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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Midnight Breed
Midnight Breed

                                                                                                                                            

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 7

Dylan sentou-se em silêncio na cama e observou enquanto o sombrio estranho confiscava seu computador e sua câmera e analisava o restante dos pertences dela. A mulher não tinha escolha a não ser ficar fora do caminho daquele homem. O mais leve movimento atraía a atenção dele e, depois do que Rio tinha feito para evitar que ela chegasse à porta do quarto, Dylan não tinha nervos para tentar escapar outra vez. E também não fazia ideia do que pensar dele.

Ele era perigoso, não restavam dúvidas. Provavelmente letal, se quisesse ser – embora ela não achasse que matá-la fosse prioridade daquela mente agora. Se ele quisesse feri-la, já tinha tido muitas oportunidades. Por exemplo, quando ela ficou presa sob ele no chão, bastante consciente do fato de que tinha mais de noventa quilos de músculos duros e masculinos sobre ela, e pouca ou nenhuma esperança de conseguir tirá-lo de lá. Rio poderia ter envolvido o pescoço de Dylan com suas mãos enormes e a estrangulado. Bem ali, no chão do quarto de hotel. No entanto, ele não fez isso.

Rio não havia se entregado ao impulso que tão obviamente tinha passado por sua cabeça. Dylan não tinha deixado de perceber a forma como ele olhava para ela, com olhos fixos em sua boca. A resposta extremamente masculina do corpo de Rio, enquanto ele estava montado sobre ela, tinha sido rápida, inequívoca. E, ainda assim, ele não encostou um dedo nela. Aliás, Rio parecia tão alarmado por sua evidente excitação quanto Dylan. Portanto, aparentemente ele não era um psicopata ou um estuprador com sangue-frio, mesmo considerando o fato de ele tê-la seguido desde Jicín até Praga.

Então, quem era aquele homem? E por que – talvez fosse melhor dizer, como – ele fazia aquilo?

Rio se movia rapidamente e era extremamente ágil e preciso para ser algum tipo de louco ou de mendigo vagabundo. Não, ele não era nada disso. Podia estar sujo, esfarrapado e ter um lado do rosto marcado por algum evento horrível sobre o qual Dylan poderia apenas especular, mas, debaixo de toda aquela sujeira, debaixo daquelas cicatrizes, ele era algo... mais. Algo que Dylan, contudo, ainda não compreendia.

Aquele homem, seja lá quem ele fosse de verdade, era enorme e forte, e estava perigosamente alerta. Seus sentidos pareciam estar afinados em uma frequência mais alta do que a humanamente possível. Mesmo se fosse um pouco louco, ele se mostrava bastante ciente de sua força e parecia saber exatamente como usá-la.

– Você é um militar ou algo assim? – ela perguntou, pensando alto. – Da forma como você fala e age, poderia ser. O que você é? Alguma espécie de integrante de uma força especial? Ex-militar, talvez? O que você estava fazendo naquela montanha perto de Jicín?

Rio lançou um olhar para Dylan ao mesmo tempo em que enfiava o computador e a câmera de volta na bolsa, mas não respondeu.

– Sabe, você também poderia me contar o que está acontecendo. Eu sou uma jornalista... – Bem, admitir isso poderia torná-la um perigo ainda maior. – Mas também sou uma pessoa racional. Se aquelas fotos forem confidenciais ou algo como uma questão de segurança nacional, apenas me diga. Por que você está tão preocupado com as pessoas verem o que há naquela caverna?

– Você faz perguntas demais.

Ela encolheu os ombros:

– Desculpa. Ossos do ofício, eu acho.

– Esse não é o único problema do seu trabalho – disse Rio, lançando para Dylan um sombrio olhar de repreensão. – Quanto menos você souber sobre isso, melhor.

– Você está falando da câmara de hibernação? – No momento em que ela perguntou, ele enrijeceu visivelmente. No entanto, Dylan continuou:

– É assim que você chama aquele lugar, não é? Foi isso que você disse para seu amigo Gideon. Alguma coisa está prestes a acontecer porque eu tirei fotos daquela tal de câmara de hibernação e, ah, dos... glifos, como você chama aquelas gravuras nas paredes.

– Jesus Cristo! – ele sussurrou. – Você não devia ter ouvido nada daquilo.

– É difícil não ouvir. Quando você está sendo mantida refém e bastante certa de que vai ser assassinada, você tende a prestar atenção em cada detalhe do que se passa à sua volta.

– Você não será assassinada. – O tom de voz frio e factual de Rio não era exatamente reconfortante.

– Para mim, parecia que você estava pensando em fazer isso, de qualquer forma. A não ser que apagar alguém signifique algo diferente para você do que significa para todos que já viram filmes sobre a máfia.

Ele fechou uma carranca, sacudindo duramente a cabeça.

– O que havia naquela caverna?

– Esqueça isso.

Pouco provável. Não quando ele parecia querer proteger tanto as informações. Uma proteção que beirava o absurdo, aliás.

– O que todos aqueles símbolos esquisitos nas paredes significam? É algum tipo de língua antiga? Alguma espécie de código? O que você está tentando esconder tão desesperadamente?

Ele se aproximou tão rápido que ela sequer o viu se mover. Dylan piscou e, de repente, Rio estava na sua frente. Aquele peito largo se erguia sobre ela, fazendo-a estremecer na cama.

– Escute, e escute com atenção, Dylan Alexander – disse ele duramente. O som da voz passando pelos lábios daquele homem parecia algo impressionantemente íntimo. – Isso não é um jogo. Não é um quebra-cabeça para você juntar as peças. E tenho certeza que é uma história que eu não vou permitir que você conte para alguém. Então, faça um favor: pare de fazer perguntas sobre algo que não lhe diz respeito.

Os olhos dele estavam pálidos, mas, de certa forma, aquela cor topázio brilhava por conta da sua fúria. Era aquele olhar quente e penetrante que mais a assustava – mais ainda do que a ameaça da força física ou das terríveis cicatrizes que se espalhavam pelo lado esquerdo do rosto dele e o faziam parecer tão aterrorizante.

Mas ele estava errado quando disse que a caverna e seus segredos não diziam respeito a ela. Ela havia investido em sua matéria, e não apenas porque aquela parecia ser a matéria que salvaria sua suposta carreira, mas também o material que lhe abriria novos horizontes.

O interesse de Dylan na caverna e nas paredes com aquela arte estranha tinha se tornado pessoal desde o instante em que ela percebeu o símbolo da lua crescente com a lágrima, um símbolo idêntico à marca de nascença que ela carregava na nuca.

Ela pensava que aquilo era uma coincidência bizarra quando o telefone do hotel começou a tocar. Seu convidado indesejado atendeu e trocou algumas informações curtas e confidenciais. Rio desligou, colocou a bolsa dela sobre o ombro e pegou a mochila contendo o restante dos pertences de Dylan. Em seguida, pegou o livro que estava no criado-mudo e jogou para ela.

– É nossa carona – disse Rio, enquanto ela pegava a pequena bolsa de mão. – Hora de ir.

– Como assim nossa carona?

– Estamos saindo. Agora.

Uma onda de temor correu pelo corpo de Dylan, mas ela tentou manter a expressão de uma mulher forte:

– Esqueça. Você deve estar realmente louco se acredita que eu vou a algum lugar com você.

– Não, você deve estar louca se pensa que tem alguma escolha.

Ele caminhou na direção de Dylan, e ela sabia que não tinha chances de vencê-lo ou de escapar dele. Não quando ela tinha de descer três lances de escada de um hotel para conseguir se livrar daquele homem. Porém, ela poderia gritar desesperadamente por ajuda – e faria isso, assim que chegassem ao lobby.

No entanto, ele não a levou até o lobby... Isso poderia deixá-la escapar.

Ele sequer abriu a porta que dava para o corredor onde ficava o quarto.

Com a mesma velocidade e força com as quais ela só conseguia se surpreender, ele a segurou pelo pulso e a puxou até a janela que, vários e vertiginosos metros abaixo, dava para uma rua lateral. Rio abriu o vidro e foi até a escada de incêndio, ainda segurando-a pelo braço enquanto a levava para o lado de fora.

– Que diabos você está fazendo? – Dylan finalmente foi colocada no chão, olhos arregalados de medo. – Você é louco? Você vai quebrar o meu e o seu pescoço se...

Ele não permitiu que ela terminasse de pensar, menos ainda de falar.

Antes que Dylan entendesse o que estava acontecendo, ela foi levantada e colocada novamente sobre a massa muscular sólida formada pelos ombros dele. Ela ouviu os sapatos de Rio baterem contra o ferro da escada de incêndio. Então, sentiu todo seu mundo girar quando ele incrivelmente se jogou do corrimão segurando-a nos braços.

Eles bateram contra a calçada escura três andares abaixo.

Não foi a queda que ela esperava, capaz de quebrar os ossos. Em vez disso, houve um toque suave, quase gracioso, entre os pés de Rio e o chão. Ela ainda estava tentando processar como aquilo tinha acontecido quando foi empurrada para a traseira aberta de um caminhão de entregas que passava pelo local. O raptor de Dylan estava logo atrás. Desorientada e completamente confusa, ela estava surpresa demais para conseguir dizer uma palavra sequer quando Rio fechou a porta de ferro do veículo com uma forte pancada e os isolou na escuridão.

O motor do caminhão foi ligado e, cantando os pneus, o veículo partiu levando sua carga.


Em Boston, eram quase cinco da manhã, e os últimos guerreiros da Ordem tinham terminado suas patrulhas. Lucan, Tegan e Dante – os híbridos, como Gideon – já estavam ali havia mais ou menos uma hora. Sterling Chase, a antiga agente do Refúgio Secreto que tinha se unido à Ordem no último ano e tinha se mostrado um membro formidável – e entusiasticamente letal – para o grupo, também estava presente.

Agora, enquanto os três membros restantes da Ordem chegavam, Gideon não se surpreendeu ao encontrar Nikolai se movendo em meio ao grupo. Embora fosse o mais jovem dos guerreiros, Niko também era o lutador mais implacável que Gideon já vira. O vampiro nascido na Rússia era um lutador feroz e viciado em adrenalina; ele nunca considerava a noite terminada antes que a aurora se arrastasse pelo horizonte, forçando-o a deixar as ruas.

E quando o assunto era armamento de alta potência, Niko era um demônio absoluto. Naquela noite, enquanto o guerreiro vestido de preto com cabelos dourados e olhos de um azul glacial andava atrás de Kade e Brock, os dois mais novos membros do grupo, Gideon percebeu que ele estava armado com algumas de suas últimas criações. Além de uma semiautomática de nove milímetros com aparência medonha e um pente cheio de projéteis de titânio que se dependurava no quadril de Niko, havia também um fuzil de precisão com visão a laser, com a mesma munição customizada, pendurado em uma correia que passava sobre seu ombro.

Mesmo atrás da redoma de vidro do laboratório, Gideon podia sentir o cheiro da morte fresca exalado daquele guerreiro. Não humana, já que, em geral, a Raça tentava manter uma convivência o mais pacífica possível com seus primos Homo sapiens. Eles se alimentavam dos humanos para sobreviver, mas era raro um vampiro matar seu Anfitrião. Afinal de contas, tratava-se de uma questão de lógica. Não fazia sentido exterminar sua fonte de alimento ou, ainda pior, mostrar-se como uma ameaça mortal aos homens e encorajá-los a voltarem-se contra os vampiros.

No entanto, havia uma pequena e fragmentada porcentagem da nação dos vampiros que não dava a mínima para a lógica. Os Renegados – vampiros que tinham se tornado selvagens viciados em sangue, vivendo apenas para alimentar o vício – eram aqueles que se encontravam na mira da justiça letal da Ordem.

A Ordem vinha combatendo a minoria problemática entre os integrantes da Raça desde a Idade Média, uma tarefa que tinha dado aos guerreiros uma reputação de assassinos impiedosos em meio à nação de vampiros. Não que Gideon ou qualquer um de seus irmãos estivessem em busca de elogios ou de adoração pública. Eles tinham um trabalho sombrio a fazer, e o faziam muito bem.

Gideon encontrou-se com os três guerreiros que estavam retornando no corredor do laboratório, torcendo o nariz para o cheiro de Renegados que Nikolai trazia consigo.

– Vejo que a caça foi proveitosa esta noite.

Niko sorriu:

– Terminou muito bem, é verdade. Segui um maldito até fora da cidade e o apaguei depois que ele atacou uma mulher que passeava com seu cachorro em Beacon Hill.

– Esse cara aqui seguiu o Renegado por mais de cinquenta quilômetros... a pé – acrescentou Brock, virando seus olhos castanhos. – Nós poderíamos ter acabado com aquele filho da mãe em três minutos, mas o nosso maratonista aqui decidiu caçar.

Niko gargalhou.

– Ei, caçar também pode ser interessante. Além disso, a noite estava calma demais até então.

– O mês anda tranquilo – respondeu Kade, não com um tom de reclamação, mas como se declarasse um fato.

As coisas na cidade andavam consideravelmente mais calmas desde fevereiro, quando a Ordem tinha finalmente matado o vampiro responsável por uma onda de violência em Boston e nos arredores. Marek já não existia e, depois de sua morte, os guerreiros estavam caçando e eliminando todos aqueles que haviam lhe servido. Até aquele momento, os servos humanos de Marek não tinham sido problema – os escravos de sangue não conseguiam sobreviver sem seu mestre – seja lá onde estivessem, eles parariam de respirar no exato momento em que o mestre parasse, e cairiam mortos no que pareceria uma causa abrupta, embora perfeitamente natural.

A comitiva pessoal de Renegados de Marek, por outro lado, não seria tão complacente quanto os companheiros humanos. Os vampiros viciados em sangue que tinham sido recrutados – e às vezes forçados – a seguir as ordens de Marek e serem seus guarda-costas e soldados estavam agora sozinhos e obedeciam apenas suas próprias regras, por assim dizer. Sem a presença de Marek por perto para mantê-los na linha e fornecer-lhes vítimas para satisfazerem sua sede por sangue, os Renegados tinham se dispersado no meio das populações humanas para caçar como os predadores insaciáveis que eram.

Desde o inverno, a Ordem havia queimado dez dos chupadores de sangue entre Boston e a região de Berkshire – última área de dominação conhecida de Marek; onze Renegados, contando com aquele que Niko tinha pego naquela noite.

E embora o que Kade dissera sobre o estado de calmaria do mês fosse verdade, Gideon tinha vivido tempo o suficiente para saber que uma calmaria como aquela não deveria durar por muito mais tempo. Pelo contrário, aquela era frequentemente uma serenidade que precedia uma tempestade infernal.

Dado o que a Ordem tinha descoberto naquela montanha na Boêmia no último fevereiro, não havia dúvidas de que uma tempestade de proporções épicas estava para se levantar no horizonte. Era uma questão de esperar. E lutar. Um demônio antigo estava adormecido na cripta dentro daquela montanha – um vampiro diferente de qualquer um que existia hoje. Agora, aquela poderosa e estranhíssima criatura estava solta em algum lugar, e a mais nova – e também mais importante – missão da Ordem era encontrá-la e destruí-la antes que o terror se espalhasse mundo afora.

Aquele trabalho seria bem mais duro se o reino secreto da Raça – e os crescentes problemas dele – fosse repentinamente exposto para a humanidade por uma jornalista curiosa que, de alguma maneira, conseguira penetrar no meio de tudo isso.

– Recebi uma ligação interessante de Praga hoje – disse Gideon. – Rio está de volta.

As sobrancelhas castanho-claros de Nikolai se juntaram:

– Mas ele não está na Espanha? Quando ele voltou para Praga?

– Parece que ele nunca saiu de lá. Ele se meteu em alguns problemas; problemas na forma de uma jornalista americana. Ela sabe sobre a caverna, esteve dentro da antiga câmara de hibernação. E tirou várias fotografias do lugar, é claro.

– Mas que diabos! Quando tudo isso aconteceu?

– Ainda não sei de todos os detalhes. Rio está trabalhando para manter a situação segura. Ele e a tal mulher estão neste momento indo para a casa de Reichen em Berlim. Ele vai nos reportar tudo assim que chegar lá e, então, poderemos determinar qual a melhor maneira de conter esse desastre.

– Merda – Brock exclamou, passando a mão em suas sobrancelhas castanhas. – Quer dizer então que Rio ainda está vivo? Devo dizer que estou surpreso. Uma vez que ele desapareceu por tanto tempo, eu esperava que ele não voltasse mais, você entende o que eu quero dizer... Um cara nervoso como ele me parecia um ótimo candidato a deixar tudo de lado.

– Talvez ele tenha deixado – interveio Kade, com um sorriso. – Quer dizer, droga, temos Chase e Niko para lidar com isso. E será que a Ordem realmente precisa de outro lunático enfurecido em seu grupo?

Nikolai voou contra o outro guerreiro como uma víbora. Não houve aviso ou pista alguma de que Niko fosse agarrar a garganta de Kade e atirar o grande homem contra a parede do corredor. Ele estava fervendo de raiva enquanto segurava Kade com um aperto quase mortal.

