Capítulo 18
Rio passou as últimas horas antes da alvorada com Dante no pátio atrás do complexo da Ordem. Em seguida, dirigiu-se à capela do complexo, onde passou mais um pouco de tempo sozinho. O pequeno e tranquilo santuário onde a Ordem realizava suas cerimônias mais importantes ou íntimas sempre funcionava como um refúgio para ele. Mas não agora. Tudo o que ele via no espaço iluminado por luz de velas fazia-o recordar a decepção que Eva lhe causara.
Por culpa dela, fazia mais de um ano, eles tiveram que ungir e cobrir com uma mortalha branca um dos membros mais nobres da Ordem e colocá-lo sobre o altar diante daquelas fileiras de bancos. A morte de Conlan em um túnel subterrâneo no verão passado tinha sido acidental – a infelicidade de estar no local errado, na hora errada. No entanto, seu sangue estava nas mãos de Eva.
Rio ainda podia vê-la parada a seu lado na capela, apoiando-se nele e chorando. E, durante todo o tempo, escondendo sua traição. Esperando até a próxima oportunidade para poder conspirar com seus inimigos como parte de uma tentativa equivocada de ver Rio afastado da Ordem – mesmo que, para isso, ele tivesse de ser ferido – e finalmente como uma posse exclusiva dela.
A ironia disso estava no fato de que ele não deixaria a Ordem.
Ele não queria deixar – e não deixaria – o grupo enquanto se sentisse minimamente útil para os guerreiros que tinham sido praticamente uma família para ele durante quase um século. A não ser que ele perdesse a sanidade e o autocontrole por conta da explosão que poderia – e devia – tê-lo matado.
– Droga! – resmungou Rio, dando meia-volta para sair o mais rápido possível daquela capela.
Ele não tinha que estar ali passando o tempo com velhos fantasmas e com a desgraça que eles lhe traziam. Tudo do que Rio precisava para lembrar-se de Eva era uma olhada de relance em um espelho ou no reflexo de uma janela. E ele tentava com todas as suas forças não fazer isso, não apenas pelo choque que sentia toda vez que via aquela imagem que lhe devolvia o olhar, mas também porque queria expulsar Eva de uma vez por todas de sua vida. O simples fato de ouvir o nome daquela vagabunda traidora já era suficiente para que ele tivesse um incontrolável ataque fúria.
Como Dylan, infelizmente, agora poderia confirmar.
Rio se perguntava se ela estaria bem. Tess teria cuidado muito bem de Dylan – mesmo sem seu toque mágico da cura, ausente agora que ela estava grávida – mas, ainda assim, Rio se perguntava se ela estaria bem. Ele se detestava por ter reagido daquela forma. Dylan provavelmente pensava o mesmo. Isso se ela não estivesse ocupada sentindo pena pelo desastre mental que ele tinha provado ser.
Sentindo-se tão solitário e desprendido da realidade quanto um fantasma, Rio saiu da capela do complexo e vagou pelo labirinto de corredores até chegar à enfermaria, que estava vazia. Tomou uma ducha rápida na sala de recuperação que tinha sido sua morada durante os meses que se seguiram à explosão, deixando a água quente levar a dor que havia em seus músculos e a tensão que pulsava em suas têmporas. Quando desligou a água e se enxugava com uma toalha, seus pensamentos se voltaram para Dylan. Estar aqui, retida contra sua vontade, não devia estar lhe fazendo bem. E libertá-la significava colocar um fim – o mais rápido possível – na matéria que ela tinha começado a escrever.
Era de manhã, o que significava o fim do trabalho para os membros da Raça. Mas não para os humanos que viviam lá em cima. Os humanos deviam estar começando seu dia habitual, o que significava que o chefe de Dylan no jornal tinha mais um dia para pensar a respeito da publicação daquela matéria; o que significava mais um dia para as mulheres com quem Dylan estava viajando discutirem a caverna encontrada e especular sobre o que poderia haver lá dentro. Mais um dia para o erro cometido por Rio poder ser desvendado e colocar a Ordem e toda a nação dos vampiros em perigo caso fossem descobertos pelos humanos.
Rio vestiu um par de calças frouxas azul-marinho e uma camiseta cavada que ainda estava no guarda-roupa com algumas outras coisas que restavam desde sua longa passagem pela sala de enfermaria. Quando caminhou pelo corredor em direção a seus aposentos, tinha um novo objetivo em mente. Sua cabeça estava mais limpa e agora ele se sentia bem e pronto para fazer Dylan colocar um ponto-final naquela maldita matéria sobre a caverna. E logo.
No entanto, quando ele abriu a porta de seus aposentos, o ambiente estava escuro. Apenas um pequeno abajur de mesa estava aceso no canto da sala de estar, como uma luz noturna brilhando para ele, caso decidisse voltar. Rio observou atentamente o leve brilho que lhe dava as boas-vindas enquanto entrava no quarto e fechava a porta silenciosamente.
Dylan estava dormindo. Ele podia vê-la deitada em sua cama no outro quarto, o corpo curvado sobre o edredom. Não restava dúvidas de que ela estava exausta. Os três dias passados pareciam estar finalmente pesando. Caramba, eles pareciam estar pesando também para ele.
Rio andou pelo quarto escuro e, assim que avistou as pernas longas e nuas de Dylan, rapidamente se esqueceu do objetivo que tinha em mente no caminho até lá. Ela estava usando um baby-doll e shorts xadrez com cores claras, peças que ela claramente tinha tirado de sua bagagem, agora aberta ao lado de sua cama.
O conjunto de algodão era nada sexy – certamente nada próximo dos laços e cetins caros com os quais Eva costumava desfilar para ele. Mas Dylan estava linda, mesmo quase nua... E estava linda dormindo na cama dele.
Madre de Dios! Linda demais!
Rio puxou uma manta de seda de uma cadeira no canto do quarto e a levou para a cama a fim de cobri-la. E não fez isso apenas para ser gentil. Como um membro da Raça, Rio tinha a visão mais aguçada durante a noite – todos os seus sentidos eram bem mais aguçados e, naquele momento, eles começavam a oprimi-lo com ideias ligadas àquela mulher seminua deitada tão vulneravelmente perto dele.
Ele tentou não notar que os seios de Dylan estavam deliciosamente nus debaixo do fino algodão da blusa sem manga. A tentação de olhar fixamente aquela pele branca e macia – especialmente a área exposta do abdômen, onde a peça de roupa estava amarrotada e subia tão perfeita e insidiosamente acima do umbigo – era forte demais para ele conseguir resistir.
No entanto, quando ele se aproximou da beira da cama com a manta, ela se mexeu ligeiramente, mudando a posição de suas pernas e ajeitando-se um pouco melhor sobre as costas. Rio ficou paralisado, torcendo para que ela não despertasse e o encontrasse inclinado ali em cima como um fantasma.
Olhar para ela o deixava com uma dor acalentada no peito. Ele não tinha direito algum sobre Dylan, mas uma onda de possessividade correu por seu sangue, acompanhada por vários milhares de volts de eletricidade. Ela não lhe pertencia – e não seria dele, independente de qual caminho ela escolhesse seguir no final de tudo aquilo. Não importava se ela escolheria um futuro entre os da Raça em um Refúgio Secreto ou se viveria lá fora, sem memória alguma de Rio e sua espécie, ela não lhe pertenceria. Dylan merecia algo melhor, não restava dúvida quanto a isso.
Outro homem – da Raça ou não – seria muito mais adequado para cuidar de uma mulher como Dylan. Outro homem teria o privilégio de explorar as delicadas e macias curvas de sua pele sedosa. Seria de outro homem o prazer de provar aquele pulso delicado que golpeava docemente na base de sua garganta. Outro homem da Raça teria a honra de perfurar as veias de Dylan com uma mordida suave e completamente erótica. Seria de outro homem – e jamais dele – o juramento de protegê-la de todos os males e de sustentá-la fielmente para todo o sempre com o sangue e a força de seu corpo imortal.
Não seria direito dele. Absolutamente, pensou Rio sombriamente enquanto colocava, da forma mais delicada que conseguia, a manta sobre o corpo seminu de Dylan. Ele não devia desejar um pedaço sequer dela.
Entretanto, ele desejava. Deus, como desejava!
Rio ardia de desejo, mesmo sabendo que não deveria ter esse sentimento. Ele tentou se convencer de que tinha sido um mero acidente o fato de suas mãos terem roçado contra as curvas do corpo dela enquanto ele a cobria com a leve seda. Ele não pretendia deixar seus dedos percorrerem as ondas daqueles cabelos vermelhos ardentes, ainda ligeiramente umedecidos em virtude de um recente banho. Ele não pôde resistir e tocou a leve linha da maçã do rosto e a pele macia sob a orelha de Dylan.
E ela não reagiu quando ele olhou para o pequeno curativo que cobria o corte que tinha lhe causado.
Merda! Isto era tudo o que ele tinha a oferecer: dor e desculpas. E ela só o deixava chegar tão perto porque não sabia que ele estava ali.
Dylan não estava acordada para ver aquele demônio parado sobre ela na escuridão, roubando-lhe carícias e contemplando a ideia de fazer muito mais do que simplesmente roçar os dedos másculos em sua pele delicada. Rio a desejava tanto que suas presas mordiscavam a própria língua. Os olhos do guerreiro, transformados pela luxúria que ele agora sentia, brilhavam em uma cor âmbar intensa. Aqueles raios típicos da Raça a banhavam em um brilho suave, iluminando cada profunda e deleitável curva do corpo de Dylan.
Ele afastou suas mãos dela e ela se espreguiçou, provavelmente para tentar aliviar o calor daquele olhar. Um rápido pestanejar das pálpebras dele desligou imediatamente o par de refletores, inundando o quarto novamente com a escuridão total.
Rio se afastou sem fazer qualquer ruído.
Então, arrastou-se para fora do quarto antes que pudesse demonstrar mais do seu lado ladrão, que ele tanto temia assumir quando estava perto daquela mulher.
A princípio, Dylan pensou que o toque a tivesse despertado, mas os dedos que acariciavam suavemente sua bochecha tinham um calor relaxante que deixou seu sono mais voluptuoso. Na verdade – ela percebeu depois – fora a ausência daquele calor a responsável por dissipar seu sonho prazeroso.
Ela abriu os olhos e não conseguiu ver nada além da escuridão do quarto.
O quarto de Rio. A cama de Rio.
Ela se sentou, sentindo-se extremamente desconfortável com o fato de ter caído no sono depois de ter tomado uma ducha mais cedo naquela mesma noite. Ou já era dia? Dylan não sabia, e não poderia saber, já que não havia janela alguma nos quase duzentos metros quadrados daquele apartamento.
O lugar estava escuro e silencioso, mas Dylan acreditava não estar sozinha.
– Olá?
Um grande silêncio foi tudo o que recebeu como resposta.
Ela lançou um olhar para a sala de estar e notou que o abajur que tinha deixado aceso agora estava apagado. E alguém definitivamente esteve ali em algum momento, pois havia uma manta sobre seu corpo – a mesma manta que ela havia deixado sobre uma das cadeiras.
Tinha sido Rio. Ela estava absolutamente certa de que fora ele.
Ele tinha estado ao lado da cama não havia muito tempo. Foi o toque dele que transmitiu uma sensação deliciosa para a pele dela, uma sensação que se transformou em frio quando ele se foi.
Dylan deu meia-volta e colocou seus pés descalços no chão. Caminhou suavemente até as portas, fechadas, e abriu-as cuidadosamente enquanto se esforçava para conseguir enxergar qualquer coisa do outro lado da escura sala de estar.
– Rio... Você está dormindo?
Dylan não perguntou se ele estava ali; ela sabia que ele estava. Podia sentir a presença dele na forma como seu coração pulsava, na forma como o sangue corria apressado em suas veias. Ela atravessou o cômodo até onde recordava ter visto um abajur sobre uma escrivaninha. Então, estendeu a mão cuidadosamente na direção da base fria de porcelana do objeto.
– Deixe apagada.
Dylan virou a cabeça na direção do som da voz de Rio. Ele estava à direita dela, perto do centro do quarto. Agora que os olhos de Dylan tinham se adaptado à falta de luz, ela podia ver a grande e escura silhueta sobre o sofá aveludado. O tronco e os longos membros de Rio faziam o leve contorno do móvel desaparecer.
– Pode ficar com sua cama. Eu não pretendia dormir lá.
Ela caminhou um pouco mais na direção do centro do quarto... E escutou um grunhido baixo ecoar de sua direção.
Meu Deus. Dylan ficou congelada a poucos passos do sofá. Estava ele em meio a outro ataque como o anterior? Ou ainda não tinha se recuperado totalmente?
Dylan limpou a garganta. Desafiadora, deu mais um passo na direção dele.
– Você está... hum, você... precisa de alguma coisa? Se houver algo que eu possa fazer...
– Droga! – O som da voz de Rio trazia mais uma sensação de desespero do que de fúria. Ele fez mais um daqueles seus movimentos rápidos como um piscar de olhos, levantando-se rapidamente do sofá e dirigindo-se para a parede mais afastada. O mais longe de Dylan que conseguia.
– Dylan, por favor. Apenas volte para a cama. Você precisa ficar longe de mim.
Aquele provavelmente era um bom conselho. Manter-se longe de um vampiro traumatizado e com um nível nuclear de raiva incontrolável era provavelmente a coisa mais sensata que ela podia fazer. Mesmo assim, Dylan continuou em movimento, como se seu bom senso e seu instinto de sobrevivência tivessem feito as malas e embarcado em férias repentinas.
– Eu não tenho medo, Rio. Eu sei que você não vai me ferir.
Ele não disse algo para confirmar, tampouco para negar. Dylan podia ouvi-lo respirar – isso se aquele ofegar baixo e pesado pudesse ser considerado respiração. Ela se sentia como se estivesse se aproximando de um animal selvagem ferido, incerta sobre se oferecer a mão geraria confiança ou um ataque de presas e garras.
– Você estava no quarto comigo há alguns minutos... não estava? – Ela continuou avançando regularmente, sem se deixar intimidar pelo peso do silêncio de Rio ou da escuridão que o envolvia. – Você tocou em mim. Eu senti sua mão em meu rosto. Eu gostei, Rio. Não queria que você parasse.
Ele xingou, usando palavras realmente agressivas. Ela não só sentiu a presença como também viu a cabeça de Rio se aproximar bruscamente. Uma pausa e, então, ele devia ter aberto os olhos, pois a escuridão foi subitamente cortada por dois raios âmbar apontados diretamente para ela.
– Seus olhos... – ela murmurou, sentindo-se uma mariposa diante de uma chama flamejante.
Dylan tinha visto os olhos de Rio se transformarem de topázio em âmbar quando ele entrara nos aposentos algumas horas atrás. Mas isso... isso era diferente. Agora havia um arder naqueles olhos, algo diferente da raiva e da dor. Mais intenso, se é que isso fosse possível.
Dylan não conseguia se mover. Apenas permaneceu ali, parada no caminho aquecido pelo olhar de Rio, sentindo que aquilo consumia seu corpo inteiro – e gostando do que consumia seu corpo inteiro. Seu coração se acelerou e passou a bater irregularmente enquanto aquele olhar fixo a queimava, atravessando sua pele.
Agora Rio estava se movimentando, aproximando-se dela com a graça de um predador. Jesus Cristo!
– Por que você apareceu naquela montanha? – ele perguntou a Dylan em um tom áspero e acusador.
Dylan engoliu em seco, observando-o aproximar-se dela em meio à escuridão. Ela começou a dizer que tinha sido Eva quem a tinha guiado até lá, mas aquilo era apenas parte da verdade. O fantasma de Eva havia lhe mostrado o caminho, mas Dylan tinha voltado por vontade própria àquela caverna – para ver Rio.
Mais do que qualquer outra coisa – incluindo o trabalho que poderia salvar seu emprego com a história de um demônio nas colinas da Boêmia –, foi Rio quem a levou a ficar na caverna e a tentar estender a mão para ele quando o bom senso lhe dizia para fugir. Era ele quem a obrigava a estar ali agora. O desejo que ela sentia por ele mantinha seus pés presos ao chão quando o medo deveria forçá-la na direção oposta o mais rápido possível.
Rio estava bem em frente dela agora, ainda mascarado pela escuridão, exceto pelo brilho misterioso e extremamente sedutor de seus olhos de vampiro.
– Que inferno, Dylan! Por que você apareceu lá? – As mãos de Rio estavam firmes quando ele a pegou pelos braços. Em seguida, ele a sacudiu, mas era ele quem tremia. – Por quê? Por que teve de ser você?
Ela sabia que um beijo estava próximo, mesmo na escuridão. Porém, a pressão inicial da boca dele sobre a dela a fez sentir uma chama incontrolável tomar conta de seu corpo. Uma chama que a queimava, um desejo ardente que tomava conta de seu coração. Ela se deixou levar, perdendo-se no toque dos lábios e – ah, Jesus! – das presas de Rio. Dylan sentiu as pontas afiadas quando teve a boca aberta pela língua dele, forçando-a a aceitar o que ele tinha para lhe oferecer.
Dylan não tentaria resistir. Ela nunca tinha sentido nada tão erótico quanto o roçar das presas de Rio. Havia tanto poder letal naquilo; ela podia sentir o perigo, mas estava prestes a perder o controle. Rio a abraçou ainda mais forte e a beijou de uma forma quase violenta. E aquilo a excitava loucamente. Não, Dylan nunca havia se sentido tão excitada quanto naquele momento.
Rio a empurrou para o sofá atrás dela. As mãos grandes e fortes do vampiro envolveram suas costas para aliviar a queda. E ele foi com ela, e todo o peso de seu corpo forte e musculoso a sustentou embaixo dele. E Dylan podia sentir a espessura daquele pênis. Sentia-o enorme e rígido como pedra entre seus corpos. Ela correu as mãos pelas costas de Rio, escorregando-as por debaixo da camiseta de algodão, de modo que pudesse sentir a flexão daqueles fortes músculos conforme ele se movia sobre ela.
– Eu quero ver você – ela ofegou em meio aos beijos famintos. – Preciso ver você, Rio...
E Dylan não esperou receber permissão.
Estendendo a mão, ela encontrou o abajur ao lado do sofá e o acendeu. A suave luz amarela banhou o quarto, deixando-o agora iluminado. Rio estava sobre seus quadris, equilibrando-se nos joelhos enquanto a olhava fixamente em uma situação que parecia ser pura desgraça.
Os olhos de Rio brilhavam com aquele âmbar ardente. Seus traços estavam tensos, sua mandíbula estava apertada fortemente, mas não o suficiente para mascarar o assombroso tamanho de suas presas extremamente afiadas. Os dermoglifos que se espalhavam por seus ombros e braços pareciam queimar – em belos e profundos tons de vermelho, índigo e dourado.
E suas cicatrizes... Bem, Dylan também as viu. Seria impossível ignorá-las, mas ela tampouco tentou. Dylan se apoiou em um de seus cotovelos e estendeu sua outra mão na direção de Rio. Ele estremeceu, virando o rosto em uma tentativa de ocultar seu lado esquerdo arruinado. Mas Dylan não o deixaria se esconder. Não agora. Não dela. Então, estendeu a mão novamente e, de forma suave, colocou a palma contra a forte linha que contornava seu maxilar.
– Não faça isso – disse Rio com uma voz grossa.
– Está tudo bem. – Dylan virou suavemente o rosto dele para que pudesse ser vista totalmente. Com extremo cuidado, ela acariciou levemente aquela pele marcada por cicatrizes. E seguiu acariciando todos os danos pelo corpo dele, deslizando delicadamente os dedos pelo pescoço, ombros e bíceps de Rio, na pele que certa vez fora tão suave e perfeita quanto o restante dele. – Você acha que é um sacrifício tocá-lo assim?
Rio murmurou algo, mas as palavras saíram retorcidas e ininteligíveis.
Dylan se sentou, levantando-se até que seu rosto estivesse paralelo ao dele. Ela o olhou fixamente, assegurando-se de que aquelas pupilas finas como as de um gato a olhassem enquanto ela suavemente o acariciava na bochecha, no maxilar, naquela boca maravilhosamente sensual.
– Não olhe para mim, Dylan. – Agora ela se dava conta de que ele murmurava exatamente a mesma coisa que antes. – Que droga!... Como você consegue me olhar tão perto... como pode me tocar... e não sentir nojo?
Dylan sentiu seu coração se apertar em seu peito.
– Eu estou olhando para você, Rio. Estou vendo você. Estou tocando você. Você – disse ela, enfatizando.
– Estas cicatrizes...
– São incidentais – ela terminou a frase para ele. Dylan sorriu enquanto lançava um olhar para a boca dele, para as presas perfeitamente brancas e perfeitamente incríveis que brotavam de sua gengiva.
– Suas cicatrizes são o mais normal em você, se quer saber a verdade.
Os lábios dele se curvaram, como se fossem afastá-la, definindo-lhe muitos mais de seus defeitos, mas Dylan não lhe deu oportunidade. Ela segurou o rosto de Rio com as mãos e se aproximou, dando-lhe um beijo intenso, lento e apaixonado.
E ela gemeu quando ele entrelaçou as mãos naqueles cabelos vermelhos e a beijou de volta.
Dylan o queria com tanta ferocidade a ponto de quase não conseguir aguentar. Deus, aquilo tudo não fazia sentido algum – esse desejo que ela sentia por um homem que mal conhecia e de quem, por muitas razões, deveria sentir medo. Em vez disso, ela o beijava como se não houvesse amanhã.
Não queria parar de beijá-lo. Ela o envolveu em seus braços e o puxou de volta contra o sofá. Os cabelos sedosos dele acariciavam a palma da mão dela; a boca quente dele buscava a boca de Dylan. E a mão de Rio, ah, a mão de Rio era, ao mesmo tempo, forte e suave enquanto ele a deslizava sob a bainha da blusa de Dylan, acariciando-lhe a pele arrepiada da barriga. E, em seguida, ele acariciou também os seios dela. Dylan se contorcia enquanto era acariciada. Os dedos de Rio provocavam os mamilos dela, transformando-os em botões duros e sensíveis enquanto a língua dele brincava com a boca de Dylan.
– Ah, meu Deus! – ela ofegou, ardendo por Rio.
Ele se ajustou melhor entre as coxas de Dylan, usando os joelhos para abrir-lhe as pernas enquanto sentia sua ereção querer rasgar as próprias roupas. Ela quase teve um orgasmo com aquela deliciosa fricção entre os corpos. Ela ia chegar ao êxtase se ele continuasse com aqueles movimentos deliciosos que não deixavam dúvidas de que tipo de amante ele seria quando eles estivessem nus.
Dylan levantou os pés e cruzou os tornozelos em volta do quadril de Rio, deixando-o ciente de que ela estava disposta a ir até onde ele quisesse levar aquilo. Ela não estava acostumada a se jogar aos pés de um homem – e não conseguia se lembrar da última vez em que havia transado, que dirá, então, da última vez em que tivera um bom sexo – mas Dylan não conseguia pensar em nada que quisesse mais do que fazer amor com Rio. Bem ali. Naquela hora.
Ele sugou o lábio inferior de Dylan entre seus dentes enquanto empurrava seu quadril contra ela. Ela se deleitou com o roçar daquelas presas, com o impulso hipnotizante do corpo grande e rígido daquele homem e com o flexionar dos músculos tensos dele em suas mãos. Ele deslizou sua mão entre as pernas dela. Seus dedos se afundavam na carne úmida e quente. Dylan não conseguiu segurar o gemido que se formava em sua garganta.
– Isso! – ela sussurrou bruscamente conforme um orgasmo tomava conta de seu corpo. – Rio...
Ela sentia espirais girarem dentro de seu corpo enquanto se perdia no prazer que o toque de Rio entre suas pernas lhe provocava. E se agarrou a ele quando sentiu seu coração acelerar com o gozo. Ela escutou o grunhido selvagem de Rio, dando-se conta de que ele tinha deixado de beijá-la para escorregar a boca ao longo de seu pescoço. Ela o envolveu em seus braços enquanto ele roçava contra seu pescoço, enquanto deixava sua língua quente passear por sua pele macia.
O roçar áspero dos dentes de Rio naquele ponto a assustou.
O corpo de Dylan se retesou, embora ela não quisesse temer o que poderia estar por vir. Mas ela não pôde deter a reação instintiva. E Rio se afastou como se ela tivesse gritado com toda a força de seus pulmões.
– Sinto muito – ela sussurrou, estendendo a mão para tocá-lo. Mas ele já não estava mais lá. Já tinha se afastado, já estava a pelo menos um braço de distância do sofá. Dylan se sentou, sentindo-se estranhamente incompleta. – Sinto muito, Rio. Eu não estava segura...
– Não se desculpe – ele resmungou com uma voz áspera. – Madre de Dios, não peça desculpa para mim, por favor. Foi culpa minha, Dylan.
– Não – ela respondeu, desesperada para que ele ficasse com ela, para que ele ficasse dentro dela. – Eu quero, Rio.
– Você não deveria querer – ele retrucou. – E eu não teria sido capaz de parar. – Rio passou a mão por aqueles cabelos escuros, encarando-a com aqueles ardentes olhos âmbar. – Isso teria sido um erro terrível para nós dois – acrescentou ele depois de uma longa pausa. – Ah, merda! Já é um terrível erro.
Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Rio simplesmente deu meia-volta e partiu. Enquanto a porta do quarto se fechava atrás das costas largas daquele homem enorme, Dylan puxava sua blusa de volta para baixo e ajustava os shorts. No silêncio com o qual ele a deixou, ela levou os joelhos até o peito e segurou as canelas. Em seguida, estendeu a mão e apagou a luz do abajur.
Capítulo 19
Rio levantou a pistola nove milímetros e a apontou para o final do campo de tiro do complexo. A arma parecia extremamente estranha em sua mão, apesar de ela lhe pertencer e de ele tê-la carregado por anos, quando ela era extremamente letal.
Antes da explosão do depósito, antes de as feridas terem-no tirado de combate e o jogado em uma cama de hospital, deixando seu corpo e sua mente destruídos.
Antes de a traição de Eva tê-lo cegado, fazendo-o questionar tudo que ele era e poderia vir a ser.
Uma gota de suor desceu pelo lábio de Rio enquanto ele mantinha os olhos no alvo. Seu dedo no gatilho estava trêmulo. Rio usou toda a sua atenção para se concentrar na pequena silhueta impressa no alvo de papel a cerca de vinte metros à frente.
Mas era exatamente para isso que ele tinha ido até ali.
Depois do que havia ocorrido com Dylan alguns minutos atrás, Rio precisava se distrair. Precisava de algo que tomasse toda a sua atenção, que fizesse a temperatura de seu corpo diminuir e voltar ao normal. Algo que, esperançosamente, acabasse com aquela fome carnal que ainda o consumia. Rio desejava Dylan com uma necessidade que ainda pulsava por suas veias em um batimento profundo e primitivo.
Ele ainda podia sentir o corpo delicado daquela mulher movendo-se debaixo do seu, tão suave e acolhedor, respondendo aos toques de forma tão apaixonada. Aceitando-o, mesmo sabendo que eles poderiam fazer parte de uma montagem macabra de A Bela e a Fera. Era uma fantasia da qual ele se permitia participar enquanto beijava Dylan, enquanto a apertava sob seu corpo e se perguntava se a intensa atração que sentia por ela poderia ser mútua. Ninguém era assim tão bom ator. Eva havia afirmado amá-lo uma vez. A traição profunda tinha sido um choque, mas, no fundo de sua mente, Rio sabia que ela não era feliz com ele, não estava, realmente, feliz com o que ele era e com a vida de guerreiro que ele tinha escolhido.
Ela nunca quis que ele se juntasse aos guerreiros. Nunca entendera sua necessidade de fazer algo bom, sua necessidade de ser útil. Mais de uma vez, havia perguntado por que ela não era suficiente para ele. Por que amá-la e fazê-la feliz não poderia ser suficiente? Rio queria as duas coisas, mas até mesmo Eva conseguia enxergar que ele preferia a Ordem.
Rio ainda podia se recordar de uma noite, passeando em um parque da cidade com Eva, tirando fotos dela em uma pequena ponte sobre o rio. Naquela noite, ela lhe dissera o quanto queria que ele deixasse a Ordem e lhe desse um filho. Exigências que ele não poderia – ou melhor, que ele não estava disposto – a cumprir.
“Espere um pouco”, ele lhe pedira. Os guerreiros estavam dando fim a uma pequena onda de ataques dos Renegados na região. E, por conta disso, ele pediu para que ela fosse paciente. Uma vez que as coisas estivessem mais calmas, talvez pudessem pensar em constituir uma família.
Olhando para trás, Rio não tinha mais certeza de que aquelas fossem palavras verdadeiras. Eva não havia acreditado, ele conseguiu ver isso nos olhos dela já naquela época. Madre de Dios, talvez tivesse sido naquele exato momento que ela decidiu tomar o problema para si mesma.
Rio tinha decepcionado Eva e sabia disso. Mas ela havia pagado na mesma moeda. A traição dela o havia rasgado até a alma. Aquela traição o forçou a questionar tudo, incluindo o motivo pelo qual ele devia continuar ocupando um espaço precioso neste mundo.
Quando Dylan o beijou – quando ela o olhou fixamente no rosto e seus olhos transmitiam apenas sinceridade – Rio conseguiu acreditar, pelo menos por um momento, que não era um monstruo digno de pena desperdiçando ar e espaço. Quando olhou nos olhos de Dylan e sentiu a mão macia dela tocando suas cicatrizes, conseguiu acreditar que sua vida parecia valer a pena. E ele era um maldecido egoísta por pensar que tinha algo que oferecer a uma mulher como aquela. Rio já havia destruído a vida de uma mulher, e quase destruíra a sua. Não, ele não estava disposto a arriscar uma segunda vez com a vida de Dylan. Não, mesmo.
Rio estreitou os olhos, voltando sua atenção ao alvo. Então, segurou ainda mais forte na arma, em uma pegada que parecia ferro contra ferro. Apertou o gatilho, sentiu a pancada familiar quando a Beretta descarregou e uma bala saiu em direção ao anel central do alvo.
– É bom ver que você não perdeu o jeito. Continua acertando exatamente no alvo, como sempre fez.
Rio colocou a arma na prateleira diante dele. Quando deu meia-volta, deu de cara com Nikolai, que estava parado atrás dele, com suas costas enormes apoiadas contra a parede. Rio sabia que não estava sozinho ali, ele tinha ouvido Niko e os outros três guerreiros solteiros conversando no extremo oposto do prédio enquanto limpavam suas armas e comentavam sobre sua ronda no clube noturno de humanos.
– Como foi a caça lá em cima?
Niko deu de ombros.
– Como de costume.
– Belas garotas, sem bom senso o suficiente para correr quando veem vocês chegar? – perguntou Rio, tentando quebrar o gelo presente entre eles desde sua chegada ao complexo.
Para seu alívio, Niko sorriu.
– Não há nada de errado em relaxar e ser fácil quando o assunto é mulheres, cara. Acho que, na próxima vez, você deveria vir com a gente. Posso descolar algo doce e sacana para você. – O par de covinhas que ele tinha nas bochechas ficava cada vez mais evidente. – Se não estiver planejando se acabar ou algo assim enquanto isso. Idiota. Burro.
Niko não disse as palavras com tom de ofensa. Elas eram apenas resultado do tom solene de um amigo preocupado com o outro.
– Pode deixar que eu aviso – disse Rio. E, julgando pelo olhar estreitado de Nikolai, ele tinha entendido que ele não estava falando sobre a perspectiva de ter um pouco de ação lá em cima.
A voz de Niko se tornou baixa, adotando um tom de confidencialidade:
– Você não pode deixá-la ganhar, sabe disso, não é cara? Porque isso é sinônimo de se entregar. Sim, ela ferrou a sua vida, e não estou dizendo que precise perdoar e esquecer porque, francamente, eu não acredito que eu conseguiria fazer isso se estivesse no seu lugar. Mas você ainda está aqui. Então, ela que se dane! – disse Niko com veemência. – Eva que se dane! E que se dane a bomba que ela explodiu naquele depósito. Porque você, meu amigo, você está aqui.
Rio esboçou um sorriso, mas apenas um som fraco passou por sua garganta apertada. Tentou esconder o desconforto, sentindo-se extremamente desajeitado ao perceber que alguém se importava com ele.
– Caramba, cara. Quantos programas da Oprah você tem assistido desde que eu parti? Porque, vindo de você, isso é realmente comovente.
Niko riu.
– Pensando bem, esqueça toda essa porcaria que acabei de dizer. Você que se dane, também.
Rio caiu na risada. A primeira risada sincera que saiu de sua boca em... Jesus, algo em torno de um ano inteiro!
– Ei, Niko. – Kade veio caminhando do outro lado da instalação, os cabelos negros espetados e os olhos acinzentados lhe davam um ar deliciosamente selvagem que o deixava parecido com um lobo. – Preciso interromper: esta noite, se nos encontrarmos com aquele outro Renegado fora do Refúgio Secreto, não se esqueça de que você prometeu que ele é meu.
– Se eu não pegar o desgraçado primeiro. – Brock apareceu, saindo de trás do outro guerreiro e sorrindo enquanto, em tom de brincadeira, colocava a ponta de uma enorme adaga sob o queixo de Kade.
A risada agradável de Brock ecoou, mas era possível perceber que o guerreiro que a Ordem tinha recrutado em Detroit era tão sombrio e duro quanto a própria Morte durante os combates. Brock soltou Kade, e os dois continuaram discutindo sobre como caçar os Renegados enquanto saíam da sala de armas e seguiam para seus próprios quartos, em áreas separadas do complexo.
Chase foi o último a chegar, vindo do fundo da instalação. Sua camiseta preta tinha um enorme rasgo na frente, como se alguém tivesse tentado tirar um pedaço dele. A julgar pela cor de saciedade dos dermoglifos e pelo ar calmo em seus olhos normalmente agressivos, parecia que ele tinha se saciado com o que as garotas da discoteca lhe ofereceram.
Chase inclinou ligeiramente a cabeça para saudar Rio. Em seguida, disse a Nikolai:
– Se receber mais alguma notícia de Seattle, por favor me avise. Estou curioso para saber por que uma matança daquela natureza ainda não foi reconhecida por nenhuma Agência.
– Sim – disse Niko. – Eu também queria saber isso.
Rio franziu a sobrancelha:
– Quem apareceu morto em Seattle?
– Um dos membros mais antigos do Refúgio Secreto de lá – explicou Niko. – Um cara que, por sinal, era da Primeira Geração.
Os pelos da nuca de Rio se arrepiaram, um claro sinal de que ele estava preocupado com aquela notícia.
– Como ele foi morto?
O olhar de Nikolai era pesado:
– Uma bala no cérebro. À queima roupa.
– Onde?
– Em geral, o cérebro se encontra na região da cabeça – ironizou Chase, arrastando as palavras. Ele mantinha os braços cruzados.
Rio lançou um olhar estreitado na direção de Chase.
– Obrigado pela aula de anatomia, Harvard. Mas eu estava falando sobre onde estava este Primeira Geração quando o mataram.
O olhar de Niko encontrou os olhos sóbrios de Rio.
– Ele levou um tiro no banco traseiro da limusine que era dirigida por um chofer. Meu contato disse que ele estava voltando de uma ópera, de um balé, ou alguma coisa assim. E que, enquanto esperava em um semáforo, alguém explodiu sua cabeça e desapareceu, antes mesmo que o motorista entendesse o que havia acontecido. Por quê?
Rio deu de ombros, mas disse:
– Talvez não seja nada, mas, quando eu estava em Berlim, Andreas Reichen me contou da morte de um Primeira Geração que aconteceu recentemente lá. Só que este homem do Refúgio Secreto foi morto em um clube de sangue.
– Esses clubes “esportivos” privados foram proibidos há décadas – comentou Chase.
– Claro – concordou Rio, cheio de sarcasmo, já que o ex-agente de Refúgio Secreto tinha a intenção de ser inconveniente. – Agora eles imprimem os convites em tinta invisível e você precisa de um anel decodificador para passar pela porta.
– O mesmo modus operandi no Primeira Geração de Berlim? – perguntou Niko.
– Não. Nenhuma ferida causada por bala. Segundo as fontes de Reichen, este amante dos esportes acabou perdendo a cabeça.
Niko expirou lentamente.
– Esses são dois dos três principais métodos para se matar um vampiro da Primeira Geração da Raça. O terceiro modo é a exposição a raios ultravioletas e, convenhamos, esse é o meio menos eficaz. A não ser que você tenha dez ou quinze minutos livres para dedicar ao trabalho.
– Os dois assassinatos poderiam estar relacionados – supôs Rio, sem saber se seus instintos eram dignos de confiança. Mas, droga! Os sinos de aviso soavam em sua cabeça como os da torre de uma catedral num domingo de Páscoa.
– Há algo errado – disse Chase, finalmente ligando os pontos. – Eu também não gosto nada disso. Dois Primeira Geração mortos em questão de... uma semana? E os dois casos cheirando a execução?
– Nós não sabemos se foram execuções – advertiu Niko. – Vamos lá. Pensem nas probabilidades. Se você vive durante mil anos, ou algo assim, necessariamente irá deixar alguém furioso. Alguém que poderia querer atentar contra você em sua limusine, ou cortar sua cabeça em um clube de sangue.
– E os Refúgios Secretos não querem que nenhum dos assassinatos seja divulgado? – questionou Rio.
As sobrancelhas acobreadas de Chase apertaram-se bruscamente.
– Berlim também mantém tudo em segredo?
– Sim. Reichen disse que eles estão mantendo o caso em segredo para evitar um escândalo. Não é bom para ninguém saber que um pilar de sua comunidade foi derrubado em um clube esportivo cheio de humanos ensanguentados e mortos.
– Não. Não é nada bom – concordou Chase. – Mas dois Primeira Geração mortos é um golpe bastante pesado para toda a nação de vampiros. Não deve haver mais do que vinte indivíduos de Primeira Geração ainda vivos entre a população inteira, incluindo Lucan e Tegan. Se eles se forem, poderão surgir problemas.
Nikolai assentiu:
– Isso é verdade. E acho que não podemos fazer nada.
Rio sentiu um pensamento frio tomar conta de sua mente:
– Não. A menos que tenhamos um Antigo vivo, uma Companheira de Raça e algo como vinte anos de vantagem.
Os guerreiros o olharam com expressão preocupada.
Niko passou uma das mãos por seu cabelo loiro.
– Ah, droga! Você não acha que...
– Eu quero muito estar errado – disse Rio. – Mas é melhor acordarmos Lucan.
Capítulo 20
Ficar sozinha depois de Rio ter partido deixou Dylan bastante inquieta. Sua mente estava girando e girando e suas emoções estavam agitadas. E ela não podia evitar pensar em sua vida anterior em Nova York. A mulher tinha de fazer sua mãe saber que ela finalmente estava bem.
Dylan acendeu a lâmpada de um abajur e pegou seu celular. Ela praticamente tinha se esquecido da existência do aparelho desde que chegara ali, pois o havia tirado do bolso da calça cargo e escondido debaixo do colchão da cama de Rio, pronto para ser alcançado tão logo fosse seguro.
Ela ligou o aparelho, fazendo o possível para abafar o som que ele emitia conforme voltava à vida. Era um milagre ainda haver bateria, mesmo que o mínimo. Uma barra era melhor do que nada, pensou Dylan.
O visor mostrou que havia algumas mensagens de voz na caixa postal.
Ela finalmente tinha o serviço de volta.
Ah, graças a Deus!
O número para retornar a chamada na primeira mensagem era de Nova York – mais especificamente, do escritório de Coleman Hogg. Dylan ouviu a mensagem e não se surpreendeu ao ouvir o homem estar cuspindo fogo pelas ventas, descrevendo – rudemente – a má educação de Dylan pelo fato de ela ter deixado o fotógrafo freelance, que ele havia contratado, esperando em Praga.
A mulher saltou o resto do sermão de Hogg e passou para a próxima mensagem. Tinha sido recebida dias atrás e era de sua mãe, querendo saber notícias, dizendo que a amava e que esperava que a filha estivesse aproveitando a viagem. Sua voz soava cansada, o que deixou o coração de Dylan apertado.
Havia, ainda, outra mensagem de seu chefe. Dessa vez, ele parecia ainda mais zangado e dizia que descontaria do salário da jornalista o pagamento do fotógrafo, e que considerava o e-mail que ela tinha mandado, dizendo que tiraria umas férias, como um pedido de demissão. Dylan, portanto, estava desempregada.
– Ótimo – ela murmurou em voz baixa, enquanto passava para a mensagem seguinte.
Ela não podia ficar nervosa ou chateada com a perda do emprego, mas a falta de um salário logo seria sentida. A menos que Dylan encontrasse algo melhor, algo maior. Algo monumental, na verdade. Algo com dentes de verdade... ou com presas, como de fato eram.
– Não – disse rispidamente antes mesmo que a ideia terminasse de se formar em sua cabeça.
Ela não poderia de forma alguma levar aquela história toda a público, ainda. Não naquele momento, quando ainda havia muitas perguntas sem respostas – e, principalmente, não naquele momento, quando ela mesma tinha se tornado parte daquela história, por mais bizarro que fosse pensar naquilo tudo e na forma que aquilo ganhava.
E ainda havia Rio.
Se houvesse uma razão para Dylan proteger o que tinha descoberto sobre a existência de outras espécies além do ser humano, essa razão era Rio. E Dylan não queria traí-lo ou colocá-lo em qualquer situação de risco, especialmente agora que ela estava começando a conhecê-lo melhor, agora que ela estava começando a se preocupar com ele, por mais perigoso que isso pudesse ser.
O que acontecera entre eles há pouco mexeu com ela profundamente. O beijo fora maravilhoso. A sensação do corpo de Rio pressionado tão intimamente contra o seu tinha sido a coisa mais sensual que Dylan já provara. E a sensação dos dentes dele – das presas dele – pastoreando a frágil pele de seu pescoço tinha sido tão aterrorizante quanto erótica. Será que ele realmente a teria mordido? E se tivesse, o que aconteceria com ela?
Baseada no quão rápido Rio havia abandonado o quarto, Dylan não esperava ter essas respostas. E aquilo não deveria deixá-la tão mal.
O que ela precisava fazer era sair daquele lugar – fosse ele qual fosse – e voltar para sua vida. Dylan precisava voltar para sua mãe, que provavelmente estava ficando louca de preocupação agora que já havia três dias que a filha não entrava em contato.
As três chamadas seguintes eram do abrigo de sua mãe e todas tinham sido recebidas na noite anterior. Não havia mensagens, mas a proximidade das ligações indicava a urgência do assunto. Dylan pressionou o botão de discagem rápida para a casa de Sharon e esperou enquanto o telefone chamava sem resposta do outro lado da linha. O celular também não foi atendido. Com o coração não mão, marcou o número que havia registrado em seu telefone e ligou. Janet atendeu:
– Bom dia. Escritório de Sharon Alexander.
– Janet, olá. Sou eu, Dylan.
– Jesus Cristo, Dylan. O que você está fazendo? Onde você está? – as perguntas soaram estranhamente preocupadas, como se Janet, de alguma forma, já soubesse – ou pensasse que soubesse – que Dylan provavelmente não estava tendo um dia bom. – Você está no hospital?
– O quê? Não, não... – O estômago de Dylan se retorceu. – O que aconteceu? É minha mãe? O que houve?
– Ela se sentiu um pouco cansada depois do cruzeiro, e ontem ela desmaiou aqui. Dylan, querida, ela não está muito bem. Nós a levamos para o hospital e eles a internaram.
– Deus... – Todo o corpo de Dylan ficou adormecido, paralisado no lugar. – Ela teve uma recaída?
– Eles acreditam que sim. – A voz de Janet era a mais tranquila que podia ser em uma situação como aquela. – Sinto muito, querida.
Lucan não estava feliz por ter sido tirado da cama com Gabrielle no meio do dia, mas assim que ouviu o motivo da interrupção de seu sono, o líder da Ordem ficou imediatamente atento. Ele vestiu um par de jeans escuros e uma camisa de seda desabotoada e saiu no corredor, onde Rio, Nikolai e Chase o esperavam.
– Vamos precisar de Gideon – disse Lucan, enquanto pegava o celular e discava para o outro guerreiro. Ele murmurou uma saudação apressada e um rápido pedido de desculpas e imediatamente deu a Gideon a notícia que Rio e os outros tinham acabado de compartilhar. Enquanto os quatro se dirigiam pelo corredor para o laboratório tecnológico, o centro de comando pessoal de Gideon, Lucan terminou a conversa e desligou o telefone. – Ele está a caminho – disse. – Sinceramente, espero que você esteja errado quanto a isso, Rio.
– Eu também – respondeu Rio, tão nervoso quanto qualquer um à simples consideração daquilo.
Não demorou nem dois minutos para Gideon se juntar à improvisada reunião. Ele apareceu no laboratório usando uma calça de moletom cinza, uma camiseta branca que marcava seus músculos e um par de tênis com os cadarços desamarrados que demonstravam que ele tinha enfiado os pés ali e saído correndo. Ele atirou-se na cadeira giratória diante de seu computador e começou a abrir programas e mais programas em várias telas.
– Certo, estamos enviando sondas espiãs para todas as agências de notícias e para o Banco Internacional de Dados – ele disse, olhando para os monitores enquanto os dados lentamente começavam a preencher as telas. – Humm. Isso é estranho. Você disse que um dos dois mortos da Primeira Geração está fora de Seattle?
Nikolai confirmou.
– Bem, não de acordo com isso. As informações sobre Seattle não retornaram resultados. Não há relatos de mortes recentes por lá. Tampouco há relatos de um Primeira Geração naquela população, embora isso seja relativo. O Banco Internacional de Dados só foi implantado há algumas décadas, portanto, de forma alguma é completo. Temos poucos membros antigos da Raça catalogados, mas a maioria dos vinte e poucos Primeira Geração que ainda respiram tendem a proteger sua privacidade. Há rumores de que alguns deles são verdadeiros ermitões que não se aproximam de um Refúgio há mais de um século. Suponho que eles acreditem ter ganhado alguma autonomia depois de mais de mil anos de vida. Não é isso, Lucan?
Lucan, que tinha por volta de novecentos anos e também não aparecia no Banco Internacional de Dados, apenas grunhiu como resposta enquanto seus olhos acinzentados se estreitavam sobre os monitores do computador.
– E quanto à Europa? Há algo sobre o Primeira Geração que Reichen mencionou?
Gideon digitou uma rápida sequência em seu teclado e entrou em outro software de segurança como se aquilo tudo fosse um vídeo game.
– Merda. Não, não aparece nada. Eu tenho que dizer uma coisa, cara, esse silêncio é tenebroso.
Rio concordava:
– Então, se ninguém está relatando mortes de integrantes da Primeira Geração, deveria haver pelo menos mais do que os dois que conhecemos até agora.
– Há algo que precisamos descobrir – disse Lucan. – Quantos Primeira Geração estão registrados no Banco Internacional de Dados, Gideon?
O guerreiro fez uma rápida busca.
– Sete, entre os Estados Unidos e a Europa. Vou mandar a relação de nomes e Refúgios para a impressora agora.
Quando a única página saiu da impressão, Gideon a agarrou e a estendeu para Lucan. O guerreiro líder a observou:
– A maioria desses nomes me é familiar. Conheço dois ou três outros que não estão listados. Tegan provavelmente conhecerá outros. – Ele colocou a lista na mesa de reunião de modo que Rio e os outros pudessem vê-la. – Algum nome de um Primeira Geração que vocês sintam falta nessa lista?
Rio e Chase balançaram a cabeça negativamente.
– Sergei Yakut – murmurou Niko. – Eu o vi uma vez na Sibéria quando eu era um garoto. Ele foi o primeiro Primeira Geração que eu conheci – caramba, o único, até eu vir para Boston e conhecer Lucan e Tegan. O nome dele não está na lista.
– Você acha que conseguiria encontrá-lo se fosse necessário? – perguntou Lucan. – Presumindo que ele ainda esteja vivo, eu quero dizer.
Nikolai riu.
– Sergei Yakut é um mesquinho filho da mãe. Mesquinho demais para morrer. Posso apostar que ainda está vivo e sim, acredito que eu poderia encontrá-lo.
– Ótimo – disse Lucan, com expressão fechada. – Quero que faça isso o mais rápido possível. Para o caso de estarmos lidando com uma situação potencial de um assassino em série, precisamos conseguir os nomes e as localizações de todos os Primeira Geração que existem.
– Tenho certeza de que a Agência sabe pouco mais do que nós aqui – completou Chase. – Eu ainda tenho um ou dois amigos lá. Provavelmente alguém saiba de algo ou possa indicar alguém que saiba.
Lucan balançou a cabeça.
– Sim. Veja isso, então. Mas estou certo de que não preciso lhe dizer para manter todas as suas cartas na manga quando estiver lidando com eles. Você pode ter alguns amigos na Agência, Harvard, mas a Ordem certamente não tem. E, sem querer ofender, confio neles até o momento de poder chutar-lhes o traseiro.
Lucan lançou um olhar sério para Rio.
– E quanto aos outros prováveis problemas que você trouxe, aquele Antigo que pode ter voltado à vida e estar sendo usado para a criação de uma nova linhagem de vampiros de Primeira Geração? – Ele balançou novamente a cabeça, completando conforme deixava escapar pelos lábios bem desenhados uma maldição. – É um cenário de pesadelo, meu amigo. Mas pode muito bem ser verdade.
– Se for – disse Rio –, então é melhor nós esperarmos, que conseguiremos controlar isso logo. E estamos décadas atrás do filho da mãe.
Ao terminar de dizer isso, Rio se deu conta de que estava usando nós para se referir aos guerreiros e seus objetivos. Ele estava se incluindo novamente na Ordem. Mais do que isso, ele estava começando, de fato, a se sentir parte de toda a coisa novamente – uma parte ativa, um membro importante – enquanto estava ali com Lucan e com os outros, fazendo planos, considerando estratégias. E ele se sentia bem, aliás.
Talvez ainda pudesse haver um lugar para ele ali afinal de contas. Ele esteve confuso e cometeu alguns erros, mas talvez pudesse voltar a ser o que era antes.
Rio ainda estava degustando aquela esperança que lhe acometera subitamente quando um leve bip começou a apitar em uma das estações que Gideon estava monitorando. O guerreiro empurrou a cadeira até o computador, franzindo a sobrancelha.
– O que é isso? – perguntou Lucan.
– Estou captando um sinal de um celular ligado aqui no complexo. E não é um dos nossos – respondeu antes de lançar o olhar para Rio. – Está vindo do seu quarto – completou.
Dylan.
– Merda – chiou Rio, conforme a ira tomava conta de seu corpo. – Ela disse que não tinha nenhum celular.
Maldição. Dylan mentira para ele.
E se ele estivesse preocupado com a situação toda como deveria estar, teria revistado todo o corpo dela – da cabeça às pontas dos pés.
Uma jornalista em posse de um telefone. Pelo que ele sabia, ela poderia estar sentada em seu quarto nesse exato momento contando tudo o que tinha visto e ouvido para a CNN – expondo a Raça aos humanos e fazendo isso debaixo do seu nariz.
– Não havia nada em sua mochila que indicava que ela tinha um celular – murmurou Rio, uma desculpa esfarrapada e esdrúxula, ele sabia. – Merda! Eu devia tê-la revistado.
Gideon digitou algo em um de seus vários painéis.
– Posso arrumar uma interferência, cortar o sinal – disse.
– Então faça – disse Lucan. Depois, virou-se para Rio:
– Temos alguns fios soltos que precisamos cortar, meu amigo. Incluindo aquele que está em seu quarto.
– Sim – disse Rio, sabendo que Lucan estava certo. Dylan tinha de tomar uma decisão e o tempo estava se tornando crucial agora que a Ordem tinha outros problemas com os quais lidar.
Lucan pousou a mão no ombro largo de Rio.
– Acredito que está na hora de eu conhecer Dylan Alexander pessoalmente.
– Janet...? Alô? Eu não consegui o número do quarto de minha mãe. Alô...? Janet...? Você está me ouvindo? Ainda está aí?
Dylan afastou o celular da orelha e olhou para o visor. Sem sinal.
– Merda.
Ela segurou o aparelho na altura de sua cabeça e começou a caminhar pelo quarto, procurando por um ponto em que pudesse conseguir algum sinal. Nada. A porcaria tinha morrido no meio de sua ligação, cortando a conversa, apesar de a bateria não estar completamente descarregada.
Dylan sequer podia pensar direito. Ela estava muito agitada. Sua mãe, no hospital? Uma recaída? Jesus Cristo!
A mulher por pouco resistiu à vontade de atirar o aparelho contra a parede mais próxima.
– Merda!
Freneticamente, ela caminhava para a outra sala para tentar completar outra ligação e quase desmaiou de susto quando a porta do quarto foi arregaçada por uma força que mais parecia um vendaval do lado de fora. Era Rio.
E ele estava zangado.
– Me dê isso, Dylan. – Seus brilhantes olhos cor de âmbar e suas presas salientes deram um nó no estômago de Dylan. Ela estava com medo, mas também estava zangada, estava arrasada com a recaída da mãe. Ela precisava vê-la. Precisava sair daquela irrealidade em que tinha sido jogada desde que fora raptada na Europa e voltar para as coisas que realmente importavam.
Jesus Cristo, ela pensou, quase à beira de ceder completamente. Sua mãe estava novamente mal, e sozinha em algum quarto de hospital perdido na cidade. Dylan precisava estar lá, com ela.
Rio entrou no quarto.
– O telefone, Dylan. Me dê a porcaria do telefone. Agora.
Foi então que ela percebeu que Rio não estava sozinho. De pé, atrás dele, no corredor, havia um homem enorme – media, facilmente, dois metros de altura, e tinha cabelos negros e olhos ameaçadores que desmentiam sua calma aparente. Ele permaneceu parado conforme Rio caminhava na direção de Dylan.
– Vocês fizeram alguma coisa com meu telefone? – ela perguntou com veemência, bastante aterrorizada com Rio e com aquela nova ameaça, mas também bastante preocupada com a mãe para ter tempo de pensar no que aconteceria (ou poderia acontecer) no segundo seguinte. – O que vocês fizeram para ele parar de funcionar? Diga! Que diabos vocês fizeram?
– Você mentiu para mim, Dylan!
– E você me sequestrou! – Ela odiava as lágrimas que subitamente começaram a correr pelas aquecidas maçãs de seu rosto. Ela as odiava quase tanto odiava seu cativeiro, o câncer e a dor gelada que começava a latejar em seu peito desde que ligara para o abrigo e soubera das notícias.
Rio estendeu a mão conforme caminhara em direção a ela. O homem no corredor também entrou. Sem perguntar qualquer coisa, Dylan sabia que ele também era um vampiro, um guerreiro da Raça como Rio. Os olhos cinza dele pareciam penetrá-la como lâminas afiadíssimas, e, como um animal sente um predador pelo vento, Dylan sentia que, onde Rio era perigoso, aquele outro homem era exponencialmente mais perigoso e mais forte. Mais forte e mais letal, apesar de sua aparência jovem.
– Para quem você estava ligando? – perguntou Rio.
Ela não diria. Agarrou o fino celular com toda a – pouca – força que tinha no pulso, protegendo-o, mas, naquele momento, sentia uma energia empurrando seus dedos, forçando-os a se abrirem. Dylan não conseguia mantê-los fechados, por mais que tentasse, e apenas pôde ofegar enquanto o aparelho voava para fora de sua mão e pousava sobre a palma aberta do vampiro que estava com Rio.
– Há algumas mensagens aqui de um jornal – ele anunciou sombriamente. – E várias chamadas de outros números de Nova York. A casa de uma tal de Sharon Alexander, o celular dessa mesma pessoa e uma chamada com um número restrito em Manhattan. Essa foi a que cortamos.
Rio xingou.
– Você falou para alguém alguma coisa sobre nós ou sobre o que você viu aqui?
– Não! – ela insistiu. – Eu não falei. Juro. Eu não sou uma ameaça para vocês.
– Há o problema das fotografias que destruímos e do artigo que você enviou para seu chefe. – O homem sombrio a lembrou, da mesma forma como você lembra um condenado o motivo de ele estar sendo mandado para a câmara de gás.
– Vocês não precisam se preocupar com isso – ela disse, ignorando o riso sarcástico de Rio conforme ela falava. – A mensagem do jornal era meu chefe me comunicando que eu estava demitida. Bem, tecnicamente foi uma demissão involuntária, pelo fato de eu não ter aparecido no encontro com o fotógrafo em Praga porque estava ocupada sendo sequestrada.
– Você foi demitida? – perguntou Rio, franzindo a sobrancelha.
Dylan deu de ombros.
– Pouco importa. Mas duvido que a essa altura meu chefe vá usar qualquer uma das fotos ou uma linha sequer da história que eu mandei para ele.
– Isso já não nos preocupa – o homem sombrio a olhou como se estivesse medindo sua reação. – Nesse momento, o vírus que enviamos para ele deve ter varrido todos os computadores do escritório. Seu chefe – ex-chefe – vai passar o resto da semana tentando reparar os estragos.
Dylan realmente não queria se sentir contente com aquilo, mas a imagem de Coleman Hogg diante das máquinas arruinadas ocupava um lugar brilhante em sua cabeça agora.
– O mesmo vírus foi enviado para todos para quem você enviou as fotos – o enorme homem informou. – Isso cuida para que nenhuma prova venha a ser exposta, mas ainda temos de cuidar do fato de muitas pessoas estarem andando por aí de posse de informações que não podemos permitir que elas tenham. Informações que elas podem, consciente ou inconscientemente, passar adiante. De modo que precisamos eliminar os riscos.
Um frio acometeu subitamente o estômago de Dylan.
– O que você quer dizer com eliminar os riscos?
– Você precisa tomar uma decisão, senhorita Alexander. Hoje à noite, você será levada para um dos Refúgios e ficará sob a proteção da Raça ou será enviada de volta para sua casa em Nova York.
– Preciso ir para casa – ela disse. Não havia decisão alguma a ser tomada. Dylan olhou para Rio e encontrou-o olhando fixamente de volta para ela, com uma expressão indecifrável. – Preciso voltar para Nova York imediatamente. Quer dizer que sou livre para ir embora?
Aquele severo olhar cinza voltou-se para Rio, em silêncio.
– Esta noite, você levará a senhorita Alexander para a casa dela em Nova York. Quero que cuide disso. Niko e Kade podem se ocupar dos outros com os quais ela teve contato.
– Não! – gritou Dylan. O frio em seu estômago converteu-se imediatamente em um medo glacial. – Ah, meu Deus! Não, diga-lhe que não faça isso... Rio...
– Fim da discussão – disse o homem, dirigindo sua atenção a Rio e ignorando completamente o desespero de Dylan. – Vocês partem ao anoitecer.
Rio assentiu solenemente, aceitando as ordens como se elas lhe causassem absolutamente nada. Como se tivesse feito aquilo uma centena de vezes.
– A partir dessa noite, Rio, não deixe mais fios soltos. – Os olhos gelados do homem deslizaram mordazmente para Dylan antes de voltarem para Rio. – Nenhum.
Enquanto seu aterrorizante amigo saía, Dylan virou-se agitada para Rio.
– O que ele quis dizer com eliminar os riscos? Não deixar mais fios soltos?
Rio a olhou com o cenho franzido. Havia acusação naquele penetrante olhar topázio, uma mordaz frieza e muito pouco do homem tenro e ferido que ela havia beijado naquele mesmo quarto pouco tempo antes. Dylan sentiu frio sob a rajada daquele olhar duro e era como se olhasse para um estranho.
– Não vou deixar que seus amigos façam mal a ninguém – ela disse, desejando que sua voz não soasse tão débil. – Não vou deixar que eles os matem!
– Ninguém vai morrer, Dylan. – O tom de Rio era calmo e tão distante que era quase reconfortante. – Vamos apagar das memórias deles o que eles viram nas fotografias, e de tudo o que você possa ter dito sobre a caverna, a cripta ou a Raça. Não vamos feri-los, mas precisamos limpar as mentes deles de qualquer lembrança que possam ter das coisas.
– Mas como? Eu não entendo...
– Você não precisa entender – disse calmamente.
– Porque eu também não vou me lembrar de nada, é isso o que você quer dizer?
Ele a olhou por um longo momento, em silêncio. Ela procurou em seu rosto alguma pista de emoção além daquela petrificada que ele estampava naquele momento. Nada. Tudo o que Dylan via era um homem completamente preparado para a tarefa que lhe havia sido conferida, um guerreiro comprometido com sua missão. E nem aquela ternura que ela vira nele antes ou tampouco a necessidade que ela achava que ele sentia por ela o impediriam de fazer o que tinha de ser feito. Nada. Ela era uma prisioneira à sua mercê. Um inconveniente problema que ele pretendia eliminar.
As sobrancelhas de Rio se juntaram ligeiramente enquanto ele balançava a cabeça de forma vaga.
– Esta noite você vai para casa, Dylan Alexander.
Ela deveria estar feliz ao ouvir aquilo – deveria estar aliviada, pelo menos – mas Dylan se sentia estranhamente desolada enquanto assistia o enorme corpo de Rio deixar o quarto e fechar a porta atrás de suas costas largas.
Capítulo 21
Ele voltou depois de algumas horas e lhe disse que era hora de partir. Dylan não se surpreendeu com o fato de sua próxima memória consciente ter sido acordar no banco traseiro de um SUV escuro enquanto Rio estacionava na calçada em frente ao prédio onde ela vivia, no Brooklyn. Enquanto ela se sentava, sonolenta, Rio a olhou nos olhos pelo retrovisor. Dylan franziu a testa.
– Você me fez apagar outra vez.
– Pela última vez – ele respondeu em voz baixa, como se estivesse se desculpando.
Em seguida, Rio desligou o motor e abriu a porta do lado do motorista. Estava sozinho ali na frente. Não havia sinal dos outros que deviam acompanhá-los – dos que tinham recebido ordens para cuidar das outras pendências enquanto Rio cuidava pessoalmente dela.
Deus, pensar que sua mãe estaria em contato com aqueles seres perigosos com quem Rio andava a fez estremecer de ansiedade. Sua mãe já estava enfrentando problemas suficientes. Dylan não queria que ela sequer passasse perto dessa nova e obscura realidade.
Dylan se perguntava de quanto tempo Rio precisaria para pegá-la se ela tentasse fugir do SUV. Se ela conseguisse uma vantagem suficientemente grande, talvez conseguisse chegar à estação de metrô em Midtown, onde ficava o hospital. Mas quem ela estava tentando enganar? Rio a tinha seguido de Jicín até Praga. Encontrá-la em Manhattan podia ser um desafio para ele... Um desafio que duraria aproximadamente trinta segundos.
Mas, diabos! Ela precisava ver sua mãe. Precisava estar com ela, ao lado da cama dela, e ver seu rosto para poder ter certeza de que estava bem.
Por favor, Senhor, faça com que ela esteja bem.
– Pensei que você teria companhia nesta viagem – disse Dylan, com a esperança de que algum milagre tivesse provocado uma mudança de planos e que, por conta disso, os amigos de Rio tivessem ficado para trás. – O que aconteceu com os outros caras que viriam com você?
– Eu os deixei na cidade. Eles não precisam estar aqui com a gente. Eles vão entrar em contato comigo quando terminarem.
– Quando terminarem de aterrorizar um grupo de pessoas inocentes, você quer dizer? Como você pode ter certeza de que seus colegas vampiros não vão decidir aceitar uma pequena doação de sangue com as lembranças que vão roubar?
– Eles têm uma missão específica, e vão se limitar a ela.
Dylan olhou nos olhos topázio esfumaçados que a encaravam pelo espelho.
– Exatamente como você, certo?
– Exatamente como eu. – Rio saiu do veículo e foi até a porta de trás para pegar a mochila e a bolsa lateral no assento ao lado dela. – Vamos, Dylan. Não temos muito tempo para terminar com tudo isso. – Quando ela não se moveu, Rio se aproximou e a surpreendeu com uma carícia suave na bochecha. – Vamos. Vamos entrar agora. Tudo vai ficar bem.
Ela deixou o banco de couro e subiu as escadas de concreto enquanto Rio ainda estava na entrada do edifício. Rio tirou as chaves da bolsa e passou-as para ela. Dylan abriu a fechadura e entrou no prédio, dentro do hall do saguão azul, que agora fedia a mofo, sentindo-se como se estivesse fora de casa por dez anos.
– Meu apartamento fica no segundo andar – ela murmurou, mas Rio provavelmente já sabia. Ele caminhava logo atrás dela enquanto os dois subiam as escadas até o apartamento no final de um corredor de uso comum.
Dylan destrancou a porta e Rio entrou antes dela, mantendo-a atrás dele como se estivesse acostumado a entrar em lugares perigosos – como se estivesse acostumado a fazer isso na linha de frente. Ele era um guerreiro, não havia dúvida alguma. Se fosse o caso de seu comportamento cauteloso e de seu imenso tamanho não confirmarem esse fato, a enorme arma que ele escondia no cinto de suas calças cargo pretas certamente o faziam. Ela o observou enquanto ele averiguava o local. Então, Rio parou ao lado da estação de trabalho com um computador, próximo a um canto do apartamento.
– Eu vou encontrar neste computador alguma coisa que não deveria estar aqui? – ele perguntou enquanto ligava o monitor, que se acendeu com uma luz azul clara.
– Esse computador é velho. Eu quase não o uso.
– Você não vai se importar se eu verificar – disse Rio. E aquilo não era uma pergunta, pois ele já estava abrindo e verificando o conteúdo do disco rígido. Ele não encontraria nada além de alguns dos primeiros artigos escritos por ela e algumas mensagens antigas.
– Vocês têm muitos amigos? – perguntou Dylan, posicionando-se atrás dele.
– Temos uma quantidade suficiente.
– Eu não sou um deles, você sabe – ela acendeu a luz, mais para ela mesma do que para Rio, já que ele obviamente não se importava com a escuridão. – Não vou espalhar o que você me disse, nem o que vi nesses últimos dias. Nem uma palavra, eu juro. E não é porque você vai tirar essas lembranças de mim. Eu manteria seu segredo, Rio. Só quero que você saiba disso.
– Não é tão simples assim – disse ele, agora de frente para ela. – O segredo não estaria seguro. Nem para você, nem para nós. Nosso mundo se protege, mas perigos existem, e nós não podemos estar em todas as partes. Deixar alguém fora da nação dos vampiros ter informações a nosso respeito poderia ser catastrófico. De vez em quando isso acontece, mas não é aconselhável. A verdade já foi confiada a um humano aqui ou acolá, mas algo desse tipo é extremamente raro. E eu nunca vi as coisas darem certo no final. Alguém sempre sai ferido.
– Eu sei me cuidar.
Rio deu uma leve risada, embora não houvesse humor algum em seu gesto.
– Não tenho dúvida de que você saiba. Mas isso é algo diferente, Dylan. Você não é apenas uma humana. Você é uma Companheira de Raça, e isso sempre vai significar que você é diferente. Você pode se ligar a um homem da minha espécie por meio do sangue, e vocês podem viver para sempre. Bem, algo muito parecido com para sempre.
– Você quer dizer como Tess e seu companheiro?
Rio assentiu.
– Como eles, sim. Mas para ser parte do mundo da Raça, você teria de cortar seus laços com o mundo humano. Teria de deixá-los para trás.
– Não posso fazer isso – disse ela. Seu cérebro automaticamente repelia a ideia de deixar a mãe. – Minha família está aqui.
– A Raça também é sua família. Eles cuidariam de você como uma família, Dylan. Você poderia começar uma vida muito agradável no Refúgio Secreto.
Ela não pôde deixar de notar que ele estava falando de tudo aquilo a uma cômoda distância, mantendo-se totalmente fora da equação. Uma parte dela se perguntava se seria tão fácil recusar o convite se ele estivesse pedindo pessoalmente para entrar no mundo dele.
Mas ele não estava, de forma alguma, fazendo isso. E a escolha de Dylan, fácil ou não, teria sido a mesma, independentemente do que Rio lhe oferecesse.
Negando com a cabeça, ela disse:
– Minha vida está aqui, com minha mãe. Ela sempre esteve ao meu lado e não posso deixá-la. Eu jamais faria isso. Nem agora, nem nunca.
E Dylan precisava achar uma maneira de se encontrar logo com sua mãe, ela pensou, resistindo constantemente a Rio, que media cada centímetro de seu corpo com os olhos. Ela não queria esperar até ele decidir apagar sua memória agora que ela tinha optado por deixar o mundo dos vampiros.
– Eu... é... tenho que usar o banheiro – ela murmurou. – Espero que você não ache necessário me vigiar durante esse momento...
Os olhos de Rio se estreitaram ligeiramente, mas negou com sua cabeça.
– Vá. Mas não demore muito tempo.
Dylan não podia acreditar que ele realmente a estava deixando ir ao banheiro ao lado e se trancar sozinha lá dentro. Enquanto analisava o apartamento, ele deve ter se esquecido de verificar que havia uma pequena janela no banheiro.
Uma janela que dava para uma escada de incêndios – e uma escada de incêndios que levava até a rua lá em baixo.
Dylan abriu a torneira e deixou uma pesada corrente de água fria correr pela pia enquanto refletia sobre a insanidade que estava prestes a tentar fazer. Havia um vampiro de mais de noventa quilos, treinado para combates e fortemente armado esperando por ela do outro lado da porta. E ela já tinha testemunhado aqueles reflexos, rápidos como um raio, e, portanto, as chances de vencê-los eram nulas. Tudo o que podia esperar era escapar sigilosamente, e isso significava conseguir abrir a janela deteriorada sem fazer muito ruído e, em seguida, descer a escada de incêndio instável sem fazê-la desmoronar. Se conseguisse ultrapassar esses enormes obstáculos, ela só teria de começar a correr até chegar à estação de metrô.
– Sim, muito simples.
Dylan sabia que estava louca, mesmo enquanto se apressava na direção da janela e abria o trinco. Foi necessário dar uma boa pancada para amolecer as várias camadas de tinta antiga que tinham selado aquela janela. Dylan tossiu algumas vezes, alto o suficiente para disfarçar o barulho que fazia enquanto dava as pancadas.
Ela esperou um segundo, atenta aos movimentos no cômodo ao lado. Quando estava segura de que não ouvira nada, levantou a janela e se viu diante do ar úmido da noite na cidade.
Jesus Cristo! Ela ia realmente fazer isto?
Ela tinha de fazer.
Nada era mais importante do que ver sua mãe.
Dylan colocou metade do corpo para fora, buscando assegurar-se de que o caminho estava limpo. E estava. Ela conseguiria fazer aquilo. Tinha de tentar. Depois de respirar fundo algumas vezes para criar coragem, deu a descarga e, então, subiu pela janela enquanto o banheiro produzia o ruído que abafaria sua ação.
Sua descida pela escada de incêndios foi apressada e desajeitada, mas, em alguns segundos, seus pés pousavam sobre a calçada. Assim que tocou o chão, correu desesperadamente na direção do metrô.
Enquanto a água corria na pia do banheiro, Rio de fato tinha escutado o deslizamento quase silencioso da janela que era aberta atrás daquela porta fechada. A descarga não abafou totalmente o ruído emitido pela escada de incêndio enquanto Dylan caminhava rápida, porém cuidadosamente.
Ela estava tratando de escapar, exatamente como ele esperava acontecer.
Ele tinha visto a mente de Dylan girar enquanto eles conversavam. Também percebeu um desespero crescente naqueles olhos a cada minuto em que ela era forçada a ficar no apartamento com ele. Rio sabia, mesmo antes de ela inventar aquela desculpa de precisar ir ao banheiro, que Dylan tentaria escapar dele na primeira oportunidade.
E ele poderia tê-la detido, assim como poderia detê-la agora, enquanto ela descia pela escada cambaleante de aço em direção à rua onde ficava o apartamento. No entanto, ele estava mais curioso acerca de para onde ela planejava fugir. E atrás de quem ela estava indo.
Ele acreditou quando ela disse que não pretendia expor a Raça às agências de notícias do mundo humano. Se Dylan estivesse mentindo, ele não saberia o que fazer. E não quis pensar que podia estar tão equivocado a respeito daquela mulher. Rio disse a si que nada disso importaria se ele simplesmente apagasse aquelas informações da mente dela.
Porém, ele tinha hesitado em apagar a mente dela depois que ela disse que não deixaria o mundo humano para se unir à Raça. Rio hesitou porque concluiu, de forma bastante egoísta, que simplesmente não estava pronto para apagar os pensamentos dela.
E agora ela estava correndo na noite, longe dele. Com uma cabeça cheia de lembranças e informações que ele seguramente não podia deixar na mente dela.
Rio levantou-se da escrivaninha de Dylan e entrou no pequeno banheiro. O cômodo estava vazio, como ele sabia que estaria. A janela estava escancarada, bocejando para a noite escura de verão que tomava conta do lado de fora.
Então ele saiu. Seus sapatos golpearam a escada de incêndios em uma fração de segundo antes que ele pulasse da estrutura e pousasse no asfalto, dois pisos abaixo. Rio jogou a cabeça para trás e puxou o ar para dentro de seus pulmões, até finalmente sentir o cheiro de Dylan.
Então, foi atrás dela.
Capítulo 22
Dylan ficou do lado de fora do quarto de sua mãe no décimo piso do hospital, tentando tomar coragem para entrar. O pavilhão de oncologia estava muito quieto naquela noite. Só se ouvia o bate-papo discreto das enfermeiras de plantão e o arrastar ocasional dos pés de alguns pacientes que caminhavam por ali, com suas mãos presas ao suporte para o soro que, com suas rodinhas, seguiam ao lado deles. Não muito tempo atrás, sua mãe tinha sido um desses pacientes fortes, mas agora os olhos inevitavelmente não conseguiam esconder o cansaço.
Dylan detestava pensar que havia mais daquela dor e daquela luta à frente de sua mãe. Os resultados da biópsia que os médicos tinham pedido não estariam prontos antes de alguns dias, segundo uma enfermeira lhe informara. Eles tinham esperança de que os resultados fossem positivos, de que talvez tivessem detectado o problema cedo o suficiente para começar uma nova etapa mais agressiva de quimioterapia. Dylan estava orando por um milagre, apesar do peso no peito enquanto se preparava para más notícias.
Ela bateu contra o dispensador de desinfetante para as mãos colocado junto à porta, esguichou um pouco de álcool em gel nelas e esfregou uma contra a outra. Enquanto retirava um par de luvas de látex de uma caixa no balcão e as colocava, tudo o que tinha acontecido durante os últimos dias – e também durante as últimas horas – fora deixado de lado. Esquecido. Seus próprios problemas evaporaram quando ela abriu a porta. Agora, nada importava; nada exceto aquela mulher curvada na cama, presa a cabos de monitoração e a acessos intravenosos.
Meu Deus! Como sua mãe parecia pequena e frágil deitada ali. Ela sempre tinha sido pequena, cerca de dez centímetros menor que Dylan, com os cabelos de um vermelho mais intenso, mesmo com aqueles fios brancos que haviam brotado desde a primeira batalha contra o câncer. Agora, Sharon tinha cabelos curtos, um corte espetado que a fazia parecer pelo menos uma década mais jovem do que sua verdadeira idade: 64 anos. Dylan sentiu uma pontada de ira irracional e ácida pelo fato de que uma nova fase de quimioterapia assolaria aquela gloriosa coroa formada pelos fios de cabelos vermelhos.
Caminhou suavemente até a cama, tentando não fazer ruído. Mas Sharon não estava dormindo. Ela virou-se para o lado quando Dylan se aproximou. Seus olhos eram de um verde brilhante e caloroso.
– Uau... Olá, Dylan... Minha querida. – A voz de Sharon era fraca, o único sinal físico que denunciava o fato de ela estar doente. Ela estendeu o braço e segurou a mão de Dylan, apertando-a com força.
– Como foi a viagem, querida? Quando você chegou?
Merda. Dylan se lembrou de que tinha esticado sua viagem pela Europa. Para ela, era como se um ano tivesse passado nos poucos dias que tinha estado com Rio.
– Hum... Eu acabei de chegar em casa – respondeu Dylan. Uma mentira parcial, uma meia verdade, afinal de contas.
Ela se sentou na beira do fino colchonete do quarto de hospital, mantendo as mãos juntas às de sua mãe.
– Fiquei um pouco preocupada quando você mudou seus planos de maneira tão repentina. Seu e-mail dizendo que você ficaria mais alguns dias foi tão curto e confuso. Por que não me ligou?
– Sinto muito – desculpou-se Dylan. A mentira que ela tinha de engolir causou ainda mais dor quando ela soube que deixou sua mãe preocupada. – Eu teria telefonado se tivesse conseguido. Ah, mãe... lamento que você não esteja se sentindo bem.
– Eu estou bem. Melhor agora que está aqui. – Sharon tinha o olhar calmo. – Mas eu estou morrendo, querida. Você sabe, não sabe?
– Não diga isso. – Dylan apertou a mão de sua mãe e, em seguida, trouxe aqueles dedos frios até os lábios e os beijou. – Você vai superar isso, da mesma forma como superou da outra vez. Você vai ficar bem.
O silêncio – a delicada indulgência – era uma força palpável naquele quarto. Sua mãe não forçaria o assunto, mas estava o assunto ali, como um fantasma à espreita em um canto.
– Bem, vamos falar de você! Quero saber tudo sobre o que você andou fazendo, por onde passou... Conte-me tudo o que você viu enquanto esteve fora.
Dylan olhou para baixo. Era impossível olhar sua mãe nos olhos quando não poderia dizer a verdade. E não podia dizer a verdade. Bem, a maior parte dos fatos seria inacreditável, de qualquer forma, especialmente a parte em que Dylan confessasse temer estar desenvolvendo sentimentos por um homem perigoso e cheio de segredos. Santo Deus, por um vampiro. Só de pensar, já parecia loucura.
– Quero saber mais sobre essa matéria da cova do demônio em que você está trabalhando, querida. Aquelas fotos que me enviou eram realmente impressionantes. Quando sua matéria vai ser publicada?
– Eu não estou mais trabalhando nessa matéria, mãe. – Dylan sacudiu a cabeça. Ela se arrependia por tê-la mencionado para sua mãe. E também para todas as outras pessoas. – No final, a cova era apenas uma cova – disse, com a esperança de ser convincente. – Não havia nada estranho lá.
Sharon se mostrou cética:
– É mesmo? Mas a tumba que você encontrou e as marcas incríveis nas paredes... O que tudo aquilo estava fazendo lá? Devia significar ou ter significado alguma coisa, não?
– É só uma tumba. Provavelmente muito antiga, algo como uma câmara funerária indígena.
– E as fotos que você tirou daquele homem...
– Um andarilho. Era só isso – mentiu Dylan, odiando cada sílaba que saiu de seus lábios. – As imagens fizeram tudo parecer mais importante do que realmente era. Mas não há matéria alguma, nem mesmo gente adequada para uma porcaria como o jornal de Coleman Hogg. Aliás, ele me demitiu.
– O quê? Ele não fez isso, fez?!
Dylan deu de ombros.
– Sim, é verdade. E está tudo bem, mesmo. Vou encontrar outra coisa.
– Bem, foi ele quem saiu perdendo. De qualquer forma, você é boa demais para aquele lugar. Se servir de consolo, eu achei que você estava fazendo um ótimo trabalho naquela matéria. O senhor Fasso pensou a mesma coisa. Aliás, ele comentou que tem contatos com algumas das grandes agências de notícias da cidade. Ele provavelmente encontraria algo para você se eu falasse com ele.
Ah, droga! Uma entrevista de emprego era a última coisa com que ela precisava se preocupar. Principalmente agora, quando o que Dylan acabara de ouvir tinha lhe dado um nó de terror na garganta.
– Mamãe, você não contou sobre essa história para ele, né?
– Mas é claro que eu contei! E também lhe mostrei as fotos. Sinto muito, mas não posso deixar de me gabar de você, minha pequena estrela.
– A quem... Ah, Deus... Mãe, por favor, diga que não falou sobre isso com muita gente... falou?
Sharon acariciou a mão da filha.
– Não seja tão tímida. Você é muito talentosa, Dylan, e deveria estar trabalhando em matérias maiores, mais impactantes. E o senhor Fasso concorda comigo. Gordon e eu conversamos muito sobre você algumas noites atrás, durante o cruzeiro.
Dylan sentiu seu estômago queimar com a ideia de que mais pessoas sabiam sobre o que ela tinha visto naquela caverna, mas não pôde deixar de observar o brilho de alegria nos olhos de sua mãe quando ela mencionou o nome do fundador do abrigo para fugitivos.
– Então você já está chamando o senhor Fasso pelo primeiro nome, hein?
Sharon deu risada. Um som tão juvenil e alto que Dylan por um instante esqueceu que estava sentada ao lado de sua mãe em um quarto na ala de oncologia de um hospital.
– Ele é muito bonito, Dylan. E absolutamente encantador. Eu sempre pensei que ele fosse um pouco distante, quase frio. Mas, na verdade, ele é um homem muito interessante.
Dylan sorriu:
– Você gosta dele!
– Eu gosto – confessou Sharon. – É muita sorte encontrar um cavalheiro de verdade. Talvez meu verdadeiro príncipe, quem sabe? Quando é tarde demais para eu me apaixonar...
Dylan sacudiu a cabeça, odiando escutar esse tipo de comentário vindo de sua mãe.
– Mãe, nunca é tarde demais. Você ainda é jovem. Ainda tem muito tempo de vida pela frente.
Uma sombra invadiu os olhos de Sharon enquanto ela olhava Dylan e se reclinava sobre a cama.
– Você sempre me fez sentir tanto orgulho! E você sabe disso, não sabe, minha querida?
Dylan assentiu com a cabeça, a garganta apertada:
– Sim, eu sei. E sempre pude contar com você, mãe. É a única pessoa com quem sempre pude contar durante a vida. Somos duas mosqueteiras, não é?
Sharon sorriu ao ouvir sua filha mencionar aquele apelido, mas havia lágrimas brilhando em seus olhos.
– Quero que você fique bem, Dylan. Com isto, quero dizer... Com a minha partida... com o fato de que vou morrer.
– Mãe...
– Escute, por favor. Eu me preocupo com você, querida. E não quero que você fique sozinha.
Dylan secou uma lágrima que corria aquecida pela lateral de seu rosto.
– Não deveria estar pensando em mim agora. Você precisa se concentrar em si mesma, em melhorar. Tem que pensar positivo. A biópsia pode não...
– Dylan, pare e me escute por um segundo, querida. – Sharon se sentou, lançando aquele olhar teimoso que Dylan reconhecia muito bem. Um olhar teimoso em um rosto belo, muito embora cansado. – O câncer está pior do que antes. Eu sei. Eu sinto. E eu o aceitei. Preciso saber que será capaz de suportar isso também, filha.
Dylan olhou para as mãos delas, entrelaçadas. Suas mãos estavam amareladas; as de sua mãe, quase translúcidas, os ossos e os tendões enrijecidos sob a pele fria e pálida.
– Há quanto tempo você vem cuidando de mim, querida? E não me refiro só a desde quando fiquei doente. Desde que você era uma menina, sempre se preocupava comigo e tentava fazer o melhor para cuidar de mim.
Dylan sacudiu a cabeça.
– Nós cuidamos uma da outra. Sempre foi assim.
Dedos suaves se aproximaram do queixo de Dylan, fazendo-a levantar o olhar.
– Você é minha filha. Eu vivi por você e por seus irmãos. Mas você sempre foi meu porto seguro. E você não devia ter vivido para mim, Dylan. Não devia ser o adulto nesta relação. Você merece ter alguém para cuidar sempre de você.
– Eu posso cuidar de mim – murmurou. No entanto, as palavras não soaram muito convincentes quando lágrimas corriam por suas bochechas.
– Sim, você pode. E deve. Mas você merece algo mais da vida. Eu não quero que você tenha medo de viver, ou de amar, Dylan. Pode me prometer que não vai ter medo?
Antes que Dylan pudesse dizer qualquer coisa, a porta se abriu e uma das enfermeiras entrou com algumas novas bolsas de líquidos.
– Como estamos Sharon? Como está sua dor agora?
– Um pouquinho de remédio me faria bem – ela respondeu. Seus olhos deslizaram na direção de Dylan como se estivesse escondendo seu desconforto até agora.
Algo que, obviamente, Sharon estava fazendo. Tudo era muito pior do que Dylan queria aceitar. Ela se levantou da cama e deixou a enfermeira fazer seu trabalho. Depois que a mulher se foi, Dylan voltou ao lado de sua mãe. Era tão difícil para Dylan não deixar cair por terra sua máscara de mulher forte quando olhou aqueles suaves olhos verdes e viu que a chama neles se desvanecia.
– Venha aqui e me dê um abraço, meu amor.
Dylan se inclinou e abraçou os ombros delicados e frágeis, incapaz de não perceber a fragilidade de sua mãe como um todo.
– Eu te amo, mamãe.
– Eu também te amo, querida. – Sharon suspirou enquanto acomodava as costas contra o travesseiro. – Estou cansada, preciso dormir agora.
– Tudo bem – respondeu Dylan, com uma voz rouca. – Vou ficar aqui te fazendo companhia enquanto você dorme.
– Não, não vai. – Sharon sacudiu a cabeça. – Não quero que você fique sentada aqui, preocupada comigo. Não vou deixá-la esta noite, ou amanhã, nem na próxima semana, eu prometo. Mas você precisa ir para casa agora, Dylan. Quero que vá descansar.
“Casa”, pensou Dylan, no momento em que sua mãe caía em um sono induzido por remédios. A palavra parecia estranhamente vazia enquanto ela se lembrava de seu apartamento e das poucas coisas que ela tinha. Aquilo não era casa para ela. Se agora Dylan precisasse ir a algum lugar em que se sentia segura e protegida, aquele buraco lastimável não seria esse lugar. Nunca fora.
Dylan se levantou para sair do quarto. Quando secava as lágrimas, seu olhar percebeu um rosto sombrio e o contorno de ombros largos contra a luz do corredor.
Rio.
Ele a tinha encontrado. Ele havia lhe seguido até ali. Embora todos os sentidos lhe dissessem para fugir dele, Dylan se aproximou. Abriu a porta e o encontrou do lado de fora do quarto de sua mãe. E, sem conseguir falar, ela apenas o envolveu em seus braços e chorou suavemente naquele peito forte sobre o qual ela descansava, agora, a cabeça.
Capítulo 23
Rio não esperava que ela fosse em sua direção ao vê-lo parado ali.
Agora que Dylan estava em seus braços, com o corpo tremendo enquanto chorava, ele viu-se completamente perdido. Ele tinha se livrado de uma parte considerável de sua fúria e de sua suspeita durante o tempo que levou até começar a segui-la pela cidade. Sua cabeça girava por conta de todo aquele barulho e pela presença excessiva de humanos em todos os cantos para onde olhava. Suas têmporas gritavam em consequência das luzes claras enquanto todos os seus sentidos pareciam lutar contra ele.
Mas nada disso importava durante os longos instantes em que ele estava ali, abraçando Dylan, sentindo-a tremer com um medo e uma angústia que chegavam aos ossos. Ela sentia dor, e Rio sentiu uma necessidade esmagadora de protegê-la. Não, ele não queria – não podia – vê-la sentir uma dor como aquela.
Madre de Dios, ele odiava vê-la daquela forma.
Rio acariciou aquelas costas delicadas, encostou sua boca na testa de Dylan enquanto ela acomodava-se logo abaixo do queixo dele. E murmurou algumas palavras confortadoras enquanto oferecia alguns gestos suaves. Isso era tudo que ele conseguia pensar em fazer por ela.
– Tenho tanto medo de perdê-la – sussurrou Dylan. – Ah, Deus... Rio, eu estou aterrorizada.
Ele não precisou pensar muito para saber de quem Dylan estava falando. A paciente que dormia no quarto ao lado tinha os mesmos cabelos flamejantes, era praticamente uma versão mais idosa daquela mulher que Rio agora tinha em seus braços.
Rio inclinou o rosto de Dylan, coberto de lágrimas, em sua direção:
– Você poderia me levar embora daqui, por favor? – ela pediu.
– Eu posso levá-la aonde você quiser – disse Rio, passando a ponta de seu polegar pela bochecha dela, apagando as marcas de lágrimas. – Você quer ir pra casa?
O riso entristecido de Dylan soava tão destruído, tão perdido.
– Podemos simplesmente... sair para caminhar um pouco?
–Sim, é claro – ele assentiu, escondendo-a sob seu braço. – Vamos sair daqui.
Os dois caminharam em silêncio até o elevador, e logo depois saíram do hospital em direção à noite aquecida. Rio não sabia para onde levá-la, então simplesmente caminhou ao lado dela. A poucas quadras do hospital havia uma passarela que conduzia a East River. Eles a cruzaram e, enquanto passeavam pela lateral do rio, ele notou alguns pedestres observando-o.
Percebeu alguns olhares furtivos em suas cicatrizes, e mais de um olhar curioso, como se questionasse o que ele estava fazendo com uma mulher tão linda como Dylan. Uma boa pergunta, e uma pergunta para a qual ele não tinha uma resposta razoável naquele momento. Ele a tinha trazido para a cidade em uma missão – uma missão que certamente não permitia desvios desse tipo.
Dylan finalmente desacelerou, parando contra o corrimão de ferro que funcionava como um mirante para olhar a água.
– Minha mãe ficou muito doente no outono passado. Ela pensou que era bronquite, mas não era. Os exames apontaram câncer de pulmão, embora ela nunca tenha fumado um cigarro sequer na vida. – Dylan ficou em silêncio durante um longo momento. – Ela está morrendo. Foi o que ela acabou de me dizer esta noite.
– Sinto muito – disse Rio, caminhando a seu lado.
Ele queria tocá-la, mas não estava seguro de que ela precisasse de seu consolo. Não estava seguro de que ela aceitaria seu consolo. Em vez disso, ele tocou uma mecha de seus cabelos soltos. Seria fácil fingir que estava tentando evitar que alguns fios fossem soprados pela brisa do verão na direção do rosto dela.
– Não era para eu fazer aquela viagem pela Europa. Aquilo seria a grande aventura de minha mãe com suas amigas, mas ela não estava bem o suficiente para ir, então acabei indo no lugar dela. Eu não devia estar lá. Eu nunca teria posto o pé naquela caverna maldita. Eu nunca teria encontrado você.
– E agora você gostaria de poder desfazer tudo. – Aquilo não era uma pergunta, mas apenas um fato que Rio constatou.
– Eu gostaria de poder desfazer, por ela. Gostaria que ela pudesse ter vivido aquela aventura. Gostaria que minha mãe não estivesse doente. – Dylan virou o rosto para Rio. – Mas eu gostaria de tê-lo conhecido.
Rio ficou surpreso, em silêncio, ao ouvi-la admitir aquilo. Então, ele levou a mão até a linha suave do maxilar de Dylan e olhou profundamente para aquele rosto tão branco e tão lindo a ponto de deixá-lo sem ar. E a forma como ela olhava para ele... Madre de Dios! Era como se ele fosse um homem digno de tê-la, como se ele fosse um homem que ela poderia amar...
Ela expirou um golpe de ar silencioso e regular.
– Eu deixaria tudo para trás sem precisar pensar, Rio. Mas não isso. Não você...
Ah, Cristo.
Antes que ele pudesse se convencer de que aquilo era uma má ideia, Rio abaixou a cabeça e a beijou. Um encontro suave entre as bocas, um toque doce que não deveria fazê-lo arder como de fato fez. Rio se entregou ao doce sabor da boca de Dylan, de modo que ela se sentisse bem naqueles braços.
Ele não devia desejar tão intensamente aquilo. Não devia sentir aquela necessidade, aquela doce afeição que o queimava por dentro toda vez que ele pensava em Dylan.
Rio não devia puxá-la para tão perto, entrelaçando seus dedos nos cabelos sedosos, atraindo-a tão profundamente naquele abraço. Perdendo-se naquele beijo. Ele precisou de muito tempo para se afastar daquele beijo. E, enquanto ainda erguia a cabeça, não conseguiu deixar de acariciar aquele rosto macio. Não conseguia afastar-se dela.
Um grupo de adolescentes passou por eles, garotos desordeiros em roupas grandes demais para seus tamanhos. Eles falavam alto e empurravam uns aos outros à medida que andavam. Rio manteve os olhos nos jovens, suspeitando quando viu o grupo parar ao lado do corrimão para ver quem cuspia mais longe. Eles não pareciam claramente perigosos, mas o tipo de garotos que estava eternamente em busca de problemas.
– Demetrio?
Rio lançou um olhar para Dylan, confuso:
– Hum!?
– Estou perto? Quer dizer, estou perto de dizer seu nome verdadeiro... É Demetrio?
Ele riu, e não pôde resistir. Beijou-a na ponta daquele nariz sardento.
– Não, não é Demetrio.
– Está bem. Bom, então é ... Arrio? – Ela tentou adivinhar, sorrindo para ele sob a luz da lua enquanto caía ligeiramente naqueles braços fortes. – Oliverio? Denny Terrio?
– Eleuterio – ele esclareceu.
Dylan arregalou os olhos:
– Eu-leu-o quê?
– Meu nome é Eleuterio de la Noche Atanacio.
– Nossa! Acho que isso faz Dylan soar bastante comum, não é?
Rio caiu na risada.
– Nada a seu respeito é comum, pode ter certeza.
O sorriso de Dylan era surpreendentemente tímido.
– Então, o que significa um nome lindo como esse?
– Em uma tradução aproximada, seria algo como aquele que é livre e que vive para sempre na noite.
Dylan suspirou.
– Que lindo nome, Rio. Sua mãe deve tê-lo amado muito para lhe dar um nome tão incrível como esse.
– Não foi minha mãe quem me deu esse nome. Ela morreu quando eu era muito jovem. O nome veio mais tarde, de uma família da Raça que vive em um Refúgio Secreto no meu país de origem. Eles me encontraram e me adotaram como um membro daquela família.
– O que aconteceu com a sua mãe? Quer dizer, não precisa me dizer se você não... Eu sei que faço muitas perguntas – disse ela, encolhendo os ombros como se quisesse se desculpar.
– Não, eu não me importo em contar para você – disse Rio, impressionado por estar dizendo aquilo de forma sincera.
Em geral, Rio detestava falar de seu passado. Ninguém na Ordem sabia os detalhes que envolviam o começo de sua vida, nem mesmo Nikolai, que Rio considerava seu amigo mais próximo. Ele não havia sentido nenhuma necessidade de falar sobre isso com Eva. Ela conhecia sua história, pois eles tinham se conhecido no Refúgio Secreto espanhol, onde Rio fora criado.
Eva havia, por educação, escolhido ignorar os fatos desagradáveis que cercavam o nascimento de Rio e os anos que ele tinha passado como um menino enjeitado, matando porque precisava matar, porque não conhecia nenhuma outra opção. Ela nunca perguntou nada sobre o jovem selvagem que ele havia sido antes de ser trazido para o Refúgio Secreto e descobrir como se tornar algo melhor do que o animal que ele tinha se tornado para conseguir sobreviver sozinho.
Rio não queria que Dylan o olhasse com medo ou nojo, mas uma grande parte dele queria contar a verdade a ela. Se conseguia olhar para seu exterior cheio de cicatrizes e não desprezá-lo, talvez também fosse suficientemente forte para ver a destruição que existia dentro dele.
– Minha mãe vivia nos subúrbios de um povoado rural muito pequeno na Espanha. Ela ainda era muito jovem, possivelmente tinha por volta de dezesseis anos quando foi estuprada por um vampiro que havia se transformado em Renegado. – Rio manteve a voz baixa para não ser escutado, embora os humanos mais próximos (os adolescentes rebeldes que ainda se divertiam por ali) não estivessem prestando atenção nenhuma a eles. – O Renegado se alimentou dela enquanto a estuprava, mas minha mãe reagiu. Ela o mordeu, ao que parece. Uma quantidade razoável do sangue dele entrou na boca e, consequentemente, no corpo dela. Como ela era uma Companheira de Raça, a combinação do sangue com o sêmen dele resultou em uma gravidez.
– Você... – sussurrou Dylan. – Ah, meu Deus, Rio. Deve ter sido terrível para ela passar por isso. Mas pelo menos ela teve você no final.
– Foi um milagre ela não ter me abortado – disse ele, olhando para as águas negras e brilhantes do rio, recordando a angústia de sua mãe sobre a abominação a que ela tinha dado à luz. – Minha mãe era apenas uma jovem camponesa. Ela não foi educada, não no sentido de ir à escola, e também não sabia dos assuntos da vida. Vivia sozinha em uma casinha na floresta, construída por seus familiares anos antes de eu nascer.
– O que você quer dizer?
– Manos del diablo – respondeu Rio. – Eles temiam as mãos do diabo. Você se lembra de que eu disse que todas as mulheres que nascem com a marca de Companheira de Raça têm dons especiais... Habilidades de algum tipo?
– Sim – confirmou Dylan
– Bem, o dom da minha mãe era obscuro. Com um toque e um pouco de concentração, ela conseguia trazer a morte. – Rio praguejou em voz baixa e ergueu suas mãos letais: – Manos del diablo.
Dylan permaneceu calada por um momento, estudando-o em silêncio.
– Você também tem esse dom?
– Uma mãe Companheira de Raça passa muitas características para seus filhos: cabelo, pele e cor dos olhos... assim como seus dons. Acredito que se minha mãe soubesse exatamente o que estava crescendo em seu ventre, ela teria me matado muito antes de eu nascer. Ela tentou isso pelo menos uma vez, depois de tudo o que aconteceu.
As sobrancelhas de Dylan enrugaram enquanto ela suavemente colocava sua mão sobre a dele, que estava apoiada na cerca de aço.
– O que aconteceu?
– Esta é uma de minhas primeiras lembranças – Rio confessou. – Veja bem, os filhos da Raça nascem com presas pequenas e afiadas. Logo que saem do útero, precisam de sangue para sobreviver. Sangue e escuridão. Minha mãe deve ter percebido e tolerado tudo isso sozinha, porque, de alguma forma, eu sobrevivi à infância. Para mim, era perfeitamente natural evitar o sol e sugar o pulso de minha mãe para me alimentar. Acredito que, por volta dos meus quatro anos, percebi que ela chorava toda vez que eu precisava me alimentar. Ela me desprezava, desprezava o que eu era e, mesmo assim, eu era tudo que ela tinha.
Dylan acariciou o dorso da mão de Rio.
– Não consigo imaginar como isso deve ter sido para vocês dois.
Rio encolheu o ombro.
– Eu não conhecia outra maneira de viver. Mas minha mãe conhecia. Certo dia, com as cortinas de nossa casa fechada para evitar a luz do dia, minha mãe me ofereceu seu pulso. Quando eu o aceitei, senti sua outra mão se aproximar por trás da minha cabeça. Ela me segurou ali, e a dor me atingiu como se um raio tivesse caído sobre meu crânio. Eu gritei e abri os olhos. Ela estava chorando muito, soluçava enquanto me alimentava e segurava minha cabeça com a mão.
– Jesus Cristo! – sussurrou Dylan, claramente impressionada. – Ela queria matá-lo com o toque?
Rio recordou o choque profundo que sentira quando tinha se dado conta daquilo, uma criança assistindo aterrorizada a pessoa que mais confiava tentar acabar com sua vida.
– Ela não conseguiu ir até o fim – murmurou ele com uma voz apática. – Não sei quais foram seus motivos, mas ela retirou bruscamente a mão e fugiu da casa. Eu não a vi durante dois dias. Quando ela voltou, eu estava faminto e aterrorizado. Pensei que tivesse me abandonado para sempre.
– Ela também tinha medo – apontou Dylan, e Rio ficou contente por não ouvir qualquer sinal de piedade naquela voz. Os dedos de Dylan estavam aquecidos e eram reconfortantes quando ela segurou a mão dele. A mão que Rio acabava de dizer que poderia causar a morte com apenas um toque. – Vocês dois devem ter se sentido muito isolados e solitários.
– Sim – disse ele. – Suponho que sim. Tudo terminou mais ou menos um ano depois. Alguns dos homens da vila viram minha mãe e aparentemente se interessaram por ela. Eles apareceram um dia em casa enquanto nós estávamos dormindo. Três deles. Arrombaram a porta e correram atrás dela. Deviam ter ouvido rumores a respeito dela, porque a primeira coisa que fizeram foi prender as mãos de minha mãe para que ela não pudesse tocá-los.
O ar de Dylan ficou preso em sua garganta.
– Minha nossa, Rio...
– Eles arrastaram-na para fora. Corri atrás deles, tentando ajudá-la, mas a luz do sol era intensa demais e me cegou durante segundos que pareceram uma eternidade, e minha mãe gritava, implorando para que eles não fizessem mal a ela ou a mim.
Rio ainda conseguia visualizar as árvores, tão verdes e exuberantes; o céu, tão azul lá em cima... Uma explosão de cores que ele até então só tinha visto escurecidas quando estava na segurança da noite. E ele ainda conseguia visualizar os homens, três grandes humanos, agredindo uma mulher indefesa, enquanto seu filho assistia, congelado pelo terror e pelas limitações de seus cinco anos.
– Eles a espancaram enquanto a chamavam de nomes horríveis: Maldecida. Manos del diablo. La puta de infierno. Algo tomou conta de mim quando vi o sangue de minha mãe correndo pelo chão. Pulei em um dos homens. Eu estava tão furioso que queria que ele morresse em agonia... e assim foi. Depois que entendi o que tinham feito, fui para cima do outro homem. Então, eu o mordi na garganta e me alimentei dele, enquanto meu toque o matava, lentamente.
Dylan agora o encarava sem dizer nada. Totalmente paralisada.
– O último, então, percebeu o que eu tinha feito. E me chamou dos mesmos nomes que tinha chamado minha mãe, acrescentando dois outros que eu nunca tinha ouvido antes: Comedor de la Sangre e Monstruo; Comedor de sangue e monstro. – Rio soltou uma risada insegura. – Até aquele momento, eu não sabia o que era. Mas, enquanto eu matava o último dos agressores de minha mãe e a via morrer na grama iluminada pelo sol, certo conhecimento enterrado em mim parecia acordar e se levantar. Finalmente entendi que eu era diferente, e o que isso significava.
– Você era apenas uma criança – disse Dylan com uma voz suave. – Como sobreviveu depois disso?
– Durante certo período, passei fome. Tentei me alimentar com sangue de animais, mas aquilo era como veneno. Procurei meu primeiro humano aproximadamente uma semana depois do ataque. Eu estava louco de fome, e não tinha experiência em como encontrar alimento. Matei várias pessoas durante as primeiras semanas em que vivi sozinho. Eu acabaria me tornando um Renegado, mas então um milagre aconteceu. Eu estava perseguindo minha presa na floresta quando uma grande sombra saiu das árvores. Eu pensei que fosse um homem, mas ele se movia com tanta agilidade e discrição que eu mal podia focar meus olhos nele. Ele também estava caçando. Foi atrás do camponês em que eu estava de olho e, com uma graça que eu certamente não tinha, ele derrubou o humano e começou a se alimentar da ferida que abrira na garganta daquele homem. Aquela criatura era um sugador de sangue, como eu.
– O que você fez, Rio?
– Eu assisti, fascinado – ele respondeu, recordando com tanta clareza como se tudo aquilo tivesse acontecido poucos minutos atrás. Depois, continuou: – Quando tudo terminou, o homem se levantou e se afastou como se nada incomum tivesse acontecido. Eu estava impressionado e, quando inspirei, o sugador de sangue me viu escondido por ali. Ele me chamou e, depois de perceber que eu estava sozinho, levou-me com ele até sua casa; a um Refúgio Secreto. Conheci muitos outros como eu, e descobri que eu era parte de um grupo chamado Raça. Como minha mãe não tinha me dado um nome, minha nova família no Refúgio Secreto me deu o nome que eu tenho agora.
– Eleuterio de la Noche Atanacio – disse Dylan. As palavras soavam agradavelmente doces saindo da boca dela. Sua mão, agora apoiada com ternura sobre as cicatrizes do rosto de Rio, transmitia uma sensação extremamente reconfortante. – Meu Deus, Rio... é um milagre que você esteja aqui comigo.
Ela se aproximou dele, olhando-o nos olhos. Rio mal conseguia respirar enquanto ela ficava na ponta dos pés e inclinava o queixo para beijá-lo. Os lábios deles se uniram pela segunda vez naquela noite... E com uma necessidade que nenhum deles parecia disposto ou capaz de esconder.
Eles poderiam ficar ali, para sempre se beijando.
Mas foi exatamente naquele momento que o passeio tranquilo se tornou assustador, com o estrondo repentino provocado por armas de fogo.
