falando amenidades. A amiga de Phaedra, Alexia, estava recém-casada com o irmão de Elliot, Hayden, e eles especularam sobre o casal e o que os teria unido. Isso suavizou o clima pesado da primeira parte da conversa.

Elliot, no entanto, continuou a refletir sobre o assunto inicial. Ele havia percebido o tom e a expressão de Phaedra ao falar do amante que traíra sua mãe.

Phaedra não era uma simples visitante curiosa na península Itálica, como tinha dito, mas uma mulher com uma missão. Por algum motivo, aquilo a tinha levado a Nápoles. Por isso o humor dela melhorara em relação ao atraso em ir a Pompeia. Sua investigação poderia até estar na origem da amizade com Marsilio e Pietro.

Por tudo o que sabia dela, cada ato, cada palavra, desde o dia em que ele entrou naquele jardim em Nápoles, fora parte de seu plano para saber dos últimos meses da mãe e do homem a quem culpava por seu declínio e morte.

Ela foi dando instruções a Elliot para arrumar sua habitação humilde enquanto conversavam. A pedido da Srta. Blair, ele amarrou a corda em um dos ganchos da abóbada. Phaedra esticou o cobertor velho nela e, assim, separou um canto no qual colocou o penico que os criados de Matthias tinham gentilmente posto em uma das cestas.

Já anoitecia quando tudo ficou arrumado. Com um novo cobertor sobre a esteira de palha e a cesta de cabeça para baixo como banco, Phaedra havia criado um lar rústico, porém agradável. Para uma pessoa.

Havia um cômodo de teto baixo sob essa sala mais alta na torre. Elliot esperava ser posto lá, a menos que, com seu charme, pudesse obter da rainha um convite para partilhar de seu santuário.

– Você tem talento para arrumação doméstica, Phaedra. Isso é resultado de se virar sem criados?

– Acho que aprendi a fazer isso porque minha mãe não levava o menor jeito para assuntos domésticos. Isso se mostrou útil quando tive que cuidar da minha própria vida.

Phaedra levou o odre e a xícara para a janela que dava para a cidade. Depois de derramar fora um pouco de vinho, conseguiu fazer jorrar um arco que encheu a xícara, e então ofereceu a bebida a lorde Elliot.

Ele se juntou a ela próximo à janela e bebeu. Os homens de Tarpetta tinham montado acampamento na base do promontório, para além da longa sombra da torre. A julgar pelos sons distantes das risadas, eles pareciam relaxados e de bom humor.

– Por que teve que cuidar da própria vida?

Ela estava linda demais à luz prateada do anoitecer que entrava pela janela. Atrás deles, pela abertura oposta, as cores chamejantes dos últimos raios de sol penetravam. Esses raios iluminavam a parte de trás da cabeça de Phaedra, transformando suas mechas em brasas, em contraste com a fria translucidez da pele branca do rosto que olhava para oeste.

– Minha mãe acreditava que as mulheres aprendem em casa, com os pais, a serem dependentes. Somos ensinadas e temer a independência e depois convencidas a rejeitá-la mesmo que esteja ao alcance. Assim, quando recebi uma herança do irmão de minha mãe, ela me estimulou a sair de casa e a viver sozinha antes que me acomodasse e virasse uma adulta dependente dela.

Phaedra fez uma pausa ao se esticar calmamente para ver o chão perto da torre. Outro pequeno acampamento tinha sido montado ali, povoado por cinco senhoras e Carmelita Messina.

– Eu tinha 16 anos – acrescentou, ainda distraída com a cena abaixo.

A atenção que dava aos acampamentos não a deixou perceber a reação de Elliot.

– Você era uma criança.

Ele tentou não expressar condenação em seu tom. Phaedra não gostaria de ouvir críticas à mãe, e ele não tinha o menor desejo de discutir com ela naquele minuto.

Ela ainda observava o promontório.

– Sim, eu era uma criança. Contudo há muitas mulheres que são empurradas para o casamento nessa idade. Acho que seria um destino muito mais assustador. Elas são jovens demais para os planos de seus pais, e eu também era jovem demais para os planos dos meus. Ela não se afastou da minha vida, não foi uma rejeição de seus deveres. Minha mãe me ajudou a contratar uma governanta, para que eu não morasse sozinha nos primeiros anos. Eu a visitava com frequência e nos víamos quase tanto quanto no tempo em que morávamos sob o mesmo teto.

Ela fez isso soar quase natural e sensato. Ele não podia pensar em Phaedra aos 16 anos morando sozinha, sem proteção ou supervisão de ninguém, exceto uma criada. Sua prima Caroline, que tinha sido apresentada à sociedade na última temporada, era tão infantil que dava vontade de trancá-la em casa por mais dez anos.

É claro que Phaedra Blair provavelmente não era tão infantil nessa idade, nem tão inocente. Artemis criara a filha para andar com as próprias pernas e traçar o próprio caminho. Ainda assim, essa imagem o deixou irritado. A mulher não deveria ter usado a própria filha como experimento para provar que suas ideias radicais tinham mérito.

– Na época não me importei e tudo saiu como minha mãe esperava. Depois que uma mulher prova uma liberdade assim, nunca mais quer abrir mão dela. Contudo, quando ela morreu... então fiquei enraivecida. Queria que ela houvesse esperado um pouco mais, de forma que eu tivesse aproveitado aqueles dois últimos anos com ela. Ela não previa que seu tempo seria tão curto, é claro.

– Não imagino a independência que me descreve. Mesmo sendo homem, não fico tão por minha conta.

– Não importa que ainda more na mansão de Easterbrook. Sendo homem, você é livre.

– Não falo de leis, costumes ou finanças, mas da vida. Não sou sozinho nem alguém sem laços com outras pessoas. Meus irmãos estão sempre presentes na minha vida e tenho outros parentes a quem devo obrigações. Minha vida faz parte da deles e a deles, da minha. Mesmo que meus irmãos e eu um dia nos odiássemos, ainda teríamos questões em comum a compartilhar.

A expressão de Phaedra se tornou pensativa, deixando-a ainda mais bela.

– Eu gostaria de ter tido um irmão ou uma irmã. Isso teria sido muito bom, principalmente agora.

Agora que estava completamente só, era o que queria dizer. Phaedra havia escolhido um caminho que a deixaria sozinha para sempre, a menos que, como a mãe, tivesse um filho ilegítimo. Elliot percebeu que ela compreendia que abrira mão de certas coisas e que não as menosprezava. Tinha posto as opções na balança, se não aos 16 anos, ao ficar mais madura. Ele não achava que o prêmio valesse o custo, porém admirava a bravura dela.

Ela pareceu um tanto triste. Ele se sentiu péssimo por tê-la obrigado a encarar a própria solidão.

– Espero que suas amizades de alguma forma possam substituir a família que você não tem.

Lampejos traquinas dançaram em seus olhos. Seu humor e animação vieram à tona, surgidos das profundezas de seus pensamentos.

– De certa forma, mas não é uma família como você descreveria a sua. Uns amigos são como irmãos e irmãs, alguns poucos se comportam como os mais afáveis dos maridos, porém esses laços não são permanentes. Com o passar do tempo, é possível que eu me veja imaginando se não fui abençoada com mais independência do que qualquer pessoa quereria.

O que significava que já vinha se questionando sobre isso.

A referência indireta a seus amantes sutilmente mudou o clima entre eles. Elliot não podia ficar tão perto dela naquela luz e não pensar em fazer amor com ela. Imagens e desejos tinham surgido aos borbotões desde que subira os degraus horas antes. A excitação aumentara com as palavras dela. Ele pensou ter visto um desafio na forma como ela o mirava.

De repente o desejo os uniu mais intensamente que nunca. Ela não fez qualquer esforço para refrear seu poder. Ele não se aguentava mais. Jamais tinha encontrado uma mulher que reconhecesse de forma tão ousada a excitação sensual que pode existir antes de um beijo ou um toque.

Com qualquer outra mulher, ele daria o primeiro passo, como fizera com ela antes. No entanto, não se esquecera das palavras dela ao se afastarem no terraço, naquela noite. Se ela fosse honrar sua ameaça, neste momento ele provavelmente não conseguiria se portar de forma honrada o bastante para que ela tivesse a chance de rejeitá-lo.

Phaedra evocava nele o que seu sangue trazia de pior, algo que vinha do pai. Elliot queria se aproximar, abraçá-la, acariciá-la e devorá-la. A tentação de usar o prazer para coagi-la a se submeter ao próprio desejo e a ele ameaçava sobrepujar o que restava de seu bom senso.

Elliot se afastou. Pegou o revólver e um dos cobertores e começou a descer as escadas. A alternativa era se arriscar a se comportar como um canalha, ou, pior, tornar-se uma daquelas abelhas lastimáveis que ficam zumbindo e implorando pelos favores da rainha.


Phaedra observou o sol se pôr no mar. Luzes roxas e laranja coloriam a água com listras sedosas à medida que a escuridão aos poucos se aproximava. Lá embaixo, no barco, os homens acenaram e a saudaram amigavelmente. Parecia que eles também tinham alguns odres de vinho à disposição e que a bebida os deixara mais amistosos.

Phaedra encontrou a única vela mandada junto com os víveres e a acendeu. Sentou-se em um canto onde a brisa noturna não a apagaria. Ouviu Elliot se mexer lá embaixo, talvez na tentativa de achar algum conforto no chão tendo apenas um cobertor sob o corpo.

O corpo dela ainda não tinha se acalmado totalmente desde que ele partira, nem seus pensamentos se afastaram muito dos últimos minutos que tinham passado juntos. Uma pulsação quente continuava a se fazer sentir, atraindo sua atenção. Normalmente ela só tinha que lutar contra isso quando Elliot estava por perto, contudo seu corpo parecia saber que estava perto o bastante e não lhe daria alívio. Seus seios continuavam rígidos e cheios, com os mamilos reagindo a cada roçar do tecido do vestido.

A última conversa deles a desarmara. Agora só conseguia pensar em lorde Elliot de forma gentil. Ele entendera mais do que ela mesma. E não a olhara com pena – em vez disso, expressara uma preocupação verdadeira com esse lado menos perfeito da vida dela.

Ela mentira um pouco para poupar Artemis da censura daquele homem; entretanto, a julgar pelas reações dele, isso fora desnecessário. A verdade era que Artemis estivera correta em suas crenças, mas nem sempre em seus métodos. Ficar sozinha aos 16 anos fora algo devastador e amedrontador, muito mais do que Phaedra admitira. Ela sentira como se a mãe a tivesse jogado de um barco no meio do oceano, simplesmente esperando que ela soubesse nadar.

Phaedra perdoara a mãe por esse engano fazia anos, porém duvidava que outras pessoas fizessem o mesmo se soubessem daquele frágil ano tão carregado de grandes erros. A verdade seria mais uma prova para o mundo de que Artemis Blair não tinha sido uma boa mãe, nem ao menos uma mulher normal.

Elliot já não fazia mais barulho lá embaixo, embora ela pudesse jurar ouvir sua respiração. Ele não teria conseguido pegar no sono tão rápido, disso ela sabia. Phaedra caminhou a passos suaves, numa tentativa de aliviar a forma como seu corpo a atormentava. Tentou harmonizar a ideia de que o desejo não era somente físico agora, mas também um anseio por aumentar a proximidade que sentira com ele ao compartilhar suas confidências e o perigo.

Levou as mãos aos seios. Os estímulos se juntavam, aumentavam e desciam por seu corpo. Fechou os olhos para tentar domá-los e ouviu a lição dada por sua mãe sobre desejo.

O prazer carnal é uma necessidade tanto de homens quanto de mulheres. Não negue seus desejos, só fique atenta a quem escolhe como parceiro. A maioria dos homens são conquistadores em sua essência. Busque os poucos mais esclarecidos que alçaram um lugar acima da maldição primitiva. Se decidir ter prazer com um conquistador, certifique-se de lhe dar somente seu corpo e apenas temporariamente. E nunca, nunca sucumba à ilusão de que pode mudar esse homem.

Phaedra imaginou o homem lá embaixo. Ele se fora apesar de terem estado juntos em um cômodo saturado do desejo de um pelo outro. Elliot podia ser um conquistador, porém não era tolo. Entenderia que ela não cederia nada, exceto o que decidira ceder. Ela faria questão de deixar essa parte bem clara.


CAPÍTULO 11

Elliot se preparou para passar uma noite tendo apenas os próprios pensamentos por companhia. Com um pouco de sorte, logo pararia de ficar imaginando a mulher do andar de cima.

Esforçou-se para pensar no mundo que descrevia nos livros. Não precisava de seus papéis para se aventurar por lá. As notas e os esboços preliminares eram registros de suas ideias, não lembretes. Toda a informação estava em sua cabeça, acessível a qualquer momento. Já tinha passado muito tempo por lá, escapando do tédio quando alguma conversa o incomodava.

Seus irmãos, Christian e Hayden, também tinham câmaras secretas em suas mentes. Quando se aventuravam nelas, fechavam as portas atrás de si e se isolavam por completo da realidade. Somente ele fora abençoado com a capacidade de entrar e sair a seu bel-prazer, como se a porta permanecesse entreaberta. Elliot sempre conseguia manter contato com o mundo real.

Naquele exato momento, contudo, isso não era uma grande vantagem. O mundo externo com o qual não perdia contato consistia de uma frustração física que não se aquietava. Especulações em relação aos movimentos acima o perturbavam. Seu sangue ruim calculava o custo para sua honra e seu orgulho se ele dominasse primeiro e corrigisse depois.

De alguma forma, conseguiu deixar tudo isso do lado de fora, perto da porta, mas sem interferir tanto em seus pensamentos. Voltou sua concentração para as informações sobre práticas funerárias que coletara das antigas histórias romanas.

– Elliot.

Ele abriu os olhos. Cada parte de seu corpo entrou em estado de alerta. Ela poderia estar a centímetros dele, tão nítido fora o chamado. As pedras das paredes e dos degraus tinham transportado sua voz para baixo. Ela nem tivera que elevar o tom.

Phaedra não falou de novo. Só pressupôs que ele tivesse escutado. Ou talvez soubesse que ele responderia ainda que o chamado tivesse sido feito só na mente dela.

Talvez ela só precisasse de ajuda com a vela. Ou talvez tivesse visto algum movimento de uma das janelas e pressentisse problemas provocados por seus carcereiros. Ele podia simplesmente perguntar dali, mas não faria isso, apesar de saber que se afastar de novo seria quase impossível.

Acreditando que Phaedra era esperta demais para brincar com fogo, ele subiu as escadas.

Luzes vagas e sombras escuras dançavam pelas pedras das paredes e da abóbada no cômodo superior. O cobertor pendurado separava um canto numa cortina improvisada. A única e grande vela queimava devagar, suas chamas acrescentando lampejos dourados aos frios raios do luar.

Todas as tênues fontes de luz se juntavam e se intensificavam em um lugar. Uma estátua pálida as absorvia para aumentar a exibição sensual do cobre abrasador e da porcelana branca.

Phaedra estava de joelhos na esteira de palha, apoiada nos calcanhares. Olhava para a escada e para ele. Elliot parou ao vê-la, momentaneamente boquiaberto com sua beleza e ousadia.

Estava nua. Suas madeixas ondeavam pela pele desnuda. Pareciam fitas de seda que se dividiam para deixar ver partes de ombros alvos como leite, de braços macios, seios arredondados e quadril curvilíneo.

Ela deixou que ele observasse um bom tempo, sabendo que uma torrente se armava dentro dele, admitindo com o olhar que sentia o mesmo desejo.

Juntou os cabelos e os jogou para trás, expondo o corpo todo. Seus seios estavam empinados e cheios, com os mamilos róseos rígidos.

– Podemos ter prazer juntos esta noite, se quiser – disse ela.

Ele arrancou o casaco e andou até onde ela estava.

– Se eu quiser? Eu quero possuí-la desde a primeira vez que a vi.

Phaedra relaxou e esticou o corpo nu a seus pés, observando enquanto ele tirava a camisa.

– Não será assim. Possuiremos um ao outro.

– Como queira. Não me importo nem um pouco com os termos dessa rendição.

Naquele momento ele não se importava com absolutamente nada, exceto o desejo que ficava mais forte e convincente a cada instante. Caiu de joelhos ao lado dela.

– Não é uma rendição, Elliot. É uma trégua. Uma noite para gozarmos de nossa amizade.

Ela o ajudou a desabotoar a calça.

As mãos dela o fizeram enlouquecer de excitação. Ele olhou para aquele corpo feminino nu, tão vulnerável e acolhedor. Imagens entraram em sua cabeça e a urgência acelerou sua pulsação. Se ela considerava isso amizade, não conhecia os homens muito bem.

– Com certeza, Phaedra. É claro.


Ele não quisera dizer isso. A alma dela sabia, mas, naquele momento, Phaedra não se importara.

Ele estava lindo e sensual. Até ajoelhado ele era alto. Seu tronco e seus ombros nus se avolumavam acima da esteira de palha e dela, fazendo-a pequena e... vulnerável. Essa sensação era nova. Nunca vivenciara algo assim antes de conhecer aquele homem. Não era uma sensação desagradável. Ela se deixou sentir prazer nessa condição porque sabia que ele não representava um perigo real.

A luz deixava a pele dele cor de bronze e ressaltava seus músculos. Não havia nada de suave para se ver nele. Nem no corpo nem no rosto. Nele, a paixão tornava os traços de família ainda mais duros, mesmo sendo o Rothwell mais afável. O cabelo escuro, solto e despenteado pelas aventuras do dia, caía em mechas sobre a testa e o rosto. Seus olhos se tornaram cristais negros quando ela começou a ajudá-lo a se despir.

Elliot afastou as próprias mãos, deixando que ela fizesse o trabalho sozinha. Só olhou para baixo, talvez desafiando-a a prosseguir, testando se ela recuaria.

Ela não se apressou. Seus olhares ficaram conectados. Sensações maravilhosas davam vida ao corpo dela. A excitação era mais intensa por saber o que estava por vir. A expectativa cresceu entre eles de forma tão maravilhosa que se tornou um dos maiores prazeres que ela jamais experimentara.

Depois de despi-lo da calça, ela levou a palma da mão até o abdome dele, saboreando o toque de sua pele e daquela combinação tão masculina: uma superfície macia sobre uma sustentação rígida. Ela amava a forma como o desejo intensificava todos os sentidos, inclusive a intuição que lhe dizia quanto ele adorava aquele toque e como o resto da realidade desaparecia por completo para ele também.

Quando não conseguiu subir mais, desceu a mão de novo, chegando a sua roupa íntima. Com carícias suaves, ela a puxou para baixo, fazendo o tecido se avolumar em seus joelhos e libertando-o. As pontas dos dedos dela faziam o reconhecimento de seu corpo, centímetro por centímetro. Ela deslizou as mãos e as pressionou nas partes protuberantes do quadril e das coxas dele. Com a ponta dos dedos, alisou sua ereção inteira até a cabeça do pênis, envolvendo-o com suavidade, depois o acariciou de forma mais agressiva.

Elliot tentou conter a sensação que isso provocou, mas ela pôde ver a fúria sensual que o dominava. Todo ele ficou mais duro. Seu rosto e olhar, seu corpo inteiro ficou mais rígido.

– Você corre perigo de ser tomada sem cortesia nem cerimônia, Phaedra.

Ela avaliou a ameaça e a excitação do próprio corpo.

– Não me importo. Estou mais do que pronta também.

Ele se juntou a ela no cobertor e empurrou as roupas para longe. Posicionou seu corpo nu por cima do dela, apoiando-se nos antebraços ao lado dos ombros dela.

Um beijo. Profundo e íntimo, tão lento e sedutor que um anseio estranho e doce venceu sua impaciência. Phaedra afastou as pernas para que ele se aninhasse, instintivamente convidando-o a se unir a ela naquele momento para que talvez a noite toda fosse comovente.

Ele olhou para ela.

– Você é uma mulher muito generosa.

– Generosa, não. Quando a mulher é sincera nesses prazeres, ela ganha também.

– Esta é uma visão admirável e democrática. Só que você não está sendo sincera e me encoraja a ser um amante ruim por causa disso.

– Reconheço minha condição carnal da forma mais sincera.

Tão sincera que essa demora a enlouquecia. Ela mexeu o quadril um pouco para encorajá-lo.

A reação dele foi leve, sutil, mas devastadora. Ele empurrou, mas não tudo. Ela o sentiu lá embaixo, tocando-a de leve, uma provocação terrível e maravilhosa.

Ele a beijou no pescoço e nos ombros.

– Você disse que estava mais do que pronta – falou, administrando o calor daquele deleite. – Não foi verdade, mas talvez tenha falado por ignorância.

A indignação se infiltrou em sua mente, que só pensava nos formigamentos maravilhosos que atingiam seu sangue.

– Não sou ignorante. Acho que isso é óbvio.

Ele suspendeu o tronco, de forma a poder acariciá-la. Observou as pontas dos próprios dedos traçarem levemente uma linha em torno da base e do volume do seio, assim como ela havia feito há pouco no quadril e nas coxas dele.

– Uma mulher mais do que pronta não fica tão controlada quanto você continua. Você não está nem perto de estar pronta como poderia estar. Se não é ignorante, sabe disso. Mas talvez você tenha medo de se abandonar à sensação.

Ele esfregou o mamilo dela. Um tremor profundo a sacudiu, ressoando dos pés à cabeça. O corpo dela ansiava por empurrá-lo fundo para dentro e escapar daquela tortura sensual, por mais deliciosa que fosse.

Ele tocou o seio dela com mais força, esfregando o bico, fazendo os tremores se repetirem com intensidade crescente. Phaedra começara essa sedução confiante e ousada. Agora a onda dessa vulnerabilidade tentadora afastava seu autocontrole.

Ela não conseguia mais resistir à maré de prazer. Elliot pareceu perceber que ela tentava. Saiu do corpo dela como se anunciasse que era ele quem decidiria quando ela estaria pronta. Deitado ao lado dela, apoiado no braço rígido, ele a acariciou devagar e seguro de si, seu toque possessivo percorrendo toda a pele dela.

Seus seios ansiavam para que suas mãos voltassem ali. O outro prazer e os estímulos que ele causava pioravam tudo ainda mais. A frustração a deixava quase louca. Ela nem conseguiria abraçá-lo naquela posição, ficava exposta e submissa ao seu olhar e a suas mãos mal-intencionadas.

Phaedra não podia abraçá-lo, mas podia tocá-lo. Nem todo o corpo dele estava fora de alcance. Ela buscou a parte interna da coxa de Elliot com a mão direita. Acariciou-o com movimentos para cima, certificando-se de que não perderia o controle sozinha.

Ele reagiu como esperado, da forma como ela ansiava. Elliot acariciou seus seios de uma maneira tão perfeita, tão completa, que a fez quase perder a sanidade. O prazer insuportável ficou maravilhosamente pior e o desejo por mais tomou sua mente.

Ele baixou a cabeça e levou a boca ao seio dela. Uma nova sensação percorreu seu corpo. Uma sensação doce e intensa e tão poderosa que a fez perder contato com a realidade. Phaedra agarrou os ombros dele em um abraço selvagem para que não ficasse sozinha em seu abandono. Sua mente se obscurecera e ficara tão focada que apenas uma vaga percepção do mundo ao redor se esgueirava por ela. Sons ecoavam as súplicas em sua cabeça e as necessidades que a devastavam. Pegadas fortes e beijos violentos a levaram mais fundo nessa sensação pura.

Um toque diferente, bem-vindo e temido e tão necessário que ela pensou que desmaiaria de alívio. Sua consciência gritou. Ela abriu mais as pernas para que ele não parasse. Arrepios profundos se acumulavam lá e se espalhavam, aumentando a tortura até ela querer implorar por alívio.

Então lá estava ele com ela de novo, aninhado entre suas coxas como tudo tinha começado, empurrando de leve daquela forma incompleta e enlouquecedora. Ele a beijou com um jeito selvagem ao penetrá-la, engolindo seu gemido de alívio.

Estocadas fortes, profundas e plenas, a levaram ao gozo. A explosão singular de prazer a embebedou de paz e de uma sensação perfeita. Flutuou nela, espantada com a violência do clímax e com a materialidade do êxtase.

Phaedra foi voltando devagar da escuridão sagrada de sua mente. Seus braços sentiram os ombros que ela abraçava e suas pernas, o quadril que circundavam. Ele permanecia teso e pleno dentro dela.

Por entre os cachos úmidos, ela viu os olhos dele, ainda quentes e firmes em sua rigidez sensual.

– Você parece bem satisfeita, Phaedra.

Tão satisfeita que ela pensou que nunca mais poderia se contentar com menos.

– Com toda a certeza.

Ele se mexeu devagar, descrevendo um longo caminho na carne ainda intensamente viva após o clímax.

– Acho que nunca conheci uma mulher com tanta facilidade de ter prazer.

Ele pousou um beijo firme em seus lábios. Bem dentro dela, a satisfação começou a arrefecer. Novas necessidades acenaram de forma sutil, porém perceptível.

Ele fez de novo. Olhava para baixo, controlado demais, seguro demais do que causava com suas investidas lentas e profundas.

– Acho que nunca fui tão possuído por uma mulher antes.

– Não me culpe se não compartilhou a satisfação. Normalmente, há unidade nessas coisas.

– Duvido que já tenha havido unidade com você. Seus amigos encontram o próprio prazer enquanto a ajudam a achar o seu, mas é diferente.

Phaedra viu um insulto nessas observações tranquilas. Se não estivesse tão ligada à potência viril que emanava dele, se os tremores da nova excitação não estivessem preenchendo sua mente, talvez ela achasse as palavras para castigá-lo por sua presunção.

Só que a sensação de saciedade diminuía com rapidez. Lá dentro, desejos ressonantes despertaram, reforçados pela confusão e pelo desespero.

O abandono acenou de novo, mas permaneceu fora de alcance, tentando-a. Ela continuou em contato com o mundo, ciente do homem que se demorava, consciente de que ele também não tirava os olhos dela.

Phaedra mexeu o quadril para encorajá-lo. Mais rápido. Ele acariciou a nádega direita dela e a puxou, detendo-a.

– Você disse que nós possuiríamos um ao outro, e eu quero possuí-la devagar.

– Foi muito indelicado da sua parte não se saciar junto comigo.

Ela nem sabia que um homem podia controlar suas vontades a esse ponto.

Obteve um sorriso quase imperceptível em resposta. Sua mão soltou a nádega dela. Phaedra pensou que ele houvesse se rendido. Em vez disso, ele levou a mão às costas e soltou a perna dela de seu quadril.

Moveu a outra perna também e empurrou as coxas dela unidas para baixo dele. Quando se mexeu dentro dela de novo, o prazer se concentrou e espiralou tão nítido que ela perdeu o fôlego.

As sensações a deslumbraram, a venceram. Ela não podia negá-las, então se rendeu. Porém, desta vez o clímax foi diferente. Phaedra não perdeu o contato com o mundo. Ouvia os próprios gritos. Ficou embebida na aura dele. A vulnerabilidade voltou, mais matizada, ainda excitante, porém levemente assustadora.

Ele não perdeu o controle, não sucumbiu. Mesmo quando suas estocadas ficaram mais rápidas e mais fortes, mesmo na hora em que ela gritou em êxtase, Phaedra sentiu que ele controlava seu poder até o fim.

Dessa vez houve unidade. Ela não chegou sozinha ao clímax. Na verdade, ele pareceu mais presente. Um alívio glorioso a despedaçou como um raio parte uma árvore, porém ele permaneceu a seu alcance durante todo o tempo.

Após o coito, à medida que a alma dela tentava recolher os cacos de seu autocontrole e ela lutava para recompor a mulher que conhecia, receios penetraram seus pensamentos. Ela o sentia em seus braços, seu corpo cobrindo o dela. Ele estava exausto, satisfeito e quieto, mas inteira e estranhamente real.

Phaedra nunca se sentira em desvantagem em situações assim antes. Envolta em êxtase e saciedade, ela examinava sem pressa essa nova situação. Tentava decidir o que significava e como tinha acontecido.

Com certeza, essa misteriosa sensação de desprendimento desapareceria quando ele fosse embora. Tinham sido só a noite, a escuridão e o prazer que a haviam causado.

Ele se apoiou nos antebraços, tirando o peso de cima dela. O olhar dele a invadiu muito fundo e de forma tão calorosa e intensa que ela se perguntou se ele estaria tentando deixar uma marca de fogo em sua mente. Depois ele rolou de cima dela e se deitou de lado. Logo caiu no sono com o braço por cima dela.

Elliot pretendia passar a noite ali. Ela nunca permitira isso com seus amigos, mas não conseguiria acordá-lo e pedir que descesse para deitar no cobertor sobre as pedras no cômodo embaixo. Porém...

Phaedra olhou para as luzes bruxuleantes que brincavam nas pedras acima dela. O olhar dele tinha sido cálido e tocante durante o último e longo olhar, mas também exigira que ela reconhecesse a força da união dos dois. Carregara a profunda intimidade que ainda os unia e se negara a deixar que ela se desvencilhasse de seu abraço.

Porém, tinha havido mais do que isso, algo que ela nunca vira nos olhos de um homem antes, pelo menos não em um que a olhasse.

Ela vira os olhos de um conquistador.

E se perguntara o que ele erroneamente achava ter conquistado.


A porta da mente dele permanecia entreaberta. Elliot a ouviu suspirar e murmurar enquanto dormia. O sol começava a nascer e ela despertaria em breve. No momento, ele aproveitava a paz, a companhia e o ar frio em seu corpo, deixando a mente concluir suas reflexões sobre outras coisas.

Um som o despertara, dando uma vaga indicação do novo dia que começava. Agora ele espiava pela luz prateada à medida que um objeto tomava forma. Havia mais uma cesta no cômodo, bem à direita, no alto das escadas. Uma das senhoras tinha trazido mais víveres.

Phaedra despertou devagar como um gato ronronante. Ela se encolheu e depois se esticou em sua elegância nua e se virou para o outro lado, dando a Elliot a oportunidade de admirar o belo contorno de suas costas e de seu quadril.

Ela parecia muito doce naquele momento e mais jovem. Despida de seu hábito negro, liberta da armadura com que enfrentava o mundo, ela o espantava com sua aparência frágil. A noite anterior revelara esse outro lado de sua alma de uma forma inconfessa e inexplicada. Sua paixão tinha sido ao mesmo tempo experiente e ignorante, ao mesmo tempo segura e amedrontada. Ele experimentara a fraqueza e a suavidade que ela não ousava mostrar ao mundo. Phaedra levava uma vida baseada em símbolos na qual tais contradições não eram permitidas.

Ele a queria de novo, porque ela estava muito bela ali de manhã e porque a Phaedra nua, despida e desarmada, o fascinava. Imaginou que continuaria a desejá-la por muito tempo. Calculou tempo e lugar, dia e noite, tendo as lembranças de seus abraços a tentá-lo.

Num instante ela se pôs alerta, como se tivesse ouvido os pensamentos dele. Deitou-se de costas e, através de pálpebras semiabertas, avaliou onde estava e com quem. Um vago rubor tingiu seu pescoço, descendo até os belos seios. Os mamilos endureceram, mas não por causa da fria brisa marinha.

O constrangimento a fez parecer uma menina insegura. Lorde Elliot se perguntou que pensamentos causaram o franzir de seu cenho ao olhar o próprio corpo. Ela não estava tão atrevida agora, sem a escuridão para transportar os acontecimentos para outro mundo.

Elliot puxou algumas roupas para que ela não fosse obrigada a sair de onde sua escolha a deixara. Ele lhe entregou o monte de tecido negro que era seu vestido. Phaedra se sentou e o passou pela cabeça.

Ele se sentou ao lado dela na esteira. Imaginou se Phaedra mencionaria os acontecimentos da última noite e o que ele deveria dizer quando ela o fizesse. Ela não era uma mulher que esperasse gratidão ou desculpas. Certamente não esperaria que ele lhe oferecesse dinheiro ou qualquer tipo de pagamento. Ela não esperava absolutamente nada dele e levaria a mal qualquer proposta.

– Você tem Alexia – disse ele. – Ontem você falou sobre estar só, mas Alexia é uma amiga leal.

As palavras de Phaedra tinham ecoado na cabeça dele naquela manhã enquanto ficara deitado ao lado dela. Ele se perguntara sobre suas amigas na infância, duvidando de que tivesse alguma. Imaginava que poucas mães permitiriam às filhas serem amigas da filha de Artemis Blair.

Phaedra se esticou para lhe dar um beijo no rosto. Ele supôs que, em algum momento ao longo do dia, a intimidade entre eles chegaria ao fim e Phaedra consideraria a noite da véspera como passado. Agora, contudo, com um gesto ela o fazia entender que achava a preocupação dele, no mínimo, encantadora.

Ele aproveitou a oportunidade para passar o braço em torno dela. Sentado assim numa cama de palha, com as costas apoiadas na parede, a cabeça de uma bela mulher no ombro e os sons e cheiros do mar entrando em lufadas pelas janelas, não seria um jeito ruim de passar o dia.

– Ela fez com que seu irmão permitisse nossa amizade – disse. – Quando Alexia negociou o casamento, ela o fez prometer. Eu tinha imaginado que... Cheguei a recusar o convite de casamento. Escrevi a ela dizendo que isso só causaria problemas com o marido. Ela me respondeu explicando o que conseguira.

Phaedra inspirou profundamente. Sua voz saiu mais fraca quando voltou a falar.

– Chorei ao ler a carta. Foi o gesto mais nobre que qualquer amiga já fez por mim. Preocupar-se comigo naquele momento... Ainda acho difícil de acreditar que seu irmão tenha concordado. Não sou uma mulher que a maioria dos homens deseje como amiga de suas esposas. Uma cortesã seria mais bem-vinda nas salas de estar das famílias elegantes de Londres.

Elliot imaginou que a generosidade do irmão fazia parte de uma estratégia maior. Phaedra Blair era uma concessão pequena para Hayden nas negociações para ficar com a mulher que desejava.

Não ajudaria colocar as coisas dessa forma.

– Hayden nunca foi escravo das regras da sociedade. Ele quer que Alexia seja feliz e sabe que a amizade dela com você não representa qualquer perigo.

– Se ele acredita nisso, o amor o deixou tolo. Não me ressinto com os pais e maridos que não permitem que eu seja recebida, Elliot. Se eu fosse eles e acreditasse no que eles acreditam, estabeleceria as mesmas regras.

Elliot olhou para o topo da cabeça dela. O cabelo parecia mais dourado do que ruivo agora, na luz cristalina da manhã. Ela não queria sua piedade por sua infância solitária. Não esperava que o mundo se transformasse para se adaptar a ela. Só queria que a deixassem quieta para que conduzisse suas crenças como lhe aprouvesse.

Entender isso acrescentou ternura à satisfação que ele sentia naquele momento. Infelizmente, deixá-la quieta seria quase impossível.

– Lorde Elliot.

O chamado de Carmelita não veio das escadas de pedra. Ela estava lá embaixo, do lado de fora da torre. Pelo menos uma das senhoras tinha se intrometido mais cedo e agora faziam uma tentativa de não repetir isso.

Ele se levantou e olhou para fora da janela. As cinco senhoras estavam em volta de Carmelita, falando baixo e ainda montando guarda.

– Lorde Elliot, o signore Greenwood está chegando.

Ela fez um gesto indicando a parte baixa do promontório, para além dos homens que acordavam.

Greenwood passava pelo cais, agora cheio de barcos de pesca. O barulho da cidade lembrou a Elliot por que nenhum deles fora para o mar. Era o dia da festa de San Giovanni.

Os homens deram passagem a Greenwood. Ele lhes disse algo ao passar. Acenou para Elliot quando o avistou na janela. Seu sorriso e andar lépido indicavam que trazia boas notícias.

Ele cumprimentou Carmelita e as senhoras com uma mesura, depois olhou para cima.

– Você e a Srta. Blair têm muitas razões para me agradecer, Rothwell. Fui tão habilidoso, tão brilhante, que mereço um cargo nas relações exteriores.

– O senhor convenceu aquele idiota a pôr fim nisso? – perguntou Carmelita.

– Fechei um acordo. Um tão bom que as senhoras não precisarão mais oferecer seus préstimos.

Carmelita explicou às senhoras o que ele dissera, porém elas relutaram. Uma pequena discussão se seguiu, mas Carmelita as convenceu. Todas as mulheres começaram a caminhar de volta para a cidade.

– Vou subir e explicar – disse Matthias, desaparecendo no limiar do portal.

Elliot se virou para Phaedra. Ela se parecia de novo consigo mesma: composta, orgulhosa e singular. O tecido preto cobria o corpo que ele possuíra horas antes. Phaedra se inclinou e esticou o cobertor por cima da palha, eliminando a mais óbvia evidência dos eventos noturnos.

– Eu devia ter me rendido à tentação e acordado você mais cedo – disse ele. – Uma noite assim não devia terminar de forma tão abrupta.

Phaedra deu um sorrisinho nervoso.

– De forma abrupta ou lenta, as noites sempre acabam.

Havia muita coisa que ele gostaria de dizer em resposta, entretanto as botas de Greenwood já se aproximavam do cômodo.

O cabelo branco e o rosto sorridente de Matthias surgiram. Ele parecia muito satisfeito consigo mesmo.

– Trouxe-lhe a chave de sua prisão, Srta. Blair. Infelizmente, para que tudo dê certo, a senhorita tem que deixar Positano imediatamente.


CONTINUA

CAPÍTULO 7

– É uma coleção modesta.

Matthias brilhava de orgulho, apesar de suas palavras.

– Tive a ideia inspirado nos gabinetes renascentistas. É o meu refúgio dentro de casa, cheio dos meus objetos favoritos.

Seu gabinete era uma grande sala quadrada cheia de urnas antigas e ramagens nas paredes de gesso. Além de uma escrivaninha comprida repleta de livros e papéis, o cômodo continha artefatos. O capitel de uma coluna coríntia estava empoleirado em um dos cantos da mesa. Um busto antigo os observava do alto de uma estante de livros. Vitrines com pés, como as das livrarias inglesas, guardavam outros pedaços de peças e antiguidades.

Phaedra caminhava por entre as peças, observando. Randall Whitmarsh a acompanhava, apontando as moedas com as imagens de Júlio César e Tibério gravadas e as pequenas garrafas de vidro.

– Aqui está o grande achado – anunciou Matthias.

Ele abriu uma gaveta, retirou uma trouxinha de tecido e começou a desembrulhar o material.

Surgiu uma pequena estatueta de bronze de uma deusa nua em uma posição relaxada.

– Alguns garotos mergulhavam na enseada e lá estava ela, no fundo da areia. Deve ter ficado lá por 1.500 anos. É grega, tenho certeza. Período clássico. Provavelmente parte de uma carga grega a caminho de alimentar os cobradores do Império Romano.

Whitmarsh levantou a estátua.

– Com certeza um navio naufragou aqui. Deve haver outras peças onde ele afundou, se puder ser achado.

– A água fica profunda rapidamente, o que é muito perigoso – disse Matthias. – Se houver mais peças, elas só vão ser encontradas quando as marés fizerem seu trabalho. Retirei com cuidado as cracas e a melhora foi maravilhosa.

Elliot tomou a estátua em suas mãos.

– É linda. Pretende vendê-la?

– Ainda não sei. Caso decida vender, Whitmarsh poderia pô-la à venda para mim em Roma, não é?

– Ou eu, em Londres – emendou Elliot. – Você conseguiria um preço melhor, não acha?

Matthias sorriu com a indulgência de um mestre. Pegou a estátua das mãos de Elliot.

– E macular o seu sangue com atividades comerciais? Eu não faria isso.

– Não haverá comércio se eu apenas indicar um colecionador. Easterbrook pode até ficar interessado na peça.

Os homens começaram a discutir a data de criação da estatueta e seu valor. Phaedra continuou a andar por entre as vitrines para completar sua visita de reconhecimento.

A coleção de Matthias era muito eclética, como a de um garoto de escola que trouxesse para casa pedaços e peças do mundo que o fascinavam. Uma vitrine continha fragmentos de cerâmica de pouco valor, porém com enfeites primitivos fascinantes. Espirais e formas geométricas se amontoavam sobre as superfícies avermelhadas. Um belo cálice grego intacto ocupava lugar de honra em outra, exibindo o deus Dionísio em um navio em seu interior raso e arredondado.

Prosseguiu até as adagas antigas e partes de armaduras romanas entalhadas e chegou até uma vitrine que continha outros objetos de metal. Essa estava trancada e Phaedra podia entender por quê. Espalhados dentro estavam objetos de ouro e prata e esmaltados, alguns clássicos, outros de épocas posteriores, em que normandos e sarracenos estiveram ali. Pequeninas imagens de deuses romanos e vivas interações de linhas e arabescos disputavam sua atenção.

A vitrine inteira brilhava. Fechos de bolsas, brincos e fileiras de contas de vidro.

– Decidi ficar com minha pequena deusa – anunciou Matthias. – Onde acha que devo alojá-la, Srta. Blair?

Phaedra deu sugestões de lugares onde Matthias poderia exibir a pequena estátua, porém seus pensamentos continuavam na coleção diversificada do seu anfitrião. Ela se perguntava se ele saberia algo sobre camafeus antigos.


De tarde, o Sr. Whitmarsh decidiu pescar, então os cavalheiros desceram a montanha para alugar um barco após a sesta costumeira da cidade. Isso deixou Phaedra com a signora Roviale e a Sra. Whitmarsh.

As damas se sentaram na sala de visitas e tentaram não entediar umas às outras. Quando a Sra. Whitmarsh pediu licença e saiu para escrever uma carta, a signora Roviale abordou o único assunto que achava ter em comum com a outra hóspede.

– É um homem notável, o seu lorde Elliot. Não sou fã de todos os amigos ingleses do signore Greenwood. Eles quase sempre são pálidos demais e reservados a ponto de se tornarem tediosos, e suas mulheres e namoradas também são sem sal e sem assunto. Mas lorde Elliot é ao mesmo tempo bonito e interessante. Un uomo magnifico.

– Lorde Elliot é cunhado de uma grande amiga minha e me acompanha a pedido dela. Não sou sua namorada.

– Veramente? – exclamou ela, depois avaliou Phaedra com frieza. – Talvez, se usasse roupas mais atraentes... Matthias me disse que não está de luto e, por aqui, o preto é mais comum entre as mulheres velhas... E seu cabelo, a minha criada poderia penteá-lo para que não parecesse uma criança nem uma puttana.

“Puttana” tinha sido uma palavra que Gentile Sansoni usara durante o interrogatório. Significava meretriz. Como a signora Roviale não era casada com Matthias, estava enveredando por um campo muito delicado.

– Escolho meus vestidos e meu penteado por bons motivos, signora. Assim não preciso ficar sobrecarregada com criadas nem gasto horas em preparações antes de começar meu dia tão atarefado.

– Aaah, capisco. Entendo.

Ela fez um gesto expressivo, a mão desenhando um amplo arco que incluiu as duas e a casa.

– Mas seu dia está livre hoje. Não está muito ocupada, não é? Não temos nada para fazer enquanto esses ingleses pescam feito camponeses. Ofereço-lhe minha criada; então não ficará, como disse, sobrecarregada.

– Estou muito satisfeita assim, obrigada. Quanto a preencher o meu dia, vou para o meu quarto ler, se me der licença.

– Pode ler outra hora. Acho que é uma mulher que lê demais.

Ela se levantou e acenou para Phaedra, indicando que a acompanhasse.

– Talvez esteja satisfeita em seu vestido, contudo a signora Whitmarsh não está feliz. Ela pensa que você é uma bruxa e que está tentando encantar o marido dela. E você é tão incomum que ela não sabe como competir. É louca por pensar assim, de toda forma posso ver as suspeitas naquele rosto comprido. Nós a deixaremos apresentável e comum para o jantar desta noite, para que ela não pareça ter uma nuvem negra em cima da cabeça.

Revoltada por estar sendo coagida, porém incapaz de pensar em uma desculpa para desfazer o plano de sua anfitriã, Phaedra se levantou. A signora Roviale lhe deu o braço e, com firmeza, conduziu-a escada acima.


Elliot despiu a camisa agora úmida de maresia. Entregou-a ao criado para que fosse lavada, depois foi se arrumar para o jantar. A pesca tinha sido divertida, animada pelos odres de vinho que Matthias tinha jogado no barco.

Saiu para o terraço e apurou os ouvidos. Nenhum som vinha do quarto de Phaedra, portanto supôs que ela já tivesse descido e se dirigiu à sala de visitas. Todos os hóspedes estavam reunidos, exceto a única mulher que ele estava ansioso para ver.

Perguntou-se se ela aproveitara sua ausência para escapar e amaldiçoou a própria negligência. A combinação relaxante de sol e mar e a excitação que não queria deixá-lo o tinham feito esquecer o motivo de ter Phaedra em sua companhia.

Conversou com Whitmarsh e Greenwood. Cada minuto que passava aumentava suas suspeitas da fuga de Phaedra. Estava prestes a perguntar à signora Roviale sobre as atividades da Srta. Blair naquele dia quando Whitmarsh de repente parou de falar e olhou fixo por sobre o ombro de Greenwood. A expressão no rosto dele fez Elliot olhar na mesma direção.

Greenwood virou a cabeça.

– Meu Deus. É a nossa Srta. Blair?

Aparentemente, sim, exceto que aquela Srta. Blair não se parecia muito com a que Elliot conhecia. O vestido preto substituído por um azul-celeste, com um fita marfim e mangas curtas bufantes no ombro e justas no braço. O cinto de seda marcava sua cintura e o decote revelava a pele muito alva do pescoço e dos ombros, destacando o arredondado firme e elegante de seus seios.

O cabelo também tinha sido penteado e preso. Sem mais flutuar solto, formava um penteado com cachos e trançados que a deixavam muito na moda. Usava um pouco de maquiagem no rosto, ou talvez a atenção que despertara a tivesse feito enrubescer.

– É ainda mais bela do que a mãe – sussurrou Whitmarsh. – Se pode ficar bonita assim, por que se esconde naquele hábito de freira?

Elliot sabia por quê. O motivo agora enchia a sala de visitas. O silêncio caiu conforme os homens a olhavam e as mulheres a avaliavam. Elliot andou pelo meio dos outros para poupar-lhe o incômodo de continuar a ser o espetáculo da noite.

– Está muito bonita hoje, Srta. Blair. Vamos pegar um pouco de vinho.

Ela o acompanhou até a criada que servia as bebidas. O grupo retomou suas conversas.

– A signora Roviale fez isso tudo. O vestido é dela – contou Phaedra. – A mulher é implacável. Não havia como escapar.

Ele lhe entregou um cálice de vinho.

– Foi gentileza da sua parte ceder.

Ele se esforçava para que seu olhar não resvalasse para a protuberância branca acima do decote do vestido. Queria lamber e mordiscar aquela pele de leite que surgia além da fronteira azul-celeste.

– Levou horas. Tinha me esquecido dessa parte. E esse espartilho... bem, você pode imaginar como meu pobre corpo não gosta disso.

Não exatamente. Contudo ele podia imaginá-la de camisa e meias, antes de pôr o espartilho, e depois de vesti-lo, quando ainda não houvesse colocado o belo vestido.

– Acredito que, com a prática, fique mais fácil.

– Não vai haver prática. Essa experiência acaba junto com o jantar. Só rezo para que não desmaie antes disso. Mal posso esperar para ser liberada dessa tortura. Para começar, é insuportavelmente quente. Descobri que os árabes usam roupas soltas em climas quentes por um bom motivo. Além disso...

De repente, no meio da frase, suas reclamações pararam. Ela enrubesceu violentamente, como se visse nos olhos dele o que se desdobrava em sua imaginação, o vestido caindo, o espartilho se abrindo e o corpo dela sendo revelado. O traje dava uma visão melhor desse corpo do que seus vestidos pretos, e ele a imaginava nua com muito mais nitidez agora.

Whitmarsh se aproximou exalando charme. Greenwood não perdeu a Srta. Blair de vista enquanto falava com os outros. Ela respirou fundo e partiu para encantar a todos com seu brilho e sua beleza.


Phaedra pretendia escapar direto para seu quarto ao final do jantar, para tirar aquelas roupas desconfortáveis. Mudou de ideia ao ver Matthias Greenwood andar em direção a seu gabinete. Em um impulso, ela o seguiu, alcançando-o no momento em que abria a porta.

– Sr. Greenwood, posso falar com o senhor em particular? – solicitou Phaedra.

– Com certeza, Srta. Blair. Venha comigo. Terá toda a minha atenção aqui.

Ela aceitou sua acolhida e sentou-se na cadeira que ele lhe indicou, ao lado da mesa. Encarapitada lá, sob seu exame tutorial, sentiu-se como uma aluna pleiteando uma vaga na universidade.

– Sr. Greenwood, na Inglaterra eu vinha conversando com pessoas que conheceram minha mãe. Tenho algumas perguntas sobre fatos que aconteceram no final da vida dela. O senhor a conheceu também e seu nome foi mencionado várias vezes. Algumas delas sugeriram que talvez pudesse me ajudar.

– Algumas delas...?

– Amigas de minha mãe. Mulheres que me ajudaram a relacionar as pessoas que faziam parte do convívio social de minha mãe e coisas afins.

– Ajudarei como puder, entretanto não era um amigo próximo. Minhas funções na universidade não me permitiam vê-la com muita frequência.

– Entendo. Contudo é sua distância relativa que pode ter possibilitado ao senhor enxergar com mais clareza do que os amigos mais íntimos.

Ele pareceu cético, mas se mostrou prestativo.

– O que precisa saber?

– Talvez o senhor considere minhas perguntas um pouco ousadas.

Ele riu.

– Ficaria desapontado se não fossem. Se a senhorita está correndo o mundo atrás de respostas, imagino que as perguntas não sejam banais.

Seu bom humor tornava tudo mais fácil. Ela decidiu começar com a pergunta mais ousada de todas.

– Alguma vez suspeitou que minha mãe tivesse um amante nos últimos anos de vida?

Ainda que ele esperasse ousadia, a pergunta o deixou um tanto sem jeito. Sua expressão sempre bem-composta se alterou, ficando próxima do constrangimento.

– Não tive indícios para pensar isso. No entanto... Bem, quando conheci sua mãe, Drury era uma presença constante, mas parecia menos presente por volta do último ano.

– O senhor sabe quem era o outro homem?

Os olhos dele ficaram mais cálidos, demonstrando simpatia. Seu sorriso era o de um tio para a sobrinha preferida.

– Nem sabia se havia alguém. Tem certeza de que houve?

– Meu pai achava que sim.

– Os homens podem errar em relação a essas coisas. A paixão esfria, a distância aumenta... Ele pode ter interpretado errado.

Ela sabia dessa possibilidade. Matthias não era o primeiro a mencioná-la. Vários amigos de sua mãe sugeriram a mesma explicação. Ela mesma também nutria a esperança de que fosse apenas isso.

– Há alguém que o senhor teria considerado provável?

Ele balançou a cabeça.

– É tão importante saber o nome ou mesmo se a suspeita se confirma?

– Se tivesse sido um caso normal, eu diria que não.

Ele esperou pacientemente que ela continuasse, nem encorajando nem desencorajando outras revelações com seu comportamento reconfortante. Ela entendeu por que Elliot gostava desse homem. Havia algo em Matthias Greenwood que inspirava confiança e estimulava confidências. Sua franqueza era tamanha que afastava até a menor possibilidade de dissimulação.

– Minha mãe me deixou um camafeu – contou ela. – Seu testamento dizia que era originário de Pompeia. Sua intenção era que ele me desse alguma segurança financeira, e sempre supus que daria. No entanto, antes de meu pai morrer, ele alegou tratar-se de uma joia falsa, vendida a minha mãe pelo amante.

Matthias franziu o cenho, a preocupação evidente em seu olhar.

– A senhorita depende do valor desse camafeu?

– Minha situação financeira ficou mais complicada nos últimos tempos. Talvez eu precise vendê-lo. Contudo, se for falso...

– Valerá uma mera fração do que ela imaginava e provavelmente do que pagou. E a senhorita também não pode vender a peça antes de ter certeza, a menos que queira se arriscar a fazer parte de uma fraude.

– Exatamente.

– Entendo seu dilema. Lamento que sua herança esteja em questão. Se um admirador tirou vantagens indevidas de Artemis, o canalha deveria ser enforcado. Ela era muito generosa com todos que conhecia, mas... bem, talvez ingênua demais e lenta demais para perceber que alguns teriam interesse em se aproveitar dela.

Ele lhe lançou um olhar que pedia desculpas pela leve crítica.

– Talvez ela tenha sido mesmo ingênua demais, Sr. Greenwood. E sua generosidade significa que ela deixou pouco mais em herança além do camafeu. Suponho que eu poderia guardá-lo como lembrança, contudo, se ele simboliza o roubo de sua afeição e de seus recursos, não terá nenhum valor sentimental para mim.

– Eu pediria para ver o camafeu se pudesse afastar suas preocupações, no entanto confesso não ter muito conhecimento nessa área. Poderíamos mostrá-lo a Whitmarsh, é claro. Ele conhece muito mais pedras preciosas do que eu. No entanto, faria mais sentido perguntar aos especialistas em Pompeia...

Seu cenho se desanuviou. Ele deu um risinho.

– É por isso que está na península Itálica, não é? É claro. Agora compreendo.

– O senhor acha que posso obter uma resposta concreta lá?

– A mais concreta possível. Como já sabe, as opiniões variam. Escreverei para o superintendente, para abrir caminho para a senhorita. Ele está envolvido em escavações há vinte anos e pode atestar a origem do item, bem como seus sinais característicos de antiguidades.

– Agradeço sua boa vontade em me ajudar. Pergunto-me se posso abusar um pouco mais de sua gentileza. Temo que isso signifique pedir que levante hipóteses que talvez não queira.

– Não sou bom demais a ponto de resistir a fofocas, Srta. Blair. Pelo menos, até certo ponto.

Ela suspeitava de que iria chegar a esse ponto e talvez ultrapassá-lo.

– Se, de fato, esse camafeu, real ou falso, foi dado ou vendido a minha mãe por um homem nos seus últimos anos de vida, o senhor pode pensar em alguém em seu círculo que tivesse acesso a coisas assim?

Seus olhos de águia se obscureceram e ele ficou introspectivo, refletindo demoradamente sobre a pergunta. Phaedra imaginou que ele estaria relembrando as festas e jantares de anos atrás, examinando rostos e reconstituindo conversas.

– Não tenho um nome para lhe dar – disse por fim.

Sentiu o desapontamento, mas não foi um golpe tão duro. Teria sido ótimo resolver o mistério naquele dia, entretanto ela na verdade não esperara mesmo que isso acontecesse.

– Contudo, talvez...

Os olhos de águia de Matthias ficaram reflexivos de novo.

– Olhe bem, estou me lembrando de uma joia que diziam ser originária de um tesouro em Pompeia, só que não pertencia a sua mãe. Lembro-me que sua existência foi discutida durante uma das recepções que ela deu. Pode ser a mesma joia que está agora em sua posse ou talvez seja outra.

– O senhor se lembra do que foi dito na ocasião?

– Não de muita coisa. Não tinha interesse no assunto. Nem mesmo consigo determinar a data da conversa com muita precisão.

Ela olhou por cima de seu ombro para as vitrines.

– Eu diria que o assunto o interessa deveras.

– Não em relação a essa joia específica. Percebi logo que a origem da joia era duvidosa. Qualquer item retirado de Pompeia é propriedade roubada. Não há documentação de sua descoberta lá porque isso revelaria tratar-se de um roubo – explicou e deu de ombros para prosseguir: – Há quem não se importe com esses detalhes e pessoas que acreditam em qualquer história que lhe contem. É assim que comerciantes desonestos fazem fortuna.

– O senhor se recorda de como esse camafeu surgiu? Alguém o estava vendendo?

Ele bateu com os dedos na mesa e pensou bem.

– Foi há tanto tempo... Não quero atacar a credibilidade de ninguém...

– O senhor não o fará. Nem eu. Não farei acusações, a menos que tenha certeza de todos os fatos. Não haverá fofoca, nem difamação ou calúnia. Só quero saber em que direção devo seguir.

– Não me lembro dos detalhes. Mas havia vários negociantes que giravam em torno de Artemis Blair. Dois estavam sempre presentes nos últimos anos. Um, Horace Needly, tem uma reputação ilibada, porém nunca se sabe o que acontece nesse meio. No outro tenho menos confiança, principalmente porque ele evitava conversas com acadêmicos como eu. Isso me fazia pensar se seu conhecimento passaria pela prova de alguém experiente.

– Qual era o nome dele?

– Thornton. Nigel Thornton. Um sujeito bem-apessoado. Bem-sucedido também, se não me engano, contudo suas antiguidades tinham origem duvidosa.

– Obrigada pelos dois nomes. Verei o que posso descobrir quando voltar à Inglaterra. O senhor me ajudou bastante e sou muito grata.

Ela se levantou para ir embora. Ele sorriu ternamente, feliz por ter sido útil.

– Sr. Greenwood, me perdoe, mas... não havia pelo menos mais um negociante no círculo de minha mãe naquela época? O Sr. Whitmarsh. O senhor disse no outro dia que ele vende antiguidades em Roma e...

– Aquilo foi só uma brincadeira entre amigos, Srta. Blair. Desde que veio para cá, sabe-se apenas que passou adiante um ou dois objetos que lhe chegaram por acaso e com os quais ele não tinha intenção de ficar. Nada mais. Já fiz isso também. Não se pode considerar isso comércio – ele foi falando de forma indulgente, enquanto a acompanhava até a porta. – Além disso, ele não se dedicou a esse ramo na Inglaterra, nem mesmo por um período breve. Não ficaria bem, não? Afinal, ele é um nobre.


– Rápido, não aguento mais. Rápido.

Um grunhido profundo seguiu os pedidos da Srta. Blair.

– Ai, assim, hum, que maravilha.

Elliot estava de pé no terraço, com as costas apoiadas na parede da casa. Ele ria por dentro dos gemidos que lhe chegavam pelas portas ao lado das dele. Os sons que Phaedra fazia ao ficar livre, aliviada do vestido e do espartilho, lembravam os de uma mulher que se sentisse livre e aliviada por outros motivos.

Pôde ouvir quando ela dispensou a criada e depois resmungou:

– Que diabos. Nunca mais. As mulheres são loucas de se vestirem assim.

Vagos sons de seus movimentos no quarto eram notados. Ele deu alguns passos no terraço e retomou sua posição, desta vez do lado de fora do quarto dela.

– Sobreviveu, Srta. Blair? Ou ficou deformada para sempre?

Ela esticou a cabeça para fora, procurando-o. Ficou surpresa ao vê-lo tão perto.

– Achou graça, não?

– Nem um pouco.

Sua risada mostrou que era mentira. Ela franziu a testa com vigor.

– Espere aí. Quero lhe falar sobre um assunto.

E ela desapareceu no quarto.

Voltou alguns minutos depois, vestida de preto. O penteado não fora desfeito, então ela ainda não tinha voltado a ser a Phaedra de sempre.

– Por quanto tempo pretende me manter aqui? – perguntou ela.

Suas palavras aludiam a tudo o que ocorrera desde o dia em que ele entrara naquele jardim em Nápoles. A observação continha todos os seus ressentimentos.

– Alguns dias. Mais tempo, se a senhorita quiser. Precisa admitir que este é um lugar bem relaxante.

– Não vim da Inglaterra para repousar.

– Podemos partir em três dias, se desejar. Contudo imaginei que apreciasse a companhia de pessoas que conheceram sua mãe.

Ela foi até a balaustrada e olhou para o mar negro. Elliot observava suas costas, mas o que via, apesar do tecido preto que a cobria, era o corpo nu.

– Confesso que estou gostando da visita mais do que esperava, exceto das imposições da signora Roviale hoje. Apesar de inconveniente, esse desvio em meus planos se mostrou proveitoso. Deveria ter considerado que seria útil... que seria possível e até mais provável conhecer as pessoas do círculo da minha mãe se eu o acompanhasse.

Ele teria questionado o motivo de ela considerar isso “útil” se a noite não estivesse tão agradável e calma e a luz da lua não tornasse Phaedra tão linda.

– O Sr. Greenwood mora aqui há muito tempo? – perguntou ela.

– Ele comprou a casa há uns seis ou sete anos. Só veio morar aqui em definitivo faz quatro anos. Na última vez em que vim, a casa ainda era bastante rústica.

– Imagino que ele conheça todos os especialistas em antiguidades, de Milão à Sicília.

– É bem provável. Não se trata de um grupo tão grande. É natural que busquem a companhia de colegas.

– Então foi um professor universitário que comprou esta mansão, fez melhorias e se mudou para cá. Ele deve vir de uma família abastada.

A avidez de Elliot o deixava impaciente por jogar conversa fora com Phaedra, mas ele lhe concederia isso por enquanto. Afastou-se da parede e se juntou a ela na balaustrada.

– Ele vivia de forma frugal em Cambridge. Um parente lhe deixou dinheiro. Esta mansão provavelmente deve ter custado menos do que uma casa pequena em Londres. Os imóveis aqui não têm o mesmo valor de lá.

Ele admirava o trabalho intricado no penteado da Srta. Blair. Levaria um bom tempo para desfazer tudo aquilo antes de dormir. Tempo de mais. Ele deixaria daquele jeito.

Exceto por um olhar, ela não reagiu à sua proximidade.

– Ele falou como se visitasse as escavações com frequência e conhecesse os arqueólogos lá.

– Espero que sim. Por que está tão curiosa sobre ele?

Matthias tinha idade para ser pai dela e Whitmarsh, quase isso. Ainda assim, a admiração deles pela ruiva naquela noite provocara em Elliot uma desconfiança enciumada que provavelmente não tinha fundamento. Agora a desconfiança surgia de novo, irracional porém nítida, atiçando o desejo com os espinhos da possessividade.

– Há algumas páginas nas memórias de meu pai que levantaram questões sobre os últimos anos de vida da minha mãe. Fiz perguntas a Matthias e estou refletindo sobre o peso que devo atribuir às respostas.

Então era nisso que ela pensava nas horas em que ficava séria e introvertida? Ela havia se aventurado até o terraço, apesar da advertência da noite anterior, mas não para implicar ou desafiar. Ela buscava informações que fossem úteis.

Christian sugerira que essas memórias talvez contivessem revelações que Phaedra não iria gostar de ler. O fato de ela confirmar isso provavelmente era significativo, porém naquele exato momento Elliot não se importava. Ele a desejava e estava ali, naquela noite maravilhosa, com ela, uma mulher que acreditava no amor livre e que não se prendia a regras sociais estúpidas.

A luz da lua tornava sua pele branca quase translúcida. O vestido preto ia até o pescoço, mas ele ainda tinha na mente o volume dos seios dela.

– Às vezes é sensato deixar as perguntas sem resposta.

Ela o encarou, indiferente a quão perto estava de ser agarrada.

– Não acredito que creia nisso. Ou, melhor, não acho que o senhor consiga seguir o próprio conselho. Vi seu rosto quando falamos das referências a seu pai nas memórias. Você não quer que elas sejam publicadas, porém precisa saber se o que há lá é verdade.

Sua postura e suas palavras lançavam um novo desafio. Ele não o aceitaria naquela noite; em vez disso, lidaria com os desafios já existentes entre eles. Haveria tempo o bastante para lidar com este mais tarde.

– Já sei que não são verdadeiras. Mas a senhorita fala de questões sérias, Srta. Blair. Por favor, perdoe-me por deixar essa discussão para outro momento. Um em que a luz do luar, a noite e sua beleza não estejam fazendo minha mente se voltar para outros assuntos.

A expressão no rosto dela foi de pura surpresa. Não se moveu ao encará-lo. O que quer que tenha visto no rosto dele gerou faíscas de temor em seus olhos.

Ela se virou para caminhar em direção à porta.

– Então o deixarei refletir sobre esses assuntos, quaisquer que sejam.

Ele pegou no braço dela.

– Não desta vez, Phaedra.

Elliot a virou para si, segurou seu rosto entre as mãos e beijou a boca que o tentava fazia dias.


Como é que ele... como ousava...

Seu espanto por ser puxada para Elliot foi apagado pelo beijo dele. Mas outra coisa a assombrou: a forma como seu coração deu um salto quando ele a dominou.

Só o beijo já fora suficiente para deixá-la assim. Firme, forte e determinado, o beijo dele continha as advertências da noite anterior. Quero-a implorando por mim. Esse perigo a excita.

Com certeza, aquele perigo a excitava. A forma como sua pegada a dominou gerou arrepios traiçoeiros em seu baixo-ventre. Partes dela começaram a implorar de imediato, pedindo mais, desejando que ele não parasse.

A mente de Phaedra se acelerou. Pensamentos se formavam e desapareciam em rápida sucessão.

Ele nem perguntou. Será que pensou...

Os beijos no pescoço fizeram-na perder as palavras. Uma névoa estonteante e sensual obscureceu o resto.

Isso foi um erro, mas, ah...

O calor da boca de Elliot penetrou em seu sangue, fazendo seu corpo formigar em todas as partes para onde ele fluía. Seus seios ficaram mais cheios e firmes e o sentiram através do tecido do vestido. O contato a excitou mais e ela instintivamente colou o corpo no dele em busca de mais estímulos.

Ele beijou sua boca de novo. Não tão forte dessa vez, apenas seduzindo e conduzindo-a, mas igualmente exigente e confiante em que ela lhe daria tudo o que ele desejava.

A forma como ele a agarrava a atiçava, ainda que ela devesse ter se rebelado. Ela via o perigo, mas não conseguia parar porque era excitante. O corpo de Phaedra seguia para o abandono e a mente já estava fora de controle.

Uma carícia. Que não explorava, não procurava, não pedia nada. Firmes e seguras, suas mãos desceram por suas costas, pelo quadril e as nádegas, reivindicando seu corpo como se ela não estivesse vestindo nada, fazendo-a sofrer na expectativa por mais.

A língua dele entrou em sua boca, percorrendo todos os espaços. Arrepios eróticos tremularam em sua vulva. As mãos dele se moviam por seu corpo, sem reservas. Ela não se importou por se render a um inimigo e lhe dar um espaço que talvez nunca mais retomasse no campo de batalha. A excitação comichava, zunia e pulsava, tornando impossível pensar de forma sensata.

Quero-a implorando por mim. Ah, sim, isso era bem possível. Seus seios estavam tão sensíveis que ela pensou que fosse enlouquecer.

Como se ele ouvisse seus pedidos silenciosos, acariciou seu quadril, o ventre e subiu até os seios. Estava zonza de expectativa ao beijá-lo, incitando-o com sua boca, a língua e o abraço.

Devagar, ele tomou o seio em sua mão. Um intenso frêmito de prazer a dominou. A outra mão dele estava firme em suas costas, sustentando-a e movendo-se para baixo devagar a cada fecho que abria do vestido.

Eu não deveria... isso não deveria...

Um beijo avassalador transformou em poeira a objeção que se formava na mente de Phaedra. Afagos deliberados em seus mamilos a espalharam pelo ar.

Ele deu um passo para trás, separando seus corpos. O brilho da lua banhou a ambos e a luz dourada vinda do quarto dela definiu os contornos de Elliot. Ele não lhe deu tempo para se recompor, para juntar os cacos de sua racionalidade. Levou a mão à gola do vestido e começou a fazer o tecido negro escorregar pelo corpo dela.

Nunca antes um homem a tinha despido. Nunca. Ela não permitia que isso acontecesse. Agora o gesto a deixava em transe, imobilizada. A lenta descida do tecido pareceu a carícia mais erótica da noite. Tudo o que ela conseguiu fazer foi olhar para o rosto de Elliot, sentindo mais do que vendo o desejo que impregnava o ar de potência viril.

As mangas desceram por seus braços e o corpete se afrouxou em seu quadril. Ele levou a mão ao ombro da camisa que ela usava por baixo. Phaedra perdeu o fôlego. Seus seios se enrijeceram ainda mais na expectativa de outro desnudar lento e delicioso.

Porém, de novo ele fez algo que a surpreendeu, afastando o último traço de bom senso que restava nela. Ele não a despiu devagar: em vez disso, arrancou a camisa pelos braços dela. Não foi um movimento impaciente nem apaixonado, mas um gesto que confirmava os direitos do conquistador.

A alma de Phaedra tentou se rebelar, porém não encontrou ancoradouro na maré de prazer que a submergia. A forma como ele olhou para sua nudez absorveu sua atenção de tal forma que ela não se moveu para liberar os pulsos da blusa que ainda restringia seus movimentos.

É só um jogo, essa dança de dominação e submissão. Não significa nada. Não estou cedendo nada, na verdade.

Mas...

Pontas de dedos a esquadrinharam. Palmas das mãos alisaram seu corpo. Ela olhou para baixo, para as mãos másculas de dedos delgados que acariciavam seus seios, estimulando-a e excitando-a da forma mais perfeita. Uma doce loucura tomou sua cabeça e ela enveredou para um prazer sensual cada vez maior. O último fio de autocontrole se desgastava rápido. Ela queria que arrebentasse de vez. Queria que lorde Elliot vencesse o último sinal de resistência que tentava arruinar seu êxtase.

Ele a abraçou de novo, fazendo-a arquear as costas. Beijou seu pescoço e peito traçando um caminho quente que a deixou sem fôlego. Seus dentes e sua boca brincaram com o mamilo, torturando-a com sensações que se espalhavam fundo em seu baixo-ventre e faziam sem corpo implorar enquanto ela gemia baixinho.

Phaedra tentou soltar um braço para enlaçá-lo e mantê-lo próximo, para apoiar-se e senti-lo.

– Não – murmurou ele. – Fique assim.

A tempestade sensual em sua cabeça queria obedecer. O prazer era tão grande que ela não podia parar. Seu corpo estava faminto por mais, por ser preenchido, pela completude que o aliviaria. Parar agora seria impossível, iria contra a natureza.

Porém...

Mesmo em seu abandono, conseguiu ver a situação com um olhar racional. Apesar de sentir um prazer tão intenso que quase doía, ela notou sua sutil submissão e tudo o que lorde Elliot dera por certo desde o primeiro beijo.

De alguma forma, a escrava rompeu suas amarras. Sofrendo de arrependimento e frustração, ela recobrou a voz:

– Você tem que parar agora. Quero que pare.

Ele ficou paralisado. Por alguns momentos terríveis, não se moveu. Depois se endireitou e olhou para ela.

O braço dele a puxou para perto, para um abraço forte. Sua outra mão pousou em seu rosto como no primeiro beijo. As pontas de seus dedos faziam pressão sem a machucarem, mas também sem suavidade.

– E se eu não parar?

Como a maior parte dela não queria que ele parasse, aquilo não chegava a ser uma ameaça. Porém, o fato de ele supor que ela cederia se ele continuasse, de que seria fraca diante de seu poder, devolveu-lhe alguma razão.

– Vai parar – disse ela.

– Confia tanto assim em minha honra?

– Confio em seu orgulho. Uma mulher importunada nunca implorará.

Ele a soltou e se afastou. Tudo em sua aura e em seu rosto dizia que ele poderia puxá-la de volta.

Ela subiu o vestido e se cobriu. Correu para a porta. Seu coração estava aos pulos e seu corpo ainda reagia ao perigo com uma excitação que a surpreendia.

– Não vou parar na próxima vez, Phaedra.

Ela parou no limiar da porta antes de replicar:

– Não acho que haverá próxima vez.

– Haverá, sim.

Ela agarrou as portas duplas e começou a fechá-las.

– Se acontecer, não será por sedução. Eu terei optado por isso antes mesmo do primeiro beijo ou não haverá beijo nenhum.


CAPÍTULO 8

Ele ainda ficou do lado de fora. Phaedra queria abrir a porta para deixar a brisa noturna entrar, mas não se atreveu. Ele poderia interpretar mal.

Ele seria ousado a ponto de entrar ainda assim? Ela se sentou na cama abraçando os joelhos, ao mesmo tempo temerosa e esperançosa de que a porta se abrisse de par em par e lorde Elliot entrasse.

Não se sentia tão dona da situação como agira ao fechar a porta. Sua excitação não ia dar trégua. Seu corpo continuava sensível até ao ar.

Ela não saberia dizer em que momento decidira detê-lo. Tinha sido instintivo, a intuição interferira.

Quero-a implorando por mim.

Não seria possível manter uma amizade com aquele homem. Ele queria vê-la fraca e entorpecida, para que pudesse influenciá-la. Afinal, tivera um motivo para ir atrás dela em Nápoles. Um amigo seu não poderia lhe pedir – nem o faria – que suprimisse aquelas passagens das memórias. Mas um homem que a dominasse e possuísse, um amante que a seduzisse, não hesitaria em usar o poder que essa paixão lhe outorgava.

E tudo isso era uma pena, porque ela o queria.

Nunca desejara um homem assim antes. Não havia nada de confortável nisso. Nada de seguro. Não era a mesma atração que experimentara com seus amigos, não se tratava de um encontro intelectual que permitia outras intimidades.

Ao contrário, o encantamento sensual dele provocava o caos, o mistério e uma estupefação que a deixava sem ar. Ele também sabia disso. Sabia que sua mera presença era um feitiço.

Sua excitação aos poucos se acalmou até virar um formigamento, o mesmo desconforto que vinha sentindo há dias. Por fim, o terraço e o quarto ao lado ficaram em silêncio. Jogou o corpo para trás e se deitou em posição fetal, ainda encarando a porta.

Teria sido isso o que acontecera com Artemis? Depois de anos de amizade confortável com Richard Drury, surgira um homem que não jogava de acordo com as regras dela?

Fora um choque descobrir que a mãe tinha sido infiel a seu pai. Acreditar no amor livre não significava rejeitar a crença em um amor perfeito, para a vida toda. Na infância, Phaedra concluíra que os pais tinham ficado juntos porque o amor livre facilitava reconhecer sua alma gêmea no momento que ela chegasse.

Imaginou a mãe. Bela, viva, segura de si. Mais confiante do que a filha chegaria a ser. Menos prática também. Com o passar dos anos, Artemis havia se cercado de um grupo de pessoas que aceitavam a forma como ela vivia. Seu círculo entendia a relação com Richard e o lugar dele em seu mundo.

Talvez já tardiamente, nesse fascinante espetáculo que fora a vida de Artemis Blair, um homem houvesse surgido, determinado a atravessar o fosso e escalar suas muralhas. Ela devia ter se visto sem defesas por falta de experiência em lidar com esse tipo de homem.

Exatamente como sua filha, naquele terraço ali fora.

Phaedra abraçou um travesseiro. Começava a entender o que havia ocorrido com esse amor tardio que tirara a mãe do eixo.

Um sedutor chegara, atiçando a fêmea primitiva que sobrevivia na alma de toda mulher. Ele tomara e conquistara. Influenciara, enfraquecera e, por fim, traíra.

Se houvesse se apresentado fingindo ser alguém de pensamento semelhante ao dos outros homens em torno dela, Artemis não haveria tido a menor chance contra ele.


Aquela vadia.

A frustração levava Elliot a acumular insultos contra Phaedra na manhã seguinte, enquanto terminava seu café na varanda. Considerando o trabalho infernal que seu corpo lhe dera a noite toda, ele não estava disposto a se esforçar para ter pensamentos dignos de um cavalheiro.

Tentava se contentar imaginando como Phaedra ficaria desconfortável em seu quarto quente e fechado, ao passo que ele deixara a brisa da varanda refrescá-lo. Só que, na verdade, cada vez que olhara para a porta da mulher, uma parte de si rezara para que ela se abrisse e Phaedra corresse para seus braços.

A porta não se movera. A contida, independente e pedra no sapato Phaedra Blair nunca lhe daria essa vitória. Por fim, a porta passara a representar um repúdio. Uma acusação. Uma declaração enraivecida de autocontrole. Você ousou seduzir em vez de pedir? Você tentou me dominar, logo eu, entre todas as mulheres?

Serviu-se de café. Os gemidos sensuais da ruiva ainda soavam em sua cabeça. Ainda sentia seu abraço e seus beijos longos e agressivos. Só em lembrar, já se sentia excitado de novo.

Tinha sido bom. Incrível. Onde ela havia encontrado o bom senso necessário para recuar, sem falar na força para deter a torrente que os arrebatava?

Passos leves e fugazes perturbaram a paz na varanda. Não precisava olhar para o limiar da porta para saber quem tinha chegado.

Nos poucos minutos que Phaedra levou para chegar à mesa, ele dominou a terrível raiva que acumulara ao longo da noite quente de vigília. Um último vestígio soou em sua cabeça ao saudá-la, entretanto. Você não vai se recusar na próxima vez, porque não quer isso de verdade.

A acolhida calma a deixou à vontade. Sua postura cuidadosa relaxou. Phaedra se sentou à mesa, lorde Elliot lhe serviu café e ela tomou um gole.

– Obrigada por ser tão civilizado – disse ela.

Ele não podia crer que ela realmente tocara no assunto. Pousou o cotovelo na mesa e descansou o queixo na mão. Algumas imagens sexuais muito pouco civilizadas se formaram em sua mente.

– Está se referindo a permitir que se recusasse na noite passada ou a lhe servir café esta manhã?

Uma criada entrou trazendo uma bandeja de ovos e fatias de toucinho defumado. Matthias podia ter escolhido Positano como seu lar, porém ainda oferecia um típico café da manhã inglês a seus convidados.

Phaedra pegou uma colher e, lentamente, serviu-se de ovos. Direcionava quase toda a sua atenção aos próprios gestos.

– Suponho que tenha me referido às duas coisas.

– Bem, Marsilio ou Pietro certamente teriam feito um escândalo na noite passada, discutindo e acusando até que toda a casa despertasse. Cavalheiros ingleses, contudo, são ensinados a sofrer.

Os lábios dela se franziram. Ela manteve os olhos no prato ao partir um pãozinho.

– Peço desculpas por qualquer sofrimento. Não foi minha intenção. Já que está sendo um verdadeiro cavalheiro inglês, talvez seja melhor eu não tocar mais no assunto.

– Seria o mais sensato.

Ela continuou a tomar o café da manhã devagar. Ele deveria se retirar, porém, é claro, não conseguiu. Phaedra pousou o garfo no prato e limpou a boca com o guardanapo.

– Lorde Elliot, se pretende que fiquemos mais alguns dias, então precisamos chegar a um acordo sobre o terraço.

Ela era inacreditável. Espantosa. Deveria saber que, naquele exato momento, o impulso dele era pegá-la, jogá-la por cima do ombro, carregá-la até o meio das árvores e terminar o que tinham começado. Porém, lá estava ela, negociando sabe-se lá o quê, quando uma noite insone o tinha deixado com muito menos boa vontade para fazer acordos.

– Como assim, Srta. Blair?

– Compartilhamos o terraço. Não é justo que o acesso a ele me seja negado ou que o fato de que eu o use possa ser interpretado como algo mais do que signifique de fato.

– Prometo que não interpretarei erroneamente caso a senhorita se junte a mim no terraço no meio da noite.

A promessa foi analisada com cuidado. Phaedra era esperta o bastante para entender os possíveis significados ocultos nela.

– Podemos pelo menos concordar que tenho o direito de deixar minha porta aberta sem temer que o senhor entre no meu quarto?

– Não.

– Vejo que fui muito otimista quanto a seu caráter.

– Nisso concordamos. Eu avisei.

– Lorde Elliot, eu...

– Insisto que me chame de Elliot em conversas particulares de agora em diante, Phaedra. Não se importa com a informalidade, não é? Podemos deixar de lado essa regra social estúpida. Afinal de contas, beijei seus seios nus e você gemeu de prazer.

Ela ficou estarrecida. Ele teve vontade de sorrir pela primeira vez naquele dia. Phaedra recuou e assumiu uma postura de arrogância controlada.

– Prefiro que evitemos a companhia um do outro o máximo possível, Elliot.

– Isso vai ser fácil esta manhã. Greenwood e eu vamos nos trancar em seu escritório até depois do meio-dia.

Ela se levantou.

– Então acho que vou dar uma longa caminhada e evitar os outros convidados por várias horas.

Ela se virou para ir embora.

– Phaedra.

Ela estacou e olhou por cima do ombro.

– Phaedra, exijo que prometa que não vai tentar fugir e que estará aqui no jantar.

Ela elevou a sobrancelha.

– Por causa de seu juramento ao signore Sansoni?

– Por isso também.

A expressão dela deu a entender que sabia qual era o outro motivo.

– E se eu não der a minha palavra?

– Posso amarrá-la na cama de novo. Gostaria disso?

Ela enrubesceu. Descartou a insinuação com um meneio brusco da cabeça.

– Tenho sua palavra?

– Sim, tem minha palavra, apesar de isso ser desnecessário e ridículo. Não sei nem como descer dessa montanha, que dirá descobrir como viajar para o interior.

Phaedra ergueu a cabeça e se afastou, fazendo o vestido negro ondular atrás de si.


Phaedra voltou para seu quarto e desfez as malas.

Como ele adivinhara seu plano? Não se via como uma mulher previsível, contudo lorde Elliot parecia ler seus pensamentos antes que eles nem sequer tivessem se formado.

Colocou de lado a valise vazia. Preparar-se para fugir fora um impulso nascido de uma noite de reflexão honesta sobre a forma como lorde Elliot a afetava. Ela corria enorme risco de fazer papel de boba, de se derreter toda só porque um homem lhe provocava desejo físico. Evitar completamente o desafio parecera uma boa ideia ao alvorecer.

Sentou-se e calçou as botas de cano curto. Andou até o terraço e olhou para baixo, para a cidade. Vozes chegavam da varanda embaixo dela. Outros convidados tomavam o desjejum.

Respirou fundo e invocou a mulher que sua mãe a ensinara a ser.

Decidir fugir fora covardia. Tinha se deslocado até aquela terra para encontrar respostas sobre a mãe, e algumas delas poderiam estar bem ali, naquela casa. Fazia muito mais sentido ficar e tentar confirmar as suspeitas que fervilhavam por debaixo de seus medos e vulnerabilidades em relação a lorde Elliot.


Quando Phaedra voltou à varanda, Matthias Greenwood desaparecera em seu gabinete com lorde Elliot. Randall Whitmarsh, contudo, estava sentado à mesa com a esposa. Phaedra se reuniu a eles, com a esperança de que a Sra. Whitmarsh logo pedisse licença e saísse. A conversa com Matthias tinha corrido tão bem na noite anterior que ela estava ávida por descobrir se o Sr. Whitmarsh poderia acrescentar mais alguma informação.

Infelizmente o Sr. Whitmarsh foi embora primeiro, para fazer sua longa caminhada matinal.

– A senhorita estava linda na noite passada – disse a Sra. Whitmarsh.

– Obrigada.

– Faz pensar em por que...

Seu olhar percorreu Phaedra dos pés à cabeça, examinando suas vestimentas.

Phaedra não se deu o trabalho de fornecer explicações. A Sra. Whitmarsh não era o tipo de mulher que pudesse entender a mistura de praticidade e teimosia que dera origem a essa opção excêntrica.

– O que quero dizer é que sua mãe não adotava esses símbolos externos para suas ideias singulares.

A atenção de Phaedra foi despertada.

– A senhora a via com frequência?

– Antes de nos mudarmos para Roma, meu marido costumava aceitar seus convites para jantar. Ao contrário de outras esposas, eu concordava em acompanhá-lo. Ele era fascinado por ela. Achei melhor cuidar para que ela nunca ficasse fascinada por ele também.

Phaedra não achava provável que Artemis considerasse o Sr. Whitmarsh fascinante. Porém, antes de ler as memórias, nunca poderia pensar que Artemis pudesse achar outro homem fascinante além de Richard Drury.

– A senhora teve êxito em frustrar uma ligação entre eles? Ou minha mãe teve algum carinho especial para com seu marido?

A Sra. Whitmarsh não demonstrou surpresa com a pergunta atrevida.

– Acho que fui bem-sucedida. Até muito tarde na vida, ela só teve olhos para o Sr. Drury.

– Quer dizer que, em algum momento, os olhos dela encontraram outro homem. Não meça as palavras por delicadeza. Sou a filha e, como ela, acho uma bobagem que as pessoas não falem francamente sobre esses assuntos.

A Sra. Whitmarsh deu de ombros.

– Foi fácil observar certa frieza entre seus pais no último ano de vida dela. Meu marido não percebeu, mas eu, sim. Vários homens a desejavam. Não como esposa, é claro.

O tom crítico e confiante da última frase incomodou Phaedra. Ela correu em defesa de sua mãe, apesar de Artemis não precisar de desculpas.

– Se não viu minha mãe desviar sua afeição para outro homem, tal frieza pode ter sido apenas resultado do passar do tempo e de dois amantes tornando-se amigos e mais à vontade um com o outro.

– Srta. Blair, meu marido e eu jantamos várias vezes com sua mãe, durante muitos anos. Normalmente o Sr. Drury estava presente. A familiaridade e a amizade que havia entre eles era muito clara desde o início. Ninguém precisou me contar na minha primeira visita que eles eram amantes e que você era filha do Sr. Drury. Contudo, no último ano, ele nem sempre se encontrava. E sua mãe ficava estranha na presença dele. Talvez a senhorita se considere mais inteligente do que eu, mas, quando percebo que as coisas não estão bem entre um homem e uma mulher, raramente me engano.

Sim, a Sra. Whitmarsh, que com tanto cuidado mantinha posse do marido, seria especialista nessa área da natureza humana. Será que também era observadora? Será que teria visto alguma coisa? Uma mulher que guarda um tesouro com certeza seria uma das primeiras a perceber se o pirata que ela temia tivesse voltado sua atenção para outro navio.

– Quem era o homem que se tornou objeto da atenção de minha mãe?

– Isso é um debate, em que tenho que dar um nome para que a senhorita respeite meu julgamento?

– É um questionamento sincero, de uma filha que se pergunta sobre os últimos anos de sua mãe.

A postura defensiva da Sra. Whitmarsh se desfez.

– Não sei. Só tenho certeza... certeza quase absoluta... de que não foi meu marido. Ela passou meses radiante, como se fosse jovem de novo, mas aí...

– Aí...?

– Foi como se alguém tivesse apagado a luz. Ela estava melancólica nas últimas vezes que nos vimos. Talvez, quem quer que fosse, a houvesse desapontado.

Phaedra percebera essa melancolia. Não havia entendido os motivos nem a profundidade, contudo a descrição era verdadeira. A luz se apagara.

– A senhora não está sozinha em se perguntar se ela teve um novo amor – falou Phaedra. – Alguns nomes me foram sugeridos. O Sr. Needly, por exemplo. E o Sr. Thornton.

– Needly? Bem, acho que isso pode fazer algum sentido. Ele guardava semelhanças com o Sr. Drury. Tinha a mesma natureza. E sua erudição em arte romana lhe daria algo em comum com sua mãe. Apesar de que, se me perguntassem, eu diria que os dois se estranhavam. Às vezes ele era um homem muito arrogante.

A Sra. Whitmarsh tinha amolecido com a fofoca. Ela apreciava o assunto muito mais do que Phaedra gostaria.

– Às vezes a atração pode criar rusgas.

– De fato, isso pode acontecer. Agora, o outro, Thornton... – disse, e então parou para pensar antes de prosseguir: – Ele era um pouco jovem demais para ela. Enigmático também. Entretanto estava sempre por perto. Não passava despercebido. Era bonito, até demais. Tinha presença, mas...

– Mas...?

– É difícil de explicar. Ele era maravilhoso. De deixar qualquer mulher de queixo caído. Contudo era de certa forma... obscuro. Meu marido uma vez usou essa palavra para descrevê-lo e achei apropriada. Sim, ele era obscuro de muitas maneiras.

Phaedra guardou a descrição em sua mente. Ao voltar para a Inglaterra, teria que procurar o arrogante Sr. Needly e o obscuro Sr. Thornton, além de perguntar a outros amigos íntimos da mãe se Artemis tivera um caso com um desses dois homens.

– Eu gostava dela – disse a Sra. Whitmarsh. – Não aprovava seu estilo de vida e ela sabia disso. Ainda assim, ela aceitava meus pontos de vista. Nunca permitiu que me sentisse deslocada. Era muito gentil.

– Ela estava acostumada com seus pontos de vista. Afinal, eles são os mais costumeiros. Sempre que botava o pé fora de casa, ela era a estranha. Quem dera o mundo tivesse sido tão gentil em relação a ideias diferentes quanto ela provou ser e tão aberto à companhia dela como ela era à de todos.

A Sra. Whitmarsh enrubesceu. A coloração de suas faces disse a Phaedra muito mais do que ela queria saber. Os Whitmarshs nunca tinham retribuído os convites para jantar. Artemis Blair nunca fora incluída no círculo deles e nas festas deles.

Essas confidências matinais de repente pareceram trair a memória de sua mãe. Phaedra suspeitava de que elas ecoavam as fofocas da Sra. Whitmarsh com seus amigos em salas de estar que nunca foram abertas para a intelectual que desafiava as convenções sociais.

Também teve uma amostra das fofocas que deviam correr sobre sua pessoa. Ela sabia que havia mulheres que riam dela, especulavam a seu respeito e a reprovavam, assim como havia homens que entendiam erroneamente sua liberdade. Era mais fácil ignorar essas pessoas se não tivesse que tolerar sua companhia.

Queria muito que a Sra. Whitmarsh tivesse revelado a identidade do homem que usurpara o lugar de Richard Drury. Ela não conseguira, porém suas observações não foram de todo inúteis.

Phaedra pediu licença. Deixou a varanda e tomou o caminho da ladeira que levava à cidade.


Logo depois de o sol nascer, Positano se tornava uma cidade de mulheres. Os homens que tinham condições físicas para pescar haviam saído muito antes de Phaedra começar suas atividades.

Levou um bom tempo para achar o caminho de descida pela densa rede de ruas antigas e estreitas. Mesmo com sua construção escalonada, eram bastante traiçoeiras. Phaedra desejou ter levado consigo sua sombrinha para usá-la como bastão de caminhada e se proteger do sol, que ficava cada vez mais quente conforme ia se aproximando do pico da montanha.

Mulheres e crianças paravam para vê-la passar pela rua do mercado. Ela admirou os limões e as verduras, as peças de carne de carneiro e de boi. Na esquina do mercado, alguns homens estavam sentados em cadeiras do lado de fora da taverna. Eles a olharam com curiosidade e desconfiança.

O mais jovem, um homem de cabelo escuro, vestido com uma sobrecasaca marrom elegante, tinha uma bengala apoiada na cadeira. Os outros pareciam velhos e encarquilhados. Ela supôs que tinham abandonado os rigores da pesca fazia muitos anos.

Phaedra encontrou as outras ruas principais seguindo o fluxo das pessoas. Sua presença era um pequeno espetáculo, como tinha ocorrido com a cavalgada em lombo de burro atrás de lorde Elliot. Cabeças apareciam nas janelas e olhares impetuosos acompanhavam sua caminhada.

As ruas a levaram a uma pequena piazza bem na encosta do morro. Água jorrava da boca de uma cabeça de leão esculpida em um muro baixo construído rente à rocha da montanha. Mulheres se sentavam em bancos de pedra à sombra das árvores, aguardando a vez de encherem seus jarros.

Phaedra encontrou uma vaga para descansar em um banco num local mais fresco. Olhos escuros a observaram interrogativamente. Uma moça sussurrou no ouvido de um menino e ele saiu correndo pela calçada. As mulheres matavam tempo ali depois de usarem a fonte, conversando em uma melodia expressiva, sem perder de vista a recém-chegada.

Logo outra mulher surgiu na calçada. O tecido de sua saia preta balançava com seus longos passos. Ela não se parecia com as demais mulheres.

Para começar, era loura. Seu cabelo louro-escuro estava preso em um nó na nuca, visível sob a grande aba de seu chapéu de palha preto. Ela não era tão clara quanto Phaedra, mas, em vez do bronzeado forte tão comum nessa terra, tinha um leve colorido na pele.

Phaedra se perguntou se era outra forasteira, que, como Matthias, tinha vindo morar ali. Quando a mulher se aproximou, no entanto, seus olhos amendoados, as maçãs do rosto salientes e o rosto em formato de coração revelaram que era uma nativa, mesmo que, num primeiro olhar, sua cor desse outra impressão.

A mulher se sentou no banco de Phaedra e fez algumas saudações às amigas. Phaedra tentou traduzi-las, porém as palavras se seguiam rápido e o sotaque em Positano era diferente do de Nápoles.

Ela se virou e deu uma boa olhada em Phaedra. O volume das conversas em torno delas baixou.

– Inglesa?

Phaedra assentiu.

– Elas imaginaram e mandaram o pequeno Paolo me chamar. Minha prima Julia e eu somos as únicas mulheres aqui que falam inglês. Você conheceu Julia. Ela é sua anfitriã na mansão. Você é viúva?

A conversa era entabulada em um inglês correto, apesar de a cadência e a pronúncia refletirem algum esforço.

– Não, não sou viúva.

O olhar da mulher se voltou para o cabelo longo de Phaedra.

– Não achei que fosse.

Ela olhou para a direita na rua e sorriu de forma dissimulada.

– Ah, lá vem o signore Tarpetta. Ignore-o. Ele gosta de agir como se fosse uma autoridade, mas ela só existe na cabeça dele.

O homem coxo que estava sentado no final da rua do mercado agora vinha mancando, apoiado na bengala, porém exalando presunção. Dois senhores o acompanhavam. Os três se posicionaram do outro lado da piazza.

– Meu nome é Carmelita Messina. Também não sou viúva, caso esteja em dúvida por causa de minha roupa preta.

– Meu nome é Phaedra Blair e fico feliz de conhecer alguém que fale meu idioma tão bem. Tentei falar sua língua, contudo...

Carmelita balançou a mão, dispensando as desculpas.

– Aprendi um pouco de inglês em Nápoles. Morei lá vários anos com Julia e seu falecido marido – explicou Carmelita, e então fez um sinal, apontando com o queixo para o signore Tarpetta, que as observava com atenção, apesar de conversar com os dois senhores. – Ele não gosta quando hóspedes da mansão descem até aqui. Tem medo de que vocês possam corromper seu pequeno reino.

– Os hóspedes descem com muita frequência?

– Somos apenas camponeses pitorescos para a maioria deles. Somos as pessoinhas nos cantos das pinturas sentimentais.

– Nem mesmo o signore Greenwood se mistura com vocês?

– Às vezes. Ele fez várias visitas no ano passado. Uma das vezes, ao voltar, levou Julia com ele – confidenciou, antes de lançar um olhar de escárnio para Tarpetta e acrescentar: – Ele tinha esperanças de se casar com ela. Faz muito alarde de que não a quer mais agora, mas todo mundo sabe que bastaria ela fazer assim – e ela estalou os dedos – que ele iria rastejando.

A conversa delas tinha atraído uma pequena plateia, e risadinhas vinham das mulheres que tinham se aproximado mais.

Carmelita olhou para Phaedra de novo.

– Uso preto para demonstrar luto pelos carbonari que morreram quando o rei matou a república. Se não é viúva, por que está de luto?

– Estou de luto pelo meu pai, porém não é esse o motivo da roupa. O preto não mostra sujeira tão rápido.

Carmelita traduziu para a plateia. Cabeças assentiram.

– Você não prende o cabelo nem usa véu. Tive dúvidas se não era uma puttana, mas não acho que seja, porque as amantes que vêm com os homens que visitam a mansão lá em cima estão sempre na última moda. Talvez você faça isso para apontar o dedo na cara de homens como o nosso Tarpetta lá?

– Talvez sim.

Phaedra olhou para a baía distante lá embaixo.

– O Sr. Greenwood recebe muitos hóspedes? Chegam barcos especiais só para trazê-los para a mansão?

– Sempre há hóspedes e alguns deles vêm com muita frequência. Ele tem muitos amigos, o signore Greenwood. Ele não é um de nós, mas muitos aqui lucram com o dinheiro que ele gasta.

– Como a família dos garotos que encontraram a estatueta antiga?

– Não ouvi falar de estatueta. As famílias gostam de manter essa informação em segredo, para que, se houver outras, fiquem só para elas. Ele gosta de coisas antigas, o signore Greenwood.

Carmelita notou de novo os homens que as observavam.

– Eles não estão gostando nada de ver você sentada aqui por tanto tempo, então espero que fique ainda mais. Conte-nos de sua vida na Inglaterra, Phaedra Blair. As mulheres pararam de levar água para casa só para ouvir algumas histórias suas.

Carmelita precisava traduzir toda a conversa e as mulheres sorriam e davam risadinhas quando ela o fazia.

Uma jovem que não passava dos 18 anos se aventurou mais perto. Com cuidado, esticou a mão e tocou o cabelo ruivo de Phaedra.

Phaedra não se importou com a proximidade, porém outra pessoa, sim. Uma voz masculina ladrou. Do outro lado da piazza, um dos senhores deu um passo à frente. Ele ralhou e fez um gesto para que a garota fosse até ele.

Com a cabeça baixa e os olhos temerosos, a jovem correu até lá. O homem a agarrou pelo braço e a empurrou para a calçada, levando-a embora.

– É o sogro dela – disse Carmelita. – Vai dizer para a família que ela fez amizade com a amante de um forasteiro que desceu da mansão.

Phaedra não quis pensar no destino da moça se a história enraivecesse o marido. As expressões cautelosas que de repente surgiram nos olhos das outras mulheres a entristeceram.

– Não quero causar problema para nenhuma de vocês.

Ela começou a se levantar.

A mão firme de Carmelita segurou seu braço.

– Não há mudança sem problemas. Essas mulheres não sabem nada do mundo fora deste litoral, e minhas histórias de Nápoles estão ficando velhas. Conte-nos de sua casa e como se tornou uma mulher que se aventura sozinha em uma terra estranha, parecendo uma meretriz de luto que não teme a mão de homem nenhum.


Phaedra ficou por uma hora na fonte, aproveitando a companhia feminina. Ela contou a Carmelita e às outras sobre sua vida e como vivia sozinha e livre em Londres. Com o passar do tempo, a torrente de palavras estrangeiras começou a fazer algum sentido para ela. Chegou a compreender algumas das perguntas dirigidas a ela antes de serem traduzidas.

Do outro lado da piazza, o signore Tarpetta observava. Alguém lhe trouxe uma cadeira, para que pudesse se sentar e descansar a perna. O alegre grupo de mulheres não se importava com sua desaprovação. Ele podia até se considerar uma autoridade, contudo ficou claro para Phaedra que as mulheres obedeciam a outro nome: Carmelita Messina.

Por fim, as mulheres se afastaram, carregando água e conversando animadamente umas com as outras.

– Os maridos logo voltarão nos barcos. Elas têm que preparar o almoço – explicou Carmelita.

Phaedra se levantou.

– Obrigada por se juntar a nós – agradeceu. – Assim pude conhecer as mulheres daqui. Vou descer até aquela torre antes de voltar para a mansão.

– Vou acompanhá-la, senão talvez não encontre o caminho até lá. Se Tarpetta nos seguir, finja que ele não está lá. Ele seria um tolo se fizesse isso tendo aquela perna, mas o homem já provou muitas vezes que é estúpido.

Tarpetta provou isso mais uma vez naquele dia. Phaedra achou que ele tivesse desistido de segui-las até que ela e Carmelita chegaram ao caminho do promontório, quando então o viu mancar na direção do cais para não perdê-las de vista.

– Como ele machucou a perna?

Carmelita atravessou o portal na entrada da torre.

– Ele foi soldado e estava entre os que foram atrás do marido de Julia na nossa casa em Nápoles. Ele nos traiu. Nós resistimos, apesar de ser inútil. Acertei-o com uma frigideira de ferro pesada, bem aqui – explicou, apontando para o próprio joelho. – Teria sido melhor se eu tivesse mirado na cabeça.

– Então agora ele a segue por toda parte?

– Ele está seguindo você, não a mim. Mas ele me odeia, porque fui eu quem promoveu o encontro do signore Greenwood com Julia. Ela ficou sem nada depois que o marido foi executado quando a república acabou.

– Se é por ciúmes, ele deveria odiar Greenwood, não você.

Carmelita ia à frente na subida sinuosa da escada de pedra.

– Ele não ousa odiar Greenwood. Como muitos outros, ele lucra com o dinheiro do inglês.

Elas seguiram até o alto da torre, onde havia um cômodo quadrado. Pequenas janelas vazavam duas paredes opostas. Uma dava para o mar e a outra, para a montanha.

– Esta era para vigiarem o mar e evitarem ataques de árabes e piratas pelo porto – explicou Carmelita. – Agora, esta a leste aqui... eles vigiavam outra coisa, não? Um exército vindo pela montanha ou problemas na cidade.

Phaedra olhou para a janela a oeste. A vista do mar era infinita, quilômetros de litoral de um lado e de outro. Ela se moveu para a janela a leste. O sol se elevara na reta do pico da montanha.

Aquela torre fora construída por questões militares. Nas alvoradas, em pleno verão, contudo, o sol devia nascer alinhado com aquela janela.

Não havia muito mais a explorar naquela torre de vigia. As paredes de pedra se erguiam e se curvavam para formar o teto, parecido com as antigas igrejas normandas em sua terra natal. Exceto por um cobertor no chão, estava vazia e surpreendentemente limpa.

Carmelita empurrou o cobertor com o pé e revelou a esteira de palha que estava debaixo dele.

– Este lugar é frequentado por namorados – disse. – Há anos, esta torre recebe visitantes noturnos.

Quando ela e Carmelita reapareceram do lado de fora, a figura esguia e firme do signore Tarpetta ainda podia ser vista no cais.

– Como ele lucra com o dinheiro do Sr. Greenwood?

– Não sei. Mas ele vive bem e não tem renda além da pequena pensão que recebe do Exército. Eles se conhecem. Dá para ver isso na forma como se cumprimentam nos raros momentos em que se encontram. Greenwood talvez o pague para se assegurar de que não vamos perturbar seus amigos importantes, ou, quem sabe, só para ele ficar longe de Julia.

Ela deu de ombros.

– Venha, vamos procurar um burro de aluguel para levá-la de volta. Nem eu aguento subir tudo isso a pé.

No momento em que desciam o promontório, lorde Elliot surgiu no cais. De repente, o braço do signore Tarpetta e os olhos de dois homens se dirigiram para elas.

Lorde Elliot desceu de novo para o cais e se dirigiu para o norte para interceptá-las.

– Quem é aquele? – perguntou Carmelita. – Seu namorado veio buscá-la?

– Ele não é meu namorado.

Phaedra sentiu o rosto queimar.

Carmelita deu uma gargalhada.

– Mas ele bem que gostaria, não? E é tão bonito que você ficou tentada, eu acho. Veja a expressão séria dele enquanto fica lá, esperando por você. É melhor olhar por onde pisa com esse aí, Phaedra Blair.

Phaedra apresentou Carmelita a lorde Elliot assim que o alcançaram. Ele respondeu com gentileza, porém não conseguiu esconder seu desagrado.

– Você nos deixou preocupados, Srta. Blair. Não é aconselhável vir para a cidade sozinha.

O tom de lorde Elliot beirava a censura.

– Duvido que alguém que visite esta cidade corra algum risco.

Lorde Elliot olhou para Carmelita.

– Sou grato por oferecer ajuda e companhia à Srta. Blair.

– Não preciso nem de ajuda nem de companhia – rebateu Phaedra. – Contudo fico feliz de ter feito uma amiga e espero vê-la de novo, Carmelita.

Ainda teso de irritação, lorde Elliot se dirigiu a alguns garotos para alugar burros e voltarem para a mansão.

– Vou deixá-la agora para que possa lidar com esse homem – brincou Carmelita. – Se precisar de uma frigideira de ferro, é só falar.


CAPÍTULO 9

– Escreverei a carta para o superintendente esta manhã – prometeu Matthias. – Apesar de que as cartas de apresentação que trouxe da Inglaterra devam bastar. Talvez eu seja presunçoso em achar que a minha agilizará seu acesso aos sítios das escavações.

– Você o conhece pessoalmente. Ficarei feliz em ter uma carta sua.

Elliot se esforçava por manter pelo menos metade de sua mente nos preparativos para a visita a Pompeia. A outra metade continuava no terraço acima da varanda.

Na noite anterior, Phaedra deixara as portas abertas.

Fizera isso como provocação? Uma declaração de indiferença? De certeza ele só tinha que não fora um convite.

Elliot fumou um longo charuto no terraço à noite, olhando para a escuridão por entre as persianas abertas, incapaz de dominar a tentação que a proximidade dela causava. Os únicos sons que vinham lá de dentro eram os suspiros suaves de uma mulher satisfeita, dormindo muito bem, obrigada.

Por fim, se retirara para o quarto, em uma tentativa de aplacar os impulsos cruéis que aquela mulher incitava. Quando o sono por fim o aliviou, foi um sono profundo, longo, que durou até depois do amanhecer. Ao acordar, descobrira que Phaedra havia desaparecido.

Ela deixara a mansão de novo. Ele lhe mandara não fazer mais isso. Após procurar por Phaedra na véspera, estipulara algumas regras. Ela as desobedecera logo, sem perda de tempo.

– Se preferir, a Srta. Blair pode ficar aqui enquanto você vai a Pompeia – disse Matthias casualmente.

Casualmente demais, como se entendesse o que distraía seu ex-aluno.

– Ela está determinada a ir também.

– Ela não precisa ir em sua companhia. Está claro que ela o atormenta. Posso acompanhá-la, em separado, para poupá-lo do inconveniente. Quanto à questão que me contou sobre Sansoni, tenho certeza de que ele aceitaria minha autoridade para representá-lo, se é que algum dia ficaria ciente da troca.

– Tenho certeza de que ele não aceitaria. Dei-lhe minha palavra em juramento. Estou preso a ela por toda a viagem.

A palavra dada a Sansoni não tinha muito a ver com sua recusa à oferta de Matthias. Naquele momento, a necessidade de controlar os planos de Phaedra para as memórias do pai também não afetava sua decisão. Não diretamente, pelo menos, apesar de tudo estar ligado. O tormento causado pela Srta. Blair tinha assumido outros tons. Ele queria ter poder sobre muito mais do que quando ou como ela publicaria um livro.

– Já que está determinado a mantê-la com você, permita-me sugerir algumas hospedarias que seriam adequadas para uma mulher respeitável.

Com isso, Matthias iniciou uma ladainha sobre instalações em cada cidade.

No final das recomendações, a atenção de Elliot foi desviada para a montanha. Whitmarsh chegava a pé da cidade, o rosto vermelho pelo esforço.

– Muito íngreme, mesmo para você, não, Whitmarsh? – disse Matthias. – Agora entendo por que demorou tanto a chegar de seu exercício matinal.

Whitmarsh se inclinou, as mãos nos joelhos, dando tempo para recuperar o fôlego. Com um aceno dele, Matthias se calou para ouvi-lo:

– Problema... a cidade... torre...

Frustrado por seus pulmões se recusarem a colaborar, apontou para a parte mais baixa do morro.

Elliot e Matthias foram até ele. Elliot olhou para baixo. A cidade estava movimentada, com muita atividade. Ele se concentrou na torre. Um grupo grande se reunia no caminho do promontório.

Whitmarsh inspirou várias vezes, recompondo-se.

– Essa montanha pode matar, se você quiser correr.

– É por isso que não se deve correr – entoou Matthias. – Por que fez isso?

Whitmarsh apontou de novo.

– A Srta. Blair está lá embaixo, naquela torre. Querem prendê-la.


Aquela mulher seria o seu fim.

Elliot subiu correndo para o quarto a fim de procurar o revólver, de forma que seu pensamento não se tornasse verdade. Quando voltou, viu que Whitmarsh conferia a própria arma.

– O que será que ela fez? – refletiu Matthias enquanto desciam pelo morro.

Elliot podia imaginar.

– Até onde posso dizer, eles a consideram uma bruxa ou algo assim – disse Whitmarsh, inspirando fundo várias vezes.

Ele não tinha se recuperado totalmente da subida e agora a descida também exigia bastante.

– Droga! – xingou Elliot.

– Nosso objetivo é claro, cavalheiros – declarou Matthias. – Não podemos deixar que a prendam. Com Sansoni doido para arrumar problema, como você disse, Rothwell, e as noções primitivas de religião e justiça deste lugar, se eles a pegarem, as coisas podem sair do controle.

A inspiração profunda de Elliot teve pouco a ver com a rapidez com que desciam a ladeira para chegar à baía e à torre. Se Phaedra não fosse tão teimosa e tivesse ficado na mansão, três homens não estariam agora correndo desabalados para se meterem em problemas.

Sua raiva era pouca perto da outra reação que pesava como chumbo em seu peito. Não estavam em Londres, mas em uma cidadezinha montanhosa e isolada em um país estrangeiro. A postura e as vestimentas de Phaedra a tornavam vulnerável. Não havia nada de cômico em relação à acusação de bruxaria neste lugar. Ela corria perigo real.

Chegaram às ruas mais baixas e cortaram caminho pela piazza na frente da igreja de Santa Maria. Carros recém-pintados e decorados estavam lá, prontos para a procissão de San Giovanni na manhã seguinte.

Matthias foi na frente, mostrando o caminho no contorno da baía. Um ajuntamento de homens bloqueava o caminho para o promontório. Dessa vez a plateia masculina não era só de velhos e enfermos. Alguns dos pescadores tinham decidido que a cena na torre era mais interessante do que jogar suas redes ao mar.

Os homens estavam inflamados. Xingamentos se faziam ouvir. Olhos escuros flamejavam. Mãos faziam gestos por toda parte. Um homem bem-vestido estava de pé no centro da multidão, com o peso apoiado em uma bengala grossa, instigando os outros.

Matthias inclinou a cabeça, prestando atenção ao que ouvia.

– Ela foi vista na janela na alvorada – sussurrou. – Rezando para o sol nascente ou algo assim. Tarpetta, o manco que está ali, também a viu na cidade ontem, tentando corromper as mulheres. Pelo que entendi, ele a está acusando de bruxaria, meretrício e heresia.

– Heresia? – repetiu Whitmarsh.

– Vamos abrir caminho pela multidão – disse Elliot. – Whitmarsh, devemos manter as armas ocultas por ora.

Com posturas militares, abriram caminho até a frente da turba. Sua presença não fez nada para acalmar a situação.

Uma cena digna de ópera esperava no promontório. Os homens haviam se amontoado no limite da cidade porque o caminho para a torre estava bloqueado por um grande grupo de mulheres. Elas estavam agitadas também e prontas para a briga. Todas tinham arrancado o lenço ou o véu da cabeça e soltado os cabelos.

Carmelita Messina estava ao fundo, posicionada como se fosse a última linha de defesa. Com os cabelos louros soltos e o vestido preto esvoaçando, ela parecia a sacerdotisa da religião de Phaedra.

Segurava uma frigideira de ferro grande e rasa na mão. Às vezes brandia a arma na direção de Tarpetta, que não aceitava os insultos de bom grado.

Um único homem estava de pé entre os dois grupos: o padre da cidade, que mantinha os braços levantados, um em cada direção, como se sozinho pudesse evitar que as duas ondas de raiva colidissem.

– A coisa está bem animada – disse Whitmarsh secamente.

Infelizmente, também estava perigoso. Elliot olhou para o alto da torre. Ao mesmo tempo, Phaedra olhou por uma janela. Ela o viu e ele tentou lhe transmitir confiança.

