Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


LUA COMANCHE / Catherine Anderson
LUA COMANCHE / Catherine Anderson

 

 

                                                                                                                                   

 

 

 

 

 

Do lugar de onde nasce o sol virá um grande guerreiro que se levantará por cima das cabeças de seus irmãos e olhará longe, até o mais à frente, com olhos como o céu de meia-noite. Este comanche levará o sinal do lobo em seu escudo, embora ninguém lhe chamará chefe. A seu povo embargará uma grande tristeza, e os rios se tingirão de vermelho com o sangue de sua nação. Montanhas de ossos brancos marcarão o lugar no que uma vez pastou o grande búfalo. No céu, uma fumaça negra afastará os prantos de morte das mulheres e os meninos indefesos. Ele falará com desprezo dos Olhos Brancos e sua cruel guerra, mas as batalhas se acontecerão ante ele sem horizonte.

Quando o ódio pelos Olhos Brancos seja quente como o sol no verão e frio como a neve de inverno, virá a ele uma doce donzela da terra dos tosi tivo. Embora sua voz terá sido silenciada por uma grande pena, seus olhos lhe falarão de novos despertar. Será dourada como o novo dia, sua pele tão branca como a lua, o cabelo como mel frisado, e seus olhos como o céu do verão. O povo a chamará Pequena Sábia.

O comanche levantará sua arma para matá-la, mas a honra deterá sua mão. Ela dividirá em dois seu coração de comanche, por isso seu ódio que queima como o sol brigará com seu ódio que é frio como a neve de inverno, e o ódio se derreterá ao fim e se escorrerá até um lugar longínquo no que não poderá voltar a encontrá-lo. Do mesmo modo que o amanhecer rompe o céu noturno, ele apanhará a dor de seu coração e lhe devolverá a voz.

Quando tudo isto aconteça, o guerreiro e sua donzela caminharão juntos para um lugar elevado na noite da lua comanche. O ficará na terra dos comanches e ela na dos tosi tivo. Entre eles se interporá um profundo ravina de sangue. O guerreiro o cruzará para ir procurar a sua donzela, e lhe agarrará a mão. Juntos percorrerão uma grande distancia para as terras do oeste, onde conceberão um novo manhã e uma nova nação em que os comanches e os tosi tivos viverão juntos para sempre.

 

 

 

 

                                           PRÓLOGO

Texas, agosto de 1859.

Pálida como a nata fresca, a lua enche brilhava contra o céu de meia noite, envolvendo com um aura chapeada a imensa escuridão salpicada de estrelas. Os gritos das mulheres e os meninos moribundos tinham deixado de ouvir-se, como se, como o vento, tivessem chegado a este lugar só um momento e agora se foram.

Um coiote uivou ao longe, com um som que se elevava em triste in crescendo para acabar depois com um gemido. Caçador de Lobos se estremeceu. Ajoelhado junto ao escarpado, seus olhos de azul índigo olhavam absortos o terreno pisoteado sob o promontório. A julgar pela fileira de rastros de cascos, os casacas azuis tinham fugido por volta do sudeste depois de atacar seu povoado a primeira hora da manhã.

Fechou os punhos. O nome de sua mulher se repetia como uma letanía em sua cabeça, pedindo vingança. Salgueiro Junto ao Rio levava a seu filho no ventre. Desejou poder reunir suas armas de guerra e começar imediatamente a perseguição dos assassinos, mas ele e os outros jovens deviam ficar aqui para atender aos feridos e enterrar aos mortos. Muito em breve, entretanto, poderia lutar como nunca antes o tinha feito. Daria caça aos casacas azuis como quão animais eram e lhes devolveria a dor que agora lhe causavam multiplicado por cem.

Não era a primeira vez que Caçador sofria a morte de um ser querido, mas nunca tinha experiente antes este horrível sentimento de vazio. Já desde meninos, ele e Salgueiro tinham jogado como casal, ouvindo-se sua risada por toda a pradaria. Nenhuma outra mão se posou sobre a sua. Nenhuma outro sorriso lhe tinha feito cantar feliz em seu interior. Pensou que sempre a teria a seu lado. E agora se foi, deixando nele um abismo tão extenso como as planícies que se fundem para sempre no horizonte. Apesar de tudo o que tinha feito para tentar salvá-la, tinha perdido a seu filho e ela se foi sangrando lentamente em seus braços. Suas feridas, fruto da perversão e as repetidas violações, ficaram-se em seu interior, para que ninguém pudesse as ver. Até o final, ele tinha esperado poder salvá-la.

Quase podia sentir o espírito que a deixava, quase podia ver sua alma correndo grácilmente pelos degraus feitos de estrelas que a levavam a terra dos mortos. Lhe encolhia o coração ao contemplar o caminho que devia seguir. Ela nunca se orientou bem e sempre tinha dependido dele para guiá-la. Rezou aos antepassados para que a agarrassem da mão e lhe dissessem aonde devia dirigir-se. Se a deixavam sozinha, estava seguro de que se perderia. Lágrimas indeseadas saíram de seus olhos ante este pensamento.

O vento da noite tinha secado o sangue que ainda ficava dela em suas mãos e em suas calças de pele de ante. Elevando seus largos ombros, deixou escapar um potente lamento que ecoou no ar que lhe rodeava. Tirou a faca e se cortou o cabelo de mogno até quase o couro cabeludo. Depois levantou a afiada folha de sua arma e se cortou da parte exterior da sobrancelha direita até o queixo, para mostrar a sua gente que Salgueiro Junto ao Rio viveria para sempre em seu coração. Seu sangue manchou a folha de vermelho carmesim. Desejou que tivesse sido o sangue de um tabeboh, de qualquer tabeboh.

Um movimento à esquerda chamou sua atenção e ao voltar-se viu que era sua mãe que se aproximava. Seus mocasines tocavam apenas o chão que pisava, como se com isso pudesse lhe amortecer do algum modo a dor. O se limpou rapidamente a cara, envergonhado de que sua mãe visse o reflexo de seu sofrimento.

Em seus olhos trazia um olhar de desculpa.

—Meu você, sei que não deveria me aproximar de ti agora —sussurrou Mulher com Muitos Vestidos, —mas tenho que falar contigo.

ajoelhou-se junto a ele. Uma dor tensa e asfixiante lhe aprisionou a garganta. Seu aroma lhe era familiar e querido, reminiscência da infância, quando ainda podia deixar que suas suaves mãos lhe curassem as feridas. Desejou poder afundar sua cara entre seus peitos, chorar como só um menino podia fazê-lo.

—Ela confiava em mim para protegê-la —sussurrou com um fio de voz entrecortada. —Assim o prometi na canção que cantamos juntos. Nunca devi abandoná-la.

Mulher com Muitos Vestidos estalou a língua, do mesmo modo que estava acostumado a fazer quando de pequeno vinha a ela a lhe contar estúpidas histórias.

—Quer voltar atrás, você, e isso é impossível. Sei que é difícil de aceitar, mas sua mulher se foi porque a canção que cantou com ela tinha que havê-la cantado com outra.

—O sangue de minha mulher segue fresca em minhas calças, e você ainda menciona a Profecia? Toda minha vida esteve me cantando a mesma canção, e eu a escutei como um bom filho. Mas não o farei esta noite.

Ela olhou ao longe. Uma nuvem tampou a lua e obscureceu seu rosto.

—Em umas horas cavalgará longe. Mas antes tenho que te dizer algo: você é o comanche da Profecia. Veio para mim do lugar de onde nasce o sol, das vísceras de um casaca azul faz já vinte e seis invernos.

O ar escapou de seu peito como se lhe tivesse espremido.

— Não! O perguntei a meu pai muitas vezes. E ele sempre diz que eu sou seu filho! Deixa de dizer mentiras.

O fez gesto de levantar-se, mas lhe agarrou do braço.

—Não é nenhuma mentira. Seus olhos são índigos, não negros, e é uma cabeça mais alto que seus irmãos. —Com a outra mão, sujeitou-lhe o medalhão, girando a pedra para que ele pudesse ver a imagem que tinha gravada. —Leva o símbolo do lobo, mas ninguém te chama chefe.

Por um momento, só pôde olhá-la em silêncio.

—Você, a mãe que eu amo, e um casaca azul?

—Não fiz nada mau. Aconteceu durante um ataque, muito parecido ao de hoje. Nossos homens estavam caçando. Tentei fugir, e casaca azul me viu —sua voz se fez débil. —Violou-me e me deixou pensando que morreria. Quando descobri que ia ter um filho, seu ap reclamou a criatura como dela e cantou comigo no fogo central.

—por que me conta isto? Para que não vingue a morte de minha mulher? —Sua voz se voltou espessa pela raiva, e de um tapa lhe tirou o medalhão das mãos. —Reclamarei sua honra. Devo fazê-lo.

—Encontra a seus assassinos, sim, mas não forme parte do derramamento de sangue que ouvi que se está planejando. —Seus olhos cheios de lágrimas lhe imploraram. —Sua vida não te pertence. Leva sobre os ombros o destino de seu povo. Deve encontrar à mulher de cabelo de mel que não tem voz, trazê-la conosco, e honrá-la como nunca o fará com outra.

—Honrarei-a com uma morte rápida.

—Não fale assim, porque poderia acontecer como diz.

A mãe suspirou e ficou em pé. Com as mãos nos quadris, olhou por volta do horizonte durante um momento. Depois, acariciou a cabeça inclinada de seu filho.

—Não vou pedir te que faça desaparecer o ódio que guarda seu coração, porque também isto está escrito na Profecia. Quanto ao amor, chegará como a primavera, de um lugar escondido, e ninguém pode te pedir que o sinta. Mas, você, pelo bem de seu povo, encontra à mulher de cabelo de mel e traz-a conosco.

Manteve um tenso silêncio como resposta.

—Sei que é difícil. Por isso foi eleito, porque é forte. Nosso povo percorrerá o caminho do vento muito em breve. Os antepassados lhe escolheram para que cante nossa canção e nos mantenha vivos.

Olhou-a sem poder acreditar o que ouvia.

—Acaso pareço fraco como uma mulher? Sou um guerreiro, não um narrador de histórias.

Ela sorriu com tristeza.

—Há muitas maneiras de liberar a grande batalha. O guerreiro mais valente é o que não tem escudo. Seu povo necessita que lute a última batalha, a mais dura de todas. E deve fazê-lo sozinho. Quando chegar o momento, verá o caminho que os antepassados escolheram para ti e o empreenderá com valentia.

—O comanche da Profecia deve abandonar a sua gente. Eu nunca faria isso, muito menos por uma mulher branca. Temo-me que subestimou meu ódio, pia.

—Recorda uma coisa. Eu também odeio aos tosi tivo. Seguem-me perseguindo os mesmos pesadelos sobre o casaca azul. Mas agarrei a um tosi tivo entre minhas saias de búfalo. Sustentei-o contra meu peito e lhe chamei filho. E meu amor por ele me ilumina como a estrela mais brilhante do firmamento. Você é esse tosi tivo. Tira o de seu coração, nega-o se quiser, mas existe um lugar dentro de ti que não é comanche.

                                         CAPÍTULO 01

Texas, junho de 1864.

O sol de meia tarde caía sobre as folhas verdes da solitária pacana, estendendo por seu chão faz de ouro brilhante. Em opinião da Loretta Simpson, esta árvore era a única coisa bonita na granja do Henry Masters. Enquanto jogava o ferrolho da porta do secador de carne e olhava por cima do ombro o que era sua propriedade familiar, todo o resto lhe pareceu lôbrego e descolorido. O pequeno barracão e seu jardim nu eram uma mancha na ondulante pradaria, como uma cicatriz desfigurando a cara de uma formosa mulher. Ao desalinhada roseira que havia junto ao alpendre lhe faltavam mais da metade das folhas e seus ramos pareciam as sombras de um esqueleto sobre as paredes de tronco da moradia. Abrasados pelo sol diário, os arbustos terminariam por morrer um dia, vítimas da interminável e fútil guerra que liberava o marido de sua tia com a terra.

O fato de que Henry Masters tivesse eleito este lugar para levantar sua casa e suas cercas dizia muito do tipo de pessoa que era. Se tivesse colocado sua granja mais perto do rio Braços, onde a maleza de carvalhos, pacanas e salgueiros formavam uma escura e baixa linha, a sombra e a brisa lhes tivesse feito a vida mais agradável. Em vez disso, tinha eleito um espaço aberto para economizar o trabalho de desenraizar as árvores.

Tratando de manter as mãos ensangüentadas longe de sua saia, Loretta observou as pequenas nuvens de pó que ia criando com os pés conforme caminhava do secador até o poço. Não queria pensar no cervo que acabava de esfolar e trocear, mas era missão impossível tendo ao lado a sua prima de doze anos, Amy, que caminhava dando saltos junto a ela.

—Com tudo esse leite na úbere, seguro que estava amamentando ao menos a uma cria —disse, furiosa, a garota. —Mas crie que a pai importou? Claro que não. Temos que fazer algo, Loretta. Se os deixarmos aí fora para que morram de fome, seremos tão culpados como ele.

Loretta caminhou mais depressa. Sendo a maior das duas, era sua obrigação ser a mais prática. Duas garotas sós no campo, em busca de cervos perdidos, podia ser motivo de problemas, e Loretta já tinha muitos problemas dos que preocupar-se. Fazia menos de um mês que a granja do vizinho tinha sido atacada. O sangue que encontraram depois ainda aparecia em seus sonhos. Além disso, esses cervos deviam ser muito grandes para deixar-se domesticar.

Amy exalou um suspiro de derrota.

—Suponho que serão muito grandes para nos levar isso a casa. Por não falar do síncope que daria a pai se nos visse chegar com eles. Crie que são suficientemente grandes para buscar-se solos a comida? É quase verão. Certamente são já grandes, verdade?

Tragando o aborrecimento, Loretta assentiu com uma convicção que em realidade não sentia.

—Pai podia ter ido caçar mais dias —declarou Amy, com voz tremente. —Com todos os cervos que há nestes bosques! O que passa é que é um maldito vago.

Fazendo como que não tinha ouvido suas palavras, Loretta estendeu o braço para agarrar a corda do cubo do poço. Amy precisava desafogar sua raiva, e era melhor que o fizesse aqui que na granja. Já havia bastante tensão em casa, sobre tudo entre a Amy e seu padrasto.

Amy olhou a Loretta pela extremidade do olho.

—Mãe devia estar se desesperada depois da morte de meu pai para casar-se com um tipo como ele.

Loretta levantou o cubo e tratou de se concentrar em lavá-las mãos. Não tinha sentido deixar que Amy a fizesse zangar. Havia certas coisas que uma pessoa não podia trocar, e Henry Masters era uma delas. E de não ser assim, teria que ser alguém maior que Loretta. Agarrando o cubo pelo bordo, deu-lhe uma forte sacudida e atirou a água rosada ao chão com tanta veemência que tivesse derrubado ao Henry de estar ali.

—Enche outra vez o cubo, fará-o? —Amy se passou a ponta da língua pelo lábio superior. —Estou tão seca como a carne-seca de veado.

Loretta apoiou o cubo no bordo do poço e, colocando os dedos na água, salpicou à menina na cara lhe dedicando um sorriso.

—É estupendo. Se este cubo fora maior, meteria-me nele agora mesmo. Se não fora por esses estúpidos índios, me iria nadar. —Levantando a chaleira, deu um bom sorvo de água fazendo soar a garganta de forma estrepitosa. Depois se deteve para agarrar ar. —Quer um pouco?

Loretta negou com a cabeça. apoiou-se contra o poço e se secou o suor da frente com a manga. Amy tinha razão: viria-lhes bem um banho. Estava a um ponto de alcançar a ebulição embutida nesse vestido de pano grosseiro. Entretanto, sabia que era muito arriscado aventurar-se muito mais longe da casa. uns quantos dias atrás, ela e Amy tinham visto alguns comanches junto ao rio. Um deles tinha pego a trança da Loretta e lhe tinha arrancado algumas mechas. Podia muito bem lhe haver deixado sem cabeleira. Não sabia muito bem por que não o tinham feito, mas não pensava tentar à sorte de novo. Tio Henry tinha visto rastros de cavalos sem ferrar em suas terras estes dias, por isso os índios poderiam seguir ainda pelos arredores.

Loretta olhou as bochechas sufocadas da Amy e se surpreendeu de ver que colocava a chaleira outra vez no cubo. Em lugar de beber-lhe entretanto, Amy derrubou a chaleira do cubo sobre sua cabeleira dourada. A água lhe molhou as pestanas e correu em um reguero por seu nariz sardento. Loretta viu nela à menina magricela que um dia foi, toda braços e pernas, e em sua cara uns olhos azuis grandes como duas bolachas.

Amy suspirou e voltou a colocar a chaleira em seu sítio.

—vais voltar a colocar o cubo dentro ou te vais ficar aí todo o dia para que o velho cara de sapo não possa verte? —Olhou com os olhos fechados pelo sol, tratando de ver a cara da Loretta. —Me alegro muito de não ter ainda os vinte. Pai é um autêntico inútil procurando maridos. Esse Bartlett do nariz grande seria melhor que Tom Weaver.

Loretta dirigiu o olhar à casa de madeira. Um fio de fumaça saía da chaminé de argila, subindo pela parte mais alta do teto feito de tablones de madeira. O mais seguro é que Rachel estivesse já guisando a carne nestes momentos, perguntando-se se seu vizinho ficaria para o jantar. Só de pensá-lolhe fez um nó no estômago. Não culpava a tio Henry por querer lhe buscar marido. Alimentar a uma esposa e a sua filha já era carga suficiente. Mas Tom Weaver? Amy tinha razão: a seu lado, o menino dos Bartlett parecia um príncipe. Da boca do Weaver sempre caía saliva de mascar tabaco que lhe chegava até a barba, e a peste de seu corpo sujo invadia toda a casa. Imaginar como seria lhe beijá-lo revolvia o estômago.

—Não tem que te casar com ele —disse Amy. —Pode ganhar o ficar aqui. Algumas vezes, quando você não lhe olha, pai põe os olhos em ti com carinho. De verdade! Nunca lhe importou que estivesse aqui antes. É tão bonita! Algum atrativo vaqueiro virá logo para te buscar.

«Que atrativo vaqueiro?» Loretta olhou a franja infinita de campo aberto que rodeava a granja e levantou a sobrancelha incrédula.

Um brilho travesso se instalou nos olhos da Amy.

—Poderíamos escapar —se tornou para trás, com a cara iluminada, —voltar para a Virginia, sós você e eu. Trabalhar como cozinheiras em um trem! Uma vez ali, poderíamos encontrar um trabalho e economizar para mandar dinheiro a mãe. Imagine o Você e eu, na Virginia. Vida social, dance, e missa os domingos, como mãe nos contou tantas vezes. Poderíamos nos fazer nossos próprios vestidos! Estaríamos tão bonitas! Você te casaria antes do que canta um galo. Com alguém rico. Alto e bonito, com cartola e sapatos reluzentes.

Deu uma volta mais e depois se inclinou em uma elegante reverencia.

—Vamos, Loretta, façamos como que já estamos ali... Insígnia me a dançar. Você recorda como é Virginia, mas eu não.

Imagens de frondosos bosques e colinas aveludadas passaram rapidamente pela mente da Loretta. Era muito major para fantasiar, mas algumas noites ficava acordada na cama recordando, desejando...

Dando um salto, Amy gritou:

—E bem? vais jogar ou não?

Incapaz de resistir, Loretta se levantou a saia e deu um passo de valsa, imaginando que tinha um acompanhante. Tentou imaginar como seria e decidiu que o que fora alto e bonito não era tão importante, a não ser só que ela se sentisse feliz a seu lado. Alguém como seu pai, forte mas amável, firme mas considerado, um homem que pudesse vê-la sob seu silêncio e amá-la apesar disso.

Entusiasmada com o jogo, Amy deixou de dançar e começou a aplaudir.

—Façamos que é rico, de acordo? Tão rico para comprar uma piçarra grande onde possa escrever tudas as mensagens que queira. O não seria tão miserável como pai.

Os pés da Loretta se pararam em seco. A lembrança do Henry lhe fez voltar para a crua realidade que as rodeava. Os pololos da Amy apareciam talheres de pó por debaixo de sua saia descolorida. Não estavam na Virginia, nunca voltariam ali, e embora o fizessem, nenhum homem que pudesse permitir uma cartola se fixaria em uma mulher muda com vestido de pano.

—O que acontece?

Alarmada pelo tom crispado da Amy, Loretta olhou por cima de seu ombro. Uma nuvem vermelha se elevou sobre o céu azul. Entrecerró os olhos deslumbrada pelo sol. Cavalos, e deviam ser muitos, a julgar pela poeirada que levantavam. Devia ser a patrulha fronteiriça do forte Belknap, mas não estava segura. A guerra tinha passado fatura. Não havia tropas no condado de Pau Pinto, por isso o regimento fronteiriço se ficou sob mínimos para tentar controlar aos índios.

Amy ficou rígida, arranca-rabo à saia azul da Loretta.

—O que acontece? Ai, Loretta, não serão os índios, verdade?

Loretta passou o braço pelos ombros da moça em um gesto protetor. Os índios era a primeira idéia que lhe tinha passado pela cabeça.

—E se forem eles? Possivelmente gostaram de nosso cabelo loiro e voltam para por nós... São índios —gritou Amy. —Vejo-os.

Dando um autoritário empurrão a Amy, Loretta se arregaçou a saia para correr. «Deus queira que não seja um grupo de guerreiros.» O coração lhe pulsava cada vez com mais força conforme açulava a Amy para correr para a casa. Podia ouvir o som ensurdecedor dos cascos. Tivesse-lhe gostado de poder avisar com um grito a tio Henry e ao Tom Weaver. Mas sua garganta estava seca, seus pulmões doloridos. Nunca se havia sentido tão frustrada por não poder falar. Embora tratou de apartar as de sua mente, as imagens da granja dos Samuelson se formavam redemoinhos em sua cabeça, e não podia deixar de ver o velho Bart cheio de lanças índias, parecido na parede do celeiro, e os corpos de seus filhos dispersados pelo chão como bonecos de trapo.

Amy começou a gritar.

—Índios! Vêm os índios!

Um revôo histérico soou no interior, um movimento de móveis e botas arranhando o chão. Rachel gritava. Loretta subiu as escadas de um salto, atirando do braço da Amy para que não ficasse atrás. Era como se tudo estivesse acontecendo em um sonho, e cada segundo se alargava até a eternidade. Golpeou a porta com o ombro e entrou precipitadamente na casa com a Amy agarrada pelo braço. Depois fechou a porta detrás delas, trancando-a com a barra horizontal.

—Tom, ponha na janela da esquerda —gritou Henry. —Rachel, deixa que Loretta se ocupe da Amy. Agarra o rifle que sobra e cobre a parte traseira.

Arrastando a Amy pela habitação, Loretta empurrou a cama para movê-la. Debaixo estava a trampilla que conduzia ao porão. Exceto em caso de incêndio, Amy estaria segura ali. Loretta levantou a trampilla e um aroma de rançoso e fechado lhe golpeou no nariz.

—Não quero! —Amy chorou. —Por favor, Loretta, vêem comigo.

Durante um segundo, foi como se Loretta houvesse tornado atrás no tempo. Voltava a ter treze anos e se aferrava ao braço de seu pai enquanto lhe ensinava o porão convertido em refugio ante as tormentas para esconder a dos comanches. «Por favor, papai, deixa que fique contigo e com mamãe. Por favor, papai».

Seu pai tinha fechado a trampilla e lhe gritou do outro lado: «Não grite, filha, e obedece. Não faça nenhum ruído, ouve-me? Aconteça o que acontecer, não faça nenhum ruído».

Loretta, com os olhos pegos aos breves interstícios das pranchas de madeira do chão do refúgio e os dentes apertados para não gritar, foi testemunha das atrocidades. Mas obedeceu a seu pai e não emitiu nem um som. Sete anos mais tarde, ainda seguia em silêncio.

O rugido dos cavalos aproximandoa devolveu à presente. Agarrando a Amy pelo braço, forçou-a a entrar no interior e baixar as escadas. Amy a olhou com a cara branca de terror. Loretta fechou a trampilla e voltou a colocar a cama em seu sítio. Se havia um ataque, que Deus não permitisse que esses animais pusessem as mãos no corpo de uma menina de doze anos.

A lembrança do corpo violado de sua mãe lhe golpeou no cérebro.

O pó se filtrava pelas janelas e lhe queimava a garganta. Os comanches tinham rodeado a casa. Podia senti-los, cheirá-los. «Não a Amy. Por favor, Deus, não à pequena Amy.»

—Por Deus bendito —exclamou Henry, —deve haver centenas!

Weaver assentiu com uma careta, ajoelhado na outra janela. abriu-se o pescoço de sua camisa marrom, tratando de encontrar um pouco de ar. Depois colocou o rifle.

—Não disparem.

—meu deus —chiou Rachel da janela de atrás, —são muitos! Não temos nada que fazer.

Loretta ficou imóvel no centro da habitação. O aroma do guisado de veado flutuava no ar. Tudo parecia tão normal, a coberta ao meio fechar sobre o bote de sal, o saco dou farinha desatado, as duas taças utilizadas pelos homens ainda na mesa da cozinha. A costura de tia Rachel aos pés da cadeira de balanço. Como podiam as coisas estar bem um momento e depois cheirar a morte no seguinte?

Movendo-se para a janela, jogou uma olhada ao exterior por cima do ombro de seu tio. Um grupo de guerreiros se organizava a lombos dou seus nervosos cavalos. O rosto do assassino de sua mãe era escuro e anguloso, com o nariz largo e a linha do cabelo bastante ascensão. Sempre que via índios tratava de encontrar esse rosto. Estaria aí fora? Havia muitas caras, todas escuras, todas com o nascimento do cabelo bastante alto sobre a frente. Uma pele de cor canela e brilhante. Músculos bem pronunciados. Plumas ao vento e lanças cheias de veneno. Fechou os olhos e depois voltou a abri-los. Um halo de silêncio o cobria tudo, quebrado só pelo tinido das campainhas que penduravam dos mocasines comanches. A pele de cervo que cobria a janela se levantou de forma inesperada.

—Não disparem —voltou a recomendar Tom. —Esse índio de diante leva uma lança com uma bandeira branca. Seja o que seja o que procuram, não é uma briga. Falas um pouco de comanche?

—Nenhuma palavra —respondeu Henry.

—Eu não sei muito. Se estão acostumados a comercializar, falarão algo de inglês, mas se não ser assim... Esperemos que meu índio sirva de algo. —Tom cuspiu uma bola de tabaco no chão limpo do Rachel. Depois, gritou-lhes:

—O que querem?

Loretta estava tão tensa, que deu um salto para ouvir a pergunta. Ao ver o negro líquido de tabaco no chão, teve vontades de vomitar. estava-se voltando louca? Acaso era importante que se manchasse o chão? antes de que isto terminasse, a casa poderia muito bem arder inteira. Ouviu o pranto do Rachel, um lamento suave e entrecortado. Era terror. O gosto metálico do medo lhe secou a língua.

—A que vêm? —voltou a gritar Tom.

—Hites! —respondeu-lhe uma voz profunda. —Vamos como amigos, Olhos Brancos.

O guerreiro chefe se adiantou uns passos com a lança em alto, para que o poeirento tecido branco pudesse ver-se bem. Montava orgulhoso em seu semental negro, com uns ombros escuros e reluzentes bem erguidos, as pernas embutidas em pele pressionando a arreios com força. Uma rajada de vento levantou seu cabelo cor mogno, e o fez voar em mechas que emolduravam seu rosto bronzeado e finamente lavrado.

O primeiro que pensou Loretta é que parecia diferente aos outros. Quando pôde lhe ver mais de perto soube por que. Era sem dúvida um mestiço, mais alto que outros, e de pele mais clara.

Se não fosse por sua compleição moréia e pelo cabelo comprido, tivesse podido passar por um homem branco. Todo o resto nele era selvagem, do gesto cruel de sua boca até a maneira perita que tinha de balançar-se em seu cavalo, como se ele e o animal fossem uma mesma coisa.

Tom Weaver se contraiu.

—Por todos os... Henry, sabe quem é?

—Esperava estar equivocado.

Loretta se aproximou mais à janela para ver melhor. Então o viu. Caçador. Tinha ouvido sussurrar seu nome com temor em algumas historia. Mas até então não tinha acreditado que fossem certas. Um mestiço de olhos azuis, um dos adversários mais sanguinário e perigoso com o que o exército americano tinha tido que enfrentar-se. Agora que a guerra tinha enfrentado ao norte com o Sul, os granjeiros não tinham cavalaria para controlar a Caçador e a seus secuaces, e sua gente fazia incursões cada vez mais freqüentes nos assentamentos de granjeiros, avançando para o este. Alguns diziam que era muito mais perigoso que um comanche de pura cepa porque tinha a inteligência do homem branco. Como desumano que era, dizia-se que se enfurecia com as mulheres e os meninos. Se era coincidência, estratégia ou uma mentira que algum amante dos índios tinha inventado, ninguém sabia. Os índios eram todos uns animais, uns assassinos.

—O que querem? —gritou Henry. —A vaca dá bom leite. Há duas mulas e um cavalo na parte de atrás.

Um fedor de medo saiu da camisa suarenta de tio Henry, um fedor penetrante e pegajoso. O índio se tocou o cinturão e tirou algo. Levantando-o no ar, olhou fixamente à janela onde Loretta estava colocada. Ela teve o desconcertante pressentimento de que podia vê-la. Um pouco dourado caía de seus dedos, brilhando à luz do sol.

—Pe-nan-dê —gritou. —Mel, vós chamam. me envie à mulher que tem este cabelo.

—Deus bendito —suspirou Tom.

Incapaz de apartar os olhos da mecha de cabelo que se balançava entre os dedos do mestiço, Loretta se levou a mão à garganta. Isto não estava passando em realidade, pensou médio enjoada. Em um minuto despertaria. Só era um pesadelo.

—Eles nos superam por cinqüenta a um —disse Henry. —Que demônios vamos fazer?

Tom olhou pela janela.

—Dá-me igual a sejam cem contra um; não pode lhes dar à garota.

—Melhor que ela seja sozinha que não todos nós. —Um hilillo úmido caiu do nariz do Henry, que secou com a manga de sua camisa branca. —Tenho que pensar no Rachel e Amy. Já sabe o que estes selvagens fariam com a Amy, Tom.

—E o que me diz da Loretta?

Loretta se apoiou na parede. Queria-a a ela? As pernas lhe tremiam. «Não, não irei», pensou. Então recordou a cara pálida da Amy. E soube sem dúvida nenhuma que a morte da menina não seria rápida. Tio Henry tinha razão: melhor uma vida que cinco.

Loretta se girou para sua tia. A pele do Rachel se tornou branca como o alabastro. Seus olhos azuis se encontraram. Então, Rachel olhou para a cama. Foi o impulso que Loretta necessitava. Deu um passo para a porta, envolta em uma nuvem de irrealidade. Os últimos sete anos tinha estado andando em um círculo que se fechava agora. Esta vez não seria uma covarde. Faria pela Amy o que seus pais tinham feito por ela. Uma segunda oportunidade. Quantas vezes em seus pesadelos tinha encontrado a coragem para abrir a porta da adega, sair e ajudar a sua mãe? Quantas vezes tinha despertado delas pedindo a Deus que a perdoasse por ser valente só em sonhos? Agora poderia redimir-se.

Ao ver que Loretta se aproximava da porta, Tom gritou:

—Não! É um miserável e um covarde, Henry. Se envias a esta garota aí fora, nunca voltará a dormir tranqüilo no que fica de vida.

Loretta tocou a porta de madeira e ficou geada. Através das frestas, ouviu o tinido das campainhas, um som natalino tão fora de contexto como a música de baile em um funeral. Benzendo-se, entrecerró os olhos e tentou recordar como se fazia um ato de contrição. As palavras se enredavam em sua cabeça.

—Henry, não —pediu Rachel. —Loretta, não abra a porta. Se quiserem uma mulher, irei eu.

—Não é a ti a quem esperam —lhe espetou Henry. —Um deles viu a Loretta no rio o outro dia, e voltaram para por ela. Dispararão-lhe se sair aí fora.

Rachel se voltou para seu marido.

—Esta garota é a filha de minha irmã. Nunca te perdoarei se deixar que saia!

—Não tem que fazê-lo, Loretta —lhe disse Tom. —Há coisas piores que morrer, e esta é uma delas.

Loretta duvidou. Então, as dobradiças da porta chiaram ao ser aberta por completo. Um raio de luz lhe deu na cara. Cruzou a soleira. «Melhor solo eu que todos outros.» Deu um passo. «Melhor que os comanches me levem e não a Amy.» Não era tão difícil, agora que estava fazendo-o. Respirou fundo e cruzou o alpendre. A porta se fechou a suas costas, e a barra do ferrolho deu um golpe definitivo.

Observando-a com uns olhos azul escuro impenetráveis, o guerreiro de negro fez avançar suas arreios uns passos. Com um contato visual desconcertante, deixou-a imobilizada. O a estudou durante o que pareceu uma eternidade, sem mover-se, sem falar, com a lança ainda no ar.

A valentia da Loretta se desintegrou, e um tremor violento a sacudiu da cabeça aos pés. O notou seu estremecimento, e lhe olhou o corpo com olhos penetrantes. fixou-se sobre tudo em seus quadris, detendo-se ali com um desprezo insultante, e depois levantou os olhos até seus peitos. A humilhação coloriu suas bochechas.

—Keemah. —A palavra saiu com um assobio de sua boca, com um tom tão agudo como o som de um disparo no ar. Loretta deu um salto, confundida e aterrorizada. Não entendia o comanche e não tinha nem idéia do que lhe pedia. Só sabia que a mataria se o fazia zangar. Os joelhos lhe abriam e fechavam, fora de controle. Os lábios dele se torceram em uma careta. —Vêem aqui, para que este comanche possa ver.

Muito assustada para sentir os pés, Loretta se tropeçou nas escadas e a ponto esteve de cair. Ardia-lhe a pele ao sentir os duzentos olhos que a olhavam. Quando se aproximou do comanche ele dirigiu suas arreios a um lado. Umas campainhas douradas brilharam junto às tiras de pele de seus mocasines. Seu olhar era difícil de esquecer, podia quase sentir que lhe chegava à pele.

—Levanta a cara, mulher.

Ela levantou a cabeça, com uma expressão cuidadosamente ausente. O parecia uma torre sobre seu cavalo, os ombros nus enormes, os músculos de seus braços perfeitamente desenhados. A brisa retirou a mecha escura de sua bochecha, deixando ao descoberto uma cicatriz que lhe marcava a cara da sobrancelha direita até o queixo. Ao falar, descobriu uns dentes brancos brilhantes.

—Como lhe chamam?

Loretta prolongou o silêncio, a boca aberta.

—Responde, mulher, ou morre. —Levantando a ponta da lança, agarrou-lhe a trança, afrouxando-se a da diadema. O cabelo lhe caiu solto pelos ombros.

—Loretta! —Rachel gritou do interior da casa. —chama-se Loretta. Por favor, não lhe faça mal, por favor. —Uma angústia de terror matizou sua súplica.

O índio apertou a ponta de sua lança contra a garganta da Loretta.

—Não tem língua, herbil?

—Nooo —uivou Rachel. —Não pode falar! É a verdade! Por favor. É uma garota doce e boa. Não lhe faça mal.

À esquerda da Loretta, um índio montado em um cavalo Pinto começou a balbuciar excitado assinalando-a com o dedo. O braço do comanche chefe ficou rígido, fazendo que a lança se cravasse ainda mais em sua garganta.

—K! —rugiu o índio do Pinto. Depois voltou a balbuciar outra fileira de palavras.

Loretta fechou os olhos e se preparou para morrer. Fora o que fosse o que o outro índio estava dizendo, o mestiço estava claramente intercedendo por ela. O ar chegava carregado de ansiedade e incerteza, sensações que lhe penetraram as terminações nervosas de tal forma que, por um momento, teve um estranho sentimento de unicidade com o homem que estava em cima dela, ao ser capaz de perceber o túmulo de sentimentos que lhe invadiam, sua indecisão, como se fora parte integral dele. Queria derramar seu sangue com ferocidade, mas algo, possivelmente o mesmo Muito alto, detinha sua mão.

Interpretando isto como um adiamento, agarrou-se a isso com ansiosa incredulidade. Levantou os olhos e viu confundida como seus olhos cobalto refletiam as mesmas emoções que as suas.

Ele começou a tremer, como se a lança lhe pesasse uma tonelada. E de repente soube que por muito que desejasse matá-la ali mesmo, uma parte dele impedia que atirasse a lança. Não tinha sentido. Ela não via a não ser o ódio escrito em seu bem cinzelado rosto. Havia sem dúvida matada centenas de vezes e voltaria a fazê-lo outras tantas.

Lentamente, baixou o braço e a olhou fixamente, como se lhe tivesse ganho em certo sentido. Então, tão rápido que não podia estar segura de havê-lo visto, a dor passou como um raio por sua cara.

—Assim é doce? —Seu sorriso era como o gelo. —Veremo-lo, mulher, já o veremos.

Disse mulher como se estivesse cuspindo bílis, e lhe aconteceu a ponta da lança pelo queixo. Tinha ouvido de mulheres às que os índios lhes tinham desfigurado a cara e esperava que ele também o fizesse ao lhe percorrer a boca e o nariz com a arma. Um suor frio lhe caía da frente. Tinha a visão nublada com pequenos pontos negros que dançavam frente a ela.

Piscou os olhos os olhos e tratou de fixar a vista nele. A risada tilintava em seus olhos. deu-se conta de que, posto que tinha decidido não matá-la, queria, por alguma razão desconhecida, jogar a algum jogo cruel com ela com o que poder provar sua têmpera. Loretta agarrou a ponta da lança e a separou de sua cara. Depois levantou a cabeça, lhe desafiando. O rio pelo baixo, inclinou-se sobre o cavalo e lhe agarrou o cabelo com o punho. Atirou dela para lhe obrigar a jogar a cabeça para trás. O puxão fez que lhe brotassem as lágrimas.

Caçador se aproximou para poder lhe ver melhor a cara e disse: —Tem mais coragem que força, cabelo amarelo. Não é sábio lutar quando não se pode ganhar.

Levantando só levemente o olhar, pôde ver as facções que cinzelavam seu rosto e a arrogância desenhada em sua boca. Desejou ter força para lhe atirar do cavalo. Não só estava burlando-se dela, estava desafiando-a.

—Renderá-te. me olhe e conhece a cara de seu senhor. Recorda-o bem.

Sentindo-se cada vez mais humilhada, Loretta esqueceu a Amy, a tia Rachel, a todos. Em sua cabeça apareceu a imagem de sua mãe. Nunca, enquanto ficasse um sopro de vida, renderia-se ante ele. Tragou saliva e fez gesto de cuspir. Nada saiu de sua boca, mas a mensagem estava clara.

—Nei mah-heepicut! —Soltou-a e lhe deu um ligeiro empurrão no braço. ficou a dar voltas com o cavalo, com o olhar posto na janela da casa. Depois se deu um murro no peito. —A reclamação!

Loretta se cambaleou. Observou-o, incrédula, enquanto fazia um círculo a seu redor. «A reclamação?» girou-se com receio, sem lhe perder de vista, sem saber muito bem o que ia fazer depois. O cavalgou ereto, com os olhos fixos em seu vestido, sua cara, seu cabelo... Era como se tudo em lhe interessasse.

Sua boca se curvou em um sorriso zombador. deteve-se em sua saia, e ela quase podia ver as perguntas que lhe rondavam a cabeça. Voltou a pôr a mão na lança. A determinação que tinha escrita na cara lhe resultava inquietante.

Cavalgou diretamente para ela, e ela se tornou a um lado. O fez virar a arreios e voltou a aproximar-se. Ao passar, inclinou-se e colheu com a ponta da lança os baixos de sua saia. Loretta se voltou, lhe apartando com os braços, mas o índio se moveu com maior agilidade e conduziu ao cavalo para o objetivo fixado com a precisão de suas pernas. Estava tão interessado em lhe ver a roupa interior como ela o estava em escondê-la.

O final desta batalha só podia ser um, e Loretta sabia. Seus amigos lhe animavam, uivando e rendo-se cada vez que descobria os pololos. Loretta lhe tirou a suja bandeira branca e a atirou ao chão, pisoteando-a com o salto do sapato.

depois de uns quantos passes mais, Loretta se sentiu esgotada e reconheceu a estupidez de sua resistência. Então se deteve, de pé com o peito agitado, o olhar perdido e a cabeça erguida. O guerreiro a rodeou, aproximando-se tanto a ela que lhe tremeram os dedos dos pés ao notar a proximidade dos cascos do semental. Ao ver que não se movia, o índio deteve o cavalo e ficou estudando-a uns segundos antes de inclinar-se a lhe tocar com o dedo o sutiã do vestido. Loretta ficou sem respiração: notou como a palma de sua mão se deslizava pela parte que separa o peito do talhe.

—Ai-ee —sussurrou. —Aprende rápido.

Subiu os olhos cheios de lágrimas e lhe cuspiu outra vez na cara. Esta vez a saliva sim lhe chegou à cara. O índio a olhou com uma expressão que parecia esconder um sorriso, embora esta vez parecia até amistosa.

—Possivelmente não tão rápido. Mas sou bom professor. Aprenderá a não lutar contra mim, cabelo amarelo. É uma promessa que te faço.

Nesse momento, o que sentiu por ele foi muito mais que ódio: uma repulsão negra e horrível que o fazia desejar agarrar a lança e cravar-lhe até o mais profundo de suas vísceras. «A reclamação.» Planejava levar-lhe verdade? Seus olhos se moveram do faixa de lã azul até os músculos marcados em seu estômago. O punho da faca me sobressaía de uma capa de pele que levava no quadril. A quantos soldados teria matado? Um, um centenar, possivelmente um milhar?

A mecha de cabelo que lhe tinha talhado lhe caía do cinturão, uma nuvem dourada que contrastava com a pele escura de suas calças. Estava segura de não havê-lo visto antes. Quão índios encontraram no rio deveram haver o dado, e ele tinha vindo, só Deus sabe por que, a procurá-la.

Com um sobressalto, deu-se conta de que o guerreiro tinha estendido uma mão para ela. Uma cinta larga de couro cobria sua boneca. Olhou a escura palma e os fortes dedos que se abriam ante ela, e negou com a cabeça.

—Hi, tailandês —disse ele em voz baixa. aproximou-se um pouco mais e se agachou para lhe tocar o queixo. A Loretta tremeram as pestanas ao ver que lhe secava uma lágrima da bochecha. —K taikay, k taikay, Tohobt Nabituh —sussurrou.

As palavras não lhe diziam nada. Desconcertada, olhou aos olhos.

—Tussa ehr-mahr. —Levantou a mão e lhe mostrou o brilho molhado de seus dedos. —Chuva de prata, tussa ehr-mahr.

Comparava suas lágrimas com a chuva chapeada? Procurou um pouco de humanidade em seus olhos e não encontrou nada. depois de um momento, estirou-se e levantou a lança no que parecia uma saudação.

—Suvate! —gritou, percorrendo com os olhos a linha de guerreiros que lhe rodeavam.

Respondeu-lhe um murmúrio rouco de vozes:

—Suvate!

O índio pareceu satisfeito com a resposta e, com um golpe violento, cravou a lança no chão. Uma vez mais, estendeu-lhe a mão.

—Agarra-a, cabelo amarelo, para amizade.

Ela tinha medo de que a subisse a suas arreios se a tocava, mas seus olhos lhe disseram que não havia perigo. Além disso, se essa fosse sua intenção, poderia fazê-lo com ou sem cooperação. Levantou um tremente braço para ele, esperando o pior, e lhe colocou os dedos sobre a palma. O guerreiro lhe apertou a mão e a calidez do apertão lhe chegou até o ombro.

—Voltaremos a nos encontrar. Virei a por ti como o vento, que vem de um nada. Recorda a cara deste comanche. Sou seu destino.

Com isto, soltou-lhe a mão e guiou a seu cavalo para que fizesse um círculo pelo jardim, com uma mão em alto. Jogando atrás a cabeça, emitiu um grito que lhe pôs os cabelos de ponta. Em pouco momento, o jardim se converteu em um paiol de pólvora, com quatrocentos cascos tocando um ensurdecedor staccato de retirada.

 

                                         CAPÍTULO 02

depois de parti-los índios, Rachel saiu de casa e foi abraçar a sua sobrinha. Loretta devolveu com rigidez o abraço, sem poder ainda tirar os olhos da nuvem de pó que se movia para o rio, e com as palavras do comanche ressonando em sua cabeça: «Sou seu destino». A pesar do calor, um suor frio lhe cobria-lhe costas.

—Está bem —cantarolou Rachel. —Está bem.

Apertando-se contra sua tia, Loretta fechou os olhos. enfrentou-se cara a cara com um guerreiro comanche e ainda podia contá-lo.

dentro da casa se ouviu movimento de móveis e a seguir Amy saía disparada ao exterior, com sua pequena cara ainda pálida pelo medo.

—Pensei que foram matar te.

Loretta se separou do Rachel e agarrou à pequena em braços, apertando a bochecha contra suas tranças.

—Nunca voltarei a me esconder —suspirou Amy ainda tremendo. —Nunca. Ai, Loretta, agora sei como teve que ser para ti quando mataram a seus papais, quão doente deveu te sentir por dentro. Nunca voltarei a baixar aí. Prometo-o.

Loretta a balançou entre seus braços, tratando de aliviar a tensão da menina com uma massagem nas costas. Em sua mente apareceu o persistente aroma de mofo de seu próprio esconderijo na adega.

Só ela sabia a agonia pela que Amy acabava de passar, e a garota tinha razão, era como estar doente por dentro. Mas por muito doloroso que tivesse sido para a Amy, Loretta sabia que voltaria a fazê-lo de novo, que voltaria a proteger a sua prima, sem importar o preço.

Com repentina claridade, Loretta compreendeu por fim por que seus pais a tinham escondido durante o ataque comanche. Naquela ocasião, ela só era seis meses maior que Amy. Se tivesse tido o valor de abrir a porta da adega, em realidade, o que tivesse podido fazer? Nada, salvo morrer. Rebecca Simpson não tivesse querido que Loretta saísse. Saber que sua filha estava a salvo foi talvez a única alegria que teve nesses últimos minutos de sua vida. Dar-se conta disto, reduziu um pouco a culpa que Loretta sentia pela morte de seus pais, uma culpa que a tinha acompanhado nos últimos sete anos. Agarrou ar para limpar os pulmões e deixou que as lágrimas, que nunca antes tinha deixado sair, tirassem-lhe o pó da cara. Um soluço ressonou em sua garganta.

Amy se estirou e levantou a cabeça para lhe ver a cara.

—Loretta, está chorando! —Abriu muito os olhos. —Mãe, Loretta está chorando.

Rachel passou os braços pelos ombros das duas garotas.

—E sim, deveria. Se alguém tiver todo o direito a fazê-lo é...

Amy sacudiu a cabeça.

—Não, mãe, está chorando de verdade. Ouvi-a...

Rachel, nervosa ainda pela cercania dos índios, não parecia compreender o que sua filha lhe dizia.

—Vamos, entremos em casa. Nunca se sabe com esses selvagens. Não sentiria saudades que voltassem só para nos agarrar despreparados.

A porta da casa estava aberta, e Loretta os seguiu ao interior. Ao encontrar-se os de frente, seus olhos se encheram de perguntas. Henry pôs o rifle contra a parede.

—O comportamento destes cretinos é do mais desatinado. Suponho que não voltarão.

Tom, ainda de pé junto à janela, enrugou o sobrecenho e sacudiu a cabeça com o olhar posto na lança que se erguia no jardim.

—Não estou tão seguro. Um comanche não deixa sua marca assim porque sim. Não pôde havê-lo dito mais claro. Loretta acaba de prometer-se em matrimônio.

Amy riu, uma gargalhada aguda e terrorífica que refletiu à perfeição a sensação de irrealidade que estava vivendo Loretta.

—Quer dizer que quer fazer da Loretta sua esposa a Índia? Mas isso seria pior que casá-la com o senhor Weal... —Amy fechou os olhos, com as bochechas tintas. —Quero dizer... bom...

—Cala, Amy! —preocupada com sua reação, Rachel cravou os olhos no Tom. —O que te faz pensar assim?

—Todos ouvimos como a reclamava e como dizia que voltaria. —Tom evitou o olhar da Loretta. —Os comanches não fazem falsas promessas. Se não me equivocar, voltará com um par de mantas e um cavalo ou dois para fechar o trato. Assim é como eles fazem as coisas quando compram uma esposa. E nem que dizer tem que não será tão amável depois se ela não se ajustar a seus desejos e a despreza.

Rachel se agarrou o peito com uma mão.

—Pelo amor de Deus, então temos que tirar a Loretta daqui; levá-la ao forte Belknap, possivelmente.

—Não servirá de nada, Rachel —disse Tom brandamente. —Terão posto sentinelas. Se tenta sair com ela lhe seguirão e não pararão até lhes encontrar. Ninguém pode levar-se a mulher de um comanche.

Ouvir como se referiam a ela como a mulher de um comanche fez retroceder a Loretta. Caminhou para trás até ficar de pé junto à mesa.

—Nenhum índio vai se levar a filha de minha irmã. Hei dito —gritou Rachel. —Antes prefiro vê-la morta.

Henry rodeou a sua mulher com o braço.

—Vamos, mulher, não adiantemos acontecimentos. Pode que Tom se equivoque e que não voltem. Não tem nenhum sentido. por que ia preocupar se um comanche em ser educado? Se tivesse em mente levar-lhe estaria agora mesmo esperneando na garupa de seu cavalo.

—Te ocorre uma explicação melhor? —desafiou-lhe Tom.

Henry sacudiu a cabeça.

—Não, mas como pinjente, o que estes animais fazem não sempre tem sentido.

Rachel se apoiou fracamente sobre seu marido.

—Ai, Henry. Acredito que Tom tem razão. Ele voltará para levar-lhe A Loretta le temblaron las piernas. Se apretujó en el banco de madera y se abrazó los codos poniéndolos encima de la mesa. El miedo estaba adentrándose en su estómago, un sentimiento que le subía hasta el pecho. ¿Estaban todavía ahí fuera los comanches, escondidos pero al acecho? ¿Era esa lanza un mensaje de Cazador para su gente?

A Loretta tremeram as pernas. apertou-se no banco de madeira e se abraçou os cotovelos pondo-os em cima da mesa. O medo estava entrando em seu estômago, um sentimento que lhe subia até o peito. Estavam ainda aí fora os comanches, escondidos mas à espreita? Era essa lança uma mensagem de Caçador para sua gente?

«Virei a por ti como o vento. Sou seu destino.» Visualizou ao índio voltando com uma ou duas mantas sujas, um cavalo esquálido que não queria e possivelmente uma panela amolgada. E o covarde de seu tio Henry não demoraria para entregá-la. Loretta Simpson, comprada por um comanche. E não por qualquer comanche, mas sim pelo próprio Caçador. falaria-se disso com horror com o passar do Braços e o Navasota. A mulher de Caçador. Nunca poderia voltar a caminhar com a cabeça alta. Nenhuma mulher decente a olharia sequer. Se é que vivia...

Com uma dolorosa inalação de ar, Loretta ficou em pé e correu para a porta. antes de que ninguém pudesse detê-la, tinha cruzado o alpendre e baixado as escadas. Ela ensinaria a esse pagão. Se este era seu sinal de que lhe pertencia, não tinha mais que destroçá-la. Agarrou a lança e a arrancou da terra.

—Loretta, não seja tola! —Tom a seguiu, lhe agarrando o braço. —Quão único conseguirá será zangá-lo.

Livrando-se de seu braço, dirigiu-se para a grade da entrada. Por muito que se zangasse, se ela não rechaçava a petição do comanche, seria como se na verdade a aceitasse. Talvez voltasse para por ela, mas se estava aí fora olhando-a, ao menos saberia que não era bem-vindo.

Saiu do recinto da granja e golpeou a lança contra o pau superior da cerca. A madeira não cedeu. Voltou a golpeá-la uma e outra vez, sem êxito. A lança parecia estar viva, capaz de resisti-lo tudo, rendo-se dela. Então imaginou a cara arrogante do comanche e a esmurrou outra vez, com todo seu ódio. «Por mamãe, por papai.» Nunca pertenceria a um sujo pele-vermelha. Nunca.

O suor começou a cair pela cara, lhe queimando os olhos e salgando sua boca, mas não deixou de esmurrar a lança. Tinha que romper-se. Cabia a possibilidade de que ele estivesse aí fora olhando-a. Se sua arma ganhava, seria como se ele mesmo tivesse ganho. Começaram a lhe doer os ombros. Cada vez que levantava os braços, sentia uma dor de esgotamento no corpo. Como em um halo de irrealidade, viu sua família de pé, rodeando-a, olhando-a com cara horrorizada como se tivesse perdido o julgamento.

E talvez o tivesse perdido. Loretta cravou os joelhos no chão. A lança seguia intacta. Salgueiro, salgueiro verde. Com razão a maldita lança não se partia. Furiosa, arrancou as plumas que adornavam a parte de acima e as partiu em mil pedaços, cuspindo quando as partes lhe voltaram sobre a cara. Depois se ajoelhou ali, em busca de pausa, tão cansada que toda a fúria parecia haver ficado na terra.

O tinha ganho.

As folhas de salgueiro caíam ante os olhos de Caçador, mas seu olhar estava fixo em um ponto mais longínquo, na magra garota que tentava romper sua lança. Com cada movimento de braços, ele apertava os lábios, cada vez mais zangado. O absurdo da situação também lhe afetava, e um sorriso involuntário apareceu em seus lábios. Ela sabia que estava ali. Homens feitos e direitos tremiam de medo com apenas ouvir seu nome, e uma mulher frágil se atrevia a lhe desafiar? Pensou em seu aspecto quando tinha saído aí fora para enfrentar-se a ele, com a cabeça dourada bem erguida e seus grandes olhos azuis dispostos a lhe desafiar. Como se atrevia a lhe cuspir, não uma a não ser duas vezes? Não podia deixar de sentir uma mescla de raiva, assombro e admiração. Talvez não fora muito bonita, mas tinha que lhe reconhecer sua coragem.

Seu irmão, Guerreiro, agachou-se junto a ele e deixou escapar uma gargalhada, desfrutando claramente da situação. Sua voz se levantou sobre o murmúrio do rio:

—Se soubesse quem é, não se atreveria a te desafiar desta maneira.

Caçador seguiu com os olhos postos na garota.

—Quando souber a quem se está enfrentando, este sinsentido terminará. Se houver algo no que me considero um perito é nas mulheres, Caçador. Só lutam quando acreditam que podem tirar algo com isso. Não deveu deixar que te cuspisse. A próxima vez, pega-a.

Caçador arqueou as sobrancelhas. Tendo em conta que a mulher de seu irmão era a mais mimada de todo o povoado, o conselho de seu irmão lhe surpreendeu. Estudou sua expressão solene.

—Sério?

—Confia em mim. Nunca voltará a tentá-lo.

—Quantas vezes pegaste você a Donzela da Erva Alta?

—Nunca. Ela sabe quem tem o braço mais forte.

Caçador lhe olhou divertido.

—Sim, claro que sim.

Ao voltar sua atenção à garota, franziu o cenho. Ensinaria-lhe um pouco de respeito ou a mataria tentando-o.

Ao final, a força da garota pareceu ceder, e viu como caía de joelhos, derrotada. Uma nuvem de plumas voou a seu redor. Quando as plumas brancas se pulverizaram sobre a terra, os ombros da garota caíram com elas. Suvate, tudo se cumpriu. Teria que confrontar seu destino e aprender a aceitá-lo, como ele. O destino não tinha inimigos.

—Não é muito tarde! —O primo de Caçador, Búfalo Vermelho, cavalgou até o pequeno claro. Saltou do cavalo e caminhou para eles, com o arco e as flechas em uma mão. —É a mulher a que estiveste procurando. Mata-a, Caçador, enquanto possa. Já sabe o que pensa sua mãe da profecia. Quando ela a veja, será muito tarde.

Caçador olhou em direção à arma que lhe oferecia e depois sacudiu a cabeça.

—Não. Devo recordar meu dever. Seria uma loucura matá-la. A maldição dos antepassados cairia sobre nós. Não posso pensar só em mim.

—Despreza-a! Se a profecia se cumprir, um dia deixará a sua gente. —A cara marcada de Búfalo Vermelho se retorceu de desgosto. —Como pode suportar a idéia de levá-la contigo? depois do que os casacas azuis fizeram a sua mulher e a seu filho. Faz já tanto tempo que o esqueceste?

O rosto de Caçador se endureceu e um brilho frio apareceu em seus olhos.

—Nunca o esquecerei.

Loretta não tinha apetite para jantar. uniu-se a outros na mesa, mas o aroma a veado e pão de amoras lhe revolvia o estômago. Amy procurou seus olhos por cima da mesa. Henry golpeava com os dedos a jarra de mezcal. voltava-se insuportável quando bebia, e a pobre Amy estava acostumada ser primeira em sofrê-lo.

Loretta estava acostumada compadecer-se dela quando isto ocorria, mas esta noite estava preocupada. O plano de escapar seguia em sua cabeça, embora em um momento parecia convencida de fazê-lo e ao seguinte se convencia do contrário. Recordou as pradarias que lhes rodeavam, sentindo-se tão encerrada neste espaço infinito como se estivesse em uma cela.

Tratava de manter as mãos ocupadas para que não lhe tremessem, assim agarrou uma parte de pão e o meteu na boca. Ao mastigá-lo, foi fazendo maior e mais seco em sua boca. Tom Weaver se moveu nervoso junto a ela. Então, viu que lhe roçava rapidamente o queixo com a mão. Loretta baixou os olhos e olhou fixamente a fatia de pão com manteiga que ficava no prato. Depois lhe dedicou um sorriso breve, e seus lábios secos se curvaram em uma tímida careta.

—Acredito que um de nós deveria cavalgar até o Belknap e conseguir escolta para a Loretta —disse brandamente. —É melhor que eu vá, Henry, já que não tenho família. Levará-me tempo, mas a patrulha fronteiriça está ali, e ouvi dizer que várias famílias construíram casas com cercas bicudas. Loretta estaria segura ali se pudéssemos levá-la.

—Pergunta-a é quantos homens pode conseguir. —Henry tinha as bochechas inchadas. Mastigou e tragou. —A maior parte do tempo o passam perseguindo os índios. Além disso, o que aconteceria esses índios voltassem e não encontrassem aqui a Loretta? voltariam-se loucos.

—Pelo amor de Deus, Henry! —gritou Tom. —Não estará dizendo a sério que pensa deixá-la aqui?

Um suor frio se apoderou do Henry.

—Certamente que não.

Rachel olhou incômoda a seu marido, e depois ao Tom.

—Quanto tempo te levaria reunir aos homens e voltar?

—Pode que um dia, se cavalgar rápido e não há contratempos. Teríamos uma oportunidade de lutar, Henry. —Tom se encolheu de ombros. —Ela não teria que ficar ali portanto tempo que o fora insuportável. Antes ou depois, Caçador teria que procurar a outra a Índia para fazê-la sua mulher e esqueceria a Loretta. Só é uma questão de tempo.

—E se os índios voltam antes de que você retorne? —Os lábios do Rachel se ficaram sem cor.

Henry pôs seu prato no centro da mesa.

—Você te ocupe de tirar o rosário, mulher, e rezar para que isso não passe. De maneira nenhuma poderia lhes proteger eu sozinho frente a um centenar de índios.

Tom deu um tapinha a Loretta.

—Não se preocupe. Voltarei. É quase minha prometida. Um homem cuida de seu rebanho quando merece o esforço.

—o de que seja sua prometida ainda está por decidir —interveio Henry. —Ainda não falei que isso com ela. Se houver índios aí fora (e não estou tão seguro de que os haja), não arrisque o pescoço pensando que com isso vais ganhar te meu favor. Não estou tão descontente com que Loretta viva conosco para casá-la contra sua vontade. Ela tem aqui sua casa, se a quiser.

