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Midnight Breed
Midnight Breed

                                                                                                                                              

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 19

- Agradável - exalou Niko fazendo uma tensa careta. Sentia-se tudo menos agradável enquanto fechava a porta do banheiro e caminhava para o quarto.

Ficar a sós com Renata enquanto ela estava nua na banheira, tocando-a – beijando-a, pelo amor de Deus! -, tinha deixado todo o seu corpo sobrecarregado. E estava tão perturbado que sua feroz ereção era a menor de suas preocupações enquanto ele se aproximava da porta onde Jack golpeava de novo. Uma coisa era fingir que não havia um pau de barraca ereto em suas calças. Outra, era esperar que alguém não notasse que seus olhos estavam ardendo em brasa como carvões queimando e que seus caninos estavam tão estendidos a ponto de envergonhar um rottweiller.

Ao menos a folgada camisa cobria-lhe os glifos. Niko não precisava ver seu corpo para saber que as marcas de sua pele estavam vivas e pulsando com as profundas cores por causa da excitação. Seria terrivelmente difícil tentar fazê-las passar por tatuagens agora.

Nikolai olhou à porta e se forçou a relaxar e se acalmar. Tinha que eliminar o fogo de sua íris e a significativa luxúria que o toque de Renata tinha-lhe despertado. Concentrou-se em amenizar o pulso – uma luta atroz quando era seu pênis quem comandava sua circulação sanguínea.

- Olá? - disse uma saudação arrastada do lado de fora. Jack golpeou de novo, a sombra escura de sua cabeça movendo-se ao outro lado da cortina na janela da porta. Parecia consciente em manter sua voz a um nível discreto. - Renata, é você, querida? Está acordada?

Inferno. Não havia escolha senão deixá-lo entrar. Nikolai grunhiu em voz baixa enquanto estirava o braço para puxar o ferrolho. Tinha garantido a Renata que seria agradável com o homem, mas as coisas podiam mudar logo que abrisse a maldita porta. E se o humano emitisse uma ligeira suspeita, logo faria parte da lista de pessoas que já tinham passado por uma lavagem cerebral.

Niko destrancou a porta e virou o trinco. Recuou do fio de luz que se vertia no interior pela abertura e posicionou-se atrás da porta enquanto a abria.

- Renata? Posso entrar um minuto? - botas de cowboy marrons avançaram sobre a soleira. - Pensei em visitá-la esta manhã antes de ocupar-me com os garotos na casa.

Quando o humano entrou vestindo um par de jeans desgastado e uma camiseta de algodão branco, Nikolai fechou a porta para selar o sol da manhã. Avaliou o homem mais velho, olhando o rosto enrugado, os ardilosos olhos e o estilo militar de sua roupa. Era um homem grande, magro e com as pernas ligeiramente tortas, mas seus braços tatuados estavam bronzeados e ainda firmes com músculos o suficiente para indicar que mesmo velho ele não temia o trabalho duro.

- Você deve ser o Jack - disse Nikolai, tomando cuidado para falar de maneira que mantivesse suas presas ocultas atrás dos lábios.

- Correto. - Um ligeiro assentimento enquanto Niko era objeto de uma avaliação similar a que fizera antes. - E você é o amigo da Renata... Ela, ah, não me disse seu nome ontem à noite.

Aparentemente o brilho âmbar tinha desaparecido das íris azuis de Niko, já que ele duvidava que Jack lhe apertaria a mão como fazia nesse momento se visse um par de olhos de outro mundo que brilhavam como centelhas em uma lareira.

- Nick - disse, apenas se aproximando da verdade por ora. Apertou a mão brevemente do antigo soldado. - Obrigado por nos ajudar.

Jack assentiu.

- Seu aspecto está melhor esta manhã, Nick. Alegra-me vê-lo de pé, andando por aí. Como está Renata?

- Bem. Está no banheiro tomando banho.

Não viu razão alguma para expor a infecção. Não tinha sentido preocupar o bem-intencionado Jack a ponto de começar a falar sobre médicos ou idas ao hospital. Embora se apoiando no que Nikolai tinha visto da ferida de Renata, se seu processo de cura não obtivesse um sério avanço – e rápido - não haveria alternativa exceto uma visita à sala de emergência mais próxima.