– Vamos tentar resolver tudo em paz, Greenwood – propôs Elliot.

Com coragem, Elliot se postou entre as duas turbas e foi se aproximando do padre, tendo Matthias a seu lado.

Enquanto Greenwood conversava com o padre, a ira dos homens não parava de chegar aos ouvidos deles. As notícias não eram nada boas.

– A acusação de bruxaria se deve ao ritual com o sol, que aconteceu no pior momento possível. Estamos no solstício – relatou Matthias. – A acusação de meretrício foi feita em termos gerais. A aparência dela, o fato de ter ido sozinha à cidade, coisas assim. Infelizmente, os homens consideram que o apoio das senhoras só confirma a má influência que a Srta. Blair representa sobre elas. Pelo que entendi, houve algumas conversas incomuns nos quartos desta cidade na noite passada.

– E a heresia? – questionou Elliot.

– A Srta. Blair tentou explicar a história com o sol com mais detalhes do que seria sensato. Dissertar sobre os pontos comuns entre as religiões do mundo provavelmente não a ajudou muito.

Elliot imaginou uma acusação sendo transmitida pelas mulheres a Carmelita e então traduzida para Phaedra. Depois visualizou uma longa explicação voltando pela mesma corrente, frases e mais frases longas, tendo um pouco de seu sentido alterado conforme passava a cada elo, até chegar aos homens. Era espantoso que a acusação fosse heresia, em vez de loucura.

O padre era um homem idoso, de cabelo branco e rosto suave. Estava aflito com a situação de descontrole na cidade. Conversou com Matthias e, por fim, juntou as mãos em prece, balançando-as juntas como se assim fortalecesse o pedido.

Elliot entendia muito bem o padre.

– Diga-lhe que não vou deixar a Srta. Blair ao capricho de uma turba.

– Ele está certo de que nossa presença só serve para inflamar ainda mais os ânimos, Rothwell – alertou Matthias. – Os homens acham que usurpamos seu poder e as mulheres, bem, elas não têm boa impressão de homem nenhum neste exato momento.

A última parte era verdade. As mulheres o olhavam como se fosse o inimigo. Lançavam provocações inflamadas que eram sem dúvida insultos. Se ele conseguisse passar por elas, Carmelita da Frigideira de Ferro o esperava.

Elliot recuou e puxou Matthias para o lado assim que conseguiram passar de novo pelo grupo de homens.

– Preciso chegar lá no alto e falar com ela.

– A torre foi construída para defesa. Só há duas maneiras de chegar lá. Por esta faixa de terra ou por mar.

– Então vou ter que chegar por mar.


Phaedra espiou pelo canto da janela. A arruaça lá embaixo continuava. Sempre que os homens pareciam perder o interesse, o signore Tarpetta os incitava a continuar.

Elliot, o Sr. Greenwood e o Sr. Whitmarsh tinham ido embora. Provavelmente esperavam que essa pequena chama se extinguisse por si só. Era o que ela esperaria também, depois de o padre chamar os manifestantes à razão. Infelizmente, Phaedra desconfiava de que o conflito não se dera por haver uma inglesa estranha na torre naquela manhã.

O problema envolvia outras questões. Práticas antigas e eventos recentes colocaram lenha na fogueira. Phaedra se preocupava se as mulheres pagariam caro nos próximos dias por essa rebelião, mesmo que ela própria fosse poupada.

Tinha esperanças de que Carmelita não pagasse com a própria liberdade. Admirava a mulher loura que brandia sua frigideira de ferro, num gesto que anunciava não se tratar de uma pessoa indefesa e, além disso, garantia que Tarpetta se lembrasse de seus próprios crimes e de por que ela não permitiria que a cidade se curvasse ao poder dele.

Era tudo culpa de Tarpetta. Ele a vira na cidade ao amanhecer. Provavelmente a seguira e a avistara na janela que dava para o leste na torre quando o sol atingiu o topo da montanha.

O sol tinha se movido bastante desde então, contudo o confronto lá embaixo não parecia perto de acabar.

Ela correu para a janela a oeste. Carmelita a advertira a respeito de um ataque por mar. Um barco se aventurara nos arredores avaliando essa abordagem havia uma hora, porém ela jogara pedras soltas da construção e o desencorajara.

Outro barco se aproximava agora. Não vinha do cais de Positano, e sim do oeste, como se chegasse de Capri em visita à torre normanda.

Três homens estavam de pé na proa, enquanto criados da mansão remavam. Elliot, Whitmarsh e Greenwood tinham corrido em seu resgate.

Levaram a embarcação o mais próximo possível da torre. O Sr. Whitmarsh acenou. O Sr. Greenwood a chamou. Elliot quase sorriu, mas sua boca não passou de um risco tenso.

– Agora você entende o que eu quis dizer, Rothwell. Se fosse fácil acessar a torre pelo mar, ela seria inútil para proteção – disse Greenwood.

– De qualquer forma, está um dia esplêndido para um passeio de barco – falou Whitmarsh. – Parece que ninguém pensou que tentaríamos essa estratégia. O cais permanece vazio.

Whitmarsh olhou para Phaedra lá no alto:

– Essa janela parece mais longe ainda daqui. Trouxemos alguns víveres, Srta. Blair, porém duvido que nosso plano de levá-los até aí funcione.

Uma onda de gritos chegou à torre vinda do outro lado. Phaedra correu até lá e olhou para baixo. Os homens tinham se aproximado muito do padre. A massa de mulheres se compactara.

Ela voltou para a janela que dava para o mar.

Elliot se curvou. Ao se levantar, exibiu uma corda grande com um gancho na ponta.

– Afaste-se, Srta. Blair. Entre na torre. Se eu conseguir mandar o gancho até aí, prenda-o o melhor que puder.

– Lorde Elliot, não acho que você conseguirá...

O olhar dele a silenciou. Ela foi para o outro lado da torre.

Por três vezes ouviu o barulho alto de metal atingindo a pedra, seguido pelo som de algo caindo pesado na água. Parecia que o plano deles não iria funcionar.

De repente o grande gancho de ferro apareceu na janela, subindo muito, e depois começou a cair. Uma de suas três hastes agarrou no peitoril da janela e parou.

Phaedra correu para lá, soltou-a e a deslizou pelo peitoril até encontrar um sulco profundo entre as pedras da parede onde prender o gancho.

Olhou para o mar. Os três homens puxavam a corda para testar sua segurança. Satisfeito, lorde Elliot pulou do barco para a estreita faixa de areia. Whitmarsh lhe entregou duas cestas.

– Mande primeiro a comida – pediu ela. – Não comi nada hoje.

– Com certeza você imaginou que o deus sol não podia esperar – provocou Elliot ao prender a alça da cesta na corda. – Na infância, quando eu desobedecia a meus pais, era mandado para o quarto sem jantar. Talvez um pouco de fome seja adequado para a senhorita hoje.

Ela deu um pequeno puxão na corda:

– Não vamos ser descuidados por pressa. E precisamos manter nosso senso de humor.

A cesta permaneceu imóvel por um momento, irritando-a, mas logo Elliot a soltou. Phaedra puxou a corda para cima até chegar à alça da cesta. Examinou seu conteúdo e jogou a ponta de volta.

– É um banquete e tanto. Vinho, presunto, pão e figos.

– Espero que goste. Se os homens da cidade tivessem conseguido chegar até aí, você só comeria macarrão e banha de porco pelos próximos dez anos, isso se não a enforcassem de imediato.

Elliot agarrou a extremidade da corda e começou a atar a outra cesta.

– Há cobertores e outros itens de primeira necessidade aí dentro.

Um rugido veio do outro lado da torre. Elliot olhou para cima.

– O que está acontecendo?

Ela correu para a outra janela, depois voltou para contar.

– Se for para aproveitar meu banquete, temo que precise fazê-lo bem rápido. O signore Tarpetta está ordenando que o padre saia do caminho.

– Puxe isso para cima logo e depois mande a corda de volta.

O barulho que entrava pela outra janela fez com que ela puxasse a corda o mais rápido possível. Depois que soltou a cesta, mandou a corda para baixo e correu mais uma vez para a janela que dava para leste.

O padre tinha ido embora. A linha de frente dos homens estava cara a cara com a das mulheres. Os flancos do exército de mulheres já tinham se rompido. Uma derrota se aproximava.

Phaedra voltou para a janela que dava para o mar. Greenwood apontava para a costa.

– Entraremos por ali e chegaremos à linha de batalha em minutos – disse ele a Elliot.

– A questão está ficando difícil no promontório – gritou ela para baixo.

– Mantenha-se firme, cara dama – bradou Whitmarsh em resposta. – Greenwood tem alguma influência na cidade e Rothwell está armado. Em breve estará em segurança.

Se planejavam entrar na luta que estava prestes a começar, Phaedra não contava com a vitória deles. Duvidava de que seus piratas ingleses fossem golpear e atirar para salvá-la, e sem isso ficariam em desvantagem numérica.

Elliot olhava a parede da torre e avaliava a estreita faixa de areia sob suas botas, na base, e as grandes rochas posicionadas de forma a desencorajar os barcos.

– É bem alto. Não posso me arriscar a que você caia se tentar descer pela corda. Se a água fosse mais profunda...

Ele ainda calculava e falava sozinho quando levantou as mãos, agarrou a corda e começou a escalar.

– O quê? Rothwell! Cuidado para não ser você a cair – alertou Greenwood.

Phaedra gelou quando gritos chegaram do promontório. Não foi até lá para ver o que estava acontecendo. Não conseguia tirar os olhos de Elliot pairando acima do mar, cada vez maior ao se aproximar pela corda, com o corpo e o rosto tensos do esforço.

Ela podia imaginar que a batalha não ia bem para as mulheres no promontório, o que significava que não ia bem para ela. Esticou a cabeça para fora da janela e contou a lorde Elliot o que acontecia.

Ele xingou e encontrou novas forças. Um som estranho começou a chegar pelas escadas. Parecia uma frigideira de metal atingindo algo mole. A voz de Carmelita clamava aos santos para ajudá-la e o som se repetia. Um homem grunhiu.

– Eles romperam o cerco à torre, lorde Elliot – gritou Phaedra, abaixada entre as cestas. – Suponho que não tenha posto uma arma junto com a comida ou os cobertores, para que eu pudesse exercer uma última resistência?

– Você sabe usar armas? – perguntou ele, a voz próxima e cansada.

Phaedra olhou para cima e o viu na janela. Os braços dele estavam apoiados no peitoril e seus dedos se agarravam na beirada interna.

– Posso usar uma arma, se tiver que fazê-lo.

Ajudou-o a subir agarrando-o pelos ombros e pelas calças. Ele se agarrou ao corpo dela em busca de apoio.

Finalmente, Elliot caiu na parte de dentro da torre. De um salto, pôs-se de pé com a agilidade de um gato. Do lado de fora, Greenwood ordenava a seus criados que remassem forte para contornarem a ponta do promontório.

Elliot sacou um revólver de seu casaco surrado.

– No caminho até aqui, Whitmarsh me presenteou com histórias sobre injustiças nas cidades deste país. Seria estúpido de nossa parte não levar a sério o perigo. Fique aqui. Não me siga. Se achar que a situação piorou, arrisque-se a descer pela corda e enfrentar o mar.


Elliot não desceu as escadas em silêncio. Deixou que todo o seu aborrecimento se traduzisse em passos estrondosos. Sua aproximação silenciou os homens embaixo.

Quando fez a última curva da escada, encontrou Carmelita Messina no degrau inferior, com a frigideira de ferro em riste. Quatro homens a ameaçavam, porém naquele momento a atenção deles se concentrou em Elliot, não nela.

Carmelita olhou por cima do ombro e percebeu seu revólver. Elliot não conseguiu chegar à conclusão se ela ficou aliviada ou aborrecida.

Passos também pesados, mas irregulares, soaram do lado de fora do portal. O signore Tarpetta apareceu sob ele. Endireitou-se em postura militar ao ver a arma.

– O senhor interferiu – começou ele.

– A Srta. Blair está sob minha autoridade e também sob minha proteção.

Tarpetta empinou o nariz e o olhou com desdém.

– O senhor não exerce a autoridade sobre suas mulheres muito bem.

Elliot não pôde contestá-lo.

– Sou muito melhor na parte da proteção – contrapôs e apontou a arma diretamente para Tarpetta. – Diga a todos para irem para casa.

– Ela infringiu nossas leis.

– Ela não infringiu lei nenhuma – argumentou Carmelita. – Apenas ofendeu as leis de um homem que se considera um reizinho.

– Vê o problema que ela causou? Ela enfeitiçou as mulheres e realizou rituais pagãos. Nós não permitimos esses crimes em Positano.

– Ouçam só! – zombou Carmelita com uma risada estridente. – Ele até fala como rei. O “nós” quer dizer “ele”.

Elliot não estava com ânimo para discussões. Brandiu a arma e ordenou:

– Todos fora desta torre. Signorina Messina, por favor, traduza o que vou dizer.

Tarpetta saiu da torre. Os homens e Carmelita o seguiram. Elliot foi por último. Ao sair, um som nas escadas o fez olhar para trás. Uma mecha de cabelo ruivo flutuava próximo à parede da escadaria.

As mulheres tinham ido embora. Elliot encarou os remanescentes da batalha, vinte homens que ainda não estavam satisfeitos.

O revólver dele os impressionou. Enquanto falava e Carmelita traduzia, o barco de Greenwood alcançou a parte de trás do promontório e Greenwood desceu no banco de areia.

– Sou lorde Elliot Rothwell, irmão do marquês de Easterbrook – disse. – Recebi dos oficiais do tribunal do seu rei a responsabilidade de proteger a Srta. Blair. Se algum de vocês a machucar, há de se haver comigo. Ela não é bruxa, nem herege, nem meretriz. Não há provas que sustentem essas acusações e os senhores têm a minha palavra de cavalheiro que suas suspeitas são infundadas.

Carmelita fez uma tradução muito longa. Dos pontos essenciais que Elliot pescou e pelas expressões nos rostos dos homens, ele suspeitou que ela houvesse enfatizado as palavras lorde, marquês e tribunal.

Matthias chegou quando ela terminava. Tarpetta, reconhecendo que seu grupo perdia força, mancou na direção dele. Os dois homens tiveram uma conversa particular.

Tarpetta foi embora. Os outros homens decidiram que era uma boa ideia bater em retirada com seu líder.

Greenwood se aproximou da torre.

– Você tem minha gratidão, Greenwood, pelo que quer que tenha dito a ele.

– Você não entendeu direito. Nós não os vencemos – explicou Greenwood. – Eles vão mandar alguns homens a Nápoles em busca de orientação e também para pedir ajuda ao Exército.

Carmelita jogou as mãos para o alto, num gesto de exasperação.

– Imbecis.

Tarpetta estava voltando para a cidade, porém dez de seus homens tinham parado na extremidade do promontório.

– O que eles estão fazendo lá? – perguntou Elliot.

– Montando guarda – disse Greenwood. – Não vão tentar entrar na torre, porque você está armado, contudo não vão deixar que a Srta. Blair saia até receberem ordens de Nápoles. Imagino que haverá um ou dois barcos vigiando do mar esta noite também.

Elliot conteve um xingamento. O santuário de Phaedra tinha acabado de virar uma prisão.

– Vamos vigiá-los enquanto eles montam guarda, para que não haja violação dessa trégua – prometeu Carmelita.

– Não martirize as mulheres em seu afã de combater aquele homem – disse Elliot para ela. – Agradeço por sua ajuda, porém temo que o preço pago por suas amigas já será alto o bastante. Deixe comigo agora.

Carmelita Messina deu tanta atenção ao que ele disse quanto Phaedra Blair daria.

– Vamos vigiar. Algumas de nós, viúvas e tal, as que não vivem sob o jugo de ninguém. Confio em seu revólver para manter a paz e em que o signore Greenwood use sua influência com aquele homem para acabar com essa confusão antes do pôr do sol.

Ela se foi, juntando o cabelo em um nó ao se afastar.

– Ela fala como se você pudesse resolver isso se quisesse – disse Elliot para Matthias.

– Carmelita está interpretando mal minha influência aqui. Contudo tentarei chamar Tarpetta à razão quando ele se acalmar, apesar de conhecer o homem somente de vista.

– Veja se ele aceitaria suborno.

Matthias deu um sorriso largo e forçado.

– Quanto ela vale para você?

Elliot guardou o revólver e caminhou para o portal.

– No momento, estou tentado a pagar para que ele a tire das minhas vistas.


CAPÍTULO 10

Pela janela, Phaedra observava a conversa de Elliot e Matthias. Não podia ouvi-los, porém seus rostos sérios indicavam que estavam traçando planos.

Um pequeno grupo formava um círculo no final do promontório. Outros quatro homens tomaram um barco de pesca no cais e zarparam.

Matthias se afastou. A torre ecoou o som de botas subindo os degraus de pedra.

Elliot entrou no cômodo. Ela continuava preocupada com a atividade lá embaixo, ainda assim deu uma boa olhada na direção dele. Sua expressão revelava preocupação e aborrecimento. Phaedra achou a inquietação charmosa, até mesmo lisonjeira. E teve esperança de que a raiva passasse logo.

– Você está em segurança por ora.

Elliot pôs o revólver no chão em um canto para evitar acidentes. Pegou um odre da cesta e o segurou no alto. Um jorro de água fluiu para sua boca.

Os olhos dela se grudaram no fluxo de água pura. Sua garganta se estreitou. Não tinha bebido nada desde antes do raiar do dia.

Elliot notou o interesse e caminhou na direção dela.

– Incline a cabeça para trás.

Ela obedeceu e abriu a boca. Um jorro frio e lento aliviou sua sede.

Phaedra secou a água de seus lábios com a mão.

– Achei que esses odres só continham vinho.

– Os outros, sim. Se tomarmos aos poucos, este nos bastará pelo tempo necessário.

Tempo necessário? Ela olhou de novo pela janela. Percebeu o significado dos homens postos na extremidade do promontório.

– Não posso sair, não é? O que aconteceu?

Ele explicou sobre a ida dos homens a Nápoles. Lembranças do odioso Sansoni invadiram a mente de Phaedra. No silêncio que se seguiu à explicação, o ar ficou mais pesado com o possível perigo à espreita e o peso dos problemas que já enfrentavam.

Lorde Elliot olhou por cima da cabeça de Phaedra para a cidade lá embaixo. Ele pareceu distraído, como se sua mente estivesse ocupada com algo muito distante.

– Você me desobedeceu – disse, provando que os pensamentos tinham tudo a ver com ela. – Você desceu as escadas.

– Ninguém me viu. Com você entre mim e o perigo... Foi uma desobediência pequena.

– Você me desobedeceu antes, ao vir para esta torre. Disse-lhe para permanecer na mansão.

– Não esperava ser vista na torre.

– Só que foi. Um ritual pagão, nada menos do que isso. Nesta terra, pior do que em qualquer outra.

– Não houve ritual nenhum. Nenhuma reza para o deus sol. Tarpetta simplesmente me viu na janela quando o sol nasceu. Não estava erguendo minhas mãos em oração. Estava protegendo meus olhos da luz forte, para que pudesse avaliar a posição exata do sol.

– Não me importo com o que estava fazendo. Foi descuidada com sua segurança e reputação. O resultado foi uma batalha entre os homens e as mulheres desta cidade e sua prisão nesta torre.

Elliot ficava mais exaltado a cada palavra.

– Também nem pense em falar agora de sua sagrada independência. Acabo de escalar a parede de uma torre e ameaçar de morte homens com quem não tenho nenhum problema. Talvez eu até tenha que matar algum, tudo por causa de sua maldita teimosia.

– Só fiz uma visita a uma torre ao alvorecer. Está sugerindo que eu poderia ter previsto tudo isso? – questionou, indicando o promontório abaixo e o drama que se desenrolara. – Se eu tivesse achado que alguém saberia ou se importaria, não teria vindo. Admito que parece muito estúpido agora, mas no momento não pareceu.

Não era bem um pedido de desculpas, mas pareceu aplacar o lado mais sombrio da fúria de lorde Elliot. Sua atenção e olhar se voltaram para ela tão nitidamente que isso enfatizou a proximidade deles.

– Você conseguiu o que veio fazer?

Ele tinha que perguntar.

– Se uma prova negativa puder ser chamada de prova – disse ela e apontou para a montanha alta. – Matthias estava certo. O sol não se eleva diretamente sobre o pico quando se observa desta janela, nem em linha direta com o lugar onde estamos agora. Ele primeiro se mostra à direita, ao sul, um pouco.

Phaedra se preparou para receber a zombaria de Elliot ou mais raiva por seu passeio ter causado tanto problema sem nem ao menos conseguir provar sua teoria.

Em vez disso, ele refletiu sobre a prova.

– Essas coisas não são precisas. O dia exato do solstício varia e ainda estamos mapeando as mudanças sutis que se acumulam na astronomia com o passar do tempo. Cinco séculos atrás, o sol pode muito bem ter nascido no pico da montanha no verão.

Ela achou muita gentileza dele dar desculpas e não chamá-la de tola. Algo mais parecido com uma desculpa direta começou a se formar em sua mente.

– Não tive intenção de causar todo esse problema e sinto muito por isso. Não me surpreende você estar com um pouco de raiva de mim.

– Estou com muita raiva de você, Phaedra. Contudo estou mais preocupado com sua segurança. Até que eu tenha assegurado isso, terá que fazer o que digo, principalmente se eu tiver mais motivos para sacar este revólver.

Elliot caminhou até a janela que dava para oeste. Franziu o cenho com o que viu. Ela andou até lá e espiou também. Um barco com três homens lançou âncora a uns cinquenta metros da torre. O sol tinha começado a se pôr no mar, mas ainda levaria horas até ficar escuro.

– Sua prisão está completa – disse Elliot. – Temos que esperar e confiar em Matthias para negociar sua libertação antes que mais problemas venham de Nápoles. Infelizmente, Tarpetta parece ter o poder nas mãos e Matthias o conhece somente de vista.

Phaedra se ajoelhou ao lado das cestas e começou a retirar seu conteúdo. Fez uma fileira com os odres, frutas e embrulhos de comida contra a parede.

– Carmelita acha que eles se conhecem melhor do que admitem.

Elliot descansou o ombro na parede e a observou mexer nas cestas.

– Seria bom se você estivesse certa, entretanto Matthias não tem motivos para mentir para mim.

Phaedra ficou feliz de encontrar uma xícara de barro por baixo da comida. Não queria beber direto do odre o dia todo, apesar de a experiência ter sido interessante.

– Você conhece Matthias bem? – perguntou ela.

Greenwood talvez tivesse o destino dela nas mãos, porém não era apenas esse o motivo da pergunta.

Elliot se afastou da luz do sol que se esgueirava pela janela. Foi para a área fresca e sombreada onde Phaedra arrumava os alimentos. Sentou-se no chão, apoiando as costas nas pedras, e pegou um figo.

– Eu o adorava na faculdade. Ele é um acadêmico respeitado e com duas obras publicadas. Estimulou meus estudos e me orientou nos métodos de pesquisa necessários para traçar novos caminhos. Seu interesse me lisonjeou, principalmente porque não parecia interesseiro, como outros professores.

Elliot mordeu o figo e depois fez um gesto apontando o restante da comida.

– Você devia comer algo. Se daqui a três dias tivermos que nadar para salvar nossas vidas, não vai querer estar fraca.

Phaedra pegou um pouco de pão e queijo.

– Você não parece adorá-lo agora, e não há mais nada de professor na forma como ele o trata.

– Bem, não sou mais um estudante e tenho um livro publicado.

– Parece mais do que apenas uma amizade construída a partir desses antigos papéis, foi o que eu quis dizer.

Elliot não parecia inclinado a satisfazer a curiosidade dela. Degustou o figo sem pressa. Ela se refugiou concentrando-se na própria comida.

– Meu pai não era um homem caloroso.

Ele falou isso de modo casual, como se não tivessem se passado quinze minutos desde seu último comentário.

– Imagine um homem como meu irmão Hayden, só que sem nenhuma das qualidades que contrabalançam a rigidez dele. Quando criança, eu considerava ter sorte por ser ignorado por meu pai enquanto ele se voltava para meus irmãos. Matthias Greenwood, por sua vez, escolheu colocar o foco de sua atenção em mim. Ele valorizava as mesmas coisas que eu, era rápido em elogiar, mas não se precipitava na hora de expressar desapontamento. Havia algo de paternal em seu interesse, imagino.

Ela notou sua expressão ao descrever o pai. Conhecia bem a reputação do marquês de Easterbrook. Com certeza, tinha sido aquele tipo de pai impossível de agradar e talvez tão duro com os filhos quanto se dizia ter sido em outras áreas.

Porém, não foi a brandura intencional de Elliot que chamou sua atenção. Outra emoção brilhava nos olhos dele.

Ele insistira em que as memórias de Richard Drury faziam insinuações falsas sobre o último marquês, contudo não tinha assegurado que de fato elas fossem mentiras. Ao se sentar ali com ele e observá-lo, Phaedra entendera que lorde Elliot não estava convencido de que o pai não mandara matar o oficial. Aquela suspeita ficaria mais plausível, ganharia corpo e seria inevitável se as insinuações fossem publicadas?

Alguns cientistas acreditavam que o comportamento criminoso era herdado, assim como algumas doenças. Saber que o legado de uma pessoa incluía a capacidade de tramar um assassinato impiedoso poderia ser tão ruim quanto descobrir que seu sangue estava maculado pela insanidade.

– Matthias Greenwood não teve filhos – disse Phaedra. – Você é seu herdeiro intelectual e parte de seu legado profissional. Se havia algo de pai nele, talvez houvesse algo de filho em você.

Ele deu de ombros.

– Talvez esteja certa. Ele pode me ver dessa forma, mesmo na amizade que temos agora.

Phaedra suspeitava de que Greenwood de fato o visse dessa forma, mas achava que Elliot o via assim também. A maneira como se comportavam um com o outro fazia com que ela pensasse na amizade confortável e no amor entre pais e seus filhos adultos quando seu relacionamento amadurecia.

Se fosse assim, Matthias Greenwood seria uma pessoa importante para Elliot.

É claro que ele era. Elliot estava ali, não estava? Ele tinha viajado até Positano para discutir sua nova pesquisa com o antigo mestre, ainda que já o houvesse superado como historiador.

Fazer aquela humilde refeição no chão de pedra os apartava do restante do mundo. Sua descrição franca do pai tinha aberto uma porta de intimidade mais sedutora do que aquela criada pelo prazer físico. Era algo como a relação que se estabelecia entre ela e seus amigos.

– Por que está tão curiosa sobre Greenwood, Phaedra?

Ela examinou a familiaridade branda que compartilhavam e pensou em sua resposta.

– Tenho interesse nele.

– Ele tem idade para ser seu pai!

Ela quase riu com seu tom exasperado, mas o aborrecimento mostrado em seus olhos lhe deu uma indicação. Ele estava com ciúmes. Phaedra achou isso irremediavelmente fora de moda e presunçoso, porém ao mesmo tempo adorável. Teve vontade de rir, em vez de censurá-lo.

– Você entendeu mal, Elliot. Ele conheceu minha mãe e tem sido gentil em responder perguntas que tenho sobre algumas questões.

– Que questões?

– Minha mãe talvez tenha mantido um amante em segredo em seus últimos anos de vida.

Ele franziu o cenho.

– Richard Drury...

– Não nos últimos tempos. Houve outro homem.

– E Matthias sabe quem foi? Ele vivia em Cambridge na ocasião e, apesar de às vezes visitar Londres...

– Ele é um homem perceptivo. Não ficou surpreso quando sugeri que talvez tivesse havido outro homem na vida de minha mãe. Esse amante também mexia com antiguidades e Matthias me deu os nomes de alguns homens do círculo dela que eram do ramo. Muitos de seus amigos íntimos desconversaram na hora em que os procurei. Desconfio que não quisessem que a imagem de Artemis Blair fosse mudada. Mas ele foi sincero comigo e sou grata por isso.

Elliot refletiu sobre o que ela disse e pareceu ao mesmo tempo curioso e cético.

– Por que você buscaria nomes, Phaedra? Talvez não tenha havido amante nenhum, já que os amigos dela negaram o fato.

– Acho que houve, sim, por causa de uma passagem que meu pai escreveu em suas memórias. Esse homem, quem quer que seja, era um criminoso.

A expressão dele ficou mais séria.

– Outra referência sem nome? Outra fofoca que destruirá uma reputação?

Elliot se pôs de pé em um minuto. Afastou-se, olhou para a parede e depois se voltou para ela.

– Seria melhor se você queimasse essas memórias ou as deixasse em uma gaveta trancada para sempre.

– Isso pode poupar sua família, mas não poupará o amante de minha mãe.

– Por que não?

Ela embrulhou o queijo no guardanapo úmido.

– Porque, mesmo que as memórias não sejam publicadas, destrincharei essa parte delas até ficar satisfeita e lidarei com esse homem do meu jeito.

O cenho de Elliot se manteve franzido, seu humor não melhorou, contudo uma curiosidade cautelosa surgiu em seus olhos.

– Você fala calmamente, porém de forma amarga e decidida. O que seu pai escreveu sobre esse homem que provocou em você a vontade de identificá-lo?

Ela se ajeitou para se levantar. Passou a mão na saia para retirar as migalhas.

– Ele escreveu que esse homem a seduziu, depois a traiu de forma tão desonrosa que acabou provocando sua morte. Preciso descobrir se isso é verdade.

– Na melhor das hipóteses, é ambíguo.

– Nem tão ambíguo assim. Tem mais. Não sou totalmente louca por achar que posso identificar esse homem. Só metade louca.

Ela andou até o centro da sala e olhou em volta.

– Se vamos ficar aqui por dias, temos que deixar esse lugar mais habitável – falou ela, virando uma cesta de cabeça para baixo. – Isso pode servir de banco, se você conseguir tirar a alça.

Elliot procurou a faca que viera junto com a comida. Colocou a cesta nas pedras do peitoril da janela e começou a cortar.

– Você não deveria levar muito a sério o que seu pai escreveu sobre sua mãe. Ele era um amante rejeitado e isso pode enevoar o bom senso de qualquer homem.

Phaedra pegou o cobertor sobre a esteira de palha e verificou se estava limpo. Avistou alguns ganchos de metal presos na abóbada do teto.

– Meu pai entendia bem o que tinha e o que não tinha com minha mãe. Ele não escreveu com amargura, mas como um homem que testemunhou a mulher que amava ser usada.

Elliot continuou a cortar, entretanto sua expressão decidida não tinha a ver com a alça da cesta.

– Trate esse assunto com cautela, Phaedra. Não acuse o homem errado nem conteste um homem bom.

– Se ele for um homem bom, não terá nada a temer de mim ou das memórias. Nenhum homem bom teria.

A alça da cesta se soltou, quebrando-se sob a pressão que ele impunha com a faca. Um barulho seco reverberou na abóbada de pedras, como se a paciência de Elliot tivesse acabado junto com a última frase dela.


Passaram as horas seguintes de forma mais agradável, falando amenidades. A amiga de Phaedra, Alexia, estava recém-casada com o irmão de Elliot, Hayden, e eles especularam sobre o casal e o que os teria unido. Isso suavizou o clima pesado da primeira parte da conversa.

Elliot, no entanto, continuou a refletir sobre o assunto inicial. Ele havia percebido o tom e a expressão de Phaedra ao falar do amante que traíra sua mãe.

Phaedra não era uma simples visitante curiosa na península Itálica, como tinha dito, mas uma mulher com uma missão. Por algum motivo, aquilo a tinha levado a Nápoles. Por isso o humor dela melhorara em relação ao atraso em ir a Pompeia. Sua investigação poderia até estar na origem da amizade com Marsilio e Pietro.

Por tudo o que sabia dela, cada ato, cada palavra, desde o dia em que ele entrou naquele jardim em Nápoles, fora parte de seu plano para saber dos últimos meses da mãe e do homem a quem culpava por seu declínio e morte.

Ela foi dando instruções a Elliot para arrumar sua habitação humilde enquanto conversavam. A pedido da Srta. Blair, ele amarrou a corda em um dos ganchos da abóbada. Phaedra esticou o cobertor velho nela e, assim, separou um canto no qual colocou o penico que os criados de Matthias tinham gentilmente posto em uma das cestas.

Já anoitecia quando tudo ficou arrumado. Com um novo cobertor sobre a esteira de palha e a cesta de cabeça para baixo como banco, Phaedra havia criado um lar rústico, porém agradável. Para uma pessoa.

Havia um cômodo de teto baixo sob essa sala mais alta na torre. Elliot esperava ser posto lá, a menos que, com seu charme, pudesse obter da rainha um convite para partilhar de seu santuário.

– Você tem talento para arrumação doméstica, Phaedra. Isso é resultado de se virar sem criados?

– Acho que aprendi a fazer isso porque minha mãe não levava o menor jeito para assuntos domésticos. Isso se mostrou útil quando tive que cuidar da minha própria vida.

Phaedra levou o odre e a xícara para a janela que dava para a cidade. Depois de derramar fora um pouco de vinho, conseguiu fazer jorrar um arco que encheu a xícara, e então ofereceu a bebida a lorde Elliot.

Ele se juntou a ela próximo à janela e bebeu. Os homens de Tarpetta tinham montado acampamento na base do promontório, para além da longa sombra da torre. A julgar pelos sons distantes das risadas, eles pareciam relaxados e de bom humor.

– Por que teve que cuidar da própria vida?

Ela estava linda demais à luz prateada do anoitecer que entrava pela janela. Atrás deles, pela abertura oposta, as cores chamejantes dos últimos raios de sol penetravam. Esses raios iluminavam a parte de trás da cabeça de Phaedra, transformando suas mechas em brasas, em contraste com a fria translucidez da pele branca do rosto que olhava para oeste.

– Minha mãe acreditava que as mulheres aprendem em casa, com os pais, a serem dependentes. Somos ensinadas e temer a independência e depois convencidas a rejeitá-la mesmo que esteja ao alcance. Assim, quando recebi uma herança do irmão de minha mãe, ela me estimulou a sair de casa e a viver sozinha antes que me acomodasse e virasse uma adulta dependente dela.

Phaedra fez uma pausa ao se esticar calmamente para ver o chão perto da torre. Outro pequeno acampamento tinha sido montado ali, povoado por cinco senhoras e Carmelita Messina.

– Eu tinha 16 anos – acrescentou, ainda distraída com a cena abaixo.

A atenção que dava aos acampamentos não a deixou perceber a reação de Elliot.

– Você era uma criança.

Ele tentou não expressar condenação em seu tom. Phaedra não gostaria de ouvir críticas à mãe, e ele não tinha o menor desejo de discutir com ela naquele minuto.

Ela ainda observava o promontório.

– Sim, eu era uma criança. Contudo há muitas mulheres que são empurradas para o casamento nessa idade. Acho que seria um destino muito mais assustador. Elas são jovens demais para os planos de seus pais, e eu também era jovem demais para os planos dos meus. Ela não se afastou da minha vida, não foi uma rejeição de seus deveres. Minha mãe me ajudou a contratar uma governanta, para que eu não morasse sozinha nos primeiros anos. Eu a visitava com frequência e nos víamos quase tanto quanto no tempo em que morávamos sob o mesmo teto.

Ela fez isso soar quase natural e sensato. Ele não podia pensar em Phaedra aos 16 anos morando sozinha, sem proteção ou supervisão de ninguém, exceto uma criada. Sua prima Caroline, que tinha sido apresentada à sociedade na última temporada, era tão infantil que dava vontade de trancá-la em casa por mais dez anos.

É claro que Phaedra Blair provavelmente não era tão infantil nessa idade, nem tão inocente. Artemis criara a filha para andar com as próprias pernas e traçar o próprio caminho. Ainda assim, essa imagem o deixou irritado. A mulher não deveria ter usado a própria filha como experimento para provar que suas ideias radicais tinham mérito.

– Na época não me importei e tudo saiu como minha mãe esperava. Depois que uma mulher prova uma liberdade assim, nunca mais quer abrir mão dela. Contudo, quando ela morreu... então fiquei enraivecida. Queria que ela houvesse esperado um pouco mais, de forma que eu tivesse aproveitado aqueles dois últimos anos com ela. Ela não previa que seu tempo seria tão curto, é claro.

– Não imagino a independência que me descreve. Mesmo sendo homem, não fico tão por minha conta.

– Não importa que ainda more na mansão de Easterbrook. Sendo homem, você é livre.

– Não falo de leis, costumes ou finanças, mas da vida. Não sou sozinho nem alguém sem laços com outras pessoas. Meus irmãos estão sempre presentes na minha vida e tenho outros parentes a quem devo obrigações. Minha vida faz parte da deles e a deles, da minha. Mesmo que meus irmãos e eu um dia nos odiássemos, ainda teríamos questões em comum a compartilhar.

A expressão de Phaedra se tornou pensativa, deixando-a ainda mais bela.

– Eu gostaria de ter tido um irmão ou uma irmã. Isso teria sido muito bom, principalmente agora.

Agora que estava completamente só, era o que queria dizer. Phaedra havia escolhido um caminho que a deixaria sozinha para sempre, a menos que, como a mãe, tivesse um filho ilegítimo. Elliot percebeu que ela compreendia que abrira mão de certas coisas e que não as menosprezava. Tinha posto as opções na balança, se não aos 16 anos, ao ficar mais madura. Ele não achava que o prêmio valesse o custo, porém admirava a bravura dela.

Ela pareceu um tanto triste. Ele se sentiu péssimo por tê-la obrigado a encarar a própria solidão.

– Espero que suas amizades de alguma forma possam substituir a família que você não tem.

Lampejos traquinas dançaram em seus olhos. Seu humor e animação vieram à tona, surgidos das profundezas de seus pensamentos.

– De certa forma, mas não é uma família como você descreveria a sua. Uns amigos são como irmãos e irmãs, alguns poucos se comportam como os mais afáveis dos maridos, porém esses laços não são permanentes. Com o passar do tempo, é possível que eu me veja imaginando se não fui abençoada com mais independência do que qualquer pessoa quereria.

O que significava que já vinha se questionando sobre isso.

A referência indireta a seus amantes sutilmente mudou o clima entre eles. Elliot não podia ficar tão perto dela naquela luz e não pensar em fazer amor com ela. Imagens e desejos tinham surgido aos borbotões desde que subira os degraus horas antes. A excitação aumentara com as palavras dela. Ele pensou ter visto um desafio na forma como ela o mirava.

De repente o desejo os uniu mais intensamente que nunca. Ela não fez qualquer esforço para refrear seu poder. Ele não se aguentava mais. Jamais tinha encontrado uma mulher que reconhecesse de forma tão ousada a excitação sensual que pode existir antes de um beijo ou um toque.

Com qualquer outra mulher, ele daria o primeiro passo, como fizera com ela antes. No entanto, não se esquecera das palavras dela ao se afastarem no terraço, naquela noite. Se ela fosse honrar sua ameaça, neste momento ele provavelmente não conseguiria se portar de forma honrada o bastante para que ela tivesse a chance de rejeitá-lo.

Phaedra evocava nele o que seu sangue trazia de pior, algo que vinha do pai. Elliot queria se aproximar, abraçá-la, acariciá-la e devorá-la. A tentação de usar o prazer para coagi-la a se submeter ao próprio desejo e a ele ameaçava sobrepujar o que restava de seu bom senso.

Elliot se afastou. Pegou o revólver e um dos cobertores e começou a descer as escadas. A alternativa era se arriscar a se comportar como um canalha, ou, pior, tornar-se uma daquelas abelhas lastimáveis que ficam zumbindo e implorando pelos favores da rainha.


Phaedra observou o sol se pôr no mar. Luzes roxas e laranja coloriam a água com listras sedosas à medida que a escuridão aos poucos se aproximava. Lá embaixo, no barco, os homens acenaram e a saudaram amigavelmente. Parecia que eles também tinham alguns odres de vinho à disposição e que a bebida os deixara mais amistosos.

Phaedra encontrou a única vela mandada junto com os víveres e a acendeu. Sentou-se em um canto onde a brisa noturna não a apagaria. Ouviu Elliot se mexer lá embaixo, talvez na tentativa de achar algum conforto no chão tendo apenas um cobertor sob o corpo.

O corpo dela ainda não tinha se acalmado totalmente desde que ele partira, nem seus pensamentos se afastaram muito dos últimos minutos que tinham passado juntos. Uma pulsação quente continuava a se fazer sentir, atraindo sua atenção. Normalmente ela só tinha que lutar contra isso quando Elliot estava por perto, contudo seu corpo parecia saber que estava perto o bastante e não lhe daria alívio. Seus seios continuavam rígidos e cheios, com os mamilos reagindo a cada roçar do tecido do vestido.

A última conversa deles a desarmara. Agora só conseguia pensar em lorde Elliot de forma gentil. Ele entendera mais do que ela mesma. E não a olhara com pena – em vez disso, expressara uma preocupação verdadeira com esse lado menos perfeito da vida dela.

Ela mentira um pouco para poupar Artemis da censura daquele homem; entretanto, a julgar pelas reações dele, isso fora desnecessário. A verdade era que Artemis estivera correta em suas crenças, mas nem sempre em seus métodos. Ficar sozinha aos 16 anos fora algo devastador e amedrontador, muito mais do que Phaedra admitira. Ela sentira como se a mãe a tivesse jogado de um barco no meio do oceano, simplesmente esperando que ela soubesse nadar.

Phaedra perdoara a mãe por esse engano fazia anos, porém duvidava que outras pessoas fizessem o mesmo se soubessem daquele frágil ano tão carregado de grandes erros. A verdade seria mais uma prova para o mundo de que Artemis Blair não tinha sido uma boa mãe, nem ao menos uma mulher normal.

Elliot já não fazia mais barulho lá embaixo, embora ela pudesse jurar ouvir sua respiração. Ele não teria conseguido pegar no sono tão rápido, disso ela sabia. Phaedra caminhou a passos suaves, numa tentativa de aliviar a forma como seu corpo a atormentava. Tentou harmonizar a ideia de que o desejo não era somente físico agora, mas também um anseio por aumentar a proximidade que sentira com ele ao compartilhar suas confidências e o perigo.

Levou as mãos aos seios. Os estímulos se juntavam, aumentavam e desciam por seu corpo. Fechou os olhos para tentar domá-los e ouviu a lição dada por sua mãe sobre desejo.

O prazer carnal é uma necessidade tanto de homens quanto de mulheres. Não negue seus desejos, só fique atenta a quem escolhe como parceiro. A maioria dos homens são conquistadores em sua essência. Busque os poucos mais esclarecidos que alçaram um lugar acima da maldição primitiva. Se decidir ter prazer com um conquistador, certifique-se de lhe dar somente seu corpo e apenas temporariamente. E nunca, nunca sucumba à ilusão de que pode mudar esse homem.

Phaedra imaginou o homem lá embaixo. Ele se fora apesar de terem estado juntos em um cômodo saturado do desejo de um pelo outro. Elliot podia ser um conquistador, porém não era tolo. Entenderia que ela não cederia nada, exceto o que decidira ceder. Ela faria questão de deixar essa parte bem clara.


CAPÍTULO 11

Elliot se preparou para passar uma noite tendo apenas os próprios pensamentos por companhia. Com um pouco de sorte, logo pararia de ficar imaginando a mulher do andar de cima.

Esforçou-se para pensar no mundo que descrevia nos livros. Não precisava de seus papéis para se aventurar por lá. As notas e os esboços preliminares eram registros de suas ideias, não lembretes. Toda a informação estava em sua cabeça, acessível a qualquer momento. Já tinha passado muito tempo por lá, escapando do tédio quando alguma conversa o incomodava.

Seus irmãos, Christian e Hayden, também tinham câmaras secretas em suas mentes. Quando se aventuravam nelas, fechavam as portas atrás de si e se isolavam por completo da realidade. Somente ele fora abençoado com a capacidade de entrar e sair a seu bel-prazer, como se a porta permanecesse entreaberta. Elliot sempre conseguia manter contato com o mundo real.

Naquele exato momento, contudo, isso não era uma grande vantagem. O mundo externo com o qual não perdia contato consistia de uma frustração física que não se aquietava. Especulações em relação aos movimentos acima o perturbavam. Seu sangue ruim calculava o custo para sua honra e seu orgulho se ele dominasse primeiro e corrigisse depois.

De alguma forma, conseguiu deixar tudo isso do lado de fora, perto da porta, mas sem interferir tanto em seus pensamentos. Voltou sua concentração para as informações sobre práticas funerárias que coletara das antigas histórias romanas.

– Elliot.

Ele abriu os olhos. Cada parte de seu corpo entrou em estado de alerta. Ela poderia estar a centímetros dele, tão nítido fora o chamado. As pedras das paredes e dos degraus tinham transportado sua voz para baixo. Ela nem tivera que elevar o tom.

Phaedra não falou de novo. Só pressupôs que ele tivesse escutado. Ou talvez soubesse que ele responderia ainda que o chamado tivesse sido feito só na mente dela.

Talvez ela só precisasse de ajuda com a vela. Ou talvez tivesse visto algum movimento de uma das janelas e pressentisse problemas provocados por seus carcereiros. Ele podia simplesmente perguntar dali, mas não faria isso, apesar de saber que se afastar de novo seria quase impossível.

Acreditando que Phaedra era esperta demais para brincar com fogo, ele subiu as escadas.

Luzes vagas e sombras escuras dançavam pelas pedras das paredes e da abóbada no cômodo superior. O cobertor pendurado separava um canto numa cortina improvisada. A única e grande vela queimava devagar, suas chamas acrescentando lampejos dourados aos frios raios do luar.

Todas as tênues fontes de luz se juntavam e se intensificavam em um lugar. Uma estátua pálida as absorvia para aumentar a exibição sensual do cobre abrasador e da porcelana branca.

Phaedra estava de joelhos na esteira de palha, apoiada nos calcanhares. Olhava para a escada e para ele. Elliot parou ao vê-la, momentaneamente boquiaberto com sua beleza e ousadia.

Estava nua. Suas madeixas ondeavam pela pele desnuda. Pareciam fitas de seda que se dividiam para deixar ver partes de ombros alvos como leite, de braços macios, seios arredondados e quadril curvilíneo.

Ela deixou que ele observasse um bom tempo, sabendo que uma torrente se armava dentro dele, admitindo com o olhar que sentia o mesmo desejo.

Juntou os cabelos e os jogou para trás, expondo o corpo todo. Seus seios estavam empinados e cheios, com os mamilos róseos rígidos.

– Podemos ter prazer juntos esta noite, se quiser – disse ela.

Ele arrancou o casaco e andou até onde ela estava.

– Se eu quiser? Eu quero possuí-la desde a primeira vez que a vi.

Phaedra relaxou e esticou o corpo nu a seus pés, observando enquanto ele tirava a camisa.

– Não será assim. Possuiremos um ao outro.

– Como queira. Não me importo nem um pouco com os termos dessa rendição.

Naquele momento ele não se importava com absolutamente nada, exceto o desejo que ficava mais forte e convincente a cada instante. Caiu de joelhos ao lado dela.

– Não é uma rendição, Elliot. É uma trégua. Uma noite para gozarmos de nossa amizade.

Ela o ajudou a desabotoar a calça.

As mãos dela o fizeram enlouquecer de excitação. Ele olhou para aquele corpo feminino nu, tão vulnerável e acolhedor. Imagens entraram em sua cabeça e a urgência acelerou sua pulsação. Se ela considerava isso amizade, não conhecia os homens muito bem.

– Com certeza, Phaedra. É claro.


Ele não quisera dizer isso. A alma dela sabia, mas, naquele momento, Phaedra não se importara.

Ele estava lindo e sensual. Até ajoelhado ele era alto. Seu tronco e seus ombros nus se avolumavam acima da esteira de palha e dela, fazendo-a pequena e... vulnerável. Essa sensação era nova. Nunca vivenciara algo assim antes de conhecer aquele homem. Não era uma sensação desagradável. Ela se deixou sentir prazer nessa condição porque sabia que ele não representava um perigo real.

A luz deixava a pele dele cor de bronze e ressaltava seus músculos. Não havia nada de suave para se ver nele. Nem no corpo nem no rosto. Nele, a paixão tornava os traços de família ainda mais duros, mesmo sendo o Rothwell mais afável. O cabelo escuro, solto e despenteado pelas aventuras do dia, caía em mechas sobre a testa e o rosto. Seus olhos se tornaram cristais negros quando ela começou a ajudá-lo a se despir.

Elliot afastou as próprias mãos, deixando que ela fizesse o trabalho sozinha. Só olhou para baixo, talvez desafiando-a a prosseguir, testando se ela recuaria.

Ela não se apressou. Seus olhares ficaram conectados. Sensações maravilhosas davam vida ao corpo dela. A excitação era mais intensa por saber o que estava por vir. A expectativa cresceu entre eles de forma tão maravilhosa que se tornou um dos maiores prazeres que ela jamais experimentara.

Depois de despi-lo da calça, ela levou a palma da mão até o abdome dele, saboreando o toque de sua pele e daquela combinação tão masculina: uma superfície macia sobre uma sustentação rígida. Ela amava a forma como o desejo intensificava todos os sentidos, inclusive a intuição que lhe dizia quanto ele adorava aquele toque e como o resto da realidade desaparecia por completo para ele também.

Quando não conseguiu subir mais, desceu a mão de novo, chegando a sua roupa íntima. Com carícias suaves, ela a puxou para baixo, fazendo o tecido se avolumar em seus joelhos e libertando-o. As pontas dos dedos dela faziam o reconhecimento de seu corpo, centímetro por centímetro. Ela deslizou as mãos e as pressionou nas partes protuberantes do quadril e das coxas dele. Com a ponta dos dedos, alisou sua ereção inteira até a cabeça do pênis, envolvendo-o com suavidade, depois o acariciou de forma mais agressiva.

Elliot tentou conter a sensação que isso provocou, mas ela pôde ver a fúria sensual que o dominava. Todo ele ficou mais duro. Seu rosto e olhar, seu corpo inteiro ficou mais rígido.

– Você corre perigo de ser tomada sem cortesia nem cerimônia, Phaedra.

Ela avaliou a ameaça e a excitação do próprio corpo.

– Não me importo. Estou mais do que pronta também.

Ele se juntou a ela no cobertor e empurrou as roupas para longe. Posicionou seu corpo nu por cima do dela, apoiando-se nos antebraços ao lado dos ombros dela.

Um beijo. Profundo e íntimo, tão lento e sedutor que um anseio estranho e doce venceu sua impaciência. Phaedra afastou as pernas para que ele se aninhasse, instintivamente convidando-o a se unir a ela naquele momento para que talvez a noite toda fosse comovente.

Ele olhou para ela.

– Você é uma mulher muito generosa.

– Generosa, não. Quando a mulher é sincera nesses prazeres, ela ganha também.

– Esta é uma visão admirável e democrática. Só que você não está sendo sincera e me encoraja a ser um amante ruim por causa disso.

– Reconheço minha condição carnal da forma mais sincera.

Tão sincera que essa demora a enlouquecia. Ela mexeu o quadril um pouco para encorajá-lo.

A reação dele foi leve, sutil, mas devastadora. Ele empurrou, mas não tudo. Ela o sentiu lá embaixo, tocando-a de leve, uma provocação terrível e maravilhosa.

Ele a beijou no pescoço e nos ombros.

– Você disse que estava mais do que pronta – falou, administrando o calor daquele deleite. – Não foi verdade, mas talvez tenha falado por ignorância.

A indignação se infiltrou em sua mente, que só pensava nos formigamentos maravilhosos que atingiam seu sangue.

– Não sou ignorante. Acho que isso é óbvio.

Ele suspendeu o tronco, de forma a poder acariciá-la. Observou as pontas dos próprios dedos traçarem levemente uma linha em torno da base e do volume do seio, assim como ela havia feito há pouco no quadril e nas coxas dele.

– Uma mulher mais do que pronta não fica tão controlada quanto você continua. Você não está nem perto de estar pronta como poderia estar. Se não é ignorante, sabe disso. Mas talvez você tenha medo de se abandonar à sensação.

Ele esfregou o mamilo dela. Um tremor profundo a sacudiu, ressoando dos pés à cabeça. O corpo dela ansiava por empurrá-lo fundo para dentro e escapar daquela tortura sensual, por mais deliciosa que fosse.

Ele tocou o seio dela com mais força, esfregando o bico, fazendo os tremores se repetirem com intensidade crescente. Phaedra começara essa sedução confiante e ousada. Agora a onda dessa vulnerabilidade tentadora afastava seu autocontrole.

Ela não conseguia mais resistir à maré de prazer. Elliot pareceu perceber que ela tentava. Saiu do corpo dela como se anunciasse que era ele quem decidiria quando ela estaria pronta. Deitado ao lado dela, apoiado no braço rígido, ele a acariciou devagar e seguro de si, seu toque possessivo percorrendo toda a pele dela.

Seus seios ansiavam para que suas mãos voltassem ali. O outro prazer e os estímulos que ele causava pioravam tudo ainda mais. A frustração a deixava quase louca. Ela nem conseguiria abraçá-lo naquela posição, ficava exposta e submissa ao seu olhar e a suas mãos mal-intencionadas.

Phaedra não podia abraçá-lo, mas podia tocá-lo. Nem todo o corpo dele estava fora de alcance. Ela buscou a parte interna da coxa de Elliot com a mão direita. Acariciou-o com movimentos para cima, certificando-se de que não perderia o controle sozinha.

Ele reagiu como esperado, da forma como ela ansiava. Elliot acariciou seus seios de uma maneira tão perfeita, tão completa, que a fez quase perder a sanidade. O prazer insuportável ficou maravilhosamente pior e o desejo por mais tomou sua mente.

Ele baixou a cabeça e levou a boca ao seio dela. Uma nova sensação percorreu seu corpo. Uma sensação doce e intensa e tão poderosa que a fez perder contato com a realidade. Phaedra agarrou os ombros dele em um abraço selvagem para que não ficasse sozinha em seu abandono. Sua mente se obscurecera e ficara tão focada que apenas uma vaga percepção do mundo ao redor se esgueirava por ela. Sons ecoavam as súplicas em sua cabeça e as necessidades que a devastavam. Pegadas fortes e beijos violentos a levaram mais fundo nessa sensação pura.

Um toque diferente, bem-vindo e temido e tão necessário que ela pensou que desmaiaria de alívio. Sua consciência gritou. Ela abriu mais as pernas para que ele não parasse. Arrepios profundos se acumulavam lá e se espalhavam, aumentando a tortura até ela querer implorar por alívio.

Então lá estava ele com ela de novo, aninhado entre suas coxas como tudo tinha começado, empurrando de leve daquela forma incompleta e enlouquecedora. Ele a beijou com um jeito selvagem ao penetrá-la, engolindo seu gemido de alívio.

Estocadas fortes, profundas e plenas, a levaram ao gozo. A explosão singular de prazer a embebedou de paz e de uma sensação perfeita. Flutuou nela, espantada com a violência do clímax e com a materialidade do êxtase.

Phaedra foi voltando devagar da escuridão sagrada de sua mente. Seus braços sentiram os ombros que ela abraçava e suas pernas, o quadril que circundavam. Ele permanecia teso e pleno dentro dela.

Por entre os cachos úmidos, ela viu os olhos dele, ainda quentes e firmes em sua rigidez sensual.

– Você parece bem satisfeita, Phaedra.

Tão satisfeita que ela pensou que nunca mais poderia se contentar com menos.

– Com toda a certeza.

Ele se mexeu devagar, descrevendo um longo caminho na carne ainda intensamente viva após o clímax.

– Acho que nunca conheci uma mulher com tanta facilidade de ter prazer.

Ele pousou um beijo firme em seus lábios. Bem dentro dela, a satisfação começou a arrefecer. Novas necessidades acenaram de forma sutil, porém perceptível.

Ele fez de novo. Olhava para baixo, controlado demais, seguro demais do que causava com suas investidas lentas e profundas.

– Acho que nunca fui tão possuído por uma mulher antes.

– Não me culpe se não compartilhou a satisfação. Normalmente, há unidade nessas coisas.

– Duvido que já tenha havido unidade com você. Seus amigos encontram o próprio prazer enquanto a ajudam a achar o seu, mas é diferente.

Phaedra viu um insulto nessas observações tranquilas. Se não estivesse tão ligada à potência viril que emanava dele, se os tremores da nova excitação não estivessem preenchendo sua mente, talvez ela achasse as palavras para castigá-lo por sua presunção.

Só que a sensação de saciedade diminuía com rapidez. Lá dentro, desejos ressonantes despertaram, reforçados pela confusão e pelo desespero.

O abandono acenou de novo, mas permaneceu fora de alcance, tentando-a. Ela continuou em contato com o mundo, ciente do homem que se demorava, consciente de que ele também não tirava os olhos dela.

Phaedra mexeu o quadril para encorajá-lo. Mais rápido. Ele acariciou a nádega direita dela e a puxou, detendo-a.

– Você disse que nós possuiríamos um ao outro, e eu quero possuí-la devagar.

– Foi muito indelicado da sua parte não se saciar junto comigo.

Ela nem sabia que um homem podia controlar suas vontades a esse ponto.

Obteve um sorriso quase imperceptível em resposta. Sua mão soltou a nádega dela. Phaedra pensou que ele houvesse se rendido. Em vez disso, ele levou a mão às costas e soltou a perna dela de seu quadril.

Moveu a outra perna também e empurrou as coxas dela unidas para baixo dele. Quando se mexeu dentro dela de novo, o prazer se concentrou e espiralou tão nítido que ela perdeu o fôlego.

As sensações a deslumbraram, a venceram. Ela não podia negá-las, então se rendeu. Porém, desta vez o clímax foi diferente. Phaedra não perdeu o contato com o mundo. Ouvia os próprios gritos. Ficou embebida na aura dele. A vulnerabilidade voltou, mais matizada, ainda excitante, porém levemente assustadora.

Ele não perdeu o controle, não sucumbiu. Mesmo quando suas estocadas ficaram mais rápidas e mais fortes, mesmo na hora em que ela gritou em êxtase, Phaedra sentiu que ele controlava seu poder até o fim.

Dessa vez houve unidade. Ela não chegou sozinha ao clímax. Na verdade, ele pareceu mais presente. Um alívio glorioso a despedaçou como um raio parte uma árvore, porém ele permaneceu a seu alcance durante todo o tempo.

Após o coito, à medida que a alma dela tentava recolher os cacos de seu autocontrole e ela lutava para recompor a mulher que conhecia, receios penetraram seus pensamentos. Ela o sentia em seus braços, seu corpo cobrindo o dela. Ele estava exausto, satisfeito e quieto, mas inteira e estranhamente real.

Phaedra nunca se sentira em desvantagem em situações assim antes. Envolta em êxtase e saciedade, ela examinava sem pressa essa nova situação. Tentava decidir o que significava e como tinha acontecido.

Com certeza, essa misteriosa sensação de desprendimento desapareceria quando ele fosse embora. Tinham sido só a noite, a escuridão e o prazer que a haviam causado.

Ele se apoiou nos antebraços, tirando o peso de cima dela. O olhar dele a invadiu muito fundo e de forma tão calorosa e intensa que ela se perguntou se ele estaria tentando deixar uma marca de fogo em sua mente. Depois ele rolou de cima dela e se deitou de lado. Logo caiu no sono com o braço por cima dela.

Elliot pretendia passar a noite ali. Ela nunca permitira isso com seus amigos, mas não conseguiria acordá-lo e pedir que descesse para deitar no cobertor sobre as pedras no cômodo embaixo. Porém...

Phaedra olhou para as luzes bruxuleantes que brincavam nas pedras acima dela. O olhar dele tinha sido cálido e tocante durante o último e longo olhar, mas também exigira que ela reconhecesse a força da união dos dois. Carregara a profunda intimidade que ainda os unia e se negara a deixar que ela se desvencilhasse de seu abraço.

Porém, tinha havido mais do que isso, algo que ela nunca vira nos olhos de um homem antes, pelo menos não em um que a olhasse.

Ela vira os olhos de um conquistador.

E se perguntara o que ele erroneamente achava ter conquistado.


A porta da mente dele permanecia entreaberta. Elliot a ouviu suspirar e murmurar enquanto dormia. O sol começava a nascer e ela despertaria em breve. No momento, ele aproveitava a paz, a companhia e o ar frio em seu corpo, deixando a mente concluir suas reflexões sobre outras coisas.

Um som o despertara, dando uma vaga indicação do novo dia que começava. Agora ele espiava pela luz prateada à medida que um objeto tomava forma. Havia mais uma cesta no cômodo, bem à direita, no alto das escadas. Uma das senhoras tinha trazido mais víveres.

Phaedra despertou devagar como um gato ronronante. Ela se encolheu e depois se esticou em sua elegância nua e se virou para o outro lado, dando a Elliot a oportunidade de admirar o belo contorno de suas costas e de seu quadril.

Ela parecia muito doce naquele momento e mais jovem. Despida de seu hábito negro, liberta da armadura com que enfrentava o mundo, ela o espantava com sua aparência frágil. A noite anterior revelara esse outro lado de sua alma de uma forma inconfessa e inexplicada. Sua paixão tinha sido ao mesmo tempo experiente e ignorante, ao mesmo tempo segura e amedrontada. Ele experimentara a fraqueza e a suavidade que ela não ousava mostrar ao mundo. Phaedra levava uma vida baseada em símbolos na qual tais contradições não eram permitidas.

Ele a queria de novo, porque ela estava muito bela ali de manhã e porque a Phaedra nua, despida e desarmada, o fascinava. Imaginou que continuaria a desejá-la por muito tempo. Calculou tempo e lugar, dia e noite, tendo as lembranças de seus abraços a tentá-lo.

Num instante ela se pôs alerta, como se tivesse ouvido os pensamentos dele. Deitou-se de costas e, através de pálpebras semiabertas, avaliou onde estava e com quem. Um vago rubor tingiu seu pescoço, descendo até os belos seios. Os mamilos endureceram, mas não por causa da fria brisa marinha.

O constrangimento a fez parecer uma menina insegura. Lorde Elliot se perguntou que pensamentos causaram o franzir de seu cenho ao olhar o próprio corpo. Ela não estava tão atrevida agora, sem a escuridão para transportar os acontecimentos para outro mundo.

Elliot puxou algumas roupas para que ela não fosse obrigada a sair de onde sua escolha a deixara. Ele lhe entregou o monte de tecido negro que era seu vestido. Phaedra se sentou e o passou pela cabeça.

Ele se sentou ao lado dela na esteira. Imaginou se Phaedra mencionaria os acontecimentos da última noite e o que ele deveria dizer quando ela o fizesse. Ela não era uma mulher que esperasse gratidão ou desculpas. Certamente não esperaria que ele lhe oferecesse dinheiro ou qualquer tipo de pagamento. Ela não esperava absolutamente nada dele e levaria a mal qualquer proposta.

– Você tem Alexia – disse ele. – Ontem você falou sobre estar só, mas Alexia é uma amiga leal.

As palavras de Phaedra tinham ecoado na cabeça dele naquela manhã enquanto ficara deitado ao lado dela. Ele se perguntara sobre suas amigas na infância, duvidando de que tivesse alguma. Imaginava que poucas mães permitiriam às filhas serem amigas da filha de Artemis Blair.

Phaedra se esticou para lhe dar um beijo no rosto. Ele supôs que, em algum momento ao longo do dia, a intimidade entre eles chegaria ao fim e Phaedra consideraria a noite da véspera como passado. Agora, contudo, com um gesto ela o fazia entender que achava a preocupação dele, no mínimo, encantadora.

Ele aproveitou a oportunidade para passar o braço em torno dela. Sentado assim numa cama de palha, com as costas apoiadas na parede, a cabeça de uma bela mulher no ombro e os sons e cheiros do mar entrando em lufadas pelas janelas, não seria um jeito ruim de passar o dia.

– Ela fez com que seu irmão permitisse nossa amizade – disse. – Quando Alexia negociou o casamento, ela o fez prometer. Eu tinha imaginado que... Cheguei a recusar o convite de casamento. Escrevi a ela dizendo que isso só causaria problemas com o marido. Ela me respondeu explicando o que conseguira.

Phaedra inspirou profundamente. Sua voz saiu mais fraca quando voltou a falar.

– Chorei ao ler a carta. Foi o gesto mais nobre que qualquer amiga já fez por mim. Preocupar-se comigo naquele momento... Ainda acho difícil de acreditar que seu irmão tenha concordado. Não sou uma mulher que a maioria dos homens deseje como amiga de suas esposas. Uma cortesã seria mais bem-vinda nas salas de estar das famílias elegantes de Londres.

Elliot imaginou que a generosidade do irmão fazia parte de uma estratégia maior. Phaedra Blair era uma concessão pequena para Hayden nas negociações para ficar com a mulher que desejava.

Não ajudaria colocar as coisas dessa forma.

– Hayden nunca foi escravo das regras da sociedade. Ele quer que Alexia seja feliz e sabe que a amizade dela com você não representa qualquer perigo.

– Se ele acredita nisso, o amor o deixou tolo. Não me ressinto com os pais e maridos que não permitem que eu seja recebida, Elliot. Se eu fosse eles e acreditasse no que eles acreditam, estabeleceria as mesmas regras.

Elliot olhou para o topo da cabeça dela. O cabelo parecia mais dourado do que ruivo agora, na luz cristalina da manhã. Ela não queria sua piedade por sua infância solitária. Não esperava que o mundo se transformasse para se adaptar a ela. Só queria que a deixassem quieta para que conduzisse suas crenças como lhe aprouvesse.

Entender isso acrescentou ternura à satisfação que ele sentia naquele momento. Infelizmente, deixá-la quieta seria quase impossível.

– Lorde Elliot.

O chamado de Carmelita não veio das escadas de pedra. Ela estava lá embaixo, do lado de fora da torre. Pelo menos uma das senhoras tinha se intrometido mais cedo e agora faziam uma tentativa de não repetir isso.

Ele se levantou e olhou para fora da janela. As cinco senhoras estavam em volta de Carmelita, falando baixo e ainda montando guarda.

– Lorde Elliot, o signore Greenwood está chegando.

Ela fez um gesto indicando a parte baixa do promontório, para além dos homens que acordavam.

Greenwood passava pelo cais, agora cheio de barcos de pesca. O barulho da cidade lembrou a Elliot por que nenhum deles fora para o mar. Era o dia da festa de San Giovanni.

Os homens deram passagem a Greenwood. Ele lhes disse algo ao passar. Acenou para Elliot quando o avistou na janela. Seu sorriso e andar lépido indicavam que trazia boas notícias.

Ele cumprimentou Carmelita e as senhoras com uma mesura, depois olhou para cima.

– Você e a Srta. Blair têm muitas razões para me agradecer, Rothwell. Fui tão habilidoso, tão brilhante, que mereço um cargo nas relações exteriores.

– O senhor convenceu aquele idiota a pôr fim nisso? – perguntou Carmelita.

– Fechei um acordo. Um tão bom que as senhoras não precisarão mais oferecer seus préstimos.

Carmelita explicou às senhoras o que ele dissera, porém elas relutaram. Uma pequena discussão se seguiu, mas Carmelita as convenceu. Todas as mulheres começaram a caminhar de volta para a cidade.

– Vou subir e explicar – disse Matthias, desaparecendo no limiar do portal.

Elliot se virou para Phaedra. Ela se parecia de novo consigo mesma: composta, orgulhosa e singular. O tecido preto cobria o corpo que ele possuíra horas antes. Phaedra se inclinou e esticou o cobertor por cima da palha, eliminando a mais óbvia evidência dos eventos noturnos.

– Eu devia ter me rendido à tentação e acordado você mais cedo – disse ele. – Uma noite assim não devia terminar de forma tão abrupta.

Phaedra deu um sorrisinho nervoso.

– De forma abrupta ou lenta, as noites sempre acabam.

Havia muita coisa que ele gostaria de dizer em resposta, entretanto as botas de Greenwood já se aproximavam do cômodo.

O cabelo branco e o rosto sorridente de Matthias surgiram. Ele parecia muito satisfeito consigo mesmo.

– Trouxe-lhe a chave de sua prisão, Srta. Blair. Infelizmente, para que tudo dê certo, a senhorita tem que deixar Positano imediatamente.


CONTINUA

CAPÍTULO 7

– É uma coleção modesta.

Matthias brilhava de orgulho, apesar de suas palavras.

– Tive a ideia inspirado nos gabinetes renascentistas. É o meu refúgio dentro de casa, cheio dos meus objetos favoritos.

Seu gabinete era uma grande sala quadrada cheia de urnas antigas e ramagens nas paredes de gesso. Além de uma escrivaninha comprida repleta de livros e papéis, o cômodo continha artefatos. O capitel de uma coluna coríntia estava empoleirado em um dos cantos da mesa. Um busto antigo os observava do alto de uma estante de livros. Vitrines com pés, como as das livrarias inglesas, guardavam outros pedaços de peças e antiguidades.

Phaedra caminhava por entre as peças, observando. Randall Whitmarsh a acompanhava, apontando as moedas com as imagens de Júlio César e Tibério gravadas e as pequenas garrafas de vidro.

– Aqui está o grande achado – anunciou Matthias.

Ele abriu uma gaveta, retirou uma trouxinha de tecido e começou a desembrulhar o material.

Surgiu uma pequena estatueta de bronze de uma deusa nua em uma posição relaxada.

– Alguns garotos mergulhavam na enseada e lá estava ela, no fundo da areia. Deve ter ficado lá por 1.500 anos. É grega, tenho certeza. Período clássico. Provavelmente parte de uma carga grega a caminho de alimentar os cobradores do Império Romano.

Whitmarsh levantou a estátua.

– Com certeza um navio naufragou aqui. Deve haver outras peças onde ele afundou, se puder ser achado.

– A água fica profunda rapidamente, o que é muito perigoso – disse Matthias. – Se houver mais peças, elas só vão ser encontradas quando as marés fizerem seu trabalho. Retirei com cuidado as cracas e a melhora foi maravilhosa.

Elliot tomou a estátua em suas mãos.

– É linda. Pretende vendê-la?

– Ainda não sei. Caso decida vender, Whitmarsh poderia pô-la à venda para mim em Roma, não é?

– Ou eu, em Londres – emendou Elliot. – Você conseguiria um preço melhor, não acha?

Matthias sorriu com a indulgência de um mestre. Pegou a estátua das mãos de Elliot.

– E macular o seu sangue com atividades comerciais? Eu não faria isso.

– Não haverá comércio se eu apenas indicar um colecionador. Easterbrook pode até ficar interessado na peça.

Os homens começaram a discutir a data de criação da estatueta e seu valor. Phaedra continuou a andar por entre as vitrines para completar sua visita de reconhecimento.

A coleção de Matthias era muito eclética, como a de um garoto de escola que trouxesse para casa pedaços e peças do mundo que o fascinavam. Uma vitrine continha fragmentos de cerâmica de pouco valor, porém com enfeites primitivos fascinantes. Espirais e formas geométricas se amontoavam sobre as superfícies avermelhadas. Um belo cálice grego intacto ocupava lugar de honra em outra, exibindo o deus Dionísio em um navio em seu interior raso e arredondado.

Prosseguiu até as adagas antigas e partes de armaduras romanas entalhadas e chegou até uma vitrine que continha outros objetos de metal. Essa estava trancada e Phaedra podia entender por quê. Espalhados dentro estavam objetos de ouro e prata e esmaltados, alguns clássicos, outros de épocas posteriores, em que normandos e sarracenos estiveram ali. Pequeninas imagens de deuses romanos e vivas interações de linhas e arabescos disputavam sua atenção.

A vitrine inteira brilhava. Fechos de bolsas, brincos e fileiras de contas de vidro.

– Decidi ficar com minha pequena deusa – anunciou Matthias. – Onde acha que devo alojá-la, Srta. Blair?

Phaedra deu sugestões de lugares onde Matthias poderia exibir a pequena estátua, porém seus pensamentos continuavam na coleção diversificada do seu anfitrião. Ela se perguntava se ele saberia algo sobre camafeus antigos.


De tarde, o Sr. Whitmarsh decidiu pescar, então os cavalheiros desceram a montanha para alugar um barco após a sesta costumeira da cidade. Isso deixou Phaedra com a signora Roviale e a Sra. Whitmarsh.

As damas se sentaram na sala de visitas e tentaram não entediar umas às outras. Quando a Sra. Whitmarsh pediu licença e saiu para escrever uma carta, a signora Roviale abordou o único assunto que achava ter em comum com a outra hóspede.

– É um homem notável, o seu lorde Elliot. Não sou fã de todos os amigos ingleses do signore Greenwood. Eles quase sempre são pálidos demais e reservados a ponto de se tornarem tediosos, e suas mulheres e namoradas também são sem sal e sem assunto. Mas lorde Elliot é ao mesmo tempo bonito e interessante. Un uomo magnifico.

– Lorde Elliot é cunhado de uma grande amiga minha e me acompanha a pedido dela. Não sou sua namorada.

– Veramente? – exclamou ela, depois avaliou Phaedra com frieza. – Talvez, se usasse roupas mais atraentes... Matthias me disse que não está de luto e, por aqui, o preto é mais comum entre as mulheres velhas... E seu cabelo, a minha criada poderia penteá-lo para que não parecesse uma criança nem uma puttana.

“Puttana” tinha sido uma palavra que Gentile Sansoni usara durante o interrogatório. Significava meretriz. Como a signora Roviale não era casada com Matthias, estava enveredando por um campo muito delicado.

– Escolho meus vestidos e meu penteado por bons motivos, signora. Assim não preciso ficar sobrecarregada com criadas nem gasto horas em preparações antes de começar meu dia tão atarefado.

– Aaah, capisco. Entendo.

Ela fez um gesto expressivo, a mão desenhando um amplo arco que incluiu as duas e a casa.

– Mas seu dia está livre hoje. Não está muito ocupada, não é? Não temos nada para fazer enquanto esses ingleses pescam feito camponeses. Ofereço-lhe minha criada; então não ficará, como disse, sobrecarregada.

– Estou muito satisfeita assim, obrigada. Quanto a preencher o meu dia, vou para o meu quarto ler, se me der licença.

– Pode ler outra hora. Acho que é uma mulher que lê demais.

Ela se levantou e acenou para Phaedra, indicando que a acompanhasse.

– Talvez esteja satisfeita em seu vestido, contudo a signora Whitmarsh não está feliz. Ela pensa que você é uma bruxa e que está tentando encantar o marido dela. E você é tão incomum que ela não sabe como competir. É louca por pensar assim, de toda forma posso ver as suspeitas naquele rosto comprido. Nós a deixaremos apresentável e comum para o jantar desta noite, para que ela não pareça ter uma nuvem negra em cima da cabeça.

Revoltada por estar sendo coagida, porém incapaz de pensar em uma desculpa para desfazer o plano de sua anfitriã, Phaedra se levantou. A signora Roviale lhe deu o braço e, com firmeza, conduziu-a escada acima.


Elliot despiu a camisa agora úmida de maresia. Entregou-a ao criado para que fosse lavada, depois foi se arrumar para o jantar. A pesca tinha sido divertida, animada pelos odres de vinho que Matthias tinha jogado no barco.

Saiu para o terraço e apurou os ouvidos. Nenhum som vinha do quarto de Phaedra, portanto supôs que ela já tivesse descido e se dirigiu à sala de visitas. Todos os hóspedes estavam reunidos, exceto a única mulher que ele estava ansioso para ver.

Perguntou-se se ela aproveitara sua ausência para escapar e amaldiçoou a própria negligência. A combinação relaxante de sol e mar e a excitação que não queria deixá-lo o tinham feito esquecer o motivo de ter Phaedra em sua companhia.

Conversou com Whitmarsh e Greenwood. Cada minuto que passava aumentava suas suspeitas da fuga de Phaedra. Estava prestes a perguntar à signora Roviale sobre as atividades da Srta. Blair naquele dia quando Whitmarsh de repente parou de falar e olhou fixo por sobre o ombro de Greenwood. A expressão no rosto dele fez Elliot olhar na mesma direção.

Greenwood virou a cabeça.

– Meu Deus. É a nossa Srta. Blair?

Aparentemente, sim, exceto que aquela Srta. Blair não se parecia muito com a que Elliot conhecia. O vestido preto substituído por um azul-celeste, com um fita marfim e mangas curtas bufantes no ombro e justas no braço. O cinto de seda marcava sua cintura e o decote revelava a pele muito alva do pescoço e dos ombros, destacando o arredondado firme e elegante de seus seios.

O cabelo também tinha sido penteado e preso. Sem mais flutuar solto, formava um penteado com cachos e trançados que a deixavam muito na moda. Usava um pouco de maquiagem no rosto, ou talvez a atenção que despertara a tivesse feito enrubescer.

– É ainda mais bela do que a mãe – sussurrou Whitmarsh. – Se pode ficar bonita assim, por que se esconde naquele hábito de freira?

Elliot sabia por quê. O motivo agora enchia a sala de visitas. O silêncio caiu conforme os homens a olhavam e as mulheres a avaliavam. Elliot andou pelo meio dos outros para poupar-lhe o incômodo de continuar a ser o espetáculo da noite.

– Está muito bonita hoje, Srta. Blair. Vamos pegar um pouco de vinho.

Ela o acompanhou até a criada que servia as bebidas. O grupo retomou suas conversas.

– A signora Roviale fez isso tudo. O vestido é dela – contou Phaedra. – A mulher é implacável. Não havia como escapar.

Ele lhe entregou um cálice de vinho.

– Foi gentileza da sua parte ceder.

Ele se esforçava para que seu olhar não resvalasse para a protuberância branca acima do decote do vestido. Queria lamber e mordiscar aquela pele de leite que surgia além da fronteira azul-celeste.

– Levou horas. Tinha me esquecido dessa parte. E esse espartilho... bem, você pode imaginar como meu pobre corpo não gosta disso.

Não exatamente. Contudo ele podia imaginá-la de camisa e meias, antes de pôr o espartilho, e depois de vesti-lo, quando ainda não houvesse colocado o belo vestido.

– Acredito que, com a prática, fique mais fácil.

– Não vai haver prática. Essa experiência acaba junto com o jantar. Só rezo para que não desmaie antes disso. Mal posso esperar para ser liberada dessa tortura. Para começar, é insuportavelmente quente. Descobri que os árabes usam roupas soltas em climas quentes por um bom motivo. Além disso...

De repente, no meio da frase, suas reclamações pararam. Ela enrubesceu violentamente, como se visse nos olhos dele o que se desdobrava em sua imaginação, o vestido caindo, o espartilho se abrindo e o corpo dela sendo revelado. O traje dava uma visão melhor desse corpo do que seus vestidos pretos, e ele a imaginava nua com muito mais nitidez agora.

Whitmarsh se aproximou exalando charme. Greenwood não perdeu a Srta. Blair de vista enquanto falava com os outros. Ela respirou fundo e partiu para encantar a todos com seu brilho e sua beleza.


Phaedra pretendia escapar direto para seu quarto ao final do jantar, para tirar aquelas roupas desconfortáveis. Mudou de ideia ao ver Matthias Greenwood andar em direção a seu gabinete. Em um impulso, ela o seguiu, alcançando-o no momento em que abria a porta.

– Sr. Greenwood, posso falar com o senhor em particular? – solicitou Phaedra.

– Com certeza, Srta. Blair. Venha comigo. Terá toda a minha atenção aqui.

Ela aceitou sua acolhida e sentou-se na cadeira que ele lhe indicou, ao lado da mesa. Encarapitada lá, sob seu exame tutorial, sentiu-se como uma aluna pleiteando uma vaga na universidade.

– Sr. Greenwood, na Inglaterra eu vinha conversando com pessoas que conheceram minha mãe. Tenho algumas perguntas sobre fatos que aconteceram no final da vida dela. O senhor a conheceu também e seu nome foi mencionado várias vezes. Algumas delas sugeriram que talvez pudesse me ajudar.

– Algumas delas...?

– Amigas de minha mãe. Mulheres que me ajudaram a relacionar as pessoas que faziam parte do convívio social de minha mãe e coisas afins.

– Ajudarei como puder, entretanto não era um amigo próximo. Minhas funções na universidade não me permitiam vê-la com muita frequência.

– Entendo. Contudo é sua distância relativa que pode ter possibilitado ao senhor enxergar com mais clareza do que os amigos mais íntimos.

Ele pareceu cético, mas se mostrou prestativo.

– O que precisa saber?

– Talvez o senhor considere minhas perguntas um pouco ousadas.

Ele riu.

– Ficaria desapontado se não fossem. Se a senhorita está correndo o mundo atrás de respostas, imagino que as perguntas não sejam banais.

Seu bom humor tornava tudo mais fácil. Ela decidiu começar com a pergunta mais ousada de todas.

– Alguma vez suspeitou que minha mãe tivesse um amante nos últimos anos de vida?

Ainda que ele esperasse ousadia, a pergunta o deixou um tanto sem jeito. Sua expressão sempre bem-composta se alterou, ficando próxima do constrangimento.

– Não tive indícios para pensar isso. No entanto... Bem, quando conheci sua mãe, Drury era uma presença constante, mas parecia menos presente por volta do último ano.

– O senhor sabe quem era o outro homem?

Os olhos dele ficaram mais cálidos, demonstrando simpatia. Seu sorriso era o de um tio para a sobrinha preferida.

– Nem sabia se havia alguém. Tem certeza de que houve?

– Meu pai achava que sim.

– Os homens podem errar em relação a essas coisas. A paixão esfria, a distância aumenta... Ele pode ter interpretado errado.

Ela sabia dessa possibilidade. Matthias não era o primeiro a mencioná-la. Vários amigos de sua mãe sugeriram a mesma explicação. Ela mesma também nutria a esperança de que fosse apenas isso.

– Há alguém que o senhor teria considerado provável?

Ele balançou a cabeça.

– É tão importante saber o nome ou mesmo se a suspeita se confirma?

– Se tivesse sido um caso normal, eu diria que não.

Ele esperou pacientemente que ela continuasse, nem encorajando nem desencorajando outras revelações com seu comportamento reconfortante. Ela entendeu por que Elliot gostava desse homem. Havia algo em Matthias Greenwood que inspirava confiança e estimulava confidências. Sua franqueza era tamanha que afastava até a menor possibilidade de dissimulação.

– Minha mãe me deixou um camafeu – contou ela. – Seu testamento dizia que era originário de Pompeia. Sua intenção era que ele me desse alguma segurança financeira, e sempre supus que daria. No entanto, antes de meu pai morrer, ele alegou tratar-se de uma joia falsa, vendida a minha mãe pelo amante.

Matthias franziu o cenho, a preocupação evidente em seu olhar.

– A senhorita depende do valor desse camafeu?

– Minha situação financeira ficou mais complicada nos últimos tempos. Talvez eu precise vendê-lo. Contudo, se for falso...

– Valerá uma mera fração do que ela imaginava e provavelmente do que pagou. E a senhorita também não pode vender a peça antes de ter certeza, a menos que queira se arriscar a fazer parte de uma fraude.

– Exatamente.

– Entendo seu dilema. Lamento que sua herança esteja em questão. Se um admirador tirou vantagens indevidas de Artemis, o canalha deveria ser enforcado. Ela era muito generosa com todos que conhecia, mas... bem, talvez ingênua demais e lenta demais para perceber que alguns teriam interesse em se aproveitar dela.

Ele lhe lançou um olhar que pedia desculpas pela leve crítica.

– Talvez ela tenha sido mesmo ingênua demais, Sr. Greenwood. E sua generosidade significa que ela deixou pouco mais em herança além do camafeu. Suponho que eu poderia guardá-lo como lembrança, contudo, se ele simboliza o roubo de sua afeição e de seus recursos, não terá nenhum valor sentimental para mim.

– Eu pediria para ver o camafeu se pudesse afastar suas preocupações, no entanto confesso não ter muito conhecimento nessa área. Poderíamos mostrá-lo a Whitmarsh, é claro. Ele conhece muito mais pedras preciosas do que eu. No entanto, faria mais sentido perguntar aos especialistas em Pompeia...

Seu cenho se desanuviou. Ele deu um risinho.

– É por isso que está na península Itálica, não é? É claro. Agora compreendo.

– O senhor acha que posso obter uma resposta concreta lá?

– A mais concreta possível. Como já sabe, as opiniões variam. Escreverei para o superintendente, para abrir caminho para a senhorita. Ele está envolvido em escavações há vinte anos e pode atestar a origem do item, bem como seus sinais característicos de antiguidades.

– Agradeço sua boa vontade em me ajudar. Pergunto-me se posso abusar um pouco mais de sua gentileza. Temo que isso signifique pedir que levante hipóteses que talvez não queira.

– Não sou bom demais a ponto de resistir a fofocas, Srta. Blair. Pelo menos, até certo ponto.

Ela suspeitava de que iria chegar a esse ponto e talvez ultrapassá-lo.

– Se, de fato, esse camafeu, real ou falso, foi dado ou vendido a minha mãe por um homem nos seus últimos anos de vida, o senhor pode pensar em alguém em seu círculo que tivesse acesso a coisas assim?

Seus olhos de águia se obscureceram e ele ficou introspectivo, refletindo demoradamente sobre a pergunta. Phaedra imaginou que ele estaria relembrando as festas e jantares de anos atrás, examinando rostos e reconstituindo conversas.

– Não tenho um nome para lhe dar – disse por fim.

Sentiu o desapontamento, mas não foi um golpe tão duro. Teria sido ótimo resolver o mistério naquele dia, entretanto ela na verdade não esperara mesmo que isso acontecesse.

– Contudo, talvez...

Os olhos de águia de Matthias ficaram reflexivos de novo.

– Olhe bem, estou me lembrando de uma joia que diziam ser originária de um tesouro em Pompeia, só que não pertencia a sua mãe. Lembro-me que sua existência foi discutida durante uma das recepções que ela deu. Pode ser a mesma joia que está agora em sua posse ou talvez seja outra.

– O senhor se lembra do que foi dito na ocasião?

– Não de muita coisa. Não tinha interesse no assunto. Nem mesmo consigo determinar a data da conversa com muita precisão.

Ela olhou por cima de seu ombro para as vitrines.

– Eu diria que o assunto o interessa deveras.

– Não em relação a essa joia específica. Percebi logo que a origem da joia era duvidosa. Qualquer item retirado de Pompeia é propriedade roubada. Não há documentação de sua descoberta lá porque isso revelaria tratar-se de um roubo – explicou e deu de ombros para prosseguir: – Há quem não se importe com esses detalhes e pessoas que acreditam em qualquer história que lhe contem. É assim que comerciantes desonestos fazem fortuna.

– O senhor se recorda de como esse camafeu surgiu? Alguém o estava vendendo?

Ele bateu com os dedos na mesa e pensou bem.

– Foi há tanto tempo... Não quero atacar a credibilidade de ninguém...

– O senhor não o fará. Nem eu. Não farei acusações, a menos que tenha certeza de todos os fatos. Não haverá fofoca, nem difamação ou calúnia. Só quero saber em que direção devo seguir.

– Não me lembro dos detalhes. Mas havia vários negociantes que giravam em torno de Artemis Blair. Dois estavam sempre presentes nos últimos anos. Um, Horace Needly, tem uma reputação ilibada, porém nunca se sabe o que acontece nesse meio. No outro tenho menos confiança, principalmente porque ele evitava conversas com acadêmicos como eu. Isso me fazia pensar se seu conhecimento passaria pela prova de alguém experiente.

– Qual era o nome dele?

– Thornton. Nigel Thornton. Um sujeito bem-apessoado. Bem-sucedido também, se não me engano, contudo suas antiguidades tinham origem duvidosa.

– Obrigada pelos dois nomes. Verei o que posso descobrir quando voltar à Inglaterra. O senhor me ajudou bastante e sou muito grata.

Ela se levantou para ir embora. Ele sorriu ternamente, feliz por ter sido útil.

– Sr. Greenwood, me perdoe, mas... não havia pelo menos mais um negociante no círculo de minha mãe naquela época? O Sr. Whitmarsh. O senhor disse no outro dia que ele vende antiguidades em Roma e...

– Aquilo foi só uma brincadeira entre amigos, Srta. Blair. Desde que veio para cá, sabe-se apenas que passou adiante um ou dois objetos que lhe chegaram por acaso e com os quais ele não tinha intenção de ficar. Nada mais. Já fiz isso também. Não se pode considerar isso comércio – ele foi falando de forma indulgente, enquanto a acompanhava até a porta. – Além disso, ele não se dedicou a esse ramo na Inglaterra, nem mesmo por um período breve. Não ficaria bem, não? Afinal, ele é um nobre.


– Rápido, não aguento mais. Rápido.

Um grunhido profundo seguiu os pedidos da Srta. Blair.

– Ai, assim, hum, que maravilha.

Elliot estava de pé no terraço, com as costas apoiadas na parede da casa. Ele ria por dentro dos gemidos que lhe chegavam pelas portas ao lado das dele. Os sons que Phaedra fazia ao ficar livre, aliviada do vestido e do espartilho, lembravam os de uma mulher que se sentisse livre e aliviada por outros motivos.

Pôde ouvir quando ela dispensou a criada e depois resmungou:

– Que diabos. Nunca mais. As mulheres são loucas de se vestirem assim.

Vagos sons de seus movimentos no quarto eram notados. Ele deu alguns passos no terraço e retomou sua posição, desta vez do lado de fora do quarto dela.

– Sobreviveu, Srta. Blair? Ou ficou deformada para sempre?

Ela esticou a cabeça para fora, procurando-o. Ficou surpresa ao vê-lo tão perto.

– Achou graça, não?

– Nem um pouco.

Sua risada mostrou que era mentira. Ela franziu a testa com vigor.

– Espere aí. Quero lhe falar sobre um assunto.

E ela desapareceu no quarto.

Voltou alguns minutos depois, vestida de preto. O penteado não fora desfeito, então ela ainda não tinha voltado a ser a Phaedra de sempre.

– Por quanto tempo pretende me manter aqui? – perguntou ela.

Suas palavras aludiam a tudo o que ocorrera desde o dia em que ele entrara naquele jardim em Nápoles. A observação continha todos os seus ressentimentos.

– Alguns dias. Mais tempo, se a senhorita quiser. Precisa admitir que este é um lugar bem relaxante.

– Não vim da Inglaterra para repousar.

– Podemos partir em três dias, se desejar. Contudo imaginei que apreciasse a companhia de pessoas que conheceram sua mãe.

Ela foi até a balaustrada e olhou para o mar negro. Elliot observava suas costas, mas o que via, apesar do tecido preto que a cobria, era o corpo nu.

– Confesso que estou gostando da visita mais do que esperava, exceto das imposições da signora Roviale hoje. Apesar de inconveniente, esse desvio em meus planos se mostrou proveitoso. Deveria ter considerado que seria útil... que seria possível e até mais provável conhecer as pessoas do círculo da minha mãe se eu o acompanhasse.

Ele teria questionado o motivo de ela considerar isso “útil” se a noite não estivesse tão agradável e calma e a luz da lua não tornasse Phaedra tão linda.

– O Sr. Greenwood mora aqui há muito tempo? – perguntou ela.

– Ele comprou a casa há uns seis ou sete anos. Só veio morar aqui em definitivo faz quatro anos. Na última vez em que vim, a casa ainda era bastante rústica.

– Imagino que ele conheça todos os especialistas em antiguidades, de Milão à Sicília.

– É bem provável. Não se trata de um grupo tão grande. É natural que busquem a companhia de colegas.

– Então foi um professor universitário que comprou esta mansão, fez melhorias e se mudou para cá. Ele deve vir de uma família abastada.

A avidez de Elliot o deixava impaciente por jogar conversa fora com Phaedra, mas ele lhe concederia isso por enquanto. Afastou-se da parede e se juntou a ela na balaustrada.

– Ele vivia de forma frugal em Cambridge. Um parente lhe deixou dinheiro. Esta mansão provavelmente deve ter custado menos do que uma casa pequena em Londres. Os imóveis aqui não têm o mesmo valor de lá.

Ele admirava o trabalho intricado no penteado da Srta. Blair. Levaria um bom tempo para desfazer tudo aquilo antes de dormir. Tempo de mais. Ele deixaria daquele jeito.

Exceto por um olhar, ela não reagiu à sua proximidade.

– Ele falou como se visitasse as escavações com frequência e conhecesse os arqueólogos lá.

– Espero que sim. Por que está tão curiosa sobre ele?

Matthias tinha idade para ser pai dela e Whitmarsh, quase isso. Ainda assim, a admiração deles pela ruiva naquela noite provocara em Elliot uma desconfiança enciumada que provavelmente não tinha fundamento. Agora a desconfiança surgia de novo, irracional porém nítida, atiçando o desejo com os espinhos da possessividade.

– Há algumas páginas nas memórias de meu pai que levantaram questões sobre os últimos anos de vida da minha mãe. Fiz perguntas a Matthias e estou refletindo sobre o peso que devo atribuir às respostas.

Então era nisso que ela pensava nas horas em que ficava séria e introvertida? Ela havia se aventurado até o terraço, apesar da advertência da noite anterior, mas não para implicar ou desafiar. Ela buscava informações que fossem úteis.

Christian sugerira que essas memórias talvez contivessem revelações que Phaedra não iria gostar de ler. O fato de ela confirmar isso provavelmente era significativo, porém naquele exato momento Elliot não se importava. Ele a desejava e estava ali, naquela noite maravilhosa, com ela, uma mulher que acreditava no amor livre e que não se prendia a regras sociais estúpidas.

A luz da lua tornava sua pele branca quase translúcida. O vestido preto ia até o pescoço, mas ele ainda tinha na mente o volume dos seios dela.

– Às vezes é sensato deixar as perguntas sem resposta.

Ela o encarou, indiferente a quão perto estava de ser agarrada.

– Não acredito que creia nisso. Ou, melhor, não acho que o senhor consiga seguir o próprio conselho. Vi seu rosto quando falamos das referências a seu pai nas memórias. Você não quer que elas sejam publicadas, porém precisa saber se o que há lá é verdade.

Sua postura e suas palavras lançavam um novo desafio. Ele não o aceitaria naquela noite; em vez disso, lidaria com os desafios já existentes entre eles. Haveria tempo o bastante para lidar com este mais tarde.

– Já sei que não são verdadeiras. Mas a senhorita fala de questões sérias, Srta. Blair. Por favor, perdoe-me por deixar essa discussão para outro momento. Um em que a luz do luar, a noite e sua beleza não estejam fazendo minha mente se voltar para outros assuntos.

A expressão no rosto dela foi de pura surpresa. Não se moveu ao encará-lo. O que quer que tenha visto no rosto dele gerou faíscas de temor em seus olhos.

Ela se virou para caminhar em direção à porta.

– Então o deixarei refletir sobre esses assuntos, quaisquer que sejam.

Ele pegou no braço dela.

– Não desta vez, Phaedra.

Elliot a virou para si, segurou seu rosto entre as mãos e beijou a boca que o tentava fazia dias.


Como é que ele... como ousava...

Seu espanto por ser puxada para Elliot foi apagado pelo beijo dele. Mas outra coisa a assombrou: a forma como seu coração deu um salto quando ele a dominou.

Só o beijo já fora suficiente para deixá-la assim. Firme, forte e determinado, o beijo dele continha as advertências da noite anterior. Quero-a implorando por mim. Esse perigo a excita.

Com certeza, aquele perigo a excitava. A forma como sua pegada a dominou gerou arrepios traiçoeiros em seu baixo-ventre. Partes dela começaram a implorar de imediato, pedindo mais, desejando que ele não parasse.

A mente de Phaedra se acelerou. Pensamentos se formavam e desapareciam em rápida sucessão.

Ele nem perguntou. Será que pensou...

Os beijos no pescoço fizeram-na perder as palavras. Uma névoa estonteante e sensual obscureceu o resto.

Isso foi um erro, mas, ah...

O calor da boca de Elliot penetrou em seu sangue, fazendo seu corpo formigar em todas as partes para onde ele fluía. Seus seios ficaram mais cheios e firmes e o sentiram através do tecido do vestido. O contato a excitou mais e ela instintivamente colou o corpo no dele em busca de mais estímulos.

Ele beijou sua boca de novo. Não tão forte dessa vez, apenas seduzindo e conduzindo-a, mas igualmente exigente e confiante em que ela lhe daria tudo o que ele desejava.

A forma como ele a agarrava a atiçava, ainda que ela devesse ter se rebelado. Ela via o perigo, mas não conseguia parar porque era excitante. O corpo de Phaedra seguia para o abandono e a mente já estava fora de controle.

Uma carícia. Que não explorava, não procurava, não pedia nada. Firmes e seguras, suas mãos desceram por suas costas, pelo quadril e as nádegas, reivindicando seu corpo como se ela não estivesse vestindo nada, fazendo-a sofrer na expectativa por mais.

A língua dele entrou em sua boca, percorrendo todos os espaços. Arrepios eróticos tremularam em sua vulva. As mãos dele se moviam por seu corpo, sem reservas. Ela não se importou por se render a um inimigo e lhe dar um espaço que talvez nunca mais retomasse no campo de batalha. A excitação comichava, zunia e pulsava, tornando impossível pensar de forma sensata.

Quero-a implorando por mim. Ah, sim, isso era bem possível. Seus seios estavam tão sensíveis que ela pensou que fosse enlouquecer.

Como se ele ouvisse seus pedidos silenciosos, acariciou seu quadril, o ventre e subiu até os seios. Estava zonza de expectativa ao beijá-lo, incitando-o com sua boca, a língua e o abraço.

Devagar, ele tomou o seio em sua mão. Um intenso frêmito de prazer a dominou. A outra mão dele estava firme em suas costas, sustentando-a e movendo-se para baixo devagar a cada fecho que abria do vestido.

Eu não deveria... isso não deveria...

Um beijo avassalador transformou em poeira a objeção que se formava na mente de Phaedra. Afagos deliberados em seus mamilos a espalharam pelo ar.

Ele deu um passo para trás, separando seus corpos. O brilho da lua banhou a ambos e a luz dourada vinda do quarto dela definiu os contornos de Elliot. Ele não lhe deu tempo para se recompor, para juntar os cacos de sua racionalidade. Levou a mão à gola do vestido e começou a fazer o tecido negro escorregar pelo corpo dela.

Nunca antes um homem a tinha despido. Nunca. Ela não permitia que isso acontecesse. Agora o gesto a deixava em transe, imobilizada. A lenta descida do tecido pareceu a carícia mais erótica da noite. Tudo o que ela conseguiu fazer foi olhar para o rosto de Elliot, sentindo mais do que vendo o desejo que impregnava o ar de potência viril.

As mangas desceram por seus braços e o corpete se afrouxou em seu quadril. Ele levou a mão ao ombro da camisa que ela usava por baixo. Phaedra perdeu o fôlego. Seus seios se enrijeceram ainda mais na expectativa de outro desnudar lento e delicioso.

Porém, de novo ele fez algo que a surpreendeu, afastando o último traço de bom senso que restava nela. Ele não a despiu devagar: em vez disso, arrancou a camisa pelos braços dela. Não foi um movimento impaciente nem apaixonado, mas um gesto que confirmava os direitos do conquistador.

A alma de Phaedra tentou se rebelar, porém não encontrou ancoradouro na maré de prazer que a submergia. A forma como ele olhou para sua nudez absorveu sua atenção de tal forma que ela não se moveu para liberar os pulsos da blusa que ainda restringia seus movimentos.

É só um jogo, essa dança de dominação e submissão. Não significa nada. Não estou cedendo nada, na verdade.

Mas...

Pontas de dedos a esquadrinharam. Palmas das mãos alisaram seu corpo. Ela olhou para baixo, para as mãos másculas de dedos delgados que acariciavam seus seios, estimulando-a e excitando-a da forma mais perfeita. Uma doce loucura tomou sua cabeça e ela enveredou para um prazer sensual cada vez maior. O último fio de autocontrole se desgastava rápido. Ela queria que arrebentasse de vez. Queria que lorde Elliot vencesse o último sinal de resistência que tentava arruinar seu êxtase.

Ele a abraçou de novo, fazendo-a arquear as costas. Beijou seu pescoço e peito traçando um caminho quente que a deixou sem fôlego. Seus dentes e sua boca brincaram com o mamilo, torturando-a com sensações que se espalhavam fundo em seu baixo-ventre e faziam sem corpo implorar enquanto ela gemia baixinho.

Phaedra tentou soltar um braço para enlaçá-lo e mantê-lo próximo, para apoiar-se e senti-lo.

– Não – murmurou ele. – Fique assim.

A tempestade sensual em sua cabeça queria obedecer. O prazer era tão grande que ela não podia parar. Seu corpo estava faminto por mais, por ser preenchido, pela completude que o aliviaria. Parar agora seria impossível, iria contra a natureza.

Porém...

Mesmo em seu abandono, conseguiu ver a situação com um olhar racional. Apesar de sentir um prazer tão intenso que quase doía, ela notou sua sutil submissão e tudo o que lorde Elliot dera por certo desde o primeiro beijo.

De alguma forma, a escrava rompeu suas amarras. Sofrendo de arrependimento e frustração, ela recobrou a voz:

– Você tem que parar agora. Quero que pare.

Ele ficou paralisado. Por alguns momentos terríveis, não se moveu. Depois se endireitou e olhou para ela.

O braço dele a puxou para perto, para um abraço forte. Sua outra mão pousou em seu rosto como no primeiro beijo. As pontas de seus dedos faziam pressão sem a machucarem, mas também sem suavidade.

– E se eu não parar?

Como a maior parte dela não queria que ele parasse, aquilo não chegava a ser uma ameaça. Porém, o fato de ele supor que ela cederia se ele continuasse, de que seria fraca diante de seu poder, devolveu-lhe alguma razão.

– Vai parar – disse ela.

– Confia tanto assim em minha honra?

– Confio em seu orgulho. Uma mulher importunada nunca implorará.

Ele a soltou e se afastou. Tudo em sua aura e em seu rosto dizia que ele poderia puxá-la de volta.

Ela subiu o vestido e se cobriu. Correu para a porta. Seu coração estava aos pulos e seu corpo ainda reagia ao perigo com uma excitação que a surpreendia.

– Não vou parar na próxima vez, Phaedra.

Ela parou no limiar da porta antes de replicar:

– Não acho que haverá próxima vez.

– Haverá, sim.

Ela agarrou as portas duplas e começou a fechá-las.

– Se acontecer, não será por sedução. Eu terei optado por isso antes mesmo do primeiro beijo ou não haverá beijo nenhum.


CAPÍTULO 8

Ele ainda ficou do lado de fora. Phaedra queria abrir a porta para deixar a brisa noturna entrar, mas não se atreveu. Ele poderia interpretar mal.

Ele seria ousado a ponto de entrar ainda assim? Ela se sentou na cama abraçando os joelhos, ao mesmo tempo temerosa e esperançosa de que a porta se abrisse de par em par e lorde Elliot entrasse.

Não se sentia tão dona da situação como agira ao fechar a porta. Sua excitação não ia dar trégua. Seu corpo continuava sensível até ao ar.

Ela não saberia dizer em que momento decidira detê-lo. Tinha sido instintivo, a intuição interferira.

Quero-a implorando por mim.

Não seria possível manter uma amizade com aquele homem. Ele queria vê-la fraca e entorpecida, para que pudesse influenciá-la. Afinal, tivera um motivo para ir atrás dela em Nápoles. Um amigo seu não poderia lhe pedir – nem o faria – que suprimisse aquelas passagens das memórias. Mas um homem que a dominasse e possuísse, um amante que a seduzisse, não hesitaria em usar o poder que essa paixão lhe outorgava.

E tudo isso era uma pena, porque ela o queria.

Nunca desejara um homem assim antes. Não havia nada de confortável nisso. Nada de seguro. Não era a mesma atração que experimentara com seus amigos, não se tratava de um encontro intelectual que permitia outras intimidades.

Ao contrário, o encantamento sensual dele provocava o caos, o mistério e uma estupefação que a deixava sem ar. Ele também sabia disso. Sabia que sua mera presença era um feitiço.

Sua excitação aos poucos se acalmou até virar um formigamento, o mesmo desconforto que vinha sentindo há dias. Por fim, o terraço e o quarto ao lado ficaram em silêncio. Jogou o corpo para trás e se deitou em posição fetal, ainda encarando a porta.

Teria sido isso o que acontecera com Artemis? Depois de anos de amizade confortável com Richard Drury, surgira um homem que não jogava de acordo com as regras dela?

Fora um choque descobrir que a mãe tinha sido infiel a seu pai. Acreditar no amor livre não significava rejeitar a crença em um amor perfeito, para a vida toda. Na infância, Phaedra concluíra que os pais tinham ficado juntos porque o amor livre facilitava reconhecer sua alma gêmea no momento que ela chegasse.

Imaginou a mãe. Bela, viva, segura de si. Mais confiante do que a filha chegaria a ser. Menos prática também. Com o passar dos anos, Artemis havia se cercado de um grupo de pessoas que aceitavam a forma como ela vivia. Seu círculo entendia a relação com Richard e o lugar dele em seu mundo.

Talvez já tardiamente, nesse fascinante espetáculo que fora a vida de Artemis Blair, um homem houvesse surgido, determinado a atravessar o fosso e escalar suas muralhas. Ela devia ter se visto sem defesas por falta de experiência em lidar com esse tipo de homem.

Exatamente como sua filha, naquele terraço ali fora.

Phaedra abraçou um travesseiro. Começava a entender o que havia ocorrido com esse amor tardio que tirara a mãe do eixo.

Um sedutor chegara, atiçando a fêmea primitiva que sobrevivia na alma de toda mulher. Ele tomara e conquistara. Influenciara, enfraquecera e, por fim, traíra.

Se houvesse se apresentado fingindo ser alguém de pensamento semelhante ao dos outros homens em torno dela, Artemis não haveria tido a menor chance contra ele.


Aquela vadia.

A frustração levava Elliot a acumular insultos contra Phaedra na manhã seguinte, enquanto terminava seu café na varanda. Considerando o trabalho infernal que seu corpo lhe dera a noite toda, ele não estava disposto a se esforçar para ter pensamentos dignos de um cavalheiro.

Tentava se contentar imaginando como Phaedra ficaria desconfortável em seu quarto quente e fechado, ao passo que ele deixara a brisa da varanda refrescá-lo. Só que, na verdade, cada vez que olhara para a porta da mulher, uma parte de si rezara para que ela se abrisse e Phaedra corresse para seus braços.

A porta não se movera. A contida, independente e pedra no sapato Phaedra Blair nunca lhe daria essa vitória. Por fim, a porta passara a representar um repúdio. Uma acusação. Uma declaração enraivecida de autocontrole. Você ousou seduzir em vez de pedir? Você tentou me dominar, logo eu, entre todas as mulheres?

Serviu-se de café. Os gemidos sensuais da ruiva ainda soavam em sua cabeça. Ainda sentia seu abraço e seus beijos longos e agressivos. Só em lembrar, já se sentia excitado de novo.

Tinha sido bom. Incrível. Onde ela havia encontrado o bom senso necessário para recuar, sem falar na força para deter a torrente que os arrebatava?

Passos leves e fugazes perturbaram a paz na varanda. Não precisava olhar para o limiar da porta para saber quem tinha chegado.

Nos poucos minutos que Phaedra levou para chegar à mesa, ele dominou a terrível raiva que acumulara ao longo da noite quente de vigília. Um último vestígio soou em sua cabeça ao saudá-la, entretanto. Você não vai se recusar na próxima vez, porque não quer isso de verdade.

A acolhida calma a deixou à vontade. Sua postura cuidadosa relaxou. Phaedra se sentou à mesa, lorde Elliot lhe serviu café e ela tomou um gole.

– Obrigada por ser tão civilizado – disse ela.

Ele não podia crer que ela realmente tocara no assunto. Pousou o cotovelo na mesa e descansou o queixo na mão. Algumas imagens sexuais muito pouco civilizadas se formaram em sua mente.

– Está se referindo a permitir que se recusasse na noite passada ou a lhe servir café esta manhã?

Uma criada entrou trazendo uma bandeja de ovos e fatias de toucinho defumado. Matthias podia ter escolhido Positano como seu lar, porém ainda oferecia um típico café da manhã inglês a seus convidados.

Phaedra pegou uma colher e, lentamente, serviu-se de ovos. Direcionava quase toda a sua atenção aos próprios gestos.

– Suponho que tenha me referido às duas coisas.

– Bem, Marsilio ou Pietro certamente teriam feito um escândalo na noite passada, discutindo e acusando até que toda a casa despertasse. Cavalheiros ingleses, contudo, são ensinados a sofrer.

Os lábios dela se franziram. Ela manteve os olhos no prato ao partir um pãozinho.

– Peço desculpas por qualquer sofrimento. Não foi minha intenção. Já que está sendo um verdadeiro cavalheiro inglês, talvez seja melhor eu não tocar mais no assunto.

– Seria o mais sensato.

Ela continuou a tomar o café da manhã devagar. Ele deveria se retirar, porém, é claro, não conseguiu. Phaedra pousou o garfo no prato e limpou a boca com o guardanapo.

– Lorde Elliot, se pretende que fiquemos mais alguns dias, então precisamos chegar a um acordo sobre o terraço.

Ela era inacreditável. Espantosa. Deveria saber que, naquele exato momento, o impulso dele era pegá-la, jogá-la por cima do ombro, carregá-la até o meio das árvores e terminar o que tinham começado. Porém, lá estava ela, negociando sabe-se lá o quê, quando uma noite insone o tinha deixado com muito menos boa vontade para fazer acordos.

– Como assim, Srta. Blair?

– Compartilhamos o terraço. Não é justo que o acesso a ele me seja negado ou que o fato de que eu o use possa ser interpretado como algo mais do que signifique de fato.

– Prometo que não interpretarei erroneamente caso a senhorita se junte a mim no terraço no meio da noite.

A promessa foi analisada com cuidado. Phaedra era esperta o bastante para entender os possíveis significados ocultos nela.

– Podemos pelo menos concordar que tenho o direito de deixar minha porta aberta sem temer que o senhor entre no meu quarto?

– Não.

– Vejo que fui muito otimista quanto a seu caráter.

– Nisso concordamos. Eu avisei.

– Lorde Elliot, eu...

– Insisto que me chame de Elliot em conversas particulares de agora em diante, Phaedra. Não se importa com a informalidade, não é? Podemos deixar de lado essa regra social estúpida. Afinal de contas, beijei seus seios nus e você gemeu de prazer.

Ela ficou estarrecida. Ele teve vontade de sorrir pela primeira vez naquele dia. Phaedra recuou e assumiu uma postura de arrogância controlada.

– Prefiro que evitemos a companhia um do outro o máximo possível, Elliot.

– Isso vai ser fácil esta manhã. Greenwood e eu vamos nos trancar em seu escritório até depois do meio-dia.

Ela se levantou.

– Então acho que vou dar uma longa caminhada e evitar os outros convidados por várias horas.

Ela se virou para ir embora.

– Phaedra.

Ela estacou e olhou por cima do ombro.

– Phaedra, exijo que prometa que não vai tentar fugir e que estará aqui no jantar.

Ela elevou a sobrancelha.

– Por causa de seu juramento ao signore Sansoni?

– Por isso também.

A expressão dela deu a entender que sabia qual era o outro motivo.

– E se eu não der a minha palavra?