Loretta olhou fixamente a seu tio. Durante semanas tinha estado vivendo com o coração encolhido, pensando que a obrigaria a casar-se com o Tom. Agora que sabia que não o faria, sentiu-se confusa. Centrou sua atenção no desagradável perfil do Tom. Se saía em busca de escolta e os índios se inteiravam, sua vida estaria em perigo. Até esta noite só tinha visto sua fealdade e sujeira, mas havia muitas outras coisas nele. Era um bom homem, muito bom para terminar morrendo por uma mulher a quem não importava. Mas ela sabia que Tom era sua única esperança. Seria a mulher mais estúpida do mundo se lhe desanimasse a ir ao Belknap.

Como se pudesse lhe ler os pensamentos, Tom balançou as pernas no banco e se levantou de um salto, evitando seu olhar.

—Bom, deveria ir a casa se quero sair ao amanhecer.

Loretta se levantou com ele, esfregando-as mãos na saia. Tom arrastou os pés para a porta e agarrou o chapéu do cabide. Colocando-lhe em um estiloso ângulo na cabeça, sorriu-lhe rapidamente e agarrou o rifle que tinha deixado junto à porta.

—boa noite, senhora Masters. Boa comida a que servem aqui. —Com uma rápida saudação de cabeça, despediu-se. —Amy, Henry.

Sabendo o que tinha que fazer, Loretta seguiu ao Tom ao alpendre, fechando a porta detrás dela. O a ignorou por um momento, ajustam dou as cilhas do cavalo e guardando seu rifle. Quando se voltou para olhá-la, a asa do chapéu lhe sombreava a cara, por isso ela não pôde ler a expressão de seu rosto, por muito que a lua estivesse iluminando-o tudo. Tom cravou uma bota no degrau superior e apoiou os braços sobre o joelho levantado.

—Eu gostaria de pensar que vieste a me dizer adeus, mas tenho o pressentimento de que não é assim. Equivoco-me?

Um centenar de palavras se amontoavam na garganta da Loretta.

—Carinho, se o que quer me dizer é que não me ama, isso já sei. Levo-te uns quantos anos, mas ainda não estou senil. —riu e jogou o chapéu para atrás para que ela pudesse lhe ver. —E se tiver saído para me dizer que não deveria ir ao Belknap, que não vais casar te comigo de todas formas, não faz falta que te incomode. Iria embora fosse tão feia como um pau e tivesse trezentos maridos. Entende-o?

Loretta sentiu que as lágrimas lhe nublavam os olhos. Zangada, limpou-se a umidade das bochechas.

Tom suspirou, e antes de saber o que ia ocorrer, adiantou-se um passo e a agarrou em seus braços.

—Vamos, Loretta, menina, não chore. Tenho uma pele mais grosa que a do búfalo e sou duas vezes mais feio. Nenhum índio de pele queimada vai fazer me danifico. Vou ao Belknap porque alguém tem que fazê-lo. Quando voltar, retomaremo-lo onde o deixamos, eu sendo um pesado, e você sem nenhuma obrigação com respeito a mim. Assim é como eu o entendo e vou de todas formas, está claro? Faria falta uma manada de cavalos para me deter.

Loretta enrugou o nariz. O aroma de sua camisa lhe repelia. Ao menos a mão que o tinha posto nas costas era reconfortante, como quando seu pai a abraçava. Moveu a cabeça a um lado para agarrar um pouco de ar, sem apartar a bochecha de seu peito.

Tom a abraçou com força, depois a colheu com firmeza pelos ombros e a apartou um pouco para estudar seu rosto. Havia um brilho estranho em seus olhos que lhe resultou incômodo. lhe agarrando o queixo, elevou-lhe um pouco a cabeça para ele. Como se lesse sua mente, disse-lhe:

—Não tema nada, Loretta Jane. Nunca te faria mal.

Havia tanta sinceridade em sua voz que Loretta se relaxou. E nesse mesmo momento viu como Tom agachava a cabeça. Aqui estava, o temido beijo...

                                       CAPÍTULO 03

Loretta fechou os lábios. Um segundo depois, a barba do Tom tocava sua pele, basta como uma escova de arame, e do centro boscoso e quente, surgiram uns lábios úmidos que se pegaram aos seus como um dardo no alvo. Seus braços se fizeram mais fortes e a atraíram contra ele. Foi então quando ele procurou sua língua e lhe lambeu os dentes. Assim era como a gente se beijava? Ele tinha sabor de tabaco, e lhe revolveu o estômago. Pela maneira tensa em que a sustentava, soube que estava procurando uma resposta. Não queria ferir seus sentimentos mas não podia pretender que gostasse de nada do que estava fazendo. O pouco jantar que tinha podido tragar essa noite estava a ponto de voltar para sua garganta.

No momento no que mais medo tinha de vomitar e lhes humilhar aos dois, Tom lhe deu um tapinha nas costas e a soltou, sonriendo como se se sentisse orgulhoso de si mesmo. Seus olhos brilhavam de carinho.

—Agradeço-lhe isso, Loretta. esteve muito bem, e inclusive se nunca chegar a te casar comigo, terei isto para recordar. —Deu-lhe um pequeno empurrão para a porta. —Será melhor que entre em casa agora.

Por muito vomitivo que tivesse encontrado seu beijo, Loretta duvidou. Às vezes, seu silêncio a rodeava como um muro.

—Tomarei cuidado, e não tem por que me agradecer isso lhe sorriu. —Não fique aí como uma parva. Crie que não pode falar, menina. Mas esses olhos teus nunca se calam. Agora, venha, vete. Não posso ir se seguir aí fora.

Com um movimento de saias, voltou-se para ele e se pendurou de seu pescoço com os braços, surpreendendo-se tanto ela como ele. antes de que lhe fraquejassem as forças, deu-lhe um beijo na bochecha. Depois, correu para a casa, com o coração como um tambor. Através das frestas da porta, pôde ouvir a risada do Tom. Com o reverso da mão se limpou os lábios para desfazer do aroma de tabaco que lhe tinha deixado neles. Só então pôde sorrir.

depois de lavar os pratos, Loretta subiu as escalinatas que conduziam ao mezanino onde Amy e ela compartilhavam cama. A luz mortiça do fogo do salão se filtrava pelas frestas do chão de madeira, desenhando formas de cores sobre as vigas. Na penumbra pôde ouvir a respiração suave e compassada da Amy. Dormia feita um novelo, com o edredom cinza jogado aos pés de seu quente corpo e as saias da camisola levantadas quase até a cintura, mostrando suas magras pernas. Loretta foi aos pés do beliche e desatou a cortina de pele que cobria a janela para que entrasse um pouco de ar. A menina suspirou em sonhos e murmurou algo.

Um sentimento de frescor percorreu as coxas da Loretta ao despir-se. Fez-lhe tão bem que levantou os braços e girou sobre si mesmo, deixando que o ar da noite a cobrisse antes de pôr o vestido no cabide e sacudi-lo para que lhe tirassem as rugas. Este tipo de vestidos de tecido singelo se enrugava mais que nenhum outro. Recordou então tempos melhores, sobre tudo na Virginia, ou aqui no Texas, quando seus pais ainda viviam. Loretta suspirou e se aproximou da mesinha de noite. Jogou água da jarra na bacia, acrescentou um pouco de lavanda e depois agarrou a bacia e a toallita de lavar e as levou a batente da janela.

Com a cabeça para trás, começou seu ritual noturno de esfregá-la toalha úmida impregnada em água de lavanda pelo pescoço e o peito. No verão, o intervalo semanal entre banho e banho parecia uma eternidade. Fechou os olhos e desfrutou da sensação que produzia a fricção em seu corpo. Maldita terra, fazia tanto calor. Uma mulher podia cozer-se nesta terra, com todas essas roupas.

Tinha terminado de lavar-se e se dedicava a enxaguar os calções na água restante, quando ouviu o uivo de um coiote. Tirou a cabeça pela janela para ver a lua enche. Uma pequena nuvem cruzava a cara leitosa da lua, desenhando sombras fantasmagóricas no chão. Uma lua comanche. Tio Henry dizia que se chamava assim porque os índios estavam acostumados a fazer suas correrias em noites de lua enche. Boa luz para matar, acreditava-se.

Comanches. retirou-se um pouco da janela e se cobriu o peito com os calções molhados. Não era uma insensatez revoar por aí nua?

—Loretta Jane Simpson! —gritou Henry. —Maldita seja, moça, está caindo água do teto como se estivesse crivando o rio!

«Maldição!» Sobressaltada, Loretta derrubou a bacia que saiu rodando e dando saltos pelo chão do mezanino. deteve-se justo no bordo.

—Que demônios? —ouviram-se uns passos. —Como não lhes calem aí acima terei que subir a lhes dar uns açoites.

Loretta tragou saliva. O extremo do telhado estava muito inclinado. Como poderia agarrar a bacia sem dizer-lhe ao Henry? ficaria furioso se se inteirava. Sabia que seria assim. Amy gemeu e murmurou em sonhos. Amanhã encontraria a forma de recuperá-la.

depois de ficar a camisola, pendurou a roupa interior no batente para que se secasse e se sentou no bordo do beliche a escovar e pentear o cabelo. Na mesinha de noite havia um portarretrato da Rebecca Adams Simpson, sua mãe. Com a débil luz, suas facções apenas se viam, mas Loretta conhecia cada curva desse rosto de cor. Com tristeza, riscou o bordo do marco com a ponta do dedo. Se seu pai lhe tivesse gritado pela água que caía do teto, Rebecca lhe houvesse dito: «Vamos, Charles, não seja tão cascarrabias». Embora Charles Simpson não lhe tivesse gritado. Era um homem pequeno de costumes sossegados.

Loretta abriu a gaveta da mesita de noite. Dentro, cuidadosamente colocada sobre a roupa de cama, estava o pente de prender cabelo de diamantes de sua mãe e a folha de barbear de seu pai. Duas lembranças e um retrato, era tudo o que ficava deles. Apertou a boca. O pente de prender cabelo formava casal com outra, e era o tesouro mais prezado de sua mãe. Agora, só ficava uma, já que a outra a tinha levado o mesmo comanche que cortou a cabeleira a sua mãe. As lágrimas se amontoaram uma vez mais nos olhos da Loretta. O que tinha trocado nela, depois da visita de Caçador, para chorar desse modo? passou-se sete anos sem derramar uma só lágrima e agora parecia não poder deixar de chorar nem um momento. Não tinha sentido. O momento do duelo tinha passado fazia tempo, e Loretta não era uma grande amante dos prantos.

Fechou a gaveta com um som e se limpou as bochechas com o reverso da mão. Ao aproximar-se da Amy, agarrou o rosário que tinha debaixo do travesseiro. Beijou a cruz e sussurrou umas preces em sua mente, reconfortada ao saber que Deus podia ouvi-la.

Pareceu passar muito tempo até que a dor do peito remeteu e pôde por fim conciliar um sonho bastante perturbador. Pouco depois despertou de repente, sem saber muito bem por que mas feliz de ter posto fim a seu pesadelo. ficou tombada na cama, rígida, com a camisola empapada e a garganta dolorida por ter gritado sem voz. Recordou ao índio do pesadelo. Com dedos trementes, agarrou o rosário e olhou à janela. Tinha visto uma sombra ali ou era parte de seu sonho?

O vento noturno assobiava fazendo ranger a madeira do telhado. Aguçou o ouvido. Tinha sido isso um passo? Um roce de peles? Apartou o rosário e se aproximou engatinhando à janela. A luz chapeada se filtrava pelos agitadas árvores que havia junto ao rio, e sentiu uma brisa fria.

Ai, senhor, seus calções tinham desaparecido!

agarrou-se ao batente e tirou um pouco a cabeça pela janela. O que viu não lhe surpreendeu. Caçador estava aí fora, em seu cavalo, orgulhoso e desafiante. O vento lhe levantava o cabelo e o fazia açoitar contra seu rosto cinzelado. Levantou um poderoso braço para ela em sinal de saudação. Em seu punho elevava os calções molhados. No que pareceram uns segundos intermináveis, olharam-se o um ao outro. Depois ele açulou a seu cavalo, com a mão ainda em alto e sua roupa interior ondeando como uma bandeira de glória detrás dele. Loretta o observou até muito depois de que ele se perdeu na distância.

«Estou sonhando. Não esteve realmente aqui. Só foi um sonho.» havia-se quase convencido a si mesmo quando seu olhar recaiu no beiral. Onde estava a bacia? Havia esse maldito pagão roubado isso também? Então a viu colocada debaixo da janela. Soube então que o comanche tinha estado ali e a tinha cuidadoso enquanto sonhava com ele. Não podia tocar a bacia. O a havia meio doido. Ai, senhor! E agora tinha seus calções. Tinha estado espiando-a enquanto se lavava? A idéia lhe fez sentir indecentemente nua.

Começou a tremer. tornou-se para trás na cama e se abraçou a si mesmo. Tremia tão violentamente que temeu despertar a Amy. Seu pesadelo voltava para persegui-la. Olhou fixamente a janela e se perguntou se não seria melhor jogar a cortina de pele e as venezianas. Imaginou sua grande faca e rechaçou a idéia. Se queria entrar, não haveria madeira suficiente para lhe deter.

Seu pensamento voou até o Tom Weaver. Tinha que voltar a tempo. Era sua única esperança.

Loretta despertou à manhã seguinte com o rosto da Amy sobre o seu. Os olhos azuis da moça se abriam cheios de perguntas, a boca também maior do normal. Estava logo que amanhecendo, esse momento inquietante e silencioso no que o sol se esforça por cravar-se no horizonte. Uns raios de luz azul cinzento penetravam pela janela do mezanino, mas além de sua anêmica luz, todo o resto permanecia às escuras. Loretta se acurrucó ainda mais dentro do edredom.

—Despertaste-me —lhe acusou Amy com um sussurro convencido. —falaste em sonhos e me despertaste.

Loretta conteve um bocejo e piscou.

—falaste! Que me levem os demônios se não ter falado!

«Que me levem os demônios?» Se tia Rachel soubesse a linguagem que Amy utilizava, provavelmente lhe lavaria a boca com sabão. Despertando por completo, Loretta rodou para seu lado da cama. Amy saltou sobre seus joelhos, lhe pondo a cara tão perto que os olhos da Loretta mostraram certo aborrecimento.

—Faz-o outra vez —insistiu. —Dava algo. Sei que te ouvi ontem fazendo um ruído. Raios, a mãe vai dar um ataque! Fala, Loretta. Dava meu nome.

Desconcertada, Loretta decidiu que não era quão única tinha estado sonhando.

—Vamos, Loretta, nem sequer o está tentando. Dava meu nome. —Um brilho de determinação crepitava nos olhos da Amy. —Dava algo, ou irei procurar o alfinete de mãe e te darei com ele no culo.

Seguiu um tenso silêncio. Depois, com um sussurro rouco e cheio de terror, Amy exclamou:

—Pelas barbas de Cristo! Os índios estão no jardim!

Loretta se incorporou como uma catapulta e caiu a quatro patas em metade da cama. Às escondidas do batente da janela, olhou para o jardim, para ver isso... o jardim. Nem um índio à vista. Amy se tornou para trás, com os olhos como pratos. Loretta a transpassou com o olhar.

—Bom, poderia ter funcionado.

O alívio a fez sentir-se enjoada. deixou-se cair sobre a cama e se abraçou ao travesseiro. Era como se lhe tivesse subido o coração à garganta. Caçador. Quando Amy havia dito que os índios estavam aí fora, Loretta lhe tinha visto em sua mente com a postura do dia anterior, altivo em seu cavalo, centenas de guerreiros lhe respaldando, amplos peitorais e braços musculosos esticados à luz do sol. Nunca tinha visto uns olhos tão ferozes e abrasadores.

—Isto... Loretta, sinto muito. Não foi minha intenção te fazer passar um mau momento, de verdade. Só queria me divertir um pouco.

Loretta apertou os dentes e afundou mais a cara no travesseiro. Queria estrangular a Amy por sua estupidez.

—Loretta, por favor, não te zangue. Nunca pensei que me acreditaria. Onde está seu senso de humor? Não pensará de verdade que os índios vão voltar? O que ia querer um índio de uma renacuaja magricela como você? lhes gostam das garotas gordas que se melam de graxa de urso por todo o corpo. Você é certamente muito feia para eles, a mulher mais pálida que tenham visto jamais. Uma bagatela. Pestilenta, também, com esse aroma de lavanda que te põe. E sem um solo inseto no cabelo.

Loretta seguiu com a cabeça afundada no travesseiro, determinada a não rir.

—E diz que gosta? Não existe algo assim como um comanche educado. Não te compraria! limitaria-se a te roubar. Veio a te olhar, isso é tudo. Possivelmente pensou que gostava e trocou de idéia uma vez aqui.

Girando a cabeça, Loretta entreabriu um olho, reprimindo um sorriso.

—Pensa nisso, dá um pouco de pena —brincou Amy. —Por isso é provavelmente pelo que saiu correndo. Viu-te e se levou tal impressão, que ainda não terá deixado de correr.

Ficando de joelhos, Loretta agarrou o travesseiro e a atirou a Amy na cabeça. Amy, que sabia que Henry viria a lhes chatear a diversão se despertavam, afogou uma risita gritã em seu próprio almofadão e se preparou para a luta. Durante vários minutos se encetaram em uma briga de travesseiros formidável. Depois, o cansaço lhes passou fatura e caíram desabadas na cama, com a camisola molhada de suor e as bochechas tintas da risada.

Quando Amy recuperou o fôlego, sussurrou:

—Talvez sonhei que estava falando, não?

Com a bochecha apoiada sobre o edredom, Loretta sorriu e assentiu. Amy parecia um anjo, com a luz do sol matinal refletindo-se em seu cabelo, os olhos grandes e inocentes. Sem dúvida uma ilusão.

Amy brincava com a esquina do travesseiro, enquanto enrugava seu nariz sardento.

—ouviste alguma vez falar da liberação bendita? —perguntou brandamente.

Agora foi Loretta a que teve que enrugar o nariz. Tirar esse tema de repente? Quem lhe tinha falado a Amy de algo assim?

—A semana passada, depois de ver os índios no rio, mãe estava falando com a velha senhora Bartlett, e diziam que uma mulher decente faria melhor em procurar a liberação bendita que em ser agarrada pelos comanches. O que significa isso? É algo mau, verdade?

Por um momento, Loretta pensou em mentir. Depois, fez um esforço para assentir com a cabeça. Esta era uma terra dura e cruel, e por muito jovem que fora, Amy devia saber certas coisas.

—Se os comanches voltarem e lhe roubam, é isso o que fará, procurará a liberação bendita? —O terror se apoderou dos olhos azuis da Amy. —Significa que te matará, verdade?

O pescoço da Loretta se quebrou um pouco esta vez ao assentir.

Por uma vez, sentiu-se contente de não poder falar. Amy lhe pediria respostas se pudesse dar-lhe e Loretta não estava segura de que as palavras pudessem descrever os horrores que tinha visto.

—Sei o que fizeram coisas horríveis a sua mãe. Minha mãe nunca me há isso dito, mas pôs uma cara estranha quando lhe perguntei. Você o viu, verdade? —Era mais uma afirmação que uma pergunta. —Por isso tem pesadelos. Não sobre a morte de sua mãe, mas sim do que lhe fizeram antes de que morrera. —Amy pareceu considerar isto por um momento. —Pergunto-me por que fizeram essas coisas tão más. Acaso gostariam que nós lhes fizéssemos o mesmo?

Loretta fechou os olhos, horrorizada com a idéia. Os homens brancos nunca tomariam represálias dessa maneira contra os índios. E aí estava precisamente a diferença entre os seres humanos e os animais. A imagem do rosto escuro de Caçador passou por sua mente, seus olhos cor índiga brilhando. Por um momento, o medo que sentiu foi tão intenso que não pôde respirar. Ai, Deus, o que era o que queria dela?

O sol começava a ficar essa mesma tarde quando Henry entrou pisando em forte na granja anunciando que Loretta se ocuparia do cavalo e das muías essa noite. Loretta deu um golpe com a tampa da panela de feijões que estava cozinhando e se deu meia volta. Não tinha medo ao trabalho, mas teria que voltar às escuras se começava a trabalhar tão tarde. Essa manhã tinha escrito uma nota na piçarra da Amy sobre a visita noturna de Caçador. esqueceu-se Henry?

—Não pode mandá-la aí fora só —gritou Rachel. —Esses índios poderiam estar perto.

Loretta se agarrou a saia com os punhos fechados e atirou forte do tecido em direção à parte traseira de suas pernas.

—Se houvesse índios aí fora —assobiou Henry, —já se teriam feito notar. Tom lhes tem feito lhes preocupar com nada, garotas. Loretta teve um pesadelo ontem à noite, isso é tudo. registrei o jardim pela parte que olhe a sua janela e não vi nenhum rastro de cavalo ali. Estou desancado. Não sabem o que é trabalhar estes campos queimados sob um calor semelhante.

Rachel jogou uma olhada pela janela, incômoda.

—Não poderíamos deixar por hoje os animais no pasto?

—E que nos roubem isso? —protestou Henry com desgosto. —Isso seria uma insensatez, sobre tudo agora que Ida está por fim prenhe. E o que faria sem as mulas? Criem que posso arar essas terras eu sozinho? A esta garota não fará nenhum mal agarrar um pouco de água e arejar o feno. Essa égua pode ficar de parto em qualquer momento e quero que tenha um estábulo limpo quando o fizer.

—Eu irei ajudar a. —Amy, que estava fazendo seus deveres de escritura, levantou os olhos da piçarra com um sorriso impaciente. —Sou quase tão boa como Loretta com a forquilha. E se virmos algo, posso gritar e ela não.

—Alguém que lhe ajudasse pedindo auxílio estaria bem —disse Rachel, —mas esses índios cairiam sobre vocês como ursos sobre o mel.

—Acabo de dizer que não há índios aí fora —grunhiu Henry. —É que não escuta, mulher? Pelas barbas do Muito alto, levo aí fora todo o dia! Se tivesse havido algum comanche em um quilômetro à redonda, seria homem morto. Eu também me preocupo com a Loretta, sabe? Não a mandaria aí fora se pensasse que corre perigo.

Não querendo ser a causa de uma disputa conjugal, Loretta se dirigiu à porta. Sua tia Rachel se levaria a pior parte se Henry se zangava. Não havia nada que temer. O estábulo não estava tão longe da casa. Além disso, se Caçador tivesse querido matá-la, tinha tido a oportunidade de fazê-lo-a noite anterior enquanto dormia. Não, lhe tinha reservado outros planos. Provavelmente, algo muito pior que a morte, embora não pudesse saber muito bem ainda do que se tratava.

—Loretta, espera —a chamou Rachel. —Agarrarei o rifle e irei contigo.

—Ai, diabos! —exclamou Henry. —Condenada mulher, terminará por me levar a tumba. —Agarrando o chapéu do cabide, sacudiu-o na perna da calça da calça e o pôs na cabeça, seguindo a Loretta que já saía pela porta. —Eu gostaria de ter o jantar antes de meia-noite, se não te importar. Irei eu com ela. Pelo menos, tudo se fará mais rápido com sua ajuda.

—Ah, obrigado, Henry.

Henry grunhiu e se deu a volta para fechar a porta.

—te assegure de ter o jantar lista quando voltar. Se não ser assim, pagará-o caro.

Consciente do rápido que se escondia o sol, Loretta cruzou o alpendre e descendeu as escadas. Enquanto cruzava o jardim, procurou o rastro dos rastros que os índios tinham deixado no dia anterior. Nada. O vento as tinha enterrado todas. O que explicava por que Henry não tinha podido encontrar evidências da visita noturna de Caçador. Seu tio podia ser muitas coisas, mas certamente não era inteligente. «Um pesadelo, pelo amor de Deus!» Desde quando tinha sido ela uma pessoa com tendência a alarmar por nada? Irritava-lhe que Henry a tivesse por alguém tão estúpida.

Como só havia dois cubos nos que carregar a água, a oferta do Henry a lhe acompanhá-la pareceu suspeita. Ele era o homem mais vago que conhecia para trabalhar e um verdadeiro covarde para lhe oferecer amparo. Olhou-lhe pela extremidade do olho. Parecia inofensivo, mas ainda lhe parecia mais perigoso quando atuava com amabilidade. foi atrás do galinheiro a agarrar os cubos e voltou depois para enchê-los com a água do poço.

Para sua surpresa, Henry se ofereceu a levar um. Sua leve claudicação fazia que a água se derramasse enquanto caminhava com ela pelos sulcos de carromato que levavam a estábulo. Loretta manteve levantada a cabeça e o olhou para ver como abria a porta do curral. Ida, a égua prenhe, gemeu e pegou o nariz ao corrimão da grade. Como Henry tinha estado lhe dando amadureço cada noite, estava muito mais ansiosa do habitual agora que tinha sido se separada do pasto. As muías, Bass e Frank, não pareciam compartilhar seu entusiasmo e continuaram pastando.

depois de esvaziar os cubos no abrevadero, Henry disse:

—Irei eu sozinho a pela segunda viagem de água. Você fique aqui e começa a sacudir o feno.

Loretta soltou o cubo e levantou os olhos para ele enquanto caminhava para a porta e rodeava o estábulo. Parecia que lhe tinha julgado mau. estremeceu-se e se esfregou as mãos.

Uma das mulas soprou, e o som lhe agarrou tão por surpresa que deu um salto. Bessy tinha as duas orelhas quedas e olhava fixamente a um matagal que havia no lado esquerdo da cerca. Loretta agarrou a forquilha que estava apoiada sobre o carro de feno. Esquadrinhou a ribeira do rio. Para evitar ter que transportar a água das bestas, Henry tinha colocado a cerca em um ângulo, a parte de atrás mais perto do rio que a do frente, e o terreno de pastos bordeando o rio. Isto fazia que o estábulo estivesse a menos de um tiro de pedra da espessa arvoredo. Com a pouca luz da noite, não poderia ver se alguém se aproximava até que não estivesse em cima dela. Com a ajuda da forquilha, saltou sobre o carro para ver melhor.

Não havia nada fora do normal entre as sombras. Com um suspiro, agarrou um pouco de feno e o atirou fazendo um grande arco sobre seu ombro. Para conseguir que o feno caísse dentro do carromato tinha necessitado muitas horas de prática. As mulas se relaxaram e baixaram a cabeça para comer de novo. Um momento depois Ida se uniu a elas. O som de suas mandíbulas mascando era suave mas contínuo, e fez que a Loretta lhe arrepiasse o pêlo da nuca. deteve-se um momento para jogar uma olhada às árvores. Tinha a sensação de que alguém a observava. Ao não poder detectar nenhum movimento, decidiu que melhor seria deixar de elucubrar e voltar para trabalho.

Henry demorou tanto em agarrar a água que Loretta havia quase terminado de arejar o feno quando voltou. Esvaziou os cubos no abrevadero, pô-los no chão e depois caminhou para o carromato e sorriu a Loretta. Tirando o chapéu, atirou-o sobre o portão e perguntou:

—Te dou uma mão?

Loretta se sentiu incômoda. Ao subir junto a ela, viu que lhe brilhava um dente em seu amplo sorriso. Olhou sentida saudades a cara coberta de sombras de seu tio enquanto lhe agarrava a forquilha. Para sua surpresa, atirou-a a um lado do carromato.

—Certamente que necessita ajuda, preciosa, certamente que sim.

O tom de sua voz lhe fez estremecer-se. Era o mesmo tom enjoativo que utilizava quando tentava apanhar um frango para o jantar. Loretta lhe tinha visto fazê-lo centenas de vezes, andando nas pontas dos pés pelo curral e movendo seus dedos como se estivesse semeando o campo. Quando um frango despreparado corria a seus pés para agarrar o que acreditava que tinha cansado no chão, ele o agarrava pela cabeça e lhe partia o pescoço. Loretta recuou para trás. Fora o que fosse o que tinha em mente, estava segura de que era algo desagradável.

Henry a olhou de cima abaixo lentamente, e depois se deteve na cara.

—Está amadurecida para a colheita, isso está claro —disse com essa mesma voz de assassino de galinhas. —Está-o há uma boa temporada. Ontem quando esses índios vieram, não podia deixar de pensar que devia te haver tido enquanto pude. Que Tom te chamasse ontem à noite sua prometida o confirmou. Que me crucifiquem! Não me parti o espinhaço te criando para que logo venha outro a agarrar o fruto. A única razão pela que deixei que te rondasse foi para que visse quão bem está aqui.

Inclusive na escuridão da noite, Loretta pôde ver o brilho malvado de seus olhos. Olhou horrorizada em direção à casa. O estábulo se interpunha. Embora tia Rachel olhasse pela janela, não poderia vê-los. Henry aproveitou esse momento de distração para estirar o braço e rodeá-la pela cintura.

Ela se retorceu para desfazer-se dele, mas lhe sussurrava algo em uma espécie de cantarolo.

—Ninguém virá em sua ajuda. Disse ao Rachel que tínhamos encontrado uma parte de cerca queda e que nos levaria uma hora ou assim arrumá-la.

Loretta se sentiu como se alguém lhe tivesse posto um travesseiro sobre a traquéia. O emitiu uma risada rouca e apertou a mão que ficava livre sobre sua caixa torácica, justo debaixo do peito, a palma e os dedos avançando para cima em busca de uma aquisição mais suave.

—Me alegro tanto de que não possa falar... Assim não começará a gritar chamando a atenção do Rachel. Dará-me tempo a te desfrutar como te merece. Ah, sim, Loretta, sempre que quiser e pelo tempo que queira.

Voltando-se para rir, aproximou seus quadris para ela, lhe fazendo sentir uma estranha dureza contra o corpo. As imagens dos índios violando a sua mãe cruzaram por sua cabeça, e soube exatamente o que significava essa dureza.

                                           CAPÍTULO 04

Loretta jogou para trás a cabeça. Por um momento, sentiu como se fora a gritar. Então a boca do Henry capturou a seu e qualquer som que ela tivesse podido fazer foi sossegado por seus avaros lábios. Tinha vontades de vomitar, e quando conseguiu desfazer-se de seu abraço foi direta ao chão do carromato. Ela caiu espatarrada, ele a agarrou pelas bonecas e se tombou sobre ela, lhe apanhando os quadris com as coxas. Loretta se saiu da palha e foi parar ao chão nu e duro com ele subido escarranchado.

O se Rio entre dentes, enquanto avançava lentamente. Então, com uma facilidade que lhe horrorizou, cravou-lhe os braços no chão com suas pernas. A dor lhe chegou até os ombros enquanto seu bicudas acne lhe cravavam nos ossos das bonecas. Loretta utilizou as pernas como facas e lhe golpeou a entrepierna, mas ele conseguiu livrar-se dos golpes movendo-se de um lado a outro e caindo sobre seu estômago de um modo tão brutal que pensou que ia partir lhe o espinho dorsal.

Forçou a garganta, mas com o pouco ar que tinha, não tivesse podido gritar embora tivesse tido voz. O seguiu expulsando sobre ela inclusive depois de que ela deixasse de lutar. Tinha a boca torcida e lhe davam arcadas. Uns pontos negros apareceram ante seus olhos.

Quando ela ficou quieta, ele se sentou em seu estômago e sorriu, acariciando a fila de pequenos botões que fechavam o sutiã de seu vestido. Loretta apartou a cara e procurou um pouco de ar que lhe limpasse a garganta.

—estive olhando estes formosos peitos muito tempo —sussurrou, lhe abrindo lentamente o vestido. Ela podia sentir suas mãos enrugadas manobrando torpemente com os laços da combinação. Um ar frio penetrava pelo fino tecido. «meu deus, me ajude. Por favor, que venha alguém a me ajudar.»

De repente uma mão apareceu e bloqueou parcialmente a visão que tinha do Henry. Ela ficou olhando à mão, perguntando-se de onde provinha e a quem pertencia. Certamente não ao Henry. Era muito quadrada e moréia. A mão se moveu ligeiramente, e deixou ao descoberto uma faca pega ao queixo do Henry. Henry jogou para trás a cabeça e ficou de pé de um salto. Retrocedeu, estupefato. Uma sombra ameaçadora saltou em cima do carro.

Loretta rodou para um lado em busca de ar e ficou ali acurrucada. Quando por fim sentiu que a cabeça começava a limpar-se o dobrou o pescoço para ver o Henry. O muito covarde se deslizava nas pontas dos pés para trás para escapar de seu atacante, fazendo um sulco na palha com suas pesadas botas. Enquanto retrocedia lentamente para o bordo do carro, levantou o queixo e baixou os olhos para a faca que lhe ameaçava.

—Não me mate —suplicou. —Sei que a reclamaste, e tua será. leve-lhe isso vamos, mas não me mate, pelo amor de Deus, não me mate.

Com os olhos postos em seu rescatador, Loretta se esforçou por incorporar-se. Caçador? Tinha pedido ajuda, e Deus lhe tinha enviado a um índio?

Henry se agarrou a grande boneca do índio.

—Por favor, tenho mulher e filha. —Olhando para baixo, gritou. —Faz algo, menina estúpida! Está claro que vai matar me. Faz algo. A forquilha, agarra a forquilha!

Loretta se olhou, enjoada, os joelhos e depois jogou uma olhada a seu redor. A forquilha? Ah, Deus, onde estava? Henry, que seguia retrocedendo, deu muitos passos de uma vez e se saiu do carro. Revoou um instante no ar com os braços, deu um grito e caiu. Caçador apertou a ponta da faca enquanto este caía e a folha desenhou uma fenda em seu queixo. Henry aterrissou no pó, e ficou de pé como um raio. Tampando-a ferida lhe sangrem do queixo com a mão, correu para a casa gritando como um porco. Não olhou para trás nenhuma só vez.

Loretta se ajoelhou e se abraçou o estômago, entre incrédula e aterrorizada. Caçador se deu a volta lentamente. Levava só um tanga, uns mocasines de cano alta e um cinturão de lã azul, por isso teve uma grande vista de suas coxas e quadris antes de lhe ver a cara. Ela nunca tinha visto um homem nu, e este estava tão nu como ela podia imaginar. Em todos os sítios nos que ela e tia Rachel eram brandas e redondas, ele era plano e duro, e onde elas eram magras, ele estava cheio de músculo. Suas pernas eram tão duras e moréias como o tronco das árvores, suas coxas dois montículos de grossos tendões.

Os olhos do comanche brilhavam tão negros como a obsidiana polida. encontraram-se com os dela. O toque de seu olhar lhe fez estremecer-se. Nunca antes tinha visto uma ira tão ardente. O avançou para ela com passos pausados, e ela se encolheu, com a vista cravada na faca ensangüentada que tinha na mão.

Loretta procurou provas o bordo do carro. Se pudesse saltar por ele e pôr-se a correr, talvez tivesse uma oportunidade. Sua mão só encontrou ar. Olhou fixamente à faca e imaginou como seria o ter parecido no corpo. O comanche olhou para baixo. Quando viu o que ela estava olhando, atirou a arma e manteve as mãos vazias a ambos os lados de seu corpo. O gesto não deixava lugar a dúvidas, mas ela não podia sentir-se segura.

Avançou outro passo, e ela se deslizou em retirada, pegando as costas contra a parede do carro. O estava muito perto para poder escapar, e seguia aproximando-se, com os mocasines ressonando no chão. Então pôs um joelho no chão de palha revolta que havia frente a ela. Loretta se apertou contra a madeira. O se aproximou um pouco mais e ela se retorceu para a esquina. Loretta escutou um ligeiro ofego e se deu conta de que era sua própria respiração. Lhe introduziu a mão pelo vestido desabotoado e lhe apalpou as costelas. O calor de sua mão transpassou o tecido fino da combinação e lhe fez perder o fôlego de uma forma tão contundente como quando havia sentido a mão do Henry. apartou-se, tampando-se com ambos os braços, e deixou cair os ombros. O sussurrou algo, uma palavra comanche, e seus olhos se encontraram. Desde esta posição, tinha bloqueada qualquer via de escapamento. Loretta começou a tremer.

—Toquet —voltou a sussurrar.

Não tinha nem idéia do que significava essa palavra, mas era um som inexplicavelmente suave, que em nada se correspondia com a dureza de sua expressão. Uma cabeleira escura lhe caía despenteada pelos ombros, como se fora uma cortina. Como única decoração levava uma trança magra e larga no lado esquerdo da cabeça. Só a longitude de seu cabelo era suficiente para lhe fazer parecer aterrador e estranho. A cicatriz que cruzava sua bochecha, com toda segurança produzida por uma faca, enfatizava ainda mais essa ferocidade.

Agarrou-a pelas bonecas e lhe apartou as mãos do estômago, obrigando-a às pôr a um lado antes de soltá-la. Depois, tão rápido que não lhe deu tempo a reagir, pô-lhe a mão no ombro para imobilizá-la. A outra mão a usou para lhe apalpar o corpo. Quando ela começou a retorcer-se, ele grunhiu algo em comanche que sem dúvida queria dizer que se estivesse quieta. O terror podia ser do mais persuasivo. Tratou de não mover-se enquanto seus dedos percorriam cada uma de suas costelas, pressionando e provando, do centro do peito até o caminho longitudinal do espinho dorsal. Quando quis dar conta de que só queria ver se tinha resultado ferida, ele já tinha terminado e a tinha deixado livre.

O índio se sentou em cuclillas, apoiou os braços sobre os joelhos dobrados e deixou cair os ombros para diante. Por muito depravado que parecesse, um grande poder emanava de seu corpo, eletrificando o ar que lhes rodeava como a intensidade crescente do raio antes de uma tormenta. O aroma de fumaça de madeira, almíscar e pele se mesclava com o feno, rodeando-a.

Estava-a observando...

A Loretta lhe secou a boca como se tivesse tragado pó, e fez a única coisa que sabia fazer, que era devolver o olhar. Seus olhos se fixaram primeiro no cabelo. Pelo desprezo que leu em seus olhos, teve o pressentimento de que ele a encontrava tão vomitiva como ela a ele. Depois, estudou sua cara. O orgulho lhe fez elevar um pouco o queixo. Talvez ela não fosse uma beleza, mas tampouco ele era nenhum galã. Loretta seguiu examinando-o, em busca de uma imperfeição que desmerecesse suas facções. Horrorizada, não pôde lhe encontrar nenhuma. À exceção da cicatriz, seu rosto tivesse podido ser até bonito, se tivesse pertencido a um homem branco.

depois do que pareceu uma eternidade, Caçador tirou uma pequena faca que tinha metido na parte traseira do cinturão. Loretta se esqueceu do orgulho e se encolheu assustada. Lhe levantou a saia e lhe esfregou o tornozelo direito. Por um momento, pensou que tratava de lhe roubar o único par de calções que ficavam (esta vez, com ela dentro). Em vez disso, colocou-lhe a faca na bota. Loretta sentiu um comichão ali onde Caçador a havia meio doido. Olhou assombrada o punho esculpido à mão da arma que descansava sobre seus calções. Para que demônios lhe tinha posto isso aí?

Caçador se levantou com um movimento ágil e se agarrou com uma mão à lateral para saltar do carro. Depois se deu a volta e lhe estendeu os braços. Loretta se levantou, sentindo-se ainda bastante débil, e deu um passo atrás. O jogou uma olhada à casa por cima do ombro, e voltou a olhá-la depois, sem ocultar sua impaciência. antes de que ela pudesse reagir, ele a agarrou pela cintura e a colocou no chão, sujeitando-a até ver que recuperava o equilíbrio. Era ao menos uma cabeça mais alto que Henry, tão alto que, de pé junto a ele, ela tinha que estirar o pescoço para lhe ver a cara. Seus olhos se encontraram um momento. Depois, como se ele fosse feito de sombras, saiu correndo pela perto, saltou a cerca como se não estivesse ali e desapareceu entre as árvores.

Atordoada e aturdida pelo que acabava de passar, Loretta começou a correr. Ao mover-se, sentiu o frio metal da faca lhe fazendo cócegas no tornozelo. levantou-se a saia e tirou essa coisa desagradável de sua bota. Com um calafrio, atirou-o junto ao carro e caminhou para trás por um momento para a casa, esfregando-os dedos na saia.

—Loretta!

Ao girar-se viu que tia Rachel corria rodeando o estábulo, com as saias em volandas e um rifle na mão. Rachel se deteve deslizando-se junto ao carro e ficou a culatra da carabina Sharp no ombro, examinando o bosque.

—Henry me contou isso. Onde diabos estão? Ponha detrás de mim, Loretta. Rápido.

Loretta duvidou, mas só um instante. Como tio Henry havia dito, os índios eram imprevisíveis. Caçador podia deixá-la com vida um momento, e matá-la pouco depois. ficou detrás de sua tia, e as duas caminharam cruzando de costas a cancela e seguindo os trilhos do carro até a casa.

Uma vez dentro, encontraram ao Henry tendido na cama, gemendo. Loretta se deteve junto à porta para grampear o vestido, com a atenção fixa no sangue que manchava a camisa de seu tio. Estava segura de que um corte no queixo não podia sangrar tanto. A postura que tinha era a de alguém a quem tivessem rachado o corpo. Loretta se aproximou um pouco mais, sem dar crédito ao que via. O lado esquerdo da camisa pendurava feita farrapos. Através do tecido rota, pôde ver cortes superficiais à altura das costelas. Amy estava na cozinha, umedecendo um trapo com água da bule. Tinha a cara contraída e pálida quando olhou a Loretta.

—Está bem? Não lhe hão... —Amy fixou os olhos na camisa ao meio abotoar da Loretta. —O que lhe têm feito?

—Cala, Amy, e me traga esse trapo. —Rachel pôs a Sharp contra a parede, ao lado da cama, e ficou de joelhos junto a seu marido. Com mãos trementes, agarrou-lhe a parte dianteira da camisa e a apartou, ofegando ao ver as feridas. —Ah, Henry, podiam te haver matado.

Henry lhe aconteceu a mão pelo cabelo despenteado.

—Vamos, vamos, estou bem, e Loretta está bem. Isso é o que conta.

—Graças a ti —a voz do Rachel se quebrou. —Ah, Henry, poderá me perdoar alguma vez por como me comportei ontem? Só um homem valente poderia enfrentar-se solo a esses comanches.

—Não tenho feito a não ser o que qualquer homem deve fazer. —O olhar azul do Henry caiu sobre a Loretta, sorridente. Ela sentiu um frio profundo. —Em realidade não fui valente. Quando os índios chegaram, enfrentei a eles porque não ficava outra opção. Na primeira oportunidade que tive, saí correndo como alma que leva o diabo. Não valemos nada sem uma arma. Para salvar a Loretta tinha que chegar à casa. Não foi até que estava a meio caminho quando me dava conta de que me tinham ferido. Deu-me muito medo. Digo-lhe isso, três vindo para mim e eu sem outra coisa que minha pequena faca para me defender.

—Bom, agradeçamos a Deus que os corte não são profundos. É uma espécie de milagre.

Era mais como uma espécie de fantasia, mas Loretta não podia dizê-lo.

Henry se olhou suas maltratadas costelas.

—Por tudo este sangue, pensei que era mais grave. —Levantou o olhar. —Está bem, menina? Chegou sua tia Rachel a tempo para lhes deter...? —Jogou uma olhada a seu corpo. —Não chegaram a te violar, verdade?

Loretta sacudiu a cabeça e apartou a cara. Henry se tinha talhado as costelas com sua própria faca? Conhecendo o Henry, os cortes seriam superficiais, mas ainda assim era um ato de autêntico desespero. Se não tivesse sido tão horrível, teria podido rir.

Amy se aproximou da Loretta e se abraçou a sua cintura. Loretta tentou lhe devolver o abraço, mas depois do que Henry acabava de lhe fazer, qualquer roce, embora fora o da Amy, fazia que lhe tremesse a pele. Apartando-se dela, subiu as escadas do mezanino e se deixou cair no beliche. Afundando a cara no travesseiro, esmurrou o tecido com os punhos. Odiava ao Henry Masters, odiava-o, odiava-o! A vida nesta maldita granja já era o suficientemente dura para ter que estar continuamente cobrindo-a costas. Agora nem sequer se atreveria a dar um passeio só por temor a que ele pudesse segui-la.

Já mais acalmada, ficou de lado para olhar pela janela. Passaram uns minutos antes de que se desse conta de que havia algo no batente. sentou-se para ver o que era. Não podia acreditar. A faca do comanche. Rodeou o punho com os dedos. A madeira esculpida lhe transmitia calidez, como se a mão dele ainda estivesse nela. Recordando o olhar perverso que tinha visto nos olhos do Henry, Loretta apertou a faca contra seu peito. Não voltaria a atirar a arma outra vez. Não se atrevia a fazê-lo.

À manhã seguinte, o novo dia foi anunciado pela chegada de um grupo de cavaleiros, e cada membro da casa Masters pôs pés em empoeirada em um salve-se quem pode desesperado. Não tinham tido tempo de vestir-se quando uma voz profunda ressonou fora.

—Olhos Brancos, vamos como amigos. —As palavras deixaram cravada a Loretta no sítio, o pulso lhe retumbando nas têmporas. Tom não tinha chegado a tempo.

—Ai, Meu deus! —grasnou Henry. —Rachel, pode ver minhas botas? Maldita seja, carga os rifles.

Loretta baixou as escadas cambaleando-se, tão assustada que nem sequer pensou em que Henry ia ver a com a camisola do verão. Só queria chegar a trampilla para esconder a Amy. Mas quando esteve junto a ela, soube que não serviria para nada. Não havia tempo.

Henry grunhiu ao vê-la lutar com a base da cama.

—Esquece isso. Vete à outra janela, garota. Rachel! Você te ocupe de carregar.

—Sal, Olhos Brancos —gritou a voz. —Trago presentes, não sangre.

Henry, que não levava outra coisa que os calções e as ataduras que tia Rachel lhe tinha enrolado no peito a noite anterior, saltou à pata agarre para ficar uma das botas. Para quando quis chegar à janela, já tinha as duas botas postas, os cordões sem atar. Rachel lhe deu um rifle. O atirou do portinha das venezianas e colocou o canhão por debaixo da pele que fazia de cortina.

—O que te traz por aqui?

—A mulher. Trago muitos cavalos para comercializar.

Loretta correu para a janela esquerda, abrindo as venezianas e separando as cortinas para ver o que estava passando. O comanche se girou para olhá-la com uns olhos azuis inexpressivos e penetrantes. Os tinha perfilado com pintura de grafite negro, por isso pareciam ainda mais luminosos. As mãos da Loretta se agarraram ao duro batente, as unhas cravadas na madeira.

Tinha que admitir que seu aspecto era magnífico. Selvagem, aterrador... mas extrañamente formoso. Levava umas plumas de águia que ondeavam ao vento presas na coroa de sua cabeça, as pontas pintadas para baixo. Na fina trança que pendurava por sua orelha esquerda, foram trespassando outras plumas mais pequenas. A camisa de Caçador cor nata elogiava o largo de seus ombros, o peito decorado com um intrincado miçanga feito de patas de animal pintadas e tiras brancas de pele. Levava dois pendentes: a gente era de patas de urso, e o outro, um medalhão de pedra plano. Sujeitava-os ao pescoço com cintas de couro duro. As calças de ante os tinha colocados por debaixo dos mocasines de meia cano.

Loretta observou a fila de ponis que trazia detrás dele. Não podia acreditar o número. Trinta? Talvez quarenta? Por detrás dos animais havia ao menos sessenta guerreiros semidesnudos a cavalo. por que Caçador vinha tão bem vestido, com os olhos pintados imitando a um lobo, enquanto os outros não levavam nem camisa nem plumas e traziam a cara limpa?

—Venho a pela mulher —repetiu o comanche, sem deixar em nenhum momento de olhá-la, —e trouxe meus melhores cavalos para consolar a seu pai pela perda. Cinqüenta, todos domados. —Suas arreios negra deu um passo para diante e relinchou. O índio o manteve sob controle sem problema. —me dê à mulher, e não tenha medo. Ela seguirá meus passos e ninguém lhe fará nenhum dano, porque sou forte e rápido. Nunca passará fome, porque sou um bom Caçador. Meu tipi a cobrirá sempre da chuva no inverno, e minhas peles de búfalo a protegerão do frio. falei.

Tia Rachel se benzeu.

—Jesus, María e José, rezem...

—Nós não vendemos a nossas mulheres —respondeu Henry.

—Você me revolve as tripas, tosi tivo. depois de que te tenha deitado com ela, venderia-a a esse homem sujo. —Com uma careta de desgosto nos lábios, levantou a manta de montar de lã do Tom Weaver da garupa de seu cavalo e a atirou ao chão. —Melhor que me a ataduras . Sou jovem. Posso lhe dar muitos filhos bons. Não terá que chorar por minha morte durante muitos invernos.

—Preferiria lhe disparar, bastardo assassino —respondeu Henry.

—Faz-o e terá metido sua canção de morte. —O comanche fez girar ao cavalo, cavalgando perto da janela em que estava Loretta. —Onde está a herbi de grande coragem que saiu a enfrentar-se a nós uma vez? Está ainda dormida? Esconderá-te detrás de suas paredes de madeira e deixará que os que amas morram? Sal, Cabelo Amarelo, e segue seu destino.

Loretta começou a suar pelas costas. Seu destino? Seus olhos voaram à manta do Tom. Tinham-no assassinado. Voltou a fechar a cortina de pele com as mãos trementes, recordando o amavelmente que Tom a tinha abraçado a noite antes de partir.

O rifle que tia Rachel tinha carregado para ela descansava contra a parede. A tentação de lhe usá-lo resultava quase insuportável. Com o coração em um punho, Loretta olhou a seu tio, sabendo antes de que falasse que a mandaria aí fora.

—Matarão-nos —foi a resposta do Henry a seu olhar suplicante. —Tenho que pensar em minha família. Em realidade, você não é dos nossos. Minhas prioridades são Rachel e Amy.

Rachel e Amy? Olhando aos olhos de seu tio, Loretta leu o medo frio e rasteiro que sentia e soube que não era por suas mulheres. Uma coisa era sacrificar sua vida para salvar a de outros, e outra muito distinta ser vendida. Morrer, ao menos, era rápido. «Muitos invernos.» Pelo amor de Deus, pertencer a esse comanche significaria uma vida de escravidão, significaria pedir clemência a um animal que não sabia o significado dessa palavra.

Loretta sacudiu a cabeça e captou o olhar suplicante de sua tia. Estava claro que se o comanche estava disposto a pagar cinqüenta cavalos por ela, procuraria uma compra em paz, não uma batalha. Ele não podia estar seguro de que suas flechas não fossem cair sobre ela.

Henry apoiou o rifle na parede.

—Tem que ir. Não temos outra alternativa —caminhou para ela, —e que não te meta na cabeça montar um espetáculo, ou terá que as verta comigo, entendido?

—Não! —Rachel se jogou em seu marido. —Não te atreva a mandá-la aí fora! me ajude, vou A...

Com um movimento de braço, Henry jogou ao Rachel a um lado. Ela caiu para trás, golpeando o chão com tal força que sua cabeça fez soar a madeira. Loretta recuou, sem perder de vista a seu tio, procurando provas a mesa que havia detrás dela. Tinha pensado jogá-la aí fora como se fora uma mala muito pesada. O pânico bloqueou qualquer pensamento racional que tivesse podido ter sobre a segurança de sua tia e sua prima. Ao lhe ver avançar, deu-se a volta para correr, mas ele alargou a mão como uma serpente e a agarrou pelo braço. Ao segundo seguinte, tinha uns pontos brilhantes frente a seus olhos e lhe explorava a bochecha de dor. cambaleou-se, apenas consciente dos dedos que Henry lhe cravava no braço enquanto a arrastava. ao longe ouviu tia Rachel gritar o nome da Amy. Então sentiu que o apertão do Henry se afrouxava. Deu um tropeção e entrecerró os olhos, tratando de ver claro frente a ela. Quando por fim enfocou a habitação, ficou paralisada. A porta estava aberta.

Amy estava de pé no alpendre. Tinha o rifle apoiado do Henry sobre seu pequeno ombro.

—Vós, índios, lhes largue daqui! —gritou. —Não podem lhes levar a Loretta. Fora daqui ou disparo. Prometo-lhes que disparo!

Frente a Amy, Loretta pôde ver caçador. Pareceu-lhe ver um brilho de admiração em seus olhos, mas desapareceu tão rápido que não pôde estar segura. Estava sentado comodamente sobre o cavalo, com a cara tão indecifrável como a de uma máscara, tranqüilo e mortal.

—Aqui estou —a desafiou.

A descarga da arma fez cambalear a Amy. Um reguero de pó se elevou por cima de sua altura. Caçador se inclinou sobre o pescoço de seu cavalo, tratando de não perder o equilíbrio e o semental arremeteu contra o alpendre, em um estrondo surdo de cascos. O comanche se agachou e rodeou a Amy com o braço ao passar. Ela gritou e atirou a arma. O índio a subiu à garupa e lhe deu um tapa quando tratou de lhe golpear.

Não havia tempo para pensar. Loretta correu para a porta, agarrando a arma que descansava contra a parede ao sair. O vestido lhe enredou nos tornozelos enquanto corria pelo alpendre e descendia as escadas. O comanche fez um círculo ao redor dos assustados cavalos que se apertavam sem cavaleiro. Depois entregou a Amy a um jovem índio que esperava na fila. Os gritos de indignação da pequena transpassaram o ar. Loretta levantou a carabina Spencer e a pôs sobre o ombro, apontando ao comanche que vinha para ela. Os sinos de seus mocasines tilintavam alegremente com cada movimento do cavalo.

—Deixa que vá! —gritou Amy. —Pestilento selvagem!

Loretta olhou à menina. Um jovem valente lutava por manter a Amy em seu cavalo. Se Rio com grande estrépito ao ver que tratava de lhe arranhar. A garota lhe agarrou uma mecha de seu cabelo negro e atirou dele com todas suas forças.

—Ayyy! —exclamou o moço. —Quer me tirar a cabeleira.

Os outros índios riram como se formassem um coro. Loretta cravou os olhos em Caçador. Tinha detido suas arreios a uns metros dela.

—Onde vais gastar seus cartuchos? —perguntou. —Se a quiser, lhe dispare. É sábio.

O grito da Amy se converteu em um desconsolado pranto. O objetivo da Loretta se moveu, e olhou aos outros índios em busca de sua prima. Que fazia Henry? por que não vinha a cobri-la? Quanto tempo podia levar carregar um rifle? Era um covarde miserável.

—Só tem tempo para um disparo —continuou dizendo Caçador. —Se o desperdiçar comigo, meu amigo agarrará a sua irmã e me vingará. Seu pai se esconde detrás das paredes de madeira. Está sozinha.

O suor lhe caía pela frente. girou-se levemente e levantou o canhão do rifle para a Amy. Fechando um olho, colocou o dedo no gatilho. As lágrimas lhe caíram pelas bochechas ao recordar as perguntas da Amy a respeito da liberação bendita. «É algo mau, verdade? É matar-se a gente mesmo, verdade?». «Não sempre», pensou Loretta. Algumas vezes, era morrer à mãos de alguém que te queria.

—Pensa-o bem, Cabelo Amarelo —lhe advertiu Caçador. —vim em paz a comprar uma mulher, não a roubar uma menina. Ela é muito magra para dar prazer a este comanche. Você não. —inclinou-se para diante, alargando um braço, com a mão aberta para ela. —Vêem comigo e sua irmã voltará para os braços de sua mãe.

Loretta o olhou fixamente. Dizia-o de verdade? Lhe devolveu o olhar. A cicatriz de sua cara brilhou ao apertar os músculos de sua mandíbula. Se as histórias sobre ele eram certas, deixaria livre a Amy. Por outro lado, podia muito bem levar-lhe às dois. Recordou o amável que tinha sido a noite anterior, e sua confusão foi ainda maior.

—Tira a arma e vêem —a insistiu. —É uma mudança justa, não? Ela será livre. falei.

ao longe, Loretta podia ouvir ainda o coro de risadas. Os índios estavam divertindo-se do lindo a costa da pequena Amy. A menina voltou a chiar.

—Fará-o, verdade? Tem coragem. Dizem-no seus olhos. Se lutas a grande lutar, não pode ganhar. É melhor manter a cabeça alta e render-se com dignidade. Baixa a arma.

                                           CAPÍTULO 05

Loretta deixou cair os ombros. sentia-se derrotada. As mãos lhe tremeram ao pôr o rifle no chão.

Um sorriso desagradável se desenhou na boca de Caçador.

—Então, é um trato? É minha mulher?

Por uma vez, alegrou-se de não poder falar.

—Pode fazer língua de signo, herbi. —Seus olhos se encontraram com os dela, brilhantes, observadores.

Amy gritou.

—Não, Loretta, não o faça!

Com a sobrancelha levantada, o comanche esperou. A tensão era cada vez maior, recordando a Loretta a calma que precede à tormenta, esse silêncio estranho, pesado e espesso. mordeu-se a parede interior da boca e fez um esforço por assentir com a cabeça. Os olhos do índio cintilaram de satisfação.

Dando um cotovelada a suas arreios, percorreu a distância que havia entre eles e se inclinou para agarrá-la pela cintura com mão de aço. Levantou-a sem nenhum esforço até o cavalo, e a sentou de lado por diante dele. Desta forma seu ombro roçava o peito dele e seu traseiro se movia entre ele e a cruz do cavalo. Nunca antes havia sentido um temor tão incontrolável. ia levar se a A realidade tomou forma agora que ele a tinha no cavalo.

—Tani-har-ro —disse brandamente.

Ela voltou a cabeça e descobriu que ele estava lhe cheirando o cabelo, com uma expressão zombadora. Loretta ficou rígida quando seus olhos se encontraram. Desde perto, seu rosto parecia ainda mais duro que a noite anterior, suas facções cinzeladas, os lábios estreitos em uma linha intransigente, sua pele bronzeada pelo sol. Ela pôde estudar até o mais mínimo detalhe de sua pintura, a grosa extensão de suas pestanas, a cicatriz de faca que lhe atravessava a bochecha. Seus olhos eram sem dúvida do azul mais escuro que ela tivesse visto jamais e pareciam lhe cortar em dois quando a olhavam. Se tinha acariciado a idéia de pedir clemência, descartou-a por completo nesse momento. Recordou o que lhe havia dito o primeiro dia. «me olhe e conhece a cara de seu senhor.» Supôs que, segundo seus padrões, ele tinha direito a lhe cheirar o cabelo já que tinha pago justamente por cada um de suas mechas.

O rubor lhe percorreu o pescoço. Coberta só por uma camisola, houvesse-se sentido envergonhada ante qualquer homem. Com Caçador, a humilhação era dez vezes maior. O a olhou sem nenhum signo de culpabilidade, sem duvidá-lo um momento, centrando sua atenção em todo aquilo que lhe parecia interessante. Quando riscou a linha de sua clavícula com um dedo e lhe deu um apertão no braço, sentiu-se como um bezerro no leilão.

—Está muito magra. Seu pai deveria te alimentar melhor. —lhe agarrando o queixo, jogou-lhe a cabeça para trás e a obrigou a abrir a boca para revisar seus dentes. —Ejem —grunhiu, voltando a pôr a mão em sua cintura. —Este comanche pagou muitos cavalos. Sem seu pitsikwina para te cobrir, é todos ossos.

Loretta o olhou um segundo, e viu que só estava rendo-se dela. O deslizou uma mão por seu flanco, os dedos firmes e quentes enquanto tocavam a curva de suas costelas. Ela ficou tensa ao notar que a mão lhe chegava até a parte inferior do peito, mas não resistiu à carícia.

—Possivelmente não tudo sejam ossos. O que tem aqui, herbi? Está tratando de esconder os doces lugares que sua mãe me prometeu? —Observou-a por um momento, como se tratasse de predizer qual ia ser sua reação ante tanta vergonhosa familiaridade. Então torceu a boca em um sorriso zombador. —Não cospe quando o destino de sua irmã está em minhas mãos. Acredito que deveria ficar a É um guerreiro valente, não?