- Não quero perguntar como ela terminou com uma bala no ombro - disse Jack, olhando de perto Nikolai. - Pela forma como vocês estavam ontem à noite e pelo fato de ter tido que desaparecer com um caminhão roubado cheio de produtos médicos, eu diria que, seja qual for, o problema está relacionado a drogas. Mas sei que Renata é mais inteligente que isso. Não acredito nem por um momento que ela se envolveria em algo como drogas. Ela não quis me dizer nada, e prometi não pressioná-la. Sou um homem de palavra.

Niko sustentou o olhar do velho homem.

- Estou seguro de que ela aprecia isso. Ambos apreciamos.

- Sim - disse Jack arrastando as palavras, seus duros olhos estreitando-se. - Mas tenho curiosidade sobre algo. Ela sumiu durante os últimos anos... Você teve algo a ver com isso?

Aquilo não foi pronunciado como uma acusação aberta, mas era óbvio que o homem tinha estado preocupado com Renata e também tinha sentido que sua longa ausência não fora necessariamente boa para ela. Cara, se ele soubesse o que ela tinha passado! A ferida de bala que tinha agora era apenas a cereja do que tinha sido um bolo muito, muito desagradável.

Nikolai agitou a cabeça.

- Só conheço Renata há alguns dias, mas posso dizer que você tem razão quando diz que ela é muito inteligente para cair em problemas com drogas. Esse não é o problema agora, Jack. Mas ela está em perigo. A única razão pela qual estou aqui é porque ela arriscou o próprio pescoço para me tirar de um monte de problemas ontem.

- Isso é bem a cara de Renata - disse Jack com uma expressão perdida entre o orgulho e a preocupação.

- Infelizmente, porque ela entrou para me ajudar, agora há um alvo em nossas costas.

Jack grunhiu enquanto escutava, juntando as enxutas sobrancelhas.

- Ela disse como nos conhecemos?

- Alguma coisa - disse Niko. - Sei que confia em você e que o respeita. Presumo que esteve aqui para ajudá-la uma ou duas vezes antes de agora.

- Tentei, melhor dizendo. Renata nunca quis ajuda de mim ou de ninguém mais. Não para si. Mas havia muitos outros meninos que ela trouxe para minha casa em busca de ajuda. Ela não podia ver alguém sofrer. Demônios, ela não era muito mais que uma menina na primeira vez que veio. Sempre guardava para si mesma os maiores pesos, uma verdadeira solitária. Ela não tem família, já sabe.

Nikolai agitou a cabeça mais uma vez.

- Não, não sabia disso.

- As irmãs de um orfanato a criaram nos primeiros 12 anos de sua vida. A mãe dela a abandonou na igreja quando Renata era apenas um bebê. Ela nunca soube nada de seus pais. Quando fez 15 anos, deixou as freiras para viver nas ruas. Sozinha.

Jack caminhou para um arquivo metálico que permanecia com algumas das outras coisas armazenadas no apartamento. Pegou um molho de chaves do bolso do jeans e enfiou uma delas na fechadura.

- Sim, senhor, Renata era difícil, desde o começo. Magra, cautelosa, ela parecia alguém que sequer podia manter-se de pé durante uma forte brisa, mas essa garota tinha nervos de aço. Não levava desaforo algum.

- Não mudou muito - disse Nikolai, olhando o homem abrir a gaveta do fundo. - Nunca conheci uma mulher como Renata.

Jack olhou por cima dele e sorriu.

- Ela é especial, não é mesmo? Teimosa também. Uns poucos meses antes da última vez que a vi, ela estava com o rosto cheio de hematomas. Aparentemente algum bêbado com quem cruzou na saída de um bar teve a ideia de querer um pouco de companhia durante a noite. Viu Renata e tentou levá-la para um passeio em seu carro. Ela lutou com ele, mas ganhou alguns socos antes de conseguir escapar.

Nikolai amaldiçoou em voz baixa.

- O filho da mãe deveria ter sido estripado por colocar as mãos em uma mulher indefesa.

- Isso foi o que pensei - disse Jack, mortalmente sério, o soldado protetor falando uma vez mais.

Relaxou e retirou uma caixa de madeira polida do arquivo.

- Ensinei uns golpes básicos de autodefesa a ela. Ofereci enviá-la a algumas aulas, mas é óbvio que ela rechaçou. Umas poucas semanas se passaram e ela voltou de novo, trazendo outro menino sem lar. Disse que tinha algo para ela – um presente especial que eu havia feito para ela. Juro por Deus, se você tivesse visto seu rosto, pensaria que ela preferiria se jogar na frente de um carro a ter que aceitar alguma amabilidade de alguém.