– Jesus Cristo! – sussurrou Kade, tão chocado quanto todos os outros com aquela reação inesperada. – Era só uma brincadeira, cara!

Nikolai rosnou:

– Você por acaso me viu rindo? Eu estou com cara de quem está achando graça?

Os olhos acinzentados de Kade se contraíram, mas ele não disse palavra alguma a mais para provocar o companheiro.

– Eu não dou a mínima para qualquer coisa que você fale de mim – rosnou Niko –, mas se você dá valor à sua vida, não se meta com Rio.

Gideon percebeu que não se tratava de Kade insultar Nikolai. Tratava-se da amizade entre Niko e Rio. Na época anterior à explosão que deixou Rio marcado e destruído, os dois guerreiros eram tão próximos quanto dois irmãos. Depois do acontecimento no armazém, Niko tinha garantido que Rio se alimentasse. Foi Niko quem arrastou o traseiro de Rio para fora da enfermaria para treiná-lo nas instalações do complexo de armas tão logo o guerreiro ferido mostrou-se capaz de ficar em pé.

Tinha sido Nikolai quem discutiu mais veementemente toda vez que Rio dizia que já não era mais útil e que deixaria a Ordem. Nos quase cinco meses que Rio ficara fora da rede, nenhuma semana se passou sem que Niko tivesse perguntado se havia alguma notícia do amigo guerreiro.

– Niko, caramba, cara – disse Brock. – Relaxa.

O enorme guerreiro negro moveu-se, como se estivesse prestes a arrancar a pele de Kade, mas Gideon o impediu apenas com um olhar. Embora Nikolai tivesse se acalmado, sua raiva ainda era uma força palpável naquele corredor.

– Você não sabe nada sobre Rio – disse a Kade. – Aquele guerreiro tem mais honra do que nós dois juntos. Então, essa é a última vez que eu quero ouvir você falando merda sobre ele. Entendeu?

Kade concordou balançando a cabeça timidamente.

– Sim, eu entendi. Como eu disse, era apenas uma maldita piada. Não quis ofender ninguém.

Nikolai encarou o homem por um longo momento antes de caminhar para fora dali em silêncio.


Capítulo 8

A alvorada começava a se estender no horizonte enquanto o caminhão de entregas de Praga entrava em uma propriedade fortemente segura na borda de um lago nos arredores de Berlim.

O Refúgio Secreto era mantido por um vampiro da Raça chamado Andreas Reichen. Um civil, mas, ao mesmo tempo, um aliado de confiança da Ordem, já que ele tinha ajudado na descoberta da caverna na montanha alguns meses atrás. Rio somente o havia encontrado brevemente naquele fevereiro passado, mas o alemão o cumprimentou como se eles fossem bons amigos quando o vampiro abriu a porta e saiu da traseira do caminhão.

– Bem-vindo – disse Andreas, que, em seguida, lançou um olhar ansioso para o céu rosado. – Vocês chegaram em uma hora excelente.

O homem estava usando um terno perfeitamente ajustado e uma camisa branca imaculadamente passada. Um dos botões da camisa estava aberto, deixando sua garganta à mostra. Com seus pesados cabelos castanhos soltos em volta dos ombros, ondas perfeitas emoldurando seus traços belos e angulares, Reichen parecia ter acabado de sair de uma sessão de fotos para um anúncio de roupas masculinas de um estilista famoso.

Uma sobrancelha escura se levantou quando ele notou a aparência negligente de Rio. No entanto, Andreas continuou com sua perfeita postura de cavalheiro. Com um aceno de cabeça, ele ofereceu a mão para cumprimentá-lo, mas Rio pulou para fora do veículo.

– Nenhum problema no caminho, espero.

– Nenhum. – Rio apertou brevemente a mão do vampiro. – Fomos parados na fronteira com a Alemanha, mas eles não revistaram o caminhão.

– Pelo preço certo, eles não revistam – ironizou Reichen, lançando um sorriso descontraído. Ele olhou para trás de Rio, na direção do trailer escuro, onde Dylan Alexander estava deitada. Seu corpo estava curvado em uma das laterais, descansando tranquilamente. Sua cabeça era amortecida pela borda irregular de sua mochila.

– Em transe, imagino.

Rio assentiu. Ele a tinha feito dormir depois de aproximadamente uma hora de viagem, quando as perguntas infinitas e desafiadoras de Dylan somadas ao movimento do caminhão tinham se tornado demais para ele suportar. Embora Rio tivesse se alimentado mais cedo naquela noite, seu corpo ainda precisava de alimento e não estava operando perfeitamente. Isso para não mencionar seus outros problemas.

Ele tinha passado a maior parte das mais de cinco horas de viagem lutando contra náuseas e apagões – uma fraqueza que ele não estava pronto para expor à mulher que ele tinha acabado de sequestrar. Era melhor que ela passasse a viagem em um sono leve, psicologicamente induzido, do que enfrentar uma tentativa de fuga da parte dela enquanto eles estivessem em trânsito.

– Ela é bonita – disse Reichen; uma observação casual que não traduzia nem uma parcela da beleza daquela mulher. – Por que você não a leva para dentro? Eu tenho um quarto preparado para ela lá em cima. E também um para você. Terceiro andar, final do corredor à direita.

Reichen acenou enquanto Rio agradecia.

– Vocês são bem-vindos aqui durante todo o tempo que precisarem, obviamente. E, se precisarem de alguma coisa... qualquer coisa, basta pedir. Vou dar um jeito nas coisas dela assim que recompensar meu amigo tcheco por esse favor pedido assim, tão em cima da hora.

Enquanto o alemão seguia até a frente do caminhão para pagar o motorista, Rio subiu na traseira do veículo para pegar sua prisioneira adormecida. Ela se espreguiçou levemente assim que ele a segurou em seus braços fortes para levá-la para dentro do Refúgio. Rio andava rapidamente na direção da mansão e também ao subir o curto lance de escadas que levava à opulenta sala de estar.

Nenhum dos habitantes do Refúgio Secreto estava por ali, embora não fosse incomum ver alguns vampiros civis e suas mulheres, que viviam juntos em uma comunidade na enorme propriedade. Reichen provavelmente tinha assegurado que a casa estivesse quieta para a chegada de Rio, livre de olhos e ouvidos curiosos. E também, é claro, para proteger aqueles civis de serem identificados por alguém como Dylan Alexander.

Uma maldita jornalista.

O maxilar de Rio se apertou quando ele pensou nos danos que aquela mulher em seus braços poderia causar. Um simples toque em sua caneta – ou teclado, neste caso – e ela poderia colocar aquele Refúgio Secreto e centenas de outros como aquele na Europa e nos Estados Unidos em extremo perigo. Dominação, perseguição e, além disso, total aniquilação eram alguns dos resultados garantidos se os humanos tivessem provas de que vampiros estavam vivendo entre eles. Em geral, as lendas (variadas e, na maioria das vezes, incorretas) eram definidas como ficção pelo homem moderno. E os vampiros da Raça se mantiveram escondidos, sem serem descobertos, por milhares de anos. E era somente por isso que eles tinham vivido tanto tempo.

Agora, todavia, por sua falta de cuidado – por sua fraqueza –, Rio podia ter estragado tudo. Ele precisava arrumar as coisas, independentemente do que fosse necessário para estancar a ferida sangrenta que a matéria daquela mulher poderia causar.

 

 


Rio a levou pela sala de estar vazia e subiu o enorme lance de escadas posicionado no centro da elegante mansão. No terceiro andar, seguiu o corredor coberto com painéis de nogueira até o final e abriu o quarto de visitantes à sua direita. Ali dentro, a luz era fraca. Como em qualquer outro Refúgio Secreto, as janelas eram cobertas com um sistema eletrônico de bloqueio de raios UV, mantendo a luz do sol do lado de fora. Rio levou Dylan para dentro do quarto e a colocou na enorme cama de dossel.

Ela não parecia tão perigosa agora, descansando no centro do macio colchão coberto por lençóis de seda. Aliás, ela parecia inocente, quase angelical, em seu silêncio. Sua pele era clara como leite, exceto por algumas leves sardas espalhadas nas bochechas e na parte superior de um delicado nariz. Seus longos cabelos vermelhos caíam em volta de sua cabeça e de seus ombros como um halo de fogo. Rio não conseguiu resistir e tocou em uma daquelas mechas flamejantes que tinha caído sobre a bochecha macia de Dylan. Os fios esfregaram-se contra os dedos calejados dele, que pareciam muito mais escuros e sujos contra a seda acobreada.

Ele não tinha o direito de senti-la – nenhum bom motivo para tocar a bela mecha entre seus dedos. Estava impressionado com a força existente dentro de uma suavidade tão comovente.

Não havia motivo para ele inclinar a cabeça na direção de onde ela estava – passiva apenas porque ele a tinha deixado assim – e absorver para dentro de seus pulmões o cheiro atraente que ela exalava. A saliva inundou a boca do vampiro enquanto ele se mantinha parado sobre Dylan, com o rosto a poucos centímetros da bochecha dela. Sua sede aumentou rapidamente, com uma necessidade quente e causticante.

Madre de Dios.

Ele realmente tinha pensado que agora ela não representava ameaça alguma?

“Errado novamente” – pensou Rio, afastando-se da lateral da cama no mesmo momento em que as pálpebras dela lentamente se abriam. A calmaria do transe estava se dissipando. E chegaria completamente ao fim quando Rio não estivesse mais no quarto para manter aquele efeito.

Ela se espreguiçou um pouco mais e ele se afastou rapidamente. Era melhor sair de lá antes que se revelasse ainda mais com a presença desagradável de suas presas.

Quando levantou o olhar, Rio viu Andreas Reichen de pé no corredor, do outro lado da porta aberta.

– Você achou o quarto adequado, Rio?

– Sim – ele respondeu, caminhando para pegar a mochila e o livro das mãos do colega alemão. – Vou ficar com isso por enquanto.

– Claro. Como você quiser. – Reichen deu um passo para trás enquanto Rio seguia para o corredor e fechava a porta do quarto. O alemão passou para ele a chave da tranca logo abaixo da antiga maçaneta de cristal. – A passagem de luz pela janela tem controle central e o vidro atrás delas é equipado com alarme. Do lado de fora, o chão da propriedade é coberto por detectores de movimento e há uma cerca que envolve todo o perímetro. No entanto, essas medidas foram tomadas para manter as pessoas fora da propriedade, e não aqui dentro. Se você achar que a mulher pode fugir, posso colocar um guarda na porta...

– Não – disse Rio enquanto virava a chave na fechadura. – O fato de ela poder me identificar já é ruim o suficiente. Quanto menos pessoas envolvermos nisso, melhor. Ela é responsabilidade minha. Vou garantir que ela fique por aqui.

– Muito bem. Deixei a suíte ao lado preparada para você. Você encontrará um guarda-roupa com peças novas de roupas. Fique à vontade para usar tudo que gostar. Também há uma banheira e uma sauna na suíte, se você quiser, hum... tomar um banho.

– Sim – concordou Rio. Sua cabeça ainda doía por conta da longa viagem na traseira do caminhão. Seu corpo estava tenso e retesado, muito quente, e ele não podia culpar a viagem ou seu estado de espírito por isso. Com os lábios fechados, correu a língua em suas presas ainda afiadas.

– Um banho me parece ótimo – ele respondeu a Reicher.

De preferência um banho bem gelado.


Se Dylan estava confusa antes de ela e seu raptor deixarem Praga, sua chegada a um local que ela só podia imaginar ser próximo de Berlim tornou as coisas ainda mais obscuras. Quando Dylan acordou no meio de uma cama enorme e coberta com seda em um quarto escurecido de um lugar que parecia ser uma suíte refinada de um hotel europeu, ela se perguntou se tinha sonhado com tudo aquilo.

Onde diabos ela estava? E há quanto tempo estava ali?

Embora se sentisse totalmente acordada e alerta, havia uma espécie de confusão em seus sentidos, como se sua cabeça tivesse sido envolvida em um espesso tecido de algodão.

Talvez ela ainda estivesse sonhando.

Sim, é claro, talvez ela ainda estivesse, de alguma forma, em Praga, e nada do que se lembrava tivesse realmente acontecido. Ah! Como seria bom se fosse verdade, não é mesmo?

Dylan acendeu o abajur no criado-mudo, então saiu da cama e caminhou até a alta janela na lateral do quarto luxuoso. Atrás das belas cortinas, um painel perfeitamente ajustado cobria o vidro. Ela procurou por uma cordinha ou algum outro meio de abrir a janela, mas não conseguiu encontrar. A veneziana era completamente fixa, como se estivesse presa sobre o vidro.

– A persiana é eletrônica. Você não vai conseguir abri-la daqui.

Assustada, Dylan deu meia-volta ao ouvir aquela voz profunda, mas agora familiar.

Era ele, sentado em uma delicada cadeira antiga no canto oposto do quarto. Dylan conhecia a voz inconfundivelmente obscura e com um sotaque carregado, mas o homem que olhava para ela no escuro não parecia aquele lunático sujo e maltrapilho que esperava ver.

Rio agora estava limpo, usando roupas novas – uma camisa social preta com mangas arregaçadas, calças pretas e sapatos – provavelmente italianos e com aparência de serem muito caros – também... pretos! Seus cabelos escuros brilhavam depois de terem sido lavados, e já não eram como novelos imundos pendurados sobre seu rosto. Em vez disso, agora eram ondas castanhas brilhantes que destacavam a cor topázio intensa de seus olhos.

– Onde estou? – ela perguntou, aproximando-se ligeiramente de onde ele estava sentado. – O que é este lugar? Há quanto tempo você está sentado aí me observando? Que diabos você fez comigo para eu nem me lembrar direito de ter vindo para cá?

Ele sorriu, mas não era um sorriso que se chamaria de amigável.

– Você mal acordou e já está fazendo perguntas. Estava muito mais fácil lidar com você enquanto dormia.

Dylan não sabia por que motivo se sentia insultada com aquilo:

– Então, se eu irrito tanto, por que você não me deixa ir embora?

O sorriso de Rio se contorceu um bocado, suavizando a linha sombria formada por sua boca. Meu Deus, se não fossem aquelas cicatrizes correndo de sua têmpora até o maxilar do lado esquerdo de seu rosto, ele seria extremamente lindo. Sem dúvida tinha sido lindo antes. Antes de aquele acidente ter acontecido.

– Deixar você ir... isso é o que eu mais gostaria de fazer – ele disse. – Mas, infelizmente, a decisão de deixar você ir não deve ser tomada somente por mim.

– Então é decisão de quem? Do homem com quem você estava conversando mais cedo no corredor?

Ela só estava parcialmente consciente, mas suficientemente acordada para ouvir a conversa entre as duas vozes masculinas enquanto andava pelo quarto – uma delas pertencia ao homem que a encarava agora, a outra fortemente carregada com um sotaque alemão. Ela olhou em volta para a rica mobília antiga e para a bela decoração do quarto, olhou para o teto alto e para as sancas extremamente ornamentadas, tudo aquilo gritando que aquela era uma propriedade caríssima. E, então, havia aquela janela com persianas enormes que bloqueavam a entrada da luz solar.

– O que é esse lugar? A sede de alguma rede de espionagem do governo? – Dylan riu, um pouco nervosa. – Você não vai dizer que faz parte de um grupo terrorista de algum país distante, vai?

Rio inclinou o corpo para frente, descansando os cotovelos nos joelhos.

– Não.

– Não, não vai me dizer; ou não, não é um terrorista?

– Quanto menos você souber, melhor, Dylan Alexander. – O canto da boca dele se retorceu enquanto falava. Então, Rio sacudiu a cabeça:

– E Dylan, que nome é esse para uma mulher?

Ela cruzou os braços sobre o peito e encolheu o ombro.

– Não me culpe, eu não tenho nada a ver com isso. Por um acaso, eu venho de uma longa linhagem de hippies, groupies e abraçadores de árvores.

Rio olhou para ela. Aquelas sobrancelhas castanhas descendo sobre os olhos. Aparentemente, ele não tinha entendido. A referência parecia passar por ele como se nunca tivesse se interessado por cultura pop e tivesse coisas melhores com as quais gastar seu tempo.

– Minha mãe me deu esse nome, Dylan. De Bob Dylan, sabe? Ela realmente gostava dele quando eu nasci. Meus irmãos também têm nomes de músicos: Morrison e Lennon.

– Ridículo – respondeu o raptor, rindo suavemente.

– Bem, poderia ter sido pior. Estamos falando da metade da década de 1970. Eu tinha enormes chances de me chamar Clapton ou Garfunkel.

Ele não riu, mas apenas sustentou seu penetrante olhar topázio.

– Um nome não é uma coisa insignificante. Ele dá forma ao seu mundo quando criança. E dura para sempre. O nome deveria ter importância.

Dylan lançou um olhar irônico para ele.