O coração da Loretta se encolheu. «Estúpida!» Seus olhos voaram até a Amy. Deveria ter disparado a sua prima quando teve a oportunidade.

—Ah, mas hei dito que voltaria com sua mãe, não? E você há dito que é minha mulher. —lhe pondo a mão no peito, inclinou-se e aproximou tanto sua boca a dela que um tremor frio lhe percorreu as costas. —Pulsa-te o coração, mulher. É uma mentira o que diz? Lutará contra este comanche quando sua irmã esteja a salvo?

Ela sabia que a estava provando, convidando-a a oferecer resistência, desfrutando de do poder que tinha sobre ela. Saber isto lhe deu a força necessária para estar-se quieta. Sacudiu a cabeça como resposta, rezando para que os comanches utilizassem o mesmo gesto para dizer não.

—É uma promessa que faz?

Percorreu com o dedo polegar seu vestido, jogando com o mamilo. O efeito de sentir esse redemoinho que passava de seu peito ao centro de seu estômago a deixou quase sem ar. Tratou de manter a cara neutra e assentiu.

—Este comanche acredita que memore.

Com um movimento de cabeça, Loretta o olhou com cara suplicante.

Passaram uns segundos intermináveis nos que passou a ponta de seus dedos pelo mesmo caminho que tinha seguido seu polegar, cada uma de suas carícias mais humilhante que a anterior. Ela apertou os dentes. Então sua cara se fez imprecisa, e se deu conta de que estava lhe olhando com lágrimas nos olhos.

De repente, ele se começou a rir e lhe pôs a mão nas costelas.

—Não memore tão bem, Cabelo Amarelo. Seus olhos falam muito contra ti. Mas está bem. tivemos este momento juntos, não? E não me cuspiste.

Renda-se, moveu a cabeça e lhe rodeou a cintura com tanta força que sentiu que não podia respirar, muito menos resistir. Depois, ele fez girar seu cavalo, enquanto gritava em um idioma irreconhecível. O jovem que sustentava a Amy se saiu da fila e galopou para a casa. Fazendo derrapar o cavalo e levantando uma grande poeirada, pô-la no chão não com o suficiente cuidado e se foi como tinha vindo. Amy tratou de guardar o equilíbrio movendo os braços.

—Loretta, não... Loretta, por favor...

Para alívio da Loretta, Rachel saiu correndo da casa, agarrou a Amy e a fez subir a rastros os degraus. depois de colocar à menina em casa, reapareceu com um rifle nas mãos. Colocando a culatra sobre o ombro, apontou com determinação. A Loretta...

Tudo foi tão rápido que até ao comanche lhe agarrou por surpresa. Seu corpo ficou rígido. No espaço que dura um batimento do coração, Loretta sentiu um estranho sentimento de traição, de temor também. Depois o entendeu. Tia Rachel preferia matá-la antes de ver como a levavam os comanches.

O estalo da arma e o rugido do comanche se ouviram quase ao mesmo tempo. Ele jogou o corpo para diante, pegando a Loretta ao pescoço do semental. Sentiu uma dor explosiva em seu peito, uma dor abrasadora e penetrante. Por muito insensato que fora, lhe passou pela mente que o comanche não se saiu com a sua depois de tudo.

O cavalo ficou a duas patas, golpeando o ar, e depois deu um salto para diante que a ponto esteve de atirar aos dois cavaleiros. Loretta se encontrava encerrada entre a larga cruz do animal e o peito do comanche. Sentada de lado como estava, tinha o corpo dobrado em um ângulo do mais estranho. De forma instintiva, agarrou-se às crinas do animal para não cair. Porque ia cair. Os cascos dos outros cavalos trovejavam a seu redor. Se caía, os outros cavaleiros a pisoteariam.

Estava a ponto de render-se, escorria-se. No último momento, quando seus dedos não podiam sustentá-la mais e sentia que ia deixar cair, o braço de seu captor a rodeou pelas costelas e atirou dela para incorporá-la sobre o cavalo. Depois a sujeitou com o peso de seu corpo, tão forte que logo que podia respirar. O vento lhe soprou na cara. Com a boca aberta, tratou de encontrar um pouco de ar, já que a pressão estava aumentando a intensidade de suas pulsações.

Os índios se afastaram da casa cavalgando até uma distância segura e depois se detiveram. Quando Caçador atirou finalmente das rédeas e saltou do cavalo, Loretta caiu com ele, feita uma bola a seus pés. Tudo era pó a seu redor. Os homens desmontaram, gritando, correndo em todas direções. Por um momento, pensou que foram todos a cair sobre ela, mas em vez disso rodearam a seu captor, falando atropeladamente e lhe tocando o ombro. Havia muitas pernas, algumas nuas. Olhasse onde olhasse, via nádegas moréias. Caçador grunhiu algo e se tirou a camisa. Tinha uma ferida no ombro direito.

Ficando uma mão no peito, Loretta baixou os olhos incrédula. Tinha estado tão segura... A risada brotou de sua garganta. Tia Rachel tinha falhado? Ela nunca falhava quando podia apontar com tempo a um objetivo imóvel. A garganta da Loretta se endureceu. O comanche. Olhou para cima, confundida. Tinha utilizado seu próprio corpo como escudo para salvá-la?

Apartando a seus amigos, Caçador se agachou, agarrou um punhado de barro, e o pôs depois no corte de seu ombro. Loretta olhou o sangue que lhe caía do braço. Se não tivesse sido por ele, esse sangue seria a dela. O instinto de sobrevivência e o sentido comum lutavam em seu interior. Ela sabia que a morte tivesse sido preferível ao que lhe esperava, mas não podia evitar sentir-se feliz de estar viva.

Como se tivesse notado seu olhar, o comanche levantou a cabeça. Quando seus olhos se encontraram, a fúria e o ódio que encontrou nos dele a fizeram estremecer. Caçador ficou em pé e atirou das plumas de seu meio doido, as envolvendo em sua camisa. Sem deixar de olhá-la, colocou a bola na saca que pendurava da cilha.

—Keemah —grunhiu.

Sem saber muito bem o que queria e com medo a fazer algo mal, Loretta ficou onde estava. Ele a agarrou pelo braço e atirou dela para pôr a de pé.

—Keemah, vêem! —Sacudiu-a com força, os olhos brilhantes. —Escuta bem, e aprende rápido. Tenho pouca paciência com as mulheres estúpidas.

Agarrando a da cintura, sentou-a no cavalo e a pôs na parte de atrás da manta que fazia de cadeira. O movimento fez que lhe levantasse a camisola. Podia sentir os olhos de todos os homens nela. Não tinha decência? Com mãos trementes, baixou-se a camisola e tratou de cobri-los coxas. Não havia tecido suficiente de onde atirar. E era tão fino, de tantos anos que o tinha usado, que era quase transparente. A brisa da manhã lhe pôs a carne de galinha nos braços e nas costas nua.

Com um sorriso nos lábios, seu captor abriu uma segunda saca e tirou uma corda de lã e uma correia de couro. antes de dar-se conta do que fazia, atou a corda a um de seus tornozelos, passou-a por debaixo da barriga do cavalo e a atou com força ao outro pé.

—Temos que cavalgar como o vento! —gritou aos outros. —Meadro! Vamos!

Os outros correram a por seus cavalos. Agarrando-se à crina do animal, Caçador saltou à garupa e se colocou diante dela. Quando lhe agarrou os braços e lhe obrigou a lhe rodear a cintura, não pôde emitir nem um gemido de protesto. Seus peitos pressionavam diretamente contra suas costas.

—A sua mulher não gosta, primo —disse alguém em inglês. Loretta se voltou para ver quem era e reconheceu imediatamente ao guerreiro que tinha animado a Caçador a matá-la o primeiro dia. Sua cara cheia de cicatrizes era inconfundível. O índio lhe dedicou um rápido sorriso, que era mais um olhar lascivo percorrendo com insolência as partes nuas de seu corpo. Depois se Rio e fez avançar a seu cavalo castanho. —Não se merece o esforço que faz por ela.

Caçador a olhou por cima do ombro. O calor de seu ódio brilhava como brasas acesas em seus olhos.

—Aprenderá. —Com a experiência que dá a prática, atou-lhe as bonecas com a correia de couro que tinha tirado antes. —Aprenderá rápido.

Atrás do grande grupo de guerreiros ficava um tapete interminável de erva verde salpicada de florecillas azuis. Para diante se estendia uma densa arvoredo de pacanas e salgueiros. Os homens levavam cavalgando quatorze horas sem deter-se, e tinham feito um grande círculo para voltar para Braços, perto da casa da Loretta. Se os tosi tivo tinham tentado lhes seguir, a tática de evasão ia ficar o sem dúvida muito difícil. Ao dia seguinte, quando estivessem seguros de que não lhes tinham seguido, poderiam dirigir-se diretamente para seu povoado.

Para o oeste, o sol era uma bola de fogo que golpeava o céu da tarde com volutas de cor cinza escuro e rosa. Loretta tinha deixado de tratar de sentar-se no cavalo para manter afastados seus peitos das costas do comanche. Desabada sobre ele, sujeitava sua cabeça sobre a linha musculosa de seu espinho dorsal. Tinha as pernas doloridas do roce da corda de lã que rodeava seus tornozelos. O couro que atava suas bonecas se rodeou a sua pele com força. E lhe queimava a língua. Uns quilômetros mais e estava segura de que morreria.

imaginou a si mesmo afundando-se na negrume, fugindo. estaria-se mais fresco e haveria mais escuridão no céu. A água brotaria luminosa e fria. Não haveria comanches cruéis com olhos azuis de meia-noite.

A voz de Caçador rugiu dentro de suas costas, e vibrou a ela contra o peito. Loretta sentiu que o cavalo diminuía a marcha. A seu redor todo mundo parecia falar em um idioma desconhecido: alto, baixo, com grunhidos, estridente. Piscou um pouco, muito dolorida para preocupar-se do que os homens diziam, e agradecida pelo descanso. Sentiu que Caçador jogava o peso de seu corpo para trás, e logo sentiu suas duras mãos dirigindo as tiras de couro que capturavam suas bonecas. Ao segundo seguinte, tinha os braços livres, e caíram como pesos mortos a ambos os lados de seu corpo. As fortes costas de Caçador desapareceu. Ela se desabou no cavalo, sem preocupar-se de outra coisa que não fora descansar.

Algo frio tocou seu tornozelo esquerdo. Em algum lugar longínquo de sua mente, deu-se conta de que alguém estava cortando a corda de lã que atava seu pé esquerdo. Manteve os olhos fechados, a bochecha recostada contra o pescoço suarento do cavalo, os braços cansados. Pouco depois notou que também lhe tinham liberado o pé direito.

E então sentiu um tipo de dor nova. Não era fogo, a não ser milhares de agulhas que lhe cravavam as pernas, em uma agonia que golpeava seus quadris. Gemeu e tratou de incorporar-se. Ao fazê-lo, caiu para um lado. O mundo ficou do reverso. Uns braços a agarraram. O céu girou sobre ela. Alguém gritou.

Uma tortura. Tinham-na agarrada em braços, mas eram braços feitos de puro fogo, já que lhe queimavam ali onde a tocavam. Não acreditava que pudesse existir uma dor tão espantosa. Então umas mãos cruéis a puseram sobre um arbusto suave de erva, mas as fibras se converteram em afiadas pontas que lhe cravavam a carne.

Loretta fechou os olhos, rendida à dor. Alguém a sustentou e a embalou; alguém forte, com uma voz profunda que sussurrava como se fora seda em sua cabeça. As palavras eram às vezes estranhas, mas as poucas que entendia faziam que o significado das outras adquirisse claridade. Estava a salvo ali, claro que estava a salvo, e era para sempre.

Gelo. Loretta aspirou uma baforada de ar ao sentir a comoção da água sobre seu corpo.

Um braço quente rodeava sua cintura. Uma mão grande lhe agarrava pelo talhe. Ela girou o pescoço para ver, depois ficou geada. O comanche.

De forma instintiva, golpeou-lhe e se retorceu em seus braços. Tentou afastar-se dele. Mas não era possível. Caçador lhe sujeitava o ombro com um braço e a afundou na água até o queixo. Um tremor convulsivo lhe percorreu o corpo. Frio. Ah, meu deus, estava tão frio.

Lhe pôs uma mão sob o estômago. Tocou-a lentamente, sem esforço, lhe deixando claro que podia explorar cada parte de seu corpo quando quisesse.

—Ai, mah-Tao-eu, está tão quente. Inclusive onde não está queimada. Toquet —sussurrou. —Não lutará.

Algo em sua voz lhe resultava familiar, extrañamente familiar. Seu pai, pensou, algo em sua voz recordava a seu pai. Ela tratou de conter as lágrimas. Seguia tremendo. Estava tão frio. A dor fria anulou todo o resto. Começou a tocar castanholas os dentes. Quando não pôde suportá-lo mais, fez um último intento de liberar-se.

—Passará —prometeu. —Estará quieta. Está queimada, não? Do sol. Tem fogo dentro. O frio fará que saia. Entende?

Ela tratou de assentir com a cabeça. Ao fazê-lo, a boca lhe encheu de água e se engasgou. O afogou uma exclamação e a girou para que seu queixo descansasse sobre seu ombro. O contato de seu corpo quente contra seus peitos e estômago a fez gemer. À luz da lua, o corte da ferida que lhe tinha feito a bala do Rachel era uma linha negra.

—Toquet, mah-Tao-eu, toquet. —Rodeou-lhe o corpo com mais força, um abraço duro, potente, mas extrañamente doce. —Fecha os olhos, sim? Confia neste comanche. Amanhã faremos a guerra.

O tempo deixou de existir. Não havia nada mais que a noite, a água e o índio. Loretta flutuou em um mundo de sonhos. sentia-se doente, muito doente. Tanto, que todo o resto não lhe importava. Nem sequer lutar.

                                        CAPÍTULO 06

Caçador colocou a mão sob o tecido do vestido da mulher e ficou observando o contorno que desenhava seu dedo. Por incrível que parecesse, o sol tinha atravessado o magro material e queimado sua frágil pele. Os comanches se queimavam às vezes, mas nunca desta maneira. Com um grunhido de desgosto, fez uma bola com o vestido e o atirou ao fogo. A partir de agora, vestiria como uma Índia com peles.

O material ardeu em uma explosão, e a luz das chamas jogou com o corpo da moça, piscando em seus peitos pequenos e sombreando as curvas. O a observou fixamente, mais zangado do que tinha estado nunca consigo mesmo. Por muito que não tentasse pensar nisso, sua cabeça fazia círculos para voltar para comportamento que tinha tido essa noite, imediatamente depois de parar para acampar, quando tinham baixado ao rio. Como podia ter tratado a uma Olhos Brancos com tanto carinho?

Agarrá-la em seus braços já tinha sido bastante imperdoável, mas depois se descoberto a si mesmo chamando-a mah-Tao-eu, pequena, um nome que tinha utilizado em outro tempo para chamar a sua esposa, Salgueiro Junto ao Rio. Era a última traição, não só a Salgueiro Junto ao Rio, mas também a si mesmo. Por muito que tratasse de justificá-lo, não tinha nenhuma desculpa.

Era incapaz de imaginar o que lhe tinha ocorrido. O que mais lhe incomodava era que lhe resultava impossível esquecer, inclusive na escuridão, que essa mulher era sua inimizade. A diferença de alguns dos de sua raça, esta nem sequer se parecia com os comanches. Seu cabelo era dourado como o mel, tão cegador como o sol quando a lua o empurrava, sua pele reluzia tão branca como a prata lavada pelo sol. Cada vez que a olhava, a incredulidade o fazia enrugar a cara. A mulher da profecia? Sua mulher? lhe gostavam das mulheres bojudas e robustas, de formosa pele canela e largas cabeleiras negras e brilhantes. Esta, entretanto, tinha a pele da cor da graxa do búfalo, estirada sobre seus ossos magricelas, e o cabelo era do mesmo amarelo escuro que a erva seca.

Os gritos da garota durante seus delírios lhe tinham convencido de que era em realidade a mulher da profecia. Tal como os antepassados tinham vaticinado, sua voz não tinha desaparecido, mas sim tinha sido silenciada por uma grande tristeza... a massacre de seus pais. Muito tempo atrás, Caçador tinha conhecido a outra garota cuja voz lhe tinha sido roubada da mesma forma. depois de examiná-la durante um tempo, o puhakut do povoado assegurou que seu coração jazia sobre a terra detrás ter visto o assassinato de sua família, e que um dia, quando a alegria voltasse para ela, voltaria a falar. Muitos invernos mais tarde, a mulher muda se casou com um homem bom, e depois de dar a luz a sua primeira filha, algo que supôs uma grande alegria, a mulher recuperou a voz tal e como havia dito o puhakut. Esta mulher branca também a recuperaria. O como ou o quando não podia dizê-lo, mas sabia que aconteceria. além disto, não queria pensar mais. Segundo a canção dos antepassados, ele teria que ser o instrumento de sua recuperação.

Com um suspiro tremente, agarrou a saca de graxa e desatou a corda. Gostasse ou não, tinha que cuidar dela. Se morria, os antepassados se zangariam. Se tivesse dependido só dele, houvesse lhe tornado as costas e a teria deixado ali. depois de tudo, o que outra coisa poderiam lhe fazer os antepassados pior que isto? Mas devia pensar também em sua gente, em como suas ações podiam lhes afetar.

Chama-a cálida da ira que tinha dentro se condensou em um nó duro no centro de seu estômago. Afundou a mão na graxa e se dispôs a lubrificar com ela a maltratada pele da moça. A mão ficou suspensa em cima de sua perna. Não pôde evitar recordar o celosamente que tinha escondido seus calções com volantes esse primeiro dia ou o dolorosamente envergonhada que se havia sentido essa manhã quando o bordo de seu pitsikwina lhe tinha levantado sobre as coxas. Se soubesse que agora jazia nua ante ele, estava seguro de que sua cara avermelharia mais do que o sol a tinha queimado. E se soubesse que estava a ponto de lhe percorrer o corpo com a mão? Só podia imaginar sua reação. Terror, certamente. E uma boa dose de escupitajos, a julgar pelo que já tinha podido ver nela. Mulher estúpida. Homens feitos e direitos tinham morrido à suas mãos por muito menos. Possivelmente seu irmão tivesse razão e não soubesse com quem estava tratando. Caçador sabia perfeitamente o temor que inspirava nos tosi tivo. A maioria dos brancos o reconheciam no momento em que viam a cicatriz de sua cara e seus olhos cor índiga.

Um sorriso involuntário provocou um rictus nervoso na comissura de seus lábios. Possivelmente fosse melhor não lhe dizer quem era. Por muito que lhe desagradassem seus escupitajos, o pensamento de que fora obediente e manejável lhe atraía ainda menos. Algo nela —não tinha nem idéia do que era— lhe provocava emoções confusas em seu interior. A ira cobria estas emoções, evitavam-lhe ter que enfrentar-se a elas. E, sim, gostava de muito mais quando cuspia. Muitíssimo mais. Doente e vulnerável como estava agora, sabia que corria o risco de sentir pena por ela.

Lubrificou-a de graxa da coxa ao quadril, comprovando o quente que tinha a pele e quão frágil pareciam os ossos salientes de seus quadris ao contato com a palma da mão. Ela moveu a cabeça e gemeu, com as pestanas revoando sobre suas tintas bochechas. O estudou seu rosto um momento, depois dirigiu o olhar para os peitos. As pontas eram do rosa delicado das flores de cacto. Em toda sua vida, nunca tinha visto uns mamilos como aqueles. A raiva de seu intestino se contraiu em um nó, feroz e agitado. Deslizou a mão pela escada de suas costelas e encheu a concha de sua mão com a parte inferior de seu peito, acariciando depois com seus dedos os borde e observando a reação instintiva que provocava neles. Ela voltou a gemer e mover a cabeça, com a frente enrugada e uma expressão de recriminação e desconcerto. Com toda segurança era a primeira vez que a tocavam ali. Caçador sorriu abertamente. Não era tão arrogante quando dormia, pensou.

Seu corpo, o corpo pelo que tinha pago tantos cavalos, traía-a e seguia a ele. sentiu-se perversamente satisfeito.

O sorriso desapareceu muito em breve de sua cara ao dar-se conta de que o seu não era o único corpo traiçoeiro ali.

O amanhecer chegou com um céu azul cinzento salpicado de nuvens rosadas. Uns tímidos raios de sol transpassavam as árvores e formavam luminosas bolinhas no rio. Os pássaros cantavam. Os esquilos tagarelavam. A água corria em um murmúrio incessante. Loretta despertou lentamente, consciente até antes de abrir os olhos de que algo não ia bem. Amy não era tão grande. O braço que a rodeava era duro e pesado, a cálida emano que tocava seu peito era sem dúvida masculina. Enrugou a frente e se perguntou de onde provinha a manta de cabelo que tocava suas bochechas. Onde tinha ido parar seu edredom cinza? por que lhe doía todo o corpo? Através das pestanas, observou a raiz retorcida da árvore que estava junto a ela. A brisa fazia ranger as folhas por cima de sua cabeça. O aroma de musgo do chão se mesclava com um tentador e rico aroma a café. Então percebeu vozes de homem que chegavam a ela desde não muito longe, espécie de conversações que se interrompiam ocasionalmente com alguma risada. Vozes amistosas. Vozes normais... exceto por uma coisa. Não podia entender o idioma no que falavam.

De repente, lembrou-se. O coice assustado que deu despertou ao comanche que a tinha em seus braços. Soube sem lhe olhar que se tratava de Caçador, o mais horrível de todos. O apertou de forma instintiva a mão que cobria seu peito, e seu braço se endureceu como o aço ao redor dele. Grunhiu algo e estirou o pescoço.

O primeiro instinto da Loretta foi lhe agarrar a mão, mas ao tentá-lo descobriu que tinha as suas maças. O apertou a cara contra seu cabelo e respirou fundo. poderia-se dizer que estava médio acordado pela forma lenta e preguiçosa em que se movia. Roçou com o polegar seu mamilo, jogando com a ponta sensível e provocando uma resposta involuntária. O corpo da Loretta se endureceu também, agitando-se com cada movimento de seus dedos. O bocejou e pressionou mais forte.

Ai, Deus, me ajude.

A mão seguiu deslizando-se até seu estômago, apertou-se contra seus convulsos músculos e lhe amassou a rigidez. Ela se sentia como as cordas sensíveis de um harpa a quem tocava um perito músico. Horrorizada pela reação de seu corpo, tratou de desfazer-se de suas carícias, mas ele pôs uma contundente perna sobre as dela e a imobilizou contra as peles. Doía-lhe as costas cada vez que se movia, e a dor era tão forte que fazia que lhe brotassem gotas de suor na frente. As coxas lhe queimavam como se lhes tivessem aceso fogo.

—Vá, ainda está quente —murmurou ele. Deslizou a mão por sua barriga. —Não está tão mal onde o sol não te há meio doido. Isso significa que a febre baixou.

Nenhum homem se atreveu nunca a tocá-la assim. Moveu a cabeça de um lado a outro, tratando de liberar seus braços e suas pernas. Depois se estremeceu derrotada.

—Não lute. —Sua voz vinha de tão perto, que parecia sair de sua própria mente. —Não pode ganhar, sabe? Descansa. —Seus sussurros invadiram todo seu ser... lentos, hipnóticos, persuasivos. O a roçava de forma circular, detendo-se em um ponto, e reatando o movimento em outro. —Fica tranqüila. Confia neste comanche. É para as queimaduras, né? Para curar sua pele.

Ao baixar a mão lentamente por seu corpo, deu-se conta de que a tinha melada de algum tipo de azeite. Seu coração tocou um sensual contralto, alheio aos gritos de temor emitidos por suas terminações nervosas. Não, por favor, não.

O colocou a mão no breve oco de suas coxas, procurando a suavidade lateral, desenhando círculos com seus dedos em uma sutil manipulação que enviava sensações desbocadas ao centro de seu corpo. Afundando outra vez a cabeça sobre seu cabelo, suspirou, e seu cálida respiração lhe pôs a carne de galinha no pescoço.

—Ah, Olhos Azuis, sua mãe não mentiu. É doce.

Despedindo-se com uma última carícia do centro de suas coxas, riscou a curva de seu quadril com uma mão e roçou tão brandamente sua pele dolorida pelo sol que apenas o sentiu. A pressão da palma de sua mão se incrementou ao alcançar as costelas, uma das poucas partes do corpo onde o sol não tinha chegado. Ali a mão se fechou, espremeu sua carícia e depois se abriu em um movimento rítmico que parecia seguir o tempo do estranho batimento do coração de seu sangue. Era como se ele tivesse começado o ritmo dentro dela, como se conhecesse os golpes, as pausas, muito melhor que ela.

Seu cativeiro ia além de ataduras e braços fortes. Loretta se voltou para estudar sua cara, fascinada pela inocência dormida que nublava seus olhos semi-fechados. O assassino sem piedade tinha desaparecido, e em seu lugar tinha aparecido um menino dorminhoco e travesso que lhe acariciava como se fora um mascote novo. Um breve sorriso curvava sua boca, um sorriso sonolento que lhe indicava que estava mais dormido que acordado. aproximou-se mais a ela e lhe sussurrou algo ininteligível sobre as bochechas. Os lábios dela tremeram, depois se abriram. viu-se perguntando-se como seria um beijo dele, e depois rechaçou o estranho pensamento. Os comanches não beijavam, só fornicavam. E seu tempo se estava acabando.

Com a ponta da língua, Caçador riscou o bordo de sua orelha.

—Topsannah, tani-har-ro. —Arrastou tanto as palavras, que ela duvidou inclusive de que soubesse que estava as dizendo. —Flor da pradaria —murmurou, —na primavera.

ficou calado. O braço que rodeava sua cintura ficou como sem vida, flácido. Trocou-lhe a respiração, que se fez mais medida e profunda. O comprido mogno de suas pestanas caiu sobre suas bochechas. Loretta o olhou, incrédula. ficou-se dormido de tudo. E ela estava cravada sob seu braço e sua perna. Loretta enrugou o nariz. A pele de búfalo o fazia cócegas, e cheirava a fumaça e graxa de urso. Estaria certamente cheia de pulgas e piolhos, pensou com desgosto, e de repente começou a lhe picar o corpo, uma verdadeira tortura para sua pele que não podia arranhar.

O deixou ancorada a mão em sua costela. Embora escapar era impossível, atada como estava, estar tão perto de lhe provocava claustrofobia. Lentamente, embora só fora lentamente, tratou de sair de debaixo de seu corpo, mas ele ficou tenso e atirou dela e voltou a colocá-la na curva de seu corpo.

—Dorme —murmurou. —Amanhã faremos a guerra, não?

Loretta estirou o pescoço para ver por cima da pele. A certa distância, os outros índios formavam grupos ao redor de pequenos fogos, alguns bocejando, outros completamente acordados com taças de latão na mão. Um homem olhava em direção dela. Colocou rapidamente a cabeça sob a pele, mas não o suficientemente rápido. Segundos depois ouviu um débil sussurro de mocasines aproximando-se. O frufrú da pele. Sentiu a presença de alguém junto a ela e entrecerró os olhos. Através das pestanas, viu uns olhos cor obsidiana que olhavam para baixo. Os olhos pertenciam a uma cara escura rodeada de uma cabeleira negra azulada. Reconheceu ao índio. Era o que tinha falado em seu favor o primeiro dia, que não tinha querido que a matassem. Não fez que se sentisse menos assustada.

Aterrada, viu como o homem levantava o bordo do tecido para lhe olhar o ombro. Frenética, retorceu-se na pele que lhe atava as mãos a suas costas. Era seu pior pesadelo. Comanches. E não um, a não ser dois. E nem sequer podia lutar contra eles. Se lhe tirava o tecido que a cobria, não poderia fazer outra coisa que ficar ali, envergonhada.

Caçador se desperezó e bocejou. Depois se incorporou, apoiando-se em um cotovelo, e ladrou em comanche.

—O que é isto, tah-mah? Não vê que intento dormir?

—Só vim a ver a mulher.

Caçador se deslumbrou com o sol e suspirou.

—E, o que te parece? —sentou-se e apartou o tecido muito além de seu ombro, sem lhe importar que seu peito ficasse ao descoberto e renda-se brandamente ao ver a expressão horrorizada de sua cara. De todos os homens, seu irmão, Guerreiro, seria o menos disposto a lhe fazer danifico. Era um valente lutador mas também amável, mais disposto a defendê-la que a atacá-la.

—Vejo-a melhor. A graxa, possivelmente. Já não está tão vermelha. O Homem Velho tinha razão quando disse que a água fria lhe baixaria a febre. Segue quente, mas não tanto como antes.

Guerreiro lhe tocou a pele com a palma da mão.

—O Homem Velho diz que se não a mantiver fria, a febre voltará a subir.

—Outro banho não! —Caçador apoiou o cotovelo no joelho que tinha dobrada e se arranhou a cabeça. Qualquer esforço de risada desapareceu de sua cara. Não o fazia nenhuma graça a perspectiva de ter que lutar com ela outra vez. —Não desperte com notícias como esta. me traga uma taça de primeiro café.

—Talvez não outro banho, mas tampouco viajar com este calor. Teremos que ficar aqui uns dias.

—Estão dispostos a lhes arriscar assim? O que acontece os tosi tivo?

Guerreiro rompeu uma folha de verbasco e se lavou os dedos com o suco medicinal da planta, aplicando-o depois sobre as bochechas da garota. Ela se encolheu, aproximando-se de Caçador, o que lhe fez sentir-se ainda pior.

—Estamos possivelmente mais seguros aqui, em frente de seus narizes, que se estivéssemos a quilômetros de distância. Quando voltamos dando um rodeio, cobrimos bem nossos rastros. Já sabe quão estúpidos são os tosi tivo. Seguirão rastros que outros deixaram e nem sequer pensarão em nos buscar aqui, tão perto.

—Sim, mas...

—É sua mulher. Se fosse ao contrário, você faria o mesmo.

Caçador se impacientou com os movimentos de seu cativa e lhe agarrou por cabelo para fazer que ficasse quieta.

—Olhe, eu a sujeito. O nariz é o pior. Aí onde se curva. Sua frente, também, tah-mah.

Guerreiro a esfregou com o suco e sorriu.

—Não gosta. E se o pensa, tampouco parece estar muito contente contigo.

Aproximando-se mais a ela, Caçador lhe jogou outra vez uma olhada à cara. Seus olhos eram tão grandes como os de um cervo assustado. Um brilho divertido acendeu os dele.

—Não parece que queira me cuspir hoje, verdade? me dê uma semana, e estará lista para ser montada.

—Você voa como o vento. —Guerreiro levantou uma sobrancelha sarcástica e atirou ao chão as folhas de verbasco— Me ensinaste tudo o que sei para ser um guerreiro, tah-mah, mas no que se refere a mulheres reacias, é tão torpe como um lobinho.

—Isso é porque nunca são reacias.

—Estraga! —exclamou Guerreiro com uma gargalhada. —Acredito recordar outra coisa. Salgueiro Junto ao Rio não correu precisamente do fogo central a seu tipi a noite de suas bodas. Fez-a dançar até estar tão cansada que não tivesse vontades de discutir contigo. —Um silêncio tenso os separou, um silêncio carregado de lembranças— O sinto, tah-mah. Hei dito seu nome sem pensar.

—passaram muitos invernos. Meu coração já não jaz sobre a terra. —Caçador pôs uma mão pesada no ombro nu da jovem, com uma expressão pensativa. —Então, vamos acampar aqui? Alguém explorou a zona? Estão seguros de que estamos a salvo aqui?

—Antílope Veloz e Búfalo Vermelho saíram em busca de rastreadores ontem à noite e esta manhã. Por muito louco que pareça, Búfalo Vermelho assegura que o ap da mulher nem sequer foi a procurar ajuda ainda.

—É um covarde, certamente quer estar seguro de que nos fomos. Surpreende-me que suas mulheres não tenham cavalgado para forte a procurar ajuda. Elas são com muito, melhores lutadoras.

Quase sem dar-se conta do que estava fazendo, Caçador acariciou com o polegar o braço da garota, com cuidado de não pressionar muito forte e lhe fazer machuco na zona queimada. Era tão suave como a pele de um coelho. Olhando para baixo, viu que sua pele estava coberta de um pêlo fino e dourado, perceptível só agora que o sol tinha formado uma capa escura na parte danificada. Fascinado, passou a ponta do dedo pelo penugem. À luz do sol, reluzia como se alguém tivesse polvilhado pó de ouro sobre ela.

—Antílope Veloz não deixa de falar da pequena —disse Guerreiro. —Sua coragem lhe impressionou tanto, que acredito que se apaixonou. Tenho que admitir que uma vez que te acostuma a olhá-lo, esse pêlo dourado e esses olhos azuis deixam um rastro em ti. Talvez deveria cruzar com ela o rio e vendê-la, não te parece?

—Poderia ganhar o dobro do que investi. —Com uma careta, Caçador voltou a cobri-la com a pele. Ela reagiu afastando-se e ele emitiu um grunhido de desgosto. —Deve pensar que vamos comer e que ela vai ser nosso café da manhã.

—Falando disso, pensa alimentá-la?

—Em uma hora ou assim. Se formos ficar hoje, posso voltar a dormir. —Tirou a faca e cortou as tiras de pele que atavam as bonecas da Loretta. —Desperta se o sol a alcançar, de acordo?

—Será melhor que a tenha atada.

—por que? —Um bocejo desfigurou a cara escura de Caçador.

—Porque parece muito fugidia.

—Está nua. —Embainhou a faca e se protegeu com a mão os olhos do sol. —Não se irá. Não sem roupa. Nunca vi uma criatura tão tímida.

—Os tosi tivo cobrem a suas mulheres com tanta roupa, que lhes deve levar toda uma semana as despir. Depois, põem-lhes esses calções sob a saia. Como fazem para ter tantos filhos? Eu estaria tão cansado para quando tivesse visto a pele que não teria vontades de fazer nada mais.

—Já pensaria em algo —Rio Caçador.

—Já sabe, assim que fique dormido, ela poderia querer ir a por sua faca. Quer despertar com a garganta rachada?

—Acredito que está mais disposta a matar-se a si mesmo que a me matar a mim. Já sabe como são. —Caçador fez uma careta. —perdeu a honra. Um homem a viu nua. Por muito boisa que soe, assim é como pensam.

—Quer que a vigie enquanto dorme?

Caçador jogou para trás a cabeça e se Rio.

—te limite a despertar quando se for a sombra, velho verde. te aproxime e o direi a Donzela da Erva Alta. Queimará-te o jantar durante um mês.

Loretta viu que o outro índio se ia e respirou aliviada. Foi por pouco tempo. Caçador se girou para um lado e lhe aconteceu um braço por debaixo da pele de búfalo, agarrando-a pela cintura. Estava totalmente acordado, e Loretta não tinha nem idéia do que podia esperar dele agora que atirava dela para aproximá-la. Apenas se atrevia a respirar, do medo que tinha. Lhe pôs a mão sob o peito e lhe pegou a cara à nuca.

—Agora, dorme, Cabelo Amarelo —sussurrou. —Devo descansar. A viagem a casa será largo.

A casa. Loretta escutou o zumbido do rio e pensou, com o olhar perdido, no bosque. Ah, como sentia falta de sua casa. O fogo da manhã estaria já esquentando a casa. Ela estaria acurrucada no mezanino com a Amy, despertando com o aroma de café e nervuras de porco na frigideira. Reconhecia o rio Braços. Estavam tão perto da granja. Os índios eram preparados, isso tinha que reconhecê-lo. Os guardas nunca pensariam em buscá-los ali, nem em um milhão de anos. Os olhos lhe encheram de lágrimas. Tratou das deter, mas elas corriam como rios por suas bochechas. Doía-lhe o estômago. O peito lhe pesava.

O comanche se apoiou em um cotovelo para olhá-la e depois lhe tocou a bochecha. depois de olhar fixamente a umidade que molhou seus dedos, suspirou e se tombou de costas, rodeando-a com o braço uma vez mais.

—Deixa de fazer isto.

Loretta conteve o fôlego. Mas só pôde fazê-lo por um tempo. No momento no que teve que expulsar o ar, um soluço afogado lhe raspou a traquéia.

—Deixa de lhe fazê-lo assobiou. —Este comanche te golpeará forte como o vento.

Loretta fechou com força os olhos. Pensou em seus pais. perguntou-se se algum destes homens lhe teria arrancado a cabeleira. Piedade, Deus, tinha que sair daqui... Como se ele adivinhasse seus pensamentos, apertou com mais força o braço com o que lhe rodeava a cintura.

—Não pode voltar. Agora é minha mulher. Suvate, tudo se cumpriu. Ficará quieta e dormirá.

Um hipido saiu de sua garganta. O grunhiu e lhe deu um ligeiro empurrão.

—Não me ouviste? Detén essas lágrimas. Já lhe hei isso dito. Não prove minha paciência, Cabelo Amarelo. É uma advertência que te faço, entende-o? Desobedece e lutaremos a grande luta.

Loretta tentou uma vez mais conter a respiração. Não tinha nem idéia do que significava a «grande luta», mas estava claro que ele ganharia. Ao expirar, arrotou com um tremor. tampou-se a boca com a mão.

Caçador lhe grunhiu algo e ficou em pé. Passando-a mão pelo cabelo, rodeou-a para ficar frente a ela e ficou observando a expressão retorcida de sua cara com um olhar de chateio.

—Deixará isto quando voltar. Entende?

Ela assentiu, escondendo a cara para não mostrar sua vergonha. «Sua mulher?» No momento no que a tocasse, estaria perdida para sempre. Nunca poderia voltar para casa. A gente a olharia e sussurraria a suas costas. Caçador se foi em busca dos outros homens. Assim Loretta pôde chorar a gosto. Todo o medo, o cansaço, a tensão das últimas vinte e quatro horas saiu nesse momento. Depois caiu em um sonho reparador, e a necessidade de escapar foi o último pensamento que lhe passou pela mente.

                                       CAPÍTULO 07

Conversações isoladas e aromas tentadores a carne assada despertaram a Loretta de seu sonho profundo. Piscando ao sol abrasador, intuiu pela posição sobre as árvores que devia ser quase meio-dia. A dor lhe pulsava com força ao redor dos olhos. Uma sensação contínua de calor lhe torturava a pele. Tinha a língua pega à parte superior da boca, torcida e seca. Tivesse dado um olho da cara por um sorbito de água.

Plenamente consciente de que alguns dos comanches se reuniam não muito longe de ali ao redor do fogo, Loretta tinha medo de chamar a atenção se se movia. A pele de búfalo lhe pesava sobre o corpo, quente e falto de ventilação. Podia ouvir o crepitar do fogo, o som lhe assobiem da panceta assando-se nas chamas. De tanto em tanto, levantava-se um pouco de brisa que fazia soar as folhas por cima de sua cabeça. Os pássaros cantarolavam, os esquilos tagarelavam e, como fundo, estava o som rápido e contínuo da água. Se fechava os olhos, podia quase acreditar que estava junto ao rio com a Amy a solo uns passos da segurança da granja.

Sentiu umas cãibras nas acne e um desagradável peso que crescia por momentos no centro de seu estômago. Incapaz de permanecer nem um segundo mais na mesma posição, moveu-se para ficar de costas, apertando os dentes ao sentir a dor do roce das peles sobre sua pele queimada.

As vozes guturais pareceram subir de volume, em um tom de discussão, mas amigável. de vez em quando alguém ria. Se os índios tivessem estado falando em inglês, poderiam muito bem ter passado por homens brancos, contando histórias e fazendo-se brincadeiras uns aos outros. Mas não eram homens brancos. Loretta viu um escudo de guerra apoiado em uma árvore. Estava pintado com símbolos diabólicos. Havia cabeleiras pendurando da brida de um cavalo próximo, umas tranças de cor ruiva, sem dúvida de alguma mulher branca.

O suor lhe amontoou nas sobrancelhas e lhe escorregou pelas têmporas. Tinha que sair dali.

O som de uns passos aproximando-se acelerou os batimentos do coração de seu coração. Loretta fechou os olhos e se fez a dormida. Podia sentir a alguém olhando-a. O calor se amontoou em suas bochechas. fez-se mais quente, e mais quente ainda. Então sentiu um picor na pele sensível das janelas de seu nariz. Fumaça?

Abriu os olhos. Tinha uma parte de lenho ardendo frente à cara. Loretta se apartou, passando aterrorizada os olhos da brasa vermelha à mão moréia que o sustentava.

—Não cospe, Cabelo Amarelo?

Uns ombros largos eclipsaram o sol, e a cabeça que se sustentava neles era uma malha grotesca cheia de marcas. Loretta reconheceu ao índio que tinha pedido a Caçador que a matasse esse primeiro dia. Sustentava o lenho como se fora uma arma de guerra, a só uns centímetros de seu nariz. Agarrando-se com os punhos à pele e agitando os pés, tratou de deslizar-se para os lados, sem emprestar atenção à dor que isto produzia em suas costas queimada. O índio grunhiu e lhe pôs um pé no peito.

Torceu seu rosto marcado para desenhar um horrível sorriso.

—É boa cuspindo. Cospe rápido, verdade? Afoga sua ira, antes de que te encha de cicatrizes e te converta em alguém feio como eu.

Loretta conteve a respiração e foi soltando-a em gemidos entrecortados. Começava a sentir o calor no pêlo do lábio superior, e o aroma acre lhe colocava pelo nariz. Os olhos negros do índio brilharam de satisfação.

—Sua valentia voou? Não encontra nenhum rifle para te defender? —inclinou-se ainda mais de modo que a maior parte de seu peso descansasse sobre ela. —Porei minha marca em ti, né? Quando minha primo se canse de ti, prometeu-me que será para mim. É justo, não? Farei-te o que seus amigos tosi tivo fizeram comigo.

Agitou a madeira para diante. Loretta a esquivou bem a tempo.

De repente apareceu outro índio. Era muito major, com o cabelo gordurento e talher de cãs. Vestido só com o tanga, luzia um torso moreno tão duro como o couro curtido, as nádegas firmes e as pernas musculosas. Com uns movimentos agitados e umas palavras que ela não podia compreender, assinalou para o rio. Loretta se sentiu profundamente aliviada ao ver que agarrava a parte de madeira da mão de seu torturante e o atirava ao chão.

O índio jovem grunhiu um protesto. Ao tirar o pé do peito da Loretta, colocou o pé entre a pele de búfalo e a apartou com uma sacudida. Ela se apertou tratando de cobrir-se, envergonhada ao sentir o ar frio que chegava até seu peito.

lhe lançando um olhar lascivo lhe disse:

—Homem Velho danificou a diversão, mas jogaremos outro dia. Muito em breve, verdade?

Loretta atirou da pele de búfalo até acima. Embora tinha o corpo coberto de suor, não parava de tremer. Inclusive muito depois de que os índios se foram, seu corpo seguia tremendo. Animais. Eram todos uns animais.

Só uns segundos mais tarde, ouviu uma vez mais o som de passos aproximando-se. Uns dedos morenos e largos apanharam a pele e a tiraram da cara. Esperando o pior, ficou tensa e entrecerró os olhos cegada pelo sol. A escura e corpulenta silhueta de um homem ficou em cuclillas junto a ela. Deslumbrada, não pôde ao princípio reconhecer seu rosto, mas o brilho de seu cabelo cor mogno e a amplitude de seus ombros eram inconfundíveis.

Entregou uma taça de latão, como as que tia Rachel tinha na cozinha. Tom Weaver tinha razão. Estes comanches tratavam freqüentemente com os homens brancos. Como se não poderiam conseguir café e baixela? Isso explicava que pudessem falar tão bem em inglês.

—Beberá.

Sua voz profunda e suave não mostrava expressão alguma, e isso lhe assustava mais que sua ira ou as ameaças que pudesse lhe fazer. O sol se refletia em seu amplo peito e em seus poderosos braços, e os músculos se cinzelavam sob sua pele moréia cada vez que se movia. Loretta ficou gostada muito do medalhão de pedra que pendurava de seu pescoço e da cabeça de lobo que mostrava em uma das caras. Outros gravados decoravam a banda de couro que rodeava sua boneca, como uma serpente entrelaçada de duas cabeças que pareciam o sol e a lua.

Ela se apoiou sobre o cotovelo, com cuidado de que a pele seguisse lhe cobrindo o corpo nu. Com mão tremente, agarrou a taça, tratando de que seus dedos não tocassem os dele. Ao beber, a água lhe escorregou pelo pescoço. Água fria e maravilhosa. Terminou-a em cinco goles. passou-se a língua pelos lábios estragados, saboreando cada gota, e depois lhe devolveu o recipiente amolgado. Tivesse-lhe gostado de beber um pouco mais, mas não se atreveu a pedir-lhe Sus ojos azul oscuro se encontraron con los de ella al tiempo que le ponía la palma de la mano en la mejilla. Bajó los dedos hasta el cuello y el miedo le secó la garganta. El la tocaba con la misma naturalidad con la que habría tocado a su caballo. Con posesión, con arrogante superioridad.

Caçador pôs a taça no soalho que fazia as vezes de cama e se inclinou sobre um joelho. Emanava dele uma mescla de aromas de fumaça, azeite de castor, pele e salvia. O aroma índio. cravava-se nas mantas, em sua pele, em seu cabelo. Nenhuma pastilha inteira de sabão com um cubo cheio de água de lavanda poderiam lhe tirar esse aroma.

Seus olhos azul escuro se encontraram com os dela ao tempo que lhe punha a palma da mão na bochecha. Baixou os dedos até o pescoço e o medo lhe secou a garganta. O a tocava com a mesma naturalidade com a que haveria meio doido a seu cavalo. Com posse, com arrogante superioridade.

Voltando o olhar ao grupo de homens que estavam detrás dele, gritou:

—Cho-cof-p Okoom! Keemah, cah boon!

Loretta não pôde evitar dar um salto. Caçador voltou a olhar para ela, e na comissura dos lábios desenhou uma careta de desprezo. O velho índio que tinha vindo em seu auxílio só uns minutos antes se aproximou para eles com grandes pernadas.

—Hein ein mah-seu-ite?

—Hei-b-to. Heep-et? —Caçador assentiu para a Loretta. —Cotia.

O ancião deu uma cotovelada a Caçador para apartar o de seu caminho e logo se ajoelhou e fixou seus grandes olhos escuros na Loretta. Embora tratou de manter-se serena, a boca lhe tremia e um músculo de sua bochecha o fazia tic. Assinalando-a com um dedo no peito, o índio ancião disse:

—Nei nan-NE-i-cut Cho-cof-p Okoom. —Sua boca enrugada se abriu em um sorriso, mostrando uns dentes negros e decadentes. —Nisto comanche quer dizer que meu nome é Homem Velho. Entende? Cho-cof-p Okoom, Homem Velho.

Embora Homem Velho lhe tinha salvado antes e parecia inofensivo, Loretta não podia confiar nele. Não confiava em nenhum deles. encolheu-se quando tratou de tocá-la. Caçador grunhiu algo e lhe agarrou do cabelo com o punho fechado. Ela tratou de recordar uma oração, qualquer oração. Para sua tranqüilidade, o velho só lhe tocou a frente.

—Você-bit-ze! —exclamou a Caçador. Dirigiu um olhar acusador ao sol, e depois assinalou ao rio, balbuciando outras palavras incompreensíveis que concluíram com uma ordem. —Namiso!

Fora o que fosse o que Homem Velho houvesse dito, Caçador não pareceu muito contente. Enquanto o ancião se afastava, Caçador soltou o cabelo da Loretta e ficou de pé, lhe fazendo um sinal para que se levantasse também. Não podia acreditar que quisesse que ficasse de pé nua como estava. Não podia ser certo...

—Keemah! Namiso! —assobiou. Ao ver que sua única resposta era um olhar fixo nele, gritou: —Keemah, vamos! Namiso, rápido! Não ponha a prova minha paciência, Olhos Azuis.

Loretta se apertou a pele de búfalo ao peito e sacudiu a cabeça. Não ia passear se por ali nua ante todos esses homens. Não o faria.

Um brilho perigoso saiu de seus olhos.

—Obedecerá a este comanche.

O tom ameaçador de sua voz fez que um medo frio lhe percorresse o corpo, mas ela se manteve firme.

Com um grunhido, o índio se inclinou e a agarrou em braços, peles incluídas. antes de que ela pudesse dar-se conta do que fazia, a pôs sobre o ombro, sustentando a com um braço debaixo dos joelhos e a outra emano arranca-rabo à pele para que não caísse.

—Estúpida mulher branca. Não aprende muito rápido.

Uns momentos depois, Caçador chegou ao rio e se meteu até o centro da corrente. Com outro grunhido, desceu-a do ombro sem soltar a pele que tinha arranca-rabo, por isso foi cair na água completamente nua. Não era momento de sentir-se envergonhada. A mudança de temperatura foi tão brusco em um corpo febril como o seu, que não pôde pensar em nada mais. A água lhe queimou o nariz e descendeu pela traquéia. Tudo estava escuro. Por um momento não esteve segura do que era acima ou abaixo. Então viu um pouco de luz. precipitou-se à superfície, tossindo e afogando-se, agitando os braços com desespero.

Com um movimento rápido, Caçador atirou a pele sobre a borda e se aproximou dela. Não podia fazer pé e, apesar dos desesperados movimentos de braços e pernas, voltou a afundar-se de novo, bebendo outro bucho de água.

Caçador a agarrou dos cabelos e atirou dela para a superfície. Depois a levou mais perto da borda, onde pudesse fazer pé. Aproximando a cara a dela, apertou o punho na mecha pela que a tinha arranca-rabo.

—Obedecerá-me —pronunciou cada palavra com uma claridade venenosa. —Sempre. É minha, a mulher de Caçador, para sempre sem horizonte. A próxima vez que me negue com a cabeça, pegarei-te.

A água que acabava de tragar saiu de sua garganta nesse momento. Incapaz de detê-la, engasgou-se e depois tossiu. O líquido despedido com força lhe deu nos olhos. O piscou e se tornou para trás, sem acreditá-lo que acabava de ocorrer. Loretta se cobriu a boca com as mãos, cobrindo-os peitos com os braços e deixando cair os ombros para diante.

Parecia tão zangado, que Loretta pensou que ia pegar lhe um murro. Em vez disso, soltou-lhe o cabelo e lhe sujeitou os braços. Quando por fim ela recuperou a respiração, soltou-a e voltou para a borda abrindo um reguero de gotas de água a seu passo. antes de secá-la cara com a pele de búfalo, deu-se a volta para olhá-la.

Caçador se sentou em cuclillas, com os antebraços apoiados nos joelhos. Olhando a seu redor, disse:

—Suas paredes de madeira estão longe, Cabelo Amarelo. Se tráficos de escapar, este comanche te encontrará.

Até esse momento, a idéia de nadar não lhe tinha passado pela cabeça. Lançou um olhar à corrente. Se tivesse a roupa...

—Não sabe muito bem fazer de peixe. Não dê mais problemas a este comanche, entendido?

Acreditou detectar um tom de brincadeira em sua voz, mas quando se voltou para lhe olhar, seu olhar era mais azul e impenetrável que nunca. O a examinou durante uns segundos intermináveis. Loretta se perguntou o que era o que estaria pensando e decidiu, pelo brilho em seus olhos, que preferia não sabê-lo.

—Seus olhos dizem que minto quando te chamo minha mulher. Isso não é bom. É nosso acordo, vale? —Agarrou um punhado de erva e o passou lentamente pelos dedos, observando a de uma maneira que indicava que ia tocar a logo, e com a mesma lentidão. —Foi uma promessa que me fez, e agora é mentira? Assim são os de seu povo, dizem palavras vazias. Pe-nen-dê taquoip, palavras de mel, é isso? Mas os comanches não são assim. Se memore, cortarei-te a língua e darei de comer com ela aos corvos.

A brisa removeu sua juba e algumas mechas de cabelo emolduraram seu rosto cinzelado. Por um instante, a cicatriz da bochecha ficou escondida, e de algum modo pareceu menos impressionante. Loretta ficou gostada muito de seus lábios, bem definidos e angulosos, duros, talvez pela rígida expressão que sempre tinha. Umas rugas profundas rodeavam sua boca, linhas de expressão certamente de rir. Ah, sim, podia imaginá-lo lhe cortando a língua e sonriendo enquanto o fazia.

—Você não gosta de muito. É triste, né? —Com um movimento da mão, assinalou ao mundo que lhes rodeava. —O céu está acima e a terra abaixo. O sol mostra seu rosto só para ser afugentado pela Mãe Lua. Estas coisas são para sempre, entende? Da mesma forma que você é minha mulher. A canção foi cantada muito tempo atrás, e a canção deve acontecer. Deve aceitá-lo, Olhos Azuis.

Loretta tivesse querido deixar de lhe olhar, mas não podia. Os laços suaves de sua profunda voz se entreteciam a seu redor. Devia aceitá-lo? O estava já pensando em entregá-la a sua horrível primo. afundou-se na água, com os braços cruzados para esconder os peitos. Poderia vê-la na água? Seguiu estudando-a com a mesma desconcertante intensidade.

—Quando sopra o vento, as árvores jovens se dobram, as flores se mantêm a ras do chão, a erva se inclina. —golpeou-se o peito com o punho. —Eu sou seu vento, Olhos Azuis. te incline ou te rompa.

te incline ou te rompa. Em toda sua vida, nunca se havia sentido tão impotente. Então se fixou na adaga que tinha no quadril. Se ele baixasse o guarda embora só fora um momento!

Como se soubesse o que estava pensando, sorriu-lhe com outra de seus sorrisos burlonas e baixou os olhos até seu peito, onde a água a tocava, justo debaixo de seus dedos abertos. Ela se abraçou com mais força. O não disse nada mais, mas as palavras não eram necessárias. Não poderia ficar no rio para sempre e, quando saísse, ele estaria esperando. Estava apanhada. Sempre, para sempre, sem horizonte.

Os segundos se converteram em minutos. Loretta começou a sentir frio. O comanche se cansou de sua posição em cuclillas e estirou as pernas na areia da borda. Pôs um joelho no chão e apoiou o cotovelo na outra, inclinado para poder seguir vendo-a. Loretta estava segura de que o sangue lhe tinha congelado. Começou a tremer e a tocar castanholas os dentes. E ele seguia observando-a, com a boca torcida nessa expressão zombadora que ela começava a conhecer tão bem.

Quando por fim se levantou, ela deu um passo para trás, levantando o queixo para que a água não lhe chegasse à boca. Ele se inclinou para agarrar a pele de búfalo e a chamou.

—Keemah.

Loretta sabia já que esta palavra significava «vêem». Ela se estremeceu e olhou com desejo a pele que ele sujeitava.

—Keemah —repetiu ele. Ao ver que ela não se movia, suspirou.

Afundando-se ainda mais na água, Loretta tragou água, engasgou-se e tossiu.

O a olhou sentido saudades, ao limite de sua paciência.

—Este comanche não é estúpido. Sairá correndo como o vento se sotaque de te olhar.

Ela sacudiu a cabeça. Com o cenho franzido, estudou-a um momento.

—Isto não será pe-nan-dê taquoip, palavras de mel. É uma promessa que faz?

Ela assentiu, tocando castanholas os dentes.

—E não mentirá?

Quando ela voltou a sacudir a cabeça, ele atirou a pele ao chão e se deu meia volta sobre si mesmo. A Loretta custou acreditar que de verdade ia ficar de costas. ficou observando o largo de seus ombros, a curva de seu espinho dorsal, suas largas pernas embainhadas em ante. Como os animais selvagens que caçava, era ágil e esbelto, com um corpo coberto de poderosos músculos. Se tratasse de fugir, ele a alcançaria antes de que tivesse dado uns quantos passos.

Abrindo-se caminho pela água até a borda, manteve os olhos fixos em suas costas. Ao alcançar o bordo, cortou-se a planta do pé com uma rocha. mordeu-se o lábio e seguiu andando, com medo a duvidar nem sequer um segundo. O coração pulsava a cem por hora quando chegou aonde ele estava. Agarrou a pele e a pôs pelos ombros, agarrando com força os borde contra seu peito.

Estando tão perto dele como estava, pôde fixar-se melhor no brilho oleoso de sua pele e o cabelo escuro que caía da dobra de suas axilas. Não queria tocá-lo, mas os segundos passavam. Era seu ouvido tão fino para saber que ela seguia detrás dele? Sentiu que estava de alguma forma esperando-a, provando a de uma forma que ela não compreendia, demonstrando seu poder sobre ela. Tirou uma mão de debaixo da manta que a cobria e com tanta rapidez que logo que notou sua pele, tocou-lhe o ombro e voltou a colocar a mão onde a tinha.

O se girou para olhá-la, fixando a vista um momento na nudez de suas pernas e seus pés. A humilhação ruborizou as bochechas da Loretta. O deu um passo para ela e se agachou para voltar a carregá-la sobre o ombro. Ao agarrar-se a seu cinturão para não cair, Loretta se deu conta de que, por um lado, a água fria lhe tinha aliviado a dor de cabeça e, por outro, o punho da faca do comanche estava a seu alcance...

Sem parar-se a pensar nas possíveis conseqüências, alargou a mão imaginando como seria afundar a folha em suas costas e voltar a ser livre. Quando seus dedos começavam a rodear a manga da adaga, ele disse:

—me mate, Cabelo Amarelo, e meus amigos vingarão minha morte. O sangue de seus seres queridos se derramará tão lentamente como a seiva goteja de uma árvore ferida. —Seguiu andando e não fez nenhum intento de lhe agarrar a mão. —Meus amigos conhecem o caminho até suas paredes de madeira, entendido? Não semeie dor detrás de ti. É sábio.

Loretta afastou a mão da faca, horrorizada pelo que tinha estado a ponto de fazer. Sua família. Eles voltariam e matariam a sua família...

Os outros índios lhes rodearam rendamos-se quando Caçador apareceu no acampamento com ela no ombro. Embora os cabelos soltos de sua trança lhe cobriam a cara, ainda pôde ver o rosto desfigurado do sobressaio de Caçador. Lhe dirigiu um sorriso grotesco e se meteu a mão sob o tanga para acariciar-se. Os olhos lhe brilhavam de lascívia. Outros homens ficaram de pé junto a ele e começaram a rir e a mover os quadris. Tanta obscenidade a perturbou. E o fato de que Caçador não dissesse nada ao respeito a encheu de terror. Estava claro que não tinha nenhum reparo em compartilhá-la com seus amigos.

depois de que Caçador a pusesse no soalho coberta de peles, um lugar que ela começava a ver já como prisão, agarrou com força a pele de búfalo que a cobria e ficou tombada de lado. «Não semeie dor detrás de ti.» sentia-se como um animal em uma armadilha, esperando ao trapaceiro e a uma morte segura.

O sol lhe queimava as pálpebras fechadas, vermelhos e quentes. Loretta ouviu que Caçador se afastava a curta distância, e ouviu que murmurava algo. A resposta chegou em forma de relincho. Levantou as pestanas e viu que o comanche colocava as mãos em umas alforjas. Tirou seus calções com volantes, a camisa de pele de ante que tinha levado a granja no dia anterior pela manhã e uma saca das que se fechavam com um cordão franzido. De volta já aonde ela estava, aproximou-se os calções ao nariz para cheirá-los.

Seus olhos se encontraram quando Caçador apartou a roupa de aroma de lavanda de sua cara. Pela primeira vez, sorriu de verdade. Suavizou sua expressão por tão pouco tempo que Loretta tivesse pensado que só o tinha imaginado, se não tivesse sido pelo cintilação que ficou em seus olhos escuros.

ficou de joelhos junto a ela e atirou a roupa sobre as peles, lhe ensinando a saca.

—Graxa de urso para as queimaduras. Porá-te de costas.

Seus olhares coincidiram, e na dele ainda persistia uma expressão divertida. Os segundos se mediam pelo selvagem tamborilar de seu coração. Queria lhe esfregar o corpo? Ah, Deus, o que podia fazer ela? Sustentou a manta com todas suas forças.