CONTINUA
Capítulo 18
Rio passou as últimas horas antes da alvorada com Dante no pátio atrás do complexo da Ordem. Em seguida, dirigiu-se à capela do complexo, onde passou mais um pouco de tempo sozinho. O pequeno e tranquilo santuário onde a Ordem realizava suas cerimônias mais importantes ou íntimas sempre funcionava como um refúgio para ele. Mas não agora. Tudo o que ele via no espaço iluminado por luz de velas fazia-o recordar a decepção que Eva lhe causara.
Por culpa dela, fazia mais de um ano, eles tiveram que ungir e cobrir com uma mortalha branca um dos membros mais nobres da Ordem e colocá-lo sobre o altar diante daquelas fileiras de bancos. A morte de Conlan em um túnel subterrâneo no verão passado tinha sido acidental – a infelicidade de estar no local errado, na hora errada. No entanto, seu sangue estava nas mãos de Eva.
Rio ainda podia vê-la parada a seu lado na capela, apoiando-se nele e chorando. E, durante todo o tempo, escondendo sua traição. Esperando até a próxima oportunidade para poder conspirar com seus inimigos como parte de uma tentativa equivocada de ver Rio afastado da Ordem – mesmo que, para isso, ele tivesse de ser ferido – e finalmente como uma posse exclusiva dela.
A ironia disso estava no fato de que ele não deixaria a Ordem.
Ele não queria deixar – e não deixaria – o grupo enquanto se sentisse minimamente útil para os guerreiros que tinham sido praticamente uma família para ele durante quase um século. A não ser que ele perdesse a sanidade e o autocontrole por conta da explosão que poderia – e devia – tê-lo matado.
– Droga! – resmungou Rio, dando meia-volta para sair o mais rápido possível daquela capela.
Ele não tinha que estar ali passando o tempo com velhos fantasmas e com a desgraça que eles lhe traziam. Tudo do que Rio precisava para lembrar-se de Eva era uma olhada de relance em um espelho ou no reflexo de uma janela. E ele tentava com todas as suas forças não fazer isso, não apenas pelo choque que sentia toda vez que via aquela imagem que lhe devolvia o olhar, mas também porque queria expulsar Eva de uma vez por todas de sua vida. O simples fato de ouvir o nome daquela vagabunda traidora já era suficiente para que ele tivesse um incontrolável ataque fúria.
Como Dylan, infelizmente, agora poderia confirmar.
Rio se perguntava se ela estaria bem. Tess teria cuidado muito bem de Dylan – mesmo sem seu toque mágico da cura, ausente agora que ela estava grávida – mas, ainda assim, Rio se perguntava se ela estaria bem. Ele se detestava por ter reagido daquela forma. Dylan provavelmente pensava o mesmo. Isso se ela não estivesse ocupada sentindo pena pelo desastre mental que ele tinha provado ser.
Sentindo-se tão solitário e desprendido da realidade quanto um fantasma, Rio saiu da capela do complexo e vagou pelo labirinto de corredores até chegar à enfermaria, que estava vazia. Tomou uma ducha rápida na sala de recuperação que tinha sido sua morada durante os meses que se seguiram à explosão, deixando a água quente levar a dor que havia em seus músculos e a tensão que pulsava em suas têmporas. Quando desligou a água e se enxugava com uma toalha, seus pensamentos se voltaram para Dylan. Estar aqui, retida contra sua vontade, não devia estar lhe fazendo bem. E libertá-la significava colocar um fim – o mais rápido possível – na matéria que ela tinha começado a escrever.
Era de manhã, o que significava o fim do trabalho para os membros da Raça. Mas não para os humanos que viviam lá em cima. Os humanos deviam estar começando seu dia habitual, o que significava que o chefe de Dylan no jornal tinha mais um dia para pensar a respeito da publicação daquela matéria; o que significava mais um dia para as mulheres com quem Dylan estava viajando discutirem a caverna encontrada e especular sobre o que poderia haver lá dentro. Mais um dia para o erro cometido por Rio poder ser desvendado e colocar a Ordem e toda a nação dos vampiros em perigo caso fossem descobertos pelos humanos.
Rio vestiu um par de calças frouxas azul-marinho e uma camiseta cavada que ainda estava no guarda-roupa com algumas outras coisas que restavam desde sua longa passagem pela sala de enfermaria. Quando caminhou pelo corredor em direção a seus aposentos, tinha um novo objetivo em mente. Sua cabeça estava mais limpa e agora ele se sentia bem e pronto para fazer Dylan colocar um ponto-final naquela maldita matéria sobre a caverna. E logo.
No entanto, quando ele abriu a porta de seus aposentos, o ambiente estava escuro. Apenas um pequeno abajur de mesa estava aceso no canto da sala de estar, como uma luz noturna brilhando para ele, caso decidisse voltar. Rio observou atentamente o leve brilho que lhe dava as boas-vindas enquanto entrava no quarto e fechava a porta silenciosamente.
Dylan estava dormindo. Ele podia vê-la deitada em sua cama no outro quarto, o corpo curvado sobre o edredom. Não restava dúvidas de que ela estava exausta. Os três dias passados pareciam estar finalmente pesando. Caramba, eles pareciam estar pesando também para ele.
Rio andou pelo quarto escuro e, assim que avistou as pernas longas e nuas de Dylan, rapidamente se esqueceu do objetivo que tinha em mente no caminho até lá. Ela estava usando um baby-doll e shorts xadrez com cores claras, peças que ela claramente tinha tirado de sua bagagem, agora aberta ao lado de sua cama.
O conjunto de algodão era nada sexy – certamente nada próximo dos laços e cetins caros com os quais Eva costumava desfilar para ele. Mas Dylan estava linda, mesmo quase nua... E estava linda dormindo na cama dele.
Madre de Dios! Linda demais!
Rio puxou uma manta de seda de uma cadeira no canto do quarto e a levou para a cama a fim de cobri-la. E não fez isso apenas para ser gentil. Como um membro da Raça, Rio tinha a visão mais aguçada durante a noite – todos os seus sentidos eram bem mais aguçados e, naquele momento, eles começavam a oprimi-lo com ideias ligadas àquela mulher seminua deitada tão vulneravelmente perto dele.
Ele tentou não notar que os seios de Dylan estavam deliciosamente nus debaixo do fino algodão da blusa sem manga. A tentação de olhar fixamente aquela pele branca e macia – especialmente a área exposta do abdômen, onde a peça de roupa estava amarrotada e subia tão perfeita e insidiosamente acima do umbigo – era forte demais para ele conseguir resistir.
No entanto, quando ele se aproximou da beira da cama com a manta, ela se mexeu ligeiramente, mudando a posição de suas pernas e ajeitando-se um pouco melhor sobre as costas. Rio ficou paralisado, torcendo para que ela não despertasse e o encontrasse inclinado ali em cima como um fantasma.
Olhar para ela o deixava com uma dor acalentada no peito. Ele não tinha direito algum sobre Dylan, mas uma onda de possessividade correu por seu sangue, acompanhada por vários milhares de volts de eletricidade. Ela não lhe pertencia – e não seria dele, independente de qual caminho ela escolhesse seguir no final de tudo aquilo. Não importava se ela escolheria um futuro entre os da Raça em um Refúgio Secreto ou se viveria lá fora, sem memória alguma de Rio e sua espécie, ela não lhe pertenceria. Dylan merecia algo melhor, não restava dúvida quanto a isso.
Outro homem – da Raça ou não – seria muito mais adequado para cuidar de uma mulher como Dylan. Outro homem teria o privilégio de explorar as delicadas e macias curvas de sua pele sedosa. Seria de outro homem o prazer de provar aquele pulso delicado que golpeava docemente na base de sua garganta. Outro homem da Raça teria a honra de perfurar as veias de Dylan com uma mordida suave e completamente erótica. Seria de outro homem – e jamais dele – o juramento de protegê-la de todos os males e de sustentá-la fielmente para todo o sempre com o sangue e a força de seu corpo imortal.
Não seria direito dele. Absolutamente, pensou Rio sombriamente enquanto colocava, da forma mais delicada que conseguia, a manta sobre o corpo seminu de Dylan. Ele não devia desejar um pedaço sequer dela.
Entretanto, ele desejava. Deus, como desejava!
Rio ardia de desejo, mesmo sabendo que não deveria ter esse sentimento. Ele tentou se convencer de que tinha sido um mero acidente o fato de suas mãos terem roçado contra as curvas do corpo dela enquanto ele a cobria com a leve seda. Ele não pretendia deixar seus dedos percorrerem as ondas daqueles cabelos vermelhos ardentes, ainda ligeiramente umedecidos em virtude de um recente banho. Ele não pôde resistir e tocou a leve linha da maçã do rosto e a pele macia sob a orelha de Dylan.
E ela não reagiu quando ele olhou para o pequeno curativo que cobria o corte que tinha lhe causado.
Merda! Isto era tudo o que ele tinha a oferecer: dor e desculpas. E ela só o deixava chegar tão perto porque não sabia que ele estava ali.
Dylan não estava acordada para ver aquele demônio parado sobre ela na escuridão, roubando-lhe carícias e contemplando a ideia de fazer muito mais do que simplesmente roçar os dedos másculos em sua pele delicada. Rio a desejava tanto que suas presas mordiscavam a própria língua. Os olhos do guerreiro, transformados pela luxúria que ele agora sentia, brilhavam em uma cor âmbar intensa. Aqueles raios típicos da Raça a banhavam em um brilho suave, iluminando cada profunda e deleitável curva do corpo de Dylan.
Ele afastou suas mãos dela e ela se espreguiçou, provavelmente para tentar aliviar o calor daquele olhar. Um rápido pestanejar das pálpebras dele desligou imediatamente o par de refletores, inundando o quarto novamente com a escuridão total.
Rio se afastou sem fazer qualquer ruído.
Então, arrastou-se para fora do quarto antes que pudesse demonstrar mais do seu lado ladrão, que ele tanto temia assumir quando estava perto daquela mulher.
A princípio, Dylan pensou que o toque a tivesse despertado, mas os dedos que acariciavam suavemente sua bochecha tinham um calor relaxante que deixou seu sono mais voluptuoso. Na verdade – ela percebeu depois – fora a ausência daquele calor a responsável por dissipar seu sonho prazeroso.
Ela abriu os olhos e não conseguiu ver nada além da escuridão do quarto.
O quarto de Rio. A cama de Rio.
Ela se sentou, sentindo-se extremamente desconfortável com o fato de ter caído no sono depois de ter tomado uma ducha mais cedo naquela mesma noite. Ou já era dia? Dylan não sabia, e não poderia saber, já que não havia janela alguma nos quase duzentos metros quadrados daquele apartamento.
O lugar estava escuro e silencioso, mas Dylan acreditava não estar sozinha.
– Olá?
Um grande silêncio foi tudo o que recebeu como resposta.
Ela lançou um olhar para a sala de estar e notou que o abajur que tinha deixado aceso agora estava apagado. E alguém definitivamente esteve ali em algum momento, pois havia uma manta sobre seu corpo – a mesma manta que ela havia deixado sobre uma das cadeiras.
Tinha sido Rio. Ela estava absolutamente certa de que fora ele.
Ele tinha estado ao lado da cama não havia muito tempo. Foi o toque dele que transmitiu uma sensação deliciosa para a pele dela, uma sensação que se transformou em frio quando ele se foi.
Dylan deu meia-volta e colocou seus pés descalços no chão. Caminhou suavemente até as portas, fechadas, e abriu-as cuidadosamente enquanto se esforçava para conseguir enxergar qualquer coisa do outro lado da escura sala de estar.
– Rio... Você está dormindo?
Dylan não perguntou se ele estava ali; ela sabia que ele estava. Podia sentir a presença dele na forma como seu coração pulsava, na forma como o sangue corria apressado em suas veias. Ela atravessou o cômodo até onde recordava ter visto um abajur sobre uma escrivaninha. Então, estendeu a mão cuidadosamente na direção da base fria de porcelana do objeto.
– Deixe apagada.
Dylan virou a cabeça na direção do som da voz de Rio. Ele estava à direita dela, perto do centro do quarto. Agora que os olhos de Dylan tinham se adaptado à falta de luz, ela podia ver a grande e escura silhueta sobre o sofá aveludado. O tronco e os longos membros de Rio faziam o leve contorno do móvel desaparecer.
– Pode ficar com sua cama. Eu não pretendia dormir lá.
Ela caminhou um pouco mais na direção do centro do quarto... E escutou um grunhido baixo ecoar de sua direção.
Meu Deus. Dylan ficou congelada a poucos passos do sofá. Estava ele em meio a outro ataque como o anterior? Ou ainda não tinha se recuperado totalmente?
Dylan limpou a garganta. Desafiadora, deu mais um passo na direção dele.
– Você está... hum, você... precisa de alguma coisa? Se houver algo que eu possa fazer...
– Droga! – O som da voz de Rio trazia mais uma sensação de desespero do que de fúria. Ele fez mais um daqueles seus movimentos rápidos como um piscar de olhos, levantando-se rapidamente do sofá e dirigindo-se para a parede mais afastada. O mais longe de Dylan que conseguia.
– Dylan, por favor. Apenas volte para a cama. Você precisa ficar longe de mim.
Aquele provavelmente era um bom conselho. Manter-se longe de um vampiro traumatizado e com um nível nuclear de raiva incontrolável era provavelmente a coisa mais sensata que ela podia fazer. Mesmo assim, Dylan continuou em movimento, como se seu bom senso e seu instinto de sobrevivência tivessem feito as malas e embarcado em férias repentinas.
– Eu não tenho medo, Rio. Eu sei que você não vai me ferir.
Ele não disse algo para confirmar, tampouco para negar. Dylan podia ouvi-lo respirar – isso se aquele ofegar baixo e pesado pudesse ser considerado respiração. Ela se sentia como se estivesse se aproximando de um animal selvagem ferido, incerta sobre se oferecer a mão geraria confiança ou um ataque de presas e garras.
– Você estava no quarto comigo há alguns minutos... não estava? – Ela continuou avançando regularmente, sem se deixar intimidar pelo peso do silêncio de Rio ou da escuridão que o envolvia. – Você tocou em mim. Eu senti sua mão em meu rosto. Eu gostei, Rio. Não queria que você parasse.
Ele xingou, usando palavras realmente agressivas. Ela não só sentiu a presença como também viu a cabeça de Rio se aproximar bruscamente. Uma pausa e, então, ele devia ter aberto os olhos, pois a escuridão foi subitamente cortada por dois raios âmbar apontados diretamente para ela.
– Seus olhos... – ela murmurou, sentindo-se uma mariposa diante de uma chama flamejante.
Dylan tinha visto os olhos de Rio se transformarem de topázio em âmbar quando ele entrara nos aposentos algumas horas atrás. Mas isso... isso era diferente. Agora havia um arder naqueles olhos, algo diferente da raiva e da dor. Mais intenso, se é que isso fosse possível.
Dylan não conseguia se mover. Apenas permaneceu ali, parada no caminho aquecido pelo olhar de Rio, sentindo que aquilo consumia seu corpo inteiro – e gostando do que consumia seu corpo inteiro. Seu coração se acelerou e passou a bater irregularmente enquanto aquele olhar fixo a queimava, atravessando sua pele.
Agora Rio estava se movimentando, aproximando-se dela com a graça de um predador. Jesus Cristo!
– Por que você apareceu naquela montanha? – ele perguntou a Dylan em um tom áspero e acusador.
Dylan engoliu em seco, observando-o aproximar-se dela em meio à escuridão. Ela começou a dizer que tinha sido Eva quem a tinha guiado até lá, mas aquilo era apenas parte da verdade. O fantasma de Eva havia lhe mostrado o caminho, mas Dylan tinha voltado por vontade própria àquela caverna – para ver Rio.
Mais do que qualquer outra coisa – incluindo o trabalho que poderia salvar seu emprego com a história de um demônio nas colinas da Boêmia –, foi Rio quem a levou a ficar na caverna e a tentar estender a mão para ele quando o bom senso lhe dizia para fugir. Era ele quem a obrigava a estar ali agora. O desejo que ela sentia por ele mantinha seus pés presos ao chão quando o medo deveria forçá-la na direção oposta o mais rápido possível.
Rio estava bem em frente dela agora, ainda mascarado pela escuridão, exceto pelo brilho misterioso e extremamente sedutor de seus olhos de vampiro.
– Que inferno, Dylan! Por que você apareceu lá? – As mãos de Rio estavam firmes quando ele a pegou pelos braços. Em seguida, ele a sacudiu, mas era ele quem tremia. – Por quê? Por que teve de ser você?
Ela sabia que um beijo estava próximo, mesmo na escuridão. Porém, a pressão inicial da boca dele sobre a dela a fez sentir uma chama incontrolável tomar conta de seu corpo. Uma chama que a queimava, um desejo ardente que tomava conta de seu coração. Ela se deixou levar, perdendo-se no toque dos lábios e – ah, Jesus! – das presas de Rio. Dylan sentiu as pontas afiadas quando teve a boca aberta pela língua dele, forçando-a a aceitar o que ele tinha para lhe oferecer.
Dylan não tentaria resistir. Ela nunca tinha sentido nada tão erótico quanto o roçar das presas de Rio. Havia tanto poder letal naquilo; ela podia sentir o perigo, mas estava prestes a perder o controle. Rio a abraçou ainda mais forte e a beijou de uma forma quase violenta. E aquilo a excitava loucamente. Não, Dylan nunca havia se sentido tão excitada quanto naquele momento.
Rio a empurrou para o sofá atrás dela. As mãos grandes e fortes do vampiro envolveram suas costas para aliviar a queda. E ele foi com ela, e todo o peso de seu corpo forte e musculoso a sustentou embaixo dele. E Dylan podia sentir a espessura daquele pênis. Sentia-o enorme e rígido como pedra entre seus corpos. Ela correu as mãos pelas costas de Rio, escorregando-as por debaixo da camiseta de algodão, de modo que pudesse sentir a flexão daqueles fortes músculos conforme ele se movia sobre ela.
– Eu quero ver você – ela ofegou em meio aos beijos famintos. – Preciso ver você, Rio...
E Dylan não esperou receber permissão.
Estendendo a mão, ela encontrou o abajur ao lado do sofá e o acendeu. A suave luz amarela banhou o quarto, deixando-o agora iluminado. Rio estava sobre seus quadris, equilibrando-se nos joelhos enquanto a olhava fixamente em uma situação que parecia ser pura desgraça.
Os olhos de Rio brilhavam com aquele âmbar ardente. Seus traços estavam tensos, sua mandíbula estava apertada fortemente, mas não o suficiente para mascarar o assombroso tamanho de suas presas extremamente afiadas. Os dermoglifos que se espalhavam por seus ombros e braços pareciam queimar – em belos e profundos tons de vermelho, índigo e dourado.
E suas cicatrizes... Bem, Dylan também as viu. Seria impossível ignorá-las, mas ela tampouco tentou. Dylan se apoiou em um de seus cotovelos e estendeu sua outra mão na direção de Rio. Ele estremeceu, virando o rosto em uma tentativa de ocultar seu lado esquerdo arruinado. Mas Dylan não o deixaria se esconder. Não agora. Não dela. Então, estendeu a mão novamente e, de forma suave, colocou a palma contra a forte linha que contornava seu maxilar.
– Não faça isso – disse Rio com uma voz grossa.
– Está tudo bem. – Dylan virou suavemente o rosto dele para que pudesse ser vista totalmente. Com extremo cuidado, ela acariciou levemente aquela pele marcada por cicatrizes. E seguiu acariciando todos os danos pelo corpo dele, deslizando delicadamente os dedos pelo pescoço, ombros e bíceps de Rio, na pele que certa vez fora tão suave e perfeita quanto o restante dele. – Você acha que é um sacrifício tocá-lo assim?
Rio murmurou algo, mas as palavras saíram retorcidas e ininteligíveis.
Dylan se sentou, levantando-se até que seu rosto estivesse paralelo ao dele. Ela o olhou fixamente, assegurando-se de que aquelas pupilas finas como as de um gato a olhassem enquanto ela suavemente o acariciava na bochecha, no maxilar, naquela boca maravilhosamente sensual.
– Não olhe para mim, Dylan. – Agora ela se dava conta de que ele murmurava exatamente a mesma coisa que antes. – Que droga!... Como você consegue me olhar tão perto... como pode me tocar... e não sentir nojo?
Dylan sentiu seu coração se apertar em seu peito.
– Eu estou olhando para você, Rio. Estou vendo você. Estou tocando você. Você – disse ela, enfatizando.
– Estas cicatrizes...
– São incidentais – ela terminou a frase para ele. Dylan sorriu enquanto lançava um olhar para a boca dele, para as presas perfeitamente brancas e perfeitamente incríveis que brotavam de sua gengiva.
– Suas cicatrizes são o mais normal em você, se quer saber a verdade.
Os lábios dele se curvaram, como se fossem afastá-la, definindo-lhe muitos mais de seus defeitos, mas Dylan não lhe deu oportunidade. Ela segurou o rosto de Rio com as mãos e se aproximou, dando-lhe um beijo intenso, lento e apaixonado.
E ela gemeu quando ele entrelaçou as mãos naqueles cabelos vermelhos e a beijou de volta.
Dylan o queria com tanta ferocidade a ponto de quase não conseguir aguentar. Deus, aquilo tudo não fazia sentido algum – esse desejo que ela sentia por um homem que mal conhecia e de quem, por muitas razões, deveria sentir medo. Em vez disso, ela o beijava como se não houvesse amanhã.
Não queria parar de beijá-lo. Ela o envolveu em seus braços e o puxou de volta contra o sofá. Os cabelos sedosos dele acariciavam a palma da mão dela; a boca quente dele buscava a boca de Dylan. E a mão de Rio, ah, a mão de Rio era, ao mesmo tempo, forte e suave enquanto ele a deslizava sob a bainha da blusa de Dylan, acariciando-lhe a pele arrepiada da barriga. E, em seguida, ele acariciou também os seios dela. Dylan se contorcia enquanto era acariciada. Os dedos de Rio provocavam os mamilos dela, transformando-os em botões duros e sensíveis enquanto a língua dele brincava com a boca de Dylan.
– Ah, meu Deus! – ela ofegou, ardendo por Rio.
Ele se ajustou melhor entre as coxas de Dylan, usando os joelhos para abrir-lhe as pernas enquanto sentia sua ereção querer rasgar as próprias roupas. Ela quase teve um orgasmo com aquela deliciosa fricção entre os corpos. Ela ia chegar ao êxtase se ele continuasse com aqueles movimentos deliciosos que não deixavam dúvidas de que tipo de amante ele seria quando eles estivessem nus.
Dylan levantou os pés e cruzou os tornozelos em volta do quadril de Rio, deixando-o ciente de que ela estava disposta a ir até onde ele quisesse levar aquilo. Ela não estava acostumada a se jogar aos pés de um homem – e não conseguia se lembrar da última vez em que havia transado, que dirá, então, da última vez em que tivera um bom sexo – mas Dylan não conseguia pensar em nada que quisesse mais do que fazer amor com Rio. Bem ali. Naquela hora.
Ele sugou o lábio inferior de Dylan entre seus dentes enquanto empurrava seu quadril contra ela. Ela se deleitou com o roçar daquelas presas, com o impulso hipnotizante do corpo grande e rígido daquele homem e com o flexionar dos músculos tensos dele em suas mãos. Ele deslizou sua mão entre as pernas dela. Seus dedos se afundavam na carne úmida e quente. Dylan não conseguiu segurar o gemido que se formava em sua garganta.
– Isso! – ela sussurrou bruscamente conforme um orgasmo tomava conta de seu corpo. – Rio...
Ela sentia espirais girarem dentro de seu corpo enquanto se perdia no prazer que o toque de Rio entre suas pernas lhe provocava. E se agarrou a ele quando sentiu seu coração acelerar com o gozo. Ela escutou o grunhido selvagem de Rio, dando-se conta de que ele tinha deixado de beijá-la para escorregar a boca ao longo de seu pescoço. Ela o envolveu em seus braços enquanto ele roçava contra seu pescoço, enquanto deixava sua língua quente passear por sua pele macia.
O roçar áspero dos dentes de Rio naquele ponto a assustou.
O corpo de Dylan se retesou, embora ela não quisesse temer o que poderia estar por vir. Mas ela não pôde deter a reação instintiva. E Rio se afastou como se ela tivesse gritado com toda a força de seus pulmões.
– Sinto muito – ela sussurrou, estendendo a mão para tocá-lo. Mas ele já não estava mais lá. Já tinha se afastado, já estava a pelo menos um braço de distância do sofá. Dylan se sentou, sentindo-se estranhamente incompleta. – Sinto muito, Rio. Eu não estava segura...
– Não se desculpe – ele resmungou com uma voz áspera. – Madre de Dios, não peça desculpa para mim, por favor. Foi culpa minha, Dylan.
– Não – ela respondeu, desesperada para que ele ficasse com ela, para que ele ficasse dentro dela. – Eu quero, Rio.
– Você não deveria querer – ele retrucou. – E eu não teria sido capaz de parar. – Rio passou a mão por aqueles cabelos escuros, encarando-a com aqueles ardentes olhos âmbar. – Isso teria sido um erro terrível para nós dois – acrescentou ele depois de uma longa pausa. – Ah, merda! Já é um terrível erro.
Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Rio simplesmente deu meia-volta e partiu. Enquanto a porta do quarto se fechava atrás das costas largas daquele homem enorme, Dylan puxava sua blusa de volta para baixo e ajustava os shorts. No silêncio com o qual ele a deixou, ela levou os joelhos até o peito e segurou as canelas. Em seguida, estendeu a mão e apagou a luz do abajur.
Capítulo 19
Rio levantou a pistola nove milímetros e a apontou para o final do campo de tiro do complexo. A arma parecia extremamente estranha em sua mão, apesar de ela lhe pertencer e de ele tê-la carregado por anos, quando ela era extremamente letal.
Antes da explosão do depósito, antes de as feridas terem-no tirado de combate e o jogado em uma cama de hospital, deixando seu corpo e sua mente destruídos.
Antes de a traição de Eva tê-lo cegado, fazendo-o questionar tudo que ele era e poderia vir a ser.
Uma gota de suor desceu pelo lábio de Rio enquanto ele mantinha os olhos no alvo. Seu dedo no gatilho estava trêmulo. Rio usou toda a sua atenção para se concentrar na pequena silhueta impressa no alvo de papel a cerca de vinte metros à frente.
Mas era exatamente para isso que ele tinha ido até ali.
Depois do que havia ocorrido com Dylan alguns minutos atrás, Rio precisava se distrair. Precisava de algo que tomasse toda a sua atenção, que fizesse a temperatura de seu corpo diminuir e voltar ao normal. Algo que, esperançosamente, acabasse com aquela fome carnal que ainda o consumia. Rio desejava Dylan com uma necessidade que ainda pulsava por suas veias em um batimento profundo e primitivo.
Ele ainda podia sentir o corpo delicado daquela mulher movendo-se debaixo do seu, tão suave e acolhedor, respondendo aos toques de forma tão apaixonada. Aceitando-o, mesmo sabendo que eles poderiam fazer parte de uma montagem macabra de A Bela e a Fera. Era uma fantasia da qual ele se permitia participar enquanto beijava Dylan, enquanto a apertava sob seu corpo e se perguntava se a intensa atração que sentia por ela poderia ser mútua. Ninguém era assim tão bom ator. Eva havia afirmado amá-lo uma vez. A traição profunda tinha sido um choque, mas, no fundo de sua mente, Rio sabia que ela não era feliz com ele, não estava, realmente, feliz com o que ele era e com a vida de guerreiro que ele tinha escolhido.
Ela nunca quis que ele se juntasse aos guerreiros. Nunca entendera sua necessidade de fazer algo bom, sua necessidade de ser útil. Mais de uma vez, havia perguntado por que ela não era suficiente para ele. Por que amá-la e fazê-la feliz não poderia ser suficiente? Rio queria as duas coisas, mas até mesmo Eva conseguia enxergar que ele preferia a Ordem.
Rio ainda podia se recordar de uma noite, passeando em um parque da cidade com Eva, tirando fotos dela em uma pequena ponte sobre o rio. Naquela noite, ela lhe dissera o quanto queria que ele deixasse a Ordem e lhe desse um filho. Exigências que ele não poderia – ou melhor, que ele não estava disposto – a cumprir.
“Espere um pouco”, ele lhe pedira. Os guerreiros estavam dando fim a uma pequena onda de ataques dos Renegados na região. E, por conta disso, ele pediu para que ela fosse paciente. Uma vez que as coisas estivessem mais calmas, talvez pudessem pensar em constituir uma família.
Olhando para trás, Rio não tinha mais certeza de que aquelas fossem palavras verdadeiras. Eva não havia acreditado, ele conseguiu ver isso nos olhos dela já naquela época. Madre de Dios, talvez tivesse sido naquele exato momento que ela decidiu tomar o problema para si mesma.
Rio tinha decepcionado Eva e sabia disso. Mas ela havia pagado na mesma moeda. A traição dela o havia rasgado até a alma. Aquela traição o forçou a questionar tudo, incluindo o motivo pelo qual ele devia continuar ocupando um espaço precioso neste mundo.
Quando Dylan o beijou – quando ela o olhou fixamente no rosto e seus olhos transmitiam apenas sinceridade – Rio conseguiu acreditar, pelo menos por um momento, que não era um monstruo digno de pena desperdiçando ar e espaço. Quando olhou nos olhos de Dylan e sentiu a mão macia dela tocando suas cicatrizes, conseguiu acreditar que sua vida parecia valer a pena. E ele era um maldecido egoísta por pensar que tinha algo que oferecer a uma mulher como aquela. Rio já havia destruído a vida de uma mulher, e quase destruíra a sua. Não, ele não estava disposto a arriscar uma segunda vez com a vida de Dylan. Não, mesmo.
Rio estreitou os olhos, voltando sua atenção ao alvo. Então, segurou ainda mais forte na arma, em uma pegada que parecia ferro contra ferro. Apertou o gatilho, sentiu a pancada familiar quando a Beretta descarregou e uma bala saiu em direção ao anel central do alvo.
– É bom ver que você não perdeu o jeito. Continua acertando exatamente no alvo, como sempre fez.
Rio colocou a arma na prateleira diante dele. Quando deu meia-volta, deu de cara com Nikolai, que estava parado atrás dele, com suas costas enormes apoiadas contra a parede. Rio sabia que não estava sozinho ali, ele tinha ouvido Niko e os outros três guerreiros solteiros conversando no extremo oposto do prédio enquanto limpavam suas armas e comentavam sobre sua ronda no clube noturno de humanos.
– Como foi a caça lá em cima?
Niko deu de ombros.
– Como de costume.
– Belas garotas, sem bom senso o suficiente para correr quando veem vocês chegar? – perguntou Rio, tentando quebrar o gelo presente entre eles desde sua chegada ao complexo.
Para seu alívio, Niko sorriu.
– Não há nada de errado em relaxar e ser fácil quando o assunto é mulheres, cara. Acho que, na próxima vez, você deveria vir com a gente. Posso descolar algo doce e sacana para você. – O par de covinhas que ele tinha nas bochechas ficava cada vez mais evidente. – Se não estiver planejando se acabar ou algo assim enquanto isso. Idiota. Burro.
Niko não disse as palavras com tom de ofensa. Elas eram apenas resultado do tom solene de um amigo preocupado com o outro.
– Pode deixar que eu aviso – disse Rio. E, julgando pelo olhar estreitado de Nikolai, ele tinha entendido que ele não estava falando sobre a perspectiva de ter um pouco de ação lá em cima.
A voz de Niko se tornou baixa, adotando um tom de confidencialidade:
– Você não pode deixá-la ganhar, sabe disso, não é cara? Porque isso é sinônimo de se entregar. Sim, ela ferrou a sua vida, e não estou dizendo que precise perdoar e esquecer porque, francamente, eu não acredito que eu conseguiria fazer isso se estivesse no seu lugar. Mas você ainda está aqui. Então, ela que se dane! – disse Niko com veemência. – Eva que se dane! E que se dane a bomba que ela explodiu naquele depósito. Porque você, meu amigo, você está aqui.
Rio esboçou um sorriso, mas apenas um som fraco passou por sua garganta apertada. Tentou esconder o desconforto, sentindo-se extremamente desajeitado ao perceber que alguém se importava com ele.
– Caramba, cara. Quantos programas da Oprah você tem assistido desde que eu parti? Porque, vindo de você, isso é realmente comovente.
Niko riu.
– Pensando bem, esqueça toda essa porcaria que acabei de dizer. Você que se dane, também.
Rio caiu na risada. A primeira risada sincera que saiu de sua boca em... Jesus, algo em torno de um ano inteiro!
– Ei, Niko. – Kade veio caminhando do outro lado da instalação, os cabelos negros espetados e os olhos acinzentados lhe davam um ar deliciosamente selvagem que o deixava parecido com um lobo. – Preciso interromper: esta noite, se nos encontrarmos com aquele outro Renegado fora do Refúgio Secreto, não se esqueça de que você prometeu que ele é meu.
– Se eu não pegar o desgraçado primeiro. – Brock apareceu, saindo de trás do outro guerreiro e sorrindo enquanto, em tom de brincadeira, colocava a ponta de uma enorme adaga sob o queixo de Kade.
A risada agradável de Brock ecoou, mas era possível perceber que o guerreiro que a Ordem tinha recrutado em Detroit era tão sombrio e duro quanto a própria Morte durante os combates. Brock soltou Kade, e os dois continuaram discutindo sobre como caçar os Renegados enquanto saíam da sala de armas e seguiam para seus próprios quartos, em áreas separadas do complexo.
Chase foi o último a chegar, vindo do fundo da instalação. Sua camiseta preta tinha um enorme rasgo na frente, como se alguém tivesse tentado tirar um pedaço dele. A julgar pela cor de saciedade dos dermoglifos e pelo ar calmo em seus olhos normalmente agressivos, parecia que ele tinha se saciado com o que as garotas da discoteca lhe ofereceram.
Chase inclinou ligeiramente a cabeça para saudar Rio. Em seguida, disse a Nikolai:
– Se receber mais alguma notícia de Seattle, por favor me avise. Estou curioso para saber por que uma matança daquela natureza ainda não foi reconhecida por nenhuma Agência.
– Sim – disse Niko. – Eu também queria saber isso.
Rio franziu a sobrancelha:
– Quem apareceu morto em Seattle?
– Um dos membros mais antigos do Refúgio Secreto de lá – explicou Niko. – Um cara que, por sinal, era da Primeira Geração.
Os pelos da nuca de Rio se arrepiaram, um claro sinal de que ele estava preocupado com aquela notícia.
– Como ele foi morto?
O olhar de Nikolai era pesado:
– Uma bala no cérebro. À queima roupa.
– Onde?
– Em geral, o cérebro se encontra na região da cabeça – ironizou Chase, arrastando as palavras. Ele mantinha os braços cruzados.
Rio lançou um olhar estreitado na direção de Chase.
– Obrigado pela aula de anatomia, Harvard. Mas eu estava falando sobre onde estava este Primeira Geração quando o mataram.
O olhar de Niko encontrou os olhos sóbrios de Rio.
– Ele levou um tiro no banco traseiro da limusine que era dirigida por um chofer. Meu contato disse que ele estava voltando de uma ópera, de um balé, ou alguma coisa assim. E que, enquanto esperava em um semáforo, alguém explodiu sua cabeça e desapareceu, antes mesmo que o motorista entendesse o que havia acontecido. Por quê?
Rio deu de ombros, mas disse:
– Talvez não seja nada, mas, quando eu estava em Berlim, Andreas Reichen me contou da morte de um Primeira Geração que aconteceu recentemente lá. Só que este homem do Refúgio Secreto foi morto em um clube de sangue.
– Esses clubes “esportivos” privados foram proibidos há décadas – comentou Chase.
– Claro – concordou Rio, cheio de sarcasmo, já que o ex-agente de Refúgio Secreto tinha a intenção de ser inconveniente. – Agora eles imprimem os convites em tinta invisível e você precisa de um anel decodificador para passar pela porta.
– O mesmo modus operandi no Primeira Geração de Berlim? – perguntou Niko.
– Não. Nenhuma ferida causada por bala. Segundo as fontes de Reichen, este amante dos esportes acabou perdendo a cabeça.
Niko expirou lentamente.
– Esses são dois dos três principais métodos para se matar um vampiro da Primeira Geração da Raça. O terceiro modo é a exposição a raios ultravioletas e, convenhamos, esse é o meio menos eficaz. A não ser que você tenha dez ou quinze minutos livres para dedicar ao trabalho.
– Os dois assassinatos poderiam estar relacionados – supôs Rio, sem saber se seus instintos eram dignos de confiança. Mas, droga! Os sinos de aviso soavam em sua cabeça como os da torre de uma catedral num domingo de Páscoa.
– Há algo errado – disse Chase, finalmente ligando os pontos. – Eu também não gosto nada disso. Dois Primeira Geração mortos em questão de... uma semana? E os dois casos cheirando a execução?
– Nós não sabemos se foram execuções – advertiu Niko. – Vamos lá. Pensem nas probabilidades. Se você vive durante mil anos, ou algo assim, necessariamente irá deixar alguém furioso. Alguém que poderia querer atentar contra você em sua limusine, ou cortar sua cabeça em um clube de sangue.
– E os Refúgios Secretos não querem que nenhum dos assassinatos seja divulgado? – questionou Rio.
As sobrancelhas acobreadas de Chase apertaram-se bruscamente.
– Berlim também mantém tudo em segredo?
– Sim. Reichen disse que eles estão mantendo o caso em segredo para evitar um escândalo. Não é bom para ninguém saber que um pilar de sua comunidade foi derrubado em um clube esportivo cheio de humanos ensanguentados e mortos.
– Não. Não é nada bom – concordou Chase. – Mas dois Primeira Geração mortos é um golpe bastante pesado para toda a nação de vampiros. Não deve haver mais do que vinte indivíduos de Primeira Geração ainda vivos entre a população inteira, incluindo Lucan e Tegan. Se eles se forem, poderão surgir problemas.
Nikolai assentiu:
– Isso é verdade. E acho que não podemos fazer nada.
Rio sentiu um pensamento frio tomar conta de sua mente:
– Não. A menos que tenhamos um Antigo vivo, uma Companheira de Raça e algo como vinte anos de vantagem.
Os guerreiros o olharam com expressão preocupada.
Niko passou uma das mãos por seu cabelo loiro.
– Ah, droga! Você não acha que...
– Eu quero muito estar errado – disse Rio. – Mas é melhor acordarmos Lucan.
Capítulo 20
Ficar sozinha depois de Rio ter partido deixou Dylan bastante inquieta. Sua mente estava girando e girando e suas emoções estavam agitadas. E ela não podia evitar pensar em sua vida anterior em Nova York. A mulher tinha de fazer sua mãe saber que ela finalmente estava bem.
Dylan acendeu a lâmpada de um abajur e pegou seu celular. Ela praticamente tinha se esquecido da existência do aparelho desde que chegara ali, pois o havia tirado do bolso da calça cargo e escondido debaixo do colchão da cama de Rio, pronto para ser alcançado tão logo fosse seguro.
Ela ligou o aparelho, fazendo o possível para abafar o som que ele emitia conforme voltava à vida. Era um milagre ainda haver bateria, mesmo que o mínimo. Uma barra era melhor do que nada, pensou Dylan.
O visor mostrou que havia algumas mensagens de voz na caixa postal.
Ela finalmente tinha o serviço de volta.
Ah, graças a Deus!
O número para retornar a chamada na primeira mensagem era de Nova York – mais especificamente, do escritório de Coleman Hogg. Dylan ouviu a mensagem e não se surpreendeu ao ouvir o homem estar cuspindo fogo pelas ventas, descrevendo – rudemente – a má educação de Dylan pelo fato de ela ter deixado o fotógrafo freelance, que ele havia contratado, esperando em Praga.
A mulher saltou o resto do sermão de Hogg e passou para a próxima mensagem. Tinha sido recebida dias atrás e era de sua mãe, querendo saber notícias, dizendo que a amava e que esperava que a filha estivesse aproveitando a viagem. Sua voz soava cansada, o que deixou o coração de Dylan apertado.
Havia, ainda, outra mensagem de seu chefe. Dessa vez, ele parecia ainda mais zangado e dizia que descontaria do salário da jornalista o pagamento do fotógrafo, e que considerava o e-mail que ela tinha mandado, dizendo que tiraria umas férias, como um pedido de demissão. Dylan, portanto, estava desempregada.
– Ótimo – ela murmurou em voz baixa, enquanto passava para a mensagem seguinte.
Ela não podia ficar nervosa ou chateada com a perda do emprego, mas a falta de um salário logo seria sentida. A menos que Dylan encontrasse algo melhor, algo maior. Algo monumental, na verdade. Algo com dentes de verdade... ou com presas, como de fato eram.
– Não – disse rispidamente antes mesmo que a ideia terminasse de se formar em sua cabeça.
Ela não poderia de forma alguma levar aquela história toda a público, ainda. Não naquele momento, quando ainda havia muitas perguntas sem respostas – e, principalmente, não naquele momento, quando ela mesma tinha se tornado parte daquela história, por mais bizarro que fosse pensar naquilo tudo e na forma que aquilo ganhava.
E ainda havia Rio.
Se houvesse uma razão para Dylan proteger o que tinha descoberto sobre a existência de outras espécies além do ser humano, essa razão era Rio. E Dylan não queria traí-lo ou colocá-lo em qualquer situação de risco, especialmente agora que ela estava começando a conhecê-lo melhor, agora que ela estava começando a se preocupar com ele, por mais perigoso que isso pudesse ser.
O que acontecera entre eles há pouco mexeu com ela profundamente. O beijo fora maravilhoso. A sensação do corpo de Rio pressionado tão intimamente contra o seu tinha sido a coisa mais sensual que Dylan já provara. E a sensação dos dentes dele – das presas dele – pastoreando a frágil pele de seu pescoço tinha sido tão aterrorizante quanto erótica. Será que ele realmente a teria mordido? E se tivesse, o que aconteceria com ela?
Baseada no quão rápido Rio havia abandonado o quarto, Dylan não esperava ter essas respostas. E aquilo não deveria deixá-la tão mal.
O que ela precisava fazer era sair daquele lugar – fosse ele qual fosse – e voltar para sua vida. Dylan precisava voltar para sua mãe, que provavelmente estava ficando louca de preocupação agora que já havia três dias que a filha não entrava em contato.
As três chamadas seguintes eram do abrigo de sua mãe e todas tinham sido recebidas na noite anterior. Não havia mensagens, mas a proximidade das ligações indicava a urgência do assunto. Dylan pressionou o botão de discagem rápida para a casa de Sharon e esperou enquanto o telefone chamava sem resposta do outro lado da linha. O celular também não foi atendido. Com o coração não mão, marcou o número que havia registrado em seu telefone e ligou. Janet atendeu:
– Bom dia. Escritório de Sharon Alexander.
– Janet, olá. Sou eu, Dylan.
– Jesus Cristo, Dylan. O que você está fazendo? Onde você está? – as perguntas soaram estranhamente preocupadas, como se Janet, de alguma forma, já soubesse – ou pensasse que soubesse – que Dylan provavelmente não estava tendo um dia bom. – Você está no hospital?
– O quê? Não, não... – O estômago de Dylan se retorceu. – O que aconteceu? É minha mãe? O que houve?
– Ela se sentiu um pouco cansada depois do cruzeiro, e ontem ela desmaiou aqui. Dylan, querida, ela não está muito bem. Nós a levamos para o hospital e eles a internaram.
– Deus... – Todo o corpo de Dylan ficou adormecido, paralisado no lugar. – Ela teve uma recaída?
– Eles acreditam que sim. – A voz de Janet era a mais tranquila que podia ser em uma situação como aquela. – Sinto muito, querida.
Lucan não estava feliz por ter sido tirado da cama com Gabrielle no meio do dia, mas assim que ouviu o motivo da interrupção de seu sono, o líder da Ordem ficou imediatamente atento. Ele vestiu um par de jeans escuros e uma camisa de seda desabotoada e saiu no corredor, onde Rio, Nikolai e Chase o esperavam.
– Vamos precisar de Gideon – disse Lucan, enquanto pegava o celular e discava para o outro guerreiro. Ele murmurou uma saudação apressada e um rápido pedido de desculpas e imediatamente deu a Gideon a notícia que Rio e os outros tinham acabado de compartilhar. Enquanto os quatro se dirigiam pelo corredor para o laboratório tecnológico, o centro de comando pessoal de Gideon, Lucan terminou a conversa e desligou o telefone. – Ele está a caminho – disse. – Sinceramente, espero que você esteja errado quanto a isso, Rio.
– Eu também – respondeu Rio, tão nervoso quanto qualquer um à simples consideração daquilo.
Não demorou nem dois minutos para Gideon se juntar à improvisada reunião. Ele apareceu no laboratório usando uma calça de moletom cinza, uma camiseta branca que marcava seus músculos e um par de tênis com os cadarços desamarrados que demonstravam que ele tinha enfiado os pés ali e saído correndo. Ele atirou-se na cadeira giratória diante de seu computador e começou a abrir programas e mais programas em várias telas.
– Certo, estamos enviando sondas espiãs para todas as agências de notícias e para o Banco Internacional de Dados – ele disse, olhando para os monitores enquanto os dados lentamente começavam a preencher as telas. – Humm. Isso é estranho. Você disse que um dos dois mortos da Primeira Geração está fora de Seattle?
Nikolai confirmou.
– Bem, não de acordo com isso. As informações sobre Seattle não retornaram resultados. Não há relatos de mortes recentes por lá. Tampouco há relatos de um Primeira Geração naquela população, embora isso seja relativo. O Banco Internacional de Dados só foi implantado há algumas décadas, portanto, de forma alguma é completo. Temos poucos membros antigos da Raça catalogados, mas a maioria dos vinte e poucos Primeira Geração que ainda respiram tendem a proteger sua privacidade. Há rumores de que alguns deles são verdadeiros ermitões que não se aproximam de um Refúgio há mais de um século. Suponho que eles acreditem ter ganhado alguma autonomia depois de mais de mil anos de vida. Não é isso, Lucan?
Lucan, que tinha por volta de novecentos anos e também não aparecia no Banco Internacional de Dados, apenas grunhiu como resposta enquanto seus olhos acinzentados se estreitavam sobre os monitores do computador.
– E quanto à Europa? Há algo sobre o Primeira Geração que Reichen mencionou?
Gideon digitou uma rápida sequência em seu teclado e entrou em outro software de segurança como se aquilo tudo fosse um vídeo game.
– Merda. Não, não aparece nada. Eu tenho que dizer uma coisa, cara, esse silêncio é tenebroso.
Rio concordava:
– Então, se ninguém está relatando mortes de integrantes da Primeira Geração, deveria haver pelo menos mais do que os dois que conhecemos até agora.
– Há algo que precisamos descobrir – disse Lucan. – Quantos Primeira Geração estão registrados no Banco Internacional de Dados, Gideon?
O guerreiro fez uma rápida busca.
– Sete, entre os Estados Unidos e a Europa. Vou mandar a relação de nomes e Refúgios para a impressora agora.
Quando a única página saiu da impressão, Gideon a agarrou e a estendeu para Lucan. O guerreiro líder a observou:
– A maioria desses nomes me é familiar. Conheço dois ou três outros que não estão listados. Tegan provavelmente conhecerá outros. – Ele colocou a lista na mesa de reunião de modo que Rio e os outros pudessem vê-la. – Algum nome de um Primeira Geração que vocês sintam falta nessa lista?
Rio e Chase balançaram a cabeça negativamente.
– Sergei Yakut – murmurou Niko. – Eu o vi uma vez na Sibéria quando eu era um garoto. Ele foi o primeiro Primeira Geração que eu conheci – caramba, o único, até eu vir para Boston e conhecer Lucan e Tegan. O nome dele não está na lista.
– Você acha que conseguiria encontrá-lo se fosse necessário? – perguntou Lucan. – Presumindo que ele ainda esteja vivo, eu quero dizer.
Nikolai riu.
– Sergei Yakut é um mesquinho filho da mãe. Mesquinho demais para morrer. Posso apostar que ainda está vivo e sim, acredito que eu poderia encontrá-lo.
– Ótimo – disse Lucan, com expressão fechada. – Quero que faça isso o mais rápido possível. Para o caso de estarmos lidando com uma situação potencial de um assassino em série, precisamos conseguir os nomes e as localizações de todos os Primeira Geração que existem.
– Tenho certeza de que a Agência sabe pouco mais do que nós aqui – completou Chase. – Eu ainda tenho um ou dois amigos lá. Provavelmente alguém saiba de algo ou possa indicar alguém que saiba.
Lucan balançou a cabeça.
– Sim. Veja isso, então. Mas estou certo de que não preciso lhe dizer para manter todas as suas cartas na manga quando estiver lidando com eles. Você pode ter alguns amigos na Agência, Harvard, mas a Ordem certamente não tem. E, sem querer ofender, confio neles até o momento de poder chutar-lhes o traseiro.
Lucan lançou um olhar sério para Rio.
– E quanto aos outros prováveis problemas que você trouxe, aquele Antigo que pode ter voltado à vida e estar sendo usado para a criação de uma nova linhagem de vampiros de Primeira Geração? – Ele balançou novamente a cabeça, completando conforme deixava escapar pelos lábios bem desenhados uma maldição. – É um cenário de pesadelo, meu amigo. Mas pode muito bem ser verdade.
– Se for – disse Rio –, então é melhor nós esperarmos, que conseguiremos controlar isso logo. E estamos décadas atrás do filho da mãe.
Ao terminar de dizer isso, Rio se deu conta de que estava usando nós para se referir aos guerreiros e seus objetivos. Ele estava se incluindo novamente na Ordem. Mais do que isso, ele estava começando, de fato, a se sentir parte de toda a coisa novamente – uma parte ativa, um membro importante – enquanto estava ali com Lucan e com os outros, fazendo planos, considerando estratégias. E ele se sentia bem, aliás.
Talvez ainda pudesse haver um lugar para ele ali afinal de contas. Ele esteve confuso e cometeu alguns erros, mas talvez pudesse voltar a ser o que era antes.
Rio ainda estava degustando aquela esperança que lhe acometera subitamente quando um leve bip começou a apitar em uma das estações que Gideon estava monitorando. O guerreiro empurrou a cadeira até o computador, franzindo a sobrancelha.
– O que é isso? – perguntou Lucan.
– Estou captando um sinal de um celular ligado aqui no complexo. E não é um dos nossos – respondeu antes de lançar o olhar para Rio. – Está vindo do seu quarto – completou.
Dylan.
– Merda – chiou Rio, conforme a ira tomava conta de seu corpo. – Ela disse que não tinha nenhum celular.
Maldição. Dylan mentira para ele.
E se ele estivesse preocupado com a situação toda como deveria estar, teria revistado todo o corpo dela – da cabeça às pontas dos pés.
Uma jornalista em posse de um telefone. Pelo que ele sabia, ela poderia estar sentada em seu quarto nesse exato momento contando tudo o que tinha visto e ouvido para a CNN – expondo a Raça aos humanos e fazendo isso debaixo do seu nariz.
– Não havia nada em sua mochila que indicava que ela tinha um celular – murmurou Rio, uma desculpa esfarrapada e esdrúxula, ele sabia. – Merda! Eu devia tê-la revistado.
Gideon digitou algo em um de seus vários painéis.
– Posso arrumar uma interferência, cortar o sinal – disse.
– Então faça – disse Lucan. Depois, virou-se para Rio:
– Temos alguns fios soltos que precisamos cortar, meu amigo. Incluindo aquele que está em seu quarto.
– Sim – disse Rio, sabendo que Lucan estava certo. Dylan tinha de tomar uma decisão e o tempo estava se tornando crucial agora que a Ordem tinha outros problemas com os quais lidar.
Lucan pousou a mão no ombro largo de Rio.
– Acredito que está na hora de eu conhecer Dylan Alexander pessoalmente.
– Janet...? Alô? Eu não consegui o número do quarto de minha mãe. Alô...? Janet...? Você está me ouvindo? Ainda está aí?
Dylan afastou o celular da orelha e olhou para o visor. Sem sinal.
– Merda.
Ela segurou o aparelho na altura de sua cabeça e começou a caminhar pelo quarto, procurando por um ponto em que pudesse conseguir algum sinal. Nada. A porcaria tinha morrido no meio de sua ligação, cortando a conversa, apesar de a bateria não estar completamente descarregada.
Dylan sequer podia pensar direito. Ela estava muito agitada. Sua mãe, no hospital? Uma recaída? Jesus Cristo!
A mulher por pouco resistiu à vontade de atirar o aparelho contra a parede mais próxima.
– Merda!
Freneticamente, ela caminhava para a outra sala para tentar completar outra ligação e quase desmaiou de susto quando a porta do quarto foi arregaçada por uma força que mais parecia um vendaval do lado de fora. Era Rio.
E ele estava zangado.
– Me dê isso, Dylan. – Seus brilhantes olhos cor de âmbar e suas presas salientes deram um nó no estômago de Dylan. Ela estava com medo, mas também estava zangada, estava arrasada com a recaída da mãe. Ela precisava vê-la. Precisava sair daquela irrealidade em que tinha sido jogada desde que fora raptada na Europa e voltar para as coisas que realmente importavam.
Jesus Cristo, ela pensou, quase à beira de ceder completamente. Sua mãe estava novamente mal, e sozinha em algum quarto de hospital perdido na cidade. Dylan precisava estar lá, com ela.
Rio entrou no quarto.
– O telefone, Dylan. Me dê a porcaria do telefone. Agora.
Foi então que ela percebeu que Rio não estava sozinho. De pé, atrás dele, no corredor, havia um homem enorme – media, facilmente, dois metros de altura, e tinha cabelos negros e olhos ameaçadores que desmentiam sua calma aparente. Ele permaneceu parado conforme Rio caminhava na direção de Dylan.
– Vocês fizeram alguma coisa com meu telefone? – ela perguntou com veemência, bastante aterrorizada com Rio e com aquela nova ameaça, mas também bastante preocupada com a mãe para ter tempo de pensar no que aconteceria (ou poderia acontecer) no segundo seguinte. – O que vocês fizeram para ele parar de funcionar? Diga! Que diabos vocês fizeram?
– Você mentiu para mim, Dylan!
– E você me sequestrou! – Ela odiava as lágrimas que subitamente começaram a correr pelas aquecidas maçãs de seu rosto. Ela as odiava quase tanto odiava seu cativeiro, o câncer e a dor gelada que começava a latejar em seu peito desde que ligara para o abrigo e soubera das notícias.
Rio estendeu a mão conforme caminhara em direção a ela. O homem no corredor também entrou. Sem perguntar qualquer coisa, Dylan sabia que ele também era um vampiro, um guerreiro da Raça como Rio. Os olhos cinza dele pareciam penetrá-la como lâminas afiadíssimas, e, como um animal sente um predador pelo vento, Dylan sentia que, onde Rio era perigoso, aquele outro homem era exponencialmente mais perigoso e mais forte. Mais forte e mais letal, apesar de sua aparência jovem.
– Para quem você estava ligando? – perguntou Rio.
Ela não diria. Agarrou o fino celular com toda a – pouca – força que tinha no pulso, protegendo-o, mas, naquele momento, sentia uma energia empurrando seus dedos, forçando-os a se abrirem. Dylan não conseguia mantê-los fechados, por mais que tentasse, e apenas pôde ofegar enquanto o aparelho voava para fora de sua mão e pousava sobre a palma aberta do vampiro que estava com Rio.
– Há algumas mensagens aqui de um jornal – ele anunciou sombriamente. – E várias chamadas de outros números de Nova York. A casa de uma tal de Sharon Alexander, o celular dessa mesma pessoa e uma chamada com um número restrito em Manhattan. Essa foi a que cortamos.
Rio xingou.
– Você falou para alguém alguma coisa sobre nós ou sobre o que você viu aqui?
– Não! – ela insistiu. – Eu não falei. Juro. Eu não sou uma ameaça para vocês.
– Há o problema das fotografias que destruímos e do artigo que você enviou para seu chefe. – O homem sombrio a lembrou, da mesma forma como você lembra um condenado o motivo de ele estar sendo mandado para a câmara de gás.
– Vocês não precisam se preocupar com isso – ela disse, ignorando o riso sarcástico de Rio conforme ela falava. – A mensagem do jornal era meu chefe me comunicando que eu estava demitida. Bem, tecnicamente foi uma demissão involuntária, pelo fato de eu não ter aparecido no encontro com o fotógrafo em Praga porque estava ocupada sendo sequestrada.
– Você foi demitida? – perguntou Rio, franzindo a sobrancelha.
Dylan deu de ombros.
– Pouco importa. Mas duvido que a essa altura meu chefe vá usar qualquer uma das fotos ou uma linha sequer da história que eu mandei para ele.
– Isso já não nos preocupa – o homem sombrio a olhou como se estivesse medindo sua reação. – Nesse momento, o vírus que enviamos para ele deve ter varrido todos os computadores do escritório. Seu chefe – ex-chefe – vai passar o resto da semana tentando reparar os estragos.
Dylan realmente não queria se sentir contente com aquilo, mas a imagem de Coleman Hogg diante das máquinas arruinadas ocupava um lugar brilhante em sua cabeça agora.
– O mesmo vírus foi enviado para todos para quem você enviou as fotos – o enorme homem informou. – Isso cuida para que nenhuma prova venha a ser exposta, mas ainda temos de cuidar do fato de muitas pessoas estarem andando por aí de posse de informações que não podemos permitir que elas tenham. Informações que elas podem, consciente ou inconscientemente, passar adiante. De modo que precisamos eliminar os riscos.
Um frio acometeu subitamente o estômago de Dylan.
– O que você quer dizer com eliminar os riscos?
– Você precisa tomar uma decisão, senhorita Alexander. Hoje à noite, você será levada para um dos Refúgios e ficará sob a proteção da Raça ou será enviada de volta para sua casa em Nova York.
– Preciso ir para casa – ela disse. Não havia decisão alguma a ser tomada. Dylan olhou para Rio e encontrou-o olhando fixamente de volta para ela, com uma expressão indecifrável. – Preciso voltar para Nova York imediatamente. Quer dizer que sou livre para ir embora?
Aquele severo olhar cinza voltou-se para Rio, em silêncio.
– Esta noite, você levará a senhorita Alexander para a casa dela em Nova York. Quero que cuide disso. Niko e Kade podem se ocupar dos outros com os quais ela teve contato.
– Não! – gritou Dylan. O frio em seu estômago converteu-se imediatamente em um medo glacial. – Ah, meu Deus! Não, diga-lhe que não faça isso... Rio...
– Fim da discussão – disse o homem, dirigindo sua atenção a Rio e ignorando completamente o desespero de Dylan. – Vocês partem ao anoitecer.
Rio assentiu solenemente, aceitando as ordens como se elas lhe causassem absolutamente nada. Como se tivesse feito aquilo uma centena de vezes.
– A partir dessa noite, Rio, não deixe mais fios soltos. – Os olhos gelados do homem deslizaram mordazmente para Dylan antes de voltarem para Rio. – Nenhum.
Enquanto seu aterrorizante amigo saía, Dylan virou-se agitada para Rio.
– O que ele quis dizer com eliminar os riscos? Não deixar mais fios soltos?
Rio a olhou com o cenho franzido. Havia acusação naquele penetrante olhar topázio, uma mordaz frieza e muito pouco do homem tenro e ferido que ela havia beijado naquele mesmo quarto pouco tempo antes. Dylan sentiu frio sob a rajada daquele olhar duro e era como se olhasse para um estranho.
– Não vou deixar que seus amigos façam mal a ninguém – ela disse, desejando que sua voz não soasse tão débil. – Não vou deixar que eles os matem!
– Ninguém vai morrer, Dylan. – O tom de Rio era calmo e tão distante que era quase reconfortante. – Vamos apagar das memórias deles o que eles viram nas fotografias, e de tudo o que você possa ter dito sobre a caverna, a cripta ou a Raça. Não vamos feri-los, mas precisamos limpar as mentes deles de qualquer lembrança que possam ter das coisas.
– Mas como? Eu não entendo...
– Você não precisa entender – disse calmamente.
– Porque eu também não vou me lembrar de nada, é isso o que você quer dizer?
Ele a olhou por um longo momento, em silêncio. Ela procurou em seu rosto alguma pista de emoção além daquela petrificada que ele estampava naquele momento. Nada. Tudo o que Dylan via era um homem completamente preparado para a tarefa que lhe havia sido conferida, um guerreiro comprometido com sua missão. E nem aquela ternura que ela vira nele antes ou tampouco a necessidade que ela achava que ele sentia por ela o impediriam de fazer o que tinha de ser feito. Nada. Ela era uma prisioneira à sua mercê. Um inconveniente problema que ele pretendia eliminar.
As sobrancelhas de Rio se juntaram ligeiramente enquanto ele balançava a cabeça de forma vaga.
– Esta noite você vai para casa, Dylan Alexander.
Ela deveria estar feliz ao ouvir aquilo – deveria estar aliviada, pelo menos – mas Dylan se sentia estranhamente desolada enquanto assistia o enorme corpo de Rio deixar o quarto e fechar a porta atrás de suas costas largas.
Capítulo 21
Ele voltou depois de algumas horas e lhe disse que era hora de partir. Dylan não se surpreendeu com o fato de sua próxima memória consciente ter sido acordar no banco traseiro de um SUV escuro enquanto Rio estacionava na calçada em frente ao prédio onde ela vivia, no Brooklyn. Enquanto ela se sentava, sonolenta, Rio a olhou nos olhos pelo retrovisor. Dylan franziu a testa.
– Você me fez apagar outra vez.
– Pela última vez – ele respondeu em voz baixa, como se estivesse se desculpando.
Em seguida, Rio desligou o motor e abriu a porta do lado do motorista. Estava sozinho ali na frente. Não havia sinal dos outros que deviam acompanhá-los – dos que tinham recebido ordens para cuidar das outras pendências enquanto Rio cuidava pessoalmente dela.
Deus, pensar que sua mãe estaria em contato com aqueles seres perigosos com quem Rio andava a fez estremecer de ansiedade. Sua mãe já estava enfrentando problemas suficientes. Dylan não queria que ela sequer passasse perto dessa nova e obscura realidade.
Dylan se perguntava de quanto tempo Rio precisaria para pegá-la se ela tentasse fugir do SUV. Se ela conseguisse uma vantagem suficientemente grande, talvez conseguisse chegar à estação de metrô em Midtown, onde ficava o hospital. Mas quem ela estava tentando enganar? Rio a tinha seguido de Jicín até Praga. Encontrá-la em Manhattan podia ser um desafio para ele... Um desafio que duraria aproximadamente trinta segundos.
Mas, diabos! Ela precisava ver sua mãe. Precisava estar com ela, ao lado da cama dela, e ver seu rosto para poder ter certeza de que estava bem.
Por favor, Senhor, faça com que ela esteja bem.
– Pensei que você teria companhia nesta viagem – disse Dylan, com a esperança de que algum milagre tivesse provocado uma mudança de planos e que, por conta disso, os amigos de Rio tivessem ficado para trás. – O que aconteceu com os outros caras que viriam com você?
– Eu os deixei na cidade. Eles não precisam estar aqui com a gente. Eles vão entrar em contato comigo quando terminarem.
– Quando terminarem de aterrorizar um grupo de pessoas inocentes, você quer dizer? Como você pode ter certeza de que seus colegas vampiros não vão decidir aceitar uma pequena doação de sangue com as lembranças que vão roubar?
– Eles têm uma missão específica, e vão se limitar a ela.
Dylan olhou nos olhos topázio esfumaçados que a encaravam pelo espelho.
– Exatamente como você, certo?
– Exatamente como eu. – Rio saiu do veículo e foi até a porta de trás para pegar a mochila e a bolsa lateral no assento ao lado dela. – Vamos, Dylan. Não temos muito tempo para terminar com tudo isso. – Quando ela não se moveu, Rio se aproximou e a surpreendeu com uma carícia suave na bochecha. – Vamos. Vamos entrar agora. Tudo vai ficar bem.
Ela deixou o banco de couro e subiu as escadas de concreto enquanto Rio ainda estava na entrada do edifício. Rio tirou as chaves da bolsa e passou-as para ela. Dylan abriu a fechadura e entrou no prédio, dentro do hall do saguão azul, que agora fedia a mofo, sentindo-se como se estivesse fora de casa por dez anos.
– Meu apartamento fica no segundo andar – ela murmurou, mas Rio provavelmente já sabia. Ele caminhava logo atrás dela enquanto os dois subiam as escadas até o apartamento no final de um corredor de uso comum.
Dylan destrancou a porta e Rio entrou antes dela, mantendo-a atrás dele como se estivesse acostumado a entrar em lugares perigosos – como se estivesse acostumado a fazer isso na linha de frente. Ele era um guerreiro, não havia dúvida alguma. Se fosse o caso de seu comportamento cauteloso e de seu imenso tamanho não confirmarem esse fato, a enorme arma que ele escondia no cinto de suas calças cargo pretas certamente o faziam. Ela o observou enquanto ele averiguava o local. Então, Rio parou ao lado da estação de trabalho com um computador, próximo a um canto do apartamento.
– Eu vou encontrar neste computador alguma coisa que não deveria estar aqui? – ele perguntou enquanto ligava o monitor, que se acendeu com uma luz azul clara.
– Esse computador é velho. Eu quase não o uso.
– Você não vai se importar se eu verificar – disse Rio. E aquilo não era uma pergunta, pois ele já estava abrindo e verificando o conteúdo do disco rígido. Ele não encontraria nada além de alguns dos primeiros artigos escritos por ela e algumas mensagens antigas.
– Vocês têm muitos amigos? – perguntou Dylan, posicionando-se atrás dele.
– Temos uma quantidade suficiente.
– Eu não sou um deles, você sabe – ela acendeu a luz, mais para ela mesma do que para Rio, já que ele obviamente não se importava com a escuridão. – Não vou espalhar o que você me disse, nem o que vi nesses últimos dias. Nem uma palavra, eu juro. E não é porque você vai tirar essas lembranças de mim. Eu manteria seu segredo, Rio. Só quero que você saiba disso.
– Não é tão simples assim – disse ele, agora de frente para ela. – O segredo não estaria seguro. Nem para você, nem para nós. Nosso mundo se protege, mas perigos existem, e nós não podemos estar em todas as partes. Deixar alguém fora da nação dos vampiros ter informações a nosso respeito poderia ser catastrófico. De vez em quando isso acontece, mas não é aconselhável. A verdade já foi confiada a um humano aqui ou acolá, mas algo desse tipo é extremamente raro. E eu nunca vi as coisas darem certo no final. Alguém sempre sai ferido.
– Eu sei me cuidar.
Rio deu uma leve risada, embora não houvesse humor algum em seu gesto.
– Não tenho dúvida de que você saiba. Mas isso é algo diferente, Dylan. Você não é apenas uma humana. Você é uma Companheira de Raça, e isso sempre vai significar que você é diferente. Você pode se ligar a um homem da minha espécie por meio do sangue, e vocês podem viver para sempre. Bem, algo muito parecido com para sempre.
– Você quer dizer como Tess e seu companheiro?
Rio assentiu.
– Como eles, sim. Mas para ser parte do mundo da Raça, você teria de cortar seus laços com o mundo humano. Teria de deixá-los para trás.
– Não posso fazer isso – disse ela. Seu cérebro automaticamente repelia a ideia de deixar a mãe. – Minha família está aqui.
– A Raça também é sua família. Eles cuidariam de você como uma família, Dylan. Você poderia começar uma vida muito agradável no Refúgio Secreto.
Ela não pôde deixar de notar que ele estava falando de tudo aquilo a uma cômoda distância, mantendo-se totalmente fora da equação. Uma parte dela se perguntava se seria tão fácil recusar o convite se ele estivesse pedindo pessoalmente para entrar no mundo dele.
Mas ele não estava, de forma alguma, fazendo isso. E a escolha de Dylan, fácil ou não, teria sido a mesma, independentemente do que Rio lhe oferecesse.
Negando com a cabeça, ela disse:
– Minha vida está aqui, com minha mãe. Ela sempre esteve ao meu lado e não posso deixá-la. Eu jamais faria isso. Nem agora, nem nunca.
E Dylan precisava achar uma maneira de se encontrar logo com sua mãe, ela pensou, resistindo constantemente a Rio, que media cada centímetro de seu corpo com os olhos. Ela não queria esperar até ele decidir apagar sua memória agora que ela tinha optado por deixar o mundo dos vampiros.
– Eu... é... tenho que usar o banheiro – ela murmurou. – Espero que você não ache necessário me vigiar durante esse momento...
Os olhos de Rio se estreitaram ligeiramente, mas negou com sua cabeça.
– Vá. Mas não demore muito tempo.
Dylan não podia acreditar que ele realmente a estava deixando ir ao banheiro ao lado e se trancar sozinha lá dentro. Enquanto analisava o apartamento, ele deve ter se esquecido de verificar que havia uma pequena janela no banheiro.
Uma janela que dava para uma escada de incêndios – e uma escada de incêndios que levava até a rua lá em baixo.
Dylan abriu a torneira e deixou uma pesada corrente de água fria correr pela pia enquanto refletia sobre a insanidade que estava prestes a tentar fazer. Havia um vampiro de mais de noventa quilos, treinado para combates e fortemente armado esperando por ela do outro lado da porta. E ela já tinha testemunhado aqueles reflexos, rápidos como um raio, e, portanto, as chances de vencê-los eram nulas. Tudo o que podia esperar era escapar sigilosamente, e isso significava conseguir abrir a janela deteriorada sem fazer muito ruído e, em seguida, descer a escada de incêndio instável sem fazê-la desmoronar. Se conseguisse ultrapassar esses enormes obstáculos, ela só teria de começar a correr até chegar à estação de metrô.
– Sim, muito simples.
Dylan sabia que estava louca, mesmo enquanto se apressava na direção da janela e abria o trinco. Foi necessário dar uma boa pancada para amolecer as várias camadas de tinta antiga que tinham selado aquela janela. Dylan tossiu algumas vezes, alto o suficiente para disfarçar o barulho que fazia enquanto dava as pancadas.
Ela esperou um segundo, atenta aos movimentos no cômodo ao lado. Quando estava segura de que não ouvira nada, levantou a janela e se viu diante do ar úmido da noite na cidade.
Jesus Cristo! Ela ia realmente fazer isto?
Ela tinha de fazer.
Nada era mais importante do que ver sua mãe.
Dylan colocou metade do corpo para fora, buscando assegurar-se de que o caminho estava limpo. E estava. Ela conseguiria fazer aquilo. Tinha de tentar. Depois de respirar fundo algumas vezes para criar coragem, deu a descarga e, então, subiu pela janela enquanto o banheiro produzia o ruído que abafaria sua ação.
Sua descida pela escada de incêndios foi apressada e desajeitada, mas, em alguns segundos, seus pés pousavam sobre a calçada. Assim que tocou o chão, correu desesperadamente na direção do metrô.
Enquanto a água corria na pia do banheiro, Rio de fato tinha escutado o deslizamento quase silencioso da janela que era aberta atrás daquela porta fechada. A descarga não abafou totalmente o ruído emitido pela escada de incêndio enquanto Dylan caminhava rápida, porém cuidadosamente.
Ela estava tratando de escapar, exatamente como ele esperava acontecer.
Ele tinha visto a mente de Dylan girar enquanto eles conversavam. Também percebeu um desespero crescente naqueles olhos a cada minuto em que ela era forçada a ficar no apartamento com ele. Rio sabia, mesmo antes de ela inventar aquela desculpa de precisar ir ao banheiro, que Dylan tentaria escapar dele na primeira oportunidade.
E ele poderia tê-la detido, assim como poderia detê-la agora, enquanto ela descia pela escada cambaleante de aço em direção à rua onde ficava o apartamento. No entanto, ele estava mais curioso acerca de para onde ela planejava fugir. E atrás de quem ela estava indo.
Ele acreditou quando ela disse que não pretendia expor a Raça às agências de notícias do mundo humano. Se Dylan estivesse mentindo, ele não saberia o que fazer. E não quis pensar que podia estar tão equivocado a respeito daquela mulher. Rio disse a si que nada disso importaria se ele simplesmente apagasse aquelas informações da mente dela.
Porém, ele tinha hesitado em apagar a mente dela depois que ela disse que não deixaria o mundo humano para se unir à Raça. Rio hesitou porque concluiu, de forma bastante egoísta, que simplesmente não estava pronto para apagar os pensamentos dela.
E agora ela estava correndo na noite, longe dele. Com uma cabeça cheia de lembranças e informações que ele seguramente não podia deixar na mente dela.
Rio levantou-se da escrivaninha de Dylan e entrou no pequeno banheiro. O cômodo estava vazio, como ele sabia que estaria. A janela estava escancarada, bocejando para a noite escura de verão que tomava conta do lado de fora.
Então ele saiu. Seus sapatos golpearam a escada de incêndios em uma fração de segundo antes que ele pulasse da estrutura e pousasse no asfalto, dois pisos abaixo. Rio jogou a cabeça para trás e puxou o ar para dentro de seus pulmões, até finalmente sentir o cheiro de Dylan.
Então, foi atrás dela.
Capítulo 22
Dylan ficou do lado de fora do quarto de sua mãe no décimo piso do hospital, tentando tomar coragem para entrar. O pavilhão de oncologia estava muito quieto naquela noite. Só se ouvia o bate-papo discreto das enfermeiras de plantão e o arrastar ocasional dos pés de alguns pacientes que caminhavam por ali, com suas mãos presas ao suporte para o soro que, com suas rodinhas, seguiam ao lado deles. Não muito tempo atrás, sua mãe tinha sido um desses pacientes fortes, mas agora os olhos inevitavelmente não conseguiam esconder o cansaço.
Dylan detestava pensar que havia mais daquela dor e daquela luta à frente de sua mãe. Os resultados da biópsia que os médicos tinham pedido não estariam prontos antes de alguns dias, segundo uma enfermeira lhe informara. Eles tinham esperança de que os resultados fossem positivos, de que talvez tivessem detectado o problema cedo o suficiente para começar uma nova etapa mais agressiva de quimioterapia. Dylan estava orando por um milagre, apesar do peso no peito enquanto se preparava para más notícias.
Ela bateu contra o dispensador de desinfetante para as mãos colocado junto à porta, esguichou um pouco de álcool em gel nelas e esfregou uma contra a outra. Enquanto retirava um par de luvas de látex de uma caixa no balcão e as colocava, tudo o que tinha acontecido durante os últimos dias – e também durante as últimas horas – fora deixado de lado. Esquecido. Seus próprios problemas evaporaram quando ela abriu a porta. Agora, nada importava; nada exceto aquela mulher curvada na cama, presa a cabos de monitoração e a acessos intravenosos.
Meu Deus! Como sua mãe parecia pequena e frágil deitada ali. Ela sempre tinha sido pequena, cerca de dez centímetros menor que Dylan, com os cabelos de um vermelho mais intenso, mesmo com aqueles fios brancos que haviam brotado desde a primeira batalha contra o câncer. Agora, Sharon tinha cabelos curtos, um corte espetado que a fazia parecer pelo menos uma década mais jovem do que sua verdadeira idade: 64 anos. Dylan sentiu uma pontada de ira irracional e ácida pelo fato de que uma nova fase de quimioterapia assolaria aquela gloriosa coroa formada pelos fios de cabelos vermelhos.
Caminhou suavemente até a cama, tentando não fazer ruído. Mas Sharon não estava dormindo. Ela virou-se para o lado quando Dylan se aproximou. Seus olhos eram de um verde brilhante e caloroso.
– Uau... Olá, Dylan... Minha querida. – A voz de Sharon era fraca, o único sinal físico que denunciava o fato de ela estar doente. Ela estendeu o braço e segurou a mão de Dylan, apertando-a com força.
– Como foi a viagem, querida? Quando você chegou?
Merda. Dylan se lembrou de que tinha esticado sua viagem pela Europa. Para ela, era como se um ano tivesse passado nos poucos dias que tinha estado com Rio.
– Hum... Eu acabei de chegar em casa – respondeu Dylan. Uma mentira parcial, uma meia verdade, afinal de contas.
Ela se sentou na beira do fino colchonete do quarto de hospital, mantendo as mãos juntas às de sua mãe.
– Fiquei um pouco preocupada quando você mudou seus planos de maneira tão repentina. Seu e-mail dizendo que você ficaria mais alguns dias foi tão curto e confuso. Por que não me ligou?
– Sinto muito – desculpou-se Dylan. A mentira que ela tinha de engolir causou ainda mais dor quando ela soube que deixou sua mãe preocupada. – Eu teria telefonado se tivesse conseguido. Ah, mãe... lamento que você não esteja se sentindo bem.
– Eu estou bem. Melhor agora que está aqui. – Sharon tinha o olhar calmo. – Mas eu estou morrendo, querida. Você sabe, não sabe?
– Não diga isso. – Dylan apertou a mão de sua mãe e, em seguida, trouxe aqueles dedos frios até os lábios e os beijou. – Você vai superar isso, da mesma forma como superou da outra vez. Você vai ficar bem.
O silêncio – a delicada indulgência – era uma força palpável naquele quarto. Sua mãe não forçaria o assunto, mas estava o assunto ali, como um fantasma à espreita em um canto.
– Bem, vamos falar de você! Quero saber tudo sobre o que você andou fazendo, por onde passou... Conte-me tudo o que você viu enquanto esteve fora.
Dylan olhou para baixo. Era impossível olhar sua mãe nos olhos quando não poderia dizer a verdade. E não podia dizer a verdade. Bem, a maior parte dos fatos seria inacreditável, de qualquer forma, especialmente a parte em que Dylan confessasse temer estar desenvolvendo sentimentos por um homem perigoso e cheio de segredos. Santo Deus, por um vampiro. Só de pensar, já parecia loucura.
– Quero saber mais sobre essa matéria da cova do demônio em que você está trabalhando, querida. Aquelas fotos que me enviou eram realmente impressionantes. Quando sua matéria vai ser publicada?
– Eu não estou mais trabalhando nessa matéria, mãe. – Dylan sacudiu a cabeça. Ela se arrependia por tê-la mencionado para sua mãe. E também para todas as outras pessoas. – No final, a cova era apenas uma cova – disse, com a esperança de ser convincente. – Não havia nada estranho lá.
Sharon se mostrou cética:
– É mesmo? Mas a tumba que você encontrou e as marcas incríveis nas paredes... O que tudo aquilo estava fazendo lá? Devia significar ou ter significado alguma coisa, não?
– É só uma tumba. Provavelmente muito antiga, algo como uma câmara funerária indígena.
– E as fotos que você tirou daquele homem...
– Um andarilho. Era só isso – mentiu Dylan, odiando cada sílaba que saiu de seus lábios. – As imagens fizeram tudo parecer mais importante do que realmente era. Mas não há matéria alguma, nem mesmo gente adequada para uma porcaria como o jornal de Coleman Hogg. Aliás, ele me demitiu.
– O quê? Ele não fez isso, fez?!
Dylan deu de ombros.
– Sim, é verdade. E está tudo bem, mesmo. Vou encontrar outra coisa.
– Bem, foi ele quem saiu perdendo. De qualquer forma, você é boa demais para aquele lugar. Se servir de consolo, eu achei que você estava fazendo um ótimo trabalho naquela matéria. O senhor Fasso pensou a mesma coisa. Aliás, ele comentou que tem contatos com algumas das grandes agências de notícias da cidade. Ele provavelmente encontraria algo para você se eu falasse com ele.
Ah, droga! Uma entrevista de emprego era a última coisa com que ela precisava se preocupar. Principalmente agora, quando o que Dylan acabara de ouvir tinha lhe dado um nó de terror na garganta.
– Mamãe, você não contou sobre essa história para ele, né?
– Mas é claro que eu contei! E também lhe mostrei as fotos. Sinto muito, mas não posso deixar de me gabar de você, minha pequena estrela.
– A quem... Ah, Deus... Mãe, por favor, diga que não falou sobre isso com muita gente... falou?
Sharon acariciou a mão da filha.
– Não seja tão tímida. Você é muito talentosa, Dylan, e deveria estar trabalhando em matérias maiores, mais impactantes. E o senhor Fasso concorda comigo. Gordon e eu conversamos muito sobre você algumas noites atrás, durante o cruzeiro.
Dylan sentiu seu estômago queimar com a ideia de que mais pessoas sabiam sobre o que ela tinha visto naquela caverna, mas não pôde deixar de observar o brilho de alegria nos olhos de sua mãe quando ela mencionou o nome do fundador do abrigo para fugitivos.
– Então você já está chamando o senhor Fasso pelo primeiro nome, hein?
Sharon deu risada. Um som tão juvenil e alto que Dylan por um instante esqueceu que estava sentada ao lado de sua mãe em um quarto na ala de oncologia de um hospital.
– Ele é muito bonito, Dylan. E absolutamente encantador. Eu sempre pensei que ele fosse um pouco distante, quase frio. Mas, na verdade, ele é um homem muito interessante.
Dylan sorriu:
– Você gosta dele!
– Eu gosto – confessou Sharon. – É muita sorte encontrar um cavalheiro de verdade. Talvez meu verdadeiro príncipe, quem sabe? Quando é tarde demais para eu me apaixonar...
Dylan sacudiu a cabeça, odiando escutar esse tipo de comentário vindo de sua mãe.
– Mãe, nunca é tarde demais. Você ainda é jovem. Ainda tem muito tempo de vida pela frente.
Uma sombra invadiu os olhos de Sharon enquanto ela olhava Dylan e se reclinava sobre a cama.
– Você sempre me fez sentir tanto orgulho! E você sabe disso, não sabe, minha querida?
Dylan assentiu com a cabeça, a garganta apertada:
– Sim, eu sei. E sempre pude contar com você, mãe. É a única pessoa com quem sempre pude contar durante a vida. Somos duas mosqueteiras, não é?
Sharon sorriu ao ouvir sua filha mencionar aquele apelido, mas havia lágrimas brilhando em seus olhos.
– Quero que você fique bem, Dylan. Com isto, quero dizer... Com a minha partida... com o fato de que vou morrer.
– Mãe...
– Escute, por favor. Eu me preocupo com você, querida. E não quero que você fique sozinha.
Dylan secou uma lágrima que corria aquecida pela lateral de seu rosto.
– Não deveria estar pensando em mim agora. Você precisa se concentrar em si mesma, em melhorar. Tem que pensar positivo. A biópsia pode não...
– Dylan, pare e me escute por um segundo, querida. – Sharon se sentou, lançando aquele olhar teimoso que Dylan reconhecia muito bem. Um olhar teimoso em um rosto belo, muito embora cansado. – O câncer está pior do que antes. Eu sei. Eu sinto. E eu o aceitei. Preciso saber que será capaz de suportar isso também, filha.
Dylan olhou para as mãos delas, entrelaçadas. Suas mãos estavam amareladas; as de sua mãe, quase translúcidas, os ossos e os tendões enrijecidos sob a pele fria e pálida.
– Há quanto tempo você vem cuidando de mim, querida? E não me refiro só a desde quando fiquei doente. Desde que você era uma menina, sempre se preocupava comigo e tentava fazer o melhor para cuidar de mim.
Dylan sacudiu a cabeça.
– Nós cuidamos uma da outra. Sempre foi assim.
Dedos suaves se aproximaram do queixo de Dylan, fazendo-a levantar o olhar.
– Você é minha filha. Eu vivi por você e por seus irmãos. Mas você sempre foi meu porto seguro. E você não devia ter vivido para mim, Dylan. Não devia ser o adulto nesta relação. Você merece ter alguém para cuidar sempre de você.
– Eu posso cuidar de mim – murmurou. No entanto, as palavras não soaram muito convincentes quando lágrimas corriam por suas bochechas.
– Sim, você pode. E deve. Mas você merece algo mais da vida. Eu não quero que você tenha medo de viver, ou de amar, Dylan. Pode me prometer que não vai ter medo?
Antes que Dylan pudesse dizer qualquer coisa, a porta se abriu e uma das enfermeiras entrou com algumas novas bolsas de líquidos.
– Como estamos Sharon? Como está sua dor agora?
– Um pouquinho de remédio me faria bem – ela respondeu. Seus olhos deslizaram na direção de Dylan como se estivesse escondendo seu desconforto até agora.
Algo que, obviamente, Sharon estava fazendo. Tudo era muito pior do que Dylan queria aceitar. Ela se levantou da cama e deixou a enfermeira fazer seu trabalho. Depois que a mulher se foi, Dylan voltou ao lado de sua mãe. Era tão difícil para Dylan não deixar cair por terra sua máscara de mulher forte quando olhou aqueles suaves olhos verdes e viu que a chama neles se desvanecia.
– Venha aqui e me dê um abraço, meu amor.
Dylan se inclinou e abraçou os ombros delicados e frágeis, incapaz de não perceber a fragilidade de sua mãe como um todo.
– Eu te amo, mamãe.
– Eu também te amo, querida. – Sharon suspirou enquanto acomodava as costas contra o travesseiro. – Estou cansada, preciso dormir agora.
– Tudo bem – respondeu Dylan, com uma voz rouca. – Vou ficar aqui te fazendo companhia enquanto você dorme.
– Não, não vai. – Sharon sacudiu a cabeça. – Não quero que você fique sentada aqui, preocupada comigo. Não vou deixá-la esta noite, ou amanhã, nem na próxima semana, eu prometo. Mas você precisa ir para casa agora, Dylan. Quero que vá descansar.
“Casa”, pensou Dylan, no momento em que sua mãe caía em um sono induzido por remédios. A palavra parecia estranhamente vazia enquanto ela se lembrava de seu apartamento e das poucas coisas que ela tinha. Aquilo não era casa para ela. Se agora Dylan precisasse ir a algum lugar em que se sentia segura e protegida, aquele buraco lastimável não seria esse lugar. Nunca fora.
Dylan se levantou para sair do quarto. Quando secava as lágrimas, seu olhar percebeu um rosto sombrio e o contorno de ombros largos contra a luz do corredor.
Rio.
Ele a tinha encontrado. Ele havia lhe seguido até ali. Embora todos os sentidos lhe dissessem para fugir dele, Dylan se aproximou. Abriu a porta e o encontrou do lado de fora do quarto de sua mãe. E, sem conseguir falar, ela apenas o envolveu em seus braços e chorou suavemente naquele peito forte sobre o qual ela descansava, agora, a cabeça.
Capítulo 23
Rio não esperava que ela fosse em sua direção ao vê-lo parado ali.
Agora que Dylan estava em seus braços, com o corpo tremendo enquanto chorava, ele viu-se completamente perdido. Ele tinha se livrado de uma parte considerável de sua fúria e de sua suspeita durante o tempo que levou até começar a segui-la pela cidade. Sua cabeça girava por conta de todo aquele barulho e pela presença excessiva de humanos em todos os cantos para onde olhava. Suas têmporas gritavam em consequência das luzes claras enquanto todos os seus sentidos pareciam lutar contra ele.
Mas nada disso importava durante os longos instantes em que ele estava ali, abraçando Dylan, sentindo-a tremer com um medo e uma angústia que chegavam aos ossos. Ela sentia dor, e Rio sentiu uma necessidade esmagadora de protegê-la. Não, ele não queria – não podia – vê-la sentir uma dor como aquela.
Madre de Dios, ele odiava vê-la daquela forma.
Rio acariciou aquelas costas delicadas, encostou sua boca na testa de Dylan enquanto ela acomodava-se logo abaixo do queixo dele. E murmurou algumas palavras confortadoras enquanto oferecia alguns gestos suaves. Isso era tudo que ele conseguia pensar em fazer por ela.
– Tenho tanto medo de perdê-la – sussurrou Dylan. – Ah, Deus... Rio, eu estou aterrorizada.
Ele não precisou pensar muito para saber de quem Dylan estava falando. A paciente que dormia no quarto ao lado tinha os mesmos cabelos flamejantes, era praticamente uma versão mais idosa daquela mulher que Rio agora tinha em seus braços.
Rio inclinou o rosto de Dylan, coberto de lágrimas, em sua direção:
– Você poderia me levar embora daqui, por favor? – ela pediu.
– Eu posso levá-la aonde você quiser – disse Rio, passando a ponta de seu polegar pela bochecha dela, apagando as marcas de lágrimas. – Você quer ir pra casa?
O riso entristecido de Dylan soava tão destruído, tão perdido.
– Podemos simplesmente... sair para caminhar um pouco?
–Sim, é claro – ele assentiu, escondendo-a sob seu braço. – Vamos sair daqui.
Os dois caminharam em silêncio até o elevador, e logo depois saíram do hospital em direção à noite aquecida. Rio não sabia para onde levá-la, então simplesmente caminhou ao lado dela. A poucas quadras do hospital havia uma passarela que conduzia a East River. Eles a cruzaram e, enquanto passeavam pela lateral do rio, ele notou alguns pedestres observando-o.
Percebeu alguns olhares furtivos em suas cicatrizes, e mais de um olhar curioso, como se questionasse o que ele estava fazendo com uma mulher tão linda como Dylan. Uma boa pergunta, e uma pergunta para a qual ele não tinha uma resposta razoável naquele momento. Ele a tinha trazido para a cidade em uma missão – uma missão que certamente não permitia desvios desse tipo.
Dylan finalmente desacelerou, parando contra o corrimão de ferro que funcionava como um mirante para olhar a água.
– Minha mãe ficou muito doente no outono passado. Ela pensou que era bronquite, mas não era. Os exames apontaram câncer de pulmão, embora ela nunca tenha fumado um cigarro sequer na vida. – Dylan ficou em silêncio durante um longo momento. – Ela está morrendo. Foi o que ela acabou de me dizer esta noite.
– Sinto muito – disse Rio, caminhando a seu lado.
Ele queria tocá-la, mas não estava seguro de que ela precisasse de seu consolo. Não estava seguro de que ela aceitaria seu consolo. Em vez disso, ele tocou uma mecha de seus cabelos soltos. Seria fácil fingir que estava tentando evitar que alguns fios fossem soprados pela brisa do verão na direção do rosto dela.
– Não era para eu fazer aquela viagem pela Europa. Aquilo seria a grande aventura de minha mãe com suas amigas, mas ela não estava bem o suficiente para ir, então acabei indo no lugar dela. Eu não devia estar lá. Eu nunca teria posto o pé naquela caverna maldita. Eu nunca teria encontrado você.
– E agora você gostaria de poder desfazer tudo. – Aquilo não era uma pergunta, mas apenas um fato que Rio constatou.
– Eu gostaria de poder desfazer, por ela. Gostaria que ela pudesse ter vivido aquela aventura. Gostaria que minha mãe não estivesse doente. – Dylan virou o rosto para Rio. – Mas eu gostaria de tê-lo conhecido.
Rio ficou surpreso, em silêncio, ao ouvi-la admitir aquilo. Então, ele levou a mão até a linha suave do maxilar de Dylan e olhou profundamente para aquele rosto tão branco e tão lindo a ponto de deixá-lo sem ar. E a forma como ela olhava para ele... Madre de Dios! Era como se ele fosse um homem digno de tê-la, como se ele fosse um homem que ela poderia amar...
Ela expirou um golpe de ar silencioso e regular.
– Eu deixaria tudo para trás sem precisar pensar, Rio. Mas não isso. Não você...
Ah, Cristo.
Antes que ele pudesse se convencer de que aquilo era uma má ideia, Rio abaixou a cabeça e a beijou. Um encontro suave entre as bocas, um toque doce que não deveria fazê-lo arder como de fato fez. Rio se entregou ao doce sabor da boca de Dylan, de modo que ela se sentisse bem naqueles braços.
Ele não devia desejar tão intensamente aquilo. Não devia sentir aquela necessidade, aquela doce afeição que o queimava por dentro toda vez que ele pensava em Dylan.
Rio não devia puxá-la para tão perto, entrelaçando seus dedos nos cabelos sedosos, atraindo-a tão profundamente naquele abraço. Perdendo-se naquele beijo. Ele precisou de muito tempo para se afastar daquele beijo. E, enquanto ainda erguia a cabeça, não conseguiu deixar de acariciar aquele rosto macio. Não conseguia afastar-se dela.
Um grupo de adolescentes passou por eles, garotos desordeiros em roupas grandes demais para seus tamanhos. Eles falavam alto e empurravam uns aos outros à medida que andavam. Rio manteve os olhos nos jovens, suspeitando quando viu o grupo parar ao lado do corrimão para ver quem cuspia mais longe. Eles não pareciam claramente perigosos, mas o tipo de garotos que estava eternamente em busca de problemas.
– Demetrio?
Rio lançou um olhar para Dylan, confuso:
– Hum!?
– Estou perto? Quer dizer, estou perto de dizer seu nome verdadeiro... É Demetrio?
Ele riu, e não pôde resistir. Beijou-a na ponta daquele nariz sardento.
– Não, não é Demetrio.
– Está bem. Bom, então é ... Arrio? – Ela tentou adivinhar, sorrindo para ele sob a luz da lua enquanto caía ligeiramente naqueles braços fortes. – Oliverio? Denny Terrio?
– Eleuterio – ele esclareceu.
Dylan arregalou os olhos:
– Eu-leu-o quê?
– Meu nome é Eleuterio de la Noche Atanacio.
– Nossa! Acho que isso faz Dylan soar bastante comum, não é?
Rio caiu na risada.
– Nada a seu respeito é comum, pode ter certeza.
O sorriso de Dylan era surpreendentemente tímido.
– Então, o que significa um nome lindo como esse?
– Em uma tradução aproximada, seria algo como aquele que é livre e que vive para sempre na noite.
Dylan suspirou.
– Que lindo nome, Rio. Sua mãe deve tê-lo amado muito para lhe dar um nome tão incrível como esse.
– Não foi minha mãe quem me deu esse nome. Ela morreu quando eu era muito jovem. O nome veio mais tarde, de uma família da Raça que vive em um Refúgio Secreto no meu país de origem. Eles me encontraram e me adotaram como um membro daquela família.
– O que aconteceu com a sua mãe? Quer dizer, não precisa me dizer se você não... Eu sei que faço muitas perguntas – disse ela, encolhendo os ombros como se quisesse se desculpar.
– Não, eu não me importo em contar para você – disse Rio, impressionado por estar dizendo aquilo de forma sincera.
Em geral, Rio detestava falar de seu passado. Ninguém na Ordem sabia os detalhes que envolviam o começo de sua vida, nem mesmo Nikolai, que Rio considerava seu amigo mais próximo. Ele não havia sentido nenhuma necessidade de falar sobre isso com Eva. Ela conhecia sua história, pois eles tinham se conhecido no Refúgio Secreto espanhol, onde Rio fora criado.
Eva havia, por educação, escolhido ignorar os fatos desagradáveis que cercavam o nascimento de Rio e os anos que ele tinha passado como um menino enjeitado, matando porque precisava matar, porque não conhecia nenhuma outra opção. Ela nunca perguntou nada sobre o jovem selvagem que ele havia sido antes de ser trazido para o Refúgio Secreto e descobrir como se tornar algo melhor do que o animal que ele tinha se tornado para conseguir sobreviver sozinho.
Rio não queria que Dylan o olhasse com medo ou nojo, mas uma grande parte dele queria contar a verdade a ela. Se conseguia olhar para seu exterior cheio de cicatrizes e não desprezá-lo, talvez também fosse suficientemente forte para ver a destruição que existia dentro dele.
– Minha mãe vivia nos subúrbios de um povoado rural muito pequeno na Espanha. Ela ainda era muito jovem, possivelmente tinha por volta de dezesseis anos quando foi estuprada por um vampiro que havia se transformado em Renegado. – Rio manteve a voz baixa para não ser escutado, embora os humanos mais próximos (os adolescentes rebeldes que ainda se divertiam por ali) não estivessem prestando atenção nenhuma a eles. – O Renegado se alimentou dela enquanto a estuprava, mas minha mãe reagiu. Ela o mordeu, ao que parece. Uma quantidade razoável do sangue dele entrou na boca e, consequentemente, no corpo dela. Como ela era uma Companheira de Raça, a combinação do sangue com o sêmen dele resultou em uma gravidez.
– Você... – sussurrou Dylan. – Ah, meu Deus, Rio. Deve ter sido terrível para ela passar por isso. Mas pelo menos ela teve você no final.
– Foi um milagre ela não ter me abortado – disse ele, olhando para as águas negras e brilhantes do rio, recordando a angústia de sua mãe sobre a abominação a que ela tinha dado à luz. – Minha mãe era apenas uma jovem camponesa. Ela não foi educada, não no sentido de ir à escola, e também não sabia dos assuntos da vida. Vivia sozinha em uma casinha na floresta, construída por seus familiares anos antes de eu nascer.
– O que você quer dizer?
– Manos del diablo – respondeu Rio. – Eles temiam as mãos do diabo. Você se lembra de que eu disse que todas as mulheres que nascem com a marca de Companheira de Raça têm dons especiais... Habilidades de algum tipo?
– Sim – confirmou Dylan
– Bem, o dom da minha mãe era obscuro. Com um toque e um pouco de concentração, ela conseguia trazer a morte. – Rio praguejou em voz baixa e ergueu suas mãos letais: – Manos del diablo.
Dylan permaneceu calada por um momento, estudando-o em silêncio.
– Você também tem esse dom?
– Uma mãe Companheira de Raça passa muitas características para seus filhos: cabelo, pele e cor dos olhos... assim como seus dons. Acredito que se minha mãe soubesse exatamente o que estava crescendo em seu ventre, ela teria me matado muito antes de eu nascer. Ela tentou isso pelo menos uma vez, depois de tudo o que aconteceu.
As sobrancelhas de Dylan enrugaram enquanto ela suavemente colocava sua mão sobre a dele, que estava apoiada na cerca de aço.
– O que aconteceu?
– Esta é uma de minhas primeiras lembranças – Rio confessou. – Veja bem, os filhos da Raça nascem com presas pequenas e afiadas. Logo que saem do útero, precisam de sangue para sobreviver. Sangue e escuridão. Minha mãe deve ter percebido e tolerado tudo isso sozinha, porque, de alguma forma, eu sobrevivi à infância. Para mim, era perfeitamente natural evitar o sol e sugar o pulso de minha mãe para me alimentar. Acredito que, por volta dos meus quatro anos, percebi que ela chorava toda vez que eu precisava me alimentar. Ela me desprezava, desprezava o que eu era e, mesmo assim, eu era tudo que ela tinha.
Dylan acariciou o dorso da mão de Rio.
– Não consigo imaginar como isso deve ter sido para vocês dois.
Rio encolheu o ombro.
– Eu não conhecia outra maneira de viver. Mas minha mãe conhecia. Certo dia, com as cortinas de nossa casa fechada para evitar a luz do dia, minha mãe me ofereceu seu pulso. Quando eu o aceitei, senti sua outra mão se aproximar por trás da minha cabeça. Ela me segurou ali, e a dor me atingiu como se um raio tivesse caído sobre meu crânio. Eu gritei e abri os olhos. Ela estava chorando muito, soluçava enquanto me alimentava e segurava minha cabeça com a mão.
– Jesus Cristo! – sussurrou Dylan, claramente impressionada. – Ela queria matá-lo com o toque?
Rio recordou o choque profundo que sentira quando tinha se dado conta daquilo, uma criança assistindo aterrorizada a pessoa que mais confiava tentar acabar com sua vida.
– Ela não conseguiu ir até o fim – murmurou ele com uma voz apática. – Não sei quais foram seus motivos, mas ela retirou bruscamente a mão e fugiu da casa. Eu não a vi durante dois dias. Quando ela voltou, eu estava faminto e aterrorizado. Pensei que tivesse me abandonado para sempre.
– Ela também tinha medo – apontou Dylan, e Rio ficou contente por não ouvir qualquer sinal de piedade naquela voz. Os dedos de Dylan estavam aquecidos e eram reconfortantes quando ela segurou a mão dele. A mão que Rio acabava de dizer que poderia causar a morte com apenas um toque. – Vocês dois devem ter se sentido muito isolados e solitários.
– Sim – disse ele. – Suponho que sim. Tudo terminou mais ou menos um ano depois. Alguns dos homens da vila viram minha mãe e aparentemente se interessaram por ela. Eles apareceram um dia em casa enquanto nós estávamos dormindo. Três deles. Arrombaram a porta e correram atrás dela. Deviam ter ouvido rumores a respeito dela, porque a primeira coisa que fizeram foi prender as mãos de minha mãe para que ela não pudesse tocá-los.
O ar de Dylan ficou preso em sua garganta.
– Minha nossa, Rio...
– Eles arrastaram-na para fora. Corri atrás deles, tentando ajudá-la, mas a luz do sol era intensa demais e me cegou durante segundos que pareceram uma eternidade, e minha mãe gritava, implorando para que eles não fizessem mal a ela ou a mim.
Rio ainda conseguia visualizar as árvores, tão verdes e exuberantes; o céu, tão azul lá em cima... Uma explosão de cores que ele até então só tinha visto escurecidas quando estava na segurança da noite. E ele ainda conseguia visualizar os homens, três grandes humanos, agredindo uma mulher indefesa, enquanto seu filho assistia, congelado pelo terror e pelas limitações de seus cinco anos.
– Eles a espancaram enquanto a chamavam de nomes horríveis: Maldecida. Manos del diablo. La puta de infierno. Algo tomou conta de mim quando vi o sangue de minha mãe correndo pelo chão. Pulei em um dos homens. Eu estava tão furioso que queria que ele morresse em agonia... e assim foi. Depois que entendi o que tinham feito, fui para cima do outro homem. Então, eu o mordi na garganta e me alimentei dele, enquanto meu toque o matava, lentamente.
Dylan agora o encarava sem dizer nada. Totalmente paralisada.
– O último, então, percebeu o que eu tinha feito. E me chamou dos mesmos nomes que tinha chamado minha mãe, acrescentando dois outros que eu nunca tinha ouvido antes: Comedor de la Sangre e Monstruo; Comedor de sangue e monstro. – Rio soltou uma risada insegura. – Até aquele momento, eu não sabia o que era. Mas, enquanto eu matava o último dos agressores de minha mãe e a via morrer na grama iluminada pelo sol, certo conhecimento enterrado em mim parecia acordar e se levantar. Finalmente entendi que eu era diferente, e o que isso significava.
– Você era apenas uma criança – disse Dylan com uma voz suave. – Como sobreviveu depois disso?
– Durante certo período, passei fome. Tentei me alimentar com sangue de animais, mas aquilo era como veneno. Procurei meu primeiro humano aproximadamente uma semana depois do ataque. Eu estava louco de fome, e não tinha experiência em como encontrar alimento. Matei várias pessoas durante as primeiras semanas em que vivi sozinho. Eu acabaria me tornando um Renegado, mas então um milagre aconteceu. Eu estava perseguindo minha presa na floresta quando uma grande sombra saiu das árvores. Eu pensei que fosse um homem, mas ele se movia com tanta agilidade e discrição que eu mal podia focar meus olhos nele. Ele também estava caçando. Foi atrás do camponês em que eu estava de olho e, com uma graça que eu certamente não tinha, ele derrubou o humano e começou a se alimentar da ferida que abrira na garganta daquele homem. Aquela criatura era um sugador de sangue, como eu.
– O que você fez, Rio?
– Eu assisti, fascinado – ele respondeu, recordando com tanta clareza como se tudo aquilo tivesse acontecido poucos minutos atrás. Depois, continuou: – Quando tudo terminou, o homem se levantou e se afastou como se nada incomum tivesse acontecido. Eu estava impressionado e, quando inspirei, o sugador de sangue me viu escondido por ali. Ele me chamou e, depois de perceber que eu estava sozinho, levou-me com ele até sua casa; a um Refúgio Secreto. Conheci muitos outros como eu, e descobri que eu era parte de um grupo chamado Raça. Como minha mãe não tinha me dado um nome, minha nova família no Refúgio Secreto me deu o nome que eu tenho agora.
– Eleuterio de la Noche Atanacio – disse Dylan. As palavras soavam agradavelmente doces saindo da boca dela. Sua mão, agora apoiada com ternura sobre as cicatrizes do rosto de Rio, transmitia uma sensação extremamente reconfortante. – Meu Deus, Rio... é um milagre que você esteja aqui comigo.
Ela se aproximou dele, olhando-o nos olhos. Rio mal conseguia respirar enquanto ela ficava na ponta dos pés e inclinava o queixo para beijá-lo. Os lábios deles se uniram pela segunda vez naquela noite... E com uma necessidade que nenhum deles parecia disposto ou capaz de esconder.
Eles poderiam ficar ali, para sempre se beijando.
Mas foi exatamente naquele momento que o passeio tranquilo se tornou assustador, com o estrondo repentino provocado por armas de fogo.