Nikolai não tinha que se esforçar para imaginar aquele olhar. Ele mesmo o tinha visto uma ou duas vezes desde que conhecera Renata.

- Qual foi seu presente para ela?

O velho deu de ombros.

- Não muito, realmente. Um velho jogo de adagas. Levei-as ao artesão que trabalhava com metais e pedi para customizar as lâminas. Cada uma das quatro com parte da força que vi em Renata. Disse que eram as qualidades que a faziam única e resolveriam qualquer situação.

- Fé, coragem, honra e sacrifício - disse Nikolai, recordando as palavras que tinha visto nas adagas que Renata parecia guardar como um tesouro.

- Ela lhe contou sobre as adagas?

Niko deu de ombros.

- Eu a vi usando-as. Significam muito para ela, Jack.

- Não sabia - respondeu. - Fiquei surpreso por ela as ter aceitado de primeira, mas não pensei que ainda as guardasse depois de todo esse tempo.

Piscou rapidamente, depois se entreteve com a caixa que tinha tirado do arquivo. Abriu a tampa, e Niko captou o brilho do escuro metal descansando dentro do estojo. Jack limpou a garganta.

- Escuta, como disse antes, não vou pressionar para que me dê detalhes daquilo em que estão envolvidos. Está suficientemente claro que estão em um grande apuro. Podem ficar aqui o tempo que precisar. E quando estiverem preparados para ir, saibam que não precisa ser com as mãos vazias.

Colocou a caixa aberta no chão e empurrou na direção de Nikolai. Dentro havia duas imaculadas pistolas semiautomáticas e uma caixa de balas.

- São suas, se quiser. Não farei perguntas.

Niko agarrou umas das duas 45 mm e a inspecionou com um olhar crítico. Era um belo e bem cuidado Colt M1911. Provavelmente armas de uso militar da época em que Jack servira no Vietnã.

- Obrigado, Jack.

O velho guerreiro humano assentiu ligeiramente.

- Tome conta dela. Mantenha-a protegida.

Nikolai sustentou esse firme olhar.

- Farei isso.

- Está bem - Jack murmurou. - Está bem, então.

Enquanto começava a levantar-se, alguém gritou seu nome no caminho de entrada. Um segundo mais tarde, ouviam-se pisadas nas escadas de madeira que levavam ao apartamento da garagem.

Niko lançou a Jack um afiado olhar.

- Alguém sabe que estamos aqui?

- Não. De modo algum. É só Curtis, um de meus meninos recentes. Está arrumando meu velho computador. Os malditos vírus atacaram de novo – Jack se dirigiu para a porta. - Ele acha que estou procurando um disco rígido aqui dentro. Vou dispensá-lo. Enquanto isso, se pensar em algo mais de que possam precisar, basta pedir.

- Tem um telefone? - perguntou Niko, devolvendo a pistola à caixa.

Jack colocou a mão em seu bolso dianteiro e tirou um celular, jogando-o para Nikolai.

- Deve ter algumas horas de bateria. É seu.

- Obrigado.

- Virei mais tarde - Jack segurou o trinco da porta e Nikolai voltou para as sombras, longe do reflexo da luz diurna enquanto fazia um esforço para ficar fora da visão do indesejado visitante que tinha chegado no alto das escadas.

- Bem, eu estava enganado, Curtis. Olhei todos os lugares e não há nenhum disco rígido nas caixas daqui de cima.

Niko viu a cabeça do outro humano tentando olhar pelo fio da porta enquanto Jack a fechava firmemente atrás dele. Houve uma multidão de passos enquanto Jack escoltava o outro humano para longe.

Uma vez que estava seguro de que eles tinham partido, Nikolai discou um número de acesso remoto que era mantido pelos quartéis centrais da Ordem em Boston. Teclou no celular de Jack um número e um código que o identificaria para Gideon, e então esperou que a chamada fosse atendida.

O meio-dia em uma comunidade que abrigava um grupo de vampiros era geralmente uma hora de inatividade, mas nenhum dos sete guerreiros reunidos na sala de armas dos quartéis centrais da Ordem pareceu notar a hora, nem sequer os suficientemente abençoados que tinham suas encantadoras Companheiras de Raça esquentando suas camas. Desde que se reagruparam na comunidade antes do amanhecer, os guerreiros se mantiveram ocupados revisando as situações de missões atuais e marcando objetivos para a noite que se aproximava. Investigaram os assuntos da Ordem durante horas e, ao final, não havia nada novo. E dessa vez não havia também nada das habituais conversas de bom humor ou brincadeiras sobre quem estava pegando as melhores missões.