Caçador se encolheu de ombros, como se sua resistência não lhe importasse o mais mínimo, e abriu a saca.

—Certamente não é muito lista, Olhos Azuis. Porá-te de costas.

Loretta imaginou a sessenta guerreiros caindo sobre ela. Como se ele necessitasse que alguém o animasse. O ódio e a impotência a fizeram tremer. Caçador a observou, com uma expressão indecifrável enquanto esperava. Ela queria atirar-se sobre ele, lhe arranhar e lhe morder. Em vez disso soltou um pouco a pele de búfalo e se deu meia volta sobre o estômago.

Ao apoiar a cara na pestilenta pele, as lágrimas rodaram por suas bochechas, amontoando-se e lhe fazendo cócegas a ambos os lados do nariz. Baixou as mãos junto aos quadris e ficou rígida, esperando a que ele atirasse da manta. A vergonha lhe subiu quente até a cara, ao imaginar a todos esses homens horríveis olhando-a.

Sentiu a ausência das peles e respirou fundo. Uma palma gordurenta lhe tocou as costas e se deslizou para baixo com tanta lentidão que sua pele tremeu e suas nádegas se contraíram. Estava tão centrada em seu contato, no vergonhoso que resultava, que tiveram que passar vários segundos antes de compreender que seguia coberta, que ele tinha deslizado o braço por debaixo da manta, de forma que ninguém, nem sequer ele, pudesse vê-la.

O alívio, se é que podia chamar-se assim, durou pouco, já que ele começou a melar cada palmo de seu corpo com a graxa e depois lhe separou os braços para poder chegar às partes queimadas da pele que havia em seus flancos. Ela resistiu, mas ao final a fortaleza física pôde mais. Quando seus dedos roçaram o ondulação de seu peito esquerdo, os pulmões lhe deixaram de funcionar e seu corpo ficou paralisado.

O duvidou, mas depois continuou com a fricção, afundando seus dedos entre a manta e ela para alcançar o mamilo. O sol não tinha chegado até ali, e ela sabia que com esta carícia só pretendia deixar clara qual era a situação. Lhe pertencia, e a tocaria quando quisesse e onde quisesse. Loretta não pôde reprimir um soluço. Uma vez mais, sentiu que sua mão se detinha. Seu olhar lhe queimava nas costas, tangível em sua intensidade.

Ao fim tirou o braço de debaixo da manta e se tornou para trás. Loretta dobrou o pescoço para lhe olhar a cara escura, sem se preocupar de secá-las lágrimas, muito derrotada para tentar que não as visse. O pôs a saca de couro no soalho, junto a ela. Por um instante acreditou ver um brilho de piedade em seus olhos.

—Você põe o resto, de acordo? E te ponha a roupa.

Com isto, levantou-se, lhe dando as costas. afastou-se para sentar-se junto ao único fogo que ficava. Loretta pegou a manta de pele a seus peitos e se sentou, bastante sentida saudades de ver que a tinha deixado sozinha para vestir-se.

                                             CAPÍTULO 08

Caçador se sentou de cuclillas junto ao fogo. Com uma taça de café nas mãos, fixou a vista nas chamas. Podia ver seu cabelo amarelo pela extremidade do olho e percebia cada um de seus movimentos, cada um de seus olhares. De alguma forma tinha conseguido manter-se coberta com a pele enquanto ficava a camisa e os calções.

Seu irmão Guerreiro estava agachado junto a ele e tinha começado a atirar partes de madeira ao fogo, para ver como ardiam.

—Os tosi tivo devem ser maus amantes.

Caçador levantou a vista, algo mais que sentido saudades pela observação de seu irmão. Guerreiro era assim, lançando palavras como dardos, como folhas de outono apanhadas pelo vento.

—Não está de acordo? —continuou.

A voz de Guerreiro e a cadência musical da língua comanche soava docemente nos ouvidos de Caçador. Falar com a cabelo amarelo na língua tosi tivo lhe tinha deixado um mau gosto no paladar.

—Os tosi tivo são maus em tudo.

Guerreiro jogou uma olhada a cabelo amarelo. Uma nuvem de fumaça lhe fez fechar os olhos.

—Segue escondendo-se debaixo da pele de búfalo. Sua camisa e os calções não são suficientes.

Caçador procurou os olhos escuros de seu irmão.

—Acredito que os tosi tivo ensinam a suas mulheres essas tolices porque têm medo.

—Vá. E do que teriam que ter medo?

Guerreiro sorriu.

—Uma mulher que não é bem amada procurará consolo nos braços de outro.

A Caçador não gostou da idéia.

—Com todos os meninos que têm suas mulheres, como pode pensar que necessitam consolo? O problema com os tosi tivo é que não têm honra. Chamarão um homem amigo, e depois tomarão emprestada a sua mulher quando se derem meia volta. Todas essas roupas fazem que a mulher que tomem emprestada seja mais interessante, não te parece?

Guerreiro enrugou o sobrecenho. Atirou ao fogo o que ficava da madeira compilada. As chamas crepitaram famintas e aumentaram seu resplendor.

—É isso verdade? E o que passa com as mulheres? Não rechaçam aos homens que tratam das envergonhar?

—As mulheres tampouco têm honra.

Esfregando-as mãos nas calças, Guerreiro lançou um olhar preocupado à mulher branca.

—Tem que ensiná-la, sabe? Se cair na batalha e tenho que levá-la a meu lar quero saber que seus filhos são os teus.

—Aprenderá. Ensinarei-lhe o que é a honra embora tenha que matá-la.

Guerreiro arrancou uma fibra de erva e começou a mordiscá-la, com uma expressão ausente. Caçador reconheceu os sinais. Os pensamentos de seu irmão se desviaram já a outro lugar. depois de um momento, Guerreiro cuspiu e disse:

—Homem Velho me diz que deveria golpear à mulher para fazer que obedeça. Essa é sua maneira. Não entenderá nenhuma outra. Isso me preocupa. Sua mão é dura quando te zanga. Normalmente, não me preocuparia, mas com a cabelo amarelo tenho medo de que sua paciência a parta como uma corda molhada.

Caçador agarrou umas aparas de madeira e as atirou às chamas. O golpe de calor ia muito bem com seu ânimo.

—Ela é minha mulher, tah-mah. Deixa que eu seja o que me preocupe.

—Mas seus ossos são como os de um pássaro. Se perder o controle com ela e utiliza os punhos poderia romper-lhe —Aiee, Cazador, ¿tienes pensado ser nuestra cena? Hace tanto calor en este bosque que estoy a punto de ahogarme.

Caçador franziu o cenho e ficou calado.

Homem Velho, que estava de pé a pouca distância e pendente da conversação, lhes uniu junto ao fogo para tornar-se um pouco mais de café. depois de encher a taça, afastou-se um pouco das chamas.

—Aiee, Caçador, tem pensado ser nosso jantar? Faz tanto calor neste bosque que estou a ponto de me afogar.

Caçador tinha eleito sentar-se junto ao fogo porque esperava que ninguém lhe unisse ali, mas não pensou que fora uma boa idéia dizer isto a Homem Velho e a seu irmão.

—Um guerreiro pode encontrar grandes verdades se busca entre as chamas.

—Tem problemas com sua mulher, né? —O ancião sorriu. —Estes jovens valentes! Muito orgulhosos para pedir conselho. vivi com tosi tivos durante muitos invernos, recorda. Sei coisas deles que você não sabe. —Um sorriso de picardia iluminou a cara enrugada de Homem Velho. —Sobre tudo das mulheres.

Caçador não estava como para conselhos.

—A garota é a metade de grande que eu. Acredito que posso controlá-la sem ter que pedir conselhos.

—Decepciona-me, Caçador. Onde está a paciência que demonstra quando doma cavalos selvagens? A levou o vento?

—Um cavalo merece a pena. Uma cabelo amarelo, não.

—Conheço homens que dariam uma fortuna por ter a uma mulher de cabelo dourado. Possivelmente acabe por te gostar de.

—Prefiro um cavalo. Um negro.

—Mulheres, cavalo, há pouca diferença, sabe? Quando estão domados, ambos dão ao homem boas rodeios e muito prazer. O que ocorre quando põe pela primeira vez as rédeas a um silvestre?

Caçador sabia aonde lhes levaria esta conversação e não entrou nela. Guerreiro respondeu por ele.

—Cada vez que corre em direção contrária à corda, tira do extremo uma e outra vez.

—E o que é o que aprende? A não desafiar a sua corda, verdade? depois dessa primeira lição, sabe que você é seu senhor e te deixa te aproximar dele com suavidade. A mulher branca é igual. Tem medo e tira da corda. No momento no que aprenda isto, terá ganho a batalha, entende?

Caçador desejou que tudo fora assim de simples. Quando um cavalo aceitava a carícia de sua mão, sentia-se o homem mais feliz do mundo.

depois de remover os sedimentos do café, Caçador esvaziou a taça no fogo. ficou em pé e disse:

—Os dois são muito sábios, e lhes agradeço o conselho. Entretanto, domarei à mulher a minha maneira. Por algo é minha mulher, de acordo?

—Tome cuidado —lhe advertiu Homem Velho. —Os tosi tivo são imprevisíveis. Sobre tudo as mulheres. O Mais Sábio teve uma vez uma cabelo amarelo. depois de uma noite em suas peles de búfalo, atirou-se ao rio de Água Faladora e se afogou. Nem sequer o Mais Sábio podia ser tão mau amante.

Caçador se encolheu de ombros e caminhou com desinteressa para seu acampamento. Havia algo diferente em sua mulher. Ao aproximar-se do soalho, deu-se conta de que era a expressão de seus olhos. Havia um brilho febril neles. deteve-se uns metros de distância e se tomou um tempo para observá-la. Muito a seu pesar, sentia-se incômodo. Ela tinha o louco olhar do guerreiro que quer lutar até a morte.

cruzou-se de braços e a olhou. Vestida com sua camisa de caçador, não parecia maior que um menino, com uns ombros que logo que se sobressaíam uns centímetros de seu pescoço e as mangas arregaçadas para acomodar-se à longitude de seus braços. Parecia tão necessitada junto a ele como um pintinho no ninho incapaz de voar, muito pequeno para lutar.

—Daremos um passeio agora, para encontrar um pouco de sombra. Keemah.

A garota não se moveu.

O estalou os dedos.

—Keemah! Namiso!

Só moveu a comissura dos lábios com um ligeiro tremor. O resto do corpo permaneceu imóvel, com a vista posta nos joelhos dele. Caçador sabia que lhe tinha ouvido e que entendia. Uma quebra de onda de ódio endureceu seu peito. Já tinha suficiente tendo que carregar com ela. Mas não estava disposto a suportar sua teimosia. Inclinando-se sobre ela, agarrou-a pela camisa de caçador e atirou dela tão forte que a cabeça lhe caiu para trás.

A suavidade de seus peitos tocou seus nódulos. Ela tratou de afastar-se, mas tudo o tecido restante da camisa se fez um coto em seu punho, fazendo impossível a retirada. Loretta lhe agarrou as bonecas, com as pupilas em chamas. Suas bochechas tinham acontecido do vermelho ao escarlate forte. O a empurrou.

—Obedecerá-me.

Os olhos da mulher se obscureceram como o céu de uma tormenta. Nesse instante de tensão, e só por um instante, Caçador teve que admirá-la. Tivesse-o matado se tivesse podido.

Foi pensá-lo e ver nesse mesmo momento um braço que se elevava contra ele. Mas até que não sentiu a conexão entre o punho e sua bochecha, não pôde acreditar o que estava passando. Ela não tinha suficiente força e muito menos corpulência para lhe fazer danifico, mas mesmo assim seus nódulos golpearam sua cicatriz com toda a intensidade do mundo.

Alguém tossi cativa e assustada nunca tivesse pego a seu captor. retorcia-se, chorava, arrastava-se, mas nunca atacava. Não lhe tivesse surpreso mais se o céu e a terra tivessem trocado de lugar. ficou cego um momento, mas quando recuperou a visão, a bochecha ainda lhe ardia e os olhos azuis de sua mulher ainda falavam de morte.

—Atreve-te a me pegar? —As palavras ficavam entre eles, dando crédito ao que parecia impossível. O a agarrou ainda com mais força da camisa e a levantou do chão. —Lhe...

antes de poder repetir a pergunta, Loretta lhe atirou um segundo murro, esta vez na comissura da boca, seguido de um joelhada na entrepierna. A dor foi tão intenso que lhe contraiu o estômago e pareceu ficar sem ire nos pulmões. A raiva lhe nublou a visão e tudo pareceu tingir-se de vermelho, incluído ela.

Com um grunhido, empurrou-a a um lado. Ela se cambaleou e caiu sobre as peles. O a seguiu ao chão, lhe pondo as pernas a ambos os lados dos quadris e lhe agarrando as duas bonecas com uma mão. A outra mão a utilizou para apoiar-se no chão e poder inclinar-se melhor sobre ela. Loretta o olhou com os olhos muito abertos e depois se inclinou um pouco e dobrou cabeça. Sem saber muito bem o que era o que acontecia, Caçador a viu afundar os dentes em seu braço. A dor lhe chegou até o ombro.

antes de dar-se conta, já tinha a faca na mão. O medo dela encheu o ar que ele respirava, de uma forma tão intensa que podia cheirá-lo, inclusive degustá-lo. E mesmo assim seguia lhe mordendo o braço? Sentiu outra sacudida. Já não estava seguro de qual era o corpo que tremia, se o sua pela raiva ou o dela pelo medo.

E então soube. Queria que ele a matasse. Os comanches o chamavam habbe wen-ich-ket, «procurar a morte». Seu pintinho tinha encontrado uma forma de lutar.

Tomar consciência desta realidade lhe fez tremer ainda mais. Os nódulos lhe puseram brancos enquanto sujeitava o punho da faca. Com um movimento de boneca, tivesse podido cumprir seu desejo e livrar-se dela para sempre. O suor começou a lhe cobrir a cara e o peito. A respiração ressonou como um assobio em sua garganta.

Pouco a pouco, a frágil tensão de seu corpo foi cedendo, dando passo a um estado de abandono e impotência. Lutando consigo mesmo, retirou a faca de sua garganta. Como se ela tivesse notado a vazante de sua raiva, voltou a lhe morder outra vez, mais forte, em um último intento de fazer que a matasse. Talvez os tosi tivo não fossem tão estúpidos como ele tinha pensado. A partir de agora, trataria de recordar que a folha de seu gênio tinha um dobro fio, e que um deles podia voltar-se em seu contrário.

A pesar da dor que lhe estava provocando, Caçador fixou os olhos nela, sem saber muito bem como apartar o braço sem lhe pegar um murro. De repente se deu conta do absurdo da situação: ele, um guerreiro comanche, de joelhos ante uma mulher branca, incapaz de fazer nada enquanto lhe cravava os dentes. Caçador, o guerreiro feroz, o assassino sem piedade, acaso não ia ser capaz de controlar a uma garota que apenas lhe chegava à cintura?

Então uma gargalhada involuntária brotou de sua garganta. E depois outra. E o seguinte que soube foi que estava rendo-se com todas suas forças e que não podia, nem queria, parar.

Sua risada foi como um jarro de água fria para ela. Surpreendeu-lhe tanto que se esqueceu inclusive de manter apertada a mandíbula. O conseguiu mover o braço e rodou longe dela até tombar-se de costas. Durante dias, Caçador tinha tratado de conter suas emoções. Agora, todos esses sentimentos, a tensão constante e sempre presente, o ódio, o ressentimento... todos esses sentimentos saíram dele, entrelaçados em uma meada de confusão tão difícil de separar como dois cães lutando por um mesmo osso.

A garota se incorporou para sentar-se. Sabia que não era divertido, e entretanto o era. Uma brincadeira enorme para ambos. cobriu-se a cara com o antebraço. Ouviu a respiração entrecortada da Loretta a seu lado. E então, com um grunhido que só podia ser fruto da raiva, lançou-se sobre ele. Seus golpes não estavam bem dirigidos e foram parar às partes de seu corpo mais musculosas, ali onde uns punhos de mulher tinham pouco que fazer. Tinha a cara decomposta, os dentes apertados, os olhos cheios de lágrimas. Caçador embainhou a faca, soltando uma risada afogada enquanto se levantava para livrar-se dela.

Nesse momento sentiu uns dedos que chegavam até seu cinturão. O honorável metal relampejou à luz do sol. Tinha pego sua faca!

Por um instante pensou que ia matar o. Até que se deu conta do verdadeiro propósito. ia cravar se o no estômago. Com a mesma rapidez que tão bem lhe tinha servido na batalha, Caçador alargou o braço e lhe tirou a faca da mão com um golpe. A arma caiu inofensiva ao chão, a uns quantos metros de distância.

ficou olhando-a boquiaberto, a respiração entrecortada. Até esse instante não se deu conta do ódio tão profundo que sentia por ele ou de quão forte era seu medo. Ela se afundou de joelhos, os braços na cintura, a cabeça baixa. Um pranto assustador e imenso brotou de seu peito. Se havia algo que ele entendia bem, era a importância da honra, inclusive para seus inimigos. Não tinha que envergonhar-se quando a gente tinha lutado bem e tinha perdido.

Caçador queria dizer-lhe assim, mas não encontrou as palavras. O som de seu pranto lhe meteu no mais profundo de sua alma. Tinha ouvido chorar assim antes... em uma noite longínqua e, entretanto, não tão longínqua.

Por um instante se viu transportado a esse momento, e a dor da lembrança quase lhe fez cambalear. Era a imagem de Salgueiro a que nadava por sua mente, sua inocência destroçada, o sangue de sua vida escapando entre as mãos. «Não me deixe, Caçador. Os casacas azuis poderiam voltar. Por favor, não me deixe.» A dor que afligia seu peito se fez mais intenso. Tinha prometido essa noite que nunca lutaria contra os desprotegidos. E até agora, tinha completo a promessa.

O passado se tornou em sombras e se fundiu com o presente. Caçador observou a cabeça dourada da garota, ainda em posição vencida. Eram tão diferentes ela e Salgueiro? Se Salgueiro estivesse em seu lugar, procuraria também a morte para escapar. E tremeria ante a idéia de ser violada. Como podia o ódio ter endurecido de tal maneira seu coração? converteu-se em alguém tão cego como Búfalo Vermelho?

Quando Caçador alargou o braço para tocar o cabelo da mulher, tentou arrumar as coisas da única maneira que sabia. Foi como alargar o braço naquele outro tempo, como lhe tivesse gostado que os casacas azuis se comportaram com Salgueiro.

A mão de Caçador tremeu ao contato com a parte superior da cabeça da garota. Ao sentir o peso de sua mão, ela se encolheu e tratou de afastar-se dele. Caçador ficou de pé e retirou a faca, colocando-o com rabia na capa. Esta vez, uma raiva que ia dirigida para ele mesmo.

—Vamos, Olhos Azuis, devemos dar um passeio e sair do sol —lhe disse brandamente.

Ela o ignorou. Caçador se saiu com a sua subindo a ao ombro, como tinha feito outras vezes. Como medida de precaução, volteou o cinturão para que a capa da faca se situasse do lado de seu estômago.

Ela não resistiu. Tinha deixado de chorar, embora as lágrimas seguiram lhe escorregando pelas costas e lhe queimando a pele enquanto caminhava com ela. sentia-se aliviado de que ela tivesse tirado tudo o que tinha dentro. Se o tivesse feito diante de seus homens, não lhe teria ficado mais remedeio que castigá-la.

Franziu o cenho. Habbe wen-ich-ket, procurar a morte. Era um negro desejo o que levava em seu coração. Um desejo que não podia lhe conceder. Só ficava render-se a ele, era a única opção que ele podia lhe oferecer.

O ambiente da noite era tão espesso como o sirope, quente e doce com os aromas do verão, e não soprava nem um pouco de brisa que movesse as árvores. Loretta estava sentada com as costas dolorida apoiada em um carvalho e olhava o resplendor, escurecido pela fumaça, que desprendiam os fogos dos índios. Embora já tinham acontecido algumas horas da confrontação com Caçador, não podia deixar de pensar nisso. deu-se conta agora de que nunca tivesse podido fazer que a matasse.

sentia-se vazia, seca, exausta. A pressão e o medo eram cada vez mais fortes, como o vapor em uma caçarola fechada. O índio da cara marcada —o primo de Caçador— tinha estado rondando toda a tarde a certa distância, como um abutre à espera de sua carniça. Cada vez que Caçador a deixava sozinha, ele a olhava, com um desagradável brilho nos olhos, lhe percorrendo o corpo de cima abaixo. Uma vez, inclusive chegou a desenvainar a faca, sonriéndole enquanto provava a folha com o polegar. Sabia o que estava pensando. Fazer que ele a matasse tivesse sido muito fácil. O problema era que ela queria morrer rapidamente, e não a mercê desse índio raivoso.

Durante sete anos Loretta tinha tratado de ir um passo por diante de suas lembranças. Sete anos fugindo. Sete anos aterrorizada cada vez que via pó no horizonte. Agora, todos seus temores se materializaram. Esta era a realidade, e de alguma forma tinha que enfrentar-se a ela. Já não valia fugir. Não havia escapatória.

A ponto de chorar, Loretta se abraçou com mais força a seus joelhos, disposta a não derrubar-se. Não lhe daria essa satisfação. Bastardo. riu-se dela. Tinha necessitado de toda sua coragem para lhe golpear. Nunca em sua vida se havia sentido tão humilhada. te renda com dignidade, havia-lhe dito. por que não a deixava morrer com dignidade?

Os comanches não tinham sentimentos como os brancos. Não tinham compaixão. Eram infrahumanos, e isto já era dizer muito. Estripavam às pessoas. Estampavam a cabeça dos meninos contra as rochas. Roubavam e violavam às meninas, lhes queimando lentamente o nariz e os ouvidos com carvão quente. Só os monstros podiam fazer coisas assim.

Caçador e ela eram inimigos, isso era quão único sabia. Ele a odiava, isto também sabia. Mas por muito inimigos que fossem, por muito que o odiasse, Loretta nunca se riu dele se a situação tivesse sido ao contrário. Lhe tivesse estado agradecida e lhe tivesse talhado o pescoço, que deus lhe ajudasse, mas nunca se riu.

Odiava-o mais do que nunca tinha odiado nunca a ninguém, tanto que durante o transcurso da tarde, imaginou assassinando o de uma dúzia de formas. Sabia, entretanto, que não o faria embora tivesse a ocasião. «Não semeie dor detrás de ti.» Tinha que pensar em sua família. Não faria nada que pusesse em perigo a Amy ou a tia Rachel.

No momento, Caçador se tinha ido, talvez ao rio a por mais água. Como tinha passado antes, outros a olhavam durante sua ausência. Alguns preparavam o jantar. Outros se visitavam uns aos outros ou jogavam aos jogo de dados. Mas fizessem o que fizessem, não lhe tiravam o olho de cima nem um momento. Supôs que vigiar aos cativos era uma rotina para eles. Os poucos aos que não assassinavam os utilizavam para comercializar com os comancheros em troca de comida e armas. Os comancheros vendiam essas pobres almas ao outro lado da fronteira ou os devolviam a suas famílias por uma boa recompensa.

Loretta suspirou. Embora sabia que a sorte não podia lhe durar, tinha que admitir que no momento tinha recebido melhor trato do esperado. As fricções de graxa e o suco de verbasco que lhe tinha subministrado em repetidas ocasiões tinha melhorado muito suas queimaduras. Agora, em vez de lhe doer todo o corpo, só lhe picava. Devido certamente às pulgas.

Voltou a abraçá-las joelhos e tremeu, um sinal claro de que a febre não tinha desaparecido por completo. A risada flutuava a seu redor, um som que a fez sentir muito sozinha. Sentia falta da Amy e a tia Rachel. Teriam ido procurar ajuda? Ou tio Henry se teria ficado esperando a que uma patrulha passasse?

Se uma patrulha fronteiriça estivesse procurando-a, faria-o certamente ao longo da rota do rio Avermelhado, seguindo as pistas falsas que tinham ido deixando os comanches. Caçador sabia que a patrulha pensaria que tinham tomado o caminho para o oeste ou para o noroeste, entrando em terra de comanches. Em vez disso se encontravam junto ao rio Braços, justo em frente de seus narizes.

Uma sombra se moveu à esquerda da Loretta, que deu um salto sobressaltada. Enquanto se aproximava, permitiu-se olhá-lo com atenção. A ferida que tia Rachel lhe tinha feito com o rifle estava quase curada, talvez devido ao bem curtida que tinha a pele. Os bicos da mamadeira de seu peito eram tão escuras como seu cabelo. E estava segura de não ter visto nunca tantos músculos.

Ele ficou de joelhos e lhe ofereceu uma taça. lhe ter tão perto lhe produzia claustrofobia, o fazia parecer maior. Juntou com força os joelhos. Ao ver a água recordou a dor de estômago. Não podia beber uma gota mais. Mas como podia explicar-lhe Levantou a mão esquerda e, ajudando-se dos dedos indicadores e coração da mão direita, simulou caminhar por sua mão esquerda. Depois assinalou em direção ao bosque.

Caçador a olhou e grunhiu.

—O que?

«Estúpido comanche.» Apontou a taça com o dedo, e depois ficou a mão no estômago e sacudiu a cabeça, tratando de parecer dolorida, algo que não era muito difícil de conseguir. além do desconforto fisiológico que padecia se deu conta com humilhação de que este índio era responsável por cada um de seus movimentos.

—Quer dar um passeio? —Levantou o ombro para lhe dar a entender que não lhe importava e depois lhe aproximou a taça. — Beberá primeiro.

Ela negou com a cabeça. Os olhos dele mostravam um brilho de determinação. Ela suspirou e lhe agarrou a taça. Com um movimento de boneca, derramou-o no chão.

Podia ver pelo tic do músculo de sua mandíbula que estava furioso. Ela pôs a taça no chão e voltou a assinalar ao bosque.

Com o que lhe desejou muito um suspiro de impotência, Caçador se levantou e lhe tendeu a mão. Como preferia não tocá-lo, jogou todo o peso de seu corpo sobre os joelhos e se ajudou do tronco para levantar-se. Tinha as pernas intumescidas por ter estado tanto tempo sentada, e os músculos seguiam lhe doendo depois do grande rodeio do dia anterior. Por um momento pensou que suas pernas foram ser incapazes de sustentá-la.

O a agarrou do braço e, sem emprestar atenção a seus pés nus, guiou-a só uns metros dentro do bosque até chegar a um claro. depois de soltá-la, cruzou-se de braços e assinalou com a cabeça para o chão, lhe indicando que devia fazer suas necessidades ali. Lhe pediu que se desse a volta.

Com outro suspiro de impaciência, olhou a seu redor.

—É uma promessa que me faz? Não correrá?

Loretta assentiu. Lhe teria prometido algo com tal de que lhe deixasse um pouco de privacidade.

O a observou durante o que pareceu uma eternidade e depois se voltou de costas.

—Não minta, Olhos Azuis. Se o fizer os corvos serão uns pássaros muito felizes, de acordo?

Loretta caminhou para o bordo do claro e se escondeu detrás de um arbusto. Tão rápido como pôde, fez o que tinha que fazer, desejando com todas suas forças estar em casa na habitação destinada para isso.

Enquanto subia as calças, viu mover-se algo no bosque. O cavalo de Caçador levava solto toda a tarde, pastando livremente, e seu olfato lhe tinha levado até os matagais.

Loretta afogou um gemido. O cavalo só estava a uns metros dela. devido à espessa vegetação, Caçador não podia vê-lo do claro. O animal não levava posta a cilha, mas sim a rédea. Poderia cavalgar para cabelo.

Loretta estirou o pescoço para ver por cima de seu ombro. Caçador seguia de costas. Tinha aceito sua palavra e se via portanto obrigado a confiar nela.

Por um instante ficou ali, paralisada pela indecisão. Não tinha esquecido a ameaça recebida em caso de que rompesse sua promessa. Picava-lhe a língua, mas essa razão não era suficiente para detê-la. Arriscava muito mais que a língua se não se ia dali em seguida. Além disso, a aparição do cavalo só podia dever-se à Providência. Seria uma estúpida se não aproveitasse o que parecia ser sua única oportunidade de escapar.

Loretta se aproximou do cavalo quase nas pontas dos pés. Dois passos, três. Os ramos e as urtigas lhe cravavam na planta dos pés, mas apenas as sentia. Cinco passos, dez. Jogou uma olhada por cima do ombro. O comanche seguia de costas. Dois passos mais, já estava…

Então o semental deu um relincho. O som pareceu tão forte como um cañonazo. O medo revoou em seu Interior. Tratou de agarrar ao animal pela rédea. Ao pôr os dedos na corda, o cavalo negro deu um passo atrás e soprou com olhos selvagens. Por um momento temeu que pudesse golpeá-la com os cascos dianteiros, mas ao cheirar a camisa que levava se tranqüilizou imediatamente.

—Kiss! Mah-cou-ah, kiss! —gritou Caçador.

Loretta soube que o índio vinha detrás dela. Agarrando carreirinha desde atrás, Loretta saltou sobre a garupa do animal sem pensar na dor de suas queimaduras. O cavalo tremeu ao notar a pressão de suas pernas. Caçador estava a só uns metros de distância. Sua expressão assassina foi o impulso que necessitava. Dando uma forte palmada na garupa do semental, saiu disparada entrando no bosque.

Não se atrevia a voltar para casa. Caçador a seguiria ali. Sua única esperança era o forte Belknap. A rota mais direta era seguindo o rio, mas o comanche lhe anteciparia. dispôs-se a afastar do rio. Os gritos eram cada vez mais numerosos a seu redor, e soube que os homens corriam a por seus monturas. Se queria sair dali teria que pôr toda a terra possível de por meio, antes de que eles começassem a persegui-la.

O cavalo negro era magnífico. Nunca antes havia sentido um poder assim sob suas pernas. O vento lhe agarrou o cabelo, lhe desfazendo a trança por completo e fazendo-o voar como uma cinta dourada detrás dela.

Entusiasmada e um pouco enjoada pelo medo, deitou-se sobre o pescoço do cavalo, lhe insistindo a ir mais depressa com todo seu corpo e seu coração. «Por favor, Deus. Por favor, Deus.» As palavras se repetiam em sua cabeça uma e outra vez. Se Caçador conseguisse alcançá-la... Não o faria, não o faria! Deus não lhe tivesse dado uma oportunidade assim de escapar se não soubesse que podia ter êxito.

Caçador lhe havia dito no dia anterior que ele cavalgava como o vento, mas a Loretta parecia que ela e seu cavalo eram o vento. O negro animal corria glorioso com a cabeça para diante, cortava sua própria esteira, saltava obstáculos como se não estivessem ali, dava giros violentos, tão longe do chão que Loretta não pôde imaginar a ninguém lhes alcançando. Os ramos das árvores passavam por cima de sua cabeça como em uma nuvem. Livre! ia sair dali. ia fazer o de verdade.

Justo no momento no que esse pensamento começava a tomar forma, Loretta escutou a outro cavalo detrás dela. Girou o pescoço para olhar atrás e viu caçador perseguindo-a em um cavalo ruano. Outros vinham detrás dele. Foi como se algo lhe golpeasse o peito. Outra vez o medo. Afundando os talões com mais força nos flancos do animal, açulou-o para que corresse mais rápido, rezando para que ainda ficasse potência e para que o cada vez mais instável chão não lhes detivesse.

«Que animal mais maravilhoso!» Loretta quase chorou ao sentir como contraía seus poderosos músculos e dava outro empurrão para diante dando tudo o que ficava. Tinha mais coração que nenhum outro animal que tivesse conhecido.

Ao olhar por cima do ombro, viu caçador soltando rédeas a suas arreios. O pó se elevava a seu redor quando os cascos do animal se cravavam na terra.

—Não! —gritou. —Suvate! Tudo se cumpriu!

Loretta esteve a ponto de saltar de alegria. estava-se rendendo! ia deixar de persegui-la! rendia-se...

De repente, o semental cabeceou para diante e emitiu um gemido horrível. Pouco depois, viu-se voando pelo ar. O tempo pareceu suspender-se, os segundos se alargaram até a eternidade enquanto ela caía ao chão com o corpo arqueado. O mundo se voltou negro.

Quando Loretta recuperou o sentido, viu-se rodeada de uma cacofonia de ensurdecedores cascos, gritos e alaridos. Uns alaridos horríveis. Sabia o que era o que fazia esse som... um animal agonizando. Entrecerró os olhos e olhou para cima, tratando de enfocar o mundo que tinha em frente. Caçador se inclinava sobre ela e lhe acontecia as mãos pelo corpo. Depois se foi.

Quando a terra deixou de dar voltas, Loretta se apoiou sobre os cotovelos, com o olhar fixo nos gritos e na imagem imprecisa do movimento circundante. Lentamente, foi compreendendo o que acontecia. O semental. A pobre besta lutava freneticamente por ficar em pé. Inclusive de onde ela estava, podia-se ver o estranho ângulo que formava sua pata direita, completamente rota em dois. Foi como se lhe tivessem posto um pé no peito. Tinha metido a pata em uma armadilha?

«meu deus, o cavalo não!» O sentimento de culpa lhe golpeou como um punho gigante. sentou-se com muita dificuldade. A uns quantos centímetros do animal, Caçador esperava de pé, com a cara desfigurada e os punhos apertados. Sua primo se aproximou e lhe ofereceu um rifle, mas Caçador rechaçou a arma de um tapa. O bosque guardava um silêncio reverencial, e só se ouviam os sons do animal, agudos e penetrantes.

depois de um momento, o corpo de Caçador se relaxou um pouco. Utilizando a língua suave dos comanches, aproximou-se do enlouquecido cavalo. Loretta ouviu várias vezes aos outros homens murmurar algo em sinal de desaprovação, mas não fizeram nenhum intento por lhe deter. tornou-se louco Caçador? O cavalo estava cegado pela dor, era perigoso. Loretta não podia mover-se, não podia pensar em nada mais. Os outros comanches tampouco se moviam. Em realidade, era como se ninguém respirasse.

—Pamo —sussurrou Caçador. —Nei Pamo.

Os gritos do cavalo se fizeram mais agudos, em um tom como de súplica. Deixou cair a cabeça e pareceu concentrar-se em seu dono, gemendo. Caçador ficou de joelhos frente a ele.

—Ah, meu bom amigo.

O semental se acalmou, grunhindo e roçando a barriga de seu dono. Entrou uma rajada de vento e levantou o comprido corto do homem e a crina sedosa do cavalo. Com a cortina de árvores e mezquites ao fundo, formavam uma imagem que Loretta sabia ficaria gravada para sempre em sua memória. As duas eram criaturas selvagens, de pele brunida como o ébano.

O comanche baixou a cabeça para beijar o focinho do animal, expirando e inspirando. O cavalo inalou, provando, e foi como se deixasse de ter medo. Com um grande estremecimento, deixou de lutar por ficar em pé e se deixou cair sobre a garupa.

Loretta não precisava entender comanche. A linguagem corporal do amor era universal. Homem e besta estavam unidos de uma forma que ela nunca tinha experiente, que nunca acreditou pudesse existir. O comanche se aproximou mais a ele, sussurrando, às vezes sonriendo, como se lhe falasse de momentos passados que ele e seu amigo tinham compartilhado. Acariciou-lhe o pescoço, o peito, inclusive a pata ferida gravemente, pronunciando uma espécie de encantamento. O animal confiava tanto no comanche que terminou por baixar a cabeça ante ele e emitir um suspiro.

Caçador se encurvou e se ajoelhou ali durante um bom momento, sem deixar de lhe falar brandamente. Depois, sem trocar a voz para não advertir a ninguém o que ia fazer, disse.

—Erth-p, p-mo. Dorme. —Ao tempo que pronunciava estas palavras, tirou a faca e o cravou até o fundo no peito do semental. O grande animal se retorceu, e com um movimento de cabeça, exalou seu último suspiro.

O bosque ficou em silêncio. Caçador não se movia, não falava. Loretta nunca tinha visto tanto dor no rosto de um homem. sentia-se como se fora a enjoar-se, desejava morrer. Se tivesse sabido que algo assim passaria, nunca tivesse eleito esse momento para escapar. E nunca com o cavalo deste homem.

Ao fim Caçador levantou os olhos. Na penumbra não podia estar segura, mas acreditou ver lágrimas em sua cara. Utilizou todas suas forças para levantar a cabeça do cavalo de seu regaço e a colocou docemente no chão. Tremia-lhe a mandíbula ao agarrar a manga da faca e atirar dele para tirá-lo do coração do animal.

Ficando em pé, voltou os olhos para a Loretta. Eram uns olhos quase negros. Com a mão esquerda levantou a arma ensangüentada para que ela pudesse vê-la.

Sem lhe tirar os olhos de cima, o comanche utilizou a arma para cortar o antebraço direito, do cotovelo até a boneca. Loretta se estremeceu ao ver que a folha entrava até dentro. ficou olhando o sangue, observando como caía do braço de Caçador e avermelhava o chão. Não pôde deixar de pensar que se era capaz de fazer-se isto a si mesmo, que não poderia lhe fazer a ela.

Lhe aproximou o primo e lhe pôs uma mão no ombro. Caçador se contribuiu, com a vista ainda fixa na Loretta. Com o coração em um punho, ela olhou à primo de Caçador. A expressão torcida do homem parecia solene. Não havia dúvida de que a morte do cavalo lhe afligia, mas em seus olhos viu algo mais... algo que não tinha nada que ver com a tristeza ou o pesar. Era satisfação.

Quando Loretta voltou a olhar a Caçador, soube por que sua primo parecia satisfeito. Por fim tinha conseguido fazer que Caçador se zangasse o suficientemente com ela para matá-la. E, a julgar pela calma mortal de seu gesto, não seria uma morte rápida.

                                                   CAPÍTULO 09

Enquanto Caçador se aproximava de seu cabelo amarelo, distintas emoções se mesclavam nele: dor, raiva, pesar, mas o que mais lhe queimava por dentro era a necessidade de vingança. Tinha crédulo em sua promessa, e lhe tinha mentido. Todos os tossi tivo eram iguais, cuspiam palavras de mel e nenhuma delas ficava escrita em seus corações. Sua formosa Fumaça tinha pago por isso.

Ao longo dos anos, os tosi tivo se levaram a muitos de seus seres queridos: seu irmão Búfalo Corredor, por quem Caçador levava uma cicatriz na palma direita; sua irmã Chuva, por quem tinha outra cicatriz na palma esquerda; e sua amada algema, por quem se marcou a cara. levaram-se a outros no povoado, amigos, parentes, meninos. Agora, inclusive a seu querido cavalo Fumaça.

A garota se tornou para trás quando ele se aproximou de lhe agarrar o braço. Não podia sentir a não ser desprezo para ela. Tudo nela era uma ofensa, o aroma de flores, seu cabelo dourado, seus grandes olhos azuis, sua pele rosada e Lisa, seus ridículos pololos. Inclusive o contato de sua boneca o fazia apertar os dentes. Hoos-cho-Soh-nips, Ossos de Pássaro, assim a chamaria.

Atirou dela para pô-la em pé e a empurrou contra seu peito com tanta força que fez que se cambaleasse. Sabia que os outros homens o olhavam, que esperavam ver o castigo que ia impor lhe. Se Caçador era muito brando com ela, deixariam de lhe respeitar. Mas teria que ser assim. Ao menos por agora. Se a castigava quando tinha o coração tão doído, poderia chegar a matá-la.

O caminho de volta ao acampamento fez interminável a Loretta. Caçador cavalgou em silêncio, com um braço sujeitando firmemente sua cintura e a outra mão fechada em um punho na crina do ruano. Ela tratou de imaginar qual seria o destino que lhe tinha reservado.

O terror lhe escorregava pelas costas como água geada. Começou a estremecer-se, e depois a tremer. Quando tinha contemplado a morte como forma de escapamento, tinha esperado algo rápido. deu-se conta tarde de que Caçador não fazia nada à desesperada.

Quando chegaram ao acampamento, conduziu ao cavalo até o carvalho no que ela tinha estado sentada todo o dia. depois de desmontar, baixou-a a rastros e atirou dela para mantê-la a seu lado enquanto tirava rapidamente umas estacas e tiras de couro que tinha em uma bolsa. Agarrando-a do braço, rodearam o acampamento até encontrar uma rocha. Seu próximo destino era o soalho que fazia de cama. Com um grunhido, deu uma patada para apartar o que tinha começado a considerar como sua pele de búfalo. Depois, fez-a cair sobre a outra pele.

Loretta ficou a quatro patas. Com medo a mover-se ou a respirar, observou-lhe enquanto agarrava a primeira estaca. O levantou os olhos para ela, como se fora a fulminá-la. Quando se moveu para ir agarrar outra estaca, esteve a ponto de sair fugindo.

Então viu que os índios a rodeavam. Todos a olhavam, com uns rostos escuros que não escondiam a raiva que sentiam para ela. O primo de Caçador estava só a uns metros dela. Só ele sorria. Sabia que ele e os outros esperavam para vê-la morrer. Se tratava de escapar, não poderia mover-se nem dois metros.

Quando Caçador teve colocado a última estaca, levantou-se E disse.

—Porá-te olhando ao céu. Advirto-lhe isso, mulher, não lute comigo. Se o fizer, asseguro-te que te matarei. É uma promessa que te faço, e não suas palavras de mel tosi tivo.

Loretta pensou que ia matar a de todas formas, mas não acreditou que fora o momento de ficar a discutir por isso. Era uma mulher contra sessenta homens. Já não ficava nem mais coragem nem mais preces. O medo lhe ancorou as mãos e os joelhos à pele de búfalo. Necessitou de toda sua vontade para mover-se. Os braços lhe tremeram quando tratou de tombar-se. Pondo as costas no chão, apertou os dentes e fechou os olhos.

Caçador lhe agarrou a boneca esquerda e a atou com crueldade à estaca. «Sua mãe.» Tratou de pôr a mente em branco. Apenas se deu conta de que Caçador lhe atava a outra boneca e lhe estirava as pernas para lhe assegurar os tornozelos. Quando teve terminado, sentiu seu joelho detrás dela. Levantando as pestanas, viu que tinha tirado a faca. inclinou-se para ela e lentamente aproximou a folha manchada de sangre a sua cara.

ia cortar lhe a língua. Um sabor metálico cobriu o teto de sua boca e lhe secou o paladar. A raiva chispava em seus olhos azul índigo, brilhante e brutal. O bordo afiado de sua faca lhe roçou o pescoço.

—Fez uma mentira de sua promessa, Olhos Azuis. Disse-te o que faria. Acreditava que voava como o vento, verdade? —Seus dentes brancos brilharam em uma careta. —Os corvos serão uns pássaros muito felizes e voarão longe com sua língua para que nunca mais volte a pôr meu coração sobre a terra. Isto será bom, não? Faremo-lo, né? Quando a lua ensine sua cara? Não vá. Espera aqui a este comanche.

Embainhou a faca e se afastou dela. Loretta girou a cabeça e viu que os outros homens seguiam ali de pé: observando, esperando. Ouviu caçador falar junto ao carvalho, e ouviu que alguém lhe respondia. Depois ouviu um som de cascos que fazia retumbar a terra, e se deu conta de que seu captor se ia cavalgando no ruano. Os outros índios juntaram seus cavalos e se dispersaram, bastante desiludidos de que o entretenimento tivesse acabado.

Quando o último deles se foi, Loretta olhou fixamente ao céu cada vez mais escuro. A lua ensinaria sua cara logo. Quanto tempo atrasaria Caçador sua tortura? Uma hora? Dois? Deveria estar rezando, mas que Deus a perdoasse, não podia encontrar as palavras. Imagens da Amy e tia Rachel passaram por sua cabeça, os bons e os maus momentos que tinham compartilhado. Tio Henry não parecia tão terrível agora. Moveu as bonecas para ver se podia livrar-se das cordas. O grosso couro lhe cortou a pele mas não cedeu nem um centímetro.

O tempo passava, embora não tinha nem idéia de em que medida. fez-se tão escuro que um aura de vermelho dourado cobriu as fogueiras. Caçador voltaria logo. «Reza, sei forte, faz as pazes com Deus.»

Caçador não voltava.

Loretta não estava segura de quando ocorreu, mas pouco a pouco o medo que sentia se centrou menos no que Caçador pudesse lhe fazer e mais no que poderia lhe ocorrer antes de que voltasse. Serpentes, ursos, lobos, pumas. Queria morrer... mas, por favor, Deus, não como jantar de qualquer animal. Nem tampouco lentamente, pelo veneno de uma serpente.

A escuridão... por que não se deu conta antes de quão escuras eram as noites? Algo rangeu no bosque. Estirou o pescoço. As sombras se moveram. Um animal? Ou tinha sido só o vento? revolveu-se para livrar do couro, alheia por completo à dor que as tiras produziam em sua pele. Tinha a cara coberta de suor. Ouviu algo deslizando-se pela erva. Uma serpente? Concentrou a vista no acampamento, tratando de encontrar a Caçador. por que não havia tornado ainda?

Então lhe sobreveio uma necessidade lhe desenquadrem de rir. Claro! Tinha eleito a pior tortura possível... A espera. Só na escuridão, em espera da morte, ou à mãos dele ou à mãos de alguma outra besta. Para quando voltasse, ela já teria morrido milhares de vezes em sua cabeça.

A luz da lua se refletia no rio, formando redemoinhos chapeados, convertendo a superfície intocável da água em uma capa negra brilhante. O vento da noite sussurrava com tanta tristeza como as almas perdidas em busca de consolo. Como a de Caçador.

Doíam-lhe as mãos de ter ido procurar rochas para a tumba de Fumaça. Dobrou os dedos e apoiou os braços cruzados sobre os joelhos. Suspirou e manteve os olhos fechados para que seus pensamentos pudessem percorrer o caminho da memória, para que pudessem voltar para Fumaça, aos momentos que tinham compartilhado durante todos estes anos. Era doloroso recordar, mas sabia que a dor lhe cortaria no mais fundo e deixaria uma ferida que começaria a curar logo. Um homem não podia fugir da dor. De todos os modos, sempre terminava por alcançá-los. Era melhor enfrentar-se a ele agora.

Os músculos da garganta lhe esticaram. Como lhe tinha ocorrido outras muitas vezes na vida, a dor tinha que ir sempre detrás das responsabilidades, como uma mulher detrás de seu marido. Só poderia chorar a Fumaça durante uns poucos minutos. A mulher de cabelo amarelo esperava, e Caçador tinha que voltar para acampamento.

Olhou a escuridão das parpadeantes sombras. por cima da taça das árvores que havia ao outro lado do rio, o céu estrelado se estendia para o infinito. Como lhe tivesse gostado de estar em casa, onde as pradarias se estendiam para onde a vista não alcançava, onde o vento suspirava nas gargantas dos rios, doce com o aroma de erva e a mezquite! Oxalá seus amigos não tivessem visto a mulher muda de cabelo amarelo e tivessem vindo até ele a dizer-lhe Reunió leña para hacer una hoguera y se puso a encender la yesca con un molinillo de hacer fuego. Era un proceso largo y tedioso. A la luz de la luna, ella podía ver el constante juego que hacían los músculos de su espalda al mover atrás y adelante el torso. Por fin, la fricción consiguió sacar chispas, la yesca empezó a arder y los trozos de madera se encendieron en unas llamas amarillas que brillaron en la oscuridad. Loretta hubiese deseado estar más cerca del fuego.

Loretta ouviu algo. Um rangido. Pegou o queixo ao peito e esquadrinhou a escuridão, com o coração a mil por hora. Uma sombra negra se moveu. Sabia que esta vez não era sua imaginação. Atirou frenética das tiras de couro que atavam suas mãos. Então a sombra se moveu entre ela e as luzes parpadeantes dos acampamentos, convertendo-se na silhueta de um homem, um homem alto que se movia com ágil fortaleza. sentiu-se débil e aliviada.

Reuniu lenha para fazer uma fogueira e ficou a acender a isca com um máquina de moer de fazer fogo. Era um processo comprido e tedioso. À luz da lua, ela podia ver o constante jogo que faziam os músculos de suas costas ao mover atrás e adiante o torso. Por fim, a fricção conseguiu tirar faíscas, a isca começou a arder e as partes de madeira se acenderam em umas chamas amarelas que brilharam na escuridão. Loretta tivesse desejado estar mais perto do fogo.

Caçador se limpou as Palmas das mãos nas calças e se girou para olhá-la a consciência. Ela tinha tanto medo que ficou sem respiração.

A luz do fogo se projetava sobre ele e desenhava sua silhueta na escuridão. Parecia mais a escultura de um artista que um homem de carne e osso, com o peito e os braços brunidos como o cobre, as calças e os mocasines dourados. A piscada das sombras dançava em seu rosto e obscurecia suas facções.

aproximou-se dela com a graça de uma pantera, o pés pisando apenas a terra. Tirou a faca da capa e Loretta deu um coice. Quando se ajoelhou junto a ela, atirou das cordas para um lado. Seus olhos azul escuro se encontraram com os dela.

Sem lhe dar nenhuma explicação, inclinou-se e lhe cortou as ataduras de couro que danificavam suas bonecas. Depois, com a mesma precisão, rachou as cordas que asseguravam seus pés e guardou a faca, sem dizer uma palavra, sem olhá-la outra vez. Incapaz de acreditar que não fora a lhe fazer algo terrível, Loretta se sentou lentamente e se esfregou as bonecas, sem deixar de olhá-lo. O caminhou para as bolsas de pele e procurou algo nelas. Quando voltou, atirou-lhe uma parte de carne salgada no regaço e guardou outro para ele.

Com a carne na mão, deixou cair a cabeça e tratou de conter as lágrimas. Era consciente de sua presença quando ficou de cuclillas junto ao fogo. O ar da noite beliscava seu enfebrecida pele, mas não se atrevia a sentar-se com ele junto ao fogo para procurar calor. Caçador partiu uma parte de carne com os dentes e começou a mastigar. Ao menos sabia que a carne não estava envenenada. Não tinha nem idéia de que tipo de carne seria.

As tripas lhe rugiram ao pensar em comida. Parecia uma eternidade da última vez que tinha comido. Abriu a mão e estudou a carne. parecia-se muito ao veado seco que comiam em casa. Se o fazia a boca água. Caçador tinha a vista fixa no fogo, ignorando-a ou pretendendo que o fazia. Mordeu um pedaço. Um delicioso sabor a defumado lhe encheu a boca enquanto apalpava as duras fibras com a língua. Olhou-o e acreditou ver uma espécie de sorriso em sua cara, mas quando voltou a olhá-lo sua expressão voltava a ser tão séria como sempre, e só os músculos da mandíbula lhe moviam ao mastigar.

Loretta mordeu outro pedaço. Esta vez maior. A carne estava muito bom. Não podia tragar-lhe tudo quão rápido tivesse querido. Voltou-lhe a rugir o estômago, tão alto que Caçador teve que olhá-la. Ela apartou a cara e deixou de mastigar, arrependida de deixar que ele visse que estava desfrutando de algo que lhe tinha dado ele. Assim que deixou de olhá-la, comeu-se de um bocado a carne que ficava.

Terminada sua porção, Caçador agarrou a pele de búfalo de onde a tinha atirado antes e se estirou de barriga para cima junto a ela. Com um estalo de dedos, assinalou ao espaço que havia junto a ele. Loretta se enroscou de lado, tão perto do bordo do soalho como pôde. Então deu um coice ao notar que lhe acontecia a mão pelo cabelo. Ao descobrir que acabava de enrolar-se na boneca uma de suas mechas, sentiu-se frustrada e furiosa de impotência.

sentia-se a pessoa mais miserável do mundo, ali enroscada, abraçada a si mesmo, morta de frio. O orgulho e o medo lhe impediam de procurar proteção sob a pele de búfalo. O suspirou e bocejou, lhe cobrindo com uma esquina da manta de pele. Fez-o acidentalmente ou a propósito? Não podia estar segura.

O calor que irradiava seu corpo começou imediatamente a lhe esquentar as costas. Loretta lutou contra o desejo de aproximar-se mais a ele e se abraçou mais forte. Em realidade não fazia tão frio essa noite. Só se sentia assim pelas queimaduras. Ah, mas estava geada. Tão geada que ia enjoar se: quente no interior, com calafrios no exterior. Quando fechou os olhos, a cabeça lhe deu voltas. Oxalá Caçador jogasse mais lenha ao fogo.

Os segundos passaram e se converteram em minutos, e Loretta seguia tiritando joga um novelo. O comanche seguia convexo, imóvel, junto a ela. O calor que desprendia seu corpo era como uma chamada para ela. Aguçou o ouvido, tratando de averiguar pelo ritmo de sua respiração se ainda estava acordado.

Seria uma loucura aproximar-se dele se não estava dormido. Se o estava, não se daria conta, verdade? E ela poderia entrar em calor e deixar de tiritar. Tinha que estar dormido. Ninguém podia estar-se tão quieto se não fora assim.

Moveu o traseiro só um pouco e conteve a respiração. O não se moveu. Ao princípio ficou ali escutando, esperando. Nada. moveu-se outro centímetro. Ele seguia imóvel. Loretta se relaxou um pouco e com cuidado de não lhe tocar, aproximou-se mais a ele. Em uns minutos entraria em calor e poderia descansar um pouco, e ele nem sequer se teria informado.

Sem avisar, Caçador se deu meia volta. Deixou cair seu pesado braço sobre ela, estendendo a mão pela parte baixa de seu peito. Com uma naturalidade que a assustou, ajustou seu corpo ao dela e lhe fez roçar a coxa queimada com a pele de búfalo. O contato de seu peito contra suas costas era tão quente como o fogo. O dobrou os joelhos de maneira que suas coxas embalassem os dela. Por uns segundos, Loretta conteve o fôlego, sem saber muito bem o que esperar, disposta ao pior.

Ele pegou o nariz a seu cabelo, e seu fôlego quente lhe acariciou a cabeça. Estava dormido? ficou olhando ao fogo, com os nervos a flor de pele cada vez que ele respirava, cada vez que seus dedos se dobravam.

Mas pouco a pouco o calor de seu corpo foi temperando o dela. Loretta sentia as pálpebras cada vez mais pesadas. O vento sussurrava entre a taça das árvores no que parecia agora um som tranqüilizador, e não ameaçador. As sombras que lhe tinham aterrorizado antes se converteram precisamente nisso, em sombras.

Ouviu um ramo que rangia na escuridão. Certamente, algum animal. Não lhe importava. Lobo, urso, coiote ou puma. Caçador o terrível estava junto a ela. Nada se atreveria a desafiá-lo.

Então seus pensamentos se voltaram imprecisos. Uma grande tristeza a invadiu ao pensar no cavalo. relaxou-se e se apoiou contra o corpo de seu captor. Um manto negro de esgotamento a cobriu.

Loretta ouviu o zumbido de uma mosca em sua cara. Reconheceu fracamente o som, consciente de que tinha chegado o dia e de que o comanche dormia junto a ela. Em outra parte de sua mente, essa escura parte em que os pesadelos acampavam a suas largas, o zumbido se magnificou e a transportou a outro lugar no tempo, a outra manhã abafadiça, ao zumbido forte de outras moscas, ao horror.

Estava no refúgio anti-tormentas...

Tudo estava extrañamente silencioso. As vacas não mugiam. As galinhas não cacarejavam. Os porcos não grunhiam. Só se ouvia o pesado silêncio, e o zumbido incessante das moscas. Talvez por isso soavam tão alto, porque não havia nenhum outro ruído para lhes fazer a competência. Algo era seguro, os comanches se foram. Tinham cessado os gritos de júbilo, as risadas. A papai não importaria se saía agora, verdade? Inclusive embora não tivesse voltado para por ela como lhe prometeu.

Loretta empurrou a trampilla de madeira com a palma da mão. As dobradiças chiaram e o sol lhe deu diretamente na cara, com uma luz cegadora. cambaleou-se ao subir as escadas e sair ao jardim. levantou-se vento e se levou algumas tecidos azuis que descansavam agora no chão a uns metros de distância. Loretta não lhes emprestou atenção.

Em vez disso caminhou para a casa. Subiu ao alpendre, cruzou a porta e entrou na cozinha. Tinha a planta dos sapatos quente, mas tampouco emprestou atenção a isto. passou-se a hora de fazer as tarefas de casa. Não tinha ordenhado ainda, não tinha dado de comer nem aos porcos nem às galinhas. Papai se sentiria muito molesto se se levantava e a via vadiando.

Porque despertaria. Breve. O e mamãe, os dois. Ela reataria suas tarefas como de costume. E despertariam muito em breve. Claro que o fariam.

A asa do cubo de leite levantou ampolas na mão da Loretta ao tirar o da cozinha e cruzar com ele o jardim até o estábulo. Ao princípio não se deu conta por quão imersa estava em seus próprios pensamentos. Finalmente, entretanto, a dor começou a abrir-se passo nos borde de sua memória, devolvendo a à realidade. Então ouviu as moscas. O zumbido era tão forte que lhe fez diminuir a marcha e girar-se. As moscas. Um enxame delas rodeava seu corpo, posando-se nela, mordendo a roupa de seu vestido, tocando cada parte de sua pele que não estava coberta.

A uns três metros dela, o tecido azul seguia sondando ao vento, chamando-a. Desconcertada, forçou a vista em direção à casa... para descobrir que só ficavam as cinzas. A fumaça se elevava ao céu das débeis brasas que ainda ficavam pelo chão.

Loretta percebeu um aroma horrível e soube de onde provinha. Não olharia ao tecido azul. Manteria os olhos no céu, desprezando todo o resto. Se o desejava com todas suas forças, desapareceria. Teria que desaparecer! Mamãe dizia que algo podia fazer-se realidade se alguém o desejava com a suficiente força. E Loretta estava fazendo-o como nunca antes. Tinha que ser assim. Porque se não tudo seria real. E seus pais haveriam, haveriam...

Apesar de haver-se proposto não olhar, Loretta baixou os olhos ao tecido azul. O estou acostumado a pareceu mover-se. ficou sem respiração. Não. Isto foi o que tentou gritar. Não!

Loretta despertou de um sobressalto e ficou as mãos nos ouvidos. Moscas. Durante vários segundos ficou apanhada nesse desconcertante limbo entre a realidade e os sonhos. Depois sentiu uma mão calosa sob o peito, e uns dedos que lhe acariciavam. O comanche. O sonho e a realidade se mesclaram. As moscas, os índios, o sangue. Não podia respirar. Tratou de sentar-se, tratou de retirar a mão de seu corpo, mas a tinha colocada por debaixo de sua camisa. E ainda lhe tinha o cabelo agarrado. Ofegando, tratou de soltar-se.

—Foi ao lugar dos sonhos, verdade? —Apertou os dedos, enrolando-os como cálidas cintas ao redor de seus braços. Tinha os olhos cravados nela, interrogando-a, lendo-a. Ela tratou de olhar para outro lado, mas não pôde. —Um lugar mau, não?

Loretta sentiu que o pescoço lhe punha rígido. Não podia assentir, não queria fazê-lo. O sentia curiosidade pelo que tinha sonhado, mas inclusive embora tivesse podido falar, não o houvesse dito. Nem o teria tentado.

Por fim, ele deixou cair as mãos e olhou ao céu.

—Nei lhe-bitze utsa-e-tah, estou bastante seguro de que tenho fome. Daremos um passeio para lavar o sonho de nossa cara, de acordo? Depois agarrarei carne para pôr em nosso fogo.

ficou em pé. Não queria que a tocasse, assim fez um esforço para levantar-se antes de que lhe oferecesse a mão. O esforço foi em vão. Assim que ela ficou em pé, ele a agarrou do cotovelo e atirou dela para que caminhassem juntos. Ao passar pelo círculo principal de acampamentos, Caçador gritou algo. Vários dos outros homens levantaram a vista e lhe responderam em comanche.

Sem afrouxar a mão com a que lhe agarrava o braço, Caçador a conduziu ao rio.