CONTINUA
Capítulo 18
Rio passou as últimas horas antes da alvorada com Dante no pátio atrás do complexo da Ordem. Em seguida, dirigiu-se à capela do complexo, onde passou mais um pouco de tempo sozinho. O pequeno e tranquilo santuário onde a Ordem realizava suas cerimônias mais importantes ou íntimas sempre funcionava como um refúgio para ele. Mas não agora. Tudo o que ele via no espaço iluminado por luz de velas fazia-o recordar a decepção que Eva lhe causara.
Por culpa dela, fazia mais de um ano, eles tiveram que ungir e cobrir com uma mortalha branca um dos membros mais nobres da Ordem e colocá-lo sobre o altar diante daquelas fileiras de bancos. A morte de Conlan em um túnel subterrâneo no verão passado tinha sido acidental – a infelicidade de estar no local errado, na hora errada. No entanto, seu sangue estava nas mãos de Eva.
Rio ainda podia vê-la parada a seu lado na capela, apoiando-se nele e chorando. E, durante todo o tempo, escondendo sua traição. Esperando até a próxima oportunidade para poder conspirar com seus inimigos como parte de uma tentativa equivocada de ver Rio afastado da Ordem – mesmo que, para isso, ele tivesse de ser ferido – e finalmente como uma posse exclusiva dela.
A ironia disso estava no fato de que ele não deixaria a Ordem.
Ele não queria deixar – e não deixaria – o grupo enquanto se sentisse minimamente útil para os guerreiros que tinham sido praticamente uma família para ele durante quase um século. A não ser que ele perdesse a sanidade e o autocontrole por conta da explosão que poderia – e devia – tê-lo matado.
– Droga! – resmungou Rio, dando meia-volta para sair o mais rápido possível daquela capela.
Ele não tinha que estar ali passando o tempo com velhos fantasmas e com a desgraça que eles lhe traziam. Tudo do que Rio precisava para lembrar-se de Eva era uma olhada de relance em um espelho ou no reflexo de uma janela. E ele tentava com todas as suas forças não fazer isso, não apenas pelo choque que sentia toda vez que via aquela imagem que lhe devolvia o olhar, mas também porque queria expulsar Eva de uma vez por todas de sua vida. O simples fato de ouvir o nome daquela vagabunda traidora já era suficiente para que ele tivesse um incontrolável ataque fúria.
Como Dylan, infelizmente, agora poderia confirmar.
Rio se perguntava se ela estaria bem. Tess teria cuidado muito bem de Dylan – mesmo sem seu toque mágico da cura, ausente agora que ela estava grávida – mas, ainda assim, Rio se perguntava se ela estaria bem. Ele se detestava por ter reagido daquela forma. Dylan provavelmente pensava o mesmo. Isso se ela não estivesse ocupada sentindo pena pelo desastre mental que ele tinha provado ser.
Sentindo-se tão solitário e desprendido da realidade quanto um fantasma, Rio saiu da capela do complexo e vagou pelo labirinto de corredores até chegar à enfermaria, que estava vazia. Tomou uma ducha rápida na sala de recuperação que tinha sido sua morada durante os meses que se seguiram à explosão, deixando a água quente levar a dor que havia em seus músculos e a tensão que pulsava em suas têmporas. Quando desligou a água e se enxugava com uma toalha, seus pensamentos se voltaram para Dylan. Estar aqui, retida contra sua vontade, não devia estar lhe fazendo bem. E libertá-la significava colocar um fim – o mais rápido possível – na matéria que ela tinha começado a escrever.
Era de manhã, o que significava o fim do trabalho para os membros da Raça. Mas não para os humanos que viviam lá em cima. Os humanos deviam estar começando seu dia habitual, o que significava que o chefe de Dylan no jornal tinha mais um dia para pensar a respeito da publicação daquela matéria; o que significava mais um dia para as mulheres com quem Dylan estava viajando discutirem a caverna encontrada e especular sobre o que poderia haver lá dentro. Mais um dia para o erro cometido por Rio poder ser desvendado e colocar a Ordem e toda a nação dos vampiros em perigo caso fossem descobertos pelos humanos.
Rio vestiu um par de calças frouxas azul-marinho e uma camiseta cavada que ainda estava no guarda-roupa com algumas outras coisas que restavam desde sua longa passagem pela sala de enfermaria. Quando caminhou pelo corredor em direção a seus aposentos, tinha um novo objetivo em mente. Sua cabeça estava mais limpa e agora ele se sentia bem e pronto para fazer Dylan colocar um ponto-final naquela maldita matéria sobre a caverna. E logo.
No entanto, quando ele abriu a porta de seus aposentos, o ambiente estava escuro. Apenas um pequeno abajur de mesa estava aceso no canto da sala de estar, como uma luz noturna brilhando para ele, caso decidisse voltar. Rio observou atentamente o leve brilho que lhe dava as boas-vindas enquanto entrava no quarto e fechava a porta silenciosamente.
Dylan estava dormindo. Ele podia vê-la deitada em sua cama no outro quarto, o corpo curvado sobre o edredom. Não restava dúvidas de que ela estava exausta. Os três dias passados pareciam estar finalmente pesando. Caramba, eles pareciam estar pesando também para ele.
Rio andou pelo quarto escuro e, assim que avistou as pernas longas e nuas de Dylan, rapidamente se esqueceu do objetivo que tinha em mente no caminho até lá. Ela estava usando um baby-doll e shorts xadrez com cores claras, peças que ela claramente tinha tirado de sua bagagem, agora aberta ao lado de sua cama.
O conjunto de algodão era nada sexy – certamente nada próximo dos laços e cetins caros com os quais Eva costumava desfilar para ele. Mas Dylan estava linda, mesmo quase nua... E estava linda dormindo na cama dele.
Madre de Dios! Linda demais!
Rio puxou uma manta de seda de uma cadeira no canto do quarto e a levou para a cama a fim de cobri-la. E não fez isso apenas para ser gentil. Como um membro da Raça, Rio tinha a visão mais aguçada durante a noite – todos os seus sentidos eram bem mais aguçados e, naquele momento, eles começavam a oprimi-lo com ideias ligadas àquela mulher seminua deitada tão vulneravelmente perto dele.
Ele tentou não notar que os seios de Dylan estavam deliciosamente nus debaixo do fino algodão da blusa sem manga. A tentação de olhar fixamente aquela pele branca e macia – especialmente a área exposta do abdômen, onde a peça de roupa estava amarrotada e subia tão perfeita e insidiosamente acima do umbigo – era forte demais para ele conseguir resistir.
No entanto, quando ele se aproximou da beira da cama com a manta, ela se mexeu ligeiramente, mudando a posição de suas pernas e ajeitando-se um pouco melhor sobre as costas. Rio ficou paralisado, torcendo para que ela não despertasse e o encontrasse inclinado ali em cima como um fantasma.
Olhar para ela o deixava com uma dor acalentada no peito. Ele não tinha direito algum sobre Dylan, mas uma onda de possessividade correu por seu sangue, acompanhada por vários milhares de volts de eletricidade. Ela não lhe pertencia – e não seria dele, independente de qual caminho ela escolhesse seguir no final de tudo aquilo. Não importava se ela escolheria um futuro entre os da Raça em um Refúgio Secreto ou se viveria lá fora, sem memória alguma de Rio e sua espécie, ela não lhe pertenceria. Dylan merecia algo melhor, não restava dúvida quanto a isso.
Outro homem – da Raça ou não – seria muito mais adequado para cuidar de uma mulher como Dylan. Outro homem teria o privilégio de explorar as delicadas e macias curvas de sua pele sedosa. Seria de outro homem o prazer de provar aquele pulso delicado que golpeava docemente na base de sua garganta. Outro homem da Raça teria a honra de perfurar as veias de Dylan com uma mordida suave e completamente erótica. Seria de outro homem – e jamais dele – o juramento de protegê-la de todos os males e de sustentá-la fielmente para todo o sempre com o sangue e a força de seu corpo imortal.
Não seria direito dele. Absolutamente, pensou Rio sombriamente enquanto colocava, da forma mais delicada que conseguia, a manta sobre o corpo seminu de Dylan. Ele não devia desejar um pedaço sequer dela.
Entretanto, ele desejava. Deus, como desejava!
Rio ardia de desejo, mesmo sabendo que não deveria ter esse sentimento. Ele tentou se convencer de que tinha sido um mero acidente o fato de suas mãos terem roçado contra as curvas do corpo dela enquanto ele a cobria com a leve seda. Ele não pretendia deixar seus dedos percorrerem as ondas daqueles cabelos vermelhos ardentes, ainda ligeiramente umedecidos em virtude de um recente banho. Ele não pôde resistir e tocou a leve linha da maçã do rosto e a pele macia sob a orelha de Dylan.
E ela não reagiu quando ele olhou para o pequeno curativo que cobria o corte que tinha lhe causado.
Merda! Isto era tudo o que ele tinha a oferecer: dor e desculpas. E ela só o deixava chegar tão perto porque não sabia que ele estava ali.
Dylan não estava acordada para ver aquele demônio parado sobre ela na escuridão, roubando-lhe carícias e contemplando a ideia de fazer muito mais do que simplesmente roçar os dedos másculos em sua pele delicada. Rio a desejava tanto que suas presas mordiscavam a própria língua. Os olhos do guerreiro, transformados pela luxúria que ele agora sentia, brilhavam em uma cor âmbar intensa. Aqueles raios típicos da Raça a banhavam em um brilho suave, iluminando cada profunda e deleitável curva do corpo de Dylan.
Ele afastou suas mãos dela e ela se espreguiçou, provavelmente para tentar aliviar o calor daquele olhar. Um rápido pestanejar das pálpebras dele desligou imediatamente o par de refletores, inundando o quarto novamente com a escuridão total.
Rio se afastou sem fazer qualquer ruído.
Então, arrastou-se para fora do quarto antes que pudesse demonstrar mais do seu lado ladrão, que ele tanto temia assumir quando estava perto daquela mulher.
A princípio, Dylan pensou que o toque a tivesse despertado, mas os dedos que acariciavam suavemente sua bochecha tinham um calor relaxante que deixou seu sono mais voluptuoso. Na verdade – ela percebeu depois – fora a ausência daquele calor a responsável por dissipar seu sonho prazeroso.
Ela abriu os olhos e não conseguiu ver nada além da escuridão do quarto.
O quarto de Rio. A cama de Rio.
Ela se sentou, sentindo-se extremamente desconfortável com o fato de ter caído no sono depois de ter tomado uma ducha mais cedo naquela mesma noite. Ou já era dia? Dylan não sabia, e não poderia saber, já que não havia janela alguma nos quase duzentos metros quadrados daquele apartamento.
O lugar estava escuro e silencioso, mas Dylan acreditava não estar sozinha.
– Olá?
Um grande silêncio foi tudo o que recebeu como resposta.
Ela lançou um olhar para a sala de estar e notou que o abajur que tinha deixado aceso agora estava apagado. E alguém definitivamente esteve ali em algum momento, pois havia uma manta sobre seu corpo – a mesma manta que ela havia deixado sobre uma das cadeiras.
Tinha sido Rio. Ela estava absolutamente certa de que fora ele.
Ele tinha estado ao lado da cama não havia muito tempo. Foi o toque dele que transmitiu uma sensação deliciosa para a pele dela, uma sensação que se transformou em frio quando ele se foi.
Dylan deu meia-volta e colocou seus pés descalços no chão. Caminhou suavemente até as portas, fechadas, e abriu-as cuidadosamente enquanto se esforçava para conseguir enxergar qualquer coisa do outro lado da escura sala de estar.
– Rio... Você está dormindo?
Dylan não perguntou se ele estava ali; ela sabia que ele estava. Podia sentir a presença dele na forma como seu coração pulsava, na forma como o sangue corria apressado em suas veias. Ela atravessou o cômodo até onde recordava ter visto um abajur sobre uma escrivaninha. Então, estendeu a mão cuidadosamente na direção da base fria de porcelana do objeto.
– Deixe apagada.
Dylan virou a cabeça na direção do som da voz de Rio. Ele estava à direita dela, perto do centro do quarto. Agora que os olhos de Dylan tinham se adaptado à falta de luz, ela podia ver a grande e escura silhueta sobre o sofá aveludado. O tronco e os longos membros de Rio faziam o leve contorno do móvel desaparecer.
– Pode ficar com sua cama. Eu não pretendia dormir lá.
Ela caminhou um pouco mais na direção do centro do quarto... E escutou um grunhido baixo ecoar de sua direção.
Meu Deus. Dylan ficou congelada a poucos passos do sofá. Estava ele em meio a outro ataque como o anterior? Ou ainda não tinha se recuperado totalmente?
Dylan limpou a garganta. Desafiadora, deu mais um passo na direção dele.
– Você está... hum, você... precisa de alguma coisa? Se houver algo que eu possa fazer...
– Droga! – O som da voz de Rio trazia mais uma sensação de desespero do que de fúria. Ele fez mais um daqueles seus movimentos rápidos como um piscar de olhos, levantando-se rapidamente do sofá e dirigindo-se para a parede mais afastada. O mais longe de Dylan que conseguia.
– Dylan, por favor. Apenas volte para a cama. Você precisa ficar longe de mim.
Aquele provavelmente era um bom conselho. Manter-se longe de um vampiro traumatizado e com um nível nuclear de raiva incontrolável era provavelmente a coisa mais sensata que ela podia fazer. Mesmo assim, Dylan continuou em movimento, como se seu bom senso e seu instinto de sobrevivência tivessem feito as malas e embarcado em férias repentinas.
– Eu não tenho medo, Rio. Eu sei que você não vai me ferir.
Ele não disse algo para confirmar, tampouco para negar. Dylan podia ouvi-lo respirar – isso se aquele ofegar baixo e pesado pudesse ser considerado respiração. Ela se sentia como se estivesse se aproximando de um animal selvagem ferido, incerta sobre se oferecer a mão geraria confiança ou um ataque de presas e garras.
– Você estava no quarto comigo há alguns minutos... não estava? – Ela continuou avançando regularmente, sem se deixar intimidar pelo peso do silêncio de Rio ou da escuridão que o envolvia. – Você tocou em mim. Eu senti sua mão em meu rosto. Eu gostei, Rio. Não queria que você parasse.
Ele xingou, usando palavras realmente agressivas. Ela não só sentiu a presença como também viu a cabeça de Rio se aproximar bruscamente. Uma pausa e, então, ele devia ter aberto os olhos, pois a escuridão foi subitamente cortada por dois raios âmbar apontados diretamente para ela.
– Seus olhos... – ela murmurou, sentindo-se uma mariposa diante de uma chama flamejante.
Dylan tinha visto os olhos de Rio se transformarem de topázio em âmbar quando ele entrara nos aposentos algumas horas atrás. Mas isso... isso era diferente. Agora havia um arder naqueles olhos, algo diferente da raiva e da dor. Mais intenso, se é que isso fosse possível.
Dylan não conseguia se mover. Apenas permaneceu ali, parada no caminho aquecido pelo olhar de Rio, sentindo que aquilo consumia seu corpo inteiro – e gostando do que consumia seu corpo inteiro. Seu coração se acelerou e passou a bater irregularmente enquanto aquele olhar fixo a queimava, atravessando sua pele.
Agora Rio estava se movimentando, aproximando-se dela com a graça de um predador. Jesus Cristo!
– Por que você apareceu naquela montanha? – ele perguntou a Dylan em um tom áspero e acusador.
Dylan engoliu em seco, observando-o aproximar-se dela em meio à escuridão. Ela começou a dizer que tinha sido Eva quem a tinha guiado até lá, mas aquilo era apenas parte da verdade. O fantasma de Eva havia lhe mostrado o caminho, mas Dylan tinha voltado por vontade própria àquela caverna – para ver Rio.
Mais do que qualquer outra coisa – incluindo o trabalho que poderia salvar seu emprego com a história de um demônio nas colinas da Boêmia –, foi Rio quem a levou a ficar na caverna e a tentar estender a mão para ele quando o bom senso lhe dizia para fugir. Era ele quem a obrigava a estar ali agora. O desejo que ela sentia por ele mantinha seus pés presos ao chão quando o medo deveria forçá-la na direção oposta o mais rápido possível.
Rio estava bem em frente dela agora, ainda mascarado pela escuridão, exceto pelo brilho misterioso e extremamente sedutor de seus olhos de vampiro.
– Que inferno, Dylan! Por que você apareceu lá? – As mãos de Rio estavam firmes quando ele a pegou pelos braços. Em seguida, ele a sacudiu, mas era ele quem tremia. – Por quê? Por que teve de ser você?
Ela sabia que um beijo estava próximo, mesmo na escuridão. Porém, a pressão inicial da boca dele sobre a dela a fez sentir uma chama incontrolável tomar conta de seu corpo. Uma chama que a queimava, um desejo ardente que tomava conta de seu coração. Ela se deixou levar, perdendo-se no toque dos lábios e – ah, Jesus! – das presas de Rio. Dylan sentiu as pontas afiadas quando teve a boca aberta pela língua dele, forçando-a a aceitar o que ele tinha para lhe oferecer.
Dylan não tentaria resistir. Ela nunca tinha sentido nada tão erótico quanto o roçar das presas de Rio. Havia tanto poder letal naquilo; ela podia sentir o perigo, mas estava prestes a perder o controle. Rio a abraçou ainda mais forte e a beijou de uma forma quase violenta. E aquilo a excitava loucamente. Não, Dylan nunca havia se sentido tão excitada quanto naquele momento.
Rio a empurrou para o sofá atrás dela. As mãos grandes e fortes do vampiro envolveram suas costas para aliviar a queda. E ele foi com ela, e todo o peso de seu corpo forte e musculoso a sustentou embaixo dele. E Dylan podia sentir a espessura daquele pênis. Sentia-o enorme e rígido como pedra entre seus corpos. Ela correu as mãos pelas costas de Rio, escorregando-as por debaixo da camiseta de algodão, de modo que pudesse sentir a flexão daqueles fortes músculos conforme ele se movia sobre ela.
– Eu quero ver você – ela ofegou em meio aos beijos famintos. – Preciso ver você, Rio...
E Dylan não esperou receber permissão.
Estendendo a mão, ela encontrou o abajur ao lado do sofá e o acendeu. A suave luz amarela banhou o quarto, deixando-o agora iluminado. Rio estava sobre seus quadris, equilibrando-se nos joelhos enquanto a olhava fixamente em uma situação que parecia ser pura desgraça.
Os olhos de Rio brilhavam com aquele âmbar ardente. Seus traços estavam tensos, sua mandíbula estava apertada fortemente, mas não o suficiente para mascarar o assombroso tamanho de suas presas extremamente afiadas. Os dermoglifos que se espalhavam por seus ombros e braços pareciam queimar – em belos e profundos tons de vermelho, índigo e dourado.
E suas cicatrizes... Bem, Dylan também as viu. Seria impossível ignorá-las, mas ela tampouco tentou. Dylan se apoiou em um de seus cotovelos e estendeu sua outra mão na direção de Rio. Ele estremeceu, virando o rosto em uma tentativa de ocultar seu lado esquerdo arruinado. Mas Dylan não o deixaria se esconder. Não agora. Não dela. Então, estendeu a mão novamente e, de forma suave, colocou a palma contra a forte linha que contornava seu maxilar.
– Não faça isso – disse Rio com uma voz grossa.
– Está tudo bem. – Dylan virou suavemente o rosto dele para que pudesse ser vista totalmente. Com extremo cuidado, ela acariciou levemente aquela pele marcada por cicatrizes. E seguiu acariciando todos os danos pelo corpo dele, deslizando delicadamente os dedos pelo pescoço, ombros e bíceps de Rio, na pele que certa vez fora tão suave e perfeita quanto o restante dele. – Você acha que é um sacrifício tocá-lo assim?
Rio murmurou algo, mas as palavras saíram retorcidas e ininteligíveis.
Dylan se sentou, levantando-se até que seu rosto estivesse paralelo ao dele. Ela o olhou fixamente, assegurando-se de que aquelas pupilas finas como as de um gato a olhassem enquanto ela suavemente o acariciava na bochecha, no maxilar, naquela boca maravilhosamente sensual.
– Não olhe para mim, Dylan. – Agora ela se dava conta de que ele murmurava exatamente a mesma coisa que antes. – Que droga!... Como você consegue me olhar tão perto... como pode me tocar... e não sentir nojo?
Dylan sentiu seu coração se apertar em seu peito.
– Eu estou olhando para você, Rio. Estou vendo você. Estou tocando você. Você – disse ela, enfatizando.
– Estas cicatrizes...
– São incidentais – ela terminou a frase para ele. Dylan sorriu enquanto lançava um olhar para a boca dele, para as presas perfeitamente brancas e perfeitamente incríveis que brotavam de sua gengiva.
– Suas cicatrizes são o mais normal em você, se quer saber a verdade.
Os lábios dele se curvaram, como se fossem afastá-la, definindo-lhe muitos mais de seus defeitos, mas Dylan não lhe deu oportunidade. Ela segurou o rosto de Rio com as mãos e se aproximou, dando-lhe um beijo intenso, lento e apaixonado.
E ela gemeu quando ele entrelaçou as mãos naqueles cabelos vermelhos e a beijou de volta.
Dylan o queria com tanta ferocidade a ponto de quase não conseguir aguentar. Deus, aquilo tudo não fazia sentido algum – esse desejo que ela sentia por um homem que mal conhecia e de quem, por muitas razões, deveria sentir medo. Em vez disso, ela o beijava como se não houvesse amanhã.
Não queria parar de beijá-lo. Ela o envolveu em seus braços e o puxou de volta contra o sofá. Os cabelos sedosos dele acariciavam a palma da mão dela; a boca quente dele buscava a boca de Dylan. E a mão de Rio, ah, a mão de Rio era, ao mesmo tempo, forte e suave enquanto ele a deslizava sob a bainha da blusa de Dylan, acariciando-lhe a pele arrepiada da barriga. E, em seguida, ele acariciou também os seios dela. Dylan se contorcia enquanto era acariciada. Os dedos de Rio provocavam os mamilos dela, transformando-os em botões duros e sensíveis enquanto a língua dele brincava com a boca de Dylan.
– Ah, meu Deus! – ela ofegou, ardendo por Rio.
Ele se ajustou melhor entre as coxas de Dylan, usando os joelhos para abrir-lhe as pernas enquanto sentia sua ereção querer rasgar as próprias roupas. Ela quase teve um orgasmo com aquela deliciosa fricção entre os corpos. Ela ia chegar ao êxtase se ele continuasse com aqueles movimentos deliciosos que não deixavam dúvidas de que tipo de amante ele seria quando eles estivessem nus.
Dylan levantou os pés e cruzou os tornozelos em volta do quadril de Rio, deixando-o ciente de que ela estava disposta a ir até onde ele quisesse levar aquilo. Ela não estava acostumada a se jogar aos pés de um homem – e não conseguia se lembrar da última vez em que havia transado, que dirá, então, da última vez em que tivera um bom sexo – mas Dylan não conseguia pensar em nada que quisesse mais do que fazer amor com Rio. Bem ali. Naquela hora.
Ele sugou o lábio inferior de Dylan entre seus dentes enquanto empurrava seu quadril contra ela. Ela se deleitou com o roçar daquelas presas, com o impulso hipnotizante do corpo grande e rígido daquele homem e com o flexionar dos músculos tensos dele em suas mãos. Ele deslizou sua mão entre as pernas dela. Seus dedos se afundavam na carne úmida e quente. Dylan não conseguiu segurar o gemido que se formava em sua garganta.
– Isso! – ela sussurrou bruscamente conforme um orgasmo tomava conta de seu corpo. – Rio...
Ela sentia espirais girarem dentro de seu corpo enquanto se perdia no prazer que o toque de Rio entre suas pernas lhe provocava. E se agarrou a ele quando sentiu seu coração acelerar com o gozo. Ela escutou o grunhido selvagem de Rio, dando-se conta de que ele tinha deixado de beijá-la para escorregar a boca ao longo de seu pescoço. Ela o envolveu em seus braços enquanto ele roçava contra seu pescoço, enquanto deixava sua língua quente passear por sua pele macia.
O roçar áspero dos dentes de Rio naquele ponto a assustou.
O corpo de Dylan se retesou, embora ela não quisesse temer o que poderia estar por vir. Mas ela não pôde deter a reação instintiva. E Rio se afastou como se ela tivesse gritado com toda a força de seus pulmões.
– Sinto muito – ela sussurrou, estendendo a mão para tocá-lo. Mas ele já não estava mais lá. Já tinha se afastado, já estava a pelo menos um braço de distância do sofá. Dylan se sentou, sentindo-se estranhamente incompleta. – Sinto muito, Rio. Eu não estava segura...
– Não se desculpe – ele resmungou com uma voz áspera. – Madre de Dios, não peça desculpa para mim, por favor. Foi culpa minha, Dylan.
– Não – ela respondeu, desesperada para que ele ficasse com ela, para que ele ficasse dentro dela. – Eu quero, Rio.
– Você não deveria querer – ele retrucou. – E eu não teria sido capaz de parar. – Rio passou a mão por aqueles cabelos escuros, encarando-a com aqueles ardentes olhos âmbar. – Isso teria sido um erro terrível para nós dois – acrescentou ele depois de uma longa pausa. – Ah, merda! Já é um terrível erro.
Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Rio simplesmente deu meia-volta e partiu. Enquanto a porta do quarto se fechava atrás das costas largas daquele homem enorme, Dylan puxava sua blusa de volta para baixo e ajustava os shorts. No silêncio com o qual ele a deixou, ela levou os joelhos até o peito e segurou as canelas. Em seguida, estendeu a mão e apagou a luz do abajur.
Capítulo 19
Rio levantou a pistola nove milímetros e a apontou para o final do campo de tiro do complexo. A arma parecia extremamente estranha em sua mão, apesar de ela lhe pertencer e de ele tê-la carregado por anos, quando ela era extremamente letal.
Antes da explosão do depósito, antes de as feridas terem-no tirado de combate e o jogado em uma cama de hospital, deixando seu corpo e sua mente destruídos.
Antes de a traição de Eva tê-lo cegado, fazendo-o questionar tudo que ele era e poderia vir a ser.
Uma gota de suor desceu pelo lábio de Rio enquanto ele mantinha os olhos no alvo. Seu dedo no gatilho estava trêmulo. Rio usou toda a sua atenção para se concentrar na pequena silhueta impressa no alvo de papel a cerca de vinte metros à frente.
Mas era exatamente para isso que ele tinha ido até ali.
Depois do que havia ocorrido com Dylan alguns minutos atrás, Rio precisava se distrair. Precisava de algo que tomasse toda a sua atenção, que fizesse a temperatura de seu corpo diminuir e voltar ao normal. Algo que, esperançosamente, acabasse com aquela fome carnal que ainda o consumia. Rio desejava Dylan com uma necessidade que ainda pulsava por suas veias em um batimento profundo e primitivo.
Ele ainda podia sentir o corpo delicado daquela mulher movendo-se debaixo do seu, tão suave e acolhedor, respondendo aos toques de forma tão apaixonada. Aceitando-o, mesmo sabendo que eles poderiam fazer parte de uma montagem macabra de A Bela e a Fera. Era uma fantasia da qual ele se permitia participar enquanto beijava Dylan, enquanto a apertava sob seu corpo e se perguntava se a intensa atração que sentia por ela poderia ser mútua. Ninguém era assim tão bom ator. Eva havia afirmado amá-lo uma vez. A traição profunda tinha sido um choque, mas, no fundo de sua mente, Rio sabia que ela não era feliz com ele, não estava, realmente, feliz com o que ele era e com a vida de guerreiro que ele tinha escolhido.
Ela nunca quis que ele se juntasse aos guerreiros. Nunca entendera sua necessidade de fazer algo bom, sua necessidade de ser útil. Mais de uma vez, havia perguntado por que ela não era suficiente para ele. Por que amá-la e fazê-la feliz não poderia ser suficiente? Rio queria as duas coisas, mas até mesmo Eva conseguia enxergar que ele preferia a Ordem.
Rio ainda podia se recordar de uma noite, passeando em um parque da cidade com Eva, tirando fotos dela em uma pequena ponte sobre o rio. Naquela noite, ela lhe dissera o quanto queria que ele deixasse a Ordem e lhe desse um filho. Exigências que ele não poderia – ou melhor, que ele não estava disposto – a cumprir.
“Espere um pouco”, ele lhe pedira. Os guerreiros estavam dando fim a uma pequena onda de ataques dos Renegados na região. E, por conta disso, ele pediu para que ela fosse paciente. Uma vez que as coisas estivessem mais calmas, talvez pudessem pensar em constituir uma família.
Olhando para trás, Rio não tinha mais certeza de que aquelas fossem palavras verdadeiras. Eva não havia acreditado, ele conseguiu ver isso nos olhos dela já naquela época. Madre de Dios, talvez tivesse sido naquele exato momento que ela decidiu tomar o problema para si mesma.
Rio tinha decepcionado Eva e sabia disso. Mas ela havia pagado na mesma moeda. A traição dela o havia rasgado até a alma. Aquela traição o forçou a questionar tudo, incluindo o motivo pelo qual ele devia continuar ocupando um espaço precioso neste mundo.
Quando Dylan o beijou – quando ela o olhou fixamente no rosto e seus olhos transmitiam apenas sinceridade – Rio conseguiu acreditar, pelo menos por um momento, que não era um monstruo digno de pena desperdiçando ar e espaço. Quando olhou nos olhos de Dylan e sentiu a mão macia dela tocando suas cicatrizes, conseguiu acreditar que sua vida parecia valer a pena. E ele era um maldecido egoísta por pensar que tinha algo que oferecer a uma mulher como aquela. Rio já havia destruído a vida de uma mulher, e quase destruíra a sua. Não, ele não estava disposto a arriscar uma segunda vez com a vida de Dylan. Não, mesmo.
Rio estreitou os olhos, voltando sua atenção ao alvo. Então, segurou ainda mais forte na arma, em uma pegada que parecia ferro contra ferro. Apertou o gatilho, sentiu a pancada familiar quando a Beretta descarregou e uma bala saiu em direção ao anel central do alvo.
– É bom ver que você não perdeu o jeito. Continua acertando exatamente no alvo, como sempre fez.
Rio colocou a arma na prateleira diante dele. Quando deu meia-volta, deu de cara com Nikolai, que estava parado atrás dele, com suas costas enormes apoiadas contra a parede. Rio sabia que não estava sozinho ali, ele tinha ouvido Niko e os outros três guerreiros solteiros conversando no extremo oposto do prédio enquanto limpavam suas armas e comentavam sobre sua ronda no clube noturno de humanos.
– Como foi a caça lá em cima?
Niko deu de ombros.
– Como de costume.
– Belas garotas, sem bom senso o suficiente para correr quando veem vocês chegar? – perguntou Rio, tentando quebrar o gelo presente entre eles desde sua chegada ao complexo.
Para seu alívio, Niko sorriu.
– Não há nada de errado em relaxar e ser fácil quando o assunto é mulheres, cara. Acho que, na próxima vez, você deveria vir com a gente. Posso descolar algo doce e sacana para você. – O par de covinhas que ele tinha nas bochechas ficava cada vez mais evidente. – Se não estiver planejando se acabar ou algo assim enquanto isso. Idiota. Burro.
Niko não disse as palavras com tom de ofensa. Elas eram apenas resultado do tom solene de um amigo preocupado com o outro.
– Pode deixar que eu aviso – disse Rio. E, julgando pelo olhar estreitado de Nikolai, ele tinha entendido que ele não estava falando sobre a perspectiva de ter um pouco de ação lá em cima.
A voz de Niko se tornou baixa, adotando um tom de confidencialidade:
– Você não pode deixá-la ganhar, sabe disso, não é cara? Porque isso é sinônimo de se entregar. Sim, ela ferrou a sua vida, e não estou dizendo que precise perdoar e esquecer porque, francamente, eu não acredito que eu conseguiria fazer isso se estivesse no seu lugar. Mas você ainda está aqui. Então, ela que se dane! – disse Niko com veemência. – Eva que se dane! E que se dane a bomba que ela explodiu naquele depósito. Porque você, meu amigo, você está aqui.
Rio esboçou um sorriso, mas apenas um som fraco passou por sua garganta apertada. Tentou esconder o desconforto, sentindo-se extremamente desajeitado ao perceber que alguém se importava com ele.
– Caramba, cara. Quantos programas da Oprah você tem assistido desde que eu parti? Porque, vindo de você, isso é realmente comovente.
Niko riu.
– Pensando bem, esqueça toda essa porcaria que acabei de dizer. Você que se dane, também.
Rio caiu na risada. A primeira risada sincera que saiu de sua boca em... Jesus, algo em torno de um ano inteiro!
– Ei, Niko. – Kade veio caminhando do outro lado da instalação, os cabelos negros espetados e os olhos acinzentados lhe davam um ar deliciosamente selvagem que o deixava parecido com um lobo. – Preciso interromper: esta noite, se nos encontrarmos com aquele outro Renegado fora do Refúgio Secreto, não se esqueça de que você prometeu que ele é meu.
– Se eu não pegar o desgraçado primeiro. – Brock apareceu, saindo de trás do outro guerreiro e sorrindo enquanto, em tom de brincadeira, colocava a ponta de uma enorme adaga sob o queixo de Kade.
A risada agradável de Brock ecoou, mas era possível perceber que o guerreiro que a Ordem tinha recrutado em Detroit era tão sombrio e duro quanto a própria Morte durante os combates. Brock soltou Kade, e os dois continuaram discutindo sobre como caçar os Renegados enquanto saíam da sala de armas e seguiam para seus próprios quartos, em áreas separadas do complexo.
Chase foi o último a chegar, vindo do fundo da instalação. Sua camiseta preta tinha um enorme rasgo na frente, como se alguém tivesse tentado tirar um pedaço dele. A julgar pela cor de saciedade dos dermoglifos e pelo ar calmo em seus olhos normalmente agressivos, parecia que ele tinha se saciado com o que as garotas da discoteca lhe ofereceram.
Chase inclinou ligeiramente a cabeça para saudar Rio. Em seguida, disse a Nikolai:
– Se receber mais alguma notícia de Seattle, por favor me avise. Estou curioso para saber por que uma matança daquela natureza ainda não foi reconhecida por nenhuma Agência.
– Sim – disse Niko. – Eu também queria saber isso.
Rio franziu a sobrancelha:
– Quem apareceu morto em Seattle?
– Um dos membros mais antigos do Refúgio Secreto de lá – explicou Niko. – Um cara que, por sinal, era da Primeira Geração.
Os pelos da nuca de Rio se arrepiaram, um claro sinal de que ele estava preocupado com aquela notícia.
– Como ele foi morto?
O olhar de Nikolai era pesado:
– Uma bala no cérebro. À queima roupa.
– Onde?
– Em geral, o cérebro se encontra na região da cabeça – ironizou Chase, arrastando as palavras. Ele mantinha os braços cruzados.
Rio lançou um olhar estreitado na direção de Chase.
– Obrigado pela aula de anatomia, Harvard. Mas eu estava falando sobre onde estava este Primeira Geração quando o mataram.
O olhar de Niko encontrou os olhos sóbrios de Rio.
– Ele levou um tiro no banco traseiro da limusine que era dirigida por um chofer. Meu contato disse que ele estava voltando de uma ópera, de um balé, ou alguma coisa assim. E que, enquanto esperava em um semáforo, alguém explodiu sua cabeça e desapareceu, antes mesmo que o motorista entendesse o que havia acontecido. Por quê?
Rio deu de ombros, mas disse:
– Talvez não seja nada, mas, quando eu estava em Berlim, Andreas Reichen me contou da morte de um Primeira Geração que aconteceu recentemente lá. Só que este homem do Refúgio Secreto foi morto em um clube de sangue.
– Esses clubes “esportivos” privados foram proibidos há décadas – comentou Chase.
– Claro – concordou Rio, cheio de sarcasmo, já que o ex-agente de Refúgio Secreto tinha a intenção de ser inconveniente. – Agora eles imprimem os convites em tinta invisível e você precisa de um anel decodificador para passar pela porta.
– O mesmo modus operandi no Primeira Geração de Berlim? – perguntou Niko.
– Não. Nenhuma ferida causada por bala. Segundo as fontes de Reichen, este amante dos esportes acabou perdendo a cabeça.
Niko expirou lentamente.
– Esses são dois dos três principais métodos para se matar um vampiro da Primeira Geração da Raça. O terceiro modo é a exposição a raios ultravioletas e, convenhamos, esse é o meio menos eficaz. A não ser que você tenha dez ou quinze minutos livres para dedicar ao trabalho.
– Os dois assassinatos poderiam estar relacionados – supôs Rio, sem saber se seus instintos eram dignos de confiança. Mas, droga! Os sinos de aviso soavam em sua cabeça como os da torre de uma catedral num domingo de Páscoa.
– Há algo errado – disse Chase, finalmente ligando os pontos. – Eu também não gosto nada disso. Dois Primeira Geração mortos em questão de... uma semana? E os dois casos cheirando a execução?
– Nós não sabemos se foram execuções – advertiu Niko. – Vamos lá. Pensem nas probabilidades. Se você vive durante mil anos, ou algo assim, necessariamente irá deixar alguém furioso. Alguém que poderia querer atentar contra você em sua limusine, ou cortar sua cabeça em um clube de sangue.
– E os Refúgios Secretos não querem que nenhum dos assassinatos seja divulgado? – questionou Rio.
As sobrancelhas acobreadas de Chase apertaram-se bruscamente.
– Berlim também mantém tudo em segredo?
– Sim. Reichen disse que eles estão mantendo o caso em segredo para evitar um escândalo. Não é bom para ninguém saber que um pilar de sua comunidade foi derrubado em um clube esportivo cheio de humanos ensanguentados e mortos.
– Não. Não é nada bom – concordou Chase. – Mas dois Primeira Geração mortos é um golpe bastante pesado para toda a nação de vampiros. Não deve haver mais do que vinte indivíduos de Primeira Geração ainda vivos entre a população inteira, incluindo Lucan e Tegan. Se eles se forem, poderão surgir problemas.
Nikolai assentiu:
– Isso é verdade. E acho que não podemos fazer nada.
Rio sentiu um pensamento frio tomar conta de sua mente:
– Não. A menos que tenhamos um Antigo vivo, uma Companheira de Raça e algo como vinte anos de vantagem.
Os guerreiros o olharam com expressão preocupada.
Niko passou uma das mãos por seu cabelo loiro.
– Ah, droga! Você não acha que...
– Eu quero muito estar errado – disse Rio. – Mas é melhor acordarmos Lucan.
Capítulo 20
Ficar sozinha depois de Rio ter partido deixou Dylan bastante inquieta. Sua mente estava girando e girando e suas emoções estavam agitadas. E ela não podia evitar pensar em sua vida anterior em Nova York. A mulher tinha de fazer sua mãe saber que ela finalmente estava bem.
Dylan acendeu a lâmpada de um abajur e pegou seu celular. Ela praticamente tinha se esquecido da existência do aparelho desde que chegara ali, pois o havia tirado do bolso da calça cargo e escondido debaixo do colchão da cama de Rio, pronto para ser alcançado tão logo fosse seguro.
Ela ligou o aparelho, fazendo o possível para abafar o som que ele emitia conforme voltava à vida. Era um milagre ainda haver bateria, mesmo que o mínimo. Uma barra era melhor do que nada, pensou Dylan.
O visor mostrou que havia algumas mensagens de voz na caixa postal.
Ela finalmente tinha o serviço de volta.
Ah, graças a Deus!
O número para retornar a chamada na primeira mensagem era de Nova York – mais especificamente, do escritório de Coleman Hogg. Dylan ouviu a mensagem e não se surpreendeu ao ouvir o homem estar cuspindo fogo pelas ventas, descrevendo – rudemente – a má educação de Dylan pelo fato de ela ter deixado o fotógrafo freelance, que ele havia contratado, esperando em Praga.
A mulher saltou o resto do sermão de Hogg e passou para a próxima mensagem. Tinha sido recebida dias atrás e era de sua mãe, querendo saber notícias, dizendo que a amava e que esperava que a filha estivesse aproveitando a viagem. Sua voz soava cansada, o que deixou o coração de Dylan apertado.
Havia, ainda, outra mensagem de seu chefe. Dessa vez, ele parecia ainda mais zangado e dizia que descontaria do salário da jornalista o pagamento do fotógrafo, e que considerava o e-mail que ela tinha mandado, dizendo que tiraria umas férias, como um pedido de demissão. Dylan, portanto, estava desempregada.
– Ótimo – ela murmurou em voz baixa, enquanto passava para a mensagem seguinte.
Ela não podia ficar nervosa ou chateada com a perda do emprego, mas a falta de um salário logo seria sentida. A menos que Dylan encontrasse algo melhor, algo maior. Algo monumental, na verdade. Algo com dentes de verdade... ou com presas, como de fato eram.
– Não – disse rispidamente antes mesmo que a ideia terminasse de se formar em sua cabeça.
Ela não poderia de forma alguma levar aquela história toda a público, ainda. Não naquele momento, quando ainda havia muitas perguntas sem respostas – e, principalmente, não naquele momento, quando ela mesma tinha se tornado parte daquela história, por mais bizarro que fosse pensar naquilo tudo e na forma que aquilo ganhava.
E ainda havia Rio.
Se houvesse uma razão para Dylan proteger o que tinha descoberto sobre a existência de outras espécies além do ser humano, essa razão era Rio. E Dylan não queria traí-lo ou colocá-lo em qualquer situação de risco, especialmente agora que ela estava começando a conhecê-lo melhor, agora que ela estava começando a se preocupar com ele, por mais perigoso que isso pudesse ser.
O que acontecera entre eles há pouco mexeu com ela profundamente. O beijo fora maravilhoso. A sensação do corpo de Rio pressionado tão intimamente contra o seu tinha sido a coisa mais sensual que Dylan já provara. E a sensação dos dentes dele – das presas dele – pastoreando a frágil pele de seu pescoço tinha sido tão aterrorizante quanto erótica. Será que ele realmente a teria mordido? E se tivesse, o que aconteceria com ela?
Baseada no quão rápido Rio havia abandonado o quarto, Dylan não esperava ter essas respostas. E aquilo não deveria deixá-la tão mal.
O que ela precisava fazer era sair daquele lugar – fosse ele qual fosse – e voltar para sua vida. Dylan precisava voltar para sua mãe, que provavelmente estava ficando louca de preocupação agora que já havia três dias que a filha não entrava em contato.
As três chamadas seguintes eram do abrigo de sua mãe e todas tinham sido recebidas na noite anterior. Não havia mensagens, mas a proximidade das ligações indicava a urgência do assunto. Dylan pressionou o botão de discagem rápida para a casa de Sharon e esperou enquanto o telefone chamava sem resposta do outro lado da linha. O celular também não foi atendido. Com o coração não mão, marcou o número que havia registrado em seu telefone e ligou. Janet atendeu:
– Bom dia. Escritório de Sharon Alexander.
– Janet, olá. Sou eu, Dylan.
– Jesus Cristo, Dylan. O que você está fazendo? Onde você está? – as perguntas soaram estranhamente preocupadas, como se Janet, de alguma forma, já soubesse – ou pensasse que soubesse – que Dylan provavelmente não estava tendo um dia bom. – Você está no hospital?
– O quê? Não, não... – O estômago de Dylan se retorceu. – O que aconteceu? É minha mãe? O que houve?
– Ela se sentiu um pouco cansada depois do cruzeiro, e ontem ela desmaiou aqui. Dylan, querida, ela não está muito bem. Nós a levamos para o hospital e eles a internaram.
– Deus... – Todo o corpo de Dylan ficou adormecido, paralisado no lugar. – Ela teve uma recaída?
– Eles acreditam que sim. – A voz de Janet era a mais tranquila que podia ser em uma situação como aquela. – Sinto muito, querida.
Lucan não estava feliz por ter sido tirado da cama com Gabrielle no meio do dia, mas assim que ouviu o motivo da interrupção de seu sono, o líder da Ordem ficou imediatamente atento. Ele vestiu um par de jeans escuros e uma camisa de seda desabotoada e saiu no corredor, onde Rio, Nikolai e Chase o esperavam.
– Vamos precisar de Gideon – disse Lucan, enquanto pegava o celular e discava para o outro guerreiro. Ele murmurou uma saudação apressada e um rápido pedido de desculpas e imediatamente deu a Gideon a notícia que Rio e os outros tinham acabado de compartilhar. Enquanto os quatro se dirigiam pelo corredor para o laboratório tecnológico, o centro de comando pessoal de Gideon, Lucan terminou a conversa e desligou o telefone. – Ele está a caminho – disse. – Sinceramente, espero que você esteja errado quanto a isso, Rio.
– Eu também – respondeu Rio, tão nervoso quanto qualquer um à simples consideração daquilo.
Não demorou nem dois minutos para Gideon se juntar à improvisada reunião. Ele apareceu no laboratório usando uma calça de moletom cinza, uma camiseta branca que marcava seus músculos e um par de tênis com os cadarços desamarrados que demonstravam que ele tinha enfiado os pés ali e saído correndo. Ele atirou-se na cadeira giratória diante de seu computador e começou a abrir programas e mais programas em várias telas.
– Certo, estamos enviando sondas espiãs para todas as agências de notícias e para o Banco Internacional de Dados – ele disse, olhando para os monitores enquanto os dados lentamente começavam a preencher as telas. – Humm. Isso é estranho. Você disse que um dos dois mortos da Primeira Geração está fora de Seattle?
Nikolai confirmou.
– Bem, não de acordo com isso. As informações sobre Seattle não retornaram resultados. Não há relatos de mortes recentes por lá. Tampouco há relatos de um Primeira Geração naquela população, embora isso seja relativo. O Banco Internacional de Dados só foi implantado há algumas décadas, portanto, de forma alguma é completo. Temos poucos membros antigos da Raça catalogados, mas a maioria dos vinte e poucos Primeira Geração que ainda respiram tendem a proteger sua privacidade. Há rumores de que alguns deles são verdadeiros ermitões que não se aproximam de um Refúgio há mais de um século. Suponho que eles acreditem ter ganhado alguma autonomia depois de mais de mil anos de vida. Não é isso, Lucan?
Lucan, que tinha por volta de novecentos anos e também não aparecia no Banco Internacional de Dados, apenas grunhiu como resposta enquanto seus olhos acinzentados se estreitavam sobre os monitores do computador.
– E quanto à Europa? Há algo sobre o Primeira Geração que Reichen mencionou?
Gideon digitou uma rápida sequência em seu teclado e entrou em outro software de segurança como se aquilo tudo fosse um vídeo game.
– Merda. Não, não aparece nada. Eu tenho que dizer uma coisa, cara, esse silêncio é tenebroso.
Rio concordava:
– Então, se ninguém está relatando mortes de integrantes da Primeira Geração, deveria haver pelo menos mais do que os dois que conhecemos até agora.
– Há algo que precisamos descobrir – disse Lucan. – Quantos Primeira Geração estão registrados no Banco Internacional de Dados, Gideon?
O guerreiro fez uma rápida busca.
– Sete, entre os Estados Unidos e a Europa. Vou mandar a relação de nomes e Refúgios para a impressora agora.
Quando a única página saiu da impressão, Gideon a agarrou e a estendeu para Lucan. O guerreiro líder a observou:
– A maioria desses nomes me é familiar. Conheço dois ou três outros que não estão listados. Tegan provavelmente conhecerá outros. – Ele colocou a lista na mesa de reunião de modo que Rio e os outros pudessem vê-la. – Algum nome de um Primeira Geração que vocês sintam falta nessa lista?
Rio e Chase balançaram a cabeça negativamente.
– Sergei Yakut – murmurou Niko. – Eu o vi uma vez na Sibéria quando eu era um garoto. Ele foi o primeiro Primeira Geração que eu conheci – caramba, o único, até eu vir para Boston e conhecer Lucan e Tegan. O nome dele não está na lista.
– Você acha que conseguiria encontrá-lo se fosse necessário? – perguntou Lucan. – Presumindo que ele ainda esteja vivo, eu quero dizer.
Nikolai riu.
– Sergei Yakut é um mesquinho filho da mãe. Mesquinho demais para morrer. Posso apostar que ainda está vivo e sim, acredito que eu poderia encontrá-lo.
– Ótimo – disse Lucan, com expressão fechada. – Quero que faça isso o mais rápido possível. Para o caso de estarmos lidando com uma situação potencial de um assassino em série, precisamos conseguir os nomes e as localizações de todos os Primeira Geração que existem.
– Tenho certeza de que a Agência sabe pouco mais do que nós aqui – completou Chase. – Eu ainda tenho um ou dois amigos lá. Provavelmente alguém saiba de algo ou possa indicar alguém que saiba.
Lucan balançou a cabeça.
– Sim. Veja isso, então. Mas estou certo de que não preciso lhe dizer para manter todas as suas cartas na manga quando estiver lidando com eles. Você pode ter alguns amigos na Agência, Harvard, mas a Ordem certamente não tem. E, sem querer ofender, confio neles até o momento de poder chutar-lhes o traseiro.
Lucan lançou um olhar sério para Rio.
– E quanto aos outros prováveis problemas que você trouxe, aquele Antigo que pode ter voltado à vida e estar sendo usado para a criação de uma nova linhagem de vampiros de Primeira Geração? – Ele balançou novamente a cabeça, completando conforme deixava escapar pelos lábios bem desenhados uma maldição. – É um cenário de pesadelo, meu amigo. Mas pode muito bem ser verdade.
– Se for – disse Rio –, então é melhor nós esperarmos, que conseguiremos controlar isso logo. E estamos décadas atrás do filho da mãe.
Ao terminar de dizer isso, Rio se deu conta de que estava usando nós para se referir aos guerreiros e seus objetivos. Ele estava se incluindo novamente na Ordem. Mais do que isso, ele estava começando, de fato, a se sentir parte de toda a coisa novamente – uma parte ativa, um membro importante – enquanto estava ali com Lucan e com os outros, fazendo planos, considerando estratégias. E ele se sentia bem, aliás.
Talvez ainda pudesse haver um lugar para ele ali afinal de contas. Ele esteve confuso e cometeu alguns erros, mas talvez pudesse voltar a ser o que era antes.
Rio ainda estava degustando aquela esperança que lhe acometera subitamente quando um leve bip começou a apitar em uma das estações que Gideon estava monitorando. O guerreiro empurrou a cadeira até o computador, franzindo a sobrancelha.
– O que é isso? – perguntou Lucan.
– Estou captando um sinal de um celular ligado aqui no complexo. E não é um dos nossos – respondeu antes de lançar o olhar para Rio. – Está vindo do seu quarto – completou.
Dylan.
– Merda – chiou Rio, conforme a ira tomava conta de seu corpo. – Ela disse que não tinha nenhum celular.
Maldição. Dylan mentira para ele.
E se ele estivesse preocupado com a situação toda como deveria estar, teria revistado todo o corpo dela – da cabeça às pontas dos pés.
Uma jornalista em posse de um telefone. Pelo que ele sabia, ela poderia estar sentada em seu quarto nesse exato momento contando tudo o que tinha visto e ouvido para a CNN – expondo a Raça aos humanos e fazendo isso debaixo do seu nariz.
– Não havia nada em sua mochila que indicava que ela tinha um celular – murmurou Rio, uma desculpa esfarrapada e esdrúxula, ele sabia. – Merda! Eu devia tê-la revistado.
Gideon digitou algo em um de seus vários painéis.
– Posso arrumar uma interferência, cortar o sinal – disse.
– Então faça – disse Lucan. Depois, virou-se para Rio:
– Temos alguns fios soltos que precisamos cortar, meu amigo. Incluindo aquele que está em seu quarto.
– Sim – disse Rio, sabendo que Lucan estava certo. Dylan tinha de tomar uma decisão e o tempo estava se tornando crucial agora que a Ordem tinha outros problemas com os quais lidar.
Lucan pousou a mão no ombro largo de Rio.
– Acredito que está na hora de eu conhecer Dylan Alexander pessoalmente.
– Janet...? Alô? Eu não consegui o número do quarto de minha mãe. Alô...? Janet...? Você está me ouvindo? Ainda está aí?
Dylan afastou o celular da orelha e olhou para o visor. Sem sinal.
– Merda.
Ela segurou o aparelho na altura de sua cabeça e começou a caminhar pelo quarto, procurando por um ponto em que pudesse conseguir algum sinal. Nada. A porcaria tinha morrido no meio de sua ligação, cortando a conversa, apesar de a bateria não estar completamente descarregada.
Dylan sequer podia pensar direito. Ela estava muito agitada. Sua mãe, no hospital? Uma recaída? Jesus Cristo!
A mulher por pouco resistiu à vontade de atirar o aparelho contra a parede mais próxima.
– Merda!
Freneticamente, ela caminhava para a outra sala para tentar completar outra ligação e quase desmaiou de susto quando a porta do quarto foi arregaçada por uma força que mais parecia um vendaval do lado de fora. Era Rio.
E ele estava zangado.
– Me dê isso, Dylan. – Seus brilhantes olhos cor de âmbar e suas presas salientes deram um nó no estômago de Dylan. Ela estava com medo, mas também estava zangada, estava arrasada com a recaída da mãe. Ela precisava vê-la. Precisava sair daquela irrealidade em que tinha sido jogada desde que fora raptada na Europa e voltar para as coisas que realmente importavam.
Jesus Cristo, ela pensou, quase à beira de ceder completamente. Sua mãe estava novamente mal, e sozinha em algum quarto de hospital perdido na cidade. Dylan precisava estar lá, com ela.
Rio entrou no quarto.
– O telefone, Dylan. Me dê a porcaria do telefone. Agora.
Foi então que ela percebeu que Rio não estava sozinho. De pé, atrás dele, no corredor, havia um homem enorme – media, facilmente, dois metros de altura, e tinha cabelos negros e olhos ameaçadores que desmentiam sua calma aparente. Ele permaneceu parado conforme Rio caminhava na direção de Dylan.
– Vocês fizeram alguma coisa com meu telefone? – ela perguntou com veemência, bastante aterrorizada com Rio e com aquela nova ameaça, mas também bastante preocupada com a mãe para ter tempo de pensar no que aconteceria (ou poderia acontecer) no segundo seguinte. – O que vocês fizeram para ele parar de funcionar? Diga! Que diabos vocês fizeram?
– Você mentiu para mim, Dylan!
– E você me sequestrou! – Ela odiava as lágrimas que subitamente começaram a correr pelas aquecidas maçãs de seu rosto. Ela as odiava quase tanto odiava seu cativeiro, o câncer e a dor gelada que começava a latejar em seu peito desde que ligara para o abrigo e soubera das notícias.
Rio estendeu a mão conforme caminhara em direção a ela. O homem no corredor também entrou. Sem perguntar qualquer coisa, Dylan sabia que ele também era um vampiro, um guerreiro da Raça como Rio. Os olhos cinza dele pareciam penetrá-la como lâminas afiadíssimas, e, como um animal sente um predador pelo vento, Dylan sentia que, onde Rio era perigoso, aquele outro homem era exponencialmente mais perigoso e mais forte. Mais forte e mais letal, apesar de sua aparência jovem.
– Para quem você estava ligando? – perguntou Rio.
Ela não diria. Agarrou o fino celular com toda a – pouca – força que tinha no pulso, protegendo-o, mas, naquele momento, sentia uma energia empurrando seus dedos, forçando-os a se abrirem. Dylan não conseguia mantê-los fechados, por mais que tentasse, e apenas pôde ofegar enquanto o aparelho voava para fora de sua mão e pousava sobre a palma aberta do vampiro que estava com Rio.
– Há algumas mensagens aqui de um jornal – ele anunciou sombriamente. – E várias chamadas de outros números de Nova York. A casa de uma tal de Sharon Alexander, o celular dessa mesma pessoa e uma chamada com um número restrito em Manhattan. Essa foi a que cortamos.
Rio xingou.
– Você falou para alguém alguma coisa sobre nós ou sobre o que você viu aqui?
– Não! – ela insistiu. – Eu não falei. Juro. Eu não sou uma ameaça para vocês.
– Há o problema das fotografias que destruímos e do artigo que você enviou para seu chefe. – O homem sombrio a lembrou, da mesma forma como você lembra um condenado o motivo de ele estar sendo mandado para a câmara de gás.
– Vocês não precisam se preocupar com isso – ela disse, ignorando o riso sarcástico de Rio conforme ela falava. – A mensagem do jornal era meu chefe me comunicando que eu estava demitida. Bem, tecnicamente foi uma demissão involuntária, pelo fato de eu não ter aparecido no encontro com o fotógrafo em Praga porque estava ocupada sendo sequestrada.
– Você foi demitida? – perguntou Rio, franzindo a sobrancelha.
Dylan deu de ombros.
– Pouco importa. Mas duvido que a essa altura meu chefe vá usar qualquer uma das fotos ou uma linha sequer da história que eu mandei para ele.
– Isso já não nos preocupa – o homem sombrio a olhou como se estivesse medindo sua reação. – Nesse momento, o vírus que enviamos para ele deve ter varrido todos os computadores do escritório. Seu chefe – ex-chefe – vai passar o resto da semana tentando reparar os estragos.
Dylan realmente não queria se sentir contente com aquilo, mas a imagem de Coleman Hogg diante das máquinas arruinadas ocupava um lugar brilhante em sua cabeça agora.
– O mesmo vírus foi enviado para todos para quem você enviou as fotos – o enorme homem informou. – Isso cuida para que nenhuma prova venha a ser exposta, mas ainda temos de cuidar do fato de muitas pessoas estarem andando por aí de posse de informações que não podemos permitir que elas tenham. Informações que elas podem, consciente ou inconscientemente, passar adiante. De modo que precisamos eliminar os riscos.
Um frio acometeu subitamente o estômago de Dylan.
– O que você quer dizer com eliminar os riscos?
– Você precisa tomar uma decisão, senhorita Alexander. Hoje à noite, você será levada para um dos Refúgios e ficará sob a proteção da Raça ou será enviada de volta para sua casa em Nova York.
– Preciso ir para casa – ela disse. Não havia decisão alguma a ser tomada. Dylan olhou para Rio e encontrou-o olhando fixamente de volta para ela, com uma expressão indecifrável. – Preciso voltar para Nova York imediatamente. Quer dizer que sou livre para ir embora?
Aquele severo olhar cinza voltou-se para Rio, em silêncio.
– Esta noite, você levará a senhorita Alexander para a casa dela em Nova York. Quero que cuide disso. Niko e Kade podem se ocupar dos outros com os quais ela teve contato.
– Não! – gritou Dylan. O frio em seu estômago converteu-se imediatamente em um medo glacial. – Ah, meu Deus! Não, diga-lhe que não faça isso... Rio...
– Fim da discussão – disse o homem, dirigindo sua atenção a Rio e ignorando completamente o desespero de Dylan. – Vocês partem ao anoitecer.
Rio assentiu solenemente, aceitando as ordens como se elas lhe causassem absolutamente nada. Como se tivesse feito aquilo uma centena de vezes.
– A partir dessa noite, Rio, não deixe mais fios soltos. – Os olhos gelados do homem deslizaram mordazmente para Dylan antes de voltarem para Rio. – Nenhum.
Enquanto seu aterrorizante amigo saía, Dylan virou-se agitada para Rio.
– O que ele quis dizer com eliminar os riscos? Não deixar mais fios soltos?
Rio a olhou com o cenho franzido. Havia acusação naquele penetrante olhar topázio, uma mordaz frieza e muito pouco do homem tenro e ferido que ela havia beijado naquele mesmo quarto pouco tempo antes. Dylan sentiu frio sob a rajada daquele olhar duro e era como se olhasse para um estranho.
– Não vou deixar que seus amigos façam mal a ninguém – ela disse, desejando que sua voz não soasse tão débil. – Não vou deixar que eles os matem!
– Ninguém vai morrer, Dylan. – O tom de Rio era calmo e tão distante que era quase reconfortante. – Vamos apagar das memórias deles o que eles viram nas fotografias, e de tudo o que você possa ter dito sobre a caverna, a cripta ou a Raça. Não vamos feri-los, mas precisamos limpar as mentes deles de qualquer lembrança que possam ter das coisas.
– Mas como? Eu não entendo...
– Você não precisa entender – disse calmamente.
– Porque eu também não vou me lembrar de nada, é isso o que você quer dizer?
Ele a olhou por um longo momento, em silêncio. Ela procurou em seu rosto alguma pista de emoção além daquela petrificada que ele estampava naquele momento. Nada. Tudo o que Dylan via era um homem completamente preparado para a tarefa que lhe havia sido conferida, um guerreiro comprometido com sua missão. E nem aquela ternura que ela vira nele antes ou tampouco a necessidade que ela achava que ele sentia por ela o impediriam de fazer o que tinha de ser feito. Nada. Ela era uma prisioneira à sua mercê. Um inconveniente problema que ele pretendia eliminar.
As sobrancelhas de Rio se juntaram ligeiramente enquanto ele balançava a cabeça de forma vaga.
– Esta noite você vai para casa, Dylan Alexander.
Ela deveria estar feliz ao ouvir aquilo – deveria estar aliviada, pelo menos – mas Dylan se sentia estranhamente desolada enquanto assistia o enorme corpo de Rio deixar o quarto e fechar a porta atrás de suas costas largas.
Capítulo 21
Ele voltou depois de algumas horas e lhe disse que era hora de partir. Dylan não se surpreendeu com o fato de sua próxima memória consciente ter sido acordar no banco traseiro de um SUV escuro enquanto Rio estacionava na calçada em frente ao prédio onde ela vivia, no Brooklyn. Enquanto ela se sentava, sonolenta, Rio a olhou nos olhos pelo retrovisor. Dylan franziu a testa.
– Você me fez apagar outra vez.
– Pela última vez – ele respondeu em voz baixa, como se estivesse se desculpando.
Em seguida, Rio desligou o motor e abriu a porta do lado do motorista. Estava sozinho ali na frente. Não havia sinal dos outros que deviam acompanhá-los – dos que tinham recebido ordens para cuidar das outras pendências enquanto Rio cuidava pessoalmente dela.
Deus, pensar que sua mãe estaria em contato com aqueles seres perigosos com quem Rio andava a fez estremecer de ansiedade. Sua mãe já estava enfrentando problemas suficientes. Dylan não queria que ela sequer passasse perto dessa nova e obscura realidade.
Dylan se perguntava de quanto tempo Rio precisaria para pegá-la se ela tentasse fugir do SUV. Se ela conseguisse uma vantagem suficientemente grande, talvez conseguisse chegar à estação de metrô em Midtown, onde ficava o hospital. Mas quem ela estava tentando enganar? Rio a tinha seguido de Jicín até Praga. Encontrá-la em Manhattan podia ser um desafio para ele... Um desafio que duraria aproximadamente trinta segundos.
Mas, diabos! Ela precisava ver sua mãe. Precisava estar com ela, ao lado da cama dela, e ver seu rosto para poder ter certeza de que estava bem.
Por favor, Senhor, faça com que ela esteja bem.
– Pensei que você teria companhia nesta viagem – disse Dylan, com a esperança de que algum milagre tivesse provocado uma mudança de planos e que, por conta disso, os amigos de Rio tivessem ficado para trás. – O que aconteceu com os outros caras que viriam com você?
– Eu os deixei na cidade. Eles não precisam estar aqui com a gente. Eles vão entrar em contato comigo quando terminarem.
– Quando terminarem de aterrorizar um grupo de pessoas inocentes, você quer dizer? Como você pode ter certeza de que seus colegas vampiros não vão decidir aceitar uma pequena doação de sangue com as lembranças que vão roubar?
– Eles têm uma missão específica, e vão se limitar a ela.
Dylan olhou nos olhos topázio esfumaçados que a encaravam pelo espelho.
– Exatamente como você, certo?
– Exatamente como eu. – Rio saiu do veículo e foi até a porta de trás para pegar a mochila e a bolsa lateral no assento ao lado dela. – Vamos, Dylan. Não temos muito tempo para terminar com tudo isso. – Quando ela não se moveu, Rio se aproximou e a surpreendeu com uma carícia suave na bochecha. – Vamos. Vamos entrar agora. Tudo vai ficar bem.
Ela deixou o banco de couro e subiu as escadas de concreto enquanto Rio ainda estava na entrada do edifício. Rio tirou as chaves da bolsa e passou-as para ela. Dylan abriu a fechadura e entrou no prédio, dentro do hall do saguão azul, que agora fedia a mofo, sentindo-se como se estivesse fora de casa por dez anos.
– Meu apartamento fica no segundo andar – ela murmurou, mas Rio provavelmente já sabia. Ele caminhava logo atrás dela enquanto os dois subiam as escadas até o apartamento no final de um corredor de uso comum.
Dylan destrancou a porta e Rio entrou antes dela, mantendo-a atrás dele como se estivesse acostumado a entrar em lugares perigosos – como se estivesse acostumado a fazer isso na linha de frente. Ele era um guerreiro, não havia dúvida alguma. Se fosse o caso de seu comportamento cauteloso e de seu imenso tamanho não confirmarem esse fato, a enorme arma que ele escondia no cinto de suas calças cargo pretas certamente o faziam. Ela o observou enquanto ele averiguava o local. Então, Rio parou ao lado da estação de trabalho com um computador, próximo a um canto do apartamento.
– Eu vou encontrar neste computador alguma coisa que não deveria estar aqui? – ele perguntou enquanto ligava o monitor, que se acendeu com uma luz azul clara.
– Esse computador é velho. Eu quase não o uso.
– Você não vai se importar se eu verificar – disse Rio. E aquilo não era uma pergunta, pois ele já estava abrindo e verificando o conteúdo do disco rígido. Ele não encontraria nada além de alguns dos primeiros artigos escritos por ela e algumas mensagens antigas.
– Vocês têm muitos amigos? – perguntou Dylan, posicionando-se atrás dele.
– Temos uma quantidade suficiente.
– Eu não sou um deles, você sabe – ela acendeu a luz, mais para ela mesma do que para Rio, já que ele obviamente não se importava com a escuridão. – Não vou espalhar o que você me disse, nem o que vi nesses últimos dias. Nem uma palavra, eu juro. E não é porque você vai tirar essas lembranças de mim. Eu manteria seu segredo, Rio. Só quero que você saiba disso.
– Não é tão simples assim – disse ele, agora de frente para ela. – O segredo não estaria seguro. Nem para você, nem para nós. Nosso mundo se protege, mas perigos existem, e nós não podemos estar em todas as partes. Deixar alguém fora da nação dos vampiros ter informações a nosso respeito poderia ser catastrófico. De vez em quando isso acontece, mas não é aconselhável. A verdade já foi confiada a um humano aqui ou acolá, mas algo desse tipo é extremamente raro. E eu nunca vi as coisas darem certo no final. Alguém sempre sai ferido.
– Eu sei me cuidar.
Rio deu uma leve risada, embora não houvesse humor algum em seu gesto.
– Não tenho dúvida de que você saiba. Mas isso é algo diferente, Dylan. Você não é apenas uma humana. Você é uma Companheira de Raça, e isso sempre vai significar que você é diferente. Você pode se ligar a um homem da minha espécie por meio do sangue, e vocês podem viver para sempre. Bem, algo muito parecido com para sempre.
– Você quer dizer como Tess e seu companheiro?
Rio assentiu.
– Como eles, sim. Mas para ser parte do mundo da Raça, você teria de cortar seus laços com o mundo humano. Teria de deixá-los para trás.
– Não posso fazer isso – disse ela. Seu cérebro automaticamente repelia a ideia de deixar a mãe. – Minha família está aqui.
– A Raça também é sua família. Eles cuidariam de você como uma família, Dylan. Você poderia começar uma vida muito agradável no Refúgio Secreto.
Ela não pôde deixar de notar que ele estava falando de tudo aquilo a uma cômoda distância, mantendo-se totalmente fora da equação. Uma parte dela se perguntava se seria tão fácil recusar o convite se ele estivesse pedindo pessoalmente para entrar no mundo dele.
Mas ele não estava, de forma alguma, fazendo isso. E a escolha de Dylan, fácil ou não, teria sido a mesma, independentemente do que Rio lhe oferecesse.
Negando com a cabeça, ela disse:
– Minha vida está aqui, com minha mãe. Ela sempre esteve ao meu lado e não posso deixá-la. Eu jamais faria isso. Nem agora, nem nunca.
E Dylan precisava achar uma maneira de se encontrar logo com sua mãe, ela pensou, resistindo constantemente a Rio, que media cada centímetro de seu corpo com os olhos. Ela não queria esperar até ele decidir apagar sua memória agora que ela tinha optado por deixar o mundo dos vampiros.
– Eu... é... tenho que usar o banheiro – ela murmurou. – Espero que você não ache necessário me vigiar durante esse momento...
Os olhos de Rio se estreitaram ligeiramente, mas negou com sua cabeça.
– Vá. Mas não demore muito tempo.
Dylan não podia acreditar que ele realmente a estava deixando ir ao banheiro ao lado e se trancar sozinha lá dentro. Enquanto analisava o apartamento, ele deve ter se esquecido de verificar que havia uma pequena janela no banheiro.
Uma janela que dava para uma escada de incêndios – e uma escada de incêndios que levava até a rua lá em baixo.
Dylan abriu a torneira e deixou uma pesada corrente de água fria correr pela pia enquanto refletia sobre a insanidade que estava prestes a tentar fazer. Havia um vampiro de mais de noventa quilos, treinado para combates e fortemente armado esperando por ela do outro lado da porta. E ela já tinha testemunhado aqueles reflexos, rápidos como um raio, e, portanto, as chances de vencê-los eram nulas. Tudo o que podia esperar era escapar sigilosamente, e isso significava conseguir abrir a janela deteriorada sem fazer muito ruído e, em seguida, descer a escada de incêndio instável sem fazê-la desmoronar. Se conseguisse ultrapassar esses enormes obstáculos, ela só teria de começar a correr até chegar à estação de metrô.
– Sim, muito simples.
Dylan sabia que estava louca, mesmo enquanto se apressava na direção da janela e abria o trinco. Foi necessário dar uma boa pancada para amolecer as várias camadas de tinta antiga que tinham selado aquela janela. Dylan tossiu algumas vezes, alto o suficiente para disfarçar o barulho que fazia enquanto dava as pancadas.
Ela esperou um segundo, atenta aos movimentos no cômodo ao lado. Quando estava segura de que não ouvira nada, levantou a janela e se viu diante do ar úmido da noite na cidade.
Jesus Cristo! Ela ia realmente fazer isto?
Ela tinha de fazer.
Nada era mais importante do que ver sua mãe.
Dylan colocou metade do corpo para fora, buscando assegurar-se de que o caminho estava limpo. E estava. Ela conseguiria fazer aquilo. Tinha de tentar. Depois de respirar fundo algumas vezes para criar coragem, deu a descarga e, então, subiu pela janela enquanto o banheiro produzia o ruído que abafaria sua ação.
Sua descida pela escada de incêndios foi apressada e desajeitada, mas, em alguns segundos, seus pés pousavam sobre a calçada. Assim que tocou o chão, correu desesperadamente na direção do metrô.
Enquanto a água corria na pia do banheiro, Rio de fato tinha escutado o deslizamento quase silencioso da janela que era aberta atrás daquela porta fechada. A descarga não abafou totalmente o ruído emitido pela escada de incêndio enquanto Dylan caminhava rápida, porém cuidadosamente.
Ela estava tratando de escapar, exatamente como ele esperava acontecer.
Ele tinha visto a mente de Dylan girar enquanto eles conversavam. Também percebeu um desespero crescente naqueles olhos a cada minuto em que ela era forçada a ficar no apartamento com ele. Rio sabia, mesmo antes de ela inventar aquela desculpa de precisar ir ao banheiro, que Dylan tentaria escapar dele na primeira oportunidade.
E ele poderia tê-la detido, assim como poderia detê-la agora, enquanto ela descia pela escada cambaleante de aço em direção à rua onde ficava o apartamento. No entanto, ele estava mais curioso acerca de para onde ela planejava fugir. E atrás de quem ela estava indo.
Ele acreditou quando ela disse que não pretendia expor a Raça às agências de notícias do mundo humano. Se Dylan estivesse mentindo, ele não saberia o que fazer. E não quis pensar que podia estar tão equivocado a respeito daquela mulher. Rio disse a si que nada disso importaria se ele simplesmente apagasse aquelas informações da mente dela.
Porém, ele tinha hesitado em apagar a mente dela depois que ela disse que não deixaria o mundo humano para se unir à Raça. Rio hesitou porque concluiu, de forma bastante egoísta, que simplesmente não estava pronto para apagar os pensamentos dela.
E agora ela estava correndo na noite, longe dele. Com uma cabeça cheia de lembranças e informações que ele seguramente não podia deixar na mente dela.
Rio levantou-se da escrivaninha de Dylan e entrou no pequeno banheiro. O cômodo estava vazio, como ele sabia que estaria. A janela estava escancarada, bocejando para a noite escura de verão que tomava conta do lado de fora.
Então ele saiu. Seus sapatos golpearam a escada de incêndios em uma fração de segundo antes que ele pulasse da estrutura e pousasse no asfalto, dois pisos abaixo. Rio jogou a cabeça para trás e puxou o ar para dentro de seus pulmões, até finalmente sentir o cheiro de Dylan.
Então, foi atrás dela.
Capítulo 22
Dylan ficou do lado de fora do quarto de sua mãe no décimo piso do hospital, tentando tomar coragem para entrar. O pavilhão de oncologia estava muito quieto naquela noite. Só se ouvia o bate-papo discreto das enfermeiras de plantão e o arrastar ocasional dos pés de alguns pacientes que caminhavam por ali, com suas mãos presas ao suporte para o soro que, com suas rodinhas, seguiam ao lado deles. Não muito tempo atrás, sua mãe tinha sido um desses pacientes fortes, mas agora os olhos inevitavelmente não conseguiam esconder o cansaço.
Dylan detestava pensar que havia mais daquela dor e daquela luta à frente de sua mãe. Os resultados da biópsia que os médicos tinham pedido não estariam prontos antes de alguns dias, segundo uma enfermeira lhe informara. Eles tinham esperança de que os resultados fossem positivos, de que talvez tivessem detectado o problema cedo o suficiente para começar uma nova etapa mais agressiva de quimioterapia. Dylan estava orando por um milagre, apesar do peso no peito enquanto se preparava para más notícias.
Ela bateu contra o dispensador de desinfetante para as mãos colocado junto à porta, esguichou um pouco de álcool em gel nelas e esfregou uma contra a outra. Enquanto retirava um par de luvas de látex de uma caixa no balcão e as colocava, tudo o que tinha acontecido durante os últimos dias – e também durante as últimas horas – fora deixado de lado. Esquecido. Seus próprios problemas evaporaram quando ela abriu a porta. Agora, nada importava; nada exceto aquela mulher curvada na cama, presa a cabos de monitoração e a acessos intravenosos.
Meu Deus! Como sua mãe parecia pequena e frágil deitada ali. Ela sempre tinha sido pequena, cerca de dez centímetros menor que Dylan, com os cabelos de um vermelho mais intenso, mesmo com aqueles fios brancos que haviam brotado desde a primeira batalha contra o câncer. Agora, Sharon tinha cabelos curtos, um corte espetado que a fazia parecer pelo menos uma década mais jovem do que sua verdadeira idade: 64 anos. Dylan sentiu uma pontada de ira irracional e ácida pelo fato de que uma nova fase de quimioterapia assolaria aquela gloriosa coroa formada pelos fios de cabelos vermelhos.
Caminhou suavemente até a cama, tentando não fazer ruído. Mas Sharon não estava dormindo. Ela virou-se para o lado quando Dylan se aproximou. Seus olhos eram de um verde brilhante e caloroso.
– Uau... Olá, Dylan... Minha querida. – A voz de Sharon era fraca, o único sinal físico que denunciava o fato de ela estar doente. Ela estendeu o braço e segurou a mão de Dylan, apertando-a com força.
– Como foi a viagem, querida? Quando você chegou?
Merda. Dylan se lembrou de que tinha esticado sua viagem pela Europa. Para ela, era como se um ano tivesse passado nos poucos dias que tinha estado com Rio.
– Hum... Eu acabei de chegar em casa – respondeu Dylan. Uma mentira parcial, uma meia verdade, afinal de contas.
Ela se sentou na beira do fino colchonete do quarto de hospital, mantendo as mãos juntas às de sua mãe.
– Fiquei um pouco preocupada quando você mudou seus planos de maneira tão repentina. Seu e-mail dizendo que você ficaria mais alguns dias foi tão curto e confuso. Por que não me ligou?
– Sinto muito – desculpou-se Dylan. A mentira que ela tinha de engolir causou ainda mais dor quando ela soube que deixou sua mãe preocupada. – Eu teria telefonado se tivesse conseguido. Ah, mãe... lamento que você não esteja se sentindo bem.
– Eu estou bem. Melhor agora que está aqui. – Sharon tinha o olhar calmo. – Mas eu estou morrendo, querida. Você sabe, não sabe?
– Não diga isso. – Dylan apertou a mão de sua mãe e, em seguida, trouxe aqueles dedos frios até os lábios e os beijou. – Você vai superar isso, da mesma forma como superou da outra vez. Você vai ficar bem.
O silêncio – a delicada indulgência – era uma força palpável naquele quarto. Sua mãe não forçaria o assunto, mas estava o assunto ali, como um fantasma à espreita em um canto.
– Bem, vamos falar de você! Quero saber tudo sobre o que você andou fazendo, por onde passou... Conte-me tudo o que você viu enquanto esteve fora.
Dylan olhou para baixo. Era impossível olhar sua mãe nos olhos quando não poderia dizer a verdade. E não podia dizer a verdade. Bem, a maior parte dos fatos seria inacreditável, de qualquer forma, especialmente a parte em que Dylan confessasse temer estar desenvolvendo sentimentos por um homem perigoso e cheio de segredos. Santo Deus, por um vampiro. Só de pensar, já parecia loucura.
– Quero saber mais sobre essa matéria da cova do demônio em que você está trabalhando, querida. Aquelas fotos que me enviou eram realmente impressionantes. Quando sua matéria vai ser publicada?
– Eu não estou mais trabalhando nessa matéria, mãe. – Dylan sacudiu a cabeça. Ela se arrependia por tê-la mencionado para sua mãe. E também para todas as outras pessoas. – No final, a cova era apenas uma cova – disse, com a esperança de ser convincente. – Não havia nada estranho lá.
Sharon se mostrou cética:
– É mesmo? Mas a tumba que você encontrou e as marcas incríveis nas paredes... O que tudo aquilo estava fazendo lá? Devia significar ou ter significado alguma coisa, não?
– É só uma tumba. Provavelmente muito antiga, algo como uma câmara funerária indígena.
– E as fotos que você tirou daquele homem...
– Um andarilho. Era só isso – mentiu Dylan, odiando cada sílaba que saiu de seus lábios. – As imagens fizeram tudo parecer mais importante do que realmente era. Mas não há matéria alguma, nem mesmo gente adequada para uma porcaria como o jornal de Coleman Hogg. Aliás, ele me demitiu.
– O quê? Ele não fez isso, fez?!
Dylan deu de ombros.
– Sim, é verdade. E está tudo bem, mesmo. Vou encontrar outra coisa.
– Bem, foi ele quem saiu perdendo. De qualquer forma, você é boa demais para aquele lugar. Se servir de consolo, eu achei que você estava fazendo um ótimo trabalho naquela matéria. O senhor Fasso pensou a mesma coisa. Aliás, ele comentou que tem contatos com algumas das grandes agências de notícias da cidade. Ele provavelmente encontraria algo para você se eu falasse com ele.
Ah, droga! Uma entrevista de emprego era a última coisa com que ela precisava se preocupar. Principalmente agora, quando o que Dylan acabara de ouvir tinha lhe dado um nó de terror na garganta.
– Mamãe, você não contou sobre essa história para ele, né?
– Mas é claro que eu contei! E também lhe mostrei as fotos. Sinto muito, mas não posso deixar de me gabar de você, minha pequena estrela.
– A quem... Ah, Deus... Mãe, por favor, diga que não falou sobre isso com muita gente... falou?
Sharon acariciou a mão da filha.
– Não seja tão tímida. Você é muito talentosa, Dylan, e deveria estar trabalhando em matérias maiores, mais impactantes. E o senhor Fasso concorda comigo. Gordon e eu conversamos muito sobre você algumas noites atrás, durante o cruzeiro.
Dylan sentiu seu estômago queimar com a ideia de que mais pessoas sabiam sobre o que ela tinha visto naquela caverna, mas não pôde deixar de observar o brilho de alegria nos olhos de sua mãe quando ela mencionou o nome do fundador do abrigo para fugitivos.
– Então você já está chamando o senhor Fasso pelo primeiro nome, hein?
Sharon deu risada. Um som tão juvenil e alto que Dylan por um instante esqueceu que estava sentada ao lado de sua mãe em um quarto na ala de oncologia de um hospital.
– Ele é muito bonito, Dylan. E absolutamente encantador. Eu sempre pensei que ele fosse um pouco distante, quase frio. Mas, na verdade, ele é um homem muito interessante.
Dylan sorriu:
– Você gosta dele!
– Eu gosto – confessou Sharon. – É muita sorte encontrar um cavalheiro de verdade. Talvez meu verdadeiro príncipe, quem sabe? Quando é tarde demais para eu me apaixonar...
Dylan sacudiu a cabeça, odiando escutar esse tipo de comentário vindo de sua mãe.
– Mãe, nunca é tarde demais. Você ainda é jovem. Ainda tem muito tempo de vida pela frente.
Uma sombra invadiu os olhos de Sharon enquanto ela olhava Dylan e se reclinava sobre a cama.
– Você sempre me fez sentir tanto orgulho! E você sabe disso, não sabe, minha querida?
Dylan assentiu com a cabeça, a garganta apertada:
– Sim, eu sei. E sempre pude contar com você, mãe. É a única pessoa com quem sempre pude contar durante a vida. Somos duas mosqueteiras, não é?
Sharon sorriu ao ouvir sua filha mencionar aquele apelido, mas havia lágrimas brilhando em seus olhos.
– Quero que você fique bem, Dylan. Com isto, quero dizer... Com a minha partida... com o fato de que vou morrer.
– Mãe...
– Escute, por favor. Eu me preocupo com você, querida. E não quero que você fique sozinha.
Dylan secou uma lágrima que corria aquecida pela lateral de seu rosto.
– Não deveria estar pensando em mim agora. Você precisa se concentrar em si mesma, em melhorar. Tem que pensar positivo. A biópsia pode não...
– Dylan, pare e me escute por um segundo, querida. – Sharon se sentou, lançando aquele olhar teimoso que Dylan reconhecia muito bem. Um olhar teimoso em um rosto belo, muito embora cansado. – O câncer está pior do que antes. Eu sei. Eu sinto. E eu o aceitei. Preciso saber que será capaz de suportar isso também, filha.
Dylan olhou para as mãos delas, entrelaçadas. Suas mãos estavam amareladas; as de sua mãe, quase translúcidas, os ossos e os tendões enrijecidos sob a pele fria e pálida.
– Há quanto tempo você vem cuidando de mim, querida? E não me refiro só a desde quando fiquei doente. Desde que você era uma menina, sempre se preocupava comigo e tentava fazer o melhor para cuidar de mim.
Dylan sacudiu a cabeça.
– Nós cuidamos uma da outra. Sempre foi assim.
Dedos suaves se aproximaram do queixo de Dylan, fazendo-a levantar o olhar.
– Você é minha filha. Eu vivi por você e por seus irmãos. Mas você sempre foi meu porto seguro. E você não devia ter vivido para mim, Dylan. Não devia ser o adulto nesta relação. Você merece ter alguém para cuidar sempre de você.
– Eu posso cuidar de mim – murmurou. No entanto, as palavras não soaram muito convincentes quando lágrimas corriam por suas bochechas.
– Sim, você pode. E deve. Mas você merece algo mais da vida. Eu não quero que você tenha medo de viver, ou de amar, Dylan. Pode me prometer que não vai ter medo?
Antes que Dylan pudesse dizer qualquer coisa, a porta se abriu e uma das enfermeiras entrou com algumas novas bolsas de líquidos.
– Como estamos Sharon? Como está sua dor agora?
– Um pouquinho de remédio me faria bem – ela respondeu. Seus olhos deslizaram na direção de Dylan como se estivesse escondendo seu desconforto até agora.
Algo que, obviamente, Sharon estava fazendo. Tudo era muito pior do que Dylan queria aceitar. Ela se levantou da cama e deixou a enfermeira fazer seu trabalho. Depois que a mulher se foi, Dylan voltou ao lado de sua mãe. Era tão difícil para Dylan não deixar cair por terra sua máscara de mulher forte quando olhou aqueles suaves olhos verdes e viu que a chama neles se desvanecia.
– Venha aqui e me dê um abraço, meu amor.
Dylan se inclinou e abraçou os ombros delicados e frágeis, incapaz de não perceber a fragilidade de sua mãe como um todo.
– Eu te amo, mamãe.
– Eu também te amo, querida. – Sharon suspirou enquanto acomodava as costas contra o travesseiro. – Estou cansada, preciso dormir agora.
– Tudo bem – respondeu Dylan, com uma voz rouca. – Vou ficar aqui te fazendo companhia enquanto você dorme.
– Não, não vai. – Sharon sacudiu a cabeça. – Não quero que você fique sentada aqui, preocupada comigo. Não vou deixá-la esta noite, ou amanhã, nem na próxima semana, eu prometo. Mas você precisa ir para casa agora, Dylan. Quero que vá descansar.
“Casa”, pensou Dylan, no momento em que sua mãe caía em um sono induzido por remédios. A palavra parecia estranhamente vazia enquanto ela se lembrava de seu apartamento e das poucas coisas que ela tinha. Aquilo não era casa para ela. Se agora Dylan precisasse ir a algum lugar em que se sentia segura e protegida, aquele buraco lastimável não seria esse lugar. Nunca fora.
Dylan se levantou para sair do quarto. Quando secava as lágrimas, seu olhar percebeu um rosto sombrio e o contorno de ombros largos contra a luz do corredor.
Rio.
Ele a tinha encontrado. Ele havia lhe seguido até ali. Embora todos os sentidos lhe dissessem para fugir dele, Dylan se aproximou. Abriu a porta e o encontrou do lado de fora do quarto de sua mãe. E, sem conseguir falar, ela apenas o envolveu em seus braços e chorou suavemente naquele peito forte sobre o qual ela descansava, agora, a cabeça.
Capítulo 23
Rio não esperava que ela fosse em sua direção ao vê-lo parado ali.
Agora que Dylan estava em seus braços, com o corpo tremendo enquanto chorava, ele viu-se completamente perdido. Ele tinha se livrado de uma parte considerável de sua fúria e de sua suspeita durante o tempo que levou até começar a segui-la pela cidade. Sua cabeça girava por conta de todo aquele barulho e pela presença excessiva de humanos em todos os cantos para onde olhava. Suas têmporas gritavam em consequência das luzes claras enquanto todos os seus sentidos pareciam lutar contra ele.
Mas nada disso importava durante os longos instantes em que ele estava ali, abraçando Dylan, sentindo-a tremer com um medo e uma angústia que chegavam aos ossos. Ela sentia dor, e Rio sentiu uma necessidade esmagadora de protegê-la. Não, ele não queria – não podia – vê-la sentir uma dor como aquela.
Madre de Dios, ele odiava vê-la daquela forma.
Rio acariciou aquelas costas delicadas, encostou sua boca na testa de Dylan enquanto ela acomodava-se logo abaixo do queixo dele. E murmurou algumas palavras confortadoras enquanto oferecia alguns gestos suaves. Isso era tudo que ele conseguia pensar em fazer por ela.
– Tenho tanto medo de perdê-la – sussurrou Dylan. – Ah, Deus... Rio, eu estou aterrorizada.
Ele não precisou pensar muito para saber de quem Dylan estava falando. A paciente que dormia no quarto ao lado tinha os mesmos cabelos flamejantes, era praticamente uma versão mais idosa daquela mulher que Rio agora tinha em seus braços.
Rio inclinou o rosto de Dylan, coberto de lágrimas, em sua direção:
– Você poderia me levar embora daqui, por favor? – ela pediu.
– Eu posso levá-la aonde você quiser – disse Rio, passando a ponta de seu polegar pela bochecha dela, apagando as marcas de lágrimas. – Você quer ir pra casa?
O riso entristecido de Dylan soava tão destruído, tão perdido.
– Podemos simplesmente... sair para caminhar um pouco?
–Sim, é claro – ele assentiu, escondendo-a sob seu braço. – Vamos sair daqui.
Os dois caminharam em silêncio até o elevador, e logo depois saíram do hospital em direção à noite aquecida. Rio não sabia para onde levá-la, então simplesmente caminhou ao lado dela. A poucas quadras do hospital havia uma passarela que conduzia a East River. Eles a cruzaram e, enquanto passeavam pela lateral do rio, ele notou alguns pedestres observando-o.
Percebeu alguns olhares furtivos em suas cicatrizes, e mais de um olhar curioso, como se questionasse o que ele estava fazendo com uma mulher tão linda como Dylan. Uma boa pergunta, e uma pergunta para a qual ele não tinha uma resposta razoável naquele momento. Ele a tinha trazido para a cidade em uma missão – uma missão que certamente não permitia desvios desse tipo.
Dylan finalmente desacelerou, parando contra o corrimão de ferro que funcionava como um mirante para olhar a água.
– Minha mãe ficou muito doente no outono passado. Ela pensou que era bronquite, mas não era. Os exames apontaram câncer de pulmão, embora ela nunca tenha fumado um cigarro sequer na vida. – Dylan ficou em silêncio durante um longo momento. – Ela está morrendo. Foi o que ela acabou de me dizer esta noite.
– Sinto muito – disse Rio, caminhando a seu lado.
Ele queria tocá-la, mas não estava seguro de que ela precisasse de seu consolo. Não estava seguro de que ela aceitaria seu consolo. Em vez disso, ele tocou uma mecha de seus cabelos soltos. Seria fácil fingir que estava tentando evitar que alguns fios fossem soprados pela brisa do verão na direção do rosto dela.
– Não era para eu fazer aquela viagem pela Europa. Aquilo seria a grande aventura de minha mãe com suas amigas, mas ela não estava bem o suficiente para ir, então acabei indo no lugar dela. Eu não devia estar lá. Eu nunca teria posto o pé naquela caverna maldita. Eu nunca teria encontrado você.
– E agora você gostaria de poder desfazer tudo. – Aquilo não era uma pergunta, mas apenas um fato que Rio constatou.
– Eu gostaria de poder desfazer, por ela. Gostaria que ela pudesse ter vivido aquela aventura. Gostaria que minha mãe não estivesse doente. – Dylan virou o rosto para Rio. – Mas eu gostaria de tê-lo conhecido.
Rio ficou surpreso, em silêncio, ao ouvi-la admitir aquilo. Então, ele levou a mão até a linha suave do maxilar de Dylan e olhou profundamente para aquele rosto tão branco e tão lindo a ponto de deixá-lo sem ar. E a forma como ela olhava para ele... Madre de Dios! Era como se ele fosse um homem digno de tê-la, como se ele fosse um homem que ela poderia amar...
Ela expirou um golpe de ar silencioso e regular.
– Eu deixaria tudo para trás sem precisar pensar, Rio. Mas não isso. Não você...
Ah, Cristo.
Antes que ele pudesse se convencer de que aquilo era uma má ideia, Rio abaixou a cabeça e a beijou. Um encontro suave entre as bocas, um toque doce que não deveria fazê-lo arder como de fato fez. Rio se entregou ao doce sabor da boca de Dylan, de modo que ela se sentisse bem naqueles braços.
Ele não devia desejar tão intensamente aquilo. Não devia sentir aquela necessidade, aquela doce afeição que o queimava por dentro toda vez que ele pensava em Dylan.
Rio não devia puxá-la para tão perto, entrelaçando seus dedos nos cabelos sedosos, atraindo-a tão profundamente naquele abraço. Perdendo-se naquele beijo. Ele precisou de muito tempo para se afastar daquele beijo. E, enquanto ainda erguia a cabeça, não conseguiu deixar de acariciar aquele rosto macio. Não conseguia afastar-se dela.
Um grupo de adolescentes passou por eles, garotos desordeiros em roupas grandes demais para seus tamanhos. Eles falavam alto e empurravam uns aos outros à medida que andavam. Rio manteve os olhos nos jovens, suspeitando quando viu o grupo parar ao lado do corrimão para ver quem cuspia mais longe. Eles não pareciam claramente perigosos, mas o tipo de garotos que estava eternamente em busca de problemas.
– Demetrio?
Rio lançou um olhar para Dylan, confuso:
– Hum!?
– Estou perto? Quer dizer, estou perto de dizer seu nome verdadeiro... É Demetrio?
Ele riu, e não pôde resistir. Beijou-a na ponta daquele nariz sardento.
– Não, não é Demetrio.
– Está bem. Bom, então é ... Arrio? – Ela tentou adivinhar, sorrindo para ele sob a luz da lua enquanto caía ligeiramente naqueles braços fortes. – Oliverio? Denny Terrio?
– Eleuterio – ele esclareceu.
Dylan arregalou os olhos:
– Eu-leu-o quê?
– Meu nome é Eleuterio de la Noche Atanacio.
– Nossa! Acho que isso faz Dylan soar bastante comum, não é?
Rio caiu na risada.
– Nada a seu respeito é comum, pode ter certeza.
O sorriso de Dylan era surpreendentemente tímido.
– Então, o que significa um nome lindo como esse?
– Em uma tradução aproximada, seria algo como aquele que é livre e que vive para sempre na noite.
Dylan suspirou.
– Que lindo nome, Rio. Sua mãe deve tê-lo amado muito para lhe dar um nome tão incrível como esse.
– Não foi minha mãe quem me deu esse nome. Ela morreu quando eu era muito jovem. O nome veio mais tarde, de uma família da Raça que vive em um Refúgio Secreto no meu país de origem. Eles me encontraram e me adotaram como um membro daquela família.
– O que aconteceu com a sua mãe? Quer dizer, não precisa me dizer se você não... Eu sei que faço muitas perguntas – disse ela, encolhendo os ombros como se quisesse se desculpar.
– Não, eu não me importo em contar para você – disse Rio, impressionado por estar dizendo aquilo de forma sincera.
Em geral, Rio detestava falar de seu passado. Ninguém na Ordem sabia os detalhes que envolviam o começo de sua vida, nem mesmo Nikolai, que Rio considerava seu amigo mais próximo. Ele não havia sentido nenhuma necessidade de falar sobre isso com Eva. Ela conhecia sua história, pois eles tinham se conhecido no Refúgio Secreto espanhol, onde Rio fora criado.
Eva havia, por educação, escolhido ignorar os fatos desagradáveis que cercavam o nascimento de Rio e os anos que ele tinha passado como um menino enjeitado, matando porque precisava matar, porque não conhecia nenhuma outra opção. Ela nunca perguntou nada sobre o jovem selvagem que ele havia sido antes de ser trazido para o Refúgio Secreto e descobrir como se tornar algo melhor do que o animal que ele tinha se tornado para conseguir sobreviver sozinho.
Rio não queria que Dylan o olhasse com medo ou nojo, mas uma grande parte dele queria contar a verdade a ela. Se conseguia olhar para seu exterior cheio de cicatrizes e não desprezá-lo, talvez também fosse suficientemente forte para ver a destruição que existia dentro dele.
– Minha mãe vivia nos subúrbios de um povoado rural muito pequeno na Espanha. Ela ainda era muito jovem, possivelmente tinha por volta de dezesseis anos quando foi estuprada por um vampiro que havia se transformado em Renegado. – Rio manteve a voz baixa para não ser escutado, embora os humanos mais próximos (os adolescentes rebeldes que ainda se divertiam por ali) não estivessem prestando atenção nenhuma a eles. – O Renegado se alimentou dela enquanto a estuprava, mas minha mãe reagiu. Ela o mordeu, ao que parece. Uma quantidade razoável do sangue dele entrou na boca e, consequentemente, no corpo dela. Como ela era uma Companheira de Raça, a combinação do sangue com o sêmen dele resultou em uma gravidez.
– Você... – sussurrou Dylan. – Ah, meu Deus, Rio. Deve ter sido terrível para ela passar por isso. Mas pelo menos ela teve você no final.
– Foi um milagre ela não ter me abortado – disse ele, olhando para as águas negras e brilhantes do rio, recordando a angústia de sua mãe sobre a abominação a que ela tinha dado à luz. – Minha mãe era apenas uma jovem camponesa. Ela não foi educada, não no sentido de ir à escola, e também não sabia dos assuntos da vida. Vivia sozinha em uma casinha na floresta, construída por seus familiares anos antes de eu nascer.
– O que você quer dizer?
– Manos del diablo – respondeu Rio. – Eles temiam as mãos do diabo. Você se lembra de que eu disse que todas as mulheres que nascem com a marca de Companheira de Raça têm dons especiais... Habilidades de algum tipo?
– Sim – confirmou Dylan
– Bem, o dom da minha mãe era obscuro. Com um toque e um pouco de concentração, ela conseguia trazer a morte. – Rio praguejou em voz baixa e ergueu suas mãos letais: – Manos del diablo.
Dylan permaneceu calada por um momento, estudando-o em silêncio.
– Você também tem esse dom?
– Uma mãe Companheira de Raça passa muitas características para seus filhos: cabelo, pele e cor dos olhos... assim como seus dons. Acredito que se minha mãe soubesse exatamente o que estava crescendo em seu ventre, ela teria me matado muito antes de eu nascer. Ela tentou isso pelo menos uma vez, depois de tudo o que aconteceu.
As sobrancelhas de Dylan enrugaram enquanto ela suavemente colocava sua mão sobre a dele, que estava apoiada na cerca de aço.
– O que aconteceu?
– Esta é uma de minhas primeiras lembranças – Rio confessou. – Veja bem, os filhos da Raça nascem com presas pequenas e afiadas. Logo que saem do útero, precisam de sangue para sobreviver. Sangue e escuridão. Minha mãe deve ter percebido e tolerado tudo isso sozinha, porque, de alguma forma, eu sobrevivi à infância. Para mim, era perfeitamente natural evitar o sol e sugar o pulso de minha mãe para me alimentar. Acredito que, por volta dos meus quatro anos, percebi que ela chorava toda vez que eu precisava me alimentar. Ela me desprezava, desprezava o que eu era e, mesmo assim, eu era tudo que ela tinha.
Dylan acariciou o dorso da mão de Rio.
– Não consigo imaginar como isso deve ter sido para vocês dois.
Rio encolheu o ombro.
– Eu não conhecia outra maneira de viver. Mas minha mãe conhecia. Certo dia, com as cortinas de nossa casa fechada para evitar a luz do dia, minha mãe me ofereceu seu pulso. Quando eu o aceitei, senti sua outra mão se aproximar por trás da minha cabeça. Ela me segurou ali, e a dor me atingiu como se um raio tivesse caído sobre meu crânio. Eu gritei e abri os olhos. Ela estava chorando muito, soluçava enquanto me alimentava e segurava minha cabeça com a mão.
– Jesus Cristo! – sussurrou Dylan, claramente impressionada. – Ela queria matá-lo com o toque?
Rio recordou o choque profundo que sentira quando tinha se dado conta daquilo, uma criança assistindo aterrorizada a pessoa que mais confiava tentar acabar com sua vida.
– Ela não conseguiu ir até o fim – murmurou ele com uma voz apática. – Não sei quais foram seus motivos, mas ela retirou bruscamente a mão e fugiu da casa. Eu não a vi durante dois dias. Quando ela voltou, eu estava faminto e aterrorizado. Pensei que tivesse me abandonado para sempre.
– Ela também tinha medo – apontou Dylan, e Rio ficou contente por não ouvir qualquer sinal de piedade naquela voz. Os dedos de Dylan estavam aquecidos e eram reconfortantes quando ela segurou a mão dele. A mão que Rio acabava de dizer que poderia causar a morte com apenas um toque. – Vocês dois devem ter se sentido muito isolados e solitários.
– Sim – disse ele. – Suponho que sim. Tudo terminou mais ou menos um ano depois. Alguns dos homens da vila viram minha mãe e aparentemente se interessaram por ela. Eles apareceram um dia em casa enquanto nós estávamos dormindo. Três deles. Arrombaram a porta e correram atrás dela. Deviam ter ouvido rumores a respeito dela, porque a primeira coisa que fizeram foi prender as mãos de minha mãe para que ela não pudesse tocá-los.
O ar de Dylan ficou preso em sua garganta.
– Minha nossa, Rio...
– Eles arrastaram-na para fora. Corri atrás deles, tentando ajudá-la, mas a luz do sol era intensa demais e me cegou durante segundos que pareceram uma eternidade, e minha mãe gritava, implorando para que eles não fizessem mal a ela ou a mim.
Rio ainda conseguia visualizar as árvores, tão verdes e exuberantes; o céu, tão azul lá em cima... Uma explosão de cores que ele até então só tinha visto escurecidas quando estava na segurança da noite. E ele ainda conseguia visualizar os homens, três grandes humanos, agredindo uma mulher indefesa, enquanto seu filho assistia, congelado pelo terror e pelas limitações de seus cinco anos.
– Eles a espancaram enquanto a chamavam de nomes horríveis: Maldecida. Manos del diablo. La puta de infierno. Algo tomou conta de mim quando vi o sangue de minha mãe correndo pelo chão. Pulei em um dos homens. Eu estava tão furioso que queria que ele morresse em agonia... e assim foi. Depois que entendi o que tinham feito, fui para cima do outro homem. Então, eu o mordi na garganta e me alimentei dele, enquanto meu toque o matava, lentamente.
Dylan agora o encarava sem dizer nada. Totalmente paralisada.
– O último, então, percebeu o que eu tinha feito. E me chamou dos mesmos nomes que tinha chamado minha mãe, acrescentando dois outros que eu nunca tinha ouvido antes: Comedor de la Sangre e Monstruo; Comedor de sangue e monstro. – Rio soltou uma risada insegura. – Até aquele momento, eu não sabia o que era. Mas, enquanto eu matava o último dos agressores de minha mãe e a via morrer na grama iluminada pelo sol, certo conhecimento enterrado em mim parecia acordar e se levantar. Finalmente entendi que eu era diferente, e o que isso significava.
– Você era apenas uma criança – disse Dylan com uma voz suave. – Como sobreviveu depois disso?
– Durante certo período, passei fome. Tentei me alimentar com sangue de animais, mas aquilo era como veneno. Procurei meu primeiro humano aproximadamente uma semana depois do ataque. Eu estava louco de fome, e não tinha experiência em como encontrar alimento. Matei várias pessoas durante as primeiras semanas em que vivi sozinho. Eu acabaria me tornando um Renegado, mas então um milagre aconteceu. Eu estava perseguindo minha presa na floresta quando uma grande sombra saiu das árvores. Eu pensei que fosse um homem, mas ele se movia com tanta agilidade e discrição que eu mal podia focar meus olhos nele. Ele também estava caçando. Foi atrás do camponês em que eu estava de olho e, com uma graça que eu certamente não tinha, ele derrubou o humano e começou a se alimentar da ferida que abrira na garganta daquele homem. Aquela criatura era um sugador de sangue, como eu.
– O que você fez, Rio?
– Eu assisti, fascinado – ele respondeu, recordando com tanta clareza como se tudo aquilo tivesse acontecido poucos minutos atrás. Depois, continuou: – Quando tudo terminou, o homem se levantou e se afastou como se nada incomum tivesse acontecido. Eu estava impressionado e, quando inspirei, o sugador de sangue me viu escondido por ali. Ele me chamou e, depois de perceber que eu estava sozinho, levou-me com ele até sua casa; a um Refúgio Secreto. Conheci muitos outros como eu, e descobri que eu era parte de um grupo chamado Raça. Como minha mãe não tinha me dado um nome, minha nova família no Refúgio Secreto me deu o nome que eu tenho agora.
– Eleuterio de la Noche Atanacio – disse Dylan. As palavras soavam agradavelmente doces saindo da boca dela. Sua mão, agora apoiada com ternura sobre as cicatrizes do rosto de Rio, transmitia uma sensação extremamente reconfortante. – Meu Deus, Rio... é um milagre que você esteja aqui comigo.
Ela se aproximou dele, olhando-o nos olhos. Rio mal conseguia respirar enquanto ela ficava na ponta dos pés e inclinava o queixo para beijá-lo. Os lábios deles se uniram pela segunda vez naquela noite... E com uma necessidade que nenhum deles parecia disposto ou capaz de esconder.
Eles poderiam ficar ali, para sempre se beijando.
Mas foi exatamente naquele momento que o passeio tranquilo se tornou assustador, com o estrondo repentino provocado por armas de fogo.