Nesse momento, a alguns metros de distância, na área usada para prática de tiro, cinco pistolas estavam sendo disparadas, uma atrás da outra, os olhos do outro lado trituravam minúsculos confetes. A sala de tiro da comunidade era usada mais para entretenimento do que para necessidade, posto que todos os guerreiros matavam seus alvos. Mesmo assim, nunca paravam de se provocar e de chutar os traseiros uns dos outros só para manter as coisas vívidas.

Não havia isso hoje. Apenas o som de todo aquele ruído ensurdecedor. O ruído era estranhamente cômodo só porque ajudava a mascarar o silêncio, e o fato de a comunidade toda estar vibrando com um atual mal-estar. Durante as últimas 36 horas, o comportamento tinha sido mais sóbrio, envolto no coletivo, se não talvez inexpressivo, terror.

Um dos seus tinha desaparecido.

Nikolai sempre tendeu a ser um pouco inconformista, mas não significava que o homem fosse de pouca confiança. Se dizia que ia fazer algo - ou que estaria em algum lugar -, podiam contar com ele para seguir adiante. Em qualquer momento, sem exceções.

E agora, quando deveria ter voltado para Montreal fazia um dia e meio, como tinha planejado, Niko estava apagado e fora de contato.

Nada bom, pensou Lucan, sentindo que não era o único com essa sensação enquanto olhava os outros guerreiros que também esperavam notícias de Nikolai e se perguntavam o que poderia ter acontecido.

Como Primeira Geração da Raça e fundador da Ordem na Idade Média, Lucan era o líder daquele grupo de vampiros guerreiros da era moderna. Sua palavra era lei naquela comunidade. Em tempos de crise – para melhor ou pior - era sua resposta que estabelecia a voz para os outros guerreiros. Estava bem condicionado a não mostrar preocupação ou dúvida, uma destreza que vinha naturalmente de sua parte virtualmente imortal, um poderoso predador que tinha caminhado por esta Terra durante 900 anos.

Mas a parte humana, a parte que tinha chegado a apreciar mais a vida por ter conhecido sua Companheira de Raça, Gabrielle, no verão passado, não podia fingir que a perda potencial de um guerreiro nessa guerra privada dentro da nação vampírica não seria algo catastrófico. Sem falar do fato de que os guerreiros da Ordem, os que tinham estado com ele desde o começo e os membros mais recentes, que tinham se unido à luta no último ano, eram quase uma família para ele. Tudo tinha mudado tanto nesse tempo. Agora também havia várias mulheres vivendo na comunidade, e para um dos guerreiros e sua companheira - Dante e Tess -, havia um bebê à caminho.

Agora, as apostas eram mais altas que qualquer outra para a Ordem; assim que um inimigo era derrotado, outro ainda mais poderoso surgia em seu lugar. Em um ano, a principal missão dos guerreiros tinha sido caçar os Renegados, em um esforço para manter a paz, perseguir um perigoso inimigo que tinha se escondido por muitas longas décadas. Um inimigo que tinha estado pacientemente construindo sua estratégia enquanto ocultava um segredo mortal e esperava a oportunidade de levá-lo a cabo. Se tivesse êxito, não estariam só as populações da Raça em perigo, mas também toda a humanidade.

Não custou muito a Lucan recordar a selvageria dos velhos tempos, quando a noite era dominada por um monte de criaturas de outro mundo, sedentas. Criaturas que tratavam em ampla escala de terror e morte. Alimentavam-se como bestas e causavam destruição como os malfeitores mais letais. Lucan havia feito de sua vida uma missão de erradicar aquelas bestas, mesmo que isso significasse caçar seu próprio pai.

A Ordem tinha declarado a guerra, havia brandido espadas e batalhado para exterminar a todos... ou pelo menos assim eles acreditavam. A ideia de que alguém tivesse sobrevivido causou um profundo frio nos imortais ossos de Lucan.

Olhou os guerreiros que serviam junto a ele e não pôde evitar sentir algo de sua idade. Não pôde evitar sentir que tinham enfrentado uma prova no ano passado - possivelmente sua primeira e verdadeira prova desde a formação da Ordem - e que o pior estava por vir.