– Estou ouvindo isso da boca de um cara chamado Rio? Sim, eu ouvi seu amigo alemão tratá-lo por esse nome – disse quando ele a encarou com olhos apertados. – Esse nome não me parece muito melhor do que Dylan.

– Eu não lhe perguntei... E esse não é meu nome. É apenas uma pequena parte dele.

– E qual é o restante? – ela perguntou, sinceramente curiosa e não apenas por parecer boa ideia reunir o máximo de informações que podia sobre o homem que a estava mantendo em cativeiro.

Ela olhou para ele, para aquele rosto cicatrizado, embora também grosseiramente atraente; para aquele corpo forte contido dentro de roupas novas e caras. E ela queria saber mais. Queria saber bem mais do que o nome dele. Ela queria conhecer todos os outros segredos que aquele homem guardava – e Dylan estava certa de que eram muitos. Aquele homem era um mistério a ser resolvido, e ela tinha de admitir que esse interesse tinha muito pouco a ver com a caverna, com a matéria que ela deveria escrever ou até mesmo com seu senso de autopreservação.

– Eu vi os arquivos no seu computador e seus e-mails – ele disse, ignorando a pergunta, exatamente como ela esperava que fizesse. – E sei que você enviou as fotos da caverna para várias pessoas, incluindo seu chefe – ele calmamente pronunciou os nomes completos do chefe e da mãe de Dylan, de Janet, de Marie e de Nancy. – Tenho certeza de que podemos encontrá-los sem muito esforço, mas as coisas serão muito mais rápidas se você me der os endereços dessas pessoas e o local onde elas trabalham.

– Esqueça! – Dylan arrepiou-se com a ideia de ter sua privacidade tão casualmente invadida. Inadequadamente atraída por ele ou não, ela não estava disposta a soltar aquele homem ou seus comparsas obscuros contra as pessoas que ela conhecia. – Se você tem algum problema comigo, tudo bem. Mas não ache que vou arrastar outras pessoas para o meio disso.

O rosto dele parecia cruel, inabalável.

– Você já arrastou.

O coração de Dylan se afundou com aquela declaração que parecia tão calma e, ao mesmo tempo, tão carregada de ameaça. Quando ela parou de falar, ele se levantou daquela cadeira elegante. Meu Deus, ele era enorme! E cada polegada de seu corpo era coberta com músculos fortes.

– Agora que está acordada, vou providenciar algo para você comer – ele disse.

– E dar a você a oportunidade de colocar algum tipo de droga na minha comida? Não, obrigado. Prefiro fast-food.

Ele soltou uma risada baixa.

– Vou trazer algo para você comer. Se vai ou não querer, dependerá exclusivamente de você.

Dylan odiou o fato de seu estômago parecer roncar ferozmente ao simples pensamento de comer algo. Ela não queria aceitar nada daquele homem e de seus comparsas, mesmo que aquilo significasse morrer de fome. Mas ela estava pra lá de faminta e sabia que mesmo se ele lhe trouxesse uma tigela de mingau gelado ela ficaria grata em engolir tudo.

– Nem pense em tentar qualquer coisa para sair desse quarto – ele completou. – A porta estará trancada pelo lado de fora e eu saberei no instante em que você tentar alguma coisa. Acho que você sabe que não conseguiria ir muito longe antes de eu pegá-la, não é mesmo?

E Dylan, de fato, sabia, em um lugar dentro dela, que aquilo era instinto animal e cru. Aquele homem, seja lá quem ele fosse, agora a tinha completamente sob controle. Dylan não gostava daquilo, mas era inteligente o suficiente para saber que a coisa toda com a qual ela estava lidando era bastante séria.

Da mesma forma como a Dylan mulher, a Dylan jornalista também não podia negar uma certa fascinação, um desejo de saber mais – não apenas sobre o que realmente estava acontecendo, mas também – e principalmente – sobre aquele homem forte e musculoso envolvido na situação.

Saber mais sobre Rio.

– O que... hum... o que aconteceu... com... seu... rosto?

Rio fechou uma carranca para Dylan, uma expressão que dizia que, dentre todas as perguntas feitas até ali, aquela tinha sido a mais irritante. Não passou sem ser notada a forma como ele virou a cabeça ligeiramente para a esquerda, um movimento quase inconsciente que ajudava a esconder o pior dos danos. Mas Dylan já tinha visto as cicatrizes da queimadura e imaginou que deviam se tratar de feridas de combate. Gravíssimas feridas de um combate em que ele estivera, certamente, na linha de frente.

– Me desculpe – ela disse, embora não soubesse exatamente se sentia muito pela pergunta que acabara de fazer ou pelo combate que causara marcas tão profundas no rosto daquele homem forte e musculoso.

Ele levou a mão esquerda até a têmpora e a acariciou, como se não se preocupasse mais com o olhar dela. Mas era tarde demais para Rio retomar seu aspecto sério e, não importava mais o quão sombrio fosse o olhar que ele lançasse para a mulher, Dylan sabia que ele estava incomodado com aquela condição.

E conforme ele se movia, ela entreviu uma intrincada tatuagem em seu antebraço. O desenho se espalhava por ambos os braços por debaixo das mangas arregaçadas da camisa, marcas quase tribais feitas de uma mistura única de cores matizadas de vermelho pálido e dourado. À primeira vista, Dylan pensou que pudesse se tratar de marcas de algum tipo de grupo, como as gangues americanas costumavam exibir para mostrar sua união. Mas não. Não era como aquelas das gangues americanas, concluía a mulher enquanto olhava mais atentamente para as tatuagens. Não, mesmo.

As marcas gravadas nos braços enormes de Rio eram muito mais parecidas com os símbolos e as estranhas escrituras que Dylan vira entalhadas nas paredes daquela caverna e naquela cripta em Jicín.

Rio tirou a mão da têmpora e o lampejo de aviso em seus olhos desafiou a mulher a fazer a pergunta que estava já formulada em sua mente e construída em sua garganta.

– O que elas significam? – ela disse, enquanto procurava o olhar duro dele. – As tatuagens. Por que você tem em seu corpo o mesmo tipo de símbolo daquela caverna?

Mas Rio não respondeu. Em silêncio, ele permaneceu lá, parado, imóvel, com uma aparência ainda mais ameaçadora agora que vestia roupas limpas e de marca do que quando seu enorme corpo estava coberto pelos trapos. Dylan sabia que ele era enorme, alto, largo e coberto por músculos rijos, mas tudo isso ficava ainda mais claro enquanto ela se aproximava dele, decidida a ter a resposta para a pergunta que acabara de fazer.

– O que essas marcas significam, Rio? – disse, segurando o braço musculoso dele. – Diga-me.

Ele olhou para os dedos delicados que envolviam seus braços.

– Não é da sua conta.

– Pro inferno que não é da minha conta – ela respondeu com seu tom de voz aumentando. – Por que diabos você teria o mesmo tipo de marcas que há naquela maldita caverna e naquela maldita cripta gravadas em seu corpo?

– Você está errada. Você não sabe o que viu. Nem antes e nem agora.

Aquela não era uma resposta, mas tão somente uma maneira de terminar logo com a conversa, o que deixava Dylan irritadíssima.

– Eu estou errada, é isso? – disse, jogando seus longos cabelos ruivos para o lado e deixando à mostra parte de seu delicado pescoço. – Olhe para isso e me diga que eu não sei o que vi.

Dylan inclinou a cabeça, exibindo a parte inferior de seu pescoço – a parte em que carregava sua incomum marca de nascença.

O silêncio parecia interminável, até que, finalmente, um xingamento foi murmurado.

– O que isso significa? – ela perguntou novamente, levantando a cabeça e permitindo que os belíssimos fios ruivos retomassem seu lugar.

Mas Rio não respondeu. De novo. Ele simplesmente se afastou, como se não quisesse ficar perto dela nem por mais um segundo.

– Diga-me, Rio. Por favor... O que tudo isso significa?

Ele estava em silêncio. E ficou em silêncio por um longo tempo, enquanto suas sobrancelhas castanhas abaixavam-se conforme ele olhava para Dylan.

– Você logo saberá – disse quase docemente enquanto caminhava para a porta e deixava o quarto.

Fechou a porta e passou a chave no trinco, deixando Dylan lá dentro, trancada, sozinha e confusa. E com a certeza clara de que o curso de sua vida tinha mudado irrevogavelmente.


Capítulo 9

Uma Companheira de Raça. Madre de Dios, por essa ele não esperava. A pequena marca de nascimento carmesim na parte de trás do delicado e macio pescoço de Dylan Alexander mudava tudo. A lágrima e a lua crescente que ela carregava não eram algo que ocorresse muito frequentemente na natureza, e seu significado era indiscutível.

Dylan Alexander era uma Companheira de Raça.

Era uma mulher humana, mas com características sanguíneas extremamente específicas e incomuns, e um DNA que fazia sua fisiologia celular ser compatível com a da Raça. Mulheres como ela eram raras, e uma vez que eram encontradas pela espécie de Rio, eram tão adoradas e protegidas quanto se fossem um parente do mesmo sangue.

E essas mulheres tinham de ser adoradas e protegidas. Sem as Companheiras de Raça para carregarem a semente das futuras gerações de vampiros, a espécie de Rio deixaria de existir. Era a maldição da Raça o fato de toda a prole de sua raça híbrida nascer do sexo masculino – uma anomalia genética que ocorria quando as células dos vampiros se misturavam com as das mulheres humanas especiais que carregassem suas crias.

Mulheres como Dylan Alexander deviam ser reverenciadas, não seguidas como presas e raptadas nas ruas. Deviam ser tratadas com enorme respeito, e não trancafiadas como prisioneiras e presas contra sua vontade – independentemente de quão refinada parecesse a jaula.

– Cristo en cielo – Rio resmungou em voz alta enquanto se apressava em descer as brilhantes escadas de mogno do Refúgio Secreto até o salão no andar inferior. – Un qué desastre.

Sim, aquilo era verdadeiramente um desastre. Ele mesmo era um desastre – um desastre que piorava a cada momento. Sua pele se contorcia por conta da fome, e ele não tinha que verificar os dermoglifos de seus braços para saber que não estavam em sua tonalidade habitual, hena pálido, mas sim em um dourado avermelhado, refletindo sua crescente necessidade de se alimentar. Um latejar irritante começava a surgir em suas têmporas, prenunciando o desmaio que viria se não se deitasse logo – ou se não se alimentasse logo.

No entanto, dormir estava fora de cogitação, assim como o estava buscar uma Anfitriã de Sangue. Rio precisava entrar em contato com a Ordem e lhes informar as novas complicações de uma situação que já era bastante problemática desde o começo, tudo graças a ele. Ah, Rio...

O enorme homem descia as escadas apressadamente, dois degraus de cada vez, desejando poder passar pela porta principal do Refúgio e continuar correndo lá fora, sob a luz mortal do dia. No entanto, tinha causado esses problemas, e seria amaldiçoado se os deixasse para outras pessoas resolverem.

Quando Rio pisou no mármore do salão, Andreas Reichen estava abrindo as portas duplas do interior de uma das muitas habitações situadas no primeiro andar. Não estava sozinho. Um jovem com olhar ansioso e cabelos loiro-avermelhados o acompanhava. Ambos os vampiros saíam conversando calmamente do escritório com painéis escuros. Reichen levantou o olhar de uma vez e seus olhos encontraram os de Rio. Murmurou algo reconfortante para seu acompanhante civil enquanto gentilmente lhe dava alguns tapinhas no ombro. O jovem assentiu e, em seguida, saiu do local lançando apenas um olhar furtivo para o guerreiro de rosto cicatrizado que estava por ali.

– É meu sobrinho. Ele trouxe algumas notícias desagradáveis de um dos outros Refúgios da região – explicou Reichen uma vez que estavam a sós no salão. – Parece que houve um incidente algumas noites atrás. Um indivíduo importante foi encontrado sem cabeça. Infelizmente, para ele e a família, o assassinato ocorreu em um clube de sangue.

Rio grunhiu, permanecendo imóvel. Os clubes de sangue tinham sido proibidos há décadas e, então, tornaram-se um esporte bárbaro do submundo. E a maioria da população de vampiros concordava com a regra. No entanto, havia alguns dentro da Raça que ainda frequentavam as reuniões secretas e limitadas aos convidados, em que vítimas humanas podiam ser, em uma área fechada, perseguidas, violadas, utilizadas como alimento e assassinadas como uma presa selvagem. Um jogo selvagem e inútil – afinal, nem mesmo o mais forte Homo sapiens, homem ou mulher, tinha condição de enfrentar um grupo de vampiros sedentos por sangue.

O assassinato no clube de sangue foi obviamente uma briga entre vampiros da Raça.

– E eles pegaram o vampiro que fez isso?

– Não. Ainda estão investigando o assassinato. – Reichen limpou a garganta e continuou: – Considerando que o falecido era um idoso da Primeira Geração e um membro da Agência, há uma preocupação compreensível de que isso possa explodir e se tornar um escândalo. É uma situação bastante complicada.

Rio arfou duramente:

– Sem dúvida.

Bem, pelo menos ele não era o único entre a Raça com o juízo perturbado. Até mesmo os membros completamente sãos e eruditos da nação dos vampiros tinham seus dias ruins. Aquilo fez com que Rio lamentasse menos o peso de seus erros.

– Preciso entrar em contato com Boston – disse Rio a Reichen, passando a palma da mão na sobrancelha para limpar o brilho de suor que começava a brotar ali. Uma onda de náusea tentou acometê-lo, mas Rio logo a conteve usando uma força de vontade impressionante. Droga. Ele tinha de aguentar até o pôr do sol, quando poderia sair para se alimentar – se o próximo desmaio não surgisse antes de ele ter essa oportunidade.

– Algum problema? – perguntou Reichen, franzindo a sobrancelha por conta de sua preocupação.

– Estou bem – murmurou Rio.

O outro vampiro, todavia, não parecia convencido, embora fosse educado o suficiente para não dizer isso. Seus olhos sombrios analisaram os braços de Rio. Ali, debaixo das mangas arregaçadas, os glifos ostentavam uma cor mais profunda e intensa. Ele podia insistir em suas alegações, mas, toda vez, aquelas marcas na pele o denunciavam. As malditas marcas eram como barômetros emocionais que visualmente diziam o estado de espírito de um vampiro da Raça – da ansiedade à saciedade, da ira à alegria, luxúria, satisfação e tudo o que há entre elas.

Naquele momento, os dermoglifos de Rio estavam saturados em tons de vermelho intenso, púrpura e negro – clara evidência de que o vampiro sentia dor e fome.

– Preciso de um telefone com uma linha segura – disse a Reichen. – Agora, se possível. Por favor.

– É claro. Venha, você pode usar meu escritório.

Reichen gesticulou para que ele o seguisse até o cômodo onde esteve reunido com seu sobrinho. O escritório era grande e ricamente decorado, cheio da elegância do Velho Mundo, assim como o restante do Refúgio. Reichen caminhou até uma mesa monstruosa, com pés em forma de garras, e abriu um pequeno painel oculto na brilhante superfície de mogno. Apertou um botão sobre um teclado eletrônico, o que fez com que duas das estantes altas do outro lado do escritório começassem a se separar, revelando um grande painel atrás delas.

– É possível fazer uma videoconferência, se você quiser – explicou Reichen enquanto Rio entrava no cômodo. – Tecle oito para entrar em contado com nosso operador e pedir uma linha segura. E fique aqui todo o tempo que quiser. Você terá completa privacidade.

Rio assentiu, agradecendo.

– Você precisa de mais alguma coisa por enquanto? – perguntou o generoso anfitrião. – Ou de alguma coisa para nossa, hum, convidada lá em cima?

– Sim – respondeu Rio. – Na verdade, eu disse que levaria algo para ela comer.

Reichen sorriu:

– Então vou pedir algo especial para ela.

– Obrigado – disse Rio. – Ei, Reichen. Há algo que você deve saber. Aquela mulher lá em cima... Ela é uma Companheira de Raça. Eu não tinha me dado conta até poucos minutos atrás, mas ela tem a marca. Na nuca.

O vampiro alemão pensou por um instante:

– E ela sabe o que a marca diz sobre ela? O que a marca diz sobre o restante de nós?

– Não, ainda não. – Rio agarrou o telefone sem fio da mesa de Reichen e digitou o número oito no teclado. Então, começou a digitar o número da linha privada que o colocaria em contato com a Ordem. – Ela não sabe de nada. Mas sinto que logo vou ter de dizer a verdade.

– Talvez seja melhor, então, que eu também peça para prepararem um coquetel para ela. Um coquetel forte. – Reichen caminhou até as portas abertas do escritório. – Vou avisá-lo quando a comida estiver pronta. Se precisar de algo mais, é só pedir.

– Obrigado.

Quando as pesadas portas de madeira se fecharam, Rio concentrou toda sua atenção ao telefone, que tentava estabelecer contato com o outro lado da linha. Ouviu a resposta computadorizada do complexo em Boston e logo digitou o número para ser transferido para o laboratório de tecnologia.