– Posso amarrá-la na cama de novo. Gostaria disso?

Ela enrubesceu. Descartou a insinuação com um meneio brusco da cabeça.

– Tenho sua palavra?

– Sim, tem minha palavra, apesar de isso ser desnecessário e ridículo. Não sei nem como descer dessa montanha, que dirá descobrir como viajar para o interior.

Phaedra ergueu a cabeça e se afastou, fazendo o vestido negro ondular atrás de si.


Phaedra voltou para seu quarto e desfez as malas.

Como ele adivinhara seu plano? Não se via como uma mulher previsível, contudo lorde Elliot parecia ler seus pensamentos antes que eles nem sequer tivessem se formado.

Colocou de lado a valise vazia. Preparar-se para fugir fora um impulso nascido de uma noite de reflexão honesta sobre a forma como lorde Elliot a afetava. Ela corria enorme risco de fazer papel de boba, de se derreter toda só porque um homem lhe provocava desejo físico. Evitar completamente o desafio parecera uma boa ideia ao alvorecer.

Sentou-se e calçou as botas de cano curto. Andou até o terraço e olhou para baixo, para a cidade. Vozes chegavam da varanda embaixo dela. Outros convidados tomavam o desjejum.

Respirou fundo e invocou a mulher que sua mãe a ensinara a ser.

Decidir fugir fora covardia. Tinha se deslocado até aquela terra para encontrar respostas sobre a mãe, e algumas delas poderiam estar bem ali, naquela casa. Fazia muito mais sentido ficar e tentar confirmar as suspeitas que fervilhavam por debaixo de seus medos e vulnerabilidades em relação a lorde Elliot.


Quando Phaedra voltou à varanda, Matthias Greenwood desaparecera em seu gabinete com lorde Elliot. Randall Whitmarsh, contudo, estava sentado à mesa com a esposa. Phaedra se reuniu a eles, com a esperança de que a Sra. Whitmarsh logo pedisse licença e saísse. A conversa com Matthias tinha corrido tão bem na noite anterior que ela estava ávida por descobrir se o Sr. Whitmarsh poderia acrescentar mais alguma informação.

Infelizmente o Sr. Whitmarsh foi embora primeiro, para fazer sua longa caminhada matinal.

– A senhorita estava linda na noite passada – disse a Sra. Whitmarsh.

– Obrigada.

– Faz pensar em por que...

Seu olhar percorreu Phaedra dos pés à cabeça, examinando suas vestimentas.

Phaedra não se deu o trabalho de fornecer explicações. A Sra. Whitmarsh não era o tipo de mulher que pudesse entender a mistura de praticidade e teimosia que dera origem a essa opção excêntrica.

– O que quero dizer é que sua mãe não adotava esses símbolos externos para suas ideias singulares.

A atenção de Phaedra foi despertada.

– A senhora a via com frequência?

– Antes de nos mudarmos para Roma, meu marido costumava aceitar seus convites para jantar. Ao contrário de outras esposas, eu concordava em acompanhá-lo. Ele era fascinado por ela. Achei melhor cuidar para que ela nunca ficasse fascinada por ele também.

Phaedra não achava provável que Artemis considerasse o Sr. Whitmarsh fascinante. Porém, antes de ler as memórias, nunca poderia pensar que Artemis pudesse achar outro homem fascinante além de Richard Drury.

– A senhora teve êxito em frustrar uma ligação entre eles? Ou minha mãe teve algum carinho especial para com seu marido?

A Sra. Whitmarsh não demonstrou surpresa com a pergunta atrevida.

– Acho que fui bem-sucedida. Até muito tarde na vida, ela só teve olhos para o Sr. Drury.

– Quer dizer que, em algum momento, os olhos dela encontraram outro homem. Não meça as palavras por delicadeza. Sou a filha e, como ela, acho uma bobagem que as pessoas não falem francamente sobre esses assuntos.

A Sra. Whitmarsh deu de ombros.

– Foi fácil observar certa frieza entre seus pais no último ano de vida dela. Meu marido não percebeu, mas eu, sim. Vários homens a desejavam. Não como esposa, é claro.

O tom crítico e confiante da última frase incomodou Phaedra. Ela correu em defesa de sua mãe, apesar de Artemis não precisar de desculpas.

– Se não viu minha mãe desviar sua afeição para outro homem, tal frieza pode ter sido apenas resultado do passar do tempo e de dois amantes tornando-se amigos e mais à vontade um com o outro.

– Srta. Blair, meu marido e eu jantamos várias vezes com sua mãe, durante muitos anos. Normalmente o Sr. Drury estava presente. A familiaridade e a amizade que havia entre eles era muito clara desde o início. Ninguém precisou me contar na minha primeira visita que eles eram amantes e que você era filha do Sr. Drury. Contudo, no último ano, ele nem sempre se encontrava. E sua mãe ficava estranha na presença dele. Talvez a senhorita se considere mais inteligente do que eu, mas, quando percebo que as coisas não estão bem entre um homem e uma mulher, raramente me engano.

Sim, a Sra. Whitmarsh, que com tanto cuidado mantinha posse do marido, seria especialista nessa área da natureza humana. Será que também era observadora? Será que teria visto alguma coisa? Uma mulher que guarda um tesouro com certeza seria uma das primeiras a perceber se o pirata que ela temia tivesse voltado sua atenção para outro navio.

– Quem era o homem que se tornou objeto da atenção de minha mãe?

– Isso é um debate, em que tenho que dar um nome para que a senhorita respeite meu julgamento?

– É um questionamento sincero, de uma filha que se pergunta sobre os últimos anos de sua mãe.

A postura defensiva da Sra. Whitmarsh se desfez.

– Não sei. Só tenho certeza... certeza quase absoluta... de que não foi meu marido. Ela passou meses radiante, como se fosse jovem de novo, mas aí...

– Aí...?

– Foi como se alguém tivesse apagado a luz. Ela estava melancólica nas últimas vezes que nos vimos. Talvez, quem quer que fosse, a houvesse desapontado.

Phaedra percebera essa melancolia. Não havia entendido os motivos nem a profundidade, contudo a descrição era verdadeira. A luz se apagara.

– A senhora não está sozinha em se perguntar se ela teve um novo amor – falou Phaedra. – Alguns nomes me foram sugeridos. O Sr. Needly, por exemplo. E o Sr. Thornton.

– Needly? Bem, acho que isso pode fazer algum sentido. Ele guardava semelhanças com o Sr. Drury. Tinha a mesma natureza. E sua erudição em arte romana lhe daria algo em comum com sua mãe. Apesar de que, se me perguntassem, eu diria que os dois se estranhavam. Às vezes ele era um homem muito arrogante.

A Sra. Whitmarsh tinha amolecido com a fofoca. Ela apreciava o assunto muito mais do que Phaedra gostaria.

– Às vezes a atração pode criar rusgas.

– De fato, isso pode acontecer. Agora, o outro, Thornton... – disse, e então parou para pensar antes de prosseguir: – Ele era um pouco jovem demais para ela. Enigmático também. Entretanto estava sempre por perto. Não passava despercebido. Era bonito, até demais. Tinha presença, mas...

– Mas...?

– É difícil de explicar. Ele era maravilhoso. De deixar qualquer mulher de queixo caído. Contudo era de certa forma... obscuro. Meu marido uma vez usou essa palavra para descrevê-lo e achei apropriada. Sim, ele era obscuro de muitas maneiras.

Phaedra guardou a descrição em sua mente. Ao voltar para a Inglaterra, teria que procurar o arrogante Sr. Needly e o obscuro Sr. Thornton, além de perguntar a outros amigos íntimos da mãe se Artemis tivera um caso com um desses dois homens.

– Eu gostava dela – disse a Sra. Whitmarsh. – Não aprovava seu estilo de vida e ela sabia disso. Ainda assim, ela aceitava meus pontos de vista. Nunca permitiu que me sentisse deslocada. Era muito gentil.

– Ela estava acostumada com seus pontos de vista. Afinal, eles são os mais costumeiros. Sempre que botava o pé fora de casa, ela era a estranha. Quem dera o mundo tivesse sido tão gentil em relação a ideias diferentes quanto ela provou ser e tão aberto à companhia dela como ela era à de todos.

A Sra. Whitmarsh enrubesceu. A coloração de suas faces disse a Phaedra muito mais do que ela queria saber. Os Whitmarshs nunca tinham retribuído os convites para jantar. Artemis Blair nunca fora incluída no círculo deles e nas festas deles.

Essas confidências matinais de repente pareceram trair a memória de sua mãe. Phaedra suspeitava de que elas ecoavam as fofocas da Sra. Whitmarsh com seus amigos em salas de estar que nunca foram abertas para a intelectual que desafiava as convenções sociais.

Também teve uma amostra das fofocas que deviam correr sobre sua pessoa. Ela sabia que havia mulheres que riam dela, especulavam a seu respeito e a reprovavam, assim como havia homens que entendiam erroneamente sua liberdade. Era mais fácil ignorar essas pessoas se não tivesse que tolerar sua companhia.

Queria muito que a Sra. Whitmarsh tivesse revelado a identidade do homem que usurpara o lugar de Richard Drury. Ela não conseguira, porém suas observações não foram de todo inúteis.

Phaedra pediu licença. Deixou a varanda e tomou o caminho da ladeira que levava à cidade.


Logo depois de o sol nascer, Positano se tornava uma cidade de mulheres. Os homens que tinham condições físicas para pescar haviam saído muito antes de Phaedra começar suas atividades.

Levou um bom tempo para achar o caminho de descida pela densa rede de ruas antigas e estreitas. Mesmo com sua construção escalonada, eram bastante traiçoeiras. Phaedra desejou ter levado consigo sua sombrinha para usá-la como bastão de caminhada e se proteger do sol, que ficava cada vez mais quente conforme ia se aproximando do pico da montanha.

Mulheres e crianças paravam para vê-la passar pela rua do mercado. Ela admirou os limões e as verduras, as peças de carne de carneiro e de boi. Na esquina do mercado, alguns homens estavam sentados em cadeiras do lado de fora da taverna. Eles a olharam com curiosidade e desconfiança.

O mais jovem, um homem de cabelo escuro, vestido com uma sobrecasaca marrom elegante, tinha uma bengala apoiada na cadeira. Os outros pareciam velhos e encarquilhados. Ela supôs que tinham abandonado os rigores da pesca fazia muitos anos.

Phaedra encontrou as outras ruas principais seguindo o fluxo das pessoas. Sua presença era um pequeno espetáculo, como tinha ocorrido com a cavalgada em lombo de burro atrás de lorde Elliot. Cabeças apareciam nas janelas e olhares impetuosos acompanhavam sua caminhada.

As ruas a levaram a uma pequena piazza bem na encosta do morro. Água jorrava da boca de uma cabeça de leão esculpida em um muro baixo construído rente à rocha da montanha. Mulheres se sentavam em bancos de pedra à sombra das árvores, aguardando a vez de encherem seus jarros.

Phaedra encontrou uma vaga para descansar em um banco num local mais fresco. Olhos escuros a observaram interrogativamente. Uma moça sussurrou no ouvido de um menino e ele saiu correndo pela calçada. As mulheres matavam tempo ali depois de usarem a fonte, conversando em uma melodia expressiva, sem perder de vista a recém-chegada.

Logo outra mulher surgiu na calçada. O tecido de sua saia preta balançava com seus longos passos. Ela não se parecia com as demais mulheres.

Para começar, era loura. Seu cabelo louro-escuro estava preso em um nó na nuca, visível sob a grande aba de seu chapéu de palha preto. Ela não era tão clara quanto Phaedra, mas, em vez do bronzeado forte tão comum nessa terra, tinha um leve colorido na pele.

Phaedra se perguntou se era outra forasteira, que, como Matthias, tinha vindo morar ali. Quando a mulher se aproximou, no entanto, seus olhos amendoados, as maçãs do rosto salientes e o rosto em formato de coração revelaram que era uma nativa, mesmo que, num primeiro olhar, sua cor desse outra impressão.

A mulher se sentou no banco de Phaedra e fez algumas saudações às amigas. Phaedra tentou traduzi-las, porém as palavras se seguiam rápido e o sotaque em Positano era diferente do de Nápoles.

Ela se virou e deu uma boa olhada em Phaedra. O volume das conversas em torno delas baixou.

– Inglesa?

Phaedra assentiu.

– Elas imaginaram e mandaram o pequeno Paolo me chamar. Minha prima Julia e eu somos as únicas mulheres aqui que falam inglês. Você conheceu Julia. Ela é sua anfitriã na mansão. Você é viúva?

A conversa era entabulada em um inglês correto, apesar de a cadência e a pronúncia refletirem algum esforço.

– Não, não sou viúva.

O olhar da mulher se voltou para o cabelo longo de Phaedra.

– Não achei que fosse.

Ela olhou para a direita na rua e sorriu de forma dissimulada.

– Ah, lá vem o signore Tarpetta. Ignore-o. Ele gosta de agir como se fosse uma autoridade, mas ela só existe na cabeça dele.

O homem coxo que estava sentado no final da rua do mercado agora vinha mancando, apoiado na bengala, porém exalando presunção. Dois senhores o acompanhavam. Os três se posicionaram do outro lado da piazza.

– Meu nome é Carmelita Messina. Também não sou viúva, caso esteja em dúvida por causa de minha roupa preta.

– Meu nome é Phaedra Blair e fico feliz de conhecer alguém que fale meu idioma tão bem. Tentei falar sua língua, contudo...

Carmelita balançou a mão, dispensando as desculpas.

– Aprendi um pouco de inglês em Nápoles. Morei lá vários anos com Julia e seu falecido marido – explicou Carmelita, e então fez um sinal, apontando com o queixo para o signore Tarpetta, que as observava com atenção, apesar de conversar com os dois senhores. – Ele não gosta quando hóspedes da mansão descem até aqui. Tem medo de que vocês possam corromper seu pequeno reino.

– Os hóspedes descem com muita frequência?

– Somos apenas camponeses pitorescos para a maioria deles. Somos as pessoinhas nos cantos das pinturas sentimentais.

– Nem mesmo o signore Greenwood se mistura com vocês?

– Às vezes. Ele fez várias visitas no ano passado. Uma das vezes, ao voltar, levou Julia com ele – confidenciou, antes de lançar um olhar de escárnio para Tarpetta e acrescentar: – Ele tinha esperanças de se casar com ela. Faz muito alarde de que não a quer mais agora, mas todo mundo sabe que bastaria ela fazer assim – e ela estalou os dedos – que ele iria rastejando.

A conversa delas tinha atraído uma pequena plateia, e risadinhas vinham das mulheres que tinham se aproximado mais.

Carmelita olhou para Phaedra de novo.

– Uso preto para demonstrar luto pelos carbonari que morreram quando o rei matou a república. Se não é viúva, por que está de luto?

– Estou de luto pelo meu pai, porém não é esse o motivo da roupa. O preto não mostra sujeira tão rápido.

Carmelita traduziu para a plateia. Cabeças assentiram.

– Você não prende o cabelo nem usa véu. Tive dúvidas se não era uma puttana, mas não acho que seja, porque as amantes que vêm com os homens que visitam a mansão lá em cima estão sempre na última moda. Talvez você faça isso para apontar o dedo na cara de homens como o nosso Tarpetta lá?

– Talvez sim.

Phaedra olhou para a baía distante lá embaixo.

– O Sr. Greenwood recebe muitos hóspedes? Chegam barcos especiais só para trazê-los para a mansão?

– Sempre há hóspedes e alguns deles vêm com muita frequência. Ele tem muitos amigos, o signore Greenwood. Ele não é um de nós, mas muitos aqui lucram com o dinheiro que ele gasta.

– Como a família dos garotos que encontraram a estatueta antiga?

– Não ouvi falar de estatueta. As famílias gostam de manter essa informação em segredo, para que, se houver outras, fiquem só para elas. Ele gosta de coisas antigas, o signore Greenwood.

Carmelita notou de novo os homens que as observavam.

– Eles não estão gostando nada de ver você sentada aqui por tanto tempo, então espero que fique ainda mais. Conte-nos de sua vida na Inglaterra, Phaedra Blair. As mulheres pararam de levar água para casa só para ouvir algumas histórias suas.

Carmelita precisava traduzir toda a conversa e as mulheres sorriam e davam risadinhas quando ela o fazia.

Uma jovem que não passava dos 18 anos se aventurou mais perto. Com cuidado, esticou a mão e tocou o cabelo ruivo de Phaedra.

Phaedra não se importou com a proximidade, porém outra pessoa, sim. Uma voz masculina ladrou. Do outro lado da piazza, um dos senhores deu um passo à frente. Ele ralhou e fez um gesto para que a garota fosse até ele.

Com a cabeça baixa e os olhos temerosos, a jovem correu até lá. O homem a agarrou pelo braço e a empurrou para a calçada, levando-a embora.

– É o sogro dela – disse Carmelita. – Vai dizer para a família que ela fez amizade com a amante de um forasteiro que desceu da mansão.

Phaedra não quis pensar no destino da moça se a história enraivecesse o marido. As expressões cautelosas que de repente surgiram nos olhos das outras mulheres a entristeceram.

– Não quero causar problema para nenhuma de vocês.

Ela começou a se levantar.

A mão firme de Carmelita segurou seu braço.

– Não há mudança sem problemas. Essas mulheres não sabem nada do mundo fora deste litoral, e minhas histórias de Nápoles estão ficando velhas. Conte-nos de sua casa e como se tornou uma mulher que se aventura sozinha em uma terra estranha, parecendo uma meretriz de luto que não teme a mão de homem nenhum.


Phaedra ficou por uma hora na fonte, aproveitando a companhia feminina. Ela contou a Carmelita e às outras sobre sua vida e como vivia sozinha e livre em Londres. Com o passar do tempo, a torrente de palavras estrangeiras começou a fazer algum sentido para ela. Chegou a compreender algumas das perguntas dirigidas a ela antes de serem traduzidas.

Do outro lado da piazza, o signore Tarpetta observava. Alguém lhe trouxe uma cadeira, para que pudesse se sentar e descansar a perna. O alegre grupo de mulheres não se importava com sua desaprovação. Ele podia até se considerar uma autoridade, contudo ficou claro para Phaedra que as mulheres obedeciam a outro nome: Carmelita Messina.

Por fim, as mulheres se afastaram, carregando água e conversando animadamente umas com as outras.

– Os maridos logo voltarão nos barcos. Elas têm que preparar o almoço – explicou Carmelita.

Phaedra se levantou.

– Obrigada por se juntar a nós – agradeceu. – Assim pude conhecer as mulheres daqui. Vou descer até aquela torre antes de voltar para a mansão.

– Vou acompanhá-la, senão talvez não encontre o caminho até lá. Se Tarpetta nos seguir, finja que ele não está lá. Ele seria um tolo se fizesse isso tendo aquela perna, mas o homem já provou muitas vezes que é estúpido.

Tarpetta provou isso mais uma vez naquele dia. Phaedra achou que ele tivesse desistido de segui-las até que ela e Carmelita chegaram ao caminho do promontório, quando então o viu mancar na direção do cais para não perdê-las de vista.

– Como ele machucou a perna?

Carmelita atravessou o portal na entrada da torre.

– Ele foi soldado e estava entre os que foram atrás do marido de Julia na nossa casa em Nápoles. Ele nos traiu. Nós resistimos, apesar de ser inútil. Acertei-o com uma frigideira de ferro pesada, bem aqui – explicou, apontando para o próprio joelho. – Teria sido melhor se eu tivesse mirado na cabeça.

– Então agora ele a segue por toda parte?

– Ele está seguindo você, não a mim. Mas ele me odeia, porque fui eu quem promoveu o encontro do signore Greenwood com Julia. Ela ficou sem nada depois que o marido foi executado quando a república acabou.

– Se é por ciúmes, ele deveria odiar Greenwood, não você.

Carmelita ia à frente na subida sinuosa da escada de pedra.

– Ele não ousa odiar Greenwood. Como muitos outros, ele lucra com o dinheiro do inglês.

Elas seguiram até o alto da torre, onde havia um cômodo quadrado. Pequenas janelas vazavam duas paredes opostas. Uma dava para o mar e a outra, para a montanha.

– Esta era para vigiarem o mar e evitarem ataques de árabes e piratas pelo porto – explicou Carmelita. – Agora, esta a leste aqui... eles vigiavam outra coisa, não? Um exército vindo pela montanha ou problemas na cidade.

Phaedra olhou para a janela a oeste. A vista do mar era infinita, quilômetros de litoral de um lado e de outro. Ela se moveu para a janela a leste. O sol se elevara na reta do pico da montanha.

Aquela torre fora construída por questões militares. Nas alvoradas, em pleno verão, contudo, o sol devia nascer alinhado com aquela janela.

Não havia muito mais a explorar naquela torre de vigia. As paredes de pedra se erguiam e se curvavam para formar o teto, parecido com as antigas igrejas normandas em sua terra natal. Exceto por um cobertor no chão, estava vazia e surpreendentemente limpa.

Carmelita empurrou o cobertor com o pé e revelou a esteira de palha que estava debaixo dele.

– Este lugar é frequentado por namorados – disse. – Há anos, esta torre recebe visitantes noturnos.

Quando ela e Carmelita reapareceram do lado de fora, a figura esguia e firme do signore Tarpetta ainda podia ser vista no cais.

– Como ele lucra com o dinheiro do Sr. Greenwood?

– Não sei. Mas ele vive bem e não tem renda além da pequena pensão que recebe do Exército. Eles se conhecem. Dá para ver isso na forma como se cumprimentam nos raros momentos em que se encontram. Greenwood talvez o pague para se assegurar de que não vamos perturbar seus amigos importantes, ou, quem sabe, só para ele ficar longe de Julia.

Ela deu de ombros.

– Venha, vamos procurar um burro de aluguel para levá-la de volta. Nem eu aguento subir tudo isso a pé.

No momento em que desciam o promontório, lorde Elliot surgiu no cais. De repente, o braço do signore Tarpetta e os olhos de dois homens se dirigiram para elas.

Lorde Elliot desceu de novo para o cais e se dirigiu para o norte para interceptá-las.

– Quem é aquele? – perguntou Carmelita. – Seu namorado veio buscá-la?

– Ele não é meu namorado.

Phaedra sentiu o rosto queimar.

Carmelita deu uma gargalhada.

– Mas ele bem que gostaria, não? E é tão bonito que você ficou tentada, eu acho. Veja a expressão séria dele enquanto fica lá, esperando por você. É melhor olhar por onde pisa com esse aí, Phaedra Blair.

Phaedra apresentou Carmelita a lorde Elliot assim que o alcançaram. Ele respondeu com gentileza, porém não conseguiu esconder seu desagrado.

– Você nos deixou preocupados, Srta. Blair. Não é aconselhável vir para a cidade sozinha.

O tom de lorde Elliot beirava a censura.

– Duvido que alguém que visite esta cidade corra algum risco.

Lorde Elliot olhou para Carmelita.

– Sou grato por oferecer ajuda e companhia à Srta. Blair.

– Não preciso nem de ajuda nem de companhia – rebateu Phaedra. – Contudo fico feliz de ter feito uma amiga e espero vê-la de novo, Carmelita.

Ainda teso de irritação, lorde Elliot se dirigiu a alguns garotos para alugar burros e voltarem para a mansão.

– Vou deixá-la agora para que possa lidar com esse homem – brincou Carmelita. – Se precisar de uma frigideira de ferro, é só falar.


CAPÍTULO 9

– Escreverei a carta para o superintendente esta manhã – prometeu Matthias. – Apesar de que as cartas de apresentação que trouxe da Inglaterra devam bastar. Talvez eu seja presunçoso em achar que a minha agilizará seu acesso aos sítios das escavações.

– Você o conhece pessoalmente. Ficarei feliz em ter uma carta sua.

Elliot se esforçava por manter pelo menos metade de sua mente nos preparativos para a visita a Pompeia. A outra metade continuava no terraço acima da varanda.

Na noite anterior, Phaedra deixara as portas abertas.

Fizera isso como provocação? Uma declaração de indiferença? De certeza ele só tinha que não fora um convite.

Elliot fumou um longo charuto no terraço à noite, olhando para a escuridão por entre as persianas abertas, incapaz de dominar a tentação que a proximidade dela causava. Os únicos sons que vinham lá de dentro eram os suspiros suaves de uma mulher satisfeita, dormindo muito bem, obrigada.

Por fim, se retirara para o quarto, em uma tentativa de aplacar os impulsos cruéis que aquela mulher incitava. Quando o sono por fim o aliviou, foi um sono profundo, longo, que durou até depois do amanhecer. Ao acordar, descobrira que Phaedra havia desaparecido.

Ela deixara a mansão de novo. Ele lhe mandara não fazer mais isso. Após procurar por Phaedra na véspera, estipulara algumas regras. Ela as desobedecera logo, sem perda de tempo.

– Se preferir, a Srta. Blair pode ficar aqui enquanto você vai a Pompeia – disse Matthias casualmente.

Casualmente demais, como se entendesse o que distraía seu ex-aluno.

– Ela está determinada a ir também.

– Ela não precisa ir em sua companhia. Está claro que ela o atormenta. Posso acompanhá-la, em separado, para poupá-lo do inconveniente. Quanto à questão que me contou sobre Sansoni, tenho certeza de que ele aceitaria minha autoridade para representá-lo, se é que algum dia ficaria ciente da troca.

– Tenho certeza de que ele não aceitaria. Dei-lhe minha palavra em juramento. Estou preso a ela por toda a viagem.

A palavra dada a Sansoni não tinha muito a ver com sua recusa à oferta de Matthias. Naquele momento, a necessidade de controlar os planos de Phaedra para as memórias do pai também não afetava sua decisão. Não diretamente, pelo menos, apesar de tudo estar ligado. O tormento causado pela Srta. Blair tinha assumido outros tons. Ele queria ter poder sobre muito mais do que quando ou como ela publicaria um livro.

– Já que está determinado a mantê-la com você, permita-me sugerir algumas hospedarias que seriam adequadas para uma mulher respeitável.

Com isso, Matthias iniciou uma ladainha sobre instalações em cada cidade.

No final das recomendações, a atenção de Elliot foi desviada para a montanha. Whitmarsh chegava a pé da cidade, o rosto vermelho pelo esforço.

– Muito íngreme, mesmo para você, não, Whitmarsh? – disse Matthias. – Agora entendo por que demorou tanto a chegar de seu exercício matinal.

Whitmarsh se inclinou, as mãos nos joelhos, dando tempo para recuperar o fôlego. Com um aceno dele, Matthias se calou para ouvi-lo:

– Problema... a cidade... torre...

Frustrado por seus pulmões se recusarem a colaborar, apontou para a parte mais baixa do morro.

Elliot e Matthias foram até ele. Elliot olhou para baixo. A cidade estava movimentada, com muita atividade. Ele se concentrou na torre. Um grupo grande se reunia no caminho do promontório.

Whitmarsh inspirou várias vezes, recompondo-se.

– Essa montanha pode matar, se você quiser correr.

– É por isso que não se deve correr – entoou Matthias. – Por que fez isso?

Whitmarsh apontou de novo.

– A Srta. Blair está lá embaixo, naquela torre. Querem prendê-la.


Aquela mulher seria o seu fim.

Elliot subiu correndo para o quarto a fim de procurar o revólver, de forma que seu pensamento não se tornasse verdade. Quando voltou, viu que Whitmarsh conferia a própria arma.

– O que será que ela fez? – refletiu Matthias enquanto desciam pelo morro.

Elliot podia imaginar.

– Até onde posso dizer, eles a consideram uma bruxa ou algo assim – disse Whitmarsh, inspirando fundo várias vezes.

Ele não tinha se recuperado totalmente da subida e agora a descida também exigia bastante.

– Droga! – xingou Elliot.

– Nosso objetivo é claro, cavalheiros – declarou Matthias. – Não podemos deixar que a prendam. Com Sansoni doido para arrumar problema, como você disse, Rothwell, e as noções primitivas de religião e justiça deste lugar, se eles a pegarem, as coisas podem sair do controle.

A inspiração profunda de Elliot teve pouco a ver com a rapidez com que desciam a ladeira para chegar à baía e à torre. Se Phaedra não fosse tão teimosa e tivesse ficado na mansão, três homens não estariam agora correndo desabalados para se meterem em problemas.

Sua raiva era pouca perto da outra reação que pesava como chumbo em seu peito. Não estavam em Londres, mas em uma cidadezinha montanhosa e isolada em um país estrangeiro. A postura e as vestimentas de Phaedra a tornavam vulnerável. Não havia nada de cômico em relação à acusação de bruxaria neste lugar. Ela corria perigo real.

Chegaram às ruas mais baixas e cortaram caminho pela piazza na frente da igreja de Santa Maria. Carros recém-pintados e decorados estavam lá, prontos para a procissão de San Giovanni na manhã seguinte.

Matthias foi na frente, mostrando o caminho no contorno da baía. Um ajuntamento de homens bloqueava o caminho para o promontório. Dessa vez a plateia masculina não era só de velhos e enfermos. Alguns dos pescadores tinham decidido que a cena na torre era mais interessante do que jogar suas redes ao mar.

Os homens estavam inflamados. Xingamentos se faziam ouvir. Olhos escuros flamejavam. Mãos faziam gestos por toda parte. Um homem bem-vestido estava de pé no centro da multidão, com o peso apoiado em uma bengala grossa, instigando os outros.

Matthias inclinou a cabeça, prestando atenção ao que ouvia.

– Ela foi vista na janela na alvorada – sussurrou. – Rezando para o sol nascente ou algo assim. Tarpetta, o manco que está ali, também a viu na cidade ontem, tentando corromper as mulheres. Pelo que entendi, ele a está acusando de bruxaria, meretrício e heresia.

– Heresia? – repetiu Whitmarsh.

– Vamos abrir caminho pela multidão – disse Elliot. – Whitmarsh, devemos manter as armas ocultas por ora.

Com posturas militares, abriram caminho até a frente da turba. Sua presença não fez nada para acalmar a situação.

Uma cena digna de ópera esperava no promontório. Os homens haviam se amontoado no limite da cidade porque o caminho para a torre estava bloqueado por um grande grupo de mulheres. Elas estavam agitadas também e prontas para a briga. Todas tinham arrancado o lenço ou o véu da cabeça e soltado os cabelos.

Carmelita Messina estava ao fundo, posicionada como se fosse a última linha de defesa. Com os cabelos louros soltos e o vestido preto esvoaçando, ela parecia a sacerdotisa da religião de Phaedra.

Segurava uma frigideira de ferro grande e rasa na mão. Às vezes brandia a arma na direção de Tarpetta, que não aceitava os insultos de bom grado.

Um único homem estava de pé entre os dois grupos: o padre da cidade, que mantinha os braços levantados, um em cada direção, como se sozinho pudesse evitar que as duas ondas de raiva colidissem.

– A coisa está bem animada – disse Whitmarsh secamente.

Infelizmente, também estava perigoso. Elliot olhou para o alto da torre. Ao mesmo tempo, Phaedra olhou por uma janela. Ela o viu e ele tentou lhe transmitir confiança.

– Vamos tentar resolver tudo em paz, Greenwood – propôs Elliot.

Com coragem, Elliot se postou entre as duas turbas e foi se aproximando do padre, tendo Matthias a seu lado.

Enquanto Greenwood conversava com o padre, a ira dos homens não parava de chegar aos ouvidos deles. As notícias não eram nada boas.

– A acusação de bruxaria se deve ao ritual com o sol, que aconteceu no pior momento possível. Estamos no solstício – relatou Matthias. – A acusação de meretrício foi feita em termos gerais. A aparência dela, o fato de ter ido sozinha à cidade, coisas assim. Infelizmente, os homens consideram que o apoio das senhoras só confirma a má influência que a Srta. Blair representa sobre elas. Pelo que entendi, houve algumas conversas incomuns nos quartos desta cidade na noite passada.

– E a heresia? – questionou Elliot.

– A Srta. Blair tentou explicar a história com o sol com mais detalhes do que seria sensato. Dissertar sobre os pontos comuns entre as religiões do mundo provavelmente não a ajudou muito.

Elliot imaginou uma acusação sendo transmitida pelas mulheres a Carmelita e então traduzida para Phaedra. Depois visualizou uma longa explicação voltando pela mesma corrente, frases e mais frases longas, tendo um pouco de seu sentido alterado conforme passava a cada elo, até chegar aos homens. Era espantoso que a acusação fosse heresia, em vez de loucura.

O padre era um homem idoso, de cabelo branco e rosto suave. Estava aflito com a situação de descontrole na cidade. Conversou com Matthias e, por fim, juntou as mãos em prece, balançando-as juntas como se assim fortalecesse o pedido.

Elliot entendia muito bem o padre.

– Diga-lhe que não vou deixar a Srta. Blair ao capricho de uma turba.

– Ele está certo de que nossa presença só serve para inflamar ainda mais os ânimos, Rothwell – alertou Matthias. – Os homens acham que usurpamos seu poder e as mulheres, bem, elas não têm boa impressão de homem nenhum neste exato momento.

A última parte era verdade. As mulheres o olhavam como se fosse o inimigo. Lançavam provocações inflamadas que eram sem dúvida insultos. Se ele conseguisse passar por elas, Carmelita da Frigideira de Ferro o esperava.

Elliot recuou e puxou Matthias para o lado assim que conseguiram passar de novo pelo grupo de homens.

– Preciso chegar lá no alto e falar com ela.

– A torre foi construída para defesa. Só há duas maneiras de chegar lá. Por esta faixa de terra ou por mar.

– Então vou ter que chegar por mar.


Phaedra espiou pelo canto da janela. A arruaça lá embaixo continuava. Sempre que os homens pareciam perder o interesse, o signore Tarpetta os incitava a continuar.

Elliot, o Sr. Greenwood e o Sr. Whitmarsh tinham ido embora. Provavelmente esperavam que essa pequena chama se extinguisse por si só. Era o que ela esperaria também, depois de o padre chamar os manifestantes à razão. Infelizmente, Phaedra desconfiava de que o conflito não se dera por haver uma inglesa estranha na torre naquela manhã.

O problema envolvia outras questões. Práticas antigas e eventos recentes colocaram lenha na fogueira. Phaedra se preocupava se as mulheres pagariam caro nos próximos dias por essa rebelião, mesmo que ela própria fosse poupada.

Tinha esperanças de que Carmelita não pagasse com a própria liberdade. Admirava a mulher loura que brandia sua frigideira de ferro, num gesto que anunciava não se tratar de uma pessoa indefesa e, além disso, garantia que Tarpetta se lembrasse de seus próprios crimes e de por que ela não permitiria que a cidade se curvasse ao poder dele.

Era tudo culpa de Tarpetta. Ele a vira na cidade ao amanhecer. Provavelmente a seguira e a avistara na janela que dava para o leste na torre quando o sol atingiu o topo da montanha.

O sol tinha se movido bastante desde então, contudo o confronto lá embaixo não parecia perto de acabar.

Ela correu para a janela a oeste. Carmelita a advertira a respeito de um ataque por mar. Um barco se aventurara nos arredores avaliando essa abordagem havia uma hora, porém ela jogara pedras soltas da construção e o desencorajara.

Outro barco se aproximava agora. Não vinha do cais de Positano, e sim do oeste, como se chegasse de Capri em visita à torre normanda.

Três homens estavam de pé na proa, enquanto criados da mansão remavam. Elliot, Whitmarsh e Greenwood tinham corrido em seu resgate.

Levaram a embarcação o mais próximo possível da torre. O Sr. Whitmarsh acenou. O Sr. Greenwood a chamou. Elliot quase sorriu, mas sua boca não passou de um risco tenso.

– Agora você entende o que eu quis dizer, Rothwell. Se fosse fácil acessar a torre pelo mar, ela seria inútil para proteção – disse Greenwood.

– De qualquer forma, está um dia esplêndido para um passeio de barco – falou Whitmarsh. – Parece que ninguém pensou que tentaríamos essa estratégia. O cais permanece vazio.

Whitmarsh olhou para Phaedra lá no alto:

– Essa janela parece mais longe ainda daqui. Trouxemos alguns víveres, Srta. Blair, porém duvido que nosso plano de levá-los até aí funcione.

Uma onda de gritos chegou à torre vinda do outro lado. Phaedra correu até lá e olhou para baixo. Os homens tinham se aproximado muito do padre. A massa de mulheres se compactara.

Ela voltou para a janela que dava para o mar.

Elliot se curvou. Ao se levantar, exibiu uma corda grande com um gancho na ponta.

– Afaste-se, Srta. Blair. Entre na torre. Se eu conseguir mandar o gancho até aí, prenda-o o melhor que puder.

– Lorde Elliot, não acho que você conseguirá...

O olhar dele a silenciou. Ela foi para o outro lado da torre.

Por três vezes ouviu o barulho alto de metal atingindo a pedra, seguido pelo som de algo caindo pesado na água. Parecia que o plano deles não iria funcionar.

De repente o grande gancho de ferro apareceu na janela, subindo muito, e depois começou a cair. Uma de suas três hastes agarrou no peitoril da janela e parou.

Phaedra correu para lá, soltou-a e a deslizou pelo peitoril até encontrar um sulco profundo entre as pedras da parede onde prender o gancho.

Olhou para o mar. Os três homens puxavam a corda para testar sua segurança. Satisfeito, lorde Elliot pulou do barco para a estreita faixa de areia. Whitmarsh lhe entregou duas cestas.

– Mande primeiro a comida – pediu ela. – Não comi nada hoje.

– Com certeza você imaginou que o deus sol não podia esperar – provocou Elliot ao prender a alça da cesta na corda. – Na infância, quando eu desobedecia a meus pais, era mandado para o quarto sem jantar. Talvez um pouco de fome seja adequado para a senhorita hoje.

Ela deu um pequeno puxão na corda:

– Não vamos ser descuidados por pressa. E precisamos manter nosso senso de humor.

A cesta permaneceu imóvel por um momento, irritando-a, mas logo Elliot a soltou. Phaedra puxou a corda para cima até chegar à alça da cesta. Examinou seu conteúdo e jogou a ponta de volta.

– É um banquete e tanto. Vinho, presunto, pão e figos.

– Espero que goste. Se os homens da cidade tivessem conseguido chegar até aí, você só comeria macarrão e banha de porco pelos próximos dez anos, isso se não a enforcassem de imediato.

Elliot agarrou a extremidade da corda e começou a atar a outra cesta.

– Há cobertores e outros itens de primeira necessidade aí dentro.

Um rugido veio do outro lado da torre. Elliot olhou para cima.

– O que está acontecendo?

Ela correu para a outra janela, depois voltou para contar.

– Se for para aproveitar meu banquete, temo que precise fazê-lo bem rápido. O signore Tarpetta está ordenando que o padre saia do caminho.

– Puxe isso para cima logo e depois mande a corda de volta.

O barulho que entrava pela outra janela fez com que ela puxasse a corda o mais rápido possível. Depois que soltou a cesta, mandou a corda para baixo e correu mais uma vez para a janela que dava para leste.

O padre tinha ido embora. A linha de frente dos homens estava cara a cara com a das mulheres. Os flancos do exército de mulheres já tinham se rompido. Uma derrota se aproximava.

Phaedra voltou para a janela que dava para o mar. Greenwood apontava para a costa.

– Entraremos por ali e chegaremos à linha de batalha em minutos – disse ele a Elliot.

– A questão está ficando difícil no promontório – gritou ela para baixo.

– Mantenha-se firme, cara dama – bradou Whitmarsh em resposta. – Greenwood tem alguma influência na cidade e Rothwell está armado. Em breve estará em segurança.

Se planejavam entrar na luta que estava prestes a começar, Phaedra não contava com a vitória deles. Duvidava de que seus piratas ingleses fossem golpear e atirar para salvá-la, e sem isso ficariam em desvantagem numérica.

Elliot olhava a parede da torre e avaliava a estreita faixa de areia sob suas botas, na base, e as grandes rochas posicionadas de forma a desencorajar os barcos.

– É bem alto. Não posso me arriscar a que você caia se tentar descer pela corda. Se a água fosse mais profunda...

Ele ainda calculava e falava sozinho quando levantou as mãos, agarrou a corda e começou a escalar.

– O quê? Rothwell! Cuidado para não ser você a cair – alertou Greenwood.

Phaedra gelou quando gritos chegaram do promontório. Não foi até lá para ver o que estava acontecendo. Não conseguia tirar os olhos de Elliot pairando acima do mar, cada vez maior ao se aproximar pela corda, com o corpo e o rosto tensos do esforço.

Ela podia imaginar que a batalha não ia bem para as mulheres no promontório, o que significava que não ia bem para ela. Esticou a cabeça para fora da janela e contou a lorde Elliot o que acontecia.

Ele xingou e encontrou novas forças. Um som estranho começou a chegar pelas escadas. Parecia uma frigideira de metal atingindo algo mole. A voz de Carmelita clamava aos santos para ajudá-la e o som se repetia. Um homem grunhiu.

– Eles romperam o cerco à torre, lorde Elliot – gritou Phaedra, abaixada entre as cestas. – Suponho que não tenha posto uma arma junto com a comida ou os cobertores, para que eu pudesse exercer uma última resistência?

– Você sabe usar armas? – perguntou ele, a voz próxima e cansada.

Phaedra olhou para cima e o viu na janela. Os braços dele estavam apoiados no peitoril e seus dedos se agarravam na beirada interna.

– Posso usar uma arma, se tiver que fazê-lo.

Ajudou-o a subir agarrando-o pelos ombros e pelas calças. Ele se agarrou ao corpo dela em busca de apoio.

Finalmente, Elliot caiu na parte de dentro da torre. De um salto, pôs-se de pé com a agilidade de um gato. Do lado de fora, Greenwood ordenava a seus criados que remassem forte para contornarem a ponta do promontório.

Elliot sacou um revólver de seu casaco surrado.

– No caminho até aqui, Whitmarsh me presenteou com histórias sobre injustiças nas cidades deste país. Seria estúpido de nossa parte não levar a sério o perigo. Fique aqui. Não me siga. Se achar que a situação piorou, arrisque-se a descer pela corda e enfrentar o mar.


Elliot não desceu as escadas em silêncio. Deixou que todo o seu aborrecimento se traduzisse em passos estrondosos. Sua aproximação silenciou os homens embaixo.

Quando fez a última curva da escada, encontrou Carmelita Messina no degrau inferior, com a frigideira de ferro em riste. Quatro homens a ameaçavam, porém naquele momento a atenção deles se concentrou em Elliot, não nela.

Carmelita olhou por cima do ombro e percebeu seu revólver. Elliot não conseguiu chegar à conclusão se ela ficou aliviada ou aborrecida.

Passos também pesados, mas irregulares, soaram do lado de fora do portal. O signore Tarpetta apareceu sob ele. Endireitou-se em postura militar ao ver a arma.

– O senhor interferiu – começou ele.

– A Srta. Blair está sob minha autoridade e também sob minha proteção.

Tarpetta empinou o nariz e o olhou com desdém.

– O senhor não exerce a autoridade sobre suas mulheres muito bem.

Elliot não pôde contestá-lo.

– Sou muito melhor na parte da proteção – contrapôs e apontou a arma diretamente para Tarpetta. – Diga a todos para irem para casa.

– Ela infringiu nossas leis.

– Ela não infringiu lei nenhuma – argumentou Carmelita. – Apenas ofendeu as leis de um homem que se considera um reizinho.

– Vê o problema que ela causou? Ela enfeitiçou as mulheres e realizou rituais pagãos. Nós não permitimos esses crimes em Positano.

– Ouçam só! – zombou Carmelita com uma risada estridente. – Ele até fala como rei. O “nós” quer dizer “ele”.

Elliot não estava com ânimo para discussões. Brandiu a arma e ordenou:

– Todos fora desta torre. Signorina Messina, por favor, traduza o que vou dizer.

Tarpetta saiu da torre. Os homens e Carmelita o seguiram. Elliot foi por último. Ao sair, um som nas escadas o fez olhar para trás. Uma mecha de cabelo ruivo flutuava próximo à parede da escadaria.

As mulheres tinham ido embora. Elliot encarou os remanescentes da batalha, vinte homens que ainda não estavam satisfeitos.

O revólver dele os impressionou. Enquanto falava e Carmelita traduzia, o barco de Greenwood alcançou a parte de trás do promontório e Greenwood desceu no banco de areia.

– Sou lorde Elliot Rothwell, irmão do marquês de Easterbrook – disse. – Recebi dos oficiais do tribunal do seu rei a responsabilidade de proteger a Srta. Blair. Se algum de vocês a machucar, há de se haver comigo. Ela não é bruxa, nem herege, nem meretriz. Não há provas que sustentem essas acusações e os senhores têm a minha palavra de cavalheiro que suas suspeitas são infundadas.

Carmelita fez uma tradução muito longa. Dos pontos essenciais que Elliot pescou e pelas expressões nos rostos dos homens, ele suspeitou que ela houvesse enfatizado as palavras lorde, marquês e tribunal.

Matthias chegou quando ela terminava. Tarpetta, reconhecendo que seu grupo perdia força, mancou na direção dele. Os dois homens tiveram uma conversa particular.

Tarpetta foi embora. Os outros homens decidiram que era uma boa ideia bater em retirada com seu líder.

Greenwood se aproximou da torre.

– Você tem minha gratidão, Greenwood, pelo que quer que tenha dito a ele.

– Você não entendeu direito. Nós não os vencemos – explicou Greenwood. – Eles vão mandar alguns homens a Nápoles em busca de orientação e também para pedir ajuda ao Exército.

Carmelita jogou as mãos para o alto, num gesto de exasperação.

– Imbecis.

Tarpetta estava voltando para a cidade, porém dez de seus homens tinham parado na extremidade do promontório.

– O que eles estão fazendo lá? – perguntou Elliot.

– Montando guarda – disse Greenwood. – Não vão tentar entrar na torre, porque você está armado, contudo não vão deixar que a Srta. Blair saia até receberem ordens de Nápoles. Imagino que haverá um ou dois barcos vigiando do mar esta noite também.

Elliot conteve um xingamento. O santuário de Phaedra tinha acabado de virar uma prisão.

– Vamos vigiá-los enquanto eles montam guarda, para que não haja violação dessa trégua – prometeu Carmelita.

– Não martirize as mulheres em seu afã de combater aquele homem – disse Elliot para ela. – Agradeço por sua ajuda, porém temo que o preço pago por suas amigas já será alto o bastante. Deixe comigo agora.

Carmelita Messina deu tanta atenção ao que ele disse quanto Phaedra Blair daria.

– Vamos vigiar. Algumas de nós, viúvas e tal, as que não vivem sob o jugo de ninguém. Confio em seu revólver para manter a paz e em que o signore Greenwood use sua influência com aquele homem para acabar com essa confusão antes do pôr do sol.

Ela se foi, juntando o cabelo em um nó ao se afastar.

– Ela fala como se você pudesse resolver isso se quisesse – disse Elliot para Matthias.

– Carmelita está interpretando mal minha influência aqui. Contudo tentarei chamar Tarpetta à razão quando ele se acalmar, apesar de conhecer o homem somente de vista.

– Veja se ele aceitaria suborno.

Matthias deu um sorriso largo e forçado.

– Quanto ela vale para você?

Elliot guardou o revólver e caminhou para o portal.

– No momento, estou tentado a pagar para que ele a tire das minhas vistas.


CAPÍTULO 10

Pela janela, Phaedra observava a conversa de Elliot e Matthias. Não podia ouvi-los, porém seus rostos sérios indicavam que estavam traçando planos.

Um pequeno grupo formava um círculo no final do promontório. Outros quatro homens tomaram um barco de pesca no cais e zarparam.

Matthias se afastou. A torre ecoou o som de botas subindo os degraus de pedra.

Elliot entrou no cômodo. Ela continuava preocupada com a atividade lá embaixo, ainda assim deu uma boa olhada na direção dele. Sua expressão revelava preocupação e aborrecimento. Phaedra achou a inquietação charmosa, até mesmo lisonjeira. E teve esperança de que a raiva passasse logo.

– Você está em segurança por ora.

Elliot pôs o revólver no chão em um canto para evitar acidentes. Pegou um odre da cesta e o segurou no alto. Um jorro de água fluiu para sua boca.

Os olhos dela se grudaram no fluxo de água pura. Sua garganta se estreitou. Não tinha bebido nada desde antes do raiar do dia.

Elliot notou o interesse e caminhou na direção dela.

– Incline a cabeça para trás.

Ela obedeceu e abriu a boca. Um jorro frio e lento aliviou sua sede.

Phaedra secou a água de seus lábios com a mão.

– Achei que esses odres só continham vinho.

– Os outros, sim. Se tomarmos aos poucos, este nos bastará pelo tempo necessário.

Tempo necessário? Ela olhou de novo pela janela. Percebeu o significado dos homens postos na extremidade do promontório.

– Não posso sair, não é? O que aconteceu?

Ele explicou sobre a ida dos homens a Nápoles. Lembranças do odioso Sansoni invadiram a mente de Phaedra. No silêncio que se seguiu à explicação, o ar ficou mais pesado com o possível perigo à espreita e o peso dos problemas que já enfrentavam.

Lorde Elliot olhou por cima da cabeça de Phaedra para a cidade lá embaixo. Ele pareceu distraído, como se sua mente estivesse ocupada com algo muito distante.

– Você me desobedeceu – disse, provando que os pensamentos tinham tudo a ver com ela. – Você desceu as escadas.

– Ninguém me viu. Com você entre mim e o perigo... Foi uma desobediência pequena.

– Você me desobedeceu antes, ao vir para esta torre. Disse-lhe para permanecer na mansão.

– Não esperava ser vista na torre.

– Só que foi. Um ritual pagão, nada menos do que isso. Nesta terra, pior do que em qualquer outra.

– Não houve ritual nenhum. Nenhuma reza para o deus sol. Tarpetta simplesmente me viu na janela quando o sol nasceu. Não estava erguendo minhas mãos em oração. Estava protegendo meus olhos da luz forte, para que pudesse avaliar a posição exata do sol.

– Não me importo com o que estava fazendo. Foi descuidada com sua segurança e reputação. O resultado foi uma batalha entre os homens e as mulheres desta cidade e sua prisão nesta torre.

Elliot ficava mais exaltado a cada palavra.

– Também nem pense em falar agora de sua sagrada independência. Acabo de escalar a parede de uma torre e ameaçar de morte homens com quem não tenho nenhum problema. Talvez eu até tenha que matar algum, tudo por causa de sua maldita teimosia.

– Só fiz uma visita a uma torre ao alvorecer. Está sugerindo que eu poderia ter previsto tudo isso? – questionou, indicando o promontório abaixo e o drama que se desenrolara. – Se eu tivesse achado que alguém saberia ou se importaria, não teria vindo. Admito que parece muito estúpido agora, mas no momento não pareceu.

Não era bem um pedido de desculpas, mas pareceu aplacar o lado mais sombrio da fúria de lorde Elliot. Sua atenção e olhar se voltaram para ela tão nitidamente que isso enfatizou a proximidade deles.

– Você conseguiu o que veio fazer?

Ele tinha que perguntar.

– Se uma prova negativa puder ser chamada de prova – disse ela e apontou para a montanha alta. – Matthias estava certo. O sol não se eleva diretamente sobre o pico quando se observa desta janela, nem em linha direta com o lugar onde estamos agora. Ele primeiro se mostra à direita, ao sul, um pouco.

Phaedra se preparou para receber a zombaria de Elliot ou mais raiva por seu passeio ter causado tanto problema sem nem ao menos conseguir provar sua teoria.

Em vez disso, ele refletiu sobre a prova.

– Essas coisas não são precisas. O dia exato do solstício varia e ainda estamos mapeando as mudanças sutis que se acumulam na astronomia com o passar do tempo. Cinco séculos atrás, o sol pode muito bem ter nascido no pico da montanha no verão.

Ela achou muita gentileza dele dar desculpas e não chamá-la de tola. Algo mais parecido com uma desculpa direta começou a se formar em sua mente.

– Não tive intenção de causar todo esse problema e sinto muito por isso. Não me surpreende você estar com um pouco de raiva de mim.

– Estou com muita raiva de você, Phaedra. Contudo estou mais preocupado com sua segurança. Até que eu tenha assegurado isso, terá que fazer o que digo, principalmente se eu tiver mais motivos para sacar este revólver.

Elliot caminhou até a janela que dava para oeste. Franziu o cenho com o que viu. Ela andou até lá e espiou também. Um barco com três homens lançou âncora a uns cinquenta metros da torre. O sol tinha começado a se pôr no mar, mas ainda levaria horas até ficar escuro.

– Sua prisão está completa – disse Elliot. – Temos que esperar e confiar em Matthias para negociar sua libertação antes que mais problemas venham de Nápoles. Infelizmente, Tarpetta parece ter o poder nas mãos e Matthias o conhece somente de vista.

Phaedra se ajoelhou ao lado das cestas e começou a retirar seu conteúdo. Fez uma fileira com os odres, frutas e embrulhos de comida contra a parede.

– Carmelita acha que eles se conhecem melhor do que admitem.

Elliot descansou o ombro na parede e a observou mexer nas cestas.

– Seria bom se você estivesse certa, entretanto Matthias não tem motivos para mentir para mim.

Phaedra ficou feliz de encontrar uma xícara de barro por baixo da comida. Não queria beber direto do odre o dia todo, apesar de a experiência ter sido interessante.

– Você conhece Matthias bem? – perguntou ela.

Greenwood talvez tivesse o destino dela nas mãos, porém não era apenas esse o motivo da pergunta.

Elliot se afastou da luz do sol que se esgueirava pela janela. Foi para a área fresca e sombreada onde Phaedra arrumava os alimentos. Sentou-se no chão, apoiando as costas nas pedras, e pegou um figo.

– Eu o adorava na faculdade. Ele é um acadêmico respeitado e com duas obras publicadas. Estimulou meus estudos e me orientou nos métodos de pesquisa necessários para traçar novos caminhos. Seu interesse me lisonjeou, principalmente porque não parecia interesseiro, como outros professores.

Elliot mordeu o figo e depois fez um gesto apontando o restante da comida.

– Você devia comer algo. Se daqui a três dias tivermos que nadar para salvar nossas vidas, não vai querer estar fraca.

Phaedra pegou um pouco de pão e queijo.

– Você não parece adorá-lo agora, e não há mais nada de professor na forma como ele o trata.

– Bem, não sou mais um estudante e tenho um livro publicado.

– Parece mais do que apenas uma amizade construída a partir desses antigos papéis, foi o que eu quis dizer.

Elliot não parecia inclinado a satisfazer a curiosidade dela. Degustou o figo sem pressa. Ela se refugiou concentrando-se na própria comida.

– Meu pai não era um homem caloroso.

Ele falou isso de modo casual, como se não tivessem se passado quinze minutos desde seu último comentário.

– Imagine um homem como meu irmão Hayden, só que sem nenhuma das qualidades que contrabalançam a rigidez dele. Quando criança, eu considerava ter sorte por ser ignorado por meu pai enquanto ele se voltava para meus irmãos. Matthias Greenwood, por sua vez, escolheu colocar o foco de sua atenção em mim. Ele valorizava as mesmas coisas que eu, era rápido em elogiar, mas não se precipitava na hora de expressar desapontamento. Havia algo de paternal em seu interesse, imagino.

Ela notou sua expressão ao descrever o pai. Conhecia bem a reputação do marquês de Easterbrook. Com certeza, tinha sido aquele tipo de pai impossível de agradar e talvez tão duro com os filhos quanto se dizia ter sido em outras áreas.

Porém, não foi a brandura intencional de Elliot que chamou sua atenção. Outra emoção brilhava nos olhos dele.

Ele insistira em que as memórias de Richard Drury faziam insinuações falsas sobre o último marquês, contudo não tinha assegurado que de fato elas fossem mentiras. Ao se sentar ali com ele e observá-lo, Phaedra entendera que lorde Elliot não estava convencido de que o pai não mandara matar o oficial. Aquela suspeita ficaria mais plausível, ganharia corpo e seria inevitável se as insinuações fossem publicadas?

Alguns cientistas acreditavam que o comportamento criminoso era herdado, assim como algumas doenças. Saber que o legado de uma pessoa incluía a capacidade de tramar um assassinato impiedoso poderia ser tão ruim quanto descobrir que seu sangue estava maculado pela insanidade.

– Matthias Greenwood não teve filhos – disse Phaedra. – Você é seu herdeiro intelectual e parte de seu legado profissional. Se havia algo de pai nele, talvez houvesse algo de filho em você.

Ele deu de ombros.

– Talvez esteja certa. Ele pode me ver dessa forma, mesmo na amizade que temos agora.

Phaedra suspeitava de que Greenwood de fato o visse dessa forma, mas achava que Elliot o via assim também. A maneira como se comportavam um com o outro fazia com que ela pensasse na amizade confortável e no amor entre pais e seus filhos adultos quando seu relacionamento amadurecia.

Se fosse assim, Matthias Greenwood seria uma pessoa importante para Elliot.

É claro que ele era. Elliot estava ali, não estava? Ele tinha viajado até Positano para discutir sua nova pesquisa com o antigo mestre, ainda que já o houvesse superado como historiador.

Fazer aquela humilde refeição no chão de pedra os apartava do restante do mundo. Sua descrição franca do pai tinha aberto uma porta de intimidade mais sedutora do que aquela criada pelo prazer físico. Era algo como a relação que se estabelecia entre ela e seus amigos.

– Por que está tão curiosa sobre Greenwood, Phaedra?

Ela examinou a familiaridade branda que compartilhavam e pensou em sua resposta.

– Tenho interesse nele.

– Ele tem idade para ser seu pai!

Ela quase riu com seu tom exasperado, mas o aborrecimento mostrado em seus olhos lhe deu uma indicação. Ele estava com ciúmes. Phaedra achou isso irremediavelmente fora de moda e presunçoso, porém ao mesmo tempo adorável. Teve vontade de rir, em vez de censurá-lo.

– Você entendeu mal, Elliot. Ele conheceu minha mãe e tem sido gentil em responder perguntas que tenho sobre algumas questões.

– Que questões?

– Minha mãe talvez tenha mantido um amante em segredo em seus últimos anos de vida.

Ele franziu o cenho.

– Richard Drury...

– Não nos últimos tempos. Houve outro homem.

– E Matthias sabe quem foi? Ele vivia em Cambridge na ocasião e, apesar de às vezes visitar Londres...

– Ele é um homem perceptivo. Não ficou surpreso quando sugeri que talvez tivesse havido outro homem na vida de minha mãe. Esse amante também mexia com antiguidades e Matthias me deu os nomes de alguns homens do círculo dela que eram do ramo. Muitos de seus amigos íntimos desconversaram na hora em que os procurei. Desconfio que não quisessem que a imagem de Artemis Blair fosse mudada. Mas ele foi sincero comigo e sou grata por isso.

Elliot refletiu sobre o que ela disse e pareceu ao mesmo tempo curioso e cético.

– Por que você buscaria nomes, Phaedra? Talvez não tenha havido amante nenhum, já que os amigos dela negaram o fato.

– Acho que houve, sim, por causa de uma passagem que meu pai escreveu em suas memórias. Esse homem, quem quer que seja, era um criminoso.

A expressão dele ficou mais séria.

– Outra referência sem nome? Outra fofoca que destruirá uma reputação?

Elliot se pôs de pé em um minuto. Afastou-se, olhou para a parede e depois se voltou para ela.

– Seria melhor se você queimasse essas memórias ou as deixasse em uma gaveta trancada para sempre.

– Isso pode poupar sua família, mas não poupará o amante de minha mãe.

– Por que não?

Ela embrulhou o queijo no guardanapo úmido.

– Porque, mesmo que as memórias não sejam publicadas, destrincharei essa parte delas até ficar satisfeita e lidarei com esse homem do meu jeito.

O cenho de Elliot se manteve franzido, seu humor não melhorou, contudo uma curiosidade cautelosa surgiu em seus olhos.

– Você fala calmamente, porém de forma amarga e decidida. O que seu pai escreveu sobre esse homem que provocou em você a vontade de identificá-lo?

Ela se ajeitou para se levantar. Passou a mão na saia para retirar as migalhas.

– Ele escreveu que esse homem a seduziu, depois a traiu de forma tão desonrosa que acabou provocando sua morte. Preciso descobrir se isso é verdade.

– Na melhor das hipóteses, é ambíguo.

– Nem tão ambíguo assim. Tem mais. Não sou totalmente louca por achar que posso identificar esse homem. Só metade louca.

Ela andou até o centro da sala e olhou em volta.

– Se vamos ficar aqui por dias, temos que deixar esse lugar mais habitável – falou ela, virando uma cesta de cabeça para baixo. – Isso pode servir de banco, se você conseguir tirar a alça.

Elliot procurou a faca que viera junto com a comida. Colocou a cesta nas pedras do peitoril da janela e começou a cortar.

– Você não deveria levar muito a sério o que seu pai escreveu sobre sua mãe. Ele era um amante rejeitado e isso pode enevoar o bom senso de qualquer homem.

Phaedra pegou o cobertor sobre a esteira de palha e verificou se estava limpo. Avistou alguns ganchos de metal presos na abóbada do teto.

– Meu pai entendia bem o que tinha e o que não tinha com minha mãe. Ele não escreveu com amargura, mas como um homem que testemunhou a mulher que amava ser usada.

Elliot continuou a cortar, entretanto sua expressão decidida não tinha a ver com a alça da cesta.

– Trate esse assunto com cautela, Phaedra. Não acuse o homem errado nem conteste um homem bom.

– Se ele for um homem bom, não terá nada a temer de mim ou das memórias. Nenhum homem bom teria.

A alça da cesta se soltou, quebrando-se sob a pressão que ele impunha com a faca. Um barulho seco reverberou na abóbada de pedras, como se a paciência de Elliot tivesse acabado junto com a última frase dela.


Passaram as horas seguintes de forma mais agradável, falando amenidades. A amiga de Phaedra, Alexia, estava recém-casada com o irmão de Elliot, Hayden, e eles especularam sobre o casal e o que os teria unido. Isso suavizou o clima pesado da primeira parte da conversa.

Elliot, no entanto, continuou a refletir sobre o assunto inicial. Ele havia percebido o tom e a expressão de Phaedra ao falar do amante que traíra sua mãe.

Phaedra não era uma simples visitante curiosa na península Itálica, como tinha dito, mas uma mulher com uma missão. Por algum motivo, aquilo a tinha levado a Nápoles. Por isso o humor dela melhorara em relação ao atraso em ir a Pompeia. Sua investigação poderia até estar na origem da amizade com Marsilio e Pietro.

Por tudo o que sabia dela, cada ato, cada palavra, desde o dia em que ele entrou naquele jardim em Nápoles, fora parte de seu plano para saber dos últimos meses da mãe e do homem a quem culpava por seu declínio e morte.

Ela foi dando instruções a Elliot para arrumar sua habitação humilde enquanto conversavam. A pedido da Srta. Blair, ele amarrou a corda em um dos ganchos da abóbada. Phaedra esticou o cobertor velho nela e, assim, separou um canto no qual colocou o penico que os criados de Matthias tinham gentilmente posto em uma das cestas.

Já anoitecia quando tudo ficou arrumado. Com um novo cobertor sobre a esteira de palha e a cesta de cabeça para baixo como banco, Phaedra havia criado um lar rústico, porém agradável. Para uma pessoa.

Havia um cômodo de teto baixo sob essa sala mais alta na torre. Elliot esperava ser posto lá, a menos que, com seu charme, pudesse obter da rainha um convite para partilhar de seu santuário.

– Você tem talento para arrumação doméstica, Phaedra. Isso é resultado de se virar sem criados?

– Acho que aprendi a fazer isso porque minha mãe não levava o menor jeito para assuntos domésticos. Isso se mostrou útil quando tive que cuidar da minha própria vida.

Phaedra levou o odre e a xícara para a janela que dava para a cidade. Depois de derramar fora um pouco de vinho, conseguiu fazer jorrar um arco que encheu a xícara, e então ofereceu a bebida a lorde Elliot.

Ele se juntou a ela próximo à janela e bebeu. Os homens de Tarpetta tinham montado acampamento na base do promontório, para além da longa sombra da torre. A julgar pelos sons distantes das risadas, eles pareciam relaxados e de bom humor.

– Por que teve que cuidar da própria vida?

Ela estava linda demais à luz prateada do anoitecer que entrava pela janela. Atrás deles, pela abertura oposta, as cores chamejantes dos últimos raios de sol penetravam. Esses raios iluminavam a parte de trás da cabeça de Phaedra, transformando suas mechas em brasas, em contraste com a fria translucidez da pele branca do rosto que olhava para oeste.

– Minha mãe acreditava que as mulheres aprendem em casa, com os pais, a serem dependentes. Somos ensinadas e temer a independência e depois convencidas a rejeitá-la mesmo que esteja ao alcance. Assim, quando recebi uma herança do irmão de minha mãe, ela me estimulou a sair de casa e a viver sozinha antes que me acomodasse e virasse uma adulta dependente dela.

Phaedra fez uma pausa ao se esticar calmamente para ver o chão perto da torre. Outro pequeno acampamento tinha sido montado ali, povoado por cinco senhoras e Carmelita Messina.

– Eu tinha 16 anos – acrescentou, ainda distraída com a cena abaixo.

A atenção que dava aos acampamentos não a deixou perceber a reação de Elliot.

– Você era uma criança.

Ele tentou não expressar condenação em seu tom. Phaedra não gostaria de ouvir críticas à mãe, e ele não tinha o menor desejo de discutir com ela naquele minuto.

Ela ainda observava o promontório.

– Sim, eu era uma criança. Contudo há muitas mulheres que são empurradas para o casamento nessa idade. Acho que seria um destino muito mais assustador. Elas são jovens demais para os planos de seus pais, e eu também era jovem demais para os planos dos meus. Ela não se afastou da minha vida, não foi uma rejeição de seus deveres. Minha mãe me ajudou a contratar uma governanta, para que eu não morasse sozinha nos primeiros anos. Eu a visitava com frequência e nos víamos quase tanto quanto no tempo em que morávamos sob o mesmo teto.

Ela fez isso soar quase natural e sensato. Ele não podia pensar em Phaedra aos 16 anos morando sozinha, sem proteção ou supervisão de ninguém, exceto uma criada. Sua prima Caroline, que tinha sido apresentada à sociedade na última temporada, era tão infantil que dava vontade de trancá-la em casa por mais dez anos.

É claro que Phaedra Blair provavelmente não era tão infantil nessa idade, nem tão inocente. Artemis criara a filha para andar com as próprias pernas e traçar o próprio caminho. Ainda assim, essa imagem o deixou irritado. A mulher não deveria ter usado a própria filha como experimento para provar que suas ideias radicais tinham mérito.

– Na época não me importei e tudo saiu como minha mãe esperava. Depois que uma mulher prova uma liberdade assim, nunca mais quer abrir mão dela. Contudo, quando ela morreu... então fiquei enraivecida. Queria que ela houvesse esperado um pouco mais, de forma que eu tivesse aproveitado aqueles dois últimos anos com ela. Ela não previa que seu tempo seria tão curto, é claro.

– Não imagino a independência que me descreve. Mesmo sendo homem, não fico tão por minha conta.

– Não importa que ainda more na mansão de Easterbrook. Sendo homem, você é livre.

– Não falo de leis, costumes ou finanças, mas da vida. Não sou sozinho nem alguém sem laços com outras pessoas. Meus irmãos estão sempre presentes na minha vida e tenho outros parentes a quem devo obrigações. Minha vida faz parte da deles e a deles, da minha. Mesmo que meus irmãos e eu um dia nos odiássemos, ainda teríamos questões em comum a compartilhar.

A expressão de Phaedra se tornou pensativa, deixando-a ainda mais bela.

– Eu gostaria de ter tido um irmão ou uma irmã. Isso teria sido muito bom, principalmente agora.

Agora que estava completamente só, era o que queria dizer. Phaedra havia escolhido um caminho que a deixaria sozinha para sempre, a menos que, como a mãe, tivesse um filho ilegítimo. Elliot percebeu que ela compreendia que abrira mão de certas coisas e que não as menosprezava. Tinha posto as opções na balança, se não aos 16 anos, ao ficar mais madura. Ele não achava que o prêmio valesse o custo, porém admirava a bravura dela.

Ela pareceu um tanto triste. Ele se sentiu péssimo por tê-la obrigado a encarar a própria solidão.

– Espero que suas amizades de alguma forma possam substituir a família que você não tem.

Lampejos traquinas dançaram em seus olhos. Seu humor e animação vieram à tona, surgidos das profundezas de seus pensamentos.

– De certa forma, mas não é uma família como você descreveria a sua. Uns amigos são como irmãos e irmãs, alguns poucos se comportam como os mais afáveis dos maridos, porém esses laços não são permanentes. Com o passar do tempo, é possível que eu me veja imaginando se não fui abençoada com mais independência do que qualquer pessoa quereria.

O que significava que já vinha se questionando sobre isso.

A referência indireta a seus amantes sutilmente mudou o clima entre eles. Elliot não podia ficar tão perto dela naquela luz e não pensar em fazer amor com ela. Imagens e desejos tinham surgido aos borbotões desde que subira os degraus horas antes. A excitação aumentara com as palavras dela. Ele pensou ter visto um desafio na forma como ela o mirava.

De repente o desejo os uniu mais intensamente que nunca. Ela não fez qualquer esforço para refrear seu poder. Ele não se aguentava mais. Jamais tinha encontrado uma mulher que reconhecesse de forma tão ousada a excitação sensual que pode existir antes de um beijo ou um toque.

Com qualquer outra mulher, ele daria o primeiro passo, como fizera com ela antes. No entanto, não se esquecera das palavras dela ao se afastarem no terraço, naquela noite. Se ela fosse honrar sua ameaça, neste momento ele provavelmente não conseguiria se portar de forma honrada o bastante para que ela tivesse a chance de rejeitá-lo.

Phaedra evocava nele o que seu sangue trazia de pior, algo que vinha do pai. Elliot queria se aproximar, abraçá-la, acariciá-la e devorá-la. A tentação de usar o prazer para coagi-la a se submeter ao próprio desejo e a ele ameaçava sobrepujar o que restava de seu bom senso.

Elliot se afastou. Pegou o revólver e um dos cobertores e começou a descer as escadas. A alternativa era se arriscar a se comportar como um canalha, ou, pior, tornar-se uma daquelas abelhas lastimáveis que ficam zumbindo e implorando pelos favores da rainha.


Phaedra observou o sol se pôr no mar. Luzes roxas e laranja coloriam a água com listras sedosas à medida que a escuridão aos poucos se aproximava. Lá embaixo, no barco, os homens acenaram e a saudaram amigavelmente. Parecia que eles também tinham alguns odres de vinho à disposição e que a bebida os deixara mais amistosos.

Phaedra encontrou a única vela mandada junto com os víveres e a acendeu. Sentou-se em um canto onde a brisa noturna não a apagaria. Ouviu Elliot se mexer lá embaixo, talvez na tentativa de achar algum conforto no chão tendo apenas um cobertor sob o corpo.

O corpo dela ainda não tinha se acalmado totalmente desde que ele partira, nem seus pensamentos se afastaram muito dos últimos minutos que tinham passado juntos. Uma pulsação quente continuava a se fazer sentir, atraindo sua atenção. Normalmente ela só tinha que lutar contra isso quando Elliot estava por perto, contudo seu corpo parecia saber que estava perto o bastante e não lhe daria alívio. Seus seios continuavam rígidos e cheios, com os mamilos reagindo a cada roçar do tecido do vestido.

A última conversa deles a desarmara. Agora só conseguia pensar em lorde Elliot de forma gentil. Ele entendera mais do que ela mesma. E não a olhara com pena – em vez disso, expressara uma preocupação verdadeira com esse lado menos perfeito da vida dela.

Ela mentira um pouco para poupar Artemis da censura daquele homem; entretanto, a julgar pelas reações dele, isso fora desnecessário. A verdade era que Artemis estivera correta em suas crenças, mas nem sempre em seus métodos. Ficar sozinha aos 16 anos fora algo devastador e amedrontador, muito mais do que Phaedra admitira. Ela sentira como se a mãe a tivesse jogado de um barco no meio do oceano, simplesmente esperando que ela soubesse nadar.

Phaedra perdoara a mãe por esse engano fazia anos, porém duvidava que outras pessoas fizessem o mesmo se soubessem daquele frágil ano tão carregado de grandes erros. A verdade seria mais uma prova para o mundo de que Artemis Blair não tinha sido uma boa mãe, nem ao menos uma mulher normal.

Elliot já não fazia mais barulho lá embaixo, embora ela pudesse jurar ouvir sua respiração. Ele não teria conseguido pegar no sono tão rápido, disso ela sabia. Phaedra caminhou a passos suaves, numa tentativa de aliviar a forma como seu corpo a atormentava. Tentou harmonizar a ideia de que o desejo não era somente físico agora, mas também um anseio por aumentar a proximidade que sentira com ele ao compartilhar suas confidências e o perigo.

Levou as mãos aos seios. Os estímulos se juntavam, aumentavam e desciam por seu corpo. Fechou os olhos para tentar domá-los e ouviu a lição dada por sua mãe sobre desejo.

O prazer carnal é uma necessidade tanto de homens quanto de mulheres. Não negue seus desejos, só fique atenta a quem escolhe como parceiro. A maioria dos homens são conquistadores em sua essência. Busque os poucos mais esclarecidos que alçaram um lugar acima da maldição primitiva. Se decidir ter prazer com um conquistador, certifique-se de lhe dar somente seu corpo e apenas temporariamente. E nunca, nunca sucumba à ilusão de que pode mudar esse homem.

Phaedra imaginou o homem lá embaixo. Ele se fora apesar de terem estado juntos em um cômodo saturado do desejo de um pelo outro. Elliot podia ser um conquistador, porém não era tolo. Entenderia que ela não cederia nada, exceto o que decidira ceder. Ela faria questão de deixar essa parte bem clara.


CAPÍTULO 11

Elliot se preparou para passar uma noite tendo apenas os próprios pensamentos por companhia. Com um pouco de sorte, logo pararia de ficar imaginando a mulher do andar de cima.

Esforçou-se para pensar no mundo que descrevia nos livros. Não precisava de seus papéis para se aventurar por lá. As notas e os esboços preliminares eram registros de suas ideias, não lembretes. Toda a informação estava em sua cabeça, acessível a qualquer momento. Já tinha passado muito tempo por lá, escapando do tédio quando alguma conversa o incomodava.

Seus irmãos, Christian e Hayden, também tinham câmaras secretas em suas mentes. Quando se aventuravam nelas, fechavam as portas atrás de si e se isolavam por completo da realidade. Somente ele fora abençoado com a capacidade de entrar e sair a seu bel-prazer, como se a porta permanecesse entreaberta. Elliot sempre conseguia manter contato com o mundo real.

Naquele exato momento, contudo, isso não era uma grande vantagem. O mundo externo com o qual não perdia contato consistia de uma frustração física que não se aquietava. Especulações em relação aos movimentos acima o perturbavam. Seu sangue ruim calculava o custo para sua honra e seu orgulho se ele dominasse primeiro e corrigisse depois.

De alguma forma, conseguiu deixar tudo isso do lado de fora, perto da porta, mas sem interferir tanto em seus pensamentos. Voltou sua concentração para as informações sobre práticas funerárias que coletara das antigas histórias romanas.

– Elliot.

Ele abriu os olhos. Cada parte de seu corpo entrou em estado de alerta. Ela poderia estar a centímetros dele, tão nítido fora o chamado. As pedras das paredes e dos degraus tinham transportado sua voz para baixo. Ela nem tivera que elevar o tom.

Phaedra não falou de novo. Só pressupôs que ele tivesse escutado. Ou talvez soubesse que ele responderia ainda que o chamado tivesse sido feito só na mente dela.

Talvez ela só precisasse de ajuda com a vela. Ou talvez tivesse visto algum movimento de uma das janelas e pressentisse problemas provocados por seus carcereiros. Ele podia simplesmente perguntar dali, mas não faria isso, apesar de saber que se afastar de novo seria quase impossível.

Acreditando que Phaedra era esperta demais para brincar com fogo, ele subiu as escadas.

Luzes vagas e sombras escuras dançavam pelas pedras das paredes e da abóbada no cômodo superior. O cobertor pendurado separava um canto numa cortina improvisada. A única e grande vela queimava devagar, suas chamas acrescentando lampejos dourados aos frios raios do luar.

Todas as tênues fontes de luz se juntavam e se intensificavam em um lugar. Uma estátua pálida as absorvia para aumentar a exibição sensual do cobre abrasador e da porcelana branca.

Phaedra estava de joelhos na esteira de palha, apoiada nos calcanhares. Olhava para a escada e para ele. Elliot parou ao vê-la, momentaneamente boquiaberto com sua beleza e ousadia.

Estava nua. Suas madeixas ondeavam pela pele desnuda. Pareciam fitas de seda que se dividiam para deixar ver partes de ombros alvos como leite, de braços macios, seios arredondados e quadril curvilíneo.

Ela deixou que ele observasse um bom tempo, sabendo que uma torrente se armava dentro dele, admitindo com o olhar que sentia o mesmo desejo.

Juntou os cabelos e os jogou para trás, expondo o corpo todo. Seus seios estavam empinados e cheios, com os mamilos róseos rígidos.

– Podemos ter prazer juntos esta noite, se quiser – disse ela.

Ele arrancou o casaco e andou até onde ela estava.

– Se eu quiser? Eu quero possuí-la desde a primeira vez que a vi.

Phaedra relaxou e esticou o corpo nu a seus pés, observando enquanto ele tirava a camisa.

– Não será assim. Possuiremos um ao outro.

– Como queira. Não me importo nem um pouco com os termos dessa rendição.

Naquele momento ele não se importava com absolutamente nada, exceto o desejo que ficava mais forte e convincente a cada instante. Caiu de joelhos ao lado dela.

– Não é uma rendição, Elliot. É uma trégua. Uma noite para gozarmos de nossa amizade.

Ela o ajudou a desabotoar a calça.

As mãos dela o fizeram enlouquecer de excitação. Ele olhou para aquele corpo feminino nu, tão vulnerável e acolhedor. Imagens entraram em sua cabeça e a urgência acelerou sua pulsação. Se ela considerava isso amizade, não conhecia os homens muito bem.

– Com certeza, Phaedra. É claro.


Ele não quisera dizer isso. A alma dela sabia, mas, naquele momento, Phaedra não se importara.

Ele estava lindo e sensual. Até ajoelhado ele era alto. Seu tronco e seus ombros nus se avolumavam acima da esteira de palha e dela, fazendo-a pequena e... vulnerável. Essa sensação era nova. Nunca vivenciara algo assim antes de conhecer aquele homem. Não era uma sensação desagradável. Ela se deixou sentir prazer nessa condição porque sabia que ele não representava um perigo real.

A luz deixava a pele dele cor de bronze e ressaltava seus músculos. Não havia nada de suave para se ver nele. Nem no corpo nem no rosto. Nele, a paixão tornava os traços de família ainda mais duros, mesmo sendo o Rothwell mais afável. O cabelo escuro, solto e despenteado pelas aventuras do dia, caía em mechas sobre a testa e o rosto. Seus olhos se tornaram cristais negros quando ela começou a ajudá-lo a se despir.

Elliot afastou as próprias mãos, deixando que ela fizesse o trabalho sozinha. Só olhou para baixo, talvez desafiando-a a prosseguir, testando se ela recuaria.

Ela não se apressou. Seus olhares ficaram conectados. Sensações maravilhosas davam vida ao corpo dela. A excitação era mais intensa por saber o que estava por vir. A expectativa cresceu entre eles de forma tão maravilhosa que se tornou um dos maiores prazeres que ela jamais experimentara.

Depois de despi-lo da calça, ela levou a palma da mão até o abdome dele, saboreando o toque de sua pele e daquela combinação tão masculina: uma superfície macia sobre uma sustentação rígida. Ela amava a forma como o desejo intensificava todos os sentidos, inclusive a intuição que lhe dizia quanto ele adorava aquele toque e como o resto da realidade desaparecia por completo para ele também.

Quando não conseguiu subir mais, desceu a mão de novo, chegando a sua roupa íntima. Com carícias suaves, ela a puxou para baixo, fazendo o tecido se avolumar em seus joelhos e libertando-o. As pontas dos dedos dela faziam o reconhecimento de seu corpo, centímetro por centímetro. Ela deslizou as mãos e as pressionou nas partes protuberantes do quadril e das coxas dele. Com a ponta dos dedos, alisou sua ereção inteira até a cabeça do pênis, envolvendo-o com suavidade, depois o acariciou de forma mais agressiva.

Elliot tentou conter a sensação que isso provocou, mas ela pôde ver a fúria sensual que o dominava. Todo ele ficou mais duro. Seu rosto e olhar, seu corpo inteiro ficou mais rígido.

– Você corre perigo de ser tomada sem cortesia nem cerimônia, Phaedra.

Ela avaliou a ameaça e a excitação do próprio corpo.

– Não me importo. Estou mais do que pronta também.

Ele se juntou a ela no cobertor e empurrou as roupas para longe. Posicionou seu corpo nu por cima do dela, apoiando-se nos antebraços ao lado dos ombros dela.

Um beijo. Profundo e íntimo, tão lento e sedutor que um anseio estranho e doce venceu sua impaciência. Phaedra afastou as pernas para que ele se aninhasse, instintivamente convidando-o a se unir a ela naquele momento para que talvez a noite toda fosse comovente.

Ele olhou para ela.

– Você é uma mulher muito generosa.

– Generosa, não. Quando a mulher é sincera nesses prazeres, ela ganha também.

– Esta é uma visão admirável e democrática. Só que você não está sendo sincera e me encoraja a ser um amante ruim por causa disso.

– Reconheço minha condição carnal da forma mais sincera.

Tão sincera que essa demora a enlouquecia. Ela mexeu o quadril um pouco para encorajá-lo.

A reação dele foi leve, sutil, mas devastadora. Ele empurrou, mas não tudo. Ela o sentiu lá embaixo, tocando-a de leve, uma provocação terrível e maravilhosa.

Ele a beijou no pescoço e nos ombros.

– Você disse que estava mais do que pronta – falou, administrando o calor daquele deleite. – Não foi verdade, mas talvez tenha falado por ignorância.

A indignação se infiltrou em sua mente, que só pensava nos formigamentos maravilhosos que atingiam seu sangue.

– Não sou ignorante. Acho que isso é óbvio.

Ele suspendeu o tronco, de forma a poder acariciá-la. Observou as pontas dos próprios dedos traçarem levemente uma linha em torno da base e do volume do seio, assim como ela havia feito há pouco no quadril e nas coxas dele.

– Uma mulher mais do que pronta não fica tão controlada quanto você continua. Você não está nem perto de estar pronta como poderia estar. Se não é ignorante, sabe disso. Mas talvez você tenha medo de se abandonar à sensação.

Ele esfregou o mamilo dela. Um tremor profundo a sacudiu, ressoando dos pés à cabeça. O corpo dela ansiava por empurrá-lo fundo para dentro e escapar daquela tortura sensual, por mais deliciosa que fosse.

Ele tocou o seio dela com mais força, esfregando o bico, fazendo os tremores se repetirem com intensidade crescente. Phaedra começara essa sedução confiante e ousada. Agora a onda dessa vulnerabilidade tentadora afastava seu autocontrole.

Ela não conseguia mais resistir à maré de prazer. Elliot pareceu perceber que ela tentava. Saiu do corpo dela como se anunciasse que era ele quem decidiria quando ela estaria pronta. Deitado ao lado dela, apoiado no braço rígido, ele a acariciou devagar e seguro de si, seu toque possessivo percorrendo toda a pele dela.

Seus seios ansiavam para que suas mãos voltassem ali. O outro prazer e os estímulos que ele causava pioravam tudo ainda mais. A frustração a deixava quase louca. Ela nem conseguiria abraçá-lo naquela posição, ficava exposta e submissa ao seu olhar e a suas mãos mal-intencionadas.

Phaedra não podia abraçá-lo, mas podia tocá-lo. Nem todo o corpo dele estava fora de alcance. Ela buscou a parte interna da coxa de Elliot com a mão direita. Acariciou-o com movimentos para cima, certificando-se de que não perderia o controle sozinha.

Ele reagiu como esperado, da forma como ela ansiava. Elliot acariciou seus seios de uma maneira tão perfeita, tão completa, que a fez quase perder a sanidade. O prazer insuportável ficou maravilhosamente pior e o desejo por mais tomou sua mente.

Ele baixou a cabeça e levou a boca ao seio dela. Uma nova sensação percorreu seu corpo. Uma sensação doce e intensa e tão poderosa que a fez perder contato com a realidade. Phaedra agarrou os ombros dele em um abraço selvagem para que não ficasse sozinha em seu abandono. Sua mente se obscurecera e ficara tão focada que apenas uma vaga percepção do mundo ao redor se esgueirava por ela. Sons ecoavam as súplicas em sua cabeça e as necessidades que a devastavam. Pegadas fortes e beijos violentos a levaram mais fundo nessa sensação pura.

Um toque diferente, bem-vindo e temido e tão necessário que ela pensou que desmaiaria de alívio. Sua consciência gritou. Ela abriu mais as pernas para que ele não parasse. Arrepios profundos se acumulavam lá e se espalhavam, aumentando a tortura até ela querer implorar por alívio.

Então lá estava ele com ela de novo, aninhado entre suas coxas como tudo tinha começado, empurrando de leve daquela forma incompleta e enlouquecedora. Ele a beijou com um jeito selvagem ao penetrá-la, engolindo seu gemido de alívio.

Estocadas fortes, profundas e plenas, a levaram ao gozo. A explosão singular de prazer a embebedou de paz e de uma sensação perfeita. Flutuou nela, espantada com a violência do clímax e com a materialidade do êxtase.

Phaedra foi voltando devagar da escuridão sagrada de sua mente. Seus braços sentiram os ombros que ela abraçava e suas pernas, o quadril que circundavam. Ele permanecia teso e pleno dentro dela.

Por entre os cachos úmidos, ela viu os olhos dele, ainda quentes e firmes em sua rigidez sensual.

– Você parece bem satisfeita, Phaedra.

Tão satisfeita que ela pensou que nunca mais poderia se contentar com menos.

– Com toda a certeza.

Ele se mexeu devagar, descrevendo um longo caminho na carne ainda intensamente viva após o clímax.

– Acho que nunca conheci uma mulher com tanta facilidade de ter prazer.

Ele pousou um beijo firme em seus lábios. Bem dentro dela, a satisfação começou a arrefecer. Novas necessidades acenaram de forma sutil, porém perceptível.

Ele fez de novo. Olhava para baixo, controlado demais, seguro demais do que causava com suas investidas lentas e profundas.

– Acho que nunca fui tão possuído por uma mulher antes.

– Não me culpe se não compartilhou a satisfação. Normalmente, há unidade nessas coisas.

– Duvido que já tenha havido unidade com você. Seus amigos encontram o próprio prazer enquanto a ajudam a achar o seu, mas é diferente.

Phaedra viu um insulto nessas observações tranquilas. Se não estivesse tão ligada à potência viril que emanava dele, se os tremores da nova excitação não estivessem preenchendo sua mente, talvez ela achasse as palavras para castigá-lo por sua presunção.

Só que a sensação de saciedade diminuía com rapidez. Lá dentro, desejos ressonantes despertaram, reforçados pela confusão e pelo desespero.

O abandono acenou de novo, mas permaneceu fora de alcance, tentando-a. Ela continuou em contato com o mundo, ciente do homem que se demorava, consciente de que ele também não tirava os olhos dela.

Phaedra mexeu o quadril para encorajá-lo. Mais rápido. Ele acariciou a nádega direita dela e a puxou, detendo-a.

– Você disse que nós possuiríamos um ao outro, e eu quero possuí-la devagar.

– Foi muito indelicado da sua parte não se saciar junto comigo.

Ela nem sabia que um homem podia controlar suas vontades a esse ponto.

Obteve um sorriso quase imperceptível em resposta. Sua mão soltou a nádega dela. Phaedra pensou que ele houvesse se rendido. Em vez disso, ele levou a mão às costas e soltou a perna dela de seu quadril.

Moveu a outra perna também e empurrou as coxas dela unidas para baixo dele. Quando se mexeu dentro dela de novo, o prazer se concentrou e espiralou tão nítido que ela perdeu o fôlego.

As sensações a deslumbraram, a venceram. Ela não podia negá-las, então se rendeu. Porém, desta vez o clímax foi diferente. Phaedra não perdeu o contato com o mundo. Ouvia os próprios gritos. Ficou embebida na aura dele. A vulnerabilidade voltou, mais matizada, ainda excitante, porém levemente assustadora.

Ele não perdeu o controle, não sucumbiu. Mesmo quando suas estocadas ficaram mais rápidas e mais fortes, mesmo na hora em que ela gritou em êxtase, Phaedra sentiu que ele controlava seu poder até o fim.

Dessa vez houve unidade. Ela não chegou sozinha ao clímax. Na verdade, ele pareceu mais presente. Um alívio glorioso a despedaçou como um raio parte uma árvore, porém ele permaneceu a seu alcance durante todo o tempo.

Após o coito, à medida que a alma dela tentava recolher os cacos de seu autocontrole e ela lutava para recompor a mulher que conhecia, receios penetraram seus pensamentos. Ela o sentia em seus braços, seu corpo cobrindo o dela. Ele estava exausto, satisfeito e quieto, mas inteira e estranhamente real.

Phaedra nunca se sentira em desvantagem em situações assim antes. Envolta em êxtase e saciedade, ela examinava sem pressa essa nova situação. Tentava decidir o que significava e como tinha acontecido.

Com certeza, essa misteriosa sensação de desprendimento desapareceria quando ele fosse embora. Tinham sido só a noite, a escuridão e o prazer que a haviam causado.

Ele se apoiou nos antebraços, tirando o peso de cima dela. O olhar dele a invadiu muito fundo e de forma tão calorosa e intensa que ela se perguntou se ele estaria tentando deixar uma marca de fogo em sua mente. Depois ele rolou de cima dela e se deitou de lado. Logo caiu no sono com o braço por cima dela.

Elliot pretendia passar a noite ali. Ela nunca permitira isso com seus amigos, mas não conseguiria acordá-lo e pedir que descesse para deitar no cobertor sobre as pedras no cômodo embaixo. Porém...

Phaedra olhou para as luzes bruxuleantes que brincavam nas pedras acima dela. O olhar dele tinha sido cálido e tocante durante o último e longo olhar, mas também exigira que ela reconhecesse a força da união dos dois. Carregara a profunda intimidade que ainda os unia e se negara a deixar que ela se desvencilhasse de seu abraço.

Porém, tinha havido mais do que isso, algo que ela nunca vira nos olhos de um homem antes, pelo menos não em um que a olhasse.

Ela vira os olhos de um conquistador.

E se perguntara o que ele erroneamente achava ter conquistado.


A porta da mente dele permanecia entreaberta. Elliot a ouviu suspirar e murmurar enquanto dormia. O sol começava a nascer e ela despertaria em breve. No momento, ele aproveitava a paz, a companhia e o ar frio em seu corpo, deixando a mente concluir suas reflexões sobre outras coisas.

Um som o despertara, dando uma vaga indicação do novo dia que começava. Agora ele espiava pela luz prateada à medida que um objeto tomava forma. Havia mais uma cesta no cômodo, bem à direita, no alto das escadas. Uma das senhoras tinha trazido mais víveres.

Phaedra despertou devagar como um gato ronronante. Ela se encolheu e depois se esticou em sua elegância nua e se virou para o outro lado, dando a Elliot a oportunidade de admirar o belo contorno de suas costas e de seu quadril.

Ela parecia muito doce naquele momento e mais jovem. Despida de seu hábito negro, liberta da armadura com que enfrentava o mundo, ela o espantava com sua aparência frágil. A noite anterior revelara esse outro lado de sua alma de uma forma inconfessa e inexplicada. Sua paixão tinha sido ao mesmo tempo experiente e ignorante, ao mesmo tempo segura e amedrontada. Ele experimentara a fraqueza e a suavidade que ela não ousava mostrar ao mundo. Phaedra levava uma vida baseada em símbolos na qual tais contradições não eram permitidas.

Ele a queria de novo, porque ela estava muito bela ali de manhã e porque a Phaedra nua, despida e desarmada, o fascinava. Imaginou que continuaria a desejá-la por muito tempo. Calculou tempo e lugar, dia e noite, tendo as lembranças de seus abraços a tentá-lo.

Num instante ela se pôs alerta, como se tivesse ouvido os pensamentos dele. Deitou-se de costas e, através de pálpebras semiabertas, avaliou onde estava e com quem. Um vago rubor tingiu seu pescoço, descendo até os belos seios. Os mamilos endureceram, mas não por causa da fria brisa marinha.

O constrangimento a fez parecer uma menina insegura. Lorde Elliot se perguntou que pensamentos causaram o franzir de seu cenho ao olhar o próprio corpo. Ela não estava tão atrevida agora, sem a escuridão para transportar os acontecimentos para outro mundo.

Elliot puxou algumas roupas para que ela não fosse obrigada a sair de onde sua escolha a deixara. Ele lhe entregou o monte de tecido negro que era seu vestido. Phaedra se sentou e o passou pela cabeça.

Ele se sentou ao lado dela na esteira. Imaginou se Phaedra mencionaria os acontecimentos da última noite e o que ele deveria dizer quando ela o fizesse. Ela não era uma mulher que esperasse gratidão ou desculpas. Certamente não esperaria que ele lhe oferecesse dinheiro ou qualquer tipo de pagamento. Ela não esperava absolutamente nada dele e levaria a mal qualquer proposta.

– Você tem Alexia – disse ele. – Ontem você falou sobre estar só, mas Alexia é uma amiga leal.

As palavras de Phaedra tinham ecoado na cabeça dele naquela manhã enquanto ficara deitado ao lado dela. Ele se perguntara sobre suas amigas na infância, duvidando de que tivesse alguma. Imaginava que poucas mães permitiriam às filhas serem amigas da filha de Artemis Blair.

Phaedra se esticou para lhe dar um beijo no rosto. Ele supôs que, em algum momento ao longo do dia, a intimidade entre eles chegaria ao fim e Phaedra consideraria a noite da véspera como passado. Agora, contudo, com um gesto ela o fazia entender que achava a preocupação dele, no mínimo, encantadora.

Ele aproveitou a oportunidade para passar o braço em torno dela. Sentado assim numa cama de palha, com as costas apoiadas na parede, a cabeça de uma bela mulher no ombro e os sons e cheiros do mar entrando em lufadas pelas janelas, não seria um jeito ruim de passar o dia.

– Ela fez com que seu irmão permitisse nossa amizade – disse. – Quando Alexia negociou o casamento, ela o fez prometer. Eu tinha imaginado que... Cheguei a recusar o convite de casamento. Escrevi a ela dizendo que isso só causaria problemas com o marido. Ela me respondeu explicando o que conseguira.

Phaedra inspirou profundamente. Sua voz saiu mais fraca quando voltou a falar.

– Chorei ao ler a carta. Foi o gesto mais nobre que qualquer amiga já fez por mim. Preocupar-se comigo naquele momento... Ainda acho difícil de acreditar que seu irmão tenha concordado. Não sou uma mulher que a maioria dos homens deseje como amiga de suas esposas. Uma cortesã seria mais bem-vinda nas salas de estar das famílias elegantes de Londres.

Elliot imaginou que a generosidade do irmão fazia parte de uma estratégia maior. Phaedra Blair era uma concessão pequena para Hayden nas negociações para ficar com a mulher que desejava.

Não ajudaria colocar as coisas dessa forma.

– Hayden nunca foi escravo das regras da sociedade. Ele quer que Alexia seja feliz e sabe que a amizade dela com você não representa qualquer perigo.

– Se ele acredita nisso, o amor o deixou tolo. Não me ressinto com os pais e maridos que não permitem que eu seja recebida, Elliot. Se eu fosse eles e acreditasse no que eles acreditam, estabeleceria as mesmas regras.

Elliot olhou para o topo da cabeça dela. O cabelo parecia mais dourado do que ruivo agora, na luz cristalina da manhã. Ela não queria sua piedade por sua infância solitária. Não esperava que o mundo se transformasse para se adaptar a ela. Só queria que a deixassem quieta para que conduzisse suas crenças como lhe aprouvesse.

Entender isso acrescentou ternura à satisfação que ele sentia naquele momento. Infelizmente, deixá-la quieta seria quase impossível.

– Lorde Elliot.

O chamado de Carmelita não veio das escadas de pedra. Ela estava lá embaixo, do lado de fora da torre. Pelo menos uma das senhoras tinha se intrometido mais cedo e agora faziam uma tentativa de não repetir isso.

Ele se levantou e olhou para fora da janela. As cinco senhoras estavam em volta de Carmelita, falando baixo e ainda montando guarda.

– Lorde Elliot, o signore Greenwood está chegando.

Ela fez um gesto indicando a parte baixa do promontório, para além dos homens que acordavam.

Greenwood passava pelo cais, agora cheio de barcos de pesca. O barulho da cidade lembrou a Elliot por que nenhum deles fora para o mar. Era o dia da festa de San Giovanni.

Os homens deram passagem a Greenwood. Ele lhes disse algo ao passar. Acenou para Elliot quando o avistou na janela. Seu sorriso e andar lépido indicavam que trazia boas notícias.

Ele cumprimentou Carmelita e as senhoras com uma mesura, depois olhou para cima.

– Você e a Srta. Blair têm muitas razões para me agradecer, Rothwell. Fui tão habilidoso, tão brilhante, que mereço um cargo nas relações exteriores.

– O senhor convenceu aquele idiota a pôr fim nisso? – perguntou Carmelita.

– Fechei um acordo. Um tão bom que as senhoras não precisarão mais oferecer seus préstimos.

Carmelita explicou às senhoras o que ele dissera, porém elas relutaram. Uma pequena discussão se seguiu, mas Carmelita as convenceu. Todas as mulheres começaram a caminhar de volta para a cidade.

– Vou subir e explicar – disse Matthias, desaparecendo no limiar do portal.

Elliot se virou para Phaedra. Ela se parecia de novo consigo mesma: composta, orgulhosa e singular. O tecido preto cobria o corpo que ele possuíra horas antes. Phaedra se inclinou e esticou o cobertor por cima da palha, eliminando a mais óbvia evidência dos eventos noturnos.

– Eu devia ter me rendido à tentação e acordado você mais cedo – disse ele. – Uma noite assim não devia terminar de forma tão abrupta.

Phaedra deu um sorrisinho nervoso.

– De forma abrupta ou lenta, as noites sempre acabam.

Havia muita coisa que ele gostaria de dizer em resposta, entretanto as botas de Greenwood já se aproximavam do cômodo.

O cabelo branco e o rosto sorridente de Matthias surgiram. Ele parecia muito satisfeito consigo mesmo.

– Trouxe-lhe a chave de sua prisão, Srta. Blair. Infelizmente, para que tudo dê certo, a senhorita tem que deixar Positano imediatamente.


CONTINUA

CAPÍTULO 7

– É uma coleção modesta.

Matthias brilhava de orgulho, apesar de suas palavras.

– Tive a ideia inspirado nos gabinetes renascentistas. É o meu refúgio dentro de casa, cheio dos meus objetos favoritos.

Seu gabinete era uma grande sala quadrada cheia de urnas antigas e ramagens nas paredes de gesso. Além de uma escrivaninha comprida repleta de livros e papéis, o cômodo continha artefatos. O capitel de uma coluna coríntia estava empoleirado em um dos cantos da mesa. Um busto antigo os observava do alto de uma estante de livros. Vitrines com pés, como as das livrarias inglesas, guardavam outros pedaços de peças e antiguidades.

Phaedra caminhava por entre as peças, observando. Randall Whitmarsh a acompanhava, apontando as moedas com as imagens de Júlio César e Tibério gravadas e as pequenas garrafas de vidro.

– Aqui está o grande achado – anunciou Matthias.

Ele abriu uma gaveta, retirou uma trouxinha de tecido e começou a desembrulhar o material.

Surgiu uma pequena estatueta de bronze de uma deusa nua em uma posição relaxada.

– Alguns garotos mergulhavam na enseada e lá estava ela, no fundo da areia. Deve ter ficado lá por 1.500 anos. É grega, tenho certeza. Período clássico. Provavelmente parte de uma carga grega a caminho de alimentar os cobradores do Império Romano.

Whitmarsh levantou a estátua.

– Com certeza um navio naufragou aqui. Deve haver outras peças onde ele afundou, se puder ser achado.

– A água fica profunda rapidamente, o que é muito perigoso – disse Matthias. – Se houver mais peças, elas só vão ser encontradas quando as marés fizerem seu trabalho. Retirei com cuidado as cracas e a melhora foi maravilhosa.

Elliot tomou a estátua em suas mãos.

– É linda. Pretende vendê-la?

– Ainda não sei. Caso decida vender, Whitmarsh poderia pô-la à venda para mim em Roma, não é?

– Ou eu, em Londres – emendou Elliot. – Você conseguiria um preço melhor, não acha?

Matthias sorriu com a indulgência de um mestre. Pegou a estátua das mãos de Elliot.

– E macular o seu sangue com atividades comerciais? Eu não faria isso.

– Não haverá comércio se eu apenas indicar um colecionador. Easterbrook pode até ficar interessado na peça.

Os homens começaram a discutir a data de criação da estatueta e seu valor. Phaedra continuou a andar por entre as vitrines para completar sua visita de reconhecimento.

A coleção de Matthias era muito eclética, como a de um garoto de escola que trouxesse para casa pedaços e peças do mundo que o fascinavam. Uma vitrine continha fragmentos de cerâmica de pouco valor, porém com enfeites primitivos fascinantes. Espirais e formas geométricas se amontoavam sobre as superfícies avermelhadas. Um belo cálice grego intacto ocupava lugar de honra em outra, exibindo o deus Dionísio em um navio em seu interior raso e arredondado.

Prosseguiu até as adagas antigas e partes de armaduras romanas entalhadas e chegou até uma vitrine que continha outros objetos de metal. Essa estava trancada e Phaedra podia entender por quê. Espalhados dentro estavam objetos de ouro e prata e esmaltados, alguns clássicos, outros de épocas posteriores, em que normandos e sarracenos estiveram ali. Pequeninas imagens de deuses romanos e vivas interações de linhas e arabescos disputavam sua atenção.

A vitrine inteira brilhava. Fechos de bolsas, brincos e fileiras de contas de vidro.

– Decidi ficar com minha pequena deusa – anunciou Matthias. – Onde acha que devo alojá-la, Srta. Blair?

Phaedra deu sugestões de lugares onde Matthias poderia exibir a pequena estátua, porém seus pensamentos continuavam na coleção diversificada do seu anfitrião. Ela se perguntava se ele saberia algo sobre camafeus antigos.


De tarde, o Sr. Whitmarsh decidiu pescar, então os cavalheiros desceram a montanha para alugar um barco após a sesta costumeira da cidade. Isso deixou Phaedra com a signora Roviale e a Sra. Whitmarsh.

As damas se sentaram na sala de visitas e tentaram não entediar umas às outras. Quando a Sra. Whitmarsh pediu licença e saiu para escrever uma carta, a signora Roviale abordou o único assunto que achava ter em comum com a outra hóspede.

– É um homem notável, o seu lorde Elliot. Não sou fã de todos os amigos ingleses do signore Greenwood. Eles quase sempre são pálidos demais e reservados a ponto de se tornarem tediosos, e suas mulheres e namoradas também são sem sal e sem assunto. Mas lorde Elliot é ao mesmo tempo bonito e interessante. Un uomo magnifico.

– Lorde Elliot é cunhado de uma grande amiga minha e me acompanha a pedido dela. Não sou sua namorada.

– Veramente? – exclamou ela, depois avaliou Phaedra com frieza. – Talvez, se usasse roupas mais atraentes... Matthias me disse que não está de luto e, por aqui, o preto é mais comum entre as mulheres velhas... E seu cabelo, a minha criada poderia penteá-lo para que não parecesse uma criança nem uma puttana.

“Puttana” tinha sido uma palavra que Gentile Sansoni usara durante o interrogatório. Significava meretriz. Como a signora Roviale não era casada com Matthias, estava enveredando por um campo muito delicado.

– Escolho meus vestidos e meu penteado por bons motivos, signora. Assim não preciso ficar sobrecarregada com criadas nem gasto horas em preparações antes de começar meu dia tão atarefado.

– Aaah, capisco. Entendo.

Ela fez um gesto expressivo, a mão desenhando um amplo arco que incluiu as duas e a casa.

– Mas seu dia está livre hoje. Não está muito ocupada, não é? Não temos nada para fazer enquanto esses ingleses pescam feito camponeses. Ofereço-lhe minha criada; então não ficará, como disse, sobrecarregada.

– Estou muito satisfeita assim, obrigada. Quanto a preencher o meu dia, vou para o meu quarto ler, se me der licença.

– Pode ler outra hora. Acho que é uma mulher que lê demais.

Ela se levantou e acenou para Phaedra, indicando que a acompanhasse.

– Talvez esteja satisfeita em seu vestido, contudo a signora Whitmarsh não está feliz. Ela pensa que você é uma bruxa e que está tentando encantar o marido dela. E você é tão incomum que ela não sabe como competir. É louca por pensar assim, de toda forma posso ver as suspeitas naquele rosto comprido. Nós a deixaremos apresentável e comum para o jantar desta noite, para que ela não pareça ter uma nuvem negra em cima da cabeça.

Revoltada por estar sendo coagida, porém incapaz de pensar em uma desculpa para desfazer o plano de sua anfitriã, Phaedra se levantou. A signora Roviale lhe deu o braço e, com firmeza, conduziu-a escada acima.


Elliot despiu a camisa agora úmida de maresia. Entregou-a ao criado para que fosse lavada, depois foi se arrumar para o jantar. A pesca tinha sido divertida, animada pelos odres de vinho que Matthias tinha jogado no barco.

Saiu para o terraço e apurou os ouvidos. Nenhum som vinha do quarto de Phaedra, portanto supôs que ela já tivesse descido e se dirigiu à sala de visitas. Todos os hóspedes estavam reunidos, exceto a única mulher que ele estava ansioso para ver.

Perguntou-se se ela aproveitara sua ausência para escapar e amaldiçoou a própria negligência. A combinação relaxante de sol e mar e a excitação que não queria deixá-lo o tinham feito esquecer o motivo de ter Phaedra em sua companhia.

Conversou com Whitmarsh e Greenwood. Cada minuto que passava aumentava suas suspeitas da fuga de Phaedra. Estava prestes a perguntar à signora Roviale sobre as atividades da Srta. Blair naquele dia quando Whitmarsh de repente parou de falar e olhou fixo por sobre o ombro de Greenwood. A expressão no rosto dele fez Elliot olhar na mesma direção.

Greenwood virou a cabeça.

– Meu Deus. É a nossa Srta. Blair?

Aparentemente, sim, exceto que aquela Srta. Blair não se parecia muito com a que Elliot conhecia. O vestido preto substituído por um azul-celeste, com um fita marfim e mangas curtas bufantes no ombro e justas no braço. O cinto de seda marcava sua cintura e o decote revelava a pele muito alva do pescoço e dos ombros, destacando o arredondado firme e elegante de seus seios.

O cabelo também tinha sido penteado e preso. Sem mais flutuar solto, formava um penteado com cachos e trançados que a deixavam muito na moda. Usava um pouco de maquiagem no rosto, ou talvez a atenção que despertara a tivesse feito enrubescer.

– É ainda mais bela do que a mãe – sussurrou Whitmarsh. – Se pode ficar bonita assim, por que se esconde naquele hábito de freira?

Elliot sabia por quê. O motivo agora enchia a sala de visitas. O silêncio caiu conforme os homens a olhavam e as mulheres a avaliavam. Elliot andou pelo meio dos outros para poupar-lhe o incômodo de continuar a ser o espetáculo da noite.

– Está muito bonita hoje, Srta. Blair. Vamos pegar um pouco de vinho.

Ela o acompanhou até a criada que servia as bebidas. O grupo retomou suas conversas.

– A signora Roviale fez isso tudo. O vestido é dela – contou Phaedra. – A mulher é implacável. Não havia como escapar.

Ele lhe entregou um cálice de vinho.

– Foi gentileza da sua parte ceder.

Ele se esforçava para que seu olhar não resvalasse para a protuberância branca acima do decote do vestido. Queria lamber e mordiscar aquela pele de leite que surgia além da fronteira azul-celeste.

– Levou horas. Tinha me esquecido dessa parte. E esse espartilho... bem, você pode imaginar como meu pobre corpo não gosta disso.

Não exatamente. Contudo ele podia imaginá-la de camisa e meias, antes de pôr o espartilho, e depois de vesti-lo, quando ainda não houvesse colocado o belo vestido.

– Acredito que, com a prática, fique mais fácil.

– Não vai haver prática. Essa experiência acaba junto com o jantar. Só rezo para que não desmaie antes disso. Mal posso esperar para ser liberada dessa tortura. Para começar, é insuportavelmente quente. Descobri que os árabes usam roupas soltas em climas quentes por um bom motivo. Além disso...

De repente, no meio da frase, suas reclamações pararam. Ela enrubesceu violentamente, como se visse nos olhos dele o que se desdobrava em sua imaginação, o vestido caindo, o espartilho se abrindo e o corpo dela sendo revelado. O traje dava uma visão melhor desse corpo do que seus vestidos pretos, e ele a imaginava nua com muito mais nitidez agora.

Whitmarsh se aproximou exalando charme. Greenwood não perdeu a Srta. Blair de vista enquanto falava com os outros. Ela respirou fundo e partiu para encantar a todos com seu brilho e sua beleza.


Phaedra pretendia escapar direto para seu quarto ao final do jantar, para tirar aquelas roupas desconfortáveis. Mudou de ideia ao ver Matthias Greenwood andar em direção a seu gabinete. Em um impulso, ela o seguiu, alcançando-o no momento em que abria a porta.

– Sr. Greenwood, posso falar com o senhor em particular? – solicitou Phaedra.

– Com certeza, Srta. Blair. Venha comigo. Terá toda a minha atenção aqui.

Ela aceitou sua acolhida e sentou-se na cadeira que ele lhe indicou, ao lado da mesa. Encarapitada lá, sob seu exame tutorial, sentiu-se como uma aluna pleiteando uma vaga na universidade.

– Sr. Greenwood, na Inglaterra eu vinha conversando com pessoas que conheceram minha mãe. Tenho algumas perguntas sobre fatos que aconteceram no final da vida dela. O senhor a conheceu também e seu nome foi mencionado várias vezes. Algumas delas sugeriram que talvez pudesse me ajudar.

– Algumas delas...?

– Amigas de minha mãe. Mulheres que me ajudaram a relacionar as pessoas que faziam parte do convívio social de minha mãe e coisas afins.

– Ajudarei como puder, entretanto não era um amigo próximo. Minhas funções na universidade não me permitiam vê-la com muita frequência.

– Entendo. Contudo é sua distância relativa que pode ter possibilitado ao senhor enxergar com mais clareza do que os amigos mais íntimos.

Ele pareceu cético, mas se mostrou prestativo.

– O que precisa saber?

– Talvez o senhor considere minhas perguntas um pouco ousadas.