CONTINUA
Capítulo 18
Rio passou as últimas horas antes da alvorada com Dante no pátio atrás do complexo da Ordem. Em seguida, dirigiu-se à capela do complexo, onde passou mais um pouco de tempo sozinho. O pequeno e tranquilo santuário onde a Ordem realizava suas cerimônias mais importantes ou íntimas sempre funcionava como um refúgio para ele. Mas não agora. Tudo o que ele via no espaço iluminado por luz de velas fazia-o recordar a decepção que Eva lhe causara.
Por culpa dela, fazia mais de um ano, eles tiveram que ungir e cobrir com uma mortalha branca um dos membros mais nobres da Ordem e colocá-lo sobre o altar diante daquelas fileiras de bancos. A morte de Conlan em um túnel subterrâneo no verão passado tinha sido acidental – a infelicidade de estar no local errado, na hora errada. No entanto, seu sangue estava nas mãos de Eva.
Rio ainda podia vê-la parada a seu lado na capela, apoiando-se nele e chorando. E, durante todo o tempo, escondendo sua traição. Esperando até a próxima oportunidade para poder conspirar com seus inimigos como parte de uma tentativa equivocada de ver Rio afastado da Ordem – mesmo que, para isso, ele tivesse de ser ferido – e finalmente como uma posse exclusiva dela.
A ironia disso estava no fato de que ele não deixaria a Ordem.
Ele não queria deixar – e não deixaria – o grupo enquanto se sentisse minimamente útil para os guerreiros que tinham sido praticamente uma família para ele durante quase um século. A não ser que ele perdesse a sanidade e o autocontrole por conta da explosão que poderia – e devia – tê-lo matado.
– Droga! – resmungou Rio, dando meia-volta para sair o mais rápido possível daquela capela.
Ele não tinha que estar ali passando o tempo com velhos fantasmas e com a desgraça que eles lhe traziam. Tudo do que Rio precisava para lembrar-se de Eva era uma olhada de relance em um espelho ou no reflexo de uma janela. E ele tentava com todas as suas forças não fazer isso, não apenas pelo choque que sentia toda vez que via aquela imagem que lhe devolvia o olhar, mas também porque queria expulsar Eva de uma vez por todas de sua vida. O simples fato de ouvir o nome daquela vagabunda traidora já era suficiente para que ele tivesse um incontrolável ataque fúria.
Como Dylan, infelizmente, agora poderia confirmar.
Rio se perguntava se ela estaria bem. Tess teria cuidado muito bem de Dylan – mesmo sem seu toque mágico da cura, ausente agora que ela estava grávida – mas, ainda assim, Rio se perguntava se ela estaria bem. Ele se detestava por ter reagido daquela forma. Dylan provavelmente pensava o mesmo. Isso se ela não estivesse ocupada sentindo pena pelo desastre mental que ele tinha provado ser.
Sentindo-se tão solitário e desprendido da realidade quanto um fantasma, Rio saiu da capela do complexo e vagou pelo labirinto de corredores até chegar à enfermaria, que estava vazia. Tomou uma ducha rápida na sala de recuperação que tinha sido sua morada durante os meses que se seguiram à explosão, deixando a água quente levar a dor que havia em seus músculos e a tensão que pulsava em suas têmporas. Quando desligou a água e se enxugava com uma toalha, seus pensamentos se voltaram para Dylan. Estar aqui, retida contra sua vontade, não devia estar lhe fazendo bem. E libertá-la significava colocar um fim – o mais rápido possível – na matéria que ela tinha começado a escrever.
Era de manhã, o que significava o fim do trabalho para os membros da Raça. Mas não para os humanos que viviam lá em cima. Os humanos deviam estar começando seu dia habitual, o que significava que o chefe de Dylan no jornal tinha mais um dia para pensar a respeito da publicação daquela matéria; o que significava mais um dia para as mulheres com quem Dylan estava viajando discutirem a caverna encontrada e especular sobre o que poderia haver lá dentro. Mais um dia para o erro cometido por Rio poder ser desvendado e colocar a Ordem e toda a nação dos vampiros em perigo caso fossem descobertos pelos humanos.
Rio vestiu um par de calças frouxas azul-marinho e uma camiseta cavada que ainda estava no guarda-roupa com algumas outras coisas que restavam desde sua longa passagem pela sala de enfermaria. Quando caminhou pelo corredor em direção a seus aposentos, tinha um novo objetivo em mente. Sua cabeça estava mais limpa e agora ele se sentia bem e pronto para fazer Dylan colocar um ponto-final naquela maldita matéria sobre a caverna. E logo.
No entanto, quando ele abriu a porta de seus aposentos, o ambiente estava escuro. Apenas um pequeno abajur de mesa estava aceso no canto da sala de estar, como uma luz noturna brilhando para ele, caso decidisse voltar. Rio observou atentamente o leve brilho que lhe dava as boas-vindas enquanto entrava no quarto e fechava a porta silenciosamente.
Dylan estava dormindo. Ele podia vê-la deitada em sua cama no outro quarto, o corpo curvado sobre o edredom. Não restava dúvidas de que ela estava exausta. Os três dias passados pareciam estar finalmente pesando. Caramba, eles pareciam estar pesando também para ele.
Rio andou pelo quarto escuro e, assim que avistou as pernas longas e nuas de Dylan, rapidamente se esqueceu do objetivo que tinha em mente no caminho até lá. Ela estava usando um baby-doll e shorts xadrez com cores claras, peças que ela claramente tinha tirado de sua bagagem, agora aberta ao lado de sua cama.
O conjunto de algodão era nada sexy – certamente nada próximo dos laços e cetins caros com os quais Eva costumava desfilar para ele. Mas Dylan estava linda, mesmo quase nua... E estava linda dormindo na cama dele.
Madre de Dios! Linda demais!
Rio puxou uma manta de seda de uma cadeira no canto do quarto e a levou para a cama a fim de cobri-la. E não fez isso apenas para ser gentil. Como um membro da Raça, Rio tinha a visão mais aguçada durante a noite – todos os seus sentidos eram bem mais aguçados e, naquele momento, eles começavam a oprimi-lo com ideias ligadas àquela mulher seminua deitada tão vulneravelmente perto dele.
Ele tentou não notar que os seios de Dylan estavam deliciosamente nus debaixo do fino algodão da blusa sem manga. A tentação de olhar fixamente aquela pele branca e macia – especialmente a área exposta do abdômen, onde a peça de roupa estava amarrotada e subia tão perfeita e insidiosamente acima do umbigo – era forte demais para ele conseguir resistir.
No entanto, quando ele se aproximou da beira da cama com a manta, ela se mexeu ligeiramente, mudando a posição de suas pernas e ajeitando-se um pouco melhor sobre as costas. Rio ficou paralisado, torcendo para que ela não despertasse e o encontrasse inclinado ali em cima como um fantasma.
Olhar para ela o deixava com uma dor acalentada no peito. Ele não tinha direito algum sobre Dylan, mas uma onda de possessividade correu por seu sangue, acompanhada por vários milhares de volts de eletricidade. Ela não lhe pertencia – e não seria dele, independente de qual caminho ela escolhesse seguir no final de tudo aquilo. Não importava se ela escolheria um futuro entre os da Raça em um Refúgio Secreto ou se viveria lá fora, sem memória alguma de Rio e sua espécie, ela não lhe pertenceria. Dylan merecia algo melhor, não restava dúvida quanto a isso.
Outro homem – da Raça ou não – seria muito mais adequado para cuidar de uma mulher como Dylan. Outro homem teria o privilégio de explorar as delicadas e macias curvas de sua pele sedosa. Seria de outro homem o prazer de provar aquele pulso delicado que golpeava docemente na base de sua garganta. Outro homem da Raça teria a honra de perfurar as veias de Dylan com uma mordida suave e completamente erótica. Seria de outro homem – e jamais dele – o juramento de protegê-la de todos os males e de sustentá-la fielmente para todo o sempre com o sangue e a força de seu corpo imortal.
Não seria direito dele. Absolutamente, pensou Rio sombriamente enquanto colocava, da forma mais delicada que conseguia, a manta sobre o corpo seminu de Dylan. Ele não devia desejar um pedaço sequer dela.
Entretanto, ele desejava. Deus, como desejava!
Rio ardia de desejo, mesmo sabendo que não deveria ter esse sentimento. Ele tentou se convencer de que tinha sido um mero acidente o fato de suas mãos terem roçado contra as curvas do corpo dela enquanto ele a cobria com a leve seda. Ele não pretendia deixar seus dedos percorrerem as ondas daqueles cabelos vermelhos ardentes, ainda ligeiramente umedecidos em virtude de um recente banho. Ele não pôde resistir e tocou a leve linha da maçã do rosto e a pele macia sob a orelha de Dylan.
E ela não reagiu quando ele olhou para o pequeno curativo que cobria o corte que tinha lhe causado.
Merda! Isto era tudo o que ele tinha a oferecer: dor e desculpas. E ela só o deixava chegar tão perto porque não sabia que ele estava ali.
Dylan não estava acordada para ver aquele demônio parado sobre ela na escuridão, roubando-lhe carícias e contemplando a ideia de fazer muito mais do que simplesmente roçar os dedos másculos em sua pele delicada. Rio a desejava tanto que suas presas mordiscavam a própria língua. Os olhos do guerreiro, transformados pela luxúria que ele agora sentia, brilhavam em uma cor âmbar intensa. Aqueles raios típicos da Raça a banhavam em um brilho suave, iluminando cada profunda e deleitável curva do corpo de Dylan.
Ele afastou suas mãos dela e ela se espreguiçou, provavelmente para tentar aliviar o calor daquele olhar. Um rápido pestanejar das pálpebras dele desligou imediatamente o par de refletores, inundando o quarto novamente com a escuridão total.
Rio se afastou sem fazer qualquer ruído.
Então, arrastou-se para fora do quarto antes que pudesse demonstrar mais do seu lado ladrão, que ele tanto temia assumir quando estava perto daquela mulher.
A princípio, Dylan pensou que o toque a tivesse despertado, mas os dedos que acariciavam suavemente sua bochecha tinham um calor relaxante que deixou seu sono mais voluptuoso. Na verdade – ela percebeu depois – fora a ausência daquele calor a responsável por dissipar seu sonho prazeroso.
Ela abriu os olhos e não conseguiu ver nada além da escuridão do quarto.
O quarto de Rio. A cama de Rio.
Ela se sentou, sentindo-se extremamente desconfortável com o fato de ter caído no sono depois de ter tomado uma ducha mais cedo naquela mesma noite. Ou já era dia? Dylan não sabia, e não poderia saber, já que não havia janela alguma nos quase duzentos metros quadrados daquele apartamento.
O lugar estava escuro e silencioso, mas Dylan acreditava não estar sozinha.
– Olá?
Um grande silêncio foi tudo o que recebeu como resposta.
Ela lançou um olhar para a sala de estar e notou que o abajur que tinha deixado aceso agora estava apagado. E alguém definitivamente esteve ali em algum momento, pois havia uma manta sobre seu corpo – a mesma manta que ela havia deixado sobre uma das cadeiras.
Tinha sido Rio. Ela estava absolutamente certa de que fora ele.
Ele tinha estado ao lado da cama não havia muito tempo. Foi o toque dele que transmitiu uma sensação deliciosa para a pele dela, uma sensação que se transformou em frio quando ele se foi.
Dylan deu meia-volta e colocou seus pés descalços no chão. Caminhou suavemente até as portas, fechadas, e abriu-as cuidadosamente enquanto se esforçava para conseguir enxergar qualquer coisa do outro lado da escura sala de estar.
– Rio... Você está dormindo?
Dylan não perguntou se ele estava ali; ela sabia que ele estava. Podia sentir a presença dele na forma como seu coração pulsava, na forma como o sangue corria apressado em suas veias. Ela atravessou o cômodo até onde recordava ter visto um abajur sobre uma escrivaninha. Então, estendeu a mão cuidadosamente na direção da base fria de porcelana do objeto.
– Deixe apagada.
Dylan virou a cabeça na direção do som da voz de Rio. Ele estava à direita dela, perto do centro do quarto. Agora que os olhos de Dylan tinham se adaptado à falta de luz, ela podia ver a grande e escura silhueta sobre o sofá aveludado. O tronco e os longos membros de Rio faziam o leve contorno do móvel desaparecer.
– Pode ficar com sua cama. Eu não pretendia dormir lá.
Ela caminhou um pouco mais na direção do centro do quarto... E escutou um grunhido baixo ecoar de sua direção.
Meu Deus. Dylan ficou congelada a poucos passos do sofá. Estava ele em meio a outro ataque como o anterior? Ou ainda não tinha se recuperado totalmente?
Dylan limpou a garganta. Desafiadora, deu mais um passo na direção dele.
– Você está... hum, você... precisa de alguma coisa? Se houver algo que eu possa fazer...
– Droga! – O som da voz de Rio trazia mais uma sensação de desespero do que de fúria. Ele fez mais um daqueles seus movimentos rápidos como um piscar de olhos, levantando-se rapidamente do sofá e dirigindo-se para a parede mais afastada. O mais longe de Dylan que conseguia.
– Dylan, por favor. Apenas volte para a cama. Você precisa ficar longe de mim.
Aquele provavelmente era um bom conselho. Manter-se longe de um vampiro traumatizado e com um nível nuclear de raiva incontrolável era provavelmente a coisa mais sensata que ela podia fazer. Mesmo assim, Dylan continuou em movimento, como se seu bom senso e seu instinto de sobrevivência tivessem feito as malas e embarcado em férias repentinas.
– Eu não tenho medo, Rio. Eu sei que você não vai me ferir.
Ele não disse algo para confirmar, tampouco para negar. Dylan podia ouvi-lo respirar – isso se aquele ofegar baixo e pesado pudesse ser considerado respiração. Ela se sentia como se estivesse se aproximando de um animal selvagem ferido, incerta sobre se oferecer a mão geraria confiança ou um ataque de presas e garras.
– Você estava no quarto comigo há alguns minutos... não estava? – Ela continuou avançando regularmente, sem se deixar intimidar pelo peso do silêncio de Rio ou da escuridão que o envolvia. – Você tocou em mim. Eu senti sua mão em meu rosto. Eu gostei, Rio. Não queria que você parasse.
Ele xingou, usando palavras realmente agressivas. Ela não só sentiu a presença como também viu a cabeça de Rio se aproximar bruscamente. Uma pausa e, então, ele devia ter aberto os olhos, pois a escuridão foi subitamente cortada por dois raios âmbar apontados diretamente para ela.
– Seus olhos... – ela murmurou, sentindo-se uma mariposa diante de uma chama flamejante.
Dylan tinha visto os olhos de Rio se transformarem de topázio em âmbar quando ele entrara nos aposentos algumas horas atrás. Mas isso... isso era diferente. Agora havia um arder naqueles olhos, algo diferente da raiva e da dor. Mais intenso, se é que isso fosse possível.
Dylan não conseguia se mover. Apenas permaneceu ali, parada no caminho aquecido pelo olhar de Rio, sentindo que aquilo consumia seu corpo inteiro – e gostando do que consumia seu corpo inteiro. Seu coração se acelerou e passou a bater irregularmente enquanto aquele olhar fixo a queimava, atravessando sua pele.
Agora Rio estava se movimentando, aproximando-se dela com a graça de um predador. Jesus Cristo!
– Por que você apareceu naquela montanha? – ele perguntou a Dylan em um tom áspero e acusador.
Dylan engoliu em seco, observando-o aproximar-se dela em meio à escuridão. Ela começou a dizer que tinha sido Eva quem a tinha guiado até lá, mas aquilo era apenas parte da verdade. O fantasma de Eva havia lhe mostrado o caminho, mas Dylan tinha voltado por vontade própria àquela caverna – para ver Rio.
Mais do que qualquer outra coisa – incluindo o trabalho que poderia salvar seu emprego com a história de um demônio nas colinas da Boêmia –, foi Rio quem a levou a ficar na caverna e a tentar estender a mão para ele quando o bom senso lhe dizia para fugir. Era ele quem a obrigava a estar ali agora. O desejo que ela sentia por ele mantinha seus pés presos ao chão quando o medo deveria forçá-la na direção oposta o mais rápido possível.
Rio estava bem em frente dela agora, ainda mascarado pela escuridão, exceto pelo brilho misterioso e extremamente sedutor de seus olhos de vampiro.
– Que inferno, Dylan! Por que você apareceu lá? – As mãos de Rio estavam firmes quando ele a pegou pelos braços. Em seguida, ele a sacudiu, mas era ele quem tremia. – Por quê? Por que teve de ser você?
Ela sabia que um beijo estava próximo, mesmo na escuridão. Porém, a pressão inicial da boca dele sobre a dela a fez sentir uma chama incontrolável tomar conta de seu corpo. Uma chama que a queimava, um desejo ardente que tomava conta de seu coração. Ela se deixou levar, perdendo-se no toque dos lábios e – ah, Jesus! – das presas de Rio. Dylan sentiu as pontas afiadas quando teve a boca aberta pela língua dele, forçando-a a aceitar o que ele tinha para lhe oferecer.
Dylan não tentaria resistir. Ela nunca tinha sentido nada tão erótico quanto o roçar das presas de Rio. Havia tanto poder letal naquilo; ela podia sentir o perigo, mas estava prestes a perder o controle. Rio a abraçou ainda mais forte e a beijou de uma forma quase violenta. E aquilo a excitava loucamente. Não, Dylan nunca havia se sentido tão excitada quanto naquele momento.
Rio a empurrou para o sofá atrás dela. As mãos grandes e fortes do vampiro envolveram suas costas para aliviar a queda. E ele foi com ela, e todo o peso de seu corpo forte e musculoso a sustentou embaixo dele. E Dylan podia sentir a espessura daquele pênis. Sentia-o enorme e rígido como pedra entre seus corpos. Ela correu as mãos pelas costas de Rio, escorregando-as por debaixo da camiseta de algodão, de modo que pudesse sentir a flexão daqueles fortes músculos conforme ele se movia sobre ela.
– Eu quero ver você – ela ofegou em meio aos beijos famintos. – Preciso ver você, Rio...
E Dylan não esperou receber permissão.
Estendendo a mão, ela encontrou o abajur ao lado do sofá e o acendeu. A suave luz amarela banhou o quarto, deixando-o agora iluminado. Rio estava sobre seus quadris, equilibrando-se nos joelhos enquanto a olhava fixamente em uma situação que parecia ser pura desgraça.
Os olhos de Rio brilhavam com aquele âmbar ardente. Seus traços estavam tensos, sua mandíbula estava apertada fortemente, mas não o suficiente para mascarar o assombroso tamanho de suas presas extremamente afiadas. Os dermoglifos que se espalhavam por seus ombros e braços pareciam queimar – em belos e profundos tons de vermelho, índigo e dourado.
E suas cicatrizes... Bem, Dylan também as viu. Seria impossível ignorá-las, mas ela tampouco tentou. Dylan se apoiou em um de seus cotovelos e estendeu sua outra mão na direção de Rio. Ele estremeceu, virando o rosto em uma tentativa de ocultar seu lado esquerdo arruinado. Mas Dylan não o deixaria se esconder. Não agora. Não dela. Então, estendeu a mão novamente e, de forma suave, colocou a palma contra a forte linha que contornava seu maxilar.
– Não faça isso – disse Rio com uma voz grossa.
– Está tudo bem. – Dylan virou suavemente o rosto dele para que pudesse ser vista totalmente. Com extremo cuidado, ela acariciou levemente aquela pele marcada por cicatrizes. E seguiu acariciando todos os danos pelo corpo dele, deslizando delicadamente os dedos pelo pescoço, ombros e bíceps de Rio, na pele que certa vez fora tão suave e perfeita quanto o restante dele. – Você acha que é um sacrifício tocá-lo assim?
Rio murmurou algo, mas as palavras saíram retorcidas e ininteligíveis.
Dylan se sentou, levantando-se até que seu rosto estivesse paralelo ao dele. Ela o olhou fixamente, assegurando-se de que aquelas pupilas finas como as de um gato a olhassem enquanto ela suavemente o acariciava na bochecha, no maxilar, naquela boca maravilhosamente sensual.
– Não olhe para mim, Dylan. – Agora ela se dava conta de que ele murmurava exatamente a mesma coisa que antes. – Que droga!... Como você consegue me olhar tão perto... como pode me tocar... e não sentir nojo?
Dylan sentiu seu coração se apertar em seu peito.
– Eu estou olhando para você, Rio. Estou vendo você. Estou tocando você. Você – disse ela, enfatizando.
– Estas cicatrizes...
– São incidentais – ela terminou a frase para ele. Dylan sorriu enquanto lançava um olhar para a boca dele, para as presas perfeitamente brancas e perfeitamente incríveis que brotavam de sua gengiva.
– Suas cicatrizes são o mais normal em você, se quer saber a verdade.
Os lábios dele se curvaram, como se fossem afastá-la, definindo-lhe muitos mais de seus defeitos, mas Dylan não lhe deu oportunidade. Ela segurou o rosto de Rio com as mãos e se aproximou, dando-lhe um beijo intenso, lento e apaixonado.
E ela gemeu quando ele entrelaçou as mãos naqueles cabelos vermelhos e a beijou de volta.
Dylan o queria com tanta ferocidade a ponto de quase não conseguir aguentar. Deus, aquilo tudo não fazia sentido algum – esse desejo que ela sentia por um homem que mal conhecia e de quem, por muitas razões, deveria sentir medo. Em vez disso, ela o beijava como se não houvesse amanhã.
Não queria parar de beijá-lo. Ela o envolveu em seus braços e o puxou de volta contra o sofá. Os cabelos sedosos dele acariciavam a palma da mão dela; a boca quente dele buscava a boca de Dylan. E a mão de Rio, ah, a mão de Rio era, ao mesmo tempo, forte e suave enquanto ele a deslizava sob a bainha da blusa de Dylan, acariciando-lhe a pele arrepiada da barriga. E, em seguida, ele acariciou também os seios dela. Dylan se contorcia enquanto era acariciada. Os dedos de Rio provocavam os mamilos dela, transformando-os em botões duros e sensíveis enquanto a língua dele brincava com a boca de Dylan.
– Ah, meu Deus! – ela ofegou, ardendo por Rio.
Ele se ajustou melhor entre as coxas de Dylan, usando os joelhos para abrir-lhe as pernas enquanto sentia sua ereção querer rasgar as próprias roupas. Ela quase teve um orgasmo com aquela deliciosa fricção entre os corpos. Ela ia chegar ao êxtase se ele continuasse com aqueles movimentos deliciosos que não deixavam dúvidas de que tipo de amante ele seria quando eles estivessem nus.
Dylan levantou os pés e cruzou os tornozelos em volta do quadril de Rio, deixando-o ciente de que ela estava disposta a ir até onde ele quisesse levar aquilo. Ela não estava acostumada a se jogar aos pés de um homem – e não conseguia se lembrar da última vez em que havia transado, que dirá, então, da última vez em que tivera um bom sexo – mas Dylan não conseguia pensar em nada que quisesse mais do que fazer amor com Rio. Bem ali. Naquela hora.
Ele sugou o lábio inferior de Dylan entre seus dentes enquanto empurrava seu quadril contra ela. Ela se deleitou com o roçar daquelas presas, com o impulso hipnotizante do corpo grande e rígido daquele homem e com o flexionar dos músculos tensos dele em suas mãos. Ele deslizou sua mão entre as pernas dela. Seus dedos se afundavam na carne úmida e quente. Dylan não conseguiu segurar o gemido que se formava em sua garganta.
– Isso! – ela sussurrou bruscamente conforme um orgasmo tomava conta de seu corpo. – Rio...
Ela sentia espirais girarem dentro de seu corpo enquanto se perdia no prazer que o toque de Rio entre suas pernas lhe provocava. E se agarrou a ele quando sentiu seu coração acelerar com o gozo. Ela escutou o grunhido selvagem de Rio, dando-se conta de que ele tinha deixado de beijá-la para escorregar a boca ao longo de seu pescoço. Ela o envolveu em seus braços enquanto ele roçava contra seu pescoço, enquanto deixava sua língua quente passear por sua pele macia.
O roçar áspero dos dentes de Rio naquele ponto a assustou.
O corpo de Dylan se retesou, embora ela não quisesse temer o que poderia estar por vir. Mas ela não pôde deter a reação instintiva. E Rio se afastou como se ela tivesse gritado com toda a força de seus pulmões.
– Sinto muito – ela sussurrou, estendendo a mão para tocá-lo. Mas ele já não estava mais lá. Já tinha se afastado, já estava a pelo menos um braço de distância do sofá. Dylan se sentou, sentindo-se estranhamente incompleta. – Sinto muito, Rio. Eu não estava segura...
– Não se desculpe – ele resmungou com uma voz áspera. – Madre de Dios, não peça desculpa para mim, por favor. Foi culpa minha, Dylan.
– Não – ela respondeu, desesperada para que ele ficasse com ela, para que ele ficasse dentro dela. – Eu quero, Rio.
– Você não deveria querer – ele retrucou. – E eu não teria sido capaz de parar. – Rio passou a mão por aqueles cabelos escuros, encarando-a com aqueles ardentes olhos âmbar. – Isso teria sido um erro terrível para nós dois – acrescentou ele depois de uma longa pausa. – Ah, merda! Já é um terrível erro.
Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Rio simplesmente deu meia-volta e partiu. Enquanto a porta do quarto se fechava atrás das costas largas daquele homem enorme, Dylan puxava sua blusa de volta para baixo e ajustava os shorts. No silêncio com o qual ele a deixou, ela levou os joelhos até o peito e segurou as canelas. Em seguida, estendeu a mão e apagou a luz do abajur.
Capítulo 19
Rio levantou a pistola nove milímetros e a apontou para o final do campo de tiro do complexo. A arma parecia extremamente estranha em sua mão, apesar de ela lhe pertencer e de ele tê-la carregado por anos, quando ela era extremamente letal.
Antes da explosão do depósito, antes de as feridas terem-no tirado de combate e o jogado em uma cama de hospital, deixando seu corpo e sua mente destruídos.
Antes de a traição de Eva tê-lo cegado, fazendo-o questionar tudo que ele era e poderia vir a ser.
Uma gota de suor desceu pelo lábio de Rio enquanto ele mantinha os olhos no alvo. Seu dedo no gatilho estava trêmulo. Rio usou toda a sua atenção para se concentrar na pequena silhueta impressa no alvo de papel a cerca de vinte metros à frente.
Mas era exatamente para isso que ele tinha ido até ali.
Depois do que havia ocorrido com Dylan alguns minutos atrás, Rio precisava se distrair. Precisava de algo que tomasse toda a sua atenção, que fizesse a temperatura de seu corpo diminuir e voltar ao normal. Algo que, esperançosamente, acabasse com aquela fome carnal que ainda o consumia. Rio desejava Dylan com uma necessidade que ainda pulsava por suas veias em um batimento profundo e primitivo.
Ele ainda podia sentir o corpo delicado daquela mulher movendo-se debaixo do seu, tão suave e acolhedor, respondendo aos toques de forma tão apaixonada. Aceitando-o, mesmo sabendo que eles poderiam fazer parte de uma montagem macabra de A Bela e a Fera. Era uma fantasia da qual ele se permitia participar enquanto beijava Dylan, enquanto a apertava sob seu corpo e se perguntava se a intensa atração que sentia por ela poderia ser mútua. Ninguém era assim tão bom ator. Eva havia afirmado amá-lo uma vez. A traição profunda tinha sido um choque, mas, no fundo de sua mente, Rio sabia que ela não era feliz com ele, não estava, realmente, feliz com o que ele era e com a vida de guerreiro que ele tinha escolhido.
Ela nunca quis que ele se juntasse aos guerreiros. Nunca entendera sua necessidade de fazer algo bom, sua necessidade de ser útil. Mais de uma vez, havia perguntado por que ela não era suficiente para ele. Por que amá-la e fazê-la feliz não poderia ser suficiente? Rio queria as duas coisas, mas até mesmo Eva conseguia enxergar que ele preferia a Ordem.
Rio ainda podia se recordar de uma noite, passeando em um parque da cidade com Eva, tirando fotos dela em uma pequena ponte sobre o rio. Naquela noite, ela lhe dissera o quanto queria que ele deixasse a Ordem e lhe desse um filho. Exigências que ele não poderia – ou melhor, que ele não estava disposto – a cumprir.
“Espere um pouco”, ele lhe pedira. Os guerreiros estavam dando fim a uma pequena onda de ataques dos Renegados na região. E, por conta disso, ele pediu para que ela fosse paciente. Uma vez que as coisas estivessem mais calmas, talvez pudessem pensar em constituir uma família.
Olhando para trás, Rio não tinha mais certeza de que aquelas fossem palavras verdadeiras. Eva não havia acreditado, ele conseguiu ver isso nos olhos dela já naquela época. Madre de Dios, talvez tivesse sido naquele exato momento que ela decidiu tomar o problema para si mesma.
Rio tinha decepcionado Eva e sabia disso. Mas ela havia pagado na mesma moeda. A traição dela o havia rasgado até a alma. Aquela traição o forçou a questionar tudo, incluindo o motivo pelo qual ele devia continuar ocupando um espaço precioso neste mundo.
Quando Dylan o beijou – quando ela o olhou fixamente no rosto e seus olhos transmitiam apenas sinceridade – Rio conseguiu acreditar, pelo menos por um momento, que não era um monstruo digno de pena desperdiçando ar e espaço. Quando olhou nos olhos de Dylan e sentiu a mão macia dela tocando suas cicatrizes, conseguiu acreditar que sua vida parecia valer a pena. E ele era um maldecido egoísta por pensar que tinha algo que oferecer a uma mulher como aquela. Rio já havia destruído a vida de uma mulher, e quase destruíra a sua. Não, ele não estava disposto a arriscar uma segunda vez com a vida de Dylan. Não, mesmo.
Rio estreitou os olhos, voltando sua atenção ao alvo. Então, segurou ainda mais forte na arma, em uma pegada que parecia ferro contra ferro. Apertou o gatilho, sentiu a pancada familiar quando a Beretta descarregou e uma bala saiu em direção ao anel central do alvo.
– É bom ver que você não perdeu o jeito. Continua acertando exatamente no alvo, como sempre fez.
Rio colocou a arma na prateleira diante dele. Quando deu meia-volta, deu de cara com Nikolai, que estava parado atrás dele, com suas costas enormes apoiadas contra a parede. Rio sabia que não estava sozinho ali, ele tinha ouvido Niko e os outros três guerreiros solteiros conversando no extremo oposto do prédio enquanto limpavam suas armas e comentavam sobre sua ronda no clube noturno de humanos.
– Como foi a caça lá em cima?
Niko deu de ombros.
– Como de costume.
– Belas garotas, sem bom senso o suficiente para correr quando veem vocês chegar? – perguntou Rio, tentando quebrar o gelo presente entre eles desde sua chegada ao complexo.
Para seu alívio, Niko sorriu.
– Não há nada de errado em relaxar e ser fácil quando o assunto é mulheres, cara. Acho que, na próxima vez, você deveria vir com a gente. Posso descolar algo doce e sacana para você. – O par de covinhas que ele tinha nas bochechas ficava cada vez mais evidente. – Se não estiver planejando se acabar ou algo assim enquanto isso. Idiota. Burro.
Niko não disse as palavras com tom de ofensa. Elas eram apenas resultado do tom solene de um amigo preocupado com o outro.
– Pode deixar que eu aviso – disse Rio. E, julgando pelo olhar estreitado de Nikolai, ele tinha entendido que ele não estava falando sobre a perspectiva de ter um pouco de ação lá em cima.
A voz de Niko se tornou baixa, adotando um tom de confidencialidade:
– Você não pode deixá-la ganhar, sabe disso, não é cara? Porque isso é sinônimo de se entregar. Sim, ela ferrou a sua vida, e não estou dizendo que precise perdoar e esquecer porque, francamente, eu não acredito que eu conseguiria fazer isso se estivesse no seu lugar. Mas você ainda está aqui. Então, ela que se dane! – disse Niko com veemência. – Eva que se dane! E que se dane a bomba que ela explodiu naquele depósito. Porque você, meu amigo, você está aqui.
Rio esboçou um sorriso, mas apenas um som fraco passou por sua garganta apertada. Tentou esconder o desconforto, sentindo-se extremamente desajeitado ao perceber que alguém se importava com ele.
– Caramba, cara. Quantos programas da Oprah você tem assistido desde que eu parti? Porque, vindo de você, isso é realmente comovente.
Niko riu.
– Pensando bem, esqueça toda essa porcaria que acabei de dizer. Você que se dane, também.
Rio caiu na risada. A primeira risada sincera que saiu de sua boca em... Jesus, algo em torno de um ano inteiro!
– Ei, Niko. – Kade veio caminhando do outro lado da instalação, os cabelos negros espetados e os olhos acinzentados lhe davam um ar deliciosamente selvagem que o deixava parecido com um lobo. – Preciso interromper: esta noite, se nos encontrarmos com aquele outro Renegado fora do Refúgio Secreto, não se esqueça de que você prometeu que ele é meu.
– Se eu não pegar o desgraçado primeiro. – Brock apareceu, saindo de trás do outro guerreiro e sorrindo enquanto, em tom de brincadeira, colocava a ponta de uma enorme adaga sob o queixo de Kade.
A risada agradável de Brock ecoou, mas era possível perceber que o guerreiro que a Ordem tinha recrutado em Detroit era tão sombrio e duro quanto a própria Morte durante os combates. Brock soltou Kade, e os dois continuaram discutindo sobre como caçar os Renegados enquanto saíam da sala de armas e seguiam para seus próprios quartos, em áreas separadas do complexo.
Chase foi o último a chegar, vindo do fundo da instalação. Sua camiseta preta tinha um enorme rasgo na frente, como se alguém tivesse tentado tirar um pedaço dele. A julgar pela cor de saciedade dos dermoglifos e pelo ar calmo em seus olhos normalmente agressivos, parecia que ele tinha se saciado com o que as garotas da discoteca lhe ofereceram.
Chase inclinou ligeiramente a cabeça para saudar Rio. Em seguida, disse a Nikolai:
– Se receber mais alguma notícia de Seattle, por favor me avise. Estou curioso para saber por que uma matança daquela natureza ainda não foi reconhecida por nenhuma Agência.
– Sim – disse Niko. – Eu também queria saber isso.
Rio franziu a sobrancelha:
– Quem apareceu morto em Seattle?
– Um dos membros mais antigos do Refúgio Secreto de lá – explicou Niko. – Um cara que, por sinal, era da Primeira Geração.
Os pelos da nuca de Rio se arrepiaram, um claro sinal de que ele estava preocupado com aquela notícia.
– Como ele foi morto?
O olhar de Nikolai era pesado:
– Uma bala no cérebro. À queima roupa.
– Onde?
– Em geral, o cérebro se encontra na região da cabeça – ironizou Chase, arrastando as palavras. Ele mantinha os braços cruzados.
Rio lançou um olhar estreitado na direção de Chase.
– Obrigado pela aula de anatomia, Harvard. Mas eu estava falando sobre onde estava este Primeira Geração quando o mataram.
O olhar de Niko encontrou os olhos sóbrios de Rio.
– Ele levou um tiro no banco traseiro da limusine que era dirigida por um chofer. Meu contato disse que ele estava voltando de uma ópera, de um balé, ou alguma coisa assim. E que, enquanto esperava em um semáforo, alguém explodiu sua cabeça e desapareceu, antes mesmo que o motorista entendesse o que havia acontecido. Por quê?
Rio deu de ombros, mas disse:
– Talvez não seja nada, mas, quando eu estava em Berlim, Andreas Reichen me contou da morte de um Primeira Geração que aconteceu recentemente lá. Só que este homem do Refúgio Secreto foi morto em um clube de sangue.
– Esses clubes “esportivos” privados foram proibidos há décadas – comentou Chase.
– Claro – concordou Rio, cheio de sarcasmo, já que o ex-agente de Refúgio Secreto tinha a intenção de ser inconveniente. – Agora eles imprimem os convites em tinta invisível e você precisa de um anel decodificador para passar pela porta.
– O mesmo modus operandi no Primeira Geração de Berlim? – perguntou Niko.
– Não. Nenhuma ferida causada por bala. Segundo as fontes de Reichen, este amante dos esportes acabou perdendo a cabeça.
Niko expirou lentamente.
– Esses são dois dos três principais métodos para se matar um vampiro da Primeira Geração da Raça. O terceiro modo é a exposição a raios ultravioletas e, convenhamos, esse é o meio menos eficaz. A não ser que você tenha dez ou quinze minutos livres para dedicar ao trabalho.
– Os dois assassinatos poderiam estar relacionados – supôs Rio, sem saber se seus instintos eram dignos de confiança. Mas, droga! Os sinos de aviso soavam em sua cabeça como os da torre de uma catedral num domingo de Páscoa.
– Há algo errado – disse Chase, finalmente ligando os pontos. – Eu também não gosto nada disso. Dois Primeira Geração mortos em questão de... uma semana? E os dois casos cheirando a execução?
– Nós não sabemos se foram execuções – advertiu Niko. – Vamos lá. Pensem nas probabilidades. Se você vive durante mil anos, ou algo assim, necessariamente irá deixar alguém furioso. Alguém que poderia querer atentar contra você em sua limusine, ou cortar sua cabeça em um clube de sangue.
– E os Refúgios Secretos não querem que nenhum dos assassinatos seja divulgado? – questionou Rio.
As sobrancelhas acobreadas de Chase apertaram-se bruscamente.
– Berlim também mantém tudo em segredo?
– Sim. Reichen disse que eles estão mantendo o caso em segredo para evitar um escândalo. Não é bom para ninguém saber que um pilar de sua comunidade foi derrubado em um clube esportivo cheio de humanos ensanguentados e mortos.
– Não. Não é nada bom – concordou Chase. – Mas dois Primeira Geração mortos é um golpe bastante pesado para toda a nação de vampiros. Não deve haver mais do que vinte indivíduos de Primeira Geração ainda vivos entre a população inteira, incluindo Lucan e Tegan. Se eles se forem, poderão surgir problemas.
Nikolai assentiu:
– Isso é verdade. E acho que não podemos fazer nada.
Rio sentiu um pensamento frio tomar conta de sua mente:
– Não. A menos que tenhamos um Antigo vivo, uma Companheira de Raça e algo como vinte anos de vantagem.
Os guerreiros o olharam com expressão preocupada.
Niko passou uma das mãos por seu cabelo loiro.
– Ah, droga! Você não acha que...
– Eu quero muito estar errado – disse Rio. – Mas é melhor acordarmos Lucan.
Capítulo 20
Ficar sozinha depois de Rio ter partido deixou Dylan bastante inquieta. Sua mente estava girando e girando e suas emoções estavam agitadas. E ela não podia evitar pensar em sua vida anterior em Nova York. A mulher tinha de fazer sua mãe saber que ela finalmente estava bem.
Dylan acendeu a lâmpada de um abajur e pegou seu celular. Ela praticamente tinha se esquecido da existência do aparelho desde que chegara ali, pois o havia tirado do bolso da calça cargo e escondido debaixo do colchão da cama de Rio, pronto para ser alcançado tão logo fosse seguro.
Ela ligou o aparelho, fazendo o possível para abafar o som que ele emitia conforme voltava à vida. Era um milagre ainda haver bateria, mesmo que o mínimo. Uma barra era melhor do que nada, pensou Dylan.
O visor mostrou que havia algumas mensagens de voz na caixa postal.
Ela finalmente tinha o serviço de volta.
Ah, graças a Deus!
O número para retornar a chamada na primeira mensagem era de Nova York – mais especificamente, do escritório de Coleman Hogg. Dylan ouviu a mensagem e não se surpreendeu ao ouvir o homem estar cuspindo fogo pelas ventas, descrevendo – rudemente – a má educação de Dylan pelo fato de ela ter deixado o fotógrafo freelance, que ele havia contratado, esperando em Praga.
A mulher saltou o resto do sermão de Hogg e passou para a próxima mensagem. Tinha sido recebida dias atrás e era de sua mãe, querendo saber notícias, dizendo que a amava e que esperava que a filha estivesse aproveitando a viagem. Sua voz soava cansada, o que deixou o coração de Dylan apertado.
Havia, ainda, outra mensagem de seu chefe. Dessa vez, ele parecia ainda mais zangado e dizia que descontaria do salário da jornalista o pagamento do fotógrafo, e que considerava o e-mail que ela tinha mandado, dizendo que tiraria umas férias, como um pedido de demissão. Dylan, portanto, estava desempregada.
– Ótimo – ela murmurou em voz baixa, enquanto passava para a mensagem seguinte.
Ela não podia ficar nervosa ou chateada com a perda do emprego, mas a falta de um salário logo seria sentida. A menos que Dylan encontrasse algo melhor, algo maior. Algo monumental, na verdade. Algo com dentes de verdade... ou com presas, como de fato eram.
– Não – disse rispidamente antes mesmo que a ideia terminasse de se formar em sua cabeça.
Ela não poderia de forma alguma levar aquela história toda a público, ainda. Não naquele momento, quando ainda havia muitas perguntas sem respostas – e, principalmente, não naquele momento, quando ela mesma tinha se tornado parte daquela história, por mais bizarro que fosse pensar naquilo tudo e na forma que aquilo ganhava.
E ainda havia Rio.
Se houvesse uma razão para Dylan proteger o que tinha descoberto sobre a existência de outras espécies além do ser humano, essa razão era Rio. E Dylan não queria traí-lo ou colocá-lo em qualquer situação de risco, especialmente agora que ela estava começando a conhecê-lo melhor, agora que ela estava começando a se preocupar com ele, por mais perigoso que isso pudesse ser.
O que acontecera entre eles há pouco mexeu com ela profundamente. O beijo fora maravilhoso. A sensação do corpo de Rio pressionado tão intimamente contra o seu tinha sido a coisa mais sensual que Dylan já provara. E a sensação dos dentes dele – das presas dele – pastoreando a frágil pele de seu pescoço tinha sido tão aterrorizante quanto erótica. Será que ele realmente a teria mordido? E se tivesse, o que aconteceria com ela?
Baseada no quão rápido Rio havia abandonado o quarto, Dylan não esperava ter essas respostas. E aquilo não deveria deixá-la tão mal.
O que ela precisava fazer era sair daquele lugar – fosse ele qual fosse – e voltar para sua vida. Dylan precisava voltar para sua mãe, que provavelmente estava ficando louca de preocupação agora que já havia três dias que a filha não entrava em contato.
As três chamadas seguintes eram do abrigo de sua mãe e todas tinham sido recebidas na noite anterior. Não havia mensagens, mas a proximidade das ligações indicava a urgência do assunto. Dylan pressionou o botão de discagem rápida para a casa de Sharon e esperou enquanto o telefone chamava sem resposta do outro lado da linha. O celular também não foi atendido. Com o coração não mão, marcou o número que havia registrado em seu telefone e ligou. Janet atendeu:
– Bom dia. Escritório de Sharon Alexander.
– Janet, olá. Sou eu, Dylan.
– Jesus Cristo, Dylan. O que você está fazendo? Onde você está? – as perguntas soaram estranhamente preocupadas, como se Janet, de alguma forma, já soubesse – ou pensasse que soubesse – que Dylan provavelmente não estava tendo um dia bom. – Você está no hospital?
– O quê? Não, não... – O estômago de Dylan se retorceu. – O que aconteceu? É minha mãe? O que houve?
– Ela se sentiu um pouco cansada depois do cruzeiro, e ontem ela desmaiou aqui. Dylan, querida, ela não está muito bem. Nós a levamos para o hospital e eles a internaram.
– Deus... – Todo o corpo de Dylan ficou adormecido, paralisado no lugar. – Ela teve uma recaída?
– Eles acreditam que sim. – A voz de Janet era a mais tranquila que podia ser em uma situação como aquela. – Sinto muito, querida.
Lucan não estava feliz por ter sido tirado da cama com Gabrielle no meio do dia, mas assim que ouviu o motivo da interrupção de seu sono, o líder da Ordem ficou imediatamente atento. Ele vestiu um par de jeans escuros e uma camisa de seda desabotoada e saiu no corredor, onde Rio, Nikolai e Chase o esperavam.
– Vamos precisar de Gideon – disse Lucan, enquanto pegava o celular e discava para o outro guerreiro. Ele murmurou uma saudação apressada e um rápido pedido de desculpas e imediatamente deu a Gideon a notícia que Rio e os outros tinham acabado de compartilhar. Enquanto os quatro se dirigiam pelo corredor para o laboratório tecnológico, o centro de comando pessoal de Gideon, Lucan terminou a conversa e desligou o telefone. – Ele está a caminho – disse. – Sinceramente, espero que você esteja errado quanto a isso, Rio.
– Eu também – respondeu Rio, tão nervoso quanto qualquer um à simples consideração daquilo.
Não demorou nem dois minutos para Gideon se juntar à improvisada reunião. Ele apareceu no laboratório usando uma calça de moletom cinza, uma camiseta branca que marcava seus músculos e um par de tênis com os cadarços desamarrados que demonstravam que ele tinha enfiado os pés ali e saído correndo. Ele atirou-se na cadeira giratória diante de seu computador e começou a abrir programas e mais programas em várias telas.
– Certo, estamos enviando sondas espiãs para todas as agências de notícias e para o Banco Internacional de Dados – ele disse, olhando para os monitores enquanto os dados lentamente começavam a preencher as telas. – Humm. Isso é estranho. Você disse que um dos dois mortos da Primeira Geração está fora de Seattle?
Nikolai confirmou.
– Bem, não de acordo com isso. As informações sobre Seattle não retornaram resultados. Não há relatos de mortes recentes por lá. Tampouco há relatos de um Primeira Geração naquela população, embora isso seja relativo. O Banco Internacional de Dados só foi implantado há algumas décadas, portanto, de forma alguma é completo. Temos poucos membros antigos da Raça catalogados, mas a maioria dos vinte e poucos Primeira Geração que ainda respiram tendem a proteger sua privacidade. Há rumores de que alguns deles são verdadeiros ermitões que não se aproximam de um Refúgio há mais de um século. Suponho que eles acreditem ter ganhado alguma autonomia depois de mais de mil anos de vida. Não é isso, Lucan?
Lucan, que tinha por volta de novecentos anos e também não aparecia no Banco Internacional de Dados, apenas grunhiu como resposta enquanto seus olhos acinzentados se estreitavam sobre os monitores do computador.
– E quanto à Europa? Há algo sobre o Primeira Geração que Reichen mencionou?
Gideon digitou uma rápida sequência em seu teclado e entrou em outro software de segurança como se aquilo tudo fosse um vídeo game.
– Merda. Não, não aparece nada. Eu tenho que dizer uma coisa, cara, esse silêncio é tenebroso.
Rio concordava:
– Então, se ninguém está relatando mortes de integrantes da Primeira Geração, deveria haver pelo menos mais do que os dois que conhecemos até agora.
– Há algo que precisamos descobrir – disse Lucan. – Quantos Primeira Geração estão registrados no Banco Internacional de Dados, Gideon?
O guerreiro fez uma rápida busca.
– Sete, entre os Estados Unidos e a Europa. Vou mandar a relação de nomes e Refúgios para a impressora agora.
Quando a única página saiu da impressão, Gideon a agarrou e a estendeu para Lucan. O guerreiro líder a observou:
– A maioria desses nomes me é familiar. Conheço dois ou três outros que não estão listados. Tegan provavelmente conhecerá outros. – Ele colocou a lista na mesa de reunião de modo que Rio e os outros pudessem vê-la. – Algum nome de um Primeira Geração que vocês sintam falta nessa lista?
Rio e Chase balançaram a cabeça negativamente.
– Sergei Yakut – murmurou Niko. – Eu o vi uma vez na Sibéria quando eu era um garoto. Ele foi o primeiro Primeira Geração que eu conheci – caramba, o único, até eu vir para Boston e conhecer Lucan e Tegan. O nome dele não está na lista.
– Você acha que conseguiria encontrá-lo se fosse necessário? – perguntou Lucan. – Presumindo que ele ainda esteja vivo, eu quero dizer.
Nikolai riu.
– Sergei Yakut é um mesquinho filho da mãe. Mesquinho demais para morrer. Posso apostar que ainda está vivo e sim, acredito que eu poderia encontrá-lo.
– Ótimo – disse Lucan, com expressão fechada. – Quero que faça isso o mais rápido possível. Para o caso de estarmos lidando com uma situação potencial de um assassino em série, precisamos conseguir os nomes e as localizações de todos os Primeira Geração que existem.
– Tenho certeza de que a Agência sabe pouco mais do que nós aqui – completou Chase. – Eu ainda tenho um ou dois amigos lá. Provavelmente alguém saiba de algo ou possa indicar alguém que saiba.
Lucan balançou a cabeça.
– Sim. Veja isso, então. Mas estou certo de que não preciso lhe dizer para manter todas as suas cartas na manga quando estiver lidando com eles. Você pode ter alguns amigos na Agência, Harvard, mas a Ordem certamente não tem. E, sem querer ofender, confio neles até o momento de poder chutar-lhes o traseiro.
Lucan lançou um olhar sério para Rio.
– E quanto aos outros prováveis problemas que você trouxe, aquele Antigo que pode ter voltado à vida e estar sendo usado para a criação de uma nova linhagem de vampiros de Primeira Geração? – Ele balançou novamente a cabeça, completando conforme deixava escapar pelos lábios bem desenhados uma maldição. – É um cenário de pesadelo, meu amigo. Mas pode muito bem ser verdade.
– Se for – disse Rio –, então é melhor nós esperarmos, que conseguiremos controlar isso logo. E estamos décadas atrás do filho da mãe.
Ao terminar de dizer isso, Rio se deu conta de que estava usando nós para se referir aos guerreiros e seus objetivos. Ele estava se incluindo novamente na Ordem. Mais do que isso, ele estava começando, de fato, a se sentir parte de toda a coisa novamente – uma parte ativa, um membro importante – enquanto estava ali com Lucan e com os outros, fazendo planos, considerando estratégias. E ele se sentia bem, aliás.
Talvez ainda pudesse haver um lugar para ele ali afinal de contas. Ele esteve confuso e cometeu alguns erros, mas talvez pudesse voltar a ser o que era antes.
Rio ainda estava degustando aquela esperança que lhe acometera subitamente quando um leve bip começou a apitar em uma das estações que Gideon estava monitorando. O guerreiro empurrou a cadeira até o computador, franzindo a sobrancelha.
– O que é isso? – perguntou Lucan.
– Estou captando um sinal de um celular ligado aqui no complexo. E não é um dos nossos – respondeu antes de lançar o olhar para Rio. – Está vindo do seu quarto – completou.
Dylan.
– Merda – chiou Rio, conforme a ira tomava conta de seu corpo. – Ela disse que não tinha nenhum celular.
Maldição. Dylan mentira para ele.
E se ele estivesse preocupado com a situação toda como deveria estar, teria revistado todo o corpo dela – da cabeça às pontas dos pés.
Uma jornalista em posse de um telefone. Pelo que ele sabia, ela poderia estar sentada em seu quarto nesse exato momento contando tudo o que tinha visto e ouvido para a CNN – expondo a Raça aos humanos e fazendo isso debaixo do seu nariz.
– Não havia nada em sua mochila que indicava que ela tinha um celular – murmurou Rio, uma desculpa esfarrapada e esdrúxula, ele sabia. – Merda! Eu devia tê-la revistado.
Gideon digitou algo em um de seus vários painéis.
– Posso arrumar uma interferência, cortar o sinal – disse.
– Então faça – disse Lucan. Depois, virou-se para Rio:
– Temos alguns fios soltos que precisamos cortar, meu amigo. Incluindo aquele que está em seu quarto.
– Sim – disse Rio, sabendo que Lucan estava certo. Dylan tinha de tomar uma decisão e o tempo estava se tornando crucial agora que a Ordem tinha outros problemas com os quais lidar.
Lucan pousou a mão no ombro largo de Rio.
– Acredito que está na hora de eu conhecer Dylan Alexander pessoalmente.
– Janet...? Alô? Eu não consegui o número do quarto de minha mãe. Alô...? Janet...? Você está me ouvindo? Ainda está aí?
Dylan afastou o celular da orelha e olhou para o visor. Sem sinal.
– Merda.
Ela segurou o aparelho na altura de sua cabeça e começou a caminhar pelo quarto, procurando por um ponto em que pudesse conseguir algum sinal. Nada. A porcaria tinha morrido no meio de sua ligação, cortando a conversa, apesar de a bateria não estar completamente descarregada.
Dylan sequer podia pensar direito. Ela estava muito agitada. Sua mãe, no hospital? Uma recaída? Jesus Cristo!
A mulher por pouco resistiu à vontade de atirar o aparelho contra a parede mais próxima.
– Merda!
Freneticamente, ela caminhava para a outra sala para tentar completar outra ligação e quase desmaiou de susto quando a porta do quarto foi arregaçada por uma força que mais parecia um vendaval do lado de fora. Era Rio.
E ele estava zangado.
– Me dê isso, Dylan. – Seus brilhantes olhos cor de âmbar e suas presas salientes deram um nó no estômago de Dylan. Ela estava com medo, mas também estava zangada, estava arrasada com a recaída da mãe. Ela precisava vê-la. Precisava sair daquela irrealidade em que tinha sido jogada desde que fora raptada na Europa e voltar para as coisas que realmente importavam.
Jesus Cristo, ela pensou, quase à beira de ceder completamente. Sua mãe estava novamente mal, e sozinha em algum quarto de hospital perdido na cidade. Dylan precisava estar lá, com ela.
Rio entrou no quarto.
– O telefone, Dylan. Me dê a porcaria do telefone. Agora.
Foi então que ela percebeu que Rio não estava sozinho. De pé, atrás dele, no corredor, havia um homem enorme – media, facilmente, dois metros de altura, e tinha cabelos negros e olhos ameaçadores que desmentiam sua calma aparente. Ele permaneceu parado conforme Rio caminhava na direção de Dylan.
– Vocês fizeram alguma coisa com meu telefone? – ela perguntou com veemência, bastante aterrorizada com Rio e com aquela nova ameaça, mas também bastante preocupada com a mãe para ter tempo de pensar no que aconteceria (ou poderia acontecer) no segundo seguinte. – O que vocês fizeram para ele parar de funcionar? Diga! Que diabos vocês fizeram?
– Você mentiu para mim, Dylan!
– E você me sequestrou! – Ela odiava as lágrimas que subitamente começaram a correr pelas aquecidas maçãs de seu rosto. Ela as odiava quase tanto odiava seu cativeiro, o câncer e a dor gelada que começava a latejar em seu peito desde que ligara para o abrigo e soubera das notícias.
Rio estendeu a mão conforme caminhara em direção a ela. O homem no corredor também entrou. Sem perguntar qualquer coisa, Dylan sabia que ele também era um vampiro, um guerreiro da Raça como Rio. Os olhos cinza dele pareciam penetrá-la como lâminas afiadíssimas, e, como um animal sente um predador pelo vento, Dylan sentia que, onde Rio era perigoso, aquele outro homem era exponencialmente mais perigoso e mais forte. Mais forte e mais letal, apesar de sua aparência jovem.
– Para quem você estava ligando? – perguntou Rio.
Ela não diria. Agarrou o fino celular com toda a – pouca – força que tinha no pulso, protegendo-o, mas, naquele momento, sentia uma energia empurrando seus dedos, forçando-os a se abrirem. Dylan não conseguia mantê-los fechados, por mais que tentasse, e apenas pôde ofegar enquanto o aparelho voava para fora de sua mão e pousava sobre a palma aberta do vampiro que estava com Rio.
– Há algumas mensagens aqui de um jornal – ele anunciou sombriamente. – E várias chamadas de outros números de Nova York. A casa de uma tal de Sharon Alexander, o celular dessa mesma pessoa e uma chamada com um número restrito em Manhattan. Essa foi a que cortamos.
Rio xingou.
– Você falou para alguém alguma coisa sobre nós ou sobre o que você viu aqui?
– Não! – ela insistiu. – Eu não falei. Juro. Eu não sou uma ameaça para vocês.
– Há o problema das fotografias que destruímos e do artigo que você enviou para seu chefe. – O homem sombrio a lembrou, da mesma forma como você lembra um condenado o motivo de ele estar sendo mandado para a câmara de gás.
– Vocês não precisam se preocupar com isso – ela disse, ignorando o riso sarcástico de Rio conforme ela falava. – A mensagem do jornal era meu chefe me comunicando que eu estava demitida. Bem, tecnicamente foi uma demissão involuntária, pelo fato de eu não ter aparecido no encontro com o fotógrafo em Praga porque estava ocupada sendo sequestrada.
– Você foi demitida? – perguntou Rio, franzindo a sobrancelha.
Dylan deu de ombros.
– Pouco importa. Mas duvido que a essa altura meu chefe vá usar qualquer uma das fotos ou uma linha sequer da história que eu mandei para ele.
– Isso já não nos preocupa – o homem sombrio a olhou como se estivesse medindo sua reação. – Nesse momento, o vírus que enviamos para ele deve ter varrido todos os computadores do escritório. Seu chefe – ex-chefe – vai passar o resto da semana tentando reparar os estragos.
Dylan realmente não queria se sentir contente com aquilo, mas a imagem de Coleman Hogg diante das máquinas arruinadas ocupava um lugar brilhante em sua cabeça agora.
– O mesmo vírus foi enviado para todos para quem você enviou as fotos – o enorme homem informou. – Isso cuida para que nenhuma prova venha a ser exposta, mas ainda temos de cuidar do fato de muitas pessoas estarem andando por aí de posse de informações que não podemos permitir que elas tenham. Informações que elas podem, consciente ou inconscientemente, passar adiante. De modo que precisamos eliminar os riscos.
Um frio acometeu subitamente o estômago de Dylan.
– O que você quer dizer com eliminar os riscos?
– Você precisa tomar uma decisão, senhorita Alexander. Hoje à noite, você será levada para um dos Refúgios e ficará sob a proteção da Raça ou será enviada de volta para sua casa em Nova York.
– Preciso ir para casa – ela disse. Não havia decisão alguma a ser tomada. Dylan olhou para Rio e encontrou-o olhando fixamente de volta para ela, com uma expressão indecifrável. – Preciso voltar para Nova York imediatamente. Quer dizer que sou livre para ir embora?
Aquele severo olhar cinza voltou-se para Rio, em silêncio.
– Esta noite, você levará a senhorita Alexander para a casa dela em Nova York. Quero que cuide disso. Niko e Kade podem se ocupar dos outros com os quais ela teve contato.
– Não! – gritou Dylan. O frio em seu estômago converteu-se imediatamente em um medo glacial. – Ah, meu Deus! Não, diga-lhe que não faça isso... Rio...
– Fim da discussão – disse o homem, dirigindo sua atenção a Rio e ignorando completamente o desespero de Dylan. – Vocês partem ao anoitecer.
Rio assentiu solenemente, aceitando as ordens como se elas lhe causassem absolutamente nada. Como se tivesse feito aquilo uma centena de vezes.
– A partir dessa noite, Rio, não deixe mais fios soltos. – Os olhos gelados do homem deslizaram mordazmente para Dylan antes de voltarem para Rio. – Nenhum.
Enquanto seu aterrorizante amigo saía, Dylan virou-se agitada para Rio.
– O que ele quis dizer com eliminar os riscos? Não deixar mais fios soltos?
Rio a olhou com o cenho franzido. Havia acusação naquele penetrante olhar topázio, uma mordaz frieza e muito pouco do homem tenro e ferido que ela havia beijado naquele mesmo quarto pouco tempo antes. Dylan sentiu frio sob a rajada daquele olhar duro e era como se olhasse para um estranho.
– Não vou deixar que seus amigos façam mal a ninguém – ela disse, desejando que sua voz não soasse tão débil. – Não vou deixar que eles os matem!
– Ninguém vai morrer, Dylan. – O tom de Rio era calmo e tão distante que era quase reconfortante. – Vamos apagar das memórias deles o que eles viram nas fotografias, e de tudo o que você possa ter dito sobre a caverna, a cripta ou a Raça. Não vamos feri-los, mas precisamos limpar as mentes deles de qualquer lembrança que possam ter das coisas.
– Mas como? Eu não entendo...
– Você não precisa entender – disse calmamente.
– Porque eu também não vou me lembrar de nada, é isso o que você quer dizer?
Ele a olhou por um longo momento, em silêncio. Ela procurou em seu rosto alguma pista de emoção além daquela petrificada que ele estampava naquele momento. Nada. Tudo o que Dylan via era um homem completamente preparado para a tarefa que lhe havia sido conferida, um guerreiro comprometido com sua missão. E nem aquela ternura que ela vira nele antes ou tampouco a necessidade que ela achava que ele sentia por ela o impediriam de fazer o que tinha de ser feito. Nada. Ela era uma prisioneira à sua mercê. Um inconveniente problema que ele pretendia eliminar.
As sobrancelhas de Rio se juntaram ligeiramente enquanto ele balançava a cabeça de forma vaga.
– Esta noite você vai para casa, Dylan Alexander.
Ela deveria estar feliz ao ouvir aquilo – deveria estar aliviada, pelo menos – mas Dylan se sentia estranhamente desolada enquanto assistia o enorme corpo de Rio deixar o quarto e fechar a porta atrás de suas costas largas.
Capítulo 21
Ele voltou depois de algumas horas e lhe disse que era hora de partir. Dylan não se surpreendeu com o fato de sua próxima memória consciente ter sido acordar no banco traseiro de um SUV escuro enquanto Rio estacionava na calçada em frente ao prédio onde ela vivia, no Brooklyn. Enquanto ela se sentava, sonolenta, Rio a olhou nos olhos pelo retrovisor. Dylan franziu a testa.
– Você me fez apagar outra vez.
– Pela última vez – ele respondeu em voz baixa, como se estivesse se desculpando.
Em seguida, Rio desligou o motor e abriu a porta do lado do motorista. Estava sozinho ali na frente. Não havia sinal dos outros que deviam acompanhá-los – dos que tinham recebido ordens para cuidar das outras pendências enquanto Rio cuidava pessoalmente dela.
Deus, pensar que sua mãe estaria em contato com aqueles seres perigosos com quem Rio andava a fez estremecer de ansiedade. Sua mãe já estava enfrentando problemas suficientes. Dylan não queria que ela sequer passasse perto dessa nova e obscura realidade.
Dylan se perguntava de quanto tempo Rio precisaria para pegá-la se ela tentasse fugir do SUV. Se ela conseguisse uma vantagem suficientemente grande, talvez conseguisse chegar à estação de metrô em Midtown, onde ficava o hospital. Mas quem ela estava tentando enganar? Rio a tinha seguido de Jicín até Praga. Encontrá-la em Manhattan podia ser um desafio para ele... Um desafio que duraria aproximadamente trinta segundos.
Mas, diabos! Ela precisava ver sua mãe. Precisava estar com ela, ao lado da cama dela, e ver seu rosto para poder ter certeza de que estava bem.
Por favor, Senhor, faça com que ela esteja bem.
– Pensei que você teria companhia nesta viagem – disse Dylan, com a esperança de que algum milagre tivesse provocado uma mudança de planos e que, por conta disso, os amigos de Rio tivessem ficado para trás. – O que aconteceu com os outros caras que viriam com você?
– Eu os deixei na cidade. Eles não precisam estar aqui com a gente. Eles vão entrar em contato comigo quando terminarem.
– Quando terminarem de aterrorizar um grupo de pessoas inocentes, você quer dizer? Como você pode ter certeza de que seus colegas vampiros não vão decidir aceitar uma pequena doação de sangue com as lembranças que vão roubar?
– Eles têm uma missão específica, e vão se limitar a ela.
Dylan olhou nos olhos topázio esfumaçados que a encaravam pelo espelho.
– Exatamente como você, certo?
– Exatamente como eu. – Rio saiu do veículo e foi até a porta de trás para pegar a mochila e a bolsa lateral no assento ao lado dela. – Vamos, Dylan. Não temos muito tempo para terminar com tudo isso. – Quando ela não se moveu, Rio se aproximou e a surpreendeu com uma carícia suave na bochecha. – Vamos. Vamos entrar agora. Tudo vai ficar bem.
Ela deixou o banco de couro e subiu as escadas de concreto enquanto Rio ainda estava na entrada do edifício. Rio tirou as chaves da bolsa e passou-as para ela. Dylan abriu a fechadura e entrou no prédio, dentro do hall do saguão azul, que agora fedia a mofo, sentindo-se como se estivesse fora de casa por dez anos.
– Meu apartamento fica no segundo andar – ela murmurou, mas Rio provavelmente já sabia. Ele caminhava logo atrás dela enquanto os dois subiam as escadas até o apartamento no final de um corredor de uso comum.
Dylan destrancou a porta e Rio entrou antes dela, mantendo-a atrás dele como se estivesse acostumado a entrar em lugares perigosos – como se estivesse acostumado a fazer isso na linha de frente. Ele era um guerreiro, não havia dúvida alguma. Se fosse o caso de seu comportamento cauteloso e de seu imenso tamanho não confirmarem esse fato, a enorme arma que ele escondia no cinto de suas calças cargo pretas certamente o faziam. Ela o observou enquanto ele averiguava o local. Então, Rio parou ao lado da estação de trabalho com um computador, próximo a um canto do apartamento.
– Eu vou encontrar neste computador alguma coisa que não deveria estar aqui? – ele perguntou enquanto ligava o monitor, que se acendeu com uma luz azul clara.
– Esse computador é velho. Eu quase não o uso.
– Você não vai se importar se eu verificar – disse Rio. E aquilo não era uma pergunta, pois ele já estava abrindo e verificando o conteúdo do disco rígido. Ele não encontraria nada além de alguns dos primeiros artigos escritos por ela e algumas mensagens antigas.
– Vocês têm muitos amigos? – perguntou Dylan, posicionando-se atrás dele.
– Temos uma quantidade suficiente.
– Eu não sou um deles, você sabe – ela acendeu a luz, mais para ela mesma do que para Rio, já que ele obviamente não se importava com a escuridão. – Não vou espalhar o que você me disse, nem o que vi nesses últimos dias. Nem uma palavra, eu juro. E não é porque você vai tirar essas lembranças de mim. Eu manteria seu segredo, Rio. Só quero que você saiba disso.
– Não é tão simples assim – disse ele, agora de frente para ela. – O segredo não estaria seguro. Nem para você, nem para nós. Nosso mundo se protege, mas perigos existem, e nós não podemos estar em todas as partes. Deixar alguém fora da nação dos vampiros ter informações a nosso respeito poderia ser catastrófico. De vez em quando isso acontece, mas não é aconselhável. A verdade já foi confiada a um humano aqui ou acolá, mas algo desse tipo é extremamente raro. E eu nunca vi as coisas darem certo no final. Alguém sempre sai ferido.
– Eu sei me cuidar.
Rio deu uma leve risada, embora não houvesse humor algum em seu gesto.
– Não tenho dúvida de que você saiba. Mas isso é algo diferente, Dylan. Você não é apenas uma humana. Você é uma Companheira de Raça, e isso sempre vai significar que você é diferente. Você pode se ligar a um homem da minha espécie por meio do sangue, e vocês podem viver para sempre. Bem, algo muito parecido com para sempre.
– Você quer dizer como Tess e seu companheiro?
Rio assentiu.
– Como eles, sim. Mas para ser parte do mundo da Raça, você teria de cortar seus laços com o mundo humano. Teria de deixá-los para trás.
– Não posso fazer isso – disse ela. Seu cérebro automaticamente repelia a ideia de deixar a mãe. – Minha família está aqui.
– A Raça também é sua família. Eles cuidariam de você como uma família, Dylan. Você poderia começar uma vida muito agradável no Refúgio Secreto.
Ela não pôde deixar de notar que ele estava falando de tudo aquilo a uma cômoda distância, mantendo-se totalmente fora da equação. Uma parte dela se perguntava se seria tão fácil recusar o convite se ele estivesse pedindo pessoalmente para entrar no mundo dele.
Mas ele não estava, de forma alguma, fazendo isso. E a escolha de Dylan, fácil ou não, teria sido a mesma, independentemente do que Rio lhe oferecesse.
Negando com a cabeça, ela disse:
– Minha vida está aqui, com minha mãe. Ela sempre esteve ao meu lado e não posso deixá-la. Eu jamais faria isso. Nem agora, nem nunca.
E Dylan precisava achar uma maneira de se encontrar logo com sua mãe, ela pensou, resistindo constantemente a Rio, que media cada centímetro de seu corpo com os olhos. Ela não queria esperar até ele decidir apagar sua memória agora que ela tinha optado por deixar o mundo dos vampiros.
– Eu... é... tenho que usar o banheiro – ela murmurou. – Espero que você não ache necessário me vigiar durante esse momento...
Os olhos de Rio se estreitaram ligeiramente, mas negou com sua cabeça.
– Vá. Mas não demore muito tempo.
Dylan não podia acreditar que ele realmente a estava deixando ir ao banheiro ao lado e se trancar sozinha lá dentro. Enquanto analisava o apartamento, ele deve ter se esquecido de verificar que havia uma pequena janela no banheiro.
Uma janela que dava para uma escada de incêndios – e uma escada de incêndios que levava até a rua lá em baixo.
Dylan abriu a torneira e deixou uma pesada corrente de água fria correr pela pia enquanto refletia sobre a insanidade que estava prestes a tentar fazer. Havia um vampiro de mais de noventa quilos, treinado para combates e fortemente armado esperando por ela do outro lado da porta. E ela já tinha testemunhado aqueles reflexos, rápidos como um raio, e, portanto, as chances de vencê-los eram nulas. Tudo o que podia esperar era escapar sigilosamente, e isso significava conseguir abrir a janela deteriorada sem fazer muito ruído e, em seguida, descer a escada de incêndio instável sem fazê-la desmoronar. Se conseguisse ultrapassar esses enormes obstáculos, ela só teria de começar a correr até chegar à estação de metrô.
– Sim, muito simples.
Dylan sabia que estava louca, mesmo enquanto se apressava na direção da janela e abria o trinco. Foi necessário dar uma boa pancada para amolecer as várias camadas de tinta antiga que tinham selado aquela janela. Dylan tossiu algumas vezes, alto o suficiente para disfarçar o barulho que fazia enquanto dava as pancadas.
Ela esperou um segundo, atenta aos movimentos no cômodo ao lado. Quando estava segura de que não ouvira nada, levantou a janela e se viu diante do ar úmido da noite na cidade.
Jesus Cristo! Ela ia realmente fazer isto?
Ela tinha de fazer.
Nada era mais importante do que ver sua mãe.
Dylan colocou metade do corpo para fora, buscando assegurar-se de que o caminho estava limpo. E estava. Ela conseguiria fazer aquilo. Tinha de tentar. Depois de respirar fundo algumas vezes para criar coragem, deu a descarga e, então, subiu pela janela enquanto o banheiro produzia o ruído que abafaria sua ação.
Sua descida pela escada de incêndios foi apressada e desajeitada, mas, em alguns segundos, seus pés pousavam sobre a calçada. Assim que tocou o chão, correu desesperadamente na direção do metrô.
Enquanto a água corria na pia do banheiro, Rio de fato tinha escutado o deslizamento quase silencioso da janela que era aberta atrás daquela porta fechada. A descarga não abafou totalmente o ruído emitido pela escada de incêndio enquanto Dylan caminhava rápida, porém cuidadosamente.
Ela estava tratando de escapar, exatamente como ele esperava acontecer.
Ele tinha visto a mente de Dylan girar enquanto eles conversavam. Também percebeu um desespero crescente naqueles olhos a cada minuto em que ela era forçada a ficar no apartamento com ele. Rio sabia, mesmo antes de ela inventar aquela desculpa de precisar ir ao banheiro, que Dylan tentaria escapar dele na primeira oportunidade.
E ele poderia tê-la detido, assim como poderia detê-la agora, enquanto ela descia pela escada cambaleante de aço em direção à rua onde ficava o apartamento. No entanto, ele estava mais curioso acerca de para onde ela planejava fugir. E atrás de quem ela estava indo.
Ele acreditou quando ela disse que não pretendia expor a Raça às agências de notícias do mundo humano. Se Dylan estivesse mentindo, ele não saberia o que fazer. E não quis pensar que podia estar tão equivocado a respeito daquela mulher. Rio disse a si que nada disso importaria se ele simplesmente apagasse aquelas informações da mente dela.
Porém, ele tinha hesitado em apagar a mente dela depois que ela disse que não deixaria o mundo humano para se unir à Raça. Rio hesitou porque concluiu, de forma bastante egoísta, que simplesmente não estava pronto para apagar os pensamentos dela.
E agora ela estava correndo na noite, longe dele. Com uma cabeça cheia de lembranças e informações que ele seguramente não podia deixar na mente dela.
Rio levantou-se da escrivaninha de Dylan e entrou no pequeno banheiro. O cômodo estava vazio, como ele sabia que estaria. A janela estava escancarada, bocejando para a noite escura de verão que tomava conta do lado de fora.
Então ele saiu. Seus sapatos golpearam a escada de incêndios em uma fração de segundo antes que ele pulasse da estrutura e pousasse no asfalto, dois pisos abaixo. Rio jogou a cabeça para trás e puxou o ar para dentro de seus pulmões, até finalmente sentir o cheiro de Dylan.
Então, foi atrás dela.
Capítulo 22
Dylan ficou do lado de fora do quarto de sua mãe no décimo piso do hospital, tentando tomar coragem para entrar. O pavilhão de oncologia estava muito quieto naquela noite. Só se ouvia o bate-papo discreto das enfermeiras de plantão e o arrastar ocasional dos pés de alguns pacientes que caminhavam por ali, com suas mãos presas ao suporte para o soro que, com suas rodinhas, seguiam ao lado deles. Não muito tempo atrás, sua mãe tinha sido um desses pacientes fortes, mas agora os olhos inevitavelmente não conseguiam esconder o cansaço.
Dylan detestava pensar que havia mais daquela dor e daquela luta à frente de sua mãe. Os resultados da biópsia que os médicos tinham pedido não estariam prontos antes de alguns dias, segundo uma enfermeira lhe informara. Eles tinham esperança de que os resultados fossem positivos, de que talvez tivessem detectado o problema cedo o suficiente para começar uma nova etapa mais agressiva de quimioterapia. Dylan estava orando por um milagre, apesar do peso no peito enquanto se preparava para más notícias.
Ela bateu contra o dispensador de desinfetante para as mãos colocado junto à porta, esguichou um pouco de álcool em gel nelas e esfregou uma contra a outra. Enquanto retirava um par de luvas de látex de uma caixa no balcão e as colocava, tudo o que tinha acontecido durante os últimos dias – e também durante as últimas horas – fora deixado de lado. Esquecido. Seus próprios problemas evaporaram quando ela abriu a porta. Agora, nada importava; nada exceto aquela mulher curvada na cama, presa a cabos de monitoração e a acessos intravenosos.
Meu Deus! Como sua mãe parecia pequena e frágil deitada ali. Ela sempre tinha sido pequena, cerca de dez centímetros menor que Dylan, com os cabelos de um vermelho mais intenso, mesmo com aqueles fios brancos que haviam brotado desde a primeira batalha contra o câncer. Agora, Sharon tinha cabelos curtos, um corte espetado que a fazia parecer pelo menos uma década mais jovem do que sua verdadeira idade: 64 anos. Dylan sentiu uma pontada de ira irracional e ácida pelo fato de que uma nova fase de quimioterapia assolaria aquela gloriosa coroa formada pelos fios de cabelos vermelhos.
Caminhou suavemente até a cama, tentando não fazer ruído. Mas Sharon não estava dormindo. Ela virou-se para o lado quando Dylan se aproximou. Seus olhos eram de um verde brilhante e caloroso.
– Uau... Olá, Dylan... Minha querida. – A voz de Sharon era fraca, o único sinal físico que denunciava o fato de ela estar doente. Ela estendeu o braço e segurou a mão de Dylan, apertando-a com força.
– Como foi a viagem, querida? Quando você chegou?
Merda. Dylan se lembrou de que tinha esticado sua viagem pela Europa. Para ela, era como se um ano tivesse passado nos poucos dias que tinha estado com Rio.
– Hum... Eu acabei de chegar em casa – respondeu Dylan. Uma mentira parcial, uma meia verdade, afinal de contas.
Ela se sentou na beira do fino colchonete do quarto de hospital, mantendo as mãos juntas às de sua mãe.
– Fiquei um pouco preocupada quando você mudou seus planos de maneira tão repentina. Seu e-mail dizendo que você ficaria mais alguns dias foi tão curto e confuso. Por que não me ligou?
– Sinto muito – desculpou-se Dylan. A mentira que ela tinha de engolir causou ainda mais dor quando ela soube que deixou sua mãe preocupada. – Eu teria telefonado se tivesse conseguido. Ah, mãe... lamento que você não esteja se sentindo bem.
– Eu estou bem. Melhor agora que está aqui. – Sharon tinha o olhar calmo. – Mas eu estou morrendo, querida. Você sabe, não sabe?
– Não diga isso. – Dylan apertou a mão de sua mãe e, em seguida, trouxe aqueles dedos frios até os lábios e os beijou. – Você vai superar isso, da mesma forma como superou da outra vez. Você vai ficar bem.
O silêncio – a delicada indulgência – era uma força palpável naquele quarto. Sua mãe não forçaria o assunto, mas estava o assunto ali, como um fantasma à espreita em um canto.
– Bem, vamos falar de você! Quero saber tudo sobre o que você andou fazendo, por onde passou... Conte-me tudo o que você viu enquanto esteve fora.
Dylan olhou para baixo. Era impossível olhar sua mãe nos olhos quando não poderia dizer a verdade. E não podia dizer a verdade. Bem, a maior parte dos fatos seria inacreditável, de qualquer forma, especialmente a parte em que Dylan confessasse temer estar desenvolvendo sentimentos por um homem perigoso e cheio de segredos. Santo Deus, por um vampiro. Só de pensar, já parecia loucura.
– Quero saber mais sobre essa matéria da cova do demônio em que você está trabalhando, querida. Aquelas fotos que me enviou eram realmente impressionantes. Quando sua matéria vai ser publicada?
– Eu não estou mais trabalhando nessa matéria, mãe. – Dylan sacudiu a cabeça. Ela se arrependia por tê-la mencionado para sua mãe. E também para todas as outras pessoas. – No final, a cova era apenas uma cova – disse, com a esperança de ser convincente. – Não havia nada estranho lá.
Sharon se mostrou cética:
– É mesmo? Mas a tumba que você encontrou e as marcas incríveis nas paredes... O que tudo aquilo estava fazendo lá? Devia significar ou ter significado alguma coisa, não?
– É só uma tumba. Provavelmente muito antiga, algo como uma câmara funerária indígena.
– E as fotos que você tirou daquele homem...
– Um andarilho. Era só isso – mentiu Dylan, odiando cada sílaba que saiu de seus lábios. – As imagens fizeram tudo parecer mais importante do que realmente era. Mas não há matéria alguma, nem mesmo gente adequada para uma porcaria como o jornal de Coleman Hogg. Aliás, ele me demitiu.
– O quê? Ele não fez isso, fez?!
Dylan deu de ombros.
– Sim, é verdade. E está tudo bem, mesmo. Vou encontrar outra coisa.
– Bem, foi ele quem saiu perdendo. De qualquer forma, você é boa demais para aquele lugar. Se servir de consolo, eu achei que você estava fazendo um ótimo trabalho naquela matéria. O senhor Fasso pensou a mesma coisa. Aliás, ele comentou que tem contatos com algumas das grandes agências de notícias da cidade. Ele provavelmente encontraria algo para você se eu falasse com ele.
Ah, droga! Uma entrevista de emprego era a última coisa com que ela precisava se preocupar. Principalmente agora, quando o que Dylan acabara de ouvir tinha lhe dado um nó de terror na garganta.
– Mamãe, você não contou sobre essa história para ele, né?
– Mas é claro que eu contei! E também lhe mostrei as fotos. Sinto muito, mas não posso deixar de me gabar de você, minha pequena estrela.
– A quem... Ah, Deus... Mãe, por favor, diga que não falou sobre isso com muita gente... falou?
Sharon acariciou a mão da filha.
– Não seja tão tímida. Você é muito talentosa, Dylan, e deveria estar trabalhando em matérias maiores, mais impactantes. E o senhor Fasso concorda comigo. Gordon e eu conversamos muito sobre você algumas noites atrás, durante o cruzeiro.
Dylan sentiu seu estômago queimar com a ideia de que mais pessoas sabiam sobre o que ela tinha visto naquela caverna, mas não pôde deixar de observar o brilho de alegria nos olhos de sua mãe quando ela mencionou o nome do fundador do abrigo para fugitivos.
– Então você já está chamando o senhor Fasso pelo primeiro nome, hein?
Sharon deu risada. Um som tão juvenil e alto que Dylan por um instante esqueceu que estava sentada ao lado de sua mãe em um quarto na ala de oncologia de um hospital.
– Ele é muito bonito, Dylan. E absolutamente encantador. Eu sempre pensei que ele fosse um pouco distante, quase frio. Mas, na verdade, ele é um homem muito interessante.
Dylan sorriu:
– Você gosta dele!
– Eu gosto – confessou Sharon. – É muita sorte encontrar um cavalheiro de verdade. Talvez meu verdadeiro príncipe, quem sabe? Quando é tarde demais para eu me apaixonar...
Dylan sacudiu a cabeça, odiando escutar esse tipo de comentário vindo de sua mãe.
– Mãe, nunca é tarde demais. Você ainda é jovem. Ainda tem muito tempo de vida pela frente.
Uma sombra invadiu os olhos de Sharon enquanto ela olhava Dylan e se reclinava sobre a cama.
– Você sempre me fez sentir tanto orgulho! E você sabe disso, não sabe, minha querida?
Dylan assentiu com a cabeça, a garganta apertada:
– Sim, eu sei. E sempre pude contar com você, mãe. É a única pessoa com quem sempre pude contar durante a vida. Somos duas mosqueteiras, não é?
Sharon sorriu ao ouvir sua filha mencionar aquele apelido, mas havia lágrimas brilhando em seus olhos.
– Quero que você fique bem, Dylan. Com isto, quero dizer... Com a minha partida... com o fato de que vou morrer.
– Mãe...
– Escute, por favor. Eu me preocupo com você, querida. E não quero que você fique sozinha.
Dylan secou uma lágrima que corria aquecida pela lateral de seu rosto.
– Não deveria estar pensando em mim agora. Você precisa se concentrar em si mesma, em melhorar. Tem que pensar positivo. A biópsia pode não...
– Dylan, pare e me escute por um segundo, querida. – Sharon se sentou, lançando aquele olhar teimoso que Dylan reconhecia muito bem. Um olhar teimoso em um rosto belo, muito embora cansado. – O câncer está pior do que antes. Eu sei. Eu sinto. E eu o aceitei. Preciso saber que será capaz de suportar isso também, filha.
Dylan olhou para as mãos delas, entrelaçadas. Suas mãos estavam amareladas; as de sua mãe, quase translúcidas, os ossos e os tendões enrijecidos sob a pele fria e pálida.
– Há quanto tempo você vem cuidando de mim, querida? E não me refiro só a desde quando fiquei doente. Desde que você era uma menina, sempre se preocupava comigo e tentava fazer o melhor para cuidar de mim.
Dylan sacudiu a cabeça.
– Nós cuidamos uma da outra. Sempre foi assim.
Dedos suaves se aproximaram do queixo de Dylan, fazendo-a levantar o olhar.
– Você é minha filha. Eu vivi por você e por seus irmãos. Mas você sempre foi meu porto seguro. E você não devia ter vivido para mim, Dylan. Não devia ser o adulto nesta relação. Você merece ter alguém para cuidar sempre de você.
– Eu posso cuidar de mim – murmurou. No entanto, as palavras não soaram muito convincentes quando lágrimas corriam por suas bochechas.
– Sim, você pode. E deve. Mas você merece algo mais da vida. Eu não quero que você tenha medo de viver, ou de amar, Dylan. Pode me prometer que não vai ter medo?
Antes que Dylan pudesse dizer qualquer coisa, a porta se abriu e uma das enfermeiras entrou com algumas novas bolsas de líquidos.
– Como estamos Sharon? Como está sua dor agora?
– Um pouquinho de remédio me faria bem – ela respondeu. Seus olhos deslizaram na direção de Dylan como se estivesse escondendo seu desconforto até agora.
Algo que, obviamente, Sharon estava fazendo. Tudo era muito pior do que Dylan queria aceitar. Ela se levantou da cama e deixou a enfermeira fazer seu trabalho. Depois que a mulher se foi, Dylan voltou ao lado de sua mãe. Era tão difícil para Dylan não deixar cair por terra sua máscara de mulher forte quando olhou aqueles suaves olhos verdes e viu que a chama neles se desvanecia.
– Venha aqui e me dê um abraço, meu amor.
Dylan se inclinou e abraçou os ombros delicados e frágeis, incapaz de não perceber a fragilidade de sua mãe como um todo.
– Eu te amo, mamãe.
– Eu também te amo, querida. – Sharon suspirou enquanto acomodava as costas contra o travesseiro. – Estou cansada, preciso dormir agora.
– Tudo bem – respondeu Dylan, com uma voz rouca. – Vou ficar aqui te fazendo companhia enquanto você dorme.
– Não, não vai. – Sharon sacudiu a cabeça. – Não quero que você fique sentada aqui, preocupada comigo. Não vou deixá-la esta noite, ou amanhã, nem na próxima semana, eu prometo. Mas você precisa ir para casa agora, Dylan. Quero que vá descansar.
“Casa”, pensou Dylan, no momento em que sua mãe caía em um sono induzido por remédios. A palavra parecia estranhamente vazia enquanto ela se lembrava de seu apartamento e das poucas coisas que ela tinha. Aquilo não era casa para ela. Se agora Dylan precisasse ir a algum lugar em que se sentia segura e protegida, aquele buraco lastimável não seria esse lugar. Nunca fora.
Dylan se levantou para sair do quarto. Quando secava as lágrimas, seu olhar percebeu um rosto sombrio e o contorno de ombros largos contra a luz do corredor.
Rio.
Ele a tinha encontrado. Ele havia lhe seguido até ali. Embora todos os sentidos lhe dissessem para fugir dele, Dylan se aproximou. Abriu a porta e o encontrou do lado de fora do quarto de sua mãe. E, sem conseguir falar, ela apenas o envolveu em seus braços e chorou suavemente naquele peito forte sobre o qual ela descansava, agora, a cabeça.
Capítulo 23
Rio não esperava que ela fosse em sua direção ao vê-lo parado ali.
Agora que Dylan estava em seus braços, com o corpo tremendo enquanto chorava, ele viu-se completamente perdido. Ele tinha se livrado de uma parte considerável de sua fúria e de sua suspeita durante o tempo que levou até começar a segui-la pela cidade. Sua cabeça girava por conta de todo aquele barulho e pela presença excessiva de humanos em todos os cantos para onde olhava. Suas têmporas gritavam em consequência das luzes claras enquanto todos os seus sentidos pareciam lutar contra ele.
Mas nada disso importava durante os longos instantes em que ele estava ali, abraçando Dylan, sentindo-a tremer com um medo e uma angústia que chegavam aos ossos. Ela sentia dor, e Rio sentiu uma necessidade esmagadora de protegê-la. Não, ele não queria – não podia – vê-la sentir uma dor como aquela.
Madre de Dios, ele odiava vê-la daquela forma.
Rio acariciou aquelas costas delicadas, encostou sua boca na testa de Dylan enquanto ela acomodava-se logo abaixo do queixo dele. E murmurou algumas palavras confortadoras enquanto oferecia alguns gestos suaves. Isso era tudo que ele conseguia pensar em fazer por ela.
– Tenho tanto medo de perdê-la – sussurrou Dylan. – Ah, Deus... Rio, eu estou aterrorizada.
Ele não precisou pensar muito para saber de quem Dylan estava falando. A paciente que dormia no quarto ao lado tinha os mesmos cabelos flamejantes, era praticamente uma versão mais idosa daquela mulher que Rio agora tinha em seus braços.
Rio inclinou o rosto de Dylan, coberto de lágrimas, em sua direção:
– Você poderia me levar embora daqui, por favor? – ela pediu.
– Eu posso levá-la aonde você quiser – disse Rio, passando a ponta de seu polegar pela bochecha dela, apagando as marcas de lágrimas. – Você quer ir pra casa?
O riso entristecido de Dylan soava tão destruído, tão perdido.
– Podemos simplesmente... sair para caminhar um pouco?
–Sim, é claro – ele assentiu, escondendo-a sob seu braço. – Vamos sair daqui.
Os dois caminharam em silêncio até o elevador, e logo depois saíram do hospital em direção à noite aquecida. Rio não sabia para onde levá-la, então simplesmente caminhou ao lado dela. A poucas quadras do hospital havia uma passarela que conduzia a East River. Eles a cruzaram e, enquanto passeavam pela lateral do rio, ele notou alguns pedestres observando-o.
Percebeu alguns olhares furtivos em suas cicatrizes, e mais de um olhar curioso, como se questionasse o que ele estava fazendo com uma mulher tão linda como Dylan. Uma boa pergunta, e uma pergunta para a qual ele não tinha uma resposta razoável naquele momento. Ele a tinha trazido para a cidade em uma missão – uma missão que certamente não permitia desvios desse tipo.
Dylan finalmente desacelerou, parando contra o corrimão de ferro que funcionava como um mirante para olhar a água.
– Minha mãe ficou muito doente no outono passado. Ela pensou que era bronquite, mas não era. Os exames apontaram câncer de pulmão, embora ela nunca tenha fumado um cigarro sequer na vida. – Dylan ficou em silêncio durante um longo momento. – Ela está morrendo. Foi o que ela acabou de me dizer esta noite.
– Sinto muito – disse Rio, caminhando a seu lado.
Ele queria tocá-la, mas não estava seguro de que ela precisasse de seu consolo. Não estava seguro de que ela aceitaria seu consolo. Em vez disso, ele tocou uma mecha de seus cabelos soltos. Seria fácil fingir que estava tentando evitar que alguns fios fossem soprados pela brisa do verão na direção do rosto dela.
– Não era para eu fazer aquela viagem pela Europa. Aquilo seria a grande aventura de minha mãe com suas amigas, mas ela não estava bem o suficiente para ir, então acabei indo no lugar dela. Eu não devia estar lá. Eu nunca teria posto o pé naquela caverna maldita. Eu nunca teria encontrado você.
– E agora você gostaria de poder desfazer tudo. – Aquilo não era uma pergunta, mas apenas um fato que Rio constatou.
– Eu gostaria de poder desfazer, por ela. Gostaria que ela pudesse ter vivido aquela aventura. Gostaria que minha mãe não estivesse doente. – Dylan virou o rosto para Rio. – Mas eu gostaria de tê-lo conhecido.
Rio ficou surpreso, em silêncio, ao ouvi-la admitir aquilo. Então, ele levou a mão até a linha suave do maxilar de Dylan e olhou profundamente para aquele rosto tão branco e tão lindo a ponto de deixá-lo sem ar. E a forma como ela olhava para ele... Madre de Dios! Era como se ele fosse um homem digno de tê-la, como se ele fosse um homem que ela poderia amar...
Ela expirou um golpe de ar silencioso e regular.
– Eu deixaria tudo para trás sem precisar pensar, Rio. Mas não isso. Não você...
Ah, Cristo.
Antes que ele pudesse se convencer de que aquilo era uma má ideia, Rio abaixou a cabeça e a beijou. Um encontro suave entre as bocas, um toque doce que não deveria fazê-lo arder como de fato fez. Rio se entregou ao doce sabor da boca de Dylan, de modo que ela se sentisse bem naqueles braços.
Ele não devia desejar tão intensamente aquilo. Não devia sentir aquela necessidade, aquela doce afeição que o queimava por dentro toda vez que ele pensava em Dylan.
Rio não devia puxá-la para tão perto, entrelaçando seus dedos nos cabelos sedosos, atraindo-a tão profundamente naquele abraço. Perdendo-se naquele beijo. Ele precisou de muito tempo para se afastar daquele beijo. E, enquanto ainda erguia a cabeça, não conseguiu deixar de acariciar aquele rosto macio. Não conseguia afastar-se dela.
Um grupo de adolescentes passou por eles, garotos desordeiros em roupas grandes demais para seus tamanhos. Eles falavam alto e empurravam uns aos outros à medida que andavam. Rio manteve os olhos nos jovens, suspeitando quando viu o grupo parar ao lado do corrimão para ver quem cuspia mais longe. Eles não pareciam claramente perigosos, mas o tipo de garotos que estava eternamente em busca de problemas.
– Demetrio?
Rio lançou um olhar para Dylan, confuso:
– Hum!?
– Estou perto? Quer dizer, estou perto de dizer seu nome verdadeiro... É Demetrio?
Ele riu, e não pôde resistir. Beijou-a na ponta daquele nariz sardento.
– Não, não é Demetrio.
– Está bem. Bom, então é ... Arrio? – Ela tentou adivinhar, sorrindo para ele sob a luz da lua enquanto caía ligeiramente naqueles braços fortes. – Oliverio? Denny Terrio?
– Eleuterio – ele esclareceu.
Dylan arregalou os olhos:
– Eu-leu-o quê?
– Meu nome é Eleuterio de la Noche Atanacio.
– Nossa! Acho que isso faz Dylan soar bastante comum, não é?
Rio caiu na risada.
– Nada a seu respeito é comum, pode ter certeza.
O sorriso de Dylan era surpreendentemente tímido.
– Então, o que significa um nome lindo como esse?
– Em uma tradução aproximada, seria algo como aquele que é livre e que vive para sempre na noite.
Dylan suspirou.
– Que lindo nome, Rio. Sua mãe deve tê-lo amado muito para lhe dar um nome tão incrível como esse.
– Não foi minha mãe quem me deu esse nome. Ela morreu quando eu era muito jovem. O nome veio mais tarde, de uma família da Raça que vive em um Refúgio Secreto no meu país de origem. Eles me encontraram e me adotaram como um membro daquela família.
– O que aconteceu com a sua mãe? Quer dizer, não precisa me dizer se você não... Eu sei que faço muitas perguntas – disse ela, encolhendo os ombros como se quisesse se desculpar.
– Não, eu não me importo em contar para você – disse Rio, impressionado por estar dizendo aquilo de forma sincera.
Em geral, Rio detestava falar de seu passado. Ninguém na Ordem sabia os detalhes que envolviam o começo de sua vida, nem mesmo Nikolai, que Rio considerava seu amigo mais próximo. Ele não havia sentido nenhuma necessidade de falar sobre isso com Eva. Ela conhecia sua história, pois eles tinham se conhecido no Refúgio Secreto espanhol, onde Rio fora criado.
Eva havia, por educação, escolhido ignorar os fatos desagradáveis que cercavam o nascimento de Rio e os anos que ele tinha passado como um menino enjeitado, matando porque precisava matar, porque não conhecia nenhuma outra opção. Ela nunca perguntou nada sobre o jovem selvagem que ele havia sido antes de ser trazido para o Refúgio Secreto e descobrir como se tornar algo melhor do que o animal que ele tinha se tornado para conseguir sobreviver sozinho.
Rio não queria que Dylan o olhasse com medo ou nojo, mas uma grande parte dele queria contar a verdade a ela. Se conseguia olhar para seu exterior cheio de cicatrizes e não desprezá-lo, talvez também fosse suficientemente forte para ver a destruição que existia dentro dele.
– Minha mãe vivia nos subúrbios de um povoado rural muito pequeno na Espanha. Ela ainda era muito jovem, possivelmente tinha por volta de dezesseis anos quando foi estuprada por um vampiro que havia se transformado em Renegado. – Rio manteve a voz baixa para não ser escutado, embora os humanos mais próximos (os adolescentes rebeldes que ainda se divertiam por ali) não estivessem prestando atenção nenhuma a eles. – O Renegado se alimentou dela enquanto a estuprava, mas minha mãe reagiu. Ela o mordeu, ao que parece. Uma quantidade razoável do sangue dele entrou na boca e, consequentemente, no corpo dela. Como ela era uma Companheira de Raça, a combinação do sangue com o sêmen dele resultou em uma gravidez.
– Você... – sussurrou Dylan. – Ah, meu Deus, Rio. Deve ter sido terrível para ela passar por isso. Mas pelo menos ela teve você no final.
– Foi um milagre ela não ter me abortado – disse ele, olhando para as águas negras e brilhantes do rio, recordando a angústia de sua mãe sobre a abominação a que ela tinha dado à luz. – Minha mãe era apenas uma jovem camponesa. Ela não foi educada, não no sentido de ir à escola, e também não sabia dos assuntos da vida. Vivia sozinha em uma casinha na floresta, construída por seus familiares anos antes de eu nascer.
– O que você quer dizer?
– Manos del diablo – respondeu Rio. – Eles temiam as mãos do diabo. Você se lembra de que eu disse que todas as mulheres que nascem com a marca de Companheira de Raça têm dons especiais... Habilidades de algum tipo?
– Sim – confirmou Dylan
– Bem, o dom da minha mãe era obscuro. Com um toque e um pouco de concentração, ela conseguia trazer a morte. – Rio praguejou em voz baixa e ergueu suas mãos letais: – Manos del diablo.
Dylan permaneceu calada por um momento, estudando-o em silêncio.
– Você também tem esse dom?
– Uma mãe Companheira de Raça passa muitas características para seus filhos: cabelo, pele e cor dos olhos... assim como seus dons. Acredito que se minha mãe soubesse exatamente o que estava crescendo em seu ventre, ela teria me matado muito antes de eu nascer. Ela tentou isso pelo menos uma vez, depois de tudo o que aconteceu.
As sobrancelhas de Dylan enrugaram enquanto ela suavemente colocava sua mão sobre a dele, que estava apoiada na cerca de aço.
– O que aconteceu?
– Esta é uma de minhas primeiras lembranças – Rio confessou. – Veja bem, os filhos da Raça nascem com presas pequenas e afiadas. Logo que saem do útero, precisam de sangue para sobreviver. Sangue e escuridão. Minha mãe deve ter percebido e tolerado tudo isso sozinha, porque, de alguma forma, eu sobrevivi à infância. Para mim, era perfeitamente natural evitar o sol e sugar o pulso de minha mãe para me alimentar. Acredito que, por volta dos meus quatro anos, percebi que ela chorava toda vez que eu precisava me alimentar. Ela me desprezava, desprezava o que eu era e, mesmo assim, eu era tudo que ela tinha.
Dylan acariciou o dorso da mão de Rio.
– Não consigo imaginar como isso deve ter sido para vocês dois.
Rio encolheu o ombro.
– Eu não conhecia outra maneira de viver. Mas minha mãe conhecia. Certo dia, com as cortinas de nossa casa fechada para evitar a luz do dia, minha mãe me ofereceu seu pulso. Quando eu o aceitei, senti sua outra mão se aproximar por trás da minha cabeça. Ela me segurou ali, e a dor me atingiu como se um raio tivesse caído sobre meu crânio. Eu gritei e abri os olhos. Ela estava chorando muito, soluçava enquanto me alimentava e segurava minha cabeça com a mão.
– Jesus Cristo! – sussurrou Dylan, claramente impressionada. – Ela queria matá-lo com o toque?
Rio recordou o choque profundo que sentira quando tinha se dado conta daquilo, uma criança assistindo aterrorizada a pessoa que mais confiava tentar acabar com sua vida.
– Ela não conseguiu ir até o fim – murmurou ele com uma voz apática. – Não sei quais foram seus motivos, mas ela retirou bruscamente a mão e fugiu da casa. Eu não a vi durante dois dias. Quando ela voltou, eu estava faminto e aterrorizado. Pensei que tivesse me abandonado para sempre.
– Ela também tinha medo – apontou Dylan, e Rio ficou contente por não ouvir qualquer sinal de piedade naquela voz. Os dedos de Dylan estavam aquecidos e eram reconfortantes quando ela segurou a mão dele. A mão que Rio acabava de dizer que poderia causar a morte com apenas um toque. – Vocês dois devem ter se sentido muito isolados e solitários.
– Sim – disse ele. – Suponho que sim. Tudo terminou mais ou menos um ano depois. Alguns dos homens da vila viram minha mãe e aparentemente se interessaram por ela. Eles apareceram um dia em casa enquanto nós estávamos dormindo. Três deles. Arrombaram a porta e correram atrás dela. Deviam ter ouvido rumores a respeito dela, porque a primeira coisa que fizeram foi prender as mãos de minha mãe para que ela não pudesse tocá-los.
O ar de Dylan ficou preso em sua garganta.
– Minha nossa, Rio...
– Eles arrastaram-na para fora. Corri atrás deles, tentando ajudá-la, mas a luz do sol era intensa demais e me cegou durante segundos que pareceram uma eternidade, e minha mãe gritava, implorando para que eles não fizessem mal a ela ou a mim.
Rio ainda conseguia visualizar as árvores, tão verdes e exuberantes; o céu, tão azul lá em cima... Uma explosão de cores que ele até então só tinha visto escurecidas quando estava na segurança da noite. E ele ainda conseguia visualizar os homens, três grandes humanos, agredindo uma mulher indefesa, enquanto seu filho assistia, congelado pelo terror e pelas limitações de seus cinco anos.
– Eles a espancaram enquanto a chamavam de nomes horríveis: Maldecida. Manos del diablo. La puta de infierno. Algo tomou conta de mim quando vi o sangue de minha mãe correndo pelo chão. Pulei em um dos homens. Eu estava tão furioso que queria que ele morresse em agonia... e assim foi. Depois que entendi o que tinham feito, fui para cima do outro homem. Então, eu o mordi na garganta e me alimentei dele, enquanto meu toque o matava, lentamente.
Dylan agora o encarava sem dizer nada. Totalmente paralisada.
– O último, então, percebeu o que eu tinha feito. E me chamou dos mesmos nomes que tinha chamado minha mãe, acrescentando dois outros que eu nunca tinha ouvido antes: Comedor de la Sangre e Monstruo; Comedor de sangue e monstro. – Rio soltou uma risada insegura. – Até aquele momento, eu não sabia o que era. Mas, enquanto eu matava o último dos agressores de minha mãe e a via morrer na grama iluminada pelo sol, certo conhecimento enterrado em mim parecia acordar e se levantar. Finalmente entendi que eu era diferente, e o que isso significava.
– Você era apenas uma criança – disse Dylan com uma voz suave. – Como sobreviveu depois disso?
– Durante certo período, passei fome. Tentei me alimentar com sangue de animais, mas aquilo era como veneno. Procurei meu primeiro humano aproximadamente uma semana depois do ataque. Eu estava louco de fome, e não tinha experiência em como encontrar alimento. Matei várias pessoas durante as primeiras semanas em que vivi sozinho. Eu acabaria me tornando um Renegado, mas então um milagre aconteceu. Eu estava perseguindo minha presa na floresta quando uma grande sombra saiu das árvores. Eu pensei que fosse um homem, mas ele se movia com tanta agilidade e discrição que eu mal podia focar meus olhos nele. Ele também estava caçando. Foi atrás do camponês em que eu estava de olho e, com uma graça que eu certamente não tinha, ele derrubou o humano e começou a se alimentar da ferida que abrira na garganta daquele homem. Aquela criatura era um sugador de sangue, como eu.
– O que você fez, Rio?
– Eu assisti, fascinado – ele respondeu, recordando com tanta clareza como se tudo aquilo tivesse acontecido poucos minutos atrás. Depois, continuou: – Quando tudo terminou, o homem se levantou e se afastou como se nada incomum tivesse acontecido. Eu estava impressionado e, quando inspirei, o sugador de sangue me viu escondido por ali. Ele me chamou e, depois de perceber que eu estava sozinho, levou-me com ele até sua casa; a um Refúgio Secreto. Conheci muitos outros como eu, e descobri que eu era parte de um grupo chamado Raça. Como minha mãe não tinha me dado um nome, minha nova família no Refúgio Secreto me deu o nome que eu tenho agora.
– Eleuterio de la Noche Atanacio – disse Dylan. As palavras soavam agradavelmente doces saindo da boca dela. Sua mão, agora apoiada com ternura sobre as cicatrizes do rosto de Rio, transmitia uma sensação extremamente reconfortante. – Meu Deus, Rio... é um milagre que você esteja aqui comigo.
Ela se aproximou dele, olhando-o nos olhos. Rio mal conseguia respirar enquanto ela ficava na ponta dos pés e inclinava o queixo para beijá-lo. Os lábios deles se uniram pela segunda vez naquela noite... E com uma necessidade que nenhum deles parecia disposto ou capaz de esconder.
Eles poderiam ficar ali, para sempre se beijando.
Mas foi exatamente naquele momento que o passeio tranquilo se tornou assustador, com o estrondo repentino provocado por armas de fogo.