Gideon atendeu sem hesitar.

– Diga, companheiro.

– Estou na casa de Reichen – disse Rio. Uma informação desnecessária, considerando que o sistema da comunidade já havia confirmado o número de telefone de onde a chamada estava sendo feita. No entanto, a cabeça dele estava explodindo com dores fortes demais para que conseguisse processar tudo aquilo. Ele precisava compartilhar as informações relevantes enquanto ainda conseguia raciocinar. – A viagem foi tranquila, e estou aqui com a mulher no Refúgio de Reichen.

– E você a prendeu em algum lugar?

– Sim – respondeu Rio. – Ela está esperando em um quarto para visitantes no andar de cima.

– Ótimo! Bom trabalho, cara!

O elogio injustificado fez Rio ranger os dentes. E a combinação de sua fome causticante com o efeito de sua cabeça girando deixava sua respiração irregular.

– Você está bem, Rio?

– Sim.

– Até parece... – insistiu Gideon. O vampiro não era apenas um gênio quando o assunto era tecnologia, ele também tinha a rara habilidade de farejar os problemas quando eles se aproximavam. Inclusive quando lhe chegavam vindos de outro continente. – O que está acontecendo com você? Você não me parece estar nada bem, amigo.

Rio esfregou sua têmpora, que ainda palpitava.

– Não se preocupe comigo. Temos um problema maior aqui. A jornalista é uma Companheira de Raça, Gideon.

– Ah, caramba! Você está falando sério?

– Vi sua marca de nascença com meus próprios olhos – respondeu Rio.

Gideon murmurou algo com tom de urgência, embora indistinguível, para alguém que estava com ele no laboratório. A resposta foi um urro profundo com a voz fria de alguém da Primeira Geração, que não poderia pertencer a ninguém que não fosse Lucan, o fundador e líder da Ordem.

“Ótimo” – pensou Rio.

– Lucan está aqui – anunciou Gideon, caso Rio não tivesse se dado conta desse detalhe. – Você está sozinho aí, Rio?

– Sim. Estou totalmente sozinho no escritório de Reichen.

– Certo. Espere um minuto. Vou colocar você em uma videoconferência.

Os lábios de Rio se retorceram friamente.

– Pensei que você faria isso.

Rio olhou para cima enquanto o grande painel se acendia do outro lado do escritório. Como se fosse uma janela, aberta na porta do cômodo ao lado, a tela foi preenchida com uma imagem em tempo real de Gideon e Lucan sentados no laboratório tecnológico da comunidade em Boston. Os olhos azuis pálidos de Gideon eram intensos. Seus cabelos, desfiados e loiros, pareciam os de um cientista louco, como de costume.

Sob as sobrancelhas negras franzidas de Lucan, também havia um olhar sério. Aqueles olhos de um cinza claro se estreitaram enquanto Lucan se reclinava em uma das grandes poltronas de couro que rodeavam a mesa de conferências da Ordem.

– A mulher está segura aqui no Refúgio e não, ela não foi ferida de forma alguma – começou Rio sem preâmbulos. – Seu nome é Dylan Alexander e, considerando as informações que consegui reunir nos arquivos de seu computador, ela vive e trabalha na cidade de Nova Iorque. Suponho que tenha vinte e poucos, talvez algo perto de trinta...

– Rio... – Lucan se inclinou para frente, olhando atentamente para a tela onde a imagem de Rio estava sendo projetada. – Vamos falar sobre ela em um minuto. O que está acontecendo com você, cara? Você não fazia contato desde fevereiro e, sem ofender, sua aparência está horrível.

Rio balançou a cabeça e, em seguida, passou a mão em seus cabelos umedecidos pelo suor.

– Estou bem. Só quero cuidar logo desse assunto e colocar um ponto final nisso tudo, você entende, não é?

Ele não sabia se estava falando de Dylan Alexander e suas fotos, ou dos outros problemas que vinha enfrentando desde a explosão que poderia tê-lo matado. Devia tê-lo matado, inferno!

– Está tudo bem comigo, Lucan.

A expressão do vampiro se mantinha firme, a julgar pelo que o vídeo mostrava do outro lado do Atlântico.

– Não gosto que mintam para mim, meu amigo. Preciso saber se a Ordem ainda pode contar com você. Você ainda está com a gente?

– A Ordem é tudo que eu tenho, Lucan. Você sabe disso.

Aquelas palavras refletiam a verdade, e pareceram satisfazer ao sagaz vampiro da Primeira Geração. Pelo menos por aquele momento.

– Então quer dizer que a jornalista que você tem aí é uma Companheira de Raça? – Lucan suspirou, esfregando a palma da mão no maxilar forte e quadrado. – Você vai ter de trazê-la para cá, Rio. Para Boston. Mas, antes, precisa explicar algumas coisas para ela, algumas coisas sobre a Raça e sobre a ligação que ela inegavelmente tem conosco. E, depois, você precisa trazê-la. Gideon providenciará o transporte.

O outro guerreiro já estava digitando apressadamente em seu teclado, fazendo as coisas acontecerem.

– Posso enviar nosso jato particular para pegá-los no aeroporto Tegel amanhã à noite.

Rio concordou com os planos e consentiu firmemente, mas ainda havia alguns detalhes a serem considerados:

– Ela tinha uma reserva em um voo de Praga a Nova York hoje. Ela tem família e amigos que a estarão esperando em casa.

– Você tem acesso ao e-mail dela – constatou Gideon. – Envie uma mensagem às pessoas em nome dela, explique que precisará de mais alguns dias e que entrará em contato assim que possível.

– E quanto às fotos que ela tirou da cripta? – perguntou Rio.

Agora foi a vez de Lucan responder:

– Gideon me disse que você está com a câmera e o notebook. Ela precisa entender que todos os que têm cópias dessas fotos são um risco para nós, um risco que não podemos nos permitir correr. Então, ela terá que nos ajudar a sumir com a matéria que estava escrevendo e a destruir todas as cópias de todas as fotografias que ela tirou.

– E se ela não cooperar? – Rio já imaginava como seria a conversa com Dylan, considerando o gênio que ela demonstrou ter.

– Se isso acontecer, nós seguiremos as pessoas com quem ela entrou em contato e obteremos as imagens usando os meios que forem necessários.

– Apagando a memória delas? – perguntou Rio.

O tom na voz de Lucan era sério:

– Usaremos os meios que forem necessários.

– E a mulher? – Rio achou melhor ser explícito. – Como Companheira de Raça, não podemos apagar a memória dela arbitrariamente. Nós devemos dar a ela alguma escolha, não?

– Sim – disse Lucan. – Ela tem uma escolha. Quando souber da existência da Raça e da marca que a une a nós, poderá decidir se quer ser parte de nosso mundo ou retornar ao mundo dela e deixar para trás todo o conhecimento de nossa espécie. As coisas sempre foram feitas assim. E continuarão a ser feitas assim. Essa é a única maneira.

Rio assentiu.

– Vou cuidar disso, Lucan.

– Sei que vai – disse ele, sem nenhum sinal de desafio ou de dúvida em sua afirmação. Nada além de pura confiança. – E... Rio?

– Sim?

– Você não achou que eu não veria esses glifos escuros na sua pele, não é, meu amigo? – Olhos prateados estreitos fixaram-se em Rio, ainda que à distância. – Alimente-se, meu caro. Esta noite.


Capítulo 10

Dylan se sentou perto da cabeceira da cama, olhando fixamente para a tela iluminada em seu telefone celular.

Procurando serviço... Procurando serviço...

– Vamos – disse em voz baixa, repetindo a mensagem agonizante em câmera lenta. – Vamos, funcione! Que inferno!

Procurando serviço...


Nenhum sinal disponível.

– Droga!

Dylan tinha mentido a seu sequestrador sobre ter um telefone celular. Seu telefone, fino como uma lâmina, esteve escondido em um dos bolsos laterais de suas calças cargo durante todo esse tempo – não que, até o momento, aquele aparelho tivesse se mostrado muito útil.

O serviço internacional, embora caro, era, na melhor das hipóteses, ridículo. Dylan tinha tentado chamar ajuda por várias vezes durante a última hora – sempre chegando aos mesmos resultados frustrantes. Tudo o que ela estava fazendo ao negar-se a desistir era perder o tempo precioso de sua bateria. Ela tinha perdido o carregador do celular durante a viagem, alguns dias atrás. Agora o aparelho só mostrava duas barras de carga à esquerda, e aquela dura experiência pela qual ela estava passando parecia longe de terminar.

Para piorar a situação, alguém do lado de fora girou a fechadura de cristal.

Dylan rapidamente abaixou o celular e o enfiou debaixo do travesseiro atrás de seu corpo. Ela mal tinha conseguido puxar sua mão de volta quando alguém abriu a porta.

Rio se aproximou com uma bandeja de madeira coberta por alimentos. Os aromas de pão fresco, alho e carne assada flutuavam brandamente diante dele. Dylan ficou com água na boca quando enxergou um espesso sanduíche com fatias de peito de frango, pimentão vermelho e cebola marinados, queijo e alface fresca.

Meu Deus! Aquela visão era maravilhosa!

– Aqui está seu almoço, como prometido.

Dylan se forçou a dar de ombros, como se não se importasse:

– Eu disse: não vou comer nada que você me der.

– Sirva-se.

Rio colocou a bandeja na cama, ao lado dela. Dylan tentou não olhar o delicioso sanduíche ou a tigela de morangos e pêssegos frescos que o acompanhava. Também havia uma garrafa de água mineral na bandeja e uma pequena taça com uma dose generosa de um líquido âmbar claro que tinha um cheiro doce, provavelmente um caro whisky escocês. O tipo de bebida com que o pai de Dylan costumava se presentear, embora não pudesse arcar com o preço de tal hábito.

– A bebida alcoólica é para aumentar o efeito dos sedativos que você pôs na comida, ou você colocou alguma coisa na bebida?

– Não tenho intenção alguma de dopá-la, Dylan. – Rio parecia tão sincero a ponto de quase convencê-la de que suas palavras eram verdadeiras. – A bebida está aí para você relaxar, se achar necessário. Eu não vou forçá-la a nada, como já disse.

– Ah... – disse ela, notando uma mudança sutil no comportamento dele. Rio ainda era imenso e parecia perigoso, mas, quando ele a olhou agora, havia uma resignação sóbria, quase dolorosa, em seu jeito. Como se houvesse um assunto desagradável que precisasse ser tirado de seu caminho.

– Se você não está aqui para me forçar a alguma coisa, então por que parece estar me entregando minha última refeição?

– Vim conversar com você, é só isso. Tenho que lhe explicar algumas coisas. Algumas coisas que você precisa saber.

Bem, já estava na hora de ela ter algumas respostas.

– Está bem. Você pode começar me dizendo quando vai me libertar deste lugar.

– Logo – ele respondeu. – Amanhã à noite vamos para os Estados Unidos.

– Você vai me levar de volta para a América? – Ela sabia que soava otimista demais, especialmente quando ele estava se incluindo na situação. – Você vai me soltar amanhã? Vou poder voltar para casa?

Ele caminhou lentamente ao redor da cama, indo até a parede com a janela que não deixava a luz do sol passar. Em seguida, apoiou um ombro contra a parede, cruzando aqueles enormes braços tatuados e musculosos. Por um longo instante, permaneceu em silêncio. Ficou ali, parado, até Dylan sentir vontade de gritar.

– Sabe, eu tinha que encontrar alguém em Praga hoje de manhã, alguém que conhece meu chefe e provavelmente já telefonou para ele para perguntar por mim. Tenho um voo reservado de volta para Nova York esta tarde. Tem gente me esperando em casa. Você não pode me raptar na rua e pensar que ninguém vai notar que eu desapareci.

– Ninguém está esperando por você agora.

O coração de Dylan começou a pulsar fortemente, como se seu corpo estivesse consciente de que algo grande estava por vir. Como se seu corpo tivesse tomado consciência antes mesmo de seu cérebro absorver o fato.

– O que... o que foi que você acabou de dizer?

– Sua família, seus amigos e as pessoas no seu local de trabalho foram informados de que você está bem, mas que estará fora de contato durante algum tempo. – Rio percebeu que Dylan parecia confusa, mas continuou: – Todos eles receberam um e-mail seu há alguns minutos, informando-os de que você passaria um pouco mais de tempo viajando sozinha pela Europa.

Nesse momento, a ira tomou conta dela. Uma ira mais forte do que nunca.

– Você entrou em contato com meu chefe? Com minha mãe? – O trabalho era de pouco interesse para ela naquele momento... Mas pensar que aquele homem poderia chegar perto de sua mãe, de qualquer forma que fosse, a deixava realmente irritada. Ela empurrou as pernas para um canto da cama e se levantou, praticamente tremendo de raiva. – Seu desgraçado! Manipulador maldito!

Rio se afastou, saindo da direção de Dylan quando ela fez uma investida contra ele.

– Isso foi necessário, Dylan. Como você disse, perguntas seriam feitas. As pessoas ficariam preocupadas com você.

– Fique longe de minha família! Você está me ouvindo? Faça o que quiser comigo, mas deixe minha família fora disso!

Rio se manteve calmo, atento. Insuportavelmente calmo e atento.

– Sua família está segura, Dylan. E você também. Amanhã à noite, levarei você de volta aos Estados Unidos, a um lugar secreto que pertence à minha espécie. Acredito que, uma vez que esteja lá, você entenderá melhor muito do que vai ouvir agora.

Dylan olhou fixamente para ele, sua mente confusa com a estranha escolha de palavras de Rio: “minha espécie”.

– Que diabos está acontecendo aqui? Estou falando sério... Eu preciso saber! – Ah, inferno! A voz de Dylan tremia como se ela estivesse a ponto de fraquejar na frente dele. Na frente daquele desconhecido que tinha roubado sua liberdade e violado sua privacidade. Ela preferia morrer a demonstrar qualquer fraqueza diante dele, independentemente do que fosse escutar. – Por favor. Me conte. Me diga a verdade.

– A verdade sobre você? – ele perguntou com uma voz profunda e com um sotaque que permeava todas as sílabas. – Ou sobre o mundo para o qual você nasceu?

Dylan não conseguia encontrar palavras para se expressar. O instinto a fez levar a mão até sua nuca, onde parecia sentir um formigamento quente.

Rio assentiu sobriamente.

– É uma marca de nascimento rara. Talvez uma a cada meio milhão de mulheres humanas nasça com ela. Provavelmente até menos do que isso. As mulheres que levam a marca, mulheres como você, Dylan, são muito especiais. Isso significa que você é uma Companheira de Raça. Mulheres como você têm certos... dons. Habilidades que as separam das demais mulheres.

– Que tipo de dons e habilidades? – perguntou Dylan, ainda incerta sobre se realmente queria ter aquela conversa. – E que diabos de raça é essa de que você está falando?

– Habilidades extrassensoriais, principalmente. Cada pessoa é diferente, com diferentes capacidades. Algumas podem ver o futuro ou o passado. Outras podem tocar em um objeto e ler sua história. Outras, ainda, podem provocar furacões ou comandar a vontade dos seres vivos à sua volta. Algumas curam com um simples toque. Algumas podem matar com o poder do pensamento.

– Isso é ridículo! – disse Dylan lançando uma carranca para ele. – Ninguém fora das revistas sensacionalistas e das histórias de ficção científica tem esse tipo de habilidade.

Rio grunhiu. O canto de seu lábio se repuxou. Ele a estudava muito de perto, tentando penetrá-la com seus profundos olhos topázio.

– Estou certo de que você tem uma habilidade especial também. Qual é a sua, Dylan Alexander?

– Você não pode estar falando sério.

Dylan sacudiu a cabeça e virou os olhos, como se não desse a menor importância para aquilo tudo. No entanto, durante todo o tempo, estava pensando na única coisa que sempre a tinha feito diferente: sua inconstante e inexplicável ligação com os mortos. Todavia, aquilo não era a mesma coisa que Rio estava lhe descrevendo. Era outra coisa. Completamente diferente.

Não era...?

– Você não precisa confiar em mim – ele disse. – Só sei que há uma razão pela qual você não é como as outras mulheres. Talvez você sinta que, de modo geral, não se encaixe no mundo. Muitas mulheres como você são mais sensíveis do que o resto da população humana. Vocês veem e sentem as coisas de forma diferente. Há uma razão para tudo isso, Dylan.

Como ele poderia saber? Como ele poderia saber tanto a respeito dela? Dylan não queria acreditar em nada do que estava ouvindo. Não queria acreditar que era parte do que ele estava descrevendo. Entretanto, ele parecia entendê-la mais intimamente do que qualquer pessoa que a conhecia, inclusive sua mãe.

– As Companheiras de Raça têm dons únicos e extraordinários – disse Rio enquanto ela só conseguia encará-lo com um silêncio incrédulo. – Mas o dom mais extraordinário que possuem é a capacidade de criar vida com os da minha espécie.