Ele riu.

– Ficaria desapontado se não fossem. Se a senhorita está correndo o mundo atrás de respostas, imagino que as perguntas não sejam banais.

Seu bom humor tornava tudo mais fácil. Ela decidiu começar com a pergunta mais ousada de todas.

– Alguma vez suspeitou que minha mãe tivesse um amante nos últimos anos de vida?

Ainda que ele esperasse ousadia, a pergunta o deixou um tanto sem jeito. Sua expressão sempre bem-composta se alterou, ficando próxima do constrangimento.

– Não tive indícios para pensar isso. No entanto... Bem, quando conheci sua mãe, Drury era uma presença constante, mas parecia menos presente por volta do último ano.

– O senhor sabe quem era o outro homem?

Os olhos dele ficaram mais cálidos, demonstrando simpatia. Seu sorriso era o de um tio para a sobrinha preferida.

– Nem sabia se havia alguém. Tem certeza de que houve?

– Meu pai achava que sim.

– Os homens podem errar em relação a essas coisas. A paixão esfria, a distância aumenta... Ele pode ter interpretado errado.

Ela sabia dessa possibilidade. Matthias não era o primeiro a mencioná-la. Vários amigos de sua mãe sugeriram a mesma explicação. Ela mesma também nutria a esperança de que fosse apenas isso.

– Há alguém que o senhor teria considerado provável?

Ele balançou a cabeça.

– É tão importante saber o nome ou mesmo se a suspeita se confirma?

– Se tivesse sido um caso normal, eu diria que não.

Ele esperou pacientemente que ela continuasse, nem encorajando nem desencorajando outras revelações com seu comportamento reconfortante. Ela entendeu por que Elliot gostava desse homem. Havia algo em Matthias Greenwood que inspirava confiança e estimulava confidências. Sua franqueza era tamanha que afastava até a menor possibilidade de dissimulação.

– Minha mãe me deixou um camafeu – contou ela. – Seu testamento dizia que era originário de Pompeia. Sua intenção era que ele me desse alguma segurança financeira, e sempre supus que daria. No entanto, antes de meu pai morrer, ele alegou tratar-se de uma joia falsa, vendida a minha mãe pelo amante.

Matthias franziu o cenho, a preocupação evidente em seu olhar.

– A senhorita depende do valor desse camafeu?

– Minha situação financeira ficou mais complicada nos últimos tempos. Talvez eu precise vendê-lo. Contudo, se for falso...

– Valerá uma mera fração do que ela imaginava e provavelmente do que pagou. E a senhorita também não pode vender a peça antes de ter certeza, a menos que queira se arriscar a fazer parte de uma fraude.

– Exatamente.

– Entendo seu dilema. Lamento que sua herança esteja em questão. Se um admirador tirou vantagens indevidas de Artemis, o canalha deveria ser enforcado. Ela era muito generosa com todos que conhecia, mas... bem, talvez ingênua demais e lenta demais para perceber que alguns teriam interesse em se aproveitar dela.

Ele lhe lançou um olhar que pedia desculpas pela leve crítica.

– Talvez ela tenha sido mesmo ingênua demais, Sr. Greenwood. E sua generosidade significa que ela deixou pouco mais em herança além do camafeu. Suponho que eu poderia guardá-lo como lembrança, contudo, se ele simboliza o roubo de sua afeição e de seus recursos, não terá nenhum valor sentimental para mim.

– Eu pediria para ver o camafeu se pudesse afastar suas preocupações, no entanto confesso não ter muito conhecimento nessa área. Poderíamos mostrá-lo a Whitmarsh, é claro. Ele conhece muito mais pedras preciosas do que eu. No entanto, faria mais sentido perguntar aos especialistas em Pompeia...

Seu cenho se desanuviou. Ele deu um risinho.

– É por isso que está na península Itálica, não é? É claro. Agora compreendo.

– O senhor acha que posso obter uma resposta concreta lá?

– A mais concreta possível. Como já sabe, as opiniões variam. Escreverei para o superintendente, para abrir caminho para a senhorita. Ele está envolvido em escavações há vinte anos e pode atestar a origem do item, bem como seus sinais característicos de antiguidades.

– Agradeço sua boa vontade em me ajudar. Pergunto-me se posso abusar um pouco mais de sua gentileza. Temo que isso signifique pedir que levante hipóteses que talvez não queira.

– Não sou bom demais a ponto de resistir a fofocas, Srta. Blair. Pelo menos, até certo ponto.

Ela suspeitava de que iria chegar a esse ponto e talvez ultrapassá-lo.

– Se, de fato, esse camafeu, real ou falso, foi dado ou vendido a minha mãe por um homem nos seus últimos anos de vida, o senhor pode pensar em alguém em seu círculo que tivesse acesso a coisas assim?

Seus olhos de águia se obscureceram e ele ficou introspectivo, refletindo demoradamente sobre a pergunta. Phaedra imaginou que ele estaria relembrando as festas e jantares de anos atrás, examinando rostos e reconstituindo conversas.

– Não tenho um nome para lhe dar – disse por fim.

Sentiu o desapontamento, mas não foi um golpe tão duro. Teria sido ótimo resolver o mistério naquele dia, entretanto ela na verdade não esperara mesmo que isso acontecesse.

– Contudo, talvez...

Os olhos de águia de Matthias ficaram reflexivos de novo.

– Olhe bem, estou me lembrando de uma joia que diziam ser originária de um tesouro em Pompeia, só que não pertencia a sua mãe. Lembro-me que sua existência foi discutida durante uma das recepções que ela deu. Pode ser a mesma joia que está agora em sua posse ou talvez seja outra.

– O senhor se lembra do que foi dito na ocasião?

– Não de muita coisa. Não tinha interesse no assunto. Nem mesmo consigo determinar a data da conversa com muita precisão.

Ela olhou por cima de seu ombro para as vitrines.

– Eu diria que o assunto o interessa deveras.

– Não em relação a essa joia específica. Percebi logo que a origem da joia era duvidosa. Qualquer item retirado de Pompeia é propriedade roubada. Não há documentação de sua descoberta lá porque isso revelaria tratar-se de um roubo – explicou e deu de ombros para prosseguir: – Há quem não se importe com esses detalhes e pessoas que acreditam em qualquer história que lhe contem. É assim que comerciantes desonestos fazem fortuna.

– O senhor se recorda de como esse camafeu surgiu? Alguém o estava vendendo?

Ele bateu com os dedos na mesa e pensou bem.

– Foi há tanto tempo... Não quero atacar a credibilidade de ninguém...

– O senhor não o fará. Nem eu. Não farei acusações, a menos que tenha certeza de todos os fatos. Não haverá fofoca, nem difamação ou calúnia. Só quero saber em que direção devo seguir.

– Não me lembro dos detalhes. Mas havia vários negociantes que giravam em torno de Artemis Blair. Dois estavam sempre presentes nos últimos anos. Um, Horace Needly, tem uma reputação ilibada, porém nunca se sabe o que acontece nesse meio. No outro tenho menos confiança, principalmente porque ele evitava conversas com acadêmicos como eu. Isso me fazia pensar se seu conhecimento passaria pela prova de alguém experiente.

– Qual era o nome dele?

– Thornton. Nigel Thornton. Um sujeito bem-apessoado. Bem-sucedido também, se não me engano, contudo suas antiguidades tinham origem duvidosa.

– Obrigada pelos dois nomes. Verei o que posso descobrir quando voltar à Inglaterra. O senhor me ajudou bastante e sou muito grata.

Ela se levantou para ir embora. Ele sorriu ternamente, feliz por ter sido útil.

– Sr. Greenwood, me perdoe, mas... não havia pelo menos mais um negociante no círculo de minha mãe naquela época? O Sr. Whitmarsh. O senhor disse no outro dia que ele vende antiguidades em Roma e...

– Aquilo foi só uma brincadeira entre amigos, Srta. Blair. Desde que veio para cá, sabe-se apenas que passou adiante um ou dois objetos que lhe chegaram por acaso e com os quais ele não tinha intenção de ficar. Nada mais. Já fiz isso também. Não se pode considerar isso comércio – ele foi falando de forma indulgente, enquanto a acompanhava até a porta. – Além disso, ele não se dedicou a esse ramo na Inglaterra, nem mesmo por um período breve. Não ficaria bem, não? Afinal, ele é um nobre.


– Rápido, não aguento mais. Rápido.

Um grunhido profundo seguiu os pedidos da Srta. Blair.

– Ai, assim, hum, que maravilha.

Elliot estava de pé no terraço, com as costas apoiadas na parede da casa. Ele ria por dentro dos gemidos que lhe chegavam pelas portas ao lado das dele. Os sons que Phaedra fazia ao ficar livre, aliviada do vestido e do espartilho, lembravam os de uma mulher que se sentisse livre e aliviada por outros motivos.

Pôde ouvir quando ela dispensou a criada e depois resmungou:

– Que diabos. Nunca mais. As mulheres são loucas de se vestirem assim.

Vagos sons de seus movimentos no quarto eram notados. Ele deu alguns passos no terraço e retomou sua posição, desta vez do lado de fora do quarto dela.

– Sobreviveu, Srta. Blair? Ou ficou deformada para sempre?

Ela esticou a cabeça para fora, procurando-o. Ficou surpresa ao vê-lo tão perto.

– Achou graça, não?

– Nem um pouco.

Sua risada mostrou que era mentira. Ela franziu a testa com vigor.

– Espere aí. Quero lhe falar sobre um assunto.

E ela desapareceu no quarto.

Voltou alguns minutos depois, vestida de preto. O penteado não fora desfeito, então ela ainda não tinha voltado a ser a Phaedra de sempre.

– Por quanto tempo pretende me manter aqui? – perguntou ela.

Suas palavras aludiam a tudo o que ocorrera desde o dia em que ele entrara naquele jardim em Nápoles. A observação continha todos os seus ressentimentos.

– Alguns dias. Mais tempo, se a senhorita quiser. Precisa admitir que este é um lugar bem relaxante.

– Não vim da Inglaterra para repousar.

– Podemos partir em três dias, se desejar. Contudo imaginei que apreciasse a companhia de pessoas que conheceram sua mãe.

Ela foi até a balaustrada e olhou para o mar negro. Elliot observava suas costas, mas o que via, apesar do tecido preto que a cobria, era o corpo nu.

– Confesso que estou gostando da visita mais do que esperava, exceto das imposições da signora Roviale hoje. Apesar de inconveniente, esse desvio em meus planos se mostrou proveitoso. Deveria ter considerado que seria útil... que seria possível e até mais provável conhecer as pessoas do círculo da minha mãe se eu o acompanhasse.

Ele teria questionado o motivo de ela considerar isso “útil” se a noite não estivesse tão agradável e calma e a luz da lua não tornasse Phaedra tão linda.

– O Sr. Greenwood mora aqui há muito tempo? – perguntou ela.

– Ele comprou a casa há uns seis ou sete anos. Só veio morar aqui em definitivo faz quatro anos. Na última vez em que vim, a casa ainda era bastante rústica.

– Imagino que ele conheça todos os especialistas em antiguidades, de Milão à Sicília.

– É bem provável. Não se trata de um grupo tão grande. É natural que busquem a companhia de colegas.

– Então foi um professor universitário que comprou esta mansão, fez melhorias e se mudou para cá. Ele deve vir de uma família abastada.

A avidez de Elliot o deixava impaciente por jogar conversa fora com Phaedra, mas ele lhe concederia isso por enquanto. Afastou-se da parede e se juntou a ela na balaustrada.

– Ele vivia de forma frugal em Cambridge. Um parente lhe deixou dinheiro. Esta mansão provavelmente deve ter custado menos do que uma casa pequena em Londres. Os imóveis aqui não têm o mesmo valor de lá.

Ele admirava o trabalho intricado no penteado da Srta. Blair. Levaria um bom tempo para desfazer tudo aquilo antes de dormir. Tempo de mais. Ele deixaria daquele jeito.

Exceto por um olhar, ela não reagiu à sua proximidade.

– Ele falou como se visitasse as escavações com frequência e conhecesse os arqueólogos lá.

– Espero que sim. Por que está tão curiosa sobre ele?

Matthias tinha idade para ser pai dela e Whitmarsh, quase isso. Ainda assim, a admiração deles pela ruiva naquela noite provocara em Elliot uma desconfiança enciumada que provavelmente não tinha fundamento. Agora a desconfiança surgia de novo, irracional porém nítida, atiçando o desejo com os espinhos da possessividade.

– Há algumas páginas nas memórias de meu pai que levantaram questões sobre os últimos anos de vida da minha mãe. Fiz perguntas a Matthias e estou refletindo sobre o peso que devo atribuir às respostas.

Então era nisso que ela pensava nas horas em que ficava séria e introvertida? Ela havia se aventurado até o terraço, apesar da advertência da noite anterior, mas não para implicar ou desafiar. Ela buscava informações que fossem úteis.

Christian sugerira que essas memórias talvez contivessem revelações que Phaedra não iria gostar de ler. O fato de ela confirmar isso provavelmente era significativo, porém naquele exato momento Elliot não se importava. Ele a desejava e estava ali, naquela noite maravilhosa, com ela, uma mulher que acreditava no amor livre e que não se prendia a regras sociais estúpidas.

A luz da lua tornava sua pele branca quase translúcida. O vestido preto ia até o pescoço, mas ele ainda tinha na mente o volume dos seios dela.

– Às vezes é sensato deixar as perguntas sem resposta.

Ela o encarou, indiferente a quão perto estava de ser agarrada.

– Não acredito que creia nisso. Ou, melhor, não acho que o senhor consiga seguir o próprio conselho. Vi seu rosto quando falamos das referências a seu pai nas memórias. Você não quer que elas sejam publicadas, porém precisa saber se o que há lá é verdade.

Sua postura e suas palavras lançavam um novo desafio. Ele não o aceitaria naquela noite; em vez disso, lidaria com os desafios já existentes entre eles. Haveria tempo o bastante para lidar com este mais tarde.

– Já sei que não são verdadeiras. Mas a senhorita fala de questões sérias, Srta. Blair. Por favor, perdoe-me por deixar essa discussão para outro momento. Um em que a luz do luar, a noite e sua beleza não estejam fazendo minha mente se voltar para outros assuntos.

A expressão no rosto dela foi de pura surpresa. Não se moveu ao encará-lo. O que quer que tenha visto no rosto dele gerou faíscas de temor em seus olhos.

Ela se virou para caminhar em direção à porta.

– Então o deixarei refletir sobre esses assuntos, quaisquer que sejam.

Ele pegou no braço dela.

– Não desta vez, Phaedra.

Elliot a virou para si, segurou seu rosto entre as mãos e beijou a boca que o tentava fazia dias.


Como é que ele... como ousava...

Seu espanto por ser puxada para Elliot foi apagado pelo beijo dele. Mas outra coisa a assombrou: a forma como seu coração deu um salto quando ele a dominou.

Só o beijo já fora suficiente para deixá-la assim. Firme, forte e determinado, o beijo dele continha as advertências da noite anterior. Quero-a implorando por mim. Esse perigo a excita.

Com certeza, aquele perigo a excitava. A forma como sua pegada a dominou gerou arrepios traiçoeiros em seu baixo-ventre. Partes dela começaram a implorar de imediato, pedindo mais, desejando que ele não parasse.

A mente de Phaedra se acelerou. Pensamentos se formavam e desapareciam em rápida sucessão.

Ele nem perguntou. Será que pensou...

Os beijos no pescoço fizeram-na perder as palavras. Uma névoa estonteante e sensual obscureceu o resto.

Isso foi um erro, mas, ah...

O calor da boca de Elliot penetrou em seu sangue, fazendo seu corpo formigar em todas as partes para onde ele fluía. Seus seios ficaram mais cheios e firmes e o sentiram através do tecido do vestido. O contato a excitou mais e ela instintivamente colou o corpo no dele em busca de mais estímulos.

Ele beijou sua boca de novo. Não tão forte dessa vez, apenas seduzindo e conduzindo-a, mas igualmente exigente e confiante em que ela lhe daria tudo o que ele desejava.

A forma como ele a agarrava a atiçava, ainda que ela devesse ter se rebelado. Ela via o perigo, mas não conseguia parar porque era excitante. O corpo de Phaedra seguia para o abandono e a mente já estava fora de controle.

Uma carícia. Que não explorava, não procurava, não pedia nada. Firmes e seguras, suas mãos desceram por suas costas, pelo quadril e as nádegas, reivindicando seu corpo como se ela não estivesse vestindo nada, fazendo-a sofrer na expectativa por mais.

A língua dele entrou em sua boca, percorrendo todos os espaços. Arrepios eróticos tremularam em sua vulva. As mãos dele se moviam por seu corpo, sem reservas. Ela não se importou por se render a um inimigo e lhe dar um espaço que talvez nunca mais retomasse no campo de batalha. A excitação comichava, zunia e pulsava, tornando impossível pensar de forma sensata.

Quero-a implorando por mim. Ah, sim, isso era bem possível. Seus seios estavam tão sensíveis que ela pensou que fosse enlouquecer.

Como se ele ouvisse seus pedidos silenciosos, acariciou seu quadril, o ventre e subiu até os seios. Estava zonza de expectativa ao beijá-lo, incitando-o com sua boca, a língua e o abraço.

Devagar, ele tomou o seio em sua mão. Um intenso frêmito de prazer a dominou. A outra mão dele estava firme em suas costas, sustentando-a e movendo-se para baixo devagar a cada fecho que abria do vestido.

Eu não deveria... isso não deveria...

Um beijo avassalador transformou em poeira a objeção que se formava na mente de Phaedra. Afagos deliberados em seus mamilos a espalharam pelo ar.

Ele deu um passo para trás, separando seus corpos. O brilho da lua banhou a ambos e a luz dourada vinda do quarto dela definiu os contornos de Elliot. Ele não lhe deu tempo para se recompor, para juntar os cacos de sua racionalidade. Levou a mão à gola do vestido e começou a fazer o tecido negro escorregar pelo corpo dela.

Nunca antes um homem a tinha despido. Nunca. Ela não permitia que isso acontecesse. Agora o gesto a deixava em transe, imobilizada. A lenta descida do tecido pareceu a carícia mais erótica da noite. Tudo o que ela conseguiu fazer foi olhar para o rosto de Elliot, sentindo mais do que vendo o desejo que impregnava o ar de potência viril.

As mangas desceram por seus braços e o corpete se afrouxou em seu quadril. Ele levou a mão ao ombro da camisa que ela usava por baixo. Phaedra perdeu o fôlego. Seus seios se enrijeceram ainda mais na expectativa de outro desnudar lento e delicioso.

Porém, de novo ele fez algo que a surpreendeu, afastando o último traço de bom senso que restava nela. Ele não a despiu devagar: em vez disso, arrancou a camisa pelos braços dela. Não foi um movimento impaciente nem apaixonado, mas um gesto que confirmava os direitos do conquistador.

A alma de Phaedra tentou se rebelar, porém não encontrou ancoradouro na maré de prazer que a submergia. A forma como ele olhou para sua nudez absorveu sua atenção de tal forma que ela não se moveu para liberar os pulsos da blusa que ainda restringia seus movimentos.

É só um jogo, essa dança de dominação e submissão. Não significa nada. Não estou cedendo nada, na verdade.

Mas...

Pontas de dedos a esquadrinharam. Palmas das mãos alisaram seu corpo. Ela olhou para baixo, para as mãos másculas de dedos delgados que acariciavam seus seios, estimulando-a e excitando-a da forma mais perfeita. Uma doce loucura tomou sua cabeça e ela enveredou para um prazer sensual cada vez maior. O último fio de autocontrole se desgastava rápido. Ela queria que arrebentasse de vez. Queria que lorde Elliot vencesse o último sinal de resistência que tentava arruinar seu êxtase.

Ele a abraçou de novo, fazendo-a arquear as costas. Beijou seu pescoço e peito traçando um caminho quente que a deixou sem fôlego. Seus dentes e sua boca brincaram com o mamilo, torturando-a com sensações que se espalhavam fundo em seu baixo-ventre e faziam sem corpo implorar enquanto ela gemia baixinho.

Phaedra tentou soltar um braço para enlaçá-lo e mantê-lo próximo, para apoiar-se e senti-lo.

– Não – murmurou ele. – Fique assim.

A tempestade sensual em sua cabeça queria obedecer. O prazer era tão grande que ela não podia parar. Seu corpo estava faminto por mais, por ser preenchido, pela completude que o aliviaria. Parar agora seria impossível, iria contra a natureza.

Porém...

Mesmo em seu abandono, conseguiu ver a situação com um olhar racional. Apesar de sentir um prazer tão intenso que quase doía, ela notou sua sutil submissão e tudo o que lorde Elliot dera por certo desde o primeiro beijo.

De alguma forma, a escrava rompeu suas amarras. Sofrendo de arrependimento e frustração, ela recobrou a voz:

– Você tem que parar agora. Quero que pare.

Ele ficou paralisado. Por alguns momentos terríveis, não se moveu. Depois se endireitou e olhou para ela.

O braço dele a puxou para perto, para um abraço forte. Sua outra mão pousou em seu rosto como no primeiro beijo. As pontas de seus dedos faziam pressão sem a machucarem, mas também sem suavidade.

– E se eu não parar?

Como a maior parte dela não queria que ele parasse, aquilo não chegava a ser uma ameaça. Porém, o fato de ele supor que ela cederia se ele continuasse, de que seria fraca diante de seu poder, devolveu-lhe alguma razão.

– Vai parar – disse ela.

– Confia tanto assim em minha honra?

– Confio em seu orgulho. Uma mulher importunada nunca implorará.

Ele a soltou e se afastou. Tudo em sua aura e em seu rosto dizia que ele poderia puxá-la de volta.

Ela subiu o vestido e se cobriu. Correu para a porta. Seu coração estava aos pulos e seu corpo ainda reagia ao perigo com uma excitação que a surpreendia.

– Não vou parar na próxima vez, Phaedra.

Ela parou no limiar da porta antes de replicar:

– Não acho que haverá próxima vez.

– Haverá, sim.

Ela agarrou as portas duplas e começou a fechá-las.

– Se acontecer, não será por sedução. Eu terei optado por isso antes mesmo do primeiro beijo ou não haverá beijo nenhum.


CAPÍTULO 8

Ele ainda ficou do lado de fora. Phaedra queria abrir a porta para deixar a brisa noturna entrar, mas não se atreveu. Ele poderia interpretar mal.

Ele seria ousado a ponto de entrar ainda assim? Ela se sentou na cama abraçando os joelhos, ao mesmo tempo temerosa e esperançosa de que a porta se abrisse de par em par e lorde Elliot entrasse.

Não se sentia tão dona da situação como agira ao fechar a porta. Sua excitação não ia dar trégua. Seu corpo continuava sensível até ao ar.

Ela não saberia dizer em que momento decidira detê-lo. Tinha sido instintivo, a intuição interferira.

Quero-a implorando por mim.

Não seria possível manter uma amizade com aquele homem. Ele queria vê-la fraca e entorpecida, para que pudesse influenciá-la. Afinal, tivera um motivo para ir atrás dela em Nápoles. Um amigo seu não poderia lhe pedir – nem o faria – que suprimisse aquelas passagens das memórias. Mas um homem que a dominasse e possuísse, um amante que a seduzisse, não hesitaria em usar o poder que essa paixão lhe outorgava.

E tudo isso era uma pena, porque ela o queria.

Nunca desejara um homem assim antes. Não havia nada de confortável nisso. Nada de seguro. Não era a mesma atração que experimentara com seus amigos, não se tratava de um encontro intelectual que permitia outras intimidades.

Ao contrário, o encantamento sensual dele provocava o caos, o mistério e uma estupefação que a deixava sem ar. Ele também sabia disso. Sabia que sua mera presença era um feitiço.

Sua excitação aos poucos se acalmou até virar um formigamento, o mesmo desconforto que vinha sentindo há dias. Por fim, o terraço e o quarto ao lado ficaram em silêncio. Jogou o corpo para trás e se deitou em posição fetal, ainda encarando a porta.

Teria sido isso o que acontecera com Artemis? Depois de anos de amizade confortável com Richard Drury, surgira um homem que não jogava de acordo com as regras dela?

Fora um choque descobrir que a mãe tinha sido infiel a seu pai. Acreditar no amor livre não significava rejeitar a crença em um amor perfeito, para a vida toda. Na infância, Phaedra concluíra que os pais tinham ficado juntos porque o amor livre facilitava reconhecer sua alma gêmea no momento que ela chegasse.

Imaginou a mãe. Bela, viva, segura de si. Mais confiante do que a filha chegaria a ser. Menos prática também. Com o passar dos anos, Artemis havia se cercado de um grupo de pessoas que aceitavam a forma como ela vivia. Seu círculo entendia a relação com Richard e o lugar dele em seu mundo.

Talvez já tardiamente, nesse fascinante espetáculo que fora a vida de Artemis Blair, um homem houvesse surgido, determinado a atravessar o fosso e escalar suas muralhas. Ela devia ter se visto sem defesas por falta de experiência em lidar com esse tipo de homem.

Exatamente como sua filha, naquele terraço ali fora.

Phaedra abraçou um travesseiro. Começava a entender o que havia ocorrido com esse amor tardio que tirara a mãe do eixo.

Um sedutor chegara, atiçando a fêmea primitiva que sobrevivia na alma de toda mulher. Ele tomara e conquistara. Influenciara, enfraquecera e, por fim, traíra.

Se houvesse se apresentado fingindo ser alguém de pensamento semelhante ao dos outros homens em torno dela, Artemis não haveria tido a menor chance contra ele.


Aquela vadia.

A frustração levava Elliot a acumular insultos contra Phaedra na manhã seguinte, enquanto terminava seu café na varanda. Considerando o trabalho infernal que seu corpo lhe dera a noite toda, ele não estava disposto a se esforçar para ter pensamentos dignos de um cavalheiro.

Tentava se contentar imaginando como Phaedra ficaria desconfortável em seu quarto quente e fechado, ao passo que ele deixara a brisa da varanda refrescá-lo. Só que, na verdade, cada vez que olhara para a porta da mulher, uma parte de si rezara para que ela se abrisse e Phaedra corresse para seus braços.

A porta não se movera. A contida, independente e pedra no sapato Phaedra Blair nunca lhe daria essa vitória. Por fim, a porta passara a representar um repúdio. Uma acusação. Uma declaração enraivecida de autocontrole. Você ousou seduzir em vez de pedir? Você tentou me dominar, logo eu, entre todas as mulheres?

Serviu-se de café. Os gemidos sensuais da ruiva ainda soavam em sua cabeça. Ainda sentia seu abraço e seus beijos longos e agressivos. Só em lembrar, já se sentia excitado de novo.

Tinha sido bom. Incrível. Onde ela havia encontrado o bom senso necessário para recuar, sem falar na força para deter a torrente que os arrebatava?

Passos leves e fugazes perturbaram a paz na varanda. Não precisava olhar para o limiar da porta para saber quem tinha chegado.

Nos poucos minutos que Phaedra levou para chegar à mesa, ele dominou a terrível raiva que acumulara ao longo da noite quente de vigília. Um último vestígio soou em sua cabeça ao saudá-la, entretanto. Você não vai se recusar na próxima vez, porque não quer isso de verdade.

A acolhida calma a deixou à vontade. Sua postura cuidadosa relaxou. Phaedra se sentou à mesa, lorde Elliot lhe serviu café e ela tomou um gole.

– Obrigada por ser tão civilizado – disse ela.

Ele não podia crer que ela realmente tocara no assunto. Pousou o cotovelo na mesa e descansou o queixo na mão. Algumas imagens sexuais muito pouco civilizadas se formaram em sua mente.

– Está se referindo a permitir que se recusasse na noite passada ou a lhe servir café esta manhã?

Uma criada entrou trazendo uma bandeja de ovos e fatias de toucinho defumado. Matthias podia ter escolhido Positano como seu lar, porém ainda oferecia um típico café da manhã inglês a seus convidados.

Phaedra pegou uma colher e, lentamente, serviu-se de ovos. Direcionava quase toda a sua atenção aos próprios gestos.

– Suponho que tenha me referido às duas coisas.

– Bem, Marsilio ou Pietro certamente teriam feito um escândalo na noite passada, discutindo e acusando até que toda a casa despertasse. Cavalheiros ingleses, contudo, são ensinados a sofrer.

Os lábios dela se franziram. Ela manteve os olhos no prato ao partir um pãozinho.

– Peço desculpas por qualquer sofrimento. Não foi minha intenção. Já que está sendo um verdadeiro cavalheiro inglês, talvez seja melhor eu não tocar mais no assunto.

– Seria o mais sensato.

Ela continuou a tomar o café da manhã devagar. Ele deveria se retirar, porém, é claro, não conseguiu. Phaedra pousou o garfo no prato e limpou a boca com o guardanapo.

– Lorde Elliot, se pretende que fiquemos mais alguns dias, então precisamos chegar a um acordo sobre o terraço.

Ela era inacreditável. Espantosa. Deveria saber que, naquele exato momento, o impulso dele era pegá-la, jogá-la por cima do ombro, carregá-la até o meio das árvores e terminar o que tinham começado. Porém, lá estava ela, negociando sabe-se lá o quê, quando uma noite insone o tinha deixado com muito menos boa vontade para fazer acordos.

– Como assim, Srta. Blair?

– Compartilhamos o terraço. Não é justo que o acesso a ele me seja negado ou que o fato de que eu o use possa ser interpretado como algo mais do que signifique de fato.

– Prometo que não interpretarei erroneamente caso a senhorita se junte a mim no terraço no meio da noite.

A promessa foi analisada com cuidado. Phaedra era esperta o bastante para entender os possíveis significados ocultos nela.

– Podemos pelo menos concordar que tenho o direito de deixar minha porta aberta sem temer que o senhor entre no meu quarto?

– Não.

– Vejo que fui muito otimista quanto a seu caráter.

– Nisso concordamos. Eu avisei.

– Lorde Elliot, eu...

– Insisto que me chame de Elliot em conversas particulares de agora em diante, Phaedra. Não se importa com a informalidade, não é? Podemos deixar de lado essa regra social estúpida. Afinal de contas, beijei seus seios nus e você gemeu de prazer.

Ela ficou estarrecida. Ele teve vontade de sorrir pela primeira vez naquele dia. Phaedra recuou e assumiu uma postura de arrogância controlada.

– Prefiro que evitemos a companhia um do outro o máximo possível, Elliot.

– Isso vai ser fácil esta manhã. Greenwood e eu vamos nos trancar em seu escritório até depois do meio-dia.

Ela se levantou.

– Então acho que vou dar uma longa caminhada e evitar os outros convidados por várias horas.

Ela se virou para ir embora.

– Phaedra.

Ela estacou e olhou por cima do ombro.

– Phaedra, exijo que prometa que não vai tentar fugir e que estará aqui no jantar.

Ela elevou a sobrancelha.

– Por causa de seu juramento ao signore Sansoni?

– Por isso também.

A expressão dela deu a entender que sabia qual era o outro motivo.

– E se eu não der a minha palavra?

– Posso amarrá-la na cama de novo. Gostaria disso?

Ela enrubesceu. Descartou a insinuação com um meneio brusco da cabeça.

– Tenho sua palavra?

– Sim, tem minha palavra, apesar de isso ser desnecessário e ridículo. Não sei nem como descer dessa montanha, que dirá descobrir como viajar para o interior.

Phaedra ergueu a cabeça e se afastou, fazendo o vestido negro ondular atrás de si.


Phaedra voltou para seu quarto e desfez as malas.

Como ele adivinhara seu plano? Não se via como uma mulher previsível, contudo lorde Elliot parecia ler seus pensamentos antes que eles nem sequer tivessem se formado.

Colocou de lado a valise vazia. Preparar-se para fugir fora um impulso nascido de uma noite de reflexão honesta sobre a forma como lorde Elliot a afetava. Ela corria enorme risco de fazer papel de boba, de se derreter toda só porque um homem lhe provocava desejo físico. Evitar completamente o desafio parecera uma boa ideia ao alvorecer.

Sentou-se e calçou as botas de cano curto. Andou até o terraço e olhou para baixo, para a cidade. Vozes chegavam da varanda embaixo dela. Outros convidados tomavam o desjejum.

Respirou fundo e invocou a mulher que sua mãe a ensinara a ser.

Decidir fugir fora covardia. Tinha se deslocado até aquela terra para encontrar respostas sobre a mãe, e algumas delas poderiam estar bem ali, naquela casa. Fazia muito mais sentido ficar e tentar confirmar as suspeitas que fervilhavam por debaixo de seus medos e vulnerabilidades em relação a lorde Elliot.


Quando Phaedra voltou à varanda, Matthias Greenwood desaparecera em seu gabinete com lorde Elliot. Randall Whitmarsh, contudo, estava sentado à mesa com a esposa. Phaedra se reuniu a eles, com a esperança de que a Sra. Whitmarsh logo pedisse licença e saísse. A conversa com Matthias tinha corrido tão bem na noite anterior que ela estava ávida por descobrir se o Sr. Whitmarsh poderia acrescentar mais alguma informação.

Infelizmente o Sr. Whitmarsh foi embora primeiro, para fazer sua longa caminhada matinal.

– A senhorita estava linda na noite passada – disse a Sra. Whitmarsh.

– Obrigada.

– Faz pensar em por que...

Seu olhar percorreu Phaedra dos pés à cabeça, examinando suas vestimentas.

Phaedra não se deu o trabalho de fornecer explicações. A Sra. Whitmarsh não era o tipo de mulher que pudesse entender a mistura de praticidade e teimosia que dera origem a essa opção excêntrica.

– O que quero dizer é que sua mãe não adotava esses símbolos externos para suas ideias singulares.

A atenção de Phaedra foi despertada.

– A senhora a via com frequência?

– Antes de nos mudarmos para Roma, meu marido costumava aceitar seus convites para jantar. Ao contrário de outras esposas, eu concordava em acompanhá-lo. Ele era fascinado por ela. Achei melhor cuidar para que ela nunca ficasse fascinada por ele também.

Phaedra não achava provável que Artemis considerasse o Sr. Whitmarsh fascinante. Porém, antes de ler as memórias, nunca poderia pensar que Artemis pudesse achar outro homem fascinante além de Richard Drury.

– A senhora teve êxito em frustrar uma ligação entre eles? Ou minha mãe teve algum carinho especial para com seu marido?

A Sra. Whitmarsh não demonstrou surpresa com a pergunta atrevida.

– Acho que fui bem-sucedida. Até muito tarde na vida, ela só teve olhos para o Sr. Drury.

– Quer dizer que, em algum momento, os olhos dela encontraram outro homem. Não meça as palavras por delicadeza. Sou a filha e, como ela, acho uma bobagem que as pessoas não falem francamente sobre esses assuntos.

A Sra. Whitmarsh deu de ombros.

– Foi fácil observar certa frieza entre seus pais no último ano de vida dela. Meu marido não percebeu, mas eu, sim. Vários homens a desejavam. Não como esposa, é claro.

O tom crítico e confiante da última frase incomodou Phaedra. Ela correu em defesa de sua mãe, apesar de Artemis não precisar de desculpas.

– Se não viu minha mãe desviar sua afeição para outro homem, tal frieza pode ter sido apenas resultado do passar do tempo e de dois amantes tornando-se amigos e mais à vontade um com o outro.

– Srta. Blair, meu marido e eu jantamos várias vezes com sua mãe, durante muitos anos. Normalmente o Sr. Drury estava presente. A familiaridade e a amizade que havia entre eles era muito clara desde o início. Ninguém precisou me contar na minha primeira visita que eles eram amantes e que você era filha do Sr. Drury. Contudo, no último ano, ele nem sempre se encontrava. E sua mãe ficava estranha na presença dele. Talvez a senhorita se considere mais inteligente do que eu, mas, quando percebo que as coisas não estão bem entre um homem e uma mulher, raramente me engano.

Sim, a Sra. Whitmarsh, que com tanto cuidado mantinha posse do marido, seria especialista nessa área da natureza humana. Será que também era observadora? Será que teria visto alguma coisa? Uma mulher que guarda um tesouro com certeza seria uma das primeiras a perceber se o pirata que ela temia tivesse voltado sua atenção para outro navio.

– Quem era o homem que se tornou objeto da atenção de minha mãe?

– Isso é um debate, em que tenho que dar um nome para que a senhorita respeite meu julgamento?

– É um questionamento sincero, de uma filha que se pergunta sobre os últimos anos de sua mãe.

A postura defensiva da Sra. Whitmarsh se desfez.

– Não sei. Só tenho certeza... certeza quase absoluta... de que não foi meu marido. Ela passou meses radiante, como se fosse jovem de novo, mas aí...

– Aí...?

– Foi como se alguém tivesse apagado a luz. Ela estava melancólica nas últimas vezes que nos vimos. Talvez, quem quer que fosse, a houvesse desapontado.

Phaedra percebera essa melancolia. Não havia entendido os motivos nem a profundidade, contudo a descrição era verdadeira. A luz se apagara.

– A senhora não está sozinha em se perguntar se ela teve um novo amor – falou Phaedra. – Alguns nomes me foram sugeridos. O Sr. Needly, por exemplo. E o Sr. Thornton.

– Needly? Bem, acho que isso pode fazer algum sentido. Ele guardava semelhanças com o Sr. Drury. Tinha a mesma natureza. E sua erudição em arte romana lhe daria algo em comum com sua mãe. Apesar de que, se me perguntassem, eu diria que os dois se estranhavam. Às vezes ele era um homem muito arrogante.

A Sra. Whitmarsh tinha amolecido com a fofoca. Ela apreciava o assunto muito mais do que Phaedra gostaria.

– Às vezes a atração pode criar rusgas.

– De fato, isso pode acontecer. Agora, o outro, Thornton... – disse, e então parou para pensar antes de prosseguir: – Ele era um pouco jovem demais para ela. Enigmático também. Entretanto estava sempre por perto. Não passava despercebido. Era bonito, até demais. Tinha presença, mas...

– Mas...?

– É difícil de explicar. Ele era maravilhoso. De deixar qualquer mulher de queixo caído. Contudo era de certa forma... obscuro. Meu marido uma vez usou essa palavra para descrevê-lo e achei apropriada. Sim, ele era obscuro de muitas maneiras.

Phaedra guardou a descrição em sua mente. Ao voltar para a Inglaterra, teria que procurar o arrogante Sr. Needly e o obscuro Sr. Thornton, além de perguntar a outros amigos íntimos da mãe se Artemis tivera um caso com um desses dois homens.

– Eu gostava dela – disse a Sra. Whitmarsh. – Não aprovava seu estilo de vida e ela sabia disso. Ainda assim, ela aceitava meus pontos de vista. Nunca permitiu que me sentisse deslocada. Era muito gentil.

– Ela estava acostumada com seus pontos de vista. Afinal, eles são os mais costumeiros. Sempre que botava o pé fora de casa, ela era a estranha. Quem dera o mundo tivesse sido tão gentil em relação a ideias diferentes quanto ela provou ser e tão aberto à companhia dela como ela era à de todos.

A Sra. Whitmarsh enrubesceu. A coloração de suas faces disse a Phaedra muito mais do que ela queria saber. Os Whitmarshs nunca tinham retribuído os convites para jantar. Artemis Blair nunca fora incluída no círculo deles e nas festas deles.

Essas confidências matinais de repente pareceram trair a memória de sua mãe. Phaedra suspeitava de que elas ecoavam as fofocas da Sra. Whitmarsh com seus amigos em salas de estar que nunca foram abertas para a intelectual que desafiava as convenções sociais.

Também teve uma amostra das fofocas que deviam correr sobre sua pessoa. Ela sabia que havia mulheres que riam dela, especulavam a seu respeito e a reprovavam, assim como havia homens que entendiam erroneamente sua liberdade. Era mais fácil ignorar essas pessoas se não tivesse que tolerar sua companhia.

Queria muito que a Sra. Whitmarsh tivesse revelado a identidade do homem que usurpara o lugar de Richard Drury. Ela não conseguira, porém suas observações não foram de todo inúteis.

Phaedra pediu licença. Deixou a varanda e tomou o caminho da ladeira que levava à cidade.


Logo depois de o sol nascer, Positano se tornava uma cidade de mulheres. Os homens que tinham condições físicas para pescar haviam saído muito antes de Phaedra começar suas atividades.

Levou um bom tempo para achar o caminho de descida pela densa rede de ruas antigas e estreitas. Mesmo com sua construção escalonada, eram bastante traiçoeiras. Phaedra desejou ter levado consigo sua sombrinha para usá-la como bastão de caminhada e se proteger do sol, que ficava cada vez mais quente conforme ia se aproximando do pico da montanha.

Mulheres e crianças paravam para vê-la passar pela rua do mercado. Ela admirou os limões e as verduras, as peças de carne de carneiro e de boi. Na esquina do mercado, alguns homens estavam sentados em cadeiras do lado de fora da taverna. Eles a olharam com curiosidade e desconfiança.

O mais jovem, um homem de cabelo escuro, vestido com uma sobrecasaca marrom elegante, tinha uma bengala apoiada na cadeira. Os outros pareciam velhos e encarquilhados. Ela supôs que tinham abandonado os rigores da pesca fazia muitos anos.

Phaedra encontrou as outras ruas principais seguindo o fluxo das pessoas. Sua presença era um pequeno espetáculo, como tinha ocorrido com a cavalgada em lombo de burro atrás de lorde Elliot. Cabeças apareciam nas janelas e olhares impetuosos acompanhavam sua caminhada.

As ruas a levaram a uma pequena piazza bem na encosta do morro. Água jorrava da boca de uma cabeça de leão esculpida em um muro baixo construído rente à rocha da montanha. Mulheres se sentavam em bancos de pedra à sombra das árvores, aguardando a vez de encherem seus jarros.

Phaedra encontrou uma vaga para descansar em um banco num local mais fresco. Olhos escuros a observaram interrogativamente. Uma moça sussurrou no ouvido de um menino e ele saiu correndo pela calçada. As mulheres matavam tempo ali depois de usarem a fonte, conversando em uma melodia expressiva, sem perder de vista a recém-chegada.

Logo outra mulher surgiu na calçada. O tecido de sua saia preta balançava com seus longos passos. Ela não se parecia com as demais mulheres.

Para começar, era loura. Seu cabelo louro-escuro estava preso em um nó na nuca, visível sob a grande aba de seu chapéu de palha preto. Ela não era tão clara quanto Phaedra, mas, em vez do bronzeado forte tão comum nessa terra, tinha um leve colorido na pele.

Phaedra se perguntou se era outra forasteira, que, como Matthias, tinha vindo morar ali. Quando a mulher se aproximou, no entanto, seus olhos amendoados, as maçãs do rosto salientes e o rosto em formato de coração revelaram que era uma nativa, mesmo que, num primeiro olhar, sua cor desse outra impressão.

A mulher se sentou no banco de Phaedra e fez algumas saudações às amigas. Phaedra tentou traduzi-las, porém as palavras se seguiam rápido e o sotaque em Positano era diferente do de Nápoles.

Ela se virou e deu uma boa olhada em Phaedra. O volume das conversas em torno delas baixou.

– Inglesa?

Phaedra assentiu.

– Elas imaginaram e mandaram o pequeno Paolo me chamar. Minha prima Julia e eu somos as únicas mulheres aqui que falam inglês. Você conheceu Julia. Ela é sua anfitriã na mansão. Você é viúva?

A conversa era entabulada em um inglês correto, apesar de a cadência e a pronúncia refletirem algum esforço.

– Não, não sou viúva.

O olhar da mulher se voltou para o cabelo longo de Phaedra.

– Não achei que fosse.

Ela olhou para a direita na rua e sorriu de forma dissimulada.

– Ah, lá vem o signore Tarpetta. Ignore-o. Ele gosta de agir como se fosse uma autoridade, mas ela só existe na cabeça dele.

O homem coxo que estava sentado no final da rua do mercado agora vinha mancando, apoiado na bengala, porém exalando presunção. Dois senhores o acompanhavam. Os três se posicionaram do outro lado da piazza.

– Meu nome é Carmelita Messina. Também não sou viúva, caso esteja em dúvida por causa de minha roupa preta.

– Meu nome é Phaedra Blair e fico feliz de conhecer alguém que fale meu idioma tão bem. Tentei falar sua língua, contudo...

Carmelita balançou a mão, dispensando as desculpas.

– Aprendi um pouco de inglês em Nápoles. Morei lá vários anos com Julia e seu falecido marido – explicou Carmelita, e então fez um sinal, apontando com o queixo para o signore Tarpetta, que as observava com atenção, apesar de conversar com os dois senhores. – Ele não gosta quando hóspedes da mansão descem até aqui. Tem medo de que vocês possam corromper seu pequeno reino.

– Os hóspedes descem com muita frequência?

– Somos apenas camponeses pitorescos para a maioria deles. Somos as pessoinhas nos cantos das pinturas sentimentais.

– Nem mesmo o signore Greenwood se mistura com vocês?

– Às vezes. Ele fez várias visitas no ano passado. Uma das vezes, ao voltar, levou Julia com ele – confidenciou, antes de lançar um olhar de escárnio para Tarpetta e acrescentar: – Ele tinha esperanças de se casar com ela. Faz muito alarde de que não a quer mais agora, mas todo mundo sabe que bastaria ela fazer assim – e ela estalou os dedos – que ele iria rastejando.

A conversa delas tinha atraído uma pequena plateia, e risadinhas vinham das mulheres que tinham se aproximado mais.

Carmelita olhou para Phaedra de novo.

– Uso preto para demonstrar luto pelos carbonari que morreram quando o rei matou a república. Se não é viúva, por que está de luto?

– Estou de luto pelo meu pai, porém não é esse o motivo da roupa. O preto não mostra sujeira tão rápido.

Carmelita traduziu para a plateia. Cabeças assentiram.

– Você não prende o cabelo nem usa véu. Tive dúvidas se não era uma puttana, mas não acho que seja, porque as amantes que vêm com os homens que visitam a mansão lá em cima estão sempre na última moda. Talvez você faça isso para apontar o dedo na cara de homens como o nosso Tarpetta lá?

– Talvez sim.

Phaedra olhou para a baía distante lá embaixo.

– O Sr. Greenwood recebe muitos hóspedes? Chegam barcos especiais só para trazê-los para a mansão?

– Sempre há hóspedes e alguns deles vêm com muita frequência. Ele tem muitos amigos, o signore Greenwood. Ele não é um de nós, mas muitos aqui lucram com o dinheiro que ele gasta.

– Como a família dos garotos que encontraram a estatueta antiga?

– Não ouvi falar de estatueta. As famílias gostam de manter essa informação em segredo, para que, se houver outras, fiquem só para elas. Ele gosta de coisas antigas, o signore Greenwood.

Carmelita notou de novo os homens que as observavam.

– Eles não estão gostando nada de ver você sentada aqui por tanto tempo, então espero que fique ainda mais. Conte-nos de sua vida na Inglaterra, Phaedra Blair. As mulheres pararam de levar água para casa só para ouvir algumas histórias suas.

Carmelita precisava traduzir toda a conversa e as mulheres sorriam e davam risadinhas quando ela o fazia.

Uma jovem que não passava dos 18 anos se aventurou mais perto. Com cuidado, esticou a mão e tocou o cabelo ruivo de Phaedra.

Phaedra não se importou com a proximidade, porém outra pessoa, sim. Uma voz masculina ladrou. Do outro lado da piazza, um dos senhores deu um passo à frente. Ele ralhou e fez um gesto para que a garota fosse até ele.

Com a cabeça baixa e os olhos temerosos, a jovem correu até lá. O homem a agarrou pelo braço e a empurrou para a calçada, levando-a embora.

– É o sogro dela – disse Carmelita. – Vai dizer para a família que ela fez amizade com a amante de um forasteiro que desceu da mansão.

Phaedra não quis pensar no destino da moça se a história enraivecesse o marido. As expressões cautelosas que de repente surgiram nos olhos das outras mulheres a entristeceram.

– Não quero causar problema para nenhuma de vocês.

Ela começou a se levantar.

A mão firme de Carmelita segurou seu braço.

– Não há mudança sem problemas. Essas mulheres não sabem nada do mundo fora deste litoral, e minhas histórias de Nápoles estão ficando velhas. Conte-nos de sua casa e como se tornou uma mulher que se aventura sozinha em uma terra estranha, parecendo uma meretriz de luto que não teme a mão de homem nenhum.


Phaedra ficou por uma hora na fonte, aproveitando a companhia feminina. Ela contou a Carmelita e às outras sobre sua vida e como vivia sozinha e livre em Londres. Com o passar do tempo, a torrente de palavras estrangeiras começou a fazer algum sentido para ela. Chegou a compreender algumas das perguntas dirigidas a ela antes de serem traduzidas.

Do outro lado da piazza, o signore Tarpetta observava. Alguém lhe trouxe uma cadeira, para que pudesse se sentar e descansar a perna. O alegre grupo de mulheres não se importava com sua desaprovação. Ele podia até se considerar uma autoridade, contudo ficou claro para Phaedra que as mulheres obedeciam a outro nome: Carmelita Messina.

Por fim, as mulheres se afastaram, carregando água e conversando animadamente umas com as outras.

– Os maridos logo voltarão nos barcos. Elas têm que preparar o almoço – explicou Carmelita.

Phaedra se levantou.

– Obrigada por se juntar a nós – agradeceu. – Assim pude conhecer as mulheres daqui. Vou descer até aquela torre antes de voltar para a mansão.

– Vou acompanhá-la, senão talvez não encontre o caminho até lá. Se Tarpetta nos seguir, finja que ele não está lá. Ele seria um tolo se fizesse isso tendo aquela perna, mas o homem já provou muitas vezes que é estúpido.

Tarpetta provou isso mais uma vez naquele dia. Phaedra achou que ele tivesse desistido de segui-las até que ela e Carmelita chegaram ao caminho do promontório, quando então o viu mancar na direção do cais para não perdê-las de vista.

– Como ele machucou a perna?

Carmelita atravessou o portal na entrada da torre.

– Ele foi soldado e estava entre os que foram atrás do marido de Julia na nossa casa em Nápoles. Ele nos traiu. Nós resistimos, apesar de ser inútil. Acertei-o com uma frigideira de ferro pesada, bem aqui – explicou, apontando para o próprio joelho. – Teria sido melhor se eu tivesse mirado na cabeça.

– Então agora ele a segue por toda parte?

– Ele está seguindo você, não a mim. Mas ele me odeia, porque fui eu quem promoveu o encontro do signore Greenwood com Julia. Ela ficou sem nada depois que o marido foi executado quando a república acabou.

– Se é por ciúmes, ele deveria odiar Greenwood, não você.

Carmelita ia à frente na subida sinuosa da escada de pedra.

– Ele não ousa odiar Greenwood. Como muitos outros, ele lucra com o dinheiro do inglês.

Elas seguiram até o alto da torre, onde havia um cômodo quadrado. Pequenas janelas vazavam duas paredes opostas. Uma dava para o mar e a outra, para a montanha.

– Esta era para vigiarem o mar e evitarem ataques de árabes e piratas pelo porto – explicou Carmelita. – Agora, esta a leste aqui... eles vigiavam outra coisa, não? Um exército vindo pela montanha ou problemas na cidade.

Phaedra olhou para a janela a oeste. A vista do mar era infinita, quilômetros de litoral de um lado e de outro. Ela se moveu para a janela a leste. O sol se elevara na reta do pico da montanha.

Aquela torre fora construída por questões militares. Nas alvoradas, em pleno verão, contudo, o sol devia nascer alinhado com aquela janela.

Não havia muito mais a explorar naquela torre de vigia. As paredes de pedra se erguiam e se curvavam para formar o teto, parecido com as antigas igrejas normandas em sua terra natal. Exceto por um cobertor no chão, estava vazia e surpreendentemente limpa.

Carmelita empurrou o cobertor com o pé e revelou a esteira de palha que estava debaixo dele.

– Este lugar é frequentado por namorados – disse. – Há anos, esta torre recebe visitantes noturnos.

Quando ela e Carmelita reapareceram do lado de fora, a figura esguia e firme do signore Tarpetta ainda podia ser vista no cais.

– Como ele lucra com o dinheiro do Sr. Greenwood?

– Não sei. Mas ele vive bem e não tem renda além da pequena pensão que recebe do Exército. Eles se conhecem. Dá para ver isso na forma como se cumprimentam nos raros momentos em que se encontram. Greenwood talvez o pague para se assegurar de que não vamos perturbar seus amigos importantes, ou, quem sabe, só para ele ficar longe de Julia.

Ela deu de ombros.

– Venha, vamos procurar um burro de aluguel para levá-la de volta. Nem eu aguento subir tudo isso a pé.

No momento em que desciam o promontório, lorde Elliot surgiu no cais. De repente, o braço do signore Tarpetta e os olhos de dois homens se dirigiram para elas.

Lorde Elliot desceu de novo para o cais e se dirigiu para o norte para interceptá-las.

– Quem é aquele? – perguntou Carmelita. – Seu namorado veio buscá-la?

– Ele não é meu namorado.

Phaedra sentiu o rosto queimar.

Carmelita deu uma gargalhada.

– Mas ele bem que gostaria, não? E é tão bonito que você ficou tentada, eu acho. Veja a expressão séria dele enquanto fica lá, esperando por você. É melhor olhar por onde pisa com esse aí, Phaedra Blair.

Phaedra apresentou Carmelita a lorde Elliot assim que o alcançaram. Ele respondeu com gentileza, porém não conseguiu esconder seu desagrado.

– Você nos deixou preocupados, Srta. Blair. Não é aconselhável vir para a cidade sozinha.

O tom de lorde Elliot beirava a censura.

– Duvido que alguém que visite esta cidade corra algum risco.

Lorde Elliot olhou para Carmelita.

– Sou grato por oferecer ajuda e companhia à Srta. Blair.

– Não preciso nem de ajuda nem de companhia – rebateu Phaedra. – Contudo fico feliz de ter feito uma amiga e espero vê-la de novo, Carmelita.

Ainda teso de irritação, lorde Elliot se dirigiu a alguns garotos para alugar burros e voltarem para a mansão.

– Vou deixá-la agora para que possa lidar com esse homem – brincou Carmelita. – Se precisar de uma frigideira de ferro, é só falar.


CAPÍTULO 9

– Escreverei a carta para o superintendente esta manhã – prometeu Matthias. – Apesar de que as cartas de apresentação que trouxe da Inglaterra devam bastar. Talvez eu seja presunçoso em achar que a minha agilizará seu acesso aos sítios das escavações.

– Você o conhece pessoalmente. Ficarei feliz em ter uma carta sua.

Elliot se esforçava por manter pelo menos metade de sua mente nos preparativos para a visita a Pompeia. A outra metade continuava no terraço acima da varanda.

Na noite anterior, Phaedra deixara as portas abertas.

Fizera isso como provocação? Uma declaração de indiferença? De certeza ele só tinha que não fora um convite.

Elliot fumou um longo charuto no terraço à noite, olhando para a escuridão por entre as persianas abertas, incapaz de dominar a tentação que a proximidade dela causava. Os únicos sons que vinham lá de dentro eram os suspiros suaves de uma mulher satisfeita, dormindo muito bem, obrigada.

Por fim, se retirara para o quarto, em uma tentativa de aplacar os impulsos cruéis que aquela mulher incitava. Quando o sono por fim o aliviou, foi um sono profundo, longo, que durou até depois do amanhecer. Ao acordar, descobrira que Phaedra havia desaparecido.

Ela deixara a mansão de novo. Ele lhe mandara não fazer mais isso. Após procurar por Phaedra na véspera, estipulara algumas regras. Ela as desobedecera logo, sem perda de tempo.

– Se preferir, a Srta. Blair pode ficar aqui enquanto você vai a Pompeia – disse Matthias casualmente.

Casualmente demais, como se entendesse o que distraía seu ex-aluno.

– Ela está determinada a ir também.

– Ela não precisa ir em sua companhia. Está claro que ela o atormenta. Posso acompanhá-la, em separado, para poupá-lo do inconveniente. Quanto à questão que me contou sobre Sansoni, tenho certeza de que ele aceitaria minha autoridade para representá-lo, se é que algum dia ficaria ciente da troca.

– Tenho certeza de que ele não aceitaria. Dei-lhe minha palavra em juramento. Estou preso a ela por toda a viagem.

A palavra dada a Sansoni não tinha muito a ver com sua recusa à oferta de Matthias. Naquele momento, a necessidade de controlar os planos de Phaedra para as memórias do pai também não afetava sua decisão. Não diretamente, pelo menos, apesar de tudo estar ligado. O tormento causado pela Srta. Blair tinha assumido outros tons. Ele queria ter poder sobre muito mais do que quando ou como ela publicaria um livro.

– Já que está determinado a mantê-la com você, permita-me sugerir algumas hospedarias que seriam adequadas para uma mulher respeitável.

Com isso, Matthias iniciou uma ladainha sobre instalações em cada cidade.

No final das recomendações, a atenção de Elliot foi desviada para a montanha. Whitmarsh chegava a pé da cidade, o rosto vermelho pelo esforço.

– Muito íngreme, mesmo para você, não, Whitmarsh? – disse Matthias. – Agora entendo por que demorou tanto a chegar de seu exercício matinal.

Whitmarsh se inclinou, as mãos nos joelhos, dando tempo para recuperar o fôlego. Com um aceno dele, Matthias se calou para ouvi-lo:

– Problema... a cidade... torre...

Frustrado por seus pulmões se recusarem a colaborar, apontou para a parte mais baixa do morro.

Elliot e Matthias foram até ele. Elliot olhou para baixo. A cidade estava movimentada, com muita atividade. Ele se concentrou na torre. Um grupo grande se reunia no caminho do promontório.

Whitmarsh inspirou várias vezes, recompondo-se.

– Essa montanha pode matar, se você quiser correr.

– É por isso que não se deve correr – entoou Matthias. – Por que fez isso?

Whitmarsh apontou de novo.

– A Srta. Blair está lá embaixo, naquela torre. Querem prendê-la.


Aquela mulher seria o seu fim.

Elliot subiu correndo para o quarto a fim de procurar o revólver, de forma que seu pensamento não se tornasse verdade. Quando voltou, viu que Whitmarsh conferia a própria arma.

– O que será que ela fez? – refletiu Matthias enquanto desciam pelo morro.

Elliot podia imaginar.

– Até onde posso dizer, eles a consideram uma bruxa ou algo assim – disse Whitmarsh, inspirando fundo várias vezes.

Ele não tinha se recuperado totalmente da subida e agora a descida também exigia bastante.

– Droga! – xingou Elliot.

– Nosso objetivo é claro, cavalheiros – declarou Matthias. – Não podemos deixar que a prendam. Com Sansoni doido para arrumar problema, como você disse, Rothwell, e as noções primitivas de religião e justiça deste lugar, se eles a pegarem, as coisas podem sair do controle.

A inspiração profunda de Elliot teve pouco a ver com a rapidez com que desciam a ladeira para chegar à baía e à torre. Se Phaedra não fosse tão teimosa e tivesse ficado na mansão, três homens não estariam agora correndo desabalados para se meterem em problemas.

Sua raiva era pouca perto da outra reação que pesava como chumbo em seu peito. Não estavam em Londres, mas em uma cidadezinha montanhosa e isolada em um país estrangeiro. A postura e as vestimentas de Phaedra a tornavam vulnerável. Não havia nada de cômico em relação à acusação de bruxaria neste lugar. Ela corria perigo real.

Chegaram às ruas mais baixas e cortaram caminho pela piazza na frente da igreja de Santa Maria. Carros recém-pintados e decorados estavam lá, prontos para a procissão de San Giovanni na manhã seguinte.

Matthias foi na frente, mostrando o caminho no contorno da baía. Um ajuntamento de homens bloqueava o caminho para o promontório. Dessa vez a plateia masculina não era só de velhos e enfermos. Alguns dos pescadores tinham decidido que a cena na torre era mais interessante do que jogar suas redes ao mar.

Os homens estavam inflamados. Xingamentos se faziam ouvir. Olhos escuros flamejavam. Mãos faziam gestos por toda parte. Um homem bem-vestido estava de pé no centro da multidão, com o peso apoiado em uma bengala grossa, instigando os outros.

Matthias inclinou a cabeça, prestando atenção ao que ouvia.

– Ela foi vista na janela na alvorada – sussurrou. – Rezando para o sol nascente ou algo assim. Tarpetta, o manco que está ali, também a viu na cidade ontem, tentando corromper as mulheres. Pelo que entendi, ele a está acusando de bruxaria, meretrício e heresia.

– Heresia? – repetiu Whitmarsh.

– Vamos abrir caminho pela multidão – disse Elliot. – Whitmarsh, devemos manter as armas ocultas por ora.

Com posturas militares, abriram caminho até a frente da turba. Sua presença não fez nada para acalmar a situação.

Uma cena digna de ópera esperava no promontório. Os homens haviam se amontoado no limite da cidade porque o caminho para a torre estava bloqueado por um grande grupo de mulheres. Elas estavam agitadas também e prontas para a briga. Todas tinham arrancado o lenço ou o véu da cabeça e soltado os cabelos.

Carmelita Messina estava ao fundo, posicionada como se fosse a última linha de defesa. Com os cabelos louros soltos e o vestido preto esvoaçando, ela parecia a sacerdotisa da religião de Phaedra.

Segurava uma frigideira de ferro grande e rasa na mão. Às vezes brandia a arma na direção de Tarpetta, que não aceitava os insultos de bom grado.

Um único homem estava de pé entre os dois grupos: o padre da cidade, que mantinha os braços levantados, um em cada direção, como se sozinho pudesse evitar que as duas ondas de raiva colidissem.

– A coisa está bem animada – disse Whitmarsh secamente.

Infelizmente, também estava perigoso. Elliot olhou para o alto da torre. Ao mesmo tempo, Phaedra olhou por uma janela. Ela o viu e ele tentou lhe transmitir confiança.

– Vamos tentar resolver tudo em paz, Greenwood – propôs Elliot.

Com coragem, Elliot se postou entre as duas turbas e foi se aproximando do padre, tendo Matthias a seu lado.

Enquanto Greenwood conversava com o padre, a ira dos homens não parava de chegar aos ouvidos deles. As notícias não eram nada boas.

– A acusação de bruxaria se deve ao ritual com o sol, que aconteceu no pior momento possível. Estamos no solstício – relatou Matthias. – A acusação de meretrício foi feita em termos gerais. A aparência dela, o fato de ter ido sozinha à cidade, coisas assim. Infelizmente, os homens consideram que o apoio das senhoras só confirma a má influência que a Srta. Blair representa sobre elas. Pelo que entendi, houve algumas conversas incomuns nos quartos desta cidade na noite passada.

– E a heresia? – questionou Elliot.

– A Srta. Blair tentou explicar a história com o sol com mais detalhes do que seria sensato. Dissertar sobre os pontos comuns entre as religiões do mundo provavelmente não a ajudou muito.

Elliot imaginou uma acusação sendo transmitida pelas mulheres a Carmelita e então traduzida para Phaedra. Depois visualizou uma longa explicação voltando pela mesma corrente, frases e mais frases longas, tendo um pouco de seu sentido alterado conforme passava a cada elo, até chegar aos homens. Era espantoso que a acusação fosse heresia, em vez de loucura.

O padre era um homem idoso, de cabelo branco e rosto suave. Estava aflito com a situação de descontrole na cidade. Conversou com Matthias e, por fim, juntou as mãos em prece, balançando-as juntas como se assim fortalecesse o pedido.

Elliot entendia muito bem o padre.

– Diga-lhe que não vou deixar a Srta. Blair ao capricho de uma turba.

– Ele está certo de que nossa presença só serve para inflamar ainda mais os ânimos, Rothwell – alertou Matthias. – Os homens acham que usurpamos seu poder e as mulheres, bem, elas não têm boa impressão de homem nenhum neste exato momento.

A última parte era verdade. As mulheres o olhavam como se fosse o inimigo. Lançavam provocações inflamadas que eram sem dúvida insultos. Se ele conseguisse passar por elas, Carmelita da Frigideira de Ferro o esperava.

Elliot recuou e puxou Matthias para o lado assim que conseguiram passar de novo pelo grupo de homens.

– Preciso chegar lá no alto e falar com ela.

– A torre foi construída para defesa. Só há duas maneiras de chegar lá. Por esta faixa de terra ou por mar.

– Então vou ter que chegar por mar.


Phaedra espiou pelo canto da janela. A arruaça lá embaixo continuava. Sempre que os homens pareciam perder o interesse, o signore Tarpetta os incitava a continuar.

Elliot, o Sr. Greenwood e o Sr. Whitmarsh tinham ido embora. Provavelmente esperavam que essa pequena chama se extinguisse por si só. Era o que ela esperaria também, depois de o padre chamar os manifestantes à razão. Infelizmente, Phaedra desconfiava de que o conflito não se dera por haver uma inglesa estranha na torre naquela manhã.

O problema envolvia outras questões. Práticas antigas e eventos recentes colocaram lenha na fogueira. Phaedra se preocupava se as mulheres pagariam caro nos próximos dias por essa rebelião, mesmo que ela própria fosse poupada.

Tinha esperanças de que Carmelita não pagasse com a própria liberdade. Admirava a mulher loura que brandia sua frigideira de ferro, num gesto que anunciava não se tratar de uma pessoa indefesa e, além disso, garantia que Tarpetta se lembrasse de seus próprios crimes e de por que ela não permitiria que a cidade se curvasse ao poder dele.

Era tudo culpa de Tarpetta. Ele a vira na cidade ao amanhecer. Provavelmente a seguira e a avistara na janela que dava para o leste na torre quando o sol atingiu o topo da montanha.

O sol tinha se movido bastante desde então, contudo o confronto lá embaixo não parecia perto de acabar.

Ela correu para a janela a oeste. Carmelita a advertira a respeito de um ataque por mar. Um barco se aventurara nos arredores avaliando essa abordagem havia uma hora, porém ela jogara pedras soltas da construção e o desencorajara.

Outro barco se aproximava agora. Não vinha do cais de Positano, e sim do oeste, como se chegasse de Capri em visita à torre normanda.

Três homens estavam de pé na proa, enquanto criados da mansão remavam. Elliot, Whitmarsh e Greenwood tinham corrido em seu resgate.

Levaram a embarcação o mais próximo possível da torre. O Sr. Whitmarsh acenou. O Sr. Greenwood a chamou. Elliot quase sorriu, mas sua boca não passou de um risco tenso.

– Agora você entende o que eu quis dizer, Rothwell. Se fosse fácil acessar a torre pelo mar, ela seria inútil para proteção – disse Greenwood.

– De qualquer forma, está um dia esplêndido para um passeio de barco – falou Whitmarsh. – Parece que ninguém pensou que tentaríamos essa estratégia. O cais permanece vazio.

Whitmarsh olhou para Phaedra lá no alto:

– Essa janela parece mais longe ainda daqui. Trouxemos alguns víveres, Srta. Blair, porém duvido que nosso plano de levá-los até aí funcione.

Uma onda de gritos chegou à torre vinda do outro lado. Phaedra correu até lá e olhou para baixo. Os homens tinham se aproximado muito do padre. A massa de mulheres se compactara.

Ela voltou para a janela que dava para o mar.

Elliot se curvou. Ao se levantar, exibiu uma corda grande com um gancho na ponta.

– Afaste-se, Srta. Blair. Entre na torre. Se eu conseguir mandar o gancho até aí, prenda-o o melhor que puder.

– Lorde Elliot, não acho que você conseguirá...

O olhar dele a silenciou. Ela foi para o outro lado da torre.

Por três vezes ouviu o barulho alto de metal atingindo a pedra, seguido pelo som de algo caindo pesado na água. Parecia que o plano deles não iria funcionar.

De repente o grande gancho de ferro apareceu na janela, subindo muito, e depois começou a cair. Uma de suas três hastes agarrou no peitoril da janela e parou.

Phaedra correu para lá, soltou-a e a deslizou pelo peitoril até encontrar um sulco profundo entre as pedras da parede onde prender o gancho.

Olhou para o mar. Os três homens puxavam a corda para testar sua segurança. Satisfeito, lorde Elliot pulou do barco para a estreita faixa de areia. Whitmarsh lhe entregou duas cestas.

– Mande primeiro a comida – pediu ela. – Não comi nada hoje.

– Com certeza você imaginou que o deus sol não podia esperar – provocou Elliot ao prender a alça da cesta na corda. – Na infância, quando eu desobedecia a meus pais, era mandado para o quarto sem jantar. Talvez um pouco de fome seja adequado para a senhorita hoje.

Ela deu um pequeno puxão na corda:

– Não vamos ser descuidados por pressa. E precisamos manter nosso senso de humor.

A cesta permaneceu imóvel por um momento, irritando-a, mas logo Elliot a soltou. Phaedra puxou a corda para cima até chegar à alça da cesta. Examinou seu conteúdo e jogou a ponta de volta.

– É um banquete e tanto. Vinho, presunto, pão e figos.

– Espero que goste. Se os homens da cidade tivessem conseguido chegar até aí, você só comeria macarrão e banha de porco pelos próximos dez anos, isso se não a enforcassem de imediato.

Elliot agarrou a extremidade da corda e começou a atar a outra cesta.

– Há cobertores e outros itens de primeira necessidade aí dentro.

Um rugido veio do outro lado da torre. Elliot olhou para cima.

– O que está acontecendo?

Ela correu para a outra janela, depois voltou para contar.

– Se for para aproveitar meu banquete, temo que precise fazê-lo bem rápido. O signore Tarpetta está ordenando que o padre saia do caminho.

– Puxe isso para cima logo e depois mande a corda de volta.

O barulho que entrava pela outra janela fez com que ela puxasse a corda o mais rápido possível. Depois que soltou a cesta, mandou a corda para baixo e correu mais uma vez para a janela que dava para leste.

O padre tinha ido embora. A linha de frente dos homens estava cara a cara com a das mulheres. Os flancos do exército de mulheres já tinham se rompido. Uma derrota se aproximava.

Phaedra voltou para a janela que dava para o mar. Greenwood apontava para a costa.

– Entraremos por ali e chegaremos à linha de batalha em minutos – disse ele a Elliot.

– A questão está ficando difícil no promontório – gritou ela para baixo.

– Mantenha-se firme, cara dama – bradou Whitmarsh em resposta. – Greenwood tem alguma influência na cidade e Rothwell está armado. Em breve estará em segurança.

Se planejavam entrar na luta que estava prestes a começar, Phaedra não contava com a vitória deles. Duvidava de que seus piratas ingleses fossem golpear e atirar para salvá-la, e sem isso ficariam em desvantagem numérica.

Elliot olhava a parede da torre e avaliava a estreita faixa de areia sob suas botas, na base, e as grandes rochas posicionadas de forma a desencorajar os barcos.

– É bem alto. Não posso me arriscar a que você caia se tentar descer pela corda. Se a água fosse mais profunda...

Ele ainda calculava e falava sozinho quando levantou as mãos, agarrou a corda e começou a escalar.

– O quê? Rothwell! Cuidado para não ser você a cair – alertou Greenwood.

Phaedra gelou quando gritos chegaram do promontório. Não foi até lá para ver o que estava acontecendo. Não conseguia tirar os olhos de Elliot pairando acima do mar, cada vez maior ao se aproximar pela corda, com o corpo e o rosto tensos do esforço.

Ela podia imaginar que a batalha não ia bem para as mulheres no promontório, o que significava que não ia bem para ela. Esticou a cabeça para fora da janela e contou a lorde Elliot o que acontecia.

Ele xingou e encontrou novas forças. Um som estranho começou a chegar pelas escadas. Parecia uma frigideira de metal atingindo algo mole. A voz de Carmelita clamava aos santos para ajudá-la e o som se repetia. Um homem grunhiu.

– Eles romperam o cerco à torre, lorde Elliot – gritou Phaedra, abaixada entre as cestas. – Suponho que não tenha posto uma arma junto com a comida ou os cobertores, para que eu pudesse exercer uma última resistência?

– Você sabe usar armas? – perguntou ele, a voz próxima e cansada.

Phaedra olhou para cima e o viu na janela. Os braços dele estavam apoiados no peitoril e seus dedos se agarravam na beirada interna.

– Posso usar uma arma, se tiver que fazê-lo.

Ajudou-o a subir agarrando-o pelos ombros e pelas calças. Ele se agarrou ao corpo dela em busca de apoio.

Finalmente, Elliot caiu na parte de dentro da torre. De um salto, pôs-se de pé com a agilidade de um gato. Do lado de fora, Greenwood ordenava a seus criados que remassem forte para contornarem a ponta do promontório.

Elliot sacou um revólver de seu casaco surrado.

– No caminho até aqui, Whitmarsh me presenteou com histórias sobre injustiças nas cidades deste país. Seria estúpido de nossa parte não levar a sério o perigo. Fique aqui. Não me siga. Se achar que a situação piorou, arrisque-se a descer pela corda e enfrentar o mar.


Elliot não desceu as escadas em silêncio. Deixou que todo o seu aborrecimento se traduzisse em passos estrondosos. Sua aproximação silenciou os homens embaixo.

Quando fez a última curva da escada, encontrou Carmelita Messina no degrau inferior, com a frigideira de ferro em riste. Quatro homens a ameaçavam, porém naquele momento a atenção deles se concentrou em Elliot, não nela.

Carmelita olhou por cima do ombro e percebeu seu revólver. Elliot não conseguiu chegar à conclusão se ela ficou aliviada ou aborrecida.

Passos também pesados, mas irregulares, soaram do lado de fora do portal. O signore Tarpetta apareceu sob ele. Endireitou-se em postura militar ao ver a arma.

– O senhor interferiu – começou ele.

– A Srta. Blair está sob minha autoridade e também sob minha proteção.

Tarpetta empinou o nariz e o olhou com desdém.

– O senhor não exerce a autoridade sobre suas mulheres muito bem.

Elliot não pôde contestá-lo.

– Sou muito melhor na parte da proteção – contrapôs e apontou a arma diretamente para Tarpetta. – Diga a todos para irem para casa.

– Ela infringiu nossas leis.

– Ela não infringiu lei nenhuma – argumentou Carmelita. – Apenas ofendeu as leis de um homem que se considera um reizinho.

– Vê o problema que ela causou? Ela enfeitiçou as mulheres e realizou rituais pagãos. Nós não permitimos esses crimes em Positano.

– Ouçam só! – zombou Carmelita com uma risada estridente. – Ele até fala como rei. O “nós” quer dizer “ele”.

Elliot não estava com ânimo para discussões. Brandiu a arma e ordenou:

– Todos fora desta torre. Signorina Messina, por favor, traduza o que vou dizer.

Tarpetta saiu da torre. Os homens e Carmelita o seguiram. Elliot foi por último. Ao sair, um som nas escadas o fez olhar para trás. Uma mecha de cabelo ruivo flutuava próximo à parede da escadaria.

As mulheres tinham ido embora. Elliot encarou os remanescentes da batalha, vinte homens que ainda não estavam satisfeitos.

O revólver dele os impressionou. Enquanto falava e Carmelita traduzia, o barco de Greenwood alcançou a parte de trás do promontório e Greenwood desceu no banco de areia.

– Sou lorde Elliot Rothwell, irmão do marquês de Easterbrook – disse. – Recebi dos oficiais do tribunal do seu rei a responsabilidade de proteger a Srta. Blair. Se algum de vocês a machucar, há de se haver comigo. Ela não é bruxa, nem herege, nem meretriz. Não há provas que sustentem essas acusações e os senhores têm a minha palavra de cavalheiro que suas suspeitas são infundadas.

Carmelita fez uma tradução muito longa. Dos pontos essenciais que Elliot pescou e pelas expressões nos rostos dos homens, ele suspeitou que ela houvesse enfatizado as palavras lorde, marquês e tribunal.

Matthias chegou quando ela terminava. Tarpetta, reconhecendo que seu grupo perdia força, mancou na direção dele. Os dois homens tiveram uma conversa particular.

Tarpetta foi embora. Os outros homens decidiram que era uma boa ideia bater em retirada com seu líder.

Greenwood se aproximou da torre.

– Você tem minha gratidão, Greenwood, pelo que quer que tenha dito a ele.

– Você não entendeu direito. Nós não os vencemos – explicou Greenwood. – Eles vão mandar alguns homens a Nápoles em busca de orientação e também para pedir ajuda ao Exército.

Carmelita jogou as mãos para o alto, num gesto de exasperação.

– Imbecis.

Tarpetta estava voltando para a cidade, porém dez de seus homens tinham parado na extremidade do promontório.

– O que eles estão fazendo lá? – perguntou Elliot.

– Montando guarda – disse Greenwood. – Não vão tentar entrar na torre, porque você está armado, contudo não vão deixar que a Srta. Blair saia até receberem ordens de Nápoles. Imagino que haverá um ou dois barcos vigiando do mar esta noite também.

Elliot conteve um xingamento. O santuário de Phaedra tinha acabado de virar uma prisão.

– Vamos vigiá-los enquanto eles montam guarda, para que não haja violação dessa trégua – prometeu Carmelita.

– Não martirize as mulheres em seu afã de combater aquele homem – disse Elliot para ela. – Agradeço por sua ajuda, porém temo que o preço pago por suas amigas já será alto o bastante. Deixe comigo agora.

Carmelita Messina deu tanta atenção ao que ele disse quanto Phaedra Blair daria.

– Vamos vigiar. Algumas de nós, viúvas e tal, as que não vivem sob o jugo de ninguém. Confio em seu revólver para manter a paz e em que o signore Greenwood use sua influência com aquele homem para acabar com essa confusão antes do pôr do sol.

Ela se foi, juntando o cabelo em um nó ao se afastar.

– Ela fala como se você pudesse resolver isso se quisesse – disse Elliot para Matthias.

– Carmelita está interpretando mal minha influência aqui. Contudo tentarei chamar Tarpetta à razão quando ele se acalmar, apesar de conhecer o homem somente de vista.

– Veja se ele aceitaria suborno.

Matthias deu um sorriso largo e forçado.

– Quanto ela vale para você?

Elliot guardou o revólver e caminhou para o portal.

– No momento, estou tentado a pagar para que ele a tire das minhas vistas.


CAPÍTULO 10

Pela janela, Phaedra observava a conversa de Elliot e Matthias. Não podia ouvi-los, porém seus rostos sérios indicavam que estavam traçando planos.

Um pequeno grupo formava um círculo no final do promontório. Outros quatro homens tomaram um barco de pesca no cais e zarparam.

Matthias se afastou. A torre ecoou o som de botas subindo os degraus de pedra.

Elliot entrou no cômodo. Ela continuava preocupada com a atividade lá embaixo, ainda assim deu uma boa olhada na direção dele. Sua expressão revelava preocupação e aborrecimento. Phaedra achou a inquietação charmosa, até mesmo lisonjeira. E teve esperança de que a raiva passasse logo.

– Você está em segurança por ora.

Elliot pôs o revólver no chão em um canto para evitar acidentes. Pegou um odre da cesta e o segurou no alto. Um jorro de água fluiu para sua boca.

Os olhos dela se grudaram no fluxo de água pura. Sua garganta se estreitou. Não tinha bebido nada desde antes do raiar do dia.

Elliot notou o interesse e caminhou na direção dela.

– Incline a cabeça para trás.

Ela obedeceu e abriu a boca. Um jorro frio e lento aliviou sua sede.

Phaedra secou a água de seus lábios com a mão.

– Achei que esses odres só continham vinho.

– Os outros, sim. Se tomarmos aos poucos, este nos bastará pelo tempo necessário.

Tempo necessário? Ela olhou de novo pela janela. Percebeu o significado dos homens postos na extremidade do promontório.

– Não posso sair, não é? O que aconteceu?

Ele explicou sobre a ida dos homens a Nápoles. Lembranças do odioso Sansoni invadiram a mente de Phaedra. No silêncio que se seguiu à explicação, o ar ficou mais pesado com o possível perigo à espreita e o peso dos problemas que já enfrentavam.

Lorde Elliot olhou por cima da cabeça de Phaedra para a cidade lá embaixo. Ele pareceu distraído, como se sua mente estivesse ocupada com algo muito distante.

– Você me desobedeceu – disse, provando que os pensamentos tinham tudo a ver com ela. – Você desceu as escadas.

– Ninguém me viu. Com você entre mim e o perigo... Foi uma desobediência pequena.

– Você me desobedeceu antes, ao vir para esta torre. Disse-lhe para permanecer na mansão.

– Não esperava ser vista na torre.

– Só que foi. Um ritual pagão, nada menos do que isso. Nesta terra, pior do que em qualquer outra.

– Não houve ritual nenhum. Nenhuma reza para o deus sol. Tarpetta simplesmente me viu na janela quando o sol nasceu. Não estava erguendo minhas mãos em oração. Estava protegendo meus olhos da luz forte, para que pudesse avaliar a posição exata do sol.

– Não me importo com o que estava fazendo. Foi descuidada com sua segurança e reputação. O resultado foi uma batalha entre os homens e as mulheres desta cidade e sua prisão nesta torre.

Elliot ficava mais exaltado a cada palavra.

– Também nem pense em falar agora de sua sagrada independência. Acabo de escalar a parede de uma torre e ameaçar de morte homens com quem não tenho nenhum problema. Talvez eu até tenha que matar algum, tudo por causa de sua maldita teimosia.

– Só fiz uma visita a uma torre ao alvorecer. Está sugerindo que eu poderia ter previsto tudo isso? – questionou, indicando o promontório abaixo e o drama que se desenrolara. – Se eu tivesse achado que alguém saberia ou se importaria, não teria vindo. Admito que parece muito estúpido agora, mas no momento não pareceu.

Não era bem um pedido de desculpas, mas pareceu aplacar o lado mais sombrio da fúria de lorde Elliot. Sua atenção e olhar se voltaram para ela tão nitidamente que isso enfatizou a proximidade deles.

– Você conseguiu o que veio fazer?

Ele tinha que perguntar.

– Se uma prova negativa puder ser chamada de prova – disse ela e apontou para a montanha alta. – Matthias estava certo. O sol não se eleva diretamente sobre o pico quando se observa desta janela, nem em linha direta com o lugar onde estamos agora. Ele primeiro se mostra à direita, ao sul, um pouco.

Phaedra se preparou para receber a zombaria de Elliot ou mais raiva por seu passeio ter causado tanto problema sem nem ao menos conseguir provar sua teoria.

Em vez disso, ele refletiu sobre a prova.

– Essas coisas não são precisas. O dia exato do solstício varia e ainda estamos mapeando as mudanças sutis que se acumulam na astronomia com o passar do tempo. Cinco séculos atrás, o sol pode muito bem ter nascido no pico da montanha no verão.

Ela achou muita gentileza dele dar desculpas e não chamá-la de tola. Algo mais parecido com uma desculpa direta começou a se formar em sua mente.

– Não tive intenção de causar todo esse problema e sinto muito por isso. Não me surpreende você estar com um pouco de raiva de mim.

– Estou com muita raiva de você, Phaedra. Contudo estou mais preocupado com sua segurança. Até que eu tenha assegurado isso, terá que fazer o que digo, principalmente se eu tiver mais motivos para sacar este revólver.

Elliot caminhou até a janela que dava para oeste. Franziu o cenho com o que viu. Ela andou até lá e espiou também. Um barco com três homens lançou âncora a uns cinquenta metros da torre. O sol tinha começado a se pôr no mar, mas ainda levaria horas até ficar escuro.

– Sua prisão está completa – disse Elliot. – Temos que esperar e confiar em Matthias para negociar sua libertação antes que mais problemas venham de Nápoles. Infelizmente, Tarpetta parece ter o poder nas mãos e Matthias o conhece somente de vista.

Phaedra se ajoelhou ao lado das cestas e começou a retirar seu conteúdo. Fez uma fileira com os odres, frutas e embrulhos de comida contra a parede.

– Carmelita acha que eles se conhecem melhor do que admitem.

Elliot descansou o ombro na parede e a observou mexer nas cestas.

– Seria bom se você estivesse certa, entretanto Matthias não tem motivos para mentir para mim.

Phaedra ficou feliz de encontrar uma xícara de barro por baixo da comida. Não queria beber direto do odre o dia todo, apesar de a experiência ter sido interessante.

– Você conhece Matthias bem? – perguntou ela.

Greenwood talvez tivesse o destino dela nas mãos, porém não era apenas esse o motivo da pergunta.

Elliot se afastou da luz do sol que se esgueirava pela janela. Foi para a área fresca e sombreada onde Phaedra arrumava os alimentos. Sentou-se no chão, apoiando as costas nas pedras, e pegou um figo.

– Eu o adorava na faculdade. Ele é um acadêmico respeitado e com duas obras publicadas. Estimulou meus estudos e me orientou nos métodos de pesquisa necessários para traçar novos caminhos. Seu interesse me lisonjeou, principalmente porque não parecia interesseiro, como outros professores.

Elliot mordeu o figo e depois fez um gesto apontando o restante da comida.

– Você devia comer algo. Se daqui a três dias tivermos que nadar para salvar nossas vidas, não vai querer estar fraca.

Phaedra pegou um pouco de pão e queijo.

– Você não parece adorá-lo agora, e não há mais nada de professor na forma como ele o trata.

– Bem, não sou mais um estudante e tenho um livro publicado.

– Parece mais do que apenas uma amizade construída a partir desses antigos papéis, foi o que eu quis dizer.

Elliot não parecia inclinado a satisfazer a curiosidade dela. Degustou o figo sem pressa. Ela se refugiou concentrando-se na própria comida.

– Meu pai não era um homem caloroso.

Ele falou isso de modo casual, como se não tivessem se passado quinze minutos desde seu último comentário.

– Imagine um homem como meu irmão Hayden, só que sem nenhuma das qualidades que contrabalançam a rigidez dele. Quando criança, eu considerava ter sorte por ser ignorado por meu pai enquanto ele se voltava para meus irmãos. Matthias Greenwood, por sua vez, escolheu colocar o foco de sua atenção em mim. Ele valorizava as mesmas coisas que eu, era rápido em elogiar, mas não se precipitava na hora de expressar desapontamento. Havia algo de paternal em seu interesse, imagino.

Ela notou sua expressão ao descrever o pai. Conhecia bem a reputação do marquês de Easterbrook. Com certeza, tinha sido aquele tipo de pai impossível de agradar e talvez tão duro com os filhos quanto se dizia ter sido em outras áreas.

Porém, não foi a brandura intencional de Elliot que chamou sua atenção. Outra emoção brilhava nos olhos dele.

Ele insistira em que as memórias de Richard Drury faziam insinuações falsas sobre o último marquês, contudo não tinha assegurado que de fato elas fossem mentiras. Ao se sentar ali com ele e observá-lo, Phaedra entendera que lorde Elliot não estava convencido de que o pai não mandara matar o oficial. Aquela suspeita ficaria mais plausível, ganharia corpo e seria inevitável se as insinuações fossem publicadas?

Alguns cientistas acreditavam que o comportamento criminoso era herdado, assim como algumas doenças. Saber que o legado de uma pessoa incluía a capacidade de tramar um assassinato impiedoso poderia ser tão ruim quanto descobrir que seu sangue estava maculado pela insanidade.

– Matthias Greenwood não teve filhos – disse Phaedra. – Você é seu herdeiro intelectual e parte de seu legado profissional. Se havia algo de pai nele, talvez houvesse algo de filho em você.

Ele deu de ombros.

– Talvez esteja certa. Ele pode me ver dessa forma, mesmo na amizade que temos agora.

Phaedra suspeitava de que Greenwood de fato o visse dessa forma, mas achava que Elliot o via assim também. A maneira como se comportavam um com o outro fazia com que ela pensasse na amizade confortável e no amor entre pais e seus filhos adultos quando seu relacionamento amadurecia.

Se fosse assim, Matthias Greenwood seria uma pessoa importante para Elliot.

É claro que ele era. Elliot estava ali, não estava? Ele tinha viajado até Positano para discutir sua nova pesquisa com o antigo mestre, ainda que já o houvesse superado como historiador.

Fazer aquela humilde refeição no chão de pedra os apartava do restante do mundo. Sua descrição franca do pai tinha aberto uma porta de intimidade mais sedutora do que aquela criada pelo prazer físico. Era algo como a relação que se estabelecia entre ela e seus amigos.

– Por que está tão curiosa sobre Greenwood, Phaedra?

Ela examinou a familiaridade branda que compartilhavam e pensou em sua resposta.

– Tenho interesse nele.

– Ele tem idade para ser seu pai!

Ela quase riu com seu tom exasperado, mas o aborrecimento mostrado em seus olhos lhe deu uma indicação. Ele estava com ciúmes. Phaedra achou isso irremediavelmente fora de moda e presunçoso, porém ao mesmo tempo adorável. Teve vontade de rir, em vez de censurá-lo.

– Você entendeu mal, Elliot. Ele conheceu minha mãe e tem sido gentil em responder perguntas que tenho sobre algumas questões.

– Que questões?

– Minha mãe talvez tenha mantido um amante em segredo em seus últimos anos de vida.

Ele franziu o cenho.

– Richard Drury...

– Não nos últimos tempos. Houve outro homem.

– E Matthias sabe quem foi? Ele vivia em Cambridge na ocasião e, apesar de às vezes visitar Londres...

– Ele é um homem perceptivo. Não ficou surpreso quando sugeri que talvez tivesse havido outro homem na vida de minha mãe. Esse amante também mexia com antiguidades e Matthias me deu os nomes de alguns homens do círculo dela que eram do ramo. Muitos de seus amigos íntimos desconversaram na hora em que os procurei. Desconfio que não quisessem que a imagem de Artemis Blair fosse mudada. Mas ele foi sincero comigo e sou grata por isso.

Elliot refletiu sobre o que ela disse e pareceu ao mesmo tempo curioso e cético.

– Por que você buscaria nomes, Phaedra? Talvez não tenha havido amante nenhum, já que os amigos dela negaram o fato.

– Acho que houve, sim, por causa de uma passagem que meu pai escreveu em suas memórias. Esse homem, quem quer que seja, era um criminoso.

A expressão dele ficou mais séria.

– Outra referência sem nome? Outra fofoca que destruirá uma reputação?

Elliot se pôs de pé em um minuto. Afastou-se, olhou para a parede e depois se voltou para ela.

– Seria melhor se você queimasse essas memórias ou as deixasse em uma gaveta trancada para sempre.

– Isso pode poupar sua família, mas não poupará o amante de minha mãe.

– Por que não?

Ela embrulhou o queijo no guardanapo úmido.

– Porque, mesmo que as memórias não sejam publicadas, destrincharei essa parte delas até ficar satisfeita e lidarei com esse homem do meu jeito.

O cenho de Elliot se manteve franzido, seu humor não melhorou, contudo uma curiosidade cautelosa surgiu em seus olhos.

– Você fala calmamente, porém de forma amarga e decidida. O que seu pai escreveu sobre esse homem que provocou em você a vontade de identificá-lo?

Ela se ajeitou para se levantar. Passou a mão na saia para retirar as migalhas.

– Ele escreveu que esse homem a seduziu, depois a traiu de forma tão desonrosa que acabou provocando sua morte. Preciso descobrir se isso é verdade.

– Na melhor das hipóteses, é ambíguo.

– Nem tão ambíguo assim. Tem mais. Não sou totalmente louca por achar que posso identificar esse homem. Só metade louca.

Ela andou até o centro da sala e olhou em volta.

– Se vamos ficar aqui por dias, temos que deixar esse lugar mais habitável – falou ela, virando uma cesta de cabeça para baixo. – Isso pode servir de banco, se você conseguir tirar a alça.

Elliot procurou a faca que viera junto com a comida. Colocou a cesta nas pedras do peitoril da janela e começou a cortar.

– Você não deveria levar muito a sério o que seu pai escreveu sobre sua mãe. Ele era um amante rejeitado e isso pode enevoar o bom senso de qualquer homem.

Phaedra pegou o cobertor sobre a esteira de palha e verificou se estava limpo. Avistou alguns ganchos de metal presos na abóbada do teto.

– Meu pai entendia bem o que tinha e o que não tinha com minha mãe. Ele não escreveu com amargura, mas como um homem que testemunhou a mulher que amava ser usada.

Elliot continuou a cortar, entretanto sua expressão decidida não tinha a ver com a alça da cesta.

– Trate esse assunto com cautela, Phaedra. Não acuse o homem errado nem conteste um homem bom.

– Se ele for um homem bom, não terá nada a temer de mim ou das memórias. Nenhum homem bom teria.

A alça da cesta se soltou, quebrando-se sob a pressão que ele impunha com a faca. Um barulho seco reverberou na abóbada de pedras, como se a paciência de Elliot tivesse acabado junto com a última frase dela.


Passaram as horas seguintes de forma mais agradável, falando amenidades. A amiga de Phaedra, Alexia, estava recém-casada com o irmão de Elliot, Hayden, e eles especularam sobre o casal e o que os teria unido. Isso suavizou o clima pesado da primeira parte da conversa.

Elliot, no entanto, continuou a refletir sobre o assunto inicial. Ele havia percebido o tom e a expressão de Phaedra ao falar do amante que traíra sua mãe.

Phaedra não era uma simples visitante curiosa na península Itálica, como tinha dito, mas uma mulher com uma missão. Por algum motivo, aquilo a tinha levado a Nápoles. Por isso o humor dela melhorara em relação ao atraso em ir a Pompeia. Sua investigação poderia até estar na origem da amizade com Marsilio e Pietro.

Por tudo o que sabia dela, cada ato, cada palavra, desde o dia em que ele entrou naquele jardim em Nápoles, fora parte de seu plano para saber dos últimos meses da mãe e do homem a quem culpava por seu declínio e morte.

Ela foi dando instruções a Elliot para arrumar sua habitação humilde enquanto conversavam. A pedido da Srta. Blair, ele amarrou a corda em um dos ganchos da abóbada. Phaedra esticou o cobertor velho nela e, assim, separou um canto no qual colocou o penico que os criados de Matthias tinham gentilmente posto em uma das cestas.

Já anoitecia quando tudo ficou arrumado. Com um novo cobertor sobre a esteira de palha e a cesta de cabeça para baixo como banco, Phaedra havia criado um lar rústico, porém agradável. Para uma pessoa.

Havia um cômodo de teto baixo sob essa sala mais alta na torre. Elliot esperava ser posto lá, a menos que, com seu charme, pudesse obter da rainha um convite para partilhar de seu santuário.

– Você tem talento para arrumação doméstica, Phaedra. Isso é resultado de se virar sem criados?

– Acho que aprendi a fazer isso porque minha mãe não levava o menor jeito para assuntos domésticos. Isso se mostrou útil quando tive que cuidar da minha própria vida.

Phaedra levou o odre e a xícara para a janela que dava para a cidade. Depois de derramar fora um pouco de vinho, conseguiu fazer jorrar um arco que encheu a xícara, e então ofereceu a bebida a lorde Elliot.

Ele se juntou a ela próximo à janela e bebeu. Os homens de Tarpetta tinham montado acampamento na base do promontório, para além da longa sombra da torre. A julgar pelos sons distantes das risadas, eles pareciam relaxados e de bom humor.

– Por que teve que cuidar da própria vida?

Ela estava linda demais à luz prateada do anoitecer que entrava pela janela. Atrás deles, pela abertura oposta, as cores chamejantes dos últimos raios de sol penetravam. Esses raios iluminavam a parte de trás da cabeça de Phaedra, transformando suas mechas em brasas, em contraste com a fria translucidez da pele branca do rosto que olhava para oeste.

– Minha mãe acreditava que as mulheres aprendem em casa, com os pais, a serem dependentes. Somos ensinadas e temer a independência e depois convencidas a rejeitá-la mesmo que esteja ao alcance. Assim, quando recebi uma herança do irmão de minha mãe, ela me estimulou a sair de casa e a viver sozinha antes que me acomodasse e virasse uma adulta dependente dela.

Phaedra fez uma pausa ao se esticar calmamente para ver o chão perto da torre. Outro pequeno acampamento tinha sido montado ali, povoado por cinco senhoras e Carmelita Messina.

– Eu tinha 16 anos – acrescentou, ainda distraída com a cena abaixo.

A atenção que dava aos acampamentos não a deixou perceber a reação de Elliot.

– Você era uma criança.

Ele tentou não expressar condenação em seu tom. Phaedra não gostaria de ouvir críticas à mãe, e ele não tinha o menor desejo de discutir com ela naquele minuto.

Ela ainda observava o promontório.

– Sim, eu era uma criança. Contudo há muitas mulheres que são empurradas para o casamento nessa idade. Acho que seria um destino muito mais assustador. Elas são jovens demais para os planos de seus pais, e eu também era jovem demais para os planos dos meus. Ela não se afastou da minha vida, não foi uma rejeição de seus deveres. Minha mãe me ajudou a contratar uma governanta, para que eu não morasse sozinha nos primeiros anos. Eu a visitava com frequência e nos víamos quase tanto quanto no tempo em que morávamos sob o mesmo teto.

Ela fez isso soar quase natural e sensato. Ele não podia pensar em Phaedra aos 16 anos morando sozinha, sem proteção ou supervisão de ninguém, exceto uma criada. Sua prima Caroline, que tinha sido apresentada à sociedade na última temporada, era tão infantil que dava vontade de trancá-la em casa por mais dez anos.

É claro que Phaedra Blair provavelmente não era tão infantil nessa idade, nem tão inocente. Artemis criara a filha para andar com as próprias pernas e traçar o próprio caminho. Ainda assim, essa imagem o deixou irritado. A mulher não deveria ter usado a própria filha como experimento para provar que suas ideias radicais tinham mérito.

– Na época não me importei e tudo saiu como minha mãe esperava. Depois que uma mulher prova uma liberdade assim, nunca mais quer abrir mão dela. Contudo, quando ela morreu... então fiquei enraivecida. Queria que ela houvesse esperado um pouco mais, de forma que eu tivesse aproveitado aqueles dois últimos anos com ela. Ela não previa que seu tempo seria tão curto, é claro.

– Não imagino a independência que me descreve. Mesmo sendo homem, não fico tão por minha conta.

– Não importa que ainda more na mansão de Easterbrook. Sendo homem, você é livre.

– Não falo de leis, costumes ou finanças, mas da vida. Não sou sozinho nem alguém sem laços com outras pessoas. Meus irmãos estão sempre presentes na minha vida e tenho outros parentes a quem devo obrigações. Minha vida faz parte da deles e a deles, da minha. Mesmo que meus irmãos e eu um dia nos odiássemos, ainda teríamos questões em comum a compartilhar.

A expressão de Phaedra se tornou pensativa, deixando-a ainda mais bela.

– Eu gostaria de ter tido um irmão ou uma irmã. Isso teria sido muito bom, principalmente agora.

Agora que estava completamente só, era o que queria dizer. Phaedra havia escolhido um caminho que a deixaria sozinha para sempre, a menos que, como a mãe, tivesse um filho ilegítimo. Elliot percebeu que ela compreendia que abrira mão de certas coisas e que não as menosprezava. Tinha posto as opções na balança, se não aos 16 anos, ao ficar mais madura. Ele não achava que o prêmio valesse o custo, porém admirava a bravura dela.

Ela pareceu um tanto triste. Ele se sentiu péssimo por tê-la obrigado a encarar a própria solidão.

– Espero que suas amizades de alguma forma possam substituir a família que você não tem.

Lampejos traquinas dançaram em seus olhos. Seu humor e animação vieram à tona, surgidos das profundezas de seus pensamentos.

– De certa forma, mas não é uma família como você descreveria a sua. Uns amigos são como irmãos e irmãs, alguns poucos se comportam como os mais afáveis dos maridos, porém esses laços não são permanentes. Com o passar do tempo, é possível que eu me veja imaginando se não fui abençoada com mais independência do que qualquer pessoa quereria.

O que significava que já vinha se questionando sobre isso.

A referência indireta a seus amantes sutilmente mudou o clima entre eles. Elliot não podia ficar tão perto dela naquela luz e não pensar em fazer amor com ela. Imagens e desejos tinham surgido aos borbotões desde que subira os degraus horas antes. A excitação aumentara com as palavras dela. Ele pensou ter visto um desafio na forma como ela o mirava.

De repente o desejo os uniu mais intensamente que nunca. Ela não fez qualquer esforço para refrear seu poder. Ele não se aguentava mais. Jamais tinha encontrado uma mulher que reconhecesse de forma tão ousada a excitação sensual que pode existir antes de um beijo ou um toque.

Com qualquer outra mulher, ele daria o primeiro passo, como fizera com ela antes. No entanto, não se esquecera das palavras dela ao se afastarem no terraço, naquela noite. Se ela fosse honrar sua ameaça, neste momento ele provavelmente não conseguiria se portar de forma honrada o bastante para que ela tivesse a chance de rejeitá-lo.

Phaedra evocava nele o que seu sangue trazia de pior, algo que vinha do pai. Elliot queria se aproximar, abraçá-la, acariciá-la e devorá-la. A tentação de usar o prazer para coagi-la a se submeter ao próprio desejo e a ele ameaçava sobrepujar o que restava de seu bom senso.

Elliot se afastou. Pegou o revólver e um dos cobertores e começou a descer as escadas. A alternativa era se arriscar a se comportar como um canalha, ou, pior, tornar-se uma daquelas abelhas lastimáveis que ficam zumbindo e implorando pelos favores da rainha.


Phaedra observou o sol se pôr no mar. Luzes roxas e laranja coloriam a água com listras sedosas à medida que a escuridão aos poucos se aproximava. Lá embaixo, no barco, os homens acenaram e a saudaram amigavelmente. Parecia que eles também tinham alguns odres de vinho à disposição e que a bebida os deixara mais amistosos.

Phaedra encontrou a única vela mandada junto com os víveres e a acendeu. Sentou-se em um canto onde a brisa noturna não a apagaria. Ouviu Elliot se mexer lá embaixo, talvez na tentativa de achar algum conforto no chão tendo apenas um cobertor sob o corpo.

O corpo dela ainda não tinha se acalmado totalmente desde que ele partira, nem seus pensamentos se afastaram muito dos últimos minutos que tinham passado juntos. Uma pulsação quente continuava a se fazer sentir, atraindo sua atenção. Normalmente ela só tinha que lutar contra isso quando Elliot estava por perto, contudo seu corpo parecia saber que estava perto o bastante e não lhe daria alívio. Seus seios continuavam rígidos e cheios, com os mamilos reagindo a cada roçar do tecido do vestido.

A última conversa deles a desarmara. Agora só conseguia pensar em lorde Elliot de forma gentil. Ele entendera mais do que ela mesma. E não a olhara com pena – em vez disso, expressara uma preocupação verdadeira com esse lado menos perfeito da vida dela.

Ela mentira um pouco para poupar Artemis da censura daquele homem; entretanto, a julgar pelas reações dele, isso fora desnecessário. A verdade era que Artemis estivera correta em suas crenças, mas nem sempre em seus métodos. Ficar sozinha aos 16 anos fora algo devastador e amedrontador, muito mais do que Phaedra admitira. Ela sentira como se a mãe a tivesse jogado de um barco no meio do oceano, simplesmente esperando que ela soubesse nadar.

Phaedra perdoara a mãe por esse engano fazia anos, porém duvidava que outras pessoas fizessem o mesmo se soubessem daquele frágil ano tão carregado de grandes erros. A verdade seria mais uma prova para o mundo de que Artemis Blair não tinha sido uma boa mãe, nem ao menos uma mulher normal.

Elliot já não fazia mais barulho lá embaixo, embora ela pudesse jurar ouvir sua respiração. Ele não teria conseguido pegar no sono tão rápido, disso ela sabia. Phaedra caminhou a passos suaves, numa tentativa de aliviar a forma como seu corpo a atormentava. Tentou harmonizar a ideia de que o desejo não era somente físico agora, mas também um anseio por aumentar a proximidade que sentira com ele ao compartilhar suas confidências e o perigo.

Levou as mãos aos seios. Os estímulos se juntavam, aumentavam e desciam por seu corpo. Fechou os olhos para tentar domá-los e ouviu a lição dada por sua mãe sobre desejo.

O prazer carnal é uma necessidade tanto de homens quanto de mulheres. Não negue seus desejos, só fique atenta a quem escolhe como parceiro. A maioria dos homens são conquistadores em sua essência. Busque os poucos mais esclarecidos que alçaram um lugar acima da maldição primitiva. Se decidir ter prazer com um conquistador, certifique-se de lhe dar somente seu corpo e apenas temporariamente. E nunca, nunca sucumba à ilusão de que pode mudar esse homem.

Phaedra imaginou o homem lá embaixo. Ele se fora apesar de terem estado juntos em um cômodo saturado do desejo de um pelo outro. Elliot podia ser um conquistador, porém não era tolo. Entenderia que ela não cederia nada, exceto o que decidira ceder. Ela faria questão de deixar essa parte bem clara.


CAPÍTULO 11

Elliot se preparou para passar uma noite tendo apenas os próprios pensamentos por companhia. Com um pouco de sorte, logo pararia de ficar imaginando a mulher do andar de cima.

Esforçou-se para pensar no mundo que descrevia nos livros. Não precisava de seus papéis para se aventurar por lá. As notas e os esboços preliminares eram registros de suas ideias, não lembretes. Toda a informação estava em sua cabeça, acessível a qualquer momento. Já tinha passado muito tempo por lá, escapando do tédio quando alguma conversa o incomodava.

Seus irmãos, Christian e Hayden, também tinham câmaras secretas em suas mentes. Quando se aventuravam nelas, fechavam as portas atrás de si e se isolavam por completo da realidade. Somente ele fora abençoado com a capacidade de entrar e sair a seu bel-prazer, como se a porta permanecesse entreaberta. Elliot sempre conseguia manter contato com o mundo real.

Naquele exato momento, contudo, isso não era uma grande vantagem. O mundo externo com o qual não perdia contato consistia de uma frustração física que não se aquietava. Especulações em relação aos movimentos acima o perturbavam. Seu sangue ruim calculava o custo para sua honra e seu orgulho se ele dominasse primeiro e corrigisse depois.

De alguma forma, conseguiu deixar tudo isso do lado de fora, perto da porta, mas sem interferir tanto em seus pensamentos. Voltou sua concentração para as informações sobre práticas funerárias que coletara das antigas histórias romanas.

– Elliot.

Ele abriu os olhos. Cada parte de seu corpo entrou em estado de alerta. Ela poderia estar a centímetros dele, tão nítido fora o chamado. As pedras das paredes e dos degraus tinham transportado sua voz para baixo. Ela nem tivera que elevar o tom.

Phaedra não falou de novo. Só pressupôs que ele tivesse escutado. Ou talvez soubesse que ele responderia ainda que o chamado tivesse sido feito só na mente dela.

Talvez ela só precisasse de ajuda com a vela. Ou talvez tivesse visto algum movimento de uma das janelas e pressentisse problemas provocados por seus carcereiros. Ele podia simplesmente perguntar dali, mas não faria isso, apesar de saber que se afastar de novo seria quase impossível.

Acreditando que Phaedra era esperta demais para brincar com fogo, ele subiu as escadas.

Luzes vagas e sombras escuras dançavam pelas pedras das paredes e da abóbada no cômodo superior. O cobertor pendurado separava um canto numa cortina improvisada. A única e grande vela queimava devagar, suas chamas acrescentando lampejos dourados aos frios raios do luar.

Todas as tênues fontes de luz se juntavam e se intensificavam em um lugar. Uma estátua pálida as absorvia para aumentar a exibição sensual do cobre abrasador e da porcelana branca.

Phaedra estava de joelhos na esteira de palha, apoiada nos calcanhares. Olhava para a escada e para ele. Elliot parou ao vê-la, momentaneamente boquiaberto com sua beleza e ousadia.

Estava nua. Suas madeixas ondeavam pela pele desnuda. Pareciam fitas de seda que se dividiam para deixar ver partes de ombros alvos como leite, de braços macios, seios arredondados e quadril curvilíneo.

Ela deixou que ele observasse um bom tempo, sabendo que uma torrente se armava dentro dele, admitindo com o olhar que sentia o mesmo desejo.

Juntou os cabelos e os jogou para trás, expondo o corpo todo. Seus seios estavam empinados e cheios, com os mamilos róseos rígidos.

– Podemos ter prazer juntos esta noite, se quiser – disse ela.

Ele arrancou o casaco e andou até onde ela estava.

– Se eu quiser? Eu quero possuí-la desde a primeira vez que a vi.

Phaedra relaxou e esticou o corpo nu a seus pés, observando enquanto ele tirava a camisa.

– Não será assim. Possuiremos um ao outro.

– Como queira. Não me importo nem um pouco com os termos dessa rendição.

Naquele momento ele não se importava com absolutamente nada, exceto o desejo que ficava mais forte e convincente a cada instante. Caiu de joelhos ao lado dela.

– Não é uma rendição, Elliot. É uma trégua. Uma noite para gozarmos de nossa amizade.

Ela o ajudou a desabotoar a calça.

As mãos dela o fizeram enlouquecer de excitação. Ele olhou para aquele corpo feminino nu, tão vulnerável e acolhedor. Imagens entraram em sua cabeça e a urgência acelerou sua pulsação. Se ela considerava isso amizade, não conhecia os homens muito bem.

– Com certeza, Phaedra. É claro.


Ele não quisera dizer isso. A alma dela sabia, mas, naquele momento, Phaedra não se importara.

Ele estava lindo e sensual. Até ajoelhado ele era alto. Seu tronco e seus ombros nus se avolumavam acima da esteira de palha e dela, fazendo-a pequena e... vulnerável. Essa sensação era nova. Nunca vivenciara algo assim antes de conhecer aquele homem. Não era uma sensação desagradável. Ela se deixou sentir prazer nessa condição porque sabia que ele não representava um perigo real.

A luz deixava a pele dele cor de bronze e ressaltava seus músculos. Não havia nada de suave para se ver nele. Nem no corpo nem no rosto. Nele, a paixão tornava os traços de família ainda mais duros, mesmo sendo o Rothwell mais afável. O cabelo escuro, solto e despenteado pelas aventuras do dia, caía em mechas sobre a testa e o rosto. Seus olhos se tornaram cristais negros quando ela começou a ajudá-lo a se despir.

Elliot afastou as próprias mãos, deixando que ela fizesse o trabalho sozinha. Só olhou para baixo, talvez desafiando-a a prosseguir, testando se ela recuaria.

Ela não se apressou. Seus olhares ficaram conectados. Sensações maravilhosas davam vida ao corpo dela. A excitação era mais intensa por saber o que estava por vir. A expectativa cresceu entre eles de forma tão maravilhosa que se tornou um dos maiores prazeres que ela jamais experimentara.

Depois de despi-lo da calça, ela levou a palma da mão até o abdome dele, saboreando o toque de sua pele e daquela combinação tão masculina: uma superfície macia sobre uma sustentação rígida. Ela amava a forma como o desejo intensificava todos os sentidos, inclusive a intuição que lhe dizia quanto ele adorava aquele toque e como o resto da realidade desaparecia por completo para ele também.

Quando não conseguiu subir mais, desceu a mão de novo, chegando a sua roupa íntima. Com carícias suaves, ela a puxou para baixo, fazendo o tecido se avolumar em seus joelhos e libertando-o. As pontas dos dedos dela faziam o reconhecimento de seu corpo, centímetro por centímetro. Ela deslizou as mãos e as pressionou nas partes protuberantes do quadril e das coxas dele. Com a ponta dos dedos, alisou sua ereção inteira até a cabeça do pênis, envolvendo-o com suavidade, depois o acariciou de forma mais agressiva.