—Minha primo caçou esta manhã. Há carne fresca. Tem fome, verdade?

O certo era que não, mas ela assentiu, por medo a lhe zangar. Assustada ainda pelo pesadelo, o peso de sua mão sobre seu braço lhe resultou vomitivo. Cabia a possibilidade de que tivesse estado presente o dia no que sua mãe foi assassinada. Tinha uma cara inesquecível, mas sua comoção aquele dia foi tão grande que podia muito bem lhe haver esquecido.

Pensou que devia ter pouco mais de trinta anos, idade suficiente para ter estado no assalto e talvez em centenas antes de esse. Os meninos comanches se faziam guerreiros muito em breve, alguns participavam desses banhos de sangue quando não eram maiores que Amy.

Apitavam-lhe os ouvidos. O mundo que lhes rodeava parecia extrañamente luminoso. sentia-se a desgosto consigo mesma por estar lhe seguindo tão docilmente. Enquanto caminhavam, podia sentir as pedras e as urtigas que lhe cravavam a planta dos pés. Perdeu o equilíbrio uma vez, quando tratava de saltar sobre uma perna para tirar um espinho que lhe tinha parecido no pé. Não esperava que ele se detivera, mas o fez. depois de tirá-la espinho, seguiram andando, mas esta vez parecia como se ele estivesse escolhendo com mais cuidado o caminho.

Quando chegaram ao rio, ele girou para a esquerda.

—To-hobt Pah-e-hona, rio Água Azul. Vós o chamam Braços, não é assim? —Assinalou para diante. —Pah-seu gat, corrente acima —lhe pôs um dedo no ombro, —Você-naw, corrente abaixo. Escutará bem, Olhos Azuis, e aprenderá. A fala tosi tivo é como terra em minha boca.

O tom que utilizou fez a Loretta perder o equilíbrio. Terra em sua boca? Se tanto odiava aos brancos, por que demônios a tinha levado? Corrente acima, corrente abaixo, não poderia recordar essas palavras. Não queria fazê-lo. Era a língua dos assassinos. Tudo o que queria era ver-se livre de toda essa suja banda.

Outra pedra lhe cravou no pé e a fez estremecer-se de dor, perdendo o equilíbrio. Lhe soltou o cotovelo e a agarrou em braços. Foi tão inesperado que se tivesse podido gritar, tivesse-o feito. Seus olhos se encontraram: os dele, zombadores e os seus, surpreendidos.

Embora ele carregava com todo o peso, a posição a obrigava a lhe agarrar do pescoço se não queria rompê-la costas. O ficou de pé ali, olhando-a e esperando. Lhe pôs a boca seca. Tivesse preferido que a agarrasse a ombros como outras vezes e que acabasse de uma vez. Ir agarrada como um saco de grão não era muito digno, mas ao menos não tinha que lhe rodear o pescoço com os braços.

Esse brilho de determinação em seus olhos, que ela começava a conhecer tão bem, crepitou em seus olhos. Então lhe deu um pequeno empurrão, o justo para que se decidisse. De maneira instintiva pôs os braços ao redor de seu pescoço. O apertou os lábios com satisfação, desenhando um sorriso que dizia claramente que como sempre, ele tinha a última palavra. Começou a caminhar de novo.

Os músculos de seu pescoço se ondulavam sob seus dedos e sua pele era tão cálida e suave como o ante mais fino. Seu cabelo, sedoso e forte, roçava-lhe os nódulos. Sob a boneca, podia sentir a crosta do ombro, fresta da bala de tia Rachel. Ao recordar a ferida que se provocou no braço a noite anterior, perguntou-se quantas outras cicatrizes teria. Era estranho, mas quanto mais tempo passava a seu lado, menos apreciava a cicatriz de sua cara. A sua era dessas caras às que as imperfeições foram bem. Uma cara esculpida, com uma pele curtida em um moreno de ébano, tão resistente como os abruptos ravinas e as intermináveis pradarias da terra em que se criou.

Levou-a até um espaço de pedras plainas ao lado do rio, e a pôs com suavidade no chão. estiraram-se um ao lado do outro no leito de pedras. Loretta se lavou a cara e desfrutou de do frescor da água sobre sua pele queimada. Determinada a ignorar a proximidade do comanche e disposta a aproveitar as poucas concessões que o fazia, tornou-se para diante na rocha. Baixou a cabeça e tratou de tirar-se com os dedos os ramos e a sujeira que tinha pego ao cair do cavalo. depois de sacudir a água de suas largas tranças o melhor que pôde, suspirou e colocou a palma da mão na corrente, para beber um sorvo. Ao baixar as mãos, fixou-se no reflexo de seu rosto na água, pálido e dourado em contraste com o homem bronzeado e moreno que tinha ao lado. Ao ver-se assim, junto a ele, desta maneira, pensou que tudo o pesadelo que estava vivendo cobrava ainda mais força.

girou-se para lhe olhar, e nesse mesmo instante ele a olhou a ela. Durante uns segundos, ficaram simplesmente assim, observando-se.

—Inclusive a água canta nossa canção. —Suspirou e ficou de joelhos para ver melhor a imagem que projetavam na água.

Loretta ficou de pé, muito incômoda para poder dar uma explicação às coisas. Suas canções e seus deuses não tinham nada que ver com ela. O se levantou de um salto, e uma vez mais Loretta teve que sofrer a mão em seu braço enquanto caminhavam de volta ao acampamento.

O primo de Caçador estava em cuclillas junto ao fogo esfolando um coelho. Com cautela, Loretta foi sentar se em que por agora era sua cama. Fingindo indiferença, ficou a desenredar os nós de seu cabelo. Caçador se uniu ao outro homem e os dois começaram a falar em comanche enquanto terminavam de preparar a carne e a cravavam no assador. depois de reduzir um pouco as chamas do fogo, cravaram o assador no chão, em forma de ângulo para que o coelho ficasse suspenso sobre as chamas e se assasse lentamente.

Quando terminaram de colocar a carne, os dois homens se voltaram para olhá-la. Por seu tom de voz, diria-se que estavam discutindo. Ela seguiu se penteando com os dedos e desenredando-os mechas molhadas, desejando poder entender o que estavam dizendo e rezando para que suas mãos trementes não a delatassem.

Um reguero de água lhe caiu pela nuca até as costas, tão frio como seus pensamentos. depois de desatá-la-a noite anterior, Caçador não tinha retirado as estacas. Planejava voltar a atá-la? Escondendo-se detrás da cortina que formava seu cabelo solto, jogou um olhar rápido para ele. Estava-a olhando. Sua primo deixou cair as mãos, golpeou o chão e se afastou dali a grandes pernadas.

O silêncio que seguiu lhe pôs os nervos de ponta. Sentiu uma sombra a seu lado e soube que Caçador se aproximou. depois de uns segundos intermináveis, atreveu-se a levantar a cabeça. Não pôde ver nem um rastro de aborrecimento em sua cara. De fato, parecia divertido. agachou-se frente a ela, analisando-a com seus olhos azul índigo.

Loretta não sabia o que pensar, assim que ficou com a vista fixa no medalhão de pedra. Ele tocou uma de suas mechas frisadas, ainda úmidos, e o esfregou entre seus dedos para provar sua textura. Depois lhe levantou o queixo. Pô-lhe o polegar e outros dedos a ambos os lados da boca, lhe acariciando os lábios. Quando ela levantou os olhos se encontrou com seu olhar. Não disse uma palavra. limitou-se a olhá-la com curiosidade, com uma expressão de seriedade esta vez.

O aroma doce e penetrante do coelho assado chegou até eles. Loretta tratou de apartar-se, enojada. Como se tivesse uma pluma nos dedos, lhe roçou o lábio superior, com a cara tão perto da dela que suas respirações se misturaram, a sua, rápida e entrecortada, a dele lenta e comedida.

Por muito difícil que lhe resultasse admiti-lo, Loretta sabia que com uns dias mais como cativa de Caçador, esqueceria-se de todo o resto e só pensaria em sobreviver. Quase podia ver-se a si mesmo, correndo para fazer o que lhe pedia, sofrendo suas carícias sem pigarrear e arrastando-se para obter seu perdão quando se zangasse. Se deixava que isto ocorresse, como poderia voltar a olhar à cara a sua gente se alguma vez conseguia escapar?

Ou pior ainda, como poderia olhar-se a si mesmo?

Como se adivinhasse o que estava pensando, viu uma expressão de brincadeira na cara do comanche. tornou-se para trás sobre seus talões e baixou os olhos para deleitar-se em seu corpo, com uma lentidão insolente que ruborizou a Loretta.

Não era mais que uma posse para ele, algo para o que se acreditava em seu direito de acariciar e olhar, como se fora uma bagatela que tivesse comprado. Quando se cansaria de olhar só? Suas queimaduras estavam melhor, e a febre quase tinha desaparecido. Se se tinha contido porque estava doente, o tempo lhe estava acabando.

depois de um momento, ficou em pé, fez-lhe um sinal com o dedo e disse:

—Keemah.

Loretta começou a levantar-se e então se deu conta. Lhe formou um nó na garganta. Se lhe obedecia com tanta facilidade agora, encontraria-se fazendo-o ainda mais diligentemente a próxima vez, e muito em breve brincaria de correr detrás dele como se fora sua pulseira. Era isto o que queria, sobreviver a qualquer preço? Não.

A negação tomou forma justo antes de sentir que lhe cravava a mão no braço esquerdo. Imediatamente seguinte notou que atiravam dela para levantá-la. cambaleou-se e jogou a cabeça para trás, lhe olhando. Como resposta, ele a atraiu para si.

—Não ponha a prova minha paciência, Olhos Azuis. Meu cavalo está morto por sua culpa. Não é muito tarde para te castigar, né? Keemah, vêem. Conhece a palavra.

Sua voz a rodeou como uma soga, grosa e implacável. Pronunciava as palavras com tanta lentidão e claridade que se sentia como um cão ao que estivessem ensinando a obedecer. Quando ele se deu a volta e tratou de atirar dela para o lugar onde tinha empilhadas seus pertences, ela cravou os talões no chão. Com uma força inimaginável, ele conseguiu movê-la apenas sem esforço. Não havia forma de fazer que lhe tirasse os dedos do braço, por muito que o tentasse.

Quando chegaram às bolsas de couro, soltou-a e rebuscou entre seus pertences até encontrar uma saca. depois de afrouxar a corda que a fechava, agarrou-lhe a mão e lhe verteu um punhado de frutos secos. Por um instante, Loretta se sentiu envergonhada por lhe haver causado tantos problemas quando quão único ele queria era lhe dar de comer. Entretanto, este sentimento durou pouco.

Por muita fome que tivesse, tinha poucas opções, e conformar-se não era uma delas. Tinha poucas vias de escapamento. Preparada para sua reação, volteou a mão e atirou a comida ao chão. Ele podia lhe obrigar a fazer muitas coisas, mas não poderia conseguir que comesse.

                                           CAPÍTULO 10

Para quando o coelho esteve preparado, Caçador estava muito confuso por como devia dirigir a seu prisioneira e tinha sérias dúvidas de que tivesse sido acertado não castigá-la-a noite anterior. Tinha atirado a comida ao chão. Ao lhe oferecer água, tinha-a afastado de um tapa. Antes ou depois se veria obrigado a castigá-la.

Quando Búfalo Vermelho e dois de seus amigos se aproximaram tranqüilamente ao fogo para agarrar a porção de carne que Búfalo Vermelho tinha caçado, Caçador jogou um olhar à garota, com a esperança de que tivesse a prudência de comportar-se.

Búfalo Vermelho sorriu ao ajoelhar-se junto ao fogo. Ou se tinha esquecido da discussão que tinham tido sobre a garota ou estava preparando-se para outro assalto.

—Cheira bem, Caçador —disse Búfalo Vermelho. —Quem necessita uma mulher, né?

—Quão único fazem as mulheres é chatear. —Fabricante de Flechas, um dos amigos de Búfalo Vermelho, inclinou-se para agarrar uma parte da pata do coelho. Tão magro como as armas que polia, Fabricante de Flechas logo que projetava uma sombra quando ficava de lado e tinha mais necessidades de uma mulher que qualquer dos outros valentes que Caçador conhecia. —Prefiro circular pelos tipis. Para que atar uma corda e ver a mesma arpía cada noite?

—Só tome cuidado de que nenhum marido ciumento te descubra. —Caçador tirou o coelho do assador, sacudindo a mão quando a carne quente lhe queimou os dedos. —Eu gosto de pensar que tenho uma mulher em meu lar. Os invernos podem ser muito compridos sem alguém que quente sua pele de búfalo.

Búfalo Vermelho examinou a cabelo amarelo.

—Se for por isso pelo que a quer, então é um estúpido. As mulheres brancas se deitam a seu lado como um bloco de pedra.

Caçador colocou a carne carbonizada em uma parte de couro. Com o olhar posto na mulher de cabelo amarelo, encolheu-se de ombros.

—Inclusive a pedra pode ser trabalhada para que sirva às necessidades de um homem. Possivelmente com um bom professor, termine por ser passável.

Búfalo Vermelho cuspiu no fogo e dirigiu um olhar provocador à mulher.

—É muito brando com ela. O que precisa é mão firme. deixe-me isso uns dias. Eu a ensinarei.

Ficando em pé, Búfalo Vermelho começou a caminhar para o jergón. Embora Caçador ficou junto à carne, era consciente do medo da moça. Búfalo Vermelho a agarrou pelo cabelo e lhe obrigou a baixar a cabeça.

Disse-lhe em inglês:

—Passaremo-lo bem juntos, né, mulher? —Com uma risada baixa, pô-lhe a mão no peito, sovando-lhe com crueldade por cima da camisa de caçador. —Enquanto te ensino como jogar nossos jogos?

Ainda em cuclillas, Caçador se girou sobre seus talões, com a faca em uma mão. Se alguém ia tratar mal à garota, esse seria ele.

—Deixa-a.

—Que a deixe? —deu-lhe um puxão do cabelo. —Primo, não estará pensando em me desafiar por uma pestilenta cabelo amarelo?

Os olhos da garota se abriram tanto que parecia que foram sair se o da cara. Estava sentada, com os ombros cansados e os braços cobrindo seus peitos para proteger-se. Tinha torcido o pescoço para que o puxão de Búfalo Vermelho não lhe fizesse mais dano.

—Se quiser uma cabelo amarelo para jogar, Búfalo Vermelho, vê e rouba uma. Esta me pertence.

Os olhos de Búfalo Vermelho se fixaram na faca que Caçador tinha na mão.

—Está procurando briga? Sempre o compartilhamos tudo.

—Nossas mulheres, não.

—Ela é uma pulseira, não uma mulher.

—A mulher da profecia.

—Ai-ee! —Ishatay, Boñiga de Coiote, levantou-se do fogo e ficou entre os duas primos. —Acaso estivestes bebendo da água da estupidez? Deixa-a em paz, Búfalo Vermelho. Não merece a pena.

Quando Búfalo Vermelho soltou à garota, deu-lhe um empurrão que a fez rodar pelo chão. Caçador fixou o olhar em sua cara e viu as lágrimas que nublavam seus olhos, lágrimas involuntárias, estava seguro disso, pelo puxão tão perverso de cabelo que tinha sofrido. De outra forma, era muito orgulhosa para chorar por tão pouco. Caçador sentiu um nó no estômago.

Búfalo Vermelho grunhiu enquanto voltava para o fogo:

—me ponha minha comida. Quero sair daqui. A peste me põe doente.

Ao recordar como Búfalo Vermelho havia meio doido o peito da mulher, Caçador começou a tremer. A reação lhe resultou tão inexplicável que não podia concentrar-se em outra coisa que não fora em desencapar a faca e agarrar uma parte de coelho.

—Agarra sua parte e vete a comer a outro lado.

—Escolhe-a a ela em vez da mim?

Sem fazer caso à pergunta, Caçador caminhou até o jergón para dar à garota sua ração. No momento em que estendeu a mão para ela, golpeou-o com o braço e atirou pelo chão a parte fumegante de coelho. O som que fez ao cair pareceu ressonar no chão. Caçador ficou olhando a carne, e depois olhou à garota, sem poder acreditar o que via.

—Se não a castigar por isso, farei-o eu! —grunhiu Búfalo Vermelho.

Caçador ouviu que sua primo se dirigia para eles. A garota se encolheu, com os olhos muito abertos ao ver a mão de Búfalo Vermelho perto de seu braço. Caçador agarrou a sua primo da boneca.

—É minha mulher. Eu me encarrego.

—Como fez ontem à noite?

Caçador estava a ponto de perder a paciência. Atirou de Búfalo Vermelho para lhe fazer perder o equilíbrio e o ameaçou lhe aproximando o punho à cara.

—Hei dito que eu me encarrego!

Búfalo Vermelho se encolheu de ombros e deu um passo atrás.

—É minha carne a que atirou ao chão.

—E ela é minha mulher. Por conseguinte, corresponde-me lhe ensinar. Não a ti.

Caçador agarrou à garota pela boneca e atirou dela para pô-la em pé. dirigiu-se para um tronco que havia ali perto, e a obrigou de um empurrão a ir com ele. Lhe impediu o passo e tratou de lhe abrir os dedos com os que lhe sujeitava o braço. Caçador lhe deu outro empurrão, pouco disposto a agüentar sua insolência.

No momento em que ia sentar se no tronco, ela voltou a tentar afastar-se dele. Esta vez esteve a ponto de consegui-lo. Embora era pequena, era tão rápida e escorregadia como um inseto. encetaram-se em uma trifulca, em que Loretta lhe golpeou a cabeça com o cotovelo lhe fazendo ver as estrelas.

Centrado em lhe dar uma lição, Caçador esqueceu todo o resto: as queimaduras, Búfalo Vermelho, seus amigos... sentou-se bruscamente no tronco e de um puxão a sentou em seu regaço. Obrigou-a a tombar-se sobre seus joelhos. A respiração da Loretta se fez entrecortada.

—Aprenderá a não lutar comigo.

Ela arqueou as costas, com a vista fixa em seu braço esquerdo. Caçador sabia o que estava pensando, e isto lhe fez zangar ainda mais. Agarrando-a pela nuca, atirou-lhe da cabeça para trás antes de que pudesse lhe afundar os dentes. Com a perna esquerda, imobilizou as da garota entre suas coxas. Ela ficou a dar murros ao ar, tratando de lhe golpear, mas Caçador a tinha justo como queria, apanhada e com o traseiro para cima.

—Sejamos, um! —começou a contar enquanto lhe pegava com a palma da mão. —Wahat, dois! Pihet, três!

Búfalo Vermelho e seus amigos se aproximaram deles, renda-se. Os castigos deste tipo não eram muito habituais em seu povoado.

—Ai-ee! —Boñiga de Coiote pôs os braços em jarras e se dobrou pela cintura. Foi contando os açoites com Caçador e no quarto gritou. —Hi-er-oquet!

O magro corpo da moça se agitou tão violentamente que Caçador fez um gesto de dor. por que não deixava de enfrentar-se a ele? Nunca antes tinha pego um traseiro tão suave. Podia imaginar o muito que devia picar seu açoite. E mesmo assim ela movia as pernas e tratava de escapar?

Voltou a lhe dar outro açoite.

—Quer lutar? Né? Kerwhack! Bem. Isso é bom. Lutaremos. —E voltou a açoitá-la. —Segue querendo me cuspir? Né?

A julgar pelo número de vozes que ouvia seu redor, imaginou que se teria congregado uma multidão. Tinha deixado de lhe importar. Tudo o que lhe importava era fazer que a mulher cedesse. Ninguém antes se atreveu a lhe pôr furioso e viver para voltar a cometer o mesmo engano. Exceto esta garota. Não voltaria a andar o mesmo caminho. O se ocuparia disso.

Estava tão concentrado em fazer que deixasse de lhe desafiar que esqueceu a conta dos açoites. Mesmo assim ela seguiu lutando, agitando-se, esperneando e lhe pegando nas pernas com os punhos. Não se dava conta de que não podia deixar de castigá-la se os homens seguiam olhando? Através do fino tecido de seus calções, podia ver a pele avermelhada de suas nádegas. Então soube que não ia ceder.

Ao levantar a mão para voltar a pegá-la, duvidou. Seu corpo magro se agitou e esticou esperando o golpe. Então lhe sobreveio uma sensação de desprezo por si mesmo. Tinha lutado e matado a muitos homens. Nisso, via o menos um sentimento de vitória, inclusive de venerabilidade quando se tratava de um duro adversário. Mas nisto? A vitória, quando a conseguisse, se é que alguma vez acontecia, seria como terra em sua boca. Como se estivessem a muita distância, ouviu a risada de seus amigos, suas vozes lhe animando.

Com um grunhido de desgosto, Caçador apartou à garota de seus joelhos. Ela caiu ao chão e ficou a quatro patas, com o cabelo dourado convertido em uma massa de cachos, sua cara queimada e coberta de lágrimas, seus olhos cheios de impotência e raiva. Embora o número de competidores lhe superava com acréscimo e tinha pouca força com a que lutar, seguia sem render-se. Os filhos que tivesse seriam grandes guerreiros. Pela primeira vez, Caçador se perguntou se os deuses não estariam rendo-se dele.

Com mais fúria que dor, Loretta apertou os punhos e ficou olhando fixamente a seu captor. A risada dos outros homens era como um rugido em seus ouvidos, e o som fazia que a humilhação fora completa. A raiva a invadia. Tratou de ficar em pé. Afastar-se. Era no único no que podia pensar. Afastar-se de Caçador.

Girando sobre si mesmo, pôs-se a correr com todas suas forças. No único que podia pensar era em pôr um pé diante do outro. Não se preocupou de saber se Caçador estava seguindo-a. Nem se os outros homens foram rodeá-la. Quando notou sua cara estampada em um sólido peito e sentiu as mãos que lhe agarravam pelos braços, piscou para ver melhor e depois se desabou. Quão seguinte notou foi algo duro que lhe tocava a cabeça por um lado, e luzes que refulgiam frente a ela. cambaleou-se e caiu ao chão com as pernas abertas, cegada por uma negrume coberta de estrelas.

Tratou de ficar de joelhos. O corpo lhe pesava como se fora um pano molhado. Podia ouvir as vozes zangadas que subiam e desciam de volume a seu redor. Voltou a tentar ficar de pé mas não pôde. Alguém a agarrou pelos ombros e lhe deu a volta. Uma sensação de ingravidez a invadiu. Tratou de abrir os olhos para ver quem estava tocando-a. Por favor, Deus, que não fora o primo de Caçador.

Recolheu a sua mulher de cabelo amarelo da terra, atordoada e finalmente derrotada. Sentia uma raiva profunda de que Boñiga de Coiote se atreveu a pegá-la. Também temia que o punho do outro homem lhe tivesse feito algo sério.

Caçador baixou a vista em busca dos olhos desorientados da moça, com o coração em um punho. Por fim a via rendida. Só uns momentos antes, esse tinha sido seu propósito, mas agora, desejava que voltasse a lhe cuspir e a lhe dar patadas. Estes últimos dias seus sentimentos tinham sido tão escorregadios e frágeis como os flocos de neve. Talvez se parecia mais a seu irmão Guerreiro do que tinha imaginado.

Grunhiu aos outros homens para que se apartassem e levou a garota ao jergón de peles, onde a tombou brandamente. ajoelhou-se junto a ela.

—Hah-ich-k ein, onde está, Olhos Azuis?

—Caçador, encontra-se bem?

Caçador levantou os olhos e viu seu jovem amigo, Antílope Veloz, inclinado sobre eles. O menino parecia preocupado.

—Acredito que sim. nos deixe a sós, meu amigo? Se se acordada e vê outra cara estranha vai assustar se.

Antílope Veloz assentiu e começou a afastar-se.

—Há algo que possa fazer? Trago-te água ou algo?

—Não, só nos deixe.  

—É muito valente, verdade? Como sua irmã.

Caçador assentiu e fez um gesto para que os deixasse sozinhos. As pestanas da moça pareceram sombrear suas bochechas. Bateram as asas fracamente, em um intento por levantar-se. Quando por fim o fizeram, Caçador viu uns olhos muito mais azuis do que a profecia tinha vaticinado. Eram azuis como o céu do verão, sim, mas muito mais brilhantes. As lágrimas úmidas refletiam a luz do sol, lhe recordando ondas de calor longínquos. Tremia-lhe a comissura do lábio e se viu incapaz de incorporar-se sobre os cotovelos.

—Ficará quieta —lhe ordenou em voz baixa.

Ela franziu o cenho e piscou. Com medo ao que pudesse encontrar, Caçador se inclinou sobre ela e começou a lhe apalpar a frente e a mandíbula. Embora parecia fazer caretas de dor, não pôde detectar nenhum osso quebrado, nem nenhuma amostra de moratón. O punho da Boñiga devia lhe haver golpeado a cabeça. Isto lhe tinha enjoado um pouco, mas não parecia que tivesse sofrido nenhum dano grave.

Aliviado, Caçador retirou com suavidade as mechas douradas de suas bochechas, fascinado pela maneira em que os cabelos, libere já da trança, enroscavam-se em seus dedos sem opor resistência. A espiral dourada acendeu ao mesmo sol e pareceu prender fogo. Já não lhe parecia da cor da erva seca, mas sim viu pela primeira vez o que pareciam raios de sol. Então se fixou em sua cara, e percorreu lentamente a delicada linha de suas sobrancelhas e a curva de seu pequeno e bronzeada nariz. Um pêlo suave brilhava na sombra de seu lábio superior e percorria a linha de suas bochechas. Não soube por que, mas de repente sentiu vontades de sorrir.

Quando Loretta começou a recuperar a visão, surpreendeu-se do contraste que supunha a dureza da cara do comanche com a doçura de sua carícia. E ainda lhe surpreendeu mais a expressão de preocupação que viu em seus olhos. Apartando o cabelo com a mão, voltou a piscar. Este índio devia havê-la golpeado tanto que já não sabia o que via. Era a única explicação. Fazia todo o possível por enfurecer a Caçador, tinha-lhe insultado, tinha-o mordido, tinha-lhe cuspido. E o único que conseguia em troca eram uns açoites e esta expressão de preocupação em sua cara? Tio Henry lhe teria pego muito mais forte e durante mais tempo por muito menos.

Caçador lhe pôs uma mão no cabelo e o acariciou com seus cálidas e calejadas mãos. Quando alcançou um lugar mais sensível, Loretta fez uma careta de dor, mas sem ter forças para resistir.

—Não é sábio lutar quando não pode ganhar, Olhos Azuis. Hei-te dito estas palavras antes, verdade? Não escuta muito bem. —Ao tornar-se para trás sobre seus talões, pôde ver um leve sorriso em seus lábios. —Quando ninguém nos veja, luta a grande luta com este comanche, de acordo? Só quando ninguém nos veja. Se não terei que te castigar, entende-o? —Deixou de sorrir. —Comigo, nunca com a Boñiga de Coiote. —deu-se um punho no peito. —Che ks-kai, coração mau. Entende? O é mocho-rook, cruel.

Loretta tinha deixado de lhe escutar para centrar sua atenção nos outros índios congregados não muito longe de ali. ficou paralisada ao dar-se conta de que seu destino podia ter sido muito diferente se tivesse ido parar à mãos de algum outro que não fora Caçador. A cabeça lhe dava voltas. Quantas vezes tinha ouvido falar de Caçador com terror? Desumano, malvado, uma ameaça para a fronteira. Estas eram sozinho algumas das coisas que se ouviam dele. E entretanto, estava aqui lhe recomendando que lutasse suas batalhas só com ele para que ninguém lhe fizesse mal.

depois de lhe conceder uns minutos para que recuperasse o equilíbrio, Caçador se levantou e voltou de duas pernadas ao fogo para agarrar sua ração de coelho. Já de volta ao jergón, tirou a faca e partiu uma boa fatia de carne para oferecer-lhe Loretta sabia que o índio devia estar faminto, e que a parte que tinha não era tão grande para compartilhá-lo. depois da forma em que tinha estado comportando-se, pareceu-lhe incrível que ainda seguisse lhe oferecendo comida. Se tivesse sido ao contrário, lhe tivesse deixado morrer de fome, assim se apodreça! Fez um esforço por apoiar-se sobre um cotovelo. O se inclinou e lhe aproximou a carne.

—Comerá —uma risada inconfundível transformou sua cara, —para que esteja forte. Não podemos lutar a grande luta se estiver morta de fome.

Loretta baixou os olhos. viu-se alagada de um matagal de sentimentos contraditórios. Por um lado, detestava a este homem. Não tinha por que preocupar-se de se tinha ou não suficiente comida para ele, nem tinha por que sentir-se culpado por ter atirado sua estúpida carne. Mas ao mesmo tempo, sim que se sentia envergonhada. E por sua vida que não podia aceitar a carne para depois atirá-la ao chão. odiava-se por isso e lhe odiava por provocar nela uns sentimentos tão contraditórios.

Ao ver que não agarrava a carne, agachou-se a seu lado. por que não a deixava em paz? Estava tão cansada, tão horrivelmente cansada. Cansada de ter medo. Cansada de enfrentar-se a ele. Cansada de lutar consigo mesma.

—Hein ein mah-seu-ite, o que quer? —perguntou-lhe em voz baixa. —O pequeno coelho é bom. Os tosi tivo, os homens brancos, comem coelho, não?

Loretta apartou a cara.

O suspirou.

—Olhos Azuis, verá em meu interior, né? —Como sujeitava ainda as duas partes de carne, não ficavam mãos livres, assim teve que lhe tocar o ombro com a frente. —Nabonc, olhe.

Pela primeira vez, pôde detectar um tom de súplica em sua voz, apenas irreconhecível entre toda sua arrogância.

Quando ela levantou os olhos para lhe olhar, seus olhares se encontraram durante um momento.

—Você é to-ho-BA-k, o inimigo. É assim, né? Tosi mah-ocu-ah, uma mulher branca? E eu sou o inimigo de sua gente, um Lhe-j-ás, um comanche. —Estendeu um braço e fez um movimento ondulatorio com ele. —Serpentes que retornam, né? —Um sorriso transformou seu rosto. Por um momento, não só parecia humano, mas também até arrumado. —Você gosta disto, né? O comanche e as serpentes, todas iguais?

A risada lhe fez perder o equilíbrio, e ela voltou a apartar a cara. Lhe pôs uma parte de carne sob o nariz.

—O coelho não é to-ho-BA-k, o inimigo. O é Tao-eu-cha, filho da Mãe Terra, né? Pode comê-lo. Não é render-se quando comemos os frutos da Mãe Terra.

O aroma do coelho embriagou as fossas nasais da Loretta, lhe fazendo a boca água. Contra sua vontade, pôs os olhos na suculenta e rosada carne. Doía-lhe o estômago da fome que tinha. Pensou que ia desfalecer de um momento a outro. O que era o que tentava provar, de todas formas? E embora assim fora, quem ia ou seja o? Ela saberia, é obvio, mas o orgulho não ia encher lhe o estômago.

Caçador aproximou ainda mais sua oferta.

—Comerá-o? Não pertence a ninguém.

O aroma era quase irresistível. Mas, fazendo uma careta de dor ao notar suas nádegas doloridas sobre o jergón, sentou-se e rechaçou a carne.

O grunhiu com desaprovação e se sentou junto a ela na pele. Seguiu um silêncio sepulcral no que pôde ouvir o som de sua mandíbula mastigando a carne. Nunca nada neste mundo tinha cheirado tão bem como esse coelho.

—Comerá frutos secos e bagos?

Loretta lhe olhou e depois dirigiu a vista para o montão de sacas de pele que tinha, recordando a mescla que tinha atirado ao chão com antecedência. O orgulho ficou apanhado na garganta.

—vais caminhar sobre seus passos, né, para voltar por um caminho diferente? Meu ner-b-ahr, minha mãe, agarrou os bagos e as nozes. Guerreiro, meu irmão, encontrou a árvore de mel. São frutos da Mãe Terra, né? Como o coelho.

O aroma da carne lhe entrava pelo nariz. Olhou para o fronte. Não podia permitir-se claudicar.

Como se ele sentisse o perto que estava de render-se, ficou em pé e foi procurar a saca em que tinha os frutos secos e um cantil de cabaça. Já de volta, afrouxou a cinta que fechava a saca e a pôs sobre as peles, em meio dos dois. depois de agarrar um punhado de frutos secos para ele, fez-lhe um gesto para que fizesse o mesmo.

Ao ver que ela não fazia nenhum movimento, disse:

—É bom, né? Agarrará um pouco. Não fará mal a seu estômago.

Loretta começou a chorar. Quem havia dito que a carne era débil? Não era certo. A necessidade da carne mandava. A sede bebia. O frio procurava casaco. E a fome comia.

Podia quase saborear a doçura das nozes em sua boca. Desejava devorar todo o conteúdo da bolsa. Ofereceu-lhe o cantil com água. Ela duvidou e depois negou com a cabeça. Sabia que não passaria muito tempo até que descobrisse que se proposto jejuar. Não comeria nem beberia. Nem esta manhã, nem nunca. Sabia que ia se zangar, e lhe dava medo. Mas havia coisas que nem sequer ele podia lhe obrigar a fazer.

Enquanto ele terminava sua comida, Loretta tratou de consolar-se acurrucada sobre si mesmo. Sabia que a observava. concentrou-se nos sons e tratou de esquecer-se da existência do comanche. Era impossível. As folhas das árvores dançavam em cima deles, e a luz do sol se refletia no chão como bolinhas de ouro através do manto de erva. Ela estudou as distintas formas que desenhavam e desejou que ele se fora. Desejou estar em outro sítio, em qualquer outro sítio.

Incapaz de suportar o silêncio do homem que tinha ao lado por mais tempo, obrigou-se a lhe olhar. Uns olhos de cor azul índigo apanharam os dela, e refletiram sombras e luzes, uma expressão cambiante e impossível de decifrar. Suas facções, esculpidas em cobre brunido, tampouco davam nenhuma pista. O vento elevava seu cabelo, que se movia em rajadas escuras sobre seu rosto e se enredava com suas pestanas. O seguia observando-a com intensidade, e embora sua expressão era do mais séria e circunspeta, teve a impressão de que estava burlando-se dela.

Então ele se levantou de repente, lhe fazendo dar um salto de surpresa. aproximou-se da cadeira de montar e pôs em seu sítio a saca de comida. Quando voltou, trazia uma corda na mão. Sem olhar sequer o que estava fazendo, fez um nó e lhe rodeou o pescoço com a corda.

Apertou um pouco o nó junto a sua garganta e disse:

—Daremos um passeio.

Loretta o olhou horrorizada.

—Não te rende bem, Olhos Azuis. A corda é sábia. Não lutará a grande luta no bosque, não dirá palavras de mel, não mentirá, não haverá gente contente, nem cavalos mortos. —Atirou da corda. —Keemah, vamos.

Loretta se perguntou se seria capaz de estrangulá-la se ela atirasse muito. Jogando uma olhada ao extremo da corda que ele sustentava, deu-se conta de que não tinha valor para comprová-lo. ficou em pé com inapetência e caminhou obedientemente junto a ele para o bosque.

Exceto pelos passeios vigiados que teve no bosque, Loretta passou o resto do dia sentada à sombra do carvalho, sempre sob o olhar atento de seu captor. Sofreu os cuidados para suas queimaduras com estóica passividade, sabendo que não ficava nenhuma esperança de escapamento. O a tratava com irrepreensível amabilidade, algo que, longe de tranqüilizá-la, fazia que se sentisse mais miserável. Devia estar jogando com ela. Não sabia o que podia esperar dele em nenhum momento.

Ao anoitecer, a monotonia se viu interrompida por um estrondo de cavalos. Uma dúzia de guerreiros se aproximou do acampamento e desmontou em meio de uma nuvem de pó. Loretta os observou com indiferença. Rodeada como estava de tantos selvagens, uns poucos mais não lhe pareciam interessantes. Mas um dos cavaleiros se ficou no cavalo. Olhou-o com mais parada e então lhe acelerou o pulso. Tom Weaver? Cravou os olhos em Caçador, que estava jogando mais lenha ao fogo. depois de lhe devolver o olhar com essa expressão indecifrável tão característica dele, levantou-se e foi dar a bem-vinda aos recém chegados.

As perguntas se amontoavam na cabeça da Loretta. por que não estava Tom morto? Se estes outros índios lhe tinham tido prisioneiro todo este tempo, onde o tinham retido? E por que o traziam aqui? Para matá-lo? agarrou-se os joelhos, cravando-as unhas na pele. Não poderia suportar ver como lhe torturavam. Mas o que podia fazer para lhes deter? Nem sequer podia salvar-se a si mesmo.

depois de conversar com os outros índios, Caçador agarrou a brida do cavalo do Tom e o conduziu até o acampamento. Loretta examinou a seu amigo. Tinha um moratón na bochecha, por cima da barba, e uma corda rodeava seu avermelhado pescoço. Tinha a camisa rasgada à altura do ombro e os borde manchados de sangue. Parecia aterrorizado, uma expressão que ela conhecia muito bem.

Caçador lhe cortou as ataduras dos pés e atirou dele para que descesse do cavalo. Tom se cambaleou e esteve a ponto de cair. Caçador o observou, e depois o levou até o fogo, onde lhe tocou no ombro para que se sentasse. Tom se voltou para a Loretta.

—Está bem, garota? Hão-lhe...?

Caçador lhe deu uma patada na parte baixa das costas. Tom ficou sem palavras, seus olhos azuis procurando os dela. Loretta sabia o que estava perguntando-se. Começou a lhe fazer gestos para lhe responder, mas Caçador pôs os olhos nela. Embora sabia que Tom ia pensar o pior, baixou a cabeça. Se zangava ao comanche, poderia pagá-lo com o Tom.

—É um sujo bastardo! —gritou Tom.

Sem acreditar o que estava ouvindo, Loretta levantou os olhos bem a tempo para ver o brilho do metal. Caçador pôs a faca na garganta do Tom e se agachou junto a ele. Não faziam falta mais palavras. Um som mais do Tom, e Caçador o mataria.

Ela ficou de joelhos. Esse mínimo seu som foi suficiente para desviar a atenção do comanche para ela. Levantou as mãos em sinal de súplica. O ar vibrou pela tensão. Então, lenta e deliberadamente, Caçador afastou a faca da laringe do Tom e o meteu na capa.

Aliviada, Loretta voltou a sentar-se no jergón. Caçador atirou outra parte de madeira ao fogo, levantando uma nuvem de faíscas no ar. Algumas alcançaram ao Tom, que tratou de tirar-lhe de cima com suas torpes mãos atadas. Ao fazê-lo, perdeu o equilíbrio e caiu para um lado.

Caçador se agachou junto ao fogo e se cruzou de braços, com a vista fixa nas débeis chama enquanto Tom tratava de voltar a sentar-se. Seus olhos irradiavam esse brilho de brincadeira que Loretta tinha chegado a conhecer tão bem. depois de um momento, disse:

—Quando sair o sol, partiremo-nos. Será livre, homem velho.

Tom lhe olhou sem acreditar-lhe Cazador seguía mostrando esa expresión divertida que tanto odiaba Loretta. Después la miró:

Caçador seguia mostrando essa expressão divertida que tanto odiava Loretta. Depois a olhou:

—Eu não semeio dor detrás de mim.

Os músculos da garganta do Tom se esticaram quando tentou falar. Por fim o conseguiu, mas as palavras saíram de sua boca em forma de grasnido.

—E ela o que?

—Ela vem comigo.

—Você a CO... comprarei. RI... rifles, posso conseguir rifles. E cartuchos.

Sem dúvida esta informação pareceu interessar ao comanche. O coração da Loretta se encheu de esperança.

—Tem rifles?

—Né, ...não. P... mas posso consegui-los.

Caçador estudou ao Tom durante um momento, e depois baixou os olhos para a Loretta.

—Por favor —sussurrou Tom. —Há outras mulheres que pode roubar. Não te leve a esta. Deixa que volte para casa com sua família. —Lhe quebrou a voz. —Ela não te tem feito nenhum dano.

depois de um bom momento, Caçador voltou a centrar sua atenção no fogo.

—Este comanche não vende a sua mulher. Nem sequer por rifles. Ela vai comigo.

—por que esta garota?

Caçador atirou uma parte de madeira às chamas.

—Outra não o fará.

O silêncio caiu sobre os três, tão pesado como a escuridão que logo lhes rodearia. Loretta apoiou as costas contra a árvore e olhou através do claro. A desesperança se apoderou dela. Olhasse aonde olhasse, só via índios. Nem Tom nem ela podiam fazer nada frente a eles. E estava igual de assustado. Ao lhe ver tremer de medo confirmou sua crença de que os comanches não só eram traiçoeiros, mas também impossíveis de esquivar. necessitaria-se um exército para resgatá-los, e esse exército estava lutando no norte.

Desataram ao Tom o tempo suficiente para tomar parte de uma frugal comida consistente em água e carne seca. depois de que os dois homens terminassem de comer, Caçador arrastou ao Tom até a árvore no que estava Loretta. Pô-lhe os braços detrás para que abraçasse de costas a árvore e lhe atou as bonecas com uma tira de couro. Deixou-os juntos enquanto ele se dedicava a preparar o fogo para a noite.

—Só teremos uns segundos, garota, assim me escute bem —sussurrou Tom com uma urgência quase febril. —São os quohadis, a tribo mais fera e cruel de todas estas terras. Levará-te às planícies Staked. E uma vez ali... bom, sabe o que isto significa.

Loretta assentiu. Muito poucos homens brancos se aventuravam por aquelas terras. Poucos se atreviam. Quando Caçador a levasse longe da civilização, não haveria esperança de resgate. Embora tampouco parecia havê-la agora.

—Amanhã, quando se forem, certamente me matarão. Se não o fizerem, deixarão-me sem cavalo. Estamos muito perto do Belknap e não vão arriscar se a que possa ir cavalgando para pedir ajuda. —inclinou-se sobre o carvalho e suspirou. —Oxalá tivesse uma arma.

Loretta sentiu uma acidez na língua. Sabia o que Tom estava pensando e lançou um olhar assustado ao fogo para ver se Caçador os estava escutando.

Tom fez um pequeno som metálico ao tragar.

—Parece ter uma fixação contigo. E diabos que não há nada que eu possa lhe dizer para lhe fazer trocar de idéia. —Houve um breve momento de silêncio entre eles. —Sabe o que tem que fazer, garota.

Loretta não queria lhe olhar.

—Nunca deixará que te aproxime de uma arma a menos que o faça rapidamente. Isso não entra nos jogos que lhes gosta de jogar. Não tem outra opção, moça. Nenhuma. Não comer nem beber é outra saída. Sabe como ódio ter que te dizer isto, mas é melhor que... —Soltou um suspiro. —Aí fora, em suas pradarias com este calor, não durará mais de três dias sem água, possivelmente menos. Se me deixarem vivo, tratarei de reunir ajuda e ir te buscar antes de que... —Olhou-a fixamente na escuridão. —Entende o que estou dizendo, Loretta Jane?

Uma risada histérica lutava por sair de sua garganta. De verdade acreditava Tom que era tão estúpida? Que não tinha pensado já em suas penosas opções e tomado medidas?

—Não fica outra opção, garota. Não cria que a tem. O não te está tratando tão mal agora, mas tão seguro quanto Deus nos está vendo agora, fará-o. —Voltou a tragar saliva. —Não sei por que se está contendo. Possivelmente te leva a seu povoado para algum tipo de cerimônia ou algo... com suas prostitutas. Ou possivelmente é só que se há encaprichado de uma mulher de cabelos dourados. Seja como for, me acredite quando te digo que morrer de sede é muito melhor.

Loretta se abraçou os joelhos. Entendia-o, entendia-o tudo muito bem.

Uns minutos depois Caçador voltou e tirou ao Tom as peles de búfalo que lhe cobriam as pernas. Com sua habitual arrogância, fez um gesto a Loretta para que lhe seguisse e se afastou caminhando entre as sombras até chegar ao outro lado do fogo. Loretta se ruborizou ao levantar-se e ir-se com ele. Tom estava olhando. Isto fez que dormir com o comanche fora muito mais vergonhoso. Entretanto não se atrevia a desobedecer. Tom poderia pagá-lo com sua vida.

Caçador estendeu o jergón e lhe fez um gesto para que se tombasse a seu lado. lhe dando as costas, estirou-se fora da pele, tratando de pôr entre os dois a maior distancia que lhe permitia o jergón. Notou que se enrolava uma mecha de seu cabelo na boneca e brincava com ele. Rezou para que não a tocasse, não frente a Tom.

Deus não pareceu dar-se por informado. Um segundo depois, o braço de Caçador lhe rodeava a cintura e sua larga mão recaía justo sobre seus peitos. A pele de búfalo lhe roçou a coxa queimada quando a atraiu para si, mas o picor não era nada comparado com a humilhação. O que pensaria Tom? Loretta sabia muito bem o que pensaria, e não pôde lhe culpar. Mas o que outra coisa podia fazer?

                                             CAPÍTULO 11

Muito antes de que amanhecesse, os comanches levantaram o acampamento e se prepararam para cavalgar. Apesar de que Caçador lhe tinha assegurado o contrário, Loretta sabia que foram matar ao Tom antes de ir-se. Uma vez mais Caçador a surpreendeu. Tiraram-lhe as botas e o cavalo, mas o deixaram com vida. Ao Tom ficava uma dura caminhada até casa, mas não estava ferido. A Loretta incluso permitiram despedir-se de seu amigo, com Caçador observando-os na distância.

Ao aproximar-se dele entre a névoa matutina, Loretta pôde ver que Tom tinha os olhos cheios de lágrimas. Lhe tocou o cabelo, e depois deu um grunhido e a atraiu para si em um forte abraço.

—Ah, Loretta, sinto-o muito. Se fosse mais homem, fizesse algo...

Loretta se agarrou a ele e desejou não ter que deixar ir. Cheirava inclusive pior que os índios, mas era seu único vínculo com sua casa, com a gente a que amava. Nunca tinha tido tanto medo como então.

—Recorda o que te hei dito —sussurrou Tom. —Nem comida nem água.

Loretta começava a sentir-se fraco pela abstinência que vinha praticando desde fazia uns dias e se perguntou por que Tom não se deu conta disso. Entretanto, assentiu com a cabeça. Supôs que seria o medo. Era a forma que tinha de consumir às pessoas.

—Tentarei vir a te buscar. —Sua voz se fez mais grave e seus braços começaram a lhe tremer. —Tentarei-o com todas minhas forças.

Ela voltou a assentir com a cabeça, embora os dois sabiam muito bem que havia poucas probabilidades de que chegasse a tempo.

A voz de Caçador foi como um látego.

—Ma-dro, vamos.

Loretta se abraçou por última vez ao pescoço do Tom. Ao soltar-se, tratou de sorrir mas não pôde. Caçador a agarrou do braço e atirou dela para o cavalo do Tom, que ia agora guarnecido com rédeas comanches. Enquanto a levantava sobre a garupa do animal, perguntou-se se lhe ataria os pés como tinha feito outras vezes. Não teve que esperar muito para sabê-lo. Caçador se montou no cavalo detrás dela e lhe rodeou a cintura com um braço.

Loretta dobrou o pescoço para não perder de vista ao Tom enquanto Caçador punha ao trote ao cavalo. As lágrimas se amontoavam em sua garganta. Isto era tudo, seu último contato com casa.

—Não olhe detrás de ti, Olhos Azuis —murmurou Caçador. —Vamos a um lugar novo, de acordo? Será bom.

Loretta o duvidava.

Os comanches cavalgaram sem parar para o norte, vadeando as duas bifurcações do rio Braços em cinco horas. Passaram tão perto do forte Belknap pelo lado de acima, que Loretta logo que podia acreditar que tentassem tanto à sorte. A paisagem logo se converteu em altas pradarias que se estendiam para o infinito, sem nada que rompesse a monotonia salvo algumas colinas suaves. Caçador lhe oferecia de vez em quando água, e ela sempre a rechaçava.

A julgar pela posição do sol, Loretta pensou que devia ser ao redor de meio-dia quando os índios pararam por fim a descansar. Enjoada do cansaço e da sede, Loretta se cambaleou ao descer do cavalo. Caçador a agarrou justo antes de que caísse e a levou a um lugar à sombra de um arbusto. Os efeitos das queimaduras do sol, a falta de comida e água e o calor começavam a lhe passar fatura. sentou-se com a cabeça baixa, e tratou de recuperar-se ao ver que Caçador lhe oferecia água.

—Olhos Azuis, beberá?

Loretta lhe disse que se fora com a mão. Houve um momento de silêncio. Depois, Caçador lhe agarrou o queixo e a obrigou a lhe olhar.

—Habbe wen-ich-ket, procurar a morte não é sábio. —Sujeitou o cantil com os joelhos e lhe agarrou a mão, ficando a sobre seu musculoso braço. —Ein mah-heepicut, é teu. Não te passará nada se caminhar comigo. Confiará neste comanche, né? É uma promessa que te faço.

Loretta olhou fixamente seus olhos cor índiga, notando com os dedos o poder que emanava de seus músculos. Por um instante, acreditou que o dizia de verdade, que ele a protegeria sempre. Depois seus olhos repararam na cicatriz de sua bochecha, em seu medalhão, nas imagens gravadas no couro de seu bracelete. Por muito mestiço que fora, não podia confiar neste homem.

Ele suspirou e lhe soltou a mão para dar um sorvo comprido do cantil, um sorvo calculado, Loretta sabia, para lhe fazer perder a vontade. secou-se os lábios e disse.

—Veremo-lo, né? É um caminho difícil ter sede sob o sol. Cederá.

Com isto, pô-lhe a cortiça à cabaça e a colocou junto a ela na sombra, para que pudesse agarrá-la se fraquejava. Tornando-se para trás sobre seus talões, passou-lhe um dedo pela bochecha.

—Devo te proteger do sol, entendido? Para que não te queime.

A seguir agarrou um punhado de terra e a mesclou com um pouco de água do cantil formando uma massa de barro. Para a Loretta foi uma maravilha sentir o frescor do barro em suas bochechas. depois de lhe cobrir toda a cara se sentou e ficou observando-a, os olhos escuros a ponto de tornar-se a rir, com essa expressão zombadora que tanto lhe irritava. Devia parecer um espantalho de olhos azuis com a cara manchada e o cabelo alvoroçado. Bom, tampouco ele era nenhum adonis.

Muito antes do que Loretta tivesse querido, o tempo de repouso passou e voltaram a montar nos cavalos. Sobre suas cabeças, o sol queimava como um disco de fogo, abrasando suas pestanas, lhe chupando as preciosas reservas de umidade que ficavam no corpo. Inclusive as horas pareciam girar em uma espiral vertiginosa e infinita.

A primeira hora da tarde, os comanches se tomaram outro breve descanso em um dos afluentes do Little Wichita. depois de atirar do cavalo, Loretta se meteu na borda do arroio para lavar o barro ressecado que tinha na cara. Todo seu corpo pedia a gritos beber um sorvo do rio, mas sabia que não devia fazê-lo.

Quando Caçador lhe disse uma vez mais que era hora de montar, Loretta tivesse chorado se lhe tivesse ficado algo de água no corpo para fazê-lo. Doía-lhe todo o corpo e a cabeça lhe dava voltas. sentia-se débil. Tudo o que queria era dormir. Como podiam cavalgar desta maneira? Como o suportavam os cavalos?

Não tinham acontecido nem dez minutos desde que deixaram o arroio quando Loretta começou a dar cabaçadas e a sentir-se sem forças. Tratou de manter-se erguida e piscou com força. Caçador apertou o braço com o que lhe rodeava a cintura e lhe aconteceu uma mão pela parte baixa do joelho para lhe passar uma perna por cima da cabeça do cavalo. Sentada desta forma, atraiu-a sobre seu peito e a embalou junto a ele.

—Dorme, Nei mah-lha-eu, dorme.

Sua voz profunda transpassou o esgotamento que lhe nublava a mente. Nei mah-Tao-eu. Não tinha nem idéia do que significava, mas soava tão suave em seus lábios que parecia um encantamento. O oco de seu ombro era um travesseiro perfeito. recostou-se nele e apoiou a bochecha sobre seu cálida pele. Cheirava a salvia, fumaça e couro, aromas da terra que começavam a lhe resultar familiares, e de algum modo, reconfortantes. Enquanto entrava em seus sonhos, deixou de pensar nele como em um índio e o viu como um homem. Um homem maravilhosamente forte que podia sustentá-la com toda comodidade enquanto dormia.

Os sonhos a apanharam. Sonhos estúpidos sobre a Amy, tia Rachel e Tom Weaver. Sonhos maravilhosos. Dançando com a Amy junto ao poço. Correndo por um campo de margaridas vermelhas e amarelas. Sentando-se à mesa com o Rachel enquanto olhavam a última moda no anuário feminino que tio Henry lhes tinha comprado no Jacksboro.

Então, uma vez mais, viu-se sentada fora no alpendre à luz da lua dizendo adeus ao Tom. Sabia que queria beijá-la e abraçá-la. Seus lábios úmidos e seus bigodes lhe tocaram a boca.

Depois, sem saber muito bem por que, o sonho trocou e a boca que reclamava a sua se voltou como de seda úmida, capaz de pressionar a de uma forma tão firme como suave. Umas mechas de cabelo negro lhe pentearam as bochechas e lhe cobriram os ombros como se fossem uma cortina. Pôs a mão na superfície cálida do musculoso peito de um homem e se deu conta de que uns braços fortes a sustentavam. Uns braços fortes e maravilhosos.

—Mah-Tao-eu —lhe sussurrou uma voz.

Loretta tratou de fixar a vista no rosto escuro que tinha frente a ela, dando-se conta de que sonho e realidade se mesclaram. A umidade sedosa de seus lábios eram os dedos de Caçador molhados com a água do cantil. A cortina de cabelo que roçava suas bochechas era real, como o eram o peito musculoso e os braços. Ela ficou tensa.

—chegamos ao Oo-e-lha, o Big Wichita —lhe disse em voz baixa. —Descansaremos aqui. Agora estará acordada, de acordo?

Ela se estirou e jogou um olhar desorientado a seu redor. A um lado pôde ver a sombra de umas árvores raquíticas e o reflexo da lua enche fazendo de suas folhas lágrimas de prata. O murmúrio da água indicava que estavam muito perto do rio. Os grilos e as rãs cantavam serenata, uma cacofonia amável que se elevava da borda e chegava até eles com a brisa. O ambiente estava cheio de uma composição de aromas embriagadores a erva do verão e flores da pradaria. Jogou a cabeça para trás para cheirá-lo e se sentiu desfalecer. Teve que agarrar-se à crina do cavalo para não cair.

Caçador desmontou e estendeu os braços para lhe ajudar a baixar. Quando lhe rodeou a cintura com as mãos, Loretta o olhou fixamente, desconcertada pela sensação de vertigem. O Big Wichita estava a um bom centenar de quilômetros de seu lar. Não podia acreditar que tivessem cavalgado tão longe. Inclusive embora Tom conseguisse ajuda e tratasse de segui-la, nunca agarraria aos comanches antes de que chegassem às pradarias Staked.

Caçador a pôs em terra com um balanço. Tremeram-lhe as pernas e esteve a ponto de cair. Ele a agarrou do braço e os conduziu, a ela e ao cavalo, a um lugar plano perto do rio. Loretta se sentou em uma rocha enquanto ele desfazia a massa de bolsas que tinha atadas à cadeira do cavalo e o desensillaba. antes de levar o cavalo junto ao rio para que bebesse, estendeu as peles para que Loretta se tombasse. Ela se sentiu incapaz de cobrir a pé a distância que a separava das peles. Em vez disso se sentou no bordo da rocha e se deixou cair até abraçá-la como se fora um quente amante, com a bochecha posta na superfície suave.

Nesta postura ficou dormitada. Um momento depois ouviu passos que se aproximavam. Imaginou que seria Caçador. Tentou abrir os olhos, perguntando-se por que não havia trazido o cavalo com ele. Através das pestanas viu uns mocasines e umas pernas nuas. Não era Caçador? O cansaço fazia trinca em suas pestanas lhe obrigando a fechar os olhos. Que diferença havia? Um índio, uma dúzia... Sempre e quando a deixassem tranqüila, não lhe importava o que fizessem.

Loretta despertou com o chiado do fogo, perguntando-se quanto tempo teria passado enquanto dormia. Certamente, mais de uns minutos, mas poderiam ter sido horas. A luz dourada caía sobre o pequeno claro. Piscava nas árvores e desenhava umas sombras horripilantes. O aroma de mezquite queimado estimulou seus orifícios nasais. Caçador estava em cuclillas junto às chamas, as avivando com lenha e soprando as brasas. Quando Loretta se sentou, ele voltou a vista para ela.

—Você não gosta da cama?

Dirigiu os olhos para o jergón que tinha feito para ela. Aguardava como uma pilha desordenada, como se ela tivesse levantado as peles e as tivesse afastado sem cuidado. Um calafrio lhe percorreu as costas ao ver que Caçador se aproximava e recolhia as peles para as colocar. Se nenhum dos dois havia meio doido a cama, quem o tinha feito então? Então recordou os mocasines e as pernas nuas.

No momento no que Caçador levantava uma das peles, Loretta viu algo movendo-se debaixo. ficou sem respiração, era uma serpente ratoeira! O comanche não podia vê-la desde essa posição porque havia outra pele de búfalo que a tampava! Se por acaso isto fora pouco, este tipo de serpentes não faziam nenhum som. Caçador não podia dar-se conta de que a serpente estava ali. Loretta ficou em pé de um salto, com a garganta contraída.

Nessa fração de segundo, pareceu como se o índio e a serpente se movessem tão devagar como o mel que cai de uma colher. Ela se foi para seu captor, com a atenção fixa em sua boneca, na veia que me sobressaía de seu braço. Uma mordida tão próxima ao coração seria mortal. A serpente levantou a cabeça, com as presas reluzindo à luz do fogo. Não teve tempo para pensar. O instinto reagiu antes.

—Serpente! —gritou. —Uma serpente!

Caçador reagiu a seu grito, não saltando como tivesse feito ela, a não ser ficando instintivamente à ofensiva. Utilizando a pele que tinha na mão como escudo, esquivou o primeiro ataque da serpente e arremeteu depois contra ela com a outra mão, agarrando-a pela cabeça antes de que pudesse retroceder e atacar de novo. A serpente se retorceu e vaiou enquanto Caçador a levantava do jergón. Por um momento a manteve no ar. Depois, olhou a Loretta. Passou o que lhe pareceu uma eternidade antes de que agarrasse a faca, cortasse a cabeça ao animal e a atirasse entre a maleza.

Loretta caiu de joelhos ao chão, agarrando-a garganta. Serpente! A palavra ressonava ainda nas paredes de sua mente, aguda, soando uma e outra vez. Tinha gritado...

Não podia acreditar-lhe Estava claro que seus ouvidos a tinham traído. Não podia ter gritado, simplesmente não podia ser assim, depois de sete anos de silêncio. E nunca para salvar a um comanche.

Caçador embainhou a faca e caminhou para ela, dúbio. Loretta o olhava fixamente: seu cabelo comprido, seus mocasines de franjas, suas calças de ante, seu medalhão, os deuses de seu bracelete. Um comanche.

sentia-se como se lhe tivessem quebrado as vísceras em mil pedaços, como se a tivessem partido em dois. Recordou a seus pais, a sua mãe morta em meio de um atoleiro de sangue seca, os olhos em branco e a boca rodeada de moscas negras, seu pai pacote a uma árvore, com o corpo mutilado, irreconhecível, preparado obscenamente para a morte. Estas imagens estavam gravadas em sua mente e nunca poderia as esquecer, alguma vez. Como podia ter traído a seus pais desta maneira? Como podia...?

—Não —grasnou. —Não.

Caçador se ajoelhou frente a ela. Enquanto o olhava, foi convertendo em uma massa difusa de músculos, deuses pagãos e couro pestilento. Um sentimento sufocante de claustrofobia a invadiu.

antes de que ele pudesse agarrá-la pelos ombros, ela se balançou às cegas e lhe estampou um punho na bochecha, a lembrança de seus pais impulsionando-a como a bílis.