Jesus Cristo! Aí estava novamente a referência à sua espécie. E agora ele estava falando sobre sexo e reprodução? Que tipo de pervertido tarado ele e aqueles seus companheiros de raça eram afinal de contas?

Dylan o encarou, recordou rápida e claramente a facilidade que ele teve ao prendê-la sobre seu corpo forte, completamente excitado naquele hotel em Praga. Não demorou muito para ela se lembrar do calor de todos os músculos se apertando contra ela. O porquê de aquele pensamento fazer o seu coração pulsar mais rápido, sua respiração se tornar difícil era algo que ela realmente não queria saber.

Ele havia lhe trazido para cá para repetir aquilo? Ou ele realmente acreditava que ela era ingênua o suficiente para ser seduzida e passar a acreditar em toda essa coisa de ser diferente, de pertencer a um mundo misterioso sobre o qual ela não conhecia nada até agora?

E por que ela acreditaria naquilo? Por causa de uma pequena marca de nascimento em sua nuca? Uma marca que, aliás, parecia esquentar e formigar contra sua mão. Dylan abaixou a mão e cruzou os braços em volta de seu próprio corpo.

Rio seguiu os movimentos de Dylan com seu olhar afiado, muito atento.

– Acredito que você também já tenha se dado conta de que eu também não sou como os outros homens. Há uma razão para isso.

Um pesado silêncio tomou conta do quarto enquanto Rio parecia tomar tempo para medir suas palavras. Em seguida, continuou: – É porque eu não sou só um homem. Sou algo além disso.

Dylan tinha de admitir que Rio era mais homem que qualquer outro que ela conhecera antes. Seu tamanho e sua força bastavam para colocá-lo em uma classe separada dos homens tradicionais. Mas ele era todo homem, e ela sabia disso pela forma como ele olhava para ela. Pela forma como os olhos quentes de Rio vagavam pelo rosto dela antes de descer por seu pescoço, seu busto e percorrer sedento cada parte de seu corpo.

Ele olhou fixamente para ela, sem piscar, exalando um calor intenso.

– Eu sou um dos da Raça, Dylan. Em seu vocabulário, por falta de um termo melhor, eu sou um vampiro.

Por um segundo, Dylan pensou que não tinha entendido direito. Então, todo o mal-estar e a tensão que vinha sentindo desde que Rio tinha entrado naquele quarto desapareceram e se transformaram em um grande golpe de alívio.

– Ah, meu Deus! – Ela não pôde conter a gargalhada, que saiu por sua boca quase histérica. Um acesso de incredulidade e diversão cessou toda a sua ansiedade em um instante. – Um vampiro? Sério? Porque, sabe, isso faz muito mais sentido do que tudo o que eu imaginava que você pudesse ser. Você não é um militar, nem um espião do governo, nem um terrorista, mas um vampiro!

Ele não achou graça alguma. Não, ele simplesmente estava ali, imóvel. Observando-a. Esperando até que ela levantasse o olhar para encarar os olhos nada sorridentes dele.

– Oras, por favor! – ela o repreendeu. – Você não pode esperar que eu acredite nisso, não é mesmo?

– Sei que deve ser difícil entender. Mas é a verdade. É a verdade que você vem pedindo desde o momento em que eu a vi pela primeira vez, Dylan. Agora você a conhece.

Meu Deus, ele parecia tão sério com relação a tudo isto.

– E quanto às outras pessoas que vivem aqui? E nem pense em me dizer que não há mais ninguém vivendo nesta propriedade enorme. Eu vi pessoas caminhando pelos corredores, e ouvi conversas abafadas. E então, o que você me diz sobre essas pessoas? São vampiros também?

– Alguns – ele respondeu com voz baixa. – Os homens são da Raça. As mulheres que vivem aqui, neste Refúgio Secreto, são humanas. Companheiras de Raça... como você.

Dylan se incomodou ao ouvir aquilo.

– Pare de dizer isso. Pare de achar que eu sou uma passageira ao seu lado neste trem da loucura. Você não sabe nada a meu respeito.

– Eu a conheço o suficiente – ele inclinou sua cabeça na direção dela, um movimento que parecia quase animalesco. Inconscientemente animalesco. – A marca em seu pescoço é tudo o que preciso saber a seu respeito, Dylan. Você é parte disso agora, uma parte inextricável. Gostemos ou não.

– Bem, eu não gosto disso – ela esbravejou, ficando novamente ansiosa. – Quero que me deixe sair desse quarto. Quero voltar para minha casa, rever a minha família e retomar meu trabalho. Quero me esquecer daquela maldita caverna, desse lugar e de você.

Ele negou lentamente com a cabeça, sacudindo seus cabelos escuros.

– É tarde demais para isso. Não há mais volta, Dylan. Sinto muito.

– Sente muito? – disse ela, com dentes apertados. – Eu vou dizer o que você é! Você é um louco! Você é um maldito doente!

Com uma suave flexão de seus músculos, Rio saiu de perto da parede e, dentro de um instante, estava em pé diante dela. Nem sequer uma polegada os separava. Ele estendeu a mão, como se fosse tocar a maçã do rosto de Dylan. Os dedos de Rio estavam tão próximos... Mas ele resistiu.

O coração de Dylan bateu forte, mas ela não se moveu. Ela não conseguiria se mover. Não enquanto ele a prendesse com aquele olhar topázio ardente, quase hipnótico.

Ela estava respirando? Meu Deus, ela sequer estava segura disso. Dylan esperou para sentir o leve toque de Rio em sua pele, impressionada ao se dar conta de quanto desejava aquilo. Porém, com um grunhido doloroso, ele deixou sua mão cair na lateral do corpo.

Rio inclinou a cabeça, levando-a perto do ouvido de Dylan. A voz profunda dele gerou um sussurro aquecido na garganta dela.

– Coma sua comida, Dylan. Seria uma pena desperdiçar essa ótima refeição quando você sabe que precisa se alimentar.


Bem, a comida desceu tão macia quanto uma taça cheia de lâminas de barbear.

Rio fechou a porta, e logo seguiu para seu quarto, com os punhos fechados na lateral do corpo. Em outras épocas, ele teria cumprido uma tarefa desse tipo com encanto e diplomacia. Agora, no entanto, era difícil imaginar-se nesse papel. Ele tinha sido brusco e ineficaz, e não podia atribuir a culpa de tudo isso a seu trauma na cabeça ou à fome que o corroía.

Rio não sabia como lidar com Dylan Alexander.

Não sabia o que fazer com ela, ou o que fazer com sua própria reação involuntária a ela. Desde Eva, nenhuma outra mulher havia despertado seu interesse além da mais básica necessidade física. Uma vez que estava forte o suficiente para deixar o complexo, depois de longas semanas de recuperação, Rio tinha satisfeito seu anseio carnal da mesma forma como saciava sua fome de sangue. Com uma eficiência fria e impessoal. Parecia tão estranho para ele, um homem que não se arrependia de desfrutar dos prazeres da vida como uma parte essencial do simples viver.

Mas as coisas não tinham sido sempre assim. Foram necessários muitos anos para Rio superar as origens obscuras de seu nascimento. Anos até que ele conseguisse fazer algo significativo e positivo com sua vida. Ele pensava que tinha conseguido. Diabos! Realmente pensava que tinha conseguido. E tudo desapareceu em um instante. Em um instante escuro e quente no verão passado, quando Eva vendeu a Ordem ao inimigo.

Rio tinha pensado durante muito tempo que a traição de sua Companheira de Raça o tinha arruinado para todo mundo, e parte dele tinha se alegrado de livrar-se de embaraços emocionais e das complicações que vêm com eles.

Mas agora havia Dylan.

E ela estava no quarto ao lado, pensando que ele era um louco. Não que esse pensamento estivesse longe da verdade, ele admitiu sombriamente. O que ela pensaria ao se dar conta de que o que ele lhe havia dito um momento atrás era a verdade?

Isso não importava.

Não demoraria muito para ela saber de tudo. A decisão seria colocada diante dela e ela teria de escolher seu caminho: uma vida refugiada nos braços dos Guerreiros da Raça; ou o retorno à sua antiga vida, de novo entre a humanidade.

Rio não planejava ficar por perto para saber que caminho ela escolheria tomar. Ele tinha que seguir seu próprio caminho, e essa situação não era nada além de um desvio frustrante.

Um golpe na porta do quarto interrompeu seus sombrios pensamentos.

– Sim? – gritou, sem esconder a ira que sentia consigo. Quando a porta se abriu, Reichen entrou.

– Está tudo bem? – perguntou.

– Tudo ótimo – grunhiu Rio, afiado como uma lâmina. – E aí, o que você me conta?

– Vou até a cidade esta noite e pensei que talvez você quisesse vir comigo. – Reichen olhou atentamente para os dermoglifos de Rio, que estavam brilhando com uma cor intensa. – O lugar é decadente, mas muito agradável. Assim como o são as mulheres que trabalham lá. Dê aos anjos de Helene uma hora de seu tempo, e garanto que elas farão você se esquecer de todos os problemas.

Rio grunhiu:

– Que horas saímos?


Capítulo 11

O bordel de Berlim ao qual Reichen o levou naquela noite era tudo o que Rio havia esperado – tudo e mais um pouco. A prostituição havia sido legalizada ali havia alguns anos. E quando o assunto era mulheres bonitas, prontas e dispostas, o clube de sexo Aphrodite era declaradamente a melhor pedida.

Três dos maiores destaque do clube, usando nada além de uma calcinha fio dental, dançavam juntas em frente à mesa privativa em que Rio e seu anfitrião do Refúgio estavam sentados com a impressionante proprietária do clube, Helene. Com cabelos longos e escuros, rosto perfeito e curvas sinuosas, Helene poderia fazer parte do conjunto de belas jovens que trabalhavam para ela. Mas, sob todo aquele sex appeal, estava claro que a mulher tinha uma mentalidade voltada aos negócios e que gostava de tomar as decisões.

Reichen certamente parecia satisfeito por trocar algumas palavras com Helene. Sentando ao lado dela em um sofá aveludado em forma de meia-lua, em frente ao outro móvel ocupado apenas por Rio, Reichen estava recostado em uma macia almofada e com um pé apoiado sobre uma outra na pequena mesa redonda para bebidas diante dele. Suas coxas estavam separadas – uma forma de dar às mãos de Helene acesso livre ao que elas quisessem fazer.

Naquele momento, ela parecia concentrada em provocá-lo, deslizando suas unhas escarlates para cima e para baixo sobre a costura das calças perfeitamente ajustadas que ele vestia. Ao mesmo tempo, ela dizia em alemão algo como “silêncio, não me encha o saco” em seu celular.

Reichen lançou um olhar para Rio, logo à sua frente, e acenou com a cabeça na direção de três mulheres que dançavam e se acariciavam a menos de um braço de distância.

– Fique à vontade, meu amigo. Sirva-se com uma delas. Ou com todas elas. É sua escolha. Elas estão aqui para sua diversão. Helene as deixou como cortesia quando eu disse que o traria comigo esta noite.

Helene lançou um sorriso quase felino a Rio enquanto continuava conduzindo os negócios de seu clube como a tigresa que, sem dúvida, era. Enquanto a mulher dava instruções concisas pelo celular, Reichen afastou os cabelos escuros dos ombros dela e passou a ponta de seus dedos suavemente pela lateral do pescoço da bela mulher.

Eles formavam um casal incomum, até como amantes frequentes e casuais, que Reichen insistia que fossem.

Os homens da Raça poucas vezes sentiam um interesse duradouro por mulheres mortais e humanas, mesmo quando o assunto era sexo. O risco de expor a existência da Raça à humanidade era geralmente visto como muito perigoso para um vampiro que se atrevesse a manter qualquer tipo de relação por um longo período. E sempre havia o risco de um humano poder cair nas mãos de um Renegado. Ou, pior, ser transformado em um escravo por um dos mais poderosos, embora corruptos, membros da Raça.

Helene não era uma Companheira de Raça, mas uma aliada de confiança de Reichen. Ela sabia o que ele era – assim como sabia quem eram Rio e os demais membros da Raça – e mantinha esse segredo tão bem guardado como se fosse um dos seus. Ela havia demonstrado confiança e fidelidade a Reichen. Rio não podia dizer o mesmo sobre a Companheira de Raça com quem tinha se unido anos atrás.

Rio logo desviou o olhar do casal e correu os olhos pelo ambiente do clube. Paredes de vidro fumê envolviam o local privado vagamente iluminado onde eles se encontravam, permitindo uma vista completa de 360 graus do que acontecia no piso principal do Aphrodite. Atos sexuais em todas as posições, e com todos os tipos de combinações de pessoas, preenchiam a linha de visão de Rio. Um pouco mais próximas estavam as três encantadoras mulheres claramente disponíveis para servi-lo.

– Elas são lindas, não são? Você pode tocá-las, se quiser.

Reichen acenou com os dedos para elas, e as três prostitutas se aproximaram de Rio, pela lateral da mesa, com movimentos deliberadamente sedutores. Seios nus movimentaram-se com uma firmeza artificial enquanto as garotas passavam as mãos no próprio corpo e umas nas outras, um show que elas provavelmente tinham realizado mil vezes antes. Uma delas se aproximou e ajeitou-se entre os joelhos de Rio, seus quadris bronzeados movendo-se no compasso do baixo e da voz fumegante vindos das caixas de som posicionadas ao fundo. Suas duas amigas se posicionaram uma de cada lado, acariciando o corpo do homem enquanto ela realizava sua dança privada rotineira. Um pequeno pedaço de cetim cobria suas partes íntimas, flutuando a poucos centímetros da boca de Rio.

Ele se sentia estranhamente distante de tudo aquilo, disposto a deixar as coisas acontecerem, mas sem se interessar por nada que lhe era oferecido naquele momento. Ele as usaria tanto quanto elas pretendessem usá-lo.

Helene terminou sua ligação telefônica no outro lado da mesa. Enquanto ela fechava o discreto aparelho, Reichen se levantou e lhe ofereceu a mão. Ela deslizou pelo assento aveludado e se ajustou sob a curva formada pelo braço de seu amante vampiro.

– Elas lhe proporcionarão tudo o que você quiser – disse Reichen.

Quando Rio lançou um olhar de interrogação para ele, o outro homem da Raça leu seu olhar sem vacilação ou engano. O olhar do vampiro de Berlim deslizou na direção dos deploráveis dermoglifos de Rio, e ele sutilmente reconheceu o crescente estado de fome por sangue.

– Aquele vidro só torna as coisas visíveis de um dos lados, portanto, este ambiente é completamente privado. Independentemente do que seu apetite exigir, ninguém saberá de nada do que ocorre aqui. Fique o tempo que quiser. Meu motorista o levará de volta à mansão quando você estiver pronto. – Reichen sorriu, mostrando apenas as pontas de suas presas que começavam a aparecer. – Eu vou ficar aqui até tarde.

Rio assistiu ao casal se deslocar até o elevador situado no centro do espaço privado. Eles já estavam envolvidos em um beijo selvagem e apaixonado quando as portas se fecharam e o elevador começou a subir na direção do apartamento – do escritório – de Helene, no último piso do edifício.

Um par de mãos começou a desabotoar a camisa preta de Rio.

– Você gosta da minha dança? – perguntou a mulher, movendo-se eroticamente entre as pernas do vampiro.

Ele não respondeu – ele nunca respondia. E, além do mais, elas não estavam realmente interessadas em manter uma conversa. Tampouco ele estava. Rio olhou para os três rostos, belos e maquiados. Elas sorriram e hesitaram, imprimindo sorrisos sensuais em suas bocas umedecidas pelo gloss. Uma tentativa de deixá-lo excitado. No entanto, nenhum par de olhos sustentava um olhar direto por mais do que um breve instante.

É claro, pensou ele, sorrindo com o fato de elas evitarem olhares. Nenhuma delas queria ver muito de perto suas cicatrizes.

Elas continuaram passando a mão pelo corpo de Rio, esfregando-se contra ele como se não conseguissem esperar a hora de darem início ao sexo... exatamente como elas eram bem treinadas para fazer. As três mulheres o acariciaram, sussurravam sobre como ele tinha um corpo bem definido, sobre quão forte e sexy elas o achavam.

Cuidadosamente evitando olhar demais para ele, pois assim poderiam continuar fingindo que o que viam não lhes causava repulsa.

Rio não tinha se sentido bem quando Dylan o questionou sobre suas cicatrizes. Não estava acostumado a esse tipo de sinceridade crua nem à verdadeira compaixão que ouvira na voz de Dylan quando ela gentilmente lhe perguntou como havia acontecido. Rio tinha sido pego de surpresa, ficado constrangido com o interesse sincero de Dylan. E isto o fizera querer se arrastar pelo chão para se livrar daquela situação.

Mas pelo menos ela não o havia golpeado com esse tipo de falsidade irritante. Essas três mulheres, tão profissionalmente treinadas para encantar e seduzir, não conseguiam esconder sua aversão.