Elliot tentou conter a sensação que isso provocou, mas ela pôde ver a fúria sensual que o dominava. Todo ele ficou mais duro. Seu rosto e olhar, seu corpo inteiro ficou mais rígido.

– Você corre perigo de ser tomada sem cortesia nem cerimônia, Phaedra.

Ela avaliou a ameaça e a excitação do próprio corpo.

– Não me importo. Estou mais do que pronta também.

Ele se juntou a ela no cobertor e empurrou as roupas para longe. Posicionou seu corpo nu por cima do dela, apoiando-se nos antebraços ao lado dos ombros dela.

Um beijo. Profundo e íntimo, tão lento e sedutor que um anseio estranho e doce venceu sua impaciência. Phaedra afastou as pernas para que ele se aninhasse, instintivamente convidando-o a se unir a ela naquele momento para que talvez a noite toda fosse comovente.

Ele olhou para ela.

– Você é uma mulher muito generosa.

– Generosa, não. Quando a mulher é sincera nesses prazeres, ela ganha também.

– Esta é uma visão admirável e democrática. Só que você não está sendo sincera e me encoraja a ser um amante ruim por causa disso.

– Reconheço minha condição carnal da forma mais sincera.

Tão sincera que essa demora a enlouquecia. Ela mexeu o quadril um pouco para encorajá-lo.

A reação dele foi leve, sutil, mas devastadora. Ele empurrou, mas não tudo. Ela o sentiu lá embaixo, tocando-a de leve, uma provocação terrível e maravilhosa.

Ele a beijou no pescoço e nos ombros.

– Você disse que estava mais do que pronta – falou, administrando o calor daquele deleite. – Não foi verdade, mas talvez tenha falado por ignorância.

A indignação se infiltrou em sua mente, que só pensava nos formigamentos maravilhosos que atingiam seu sangue.

– Não sou ignorante. Acho que isso é óbvio.

Ele suspendeu o tronco, de forma a poder acariciá-la. Observou as pontas dos próprios dedos traçarem levemente uma linha em torno da base e do volume do seio, assim como ela havia feito há pouco no quadril e nas coxas dele.

– Uma mulher mais do que pronta não fica tão controlada quanto você continua. Você não está nem perto de estar pronta como poderia estar. Se não é ignorante, sabe disso. Mas talvez você tenha medo de se abandonar à sensação.

Ele esfregou o mamilo dela. Um tremor profundo a sacudiu, ressoando dos pés à cabeça. O corpo dela ansiava por empurrá-lo fundo para dentro e escapar daquela tortura sensual, por mais deliciosa que fosse.

Ele tocou o seio dela com mais força, esfregando o bico, fazendo os tremores se repetirem com intensidade crescente. Phaedra começara essa sedução confiante e ousada. Agora a onda dessa vulnerabilidade tentadora afastava seu autocontrole.

Ela não conseguia mais resistir à maré de prazer. Elliot pareceu perceber que ela tentava. Saiu do corpo dela como se anunciasse que era ele quem decidiria quando ela estaria pronta. Deitado ao lado dela, apoiado no braço rígido, ele a acariciou devagar e seguro de si, seu toque possessivo percorrendo toda a pele dela.

Seus seios ansiavam para que suas mãos voltassem ali. O outro prazer e os estímulos que ele causava pioravam tudo ainda mais. A frustração a deixava quase louca. Ela nem conseguiria abraçá-lo naquela posição, ficava exposta e submissa ao seu olhar e a suas mãos mal-intencionadas.

Phaedra não podia abraçá-lo, mas podia tocá-lo. Nem todo o corpo dele estava fora de alcance. Ela buscou a parte interna da coxa de Elliot com a mão direita. Acariciou-o com movimentos para cima, certificando-se de que não perderia o controle sozinha.

Ele reagiu como esperado, da forma como ela ansiava. Elliot acariciou seus seios de uma maneira tão perfeita, tão completa, que a fez quase perder a sanidade. O prazer insuportável ficou maravilhosamente pior e o desejo por mais tomou sua mente.

Ele baixou a cabeça e levou a boca ao seio dela. Uma nova sensação percorreu seu corpo. Uma sensação doce e intensa e tão poderosa que a fez perder contato com a realidade. Phaedra agarrou os ombros dele em um abraço selvagem para que não ficasse sozinha em seu abandono. Sua mente se obscurecera e ficara tão focada que apenas uma vaga percepção do mundo ao redor se esgueirava por ela. Sons ecoavam as súplicas em sua cabeça e as necessidades que a devastavam. Pegadas fortes e beijos violentos a levaram mais fundo nessa sensação pura.

Um toque diferente, bem-vindo e temido e tão necessário que ela pensou que desmaiaria de alívio. Sua consciência gritou. Ela abriu mais as pernas para que ele não parasse. Arrepios profundos se acumulavam lá e se espalhavam, aumentando a tortura até ela querer implorar por alívio.

Então lá estava ele com ela de novo, aninhado entre suas coxas como tudo tinha começado, empurrando de leve daquela forma incompleta e enlouquecedora. Ele a beijou com um jeito selvagem ao penetrá-la, engolindo seu gemido de alívio.

Estocadas fortes, profundas e plenas, a levaram ao gozo. A explosão singular de prazer a embebedou de paz e de uma sensação perfeita. Flutuou nela, espantada com a violência do clímax e com a materialidade do êxtase.

Phaedra foi voltando devagar da escuridão sagrada de sua mente. Seus braços sentiram os ombros que ela abraçava e suas pernas, o quadril que circundavam. Ele permanecia teso e pleno dentro dela.

Por entre os cachos úmidos, ela viu os olhos dele, ainda quentes e firmes em sua rigidez sensual.

– Você parece bem satisfeita, Phaedra.

Tão satisfeita que ela pensou que nunca mais poderia se contentar com menos.

– Com toda a certeza.

Ele se mexeu devagar, descrevendo um longo caminho na carne ainda intensamente viva após o clímax.

– Acho que nunca conheci uma mulher com tanta facilidade de ter prazer.

Ele pousou um beijo firme em seus lábios. Bem dentro dela, a satisfação começou a arrefecer. Novas necessidades acenaram de forma sutil, porém perceptível.

Ele fez de novo. Olhava para baixo, controlado demais, seguro demais do que causava com suas investidas lentas e profundas.

– Acho que nunca fui tão possuído por uma mulher antes.

– Não me culpe se não compartilhou a satisfação. Normalmente, há unidade nessas coisas.

– Duvido que já tenha havido unidade com você. Seus amigos encontram o próprio prazer enquanto a ajudam a achar o seu, mas é diferente.

Phaedra viu um insulto nessas observações tranquilas. Se não estivesse tão ligada à potência viril que emanava dele, se os tremores da nova excitação não estivessem preenchendo sua mente, talvez ela achasse as palavras para castigá-lo por sua presunção.

Só que a sensação de saciedade diminuía com rapidez. Lá dentro, desejos ressonantes despertaram, reforçados pela confusão e pelo desespero.

O abandono acenou de novo, mas permaneceu fora de alcance, tentando-a. Ela continuou em contato com o mundo, ciente do homem que se demorava, consciente de que ele também não tirava os olhos dela.

Phaedra mexeu o quadril para encorajá-lo. Mais rápido. Ele acariciou a nádega direita dela e a puxou, detendo-a.

– Você disse que nós possuiríamos um ao outro, e eu quero possuí-la devagar.

– Foi muito indelicado da sua parte não se saciar junto comigo.

Ela nem sabia que um homem podia controlar suas vontades a esse ponto.

Obteve um sorriso quase imperceptível em resposta. Sua mão soltou a nádega dela. Phaedra pensou que ele houvesse se rendido. Em vez disso, ele levou a mão às costas e soltou a perna dela de seu quadril.

Moveu a outra perna também e empurrou as coxas dela unidas para baixo dele. Quando se mexeu dentro dela de novo, o prazer se concentrou e espiralou tão nítido que ela perdeu o fôlego.

As sensações a deslumbraram, a venceram. Ela não podia negá-las, então se rendeu. Porém, desta vez o clímax foi diferente. Phaedra não perdeu o contato com o mundo. Ouvia os próprios gritos. Ficou embebida na aura dele. A vulnerabilidade voltou, mais matizada, ainda excitante, porém levemente assustadora.

Ele não perdeu o controle, não sucumbiu. Mesmo quando suas estocadas ficaram mais rápidas e mais fortes, mesmo na hora em que ela gritou em êxtase, Phaedra sentiu que ele controlava seu poder até o fim.

Dessa vez houve unidade. Ela não chegou sozinha ao clímax. Na verdade, ele pareceu mais presente. Um alívio glorioso a despedaçou como um raio parte uma árvore, porém ele permaneceu a seu alcance durante todo o tempo.

Após o coito, à medida que a alma dela tentava recolher os cacos de seu autocontrole e ela lutava para recompor a mulher que conhecia, receios penetraram seus pensamentos. Ela o sentia em seus braços, seu corpo cobrindo o dela. Ele estava exausto, satisfeito e quieto, mas inteira e estranhamente real.

Phaedra nunca se sentira em desvantagem em situações assim antes. Envolta em êxtase e saciedade, ela examinava sem pressa essa nova situação. Tentava decidir o que significava e como tinha acontecido.

Com certeza, essa misteriosa sensação de desprendimento desapareceria quando ele fosse embora. Tinham sido só a noite, a escuridão e o prazer que a haviam causado.

Ele se apoiou nos antebraços, tirando o peso de cima dela. O olhar dele a invadiu muito fundo e de forma tão calorosa e intensa que ela se perguntou se ele estaria tentando deixar uma marca de fogo em sua mente. Depois ele rolou de cima dela e se deitou de lado. Logo caiu no sono com o braço por cima dela.

Elliot pretendia passar a noite ali. Ela nunca permitira isso com seus amigos, mas não conseguiria acordá-lo e pedir que descesse para deitar no cobertor sobre as pedras no cômodo embaixo. Porém...

Phaedra olhou para as luzes bruxuleantes que brincavam nas pedras acima dela. O olhar dele tinha sido cálido e tocante durante o último e longo olhar, mas também exigira que ela reconhecesse a força da união dos dois. Carregara a profunda intimidade que ainda os unia e se negara a deixar que ela se desvencilhasse de seu abraço.

Porém, tinha havido mais do que isso, algo que ela nunca vira nos olhos de um homem antes, pelo menos não em um que a olhasse.

Ela vira os olhos de um conquistador.

E se perguntara o que ele erroneamente achava ter conquistado.


A porta da mente dele permanecia entreaberta. Elliot a ouviu suspirar e murmurar enquanto dormia. O sol começava a nascer e ela despertaria em breve. No momento, ele aproveitava a paz, a companhia e o ar frio em seu corpo, deixando a mente concluir suas reflexões sobre outras coisas.

Um som o despertara, dando uma vaga indicação do novo dia que começava. Agora ele espiava pela luz prateada à medida que um objeto tomava forma. Havia mais uma cesta no cômodo, bem à direita, no alto das escadas. Uma das senhoras tinha trazido mais víveres.

Phaedra despertou devagar como um gato ronronante. Ela se encolheu e depois se esticou em sua elegância nua e se virou para o outro lado, dando a Elliot a oportunidade de admirar o belo contorno de suas costas e de seu quadril.

Ela parecia muito doce naquele momento e mais jovem. Despida de seu hábito negro, liberta da armadura com que enfrentava o mundo, ela o espantava com sua aparência frágil. A noite anterior revelara esse outro lado de sua alma de uma forma inconfessa e inexplicada. Sua paixão tinha sido ao mesmo tempo experiente e ignorante, ao mesmo tempo segura e amedrontada. Ele experimentara a fraqueza e a suavidade que ela não ousava mostrar ao mundo. Phaedra levava uma vida baseada em símbolos na qual tais contradições não eram permitidas.

Ele a queria de novo, porque ela estava muito bela ali de manhã e porque a Phaedra nua, despida e desarmada, o fascinava. Imaginou que continuaria a desejá-la por muito tempo. Calculou tempo e lugar, dia e noite, tendo as lembranças de seus abraços a tentá-lo.

Num instante ela se pôs alerta, como se tivesse ouvido os pensamentos dele. Deitou-se de costas e, através de pálpebras semiabertas, avaliou onde estava e com quem. Um vago rubor tingiu seu pescoço, descendo até os belos seios. Os mamilos endureceram, mas não por causa da fria brisa marinha.

O constrangimento a fez parecer uma menina insegura. Lorde Elliot se perguntou que pensamentos causaram o franzir de seu cenho ao olhar o próprio corpo. Ela não estava tão atrevida agora, sem a escuridão para transportar os acontecimentos para outro mundo.

Elliot puxou algumas roupas para que ela não fosse obrigada a sair de onde sua escolha a deixara. Ele lhe entregou o monte de tecido negro que era seu vestido. Phaedra se sentou e o passou pela cabeça.

Ele se sentou ao lado dela na esteira. Imaginou se Phaedra mencionaria os acontecimentos da última noite e o que ele deveria dizer quando ela o fizesse. Ela não era uma mulher que esperasse gratidão ou desculpas. Certamente não esperaria que ele lhe oferecesse dinheiro ou qualquer tipo de pagamento. Ela não esperava absolutamente nada dele e levaria a mal qualquer proposta.

– Você tem Alexia – disse ele. – Ontem você falou sobre estar só, mas Alexia é uma amiga leal.

As palavras de Phaedra tinham ecoado na cabeça dele naquela manhã enquanto ficara deitado ao lado dela. Ele se perguntara sobre suas amigas na infância, duvidando de que tivesse alguma. Imaginava que poucas mães permitiriam às filhas serem amigas da filha de Artemis Blair.

Phaedra se esticou para lhe dar um beijo no rosto. Ele supôs que, em algum momento ao longo do dia, a intimidade entre eles chegaria ao fim e Phaedra consideraria a noite da véspera como passado. Agora, contudo, com um gesto ela o fazia entender que achava a preocupação dele, no mínimo, encantadora.

Ele aproveitou a oportunidade para passar o braço em torno dela. Sentado assim numa cama de palha, com as costas apoiadas na parede, a cabeça de uma bela mulher no ombro e os sons e cheiros do mar entrando em lufadas pelas janelas, não seria um jeito ruim de passar o dia.

– Ela fez com que seu irmão permitisse nossa amizade – disse. – Quando Alexia negociou o casamento, ela o fez prometer. Eu tinha imaginado que... Cheguei a recusar o convite de casamento. Escrevi a ela dizendo que isso só causaria problemas com o marido. Ela me respondeu explicando o que conseguira.

Phaedra inspirou profundamente. Sua voz saiu mais fraca quando voltou a falar.

– Chorei ao ler a carta. Foi o gesto mais nobre que qualquer amiga já fez por mim. Preocupar-se comigo naquele momento... Ainda acho difícil de acreditar que seu irmão tenha concordado. Não sou uma mulher que a maioria dos homens deseje como amiga de suas esposas. Uma cortesã seria mais bem-vinda nas salas de estar das famílias elegantes de Londres.

Elliot imaginou que a generosidade do irmão fazia parte de uma estratégia maior. Phaedra Blair era uma concessão pequena para Hayden nas negociações para ficar com a mulher que desejava.

Não ajudaria colocar as coisas dessa forma.

– Hayden nunca foi escravo das regras da sociedade. Ele quer que Alexia seja feliz e sabe que a amizade dela com você não representa qualquer perigo.

– Se ele acredita nisso, o amor o deixou tolo. Não me ressinto com os pais e maridos que não permitem que eu seja recebida, Elliot. Se eu fosse eles e acreditasse no que eles acreditam, estabeleceria as mesmas regras.

Elliot olhou para o topo da cabeça dela. O cabelo parecia mais dourado do que ruivo agora, na luz cristalina da manhã. Ela não queria sua piedade por sua infância solitária. Não esperava que o mundo se transformasse para se adaptar a ela. Só queria que a deixassem quieta para que conduzisse suas crenças como lhe aprouvesse.

Entender isso acrescentou ternura à satisfação que ele sentia naquele momento. Infelizmente, deixá-la quieta seria quase impossível.

– Lorde Elliot.

O chamado de Carmelita não veio das escadas de pedra. Ela estava lá embaixo, do lado de fora da torre. Pelo menos uma das senhoras tinha se intrometido mais cedo e agora faziam uma tentativa de não repetir isso.

Ele se levantou e olhou para fora da janela. As cinco senhoras estavam em volta de Carmelita, falando baixo e ainda montando guarda.

– Lorde Elliot, o signore Greenwood está chegando.

Ela fez um gesto indicando a parte baixa do promontório, para além dos homens que acordavam.

Greenwood passava pelo cais, agora cheio de barcos de pesca. O barulho da cidade lembrou a Elliot por que nenhum deles fora para o mar. Era o dia da festa de San Giovanni.

Os homens deram passagem a Greenwood. Ele lhes disse algo ao passar. Acenou para Elliot quando o avistou na janela. Seu sorriso e andar lépido indicavam que trazia boas notícias.

Ele cumprimentou Carmelita e as senhoras com uma mesura, depois olhou para cima.

– Você e a Srta. Blair têm muitas razões para me agradecer, Rothwell. Fui tão habilidoso, tão brilhante, que mereço um cargo nas relações exteriores.

– O senhor convenceu aquele idiota a pôr fim nisso? – perguntou Carmelita.

– Fechei um acordo. Um tão bom que as senhoras não precisarão mais oferecer seus préstimos.

Carmelita explicou às senhoras o que ele dissera, porém elas relutaram. Uma pequena discussão se seguiu, mas Carmelita as convenceu. Todas as mulheres começaram a caminhar de volta para a cidade.

– Vou subir e explicar – disse Matthias, desaparecendo no limiar do portal.

Elliot se virou para Phaedra. Ela se parecia de novo consigo mesma: composta, orgulhosa e singular. O tecido preto cobria o corpo que ele possuíra horas antes. Phaedra se inclinou e esticou o cobertor por cima da palha, eliminando a mais óbvia evidência dos eventos noturnos.

– Eu devia ter me rendido à tentação e acordado você mais cedo – disse ele. – Uma noite assim não devia terminar de forma tão abrupta.

Phaedra deu um sorrisinho nervoso.

– De forma abrupta ou lenta, as noites sempre acabam.

Havia muita coisa que ele gostaria de dizer em resposta, entretanto as botas de Greenwood já se aproximavam do cômodo.

O cabelo branco e o rosto sorridente de Matthias surgiram. Ele parecia muito satisfeito consigo mesmo.

– Trouxe-lhe a chave de sua prisão, Srta. Blair. Infelizmente, para que tudo dê certo, a senhorita tem que deixar Positano imediatamente.


CONTINUA

CAPÍTULO 7

– É uma coleção modesta.

Matthias brilhava de orgulho, apesar de suas palavras.

– Tive a ideia inspirado nos gabinetes renascentistas. É o meu refúgio dentro de casa, cheio dos meus objetos favoritos.

Seu gabinete era uma grande sala quadrada cheia de urnas antigas e ramagens nas paredes de gesso. Além de uma escrivaninha comprida repleta de livros e papéis, o cômodo continha artefatos. O capitel de uma coluna coríntia estava empoleirado em um dos cantos da mesa. Um busto antigo os observava do alto de uma estante de livros. Vitrines com pés, como as das livrarias inglesas, guardavam outros pedaços de peças e antiguidades.

Phaedra caminhava por entre as peças, observando. Randall Whitmarsh a acompanhava, apontando as moedas com as imagens de Júlio César e Tibério gravadas e as pequenas garrafas de vidro.

– Aqui está o grande achado – anunciou Matthias.

Ele abriu uma gaveta, retirou uma trouxinha de tecido e começou a desembrulhar o material.

Surgiu uma pequena estatueta de bronze de uma deusa nua em uma posição relaxada.

– Alguns garotos mergulhavam na enseada e lá estava ela, no fundo da areia. Deve ter ficado lá por 1.500 anos. É grega, tenho certeza. Período clássico. Provavelmente parte de uma carga grega a caminho de alimentar os cobradores do Império Romano.

Whitmarsh levantou a estátua.

– Com certeza um navio naufragou aqui. Deve haver outras peças onde ele afundou, se puder ser achado.

– A água fica profunda rapidamente, o que é muito perigoso – disse Matthias. – Se houver mais peças, elas só vão ser encontradas quando as marés fizerem seu trabalho. Retirei com cuidado as cracas e a melhora foi maravilhosa.

Elliot tomou a estátua em suas mãos.

– É linda. Pretende vendê-la?

– Ainda não sei. Caso decida vender, Whitmarsh poderia pô-la à venda para mim em Roma, não é?

– Ou eu, em Londres – emendou Elliot. – Você conseguiria um preço melhor, não acha?

Matthias sorriu com a indulgência de um mestre. Pegou a estátua das mãos de Elliot.

– E macular o seu sangue com atividades comerciais? Eu não faria isso.

– Não haverá comércio se eu apenas indicar um colecionador. Easterbrook pode até ficar interessado na peça.

Os homens começaram a discutir a data de criação da estatueta e seu valor. Phaedra continuou a andar por entre as vitrines para completar sua visita de reconhecimento.

A coleção de Matthias era muito eclética, como a de um garoto de escola que trouxesse para casa pedaços e peças do mundo que o fascinavam. Uma vitrine continha fragmentos de cerâmica de pouco valor, porém com enfeites primitivos fascinantes. Espirais e formas geométricas se amontoavam sobre as superfícies avermelhadas. Um belo cálice grego intacto ocupava lugar de honra em outra, exibindo o deus Dionísio em um navio em seu interior raso e arredondado.

Prosseguiu até as adagas antigas e partes de armaduras romanas entalhadas e chegou até uma vitrine que continha outros objetos de metal. Essa estava trancada e Phaedra podia entender por quê. Espalhados dentro estavam objetos de ouro e prata e esmaltados, alguns clássicos, outros de épocas posteriores, em que normandos e sarracenos estiveram ali. Pequeninas imagens de deuses romanos e vivas interações de linhas e arabescos disputavam sua atenção.

A vitrine inteira brilhava. Fechos de bolsas, brincos e fileiras de contas de vidro.

– Decidi ficar com minha pequena deusa – anunciou Matthias. – Onde acha que devo alojá-la, Srta. Blair?

Phaedra deu sugestões de lugares onde Matthias poderia exibir a pequena estátua, porém seus pensamentos continuavam na coleção diversificada do seu anfitrião. Ela se perguntava se ele saberia algo sobre camafeus antigos.


De tarde, o Sr. Whitmarsh decidiu pescar, então os cavalheiros desceram a montanha para alugar um barco após a sesta costumeira da cidade. Isso deixou Phaedra com a signora Roviale e a Sra. Whitmarsh.

As damas se sentaram na sala de visitas e tentaram não entediar umas às outras. Quando a Sra. Whitmarsh pediu licença e saiu para escrever uma carta, a signora Roviale abordou o único assunto que achava ter em comum com a outra hóspede.

– É um homem notável, o seu lorde Elliot. Não sou fã de todos os amigos ingleses do signore Greenwood. Eles quase sempre são pálidos demais e reservados a ponto de se tornarem tediosos, e suas mulheres e namoradas também são sem sal e sem assunto. Mas lorde Elliot é ao mesmo tempo bonito e interessante. Un uomo magnifico.

– Lorde Elliot é cunhado de uma grande amiga minha e me acompanha a pedido dela. Não sou sua namorada.

– Veramente? – exclamou ela, depois avaliou Phaedra com frieza. – Talvez, se usasse roupas mais atraentes... Matthias me disse que não está de luto e, por aqui, o preto é mais comum entre as mulheres velhas... E seu cabelo, a minha criada poderia penteá-lo para que não parecesse uma criança nem uma puttana.

“Puttana” tinha sido uma palavra que Gentile Sansoni usara durante o interrogatório. Significava meretriz. Como a signora Roviale não era casada com Matthias, estava enveredando por um campo muito delicado.

– Escolho meus vestidos e meu penteado por bons motivos, signora. Assim não preciso ficar sobrecarregada com criadas nem gasto horas em preparações antes de começar meu dia tão atarefado.

– Aaah, capisco. Entendo.

Ela fez um gesto expressivo, a mão desenhando um amplo arco que incluiu as duas e a casa.

– Mas seu dia está livre hoje. Não está muito ocupada, não é? Não temos nada para fazer enquanto esses ingleses pescam feito camponeses. Ofereço-lhe minha criada; então não ficará, como disse, sobrecarregada.

– Estou muito satisfeita assim, obrigada. Quanto a preencher o meu dia, vou para o meu quarto ler, se me der licença.

– Pode ler outra hora. Acho que é uma mulher que lê demais.

Ela se levantou e acenou para Phaedra, indicando que a acompanhasse.

– Talvez esteja satisfeita em seu vestido, contudo a signora Whitmarsh não está feliz. Ela pensa que você é uma bruxa e que está tentando encantar o marido dela. E você é tão incomum que ela não sabe como competir. É louca por pensar assim, de toda forma posso ver as suspeitas naquele rosto comprido. Nós a deixaremos apresentável e comum para o jantar desta noite, para que ela não pareça ter uma nuvem negra em cima da cabeça.

Revoltada por estar sendo coagida, porém incapaz de pensar em uma desculpa para desfazer o plano de sua anfitriã, Phaedra se levantou. A signora Roviale lhe deu o braço e, com firmeza, conduziu-a escada acima.


Elliot despiu a camisa agora úmida de maresia. Entregou-a ao criado para que fosse lavada, depois foi se arrumar para o jantar. A pesca tinha sido divertida, animada pelos odres de vinho que Matthias tinha jogado no barco.

Saiu para o terraço e apurou os ouvidos. Nenhum som vinha do quarto de Phaedra, portanto supôs que ela já tivesse descido e se dirigiu à sala de visitas. Todos os hóspedes estavam reunidos, exceto a única mulher que ele estava ansioso para ver.

Perguntou-se se ela aproveitara sua ausência para escapar e amaldiçoou a própria negligência. A combinação relaxante de sol e mar e a excitação que não queria deixá-lo o tinham feito esquecer o motivo de ter Phaedra em sua companhia.

Conversou com Whitmarsh e Greenwood. Cada minuto que passava aumentava suas suspeitas da fuga de Phaedra. Estava prestes a perguntar à signora Roviale sobre as atividades da Srta. Blair naquele dia quando Whitmarsh de repente parou de falar e olhou fixo por sobre o ombro de Greenwood. A expressão no rosto dele fez Elliot olhar na mesma direção.

Greenwood virou a cabeça.

– Meu Deus. É a nossa Srta. Blair?

Aparentemente, sim, exceto que aquela Srta. Blair não se parecia muito com a que Elliot conhecia. O vestido preto substituído por um azul-celeste, com um fita marfim e mangas curtas bufantes no ombro e justas no braço. O cinto de seda marcava sua cintura e o decote revelava a pele muito alva do pescoço e dos ombros, destacando o arredondado firme e elegante de seus seios.

O cabelo também tinha sido penteado e preso. Sem mais flutuar solto, formava um penteado com cachos e trançados que a deixavam muito na moda. Usava um pouco de maquiagem no rosto, ou talvez a atenção que despertara a tivesse feito enrubescer.

– É ainda mais bela do que a mãe – sussurrou Whitmarsh. – Se pode ficar bonita assim, por que se esconde naquele hábito de freira?

Elliot sabia por quê. O motivo agora enchia a sala de visitas. O silêncio caiu conforme os homens a olhavam e as mulheres a avaliavam. Elliot andou pelo meio dos outros para poupar-lhe o incômodo de continuar a ser o espetáculo da noite.

– Está muito bonita hoje, Srta. Blair. Vamos pegar um pouco de vinho.

Ela o acompanhou até a criada que servia as bebidas. O grupo retomou suas conversas.

– A signora Roviale fez isso tudo. O vestido é dela – contou Phaedra. – A mulher é implacável. Não havia como escapar.

Ele lhe entregou um cálice de vinho.

– Foi gentileza da sua parte ceder.

Ele se esforçava para que seu olhar não resvalasse para a protuberância branca acima do decote do vestido. Queria lamber e mordiscar aquela pele de leite que surgia além da fronteira azul-celeste.

– Levou horas. Tinha me esquecido dessa parte. E esse espartilho... bem, você pode imaginar como meu pobre corpo não gosta disso.

Não exatamente. Contudo ele podia imaginá-la de camisa e meias, antes de pôr o espartilho, e depois de vesti-lo, quando ainda não houvesse colocado o belo vestido.

– Acredito que, com a prática, fique mais fácil.

– Não vai haver prática. Essa experiência acaba junto com o jantar. Só rezo para que não desmaie antes disso. Mal posso esperar para ser liberada dessa tortura. Para começar, é insuportavelmente quente. Descobri que os árabes usam roupas soltas em climas quentes por um bom motivo. Além disso...

De repente, no meio da frase, suas reclamações pararam. Ela enrubesceu violentamente, como se visse nos olhos dele o que se desdobrava em sua imaginação, o vestido caindo, o espartilho se abrindo e o corpo dela sendo revelado. O traje dava uma visão melhor desse corpo do que seus vestidos pretos, e ele a imaginava nua com muito mais nitidez agora.

Whitmarsh se aproximou exalando charme. Greenwood não perdeu a Srta. Blair de vista enquanto falava com os outros. Ela respirou fundo e partiu para encantar a todos com seu brilho e sua beleza.


Phaedra pretendia escapar direto para seu quarto ao final do jantar, para tirar aquelas roupas desconfortáveis. Mudou de ideia ao ver Matthias Greenwood andar em direção a seu gabinete. Em um impulso, ela o seguiu, alcançando-o no momento em que abria a porta.

– Sr. Greenwood, posso falar com o senhor em particular? – solicitou Phaedra.

– Com certeza, Srta. Blair. Venha comigo. Terá toda a minha atenção aqui.

Ela aceitou sua acolhida e sentou-se na cadeira que ele lhe indicou, ao lado da mesa. Encarapitada lá, sob seu exame tutorial, sentiu-se como uma aluna pleiteando uma vaga na universidade.

– Sr. Greenwood, na Inglaterra eu vinha conversando com pessoas que conheceram minha mãe. Tenho algumas perguntas sobre fatos que aconteceram no final da vida dela. O senhor a conheceu também e seu nome foi mencionado várias vezes. Algumas delas sugeriram que talvez pudesse me ajudar.

– Algumas delas...?

– Amigas de minha mãe. Mulheres que me ajudaram a relacionar as pessoas que faziam parte do convívio social de minha mãe e coisas afins.

– Ajudarei como puder, entretanto não era um amigo próximo. Minhas funções na universidade não me permitiam vê-la com muita frequência.

– Entendo. Contudo é sua distância relativa que pode ter possibilitado ao senhor enxergar com mais clareza do que os amigos mais íntimos.

Ele pareceu cético, mas se mostrou prestativo.

– O que precisa saber?

– Talvez o senhor considere minhas perguntas um pouco ousadas.

Ele riu.

– Ficaria desapontado se não fossem. Se a senhorita está correndo o mundo atrás de respostas, imagino que as perguntas não sejam banais.

Seu bom humor tornava tudo mais fácil. Ela decidiu começar com a pergunta mais ousada de todas.

– Alguma vez suspeitou que minha mãe tivesse um amante nos últimos anos de vida?

Ainda que ele esperasse ousadia, a pergunta o deixou um tanto sem jeito. Sua expressão sempre bem-composta se alterou, ficando próxima do constrangimento.

– Não tive indícios para pensar isso. No entanto... Bem, quando conheci sua mãe, Drury era uma presença constante, mas parecia menos presente por volta do último ano.

– O senhor sabe quem era o outro homem?

Os olhos dele ficaram mais cálidos, demonstrando simpatia. Seu sorriso era o de um tio para a sobrinha preferida.

– Nem sabia se havia alguém. Tem certeza de que houve?

– Meu pai achava que sim.

– Os homens podem errar em relação a essas coisas. A paixão esfria, a distância aumenta... Ele pode ter interpretado errado.

Ela sabia dessa possibilidade. Matthias não era o primeiro a mencioná-la. Vários amigos de sua mãe sugeriram a mesma explicação. Ela mesma também nutria a esperança de que fosse apenas isso.

– Há alguém que o senhor teria considerado provável?

Ele balançou a cabeça.

– É tão importante saber o nome ou mesmo se a suspeita se confirma?

– Se tivesse sido um caso normal, eu diria que não.

Ele esperou pacientemente que ela continuasse, nem encorajando nem desencorajando outras revelações com seu comportamento reconfortante. Ela entendeu por que Elliot gostava desse homem. Havia algo em Matthias Greenwood que inspirava confiança e estimulava confidências. Sua franqueza era tamanha que afastava até a menor possibilidade de dissimulação.

– Minha mãe me deixou um camafeu – contou ela. – Seu testamento dizia que era originário de Pompeia. Sua intenção era que ele me desse alguma segurança financeira, e sempre supus que daria. No entanto, antes de meu pai morrer, ele alegou tratar-se de uma joia falsa, vendida a minha mãe pelo amante.

Matthias franziu o cenho, a preocupação evidente em seu olhar.

– A senhorita depende do valor desse camafeu?

– Minha situação financeira ficou mais complicada nos últimos tempos. Talvez eu precise vendê-lo. Contudo, se for falso...

– Valerá uma mera fração do que ela imaginava e provavelmente do que pagou. E a senhorita também não pode vender a peça antes de ter certeza, a menos que queira se arriscar a fazer parte de uma fraude.

– Exatamente.

– Entendo seu dilema. Lamento que sua herança esteja em questão. Se um admirador tirou vantagens indevidas de Artemis, o canalha deveria ser enforcado. Ela era muito generosa com todos que conhecia, mas... bem, talvez ingênua demais e lenta demais para perceber que alguns teriam interesse em se aproveitar dela.

Ele lhe lançou um olhar que pedia desculpas pela leve crítica.

– Talvez ela tenha sido mesmo ingênua demais, Sr. Greenwood. E sua generosidade significa que ela deixou pouco mais em herança além do camafeu. Suponho que eu poderia guardá-lo como lembrança, contudo, se ele simboliza o roubo de sua afeição e de seus recursos, não terá nenhum valor sentimental para mim.

– Eu pediria para ver o camafeu se pudesse afastar suas preocupações, no entanto confesso não ter muito conhecimento nessa área. Poderíamos mostrá-lo a Whitmarsh, é claro. Ele conhece muito mais pedras preciosas do que eu. No entanto, faria mais sentido perguntar aos especialistas em Pompeia...

Seu cenho se desanuviou. Ele deu um risinho.

– É por isso que está na península Itálica, não é? É claro. Agora compreendo.

– O senhor acha que posso obter uma resposta concreta lá?

– A mais concreta possível. Como já sabe, as opiniões variam. Escreverei para o superintendente, para abrir caminho para a senhorita. Ele está envolvido em escavações há vinte anos e pode atestar a origem do item, bem como seus sinais característicos de antiguidades.

– Agradeço sua boa vontade em me ajudar. Pergunto-me se posso abusar um pouco mais de sua gentileza. Temo que isso signifique pedir que levante hipóteses que talvez não queira.

– Não sou bom demais a ponto de resistir a fofocas, Srta. Blair. Pelo menos, até certo ponto.

Ela suspeitava de que iria chegar a esse ponto e talvez ultrapassá-lo.

– Se, de fato, esse camafeu, real ou falso, foi dado ou vendido a minha mãe por um homem nos seus últimos anos de vida, o senhor pode pensar em alguém em seu círculo que tivesse acesso a coisas assim?

Seus olhos de águia se obscureceram e ele ficou introspectivo, refletindo demoradamente sobre a pergunta. Phaedra imaginou que ele estaria relembrando as festas e jantares de anos atrás, examinando rostos e reconstituindo conversas.

– Não tenho um nome para lhe dar – disse por fim.

Sentiu o desapontamento, mas não foi um golpe tão duro. Teria sido ótimo resolver o mistério naquele dia, entretanto ela na verdade não esperara mesmo que isso acontecesse.

– Contudo, talvez...

Os olhos de águia de Matthias ficaram reflexivos de novo.

– Olhe bem, estou me lembrando de uma joia que diziam ser originária de um tesouro em Pompeia, só que não pertencia a sua mãe. Lembro-me que sua existência foi discutida durante uma das recepções que ela deu. Pode ser a mesma joia que está agora em sua posse ou talvez seja outra.

– O senhor se lembra do que foi dito na ocasião?

– Não de muita coisa. Não tinha interesse no assunto. Nem mesmo consigo determinar a data da conversa com muita precisão.

Ela olhou por cima de seu ombro para as vitrines.

– Eu diria que o assunto o interessa deveras.

– Não em relação a essa joia específica. Percebi logo que a origem da joia era duvidosa. Qualquer item retirado de Pompeia é propriedade roubada. Não há documentação de sua descoberta lá porque isso revelaria tratar-se de um roubo – explicou e deu de ombros para prosseguir: – Há quem não se importe com esses detalhes e pessoas que acreditam em qualquer história que lhe contem. É assim que comerciantes desonestos fazem fortuna.

– O senhor se recorda de como esse camafeu surgiu? Alguém o estava vendendo?

Ele bateu com os dedos na mesa e pensou bem.

– Foi há tanto tempo... Não quero atacar a credibilidade de ninguém...

– O senhor não o fará. Nem eu. Não farei acusações, a menos que tenha certeza de todos os fatos. Não haverá fofoca, nem difamação ou calúnia. Só quero saber em que direção devo seguir.

– Não me lembro dos detalhes. Mas havia vários negociantes que giravam em torno de Artemis Blair. Dois estavam sempre presentes nos últimos anos. Um, Horace Needly, tem uma reputação ilibada, porém nunca se sabe o que acontece nesse meio. No outro tenho menos confiança, principalmente porque ele evitava conversas com acadêmicos como eu. Isso me fazia pensar se seu conhecimento passaria pela prova de alguém experiente.

– Qual era o nome dele?

– Thornton. Nigel Thornton. Um sujeito bem-apessoado. Bem-sucedido também, se não me engano, contudo suas antiguidades tinham origem duvidosa.

– Obrigada pelos dois nomes. Verei o que posso descobrir quando voltar à Inglaterra. O senhor me ajudou bastante e sou muito grata.

Ela se levantou para ir embora. Ele sorriu ternamente, feliz por ter sido útil.

– Sr. Greenwood, me perdoe, mas... não havia pelo menos mais um negociante no círculo de minha mãe naquela época? O Sr. Whitmarsh. O senhor disse no outro dia que ele vende antiguidades em Roma e...

– Aquilo foi só uma brincadeira entre amigos, Srta. Blair. Desde que veio para cá, sabe-se apenas que passou adiante um ou dois objetos que lhe chegaram por acaso e com os quais ele não tinha intenção de ficar. Nada mais. Já fiz isso também. Não se pode considerar isso comércio – ele foi falando de forma indulgente, enquanto a acompanhava até a porta. – Além disso, ele não se dedicou a esse ramo na Inglaterra, nem mesmo por um período breve. Não ficaria bem, não? Afinal, ele é um nobre.


– Rápido, não aguento mais. Rápido.

Um grunhido profundo seguiu os pedidos da Srta. Blair.

– Ai, assim, hum, que maravilha.

Elliot estava de pé no terraço, com as costas apoiadas na parede da casa. Ele ria por dentro dos gemidos que lhe chegavam pelas portas ao lado das dele. Os sons que Phaedra fazia ao ficar livre, aliviada do vestido e do espartilho, lembravam os de uma mulher que se sentisse livre e aliviada por outros motivos.

Pôde ouvir quando ela dispensou a criada e depois resmungou:

– Que diabos. Nunca mais. As mulheres são loucas de se vestirem assim.

Vagos sons de seus movimentos no quarto eram notados. Ele deu alguns passos no terraço e retomou sua posição, desta vez do lado de fora do quarto dela.

– Sobreviveu, Srta. Blair? Ou ficou deformada para sempre?

Ela esticou a cabeça para fora, procurando-o. Ficou surpresa ao vê-lo tão perto.

– Achou graça, não?

– Nem um pouco.

Sua risada mostrou que era mentira. Ela franziu a testa com vigor.

– Espere aí. Quero lhe falar sobre um assunto.

E ela desapareceu no quarto.

Voltou alguns minutos depois, vestida de preto. O penteado não fora desfeito, então ela ainda não tinha voltado a ser a Phaedra de sempre.

– Por quanto tempo pretende me manter aqui? – perguntou ela.

Suas palavras aludiam a tudo o que ocorrera desde o dia em que ele entrara naquele jardim em Nápoles. A observação continha todos os seus ressentimentos.

– Alguns dias. Mais tempo, se a senhorita quiser. Precisa admitir que este é um lugar bem relaxante.

– Não vim da Inglaterra para repousar.

– Podemos partir em três dias, se desejar. Contudo imaginei que apreciasse a companhia de pessoas que conheceram sua mãe.

Ela foi até a balaustrada e olhou para o mar negro. Elliot observava suas costas, mas o que via, apesar do tecido preto que a cobria, era o corpo nu.

– Confesso que estou gostando da visita mais do que esperava, exceto das imposições da signora Roviale hoje. Apesar de inconveniente, esse desvio em meus planos se mostrou proveitoso. Deveria ter considerado que seria útil... que seria possível e até mais provável conhecer as pessoas do círculo da minha mãe se eu o acompanhasse.

Ele teria questionado o motivo de ela considerar isso “útil” se a noite não estivesse tão agradável e calma e a luz da lua não tornasse Phaedra tão linda.

– O Sr. Greenwood mora aqui há muito tempo? – perguntou ela.

– Ele comprou a casa há uns seis ou sete anos. Só veio morar aqui em definitivo faz quatro anos. Na última vez em que vim, a casa ainda era bastante rústica.

– Imagino que ele conheça todos os especialistas em antiguidades, de Milão à Sicília.

– É bem provável. Não se trata de um grupo tão grande. É natural que busquem a companhia de colegas.

– Então foi um professor universitário que comprou esta mansão, fez melhorias e se mudou para cá. Ele deve vir de uma família abastada.

A avidez de Elliot o deixava impaciente por jogar conversa fora com Phaedra, mas ele lhe concederia isso por enquanto. Afastou-se da parede e se juntou a ela na balaustrada.

– Ele vivia de forma frugal em Cambridge. Um parente lhe deixou dinheiro. Esta mansão provavelmente deve ter custado menos do que uma casa pequena em Londres. Os imóveis aqui não têm o mesmo valor de lá.

Ele admirava o trabalho intricado no penteado da Srta. Blair. Levaria um bom tempo para desfazer tudo aquilo antes de dormir. Tempo de mais. Ele deixaria daquele jeito.

Exceto por um olhar, ela não reagiu à sua proximidade.

– Ele falou como se visitasse as escavações com frequência e conhecesse os arqueólogos lá.

– Espero que sim. Por que está tão curiosa sobre ele?

Matthias tinha idade para ser pai dela e Whitmarsh, quase isso. Ainda assim, a admiração deles pela ruiva naquela noite provocara em Elliot uma desconfiança enciumada que provavelmente não tinha fundamento. Agora a desconfiança surgia de novo, irracional porém nítida, atiçando o desejo com os espinhos da possessividade.

– Há algumas páginas nas memórias de meu pai que levantaram questões sobre os últimos anos de vida da minha mãe. Fiz perguntas a Matthias e estou refletindo sobre o peso que devo atribuir às respostas.

Então era nisso que ela pensava nas horas em que ficava séria e introvertida? Ela havia se aventurado até o terraço, apesar da advertência da noite anterior, mas não para implicar ou desafiar. Ela buscava informações que fossem úteis.

Christian sugerira que essas memórias talvez contivessem revelações que Phaedra não iria gostar de ler. O fato de ela confirmar isso provavelmente era significativo, porém naquele exato momento Elliot não se importava. Ele a desejava e estava ali, naquela noite maravilhosa, com ela, uma mulher que acreditava no amor livre e que não se prendia a regras sociais estúpidas.

A luz da lua tornava sua pele branca quase translúcida. O vestido preto ia até o pescoço, mas ele ainda tinha na mente o volume dos seios dela.

– Às vezes é sensato deixar as perguntas sem resposta.

Ela o encarou, indiferente a quão perto estava de ser agarrada.

– Não acredito que creia nisso. Ou, melhor, não acho que o senhor consiga seguir o próprio conselho. Vi seu rosto quando falamos das referências a seu pai nas memórias. Você não quer que elas sejam publicadas, porém precisa saber se o que há lá é verdade.

Sua postura e suas palavras lançavam um novo desafio. Ele não o aceitaria naquela noite; em vez disso, lidaria com os desafios já existentes entre eles. Haveria tempo o bastante para lidar com este mais tarde.

– Já sei que não são verdadeiras. Mas a senhorita fala de questões sérias, Srta. Blair. Por favor, perdoe-me por deixar essa discussão para outro momento. Um em que a luz do luar, a noite e sua beleza não estejam fazendo minha mente se voltar para outros assuntos.

A expressão no rosto dela foi de pura surpresa. Não se moveu ao encará-lo. O que quer que tenha visto no rosto dele gerou faíscas de temor em seus olhos.

Ela se virou para caminhar em direção à porta.

– Então o deixarei refletir sobre esses assuntos, quaisquer que sejam.

Ele pegou no braço dela.

– Não desta vez, Phaedra.

Elliot a virou para si, segurou seu rosto entre as mãos e beijou a boca que o tentava fazia dias.


Como é que ele... como ousava...

Seu espanto por ser puxada para Elliot foi apagado pelo beijo dele. Mas outra coisa a assombrou: a forma como seu coração deu um salto quando ele a dominou.

Só o beijo já fora suficiente para deixá-la assim. Firme, forte e determinado, o beijo dele continha as advertências da noite anterior. Quero-a implorando por mim. Esse perigo a excita.

Com certeza, aquele perigo a excitava. A forma como sua pegada a dominou gerou arrepios traiçoeiros em seu baixo-ventre. Partes dela começaram a implorar de imediato, pedindo mais, desejando que ele não parasse.

A mente de Phaedra se acelerou. Pensamentos se formavam e desapareciam em rápida sucessão.

Ele nem perguntou. Será que pensou...

Os beijos no pescoço fizeram-na perder as palavras. Uma névoa estonteante e sensual obscureceu o resto.

Isso foi um erro, mas, ah...

O calor da boca de Elliot penetrou em seu sangue, fazendo seu corpo formigar em todas as partes para onde ele fluía. Seus seios ficaram mais cheios e firmes e o sentiram através do tecido do vestido. O contato a excitou mais e ela instintivamente colou o corpo no dele em busca de mais estímulos.

Ele beijou sua boca de novo. Não tão forte dessa vez, apenas seduzindo e conduzindo-a, mas igualmente exigente e confiante em que ela lhe daria tudo o que ele desejava.

A forma como ele a agarrava a atiçava, ainda que ela devesse ter se rebelado. Ela via o perigo, mas não conseguia parar porque era excitante. O corpo de Phaedra seguia para o abandono e a mente já estava fora de controle.

Uma carícia. Que não explorava, não procurava, não pedia nada. Firmes e seguras, suas mãos desceram por suas costas, pelo quadril e as nádegas, reivindicando seu corpo como se ela não estivesse vestindo nada, fazendo-a sofrer na expectativa por mais.

A língua dele entrou em sua boca, percorrendo todos os espaços. Arrepios eróticos tremularam em sua vulva. As mãos dele se moviam por seu corpo, sem reservas. Ela não se importou por se render a um inimigo e lhe dar um espaço que talvez nunca mais retomasse no campo de batalha. A excitação comichava, zunia e pulsava, tornando impossível pensar de forma sensata.

Quero-a implorando por mim. Ah, sim, isso era bem possível. Seus seios estavam tão sensíveis que ela pensou que fosse enlouquecer.

Como se ele ouvisse seus pedidos silenciosos, acariciou seu quadril, o ventre e subiu até os seios. Estava zonza de expectativa ao beijá-lo, incitando-o com sua boca, a língua e o abraço.

Devagar, ele tomou o seio em sua mão. Um intenso frêmito de prazer a dominou. A outra mão dele estava firme em suas costas, sustentando-a e movendo-se para baixo devagar a cada fecho que abria do vestido.

Eu não deveria... isso não deveria...

Um beijo avassalador transformou em poeira a objeção que se formava na mente de Phaedra. Afagos deliberados em seus mamilos a espalharam pelo ar.

Ele deu um passo para trás, separando seus corpos. O brilho da lua banhou a ambos e a luz dourada vinda do quarto dela definiu os contornos de Elliot. Ele não lhe deu tempo para se recompor, para juntar os cacos de sua racionalidade. Levou a mão à gola do vestido e começou a fazer o tecido negro escorregar pelo corpo dela.

Nunca antes um homem a tinha despido. Nunca. Ela não permitia que isso acontecesse. Agora o gesto a deixava em transe, imobilizada. A lenta descida do tecido pareceu a carícia mais erótica da noite. Tudo o que ela conseguiu fazer foi olhar para o rosto de Elliot, sentindo mais do que vendo o desejo que impregnava o ar de potência viril.

As mangas desceram por seus braços e o corpete se afrouxou em seu quadril. Ele levou a mão ao ombro da camisa que ela usava por baixo. Phaedra perdeu o fôlego. Seus seios se enrijeceram ainda mais na expectativa de outro desnudar lento e delicioso.

Porém, de novo ele fez algo que a surpreendeu, afastando o último traço de bom senso que restava nela. Ele não a despiu devagar: em vez disso, arrancou a camisa pelos braços dela. Não foi um movimento impaciente nem apaixonado, mas um gesto que confirmava os direitos do conquistador.

A alma de Phaedra tentou se rebelar, porém não encontrou ancoradouro na maré de prazer que a submergia. A forma como ele olhou para sua nudez absorveu sua atenção de tal forma que ela não se moveu para liberar os pulsos da blusa que ainda restringia seus movimentos.

É só um jogo, essa dança de dominação e submissão. Não significa nada. Não estou cedendo nada, na verdade.

Mas...

Pontas de dedos a esquadrinharam. Palmas das mãos alisaram seu corpo. Ela olhou para baixo, para as mãos másculas de dedos delgados que acariciavam seus seios, estimulando-a e excitando-a da forma mais perfeita. Uma doce loucura tomou sua cabeça e ela enveredou para um prazer sensual cada vez maior. O último fio de autocontrole se desgastava rápido. Ela queria que arrebentasse de vez. Queria que lorde Elliot vencesse o último sinal de resistência que tentava arruinar seu êxtase.

Ele a abraçou de novo, fazendo-a arquear as costas. Beijou seu pescoço e peito traçando um caminho quente que a deixou sem fôlego. Seus dentes e sua boca brincaram com o mamilo, torturando-a com sensações que se espalhavam fundo em seu baixo-ventre e faziam sem corpo implorar enquanto ela gemia baixinho.

Phaedra tentou soltar um braço para enlaçá-lo e mantê-lo próximo, para apoiar-se e senti-lo.

– Não – murmurou ele. – Fique assim.

A tempestade sensual em sua cabeça queria obedecer. O prazer era tão grande que ela não podia parar. Seu corpo estava faminto por mais, por ser preenchido, pela completude que o aliviaria. Parar agora seria impossível, iria contra a natureza.

Porém...

Mesmo em seu abandono, conseguiu ver a situação com um olhar racional. Apesar de sentir um prazer tão intenso que quase doía, ela notou sua sutil submissão e tudo o que lorde Elliot dera por certo desde o primeiro beijo.

De alguma forma, a escrava rompeu suas amarras. Sofrendo de arrependimento e frustração, ela recobrou a voz:

– Você tem que parar agora. Quero que pare.

Ele ficou paralisado. Por alguns momentos terríveis, não se moveu. Depois se endireitou e olhou para ela.

O braço dele a puxou para perto, para um abraço forte. Sua outra mão pousou em seu rosto como no primeiro beijo. As pontas de seus dedos faziam pressão sem a machucarem, mas também sem suavidade.

– E se eu não parar?

Como a maior parte dela não queria que ele parasse, aquilo não chegava a ser uma ameaça. Porém, o fato de ele supor que ela cederia se ele continuasse, de que seria fraca diante de seu poder, devolveu-lhe alguma razão.

– Vai parar – disse ela.

– Confia tanto assim em minha honra?

– Confio em seu orgulho. Uma mulher importunada nunca implorará.

Ele a soltou e se afastou. Tudo em sua aura e em seu rosto dizia que ele poderia puxá-la de volta.

Ela subiu o vestido e se cobriu. Correu para a porta. Seu coração estava aos pulos e seu corpo ainda reagia ao perigo com uma excitação que a surpreendia.

– Não vou parar na próxima vez, Phaedra.

Ela parou no limiar da porta antes de replicar:

– Não acho que haverá próxima vez.

– Haverá, sim.

Ela agarrou as portas duplas e começou a fechá-las.

– Se acontecer, não será por sedução. Eu terei optado por isso antes mesmo do primeiro beijo ou não haverá beijo nenhum.


CAPÍTULO 8

Ele ainda ficou do lado de fora. Phaedra queria abrir a porta para deixar a brisa noturna entrar, mas não se atreveu. Ele poderia interpretar mal.

Ele seria ousado a ponto de entrar ainda assim? Ela se sentou na cama abraçando os joelhos, ao mesmo tempo temerosa e esperançosa de que a porta se abrisse de par em par e lorde Elliot entrasse.

Não se sentia tão dona da situação como agira ao fechar a porta. Sua excitação não ia dar trégua. Seu corpo continuava sensível até ao ar.

Ela não saberia dizer em que momento decidira detê-lo. Tinha sido instintivo, a intuição interferira.

Quero-a implorando por mim.

Não seria possível manter uma amizade com aquele homem. Ele queria vê-la fraca e entorpecida, para que pudesse influenciá-la. Afinal, tivera um motivo para ir atrás dela em Nápoles. Um amigo seu não poderia lhe pedir – nem o faria – que suprimisse aquelas passagens das memórias. Mas um homem que a dominasse e possuísse, um amante que a seduzisse, não hesitaria em usar o poder que essa paixão lhe outorgava.

E tudo isso era uma pena, porque ela o queria.

Nunca desejara um homem assim antes. Não havia nada de confortável nisso. Nada de seguro. Não era a mesma atração que experimentara com seus amigos, não se tratava de um encontro intelectual que permitia outras intimidades.

Ao contrário, o encantamento sensual dele provocava o caos, o mistério e uma estupefação que a deixava sem ar. Ele também sabia disso. Sabia que sua mera presença era um feitiço.

Sua excitação aos poucos se acalmou até virar um formigamento, o mesmo desconforto que vinha sentindo há dias. Por fim, o terraço e o quarto ao lado ficaram em silêncio. Jogou o corpo para trás e se deitou em posição fetal, ainda encarando a porta.

Teria sido isso o que acontecera com Artemis? Depois de anos de amizade confortável com Richard Drury, surgira um homem que não jogava de acordo com as regras dela?

Fora um choque descobrir que a mãe tinha sido infiel a seu pai. Acreditar no amor livre não significava rejeitar a crença em um amor perfeito, para a vida toda. Na infância, Phaedra concluíra que os pais tinham ficado juntos porque o amor livre facilitava reconhecer sua alma gêmea no momento que ela chegasse.

Imaginou a mãe. Bela, viva, segura de si. Mais confiante do que a filha chegaria a ser. Menos prática também. Com o passar dos anos, Artemis havia se cercado de um grupo de pessoas que aceitavam a forma como ela vivia. Seu círculo entendia a relação com Richard e o lugar dele em seu mundo.

Talvez já tardiamente, nesse fascinante espetáculo que fora a vida de Artemis Blair, um homem houvesse surgido, determinado a atravessar o fosso e escalar suas muralhas. Ela devia ter se visto sem defesas por falta de experiência em lidar com esse tipo de homem.

Exatamente como sua filha, naquele terraço ali fora.

Phaedra abraçou um travesseiro. Começava a entender o que havia ocorrido com esse amor tardio que tirara a mãe do eixo.

Um sedutor chegara, atiçando a fêmea primitiva que sobrevivia na alma de toda mulher. Ele tomara e conquistara. Influenciara, enfraquecera e, por fim, traíra.

Se houvesse se apresentado fingindo ser alguém de pensamento semelhante ao dos outros homens em torno dela, Artemis não haveria tido a menor chance contra ele.


Aquela vadia.

A frustração levava Elliot a acumular insultos contra Phaedra na manhã seguinte, enquanto terminava seu café na varanda. Considerando o trabalho infernal que seu corpo lhe dera a noite toda, ele não estava disposto a se esforçar para ter pensamentos dignos de um cavalheiro.

Tentava se contentar imaginando como Phaedra ficaria desconfortável em seu quarto quente e fechado, ao passo que ele deixara a brisa da varanda refrescá-lo. Só que, na verdade, cada vez que olhara para a porta da mulher, uma parte de si rezara para que ela se abrisse e Phaedra corresse para seus braços.

A porta não se movera. A contida, independente e pedra no sapato Phaedra Blair nunca lhe daria essa vitória. Por fim, a porta passara a representar um repúdio. Uma acusação. Uma declaração enraivecida de autocontrole. Você ousou seduzir em vez de pedir? Você tentou me dominar, logo eu, entre todas as mulheres?

Serviu-se de café. Os gemidos sensuais da ruiva ainda soavam em sua cabeça. Ainda sentia seu abraço e seus beijos longos e agressivos. Só em lembrar, já se sentia excitado de novo.

Tinha sido bom. Incrível. Onde ela havia encontrado o bom senso necessário para recuar, sem falar na força para deter a torrente que os arrebatava?

Passos leves e fugazes perturbaram a paz na varanda. Não precisava olhar para o limiar da porta para saber quem tinha chegado.

Nos poucos minutos que Phaedra levou para chegar à mesa, ele dominou a terrível raiva que acumulara ao longo da noite quente de vigília. Um último vestígio soou em sua cabeça ao saudá-la, entretanto. Você não vai se recusar na próxima vez, porque não quer isso de verdade.

A acolhida calma a deixou à vontade. Sua postura cuidadosa relaxou. Phaedra se sentou à mesa, lorde Elliot lhe serviu café e ela tomou um gole.

– Obrigada por ser tão civilizado – disse ela.

Ele não podia crer que ela realmente tocara no assunto. Pousou o cotovelo na mesa e descansou o queixo na mão. Algumas imagens sexuais muito pouco civilizadas se formaram em sua mente.

– Está se referindo a permitir que se recusasse na noite passada ou a lhe servir café esta manhã?

Uma criada entrou trazendo uma bandeja de ovos e fatias de toucinho defumado. Matthias podia ter escolhido Positano como seu lar, porém ainda oferecia um típico café da manhã inglês a seus convidados.

Phaedra pegou uma colher e, lentamente, serviu-se de ovos. Direcionava quase toda a sua atenção aos próprios gestos.

– Suponho que tenha me referido às duas coisas.

– Bem, Marsilio ou Pietro certamente teriam feito um escândalo na noite passada, discutindo e acusando até que toda a casa despertasse. Cavalheiros ingleses, contudo, são ensinados a sofrer.

Os lábios dela se franziram. Ela manteve os olhos no prato ao partir um pãozinho.

– Peço desculpas por qualquer sofrimento. Não foi minha intenção. Já que está sendo um verdadeiro cavalheiro inglês, talvez seja melhor eu não tocar mais no assunto.

– Seria o mais sensato.

Ela continuou a tomar o café da manhã devagar. Ele deveria se retirar, porém, é claro, não conseguiu. Phaedra pousou o garfo no prato e limpou a boca com o guardanapo.

– Lorde Elliot, se pretende que fiquemos mais alguns dias, então precisamos chegar a um acordo sobre o terraço.

Ela era inacreditável. Espantosa. Deveria saber que, naquele exato momento, o impulso dele era pegá-la, jogá-la por cima do ombro, carregá-la até o meio das árvores e terminar o que tinham começado. Porém, lá estava ela, negociando sabe-se lá o quê, quando uma noite insone o tinha deixado com muito menos boa vontade para fazer acordos.

– Como assim, Srta. Blair?

– Compartilhamos o terraço. Não é justo que o acesso a ele me seja negado ou que o fato de que eu o use possa ser interpretado como algo mais do que signifique de fato.

– Prometo que não interpretarei erroneamente caso a senhorita se junte a mim no terraço no meio da noite.

A promessa foi analisada com cuidado. Phaedra era esperta o bastante para entender os possíveis significados ocultos nela.

– Podemos pelo menos concordar que tenho o direito de deixar minha porta aberta sem temer que o senhor entre no meu quarto?

– Não.

– Vejo que fui muito otimista quanto a seu caráter.

– Nisso concordamos. Eu avisei.

– Lorde Elliot, eu...

– Insisto que me chame de Elliot em conversas particulares de agora em diante, Phaedra. Não se importa com a informalidade, não é? Podemos deixar de lado essa regra social estúpida. Afinal de contas, beijei seus seios nus e você gemeu de prazer.

Ela ficou estarrecida. Ele teve vontade de sorrir pela primeira vez naquele dia. Phaedra recuou e assumiu uma postura de arrogância controlada.

– Prefiro que evitemos a companhia um do outro o máximo possível, Elliot.

– Isso vai ser fácil esta manhã. Greenwood e eu vamos nos trancar em seu escritório até depois do meio-dia.

Ela se levantou.

– Então acho que vou dar uma longa caminhada e evitar os outros convidados por várias horas.

Ela se virou para ir embora.

– Phaedra.

Ela estacou e olhou por cima do ombro.

– Phaedra, exijo que prometa que não vai tentar fugir e que estará aqui no jantar.

Ela elevou a sobrancelha.

– Por causa de seu juramento ao signore Sansoni?

– Por isso também.

A expressão dela deu a entender que sabia qual era o outro motivo.

– E se eu não der a minha palavra?

– Posso amarrá-la na cama de novo. Gostaria disso?

Ela enrubesceu. Descartou a insinuação com um meneio brusco da cabeça.

– Tenho sua palavra?

– Sim, tem minha palavra, apesar de isso ser desnecessário e ridículo. Não sei nem como descer dessa montanha, que dirá descobrir como viajar para o interior.

Phaedra ergueu a cabeça e se afastou, fazendo o vestido negro ondular atrás de si.


Phaedra voltou para seu quarto e desfez as malas.

Como ele adivinhara seu plano? Não se via como uma mulher previsível, contudo lorde Elliot parecia ler seus pensamentos antes que eles nem sequer tivessem se formado.

Colocou de lado a valise vazia. Preparar-se para fugir fora um impulso nascido de uma noite de reflexão honesta sobre a forma como lorde Elliot a afetava. Ela corria enorme risco de fazer papel de boba, de se derreter toda só porque um homem lhe provocava desejo físico. Evitar completamente o desafio parecera uma boa ideia ao alvorecer.

Sentou-se e calçou as botas de cano curto. Andou até o terraço e olhou para baixo, para a cidade. Vozes chegavam da varanda embaixo dela. Outros convidados tomavam o desjejum.

Respirou fundo e invocou a mulher que sua mãe a ensinara a ser.

Decidir fugir fora covardia. Tinha se deslocado até aquela terra para encontrar respostas sobre a mãe, e algumas delas poderiam estar bem ali, naquela casa. Fazia muito mais sentido ficar e tentar confirmar as suspeitas que fervilhavam por debaixo de seus medos e vulnerabilidades em relação a lorde Elliot.


Quando Phaedra voltou à varanda, Matthias Greenwood desaparecera em seu gabinete com lorde Elliot. Randall Whitmarsh, contudo, estava sentado à mesa com a esposa. Phaedra se reuniu a eles, com a esperança de que a Sra. Whitmarsh logo pedisse licença e saísse. A conversa com Matthias tinha corrido tão bem na noite anterior que ela estava ávida por descobrir se o Sr. Whitmarsh poderia acrescentar mais alguma informação.

Infelizmente o Sr. Whitmarsh foi embora primeiro, para fazer sua longa caminhada matinal.

– A senhorita estava linda na noite passada – disse a Sra. Whitmarsh.

– Obrigada.

– Faz pensar em por que...

Seu olhar percorreu Phaedra dos pés à cabeça, examinando suas vestimentas.

Phaedra não se deu o trabalho de fornecer explicações. A Sra. Whitmarsh não era o tipo de mulher que pudesse entender a mistura de praticidade e teimosia que dera origem a essa opção excêntrica.

– O que quero dizer é que sua mãe não adotava esses símbolos externos para suas ideias singulares.

A atenção de Phaedra foi despertada.

– A senhora a via com frequência?

– Antes de nos mudarmos para Roma, meu marido costumava aceitar seus convites para jantar. Ao contrário de outras esposas, eu concordava em acompanhá-lo. Ele era fascinado por ela. Achei melhor cuidar para que ela nunca ficasse fascinada por ele também.

Phaedra não achava provável que Artemis considerasse o Sr. Whitmarsh fascinante. Porém, antes de ler as memórias, nunca poderia pensar que Artemis pudesse achar outro homem fascinante além de Richard Drury.

– A senhora teve êxito em frustrar uma ligação entre eles? Ou minha mãe teve algum carinho especial para com seu marido?

A Sra. Whitmarsh não demonstrou surpresa com a pergunta atrevida.

– Acho que fui bem-sucedida. Até muito tarde na vida, ela só teve olhos para o Sr. Drury.

– Quer dizer que, em algum momento, os olhos dela encontraram outro homem. Não meça as palavras por delicadeza. Sou a filha e, como ela, acho uma bobagem que as pessoas não falem francamente sobre esses assuntos.

A Sra. Whitmarsh deu de ombros.

– Foi fácil observar certa frieza entre seus pais no último ano de vida dela. Meu marido não percebeu, mas eu, sim. Vários homens a desejavam. Não como esposa, é claro.

O tom crítico e confiante da última frase incomodou Phaedra. Ela correu em defesa de sua mãe, apesar de Artemis não precisar de desculpas.

– Se não viu minha mãe desviar sua afeição para outro homem, tal frieza pode ter sido apenas resultado do passar do tempo e de dois amantes tornando-se amigos e mais à vontade um com o outro.

– Srta. Blair, meu marido e eu jantamos várias vezes com sua mãe, durante muitos anos. Normalmente o Sr. Drury estava presente. A familiaridade e a amizade que havia entre eles era muito clara desde o início. Ninguém precisou me contar na minha primeira visita que eles eram amantes e que você era filha do Sr. Drury. Contudo, no último ano, ele nem sempre se encontrava. E sua mãe ficava estranha na presença dele. Talvez a senhorita se considere mais inteligente do que eu, mas, quando percebo que as coisas não estão bem entre um homem e uma mulher, raramente me engano.

Sim, a Sra. Whitmarsh, que com tanto cuidado mantinha posse do marido, seria especialista nessa área da natureza humana. Será que também era observadora? Será que teria visto alguma coisa? Uma mulher que guarda um tesouro com certeza seria uma das primeiras a perceber se o pirata que ela temia tivesse voltado sua atenção para outro navio.

– Quem era o homem que se tornou objeto da atenção de minha mãe?

– Isso é um debate, em que tenho que dar um nome para que a senhorita respeite meu julgamento?

– É um questionamento sincero, de uma filha que se pergunta sobre os últimos anos de sua mãe.

A postura defensiva da Sra. Whitmarsh se desfez.

– Não sei. Só tenho certeza... certeza quase absoluta... de que não foi meu marido. Ela passou meses radiante, como se fosse jovem de novo, mas aí...

– Aí...?

– Foi como se alguém tivesse apagado a luz. Ela estava melancólica nas últimas vezes que nos vimos. Talvez, quem quer que fosse, a houvesse desapontado.

Phaedra percebera essa melancolia. Não havia entendido os motivos nem a profundidade, contudo a descrição era verdadeira. A luz se apagara.

– A senhora não está sozinha em se perguntar se ela teve um novo amor – falou Phaedra. – Alguns nomes me foram sugeridos. O Sr. Needly, por exemplo. E o Sr. Thornton.

– Needly? Bem, acho que isso pode fazer algum sentido. Ele guardava semelhanças com o Sr. Drury. Tinha a mesma natureza. E sua erudição em arte romana lhe daria algo em comum com sua mãe. Apesar de que, se me perguntassem, eu diria que os dois se estranhavam. Às vezes ele era um homem muito arrogante.

A Sra. Whitmarsh tinha amolecido com a fofoca. Ela apreciava o assunto muito mais do que Phaedra gostaria.

– Às vezes a atração pode criar rusgas.

– De fato, isso pode acontecer. Agora, o outro, Thornton... – disse, e então parou para pensar antes de prosseguir: – Ele era um pouco jovem demais para ela. Enigmático também. Entretanto estava sempre por perto. Não passava despercebido. Era bonito, até demais. Tinha presença, mas...

– Mas...?

– É difícil de explicar. Ele era maravilhoso. De deixar qualquer mulher de queixo caído. Contudo era de certa forma... obscuro. Meu marido uma vez usou essa palavra para descrevê-lo e achei apropriada. Sim, ele era obscuro de muitas maneiras.

Phaedra guardou a descrição em sua mente. Ao voltar para a Inglaterra, teria que procurar o arrogante Sr. Needly e o obscuro Sr. Thornton, além de perguntar a outros amigos íntimos da mãe se Artemis tivera um caso com um desses dois homens.

– Eu gostava dela – disse a Sra. Whitmarsh. – Não aprovava seu estilo de vida e ela sabia disso. Ainda assim, ela aceitava meus pontos de vista. Nunca permitiu que me sentisse deslocada. Era muito gentil.

– Ela estava acostumada com seus pontos de vista. Afinal, eles são os mais costumeiros. Sempre que botava o pé fora de casa, ela era a estranha. Quem dera o mundo tivesse sido tão gentil em relação a ideias diferentes quanto ela provou ser e tão aberto à companhia dela como ela era à de todos.

A Sra. Whitmarsh enrubesceu. A coloração de suas faces disse a Phaedra muito mais do que ela queria saber. Os Whitmarshs nunca tinham retribuído os convites para jantar. Artemis Blair nunca fora incluída no círculo deles e nas festas deles.

Essas confidências matinais de repente pareceram trair a memória de sua mãe. Phaedra suspeitava de que elas ecoavam as fofocas da Sra. Whitmarsh com seus amigos em salas de estar que nunca foram abertas para a intelectual que desafiava as convenções sociais.

Também teve uma amostra das fofocas que deviam correr sobre sua pessoa. Ela sabia que havia mulheres que riam dela, especulavam a seu respeito e a reprovavam, assim como havia homens que entendiam erroneamente sua liberdade. Era mais fácil ignorar essas pessoas se não tivesse que tolerar sua companhia.

Queria muito que a Sra. Whitmarsh tivesse revelado a identidade do homem que usurpara o lugar de Richard Drury. Ela não conseguira, porém suas observações não foram de todo inúteis.

Phaedra pediu licença. Deixou a varanda e tomou o caminho da ladeira que levava à cidade.


Logo depois de o sol nascer, Positano se tornava uma cidade de mulheres. Os homens que tinham condições físicas para pescar haviam saído muito antes de Phaedra começar suas atividades.

Levou um bom tempo para achar o caminho de descida pela densa rede de ruas antigas e estreitas. Mesmo com sua construção escalonada, eram bastante traiçoeiras. Phaedra desejou ter levado consigo sua sombrinha para usá-la como bastão de caminhada e se proteger do sol, que ficava cada vez mais quente conforme ia se aproximando do pico da montanha.

Mulheres e crianças paravam para vê-la passar pela rua do mercado. Ela admirou os limões e as verduras, as peças de carne de carneiro e de boi. Na esquina do mercado, alguns homens estavam sentados em cadeiras do lado de fora da taverna. Eles a olharam com curiosidade e desconfiança.

O mais jovem, um homem de cabelo escuro, vestido com uma sobrecasaca marrom elegante, tinha uma bengala apoiada na cadeira. Os outros pareciam velhos e encarquilhados. Ela supôs que tinham abandonado os rigores da pesca fazia muitos anos.

Phaedra encontrou as outras ruas principais seguindo o fluxo das pessoas. Sua presença era um pequeno espetáculo, como tinha ocorrido com a cavalgada em lombo de burro atrás de lorde Elliot. Cabeças apareciam nas janelas e olhares impetuosos acompanhavam sua caminhada.

As ruas a levaram a uma pequena piazza bem na encosta do morro. Água jorrava da boca de uma cabeça de leão esculpida em um muro baixo construído rente à rocha da montanha. Mulheres se sentavam em bancos de pedra à sombra das árvores, aguardando a vez de encherem seus jarros.

Phaedra encontrou uma vaga para descansar em um banco num local mais fresco. Olhos escuros a observaram interrogativamente. Uma moça sussurrou no ouvido de um menino e ele saiu correndo pela calçada. As mulheres matavam tempo ali depois de usarem a fonte, conversando em uma melodia expressiva, sem perder de vista a recém-chegada.

Logo outra mulher surgiu na calçada. O tecido de sua saia preta balançava com seus longos passos. Ela não se parecia com as demais mulheres.

Para começar, era loura. Seu cabelo louro-escuro estava preso em um nó na nuca, visível sob a grande aba de seu chapéu de palha preto. Ela não era tão clara quanto Phaedra, mas, em vez do bronzeado forte tão comum nessa terra, tinha um leve colorido na pele.

Phaedra se perguntou se era outra forasteira, que, como Matthias, tinha vindo morar ali. Quando a mulher se aproximou, no entanto, seus olhos amendoados, as maçãs do rosto salientes e o rosto em formato de coração revelaram que era uma nativa, mesmo que, num primeiro olhar, sua cor desse outra impressão.

A mulher se sentou no banco de Phaedra e fez algumas saudações às amigas. Phaedra tentou traduzi-las, porém as palavras se seguiam rápido e o sotaque em Positano era diferente do de Nápoles.

Ela se virou e deu uma boa olhada em Phaedra. O volume das conversas em torno delas baixou.

– Inglesa?

Phaedra assentiu.

– Elas imaginaram e mandaram o pequeno Paolo me chamar. Minha prima Julia e eu somos as únicas mulheres aqui que falam inglês. Você conheceu Julia. Ela é sua anfitriã na mansão. Você é viúva?

A conversa era entabulada em um inglês correto, apesar de a cadência e a pronúncia refletirem algum esforço.

– Não, não sou viúva.

O olhar da mulher se voltou para o cabelo longo de Phaedra.

– Não achei que fosse.

Ela olhou para a direita na rua e sorriu de forma dissimulada.

– Ah, lá vem o signore Tarpetta. Ignore-o. Ele gosta de agir como se fosse uma autoridade, mas ela só existe na cabeça dele.

O homem coxo que estava sentado no final da rua do mercado agora vinha mancando, apoiado na bengala, porém exalando presunção. Dois senhores o acompanhavam. Os três se posicionaram do outro lado da piazza.

– Meu nome é Carmelita Messina. Também não sou viúva, caso esteja em dúvida por causa de minha roupa preta.

– Meu nome é Phaedra Blair e fico feliz de conhecer alguém que fale meu idioma tão bem. Tentei falar sua língua, contudo...

Carmelita balançou a mão, dispensando as desculpas.

– Aprendi um pouco de inglês em Nápoles. Morei lá vários anos com Julia e seu falecido marido – explicou Carmelita, e então fez um sinal, apontando com o queixo para o signore Tarpetta, que as observava com atenção, apesar de conversar com os dois senhores. – Ele não gosta quando hóspedes da mansão descem até aqui. Tem medo de que vocês possam corromper seu pequeno reino.

– Os hóspedes descem com muita frequência?

– Somos apenas camponeses pitorescos para a maioria deles. Somos as pessoinhas nos cantos das pinturas sentimentais.

– Nem mesmo o signore Greenwood se mistura com vocês?

– Às vezes. Ele fez várias visitas no ano passado. Uma das vezes, ao voltar, levou Julia com ele – confidenciou, antes de lançar um olhar de escárnio para Tarpetta e acrescentar: – Ele tinha esperanças de se casar com ela. Faz muito alarde de que não a quer mais agora, mas todo mundo sabe que bastaria ela fazer assim – e ela estalou os dedos – que ele iria rastejando.

A conversa delas tinha atraído uma pequena plateia, e risadinhas vinham das mulheres que tinham se aproximado mais.

Carmelita olhou para Phaedra de novo.

– Uso preto para demonstrar luto pelos carbonari que morreram quando o rei matou a república. Se não é viúva, por que está de luto?

– Estou de luto pelo meu pai, porém não é esse o motivo da roupa. O preto não mostra sujeira tão rápido.

Carmelita traduziu para a plateia. Cabeças assentiram.

– Você não prende o cabelo nem usa véu. Tive dúvidas se não era uma puttana, mas não acho que seja, porque as amantes que vêm com os homens que visitam a mansão lá em cima estão sempre na última moda. Talvez você faça isso para apontar o dedo na cara de homens como o nosso Tarpetta lá?

– Talvez sim.

Phaedra olhou para a baía distante lá embaixo.

– O Sr. Greenwood recebe muitos hóspedes? Chegam barcos especiais só para trazê-los para a mansão?

– Sempre há hóspedes e alguns deles vêm com muita frequência. Ele tem muitos amigos, o signore Greenwood. Ele não é um de nós, mas muitos aqui lucram com o dinheiro que ele gasta.

– Como a família dos garotos que encontraram a estatueta antiga?

– Não ouvi falar de estatueta. As famílias gostam de manter essa informação em segredo, para que, se houver outras, fiquem só para elas. Ele gosta de coisas antigas, o signore Greenwood.

Carmelita notou de novo os homens que as observavam.

– Eles não estão gostando nada de ver você sentada aqui por tanto tempo, então espero que fique ainda mais. Conte-nos de sua vida na Inglaterra, Phaedra Blair. As mulheres pararam de levar água para casa só para ouvir algumas histórias suas.

Carmelita precisava traduzir toda a conversa e as mulheres sorriam e davam risadinhas quando ela o fazia.

Uma jovem que não passava dos 18 anos se aventurou mais perto. Com cuidado, esticou a mão e tocou o cabelo ruivo de Phaedra.

Phaedra não se importou com a proximidade, porém outra pessoa, sim. Uma voz masculina ladrou. Do outro lado da piazza, um dos senhores deu um passo à frente. Ele ralhou e fez um gesto para que a garota fosse até ele.

Com a cabeça baixa e os olhos temerosos, a jovem correu até lá. O homem a agarrou pelo braço e a empurrou para a calçada, levando-a embora.

– É o sogro dela – disse Carmelita. – Vai dizer para a família que ela fez amizade com a amante de um forasteiro que desceu da mansão.

Phaedra não quis pensar no destino da moça se a história enraivecesse o marido. As expressões cautelosas que de repente surgiram nos olhos das outras mulheres a entristeceram.

– Não quero causar problema para nenhuma de vocês.

Ela começou a se levantar.

A mão firme de Carmelita segurou seu braço.

– Não há mudança sem problemas. Essas mulheres não sabem nada do mundo fora deste litoral, e minhas histórias de Nápoles estão ficando velhas. Conte-nos de sua casa e como se tornou uma mulher que se aventura sozinha em uma terra estranha, parecendo uma meretriz de luto que não teme a mão de homem nenhum.


Phaedra ficou por uma hora na fonte, aproveitando a companhia feminina. Ela contou a Carmelita e às outras sobre sua vida e como vivia sozinha e livre em Londres. Com o passar do tempo, a torrente de palavras estrangeiras começou a fazer algum sentido para ela. Chegou a compreender algumas das perguntas dirigidas a ela antes de serem traduzidas.

Do outro lado da piazza, o signore Tarpetta observava. Alguém lhe trouxe uma cadeira, para que pudesse se sentar e descansar a perna. O alegre grupo de mulheres não se importava com sua desaprovação. Ele podia até se considerar uma autoridade, contudo ficou claro para Phaedra que as mulheres obedeciam a outro nome: Carmelita Messina.

Por fim, as mulheres se afastaram, carregando água e conversando animadamente umas com as outras.

– Os maridos logo voltarão nos barcos. Elas têm que preparar o almoço – explicou Carmelita.

Phaedra se levantou.

– Obrigada por se juntar a nós – agradeceu. – Assim pude conhecer as mulheres daqui. Vou descer até aquela torre antes de voltar para a mansão.

– Vou acompanhá-la, senão talvez não encontre o caminho até lá. Se Tarpetta nos seguir, finja que ele não está lá. Ele seria um tolo se fizesse isso tendo aquela perna, mas o homem já provou muitas vezes que é estúpido.

Tarpetta provou isso mais uma vez naquele dia. Phaedra achou que ele tivesse desistido de segui-las até que ela e Carmelita chegaram ao caminho do promontório, quando então o viu mancar na direção do cais para não perdê-las de vista.

– Como ele machucou a perna?

Carmelita atravessou o portal na entrada da torre.

– Ele foi soldado e estava entre os que foram atrás do marido de Julia na nossa casa em Nápoles. Ele nos traiu. Nós resistimos, apesar de ser inútil. Acertei-o com uma frigideira de ferro pesada, bem aqui – explicou, apontando para o próprio joelho. – Teria sido melhor se eu tivesse mirado na cabeça.

– Então agora ele a segue por toda parte?

– Ele está seguindo você, não a mim. Mas ele me odeia, porque fui eu quem promoveu o encontro do signore Greenwood com Julia. Ela ficou sem nada depois que o marido foi executado quando a república acabou.

– Se é por ciúmes, ele deveria odiar Greenwood, não você.

Carmelita ia à frente na subida sinuosa da escada de pedra.

– Ele não ousa odiar Greenwood. Como muitos outros, ele lucra com o dinheiro do inglês.

Elas seguiram até o alto da torre, onde havia um cômodo quadrado. Pequenas janelas vazavam duas paredes opostas. Uma dava para o mar e a outra, para a montanha.

– Esta era para vigiarem o mar e evitarem ataques de árabes e piratas pelo porto – explicou Carmelita. – Agora, esta a leste aqui... eles vigiavam outra coisa, não? Um exército vindo pela montanha ou problemas na cidade.

Phaedra olhou para a janela a oeste. A vista do mar era infinita, quilômetros de litoral de um lado e de outro. Ela se moveu para a janela a leste. O sol se elevara na reta do pico da montanha.

Aquela torre fora construída por questões militares. Nas alvoradas, em pleno verão, contudo, o sol devia nascer alinhado com aquela janela.

Não havia muito mais a explorar naquela torre de vigia. As paredes de pedra se erguiam e se curvavam para formar o teto, parecido com as antigas igrejas normandas em sua terra natal. Exceto por um cobertor no chão, estava vazia e surpreendentemente limpa.

Carmelita empurrou o cobertor com o pé e revelou a esteira de palha que estava debaixo dele.

– Este lugar é frequentado por namorados – disse. – Há anos, esta torre recebe visitantes noturnos.

Quando ela e Carmelita reapareceram do lado de fora, a figura esguia e firme do signore Tarpetta ainda podia ser vista no cais.

– Como ele lucra com o dinheiro do Sr. Greenwood?

– Não sei. Mas ele vive bem e não tem renda além da pequena pensão que recebe do Exército. Eles se conhecem. Dá para ver isso na forma como se cumprimentam nos raros momentos em que se encontram. Greenwood talvez o pague para se assegurar de que não vamos perturbar seus amigos importantes, ou, quem sabe, só para ele ficar longe de Julia.

Ela deu de ombros.

– Venha, vamos procurar um burro de aluguel para levá-la de volta. Nem eu aguento subir tudo isso a pé.

No momento em que desciam o promontório, lorde Elliot surgiu no cais. De repente, o braço do signore Tarpetta e os olhos de dois homens se dirigiram para elas.

Lorde Elliot desceu de novo para o cais e se dirigiu para o norte para interceptá-las.

– Quem é aquele? – perguntou Carmelita. – Seu namorado veio buscá-la?

– Ele não é meu namorado.

Phaedra sentiu o rosto queimar.

Carmelita deu uma gargalhada.

– Mas ele bem que gostaria, não? E é tão bonito que você ficou tentada, eu acho. Veja a expressão séria dele enquanto fica lá, esperando por você. É melhor olhar por onde pisa com esse aí, Phaedra Blair.

Phaedra apresentou Carmelita a lorde Elliot assim que o alcançaram. Ele respondeu com gentileza, porém não conseguiu esconder seu desagrado.

– Você nos deixou preocupados, Srta. Blair. Não é aconselhável vir para a cidade sozinha.

O tom de lorde Elliot beirava a censura.

– Duvido que alguém que visite esta cidade corra algum risco.

Lorde Elliot olhou para Carmelita.

– Sou grato por oferecer ajuda e companhia à Srta. Blair.

– Não preciso nem de ajuda nem de companhia – rebateu Phaedra. – Contudo fico feliz de ter feito uma amiga e espero vê-la de novo, Carmelita.

Ainda teso de irritação, lorde Elliot se dirigiu a alguns garotos para alugar burros e voltarem para a mansão.

– Vou deixá-la agora para que possa lidar com esse homem – brincou Carmelita. – Se precisar de uma frigideira de ferro, é só falar.


CAPÍTULO 9

– Escreverei a carta para o superintendente esta manhã – prometeu Matthias. – Apesar de que as cartas de apresentação que trouxe da Inglaterra devam bastar. Talvez eu seja presunçoso em achar que a minha agilizará seu acesso aos sítios das escavações.

– Você o conhece pessoalmente. Ficarei feliz em ter uma carta sua.

Elliot se esforçava por manter pelo menos metade de sua mente nos preparativos para a visita a Pompeia. A outra metade continuava no terraço acima da varanda.

Na noite anterior, Phaedra deixara as portas abertas.

Fizera isso como provocação? Uma declaração de indiferença? De certeza ele só tinha que não fora um convite.

Elliot fumou um longo charuto no terraço à noite, olhando para a escuridão por entre as persianas abertas, incapaz de dominar a tentação que a proximidade dela causava. Os únicos sons que vinham lá de dentro eram os suspiros suaves de uma mulher satisfeita, dormindo muito bem, obrigada.

Por fim, se retirara para o quarto, em uma tentativa de aplacar os impulsos cruéis que aquela mulher incitava. Quando o sono por fim o aliviou, foi um sono profundo, longo, que durou até depois do amanhecer. Ao acordar, descobrira que Phaedra havia desaparecido.

Ela deixara a mansão de novo. Ele lhe mandara não fazer mais isso. Após procurar por Phaedra na véspera, estipulara algumas regras. Ela as desobedecera logo, sem perda de tempo.

– Se preferir, a Srta. Blair pode ficar aqui enquanto você vai a Pompeia – disse Matthias casualmente.

Casualmente demais, como se entendesse o que distraía seu ex-aluno.

– Ela está determinada a ir também.

– Ela não precisa ir em sua companhia. Está claro que ela o atormenta. Posso acompanhá-la, em separado, para poupá-lo do inconveniente. Quanto à questão que me contou sobre Sansoni, tenho certeza de que ele aceitaria minha autoridade para representá-lo, se é que algum dia ficaria ciente da troca.

– Tenho certeza de que ele não aceitaria. Dei-lhe minha palavra em juramento. Estou preso a ela por toda a viagem.

A palavra dada a Sansoni não tinha muito a ver com sua recusa à oferta de Matthias. Naquele momento, a necessidade de controlar os planos de Phaedra para as memórias do pai também não afetava sua decisão. Não diretamente, pelo menos, apesar de tudo estar ligado. O tormento causado pela Srta. Blair tinha assumido outros tons. Ele queria ter poder sobre muito mais do que quando ou como ela publicaria um livro.

– Já que está determinado a mantê-la com você, permita-me sugerir algumas hospedarias que seriam adequadas para uma mulher respeitável.

Com isso, Matthias iniciou uma ladainha sobre instalações em cada cidade.

No final das recomendações, a atenção de Elliot foi desviada para a montanha. Whitmarsh chegava a pé da cidade, o rosto vermelho pelo esforço.

– Muito íngreme, mesmo para você, não, Whitmarsh? – disse Matthias. – Agora entendo por que demorou tanto a chegar de seu exercício matinal.

Whitmarsh se inclinou, as mãos nos joelhos, dando tempo para recuperar o fôlego. Com um aceno dele, Matthias se calou para ouvi-lo:

– Problema... a cidade... torre...

Frustrado por seus pulmões se recusarem a colaborar, apontou para a parte mais baixa do morro.

Elliot e Matthias foram até ele. Elliot olhou para baixo. A cidade estava movimentada, com muita atividade. Ele se concentrou na torre. Um grupo grande se reunia no caminho do promontório.

Whitmarsh inspirou várias vezes, recompondo-se.

– Essa montanha pode matar, se você quiser correr.

– É por isso que não se deve correr – entoou Matthias. – Por que fez isso?

Whitmarsh apontou de novo.

– A Srta. Blair está lá embaixo, naquela torre. Querem prendê-la.


Aquela mulher seria o seu fim.

Elliot subiu correndo para o quarto a fim de procurar o revólver, de forma que seu pensamento não se tornasse verdade. Quando voltou, viu que Whitmarsh conferia a própria arma.

– O que será que ela fez? – refletiu Matthias enquanto desciam pelo morro.

Elliot podia imaginar.

– Até onde posso dizer, eles a consideram uma bruxa ou algo assim – disse Whitmarsh, inspirando fundo várias vezes.

Ele não tinha se recuperado totalmente da subida e agora a descida também exigia bastante.

– Droga! – xingou Elliot.

– Nosso objetivo é claro, cavalheiros – declarou Matthias. – Não podemos deixar que a prendam. Com Sansoni doido para arrumar problema, como você disse, Rothwell, e as noções primitivas de religião e justiça deste lugar, se eles a pegarem, as coisas podem sair do controle.

A inspiração profunda de Elliot teve pouco a ver com a rapidez com que desciam a ladeira para chegar à baía e à torre. Se Phaedra não fosse tão teimosa e tivesse ficado na mansão, três homens não estariam agora correndo desabalados para se meterem em problemas.

Sua raiva era pouca perto da outra reação que pesava como chumbo em seu peito. Não estavam em Londres, mas em uma cidadezinha montanhosa e isolada em um país estrangeiro. A postura e as vestimentas de Phaedra a tornavam vulnerável. Não havia nada de cômico em relação à acusação de bruxaria neste lugar. Ela corria perigo real.

Chegaram às ruas mais baixas e cortaram caminho pela piazza na frente da igreja de Santa Maria. Carros recém-pintados e decorados estavam lá, prontos para a procissão de San Giovanni na manhã seguinte.

Matthias foi na frente, mostrando o caminho no contorno da baía. Um ajuntamento de homens bloqueava o caminho para o promontório. Dessa vez a plateia masculina não era só de velhos e enfermos. Alguns dos pescadores tinham decidido que a cena na torre era mais interessante do que jogar suas redes ao mar.

Os homens estavam inflamados. Xingamentos se faziam ouvir. Olhos escuros flamejavam. Mãos faziam gestos por toda parte. Um homem bem-vestido estava de pé no centro da multidão, com o peso apoiado em uma bengala grossa, instigando os outros.

Matthias inclinou a cabeça, prestando atenção ao que ouvia.

– Ela foi vista na janela na alvorada – sussurrou. – Rezando para o sol nascente ou algo assim. Tarpetta, o manco que está ali, também a viu na cidade ontem, tentando corromper as mulheres. Pelo que entendi, ele a está acusando de bruxaria, meretrício e heresia.

– Heresia? – repetiu Whitmarsh.

– Vamos abrir caminho pela multidão – disse Elliot. – Whitmarsh, devemos manter as armas ocultas por ora.

Com posturas militares, abriram caminho até a frente da turba. Sua presença não fez nada para acalmar a situação.

Uma cena digna de ópera esperava no promontório. Os homens haviam se amontoado no limite da cidade porque o caminho para a torre estava bloqueado por um grande grupo de mulheres. Elas estavam agitadas também e prontas para a briga. Todas tinham arrancado o lenço ou o véu da cabeça e soltado os cabelos.

Carmelita Messina estava ao fundo, posicionada como se fosse a última linha de defesa. Com os cabelos louros soltos e o vestido preto esvoaçando, ela parecia a sacerdotisa da religião de Phaedra.

Segurava uma frigideira de ferro grande e rasa na mão. Às vezes brandia a arma na direção de Tarpetta, que não aceitava os insultos de bom grado.

Um único homem estava de pé entre os dois grupos: o padre da cidade, que mantinha os braços levantados, um em cada direção, como se sozinho pudesse evitar que as duas ondas de raiva colidissem.

– A coisa está bem animada – disse Whitmarsh secamente.

Infelizmente, também estava perigoso. Elliot olhou para o alto da torre. Ao mesmo tempo, Phaedra olhou por uma janela. Ela o viu e ele tentou lhe transmitir confiança.

– Vamos tentar resolver tudo em paz, Greenwood – propôs Elliot.

Com coragem, Elliot se postou entre as duas turbas e foi se aproximando do padre, tendo Matthias a seu lado.

Enquanto Greenwood conversava com o padre, a ira dos homens não parava de chegar aos ouvidos deles. As notícias não eram nada boas.

– A acusação de bruxaria se deve ao ritual com o sol, que aconteceu no pior momento possível. Estamos no solstício – relatou Matthias. – A acusação de meretrício foi feita em termos gerais. A aparência dela, o fato de ter ido sozinha à cidade, coisas assim. Infelizmente, os homens consideram que o apoio das senhoras só confirma a má influência que a Srta. Blair representa sobre elas. Pelo que entendi, houve algumas conversas incomuns nos quartos desta cidade na noite passada.

– E a heresia? – questionou Elliot.

– A Srta. Blair tentou explicar a história com o sol com mais detalhes do que seria sensato. Dissertar sobre os pontos comuns entre as religiões do mundo provavelmente não a ajudou muito.

Elliot imaginou uma acusação sendo transmitida pelas mulheres a Carmelita e então traduzida para Phaedra. Depois visualizou uma longa explicação voltando pela mesma corrente, frases e mais frases longas, tendo um pouco de seu sentido alterado conforme passava a cada elo, até chegar aos homens. Era espantoso que a acusação fosse heresia, em vez de loucura.

O padre era um homem idoso, de cabelo branco e rosto suave. Estava aflito com a situação de descontrole na cidade. Conversou com Matthias e, por fim, juntou as mãos em prece, balançando-as juntas como se assim fortalecesse o pedido.

Elliot entendia muito bem o padre.

– Diga-lhe que não vou deixar a Srta. Blair ao capricho de uma turba.

– Ele está certo de que nossa presença só serve para inflamar ainda mais os ânimos, Rothwell – alertou Matthias. – Os homens acham que usurpamos seu poder e as mulheres, bem, elas não têm boa impressão de homem nenhum neste exato momento.

A última parte era verdade. As mulheres o olhavam como se fosse o inimigo. Lançavam provocações inflamadas que eram sem dúvida insultos. Se ele conseguisse passar por elas, Carmelita da Frigideira de Ferro o esperava.

Elliot recuou e puxou Matthias para o lado assim que conseguiram passar de novo pelo grupo de homens.

– Preciso chegar lá no alto e falar com ela.

– A torre foi construída para defesa. Só há duas maneiras de chegar lá. Por esta faixa de terra ou por mar.

– Então vou ter que chegar por mar.


Phaedra espiou pelo canto da janela. A arruaça lá embaixo continuava. Sempre que os homens pareciam perder o interesse, o signore Tarpetta os incitava a continuar.

Elliot, o Sr. Greenwood e o Sr. Whitmarsh tinham ido embora. Provavelmente esperavam que essa pequena chama se extinguisse por si só. Era o que ela esperaria também, depois de o padre chamar os manifestantes à razão. Infelizmente, Phaedra desconfiava de que o conflito não se dera por haver uma inglesa estranha na torre naquela manhã.

O problema envolvia outras questões. Práticas antigas e eventos recentes colocaram lenha na fogueira. Phaedra se preocupava se as mulheres pagariam caro nos próximos dias por essa rebelião, mesmo que ela própria fosse poupada.

Tinha esperanças de que Carmelita não pagasse com a própria liberdade. Admirava a mulher loura que brandia sua frigideira de ferro, num gesto que anunciava não se tratar de uma pessoa indefesa e, além disso, garantia que Tarpetta se lembrasse de seus próprios crimes e de por que ela não permitiria que a cidade se curvasse ao poder dele.

Era tudo culpa de Tarpetta. Ele a vira na cidade ao amanhecer. Provavelmente a seguira e a avistara na janela que dava para o leste na torre quando o sol atingiu o topo da montanha.

O sol tinha se movido bastante desde então, contudo o confronto lá embaixo não parecia perto de acabar.

Ela correu para a janela a oeste. Carmelita a advertira a respeito de um ataque por mar. Um barco se aventurara nos arredores avaliando essa abordagem havia uma hora, porém ela jogara pedras soltas da construção e o desencorajara.

Outro barco se aproximava agora. Não vinha do cais de Positano, e sim do oeste, como se chegasse de Capri em visita à torre normanda.

Três homens estavam de pé na proa, enquanto criados da mansão remavam. Elliot, Whitmarsh e Greenwood tinham corrido em seu resgate.

Levaram a embarcação o mais próximo possível da torre. O Sr. Whitmarsh acenou. O Sr. Greenwood a chamou. Elliot quase sorriu, mas sua boca não passou de um risco tenso.

– Agora você entende o que eu quis dizer, Rothwell. Se fosse fácil acessar a torre pelo mar, ela seria inútil para proteção – disse Greenwood.

– De qualquer forma, está um dia esplêndido para um passeio de barco – falou Whitmarsh. – Parece que ninguém pensou que tentaríamos essa estratégia. O cais permanece vazio.

Whitmarsh olhou para Phaedra lá no alto:

– Essa janela parece mais longe ainda daqui. Trouxemos alguns víveres, Srta. Blair, porém duvido que nosso plano de levá-los até aí funcione.

Uma onda de gritos chegou à torre vinda do outro lado. Phaedra correu até lá e olhou para baixo. Os homens tinham se aproximado muito do padre. A massa de mulheres se compactara.

Ela voltou para a janela que dava para o mar.

Elliot se curvou. Ao se levantar, exibiu uma corda grande com um gancho na ponta.

– Afaste-se, Srta. Blair. Entre na torre. Se eu conseguir mandar o gancho até aí, prenda-o o melhor que puder.

– Lorde Elliot, não acho que você conseguirá...

O olhar dele a silenciou. Ela foi para o outro lado da torre.

Por três vezes ouviu o barulho alto de metal atingindo a pedra, seguido pelo som de algo caindo pesado na água. Parecia que o plano deles não iria funcionar.

De repente o grande gancho de ferro apareceu na janela, subindo muito, e depois começou a cair. Uma de suas três hastes agarrou no peitoril da janela e parou.

Phaedra correu para lá, soltou-a e a deslizou pelo peitoril até encontrar um sulco profundo entre as pedras da parede onde prender o gancho.

Olhou para o mar. Os três homens puxavam a corda para testar sua segurança. Satisfeito, lorde Elliot pulou do barco para a estreita faixa de areia. Whitmarsh lhe entregou duas cestas.

– Mande primeiro a comida – pediu ela. – Não comi nada hoje.

– Com certeza você imaginou que o deus sol não podia esperar – provocou Elliot ao prender a alça da cesta na corda. – Na infância, quando eu desobedecia a meus pais, era mandado para o quarto sem jantar. Talvez um pouco de fome seja adequado para a senhorita hoje.

Ela deu um pequeno puxão na corda:

– Não vamos ser descuidados por pressa. E precisamos manter nosso senso de humor.

A cesta permaneceu imóvel por um momento, irritando-a, mas logo Elliot a soltou. Phaedra puxou a corda para cima até chegar à alça da cesta. Examinou seu conteúdo e jogou a ponta de volta.

– É um banquete e tanto. Vinho, presunto, pão e figos.

– Espero que goste. Se os homens da cidade tivessem conseguido chegar até aí, você só comeria macarrão e banha de porco pelos próximos dez anos, isso se não a enforcassem de imediato.

Elliot agarrou a extremidade da corda e começou a atar a outra cesta.

– Há cobertores e outros itens de primeira necessidade aí dentro.

Um rugido veio do outro lado da torre. Elliot olhou para cima.

– O que está acontecendo?

Ela correu para a outra janela, depois voltou para contar.

– Se for para aproveitar meu banquete, temo que precise fazê-lo bem rápido. O signore Tarpetta está ordenando que o padre saia do caminho.

– Puxe isso para cima logo e depois mande a corda de volta.

O barulho que entrava pela outra janela fez com que ela puxasse a corda o mais rápido possível. Depois que soltou a cesta, mandou a corda para baixo e correu mais uma vez para a janela que dava para leste.

O padre tinha ido embora. A linha de frente dos homens estava cara a cara com a das mulheres. Os flancos do exército de mulheres já tinham se rompido. Uma derrota se aproximava.

Phaedra voltou para a janela que dava para o mar. Greenwood apontava para a costa.

– Entraremos por ali e chegaremos à linha de batalha em minutos – disse ele a Elliot.

– A questão está ficando difícil no promontório – gritou ela para baixo.

– Mantenha-se firme, cara dama – bradou Whitmarsh em resposta. – Greenwood tem alguma influência na cidade e Rothwell está armado. Em breve estará em segurança.

Se planejavam entrar na luta que estava prestes a começar, Phaedra não contava com a vitória deles. Duvidava de que seus piratas ingleses fossem golpear e atirar para salvá-la, e sem isso ficariam em desvantagem numérica.

Elliot olhava a parede da torre e avaliava a estreita faixa de areia sob suas botas, na base, e as grandes rochas posicionadas de forma a desencorajar os barcos.

– É bem alto. Não posso me arriscar a que você caia se tentar descer pela corda. Se a água fosse mais profunda...

Ele ainda calculava e falava sozinho quando levantou as mãos, agarrou a corda e começou a escalar.

– O quê? Rothwell! Cuidado para não ser você a cair – alertou Greenwood.

Phaedra gelou quando gritos chegaram do promontório. Não foi até lá para ver o que estava acontecendo. Não conseguia tirar os olhos de Elliot pairando acima do mar, cada vez maior ao se aproximar pela corda, com o corpo e o rosto tensos do esforço.

Ela podia imaginar que a batalha não ia bem para as mulheres no promontório, o que significava que não ia bem para ela. Esticou a cabeça para fora da janela e contou a lorde Elliot o que acontecia.

Ele xingou e encontrou novas forças. Um som estranho começou a chegar pelas escadas. Parecia uma frigideira de metal atingindo algo mole. A voz de Carmelita clamava aos santos para ajudá-la e o som se repetia. Um homem grunhiu.

– Eles romperam o cerco à torre, lorde Elliot – gritou Phaedra, abaixada entre as cestas. – Suponho que não tenha posto uma arma junto com a comida ou os cobertores, para que eu pudesse exercer uma última resistência?

– Você sabe usar armas? – perguntou ele, a voz próxima e cansada.

Phaedra olhou para cima e o viu na janela. Os braços dele estavam apoiados no peitoril e seus dedos se agarravam na beirada interna.

– Posso usar uma arma, se tiver que fazê-lo.

Ajudou-o a subir agarrando-o pelos ombros e pelas calças. Ele se agarrou ao corpo dela em busca de apoio.

Finalmente, Elliot caiu na parte de dentro da torre. De um salto, pôs-se de pé com a agilidade de um gato. Do lado de fora, Greenwood ordenava a seus criados que remassem forte para contornarem a ponta do promontório.

Elliot sacou um revólver de seu casaco surrado.

– No caminho até aqui, Whitmarsh me presenteou com histórias sobre injustiças nas cidades deste país. Seria estúpido de nossa parte não levar a sério o perigo. Fique aqui. Não me siga. Se achar que a situação piorou, arrisque-se a descer pela corda e enfrentar o mar.


Elliot não desceu as escadas em silêncio. Deixou que todo o seu aborrecimento se traduzisse em passos estrondosos. Sua aproximação silenciou os homens embaixo.

Quando fez a última curva da escada, encontrou Carmelita Messina no degrau inferior, com a frigideira de ferro em riste. Quatro homens a ameaçavam, porém naquele momento a atenção deles se concentrou em Elliot, não nela.

Carmelita olhou por cima do ombro e percebeu seu revólver. Elliot não conseguiu chegar à conclusão se ela ficou aliviada ou aborrecida.

Passos também pesados, mas irregulares, soaram do lado de fora do portal. O signore Tarpetta apareceu sob ele. Endireitou-se em postura militar ao ver a arma.

– O senhor interferiu – começou ele.

– A Srta. Blair está sob minha autoridade e também sob minha proteção.

Tarpetta empinou o nariz e o olhou com desdém.

– O senhor não exerce a autoridade sobre suas mulheres muito bem.

Elliot não pôde contestá-lo.

– Sou muito melhor na parte da proteção – contrapôs e apontou a arma diretamente para Tarpetta. – Diga a todos para irem para casa.

– Ela infringiu nossas leis.

– Ela não infringiu lei nenhuma – argumentou Carmelita. – Apenas ofendeu as leis de um homem que se considera um reizinho.

– Vê o problema que ela causou? Ela enfeitiçou as mulheres e realizou rituais pagãos. Nós não permitimos esses crimes em Positano.

– Ouçam só! – zombou Carmelita com uma risada estridente. – Ele até fala como rei. O “nós” quer dizer “ele”.

Elliot não estava com ânimo para discussões. Brandiu a arma e ordenou:

– Todos fora desta torre. Signorina Messina, por favor, traduza o que vou dizer.

Tarpetta saiu da torre. Os homens e Carmelita o seguiram. Elliot foi por último. Ao sair, um som nas escadas o fez olhar para trás. Uma mecha de cabelo ruivo flutuava próximo à parede da escadaria.

As mulheres tinham ido embora. Elliot encarou os remanescentes da batalha, vinte homens que ainda não estavam satisfeitos.

O revólver dele os impressionou. Enquanto falava e Carmelita traduzia, o barco de Greenwood alcançou a parte de trás do promontório e Greenwood desceu no banco de areia.

– Sou lorde Elliot Rothwell, irmão do marquês de Easterbrook – disse. – Recebi dos oficiais do tribunal do seu rei a responsabilidade de proteger a Srta. Blair. Se algum de vocês a machucar, há de se haver comigo. Ela não é bruxa, nem herege, nem meretriz. Não há provas que sustentem essas acusações e os senhores têm a minha palavra de cavalheiro que suas suspeitas são infundadas.

Carmelita fez uma tradução muito longa. Dos pontos essenciais que Elliot pescou e pelas expressões nos rostos dos homens, ele suspeitou que ela houvesse enfatizado as palavras lorde, marquês e tribunal.

Matthias chegou quando ela terminava. Tarpetta, reconhecendo que seu grupo perdia força, mancou na direção dele. Os dois homens tiveram uma conversa particular.

Tarpetta foi embora. Os outros homens decidiram que era uma boa ideia bater em retirada com seu líder.

Greenwood se aproximou da torre.

– Você tem minha gratidão, Greenwood, pelo que quer que tenha dito a ele.

– Você não entendeu direito. Nós não os vencemos – explicou Greenwood. – Eles vão mandar alguns homens a Nápoles em busca de orientação e também para pedir ajuda ao Exército.

Carmelita jogou as mãos para o alto, num gesto de exasperação.

– Imbecis.

Tarpetta estava voltando para a cidade, porém dez de seus homens tinham parado na extremidade do promontório.

– O que eles estão fazendo lá? – perguntou Elliot.

– Montando guarda – disse Greenwood. – Não vão tentar entrar na torre, porque você está armado, contudo não vão deixar que a Srta. Blair saia até receberem ordens de Nápoles. Imagino que haverá um ou dois barcos vigiando do mar esta noite também.

Elliot conteve um xingamento. O santuário de Phaedra tinha acabado de virar uma prisão.

– Vamos vigiá-los enquanto eles montam guarda, para que não haja violação dessa trégua – prometeu Carmelita.

– Não martirize as mulheres em seu afã de combater aquele homem – disse Elliot para ela. – Agradeço por sua ajuda, porém temo que o preço pago por suas amigas já será alto o bastante. Deixe comigo agora.

Carmelita Messina deu tanta atenção ao que ele disse quanto Phaedra Blair daria.

– Vamos vigiar. Algumas de nós, viúvas e tal, as que não vivem sob o jugo de ninguém. Confio em seu revólver para manter a paz e em que o signore Greenwood use sua influência com aquele homem para acabar com essa confusão antes do pôr do sol.

Ela se foi, juntando o cabelo em um nó ao se afastar.

– Ela fala como se você pudesse resolver isso se quisesse – disse Elliot para Matthias.

– Carmelita está interpretando mal minha influência aqui. Contudo tentarei chamar Tarpetta à razão quando ele se acalmar, apesar de conhecer o homem somente de vista.

– Veja se ele aceitaria suborno.

Matthias deu um sorriso largo e forçado.

– Quanto ela vale para você?

Elliot guardou o revólver e caminhou para o portal.

– No momento, estou tentado a pagar para que ele a tire das minhas vistas.


CAPÍTULO 10

Pela janela, Phaedra observava a conversa de Elliot e Matthias. Não podia ouvi-los, porém seus rostos sérios indicavam que estavam traçando planos.

Um pequeno grupo formava um círculo no final do promontório. Outros quatro homens tomaram um barco de pesca no cais e zarparam.

Matthias se afastou. A torre ecoou o som de botas subindo os degraus de pedra.

Elliot entrou no cômodo. Ela continuava preocupada com a atividade lá embaixo, ainda assim deu uma boa olhada na direção dele. Sua expressão revelava preocupação e aborrecimento. Phaedra achou a inquietação charmosa, até mesmo lisonjeira. E teve esperança de que a raiva passasse logo.

– Você está em segurança por ora.

Elliot pôs o revólver no chão em um canto para evitar acidentes. Pegou um odre da cesta e o segurou no alto. Um jorro de água fluiu para sua boca.

Os olhos dela se grudaram no fluxo de água pura. Sua garganta se estreitou. Não tinha bebido nada desde antes do raiar do dia.

Elliot notou o interesse e caminhou na direção dela.

– Incline a cabeça para trás.

Ela obedeceu e abriu a boca. Um jorro frio e lento aliviou sua sede.

Phaedra secou a água de seus lábios com a mão.

– Achei que esses odres só continham vinho.

– Os outros, sim. Se tomarmos aos poucos, este nos bastará pelo tempo necessário.

Tempo necessário? Ela olhou de novo pela janela. Percebeu o significado dos homens postos na extremidade do promontório.

– Não posso sair, não é? O que aconteceu?

Ele explicou sobre a ida dos homens a Nápoles. Lembranças do odioso Sansoni invadiram a mente de Phaedra. No silêncio que se seguiu à explicação, o ar ficou mais pesado com o possível perigo à espreita e o peso dos problemas que já enfrentavam.

Lorde Elliot olhou por cima da cabeça de Phaedra para a cidade lá embaixo. Ele pareceu distraído, como se sua mente estivesse ocupada com algo muito distante.

– Você me desobedeceu – disse, provando que os pensamentos tinham tudo a ver com ela. – Você desceu as escadas.

– Ninguém me viu. Com você entre mim e o perigo... Foi uma desobediência pequena.

– Você me desobedeceu antes, ao vir para esta torre. Disse-lhe para permanecer na mansão.

– Não esperava ser vista na torre.