CONTINUA
Capítulo 18
Rio passou as últimas horas antes da alvorada com Dante no pátio atrás do complexo da Ordem. Em seguida, dirigiu-se à capela do complexo, onde passou mais um pouco de tempo sozinho. O pequeno e tranquilo santuário onde a Ordem realizava suas cerimônias mais importantes ou íntimas sempre funcionava como um refúgio para ele. Mas não agora. Tudo o que ele via no espaço iluminado por luz de velas fazia-o recordar a decepção que Eva lhe causara.
Por culpa dela, fazia mais de um ano, eles tiveram que ungir e cobrir com uma mortalha branca um dos membros mais nobres da Ordem e colocá-lo sobre o altar diante daquelas fileiras de bancos. A morte de Conlan em um túnel subterrâneo no verão passado tinha sido acidental – a infelicidade de estar no local errado, na hora errada. No entanto, seu sangue estava nas mãos de Eva.
Rio ainda podia vê-la parada a seu lado na capela, apoiando-se nele e chorando. E, durante todo o tempo, escondendo sua traição. Esperando até a próxima oportunidade para poder conspirar com seus inimigos como parte de uma tentativa equivocada de ver Rio afastado da Ordem – mesmo que, para isso, ele tivesse de ser ferido – e finalmente como uma posse exclusiva dela.
A ironia disso estava no fato de que ele não deixaria a Ordem.
Ele não queria deixar – e não deixaria – o grupo enquanto se sentisse minimamente útil para os guerreiros que tinham sido praticamente uma família para ele durante quase um século. A não ser que ele perdesse a sanidade e o autocontrole por conta da explosão que poderia – e devia – tê-lo matado.
– Droga! – resmungou Rio, dando meia-volta para sair o mais rápido possível daquela capela.
Ele não tinha que estar ali passando o tempo com velhos fantasmas e com a desgraça que eles lhe traziam. Tudo do que Rio precisava para lembrar-se de Eva era uma olhada de relance em um espelho ou no reflexo de uma janela. E ele tentava com todas as suas forças não fazer isso, não apenas pelo choque que sentia toda vez que via aquela imagem que lhe devolvia o olhar, mas também porque queria expulsar Eva de uma vez por todas de sua vida. O simples fato de ouvir o nome daquela vagabunda traidora já era suficiente para que ele tivesse um incontrolável ataque fúria.
Como Dylan, infelizmente, agora poderia confirmar.
Rio se perguntava se ela estaria bem. Tess teria cuidado muito bem de Dylan – mesmo sem seu toque mágico da cura, ausente agora que ela estava grávida – mas, ainda assim, Rio se perguntava se ela estaria bem. Ele se detestava por ter reagido daquela forma. Dylan provavelmente pensava o mesmo. Isso se ela não estivesse ocupada sentindo pena pelo desastre mental que ele tinha provado ser.
Sentindo-se tão solitário e desprendido da realidade quanto um fantasma, Rio saiu da capela do complexo e vagou pelo labirinto de corredores até chegar à enfermaria, que estava vazia. Tomou uma ducha rápida na sala de recuperação que tinha sido sua morada durante os meses que se seguiram à explosão, deixando a água quente levar a dor que havia em seus músculos e a tensão que pulsava em suas têmporas. Quando desligou a água e se enxugava com uma toalha, seus pensamentos se voltaram para Dylan. Estar aqui, retida contra sua vontade, não devia estar lhe fazendo bem. E libertá-la significava colocar um fim – o mais rápido possível – na matéria que ela tinha começado a escrever.
Era de manhã, o que significava o fim do trabalho para os membros da Raça. Mas não para os humanos que viviam lá em cima. Os humanos deviam estar começando seu dia habitual, o que significava que o chefe de Dylan no jornal tinha mais um dia para pensar a respeito da publicação daquela matéria; o que significava mais um dia para as mulheres com quem Dylan estava viajando discutirem a caverna encontrada e especular sobre o que poderia haver lá dentro. Mais um dia para o erro cometido por Rio poder ser desvendado e colocar a Ordem e toda a nação dos vampiros em perigo caso fossem descobertos pelos humanos.
Rio vestiu um par de calças frouxas azul-marinho e uma camiseta cavada que ainda estava no guarda-roupa com algumas outras coisas que restavam desde sua longa passagem pela sala de enfermaria. Quando caminhou pelo corredor em direção a seus aposentos, tinha um novo objetivo em mente. Sua cabeça estava mais limpa e agora ele se sentia bem e pronto para fazer Dylan colocar um ponto-final naquela maldita matéria sobre a caverna. E logo.
No entanto, quando ele abriu a porta de seus aposentos, o ambiente estava escuro. Apenas um pequeno abajur de mesa estava aceso no canto da sala de estar, como uma luz noturna brilhando para ele, caso decidisse voltar. Rio observou atentamente o leve brilho que lhe dava as boas-vindas enquanto entrava no quarto e fechava a porta silenciosamente.
Dylan estava dormindo. Ele podia vê-la deitada em sua cama no outro quarto, o corpo curvado sobre o edredom. Não restava dúvidas de que ela estava exausta. Os três dias passados pareciam estar finalmente pesando. Caramba, eles pareciam estar pesando também para ele.
Rio andou pelo quarto escuro e, assim que avistou as pernas longas e nuas de Dylan, rapidamente se esqueceu do objetivo que tinha em mente no caminho até lá. Ela estava usando um baby-doll e shorts xadrez com cores claras, peças que ela claramente tinha tirado de sua bagagem, agora aberta ao lado de sua cama.
O conjunto de algodão era nada sexy – certamente nada próximo dos laços e cetins caros com os quais Eva costumava desfilar para ele. Mas Dylan estava linda, mesmo quase nua... E estava linda dormindo na cama dele.
Madre de Dios! Linda demais!
Rio puxou uma manta de seda de uma cadeira no canto do quarto e a levou para a cama a fim de cobri-la. E não fez isso apenas para ser gentil. Como um membro da Raça, Rio tinha a visão mais aguçada durante a noite – todos os seus sentidos eram bem mais aguçados e, naquele momento, eles começavam a oprimi-lo com ideias ligadas àquela mulher seminua deitada tão vulneravelmente perto dele.
Ele tentou não notar que os seios de Dylan estavam deliciosamente nus debaixo do fino algodão da blusa sem manga. A tentação de olhar fixamente aquela pele branca e macia – especialmente a área exposta do abdômen, onde a peça de roupa estava amarrotada e subia tão perfeita e insidiosamente acima do umbigo – era forte demais para ele conseguir resistir.
No entanto, quando ele se aproximou da beira da cama com a manta, ela se mexeu ligeiramente, mudando a posição de suas pernas e ajeitando-se um pouco melhor sobre as costas. Rio ficou paralisado, torcendo para que ela não despertasse e o encontrasse inclinado ali em cima como um fantasma.
Olhar para ela o deixava com uma dor acalentada no peito. Ele não tinha direito algum sobre Dylan, mas uma onda de possessividade correu por seu sangue, acompanhada por vários milhares de volts de eletricidade. Ela não lhe pertencia – e não seria dele, independente de qual caminho ela escolhesse seguir no final de tudo aquilo. Não importava se ela escolheria um futuro entre os da Raça em um Refúgio Secreto ou se viveria lá fora, sem memória alguma de Rio e sua espécie, ela não lhe pertenceria. Dylan merecia algo melhor, não restava dúvida quanto a isso.
Outro homem – da Raça ou não – seria muito mais adequado para cuidar de uma mulher como Dylan. Outro homem teria o privilégio de explorar as delicadas e macias curvas de sua pele sedosa. Seria de outro homem o prazer de provar aquele pulso delicado que golpeava docemente na base de sua garganta. Outro homem da Raça teria a honra de perfurar as veias de Dylan com uma mordida suave e completamente erótica. Seria de outro homem – e jamais dele – o juramento de protegê-la de todos os males e de sustentá-la fielmente para todo o sempre com o sangue e a força de seu corpo imortal.
Não seria direito dele. Absolutamente, pensou Rio sombriamente enquanto colocava, da forma mais delicada que conseguia, a manta sobre o corpo seminu de Dylan. Ele não devia desejar um pedaço sequer dela.
Entretanto, ele desejava. Deus, como desejava!
Rio ardia de desejo, mesmo sabendo que não deveria ter esse sentimento. Ele tentou se convencer de que tinha sido um mero acidente o fato de suas mãos terem roçado contra as curvas do corpo dela enquanto ele a cobria com a leve seda. Ele não pretendia deixar seus dedos percorrerem as ondas daqueles cabelos vermelhos ardentes, ainda ligeiramente umedecidos em virtude de um recente banho. Ele não pôde resistir e tocou a leve linha da maçã do rosto e a pele macia sob a orelha de Dylan.
E ela não reagiu quando ele olhou para o pequeno curativo que cobria o corte que tinha lhe causado.
Merda! Isto era tudo o que ele tinha a oferecer: dor e desculpas. E ela só o deixava chegar tão perto porque não sabia que ele estava ali.
Dylan não estava acordada para ver aquele demônio parado sobre ela na escuridão, roubando-lhe carícias e contemplando a ideia de fazer muito mais do que simplesmente roçar os dedos másculos em sua pele delicada. Rio a desejava tanto que suas presas mordiscavam a própria língua. Os olhos do guerreiro, transformados pela luxúria que ele agora sentia, brilhavam em uma cor âmbar intensa. Aqueles raios típicos da Raça a banhavam em um brilho suave, iluminando cada profunda e deleitável curva do corpo de Dylan.
Ele afastou suas mãos dela e ela se espreguiçou, provavelmente para tentar aliviar o calor daquele olhar. Um rápido pestanejar das pálpebras dele desligou imediatamente o par de refletores, inundando o quarto novamente com a escuridão total.
Rio se afastou sem fazer qualquer ruído.
Então, arrastou-se para fora do quarto antes que pudesse demonstrar mais do seu lado ladrão, que ele tanto temia assumir quando estava perto daquela mulher.
A princípio, Dylan pensou que o toque a tivesse despertado, mas os dedos que acariciavam suavemente sua bochecha tinham um calor relaxante que deixou seu sono mais voluptuoso. Na verdade – ela percebeu depois – fora a ausência daquele calor a responsável por dissipar seu sonho prazeroso.
Ela abriu os olhos e não conseguiu ver nada além da escuridão do quarto.
O quarto de Rio. A cama de Rio.
Ela se sentou, sentindo-se extremamente desconfortável com o fato de ter caído no sono depois de ter tomado uma ducha mais cedo naquela mesma noite. Ou já era dia? Dylan não sabia, e não poderia saber, já que não havia janela alguma nos quase duzentos metros quadrados daquele apartamento.
O lugar estava escuro e silencioso, mas Dylan acreditava não estar sozinha.
– Olá?
Um grande silêncio foi tudo o que recebeu como resposta.
Ela lançou um olhar para a sala de estar e notou que o abajur que tinha deixado aceso agora estava apagado. E alguém definitivamente esteve ali em algum momento, pois havia uma manta sobre seu corpo – a mesma manta que ela havia deixado sobre uma das cadeiras.
Tinha sido Rio. Ela estava absolutamente certa de que fora ele.
Ele tinha estado ao lado da cama não havia muito tempo. Foi o toque dele que transmitiu uma sensação deliciosa para a pele dela, uma sensação que se transformou em frio quando ele se foi.
Dylan deu meia-volta e colocou seus pés descalços no chão. Caminhou suavemente até as portas, fechadas, e abriu-as cuidadosamente enquanto se esforçava para conseguir enxergar qualquer coisa do outro lado da escura sala de estar.
– Rio... Você está dormindo?
Dylan não perguntou se ele estava ali; ela sabia que ele estava. Podia sentir a presença dele na forma como seu coração pulsava, na forma como o sangue corria apressado em suas veias. Ela atravessou o cômodo até onde recordava ter visto um abajur sobre uma escrivaninha. Então, estendeu a mão cuidadosamente na direção da base fria de porcelana do objeto.
– Deixe apagada.
Dylan virou a cabeça na direção do som da voz de Rio. Ele estava à direita dela, perto do centro do quarto. Agora que os olhos de Dylan tinham se adaptado à falta de luz, ela podia ver a grande e escura silhueta sobre o sofá aveludado. O tronco e os longos membros de Rio faziam o leve contorno do móvel desaparecer.
– Pode ficar com sua cama. Eu não pretendia dormir lá.
Ela caminhou um pouco mais na direção do centro do quarto... E escutou um grunhido baixo ecoar de sua direção.
Meu Deus. Dylan ficou congelada a poucos passos do sofá. Estava ele em meio a outro ataque como o anterior? Ou ainda não tinha se recuperado totalmente?
Dylan limpou a garganta. Desafiadora, deu mais um passo na direção dele.
– Você está... hum, você... precisa de alguma coisa? Se houver algo que eu possa fazer...
– Droga! – O som da voz de Rio trazia mais uma sensação de desespero do que de fúria. Ele fez mais um daqueles seus movimentos rápidos como um piscar de olhos, levantando-se rapidamente do sofá e dirigindo-se para a parede mais afastada. O mais longe de Dylan que conseguia.
– Dylan, por favor. Apenas volte para a cama. Você precisa ficar longe de mim.
Aquele provavelmente era um bom conselho. Manter-se longe de um vampiro traumatizado e com um nível nuclear de raiva incontrolável era provavelmente a coisa mais sensata que ela podia fazer. Mesmo assim, Dylan continuou em movimento, como se seu bom senso e seu instinto de sobrevivência tivessem feito as malas e embarcado em férias repentinas.
– Eu não tenho medo, Rio. Eu sei que você não vai me ferir.
Ele não disse algo para confirmar, tampouco para negar. Dylan podia ouvi-lo respirar – isso se aquele ofegar baixo e pesado pudesse ser considerado respiração. Ela se sentia como se estivesse se aproximando de um animal selvagem ferido, incerta sobre se oferecer a mão geraria confiança ou um ataque de presas e garras.
– Você estava no quarto comigo há alguns minutos... não estava? – Ela continuou avançando regularmente, sem se deixar intimidar pelo peso do silêncio de Rio ou da escuridão que o envolvia. – Você tocou em mim. Eu senti sua mão em meu rosto. Eu gostei, Rio. Não queria que você parasse.
Ele xingou, usando palavras realmente agressivas. Ela não só sentiu a presença como também viu a cabeça de Rio se aproximar bruscamente. Uma pausa e, então, ele devia ter aberto os olhos, pois a escuridão foi subitamente cortada por dois raios âmbar apontados diretamente para ela.
– Seus olhos... – ela murmurou, sentindo-se uma mariposa diante de uma chama flamejante.
Dylan tinha visto os olhos de Rio se transformarem de topázio em âmbar quando ele entrara nos aposentos algumas horas atrás. Mas isso... isso era diferente. Agora havia um arder naqueles olhos, algo diferente da raiva e da dor. Mais intenso, se é que isso fosse possível.
Dylan não conseguia se mover. Apenas permaneceu ali, parada no caminho aquecido pelo olhar de Rio, sentindo que aquilo consumia seu corpo inteiro – e gostando do que consumia seu corpo inteiro. Seu coração se acelerou e passou a bater irregularmente enquanto aquele olhar fixo a queimava, atravessando sua pele.
Agora Rio estava se movimentando, aproximando-se dela com a graça de um predador. Jesus Cristo!
– Por que você apareceu naquela montanha? – ele perguntou a Dylan em um tom áspero e acusador.
Dylan engoliu em seco, observando-o aproximar-se dela em meio à escuridão. Ela começou a dizer que tinha sido Eva quem a tinha guiado até lá, mas aquilo era apenas parte da verdade. O fantasma de Eva havia lhe mostrado o caminho, mas Dylan tinha voltado por vontade própria àquela caverna – para ver Rio.
Mais do que qualquer outra coisa – incluindo o trabalho que poderia salvar seu emprego com a história de um demônio nas colinas da Boêmia –, foi Rio quem a levou a ficar na caverna e a tentar estender a mão para ele quando o bom senso lhe dizia para fugir. Era ele quem a obrigava a estar ali agora. O desejo que ela sentia por ele mantinha seus pés presos ao chão quando o medo deveria forçá-la na direção oposta o mais rápido possível.
Rio estava bem em frente dela agora, ainda mascarado pela escuridão, exceto pelo brilho misterioso e extremamente sedutor de seus olhos de vampiro.
– Que inferno, Dylan! Por que você apareceu lá? – As mãos de Rio estavam firmes quando ele a pegou pelos braços. Em seguida, ele a sacudiu, mas era ele quem tremia. – Por quê? Por que teve de ser você?
Ela sabia que um beijo estava próximo, mesmo na escuridão. Porém, a pressão inicial da boca dele sobre a dela a fez sentir uma chama incontrolável tomar conta de seu corpo. Uma chama que a queimava, um desejo ardente que tomava conta de seu coração. Ela se deixou levar, perdendo-se no toque dos lábios e – ah, Jesus! – das presas de Rio. Dylan sentiu as pontas afiadas quando teve a boca aberta pela língua dele, forçando-a a aceitar o que ele tinha para lhe oferecer.
Dylan não tentaria resistir. Ela nunca tinha sentido nada tão erótico quanto o roçar das presas de Rio. Havia tanto poder letal naquilo; ela podia sentir o perigo, mas estava prestes a perder o controle. Rio a abraçou ainda mais forte e a beijou de uma forma quase violenta. E aquilo a excitava loucamente. Não, Dylan nunca havia se sentido tão excitada quanto naquele momento.
Rio a empurrou para o sofá atrás dela. As mãos grandes e fortes do vampiro envolveram suas costas para aliviar a queda. E ele foi com ela, e todo o peso de seu corpo forte e musculoso a sustentou embaixo dele. E Dylan podia sentir a espessura daquele pênis. Sentia-o enorme e rígido como pedra entre seus corpos. Ela correu as mãos pelas costas de Rio, escorregando-as por debaixo da camiseta de algodão, de modo que pudesse sentir a flexão daqueles fortes músculos conforme ele se movia sobre ela.
– Eu quero ver você – ela ofegou em meio aos beijos famintos. – Preciso ver você, Rio...
E Dylan não esperou receber permissão.
Estendendo a mão, ela encontrou o abajur ao lado do sofá e o acendeu. A suave luz amarela banhou o quarto, deixando-o agora iluminado. Rio estava sobre seus quadris, equilibrando-se nos joelhos enquanto a olhava fixamente em uma situação que parecia ser pura desgraça.
Os olhos de Rio brilhavam com aquele âmbar ardente. Seus traços estavam tensos, sua mandíbula estava apertada fortemente, mas não o suficiente para mascarar o assombroso tamanho de suas presas extremamente afiadas. Os dermoglifos que se espalhavam por seus ombros e braços pareciam queimar – em belos e profundos tons de vermelho, índigo e dourado.
E suas cicatrizes... Bem, Dylan também as viu. Seria impossível ignorá-las, mas ela tampouco tentou. Dylan se apoiou em um de seus cotovelos e estendeu sua outra mão na direção de Rio. Ele estremeceu, virando o rosto em uma tentativa de ocultar seu lado esquerdo arruinado. Mas Dylan não o deixaria se esconder. Não agora. Não dela. Então, estendeu a mão novamente e, de forma suave, colocou a palma contra a forte linha que contornava seu maxilar.
– Não faça isso – disse Rio com uma voz grossa.
– Está tudo bem. – Dylan virou suavemente o rosto dele para que pudesse ser vista totalmente. Com extremo cuidado, ela acariciou levemente aquela pele marcada por cicatrizes. E seguiu acariciando todos os danos pelo corpo dele, deslizando delicadamente os dedos pelo pescoço, ombros e bíceps de Rio, na pele que certa vez fora tão suave e perfeita quanto o restante dele. – Você acha que é um sacrifício tocá-lo assim?
Rio murmurou algo, mas as palavras saíram retorcidas e ininteligíveis.
Dylan se sentou, levantando-se até que seu rosto estivesse paralelo ao dele. Ela o olhou fixamente, assegurando-se de que aquelas pupilas finas como as de um gato a olhassem enquanto ela suavemente o acariciava na bochecha, no maxilar, naquela boca maravilhosamente sensual.
– Não olhe para mim, Dylan. – Agora ela se dava conta de que ele murmurava exatamente a mesma coisa que antes. – Que droga!... Como você consegue me olhar tão perto... como pode me tocar... e não sentir nojo?
Dylan sentiu seu coração se apertar em seu peito.
– Eu estou olhando para você, Rio. Estou vendo você. Estou tocando você. Você – disse ela, enfatizando.
– Estas cicatrizes...
– São incidentais – ela terminou a frase para ele. Dylan sorriu enquanto lançava um olhar para a boca dele, para as presas perfeitamente brancas e perfeitamente incríveis que brotavam de sua gengiva.
– Suas cicatrizes são o mais normal em você, se quer saber a verdade.
Os lábios dele se curvaram, como se fossem afastá-la, definindo-lhe muitos mais de seus defeitos, mas Dylan não lhe deu oportunidade. Ela segurou o rosto de Rio com as mãos e se aproximou, dando-lhe um beijo intenso, lento e apaixonado.
E ela gemeu quando ele entrelaçou as mãos naqueles cabelos vermelhos e a beijou de volta.
Dylan o queria com tanta ferocidade a ponto de quase não conseguir aguentar. Deus, aquilo tudo não fazia sentido algum – esse desejo que ela sentia por um homem que mal conhecia e de quem, por muitas razões, deveria sentir medo. Em vez disso, ela o beijava como se não houvesse amanhã.
Não queria parar de beijá-lo. Ela o envolveu em seus braços e o puxou de volta contra o sofá. Os cabelos sedosos dele acariciavam a palma da mão dela; a boca quente dele buscava a boca de Dylan. E a mão de Rio, ah, a mão de Rio era, ao mesmo tempo, forte e suave enquanto ele a deslizava sob a bainha da blusa de Dylan, acariciando-lhe a pele arrepiada da barriga. E, em seguida, ele acariciou também os seios dela. Dylan se contorcia enquanto era acariciada. Os dedos de Rio provocavam os mamilos dela, transformando-os em botões duros e sensíveis enquanto a língua dele brincava com a boca de Dylan.
– Ah, meu Deus! – ela ofegou, ardendo por Rio.
Ele se ajustou melhor entre as coxas de Dylan, usando os joelhos para abrir-lhe as pernas enquanto sentia sua ereção querer rasgar as próprias roupas. Ela quase teve um orgasmo com aquela deliciosa fricção entre os corpos. Ela ia chegar ao êxtase se ele continuasse com aqueles movimentos deliciosos que não deixavam dúvidas de que tipo de amante ele seria quando eles estivessem nus.
Dylan levantou os pés e cruzou os tornozelos em volta do quadril de Rio, deixando-o ciente de que ela estava disposta a ir até onde ele quisesse levar aquilo. Ela não estava acostumada a se jogar aos pés de um homem – e não conseguia se lembrar da última vez em que havia transado, que dirá, então, da última vez em que tivera um bom sexo – mas Dylan não conseguia pensar em nada que quisesse mais do que fazer amor com Rio. Bem ali. Naquela hora.
Ele sugou o lábio inferior de Dylan entre seus dentes enquanto empurrava seu quadril contra ela. Ela se deleitou com o roçar daquelas presas, com o impulso hipnotizante do corpo grande e rígido daquele homem e com o flexionar dos músculos tensos dele em suas mãos. Ele deslizou sua mão entre as pernas dela. Seus dedos se afundavam na carne úmida e quente. Dylan não conseguiu segurar o gemido que se formava em sua garganta.
– Isso! – ela sussurrou bruscamente conforme um orgasmo tomava conta de seu corpo. – Rio...
Ela sentia espirais girarem dentro de seu corpo enquanto se perdia no prazer que o toque de Rio entre suas pernas lhe provocava. E se agarrou a ele quando sentiu seu coração acelerar com o gozo. Ela escutou o grunhido selvagem de Rio, dando-se conta de que ele tinha deixado de beijá-la para escorregar a boca ao longo de seu pescoço. Ela o envolveu em seus braços enquanto ele roçava contra seu pescoço, enquanto deixava sua língua quente passear por sua pele macia.
O roçar áspero dos dentes de Rio naquele ponto a assustou.
O corpo de Dylan se retesou, embora ela não quisesse temer o que poderia estar por vir. Mas ela não pôde deter a reação instintiva. E Rio se afastou como se ela tivesse gritado com toda a força de seus pulmões.
– Sinto muito – ela sussurrou, estendendo a mão para tocá-lo. Mas ele já não estava mais lá. Já tinha se afastado, já estava a pelo menos um braço de distância do sofá. Dylan se sentou, sentindo-se estranhamente incompleta. – Sinto muito, Rio. Eu não estava segura...
– Não se desculpe – ele resmungou com uma voz áspera. – Madre de Dios, não peça desculpa para mim, por favor. Foi culpa minha, Dylan.
– Não – ela respondeu, desesperada para que ele ficasse com ela, para que ele ficasse dentro dela. – Eu quero, Rio.
– Você não deveria querer – ele retrucou. – E eu não teria sido capaz de parar. – Rio passou a mão por aqueles cabelos escuros, encarando-a com aqueles ardentes olhos âmbar. – Isso teria sido um erro terrível para nós dois – acrescentou ele depois de uma longa pausa. – Ah, merda! Já é um terrível erro.
Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Rio simplesmente deu meia-volta e partiu. Enquanto a porta do quarto se fechava atrás das costas largas daquele homem enorme, Dylan puxava sua blusa de volta para baixo e ajustava os shorts. No silêncio com o qual ele a deixou, ela levou os joelhos até o peito e segurou as canelas. Em seguida, estendeu a mão e apagou a luz do abajur.
Capítulo 19
Rio levantou a pistola nove milímetros e a apontou para o final do campo de tiro do complexo. A arma parecia extremamente estranha em sua mão, apesar de ela lhe pertencer e de ele tê-la carregado por anos, quando ela era extremamente letal.
Antes da explosão do depósito, antes de as feridas terem-no tirado de combate e o jogado em uma cama de hospital, deixando seu corpo e sua mente destruídos.
Antes de a traição de Eva tê-lo cegado, fazendo-o questionar tudo que ele era e poderia vir a ser.
Uma gota de suor desceu pelo lábio de Rio enquanto ele mantinha os olhos no alvo. Seu dedo no gatilho estava trêmulo. Rio usou toda a sua atenção para se concentrar na pequena silhueta impressa no alvo de papel a cerca de vinte metros à frente.
Mas era exatamente para isso que ele tinha ido até ali.
Depois do que havia ocorrido com Dylan alguns minutos atrás, Rio precisava se distrair. Precisava de algo que tomasse toda a sua atenção, que fizesse a temperatura de seu corpo diminuir e voltar ao normal. Algo que, esperançosamente, acabasse com aquela fome carnal que ainda o consumia. Rio desejava Dylan com uma necessidade que ainda pulsava por suas veias em um batimento profundo e primitivo.
Ele ainda podia sentir o corpo delicado daquela mulher movendo-se debaixo do seu, tão suave e acolhedor, respondendo aos toques de forma tão apaixonada. Aceitando-o, mesmo sabendo que eles poderiam fazer parte de uma montagem macabra de A Bela e a Fera. Era uma fantasia da qual ele se permitia participar enquanto beijava Dylan, enquanto a apertava sob seu corpo e se perguntava se a intensa atração que sentia por ela poderia ser mútua. Ninguém era assim tão bom ator. Eva havia afirmado amá-lo uma vez. A traição profunda tinha sido um choque, mas, no fundo de sua mente, Rio sabia que ela não era feliz com ele, não estava, realmente, feliz com o que ele era e com a vida de guerreiro que ele tinha escolhido.
Ela nunca quis que ele se juntasse aos guerreiros. Nunca entendera sua necessidade de fazer algo bom, sua necessidade de ser útil. Mais de uma vez, havia perguntado por que ela não era suficiente para ele. Por que amá-la e fazê-la feliz não poderia ser suficiente? Rio queria as duas coisas, mas até mesmo Eva conseguia enxergar que ele preferia a Ordem.
Rio ainda podia se recordar de uma noite, passeando em um parque da cidade com Eva, tirando fotos dela em uma pequena ponte sobre o rio. Naquela noite, ela lhe dissera o quanto queria que ele deixasse a Ordem e lhe desse um filho. Exigências que ele não poderia – ou melhor, que ele não estava disposto – a cumprir.
“Espere um pouco”, ele lhe pedira. Os guerreiros estavam dando fim a uma pequena onda de ataques dos Renegados na região. E, por conta disso, ele pediu para que ela fosse paciente. Uma vez que as coisas estivessem mais calmas, talvez pudessem pensar em constituir uma família.
Olhando para trás, Rio não tinha mais certeza de que aquelas fossem palavras verdadeiras. Eva não havia acreditado, ele conseguiu ver isso nos olhos dela já naquela época. Madre de Dios, talvez tivesse sido naquele exato momento que ela decidiu tomar o problema para si mesma.
Rio tinha decepcionado Eva e sabia disso. Mas ela havia pagado na mesma moeda. A traição dela o havia rasgado até a alma. Aquela traição o forçou a questionar tudo, incluindo o motivo pelo qual ele devia continuar ocupando um espaço precioso neste mundo.
Quando Dylan o beijou – quando ela o olhou fixamente no rosto e seus olhos transmitiam apenas sinceridade – Rio conseguiu acreditar, pelo menos por um momento, que não era um monstruo digno de pena desperdiçando ar e espaço. Quando olhou nos olhos de Dylan e sentiu a mão macia dela tocando suas cicatrizes, conseguiu acreditar que sua vida parecia valer a pena. E ele era um maldecido egoísta por pensar que tinha algo que oferecer a uma mulher como aquela. Rio já havia destruído a vida de uma mulher, e quase destruíra a sua. Não, ele não estava disposto a arriscar uma segunda vez com a vida de Dylan. Não, mesmo.
Rio estreitou os olhos, voltando sua atenção ao alvo. Então, segurou ainda mais forte na arma, em uma pegada que parecia ferro contra ferro. Apertou o gatilho, sentiu a pancada familiar quando a Beretta descarregou e uma bala saiu em direção ao anel central do alvo.
– É bom ver que você não perdeu o jeito. Continua acertando exatamente no alvo, como sempre fez.
Rio colocou a arma na prateleira diante dele. Quando deu meia-volta, deu de cara com Nikolai, que estava parado atrás dele, com suas costas enormes apoiadas contra a parede. Rio sabia que não estava sozinho ali, ele tinha ouvido Niko e os outros três guerreiros solteiros conversando no extremo oposto do prédio enquanto limpavam suas armas e comentavam sobre sua ronda no clube noturno de humanos.
– Como foi a caça lá em cima?
Niko deu de ombros.
– Como de costume.
– Belas garotas, sem bom senso o suficiente para correr quando veem vocês chegar? – perguntou Rio, tentando quebrar o gelo presente entre eles desde sua chegada ao complexo.
Para seu alívio, Niko sorriu.
– Não há nada de errado em relaxar e ser fácil quando o assunto é mulheres, cara. Acho que, na próxima vez, você deveria vir com a gente. Posso descolar algo doce e sacana para você. – O par de covinhas que ele tinha nas bochechas ficava cada vez mais evidente. – Se não estiver planejando se acabar ou algo assim enquanto isso. Idiota. Burro.
Niko não disse as palavras com tom de ofensa. Elas eram apenas resultado do tom solene de um amigo preocupado com o outro.
– Pode deixar que eu aviso – disse Rio. E, julgando pelo olhar estreitado de Nikolai, ele tinha entendido que ele não estava falando sobre a perspectiva de ter um pouco de ação lá em cima.
A voz de Niko se tornou baixa, adotando um tom de confidencialidade:
– Você não pode deixá-la ganhar, sabe disso, não é cara? Porque isso é sinônimo de se entregar. Sim, ela ferrou a sua vida, e não estou dizendo que precise perdoar e esquecer porque, francamente, eu não acredito que eu conseguiria fazer isso se estivesse no seu lugar. Mas você ainda está aqui. Então, ela que se dane! – disse Niko com veemência. – Eva que se dane! E que se dane a bomba que ela explodiu naquele depósito. Porque você, meu amigo, você está aqui.
Rio esboçou um sorriso, mas apenas um som fraco passou por sua garganta apertada. Tentou esconder o desconforto, sentindo-se extremamente desajeitado ao perceber que alguém se importava com ele.
– Caramba, cara. Quantos programas da Oprah você tem assistido desde que eu parti? Porque, vindo de você, isso é realmente comovente.
Niko riu.
– Pensando bem, esqueça toda essa porcaria que acabei de dizer. Você que se dane, também.
Rio caiu na risada. A primeira risada sincera que saiu de sua boca em... Jesus, algo em torno de um ano inteiro!
– Ei, Niko. – Kade veio caminhando do outro lado da instalação, os cabelos negros espetados e os olhos acinzentados lhe davam um ar deliciosamente selvagem que o deixava parecido com um lobo. – Preciso interromper: esta noite, se nos encontrarmos com aquele outro Renegado fora do Refúgio Secreto, não se esqueça de que você prometeu que ele é meu.
– Se eu não pegar o desgraçado primeiro. – Brock apareceu, saindo de trás do outro guerreiro e sorrindo enquanto, em tom de brincadeira, colocava a ponta de uma enorme adaga sob o queixo de Kade.
A risada agradável de Brock ecoou, mas era possível perceber que o guerreiro que a Ordem tinha recrutado em Detroit era tão sombrio e duro quanto a própria Morte durante os combates. Brock soltou Kade, e os dois continuaram discutindo sobre como caçar os Renegados enquanto saíam da sala de armas e seguiam para seus próprios quartos, em áreas separadas do complexo.
Chase foi o último a chegar, vindo do fundo da instalação. Sua camiseta preta tinha um enorme rasgo na frente, como se alguém tivesse tentado tirar um pedaço dele. A julgar pela cor de saciedade dos dermoglifos e pelo ar calmo em seus olhos normalmente agressivos, parecia que ele tinha se saciado com o que as garotas da discoteca lhe ofereceram.
Chase inclinou ligeiramente a cabeça para saudar Rio. Em seguida, disse a Nikolai:
– Se receber mais alguma notícia de Seattle, por favor me avise. Estou curioso para saber por que uma matança daquela natureza ainda não foi reconhecida por nenhuma Agência.
– Sim – disse Niko. – Eu também queria saber isso.
Rio franziu a sobrancelha:
– Quem apareceu morto em Seattle?
– Um dos membros mais antigos do Refúgio Secreto de lá – explicou Niko. – Um cara que, por sinal, era da Primeira Geração.
Os pelos da nuca de Rio se arrepiaram, um claro sinal de que ele estava preocupado com aquela notícia.
– Como ele foi morto?
O olhar de Nikolai era pesado:
– Uma bala no cérebro. À queima roupa.
– Onde?
– Em geral, o cérebro se encontra na região da cabeça – ironizou Chase, arrastando as palavras. Ele mantinha os braços cruzados.
Rio lançou um olhar estreitado na direção de Chase.
– Obrigado pela aula de anatomia, Harvard. Mas eu estava falando sobre onde estava este Primeira Geração quando o mataram.
O olhar de Niko encontrou os olhos sóbrios de Rio.
– Ele levou um tiro no banco traseiro da limusine que era dirigida por um chofer. Meu contato disse que ele estava voltando de uma ópera, de um balé, ou alguma coisa assim. E que, enquanto esperava em um semáforo, alguém explodiu sua cabeça e desapareceu, antes mesmo que o motorista entendesse o que havia acontecido. Por quê?
Rio deu de ombros, mas disse:
– Talvez não seja nada, mas, quando eu estava em Berlim, Andreas Reichen me contou da morte de um Primeira Geração que aconteceu recentemente lá. Só que este homem do Refúgio Secreto foi morto em um clube de sangue.
– Esses clubes “esportivos” privados foram proibidos há décadas – comentou Chase.
– Claro – concordou Rio, cheio de sarcasmo, já que o ex-agente de Refúgio Secreto tinha a intenção de ser inconveniente. – Agora eles imprimem os convites em tinta invisível e você precisa de um anel decodificador para passar pela porta.
– O mesmo modus operandi no Primeira Geração de Berlim? – perguntou Niko.
– Não. Nenhuma ferida causada por bala. Segundo as fontes de Reichen, este amante dos esportes acabou perdendo a cabeça.
Niko expirou lentamente.
– Esses são dois dos três principais métodos para se matar um vampiro da Primeira Geração da Raça. O terceiro modo é a exposição a raios ultravioletas e, convenhamos, esse é o meio menos eficaz. A não ser que você tenha dez ou quinze minutos livres para dedicar ao trabalho.
– Os dois assassinatos poderiam estar relacionados – supôs Rio, sem saber se seus instintos eram dignos de confiança. Mas, droga! Os sinos de aviso soavam em sua cabeça como os da torre de uma catedral num domingo de Páscoa.
– Há algo errado – disse Chase, finalmente ligando os pontos. – Eu também não gosto nada disso. Dois Primeira Geração mortos em questão de... uma semana? E os dois casos cheirando a execução?
– Nós não sabemos se foram execuções – advertiu Niko. – Vamos lá. Pensem nas probabilidades. Se você vive durante mil anos, ou algo assim, necessariamente irá deixar alguém furioso. Alguém que poderia querer atentar contra você em sua limusine, ou cortar sua cabeça em um clube de sangue.
– E os Refúgios Secretos não querem que nenhum dos assassinatos seja divulgado? – questionou Rio.
As sobrancelhas acobreadas de Chase apertaram-se bruscamente.
– Berlim também mantém tudo em segredo?
– Sim. Reichen disse que eles estão mantendo o caso em segredo para evitar um escândalo. Não é bom para ninguém saber que um pilar de sua comunidade foi derrubado em um clube esportivo cheio de humanos ensanguentados e mortos.
– Não. Não é nada bom – concordou Chase. – Mas dois Primeira Geração mortos é um golpe bastante pesado para toda a nação de vampiros. Não deve haver mais do que vinte indivíduos de Primeira Geração ainda vivos entre a população inteira, incluindo Lucan e Tegan. Se eles se forem, poderão surgir problemas.
Nikolai assentiu:
– Isso é verdade. E acho que não podemos fazer nada.
Rio sentiu um pensamento frio tomar conta de sua mente:
– Não. A menos que tenhamos um Antigo vivo, uma Companheira de Raça e algo como vinte anos de vantagem.
Os guerreiros o olharam com expressão preocupada.
Niko passou uma das mãos por seu cabelo loiro.
– Ah, droga! Você não acha que...
– Eu quero muito estar errado – disse Rio. – Mas é melhor acordarmos Lucan.
Capítulo 20
Ficar sozinha depois de Rio ter partido deixou Dylan bastante inquieta. Sua mente estava girando e girando e suas emoções estavam agitadas. E ela não podia evitar pensar em sua vida anterior em Nova York. A mulher tinha de fazer sua mãe saber que ela finalmente estava bem.
Dylan acendeu a lâmpada de um abajur e pegou seu celular. Ela praticamente tinha se esquecido da existência do aparelho desde que chegara ali, pois o havia tirado do bolso da calça cargo e escondido debaixo do colchão da cama de Rio, pronto para ser alcançado tão logo fosse seguro.
Ela ligou o aparelho, fazendo o possível para abafar o som que ele emitia conforme voltava à vida. Era um milagre ainda haver bateria, mesmo que o mínimo. Uma barra era melhor do que nada, pensou Dylan.
O visor mostrou que havia algumas mensagens de voz na caixa postal.
Ela finalmente tinha o serviço de volta.
Ah, graças a Deus!
O número para retornar a chamada na primeira mensagem era de Nova York – mais especificamente, do escritório de Coleman Hogg. Dylan ouviu a mensagem e não se surpreendeu ao ouvir o homem estar cuspindo fogo pelas ventas, descrevendo – rudemente – a má educação de Dylan pelo fato de ela ter deixado o fotógrafo freelance, que ele havia contratado, esperando em Praga.
A mulher saltou o resto do sermão de Hogg e passou para a próxima mensagem. Tinha sido recebida dias atrás e era de sua mãe, querendo saber notícias, dizendo que a amava e que esperava que a filha estivesse aproveitando a viagem. Sua voz soava cansada, o que deixou o coração de Dylan apertado.
Havia, ainda, outra mensagem de seu chefe. Dessa vez, ele parecia ainda mais zangado e dizia que descontaria do salário da jornalista o pagamento do fotógrafo, e que considerava o e-mail que ela tinha mandado, dizendo que tiraria umas férias, como um pedido de demissão. Dylan, portanto, estava desempregada.
– Ótimo – ela murmurou em voz baixa, enquanto passava para a mensagem seguinte.
Ela não podia ficar nervosa ou chateada com a perda do emprego, mas a falta de um salário logo seria sentida. A menos que Dylan encontrasse algo melhor, algo maior. Algo monumental, na verdade. Algo com dentes de verdade... ou com presas, como de fato eram.
– Não – disse rispidamente antes mesmo que a ideia terminasse de se formar em sua cabeça.
Ela não poderia de forma alguma levar aquela história toda a público, ainda. Não naquele momento, quando ainda havia muitas perguntas sem respostas – e, principalmente, não naquele momento, quando ela mesma tinha se tornado parte daquela história, por mais bizarro que fosse pensar naquilo tudo e na forma que aquilo ganhava.
E ainda havia Rio.
Se houvesse uma razão para Dylan proteger o que tinha descoberto sobre a existência de outras espécies além do ser humano, essa razão era Rio. E Dylan não queria traí-lo ou colocá-lo em qualquer situação de risco, especialmente agora que ela estava começando a conhecê-lo melhor, agora que ela estava começando a se preocupar com ele, por mais perigoso que isso pudesse ser.
O que acontecera entre eles há pouco mexeu com ela profundamente. O beijo fora maravilhoso. A sensação do corpo de Rio pressionado tão intimamente contra o seu tinha sido a coisa mais sensual que Dylan já provara. E a sensação dos dentes dele – das presas dele – pastoreando a frágil pele de seu pescoço tinha sido tão aterrorizante quanto erótica. Será que ele realmente a teria mordido? E se tivesse, o que aconteceria com ela?
Baseada no quão rápido Rio havia abandonado o quarto, Dylan não esperava ter essas respostas. E aquilo não deveria deixá-la tão mal.
O que ela precisava fazer era sair daquele lugar – fosse ele qual fosse – e voltar para sua vida. Dylan precisava voltar para sua mãe, que provavelmente estava ficando louca de preocupação agora que já havia três dias que a filha não entrava em contato.
As três chamadas seguintes eram do abrigo de sua mãe e todas tinham sido recebidas na noite anterior. Não havia mensagens, mas a proximidade das ligações indicava a urgência do assunto. Dylan pressionou o botão de discagem rápida para a casa de Sharon e esperou enquanto o telefone chamava sem resposta do outro lado da linha. O celular também não foi atendido. Com o coração não mão, marcou o número que havia registrado em seu telefone e ligou. Janet atendeu:
– Bom dia. Escritório de Sharon Alexander.
– Janet, olá. Sou eu, Dylan.
– Jesus Cristo, Dylan. O que você está fazendo? Onde você está? – as perguntas soaram estranhamente preocupadas, como se Janet, de alguma forma, já soubesse – ou pensasse que soubesse – que Dylan provavelmente não estava tendo um dia bom. – Você está no hospital?
– O quê? Não, não... – O estômago de Dylan se retorceu. – O que aconteceu? É minha mãe? O que houve?
– Ela se sentiu um pouco cansada depois do cruzeiro, e ontem ela desmaiou aqui. Dylan, querida, ela não está muito bem. Nós a levamos para o hospital e eles a internaram.
– Deus... – Todo o corpo de Dylan ficou adormecido, paralisado no lugar. – Ela teve uma recaída?
– Eles acreditam que sim. – A voz de Janet era a mais tranquila que podia ser em uma situação como aquela. – Sinto muito, querida.
Lucan não estava feliz por ter sido tirado da cama com Gabrielle no meio do dia, mas assim que ouviu o motivo da interrupção de seu sono, o líder da Ordem ficou imediatamente atento. Ele vestiu um par de jeans escuros e uma camisa de seda desabotoada e saiu no corredor, onde Rio, Nikolai e Chase o esperavam.
– Vamos precisar de Gideon – disse Lucan, enquanto pegava o celular e discava para o outro guerreiro. Ele murmurou uma saudação apressada e um rápido pedido de desculpas e imediatamente deu a Gideon a notícia que Rio e os outros tinham acabado de compartilhar. Enquanto os quatro se dirigiam pelo corredor para o laboratório tecnológico, o centro de comando pessoal de Gideon, Lucan terminou a conversa e desligou o telefone. – Ele está a caminho – disse. – Sinceramente, espero que você esteja errado quanto a isso, Rio.
– Eu também – respondeu Rio, tão nervoso quanto qualquer um à simples consideração daquilo.
Não demorou nem dois minutos para Gideon se juntar à improvisada reunião. Ele apareceu no laboratório usando uma calça de moletom cinza, uma camiseta branca que marcava seus músculos e um par de tênis com os cadarços desamarrados que demonstravam que ele tinha enfiado os pés ali e saído correndo. Ele atirou-se na cadeira giratória diante de seu computador e começou a abrir programas e mais programas em várias telas.
– Certo, estamos enviando sondas espiãs para todas as agências de notícias e para o Banco Internacional de Dados – ele disse, olhando para os monitores enquanto os dados lentamente começavam a preencher as telas. – Humm. Isso é estranho. Você disse que um dos dois mortos da Primeira Geração está fora de Seattle?
Nikolai confirmou.
– Bem, não de acordo com isso. As informações sobre Seattle não retornaram resultados. Não há relatos de mortes recentes por lá. Tampouco há relatos de um Primeira Geração naquela população, embora isso seja relativo. O Banco Internacional de Dados só foi implantado há algumas décadas, portanto, de forma alguma é completo. Temos poucos membros antigos da Raça catalogados, mas a maioria dos vinte e poucos Primeira Geração que ainda respiram tendem a proteger sua privacidade. Há rumores de que alguns deles são verdadeiros ermitões que não se aproximam de um Refúgio há mais de um século. Suponho que eles acreditem ter ganhado alguma autonomia depois de mais de mil anos de vida. Não é isso, Lucan?
Lucan, que tinha por volta de novecentos anos e também não aparecia no Banco Internacional de Dados, apenas grunhiu como resposta enquanto seus olhos acinzentados se estreitavam sobre os monitores do computador.
– E quanto à Europa? Há algo sobre o Primeira Geração que Reichen mencionou?
Gideon digitou uma rápida sequência em seu teclado e entrou em outro software de segurança como se aquilo tudo fosse um vídeo game.
– Merda. Não, não aparece nada. Eu tenho que dizer uma coisa, cara, esse silêncio é tenebroso.
Rio concordava:
– Então, se ninguém está relatando mortes de integrantes da Primeira Geração, deveria haver pelo menos mais do que os dois que conhecemos até agora.
– Há algo que precisamos descobrir – disse Lucan. – Quantos Primeira Geração estão registrados no Banco Internacional de Dados, Gideon?
O guerreiro fez uma rápida busca.
– Sete, entre os Estados Unidos e a Europa. Vou mandar a relação de nomes e Refúgios para a impressora agora.
Quando a única página saiu da impressão, Gideon a agarrou e a estendeu para Lucan. O guerreiro líder a observou:
– A maioria desses nomes me é familiar. Conheço dois ou três outros que não estão listados. Tegan provavelmente conhecerá outros. – Ele colocou a lista na mesa de reunião de modo que Rio e os outros pudessem vê-la. – Algum nome de um Primeira Geração que vocês sintam falta nessa lista?
Rio e Chase balançaram a cabeça negativamente.
– Sergei Yakut – murmurou Niko. – Eu o vi uma vez na Sibéria quando eu era um garoto. Ele foi o primeiro Primeira Geração que eu conheci – caramba, o único, até eu vir para Boston e conhecer Lucan e Tegan. O nome dele não está na lista.
– Você acha que conseguiria encontrá-lo se fosse necessário? – perguntou Lucan. – Presumindo que ele ainda esteja vivo, eu quero dizer.
Nikolai riu.
– Sergei Yakut é um mesquinho filho da mãe. Mesquinho demais para morrer. Posso apostar que ainda está vivo e sim, acredito que eu poderia encontrá-lo.
– Ótimo – disse Lucan, com expressão fechada. – Quero que faça isso o mais rápido possível. Para o caso de estarmos lidando com uma situação potencial de um assassino em série, precisamos conseguir os nomes e as localizações de todos os Primeira Geração que existem.
– Tenho certeza de que a Agência sabe pouco mais do que nós aqui – completou Chase. – Eu ainda tenho um ou dois amigos lá. Provavelmente alguém saiba de algo ou possa indicar alguém que saiba.
Lucan balançou a cabeça.
– Sim. Veja isso, então. Mas estou certo de que não preciso lhe dizer para manter todas as suas cartas na manga quando estiver lidando com eles. Você pode ter alguns amigos na Agência, Harvard, mas a Ordem certamente não tem. E, sem querer ofender, confio neles até o momento de poder chutar-lhes o traseiro.
Lucan lançou um olhar sério para Rio.
– E quanto aos outros prováveis problemas que você trouxe, aquele Antigo que pode ter voltado à vida e estar sendo usado para a criação de uma nova linhagem de vampiros de Primeira Geração? – Ele balançou novamente a cabeça, completando conforme deixava escapar pelos lábios bem desenhados uma maldição. – É um cenário de pesadelo, meu amigo. Mas pode muito bem ser verdade.
– Se for – disse Rio –, então é melhor nós esperarmos, que conseguiremos controlar isso logo. E estamos décadas atrás do filho da mãe.
Ao terminar de dizer isso, Rio se deu conta de que estava usando nós para se referir aos guerreiros e seus objetivos. Ele estava se incluindo novamente na Ordem. Mais do que isso, ele estava começando, de fato, a se sentir parte de toda a coisa novamente – uma parte ativa, um membro importante – enquanto estava ali com Lucan e com os outros, fazendo planos, considerando estratégias. E ele se sentia bem, aliás.
Talvez ainda pudesse haver um lugar para ele ali afinal de contas. Ele esteve confuso e cometeu alguns erros, mas talvez pudesse voltar a ser o que era antes.
Rio ainda estava degustando aquela esperança que lhe acometera subitamente quando um leve bip começou a apitar em uma das estações que Gideon estava monitorando. O guerreiro empurrou a cadeira até o computador, franzindo a sobrancelha.
– O que é isso? – perguntou Lucan.
– Estou captando um sinal de um celular ligado aqui no complexo. E não é um dos nossos – respondeu antes de lançar o olhar para Rio. – Está vindo do seu quarto – completou.
Dylan.
– Merda – chiou Rio, conforme a ira tomava conta de seu corpo. – Ela disse que não tinha nenhum celular.
Maldição. Dylan mentira para ele.
E se ele estivesse preocupado com a situação toda como deveria estar, teria revistado todo o corpo dela – da cabeça às pontas dos pés.
Uma jornalista em posse de um telefone. Pelo que ele sabia, ela poderia estar sentada em seu quarto nesse exato momento contando tudo o que tinha visto e ouvido para a CNN – expondo a Raça aos humanos e fazendo isso debaixo do seu nariz.
– Não havia nada em sua mochila que indicava que ela tinha um celular – murmurou Rio, uma desculpa esfarrapada e esdrúxula, ele sabia. – Merda! Eu devia tê-la revistado.
Gideon digitou algo em um de seus vários painéis.
– Posso arrumar uma interferência, cortar o sinal – disse.
– Então faça – disse Lucan. Depois, virou-se para Rio:
– Temos alguns fios soltos que precisamos cortar, meu amigo. Incluindo aquele que está em seu quarto.
– Sim – disse Rio, sabendo que Lucan estava certo. Dylan tinha de tomar uma decisão e o tempo estava se tornando crucial agora que a Ordem tinha outros problemas com os quais lidar.
Lucan pousou a mão no ombro largo de Rio.
– Acredito que está na hora de eu conhecer Dylan Alexander pessoalmente.
– Janet...? Alô? Eu não consegui o número do quarto de minha mãe. Alô...? Janet...? Você está me ouvindo? Ainda está aí?
Dylan afastou o celular da orelha e olhou para o visor. Sem sinal.
– Merda.
Ela segurou o aparelho na altura de sua cabeça e começou a caminhar pelo quarto, procurando por um ponto em que pudesse conseguir algum sinal. Nada. A porcaria tinha morrido no meio de sua ligação, cortando a conversa, apesar de a bateria não estar completamente descarregada.
Dylan sequer podia pensar direito. Ela estava muito agitada. Sua mãe, no hospital? Uma recaída? Jesus Cristo!
A mulher por pouco resistiu à vontade de atirar o aparelho contra a parede mais próxima.
– Merda!
Freneticamente, ela caminhava para a outra sala para tentar completar outra ligação e quase desmaiou de susto quando a porta do quarto foi arregaçada por uma força que mais parecia um vendaval do lado de fora. Era Rio.
E ele estava zangado.
– Me dê isso, Dylan. – Seus brilhantes olhos cor de âmbar e suas presas salientes deram um nó no estômago de Dylan. Ela estava com medo, mas também estava zangada, estava arrasada com a recaída da mãe. Ela precisava vê-la. Precisava sair daquela irrealidade em que tinha sido jogada desde que fora raptada na Europa e voltar para as coisas que realmente importavam.
Jesus Cristo, ela pensou, quase à beira de ceder completamente. Sua mãe estava novamente mal, e sozinha em algum quarto de hospital perdido na cidade. Dylan precisava estar lá, com ela.
Rio entrou no quarto.
– O telefone, Dylan. Me dê a porcaria do telefone. Agora.
Foi então que ela percebeu que Rio não estava sozinho. De pé, atrás dele, no corredor, havia um homem enorme – media, facilmente, dois metros de altura, e tinha cabelos negros e olhos ameaçadores que desmentiam sua calma aparente. Ele permaneceu parado conforme Rio caminhava na direção de Dylan.
– Vocês fizeram alguma coisa com meu telefone? – ela perguntou com veemência, bastante aterrorizada com Rio e com aquela nova ameaça, mas também bastante preocupada com a mãe para ter tempo de pensar no que aconteceria (ou poderia acontecer) no segundo seguinte. – O que vocês fizeram para ele parar de funcionar? Diga! Que diabos vocês fizeram?
– Você mentiu para mim, Dylan!
– E você me sequestrou! – Ela odiava as lágrimas que subitamente começaram a correr pelas aquecidas maçãs de seu rosto. Ela as odiava quase tanto odiava seu cativeiro, o câncer e a dor gelada que começava a latejar em seu peito desde que ligara para o abrigo e soubera das notícias.
Rio estendeu a mão conforme caminhara em direção a ela. O homem no corredor também entrou. Sem perguntar qualquer coisa, Dylan sabia que ele também era um vampiro, um guerreiro da Raça como Rio. Os olhos cinza dele pareciam penetrá-la como lâminas afiadíssimas, e, como um animal sente um predador pelo vento, Dylan sentia que, onde Rio era perigoso, aquele outro homem era exponencialmente mais perigoso e mais forte. Mais forte e mais letal, apesar de sua aparência jovem.
– Para quem você estava ligando? – perguntou Rio.
Ela não diria. Agarrou o fino celular com toda a – pouca – força que tinha no pulso, protegendo-o, mas, naquele momento, sentia uma energia empurrando seus dedos, forçando-os a se abrirem. Dylan não conseguia mantê-los fechados, por mais que tentasse, e apenas pôde ofegar enquanto o aparelho voava para fora de sua mão e pousava sobre a palma aberta do vampiro que estava com Rio.
– Há algumas mensagens aqui de um jornal – ele anunciou sombriamente. – E várias chamadas de outros números de Nova York. A casa de uma tal de Sharon Alexander, o celular dessa mesma pessoa e uma chamada com um número restrito em Manhattan. Essa foi a que cortamos.
Rio xingou.
– Você falou para alguém alguma coisa sobre nós ou sobre o que você viu aqui?
– Não! – ela insistiu. – Eu não falei. Juro. Eu não sou uma ameaça para vocês.
– Há o problema das fotografias que destruímos e do artigo que você enviou para seu chefe. – O homem sombrio a lembrou, da mesma forma como você lembra um condenado o motivo de ele estar sendo mandado para a câmara de gás.
– Vocês não precisam se preocupar com isso – ela disse, ignorando o riso sarcástico de Rio conforme ela falava. – A mensagem do jornal era meu chefe me comunicando que eu estava demitida. Bem, tecnicamente foi uma demissão involuntária, pelo fato de eu não ter aparecido no encontro com o fotógrafo em Praga porque estava ocupada sendo sequestrada.
– Você foi demitida? – perguntou Rio, franzindo a sobrancelha.
Dylan deu de ombros.
– Pouco importa. Mas duvido que a essa altura meu chefe vá usar qualquer uma das fotos ou uma linha sequer da história que eu mandei para ele.
– Isso já não nos preocupa – o homem sombrio a olhou como se estivesse medindo sua reação. – Nesse momento, o vírus que enviamos para ele deve ter varrido todos os computadores do escritório. Seu chefe – ex-chefe – vai passar o resto da semana tentando reparar os estragos.
Dylan realmente não queria se sentir contente com aquilo, mas a imagem de Coleman Hogg diante das máquinas arruinadas ocupava um lugar brilhante em sua cabeça agora.
– O mesmo vírus foi enviado para todos para quem você enviou as fotos – o enorme homem informou. – Isso cuida para que nenhuma prova venha a ser exposta, mas ainda temos de cuidar do fato de muitas pessoas estarem andando por aí de posse de informações que não podemos permitir que elas tenham. Informações que elas podem, consciente ou inconscientemente, passar adiante. De modo que precisamos eliminar os riscos.
Um frio acometeu subitamente o estômago de Dylan.
– O que você quer dizer com eliminar os riscos?
– Você precisa tomar uma decisão, senhorita Alexander. Hoje à noite, você será levada para um dos Refúgios e ficará sob a proteção da Raça ou será enviada de volta para sua casa em Nova York.
– Preciso ir para casa – ela disse. Não havia decisão alguma a ser tomada. Dylan olhou para Rio e encontrou-o olhando fixamente de volta para ela, com uma expressão indecifrável. – Preciso voltar para Nova York imediatamente. Quer dizer que sou livre para ir embora?
Aquele severo olhar cinza voltou-se para Rio, em silêncio.
– Esta noite, você levará a senhorita Alexander para a casa dela em Nova York. Quero que cuide disso. Niko e Kade podem se ocupar dos outros com os quais ela teve contato.
– Não! – gritou Dylan. O frio em seu estômago converteu-se imediatamente em um medo glacial. – Ah, meu Deus! Não, diga-lhe que não faça isso... Rio...
– Fim da discussão – disse o homem, dirigindo sua atenção a Rio e ignorando completamente o desespero de Dylan. – Vocês partem ao anoitecer.
Rio assentiu solenemente, aceitando as ordens como se elas lhe causassem absolutamente nada. Como se tivesse feito aquilo uma centena de vezes.
– A partir dessa noite, Rio, não deixe mais fios soltos. – Os olhos gelados do homem deslizaram mordazmente para Dylan antes de voltarem para Rio. – Nenhum.
Enquanto seu aterrorizante amigo saía, Dylan virou-se agitada para Rio.
– O que ele quis dizer com eliminar os riscos? Não deixar mais fios soltos?
Rio a olhou com o cenho franzido. Havia acusação naquele penetrante olhar topázio, uma mordaz frieza e muito pouco do homem tenro e ferido que ela havia beijado naquele mesmo quarto pouco tempo antes. Dylan sentiu frio sob a rajada daquele olhar duro e era como se olhasse para um estranho.
– Não vou deixar que seus amigos façam mal a ninguém – ela disse, desejando que sua voz não soasse tão débil. – Não vou deixar que eles os matem!
– Ninguém vai morrer, Dylan. – O tom de Rio era calmo e tão distante que era quase reconfortante. – Vamos apagar das memórias deles o que eles viram nas fotografias, e de tudo o que você possa ter dito sobre a caverna, a cripta ou a Raça. Não vamos feri-los, mas precisamos limpar as mentes deles de qualquer lembrança que possam ter das coisas.
– Mas como? Eu não entendo...
– Você não precisa entender – disse calmamente.
– Porque eu também não vou me lembrar de nada, é isso o que você quer dizer?
Ele a olhou por um longo momento, em silêncio. Ela procurou em seu rosto alguma pista de emoção além daquela petrificada que ele estampava naquele momento. Nada. Tudo o que Dylan via era um homem completamente preparado para a tarefa que lhe havia sido conferida, um guerreiro comprometido com sua missão. E nem aquela ternura que ela vira nele antes ou tampouco a necessidade que ela achava que ele sentia por ela o impediriam de fazer o que tinha de ser feito. Nada. Ela era uma prisioneira à sua mercê. Um inconveniente problema que ele pretendia eliminar.
As sobrancelhas de Rio se juntaram ligeiramente enquanto ele balançava a cabeça de forma vaga.
– Esta noite você vai para casa, Dylan Alexander.
Ela deveria estar feliz ao ouvir aquilo – deveria estar aliviada, pelo menos – mas Dylan se sentia estranhamente desolada enquanto assistia o enorme corpo de Rio deixar o quarto e fechar a porta atrás de suas costas largas.
Capítulo 21
Ele voltou depois de algumas horas e lhe disse que era hora de partir. Dylan não se surpreendeu com o fato de sua próxima memória consciente ter sido acordar no banco traseiro de um SUV escuro enquanto Rio estacionava na calçada em frente ao prédio onde ela vivia, no Brooklyn. Enquanto ela se sentava, sonolenta, Rio a olhou nos olhos pelo retrovisor. Dylan franziu a testa.
– Você me fez apagar outra vez.
– Pela última vez – ele respondeu em voz baixa, como se estivesse se desculpando.
Em seguida, Rio desligou o motor e abriu a porta do lado do motorista. Estava sozinho ali na frente. Não havia sinal dos outros que deviam acompanhá-los – dos que tinham recebido ordens para cuidar das outras pendências enquanto Rio cuidava pessoalmente dela.
Deus, pensar que sua mãe estaria em contato com aqueles seres perigosos com quem Rio andava a fez estremecer de ansiedade. Sua mãe já estava enfrentando problemas suficientes. Dylan não queria que ela sequer passasse perto dessa nova e obscura realidade.
Dylan se perguntava de quanto tempo Rio precisaria para pegá-la se ela tentasse fugir do SUV. Se ela conseguisse uma vantagem suficientemente grande, talvez conseguisse chegar à estação de metrô em Midtown, onde ficava o hospital. Mas quem ela estava tentando enganar? Rio a tinha seguido de Jicín até Praga. Encontrá-la em Manhattan podia ser um desafio para ele... Um desafio que duraria aproximadamente trinta segundos.
Mas, diabos! Ela precisava ver sua mãe. Precisava estar com ela, ao lado da cama dela, e ver seu rosto para poder ter certeza de que estava bem.
Por favor, Senhor, faça com que ela esteja bem.
– Pensei que você teria companhia nesta viagem – disse Dylan, com a esperança de que algum milagre tivesse provocado uma mudança de planos e que, por conta disso, os amigos de Rio tivessem ficado para trás. – O que aconteceu com os outros caras que viriam com você?
– Eu os deixei na cidade. Eles não precisam estar aqui com a gente. Eles vão entrar em contato comigo quando terminarem.
– Quando terminarem de aterrorizar um grupo de pessoas inocentes, você quer dizer? Como você pode ter certeza de que seus colegas vampiros não vão decidir aceitar uma pequena doação de sangue com as lembranças que vão roubar?
– Eles têm uma missão específica, e vão se limitar a ela.
Dylan olhou nos olhos topázio esfumaçados que a encaravam pelo espelho.
– Exatamente como você, certo?
– Exatamente como eu. – Rio saiu do veículo e foi até a porta de trás para pegar a mochila e a bolsa lateral no assento ao lado dela. – Vamos, Dylan. Não temos muito tempo para terminar com tudo isso. – Quando ela não se moveu, Rio se aproximou e a surpreendeu com uma carícia suave na bochecha. – Vamos. Vamos entrar agora. Tudo vai ficar bem.
Ela deixou o banco de couro e subiu as escadas de concreto enquanto Rio ainda estava na entrada do edifício. Rio tirou as chaves da bolsa e passou-as para ela. Dylan abriu a fechadura e entrou no prédio, dentro do hall do saguão azul, que agora fedia a mofo, sentindo-se como se estivesse fora de casa por dez anos.
– Meu apartamento fica no segundo andar – ela murmurou, mas Rio provavelmente já sabia. Ele caminhava logo atrás dela enquanto os dois subiam as escadas até o apartamento no final de um corredor de uso comum.
Dylan destrancou a porta e Rio entrou antes dela, mantendo-a atrás dele como se estivesse acostumado a entrar em lugares perigosos – como se estivesse acostumado a fazer isso na linha de frente. Ele era um guerreiro, não havia dúvida alguma. Se fosse o caso de seu comportamento cauteloso e de seu imenso tamanho não confirmarem esse fato, a enorme arma que ele escondia no cinto de suas calças cargo pretas certamente o faziam. Ela o observou enquanto ele averiguava o local. Então, Rio parou ao lado da estação de trabalho com um computador, próximo a um canto do apartamento.
– Eu vou encontrar neste computador alguma coisa que não deveria estar aqui? – ele perguntou enquanto ligava o monitor, que se acendeu com uma luz azul clara.
– Esse computador é velho. Eu quase não o uso.
– Você não vai se importar se eu verificar – disse Rio. E aquilo não era uma pergunta, pois ele já estava abrindo e verificando o conteúdo do disco rígido. Ele não encontraria nada além de alguns dos primeiros artigos escritos por ela e algumas mensagens antigas.
– Vocês têm muitos amigos? – perguntou Dylan, posicionando-se atrás dele.
– Temos uma quantidade suficiente.
– Eu não sou um deles, você sabe – ela acendeu a luz, mais para ela mesma do que para Rio, já que ele obviamente não se importava com a escuridão. – Não vou espalhar o que você me disse, nem o que vi nesses últimos dias. Nem uma palavra, eu juro. E não é porque você vai tirar essas lembranças de mim. Eu manteria seu segredo, Rio. Só quero que você saiba disso.
– Não é tão simples assim – disse ele, agora de frente para ela. – O segredo não estaria seguro. Nem para você, nem para nós. Nosso mundo se protege, mas perigos existem, e nós não podemos estar em todas as partes. Deixar alguém fora da nação dos vampiros ter informações a nosso respeito poderia ser catastrófico. De vez em quando isso acontece, mas não é aconselhável. A verdade já foi confiada a um humano aqui ou acolá, mas algo desse tipo é extremamente raro. E eu nunca vi as coisas darem certo no final. Alguém sempre sai ferido.
– Eu sei me cuidar.
Rio deu uma leve risada, embora não houvesse humor algum em seu gesto.
– Não tenho dúvida de que você saiba. Mas isso é algo diferente, Dylan. Você não é apenas uma humana. Você é uma Companheira de Raça, e isso sempre vai significar que você é diferente. Você pode se ligar a um homem da minha espécie por meio do sangue, e vocês podem viver para sempre. Bem, algo muito parecido com para sempre.
– Você quer dizer como Tess e seu companheiro?
Rio assentiu.
– Como eles, sim. Mas para ser parte do mundo da Raça, você teria de cortar seus laços com o mundo humano. Teria de deixá-los para trás.
– Não posso fazer isso – disse ela. Seu cérebro automaticamente repelia a ideia de deixar a mãe. – Minha família está aqui.
– A Raça também é sua família. Eles cuidariam de você como uma família, Dylan. Você poderia começar uma vida muito agradável no Refúgio Secreto.
Ela não pôde deixar de notar que ele estava falando de tudo aquilo a uma cômoda distância, mantendo-se totalmente fora da equação. Uma parte dela se perguntava se seria tão fácil recusar o convite se ele estivesse pedindo pessoalmente para entrar no mundo dele.
Mas ele não estava, de forma alguma, fazendo isso. E a escolha de Dylan, fácil ou não, teria sido a mesma, independentemente do que Rio lhe oferecesse.
Negando com a cabeça, ela disse:
– Minha vida está aqui, com minha mãe. Ela sempre esteve ao meu lado e não posso deixá-la. Eu jamais faria isso. Nem agora, nem nunca.
E Dylan precisava achar uma maneira de se encontrar logo com sua mãe, ela pensou, resistindo constantemente a Rio, que media cada centímetro de seu corpo com os olhos. Ela não queria esperar até ele decidir apagar sua memória agora que ela tinha optado por deixar o mundo dos vampiros.
– Eu... é... tenho que usar o banheiro – ela murmurou. – Espero que você não ache necessário me vigiar durante esse momento...
Os olhos de Rio se estreitaram ligeiramente, mas negou com sua cabeça.
– Vá. Mas não demore muito tempo.
Dylan não podia acreditar que ele realmente a estava deixando ir ao banheiro ao lado e se trancar sozinha lá dentro. Enquanto analisava o apartamento, ele deve ter se esquecido de verificar que havia uma pequena janela no banheiro.
Uma janela que dava para uma escada de incêndios – e uma escada de incêndios que levava até a rua lá em baixo.
Dylan abriu a torneira e deixou uma pesada corrente de água fria correr pela pia enquanto refletia sobre a insanidade que estava prestes a tentar fazer. Havia um vampiro de mais de noventa quilos, treinado para combates e fortemente armado esperando por ela do outro lado da porta. E ela já tinha testemunhado aqueles reflexos, rápidos como um raio, e, portanto, as chances de vencê-los eram nulas. Tudo o que podia esperar era escapar sigilosamente, e isso significava conseguir abrir a janela deteriorada sem fazer muito ruído e, em seguida, descer a escada de incêndio instável sem fazê-la desmoronar. Se conseguisse ultrapassar esses enormes obstáculos, ela só teria de começar a correr até chegar à estação de metrô.
– Sim, muito simples.
Dylan sabia que estava louca, mesmo enquanto se apressava na direção da janela e abria o trinco. Foi necessário dar uma boa pancada para amolecer as várias camadas de tinta antiga que tinham selado aquela janela. Dylan tossiu algumas vezes, alto o suficiente para disfarçar o barulho que fazia enquanto dava as pancadas.
Ela esperou um segundo, atenta aos movimentos no cômodo ao lado. Quando estava segura de que não ouvira nada, levantou a janela e se viu diante do ar úmido da noite na cidade.
Jesus Cristo! Ela ia realmente fazer isto?
Ela tinha de fazer.
Nada era mais importante do que ver sua mãe.
Dylan colocou metade do corpo para fora, buscando assegurar-se de que o caminho estava limpo. E estava. Ela conseguiria fazer aquilo. Tinha de tentar. Depois de respirar fundo algumas vezes para criar coragem, deu a descarga e, então, subiu pela janela enquanto o banheiro produzia o ruído que abafaria sua ação.
Sua descida pela escada de incêndios foi apressada e desajeitada, mas, em alguns segundos, seus pés pousavam sobre a calçada. Assim que tocou o chão, correu desesperadamente na direção do metrô.
Enquanto a água corria na pia do banheiro, Rio de fato tinha escutado o deslizamento quase silencioso da janela que era aberta atrás daquela porta fechada. A descarga não abafou totalmente o ruído emitido pela escada de incêndio enquanto Dylan caminhava rápida, porém cuidadosamente.
Ela estava tratando de escapar, exatamente como ele esperava acontecer.
Ele tinha visto a mente de Dylan girar enquanto eles conversavam. Também percebeu um desespero crescente naqueles olhos a cada minuto em que ela era forçada a ficar no apartamento com ele. Rio sabia, mesmo antes de ela inventar aquela desculpa de precisar ir ao banheiro, que Dylan tentaria escapar dele na primeira oportunidade.
E ele poderia tê-la detido, assim como poderia detê-la agora, enquanto ela descia pela escada cambaleante de aço em direção à rua onde ficava o apartamento. No entanto, ele estava mais curioso acerca de para onde ela planejava fugir. E atrás de quem ela estava indo.
Ele acreditou quando ela disse que não pretendia expor a Raça às agências de notícias do mundo humano. Se Dylan estivesse mentindo, ele não saberia o que fazer. E não quis pensar que podia estar tão equivocado a respeito daquela mulher. Rio disse a si que nada disso importaria se ele simplesmente apagasse aquelas informações da mente dela.
Porém, ele tinha hesitado em apagar a mente dela depois que ela disse que não deixaria o mundo humano para se unir à Raça. Rio hesitou porque concluiu, de forma bastante egoísta, que simplesmente não estava pronto para apagar os pensamentos dela.
E agora ela estava correndo na noite, longe dele. Com uma cabeça cheia de lembranças e informações que ele seguramente não podia deixar na mente dela.
Rio levantou-se da escrivaninha de Dylan e entrou no pequeno banheiro. O cômodo estava vazio, como ele sabia que estaria. A janela estava escancarada, bocejando para a noite escura de verão que tomava conta do lado de fora.
Então ele saiu. Seus sapatos golpearam a escada de incêndios em uma fração de segundo antes que ele pulasse da estrutura e pousasse no asfalto, dois pisos abaixo. Rio jogou a cabeça para trás e puxou o ar para dentro de seus pulmões, até finalmente sentir o cheiro de Dylan.
Então, foi atrás dela.
Capítulo 22
Dylan ficou do lado de fora do quarto de sua mãe no décimo piso do hospital, tentando tomar coragem para entrar. O pavilhão de oncologia estava muito quieto naquela noite. Só se ouvia o bate-papo discreto das enfermeiras de plantão e o arrastar ocasional dos pés de alguns pacientes que caminhavam por ali, com suas mãos presas ao suporte para o soro que, com suas rodinhas, seguiam ao lado deles. Não muito tempo atrás, sua mãe tinha sido um desses pacientes fortes, mas agora os olhos inevitavelmente não conseguiam esconder o cansaço.
Dylan detestava pensar que havia mais daquela dor e daquela luta à frente de sua mãe. Os resultados da biópsia que os médicos tinham pedido não estariam prontos antes de alguns dias, segundo uma enfermeira lhe informara. Eles tinham esperança de que os resultados fossem positivos, de que talvez tivessem detectado o problema cedo o suficiente para começar uma nova etapa mais agressiva de quimioterapia. Dylan estava orando por um milagre, apesar do peso no peito enquanto se preparava para más notícias.
Ela bateu contra o dispensador de desinfetante para as mãos colocado junto à porta, esguichou um pouco de álcool em gel nelas e esfregou uma contra a outra. Enquanto retirava um par de luvas de látex de uma caixa no balcão e as colocava, tudo o que tinha acontecido durante os últimos dias – e também durante as últimas horas – fora deixado de lado. Esquecido. Seus próprios problemas evaporaram quando ela abriu a porta. Agora, nada importava; nada exceto aquela mulher curvada na cama, presa a cabos de monitoração e a acessos intravenosos.
Meu Deus! Como sua mãe parecia pequena e frágil deitada ali. Ela sempre tinha sido pequena, cerca de dez centímetros menor que Dylan, com os cabelos de um vermelho mais intenso, mesmo com aqueles fios brancos que haviam brotado desde a primeira batalha contra o câncer. Agora, Sharon tinha cabelos curtos, um corte espetado que a fazia parecer pelo menos uma década mais jovem do que sua verdadeira idade: 64 anos. Dylan sentiu uma pontada de ira irracional e ácida pelo fato de que uma nova fase de quimioterapia assolaria aquela gloriosa coroa formada pelos fios de cabelos vermelhos.
Caminhou suavemente até a cama, tentando não fazer ruído. Mas Sharon não estava dormindo. Ela virou-se para o lado quando Dylan se aproximou. Seus olhos eram de um verde brilhante e caloroso.
– Uau... Olá, Dylan... Minha querida. – A voz de Sharon era fraca, o único sinal físico que denunciava o fato de ela estar doente. Ela estendeu o braço e segurou a mão de Dylan, apertando-a com força.
– Como foi a viagem, querida? Quando você chegou?
Merda. Dylan se lembrou de que tinha esticado sua viagem pela Europa. Para ela, era como se um ano tivesse passado nos poucos dias que tinha estado com Rio.
– Hum... Eu acabei de chegar em casa – respondeu Dylan. Uma mentira parcial, uma meia verdade, afinal de contas.
Ela se sentou na beira do fino colchonete do quarto de hospital, mantendo as mãos juntas às de sua mãe.
– Fiquei um pouco preocupada quando você mudou seus planos de maneira tão repentina. Seu e-mail dizendo que você ficaria mais alguns dias foi tão curto e confuso. Por que não me ligou?
– Sinto muito – desculpou-se Dylan. A mentira que ela tinha de engolir causou ainda mais dor quando ela soube que deixou sua mãe preocupada. – Eu teria telefonado se tivesse conseguido. Ah, mãe... lamento que você não esteja se sentindo bem.
– Eu estou bem. Melhor agora que está aqui. – Sharon tinha o olhar calmo. – Mas eu estou morrendo, querida. Você sabe, não sabe?
– Não diga isso. – Dylan apertou a mão de sua mãe e, em seguida, trouxe aqueles dedos frios até os lábios e os beijou. – Você vai superar isso, da mesma forma como superou da outra vez. Você vai ficar bem.
O silêncio – a delicada indulgência – era uma força palpável naquele quarto. Sua mãe não forçaria o assunto, mas estava o assunto ali, como um fantasma à espreita em um canto.
– Bem, vamos falar de você! Quero saber tudo sobre o que você andou fazendo, por onde passou... Conte-me tudo o que você viu enquanto esteve fora.
Dylan olhou para baixo. Era impossível olhar sua mãe nos olhos quando não poderia dizer a verdade. E não podia dizer a verdade. Bem, a maior parte dos fatos seria inacreditável, de qualquer forma, especialmente a parte em que Dylan confessasse temer estar desenvolvendo sentimentos por um homem perigoso e cheio de segredos. Santo Deus, por um vampiro. Só de pensar, já parecia loucura.
– Quero saber mais sobre essa matéria da cova do demônio em que você está trabalhando, querida. Aquelas fotos que me enviou eram realmente impressionantes. Quando sua matéria vai ser publicada?
– Eu não estou mais trabalhando nessa matéria, mãe. – Dylan sacudiu a cabeça. Ela se arrependia por tê-la mencionado para sua mãe. E também para todas as outras pessoas. – No final, a cova era apenas uma cova – disse, com a esperança de ser convincente. – Não havia nada estranho lá.
Sharon se mostrou cética:
– É mesmo? Mas a tumba que você encontrou e as marcas incríveis nas paredes... O que tudo aquilo estava fazendo lá? Devia significar ou ter significado alguma coisa, não?
– É só uma tumba. Provavelmente muito antiga, algo como uma câmara funerária indígena.
– E as fotos que você tirou daquele homem...
– Um andarilho. Era só isso – mentiu Dylan, odiando cada sílaba que saiu de seus lábios. – As imagens fizeram tudo parecer mais importante do que realmente era. Mas não há matéria alguma, nem mesmo gente adequada para uma porcaria como o jornal de Coleman Hogg. Aliás, ele me demitiu.
– O quê? Ele não fez isso, fez?!
Dylan deu de ombros.
– Sim, é verdade. E está tudo bem, mesmo. Vou encontrar outra coisa.
– Bem, foi ele quem saiu perdendo. De qualquer forma, você é boa demais para aquele lugar. Se servir de consolo, eu achei que você estava fazendo um ótimo trabalho naquela matéria. O senhor Fasso pensou a mesma coisa. Aliás, ele comentou que tem contatos com algumas das grandes agências de notícias da cidade. Ele provavelmente encontraria algo para você se eu falasse com ele.
Ah, droga! Uma entrevista de emprego era a última coisa com que ela precisava se preocupar. Principalmente agora, quando o que Dylan acabara de ouvir tinha lhe dado um nó de terror na garganta.
– Mamãe, você não contou sobre essa história para ele, né?
– Mas é claro que eu contei! E também lhe mostrei as fotos. Sinto muito, mas não posso deixar de me gabar de você, minha pequena estrela.
– A quem... Ah, Deus... Mãe, por favor, diga que não falou sobre isso com muita gente... falou?
Sharon acariciou a mão da filha.
– Não seja tão tímida. Você é muito talentosa, Dylan, e deveria estar trabalhando em matérias maiores, mais impactantes. E o senhor Fasso concorda comigo. Gordon e eu conversamos muito sobre você algumas noites atrás, durante o cruzeiro.
Dylan sentiu seu estômago queimar com a ideia de que mais pessoas sabiam sobre o que ela tinha visto naquela caverna, mas não pôde deixar de observar o brilho de alegria nos olhos de sua mãe quando ela mencionou o nome do fundador do abrigo para fugitivos.
– Então você já está chamando o senhor Fasso pelo primeiro nome, hein?
Sharon deu risada. Um som tão juvenil e alto que Dylan por um instante esqueceu que estava sentada ao lado de sua mãe em um quarto na ala de oncologia de um hospital.
– Ele é muito bonito, Dylan. E absolutamente encantador. Eu sempre pensei que ele fosse um pouco distante, quase frio. Mas, na verdade, ele é um homem muito interessante.
Dylan sorriu:
– Você gosta dele!
– Eu gosto – confessou Sharon. – É muita sorte encontrar um cavalheiro de verdade. Talvez meu verdadeiro príncipe, quem sabe? Quando é tarde demais para eu me apaixonar...
Dylan sacudiu a cabeça, odiando escutar esse tipo de comentário vindo de sua mãe.
– Mãe, nunca é tarde demais. Você ainda é jovem. Ainda tem muito tempo de vida pela frente.
Uma sombra invadiu os olhos de Sharon enquanto ela olhava Dylan e se reclinava sobre a cama.
– Você sempre me fez sentir tanto orgulho! E você sabe disso, não sabe, minha querida?
Dylan assentiu com a cabeça, a garganta apertada:
– Sim, eu sei. E sempre pude contar com você, mãe. É a única pessoa com quem sempre pude contar durante a vida. Somos duas mosqueteiras, não é?
Sharon sorriu ao ouvir sua filha mencionar aquele apelido, mas havia lágrimas brilhando em seus olhos.
– Quero que você fique bem, Dylan. Com isto, quero dizer... Com a minha partida... com o fato de que vou morrer.
– Mãe...
– Escute, por favor. Eu me preocupo com você, querida. E não quero que você fique sozinha.
Dylan secou uma lágrima que corria aquecida pela lateral de seu rosto.
– Não deveria estar pensando em mim agora. Você precisa se concentrar em si mesma, em melhorar. Tem que pensar positivo. A biópsia pode não...
– Dylan, pare e me escute por um segundo, querida. – Sharon se sentou, lançando aquele olhar teimoso que Dylan reconhecia muito bem. Um olhar teimoso em um rosto belo, muito embora cansado. – O câncer está pior do que antes. Eu sei. Eu sinto. E eu o aceitei. Preciso saber que será capaz de suportar isso também, filha.
Dylan olhou para as mãos delas, entrelaçadas. Suas mãos estavam amareladas; as de sua mãe, quase translúcidas, os ossos e os tendões enrijecidos sob a pele fria e pálida.
– Há quanto tempo você vem cuidando de mim, querida? E não me refiro só a desde quando fiquei doente. Desde que você era uma menina, sempre se preocupava comigo e tentava fazer o melhor para cuidar de mim.
Dylan sacudiu a cabeça.
– Nós cuidamos uma da outra. Sempre foi assim.
Dedos suaves se aproximaram do queixo de Dylan, fazendo-a levantar o olhar.
– Você é minha filha. Eu vivi por você e por seus irmãos. Mas você sempre foi meu porto seguro. E você não devia ter vivido para mim, Dylan. Não devia ser o adulto nesta relação. Você merece ter alguém para cuidar sempre de você.
– Eu posso cuidar de mim – murmurou. No entanto, as palavras não soaram muito convincentes quando lágrimas corriam por suas bochechas.
– Sim, você pode. E deve. Mas você merece algo mais da vida. Eu não quero que você tenha medo de viver, ou de amar, Dylan. Pode me prometer que não vai ter medo?
Antes que Dylan pudesse dizer qualquer coisa, a porta se abriu e uma das enfermeiras entrou com algumas novas bolsas de líquidos.
– Como estamos Sharon? Como está sua dor agora?
– Um pouquinho de remédio me faria bem – ela respondeu. Seus olhos deslizaram na direção de Dylan como se estivesse escondendo seu desconforto até agora.
Algo que, obviamente, Sharon estava fazendo. Tudo era muito pior do que Dylan queria aceitar. Ela se levantou da cama e deixou a enfermeira fazer seu trabalho. Depois que a mulher se foi, Dylan voltou ao lado de sua mãe. Era tão difícil para Dylan não deixar cair por terra sua máscara de mulher forte quando olhou aqueles suaves olhos verdes e viu que a chama neles se desvanecia.
– Venha aqui e me dê um abraço, meu amor.
Dylan se inclinou e abraçou os ombros delicados e frágeis, incapaz de não perceber a fragilidade de sua mãe como um todo.
– Eu te amo, mamãe.
– Eu também te amo, querida. – Sharon suspirou enquanto acomodava as costas contra o travesseiro. – Estou cansada, preciso dormir agora.
– Tudo bem – respondeu Dylan, com uma voz rouca. – Vou ficar aqui te fazendo companhia enquanto você dorme.
– Não, não vai. – Sharon sacudiu a cabeça. – Não quero que você fique sentada aqui, preocupada comigo. Não vou deixá-la esta noite, ou amanhã, nem na próxima semana, eu prometo. Mas você precisa ir para casa agora, Dylan. Quero que vá descansar.
“Casa”, pensou Dylan, no momento em que sua mãe caía em um sono induzido por remédios. A palavra parecia estranhamente vazia enquanto ela se lembrava de seu apartamento e das poucas coisas que ela tinha. Aquilo não era casa para ela. Se agora Dylan precisasse ir a algum lugar em que se sentia segura e protegida, aquele buraco lastimável não seria esse lugar. Nunca fora.
Dylan se levantou para sair do quarto. Quando secava as lágrimas, seu olhar percebeu um rosto sombrio e o contorno de ombros largos contra a luz do corredor.
Rio.
Ele a tinha encontrado. Ele havia lhe seguido até ali. Embora todos os sentidos lhe dissessem para fugir dele, Dylan se aproximou. Abriu a porta e o encontrou do lado de fora do quarto de sua mãe. E, sem conseguir falar, ela apenas o envolveu em seus braços e chorou suavemente naquele peito forte sobre o qual ela descansava, agora, a cabeça.
Capítulo 23
Rio não esperava que ela fosse em sua direção ao vê-lo parado ali.
Agora que Dylan estava em seus braços, com o corpo tremendo enquanto chorava, ele viu-se completamente perdido. Ele tinha se livrado de uma parte considerável de sua fúria e de sua suspeita durante o tempo que levou até começar a segui-la pela cidade. Sua cabeça girava por conta de todo aquele barulho e pela presença excessiva de humanos em todos os cantos para onde olhava. Suas têmporas gritavam em consequência das luzes claras enquanto todos os seus sentidos pareciam lutar contra ele.
Mas nada disso importava durante os longos instantes em que ele estava ali, abraçando Dylan, sentindo-a tremer com um medo e uma angústia que chegavam aos ossos. Ela sentia dor, e Rio sentiu uma necessidade esmagadora de protegê-la. Não, ele não queria – não podia – vê-la sentir uma dor como aquela.
Madre de Dios, ele odiava vê-la daquela forma.
Rio acariciou aquelas costas delicadas, encostou sua boca na testa de Dylan enquanto ela acomodava-se logo abaixo do queixo dele. E murmurou algumas palavras confortadoras enquanto oferecia alguns gestos suaves. Isso era tudo que ele conseguia pensar em fazer por ela.
– Tenho tanto medo de perdê-la – sussurrou Dylan. – Ah, Deus... Rio, eu estou aterrorizada.
Ele não precisou pensar muito para saber de quem Dylan estava falando. A paciente que dormia no quarto ao lado tinha os mesmos cabelos flamejantes, era praticamente uma versão mais idosa daquela mulher que Rio agora tinha em seus braços.
Rio inclinou o rosto de Dylan, coberto de lágrimas, em sua direção:
– Você poderia me levar embora daqui, por favor? – ela pediu.
– Eu posso levá-la aonde você quiser – disse Rio, passando a ponta de seu polegar pela bochecha dela, apagando as marcas de lágrimas. – Você quer ir pra casa?
O riso entristecido de Dylan soava tão destruído, tão perdido.
– Podemos simplesmente... sair para caminhar um pouco?
–Sim, é claro – ele assentiu, escondendo-a sob seu braço. – Vamos sair daqui.
Os dois caminharam em silêncio até o elevador, e logo depois saíram do hospital em direção à noite aquecida. Rio não sabia para onde levá-la, então simplesmente caminhou ao lado dela. A poucas quadras do hospital havia uma passarela que conduzia a East River. Eles a cruzaram e, enquanto passeavam pela lateral do rio, ele notou alguns pedestres observando-o.
Percebeu alguns olhares furtivos em suas cicatrizes, e mais de um olhar curioso, como se questionasse o que ele estava fazendo com uma mulher tão linda como Dylan. Uma boa pergunta, e uma pergunta para a qual ele não tinha uma resposta razoável naquele momento. Ele a tinha trazido para a cidade em uma missão – uma missão que certamente não permitia desvios desse tipo.
Dylan finalmente desacelerou, parando contra o corrimão de ferro que funcionava como um mirante para olhar a água.
– Minha mãe ficou muito doente no outono passado. Ela pensou que era bronquite, mas não era. Os exames apontaram câncer de pulmão, embora ela nunca tenha fumado um cigarro sequer na vida. – Dylan ficou em silêncio durante um longo momento. – Ela está morrendo. Foi o que ela acabou de me dizer esta noite.
– Sinto muito – disse Rio, caminhando a seu lado.
Ele queria tocá-la, mas não estava seguro de que ela precisasse de seu consolo. Não estava seguro de que ela aceitaria seu consolo. Em vez disso, ele tocou uma mecha de seus cabelos soltos. Seria fácil fingir que estava tentando evitar que alguns fios fossem soprados pela brisa do verão na direção do rosto dela.
– Não era para eu fazer aquela viagem pela Europa. Aquilo seria a grande aventura de minha mãe com suas amigas, mas ela não estava bem o suficiente para ir, então acabei indo no lugar dela. Eu não devia estar lá. Eu nunca teria posto o pé naquela caverna maldita. Eu nunca teria encontrado você.
– E agora você gostaria de poder desfazer tudo. – Aquilo não era uma pergunta, mas apenas um fato que Rio constatou.
– Eu gostaria de poder desfazer, por ela. Gostaria que ela pudesse ter vivido aquela aventura. Gostaria que minha mãe não estivesse doente. – Dylan virou o rosto para Rio. – Mas eu gostaria de tê-lo conhecido.
Rio ficou surpreso, em silêncio, ao ouvi-la admitir aquilo. Então, ele levou a mão até a linha suave do maxilar de Dylan e olhou profundamente para aquele rosto tão branco e tão lindo a ponto de deixá-lo sem ar. E a forma como ela olhava para ele... Madre de Dios! Era como se ele fosse um homem digno de tê-la, como se ele fosse um homem que ela poderia amar...
Ela expirou um golpe de ar silencioso e regular.
– Eu deixaria tudo para trás sem precisar pensar, Rio. Mas não isso. Não você...
Ah, Cristo.
Antes que ele pudesse se convencer de que aquilo era uma má ideia, Rio abaixou a cabeça e a beijou. Um encontro suave entre as bocas, um toque doce que não deveria fazê-lo arder como de fato fez. Rio se entregou ao doce sabor da boca de Dylan, de modo que ela se sentisse bem naqueles braços.
Ele não devia desejar tão intensamente aquilo. Não devia sentir aquela necessidade, aquela doce afeição que o queimava por dentro toda vez que ele pensava em Dylan.
Rio não devia puxá-la para tão perto, entrelaçando seus dedos nos cabelos sedosos, atraindo-a tão profundamente naquele abraço. Perdendo-se naquele beijo. Ele precisou de muito tempo para se afastar daquele beijo. E, enquanto ainda erguia a cabeça, não conseguiu deixar de acariciar aquele rosto macio. Não conseguia afastar-se dela.
Um grupo de adolescentes passou por eles, garotos desordeiros em roupas grandes demais para seus tamanhos. Eles falavam alto e empurravam uns aos outros à medida que andavam. Rio manteve os olhos nos jovens, suspeitando quando viu o grupo parar ao lado do corrimão para ver quem cuspia mais longe. Eles não pareciam claramente perigosos, mas o tipo de garotos que estava eternamente em busca de problemas.
– Demetrio?
Rio lançou um olhar para Dylan, confuso:
– Hum!?
– Estou perto? Quer dizer, estou perto de dizer seu nome verdadeiro... É Demetrio?
Ele riu, e não pôde resistir. Beijou-a na ponta daquele nariz sardento.
– Não, não é Demetrio.
– Está bem. Bom, então é ... Arrio? – Ela tentou adivinhar, sorrindo para ele sob a luz da lua enquanto caía ligeiramente naqueles braços fortes. – Oliverio? Denny Terrio?
– Eleuterio – ele esclareceu.
Dylan arregalou os olhos:
– Eu-leu-o quê?
– Meu nome é Eleuterio de la Noche Atanacio.
– Nossa! Acho que isso faz Dylan soar bastante comum, não é?
Rio caiu na risada.
– Nada a seu respeito é comum, pode ter certeza.
O sorriso de Dylan era surpreendentemente tímido.
– Então, o que significa um nome lindo como esse?
– Em uma tradução aproximada, seria algo como aquele que é livre e que vive para sempre na noite.
Dylan suspirou.
– Que lindo nome, Rio. Sua mãe deve tê-lo amado muito para lhe dar um nome tão incrível como esse.
– Não foi minha mãe quem me deu esse nome. Ela morreu quando eu era muito jovem. O nome veio mais tarde, de uma família da Raça que vive em um Refúgio Secreto no meu país de origem. Eles me encontraram e me adotaram como um membro daquela família.
– O que aconteceu com a sua mãe? Quer dizer, não precisa me dizer se você não... Eu sei que faço muitas perguntas – disse ela, encolhendo os ombros como se quisesse se desculpar.
– Não, eu não me importo em contar para você – disse Rio, impressionado por estar dizendo aquilo de forma sincera.
Em geral, Rio detestava falar de seu passado. Ninguém na Ordem sabia os detalhes que envolviam o começo de sua vida, nem mesmo Nikolai, que Rio considerava seu amigo mais próximo. Ele não havia sentido nenhuma necessidade de falar sobre isso com Eva. Ela conhecia sua história, pois eles tinham se conhecido no Refúgio Secreto espanhol, onde Rio fora criado.
Eva havia, por educação, escolhido ignorar os fatos desagradáveis que cercavam o nascimento de Rio e os anos que ele tinha passado como um menino enjeitado, matando porque precisava matar, porque não conhecia nenhuma outra opção. Ela nunca perguntou nada sobre o jovem selvagem que ele havia sido antes de ser trazido para o Refúgio Secreto e descobrir como se tornar algo melhor do que o animal que ele tinha se tornado para conseguir sobreviver sozinho.
Rio não queria que Dylan o olhasse com medo ou nojo, mas uma grande parte dele queria contar a verdade a ela. Se conseguia olhar para seu exterior cheio de cicatrizes e não desprezá-lo, talvez também fosse suficientemente forte para ver a destruição que existia dentro dele.
– Minha mãe vivia nos subúrbios de um povoado rural muito pequeno na Espanha. Ela ainda era muito jovem, possivelmente tinha por volta de dezesseis anos quando foi estuprada por um vampiro que havia se transformado em Renegado. – Rio manteve a voz baixa para não ser escutado, embora os humanos mais próximos (os adolescentes rebeldes que ainda se divertiam por ali) não estivessem prestando atenção nenhuma a eles. – O Renegado se alimentou dela enquanto a estuprava, mas minha mãe reagiu. Ela o mordeu, ao que parece. Uma quantidade razoável do sangue dele entrou na boca e, consequentemente, no corpo dela. Como ela era uma Companheira de Raça, a combinação do sangue com o sêmen dele resultou em uma gravidez.
– Você... – sussurrou Dylan. – Ah, meu Deus, Rio. Deve ter sido terrível para ela passar por isso. Mas pelo menos ela teve você no final.
– Foi um milagre ela não ter me abortado – disse ele, olhando para as águas negras e brilhantes do rio, recordando a angústia de sua mãe sobre a abominação a que ela tinha dado à luz. – Minha mãe era apenas uma jovem camponesa. Ela não foi educada, não no sentido de ir à escola, e também não sabia dos assuntos da vida. Vivia sozinha em uma casinha na floresta, construída por seus familiares anos antes de eu nascer.
– O que você quer dizer?
– Manos del diablo – respondeu Rio. – Eles temiam as mãos do diabo. Você se lembra de que eu disse que todas as mulheres que nascem com a marca de Companheira de Raça têm dons especiais... Habilidades de algum tipo?
– Sim – confirmou Dylan
– Bem, o dom da minha mãe era obscuro. Com um toque e um pouco de concentração, ela conseguia trazer a morte. – Rio praguejou em voz baixa e ergueu suas mãos letais: – Manos del diablo.
Dylan permaneceu calada por um momento, estudando-o em silêncio.
– Você também tem esse dom?
– Uma mãe Companheira de Raça passa muitas características para seus filhos: cabelo, pele e cor dos olhos... assim como seus dons. Acredito que se minha mãe soubesse exatamente o que estava crescendo em seu ventre, ela teria me matado muito antes de eu nascer. Ela tentou isso pelo menos uma vez, depois de tudo o que aconteceu.
As sobrancelhas de Dylan enrugaram enquanto ela suavemente colocava sua mão sobre a dele, que estava apoiada na cerca de aço.
– O que aconteceu?
– Esta é uma de minhas primeiras lembranças – Rio confessou. – Veja bem, os filhos da Raça nascem com presas pequenas e afiadas. Logo que saem do útero, precisam de sangue para sobreviver. Sangue e escuridão. Minha mãe deve ter percebido e tolerado tudo isso sozinha, porque, de alguma forma, eu sobrevivi à infância. Para mim, era perfeitamente natural evitar o sol e sugar o pulso de minha mãe para me alimentar. Acredito que, por volta dos meus quatro anos, percebi que ela chorava toda vez que eu precisava me alimentar. Ela me desprezava, desprezava o que eu era e, mesmo assim, eu era tudo que ela tinha.
Dylan acariciou o dorso da mão de Rio.
– Não consigo imaginar como isso deve ter sido para vocês dois.
Rio encolheu o ombro.
– Eu não conhecia outra maneira de viver. Mas minha mãe conhecia. Certo dia, com as cortinas de nossa casa fechada para evitar a luz do dia, minha mãe me ofereceu seu pulso. Quando eu o aceitei, senti sua outra mão se aproximar por trás da minha cabeça. Ela me segurou ali, e a dor me atingiu como se um raio tivesse caído sobre meu crânio. Eu gritei e abri os olhos. Ela estava chorando muito, soluçava enquanto me alimentava e segurava minha cabeça com a mão.
– Jesus Cristo! – sussurrou Dylan, claramente impressionada. – Ela queria matá-lo com o toque?
Rio recordou o choque profundo que sentira quando tinha se dado conta daquilo, uma criança assistindo aterrorizada a pessoa que mais confiava tentar acabar com sua vida.
– Ela não conseguiu ir até o fim – murmurou ele com uma voz apática. – Não sei quais foram seus motivos, mas ela retirou bruscamente a mão e fugiu da casa. Eu não a vi durante dois dias. Quando ela voltou, eu estava faminto e aterrorizado. Pensei que tivesse me abandonado para sempre.
– Ela também tinha medo – apontou Dylan, e Rio ficou contente por não ouvir qualquer sinal de piedade naquela voz. Os dedos de Dylan estavam aquecidos e eram reconfortantes quando ela segurou a mão dele. A mão que Rio acabava de dizer que poderia causar a morte com apenas um toque. – Vocês dois devem ter se sentido muito isolados e solitários.
– Sim – disse ele. – Suponho que sim. Tudo terminou mais ou menos um ano depois. Alguns dos homens da vila viram minha mãe e aparentemente se interessaram por ela. Eles apareceram um dia em casa enquanto nós estávamos dormindo. Três deles. Arrombaram a porta e correram atrás dela. Deviam ter ouvido rumores a respeito dela, porque a primeira coisa que fizeram foi prender as mãos de minha mãe para que ela não pudesse tocá-los.
O ar de Dylan ficou preso em sua garganta.
– Minha nossa, Rio...
– Eles arrastaram-na para fora. Corri atrás deles, tentando ajudá-la, mas a luz do sol era intensa demais e me cegou durante segundos que pareceram uma eternidade, e minha mãe gritava, implorando para que eles não fizessem mal a ela ou a mim.
Rio ainda conseguia visualizar as árvores, tão verdes e exuberantes; o céu, tão azul lá em cima... Uma explosão de cores que ele até então só tinha visto escurecidas quando estava na segurança da noite. E ele ainda conseguia visualizar os homens, três grandes humanos, agredindo uma mulher indefesa, enquanto seu filho assistia, congelado pelo terror e pelas limitações de seus cinco anos.
– Eles a espancaram enquanto a chamavam de nomes horríveis: Maldecida. Manos del diablo. La puta de infierno. Algo tomou conta de mim quando vi o sangue de minha mãe correndo pelo chão. Pulei em um dos homens. Eu estava tão furioso que queria que ele morresse em agonia... e assim foi. Depois que entendi o que tinham feito, fui para cima do outro homem. Então, eu o mordi na garganta e me alimentei dele, enquanto meu toque o matava, lentamente.
Dylan agora o encarava sem dizer nada. Totalmente paralisada.
– O último, então, percebeu o que eu tinha feito. E me chamou dos mesmos nomes que tinha chamado minha mãe, acrescentando dois outros que eu nunca tinha ouvido antes: Comedor de la Sangre e Monstruo; Comedor de sangue e monstro. – Rio soltou uma risada insegura. – Até aquele momento, eu não sabia o que era. Mas, enquanto eu matava o último dos agressores de minha mãe e a via morrer na grama iluminada pelo sol, certo conhecimento enterrado em mim parecia acordar e se levantar. Finalmente entendi que eu era diferente, e o que isso significava.
– Você era apenas uma criança – disse Dylan com uma voz suave. – Como sobreviveu depois disso?
– Durante certo período, passei fome. Tentei me alimentar com sangue de animais, mas aquilo era como veneno. Procurei meu primeiro humano aproximadamente uma semana depois do ataque. Eu estava louco de fome, e não tinha experiência em como encontrar alimento. Matei várias pessoas durante as primeiras semanas em que vivi sozinho. Eu acabaria me tornando um Renegado, mas então um milagre aconteceu. Eu estava perseguindo minha presa na floresta quando uma grande sombra saiu das árvores. Eu pensei que fosse um homem, mas ele se movia com tanta agilidade e discrição que eu mal podia focar meus olhos nele. Ele também estava caçando. Foi atrás do camponês em que eu estava de olho e, com uma graça que eu certamente não tinha, ele derrubou o humano e começou a se alimentar da ferida que abrira na garganta daquele homem. Aquela criatura era um sugador de sangue, como eu.
– O que você fez, Rio?
– Eu assisti, fascinado – ele respondeu, recordando com tanta clareza como se tudo aquilo tivesse acontecido poucos minutos atrás. Depois, continuou: – Quando tudo terminou, o homem se levantou e se afastou como se nada incomum tivesse acontecido. Eu estava impressionado e, quando inspirei, o sugador de sangue me viu escondido por ali. Ele me chamou e, depois de perceber que eu estava sozinho, levou-me com ele até sua casa; a um Refúgio Secreto. Conheci muitos outros como eu, e descobri que eu era parte de um grupo chamado Raça. Como minha mãe não tinha me dado um nome, minha nova família no Refúgio Secreto me deu o nome que eu tenho agora.
– Eleuterio de la Noche Atanacio – disse Dylan. As palavras soavam agradavelmente doces saindo da boca dela. Sua mão, agora apoiada com ternura sobre as cicatrizes do rosto de Rio, transmitia uma sensação extremamente reconfortante. – Meu Deus, Rio... é um milagre que você esteja aqui comigo.
Ela se aproximou dele, olhando-o nos olhos. Rio mal conseguia respirar enquanto ela ficava na ponta dos pés e inclinava o queixo para beijá-lo. Os lábios deles se uniram pela segunda vez naquela noite... E com uma necessidade que nenhum deles parecia disposto ou capaz de esconder.
Eles poderiam ficar ali, para sempre se beijando.
Mas foi exatamente naquele momento que o passeio tranquilo se tornou assustador, com o estrondo repentino provocado por armas de fogo.