Elas se retorciam e rebolavam diante dele. E, conforme os minutos se passavam, aquele salão parecia rodar com elas. As cores extravagantes do clube se mesclavam em uma confusa mancha vermelha, dourada e azul-elétrico. A música soava mais alta, batendo contra o crânio de Rio como um martelo caindo sobre uma placa de vidro frágil. Ele se sentiu sufocado com os cheiros enjoativos de perfume, álcool e sexo.

O chão agora girava sob seus pés. Suas têmporas estavam sendo esmagadas, a loucura subia como uma onda negra que o sugaria se ele não conseguisse assumir o controle da situação.

Rio fechou seus olhos em uma tentativa de bloquear algum dos ataques sensoriais. A escuridão durou apenas um momento antes de uma imagem começar a se formar na atmosfera de sua mente confusa.

Em meio à súbita tempestade de dor e medo, ele viu um rosto. O rosto de Dylan.

Aquela pele macia, cor de pêssego e estampada com sardas parecia suficientemente perto para que ele pudesse tocá-la. Os olhos verdes com toques dourados estavam entreabertos, mas fixos nos seus, belos e sem qualquer sinal de temor. Enquanto ele olhava aquela imagem formada atrás de suas pálpebras fechadas, ela sorriu e lentamente inclinou a cabeça para o lado. Os cabelos sedosos e flamejantes de Dylan caíam soltos sobre os ombros, tão suaves quanto uma carícia.

E logo Rio viu o beijo escarlate de dois pontos sob a orelha dela.

Madre de Dios, a visão dela assim era tão real. As gengivas de Rio doeram, e as pontas de suas presas pressionaram-se fortemente contra sua língua. A sede tomava conta dele. Rio quase podia saborear a doçura do pinho misturado ao mel presente no sangue que brilhava sobre as feridas dela.

E foi assim que ele se deu conta de que aquilo não passava de uma ilusão. Porque ele jamais saberia qual era o sabor dela.

Dylan Alexander era uma Companheira de Raça, e isso significava que beber dela estava fora de questão. Um gole de seu sangue criaria um vínculo que apenas poderia ser rompido com a morte. E Rio já havia tomado esse caminho antes, o que quase o matou.

Não. Nunca mais.

Rio grunhiu enquanto a dançarina em seu colo decidiu que aquele era um bom momento para se acomodar ainda mais. Quando ele abriu seus olhos, ela murmurou algo sacana e, em seguida, colocou as mãos nas coxas dele e as separou. Lambendo os lábios, ela se ajoelhou diante dele. Quando a dançarina apalpou para encontrar o zíper das calças de Rio, não foi a luxúria que se espalhou pelas veias dele, mas sim uma onda de fúria causticante. Sua cabeça palpitava, sua boca estava tão seca quanto um deserto.

Droga! Ele acabaria cedendo se continuasse mais um minuto ali.

Rio tinha de sair daquele inferno.

– Levante-se – ele grunhiu. – Saiam de cima de mim. Todas vocês.

As mulheres se afastaram como se tivessem acabado de provocar um animal selvagem. Uma delas tentou se mostrar um pouco mais corajosa.

– Quer algo diferente, querido? Está bem, diga o que você quer.

– Nada que vocês possam oferecer – ele respondeu duramente, mostrando-lhes demoradamente o lado esquerdo de seu rosto enquanto se levantava.

Rio cambaleou ao sair daquele local privado, seguindo para longe do ambiente pesado do clube. Encontrou a discreta saída traseira, por onde ele e Reichen tinham entrado. Ele teve de empurrar algumas pessoas que dançavam por ali, mas a maioria delas saiu de seu caminho tão logo percebiam que ele se aproximava.

Do lado de fora do clube, a rua estava escura. O ar da noite de verão batia fresco em sua pele aquecida. Inspirou esse ar fresco pela boca, respirando profundamente em um esforço para acalmar sua cabeça turbulenta. E esbravejou quando percebeu que aquilo não o acalmaria.

Sua visão estava mais aguçada aqui fora, na escuridão. No entanto, havia mais do que apenas o ambiente noturno criando aquela nitidez. Suas pupilas estavam estreitadas por conta de sua fúria e de sua necessidade. O brilho âmbar de suas íris transformadas lançava uma leve luz na direção do concreto sob seus pés. Seus passos eram desiguais; o mancar que ele quase havia superado o atingia novamente.

Suas presas preencheram a boca. Um olhar nos dermoglifos em seu braço e ele percebeu que estava realmente mal. Que inferno! Deveria ter bebido da veia de uma das mulheres naquele clube. Havia momentos em que ele precisava se alimentar, e agora sua situação estava se tornando realmente crítica.

Com a cabeça abaixada e as mãos enfiadas nos bolsos da calça, começou a caminhar em um ritmo acelerado e nada gracioso. Pensou em ir até um dos parques da cidade, onde os sem-teto e os indigentes se transformavam em presas fáceis para as criaturas da noite, como ele. No entanto, quando passou por uma rua transversal em direção à via principal, viu uma moça punk fumando um cigarro na entrada do beco. Estava encostada contra a parede de um edifício de tijolo, estudando suas unhas enquanto exalava uma nuvem de fumaça tóxica.

Se seus sapatos pretos de salto meia pata e sua minissaia apertada não a entregavam, o decote provocador do top que mal cobria seus seios certamente o fazia. A versão barata do que Rio tinha acabado de deixar para trás levantou o olhar e o pegou observando-a.

– Ich bin nicht arbeiten – disse ela. Sua voz era um grunhido cáustico enquanto voltava a atenção às suas unhas.

– Não estou trabalhando neste momento.

Ele caminhou implacavelmente na direção dela, como se fosse um espectro saindo das sombras. Ela bufou, irritada:

– Meu trabalho esta noite já terminou, ja? Nada de sexo.

– Não é isso que quero de você

– Hã? – Ela fechou uma carranca. – Bem, então suma daqui...

Rio se moveu tão rápido na direção da mulher que ela sequer teve tempo de gritar. Ele correu a distância de vários metros em um piscar de olhos e, em seguida, virou-a, de modo que agora ela estivesse olhando para a parede. Ela tinha cabelos escuros e curtos, facilitando o acesso ao pescoço. Rio atacou com a velocidade de uma víbora, afundando suas presas na carne, que logo cedeu, e sugou forte a veia dela.

A princípio, ela tentou resistir, talvez assustada com o choque inicial. Mas a mulher logo cedeu, conforme a dor da mordida abriu caminho para o prazer. Rio bebeu rapidamente, tragando o que seu corpo tão desesperadamente necessitava. Depois, lambeu a ferida que havia sido aberta, cicatrizando-a com sua língua. A marca desapareceria em poucos minutos. E quanto à lembrança do que acabava de acontecer? Rio estendeu a mão na direção da cabeça da mulher e repousou a palma sobre os olhos dela.

Não foi necessário mais do que um segundo para apagar os últimos minutos de memória da mulher. No entanto, esse tempo foi suficiente para um homem dobrar a esquina do edifício e vê-los parados ali.

– Hey! Was zur Hölle ist das?1

O sujeito era gordo e calvo, e não parecia estar nada contente com a cena que acabara de presenciar. Limpando as mãos em um manchado avental de bar, ele gritou alguma coisa em alemão para a prostituta – uma ordem intensa e decidida que ela se apressou em cumprir. Evidentemente não rápido o suficiente para aquele homem. Enquanto a mulher se aproximava daquela criatura, ele estendeu a mão e golpeou com o punho a lateral da cabeça dela. Quando ela gritou e correu pela esquina do edifício, o grande homem começou a aproximar-se de Rio, ainda naquele beco.

– Faça um favor a si mesmo e suma daqui – ordenou Rio com uma voz que já não soava humana. – Isso aqui não tem nada a ver com você.

O homem sacudiu sua cabeça gorda:

– Se quer fazer sexo com Uta, você tem que me pagar.

– Então venha tentar cobrar a sua parte – desafiou Rio, com uma voz suficientemente profunda para que alguém com um pingo de juízo entendesse aquilo como a advertência que realmente era.

Mas não aquele cara. Ele passou a mão pelas costas e sacou uma faca. Um erro fatal. Rio percebeu a ameaça. Quando o cafetão avançou com a intenção de extorquir dinheiro, o vampiro pulou na direção dele.

Ele derrubou o humano contra a calçada, prendendo o pescoço grosso dele com as mãos. Um pulso frenético martelava agora contra a palma de Rio, golpes e mais golpes do sangue aquecido que corria sob aquela pele grosseira. Rio percebeu, logo abaixo, o batimento do coração do humano, mas sua mente não estava totalmente sob controle. Já não estava. Sua sede de sangue tinha sido temporariamente saciada, mas a fúria ainda não havia se dissipado. A pressão em sua mente, a pressão que tomava conta de suas vontades, era implacável, trazendo à tona o lado obscuro que Rio mais temia.

Maldecido.

Monstruo.

Rio se sentiu caindo naquele abismo...

Os nomes pelos quais era chamado quando jovem avançavam em seus ouvidos como um furacão. Ele se lembrou da floresta escura e do cheiro do sangue derramado sobre a terra áspera. Do chalé onde sua mãe havia sido assassinada diante de seus olhos...

Quando a escuridão caía e tomava conta de seus olhos, Rio se transformava no pequeno garoto selvagem abandonado na Espanha tanto tempo atrás. Um garoto desconcertado e assustado, sem casa, sem família, sem ninguém para lhe mostrar o caminho e ajudá-lo a descobrir quem ele realmente era.

Comedor de la sangre.

Com um grunhido, Rio se inclinou sobre sua presa, que agora tremia, e mordeu aquela garganta carnuda. O vampiro era selvagem. Não por sua fome, mas pela fúria e pela antiga angústia que o faziam se sentir um monstro. Um ser amaldiçoado. Um terrível comedor de sangue.

Manos del diablo.

Aquelas mãos de diabo já não pertenciam a ele. A inconsciência agora ganhava espaço rapidamente, inundando-o. Rio já não conseguia enxergar a rua diante dele. A lógica e o controle chocaram-se como fios entrando em curto-circuito e estalando em seu cérebro. Ele mal conseguia raciocinar. Mas reconheceu o momento em que o coração do humano silenciou sob suas mãos.

Reconheceu o momento em que a escuridão o empurrou. Reconheceu que naquela noite tinha matado alguém.

Um golpe forte no quarto ao lado despertou Dylan de um sonho espasmódico. Ela se sentou, agora completamente acordada. Mais ruídos ecoaram, gemidos baixos e passos confusos e pesados, como se alguém – ou algo – grande estivesse em um mundo de agonia.

A suíte ao lado era a de Rio. Ele havia dito isso antes, naquela tarde, quando tinha levado um jantar leve e a mochila com roupas para Dylan. Ele também havia lhe dito para que se sentisse à vontade durante a noite. Havia advertido que ele estaria do outro lado da parede, a não mais do que alguns segundos de distância. O que não tinha exatamente a deixado mais à vontade.

Apesar da ameaça, Dylan suspeitou que Rio tivesse saído em algum momento. O quarto ao lado havia permanecido em silêncio durante várias horas, até agora, às quatro da manhã – a hora em que despertara.

E em sua mente reanimavam-se as palavras de Rio, que afirmava ser uma criatura assassina da noite. Considerando a movimentação desajeitada acontecendo no quarto ao lado, parecia que ele era mais um bêbado retornando de algum inferninho da cidade.

Dylan ficou ali, sentada com os braços cruzados enquanto escutava Rio gemer, socar algum móvel pesado, xingar em voz alta enquanto suas pernas cediam. Quantas noites o pai dela tinha chegado em casa em situação parecida? Meu Deus, tantas vezes! Ele chegava do bar tão intoxicado a ponto de fazer com que Dylan, sua mãe e seus dois irmãos mais velhos tivessem de carregá-lo para a cama antes que ele caísse e rachasse o próprio crânio. Ela tinha desenvolvido uma forte falta de compaixão pelos homens que deixavam as suas fraquezas possuí-los. No entanto, Dylan tinha de admitir que os ruídos de Rio agora pareciam algo mais que os de um simples bêbado desorientado.

Ela saiu da cama e se dirigiu silenciosamente à porta que ligava os dois aposentos. Com sua orelha pressionada contra a madeira fria, a mulher podia ouvir a respiração agitada de Rio. Ela quase podia imaginá-lo deitado no chão, onde havia caído, incapaz de se mover para enfrentar qualquer que fosse seu problema naquele momento.

– Olá? – ela chamou suavemente. – Hum... Rio, é você?

Silêncio. Óbvio.

Um silêncio que se arrastou, longo e desconfortável.

– Está tudo bem aí dentro?

Ela levou a mão até a maçaneta, mas era impossível de abrir. Trancada, exatamente como havia estado toda a noite.

– Você acha que eu deveria chamar alguém para aju...

– Volte para a cama, Dylan.

A voz era baixa e grave – era a voz de Rio, mas, de alguma forma, muito diferente daquela que ela havia ouvido antes.

– Afaste-se da porta – ele continuou grunhindo com aquela voz estranha. – Eu não preciso de ajuda.

Dylan franziu a testa.

– Eu não acredito no que você está dizendo. Você não parece estar nada bem.

Ela tentou a fechadura novamente. Uma fechadura velha... Talvez ela devesse tentar agitá-la para abrir.

– Dylan! Afaste-se dessa maldita porta!

– Por quê?

– Porque se você ficar aí mais um segundo, eu vou abrir a maldita porta!

Ele expirou bruscamente e, quando voltou a falar, sua voz estava desesperadamente grave:

– Posso sentir o seu cheiro, Dylan, e quero... provar. Eu desejo você. E não sou sensato o suficiente para manter minhas mãos longe de você se você estivesse na minha frente neste exato momento.

Dylan engoliu em seco. Ela deveria estar aterrorizada pelo homem do outro lado da porta. E sim, uma parte dela estava. Não por sua incrível afirmação de ser um vampiro. Não porque ele a tivesse raptado e parecia mantê-la como sua prisioneira, embora em uma jaula de ouro. Estava aterrorizada pela honestidade com a qual ele acabava de dizer que a desejava.

E, por mais que ela quisesse negar, no fundo, descobrir aquilo a fez arder com a simples imaginação do toque das mãos de Rio em seu corpo.

Ela não conseguia falar. Seus pés começaram a mover-se, forçando-a a se afastar da porta. De volta à realidade, ela esperava, pois o que ela tinha acabado de considerar não era apenas irreal, mas também extremamente ridículo. Dylan caminhou lentamente até a cama e sentou-se ali com seus joelhos dobrados diante do peito, com seus braços fortemente apertados em volta das canelas.

Definitivamente seria impossível voltar a dormir naquela noite.

1 Que porcaria é essa?, em alemão. (N. T.)


Capítulo 12

Dylan não esperava que ele fosse a primeira coisa que ela veria em seu quarto quando acordasse na manhã seguinte.

A mulher saiu do banheiro espaçoso da suíte de convidados, secando-se com uma das várias toalhas luxuosas dobradas em uma prateleira no banheiro. Tirou o excesso de água de seus cabelos, e logo vestiu as últimas peças limpas que estavam em sua mochila. A lingerie e a calça corsário estavam amassadas, mas ela também não tentaria impressionar ninguém. Descalça, com os cabelos ainda úmidos grudando em seus braços nus, Dylan abriu a porta do banheiro e caminhou até o quarto.

E lá estava ele.

Rio estava sentado na cadeira próxima à porta, esperando que ela saísse.

Dylan ficou paralisada, assustada por encontrá-lo ali.

– Eu bati na porta – disse ele, uma atitude estranha considerando se tratar de um sequestrador. – Você não respondeu, então entrei para verificar se estava tudo bem.

– Parece que eu devo verificar a mesma coisa com relação a você. – Ela seguiu caminhando com cautela pelo quarto da suíte. Embora não houvesse nenhuma razão para ela se preocupar com o homem que a mantinha contra sua vontade, Dylan ainda estava receosa por conta do que tinha ouvido no outro quarto, algumas horas atrás. – O que aconteceu com você ontem à noite? Parecia que você estava passando mal.

Ele não ofereceu explicação alguma, mas simplesmente a encarou no quarto pouco iluminado. Olhando-o agora, Dylan se perguntava se tinha imaginado tudo aquilo. Rio usava uma camisa acinzentada e calças grafite bem ajustadas. Seus cabelos escuros estavam perfeitamente penteados para trás, e ele parecia descansado e sentindo-se bem. Ainda assim, continuava com seu ar de homem de poucas palavras – embora um pouco menos duro agora. Aliás, parecia ter dormido como um bebê durante toda a noite. Dylan, por outro lado, parecia um animal atropelado depois de passar grande parte da noite acordada, especulando sobre ele.