– Só que foi. Um ritual pagão, nada menos do que isso. Nesta terra, pior do que em qualquer outra.

– Não houve ritual nenhum. Nenhuma reza para o deus sol. Tarpetta simplesmente me viu na janela quando o sol nasceu. Não estava erguendo minhas mãos em oração. Estava protegendo meus olhos da luz forte, para que pudesse avaliar a posição exata do sol.

– Não me importo com o que estava fazendo. Foi descuidada com sua segurança e reputação. O resultado foi uma batalha entre os homens e as mulheres desta cidade e sua prisão nesta torre.

Elliot ficava mais exaltado a cada palavra.

– Também nem pense em falar agora de sua sagrada independência. Acabo de escalar a parede de uma torre e ameaçar de morte homens com quem não tenho nenhum problema. Talvez eu até tenha que matar algum, tudo por causa de sua maldita teimosia.

– Só fiz uma visita a uma torre ao alvorecer. Está sugerindo que eu poderia ter previsto tudo isso? – questionou, indicando o promontório abaixo e o drama que se desenrolara. – Se eu tivesse achado que alguém saberia ou se importaria, não teria vindo. Admito que parece muito estúpido agora, mas no momento não pareceu.

Não era bem um pedido de desculpas, mas pareceu aplacar o lado mais sombrio da fúria de lorde Elliot. Sua atenção e olhar se voltaram para ela tão nitidamente que isso enfatizou a proximidade deles.

– Você conseguiu o que veio fazer?

Ele tinha que perguntar.

– Se uma prova negativa puder ser chamada de prova – disse ela e apontou para a montanha alta. – Matthias estava certo. O sol não se eleva diretamente sobre o pico quando se observa desta janela, nem em linha direta com o lugar onde estamos agora. Ele primeiro se mostra à direita, ao sul, um pouco.

Phaedra se preparou para receber a zombaria de Elliot ou mais raiva por seu passeio ter causado tanto problema sem nem ao menos conseguir provar sua teoria.

Em vez disso, ele refletiu sobre a prova.

– Essas coisas não são precisas. O dia exato do solstício varia e ainda estamos mapeando as mudanças sutis que se acumulam na astronomia com o passar do tempo. Cinco séculos atrás, o sol pode muito bem ter nascido no pico da montanha no verão.

Ela achou muita gentileza dele dar desculpas e não chamá-la de tola. Algo mais parecido com uma desculpa direta começou a se formar em sua mente.

– Não tive intenção de causar todo esse problema e sinto muito por isso. Não me surpreende você estar com um pouco de raiva de mim.

– Estou com muita raiva de você, Phaedra. Contudo estou mais preocupado com sua segurança. Até que eu tenha assegurado isso, terá que fazer o que digo, principalmente se eu tiver mais motivos para sacar este revólver.

Elliot caminhou até a janela que dava para oeste. Franziu o cenho com o que viu. Ela andou até lá e espiou também. Um barco com três homens lançou âncora a uns cinquenta metros da torre. O sol tinha começado a se pôr no mar, mas ainda levaria horas até ficar escuro.

– Sua prisão está completa – disse Elliot. – Temos que esperar e confiar em Matthias para negociar sua libertação antes que mais problemas venham de Nápoles. Infelizmente, Tarpetta parece ter o poder nas mãos e Matthias o conhece somente de vista.

Phaedra se ajoelhou ao lado das cestas e começou a retirar seu conteúdo. Fez uma fileira com os odres, frutas e embrulhos de comida contra a parede.

– Carmelita acha que eles se conhecem melhor do que admitem.

Elliot descansou o ombro na parede e a observou mexer nas cestas.

– Seria bom se você estivesse certa, entretanto Matthias não tem motivos para mentir para mim.

Phaedra ficou feliz de encontrar uma xícara de barro por baixo da comida. Não queria beber direto do odre o dia todo, apesar de a experiência ter sido interessante.

– Você conhece Matthias bem? – perguntou ela.

Greenwood talvez tivesse o destino dela nas mãos, porém não era apenas esse o motivo da pergunta.

Elliot se afastou da luz do sol que se esgueirava pela janela. Foi para a área fresca e sombreada onde Phaedra arrumava os alimentos. Sentou-se no chão, apoiando as costas nas pedras, e pegou um figo.

– Eu o adorava na faculdade. Ele é um acadêmico respeitado e com duas obras publicadas. Estimulou meus estudos e me orientou nos métodos de pesquisa necessários para traçar novos caminhos. Seu interesse me lisonjeou, principalmente porque não parecia interesseiro, como outros professores.

Elliot mordeu o figo e depois fez um gesto apontando o restante da comida.

– Você devia comer algo. Se daqui a três dias tivermos que nadar para salvar nossas vidas, não vai querer estar fraca.

Phaedra pegou um pouco de pão e queijo.

– Você não parece adorá-lo agora, e não há mais nada de professor na forma como ele o trata.

– Bem, não sou mais um estudante e tenho um livro publicado.

– Parece mais do que apenas uma amizade construída a partir desses antigos papéis, foi o que eu quis dizer.

Elliot não parecia inclinado a satisfazer a curiosidade dela. Degustou o figo sem pressa. Ela se refugiou concentrando-se na própria comida.

– Meu pai não era um homem caloroso.

Ele falou isso de modo casual, como se não tivessem se passado quinze minutos desde seu último comentário.

– Imagine um homem como meu irmão Hayden, só que sem nenhuma das qualidades que contrabalançam a rigidez dele. Quando criança, eu considerava ter sorte por ser ignorado por meu pai enquanto ele se voltava para meus irmãos. Matthias Greenwood, por sua vez, escolheu colocar o foco de sua atenção em mim. Ele valorizava as mesmas coisas que eu, era rápido em elogiar, mas não se precipitava na hora de expressar desapontamento. Havia algo de paternal em seu interesse, imagino.

Ela notou sua expressão ao descrever o pai. Conhecia bem a reputação do marquês de Easterbrook. Com certeza, tinha sido aquele tipo de pai impossível de agradar e talvez tão duro com os filhos quanto se dizia ter sido em outras áreas.

Porém, não foi a brandura intencional de Elliot que chamou sua atenção. Outra emoção brilhava nos olhos dele.

Ele insistira em que as memórias de Richard Drury faziam insinuações falsas sobre o último marquês, contudo não tinha assegurado que de fato elas fossem mentiras. Ao se sentar ali com ele e observá-lo, Phaedra entendera que lorde Elliot não estava convencido de que o pai não mandara matar o oficial. Aquela suspeita ficaria mais plausível, ganharia corpo e seria inevitável se as insinuações fossem publicadas?

Alguns cientistas acreditavam que o comportamento criminoso era herdado, assim como algumas doenças. Saber que o legado de uma pessoa incluía a capacidade de tramar um assassinato impiedoso poderia ser tão ruim quanto descobrir que seu sangue estava maculado pela insanidade.

– Matthias Greenwood não teve filhos – disse Phaedra. – Você é seu herdeiro intelectual e parte de seu legado profissional. Se havia algo de pai nele, talvez houvesse algo de filho em você.

Ele deu de ombros.

– Talvez esteja certa. Ele pode me ver dessa forma, mesmo na amizade que temos agora.

Phaedra suspeitava de que Greenwood de fato o visse dessa forma, mas achava que Elliot o via assim também. A maneira como se comportavam um com o outro fazia com que ela pensasse na amizade confortável e no amor entre pais e seus filhos adultos quando seu relacionamento amadurecia.

Se fosse assim, Matthias Greenwood seria uma pessoa importante para Elliot.

É claro que ele era. Elliot estava ali, não estava? Ele tinha viajado até Positano para discutir sua nova pesquisa com o antigo mestre, ainda que já o houvesse superado como historiador.

Fazer aquela humilde refeição no chão de pedra os apartava do restante do mundo. Sua descrição franca do pai tinha aberto uma porta de intimidade mais sedutora do que aquela criada pelo prazer físico. Era algo como a relação que se estabelecia entre ela e seus amigos.

– Por que está tão curiosa sobre Greenwood, Phaedra?

Ela examinou a familiaridade branda que compartilhavam e pensou em sua resposta.

– Tenho interesse nele.

– Ele tem idade para ser seu pai!

Ela quase riu com seu tom exasperado, mas o aborrecimento mostrado em seus olhos lhe deu uma indicação. Ele estava com ciúmes. Phaedra achou isso irremediavelmente fora de moda e presunçoso, porém ao mesmo tempo adorável. Teve vontade de rir, em vez de censurá-lo.

– Você entendeu mal, Elliot. Ele conheceu minha mãe e tem sido gentil em responder perguntas que tenho sobre algumas questões.

– Que questões?

– Minha mãe talvez tenha mantido um amante em segredo em seus últimos anos de vida.

Ele franziu o cenho.

– Richard Drury...

– Não nos últimos tempos. Houve outro homem.

– E Matthias sabe quem foi? Ele vivia em Cambridge na ocasião e, apesar de às vezes visitar Londres...

– Ele é um homem perceptivo. Não ficou surpreso quando sugeri que talvez tivesse havido outro homem na vida de minha mãe. Esse amante também mexia com antiguidades e Matthias me deu os nomes de alguns homens do círculo dela que eram do ramo. Muitos de seus amigos íntimos desconversaram na hora em que os procurei. Desconfio que não quisessem que a imagem de Artemis Blair fosse mudada. Mas ele foi sincero comigo e sou grata por isso.

Elliot refletiu sobre o que ela disse e pareceu ao mesmo tempo curioso e cético.

– Por que você buscaria nomes, Phaedra? Talvez não tenha havido amante nenhum, já que os amigos dela negaram o fato.

– Acho que houve, sim, por causa de uma passagem que meu pai escreveu em suas memórias. Esse homem, quem quer que seja, era um criminoso.

A expressão dele ficou mais séria.

– Outra referência sem nome? Outra fofoca que destruirá uma reputação?

Elliot se pôs de pé em um minuto. Afastou-se, olhou para a parede e depois se voltou para ela.

– Seria melhor se você queimasse essas memórias ou as deixasse em uma gaveta trancada para sempre.

– Isso pode poupar sua família, mas não poupará o amante de minha mãe.

– Por que não?

Ela embrulhou o queijo no guardanapo úmido.

– Porque, mesmo que as memórias não sejam publicadas, destrincharei essa parte delas até ficar satisfeita e lidarei com esse homem do meu jeito.

O cenho de Elliot se manteve franzido, seu humor não melhorou, contudo uma curiosidade cautelosa surgiu em seus olhos.

– Você fala calmamente, porém de forma amarga e decidida. O que seu pai escreveu sobre esse homem que provocou em você a vontade de identificá-lo?

Ela se ajeitou para se levantar. Passou a mão na saia para retirar as migalhas.

– Ele escreveu que esse homem a seduziu, depois a traiu de forma tão desonrosa que acabou provocando sua morte. Preciso descobrir se isso é verdade.

– Na melhor das hipóteses, é ambíguo.

– Nem tão ambíguo assim. Tem mais. Não sou totalmente louca por achar que posso identificar esse homem. Só metade louca.

Ela andou até o centro da sala e olhou em volta.

– Se vamos ficar aqui por dias, temos que deixar esse lugar mais habitável – falou ela, virando uma cesta de cabeça para baixo. – Isso pode servir de banco, se você conseguir tirar a alça.

Elliot procurou a faca que viera junto com a comida. Colocou a cesta nas pedras do peitoril da janela e começou a cortar.

– Você não deveria levar muito a sério o que seu pai escreveu sobre sua mãe. Ele era um amante rejeitado e isso pode enevoar o bom senso de qualquer homem.

Phaedra pegou o cobertor sobre a esteira de palha e verificou se estava limpo. Avistou alguns ganchos de metal presos na abóbada do teto.

– Meu pai entendia bem o que tinha e o que não tinha com minha mãe. Ele não escreveu com amargura, mas como um homem que testemunhou a mulher que amava ser usada.

Elliot continuou a cortar, entretanto sua expressão decidida não tinha a ver com a alça da cesta.

– Trate esse assunto com cautela, Phaedra. Não acuse o homem errado nem conteste um homem bom.

– Se ele for um homem bom, não terá nada a temer de mim ou das memórias. Nenhum homem bom teria.

A alça da cesta se soltou, quebrando-se sob a pressão que ele impunha com a faca. Um barulho seco reverberou na abóbada de pedras, como se a paciência de Elliot tivesse acabado junto com a última frase dela.


Passaram as horas seguintes de forma mais agradável, falando amenidades. A amiga de Phaedra, Alexia, estava recém-casada com o irmão de Elliot, Hayden, e eles especularam sobre o casal e o que os teria unido. Isso suavizou o clima pesado da primeira parte da conversa.

Elliot, no entanto, continuou a refletir sobre o assunto inicial. Ele havia percebido o tom e a expressão de Phaedra ao falar do amante que traíra sua mãe.

Phaedra não era uma simples visitante curiosa na península Itálica, como tinha dito, mas uma mulher com uma missão. Por algum motivo, aquilo a tinha levado a Nápoles. Por isso o humor dela melhorara em relação ao atraso em ir a Pompeia. Sua investigação poderia até estar na origem da amizade com Marsilio e Pietro.

Por tudo o que sabia dela, cada ato, cada palavra, desde o dia em que ele entrou naquele jardim em Nápoles, fora parte de seu plano para saber dos últimos meses da mãe e do homem a quem culpava por seu declínio e morte.

Ela foi dando instruções a Elliot para arrumar sua habitação humilde enquanto conversavam. A pedido da Srta. Blair, ele amarrou a corda em um dos ganchos da abóbada. Phaedra esticou o cobertor velho nela e, assim, separou um canto no qual colocou o penico que os criados de Matthias tinham gentilmente posto em uma das cestas.

Já anoitecia quando tudo ficou arrumado. Com um novo cobertor sobre a esteira de palha e a cesta de cabeça para baixo como banco, Phaedra havia criado um lar rústico, porém agradável. Para uma pessoa.

Havia um cômodo de teto baixo sob essa sala mais alta na torre. Elliot esperava ser posto lá, a menos que, com seu charme, pudesse obter da rainha um convite para partilhar de seu santuário.

– Você tem talento para arrumação doméstica, Phaedra. Isso é resultado de se virar sem criados?

– Acho que aprendi a fazer isso porque minha mãe não levava o menor jeito para assuntos domésticos. Isso se mostrou útil quando tive que cuidar da minha própria vida.

Phaedra levou o odre e a xícara para a janela que dava para a cidade. Depois de derramar fora um pouco de vinho, conseguiu fazer jorrar um arco que encheu a xícara, e então ofereceu a bebida a lorde Elliot.

Ele se juntou a ela próximo à janela e bebeu. Os homens de Tarpetta tinham montado acampamento na base do promontório, para além da longa sombra da torre. A julgar pelos sons distantes das risadas, eles pareciam relaxados e de bom humor.

– Por que teve que cuidar da própria vida?

Ela estava linda demais à luz prateada do anoitecer que entrava pela janela. Atrás deles, pela abertura oposta, as cores chamejantes dos últimos raios de sol penetravam. Esses raios iluminavam a parte de trás da cabeça de Phaedra, transformando suas mechas em brasas, em contraste com a fria translucidez da pele branca do rosto que olhava para oeste.

– Minha mãe acreditava que as mulheres aprendem em casa, com os pais, a serem dependentes. Somos ensinadas e temer a independência e depois convencidas a rejeitá-la mesmo que esteja ao alcance. Assim, quando recebi uma herança do irmão de minha mãe, ela me estimulou a sair de casa e a viver sozinha antes que me acomodasse e virasse uma adulta dependente dela.

Phaedra fez uma pausa ao se esticar calmamente para ver o chão perto da torre. Outro pequeno acampamento tinha sido montado ali, povoado por cinco senhoras e Carmelita Messina.

– Eu tinha 16 anos – acrescentou, ainda distraída com a cena abaixo.

A atenção que dava aos acampamentos não a deixou perceber a reação de Elliot.

– Você era uma criança.

Ele tentou não expressar condenação em seu tom. Phaedra não gostaria de ouvir críticas à mãe, e ele não tinha o menor desejo de discutir com ela naquele minuto.

Ela ainda observava o promontório.

– Sim, eu era uma criança. Contudo há muitas mulheres que são empurradas para o casamento nessa idade. Acho que seria um destino muito mais assustador. Elas são jovens demais para os planos de seus pais, e eu também era jovem demais para os planos dos meus. Ela não se afastou da minha vida, não foi uma rejeição de seus deveres. Minha mãe me ajudou a contratar uma governanta, para que eu não morasse sozinha nos primeiros anos. Eu a visitava com frequência e nos víamos quase tanto quanto no tempo em que morávamos sob o mesmo teto.

Ela fez isso soar quase natural e sensato. Ele não podia pensar em Phaedra aos 16 anos morando sozinha, sem proteção ou supervisão de ninguém, exceto uma criada. Sua prima Caroline, que tinha sido apresentada à sociedade na última temporada, era tão infantil que dava vontade de trancá-la em casa por mais dez anos.

É claro que Phaedra Blair provavelmente não era tão infantil nessa idade, nem tão inocente. Artemis criara a filha para andar com as próprias pernas e traçar o próprio caminho. Ainda assim, essa imagem o deixou irritado. A mulher não deveria ter usado a própria filha como experimento para provar que suas ideias radicais tinham mérito.

– Na época não me importei e tudo saiu como minha mãe esperava. Depois que uma mulher prova uma liberdade assim, nunca mais quer abrir mão dela. Contudo, quando ela morreu... então fiquei enraivecida. Queria que ela houvesse esperado um pouco mais, de forma que eu tivesse aproveitado aqueles dois últimos anos com ela. Ela não previa que seu tempo seria tão curto, é claro.

– Não imagino a independência que me descreve. Mesmo sendo homem, não fico tão por minha conta.

– Não importa que ainda more na mansão de Easterbrook. Sendo homem, você é livre.

– Não falo de leis, costumes ou finanças, mas da vida. Não sou sozinho nem alguém sem laços com outras pessoas. Meus irmãos estão sempre presentes na minha vida e tenho outros parentes a quem devo obrigações. Minha vida faz parte da deles e a deles, da minha. Mesmo que meus irmãos e eu um dia nos odiássemos, ainda teríamos questões em comum a compartilhar.

A expressão de Phaedra se tornou pensativa, deixando-a ainda mais bela.

– Eu gostaria de ter tido um irmão ou uma irmã. Isso teria sido muito bom, principalmente agora.

Agora que estava completamente só, era o que queria dizer. Phaedra havia escolhido um caminho que a deixaria sozinha para sempre, a menos que, como a mãe, tivesse um filho ilegítimo. Elliot percebeu que ela compreendia que abrira mão de certas coisas e que não as menosprezava. Tinha posto as opções na balança, se não aos 16 anos, ao ficar mais madura. Ele não achava que o prêmio valesse o custo, porém admirava a bravura dela.

Ela pareceu um tanto triste. Ele se sentiu péssimo por tê-la obrigado a encarar a própria solidão.

– Espero que suas amizades de alguma forma possam substituir a família que você não tem.

Lampejos traquinas dançaram em seus olhos. Seu humor e animação vieram à tona, surgidos das profundezas de seus pensamentos.

– De certa forma, mas não é uma família como você descreveria a sua. Uns amigos são como irmãos e irmãs, alguns poucos se comportam como os mais afáveis dos maridos, porém esses laços não são permanentes. Com o passar do tempo, é possível que eu me veja imaginando se não fui abençoada com mais independência do que qualquer pessoa quereria.

O que significava que já vinha se questionando sobre isso.

A referência indireta a seus amantes sutilmente mudou o clima entre eles. Elliot não podia ficar tão perto dela naquela luz e não pensar em fazer amor com ela. Imagens e desejos tinham surgido aos borbotões desde que subira os degraus horas antes. A excitação aumentara com as palavras dela. Ele pensou ter visto um desafio na forma como ela o mirava.

De repente o desejo os uniu mais intensamente que nunca. Ela não fez qualquer esforço para refrear seu poder. Ele não se aguentava mais. Jamais tinha encontrado uma mulher que reconhecesse de forma tão ousada a excitação sensual que pode existir antes de um beijo ou um toque.

Com qualquer outra mulher, ele daria o primeiro passo, como fizera com ela antes. No entanto, não se esquecera das palavras dela ao se afastarem no terraço, naquela noite. Se ela fosse honrar sua ameaça, neste momento ele provavelmente não conseguiria se portar de forma honrada o bastante para que ela tivesse a chance de rejeitá-lo.

Phaedra evocava nele o que seu sangue trazia de pior, algo que vinha do pai. Elliot queria se aproximar, abraçá-la, acariciá-la e devorá-la. A tentação de usar o prazer para coagi-la a se submeter ao próprio desejo e a ele ameaçava sobrepujar o que restava de seu bom senso.

Elliot se afastou. Pegou o revólver e um dos cobertores e começou a descer as escadas. A alternativa era se arriscar a se comportar como um canalha, ou, pior, tornar-se uma daquelas abelhas lastimáveis que ficam zumbindo e implorando pelos favores da rainha.


Phaedra observou o sol se pôr no mar. Luzes roxas e laranja coloriam a água com listras sedosas à medida que a escuridão aos poucos se aproximava. Lá embaixo, no barco, os homens acenaram e a saudaram amigavelmente. Parecia que eles também tinham alguns odres de vinho à disposição e que a bebida os deixara mais amistosos.

Phaedra encontrou a única vela mandada junto com os víveres e a acendeu. Sentou-se em um canto onde a brisa noturna não a apagaria. Ouviu Elliot se mexer lá embaixo, talvez na tentativa de achar algum conforto no chão tendo apenas um cobertor sob o corpo.

O corpo dela ainda não tinha se acalmado totalmente desde que ele partira, nem seus pensamentos se afastaram muito dos últimos minutos que tinham passado juntos. Uma pulsação quente continuava a se fazer sentir, atraindo sua atenção. Normalmente ela só tinha que lutar contra isso quando Elliot estava por perto, contudo seu corpo parecia saber que estava perto o bastante e não lhe daria alívio. Seus seios continuavam rígidos e cheios, com os mamilos reagindo a cada roçar do tecido do vestido.

A última conversa deles a desarmara. Agora só conseguia pensar em lorde Elliot de forma gentil. Ele entendera mais do que ela mesma. E não a olhara com pena – em vez disso, expressara uma preocupação verdadeira com esse lado menos perfeito da vida dela.

Ela mentira um pouco para poupar Artemis da censura daquele homem; entretanto, a julgar pelas reações dele, isso fora desnecessário. A verdade era que Artemis estivera correta em suas crenças, mas nem sempre em seus métodos. Ficar sozinha aos 16 anos fora algo devastador e amedrontador, muito mais do que Phaedra admitira. Ela sentira como se a mãe a tivesse jogado de um barco no meio do oceano, simplesmente esperando que ela soubesse nadar.

Phaedra perdoara a mãe por esse engano fazia anos, porém duvidava que outras pessoas fizessem o mesmo se soubessem daquele frágil ano tão carregado de grandes erros. A verdade seria mais uma prova para o mundo de que Artemis Blair não tinha sido uma boa mãe, nem ao menos uma mulher normal.

Elliot já não fazia mais barulho lá embaixo, embora ela pudesse jurar ouvir sua respiração. Ele não teria conseguido pegar no sono tão rápido, disso ela sabia. Phaedra caminhou a passos suaves, numa tentativa de aliviar a forma como seu corpo a atormentava. Tentou harmonizar a ideia de que o desejo não era somente físico agora, mas também um anseio por aumentar a proximidade que sentira com ele ao compartilhar suas confidências e o perigo.

Levou as mãos aos seios. Os estímulos se juntavam, aumentavam e desciam por seu corpo. Fechou os olhos para tentar domá-los e ouviu a lição dada por sua mãe sobre desejo.

O prazer carnal é uma necessidade tanto de homens quanto de mulheres. Não negue seus desejos, só fique atenta a quem escolhe como parceiro. A maioria dos homens são conquistadores em sua essência. Busque os poucos mais esclarecidos que alçaram um lugar acima da maldição primitiva. Se decidir ter prazer com um conquistador, certifique-se de lhe dar somente seu corpo e apenas temporariamente. E nunca, nunca sucumba à ilusão de que pode mudar esse homem.

Phaedra imaginou o homem lá embaixo. Ele se fora apesar de terem estado juntos em um cômodo saturado do desejo de um pelo outro. Elliot podia ser um conquistador, porém não era tolo. Entenderia que ela não cederia nada, exceto o que decidira ceder. Ela faria questão de deixar essa parte bem clara.


CAPÍTULO 11

Elliot se preparou para passar uma noite tendo apenas os próprios pensamentos por companhia. Com um pouco de sorte, logo pararia de ficar imaginando a mulher do andar de cima.

Esforçou-se para pensar no mundo que descrevia nos livros. Não precisava de seus papéis para se aventurar por lá. As notas e os esboços preliminares eram registros de suas ideias, não lembretes. Toda a informação estava em sua cabeça, acessível a qualquer momento. Já tinha passado muito tempo por lá, escapando do tédio quando alguma conversa o incomodava.

Seus irmãos, Christian e Hayden, também tinham câmaras secretas em suas mentes. Quando se aventuravam nelas, fechavam as portas atrás de si e se isolavam por completo da realidade. Somente ele fora abençoado com a capacidade de entrar e sair a seu bel-prazer, como se a porta permanecesse entreaberta. Elliot sempre conseguia manter contato com o mundo real.

Naquele exato momento, contudo, isso não era uma grande vantagem. O mundo externo com o qual não perdia contato consistia de uma frustração física que não se aquietava. Especulações em relação aos movimentos acima o perturbavam. Seu sangue ruim calculava o custo para sua honra e seu orgulho se ele dominasse primeiro e corrigisse depois.

De alguma forma, conseguiu deixar tudo isso do lado de fora, perto da porta, mas sem interferir tanto em seus pensamentos. Voltou sua concentração para as informações sobre práticas funerárias que coletara das antigas histórias romanas.

– Elliot.

Ele abriu os olhos. Cada parte de seu corpo entrou em estado de alerta. Ela poderia estar a centímetros dele, tão nítido fora o chamado. As pedras das paredes e dos degraus tinham transportado sua voz para baixo. Ela nem tivera que elevar o tom.

Phaedra não falou de novo. Só pressupôs que ele tivesse escutado. Ou talvez soubesse que ele responderia ainda que o chamado tivesse sido feito só na mente dela.

Talvez ela só precisasse de ajuda com a vela. Ou talvez tivesse visto algum movimento de uma das janelas e pressentisse problemas provocados por seus carcereiros. Ele podia simplesmente perguntar dali, mas não faria isso, apesar de saber que se afastar de novo seria quase impossível.

Acreditando que Phaedra era esperta demais para brincar com fogo, ele subiu as escadas.

Luzes vagas e sombras escuras dançavam pelas pedras das paredes e da abóbada no cômodo superior. O cobertor pendurado separava um canto numa cortina improvisada. A única e grande vela queimava devagar, suas chamas acrescentando lampejos dourados aos frios raios do luar.

Todas as tênues fontes de luz se juntavam e se intensificavam em um lugar. Uma estátua pálida as absorvia para aumentar a exibição sensual do cobre abrasador e da porcelana branca.

Phaedra estava de joelhos na esteira de palha, apoiada nos calcanhares. Olhava para a escada e para ele. Elliot parou ao vê-la, momentaneamente boquiaberto com sua beleza e ousadia.

Estava nua. Suas madeixas ondeavam pela pele desnuda. Pareciam fitas de seda que se dividiam para deixar ver partes de ombros alvos como leite, de braços macios, seios arredondados e quadril curvilíneo.

Ela deixou que ele observasse um bom tempo, sabendo que uma torrente se armava dentro dele, admitindo com o olhar que sentia o mesmo desejo.

Juntou os cabelos e os jogou para trás, expondo o corpo todo. Seus seios estavam empinados e cheios, com os mamilos róseos rígidos.

– Podemos ter prazer juntos esta noite, se quiser – disse ela.

Ele arrancou o casaco e andou até onde ela estava.

– Se eu quiser? Eu quero possuí-la desde a primeira vez que a vi.

Phaedra relaxou e esticou o corpo nu a seus pés, observando enquanto ele tirava a camisa.

– Não será assim. Possuiremos um ao outro.

– Como queira. Não me importo nem um pouco com os termos dessa rendição.

Naquele momento ele não se importava com absolutamente nada, exceto o desejo que ficava mais forte e convincente a cada instante. Caiu de joelhos ao lado dela.

– Não é uma rendição, Elliot. É uma trégua. Uma noite para gozarmos de nossa amizade.

Ela o ajudou a desabotoar a calça.

As mãos dela o fizeram enlouquecer de excitação. Ele olhou para aquele corpo feminino nu, tão vulnerável e acolhedor. Imagens entraram em sua cabeça e a urgência acelerou sua pulsação. Se ela considerava isso amizade, não conhecia os homens muito bem.

– Com certeza, Phaedra. É claro.


Ele não quisera dizer isso. A alma dela sabia, mas, naquele momento, Phaedra não se importara.

Ele estava lindo e sensual. Até ajoelhado ele era alto. Seu tronco e seus ombros nus se avolumavam acima da esteira de palha e dela, fazendo-a pequena e... vulnerável. Essa sensação era nova. Nunca vivenciara algo assim antes de conhecer aquele homem. Não era uma sensação desagradável. Ela se deixou sentir prazer nessa condição porque sabia que ele não representava um perigo real.

A luz deixava a pele dele cor de bronze e ressaltava seus músculos. Não havia nada de suave para se ver nele. Nem no corpo nem no rosto. Nele, a paixão tornava os traços de família ainda mais duros, mesmo sendo o Rothwell mais afável. O cabelo escuro, solto e despenteado pelas aventuras do dia, caía em mechas sobre a testa e o rosto. Seus olhos se tornaram cristais negros quando ela começou a ajudá-lo a se despir.

Elliot afastou as próprias mãos, deixando que ela fizesse o trabalho sozinha. Só olhou para baixo, talvez desafiando-a a prosseguir, testando se ela recuaria.

Ela não se apressou. Seus olhares ficaram conectados. Sensações maravilhosas davam vida ao corpo dela. A excitação era mais intensa por saber o que estava por vir. A expectativa cresceu entre eles de forma tão maravilhosa que se tornou um dos maiores prazeres que ela jamais experimentara.

Depois de despi-lo da calça, ela levou a palma da mão até o abdome dele, saboreando o toque de sua pele e daquela combinação tão masculina: uma superfície macia sobre uma sustentação rígida. Ela amava a forma como o desejo intensificava todos os sentidos, inclusive a intuição que lhe dizia quanto ele adorava aquele toque e como o resto da realidade desaparecia por completo para ele também.

Quando não conseguiu subir mais, desceu a mão de novo, chegando a sua roupa íntima. Com carícias suaves, ela a puxou para baixo, fazendo o tecido se avolumar em seus joelhos e libertando-o. As pontas dos dedos dela faziam o reconhecimento de seu corpo, centímetro por centímetro. Ela deslizou as mãos e as pressionou nas partes protuberantes do quadril e das coxas dele. Com a ponta dos dedos, alisou sua ereção inteira até a cabeça do pênis, envolvendo-o com suavidade, depois o acariciou de forma mais agressiva.

Elliot tentou conter a sensação que isso provocou, mas ela pôde ver a fúria sensual que o dominava. Todo ele ficou mais duro. Seu rosto e olhar, seu corpo inteiro ficou mais rígido.

– Você corre perigo de ser tomada sem cortesia nem cerimônia, Phaedra.

Ela avaliou a ameaça e a excitação do próprio corpo.

– Não me importo. Estou mais do que pronta também.

Ele se juntou a ela no cobertor e empurrou as roupas para longe. Posicionou seu corpo nu por cima do dela, apoiando-se nos antebraços ao lado dos ombros dela.

Um beijo. Profundo e íntimo, tão lento e sedutor que um anseio estranho e doce venceu sua impaciência. Phaedra afastou as pernas para que ele se aninhasse, instintivamente convidando-o a se unir a ela naquele momento para que talvez a noite toda fosse comovente.

Ele olhou para ela.

– Você é uma mulher muito generosa.

– Generosa, não. Quando a mulher é sincera nesses prazeres, ela ganha também.

– Esta é uma visão admirável e democrática. Só que você não está sendo sincera e me encoraja a ser um amante ruim por causa disso.

– Reconheço minha condição carnal da forma mais sincera.

Tão sincera que essa demora a enlouquecia. Ela mexeu o quadril um pouco para encorajá-lo.

A reação dele foi leve, sutil, mas devastadora. Ele empurrou, mas não tudo. Ela o sentiu lá embaixo, tocando-a de leve, uma provocação terrível e maravilhosa.

Ele a beijou no pescoço e nos ombros.

– Você disse que estava mais do que pronta – falou, administrando o calor daquele deleite. – Não foi verdade, mas talvez tenha falado por ignorância.

A indignação se infiltrou em sua mente, que só pensava nos formigamentos maravilhosos que atingiam seu sangue.

– Não sou ignorante. Acho que isso é óbvio.

Ele suspendeu o tronco, de forma a poder acariciá-la. Observou as pontas dos próprios dedos traçarem levemente uma linha em torno da base e do volume do seio, assim como ela havia feito há pouco no quadril e nas coxas dele.

– Uma mulher mais do que pronta não fica tão controlada quanto você continua. Você não está nem perto de estar pronta como poderia estar. Se não é ignorante, sabe disso. Mas talvez você tenha medo de se abandonar à sensação.

Ele esfregou o mamilo dela. Um tremor profundo a sacudiu, ressoando dos pés à cabeça. O corpo dela ansiava por empurrá-lo fundo para dentro e escapar daquela tortura sensual, por mais deliciosa que fosse.

Ele tocou o seio dela com mais força, esfregando o bico, fazendo os tremores se repetirem com intensidade crescente. Phaedra começara essa sedução confiante e ousada. Agora a onda dessa vulnerabilidade tentadora afastava seu autocontrole.

Ela não conseguia mais resistir à maré de prazer. Elliot pareceu perceber que ela tentava. Saiu do corpo dela como se anunciasse que era ele quem decidiria quando ela estaria pronta. Deitado ao lado dela, apoiado no braço rígido, ele a acariciou devagar e seguro de si, seu toque possessivo percorrendo toda a pele dela.

Seus seios ansiavam para que suas mãos voltassem ali. O outro prazer e os estímulos que ele causava pioravam tudo ainda mais. A frustração a deixava quase louca. Ela nem conseguiria abraçá-lo naquela posição, ficava exposta e submissa ao seu olhar e a suas mãos mal-intencionadas.

Phaedra não podia abraçá-lo, mas podia tocá-lo. Nem todo o corpo dele estava fora de alcance. Ela buscou a parte interna da coxa de Elliot com a mão direita. Acariciou-o com movimentos para cima, certificando-se de que não perderia o controle sozinha.

Ele reagiu como esperado, da forma como ela ansiava. Elliot acariciou seus seios de uma maneira tão perfeita, tão completa, que a fez quase perder a sanidade. O prazer insuportável ficou maravilhosamente pior e o desejo por mais tomou sua mente.

Ele baixou a cabeça e levou a boca ao seio dela. Uma nova sensação percorreu seu corpo. Uma sensação doce e intensa e tão poderosa que a fez perder contato com a realidade. Phaedra agarrou os ombros dele em um abraço selvagem para que não ficasse sozinha em seu abandono. Sua mente se obscurecera e ficara tão focada que apenas uma vaga percepção do mundo ao redor se esgueirava por ela. Sons ecoavam as súplicas em sua cabeça e as necessidades que a devastavam. Pegadas fortes e beijos violentos a levaram mais fundo nessa sensação pura.

Um toque diferente, bem-vindo e temido e tão necessário que ela pensou que desmaiaria de alívio. Sua consciência gritou. Ela abriu mais as pernas para que ele não parasse. Arrepios profundos se acumulavam lá e se espalhavam, aumentando a tortura até ela querer implorar por alívio.

Então lá estava ele com ela de novo, aninhado entre suas coxas como tudo tinha começado, empurrando de leve daquela forma incompleta e enlouquecedora. Ele a beijou com um jeito selvagem ao penetrá-la, engolindo seu gemido de alívio.

Estocadas fortes, profundas e plenas, a levaram ao gozo. A explosão singular de prazer a embebedou de paz e de uma sensação perfeita. Flutuou nela, espantada com a violência do clímax e com a materialidade do êxtase.

Phaedra foi voltando devagar da escuridão sagrada de sua mente. Seus braços sentiram os ombros que ela abraçava e suas pernas, o quadril que circundavam. Ele permanecia teso e pleno dentro dela.

Por entre os cachos úmidos, ela viu os olhos dele, ainda quentes e firmes em sua rigidez sensual.

– Você parece bem satisfeita, Phaedra.

Tão satisfeita que ela pensou que nunca mais poderia se contentar com menos.

– Com toda a certeza.

Ele se mexeu devagar, descrevendo um longo caminho na carne ainda intensamente viva após o clímax.

– Acho que nunca conheci uma mulher com tanta facilidade de ter prazer.

Ele pousou um beijo firme em seus lábios. Bem dentro dela, a satisfação começou a arrefecer. Novas necessidades acenaram de forma sutil, porém perceptível.

Ele fez de novo. Olhava para baixo, controlado demais, seguro demais do que causava com suas investidas lentas e profundas.

– Acho que nunca fui tão possuído por uma mulher antes.

– Não me culpe se não compartilhou a satisfação. Normalmente, há unidade nessas coisas.

– Duvido que já tenha havido unidade com você. Seus amigos encontram o próprio prazer enquanto a ajudam a achar o seu, mas é diferente.

Phaedra viu um insulto nessas observações tranquilas. Se não estivesse tão ligada à potência viril que emanava dele, se os tremores da nova excitação não estivessem preenchendo sua mente, talvez ela achasse as palavras para castigá-lo por sua presunção.

Só que a sensação de saciedade diminuía com rapidez. Lá dentro, desejos ressonantes despertaram, reforçados pela confusão e pelo desespero.

O abandono acenou de novo, mas permaneceu fora de alcance, tentando-a. Ela continuou em contato com o mundo, ciente do homem que se demorava, consciente de que ele também não tirava os olhos dela.

Phaedra mexeu o quadril para encorajá-lo. Mais rápido. Ele acariciou a nádega direita dela e a puxou, detendo-a.

– Você disse que nós possuiríamos um ao outro, e eu quero possuí-la devagar.

– Foi muito indelicado da sua parte não se saciar junto comigo.

Ela nem sabia que um homem podia controlar suas vontades a esse ponto.

Obteve um sorriso quase imperceptível em resposta. Sua mão soltou a nádega dela. Phaedra pensou que ele houvesse se rendido. Em vez disso, ele levou a mão às costas e soltou a perna dela de seu quadril.

Moveu a outra perna também e empurrou as coxas dela unidas para baixo dele. Quando se mexeu dentro dela de novo, o prazer se concentrou e espiralou tão nítido que ela perdeu o fôlego.

As sensações a deslumbraram, a venceram. Ela não podia negá-las, então se rendeu. Porém, desta vez o clímax foi diferente. Phaedra não perdeu o contato com o mundo. Ouvia os próprios gritos. Ficou embebida na aura dele. A vulnerabilidade voltou, mais matizada, ainda excitante, porém levemente assustadora.

Ele não perdeu o controle, não sucumbiu. Mesmo quando suas estocadas ficaram mais rápidas e mais fortes, mesmo na hora em que ela gritou em êxtase, Phaedra sentiu que ele controlava seu poder até o fim.

Dessa vez houve unidade. Ela não chegou sozinha ao clímax. Na verdade, ele pareceu mais presente. Um alívio glorioso a despedaçou como um raio parte uma árvore, porém ele permaneceu a seu alcance durante todo o tempo.

Após o coito, à medida que a alma dela tentava recolher os cacos de seu autocontrole e ela lutava para recompor a mulher que conhecia, receios penetraram seus pensamentos. Ela o sentia em seus braços, seu corpo cobrindo o dela. Ele estava exausto, satisfeito e quieto, mas inteira e estranhamente real.

Phaedra nunca se sentira em desvantagem em situações assim antes. Envolta em êxtase e saciedade, ela examinava sem pressa essa nova situação. Tentava decidir o que significava e como tinha acontecido.

Com certeza, essa misteriosa sensação de desprendimento desapareceria quando ele fosse embora. Tinham sido só a noite, a escuridão e o prazer que a haviam causado.

Ele se apoiou nos antebraços, tirando o peso de cima dela. O olhar dele a invadiu muito fundo e de forma tão calorosa e intensa que ela se perguntou se ele estaria tentando deixar uma marca de fogo em sua mente. Depois ele rolou de cima dela e se deitou de lado. Logo caiu no sono com o braço por cima dela.

Elliot pretendia passar a noite ali. Ela nunca permitira isso com seus amigos, mas não conseguiria acordá-lo e pedir que descesse para deitar no cobertor sobre as pedras no cômodo embaixo. Porém...

Phaedra olhou para as luzes bruxuleantes que brincavam nas pedras acima dela. O olhar dele tinha sido cálido e tocante durante o último e longo olhar, mas também exigira que ela reconhecesse a força da união dos dois. Carregara a profunda intimidade que ainda os unia e se negara a deixar que ela se desvencilhasse de seu abraço.

Porém, tinha havido mais do que isso, algo que ela nunca vira nos olhos de um homem antes, pelo menos não em um que a olhasse.

Ela vira os olhos de um conquistador.

E se perguntara o que ele erroneamente achava ter conquistado.


A porta da mente dele permanecia entreaberta. Elliot a ouviu suspirar e murmurar enquanto dormia. O sol começava a nascer e ela despertaria em breve. No momento, ele aproveitava a paz, a companhia e o ar frio em seu corpo, deixando a mente concluir suas reflexões sobre outras coisas.

Um som o despertara, dando uma vaga indicação do novo dia que começava. Agora ele espiava pela luz prateada à medida que um objeto tomava forma. Havia mais uma cesta no cômodo, bem à direita, no alto das escadas. Uma das senhoras tinha trazido mais víveres.

Phaedra despertou devagar como um gato ronronante. Ela se encolheu e depois se esticou em sua elegância nua e se virou para o outro lado, dando a Elliot a oportunidade de admirar o belo contorno de suas costas e de seu quadril.

Ela parecia muito doce naquele momento e mais jovem. Despida de seu hábito negro, liberta da armadura com que enfrentava o mundo, ela o espantava com sua aparência frágil. A noite anterior revelara esse outro lado de sua alma de uma forma inconfessa e inexplicada. Sua paixão tinha sido ao mesmo tempo experiente e ignorante, ao mesmo tempo segura e amedrontada. Ele experimentara a fraqueza e a suavidade que ela não ousava mostrar ao mundo. Phaedra levava uma vida baseada em símbolos na qual tais contradições não eram permitidas.

Ele a queria de novo, porque ela estava muito bela ali de manhã e porque a Phaedra nua, despida e desarmada, o fascinava. Imaginou que continuaria a desejá-la por muito tempo. Calculou tempo e lugar, dia e noite, tendo as lembranças de seus abraços a tentá-lo.

Num instante ela se pôs alerta, como se tivesse ouvido os pensamentos dele. Deitou-se de costas e, através de pálpebras semiabertas, avaliou onde estava e com quem. Um vago rubor tingiu seu pescoço, descendo até os belos seios. Os mamilos endureceram, mas não por causa da fria brisa marinha.

O constrangimento a fez parecer uma menina insegura. Lorde Elliot se perguntou que pensamentos causaram o franzir de seu cenho ao olhar o próprio corpo. Ela não estava tão atrevida agora, sem a escuridão para transportar os acontecimentos para outro mundo.

Elliot puxou algumas roupas para que ela não fosse obrigada a sair de onde sua escolha a deixara. Ele lhe entregou o monte de tecido negro que era seu vestido. Phaedra se sentou e o passou pela cabeça.

Ele se sentou ao lado dela na esteira. Imaginou se Phaedra mencionaria os acontecimentos da última noite e o que ele deveria dizer quando ela o fizesse. Ela não era uma mulher que esperasse gratidão ou desculpas. Certamente não esperaria que ele lhe oferecesse dinheiro ou qualquer tipo de pagamento. Ela não esperava absolutamente nada dele e levaria a mal qualquer proposta.

– Você tem Alexia – disse ele. – Ontem você falou sobre estar só, mas Alexia é uma amiga leal.

As palavras de Phaedra tinham ecoado na cabeça dele naquela manhã enquanto ficara deitado ao lado dela. Ele se perguntara sobre suas amigas na infância, duvidando de que tivesse alguma. Imaginava que poucas mães permitiriam às filhas serem amigas da filha de Artemis Blair.

Phaedra se esticou para lhe dar um beijo no rosto. Ele supôs que, em algum momento ao longo do dia, a intimidade entre eles chegaria ao fim e Phaedra consideraria a noite da véspera como passado. Agora, contudo, com um gesto ela o fazia entender que achava a preocupação dele, no mínimo, encantadora.

Ele aproveitou a oportunidade para passar o braço em torno dela. Sentado assim numa cama de palha, com as costas apoiadas na parede, a cabeça de uma bela mulher no ombro e os sons e cheiros do mar entrando em lufadas pelas janelas, não seria um jeito ruim de passar o dia.

– Ela fez com que seu irmão permitisse nossa amizade – disse. – Quando Alexia negociou o casamento, ela o fez prometer. Eu tinha imaginado que... Cheguei a recusar o convite de casamento. Escrevi a ela dizendo que isso só causaria problemas com o marido. Ela me respondeu explicando o que conseguira.

Phaedra inspirou profundamente. Sua voz saiu mais fraca quando voltou a falar.

– Chorei ao ler a carta. Foi o gesto mais nobre que qualquer amiga já fez por mim. Preocupar-se comigo naquele momento... Ainda acho difícil de acreditar que seu irmão tenha concordado. Não sou uma mulher que a maioria dos homens deseje como amiga de suas esposas. Uma cortesã seria mais bem-vinda nas salas de estar das famílias elegantes de Londres.

Elliot imaginou que a generosidade do irmão fazia parte de uma estratégia maior. Phaedra Blair era uma concessão pequena para Hayden nas negociações para ficar com a mulher que desejava.

Não ajudaria colocar as coisas dessa forma.

– Hayden nunca foi escravo das regras da sociedade. Ele quer que Alexia seja feliz e sabe que a amizade dela com você não representa qualquer perigo.

– Se ele acredita nisso, o amor o deixou tolo. Não me ressinto com os pais e maridos que não permitem que eu seja recebida, Elliot. Se eu fosse eles e acreditasse no que eles acreditam, estabeleceria as mesmas regras.

Elliot olhou para o topo da cabeça dela. O cabelo parecia mais dourado do que ruivo agora, na luz cristalina da manhã. Ela não queria sua piedade por sua infância solitária. Não esperava que o mundo se transformasse para se adaptar a ela. Só queria que a deixassem quieta para que conduzisse suas crenças como lhe aprouvesse.

Entender isso acrescentou ternura à satisfação que ele sentia naquele momento. Infelizmente, deixá-la quieta seria quase impossível.

– Lorde Elliot.

O chamado de Carmelita não veio das escadas de pedra. Ela estava lá embaixo, do lado de fora da torre. Pelo menos uma das senhoras tinha se intrometido mais cedo e agora faziam uma tentativa de não repetir isso.

Ele se levantou e olhou para fora da janela. As cinco senhoras estavam em volta de Carmelita, falando baixo e ainda montando guarda.

– Lorde Elliot, o signore Greenwood está chegando.

Ela fez um gesto indicando a parte baixa do promontório, para além dos homens que acordavam.

Greenwood passava pelo cais, agora cheio de barcos de pesca. O barulho da cidade lembrou a Elliot por que nenhum deles fora para o mar. Era o dia da festa de San Giovanni.

Os homens deram passagem a Greenwood. Ele lhes disse algo ao passar. Acenou para Elliot quando o avistou na janela. Seu sorriso e andar lépido indicavam que trazia boas notícias.

Ele cumprimentou Carmelita e as senhoras com uma mesura, depois olhou para cima.

– Você e a Srta. Blair têm muitas razões para me agradecer, Rothwell. Fui tão habilidoso, tão brilhante, que mereço um cargo nas relações exteriores.

– O senhor convenceu aquele idiota a pôr fim nisso? – perguntou Carmelita.

– Fechei um acordo. Um tão bom que as senhoras não precisarão mais oferecer seus préstimos.

Carmelita explicou às senhoras o que ele dissera, porém elas relutaram. Uma pequena discussão se seguiu, mas Carmelita as convenceu. Todas as mulheres começaram a caminhar de volta para a cidade.

– Vou subir e explicar – disse Matthias, desaparecendo no limiar do portal.

Elliot se virou para Phaedra. Ela se parecia de novo consigo mesma: composta, orgulhosa e singular. O tecido preto cobria o corpo que ele possuíra horas antes. Phaedra se inclinou e esticou o cobertor por cima da palha, eliminando a mais óbvia evidência dos eventos noturnos.

– Eu devia ter me rendido à tentação e acordado você mais cedo – disse ele. – Uma noite assim não devia terminar de forma tão abrupta.

Phaedra deu um sorrisinho nervoso.

– De forma abrupta ou lenta, as noites sempre acabam.

Havia muita coisa que ele gostaria de dizer em resposta, entretanto as botas de Greenwood já se aproximavam do cômodo.

O cabelo branco e o rosto sorridente de Matthias surgiram. Ele parecia muito satisfeito consigo mesmo.

– Trouxe-lhe a chave de sua prisão, Srta. Blair. Infelizmente, para que tudo dê certo, a senhorita tem que deixar Positano imediatamente.


CONTINUA

CAPÍTULO 7

– É uma coleção modesta.

Matthias brilhava de orgulho, apesar de suas palavras.

– Tive a ideia inspirado nos gabinetes renascentistas. É o meu refúgio dentro de casa, cheio dos meus objetos favoritos.

Seu gabinete era uma grande sala quadrada cheia de urnas antigas e ramagens nas paredes de gesso. Além de uma escrivaninha comprida repleta de livros e papéis, o cômodo continha artefatos. O capitel de uma coluna coríntia estava empoleirado em um dos cantos da mesa. Um busto antigo os observava do alto de uma estante de livros. Vitrines com pés, como as das livrarias inglesas, guardavam outros pedaços de peças e antiguidades.

Phaedra caminhava por entre as peças, observando. Randall Whitmarsh a acompanhava, apontando as moedas com as imagens de Júlio César e Tibério gravadas e as pequenas garrafas de vidro.

– Aqui está o grande achado – anunciou Matthias.

Ele abriu uma gaveta, retirou uma trouxinha de tecido e começou a desembrulhar o material.

Surgiu uma pequena estatueta de bronze de uma deusa nua em uma posição relaxada.

– Alguns garotos mergulhavam na enseada e lá estava ela, no fundo da areia. Deve ter ficado lá por 1.500 anos. É grega, tenho certeza. Período clássico. Provavelmente parte de uma carga grega a caminho de alimentar os cobradores do Império Romano.

Whitmarsh levantou a estátua.

– Com certeza um navio naufragou aqui. Deve haver outras peças onde ele afundou, se puder ser achado.

– A água fica profunda rapidamente, o que é muito perigoso – disse Matthias. – Se houver mais peças, elas só vão ser encontradas quando as marés fizerem seu trabalho. Retirei com cuidado as cracas e a melhora foi maravilhosa.

Elliot tomou a estátua em suas mãos.

– É linda. Pretende vendê-la?

– Ainda não sei. Caso decida vender, Whitmarsh poderia pô-la à venda para mim em Roma, não é?

– Ou eu, em Londres – emendou Elliot. – Você conseguiria um preço melhor, não acha?

Matthias sorriu com a indulgência de um mestre. Pegou a estátua das mãos de Elliot.

– E macular o seu sangue com atividades comerciais? Eu não faria isso.

– Não haverá comércio se eu apenas indicar um colecionador. Easterbrook pode até ficar interessado na peça.

Os homens começaram a discutir a data de criação da estatueta e seu valor. Phaedra continuou a andar por entre as vitrines para completar sua visita de reconhecimento.

A coleção de Matthias era muito eclética, como a de um garoto de escola que trouxesse para casa pedaços e peças do mundo que o fascinavam. Uma vitrine continha fragmentos de cerâmica de pouco valor, porém com enfeites primitivos fascinantes. Espirais e formas geométricas se amontoavam sobre as superfícies avermelhadas. Um belo cálice grego intacto ocupava lugar de honra em outra, exibindo o deus Dionísio em um navio em seu interior raso e arredondado.

Prosseguiu até as adagas antigas e partes de armaduras romanas entalhadas e chegou até uma vitrine que continha outros objetos de metal. Essa estava trancada e Phaedra podia entender por quê. Espalhados dentro estavam objetos de ouro e prata e esmaltados, alguns clássicos, outros de épocas posteriores, em que normandos e sarracenos estiveram ali. Pequeninas imagens de deuses romanos e vivas interações de linhas e arabescos disputavam sua atenção.

A vitrine inteira brilhava. Fechos de bolsas, brincos e fileiras de contas de vidro.

– Decidi ficar com minha pequena deusa – anunciou Matthias. – Onde acha que devo alojá-la, Srta. Blair?

Phaedra deu sugestões de lugares onde Matthias poderia exibir a pequena estátua, porém seus pensamentos continuavam na coleção diversificada do seu anfitrião. Ela se perguntava se ele saberia algo sobre camafeus antigos.


De tarde, o Sr. Whitmarsh decidiu pescar, então os cavalheiros desceram a montanha para alugar um barco após a sesta costumeira da cidade. Isso deixou Phaedra com a signora Roviale e a Sra. Whitmarsh.

As damas se sentaram na sala de visitas e tentaram não entediar umas às outras. Quando a Sra. Whitmarsh pediu licença e saiu para escrever uma carta, a signora Roviale abordou o único assunto que achava ter em comum com a outra hóspede.

– É um homem notável, o seu lorde Elliot. Não sou fã de todos os amigos ingleses do signore Greenwood. Eles quase sempre são pálidos demais e reservados a ponto de se tornarem tediosos, e suas mulheres e namoradas também são sem sal e sem assunto. Mas lorde Elliot é ao mesmo tempo bonito e interessante. Un uomo magnifico.

– Lorde Elliot é cunhado de uma grande amiga minha e me acompanha a pedido dela. Não sou sua namorada.

– Veramente? – exclamou ela, depois avaliou Phaedra com frieza. – Talvez, se usasse roupas mais atraentes... Matthias me disse que não está de luto e, por aqui, o preto é mais comum entre as mulheres velhas... E seu cabelo, a minha criada poderia penteá-lo para que não parecesse uma criança nem uma puttana.

“Puttana” tinha sido uma palavra que Gentile Sansoni usara durante o interrogatório. Significava meretriz. Como a signora Roviale não era casada com Matthias, estava enveredando por um campo muito delicado.

– Escolho meus vestidos e meu penteado por bons motivos, signora. Assim não preciso ficar sobrecarregada com criadas nem gasto horas em preparações antes de começar meu dia tão atarefado.

– Aaah, capisco. Entendo.

Ela fez um gesto expressivo, a mão desenhando um amplo arco que incluiu as duas e a casa.

– Mas seu dia está livre hoje. Não está muito ocupada, não é? Não temos nada para fazer enquanto esses ingleses pescam feito camponeses. Ofereço-lhe minha criada; então não ficará, como disse, sobrecarregada.

– Estou muito satisfeita assim, obrigada. Quanto a preencher o meu dia, vou para o meu quarto ler, se me der licença.

– Pode ler outra hora. Acho que é uma mulher que lê demais.

Ela se levantou e acenou para Phaedra, indicando que a acompanhasse.

– Talvez esteja satisfeita em seu vestido, contudo a signora Whitmarsh não está feliz. Ela pensa que você é uma bruxa e que está tentando encantar o marido dela. E você é tão incomum que ela não sabe como competir. É louca por pensar assim, de toda forma posso ver as suspeitas naquele rosto comprido. Nós a deixaremos apresentável e comum para o jantar desta noite, para que ela não pareça ter uma nuvem negra em cima da cabeça.

Revoltada por estar sendo coagida, porém incapaz de pensar em uma desculpa para desfazer o plano de sua anfitriã, Phaedra se levantou. A signora Roviale lhe deu o braço e, com firmeza, conduziu-a escada acima.


Elliot despiu a camisa agora úmida de maresia. Entregou-a ao criado para que fosse lavada, depois foi se arrumar para o jantar. A pesca tinha sido divertida, animada pelos odres de vinho que Matthias tinha jogado no barco.

Saiu para o terraço e apurou os ouvidos. Nenhum som vinha do quarto de Phaedra, portanto supôs que ela já tivesse descido e se dirigiu à sala de visitas. Todos os hóspedes estavam reunidos, exceto a única mulher que ele estava ansioso para ver.

Perguntou-se se ela aproveitara sua ausência para escapar e amaldiçoou a própria negligência. A combinação relaxante de sol e mar e a excitação que não queria deixá-lo o tinham feito esquecer o motivo de ter Phaedra em sua companhia.

Conversou com Whitmarsh e Greenwood. Cada minuto que passava aumentava suas suspeitas da fuga de Phaedra. Estava prestes a perguntar à signora Roviale sobre as atividades da Srta. Blair naquele dia quando Whitmarsh de repente parou de falar e olhou fixo por sobre o ombro de Greenwood. A expressão no rosto dele fez Elliot olhar na mesma direção.

Greenwood virou a cabeça.

– Meu Deus. É a nossa Srta. Blair?

Aparentemente, sim, exceto que aquela Srta. Blair não se parecia muito com a que Elliot conhecia. O vestido preto substituído por um azul-celeste, com um fita marfim e mangas curtas bufantes no ombro e justas no braço. O cinto de seda marcava sua cintura e o decote revelava a pele muito alva do pescoço e dos ombros, destacando o arredondado firme e elegante de seus seios.

O cabelo também tinha sido penteado e preso. Sem mais flutuar solto, formava um penteado com cachos e trançados que a deixavam muito na moda. Usava um pouco de maquiagem no rosto, ou talvez a atenção que despertara a tivesse feito enrubescer.

– É ainda mais bela do que a mãe – sussurrou Whitmarsh. – Se pode ficar bonita assim, por que se esconde naquele hábito de freira?

Elliot sabia por quê. O motivo agora enchia a sala de visitas. O silêncio caiu conforme os homens a olhavam e as mulheres a avaliavam. Elliot andou pelo meio dos outros para poupar-lhe o incômodo de continuar a ser o espetáculo da noite.

– Está muito bonita hoje, Srta. Blair. Vamos pegar um pouco de vinho.

Ela o acompanhou até a criada que servia as bebidas. O grupo retomou suas conversas.

– A signora Roviale fez isso tudo. O vestido é dela – contou Phaedra. – A mulher é implacável. Não havia como escapar.

Ele lhe entregou um cálice de vinho.

– Foi gentileza da sua parte ceder.

Ele se esforçava para que seu olhar não resvalasse para a protuberância branca acima do decote do vestido. Queria lamber e mordiscar aquela pele de leite que surgia além da fronteira azul-celeste.

– Levou horas. Tinha me esquecido dessa parte. E esse espartilho... bem, você pode imaginar como meu pobre corpo não gosta disso.

Não exatamente. Contudo ele podia imaginá-la de camisa e meias, antes de pôr o espartilho, e depois de vesti-lo, quando ainda não houvesse colocado o belo vestido.

– Acredito que, com a prática, fique mais fácil.

– Não vai haver prática. Essa experiência acaba junto com o jantar. Só rezo para que não desmaie antes disso. Mal posso esperar para ser liberada dessa tortura. Para começar, é insuportavelmente quente. Descobri que os árabes usam roupas soltas em climas quentes por um bom motivo. Além disso...

De repente, no meio da frase, suas reclamações pararam. Ela enrubesceu violentamente, como se visse nos olhos dele o que se desdobrava em sua imaginação, o vestido caindo, o espartilho se abrindo e o corpo dela sendo revelado. O traje dava uma visão melhor desse corpo do que seus vestidos pretos, e ele a imaginava nua com muito mais nitidez agora.

Whitmarsh se aproximou exalando charme. Greenwood não perdeu a Srta. Blair de vista enquanto falava com os outros. Ela respirou fundo e partiu para encantar a todos com seu brilho e sua beleza.


Phaedra pretendia escapar direto para seu quarto ao final do jantar, para tirar aquelas roupas desconfortáveis. Mudou de ideia ao ver Matthias Greenwood andar em direção a seu gabinete. Em um impulso, ela o seguiu, alcançando-o no momento em que abria a porta.

– Sr. Greenwood, posso falar com o senhor em particular? – solicitou Phaedra.

– Com certeza, Srta. Blair. Venha comigo. Terá toda a minha atenção aqui.

Ela aceitou sua acolhida e sentou-se na cadeira que ele lhe indicou, ao lado da mesa. Encarapitada lá, sob seu exame tutorial, sentiu-se como uma aluna pleiteando uma vaga na universidade.

– Sr. Greenwood, na Inglaterra eu vinha conversando com pessoas que conheceram minha mãe. Tenho algumas perguntas sobre fatos que aconteceram no final da vida dela. O senhor a conheceu também e seu nome foi mencionado várias vezes. Algumas delas sugeriram que talvez pudesse me ajudar.

– Algumas delas...?

– Amigas de minha mãe. Mulheres que me ajudaram a relacionar as pessoas que faziam parte do convívio social de minha mãe e coisas afins.

– Ajudarei como puder, entretanto não era um amigo próximo. Minhas funções na universidade não me permitiam vê-la com muita frequência.

– Entendo. Contudo é sua distância relativa que pode ter possibilitado ao senhor enxergar com mais clareza do que os amigos mais íntimos.

Ele pareceu cético, mas se mostrou prestativo.

– O que precisa saber?

– Talvez o senhor considere minhas perguntas um pouco ousadas.

Ele riu.

– Ficaria desapontado se não fossem. Se a senhorita está correndo o mundo atrás de respostas, imagino que as perguntas não sejam banais.

Seu bom humor tornava tudo mais fácil. Ela decidiu começar com a pergunta mais ousada de todas.

– Alguma vez suspeitou que minha mãe tivesse um amante nos últimos anos de vida?

Ainda que ele esperasse ousadia, a pergunta o deixou um tanto sem jeito. Sua expressão sempre bem-composta se alterou, ficando próxima do constrangimento.

– Não tive indícios para pensar isso. No entanto... Bem, quando conheci sua mãe, Drury era uma presença constante, mas parecia menos presente por volta do último ano.

– O senhor sabe quem era o outro homem?

Os olhos dele ficaram mais cálidos, demonstrando simpatia. Seu sorriso era o de um tio para a sobrinha preferida.

– Nem sabia se havia alguém. Tem certeza de que houve?

– Meu pai achava que sim.

– Os homens podem errar em relação a essas coisas. A paixão esfria, a distância aumenta... Ele pode ter interpretado errado.

Ela sabia dessa possibilidade. Matthias não era o primeiro a mencioná-la. Vários amigos de sua mãe sugeriram a mesma explicação. Ela mesma também nutria a esperança de que fosse apenas isso.

– Há alguém que o senhor teria considerado provável?

Ele balançou a cabeça.

– É tão importante saber o nome ou mesmo se a suspeita se confirma?

– Se tivesse sido um caso normal, eu diria que não.

Ele esperou pacientemente que ela continuasse, nem encorajando nem desencorajando outras revelações com seu comportamento reconfortante. Ela entendeu por que Elliot gostava desse homem. Havia algo em Matthias Greenwood que inspirava confiança e estimulava confidências. Sua franqueza era tamanha que afastava até a menor possibilidade de dissimulação.

– Minha mãe me deixou um camafeu – contou ela. – Seu testamento dizia que era originário de Pompeia. Sua intenção era que ele me desse alguma segurança financeira, e sempre supus que daria. No entanto, antes de meu pai morrer, ele alegou tratar-se de uma joia falsa, vendida a minha mãe pelo amante.

Matthias franziu o cenho, a preocupação evidente em seu olhar.

– A senhorita depende do valor desse camafeu?

– Minha situação financeira ficou mais complicada nos últimos tempos. Talvez eu precise vendê-lo. Contudo, se for falso...

– Valerá uma mera fração do que ela imaginava e provavelmente do que pagou. E a senhorita também não pode vender a peça antes de ter certeza, a menos que queira se arriscar a fazer parte de uma fraude.

– Exatamente.

– Entendo seu dilema. Lamento que sua herança esteja em questão. Se um admirador tirou vantagens indevidas de Artemis, o canalha deveria ser enforcado. Ela era muito generosa com todos que conhecia, mas... bem, talvez ingênua demais e lenta demais para perceber que alguns teriam interesse em se aproveitar dela.

Ele lhe lançou um olhar que pedia desculpas pela leve crítica.

– Talvez ela tenha sido mesmo ingênua demais, Sr. Greenwood. E sua generosidade significa que ela deixou pouco mais em herança além do camafeu. Suponho que eu poderia guardá-lo como lembrança, contudo, se ele simboliza o roubo de sua afeição e de seus recursos, não terá nenhum valor sentimental para mim.

– Eu pediria para ver o camafeu se pudesse afastar suas preocupações, no entanto confesso não ter muito conhecimento nessa área. Poderíamos mostrá-lo a Whitmarsh, é claro. Ele conhece muito mais pedras preciosas do que eu. No entanto, faria mais sentido perguntar aos especialistas em Pompeia...

Seu cenho se desanuviou. Ele deu um risinho.

– É por isso que está na península Itálica, não é? É claro. Agora compreendo.

– O senhor acha que posso obter uma resposta concreta lá?

– A mais concreta possível. Como já sabe, as opiniões variam. Escreverei para o superintendente, para abrir caminho para a senhorita. Ele está envolvido em escavações há vinte anos e pode atestar a origem do item, bem como seus sinais característicos de antiguidades.

– Agradeço sua boa vontade em me ajudar. Pergunto-me se posso abusar um pouco mais de sua gentileza. Temo que isso signifique pedir que levante hipóteses que talvez não queira.

– Não sou bom demais a ponto de resistir a fofocas, Srta. Blair. Pelo menos, até certo ponto.

Ela suspeitava de que iria chegar a esse ponto e talvez ultrapassá-lo.

– Se, de fato, esse camafeu, real ou falso, foi dado ou vendido a minha mãe por um homem nos seus últimos anos de vida, o senhor pode pensar em alguém em seu círculo que tivesse acesso a coisas assim?

Seus olhos de águia se obscureceram e ele ficou introspectivo, refletindo demoradamente sobre a pergunta. Phaedra imaginou que ele estaria relembrando as festas e jantares de anos atrás, examinando rostos e reconstituindo conversas.

– Não tenho um nome para lhe dar – disse por fim.

Sentiu o desapontamento, mas não foi um golpe tão duro. Teria sido ótimo resolver o mistério naquele dia, entretanto ela na verdade não esperara mesmo que isso acontecesse.

– Contudo, talvez...

Os olhos de águia de Matthias ficaram reflexivos de novo.

– Olhe bem, estou me lembrando de uma joia que diziam ser originária de um tesouro em Pompeia, só que não pertencia a sua mãe. Lembro-me que sua existência foi discutida durante uma das recepções que ela deu. Pode ser a mesma joia que está agora em sua posse ou talvez seja outra.

– O senhor se lembra do que foi dito na ocasião?

– Não de muita coisa. Não tinha interesse no assunto. Nem mesmo consigo determinar a data da conversa com muita precisão.

Ela olhou por cima de seu ombro para as vitrines.

– Eu diria que o assunto o interessa deveras.

– Não em relação a essa joia específica. Percebi logo que a origem da joia era duvidosa. Qualquer item retirado de Pompeia é propriedade roubada. Não há documentação de sua descoberta lá porque isso revelaria tratar-se de um roubo – explicou e deu de ombros para prosseguir: – Há quem não se importe com esses detalhes e pessoas que acreditam em qualquer história que lhe contem. É assim que comerciantes desonestos fazem fortuna.

– O senhor se recorda de como esse camafeu surgiu? Alguém o estava vendendo?

Ele bateu com os dedos na mesa e pensou bem.

– Foi há tanto tempo... Não quero atacar a credibilidade de ninguém...

– O senhor não o fará. Nem eu. Não farei acusações, a menos que tenha certeza de todos os fatos. Não haverá fofoca, nem difamação ou calúnia. Só quero saber em que direção devo seguir.

– Não me lembro dos detalhes. Mas havia vários negociantes que giravam em torno de Artemis Blair. Dois estavam sempre presentes nos últimos anos. Um, Horace Needly, tem uma reputação ilibada, porém nunca se sabe o que acontece nesse meio. No outro tenho menos confiança, principalmente porque ele evitava conversas com acadêmicos como eu. Isso me fazia pensar se seu conhecimento passaria pela prova de alguém experiente.

– Qual era o nome dele?

– Thornton. Nigel Thornton. Um sujeito bem-apessoado. Bem-sucedido também, se não me engano, contudo suas antiguidades tinham origem duvidosa.

– Obrigada pelos dois nomes. Verei o que posso descobrir quando voltar à Inglaterra. O senhor me ajudou bastante e sou muito grata.

Ela se levantou para ir embora. Ele sorriu ternamente, feliz por ter sido útil.

– Sr. Greenwood, me perdoe, mas... não havia pelo menos mais um negociante no círculo de minha mãe naquela época? O Sr. Whitmarsh. O senhor disse no outro dia que ele vende antiguidades em Roma e...

– Aquilo foi só uma brincadeira entre amigos, Srta. Blair. Desde que veio para cá, sabe-se apenas que passou adiante um ou dois objetos que lhe chegaram por acaso e com os quais ele não tinha intenção de ficar. Nada mais. Já fiz isso também. Não se pode considerar isso comércio – ele foi falando de forma indulgente, enquanto a acompanhava até a porta. – Além disso, ele não se dedicou a esse ramo na Inglaterra, nem mesmo por um período breve. Não ficaria bem, não? Afinal, ele é um nobre.


– Rápido, não aguento mais. Rápido.

Um grunhido profundo seguiu os pedidos da Srta. Blair.

– Ai, assim, hum, que maravilha.

Elliot estava de pé no terraço, com as costas apoiadas na parede da casa. Ele ria por dentro dos gemidos que lhe chegavam pelas portas ao lado das dele. Os sons que Phaedra fazia ao ficar livre, aliviada do vestido e do espartilho, lembravam os de uma mulher que se sentisse livre e aliviada por outros motivos.

Pôde ouvir quando ela dispensou a criada e depois resmungou:

– Que diabos. Nunca mais. As mulheres são loucas de se vestirem assim.

Vagos sons de seus movimentos no quarto eram notados. Ele deu alguns passos no terraço e retomou sua posição, desta vez do lado de fora do quarto dela.

– Sobreviveu, Srta. Blair? Ou ficou deformada para sempre?

Ela esticou a cabeça para fora, procurando-o. Ficou surpresa ao vê-lo tão perto.

– Achou graça, não?

– Nem um pouco.

Sua risada mostrou que era mentira. Ela franziu a testa com vigor.

– Espere aí. Quero lhe falar sobre um assunto.

E ela desapareceu no quarto.

Voltou alguns minutos depois, vestida de preto. O penteado não fora desfeito, então ela ainda não tinha voltado a ser a Phaedra de sempre.

– Por quanto tempo pretende me manter aqui? – perguntou ela.

Suas palavras aludiam a tudo o que ocorrera desde o dia em que ele entrara naquele jardim em Nápoles. A observação continha todos os seus ressentimentos.

– Alguns dias. Mais tempo, se a senhorita quiser. Precisa admitir que este é um lugar bem relaxante.

– Não vim da Inglaterra para repousar.

– Podemos partir em três dias, se desejar. Contudo imaginei que apreciasse a companhia de pessoas que conheceram sua mãe.

Ela foi até a balaustrada e olhou para o mar negro. Elliot observava suas costas, mas o que via, apesar do tecido preto que a cobria, era o corpo nu.

– Confesso que estou gostando da visita mais do que esperava, exceto das imposições da signora Roviale hoje. Apesar de inconveniente, esse desvio em meus planos se mostrou proveitoso. Deveria ter considerado que seria útil... que seria possível e até mais provável conhecer as pessoas do círculo da minha mãe se eu o acompanhasse.

Ele teria questionado o motivo de ela considerar isso “útil” se a noite não estivesse tão agradável e calma e a luz da lua não tornasse Phaedra tão linda.

– O Sr. Greenwood mora aqui há muito tempo? – perguntou ela.

– Ele comprou a casa há uns seis ou sete anos. Só veio morar aqui em definitivo faz quatro anos. Na última vez em que vim, a casa ainda era bastante rústica.

– Imagino que ele conheça todos os especialistas em antiguidades, de Milão à Sicília.

– É bem provável. Não se trata de um grupo tão grande. É natural que busquem a companhia de colegas.

– Então foi um professor universitário que comprou esta mansão, fez melhorias e se mudou para cá. Ele deve vir de uma família abastada.

A avidez de Elliot o deixava impaciente por jogar conversa fora com Phaedra, mas ele lhe concederia isso por enquanto. Afastou-se da parede e se juntou a ela na balaustrada.

– Ele vivia de forma frugal em Cambridge. Um parente lhe deixou dinheiro. Esta mansão provavelmente deve ter custado menos do que uma casa pequena em Londres. Os imóveis aqui não têm o mesmo valor de lá.

Ele admirava o trabalho intricado no penteado da Srta. Blair. Levaria um bom tempo para desfazer tudo aquilo antes de dormir. Tempo de mais. Ele deixaria daquele jeito.

Exceto por um olhar, ela não reagiu à sua proximidade.

– Ele falou como se visitasse as escavações com frequência e conhecesse os arqueólogos lá.

– Espero que sim. Por que está tão curiosa sobre ele?

Matthias tinha idade para ser pai dela e Whitmarsh, quase isso. Ainda assim, a admiração deles pela ruiva naquela noite provocara em Elliot uma desconfiança enciumada que provavelmente não tinha fundamento. Agora a desconfiança surgia de novo, irracional porém nítida, atiçando o desejo com os espinhos da possessividade.

– Há algumas páginas nas memórias de meu pai que levantaram questões sobre os últimos anos de vida da minha mãe. Fiz perguntas a Matthias e estou refletindo sobre o peso que devo atribuir às respostas.

Então era nisso que ela pensava nas horas em que ficava séria e introvertida? Ela havia se aventurado até o terraço, apesar da advertência da noite anterior, mas não para implicar ou desafiar. Ela buscava informações que fossem úteis.

Christian sugerira que essas memórias talvez contivessem revelações que Phaedra não iria gostar de ler. O fato de ela confirmar isso provavelmente era significativo, porém naquele exato momento Elliot não se importava. Ele a desejava e estava ali, naquela noite maravilhosa, com ela, uma mulher que acreditava no amor livre e que não se prendia a regras sociais estúpidas.

A luz da lua tornava sua pele branca quase translúcida. O vestido preto ia até o pescoço, mas ele ainda tinha na mente o volume dos seios dela.

– Às vezes é sensato deixar as perguntas sem resposta.

Ela o encarou, indiferente a quão perto estava de ser agarrada.

– Não acredito que creia nisso. Ou, melhor, não acho que o senhor consiga seguir o próprio conselho. Vi seu rosto quando falamos das referências a seu pai nas memórias. Você não quer que elas sejam publicadas, porém precisa saber se o que há lá é verdade.

Sua postura e suas palavras lançavam um novo desafio. Ele não o aceitaria naquela noite; em vez disso, lidaria com os desafios já existentes entre eles. Haveria tempo o bastante para lidar com este mais tarde.

– Já sei que não são verdadeiras. Mas a senhorita fala de questões sérias, Srta. Blair. Por favor, perdoe-me por deixar essa discussão para outro momento. Um em que a luz do luar, a noite e sua beleza não estejam fazendo minha mente se voltar para outros assuntos.

A expressão no rosto dela foi de pura surpresa. Não se moveu ao encará-lo. O que quer que tenha visto no rosto dele gerou faíscas de temor em seus olhos.

Ela se virou para caminhar em direção à porta.

– Então o deixarei refletir sobre esses assuntos, quaisquer que sejam.

Ele pegou no braço dela.

– Não desta vez, Phaedra.

Elliot a virou para si, segurou seu rosto entre as mãos e beijou a boca que o tentava fazia dias.


Como é que ele... como ousava...

Seu espanto por ser puxada para Elliot foi apagado pelo beijo dele. Mas outra coisa a assombrou: a forma como seu coração deu um salto quando ele a dominou.

Só o beijo já fora suficiente para deixá-la assim. Firme, forte e determinado, o beijo dele continha as advertências da noite anterior. Quero-a implorando por mim. Esse perigo a excita.

Com certeza, aquele perigo a excitava. A forma como sua pegada a dominou gerou arrepios traiçoeiros em seu baixo-ventre. Partes dela começaram a implorar de imediato, pedindo mais, desejando que ele não parasse.

A mente de Phaedra se acelerou. Pensamentos se formavam e desapareciam em rápida sucessão.

Ele nem perguntou. Será que pensou...

Os beijos no pescoço fizeram-na perder as palavras. Uma névoa estonteante e sensual obscureceu o resto.

Isso foi um erro, mas, ah...

O calor da boca de Elliot penetrou em seu sangue, fazendo seu corpo formigar em todas as partes para onde ele fluía. Seus seios ficaram mais cheios e firmes e o sentiram através do tecido do vestido. O contato a excitou mais e ela instintivamente colou o corpo no dele em busca de mais estímulos.

Ele beijou sua boca de novo. Não tão forte dessa vez, apenas seduzindo e conduzindo-a, mas igualmente exigente e confiante em que ela lhe daria tudo o que ele desejava.

A forma como ele a agarrava a atiçava, ainda que ela devesse ter se rebelado. Ela via o perigo, mas não conseguia parar porque era excitante. O corpo de Phaedra seguia para o abandono e a mente já estava fora de controle.

Uma carícia. Que não explorava, não procurava, não pedia nada. Firmes e seguras, suas mãos desceram por suas costas, pelo quadril e as nádegas, reivindicando seu corpo como se ela não estivesse vestindo nada, fazendo-a sofrer na expectativa por mais.

A língua dele entrou em sua boca, percorrendo todos os espaços. Arrepios eróticos tremularam em sua vulva. As mãos dele se moviam por seu corpo, sem reservas. Ela não se importou por se render a um inimigo e lhe dar um espaço que talvez nunca mais retomasse no campo de batalha. A excitação comichava, zunia e pulsava, tornando impossível pensar de forma sensata.

Quero-a implorando por mim. Ah, sim, isso era bem possível. Seus seios estavam tão sensíveis que ela pensou que fosse enlouquecer.

Como se ele ouvisse seus pedidos silenciosos, acariciou seu quadril, o ventre e subiu até os seios. Estava zonza de expectativa ao beijá-lo, incitando-o com sua boca, a língua e o abraço.

Devagar, ele tomou o seio em sua mão. Um intenso frêmito de prazer a dominou. A outra mão dele estava firme em suas costas, sustentando-a e movendo-se para baixo devagar a cada fecho que abria do vestido.

Eu não deveria... isso não deveria...

Um beijo avassalador transformou em poeira a objeção que se formava na mente de Phaedra. Afagos deliberados em seus mamilos a espalharam pelo ar.

Ele deu um passo para trás, separando seus corpos. O brilho da lua banhou a ambos e a luz dourada vinda do quarto dela definiu os contornos de Elliot. Ele não lhe deu tempo para se recompor, para juntar os cacos de sua racionalidade. Levou a mão à gola do vestido e começou a fazer o tecido negro escorregar pelo corpo dela.

Nunca antes um homem a tinha despido. Nunca. Ela não permitia que isso acontecesse. Agora o gesto a deixava em transe, imobilizada. A lenta descida do tecido pareceu a carícia mais erótica da noite. Tudo o que ela conseguiu fazer foi olhar para o rosto de Elliot, sentindo mais do que vendo o desejo que impregnava o ar de potência viril.

As mangas desceram por seus braços e o corpete se afrouxou em seu quadril. Ele levou a mão ao ombro da camisa que ela usava por baixo. Phaedra perdeu o fôlego. Seus seios se enrijeceram ainda mais na expectativa de outro desnudar lento e delicioso.

Porém, de novo ele fez algo que a surpreendeu, afastando o último traço de bom senso que restava nela. Ele não a despiu devagar: em vez disso, arrancou a camisa pelos braços dela. Não foi um movimento impaciente nem apaixonado, mas um gesto que confirmava os direitos do conquistador.

A alma de Phaedra tentou se rebelar, porém não encontrou ancoradouro na maré de prazer que a submergia. A forma como ele olhou para sua nudez absorveu sua atenção de tal forma que ela não se moveu para liberar os pulsos da blusa que ainda restringia seus movimentos.

É só um jogo, essa dança de dominação e submissão. Não significa nada. Não estou cedendo nada, na verdade.

Mas...

Pontas de dedos a esquadrinharam. Palmas das mãos alisaram seu corpo. Ela olhou para baixo, para as mãos másculas de dedos delgados que acariciavam seus seios, estimulando-a e excitando-a da forma mais perfeita. Uma doce loucura tomou sua cabeça e ela enveredou para um prazer sensual cada vez maior. O último fio de autocontrole se desgastava rápido. Ela queria que arrebentasse de vez. Queria que lorde Elliot vencesse o último sinal de resistência que tentava arruinar seu êxtase.

Ele a abraçou de novo, fazendo-a arquear as costas. Beijou seu pescoço e peito traçando um caminho quente que a deixou sem fôlego. Seus dentes e sua boca brincaram com o mamilo, torturando-a com sensações que se espalhavam fundo em seu baixo-ventre e faziam sem corpo implorar enquanto ela gemia baixinho.

Phaedra tentou soltar um braço para enlaçá-lo e mantê-lo próximo, para apoiar-se e senti-lo.

– Não – murmurou ele. – Fique assim.

A tempestade sensual em sua cabeça queria obedecer. O prazer era tão grande que ela não podia parar. Seu corpo estava faminto por mais, por ser preenchido, pela completude que o aliviaria. Parar agora seria impossível, iria contra a natureza.

Porém...

Mesmo em seu abandono, conseguiu ver a situação com um olhar racional. Apesar de sentir um prazer tão intenso que quase doía, ela notou sua sutil submissão e tudo o que lorde Elliot dera por certo desde o primeiro beijo.

De alguma forma, a escrava rompeu suas amarras. Sofrendo de arrependimento e frustração, ela recobrou a voz:

– Você tem que parar agora. Quero que pare.

Ele ficou paralisado. Por alguns momentos terríveis, não se moveu. Depois se endireitou e olhou para ela.

O braço dele a puxou para perto, para um abraço forte. Sua outra mão pousou em seu rosto como no primeiro beijo. As pontas de seus dedos faziam pressão sem a machucarem, mas também sem suavidade.

– E se eu não parar?

Como a maior parte dela não queria que ele parasse, aquilo não chegava a ser uma ameaça. Porém, o fato de ele supor que ela cederia se ele continuasse, de que seria fraca diante de seu poder, devolveu-lhe alguma razão.

– Vai parar – disse ela.

– Confia tanto assim em minha honra?

– Confio em seu orgulho. Uma mulher importunada nunca implorará.

Ele a soltou e se afastou. Tudo em sua aura e em seu rosto dizia que ele poderia puxá-la de volta.

Ela subiu o vestido e se cobriu. Correu para a porta. Seu coração estava aos pulos e seu corpo ainda reagia ao perigo com uma excitação que a surpreendia.

– Não vou parar na próxima vez, Phaedra.

Ela parou no limiar da porta antes de replicar:

– Não acho que haverá próxima vez.

– Haverá, sim.

Ela agarrou as portas duplas e começou a fechá-las.

– Se acontecer, não será por sedução. Eu terei optado por isso antes mesmo do primeiro beijo ou não haverá beijo nenhum.


CAPÍTULO 8

Ele ainda ficou do lado de fora. Phaedra queria abrir a porta para deixar a brisa noturna entrar, mas não se atreveu. Ele poderia interpretar mal.

Ele seria ousado a ponto de entrar ainda assim? Ela se sentou na cama abraçando os joelhos, ao mesmo tempo temerosa e esperançosa de que a porta se abrisse de par em par e lorde Elliot entrasse.

Não se sentia tão dona da situação como agira ao fechar a porta. Sua excitação não ia dar trégua. Seu corpo continuava sensível até ao ar.

Ela não saberia dizer em que momento decidira detê-lo. Tinha sido instintivo, a intuição interferira.

Quero-a implorando por mim.

Não seria possível manter uma amizade com aquele homem. Ele queria vê-la fraca e entorpecida, para que pudesse influenciá-la. Afinal, tivera um motivo para ir atrás dela em Nápoles. Um amigo seu não poderia lhe pedir – nem o faria – que suprimisse aquelas passagens das memórias. Mas um homem que a dominasse e possuísse, um amante que a seduzisse, não hesitaria em usar o poder que essa paixão lhe outorgava.

E tudo isso era uma pena, porque ela o queria.

Nunca desejara um homem assim antes. Não havia nada de confortável nisso. Nada de seguro. Não era a mesma atração que experimentara com seus amigos, não se tratava de um encontro intelectual que permitia outras intimidades.

Ao contrário, o encantamento sensual dele provocava o caos, o mistério e uma estupefação que a deixava sem ar. Ele também sabia disso. Sabia que sua mera presença era um feitiço.

Sua excitação aos poucos se acalmou até virar um formigamento, o mesmo desconforto que vinha sentindo há dias. Por fim, o terraço e o quarto ao lado ficaram em silêncio. Jogou o corpo para trás e se deitou em posição fetal, ainda encarando a porta.

Teria sido isso o que acontecera com Artemis? Depois de anos de amizade confortável com Richard Drury, surgira um homem que não jogava de acordo com as regras dela?

Fora um choque descobrir que a mãe tinha sido infiel a seu pai. Acreditar no amor livre não significava rejeitar a crença em um amor perfeito, para a vida toda. Na infância, Phaedra concluíra que os pais tinham ficado juntos porque o amor livre facilitava reconhecer sua alma gêmea no momento que ela chegasse.

Imaginou a mãe. Bela, viva, segura de si. Mais confiante do que a filha chegaria a ser. Menos prática também. Com o passar dos anos, Artemis havia se cercado de um grupo de pessoas que aceitavam a forma como ela vivia. Seu círculo entendia a relação com Richard e o lugar dele em seu mundo.

Talvez já tardiamente, nesse fascinante espetáculo que fora a vida de Artemis Blair, um homem houvesse surgido, determinado a atravessar o fosso e escalar suas muralhas. Ela devia ter se visto sem defesas por falta de experiência em lidar com esse tipo de homem.

Exatamente como sua filha, naquele terraço ali fora.

Phaedra abraçou um travesseiro. Começava a entender o que havia ocorrido com esse amor tardio que tirara a mãe do eixo.

Um sedutor chegara, atiçando a fêmea primitiva que sobrevivia na alma de toda mulher. Ele tomara e conquistara. Influenciara, enfraquecera e, por fim, traíra.

Se houvesse se apresentado fingindo ser alguém de pensamento semelhante ao dos outros homens em torno dela, Artemis não haveria tido a menor chance contra ele.


Aquela vadia.

A frustração levava Elliot a acumular insultos contra Phaedra na manhã seguinte, enquanto terminava seu café na varanda. Considerando o trabalho infernal que seu corpo lhe dera a noite toda, ele não estava disposto a se esforçar para ter pensamentos dignos de um cavalheiro.

Tentava se contentar imaginando como Phaedra ficaria desconfortável em seu quarto quente e fechado, ao passo que ele deixara a brisa da varanda refrescá-lo. Só que, na verdade, cada vez que olhara para a porta da mulher, uma parte de si rezara para que ela se abrisse e Phaedra corresse para seus braços.

A porta não se movera. A contida, independente e pedra no sapato Phaedra Blair nunca lhe daria essa vitória. Por fim, a porta passara a representar um repúdio. Uma acusação. Uma declaração enraivecida de autocontrole. Você ousou seduzir em vez de pedir? Você tentou me dominar, logo eu, entre todas as mulheres?

Serviu-se de café. Os gemidos sensuais da ruiva ainda soavam em sua cabeça. Ainda sentia seu abraço e seus beijos longos e agressivos. Só em lembrar, já se sentia excitado de novo.

Tinha sido bom. Incrível. Onde ela havia encontrado o bom senso necessário para recuar, sem falar na força para deter a torrente que os arrebatava?

Passos leves e fugazes perturbaram a paz na varanda. Não precisava olhar para o limiar da porta para saber quem tinha chegado.

Nos poucos minutos que Phaedra levou para chegar à mesa, ele dominou a terrível raiva que acumulara ao longo da noite quente de vigília. Um último vestígio soou em sua cabeça ao saudá-la, entretanto. Você não vai se recusar na próxima vez, porque não quer isso de verdade.

A acolhida calma a deixou à vontade. Sua postura cuidadosa relaxou. Phaedra se sentou à mesa, lorde Elliot lhe serviu café e ela tomou um gole.

– Obrigada por ser tão civilizado – disse ela.

Ele não podia crer que ela realmente tocara no assunto. Pousou o cotovelo na mesa e descansou o queixo na mão. Algumas imagens sexuais muito pouco civilizadas se formaram em sua mente.

– Está se referindo a permitir que se recusasse na noite passada ou a lhe servir café esta manhã?

Uma criada entrou trazendo uma bandeja de ovos e fatias de toucinho defumado. Matthias podia ter escolhido Positano como seu lar, porém ainda oferecia um típico café da manhã inglês a seus convidados.

Phaedra pegou uma colher e, lentamente, serviu-se de ovos. Direcionava quase toda a sua atenção aos próprios gestos.

– Suponho que tenha me referido às duas coisas.

– Bem, Marsilio ou Pietro certamente teriam feito um escândalo na noite passada, discutindo e acusando até que toda a casa despertasse. Cavalheiros ingleses, contudo, são ensinados a sofrer.

Os lábios dela se franziram. Ela manteve os olhos no prato ao partir um pãozinho.

– Peço desculpas por qualquer sofrimento. Não foi minha intenção. Já que está sendo um verdadeiro cavalheiro inglês, talvez seja melhor eu não tocar mais no assunto.

– Seria o mais sensato.

Ela continuou a tomar o café da manhã devagar. Ele deveria se retirar, porém, é claro, não conseguiu. Phaedra pousou o garfo no prato e limpou a boca com o guardanapo.

– Lorde Elliot, se pretende que fiquemos mais alguns dias, então precisamos chegar a um acordo sobre o terraço.

Ela era inacreditável. Espantosa. Deveria saber que, naquele exato momento, o impulso dele era pegá-la, jogá-la por cima do ombro, carregá-la até o meio das árvores e terminar o que tinham começado. Porém, lá estava ela, negociando sabe-se lá o quê, quando uma noite insone o tinha deixado com muito menos boa vontade para fazer acordos.

– Como assim, Srta. Blair?

– Compartilhamos o terraço. Não é justo que o acesso a ele me seja negado ou que o fato de que eu o use possa ser interpretado como algo mais do que signifique de fato.

– Prometo que não interpretarei erroneamente caso a senhorita se junte a mim no terraço no meio da noite.

A promessa foi analisada com cuidado. Phaedra era esperta o bastante para entender os possíveis significados ocultos nela.

– Podemos pelo menos concordar que tenho o direito de deixar minha porta aberta sem temer que o senhor entre no meu quarto?

– Não.

– Vejo que fui muito otimista quanto a seu caráter.

– Nisso concordamos. Eu avisei.

– Lorde Elliot, eu...

– Insisto que me chame de Elliot em conversas particulares de agora em diante, Phaedra. Não se importa com a informalidade, não é? Podemos deixar de lado essa regra social estúpida. Afinal de contas, beijei seus seios nus e você gemeu de prazer.

Ela ficou estarrecida. Ele teve vontade de sorrir pela primeira vez naquele dia. Phaedra recuou e assumiu uma postura de arrogância controlada.

– Prefiro que evitemos a companhia um do outro o máximo possível, Elliot.

– Isso vai ser fácil esta manhã. Greenwood e eu vamos nos trancar em seu escritório até depois do meio-dia.

Ela se levantou.

– Então acho que vou dar uma longa caminhada e evitar os outros convidados por várias horas.

Ela se virou para ir embora.

– Phaedra.

Ela estacou e olhou por cima do ombro.

– Phaedra, exijo que prometa que não vai tentar fugir e que estará aqui no jantar.

Ela elevou a sobrancelha.

– Por causa de seu juramento ao signore Sansoni?

– Por isso também.

A expressão dela deu a entender que sabia qual era o outro motivo.

– E se eu não der a minha palavra?

– Posso amarrá-la na cama de novo. Gostaria disso?

Ela enrubesceu. Descartou a insinuação com um meneio brusco da cabeça.

– Tenho sua palavra?

– Sim, tem minha palavra, apesar de isso ser desnecessário e ridículo. Não sei nem como descer dessa montanha, que dirá descobrir como viajar para o interior.

Phaedra ergueu a cabeça e se afastou, fazendo o vestido negro ondular atrás de si.


Phaedra voltou para seu quarto e desfez as malas.

Como ele adivinhara seu plano? Não se via como uma mulher previsível, contudo lorde Elliot parecia ler seus pensamentos antes que eles nem sequer tivessem se formado.

Colocou de lado a valise vazia. Preparar-se para fugir fora um impulso nascido de uma noite de reflexão honesta sobre a forma como lorde Elliot a afetava. Ela corria enorme risco de fazer papel de boba, de se derreter toda só porque um homem lhe provocava desejo físico. Evitar completamente o desafio parecera uma boa ideia ao alvorecer.

Sentou-se e calçou as botas de cano curto. Andou até o terraço e olhou para baixo, para a cidade. Vozes chegavam da varanda embaixo dela. Outros convidados tomavam o desjejum.

Respirou fundo e invocou a mulher que sua mãe a ensinara a ser.

Decidir fugir fora covardia. Tinha se deslocado até aquela terra para encontrar respostas sobre a mãe, e algumas delas poderiam estar bem ali, naquela casa. Fazia muito mais sentido ficar e tentar confirmar as suspeitas que fervilhavam por debaixo de seus medos e vulnerabilidades em relação a lorde Elliot.


Quando Phaedra voltou à varanda, Matthias Greenwood desaparecera em seu gabinete com lorde Elliot. Randall Whitmarsh, contudo, estava sentado à mesa com a esposa. Phaedra se reuniu a eles, com a esperança de que a Sra. Whitmarsh logo pedisse licença e saísse. A conversa com Matthias tinha corrido tão bem na noite anterior que ela estava ávida por descobrir se o Sr. Whitmarsh poderia acrescentar mais alguma informação.

Infelizmente o Sr. Whitmarsh foi embora primeiro, para fazer sua longa caminhada matinal.

– A senhorita estava linda na noite passada – disse a Sra. Whitmarsh.

– Obrigada.

– Faz pensar em por que...

Seu olhar percorreu Phaedra dos pés à cabeça, examinando suas vestimentas.

Phaedra não se deu o trabalho de fornecer explicações. A Sra. Whitmarsh não era o tipo de mulher que pudesse entender a mistura de praticidade e teimosia que dera origem a essa opção excêntrica.

– O que quero dizer é que sua mãe não adotava esses símbolos externos para suas ideias singulares.

A atenção de Phaedra foi despertada.

– A senhora a via com frequência?

– Antes de nos mudarmos para Roma, meu marido costumava aceitar seus convites para jantar. Ao contrário de outras esposas, eu concordava em acompanhá-lo. Ele era fascinado por ela. Achei melhor cuidar para que ela nunca ficasse fascinada por ele também.

Phaedra não achava provável que Artemis considerasse o Sr. Whitmarsh fascinante. Porém, antes de ler as memórias, nunca poderia pensar que Artemis pudesse achar outro homem fascinante além de Richard Drury.

– A senhora teve êxito em frustrar uma ligação entre eles? Ou minha mãe teve algum carinho especial para com seu marido?

A Sra. Whitmarsh não demonstrou surpresa com a pergunta atrevida.

– Acho que fui bem-sucedida. Até muito tarde na vida, ela só teve olhos para o Sr. Drury.

– Quer dizer que, em algum momento, os olhos dela encontraram outro homem. Não meça as palavras por delicadeza. Sou a filha e, como ela, acho uma bobagem que as pessoas não falem francamente sobre esses assuntos.

A Sra. Whitmarsh deu de ombros.

– Foi fácil observar certa frieza entre seus pais no último ano de vida dela. Meu marido não percebeu, mas eu, sim. Vários homens a desejavam. Não como esposa, é claro.

O tom crítico e confiante da última frase incomodou Phaedra. Ela correu em defesa de sua mãe, apesar de Artemis não precisar de desculpas.

– Se não viu minha mãe desviar sua afeição para outro homem, tal frieza pode ter sido apenas resultado do passar do tempo e de dois amantes tornando-se amigos e mais à vontade um com o outro.

– Srta. Blair, meu marido e eu jantamos várias vezes com sua mãe, durante muitos anos. Normalmente o Sr. Drury estava presente. A familiaridade e a amizade que havia entre eles era muito clara desde o início. Ninguém precisou me contar na minha primeira visita que eles eram amantes e que você era filha do Sr. Drury. Contudo, no último ano, ele nem sempre se encontrava. E sua mãe ficava estranha na presença dele. Talvez a senhorita se considere mais inteligente do que eu, mas, quando percebo que as coisas não estão bem entre um homem e uma mulher, raramente me engano.

Sim, a Sra. Whitmarsh, que com tanto cuidado mantinha posse do marido, seria especialista nessa área da natureza humana. Será que também era observadora? Será que teria visto alguma coisa? Uma mulher que guarda um tesouro com certeza seria uma das primeiras a perceber se o pirata que ela temia tivesse voltado sua atenção para outro navio.

– Quem era o homem que se tornou objeto da atenção de minha mãe?

– Isso é um debate, em que tenho que dar um nome para que a senhorita respeite meu julgamento?

– É um questionamento sincero, de uma filha que se pergunta sobre os últimos anos de sua mãe.

A postura defensiva da Sra. Whitmarsh se desfez.

– Não sei. Só tenho certeza... certeza quase absoluta... de que não foi meu marido. Ela passou meses radiante, como se fosse jovem de novo, mas aí...

– Aí...?

– Foi como se alguém tivesse apagado a luz. Ela estava melancólica nas últimas vezes que nos vimos. Talvez, quem quer que fosse, a houvesse desapontado.

Phaedra percebera essa melancolia. Não havia entendido os motivos nem a profundidade, contudo a descrição era verdadeira. A luz se apagara.

– A senhora não está sozinha em se perguntar se ela teve um novo amor – falou Phaedra. – Alguns nomes me foram sugeridos. O Sr. Needly, por exemplo. E o Sr. Thornton.

– Needly? Bem, acho que isso pode fazer algum sentido. Ele guardava semelhanças com o Sr. Drury. Tinha a mesma natureza. E sua erudição em arte romana lhe daria algo em comum com sua mãe. Apesar de que, se me perguntassem, eu diria que os dois se estranhavam. Às vezes ele era um homem muito arrogante.

A Sra. Whitmarsh tinha amolecido com a fofoca. Ela apreciava o assunto muito mais do que Phaedra gostaria.

– Às vezes a atração pode criar rusgas.

– De fato, isso pode acontecer. Agora, o outro, Thornton... – disse, e então parou para pensar antes de prosseguir: – Ele era um pouco jovem demais para ela. Enigmático também. Entretanto estava sempre por perto. Não passava despercebido. Era bonito, até demais. Tinha presença, mas...

– Mas...?

– É difícil de explicar. Ele era maravilhoso. De deixar qualquer mulher de queixo caído. Contudo era de certa forma... obscuro. Meu marido uma vez usou essa palavra para descrevê-lo e achei apropriada. Sim, ele era obscuro de muitas maneiras.

Phaedra guardou a descrição em sua mente. Ao voltar para a Inglaterra, teria que procurar o arrogante Sr. Needly e o obscuro Sr. Thornton, além de perguntar a outros amigos íntimos da mãe se Artemis tivera um caso com um desses dois homens.

– Eu gostava dela – disse a Sra. Whitmarsh. – Não aprovava seu estilo de vida e ela sabia disso. Ainda assim, ela aceitava meus pontos de vista. Nunca permitiu que me sentisse deslocada. Era muito gentil.

– Ela estava acostumada com seus pontos de vista. Afinal, eles são os mais costumeiros. Sempre que botava o pé fora de casa, ela era a estranha. Quem dera o mundo tivesse sido tão gentil em relação a ideias diferentes quanto ela provou ser e tão aberto à companhia dela como ela era à de todos.

A Sra. Whitmarsh enrubesceu. A coloração de suas faces disse a Phaedra muito mais do que ela queria saber. Os Whitmarshs nunca tinham retribuído os convites para jantar. Artemis Blair nunca fora incluída no círculo deles e nas festas deles.

Essas confidências matinais de repente pareceram trair a memória de sua mãe. Phaedra suspeitava de que elas ecoavam as fofocas da Sra. Whitmarsh com seus amigos em salas de estar que nunca foram abertas para a intelectual que desafiava as convenções sociais.

Também teve uma amostra das fofocas que deviam correr sobre sua pessoa. Ela sabia que havia mulheres que riam dela, especulavam a seu respeito e a reprovavam, assim como havia homens que entendiam erroneamente sua liberdade. Era mais fácil ignorar essas pessoas se não tivesse que tolerar sua companhia.

Queria muito que a Sra. Whitmarsh tivesse revelado a identidade do homem que usurpara o lugar de Richard Drury. Ela não conseguira, porém suas observações não foram de todo inúteis.

Phaedra pediu licença. Deixou a varanda e tomou o caminho da ladeira que levava à cidade.


Logo depois de o sol nascer, Positano se tornava uma cidade de mulheres. Os homens que tinham condições físicas para pescar haviam saído muito antes de Phaedra começar suas atividades.

Levou um bom tempo para achar o caminho de descida pela densa rede de ruas antigas e estreitas. Mesmo com sua construção escalonada, eram bastante traiçoeiras. Phaedra desejou ter levado consigo sua sombrinha para usá-la como bastão de caminhada e se proteger do sol, que ficava cada vez mais quente conforme ia se aproximando do pico da montanha.

Mulheres e crianças paravam para vê-la passar pela rua do mercado. Ela admirou os limões e as verduras, as peças de carne de carneiro e de boi. Na esquina do mercado, alguns homens estavam sentados em cadeiras do lado de fora da taverna. Eles a olharam com curiosidade e desconfiança.

O mais jovem, um homem de cabelo escuro, vestido com uma sobrecasaca marrom elegante, tinha uma bengala apoiada na cadeira. Os outros pareciam velhos e encarquilhados. Ela supôs que tinham abandonado os rigores da pesca fazia muitos anos.

Phaedra encontrou as outras ruas principais seguindo o fluxo das pessoas. Sua presença era um pequeno espetáculo, como tinha ocorrido com a cavalgada em lombo de burro atrás de lorde Elliot. Cabeças apareciam nas janelas e olhares impetuosos acompanhavam sua caminhada.

As ruas a levaram a uma pequena piazza bem na encosta do morro. Água jorrava da boca de uma cabeça de leão esculpida em um muro baixo construído rente à rocha da montanha. Mulheres se sentavam em bancos de pedra à sombra das árvores, aguardando a vez de encherem seus jarros.

Phaedra encontrou uma vaga para descansar em um banco num local mais fresco. Olhos escuros a observaram interrogativamente. Uma moça sussurrou no ouvido de um menino e ele saiu correndo pela calçada. As mulheres matavam tempo ali depois de usarem a fonte, conversando em uma melodia expressiva, sem perder de vista a recém-chegada.

Logo outra mulher surgiu na calçada. O tecido de sua saia preta balançava com seus longos passos. Ela não se parecia com as demais mulheres.

Para começar, era loura. Seu cabelo louro-escuro estava preso em um nó na nuca, visível sob a grande aba de seu chapéu de palha preto. Ela não era tão clara quanto Phaedra, mas, em vez do bronzeado forte tão comum nessa terra, tinha um leve colorido na pele.

Phaedra se perguntou se era outra forasteira, que, como Matthias, tinha vindo morar ali. Quando a mulher se aproximou, no entanto, seus olhos amendoados, as maçãs do rosto salientes e o rosto em formato de coração revelaram que era uma nativa, mesmo que, num primeiro olhar, sua cor desse outra impressão.

A mulher se sentou no banco de Phaedra e fez algumas saudações às amigas. Phaedra tentou traduzi-las, porém as palavras se seguiam rápido e o sotaque em Positano era diferente do de Nápoles.

Ela se virou e deu uma boa olhada em Phaedra. O volume das conversas em torno delas baixou.

– Inglesa?

Phaedra assentiu.

– Elas imaginaram e mandaram o pequeno Paolo me chamar. Minha prima Julia e eu somos as únicas mulheres aqui que falam inglês. Você conheceu Julia. Ela é sua anfitriã na mansão. Você é viúva?

A conversa era entabulada em um inglês correto, apesar de a cadência e a pronúncia refletirem algum esforço.

– Não, não sou viúva.

O olhar da mulher se voltou para o cabelo longo de Phaedra.

– Não achei que fosse.

Ela olhou para a direita na rua e sorriu de forma dissimulada.

– Ah, lá vem o signore Tarpetta. Ignore-o. Ele gosta de agir como se fosse uma autoridade, mas ela só existe na cabeça dele.

O homem coxo que estava sentado no final da rua do mercado agora vinha mancando, apoiado na bengala, porém exalando presunção. Dois senhores o acompanhavam. Os três se posicionaram do outro lado da piazza.

– Meu nome é Carmelita Messina. Também não sou viúva, caso esteja em dúvida por causa de minha roupa preta.

– Meu nome é Phaedra Blair e fico feliz de conhecer alguém que fale meu idioma tão bem. Tentei falar sua língua, contudo...

Carmelita balançou a mão, dispensando as desculpas.

– Aprendi um pouco de inglês em Nápoles. Morei lá vários anos com Julia e seu falecido marido – explicou Carmelita, e então fez um sinal, apontando com o queixo para o signore Tarpetta, que as observava com atenção, apesar de conversar com os dois senhores. – Ele não gosta quando hóspedes da mansão descem até aqui. Tem medo de que vocês possam corromper seu pequeno reino.

– Os hóspedes descem com muita frequência?

– Somos apenas camponeses pitorescos para a maioria deles. Somos as pessoinhas nos cantos das pinturas sentimentais.

– Nem mesmo o signore Greenwood se mistura com vocês?

– Às vezes. Ele fez várias visitas no ano passado. Uma das vezes, ao voltar, levou Julia com ele – confidenciou, antes de lançar um olhar de escárnio para Tarpetta e acrescentar: – Ele tinha esperanças de se casar com ela. Faz muito alarde de que não a quer mais agora, mas todo mundo sabe que bastaria ela fazer assim – e ela estalou os dedos – que ele iria rastejando.

A conversa delas tinha atraído uma pequena plateia, e risadinhas vinham das mulheres que tinham se aproximado mais.

Carmelita olhou para Phaedra de novo.

– Uso preto para demonstrar luto pelos carbonari que morreram quando o rei matou a república. Se não é viúva, por que está de luto?

– Estou de luto pelo meu pai, porém não é esse o motivo da roupa. O preto não mostra sujeira tão rápido.

Carmelita traduziu para a plateia. Cabeças assentiram.

– Você não prende o cabelo nem usa véu. Tive dúvidas se não era uma puttana, mas não acho que seja, porque as amantes que vêm com os homens que visitam a mansão lá em cima estão sempre na última moda. Talvez você faça isso para apontar o dedo na cara de homens como o nosso Tarpetta lá?

– Talvez sim.

Phaedra olhou para a baía distante lá embaixo.

– O Sr. Greenwood recebe muitos hóspedes? Chegam barcos especiais só para trazê-los para a mansão?

– Sempre há hóspedes e alguns deles vêm com muita frequência. Ele tem muitos amigos, o signore Greenwood. Ele não é um de nós, mas muitos aqui lucram com o dinheiro que ele gasta.

– Como a família dos garotos que encontraram a estatueta antiga?

– Não ouvi falar de estatueta. As famílias gostam de manter essa informação em segredo, para que, se houver outras, fiquem só para elas. Ele gosta de coisas antigas, o signore Greenwood.

Carmelita notou de novo os homens que as observavam.

– Eles não estão gostando nada de ver você sentada aqui por tanto tempo, então espero que fique ainda mais. Conte-nos de sua vida na Inglaterra, Phaedra Blair. As mulheres pararam de levar água para casa só para ouvir algumas histórias suas.

Carmelita precisava traduzir toda a conversa e as mulheres sorriam e davam risadinhas quando ela o fazia.

Uma jovem que não passava dos 18 anos se aventurou mais perto. Com cuidado, esticou a mão e tocou o cabelo ruivo de Phaedra.

Phaedra não se importou com a proximidade, porém outra pessoa, sim. Uma voz masculina ladrou. Do outro lado da piazza, um dos senhores deu um passo à frente. Ele ralhou e fez um gesto para que a garota fosse até ele.

Com a cabeça baixa e os olhos temerosos, a jovem correu até lá. O homem a agarrou pelo braço e a empurrou para a calçada, levando-a embora.

– É o sogro dela – disse Carmelita. – Vai dizer para a família que ela fez amizade com a amante de um forasteiro que desceu da mansão.

Phaedra não quis pensar no destino da moça se a história enraivecesse o marido. As expressões cautelosas que de repente surgiram nos olhos das outras mulheres a entristeceram.

– Não quero causar problema para nenhuma de vocês.

Ela começou a se levantar.

A mão firme de Carmelita segurou seu braço.

– Não há mudança sem problemas. Essas mulheres não sabem nada do mundo fora deste litoral, e minhas histórias de Nápoles estão ficando velhas. Conte-nos de sua casa e como se tornou uma mulher que se aventura sozinha em uma terra estranha, parecendo uma meretriz de luto que não teme a mão de homem nenhum.


Phaedra ficou por uma hora na fonte, aproveitando a companhia feminina. Ela contou a Carmelita e às outras sobre sua vida e como vivia sozinha e livre em Londres. Com o passar do tempo, a torrente de palavras estrangeiras começou a fazer algum sentido para ela. Chegou a compreender algumas das perguntas dirigidas a ela antes de serem traduzidas.

Do outro lado da piazza, o signore Tarpetta observava. Alguém lhe trouxe uma cadeira, para que pudesse se sentar e descansar a perna. O alegre grupo de mulheres não se importava com sua desaprovação. Ele podia até se considerar uma autoridade, contudo ficou claro para Phaedra que as mulheres obedeciam a outro nome: Carmelita Messina.

Por fim, as mulheres se afastaram, carregando água e conversando animadamente umas com as outras.

– Os maridos logo voltarão nos barcos. Elas têm que preparar o almoço – explicou Carmelita.

Phaedra se levantou.

– Obrigada por se juntar a nós – agradeceu. – Assim pude conhecer as mulheres daqui. Vou descer até aquela torre antes de voltar para a mansão.

– Vou acompanhá-la, senão talvez não encontre o caminho até lá. Se Tarpetta nos seguir, finja que ele não está lá. Ele seria um tolo se fizesse isso tendo aquela perna, mas o homem já provou muitas vezes que é estúpido.