Perdido em escuros pensamentos enquanto perambulava pela parte traseira da sala de armas, Lucan não se deu conta de que as portas da área de treinamento estavam sendo abertas até que Gideon irrompesse a toda pressa. O tênis do vampiro loiro deslizou sobre o mármore branco até parar diante de Lucan.

- Niko fez contato - anunciou, visivelmente aliviado. – Identificou-se de um celular de Montreal.

- Finalmente - disse Lucan, embora sua resposta não disfarçasse sua preocupação. – Está com ele na linha?

Gideon assentiu.

- Está esperando no laboratório tecnológico. Pensei que queria falar com ele pessoalmente.

- Fez bem.

Os disparos cessaram abruptamente quando um dos outros guerreiros, o outro único membro Primeira Geração da Ordem, Tegan, corria para dar as notícias sobre o contato de Niko aos cinco homens que treinavam. Os guerreiros - Dante e Rio, membros há muito tempo; Chase, que tinha deixado a Agência para unir-se à Ordem naquele verão; e os dois recrutas mais recentes, Kade e Brock, ambos trazidos por Niko - abaixaram as armas e avançaram atrás de Tegan, formando um nó de músculos e testosterona.

Rio, um dos guerreiros mais ligados a Nikolai, foi o primeiro a falar. Seu rosto cicatrizado estava cheio de preocupação.

- O que aconteceu?

- Ele me deu a versão resumida - disse Gideon. - Mas a porcaria é grande e fedorenta, começando com o assassinato de Sergei Yakut há duas noites.

- Maldito seja - murmurou Brock, arrastando seus escuros dedos pelo cabelo estilizado.

- Essa onda de assassinatos dos Primeira Geração está saindo do nosso controle.

- Bom - acrescentou Gideon. - Isso não é exatamente o pior. Niko foi detido pelo assassinato e levado às instalações da Agência de Imposição.

- Ah! Inferno! - respondeu Kade, estreitando seus pálidos olhos. –Você não acha que ele...

- De maneira alguma - disse Dante, sem pestanejar um segundo. - Duvido que derramasse uma só lágrima por uma escória como Yakut, mas Nikolai não tomaria parte em sua morte.

Gideon agitou sua cabeça.

- Não. E não foi trabalho de um assassino, tampouco. Niko diz que o próprio filho de Yakut levou um Renegado para matar seu pai. Infelizmente para Nikolai, o filho de Yakut tem algum tipo de aliança com a Agência. Eles arrastaram Niko e o jogaram dentro de uma sala de contenção.

- Que merda é essa? - dessa vez era Sterling Chase quem falava. Sendo um antigo agente, ele estava ciente tanto quanto qualquer um dos guerreiros na sala do quão desagradável uma visita à Agência podia ser.

- Já que estava suficientemente consciente para telefonar, assumo que não está mais preso lá.

- Escapou de algum jeito - disse Gideon. - Mas não tenho todos os detalhes ainda. Posso dizer que há uma mulher na jogada, uma Companheira de Raça que era membro da casa de Yakut. Ela está com Niko agora.

Lucan não comentou essa problemática informação de última hora, embora sua sombria expressão provavelmente dissesse tudo.

- Onde eles estão?

- Em alguma parte da cidade - respondeu Gideon. - Niko não tem certeza sobre a localização exata, mas diz que estão seguros por agora. No entanto, estão preparados para o verdadeiro golpe?

Lucan arqueou uma sobrancelha.

- Pelo amor de Deus. Há algo mais?

- Temo que sim. O cara que atirou no traseiro de Niko na sala de contenção e pessoalmente fiscalizou sua tortura... bem, aparentemente, durante um de seus momentos mais expressivos o filho da mãe admitiu ter uma ligação com Dragos.


Capítulo 20

Nikolai estava no meio de uma conversa no celular quando Renata saiu de seu longo e bem-vindo banho. Ela evidentemente tinha adormecido na banheira em algum momento, porque a última coisa de que se lembrava era de ter escutado a voz de Jack na porta do quarto depois de Nikolai ir conhecê-lo, e agora já não havia mais nenhum sinal do ex-marinheiro. Deteve-se dentro do quarto, com os cabelos úmidos grudando no pescoço e o corpo envolto na toalha que Nikolai lhe havia dado.

Estava aturdida e dolorida, muito quente ainda, mas o banho com água fria era exatamente do que necessitava. O beijo de Nikolai tampouco tinha sido mal.