– Talvez você devesse dizer para os seus colegas arrumarem os ajustes de horário das persianas aqui – disse ela, apontando para alta janela que deveria banhar o quarto com a luz do dia, mas que, em vez disso, bloqueava-a por meio daquelas persianas controladas remotamente. – Eles as abriram durante a noite, e fecharam-nas antes do amanhecer. A funcionalidade não é exatamente uma característica daqui, não é mesmo? A vista é bonita, de qualquer forma, mesmo no escuro. O lago ali atrás é o Wannsee? É um pouco grande demais para ser o Grunewaldsee ou o Teufelssee. E, a julgar pelas antigas árvores que se espalham em volta deste lugar, acredito que estejamos em algum lugar próximo do rio Havel. Acertei?

Não houve reação alguma vinda do outro lado do quarto, exceto por uma expiração lenta enquanto Rio a analisava com olhos soturnos e ilegíveis.

Ele tinha lhe levado o café da manhã. Dylan aproximou-se da mesa almofadada e do sofá requintado no centro da sala, onde havia um prato de porcelana com uma omelete, salsichas, batata assada e pão torrado. Havia também um copo de suco de laranja, café e um guardanapo de linho branco colocado debaixo de um conjunto brilhante de talheres de prata – verdadeira. Ela não pôde resistir ao café e se aproximou para correr o olhar por tudo que ele havia lhe trazido. Colocou dois torrões de açúcar na xícara, e, em seguida, acrescentou a quantidade suficiente de chantili para clarear o café, deixando-o com cor de canela, doce e leitoso – exatamente como ela gostava.

– Sabe, apesar de eu estar encarcerada, tenho que admitir que você e seu povo sem dúvida sabem como tratar bem seus reféns.

– Você não é uma refém, Dylan.

– Não. Talvez prisioneira defina melhor minha condição. Ou a sua espécie, como você costuma dizer, prefere um termo menos óbvio? Detenta, talvez?

– Você não é nenhuma dessas coisas.

– Ah, que ótimo! – ela respondeu com entusiasmo dissimulado. – Então quando eu posso ir pra casa?

Ela realmente não esperava que ele respondesse. Rio se inclinou para trás na cadeira e cruzou as longas pernas, apoiando um tornozelo sobre o joelho oposto. Ele estava pensativo hoje, como se não estivesse muito seguro do que fazer com ela. E ela não deixou passar despercebido o fato de ele ter olhado calorosamente, por assim dizer, para seu corpo, enquanto ela se sentava no sofá e começava a morder a torrada com manteiga. Para não mencionar seu pescoço.

Ela recordou o que ele havia dito algumas horas atrás: “Posso sentir o seu cheiro Dylan, e quero provar. Quero...”.

Ela definitivamente não tinha imaginado aquilo. As palavras ficaram vagando por sua mente, repetidas e repetidas vezes, desde que ele as tinha grunhido pela porta. E, enquanto Rio a olhava tão de perto, com um interesse completamente masculino, Dylan quase não conseguia respirar.

Ela deixou seu olhar cair sobre o prato, subitamente embaraçada.


– Você está me olhando fixamente – ela murmurou. Aquele escrutínio silencioso estava lhe deixando louca.

– Estou apenas me perguntando como uma mulher inteligente como você escolhe o tipo de trabalho que você faz. Não combina com você.

– Meu trabalho parece suficientemente adequado para mim – disse Dylan.

– Não – ele insistiu. – Não tem nada a ver, de forma alguma. Eu li alguns dos artigos em seu notebook, incluindo alguns dos mais antigos. Artigos que não foram escritos para aquela espelunca para a qual você trabalha.

Dylan deu uma golada em seu café, sentindo-se desconfortável com o elogio.

– Aqueles arquivos são confidenciais. Eu realmente não gosto da ideia de você fuçar no meu computador como se ele fosse seu.

– Você escreveu muito sobre um caso de assassinato no norte de Nova York. As matérias que eu li em seu notebook foram escritas alguns anos atrás, mas elas eram boas, Dylan. Você é uma jornalista muito inteligente, seus textos são muito atraentes. São melhores do que pode pensar.

– Meu Deus – murmurou Dylan com dentes apertados. – Eu disse que esses arquivos são confidenciais.

– Sim, você disse. Mas agora eu estou curioso. Por que aquele caso em particular chamou tanto a sua atenção?

Dylan sacudiu a cabeça e recostou o corpo.

– Foi meu primeiro trabalho depois que saí da universidade. Um jovem garoto desapareceu em uma pequena cidade no norte do estado. A polícia não tinha suspeitos ou pistas, mas especulou-se que o pai poderia estar envolvido. Eu queria fazer nome no jornalismo, então comecei a escavar a história do garoto. O pai era um alcoólatra em recuperação, um desses homens que nunca teve emprego fixo.

– Mas era um assassino? – questionou Rio sobriamente.

– Eu acreditava que sim, embora todas as provas fossem circunstanciais. Entretanto, dentro de mim, eu tinha certeza de que ele era o culpado. Eu não gostava dele, e sabia que se procurasse bem, acabaria encontrando algo que provasse sua culpa. Depois de algumas pistas falsas, eu me vi diante da garota que trabalhava como babá dos filhos dele. Quando a entrevistei para minha matéria, ela me disse que tinha visto ferimentos no garoto. Ela disse que o homem batia no filho, que inclusive tinha presenciado uma cena de agressão. – Dylan suspirou. – Eu estava tão impaciente para publicar a matéria que acabei não verificando as fontes.

– E o que aconteceu?

– A babá tinha ido para a cama com o cara e, por conta disso, tinha alguns problemas pessoais com ele e queria se vingar. Ele não era nenhum pai do ano, mas nunca tinha encostado a mão no filho, e jurou que não tinha cometido o crime. Depois que fui demitida do jornal, o caso foi solucionado quando provas de DNA ligaram a morte do garoto a um de seus vizinhos. O pai era inocente, e eu tive de tirar longas férias do jornalismo.

As sobrancelhas escuras de Rio estavam arqueadas quando ele disse:

– E aí você acabou indo escrever sobre pessoas que veem o fantasma de Elvis e abduções alienígenas?

Dylan encolheu os ombros:

– Sim, basicamente. Bem, foi uma ladeira escorregadia.

Ele a encarava outra vez, observando-a com aquele mesmo silêncio pensativo de antes. Ela não conseguia pensar enquanto ele a olhava daquela forma. Aquilo a fazia sentir-se de alguma forma exposta, vulnerável. E Dylan não gostava nem um pouco daquela sensação.

– Partiremos esta noite, como mencionei ontem – ele reforçou, rompendo o silêncio constrangedor. – Jante cedo, se você quiser jantar. Então, quando o sol estiver se pondo, virei prepará-la para a viagem.

Aquilo não soava nada bem.

– Me preparar? Como assim, me preparar?

– Eu não posso permitir que você identifique este lugar, nem o lugar para onde iremos. Por isso, esta noite, antes de sairmos, eu a colocarei em um estado de leve transe.

– Em transe. Como... Hipnotizada? – ela só conseguiu rir. – Caia na real! Esse tipo de coisa não funciona em mim. Sou imune ao poder da sugestão. Pergunte à minha mãe ou ao meu chefe.

– Aqui a situação é diferente. E vai funcionar com você. Já funcionou.

– Do que você está falando? Como assim, já funcionou?

Rio deu de ombros, reticente.

– O quanto você se recorda da viagem de Praga até aqui?

Dylan franziu a testa. A verdade é que ela não se lembrava de muita coisa. Lembrava-se de Rio a colocando na parte traseira do caminhão; em seguida, a escuridão e o veículo entrando em movimento. E, quando acordou, estava muito assustada, exigindo saber para onde ele a estava levando e o que pretendia fazer com ela. Então... mais nada.

– Eu tentei permanecer acordada, mas estava muito cansada – murmurou, tentando recordar pelo menos um minuto do que teriam sido muitas horas de viagem. E não conseguindo se lembrar de nada. – Eu dormi no caminho até aqui. Depois, quando acordei, estava neste quarto...

A leve curva nos lábios de Rio indicava que ele estava satisfeito consigo.

– E você vai dormir de novo desta vez. Tem que ser assim, Dylan. Sinto muito.

Ela queria lançar alguma piada sobre o quão absurda toda aquela situação soava – desde aquela história ridícula de ser um vampiro que ele havia dito ontem, até essa coisa sem noção de transes e viagens para locais secretos. Porém, de repente, tudo aquilo não parecia nada engraçado para ela. Em vez disso, a situação toda parecia extremamente séria.

De repente, tudo pareceu muito real. Real demais.

Ela o olhou sentado ali. Aquele homem, que não se parecia com nenhum outro que ela conhecera. Foi quando algo sussurrou em seu subconsciente, dizendo-lhe que aquilo não era uma brincadeira. Tudo o que ele havia dito era verdade, independentemente de quão inacreditável pudesse parecer.

Dylan desviou o olhar daquele rosto estoico e ilegível. Deslizou seu olhar para os braços fortes que estavam cruzados sobre o enorme peitoral de Rio. As tatuagens que envolviam os bíceps e os antebraços daquele homem agora estavam diferentes da última vez que ela as vira. Mais leves, apenas alguns tons mais acentuados do que aquela pele cor de oliva.

Ontem, a tinta daquelas tatuagens era vermelha e dourada. Dylan estava certa disso.

– O que aconteceu com seus braços? – ela perguntou abruptamente. – Tatuagens não mudam de cor da noite para o dia...

– Não – ele concordou, descendo seu olhar para as imagens agora sutis. – Tatuagens não mudam de cor. Mas dermoglifos, sim.

– Dermoglifos?

– Marcas na pele, de origem natural naqueles que são da Raça. Passam de pai para filho e funcionam como um indicador do estado emocional e físico de um indivíduo.

Rio puxou as mangas curtas de sua camisa, expondo mais do intrincado desenho em sua pele – belos arcos e impressionantes tribais que se espalhavam até seus ombros e desapareciam sob sua roupa.

– Dermoglifos funcionavam como camuflagem para proteger os antepassados da Raça. Os corpos dos Antigos eram cobertos dos pés à cabeça. Cada geração de descendentes da Raça nasce com menos dessas imagens, com glifos menos elaborados. Isso acontece porque as linhagens sanguíneas se misturam com os genes dos Homo sapiens.

A cabeça de Dylan estava girando com tantas dúvidas. Ela simplesmente não sabia o que perguntar primeiro.

– E você espera que eu acredite que você não é apenas um dos mortos-vivos, mas também que os mortos-vivos podem se reproduzir?

Rio riu discretamente.

– Não somos mortos-vivos. A Raça é uma espécie híbrida, de vida longa, que surgiu há milhares de anos neste planeta. Geneticamente, somos parte humanos e parte de outro mundo.

– Outro mundo? – repetiu Dylan, com mais calma do que ela mesma podia acreditar. – Quer dizer... alienígenas? Vamos ser claros aqui, estamos falando de vampiros alienígenas? É isso? É isso que está me dizendo?

Rio assentiu:

– Oito dessas criaturas vieram parar na Terra muito tempo atrás. Eles estupraram e mataram inúmeros humanos. Por fim, as vítimas de alguns desses estupros eram mulheres humanas, que receberam as sementes alienígenas e levaram a termo uma gravidez. Essas mulheres foram as primeiras Companheiras de Raça conhecidas, e de seus úteros surgiu a Primeira Geração da minha espécie, da Raça.

Tudo o que Dylan estava ouvindo beirava o limite da mais pura e delirante insanidade, mas sem dúvida havia sinceridade na voz de Rio. Ele acreditava no que estava dizendo, acreditava piamente. E Rio falava com um tom tão sério que Dylan não conseguiria contrariá-lo.

Isso para não mencionar o fato de ela ter testemunhado pessoalmente o que as marcas na pele de Rio, independente do que elas fossem, tinham sido capazes de fazer. Algo que definitivamente desafiava a lógica.

– Seus dermoglifos hoje estão só um pouco mais escuros do que sua pele.

– Sim.

– Mas ontem eles eram uma mistura de vermelho e dourado. Por quê?

– Porque eu precisava me alimentar – ele explicou, com uma voz bastante sóbria. – Eu precisava desesperadamente de sangue, sangue que tinha de ser tomado diretamente de uma veia humana aberta.

Meu Deus! Ele estava realmente falando sério! Jesus Cristo!

O estômago de Dylan formou um nó.

– E então... Você se alimentou ontem à noite? Está me dizendo que saiu ontem à noite e bebeu o sangue de alguém?

Ele assentiu muito levemente com a cabeça. Havia um tom de remorso em seus olhos, uma espécie de tormento particular que o fazia parecer, ao mesmo tempo, tão letal e vulnerável. Rio estava sentado ali, aparentemente com a intenção de convencê-la de que ele era um monstro, mas nunca tinha visto uma expressão mais assombrada em toda a sua vida.

– Você não tem presas. – Ela apontou, tentando não soar ridícula. Sua mente ainda rejeitava o que ela estava escutando dele. – Vampiros não têm presas?

– Temos, mas elas em geral não são proeminentes. Nossos caninos superiores se alongam com a necessidade de se alimentar, ou em resposta a fortes emoções. O processo é fisiológico, bem parecido com a reação de nossos dermoglifos.

Enquanto ele falava, Dylan observava cuidadosamente aquela boca. Seus dentes eram perfeitos, brancos e fortes, e se escondiam atrás de lábios carnudos e extremamente sensuais. Aquela não parecia ser uma boca selvagem, mas sim uma boca sedutora. E isso provavelmente o tornava ainda mais perigoso. Os lábios bem desenhados de Rio eram do tipo que qualquer mulher acolheria em sua boca, sem suspeitar de que pudessem ser – de que eram – mortais.

– Por causa dos nossos genes extraterrestres, nossa pele e nossos olhos são hipersensíveis à luz do sol – acrescentou com a mesma tranquilidade que demonstraria se estivesse discutindo o clima. – A exposição prolongada à luz ultravioleta é letal para todos os membros da Raça. É por isso que as janelas ficam fechadas durante o dia.

– Ah... – murmurou Dylan, sentindo sua cabeça se mexer como se agora tudo fizesse o mais perfeito sentido. É claro que eles tinham de bloquear a luz ultravioleta. Qualquer idiota sabe que os vampiros são incinerados como uma folha de papel quando expostos ao sol.

Agora que estava pensando nisso, ela se deu conta de que nunca tinha visto Rio sob a luz do dia. Na caverna da montanha, ele estava protegido do sol. Quando a seguiu até Praga, a escuridão da noite era total. Na noite anterior, tinha saído para caçar, mas, obviamente, estava de volta antes do amanhecer.

Se liga, Dylan Alexander. Aquele homem não era um vampiro. Não, mesmo! Tinha de haver alguma explicação melhor para o que estava acontecendo. Só porque Rio soava tranquilo e racional, isso não significava que ele não estivesse completamente louco e delirante. Um louco de pedra. Ele só podia ser um louco de pedra.

E quanto às outras pessoas que viviam ali, naquela propriedade enorme? Será que elas também fantasiavam que eram vampiros, como ele? Será que também acreditavam ser descendentes de uma espécie alienígena alérgica ao sol?

E ali estava ela, a participante involuntária, sequestrada e mantida em um cativeiro contra sua vontade, mas de acordo com a vontade de um homem rico e viciado em sangue que acreditava que ela estava ligada a eles por uma simples marca de nascimento. Inferno! Tudo aquilo realmente soava como uma história feita sob medida para a capa de um jornal sensacionalista. O jornal sensacionalista para o qual ela trabalhava, por exemplo. Inferno!

Mas e se houvesse verdade no que Rio havia dito?

Meu Deus, se houvesse algo real no que ela acabava de ouvir, então, ela estava sentada diante de uma notícia que literalmente mudaria o mundo. Uma notícia que transformaria a realidade de todos os seres humanos do planeta. Um calafrio correu inadvertidamente por sua coluna quando ela considerou o quão importante aquilo poderia ser.

– Tenho um milhão de perguntas – ela murmurou, lançando um olhar que atravessava o quarto e repousava em Rio.

Ele assentiu com a cabeça ao levantar-se da cadeira.

– É compreensível. Eu acabei de lhe dar um monte de informações que você precisa absorver. E você vai ouvir muito mais coisas antes de chegar sua hora de decidir.

– Hora de decidir? – ela perguntou, observando enquanto ele se aproximava da porta para deixar o quarto. – Espere um segundo. O que vou ter que decidir?

– Você terá que decidir se deseja se tornar parte permanente da Raça, ou se prefere voltar para sua antiga vida sem saber absolutamente nada a nosso respeito.


Dylan não tinha comido direito pela manhã e o jantar daquela noite permaneceu intocado. Ela não tinha apetite por comida, mas uma fome insaciável por respostas.

No entanto, ele havia dito para deixar as perguntas para depois. E, quando Rio retornou foi para informá-la de que era hora de partir, Dylan sentiu um golpe repentino de terror.

Uma porta estava se abrindo diante dela, mas era uma porta obscura. Se Dylan olhasse aquela escuridão, será que ela seria consumida?

Haveria alguma forma de voltar atrás?