CONTINUA
Capítulo 18
Rio passou as últimas horas antes da alvorada com Dante no pátio atrás do complexo da Ordem. Em seguida, dirigiu-se à capela do complexo, onde passou mais um pouco de tempo sozinho. O pequeno e tranquilo santuário onde a Ordem realizava suas cerimônias mais importantes ou íntimas sempre funcionava como um refúgio para ele. Mas não agora. Tudo o que ele via no espaço iluminado por luz de velas fazia-o recordar a decepção que Eva lhe causara.
Por culpa dela, fazia mais de um ano, eles tiveram que ungir e cobrir com uma mortalha branca um dos membros mais nobres da Ordem e colocá-lo sobre o altar diante daquelas fileiras de bancos. A morte de Conlan em um túnel subterrâneo no verão passado tinha sido acidental – a infelicidade de estar no local errado, na hora errada. No entanto, seu sangue estava nas mãos de Eva.
Rio ainda podia vê-la parada a seu lado na capela, apoiando-se nele e chorando. E, durante todo o tempo, escondendo sua traição. Esperando até a próxima oportunidade para poder conspirar com seus inimigos como parte de uma tentativa equivocada de ver Rio afastado da Ordem – mesmo que, para isso, ele tivesse de ser ferido – e finalmente como uma posse exclusiva dela.
A ironia disso estava no fato de que ele não deixaria a Ordem.
Ele não queria deixar – e não deixaria – o grupo enquanto se sentisse minimamente útil para os guerreiros que tinham sido praticamente uma família para ele durante quase um século. A não ser que ele perdesse a sanidade e o autocontrole por conta da explosão que poderia – e devia – tê-lo matado.
– Droga! – resmungou Rio, dando meia-volta para sair o mais rápido possível daquela capela.
Ele não tinha que estar ali passando o tempo com velhos fantasmas e com a desgraça que eles lhe traziam. Tudo do que Rio precisava para lembrar-se de Eva era uma olhada de relance em um espelho ou no reflexo de uma janela. E ele tentava com todas as suas forças não fazer isso, não apenas pelo choque que sentia toda vez que via aquela imagem que lhe devolvia o olhar, mas também porque queria expulsar Eva de uma vez por todas de sua vida. O simples fato de ouvir o nome daquela vagabunda traidora já era suficiente para que ele tivesse um incontrolável ataque fúria.
Como Dylan, infelizmente, agora poderia confirmar.
Rio se perguntava se ela estaria bem. Tess teria cuidado muito bem de Dylan – mesmo sem seu toque mágico da cura, ausente agora que ela estava grávida – mas, ainda assim, Rio se perguntava se ela estaria bem. Ele se detestava por ter reagido daquela forma. Dylan provavelmente pensava o mesmo. Isso se ela não estivesse ocupada sentindo pena pelo desastre mental que ele tinha provado ser.
Sentindo-se tão solitário e desprendido da realidade quanto um fantasma, Rio saiu da capela do complexo e vagou pelo labirinto de corredores até chegar à enfermaria, que estava vazia. Tomou uma ducha rápida na sala de recuperação que tinha sido sua morada durante os meses que se seguiram à explosão, deixando a água quente levar a dor que havia em seus músculos e a tensão que pulsava em suas têmporas. Quando desligou a água e se enxugava com uma toalha, seus pensamentos se voltaram para Dylan. Estar aqui, retida contra sua vontade, não devia estar lhe fazendo bem. E libertá-la significava colocar um fim – o mais rápido possível – na matéria que ela tinha começado a escrever.
Era de manhã, o que significava o fim do trabalho para os membros da Raça. Mas não para os humanos que viviam lá em cima. Os humanos deviam estar começando seu dia habitual, o que significava que o chefe de Dylan no jornal tinha mais um dia para pensar a respeito da publicação daquela matéria; o que significava mais um dia para as mulheres com quem Dylan estava viajando discutirem a caverna encontrada e especular sobre o que poderia haver lá dentro. Mais um dia para o erro cometido por Rio poder ser desvendado e colocar a Ordem e toda a nação dos vampiros em perigo caso fossem descobertos pelos humanos.
Rio vestiu um par de calças frouxas azul-marinho e uma camiseta cavada que ainda estava no guarda-roupa com algumas outras coisas que restavam desde sua longa passagem pela sala de enfermaria. Quando caminhou pelo corredor em direção a seus aposentos, tinha um novo objetivo em mente. Sua cabeça estava mais limpa e agora ele se sentia bem e pronto para fazer Dylan colocar um ponto-final naquela maldita matéria sobre a caverna. E logo.
No entanto, quando ele abriu a porta de seus aposentos, o ambiente estava escuro. Apenas um pequeno abajur de mesa estava aceso no canto da sala de estar, como uma luz noturna brilhando para ele, caso decidisse voltar. Rio observou atentamente o leve brilho que lhe dava as boas-vindas enquanto entrava no quarto e fechava a porta silenciosamente.
Dylan estava dormindo. Ele podia vê-la deitada em sua cama no outro quarto, o corpo curvado sobre o edredom. Não restava dúvidas de que ela estava exausta. Os três dias passados pareciam estar finalmente pesando. Caramba, eles pareciam estar pesando também para ele.
Rio andou pelo quarto escuro e, assim que avistou as pernas longas e nuas de Dylan, rapidamente se esqueceu do objetivo que tinha em mente no caminho até lá. Ela estava usando um baby-doll e shorts xadrez com cores claras, peças que ela claramente tinha tirado de sua bagagem, agora aberta ao lado de sua cama.
O conjunto de algodão era nada sexy – certamente nada próximo dos laços e cetins caros com os quais Eva costumava desfilar para ele. Mas Dylan estava linda, mesmo quase nua... E estava linda dormindo na cama dele.
Madre de Dios! Linda demais!
Rio puxou uma manta de seda de uma cadeira no canto do quarto e a levou para a cama a fim de cobri-la. E não fez isso apenas para ser gentil. Como um membro da Raça, Rio tinha a visão mais aguçada durante a noite – todos os seus sentidos eram bem mais aguçados e, naquele momento, eles começavam a oprimi-lo com ideias ligadas àquela mulher seminua deitada tão vulneravelmente perto dele.
Ele tentou não notar que os seios de Dylan estavam deliciosamente nus debaixo do fino algodão da blusa sem manga. A tentação de olhar fixamente aquela pele branca e macia – especialmente a área exposta do abdômen, onde a peça de roupa estava amarrotada e subia tão perfeita e insidiosamente acima do umbigo – era forte demais para ele conseguir resistir.
No entanto, quando ele se aproximou da beira da cama com a manta, ela se mexeu ligeiramente, mudando a posição de suas pernas e ajeitando-se um pouco melhor sobre as costas. Rio ficou paralisado, torcendo para que ela não despertasse e o encontrasse inclinado ali em cima como um fantasma.
Olhar para ela o deixava com uma dor acalentada no peito. Ele não tinha direito algum sobre Dylan, mas uma onda de possessividade correu por seu sangue, acompanhada por vários milhares de volts de eletricidade. Ela não lhe pertencia – e não seria dele, independente de qual caminho ela escolhesse seguir no final de tudo aquilo. Não importava se ela escolheria um futuro entre os da Raça em um Refúgio Secreto ou se viveria lá fora, sem memória alguma de Rio e sua espécie, ela não lhe pertenceria. Dylan merecia algo melhor, não restava dúvida quanto a isso.
Outro homem – da Raça ou não – seria muito mais adequado para cuidar de uma mulher como Dylan. Outro homem teria o privilégio de explorar as delicadas e macias curvas de sua pele sedosa. Seria de outro homem o prazer de provar aquele pulso delicado que golpeava docemente na base de sua garganta. Outro homem da Raça teria a honra de perfurar as veias de Dylan com uma mordida suave e completamente erótica. Seria de outro homem – e jamais dele – o juramento de protegê-la de todos os males e de sustentá-la fielmente para todo o sempre com o sangue e a força de seu corpo imortal.
Não seria direito dele. Absolutamente, pensou Rio sombriamente enquanto colocava, da forma mais delicada que conseguia, a manta sobre o corpo seminu de Dylan. Ele não devia desejar um pedaço sequer dela.
Entretanto, ele desejava. Deus, como desejava!
Rio ardia de desejo, mesmo sabendo que não deveria ter esse sentimento. Ele tentou se convencer de que tinha sido um mero acidente o fato de suas mãos terem roçado contra as curvas do corpo dela enquanto ele a cobria com a leve seda. Ele não pretendia deixar seus dedos percorrerem as ondas daqueles cabelos vermelhos ardentes, ainda ligeiramente umedecidos em virtude de um recente banho. Ele não pôde resistir e tocou a leve linha da maçã do rosto e a pele macia sob a orelha de Dylan.
E ela não reagiu quando ele olhou para o pequeno curativo que cobria o corte que tinha lhe causado.
Merda! Isto era tudo o que ele tinha a oferecer: dor e desculpas. E ela só o deixava chegar tão perto porque não sabia que ele estava ali.
Dylan não estava acordada para ver aquele demônio parado sobre ela na escuridão, roubando-lhe carícias e contemplando a ideia de fazer muito mais do que simplesmente roçar os dedos másculos em sua pele delicada. Rio a desejava tanto que suas presas mordiscavam a própria língua. Os olhos do guerreiro, transformados pela luxúria que ele agora sentia, brilhavam em uma cor âmbar intensa. Aqueles raios típicos da Raça a banhavam em um brilho suave, iluminando cada profunda e deleitável curva do corpo de Dylan.
Ele afastou suas mãos dela e ela se espreguiçou, provavelmente para tentar aliviar o calor daquele olhar. Um rápido pestanejar das pálpebras dele desligou imediatamente o par de refletores, inundando o quarto novamente com a escuridão total.
Rio se afastou sem fazer qualquer ruído.
Então, arrastou-se para fora do quarto antes que pudesse demonstrar mais do seu lado ladrão, que ele tanto temia assumir quando estava perto daquela mulher.
A princípio, Dylan pensou que o toque a tivesse despertado, mas os dedos que acariciavam suavemente sua bochecha tinham um calor relaxante que deixou seu sono mais voluptuoso. Na verdade – ela percebeu depois – fora a ausência daquele calor a responsável por dissipar seu sonho prazeroso.
Ela abriu os olhos e não conseguiu ver nada além da escuridão do quarto.
O quarto de Rio. A cama de Rio.
Ela se sentou, sentindo-se extremamente desconfortável com o fato de ter caído no sono depois de ter tomado uma ducha mais cedo naquela mesma noite. Ou já era dia? Dylan não sabia, e não poderia saber, já que não havia janela alguma nos quase duzentos metros quadrados daquele apartamento.
O lugar estava escuro e silencioso, mas Dylan acreditava não estar sozinha.
– Olá?
Um grande silêncio foi tudo o que recebeu como resposta.
Ela lançou um olhar para a sala de estar e notou que o abajur que tinha deixado aceso agora estava apagado. E alguém definitivamente esteve ali em algum momento, pois havia uma manta sobre seu corpo – a mesma manta que ela havia deixado sobre uma das cadeiras.
Tinha sido Rio. Ela estava absolutamente certa de que fora ele.
Ele tinha estado ao lado da cama não havia muito tempo. Foi o toque dele que transmitiu uma sensação deliciosa para a pele dela, uma sensação que se transformou em frio quando ele se foi.
Dylan deu meia-volta e colocou seus pés descalços no chão. Caminhou suavemente até as portas, fechadas, e abriu-as cuidadosamente enquanto se esforçava para conseguir enxergar qualquer coisa do outro lado da escura sala de estar.
– Rio... Você está dormindo?
Dylan não perguntou se ele estava ali; ela sabia que ele estava. Podia sentir a presença dele na forma como seu coração pulsava, na forma como o sangue corria apressado em suas veias. Ela atravessou o cômodo até onde recordava ter visto um abajur sobre uma escrivaninha. Então, estendeu a mão cuidadosamente na direção da base fria de porcelana do objeto.
– Deixe apagada.
Dylan virou a cabeça na direção do som da voz de Rio. Ele estava à direita dela, perto do centro do quarto. Agora que os olhos de Dylan tinham se adaptado à falta de luz, ela podia ver a grande e escura silhueta sobre o sofá aveludado. O tronco e os longos membros de Rio faziam o leve contorno do móvel desaparecer.
– Pode ficar com sua cama. Eu não pretendia dormir lá.
Ela caminhou um pouco mais na direção do centro do quarto... E escutou um grunhido baixo ecoar de sua direção.
Meu Deus. Dylan ficou congelada a poucos passos do sofá. Estava ele em meio a outro ataque como o anterior? Ou ainda não tinha se recuperado totalmente?
Dylan limpou a garganta. Desafiadora, deu mais um passo na direção dele.
– Você está... hum, você... precisa de alguma coisa? Se houver algo que eu possa fazer...
– Droga! – O som da voz de Rio trazia mais uma sensação de desespero do que de fúria. Ele fez mais um daqueles seus movimentos rápidos como um piscar de olhos, levantando-se rapidamente do sofá e dirigindo-se para a parede mais afastada. O mais longe de Dylan que conseguia.
– Dylan, por favor. Apenas volte para a cama. Você precisa ficar longe de mim.
Aquele provavelmente era um bom conselho. Manter-se longe de um vampiro traumatizado e com um nível nuclear de raiva incontrolável era provavelmente a coisa mais sensata que ela podia fazer. Mesmo assim, Dylan continuou em movimento, como se seu bom senso e seu instinto de sobrevivência tivessem feito as malas e embarcado em férias repentinas.
– Eu não tenho medo, Rio. Eu sei que você não vai me ferir.
Ele não disse algo para confirmar, tampouco para negar. Dylan podia ouvi-lo respirar – isso se aquele ofegar baixo e pesado pudesse ser considerado respiração. Ela se sentia como se estivesse se aproximando de um animal selvagem ferido, incerta sobre se oferecer a mão geraria confiança ou um ataque de presas e garras.
– Você estava no quarto comigo há alguns minutos... não estava? – Ela continuou avançando regularmente, sem se deixar intimidar pelo peso do silêncio de Rio ou da escuridão que o envolvia. – Você tocou em mim. Eu senti sua mão em meu rosto. Eu gostei, Rio. Não queria que você parasse.
Ele xingou, usando palavras realmente agressivas. Ela não só sentiu a presença como também viu a cabeça de Rio se aproximar bruscamente. Uma pausa e, então, ele devia ter aberto os olhos, pois a escuridão foi subitamente cortada por dois raios âmbar apontados diretamente para ela.
– Seus olhos... – ela murmurou, sentindo-se uma mariposa diante de uma chama flamejante.
Dylan tinha visto os olhos de Rio se transformarem de topázio em âmbar quando ele entrara nos aposentos algumas horas atrás. Mas isso... isso era diferente. Agora havia um arder naqueles olhos, algo diferente da raiva e da dor. Mais intenso, se é que isso fosse possível.
Dylan não conseguia se mover. Apenas permaneceu ali, parada no caminho aquecido pelo olhar de Rio, sentindo que aquilo consumia seu corpo inteiro – e gostando do que consumia seu corpo inteiro. Seu coração se acelerou e passou a bater irregularmente enquanto aquele olhar fixo a queimava, atravessando sua pele.
Agora Rio estava se movimentando, aproximando-se dela com a graça de um predador. Jesus Cristo!
– Por que você apareceu naquela montanha? – ele perguntou a Dylan em um tom áspero e acusador.
Dylan engoliu em seco, observando-o aproximar-se dela em meio à escuridão. Ela começou a dizer que tinha sido Eva quem a tinha guiado até lá, mas aquilo era apenas parte da verdade. O fantasma de Eva havia lhe mostrado o caminho, mas Dylan tinha voltado por vontade própria àquela caverna – para ver Rio.
Mais do que qualquer outra coisa – incluindo o trabalho que poderia salvar seu emprego com a história de um demônio nas colinas da Boêmia –, foi Rio quem a levou a ficar na caverna e a tentar estender a mão para ele quando o bom senso lhe dizia para fugir. Era ele quem a obrigava a estar ali agora. O desejo que ela sentia por ele mantinha seus pés presos ao chão quando o medo deveria forçá-la na direção oposta o mais rápido possível.
Rio estava bem em frente dela agora, ainda mascarado pela escuridão, exceto pelo brilho misterioso e extremamente sedutor de seus olhos de vampiro.
– Que inferno, Dylan! Por que você apareceu lá? – As mãos de Rio estavam firmes quando ele a pegou pelos braços. Em seguida, ele a sacudiu, mas era ele quem tremia. – Por quê? Por que teve de ser você?
Ela sabia que um beijo estava próximo, mesmo na escuridão. Porém, a pressão inicial da boca dele sobre a dela a fez sentir uma chama incontrolável tomar conta de seu corpo. Uma chama que a queimava, um desejo ardente que tomava conta de seu coração. Ela se deixou levar, perdendo-se no toque dos lábios e – ah, Jesus! – das presas de Rio. Dylan sentiu as pontas afiadas quando teve a boca aberta pela língua dele, forçando-a a aceitar o que ele tinha para lhe oferecer.
Dylan não tentaria resistir. Ela nunca tinha sentido nada tão erótico quanto o roçar das presas de Rio. Havia tanto poder letal naquilo; ela podia sentir o perigo, mas estava prestes a perder o controle. Rio a abraçou ainda mais forte e a beijou de uma forma quase violenta. E aquilo a excitava loucamente. Não, Dylan nunca havia se sentido tão excitada quanto naquele momento.
Rio a empurrou para o sofá atrás dela. As mãos grandes e fortes do vampiro envolveram suas costas para aliviar a queda. E ele foi com ela, e todo o peso de seu corpo forte e musculoso a sustentou embaixo dele. E Dylan podia sentir a espessura daquele pênis. Sentia-o enorme e rígido como pedra entre seus corpos. Ela correu as mãos pelas costas de Rio, escorregando-as por debaixo da camiseta de algodão, de modo que pudesse sentir a flexão daqueles fortes músculos conforme ele se movia sobre ela.
– Eu quero ver você – ela ofegou em meio aos beijos famintos. – Preciso ver você, Rio...
E Dylan não esperou receber permissão.
Estendendo a mão, ela encontrou o abajur ao lado do sofá e o acendeu. A suave luz amarela banhou o quarto, deixando-o agora iluminado. Rio estava sobre seus quadris, equilibrando-se nos joelhos enquanto a olhava fixamente em uma situação que parecia ser pura desgraça.
Os olhos de Rio brilhavam com aquele âmbar ardente. Seus traços estavam tensos, sua mandíbula estava apertada fortemente, mas não o suficiente para mascarar o assombroso tamanho de suas presas extremamente afiadas. Os dermoglifos que se espalhavam por seus ombros e braços pareciam queimar – em belos e profundos tons de vermelho, índigo e dourado.
E suas cicatrizes... Bem, Dylan também as viu. Seria impossível ignorá-las, mas ela tampouco tentou. Dylan se apoiou em um de seus cotovelos e estendeu sua outra mão na direção de Rio. Ele estremeceu, virando o rosto em uma tentativa de ocultar seu lado esquerdo arruinado. Mas Dylan não o deixaria se esconder. Não agora. Não dela. Então, estendeu a mão novamente e, de forma suave, colocou a palma contra a forte linha que contornava seu maxilar.
– Não faça isso – disse Rio com uma voz grossa.
– Está tudo bem. – Dylan virou suavemente o rosto dele para que pudesse ser vista totalmente. Com extremo cuidado, ela acariciou levemente aquela pele marcada por cicatrizes. E seguiu acariciando todos os danos pelo corpo dele, deslizando delicadamente os dedos pelo pescoço, ombros e bíceps de Rio, na pele que certa vez fora tão suave e perfeita quanto o restante dele. – Você acha que é um sacrifício tocá-lo assim?
Rio murmurou algo, mas as palavras saíram retorcidas e ininteligíveis.
Dylan se sentou, levantando-se até que seu rosto estivesse paralelo ao dele. Ela o olhou fixamente, assegurando-se de que aquelas pupilas finas como as de um gato a olhassem enquanto ela suavemente o acariciava na bochecha, no maxilar, naquela boca maravilhosamente sensual.
– Não olhe para mim, Dylan. – Agora ela se dava conta de que ele murmurava exatamente a mesma coisa que antes. – Que droga!... Como você consegue me olhar tão perto... como pode me tocar... e não sentir nojo?
Dylan sentiu seu coração se apertar em seu peito.
– Eu estou olhando para você, Rio. Estou vendo você. Estou tocando você. Você – disse ela, enfatizando.
– Estas cicatrizes...
– São incidentais – ela terminou a frase para ele. Dylan sorriu enquanto lançava um olhar para a boca dele, para as presas perfeitamente brancas e perfeitamente incríveis que brotavam de sua gengiva.
– Suas cicatrizes são o mais normal em você, se quer saber a verdade.
Os lábios dele se curvaram, como se fossem afastá-la, definindo-lhe muitos mais de seus defeitos, mas Dylan não lhe deu oportunidade. Ela segurou o rosto de Rio com as mãos e se aproximou, dando-lhe um beijo intenso, lento e apaixonado.
E ela gemeu quando ele entrelaçou as mãos naqueles cabelos vermelhos e a beijou de volta.
Dylan o queria com tanta ferocidade a ponto de quase não conseguir aguentar. Deus, aquilo tudo não fazia sentido algum – esse desejo que ela sentia por um homem que mal conhecia e de quem, por muitas razões, deveria sentir medo. Em vez disso, ela o beijava como se não houvesse amanhã.
Não queria parar de beijá-lo. Ela o envolveu em seus braços e o puxou de volta contra o sofá. Os cabelos sedosos dele acariciavam a palma da mão dela; a boca quente dele buscava a boca de Dylan. E a mão de Rio, ah, a mão de Rio era, ao mesmo tempo, forte e suave enquanto ele a deslizava sob a bainha da blusa de Dylan, acariciando-lhe a pele arrepiada da barriga. E, em seguida, ele acariciou também os seios dela. Dylan se contorcia enquanto era acariciada. Os dedos de Rio provocavam os mamilos dela, transformando-os em botões duros e sensíveis enquanto a língua dele brincava com a boca de Dylan.
– Ah, meu Deus! – ela ofegou, ardendo por Rio.
Ele se ajustou melhor entre as coxas de Dylan, usando os joelhos para abrir-lhe as pernas enquanto sentia sua ereção querer rasgar as próprias roupas. Ela quase teve um orgasmo com aquela deliciosa fricção entre os corpos. Ela ia chegar ao êxtase se ele continuasse com aqueles movimentos deliciosos que não deixavam dúvidas de que tipo de amante ele seria quando eles estivessem nus.
Dylan levantou os pés e cruzou os tornozelos em volta do quadril de Rio, deixando-o ciente de que ela estava disposta a ir até onde ele quisesse levar aquilo. Ela não estava acostumada a se jogar aos pés de um homem – e não conseguia se lembrar da última vez em que havia transado, que dirá, então, da última vez em que tivera um bom sexo – mas Dylan não conseguia pensar em nada que quisesse mais do que fazer amor com Rio. Bem ali. Naquela hora.
Ele sugou o lábio inferior de Dylan entre seus dentes enquanto empurrava seu quadril contra ela. Ela se deleitou com o roçar daquelas presas, com o impulso hipnotizante do corpo grande e rígido daquele homem e com o flexionar dos músculos tensos dele em suas mãos. Ele deslizou sua mão entre as pernas dela. Seus dedos se afundavam na carne úmida e quente. Dylan não conseguiu segurar o gemido que se formava em sua garganta.
– Isso! – ela sussurrou bruscamente conforme um orgasmo tomava conta de seu corpo. – Rio...
Ela sentia espirais girarem dentro de seu corpo enquanto se perdia no prazer que o toque de Rio entre suas pernas lhe provocava. E se agarrou a ele quando sentiu seu coração acelerar com o gozo. Ela escutou o grunhido selvagem de Rio, dando-se conta de que ele tinha deixado de beijá-la para escorregar a boca ao longo de seu pescoço. Ela o envolveu em seus braços enquanto ele roçava contra seu pescoço, enquanto deixava sua língua quente passear por sua pele macia.
O roçar áspero dos dentes de Rio naquele ponto a assustou.
O corpo de Dylan se retesou, embora ela não quisesse temer o que poderia estar por vir. Mas ela não pôde deter a reação instintiva. E Rio se afastou como se ela tivesse gritado com toda a força de seus pulmões.
– Sinto muito – ela sussurrou, estendendo a mão para tocá-lo. Mas ele já não estava mais lá. Já tinha se afastado, já estava a pelo menos um braço de distância do sofá. Dylan se sentou, sentindo-se estranhamente incompleta. – Sinto muito, Rio. Eu não estava segura...
– Não se desculpe – ele resmungou com uma voz áspera. – Madre de Dios, não peça desculpa para mim, por favor. Foi culpa minha, Dylan.
– Não – ela respondeu, desesperada para que ele ficasse com ela, para que ele ficasse dentro dela. – Eu quero, Rio.
– Você não deveria querer – ele retrucou. – E eu não teria sido capaz de parar. – Rio passou a mão por aqueles cabelos escuros, encarando-a com aqueles ardentes olhos âmbar. – Isso teria sido um erro terrível para nós dois – acrescentou ele depois de uma longa pausa. – Ah, merda! Já é um terrível erro.
Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Rio simplesmente deu meia-volta e partiu. Enquanto a porta do quarto se fechava atrás das costas largas daquele homem enorme, Dylan puxava sua blusa de volta para baixo e ajustava os shorts. No silêncio com o qual ele a deixou, ela levou os joelhos até o peito e segurou as canelas. Em seguida, estendeu a mão e apagou a luz do abajur.
Capítulo 19
Rio levantou a pistola nove milímetros e a apontou para o final do campo de tiro do complexo. A arma parecia extremamente estranha em sua mão, apesar de ela lhe pertencer e de ele tê-la carregado por anos, quando ela era extremamente letal.
Antes da explosão do depósito, antes de as feridas terem-no tirado de combate e o jogado em uma cama de hospital, deixando seu corpo e sua mente destruídos.
Antes de a traição de Eva tê-lo cegado, fazendo-o questionar tudo que ele era e poderia vir a ser.
Uma gota de suor desceu pelo lábio de Rio enquanto ele mantinha os olhos no alvo. Seu dedo no gatilho estava trêmulo. Rio usou toda a sua atenção para se concentrar na pequena silhueta impressa no alvo de papel a cerca de vinte metros à frente.
Mas era exatamente para isso que ele tinha ido até ali.
Depois do que havia ocorrido com Dylan alguns minutos atrás, Rio precisava se distrair. Precisava de algo que tomasse toda a sua atenção, que fizesse a temperatura de seu corpo diminuir e voltar ao normal. Algo que, esperançosamente, acabasse com aquela fome carnal que ainda o consumia. Rio desejava Dylan com uma necessidade que ainda pulsava por suas veias em um batimento profundo e primitivo.
Ele ainda podia sentir o corpo delicado daquela mulher movendo-se debaixo do seu, tão suave e acolhedor, respondendo aos toques de forma tão apaixonada. Aceitando-o, mesmo sabendo que eles poderiam fazer parte de uma montagem macabra de A Bela e a Fera. Era uma fantasia da qual ele se permitia participar enquanto beijava Dylan, enquanto a apertava sob seu corpo e se perguntava se a intensa atração que sentia por ela poderia ser mútua. Ninguém era assim tão bom ator. Eva havia afirmado amá-lo uma vez. A traição profunda tinha sido um choque, mas, no fundo de sua mente, Rio sabia que ela não era feliz com ele, não estava, realmente, feliz com o que ele era e com a vida de guerreiro que ele tinha escolhido.
Ela nunca quis que ele se juntasse aos guerreiros. Nunca entendera sua necessidade de fazer algo bom, sua necessidade de ser útil. Mais de uma vez, havia perguntado por que ela não era suficiente para ele. Por que amá-la e fazê-la feliz não poderia ser suficiente? Rio queria as duas coisas, mas até mesmo Eva conseguia enxergar que ele preferia a Ordem.
Rio ainda podia se recordar de uma noite, passeando em um parque da cidade com Eva, tirando fotos dela em uma pequena ponte sobre o rio. Naquela noite, ela lhe dissera o quanto queria que ele deixasse a Ordem e lhe desse um filho. Exigências que ele não poderia – ou melhor, que ele não estava disposto – a cumprir.
“Espere um pouco”, ele lhe pedira. Os guerreiros estavam dando fim a uma pequena onda de ataques dos Renegados na região. E, por conta disso, ele pediu para que ela fosse paciente. Uma vez que as coisas estivessem mais calmas, talvez pudessem pensar em constituir uma família.
Olhando para trás, Rio não tinha mais certeza de que aquelas fossem palavras verdadeiras. Eva não havia acreditado, ele conseguiu ver isso nos olhos dela já naquela época. Madre de Dios, talvez tivesse sido naquele exato momento que ela decidiu tomar o problema para si mesma.
Rio tinha decepcionado Eva e sabia disso. Mas ela havia pagado na mesma moeda. A traição dela o havia rasgado até a alma. Aquela traição o forçou a questionar tudo, incluindo o motivo pelo qual ele devia continuar ocupando um espaço precioso neste mundo.
Quando Dylan o beijou – quando ela o olhou fixamente no rosto e seus olhos transmitiam apenas sinceridade – Rio conseguiu acreditar, pelo menos por um momento, que não era um monstruo digno de pena desperdiçando ar e espaço. Quando olhou nos olhos de Dylan e sentiu a mão macia dela tocando suas cicatrizes, conseguiu acreditar que sua vida parecia valer a pena. E ele era um maldecido egoísta por pensar que tinha algo que oferecer a uma mulher como aquela. Rio já havia destruído a vida de uma mulher, e quase destruíra a sua. Não, ele não estava disposto a arriscar uma segunda vez com a vida de Dylan. Não, mesmo.
Rio estreitou os olhos, voltando sua atenção ao alvo. Então, segurou ainda mais forte na arma, em uma pegada que parecia ferro contra ferro. Apertou o gatilho, sentiu a pancada familiar quando a Beretta descarregou e uma bala saiu em direção ao anel central do alvo.
– É bom ver que você não perdeu o jeito. Continua acertando exatamente no alvo, como sempre fez.
Rio colocou a arma na prateleira diante dele. Quando deu meia-volta, deu de cara com Nikolai, que estava parado atrás dele, com suas costas enormes apoiadas contra a parede. Rio sabia que não estava sozinho ali, ele tinha ouvido Niko e os outros três guerreiros solteiros conversando no extremo oposto do prédio enquanto limpavam suas armas e comentavam sobre sua ronda no clube noturno de humanos.
– Como foi a caça lá em cima?
Niko deu de ombros.
– Como de costume.
– Belas garotas, sem bom senso o suficiente para correr quando veem vocês chegar? – perguntou Rio, tentando quebrar o gelo presente entre eles desde sua chegada ao complexo.
Para seu alívio, Niko sorriu.
– Não há nada de errado em relaxar e ser fácil quando o assunto é mulheres, cara. Acho que, na próxima vez, você deveria vir com a gente. Posso descolar algo doce e sacana para você. – O par de covinhas que ele tinha nas bochechas ficava cada vez mais evidente. – Se não estiver planejando se acabar ou algo assim enquanto isso. Idiota. Burro.
Niko não disse as palavras com tom de ofensa. Elas eram apenas resultado do tom solene de um amigo preocupado com o outro.
– Pode deixar que eu aviso – disse Rio. E, julgando pelo olhar estreitado de Nikolai, ele tinha entendido que ele não estava falando sobre a perspectiva de ter um pouco de ação lá em cima.
A voz de Niko se tornou baixa, adotando um tom de confidencialidade:
– Você não pode deixá-la ganhar, sabe disso, não é cara? Porque isso é sinônimo de se entregar. Sim, ela ferrou a sua vida, e não estou dizendo que precise perdoar e esquecer porque, francamente, eu não acredito que eu conseguiria fazer isso se estivesse no seu lugar. Mas você ainda está aqui. Então, ela que se dane! – disse Niko com veemência. – Eva que se dane! E que se dane a bomba que ela explodiu naquele depósito. Porque você, meu amigo, você está aqui.
Rio esboçou um sorriso, mas apenas um som fraco passou por sua garganta apertada. Tentou esconder o desconforto, sentindo-se extremamente desajeitado ao perceber que alguém se importava com ele.
– Caramba, cara. Quantos programas da Oprah você tem assistido desde que eu parti? Porque, vindo de você, isso é realmente comovente.
Niko riu.
– Pensando bem, esqueça toda essa porcaria que acabei de dizer. Você que se dane, também.
Rio caiu na risada. A primeira risada sincera que saiu de sua boca em... Jesus, algo em torno de um ano inteiro!
– Ei, Niko. – Kade veio caminhando do outro lado da instalação, os cabelos negros espetados e os olhos acinzentados lhe davam um ar deliciosamente selvagem que o deixava parecido com um lobo. – Preciso interromper: esta noite, se nos encontrarmos com aquele outro Renegado fora do Refúgio Secreto, não se esqueça de que você prometeu que ele é meu.
– Se eu não pegar o desgraçado primeiro. – Brock apareceu, saindo de trás do outro guerreiro e sorrindo enquanto, em tom de brincadeira, colocava a ponta de uma enorme adaga sob o queixo de Kade.
A risada agradável de Brock ecoou, mas era possível perceber que o guerreiro que a Ordem tinha recrutado em Detroit era tão sombrio e duro quanto a própria Morte durante os combates. Brock soltou Kade, e os dois continuaram discutindo sobre como caçar os Renegados enquanto saíam da sala de armas e seguiam para seus próprios quartos, em áreas separadas do complexo.
Chase foi o último a chegar, vindo do fundo da instalação. Sua camiseta preta tinha um enorme rasgo na frente, como se alguém tivesse tentado tirar um pedaço dele. A julgar pela cor de saciedade dos dermoglifos e pelo ar calmo em seus olhos normalmente agressivos, parecia que ele tinha se saciado com o que as garotas da discoteca lhe ofereceram.
Chase inclinou ligeiramente a cabeça para saudar Rio. Em seguida, disse a Nikolai:
– Se receber mais alguma notícia de Seattle, por favor me avise. Estou curioso para saber por que uma matança daquela natureza ainda não foi reconhecida por nenhuma Agência.
– Sim – disse Niko. – Eu também queria saber isso.
Rio franziu a sobrancelha:
– Quem apareceu morto em Seattle?
– Um dos membros mais antigos do Refúgio Secreto de lá – explicou Niko. – Um cara que, por sinal, era da Primeira Geração.
Os pelos da nuca de Rio se arrepiaram, um claro sinal de que ele estava preocupado com aquela notícia.
– Como ele foi morto?
O olhar de Nikolai era pesado:
– Uma bala no cérebro. À queima roupa.
– Onde?
– Em geral, o cérebro se encontra na região da cabeça – ironizou Chase, arrastando as palavras. Ele mantinha os braços cruzados.
Rio lançou um olhar estreitado na direção de Chase.
– Obrigado pela aula de anatomia, Harvard. Mas eu estava falando sobre onde estava este Primeira Geração quando o mataram.
O olhar de Niko encontrou os olhos sóbrios de Rio.
– Ele levou um tiro no banco traseiro da limusine que era dirigida por um chofer. Meu contato disse que ele estava voltando de uma ópera, de um balé, ou alguma coisa assim. E que, enquanto esperava em um semáforo, alguém explodiu sua cabeça e desapareceu, antes mesmo que o motorista entendesse o que havia acontecido. Por quê?
Rio deu de ombros, mas disse:
– Talvez não seja nada, mas, quando eu estava em Berlim, Andreas Reichen me contou da morte de um Primeira Geração que aconteceu recentemente lá. Só que este homem do Refúgio Secreto foi morto em um clube de sangue.
– Esses clubes “esportivos” privados foram proibidos há décadas – comentou Chase.
– Claro – concordou Rio, cheio de sarcasmo, já que o ex-agente de Refúgio Secreto tinha a intenção de ser inconveniente. – Agora eles imprimem os convites em tinta invisível e você precisa de um anel decodificador para passar pela porta.
– O mesmo modus operandi no Primeira Geração de Berlim? – perguntou Niko.
– Não. Nenhuma ferida causada por bala. Segundo as fontes de Reichen, este amante dos esportes acabou perdendo a cabeça.
Niko expirou lentamente.
– Esses são dois dos três principais métodos para se matar um vampiro da Primeira Geração da Raça. O terceiro modo é a exposição a raios ultravioletas e, convenhamos, esse é o meio menos eficaz. A não ser que você tenha dez ou quinze minutos livres para dedicar ao trabalho.
– Os dois assassinatos poderiam estar relacionados – supôs Rio, sem saber se seus instintos eram dignos de confiança. Mas, droga! Os sinos de aviso soavam em sua cabeça como os da torre de uma catedral num domingo de Páscoa.
– Há algo errado – disse Chase, finalmente ligando os pontos. – Eu também não gosto nada disso. Dois Primeira Geração mortos em questão de... uma semana? E os dois casos cheirando a execução?
– Nós não sabemos se foram execuções – advertiu Niko. – Vamos lá. Pensem nas probabilidades. Se você vive durante mil anos, ou algo assim, necessariamente irá deixar alguém furioso. Alguém que poderia querer atentar contra você em sua limusine, ou cortar sua cabeça em um clube de sangue.
– E os Refúgios Secretos não querem que nenhum dos assassinatos seja divulgado? – questionou Rio.
As sobrancelhas acobreadas de Chase apertaram-se bruscamente.
– Berlim também mantém tudo em segredo?
– Sim. Reichen disse que eles estão mantendo o caso em segredo para evitar um escândalo. Não é bom para ninguém saber que um pilar de sua comunidade foi derrubado em um clube esportivo cheio de humanos ensanguentados e mortos.
– Não. Não é nada bom – concordou Chase. – Mas dois Primeira Geração mortos é um golpe bastante pesado para toda a nação de vampiros. Não deve haver mais do que vinte indivíduos de Primeira Geração ainda vivos entre a população inteira, incluindo Lucan e Tegan. Se eles se forem, poderão surgir problemas.
Nikolai assentiu:
– Isso é verdade. E acho que não podemos fazer nada.
Rio sentiu um pensamento frio tomar conta de sua mente:
– Não. A menos que tenhamos um Antigo vivo, uma Companheira de Raça e algo como vinte anos de vantagem.
Os guerreiros o olharam com expressão preocupada.
Niko passou uma das mãos por seu cabelo loiro.
– Ah, droga! Você não acha que...
– Eu quero muito estar errado – disse Rio. – Mas é melhor acordarmos Lucan.
Capítulo 20
Ficar sozinha depois de Rio ter partido deixou Dylan bastante inquieta. Sua mente estava girando e girando e suas emoções estavam agitadas. E ela não podia evitar pensar em sua vida anterior em Nova York. A mulher tinha de fazer sua mãe saber que ela finalmente estava bem.
Dylan acendeu a lâmpada de um abajur e pegou seu celular. Ela praticamente tinha se esquecido da existência do aparelho desde que chegara ali, pois o havia tirado do bolso da calça cargo e escondido debaixo do colchão da cama de Rio, pronto para ser alcançado tão logo fosse seguro.
Ela ligou o aparelho, fazendo o possível para abafar o som que ele emitia conforme voltava à vida. Era um milagre ainda haver bateria, mesmo que o mínimo. Uma barra era melhor do que nada, pensou Dylan.
O visor mostrou que havia algumas mensagens de voz na caixa postal.
Ela finalmente tinha o serviço de volta.
Ah, graças a Deus!
O número para retornar a chamada na primeira mensagem era de Nova York – mais especificamente, do escritório de Coleman Hogg. Dylan ouviu a mensagem e não se surpreendeu ao ouvir o homem estar cuspindo fogo pelas ventas, descrevendo – rudemente – a má educação de Dylan pelo fato de ela ter deixado o fotógrafo freelance, que ele havia contratado, esperando em Praga.
A mulher saltou o resto do sermão de Hogg e passou para a próxima mensagem. Tinha sido recebida dias atrás e era de sua mãe, querendo saber notícias, dizendo que a amava e que esperava que a filha estivesse aproveitando a viagem. Sua voz soava cansada, o que deixou o coração de Dylan apertado.
Havia, ainda, outra mensagem de seu chefe. Dessa vez, ele parecia ainda mais zangado e dizia que descontaria do salário da jornalista o pagamento do fotógrafo, e que considerava o e-mail que ela tinha mandado, dizendo que tiraria umas férias, como um pedido de demissão. Dylan, portanto, estava desempregada.
– Ótimo – ela murmurou em voz baixa, enquanto passava para a mensagem seguinte.
Ela não podia ficar nervosa ou chateada com a perda do emprego, mas a falta de um salário logo seria sentida. A menos que Dylan encontrasse algo melhor, algo maior. Algo monumental, na verdade. Algo com dentes de verdade... ou com presas, como de fato eram.
– Não – disse rispidamente antes mesmo que a ideia terminasse de se formar em sua cabeça.
Ela não poderia de forma alguma levar aquela história toda a público, ainda. Não naquele momento, quando ainda havia muitas perguntas sem respostas – e, principalmente, não naquele momento, quando ela mesma tinha se tornado parte daquela história, por mais bizarro que fosse pensar naquilo tudo e na forma que aquilo ganhava.
E ainda havia Rio.
Se houvesse uma razão para Dylan proteger o que tinha descoberto sobre a existência de outras espécies além do ser humano, essa razão era Rio. E Dylan não queria traí-lo ou colocá-lo em qualquer situação de risco, especialmente agora que ela estava começando a conhecê-lo melhor, agora que ela estava começando a se preocupar com ele, por mais perigoso que isso pudesse ser.
O que acontecera entre eles há pouco mexeu com ela profundamente. O beijo fora maravilhoso. A sensação do corpo de Rio pressionado tão intimamente contra o seu tinha sido a coisa mais sensual que Dylan já provara. E a sensação dos dentes dele – das presas dele – pastoreando a frágil pele de seu pescoço tinha sido tão aterrorizante quanto erótica. Será que ele realmente a teria mordido? E se tivesse, o que aconteceria com ela?
Baseada no quão rápido Rio havia abandonado o quarto, Dylan não esperava ter essas respostas. E aquilo não deveria deixá-la tão mal.
O que ela precisava fazer era sair daquele lugar – fosse ele qual fosse – e voltar para sua vida. Dylan precisava voltar para sua mãe, que provavelmente estava ficando louca de preocupação agora que já havia três dias que a filha não entrava em contato.
As três chamadas seguintes eram do abrigo de sua mãe e todas tinham sido recebidas na noite anterior. Não havia mensagens, mas a proximidade das ligações indicava a urgência do assunto. Dylan pressionou o botão de discagem rápida para a casa de Sharon e esperou enquanto o telefone chamava sem resposta do outro lado da linha. O celular também não foi atendido. Com o coração não mão, marcou o número que havia registrado em seu telefone e ligou. Janet atendeu:
– Bom dia. Escritório de Sharon Alexander.
– Janet, olá. Sou eu, Dylan.
– Jesus Cristo, Dylan. O que você está fazendo? Onde você está? – as perguntas soaram estranhamente preocupadas, como se Janet, de alguma forma, já soubesse – ou pensasse que soubesse – que Dylan provavelmente não estava tendo um dia bom. – Você está no hospital?
– O quê? Não, não... – O estômago de Dylan se retorceu. – O que aconteceu? É minha mãe? O que houve?
– Ela se sentiu um pouco cansada depois do cruzeiro, e ontem ela desmaiou aqui. Dylan, querida, ela não está muito bem. Nós a levamos para o hospital e eles a internaram.
– Deus... – Todo o corpo de Dylan ficou adormecido, paralisado no lugar. – Ela teve uma recaída?
– Eles acreditam que sim. – A voz de Janet era a mais tranquila que podia ser em uma situação como aquela. – Sinto muito, querida.
Lucan não estava feliz por ter sido tirado da cama com Gabrielle no meio do dia, mas assim que ouviu o motivo da interrupção de seu sono, o líder da Ordem ficou imediatamente atento. Ele vestiu um par de jeans escuros e uma camisa de seda desabotoada e saiu no corredor, onde Rio, Nikolai e Chase o esperavam.
– Vamos precisar de Gideon – disse Lucan, enquanto pegava o celular e discava para o outro guerreiro. Ele murmurou uma saudação apressada e um rápido pedido de desculpas e imediatamente deu a Gideon a notícia que Rio e os outros tinham acabado de compartilhar. Enquanto os quatro se dirigiam pelo corredor para o laboratório tecnológico, o centro de comando pessoal de Gideon, Lucan terminou a conversa e desligou o telefone. – Ele está a caminho – disse. – Sinceramente, espero que você esteja errado quanto a isso, Rio.
– Eu também – respondeu Rio, tão nervoso quanto qualquer um à simples consideração daquilo.
Não demorou nem dois minutos para Gideon se juntar à improvisada reunião. Ele apareceu no laboratório usando uma calça de moletom cinza, uma camiseta branca que marcava seus músculos e um par de tênis com os cadarços desamarrados que demonstravam que ele tinha enfiado os pés ali e saído correndo. Ele atirou-se na cadeira giratória diante de seu computador e começou a abrir programas e mais programas em várias telas.
– Certo, estamos enviando sondas espiãs para todas as agências de notícias e para o Banco Internacional de Dados – ele disse, olhando para os monitores enquanto os dados lentamente começavam a preencher as telas. – Humm. Isso é estranho. Você disse que um dos dois mortos da Primeira Geração está fora de Seattle?
Nikolai confirmou.
– Bem, não de acordo com isso. As informações sobre Seattle não retornaram resultados. Não há relatos de mortes recentes por lá. Tampouco há relatos de um Primeira Geração naquela população, embora isso seja relativo. O Banco Internacional de Dados só foi implantado há algumas décadas, portanto, de forma alguma é completo. Temos poucos membros antigos da Raça catalogados, mas a maioria dos vinte e poucos Primeira Geração que ainda respiram tendem a proteger sua privacidade. Há rumores de que alguns deles são verdadeiros ermitões que não se aproximam de um Refúgio há mais de um século. Suponho que eles acreditem ter ganhado alguma autonomia depois de mais de mil anos de vida. Não é isso, Lucan?
Lucan, que tinha por volta de novecentos anos e também não aparecia no Banco Internacional de Dados, apenas grunhiu como resposta enquanto seus olhos acinzentados se estreitavam sobre os monitores do computador.
– E quanto à Europa? Há algo sobre o Primeira Geração que Reichen mencionou?
Gideon digitou uma rápida sequência em seu teclado e entrou em outro software de segurança como se aquilo tudo fosse um vídeo game.
– Merda. Não, não aparece nada. Eu tenho que dizer uma coisa, cara, esse silêncio é tenebroso.
Rio concordava:
– Então, se ninguém está relatando mortes de integrantes da Primeira Geração, deveria haver pelo menos mais do que os dois que conhecemos até agora.
– Há algo que precisamos descobrir – disse Lucan. – Quantos Primeira Geração estão registrados no Banco Internacional de Dados, Gideon?
O guerreiro fez uma rápida busca.
– Sete, entre os Estados Unidos e a Europa. Vou mandar a relação de nomes e Refúgios para a impressora agora.
Quando a única página saiu da impressão, Gideon a agarrou e a estendeu para Lucan. O guerreiro líder a observou:
– A maioria desses nomes me é familiar. Conheço dois ou três outros que não estão listados. Tegan provavelmente conhecerá outros. – Ele colocou a lista na mesa de reunião de modo que Rio e os outros pudessem vê-la. – Algum nome de um Primeira Geração que vocês sintam falta nessa lista?
Rio e Chase balançaram a cabeça negativamente.
– Sergei Yakut – murmurou Niko. – Eu o vi uma vez na Sibéria quando eu era um garoto. Ele foi o primeiro Primeira Geração que eu conheci – caramba, o único, até eu vir para Boston e conhecer Lucan e Tegan. O nome dele não está na lista.
– Você acha que conseguiria encontrá-lo se fosse necessário? – perguntou Lucan. – Presumindo que ele ainda esteja vivo, eu quero dizer.
Nikolai riu.
– Sergei Yakut é um mesquinho filho da mãe. Mesquinho demais para morrer. Posso apostar que ainda está vivo e sim, acredito que eu poderia encontrá-lo.
– Ótimo – disse Lucan, com expressão fechada. – Quero que faça isso o mais rápido possível. Para o caso de estarmos lidando com uma situação potencial de um assassino em série, precisamos conseguir os nomes e as localizações de todos os Primeira Geração que existem.
– Tenho certeza de que a Agência sabe pouco mais do que nós aqui – completou Chase. – Eu ainda tenho um ou dois amigos lá. Provavelmente alguém saiba de algo ou possa indicar alguém que saiba.
Lucan balançou a cabeça.
– Sim. Veja isso, então. Mas estou certo de que não preciso lhe dizer para manter todas as suas cartas na manga quando estiver lidando com eles. Você pode ter alguns amigos na Agência, Harvard, mas a Ordem certamente não tem. E, sem querer ofender, confio neles até o momento de poder chutar-lhes o traseiro.
Lucan lançou um olhar sério para Rio.
– E quanto aos outros prováveis problemas que você trouxe, aquele Antigo que pode ter voltado à vida e estar sendo usado para a criação de uma nova linhagem de vampiros de Primeira Geração? – Ele balançou novamente a cabeça, completando conforme deixava escapar pelos lábios bem desenhados uma maldição. – É um cenário de pesadelo, meu amigo. Mas pode muito bem ser verdade.
– Se for – disse Rio –, então é melhor nós esperarmos, que conseguiremos controlar isso logo. E estamos décadas atrás do filho da mãe.
Ao terminar de dizer isso, Rio se deu conta de que estava usando nós para se referir aos guerreiros e seus objetivos. Ele estava se incluindo novamente na Ordem. Mais do que isso, ele estava começando, de fato, a se sentir parte de toda a coisa novamente – uma parte ativa, um membro importante – enquanto estava ali com Lucan e com os outros, fazendo planos, considerando estratégias. E ele se sentia bem, aliás.
Talvez ainda pudesse haver um lugar para ele ali afinal de contas. Ele esteve confuso e cometeu alguns erros, mas talvez pudesse voltar a ser o que era antes.
Rio ainda estava degustando aquela esperança que lhe acometera subitamente quando um leve bip começou a apitar em uma das estações que Gideon estava monitorando. O guerreiro empurrou a cadeira até o computador, franzindo a sobrancelha.
– O que é isso? – perguntou Lucan.
– Estou captando um sinal de um celular ligado aqui no complexo. E não é um dos nossos – respondeu antes de lançar o olhar para Rio. – Está vindo do seu quarto – completou.
Dylan.
– Merda – chiou Rio, conforme a ira tomava conta de seu corpo. – Ela disse que não tinha nenhum celular.
Maldição. Dylan mentira para ele.
E se ele estivesse preocupado com a situação toda como deveria estar, teria revistado todo o corpo dela – da cabeça às pontas dos pés.
Uma jornalista em posse de um telefone. Pelo que ele sabia, ela poderia estar sentada em seu quarto nesse exato momento contando tudo o que tinha visto e ouvido para a CNN – expondo a Raça aos humanos e fazendo isso debaixo do seu nariz.
– Não havia nada em sua mochila que indicava que ela tinha um celular – murmurou Rio, uma desculpa esfarrapada e esdrúxula, ele sabia. – Merda! Eu devia tê-la revistado.
Gideon digitou algo em um de seus vários painéis.
– Posso arrumar uma interferência, cortar o sinal – disse.
– Então faça – disse Lucan. Depois, virou-se para Rio:
– Temos alguns fios soltos que precisamos cortar, meu amigo. Incluindo aquele que está em seu quarto.
– Sim – disse Rio, sabendo que Lucan estava certo. Dylan tinha de tomar uma decisão e o tempo estava se tornando crucial agora que a Ordem tinha outros problemas com os quais lidar.
Lucan pousou a mão no ombro largo de Rio.
– Acredito que está na hora de eu conhecer Dylan Alexander pessoalmente.
– Janet...? Alô? Eu não consegui o número do quarto de minha mãe. Alô...? Janet...? Você está me ouvindo? Ainda está aí?
Dylan afastou o celular da orelha e olhou para o visor. Sem sinal.
– Merda.
Ela segurou o aparelho na altura de sua cabeça e começou a caminhar pelo quarto, procurando por um ponto em que pudesse conseguir algum sinal. Nada. A porcaria tinha morrido no meio de sua ligação, cortando a conversa, apesar de a bateria não estar completamente descarregada.
Dylan sequer podia pensar direito. Ela estava muito agitada. Sua mãe, no hospital? Uma recaída? Jesus Cristo!
A mulher por pouco resistiu à vontade de atirar o aparelho contra a parede mais próxima.
– Merda!
Freneticamente, ela caminhava para a outra sala para tentar completar outra ligação e quase desmaiou de susto quando a porta do quarto foi arregaçada por uma força que mais parecia um vendaval do lado de fora. Era Rio.
E ele estava zangado.
– Me dê isso, Dylan. – Seus brilhantes olhos cor de âmbar e suas presas salientes deram um nó no estômago de Dylan. Ela estava com medo, mas também estava zangada, estava arrasada com a recaída da mãe. Ela precisava vê-la. Precisava sair daquela irrealidade em que tinha sido jogada desde que fora raptada na Europa e voltar para as coisas que realmente importavam.
Jesus Cristo, ela pensou, quase à beira de ceder completamente. Sua mãe estava novamente mal, e sozinha em algum quarto de hospital perdido na cidade. Dylan precisava estar lá, com ela.
Rio entrou no quarto.
– O telefone, Dylan. Me dê a porcaria do telefone. Agora.
Foi então que ela percebeu que Rio não estava sozinho. De pé, atrás dele, no corredor, havia um homem enorme – media, facilmente, dois metros de altura, e tinha cabelos negros e olhos ameaçadores que desmentiam sua calma aparente. Ele permaneceu parado conforme Rio caminhava na direção de Dylan.
– Vocês fizeram alguma coisa com meu telefone? – ela perguntou com veemência, bastante aterrorizada com Rio e com aquela nova ameaça, mas também bastante preocupada com a mãe para ter tempo de pensar no que aconteceria (ou poderia acontecer) no segundo seguinte. – O que vocês fizeram para ele parar de funcionar? Diga! Que diabos vocês fizeram?
– Você mentiu para mim, Dylan!
– E você me sequestrou! – Ela odiava as lágrimas que subitamente começaram a correr pelas aquecidas maçãs de seu rosto. Ela as odiava quase tanto odiava seu cativeiro, o câncer e a dor gelada que começava a latejar em seu peito desde que ligara para o abrigo e soubera das notícias.
Rio estendeu a mão conforme caminhara em direção a ela. O homem no corredor também entrou. Sem perguntar qualquer coisa, Dylan sabia que ele também era um vampiro, um guerreiro da Raça como Rio. Os olhos cinza dele pareciam penetrá-la como lâminas afiadíssimas, e, como um animal sente um predador pelo vento, Dylan sentia que, onde Rio era perigoso, aquele outro homem era exponencialmente mais perigoso e mais forte. Mais forte e mais letal, apesar de sua aparência jovem.
– Para quem você estava ligando? – perguntou Rio.
Ela não diria. Agarrou o fino celular com toda a – pouca – força que tinha no pulso, protegendo-o, mas, naquele momento, sentia uma energia empurrando seus dedos, forçando-os a se abrirem. Dylan não conseguia mantê-los fechados, por mais que tentasse, e apenas pôde ofegar enquanto o aparelho voava para fora de sua mão e pousava sobre a palma aberta do vampiro que estava com Rio.
– Há algumas mensagens aqui de um jornal – ele anunciou sombriamente. – E várias chamadas de outros números de Nova York. A casa de uma tal de Sharon Alexander, o celular dessa mesma pessoa e uma chamada com um número restrito em Manhattan. Essa foi a que cortamos.
Rio xingou.
– Você falou para alguém alguma coisa sobre nós ou sobre o que você viu aqui?
– Não! – ela insistiu. – Eu não falei. Juro. Eu não sou uma ameaça para vocês.
– Há o problema das fotografias que destruímos e do artigo que você enviou para seu chefe. – O homem sombrio a lembrou, da mesma forma como você lembra um condenado o motivo de ele estar sendo mandado para a câmara de gás.
– Vocês não precisam se preocupar com isso – ela disse, ignorando o riso sarcástico de Rio conforme ela falava. – A mensagem do jornal era meu chefe me comunicando que eu estava demitida. Bem, tecnicamente foi uma demissão involuntária, pelo fato de eu não ter aparecido no encontro com o fotógrafo em Praga porque estava ocupada sendo sequestrada.
– Você foi demitida? – perguntou Rio, franzindo a sobrancelha.
Dylan deu de ombros.
– Pouco importa. Mas duvido que a essa altura meu chefe vá usar qualquer uma das fotos ou uma linha sequer da história que eu mandei para ele.
– Isso já não nos preocupa – o homem sombrio a olhou como se estivesse medindo sua reação. – Nesse momento, o vírus que enviamos para ele deve ter varrido todos os computadores do escritório. Seu chefe – ex-chefe – vai passar o resto da semana tentando reparar os estragos.
Dylan realmente não queria se sentir contente com aquilo, mas a imagem de Coleman Hogg diante das máquinas arruinadas ocupava um lugar brilhante em sua cabeça agora.
– O mesmo vírus foi enviado para todos para quem você enviou as fotos – o enorme homem informou. – Isso cuida para que nenhuma prova venha a ser exposta, mas ainda temos de cuidar do fato de muitas pessoas estarem andando por aí de posse de informações que não podemos permitir que elas tenham. Informações que elas podem, consciente ou inconscientemente, passar adiante. De modo que precisamos eliminar os riscos.
Um frio acometeu subitamente o estômago de Dylan.
– O que você quer dizer com eliminar os riscos?
– Você precisa tomar uma decisão, senhorita Alexander. Hoje à noite, você será levada para um dos Refúgios e ficará sob a proteção da Raça ou será enviada de volta para sua casa em Nova York.
– Preciso ir para casa – ela disse. Não havia decisão alguma a ser tomada. Dylan olhou para Rio e encontrou-o olhando fixamente de volta para ela, com uma expressão indecifrável. – Preciso voltar para Nova York imediatamente. Quer dizer que sou livre para ir embora?
Aquele severo olhar cinza voltou-se para Rio, em silêncio.
– Esta noite, você levará a senhorita Alexander para a casa dela em Nova York. Quero que cuide disso. Niko e Kade podem se ocupar dos outros com os quais ela teve contato.
– Não! – gritou Dylan. O frio em seu estômago converteu-se imediatamente em um medo glacial. – Ah, meu Deus! Não, diga-lhe que não faça isso... Rio...
– Fim da discussão – disse o homem, dirigindo sua atenção a Rio e ignorando completamente o desespero de Dylan. – Vocês partem ao anoitecer.
Rio assentiu solenemente, aceitando as ordens como se elas lhe causassem absolutamente nada. Como se tivesse feito aquilo uma centena de vezes.
– A partir dessa noite, Rio, não deixe mais fios soltos. – Os olhos gelados do homem deslizaram mordazmente para Dylan antes de voltarem para Rio. – Nenhum.
Enquanto seu aterrorizante amigo saía, Dylan virou-se agitada para Rio.
– O que ele quis dizer com eliminar os riscos? Não deixar mais fios soltos?
Rio a olhou com o cenho franzido. Havia acusação naquele penetrante olhar topázio, uma mordaz frieza e muito pouco do homem tenro e ferido que ela havia beijado naquele mesmo quarto pouco tempo antes. Dylan sentiu frio sob a rajada daquele olhar duro e era como se olhasse para um estranho.
– Não vou deixar que seus amigos façam mal a ninguém – ela disse, desejando que sua voz não soasse tão débil. – Não vou deixar que eles os matem!
– Ninguém vai morrer, Dylan. – O tom de Rio era calmo e tão distante que era quase reconfortante. – Vamos apagar das memórias deles o que eles viram nas fotografias, e de tudo o que você possa ter dito sobre a caverna, a cripta ou a Raça. Não vamos feri-los, mas precisamos limpar as mentes deles de qualquer lembrança que possam ter das coisas.
– Mas como? Eu não entendo...
– Você não precisa entender – disse calmamente.
– Porque eu também não vou me lembrar de nada, é isso o que você quer dizer?
Ele a olhou por um longo momento, em silêncio. Ela procurou em seu rosto alguma pista de emoção além daquela petrificada que ele estampava naquele momento. Nada. Tudo o que Dylan via era um homem completamente preparado para a tarefa que lhe havia sido conferida, um guerreiro comprometido com sua missão. E nem aquela ternura que ela vira nele antes ou tampouco a necessidade que ela achava que ele sentia por ela o impediriam de fazer o que tinha de ser feito. Nada. Ela era uma prisioneira à sua mercê. Um inconveniente problema que ele pretendia eliminar.
As sobrancelhas de Rio se juntaram ligeiramente enquanto ele balançava a cabeça de forma vaga.
– Esta noite você vai para casa, Dylan Alexander.
Ela deveria estar feliz ao ouvir aquilo – deveria estar aliviada, pelo menos – mas Dylan se sentia estranhamente desolada enquanto assistia o enorme corpo de Rio deixar o quarto e fechar a porta atrás de suas costas largas.
Capítulo 21
Ele voltou depois de algumas horas e lhe disse que era hora de partir. Dylan não se surpreendeu com o fato de sua próxima memória consciente ter sido acordar no banco traseiro de um SUV escuro enquanto Rio estacionava na calçada em frente ao prédio onde ela vivia, no Brooklyn. Enquanto ela se sentava, sonolenta, Rio a olhou nos olhos pelo retrovisor. Dylan franziu a testa.
– Você me fez apagar outra vez.
– Pela última vez – ele respondeu em voz baixa, como se estivesse se desculpando.
Em seguida, Rio desligou o motor e abriu a porta do lado do motorista. Estava sozinho ali na frente. Não havia sinal dos outros que deviam acompanhá-los – dos que tinham recebido ordens para cuidar das outras pendências enquanto Rio cuidava pessoalmente dela.
Deus, pensar que sua mãe estaria em contato com aqueles seres perigosos com quem Rio andava a fez estremecer de ansiedade. Sua mãe já estava enfrentando problemas suficientes. Dylan não queria que ela sequer passasse perto dessa nova e obscura realidade.
Dylan se perguntava de quanto tempo Rio precisaria para pegá-la se ela tentasse fugir do SUV. Se ela conseguisse uma vantagem suficientemente grande, talvez conseguisse chegar à estação de metrô em Midtown, onde ficava o hospital. Mas quem ela estava tentando enganar? Rio a tinha seguido de Jicín até Praga. Encontrá-la em Manhattan podia ser um desafio para ele... Um desafio que duraria aproximadamente trinta segundos.
Mas, diabos! Ela precisava ver sua mãe. Precisava estar com ela, ao lado da cama dela, e ver seu rosto para poder ter certeza de que estava bem.
Por favor, Senhor, faça com que ela esteja bem.
– Pensei que você teria companhia nesta viagem – disse Dylan, com a esperança de que algum milagre tivesse provocado uma mudança de planos e que, por conta disso, os amigos de Rio tivessem ficado para trás. – O que aconteceu com os outros caras que viriam com você?
– Eu os deixei na cidade. Eles não precisam estar aqui com a gente. Eles vão entrar em contato comigo quando terminarem.
– Quando terminarem de aterrorizar um grupo de pessoas inocentes, você quer dizer? Como você pode ter certeza de que seus colegas vampiros não vão decidir aceitar uma pequena doação de sangue com as lembranças que vão roubar?
– Eles têm uma missão específica, e vão se limitar a ela.
Dylan olhou nos olhos topázio esfumaçados que a encaravam pelo espelho.
– Exatamente como você, certo?
– Exatamente como eu. – Rio saiu do veículo e foi até a porta de trás para pegar a mochila e a bolsa lateral no assento ao lado dela. – Vamos, Dylan. Não temos muito tempo para terminar com tudo isso. – Quando ela não se moveu, Rio se aproximou e a surpreendeu com uma carícia suave na bochecha. – Vamos. Vamos entrar agora. Tudo vai ficar bem.
Ela deixou o banco de couro e subiu as escadas de concreto enquanto Rio ainda estava na entrada do edifício. Rio tirou as chaves da bolsa e passou-as para ela. Dylan abriu a fechadura e entrou no prédio, dentro do hall do saguão azul, que agora fedia a mofo, sentindo-se como se estivesse fora de casa por dez anos.
– Meu apartamento fica no segundo andar – ela murmurou, mas Rio provavelmente já sabia. Ele caminhava logo atrás dela enquanto os dois subiam as escadas até o apartamento no final de um corredor de uso comum.
Dylan destrancou a porta e Rio entrou antes dela, mantendo-a atrás dele como se estivesse acostumado a entrar em lugares perigosos – como se estivesse acostumado a fazer isso na linha de frente. Ele era um guerreiro, não havia dúvida alguma. Se fosse o caso de seu comportamento cauteloso e de seu imenso tamanho não confirmarem esse fato, a enorme arma que ele escondia no cinto de suas calças cargo pretas certamente o faziam. Ela o observou enquanto ele averiguava o local. Então, Rio parou ao lado da estação de trabalho com um computador, próximo a um canto do apartamento.
– Eu vou encontrar neste computador alguma coisa que não deveria estar aqui? – ele perguntou enquanto ligava o monitor, que se acendeu com uma luz azul clara.
– Esse computador é velho. Eu quase não o uso.
– Você não vai se importar se eu verificar – disse Rio. E aquilo não era uma pergunta, pois ele já estava abrindo e verificando o conteúdo do disco rígido. Ele não encontraria nada além de alguns dos primeiros artigos escritos por ela e algumas mensagens antigas.
– Vocês têm muitos amigos? – perguntou Dylan, posicionando-se atrás dele.
– Temos uma quantidade suficiente.
– Eu não sou um deles, você sabe – ela acendeu a luz, mais para ela mesma do que para Rio, já que ele obviamente não se importava com a escuridão. – Não vou espalhar o que você me disse, nem o que vi nesses últimos dias. Nem uma palavra, eu juro. E não é porque você vai tirar essas lembranças de mim. Eu manteria seu segredo, Rio. Só quero que você saiba disso.
– Não é tão simples assim – disse ele, agora de frente para ela. – O segredo não estaria seguro. Nem para você, nem para nós. Nosso mundo se protege, mas perigos existem, e nós não podemos estar em todas as partes. Deixar alguém fora da nação dos vampiros ter informações a nosso respeito poderia ser catastrófico. De vez em quando isso acontece, mas não é aconselhável. A verdade já foi confiada a um humano aqui ou acolá, mas algo desse tipo é extremamente raro. E eu nunca vi as coisas darem certo no final. Alguém sempre sai ferido.
– Eu sei me cuidar.
Rio deu uma leve risada, embora não houvesse humor algum em seu gesto.
– Não tenho dúvida de que você saiba. Mas isso é algo diferente, Dylan. Você não é apenas uma humana. Você é uma Companheira de Raça, e isso sempre vai significar que você é diferente. Você pode se ligar a um homem da minha espécie por meio do sangue, e vocês podem viver para sempre. Bem, algo muito parecido com para sempre.
– Você quer dizer como Tess e seu companheiro?
Rio assentiu.
– Como eles, sim. Mas para ser parte do mundo da Raça, você teria de cortar seus laços com o mundo humano. Teria de deixá-los para trás.
– Não posso fazer isso – disse ela. Seu cérebro automaticamente repelia a ideia de deixar a mãe. – Minha família está aqui.
– A Raça também é sua família. Eles cuidariam de você como uma família, Dylan. Você poderia começar uma vida muito agradável no Refúgio Secreto.
Ela não pôde deixar de notar que ele estava falando de tudo aquilo a uma cômoda distância, mantendo-se totalmente fora da equação. Uma parte dela se perguntava se seria tão fácil recusar o convite se ele estivesse pedindo pessoalmente para entrar no mundo dele.
Mas ele não estava, de forma alguma, fazendo isso. E a escolha de Dylan, fácil ou não, teria sido a mesma, independentemente do que Rio lhe oferecesse.
Negando com a cabeça, ela disse:
– Minha vida está aqui, com minha mãe. Ela sempre esteve ao meu lado e não posso deixá-la. Eu jamais faria isso. Nem agora, nem nunca.
E Dylan precisava achar uma maneira de se encontrar logo com sua mãe, ela pensou, resistindo constantemente a Rio, que media cada centímetro de seu corpo com os olhos. Ela não queria esperar até ele decidir apagar sua memória agora que ela tinha optado por deixar o mundo dos vampiros.
– Eu... é... tenho que usar o banheiro – ela murmurou. – Espero que você não ache necessário me vigiar durante esse momento...
Os olhos de Rio se estreitaram ligeiramente, mas negou com sua cabeça.
– Vá. Mas não demore muito tempo.
Dylan não podia acreditar que ele realmente a estava deixando ir ao banheiro ao lado e se trancar sozinha lá dentro. Enquanto analisava o apartamento, ele deve ter se esquecido de verificar que havia uma pequena janela no banheiro.
Uma janela que dava para uma escada de incêndios – e uma escada de incêndios que levava até a rua lá em baixo.
Dylan abriu a torneira e deixou uma pesada corrente de água fria correr pela pia enquanto refletia sobre a insanidade que estava prestes a tentar fazer. Havia um vampiro de mais de noventa quilos, treinado para combates e fortemente armado esperando por ela do outro lado da porta. E ela já tinha testemunhado aqueles reflexos, rápidos como um raio, e, portanto, as chances de vencê-los eram nulas. Tudo o que podia esperar era escapar sigilosamente, e isso significava conseguir abrir a janela deteriorada sem fazer muito ruído e, em seguida, descer a escada de incêndio instável sem fazê-la desmoronar. Se conseguisse ultrapassar esses enormes obstáculos, ela só teria de começar a correr até chegar à estação de metrô.
– Sim, muito simples.
Dylan sabia que estava louca, mesmo enquanto se apressava na direção da janela e abria o trinco. Foi necessário dar uma boa pancada para amolecer as várias camadas de tinta antiga que tinham selado aquela janela. Dylan tossiu algumas vezes, alto o suficiente para disfarçar o barulho que fazia enquanto dava as pancadas.
Ela esperou um segundo, atenta aos movimentos no cômodo ao lado. Quando estava segura de que não ouvira nada, levantou a janela e se viu diante do ar úmido da noite na cidade.
Jesus Cristo! Ela ia realmente fazer isto?
Ela tinha de fazer.
Nada era mais importante do que ver sua mãe.
Dylan colocou metade do corpo para fora, buscando assegurar-se de que o caminho estava limpo. E estava. Ela conseguiria fazer aquilo. Tinha de tentar. Depois de respirar fundo algumas vezes para criar coragem, deu a descarga e, então, subiu pela janela enquanto o banheiro produzia o ruído que abafaria sua ação.
Sua descida pela escada de incêndios foi apressada e desajeitada, mas, em alguns segundos, seus pés pousavam sobre a calçada. Assim que tocou o chão, correu desesperadamente na direção do metrô.
Enquanto a água corria na pia do banheiro, Rio de fato tinha escutado o deslizamento quase silencioso da janela que era aberta atrás daquela porta fechada. A descarga não abafou totalmente o ruído emitido pela escada de incêndio enquanto Dylan caminhava rápida, porém cuidadosamente.
Ela estava tratando de escapar, exatamente como ele esperava acontecer.
Ele tinha visto a mente de Dylan girar enquanto eles conversavam. Também percebeu um desespero crescente naqueles olhos a cada minuto em que ela era forçada a ficar no apartamento com ele. Rio sabia, mesmo antes de ela inventar aquela desculpa de precisar ir ao banheiro, que Dylan tentaria escapar dele na primeira oportunidade.
E ele poderia tê-la detido, assim como poderia detê-la agora, enquanto ela descia pela escada cambaleante de aço em direção à rua onde ficava o apartamento. No entanto, ele estava mais curioso acerca de para onde ela planejava fugir. E atrás de quem ela estava indo.
Ele acreditou quando ela disse que não pretendia expor a Raça às agências de notícias do mundo humano. Se Dylan estivesse mentindo, ele não saberia o que fazer. E não quis pensar que podia estar tão equivocado a respeito daquela mulher. Rio disse a si que nada disso importaria se ele simplesmente apagasse aquelas informações da mente dela.
Porém, ele tinha hesitado em apagar a mente dela depois que ela disse que não deixaria o mundo humano para se unir à Raça. Rio hesitou porque concluiu, de forma bastante egoísta, que simplesmente não estava pronto para apagar os pensamentos dela.
E agora ela estava correndo na noite, longe dele. Com uma cabeça cheia de lembranças e informações que ele seguramente não podia deixar na mente dela.
Rio levantou-se da escrivaninha de Dylan e entrou no pequeno banheiro. O cômodo estava vazio, como ele sabia que estaria. A janela estava escancarada, bocejando para a noite escura de verão que tomava conta do lado de fora.
Então ele saiu. Seus sapatos golpearam a escada de incêndios em uma fração de segundo antes que ele pulasse da estrutura e pousasse no asfalto, dois pisos abaixo. Rio jogou a cabeça para trás e puxou o ar para dentro de seus pulmões, até finalmente sentir o cheiro de Dylan.
Então, foi atrás dela.
Capítulo 22
Dylan ficou do lado de fora do quarto de sua mãe no décimo piso do hospital, tentando tomar coragem para entrar. O pavilhão de oncologia estava muito quieto naquela noite. Só se ouvia o bate-papo discreto das enfermeiras de plantão e o arrastar ocasional dos pés de alguns pacientes que caminhavam por ali, com suas mãos presas ao suporte para o soro que, com suas rodinhas, seguiam ao lado deles. Não muito tempo atrás, sua mãe tinha sido um desses pacientes fortes, mas agora os olhos inevitavelmente não conseguiam esconder o cansaço.
Dylan detestava pensar que havia mais daquela dor e daquela luta à frente de sua mãe. Os resultados da biópsia que os médicos tinham pedido não estariam prontos antes de alguns dias, segundo uma enfermeira lhe informara. Eles tinham esperança de que os resultados fossem positivos, de que talvez tivessem detectado o problema cedo o suficiente para começar uma nova etapa mais agressiva de quimioterapia. Dylan estava orando por um milagre, apesar do peso no peito enquanto se preparava para más notícias.
Ela bateu contra o dispensador de desinfetante para as mãos colocado junto à porta, esguichou um pouco de álcool em gel nelas e esfregou uma contra a outra. Enquanto retirava um par de luvas de látex de uma caixa no balcão e as colocava, tudo o que tinha acontecido durante os últimos dias – e também durante as últimas horas – fora deixado de lado. Esquecido. Seus próprios problemas evaporaram quando ela abriu a porta. Agora, nada importava; nada exceto aquela mulher curvada na cama, presa a cabos de monitoração e a acessos intravenosos.
Meu Deus! Como sua mãe parecia pequena e frágil deitada ali. Ela sempre tinha sido pequena, cerca de dez centímetros menor que Dylan, com os cabelos de um vermelho mais intenso, mesmo com aqueles fios brancos que haviam brotado desde a primeira batalha contra o câncer. Agora, Sharon tinha cabelos curtos, um corte espetado que a fazia parecer pelo menos uma década mais jovem do que sua verdadeira idade: 64 anos. Dylan sentiu uma pontada de ira irracional e ácida pelo fato de que uma nova fase de quimioterapia assolaria aquela gloriosa coroa formada pelos fios de cabelos vermelhos.
Caminhou suavemente até a cama, tentando não fazer ruído. Mas Sharon não estava dormindo. Ela virou-se para o lado quando Dylan se aproximou. Seus olhos eram de um verde brilhante e caloroso.
– Uau... Olá, Dylan... Minha querida. – A voz de Sharon era fraca, o único sinal físico que denunciava o fato de ela estar doente. Ela estendeu o braço e segurou a mão de Dylan, apertando-a com força.
– Como foi a viagem, querida? Quando você chegou?
Merda. Dylan se lembrou de que tinha esticado sua viagem pela Europa. Para ela, era como se um ano tivesse passado nos poucos dias que tinha estado com Rio.
– Hum... Eu acabei de chegar em casa – respondeu Dylan. Uma mentira parcial, uma meia verdade, afinal de contas.
Ela se sentou na beira do fino colchonete do quarto de hospital, mantendo as mãos juntas às de sua mãe.
– Fiquei um pouco preocupada quando você mudou seus planos de maneira tão repentina. Seu e-mail dizendo que você ficaria mais alguns dias foi tão curto e confuso. Por que não me ligou?
– Sinto muito – desculpou-se Dylan. A mentira que ela tinha de engolir causou ainda mais dor quando ela soube que deixou sua mãe preocupada. – Eu teria telefonado se tivesse conseguido. Ah, mãe... lamento que você não esteja se sentindo bem.
– Eu estou bem. Melhor agora que está aqui. – Sharon tinha o olhar calmo. – Mas eu estou morrendo, querida. Você sabe, não sabe?
– Não diga isso. – Dylan apertou a mão de sua mãe e, em seguida, trouxe aqueles dedos frios até os lábios e os beijou. – Você vai superar isso, da mesma forma como superou da outra vez. Você vai ficar bem.
O silêncio – a delicada indulgência – era uma força palpável naquele quarto. Sua mãe não forçaria o assunto, mas estava o assunto ali, como um fantasma à espreita em um canto.
– Bem, vamos falar de você! Quero saber tudo sobre o que você andou fazendo, por onde passou... Conte-me tudo o que você viu enquanto esteve fora.
Dylan olhou para baixo. Era impossível olhar sua mãe nos olhos quando não poderia dizer a verdade. E não podia dizer a verdade. Bem, a maior parte dos fatos seria inacreditável, de qualquer forma, especialmente a parte em que Dylan confessasse temer estar desenvolvendo sentimentos por um homem perigoso e cheio de segredos. Santo Deus, por um vampiro. Só de pensar, já parecia loucura.
– Quero saber mais sobre essa matéria da cova do demônio em que você está trabalhando, querida. Aquelas fotos que me enviou eram realmente impressionantes. Quando sua matéria vai ser publicada?
– Eu não estou mais trabalhando nessa matéria, mãe. – Dylan sacudiu a cabeça. Ela se arrependia por tê-la mencionado para sua mãe. E também para todas as outras pessoas. – No final, a cova era apenas uma cova – disse, com a esperança de ser convincente. – Não havia nada estranho lá.
Sharon se mostrou cética:
– É mesmo? Mas a tumba que você encontrou e as marcas incríveis nas paredes... O que tudo aquilo estava fazendo lá? Devia significar ou ter significado alguma coisa, não?
– É só uma tumba. Provavelmente muito antiga, algo como uma câmara funerária indígena.
– E as fotos que você tirou daquele homem...
– Um andarilho. Era só isso – mentiu Dylan, odiando cada sílaba que saiu de seus lábios. – As imagens fizeram tudo parecer mais importante do que realmente era. Mas não há matéria alguma, nem mesmo gente adequada para uma porcaria como o jornal de Coleman Hogg. Aliás, ele me demitiu.
– O quê? Ele não fez isso, fez?!
Dylan deu de ombros.
– Sim, é verdade. E está tudo bem, mesmo. Vou encontrar outra coisa.
– Bem, foi ele quem saiu perdendo. De qualquer forma, você é boa demais para aquele lugar. Se servir de consolo, eu achei que você estava fazendo um ótimo trabalho naquela matéria. O senhor Fasso pensou a mesma coisa. Aliás, ele comentou que tem contatos com algumas das grandes agências de notícias da cidade. Ele provavelmente encontraria algo para você se eu falasse com ele.
Ah, droga! Uma entrevista de emprego era a última coisa com que ela precisava se preocupar. Principalmente agora, quando o que Dylan acabara de ouvir tinha lhe dado um nó de terror na garganta.
– Mamãe, você não contou sobre essa história para ele, né?
– Mas é claro que eu contei! E também lhe mostrei as fotos. Sinto muito, mas não posso deixar de me gabar de você, minha pequena estrela.
– A quem... Ah, Deus... Mãe, por favor, diga que não falou sobre isso com muita gente... falou?
Sharon acariciou a mão da filha.
– Não seja tão tímida. Você é muito talentosa, Dylan, e deveria estar trabalhando em matérias maiores, mais impactantes. E o senhor Fasso concorda comigo. Gordon e eu conversamos muito sobre você algumas noites atrás, durante o cruzeiro.
Dylan sentiu seu estômago queimar com a ideia de que mais pessoas sabiam sobre o que ela tinha visto naquela caverna, mas não pôde deixar de observar o brilho de alegria nos olhos de sua mãe quando ela mencionou o nome do fundador do abrigo para fugitivos.
– Então você já está chamando o senhor Fasso pelo primeiro nome, hein?
Sharon deu risada. Um som tão juvenil e alto que Dylan por um instante esqueceu que estava sentada ao lado de sua mãe em um quarto na ala de oncologia de um hospital.
– Ele é muito bonito, Dylan. E absolutamente encantador. Eu sempre pensei que ele fosse um pouco distante, quase frio. Mas, na verdade, ele é um homem muito interessante.
Dylan sorriu:
– Você gosta dele!
– Eu gosto – confessou Sharon. – É muita sorte encontrar um cavalheiro de verdade. Talvez meu verdadeiro príncipe, quem sabe? Quando é tarde demais para eu me apaixonar...
Dylan sacudiu a cabeça, odiando escutar esse tipo de comentário vindo de sua mãe.
– Mãe, nunca é tarde demais. Você ainda é jovem. Ainda tem muito tempo de vida pela frente.
Uma sombra invadiu os olhos de Sharon enquanto ela olhava Dylan e se reclinava sobre a cama.
– Você sempre me fez sentir tanto orgulho! E você sabe disso, não sabe, minha querida?
Dylan assentiu com a cabeça, a garganta apertada:
– Sim, eu sei. E sempre pude contar com você, mãe. É a única pessoa com quem sempre pude contar durante a vida. Somos duas mosqueteiras, não é?
Sharon sorriu ao ouvir sua filha mencionar aquele apelido, mas havia lágrimas brilhando em seus olhos.
– Quero que você fique bem, Dylan. Com isto, quero dizer... Com a minha partida... com o fato de que vou morrer.
– Mãe...
– Escute, por favor. Eu me preocupo com você, querida. E não quero que você fique sozinha.
Dylan secou uma lágrima que corria aquecida pela lateral de seu rosto.
– Não deveria estar pensando em mim agora. Você precisa se concentrar em si mesma, em melhorar. Tem que pensar positivo. A biópsia pode não...
– Dylan, pare e me escute por um segundo, querida. – Sharon se sentou, lançando aquele olhar teimoso que Dylan reconhecia muito bem. Um olhar teimoso em um rosto belo, muito embora cansado. – O câncer está pior do que antes. Eu sei. Eu sinto. E eu o aceitei. Preciso saber que será capaz de suportar isso também, filha.
Dylan olhou para as mãos delas, entrelaçadas. Suas mãos estavam amareladas; as de sua mãe, quase translúcidas, os ossos e os tendões enrijecidos sob a pele fria e pálida.
– Há quanto tempo você vem cuidando de mim, querida? E não me refiro só a desde quando fiquei doente. Desde que você era uma menina, sempre se preocupava comigo e tentava fazer o melhor para cuidar de mim.
Dylan sacudiu a cabeça.
– Nós cuidamos uma da outra. Sempre foi assim.
Dedos suaves se aproximaram do queixo de Dylan, fazendo-a levantar o olhar.
– Você é minha filha. Eu vivi por você e por seus irmãos. Mas você sempre foi meu porto seguro. E você não devia ter vivido para mim, Dylan. Não devia ser o adulto nesta relação. Você merece ter alguém para cuidar sempre de você.
– Eu posso cuidar de mim – murmurou. No entanto, as palavras não soaram muito convincentes quando lágrimas corriam por suas bochechas.
– Sim, você pode. E deve. Mas você merece algo mais da vida. Eu não quero que você tenha medo de viver, ou de amar, Dylan. Pode me prometer que não vai ter medo?
Antes que Dylan pudesse dizer qualquer coisa, a porta se abriu e uma das enfermeiras entrou com algumas novas bolsas de líquidos.
– Como estamos Sharon? Como está sua dor agora?
– Um pouquinho de remédio me faria bem – ela respondeu. Seus olhos deslizaram na direção de Dylan como se estivesse escondendo seu desconforto até agora.
Algo que, obviamente, Sharon estava fazendo. Tudo era muito pior do que Dylan queria aceitar. Ela se levantou da cama e deixou a enfermeira fazer seu trabalho. Depois que a mulher se foi, Dylan voltou ao lado de sua mãe. Era tão difícil para Dylan não deixar cair por terra sua máscara de mulher forte quando olhou aqueles suaves olhos verdes e viu que a chama neles se desvanecia.
– Venha aqui e me dê um abraço, meu amor.
Dylan se inclinou e abraçou os ombros delicados e frágeis, incapaz de não perceber a fragilidade de sua mãe como um todo.
– Eu te amo, mamãe.
– Eu também te amo, querida. – Sharon suspirou enquanto acomodava as costas contra o travesseiro. – Estou cansada, preciso dormir agora.
– Tudo bem – respondeu Dylan, com uma voz rouca. – Vou ficar aqui te fazendo companhia enquanto você dorme.
– Não, não vai. – Sharon sacudiu a cabeça. – Não quero que você fique sentada aqui, preocupada comigo. Não vou deixá-la esta noite, ou amanhã, nem na próxima semana, eu prometo. Mas você precisa ir para casa agora, Dylan. Quero que vá descansar.
“Casa”, pensou Dylan, no momento em que sua mãe caía em um sono induzido por remédios. A palavra parecia estranhamente vazia enquanto ela se lembrava de seu apartamento e das poucas coisas que ela tinha. Aquilo não era casa para ela. Se agora Dylan precisasse ir a algum lugar em que se sentia segura e protegida, aquele buraco lastimável não seria esse lugar. Nunca fora.
Dylan se levantou para sair do quarto. Quando secava as lágrimas, seu olhar percebeu um rosto sombrio e o contorno de ombros largos contra a luz do corredor.
Rio.
Ele a tinha encontrado. Ele havia lhe seguido até ali. Embora todos os sentidos lhe dissessem para fugir dele, Dylan se aproximou. Abriu a porta e o encontrou do lado de fora do quarto de sua mãe. E, sem conseguir falar, ela apenas o envolveu em seus braços e chorou suavemente naquele peito forte sobre o qual ela descansava, agora, a cabeça.
Capítulo 23
Rio não esperava que ela fosse em sua direção ao vê-lo parado ali.
Agora que Dylan estava em seus braços, com o corpo tremendo enquanto chorava, ele viu-se completamente perdido. Ele tinha se livrado de uma parte considerável de sua fúria e de sua suspeita durante o tempo que levou até começar a segui-la pela cidade. Sua cabeça girava por conta de todo aquele barulho e pela presença excessiva de humanos em todos os cantos para onde olhava. Suas têmporas gritavam em consequência das luzes claras enquanto todos os seus sentidos pareciam lutar contra ele.
Mas nada disso importava durante os longos instantes em que ele estava ali, abraçando Dylan, sentindo-a tremer com um medo e uma angústia que chegavam aos ossos. Ela sentia dor, e Rio sentiu uma necessidade esmagadora de protegê-la. Não, ele não queria – não podia – vê-la sentir uma dor como aquela.
Madre de Dios, ele odiava vê-la daquela forma.
Rio acariciou aquelas costas delicadas, encostou sua boca na testa de Dylan enquanto ela acomodava-se logo abaixo do queixo dele. E murmurou algumas palavras confortadoras enquanto oferecia alguns gestos suaves. Isso era tudo que ele conseguia pensar em fazer por ela.
– Tenho tanto medo de perdê-la – sussurrou Dylan. – Ah, Deus... Rio, eu estou aterrorizada.
Ele não precisou pensar muito para saber de quem Dylan estava falando. A paciente que dormia no quarto ao lado tinha os mesmos cabelos flamejantes, era praticamente uma versão mais idosa daquela mulher que Rio agora tinha em seus braços.
Rio inclinou o rosto de Dylan, coberto de lágrimas, em sua direção:
– Você poderia me levar embora daqui, por favor? – ela pediu.
– Eu posso levá-la aonde você quiser – disse Rio, passando a ponta de seu polegar pela bochecha dela, apagando as marcas de lágrimas. – Você quer ir pra casa?
O riso entristecido de Dylan soava tão destruído, tão perdido.
– Podemos simplesmente... sair para caminhar um pouco?
–Sim, é claro – ele assentiu, escondendo-a sob seu braço. – Vamos sair daqui.
Os dois caminharam em silêncio até o elevador, e logo depois saíram do hospital em direção à noite aquecida. Rio não sabia para onde levá-la, então simplesmente caminhou ao lado dela. A poucas quadras do hospital havia uma passarela que conduzia a East River. Eles a cruzaram e, enquanto passeavam pela lateral do rio, ele notou alguns pedestres observando-o.
Percebeu alguns olhares furtivos em suas cicatrizes, e mais de um olhar curioso, como se questionasse o que ele estava fazendo com uma mulher tão linda como Dylan. Uma boa pergunta, e uma pergunta para a qual ele não tinha uma resposta razoável naquele momento. Ele a tinha trazido para a cidade em uma missão – uma missão que certamente não permitia desvios desse tipo.
Dylan finalmente desacelerou, parando contra o corrimão de ferro que funcionava como um mirante para olhar a água.
– Minha mãe ficou muito doente no outono passado. Ela pensou que era bronquite, mas não era. Os exames apontaram câncer de pulmão, embora ela nunca tenha fumado um cigarro sequer na vida. – Dylan ficou em silêncio durante um longo momento. – Ela está morrendo. Foi o que ela acabou de me dizer esta noite.
– Sinto muito – disse Rio, caminhando a seu lado.
Ele queria tocá-la, mas não estava seguro de que ela precisasse de seu consolo. Não estava seguro de que ela aceitaria seu consolo. Em vez disso, ele tocou uma mecha de seus cabelos soltos. Seria fácil fingir que estava tentando evitar que alguns fios fossem soprados pela brisa do verão na direção do rosto dela.
– Não era para eu fazer aquela viagem pela Europa. Aquilo seria a grande aventura de minha mãe com suas amigas, mas ela não estava bem o suficiente para ir, então acabei indo no lugar dela. Eu não devia estar lá. Eu nunca teria posto o pé naquela caverna maldita. Eu nunca teria encontrado você.
– E agora você gostaria de poder desfazer tudo. – Aquilo não era uma pergunta, mas apenas um fato que Rio constatou.
– Eu gostaria de poder desfazer, por ela. Gostaria que ela pudesse ter vivido aquela aventura. Gostaria que minha mãe não estivesse doente. – Dylan virou o rosto para Rio. – Mas eu gostaria de tê-lo conhecido.
Rio ficou surpreso, em silêncio, ao ouvi-la admitir aquilo. Então, ele levou a mão até a linha suave do maxilar de Dylan e olhou profundamente para aquele rosto tão branco e tão lindo a ponto de deixá-lo sem ar. E a forma como ela olhava para ele... Madre de Dios! Era como se ele fosse um homem digno de tê-la, como se ele fosse um homem que ela poderia amar...
Ela expirou um golpe de ar silencioso e regular.
– Eu deixaria tudo para trás sem precisar pensar, Rio. Mas não isso. Não você...
Ah, Cristo.
Antes que ele pudesse se convencer de que aquilo era uma má ideia, Rio abaixou a cabeça e a beijou. Um encontro suave entre as bocas, um toque doce que não deveria fazê-lo arder como de fato fez. Rio se entregou ao doce sabor da boca de Dylan, de modo que ela se sentisse bem naqueles braços.
Ele não devia desejar tão intensamente aquilo. Não devia sentir aquela necessidade, aquela doce afeição que o queimava por dentro toda vez que ele pensava em Dylan.
Rio não devia puxá-la para tão perto, entrelaçando seus dedos nos cabelos sedosos, atraindo-a tão profundamente naquele abraço. Perdendo-se naquele beijo. Ele precisou de muito tempo para se afastar daquele beijo. E, enquanto ainda erguia a cabeça, não conseguiu deixar de acariciar aquele rosto macio. Não conseguia afastar-se dela.
Um grupo de adolescentes passou por eles, garotos desordeiros em roupas grandes demais para seus tamanhos. Eles falavam alto e empurravam uns aos outros à medida que andavam. Rio manteve os olhos nos jovens, suspeitando quando viu o grupo parar ao lado do corrimão para ver quem cuspia mais longe. Eles não pareciam claramente perigosos, mas o tipo de garotos que estava eternamente em busca de problemas.
– Demetrio?
Rio lançou um olhar para Dylan, confuso:
– Hum!?
– Estou perto? Quer dizer, estou perto de dizer seu nome verdadeiro... É Demetrio?
Ele riu, e não pôde resistir. Beijou-a na ponta daquele nariz sardento.
– Não, não é Demetrio.
– Está bem. Bom, então é ... Arrio? – Ela tentou adivinhar, sorrindo para ele sob a luz da lua enquanto caía ligeiramente naqueles braços fortes. – Oliverio? Denny Terrio?
– Eleuterio – ele esclareceu.
Dylan arregalou os olhos:
– Eu-leu-o quê?
– Meu nome é Eleuterio de la Noche Atanacio.
– Nossa! Acho que isso faz Dylan soar bastante comum, não é?
Rio caiu na risada.
– Nada a seu respeito é comum, pode ter certeza.
O sorriso de Dylan era surpreendentemente tímido.
– Então, o que significa um nome lindo como esse?
– Em uma tradução aproximada, seria algo como aquele que é livre e que vive para sempre na noite.
Dylan suspirou.
– Que lindo nome, Rio. Sua mãe deve tê-lo amado muito para lhe dar um nome tão incrível como esse.
– Não foi minha mãe quem me deu esse nome. Ela morreu quando eu era muito jovem. O nome veio mais tarde, de uma família da Raça que vive em um Refúgio Secreto no meu país de origem. Eles me encontraram e me adotaram como um membro daquela família.
– O que aconteceu com a sua mãe? Quer dizer, não precisa me dizer se você não... Eu sei que faço muitas perguntas – disse ela, encolhendo os ombros como se quisesse se desculpar.
– Não, eu não me importo em contar para você – disse Rio, impressionado por estar dizendo aquilo de forma sincera.
Em geral, Rio detestava falar de seu passado. Ninguém na Ordem sabia os detalhes que envolviam o começo de sua vida, nem mesmo Nikolai, que Rio considerava seu amigo mais próximo. Ele não havia sentido nenhuma necessidade de falar sobre isso com Eva. Ela conhecia sua história, pois eles tinham se conhecido no Refúgio Secreto espanhol, onde Rio fora criado.
Eva havia, por educação, escolhido ignorar os fatos desagradáveis que cercavam o nascimento de Rio e os anos que ele tinha passado como um menino enjeitado, matando porque precisava matar, porque não conhecia nenhuma outra opção. Ela nunca perguntou nada sobre o jovem selvagem que ele havia sido antes de ser trazido para o Refúgio Secreto e descobrir como se tornar algo melhor do que o animal que ele tinha se tornado para conseguir sobreviver sozinho.
Rio não queria que Dylan o olhasse com medo ou nojo, mas uma grande parte dele queria contar a verdade a ela. Se conseguia olhar para seu exterior cheio de cicatrizes e não desprezá-lo, talvez também fosse suficientemente forte para ver a destruição que existia dentro dele.
– Minha mãe vivia nos subúrbios de um povoado rural muito pequeno na Espanha. Ela ainda era muito jovem, possivelmente tinha por volta de dezesseis anos quando foi estuprada por um vampiro que havia se transformado em Renegado. – Rio manteve a voz baixa para não ser escutado, embora os humanos mais próximos (os adolescentes rebeldes que ainda se divertiam por ali) não estivessem prestando atenção nenhuma a eles. – O Renegado se alimentou dela enquanto a estuprava, mas minha mãe reagiu. Ela o mordeu, ao que parece. Uma quantidade razoável do sangue dele entrou na boca e, consequentemente, no corpo dela. Como ela era uma Companheira de Raça, a combinação do sangue com o sêmen dele resultou em uma gravidez.
– Você... – sussurrou Dylan. – Ah, meu Deus, Rio. Deve ter sido terrível para ela passar por isso. Mas pelo menos ela teve você no final.
– Foi um milagre ela não ter me abortado – disse ele, olhando para as águas negras e brilhantes do rio, recordando a angústia de sua mãe sobre a abominação a que ela tinha dado à luz. – Minha mãe era apenas uma jovem camponesa. Ela não foi educada, não no sentido de ir à escola, e também não sabia dos assuntos da vida. Vivia sozinha em uma casinha na floresta, construída por seus familiares anos antes de eu nascer.
– O que você quer dizer?
– Manos del diablo – respondeu Rio. – Eles temiam as mãos do diabo. Você se lembra de que eu disse que todas as mulheres que nascem com a marca de Companheira de Raça têm dons especiais... Habilidades de algum tipo?
– Sim – confirmou Dylan
– Bem, o dom da minha mãe era obscuro. Com um toque e um pouco de concentração, ela conseguia trazer a morte. – Rio praguejou em voz baixa e ergueu suas mãos letais: – Manos del diablo.
Dylan permaneceu calada por um momento, estudando-o em silêncio.
– Você também tem esse dom?
– Uma mãe Companheira de Raça passa muitas características para seus filhos: cabelo, pele e cor dos olhos... assim como seus dons. Acredito que se minha mãe soubesse exatamente o que estava crescendo em seu ventre, ela teria me matado muito antes de eu nascer. Ela tentou isso pelo menos uma vez, depois de tudo o que aconteceu.
As sobrancelhas de Dylan enrugaram enquanto ela suavemente colocava sua mão sobre a dele, que estava apoiada na cerca de aço.
– O que aconteceu?
– Esta é uma de minhas primeiras lembranças – Rio confessou. – Veja bem, os filhos da Raça nascem com presas pequenas e afiadas. Logo que saem do útero, precisam de sangue para sobreviver. Sangue e escuridão. Minha mãe deve ter percebido e tolerado tudo isso sozinha, porque, de alguma forma, eu sobrevivi à infância. Para mim, era perfeitamente natural evitar o sol e sugar o pulso de minha mãe para me alimentar. Acredito que, por volta dos meus quatro anos, percebi que ela chorava toda vez que eu precisava me alimentar. Ela me desprezava, desprezava o que eu era e, mesmo assim, eu era tudo que ela tinha.
Dylan acariciou o dorso da mão de Rio.
– Não consigo imaginar como isso deve ter sido para vocês dois.
Rio encolheu o ombro.
– Eu não conhecia outra maneira de viver. Mas minha mãe conhecia. Certo dia, com as cortinas de nossa casa fechada para evitar a luz do dia, minha mãe me ofereceu seu pulso. Quando eu o aceitei, senti sua outra mão se aproximar por trás da minha cabeça. Ela me segurou ali, e a dor me atingiu como se um raio tivesse caído sobre meu crânio. Eu gritei e abri os olhos. Ela estava chorando muito, soluçava enquanto me alimentava e segurava minha cabeça com a mão.
– Jesus Cristo! – sussurrou Dylan, claramente impressionada. – Ela queria matá-lo com o toque?
Rio recordou o choque profundo que sentira quando tinha se dado conta daquilo, uma criança assistindo aterrorizada a pessoa que mais confiava tentar acabar com sua vida.
– Ela não conseguiu ir até o fim – murmurou ele com uma voz apática. – Não sei quais foram seus motivos, mas ela retirou bruscamente a mão e fugiu da casa. Eu não a vi durante dois dias. Quando ela voltou, eu estava faminto e aterrorizado. Pensei que tivesse me abandonado para sempre.
– Ela também tinha medo – apontou Dylan, e Rio ficou contente por não ouvir qualquer sinal de piedade naquela voz. Os dedos de Dylan estavam aquecidos e eram reconfortantes quando ela segurou a mão dele. A mão que Rio acabava de dizer que poderia causar a morte com apenas um toque. – Vocês dois devem ter se sentido muito isolados e solitários.
– Sim – disse ele. – Suponho que sim. Tudo terminou mais ou menos um ano depois. Alguns dos homens da vila viram minha mãe e aparentemente se interessaram por ela. Eles apareceram um dia em casa enquanto nós estávamos dormindo. Três deles. Arrombaram a porta e correram atrás dela. Deviam ter ouvido rumores a respeito dela, porque a primeira coisa que fizeram foi prender as mãos de minha mãe para que ela não pudesse tocá-los.
O ar de Dylan ficou preso em sua garganta.
– Minha nossa, Rio...
– Eles arrastaram-na para fora. Corri atrás deles, tentando ajudá-la, mas a luz do sol era intensa demais e me cegou durante segundos que pareceram uma eternidade, e minha mãe gritava, implorando para que eles não fizessem mal a ela ou a mim.
Rio ainda conseguia visualizar as árvores, tão verdes e exuberantes; o céu, tão azul lá em cima... Uma explosão de cores que ele até então só tinha visto escurecidas quando estava na segurança da noite. E ele ainda conseguia visualizar os homens, três grandes humanos, agredindo uma mulher indefesa, enquanto seu filho assistia, congelado pelo terror e pelas limitações de seus cinco anos.
– Eles a espancaram enquanto a chamavam de nomes horríveis: Maldecida. Manos del diablo. La puta de infierno. Algo tomou conta de mim quando vi o sangue de minha mãe correndo pelo chão. Pulei em um dos homens. Eu estava tão furioso que queria que ele morresse em agonia... e assim foi. Depois que entendi o que tinham feito, fui para cima do outro homem. Então, eu o mordi na garganta e me alimentei dele, enquanto meu toque o matava, lentamente.
Dylan agora o encarava sem dizer nada. Totalmente paralisada.
– O último, então, percebeu o que eu tinha feito. E me chamou dos mesmos nomes que tinha chamado minha mãe, acrescentando dois outros que eu nunca tinha ouvido antes: Comedor de la Sangre e Monstruo; Comedor de sangue e monstro. – Rio soltou uma risada insegura. – Até aquele momento, eu não sabia o que era. Mas, enquanto eu matava o último dos agressores de minha mãe e a via morrer na grama iluminada pelo sol, certo conhecimento enterrado em mim parecia acordar e se levantar. Finalmente entendi que eu era diferente, e o que isso significava.
– Você era apenas uma criança – disse Dylan com uma voz suave. – Como sobreviveu depois disso?
– Durante certo período, passei fome. Tentei me alimentar com sangue de animais, mas aquilo era como veneno. Procurei meu primeiro humano aproximadamente uma semana depois do ataque. Eu estava louco de fome, e não tinha experiência em como encontrar alimento. Matei várias pessoas durante as primeiras semanas em que vivi sozinho. Eu acabaria me tornando um Renegado, mas então um milagre aconteceu. Eu estava perseguindo minha presa na floresta quando uma grande sombra saiu das árvores. Eu pensei que fosse um homem, mas ele se movia com tanta agilidade e discrição que eu mal podia focar meus olhos nele. Ele também estava caçando. Foi atrás do camponês em que eu estava de olho e, com uma graça que eu certamente não tinha, ele derrubou o humano e começou a se alimentar da ferida que abrira na garganta daquele homem. Aquela criatura era um sugador de sangue, como eu.
– O que você fez, Rio?
– Eu assisti, fascinado – ele respondeu, recordando com tanta clareza como se tudo aquilo tivesse acontecido poucos minutos atrás. Depois, continuou: – Quando tudo terminou, o homem se levantou e se afastou como se nada incomum tivesse acontecido. Eu estava impressionado e, quando inspirei, o sugador de sangue me viu escondido por ali. Ele me chamou e, depois de perceber que eu estava sozinho, levou-me com ele até sua casa; a um Refúgio Secreto. Conheci muitos outros como eu, e descobri que eu era parte de um grupo chamado Raça. Como minha mãe não tinha me dado um nome, minha nova família no Refúgio Secreto me deu o nome que eu tenho agora.
– Eleuterio de la Noche Atanacio – disse Dylan. As palavras soavam agradavelmente doces saindo da boca dela. Sua mão, agora apoiada com ternura sobre as cicatrizes do rosto de Rio, transmitia uma sensação extremamente reconfortante. – Meu Deus, Rio... é um milagre que você esteja aqui comigo.
Ela se aproximou dele, olhando-o nos olhos. Rio mal conseguia respirar enquanto ela ficava na ponta dos pés e inclinava o queixo para beijá-lo. Os lábios deles se uniram pela segunda vez naquela noite... E com uma necessidade que nenhum deles parecia disposto ou capaz de esconder.
Eles poderiam ficar ali, para sempre se beijando.
Mas foi exatamente naquele momento que o passeio tranquilo se tornou assustador, com o estrondo repentino provocado por armas de fogo.