Falando baixo, em um tom confidencial, ele a olhou de onde estava, sentado em uma cadeira dobrável perto de uma mesa no centro da sala, seus olhos azul-claro fazendo uma rápida, porém completa exploração do corpo de Renata. Havia um calor inconfundível naquele breve olhar, mas ele parecia falar de negócios ao telefone, o que fazia presumir que só podia estar falando com a Ordem, em Boston. Renata escutou enquanto o guerreiro fez um resumo eficiente das circunstâncias do assassinato de Yakut, da clara aliança entre Lex e Fabien, do desaparecimento de Mira e da fuga que tinha trazido Nikolai e Renata para a casa de Jack.

Pelo tom daquela conversa, o homem do outro lado da linha - Lucan, ela tinha escutado Nikolai chamá-lo - estava preocupado com sua segurança e alegre que ambos estivessem inteiros, e não gostou nem um pouco de saber que estavam completamente à mercê de um humano. E Lucan não estava entusiasmado com o fato de que Nikolai estivesse falando em ajudar Renata a localizar Mira. Ela podia escutar a voz profunda ao final da outra linha grunhindo sobre “problemas de Companheiras de Raça” e objetivos da missão atual - como se uns excluíssem os outros.

A maldição como resposta quando Nikolai acrescentou que Renata estava se curando de uma ferida de bala era audível através de todo o quarto.

- Ela é forte–Niko disse para Lucan enquanto olhava para Renata. - Mas levou um forte golpe no ombro e não está muito bem. Seria uma boa ideia arranjar alguém para vir pegá-la e levá-la para a Ordem até que tudo se acalme por aqui.

Renata olhou com desaprovação e deu uma sacudida de cabeça. Grande engano. Até mesmo aquele pequeno gesto fez a visão dela fraquejar, e foi só o que pode fazer antes de cair sobre a cama quando suas pernas lhe faltaram. Deixou-se desabar sobre o colchão, lutando contra um círculo vicioso de ondas de calor e frio.

Tentou ocultar de Nikolai seu estado deplorável, mas o olhar que ele deu disse-lhe que seria inútil continuar tentando esconder seu mau estado.

- Gideon ainda não tem nada de Fabien? - perguntou, levantando-se para passear pelo quarto. Escutou por um minuto, depois exalou um suspiro. - Inferno! Não posso dizer que isso me surpreende. Ele tinha um maldito ar de político, então imaginei que o bastardo tivesse boas conexões. O que mais temos?

Renata conteve a respiração no silêncio que se estendeu. Podia ver que as notícias do outro lado da linha não eram boas.

Nikolai deixou escapar um profundo suspiro e, então, passou a mão pelos cabelos loiros.

- Quanto tempo acredita que Gideon vai demorar para pesquisar nos arquivos protegidos e conseguir seu endereço? Inferno, Lucan, não estou seguro de que devêssemos esperar tanto tempo, levando em conta... Sim, estou ouvindo. Talvez, enquanto Gideon faz esse trabalho, eu faça uma visita a Alexei Yakut. Poderia apostar meu testículo esquerdo que Lex sabe onde encontrar Fabien. Diabos, não me resta dúvidas de que Lex esteve lá mais de uma vez. Eu ficaria feliz em obter essa informação, depois enfrentarei Fabien pessoalmente.

Nikolai escutou por um momento antes de grunhir uma maldição em voz baixa.

- Sim, claro, eu sei... por mais que queira fazer esse filho da mãe pagar, você tem razão. Não podemos nos arriscar a assustar Fabien antes de ter uma sólida informação sobre sua ligação com Dragos.

Renata olhou a tempo de perceber o olhar sombrio de Nikolai. Ela esperou que ele acrescentasse que nada era mais importante do que garantir a segurança de Mira e rastrear o vampiro que a mantinha. Ela esperou, mas essas palavras nunca atravessaram os lábios do guerreiro da Ordem.

- Sim - murmurou. - Ligue quando souber de algo. Vou sair esta noite e ver se descubro algo útil. Manterei contato.

Niko terminou a chamada e deixou o celular sobre a mesa. Renata o olhou enquanto ele se aproximava da cama e se agachava na frente dela.

- Como se sente?

Estendeu a mão como se fosse checar o ombro, talvez simplesmente acariciá-la, mas Renata distanciou-se. Não podia sentar-se ali e agir como se não estivesse nem um pouco confusa naquele momento. Sentia-se traída e ridícula por ter pensado que podia contar com ele em primeiro lugar.