—Não me toque! Não me toque!

Apertando a mandíbula para conter a dor, Caçador sujeitou à garota pelos ombros. Embora só a luz do fogo iluminava seu rosto, pôde ver a comoção de sua expressão, a dor da traição em seus olhos, o sofrimento que supunha saber que se traiu a si mesmo. Para salvar a alguém que odiava...

Chorando, voltou a golpeá-lo, e depois outra vez, até lhe pôr a cara vermelha, a sua desencaixada pela histeria. Tinha-lhe salvado a vida. Caçador se estremeceu, mas não fez nenhum movimento para detê-la ou para defender-se. Ele podia ver o olhar perdido de seus olhos e essa dor que tinha guardado por muito tempo. Sabia que não era realmente a ele a quem golpeava, a não ser a si mesmo.

Ao final a atraiu para seu peito, e ela se aferrou a ele como se fora a atirá-la por um precipício. Caçador se perguntou se isso não tivesse sido melhor.

—É um assassino —chorou. —Odeio-te, não o entende? Odeio-te!

O a abraçou com mais força, invadido pela dor de suas próprias lembranças. Não lhe odiava, tinha deixado de fazê-lo. E por isso chorava. O sangue de seu povo lhe exigia vingança, como o seu o pedia a ele. E seu coração a tinha traído.

—Toquet, está bem.

—Não! —gemeu ela. —Meus pais... OH, Deus, meus pais! Você os matou, esquartejou-os. —Lhe aconteceu a mão pelas costas. Estava tremendo. —Você os matou.

—Não, não. Não fui eu. É uma promessa que te faço, Olhos Azuis. Eu não os matei. —além da luz que projetava a fogueira, Caçador viu algumas sombras movendo-se. Alguns homens se aproximaram atraídos pelos gritos e permaneciam a certa distância do acampamento. Reconheceu a Antílope Veloz e a Guerreiro, e acreditou ver homem Velho. Búfalo Vermelho e seus amigos se apinhavam à esquerda, quase invisíveis na escuridão. Caçador lhes disse que se fossem com a mão. A garota já tinha bastante com o que tinha.

Entendia tão bem como se sentia..., melhor do que ela pudesse imaginar-se.

Agarrando-a em braços, levou-a até o jergón. Foi deixá-la tombada e fazer um novelo. Os soluços lhe faziam agitar os ombros. Caçador se ajoelhou junto a ela. Como podia consolá-la quando nem sequer podia consolar-se a si mesmo? Eram inimigos acérrimos, mas de alguma forma seu ódio se fundiu na onda de emoções que os invadia como um único fio em um tecido de aranha.

Ela afundou a cara no oco de seu ombro. O som de seu pranto lhe angustiava. levantou-se e caminhou lentamente ao redor do jergón, tratando de encontrar alguma rastro. Nada. colocou-se a serpente ela sozinha entre as peles? E se não era assim, quem a tinha posto ali? Alguém que odiasse a cabelo amarelo. Alguém que pensasse que se meteria na cama sem olhar. Caçador suspirou e levantou o olhar para esquadrinhar a escuridão. A desconfiança lhe corroía. A serpente podia haver-se coado por si mesmo no soalho, não? Não seria a primeira vez.

tombou-se e atraiu à garota contra a curva de seu corpo. Ela se acurrucó de costas a ele, sem deixar de tremer e chorar. Lhe agarrou uma mecha de cabelo e o enredou em sua boneca, cobrindo-a depois com as peles.

—Não me toque, por favor. Por favor, não o faça. Não posso suportá-lo.

Sua voz lhe deixou gelado. O a soltou e se tombou de costas para olhar ao céu estrelado. Pensou na família da mulher, em seu pai, em sua mãe, nos horrores que deviam ter passado. Sabia muito bem as atrocidades que se cometiam nos ataques dos de seu próprio sangue. Era certo que tinha feito um pacto consigo mesmo para fazer a guerra só contra homens, mas tinha cavalgado com muitos outros que não tinham tantos escrúpulos.

depois de um bom momento, o pranto da garota remeteu, e sua respiração se fez mais compassada. Ao dormir buscou com seu quadril o calor de seu corpo.

Ele se girou junto a ela e a rodeou com o braço. Deslizou uma mão por debaixo da camisa e lhe tocou o estômago. Depois lhe massageou as costelas com os dedos. Era tão branda como a pele do arminho. Podia sentir os batimentos do coração de seu coração, a calidez de sua pele. Fechou os olhos. O som de sua voz ressonou tão claro em sua cabeça como o canto matinal de um pássaro. «Odeio-te, não o compreende? Odeio-te.»

Com a saída do sol, ela teria ainda mais raciocine para lhe odiar. Se não bebia logo, morreria. E ele não podia deixar que se passasse outro dia sem beber. Caçador respirou fundo e deixou sair o ar lentamente. Onde tinha ido parar seu ódio? Seu aborrecimento? Não estava seguro de quando tinha acontecido nem como, mas a pequena mulher que jazia a seu lado tinha deixado de ser uma cativa e tinha passado a formar parte dele.

Loretta despertou muito antes de que os primeiros raios do sol transpassassem o horizonte. Estava tombada de costas e a mão do comanche lhe tocava o peito. A calidez de sua mão transpassava o tecido da camisa. Sua camisa. Não tratou de mover-se. Para que? Tinha passado já uma semana, e antes ou depois ele a faria dela.

Ao tratar de tragar notou um picor na garganta, mas inclusive assim, sentiu algo diferente, como se algo tivesse revivido em seu interior. Podia gritar se queria. Isto a assustou, e não soube muito bem por que.

O comanche se agitou a seu lado. Ela se concentrou no céu, com os sentidos intumescidos e incapazes de reagir a nada do que fizesse. A morte se aproximava dela, tentadora e cheia de paz. No céu não haveria índios. Não seria o céu se os houvesse. Caçador se sentou e se apartou o cabelo da cara. Havia já colunas de fumaça provenientes de um ou dois fogos próximos. A manhã era fria e seca. Deixou viajar a vista pelo horizonte azul, aliviado ao ver que já não se encontravam rodeados por árvores e desigualdades do terreno. Aqui fora, um homem podia ver chegar a seu inimigo.

Olhou por cima do ombro. Os olhos da garota tinham um olhar profundo, e parecia não saber que ele estava a seu lado. Passou-lhe uma mão frente à cara e respirou ao ver que piscava. Caçador ficou em pé. Os outros tinham começado a mover-se. Se queria conseguir que bebesse um pouco, tinha que começar já.

Agarrou o cantil e se aproximou dela.

—Beberá, Olhos Azuis?

Ela negou com a cabeça. As queimaduras tinham começado a sanar, e agora que não estava ruborizada, podia apreciá-la palidez de sua cara. Muito em breve se cortaria por completo.

—Deve beber.

Sua voz era como um sussurro rouco.

—Não.

Caçador ficou de joelhos junto a ela. Não queria fazer isto... Pôs o cantil sobre o jergón e se lançou sobre a Loretta. antes de que pudesse dar-se conta de suas intenções, agarrou-a pelas bonecas e ficou escarranchado sobre ela.

—O que...? me deixe! —grasnou.

agitou-se tudo o que pôde, mas era impossível lutar contra o peso de seu corpo. Quando tentou lhe dar uma patada com o joelho nas costas, ele recordou a noite em que Olhos Brancos tinha tratado de atacá-la no carro. Imobilizou-lhe os braços com os joelhos e se odiou por ter que lhe fazer danifico.

—Beberá. —Agarrou o cantil, tirou-lhe a cortiça e a inclinou para ela. —A minha maneira ou à tua?

Ela se revolveu, tratando de evitar sua mão.

—Não!

Agarrando a do queixo, cravou-lhe os dedos indicadores e polegar nas bochechas. Quando por fim conseguiu lhe abrir a boca, começou a lhe derrubar a água o menos bruscamente possível.

Para sua surpresa, não se moveu. Em vez de tragar, manteve a água na boca e seguiu respirando cuidadosamente pelo nariz. Quando já não teve sítio para mais água, começou a sair-se o pela comissura dos lábios, lhe molhando as bochechas e o cabelo. E quando lhe soltou a cabeça, cuspiu a água que ainda ficava na boca.

—Guerreiro! —gritou.

Vários fogos mais à frente, Guerreiro se incorporou do jergón no que tinha estado dormindo. depois de olhar a seu redor médio aturdido, fixou a vista em Caçador e começou a correr. Em uns segundos se encontrou junto a seu irmão. ficou embevecido olhando o espetáculo da mulher de cabelo amarelo.

—Tah-mah, o que tenta fazer com ela, afogá-la?

—Sim. lhe aperte o nariz.

—O que?

—Faz-o!

Guerreiro se ajoelhou junto à cabeça da mulher.

—Caçador, está...?

—vou ter que chamar antílope Veloz?

Guerreiro fechou o nariz da garota.

—Se morrer, será tua culpa.

—Não vai morrer. Intento fazer que bebê. —Caçador viu que a cara da garota ficava vermelha pela falta de ar. depois de uns segundos, os músculos de sua garganta começaram a ceder. Depois tragou um pouco de água e começou a tossir. —Afrouxa. Guerreiro, afrouxa!

Guerreiro, que sempre parecia ir um passo por detrás de outros, soltou-lhe por fim o nariz e se tornou para trás sobre os talões. A garota ofegou e se engasgou com a água. Com um gesto de preocupação, Caçador a observou enquanto ela tratava de recuperar a respiração.

Quando por fim deixou de tossir, disse:

—Beberá?

Em sua expressão havia tanto ódio que um calafrio lhe atravessou as costas. Caçador voltou a lhe agarrar do queixo.

—Seu nariz, Guerreiro. E esta vez, solta-a quando começar a tragar ou a afogaremos.

—Você a afogará. Eu só estou te ajudando.

Repetiram a mesma operação. Quando começou a asfixiar-se pela segunda vez, Caçador lhe ofereceu uma vez mais a opção de beber por si mesmo. Ela se negou. Dois goles de água não eram suficientes, e Caçador sabia.

depois de dez goles, Caçador estava molhado de suor, Guerreiro parecia enjoado e Loretta estava exausta pelo esforço. Mesmo assim, seguia resistindo e a admiração de Caçador para ela não fazia a não ser crescer. Tinha muita coragem —um coração comanche— como se dizia em sua língua.

O índio esperava que dez sorvos fossem suficientes. Parariam outra vez no meio da amanhã e trataria de lhe dar mais água então. Só de lhe pensá-lo davam calafrios. Ela resistiria de novo. E sempre. Possivelmente quando chegassem ao povoado e visse que não ia deixar que ninguém lhe fizesse mal, renderia-se. Sua mãe, Mulher de Muitos Vestidos, tinha uma mão carinhosa e doce. Se alguém podia ganhá-la confiança dessa garota era ela.

Isso se chegavam a tempo.

Como se ouvisse seus pensamentos, Guerreiro disse:

—Morrerá se não beber. cuspiu a metade da água que lhe deste.

—Não vai morrer —disse entre dentes Caçador. —Não deixarei que isso ocorra. Obrigarei-a a beber freqüentemente. O que lhe dê será suficiente.

Guerreiro não parecia tão seguro.

—Caçador, e se não ser a mulher da profecia? pensaste nisso? Não parece sentir-se muito atraída por ti.

—É a mulher da profecia. Estou seguro disso. —Caçador se apoiou nos joelhos para ficar em pé. —Deixará de lutar logo. Ninguém pode lutar eternamente.

—Como pode estar tão seguro? De que ela é a mulher, quero dizer?

Caçador pôs a cortiça ao cantil.

—Sei, isso é tudo.

A garota ficou de lado e se abraçou o estômago. Guerreiro a olhou fixamente, com uma expressão indecifrável.

—Teremos que cavalgar rápido se quiser que chegue a casa viva.

—Sim —suspirou Caçador. —vá dizer se o aos outros, de acordo?

A Caçador pareceu que o tempo se media agora pelo som incessante dos cascos do cavalo. O sol se ficou suspenso em um lugar, como um círculo abrasador que brunisse o céu azul de prata. A garota montava acurrucada em seus braços, com a cabeça apoiada em seu ombro e as mãos enredadas em seu regaço. Tão quieta como a morte... Tivesse tocado a seu cavalo para chegar antes ao afluente norte do rio Pease. Esta vez se assegurariam de que bebia o suficiente como para não temer por sua vida.

Guerreiro cavalgava para a direita de Caçador e Antílope Veloz à esquerda. Pareciam compreender a preocupação e falavam em estranhas ocasiões. Caçador tampouco animou a conversação. As dúvidas lhe torturavam. Devia voltar atrás? O que esperavam dele os deuses? E se a garota morria por seguir adiante? E embora a levasse aonde os seus, o que tinha que fazer depois? O que acontecia a profecia? E com sua gente?

Como se lesse seus pensamentos, Guerreiro aproximou suas arreios a ele para lhe dizer:

—Deve confiar nos deuses, tah-mah. Se estiver seguro de que ela é a mulher da profecia, então tudo irá bem. A canção não pode cumprir-se se morrer.

Caçador agachou o queixo para estudar a cara cheia de barro da moça e tirou o chapéu perguntando-se como tinha podido pensar uma vez que era feia. Podia um raio de sol ser feio? E o reflexo da lua sobre a água?

—Estou seguro, Guerreiro. É a mulher. Já se cumpriu parte da profecia, verdade? A voz voltou para ela.

—E roubou seu coração comanche, não é assim?

—Tem grande coragem para ser tão pequena, mas meu coração segue sendo meu. E sempre será assim.

Guerreiro se inclinou a um lado para ver por cima do ombro de Caçador a cara da mulher de cabelo amarelo.

—Sim, tem algo, verdade? O barro, possivelmente. Dá-lhe certo caráter.

Caçador não pôde evitar um sorriso.

—Tem o mesmo aspecto que teria se A Que Treme lhe tivesse posto as mãos em cima. Recorda quando Kiwas deixou que lhe fizesse as pinturas de guerra?

Guerreiro se Rio.

—Quando não mesclou as cores o suficiente e as três franjas vermelhas de seu queixo se correram e ele entrou na batalha como um Comilão de Gente? Sim, recordo-o.

Caçador tratou de dobrar suas costas rígida. A risada de Guerreiro lhe relaxava.

—Dorme como um menino, Caçador. Isso é bom sinal, não? Deve estar começando a confiar em ti. Começará a comer e a beber logo.

—Está muito cansada e débil para sentir a sede. Muito esgotada para sentir medo. Ou para me causar problemas.

Guerreiro suspirou.

—Deteremo-nos logo. Ajudarei-te a lhe dar um pouco de água. Já verá como ficará bem.

Antílope Veloz soltou rédeas para pôr suas arreios ao galope e passou uma perna pela tira da cilha do cavalo e se inclinou a um lado até cavalgar em horizontal junto à tripa do animal. Desta forma pôde arrancar do chão um molho de retama de vassoura. Depois se endireitou e agitou no ar seu troféu ao tempo que gritava em direção a Guerreiro.

Caçador voltou a sorrir.

—Vê e insígnia a seu amigo como se monta, né? Parece aborrecer-se.

—Necessita companhia, Caçador.

—Estou bem, vê.

O cavalo de Guerreiro partiu em uma nuvem de pó branco para Antílope Veloz. Caçador riu ao ver como seu irmão se dobrava para cavalgar sob a barriga do cavalo. Antílope Veloz aceitou o desafio e fez o mesmo, tocando o chão com o traseiro só uma vez. Caçador recordou a vez que de pequeno se cansado ao cavalgar desta forma e o cavalo lhe tinha miserável pelo chão durante um bom momento. Não ficava já muito para poder fazer uma reverência perfeita desde esta posição.

Para que não lhe superasse, Guerreiro saltou na cadeira e se sentou de costas enquanto o cavalo cavalgava a toda velocidade. Muito em breve, outros valentes se uniram à competição, com exercícios cada vez mais difíceis conforme o número de participantes ia aumentando. O som agudo dos chiados ressonou por toda a pradaria.

Caçador sentiu que a garota se movia e ao baixar o olhar descobriu que tinha os olhos abertos. A gritaria a tinha despertado. Como se notasse seu olhar, levantou os olhos com uma expressão de incompreensão. Caçador se perguntou quanto tempo lhe levaria acostumar-se ao feito de que podia falar.

—Estão jogando, não? Não há árvores para esconder ao to-ho-BA-k, ao inimigo. Nossos corações estão alegres.

Ela lanço um olhar dúbio aos homens.

Caçador agarrou o cantil. —Beberá?

—Não —sussurrou.

Mesmo assim, tirou-lhe a tampa de cortiça e lhe pôs o cantil frente à cara.

—Deve beber, Olhos Azuis.

—Não.

Caçador voltou a atar o cantil à cilha do cavalo, tratando de conter sua ira.

—Não morrerá. Este comanche falou. Tanto sofrimento não servirá de nada.

Ela apoiou a cabeça contra seu peito e fechou os olhos. Caçador apertou a mão nas rédeas, cada vez mais frustrado e cheio de medo. A noite anterior lhe tinha salvado a vida. Como podia ficar impassível enquanto ela se matava de sede?

Quando os comanches chegaram ao rio, os jogos tiveram que suspender-se. Vadearam a corrente para passar pela ribeira rochosa de um afluente que discorria para o norte. Loretta se sentia algo melhor depois da água que lhe tinham obrigado a beber, e se sentou escarranchado na arreios lamentando o onipresente braço do índio ao redor de sua cintura e a familiaridade de sua mão entre seus peitos. O amplo torso do índio era um respaldo perfeito para suas costas. Não passou muito tempo antes de que se apoiasse nele e deixasse que seu corpo se ondulasse ao ritmo do cavalo.

depois de uns quarenta minutos de silêncio, ele aproximou a cabeça a dela.

—Mah-Tao-eu. Meu braço é forte, verdade? —Abraçou-a com força para demonstrar-lhe Um braço forte no que recostar-se, um escudo contra tudo o que possa te fazer danifico? Confiará neste comanche. Bebe e come. Onde vamos é um bom lugar.

Loretta agarrou com o punho uma parte de sua camisa e o espremeu até que lhe doeram os nódulos. Não queria morrer. Seria tão fácil, tão terrivelmente fácil, lhe acreditar.

—Estará quente em minha loja? Tenho muitas peles de búfalo. E muita comida. Carne, sim? E meu braço forte te protegerá, sempre no horizonte. Não há nada que temer. —O apertou a mão com a que lhe tocava o peito. —Minha língua não minta. É a verdade o que digo, não é penende taquoip, palavras de mel, a não ser uma promessa. Hei-te dito as palavras, e elas se vão com o vento e sempre me sussurram. Confiará? Quando sair a fazer batalhas ou a caçar, o braço forte de meu irmão será teu. Não sofrerá nenhum dano.

Loretta tragou saliva. Seu irmão? Supôs que falava do homem que lhe tinha ajudado a lhe dar água. Ao que chamava Guerreiro.

—Pode procurar a morte em outro momento. Você-bit-ze, de verdade. Mas primeiro, verá o que traz o horizonte. É sábio.

—Quero... —a tensão e a falta de costume esticava suas cordas vocais como as cordas de um harpa— quero voltar para casa.

—Isso não pode ser. Você vem comigo, a um lugar novo. É minha mulher, sabe? Você o há dito, eu o hei dito. Suvate, tudo se cumpriu.

—Não sou sua mulher —gritou. —Roubou-me de minha família.

—Paguei muitos cavalos bons.

—Comprou-me então. E isso é... —Loretta dobrou o pescoço e ficou olhando as facções cinzeladas de seu rosto. —Sou uma pessoa, não uma coisa.

—Os homens brancos têm escravos, e isso está bem, não é assim? Suas casacas cinzas lutam a grande batalha para que possam ter homens negros. Não é por isso? Este comanche tem um escravo também. E está bem.

—Não, não está bem! É monstruoso. —cobriu-se os olhos com uma mão. —Morrerei antes de deixar que me toque, ouviste-me?

—Ah, mas Olhos Azuis, já te estou tocando agora. —Pô-lhe a mão nas costelas e abrangeu brandamente a curva de seu peito. —Vê? Toco-te, e não está morta. Não há nada que temer.

Rodeou-a com o braço e manteve a mão quieta nesse sítio. Durante vários segundos não a moveu.

—É isto o que teme? Que te toque? —Seu tom era de incredulidade. —Por isso é pelo que não beberá?

Loretta ficou tensa, tratando de escapar de seu abraço mas sem lhe soltar a boneca.

—Responderá a este comanche. —Passou-lhe o polegar pela pele, uma tática coercitiva que ela não pôde ignorar, e ficou a jogar com seu mamilo, provocando uma repentina ereção que a deixou sem fôlego. —Buscas a morte para escapar de minha mão?

Um soluço ficou suspenso na garganta.

—Por favor, por favor, não.

O baixou a cabeça de forma que seus lábios roçaram seus ouvidos como se fossem uma pluma.

—Por isso lutas a grande luta? Olhos Azuis... —Lhe quebrou a voz, como se não pudesse pensar o que dizia. Então tirou a mão de seu peito e a voltou a pôr em suas costelas. —Minhas carícias não lhe têm feito nenhum dano. Não acumulo vergonha sobre ti. Não posso ver dentro de ti e te entender. Fará uma pintura para mim, sim?

Uma pintura? A pintura que Loretta tinha na cabeça era muito horrível para pô-la em palavras.

—Crie que não sei o que vós, monstros, fazem às mulheres brancas? Sei! Minha mãe... eu... —Tragou saliva. —Seu braço forte! Estará a meu serviço até que se volte contra mim.

Seus lábios se moveram e lhe alcançaram a frente, lhe transmitindo uma cálida umidade ao início de seu cabelo. ficou calado um momento, e depois disse:

—Meu braço estará a seu serviço sempre. Até que a neve chegue a seu cabelo, ouve-me? para sempre, até que me converta em pó que leva o vento.

Parecia tão sincero.

—Não vou escutar isto, não penso fazê-lo. Crie que sou tão estúpida para me acreditar seus enganos, vocês... suas palavras de mel?

—Não é um engano. —Sujeitou-a mais forte com os braços. —Não o necessito, ouve-me? Se meu coração falar de matar, Mato. Se quero jogar com minha mulher, jogo. Não necessito enganos. O que quero, agarro-o. É muito singelo.

Guerreiro cavalgou até eles em meio de uma nuvem de pó. Loretta se fixou nas cabeleiras que penduravam de seu brida e na tira de calicó que tinha atada à cilha. Lágrimas de desconsolo encheram seus olhos.

                                           CAPÍTULO 12

A viagem passou como uma nuvem ante seus olhos: desmontar de noite, cavalgar sem descanso sob o sol diurno e lutar inúteis batalha com Caçador pela água. Cada hora que passava, seu orgulho decaía um pouco mais e sua desesperança se fazia maior. «Eu sou seu vento. te dobre ou te rompa. O que quero, agarro-o.» Sua imagem aparecia ante ela constantemente, arrogante, poderosa e sempre implacável. Seu único consolo era que por fim poderia escapar dele introduzindo-se nos braços aveludados do sonho, para não despertar jamais.

Quando chegaram ao povoado, Loretta tinha perdido qualquer noção do tempo e não podia dizer o número de dias que tinham passado. Nos momentos de maior lucidez, estava segura de que tinham viajado de círculos para deixar pistas falsas. Uma tarde, já de anoitecida, subiram por uma ladeira de onde se contemplava o vale de um rio, os prados suaves que contornavam, de um verde brilhante, o leito, e algum ponto aqui e lá da cor do cacto e a yuca vermelha. Nas márgenes do rio, a brisa balançava os majestosos álamos, e seus troncos e folhas serviam de camuflagem para as incontáveis tenda que se erigiam entre eles. Não eram as pradarias Staked? Desiludida, Loretta comprovou que seu captor não só tinha cavalgado muito mais rápido do que qualquer homem branco poderia fazê-lo, mas também a direção que tinha tomado era diferente a que Tom esperava, o que frustrava qualquer esperança de que pudessem segui-los.

Pesavam-lhe tanto as pálpebras que logo que podia observar com atenção o povoado que se mostrava a seus olhos. Não tinha nem idéia de qual era o rio no que se encontravam e tampouco lhe importava. O povoado estava aí abaixo; isso era tudo o que importava. E havia mais comanches congregados em um mesmo lugar do que nunca antes tivesse visto. Caçador lhe rodeou a cintura com o braço e a ancorou junto a seu peito. Inclinando-se para ela, sussurrou:

—Não tenha medo, mah-Tao-eu. Eu estou a seu lado, de acordo?

Os outros índios jogaram para trás as cabeças e começaram a dar compridos e estremecedores gritos, como coiotes transtornados uivando à lua. Em uns segundos, foram respondidos de abaixo por um centenar de vozes. Umas figuras como formigas saíram disparadas de um lado a outro por entre as casas em forma de cone. Caçador tocou o cavalo e se inclinou para distribuir seu peso no animal ao galopar costa abaixo. Loretta estava aterrorizada. O momento que tanto temia tinha chegado.

Os outros cavalos aceleraram para o povoado como vacas para a aveia. O cavalo do Tom Weaver, menos entusiasmado, trotava tranqüilamente com as orelhas erguidas para captar todos os novos aromas que se mesclavam no ar. Loretta se deu um momento de pausa e ficou a observar às pessoas que se congregava para dar a bem-vinda aos guerreiros. O coração começou a lhe pulsar muito rápido ao imaginar a esses mesmos corpos formando redemoinhos-se junto a ela. Os uivos, as risadas e o borbulho de vozes desconhecidas ressonavam a seu redor.

Os homens se abriram passo para o acampamento, cavalgando pelos atalhos que havia entre as lojas e saudando todo mundo. Uma fila de meninos sujos e ao meio vestir os seguia, gritando com alvoroço. Com a excitação, dois cães esfomeados ficaram a lutar e a ponto estiveram de atirar por terra um secador de carne. Uma mulher pequena e fraca saiu detrás deles com um pau.

Loretta nunca tinha visto tanto revôo. A gente saía dos alpendres dos tipis saudando e rendo. As mulheres índias que tinham estado cozinhando tiravam as panelas dos fogos para ir correndo a receber a seus filhos, irmãos, maridos e amantes.

Ali onde olhasse, tudo lhe recordava ao lugar no que estava. Os jergones de peles foram colocados ao redor das fogueiras. Os escudos de guerra, pintados de maneira estridente, foram pendurados em uns trípodes que se situavam na parte exterior de quase todos os tipis. As chaleiras de latão pendiam dos espetos. Os estômagos de búfalo cheios de água penduravam em fila. Tudo era muito comanche, o pesadelo de qualquer mulher branca.

Caçador entrou diretamente na multidão, cobrindo a Loretta com o braço e esticando o corpo. Ao ver que a gente tocava seu cavalo, Loretta sentiu que os ombros dele se fechavam sobre os dela, em um gesto protetor. Só via rostos assexuados por todos lados, uma nuvem marrom, hostil e diabólica. As mãos se elevavam e uns dedos cruéis lhe agarravam os bombachos, beliscando não só o tecido mas também também sua pele. Horrorizada, encolheu-se contra seu captor.

—Ob-b mah-e-vah, fora daqui! —grunhiu Caçador. De um só brazazo, apartou vários corpos. —Kiss! Mah-ocu-ah, kiss! Parem, mulheres, parem!

Então Loretta sentiu uma dor aguda na cabeleira. Deu um grito ao sentir que atiravam dela para um lado. Uma mulher lhe tinha pego uma mecha de cabelo e parecia determinada a arrancar-lhe Com um rugido, Caçador se moveu para trás e plantou um pé no peito da mulher, fazendo-a cair espatarrada sobre a terra. Alguns dos cabelos da Loretta foram com ela.

Então Loretta escutou uma enérgica voz feminina abrindo-se passo entre a multidão. O grupo de gente se dividiu para admitir a uma mulher alta e volumosa. Blandía uma colher larga de madeira e com ela ia pegando na cabeça a uns e outros. Parecia muito zangada. Quando chegou aonde estava Caçador, ficou ali de pé com as pernas abertas, os braços em jarra e o olhar fixo na Loretta. O caos que lhes rodeava começou a remeter.

Loretta pressentiu que ia ocorrer algo importante, algo que tinha que ver com ela. Baixou os olhos para a mulher, com medo a mover-se e incapaz de tragar. As facções clássicas da Índia lhe resultaram de algum modo familiares. Uns cabelos espessos lhe caíam pelos ombros, mechas chapeadas misturados com outros de cor ébano. Era formosa, embora sem sê-lo, com a cara muito afiada e arrogante para ser inteiramente feminina. O traje de ante reto que levava escondia as sólidas formas de sua figura, revelando que o seu era um corpo generosamente arredondado mas em forma. E seus olhos... Diretos, escudriñadores, extrañamente familiares... Olharam a Loretta e lhe pareceu que não dava a talha. Quantas vezes a tinha estudado Caçador dessa maneira?

Então se deu conta. As facções cinzeladas, os lábios carnudos e bem delimitados, o queixo forte e a expressão orgulhosa. Era a mãe de seu captor.

A mulher se encontrou com o olhar de seu filho e sorriu. Depois voltou a centrar a atenção na Loretta.

—Ein mah-suíte mah-RI-ich-kett?

—Minha mãe, Mulher de Muitos Vestidos, pergunta se quer comer.

Loretta sacudiu energicamente a cabeça, apertando-se contra seu peito. Se tinha que escolher entre os dois, preferia ficar com Caçador. O se inclinou sobre ela para que lhe visse os olhos.

—Não terá medo. Minha mãe romperá cabeças. Boas amigas, né? Confiará.

Loretta examinou a parede de corpos talheres de peles e, pela primeira vez, agarrou o braço de seu captor para que a atraíra com mais força junto a ele. A escuridão profunda de seus olhos se fez mais cálida ao encontrar-se com os dela. uma espécie de sorriso apareceu em sua rígida boca, e seus dedos se pegaram com força a suas costelas. Levantou os olhos e disse algo em comanche.

A mulher assentiu e se deu a volta para apartar aos olheiros a golpe de colher. Caçador se Rio ao ver a energia com a que sua mãe utilizava a arma de cozinha, e seu peito vibrou contra os ombros da Loretta ao fazê-lo. A multidão abriu caminho para que passassem e só se retirou de tudo quando Caçador se parou diante de uma das lojas. Ao lhe ver desmontar, Loretta se agarrou a ele, aterrorizada ao pensar que ia deixar a ali.

—Eu-OH-hobt p-pi! Eu-OH-hobt p-pi! —gritou uma menina que dançava ao redor do cavalo, os olhos brilhantes como dois botões. Sacudia seu pequeno traseiro com tanta força que parecia ia perder as calças de um momento a outro. —Ein mah-heepicut?

Caçador se desfez dos dedos como garras com os que Loretta se aferrava a seu braço e desceu do cavalo. Sonriendo à menina, inclinou-se sobre ela e lhe atou a correia das calças.

—Huh, sim.

Depois olhou a Loretta e disse:

—É uma cabelo amarelo e é minha.

A menina pareceu estar a ponto de cair e depois correu para a mãe de Caçador.

—Kaku, avó! Eu-OH-hobt p-pi, uma cabelo amarelo! Há-hich-k po-mija, onde vai?

Caçador levantou a Loretta do cavalo e a agarrou em braços, retirando com o ombro a pele que cobria a entrada da loja. Sua mãe e sua sobrinha ficaram junto a ele enquanto reconhecia a habitação antes de aproximar-se de uma cama elevada que havia ao fundo. Um leito de peles, brando e acolchoado, afundou-se sob seu corpo ao ser colocada ali.

A abertura da loja se obscureceu pelo grupo de gente que se amontoava para bisbilhotar. Loretta se sentia muito exausta para pensar ou fixar a vista em tudo o que a rodeava. Piscou e tratou de sentar-se. Temia que Caçador pudesse abandoná-la ali. Se o fazia, todos esses corpos se equilibrariam sobre ela.

Lhe pôs uma mão firme no ombro.

—Ficará quieta. —Dando-a volta para a porta, gritou: —Ma, ir! —Loretta dava um salto cada vez que ouvia sua voz.

A menina subiu à cama, aproximando-se dela a quatro patas, e lhe sorriu.

—Hein Nei nan-NE-i-cut?

—Qual é seu nome? —traduziu-lhe Caçador enquanto alvoroçava o cabelo de fantasia de diabo da pequena. —Lohr-hett-ah, né? Tohobt Nabituh, Olhos Azuis —lhe respondeu Caçador e logo disse a Loretta: —É a filha de Guerreiro, To-OH Hoos-cho, Mirlo.

Mirlo se Rio e olhou a sua avó, que os olhava de pé do outro lado da habitação.

—Lohrhettah!

Loretta se escabulló para o cabecero da cama e apoiou as costas contra a parede de couro da loja. A menina a seguiu e estirou uma manita de cor canela para lhe tocar os volantes dos calções. Loretta ficou olhando-a. Por fim, um comanche a que não detestava olhar. Esteve tentada de agarrá-la e não deixá-la ir nunca. Jogou-lhe uns três anos, talvez quatro.

Enquanto Mirlo satisfazia sua curiosidade e examinava a Loretta da cabeça aos pés, Caçador se enfrascó em uma conversação incompreensível com sua mãe. A julgar pelos gestos que faziam, Loretta adivinhou que falavam de por que seu prisioneira se negava a comer e a beber e do fato de que tivesse recuperado a voz. Uma expressão de preocupação cruzou o rosto escuro da mulher. Caçador se levantou e a modo de viseira, ficou a mão na frente para olhar pelo oco para a fumaça que havia no centro da loja.

—Ai-ee! —Mulher de Muitos Vestidos cruzou o chão coberto de erva e barro e se aproximou de olhar a Loretta. depois de murmurar algo uns segundos, cantarolou sem deixar de agitar a colher: —Nei meu-p mah-Tao-eu. —E colocou a mão brandamente sobre o cabelo da Loretta.

—Minha mãe diz que a pequena mulher não deve ter medo.

Mulher de Muitos Vestidos olhou com suspicacia a seu filho. Quando pareceu evidente que não tinha que dizer nada mais, levantou a colher para ele.

Não sem certa resistência se esclareceu garganta e olhou às pessoas que se amontoava na porta. Depois disse em voz muito baixa:

—Não terá medo de mim, né? Se levantar a mão contra ti, serei um caum-mom-é, uma cabeça calva, e ela me golpeará com a colher. —Duvidou e pareceu como se lhe resultasse difícil não sorrir. —Ela fará a grande na-BA-dah-kah, batalha comigo. E ao final, ganhará. É uma mulher má.

Mulher com Muitos Vestidos acariciou o cabelo da Loretta e assentiu, acrescentando algo. antes de que acabasse, Mirlo estava rendo-se a gargalhadas. Deu uma volta afastando-se da Loretta e ficou a mão no estômago. Fora o que fora o que houvesse dito a anciã, à menina tinha parecido divertido.

—Deve comer —traduziu Caçador— e beber. Logo se sentirá melhor, de acordo? E ela comprará aos comancheros uma colher para ti. Se alguma vez causar medo em seu coração, pode me pegar com ela.

Loretta estava de acordo com o Mirlo. Necessitaria muito mais que uma colher para lutar com Caçador. apoiou-se com a mão para endireitar-se na cama. Era como se seu espinho dorsal se tornou líquida.

Como se se desse conta de que Mirlo não estava lhe ajudando a convencer à mulher de cabelo amarelo, Caçador tirou a menina da cama e a colocou debaixo do braço. Levou-a a porta da loja e a pôs brandamente no chão, lhe pedindo que saísse e, continuando, fechou depois o tecido da entrada para que outros não pudessem vê-los. Mirlo apareceu uma vez mais a cabeça e gritou.

—Kianceta, doninha!

Caçador deu um grunhido e arremeteu contra ela. A inesperada ferocidade surpreendeu a Loretta, mas Mirlo se balançou do tecido como um pequeno arminho, rendo e chiando, sem assustá-lo mais mínimo. Seu tio a soltou e, lhe dando uma palmada no traseiro, tirou-a dali. O silêncio se instalou no interior da loja. Um silêncio incômodo.

Loretta percorreu a habitação com os olhos, esperando encontrar... bom, não estava segura do que era o que podia encontrar, mas ao menos não havia sangrentas cabeleiras nem parafernália jaqueta, tampouco viu peles ou pilhas de alforjas, panelas ou colheres, nem sequer cabides para a roupa. Só havia uma linha ordenada de camisas de ante belamente bordadas, junto a calças e tanga. Toda roupa de homem. Este devia ser o tipi de Caçador, pensou, e não o de sua mãe.

—Ein mah-suíte mah-RI-ich-ket, Tohobt Nabituh?—perguntou Mulher de Muitos Vestidos.

Caçador lhe deu as costas à entrada.

—Comerá? Minha mãe te trará comida, de acordo?

Loretta levantou os joelhos e se abraçou a elas. além das paredes de couro se ouviam vozes estranhas falando em um idioma estranho. Mulher com Muitos Vestidos parecia amável, mas Loretta não podia esquecer às mulheres de fora que a tinham atacado, nem ao feito de que Caçador a considerasse sua posse. Sacudiu a cabeça, tão cansada que queria afundar-se entre as peles e tornar-se a dormir.

A expressão de Caçador se nublou. Sua mãe pareceu afligida. ficaram a falar durante um momento e depois Mulher de Muitos Vestidos saiu da loja. Tinham tomado uma decisão, e Loretta tinha o pressentimento de que não ia gostar de lhe. Caçador assegurou o tecido de pele de urso da entrada para que ninguém pudesse entrar e depois se aproximou lentamente à cama, com o olhar cravado nela e os braços cruzados.

ficou a examinar a de tal forma, que Loretta tivesse querido afundar-se nas peles e não sair mais. Depois se sentou a seu lado.

—Obrigarei-te a comer e a beber, e não morrerá. Todo este sofrimento, só para perder ao final? É boisa. —Estirou o braço e lhe aconteceu ligeiramente a mão pelo cabelo. —Comerá, de acordo, Olhos Azuis? um pouco?

—Não.

O músculo de sua mandíbula ficou tenso. Seus olhos não lhe deixavam escapatória.

—Não pode escapar de mim. Está aqui. Assim são as coisas.

Olhando em direção à porta e conhecendo os horrores que lhe esperavam ao outro lado, sussurrou:

—Não tenho outra opção.

—Você elijes o lugar no que põe seus pés, Olhos Azuis. Este caminho que segue é mau, muito mau. Este comanche te ensinará, né? —aproximou-se. —Aprenderá que minha mão sobre ti não é algo terrível.

Os olhos da Loretta se abriram.

—A... agora?

Enredou os dedos em seus cabelos, fazendo um suave nó com eles.

—Não comerá. Teme minha carícia. Morreria primeiro. Essas são suas palavras, não?

Loretta viu que os sentidos começavam a lhe falhar. Ajustou os olhos para tratar de enfocar e tratou também de lhe apartar a mão.

—Inclusive embora comesse e você me deixasse por esta noite, não o faria a seguinte, ou a seguinte. —ficou tinta. —Y... depois de ti, todos seus amigos. Crie que sou estúpida?

O tinha solto seu cabelo e riscava agora com o dedo o bordo do decote de sua camisa, um dedo que queimava a seu passo e lhe percorria a clavícula, o oco do ombro e a garganta. Fechou os olhos, muito fraco para impedir-lhe —Lucharé contigo hasta mi último aliento. —Se balanceó y trató de ponerse firme. —¿Por qué te molestas conmigo? ¿Por qué no te buscas una mujer india?

—Não os amigos, Olhos Azuis. Você pertence a este comanche.

—Lutarei contigo até meu último fôlego. —balançou-se e tratou de ficar firme. —por que te incomoda comigo? por que não te busca uma mulher a Índia?

—É a ti a quem quero. —Roçou com os nódulos o oco de seu peito. —Você pele é como a luz da lua. Eu sou escuro como a noite quando estou a seu lado. —Deslizou a mão por detrás de seu pescoço e a atraiu para si. —Luz do sol no cabelo, luz de lua na pele. Este comanche brilha, não?

—Não —respondeu ela com voz dura.

—Comerá?

—Não.

inclinou-se para saborear a pele do oco de sua garganta. Loretta se estremeceu ao notar a suavidade de seus lábios e a calidez de seus dentes ao roçá-la.

—Como o arminho, mah-Tao-eu. Tão suave. E tão doce como as flores.

Ela levantou os punhos entre os dois e lhe golpeou o peito com os nódulos. Ao abrir os olhos, tudo lhe deu voltas.

—Por favor, não. Nem sequer estou segura de qual é seu verdadeiro nome. Por favor, não.

—Caçador —lhe sussurrou ele ao ouvido. —Caçador de Lobos, Essa Habbe. te tombe de barriga para cima e fecha os olhos. Deixa que te tire esse medo. Se não ter medo, já não precisará morrer, entende?

—Não —tratou de lhe apartar. —Não.

O a agarrou pelas pernas e a tombou de costas brandamente. Ela se impulsionou para apoiar-se nos cotovelos, tratando de escapar a seus lábios que avançavam implacáveis desde seu pescoço até seu decote. E ainda mais abaixo. Começava a sentir-se aterrorizada. Não podia lutar contra ele. Não quando tremia desta maneira. O deslizou a ponta de sua língua por debaixo da camisa de ante e riscou círculos úmidos em seu decote, só um pouco mais acima de seus peitos. Sentiu que seus mamilos ficavam rígidos ao notar a pele suave que os roçava quando ela se movia.

Nunca antes tinha sentido Loretta que o sangue não lhe chegasse à cara como até agora. Agarrando um sopro de ar, tratou de ficar de lado mas seu braço se enredou a ela como uma corda tensa e lhe bloqueou qualquer movimento. Ao tentar trocar de posição, Caçador encontrou uma nova parte de seu corpo para explorar e molhar com seus lábios: o ouvido. Utilizando língua e dentes ao uníssono, saboreou sua textura, sua forma e se deteve nas partes que acreditou mais sensíveis. Loretta se estremeceu ao notar seu quente fôlego.

—Habbe... —Sua voz se quebrou. Queria lhe distrair a toda costa, mas em vez disso descobriu que era ela a que não podia concentrar-se. —Seu nome, como... como te chama? Habbe que mais? O que significa?

—Essa Habbe, Caminho para o Lobo, Caçador de Lobos. Meu irmão o lobo me apareceu no sonho de meu nome.

—O sonho de seu nome? —retorceu-se para um lado e apoiou a mão em seu queixo para poder sentar-se. —O que é isso?

Baixou a cabeça para olhá-la, com um brilho nos olhos.

—Um sonho que o homem procura quando se converte em guerreiro. No sonho, conhece seu nome. Uma mulher não o necessita. Elas são nomeadas por outros.

Afundou a cabeça e lhe agarrou o dedo polegar com a boca. Hipnotizada, Loretta sentiu a língua do índio movendo-se rapidamente por seus nódulos. meu deus, ia perder o conhecimento. E quando passasse, ele poderia, ele... Sentiu que caía para um lado. Ele a agarrou em seus braços bem a tempo.

—Olhos Azuis?

Loretta se mordeu o lábio superior, tratando desesperadamente de recuperar o controle sobre seu corpo e permanecer consciente. Não podia deixar-se ir, não podia... ficou tinta. E sua voz parecia tão distante.

—Hah-ich-k ein, onde está Olhos Azuis?

Loretta piscou, mas não serve de nada. Era assim como se sentia quando a gente morria? Como flutuando e longe de tudo?

—Hah-ich-k ein, onde está, Olhos Azuis?

Tentou responder, mas não pôde.

«Caldo de carne?» supunha-se que no céu havia anjos com asas, cânticos gloriosos, cale asfaltadas de ouro e nuvens esponjosas de cor rosa. Loretta tragou saliva e foi voltando para mundo da consciencia progressivamente. Uma mão enorme lhe sujeitava a mandíbula. Algo quente e grosso caiu em sua boca e vozes humanas ressonaram em seus ouvidos. contraiu-se para livrar-se da mão que a sustentava. Não devia comer. Umas partes de carne lhe colocaram por debaixo da língua. Tremeu-lhe a garganta. E depois se engasgou.

Alguém lhe sustentou a cabeça enquanto vomitava. Umas mãos duras. Passaram-lhe um trapo úmido pela frente. Alguém pronunciou seu nome. Era uma voz profunda. Loretta voltou a entrar na escuridão.

—Se não a levar de volta a suas paredes de madeira, morrerá. —Caçador olhou a seu pai aos olhos através do fogo. —E então, o que acontecerá a profecia? Vomitou todo o caldo de carne e a água também. Está claro que morrerá se seguir assim.

Soat Tuh-huh-yet, Muitos Cavalos, chupou de sua pipa e arrojou a fumaça para o teto da primeiro loja e depois para o chão. depois de dar outra imersão, exalou ao este, ao oeste, ao norte e ao sul. Com a mão direita, passou-lhe depois a pipa a Caçador, que fumou lentamente antes de devolvê-la a seu pai com a mão direita para fazer um círculo completo, o qual não devia romper-se nunca.

—Meu você, mas se acabar de chegar. lhe dê um pouco de tempo.

—Morrerá em um ou dois dias. —Caçador cuspiu para tirar o sabor a tabaco. Embora não o dissesse, detestava o sabor da pipa de seu pai. —Tentei-o tudo, pai. fui amável com ela. Prometi-lhe que meu braço seria seu para sempre no horizonte, até que me convertesse em pó movido pelo vento. E tentei negociar com ela.

—Como?

Caçador olhou incômodo a sua mãe, que lhes escutava da escuridão.

—depois de que minha mãe saísse da loja, disse-lhe que seria um comanche cansado quando a lua saísse se aceitava comer e beber algo.

—E se não o fazia, não estaria cansado? —Muitos Cavalos se Rio. Ele também olhou para a escuridão. —Esse trato não gostou?

Caçador sacudiu a cabeça.

—Talvez não seja a mulher que te convém —disse Muitos Cavalos com doçura.

—É ela. Estou seguro disso.

—A voz dos espíritos te falou em sonhos?

—Não, pai. —Com os olhos fixos nas chamas, a expressão de Caçador se voltou circunspeta. —Ninguém sente um ódio mais encarniçado pelos tosi tivo que eu. Já sabe. Meu coração estava cheio de raiva quando fui recolher à mulher de cabelo amarelo. Queria matá-la.

Mulher com Muitos Vestidos se inclinou e suas facções dançaram com o reflexo da luz do fogo. Seus olhos se encontraram com os de Caçador. Respeitava os costumes e mantinha silêncio quando os homens falavam, mas quando o fazia, só os néscios ignoravam suas palavras.

Caçador esperou se por acaso queria compartilhar seus pensamentos com eles. Ao ver que guardava silêncio, esclareceu-se garganta, que lhe tinha secado com a pipa, e continuou:

—Mas agora não poderia matá-la. Comoveu-me. Meu ódio por ela o levou o vento. Salvou-me a vida. —Contou rapidamente a história da serpente e como tinha quebrado seu silêncio para lhe salvar.

—Preferiria que vivesse longe de ti para sempre?

A Caçador lhe encolheu o coração. Foi então quando soube o muito que queria que a mulher estivesse com ele.

—Preferiria não voltar a lhe pôr os olhos em cima antes de ver como morre. —Torceu a boca. —Tem um grande coração para ser tão pequena. Faz a guerra com nada, e vontade.

Muitos Cavalos assentiu.

—Sim, Guerreiro e Antílope Veloz me hão dito o mesmo.

—Levarei a minha mulher de volta a sua terra —disse Caçador. —Conheço as palavras da profecia, recorda? E não contrariarei aos espíritos. Entretanto, não vejo outro caminho.

A mãe de Caçador se levantou para ficar de joelhos.

—Marido, peço permissão para falar.

Muitos Cavalos olhou às sombras.

—Então faz-o mulher.

aproximou-se do fogo e seus olhos se voltaram da cor do âmbar ao ser iluminados pelas chamas.

—Só cantarei uma parte da canção, assim devemos escutar as palavras e as recordar. —Jogou a cabeça para trás e se agarrou as mãos. Com uma voz cantarina recitou:

—Quando seu ódio pelos Olhos Brancos seja quente como o sol no verão e frio como a neve de inverno, virá a ele uma doce donzela da terra dos tosi tivo.

—Sim, mulher, conheço as palavras —disse Muitos Cavalos com impaciência.

—Mas não escuta? —Mulher de Muitos Vestidos fixou seu olhar de anciã no major de seus filhos. —Caçador, ela não veio a ti, como diz a profecia. Levou-lhe isso pela força.

—Via, o que está dizendo? Que devia ter vindo por sua própria vontade? —Caçador deixou escapar uma gargalhada. —A pequena de olhos azuis? Nunca.

Sua mãe levantou uma mão.

—Digo que tinha que ter sido assim e o será. Deve levá-la a sua casa de madeira. Os deuses a guiarão de volta até ti.

Caçador olhou a seu pai. Muitos Cavalos pôs a pipa a um lado e olhou durante um momento às chamas.

—Pode que sua mãe tenha razão. Possivelmente temos feito mal por te haver enviado a agarrá-la pela força. Possivelmente estava escrito que ela viria até ti livremente.

Caçador se guardou o que pensava disto. Embora não acreditasse que a pequena olhos azuis pudesse voltar nunca para povoado dos comanches por seu próprio pé, seus pais tinham aceito que a levasse a casa, e isso era o importante.

—O que a guiará para mim, pia?

Mulher com Muitos Vestidos sorriu.

—O destino, Caçador. Guia nossos passos e guiará os seus.

Loretta se acurrucó na suavidade das peles para tentar escapar à voz persistente que lhe sacudia o ombro e a chamava. Não por seu nome, mas sim pelo nome de Olhos Azuis. Que classe de nome era esse?

—Olhos Azuis, despertará agora. Sua casa... quer ir a sua casa?

Casa. Amy e tia Rachel. Seu edredom cinza. Panceta e ovos para tomar o café da manhã. Café no alpendre quando o sol aponta para o horizonte e tinge o céu de uma intensa cor vermelha. Casa. Rir e amar, estar a salvo. Ah, sim, claro que queria ir a casa.

—Acordada, pequena. Este comanche te levará a casa. Loh-rhet-tah? Acordada, Hoos-cho Soh-nips, Ossos de Pássaro, deve comer e te pôr forte para voltar para casa. A sua gente e a suas paredes de madeira.

Loretta abriu os olhos. deu-se a volta para ficar olhando ao teto e piscou. Um rosto escuro o tampava. Era curioso, mas piscar não lhe fez enfocar melhor. incorporou-se, curiosa, embora voltou depois para tombar-se sem muitas esperanças.

—Dirá palavras de mel? Faremos um pacto, um sem o Hvo-p, falado. Comerá e ficará forte, e eu te levarei de volta com sua gente.

Palavras de mel. Mentiras, segundo Caçador. Loretta olhou para cima. passou-se a língua pelos lábios e tratou de tragar.

—A... a casa? —grasnou.

—Huh, sim, Olhos Azuis. A casa. Mas deve comer para que vivas e retorne. Deve beber também. Durante três dias, até que volte a estar forte. —Agarrou-lhe as bochechas com os dedos e depois massageou brandamente seu cabelo. —Depois, este comanche te levará.

—Fará-o? —gemeu.

—É uma promessa que te faço. Comerá e beberá?

Loretta fechou os olhos. Devia estar sonhando. Mas ah, que sonho tão formoso. Voltar para casa. Que Caçador se ofereceu a levá-la. Não ter que preocupar-se de que o destino de sua família estivesse em suas mãos.

—Sem truques. Promete-o?

—Não truques.

A voz do índio ressonou uma e outra vez em sua cabeça, primeiro alta, depois como um sussurro. Tratou de abrir os olhos. A escuridão os rodeava de novo.

—Então comerei.

Caldo de carne. Caçador a sujeitava com um braço e com o outro lhe aproximava a taça fumegante. Loretta lhe deu um sorvo. Sua garganta resistia a tragar. Voltou a pôr a cabeça no ombro de seu captor, e depois se concentrou para poder beber. O caldo lhe golpeou o estômago, como uma bola.

—Já não mais. vou vomitar.

—Uma mais —lhe pediu. —Depois dormirá.

Loretta tratou de concentrar-se. O bordo da taça lhe roçava os lábios. Deu outro sorvo ao caldo e se obrigou a tragar. Depois sentiu como se flutuasse entre as peles. Dormir. Umas mãos fortes a moveram e a cobriram com uma manta muito pesada. Umas mãos fortes e carinhosas.

—Minha casa... levará-me?

—Huh, sim, pequena. Levarei-te.

Loretta se deixou ir. Levaria-a. Só era um sonho depois de tudo. Mas em seus sonhos, podia confiar em suas promessas.

                                                 CAPÍTULO 13

Loretta despertou pouco a pouco com um som parecido ao cacarejo das galinhas. Um galinheiro? Ao dar-se meia volta e tratar de abrir os olhos, sentiu a pele de búfalo contra sua bochecha. As lembranças se amontoaram em sua mente como um torvelinho impreciso.

O povoado, Mulher com Muitos Vestidos golpeando às pessoas na cabeça com uma colher, Caçador mordiscando seu pescoço. E a escuridão. Em algum rincão longínquo de sua mente, recordou que alguém tinha estado despertando-a várias vezes para lhe dar água e caldo de carne.

O cacarejo parecia mais próximo agora e pouco a pouco começou a reconhecê-lo como risadas. Loretta despertou por completo, sobressaltada. Ao abrir os olhos, encontrou a cara travessa do Mirlo a só uns centímetros da sua. Pouco depois se deu conta de que a pequena não estava sozinha. Outros dois pequeñajos, um menino de uns cinco anos e uma menina de possivelmente dois, estavam também na cama, com os olhos abertos como pratos.

Loretta se apoiou sobre o cotovelo. Já não se sentia enjoada, embora seguia notando-se muito débil. Esquadrinhando as sombras, jogou uma olhada rápida à loja, mas não viu nenhum adulto. Os meninos, fossem da raça que fossem, sempre lhe tinham intimidado.

O pequeno lhe aconteceu a mão pelo cabelo fazendo um «ohhh» de admiração. Cheirava como um desses meninos que tinha passado a tarde jogando, um pouco suarento, mas de alguma forma também doce, um aroma pegajoso como de cão e cavalo. Mirlo se concentrou nos olhos azuis da Loretta, olhando-a com resolvida intensidade. A menina percorria os cachos da Loretta com os dedos enquanto dizia «Tosi wannup» uma e outra vez.

Loretta não pôde evitar sorrir. Ela era tão estranha para eles como eles o eram para ela. Desejou que se aproximassem mais e nunca se fossem. Caras amigas e calor humano. Suas risadas lhe fizeram pensar em seu próprio lar. Com uma garganta que não parecia muito habituada a responder aos desejos de seu cérebro, Loretta murmurou:

—Olá. —O som de sua voz lhe pareceu irreal, um eco do passado.

—Olá, hites. —Mirlo encetou seus dedos em um sinal inequívoco de amizade. —Hah-ich-k sooe ein conic?

Loretta não soube o que a garota lhe perguntava até que Mirlo fez uma figura com as mãos.

—Ah, minha casa? —Loretta ficou uma mão em cima dos olhos, como se estivesse esquadrinhando na distância. —Muito, muito longe.

Os olhos do Mirlo brilharam de entusiasmo e estalou em uma réstia interminável de palavras impronunciáveis e risadas acompanhado tudo de um movimento exagerado de mãos. Loretta a olhou, fascinada pelo brilho de felicidade que detectou em seus olhos, a inocência de seu pequeno rosto. Sempre se tinha imaginado aos comanches, tão jovens como velhos, com sangue caindo de seus dedos.

detrás dela se escutou uma voz profunda.

—Pergunta quanto tempo comerá e se sentará à fogueira conosco.

Sentida saudades, Loretta viu por cima do ombro da garota a Caçador, sentado no jergón de peles. Estava tão a ras do chão que não tinha podido vê-lo antes ao inspecionar a habitação. Apoiado sobre um cotovelo, escutava falar com sua sobrinha. Em seus olhos se refletia a luz que provinha da porta da loja.

—O dirá, Pihet tabble.

A Loretta resultava difícil confiar.

—O que significa?

Seus lábios desenharam um sorriso brincalhão.

—Pihet, três. Tabbe, o sol. Três sóis. Foi nosso trato.

Aliviada ao ver que não tinha sonhado o de sua volta a casa, repetiu «pihet tabble» ao Mirlo. A pequena pareceu consternada e agarrou a mão da Loretta:

—K —chorou. —Ein ma mon-ach.

—K, não. Vai muito longe —traduziu Caçador, ficando de pé ao falar. —Acredito que gosta. —aproximou-se da cama e, com um sorriso indulgente no rosto, pediu aos meninos que saíssem dali como fazia tia Rachel com as galinhas. —Poke Wy-ar-pee-cha, Menina Pony —disse, enquanto agarrava à ousada menina das peles e a punha no chão. Ao fazê-lo, acariciou-lhe o cabelo com a mão, um gesto de carinho que surpreendeu a Loretta por parecer completamente desconjurado para um comanche guerreiro. A fragilidade da menina junto à fortaleza e a rudeza do guerreiro. O contraste era fascinante.

—É a filha de minha irmã, que está morta. —Assentindo para o moço, acrescentou: —Wakere-ee, Tartaruga, filho de Guerreiro.

Loretta não queria que os meninos a deixassem a sós com seu tio. ficou olhando-os enquanto saíam pela porta. O som de sua risada se foi flutuando com eles pelo ar. Então notou o olhar de Caçador e tragou saliva, tratando de pôr em ordem seus pensamentos. Embora a tinha tratado com muita amabilidade durante a viagem e tinha sido extremamente paciente com ela, não podia esquecer as ameaças veladas que lhe tinha dirigido a sua chegada ali.

—Onde estão seus meninos?

Por um instante acreditou ver um brilho de dor em sua expressão. Depois sorriu.

—Jogam Nainpka, escondidos detrás da colina.

—Então ... não tem filhos?

—É muito... triste.

Seu sobrecenho se fez ainda mais pronunciado, mas a confusão de seu rosto desapareceu.

—Huh, sim, muito triste.

—Como morreu? —sussurrou a pergunta sem estar muito segura de que ele fora a respondê-la, mas sentindo de repente a necessidade de sabê-lo.

—É uma lembrança no vento. —depois de rebuscar algo em uma das sacas, tirou um saquito pacote com uma corda. Voltou para a cama e se sentou junto a ela. Seus gestos eram despreocupados, como se tentasse que ela se sentisse cômoda. —Frutos secos. Deixará que um pouco de comida diga olá, hites, a seu estômago, verdade?

Olá, hites. Loretta reconheceu as palavras que eram como as que Mirlo lhe havia dito e entrelaçou os dedos fazendo o sinal de amizade.

—Olá?

—Sim, assim se diz em comanche «Como está, amigo?».

O pôs o saco entre os dois e o abriu bem para que pudesse agarrar ela mesma do conteúdo. Loretta ficou olhando as nozes douradas e os bagos seca. A noite anterior, quando tinha acessado a comer e a beber, havia-se sentido muito doente e cansada para pensar com claridade. À luz do dia, e apesar do que acabava de lhe dizer, parecia bastante provável que a tivesse mentido a respeito do de voltar para casa.

fez-se uma rápida composição de lugar do que lhe rodeava. Seu escudo de guerra descansava sobre um trípode próximo, as plumas que formavam o meio doido se balançavam com a brisa que entrava pela porta. Podia ouvir uma multidão de vozes proveniente do exterior, palavras atropeladas e incompreensíveis para ela. Seu poder sobre ela era absoluto. O podia mantê-la ali todo o tempo que quisesse. Ou matá-la se lhe desejava muito.

—Caçador de Lobos, disse de verdade...?

—Caçador, se a sua língua lhe faz difícil.

chupou-se os lábios.

—Caçador... disse de verdade o de que foste levar me de volta a casa?

—Hei-o dito.