CONTINUA
Capítulo 18
Rio passou as últimas horas antes da alvorada com Dante no pátio atrás do complexo da Ordem. Em seguida, dirigiu-se à capela do complexo, onde passou mais um pouco de tempo sozinho. O pequeno e tranquilo santuário onde a Ordem realizava suas cerimônias mais importantes ou íntimas sempre funcionava como um refúgio para ele. Mas não agora. Tudo o que ele via no espaço iluminado por luz de velas fazia-o recordar a decepção que Eva lhe causara.
Por culpa dela, fazia mais de um ano, eles tiveram que ungir e cobrir com uma mortalha branca um dos membros mais nobres da Ordem e colocá-lo sobre o altar diante daquelas fileiras de bancos. A morte de Conlan em um túnel subterrâneo no verão passado tinha sido acidental – a infelicidade de estar no local errado, na hora errada. No entanto, seu sangue estava nas mãos de Eva.
Rio ainda podia vê-la parada a seu lado na capela, apoiando-se nele e chorando. E, durante todo o tempo, escondendo sua traição. Esperando até a próxima oportunidade para poder conspirar com seus inimigos como parte de uma tentativa equivocada de ver Rio afastado da Ordem – mesmo que, para isso, ele tivesse de ser ferido – e finalmente como uma posse exclusiva dela.
A ironia disso estava no fato de que ele não deixaria a Ordem.
Ele não queria deixar – e não deixaria – o grupo enquanto se sentisse minimamente útil para os guerreiros que tinham sido praticamente uma família para ele durante quase um século. A não ser que ele perdesse a sanidade e o autocontrole por conta da explosão que poderia – e devia – tê-lo matado.
– Droga! – resmungou Rio, dando meia-volta para sair o mais rápido possível daquela capela.
Ele não tinha que estar ali passando o tempo com velhos fantasmas e com a desgraça que eles lhe traziam. Tudo do que Rio precisava para lembrar-se de Eva era uma olhada de relance em um espelho ou no reflexo de uma janela. E ele tentava com todas as suas forças não fazer isso, não apenas pelo choque que sentia toda vez que via aquela imagem que lhe devolvia o olhar, mas também porque queria expulsar Eva de uma vez por todas de sua vida. O simples fato de ouvir o nome daquela vagabunda traidora já era suficiente para que ele tivesse um incontrolável ataque fúria.
Como Dylan, infelizmente, agora poderia confirmar.
Rio se perguntava se ela estaria bem. Tess teria cuidado muito bem de Dylan – mesmo sem seu toque mágico da cura, ausente agora que ela estava grávida – mas, ainda assim, Rio se perguntava se ela estaria bem. Ele se detestava por ter reagido daquela forma. Dylan provavelmente pensava o mesmo. Isso se ela não estivesse ocupada sentindo pena pelo desastre mental que ele tinha provado ser.
Sentindo-se tão solitário e desprendido da realidade quanto um fantasma, Rio saiu da capela do complexo e vagou pelo labirinto de corredores até chegar à enfermaria, que estava vazia. Tomou uma ducha rápida na sala de recuperação que tinha sido sua morada durante os meses que se seguiram à explosão, deixando a água quente levar a dor que havia em seus músculos e a tensão que pulsava em suas têmporas. Quando desligou a água e se enxugava com uma toalha, seus pensamentos se voltaram para Dylan. Estar aqui, retida contra sua vontade, não devia estar lhe fazendo bem. E libertá-la significava colocar um fim – o mais rápido possível – na matéria que ela tinha começado a escrever.
Era de manhã, o que significava o fim do trabalho para os membros da Raça. Mas não para os humanos que viviam lá em cima. Os humanos deviam estar começando seu dia habitual, o que significava que o chefe de Dylan no jornal tinha mais um dia para pensar a respeito da publicação daquela matéria; o que significava mais um dia para as mulheres com quem Dylan estava viajando discutirem a caverna encontrada e especular sobre o que poderia haver lá dentro. Mais um dia para o erro cometido por Rio poder ser desvendado e colocar a Ordem e toda a nação dos vampiros em perigo caso fossem descobertos pelos humanos.
Rio vestiu um par de calças frouxas azul-marinho e uma camiseta cavada que ainda estava no guarda-roupa com algumas outras coisas que restavam desde sua longa passagem pela sala de enfermaria. Quando caminhou pelo corredor em direção a seus aposentos, tinha um novo objetivo em mente. Sua cabeça estava mais limpa e agora ele se sentia bem e pronto para fazer Dylan colocar um ponto-final naquela maldita matéria sobre a caverna. E logo.
No entanto, quando ele abriu a porta de seus aposentos, o ambiente estava escuro. Apenas um pequeno abajur de mesa estava aceso no canto da sala de estar, como uma luz noturna brilhando para ele, caso decidisse voltar. Rio observou atentamente o leve brilho que lhe dava as boas-vindas enquanto entrava no quarto e fechava a porta silenciosamente.
Dylan estava dormindo. Ele podia vê-la deitada em sua cama no outro quarto, o corpo curvado sobre o edredom. Não restava dúvidas de que ela estava exausta. Os três dias passados pareciam estar finalmente pesando. Caramba, eles pareciam estar pesando também para ele.
Rio andou pelo quarto escuro e, assim que avistou as pernas longas e nuas de Dylan, rapidamente se esqueceu do objetivo que tinha em mente no caminho até lá. Ela estava usando um baby-doll e shorts xadrez com cores claras, peças que ela claramente tinha tirado de sua bagagem, agora aberta ao lado de sua cama.
O conjunto de algodão era nada sexy – certamente nada próximo dos laços e cetins caros com os quais Eva costumava desfilar para ele. Mas Dylan estava linda, mesmo quase nua... E estava linda dormindo na cama dele.
Madre de Dios! Linda demais!
Rio puxou uma manta de seda de uma cadeira no canto do quarto e a levou para a cama a fim de cobri-la. E não fez isso apenas para ser gentil. Como um membro da Raça, Rio tinha a visão mais aguçada durante a noite – todos os seus sentidos eram bem mais aguçados e, naquele momento, eles começavam a oprimi-lo com ideias ligadas àquela mulher seminua deitada tão vulneravelmente perto dele.
Ele tentou não notar que os seios de Dylan estavam deliciosamente nus debaixo do fino algodão da blusa sem manga. A tentação de olhar fixamente aquela pele branca e macia – especialmente a área exposta do abdômen, onde a peça de roupa estava amarrotada e subia tão perfeita e insidiosamente acima do umbigo – era forte demais para ele conseguir resistir.
No entanto, quando ele se aproximou da beira da cama com a manta, ela se mexeu ligeiramente, mudando a posição de suas pernas e ajeitando-se um pouco melhor sobre as costas. Rio ficou paralisado, torcendo para que ela não despertasse e o encontrasse inclinado ali em cima como um fantasma.
Olhar para ela o deixava com uma dor acalentada no peito. Ele não tinha direito algum sobre Dylan, mas uma onda de possessividade correu por seu sangue, acompanhada por vários milhares de volts de eletricidade. Ela não lhe pertencia – e não seria dele, independente de qual caminho ela escolhesse seguir no final de tudo aquilo. Não importava se ela escolheria um futuro entre os da Raça em um Refúgio Secreto ou se viveria lá fora, sem memória alguma de Rio e sua espécie, ela não lhe pertenceria. Dylan merecia algo melhor, não restava dúvida quanto a isso.
Outro homem – da Raça ou não – seria muito mais adequado para cuidar de uma mulher como Dylan. Outro homem teria o privilégio de explorar as delicadas e macias curvas de sua pele sedosa. Seria de outro homem o prazer de provar aquele pulso delicado que golpeava docemente na base de sua garganta. Outro homem da Raça teria a honra de perfurar as veias de Dylan com uma mordida suave e completamente erótica. Seria de outro homem – e jamais dele – o juramento de protegê-la de todos os males e de sustentá-la fielmente para todo o sempre com o sangue e a força de seu corpo imortal.
Não seria direito dele. Absolutamente, pensou Rio sombriamente enquanto colocava, da forma mais delicada que conseguia, a manta sobre o corpo seminu de Dylan. Ele não devia desejar um pedaço sequer dela.
Entretanto, ele desejava. Deus, como desejava!
Rio ardia de desejo, mesmo sabendo que não deveria ter esse sentimento. Ele tentou se convencer de que tinha sido um mero acidente o fato de suas mãos terem roçado contra as curvas do corpo dela enquanto ele a cobria com a leve seda. Ele não pretendia deixar seus dedos percorrerem as ondas daqueles cabelos vermelhos ardentes, ainda ligeiramente umedecidos em virtude de um recente banho. Ele não pôde resistir e tocou a leve linha da maçã do rosto e a pele macia sob a orelha de Dylan.
E ela não reagiu quando ele olhou para o pequeno curativo que cobria o corte que tinha lhe causado.
Merda! Isto era tudo o que ele tinha a oferecer: dor e desculpas. E ela só o deixava chegar tão perto porque não sabia que ele estava ali.
Dylan não estava acordada para ver aquele demônio parado sobre ela na escuridão, roubando-lhe carícias e contemplando a ideia de fazer muito mais do que simplesmente roçar os dedos másculos em sua pele delicada. Rio a desejava tanto que suas presas mordiscavam a própria língua. Os olhos do guerreiro, transformados pela luxúria que ele agora sentia, brilhavam em uma cor âmbar intensa. Aqueles raios típicos da Raça a banhavam em um brilho suave, iluminando cada profunda e deleitável curva do corpo de Dylan.
Ele afastou suas mãos dela e ela se espreguiçou, provavelmente para tentar aliviar o calor daquele olhar. Um rápido pestanejar das pálpebras dele desligou imediatamente o par de refletores, inundando o quarto novamente com a escuridão total.
Rio se afastou sem fazer qualquer ruído.
Então, arrastou-se para fora do quarto antes que pudesse demonstrar mais do seu lado ladrão, que ele tanto temia assumir quando estava perto daquela mulher.
A princípio, Dylan pensou que o toque a tivesse despertado, mas os dedos que acariciavam suavemente sua bochecha tinham um calor relaxante que deixou seu sono mais voluptuoso. Na verdade – ela percebeu depois – fora a ausência daquele calor a responsável por dissipar seu sonho prazeroso.
Ela abriu os olhos e não conseguiu ver nada além da escuridão do quarto.
O quarto de Rio. A cama de Rio.
Ela se sentou, sentindo-se extremamente desconfortável com o fato de ter caído no sono depois de ter tomado uma ducha mais cedo naquela mesma noite. Ou já era dia? Dylan não sabia, e não poderia saber, já que não havia janela alguma nos quase duzentos metros quadrados daquele apartamento.
O lugar estava escuro e silencioso, mas Dylan acreditava não estar sozinha.
– Olá?
Um grande silêncio foi tudo o que recebeu como resposta.
Ela lançou um olhar para a sala de estar e notou que o abajur que tinha deixado aceso agora estava apagado. E alguém definitivamente esteve ali em algum momento, pois havia uma manta sobre seu corpo – a mesma manta que ela havia deixado sobre uma das cadeiras.
Tinha sido Rio. Ela estava absolutamente certa de que fora ele.
Ele tinha estado ao lado da cama não havia muito tempo. Foi o toque dele que transmitiu uma sensação deliciosa para a pele dela, uma sensação que se transformou em frio quando ele se foi.
Dylan deu meia-volta e colocou seus pés descalços no chão. Caminhou suavemente até as portas, fechadas, e abriu-as cuidadosamente enquanto se esforçava para conseguir enxergar qualquer coisa do outro lado da escura sala de estar.
– Rio... Você está dormindo?
Dylan não perguntou se ele estava ali; ela sabia que ele estava. Podia sentir a presença dele na forma como seu coração pulsava, na forma como o sangue corria apressado em suas veias. Ela atravessou o cômodo até onde recordava ter visto um abajur sobre uma escrivaninha. Então, estendeu a mão cuidadosamente na direção da base fria de porcelana do objeto.
– Deixe apagada.
Dylan virou a cabeça na direção do som da voz de Rio. Ele estava à direita dela, perto do centro do quarto. Agora que os olhos de Dylan tinham se adaptado à falta de luz, ela podia ver a grande e escura silhueta sobre o sofá aveludado. O tronco e os longos membros de Rio faziam o leve contorno do móvel desaparecer.
– Pode ficar com sua cama. Eu não pretendia dormir lá.
Ela caminhou um pouco mais na direção do centro do quarto... E escutou um grunhido baixo ecoar de sua direção.
Meu Deus. Dylan ficou congelada a poucos passos do sofá. Estava ele em meio a outro ataque como o anterior? Ou ainda não tinha se recuperado totalmente?
Dylan limpou a garganta. Desafiadora, deu mais um passo na direção dele.
– Você está... hum, você... precisa de alguma coisa? Se houver algo que eu possa fazer...
– Droga! – O som da voz de Rio trazia mais uma sensação de desespero do que de fúria. Ele fez mais um daqueles seus movimentos rápidos como um piscar de olhos, levantando-se rapidamente do sofá e dirigindo-se para a parede mais afastada. O mais longe de Dylan que conseguia.
– Dylan, por favor. Apenas volte para a cama. Você precisa ficar longe de mim.
Aquele provavelmente era um bom conselho. Manter-se longe de um vampiro traumatizado e com um nível nuclear de raiva incontrolável era provavelmente a coisa mais sensata que ela podia fazer. Mesmo assim, Dylan continuou em movimento, como se seu bom senso e seu instinto de sobrevivência tivessem feito as malas e embarcado em férias repentinas.
– Eu não tenho medo, Rio. Eu sei que você não vai me ferir.
Ele não disse algo para confirmar, tampouco para negar. Dylan podia ouvi-lo respirar – isso se aquele ofegar baixo e pesado pudesse ser considerado respiração. Ela se sentia como se estivesse se aproximando de um animal selvagem ferido, incerta sobre se oferecer a mão geraria confiança ou um ataque de presas e garras.
– Você estava no quarto comigo há alguns minutos... não estava? – Ela continuou avançando regularmente, sem se deixar intimidar pelo peso do silêncio de Rio ou da escuridão que o envolvia. – Você tocou em mim. Eu senti sua mão em meu rosto. Eu gostei, Rio. Não queria que você parasse.
Ele xingou, usando palavras realmente agressivas. Ela não só sentiu a presença como também viu a cabeça de Rio se aproximar bruscamente. Uma pausa e, então, ele devia ter aberto os olhos, pois a escuridão foi subitamente cortada por dois raios âmbar apontados diretamente para ela.
– Seus olhos... – ela murmurou, sentindo-se uma mariposa diante de uma chama flamejante.
Dylan tinha visto os olhos de Rio se transformarem de topázio em âmbar quando ele entrara nos aposentos algumas horas atrás. Mas isso... isso era diferente. Agora havia um arder naqueles olhos, algo diferente da raiva e da dor. Mais intenso, se é que isso fosse possível.
Dylan não conseguia se mover. Apenas permaneceu ali, parada no caminho aquecido pelo olhar de Rio, sentindo que aquilo consumia seu corpo inteiro – e gostando do que consumia seu corpo inteiro. Seu coração se acelerou e passou a bater irregularmente enquanto aquele olhar fixo a queimava, atravessando sua pele.
Agora Rio estava se movimentando, aproximando-se dela com a graça de um predador. Jesus Cristo!
– Por que você apareceu naquela montanha? – ele perguntou a Dylan em um tom áspero e acusador.
Dylan engoliu em seco, observando-o aproximar-se dela em meio à escuridão. Ela começou a dizer que tinha sido Eva quem a tinha guiado até lá, mas aquilo era apenas parte da verdade. O fantasma de Eva havia lhe mostrado o caminho, mas Dylan tinha voltado por vontade própria àquela caverna – para ver Rio.
Mais do que qualquer outra coisa – incluindo o trabalho que poderia salvar seu emprego com a história de um demônio nas colinas da Boêmia –, foi Rio quem a levou a ficar na caverna e a tentar estender a mão para ele quando o bom senso lhe dizia para fugir. Era ele quem a obrigava a estar ali agora. O desejo que ela sentia por ele mantinha seus pés presos ao chão quando o medo deveria forçá-la na direção oposta o mais rápido possível.
Rio estava bem em frente dela agora, ainda mascarado pela escuridão, exceto pelo brilho misterioso e extremamente sedutor de seus olhos de vampiro.
– Que inferno, Dylan! Por que você apareceu lá? – As mãos de Rio estavam firmes quando ele a pegou pelos braços. Em seguida, ele a sacudiu, mas era ele quem tremia. – Por quê? Por que teve de ser você?
Ela sabia que um beijo estava próximo, mesmo na escuridão. Porém, a pressão inicial da boca dele sobre a dela a fez sentir uma chama incontrolável tomar conta de seu corpo. Uma chama que a queimava, um desejo ardente que tomava conta de seu coração. Ela se deixou levar, perdendo-se no toque dos lábios e – ah, Jesus! – das presas de Rio. Dylan sentiu as pontas afiadas quando teve a boca aberta pela língua dele, forçando-a a aceitar o que ele tinha para lhe oferecer.
Dylan não tentaria resistir. Ela nunca tinha sentido nada tão erótico quanto o roçar das presas de Rio. Havia tanto poder letal naquilo; ela podia sentir o perigo, mas estava prestes a perder o controle. Rio a abraçou ainda mais forte e a beijou de uma forma quase violenta. E aquilo a excitava loucamente. Não, Dylan nunca havia se sentido tão excitada quanto naquele momento.
Rio a empurrou para o sofá atrás dela. As mãos grandes e fortes do vampiro envolveram suas costas para aliviar a queda. E ele foi com ela, e todo o peso de seu corpo forte e musculoso a sustentou embaixo dele. E Dylan podia sentir a espessura daquele pênis. Sentia-o enorme e rígido como pedra entre seus corpos. Ela correu as mãos pelas costas de Rio, escorregando-as por debaixo da camiseta de algodão, de modo que pudesse sentir a flexão daqueles fortes músculos conforme ele se movia sobre ela.
– Eu quero ver você – ela ofegou em meio aos beijos famintos. – Preciso ver você, Rio...
E Dylan não esperou receber permissão.
Estendendo a mão, ela encontrou o abajur ao lado do sofá e o acendeu. A suave luz amarela banhou o quarto, deixando-o agora iluminado. Rio estava sobre seus quadris, equilibrando-se nos joelhos enquanto a olhava fixamente em uma situação que parecia ser pura desgraça.
Os olhos de Rio brilhavam com aquele âmbar ardente. Seus traços estavam tensos, sua mandíbula estava apertada fortemente, mas não o suficiente para mascarar o assombroso tamanho de suas presas extremamente afiadas. Os dermoglifos que se espalhavam por seus ombros e braços pareciam queimar – em belos e profundos tons de vermelho, índigo e dourado.
E suas cicatrizes... Bem, Dylan também as viu. Seria impossível ignorá-las, mas ela tampouco tentou. Dylan se apoiou em um de seus cotovelos e estendeu sua outra mão na direção de Rio. Ele estremeceu, virando o rosto em uma tentativa de ocultar seu lado esquerdo arruinado. Mas Dylan não o deixaria se esconder. Não agora. Não dela. Então, estendeu a mão novamente e, de forma suave, colocou a palma contra a forte linha que contornava seu maxilar.
– Não faça isso – disse Rio com uma voz grossa.
– Está tudo bem. – Dylan virou suavemente o rosto dele para que pudesse ser vista totalmente. Com extremo cuidado, ela acariciou levemente aquela pele marcada por cicatrizes. E seguiu acariciando todos os danos pelo corpo dele, deslizando delicadamente os dedos pelo pescoço, ombros e bíceps de Rio, na pele que certa vez fora tão suave e perfeita quanto o restante dele. – Você acha que é um sacrifício tocá-lo assim?
Rio murmurou algo, mas as palavras saíram retorcidas e ininteligíveis.
Dylan se sentou, levantando-se até que seu rosto estivesse paralelo ao dele. Ela o olhou fixamente, assegurando-se de que aquelas pupilas finas como as de um gato a olhassem enquanto ela suavemente o acariciava na bochecha, no maxilar, naquela boca maravilhosamente sensual.
– Não olhe para mim, Dylan. – Agora ela se dava conta de que ele murmurava exatamente a mesma coisa que antes. – Que droga!... Como você consegue me olhar tão perto... como pode me tocar... e não sentir nojo?
Dylan sentiu seu coração se apertar em seu peito.
– Eu estou olhando para você, Rio. Estou vendo você. Estou tocando você. Você – disse ela, enfatizando.
– Estas cicatrizes...
– São incidentais – ela terminou a frase para ele. Dylan sorriu enquanto lançava um olhar para a boca dele, para as presas perfeitamente brancas e perfeitamente incríveis que brotavam de sua gengiva.
– Suas cicatrizes são o mais normal em você, se quer saber a verdade.
Os lábios dele se curvaram, como se fossem afastá-la, definindo-lhe muitos mais de seus defeitos, mas Dylan não lhe deu oportunidade. Ela segurou o rosto de Rio com as mãos e se aproximou, dando-lhe um beijo intenso, lento e apaixonado.
E ela gemeu quando ele entrelaçou as mãos naqueles cabelos vermelhos e a beijou de volta.
Dylan o queria com tanta ferocidade a ponto de quase não conseguir aguentar. Deus, aquilo tudo não fazia sentido algum – esse desejo que ela sentia por um homem que mal conhecia e de quem, por muitas razões, deveria sentir medo. Em vez disso, ela o beijava como se não houvesse amanhã.
Não queria parar de beijá-lo. Ela o envolveu em seus braços e o puxou de volta contra o sofá. Os cabelos sedosos dele acariciavam a palma da mão dela; a boca quente dele buscava a boca de Dylan. E a mão de Rio, ah, a mão de Rio era, ao mesmo tempo, forte e suave enquanto ele a deslizava sob a bainha da blusa de Dylan, acariciando-lhe a pele arrepiada da barriga. E, em seguida, ele acariciou também os seios dela. Dylan se contorcia enquanto era acariciada. Os dedos de Rio provocavam os mamilos dela, transformando-os em botões duros e sensíveis enquanto a língua dele brincava com a boca de Dylan.
– Ah, meu Deus! – ela ofegou, ardendo por Rio.
Ele se ajustou melhor entre as coxas de Dylan, usando os joelhos para abrir-lhe as pernas enquanto sentia sua ereção querer rasgar as próprias roupas. Ela quase teve um orgasmo com aquela deliciosa fricção entre os corpos. Ela ia chegar ao êxtase se ele continuasse com aqueles movimentos deliciosos que não deixavam dúvidas de que tipo de amante ele seria quando eles estivessem nus.
Dylan levantou os pés e cruzou os tornozelos em volta do quadril de Rio, deixando-o ciente de que ela estava disposta a ir até onde ele quisesse levar aquilo. Ela não estava acostumada a se jogar aos pés de um homem – e não conseguia se lembrar da última vez em que havia transado, que dirá, então, da última vez em que tivera um bom sexo – mas Dylan não conseguia pensar em nada que quisesse mais do que fazer amor com Rio. Bem ali. Naquela hora.
Ele sugou o lábio inferior de Dylan entre seus dentes enquanto empurrava seu quadril contra ela. Ela se deleitou com o roçar daquelas presas, com o impulso hipnotizante do corpo grande e rígido daquele homem e com o flexionar dos músculos tensos dele em suas mãos. Ele deslizou sua mão entre as pernas dela. Seus dedos se afundavam na carne úmida e quente. Dylan não conseguiu segurar o gemido que se formava em sua garganta.
– Isso! – ela sussurrou bruscamente conforme um orgasmo tomava conta de seu corpo. – Rio...
Ela sentia espirais girarem dentro de seu corpo enquanto se perdia no prazer que o toque de Rio entre suas pernas lhe provocava. E se agarrou a ele quando sentiu seu coração acelerar com o gozo. Ela escutou o grunhido selvagem de Rio, dando-se conta de que ele tinha deixado de beijá-la para escorregar a boca ao longo de seu pescoço. Ela o envolveu em seus braços enquanto ele roçava contra seu pescoço, enquanto deixava sua língua quente passear por sua pele macia.
O roçar áspero dos dentes de Rio naquele ponto a assustou.
O corpo de Dylan se retesou, embora ela não quisesse temer o que poderia estar por vir. Mas ela não pôde deter a reação instintiva. E Rio se afastou como se ela tivesse gritado com toda a força de seus pulmões.
– Sinto muito – ela sussurrou, estendendo a mão para tocá-lo. Mas ele já não estava mais lá. Já tinha se afastado, já estava a pelo menos um braço de distância do sofá. Dylan se sentou, sentindo-se estranhamente incompleta. – Sinto muito, Rio. Eu não estava segura...
– Não se desculpe – ele resmungou com uma voz áspera. – Madre de Dios, não peça desculpa para mim, por favor. Foi culpa minha, Dylan.
– Não – ela respondeu, desesperada para que ele ficasse com ela, para que ele ficasse dentro dela. – Eu quero, Rio.
– Você não deveria querer – ele retrucou. – E eu não teria sido capaz de parar. – Rio passou a mão por aqueles cabelos escuros, encarando-a com aqueles ardentes olhos âmbar. – Isso teria sido um erro terrível para nós dois – acrescentou ele depois de uma longa pausa. – Ah, merda! Já é um terrível erro.
Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Rio simplesmente deu meia-volta e partiu. Enquanto a porta do quarto se fechava atrás das costas largas daquele homem enorme, Dylan puxava sua blusa de volta para baixo e ajustava os shorts. No silêncio com o qual ele a deixou, ela levou os joelhos até o peito e segurou as canelas. Em seguida, estendeu a mão e apagou a luz do abajur.
Capítulo 19
Rio levantou a pistola nove milímetros e a apontou para o final do campo de tiro do complexo. A arma parecia extremamente estranha em sua mão, apesar de ela lhe pertencer e de ele tê-la carregado por anos, quando ela era extremamente letal.
Antes da explosão do depósito, antes de as feridas terem-no tirado de combate e o jogado em uma cama de hospital, deixando seu corpo e sua mente destruídos.
Antes de a traição de Eva tê-lo cegado, fazendo-o questionar tudo que ele era e poderia vir a ser.
Uma gota de suor desceu pelo lábio de Rio enquanto ele mantinha os olhos no alvo. Seu dedo no gatilho estava trêmulo. Rio usou toda a sua atenção para se concentrar na pequena silhueta impressa no alvo de papel a cerca de vinte metros à frente.
Mas era exatamente para isso que ele tinha ido até ali.
Depois do que havia ocorrido com Dylan alguns minutos atrás, Rio precisava se distrair. Precisava de algo que tomasse toda a sua atenção, que fizesse a temperatura de seu corpo diminuir e voltar ao normal. Algo que, esperançosamente, acabasse com aquela fome carnal que ainda o consumia. Rio desejava Dylan com uma necessidade que ainda pulsava por suas veias em um batimento profundo e primitivo.
Ele ainda podia sentir o corpo delicado daquela mulher movendo-se debaixo do seu, tão suave e acolhedor, respondendo aos toques de forma tão apaixonada. Aceitando-o, mesmo sabendo que eles poderiam fazer parte de uma montagem macabra de A Bela e a Fera. Era uma fantasia da qual ele se permitia participar enquanto beijava Dylan, enquanto a apertava sob seu corpo e se perguntava se a intensa atração que sentia por ela poderia ser mútua. Ninguém era assim tão bom ator. Eva havia afirmado amá-lo uma vez. A traição profunda tinha sido um choque, mas, no fundo de sua mente, Rio sabia que ela não era feliz com ele, não estava, realmente, feliz com o que ele era e com a vida de guerreiro que ele tinha escolhido.
Ela nunca quis que ele se juntasse aos guerreiros. Nunca entendera sua necessidade de fazer algo bom, sua necessidade de ser útil. Mais de uma vez, havia perguntado por que ela não era suficiente para ele. Por que amá-la e fazê-la feliz não poderia ser suficiente? Rio queria as duas coisas, mas até mesmo Eva conseguia enxergar que ele preferia a Ordem.
Rio ainda podia se recordar de uma noite, passeando em um parque da cidade com Eva, tirando fotos dela em uma pequena ponte sobre o rio. Naquela noite, ela lhe dissera o quanto queria que ele deixasse a Ordem e lhe desse um filho. Exigências que ele não poderia – ou melhor, que ele não estava disposto – a cumprir.
“Espere um pouco”, ele lhe pedira. Os guerreiros estavam dando fim a uma pequena onda de ataques dos Renegados na região. E, por conta disso, ele pediu para que ela fosse paciente. Uma vez que as coisas estivessem mais calmas, talvez pudessem pensar em constituir uma família.
Olhando para trás, Rio não tinha mais certeza de que aquelas fossem palavras verdadeiras. Eva não havia acreditado, ele conseguiu ver isso nos olhos dela já naquela época. Madre de Dios, talvez tivesse sido naquele exato momento que ela decidiu tomar o problema para si mesma.
Rio tinha decepcionado Eva e sabia disso. Mas ela havia pagado na mesma moeda. A traição dela o havia rasgado até a alma. Aquela traição o forçou a questionar tudo, incluindo o motivo pelo qual ele devia continuar ocupando um espaço precioso neste mundo.
Quando Dylan o beijou – quando ela o olhou fixamente no rosto e seus olhos transmitiam apenas sinceridade – Rio conseguiu acreditar, pelo menos por um momento, que não era um monstruo digno de pena desperdiçando ar e espaço. Quando olhou nos olhos de Dylan e sentiu a mão macia dela tocando suas cicatrizes, conseguiu acreditar que sua vida parecia valer a pena. E ele era um maldecido egoísta por pensar que tinha algo que oferecer a uma mulher como aquela. Rio já havia destruído a vida de uma mulher, e quase destruíra a sua. Não, ele não estava disposto a arriscar uma segunda vez com a vida de Dylan. Não, mesmo.
Rio estreitou os olhos, voltando sua atenção ao alvo. Então, segurou ainda mais forte na arma, em uma pegada que parecia ferro contra ferro. Apertou o gatilho, sentiu a pancada familiar quando a Beretta descarregou e uma bala saiu em direção ao anel central do alvo.
– É bom ver que você não perdeu o jeito. Continua acertando exatamente no alvo, como sempre fez.
Rio colocou a arma na prateleira diante dele. Quando deu meia-volta, deu de cara com Nikolai, que estava parado atrás dele, com suas costas enormes apoiadas contra a parede. Rio sabia que não estava sozinho ali, ele tinha ouvido Niko e os outros três guerreiros solteiros conversando no extremo oposto do prédio enquanto limpavam suas armas e comentavam sobre sua ronda no clube noturno de humanos.
– Como foi a caça lá em cima?
Niko deu de ombros.
– Como de costume.
– Belas garotas, sem bom senso o suficiente para correr quando veem vocês chegar? – perguntou Rio, tentando quebrar o gelo presente entre eles desde sua chegada ao complexo.
Para seu alívio, Niko sorriu.
– Não há nada de errado em relaxar e ser fácil quando o assunto é mulheres, cara. Acho que, na próxima vez, você deveria vir com a gente. Posso descolar algo doce e sacana para você. – O par de covinhas que ele tinha nas bochechas ficava cada vez mais evidente. – Se não estiver planejando se acabar ou algo assim enquanto isso. Idiota. Burro.
Niko não disse as palavras com tom de ofensa. Elas eram apenas resultado do tom solene de um amigo preocupado com o outro.
– Pode deixar que eu aviso – disse Rio. E, julgando pelo olhar estreitado de Nikolai, ele tinha entendido que ele não estava falando sobre a perspectiva de ter um pouco de ação lá em cima.
A voz de Niko se tornou baixa, adotando um tom de confidencialidade:
– Você não pode deixá-la ganhar, sabe disso, não é cara? Porque isso é sinônimo de se entregar. Sim, ela ferrou a sua vida, e não estou dizendo que precise perdoar e esquecer porque, francamente, eu não acredito que eu conseguiria fazer isso se estivesse no seu lugar. Mas você ainda está aqui. Então, ela que se dane! – disse Niko com veemência. – Eva que se dane! E que se dane a bomba que ela explodiu naquele depósito. Porque você, meu amigo, você está aqui.
Rio esboçou um sorriso, mas apenas um som fraco passou por sua garganta apertada. Tentou esconder o desconforto, sentindo-se extremamente desajeitado ao perceber que alguém se importava com ele.
– Caramba, cara. Quantos programas da Oprah você tem assistido desde que eu parti? Porque, vindo de você, isso é realmente comovente.
Niko riu.
– Pensando bem, esqueça toda essa porcaria que acabei de dizer. Você que se dane, também.
Rio caiu na risada. A primeira risada sincera que saiu de sua boca em... Jesus, algo em torno de um ano inteiro!
– Ei, Niko. – Kade veio caminhando do outro lado da instalação, os cabelos negros espetados e os olhos acinzentados lhe davam um ar deliciosamente selvagem que o deixava parecido com um lobo. – Preciso interromper: esta noite, se nos encontrarmos com aquele outro Renegado fora do Refúgio Secreto, não se esqueça de que você prometeu que ele é meu.
– Se eu não pegar o desgraçado primeiro. – Brock apareceu, saindo de trás do outro guerreiro e sorrindo enquanto, em tom de brincadeira, colocava a ponta de uma enorme adaga sob o queixo de Kade.
A risada agradável de Brock ecoou, mas era possível perceber que o guerreiro que a Ordem tinha recrutado em Detroit era tão sombrio e duro quanto a própria Morte durante os combates. Brock soltou Kade, e os dois continuaram discutindo sobre como caçar os Renegados enquanto saíam da sala de armas e seguiam para seus próprios quartos, em áreas separadas do complexo.
Chase foi o último a chegar, vindo do fundo da instalação. Sua camiseta preta tinha um enorme rasgo na frente, como se alguém tivesse tentado tirar um pedaço dele. A julgar pela cor de saciedade dos dermoglifos e pelo ar calmo em seus olhos normalmente agressivos, parecia que ele tinha se saciado com o que as garotas da discoteca lhe ofereceram.
Chase inclinou ligeiramente a cabeça para saudar Rio. Em seguida, disse a Nikolai:
– Se receber mais alguma notícia de Seattle, por favor me avise. Estou curioso para saber por que uma matança daquela natureza ainda não foi reconhecida por nenhuma Agência.
– Sim – disse Niko. – Eu também queria saber isso.
Rio franziu a sobrancelha:
– Quem apareceu morto em Seattle?
– Um dos membros mais antigos do Refúgio Secreto de lá – explicou Niko. – Um cara que, por sinal, era da Primeira Geração.
Os pelos da nuca de Rio se arrepiaram, um claro sinal de que ele estava preocupado com aquela notícia.
– Como ele foi morto?
O olhar de Nikolai era pesado:
– Uma bala no cérebro. À queima roupa.
– Onde?
– Em geral, o cérebro se encontra na região da cabeça – ironizou Chase, arrastando as palavras. Ele mantinha os braços cruzados.
Rio lançou um olhar estreitado na direção de Chase.
– Obrigado pela aula de anatomia, Harvard. Mas eu estava falando sobre onde estava este Primeira Geração quando o mataram.
O olhar de Niko encontrou os olhos sóbrios de Rio.
– Ele levou um tiro no banco traseiro da limusine que era dirigida por um chofer. Meu contato disse que ele estava voltando de uma ópera, de um balé, ou alguma coisa assim. E que, enquanto esperava em um semáforo, alguém explodiu sua cabeça e desapareceu, antes mesmo que o motorista entendesse o que havia acontecido. Por quê?
Rio deu de ombros, mas disse:
– Talvez não seja nada, mas, quando eu estava em Berlim, Andreas Reichen me contou da morte de um Primeira Geração que aconteceu recentemente lá. Só que este homem do Refúgio Secreto foi morto em um clube de sangue.
– Esses clubes “esportivos” privados foram proibidos há décadas – comentou Chase.
– Claro – concordou Rio, cheio de sarcasmo, já que o ex-agente de Refúgio Secreto tinha a intenção de ser inconveniente. – Agora eles imprimem os convites em tinta invisível e você precisa de um anel decodificador para passar pela porta.
– O mesmo modus operandi no Primeira Geração de Berlim? – perguntou Niko.
– Não. Nenhuma ferida causada por bala. Segundo as fontes de Reichen, este amante dos esportes acabou perdendo a cabeça.
Niko expirou lentamente.
– Esses são dois dos três principais métodos para se matar um vampiro da Primeira Geração da Raça. O terceiro modo é a exposição a raios ultravioletas e, convenhamos, esse é o meio menos eficaz. A não ser que você tenha dez ou quinze minutos livres para dedicar ao trabalho.
– Os dois assassinatos poderiam estar relacionados – supôs Rio, sem saber se seus instintos eram dignos de confiança. Mas, droga! Os sinos de aviso soavam em sua cabeça como os da torre de uma catedral num domingo de Páscoa.
– Há algo errado – disse Chase, finalmente ligando os pontos. – Eu também não gosto nada disso. Dois Primeira Geração mortos em questão de... uma semana? E os dois casos cheirando a execução?
– Nós não sabemos se foram execuções – advertiu Niko. – Vamos lá. Pensem nas probabilidades. Se você vive durante mil anos, ou algo assim, necessariamente irá deixar alguém furioso. Alguém que poderia querer atentar contra você em sua limusine, ou cortar sua cabeça em um clube de sangue.
– E os Refúgios Secretos não querem que nenhum dos assassinatos seja divulgado? – questionou Rio.
As sobrancelhas acobreadas de Chase apertaram-se bruscamente.
– Berlim também mantém tudo em segredo?
– Sim. Reichen disse que eles estão mantendo o caso em segredo para evitar um escândalo. Não é bom para ninguém saber que um pilar de sua comunidade foi derrubado em um clube esportivo cheio de humanos ensanguentados e mortos.
– Não. Não é nada bom – concordou Chase. – Mas dois Primeira Geração mortos é um golpe bastante pesado para toda a nação de vampiros. Não deve haver mais do que vinte indivíduos de Primeira Geração ainda vivos entre a população inteira, incluindo Lucan e Tegan. Se eles se forem, poderão surgir problemas.
Nikolai assentiu:
– Isso é verdade. E acho que não podemos fazer nada.
Rio sentiu um pensamento frio tomar conta de sua mente:
– Não. A menos que tenhamos um Antigo vivo, uma Companheira de Raça e algo como vinte anos de vantagem.
Os guerreiros o olharam com expressão preocupada.
Niko passou uma das mãos por seu cabelo loiro.
– Ah, droga! Você não acha que...
– Eu quero muito estar errado – disse Rio. – Mas é melhor acordarmos Lucan.
Capítulo 20
Ficar sozinha depois de Rio ter partido deixou Dylan bastante inquieta. Sua mente estava girando e girando e suas emoções estavam agitadas. E ela não podia evitar pensar em sua vida anterior em Nova York. A mulher tinha de fazer sua mãe saber que ela finalmente estava bem.
Dylan acendeu a lâmpada de um abajur e pegou seu celular. Ela praticamente tinha se esquecido da existência do aparelho desde que chegara ali, pois o havia tirado do bolso da calça cargo e escondido debaixo do colchão da cama de Rio, pronto para ser alcançado tão logo fosse seguro.
Ela ligou o aparelho, fazendo o possível para abafar o som que ele emitia conforme voltava à vida. Era um milagre ainda haver bateria, mesmo que o mínimo. Uma barra era melhor do que nada, pensou Dylan.
O visor mostrou que havia algumas mensagens de voz na caixa postal.
Ela finalmente tinha o serviço de volta.
Ah, graças a Deus!
O número para retornar a chamada na primeira mensagem era de Nova York – mais especificamente, do escritório de Coleman Hogg. Dylan ouviu a mensagem e não se surpreendeu ao ouvir o homem estar cuspindo fogo pelas ventas, descrevendo – rudemente – a má educação de Dylan pelo fato de ela ter deixado o fotógrafo freelance, que ele havia contratado, esperando em Praga.
A mulher saltou o resto do sermão de Hogg e passou para a próxima mensagem. Tinha sido recebida dias atrás e era de sua mãe, querendo saber notícias, dizendo que a amava e que esperava que a filha estivesse aproveitando a viagem. Sua voz soava cansada, o que deixou o coração de Dylan apertado.
Havia, ainda, outra mensagem de seu chefe. Dessa vez, ele parecia ainda mais zangado e dizia que descontaria do salário da jornalista o pagamento do fotógrafo, e que considerava o e-mail que ela tinha mandado, dizendo que tiraria umas férias, como um pedido de demissão. Dylan, portanto, estava desempregada.
– Ótimo – ela murmurou em voz baixa, enquanto passava para a mensagem seguinte.
Ela não podia ficar nervosa ou chateada com a perda do emprego, mas a falta de um salário logo seria sentida. A menos que Dylan encontrasse algo melhor, algo maior. Algo monumental, na verdade. Algo com dentes de verdade... ou com presas, como de fato eram.
– Não – disse rispidamente antes mesmo que a ideia terminasse de se formar em sua cabeça.
Ela não poderia de forma alguma levar aquela história toda a público, ainda. Não naquele momento, quando ainda havia muitas perguntas sem respostas – e, principalmente, não naquele momento, quando ela mesma tinha se tornado parte daquela história, por mais bizarro que fosse pensar naquilo tudo e na forma que aquilo ganhava.
E ainda havia Rio.
Se houvesse uma razão para Dylan proteger o que tinha descoberto sobre a existência de outras espécies além do ser humano, essa razão era Rio. E Dylan não queria traí-lo ou colocá-lo em qualquer situação de risco, especialmente agora que ela estava começando a conhecê-lo melhor, agora que ela estava começando a se preocupar com ele, por mais perigoso que isso pudesse ser.
O que acontecera entre eles há pouco mexeu com ela profundamente. O beijo fora maravilhoso. A sensação do corpo de Rio pressionado tão intimamente contra o seu tinha sido a coisa mais sensual que Dylan já provara. E a sensação dos dentes dele – das presas dele – pastoreando a frágil pele de seu pescoço tinha sido tão aterrorizante quanto erótica. Será que ele realmente a teria mordido? E se tivesse, o que aconteceria com ela?
Baseada no quão rápido Rio havia abandonado o quarto, Dylan não esperava ter essas respostas. E aquilo não deveria deixá-la tão mal.
O que ela precisava fazer era sair daquele lugar – fosse ele qual fosse – e voltar para sua vida. Dylan precisava voltar para sua mãe, que provavelmente estava ficando louca de preocupação agora que já havia três dias que a filha não entrava em contato.
As três chamadas seguintes eram do abrigo de sua mãe e todas tinham sido recebidas na noite anterior. Não havia mensagens, mas a proximidade das ligações indicava a urgência do assunto. Dylan pressionou o botão de discagem rápida para a casa de Sharon e esperou enquanto o telefone chamava sem resposta do outro lado da linha. O celular também não foi atendido. Com o coração não mão, marcou o número que havia registrado em seu telefone e ligou. Janet atendeu:
– Bom dia. Escritório de Sharon Alexander.
– Janet, olá. Sou eu, Dylan.
– Jesus Cristo, Dylan. O que você está fazendo? Onde você está? – as perguntas soaram estranhamente preocupadas, como se Janet, de alguma forma, já soubesse – ou pensasse que soubesse – que Dylan provavelmente não estava tendo um dia bom. – Você está no hospital?
– O quê? Não, não... – O estômago de Dylan se retorceu. – O que aconteceu? É minha mãe? O que houve?
– Ela se sentiu um pouco cansada depois do cruzeiro, e ontem ela desmaiou aqui. Dylan, querida, ela não está muito bem. Nós a levamos para o hospital e eles a internaram.
– Deus... – Todo o corpo de Dylan ficou adormecido, paralisado no lugar. – Ela teve uma recaída?
– Eles acreditam que sim. – A voz de Janet era a mais tranquila que podia ser em uma situação como aquela. – Sinto muito, querida.
Lucan não estava feliz por ter sido tirado da cama com Gabrielle no meio do dia, mas assim que ouviu o motivo da interrupção de seu sono, o líder da Ordem ficou imediatamente atento. Ele vestiu um par de jeans escuros e uma camisa de seda desabotoada e saiu no corredor, onde Rio, Nikolai e Chase o esperavam.
– Vamos precisar de Gideon – disse Lucan, enquanto pegava o celular e discava para o outro guerreiro. Ele murmurou uma saudação apressada e um rápido pedido de desculpas e imediatamente deu a Gideon a notícia que Rio e os outros tinham acabado de compartilhar. Enquanto os quatro se dirigiam pelo corredor para o laboratório tecnológico, o centro de comando pessoal de Gideon, Lucan terminou a conversa e desligou o telefone. – Ele está a caminho – disse. – Sinceramente, espero que você esteja errado quanto a isso, Rio.
– Eu também – respondeu Rio, tão nervoso quanto qualquer um à simples consideração daquilo.
Não demorou nem dois minutos para Gideon se juntar à improvisada reunião. Ele apareceu no laboratório usando uma calça de moletom cinza, uma camiseta branca que marcava seus músculos e um par de tênis com os cadarços desamarrados que demonstravam que ele tinha enfiado os pés ali e saído correndo. Ele atirou-se na cadeira giratória diante de seu computador e começou a abrir programas e mais programas em várias telas.
– Certo, estamos enviando sondas espiãs para todas as agências de notícias e para o Banco Internacional de Dados – ele disse, olhando para os monitores enquanto os dados lentamente começavam a preencher as telas. – Humm. Isso é estranho. Você disse que um dos dois mortos da Primeira Geração está fora de Seattle?
Nikolai confirmou.
– Bem, não de acordo com isso. As informações sobre Seattle não retornaram resultados. Não há relatos de mortes recentes por lá. Tampouco há relatos de um Primeira Geração naquela população, embora isso seja relativo. O Banco Internacional de Dados só foi implantado há algumas décadas, portanto, de forma alguma é completo. Temos poucos membros antigos da Raça catalogados, mas a maioria dos vinte e poucos Primeira Geração que ainda respiram tendem a proteger sua privacidade. Há rumores de que alguns deles são verdadeiros ermitões que não se aproximam de um Refúgio há mais de um século. Suponho que eles acreditem ter ganhado alguma autonomia depois de mais de mil anos de vida. Não é isso, Lucan?
Lucan, que tinha por volta de novecentos anos e também não aparecia no Banco Internacional de Dados, apenas grunhiu como resposta enquanto seus olhos acinzentados se estreitavam sobre os monitores do computador.
– E quanto à Europa? Há algo sobre o Primeira Geração que Reichen mencionou?
Gideon digitou uma rápida sequência em seu teclado e entrou em outro software de segurança como se aquilo tudo fosse um vídeo game.
– Merda. Não, não aparece nada. Eu tenho que dizer uma coisa, cara, esse silêncio é tenebroso.
Rio concordava:
– Então, se ninguém está relatando mortes de integrantes da Primeira Geração, deveria haver pelo menos mais do que os dois que conhecemos até agora.
– Há algo que precisamos descobrir – disse Lucan. – Quantos Primeira Geração estão registrados no Banco Internacional de Dados, Gideon?
O guerreiro fez uma rápida busca.
– Sete, entre os Estados Unidos e a Europa. Vou mandar a relação de nomes e Refúgios para a impressora agora.
Quando a única página saiu da impressão, Gideon a agarrou e a estendeu para Lucan. O guerreiro líder a observou:
– A maioria desses nomes me é familiar. Conheço dois ou três outros que não estão listados. Tegan provavelmente conhecerá outros. – Ele colocou a lista na mesa de reunião de modo que Rio e os outros pudessem vê-la. – Algum nome de um Primeira Geração que vocês sintam falta nessa lista?
Rio e Chase balançaram a cabeça negativamente.
– Sergei Yakut – murmurou Niko. – Eu o vi uma vez na Sibéria quando eu era um garoto. Ele foi o primeiro Primeira Geração que eu conheci – caramba, o único, até eu vir para Boston e conhecer Lucan e Tegan. O nome dele não está na lista.
– Você acha que conseguiria encontrá-lo se fosse necessário? – perguntou Lucan. – Presumindo que ele ainda esteja vivo, eu quero dizer.
Nikolai riu.
– Sergei Yakut é um mesquinho filho da mãe. Mesquinho demais para morrer. Posso apostar que ainda está vivo e sim, acredito que eu poderia encontrá-lo.
– Ótimo – disse Lucan, com expressão fechada. – Quero que faça isso o mais rápido possível. Para o caso de estarmos lidando com uma situação potencial de um assassino em série, precisamos conseguir os nomes e as localizações de todos os Primeira Geração que existem.
– Tenho certeza de que a Agência sabe pouco mais do que nós aqui – completou Chase. – Eu ainda tenho um ou dois amigos lá. Provavelmente alguém saiba de algo ou possa indicar alguém que saiba.
Lucan balançou a cabeça.
– Sim. Veja isso, então. Mas estou certo de que não preciso lhe dizer para manter todas as suas cartas na manga quando estiver lidando com eles. Você pode ter alguns amigos na Agência, Harvard, mas a Ordem certamente não tem. E, sem querer ofender, confio neles até o momento de poder chutar-lhes o traseiro.
Lucan lançou um olhar sério para Rio.
– E quanto aos outros prováveis problemas que você trouxe, aquele Antigo que pode ter voltado à vida e estar sendo usado para a criação de uma nova linhagem de vampiros de Primeira Geração? – Ele balançou novamente a cabeça, completando conforme deixava escapar pelos lábios bem desenhados uma maldição. – É um cenário de pesadelo, meu amigo. Mas pode muito bem ser verdade.
– Se for – disse Rio –, então é melhor nós esperarmos, que conseguiremos controlar isso logo. E estamos décadas atrás do filho da mãe.
Ao terminar de dizer isso, Rio se deu conta de que estava usando nós para se referir aos guerreiros e seus objetivos. Ele estava se incluindo novamente na Ordem. Mais do que isso, ele estava começando, de fato, a se sentir parte de toda a coisa novamente – uma parte ativa, um membro importante – enquanto estava ali com Lucan e com os outros, fazendo planos, considerando estratégias. E ele se sentia bem, aliás.
Talvez ainda pudesse haver um lugar para ele ali afinal de contas. Ele esteve confuso e cometeu alguns erros, mas talvez pudesse voltar a ser o que era antes.
Rio ainda estava degustando aquela esperança que lhe acometera subitamente quando um leve bip começou a apitar em uma das estações que Gideon estava monitorando. O guerreiro empurrou a cadeira até o computador, franzindo a sobrancelha.
– O que é isso? – perguntou Lucan.
– Estou captando um sinal de um celular ligado aqui no complexo. E não é um dos nossos – respondeu antes de lançar o olhar para Rio. – Está vindo do seu quarto – completou.
Dylan.
– Merda – chiou Rio, conforme a ira tomava conta de seu corpo. – Ela disse que não tinha nenhum celular.
Maldição. Dylan mentira para ele.
E se ele estivesse preocupado com a situação toda como deveria estar, teria revistado todo o corpo dela – da cabeça às pontas dos pés.
Uma jornalista em posse de um telefone. Pelo que ele sabia, ela poderia estar sentada em seu quarto nesse exato momento contando tudo o que tinha visto e ouvido para a CNN – expondo a Raça aos humanos e fazendo isso debaixo do seu nariz.
– Não havia nada em sua mochila que indicava que ela tinha um celular – murmurou Rio, uma desculpa esfarrapada e esdrúxula, ele sabia. – Merda! Eu devia tê-la revistado.
Gideon digitou algo em um de seus vários painéis.
– Posso arrumar uma interferência, cortar o sinal – disse.
– Então faça – disse Lucan. Depois, virou-se para Rio:
– Temos alguns fios soltos que precisamos cortar, meu amigo. Incluindo aquele que está em seu quarto.
– Sim – disse Rio, sabendo que Lucan estava certo. Dylan tinha de tomar uma decisão e o tempo estava se tornando crucial agora que a Ordem tinha outros problemas com os quais lidar.
Lucan pousou a mão no ombro largo de Rio.
– Acredito que está na hora de eu conhecer Dylan Alexander pessoalmente.
– Janet...? Alô? Eu não consegui o número do quarto de minha mãe. Alô...? Janet...? Você está me ouvindo? Ainda está aí?
Dylan afastou o celular da orelha e olhou para o visor. Sem sinal.
– Merda.
Ela segurou o aparelho na altura de sua cabeça e começou a caminhar pelo quarto, procurando por um ponto em que pudesse conseguir algum sinal. Nada. A porcaria tinha morrido no meio de sua ligação, cortando a conversa, apesar de a bateria não estar completamente descarregada.
Dylan sequer podia pensar direito. Ela estava muito agitada. Sua mãe, no hospital? Uma recaída? Jesus Cristo!
A mulher por pouco resistiu à vontade de atirar o aparelho contra a parede mais próxima.
– Merda!
Freneticamente, ela caminhava para a outra sala para tentar completar outra ligação e quase desmaiou de susto quando a porta do quarto foi arregaçada por uma força que mais parecia um vendaval do lado de fora. Era Rio.
E ele estava zangado.
– Me dê isso, Dylan. – Seus brilhantes olhos cor de âmbar e suas presas salientes deram um nó no estômago de Dylan. Ela estava com medo, mas também estava zangada, estava arrasada com a recaída da mãe. Ela precisava vê-la. Precisava sair daquela irrealidade em que tinha sido jogada desde que fora raptada na Europa e voltar para as coisas que realmente importavam.
Jesus Cristo, ela pensou, quase à beira de ceder completamente. Sua mãe estava novamente mal, e sozinha em algum quarto de hospital perdido na cidade. Dylan precisava estar lá, com ela.
Rio entrou no quarto.
– O telefone, Dylan. Me dê a porcaria do telefone. Agora.
Foi então que ela percebeu que Rio não estava sozinho. De pé, atrás dele, no corredor, havia um homem enorme – media, facilmente, dois metros de altura, e tinha cabelos negros e olhos ameaçadores que desmentiam sua calma aparente. Ele permaneceu parado conforme Rio caminhava na direção de Dylan.
– Vocês fizeram alguma coisa com meu telefone? – ela perguntou com veemência, bastante aterrorizada com Rio e com aquela nova ameaça, mas também bastante preocupada com a mãe para ter tempo de pensar no que aconteceria (ou poderia acontecer) no segundo seguinte. – O que vocês fizeram para ele parar de funcionar? Diga! Que diabos vocês fizeram?
– Você mentiu para mim, Dylan!
– E você me sequestrou! – Ela odiava as lágrimas que subitamente começaram a correr pelas aquecidas maçãs de seu rosto. Ela as odiava quase tanto odiava seu cativeiro, o câncer e a dor gelada que começava a latejar em seu peito desde que ligara para o abrigo e soubera das notícias.
Rio estendeu a mão conforme caminhara em direção a ela. O homem no corredor também entrou. Sem perguntar qualquer coisa, Dylan sabia que ele também era um vampiro, um guerreiro da Raça como Rio. Os olhos cinza dele pareciam penetrá-la como lâminas afiadíssimas, e, como um animal sente um predador pelo vento, Dylan sentia que, onde Rio era perigoso, aquele outro homem era exponencialmente mais perigoso e mais forte. Mais forte e mais letal, apesar de sua aparência jovem.
– Para quem você estava ligando? – perguntou Rio.
Ela não diria. Agarrou o fino celular com toda a – pouca – força que tinha no pulso, protegendo-o, mas, naquele momento, sentia uma energia empurrando seus dedos, forçando-os a se abrirem. Dylan não conseguia mantê-los fechados, por mais que tentasse, e apenas pôde ofegar enquanto o aparelho voava para fora de sua mão e pousava sobre a palma aberta do vampiro que estava com Rio.
– Há algumas mensagens aqui de um jornal – ele anunciou sombriamente. – E várias chamadas de outros números de Nova York. A casa de uma tal de Sharon Alexander, o celular dessa mesma pessoa e uma chamada com um número restrito em Manhattan. Essa foi a que cortamos.
Rio xingou.
– Você falou para alguém alguma coisa sobre nós ou sobre o que você viu aqui?
– Não! – ela insistiu. – Eu não falei. Juro. Eu não sou uma ameaça para vocês.
– Há o problema das fotografias que destruímos e do artigo que você enviou para seu chefe. – O homem sombrio a lembrou, da mesma forma como você lembra um condenado o motivo de ele estar sendo mandado para a câmara de gás.
– Vocês não precisam se preocupar com isso – ela disse, ignorando o riso sarcástico de Rio conforme ela falava. – A mensagem do jornal era meu chefe me comunicando que eu estava demitida. Bem, tecnicamente foi uma demissão involuntária, pelo fato de eu não ter aparecido no encontro com o fotógrafo em Praga porque estava ocupada sendo sequestrada.
– Você foi demitida? – perguntou Rio, franzindo a sobrancelha.
Dylan deu de ombros.
– Pouco importa. Mas duvido que a essa altura meu chefe vá usar qualquer uma das fotos ou uma linha sequer da história que eu mandei para ele.
– Isso já não nos preocupa – o homem sombrio a olhou como se estivesse medindo sua reação. – Nesse momento, o vírus que enviamos para ele deve ter varrido todos os computadores do escritório. Seu chefe – ex-chefe – vai passar o resto da semana tentando reparar os estragos.
Dylan realmente não queria se sentir contente com aquilo, mas a imagem de Coleman Hogg diante das máquinas arruinadas ocupava um lugar brilhante em sua cabeça agora.
– O mesmo vírus foi enviado para todos para quem você enviou as fotos – o enorme homem informou. – Isso cuida para que nenhuma prova venha a ser exposta, mas ainda temos de cuidar do fato de muitas pessoas estarem andando por aí de posse de informações que não podemos permitir que elas tenham. Informações que elas podem, consciente ou inconscientemente, passar adiante. De modo que precisamos eliminar os riscos.
Um frio acometeu subitamente o estômago de Dylan.
– O que você quer dizer com eliminar os riscos?
– Você precisa tomar uma decisão, senhorita Alexander. Hoje à noite, você será levada para um dos Refúgios e ficará sob a proteção da Raça ou será enviada de volta para sua casa em Nova York.
– Preciso ir para casa – ela disse. Não havia decisão alguma a ser tomada. Dylan olhou para Rio e encontrou-o olhando fixamente de volta para ela, com uma expressão indecifrável. – Preciso voltar para Nova York imediatamente. Quer dizer que sou livre para ir embora?
Aquele severo olhar cinza voltou-se para Rio, em silêncio.
– Esta noite, você levará a senhorita Alexander para a casa dela em Nova York. Quero que cuide disso. Niko e Kade podem se ocupar dos outros com os quais ela teve contato.
– Não! – gritou Dylan. O frio em seu estômago converteu-se imediatamente em um medo glacial. – Ah, meu Deus! Não, diga-lhe que não faça isso... Rio...
– Fim da discussão – disse o homem, dirigindo sua atenção a Rio e ignorando completamente o desespero de Dylan. – Vocês partem ao anoitecer.
Rio assentiu solenemente, aceitando as ordens como se elas lhe causassem absolutamente nada. Como se tivesse feito aquilo uma centena de vezes.
– A partir dessa noite, Rio, não deixe mais fios soltos. – Os olhos gelados do homem deslizaram mordazmente para Dylan antes de voltarem para Rio. – Nenhum.
Enquanto seu aterrorizante amigo saía, Dylan virou-se agitada para Rio.
– O que ele quis dizer com eliminar os riscos? Não deixar mais fios soltos?
Rio a olhou com o cenho franzido. Havia acusação naquele penetrante olhar topázio, uma mordaz frieza e muito pouco do homem tenro e ferido que ela havia beijado naquele mesmo quarto pouco tempo antes. Dylan sentiu frio sob a rajada daquele olhar duro e era como se olhasse para um estranho.
– Não vou deixar que seus amigos façam mal a ninguém – ela disse, desejando que sua voz não soasse tão débil. – Não vou deixar que eles os matem!
– Ninguém vai morrer, Dylan. – O tom de Rio era calmo e tão distante que era quase reconfortante. – Vamos apagar das memórias deles o que eles viram nas fotografias, e de tudo o que você possa ter dito sobre a caverna, a cripta ou a Raça. Não vamos feri-los, mas precisamos limpar as mentes deles de qualquer lembrança que possam ter das coisas.
– Mas como? Eu não entendo...
– Você não precisa entender – disse calmamente.
– Porque eu também não vou me lembrar de nada, é isso o que você quer dizer?
Ele a olhou por um longo momento, em silêncio. Ela procurou em seu rosto alguma pista de emoção além daquela petrificada que ele estampava naquele momento. Nada. Tudo o que Dylan via era um homem completamente preparado para a tarefa que lhe havia sido conferida, um guerreiro comprometido com sua missão. E nem aquela ternura que ela vira nele antes ou tampouco a necessidade que ela achava que ele sentia por ela o impediriam de fazer o que tinha de ser feito. Nada. Ela era uma prisioneira à sua mercê. Um inconveniente problema que ele pretendia eliminar.
As sobrancelhas de Rio se juntaram ligeiramente enquanto ele balançava a cabeça de forma vaga.
– Esta noite você vai para casa, Dylan Alexander.
Ela deveria estar feliz ao ouvir aquilo – deveria estar aliviada, pelo menos – mas Dylan se sentia estranhamente desolada enquanto assistia o enorme corpo de Rio deixar o quarto e fechar a porta atrás de suas costas largas.
Capítulo 21
Ele voltou depois de algumas horas e lhe disse que era hora de partir. Dylan não se surpreendeu com o fato de sua próxima memória consciente ter sido acordar no banco traseiro de um SUV escuro enquanto Rio estacionava na calçada em frente ao prédio onde ela vivia, no Brooklyn. Enquanto ela se sentava, sonolenta, Rio a olhou nos olhos pelo retrovisor. Dylan franziu a testa.
– Você me fez apagar outra vez.
– Pela última vez – ele respondeu em voz baixa, como se estivesse se desculpando.
Em seguida, Rio desligou o motor e abriu a porta do lado do motorista. Estava sozinho ali na frente. Não havia sinal dos outros que deviam acompanhá-los – dos que tinham recebido ordens para cuidar das outras pendências enquanto Rio cuidava pessoalmente dela.
Deus, pensar que sua mãe estaria em contato com aqueles seres perigosos com quem Rio andava a fez estremecer de ansiedade. Sua mãe já estava enfrentando problemas suficientes. Dylan não queria que ela sequer passasse perto dessa nova e obscura realidade.
Dylan se perguntava de quanto tempo Rio precisaria para pegá-la se ela tentasse fugir do SUV. Se ela conseguisse uma vantagem suficientemente grande, talvez conseguisse chegar à estação de metrô em Midtown, onde ficava o hospital. Mas quem ela estava tentando enganar? Rio a tinha seguido de Jicín até Praga. Encontrá-la em Manhattan podia ser um desafio para ele... Um desafio que duraria aproximadamente trinta segundos.
Mas, diabos! Ela precisava ver sua mãe. Precisava estar com ela, ao lado da cama dela, e ver seu rosto para poder ter certeza de que estava bem.
Por favor, Senhor, faça com que ela esteja bem.
– Pensei que você teria companhia nesta viagem – disse Dylan, com a esperança de que algum milagre tivesse provocado uma mudança de planos e que, por conta disso, os amigos de Rio tivessem ficado para trás. – O que aconteceu com os outros caras que viriam com você?
– Eu os deixei na cidade. Eles não precisam estar aqui com a gente. Eles vão entrar em contato comigo quando terminarem.
– Quando terminarem de aterrorizar um grupo de pessoas inocentes, você quer dizer? Como você pode ter certeza de que seus colegas vampiros não vão decidir aceitar uma pequena doação de sangue com as lembranças que vão roubar?
– Eles têm uma missão específica, e vão se limitar a ela.
Dylan olhou nos olhos topázio esfumaçados que a encaravam pelo espelho.
– Exatamente como você, certo?
– Exatamente como eu. – Rio saiu do veículo e foi até a porta de trás para pegar a mochila e a bolsa lateral no assento ao lado dela. – Vamos, Dylan. Não temos muito tempo para terminar com tudo isso. – Quando ela não se moveu, Rio se aproximou e a surpreendeu com uma carícia suave na bochecha. – Vamos. Vamos entrar agora. Tudo vai ficar bem.
Ela deixou o banco de couro e subiu as escadas de concreto enquanto Rio ainda estava na entrada do edifício. Rio tirou as chaves da bolsa e passou-as para ela. Dylan abriu a fechadura e entrou no prédio, dentro do hall do saguão azul, que agora fedia a mofo, sentindo-se como se estivesse fora de casa por dez anos.
– Meu apartamento fica no segundo andar – ela murmurou, mas Rio provavelmente já sabia. Ele caminhava logo atrás dela enquanto os dois subiam as escadas até o apartamento no final de um corredor de uso comum.
Dylan destrancou a porta e Rio entrou antes dela, mantendo-a atrás dele como se estivesse acostumado a entrar em lugares perigosos – como se estivesse acostumado a fazer isso na linha de frente. Ele era um guerreiro, não havia dúvida alguma. Se fosse o caso de seu comportamento cauteloso e de seu imenso tamanho não confirmarem esse fato, a enorme arma que ele escondia no cinto de suas calças cargo pretas certamente o faziam. Ela o observou enquanto ele averiguava o local. Então, Rio parou ao lado da estação de trabalho com um computador, próximo a um canto do apartamento.
– Eu vou encontrar neste computador alguma coisa que não deveria estar aqui? – ele perguntou enquanto ligava o monitor, que se acendeu com uma luz azul clara.
– Esse computador é velho. Eu quase não o uso.
– Você não vai se importar se eu verificar – disse Rio. E aquilo não era uma pergunta, pois ele já estava abrindo e verificando o conteúdo do disco rígido. Ele não encontraria nada além de alguns dos primeiros artigos escritos por ela e algumas mensagens antigas.
– Vocês têm muitos amigos? – perguntou Dylan, posicionando-se atrás dele.
– Temos uma quantidade suficiente.
– Eu não sou um deles, você sabe – ela acendeu a luz, mais para ela mesma do que para Rio, já que ele obviamente não se importava com a escuridão. – Não vou espalhar o que você me disse, nem o que vi nesses últimos dias. Nem uma palavra, eu juro. E não é porque você vai tirar essas lembranças de mim. Eu manteria seu segredo, Rio. Só quero que você saiba disso.
– Não é tão simples assim – disse ele, agora de frente para ela. – O segredo não estaria seguro. Nem para você, nem para nós. Nosso mundo se protege, mas perigos existem, e nós não podemos estar em todas as partes. Deixar alguém fora da nação dos vampiros ter informações a nosso respeito poderia ser catastrófico. De vez em quando isso acontece, mas não é aconselhável. A verdade já foi confiada a um humano aqui ou acolá, mas algo desse tipo é extremamente raro. E eu nunca vi as coisas darem certo no final. Alguém sempre sai ferido.
– Eu sei me cuidar.
Rio deu uma leve risada, embora não houvesse humor algum em seu gesto.
– Não tenho dúvida de que você saiba. Mas isso é algo diferente, Dylan. Você não é apenas uma humana. Você é uma Companheira de Raça, e isso sempre vai significar que você é diferente. Você pode se ligar a um homem da minha espécie por meio do sangue, e vocês podem viver para sempre. Bem, algo muito parecido com para sempre.
– Você quer dizer como Tess e seu companheiro?
Rio assentiu.
– Como eles, sim. Mas para ser parte do mundo da Raça, você teria de cortar seus laços com o mundo humano. Teria de deixá-los para trás.
– Não posso fazer isso – disse ela. Seu cérebro automaticamente repelia a ideia de deixar a mãe. – Minha família está aqui.
– A Raça também é sua família. Eles cuidariam de você como uma família, Dylan. Você poderia começar uma vida muito agradável no Refúgio Secreto.
Ela não pôde deixar de notar que ele estava falando de tudo aquilo a uma cômoda distância, mantendo-se totalmente fora da equação. Uma parte dela se perguntava se seria tão fácil recusar o convite se ele estivesse pedindo pessoalmente para entrar no mundo dele.
Mas ele não estava, de forma alguma, fazendo isso. E a escolha de Dylan, fácil ou não, teria sido a mesma, independentemente do que Rio lhe oferecesse.
Negando com a cabeça, ela disse:
– Minha vida está aqui, com minha mãe. Ela sempre esteve ao meu lado e não posso deixá-la. Eu jamais faria isso. Nem agora, nem nunca.
E Dylan precisava achar uma maneira de se encontrar logo com sua mãe, ela pensou, resistindo constantemente a Rio, que media cada centímetro de seu corpo com os olhos. Ela não queria esperar até ele decidir apagar sua memória agora que ela tinha optado por deixar o mundo dos vampiros.
– Eu... é... tenho que usar o banheiro – ela murmurou. – Espero que você não ache necessário me vigiar durante esse momento...
Os olhos de Rio se estreitaram ligeiramente, mas negou com sua cabeça.
– Vá. Mas não demore muito tempo.
Dylan não podia acreditar que ele realmente a estava deixando ir ao banheiro ao lado e se trancar sozinha lá dentro. Enquanto analisava o apartamento, ele deve ter se esquecido de verificar que havia uma pequena janela no banheiro.
Uma janela que dava para uma escada de incêndios – e uma escada de incêndios que levava até a rua lá em baixo.
Dylan abriu a torneira e deixou uma pesada corrente de água fria correr pela pia enquanto refletia sobre a insanidade que estava prestes a tentar fazer. Havia um vampiro de mais de noventa quilos, treinado para combates e fortemente armado esperando por ela do outro lado da porta. E ela já tinha testemunhado aqueles reflexos, rápidos como um raio, e, portanto, as chances de vencê-los eram nulas. Tudo o que podia esperar era escapar sigilosamente, e isso significava conseguir abrir a janela deteriorada sem fazer muito ruído e, em seguida, descer a escada de incêndio instável sem fazê-la desmoronar. Se conseguisse ultrapassar esses enormes obstáculos, ela só teria de começar a correr até chegar à estação de metrô.
– Sim, muito simples.
Dylan sabia que estava louca, mesmo enquanto se apressava na direção da janela e abria o trinco. Foi necessário dar uma boa pancada para amolecer as várias camadas de tinta antiga que tinham selado aquela janela. Dylan tossiu algumas vezes, alto o suficiente para disfarçar o barulho que fazia enquanto dava as pancadas.
Ela esperou um segundo, atenta aos movimentos no cômodo ao lado. Quando estava segura de que não ouvira nada, levantou a janela e se viu diante do ar úmido da noite na cidade.
Jesus Cristo! Ela ia realmente fazer isto?
Ela tinha de fazer.
Nada era mais importante do que ver sua mãe.
Dylan colocou metade do corpo para fora, buscando assegurar-se de que o caminho estava limpo. E estava. Ela conseguiria fazer aquilo. Tinha de tentar. Depois de respirar fundo algumas vezes para criar coragem, deu a descarga e, então, subiu pela janela enquanto o banheiro produzia o ruído que abafaria sua ação.
Sua descida pela escada de incêndios foi apressada e desajeitada, mas, em alguns segundos, seus pés pousavam sobre a calçada. Assim que tocou o chão, correu desesperadamente na direção do metrô.
Enquanto a água corria na pia do banheiro, Rio de fato tinha escutado o deslizamento quase silencioso da janela que era aberta atrás daquela porta fechada. A descarga não abafou totalmente o ruído emitido pela escada de incêndio enquanto Dylan caminhava rápida, porém cuidadosamente.
Ela estava tratando de escapar, exatamente como ele esperava acontecer.
Ele tinha visto a mente de Dylan girar enquanto eles conversavam. Também percebeu um desespero crescente naqueles olhos a cada minuto em que ela era forçada a ficar no apartamento com ele. Rio sabia, mesmo antes de ela inventar aquela desculpa de precisar ir ao banheiro, que Dylan tentaria escapar dele na primeira oportunidade.
E ele poderia tê-la detido, assim como poderia detê-la agora, enquanto ela descia pela escada cambaleante de aço em direção à rua onde ficava o apartamento. No entanto, ele estava mais curioso acerca de para onde ela planejava fugir. E atrás de quem ela estava indo.
Ele acreditou quando ela disse que não pretendia expor a Raça às agências de notícias do mundo humano. Se Dylan estivesse mentindo, ele não saberia o que fazer. E não quis pensar que podia estar tão equivocado a respeito daquela mulher. Rio disse a si que nada disso importaria se ele simplesmente apagasse aquelas informações da mente dela.
Porém, ele tinha hesitado em apagar a mente dela depois que ela disse que não deixaria o mundo humano para se unir à Raça. Rio hesitou porque concluiu, de forma bastante egoísta, que simplesmente não estava pronto para apagar os pensamentos dela.
E agora ela estava correndo na noite, longe dele. Com uma cabeça cheia de lembranças e informações que ele seguramente não podia deixar na mente dela.
Rio levantou-se da escrivaninha de Dylan e entrou no pequeno banheiro. O cômodo estava vazio, como ele sabia que estaria. A janela estava escancarada, bocejando para a noite escura de verão que tomava conta do lado de fora.
Então ele saiu. Seus sapatos golpearam a escada de incêndios em uma fração de segundo antes que ele pulasse da estrutura e pousasse no asfalto, dois pisos abaixo. Rio jogou a cabeça para trás e puxou o ar para dentro de seus pulmões, até finalmente sentir o cheiro de Dylan.
Então, foi atrás dela.
Capítulo 22
Dylan ficou do lado de fora do quarto de sua mãe no décimo piso do hospital, tentando tomar coragem para entrar. O pavilhão de oncologia estava muito quieto naquela noite. Só se ouvia o bate-papo discreto das enfermeiras de plantão e o arrastar ocasional dos pés de alguns pacientes que caminhavam por ali, com suas mãos presas ao suporte para o soro que, com suas rodinhas, seguiam ao lado deles. Não muito tempo atrás, sua mãe tinha sido um desses pacientes fortes, mas agora os olhos inevitavelmente não conseguiam esconder o cansaço.
Dylan detestava pensar que havia mais daquela dor e daquela luta à frente de sua mãe. Os resultados da biópsia que os médicos tinham pedido não estariam prontos antes de alguns dias, segundo uma enfermeira lhe informara. Eles tinham esperança de que os resultados fossem positivos, de que talvez tivessem detectado o problema cedo o suficiente para começar uma nova etapa mais agressiva de quimioterapia. Dylan estava orando por um milagre, apesar do peso no peito enquanto se preparava para más notícias.
Ela bateu contra o dispensador de desinfetante para as mãos colocado junto à porta, esguichou um pouco de álcool em gel nelas e esfregou uma contra a outra. Enquanto retirava um par de luvas de látex de uma caixa no balcão e as colocava, tudo o que tinha acontecido durante os últimos dias – e também durante as últimas horas – fora deixado de lado. Esquecido. Seus próprios problemas evaporaram quando ela abriu a porta. Agora, nada importava; nada exceto aquela mulher curvada na cama, presa a cabos de monitoração e a acessos intravenosos.
Meu Deus! Como sua mãe parecia pequena e frágil deitada ali. Ela sempre tinha sido pequena, cerca de dez centímetros menor que Dylan, com os cabelos de um vermelho mais intenso, mesmo com aqueles fios brancos que haviam brotado desde a primeira batalha contra o câncer. Agora, Sharon tinha cabelos curtos, um corte espetado que a fazia parecer pelo menos uma década mais jovem do que sua verdadeira idade: 64 anos. Dylan sentiu uma pontada de ira irracional e ácida pelo fato de que uma nova fase de quimioterapia assolaria aquela gloriosa coroa formada pelos fios de cabelos vermelhos.
Caminhou suavemente até a cama, tentando não fazer ruído. Mas Sharon não estava dormindo. Ela virou-se para o lado quando Dylan se aproximou. Seus olhos eram de um verde brilhante e caloroso.
– Uau... Olá, Dylan... Minha querida. – A voz de Sharon era fraca, o único sinal físico que denunciava o fato de ela estar doente. Ela estendeu o braço e segurou a mão de Dylan, apertando-a com força.
– Como foi a viagem, querida? Quando você chegou?
Merda. Dylan se lembrou de que tinha esticado sua viagem pela Europa. Para ela, era como se um ano tivesse passado nos poucos dias que tinha estado com Rio.
– Hum... Eu acabei de chegar em casa – respondeu Dylan. Uma mentira parcial, uma meia verdade, afinal de contas.
Ela se sentou na beira do fino colchonete do quarto de hospital, mantendo as mãos juntas às de sua mãe.
– Fiquei um pouco preocupada quando você mudou seus planos de maneira tão repentina. Seu e-mail dizendo que você ficaria mais alguns dias foi tão curto e confuso. Por que não me ligou?
– Sinto muito – desculpou-se Dylan. A mentira que ela tinha de engolir causou ainda mais dor quando ela soube que deixou sua mãe preocupada. – Eu teria telefonado se tivesse conseguido. Ah, mãe... lamento que você não esteja se sentindo bem.
– Eu estou bem. Melhor agora que está aqui. – Sharon tinha o olhar calmo. – Mas eu estou morrendo, querida. Você sabe, não sabe?
– Não diga isso. – Dylan apertou a mão de sua mãe e, em seguida, trouxe aqueles dedos frios até os lábios e os beijou. – Você vai superar isso, da mesma forma como superou da outra vez. Você vai ficar bem.
O silêncio – a delicada indulgência – era uma força palpável naquele quarto. Sua mãe não forçaria o assunto, mas estava o assunto ali, como um fantasma à espreita em um canto.
– Bem, vamos falar de você! Quero saber tudo sobre o que você andou fazendo, por onde passou... Conte-me tudo o que você viu enquanto esteve fora.
Dylan olhou para baixo. Era impossível olhar sua mãe nos olhos quando não poderia dizer a verdade. E não podia dizer a verdade. Bem, a maior parte dos fatos seria inacreditável, de qualquer forma, especialmente a parte em que Dylan confessasse temer estar desenvolvendo sentimentos por um homem perigoso e cheio de segredos. Santo Deus, por um vampiro. Só de pensar, já parecia loucura.
– Quero saber mais sobre essa matéria da cova do demônio em que você está trabalhando, querida. Aquelas fotos que me enviou eram realmente impressionantes. Quando sua matéria vai ser publicada?
– Eu não estou mais trabalhando nessa matéria, mãe. – Dylan sacudiu a cabeça. Ela se arrependia por tê-la mencionado para sua mãe. E também para todas as outras pessoas. – No final, a cova era apenas uma cova – disse, com a esperança de ser convincente. – Não havia nada estranho lá.
Sharon se mostrou cética:
– É mesmo? Mas a tumba que você encontrou e as marcas incríveis nas paredes... O que tudo aquilo estava fazendo lá? Devia significar ou ter significado alguma coisa, não?
– É só uma tumba. Provavelmente muito antiga, algo como uma câmara funerária indígena.
– E as fotos que você tirou daquele homem...
– Um andarilho. Era só isso – mentiu Dylan, odiando cada sílaba que saiu de seus lábios. – As imagens fizeram tudo parecer mais importante do que realmente era. Mas não há matéria alguma, nem mesmo gente adequada para uma porcaria como o jornal de Coleman Hogg. Aliás, ele me demitiu.
– O quê? Ele não fez isso, fez?!
Dylan deu de ombros.
– Sim, é verdade. E está tudo bem, mesmo. Vou encontrar outra coisa.
– Bem, foi ele quem saiu perdendo. De qualquer forma, você é boa demais para aquele lugar. Se servir de consolo, eu achei que você estava fazendo um ótimo trabalho naquela matéria. O senhor Fasso pensou a mesma coisa. Aliás, ele comentou que tem contatos com algumas das grandes agências de notícias da cidade. Ele provavelmente encontraria algo para você se eu falasse com ele.
Ah, droga! Uma entrevista de emprego era a última coisa com que ela precisava se preocupar. Principalmente agora, quando o que Dylan acabara de ouvir tinha lhe dado um nó de terror na garganta.
– Mamãe, você não contou sobre essa história para ele, né?
– Mas é claro que eu contei! E também lhe mostrei as fotos. Sinto muito, mas não posso deixar de me gabar de você, minha pequena estrela.
– A quem... Ah, Deus... Mãe, por favor, diga que não falou sobre isso com muita gente... falou?
Sharon acariciou a mão da filha.
– Não seja tão tímida. Você é muito talentosa, Dylan, e deveria estar trabalhando em matérias maiores, mais impactantes. E o senhor Fasso concorda comigo. Gordon e eu conversamos muito sobre você algumas noites atrás, durante o cruzeiro.
Dylan sentiu seu estômago queimar com a ideia de que mais pessoas sabiam sobre o que ela tinha visto naquela caverna, mas não pôde deixar de observar o brilho de alegria nos olhos de sua mãe quando ela mencionou o nome do fundador do abrigo para fugitivos.
– Então você já está chamando o senhor Fasso pelo primeiro nome, hein?
Sharon deu risada. Um som tão juvenil e alto que Dylan por um instante esqueceu que estava sentada ao lado de sua mãe em um quarto na ala de oncologia de um hospital.
– Ele é muito bonito, Dylan. E absolutamente encantador. Eu sempre pensei que ele fosse um pouco distante, quase frio. Mas, na verdade, ele é um homem muito interessante.
Dylan sorriu:
– Você gosta dele!
– Eu gosto – confessou Sharon. – É muita sorte encontrar um cavalheiro de verdade. Talvez meu verdadeiro príncipe, quem sabe? Quando é tarde demais para eu me apaixonar...
Dylan sacudiu a cabeça, odiando escutar esse tipo de comentário vindo de sua mãe.
– Mãe, nunca é tarde demais. Você ainda é jovem. Ainda tem muito tempo de vida pela frente.
Uma sombra invadiu os olhos de Sharon enquanto ela olhava Dylan e se reclinava sobre a cama.
– Você sempre me fez sentir tanto orgulho! E você sabe disso, não sabe, minha querida?
Dylan assentiu com a cabeça, a garganta apertada:
– Sim, eu sei. E sempre pude contar com você, mãe. É a única pessoa com quem sempre pude contar durante a vida. Somos duas mosqueteiras, não é?
Sharon sorriu ao ouvir sua filha mencionar aquele apelido, mas havia lágrimas brilhando em seus olhos.
– Quero que você fique bem, Dylan. Com isto, quero dizer... Com a minha partida... com o fato de que vou morrer.
– Mãe...
– Escute, por favor. Eu me preocupo com você, querida. E não quero que você fique sozinha.
Dylan secou uma lágrima que corria aquecida pela lateral de seu rosto.
– Não deveria estar pensando em mim agora. Você precisa se concentrar em si mesma, em melhorar. Tem que pensar positivo. A biópsia pode não...
– Dylan, pare e me escute por um segundo, querida. – Sharon se sentou, lançando aquele olhar teimoso que Dylan reconhecia muito bem. Um olhar teimoso em um rosto belo, muito embora cansado. – O câncer está pior do que antes. Eu sei. Eu sinto. E eu o aceitei. Preciso saber que será capaz de suportar isso também, filha.
Dylan olhou para as mãos delas, entrelaçadas. Suas mãos estavam amareladas; as de sua mãe, quase translúcidas, os ossos e os tendões enrijecidos sob a pele fria e pálida.
– Há quanto tempo você vem cuidando de mim, querida? E não me refiro só a desde quando fiquei doente. Desde que você era uma menina, sempre se preocupava comigo e tentava fazer o melhor para cuidar de mim.
Dylan sacudiu a cabeça.
– Nós cuidamos uma da outra. Sempre foi assim.
Dedos suaves se aproximaram do queixo de Dylan, fazendo-a levantar o olhar.
– Você é minha filha. Eu vivi por você e por seus irmãos. Mas você sempre foi meu porto seguro. E você não devia ter vivido para mim, Dylan. Não devia ser o adulto nesta relação. Você merece ter alguém para cuidar sempre de você.
– Eu posso cuidar de mim – murmurou. No entanto, as palavras não soaram muito convincentes quando lágrimas corriam por suas bochechas.
– Sim, você pode. E deve. Mas você merece algo mais da vida. Eu não quero que você tenha medo de viver, ou de amar, Dylan. Pode me prometer que não vai ter medo?
Antes que Dylan pudesse dizer qualquer coisa, a porta se abriu e uma das enfermeiras entrou com algumas novas bolsas de líquidos.
– Como estamos Sharon? Como está sua dor agora?
– Um pouquinho de remédio me faria bem – ela respondeu. Seus olhos deslizaram na direção de Dylan como se estivesse escondendo seu desconforto até agora.
Algo que, obviamente, Sharon estava fazendo. Tudo era muito pior do que Dylan queria aceitar. Ela se levantou da cama e deixou a enfermeira fazer seu trabalho. Depois que a mulher se foi, Dylan voltou ao lado de sua mãe. Era tão difícil para Dylan não deixar cair por terra sua máscara de mulher forte quando olhou aqueles suaves olhos verdes e viu que a chama neles se desvanecia.
– Venha aqui e me dê um abraço, meu amor.
Dylan se inclinou e abraçou os ombros delicados e frágeis, incapaz de não perceber a fragilidade de sua mãe como um todo.
– Eu te amo, mamãe.
– Eu também te amo, querida. – Sharon suspirou enquanto acomodava as costas contra o travesseiro. – Estou cansada, preciso dormir agora.
– Tudo bem – respondeu Dylan, com uma voz rouca. – Vou ficar aqui te fazendo companhia enquanto você dorme.
– Não, não vai. – Sharon sacudiu a cabeça. – Não quero que você fique sentada aqui, preocupada comigo. Não vou deixá-la esta noite, ou amanhã, nem na próxima semana, eu prometo. Mas você precisa ir para casa agora, Dylan. Quero que vá descansar.
“Casa”, pensou Dylan, no momento em que sua mãe caía em um sono induzido por remédios. A palavra parecia estranhamente vazia enquanto ela se lembrava de seu apartamento e das poucas coisas que ela tinha. Aquilo não era casa para ela. Se agora Dylan precisasse ir a algum lugar em que se sentia segura e protegida, aquele buraco lastimável não seria esse lugar. Nunca fora.
Dylan se levantou para sair do quarto. Quando secava as lágrimas, seu olhar percebeu um rosto sombrio e o contorno de ombros largos contra a luz do corredor.
Rio.
Ele a tinha encontrado. Ele havia lhe seguido até ali. Embora todos os sentidos lhe dissessem para fugir dele, Dylan se aproximou. Abriu a porta e o encontrou do lado de fora do quarto de sua mãe. E, sem conseguir falar, ela apenas o envolveu em seus braços e chorou suavemente naquele peito forte sobre o qual ela descansava, agora, a cabeça.
Capítulo 23
Rio não esperava que ela fosse em sua direção ao vê-lo parado ali.
Agora que Dylan estava em seus braços, com o corpo tremendo enquanto chorava, ele viu-se completamente perdido. Ele tinha se livrado de uma parte considerável de sua fúria e de sua suspeita durante o tempo que levou até começar a segui-la pela cidade. Sua cabeça girava por conta de todo aquele barulho e pela presença excessiva de humanos em todos os cantos para onde olhava. Suas têmporas gritavam em consequência das luzes claras enquanto todos os seus sentidos pareciam lutar contra ele.
Mas nada disso importava durante os longos instantes em que ele estava ali, abraçando Dylan, sentindo-a tremer com um medo e uma angústia que chegavam aos ossos. Ela sentia dor, e Rio sentiu uma necessidade esmagadora de protegê-la. Não, ele não queria – não podia – vê-la sentir uma dor como aquela.
Madre de Dios, ele odiava vê-la daquela forma.
Rio acariciou aquelas costas delicadas, encostou sua boca na testa de Dylan enquanto ela acomodava-se logo abaixo do queixo dele. E murmurou algumas palavras confortadoras enquanto oferecia alguns gestos suaves. Isso era tudo que ele conseguia pensar em fazer por ela.
– Tenho tanto medo de perdê-la – sussurrou Dylan. – Ah, Deus... Rio, eu estou aterrorizada.
Ele não precisou pensar muito para saber de quem Dylan estava falando. A paciente que dormia no quarto ao lado tinha os mesmos cabelos flamejantes, era praticamente uma versão mais idosa daquela mulher que Rio agora tinha em seus braços.
Rio inclinou o rosto de Dylan, coberto de lágrimas, em sua direção:
– Você poderia me levar embora daqui, por favor? – ela pediu.
– Eu posso levá-la aonde você quiser – disse Rio, passando a ponta de seu polegar pela bochecha dela, apagando as marcas de lágrimas. – Você quer ir pra casa?
O riso entristecido de Dylan soava tão destruído, tão perdido.
– Podemos simplesmente... sair para caminhar um pouco?
–Sim, é claro – ele assentiu, escondendo-a sob seu braço. – Vamos sair daqui.
Os dois caminharam em silêncio até o elevador, e logo depois saíram do hospital em direção à noite aquecida. Rio não sabia para onde levá-la, então simplesmente caminhou ao lado dela. A poucas quadras do hospital havia uma passarela que conduzia a East River. Eles a cruzaram e, enquanto passeavam pela lateral do rio, ele notou alguns pedestres observando-o.
Percebeu alguns olhares furtivos em suas cicatrizes, e mais de um olhar curioso, como se questionasse o que ele estava fazendo com uma mulher tão linda como Dylan. Uma boa pergunta, e uma pergunta para a qual ele não tinha uma resposta razoável naquele momento. Ele a tinha trazido para a cidade em uma missão – uma missão que certamente não permitia desvios desse tipo.
Dylan finalmente desacelerou, parando contra o corrimão de ferro que funcionava como um mirante para olhar a água.
– Minha mãe ficou muito doente no outono passado. Ela pensou que era bronquite, mas não era. Os exames apontaram câncer de pulmão, embora ela nunca tenha fumado um cigarro sequer na vida. – Dylan ficou em silêncio durante um longo momento. – Ela está morrendo. Foi o que ela acabou de me dizer esta noite.
– Sinto muito – disse Rio, caminhando a seu lado.
Ele queria tocá-la, mas não estava seguro de que ela precisasse de seu consolo. Não estava seguro de que ela aceitaria seu consolo. Em vez disso, ele tocou uma mecha de seus cabelos soltos. Seria fácil fingir que estava tentando evitar que alguns fios fossem soprados pela brisa do verão na direção do rosto dela.
– Não era para eu fazer aquela viagem pela Europa. Aquilo seria a grande aventura de minha mãe com suas amigas, mas ela não estava bem o suficiente para ir, então acabei indo no lugar dela. Eu não devia estar lá. Eu nunca teria posto o pé naquela caverna maldita. Eu nunca teria encontrado você.
– E agora você gostaria de poder desfazer tudo. – Aquilo não era uma pergunta, mas apenas um fato que Rio constatou.
– Eu gostaria de poder desfazer, por ela. Gostaria que ela pudesse ter vivido aquela aventura. Gostaria que minha mãe não estivesse doente. – Dylan virou o rosto para Rio. – Mas eu gostaria de tê-lo conhecido.
Rio ficou surpreso, em silêncio, ao ouvi-la admitir aquilo. Então, ele levou a mão até a linha suave do maxilar de Dylan e olhou profundamente para aquele rosto tão branco e tão lindo a ponto de deixá-lo sem ar. E a forma como ela olhava para ele... Madre de Dios! Era como se ele fosse um homem digno de tê-la, como se ele fosse um homem que ela poderia amar...
Ela expirou um golpe de ar silencioso e regular.
– Eu deixaria tudo para trás sem precisar pensar, Rio. Mas não isso. Não você...
Ah, Cristo.
Antes que ele pudesse se convencer de que aquilo era uma má ideia, Rio abaixou a cabeça e a beijou. Um encontro suave entre as bocas, um toque doce que não deveria fazê-lo arder como de fato fez. Rio se entregou ao doce sabor da boca de Dylan, de modo que ela se sentisse bem naqueles braços.
Ele não devia desejar tão intensamente aquilo. Não devia sentir aquela necessidade, aquela doce afeição que o queimava por dentro toda vez que ele pensava em Dylan.
Rio não devia puxá-la para tão perto, entrelaçando seus dedos nos cabelos sedosos, atraindo-a tão profundamente naquele abraço. Perdendo-se naquele beijo. Ele precisou de muito tempo para se afastar daquele beijo. E, enquanto ainda erguia a cabeça, não conseguiu deixar de acariciar aquele rosto macio. Não conseguia afastar-se dela.
Um grupo de adolescentes passou por eles, garotos desordeiros em roupas grandes demais para seus tamanhos. Eles falavam alto e empurravam uns aos outros à medida que andavam. Rio manteve os olhos nos jovens, suspeitando quando viu o grupo parar ao lado do corrimão para ver quem cuspia mais longe. Eles não pareciam claramente perigosos, mas o tipo de garotos que estava eternamente em busca de problemas.
– Demetrio?
Rio lançou um olhar para Dylan, confuso:
– Hum!?
– Estou perto? Quer dizer, estou perto de dizer seu nome verdadeiro... É Demetrio?
Ele riu, e não pôde resistir. Beijou-a na ponta daquele nariz sardento.
– Não, não é Demetrio.
– Está bem. Bom, então é ... Arrio? – Ela tentou adivinhar, sorrindo para ele sob a luz da lua enquanto caía ligeiramente naqueles braços fortes. – Oliverio? Denny Terrio?
– Eleuterio – ele esclareceu.
Dylan arregalou os olhos:
– Eu-leu-o quê?
– Meu nome é Eleuterio de la Noche Atanacio.
– Nossa! Acho que isso faz Dylan soar bastante comum, não é?
Rio caiu na risada.
– Nada a seu respeito é comum, pode ter certeza.
O sorriso de Dylan era surpreendentemente tímido.
– Então, o que significa um nome lindo como esse?
– Em uma tradução aproximada, seria algo como aquele que é livre e que vive para sempre na noite.
Dylan suspirou.
– Que lindo nome, Rio. Sua mãe deve tê-lo amado muito para lhe dar um nome tão incrível como esse.
– Não foi minha mãe quem me deu esse nome. Ela morreu quando eu era muito jovem. O nome veio mais tarde, de uma família da Raça que vive em um Refúgio Secreto no meu país de origem. Eles me encontraram e me adotaram como um membro daquela família.
– O que aconteceu com a sua mãe? Quer dizer, não precisa me dizer se você não... Eu sei que faço muitas perguntas – disse ela, encolhendo os ombros como se quisesse se desculpar.
– Não, eu não me importo em contar para você – disse Rio, impressionado por estar dizendo aquilo de forma sincera.
Em geral, Rio detestava falar de seu passado. Ninguém na Ordem sabia os detalhes que envolviam o começo de sua vida, nem mesmo Nikolai, que Rio considerava seu amigo mais próximo. Ele não havia sentido nenhuma necessidade de falar sobre isso com Eva. Ela conhecia sua história, pois eles tinham se conhecido no Refúgio Secreto espanhol, onde Rio fora criado.
Eva havia, por educação, escolhido ignorar os fatos desagradáveis que cercavam o nascimento de Rio e os anos que ele tinha passado como um menino enjeitado, matando porque precisava matar, porque não conhecia nenhuma outra opção. Ela nunca perguntou nada sobre o jovem selvagem que ele havia sido antes de ser trazido para o Refúgio Secreto e descobrir como se tornar algo melhor do que o animal que ele tinha se tornado para conseguir sobreviver sozinho.
Rio não queria que Dylan o olhasse com medo ou nojo, mas uma grande parte dele queria contar a verdade a ela. Se conseguia olhar para seu exterior cheio de cicatrizes e não desprezá-lo, talvez também fosse suficientemente forte para ver a destruição que existia dentro dele.
– Minha mãe vivia nos subúrbios de um povoado rural muito pequeno na Espanha. Ela ainda era muito jovem, possivelmente tinha por volta de dezesseis anos quando foi estuprada por um vampiro que havia se transformado em Renegado. – Rio manteve a voz baixa para não ser escutado, embora os humanos mais próximos (os adolescentes rebeldes que ainda se divertiam por ali) não estivessem prestando atenção nenhuma a eles. – O Renegado se alimentou dela enquanto a estuprava, mas minha mãe reagiu. Ela o mordeu, ao que parece. Uma quantidade razoável do sangue dele entrou na boca e, consequentemente, no corpo dela. Como ela era uma Companheira de Raça, a combinação do sangue com o sêmen dele resultou em uma gravidez.
– Você... – sussurrou Dylan. – Ah, meu Deus, Rio. Deve ter sido terrível para ela passar por isso. Mas pelo menos ela teve você no final.
– Foi um milagre ela não ter me abortado – disse ele, olhando para as águas negras e brilhantes do rio, recordando a angústia de sua mãe sobre a abominação a que ela tinha dado à luz. – Minha mãe era apenas uma jovem camponesa. Ela não foi educada, não no sentido de ir à escola, e também não sabia dos assuntos da vida. Vivia sozinha em uma casinha na floresta, construída por seus familiares anos antes de eu nascer.
– O que você quer dizer?
– Manos del diablo – respondeu Rio. – Eles temiam as mãos do diabo. Você se lembra de que eu disse que todas as mulheres que nascem com a marca de Companheira de Raça têm dons especiais... Habilidades de algum tipo?
– Sim – confirmou Dylan
– Bem, o dom da minha mãe era obscuro. Com um toque e um pouco de concentração, ela conseguia trazer a morte. – Rio praguejou em voz baixa e ergueu suas mãos letais: – Manos del diablo.
Dylan permaneceu calada por um momento, estudando-o em silêncio.
– Você também tem esse dom?
– Uma mãe Companheira de Raça passa muitas características para seus filhos: cabelo, pele e cor dos olhos... assim como seus dons. Acredito que se minha mãe soubesse exatamente o que estava crescendo em seu ventre, ela teria me matado muito antes de eu nascer. Ela tentou isso pelo menos uma vez, depois de tudo o que aconteceu.
As sobrancelhas de Dylan enrugaram enquanto ela suavemente colocava sua mão sobre a dele, que estava apoiada na cerca de aço.
– O que aconteceu?
– Esta é uma de minhas primeiras lembranças – Rio confessou. – Veja bem, os filhos da Raça nascem com presas pequenas e afiadas. Logo que saem do útero, precisam de sangue para sobreviver. Sangue e escuridão. Minha mãe deve ter percebido e tolerado tudo isso sozinha, porque, de alguma forma, eu sobrevivi à infância. Para mim, era perfeitamente natural evitar o sol e sugar o pulso de minha mãe para me alimentar. Acredito que, por volta dos meus quatro anos, percebi que ela chorava toda vez que eu precisava me alimentar. Ela me desprezava, desprezava o que eu era e, mesmo assim, eu era tudo que ela tinha.
Dylan acariciou o dorso da mão de Rio.
– Não consigo imaginar como isso deve ter sido para vocês dois.
Rio encolheu o ombro.
– Eu não conhecia outra maneira de viver. Mas minha mãe conhecia. Certo dia, com as cortinas de nossa casa fechada para evitar a luz do dia, minha mãe me ofereceu seu pulso. Quando eu o aceitei, senti sua outra mão se aproximar por trás da minha cabeça. Ela me segurou ali, e a dor me atingiu como se um raio tivesse caído sobre meu crânio. Eu gritei e abri os olhos. Ela estava chorando muito, soluçava enquanto me alimentava e segurava minha cabeça com a mão.
– Jesus Cristo! – sussurrou Dylan, claramente impressionada. – Ela queria matá-lo com o toque?
Rio recordou o choque profundo que sentira quando tinha se dado conta daquilo, uma criança assistindo aterrorizada a pessoa que mais confiava tentar acabar com sua vida.
– Ela não conseguiu ir até o fim – murmurou ele com uma voz apática. – Não sei quais foram seus motivos, mas ela retirou bruscamente a mão e fugiu da casa. Eu não a vi durante dois dias. Quando ela voltou, eu estava faminto e aterrorizado. Pensei que tivesse me abandonado para sempre.
– Ela também tinha medo – apontou Dylan, e Rio ficou contente por não ouvir qualquer sinal de piedade naquela voz. Os dedos de Dylan estavam aquecidos e eram reconfortantes quando ela segurou a mão dele. A mão que Rio acabava de dizer que poderia causar a morte com apenas um toque. – Vocês dois devem ter se sentido muito isolados e solitários.
– Sim – disse ele. – Suponho que sim. Tudo terminou mais ou menos um ano depois. Alguns dos homens da vila viram minha mãe e aparentemente se interessaram por ela. Eles apareceram um dia em casa enquanto nós estávamos dormindo. Três deles. Arrombaram a porta e correram atrás dela. Deviam ter ouvido rumores a respeito dela, porque a primeira coisa que fizeram foi prender as mãos de minha mãe para que ela não pudesse tocá-los.
O ar de Dylan ficou preso em sua garganta.
– Minha nossa, Rio...
– Eles arrastaram-na para fora. Corri atrás deles, tentando ajudá-la, mas a luz do sol era intensa demais e me cegou durante segundos que pareceram uma eternidade, e minha mãe gritava, implorando para que eles não fizessem mal a ela ou a mim.
Rio ainda conseguia visualizar as árvores, tão verdes e exuberantes; o céu, tão azul lá em cima... Uma explosão de cores que ele até então só tinha visto escurecidas quando estava na segurança da noite. E ele ainda conseguia visualizar os homens, três grandes humanos, agredindo uma mulher indefesa, enquanto seu filho assistia, congelado pelo terror e pelas limitações de seus cinco anos.
– Eles a espancaram enquanto a chamavam de nomes horríveis: Maldecida. Manos del diablo. La puta de infierno. Algo tomou conta de mim quando vi o sangue de minha mãe correndo pelo chão. Pulei em um dos homens. Eu estava tão furioso que queria que ele morresse em agonia... e assim foi. Depois que entendi o que tinham feito, fui para cima do outro homem. Então, eu o mordi na garganta e me alimentei dele, enquanto meu toque o matava, lentamente.
Dylan agora o encarava sem dizer nada. Totalmente paralisada.
– O último, então, percebeu o que eu tinha feito. E me chamou dos mesmos nomes que tinha chamado minha mãe, acrescentando dois outros que eu nunca tinha ouvido antes: Comedor de la Sangre e Monstruo; Comedor de sangue e monstro. – Rio soltou uma risada insegura. – Até aquele momento, eu não sabia o que era. Mas, enquanto eu matava o último dos agressores de minha mãe e a via morrer na grama iluminada pelo sol, certo conhecimento enterrado em mim parecia acordar e se levantar. Finalmente entendi que eu era diferente, e o que isso significava.
– Você era apenas uma criança – disse Dylan com uma voz suave. – Como sobreviveu depois disso?
– Durante certo período, passei fome. Tentei me alimentar com sangue de animais, mas aquilo era como veneno. Procurei meu primeiro humano aproximadamente uma semana depois do ataque. Eu estava louco de fome, e não tinha experiência em como encontrar alimento. Matei várias pessoas durante as primeiras semanas em que vivi sozinho. Eu acabaria me tornando um Renegado, mas então um milagre aconteceu. Eu estava perseguindo minha presa na floresta quando uma grande sombra saiu das árvores. Eu pensei que fosse um homem, mas ele se movia com tanta agilidade e discrição que eu mal podia focar meus olhos nele. Ele também estava caçando. Foi atrás do camponês em que eu estava de olho e, com uma graça que eu certamente não tinha, ele derrubou o humano e começou a se alimentar da ferida que abrira na garganta daquele homem. Aquela criatura era um sugador de sangue, como eu.
– O que você fez, Rio?
– Eu assisti, fascinado – ele respondeu, recordando com tanta clareza como se tudo aquilo tivesse acontecido poucos minutos atrás. Depois, continuou: – Quando tudo terminou, o homem se levantou e se afastou como se nada incomum tivesse acontecido. Eu estava impressionado e, quando inspirei, o sugador de sangue me viu escondido por ali. Ele me chamou e, depois de perceber que eu estava sozinho, levou-me com ele até sua casa; a um Refúgio Secreto. Conheci muitos outros como eu, e descobri que eu era parte de um grupo chamado Raça. Como minha mãe não tinha me dado um nome, minha nova família no Refúgio Secreto me deu o nome que eu tenho agora.
– Eleuterio de la Noche Atanacio – disse Dylan. As palavras soavam agradavelmente doces saindo da boca dela. Sua mão, agora apoiada com ternura sobre as cicatrizes do rosto de Rio, transmitia uma sensação extremamente reconfortante. – Meu Deus, Rio... é um milagre que você esteja aqui comigo.
Ela se aproximou dele, olhando-o nos olhos. Rio mal conseguia respirar enquanto ela ficava na ponta dos pés e inclinava o queixo para beijá-lo. Os lábios deles se uniram pela segunda vez naquela noite... E com uma necessidade que nenhum deles parecia disposto ou capaz de esconder.
Eles poderiam ficar ali, para sempre se beijando.
Mas foi exatamente naquele momento que o passeio tranquilo se tornou assustador, com o estrondo repentino provocado por armas de fogo.