Tarpetta provou isso mais uma vez naquele dia. Phaedra achou que ele tivesse desistido de segui-las até que ela e Carmelita chegaram ao caminho do promontório, quando então o viu mancar na direção do cais para não perdê-las de vista.

– Como ele machucou a perna?

Carmelita atravessou o portal na entrada da torre.

– Ele foi soldado e estava entre os que foram atrás do marido de Julia na nossa casa em Nápoles. Ele nos traiu. Nós resistimos, apesar de ser inútil. Acertei-o com uma frigideira de ferro pesada, bem aqui – explicou, apontando para o próprio joelho. – Teria sido melhor se eu tivesse mirado na cabeça.

– Então agora ele a segue por toda parte?

– Ele está seguindo você, não a mim. Mas ele me odeia, porque fui eu quem promoveu o encontro do signore Greenwood com Julia. Ela ficou sem nada depois que o marido foi executado quando a república acabou.

– Se é por ciúmes, ele deveria odiar Greenwood, não você.

Carmelita ia à frente na subida sinuosa da escada de pedra.

– Ele não ousa odiar Greenwood. Como muitos outros, ele lucra com o dinheiro do inglês.

Elas seguiram até o alto da torre, onde havia um cômodo quadrado. Pequenas janelas vazavam duas paredes opostas. Uma dava para o mar e a outra, para a montanha.

– Esta era para vigiarem o mar e evitarem ataques de árabes e piratas pelo porto – explicou Carmelita. – Agora, esta a leste aqui... eles vigiavam outra coisa, não? Um exército vindo pela montanha ou problemas na cidade.

Phaedra olhou para a janela a oeste. A vista do mar era infinita, quilômetros de litoral de um lado e de outro. Ela se moveu para a janela a leste. O sol se elevara na reta do pico da montanha.

Aquela torre fora construída por questões militares. Nas alvoradas, em pleno verão, contudo, o sol devia nascer alinhado com aquela janela.

Não havia muito mais a explorar naquela torre de vigia. As paredes de pedra se erguiam e se curvavam para formar o teto, parecido com as antigas igrejas normandas em sua terra natal. Exceto por um cobertor no chão, estava vazia e surpreendentemente limpa.

Carmelita empurrou o cobertor com o pé e revelou a esteira de palha que estava debaixo dele.

– Este lugar é frequentado por namorados – disse. – Há anos, esta torre recebe visitantes noturnos.

Quando ela e Carmelita reapareceram do lado de fora, a figura esguia e firme do signore Tarpetta ainda podia ser vista no cais.

– Como ele lucra com o dinheiro do Sr. Greenwood?

– Não sei. Mas ele vive bem e não tem renda além da pequena pensão que recebe do Exército. Eles se conhecem. Dá para ver isso na forma como se cumprimentam nos raros momentos em que se encontram. Greenwood talvez o pague para se assegurar de que não vamos perturbar seus amigos importantes, ou, quem sabe, só para ele ficar longe de Julia.

Ela deu de ombros.

– Venha, vamos procurar um burro de aluguel para levá-la de volta. Nem eu aguento subir tudo isso a pé.

No momento em que desciam o promontório, lorde Elliot surgiu no cais. De repente, o braço do signore Tarpetta e os olhos de dois homens se dirigiram para elas.

Lorde Elliot desceu de novo para o cais e se dirigiu para o norte para interceptá-las.

– Quem é aquele? – perguntou Carmelita. – Seu namorado veio buscá-la?

– Ele não é meu namorado.

Phaedra sentiu o rosto queimar.

Carmelita deu uma gargalhada.

– Mas ele bem que gostaria, não? E é tão bonito que você ficou tentada, eu acho. Veja a expressão séria dele enquanto fica lá, esperando por você. É melhor olhar por onde pisa com esse aí, Phaedra Blair.

Phaedra apresentou Carmelita a lorde Elliot assim que o alcançaram. Ele respondeu com gentileza, porém não conseguiu esconder seu desagrado.

– Você nos deixou preocupados, Srta. Blair. Não é aconselhável vir para a cidade sozinha.

O tom de lorde Elliot beirava a censura.

– Duvido que alguém que visite esta cidade corra algum risco.

Lorde Elliot olhou para Carmelita.

– Sou grato por oferecer ajuda e companhia à Srta. Blair.

– Não preciso nem de ajuda nem de companhia – rebateu Phaedra. – Contudo fico feliz de ter feito uma amiga e espero vê-la de novo, Carmelita.

Ainda teso de irritação, lorde Elliot se dirigiu a alguns garotos para alugar burros e voltarem para a mansão.

– Vou deixá-la agora para que possa lidar com esse homem – brincou Carmelita. – Se precisar de uma frigideira de ferro, é só falar.


CAPÍTULO 9

– Escreverei a carta para o superintendente esta manhã – prometeu Matthias. – Apesar de que as cartas de apresentação que trouxe da Inglaterra devam bastar. Talvez eu seja presunçoso em achar que a minha agilizará seu acesso aos sítios das escavações.

– Você o conhece pessoalmente. Ficarei feliz em ter uma carta sua.

Elliot se esforçava por manter pelo menos metade de sua mente nos preparativos para a visita a Pompeia. A outra metade continuava no terraço acima da varanda.

Na noite anterior, Phaedra deixara as portas abertas.

Fizera isso como provocação? Uma declaração de indiferença? De certeza ele só tinha que não fora um convite.

Elliot fumou um longo charuto no terraço à noite, olhando para a escuridão por entre as persianas abertas, incapaz de dominar a tentação que a proximidade dela causava. Os únicos sons que vinham lá de dentro eram os suspiros suaves de uma mulher satisfeita, dormindo muito bem, obrigada.

Por fim, se retirara para o quarto, em uma tentativa de aplacar os impulsos cruéis que aquela mulher incitava. Quando o sono por fim o aliviou, foi um sono profundo, longo, que durou até depois do amanhecer. Ao acordar, descobrira que Phaedra havia desaparecido.

Ela deixara a mansão de novo. Ele lhe mandara não fazer mais isso. Após procurar por Phaedra na véspera, estipulara algumas regras. Ela as desobedecera logo, sem perda de tempo.

– Se preferir, a Srta. Blair pode ficar aqui enquanto você vai a Pompeia – disse Matthias casualmente.

Casualmente demais, como se entendesse o que distraía seu ex-aluno.

– Ela está determinada a ir também.

– Ela não precisa ir em sua companhia. Está claro que ela o atormenta. Posso acompanhá-la, em separado, para poupá-lo do inconveniente. Quanto à questão que me contou sobre Sansoni, tenho certeza de que ele aceitaria minha autoridade para representá-lo, se é que algum dia ficaria ciente da troca.

– Tenho certeza de que ele não aceitaria. Dei-lhe minha palavra em juramento. Estou preso a ela por toda a viagem.

A palavra dada a Sansoni não tinha muito a ver com sua recusa à oferta de Matthias. Naquele momento, a necessidade de controlar os planos de Phaedra para as memórias do pai também não afetava sua decisão. Não diretamente, pelo menos, apesar de tudo estar ligado. O tormento causado pela Srta. Blair tinha assumido outros tons. Ele queria ter poder sobre muito mais do que quando ou como ela publicaria um livro.

– Já que está determinado a mantê-la com você, permita-me sugerir algumas hospedarias que seriam adequadas para uma mulher respeitável.

Com isso, Matthias iniciou uma ladainha sobre instalações em cada cidade.

No final das recomendações, a atenção de Elliot foi desviada para a montanha. Whitmarsh chegava a pé da cidade, o rosto vermelho pelo esforço.

– Muito íngreme, mesmo para você, não, Whitmarsh? – disse Matthias. – Agora entendo por que demorou tanto a chegar de seu exercício matinal.

Whitmarsh se inclinou, as mãos nos joelhos, dando tempo para recuperar o fôlego. Com um aceno dele, Matthias se calou para ouvi-lo:

– Problema... a cidade... torre...

Frustrado por seus pulmões se recusarem a colaborar, apontou para a parte mais baixa do morro.

Elliot e Matthias foram até ele. Elliot olhou para baixo. A cidade estava movimentada, com muita atividade. Ele se concentrou na torre. Um grupo grande se reunia no caminho do promontório.

Whitmarsh inspirou várias vezes, recompondo-se.

– Essa montanha pode matar, se você quiser correr.

– É por isso que não se deve correr – entoou Matthias. – Por que fez isso?

Whitmarsh apontou de novo.

– A Srta. Blair está lá embaixo, naquela torre. Querem prendê-la.


Aquela mulher seria o seu fim.

Elliot subiu correndo para o quarto a fim de procurar o revólver, de forma que seu pensamento não se tornasse verdade. Quando voltou, viu que Whitmarsh conferia a própria arma.

– O que será que ela fez? – refletiu Matthias enquanto desciam pelo morro.

Elliot podia imaginar.

– Até onde posso dizer, eles a consideram uma bruxa ou algo assim – disse Whitmarsh, inspirando fundo várias vezes.

Ele não tinha se recuperado totalmente da subida e agora a descida também exigia bastante.

– Droga! – xingou Elliot.

– Nosso objetivo é claro, cavalheiros – declarou Matthias. – Não podemos deixar que a prendam. Com Sansoni doido para arrumar problema, como você disse, Rothwell, e as noções primitivas de religião e justiça deste lugar, se eles a pegarem, as coisas podem sair do controle.

A inspiração profunda de Elliot teve pouco a ver com a rapidez com que desciam a ladeira para chegar à baía e à torre. Se Phaedra não fosse tão teimosa e tivesse ficado na mansão, três homens não estariam agora correndo desabalados para se meterem em problemas.

Sua raiva era pouca perto da outra reação que pesava como chumbo em seu peito. Não estavam em Londres, mas em uma cidadezinha montanhosa e isolada em um país estrangeiro. A postura e as vestimentas de Phaedra a tornavam vulnerável. Não havia nada de cômico em relação à acusação de bruxaria neste lugar. Ela corria perigo real.

Chegaram às ruas mais baixas e cortaram caminho pela piazza na frente da igreja de Santa Maria. Carros recém-pintados e decorados estavam lá, prontos para a procissão de San Giovanni na manhã seguinte.

Matthias foi na frente, mostrando o caminho no contorno da baía. Um ajuntamento de homens bloqueava o caminho para o promontório. Dessa vez a plateia masculina não era só de velhos e enfermos. Alguns dos pescadores tinham decidido que a cena na torre era mais interessante do que jogar suas redes ao mar.

Os homens estavam inflamados. Xingamentos se faziam ouvir. Olhos escuros flamejavam. Mãos faziam gestos por toda parte. Um homem bem-vestido estava de pé no centro da multidão, com o peso apoiado em uma bengala grossa, instigando os outros.

Matthias inclinou a cabeça, prestando atenção ao que ouvia.

– Ela foi vista na janela na alvorada – sussurrou. – Rezando para o sol nascente ou algo assim. Tarpetta, o manco que está ali, também a viu na cidade ontem, tentando corromper as mulheres. Pelo que entendi, ele a está acusando de bruxaria, meretrício e heresia.

– Heresia? – repetiu Whitmarsh.

– Vamos abrir caminho pela multidão – disse Elliot. – Whitmarsh, devemos manter as armas ocultas por ora.

Com posturas militares, abriram caminho até a frente da turba. Sua presença não fez nada para acalmar a situação.

Uma cena digna de ópera esperava no promontório. Os homens haviam se amontoado no limite da cidade porque o caminho para a torre estava bloqueado por um grande grupo de mulheres. Elas estavam agitadas também e prontas para a briga. Todas tinham arrancado o lenço ou o véu da cabeça e soltado os cabelos.

Carmelita Messina estava ao fundo, posicionada como se fosse a última linha de defesa. Com os cabelos louros soltos e o vestido preto esvoaçando, ela parecia a sacerdotisa da religião de Phaedra.

Segurava uma frigideira de ferro grande e rasa na mão. Às vezes brandia a arma na direção de Tarpetta, que não aceitava os insultos de bom grado.

Um único homem estava de pé entre os dois grupos: o padre da cidade, que mantinha os braços levantados, um em cada direção, como se sozinho pudesse evitar que as duas ondas de raiva colidissem.

– A coisa está bem animada – disse Whitmarsh secamente.

Infelizmente, também estava perigoso. Elliot olhou para o alto da torre. Ao mesmo tempo, Phaedra olhou por uma janela. Ela o viu e ele tentou lhe transmitir confiança.

– Vamos tentar resolver tudo em paz, Greenwood – propôs Elliot.

Com coragem, Elliot se postou entre as duas turbas e foi se aproximando do padre, tendo Matthias a seu lado.

Enquanto Greenwood conversava com o padre, a ira dos homens não parava de chegar aos ouvidos deles. As notícias não eram nada boas.

– A acusação de bruxaria se deve ao ritual com o sol, que aconteceu no pior momento possível. Estamos no solstício – relatou Matthias. – A acusação de meretrício foi feita em termos gerais. A aparência dela, o fato de ter ido sozinha à cidade, coisas assim. Infelizmente, os homens consideram que o apoio das senhoras só confirma a má influência que a Srta. Blair representa sobre elas. Pelo que entendi, houve algumas conversas incomuns nos quartos desta cidade na noite passada.

– E a heresia? – questionou Elliot.

– A Srta. Blair tentou explicar a história com o sol com mais detalhes do que seria sensato. Dissertar sobre os pontos comuns entre as religiões do mundo provavelmente não a ajudou muito.

Elliot imaginou uma acusação sendo transmitida pelas mulheres a Carmelita e então traduzida para Phaedra. Depois visualizou uma longa explicação voltando pela mesma corrente, frases e mais frases longas, tendo um pouco de seu sentido alterado conforme passava a cada elo, até chegar aos homens. Era espantoso que a acusação fosse heresia, em vez de loucura.

O padre era um homem idoso, de cabelo branco e rosto suave. Estava aflito com a situação de descontrole na cidade. Conversou com Matthias e, por fim, juntou as mãos em prece, balançando-as juntas como se assim fortalecesse o pedido.

Elliot entendia muito bem o padre.

– Diga-lhe que não vou deixar a Srta. Blair ao capricho de uma turba.

– Ele está certo de que nossa presença só serve para inflamar ainda mais os ânimos, Rothwell – alertou Matthias. – Os homens acham que usurpamos seu poder e as mulheres, bem, elas não têm boa impressão de homem nenhum neste exato momento.

A última parte era verdade. As mulheres o olhavam como se fosse o inimigo. Lançavam provocações inflamadas que eram sem dúvida insultos. Se ele conseguisse passar por elas, Carmelita da Frigideira de Ferro o esperava.

Elliot recuou e puxou Matthias para o lado assim que conseguiram passar de novo pelo grupo de homens.

– Preciso chegar lá no alto e falar com ela.

– A torre foi construída para defesa. Só há duas maneiras de chegar lá. Por esta faixa de terra ou por mar.

– Então vou ter que chegar por mar.


Phaedra espiou pelo canto da janela. A arruaça lá embaixo continuava. Sempre que os homens pareciam perder o interesse, o signore Tarpetta os incitava a continuar.

Elliot, o Sr. Greenwood e o Sr. Whitmarsh tinham ido embora. Provavelmente esperavam que essa pequena chama se extinguisse por si só. Era o que ela esperaria também, depois de o padre chamar os manifestantes à razão. Infelizmente, Phaedra desconfiava de que o conflito não se dera por haver uma inglesa estranha na torre naquela manhã.

O problema envolvia outras questões. Práticas antigas e eventos recentes colocaram lenha na fogueira. Phaedra se preocupava se as mulheres pagariam caro nos próximos dias por essa rebelião, mesmo que ela própria fosse poupada.

Tinha esperanças de que Carmelita não pagasse com a própria liberdade. Admirava a mulher loura que brandia sua frigideira de ferro, num gesto que anunciava não se tratar de uma pessoa indefesa e, além disso, garantia que Tarpetta se lembrasse de seus próprios crimes e de por que ela não permitiria que a cidade se curvasse ao poder dele.

Era tudo culpa de Tarpetta. Ele a vira na cidade ao amanhecer. Provavelmente a seguira e a avistara na janela que dava para o leste na torre quando o sol atingiu o topo da montanha.

O sol tinha se movido bastante desde então, contudo o confronto lá embaixo não parecia perto de acabar.

Ela correu para a janela a oeste. Carmelita a advertira a respeito de um ataque por mar. Um barco se aventurara nos arredores avaliando essa abordagem havia uma hora, porém ela jogara pedras soltas da construção e o desencorajara.

Outro barco se aproximava agora. Não vinha do cais de Positano, e sim do oeste, como se chegasse de Capri em visita à torre normanda.

Três homens estavam de pé na proa, enquanto criados da mansão remavam. Elliot, Whitmarsh e Greenwood tinham corrido em seu resgate.

Levaram a embarcação o mais próximo possível da torre. O Sr. Whitmarsh acenou. O Sr. Greenwood a chamou. Elliot quase sorriu, mas sua boca não passou de um risco tenso.

– Agora você entende o que eu quis dizer, Rothwell. Se fosse fácil acessar a torre pelo mar, ela seria inútil para proteção – disse Greenwood.

– De qualquer forma, está um dia esplêndido para um passeio de barco – falou Whitmarsh. – Parece que ninguém pensou que tentaríamos essa estratégia. O cais permanece vazio.

Whitmarsh olhou para Phaedra lá no alto:

– Essa janela parece mais longe ainda daqui. Trouxemos alguns víveres, Srta. Blair, porém duvido que nosso plano de levá-los até aí funcione.

Uma onda de gritos chegou à torre vinda do outro lado. Phaedra correu até lá e olhou para baixo. Os homens tinham se aproximado muito do padre. A massa de mulheres se compactara.

Ela voltou para a janela que dava para o mar.

Elliot se curvou. Ao se levantar, exibiu uma corda grande com um gancho na ponta.

– Afaste-se, Srta. Blair. Entre na torre. Se eu conseguir mandar o gancho até aí, prenda-o o melhor que puder.

– Lorde Elliot, não acho que você conseguirá...

O olhar dele a silenciou. Ela foi para o outro lado da torre.

Por três vezes ouviu o barulho alto de metal atingindo a pedra, seguido pelo som de algo caindo pesado na água. Parecia que o plano deles não iria funcionar.

De repente o grande gancho de ferro apareceu na janela, subindo muito, e depois começou a cair. Uma de suas três hastes agarrou no peitoril da janela e parou.

Phaedra correu para lá, soltou-a e a deslizou pelo peitoril até encontrar um sulco profundo entre as pedras da parede onde prender o gancho.

Olhou para o mar. Os três homens puxavam a corda para testar sua segurança. Satisfeito, lorde Elliot pulou do barco para a estreita faixa de areia. Whitmarsh lhe entregou duas cestas.

– Mande primeiro a comida – pediu ela. – Não comi nada hoje.

– Com certeza você imaginou que o deus sol não podia esperar – provocou Elliot ao prender a alça da cesta na corda. – Na infância, quando eu desobedecia a meus pais, era mandado para o quarto sem jantar. Talvez um pouco de fome seja adequado para a senhorita hoje.

Ela deu um pequeno puxão na corda:

– Não vamos ser descuidados por pressa. E precisamos manter nosso senso de humor.

A cesta permaneceu imóvel por um momento, irritando-a, mas logo Elliot a soltou. Phaedra puxou a corda para cima até chegar à alça da cesta. Examinou seu conteúdo e jogou a ponta de volta.

– É um banquete e tanto. Vinho, presunto, pão e figos.

– Espero que goste. Se os homens da cidade tivessem conseguido chegar até aí, você só comeria macarrão e banha de porco pelos próximos dez anos, isso se não a enforcassem de imediato.

Elliot agarrou a extremidade da corda e começou a atar a outra cesta.

– Há cobertores e outros itens de primeira necessidade aí dentro.

Um rugido veio do outro lado da torre. Elliot olhou para cima.

– O que está acontecendo?

Ela correu para a outra janela, depois voltou para contar.

– Se for para aproveitar meu banquete, temo que precise fazê-lo bem rápido. O signore Tarpetta está ordenando que o padre saia do caminho.

– Puxe isso para cima logo e depois mande a corda de volta.

O barulho que entrava pela outra janela fez com que ela puxasse a corda o mais rápido possível. Depois que soltou a cesta, mandou a corda para baixo e correu mais uma vez para a janela que dava para leste.

O padre tinha ido embora. A linha de frente dos homens estava cara a cara com a das mulheres. Os flancos do exército de mulheres já tinham se rompido. Uma derrota se aproximava.

Phaedra voltou para a janela que dava para o mar. Greenwood apontava para a costa.

– Entraremos por ali e chegaremos à linha de batalha em minutos – disse ele a Elliot.

– A questão está ficando difícil no promontório – gritou ela para baixo.

– Mantenha-se firme, cara dama – bradou Whitmarsh em resposta. – Greenwood tem alguma influência na cidade e Rothwell está armado. Em breve estará em segurança.

Se planejavam entrar na luta que estava prestes a começar, Phaedra não contava com a vitória deles. Duvidava de que seus piratas ingleses fossem golpear e atirar para salvá-la, e sem isso ficariam em desvantagem numérica.

Elliot olhava a parede da torre e avaliava a estreita faixa de areia sob suas botas, na base, e as grandes rochas posicionadas de forma a desencorajar os barcos.

– É bem alto. Não posso me arriscar a que você caia se tentar descer pela corda. Se a água fosse mais profunda...

Ele ainda calculava e falava sozinho quando levantou as mãos, agarrou a corda e começou a escalar.

– O quê? Rothwell! Cuidado para não ser você a cair – alertou Greenwood.

Phaedra gelou quando gritos chegaram do promontório. Não foi até lá para ver o que estava acontecendo. Não conseguia tirar os olhos de Elliot pairando acima do mar, cada vez maior ao se aproximar pela corda, com o corpo e o rosto tensos do esforço.

Ela podia imaginar que a batalha não ia bem para as mulheres no promontório, o que significava que não ia bem para ela. Esticou a cabeça para fora da janela e contou a lorde Elliot o que acontecia.

Ele xingou e encontrou novas forças. Um som estranho começou a chegar pelas escadas. Parecia uma frigideira de metal atingindo algo mole. A voz de Carmelita clamava aos santos para ajudá-la e o som se repetia. Um homem grunhiu.

– Eles romperam o cerco à torre, lorde Elliot – gritou Phaedra, abaixada entre as cestas. – Suponho que não tenha posto uma arma junto com a comida ou os cobertores, para que eu pudesse exercer uma última resistência?

– Você sabe usar armas? – perguntou ele, a voz próxima e cansada.

Phaedra olhou para cima e o viu na janela. Os braços dele estavam apoiados no peitoril e seus dedos se agarravam na beirada interna.

– Posso usar uma arma, se tiver que fazê-lo.

Ajudou-o a subir agarrando-o pelos ombros e pelas calças. Ele se agarrou ao corpo dela em busca de apoio.

Finalmente, Elliot caiu na parte de dentro da torre. De um salto, pôs-se de pé com a agilidade de um gato. Do lado de fora, Greenwood ordenava a seus criados que remassem forte para contornarem a ponta do promontório.

Elliot sacou um revólver de seu casaco surrado.

– No caminho até aqui, Whitmarsh me presenteou com histórias sobre injustiças nas cidades deste país. Seria estúpido de nossa parte não levar a sério o perigo. Fique aqui. Não me siga. Se achar que a situação piorou, arrisque-se a descer pela corda e enfrentar o mar.


Elliot não desceu as escadas em silêncio. Deixou que todo o seu aborrecimento se traduzisse em passos estrondosos. Sua aproximação silenciou os homens embaixo.

Quando fez a última curva da escada, encontrou Carmelita Messina no degrau inferior, com a frigideira de ferro em riste. Quatro homens a ameaçavam, porém naquele momento a atenção deles se concentrou em Elliot, não nela.

Carmelita olhou por cima do ombro e percebeu seu revólver. Elliot não conseguiu chegar à conclusão se ela ficou aliviada ou aborrecida.

Passos também pesados, mas irregulares, soaram do lado de fora do portal. O signore Tarpetta apareceu sob ele. Endireitou-se em postura militar ao ver a arma.

– O senhor interferiu – começou ele.

– A Srta. Blair está sob minha autoridade e também sob minha proteção.

Tarpetta empinou o nariz e o olhou com desdém.

– O senhor não exerce a autoridade sobre suas mulheres muito bem.

Elliot não pôde contestá-lo.

– Sou muito melhor na parte da proteção – contrapôs e apontou a arma diretamente para Tarpetta. – Diga a todos para irem para casa.

– Ela infringiu nossas leis.

– Ela não infringiu lei nenhuma – argumentou Carmelita. – Apenas ofendeu as leis de um homem que se considera um reizinho.

– Vê o problema que ela causou? Ela enfeitiçou as mulheres e realizou rituais pagãos. Nós não permitimos esses crimes em Positano.

– Ouçam só! – zombou Carmelita com uma risada estridente. – Ele até fala como rei. O “nós” quer dizer “ele”.

Elliot não estava com ânimo para discussões. Brandiu a arma e ordenou:

– Todos fora desta torre. Signorina Messina, por favor, traduza o que vou dizer.

Tarpetta saiu da torre. Os homens e Carmelita o seguiram. Elliot foi por último. Ao sair, um som nas escadas o fez olhar para trás. Uma mecha de cabelo ruivo flutuava próximo à parede da escadaria.

As mulheres tinham ido embora. Elliot encarou os remanescentes da batalha, vinte homens que ainda não estavam satisfeitos.

O revólver dele os impressionou. Enquanto falava e Carmelita traduzia, o barco de Greenwood alcançou a parte de trás do promontório e Greenwood desceu no banco de areia.

– Sou lorde Elliot Rothwell, irmão do marquês de Easterbrook – disse. – Recebi dos oficiais do tribunal do seu rei a responsabilidade de proteger a Srta. Blair. Se algum de vocês a machucar, há de se haver comigo. Ela não é bruxa, nem herege, nem meretriz. Não há provas que sustentem essas acusações e os senhores têm a minha palavra de cavalheiro que suas suspeitas são infundadas.

Carmelita fez uma tradução muito longa. Dos pontos essenciais que Elliot pescou e pelas expressões nos rostos dos homens, ele suspeitou que ela houvesse enfatizado as palavras lorde, marquês e tribunal.

Matthias chegou quando ela terminava. Tarpetta, reconhecendo que seu grupo perdia força, mancou na direção dele. Os dois homens tiveram uma conversa particular.

Tarpetta foi embora. Os outros homens decidiram que era uma boa ideia bater em retirada com seu líder.

Greenwood se aproximou da torre.

– Você tem minha gratidão, Greenwood, pelo que quer que tenha dito a ele.

– Você não entendeu direito. Nós não os vencemos – explicou Greenwood. – Eles vão mandar alguns homens a Nápoles em busca de orientação e também para pedir ajuda ao Exército.

Carmelita jogou as mãos para o alto, num gesto de exasperação.

– Imbecis.

Tarpetta estava voltando para a cidade, porém dez de seus homens tinham parado na extremidade do promontório.

– O que eles estão fazendo lá? – perguntou Elliot.

– Montando guarda – disse Greenwood. – Não vão tentar entrar na torre, porque você está armado, contudo não vão deixar que a Srta. Blair saia até receberem ordens de Nápoles. Imagino que haverá um ou dois barcos vigiando do mar esta noite também.

Elliot conteve um xingamento. O santuário de Phaedra tinha acabado de virar uma prisão.

– Vamos vigiá-los enquanto eles montam guarda, para que não haja violação dessa trégua – prometeu Carmelita.

– Não martirize as mulheres em seu afã de combater aquele homem – disse Elliot para ela. – Agradeço por sua ajuda, porém temo que o preço pago por suas amigas já será alto o bastante. Deixe comigo agora.

Carmelita Messina deu tanta atenção ao que ele disse quanto Phaedra Blair daria.

– Vamos vigiar. Algumas de nós, viúvas e tal, as que não vivem sob o jugo de ninguém. Confio em seu revólver para manter a paz e em que o signore Greenwood use sua influência com aquele homem para acabar com essa confusão antes do pôr do sol.

Ela se foi, juntando o cabelo em um nó ao se afastar.

– Ela fala como se você pudesse resolver isso se quisesse – disse Elliot para Matthias.

– Carmelita está interpretando mal minha influência aqui. Contudo tentarei chamar Tarpetta à razão quando ele se acalmar, apesar de conhecer o homem somente de vista.

– Veja se ele aceitaria suborno.

Matthias deu um sorriso largo e forçado.

– Quanto ela vale para você?

Elliot guardou o revólver e caminhou para o portal.

– No momento, estou tentado a pagar para que ele a tire das minhas vistas.


CAPÍTULO 10

Pela janela, Phaedra observava a conversa de Elliot e Matthias. Não podia ouvi-los, porém seus rostos sérios indicavam que estavam traçando planos.

Um pequeno grupo formava um círculo no final do promontório. Outros quatro homens tomaram um barco de pesca no cais e zarparam.

Matthias se afastou. A torre ecoou o som de botas subindo os degraus de pedra.

Elliot entrou no cômodo. Ela continuava preocupada com a atividade lá embaixo, ainda assim deu uma boa olhada na direção dele. Sua expressão revelava preocupação e aborrecimento. Phaedra achou a inquietação charmosa, até mesmo lisonjeira. E teve esperança de que a raiva passasse logo.

– Você está em segurança por ora.

Elliot pôs o revólver no chão em um canto para evitar acidentes. Pegou um odre da cesta e o segurou no alto. Um jorro de água fluiu para sua boca.

Os olhos dela se grudaram no fluxo de água pura. Sua garganta se estreitou. Não tinha bebido nada desde antes do raiar do dia.

Elliot notou o interesse e caminhou na direção dela.

– Incline a cabeça para trás.

Ela obedeceu e abriu a boca. Um jorro frio e lento aliviou sua sede.

Phaedra secou a água de seus lábios com a mão.

– Achei que esses odres só continham vinho.

– Os outros, sim. Se tomarmos aos poucos, este nos bastará pelo tempo necessário.

Tempo necessário? Ela olhou de novo pela janela. Percebeu o significado dos homens postos na extremidade do promontório.

– Não posso sair, não é? O que aconteceu?

Ele explicou sobre a ida dos homens a Nápoles. Lembranças do odioso Sansoni invadiram a mente de Phaedra. No silêncio que se seguiu à explicação, o ar ficou mais pesado com o possível perigo à espreita e o peso dos problemas que já enfrentavam.

Lorde Elliot olhou por cima da cabeça de Phaedra para a cidade lá embaixo. Ele pareceu distraído, como se sua mente estivesse ocupada com algo muito distante.

– Você me desobedeceu – disse, provando que os pensamentos tinham tudo a ver com ela. – Você desceu as escadas.

– Ninguém me viu. Com você entre mim e o perigo... Foi uma desobediência pequena.

– Você me desobedeceu antes, ao vir para esta torre. Disse-lhe para permanecer na mansão.

– Não esperava ser vista na torre.

– Só que foi. Um ritual pagão, nada menos do que isso. Nesta terra, pior do que em qualquer outra.

– Não houve ritual nenhum. Nenhuma reza para o deus sol. Tarpetta simplesmente me viu na janela quando o sol nasceu. Não estava erguendo minhas mãos em oração. Estava protegendo meus olhos da luz forte, para que pudesse avaliar a posição exata do sol.

– Não me importo com o que estava fazendo. Foi descuidada com sua segurança e reputação. O resultado foi uma batalha entre os homens e as mulheres desta cidade e sua prisão nesta torre.

Elliot ficava mais exaltado a cada palavra.

– Também nem pense em falar agora de sua sagrada independência. Acabo de escalar a parede de uma torre e ameaçar de morte homens com quem não tenho nenhum problema. Talvez eu até tenha que matar algum, tudo por causa de sua maldita teimosia.

– Só fiz uma visita a uma torre ao alvorecer. Está sugerindo que eu poderia ter previsto tudo isso? – questionou, indicando o promontório abaixo e o drama que se desenrolara. – Se eu tivesse achado que alguém saberia ou se importaria, não teria vindo. Admito que parece muito estúpido agora, mas no momento não pareceu.

Não era bem um pedido de desculpas, mas pareceu aplacar o lado mais sombrio da fúria de lorde Elliot. Sua atenção e olhar se voltaram para ela tão nitidamente que isso enfatizou a proximidade deles.

– Você conseguiu o que veio fazer?

Ele tinha que perguntar.

– Se uma prova negativa puder ser chamada de prova – disse ela e apontou para a montanha alta. – Matthias estava certo. O sol não se eleva diretamente sobre o pico quando se observa desta janela, nem em linha direta com o lugar onde estamos agora. Ele primeiro se mostra à direita, ao sul, um pouco.

Phaedra se preparou para receber a zombaria de Elliot ou mais raiva por seu passeio ter causado tanto problema sem nem ao menos conseguir provar sua teoria.

Em vez disso, ele refletiu sobre a prova.

– Essas coisas não são precisas. O dia exato do solstício varia e ainda estamos mapeando as mudanças sutis que se acumulam na astronomia com o passar do tempo. Cinco séculos atrás, o sol pode muito bem ter nascido no pico da montanha no verão.

Ela achou muita gentileza dele dar desculpas e não chamá-la de tola. Algo mais parecido com uma desculpa direta começou a se formar em sua mente.

– Não tive intenção de causar todo esse problema e sinto muito por isso. Não me surpreende você estar com um pouco de raiva de mim.

– Estou com muita raiva de você, Phaedra. Contudo estou mais preocupado com sua segurança. Até que eu tenha assegurado isso, terá que fazer o que digo, principalmente se eu tiver mais motivos para sacar este revólver.

Elliot caminhou até a janela que dava para oeste. Franziu o cenho com o que viu. Ela andou até lá e espiou também. Um barco com três homens lançou âncora a uns cinquenta metros da torre. O sol tinha começado a se pôr no mar, mas ainda levaria horas até ficar escuro.

– Sua prisão está completa – disse Elliot. – Temos que esperar e confiar em Matthias para negociar sua libertação antes que mais problemas venham de Nápoles. Infelizmente, Tarpetta parece ter o poder nas mãos e Matthias o conhece somente de vista.

Phaedra se ajoelhou ao lado das cestas e começou a retirar seu conteúdo. Fez uma fileira com os odres, frutas e embrulhos de comida contra a parede.

– Carmelita acha que eles se conhecem melhor do que admitem.

Elliot descansou o ombro na parede e a observou mexer nas cestas.

– Seria bom se você estivesse certa, entretanto Matthias não tem motivos para mentir para mim.

Phaedra ficou feliz de encontrar uma xícara de barro por baixo da comida. Não queria beber direto do odre o dia todo, apesar de a experiência ter sido interessante.

– Você conhece Matthias bem? – perguntou ela.

Greenwood talvez tivesse o destino dela nas mãos, porém não era apenas esse o motivo da pergunta.

Elliot se afastou da luz do sol que se esgueirava pela janela. Foi para a área fresca e sombreada onde Phaedra arrumava os alimentos. Sentou-se no chão, apoiando as costas nas pedras, e pegou um figo.

– Eu o adorava na faculdade. Ele é um acadêmico respeitado e com duas obras publicadas. Estimulou meus estudos e me orientou nos métodos de pesquisa necessários para traçar novos caminhos. Seu interesse me lisonjeou, principalmente porque não parecia interesseiro, como outros professores.

Elliot mordeu o figo e depois fez um gesto apontando o restante da comida.

– Você devia comer algo. Se daqui a três dias tivermos que nadar para salvar nossas vidas, não vai querer estar fraca.

Phaedra pegou um pouco de pão e queijo.

– Você não parece adorá-lo agora, e não há mais nada de professor na forma como ele o trata.

– Bem, não sou mais um estudante e tenho um livro publicado.

– Parece mais do que apenas uma amizade construída a partir desses antigos papéis, foi o que eu quis dizer.

Elliot não parecia inclinado a satisfazer a curiosidade dela. Degustou o figo sem pressa. Ela se refugiou concentrando-se na própria comida.

– Meu pai não era um homem caloroso.

Ele falou isso de modo casual, como se não tivessem se passado quinze minutos desde seu último comentário.

– Imagine um homem como meu irmão Hayden, só que sem nenhuma das qualidades que contrabalançam a rigidez dele. Quando criança, eu considerava ter sorte por ser ignorado por meu pai enquanto ele se voltava para meus irmãos. Matthias Greenwood, por sua vez, escolheu colocar o foco de sua atenção em mim. Ele valorizava as mesmas coisas que eu, era rápido em elogiar, mas não se precipitava na hora de expressar desapontamento. Havia algo de paternal em seu interesse, imagino.

Ela notou sua expressão ao descrever o pai. Conhecia bem a reputação do marquês de Easterbrook. Com certeza, tinha sido aquele tipo de pai impossível de agradar e talvez tão duro com os filhos quanto se dizia ter sido em outras áreas.

Porém, não foi a brandura intencional de Elliot que chamou sua atenção. Outra emoção brilhava nos olhos dele.

Ele insistira em que as memórias de Richard Drury faziam insinuações falsas sobre o último marquês, contudo não tinha assegurado que de fato elas fossem mentiras. Ao se sentar ali com ele e observá-lo, Phaedra entendera que lorde Elliot não estava convencido de que o pai não mandara matar o oficial. Aquela suspeita ficaria mais plausível, ganharia corpo e seria inevitável se as insinuações fossem publicadas?

Alguns cientistas acreditavam que o comportamento criminoso era herdado, assim como algumas doenças. Saber que o legado de uma pessoa incluía a capacidade de tramar um assassinato impiedoso poderia ser tão ruim quanto descobrir que seu sangue estava maculado pela insanidade.

– Matthias Greenwood não teve filhos – disse Phaedra. – Você é seu herdeiro intelectual e parte de seu legado profissional. Se havia algo de pai nele, talvez houvesse algo de filho em você.

Ele deu de ombros.

– Talvez esteja certa. Ele pode me ver dessa forma, mesmo na amizade que temos agora.

Phaedra suspeitava de que Greenwood de fato o visse dessa forma, mas achava que Elliot o via assim também. A maneira como se comportavam um com o outro fazia com que ela pensasse na amizade confortável e no amor entre pais e seus filhos adultos quando seu relacionamento amadurecia.

Se fosse assim, Matthias Greenwood seria uma pessoa importante para Elliot.

É claro que ele era. Elliot estava ali, não estava? Ele tinha viajado até Positano para discutir sua nova pesquisa com o antigo mestre, ainda que já o houvesse superado como historiador.

Fazer aquela humilde refeição no chão de pedra os apartava do restante do mundo. Sua descrição franca do pai tinha aberto uma porta de intimidade mais sedutora do que aquela criada pelo prazer físico. Era algo como a relação que se estabelecia entre ela e seus amigos.

– Por que está tão curiosa sobre Greenwood, Phaedra?

Ela examinou a familiaridade branda que compartilhavam e pensou em sua resposta.

– Tenho interesse nele.

– Ele tem idade para ser seu pai!

Ela quase riu com seu tom exasperado, mas o aborrecimento mostrado em seus olhos lhe deu uma indicação. Ele estava com ciúmes. Phaedra achou isso irremediavelmente fora de moda e presunçoso, porém ao mesmo tempo adorável. Teve vontade de rir, em vez de censurá-lo.

– Você entendeu mal, Elliot. Ele conheceu minha mãe e tem sido gentil em responder perguntas que tenho sobre algumas questões.

– Que questões?

– Minha mãe talvez tenha mantido um amante em segredo em seus últimos anos de vida.

Ele franziu o cenho.

– Richard Drury...

– Não nos últimos tempos. Houve outro homem.

– E Matthias sabe quem foi? Ele vivia em Cambridge na ocasião e, apesar de às vezes visitar Londres...

– Ele é um homem perceptivo. Não ficou surpreso quando sugeri que talvez tivesse havido outro homem na vida de minha mãe. Esse amante também mexia com antiguidades e Matthias me deu os nomes de alguns homens do círculo dela que eram do ramo. Muitos de seus amigos íntimos desconversaram na hora em que os procurei. Desconfio que não quisessem que a imagem de Artemis Blair fosse mudada. Mas ele foi sincero comigo e sou grata por isso.

Elliot refletiu sobre o que ela disse e pareceu ao mesmo tempo curioso e cético.

– Por que você buscaria nomes, Phaedra? Talvez não tenha havido amante nenhum, já que os amigos dela negaram o fato.

– Acho que houve, sim, por causa de uma passagem que meu pai escreveu em suas memórias. Esse homem, quem quer que seja, era um criminoso.

A expressão dele ficou mais séria.

– Outra referência sem nome? Outra fofoca que destruirá uma reputação?

Elliot se pôs de pé em um minuto. Afastou-se, olhou para a parede e depois se voltou para ela.

– Seria melhor se você queimasse essas memórias ou as deixasse em uma gaveta trancada para sempre.

– Isso pode poupar sua família, mas não poupará o amante de minha mãe.

– Por que não?

Ela embrulhou o queijo no guardanapo úmido.

– Porque, mesmo que as memórias não sejam publicadas, destrincharei essa parte delas até ficar satisfeita e lidarei com esse homem do meu jeito.

O cenho de Elliot se manteve franzido, seu humor não melhorou, contudo uma curiosidade cautelosa surgiu em seus olhos.

– Você fala calmamente, porém de forma amarga e decidida. O que seu pai escreveu sobre esse homem que provocou em você a vontade de identificá-lo?

Ela se ajeitou para se levantar. Passou a mão na saia para retirar as migalhas.

– Ele escreveu que esse homem a seduziu, depois a traiu de forma tão desonrosa que acabou provocando sua morte. Preciso descobrir se isso é verdade.

– Na melhor das hipóteses, é ambíguo.

– Nem tão ambíguo assim. Tem mais. Não sou totalmente louca por achar que posso identificar esse homem. Só metade louca.

Ela andou até o centro da sala e olhou em volta.

– Se vamos ficar aqui por dias, temos que deixar esse lugar mais habitável – falou ela, virando uma cesta de cabeça para baixo. – Isso pode servir de banco, se você conseguir tirar a alça.

Elliot procurou a faca que viera junto com a comida. Colocou a cesta nas pedras do peitoril da janela e começou a cortar.

– Você não deveria levar muito a sério o que seu pai escreveu sobre sua mãe. Ele era um amante rejeitado e isso pode enevoar o bom senso de qualquer homem.

Phaedra pegou o cobertor sobre a esteira de palha e verificou se estava limpo. Avistou alguns ganchos de metal presos na abóbada do teto.

– Meu pai entendia bem o que tinha e o que não tinha com minha mãe. Ele não escreveu com amargura, mas como um homem que testemunhou a mulher que amava ser usada.

Elliot continuou a cortar, entretanto sua expressão decidida não tinha a ver com a alça da cesta.

– Trate esse assunto com cautela, Phaedra. Não acuse o homem errado nem conteste um homem bom.

– Se ele for um homem bom, não terá nada a temer de mim ou das memórias. Nenhum homem bom teria.

A alça da cesta se soltou, quebrando-se sob a pressão que ele impunha com a faca. Um barulho seco reverberou na abóbada de pedras, como se a paciência de Elliot tivesse acabado junto com a última frase dela.


Passaram as horas seguintes de forma mais agradável, falando amenidades. A amiga de Phaedra, Alexia, estava recém-casada com o irmão de Elliot, Hayden, e eles especularam sobre o casal e o que os teria unido. Isso suavizou o clima pesado da primeira parte da conversa.

Elliot, no entanto, continuou a refletir sobre o assunto inicial. Ele havia percebido o tom e a expressão de Phaedra ao falar do amante que traíra sua mãe.

Phaedra não era uma simples visitante curiosa na península Itálica, como tinha dito, mas uma mulher com uma missão. Por algum motivo, aquilo a tinha levado a Nápoles. Por isso o humor dela melhorara em relação ao atraso em ir a Pompeia. Sua investigação poderia até estar na origem da amizade com Marsilio e Pietro.

Por tudo o que sabia dela, cada ato, cada palavra, desde o dia em que ele entrou naquele jardim em Nápoles, fora parte de seu plano para saber dos últimos meses da mãe e do homem a quem culpava por seu declínio e morte.

Ela foi dando instruções a Elliot para arrumar sua habitação humilde enquanto conversavam. A pedido da Srta. Blair, ele amarrou a corda em um dos ganchos da abóbada. Phaedra esticou o cobertor velho nela e, assim, separou um canto no qual colocou o penico que os criados de Matthias tinham gentilmente posto em uma das cestas.

Já anoitecia quando tudo ficou arrumado. Com um novo cobertor sobre a esteira de palha e a cesta de cabeça para baixo como banco, Phaedra havia criado um lar rústico, porém agradável. Para uma pessoa.

Havia um cômodo de teto baixo sob essa sala mais alta na torre. Elliot esperava ser posto lá, a menos que, com seu charme, pudesse obter da rainha um convite para partilhar de seu santuário.

– Você tem talento para arrumação doméstica, Phaedra. Isso é resultado de se virar sem criados?

– Acho que aprendi a fazer isso porque minha mãe não levava o menor jeito para assuntos domésticos. Isso se mostrou útil quando tive que cuidar da minha própria vida.

Phaedra levou o odre e a xícara para a janela que dava para a cidade. Depois de derramar fora um pouco de vinho, conseguiu fazer jorrar um arco que encheu a xícara, e então ofereceu a bebida a lorde Elliot.

Ele se juntou a ela próximo à janela e bebeu. Os homens de Tarpetta tinham montado acampamento na base do promontório, para além da longa sombra da torre. A julgar pelos sons distantes das risadas, eles pareciam relaxados e de bom humor.

– Por que teve que cuidar da própria vida?

Ela estava linda demais à luz prateada do anoitecer que entrava pela janela. Atrás deles, pela abertura oposta, as cores chamejantes dos últimos raios de sol penetravam. Esses raios iluminavam a parte de trás da cabeça de Phaedra, transformando suas mechas em brasas, em contraste com a fria translucidez da pele branca do rosto que olhava para oeste.

– Minha mãe acreditava que as mulheres aprendem em casa, com os pais, a serem dependentes. Somos ensinadas e temer a independência e depois convencidas a rejeitá-la mesmo que esteja ao alcance. Assim, quando recebi uma herança do irmão de minha mãe, ela me estimulou a sair de casa e a viver sozinha antes que me acomodasse e virasse uma adulta dependente dela.

Phaedra fez uma pausa ao se esticar calmamente para ver o chão perto da torre. Outro pequeno acampamento tinha sido montado ali, povoado por cinco senhoras e Carmelita Messina.

– Eu tinha 16 anos – acrescentou, ainda distraída com a cena abaixo.

A atenção que dava aos acampamentos não a deixou perceber a reação de Elliot.

– Você era uma criança.

Ele tentou não expressar condenação em seu tom. Phaedra não gostaria de ouvir críticas à mãe, e ele não tinha o menor desejo de discutir com ela naquele minuto.

Ela ainda observava o promontório.

– Sim, eu era uma criança. Contudo há muitas mulheres que são empurradas para o casamento nessa idade. Acho que seria um destino muito mais assustador. Elas são jovens demais para os planos de seus pais, e eu também era jovem demais para os planos dos meus. Ela não se afastou da minha vida, não foi uma rejeição de seus deveres. Minha mãe me ajudou a contratar uma governanta, para que eu não morasse sozinha nos primeiros anos. Eu a visitava com frequência e nos víamos quase tanto quanto no tempo em que morávamos sob o mesmo teto.

Ela fez isso soar quase natural e sensato. Ele não podia pensar em Phaedra aos 16 anos morando sozinha, sem proteção ou supervisão de ninguém, exceto uma criada. Sua prima Caroline, que tinha sido apresentada à sociedade na última temporada, era tão infantil que dava vontade de trancá-la em casa por mais dez anos.

É claro que Phaedra Blair provavelmente não era tão infantil nessa idade, nem tão inocente. Artemis criara a filha para andar com as próprias pernas e traçar o próprio caminho. Ainda assim, essa imagem o deixou irritado. A mulher não deveria ter usado a própria filha como experimento para provar que suas ideias radicais tinham mérito.

– Na época não me importei e tudo saiu como minha mãe esperava. Depois que uma mulher prova uma liberdade assim, nunca mais quer abrir mão dela. Contudo, quando ela morreu... então fiquei enraivecida. Queria que ela houvesse esperado um pouco mais, de forma que eu tivesse aproveitado aqueles dois últimos anos com ela. Ela não previa que seu tempo seria tão curto, é claro.

– Não imagino a independência que me descreve. Mesmo sendo homem, não fico tão por minha conta.

– Não importa que ainda more na mansão de Easterbrook. Sendo homem, você é livre.

– Não falo de leis, costumes ou finanças, mas da vida. Não sou sozinho nem alguém sem laços com outras pessoas. Meus irmãos estão sempre presentes na minha vida e tenho outros parentes a quem devo obrigações. Minha vida faz parte da deles e a deles, da minha. Mesmo que meus irmãos e eu um dia nos odiássemos, ainda teríamos questões em comum a compartilhar.

A expressão de Phaedra se tornou pensativa, deixando-a ainda mais bela.

– Eu gostaria de ter tido um irmão ou uma irmã. Isso teria sido muito bom, principalmente agora.

Agora que estava completamente só, era o que queria dizer. Phaedra havia escolhido um caminho que a deixaria sozinha para sempre, a menos que, como a mãe, tivesse um filho ilegítimo. Elliot percebeu que ela compreendia que abrira mão de certas coisas e que não as menosprezava. Tinha posto as opções na balança, se não aos 16 anos, ao ficar mais madura. Ele não achava que o prêmio valesse o custo, porém admirava a bravura dela.

Ela pareceu um tanto triste. Ele se sentiu péssimo por tê-la obrigado a encarar a própria solidão.

– Espero que suas amizades de alguma forma possam substituir a família que você não tem.

Lampejos traquinas dançaram em seus olhos. Seu humor e animação vieram à tona, surgidos das profundezas de seus pensamentos.

– De certa forma, mas não é uma família como você descreveria a sua. Uns amigos são como irmãos e irmãs, alguns poucos se comportam como os mais afáveis dos maridos, porém esses laços não são permanentes. Com o passar do tempo, é possível que eu me veja imaginando se não fui abençoada com mais independência do que qualquer pessoa quereria.

O que significava que já vinha se questionando sobre isso.

A referência indireta a seus amantes sutilmente mudou o clima entre eles. Elliot não podia ficar tão perto dela naquela luz e não pensar em fazer amor com ela. Imagens e desejos tinham surgido aos borbotões desde que subira os degraus horas antes. A excitação aumentara com as palavras dela. Ele pensou ter visto um desafio na forma como ela o mirava.

De repente o desejo os uniu mais intensamente que nunca. Ela não fez qualquer esforço para refrear seu poder. Ele não se aguentava mais. Jamais tinha encontrado uma mulher que reconhecesse de forma tão ousada a excitação sensual que pode existir antes de um beijo ou um toque.

Com qualquer outra mulher, ele daria o primeiro passo, como fizera com ela antes. No entanto, não se esquecera das palavras dela ao se afastarem no terraço, naquela noite. Se ela fosse honrar sua ameaça, neste momento ele provavelmente não conseguiria se portar de forma honrada o bastante para que ela tivesse a chance de rejeitá-lo.

Phaedra evocava nele o que seu sangue trazia de pior, algo que vinha do pai. Elliot queria se aproximar, abraçá-la, acariciá-la e devorá-la. A tentação de usar o prazer para coagi-la a se submeter ao próprio desejo e a ele ameaçava sobrepujar o que restava de seu bom senso.

Elliot se afastou. Pegou o revólver e um dos cobertores e começou a descer as escadas. A alternativa era se arriscar a se comportar como um canalha, ou, pior, tornar-se uma daquelas abelhas lastimáveis que ficam zumbindo e implorando pelos favores da rainha.


Phaedra observou o sol se pôr no mar. Luzes roxas e laranja coloriam a água com listras sedosas à medida que a escuridão aos poucos se aproximava. Lá embaixo, no barco, os homens acenaram e a saudaram amigavelmente. Parecia que eles também tinham alguns odres de vinho à disposição e que a bebida os deixara mais amistosos.

Phaedra encontrou a única vela mandada junto com os víveres e a acendeu. Sentou-se em um canto onde a brisa noturna não a apagaria. Ouviu Elliot se mexer lá embaixo, talvez na tentativa de achar algum conforto no chão tendo apenas um cobertor sob o corpo.

O corpo dela ainda não tinha se acalmado totalmente desde que ele partira, nem seus pensamentos se afastaram muito dos últimos minutos que tinham passado juntos. Uma pulsação quente continuava a se fazer sentir, atraindo sua atenção. Normalmente ela só tinha que lutar contra isso quando Elliot estava por perto, contudo seu corpo parecia saber que estava perto o bastante e não lhe daria alívio. Seus seios continuavam rígidos e cheios, com os mamilos reagindo a cada roçar do tecido do vestido.

A última conversa deles a desarmara. Agora só conseguia pensar em lorde Elliot de forma gentil. Ele entendera mais do que ela mesma. E não a olhara com pena – em vez disso, expressara uma preocupação verdadeira com esse lado menos perfeito da vida dela.

Ela mentira um pouco para poupar Artemis da censura daquele homem; entretanto, a julgar pelas reações dele, isso fora desnecessário. A verdade era que Artemis estivera correta em suas crenças, mas nem sempre em seus métodos. Ficar sozinha aos 16 anos fora algo devastador e amedrontador, muito mais do que Phaedra admitira. Ela sentira como se a mãe a tivesse jogado de um barco no meio do oceano, simplesmente esperando que ela soubesse nadar.

Phaedra perdoara a mãe por esse engano fazia anos, porém duvidava que outras pessoas fizessem o mesmo se soubessem daquele frágil ano tão carregado de grandes erros. A verdade seria mais uma prova para o mundo de que Artemis Blair não tinha sido uma boa mãe, nem ao menos uma mulher normal.

Elliot já não fazia mais barulho lá embaixo, embora ela pudesse jurar ouvir sua respiração. Ele não teria conseguido pegar no sono tão rápido, disso ela sabia. Phaedra caminhou a passos suaves, numa tentativa de aliviar a forma como seu corpo a atormentava. Tentou harmonizar a ideia de que o desejo não era somente físico agora, mas também um anseio por aumentar a proximidade que sentira com ele ao compartilhar suas confidências e o perigo.

Levou as mãos aos seios. Os estímulos se juntavam, aumentavam e desciam por seu corpo. Fechou os olhos para tentar domá-los e ouviu a lição dada por sua mãe sobre desejo.

O prazer carnal é uma necessidade tanto de homens quanto de mulheres. Não negue seus desejos, só fique atenta a quem escolhe como parceiro. A maioria dos homens são conquistadores em sua essência. Busque os poucos mais esclarecidos que alçaram um lugar acima da maldição primitiva. Se decidir ter prazer com um conquistador, certifique-se de lhe dar somente seu corpo e apenas temporariamente. E nunca, nunca sucumba à ilusão de que pode mudar esse homem.

Phaedra imaginou o homem lá embaixo. Ele se fora apesar de terem estado juntos em um cômodo saturado do desejo de um pelo outro. Elliot podia ser um conquistador, porém não era tolo. Entenderia que ela não cederia nada, exceto o que decidira ceder. Ela faria questão de deixar essa parte bem clara.


CAPÍTULO 11

Elliot se preparou para passar uma noite tendo apenas os próprios pensamentos por companhia. Com um pouco de sorte, logo pararia de ficar imaginando a mulher do andar de cima.

Esforçou-se para pensar no mundo que descrevia nos livros. Não precisava de seus papéis para se aventurar por lá. As notas e os esboços preliminares eram registros de suas ideias, não lembretes. Toda a informação estava em sua cabeça, acessível a qualquer momento. Já tinha passado muito tempo por lá, escapando do tédio quando alguma conversa o incomodava.

Seus irmãos, Christian e Hayden, também tinham câmaras secretas em suas mentes. Quando se aventuravam nelas, fechavam as portas atrás de si e se isolavam por completo da realidade. Somente ele fora abençoado com a capacidade de entrar e sair a seu bel-prazer, como se a porta permanecesse entreaberta. Elliot sempre conseguia manter contato com o mundo real.

Naquele exato momento, contudo, isso não era uma grande vantagem. O mundo externo com o qual não perdia contato consistia de uma frustração física que não se aquietava. Especulações em relação aos movimentos acima o perturbavam. Seu sangue ruim calculava o custo para sua honra e seu orgulho se ele dominasse primeiro e corrigisse depois.

De alguma forma, conseguiu deixar tudo isso do lado de fora, perto da porta, mas sem interferir tanto em seus pensamentos. Voltou sua concentração para as informações sobre práticas funerárias que coletara das antigas histórias romanas.

– Elliot.

Ele abriu os olhos. Cada parte de seu corpo entrou em estado de alerta. Ela poderia estar a centímetros dele, tão nítido fora o chamado. As pedras das paredes e dos degraus tinham transportado sua voz para baixo. Ela nem tivera que elevar o tom.

Phaedra não falou de novo. Só pressupôs que ele tivesse escutado. Ou talvez soubesse que ele responderia ainda que o chamado tivesse sido feito só na mente dela.

Talvez ela só precisasse de ajuda com a vela. Ou talvez tivesse visto algum movimento de uma das janelas e pressentisse problemas provocados por seus carcereiros. Ele podia simplesmente perguntar dali, mas não faria isso, apesar de saber que se afastar de novo seria quase impossível.

Acreditando que Phaedra era esperta demais para brincar com fogo, ele subiu as escadas.

Luzes vagas e sombras escuras dançavam pelas pedras das paredes e da abóbada no cômodo superior. O cobertor pendurado separava um canto numa cortina improvisada. A única e grande vela queimava devagar, suas chamas acrescentando lampejos dourados aos frios raios do luar.

Todas as tênues fontes de luz se juntavam e se intensificavam em um lugar. Uma estátua pálida as absorvia para aumentar a exibição sensual do cobre abrasador e da porcelana branca.

Phaedra estava de joelhos na esteira de palha, apoiada nos calcanhares. Olhava para a escada e para ele. Elliot parou ao vê-la, momentaneamente boquiaberto com sua beleza e ousadia.

Estava nua. Suas madeixas ondeavam pela pele desnuda. Pareciam fitas de seda que se dividiam para deixar ver partes de ombros alvos como leite, de braços macios, seios arredondados e quadril curvilíneo.

Ela deixou que ele observasse um bom tempo, sabendo que uma torrente se armava dentro dele, admitindo com o olhar que sentia o mesmo desejo.

Juntou os cabelos e os jogou para trás, expondo o corpo todo. Seus seios estavam empinados e cheios, com os mamilos róseos rígidos.

– Podemos ter prazer juntos esta noite, se quiser – disse ela.

Ele arrancou o casaco e andou até onde ela estava.

– Se eu quiser? Eu quero possuí-la desde a primeira vez que a vi.

Phaedra relaxou e esticou o corpo nu a seus pés, observando enquanto ele tirava a camisa.

– Não será assim. Possuiremos um ao outro.

– Como queira. Não me importo nem um pouco com os termos dessa rendição.

Naquele momento ele não se importava com absolutamente nada, exceto o desejo que ficava mais forte e convincente a cada instante. Caiu de joelhos ao lado dela.

– Não é uma rendição, Elliot. É uma trégua. Uma noite para gozarmos de nossa amizade.

Ela o ajudou a desabotoar a calça.

As mãos dela o fizeram enlouquecer de excitação. Ele olhou para aquele corpo feminino nu, tão vulnerável e acolhedor. Imagens entraram em sua cabeça e a urgência acelerou sua pulsação. Se ela considerava isso amizade, não conhecia os homens muito bem.

– Com certeza, Phaedra. É claro.


Ele não quisera dizer isso. A alma dela sabia, mas, naquele momento, Phaedra não se importara.

Ele estava lindo e sensual. Até ajoelhado ele era alto. Seu tronco e seus ombros nus se avolumavam acima da esteira de palha e dela, fazendo-a pequena e... vulnerável. Essa sensação era nova. Nunca vivenciara algo assim antes de conhecer aquele homem. Não era uma sensação desagradável. Ela se deixou sentir prazer nessa condição porque sabia que ele não representava um perigo real.

A luz deixava a pele dele cor de bronze e ressaltava seus músculos. Não havia nada de suave para se ver nele. Nem no corpo nem no rosto. Nele, a paixão tornava os traços de família ainda mais duros, mesmo sendo o Rothwell mais afável. O cabelo escuro, solto e despenteado pelas aventuras do dia, caía em mechas sobre a testa e o rosto. Seus olhos se tornaram cristais negros quando ela começou a ajudá-lo a se despir.

Elliot afastou as próprias mãos, deixando que ela fizesse o trabalho sozinha. Só olhou para baixo, talvez desafiando-a a prosseguir, testando se ela recuaria.

Ela não se apressou. Seus olhares ficaram conectados. Sensações maravilhosas davam vida ao corpo dela. A excitação era mais intensa por saber o que estava por vir. A expectativa cresceu entre eles de forma tão maravilhosa que se tornou um dos maiores prazeres que ela jamais experimentara.

Depois de despi-lo da calça, ela levou a palma da mão até o abdome dele, saboreando o toque de sua pele e daquela combinação tão masculina: uma superfície macia sobre uma sustentação rígida. Ela amava a forma como o desejo intensificava todos os sentidos, inclusive a intuição que lhe dizia quanto ele adorava aquele toque e como o resto da realidade desaparecia por completo para ele também.

Quando não conseguiu subir mais, desceu a mão de novo, chegando a sua roupa íntima. Com carícias suaves, ela a puxou para baixo, fazendo o tecido se avolumar em seus joelhos e libertando-o. As pontas dos dedos dela faziam o reconhecimento de seu corpo, centímetro por centímetro. Ela deslizou as mãos e as pressionou nas partes protuberantes do quadril e das coxas dele. Com a ponta dos dedos, alisou sua ereção inteira até a cabeça do pênis, envolvendo-o com suavidade, depois o acariciou de forma mais agressiva.

Elliot tentou conter a sensação que isso provocou, mas ela pôde ver a fúria sensual que o dominava. Todo ele ficou mais duro. Seu rosto e olhar, seu corpo inteiro ficou mais rígido.

– Você corre perigo de ser tomada sem cortesia nem cerimônia, Phaedra.

Ela avaliou a ameaça e a excitação do próprio corpo.

– Não me importo. Estou mais do que pronta também.

Ele se juntou a ela no cobertor e empurrou as roupas para longe. Posicionou seu corpo nu por cima do dela, apoiando-se nos antebraços ao lado dos ombros dela.

Um beijo. Profundo e íntimo, tão lento e sedutor que um anseio estranho e doce venceu sua impaciência. Phaedra afastou as pernas para que ele se aninhasse, instintivamente convidando-o a se unir a ela naquele momento para que talvez a noite toda fosse comovente.

Ele olhou para ela.

– Você é uma mulher muito generosa.

– Generosa, não. Quando a mulher é sincera nesses prazeres, ela ganha também.

– Esta é uma visão admirável e democrática. Só que você não está sendo sincera e me encoraja a ser um amante ruim por causa disso.

– Reconheço minha condição carnal da forma mais sincera.

Tão sincera que essa demora a enlouquecia. Ela mexeu o quadril um pouco para encorajá-lo.

A reação dele foi leve, sutil, mas devastadora. Ele empurrou, mas não tudo. Ela o sentiu lá embaixo, tocando-a de leve, uma provocação terrível e maravilhosa.

Ele a beijou no pescoço e nos ombros.

– Você disse que estava mais do que pronta – falou, administrando o calor daquele deleite. – Não foi verdade, mas talvez tenha falado por ignorância.

A indignação se infiltrou em sua mente, que só pensava nos formigamentos maravilhosos que atingiam seu sangue.

– Não sou ignorante. Acho que isso é óbvio.

Ele suspendeu o tronco, de forma a poder acariciá-la. Observou as pontas dos próprios dedos traçarem levemente uma linha em torno da base e do volume do seio, assim como ela havia feito há pouco no quadril e nas coxas dele.

– Uma mulher mais do que pronta não fica tão controlada quanto você continua. Você não está nem perto de estar pronta como poderia estar. Se não é ignorante, sabe disso. Mas talvez você tenha medo de se abandonar à sensação.

Ele esfregou o mamilo dela. Um tremor profundo a sacudiu, ressoando dos pés à cabeça. O corpo dela ansiava por empurrá-lo fundo para dentro e escapar daquela tortura sensual, por mais deliciosa que fosse.

Ele tocou o seio dela com mais força, esfregando o bico, fazendo os tremores se repetirem com intensidade crescente. Phaedra começara essa sedução confiante e ousada. Agora a onda dessa vulnerabilidade tentadora afastava seu autocontrole.

Ela não conseguia mais resistir à maré de prazer. Elliot pareceu perceber que ela tentava. Saiu do corpo dela como se anunciasse que era ele quem decidiria quando ela estaria pronta. Deitado ao lado dela, apoiado no braço rígido, ele a acariciou devagar e seguro de si, seu toque possessivo percorrendo toda a pele dela.

Seus seios ansiavam para que suas mãos voltassem ali. O outro prazer e os estímulos que ele causava pioravam tudo ainda mais. A frustração a deixava quase louca. Ela nem conseguiria abraçá-lo naquela posição, ficava exposta e submissa ao seu olhar e a suas mãos mal-intencionadas.

Phaedra não podia abraçá-lo, mas podia tocá-lo. Nem todo o corpo dele estava fora de alcance. Ela buscou a parte interna da coxa de Elliot com a mão direita. Acariciou-o com movimentos para cima, certificando-se de que não perderia o controle sozinha.

Ele reagiu como esperado, da forma como ela ansiava. Elliot acariciou seus seios de uma maneira tão perfeita, tão completa, que a fez quase perder a sanidade. O prazer insuportável ficou maravilhosamente pior e o desejo por mais tomou sua mente.

Ele baixou a cabeça e levou a boca ao seio dela. Uma nova sensação percorreu seu corpo. Uma sensação doce e intensa e tão poderosa que a fez perder contato com a realidade. Phaedra agarrou os ombros dele em um abraço selvagem para que não ficasse sozinha em seu abandono. Sua mente se obscurecera e ficara tão focada que apenas uma vaga percepção do mundo ao redor se esgueirava por ela. Sons ecoavam as súplicas em sua cabeça e as necessidades que a devastavam. Pegadas fortes e beijos violentos a levaram mais fundo nessa sensação pura.

Um toque diferente, bem-vindo e temido e tão necessário que ela pensou que desmaiaria de alívio. Sua consciência gritou. Ela abriu mais as pernas para que ele não parasse. Arrepios profundos se acumulavam lá e se espalhavam, aumentando a tortura até ela querer implorar por alívio.

Então lá estava ele com ela de novo, aninhado entre suas coxas como tudo tinha começado, empurrando de leve daquela forma incompleta e enlouquecedora. Ele a beijou com um jeito selvagem ao penetrá-la, engolindo seu gemido de alívio.

Estocadas fortes, profundas e plenas, a levaram ao gozo. A explosão singular de prazer a embebedou de paz e de uma sensação perfeita. Flutuou nela, espantada com a violência do clímax e com a materialidade do êxtase.

Phaedra foi voltando devagar da escuridão sagrada de sua mente. Seus braços sentiram os ombros que ela abraçava e suas pernas, o quadril que circundavam. Ele permanecia teso e pleno dentro dela.

Por entre os cachos úmidos, ela viu os olhos dele, ainda quentes e firmes em sua rigidez sensual.

– Você parece bem satisfeita, Phaedra.

Tão satisfeita que ela pensou que nunca mais poderia se contentar com menos.

– Com toda a certeza.

Ele se mexeu devagar, descrevendo um longo caminho na carne ainda intensamente viva após o clímax.

– Acho que nunca conheci uma mulher com tanta facilidade de ter prazer.

Ele pousou um beijo firme em seus lábios. Bem dentro dela, a satisfação começou a arrefecer. Novas necessidades acenaram de forma sutil, porém perceptível.

Ele fez de novo. Olhava para baixo, controlado demais, seguro demais do que causava com suas investidas lentas e profundas.

– Acho que nunca fui tão possuído por uma mulher antes.

– Não me culpe se não compartilhou a satisfação. Normalmente, há unidade nessas coisas.

– Duvido que já tenha havido unidade com você. Seus amigos encontram o próprio prazer enquanto a ajudam a achar o seu, mas é diferente.

Phaedra viu um insulto nessas observações tranquilas. Se não estivesse tão ligada à potência viril que emanava dele, se os tremores da nova excitação não estivessem preenchendo sua mente, talvez ela achasse as palavras para castigá-lo por sua presunção.

Só que a sensação de saciedade diminuía com rapidez. Lá dentro, desejos ressonantes despertaram, reforçados pela confusão e pelo desespero.

O abandono acenou de novo, mas permaneceu fora de alcance, tentando-a. Ela continuou em contato com o mundo, ciente do homem que se demorava, consciente de que ele também não tirava os olhos dela.

Phaedra mexeu o quadril para encorajá-lo. Mais rápido. Ele acariciou a nádega direita dela e a puxou, detendo-a.

– Você disse que nós possuiríamos um ao outro, e eu quero possuí-la devagar.

– Foi muito indelicado da sua parte não se saciar junto comigo.

Ela nem sabia que um homem podia controlar suas vontades a esse ponto.

Obteve um sorriso quase imperceptível em resposta. Sua mão soltou a nádega dela. Phaedra pensou que ele houvesse se rendido. Em vez disso, ele levou a mão às costas e soltou a perna dela de seu quadril.

Moveu a outra perna também e empurrou as coxas dela unidas para baixo dele. Quando se mexeu dentro dela de novo, o prazer se concentrou e espiralou tão nítido que ela perdeu o fôlego.

As sensações a deslumbraram, a venceram. Ela não podia negá-las, então se rendeu. Porém, desta vez o clímax foi diferente. Phaedra não perdeu o contato com o mundo. Ouvia os próprios gritos. Ficou embebida na aura dele. A vulnerabilidade voltou, mais matizada, ainda excitante, porém levemente assustadora.

Ele não perdeu o controle, não sucumbiu. Mesmo quando suas estocadas ficaram mais rápidas e mais fortes, mesmo na hora em que ela gritou em êxtase, Phaedra sentiu que ele controlava seu poder até o fim.

Dessa vez houve unidade. Ela não chegou sozinha ao clímax. Na verdade, ele pareceu mais presente. Um alívio glorioso a despedaçou como um raio parte uma árvore, porém ele permaneceu a seu alcance durante todo o tempo.

Após o coito, à medida que a alma dela tentava recolher os cacos de seu autocontrole e ela lutava para recompor a mulher que conhecia, receios penetraram seus pensamentos. Ela o sentia em seus braços, seu corpo cobrindo o dela. Ele estava exausto, satisfeito e quieto, mas inteira e estranhamente real.

Phaedra nunca se sentira em desvantagem em situações assim antes. Envolta em êxtase e saciedade, ela examinava sem pressa essa nova situação. Tentava decidir o que significava e como tinha acontecido.

Com certeza, essa misteriosa sensação de desprendimento desapareceria quando ele fosse embora. Tinham sido só a noite, a escuridão e o prazer que a haviam causado.

Ele se apoiou nos antebraços, tirando o peso de cima dela. O olhar dele a invadiu muito fundo e de forma tão calorosa e intensa que ela se perguntou se ele estaria tentando deixar uma marca de fogo em sua mente. Depois ele rolou de cima dela e se deitou de lado. Logo caiu no sono com o braço por cima dela.

Elliot pretendia passar a noite ali. Ela nunca permitira isso com seus amigos, mas não conseguiria acordá-lo e pedir que descesse para deitar no cobertor sobre as pedras no cômodo embaixo. Porém...

Phaedra olhou para as luzes bruxuleantes que brincavam nas pedras acima dela. O olhar dele tinha sido cálido e tocante durante o último e longo olhar, mas também exigira que ela reconhecesse a força da união dos dois. Carregara a profunda intimidade que ainda os unia e se negara a deixar que ela se desvencilhasse de seu abraço.

Porém, tinha havido mais do que isso, algo que ela nunca vira nos olhos de um homem antes, pelo menos não em um que a olhasse.

Ela vira os olhos de um conquistador.

E se perguntara o que ele erroneamente achava ter conquistado.


A porta da mente dele permanecia entreaberta. Elliot a ouviu suspirar e murmurar enquanto dormia. O sol começava a nascer e ela despertaria em breve. No momento, ele aproveitava a paz, a companhia e o ar frio em seu corpo, deixando a mente concluir suas reflexões sobre outras coisas.

Um som o despertara, dando uma vaga indicação do novo dia que começava. Agora ele espiava pela luz prateada à medida que um objeto tomava forma. Havia mais uma cesta no cômodo, bem à direita, no alto das escadas. Uma das senhoras tinha trazido mais víveres.

Phaedra despertou devagar como um gato ronronante. Ela se encolheu e depois se esticou em sua elegância nua e se virou para o outro lado, dando a Elliot a oportunidade de admirar o belo contorno de suas costas e de seu quadril.

Ela parecia muito doce naquele momento e mais jovem. Despida de seu hábito negro, liberta da armadura com que enfrentava o mundo, ela o espantava com sua aparência frágil. A noite anterior revelara esse outro lado de sua alma de uma forma inconfessa e inexplicada. Sua paixão tinha sido ao mesmo tempo experiente e ignorante, ao mesmo tempo segura e amedrontada. Ele experimentara a fraqueza e a suavidade que ela não ousava mostrar ao mundo. Phaedra levava uma vida baseada em símbolos na qual tais contradições não eram permitidas.

Ele a queria de novo, porque ela estava muito bela ali de manhã e porque a Phaedra nua, despida e desarmada, o fascinava. Imaginou que continuaria a desejá-la por muito tempo. Calculou tempo e lugar, dia e noite, tendo as lembranças de seus abraços a tentá-lo.

Num instante ela se pôs alerta, como se tivesse ouvido os pensamentos dele. Deitou-se de costas e, através de pálpebras semiabertas, avaliou onde estava e com quem. Um vago rubor tingiu seu pescoço, descendo até os belos seios. Os mamilos endureceram, mas não por causa da fria brisa marinha.

O constrangimento a fez parecer uma menina insegura. Lorde Elliot se perguntou que pensamentos causaram o franzir de seu cenho ao olhar o próprio corpo. Ela não estava tão atrevida agora, sem a escuridão para transportar os acontecimentos para outro mundo.

Elliot puxou algumas roupas para que ela não fosse obrigada a sair de onde sua escolha a deixara. Ele lhe entregou o monte de tecido negro que era seu vestido. Phaedra se sentou e o passou pela cabeça.

Ele se sentou ao lado dela na esteira. Imaginou se Phaedra mencionaria os acontecimentos da última noite e o que ele deveria dizer quando ela o fizesse. Ela não era uma mulher que esperasse gratidão ou desculpas. Certamente não esperaria que ele lhe oferecesse dinheiro ou qualquer tipo de pagamento. Ela não esperava absolutamente nada dele e levaria a mal qualquer proposta.

– Você tem Alexia – disse ele. – Ontem você falou sobre estar só, mas Alexia é uma amiga leal.

As palavras de Phaedra tinham ecoado na cabeça dele naquela manhã enquanto ficara deitado ao lado dela. Ele se perguntara sobre suas amigas na infância, duvidando de que tivesse alguma. Imaginava que poucas mães permitiriam às filhas serem amigas da filha de Artemis Blair.

Phaedra se esticou para lhe dar um beijo no rosto. Ele supôs que, em algum momento ao longo do dia, a intimidade entre eles chegaria ao fim e Phaedra consideraria a noite da véspera como passado. Agora, contudo, com um gesto ela o fazia entender que achava a preocupação dele, no mínimo, encantadora.

Ele aproveitou a oportunidade para passar o braço em torno dela. Sentado assim numa cama de palha, com as costas apoiadas na parede, a cabeça de uma bela mulher no ombro e os sons e cheiros do mar entrando em lufadas pelas janelas, não seria um jeito ruim de passar o dia.

– Ela fez com que seu irmão permitisse nossa amizade – disse. – Quando Alexia negociou o casamento, ela o fez prometer. Eu tinha imaginado que... Cheguei a recusar o convite de casamento. Escrevi a ela dizendo que isso só causaria problemas com o marido. Ela me respondeu explicando o que conseguira.

Phaedra inspirou profundamente. Sua voz saiu mais fraca quando voltou a falar.

– Chorei ao ler a carta. Foi o gesto mais nobre que qualquer amiga já fez por mim. Preocupar-se comigo naquele momento... Ainda acho difícil de acreditar que seu irmão tenha concordado. Não sou uma mulher que a maioria dos homens deseje como amiga de suas esposas. Uma cortesã seria mais bem-vinda nas salas de estar das famílias elegantes de Londres.

Elliot imaginou que a generosidade do irmão fazia parte de uma estratégia maior. Phaedra Blair era uma concessão pequena para Hayden nas negociações para ficar com a mulher que desejava.

Não ajudaria colocar as coisas dessa forma.

– Hayden nunca foi escravo das regras da sociedade. Ele quer que Alexia seja feliz e sabe que a amizade dela com você não representa qualquer perigo.

– Se ele acredita nisso, o amor o deixou tolo. Não me ressinto com os pais e maridos que não permitem que eu seja recebida, Elliot. Se eu fosse eles e acreditasse no que eles acreditam, estabeleceria as mesmas regras.

Elliot olhou para o topo da cabeça dela. O cabelo parecia mais dourado do que ruivo agora, na luz cristalina da manhã. Ela não queria sua piedade por sua infância solitária. Não esperava que o mundo se transformasse para se adaptar a ela. Só queria que a deixassem quieta para que conduzisse suas crenças como lhe aprouvesse.

Entender isso acrescentou ternura à satisfação que ele sentia naquele momento. Infelizmente, deixá-la quieta seria quase impossível.

– Lorde Elliot.

O chamado de Carmelita não veio das escadas de pedra. Ela estava lá embaixo, do lado de fora da torre. Pelo menos uma das senhoras tinha se intrometido mais cedo e agora faziam uma tentativa de não repetir isso.

Ele se levantou e olhou para fora da janela. As cinco senhoras estavam em volta de Carmelita, falando baixo e ainda montando guarda.

– Lorde Elliot, o signore Greenwood está chegando.

Ela fez um gesto indicando a parte baixa do promontório, para além dos homens que acordavam.

Greenwood passava pelo cais, agora cheio de barcos de pesca. O barulho da cidade lembrou a Elliot por que nenhum deles fora para o mar. Era o dia da festa de San Giovanni.

Os homens deram passagem a Greenwood. Ele lhes disse algo ao passar. Acenou para Elliot quando o avistou na janela. Seu sorriso e andar lépido indicavam que trazia boas notícias.

Ele cumprimentou Carmelita e as senhoras com uma mesura, depois olhou para cima.

– Você e a Srta. Blair têm muitas razões para me agradecer, Rothwell. Fui tão habilidoso, tão brilhante, que mereço um cargo nas relações exteriores.

– O senhor convenceu aquele idiota a pôr fim nisso? – perguntou Carmelita.

– Fechei um acordo. Um tão bom que as senhoras não precisarão mais oferecer seus préstimos.

Carmelita explicou às senhoras o que ele dissera, porém elas relutaram. Uma pequena discussão se seguiu, mas Carmelita as convenceu. Todas as mulheres começaram a caminhar de volta para a cidade.

– Vou subir e explicar – disse Matthias, desaparecendo no limiar do portal.

Elliot se virou para Phaedra. Ela se parecia de novo consigo mesma: composta, orgulhosa e singular. O tecido preto cobria o corpo que ele possuíra horas antes. Phaedra se inclinou e esticou o cobertor por cima da palha, eliminando a mais óbvia evidência dos eventos noturnos.

– Eu devia ter me rendido à tentação e acordado você mais cedo – disse ele. – Uma noite assim não devia terminar de forma tão abrupta.

Phaedra deu um sorrisinho nervoso.

– De forma abrupta ou lenta, as noites sempre acabam.

Havia muita coisa que ele gostaria de dizer em resposta, entretanto as botas de Greenwood já se aproximavam do cômodo.

O cabelo branco e o rosto sorridente de Matthias surgiram. Ele parecia muito satisfeito consigo mesmo.

– Trouxe-lhe a chave de sua prisão, Srta. Blair. Infelizmente, para que tudo dê certo, a senhorita tem que deixar Positano imediatamente.


CONTINUA

CAPÍTULO 7

– É uma coleção modesta.

Matthias brilhava de orgulho, apesar de suas palavras.

– Tive a ideia inspirado nos gabinetes renascentistas. É o meu refúgio dentro de casa, cheio dos meus objetos favoritos.

Seu gabinete era uma grande sala quadrada cheia de urnas antigas e ramagens nas paredes de gesso. Além de uma escrivaninha comprida repleta de livros e papéis, o cômodo continha artefatos. O capitel de uma coluna coríntia estava empoleirado em um dos cantos da mesa. Um busto antigo os observava do alto de uma estante de livros. Vitrines com pés, como as das livrarias inglesas, guardavam outros pedaços de peças e antiguidades.

Phaedra caminhava por entre as peças, observando. Randall Whitmarsh a acompanhava, apontando as moedas com as imagens de Júlio César e Tibério gravadas e as pequenas garrafas de vidro.

– Aqui está o grande achado – anunciou Matthias.

Ele abriu uma gaveta, retirou uma trouxinha de tecido e começou a desembrulhar o material.

Surgiu uma pequena estatueta de bronze de uma deusa nua em uma posição relaxada.

– Alguns garotos mergulhavam na enseada e lá estava ela, no fundo da areia. Deve ter ficado lá por 1.500 anos. É grega, tenho certeza. Período clássico. Provavelmente parte de uma carga grega a caminho de alimentar os cobradores do Império Romano.

Whitmarsh levantou a estátua.

– Com certeza um navio naufragou aqui. Deve haver outras peças onde ele afundou, se puder ser achado.

– A água fica profunda rapidamente, o que é muito perigoso – disse Matthias. – Se houver mais peças, elas só vão ser encontradas quando as marés fizerem seu trabalho. Retirei com cuidado as cracas e a melhora foi maravilhosa.

Elliot tomou a estátua em suas mãos.

– É linda. Pretende vendê-la?

– Ainda não sei. Caso decida vender, Whitmarsh poderia pô-la à venda para mim em Roma, não é?

– Ou eu, em Londres – emendou Elliot. – Você conseguiria um preço melhor, não acha?

Matthias sorriu com a indulgência de um mestre. Pegou a estátua das mãos de Elliot.

– E macular o seu sangue com atividades comerciais? Eu não faria isso.

– Não haverá comércio se eu apenas indicar um colecionador. Easterbrook pode até ficar interessado na peça.

Os homens começaram a discutir a data de criação da estatueta e seu valor. Phaedra continuou a andar por entre as vitrines para completar sua visita de reconhecimento.

A coleção de Matthias era muito eclética, como a de um garoto de escola que trouxesse para casa pedaços e peças do mundo que o fascinavam. Uma vitrine continha fragmentos de cerâmica de pouco valor, porém com enfeites primitivos fascinantes. Espirais e formas geométricas se amontoavam sobre as superfícies avermelhadas. Um belo cálice grego intacto ocupava lugar de honra em outra, exibindo o deus Dionísio em um navio em seu interior raso e arredondado.

Prosseguiu até as adagas antigas e partes de armaduras romanas entalhadas e chegou até uma vitrine que continha outros objetos de metal. Essa estava trancada e Phaedra podia entender por quê. Espalhados dentro estavam objetos de ouro e prata e esmaltados, alguns clássicos, outros de épocas posteriores, em que normandos e sarracenos estiveram ali. Pequeninas imagens de deuses romanos e vivas interações de linhas e arabescos disputavam sua atenção.

A vitrine inteira brilhava. Fechos de bolsas, brincos e fileiras de contas de vidro.

– Decidi ficar com minha pequena deusa – anunciou Matthias. – Onde acha que devo alojá-la, Srta. Blair?

Phaedra deu sugestões de lugares onde Matthias poderia exibir a pequena estátua, porém seus pensamentos continuavam na coleção diversificada do seu anfitrião. Ela se perguntava se ele saberia algo sobre camafeus antigos.


De tarde, o Sr. Whitmarsh decidiu pescar, então os cavalheiros desceram a montanha para alugar um barco após a sesta costumeira da cidade. Isso deixou Phaedra com a signora Roviale e a Sra. Whitmarsh.

As damas se sentaram na sala de visitas e tentaram não entediar umas às outras. Quando a Sra. Whitmarsh pediu licença e saiu para escrever uma carta, a signora Roviale abordou o único assunto que achava ter em comum com a outra hóspede.

– É um homem notável, o seu lorde Elliot. Não sou fã de todos os amigos ingleses do signore Greenwood. Eles quase sempre são pálidos demais e reservados a ponto de se tornarem tediosos, e suas mulheres e namoradas também são sem sal e sem assunto. Mas lorde Elliot é ao mesmo tempo bonito e interessante. Un uomo magnifico.

– Lorde Elliot é cunhado de uma grande amiga minha e me acompanha a pedido dela. Não sou sua namorada.

– Veramente? – exclamou ela, depois avaliou Phaedra com frieza. – Talvez, se usasse roupas mais atraentes... Matthias me disse que não está de luto e, por aqui, o preto é mais comum entre as mulheres velhas... E seu cabelo, a minha criada poderia penteá-lo para que não parecesse uma criança nem uma puttana.

“Puttana” tinha sido uma palavra que Gentile Sansoni usara durante o interrogatório. Significava meretriz. Como a signora Roviale não era casada com Matthias, estava enveredando por um campo muito delicado.

– Escolho meus vestidos e meu penteado por bons motivos, signora. Assim não preciso ficar sobrecarregada com criadas nem gasto horas em preparações antes de começar meu dia tão atarefado.

– Aaah, capisco. Entendo.

Ela fez um gesto expressivo, a mão desenhando um amplo arco que incluiu as duas e a casa.

– Mas seu dia está livre hoje. Não está muito ocupada, não é? Não temos nada para fazer enquanto esses ingleses pescam feito camponeses. Ofereço-lhe minha criada; então não ficará, como disse, sobrecarregada.

– Estou muito satisfeita assim, obrigada. Quanto a preencher o meu dia, vou para o meu quarto ler, se me der licença.

– Pode ler outra hora. Acho que é uma mulher que lê demais.

Ela se levantou e acenou para Phaedra, indicando que a acompanhasse.

– Talvez esteja satisfeita em seu vestido, contudo a signora Whitmarsh não está feliz. Ela pensa que você é uma bruxa e que está tentando encantar o marido dela. E você é tão incomum que ela não sabe como competir. É louca por pensar assim, de toda forma posso ver as suspeitas naquele rosto comprido. Nós a deixaremos apresentável e comum para o jantar desta noite, para que ela não pareça ter uma nuvem negra em cima da cabeça.

Revoltada por estar sendo coagida, porém incapaz de pensar em uma desculpa para desfazer o plano de sua anfitriã, Phaedra se levantou. A signora Roviale lhe deu o braço e, com firmeza, conduziu-a escada acima.


Elliot despiu a camisa agora úmida de maresia. Entregou-a ao criado para que fosse lavada, depois foi se arrumar para o jantar. A pesca tinha sido divertida, animada pelos odres de vinho que Matthias tinha jogado no barco.

Saiu para o terraço e apurou os ouvidos. Nenhum som vinha do quarto de Phaedra, portanto supôs que ela já tivesse descido e se dirigiu à sala de visitas. Todos os hóspedes estavam reunidos, exceto a única mulher que ele estava ansioso para ver.

Perguntou-se se ela aproveitara sua ausência para escapar e amaldiçoou a própria negligência. A combinação relaxante de sol e mar e a excitação que não queria deixá-lo o tinham feito esquecer o motivo de ter Phaedra em sua companhia.

Conversou com Whitmarsh e Greenwood. Cada minuto que passava aumentava suas suspeitas da fuga de Phaedra. Estava prestes a perguntar à signora Roviale sobre as atividades da Srta. Blair naquele dia quando Whitmarsh de repente parou de falar e olhou fixo por sobre o ombro de Greenwood. A expressão no rosto dele fez Elliot olhar na mesma direção.

Greenwood virou a cabeça.

– Meu Deus. É a nossa Srta. Blair?

Aparentemente, sim, exceto que aquela Srta. Blair não se parecia muito com a que Elliot conhecia. O vestido preto substituído por um azul-celeste, com um fita marfim e mangas curtas bufantes no ombro e justas no braço. O cinto de seda marcava sua cintura e o decote revelava a pele muito alva do pescoço e dos ombros, destacando o arredondado firme e elegante de seus seios.

O cabelo também tinha sido penteado e preso. Sem mais flutuar solto, formava um penteado com cachos e trançados que a deixavam muito na moda. Usava um pouco de maquiagem no rosto, ou talvez a atenção que despertara a tivesse feito enrubescer.

– É ainda mais bela do que a mãe – sussurrou Whitmarsh. – Se pode ficar bonita assim, por que se esconde naquele hábito de freira?

Elliot sabia por quê. O motivo agora enchia a sala de visitas. O silêncio caiu conforme os homens a olhavam e as mulheres a avaliavam. Elliot andou pelo meio dos outros para poupar-lhe o incômodo de continuar a ser o espetáculo da noite.

– Está muito bonita hoje, Srta. Blair. Vamos pegar um pouco de vinho.

Ela o acompanhou até a criada que servia as bebidas. O grupo retomou suas conversas.

– A signora Roviale fez isso tudo. O vestido é dela – contou Phaedra. – A mulher é implacável. Não havia como escapar.

Ele lhe entregou um cálice de vinho.

– Foi gentileza da sua parte ceder.

Ele se esforçava para que seu olhar não resvalasse para a protuberância branca acima do decote do vestido. Queria lamber e mordiscar aquela pele de leite que surgia além da fronteira azul-celeste.

– Levou horas. Tinha me esquecido dessa parte. E esse espartilho... bem, você pode imaginar como meu pobre corpo não gosta disso.

Não exatamente. Contudo ele podia imaginá-la de camisa e meias, antes de pôr o espartilho, e depois de vesti-lo, quando ainda não houvesse colocado o belo vestido.

– Acredito que, com a prática, fique mais fácil.

– Não vai haver prática. Essa experiência acaba junto com o jantar. Só rezo para que não desmaie antes disso. Mal posso esperar para ser liberada dessa tortura. Para começar, é insuportavelmente quente. Descobri que os árabes usam roupas soltas em climas quentes por um bom motivo. Além disso...

De repente, no meio da frase, suas reclamações pararam. Ela enrubesceu violentamente, como se visse nos olhos dele o que se desdobrava em sua imaginação, o vestido caindo, o espartilho se abrindo e o corpo dela sendo revelado. O traje dava uma visão melhor desse corpo do que seus vestidos pretos, e ele a imaginava nua com muito mais nitidez agora.

Whitmarsh se aproximou exalando charme. Greenwood não perdeu a Srta. Blair de vista enquanto falava com os outros. Ela respirou fundo e partiu para encantar a todos com seu brilho e sua beleza.


Phaedra pretendia escapar direto para seu quarto ao final do jantar, para tirar aquelas roupas desconfortáveis. Mudou de ideia ao ver Matthias Greenwood andar em direção a seu gabinete. Em um impulso, ela o seguiu, alcançando-o no momento em que abria a porta.

– Sr. Greenwood, posso falar com o senhor em particular? – solicitou Phaedra.

– Com certeza, Srta. Blair. Venha comigo. Terá toda a minha atenção aqui.

Ela aceitou sua acolhida e sentou-se na cadeira que ele lhe indicou, ao lado da mesa. Encarapitada lá, sob seu exame tutorial, sentiu-se como uma aluna pleiteando uma vaga na universidade.

– Sr. Greenwood, na Inglaterra eu vinha conversando com pessoas que conheceram minha mãe. Tenho algumas perguntas sobre fatos que aconteceram no final da vida dela. O senhor a conheceu também e seu nome foi mencionado várias vezes. Algumas delas sugeriram que talvez pudesse me ajudar.

– Algumas delas...?

– Amigas de minha mãe. Mulheres que me ajudaram a relacionar as pessoas que faziam parte do convívio social de minha mãe e coisas afins.

– Ajudarei como puder, entretanto não era um amigo próximo. Minhas funções na universidade não me permitiam vê-la com muita frequência.

– Entendo. Contudo é sua distância relativa que pode ter possibilitado ao senhor enxergar com mais clareza do que os amigos mais íntimos.

Ele pareceu cético, mas se mostrou prestativo.

– O que precisa saber?

– Talvez o senhor considere minhas perguntas um pouco ousadas.

Ele riu.

– Ficaria desapontado se não fossem. Se a senhorita está correndo o mundo atrás de respostas, imagino que as perguntas não sejam banais.

Seu bom humor tornava tudo mais fácil. Ela decidiu começar com a pergunta mais ousada de todas.

– Alguma vez suspeitou que minha mãe tivesse um amante nos últimos anos de vida?

Ainda que ele esperasse ousadia, a pergunta o deixou um tanto sem jeito. Sua expressão sempre bem-composta se alterou, ficando próxima do constrangimento.

– Não tive indícios para pensar isso. No entanto... Bem, quando conheci sua mãe, Drury era uma presença constante, mas parecia menos presente por volta do último ano.

– O senhor sabe quem era o outro homem?

Os olhos dele ficaram mais cálidos, demonstrando simpatia. Seu sorriso era o de um tio para a sobrinha preferida.

– Nem sabia se havia alguém. Tem certeza de que houve?

– Meu pai achava que sim.

– Os homens podem errar em relação a essas coisas. A paixão esfria, a distância aumenta... Ele pode ter interpretado errado.

Ela sabia dessa possibilidade. Matthias não era o primeiro a mencioná-la. Vários amigos de sua mãe sugeriram a mesma explicação. Ela mesma também nutria a esperança de que fosse apenas isso.

– Há alguém que o senhor teria considerado provável?

Ele balançou a cabeça.

– É tão importante saber o nome ou mesmo se a suspeita se confirma?

– Se tivesse sido um caso normal, eu diria que não.

Ele esperou pacientemente que ela continuasse, nem encorajando nem desencorajando outras revelações com seu comportamento reconfortante. Ela entendeu por que Elliot gostava desse homem. Havia algo em Matthias Greenwood que inspirava confiança e estimulava confidências. Sua franqueza era tamanha que afastava até a menor possibilidade de dissimulação.

– Minha mãe me deixou um camafeu – contou ela. – Seu testamento dizia que era originário de Pompeia. Sua intenção era que ele me desse alguma segurança financeira, e sempre supus que daria. No entanto, antes de meu pai morrer, ele alegou tratar-se de uma joia falsa, vendida a minha mãe pelo amante.

Matthias franziu o cenho, a preocupação evidente em seu olhar.

– A senhorita depende do valor desse camafeu?

– Minha situação financeira ficou mais complicada nos últimos tempos. Talvez eu precise vendê-lo. Contudo, se for falso...

– Valerá uma mera fração do que ela imaginava e provavelmente do que pagou. E a senhorita também não pode vender a peça antes de ter certeza, a menos que queira se arriscar a fazer parte de uma fraude.

– Exatamente.

– Entendo seu dilema. Lamento que sua herança esteja em questão. Se um admirador tirou vantagens indevidas de Artemis, o canalha deveria ser enforcado. Ela era muito generosa com todos que conhecia, mas... bem, talvez ingênua demais e lenta demais para perceber que alguns teriam interesse em se aproveitar dela.

Ele lhe lançou um olhar que pedia desculpas pela leve crítica.

– Talvez ela tenha sido mesmo ingênua demais, Sr. Greenwood. E sua generosidade significa que ela deixou pouco mais em herança além do camafeu. Suponho que eu poderia guardá-lo como lembrança, contudo, se ele simboliza o roubo de sua afeição e de seus recursos, não terá nenhum valor sentimental para mim.

– Eu pediria para ver o camafeu se pudesse afastar suas preocupações, no entanto confesso não ter muito conhecimento nessa área. Poderíamos mostrá-lo a Whitmarsh, é claro. Ele conhece muito mais pedras preciosas do que eu. No entanto, faria mais sentido perguntar aos especialistas em Pompeia...

Seu cenho se desanuviou. Ele deu um risinho.

– É por isso que está na península Itálica, não é? É claro. Agora compreendo.

– O senhor acha que posso obter uma resposta concreta lá?

– A mais concreta possível. Como já sabe, as opiniões variam. Escreverei para o superintendente, para abrir caminho para a senhorita. Ele está envolvido em escavações há vinte anos e pode atestar a origem do item, bem como seus sinais característicos de antiguidades.

– Agradeço sua boa vontade em me ajudar. Pergunto-me se posso abusar um pouco mais de sua gentileza. Temo que isso signifique pedir que levante hipóteses que talvez não queira.

– Não sou bom demais a ponto de resistir a fofocas, Srta. Blair. Pelo menos, até certo ponto.

Ela suspeitava de que iria chegar a esse ponto e talvez ultrapassá-lo.

– Se, de fato, esse camafeu, real ou falso, foi dado ou vendido a minha mãe por um homem nos seus últimos anos de vida, o senhor pode pensar em alguém em seu círculo que tivesse acesso a coisas assim?

Seus olhos de águia se obscureceram e ele ficou introspectivo, refletindo demoradamente sobre a pergunta. Phaedra imaginou que ele estaria relembrando as festas e jantares de anos atrás, examinando rostos e reconstituindo conversas.

– Não tenho um nome para lhe dar – disse por fim.

Sentiu o desapontamento, mas não foi um golpe tão duro. Teria sido ótimo resolver o mistério naquele dia, entretanto ela na verdade não esperara mesmo que isso acontecesse.

– Contudo, talvez...

Os olhos de águia de Matthias ficaram reflexivos de novo.

– Olhe bem, estou me lembrando de uma joia que diziam ser originária de um tesouro em Pompeia, só que não pertencia a sua mãe. Lembro-me que sua existência foi discutida durante uma das recepções que ela deu. Pode ser a mesma joia que está agora em sua posse ou talvez seja outra.

– O senhor se lembra do que foi dito na ocasião?

– Não de muita coisa. Não tinha interesse no assunto. Nem mesmo consigo determinar a data da conversa com muita precisão.

Ela olhou por cima de seu ombro para as vitrines.

– Eu diria que o assunto o interessa deveras.

– Não em relação a essa joia específica. Percebi logo que a origem da joia era duvidosa. Qualquer item retirado de Pompeia é propriedade roubada. Não há documentação de sua descoberta lá porque isso revelaria tratar-se de um roubo – explicou e deu de ombros para prosseguir: – Há quem não se importe com esses detalhes e pessoas que acreditam em qualquer história que lhe contem. É assim que comerciantes desonestos fazem fortuna.

– O senhor se recorda de como esse camafeu surgiu? Alguém o estava vendendo?

Ele bateu com os dedos na mesa e pensou bem.

– Foi há tanto tempo... Não quero atacar a credibilidade de ninguém...

– O senhor não o fará. Nem eu. Não farei acusações, a menos que tenha certeza de todos os fatos. Não haverá fofoca, nem difamação ou calúnia. Só quero saber em que direção devo seguir.

– Não me lembro dos detalhes. Mas havia vários negociantes que giravam em torno de Artemis Blair. Dois estavam sempre presentes nos últimos anos. Um, Horace Needly, tem uma reputação ilibada, porém nunca se sabe o que acontece nesse meio. No outro tenho menos confiança, principalmente porque ele evitava conversas com acadêmicos como eu. Isso me fazia pensar se seu conhecimento passaria pela prova de alguém experiente.

– Qual era o nome dele?

– Thornton. Nigel Thornton. Um sujeito bem-apessoado. Bem-sucedido também, se não me engano, contudo suas antiguidades tinham origem duvidosa.

– Obrigada pelos dois nomes. Verei o que posso descobrir quando voltar à Inglaterra. O senhor me ajudou bastante e sou muito grata.

Ela se levantou para ir embora. Ele sorriu ternamente, feliz por ter sido útil.

– Sr. Greenwood, me perdoe, mas... não havia pelo menos mais um negociante no círculo de minha mãe naquela época? O Sr. Whitmarsh. O senhor disse no outro dia que ele vende antiguidades em Roma e...

– Aquilo foi só uma brincadeira entre amigos, Srta. Blair. Desde que veio para cá, sabe-se apenas que passou adiante um ou dois objetos que lhe chegaram por acaso e com os quais ele não tinha intenção de ficar. Nada mais. Já fiz isso também. Não se pode considerar isso comércio – ele foi falando de forma indulgente, enquanto a acompanhava até a porta. – Além disso, ele não se dedicou a esse ramo na Inglaterra, nem mesmo por um período breve. Não ficaria bem, não? Afinal, ele é um nobre.


– Rápido, não aguento mais. Rápido.

Um grunhido profundo seguiu os pedidos da Srta. Blair.

– Ai, assim, hum, que maravilha.

Elliot estava de pé no terraço, com as costas apoiadas na parede da casa. Ele ria por dentro dos gemidos que lhe chegavam pelas portas ao lado das dele. Os sons que Phaedra fazia ao ficar livre, aliviada do vestido e do espartilho, lembravam os de uma mulher que se sentisse livre e aliviada por outros motivos.

Pôde ouvir quando ela dispensou a criada e depois resmungou:

– Que diabos. Nunca mais. As mulheres são loucas de se vestirem assim.

Vagos sons de seus movimentos no quarto eram notados. Ele deu alguns passos no terraço e retomou sua posição, desta vez do lado de fora do quarto dela.

– Sobreviveu, Srta. Blair? Ou ficou deformada para sempre?

Ela esticou a cabeça para fora, procurando-o. Ficou surpresa ao vê-lo tão perto.

– Achou graça, não?

– Nem um pouco.

Sua risada mostrou que era mentira. Ela franziu a testa com vigor.

– Espere aí. Quero lhe falar sobre um assunto.

E ela desapareceu no quarto.

Voltou alguns minutos depois, vestida de preto. O penteado não fora desfeito, então ela ainda não tinha voltado a ser a Phaedra de sempre.

– Por quanto tempo pretende me manter aqui? – perguntou ela.

Suas palavras aludiam a tudo o que ocorrera desde o dia em que ele entrara naquele jardim em Nápoles. A observação continha todos os seus ressentimentos.

– Alguns dias. Mais tempo, se a senhorita quiser. Precisa admitir que este é um lugar bem relaxante.

– Não vim da Inglaterra para repousar.

– Podemos partir em três dias, se desejar. Contudo imaginei que apreciasse a companhia de pessoas que conheceram sua mãe.

Ela foi até a balaustrada e olhou para o mar negro. Elliot observava suas costas, mas o que via, apesar do tecido preto que a cobria, era o corpo nu.

– Confesso que estou gostando da visita mais do que esperava, exceto das imposições da signora Roviale hoje. Apesar de inconveniente, esse desvio em meus planos se mostrou proveitoso. Deveria ter considerado que seria útil... que seria possível e até mais provável conhecer as pessoas do círculo da minha mãe se eu o acompanhasse.

Ele teria questionado o motivo de ela considerar isso “útil” se a noite não estivesse tão agradável e calma e a luz da lua não tornasse Phaedra tão linda.

– O Sr. Greenwood mora aqui há muito tempo? – perguntou ela.

– Ele comprou a casa há uns seis ou sete anos. Só veio morar aqui em definitivo faz quatro anos. Na última vez em que vim, a casa ainda era bastante rústica.

– Imagino que ele conheça todos os especialistas em antiguidades, de Milão à Sicília.

– É bem provável. Não se trata de um grupo tão grande. É natural que busquem a companhia de colegas.

– Então foi um professor universitário que comprou esta mansão, fez melhorias e se mudou para cá. Ele deve vir de uma família abastada.

A avidez de Elliot o deixava impaciente por jogar conversa fora com Phaedra, mas ele lhe concederia isso por enquanto. Afastou-se da parede e se juntou a ela na balaustrada.

– Ele vivia de forma frugal em Cambridge. Um parente lhe deixou dinheiro. Esta mansão provavelmente deve ter custado menos do que uma casa pequena em Londres. Os imóveis aqui não têm o mesmo valor de lá.

Ele admirava o trabalho intricado no penteado da Srta. Blair. Levaria um bom tempo para desfazer tudo aquilo antes de dormir. Tempo de mais. Ele deixaria daquele jeito.

Exceto por um olhar, ela não reagiu à sua proximidade.

– Ele falou como se visitasse as escavações com frequência e conhecesse os arqueólogos lá.

– Espero que sim. Por que está tão curiosa sobre ele?

Matthias tinha idade para ser pai dela e Whitmarsh, quase isso. Ainda assim, a admiração deles pela ruiva naquela noite provocara em Elliot uma desconfiança enciumada que provavelmente não tinha fundamento. Agora a desconfiança surgia de novo, irracional porém nítida, atiçando o desejo com os espinhos da possessividade.

– Há algumas páginas nas memórias de meu pai que levantaram questões sobre os últimos anos de vida da minha mãe. Fiz perguntas a Matthias e estou refletindo sobre o peso que devo atribuir às respostas.

Então era nisso que ela pensava nas horas em que ficava séria e introvertida? Ela havia se aventurado até o terraço, apesar da advertência da noite anterior, mas não para implicar ou desafiar. Ela buscava informações que fossem úteis.

Christian sugerira que essas memórias talvez contivessem revelações que Phaedra não iria gostar de ler. O fato de ela confirmar isso provavelmente era significativo, porém naquele exato momento Elliot não se importava. Ele a desejava e estava ali, naquela noite maravilhosa, com ela, uma mulher que acreditava no amor livre e que não se prendia a regras sociais estúpidas.

A luz da lua tornava sua pele branca quase translúcida. O vestido preto ia até o pescoço, mas ele ainda tinha na mente o volume dos seios dela.

– Às vezes é sensato deixar as perguntas sem resposta.

Ela o encarou, indiferente a quão perto estava de ser agarrada.

– Não acredito que creia nisso. Ou, melhor, não acho que o senhor consiga seguir o próprio conselho. Vi seu rosto quando falamos das referências a seu pai nas memórias. Você não quer que elas sejam publicadas, porém precisa saber se o que há lá é verdade.

Sua postura e suas palavras lançavam um novo desafio. Ele não o aceitaria naquela noite; em vez disso, lidaria com os desafios já existentes entre eles. Haveria tempo o bastante para lidar com este mais tarde.

– Já sei que não são verdadeiras. Mas a senhorita fala de questões sérias, Srta. Blair. Por favor, perdoe-me por deixar essa discussão para outro momento. Um em que a luz do luar, a noite e sua beleza não estejam fazendo minha mente se voltar para outros assuntos.

A expressão no rosto dela foi de pura surpresa. Não se moveu ao encará-lo. O que quer que tenha visto no rosto dele gerou faíscas de temor em seus olhos.

Ela se virou para caminhar em direção à porta.

– Então o deixarei refletir sobre esses assuntos, quaisquer que sejam.

Ele pegou no braço dela.

– Não desta vez, Phaedra.

Elliot a virou para si, segurou seu rosto entre as mãos e beijou a boca que o tentava fazia dias.


Como é que ele... como ousava...

Seu espanto por ser puxada para Elliot foi apagado pelo beijo dele. Mas outra coisa a assombrou: a forma como seu coração deu um salto quando ele a dominou.

Só o beijo já fora suficiente para deixá-la assim. Firme, forte e determinado, o beijo dele continha as advertências da noite anterior. Quero-a implorando por mim. Esse perigo a excita.

Com certeza, aquele perigo a excitava. A forma como sua pegada a dominou gerou arrepios traiçoeiros em seu baixo-ventre. Partes dela começaram a implorar de imediato, pedindo mais, desejando que ele não parasse.

A mente de Phaedra se acelerou. Pensamentos se formavam e desapareciam em rápida sucessão.

Ele nem perguntou. Será que pensou...

Os beijos no pescoço fizeram-na perder as palavras. Uma névoa estonteante e sensual obscureceu o resto.

Isso foi um erro, mas, ah...

O calor da boca de Elliot penetrou em seu sangue, fazendo seu corpo formigar em todas as partes para onde ele fluía. Seus seios ficaram mais cheios e firmes e o sentiram através do tecido do vestido. O contato a excitou mais e ela instintivamente colou o corpo no dele em busca de mais estímulos.

Ele beijou sua boca de novo. Não tão forte dessa vez, apenas seduzindo e conduzindo-a, mas igualmente exigente e confiante em que ela lhe daria tudo o que ele desejava.

A forma como ele a agarrava a atiçava, ainda que ela devesse ter se rebelado. Ela via o perigo, mas não conseguia parar porque era excitante. O corpo de Phaedra seguia para o abandono e a mente já estava fora de controle.

Uma carícia. Que não explorava, não procurava, não pedia nada. Firmes e seguras, suas mãos desceram por suas costas, pelo quadril e as nádegas, reivindicando seu corpo como se ela não estivesse vestindo nada, fazendo-a sofrer na expectativa por mais.

A língua dele entrou em sua boca, percorrendo todos os espaços. Arrepios eróticos tremularam em sua vulva. As mãos dele se moviam por seu corpo, sem reservas. Ela não se importou por se render a um inimigo e lhe dar um espaço que talvez nunca mais retomasse no campo de batalha. A excitação comichava, zunia e pulsava, tornando impossível pensar de forma sensata.

Quero-a implorando por mim. Ah, sim, isso era bem possível. Seus seios estavam tão sensíveis que ela pensou que fosse enlouquecer.

Como se ele ouvisse seus pedidos silenciosos, acariciou seu quadril, o ventre e subiu até os seios. Estava zonza de expectativa ao beijá-lo, incitando-o com sua boca, a língua e o abraço.

Devagar, ele tomou o seio em sua mão. Um intenso frêmito de prazer a dominou. A outra mão dele estava firme em suas costas, sustentando-a e movendo-se para baixo devagar a cada fecho que abria do vestido.

Eu não deveria... isso não deveria...

Um beijo avassalador transformou em poeira a objeção que se formava na mente de Phaedra. Afagos deliberados em seus mamilos a espalharam pelo ar.

Ele deu um passo para trás, separando seus corpos. O brilho da lua banhou a ambos e a luz dourada vinda do quarto dela definiu os contornos de Elliot. Ele não lhe deu tempo para se recompor, para juntar os cacos de sua racionalidade. Levou a mão à gola do vestido e começou a fazer o tecido negro escorregar pelo corpo dela.

Nunca antes um homem a tinha despido. Nunca. Ela não permitia que isso acontecesse. Agora o gesto a deixava em transe, imobilizada. A lenta descida do tecido pareceu a carícia mais erótica da noite. Tudo o que ela conseguiu fazer foi olhar para o rosto de Elliot, sentindo mais do que vendo o desejo que impregnava o ar de potência viril.

As mangas desceram por seus braços e o corpete se afrouxou em seu quadril. Ele levou a mão ao ombro da camisa que ela usava por baixo. Phaedra perdeu o fôlego. Seus seios se enrijeceram ainda mais na expectativa de outro desnudar lento e delicioso.

Porém, de novo ele fez algo que a surpreendeu, afastando o último traço de bom senso que restava nela. Ele não a despiu devagar: em vez disso, arrancou a camisa pelos braços dela. Não foi um movimento impaciente nem apaixonado, mas um gesto que confirmava os direitos do conquistador.