- A água fria ajudou a baixar a febre? - perguntou, com a testa franzida. - Ainda está pálida e trêmula. Venha, deixe-me dar uma olhada.

- Não preciso de sua preocupação - disse. - E tampouco preciso de sua ajuda. Esqueça que a pedi. Só... esqueça tudo. Eu não gostaria que meus problemas interferissem em nenhum dos objetivos de sua atual missão.

Niko olhou-a ainda mais tenso.

- Do que está falando?

- Tenho minhas prioridades, e você claramente tem as suas. Deixou claro que seu companheiro Lucan tem a última palavra.

- Lucan é um de meus irmãos de armas. Além disso, ele é o líder da Ordem, portanto, sim, tem o direito de ter a última palavra quando se trata de assuntos da Ordem. - Nikolai ficou de pé, cruzando os braços fortes sobre o peito bem-definido. - Algo grande está por vir, Renata. O assassinato de Yakut foi somente uma pequena parte disso, e não foi o primeiro. Houve vários assassinatos de Primeiras Gerações nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Alguém vem matando os mais velhos e poderosos membros da Raça silenciosamente.

- Para quê? - olhou-o curiosa contra sua vontade.

- Não estamos seguros. Entretanto, acredita-se que tudo esteja ligado a um único indivíduo, um macho da Raça de segunda geração muito perigoso chamado Dragos. A Ordem o tirou de seu esconderijo há algumas semanas, mas ele conseguiu fugir. Agora ele está escondido outra vez. O filho da mãe esteve agindo sob nossos narizes. Qualquer coisa que descobrirmos que possa nos levar a ele é importante. Ele precisa ser detido.

- Sergei Yakut matou dúzias de seres humanos só por esporte - Renata assinalou. - Por que você ou o resto da Ordem não o pararam?

- Até recentemente não sabíamos onde encontrá-lo, muito menos sabíamos de suas atividades. E mesmo se soubéssemos, ele era um Primeira Geração, e por mais que o odiássemos, a Ordem não teria sido capaz de detê-lo por um monte de questões burocráticas.

Os pensamentos de Renata obscureceram-se, voltando para o tempo que tinha vivido sob o controle de Yakut.

- Havia vezes em que Yakut bebia de mim... quando me usava por conta de meu sangue, eu via algo monstruoso nele. Quero dizer, eu sabia o que ele era, o que todos vocês são. Mas, de vez em quando, eu olhava nos olhos dele e juro que não havia humanidade alguma. Tudo o que via era algo verdadeiramente mau.

- Ele era um Primeira Geração - Nikolai disse, como se isso fosse explicação suficiente. - Só metade de seus genes era humana. A outra metade era... algo mais.

- Vampiro - murmurou ela.

- De outro mundo - disse Nikolai, corrigindo-a.

Olhou-a enquanto dizia essas palavras e Renata teve o impulso de rir. Mas ela não podia, não quando a expressão de Niko era tão grave.

- Lex gosta de gabar-se que é filho de um rei conquistador de outro mundo. Sempre supus que isso tudo era bobagem. Você está me dizendo que o que ele diz é realmente verdade?

Nikolai zombou.

- Um conquistador, sim, mas um rei, não. Os oito Antigos que chegaram há milhares de anos e tiveram filhos com mulheres humanas eram selvagens sedentos de sangue, violadores... criaturas letais que dizimavam cidades inteiras. A maioria deles foi eliminada pela Ordem na Idade Média. Lucan conduziu a missão contra eles depois que sua própria mãe foi assassinada pela criatura de quem ele era filho.

Renata apenas escutava, muito surpresa para fazer todas as perguntas que formavam redemoinhos em sua cabeça.

- Como resultado, um dos Antigos sobreviveu à guerra da Ordem contra eles – Nikolai acrescentou. – Esse Antigo foi escondido por um de seus filhos, um vampiro Primeira Geração chamado Dragos. Temos boas razões para acreditar que o Antigo ainda está vivo e que o último filho sobrevivente de Dragos, seu xará e o bastardo que tentamos deter, só está esperando uma oportunidade para libertá-lo.

- Há dois anos eu estava segura de que vampiros não existiam realmente. Sergei Yakut me fez mudar de opinião. Mostrou-me que vampiros não apenas existem, mas que também são mais temíveis e perigosos do que qualquer coisa que eu tenha visto em livros ou filmes. Agora, você está me dizendo que há ainda algo pior lá fora?