Ela estudou a escuridão de suas facções, em busca de algo que pudesse lhe dizer o que estava pensando. «Hei-o dito». Nenhuma inflexão na voz, nenhuma expressividade. Que tipo de resposta era essa?

—Sei o que há dito, mas o há dito de verdade?

O apertou os lábios.

—Hei-o dito.

Loretta se abraçou os joelhos. Pelo tom de sua voz, diria-se que não gostava que questionassem suas palavras.

—Eu... —cravou-se as unhas nas mãos—....Eu gostaria tanto ir a casa.

Loretta fixou o olhar no medalhão de seu captor. Tudo a seu redor falava dele e entrava em seus sentidos, o aroma de couro, fumaça, pó e comida desconhecida. Devia estar louca por confiar nele. Mas, ai, desejava-o tanto. Voltar para casa. Com tia Rachel e com a Amy. Era verdade que até agora nunca a tinha mentido: exceto aquela vez que tinha prometido lhe cortar a língua e logo não o fez. E isto não era na verdade algo que pudesse lhe reprovar.

Agarrou um punhado de frutos secos e se levou uma pequena quantidade à boca. O sabor doce do mel lhe roçou a língua e ativou suas glândulas salivares. A resposta de seu estômago foi foto instantânea. Caçador ouviu este som e levantou a sobrancelha.

—É bom?

—Sim —disse Loretta se metendo outro bocado e limpando-a palma da mão nos calções. —Delicioso.

—Delicioso?

Por um breve espaço de tempo, Loretta esqueceu que lhe tinha medo e lhe sorriu abertamente, antes de dar-se conta de que tinha baixado o guarda. Quando lhe devolveu o sorriso, sentiu uma calidez estranha que lhe percorreu o corpo. Não era a primeira vez que lhe via sorrir, mas nunca desta maneira.

—Delicioso —repetiu ela. —Significa muito bom, muito melhor que só bom.

Seu sorriso não se desvaneceu, e de repente ela pensou que era fascinante. Se se tivesse tratado de um homem civilizado, essa careta lhe tivesse roubado a respiração. Seus lábios perfilados se levantavam de forma preguiçosa e deixavam ao descoberto uns dentes brancos imaculados. Umas linhas de expressão rodeavam seu sorriso. Certamente, não era a cara de um assassino.

O sonho se desvaneceu no momento em que ele alargou o braço para lhe tocar a bochecha. Este movimento repentino a fez retroceder e recordar quem era ele e o que era. Que a considerava de sua propriedade. Ao ver que ela se apartava, agarrou-lhe uma mecha de cabelo e o enredou entre seus dedos.

—Você é dê-li-cio-sa. Como os raios do sol.

Desconcertada pelo brilho que via em seus olhos, Loretta lhe agarrou a mão e a desenredou do cabelo. O fato de que não houvesse cabeleiras em sua loja não significava que não pudesse fazer-se com uma se lhe trocava o humor.

—Só as coisas que podem provar-se são deliciosas.

No momento no que as palavras saíram de sua boca, deu-se conta de que ele estava já lhe mordiscando o pescoço. O calor lhe subiu pela nuca. Como se adivinhasse seus pensamentos, baixou o olhar até sua garganta. Loretta desejou ter levado um vestido de estar em casa, com mangas de lã e pescoço alto.

Viu um brilho pícaro em seus olhos. Ou era só um engano da luz?

—Este comanche não é nenhum tonkowa, um comilão de gente.

—Os tonkowa comem gente? —O ano passado um grupo de tonkowa se ficaram no Belknap. Loretta tinha visto alguns um dia que visitou o forte. Tinham-lhe parecido uns índios amáveis e inofensivos. Inclusive se tinham devotado como escoltas à patrulha fronteiriça para lhes ajudar a rastrear aos comanches. Tinha estado a só uns centímetros de uns canibais?. —meu deus —sussurrou—.

Ele se golpeou a frente com a mão.

—Não meu deus. comem-se aos inimigos valentes para lhes roubar a coragem. É bastante boisa. São to-ho-BA-k, inimigos do povo.

levantou-se da cama e agarrou o cantil. Loretta bebeu da água que lhe deu e depois a devolveu com um murmúrio de satisfação.

—Beberá mais.

—Não, obrigado.

De repente se sentiu cansada e desejou que ele se fora para poder dormir. Em vez disso, pôs o plugue ao cantil e se voltou a sentar na cama. Ela levantou os joelhos e o olhou fixamente. Lhe devolveu o olhar. O silêncio se fez pesado, como a pesadez que fechava suas pálpebras.

—Parece cansada —disse ele brandamente, tornando-se para diante para deixar o cantil e o copo no chão. —Deitará-te, de acordo?

Então lhe ocorreu que ele poderia estar pensando em tombar-se com ela, como tinha feito durante a viagem.

—Não, não, estou bem... de verdade.

Caçador lhe agarrou o tornozelo. O calor de sua mão lhe sacudiu a perna. Tanta familiaridade a deixava sem fôlego. Por muito acostumada que estivesse já a suas carícias, seguiam sem lhe gostar de e muito menos podia as aceitar. Desde onde ela vinha, uma mulher nem sequer ensinava os tornozelos, muito menos permitia que um homem os tocasse. E este homem tocava tudo o que queria, sem duvidá-lo. Atirou dela brandamente.

—Deitará-te de barriga para cima. Sem dano, vale? Vigiarei-te.

—Tem que fazê-lo?

—Hein?

Hein? Loretta não tinha nem idéia do que isto significava.

—Deve me olhar? Põe-me nervosa. Não tenho escapatória.

—iNerviosia!

Nervosa —Loretta encolheu um ombro e depois tratou de lhe tirar os dedos de seu tornozelo. Nervosa... incômoda. Sacudiu a perna. Sua mão se moveu com o pé, sem soltá-la. —Poderia me soltar? É indecente, que me toque assim.

—In-de-sejam--lhe?

—Indecente, Vergonhoso. Poderia me soltar, por favor? É meu pé, não sei se sabe.

—E você é minha mulher.

Ela jogou a cabeça para trás e suspirou. Sua mão era como o aço e a superava com ao menos quarenta quilogramas de peso em cada um de seus músculos. Sua mulher. Por um momento tinha conseguido esquecer-se disto e se deixou enredar por uma falsa sensação de segurança.

Ele a agarrou da perna e a deslizou para ele até que teve que tombar-se de costas. Depois lhe soltou o tornozelo para ficar sobre ela, colocando uma mão a cada lado de seu corpo. Loretta olhou sua cara escura e seu coração palpitou com força. Lhe secou a boca.

depois de todas as vezes que tinha lutado contra ele, sabia o fácil que lhe resultava imobilizá-la com seu peso, quão rápido podia capturar suas mãos e deixá-la completamente indefesa. O brilho de desejo que viu em seus olhos a horrorizou. O que poderia detê-lo esta vez? Por muito que gritasse, ninguém viria em sua ajuda.

Onde estava sua mãe e sua colher agora que a necessitava?

—Dormirá. —O timbre desço de sua voz lhe atravessou o ouvido. —Vigiarei-te.

Com isto, deixou-a e se sentou sobre o jergón. Ao momento ouviu uns golpes secos e ao levantar-se para olhar, viu que Caçador se dedicava a polir uma pedra com um punção de osso. Ao observá-lo mais de perto, viu que havia duas pontas de flecha de pedra junto a ele, flechas que sem dúvida utilizaria um dia para matar aos brancos. Se acurrucó ficando de lado e o olhou fixamente. Inclusive a essa distância a intimidava. E entretanto, dependia por completo dele. Nunca poderia dormir tranqüilamente lhe tendo ao lado.

um pouco mais tarde, uma sombra obscureceu a loja. O primo de Caçador estava de pé em meio da porta. estremeceu-se ao ver as facções desfiguradas do homem. Quase nu, os únicos objetos que lhe cobriam eram o tanga e os mocasines.

Dedicou-lhe apenas um olhar, para deixar claro que não lhe importava muito sua presença. Uma vez dentro, foi como se o ar se enchesse de maldade, uma frieza terrível e evidente. Olhou a Caçador. Para surpresa da Loretta, dirigiu-se a ele em inglês:

—Seu pai me diz que levará a mulher de volta. Primo, é boisa. Mata-a. Se não poder derramar seu sangue, eu o farei.

Loretta fechou a mão em um punho e se golpeou o peito com ela.

Caçador a olhou, e depois se levantou.

—Não falará de matar, Búfalo Vermelho.

Búfalo Vermelho grunhiu aborrecido.

—Farei mais que falar. Peço-te que a leve a fogo central.

O fogo central? Loretta sentiu que lhe faltava o ar nos pulmões. Quase podia ouvir o crepitar das chamas.

Caçador estirou as pernas e se cruzou de braços.

—Ela é minha mulher. fica em minha loja.

—E mesmo assim a devolve a sua gente? Pega-a. Comerá. Se não poder consegui-lo, eu o farei.

Búfalo Vermelho avançou para o jergón. Loretta olhou a Caçador, aterrorizada. Fora ou não seu captor, era o único que podia protegê-la, a única pessoa que a separava da morte. Seus olhos azul escuro se encontraram com os dela. Búfalo Vermelho se equilibrou e tratou de lhe agarrar o braço. Loretta se encolheu, respirando entrecortadamente.

No segundo último, Caçador disse:

—Não a toques, primo. Meu coração jazeria sobre a terra se tivesse que levantar minha mão contra ti.

Loretta fechou os olhos, aliviada. Depois voltou a abri-los.

—Atreve-te a me desafiar? —Búfalo Vermelho ficou tenso e se retorceu. —Por uma mulher de cabelo amarelo? Somos do mesmo sangue! Trairia-me por uma mulher que te odeia?

As veias do pescoço de Caçador se incharam, único signo visível de seu aborrecimento.

—Eu te traí? Crie que meus olhos não vêem? Que não sei como chegou a serpente a sua cama?

Loretta se apertou contra o couro tirante da parede, olhando primeiro a um homem e depois ao outro. Búfalo Vermelho tinha começado a tremer, com as mãos como garras a ambos os lados do corpo.

—Diz que eu pus a serpente ali?

—Isso é o que me sussurra meu coração. Ma, vê. Até que sua lealdade para mim seja maior que seu ódio.

—Pu-me em meio de ti e os rifles do inimigo!

—E agora quer fazer a guerra com minha mulher. Não volte a me pôr a prova, primo.

Os músculos das costas de Búfalo Vermelho se encolheram e se moveram com nervosismo. ficou ali de pé um momento, tremendo de raiva, e depois se deu a volta e cuspiu em direção a Loretta, os olhos negros lívidos de ódio.

—Sua mulher —rugiu, —revolve-me o estômago. esqueceste a sua mulher morta em mãos de um cabelo amarelo?

Com estas palavras, saiu dali como alma que leva o diabo.

Um silêncio tenso se apoderou da loja. Loretta se estremeceu. Alguém tinha posto ali a serpente? Olhou fixamente a Caçador, que olhava em direção à porta. Quando por fim a olhou, seus olhos se revolviam de emoção. Voltou para seu jergón e se sentou com as pernas cruzadas. Com um suspiro, recuperou o pederneira e o perfurador e voltou a trabalhar sobre a rocha plaina que estava utilizando.

—Dormirá. Eu vigiarei.

A máscara de ódio que acartonaba sua cara não conseguia esconder o medo que sentia. Amava a sua primo e mesmo assim a tinha defendido contra ele. Loretta se tombou, mas sabia que não seria capaz de dormir. Os segundos se converteram em minutos, e o silêncio seguia pesando entre eles, quebrado só pelo tamborilar da pedra.

Loretta tragou saliva.

—Caçador?

Seu olhar cor índiga se encontrou com a dela.

—Obrigado. Por... me defender.

Quase de maneira imperceptível, ele inclinou a cabeça.

—Dorme, Olhos Azuis. Está bem.

—Se... sinto muito ter provocado esta trifulca, esta grande luta, entre vós. Sinto-o de verdade. —Com medo a que não a entendesse, colocou-se uma mão no peito. —Meu coração jaz sobre a terra.

Caçador apertou a boca e olhou para fora.

—Deixa que seu coração volte a estar contente. O ódio está sobre ele a muito tempo tempo.

Algo dentro da Loretta se contraiu. abraçou-se e tratou desesperadamente de não pensar, de negar uma realidade que não podia aceitar, que Caçador, o assassino legendário, era um homem que pensava, e sentia, e amava... como qualquer outro. Inclusive guardava luto por sua esposa morta.

Também era um homem de palavra. Tinha prometido defendê-la, e o fazia.

Os seguintes três dias passaram como em uma nuvem. A maior parte do tempo Loretta dormia sob o vigilante olhar de Caçador. Quando despertava, sempre lhe via perto, ou dentro da loja ou sempre à vista embora estivesse fora. Em vez de sentir-se incômoda, começou a notar certa tranqüilidade se soubesse perto. Quando tinha sede, trazia-lhe água. Quando tinha fome, alimentava-a. Quando a noite era fria, cobria-a com as peles de búfalo. Nos momentos nos que tinha que fazer suas necessidades, acompanhava-a e apesar das olhadas hostis que recebia dos outros índios do povoado, nenhum se atrevia a aproximar-se porque ele estava a seu lado. Terminou por depender dele para tudo.

Na tarde do terceiro dia, Caçador a levou a dar um passeio. Desconhecia o motivo e quando viu que se afastavam bastante do acampamento começou a sentir-se incômoda. O azul claro do céu tinha começado a voltar-se de cor metálica e parecia empurrar a terra no horizonte. A sua esquerda, rio abaixo, podia ouvir o cantarolo dos pássaros que se preparavam para passar a noite. Estava a ponto de anoitecer.

Começou a imaginar-se coisas. Teria trocado Caçador de idéia sobre o de levá-la a casa? Lhe teria convencido sua primo para que a matasse? Ele era um homem de poucas palavras, e quando aceitava falar, seu inglês básico estava acostumado a deixá-la com mais pergunta que respostas.

—Onde vamos? —perguntou.

—Já o verá.

Olhou com nervosismo a faca que levava na cintura. Depois seus olhos percorreram a musculatura de seu torso até terminar em sua cara. A brisa lhe agitava o cabelo e o tirava da cara, o que lhe deixava ante si uma boa vista de suas facções.

Tinha terminado por acostumar-se à cicatriz de sua bochecha e apenas a notava. Descobriu entretanto a altivez de seu queixo quadrado, a linha elevada de sua mandíbula, o perfil cinzelado de seu nariz e sua frente. Ao lhe examinar desta maneira, convenceu-se de que por muitos defeitos que tivesse, a mentira não era um deles.

A Loretta suavam as mãos. Apartou-lhe a cara e tratou de lhe seguir o passo sem escorregar ou golpeá-los pés nus com alguma pedra. roçou-se o peito com um arbusto cheio de flores rosas e deixou que o delicado perfume alagasse suas fossas nasais.

Caçador lhe agarrou por um braço para lhe ajudar a passar por umas rochas molhadas que ziguezagueavam para o rio. O peso inesperado de sua mão lhe tivesse tirado a respiração uma semana antes. O que lhe estava passando? Como tinha podido chegar a olhar a um comam che como alguém em quem podia confiar? Era uma loucura.

Mas não podia negar a realidade.

Ah, tampouco é que confiasse nele plenamente. Isso tivesse sido estúpido. Provinham de mundos diferentes, e sua definição de fazer mal era certamente muito diferente à sua. Loretta sabia que podia forçá-la e que o faria de uma forma brutal. Se lhe contrariava, podia golpeá-la. Mas sua vida não estava em perigo. Ao menos não em mãos dele.

O relincho de um cavalo foi a pista que necessitava Loretta para saber onde foram. Tinham chegado ao alto de uma colina e a vista era magnífica. Uma extensa pradaria de erva amarela se estendia ante eles, e estava cheia de todo tipo de cavalos —alazães, ruanos, pintos, cinzas e qualquer outra cor que alguém pudesse imaginar. —Caçador a insistiu a que ficasse no sítio enquanto ele se aproximava da manada. uns quantos minutos mais tarde retornou com um pura raça negro. O cavalo se parecia muito a aquele outro ao que ela tinha quebrado a pata.

Caçador diminuiu o passo conforme ia aproximando-se e lhe deu a corda para que agarrasse ao cavalo, olhando-a com essa expressão que tão perturbadora lhe tinha parecido antes. Agora lhe conhecia o suficiente para saber que esse brilho era só um sorriso que ainda não tinha aflorado a seus lábios. Quando seus dedos capturaram a corda, Loretta levantou os olhos:

—É precioso.

—Quando o sol saia, cavalgaremos para suas paredes de madeira. Ele te levará. —lhe agarrando a mão, Caçador se aproximou da cabeça do animal e lhe pôs a palma sob o focinho. —lhe dê seu aroma.

O cavalo soprou e mordiscou seus dedos com um grunhido de bem-vinda.

—É muito bonito, mas depois de tudo o que passou... Não posso montá-lo. Nunca me perdoaria se lhe acontecesse algo. Estou tão arrependida... —calou-se e se molhou os lábios. deu-se conta agora de que nunca lhe tinha pedido perdão por matar a seu cavalo. Deveria fazê-lo agora, mas tinha passado muito tempo, e não estava segura do que era o que podia dizer. —Meu coração jaz sobre a terra por seu cavalo morto. Não quisesse que lhe ocorresse nada mau a este.

—Está completo. —Seu rosto se contraiu ao falar. —Este cavalo diz «olá, hites», como está, amigo? —Passou-lhe pelo pescoço negro seu braço musculoso e o aproximou até o ombro. —É o filho de meu amigo que morreu. Respira junto a ele para que conheça seu aroma e te recorde sem horizonte.

A idéia de beijar a um cavalo não atraía muito, mas depois de ver a relação que tinha Caçador com seu outro cavalo, não podia negar que sabia melhor que ela como comunicar-se com eles. inclinou-se e respirou perto do focinho do animal. O cavalo soprou e lhe roçou a cara, relinchando e soprando. Loretta não pôde evitar sorrir e deu um passo para trás para secá-la cara com a manga. Levantou os olhos e viu que Caçador sorria. Sua risada se apagou ao dar-se conta da situação. O ainda a tinha agarrada da mão, e o contato com sua pele lhe acelerou o coração.

O apertou os dedos.

—Você gosta?

—Pois... sim, é maravilhoso. Não tem a orelha esquerda rachada como os outros, por que?

—A orelha rachada indica que o cavalo é dócil. Este não o é. Se outro lhe puser a mão em cima, lutará a grande batalha.

—Então, como vou poder montá-lo?

—Será seu amiga. te aproxime.

Entretanto, Loretta deu um passo para trás.

—Mas está sem domar.

lhe apertando a mão, Caçador atirou dela para diante.

—O é meu amigo e de ninguém mais, entende? Leva-me porque quer. Agora, ele te levará.

Com esta explicação, que para nada conseguiu tranqüilizá-la, recuperou a corda e a agarrou em braços para subi-la ao cavalo.

Loretta olhou para baixo.

—Não... não estou segura de que isto seja uma boa idéia.

—Está bem. Confiará, já verá. Falei-lhe e o aceita. te tombe sobre seu pescoço e lhe sussurre seu coração à orelha. lhe passe as mãos por cima. Apura as pernas em seus flancos.

Com o coração em um punho, Loretta fez o que lhe pedia e lhe sussurrou:

—Por favor, cavalo, não te volte louco e me mate. —O cavalo relinchou e lhe cheirou os pés nus.

Caçador riu:

—Pode cheirar seu medo e pergunta se houver perigo, né? Deve correr como o vento? Deve ficar quieto? Está nervoso, como a pequena olhos azuis está nervosa quando acredita que eu vou comê-la e lhe cravar os dentes nos ossos. Dirá-lhe o que eu digo a ti, que tudo está bem.

Loretta retirou o pé, com medo a que o cavalo pudesse mordê-la.

—Talvez não me entenda. É um cavalo comanche, não?

—Toquet, está bem. lhe sussurre seu coração. As palavras estão em suas mãos. Se você estiver tranqüila ele estará tranqüilo.

Passou-lhe as mãos por sua sedosa pelagem e seus dedos percorreram os poderosos músculos do pescoço e as costas. Quando se convenceu de que não ia encabritar se relaxou. O semental baixou a cabeça e começou a pastar. Caçador lhe aconteceu a corda.

—Deixa que te leve, de acordo? lhe sussurre. Insígnia o que suas mãos não lhe trarão nada mau, só costure boas. Encontrará erva doce e escutará.

—É tão bonito, Caçador.

—Diga-lhe a ele.

Loretta o fez. O cavalo levantou as orelhas e relinchou. Enquanto pastava, lhe acariciou. Justo quando começava a sentir-se cômoda, Caçador a desceu do cavalo. Ao lhe tirar a corda, capturou também sua mão e a cobriu com seus largos dedos.

—Agora é seu amigo. —Passou o braço que tinha livre pelas costas do animal. —Se respirar perto dele freqüentemente, pode te pintar a cara ou te pôr folhas no cabelo, mas ele sempre te reconhecerá. para sempre.

—Bom, ao menos até que chegue a casa. —Tragou saliva. —Porque ainda vou a casa, não?

Algo brilhou em seus olhos, algo perigoso. De repente, a Loretta começaram a lhe pesar as pernas. Observou-lhe impotente enquanto lhe levava a mão à bochecha ele.

—Desejas ir ?

Tinha a mandíbula dura e cálida.

—Sim, quero ir.

Lhe tirou a mão de sua cara e a levou a peito, obrigando-a a lhe pressionar o músculo. Seus olhares se encontraram, a dele inquieta e penetrante. Loretta desejava afastar-se mas sabia que pouco podia fazer para soltar-se. Podia sentir o coração do índio, um batimento do coração constante e robusto que contrastava com os batimentos do coração entrecortados de seu próprio coração.

—Retrocederá seus passos e tomará um novo caminho?

—Eu...

Subiu-lhe a mão e a pôs em seu ombro, obrigando-a a aproximar-se mais. Era tão alto que teve que jogar a cabeça para trás para lhe ver a cara. Se tivesse sido um homem branco, tivesse pensado que ia beijar a. Mas não era um branco. E duvidava que o que tivesse em mente fora uma cavalheiresca sedução. Podia ver o calor em seus olhos ao olhá-la, um calor que não tinha estado ali antes.

—Teria-te junto a mim —lhe disse com voz rouca.

—Mas prometeu me levar a casa.

O semental relinchou e se moveu para um lado, atirando deles até quase lhes fazer perder o equilíbrio. Caçador soltou ao cavalo para agarrá-la, lhe rodeando a cintura com o braço. Loretta ficou tensa ao ver que umas coxas duras se pegavam intimamente contra ela.

O inclinou a cabeça para olisquearle o cabelo e Loretta pôde sentir seu fôlego na cabeça. Sentiu um calafrio. Ao princípio lutou por separar-se dele mas depois sentiu como se uma rede invisível fora tecendo-se ao redor dela, e os fios de prata lhe impedissem de mover-se ou pensar.

Fechou os olhos, terrivelmente assustada dele e de tudo o que pudesse lhe fazer sentir. Tratou desesperadamente de recordar a imagem de sua mãe, algo com tal de romper o feitiço. Possivelmente sim que era um sedutor depois de tudo. Sabia que devia apartar-se, mas uma força desconhecida a paralisava. Lhe tocou o oco do pescoço com a boca, lhe provocando um calafrio por todo o corpo. Uma frouxidão traiçoeira se estendia por seu ventre. Por um instante, quis tombar-se sobre ele, deixar que seus maravilhosos braços a cobrissem.

E então sentiu uma mão nas costas nua, e foi suficiente para lhe fazer recuperar a prudência. Abriu os olhos e deu um pequeno grito. Tratou de arquear-se para separar seu corpo do dele e só conseguiu lhe dar um melhor sítio para sua boca. O pressionou os lábios sobre o oco de sua garganta, ali onde o pulso se precipitava como um rio caudaloso. Uma mão calejada se deslizou lenta mas inexoravelmente por seu flanco, e debaixo de seu peito sentiu o roce suave de seu polegar. Horrorizada, agarrou-lhe pela boneca, embora sabia que seus dedos eram uma débil resistência a sua vontade.

—Ah, Nei mah-Tao-eu —sussurrou. —Treme.

A boca seguiu descendendo e uns dentes como a seda lhe mordiscaram a nuca. Consciente de que seu generoso decote era pouca barreira para ele, deixou de lhe agarrar a boneca e lhe agarrou a cara com as duas mãos. Obrigou-lhe a levantar a cabeça e se enfrentou a seu olhar, ainda mais desconcertada ao ver o desejo que brilhava em seus olhos.

—Está-me assustando.

—É boisa, este medo. —Colocou sua mão cálida sobre suas costelas. —É minha mulher.

—E isso é precisamente o que me dá medo. Não pode comprar a uma mulher. —Loretta se retorceu para um lado e lhe pressionou com o braço a laringe. Não estava enganando-se. Sabia que se ele insistia, ela não teria forma de defender-se. —por que não pode entendê-lo? Uma mulher deve aproximar-se livremente.

lhe soltando a boneca, Caçador se afastou dela, lhe olhando com olhos inquisitivos e preocupados.

—E quando te aproximar livremente, não terá medo?

—Eu... —olhou-lhe fixamente. —Suponho que se viesse, e isto não significa que vá fazer o, não me interprete mal, que se me aproximasse de ti livremente, então não, não teria medo. —Loretta sabia que estava balbuciando. O parecia confuso, e não podia lhe culpar por isso. Guardou silêncio e apartou a vista. —É do todo impossível que o faça, mas se o fizesse, acredito que não teria medo. Não viria se o tivesse.

Ele relaxou o braço com o que rodeava sua delicada cintura. depois de estudá-la durante o que lhe pareceu uma eternidade, disse:

—Então este comanche esperará. Até que os espíritos lhe guiem em um grande círculo de volta a mim.

A viagem de volta durou cinco dias. Embora estava impaciente por chegar, tinha que reconhecer que estava desfrutando de da viagem. Os quarenta valentes comanches que os acompanhavam pareciam aceitá-la, e já não se sentia ameaçada quando seu captor se aproximava. Voltava para casa. O pesadelo quase tinha acabado.

Loretta estava preocupada com como foram receber a. A gente não ia acreditar que seu comanche não tinha abusado dela. Mas se enfrentaria a isso quando ocorresse. por agora, bastava-lhe sabendo que ia ver a Amy e a tia Rachel de novo.

Caçador fazia que o tempo passasse mais rápido lhe ensinando coisas enquanto cavalgavam: como encontrar água pela observação dos pássaros e os cavalos selvagens, também com a ajuda dos tipos de erva que só cresciam ao redor das fontes de água; como rastrear rastros; e, o mais fascinante, como ler os sinais deixados por um comanche para saber a direção que tinham tomado.»

—Caçador, se deixarem gestos para outros grupos de comanches, por que aos brancos resulta tão difícil lhes seguir?

—Eles não são inteligentes.

Loretta se Rio.

—Acredito que deveria me sentir ofendida. Crie que sou estúpida?

O a olhou de uma maneira que lhe fez rir outra vez.

—um pouco lista. Porque eu te ensino.

—Ah, assim sou uma ignorante e não uma estúpida? Suponho que posso aceitá-lo. —Percorreu com a vista a imensidão das colinas douradas que se estendiam ante eles, alinhadas como fogaças de pão sem levedura. Esta terra áspera era a loja de provisões de Caçador, o lugar que cobria todas suas necessidades. Para ela era um lugar estranho e espantoso, tão imenso que lhe provocava claustrofobia. sentia-se vulnerável ali fora, horrivelmente vulnerável. —Em meu mundo, você tampouco seria inteligente.

—Isso está bem. Os costumes tosi tivo são boisa.

—Mas como?

Assinalou com a cabeça para uma árvore mezquite raquítico que tinha crescido em meio de um montículo de rochas.

—Eles plantam árvores mortas na terra, e as árvores caem. Esta árvore não cai.

O cavalo da Loretta se moveu inquieto. Ela troco o peso do corpo e atirou das rédeas para sujeitá-lo, lhe acariciando o pescoço enquanto alcançava a ver em meio de uma nuvem de pó a outros cavalos que os rodeavam.

—Não, não cai, mas tampouco está onde deveria estar para sustentar uma cerca.

—Uma cerca diz que a terra pertence a um tosi tivo? O se converterá em pó que se leva o vento, a cerca se danificará e a terra seguirá ali. Outro tosi tivo virá e plantará mais árvores mortas. É bastante boisa.

—Mas os tosi tivo compram a terra. Pertence-lhes. Põem as árvores mortas para que outros saibam onde estão suas fronteiras, para que seu gado não escape.

—Não se pode comprar a terra. A Mãe Terra pertence a sua verdadeira gente.

Loretta olhou aos outros guerreiros, silenciosa e pensativa.

—Sua gente, os de seu povo?

—Sim.

—Isso é o que vós criem. Mas segundo nosso povo, a terra pode comprar. E lhe pode pôr cercas. Entende-o? Ninguém lhes quer roubar isso Eles só estão agarrando o que o governo lhes dá ou aquilo pelo que pagaram. Devem aprender a ser mais abertos. Há muita terra, muchísima.

Caçador grunhiu.

—Deixa que sejam os tosi tivo os que encontrem essa muchísima terra e plantem árvores mortas nela. Esta é a terra comanche, e não se pode dar ou comprar.

—E nós dizemos que sim se pode. Como tanto você gosta de dizer, não é sábio lutar quando não se pode ganhar. Nós somos mais fortes. Temos melhores arma. Quando lhes virem superados em número e rodeados, deverão abandonar suas crenças e aceitar as novas.

Ele a olhou fixamente.

—A força tem a razão?

—Bom, sim. Suponho que se pode dizer que assim é.

—Você diz que uma mulher não pode comprar. Eu digo que sim se pode. Eu sou o mais forte, assim tenho a razão.

Esse momento de confiança que começava a ter junto a ele se desvaneceu.

—Isso é diferente.

—Eu digo que não. —Um brilho pícaro piscou em seus olhos enquanto a olhava do tornozelo até a cintura. A forma em que fixou a atenção em seus quadris a fez ruborizar-se. —Você pensa diferente, mas eu sou forte e você não. Posso agarrar aquilo pelo que paguei. Renderá-te, não? A minhas crenças?

—Nunca. —Atirou do decote da camisa, dando-se conta uma vez mais de que só uns pololos lhe cobriam as extremidades inferiores. —Não é para nada o mesmo.

—Claro que o é. Seu coração grita não. Nossos corações gritam não. A força não é sempre boa, Olhos Azuis. Não peça a este comanche que faça o que você não pode. É sábio.

Lhe fez um nó na garganta. Nunca tinha analisado a situação do ponto de vista dos índios. Sua terra? De alguma forma tinham direito a pensar assim. Eles estavam ali primeiro. mordeu-se o lábio superior, resistindo a admitir o que lhe custava tanto aceitar.

—Sinto muito que lhes tenham tirado sua terra, Caçador.

—Eu o sinto, você o sente. Eles agarram a terra. Matam aos búfalos. Nossa dor não serve para nada.

Loretta se inclinou para pentear com os dedos a crina de seu cavalo, ainda incômoda de ver o giro que tinha tomado a conversação. Estava impaciente por trocar de tema.

—Meu bom amigo está algo inquieto. vamos parar logo para fazer um descanso?

—Sim.

—Seu bom amigo também está cansado. —Olhou ao cavalo que ele montava, uma réplica quase exata do dele. —Posso te perguntar algo?

Caçador torceu a boca.

—Se disser que não, ficará calada?

—Está dizendo que falo muito? —Loretta duvidou, dando-se conta de que era certo. O silêncio tinha sido seu cárcere durante muito tempo. E agora que tinha a oportunidade, queria saber tudo o que pudesse sobre ele, para fazer descansar a seus próprios fantasmas. —Perguntava-me só que, destes dois cavalos, por que escolheu a este como seu bom amigo? É superior ao teu por algum motivo?

—Superior?

—Melhor.

—Não melhor. Tem as pezuñas dianteiras curvas, como meu bom amigo que morreu. —deteve-se e pareceu procurar as palavras corretas. —É sua cara na água, não? Como dizem isto vós?

Loretta se inclinou a um lado para ver os rastros que deixava o animal. Seu pezuña dianteira direita deixava um rastro em forma de lua crescente no chão.

—Reflexo?

—Sim, ele é seu reflexo.

—A viva imagem de... como se chamava seu amigo?

—Não se pode dizer. Está morto, não? Dizer seu nome seria lhe faltar ao respeito. O que tem isto que ver com os vivos?

—Só é uma forma de dizê-lo. Quando alguém ou algo se parece com outra coisa, diz-se que é a viva imagem. Não sei por que.

—Não sabe, mas diz as palavras? As palavras que saem de sua boca dizem quem é, Olhos Azuis. Se disser uma mentira, sou um easop, um enganador. Se falar de ódio, meu coração arde de ódio. Meu povo não fala se não conhecer as palavras. Se se houver dito, deve ser assim. Um homem é o que fala. Não é assim com os tosi tivo?

Loretta se encolheu de ombros e deixou escapar um sorriso.

—Não acredito, de todas formas, que por ser a viva imagem o cavalo pudesse reviver. É só algo que a gente diz.

—Aprenderá o que significa «ser a viva imagem de algo», não? E me dirá isso. Quando voltarmos a nos ver?

Olhou-a, com uma expressão, de repente, solene.

—Voltamos atrás em nossos passos, né? Possivelmente você também o faça um dia quando estiver em suas paredes de madeira. Poderia ser um pouco feliz sendo minha mulher, verdade?

Loretta fixou os olhos no horizonte que se estendia ante eles. Estavam só a um dia e meio de caminho de casa. Um dia e meio de sua roupa, de poder lavar o cabelo, de comer sua própria comida. Sim, ele tinha sido bom com ela. Embora lhe custasse admiti-lo, estava inclusive começando a lhe gostar de. Mas não o suficiente para ser dela. Isso nunca.

—Para ser feliz, devo estar em minhas paredes de madeira —disse ela de forma não muito convincente. —Essa é minha casa e ali é onde está minha gente.

Só ficavam duas noites antes de chegar a casa. Suvate. Quase tinha terminado.

Para desconsolo da Loretta, quanto mais se aproximavam de casa, menos ganha tinha de chegar. O tempo passava tão depressa... Ao anoitecer do dia seguinte, detiveram-se para passar a noite aos pés da montanha Whiskey. Durante a viagem, os homens tinham recolhido finos ramos de salgueiro e agora se sentavam em pequenos grupos para fazer lanças, que marcavam com as plumas correspondentes. Loretta se assustou em um princípio, mas quando Caçador lhe assegurou que não tinham a intenção de atacar a granja, sentou-se junto a eles a olhar como trabalhavam. Fascinava-lhe ver os compridos e esbeltos dedos de Caçador, delicados e fortes de uma vez. Recordou como eram sobre sua pele, quentes e suaves, capaz de fazer mal mas entretanto, sempre carinhosos. Um comichão estranho lhe subiu pela garganta.

deu-se conta de que cada pluma tinha uma pintura diferente.

—O que é o que dizem suas plumas?

—Levam minha marca. E dizem um pouco sobre a canção de minha vida. —Fez uma careta com os lábios. —Minhas marcas dizem que sou um homem bom, um bom amante, um bom Caçador, com um braço forte para proteger à pequena cabelo amarelo.

Ela se abraçou os joelhos e lhe dedicou um sorriso zombador.

—Arrumado a que suas marcas dizem que é um valente guerreiro ao que as cabelo amarelo deveriam ter medo.

Ele se encolheu de ombros.

—Luto a grande luta por minha gente. É isso mau?

Loretta agarrou um punhado de erva e a levou ao nariz. Seu aroma era penetrante.

—ides fazer uma incursão amanhã depois de me deixar em casa?

Ele levantou os olhos do que estava fazendo.

—Com isto? —Seus olhos escuros sorriram enquanto estudava a curvatura da lança. —Olhos Azuis, um tseak curvo como este mataria ao amigo que está junto a mim. Este tseak diz «olá, hites, olá, meu amigo».

—A quem?

—A todos os que aconteçam. Já o entenderá, já verá.

—Está seguro de que não ides atacar minha casa?

—Não haverá luta. Tranqüila.

depois de terminar a lança, ela e Caçador acenderam fogo longe dos outros e depois se sentaram junto às chamas para comer da provisão que sua mãe tinha preparado cuidadosamente para a viagem. A boca ficou seca ao mastigar a carne-seca de búfalo. A bola de carne se foi fazendo cada vez mais grande, um nó gigantesco que não podia tragar.

Isto era tudo, era a última vez que comeriam juntos. A última vez. Era estúpido sentir-se triste, mas assim era como se sentia.

Pouco depois de terminar de comer, prepararam os jergones perto das brasas do fogo e se retiraram a dormir. Loretta se tombou olhando ao céu estrelado. A pouca distância de seu braço, Caçador dormia. Ao menos, isso é o que parecia. Nunca podia estar segura disso. Ele podia ficar quieto como uma rocha um momento e ao momento seguinte ficar em pé, completamente acordado. Possivelmente ele também estava um pouco triste. Ao dia seguinte teriam que dizer-se adeus.

Uma palavra que lhe desejou muito bastante solitária. E definitiva. Por algum motivo, Deus saberia por que, tinha terminado por lhe agarrar carinho. O suficiente para desejar que se encontrassem de novo algum dia. Era uma loucura. O melhor seria que seus caminhos não voltassem a encontrar-se. Ela tinha seu mundo, ele o seu, e os dois não deveriam mesclar-se. Nunca poderiam fazê-lo, nem em um milhão de anos.

Recordou a sua mãe golpeando as cabeças com a colher, a risada alegre do Mirlo. Os comanches. Esta palavra tinha deixado de aterrorizá-la. Faria-o outra vez depois de que se separassem? Loretta suspirou. Quando ele se foi, voltariam a ser inimigos. A trégua era só provisória. Se ele voltava para a granja, tio Henry lhe dispararia. Esta idéia fez que lhe encolhesse o coração.

—Caçador? —sussurrou. —Está acordado?

Silêncio. Ela se cobriu até o queixo com a pele de búfalo e tremeu, embora não tinha frio. As lembranças desses primeiros dias a invadiram. A lembrança de seu braço rodeando-a enquanto dormia, o calor de seu peito contra suas costas, o medo que havia sentido.

De repente, as estrelas que tinham ante si se fizeram imprecisas, e se deu conta de que as olhava com lágrimas nos olhos. Tratou de fechar os olhos, e um jorro quente de lágrimas escorregou por suas bochechas. Não estava chorando, não podia estar chorando. Não tinha sentido.

Sua garganta emitiu um soluço e ela tratou de afogá-lo cobrindo-a boca com a mão. sentia-se furiosa consigo mesma. Como era possível que lhe tivesse terminado por gostar de um comanche? Como podia esquecer-se tão facilmente de seus pais? Era inconcebível. Imperdoável.

—Mah-Tao-eu?

Loretta deu um coice e abriu os olhos. Caçador estava de joelhos junto a ela, uma sombra escura que contrastava com o céu estrelado.    

—Está chorando?

—Não... sim. —Sua voz era apenas um gemido. —Sinto-me um pouco triste, isso é tudo.

O se sentou junto a ela e se abraçou os joelhos, com os olhos postos na escuridão infinita.

—Ficará junto a mim?

—Não. —A idéia resultava tão absurda que lhe provocou uma gargalhada. —Só estava pensando que quando chegar a casa, voltaremos a ser inimigos. Minha gente te disparará se te aproxima. Mas como... —sorveu-se o nariz e se limpou os olhos com a mão— isso me põe triste. E me dá medo. O que acontecerá há um ataque dos índios? O que acontecerá...? —Moveu a cabeça para lhe olhar. —Talvez um dia tenha que apontar com uma arma e me encontre com que é você o que está ao outro lado.

—Não levantarei minha arma contra ti.

—Mas e se não souber? O que aconteceria em um eu ataque estivesse ali, lutando para proteger a minha família e amigos? O que aconteceria apontasse a algum selvagem assassino para lhe fazer cair do cavalo, e resultasse que fosse você?

Olhou-a com uns olhos negros intensos e perturbadores. depois de um momento de silêncio disse:

—Dispararia?

Loretta lhe olhou com um nó no peito.

—Ah, Caçador, não. Acredito que não poderia.

—Então deixa que sua tristeza a leve o vento, de acordo? —Seus dentes brilharam brancos à luz da lua. —Se nos encontrarmos na batalha, saberei a canção que seu coração canta, de acordo? E você saberá a minha.

Ela tragou saliva, tratando de ler a expressão de seu rosto, frustrada pela escuridão que os rodeava.

—O que acontece isso acontece? E se está atacando uma granja, e me vê na janela? O que faria?

—Saudaria-te. Não haverá guerra entre nós.

—Mas há guerra entre nós, Caçador. Nossa gente se odeia, não o vê?

Ele suspirou e a buscou na penumbra com os olhos.

—Ob-b mah-e-vah.

—O que?

—Faz espaço para mim. —Levantou a pele e se tombou junto a ela.

—Como... vais dormir comigo?

—Nei che-ida-há, tenho muito frio.

Loretta podia ver que estava mentindo, mas se tornou a um lado, contente no fundo de lhe ter ali enquanto tratava de não pensar no que isso significava. Ele ficou de lado e lhe rodeou a cintura com o braço. Suas caras estavam a só uns centímetros de distância. Seus olhares se encontraram. Voltou a ver seus dentes brancos na escuridão.

—Está triste? Porque temos que nos dizer adeus manhã?

—Não. Voltará para mim fazendo um círculo. Os deuses me hão isso dito.

—Em sua canção? —sorveu-se o nariz. —Esta canção me tem feito já bastante danifico.

Ele a abraçou mais forte e a atraiu para si.

—Dorme, mah-Tao-eu. Esta última vez, a meu lado.

A meio-dia do dia seguinte, os comanches alcançaram a colina que olhava à granja dos Masters e desmontaram de seus cavalos, ainda fora da distância de tiro. Loretta atirou das rédeas de seu cavalo com tanta força que lhe doeram os nódulos. Caçador cavalgava para seu lado, lhe roçando os joelhos. Loretta não podia lhe olhar. Em vez disso ficou absorta olhando a pequena casa que pensou não voltaria a ver nunca mais. Tudo parecia seguir igual. perguntou-se o que teria feito tio Henry com os cinqüenta cavalos que Caçador lhe tinha dado. Não estavam na perto traseira pastando.

Um redemoinho azul cruzou o jardim. Amy. Corria para a casa para advertir a tia Rachel e a tio Henry de que os índios tinham chegado. Pareceu-lhe que tinham acontecido séculos desde que ela fizesse o mesmo a última vez.

Pela extremidade do olho viu que Caçador se aproximava dela. Olhou-o e lhe aconteceu o pendente com seu medalhão pela cabeça. A pedra plaina estava ainda quente do lado que havia meio doido seu peito. Ela o colheu com a mão.

—Levará-o sempre? E recordará a Caçador de Lobos? É uma promessa que me faz?

—Levarei-o. —Rodeou o medalhão com seus dedos. —Não tenho nada que te dar.

Seus olhos se nublaram de calidez.

—Seus pololos.

Ela apertou os lábios.

—Levo-os postos. Se os quiser, terá que vir e me roubar isso Olhou-a de cima abaixo.

Olhou-a de cima abaixo.

—Talvez o faça. Serão bonitos como flores, sim?

Ela suspirou e baixou a cabeça. Sabia por que o fazia danifico essa lembrança. feito-se amigos. E dizer adeus tinha um lado doloroso.

—Bom, suponho que isto é tudo.

—Por este pequeno momento de tempo.

Ela levantou os olhos.

—Caçador, não deve...

O se inclinou para ela e lhe tampou os lábios com um dedo.

—Pode ler meus passos, né? Pode me seguir e voltar para mim. Deixarei-te sinais.

Assentindo com a cabeça, Loretta se desceu do cavalo e lhe entregou as rédeas. Em vez das agarrar, Caçador desmontou e rodeou a seu cavalo para colocar-se junto a ela. Ela jogou a cabeça para trás, tratando de sorrir. Sua canção não tinha nada que ver com ela. por que não podia entendê-lo assim?

—Obrigado por me trazer para casa. Meu coração cantará uma canção de amizade quando pensar em ti, Caçador, para sempre no horizonte.

O fez um gesto para o cavalo.

—Ficará com ele. É forte e rápido. O te levará a terra dos comanches, de acordo?

— Ah, não! Não posso. É teu!

—Agora tem um novo caminho. Você é sua boa amiga.

Os olhos lhe encheram de lágrimas.

—Nunca voltarei com os comanches, Caçador. Por favor, fica com o cavalo.

—É para ti. É meu presente, Olhos Azuis.

Loretta ficou sem palavras. Sem dar-se conta do que fazia, ficou nas pontas dos pés e lhe deu um beijo nos lábios no que pretendia ser um beijo rápido de despedida.

Caçador sabia algo deste estranho costume dos tosi tivo chamada beijar. A idéia de duas pessoas juntando suas bocas sempre lhe tinha desagradado. Entretanto, Loretta era outra coisa. antes de que ela pudesse retirar-se, lhe agarrou a cara entre as mãos e lhe jogou a cabeça para trás para lhe poder morder levemente os lábios. Para conhecer como era seu sabor. E para recordá-lo.

Em sua inexperiência, um calafrio ardente lhe percorreu o corpo ao roçar seus lábios contra os dela. Tinha uns lábios brandos e carnudos, tão doces como a penende quente, o mel. Ela gemeu e ao fazê-lo, ele introduziu a língua entre seus dentes para saborear a umidade, que era inclusive mais doce e que lhe fez pensar em outros lugares muito mais doces que gostaria de provar. Caçador entendeu por fim por que aos tosi tivo gostava de beijar.

Lhe sujeitou as bonecas e se separou dele. Caçador se apartou também e sorriu, lhe sujeitando ainda a cara com as mãos. Seus grandes olhos brilhavam tão azuis como o céu que estava no alto, com uma expressão assustada e desconfiada, quão mesma tinha visto tantas aqueles vezes primeiros dias. Ela era como os miçangas de sua mãe, formosos por fora e uma meada confusa no interior. Chegaria alguma vez a compreendê-la?

—Adeus, Caçador.

A contra gosto, soltou-a e a viu conduzir o cavalo colina abaixo. Ao chegar ao plano, girou-se e olhou para trás. Seus olhos se encontraram durante um momento. Depois empreendeu o caminho a casa e ficou a caminhar depressa, com o cavalo trotando atrás dela. Caçador sacudiu a cabeça. Só uma Olhos Brancos caminharia quando tinha um bom cavalo para cavalgar.

Fixou a vista na casa de madeira. Só podia confiar nos deuses para que cuidassem dela a partir de agora. Temia que seu adotivo queria abusar dela, mas não podia protegê-la se não estava a seu lado. Lhe contraiu o peito. E se a canção não acontecia? E se o grande círculo do destino não a levava de volta a ele?

Fechou as mãos em um punho, contendo-se para não ir detrás dela. Ela era sua mulher, e ao mesmo tempo não o era. Sabia que se levava com ela "um trocito de seu coração? Suspirou profundamente e saltou sobre seu cavalo.

—Está preparado? —perguntou Homem Velho.

—Não. Espera a que chegue a suas paredes de madeira, de acordo? Para que não tenha medo.

                                                 CAPÍTULO 14

Estava em casa. Loretta transpassou a porta e começou a gritar.

—Tia Rachel! Amy! tornei! voltei para casa!

A casa parecia tão silenciosa como uma tumba. Loretta se deteve em seco ao chegar ao alpendre. Tinha visto a Amy no jardim. por que não saía ninguém a recebê-la? Estava segura de que não era sua intenção lhe dar as costas. Tio Henry possivelmente. Mas nunca tia Rachel.

Com as mãos trementes, Loretta atou as rédeas do cavalo ao poste do alpendre e avançou com indecisão. A realidade de seu mundo e toda a dureza de seus prejuízos a sobrevieram de repente. Era uma mulher manchada. Tia Rachel nunca lhe voltaria as costas, mas Henry podia ser muito convincente. Seus punhos o eram.

Loretta se sentiu aterrorizada. Não podia ter passado por semelhante inferno para encontrar-se agora com que não tinha casa a que voltar. A pele de cervo da janela esquerda se moveu. Loretta jogou uma olhada ao interior pela estreita abertura.

—por Deus, garota, trouxeste-nos a morte a nossa porta! —grunhiu Henry.

Loretta olhou por cima do ombro ao grupo de comanches que esperavam no alto. Avançou rápido pelo alpendre.

—Não vão fazer lhes dano. Caçador me prometeu isso. Deixa que entre, tio Henry.

sentiu-se aliviada para ouvir o som da barra que se levantava. Depois a porta fez um rangido ao abrir-se, apenas o suficiente para poder penetrar dentro. Assim que o teve feito, Henry a voltou a fechar de repente como se o mesmo demônio estivesse aí fora. Loretta se girou e olhou a tia Rachel agachada ante a outra janela, lista para disparar. Loretta correu pelo chão de pranchas.

—Não precisam disparar —disse a sua tia, lhe tirando a arma das mãos e pondo-o contra a parede. Rachel ficou de pé lentamente. —Ditosos os olhos que lhe vêem tia Rachel. E cheira como o mesmo céu. A água de rosas! —Loretta se jogou para abraçar à mulher enquanto a balançava com felicidade. —Ah, graças a Deus, houve vezes nos que tivesse dado meu braço direito para poder fazer isto.

Em lugar de corresponder o abraço, Rachel se apartou e ficou ali de pé olhando-a com uns olhos azuis tão grandes como pratos. A Loretta lhe encolheu o coração. Tia Rachel, não. Podia suportar o rechaço de todos outros, mas esta mulher era como sua mãe.

—Estou bem, tia Ra... —Loretta se molhou os lábios, determinada a solucionar isto, a confiar na bondade de sua tia. —Já sei que pareço um desastre, mas não te alegra de lombriga?

Rachel ainda parecia paralisada.

—Pensavam todos que estava morta?

Rachel se molhou os lábios.

—Há... falas.

Loretta se tocou a garganta e assentiu.

—Não é maravilhoso?

Rachel sorriu levemente, e as lágrimas se amontoaram em seus olhos.

—Que Deus me perdoe, mas te dava por perdida. É um milagre.

—Mas bem incrível —grunhiu Henry.

Loretta lhe ignorou.

—Não te disse Tom que me tinha visto?

—Disse que estava te matando de fome, que com toda segurança não duraria mais de uns quantos dias. —Rachel agarrou a cara da Loretta entre suas mãos. —Pensamos que... —Sua voz se quebrou, e sua garganta ficou tensa ao tratar de falar. —Creímos que estava morta. Tom e os outros foram para te buscar. Não puderam encontrar nenhuma rastro. Perdi as esperanças. —Tremia-lhe a boca. Como se se envergonhasse, encolheu-se e piscou. —Não sei por que choro. Deveria estar feliz.

Contendo o pranto, Rachel começou a examinar a Loretta para ver se estava ferida, e passou as mãos trementes pela roupa de sua sobrinha.

—Está... têm-lhe feito algum corte por algum lado? Queimaram-lhe? Está bem? —Ao ver o medalhão, apanhou-o com a mão e ficou olhando-o com fixidez. —Por Deus bendito, o que é isto?

—É de Caçador. Deu-me isso como lembrança.

—Como lembrança! —ladrou Henry. —Que Deus nos ajude, esta garota está completamente mal da cabeça. Uma lembrança?

—Sim. Nós, bom... pois... —Loretta se molhou outra vez os lábios e jogou uma olhada a seu redor, incapaz de encontrar as palavras para explicá-lo. «Tome cuidado, Loretta. Se disser algo inconveniente, poderia te prejudicar.» —Parece-me incrível estar aqui. Em casa. Em casa de verdade.

—Está ferida? —perguntou Rachel.

—Nem um arranhão. Só um pouco dolorida de cavalgar.

—minha mãe, parece um desastre. É que esses índios não têm sabão?

—Nem um pedaço. —Loretta se Rio, sentindo um tanto enjoada e sem poder acreditar-se ainda que Caçador houvesse a trazido de volta a casa como prometeu. —Imagino que devo cheirar a cães mortos.

—Como o pescado defumado. —Rachel a agarrou para lhe dar outro de seus imensos abraços. —E falando como um periquito, Henry! Não é maravilhoso?

Henry, que se tinha retirado a seu posto junto à janela, esquadrinhou o exterior e amaldiçoou em voz baixa.

—Deus bendito, aqui vêm! —ficou a carabina sobre o ombro. —Rachel, agarra seu rifle! Loretta Jane, faz a carga!

—Não! —Loretta se soltou do Rachel e cruzou a habitação correndo para tirar o rifle ao Henry. —Não díspares!

—Que não dispare? Acaso perdeste a cabeça, moça? Nos vão atacar!

Loretta se agachou para olhar pela fresta da janela. Ali estavam, quarenta comanches, todos gritando e ululando, com as lanças levantadas. Certamente, era um espetáculo aterrador. Esquecendo por um momento que devia tomar cuidado com o que dizia, gritou.

—Não vão atacar nos. O me prometeu isso.

—Então, que demônios estão fazendo? te tire daqui! —Henry a apartou e voltou a agarrar o rifle. —O lhe prometeu isso? apaixonou-se, Rachel! Sorveram-lhe a cabeça, depois de passar tanto tempo com eles.

Loretta correu para a porta.

—Não vai atacar nos! Sei que não é assim. Por favor, não disparem! —A barra da porta não queria mover-se. Os batimentos do coração de seu coração se aceleraram ao tentar levantá-la. A imagem de Caçador morto no jardim passou por sua cabeça. Isto era exatamente o que tinha tentado lhe explicar a noite anterior. —Por favor, tio Henry, ele não o faria, sei que não o faria! —Por fim conseguiu levantar a barra. —Não lhe dispare!

Loretta abriu a porta de par em par e saiu correndo ao alpendre. Os comanches rodeavam a casa. Ela correu até o final do alpendre e viu uma lança cravada a uns cinco metros de distância.

—Olá, hites, olá, meu amigo.

Tremeram-lhe as pernas, aliviada.

—Tio Henry —gritou por cima de seu ombro, —estão marcando o imóvel. nos protegendo! Se disparas for provocar um banho de sangue inútil! —Correu para a janela e olhou a seu tio através da fresta. —Ouviste-me! Se queriam matar a alguém, eu estaria morta.

girou-se e olhou aos comanches que abriam um círculo para marcar os borde da propriedade do Henry. Os olhos lhe encheram de lágrimas. Caçador estava deixando uma mensagem aos outros índios do território: os que vivem nesta granja não devem ser atacados.

Em uns minutos, os bravos guerreiros tinham parecido todas as lanças no chão e cavalgado para o alto da colina. Loretta ficou a mão a modo de viseira, tratando de ver caçador entre a multidão. lhe reconhecer a esta distância era impossível. Depois, desapareceram atrás do montículo. Loretta ficou com a vista cravada no horizonte vazio, o peito sem ar e os joelhos ainda trementes.

—Adeus, meu amigo —sussurrou.

Como se a tivesse ouvido, Caçador reapareceu sozinho no alto da colina. Detendo o cavalo, estirou-se e levantou a cabeça, formando uma silhueta escura, a aljaba e as flechas sobre o ombro, o escudo apoiado na coxa e a larga cabeleira revoando ao vento.

Esquecendo-se de que sua família podia vê-la, Loretta baixou os degraus do alpendre e saiu ao jardim para assegurar-se de que Caçador podia vê-la. Depois lhe saudou com a mão. O ficou ali uns segundos, e Loretta ficou quieta, tratando de memorizar sua imagem. Quando ele teve dado a volta ao cavalo e desparecido, Loretta ainda ficou ali um momento.

«Reconhecerei a canção que seu coração canta, né? E você conhecerá a minha.»

A alegria da Loretta por estar de volta em casa se viu escurecida pelo ódio do Henry. Assim agora era a amiga de um assassino selvagem? A puta de um comanche, isso era ela, beijando-o a plena luz do dia, voltando para casa para envergonhá-los com seu cavalo índio e o colar de couro. Sua terra parecia um maldito agulheiro com todas essas lanças cravadas. ia desfazer se delas, da mesma forma em que se desfeito dos cavalos. A metade deles eram roubados aos brancos! Miúdo negócio! Loretta lhe deixou falar sem dizer uma palavra.

Quando viu que se calava lhe perguntou:

—terminaste?

—Não, ainda não! —Levantou-lhe um dedo. —Entende uma coisa, jovencita. Se esse bastardo te deixou prenhe, me vai pagar isso. Se der a luz a um bastardo índio, amassarei-lhe a cabeça sobre uma rocha!

Loretta se estremeceu.

—E nós os chamamos animais?

Henry lhe deu uma bofetada com o reverso da mão. Loretta se cambaleou e se agarrou à mesa para não cair. Rachel gritou e se interpôs entre os dois. Os soluços entrecortados da Amy provinham do chão.

—Pelo amor de Deus, Henry, por favor... —Rachel retorceu o avental com as mãos. —te controle um pouco.

Henry separou de um tapa ao Rachel. Voltou a levantar um dedo contra Loretta e grunhiu.

—Não me provoque, menina, ou me porei a te sacudir até na próximo domingo. um pouco de respeito, Por Deus.

Loretta se tocou a mandíbula com os dedos, olhando-o fixamente. Respeito? De repente todo lhe pareceu do mais absurdo. Um grupo de selvagens a tinham seqüestrado e miserável por meio Texas. E nem uma vez, nenhuma só por muitas razões que tivesse, Caçador a tinha golpeado o suficiente para lhe fazer danifico, e nunca na cara. afundou-se no banco de madeira e começou a rir com uma risada aguda e meio histérica. Tia Rachel pareceu desconcertada e isto só fez que lhe dessem ainda mais ganha de rir.

Henry saiu da casa como uma exalação para desfazer-se dessas malditas lanças índias» antes de que passasse algum vizinho e começasse a lhes chamar «amigos dos índios». Loretta não podia parar de rir. Possivelmente havia se tornado louca. Louca de arremate.

Tia Rachel moveu a cama para que Amy pudesse sair pela trampilla. Loretta conseguiu recuperar o controle sobre si mesmo a tempo para abraçar à menina, que cruzou a habitação correndo e se tornou em seus braços.

—Loretta! Loretta! —Amy se pendurou de seu pescoço, chorando e rendo. —Não lhe mataram. Sabia que não o fariam!

—Como podia sabê-lo?

Amy se tornou para trás e sorriu.

—Porque não o tivesse resistido, por isso. E porque rezei para que voltasse para casa. Dois rosários ao dia, de verdade! Pergunta a mãe.

—De verdade? Não te acredito. Sempre te salta as ave-marias.

—Nenhuma só vez. —Amy passou o dedo pela bochecha da Loretta. —Esse velho sapo! Seguro que te vai sair um moratón. Odeio-o.

— Amy! —brigou-a Rachel.

Loretta revolveu o cabelo de sua prima.

—Nem sequer parece surpreendida de que esteja falando.

—Porque não o estou. Ouvi-te falar uma noite quando dormia, recorda?

Loretta se lembrava. Aquela vez não tinha acreditado na moça. Agora sim. Com um suspiro, soltou à moça e olhou com carinho a seu redor. A costura do Rachel, o livro escolar da Amy o anuário feminino, a velha cadeira de balanço rota. O lar. Inclusive embora tio Henry danificasse as coisas, era uma maravilha estar de volta.

As perguntas se amontoavam na mente da Loretta. Como tinha chegado Tom Weaver a casa? Quantos homens tinham ido procurar a? Onde estavam os cavalos que Caçador lhes tinha dado? Como estariam os frangos? teria se secado bem a carne que Loretta tinha posto em conserva ou estaria muito dura?

Rachel respondeu a estas perguntas de uma em uma, incapaz de deixar de tocar a Loretta enquanto falava. Tom estava bem. ao redor de trinta homens tinham saído a procurar os comanches, mas os índios se dividiram em grupos para deixar rastros falsos.