A alma de Phaedra tentou se rebelar, porém não encontrou ancoradouro na maré de prazer que a submergia. A forma como ele olhou para sua nudez absorveu sua atenção de tal forma que ela não se moveu para liberar os pulsos da blusa que ainda restringia seus movimentos.

É só um jogo, essa dança de dominação e submissão. Não significa nada. Não estou cedendo nada, na verdade.

Mas...

Pontas de dedos a esquadrinharam. Palmas das mãos alisaram seu corpo. Ela olhou para baixo, para as mãos másculas de dedos delgados que acariciavam seus seios, estimulando-a e excitando-a da forma mais perfeita. Uma doce loucura tomou sua cabeça e ela enveredou para um prazer sensual cada vez maior. O último fio de autocontrole se desgastava rápido. Ela queria que arrebentasse de vez. Queria que lorde Elliot vencesse o último sinal de resistência que tentava arruinar seu êxtase.

Ele a abraçou de novo, fazendo-a arquear as costas. Beijou seu pescoço e peito traçando um caminho quente que a deixou sem fôlego. Seus dentes e sua boca brincaram com o mamilo, torturando-a com sensações que se espalhavam fundo em seu baixo-ventre e faziam sem corpo implorar enquanto ela gemia baixinho.

Phaedra tentou soltar um braço para enlaçá-lo e mantê-lo próximo, para apoiar-se e senti-lo.

– Não – murmurou ele. – Fique assim.

A tempestade sensual em sua cabeça queria obedecer. O prazer era tão grande que ela não podia parar. Seu corpo estava faminto por mais, por ser preenchido, pela completude que o aliviaria. Parar agora seria impossível, iria contra a natureza.

Porém...

Mesmo em seu abandono, conseguiu ver a situação com um olhar racional. Apesar de sentir um prazer tão intenso que quase doía, ela notou sua sutil submissão e tudo o que lorde Elliot dera por certo desde o primeiro beijo.

De alguma forma, a escrava rompeu suas amarras. Sofrendo de arrependimento e frustração, ela recobrou a voz:

– Você tem que parar agora. Quero que pare.

Ele ficou paralisado. Por alguns momentos terríveis, não se moveu. Depois se endireitou e olhou para ela.

O braço dele a puxou para perto, para um abraço forte. Sua outra mão pousou em seu rosto como no primeiro beijo. As pontas de seus dedos faziam pressão sem a machucarem, mas também sem suavidade.

– E se eu não parar?

Como a maior parte dela não queria que ele parasse, aquilo não chegava a ser uma ameaça. Porém, o fato de ele supor que ela cederia se ele continuasse, de que seria fraca diante de seu poder, devolveu-lhe alguma razão.

– Vai parar – disse ela.

– Confia tanto assim em minha honra?

– Confio em seu orgulho. Uma mulher importunada nunca implorará.

Ele a soltou e se afastou. Tudo em sua aura e em seu rosto dizia que ele poderia puxá-la de volta.

Ela subiu o vestido e se cobriu. Correu para a porta. Seu coração estava aos pulos e seu corpo ainda reagia ao perigo com uma excitação que a surpreendia.

– Não vou parar na próxima vez, Phaedra.

Ela parou no limiar da porta antes de replicar:

– Não acho que haverá próxima vez.

– Haverá, sim.

Ela agarrou as portas duplas e começou a fechá-las.

– Se acontecer, não será por sedução. Eu terei optado por isso antes mesmo do primeiro beijo ou não haverá beijo nenhum.


CAPÍTULO 8

Ele ainda ficou do lado de fora. Phaedra queria abrir a porta para deixar a brisa noturna entrar, mas não se atreveu. Ele poderia interpretar mal.

Ele seria ousado a ponto de entrar ainda assim? Ela se sentou na cama abraçando os joelhos, ao mesmo tempo temerosa e esperançosa de que a porta se abrisse de par em par e lorde Elliot entrasse.

Não se sentia tão dona da situação como agira ao fechar a porta. Sua excitação não ia dar trégua. Seu corpo continuava sensível até ao ar.

Ela não saberia dizer em que momento decidira detê-lo. Tinha sido instintivo, a intuição interferira.

Quero-a implorando por mim.

Não seria possível manter uma amizade com aquele homem. Ele queria vê-la fraca e entorpecida, para que pudesse influenciá-la. Afinal, tivera um motivo para ir atrás dela em Nápoles. Um amigo seu não poderia lhe pedir – nem o faria – que suprimisse aquelas passagens das memórias. Mas um homem que a dominasse e possuísse, um amante que a seduzisse, não hesitaria em usar o poder que essa paixão lhe outorgava.

E tudo isso era uma pena, porque ela o queria.

Nunca desejara um homem assim antes. Não havia nada de confortável nisso. Nada de seguro. Não era a mesma atração que experimentara com seus amigos, não se tratava de um encontro intelectual que permitia outras intimidades.

Ao contrário, o encantamento sensual dele provocava o caos, o mistério e uma estupefação que a deixava sem ar. Ele também sabia disso. Sabia que sua mera presença era um feitiço.

Sua excitação aos poucos se acalmou até virar um formigamento, o mesmo desconforto que vinha sentindo há dias. Por fim, o terraço e o quarto ao lado ficaram em silêncio. Jogou o corpo para trás e se deitou em posição fetal, ainda encarando a porta.

Teria sido isso o que acontecera com Artemis? Depois de anos de amizade confortável com Richard Drury, surgira um homem que não jogava de acordo com as regras dela?

Fora um choque descobrir que a mãe tinha sido infiel a seu pai. Acreditar no amor livre não significava rejeitar a crença em um amor perfeito, para a vida toda. Na infância, Phaedra concluíra que os pais tinham ficado juntos porque o amor livre facilitava reconhecer sua alma gêmea no momento que ela chegasse.

Imaginou a mãe. Bela, viva, segura de si. Mais confiante do que a filha chegaria a ser. Menos prática também. Com o passar dos anos, Artemis havia se cercado de um grupo de pessoas que aceitavam a forma como ela vivia. Seu círculo entendia a relação com Richard e o lugar dele em seu mundo.

Talvez já tardiamente, nesse fascinante espetáculo que fora a vida de Artemis Blair, um homem houvesse surgido, determinado a atravessar o fosso e escalar suas muralhas. Ela devia ter se visto sem defesas por falta de experiência em lidar com esse tipo de homem.

Exatamente como sua filha, naquele terraço ali fora.

Phaedra abraçou um travesseiro. Começava a entender o que havia ocorrido com esse amor tardio que tirara a mãe do eixo.

Um sedutor chegara, atiçando a fêmea primitiva que sobrevivia na alma de toda mulher. Ele tomara e conquistara. Influenciara, enfraquecera e, por fim, traíra.

Se houvesse se apresentado fingindo ser alguém de pensamento semelhante ao dos outros homens em torno dela, Artemis não haveria tido a menor chance contra ele.


Aquela vadia.

A frustração levava Elliot a acumular insultos contra Phaedra na manhã seguinte, enquanto terminava seu café na varanda. Considerando o trabalho infernal que seu corpo lhe dera a noite toda, ele não estava disposto a se esforçar para ter pensamentos dignos de um cavalheiro.

Tentava se contentar imaginando como Phaedra ficaria desconfortável em seu quarto quente e fechado, ao passo que ele deixara a brisa da varanda refrescá-lo. Só que, na verdade, cada vez que olhara para a porta da mulher, uma parte de si rezara para que ela se abrisse e Phaedra corresse para seus braços.

A porta não se movera. A contida, independente e pedra no sapato Phaedra Blair nunca lhe daria essa vitória. Por fim, a porta passara a representar um repúdio. Uma acusação. Uma declaração enraivecida de autocontrole. Você ousou seduzir em vez de pedir? Você tentou me dominar, logo eu, entre todas as mulheres?

Serviu-se de café. Os gemidos sensuais da ruiva ainda soavam em sua cabeça. Ainda sentia seu abraço e seus beijos longos e agressivos. Só em lembrar, já se sentia excitado de novo.

Tinha sido bom. Incrível. Onde ela havia encontrado o bom senso necessário para recuar, sem falar na força para deter a torrente que os arrebatava?

Passos leves e fugazes perturbaram a paz na varanda. Não precisava olhar para o limiar da porta para saber quem tinha chegado.

Nos poucos minutos que Phaedra levou para chegar à mesa, ele dominou a terrível raiva que acumulara ao longo da noite quente de vigília. Um último vestígio soou em sua cabeça ao saudá-la, entretanto. Você não vai se recusar na próxima vez, porque não quer isso de verdade.

A acolhida calma a deixou à vontade. Sua postura cuidadosa relaxou. Phaedra se sentou à mesa, lorde Elliot lhe serviu café e ela tomou um gole.

– Obrigada por ser tão civilizado – disse ela.

Ele não podia crer que ela realmente tocara no assunto. Pousou o cotovelo na mesa e descansou o queixo na mão. Algumas imagens sexuais muito pouco civilizadas se formaram em sua mente.

– Está se referindo a permitir que se recusasse na noite passada ou a lhe servir café esta manhã?

Uma criada entrou trazendo uma bandeja de ovos e fatias de toucinho defumado. Matthias podia ter escolhido Positano como seu lar, porém ainda oferecia um típico café da manhã inglês a seus convidados.

Phaedra pegou uma colher e, lentamente, serviu-se de ovos. Direcionava quase toda a sua atenção aos próprios gestos.

– Suponho que tenha me referido às duas coisas.

– Bem, Marsilio ou Pietro certamente teriam feito um escândalo na noite passada, discutindo e acusando até que toda a casa despertasse. Cavalheiros ingleses, contudo, são ensinados a sofrer.

Os lábios dela se franziram. Ela manteve os olhos no prato ao partir um pãozinho.

– Peço desculpas por qualquer sofrimento. Não foi minha intenção. Já que está sendo um verdadeiro cavalheiro inglês, talvez seja melhor eu não tocar mais no assunto.

– Seria o mais sensato.

Ela continuou a tomar o café da manhã devagar. Ele deveria se retirar, porém, é claro, não conseguiu. Phaedra pousou o garfo no prato e limpou a boca com o guardanapo.

– Lorde Elliot, se pretende que fiquemos mais alguns dias, então precisamos chegar a um acordo sobre o terraço.

Ela era inacreditável. Espantosa. Deveria saber que, naquele exato momento, o impulso dele era pegá-la, jogá-la por cima do ombro, carregá-la até o meio das árvores e terminar o que tinham começado. Porém, lá estava ela, negociando sabe-se lá o quê, quando uma noite insone o tinha deixado com muito menos boa vontade para fazer acordos.

– Como assim, Srta. Blair?

– Compartilhamos o terraço. Não é justo que o acesso a ele me seja negado ou que o fato de que eu o use possa ser interpretado como algo mais do que signifique de fato.

– Prometo que não interpretarei erroneamente caso a senhorita se junte a mim no terraço no meio da noite.

A promessa foi analisada com cuidado. Phaedra era esperta o bastante para entender os possíveis significados ocultos nela.

– Podemos pelo menos concordar que tenho o direito de deixar minha porta aberta sem temer que o senhor entre no meu quarto?

– Não.

– Vejo que fui muito otimista quanto a seu caráter.

– Nisso concordamos. Eu avisei.

– Lorde Elliot, eu...

– Insisto que me chame de Elliot em conversas particulares de agora em diante, Phaedra. Não se importa com a informalidade, não é? Podemos deixar de lado essa regra social estúpida. Afinal de contas, beijei seus seios nus e você gemeu de prazer.

Ela ficou estarrecida. Ele teve vontade de sorrir pela primeira vez naquele dia. Phaedra recuou e assumiu uma postura de arrogância controlada.

– Prefiro que evitemos a companhia um do outro o máximo possível, Elliot.

– Isso vai ser fácil esta manhã. Greenwood e eu vamos nos trancar em seu escritório até depois do meio-dia.

Ela se levantou.

– Então acho que vou dar uma longa caminhada e evitar os outros convidados por várias horas.

Ela se virou para ir embora.

– Phaedra.

Ela estacou e olhou por cima do ombro.

– Phaedra, exijo que prometa que não vai tentar fugir e que estará aqui no jantar.

Ela elevou a sobrancelha.

– Por causa de seu juramento ao signore Sansoni?

– Por isso também.

A expressão dela deu a entender que sabia qual era o outro motivo.

– E se eu não der a minha palavra?

– Posso amarrá-la na cama de novo. Gostaria disso?

Ela enrubesceu. Descartou a insinuação com um meneio brusco da cabeça.

– Tenho sua palavra?

– Sim, tem minha palavra, apesar de isso ser desnecessário e ridículo. Não sei nem como descer dessa montanha, que dirá descobrir como viajar para o interior.

Phaedra ergueu a cabeça e se afastou, fazendo o vestido negro ondular atrás de si.


Phaedra voltou para seu quarto e desfez as malas.

Como ele adivinhara seu plano? Não se via como uma mulher previsível, contudo lorde Elliot parecia ler seus pensamentos antes que eles nem sequer tivessem se formado.

Colocou de lado a valise vazia. Preparar-se para fugir fora um impulso nascido de uma noite de reflexão honesta sobre a forma como lorde Elliot a afetava. Ela corria enorme risco de fazer papel de boba, de se derreter toda só porque um homem lhe provocava desejo físico. Evitar completamente o desafio parecera uma boa ideia ao alvorecer.

Sentou-se e calçou as botas de cano curto. Andou até o terraço e olhou para baixo, para a cidade. Vozes chegavam da varanda embaixo dela. Outros convidados tomavam o desjejum.

Respirou fundo e invocou a mulher que sua mãe a ensinara a ser.

Decidir fugir fora covardia. Tinha se deslocado até aquela terra para encontrar respostas sobre a mãe, e algumas delas poderiam estar bem ali, naquela casa. Fazia muito mais sentido ficar e tentar confirmar as suspeitas que fervilhavam por debaixo de seus medos e vulnerabilidades em relação a lorde Elliot.


Quando Phaedra voltou à varanda, Matthias Greenwood desaparecera em seu gabinete com lorde Elliot. Randall Whitmarsh, contudo, estava sentado à mesa com a esposa. Phaedra se reuniu a eles, com a esperança de que a Sra. Whitmarsh logo pedisse licença e saísse. A conversa com Matthias tinha corrido tão bem na noite anterior que ela estava ávida por descobrir se o Sr. Whitmarsh poderia acrescentar mais alguma informação.

Infelizmente o Sr. Whitmarsh foi embora primeiro, para fazer sua longa caminhada matinal.

– A senhorita estava linda na noite passada – disse a Sra. Whitmarsh.

– Obrigada.

– Faz pensar em por que...

Seu olhar percorreu Phaedra dos pés à cabeça, examinando suas vestimentas.

Phaedra não se deu o trabalho de fornecer explicações. A Sra. Whitmarsh não era o tipo de mulher que pudesse entender a mistura de praticidade e teimosia que dera origem a essa opção excêntrica.

– O que quero dizer é que sua mãe não adotava esses símbolos externos para suas ideias singulares.

A atenção de Phaedra foi despertada.

– A senhora a via com frequência?

– Antes de nos mudarmos para Roma, meu marido costumava aceitar seus convites para jantar. Ao contrário de outras esposas, eu concordava em acompanhá-lo. Ele era fascinado por ela. Achei melhor cuidar para que ela nunca ficasse fascinada por ele também.

Phaedra não achava provável que Artemis considerasse o Sr. Whitmarsh fascinante. Porém, antes de ler as memórias, nunca poderia pensar que Artemis pudesse achar outro homem fascinante além de Richard Drury.

– A senhora teve êxito em frustrar uma ligação entre eles? Ou minha mãe teve algum carinho especial para com seu marido?

A Sra. Whitmarsh não demonstrou surpresa com a pergunta atrevida.

– Acho que fui bem-sucedida. Até muito tarde na vida, ela só teve olhos para o Sr. Drury.

– Quer dizer que, em algum momento, os olhos dela encontraram outro homem. Não meça as palavras por delicadeza. Sou a filha e, como ela, acho uma bobagem que as pessoas não falem francamente sobre esses assuntos.

A Sra. Whitmarsh deu de ombros.

– Foi fácil observar certa frieza entre seus pais no último ano de vida dela. Meu marido não percebeu, mas eu, sim. Vários homens a desejavam. Não como esposa, é claro.

O tom crítico e confiante da última frase incomodou Phaedra. Ela correu em defesa de sua mãe, apesar de Artemis não precisar de desculpas.

– Se não viu minha mãe desviar sua afeição para outro homem, tal frieza pode ter sido apenas resultado do passar do tempo e de dois amantes tornando-se amigos e mais à vontade um com o outro.

– Srta. Blair, meu marido e eu jantamos várias vezes com sua mãe, durante muitos anos. Normalmente o Sr. Drury estava presente. A familiaridade e a amizade que havia entre eles era muito clara desde o início. Ninguém precisou me contar na minha primeira visita que eles eram amantes e que você era filha do Sr. Drury. Contudo, no último ano, ele nem sempre se encontrava. E sua mãe ficava estranha na presença dele. Talvez a senhorita se considere mais inteligente do que eu, mas, quando percebo que as coisas não estão bem entre um homem e uma mulher, raramente me engano.

Sim, a Sra. Whitmarsh, que com tanto cuidado mantinha posse do marido, seria especialista nessa área da natureza humana. Será que também era observadora? Será que teria visto alguma coisa? Uma mulher que guarda um tesouro com certeza seria uma das primeiras a perceber se o pirata que ela temia tivesse voltado sua atenção para outro navio.

– Quem era o homem que se tornou objeto da atenção de minha mãe?

– Isso é um debate, em que tenho que dar um nome para que a senhorita respeite meu julgamento?

– É um questionamento sincero, de uma filha que se pergunta sobre os últimos anos de sua mãe.

A postura defensiva da Sra. Whitmarsh se desfez.

– Não sei. Só tenho certeza... certeza quase absoluta... de que não foi meu marido. Ela passou meses radiante, como se fosse jovem de novo, mas aí...

– Aí...?

– Foi como se alguém tivesse apagado a luz. Ela estava melancólica nas últimas vezes que nos vimos. Talvez, quem quer que fosse, a houvesse desapontado.

Phaedra percebera essa melancolia. Não havia entendido os motivos nem a profundidade, contudo a descrição era verdadeira. A luz se apagara.

– A senhora não está sozinha em se perguntar se ela teve um novo amor – falou Phaedra. – Alguns nomes me foram sugeridos. O Sr. Needly, por exemplo. E o Sr. Thornton.

– Needly? Bem, acho que isso pode fazer algum sentido. Ele guardava semelhanças com o Sr. Drury. Tinha a mesma natureza. E sua erudição em arte romana lhe daria algo em comum com sua mãe. Apesar de que, se me perguntassem, eu diria que os dois se estranhavam. Às vezes ele era um homem muito arrogante.

A Sra. Whitmarsh tinha amolecido com a fofoca. Ela apreciava o assunto muito mais do que Phaedra gostaria.

– Às vezes a atração pode criar rusgas.

– De fato, isso pode acontecer. Agora, o outro, Thornton... – disse, e então parou para pensar antes de prosseguir: – Ele era um pouco jovem demais para ela. Enigmático também. Entretanto estava sempre por perto. Não passava despercebido. Era bonito, até demais. Tinha presença, mas...

– Mas...?

– É difícil de explicar. Ele era maravilhoso. De deixar qualquer mulher de queixo caído. Contudo era de certa forma... obscuro. Meu marido uma vez usou essa palavra para descrevê-lo e achei apropriada. Sim, ele era obscuro de muitas maneiras.

Phaedra guardou a descrição em sua mente. Ao voltar para a Inglaterra, teria que procurar o arrogante Sr. Needly e o obscuro Sr. Thornton, além de perguntar a outros amigos íntimos da mãe se Artemis tivera um caso com um desses dois homens.

– Eu gostava dela – disse a Sra. Whitmarsh. – Não aprovava seu estilo de vida e ela sabia disso. Ainda assim, ela aceitava meus pontos de vista. Nunca permitiu que me sentisse deslocada. Era muito gentil.

– Ela estava acostumada com seus pontos de vista. Afinal, eles são os mais costumeiros. Sempre que botava o pé fora de casa, ela era a estranha. Quem dera o mundo tivesse sido tão gentil em relação a ideias diferentes quanto ela provou ser e tão aberto à companhia dela como ela era à de todos.

A Sra. Whitmarsh enrubesceu. A coloração de suas faces disse a Phaedra muito mais do que ela queria saber. Os Whitmarshs nunca tinham retribuído os convites para jantar. Artemis Blair nunca fora incluída no círculo deles e nas festas deles.

Essas confidências matinais de repente pareceram trair a memória de sua mãe. Phaedra suspeitava de que elas ecoavam as fofocas da Sra. Whitmarsh com seus amigos em salas de estar que nunca foram abertas para a intelectual que desafiava as convenções sociais.

Também teve uma amostra das fofocas que deviam correr sobre sua pessoa. Ela sabia que havia mulheres que riam dela, especulavam a seu respeito e a reprovavam, assim como havia homens que entendiam erroneamente sua liberdade. Era mais fácil ignorar essas pessoas se não tivesse que tolerar sua companhia.

Queria muito que a Sra. Whitmarsh tivesse revelado a identidade do homem que usurpara o lugar de Richard Drury. Ela não conseguira, porém suas observações não foram de todo inúteis.

Phaedra pediu licença. Deixou a varanda e tomou o caminho da ladeira que levava à cidade.


Logo depois de o sol nascer, Positano se tornava uma cidade de mulheres. Os homens que tinham condições físicas para pescar haviam saído muito antes de Phaedra começar suas atividades.

Levou um bom tempo para achar o caminho de descida pela densa rede de ruas antigas e estreitas. Mesmo com sua construção escalonada, eram bastante traiçoeiras. Phaedra desejou ter levado consigo sua sombrinha para usá-la como bastão de caminhada e se proteger do sol, que ficava cada vez mais quente conforme ia se aproximando do pico da montanha.

Mulheres e crianças paravam para vê-la passar pela rua do mercado. Ela admirou os limões e as verduras, as peças de carne de carneiro e de boi. Na esquina do mercado, alguns homens estavam sentados em cadeiras do lado de fora da taverna. Eles a olharam com curiosidade e desconfiança.

O mais jovem, um homem de cabelo escuro, vestido com uma sobrecasaca marrom elegante, tinha uma bengala apoiada na cadeira. Os outros pareciam velhos e encarquilhados. Ela supôs que tinham abandonado os rigores da pesca fazia muitos anos.

Phaedra encontrou as outras ruas principais seguindo o fluxo das pessoas. Sua presença era um pequeno espetáculo, como tinha ocorrido com a cavalgada em lombo de burro atrás de lorde Elliot. Cabeças apareciam nas janelas e olhares impetuosos acompanhavam sua caminhada.

As ruas a levaram a uma pequena piazza bem na encosta do morro. Água jorrava da boca de uma cabeça de leão esculpida em um muro baixo construído rente à rocha da montanha. Mulheres se sentavam em bancos de pedra à sombra das árvores, aguardando a vez de encherem seus jarros.

Phaedra encontrou uma vaga para descansar em um banco num local mais fresco. Olhos escuros a observaram interrogativamente. Uma moça sussurrou no ouvido de um menino e ele saiu correndo pela calçada. As mulheres matavam tempo ali depois de usarem a fonte, conversando em uma melodia expressiva, sem perder de vista a recém-chegada.

Logo outra mulher surgiu na calçada. O tecido de sua saia preta balançava com seus longos passos. Ela não se parecia com as demais mulheres.

Para começar, era loura. Seu cabelo louro-escuro estava preso em um nó na nuca, visível sob a grande aba de seu chapéu de palha preto. Ela não era tão clara quanto Phaedra, mas, em vez do bronzeado forte tão comum nessa terra, tinha um leve colorido na pele.

Phaedra se perguntou se era outra forasteira, que, como Matthias, tinha vindo morar ali. Quando a mulher se aproximou, no entanto, seus olhos amendoados, as maçãs do rosto salientes e o rosto em formato de coração revelaram que era uma nativa, mesmo que, num primeiro olhar, sua cor desse outra impressão.

A mulher se sentou no banco de Phaedra e fez algumas saudações às amigas. Phaedra tentou traduzi-las, porém as palavras se seguiam rápido e o sotaque em Positano era diferente do de Nápoles.

Ela se virou e deu uma boa olhada em Phaedra. O volume das conversas em torno delas baixou.

– Inglesa?

Phaedra assentiu.

– Elas imaginaram e mandaram o pequeno Paolo me chamar. Minha prima Julia e eu somos as únicas mulheres aqui que falam inglês. Você conheceu Julia. Ela é sua anfitriã na mansão. Você é viúva?

A conversa era entabulada em um inglês correto, apesar de a cadência e a pronúncia refletirem algum esforço.

– Não, não sou viúva.

O olhar da mulher se voltou para o cabelo longo de Phaedra.

– Não achei que fosse.

Ela olhou para a direita na rua e sorriu de forma dissimulada.

– Ah, lá vem o signore Tarpetta. Ignore-o. Ele gosta de agir como se fosse uma autoridade, mas ela só existe na cabeça dele.

O homem coxo que estava sentado no final da rua do mercado agora vinha mancando, apoiado na bengala, porém exalando presunção. Dois senhores o acompanhavam. Os três se posicionaram do outro lado da piazza.

– Meu nome é Carmelita Messina. Também não sou viúva, caso esteja em dúvida por causa de minha roupa preta.

– Meu nome é Phaedra Blair e fico feliz de conhecer alguém que fale meu idioma tão bem. Tentei falar sua língua, contudo...

Carmelita balançou a mão, dispensando as desculpas.

– Aprendi um pouco de inglês em Nápoles. Morei lá vários anos com Julia e seu falecido marido – explicou Carmelita, e então fez um sinal, apontando com o queixo para o signore Tarpetta, que as observava com atenção, apesar de conversar com os dois senhores. – Ele não gosta quando hóspedes da mansão descem até aqui. Tem medo de que vocês possam corromper seu pequeno reino.

– Os hóspedes descem com muita frequência?

– Somos apenas camponeses pitorescos para a maioria deles. Somos as pessoinhas nos cantos das pinturas sentimentais.

– Nem mesmo o signore Greenwood se mistura com vocês?

– Às vezes. Ele fez várias visitas no ano passado. Uma das vezes, ao voltar, levou Julia com ele – confidenciou, antes de lançar um olhar de escárnio para Tarpetta e acrescentar: – Ele tinha esperanças de se casar com ela. Faz muito alarde de que não a quer mais agora, mas todo mundo sabe que bastaria ela fazer assim – e ela estalou os dedos – que ele iria rastejando.

A conversa delas tinha atraído uma pequena plateia, e risadinhas vinham das mulheres que tinham se aproximado mais.

Carmelita olhou para Phaedra de novo.

– Uso preto para demonstrar luto pelos carbonari que morreram quando o rei matou a república. Se não é viúva, por que está de luto?

– Estou de luto pelo meu pai, porém não é esse o motivo da roupa. O preto não mostra sujeira tão rápido.

Carmelita traduziu para a plateia. Cabeças assentiram.

– Você não prende o cabelo nem usa véu. Tive dúvidas se não era uma puttana, mas não acho que seja, porque as amantes que vêm com os homens que visitam a mansão lá em cima estão sempre na última moda. Talvez você faça isso para apontar o dedo na cara de homens como o nosso Tarpetta lá?

– Talvez sim.

Phaedra olhou para a baía distante lá embaixo.

– O Sr. Greenwood recebe muitos hóspedes? Chegam barcos especiais só para trazê-los para a mansão?

– Sempre há hóspedes e alguns deles vêm com muita frequência. Ele tem muitos amigos, o signore Greenwood. Ele não é um de nós, mas muitos aqui lucram com o dinheiro que ele gasta.

– Como a família dos garotos que encontraram a estatueta antiga?

– Não ouvi falar de estatueta. As famílias gostam de manter essa informação em segredo, para que, se houver outras, fiquem só para elas. Ele gosta de coisas antigas, o signore Greenwood.

Carmelita notou de novo os homens que as observavam.

– Eles não estão gostando nada de ver você sentada aqui por tanto tempo, então espero que fique ainda mais. Conte-nos de sua vida na Inglaterra, Phaedra Blair. As mulheres pararam de levar água para casa só para ouvir algumas histórias suas.

Carmelita precisava traduzir toda a conversa e as mulheres sorriam e davam risadinhas quando ela o fazia.

Uma jovem que não passava dos 18 anos se aventurou mais perto. Com cuidado, esticou a mão e tocou o cabelo ruivo de Phaedra.

Phaedra não se importou com a proximidade, porém outra pessoa, sim. Uma voz masculina ladrou. Do outro lado da piazza, um dos senhores deu um passo à frente. Ele ralhou e fez um gesto para que a garota fosse até ele.

Com a cabeça baixa e os olhos temerosos, a jovem correu até lá. O homem a agarrou pelo braço e a empurrou para a calçada, levando-a embora.

– É o sogro dela – disse Carmelita. – Vai dizer para a família que ela fez amizade com a amante de um forasteiro que desceu da mansão.

Phaedra não quis pensar no destino da moça se a história enraivecesse o marido. As expressões cautelosas que de repente surgiram nos olhos das outras mulheres a entristeceram.

– Não quero causar problema para nenhuma de vocês.

Ela começou a se levantar.

A mão firme de Carmelita segurou seu braço.

– Não há mudança sem problemas. Essas mulheres não sabem nada do mundo fora deste litoral, e minhas histórias de Nápoles estão ficando velhas. Conte-nos de sua casa e como se tornou uma mulher que se aventura sozinha em uma terra estranha, parecendo uma meretriz de luto que não teme a mão de homem nenhum.


Phaedra ficou por uma hora na fonte, aproveitando a companhia feminina. Ela contou a Carmelita e às outras sobre sua vida e como vivia sozinha e livre em Londres. Com o passar do tempo, a torrente de palavras estrangeiras começou a fazer algum sentido para ela. Chegou a compreender algumas das perguntas dirigidas a ela antes de serem traduzidas.

Do outro lado da piazza, o signore Tarpetta observava. Alguém lhe trouxe uma cadeira, para que pudesse se sentar e descansar a perna. O alegre grupo de mulheres não se importava com sua desaprovação. Ele podia até se considerar uma autoridade, contudo ficou claro para Phaedra que as mulheres obedeciam a outro nome: Carmelita Messina.

Por fim, as mulheres se afastaram, carregando água e conversando animadamente umas com as outras.

– Os maridos logo voltarão nos barcos. Elas têm que preparar o almoço – explicou Carmelita.

Phaedra se levantou.

– Obrigada por se juntar a nós – agradeceu. – Assim pude conhecer as mulheres daqui. Vou descer até aquela torre antes de voltar para a mansão.

– Vou acompanhá-la, senão talvez não encontre o caminho até lá. Se Tarpetta nos seguir, finja que ele não está lá. Ele seria um tolo se fizesse isso tendo aquela perna, mas o homem já provou muitas vezes que é estúpido.

Tarpetta provou isso mais uma vez naquele dia. Phaedra achou que ele tivesse desistido de segui-las até que ela e Carmelita chegaram ao caminho do promontório, quando então o viu mancar na direção do cais para não perdê-las de vista.

– Como ele machucou a perna?

Carmelita atravessou o portal na entrada da torre.

– Ele foi soldado e estava entre os que foram atrás do marido de Julia na nossa casa em Nápoles. Ele nos traiu. Nós resistimos, apesar de ser inútil. Acertei-o com uma frigideira de ferro pesada, bem aqui – explicou, apontando para o próprio joelho. – Teria sido melhor se eu tivesse mirado na cabeça.

– Então agora ele a segue por toda parte?

– Ele está seguindo você, não a mim. Mas ele me odeia, porque fui eu quem promoveu o encontro do signore Greenwood com Julia. Ela ficou sem nada depois que o marido foi executado quando a república acabou.

– Se é por ciúmes, ele deveria odiar Greenwood, não você.

Carmelita ia à frente na subida sinuosa da escada de pedra.

– Ele não ousa odiar Greenwood. Como muitos outros, ele lucra com o dinheiro do inglês.

Elas seguiram até o alto da torre, onde havia um cômodo quadrado. Pequenas janelas vazavam duas paredes opostas. Uma dava para o mar e a outra, para a montanha.

– Esta era para vigiarem o mar e evitarem ataques de árabes e piratas pelo porto – explicou Carmelita. – Agora, esta a leste aqui... eles vigiavam outra coisa, não? Um exército vindo pela montanha ou problemas na cidade.

Phaedra olhou para a janela a oeste. A vista do mar era infinita, quilômetros de litoral de um lado e de outro. Ela se moveu para a janela a leste. O sol se elevara na reta do pico da montanha.

Aquela torre fora construída por questões militares. Nas alvoradas, em pleno verão, contudo, o sol devia nascer alinhado com aquela janela.

Não havia muito mais a explorar naquela torre de vigia. As paredes de pedra se erguiam e se curvavam para formar o teto, parecido com as antigas igrejas normandas em sua terra natal. Exceto por um cobertor no chão, estava vazia e surpreendentemente limpa.

Carmelita empurrou o cobertor com o pé e revelou a esteira de palha que estava debaixo dele.

– Este lugar é frequentado por namorados – disse. – Há anos, esta torre recebe visitantes noturnos.

Quando ela e Carmelita reapareceram do lado de fora, a figura esguia e firme do signore Tarpetta ainda podia ser vista no cais.

– Como ele lucra com o dinheiro do Sr. Greenwood?

– Não sei. Mas ele vive bem e não tem renda além da pequena pensão que recebe do Exército. Eles se conhecem. Dá para ver isso na forma como se cumprimentam nos raros momentos em que se encontram. Greenwood talvez o pague para se assegurar de que não vamos perturbar seus amigos importantes, ou, quem sabe, só para ele ficar longe de Julia.

Ela deu de ombros.

– Venha, vamos procurar um burro de aluguel para levá-la de volta. Nem eu aguento subir tudo isso a pé.

No momento em que desciam o promontório, lorde Elliot surgiu no cais. De repente, o braço do signore Tarpetta e os olhos de dois homens se dirigiram para elas.

Lorde Elliot desceu de novo para o cais e se dirigiu para o norte para interceptá-las.

– Quem é aquele? – perguntou Carmelita. – Seu namorado veio buscá-la?

– Ele não é meu namorado.

Phaedra sentiu o rosto queimar.

Carmelita deu uma gargalhada.

– Mas ele bem que gostaria, não? E é tão bonito que você ficou tentada, eu acho. Veja a expressão séria dele enquanto fica lá, esperando por você. É melhor olhar por onde pisa com esse aí, Phaedra Blair.

Phaedra apresentou Carmelita a lorde Elliot assim que o alcançaram. Ele respondeu com gentileza, porém não conseguiu esconder seu desagrado.

– Você nos deixou preocupados, Srta. Blair. Não é aconselhável vir para a cidade sozinha.

O tom de lorde Elliot beirava a censura.

– Duvido que alguém que visite esta cidade corra algum risco.

Lorde Elliot olhou para Carmelita.

– Sou grato por oferecer ajuda e companhia à Srta. Blair.

– Não preciso nem de ajuda nem de companhia – rebateu Phaedra. – Contudo fico feliz de ter feito uma amiga e espero vê-la de novo, Carmelita.

Ainda teso de irritação, lorde Elliot se dirigiu a alguns garotos para alugar burros e voltarem para a mansão.

– Vou deixá-la agora para que possa lidar com esse homem – brincou Carmelita. – Se precisar de uma frigideira de ferro, é só falar.


CAPÍTULO 9

– Escreverei a carta para o superintendente esta manhã – prometeu Matthias. – Apesar de que as cartas de apresentação que trouxe da Inglaterra devam bastar. Talvez eu seja presunçoso em achar que a minha agilizará seu acesso aos sítios das escavações.

– Você o conhece pessoalmente. Ficarei feliz em ter uma carta sua.

Elliot se esforçava por manter pelo menos metade de sua mente nos preparativos para a visita a Pompeia. A outra metade continuava no terraço acima da varanda.

Na noite anterior, Phaedra deixara as portas abertas.

Fizera isso como provocação? Uma declaração de indiferença? De certeza ele só tinha que não fora um convite.

Elliot fumou um longo charuto no terraço à noite, olhando para a escuridão por entre as persianas abertas, incapaz de dominar a tentação que a proximidade dela causava. Os únicos sons que vinham lá de dentro eram os suspiros suaves de uma mulher satisfeita, dormindo muito bem, obrigada.

Por fim, se retirara para o quarto, em uma tentativa de aplacar os impulsos cruéis que aquela mulher incitava. Quando o sono por fim o aliviou, foi um sono profundo, longo, que durou até depois do amanhecer. Ao acordar, descobrira que Phaedra havia desaparecido.

Ela deixara a mansão de novo. Ele lhe mandara não fazer mais isso. Após procurar por Phaedra na véspera, estipulara algumas regras. Ela as desobedecera logo, sem perda de tempo.

– Se preferir, a Srta. Blair pode ficar aqui enquanto você vai a Pompeia – disse Matthias casualmente.

Casualmente demais, como se entendesse o que distraía seu ex-aluno.

– Ela está determinada a ir também.

– Ela não precisa ir em sua companhia. Está claro que ela o atormenta. Posso acompanhá-la, em separado, para poupá-lo do inconveniente. Quanto à questão que me contou sobre Sansoni, tenho certeza de que ele aceitaria minha autoridade para representá-lo, se é que algum dia ficaria ciente da troca.

– Tenho certeza de que ele não aceitaria. Dei-lhe minha palavra em juramento. Estou preso a ela por toda a viagem.

A palavra dada a Sansoni não tinha muito a ver com sua recusa à oferta de Matthias. Naquele momento, a necessidade de controlar os planos de Phaedra para as memórias do pai também não afetava sua decisão. Não diretamente, pelo menos, apesar de tudo estar ligado. O tormento causado pela Srta. Blair tinha assumido outros tons. Ele queria ter poder sobre muito mais do que quando ou como ela publicaria um livro.

– Já que está determinado a mantê-la com você, permita-me sugerir algumas hospedarias que seriam adequadas para uma mulher respeitável.

Com isso, Matthias iniciou uma ladainha sobre instalações em cada cidade.

No final das recomendações, a atenção de Elliot foi desviada para a montanha. Whitmarsh chegava a pé da cidade, o rosto vermelho pelo esforço.

– Muito íngreme, mesmo para você, não, Whitmarsh? – disse Matthias. – Agora entendo por que demorou tanto a chegar de seu exercício matinal.

Whitmarsh se inclinou, as mãos nos joelhos, dando tempo para recuperar o fôlego. Com um aceno dele, Matthias se calou para ouvi-lo:

– Problema... a cidade... torre...

Frustrado por seus pulmões se recusarem a colaborar, apontou para a parte mais baixa do morro.

Elliot e Matthias foram até ele. Elliot olhou para baixo. A cidade estava movimentada, com muita atividade. Ele se concentrou na torre. Um grupo grande se reunia no caminho do promontório.

Whitmarsh inspirou várias vezes, recompondo-se.

– Essa montanha pode matar, se você quiser correr.

– É por isso que não se deve correr – entoou Matthias. – Por que fez isso?

Whitmarsh apontou de novo.

– A Srta. Blair está lá embaixo, naquela torre. Querem prendê-la.


Aquela mulher seria o seu fim.

Elliot subiu correndo para o quarto a fim de procurar o revólver, de forma que seu pensamento não se tornasse verdade. Quando voltou, viu que Whitmarsh conferia a própria arma.

– O que será que ela fez? – refletiu Matthias enquanto desciam pelo morro.

Elliot podia imaginar.

– Até onde posso dizer, eles a consideram uma bruxa ou algo assim – disse Whitmarsh, inspirando fundo várias vezes.

Ele não tinha se recuperado totalmente da subida e agora a descida também exigia bastante.

– Droga! – xingou Elliot.

– Nosso objetivo é claro, cavalheiros – declarou Matthias. – Não podemos deixar que a prendam. Com Sansoni doido para arrumar problema, como você disse, Rothwell, e as noções primitivas de religião e justiça deste lugar, se eles a pegarem, as coisas podem sair do controle.

A inspiração profunda de Elliot teve pouco a ver com a rapidez com que desciam a ladeira para chegar à baía e à torre. Se Phaedra não fosse tão teimosa e tivesse ficado na mansão, três homens não estariam agora correndo desabalados para se meterem em problemas.

Sua raiva era pouca perto da outra reação que pesava como chumbo em seu peito. Não estavam em Londres, mas em uma cidadezinha montanhosa e isolada em um país estrangeiro. A postura e as vestimentas de Phaedra a tornavam vulnerável. Não havia nada de cômico em relação à acusação de bruxaria neste lugar. Ela corria perigo real.

Chegaram às ruas mais baixas e cortaram caminho pela piazza na frente da igreja de Santa Maria. Carros recém-pintados e decorados estavam lá, prontos para a procissão de San Giovanni na manhã seguinte.

Matthias foi na frente, mostrando o caminho no contorno da baía. Um ajuntamento de homens bloqueava o caminho para o promontório. Dessa vez a plateia masculina não era só de velhos e enfermos. Alguns dos pescadores tinham decidido que a cena na torre era mais interessante do que jogar suas redes ao mar.

Os homens estavam inflamados. Xingamentos se faziam ouvir. Olhos escuros flamejavam. Mãos faziam gestos por toda parte. Um homem bem-vestido estava de pé no centro da multidão, com o peso apoiado em uma bengala grossa, instigando os outros.

Matthias inclinou a cabeça, prestando atenção ao que ouvia.

– Ela foi vista na janela na alvorada – sussurrou. – Rezando para o sol nascente ou algo assim. Tarpetta, o manco que está ali, também a viu na cidade ontem, tentando corromper as mulheres. Pelo que entendi, ele a está acusando de bruxaria, meretrício e heresia.

– Heresia? – repetiu Whitmarsh.

– Vamos abrir caminho pela multidão – disse Elliot. – Whitmarsh, devemos manter as armas ocultas por ora.

Com posturas militares, abriram caminho até a frente da turba. Sua presença não fez nada para acalmar a situação.

Uma cena digna de ópera esperava no promontório. Os homens haviam se amontoado no limite da cidade porque o caminho para a torre estava bloqueado por um grande grupo de mulheres. Elas estavam agitadas também e prontas para a briga. Todas tinham arrancado o lenço ou o véu da cabeça e soltado os cabelos.

Carmelita Messina estava ao fundo, posicionada como se fosse a última linha de defesa. Com os cabelos louros soltos e o vestido preto esvoaçando, ela parecia a sacerdotisa da religião de Phaedra.

Segurava uma frigideira de ferro grande e rasa na mão. Às vezes brandia a arma na direção de Tarpetta, que não aceitava os insultos de bom grado.

Um único homem estava de pé entre os dois grupos: o padre da cidade, que mantinha os braços levantados, um em cada direção, como se sozinho pudesse evitar que as duas ondas de raiva colidissem.

– A coisa está bem animada – disse Whitmarsh secamente.

Infelizmente, também estava perigoso. Elliot olhou para o alto da torre. Ao mesmo tempo, Phaedra olhou por uma janela. Ela o viu e ele tentou lhe transmitir confiança.

– Vamos tentar resolver tudo em paz, Greenwood – propôs Elliot.

Com coragem, Elliot se postou entre as duas turbas e foi se aproximando do padre, tendo Matthias a seu lado.

Enquanto Greenwood conversava com o padre, a ira dos homens não parava de chegar aos ouvidos deles. As notícias não eram nada boas.

– A acusação de bruxaria se deve ao ritual com o sol, que aconteceu no pior momento possível. Estamos no solstício – relatou Matthias. – A acusação de meretrício foi feita em termos gerais. A aparência dela, o fato de ter ido sozinha à cidade, coisas assim. Infelizmente, os homens consideram que o apoio das senhoras só confirma a má influência que a Srta. Blair representa sobre elas. Pelo que entendi, houve algumas conversas incomuns nos quartos desta cidade na noite passada.

– E a heresia? – questionou Elliot.

– A Srta. Blair tentou explicar a história com o sol com mais detalhes do que seria sensato. Dissertar sobre os pontos comuns entre as religiões do mundo provavelmente não a ajudou muito.

Elliot imaginou uma acusação sendo transmitida pelas mulheres a Carmelita e então traduzida para Phaedra. Depois visualizou uma longa explicação voltando pela mesma corrente, frases e mais frases longas, tendo um pouco de seu sentido alterado conforme passava a cada elo, até chegar aos homens. Era espantoso que a acusação fosse heresia, em vez de loucura.

O padre era um homem idoso, de cabelo branco e rosto suave. Estava aflito com a situação de descontrole na cidade. Conversou com Matthias e, por fim, juntou as mãos em prece, balançando-as juntas como se assim fortalecesse o pedido.

Elliot entendia muito bem o padre.

– Diga-lhe que não vou deixar a Srta. Blair ao capricho de uma turba.

– Ele está certo de que nossa presença só serve para inflamar ainda mais os ânimos, Rothwell – alertou Matthias. – Os homens acham que usurpamos seu poder e as mulheres, bem, elas não têm boa impressão de homem nenhum neste exato momento.

A última parte era verdade. As mulheres o olhavam como se fosse o inimigo. Lançavam provocações inflamadas que eram sem dúvida insultos. Se ele conseguisse passar por elas, Carmelita da Frigideira de Ferro o esperava.

Elliot recuou e puxou Matthias para o lado assim que conseguiram passar de novo pelo grupo de homens.

– Preciso chegar lá no alto e falar com ela.

– A torre foi construída para defesa. Só há duas maneiras de chegar lá. Por esta faixa de terra ou por mar.

– Então vou ter que chegar por mar.


Phaedra espiou pelo canto da janela. A arruaça lá embaixo continuava. Sempre que os homens pareciam perder o interesse, o signore Tarpetta os incitava a continuar.

Elliot, o Sr. Greenwood e o Sr. Whitmarsh tinham ido embora. Provavelmente esperavam que essa pequena chama se extinguisse por si só. Era o que ela esperaria também, depois de o padre chamar os manifestantes à razão. Infelizmente, Phaedra desconfiava de que o conflito não se dera por haver uma inglesa estranha na torre naquela manhã.

O problema envolvia outras questões. Práticas antigas e eventos recentes colocaram lenha na fogueira. Phaedra se preocupava se as mulheres pagariam caro nos próximos dias por essa rebelião, mesmo que ela própria fosse poupada.

Tinha esperanças de que Carmelita não pagasse com a própria liberdade. Admirava a mulher loura que brandia sua frigideira de ferro, num gesto que anunciava não se tratar de uma pessoa indefesa e, além disso, garantia que Tarpetta se lembrasse de seus próprios crimes e de por que ela não permitiria que a cidade se curvasse ao poder dele.

Era tudo culpa de Tarpetta. Ele a vira na cidade ao amanhecer. Provavelmente a seguira e a avistara na janela que dava para o leste na torre quando o sol atingiu o topo da montanha.

O sol tinha se movido bastante desde então, contudo o confronto lá embaixo não parecia perto de acabar.

Ela correu para a janela a oeste. Carmelita a advertira a respeito de um ataque por mar. Um barco se aventurara nos arredores avaliando essa abordagem havia uma hora, porém ela jogara pedras soltas da construção e o desencorajara.

Outro barco se aproximava agora. Não vinha do cais de Positano, e sim do oeste, como se chegasse de Capri em visita à torre normanda.

Três homens estavam de pé na proa, enquanto criados da mansão remavam. Elliot, Whitmarsh e Greenwood tinham corrido em seu resgate.

Levaram a embarcação o mais próximo possível da torre. O Sr. Whitmarsh acenou. O Sr. Greenwood a chamou. Elliot quase sorriu, mas sua boca não passou de um risco tenso.

– Agora você entende o que eu quis dizer, Rothwell. Se fosse fácil acessar a torre pelo mar, ela seria inútil para proteção – disse Greenwood.

– De qualquer forma, está um dia esplêndido para um passeio de barco – falou Whitmarsh. – Parece que ninguém pensou que tentaríamos essa estratégia. O cais permanece vazio.

Whitmarsh olhou para Phaedra lá no alto:

– Essa janela parece mais longe ainda daqui. Trouxemos alguns víveres, Srta. Blair, porém duvido que nosso plano de levá-los até aí funcione.

Uma onda de gritos chegou à torre vinda do outro lado. Phaedra correu até lá e olhou para baixo. Os homens tinham se aproximado muito do padre. A massa de mulheres se compactara.

Ela voltou para a janela que dava para o mar.

Elliot se curvou. Ao se levantar, exibiu uma corda grande com um gancho na ponta.

– Afaste-se, Srta. Blair. Entre na torre. Se eu conseguir mandar o gancho até aí, prenda-o o melhor que puder.

– Lorde Elliot, não acho que você conseguirá...

O olhar dele a silenciou. Ela foi para o outro lado da torre.

Por três vezes ouviu o barulho alto de metal atingindo a pedra, seguido pelo som de algo caindo pesado na água. Parecia que o plano deles não iria funcionar.

De repente o grande gancho de ferro apareceu na janela, subindo muito, e depois começou a cair. Uma de suas três hastes agarrou no peitoril da janela e parou.

Phaedra correu para lá, soltou-a e a deslizou pelo peitoril até encontrar um sulco profundo entre as pedras da parede onde prender o gancho.

Olhou para o mar. Os três homens puxavam a corda para testar sua segurança. Satisfeito, lorde Elliot pulou do barco para a estreita faixa de areia. Whitmarsh lhe entregou duas cestas.

– Mande primeiro a comida – pediu ela. – Não comi nada hoje.

– Com certeza você imaginou que o deus sol não podia esperar – provocou Elliot ao prender a alça da cesta na corda. – Na infância, quando eu desobedecia a meus pais, era mandado para o quarto sem jantar. Talvez um pouco de fome seja adequado para a senhorita hoje.

Ela deu um pequeno puxão na corda:

– Não vamos ser descuidados por pressa. E precisamos manter nosso senso de humor.

A cesta permaneceu imóvel por um momento, irritando-a, mas logo Elliot a soltou. Phaedra puxou a corda para cima até chegar à alça da cesta. Examinou seu conteúdo e jogou a ponta de volta.

– É um banquete e tanto. Vinho, presunto, pão e figos.

– Espero que goste. Se os homens da cidade tivessem conseguido chegar até aí, você só comeria macarrão e banha de porco pelos próximos dez anos, isso se não a enforcassem de imediato.

Elliot agarrou a extremidade da corda e começou a atar a outra cesta.

– Há cobertores e outros itens de primeira necessidade aí dentro.

Um rugido veio do outro lado da torre. Elliot olhou para cima.

– O que está acontecendo?

Ela correu para a outra janela, depois voltou para contar.

– Se for para aproveitar meu banquete, temo que precise fazê-lo bem rápido. O signore Tarpetta está ordenando que o padre saia do caminho.

– Puxe isso para cima logo e depois mande a corda de volta.

O barulho que entrava pela outra janela fez com que ela puxasse a corda o mais rápido possível. Depois que soltou a cesta, mandou a corda para baixo e correu mais uma vez para a janela que dava para leste.

O padre tinha ido embora. A linha de frente dos homens estava cara a cara com a das mulheres. Os flancos do exército de mulheres já tinham se rompido. Uma derrota se aproximava.

Phaedra voltou para a janela que dava para o mar. Greenwood apontava para a costa.

– Entraremos por ali e chegaremos à linha de batalha em minutos – disse ele a Elliot.

– A questão está ficando difícil no promontório – gritou ela para baixo.

– Mantenha-se firme, cara dama – bradou Whitmarsh em resposta. – Greenwood tem alguma influência na cidade e Rothwell está armado. Em breve estará em segurança.

Se planejavam entrar na luta que estava prestes a começar, Phaedra não contava com a vitória deles. Duvidava de que seus piratas ingleses fossem golpear e atirar para salvá-la, e sem isso ficariam em desvantagem numérica.

Elliot olhava a parede da torre e avaliava a estreita faixa de areia sob suas botas, na base, e as grandes rochas posicionadas de forma a desencorajar os barcos.

– É bem alto. Não posso me arriscar a que você caia se tentar descer pela corda. Se a água fosse mais profunda...

Ele ainda calculava e falava sozinho quando levantou as mãos, agarrou a corda e começou a escalar.

– O quê? Rothwell! Cuidado para não ser você a cair – alertou Greenwood.

Phaedra gelou quando gritos chegaram do promontório. Não foi até lá para ver o que estava acontecendo. Não conseguia tirar os olhos de Elliot pairando acima do mar, cada vez maior ao se aproximar pela corda, com o corpo e o rosto tensos do esforço.

Ela podia imaginar que a batalha não ia bem para as mulheres no promontório, o que significava que não ia bem para ela. Esticou a cabeça para fora da janela e contou a lorde Elliot o que acontecia.

Ele xingou e encontrou novas forças. Um som estranho começou a chegar pelas escadas. Parecia uma frigideira de metal atingindo algo mole. A voz de Carmelita clamava aos santos para ajudá-la e o som se repetia. Um homem grunhiu.

– Eles romperam o cerco à torre, lorde Elliot – gritou Phaedra, abaixada entre as cestas. – Suponho que não tenha posto uma arma junto com a comida ou os cobertores, para que eu pudesse exercer uma última resistência?

– Você sabe usar armas? – perguntou ele, a voz próxima e cansada.

Phaedra olhou para cima e o viu na janela. Os braços dele estavam apoiados no peitoril e seus dedos se agarravam na beirada interna.

– Posso usar uma arma, se tiver que fazê-lo.

Ajudou-o a subir agarrando-o pelos ombros e pelas calças. Ele se agarrou ao corpo dela em busca de apoio.

Finalmente, Elliot caiu na parte de dentro da torre. De um salto, pôs-se de pé com a agilidade de um gato. Do lado de fora, Greenwood ordenava a seus criados que remassem forte para contornarem a ponta do promontório.

Elliot sacou um revólver de seu casaco surrado.

– No caminho até aqui, Whitmarsh me presenteou com histórias sobre injustiças nas cidades deste país. Seria estúpido de nossa parte não levar a sério o perigo. Fique aqui. Não me siga. Se achar que a situação piorou, arrisque-se a descer pela corda e enfrentar o mar.


Elliot não desceu as escadas em silêncio. Deixou que todo o seu aborrecimento se traduzisse em passos estrondosos. Sua aproximação silenciou os homens embaixo.

Quando fez a última curva da escada, encontrou Carmelita Messina no degrau inferior, com a frigideira de ferro em riste. Quatro homens a ameaçavam, porém naquele momento a atenção deles se concentrou em Elliot, não nela.

Carmelita olhou por cima do ombro e percebeu seu revólver. Elliot não conseguiu chegar à conclusão se ela ficou aliviada ou aborrecida.

Passos também pesados, mas irregulares, soaram do lado de fora do portal. O signore Tarpetta apareceu sob ele. Endireitou-se em postura militar ao ver a arma.

– O senhor interferiu – começou ele.

– A Srta. Blair está sob minha autoridade e também sob minha proteção.

Tarpetta empinou o nariz e o olhou com desdém.

– O senhor não exerce a autoridade sobre suas mulheres muito bem.

Elliot não pôde contestá-lo.

– Sou muito melhor na parte da proteção – contrapôs e apontou a arma diretamente para Tarpetta. – Diga a todos para irem para casa.

– Ela infringiu nossas leis.

– Ela não infringiu lei nenhuma – argumentou Carmelita. – Apenas ofendeu as leis de um homem que se considera um reizinho.

– Vê o problema que ela causou? Ela enfeitiçou as mulheres e realizou rituais pagãos. Nós não permitimos esses crimes em Positano.

– Ouçam só! – zombou Carmelita com uma risada estridente. – Ele até fala como rei. O “nós” quer dizer “ele”.

Elliot não estava com ânimo para discussões. Brandiu a arma e ordenou:

– Todos fora desta torre. Signorina Messina, por favor, traduza o que vou dizer.

Tarpetta saiu da torre. Os homens e Carmelita o seguiram. Elliot foi por último. Ao sair, um som nas escadas o fez olhar para trás. Uma mecha de cabelo ruivo flutuava próximo à parede da escadaria.

As mulheres tinham ido embora. Elliot encarou os remanescentes da batalha, vinte homens que ainda não estavam satisfeitos.

O revólver dele os impressionou. Enquanto falava e Carmelita traduzia, o barco de Greenwood alcançou a parte de trás do promontório e Greenwood desceu no banco de areia.

– Sou lorde Elliot Rothwell, irmão do marquês de Easterbrook – disse. – Recebi dos oficiais do tribunal do seu rei a responsabilidade de proteger a Srta. Blair. Se algum de vocês a machucar, há de se haver comigo. Ela não é bruxa, nem herege, nem meretriz. Não há provas que sustentem essas acusações e os senhores têm a minha palavra de cavalheiro que suas suspeitas são infundadas.

Carmelita fez uma tradução muito longa. Dos pontos essenciais que Elliot pescou e pelas expressões nos rostos dos homens, ele suspeitou que ela houvesse enfatizado as palavras lorde, marquês e tribunal.

Matthias chegou quando ela terminava. Tarpetta, reconhecendo que seu grupo perdia força, mancou na direção dele. Os dois homens tiveram uma conversa particular.

Tarpetta foi embora. Os outros homens decidiram que era uma boa ideia bater em retirada com seu líder.

Greenwood se aproximou da torre.

– Você tem minha gratidão, Greenwood, pelo que quer que tenha dito a ele.

– Você não entendeu direito. Nós não os vencemos – explicou Greenwood. – Eles vão mandar alguns homens a Nápoles em busca de orientação e também para pedir ajuda ao Exército.

Carmelita jogou as mãos para o alto, num gesto de exasperação.

– Imbecis.

Tarpetta estava voltando para a cidade, porém dez de seus homens tinham parado na extremidade do promontório.

– O que eles estão fazendo lá? – perguntou Elliot.

– Montando guarda – disse Greenwood. – Não vão tentar entrar na torre, porque você está armado, contudo não vão deixar que a Srta. Blair saia até receberem ordens de Nápoles. Imagino que haverá um ou dois barcos vigiando do mar esta noite também.

Elliot conteve um xingamento. O santuário de Phaedra tinha acabado de virar uma prisão.

– Vamos vigiá-los enquanto eles montam guarda, para que não haja violação dessa trégua – prometeu Carmelita.

– Não martirize as mulheres em seu afã de combater aquele homem – disse Elliot para ela. – Agradeço por sua ajuda, porém temo que o preço pago por suas amigas já será alto o bastante. Deixe comigo agora.

Carmelita Messina deu tanta atenção ao que ele disse quanto Phaedra Blair daria.

– Vamos vigiar. Algumas de nós, viúvas e tal, as que não vivem sob o jugo de ninguém. Confio em seu revólver para manter a paz e em que o signore Greenwood use sua influência com aquele homem para acabar com essa confusão antes do pôr do sol.

Ela se foi, juntando o cabelo em um nó ao se afastar.

– Ela fala como se você pudesse resolver isso se quisesse – disse Elliot para Matthias.

– Carmelita está interpretando mal minha influência aqui. Contudo tentarei chamar Tarpetta à razão quando ele se acalmar, apesar de conhecer o homem somente de vista.

– Veja se ele aceitaria suborno.

Matthias deu um sorriso largo e forçado.

– Quanto ela vale para você?

Elliot guardou o revólver e caminhou para o portal.

– No momento, estou tentado a pagar para que ele a tire das minhas vistas.


CAPÍTULO 10

Pela janela, Phaedra observava a conversa de Elliot e Matthias. Não podia ouvi-los, porém seus rostos sérios indicavam que estavam traçando planos.

Um pequeno grupo formava um círculo no final do promontório. Outros quatro homens tomaram um barco de pesca no cais e zarparam.

Matthias se afastou. A torre ecoou o som de botas subindo os degraus de pedra.

Elliot entrou no cômodo. Ela continuava preocupada com a atividade lá embaixo, ainda assim deu uma boa olhada na direção dele. Sua expressão revelava preocupação e aborrecimento. Phaedra achou a inquietação charmosa, até mesmo lisonjeira. E teve esperança de que a raiva passasse logo.

– Você está em segurança por ora.

Elliot pôs o revólver no chão em um canto para evitar acidentes. Pegou um odre da cesta e o segurou no alto. Um jorro de água fluiu para sua boca.

Os olhos dela se grudaram no fluxo de água pura. Sua garganta se estreitou. Não tinha bebido nada desde antes do raiar do dia.

Elliot notou o interesse e caminhou na direção dela.

– Incline a cabeça para trás.

Ela obedeceu e abriu a boca. Um jorro frio e lento aliviou sua sede.

Phaedra secou a água de seus lábios com a mão.

– Achei que esses odres só continham vinho.

– Os outros, sim. Se tomarmos aos poucos, este nos bastará pelo tempo necessário.

Tempo necessário? Ela olhou de novo pela janela. Percebeu o significado dos homens postos na extremidade do promontório.

– Não posso sair, não é? O que aconteceu?

Ele explicou sobre a ida dos homens a Nápoles. Lembranças do odioso Sansoni invadiram a mente de Phaedra. No silêncio que se seguiu à explicação, o ar ficou mais pesado com o possível perigo à espreita e o peso dos problemas que já enfrentavam.

Lorde Elliot olhou por cima da cabeça de Phaedra para a cidade lá embaixo. Ele pareceu distraído, como se sua mente estivesse ocupada com algo muito distante.

– Você me desobedeceu – disse, provando que os pensamentos tinham tudo a ver com ela. – Você desceu as escadas.

– Ninguém me viu. Com você entre mim e o perigo... Foi uma desobediência pequena.

– Você me desobedeceu antes, ao vir para esta torre. Disse-lhe para permanecer na mansão.

– Não esperava ser vista na torre.

– Só que foi. Um ritual pagão, nada menos do que isso. Nesta terra, pior do que em qualquer outra.

– Não houve ritual nenhum. Nenhuma reza para o deus sol. Tarpetta simplesmente me viu na janela quando o sol nasceu. Não estava erguendo minhas mãos em oração. Estava protegendo meus olhos da luz forte, para que pudesse avaliar a posição exata do sol.

– Não me importo com o que estava fazendo. Foi descuidada com sua segurança e reputação. O resultado foi uma batalha entre os homens e as mulheres desta cidade e sua prisão nesta torre.

Elliot ficava mais exaltado a cada palavra.

– Também nem pense em falar agora de sua sagrada independência. Acabo de escalar a parede de uma torre e ameaçar de morte homens com quem não tenho nenhum problema. Talvez eu até tenha que matar algum, tudo por causa de sua maldita teimosia.

– Só fiz uma visita a uma torre ao alvorecer. Está sugerindo que eu poderia ter previsto tudo isso? – questionou, indicando o promontório abaixo e o drama que se desenrolara. – Se eu tivesse achado que alguém saberia ou se importaria, não teria vindo. Admito que parece muito estúpido agora, mas no momento não pareceu.

Não era bem um pedido de desculpas, mas pareceu aplacar o lado mais sombrio da fúria de lorde Elliot. Sua atenção e olhar se voltaram para ela tão nitidamente que isso enfatizou a proximidade deles.

– Você conseguiu o que veio fazer?

Ele tinha que perguntar.

– Se uma prova negativa puder ser chamada de prova – disse ela e apontou para a montanha alta. – Matthias estava certo. O sol não se eleva diretamente sobre o pico quando se observa desta janela, nem em linha direta com o lugar onde estamos agora. Ele primeiro se mostra à direita, ao sul, um pouco.

Phaedra se preparou para receber a zombaria de Elliot ou mais raiva por seu passeio ter causado tanto problema sem nem ao menos conseguir provar sua teoria.

Em vez disso, ele refletiu sobre a prova.

– Essas coisas não são precisas. O dia exato do solstício varia e ainda estamos mapeando as mudanças sutis que se acumulam na astronomia com o passar do tempo. Cinco séculos atrás, o sol pode muito bem ter nascido no pico da montanha no verão.

Ela achou muita gentileza dele dar desculpas e não chamá-la de tola. Algo mais parecido com uma desculpa direta começou a se formar em sua mente.

– Não tive intenção de causar todo esse problema e sinto muito por isso. Não me surpreende você estar com um pouco de raiva de mim.

– Estou com muita raiva de você, Phaedra. Contudo estou mais preocupado com sua segurança. Até que eu tenha assegurado isso, terá que fazer o que digo, principalmente se eu tiver mais motivos para sacar este revólver.

Elliot caminhou até a janela que dava para oeste. Franziu o cenho com o que viu. Ela andou até lá e espiou também. Um barco com três homens lançou âncora a uns cinquenta metros da torre. O sol tinha começado a se pôr no mar, mas ainda levaria horas até ficar escuro.

– Sua prisão está completa – disse Elliot. – Temos que esperar e confiar em Matthias para negociar sua libertação antes que mais problemas venham de Nápoles. Infelizmente, Tarpetta parece ter o poder nas mãos e Matthias o conhece somente de vista.

Phaedra se ajoelhou ao lado das cestas e começou a retirar seu conteúdo. Fez uma fileira com os odres, frutas e embrulhos de comida contra a parede.

– Carmelita acha que eles se conhecem melhor do que admitem.

Elliot descansou o ombro na parede e a observou mexer nas cestas.

– Seria bom se você estivesse certa, entretanto Matthias não tem motivos para mentir para mim.

Phaedra ficou feliz de encontrar uma xícara de barro por baixo da comida. Não queria beber direto do odre o dia todo, apesar de a experiência ter sido interessante.

– Você conhece Matthias bem? – perguntou ela.

Greenwood talvez tivesse o destino dela nas mãos, porém não era apenas esse o motivo da pergunta.

Elliot se afastou da luz do sol que se esgueirava pela janela. Foi para a área fresca e sombreada onde Phaedra arrumava os alimentos. Sentou-se no chão, apoiando as costas nas pedras, e pegou um figo.

– Eu o adorava na faculdade. Ele é um acadêmico respeitado e com duas obras publicadas. Estimulou meus estudos e me orientou nos métodos de pesquisa necessários para traçar novos caminhos. Seu interesse me lisonjeou, principalmente porque não parecia interesseiro, como outros professores.

Elliot mordeu o figo e depois fez um gesto apontando o restante da comida.

– Você devia comer algo. Se daqui a três dias tivermos que nadar para salvar nossas vidas, não vai querer estar fraca.

Phaedra pegou um pouco de pão e queijo.

– Você não parece adorá-lo agora, e não há mais nada de professor na forma como ele o trata.

– Bem, não sou mais um estudante e tenho um livro publicado.

– Parece mais do que apenas uma amizade construída a partir desses antigos papéis, foi o que eu quis dizer.

Elliot não parecia inclinado a satisfazer a curiosidade dela. Degustou o figo sem pressa. Ela se refugiou concentrando-se na própria comida.

– Meu pai não era um homem caloroso.

Ele falou isso de modo casual, como se não tivessem se passado quinze minutos desde seu último comentário.

– Imagine um homem como meu irmão Hayden, só que sem nenhuma das qualidades que contrabalançam a rigidez dele. Quando criança, eu considerava ter sorte por ser ignorado por meu pai enquanto ele se voltava para meus irmãos. Matthias Greenwood, por sua vez, escolheu colocar o foco de sua atenção em mim. Ele valorizava as mesmas coisas que eu, era rápido em elogiar, mas não se precipitava na hora de expressar desapontamento. Havia algo de paternal em seu interesse, imagino.

Ela notou sua expressão ao descrever o pai. Conhecia bem a reputação do marquês de Easterbrook. Com certeza, tinha sido aquele tipo de pai impossível de agradar e talvez tão duro com os filhos quanto se dizia ter sido em outras áreas.

Porém, não foi a brandura intencional de Elliot que chamou sua atenção. Outra emoção brilhava nos olhos dele.

Ele insistira em que as memórias de Richard Drury faziam insinuações falsas sobre o último marquês, contudo não tinha assegurado que de fato elas fossem mentiras. Ao se sentar ali com ele e observá-lo, Phaedra entendera que lorde Elliot não estava convencido de que o pai não mandara matar o oficial. Aquela suspeita ficaria mais plausível, ganharia corpo e seria inevitável se as insinuações fossem publicadas?

Alguns cientistas acreditavam que o comportamento criminoso era herdado, assim como algumas doenças. Saber que o legado de uma pessoa incluía a capacidade de tramar um assassinato impiedoso poderia ser tão ruim quanto descobrir que seu sangue estava maculado pela insanidade.

– Matthias Greenwood não teve filhos – disse Phaedra. – Você é seu herdeiro intelectual e parte de seu legado profissional. Se havia algo de pai nele, talvez houvesse algo de filho em você.

Ele deu de ombros.

– Talvez esteja certa. Ele pode me ver dessa forma, mesmo na amizade que temos agora.

Phaedra suspeitava de que Greenwood de fato o visse dessa forma, mas achava que Elliot o via assim também. A maneira como se comportavam um com o outro fazia com que ela pensasse na amizade confortável e no amor entre pais e seus filhos adultos quando seu relacionamento amadurecia.

Se fosse assim, Matthias Greenwood seria uma pessoa importante para Elliot.

É claro que ele era. Elliot estava ali, não estava? Ele tinha viajado até Positano para discutir sua nova pesquisa com o antigo mestre, ainda que já o houvesse superado como historiador.

Fazer aquela humilde refeição no chão de pedra os apartava do restante do mundo. Sua descrição franca do pai tinha aberto uma porta de intimidade mais sedutora do que aquela criada pelo prazer físico. Era algo como a relação que se estabelecia entre ela e seus amigos.

– Por que está tão curiosa sobre Greenwood, Phaedra?

Ela examinou a familiaridade branda que compartilhavam e pensou em sua resposta.

– Tenho interesse nele.

– Ele tem idade para ser seu pai!

Ela quase riu com seu tom exasperado, mas o aborrecimento mostrado em seus olhos lhe deu uma indicação. Ele estava com ciúmes. Phaedra achou isso irremediavelmente fora de moda e presunçoso, porém ao mesmo tempo adorável. Teve vontade de rir, em vez de censurá-lo.

– Você entendeu mal, Elliot. Ele conheceu minha mãe e tem sido gentil em responder perguntas que tenho sobre algumas questões.

– Que questões?

– Minha mãe talvez tenha mantido um amante em segredo em seus últimos anos de vida.

Ele franziu o cenho.

– Richard Drury...

– Não nos últimos tempos. Houve outro homem.

– E Matthias sabe quem foi? Ele vivia em Cambridge na ocasião e, apesar de às vezes visitar Londres...

– Ele é um homem perceptivo. Não ficou surpreso quando sugeri que talvez tivesse havido outro homem na vida de minha mãe. Esse amante também mexia com antiguidades e Matthias me deu os nomes de alguns homens do círculo dela que eram do ramo. Muitos de seus amigos íntimos desconversaram na hora em que os procurei. Desconfio que não quisessem que a imagem de Artemis Blair fosse mudada. Mas ele foi sincero comigo e sou grata por isso.

Elliot refletiu sobre o que ela disse e pareceu ao mesmo tempo curioso e cético.

– Por que você buscaria nomes, Phaedra? Talvez não tenha havido amante nenhum, já que os amigos dela negaram o fato.

– Acho que houve, sim, por causa de uma passagem que meu pai escreveu em suas memórias. Esse homem, quem quer que seja, era um criminoso.

A expressão dele ficou mais séria.

– Outra referência sem nome? Outra fofoca que destruirá uma reputação?

Elliot se pôs de pé em um minuto. Afastou-se, olhou para a parede e depois se voltou para ela.

– Seria melhor se você queimasse essas memórias ou as deixasse em uma gaveta trancada para sempre.

– Isso pode poupar sua família, mas não poupará o amante de minha mãe.

– Por que não?

Ela embrulhou o queijo no guardanapo úmido.

– Porque, mesmo que as memórias não sejam publicadas, destrincharei essa parte delas até ficar satisfeita e lidarei com esse homem do meu jeito.

O cenho de Elliot se manteve franzido, seu humor não melhorou, contudo uma curiosidade cautelosa surgiu em seus olhos.

– Você fala calmamente, porém de forma amarga e decidida. O que seu pai escreveu sobre esse homem que provocou em você a vontade de identificá-lo?

Ela se ajeitou para se levantar. Passou a mão na saia para retirar as migalhas.

– Ele escreveu que esse homem a seduziu, depois a traiu de forma tão desonrosa que acabou provocando sua morte. Preciso descobrir se isso é verdade.

– Na melhor das hipóteses, é ambíguo.

– Nem tão ambíguo assim. Tem mais. Não sou totalmente louca por achar que posso identificar esse homem. Só metade louca.

Ela andou até o centro da sala e olhou em volta.

– Se vamos ficar aqui por dias, temos que deixar esse lugar mais habitável – falou ela, virando uma cesta de cabeça para baixo. – Isso pode servir de banco, se você conseguir tirar a alça.

Elliot procurou a faca que viera junto com a comida. Colocou a cesta nas pedras do peitoril da janela e começou a cortar.

– Você não deveria levar muito a sério o que seu pai escreveu sobre sua mãe. Ele era um amante rejeitado e isso pode enevoar o bom senso de qualquer homem.

Phaedra pegou o cobertor sobre a esteira de palha e verificou se estava limpo. Avistou alguns ganchos de metal presos na abóbada do teto.

– Meu pai entendia bem o que tinha e o que não tinha com minha mãe. Ele não escreveu com amargura, mas como um homem que testemunhou a mulher que amava ser usada.

Elliot continuou a cortar, entretanto sua expressão decidida não tinha a ver com a alça da cesta.

– Trate esse assunto com cautela, Phaedra. Não acuse o homem errado nem conteste um homem bom.

– Se ele for um homem bom, não terá nada a temer de mim ou das memórias. Nenhum homem bom teria.

A alça da cesta se soltou, quebrando-se sob a pressão que ele impunha com a faca. Um barulho seco reverberou na abóbada de pedras, como se a paciência de Elliot tivesse acabado junto com a última frase dela.


Passaram as horas seguintes de forma mais agradável, falando amenidades. A amiga de Phaedra, Alexia, estava recém-casada com o irmão de Elliot, Hayden, e eles especularam sobre o casal e o que os teria unido. Isso suavizou o clima pesado da primeira parte da conversa.

Elliot, no entanto, continuou a refletir sobre o assunto inicial. Ele havia percebido o tom e a expressão de Phaedra ao falar do amante que traíra sua mãe.

Phaedra não era uma simples visitante curiosa na península Itálica, como tinha dito, mas uma mulher com uma missão. Por algum motivo, aquilo a tinha levado a Nápoles. Por isso o humor dela melhorara em relação ao atraso em ir a Pompeia. Sua investigação poderia até estar na origem da amizade com Marsilio e Pietro.

Por tudo o que sabia dela, cada ato, cada palavra, desde o dia em que ele entrou naquele jardim em Nápoles, fora parte de seu plano para saber dos últimos meses da mãe e do homem a quem culpava por seu declínio e morte.

Ela foi dando instruções a Elliot para arrumar sua habitação humilde enquanto conversavam. A pedido da Srta. Blair, ele amarrou a corda em um dos ganchos da abóbada. Phaedra esticou o cobertor velho nela e, assim, separou um canto no qual colocou o penico que os criados de Matthias tinham gentilmente posto em uma das cestas.

Já anoitecia quando tudo ficou arrumado. Com um novo cobertor sobre a esteira de palha e a cesta de cabeça para baixo como banco, Phaedra havia criado um lar rústico, porém agradável. Para uma pessoa.

Havia um cômodo de teto baixo sob essa sala mais alta na torre. Elliot esperava ser posto lá, a menos que, com seu charme, pudesse obter da rainha um convite para partilhar de seu santuário.

– Você tem talento para arrumação doméstica, Phaedra. Isso é resultado de se virar sem criados?

– Acho que aprendi a fazer isso porque minha mãe não levava o menor jeito para assuntos domésticos. Isso se mostrou útil quando tive que cuidar da minha própria vida.

Phaedra levou o odre e a xícara para a janela que dava para a cidade. Depois de derramar fora um pouco de vinho, conseguiu fazer jorrar um arco que encheu a xícara, e então ofereceu a bebida a lorde Elliot.

Ele se juntou a ela próximo à janela e bebeu. Os homens de Tarpetta tinham montado acampamento na base do promontório, para além da longa sombra da torre. A julgar pelos sons distantes das risadas, eles pareciam relaxados e de bom humor.

– Por que teve que cuidar da própria vida?

Ela estava linda demais à luz prateada do anoitecer que entrava pela janela. Atrás deles, pela abertura oposta, as cores chamejantes dos últimos raios de sol penetravam. Esses raios iluminavam a parte de trás da cabeça de Phaedra, transformando suas mechas em brasas, em contraste com a fria translucidez da pele branca do rosto que olhava para oeste.

– Minha mãe acreditava que as mulheres aprendem em casa, com os pais, a serem dependentes. Somos ensinadas e temer a independência e depois convencidas a rejeitá-la mesmo que esteja ao alcance. Assim, quando recebi uma herança do irmão de minha mãe, ela me estimulou a sair de casa e a viver sozinha antes que me acomodasse e virasse uma adulta dependente dela.

Phaedra fez uma pausa ao se esticar calmamente para ver o chão perto da torre. Outro pequeno acampamento tinha sido montado ali, povoado por cinco senhoras e Carmelita Messina.

– Eu tinha 16 anos – acrescentou, ainda distraída com a cena abaixo.

A atenção que dava aos acampamentos não a deixou perceber a reação de Elliot.

– Você era uma criança.

Ele tentou não expressar condenação em seu tom. Phaedra não gostaria de ouvir críticas à mãe, e ele não tinha o menor desejo de discutir com ela naquele minuto.

Ela ainda observava o promontório.

– Sim, eu era uma criança. Contudo há muitas mulheres que são empurradas para o casamento nessa idade. Acho que seria um destino muito mais assustador. Elas são jovens demais para os planos de seus pais, e eu também era jovem demais para os planos dos meus. Ela não se afastou da minha vida, não foi uma rejeição de seus deveres. Minha mãe me ajudou a contratar uma governanta, para que eu não morasse sozinha nos primeiros anos. Eu a visitava com frequência e nos víamos quase tanto quanto no tempo em que morávamos sob o mesmo teto.

Ela fez isso soar quase natural e sensato. Ele não podia pensar em Phaedra aos 16 anos morando sozinha, sem proteção ou supervisão de ninguém, exceto uma criada. Sua prima Caroline, que tinha sido apresentada à sociedade na última temporada, era tão infantil que dava vontade de trancá-la em casa por mais dez anos.

É claro que Phaedra Blair provavelmente não era tão infantil nessa idade, nem tão inocente. Artemis criara a filha para andar com as próprias pernas e traçar o próprio caminho. Ainda assim, essa imagem o deixou irritado. A mulher não deveria ter usado a própria filha como experimento para provar que suas ideias radicais tinham mérito.

– Na época não me importei e tudo saiu como minha mãe esperava. Depois que uma mulher prova uma liberdade assim, nunca mais quer abrir mão dela. Contudo, quando ela morreu... então fiquei enraivecida. Queria que ela houvesse esperado um pouco mais, de forma que eu tivesse aproveitado aqueles dois últimos anos com ela. Ela não previa que seu tempo seria tão curto, é claro.

– Não imagino a independência que me descreve. Mesmo sendo homem, não fico tão por minha conta.

– Não importa que ainda more na mansão de Easterbrook. Sendo homem, você é livre.

– Não falo de leis, costumes ou finanças, mas da vida. Não sou sozinho nem alguém sem laços com outras pessoas. Meus irmãos estão sempre presentes na minha vida e tenho outros parentes a quem devo obrigações. Minha vida faz parte da deles e a deles, da minha. Mesmo que meus irmãos e eu um dia nos odiássemos, ainda teríamos questões em comum a compartilhar.

A expressão de Phaedra se tornou pensativa, deixando-a ainda mais bela.

– Eu gostaria de ter tido um irmão ou uma irmã. Isso teria sido muito bom, principalmente agora.

Agora que estava completamente só, era o que queria dizer. Phaedra havia escolhido um caminho que a deixaria sozinha para sempre, a menos que, como a mãe, tivesse um filho ilegítimo. Elliot percebeu que ela compreendia que abrira mão de certas coisas e que não as menosprezava. Tinha posto as opções na balança, se não aos 16 anos, ao ficar mais madura. Ele não achava que o prêmio valesse o custo, porém admirava a bravura dela.

Ela pareceu um tanto triste. Ele se sentiu péssimo por tê-la obrigado a encarar a própria solidão.

– Espero que suas amizades de alguma forma possam substituir a família que você não tem.

Lampejos traquinas dançaram em seus olhos. Seu humor e animação vieram à tona, surgidos das profundezas de seus pensamentos.

– De certa forma, mas não é uma família como você descreveria a sua. Uns amigos são como irmãos e irmãs, alguns poucos se comportam como os mais afáveis dos maridos, porém esses laços não são permanentes. Com o passar do tempo, é possível que eu me veja imaginando se não fui abençoada com mais independência do que qualquer pessoa quereria.

O que significava que já vinha se questionando sobre isso.

A referência indireta a seus amantes sutilmente mudou o clima entre eles. Elliot não podia ficar tão perto dela naquela luz e não pensar em fazer amor com ela. Imagens e desejos tinham surgido aos borbotões desde que subira os degraus horas antes. A excitação aumentara com as palavras dela. Ele pensou ter visto um desafio na forma como ela o mirava.

De repente o desejo os uniu mais intensamente que nunca. Ela não fez qualquer esforço para refrear seu poder. Ele não se aguentava mais. Jamais tinha encontrado uma mulher que reconhecesse de forma tão ousada a excitação sensual que pode existir antes de um beijo ou um toque.

Com qualquer outra mulher, ele daria o primeiro passo, como fizera com ela antes. No entanto, não se esquecera das palavras dela ao se afastarem no terraço, naquela noite. Se ela fosse honrar sua ameaça, neste momento ele provavelmente não conseguiria se portar de forma honrada o bastante para que ela tivesse a chance de rejeitá-lo.

Phaedra evocava nele o que seu sangue trazia de pior, algo que vinha do pai. Elliot queria se aproximar, abraçá-la, acariciá-la e devorá-la. A tentação de usar o prazer para coagi-la a se submeter ao próprio desejo e a ele ameaçava sobrepujar o que restava de seu bom senso.

Elliot se afastou. Pegou o revólver e um dos cobertores e começou a descer as escadas. A alternativa era se arriscar a se comportar como um canalha, ou, pior, tornar-se uma daquelas abelhas lastimáveis que ficam zumbindo e implorando pelos favores da rainha.


Phaedra observou o sol se pôr no mar. Luzes roxas e laranja coloriam a água com listras sedosas à medida que a escuridão aos poucos se aproximava. Lá embaixo, no barco, os homens acenaram e a saudaram amigavelmente. Parecia que eles também tinham alguns odres de vinho à disposição e que a bebida os deixara mais amistosos.

Phaedra encontrou a única vela mandada junto com os víveres e a acendeu. Sentou-se em um canto onde a brisa noturna não a apagaria. Ouviu Elliot se mexer lá embaixo, talvez na tentativa de achar algum conforto no chão tendo apenas um cobertor sob o corpo.

O corpo dela ainda não tinha se acalmado totalmente desde que ele partira, nem seus pensamentos se afastaram muito dos últimos minutos que tinham passado juntos. Uma pulsação quente continuava a se fazer sentir, atraindo sua atenção. Normalmente ela só tinha que lutar contra isso quando Elliot estava por perto, contudo seu corpo parecia saber que estava perto o bastante e não lhe daria alívio. Seus seios continuavam rígidos e cheios, com os mamilos reagindo a cada roçar do tecido do vestido.

A última conversa deles a desarmara. Agora só conseguia pensar em lorde Elliot de forma gentil. Ele entendera mais do que ela mesma. E não a olhara com pena – em vez disso, expressara uma preocupação verdadeira com esse lado menos perfeito da vida dela.

Ela mentira um pouco para poupar Artemis da censura daquele homem; entretanto, a julgar pelas reações dele, isso fora desnecessário. A verdade era que Artemis estivera correta em suas crenças, mas nem sempre em seus métodos. Ficar sozinha aos 16 anos fora algo devastador e amedrontador, muito mais do que Phaedra admitira. Ela sentira como se a mãe a tivesse jogado de um barco no meio do oceano, simplesmente esperando que ela soubesse nadar.

Phaedra perdoara a mãe por esse engano fazia anos, porém duvidava que outras pessoas fizessem o mesmo se soubessem daquele frágil ano tão carregado de grandes erros. A verdade seria mais uma prova para o mundo de que Artemis Blair não tinha sido uma boa mãe, nem ao menos uma mulher normal.

Elliot já não fazia mais barulho lá embaixo, embora ela pudesse jurar ouvir sua respiração. Ele não teria conseguido pegar no sono tão rápido, disso ela sabia. Phaedra caminhou a passos suaves, numa tentativa de aliviar a forma como seu corpo a atormentava. Tentou harmonizar a ideia de que o desejo não era somente físico agora, mas também um anseio por aumentar a proximidade que sentira com ele ao compartilhar suas confidências e o perigo.

Levou as mãos aos seios. Os estímulos se juntavam, aumentavam e desciam por seu corpo. Fechou os olhos para tentar domá-los e ouviu a lição dada por sua mãe sobre desejo.

O prazer carnal é uma necessidade tanto de homens quanto de mulheres. Não negue seus desejos, só fique atenta a quem escolhe como parceiro. A maioria dos homens são conquistadores em sua essência. Busque os poucos mais esclarecidos que alçaram um lugar acima da maldição primitiva. Se decidir ter prazer com um conquistador, certifique-se de lhe dar somente seu corpo e apenas temporariamente. E nunca, nunca sucumba à ilusão de que pode mudar esse homem.

Phaedra imaginou o homem lá embaixo. Ele se fora apesar de terem estado juntos em um cômodo saturado do desejo de um pelo outro. Elliot podia ser um conquistador, porém não era tolo. Entenderia que ela não cederia nada, exceto o que decidira ceder. Ela faria questão de deixar essa parte bem clara.


CAPÍTULO 11

Elliot se preparou para passar uma noite tendo apenas os próprios pensamentos por companhia. Com um pouco de sorte, logo pararia de ficar imaginando a mulher do andar de cima.

Esforçou-se para pensar no mundo que descrevia nos livros. Não precisava de seus papéis para se aventurar por lá. As notas e os esboços preliminares eram registros de suas ideias, não lembretes. Toda a informação estava em sua cabeça, acessível a qualquer momento. Já tinha passado muito tempo por lá, escapando do tédio quando alguma conversa o incomodava.

Seus irmãos, Christian e Hayden, também tinham câmaras secretas em suas mentes. Quando se aventuravam nelas, fechavam as portas atrás de si e se isolavam por completo da realidade. Somente ele fora abençoado com a capacidade de entrar e sair a seu bel-prazer, como se a porta permanecesse entreaberta. Elliot sempre conseguia manter contato com o mundo real.

Naquele exato momento, contudo, isso não era uma grande vantagem. O mundo externo com o qual não perdia contato consistia de uma frustração física que não se aquietava. Especulações em relação aos movimentos acima o perturbavam. Seu sangue ruim calculava o custo para sua honra e seu orgulho se ele dominasse primeiro e corrigisse depois.

De alguma forma, conseguiu deixar tudo isso do lado de fora, perto da porta, mas sem interferir tanto em seus pensamentos. Voltou sua concentração para as informações sobre práticas funerárias que coletara das antigas histórias romanas.

– Elliot.

Ele abriu os olhos. Cada parte de seu corpo entrou em estado de alerta. Ela poderia estar a centímetros dele, tão nítido fora o chamado. As pedras das paredes e dos degraus tinham transportado sua voz para baixo. Ela nem tivera que elevar o tom.

Phaedra não falou de novo. Só pressupôs que ele tivesse escutado. Ou talvez soubesse que ele responderia ainda que o chamado tivesse sido feito só na mente dela.

Talvez ela só precisasse de ajuda com a vela. Ou talvez tivesse visto algum movimento de uma das janelas e pressentisse problemas provocados por seus carcereiros. Ele podia simplesmente perguntar dali, mas não faria isso, apesar de saber que se afastar de novo seria quase impossível.

Acreditando que Phaedra era esperta demais para brincar com fogo, ele subiu as escadas.

Luzes vagas e sombras escuras dançavam pelas pedras das paredes e da abóbada no cômodo superior. O cobertor pendurado separava um canto numa cortina improvisada. A única e grande vela queimava devagar, suas chamas acrescentando lampejos dourados aos frios raios do luar.

Todas as tênues fontes de luz se juntavam e se intensificavam em um lugar. Uma estátua pálida as absorvia para aumentar a exibição sensual do cobre abrasador e da porcelana branca.

Phaedra estava de joelhos na esteira de palha, apoiada nos calcanhares. Olhava para a escada e para ele. Elliot parou ao vê-la, momentaneamente boquiaberto com sua beleza e ousadia.

Estava nua. Suas madeixas ondeavam pela pele desnuda. Pareciam fitas de seda que se dividiam para deixar ver partes de ombros alvos como leite, de braços macios, seios arredondados e quadril curvilíneo.

Ela deixou que ele observasse um bom tempo, sabendo que uma torrente se armava dentro dele, admitindo com o olhar que sentia o mesmo desejo.

Juntou os cabelos e os jogou para trás, expondo o corpo todo. Seus seios estavam empinados e cheios, com os mamilos róseos rígidos.

– Podemos ter prazer juntos esta noite, se quiser – disse ela.

Ele arrancou o casaco e andou até onde ela estava.

– Se eu quiser? Eu quero possuí-la desde a primeira vez que a vi.

Phaedra relaxou e esticou o corpo nu a seus pés, observando enquanto ele tirava a camisa.

– Não será assim. Possuiremos um ao outro.

– Como queira. Não me importo nem um pouco com os termos dessa rendição.

Naquele momento ele não se importava com absolutamente nada, exceto o desejo que ficava mais forte e convincente a cada instante. Caiu de joelhos ao lado dela.

– Não é uma rendição, Elliot. É uma trégua. Uma noite para gozarmos de nossa amizade.

Ela o ajudou a desabotoar a calça.

As mãos dela o fizeram enlouquecer de excitação. Ele olhou para aquele corpo feminino nu, tão vulnerável e acolhedor. Imagens entraram em sua cabeça e a urgência acelerou sua pulsação. Se ela considerava isso amizade, não conhecia os homens muito bem.

– Com certeza, Phaedra. É claro.


Ele não quisera dizer isso. A alma dela sabia, mas, naquele momento, Phaedra não se importara.

Ele estava lindo e sensual. Até ajoelhado ele era alto. Seu tronco e seus ombros nus se avolumavam acima da esteira de palha e dela, fazendo-a pequena e... vulnerável. Essa sensação era nova. Nunca vivenciara algo assim antes de conhecer aquele homem. Não era uma sensação desagradável. Ela se deixou sentir prazer nessa condição porque sabia que ele não representava um perigo real.

A luz deixava a pele dele cor de bronze e ressaltava seus músculos. Não havia nada de suave para se ver nele. Nem no corpo nem no rosto. Nele, a paixão tornava os traços de família ainda mais duros, mesmo sendo o Rothwell mais afável. O cabelo escuro, solto e despenteado pelas aventuras do dia, caía em mechas sobre a testa e o rosto. Seus olhos se tornaram cristais negros quando ela começou a ajudá-lo a se despir.

Elliot afastou as próprias mãos, deixando que ela fizesse o trabalho sozinha. Só olhou para baixo, talvez desafiando-a a prosseguir, testando se ela recuaria.

Ela não se apressou. Seus olhares ficaram conectados. Sensações maravilhosas davam vida ao corpo dela. A excitação era mais intensa por saber o que estava por vir. A expectativa cresceu entre eles de forma tão maravilhosa que se tornou um dos maiores prazeres que ela jamais experimentara.

Depois de despi-lo da calça, ela levou a palma da mão até o abdome dele, saboreando o toque de sua pele e daquela combinação tão masculina: uma superfície macia sobre uma sustentação rígida. Ela amava a forma como o desejo intensificava todos os sentidos, inclusive a intuição que lhe dizia quanto ele adorava aquele toque e como o resto da realidade desaparecia por completo para ele também.

Quando não conseguiu subir mais, desceu a mão de novo, chegando a sua roupa íntima. Com carícias suaves, ela a puxou para baixo, fazendo o tecido se avolumar em seus joelhos e libertando-o. As pontas dos dedos dela faziam o reconhecimento de seu corpo, centímetro por centímetro. Ela deslizou as mãos e as pressionou nas partes protuberantes do quadril e das coxas dele. Com a ponta dos dedos, alisou sua ereção inteira até a cabeça do pênis, envolvendo-o com suavidade, depois o acariciou de forma mais agressiva.

Elliot tentou conter a sensação que isso provocou, mas ela pôde ver a fúria sensual que o dominava. Todo ele ficou mais duro. Seu rosto e olhar, seu corpo inteiro ficou mais rígido.

– Você corre perigo de ser tomada sem cortesia nem cerimônia, Phaedra.

Ela avaliou a ameaça e a excitação do próprio corpo.

– Não me importo. Estou mais do que pronta também.

Ele se juntou a ela no cobertor e empurrou as roupas para longe. Posicionou seu corpo nu por cima do dela, apoiando-se nos antebraços ao lado dos ombros dela.

Um beijo. Profundo e íntimo, tão lento e sedutor que um anseio estranho e doce venceu sua impaciência. Phaedra afastou as pernas para que ele se aninhasse, instintivamente convidando-o a se unir a ela naquele momento para que talvez a noite toda fosse comovente.

Ele olhou para ela.

– Você é uma mulher muito generosa.

– Generosa, não. Quando a mulher é sincera nesses prazeres, ela ganha também.

– Esta é uma visão admirável e democrática. Só que você não está sendo sincera e me encoraja a ser um amante ruim por causa disso.

– Reconheço minha condição carnal da forma mais sincera.

Tão sincera que essa demora a enlouquecia. Ela mexeu o quadril um pouco para encorajá-lo.

A reação dele foi leve, sutil, mas devastadora. Ele empurrou, mas não tudo. Ela o sentiu lá embaixo, tocando-a de leve, uma provocação terrível e maravilhosa.

Ele a beijou no pescoço e nos ombros.

– Você disse que estava mais do que pronta – falou, administrando o calor daquele deleite. – Não foi verdade, mas talvez tenha falado por ignorância.

A indignação se infiltrou em sua mente, que só pensava nos formigamentos maravilhosos que atingiam seu sangue.

– Não sou ignorante. Acho que isso é óbvio.

Ele suspendeu o tronco, de forma a poder acariciá-la. Observou as pontas dos próprios dedos traçarem levemente uma linha em torno da base e do volume do seio, assim como ela havia feito há pouco no quadril e nas coxas dele.

– Uma mulher mais do que pronta não fica tão controlada quanto você continua. Você não está nem perto de estar pronta como poderia estar. Se não é ignorante, sabe disso. Mas talvez você tenha medo de se abandonar à sensação.

Ele esfregou o mamilo dela. Um tremor profundo a sacudiu, ressoando dos pés à cabeça. O corpo dela ansiava por empurrá-lo fundo para dentro e escapar daquela tortura sensual, por mais deliciosa que fosse.

Ele tocou o seio dela com mais força, esfregando o bico, fazendo os tremores se repetirem com intensidade crescente. Phaedra começara essa sedução confiante e ousada. Agora a onda dessa vulnerabilidade tentadora afastava seu autocontrole.

Ela não conseguia mais resistir à maré de prazer. Elliot pareceu perceber que ela tentava. Saiu do corpo dela como se anunciasse que era ele quem decidiria quando ela estaria pronta. Deitado ao lado dela, apoiado no braço rígido, ele a acariciou devagar e seguro de si, seu toque possessivo percorrendo toda a pele dela.

Seus seios ansiavam para que suas mãos voltassem ali. O outro prazer e os estímulos que ele causava pioravam tudo ainda mais. A frustração a deixava quase louca. Ela nem conseguiria abraçá-lo naquela posição, ficava exposta e submissa ao seu olhar e a suas mãos mal-intencionadas.

Phaedra não podia abraçá-lo, mas podia tocá-lo. Nem todo o corpo dele estava fora de alcance. Ela buscou a parte interna da coxa de Elliot com a mão direita. Acariciou-o com movimentos para cima, certificando-se de que não perderia o controle sozinha.

Ele reagiu como esperado, da forma como ela ansiava. Elliot acariciou seus seios de uma maneira tão perfeita, tão completa, que a fez quase perder a sanidade. O prazer insuportável ficou maravilhosamente pior e o desejo por mais tomou sua mente.

Ele baixou a cabeça e levou a boca ao seio dela. Uma nova sensação percorreu seu corpo. Uma sensação doce e intensa e tão poderosa que a fez perder contato com a realidade. Phaedra agarrou os ombros dele em um abraço selvagem para que não ficasse sozinha em seu abandono. Sua mente se obscurecera e ficara tão focada que apenas uma vaga percepção do mundo ao redor se esgueirava por ela. Sons ecoavam as súplicas em sua cabeça e as necessidades que a devastavam. Pegadas fortes e beijos violentos a levaram mais fundo nessa sensação pura.

Um toque diferente, bem-vindo e temido e tão necessário que ela pensou que desmaiaria de alívio. Sua consciência gritou. Ela abriu mais as pernas para que ele não parasse. Arrepios profundos se acumulavam lá e se espalhavam, aumentando a tortura até ela querer implorar por alívio.

Então lá estava ele com ela de novo, aninhado entre suas coxas como tudo tinha começado, empurrando de leve daquela forma incompleta e enlouquecedora. Ele a beijou com um jeito selvagem ao penetrá-la, engolindo seu gemido de alívio.

Estocadas fortes, profundas e plenas, a levaram ao gozo. A explosão singular de prazer a embebedou de paz e de uma sensação perfeita. Flutuou nela, espantada com a violência do clímax e com a materialidade do êxtase.

Phaedra foi voltando devagar da escuridão sagrada de sua mente. Seus braços sentiram os ombros que ela abraçava e suas pernas, o quadril que circundavam. Ele permanecia teso e pleno dentro dela.

Por entre os cachos úmidos, ela viu os olhos dele, ainda quentes e firmes em sua rigidez sensual.

– Você parece bem satisfeita, Phaedra.

Tão satisfeita que ela pensou que nunca mais poderia se contentar com menos.

– Com toda a certeza.

Ele se mexeu devagar, descrevendo um longo caminho na carne ainda intensamente viva após o clímax.

– Acho que nunca conheci uma mulher com tanta facilidade de ter prazer.

Ele pousou um beijo firme em seus lábios. Bem dentro dela, a satisfação começou a arrefecer. Novas necessidades acenaram de forma sutil, porém perceptível.

Ele fez de novo. Olhava para baixo, controlado demais, seguro demais do que causava com suas investidas lentas e profundas.

– Acho que nunca fui tão possuído por uma mulher antes.

– Não me culpe se não compartilhou a satisfação. Normalmente, há unidade nessas coisas.

– Duvido que já tenha havido unidade com você. Seus amigos encontram o próprio prazer enquanto a ajudam a achar o seu, mas é diferente.

Phaedra viu um insulto nessas observações tranquilas. Se não estivesse tão ligada à potência viril que emanava dele, se os tremores da nova excitação não estivessem preenchendo sua mente, talvez ela achasse as palavras para castigá-lo por sua presunção.

Só que a sensação de saciedade diminuía com rapidez. Lá dentro, desejos ressonantes despertaram, reforçados pela confusão e pelo desespero.

O abandono acenou de novo, mas permaneceu fora de alcance, tentando-a. Ela continuou em contato com o mundo, ciente do homem que se demorava, consciente de que ele também não tirava os olhos dela.

Phaedra mexeu o quadril para encorajá-lo. Mais rápido. Ele acariciou a nádega direita dela e a puxou, detendo-a.

– Você disse que nós possuiríamos um ao outro, e eu quero possuí-la devagar.

– Foi muito indelicado da sua parte não se saciar junto comigo.

Ela nem sabia que um homem podia controlar suas vontades a esse ponto.

Obteve um sorriso quase imperceptível em resposta. Sua mão soltou a nádega dela. Phaedra pensou que ele houvesse se rendido. Em vez disso, ele levou a mão às costas e soltou a perna dela de seu quadril.

Moveu a outra perna também e empurrou as coxas dela unidas para baixo dele. Quando se mexeu dentro dela de novo, o prazer se concentrou e espiralou tão nítido que ela perdeu o fôlego.

As sensações a deslumbraram, a venceram. Ela não podia negá-las, então se rendeu. Porém, desta vez o clímax foi diferente. Phaedra não perdeu o contato com o mundo. Ouvia os próprios gritos. Ficou embebida na aura dele. A vulnerabilidade voltou, mais matizada, ainda excitante, porém levemente assustadora.

Ele não perdeu o controle, não sucumbiu. Mesmo quando suas estocadas ficaram mais rápidas e mais fortes, mesmo na hora em que ela gritou em êxtase, Phaedra sentiu que ele controlava seu poder até o fim.

Dessa vez houve unidade. Ela não chegou sozinha ao clímax. Na verdade, ele pareceu mais presente. Um alívio glorioso a despedaçou como um raio parte uma árvore, porém ele permaneceu a seu alcance durante todo o tempo.

Após o coito, à medida que a alma dela tentava recolher os cacos de seu autocontrole e ela lutava para recompor a mulher que conhecia, receios penetraram seus pensamentos. Ela o sentia em seus braços, seu corpo cobrindo o dela. Ele estava exausto, satisfeito e quieto, mas inteira e estranhamente real.

Phaedra nunca se sentira em desvantagem em situações assim antes. Envolta em êxtase e saciedade, ela examinava sem pressa essa nova situação. Tentava decidir o que significava e como tinha acontecido.

Com certeza, essa misteriosa sensação de desprendimento desapareceria quando ele fosse embora. Tinham sido só a noite, a escuridão e o prazer que a haviam causado.

Ele se apoiou nos antebraços, tirando o peso de cima dela. O olhar dele a invadiu muito fundo e de forma tão calorosa e intensa que ela se perguntou se ele estaria tentando deixar uma marca de fogo em sua mente. Depois ele rolou de cima dela e se deitou de lado. Logo caiu no sono com o braço por cima dela.

Elliot pretendia passar a noite ali. Ela nunca permitira isso com seus amigos, mas não conseguiria acordá-lo e pedir que descesse para deitar no cobertor sobre as pedras no cômodo embaixo. Porém...

Phaedra olhou para as luzes bruxuleantes que brincavam nas pedras acima dela. O olhar dele tinha sido cálido e tocante durante o último e longo olhar, mas também exigira que ela reconhecesse a força da união dos dois. Carregara a profunda intimidade que ainda os unia e se negara a deixar que ela se desvencilhasse de seu abraço.

Porém, tinha havido mais do que isso, algo que ela nunca vira nos olhos de um homem antes, pelo menos não em um que a olhasse.

Ela vira os olhos de um conquistador.

E se perguntara o que ele erroneamente achava ter conquistado.


A porta da mente dele permanecia entreaberta. Elliot a ouviu suspirar e murmurar enquanto dormia. O sol começava a nascer e ela despertaria em breve. No momento, ele aproveitava a paz, a companhia e o ar frio em seu corpo, deixando a mente concluir suas reflexões sobre outras coisas.

Um som o despertara, dando uma vaga indicação do novo dia que começava. Agora ele espiava pela luz prateada à medida que um objeto tomava forma. Havia mais uma cesta no cômodo, bem à direita, no alto das escadas. Uma das senhoras tinha trazido mais víveres.

Phaedra despertou devagar como um gato ronronante. Ela se encolheu e depois se esticou em sua elegância nua e se virou para o outro lado, dando a Elliot a oportunidade de admirar o belo contorno de suas costas e de seu quadril.

Ela parecia muito doce naquele momento e mais jovem. Despida de seu hábito negro, liberta da armadura com que enfrentava o mundo, ela o espantava com sua aparência frágil. A noite anterior revelara esse outro lado de sua alma de uma forma inconfessa e inexplicada. Sua paixão tinha sido ao mesmo tempo experiente e ignorante, ao mesmo tempo segura e amedrontada. Ele experimentara a fraqueza e a suavidade que ela não ousava mostrar ao mundo. Phaedra levava uma vida baseada em símbolos na qual tais contradições não eram permitidas.

Ele a queria de novo, porque ela estava muito bela ali de manhã e porque a Phaedra nua, despida e desarmada, o fascinava. Imaginou que continuaria a desejá-la por muito tempo. Calculou tempo e lugar, dia e noite, tendo as lembranças de seus abraços a tentá-lo.

Num instante ela se pôs alerta, como se tivesse ouvido os pensamentos dele. Deitou-se de costas e, através de pálpebras semiabertas, avaliou onde estava e com quem. Um vago rubor tingiu seu pescoço, descendo até os belos seios. Os mamilos endureceram, mas não por causa da fria brisa marinha.

O constrangimento a fez parecer uma menina insegura. Lorde Elliot se perguntou que pensamentos causaram o franzir de seu cenho ao olhar o próprio corpo. Ela não estava tão atrevida agora, sem a escuridão para transportar os acontecimentos para outro mundo.

Elliot puxou algumas roupas para que ela não fosse obrigada a sair de onde sua escolha a deixara. Ele lhe entregou o monte de tecido negro que era seu vestido. Phaedra se sentou e o passou pela cabeça.

Ele se sentou ao lado dela na esteira. Imaginou se Phaedra mencionaria os acontecimentos da última noite e o que ele deveria dizer quando ela o fizesse. Ela não era uma mulher que esperasse gratidão ou desculpas. Certamente não esperaria que ele lhe oferecesse dinheiro ou qualquer tipo de pagamento. Ela não esperava absolutamente nada dele e levaria a mal qualquer proposta.

– Você tem Alexia – disse ele. – Ontem você falou sobre estar só, mas Alexia é uma amiga leal.

As palavras de Phaedra tinham ecoado na cabeça dele naquela manhã enquanto ficara deitado ao lado dela. Ele se perguntara sobre suas amigas na infância, duvidando de que tivesse alguma. Imaginava que poucas mães permitiriam às filhas serem amigas da filha de Artemis Blair.

Phaedra se esticou para lhe dar um beijo no rosto. Ele supôs que, em algum momento ao longo do dia, a intimidade entre eles chegaria ao fim e Phaedra consideraria a noite da véspera como passado. Agora, contudo, com um gesto ela o fazia entender que achava a preocupação dele, no mínimo, encantadora.

Ele aproveitou a oportunidade para passar o braço em torno dela. Sentado assim numa cama de palha, com as costas apoiadas na parede, a cabeça de uma bela mulher no ombro e os sons e cheiros do mar entrando em lufadas pelas janelas, não seria um jeito ruim de passar o dia.

– Ela fez com que seu irmão permitisse nossa amizade – disse. – Quando Alexia negociou o casamento, ela o fez prometer. Eu tinha imaginado que... Cheguei a recusar o convite de casamento. Escrevi a ela dizendo que isso só causaria problemas com o marido. Ela me respondeu explicando o que conseguira.

Phaedra inspirou profundamente. Sua voz saiu mais fraca quando voltou a falar.

– Chorei ao ler a carta. Foi o gesto mais nobre que qualquer amiga já fez por mim. Preocupar-se comigo naquele momento... Ainda acho difícil de acreditar que seu irmão tenha concordado. Não sou uma mulher que a maioria dos homens deseje como amiga de suas esposas. Uma cortesã seria mais bem-vinda nas salas de estar das famílias elegantes de Londres.

Elliot imaginou que a generosidade do irmão fazia parte de uma estratégia maior. Phaedra Blair era uma concessão pequena para Hayden nas negociações para ficar com a mulher que desejava.

Não ajudaria colocar as coisas dessa forma.

– Hayden nunca foi escravo das regras da sociedade. Ele quer que Alexia seja feliz e sabe que a amizade dela com você não representa qualquer perigo.

– Se ele acredita nisso, o amor o deixou tolo. Não me ressinto com os pais e maridos que não permitem que eu seja recebida, Elliot. Se eu fosse eles e acreditasse no que eles acreditam, estabeleceria as mesmas regras.

Elliot olhou para o topo da cabeça dela. O cabelo parecia mais dourado do que ruivo agora, na luz cristalina da manhã. Ela não queria sua piedade por sua infância solitária. Não esperava que o mundo se transformasse para se adaptar a ela. Só queria que a deixassem quieta para que conduzisse suas crenças como lhe aprouvesse.

Entender isso acrescentou ternura à satisfação que ele sentia naquele momento. Infelizmente, deixá-la quieta seria quase impossível.

– Lorde Elliot.

O chamado de Carmelita não veio das escadas de pedra. Ela estava lá embaixo, do lado de fora da torre. Pelo menos uma das senhoras tinha se intrometido mais cedo e agora faziam uma tentativa de não repetir isso.

Ele se levantou e olhou para fora da janela. As cinco senhoras estavam em volta de Carmelita, falando baixo e ainda montando guarda.

– Lorde Elliot, o signore Greenwood está chegando.

Ela fez um gesto indicando a parte baixa do promontório, para além dos homens que acordavam.

Greenwood passava pelo cais, agora cheio de barcos de pesca. O barulho da cidade lembrou a Elliot por que nenhum deles fora para o mar. Era o dia da festa de San Giovanni.

Os homens deram passagem a Greenwood. Ele lhes disse algo ao passar. Acenou para Elliot quando o avistou na janela. Seu sorriso e andar lépido indicavam que trazia boas notícias.

Ele cumprimentou Carmelita e as senhoras com uma mesura, depois olhou para cima.

– Você e a Srta. Blair têm muitas razões para me agradecer, Rothwell. Fui tão habilidoso, tão brilhante, que mereço um cargo nas relações exteriores.

– O senhor convenceu aquele idiota a pôr fim nisso? – perguntou Carmelita.

– Fechei um acordo. Um tão bom que as senhoras não precisarão mais oferecer seus préstimos.

Carmelita explicou às senhoras o que ele dissera, porém elas relutaram. Uma pequena discussão se seguiu, mas Carmelita as convenceu. Todas as mulheres começaram a caminhar de volta para a cidade.

– Vou subir e explicar – disse Matthias, desaparecendo no limiar do portal.

Elliot se virou para Phaedra. Ela se parecia de novo consigo mesma: composta, orgulhosa e singular. O tecido preto cobria o corpo que ele possuíra horas antes. Phaedra se inclinou e esticou o cobertor por cima da palha, eliminando a mais óbvia evidência dos eventos noturnos.

– Eu devia ter me rendido à tentação e acordado você mais cedo – disse ele. – Uma noite assim não devia terminar de forma tão abrupta.

Phaedra deu um sorrisinho nervoso.

– De forma abrupta ou lenta, as noites sempre acabam.

Havia muita coisa que ele gostaria de dizer em resposta, entretanto as botas de Greenwood já se aproximavam do cômodo.

O cabelo branco e o rosto sorridente de Matthias surgiram. Ele parecia muito satisfeito consigo mesmo.

– Trouxe-lhe a chave de sua prisão, Srta. Blair. Infelizmente, para que tudo dê certo, a senhorita tem que deixar Positano imediatamente.

 

 


CONTINUA