– Não sei se estou preparada – disse ela, atraída pelo olhar hipnotizante de Rio enquanto ele caminhava para dentro do quarto. – Eu... eu... tenho medo do lugar para onde vamos. Tenho medo do que vou encontrar lá.

Dylan elevou o olhar, repousando-o no belo e trágico rosto de seu sequestrador, e esperou receber algumas palavras de encorajamento – qualquer coisa para lhe dar esperança de que ela sairia bem de tudo isso.

Ele não lhe ofereceu aquelas palavras. No entanto, quando lhe estendeu a mão e colocou a palma em sua testa, o homem tinha um toque suave, incrivelmente quente e macio. Meu Deus, e como aquilo fez Dylan se sentir bem.

– Durma – ele ordenou.

A ordem, dada com um tom firme, chegou à mente de Dylan como o toque suave da seda na pele nua. Ele passou o outro braço em volta dela logo que ela começou a sentir seus joelhos bambearem. Ele a segurava com força, um toque forte, másculo e reconfortante. Ela poderia se deixar entregar àquela força, pensou, mas seus olhos já estavam se fechando.

– Durma agora, Dylan – ele sussurrou uma vez mais em seu ouvido. – Durma.

E ela dormiu.


Capítulo 13

Um dos SUV pretos da Ordem estava esperando dentro de um hangar privado quando o pequeno jato vindo de Berlim pousou em uma pista de aterrissagem empresarial no Logan Airport, em Boston.

Rio e Dylan eram os únicos passageiros a bordo do Gulfstream, um elegante bimotor. A aeronave e seus pilotos eram domínio da Ordem, embora os dois rapazes recebessem seus consideráveis salários em nome de uma empresa excessivamente privada e opulenta que exigia – e recebia – total discrição e completa lealdade.

Os pilotos eram muito bem pagos para sequer arquearem as sobrancelhas enquanto Rio carregava aquela mulher desacordada e em transe para o avião em Berlim, nem quando ele a carregasse nas mesmas condições para fora da aeronave, nove horas mais tarde, em Boston. Com Dylan perfeitamente apoiada em seus braços e com uma bolsa e uma mochila jogadas no ombro, Rio desceu o pequeno lance de escadas até o chão.

Enquanto Rio atravessava os poucos metros que separavam o avião do Range Rover que o esperava no hangar, Dante saiu pela porta do lado do motorista, apoiando o cotovelo na porta aberta. Ele vestia as roupas da patrulha noturna: camiseta de manga longa e coturno. Tudo tão negro quanto os pesados cabelos que lhe caíam até os ombros. Uma pistola semiautomática, também preta, estava no coldre abaixo do braço esquerdo dele. No entanto, eram as duas lâminas de titânio dependuradas em sua cintura que ele nunca deixava para trás ao sair de casa.

Um dos novos membros da Ordem também estava com Dante, carregando uma espingarda. Ex-agente do Refúgio Secreto, Sterling Chase, que também usava as roupas negras de combate, acenou, cumprimentado Rio de dentro do veículo. Chase parecia tão durão quanto qualquer guerreiro. Seus cabelos eram dourados e cortados com navalha, e agora estavam cobertos por uma boina negra. Seus olhos de aço, azuis, estampavam um rosto uniformemente magro. O olhar perspicaz de Chase parecia um pouco mais apático do que Rio vira alguns meses atrás. Agora quase não havia rastros do mais santo burocrata que tinha aparecido no verão passado pedindo ajuda à Ordem. Do burocrata que, logo em seguida, definiu as próprias regras de como esperava que os guerreiros trabalhassem ao seu lado. Dante tinha, de forma não muito afetuosa, passado a chamar o agente de Harvard, um apelido que permaneceu, mesmo depois que Chase deixou sua antiga vida civil e se uniu à Ordem.

– Je-sus! – exclamou Dante, abrindo um largo sorriso enquanto Rio se aproximava com Dylan em seus braços. – Isso sim é ser independente! Cinco meses? Isso é o que eu chamo de férias, cara! – O guerreiro riu ao abrir a porta traseira do SUV e, em seguida, ajudou Rio a acomodar Dylan. Dante fechou a porta, e, então, posicionou-se atrás do volante. Virou o rosto para poder olhar para Rio. – Pelo menos chegou em casa com uma boa lembrancinha, hein?

Rio grunhiu, lançando um olhar para Dylan, que dormia agora no banco traseiro, junto a ele.

– Ela é uma jornalista. E uma Companheira de Raça.

– Eu fiquei sabendo. Todos nós sabemos. Gideon nos contou tudo a respeito de seu encontro com a Lois Lane aí lá em Praga – comentou Dante.

– Não se preocupe, cara. Vamos colocar um ponto-final na reportagem dela e darmos um jeito nas fotos antes que essas coisas se tornem públicas. Quanto a ela, ligações já foram feitas para encontrar um lugar no Refúgio Secreto, se essa for a escolha dela quando tudo isso tiver chegado ao fim. É o melhor que se pode fazer.

Rio não duvidou de uma palavra do que Dante disse, mas não podia deixar de se perguntar qual seria o caminho tomado por Dylan. Se escolhesse o Refúgio Secreto, seria apenas uma questão de tempo até que um homem experiente da Raça a convencesse de que ela precisava dele e de que eles teriam de ser parceiros. E não é difícil saber que ela teria muitos candidatos. Com sua beleza incomum, Dylan seria a chama em volta da qual todos se reuniriam. E Rio rangia os dentes só de pensar que ela seria cortejada por um grupo de sofisticados, interessantes e, na maioria das vezes, inúteis civis.

Mas por que ele devia se importar com o que ela fazia e com quem fazia? Para isso ele não tinha resposta.

Ele não tinha qualquer direito sobre Dylan, exceto pelo objetivo imediato de dar fim ao desastre que a presença dela estava gerando. Ou, melhor dizendo, o desastre que ele tinha causado por envolver-se com sua própria desgraça em vez de explodir aquela maldita caverna, como ele devia ter feito. Ter retornado a Boston só o fazia desejar estar de volta naquela montanha, pressionando o detonador e assistindo enquanto uma tonelada de rochas o prendiam lá dentro – para sempre.

– O que você esteve fazendo lá esse tempo todo? – perguntou Chase, falando casualmente para não despertar suspeitas em Rio. – Você disse a Nikolai que iria fechar a caverna e que depois iria por conta própria para a Espanha. Da forma como ele disse, eu entendi que você deixaria a Ordem. Isso foi há cinco meses e não tivemos mais notícia suas. Até agora, quando você apareceu trazendo péssimas notícias e enormes problemas. Que diabos está acontecendo?

– Calma, cara – disse Dante, lançando um olhar obscuro para o outro banco da frente. Para Rio, ele disse: – Sinta-se à vontade para ignorar Harvard. Ele passou a noite na seca, não conseguiu brincar com sua querida Beretta.

– Não, eu estou falando sério – insistiu Chase, sem mostrar sinais de que estava disposto a desistir. – Estou curioso, é só isso. O que exatamente aconteceu com você por lá desde fevereiro, quando nós o deixamos do lado da montanha com uma bolsa cheia de C-4? Por que você demorou tanto para fazer o maldito trabalho? Por que a mudança de planos?

– Não houve mudança de planos – respondeu Rio, cruzando seu olhar com os olhos interrogadores do guerreiro no banco da frente. Rio não podia se dar o direito de sentir-se ofendido por aquele tom desafiador. Chase tinha todo o direito de questioná-lo. Todos eles tinham esse direito, e não havia muito o que Rio pudesse dizer em sua defesa. Ele tinha deixado sua fraqueza tomar conta dele durante aqueles últimos meses, e agora tinha de corrigir seus erros.

– Eu tinha uma missão para cumprir, e falhei. Simples assim.

– Bem, nós também não estamos livres de cometer erros – Dante apressou-se em dizer. – Desde que encontramos aquela câmara de hibernação naquela cidade perto de Praga, estamos sondando a possível existência de um Antigo. E até agora não encontramos nada. Chase andou fazendo algumas investigações sigilosas nos Refúgios Secretos e na Agência, mas essas fontes também não estão nos reportando nada útil.

No banco do passageiro, Chase fez um gesto de afirmação com a cabeça:

– Não parece possível, mas se o Antigo estiver por aí, o filho da mãe está deitado bem lá embaixo, no subterrâneo.

– E quanto à família da Raça na Alemanha, a família que estava ligada a esse Antigo durante a Idade Média? – perguntou Rio.

– Os Odolf – disse Dante, sacudindo a cabeça. – Não encontramos sobrevivente algum. Os poucos que não se tornaram Renegados acabaram morrendo ao longo dos anos por conta da Sede de Sangue ou por outras causas, se é que você me entende. A linha Odolf parece não existir mais.

– Que droga! – murmurou Rio.

Dante assentiu com a cabeça.

– Isso é tudo o que temos. Uma enorme quantidade de silêncio e becos sem saída. Não estamos a ponto de desistir, mas agora estamos procurando uma agulha em um maldito palheiro.

Rio franziu a testa, considerando as dificuldades em ocultar a existência de criaturas de outro mundo, como aquela que a Ordem buscava agora. Seria extremamente difícil não notar um vampiro de mais de dois metros de altura, sem cabelo, coberto por dermoglifos e com uma sede insaciável de sangue. Mesmo no meio da escória selvagem da sociedade da Raça, um Antigo chamaria a atenção.

O único motivo pelo qual a câmara de hibernação passou despercebida por tanto tempo era o fato de ela estar abrigada em uma montanha remota no interior da República Tcheca. Alguém tinha libertado o Antigo daquela cripta oculta, mas a Ordem não tinha como saber quando, nem como, nem sequer se a criatura sedenta por sangue tinha sobrevivido ao despertar.

Com sorte, aquela maldita criatura estaria morta há muito tempo.

A alternativa era o cenário que ninguém – nem a Raça, nem os humanos – poderia querer imaginar.

Dante limpou a garganta durante o longo silêncio. Então, adotou um tom sério ao dizer:

– Escute, Rio. Seja lá o que você andou fazendo durante esses últimos meses em que desapareceu sem deixar notícia, é bom tê-lo de novo em Boston. Estamos todos contentes por você ter voltado.

Rio assentiu duramente ao olhar diretamente nos olhos do guerreiro. Não fazia sentido dizer a Dante ou a qualquer outro deles que seu retorno era apenas temporário. A última coisa de que a Ordem precisava era alguém irresponsável como ele. Não restava dúvida de que eles já tinham discutido aquele assunto quando Gideon os alertou sobre o retorno de Rio.

Dante olhou para os olhos de Rio pelo retrovisor.

– Está preparado, amigo?

– Sim – respondeu Rio. – Estou mais do que preparado.


O estalar metálico da porta se fechando ecoou como um disparo de uma arma em um túnel de paredes ásperas de granito. A porta era velha, a madeira tão escura quanto piche e tão antiga quanto a pedra que tinha sido extraída da terra para criar o longo túnel e a câmara fechada escondida em seu final.

Mas era aqui que o primitivismo do local terminava.

Atrás daquelas pedras, madeira e fechaduras de ferro bruto estava um laboratório equipado com a mais moderna tecnologia. Um laboratório que tinha sido desenvolvido ao longo dos anos, empregando o melhor da ciência e da robótica que o dinheiro podia comprar. A equipe de humanos que operava a instalação tinha sido reunida a partir de alguns dos institutos de Biologia mais avançados do país. Eles agora eram Anfitriões com mentes escravizadas e lealdade incondicional garantida.

Tudo por um propósito.

Um único indivíduo, diferente de todos que existiam no mundo. Esse indivíduo esperava no final do corredor, atrás da segurança de quatro travas eletrônicas presas a uma porta de aço. Lá dentro havia uma cela construída especialmente para prender um homem que não era, de forma alguma, um homem. Tampouco era um vampiro. Era uma criatura alienígena de um planeta muito diferente do que habitava agora.

Era um Antigo. O único antepassado restante da raça híbrida agora conhecida como Raça. Há muitos milhares de anos, ele era mais poderoso do que qualquer exército de seres humanos, mesmo no estado em que era mantido agora, um estado gerenciado de semi-inanição. A fome o deixava enfraquecido, conforme esperado, mas também o irritava. E a fúria sempre era um fator considerável quando o assunto era controlar uma criatura poderosa como aquela, que agora levantava sua cabeça sem cabelos e impregnada de glifos dentro da cela.

As grades de luz ultravioleta altamente concentrada eram presas na cela em equipamentos de duas polegadas e eram mais eficazes do que aço. O Antigo não as testaria; já o tinha feito anos atrás e quase perdera o braço direito por conta das queimaduras resultantes. A criatura usava uma máscara para se manter calma e proteger os olhos da intensidade dos raios ultravioleta da prisão. Estava despido, pois não havia necessidade de pudor aqui, e porque era fundamental que seu cuidador pudesse controlar até mesmo as mais sutis alterações nos dermoglifos que cobriam cada centímetro daquela pele alienígena.

Quanto aos freios robóticos no pescoço, nos membros e no torso da criatura, eles estavam preparados para extrair os diversos fluidos diários e os tecidos que fossem necessários.

– Olá, vovô – disse com uma voz arrastada o responsável pela prisão do Antigo durante os últimos cinquenta e tantos anos. Ele mesmo era bastante idoso para os padrões humanos. Teria facilmente quatrocentos anos, se fosse contar. Mas ele já não contava, e não dava a mínima para isso. Como um membro da Raça, tinha de estar no auge da juventude. Por ter sido capaz de manter o Antigo mantido em segredo, e com êxito, sob seu controle durante todo este tempo, sentia-se um Deus.

– Resultados dos testes de ontem, Mestre.

Um dos seres humanos que o serviam entregou-lhe um arquivo com informações. Eles não o chamavam por seu nome. Ninguém o chamava pelo nome. Não havia alguém por ali que soubesse quem ele realmente era. Sabia-se, todavia, que ele era filho de Dragos, cujo pai era um dos homens da Primeira Geração da Raça (exatamente o filho daquela criatura aprisionada naquela cela subterrânea com raios ultravioleta). Ele tinha nascido em segredo e sido criado por estranhos.

Foram necessários muitos anos para que compreendesse o propósito de tudo aquilo. E ainda mais tempo para colocar suas mãos no prêmio que o elevaria à grandeza.

– Descansou bem? – ele perguntou ao prisioneiro enquanto fechava o arquivo com os resultados dos exames.

A criatura não respondeu, mas apenas empurrou os lábios para trás e deixou o ar passar com dificuldade por suas enormes presas.

A criatura tinha deixado de falar havia aproximadamente uma década. O cuidador não sabia se aquilo era resultado da loucura, da cólera, ou da derrota. Tampouco se preocupava em saber. Não havia sentimento de amor entre eles. O Antigo, apesar de ser um membro da família, era essencialmente o meio para se chegar a um fim.

– Vamos começar agora – disse o cuidador a seu prisioneiro.

Em seguida, ele digitou um código no computador que comandava os circuitos integrados da cela para dar início às extrações. Os testes eram dolorosos, abundantes e demorados... Todos, contudo, necessários. Fluidos corporais e amostras de tecido eram colhidos. Até agora, os experimentos tinham resultado em poucos sucessos. Mas havia uma promessa ali, e isso era o suficiente.

Quando a última amostra foi recolhida e catalogada, o Antigo adormeceu, cansado, dentro da cela. Seu enorme corpo estremeceu e teve espasmos enquanto sua fisiologia avançada trabalhava para curar os danos causados durante o procedimento.

– Só falta um procedimento que temos de completar – disse o cuidador.

E era este último teste que seria o mais crucial para o vampiro que se recuperava atrás das barras de luz ultravioleta da célula.

Presa dentro de outra cela – uma cela mais rudimentar – estava uma mulher humana sedada, recentemente capturada nas ruas. Ela também estava nua. Seus cabelos, tingidos de um preto em estilo gótico, haviam sido cortados para deixar seu pescoço mais exposto. Seus olhos estavam desfocados; sua pupila, dilatada por conta das drogas injetadas em seu corpo momentos atrás.

Ela não gritou e não lutou enquanto era conduzida para fora de seu confinamento por dois Agentes e levada à área principal do laboratório. Seus pequenos seios se agitavam a cada passo instável que ela dava. Sua cabeça estava inclinada sobre um ombro, revelando a pequena marca de nascimento – uma lágrima e uma lua crescente – que levava abaixo do queixo. Seus pés descalços moviam-se apaticamente enquanto ela era colocada em uma cadeira automatizada que a levaria para dentro da barreira ultravioleta, diretamente ao centro da cela do Antigo.

Ela quase nem estremeceu quando a cadeira foi inclinada para trás, deixando-a posicionada para o que estava por vir. Dentro da cela, as amarras do enorme macho se afrouxaram ligeiramente, liberando-o o suficiente para mover-se sobre ela como o predador que ele era.

– Você vai se alimentar dela agora – disse o cuidador. – E em breve vai reproduzir com ela.

 

 

                                       CONTINUA