—O que explica por que Tom não estava no mesmo grupo no que eu estava —refletiu Loretta. —Quem podia imaginar-lhe Estes índios têm mais cérebro do que nós pensamos.

—O primeiro dia havia ao menos um centenar deles —respondeu Rachel. —Calculo que havia uns sessenta quando voltaram. Os outros quarenta se dividiram em grupos e levaram a patrulha fronteiriça de caçada, lhes fazendo seguir por um lado todo o rio Avermelhado e pelo outro, as pradarias Staked. O outro grupo cavalgou em círculos.

—Vá, pois enquanto eles estavam dando voltas por aí, eu estava aqui ao lado, junto aos Braços! —Loretta subiu os olhos ao céu. —Rezei e rezei para que alguém se tropeçasse conosco, mas ninguém o fez.

Loretta baixou a cabeça para roçar com a bochecha a mão de sua tia, obrigando-se a apartar as lembranças que lhe vinham à cabeça.

—Tenho tanta fome, poderia me comer uma mula inteira. O que temos para jantar? E por favor, não me diga que há frutos secos ou carne de búfalo.

Rachel se Rio e a soltou.

—E um banho?

Loretta estirou uma perna e sorriu ao ver quão sujos tinha os pololos. Agora entendia por que Caçador lhe havia dito que «os fizesse bonitos como as flores». Deviam cheirar a cães mortos.

—Um banho quente? Crie que posso? Não é sábado, não? Tio Henry vai se zangar.

—É terça-feira, e não vai se zangar. —Rachel entregou a Amy um cubo para que começasse a esquentar água. —Um banho e um bom desenredado de cabelos. —Levantou uma das mechas de cabelo da Loretta. —Se não podermos desenredar isto teremos que te cortar o cabelo.

Loretta baixou os olhos para fixar-se na meada de cachos que lhe caía pelo ombro, antes dourado e agora convertido em uma bola poeirenta. Enrugou o nariz. Água de lavanda. Seria maravilhoso poder inundar-se em água quente e esfregar-se até que a pele lhe avermelhasse. Não via o momento de fazê-lo.

Essa noite, muito depois de que Henry e Amy estivessem dormidos, tia Rachel subiu ao mezanino e se sentou no bordo do beliche em que se deitavam Amy e Loretta. Loretta ficou de lado e agarrou a mão de sua tia, pensando em quão maravilhosa parecia. Frágil, como a porcelana, brilhante à luz da lua, como o ouro e a prata, o cabelo loiro e a pele branca.

Rachel suspirou e acariciou a boneca da Loretta, sonriendo mas sem sorrir, com uma expressão preocupada e inquieta.

—Loretta Jane, temos que falar.

A Loretta lhe contraiu o peito.

—Tia Rachel, não me violou, juro-o.

—E se assim fora, diria-me isso? —Rachel lhe acariciou o cabelo. —É uma coisa horrível isto que te passou, querida. Mas não é tua culpa. Quero-te, já sabe, como se fosse minha própria filha. Não tem que me ocultar a verdade.

—Não o faço.

Rachel suspirou.

—Loretta Jane, sou primeira em acreditar no poder da oração, e Deus sabe o muito que Amy e eu rezamos por ti. Mas, carinho, os comanches não passeiam a uma mulher por meio Texas e a deixam sem manchar! Ou me está mentindo ou é que preferiste apagar esse horror de sua mente.

Loretta olhou para a janela. As lembranças se amontoavam em sua cabeça, alguns tão maus que lhe faziam tremer, mas outros eram extrañamente doces.

—O não é como pensam. O... —Enrugou o nariz. —Não é cruel, tia Rachel, só é diferente.

—Um dos homens do regimento fronteiriço que cavalgou com o Tom quando foram para lhe buscar nos contou histórias horríveis sobre Caçador, histórias que lhe poriam os cabelos de ponta. Por isso disse, esse homem é um monstro. Rachou a um homem com sua lança... de cima abaixo. Esfaqueou-o, Loretta Jane, e pendurou seus... seus —Rachel se passou uma mão pelos olhos— pendurou seu orgulho na ponta de sua lança.

—Não te acredito! —gritou Loretta. —Como pode estar tão seguro de que era a lança de Caçador?

—O nos disse que a lança levava sua marca. Que foi uma espécie de represália ou vingança por um ataque que alguns desertores do exército americano e uns civis tinham propiciado em um povoado índio uns anos atrás. O homem assassinado tinha tomado parte desse ataque. O se levou o colar de uma mulher a Índia e o utilizava como correia para o relógio. Tinha-o como lembrança, segundo ele, algo que tirou a uma das garotas do povoado. Quando encontraram seu corpo, a cadeia do relógio tinha desaparecido. É só uma conjetura, mas este tipo disse que Caçador devia ter conhecido à garota do colar e que enlouqueceu de odeio ao vê-lo.

—Não pode ser Caçador. Confia em mim, tia Rachel, ele não é assim. Estive em sua loja durante três dias! Tivesse visto alguma prova, mas não vi nenhuma só cabeleira!

Rachel jogou a cabeça para trás e se manteve em silêncio um momento. Quando por fim falou, sua voz soou tensa.

—Só quero que saiba que, seja o que seja, quero-te e sempre te apoiarei. Se... bom, resulta que leva algo em seu ventre fruto da experiência que acaba de viver, não tem por que preocupar-se. Todo filho que venha de ti terá sempre um lugar aqui. Não me importa o sangue que tenha. Henry terá que aceitá-lo ou ir-se ao inferno.

Embora sabia que a promessa de tia Rachel era mais uma fanfarronice que outra coisa, Loretta se levantou e abraçou à mulher.

—Chá o agradeço, tia Rachel. Alegra-me saber que me ama até esse ponto. Mas confia em mim, não estou grávida. Não poderia está-lo.

Rachel lhe devolveu o abraço.

—Se em algum momento precisa falar disso, sabe que estou aqui para te escutar e que pode me contar o que seja. Não vou julgar te por nada.

Loretta ficou tensa.

—por que teria que me julgar? —separou-se dela.

Rachel apartou a cara.

—Vamos, tia Rachel, também você? É um crime passar por uma experiência assim e sair graciosa? Tentei me matar de fome. Escolhi a morte, como qualquer mulher com respeito por si mesmo tivesse feito. Mas então ele me prometeu que me traria para casa, e eu pensei... —Loretta se calou. Estava claro como a água que tia Rachel não acreditava. —Pelo amor de Deus, acaso preferiria que estivesse morta?

Amy gemeu e sacudiu a cabeça.

Em voz mais baixa esta vez, Rachel respondeu:

—Claro que não prefiro que esteja morta! —Acariciou-lhe a cara com umas mãos trementes. —Deus, não. Eu..., Loretta Jane, claro que não. Quero-te, o que passa é que não termino de entendê-lo. Volta para casa mais sã que uma maçã e diz que não lhe hão meio doido. Vi-te lhe beijando com meus próprios olhos. E Tom disse que dormia com o comanche, e que parecia que lhe estavam tratando bem. Não posso a não ser pensar em tudo o que terá tido que fazer para sobreviver e para poder estar aqui esta noite conosco. É impressionante tudo o que as mulheres podem resistir, as coisas que estamos dispostas a deixar a um lado para seguir adiante. me olhe a mim. Encerrada aqui nesta terra imperdoável com um homem ao que detesto. Crie que eu gosto que me toque? Mas lhe deixo fazer e finjo que eu gosto. O que seria de nós três sem ele?

Loretta não pôde responder. Por um momento foi como se voltasse a ser muda. A garganta ficou rígida. Podia entender que tio Henry não acreditasse. O era sozinho um peão no tabuleiro de sua vida, de todas formas, e qualquer podia ver quão imbecil era. Mas tia Rachel? Isto sim lhe doía, uma dor profunda que demoraria muito em desaparecer. Inclusive embora tivesse podido ser mais eloqüente, não tinha por que defender-se. Ela sabia a verdade, e isto deveria ter bastado.

Tia Rachel se levantou e se sacudiu as mãos no vestido.

—Estou aqui se por acaso necessita a alguém que te escute. Conta comigo.

Com isto, foi dali. Loretta se abraçou os joelhos e olhou a lua enche que penetrava pela janela. Recordou aquela outra noite, longínqua já, em que Caçador apareceu no jardim montado em seu cavalo, com o braço levantado para saudá-la e seus calções em alto em sinal de triunfo. Como era possível que um comanche entendesse o que cantava seu coração e sua própria tia não pudesse?

Três dias mais tarde, Loretta ainda se sentia ferida pela conversação mantida com tia Rachel. Inclinada sobre a tabela de lavar, lavava os sujos pololos, tão absorta em seus pensamentos que não se precaveu de quão forte o sol lhe estava queimando as costas. Agora que tinha voltado para casa, sentia como se nada tivesse trocado. E entretanto, eram muitas coisas as que tinham trocado.

Amy sacudia a roupa molhada na terrina de lavar com uma pá, sem deixar de falar, respirando só quando se parava para secá-la frente suarenta com a manga.

—Acredito que é uma loucura, isso é o que acredito! —A pá golpeava ritmicamente os laterais da terrina, fazendo um ruído tão ensurdecedor que fazia quase inaudível as palavras da Amy. —Se te casar com esse velho, acabará chorando pelas esquinas, te lembre do que te digo.

—Tom não é tão mau —murmurou Loretta.

—Que não é tão mau? É um pestilento! Suponho que é bastante bom. Mas, Loretta, poderia ser seu pai! Por muito bom coração que tenha, como poderia criar a seu filho? O estará já na tumba antes de que comece a andar.

Loretta ficou paralisada, com os braços inundados até o cotovelo na água de lavar. Olhou fixamente a Amy.

—Que filho?

A cara da Amy ficou vermelho escarlate e olhou nervosamente para a casa, sacudindo a roupa de maneira compulsiva.

—Não... não me faça conta. Estou dizendo tolices.

—Que filho? —repetiu Loretta com frieza.

Amy se encolheu de ombros.

—Bom, estive escutando às escondidas um pouco. —A pá seguiu dando trompetazos. —Escutei a mãe e a pai falar com o senhor Weaver. O disse que não lhe importava de quem fosse o filho que foste ter, embora fosse índio. Que o amaria como se fora seu próprio filho.

A Loretta deu vontade de vomitar. Agachou a cabeça, olhando sem ver a água ensaboada. Nunca, nos sete anos que tinha vivido com tia Rachel, tinha-lhe dado um motivo para que duvidasse dela. por que não podia acreditá-la agora? Talvez o povo de Caçador não fora o mais nobre de todos, mas ao menos não tinham questionado nenhuma de suas palavras. «As palavras que saem de sua boca dizem quem é, Olhos Azuis.» Que forma de pensar tão singela. O único problema era que não todo mundo se regia por essa regra e isto era o que fazia que a gente suspeitasse quando uma verdade parecia absurda para sê-lo.

Amy continuou com sua ruidosa tarefa.

—Ah, vamos —disse brandamente. —coloquei a pata. Não quis te ofender, Loretta. Não deixe que isto te afete, sim?

Loretta tentou falar mas não pôde. Tirou um braço da água e se apartou o cabelo dos olhos. Depois se inclinou sobre o que estava fazendo outra vez, determinada a se separar de sua mente todo aquilo que o fazia danifico. Amy seguiu golpeando com a pá e o som ressonou nos ouvidos da Loretta. Era como se o ritmo dos golpes marcasse seus pensamentos. «Tudo se solucionará. Tudo se solucionará.» A experiência lhe tinha ensinado que o tempo terminava por solucionar os problemas da melhor maneira. Só que esta vez o problema era maior do normal, com o Tom Weaver como solução.

—Por favor, güeritas —disse uma voz com um marcado acento mexicano. —Poderia este cavalheiro e seus amigos lhes pedir que compartilhassem conosco um poquito de água? Só um poquito, vale? Para uma garganta seca como a nossa.

Loretta se girou. O coração começou a lhe golpear nas costelas e depois ficou surdo, sem vida. junto a elas se elevavam os dez homens mais sujos e desagradáveis que tinha visto em sua vida. O homem de compleição escura que tinha falado tinha aspecto mexicano. Levava umas calças jeans enegrecidas de imundície e de sua cintura lhe penduravam cartucheiras com uma pistola a cada lado dos quadris. Nas botas, afiada-las esporas de prata espanhola reluziam terroríficas ao sol. Tinha as unhas negras e os nódulos cinzas.

Os homens que foram com ele não eram muito diferentes, alguns gringos, outros hispanos, mas tudo com esse olhar de touro em zelo nos olhos, frágeis e furtivos. Cada um deles levava revólveres de seis tiros, e Loretta soube pela forma em que lhes caíam as cartucheiras nos quadris, que eram dos que disparavam rápido. Um silêncio artificial se instalou no imóvel.

Loretta se fixou em que tinham deixado os cavalos atados na porta do secador. O homem que tinha falado se baixou a asa do chapéu em sinal de saudação e deu um passo adiante. As esporas tilintaram com cada um de seus passos. Os amigos se moveram com ele. Chin, chin, chin... Loretta tragou saliva, lamentando-se por não havê-los ouvido chegar. A pá da Amy. Que Deus lhes ajudasse!

Loretta nunca tinha visto comancheros antes, mas tinha ouvido histórias, e estes homens encaixavam perfeitamente com a idéia que tinha deles: gente sem escrúpulos e de maus maneiras. Sua presença era sempre sinônimo de problemas, e problemas importantes. Soube em seguida que não estavam ali pela água; não, quando havia um rio inteiro a só uns metros de distância.

Levantando a voz tanto como pôde, Loretta disse:

—Sirvam-se toda a água que queiram do poço.

A cara escura do homem se partiu em um sorriso.

—Não vai dar a estes cavalheiros um copo de sua casa? Não me parece que esteja sendo muito hospitalar, güerita.

Loretta se levantou e deu a Amy um pequeno empurrão, rezando para que a menina corresse até a casa, mas Amy se abraçou à cintura da Loretta e ficou ali parada.

—Não penso te deixar —sussurrou com determinação.

Sem fazer caso dela, Loretta olhou de frente ao homem que tinha pedido a água e disse:

—Tem razão. Que desconsideração a minha! Amy, querida, vete dentro e lhe diga a tio Henry que traga para este bom homem um copo de água. —E em voz mais baixa, com um tom que prometia represálias se não era obedecido, sussurrou-lhe. —Faz-o, Amy. Agora.

Loretta deu um empurrão a Amy para que se movesse. O homem estirou a mão e agarrou a Amy do braço justo quando esta começava a correr. Ao ver a expressão aterrorizada da pequena, o homem começou a rir e a atirar dela para aproximar-lhe Loretta tentou manter-se tranqüila. Tudo menos lhes mostrar quão assustada estava.

—Não tão rápido, muchachita. Ai, vê-te tão bonita... Com esse corto güerito. Será amável conosco, verdade, preciosa? Não somos tão pendejos como parecemos.

Loretta tentou manter-se tranqüila. Tudo menos lhes mostrar quão assustada estava.

—Deixem que se vá.

Pela extremidade do olho viu que os outros homens começavam a lhes rodear. Chin, chin, chin. Embora sentia que foram falhar lhe as pernas, o medo pela Amy lhe fez reagir. Avançou uns passos e agarrou à garota pelos ombros.

—Vete dentro, Amy. Este bom homem não pretendia te assustar. Verdade que não, senhor?

O homem sorriu e entregou a Amy a um de seus amigos.

—Não, isto está feio, güerita. Vamos de muito longe e estamos cansados, entende? E temos fome. Mas sobre tudo o que precisamos é uma güerita jovencita como esta e a outra não tão jovencita como você para jogar um ratito. Quando as vimos de longe, não ficou outro remédio que parar, entende? Dissemo-nos que não voltaríamos a ver duas preciosidades como vocês em muito tempo.

Loretta abriu a boca para protestar, mas antes de que pudesse dizer nada, o homem arremeteu contra ela. Gritou e tratou de tornar-se para trás, tropeçando. Ao segundo seguinte se viu caindo de costas sobre a terrina de lavar, as pernas para cima e os pololos ao ar. golpeou-se a rabada com a asa da terrina e viu as estrelas. A água quente lhe queimou o peito e lhe fez perder a respiração. O comanchero pôs as mãos em jarras e jogou atrás a cabeça, renda-se e caminhando para ela. Era evidente que estava bastante bebido.

—Ai, assim está muito melhor. Eu gosto das mulheres podas!

Loretta se tirou o sabão da cara e o olhou fixamente. Tio Henry estava fora trabalhando o campo, mas só Deus sabia onde e se viria em sua ajuda se por um casualidade os ouvia. Era mais provável que se escondesse detrás de uma árvore.

—Tia Rachel! Tia Rachel, traz o rifle!

Amy gritou. Loretta apartou a vista do chefe para ver o que era o que acontecia. Foi como se a raiva lhe fervesse o sangue. Dois homens estavam atacando a Amy, alguém lhe agarrava por debaixo dos braços enquanto o outro rebuscava sob suas saias. Amy atirava e esperneava ao homem que tinha em frente, lhe acertando nas acne. Mas o homem levava botas altas e logo que podia notar o golpe. Amy emitiu um grito angustiado ao ver que o homem lhe colocava a mão por debaixo dos pololos. Depois lhe soltou uma fileira de insultos que tivessem feito orgulhar ao mesmo tio Henry.

—me tire as mãos de cima, porco verrugoso filho de puta!

O comanchero pisou nos pés da Amy com as botas e lhe golpeou os tornozelos até fazer que abrisse as pernas como ele queria. As bochechas da Amy ficaram vermelhas como o carmim ao ver que o homem encontrava um lugar onde descansar entre suas coxas. Então gritou de dor. O homem que sustentava a Amy pelos braços a agarrou com mais força para que não se movesse. Amy conseguiu levantar um joelho e golpear ao outro na entrepierna. O deu um grunhido e se retirou um pouco, branco como a parede.

—Maldita putita! —Esbofeteou a Amy com tanta força que a cabeça dobrou a um lado e pendurou sobre seu ombro. —Volta a fazê-lo, e te deixarei atada no meio do deserto para que os abutres possam levar-se seus ossos.

antes de que Loretta se desse conta, estava em pé e fora da terrina. Uma raiva mais capitalista que o medo o fazia atuar com determinação.

—lhe tire as mãos de cima, maldito animal!

O comanchero chefe agarrou a Loretta pela cintura e a atirou ao chão. O céu girou. Viu que outros homens caíam sobre ela. Ao segundo seguinte tinha as bonecas e os tornozelos fortemente atados. Tinham-lhe aberto as pernas e os braços e subido a saia até as coxas. O chefe se agachou junto a ela, rendo-se de sua inútil resistência. Ouviu a Amy gritar e se sentiu impotente. A Amy não.

Então ouviu a voz potente de tia Rachel.

—Parem, miseráveis bastardos!

Loretta girou a cabeça para ver tia Rachel no alpendre, com a saia alvoroçada e o rifle sobre o ombro.

—lhes mova e vos vôo a cabeça. Soltem às garotas, agarrem seus cavalos e saiam daqui.

O homem que tinha a Amy agarrada pelos braços tirou a faca e o pegou sobre a laringe da menina.

—Dispara, mamita, e racharei o precioso pescoço de sua filhinha.

Os lábios do Rachel ficaram brancos.

—Vamos, baixa o rifle. Devagar, muito devagar... Isso, muito melhor. Porque não quer vê-la morta, verdade?

Loretta moveu a cabeça, tratando desesperadamente de levantar-se.

—Não, tia Rachel, não o faça! lhe dispare! lhe dispare!

O comanchero chefe lhe deu um bofetão na boca.

—Silêncio! —sussurrou.

Loretta saboreou o gosto do sangue com a língua.

Rachel baixou lentamente o rifle e o pôs no chão, com uns olhos enormes e de cor "azul brilhantes. Assim que esteve desarmada, um dos homens subiu até o alpendre, deu uma patada ao rifle para afastá-lo e agarrou ao Rachel pelo cabelo. Atirando dela e arrastando-a pelo jardim, grunhiu:

—Três! É nosso dia de sorte, Santos! Para ser velha não está mau. Tem boas tetas.

—Acaso não te disse que o passaríamos bem? —O comanchero chefe sorriu e se inclinou sobre a Loretta. lhe abrindo o decote do vestido com os punhos disse: —E agora, vejamos o que é o que tem aqui, preciosidade.

De um tapa abriu o vestido da Loretta do pescoço à cintura, deixando-a só com a combinação. Ao lhe olhar aos olhos compreendeu que nada poderia impedir que agarrasse o que queria. Os gritos da Amy penetravam o ar. Loretta se retorceu entre as cruéis mãos que lhe sujeitavam as bonecas e os tornozelos, recordando aquela vez em que Caçador tinha feito o mesmo, embora sem dúvida, com muchísima mais suavidade.

Quando o comanchero lhe agarrou os peitos com as mãos, sua atenção ficou fixa no medalhão que lhe pendurava do pescoço e que ela levava sempre sob a roupa para que tio Henry não o descobrisse. Entrecerró os olhos e depois os abriu sem poder acreditar o que via. Apartou as mãos com nervosismo e se benzeu.

—Jesucristo! —Retrocedeu com a vista fixa no peito da Loretta. —O Lobo! —gritou. —Não a toquem.

Como por arte de magia, Loretta se encontrou livre de repente. Piscou médio enjoada, sem poder compreender muito bem o que estava passando. De fato, todo o jardim pareceu sepultado no silêncio. sentou-se lentamente, arrumando o sutiã. Os homens que sustentavam a Amy ficaram paralisados, com um olhar de temor nos olhos. Loretta baixou os olhos. Que demônios passava?

Olhou fixamente ao medalhão de pedra que caía sobre seu peito. E então o compreendeu. O Lobo, Caçador. Caçador de Lobos. Seu amigo não só tinha querido protegê-la com as lanças cravadas no jardim. Tinha-lhe deixado também uma marca em sua pessoa. «Levará-o sempre?»

Uma risada histérica ressonou em sua garganta. Aliviada. A mulher de Caçador. Tinham medo de que pudesse lhes fazer danifico! ficou de joelhos. Os comancheros a olhavam como se se encontrassem frente ao muito mesmo diabo.

O comanchero chefe se benzeu outra vez e depois ficou de pé e correu para o cavalo, as esporas tilintando. Loretta ficou furiosa ao ver que tipos como ele pudessem rezar.

—Deixem à velha. Não merece a pena —ladrou um dos homens.

Loretta se girou a tempo para ver como atiravam brutalmente a tia Rachel ao chão. Depois se deu conta de que dois dos homens sujeitavam ainda a Amy e a levavam com eles. Ela ficou em pé.

—Tragam aqui! —gritou Loretta. —O Lobo lhes matará se lhes levam isso! Advirto-lhes isso!

Enquanto arrastavam a Amy perto dos cavalos, o valor irrepreensível da pequena se quebrou por fim e começou a chorar o nome da Loretta.

—lhes aparte de mim! Não, não me levem, mamãe! —Sua voz se converteu em um chiado agudo. —Maaamaaa! Loretta! lhes detenham!

Com a saia molhada pega a suas pernas, Loretta correu para o alpendre. Agarrou o rifle, o pôs sobre o ombro e tratou de apontar, horrorizada ao pensar que pudesse ferir a Amy.

—Advirto-lhes isso! Soltem ou disparo!

Sem lhe fazer caso, os homens subiram a Amy a um cavalo. Um deles montou rapidamente detrás dela. Loretta apontou com cuidado a sua cabeça. Sabia que podia lhe derrubar da cadeira.

—Advirto-lhes isso!

—me dispare e poderá me enterrar junto a sua irmã!

Loretta viu o brilho da faca e soube que o homem pressionava a folha contra a garganta da Amy. A pequena chorava.

—Por favor, não me mate, não me mate.

Rachel gritou

—Loretta, não. Fará-o. Matará-a.

—Por todos os diabos que o farei.

As pernas da Loretta se voltaram de água. Os soluços da Amy mostravam quão horrorizada estava, e a Loretta lhe encolhia o coração se soubesse. Amy não era das que choravam facilmente. Colocou o dedo no gatilho.

—Santos! Se te levar a menina, enviarei ao Lobo em sua busca. —Pensar em Caçador, saber o zangado que estaria se estivesse nestes momentos ali, deu-lhe valor. —Ele e seus homens marcaram cada palmo desta propriedade com suas lanças, para advertir a todos que os que vivemos nesta terra gozamos de seu amparo. Juro-lhe isso, buscará-te e te matará.

Santos sorriu.

—Acredito que memore. Não vejo nenhuma lança aqui.

—Porque meu tio as tirou.

—Güerita, não sou eu quem se leva a menina. São os outros. E não sabe como se chamam. A mim não pode me culpar, né? O Lobo entenderá isto. Entenderá também que não quis fazer mal a sua mulher. Levava a pedra escondida sob o vestido, não? Como tivesse podido vê-la?

Os comancheros açularam os cavalos e se afastaram cavalgando em meio de uma nuvem de pó. Loretta os olhou um momento, tratando de pensar com rapidez, e depois correu para o celeiro para agarrar o cavalo. Tinha que encontrar a tio Henry. Não havia tempo que perder. Alguém tinha que reunir a um grupo de homens para ir em busca da Amy.

                                   CAPÍTULO 15

Loretta sujeitava as rédeas de seu cavalo enquanto escutava em um silêncio gelado como Tom Weaver e tio Henry discutiam a difícil situação da Amy. Cavalgar até a casa do Weaver lhes havia já feito perder trinta preciosos minutos. Agora, os dois homens divagavam sobre a situação como só os sujos granjeiros nos cubra podiam fazê-lo: com mais lentidão que duas moscas em um papel pegajoso. Loretta queria gritar de frustração e medo. por que não faziam algo? Cada minuto que passava eles se levavam a Amy um pouco mais longe.

—Não há maneira de que um pequeno grupo de homens possa lhes seguir. —Tom se esfregou a bota contra o bordo do alpendre de pedra para limpar os restos de boñigas que se ficaram pegos na sola. —Dividirão-se e tomarão várias direções. Se não termos um grande grupo, teremos também que nos dividir. E se nos dividimos em pequenos grupos, não haverá maneira logo depois de nos enfrentar a essa gente. Esses comancheros são condenadamente bons com as armas, Henry. Terão-nos matado antes inclusive de poder tirar a arma.

Henry se passou a mão pelo cabelo.

—Temos que fazer algo, Tom. levaram-se a Amy. Temos que lhes encontrar antes de que... —calou-se. —Primeiro Loretta, e agora Amy. O que pensará a gente? Que não posso proteger a minha família. Além disso, Rachel cada vez me tem pacote mais de perto. Se não encontrar a Amy, nunca voltarei a viver em paz. Já ouviste as histórias que se contam de Santos. É o mais mesquinho dos de sua classe. Não lhe deterá o fato de que Amy tenha só doze anos.

A cara do Tom se obscureceu. Apoiou o ombro sobre o poste do alpendre e se arranhou a desalinhada barba, com o olhar posto no puro sangue da Loretta. Loretta podia medir os segundos pelo batimento do coração descontrolado de seu coração e ao ver que não falava, lhe deu vontade de agarrá-lo pela camisa e lhe sacudir. Não podia tirar-se da cabeça a imagem do sujo comanchero colocando a mão nos pololos da Amy.

—Não conheço nenhum homem que possa encontrar o acampamento dos comancheros —disse Tom incômodo. —ouvi dizer que às vezes se assentam no ravina de Pau Duro, mas nos levam muita vantagem se se dirigirem para ali. Em primeiro lugar, está muito longe daqui e, em segundo, é um caminho muito comprido para empreender uma caçada às cegas.

Loretta se abraçou a cintura, consciente de que a camisa que lhe tinha deixado tio Henry estava cheia de suor. Ao menos, ela tinha algo com o que cobrir-se. E Amy? Esses homens lhe deviam ter quebrado já o vestido. Talvez... Tratou de não pensar e gritou.

—Andar um caminho comprido é melhor que não fazer nada.

Tom sacudiu a cabeça.

—Não. Poderíamos perder muito bem duas semanas cavalgando em condições muito duras, possivelmente três, se queremos ir ao ravina de Pau Duro. Para quando chegarmos, já teriam cruzado o rio com a Amy e a terão vendido antes de que voltemos aqui e nos reagrupemos.

—Vendido? —grasnou Loretta.

—No México. —Tom não queria olhar a Loretta aos olhos. —Há homens ali que pagariam uma fortuna por uma loira de olhos azuis. Surpreende-me que não lhe levassem a ti também. Graças a Deus que não o fizeram.

Loretta não tinha intenção de explicar por que a tinham deixado livre. Tio Henry lhe arrancaria o medalhão do pescoço. Nunca voltaria a vê-lo e era a única coisa que lhe tinha salvado.

Henry se golpeou a palma com o punho.

—Tem que haver alguém que possa encontrá-la.

—Um comanche, talvez.

Henry grunhiu.

—Esses já nos têm feito o bastante.

Loretta se aproximou deles.

—Os comanches os encontrariam?

—Demônios, sim. —Tom se lambeu os dentes e depois cuspiu o suco do tabaco perto da parte baixa da escalinata. —Eles comercializam com os comancheros, carinho. Como crie se não que conseguem os rifles e a munição?

O pulso da Loretta se acelerou, e um som de tambores ressonou em seus ouvidos.

—Comercializam com eles? Quer dizer que os comanches com os que eu estive podem encontrar a Amy? Que Caçador pode encontrá-los?

Tom lhe cravou o olhar.

—Nem sequer te atreva a pensá-lo.

Sem lhe fazer caso, Loretta rodeou o cavalo e lhe agarrou a crina para ajudar-se a subir.

—É Amy a que está aí fora, Tom.

Tom saltou do alpendre e tratou de agarrar o cavalo da Loretta pela brida antes de que lhe desse rédeas. O negro animal se tornou para trás e fugiu da mão do Tom.

—Pelo amor de Deus, usa o cérebro que Deus te deu.

—É o que estou fazendo. Por isso vou!

—Não irá —grunhiu Tom. —Volta, Loretta Jane, ou não voltaremos a verte nunca mais.

—Isso não sabe. —Loretta teve que endireitar-se para não cair do nervoso animal. Caçador não tinha exagerado. O cavalo não deixaria que ninguém mais o tocasse. —Ele me trouxe uma vez devolvida, não?

—Não o fará pela segunda vez. Não posso permitir que faça algo tão estúpido.

—Não corresponde a ti me impedir isso lhe espetou Loretta.

—Talvez sabe o que faz, Tom —interveio Henry. —O parece estar apaixonado pela Loretta. Talvez não lhe faça mal.

Tom estirou o braço e agarrou as mãos da Loretta para que não pudesse sujeitar as rédeas.

—Baixa daí, moça, ou te juro que te baixarei à força.

Loretta olhou aos olhos.

—Não pode me deter, Tom. Se ele pode encontrá-la, irei com ele.

—Está louca? Crie que vai procurá-la por ti? O que é pior, garota, os comanches ou os comancheros?

Henry se passou uma mão pelos olhos.

—Pelo amor de Deus, por que não deixa que se vá? De todas formas, o futuro da Loretta já está perdido.

—Perdido? —Com a mão posta na boneca da Loretta, Tom se girou para seu vizinho. —conheci a muitos bastardos em minha vida, mas te juro que você é o pior de todos. Tem idéia do que farão com ela depois de um tempo? Uma mínima idéia? Isso sim pode encontrá-los. O mais seguro é que se perca por esses caminhos.

Loretta ficou tensa. Não havia tempo para falar. Observou ao Tom e esperou o melhor momento para lhe esquivar. Quando viu que afrouxava a mão, apertou os talões com determinação nos flancos do animal. O semental se tornou para diante em um poderoso salto, fazendo cair ao Tom ao chão.

—Loretta Jane, volta aqui!

Loretta se abraçou ao pescoço do animal, lhe animando para que fora mais rápido. Tinha que ir a casa, agarrar algumas costure para a viagem e sair antes de que tio Henry e Tom pudessem montar e tratar de impedir-lhe depois de reunir um pouco de comida para sua sobrinha, Rachel seguiu a Loretta até o mezanino, esfregando-as mãos e chorando. Desejosa de empacotar e sair dali o antes possível, Loretta jogou uma olhada à pequena habitação e colocou as coisas em uma carteira. «Nunca me trará de volta. Nunca.» Estas palavras enchiam sua cabeça, uma advertência que se negava a escutar. Não se permitiria pensar em nada que não fosse Amy.

depois de reunir um pouco de comida para sua sobrinha, Rachel seguiu a Loretta até o mezanino, esfregando-as mãos e chorando. Desejosa de empacotar e sair dali o antes possível, Loretta jogou uma olhada à pequena habitação e colocou as coisas em uma carteira. «Nunca me trará de volta. Nunca.» Estas palavras enchiam sua cabeça, uma advertência que se negava a escutar. Não se permitiria pensar em nada que não fosse Amy.

Loretta abriu a gaveta da mesinha de noite e agarrou o pente de prender cabelo de diamantes de sua mãe e a cuchilla de barbear de seu pai. O pente de prender cabelo era muito delicada para uma viagem tão dura, mas já estava sacrificando muitas coisas para deixar atrás também seus objetos queridos.

Rachel ficou diante dela com as mãos em jarras, os olhos azuis cravados na Loretta.

—Não penso deixar que volte com ele. Não pode fazê-lo. Não lhe permitirei isso.

—Tia Rachel... —Loretta fechou a gaveta. —Caçador nunca me tratou mal quando estive com ele. Isso é mais do que posso dizer desses comancheros que têm a Amy.

Rachel ficou branca e se cambaleou como se fora a cair.

—De verdade? Ele é um comanche, Loretta. Não pode saber como se comportará. Como poderia sabê-lo? Não se pode predizer o comportamento de um animal. Não está pensando com claridade.

—Talvez não! Mas é algo que tenho que fazer. Você faria o mesmo. Não fique aí e me diga que não o faria.

Rachel olhou a Loretta aos olhos.

—Dava que o encontrará...

—Encontrarei-o. Ensinou-me a seguir suas pistas.

—Será muito tarde para a Amy.

—Muito tarde para que? —gritou Loretta.

—Nunca voltará a ser a mesma. Já sabe o que lhe farão. Nunca o esquecerá, nunca. Inclusive embora a traga de volta, seu futuro ficará destroçado. Nenhum homem temeroso de Deus quererá casar-se com ela.

Loretta fechou a tampa da carteira e se abraçou a ela, olhando incrédula a sua tia. Uma imagem de sua tia de pé no alpendre lhe passou pela cabeça, com o rifle preparado para disparar. Liberação bendita? Ou estupidez? De verdade vale tão pouco uma mulher para que toda sua vida gire em torno de sua castidade? Estavam falando da Amy, Por Deus, a doce e valente pequena de olhos brilhantes.

—Você é a que não pensa com claridade, tia Rachel.

As lágrimas rodaram pelo rosto do Rachel. ficou a mão ao redor da bochecha.

—É minha menina. Ninguém a quer mais que eu. É só que... primeiro perdi a ti. E como uma bênção de Deus, voltou para casa. Agora é Amy. É mais do que posso suportar. Se te deixo sair por essa porta, terei-lhes perdido às duas.

—Vamos, tia Rachel, tenha fé. —Loretta sujeitou a sua tia pelo ombro. —As duas voltaremos.

—Esse animal não voltará a te trazer para casa outra vez. Sabe tão bem como eu. Posso vê-lo em seus olhos.

Loretta não pensava discutir, assim que ficou calada.

—Tem razão —sussurrou Rachel. —Se pudesse ir, iria. É minha filha.

—E é minha irmã pequena. Talvez não de sangue, mas sim da maneira que importa. Caçador... talvez seja muito tarde para salvá-la completamente, mas ele pode encontrá-la antes de que cruzem a fronteira. —O estômago da Loretta se retorceu de medo, um medo que se negava a analisar. —O está a só três dias daqui. O povoado não pode haver-se movido tão rápido. Posso encontrá-los e isso é exatamente o que vou fazer.

—te leve a menos a alguns homens para que lhe protejam.

—Contra um exército de comanches? Matariam-nos a todos. E Caçador acreditaria que lhe traí. Ele me deixou pistas para que lhe siga. Se se as ensino a seus inimigos... —Loretta começou a baixar as escadas do mezanino. —Não, isto é algo que devo fazer sozinha. Não posso perder mais tempo discutindo, tia Rachel. Tom chegará em uns minutos e tratará de me deter.

Rachel seguiu a Loretta escada abaixo, chorando cada vez mais forte.

—Ao menos te troque de vestido. Pensa bem o que vais fazer!

—Trocarei-me no caminho. «Agarrando a bolsa de comida da mesa, Loretta a pendurou do ombro e cruzou a habitação de três pernadas. —Já o pensei bem.

—Esses animais mataram a sua mãe! Pode esquecer isso?

Loretta ficou fria, com a mão no pomo da porta. Por um momento voltou a sentir esse antigo temor que a paralisava. voltou-se lentamente para olhar a sua tia.

—Nunca o esquecerei. E nunca o perdoarei. Mas isso não tem nada que ver com a Amy.

—vais ter que te enfrentar a um exército... você mesma o há dito. Deixa que algum outro o faça. por que tem que ser você?

—Porque —Loretta procurou as palavras adequadas— me passei meia vida me odiando por ser uma covarde. Agora Amy me necessita. Se lhe der as costas... bom, simplesmente não posso. Não o farei. Por favor, tenta me entender, tia Rachel. Acaso não é melhor arriscar sua vida que não tê-la?

Com isto, Loretta saiu correndo pela porta e foi procurar a seu cavalo. Ao olhar em direção à granja do Weaver, viu uma nuvem de pó que se aproximava no horizonte. Tom avançava nesta direção e cavalgava rápido. Loretta assegurou a alforja e o pacote de comida na cadeira e depois montou. Rachel saiu correndo ao alpendre sacudindo-as mãos.

—Adeus, tia Rachel —disse Loretta com voz rouca. —Quero-te.

Loretta fez girar ao cavalo e lhe cravou as botas com força nos flancos. O puro sangue saiu disparado em um galope harmonioso. Sabia que nenhum dos cavalos do Tom poderia lhe agarrar. Como seu dono, o animal corria como o vento.

A viagem se converteu logo em um pesadelo para a Loretta. As noites eram solitárias e aterradoras; os dias, inclusive piores. Quando Caçador lhe ensinou a seguir pistas, tudo parecia muito fácil. Mas não o era. Lhe tinha deixado marcas nas rochas, nas árvores, partes de pele escondidos e marcas nas cascas. Mas encontrar estas mensagens na imensidão da terra que lhe rodeava era pouco menos que impossível. Quilômetros e quilômetros de pradarias, e o sol como única guia. Loretta se passava a metade do tempo aterrorizada pensando que se perdeu, e a outra metade preocupada com a Amy.

O segundo dia de viagem, perdeu o rastro de Caçador por completo. Depois ficou sem uma gota de água. Muito em breve começou a sentir a secura da garganta. Tinha medo de afastar-se muito do caminho para ir procurar água, e nenhuma dos sinais que Caçador lhe havia dito que procurasse pareciam evidentes. Não via erva que indicasse uma fonte. Nem cavalos selvagens aos que seguir, nem vespas das que agarram barro com a boca para fazer o ninho.

Houve um momento no que Loretta estava tão se desesperada que se arriscou a seguir a um coiote durante vários quilômetros com a esperança de que a guiasse até uma fonte. Não teve sorte. O coiote só estava caçando e vagabundeava tão perdido como ela. Loretta começou a perder toda esperança de sobreviver. E foi então quando a voz de Caçador lhe sussurrou ao ouvido, com tanta claridade como se estivesse junto a ela. «Se não poder encontrar água, Olhos Azuis, deixa que seja seu bom amigo o que pense. Ele a encontrará para ti.»

Limpando o suor da cara com o braço, Loretta olhou enfeitiçada as ondas de calor que vidravam o espaço como prata fundida na distância. A noite anterior tinha passado frio com a manta ligeira que levava. Hoje se estava assando. Nem ela nem o cavalo durariam muito com este calor se não encontravam água. As situações se desesperadas sempre necessitavam soluções se desesperadas. Amy estava aí fora, e cada dia perdido, era uma oportunidade menos para poder salvá-la.

Não lhe resultou nada fácil pôr suas vidas em mãos de um cavalo, mas não tinha outra opção. Deu a Amigo, como tinha terminado por lhe chamar, rédea solta. O ficou parado ao princípio, como se não soubesse o que era o que se esperava dele.

—Água, procura água —lhe sussurrou Loretta.

Amigo a olhou, pondo os olhos em branco. Tivesse desejado conhecer a palavra comanche para água, mas não era assim. Estava segura de que o cavalo entenderia melhor o comanche.

«As palavras estão em suas mãos, Olhos Azuis.»

Loretta suspirou e se deitou sobre o pescoço do animal, obrigando-se a relaxar-se e parecer confiada.

—Agora toca a ti, Amigo.

O cavalo esteve uns minutos sem mover-se, mas ao ver que Loretta seguia na mesma postura e não terminava de lhe dar nenhuma instrução, ficou lentamente a caminhar. Loretta rezou para que a decisão de deixar-se levar fora a correta. Não só por ela, mas também também pelo animal.

Três horas mais tarde, Amigo baixou a cabeça para beber em um poço de água. ao longe, Loretta pôde ver uma manada de cavalos pastando. Enquanto desmontava, viu passar uma vespa com a boca cheia de barro. O abrevadero estava rodeado de mezquites e ervas altas de cor verde escura. Tudo o que Caçador lhe havia dito que procurasse lhe apareceu de repente.

depois de saciar sua sede e encher o cantil, teve ainda que enfrentar-se a outro problema. Onde estavam? ficou olhando a interminável extensão de terreno que se ondulava dourado e marrom ante seus olhos. Olhasse onde olhasse, tudo lhe parecia igual, e não podia encontrar nada que lhe servisse de ponto de referência. Lhe retorceu o estômago. Sabia que ia ao norte, que era a boa direção, mas se se desviava embora fora só uns poucos graus, perderia o nascimento do rio e se passaria do povoado de Caçador. encontraria-se cavalgando para nenhum lado... centenas e centenas de quilómetros para o infinito.

Assustada e frustrada, Loretta se afundou sobre uma rocha e se abraçou os joelhos. «Pensa. A vida da Amy depende disso. E também a tua.» Perdida. Esta palavra tomava forma em sua cabeça, fria como um témpano. Caçador tinha feito que tudo fora mais fácil, mas ele era um comanche e ela só uma estúpida tosi tivo. Como podia esperar encontrar os rastros de um comanche quando alguns dos melhores rastreadores do país não o tinham conseguido?

Loretta suspirou e ficou em pé. Não podia tornar-se atrás. Os comancheros tinham a Amy. Admitir sua derrota seria como assinar a sentença de morte da Amy.

Amigo se tinha movido até o extremo mais longínquo do atoleiro de água e pastava ali tranqüilamente. Loretta rodeou a terra inundada para agarrá-lo. Tinha caminhado possivelmente uns dez metros quando olhou para baixo. A terra deste lado do atoleiro estava cheia de marcas de pezuñas. Sinais de cavalos sem ferrar. Um dos rastros lhe resultou familiar, por sua forma em lua crescente.

—passaram por aqui! —gritou.

Amigo levantou a cabeça e cravou seus surpreendidos olhos nela. Loretta começou a rir. Não só era uma tosi tivo estúpida. Era uma tosi tivo estúpida com o cavalo comanche mais maravilhoso do mundo. passou-se a mão pelo cabelo e fechou os olhos, para deixar que o medo se afastasse dela. Caçador nunca lhe houvesse dito que fora para lhe buscar se não acreditasse que podia fazê-lo. Entre ela e Amigo o conseguiriam.

Loretta montou no cavalo, sem sentir-se já tão profundamente sozinha. Por louco que parecesse, sentia como se Caçador cavalgasse com ela.

Seis dias mais tarde, dois dias completos depois de que lhe acabassem as provisões de comida, Loretta chegou ao montículo que se elevava sobre o povoado de Caçador. Atirou das rédeas para que suas arreios se detivera e olhou para o vale. Tinha chegado tão longe e tinha passado por tantas coisas, rezando só por chegar a tempo para salvar a Amy, que não tinha pensado no perigo ao que teria que enfrentar-se a sua chegada. Os comanches. Centenas deles. Uma mulher branca cavalgando até ali era um suicídio. Esta vez não tinha a Caçador a seu lado para protegê-la.

Amigo a cheirou e lhe mordiscou o pé. Loretta sabia que estava sentindo seu temor.

—E se um deles me mata? —sussurrou.

O cavalo relinchou e lhe golpeou brandamente com o focinho.

—Para ti é fácil! A ti não vão fazer te nada!

O cavalo se moveu de lado e soprou.

—Ai, Amigo, você não o entende. Não posso.

Três Ave Marías depois, Loretta e Amigo seguiam ainda imóveis sobre a colina, suas silhuetas desenhadas contra o céu. Começou sua quarto Ave María, sem logo que ouvir o que dizia, enquanto percorria com os olhos o punhado de lojas que se estendiam no vale. Por favor, Deus. Tinha a esperança de que Caçador a visse e viesse a seu encontro.

Caçador estava sentado sob uma paliçada, jogando aos jogo de dados com alguns homens. De repente, Mirlo chegou acontecendo como uma exalação pelos atalhos que havia entre as lojas, gritando:

—É a cabelo amarelo! tornou, tio! tornou!

Acostumado como estava às travessuras de sua sobrinha, Caçador a ignorou enquanto terminava sua partida. Depois, sentou à menina em seu regaço e rugiu como um urso, lhe mordendo brandamente a barriga. Soube que algo passava quando viu que Mirlo não começava a rir a gargalhadas como estava acostumado a fazer.

—A cabelo amarelo! tornou! —Mirlo lhe agarrou a cara entre suas pequenas mãos para que não ficasse mais remedeio que olhá-la. —Não se move. Acredito que está te esperando.

A Caçador deu um salto o coração. —Se não ser mais que outra de suas travessuras, pequeno inseto, prometo-te que esta vez atirarei a uma chumbera.

Mirlo moveu rapidamente os olhos.

—Está aqui! A avó me mandou para que lhe dissesse isso. Nabone, olhe!

Caçador deixou à menina no chão e saiu dali em busca de um sítio do que ver a meseta. ficou uma mão na frente a modo de viseira. No alto da colina pôde ver a inconfundível silhueta de uma mulher branca montada a cavalo. Enquanto percorria o caminho que levava de volta às lojas, viu como a brisa levantava o cabelo da mulher. Dourado sob os raios do sol.

Lhe fez um nó na garganta. A ponto esteve de tropeçar-se com o Mirlo, que dançava excitada a seu lado. Alagou-lhe uma mescla de alegria e medo, sem poder determinar qual das duas emoções prevalecia. Seus pequena olhos azuis tinha vindo a ele, como a profecia vaticinou. Não podia evitar pensar se isto significaria que um dia teria também que deixar a seu povo.

Moveu pesadamente os pés, um diante do outro. Chegou até o bordo do povoado e levantou a vista para a meseta. Inclusive a essa distância reconheceu a maneira em que montava a cavalo, a inclinação de sua cabeça. Não podia acreditar que tivesse chegado tão longe e com tanta rapidez. O destino havia de verdade feito um círculo para que voltasse para ele.

depois de ordenar ao Mirlo que se fosse à loja de sua mãe, Caçador aliviou o passo, sem pensar já nas implicações do final da profecia. O destino. Um mês antes tinha destrambelhado dele. Agora estava seguro de seus sentimentos. Ressentimento, mas também agradecimento. E alívio. No mais profundo de seu coração, sentia que tudo estava bem.

O destino. Hoje havia lhe trazido para uma mulher, uma mulher distinta a todas as demais, com a pele tão branca como a lua, o cabelo como o mel e os olhos como o céu do verão. Sua mulher, e esta vez tinha vindo a ele por seu próprio pé.

Do alto da colina, Loretta viu o homem que se aproximava dela do vale. encheu-se de alivio ao reconhecer seu elegante forma de caminhar e seus quadris quedas. benzeu-se rapidamente e deu graças à Virgem por ter intercedido. Emocionada, açulou a Amigo para que descesse pelo ravina.

Caçador a encontrou a meio caminho. Loretta não podia deixar de lhe olhar enquanto avançava para ele. Embora só tivesse estado longe uns poucos dias, tinha esquecido já quão índio parecia. Seu aspecto selvagem. movia-se com a força fluída de um animal musculoso, seus ombros, seus braços e seu peito estavam sempre em movimento, com um jogo bronzeado de tendões e carne. O vento lhe agitou o cabelo e lhe cobriu a cara.

Deus Santo. Não levava calças, só o tanga e os mocasines. Deteve amigo e tragou saliva. Tia Rachel tinha razão. Era um comanche e sempre o seria. Mesmo assim, tinha ido lhe buscar.

—Olhos Azuis?

O caminhou com mais lentidão ao aproximar-se. Avançava com seus olhos cor índiga cravados nela, percorrendo cada detalhe de seu vestido, do decote até a combinação e os botas de cano longo que se sobressaíam por debaixo de sua saia larga. Nos olhos pôde descobrir essa cálida e familiar expressão divertida que uma vez lhe tinha zangado tanto.

Ela manteve o olhar fixo em sua cara, resistindo à tentação de lhe contar seus problemas imediatamente e procurando as palavras de saudação apropriadas em comanche. Queria assegurar-se de que este encontro começava com bom pé.

—Olá, hites —disse, levantando a mão direita.

O agarrou a brida do cavalo e se aproximou dela. Era tão alto que teve que jogar a cabeça para trás para lhe ver a cara. Com um sorriso nos olhos, respondeu:

—Olá.

Loretta se mordeu o lábio superior para que deixasse de tremer. Pareceu-lhe maravilhoso que ele recordasse sua forma de saudar. O era seu amigo. Fazia o correto vindo aqui. Se alguém no mundo podia encontrar a Santos, era este homem.

—Necessito sua ajuda, Caçador.

Seus olhos deixaram de sorrir. Agarrou-lhe o queixo e lhe girou a cara, com a vista posta no moratón que tinha na bochecha. Lhe endureceu a mandíbula.

—Pegou-te?

Loretta se tinha esquecido por completo do bofetão do Henry.

—Não, não, isso não importa agora.

Colheu-lhe com força.

—Pegou-te.

—Sim, mas não é por isso pelo que... —Sujeitou-lhe os dedos que seguiam lhe inspecionando a cara. —Não é nada, Caçador.

—Matarei-lhe por isso.

—Não! Não estou aqui por isso. —Tirou-lhe a mão e se tocou a têmpora com a parte dianteira da boneca— E não deveria falar dessa forma. Não pode lhe matar.

—Sim, muito rápido.

—Não, não quero que faça isso. É Amy, Caçador. Por isso estou aqui. Os comancheros a levaram! —levantou a voz. Tinha praticado o que diria uma e outra vez. Mas todas essas palavras bem pensadas desapareceram de sua mente. —Eles... só é uma menina. E a levaram. Eu levava seu medalhão, e por isso deixaram que me fora! Mas se levaram a Amy!

Levantou a sobrancelha surpreso.

—Ai e-mije?

—Amy, minha prima pequena, minha irmã. Tem que te lembrar.

—Ah, a herbi que dispara buracos na terra.

—Sim. E os comancheros a levaram, um homem chamado Santos. —Loretta desceu do cavalo e lhe agarrou a mão. O que sentiu ao voltar a ver caçador, seu cansaço, quão índios havia aí debaixo, nada disso importava já. —Nunca encontraremos seu acampamento; não, se não nos ajudas. Caçador... não sabia a quem mais podia acudir.

Seus olhos brilharam com um brilho perigoso.

—Santos? atreveu-se a passar os tseaks?

—Tio Henry tirou as lanças e as enterrou. Tinha medo de que a gente nos chamasse «amigos dos índios».

Enredou com carinho seus dedos entre os dela. Baixou os olhos ao medalhão, que ela tinha levado por fora do vestido desde que entraram em território comanche.

—Santos não te fez mal. É um mexicano preparado.

—levou-se a Amy! —Loretta se tocou o peito com a mão que ficava livre. —Meu coração jaz sobre a terra, Caçador. Meu tio não pode encontrar a Santos. Diz que ninguém que não seja comanche pode encontrá-lo. Por isso vim aqui, por isso vim a te buscar.

—É bom que tenha vindo. Estava na canção, né?

—Não... não, não o entende. Vim a te pedir um favor. —Agarrou sua mão com as duas delas, lhe olhando aos olhos com expressão de súplica. —Por favor, irás procurar a Santos e trará para a Amy a casa?

Os músculos de sua cara se endureceram.

—A suas paredes de madeira?

—Sim, a minha casa. Por favor.

Seu sorriso se desvaneceu.

—Por isso vieste? Para pedir este favor?

—Por favor, Caçador, não diga que não. Farei o que queira, algo que me peça.

Seus olhos se voltaram frios.

Loretta o olhou fixamente. Tinha chegado tão longe... Não podia permitir que dissesse que não. Amy estava aí fora.

—Por favor, Caçador. Farei o que me peça.

O não disse nada. limitou-se a observá-la, com uma expressão de dureza na cara.

O cansaço e a desesperança fizeram a Loretta ficar de joelhos. Pendurada ainda de sua mão, baixou a cabeça.

—Por favor, Caçador, por favor. Não lhe tivesse pedido isso se tivesse tido a alguém a quem recorrer. Pensei que foi meu amigo.

Caçador estudou seu cabelo loiro, penteado em uma trança e enrolado como uma serpente no alto de sua cabeça. Uns saca-rolhas largos lhe caíam até as costas. O tinha caminhado até ela pensando que voltava para ele. E agora descobria que só havia tornado para lhe pedir ajuda, que não tinha intenção de ficar junto a ele. sentia-se como um menino estúpido, humilhado e furioso. Mas não tanto como para querer ter a de joelhos.

Era a primeira vez que via como deixava a um lado seu orgulho. Só por isso compreendeu o muito que amava à menina que tinha perdido. «Pensei que foi meu amigo.» Estas palavras lhe feriam no mais profundo. Possivelmente deveria sentir-se honrado. Tinha viajado uma grande distancia até sua terra, lhe confiando sua vida e a da menina a que amava.

—Ponha de pé, Olhos Azuis —lhe disse com suavidade.

Ela jogou a cabeça para trás. As lágrimas umedeciam suas bochechas.

—Farei algo, Caçador. Servirei-te de joelhos. Serei sua leal pulseira para sempre. Beijarei o chão que pisa, o que seja.

Lhe soltou a mão e a agarrou pelos ombros, pondo a de pé.

—Quero-te em minhas peles de búfalo, não beijando o sujo chão.

Seus olhos se obscureceram.

—Farei o que queira.

Caçador esteve a ponto de lhe dizer que encontraria a Amy, que não precisava suplicar-lhe mas suas últimas palavras lhe detiveram. Não era estúpido. Procurou sua cara pálida.

—Serei sua mulher. É isso o que quer, não? Ficarei contigo. Livremente. Se encontrar a Amy e me traz isso de volta. Prometo-lhe isso, Caçador.

Seu desespero lhe envergonhava. Tinha vindo até ele em busca de ajuda; não podia negar-lhe Não necessitava que lhe recompensasse por encontrar a sua irmã. Mas queria a esta mulher. E estava ali, oferecendo-se.

Passou o olhar uma vez mais pelo moratón de sua bochecha. Se lhe mandava de volta com seu adotivo, quantos golpes receberia?

—Suas promessas se convertem em mentiras, Olhos Azuis.

—Esta vez não. Juro-lhe isso, Caçador. Juro-o Por Deus, serei sua mulher. Algo pela Amy.

Lhe agarrou o queixo.

—Está fazendo uma promessa a Deus? Dormirá comigo nas peles de búfalo?

Loretta fechou os olhos. As palavras lhe golpeavam a garganta. ia sacrificar o respeito que sentia por si mesmo. Sua gente a repudiaria para sempre se se inteirava. Mas o que outra coisa podia fazer?

—Sim, dormirei contigo.

—Olhará-me quando falar.

Levantou as pestanas. O tinha uma intensidade em seus olhos que não tinha visto nunca antes.

—Dormirei contigo. Juro-o Por Deus.

—Não lutará a grande luta quando puser minhas mãos sobre ti?

—Não.

—E comerá? Ficará a meu lado? para sempre no horizonte?

—Sim.

Roçou-lhe a boca com o polegar, recordando o doce que lhe tinham parecido seus lábios. Lentamente, sua cara escura desenhou um sorriso.

—Dirá-o diante de seu Deus.

Loretta piscou e lhe devolveu o olhar.

—Juro-o Por Deus: comerei e ficarei para sempre a seu lado, sempre no horizonte.

—Não lutará a grande luta?

—Não, não lutarei.

Passou-lhe a mão pela cintura e a atraiu para ele.

—Ah, Olhos Azuis, este comanche acaba de fazer um bom negócio.

—Encontrará-a?

—Encontrarei-a, e a trarei até ti, de acordo?

Loretta não se deu conta de que tinha estado contendo a respiração todo este tempo. Respirou por fim, tão aliviada que se sentiu fraquejar. Caçador inclinou a cabeça e pôs sua cara contra o cabelo dela. Um instante depois ela sentiu seus lábios na nuca. Também sentiu que lhe acontecia a mão por detrás. Frustrado por seu pescoço alto e suas saias, agarrou com o punho o pedaço de tecido.

—Muita wannup. Onde está, Olhos Azuis?

Começou a lhe levantar o vestido. Loretta lhe agarrou a mão.

—O que... o que está fazendo?

O levantou a cabeça, com os olhos acesos e cheios de picardia.

—Procuro a minha mulher. Está aí dentro.

—Ainda não sou sua mulher. Não tem decência? A plena luz do dia. A gente pode nos ver.

—Verão que é minha mulher.

—Verão meus calções, isso é o que verão!

Soltou-lhe a saia para lhe passar a mão pelas costas.

—Não ossos. Isso é bom.

Loretta se ruborizou ao dar-se conta de que se referia aos ossos de baleia do espartilho. Nenhum homem decente diria algo assim.

—Ainda não me trouxeste para a Amy —lhe recordou. —Nosso trato não começa até que o faça.

—Hei-o dito. Parece.

—Primeiro Amy.

antes de que se desse conta do que ia fazer, levantou-a em braços e a pôs no cavalo. Depois se sentou detrás dela. lhe rodeando a cintura com um braço, baixou a cabeça e disse.

—Este comanche a encontrará rápido.

 

 

                                                                  CONTINUA

 

 

                                               CAPÍTULO 16

Mulher de Muitos Vestidos vinha correndo da loja de Caçador com os braços cheios de armas, justo no momento no que ele detinha amigo frente à porta. Mirlo corria detrás de sua avó, arrastando um grande canasto. Assombrada, Loretta olhou as coisas que Mulher de Muitos Vestidos levava. Flechas de guerra, lanças, facas. Sua vista se deteve no cesto do Mirlo. Uma parte de pano de algodão me sobressaía por debaixo da tampa.

 

 

 

 

A mulher e a menina pareciam nervosas. Loretta sentiu a tensão no corpo de Caçador. Disse algo a sua mãe e desceu do cavalo. A mulher se deu a volta e voltou a entrar na loja de Caçador, insistindo ao Mirlo a que fizesse o mesmo. Uma expressão de consternação se desenhava na cara de Caçador quando levantou a Loretta da cadeira.

Rodeando o escudo de guerra que havia em um trípode próximo à porta, Loretta começou a sentir-se incômoda. Tinha o pressentimento de que a mãe de Caçador tinha tentado tirar certas coisas da loja de seu filho antes de que ela chegasse. Quando cruzou a porta, levou-lhe um momento acostumar-se à falta de luz.

Mulher de Muitos Vestidos e Mirlo estavam de pé a um lado da habitação, e em suas caras havia uma expressão de culpa. detrás delas Loretta viu um pau comprido cheio de cabeleiras e plumas. Os joelhos lhe fizeram água. Olhou a Caçador por cima do ombro. Ele a roçou ao passar e...

 

 

                                         

O melhor da literatura para todos os gostos e idades