CONTINUA
Capítulo 18
Rio passou as últimas horas antes da alvorada com Dante no pátio atrás do complexo da Ordem. Em seguida, dirigiu-se à capela do complexo, onde passou mais um pouco de tempo sozinho. O pequeno e tranquilo santuário onde a Ordem realizava suas cerimônias mais importantes ou íntimas sempre funcionava como um refúgio para ele. Mas não agora. Tudo o que ele via no espaço iluminado por luz de velas fazia-o recordar a decepção que Eva lhe causara.
Por culpa dela, fazia mais de um ano, eles tiveram que ungir e cobrir com uma mortalha branca um dos membros mais nobres da Ordem e colocá-lo sobre o altar diante daquelas fileiras de bancos. A morte de Conlan em um túnel subterrâneo no verão passado tinha sido acidental – a infelicidade de estar no local errado, na hora errada. No entanto, seu sangue estava nas mãos de Eva.
Rio ainda podia vê-la parada a seu lado na capela, apoiando-se nele e chorando. E, durante todo o tempo, escondendo sua traição. Esperando até a próxima oportunidade para poder conspirar com seus inimigos como parte de uma tentativa equivocada de ver Rio afastado da Ordem – mesmo que, para isso, ele tivesse de ser ferido – e finalmente como uma posse exclusiva dela.
A ironia disso estava no fato de que ele não deixaria a Ordem.
Ele não queria deixar – e não deixaria – o grupo enquanto se sentisse minimamente útil para os guerreiros que tinham sido praticamente uma família para ele durante quase um século. A não ser que ele perdesse a sanidade e o autocontrole por conta da explosão que poderia – e devia – tê-lo matado.
– Droga! – resmungou Rio, dando meia-volta para sair o mais rápido possível daquela capela.
Ele não tinha que estar ali passando o tempo com velhos fantasmas e com a desgraça que eles lhe traziam. Tudo do que Rio precisava para lembrar-se de Eva era uma olhada de relance em um espelho ou no reflexo de uma janela. E ele tentava com todas as suas forças não fazer isso, não apenas pelo choque que sentia toda vez que via aquela imagem que lhe devolvia o olhar, mas também porque queria expulsar Eva de uma vez por todas de sua vida. O simples fato de ouvir o nome daquela vagabunda traidora já era suficiente para que ele tivesse um incontrolável ataque fúria.
Como Dylan, infelizmente, agora poderia confirmar.
Rio se perguntava se ela estaria bem. Tess teria cuidado muito bem de Dylan – mesmo sem seu toque mágico da cura, ausente agora que ela estava grávida – mas, ainda assim, Rio se perguntava se ela estaria bem. Ele se detestava por ter reagido daquela forma. Dylan provavelmente pensava o mesmo. Isso se ela não estivesse ocupada sentindo pena pelo desastre mental que ele tinha provado ser.
Sentindo-se tão solitário e desprendido da realidade quanto um fantasma, Rio saiu da capela do complexo e vagou pelo labirinto de corredores até chegar à enfermaria, que estava vazia. Tomou uma ducha rápida na sala de recuperação que tinha sido sua morada durante os meses que se seguiram à explosão, deixando a água quente levar a dor que havia em seus músculos e a tensão que pulsava em suas têmporas. Quando desligou a água e se enxugava com uma toalha, seus pensamentos se voltaram para Dylan. Estar aqui, retida contra sua vontade, não devia estar lhe fazendo bem. E libertá-la significava colocar um fim – o mais rápido possível – na matéria que ela tinha começado a escrever.
Era de manhã, o que significava o fim do trabalho para os membros da Raça. Mas não para os humanos que viviam lá em cima. Os humanos deviam estar começando seu dia habitual, o que significava que o chefe de Dylan no jornal tinha mais um dia para pensar a respeito da publicação daquela matéria; o que significava mais um dia para as mulheres com quem Dylan estava viajando discutirem a caverna encontrada e especular sobre o que poderia haver lá dentro. Mais um dia para o erro cometido por Rio poder ser desvendado e colocar a Ordem e toda a nação dos vampiros em perigo caso fossem descobertos pelos humanos.
Rio vestiu um par de calças frouxas azul-marinho e uma camiseta cavada que ainda estava no guarda-roupa com algumas outras coisas que restavam desde sua longa passagem pela sala de enfermaria. Quando caminhou pelo corredor em direção a seus aposentos, tinha um novo objetivo em mente. Sua cabeça estava mais limpa e agora ele se sentia bem e pronto para fazer Dylan colocar um ponto-final naquela maldita matéria sobre a caverna. E logo.
No entanto, quando ele abriu a porta de seus aposentos, o ambiente estava escuro. Apenas um pequeno abajur de mesa estava aceso no canto da sala de estar, como uma luz noturna brilhando para ele, caso decidisse voltar. Rio observou atentamente o leve brilho que lhe dava as boas-vindas enquanto entrava no quarto e fechava a porta silenciosamente.
Dylan estava dormindo. Ele podia vê-la deitada em sua cama no outro quarto, o corpo curvado sobre o edredom. Não restava dúvidas de que ela estava exausta. Os três dias passados pareciam estar finalmente pesando. Caramba, eles pareciam estar pesando também para ele.
Rio andou pelo quarto escuro e, assim que avistou as pernas longas e nuas de Dylan, rapidamente se esqueceu do objetivo que tinha em mente no caminho até lá. Ela estava usando um baby-doll e shorts xadrez com cores claras, peças que ela claramente tinha tirado de sua bagagem, agora aberta ao lado de sua cama.
O conjunto de algodão era nada sexy – certamente nada próximo dos laços e cetins caros com os quais Eva costumava desfilar para ele. Mas Dylan estava linda, mesmo quase nua... E estava linda dormindo na cama dele.
Madre de Dios! Linda demais!
Rio puxou uma manta de seda de uma cadeira no canto do quarto e a levou para a cama a fim de cobri-la. E não fez isso apenas para ser gentil. Como um membro da Raça, Rio tinha a visão mais aguçada durante a noite – todos os seus sentidos eram bem mais aguçados e, naquele momento, eles começavam a oprimi-lo com ideias ligadas àquela mulher seminua deitada tão vulneravelmente perto dele.
Ele tentou não notar que os seios de Dylan estavam deliciosamente nus debaixo do fino algodão da blusa sem manga. A tentação de olhar fixamente aquela pele branca e macia – especialmente a área exposta do abdômen, onde a peça de roupa estava amarrotada e subia tão perfeita e insidiosamente acima do umbigo – era forte demais para ele conseguir resistir.
No entanto, quando ele se aproximou da beira da cama com a manta, ela se mexeu ligeiramente, mudando a posição de suas pernas e ajeitando-se um pouco melhor sobre as costas. Rio ficou paralisado, torcendo para que ela não despertasse e o encontrasse inclinado ali em cima como um fantasma.
Olhar para ela o deixava com uma dor acalentada no peito. Ele não tinha direito algum sobre Dylan, mas uma onda de possessividade correu por seu sangue, acompanhada por vários milhares de volts de eletricidade. Ela não lhe pertencia – e não seria dele, independente de qual caminho ela escolhesse seguir no final de tudo aquilo. Não importava se ela escolheria um futuro entre os da Raça em um Refúgio Secreto ou se viveria lá fora, sem memória alguma de Rio e sua espécie, ela não lhe pertenceria. Dylan merecia algo melhor, não restava dúvida quanto a isso.
Outro homem – da Raça ou não – seria muito mais adequado para cuidar de uma mulher como Dylan. Outro homem teria o privilégio de explorar as delicadas e macias curvas de sua pele sedosa. Seria de outro homem o prazer de provar aquele pulso delicado que golpeava docemente na base de sua garganta. Outro homem da Raça teria a honra de perfurar as veias de Dylan com uma mordida suave e completamente erótica. Seria de outro homem – e jamais dele – o juramento de protegê-la de todos os males e de sustentá-la fielmente para todo o sempre com o sangue e a força de seu corpo imortal.
Não seria direito dele. Absolutamente, pensou Rio sombriamente enquanto colocava, da forma mais delicada que conseguia, a manta sobre o corpo seminu de Dylan. Ele não devia desejar um pedaço sequer dela.
Entretanto, ele desejava. Deus, como desejava!
Rio ardia de desejo, mesmo sabendo que não deveria ter esse sentimento. Ele tentou se convencer de que tinha sido um mero acidente o fato de suas mãos terem roçado contra as curvas do corpo dela enquanto ele a cobria com a leve seda. Ele não pretendia deixar seus dedos percorrerem as ondas daqueles cabelos vermelhos ardentes, ainda ligeiramente umedecidos em virtude de um recente banho. Ele não pôde resistir e tocou a leve linha da maçã do rosto e a pele macia sob a orelha de Dylan.
E ela não reagiu quando ele olhou para o pequeno curativo que cobria o corte que tinha lhe causado.
Merda! Isto era tudo o que ele tinha a oferecer: dor e desculpas. E ela só o deixava chegar tão perto porque não sabia que ele estava ali.
Dylan não estava acordada para ver aquele demônio parado sobre ela na escuridão, roubando-lhe carícias e contemplando a ideia de fazer muito mais do que simplesmente roçar os dedos másculos em sua pele delicada. Rio a desejava tanto que suas presas mordiscavam a própria língua. Os olhos do guerreiro, transformados pela luxúria que ele agora sentia, brilhavam em uma cor âmbar intensa. Aqueles raios típicos da Raça a banhavam em um brilho suave, iluminando cada profunda e deleitável curva do corpo de Dylan.
Ele afastou suas mãos dela e ela se espreguiçou, provavelmente para tentar aliviar o calor daquele olhar. Um rápido pestanejar das pálpebras dele desligou imediatamente o par de refletores, inundando o quarto novamente com a escuridão total.
Rio se afastou sem fazer qualquer ruído.
Então, arrastou-se para fora do quarto antes que pudesse demonstrar mais do seu lado ladrão, que ele tanto temia assumir quando estava perto daquela mulher.
A princípio, Dylan pensou que o toque a tivesse despertado, mas os dedos que acariciavam suavemente sua bochecha tinham um calor relaxante que deixou seu sono mais voluptuoso. Na verdade – ela percebeu depois – fora a ausência daquele calor a responsável por dissipar seu sonho prazeroso.
Ela abriu os olhos e não conseguiu ver nada além da escuridão do quarto.
O quarto de Rio. A cama de Rio.
Ela se sentou, sentindo-se extremamente desconfortável com o fato de ter caído no sono depois de ter tomado uma ducha mais cedo naquela mesma noite. Ou já era dia? Dylan não sabia, e não poderia saber, já que não havia janela alguma nos quase duzentos metros quadrados daquele apartamento.
O lugar estava escuro e silencioso, mas Dylan acreditava não estar sozinha.
– Olá?
Um grande silêncio foi tudo o que recebeu como resposta.
Ela lançou um olhar para a sala de estar e notou que o abajur que tinha deixado aceso agora estava apagado. E alguém definitivamente esteve ali em algum momento, pois havia uma manta sobre seu corpo – a mesma manta que ela havia deixado sobre uma das cadeiras.
Tinha sido Rio. Ela estava absolutamente certa de que fora ele.
Ele tinha estado ao lado da cama não havia muito tempo. Foi o toque dele que transmitiu uma sensação deliciosa para a pele dela, uma sensação que se transformou em frio quando ele se foi.
Dylan deu meia-volta e colocou seus pés descalços no chão. Caminhou suavemente até as portas, fechadas, e abriu-as cuidadosamente enquanto se esforçava para conseguir enxergar qualquer coisa do outro lado da escura sala de estar.
– Rio... Você está dormindo?
Dylan não perguntou se ele estava ali; ela sabia que ele estava. Podia sentir a presença dele na forma como seu coração pulsava, na forma como o sangue corria apressado em suas veias. Ela atravessou o cômodo até onde recordava ter visto um abajur sobre uma escrivaninha. Então, estendeu a mão cuidadosamente na direção da base fria de porcelana do objeto.
– Deixe apagada.
Dylan virou a cabeça na direção do som da voz de Rio. Ele estava à direita dela, perto do centro do quarto. Agora que os olhos de Dylan tinham se adaptado à falta de luz, ela podia ver a grande e escura silhueta sobre o sofá aveludado. O tronco e os longos membros de Rio faziam o leve contorno do móvel desaparecer.
– Pode ficar com sua cama. Eu não pretendia dormir lá.
Ela caminhou um pouco mais na direção do centro do quarto... E escutou um grunhido baixo ecoar de sua direção.
Meu Deus. Dylan ficou congelada a poucos passos do sofá. Estava ele em meio a outro ataque como o anterior? Ou ainda não tinha se recuperado totalmente?
Dylan limpou a garganta. Desafiadora, deu mais um passo na direção dele.
– Você está... hum, você... precisa de alguma coisa? Se houver algo que eu possa fazer...
– Droga! – O som da voz de Rio trazia mais uma sensação de desespero do que de fúria. Ele fez mais um daqueles seus movimentos rápidos como um piscar de olhos, levantando-se rapidamente do sofá e dirigindo-se para a parede mais afastada. O mais longe de Dylan que conseguia.
– Dylan, por favor. Apenas volte para a cama. Você precisa ficar longe de mim.
Aquele provavelmente era um bom conselho. Manter-se longe de um vampiro traumatizado e com um nível nuclear de raiva incontrolável era provavelmente a coisa mais sensata que ela podia fazer. Mesmo assim, Dylan continuou em movimento, como se seu bom senso e seu instinto de sobrevivência tivessem feito as malas e embarcado em férias repentinas.
– Eu não tenho medo, Rio. Eu sei que você não vai me ferir.
Ele não disse algo para confirmar, tampouco para negar. Dylan podia ouvi-lo respirar – isso se aquele ofegar baixo e pesado pudesse ser considerado respiração. Ela se sentia como se estivesse se aproximando de um animal selvagem ferido, incerta sobre se oferecer a mão geraria confiança ou um ataque de presas e garras.
– Você estava no quarto comigo há alguns minutos... não estava? – Ela continuou avançando regularmente, sem se deixar intimidar pelo peso do silêncio de Rio ou da escuridão que o envolvia. – Você tocou em mim. Eu senti sua mão em meu rosto. Eu gostei, Rio. Não queria que você parasse.
Ele xingou, usando palavras realmente agressivas. Ela não só sentiu a presença como também viu a cabeça de Rio se aproximar bruscamente. Uma pausa e, então, ele devia ter aberto os olhos, pois a escuridão foi subitamente cortada por dois raios âmbar apontados diretamente para ela.
– Seus olhos... – ela murmurou, sentindo-se uma mariposa diante de uma chama flamejante.
Dylan tinha visto os olhos de Rio se transformarem de topázio em âmbar quando ele entrara nos aposentos algumas horas atrás. Mas isso... isso era diferente. Agora havia um arder naqueles olhos, algo diferente da raiva e da dor. Mais intenso, se é que isso fosse possível.
Dylan não conseguia se mover. Apenas permaneceu ali, parada no caminho aquecido pelo olhar de Rio, sentindo que aquilo consumia seu corpo inteiro – e gostando do que consumia seu corpo inteiro. Seu coração se acelerou e passou a bater irregularmente enquanto aquele olhar fixo a queimava, atravessando sua pele.
Agora Rio estava se movimentando, aproximando-se dela com a graça de um predador. Jesus Cristo!
– Por que você apareceu naquela montanha? – ele perguntou a Dylan em um tom áspero e acusador.
Dylan engoliu em seco, observando-o aproximar-se dela em meio à escuridão. Ela começou a dizer que tinha sido Eva quem a tinha guiado até lá, mas aquilo era apenas parte da verdade. O fantasma de Eva havia lhe mostrado o caminho, mas Dylan tinha voltado por vontade própria àquela caverna – para ver Rio.
Mais do que qualquer outra coisa – incluindo o trabalho que poderia salvar seu emprego com a história de um demônio nas colinas da Boêmia –, foi Rio quem a levou a ficar na caverna e a tentar estender a mão para ele quando o bom senso lhe dizia para fugir. Era ele quem a obrigava a estar ali agora. O desejo que ela sentia por ele mantinha seus pés presos ao chão quando o medo deveria forçá-la na direção oposta o mais rápido possível.
Rio estava bem em frente dela agora, ainda mascarado pela escuridão, exceto pelo brilho misterioso e extremamente sedutor de seus olhos de vampiro.
– Que inferno, Dylan! Por que você apareceu lá? – As mãos de Rio estavam firmes quando ele a pegou pelos braços. Em seguida, ele a sacudiu, mas era ele quem tremia. – Por quê? Por que teve de ser você?
Ela sabia que um beijo estava próximo, mesmo na escuridão. Porém, a pressão inicial da boca dele sobre a dela a fez sentir uma chama incontrolável tomar conta de seu corpo. Uma chama que a queimava, um desejo ardente que tomava conta de seu coração. Ela se deixou levar, perdendo-se no toque dos lábios e – ah, Jesus! – das presas de Rio. Dylan sentiu as pontas afiadas quando teve a boca aberta pela língua dele, forçando-a a aceitar o que ele tinha para lhe oferecer.
Dylan não tentaria resistir. Ela nunca tinha sentido nada tão erótico quanto o roçar das presas de Rio. Havia tanto poder letal naquilo; ela podia sentir o perigo, mas estava prestes a perder o controle. Rio a abraçou ainda mais forte e a beijou de uma forma quase violenta. E aquilo a excitava loucamente. Não, Dylan nunca havia se sentido tão excitada quanto naquele momento.
Rio a empurrou para o sofá atrás dela. As mãos grandes e fortes do vampiro envolveram suas costas para aliviar a queda. E ele foi com ela, e todo o peso de seu corpo forte e musculoso a sustentou embaixo dele. E Dylan podia sentir a espessura daquele pênis. Sentia-o enorme e rígido como pedra entre seus corpos. Ela correu as mãos pelas costas de Rio, escorregando-as por debaixo da camiseta de algodão, de modo que pudesse sentir a flexão daqueles fortes músculos conforme ele se movia sobre ela.
– Eu quero ver você – ela ofegou em meio aos beijos famintos. – Preciso ver você, Rio...
E Dylan não esperou receber permissão.
Estendendo a mão, ela encontrou o abajur ao lado do sofá e o acendeu. A suave luz amarela banhou o quarto, deixando-o agora iluminado. Rio estava sobre seus quadris, equilibrando-se nos joelhos enquanto a olhava fixamente em uma situação que parecia ser pura desgraça.
Os olhos de Rio brilhavam com aquele âmbar ardente. Seus traços estavam tensos, sua mandíbula estava apertada fortemente, mas não o suficiente para mascarar o assombroso tamanho de suas presas extremamente afiadas. Os dermoglifos que se espalhavam por seus ombros e braços pareciam queimar – em belos e profundos tons de vermelho, índigo e dourado.
E suas cicatrizes... Bem, Dylan também as viu. Seria impossível ignorá-las, mas ela tampouco tentou. Dylan se apoiou em um de seus cotovelos e estendeu sua outra mão na direção de Rio. Ele estremeceu, virando o rosto em uma tentativa de ocultar seu lado esquerdo arruinado. Mas Dylan não o deixaria se esconder. Não agora. Não dela. Então, estendeu a mão novamente e, de forma suave, colocou a palma contra a forte linha que contornava seu maxilar.
– Não faça isso – disse Rio com uma voz grossa.
– Está tudo bem. – Dylan virou suavemente o rosto dele para que pudesse ser vista totalmente. Com extremo cuidado, ela acariciou levemente aquela pele marcada por cicatrizes. E seguiu acariciando todos os danos pelo corpo dele, deslizando delicadamente os dedos pelo pescoço, ombros e bíceps de Rio, na pele que certa vez fora tão suave e perfeita quanto o restante dele. – Você acha que é um sacrifício tocá-lo assim?
Rio murmurou algo, mas as palavras saíram retorcidas e ininteligíveis.
Dylan se sentou, levantando-se até que seu rosto estivesse paralelo ao dele. Ela o olhou fixamente, assegurando-se de que aquelas pupilas finas como as de um gato a olhassem enquanto ela suavemente o acariciava na bochecha, no maxilar, naquela boca maravilhosamente sensual.
– Não olhe para mim, Dylan. – Agora ela se dava conta de que ele murmurava exatamente a mesma coisa que antes. – Que droga!... Como você consegue me olhar tão perto... como pode me tocar... e não sentir nojo?
Dylan sentiu seu coração se apertar em seu peito.
– Eu estou olhando para você, Rio. Estou vendo você. Estou tocando você. Você – disse ela, enfatizando.
– Estas cicatrizes...
– São incidentais – ela terminou a frase para ele. Dylan sorriu enquanto lançava um olhar para a boca dele, para as presas perfeitamente brancas e perfeitamente incríveis que brotavam de sua gengiva.
– Suas cicatrizes são o mais normal em você, se quer saber a verdade.
Os lábios dele se curvaram, como se fossem afastá-la, definindo-lhe muitos mais de seus defeitos, mas Dylan não lhe deu oportunidade. Ela segurou o rosto de Rio com as mãos e se aproximou, dando-lhe um beijo intenso, lento e apaixonado.
E ela gemeu quando ele entrelaçou as mãos naqueles cabelos vermelhos e a beijou de volta.
Dylan o queria com tanta ferocidade a ponto de quase não conseguir aguentar. Deus, aquilo tudo não fazia sentido algum – esse desejo que ela sentia por um homem que mal conhecia e de quem, por muitas razões, deveria sentir medo. Em vez disso, ela o beijava como se não houvesse amanhã.
Não queria parar de beijá-lo. Ela o envolveu em seus braços e o puxou de volta contra o sofá. Os cabelos sedosos dele acariciavam a palma da mão dela; a boca quente dele buscava a boca de Dylan. E a mão de Rio, ah, a mão de Rio era, ao mesmo tempo, forte e suave enquanto ele a deslizava sob a bainha da blusa de Dylan, acariciando-lhe a pele arrepiada da barriga. E, em seguida, ele acariciou também os seios dela. Dylan se contorcia enquanto era acariciada. Os dedos de Rio provocavam os mamilos dela, transformando-os em botões duros e sensíveis enquanto a língua dele brincava com a boca de Dylan.
– Ah, meu Deus! – ela ofegou, ardendo por Rio.
Ele se ajustou melhor entre as coxas de Dylan, usando os joelhos para abrir-lhe as pernas enquanto sentia sua ereção querer rasgar as próprias roupas. Ela quase teve um orgasmo com aquela deliciosa fricção entre os corpos. Ela ia chegar ao êxtase se ele continuasse com aqueles movimentos deliciosos que não deixavam dúvidas de que tipo de amante ele seria quando eles estivessem nus.
Dylan levantou os pés e cruzou os tornozelos em volta do quadril de Rio, deixando-o ciente de que ela estava disposta a ir até onde ele quisesse levar aquilo. Ela não estava acostumada a se jogar aos pés de um homem – e não conseguia se lembrar da última vez em que havia transado, que dirá, então, da última vez em que tivera um bom sexo – mas Dylan não conseguia pensar em nada que quisesse mais do que fazer amor com Rio. Bem ali. Naquela hora.
Ele sugou o lábio inferior de Dylan entre seus dentes enquanto empurrava seu quadril contra ela. Ela se deleitou com o roçar daquelas presas, com o impulso hipnotizante do corpo grande e rígido daquele homem e com o flexionar dos músculos tensos dele em suas mãos. Ele deslizou sua mão entre as pernas dela. Seus dedos se afundavam na carne úmida e quente. Dylan não conseguiu segurar o gemido que se formava em sua garganta.
– Isso! – ela sussurrou bruscamente conforme um orgasmo tomava conta de seu corpo. – Rio...
Ela sentia espirais girarem dentro de seu corpo enquanto se perdia no prazer que o toque de Rio entre suas pernas lhe provocava. E se agarrou a ele quando sentiu seu coração acelerar com o gozo. Ela escutou o grunhido selvagem de Rio, dando-se conta de que ele tinha deixado de beijá-la para escorregar a boca ao longo de seu pescoço. Ela o envolveu em seus braços enquanto ele roçava contra seu pescoço, enquanto deixava sua língua quente passear por sua pele macia.
O roçar áspero dos dentes de Rio naquele ponto a assustou.
O corpo de Dylan se retesou, embora ela não quisesse temer o que poderia estar por vir. Mas ela não pôde deter a reação instintiva. E Rio se afastou como se ela tivesse gritado com toda a força de seus pulmões.
– Sinto muito – ela sussurrou, estendendo a mão para tocá-lo. Mas ele já não estava mais lá. Já tinha se afastado, já estava a pelo menos um braço de distância do sofá. Dylan se sentou, sentindo-se estranhamente incompleta. – Sinto muito, Rio. Eu não estava segura...
– Não se desculpe – ele resmungou com uma voz áspera. – Madre de Dios, não peça desculpa para mim, por favor. Foi culpa minha, Dylan.
– Não – ela respondeu, desesperada para que ele ficasse com ela, para que ele ficasse dentro dela. – Eu quero, Rio.
– Você não deveria querer – ele retrucou. – E eu não teria sido capaz de parar. – Rio passou a mão por aqueles cabelos escuros, encarando-a com aqueles ardentes olhos âmbar. – Isso teria sido um erro terrível para nós dois – acrescentou ele depois de uma longa pausa. – Ah, merda! Já é um terrível erro.
Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Rio simplesmente deu meia-volta e partiu. Enquanto a porta do quarto se fechava atrás das costas largas daquele homem enorme, Dylan puxava sua blusa de volta para baixo e ajustava os shorts. No silêncio com o qual ele a deixou, ela levou os joelhos até o peito e segurou as canelas. Em seguida, estendeu a mão e apagou a luz do abajur.
Capítulo 19
Rio levantou a pistola nove milímetros e a apontou para o final do campo de tiro do complexo. A arma parecia extremamente estranha em sua mão, apesar de ela lhe pertencer e de ele tê-la carregado por anos, quando ela era extremamente letal.
Antes da explosão do depósito, antes de as feridas terem-no tirado de combate e o jogado em uma cama de hospital, deixando seu corpo e sua mente destruídos.
Antes de a traição de Eva tê-lo cegado, fazendo-o questionar tudo que ele era e poderia vir a ser.
Uma gota de suor desceu pelo lábio de Rio enquanto ele mantinha os olhos no alvo. Seu dedo no gatilho estava trêmulo. Rio usou toda a sua atenção para se concentrar na pequena silhueta impressa no alvo de papel a cerca de vinte metros à frente.
Mas era exatamente para isso que ele tinha ido até ali.
Depois do que havia ocorrido com Dylan alguns minutos atrás, Rio precisava se distrair. Precisava de algo que tomasse toda a sua atenção, que fizesse a temperatura de seu corpo diminuir e voltar ao normal. Algo que, esperançosamente, acabasse com aquela fome carnal que ainda o consumia. Rio desejava Dylan com uma necessidade que ainda pulsava por suas veias em um batimento profundo e primitivo.
Ele ainda podia sentir o corpo delicado daquela mulher movendo-se debaixo do seu, tão suave e acolhedor, respondendo aos toques de forma tão apaixonada. Aceitando-o, mesmo sabendo que eles poderiam fazer parte de uma montagem macabra de A Bela e a Fera. Era uma fantasia da qual ele se permitia participar enquanto beijava Dylan, enquanto a apertava sob seu corpo e se perguntava se a intensa atração que sentia por ela poderia ser mútua. Ninguém era assim tão bom ator. Eva havia afirmado amá-lo uma vez. A traição profunda tinha sido um choque, mas, no fundo de sua mente, Rio sabia que ela não era feliz com ele, não estava, realmente, feliz com o que ele era e com a vida de guerreiro que ele tinha escolhido.
Ela nunca quis que ele se juntasse aos guerreiros. Nunca entendera sua necessidade de fazer algo bom, sua necessidade de ser útil. Mais de uma vez, havia perguntado por que ela não era suficiente para ele. Por que amá-la e fazê-la feliz não poderia ser suficiente? Rio queria as duas coisas, mas até mesmo Eva conseguia enxergar que ele preferia a Ordem.
Rio ainda podia se recordar de uma noite, passeando em um parque da cidade com Eva, tirando fotos dela em uma pequena ponte sobre o rio. Naquela noite, ela lhe dissera o quanto queria que ele deixasse a Ordem e lhe desse um filho. Exigências que ele não poderia – ou melhor, que ele não estava disposto – a cumprir.
“Espere um pouco”, ele lhe pedira. Os guerreiros estavam dando fim a uma pequena onda de ataques dos Renegados na região. E, por conta disso, ele pediu para que ela fosse paciente. Uma vez que as coisas estivessem mais calmas, talvez pudessem pensar em constituir uma família.
Olhando para trás, Rio não tinha mais certeza de que aquelas fossem palavras verdadeiras. Eva não havia acreditado, ele conseguiu ver isso nos olhos dela já naquela época. Madre de Dios, talvez tivesse sido naquele exato momento que ela decidiu tomar o problema para si mesma.
Rio tinha decepcionado Eva e sabia disso. Mas ela havia pagado na mesma moeda. A traição dela o havia rasgado até a alma. Aquela traição o forçou a questionar tudo, incluindo o motivo pelo qual ele devia continuar ocupando um espaço precioso neste mundo.
Quando Dylan o beijou – quando ela o olhou fixamente no rosto e seus olhos transmitiam apenas sinceridade – Rio conseguiu acreditar, pelo menos por um momento, que não era um monstruo digno de pena desperdiçando ar e espaço. Quando olhou nos olhos de Dylan e sentiu a mão macia dela tocando suas cicatrizes, conseguiu acreditar que sua vida parecia valer a pena. E ele era um maldecido egoísta por pensar que tinha algo que oferecer a uma mulher como aquela. Rio já havia destruído a vida de uma mulher, e quase destruíra a sua. Não, ele não estava disposto a arriscar uma segunda vez com a vida de Dylan. Não, mesmo.
Rio estreitou os olhos, voltando sua atenção ao alvo. Então, segurou ainda mais forte na arma, em uma pegada que parecia ferro contra ferro. Apertou o gatilho, sentiu a pancada familiar quando a Beretta descarregou e uma bala saiu em direção ao anel central do alvo.
– É bom ver que você não perdeu o jeito. Continua acertando exatamente no alvo, como sempre fez.
Rio colocou a arma na prateleira diante dele. Quando deu meia-volta, deu de cara com Nikolai, que estava parado atrás dele, com suas costas enormes apoiadas contra a parede. Rio sabia que não estava sozinho ali, ele tinha ouvido Niko e os outros três guerreiros solteiros conversando no extremo oposto do prédio enquanto limpavam suas armas e comentavam sobre sua ronda no clube noturno de humanos.
– Como foi a caça lá em cima?
Niko deu de ombros.
– Como de costume.
– Belas garotas, sem bom senso o suficiente para correr quando veem vocês chegar? – perguntou Rio, tentando quebrar o gelo presente entre eles desde sua chegada ao complexo.
Para seu alívio, Niko sorriu.
– Não há nada de errado em relaxar e ser fácil quando o assunto é mulheres, cara. Acho que, na próxima vez, você deveria vir com a gente. Posso descolar algo doce e sacana para você. – O par de covinhas que ele tinha nas bochechas ficava cada vez mais evidente. – Se não estiver planejando se acabar ou algo assim enquanto isso. Idiota. Burro.
Niko não disse as palavras com tom de ofensa. Elas eram apenas resultado do tom solene de um amigo preocupado com o outro.
– Pode deixar que eu aviso – disse Rio. E, julgando pelo olhar estreitado de Nikolai, ele tinha entendido que ele não estava falando sobre a perspectiva de ter um pouco de ação lá em cima.
A voz de Niko se tornou baixa, adotando um tom de confidencialidade:
– Você não pode deixá-la ganhar, sabe disso, não é cara? Porque isso é sinônimo de se entregar. Sim, ela ferrou a sua vida, e não estou dizendo que precise perdoar e esquecer porque, francamente, eu não acredito que eu conseguiria fazer isso se estivesse no seu lugar. Mas você ainda está aqui. Então, ela que se dane! – disse Niko com veemência. – Eva que se dane! E que se dane a bomba que ela explodiu naquele depósito. Porque você, meu amigo, você está aqui.
Rio esboçou um sorriso, mas apenas um som fraco passou por sua garganta apertada. Tentou esconder o desconforto, sentindo-se extremamente desajeitado ao perceber que alguém se importava com ele.
– Caramba, cara. Quantos programas da Oprah você tem assistido desde que eu parti? Porque, vindo de você, isso é realmente comovente.
Niko riu.
– Pensando bem, esqueça toda essa porcaria que acabei de dizer. Você que se dane, também.
Rio caiu na risada. A primeira risada sincera que saiu de sua boca em... Jesus, algo em torno de um ano inteiro!
– Ei, Niko. – Kade veio caminhando do outro lado da instalação, os cabelos negros espetados e os olhos acinzentados lhe davam um ar deliciosamente selvagem que o deixava parecido com um lobo. – Preciso interromper: esta noite, se nos encontrarmos com aquele outro Renegado fora do Refúgio Secreto, não se esqueça de que você prometeu que ele é meu.
– Se eu não pegar o desgraçado primeiro. – Brock apareceu, saindo de trás do outro guerreiro e sorrindo enquanto, em tom de brincadeira, colocava a ponta de uma enorme adaga sob o queixo de Kade.
A risada agradável de Brock ecoou, mas era possível perceber que o guerreiro que a Ordem tinha recrutado em Detroit era tão sombrio e duro quanto a própria Morte durante os combates. Brock soltou Kade, e os dois continuaram discutindo sobre como caçar os Renegados enquanto saíam da sala de armas e seguiam para seus próprios quartos, em áreas separadas do complexo.
Chase foi o último a chegar, vindo do fundo da instalação. Sua camiseta preta tinha um enorme rasgo na frente, como se alguém tivesse tentado tirar um pedaço dele. A julgar pela cor de saciedade dos dermoglifos e pelo ar calmo em seus olhos normalmente agressivos, parecia que ele tinha se saciado com o que as garotas da discoteca lhe ofereceram.
Chase inclinou ligeiramente a cabeça para saudar Rio. Em seguida, disse a Nikolai:
– Se receber mais alguma notícia de Seattle, por favor me avise. Estou curioso para saber por que uma matança daquela natureza ainda não foi reconhecida por nenhuma Agência.
– Sim – disse Niko. – Eu também queria saber isso.
Rio franziu a sobrancelha:
– Quem apareceu morto em Seattle?
– Um dos membros mais antigos do Refúgio Secreto de lá – explicou Niko. – Um cara que, por sinal, era da Primeira Geração.
Os pelos da nuca de Rio se arrepiaram, um claro sinal de que ele estava preocupado com aquela notícia.
– Como ele foi morto?
O olhar de Nikolai era pesado:
– Uma bala no cérebro. À queima roupa.
– Onde?
– Em geral, o cérebro se encontra na região da cabeça – ironizou Chase, arrastando as palavras. Ele mantinha os braços cruzados.
Rio lançou um olhar estreitado na direção de Chase.
– Obrigado pela aula de anatomia, Harvard. Mas eu estava falando sobre onde estava este Primeira Geração quando o mataram.
O olhar de Niko encontrou os olhos sóbrios de Rio.
– Ele levou um tiro no banco traseiro da limusine que era dirigida por um chofer. Meu contato disse que ele estava voltando de uma ópera, de um balé, ou alguma coisa assim. E que, enquanto esperava em um semáforo, alguém explodiu sua cabeça e desapareceu, antes mesmo que o motorista entendesse o que havia acontecido. Por quê?
Rio deu de ombros, mas disse:
– Talvez não seja nada, mas, quando eu estava em Berlim, Andreas Reichen me contou da morte de um Primeira Geração que aconteceu recentemente lá. Só que este homem do Refúgio Secreto foi morto em um clube de sangue.
– Esses clubes “esportivos” privados foram proibidos há décadas – comentou Chase.
– Claro – concordou Rio, cheio de sarcasmo, já que o ex-agente de Refúgio Secreto tinha a intenção de ser inconveniente. – Agora eles imprimem os convites em tinta invisível e você precisa de um anel decodificador para passar pela porta.
– O mesmo modus operandi no Primeira Geração de Berlim? – perguntou Niko.
– Não. Nenhuma ferida causada por bala. Segundo as fontes de Reichen, este amante dos esportes acabou perdendo a cabeça.
Niko expirou lentamente.
– Esses são dois dos três principais métodos para se matar um vampiro da Primeira Geração da Raça. O terceiro modo é a exposição a raios ultravioletas e, convenhamos, esse é o meio menos eficaz. A não ser que você tenha dez ou quinze minutos livres para dedicar ao trabalho.
– Os dois assassinatos poderiam estar relacionados – supôs Rio, sem saber se seus instintos eram dignos de confiança. Mas, droga! Os sinos de aviso soavam em sua cabeça como os da torre de uma catedral num domingo de Páscoa.
– Há algo errado – disse Chase, finalmente ligando os pontos. – Eu também não gosto nada disso. Dois Primeira Geração mortos em questão de... uma semana? E os dois casos cheirando a execução?
– Nós não sabemos se foram execuções – advertiu Niko. – Vamos lá. Pensem nas probabilidades. Se você vive durante mil anos, ou algo assim, necessariamente irá deixar alguém furioso. Alguém que poderia querer atentar contra você em sua limusine, ou cortar sua cabeça em um clube de sangue.
– E os Refúgios Secretos não querem que nenhum dos assassinatos seja divulgado? – questionou Rio.
As sobrancelhas acobreadas de Chase apertaram-se bruscamente.
– Berlim também mantém tudo em segredo?
– Sim. Reichen disse que eles estão mantendo o caso em segredo para evitar um escândalo. Não é bom para ninguém saber que um pilar de sua comunidade foi derrubado em um clube esportivo cheio de humanos ensanguentados e mortos.
– Não. Não é nada bom – concordou Chase. – Mas dois Primeira Geração mortos é um golpe bastante pesado para toda a nação de vampiros. Não deve haver mais do que vinte indivíduos de Primeira Geração ainda vivos entre a população inteira, incluindo Lucan e Tegan. Se eles se forem, poderão surgir problemas.
Nikolai assentiu:
– Isso é verdade. E acho que não podemos fazer nada.
Rio sentiu um pensamento frio tomar conta de sua mente:
– Não. A menos que tenhamos um Antigo vivo, uma Companheira de Raça e algo como vinte anos de vantagem.
Os guerreiros o olharam com expressão preocupada.
Niko passou uma das mãos por seu cabelo loiro.
– Ah, droga! Você não acha que...
– Eu quero muito estar errado – disse Rio. – Mas é melhor acordarmos Lucan.
Capítulo 20
Ficar sozinha depois de Rio ter partido deixou Dylan bastante inquieta. Sua mente estava girando e girando e suas emoções estavam agitadas. E ela não podia evitar pensar em sua vida anterior em Nova York. A mulher tinha de fazer sua mãe saber que ela finalmente estava bem.
Dylan acendeu a lâmpada de um abajur e pegou seu celular. Ela praticamente tinha se esquecido da existência do aparelho desde que chegara ali, pois o havia tirado do bolso da calça cargo e escondido debaixo do colchão da cama de Rio, pronto para ser alcançado tão logo fosse seguro.
Ela ligou o aparelho, fazendo o possível para abafar o som que ele emitia conforme voltava à vida. Era um milagre ainda haver bateria, mesmo que o mínimo. Uma barra era melhor do que nada, pensou Dylan.
O visor mostrou que havia algumas mensagens de voz na caixa postal.
Ela finalmente tinha o serviço de volta.
Ah, graças a Deus!
O número para retornar a chamada na primeira mensagem era de Nova York – mais especificamente, do escritório de Coleman Hogg. Dylan ouviu a mensagem e não se surpreendeu ao ouvir o homem estar cuspindo fogo pelas ventas, descrevendo – rudemente – a má educação de Dylan pelo fato de ela ter deixado o fotógrafo freelance, que ele havia contratado, esperando em Praga.
A mulher saltou o resto do sermão de Hogg e passou para a próxima mensagem. Tinha sido recebida dias atrás e era de sua mãe, querendo saber notícias, dizendo que a amava e que esperava que a filha estivesse aproveitando a viagem. Sua voz soava cansada, o que deixou o coração de Dylan apertado.
Havia, ainda, outra mensagem de seu chefe. Dessa vez, ele parecia ainda mais zangado e dizia que descontaria do salário da jornalista o pagamento do fotógrafo, e que considerava o e-mail que ela tinha mandado, dizendo que tiraria umas férias, como um pedido de demissão. Dylan, portanto, estava desempregada.
– Ótimo – ela murmurou em voz baixa, enquanto passava para a mensagem seguinte.
Ela não podia ficar nervosa ou chateada com a perda do emprego, mas a falta de um salário logo seria sentida. A menos que Dylan encontrasse algo melhor, algo maior. Algo monumental, na verdade. Algo com dentes de verdade... ou com presas, como de fato eram.
– Não – disse rispidamente antes mesmo que a ideia terminasse de se formar em sua cabeça.
Ela não poderia de forma alguma levar aquela história toda a público, ainda. Não naquele momento, quando ainda havia muitas perguntas sem respostas – e, principalmente, não naquele momento, quando ela mesma tinha se tornado parte daquela história, por mais bizarro que fosse pensar naquilo tudo e na forma que aquilo ganhava.
E ainda havia Rio.
Se houvesse uma razão para Dylan proteger o que tinha descoberto sobre a existência de outras espécies além do ser humano, essa razão era Rio. E Dylan não queria traí-lo ou colocá-lo em qualquer situação de risco, especialmente agora que ela estava começando a conhecê-lo melhor, agora que ela estava começando a se preocupar com ele, por mais perigoso que isso pudesse ser.
O que acontecera entre eles há pouco mexeu com ela profundamente. O beijo fora maravilhoso. A sensação do corpo de Rio pressionado tão intimamente contra o seu tinha sido a coisa mais sensual que Dylan já provara. E a sensação dos dentes dele – das presas dele – pastoreando a frágil pele de seu pescoço tinha sido tão aterrorizante quanto erótica. Será que ele realmente a teria mordido? E se tivesse, o que aconteceria com ela?
Baseada no quão rápido Rio havia abandonado o quarto, Dylan não esperava ter essas respostas. E aquilo não deveria deixá-la tão mal.
O que ela precisava fazer era sair daquele lugar – fosse ele qual fosse – e voltar para sua vida. Dylan precisava voltar para sua mãe, que provavelmente estava ficando louca de preocupação agora que já havia três dias que a filha não entrava em contato.
As três chamadas seguintes eram do abrigo de sua mãe e todas tinham sido recebidas na noite anterior. Não havia mensagens, mas a proximidade das ligações indicava a urgência do assunto. Dylan pressionou o botão de discagem rápida para a casa de Sharon e esperou enquanto o telefone chamava sem resposta do outro lado da linha. O celular também não foi atendido. Com o coração não mão, marcou o número que havia registrado em seu telefone e ligou. Janet atendeu:
– Bom dia. Escritório de Sharon Alexander.
– Janet, olá. Sou eu, Dylan.
– Jesus Cristo, Dylan. O que você está fazendo? Onde você está? – as perguntas soaram estranhamente preocupadas, como se Janet, de alguma forma, já soubesse – ou pensasse que soubesse – que Dylan provavelmente não estava tendo um dia bom. – Você está no hospital?
– O quê? Não, não... – O estômago de Dylan se retorceu. – O que aconteceu? É minha mãe? O que houve?
– Ela se sentiu um pouco cansada depois do cruzeiro, e ontem ela desmaiou aqui. Dylan, querida, ela não está muito bem. Nós a levamos para o hospital e eles a internaram.
– Deus... – Todo o corpo de Dylan ficou adormecido, paralisado no lugar. – Ela teve uma recaída?
– Eles acreditam que sim. – A voz de Janet era a mais tranquila que podia ser em uma situação como aquela. – Sinto muito, querida.
Lucan não estava feliz por ter sido tirado da cama com Gabrielle no meio do dia, mas assim que ouviu o motivo da interrupção de seu sono, o líder da Ordem ficou imediatamente atento. Ele vestiu um par de jeans escuros e uma camisa de seda desabotoada e saiu no corredor, onde Rio, Nikolai e Chase o esperavam.
– Vamos precisar de Gideon – disse Lucan, enquanto pegava o celular e discava para o outro guerreiro. Ele murmurou uma saudação apressada e um rápido pedido de desculpas e imediatamente deu a Gideon a notícia que Rio e os outros tinham acabado de compartilhar. Enquanto os quatro se dirigiam pelo corredor para o laboratório tecnológico, o centro de comando pessoal de Gideon, Lucan terminou a conversa e desligou o telefone. – Ele está a caminho – disse. – Sinceramente, espero que você esteja errado quanto a isso, Rio.
– Eu também – respondeu Rio, tão nervoso quanto qualquer um à simples consideração daquilo.
Não demorou nem dois minutos para Gideon se juntar à improvisada reunião. Ele apareceu no laboratório usando uma calça de moletom cinza, uma camiseta branca que marcava seus músculos e um par de tênis com os cadarços desamarrados que demonstravam que ele tinha enfiado os pés ali e saído correndo. Ele atirou-se na cadeira giratória diante de seu computador e começou a abrir programas e mais programas em várias telas.
– Certo, estamos enviando sondas espiãs para todas as agências de notícias e para o Banco Internacional de Dados – ele disse, olhando para os monitores enquanto os dados lentamente começavam a preencher as telas. – Humm. Isso é estranho. Você disse que um dos dois mortos da Primeira Geração está fora de Seattle?
Nikolai confirmou.
– Bem, não de acordo com isso. As informações sobre Seattle não retornaram resultados. Não há relatos de mortes recentes por lá. Tampouco há relatos de um Primeira Geração naquela população, embora isso seja relativo. O Banco Internacional de Dados só foi implantado há algumas décadas, portanto, de forma alguma é completo. Temos poucos membros antigos da Raça catalogados, mas a maioria dos vinte e poucos Primeira Geração que ainda respiram tendem a proteger sua privacidade. Há rumores de que alguns deles são verdadeiros ermitões que não se aproximam de um Refúgio há mais de um século. Suponho que eles acreditem ter ganhado alguma autonomia depois de mais de mil anos de vida. Não é isso, Lucan?
Lucan, que tinha por volta de novecentos anos e também não aparecia no Banco Internacional de Dados, apenas grunhiu como resposta enquanto seus olhos acinzentados se estreitavam sobre os monitores do computador.
– E quanto à Europa? Há algo sobre o Primeira Geração que Reichen mencionou?
Gideon digitou uma rápida sequência em seu teclado e entrou em outro software de segurança como se aquilo tudo fosse um vídeo game.
– Merda. Não, não aparece nada. Eu tenho que dizer uma coisa, cara, esse silêncio é tenebroso.
Rio concordava:
– Então, se ninguém está relatando mortes de integrantes da Primeira Geração, deveria haver pelo menos mais do que os dois que conhecemos até agora.
– Há algo que precisamos descobrir – disse Lucan. – Quantos Primeira Geração estão registrados no Banco Internacional de Dados, Gideon?
O guerreiro fez uma rápida busca.
– Sete, entre os Estados Unidos e a Europa. Vou mandar a relação de nomes e Refúgios para a impressora agora.
Quando a única página saiu da impressão, Gideon a agarrou e a estendeu para Lucan. O guerreiro líder a observou:
– A maioria desses nomes me é familiar. Conheço dois ou três outros que não estão listados. Tegan provavelmente conhecerá outros. – Ele colocou a lista na mesa de reunião de modo que Rio e os outros pudessem vê-la. – Algum nome de um Primeira Geração que vocês sintam falta nessa lista?
Rio e Chase balançaram a cabeça negativamente.
– Sergei Yakut – murmurou Niko. – Eu o vi uma vez na Sibéria quando eu era um garoto. Ele foi o primeiro Primeira Geração que eu conheci – caramba, o único, até eu vir para Boston e conhecer Lucan e Tegan. O nome dele não está na lista.
– Você acha que conseguiria encontrá-lo se fosse necessário? – perguntou Lucan. – Presumindo que ele ainda esteja vivo, eu quero dizer.
Nikolai riu.
– Sergei Yakut é um mesquinho filho da mãe. Mesquinho demais para morrer. Posso apostar que ainda está vivo e sim, acredito que eu poderia encontrá-lo.
– Ótimo – disse Lucan, com expressão fechada. – Quero que faça isso o mais rápido possível. Para o caso de estarmos lidando com uma situação potencial de um assassino em série, precisamos conseguir os nomes e as localizações de todos os Primeira Geração que existem.
– Tenho certeza de que a Agência sabe pouco mais do que nós aqui – completou Chase. – Eu ainda tenho um ou dois amigos lá. Provavelmente alguém saiba de algo ou possa indicar alguém que saiba.
Lucan balançou a cabeça.
– Sim. Veja isso, então. Mas estou certo de que não preciso lhe dizer para manter todas as suas cartas na manga quando estiver lidando com eles. Você pode ter alguns amigos na Agência, Harvard, mas a Ordem certamente não tem. E, sem querer ofender, confio neles até o momento de poder chutar-lhes o traseiro.
Lucan lançou um olhar sério para Rio.
– E quanto aos outros prováveis problemas que você trouxe, aquele Antigo que pode ter voltado à vida e estar sendo usado para a criação de uma nova linhagem de vampiros de Primeira Geração? – Ele balançou novamente a cabeça, completando conforme deixava escapar pelos lábios bem desenhados uma maldição. – É um cenário de pesadelo, meu amigo. Mas pode muito bem ser verdade.
– Se for – disse Rio –, então é melhor nós esperarmos, que conseguiremos controlar isso logo. E estamos décadas atrás do filho da mãe.
Ao terminar de dizer isso, Rio se deu conta de que estava usando nós para se referir aos guerreiros e seus objetivos. Ele estava se incluindo novamente na Ordem. Mais do que isso, ele estava começando, de fato, a se sentir parte de toda a coisa novamente – uma parte ativa, um membro importante – enquanto estava ali com Lucan e com os outros, fazendo planos, considerando estratégias. E ele se sentia bem, aliás.
Talvez ainda pudesse haver um lugar para ele ali afinal de contas. Ele esteve confuso e cometeu alguns erros, mas talvez pudesse voltar a ser o que era antes.
Rio ainda estava degustando aquela esperança que lhe acometera subitamente quando um leve bip começou a apitar em uma das estações que Gideon estava monitorando. O guerreiro empurrou a cadeira até o computador, franzindo a sobrancelha.
– O que é isso? – perguntou Lucan.
– Estou captando um sinal de um celular ligado aqui no complexo. E não é um dos nossos – respondeu antes de lançar o olhar para Rio. – Está vindo do seu quarto – completou.
Dylan.
– Merda – chiou Rio, conforme a ira tomava conta de seu corpo. – Ela disse que não tinha nenhum celular.
Maldição. Dylan mentira para ele.
E se ele estivesse preocupado com a situação toda como deveria estar, teria revistado todo o corpo dela – da cabeça às pontas dos pés.
Uma jornalista em posse de um telefone. Pelo que ele sabia, ela poderia estar sentada em seu quarto nesse exato momento contando tudo o que tinha visto e ouvido para a CNN – expondo a Raça aos humanos e fazendo isso debaixo do seu nariz.
– Não havia nada em sua mochila que indicava que ela tinha um celular – murmurou Rio, uma desculpa esfarrapada e esdrúxula, ele sabia. – Merda! Eu devia tê-la revistado.
Gideon digitou algo em um de seus vários painéis.
– Posso arrumar uma interferência, cortar o sinal – disse.
– Então faça – disse Lucan. Depois, virou-se para Rio:
– Temos alguns fios soltos que precisamos cortar, meu amigo. Incluindo aquele que está em seu quarto.
– Sim – disse Rio, sabendo que Lucan estava certo. Dylan tinha de tomar uma decisão e o tempo estava se tornando crucial agora que a Ordem tinha outros problemas com os quais lidar.
Lucan pousou a mão no ombro largo de Rio.
– Acredito que está na hora de eu conhecer Dylan Alexander pessoalmente.
– Janet...? Alô? Eu não consegui o número do quarto de minha mãe. Alô...? Janet...? Você está me ouvindo? Ainda está aí?
Dylan afastou o celular da orelha e olhou para o visor. Sem sinal.
– Merda.
Ela segurou o aparelho na altura de sua cabeça e começou a caminhar pelo quarto, procurando por um ponto em que pudesse conseguir algum sinal. Nada. A porcaria tinha morrido no meio de sua ligação, cortando a conversa, apesar de a bateria não estar completamente descarregada.
Dylan sequer podia pensar direito. Ela estava muito agitada. Sua mãe, no hospital? Uma recaída? Jesus Cristo!
A mulher por pouco resistiu à vontade de atirar o aparelho contra a parede mais próxima.
– Merda!
Freneticamente, ela caminhava para a outra sala para tentar completar outra ligação e quase desmaiou de susto quando a porta do quarto foi arregaçada por uma força que mais parecia um vendaval do lado de fora. Era Rio.
E ele estava zangado.
– Me dê isso, Dylan. – Seus brilhantes olhos cor de âmbar e suas presas salientes deram um nó no estômago de Dylan. Ela estava com medo, mas também estava zangada, estava arrasada com a recaída da mãe. Ela precisava vê-la. Precisava sair daquela irrealidade em que tinha sido jogada desde que fora raptada na Europa e voltar para as coisas que realmente importavam.
Jesus Cristo, ela pensou, quase à beira de ceder completamente. Sua mãe estava novamente mal, e sozinha em algum quarto de hospital perdido na cidade. Dylan precisava estar lá, com ela.
Rio entrou no quarto.
– O telefone, Dylan. Me dê a porcaria do telefone. Agora.
Foi então que ela percebeu que Rio não estava sozinho. De pé, atrás dele, no corredor, havia um homem enorme – media, facilmente, dois metros de altura, e tinha cabelos negros e olhos ameaçadores que desmentiam sua calma aparente. Ele permaneceu parado conforme Rio caminhava na direção de Dylan.
– Vocês fizeram alguma coisa com meu telefone? – ela perguntou com veemência, bastante aterrorizada com Rio e com aquela nova ameaça, mas também bastante preocupada com a mãe para ter tempo de pensar no que aconteceria (ou poderia acontecer) no segundo seguinte. – O que vocês fizeram para ele parar de funcionar? Diga! Que diabos vocês fizeram?
– Você mentiu para mim, Dylan!
– E você me sequestrou! – Ela odiava as lágrimas que subitamente começaram a correr pelas aquecidas maçãs de seu rosto. Ela as odiava quase tanto odiava seu cativeiro, o câncer e a dor gelada que começava a latejar em seu peito desde que ligara para o abrigo e soubera das notícias.
Rio estendeu a mão conforme caminhara em direção a ela. O homem no corredor também entrou. Sem perguntar qualquer coisa, Dylan sabia que ele também era um vampiro, um guerreiro da Raça como Rio. Os olhos cinza dele pareciam penetrá-la como lâminas afiadíssimas, e, como um animal sente um predador pelo vento, Dylan sentia que, onde Rio era perigoso, aquele outro homem era exponencialmente mais perigoso e mais forte. Mais forte e mais letal, apesar de sua aparência jovem.
– Para quem você estava ligando? – perguntou Rio.
Ela não diria. Agarrou o fino celular com toda a – pouca – força que tinha no pulso, protegendo-o, mas, naquele momento, sentia uma energia empurrando seus dedos, forçando-os a se abrirem. Dylan não conseguia mantê-los fechados, por mais que tentasse, e apenas pôde ofegar enquanto o aparelho voava para fora de sua mão e pousava sobre a palma aberta do vampiro que estava com Rio.
– Há algumas mensagens aqui de um jornal – ele anunciou sombriamente. – E várias chamadas de outros números de Nova York. A casa de uma tal de Sharon Alexander, o celular dessa mesma pessoa e uma chamada com um número restrito em Manhattan. Essa foi a que cortamos.
Rio xingou.
– Você falou para alguém alguma coisa sobre nós ou sobre o que você viu aqui?
– Não! – ela insistiu. – Eu não falei. Juro. Eu não sou uma ameaça para vocês.
– Há o problema das fotografias que destruímos e do artigo que você enviou para seu chefe. – O homem sombrio a lembrou, da mesma forma como você lembra um condenado o motivo de ele estar sendo mandado para a câmara de gás.
– Vocês não precisam se preocupar com isso – ela disse, ignorando o riso sarcástico de Rio conforme ela falava. – A mensagem do jornal era meu chefe me comunicando que eu estava demitida. Bem, tecnicamente foi uma demissão involuntária, pelo fato de eu não ter aparecido no encontro com o fotógrafo em Praga porque estava ocupada sendo sequestrada.
– Você foi demitida? – perguntou Rio, franzindo a sobrancelha.
Dylan deu de ombros.
– Pouco importa. Mas duvido que a essa altura meu chefe vá usar qualquer uma das fotos ou uma linha sequer da história que eu mandei para ele.
– Isso já não nos preocupa – o homem sombrio a olhou como se estivesse medindo sua reação. – Nesse momento, o vírus que enviamos para ele deve ter varrido todos os computadores do escritório. Seu chefe – ex-chefe – vai passar o resto da semana tentando reparar os estragos.
Dylan realmente não queria se sentir contente com aquilo, mas a imagem de Coleman Hogg diante das máquinas arruinadas ocupava um lugar brilhante em sua cabeça agora.
– O mesmo vírus foi enviado para todos para quem você enviou as fotos – o enorme homem informou. – Isso cuida para que nenhuma prova venha a ser exposta, mas ainda temos de cuidar do fato de muitas pessoas estarem andando por aí de posse de informações que não podemos permitir que elas tenham. Informações que elas podem, consciente ou inconscientemente, passar adiante. De modo que precisamos eliminar os riscos.
Um frio acometeu subitamente o estômago de Dylan.
– O que você quer dizer com eliminar os riscos?
– Você precisa tomar uma decisão, senhorita Alexander. Hoje à noite, você será levada para um dos Refúgios e ficará sob a proteção da Raça ou será enviada de volta para sua casa em Nova York.
– Preciso ir para casa – ela disse. Não havia decisão alguma a ser tomada. Dylan olhou para Rio e encontrou-o olhando fixamente de volta para ela, com uma expressão indecifrável. – Preciso voltar para Nova York imediatamente. Quer dizer que sou livre para ir embora?
Aquele severo olhar cinza voltou-se para Rio, em silêncio.
– Esta noite, você levará a senhorita Alexander para a casa dela em Nova York. Quero que cuide disso. Niko e Kade podem se ocupar dos outros com os quais ela teve contato.
– Não! – gritou Dylan. O frio em seu estômago converteu-se imediatamente em um medo glacial. – Ah, meu Deus! Não, diga-lhe que não faça isso... Rio...
– Fim da discussão – disse o homem, dirigindo sua atenção a Rio e ignorando completamente o desespero de Dylan. – Vocês partem ao anoitecer.
Rio assentiu solenemente, aceitando as ordens como se elas lhe causassem absolutamente nada. Como se tivesse feito aquilo uma centena de vezes.
– A partir dessa noite, Rio, não deixe mais fios soltos. – Os olhos gelados do homem deslizaram mordazmente para Dylan antes de voltarem para Rio. – Nenhum.
Enquanto seu aterrorizante amigo saía, Dylan virou-se agitada para Rio.
– O que ele quis dizer com eliminar os riscos? Não deixar mais fios soltos?
Rio a olhou com o cenho franzido. Havia acusação naquele penetrante olhar topázio, uma mordaz frieza e muito pouco do homem tenro e ferido que ela havia beijado naquele mesmo quarto pouco tempo antes. Dylan sentiu frio sob a rajada daquele olhar duro e era como se olhasse para um estranho.
– Não vou deixar que seus amigos façam mal a ninguém – ela disse, desejando que sua voz não soasse tão débil. – Não vou deixar que eles os matem!
– Ninguém vai morrer, Dylan. – O tom de Rio era calmo e tão distante que era quase reconfortante. – Vamos apagar das memórias deles o que eles viram nas fotografias, e de tudo o que você possa ter dito sobre a caverna, a cripta ou a Raça. Não vamos feri-los, mas precisamos limpar as mentes deles de qualquer lembrança que possam ter das coisas.
– Mas como? Eu não entendo...
– Você não precisa entender – disse calmamente.
– Porque eu também não vou me lembrar de nada, é isso o que você quer dizer?
Ele a olhou por um longo momento, em silêncio. Ela procurou em seu rosto alguma pista de emoção além daquela petrificada que ele estampava naquele momento. Nada. Tudo o que Dylan via era um homem completamente preparado para a tarefa que lhe havia sido conferida, um guerreiro comprometido com sua missão. E nem aquela ternura que ela vira nele antes ou tampouco a necessidade que ela achava que ele sentia por ela o impediriam de fazer o que tinha de ser feito. Nada. Ela era uma prisioneira à sua mercê. Um inconveniente problema que ele pretendia eliminar.
As sobrancelhas de Rio se juntaram ligeiramente enquanto ele balançava a cabeça de forma vaga.
– Esta noite você vai para casa, Dylan Alexander.
Ela deveria estar feliz ao ouvir aquilo – deveria estar aliviada, pelo menos – mas Dylan se sentia estranhamente desolada enquanto assistia o enorme corpo de Rio deixar o quarto e fechar a porta atrás de suas costas largas.
Capítulo 21
Ele voltou depois de algumas horas e lhe disse que era hora de partir. Dylan não se surpreendeu com o fato de sua próxima memória consciente ter sido acordar no banco traseiro de um SUV escuro enquanto Rio estacionava na calçada em frente ao prédio onde ela vivia, no Brooklyn. Enquanto ela se sentava, sonolenta, Rio a olhou nos olhos pelo retrovisor. Dylan franziu a testa.
– Você me fez apagar outra vez.
– Pela última vez – ele respondeu em voz baixa, como se estivesse se desculpando.
Em seguida, Rio desligou o motor e abriu a porta do lado do motorista. Estava sozinho ali na frente. Não havia sinal dos outros que deviam acompanhá-los – dos que tinham recebido ordens para cuidar das outras pendências enquanto Rio cuidava pessoalmente dela.
Deus, pensar que sua mãe estaria em contato com aqueles seres perigosos com quem Rio andava a fez estremecer de ansiedade. Sua mãe já estava enfrentando problemas suficientes. Dylan não queria que ela sequer passasse perto dessa nova e obscura realidade.
Dylan se perguntava de quanto tempo Rio precisaria para pegá-la se ela tentasse fugir do SUV. Se ela conseguisse uma vantagem suficientemente grande, talvez conseguisse chegar à estação de metrô em Midtown, onde ficava o hospital. Mas quem ela estava tentando enganar? Rio a tinha seguido de Jicín até Praga. Encontrá-la em Manhattan podia ser um desafio para ele... Um desafio que duraria aproximadamente trinta segundos.
Mas, diabos! Ela precisava ver sua mãe. Precisava estar com ela, ao lado da cama dela, e ver seu rosto para poder ter certeza de que estava bem.
Por favor, Senhor, faça com que ela esteja bem.
– Pensei que você teria companhia nesta viagem – disse Dylan, com a esperança de que algum milagre tivesse provocado uma mudança de planos e que, por conta disso, os amigos de Rio tivessem ficado para trás. – O que aconteceu com os outros caras que viriam com você?
– Eu os deixei na cidade. Eles não precisam estar aqui com a gente. Eles vão entrar em contato comigo quando terminarem.
– Quando terminarem de aterrorizar um grupo de pessoas inocentes, você quer dizer? Como você pode ter certeza de que seus colegas vampiros não vão decidir aceitar uma pequena doação de sangue com as lembranças que vão roubar?
– Eles têm uma missão específica, e vão se limitar a ela.
Dylan olhou nos olhos topázio esfumaçados que a encaravam pelo espelho.
– Exatamente como você, certo?
– Exatamente como eu. – Rio saiu do veículo e foi até a porta de trás para pegar a mochila e a bolsa lateral no assento ao lado dela. – Vamos, Dylan. Não temos muito tempo para terminar com tudo isso. – Quando ela não se moveu, Rio se aproximou e a surpreendeu com uma carícia suave na bochecha. – Vamos. Vamos entrar agora. Tudo vai ficar bem.
Ela deixou o banco de couro e subiu as escadas de concreto enquanto Rio ainda estava na entrada do edifício. Rio tirou as chaves da bolsa e passou-as para ela. Dylan abriu a fechadura e entrou no prédio, dentro do hall do saguão azul, que agora fedia a mofo, sentindo-se como se estivesse fora de casa por dez anos.
– Meu apartamento fica no segundo andar – ela murmurou, mas Rio provavelmente já sabia. Ele caminhava logo atrás dela enquanto os dois subiam as escadas até o apartamento no final de um corredor de uso comum.
Dylan destrancou a porta e Rio entrou antes dela, mantendo-a atrás dele como se estivesse acostumado a entrar em lugares perigosos – como se estivesse acostumado a fazer isso na linha de frente. Ele era um guerreiro, não havia dúvida alguma. Se fosse o caso de seu comportamento cauteloso e de seu imenso tamanho não confirmarem esse fato, a enorme arma que ele escondia no cinto de suas calças cargo pretas certamente o faziam. Ela o observou enquanto ele averiguava o local. Então, Rio parou ao lado da estação de trabalho com um computador, próximo a um canto do apartamento.
– Eu vou encontrar neste computador alguma coisa que não deveria estar aqui? – ele perguntou enquanto ligava o monitor, que se acendeu com uma luz azul clara.
– Esse computador é velho. Eu quase não o uso.
– Você não vai se importar se eu verificar – disse Rio. E aquilo não era uma pergunta, pois ele já estava abrindo e verificando o conteúdo do disco rígido. Ele não encontraria nada além de alguns dos primeiros artigos escritos por ela e algumas mensagens antigas.
– Vocês têm muitos amigos? – perguntou Dylan, posicionando-se atrás dele.
– Temos uma quantidade suficiente.
– Eu não sou um deles, você sabe – ela acendeu a luz, mais para ela mesma do que para Rio, já que ele obviamente não se importava com a escuridão. – Não vou espalhar o que você me disse, nem o que vi nesses últimos dias. Nem uma palavra, eu juro. E não é porque você vai tirar essas lembranças de mim. Eu manteria seu segredo, Rio. Só quero que você saiba disso.
– Não é tão simples assim – disse ele, agora de frente para ela. – O segredo não estaria seguro. Nem para você, nem para nós. Nosso mundo se protege, mas perigos existem, e nós não podemos estar em todas as partes. Deixar alguém fora da nação dos vampiros ter informações a nosso respeito poderia ser catastrófico. De vez em quando isso acontece, mas não é aconselhável. A verdade já foi confiada a um humano aqui ou acolá, mas algo desse tipo é extremamente raro. E eu nunca vi as coisas darem certo no final. Alguém sempre sai ferido.
– Eu sei me cuidar.
Rio deu uma leve risada, embora não houvesse humor algum em seu gesto.
– Não tenho dúvida de que você saiba. Mas isso é algo diferente, Dylan. Você não é apenas uma humana. Você é uma Companheira de Raça, e isso sempre vai significar que você é diferente. Você pode se ligar a um homem da minha espécie por meio do sangue, e vocês podem viver para sempre. Bem, algo muito parecido com para sempre.
– Você quer dizer como Tess e seu companheiro?
Rio assentiu.
– Como eles, sim. Mas para ser parte do mundo da Raça, você teria de cortar seus laços com o mundo humano. Teria de deixá-los para trás.
– Não posso fazer isso – disse ela. Seu cérebro automaticamente repelia a ideia de deixar a mãe. – Minha família está aqui.
– A Raça também é sua família. Eles cuidariam de você como uma família, Dylan. Você poderia começar uma vida muito agradável no Refúgio Secreto.
Ela não pôde deixar de notar que ele estava falando de tudo aquilo a uma cômoda distância, mantendo-se totalmente fora da equação. Uma parte dela se perguntava se seria tão fácil recusar o convite se ele estivesse pedindo pessoalmente para entrar no mundo dele.
Mas ele não estava, de forma alguma, fazendo isso. E a escolha de Dylan, fácil ou não, teria sido a mesma, independentemente do que Rio lhe oferecesse.
Negando com a cabeça, ela disse:
– Minha vida está aqui, com minha mãe. Ela sempre esteve ao meu lado e não posso deixá-la. Eu jamais faria isso. Nem agora, nem nunca.
E Dylan precisava achar uma maneira de se encontrar logo com sua mãe, ela pensou, resistindo constantemente a Rio, que media cada centímetro de seu corpo com os olhos. Ela não queria esperar até ele decidir apagar sua memória agora que ela tinha optado por deixar o mundo dos vampiros.
– Eu... é... tenho que usar o banheiro – ela murmurou. – Espero que você não ache necessário me vigiar durante esse momento...
Os olhos de Rio se estreitaram ligeiramente, mas negou com sua cabeça.
– Vá. Mas não demore muito tempo.
Dylan não podia acreditar que ele realmente a estava deixando ir ao banheiro ao lado e se trancar sozinha lá dentro. Enquanto analisava o apartamento, ele deve ter se esquecido de verificar que havia uma pequena janela no banheiro.
Uma janela que dava para uma escada de incêndios – e uma escada de incêndios que levava até a rua lá em baixo.
Dylan abriu a torneira e deixou uma pesada corrente de água fria correr pela pia enquanto refletia sobre a insanidade que estava prestes a tentar fazer. Havia um vampiro de mais de noventa quilos, treinado para combates e fortemente armado esperando por ela do outro lado da porta. E ela já tinha testemunhado aqueles reflexos, rápidos como um raio, e, portanto, as chances de vencê-los eram nulas. Tudo o que podia esperar era escapar sigilosamente, e isso significava conseguir abrir a janela deteriorada sem fazer muito ruído e, em seguida, descer a escada de incêndio instável sem fazê-la desmoronar. Se conseguisse ultrapassar esses enormes obstáculos, ela só teria de começar a correr até chegar à estação de metrô.
– Sim, muito simples.
Dylan sabia que estava louca, mesmo enquanto se apressava na direção da janela e abria o trinco. Foi necessário dar uma boa pancada para amolecer as várias camadas de tinta antiga que tinham selado aquela janela. Dylan tossiu algumas vezes, alto o suficiente para disfarçar o barulho que fazia enquanto dava as pancadas.
Ela esperou um segundo, atenta aos movimentos no cômodo ao lado. Quando estava segura de que não ouvira nada, levantou a janela e se viu diante do ar úmido da noite na cidade.
Jesus Cristo! Ela ia realmente fazer isto?
Ela tinha de fazer.
Nada era mais importante do que ver sua mãe.
Dylan colocou metade do corpo para fora, buscando assegurar-se de que o caminho estava limpo. E estava. Ela conseguiria fazer aquilo. Tinha de tentar. Depois de respirar fundo algumas vezes para criar coragem, deu a descarga e, então, subiu pela janela enquanto o banheiro produzia o ruído que abafaria sua ação.
Sua descida pela escada de incêndios foi apressada e desajeitada, mas, em alguns segundos, seus pés pousavam sobre a calçada. Assim que tocou o chão, correu desesperadamente na direção do metrô.
Enquanto a água corria na pia do banheiro, Rio de fato tinha escutado o deslizamento quase silencioso da janela que era aberta atrás daquela porta fechada. A descarga não abafou totalmente o ruído emitido pela escada de incêndio enquanto Dylan caminhava rápida, porém cuidadosamente.
Ela estava tratando de escapar, exatamente como ele esperava acontecer.
Ele tinha visto a mente de Dylan girar enquanto eles conversavam. Também percebeu um desespero crescente naqueles olhos a cada minuto em que ela era forçada a ficar no apartamento com ele. Rio sabia, mesmo antes de ela inventar aquela desculpa de precisar ir ao banheiro, que Dylan tentaria escapar dele na primeira oportunidade.
E ele poderia tê-la detido, assim como poderia detê-la agora, enquanto ela descia pela escada cambaleante de aço em direção à rua onde ficava o apartamento. No entanto, ele estava mais curioso acerca de para onde ela planejava fugir. E atrás de quem ela estava indo.
Ele acreditou quando ela disse que não pretendia expor a Raça às agências de notícias do mundo humano. Se Dylan estivesse mentindo, ele não saberia o que fazer. E não quis pensar que podia estar tão equivocado a respeito daquela mulher. Rio disse a si que nada disso importaria se ele simplesmente apagasse aquelas informações da mente dela.
Porém, ele tinha hesitado em apagar a mente dela depois que ela disse que não deixaria o mundo humano para se unir à Raça. Rio hesitou porque concluiu, de forma bastante egoísta, que simplesmente não estava pronto para apagar os pensamentos dela.
E agora ela estava correndo na noite, longe dele. Com uma cabeça cheia de lembranças e informações que ele seguramente não podia deixar na mente dela.
Rio levantou-se da escrivaninha de Dylan e entrou no pequeno banheiro. O cômodo estava vazio, como ele sabia que estaria. A janela estava escancarada, bocejando para a noite escura de verão que tomava conta do lado de fora.
Então ele saiu. Seus sapatos golpearam a escada de incêndios em uma fração de segundo antes que ele pulasse da estrutura e pousasse no asfalto, dois pisos abaixo. Rio jogou a cabeça para trás e puxou o ar para dentro de seus pulmões, até finalmente sentir o cheiro de Dylan.
Então, foi atrás dela.
Capítulo 22
Dylan ficou do lado de fora do quarto de sua mãe no décimo piso do hospital, tentando tomar coragem para entrar. O pavilhão de oncologia estava muito quieto naquela noite. Só se ouvia o bate-papo discreto das enfermeiras de plantão e o arrastar ocasional dos pés de alguns pacientes que caminhavam por ali, com suas mãos presas ao suporte para o soro que, com suas rodinhas, seguiam ao lado deles. Não muito tempo atrás, sua mãe tinha sido um desses pacientes fortes, mas agora os olhos inevitavelmente não conseguiam esconder o cansaço.
Dylan detestava pensar que havia mais daquela dor e daquela luta à frente de sua mãe. Os resultados da biópsia que os médicos tinham pedido não estariam prontos antes de alguns dias, segundo uma enfermeira lhe informara. Eles tinham esperança de que os resultados fossem positivos, de que talvez tivessem detectado o problema cedo o suficiente para começar uma nova etapa mais agressiva de quimioterapia. Dylan estava orando por um milagre, apesar do peso no peito enquanto se preparava para más notícias.
Ela bateu contra o dispensador de desinfetante para as mãos colocado junto à porta, esguichou um pouco de álcool em gel nelas e esfregou uma contra a outra. Enquanto retirava um par de luvas de látex de uma caixa no balcão e as colocava, tudo o que tinha acontecido durante os últimos dias – e também durante as últimas horas – fora deixado de lado. Esquecido. Seus próprios problemas evaporaram quando ela abriu a porta. Agora, nada importava; nada exceto aquela mulher curvada na cama, presa a cabos de monitoração e a acessos intravenosos.
Meu Deus! Como sua mãe parecia pequena e frágil deitada ali. Ela sempre tinha sido pequena, cerca de dez centímetros menor que Dylan, com os cabelos de um vermelho mais intenso, mesmo com aqueles fios brancos que haviam brotado desde a primeira batalha contra o câncer. Agora, Sharon tinha cabelos curtos, um corte espetado que a fazia parecer pelo menos uma década mais jovem do que sua verdadeira idade: 64 anos. Dylan sentiu uma pontada de ira irracional e ácida pelo fato de que uma nova fase de quimioterapia assolaria aquela gloriosa coroa formada pelos fios de cabelos vermelhos.
Caminhou suavemente até a cama, tentando não fazer ruído. Mas Sharon não estava dormindo. Ela virou-se para o lado quando Dylan se aproximou. Seus olhos eram de um verde brilhante e caloroso.
– Uau... Olá, Dylan... Minha querida. – A voz de Sharon era fraca, o único sinal físico que denunciava o fato de ela estar doente. Ela estendeu o braço e segurou a mão de Dylan, apertando-a com força.
– Como foi a viagem, querida? Quando você chegou?
Merda. Dylan se lembrou de que tinha esticado sua viagem pela Europa. Para ela, era como se um ano tivesse passado nos poucos dias que tinha estado com Rio.
– Hum... Eu acabei de chegar em casa – respondeu Dylan. Uma mentira parcial, uma meia verdade, afinal de contas.
Ela se sentou na beira do fino colchonete do quarto de hospital, mantendo as mãos juntas às de sua mãe.
– Fiquei um pouco preocupada quando você mudou seus planos de maneira tão repentina. Seu e-mail dizendo que você ficaria mais alguns dias foi tão curto e confuso. Por que não me ligou?
– Sinto muito – desculpou-se Dylan. A mentira que ela tinha de engolir causou ainda mais dor quando ela soube que deixou sua mãe preocupada. – Eu teria telefonado se tivesse conseguido. Ah, mãe... lamento que você não esteja se sentindo bem.
– Eu estou bem. Melhor agora que está aqui. – Sharon tinha o olhar calmo. – Mas eu estou morrendo, querida. Você sabe, não sabe?
– Não diga isso. – Dylan apertou a mão de sua mãe e, em seguida, trouxe aqueles dedos frios até os lábios e os beijou. – Você vai superar isso, da mesma forma como superou da outra vez. Você vai ficar bem.
O silêncio – a delicada indulgência – era uma força palpável naquele quarto. Sua mãe não forçaria o assunto, mas estava o assunto ali, como um fantasma à espreita em um canto.
– Bem, vamos falar de você! Quero saber tudo sobre o que você andou fazendo, por onde passou... Conte-me tudo o que você viu enquanto esteve fora.
Dylan olhou para baixo. Era impossível olhar sua mãe nos olhos quando não poderia dizer a verdade. E não podia dizer a verdade. Bem, a maior parte dos fatos seria inacreditável, de qualquer forma, especialmente a parte em que Dylan confessasse temer estar desenvolvendo sentimentos por um homem perigoso e cheio de segredos. Santo Deus, por um vampiro. Só de pensar, já parecia loucura.
– Quero saber mais sobre essa matéria da cova do demônio em que você está trabalhando, querida. Aquelas fotos que me enviou eram realmente impressionantes. Quando sua matéria vai ser publicada?
– Eu não estou mais trabalhando nessa matéria, mãe. – Dylan sacudiu a cabeça. Ela se arrependia por tê-la mencionado para sua mãe. E também para todas as outras pessoas. – No final, a cova era apenas uma cova – disse, com a esperança de ser convincente. – Não havia nada estranho lá.
Sharon se mostrou cética:
– É mesmo? Mas a tumba que você encontrou e as marcas incríveis nas paredes... O que tudo aquilo estava fazendo lá? Devia significar ou ter significado alguma coisa, não?
– É só uma tumba. Provavelmente muito antiga, algo como uma câmara funerária indígena.
– E as fotos que você tirou daquele homem...
– Um andarilho. Era só isso – mentiu Dylan, odiando cada sílaba que saiu de seus lábios. – As imagens fizeram tudo parecer mais importante do que realmente era. Mas não há matéria alguma, nem mesmo gente adequada para uma porcaria como o jornal de Coleman Hogg. Aliás, ele me demitiu.
– O quê? Ele não fez isso, fez?!
Dylan deu de ombros.
– Sim, é verdade. E está tudo bem, mesmo. Vou encontrar outra coisa.
– Bem, foi ele quem saiu perdendo. De qualquer forma, você é boa demais para aquele lugar. Se servir de consolo, eu achei que você estava fazendo um ótimo trabalho naquela matéria. O senhor Fasso pensou a mesma coisa. Aliás, ele comentou que tem contatos com algumas das grandes agências de notícias da cidade. Ele provavelmente encontraria algo para você se eu falasse com ele.
Ah, droga! Uma entrevista de emprego era a última coisa com que ela precisava se preocupar. Principalmente agora, quando o que Dylan acabara de ouvir tinha lhe dado um nó de terror na garganta.
– Mamãe, você não contou sobre essa história para ele, né?
– Mas é claro que eu contei! E também lhe mostrei as fotos. Sinto muito, mas não posso deixar de me gabar de você, minha pequena estrela.
– A quem... Ah, Deus... Mãe, por favor, diga que não falou sobre isso com muita gente... falou?
Sharon acariciou a mão da filha.
– Não seja tão tímida. Você é muito talentosa, Dylan, e deveria estar trabalhando em matérias maiores, mais impactantes. E o senhor Fasso concorda comigo. Gordon e eu conversamos muito sobre você algumas noites atrás, durante o cruzeiro.
Dylan sentiu seu estômago queimar com a ideia de que mais pessoas sabiam sobre o que ela tinha visto naquela caverna, mas não pôde deixar de observar o brilho de alegria nos olhos de sua mãe quando ela mencionou o nome do fundador do abrigo para fugitivos.
– Então você já está chamando o senhor Fasso pelo primeiro nome, hein?
Sharon deu risada. Um som tão juvenil e alto que Dylan por um instante esqueceu que estava sentada ao lado de sua mãe em um quarto na ala de oncologia de um hospital.
– Ele é muito bonito, Dylan. E absolutamente encantador. Eu sempre pensei que ele fosse um pouco distante, quase frio. Mas, na verdade, ele é um homem muito interessante.
Dylan sorriu:
– Você gosta dele!
– Eu gosto – confessou Sharon. – É muita sorte encontrar um cavalheiro de verdade. Talvez meu verdadeiro príncipe, quem sabe? Quando é tarde demais para eu me apaixonar...
Dylan sacudiu a cabeça, odiando escutar esse tipo de comentário vindo de sua mãe.
– Mãe, nunca é tarde demais. Você ainda é jovem. Ainda tem muito tempo de vida pela frente.
Uma sombra invadiu os olhos de Sharon enquanto ela olhava Dylan e se reclinava sobre a cama.
– Você sempre me fez sentir tanto orgulho! E você sabe disso, não sabe, minha querida?
Dylan assentiu com a cabeça, a garganta apertada:
– Sim, eu sei. E sempre pude contar com você, mãe. É a única pessoa com quem sempre pude contar durante a vida. Somos duas mosqueteiras, não é?
Sharon sorriu ao ouvir sua filha mencionar aquele apelido, mas havia lágrimas brilhando em seus olhos.
– Quero que você fique bem, Dylan. Com isto, quero dizer... Com a minha partida... com o fato de que vou morrer.
– Mãe...
– Escute, por favor. Eu me preocupo com você, querida. E não quero que você fique sozinha.
Dylan secou uma lágrima que corria aquecida pela lateral de seu rosto.
– Não deveria estar pensando em mim agora. Você precisa se concentrar em si mesma, em melhorar. Tem que pensar positivo. A biópsia pode não...
– Dylan, pare e me escute por um segundo, querida. – Sharon se sentou, lançando aquele olhar teimoso que Dylan reconhecia muito bem. Um olhar teimoso em um rosto belo, muito embora cansado. – O câncer está pior do que antes. Eu sei. Eu sinto. E eu o aceitei. Preciso saber que será capaz de suportar isso também, filha.
Dylan olhou para as mãos delas, entrelaçadas. Suas mãos estavam amareladas; as de sua mãe, quase translúcidas, os ossos e os tendões enrijecidos sob a pele fria e pálida.
– Há quanto tempo você vem cuidando de mim, querida? E não me refiro só a desde quando fiquei doente. Desde que você era uma menina, sempre se preocupava comigo e tentava fazer o melhor para cuidar de mim.
Dylan sacudiu a cabeça.
– Nós cuidamos uma da outra. Sempre foi assim.
Dedos suaves se aproximaram do queixo de Dylan, fazendo-a levantar o olhar.
– Você é minha filha. Eu vivi por você e por seus irmãos. Mas você sempre foi meu porto seguro. E você não devia ter vivido para mim, Dylan. Não devia ser o adulto nesta relação. Você merece ter alguém para cuidar sempre de você.
– Eu posso cuidar de mim – murmurou. No entanto, as palavras não soaram muito convincentes quando lágrimas corriam por suas bochechas.
– Sim, você pode. E deve. Mas você merece algo mais da vida. Eu não quero que você tenha medo de viver, ou de amar, Dylan. Pode me prometer que não vai ter medo?
Antes que Dylan pudesse dizer qualquer coisa, a porta se abriu e uma das enfermeiras entrou com algumas novas bolsas de líquidos.
– Como estamos Sharon? Como está sua dor agora?
– Um pouquinho de remédio me faria bem – ela respondeu. Seus olhos deslizaram na direção de Dylan como se estivesse escondendo seu desconforto até agora.
Algo que, obviamente, Sharon estava fazendo. Tudo era muito pior do que Dylan queria aceitar. Ela se levantou da cama e deixou a enfermeira fazer seu trabalho. Depois que a mulher se foi, Dylan voltou ao lado de sua mãe. Era tão difícil para Dylan não deixar cair por terra sua máscara de mulher forte quando olhou aqueles suaves olhos verdes e viu que a chama neles se desvanecia.
– Venha aqui e me dê um abraço, meu amor.
Dylan se inclinou e abraçou os ombros delicados e frágeis, incapaz de não perceber a fragilidade de sua mãe como um todo.
– Eu te amo, mamãe.
– Eu também te amo, querida. – Sharon suspirou enquanto acomodava as costas contra o travesseiro. – Estou cansada, preciso dormir agora.
– Tudo bem – respondeu Dylan, com uma voz rouca. – Vou ficar aqui te fazendo companhia enquanto você dorme.
– Não, não vai. – Sharon sacudiu a cabeça. – Não quero que você fique sentada aqui, preocupada comigo. Não vou deixá-la esta noite, ou amanhã, nem na próxima semana, eu prometo. Mas você precisa ir para casa agora, Dylan. Quero que vá descansar.
“Casa”, pensou Dylan, no momento em que sua mãe caía em um sono induzido por remédios. A palavra parecia estranhamente vazia enquanto ela se lembrava de seu apartamento e das poucas coisas que ela tinha. Aquilo não era casa para ela. Se agora Dylan precisasse ir a algum lugar em que se sentia segura e protegida, aquele buraco lastimável não seria esse lugar. Nunca fora.
Dylan se levantou para sair do quarto. Quando secava as lágrimas, seu olhar percebeu um rosto sombrio e o contorno de ombros largos contra a luz do corredor.
Rio.
Ele a tinha encontrado. Ele havia lhe seguido até ali. Embora todos os sentidos lhe dissessem para fugir dele, Dylan se aproximou. Abriu a porta e o encontrou do lado de fora do quarto de sua mãe. E, sem conseguir falar, ela apenas o envolveu em seus braços e chorou suavemente naquele peito forte sobre o qual ela descansava, agora, a cabeça.
Capítulo 23
Rio não esperava que ela fosse em sua direção ao vê-lo parado ali.
Agora que Dylan estava em seus braços, com o corpo tremendo enquanto chorava, ele viu-se completamente perdido. Ele tinha se livrado de uma parte considerável de sua fúria e de sua suspeita durante o tempo que levou até começar a segui-la pela cidade. Sua cabeça girava por conta de todo aquele barulho e pela presença excessiva de humanos em todos os cantos para onde olhava. Suas têmporas gritavam em consequência das luzes claras enquanto todos os seus sentidos pareciam lutar contra ele.
Mas nada disso importava durante os longos instantes em que ele estava ali, abraçando Dylan, sentindo-a tremer com um medo e uma angústia que chegavam aos ossos. Ela sentia dor, e Rio sentiu uma necessidade esmagadora de protegê-la. Não, ele não queria – não podia – vê-la sentir uma dor como aquela.
Madre de Dios, ele odiava vê-la daquela forma.
Rio acariciou aquelas costas delicadas, encostou sua boca na testa de Dylan enquanto ela acomodava-se logo abaixo do queixo dele. E murmurou algumas palavras confortadoras enquanto oferecia alguns gestos suaves. Isso era tudo que ele conseguia pensar em fazer por ela.
– Tenho tanto medo de perdê-la – sussurrou Dylan. – Ah, Deus... Rio, eu estou aterrorizada.
Ele não precisou pensar muito para saber de quem Dylan estava falando. A paciente que dormia no quarto ao lado tinha os mesmos cabelos flamejantes, era praticamente uma versão mais idosa daquela mulher que Rio agora tinha em seus braços.
Rio inclinou o rosto de Dylan, coberto de lágrimas, em sua direção:
– Você poderia me levar embora daqui, por favor? – ela pediu.
– Eu posso levá-la aonde você quiser – disse Rio, passando a ponta de seu polegar pela bochecha dela, apagando as marcas de lágrimas. – Você quer ir pra casa?
O riso entristecido de Dylan soava tão destruído, tão perdido.
– Podemos simplesmente... sair para caminhar um pouco?
–Sim, é claro – ele assentiu, escondendo-a sob seu braço. – Vamos sair daqui.
Os dois caminharam em silêncio até o elevador, e logo depois saíram do hospital em direção à noite aquecida. Rio não sabia para onde levá-la, então simplesmente caminhou ao lado dela. A poucas quadras do hospital havia uma passarela que conduzia a East River. Eles a cruzaram e, enquanto passeavam pela lateral do rio, ele notou alguns pedestres observando-o.
Percebeu alguns olhares furtivos em suas cicatrizes, e mais de um olhar curioso, como se questionasse o que ele estava fazendo com uma mulher tão linda como Dylan. Uma boa pergunta, e uma pergunta para a qual ele não tinha uma resposta razoável naquele momento. Ele a tinha trazido para a cidade em uma missão – uma missão que certamente não permitia desvios desse tipo.
Dylan finalmente desacelerou, parando contra o corrimão de ferro que funcionava como um mirante para olhar a água.
– Minha mãe ficou muito doente no outono passado. Ela pensou que era bronquite, mas não era. Os exames apontaram câncer de pulmão, embora ela nunca tenha fumado um cigarro sequer na vida. – Dylan ficou em silêncio durante um longo momento. – Ela está morrendo. Foi o que ela acabou de me dizer esta noite.
– Sinto muito – disse Rio, caminhando a seu lado.
Ele queria tocá-la, mas não estava seguro de que ela precisasse de seu consolo. Não estava seguro de que ela aceitaria seu consolo. Em vez disso, ele tocou uma mecha de seus cabelos soltos. Seria fácil fingir que estava tentando evitar que alguns fios fossem soprados pela brisa do verão na direção do rosto dela.
– Não era para eu fazer aquela viagem pela Europa. Aquilo seria a grande aventura de minha mãe com suas amigas, mas ela não estava bem o suficiente para ir, então acabei indo no lugar dela. Eu não devia estar lá. Eu nunca teria posto o pé naquela caverna maldita. Eu nunca teria encontrado você.
– E agora você gostaria de poder desfazer tudo. – Aquilo não era uma pergunta, mas apenas um fato que Rio constatou.
– Eu gostaria de poder desfazer, por ela. Gostaria que ela pudesse ter vivido aquela aventura. Gostaria que minha mãe não estivesse doente. – Dylan virou o rosto para Rio. – Mas eu gostaria de tê-lo conhecido.
Rio ficou surpreso, em silêncio, ao ouvi-la admitir aquilo. Então, ele levou a mão até a linha suave do maxilar de Dylan e olhou profundamente para aquele rosto tão branco e tão lindo a ponto de deixá-lo sem ar. E a forma como ela olhava para ele... Madre de Dios! Era como se ele fosse um homem digno de tê-la, como se ele fosse um homem que ela poderia amar...
Ela expirou um golpe de ar silencioso e regular.
– Eu deixaria tudo para trás sem precisar pensar, Rio. Mas não isso. Não você...
Ah, Cristo.
Antes que ele pudesse se convencer de que aquilo era uma má ideia, Rio abaixou a cabeça e a beijou. Um encontro suave entre as bocas, um toque doce que não deveria fazê-lo arder como de fato fez. Rio se entregou ao doce sabor da boca de Dylan, de modo que ela se sentisse bem naqueles braços.
Ele não devia desejar tão intensamente aquilo. Não devia sentir aquela necessidade, aquela doce afeição que o queimava por dentro toda vez que ele pensava em Dylan.
Rio não devia puxá-la para tão perto, entrelaçando seus dedos nos cabelos sedosos, atraindo-a tão profundamente naquele abraço. Perdendo-se naquele beijo. Ele precisou de muito tempo para se afastar daquele beijo. E, enquanto ainda erguia a cabeça, não conseguiu deixar de acariciar aquele rosto macio. Não conseguia afastar-se dela.
Um grupo de adolescentes passou por eles, garotos desordeiros em roupas grandes demais para seus tamanhos. Eles falavam alto e empurravam uns aos outros à medida que andavam. Rio manteve os olhos nos jovens, suspeitando quando viu o grupo parar ao lado do corrimão para ver quem cuspia mais longe. Eles não pareciam claramente perigosos, mas o tipo de garotos que estava eternamente em busca de problemas.
– Demetrio?
Rio lançou um olhar para Dylan, confuso:
– Hum!?
– Estou perto? Quer dizer, estou perto de dizer seu nome verdadeiro... É Demetrio?
Ele riu, e não pôde resistir. Beijou-a na ponta daquele nariz sardento.
– Não, não é Demetrio.
– Está bem. Bom, então é ... Arrio? – Ela tentou adivinhar, sorrindo para ele sob a luz da lua enquanto caía ligeiramente naqueles braços fortes. – Oliverio? Denny Terrio?
– Eleuterio – ele esclareceu.
Dylan arregalou os olhos:
– Eu-leu-o quê?
– Meu nome é Eleuterio de la Noche Atanacio.
– Nossa! Acho que isso faz Dylan soar bastante comum, não é?
Rio caiu na risada.
– Nada a seu respeito é comum, pode ter certeza.
O sorriso de Dylan era surpreendentemente tímido.
– Então, o que significa um nome lindo como esse?
– Em uma tradução aproximada, seria algo como aquele que é livre e que vive para sempre na noite.
Dylan suspirou.
– Que lindo nome, Rio. Sua mãe deve tê-lo amado muito para lhe dar um nome tão incrível como esse.
– Não foi minha mãe quem me deu esse nome. Ela morreu quando eu era muito jovem. O nome veio mais tarde, de uma família da Raça que vive em um Refúgio Secreto no meu país de origem. Eles me encontraram e me adotaram como um membro daquela família.
– O que aconteceu com a sua mãe? Quer dizer, não precisa me dizer se você não... Eu sei que faço muitas perguntas – disse ela, encolhendo os ombros como se quisesse se desculpar.
– Não, eu não me importo em contar para você – disse Rio, impressionado por estar dizendo aquilo de forma sincera.
Em geral, Rio detestava falar de seu passado. Ninguém na Ordem sabia os detalhes que envolviam o começo de sua vida, nem mesmo Nikolai, que Rio considerava seu amigo mais próximo. Ele não havia sentido nenhuma necessidade de falar sobre isso com Eva. Ela conhecia sua história, pois eles tinham se conhecido no Refúgio Secreto espanhol, onde Rio fora criado.
Eva havia, por educação, escolhido ignorar os fatos desagradáveis que cercavam o nascimento de Rio e os anos que ele tinha passado como um menino enjeitado, matando porque precisava matar, porque não conhecia nenhuma outra opção. Ela nunca perguntou nada sobre o jovem selvagem que ele havia sido antes de ser trazido para o Refúgio Secreto e descobrir como se tornar algo melhor do que o animal que ele tinha se tornado para conseguir sobreviver sozinho.
Rio não queria que Dylan o olhasse com medo ou nojo, mas uma grande parte dele queria contar a verdade a ela. Se conseguia olhar para seu exterior cheio de cicatrizes e não desprezá-lo, talvez também fosse suficientemente forte para ver a destruição que existia dentro dele.
– Minha mãe vivia nos subúrbios de um povoado rural muito pequeno na Espanha. Ela ainda era muito jovem, possivelmente tinha por volta de dezesseis anos quando foi estuprada por um vampiro que havia se transformado em Renegado. – Rio manteve a voz baixa para não ser escutado, embora os humanos mais próximos (os adolescentes rebeldes que ainda se divertiam por ali) não estivessem prestando atenção nenhuma a eles. – O Renegado se alimentou dela enquanto a estuprava, mas minha mãe reagiu. Ela o mordeu, ao que parece. Uma quantidade razoável do sangue dele entrou na boca e, consequentemente, no corpo dela. Como ela era uma Companheira de Raça, a combinação do sangue com o sêmen dele resultou em uma gravidez.
– Você... – sussurrou Dylan. – Ah, meu Deus, Rio. Deve ter sido terrível para ela passar por isso. Mas pelo menos ela teve você no final.
– Foi um milagre ela não ter me abortado – disse ele, olhando para as águas negras e brilhantes do rio, recordando a angústia de sua mãe sobre a abominação a que ela tinha dado à luz. – Minha mãe era apenas uma jovem camponesa. Ela não foi educada, não no sentido de ir à escola, e também não sabia dos assuntos da vida. Vivia sozinha em uma casinha na floresta, construída por seus familiares anos antes de eu nascer.
– O que você quer dizer?
– Manos del diablo – respondeu Rio. – Eles temiam as mãos do diabo. Você se lembra de que eu disse que todas as mulheres que nascem com a marca de Companheira de Raça têm dons especiais... Habilidades de algum tipo?
– Sim – confirmou Dylan
– Bem, o dom da minha mãe era obscuro. Com um toque e um pouco de concentração, ela conseguia trazer a morte. – Rio praguejou em voz baixa e ergueu suas mãos letais: – Manos del diablo.
Dylan permaneceu calada por um momento, estudando-o em silêncio.
– Você também tem esse dom?
– Uma mãe Companheira de Raça passa muitas características para seus filhos: cabelo, pele e cor dos olhos... assim como seus dons. Acredito que se minha mãe soubesse exatamente o que estava crescendo em seu ventre, ela teria me matado muito antes de eu nascer. Ela tentou isso pelo menos uma vez, depois de tudo o que aconteceu.
As sobrancelhas de Dylan enrugaram enquanto ela suavemente colocava sua mão sobre a dele, que estava apoiada na cerca de aço.
– O que aconteceu?
– Esta é uma de minhas primeiras lembranças – Rio confessou. – Veja bem, os filhos da Raça nascem com presas pequenas e afiadas. Logo que saem do útero, precisam de sangue para sobreviver. Sangue e escuridão. Minha mãe deve ter percebido e tolerado tudo isso sozinha, porque, de alguma forma, eu sobrevivi à infância. Para mim, era perfeitamente natural evitar o sol e sugar o pulso de minha mãe para me alimentar. Acredito que, por volta dos meus quatro anos, percebi que ela chorava toda vez que eu precisava me alimentar. Ela me desprezava, desprezava o que eu era e, mesmo assim, eu era tudo que ela tinha.
Dylan acariciou o dorso da mão de Rio.
– Não consigo imaginar como isso deve ter sido para vocês dois.
Rio encolheu o ombro.
– Eu não conhecia outra maneira de viver. Mas minha mãe conhecia. Certo dia, com as cortinas de nossa casa fechada para evitar a luz do dia, minha mãe me ofereceu seu pulso. Quando eu o aceitei, senti sua outra mão se aproximar por trás da minha cabeça. Ela me segurou ali, e a dor me atingiu como se um raio tivesse caído sobre meu crânio. Eu gritei e abri os olhos. Ela estava chorando muito, soluçava enquanto me alimentava e segurava minha cabeça com a mão.
– Jesus Cristo! – sussurrou Dylan, claramente impressionada. – Ela queria matá-lo com o toque?
Rio recordou o choque profundo que sentira quando tinha se dado conta daquilo, uma criança assistindo aterrorizada a pessoa que mais confiava tentar acabar com sua vida.
– Ela não conseguiu ir até o fim – murmurou ele com uma voz apática. – Não sei quais foram seus motivos, mas ela retirou bruscamente a mão e fugiu da casa. Eu não a vi durante dois dias. Quando ela voltou, eu estava faminto e aterrorizado. Pensei que tivesse me abandonado para sempre.
– Ela também tinha medo – apontou Dylan, e Rio ficou contente por não ouvir qualquer sinal de piedade naquela voz. Os dedos de Dylan estavam aquecidos e eram reconfortantes quando ela segurou a mão dele. A mão que Rio acabava de dizer que poderia causar a morte com apenas um toque. – Vocês dois devem ter se sentido muito isolados e solitários.
– Sim – disse ele. – Suponho que sim. Tudo terminou mais ou menos um ano depois. Alguns dos homens da vila viram minha mãe e aparentemente se interessaram por ela. Eles apareceram um dia em casa enquanto nós estávamos dormindo. Três deles. Arrombaram a porta e correram atrás dela. Deviam ter ouvido rumores a respeito dela, porque a primeira coisa que fizeram foi prender as mãos de minha mãe para que ela não pudesse tocá-los.
O ar de Dylan ficou preso em sua garganta.
– Minha nossa, Rio...
– Eles arrastaram-na para fora. Corri atrás deles, tentando ajudá-la, mas a luz do sol era intensa demais e me cegou durante segundos que pareceram uma eternidade, e minha mãe gritava, implorando para que eles não fizessem mal a ela ou a mim.
Rio ainda conseguia visualizar as árvores, tão verdes e exuberantes; o céu, tão azul lá em cima... Uma explosão de cores que ele até então só tinha visto escurecidas quando estava na segurança da noite. E ele ainda conseguia visualizar os homens, três grandes humanos, agredindo uma mulher indefesa, enquanto seu filho assistia, congelado pelo terror e pelas limitações de seus cinco anos.
– Eles a espancaram enquanto a chamavam de nomes horríveis: Maldecida. Manos del diablo. La puta de infierno. Algo tomou conta de mim quando vi o sangue de minha mãe correndo pelo chão. Pulei em um dos homens. Eu estava tão furioso que queria que ele morresse em agonia... e assim foi. Depois que entendi o que tinham feito, fui para cima do outro homem. Então, eu o mordi na garganta e me alimentei dele, enquanto meu toque o matava, lentamente.
Dylan agora o encarava sem dizer nada. Totalmente paralisada.
– O último, então, percebeu o que eu tinha feito. E me chamou dos mesmos nomes que tinha chamado minha mãe, acrescentando dois outros que eu nunca tinha ouvido antes: Comedor de la Sangre e Monstruo; Comedor de sangue e monstro. – Rio soltou uma risada insegura. – Até aquele momento, eu não sabia o que era. Mas, enquanto eu matava o último dos agressores de minha mãe e a via morrer na grama iluminada pelo sol, certo conhecimento enterrado em mim parecia acordar e se levantar. Finalmente entendi que eu era diferente, e o que isso significava.
– Você era apenas uma criança – disse Dylan com uma voz suave. – Como sobreviveu depois disso?
– Durante certo período, passei fome. Tentei me alimentar com sangue de animais, mas aquilo era como veneno. Procurei meu primeiro humano aproximadamente uma semana depois do ataque. Eu estava louco de fome, e não tinha experiência em como encontrar alimento. Matei várias pessoas durante as primeiras semanas em que vivi sozinho. Eu acabaria me tornando um Renegado, mas então um milagre aconteceu. Eu estava perseguindo minha presa na floresta quando uma grande sombra saiu das árvores. Eu pensei que fosse um homem, mas ele se movia com tanta agilidade e discrição que eu mal podia focar meus olhos nele. Ele também estava caçando. Foi atrás do camponês em que eu estava de olho e, com uma graça que eu certamente não tinha, ele derrubou o humano e começou a se alimentar da ferida que abrira na garganta daquele homem. Aquela criatura era um sugador de sangue, como eu.
– O que você fez, Rio?
– Eu assisti, fascinado – ele respondeu, recordando com tanta clareza como se tudo aquilo tivesse acontecido poucos minutos atrás. Depois, continuou: – Quando tudo terminou, o homem se levantou e se afastou como se nada incomum tivesse acontecido. Eu estava impressionado e, quando inspirei, o sugador de sangue me viu escondido por ali. Ele me chamou e, depois de perceber que eu estava sozinho, levou-me com ele até sua casa; a um Refúgio Secreto. Conheci muitos outros como eu, e descobri que eu era parte de um grupo chamado Raça. Como minha mãe não tinha me dado um nome, minha nova família no Refúgio Secreto me deu o nome que eu tenho agora.
– Eleuterio de la Noche Atanacio – disse Dylan. As palavras soavam agradavelmente doces saindo da boca dela. Sua mão, agora apoiada com ternura sobre as cicatrizes do rosto de Rio, transmitia uma sensação extremamente reconfortante. – Meu Deus, Rio... é um milagre que você esteja aqui comigo.
Ela se aproximou dele, olhando-o nos olhos. Rio mal conseguia respirar enquanto ela ficava na ponta dos pés e inclinava o queixo para beijá-lo. Os lábios deles se uniram pela segunda vez naquela noite... E com uma necessidade que nenhum deles parecia disposto ou capaz de esconder.
Eles poderiam ficar ali, para sempre se beijando.
Mas foi exatamente naquele momento que o passeio tranquilo se tornou assustador, com o estrondo repentino provocado por armas de fogo.