- Não estou querendo assustá-la, Renata. Só acredito que você deveria saber dos fatos. De todos eles. Estou lhe confiando tudo isso.

- Por quê?

- Porque quero que você entenda - disse as palavras de maneira muito gentil.

Como se ele estivesse se desculpando com ela de alguma forma.

Renata levantou o queixo, uma frieza parecia ter-se estabelecido em seu peito.

- Quer que eu entenda o quê? Que a vida de uma menina desaparecida não significa nada em comparação com tudo isso?

Nikolai amaldiçoou entre os dentes.

- Não, Renata...

- Está bem. Agora entendo, Nikolai – ela não pôde disfarçar a amargura de sua voz, nem mesmo quando estava lutando para absorver todas as coisas surpreendentes que acabara de ouvir. - Ei, não é grande coisa. Afinal de contas, você nunca concordou comigo em nada e estou acostumada a ser deixada de lado. A vida é uma merda, não é mesmo? É bom saber onde ambos estamos antes de deixar as coisas irem mais longe.

- O que está acontecendo aqui, Renata? – ele a olhou com um olhar penetrante, como se pudesse ver através dela. – Isso é realmente por causa de Mira ou você está incomodada pelo que aconteceu entre nós?

Nós. A palavra cravou no cérebro de Renata como um objeto estranho. Parecia tão estranha, tão perigosa. Muito íntima. Nunca tinha havido um nós para Renata. Ela sempre tinha dependido apenas de si, nunca tinha pedido nada a ninguém. Era mais seguro dessa forma. Mais seguro agora também.

Ela tinha quebrado sua própria regra quando foi atrás de Nikolai pedir-lhe ajuda para procurar Mira, e olhe o resultado daquilo: uma ferida de bala infeccionada, tempo crucial perdido e nem um passo mais próxima de encontrar Mira. De fato, agora que tinha ajudado na fuga de Nikolai, havia pouquíssima esperança de Renata se aproximar dos vampiros que estavam com a garota. Se Mira estava em perigo antes, Renata talvez tenha deixado as coisas ainda piores agora.

- Tenho que sair daqui - disse inexpressiva. - Já perdi muito tempo. Não poderia suportar se algo acontecesse com Mira por minha culpa.

Preocupação e frustração fizeram-na se levantar da cama. Pôs-se de pé rapidamente.

Antes que pudesse se afastar dois passos de Nikolai, seus joelhos cederam, sua visão escureceu por um segundo e, de repente, ela estava caindo para a frente. Sentiu braços fortes sustentarem seu corpo e a voz tranquila de Nikolai junto ao seu ouvido enquanto ele a agarrava e a levava para a cama.

- Deixe de lutar, Renata - disse ele, enquanto saía de sua debilidade e piscava. Posicionado sobre ela, percorreu com a ponta dos dedos seu rosto. Tão terno, tão relaxado. - Não precisa correr. Não precisa brigar... não comigo. Você está a salvo comigo, Renata.

Ela queria fechar os olhos e guardar aquelas gentis palavras. Estava tão assustada para acreditar, para confiar. E sentia-se tão culpada por aceitar essa comodidade sabendo que Mira poderia estar sofrendo, provavelmente chorando por ela na escuridão e perguntando-se por que Renata tinha quebrado sua promessa.

- Mira é tudo o que me importa - sussurrou. - Preciso garantir que ela esteja a salvo. Sempre.

Nikolai assentiu, solene.

- Sei quanto ela significa para você. E sei quanto é difícil para você pedir ajuda a alguém. Jesus Cristo, Renata... conscientemente arriscou sua vida para me tirar da Agência. Nunca serei capaz de pagá-la pelo que fez por mim.

Ela deitou a cabeça sobre o travesseiro, incapaz de suportar o penetrante olhar de Niko.

- Não se preocupe, você não tem obrigação alguma comigo. Não me deve nada, Nikolai.

Dedos quentes deslizaram ao longo de sua mandíbula, tomando-lhe o queixo e gentilmente guiando-lhe o rosto de novo para ele.

- Devo minha vida. De onde venho, isso não é insignificante.

A respiração de Renata se deteve enquanto ela o olhava nos olhos. Odiava-se pela esperança que se acendia em seu coração, a esperança de que ela não estava realmente só naquele momento. Esperança de que este guerreiro lhe protegeria, que tudo sairia bem, e que não importava que monstro estivesse com Mira, eles a encontrariam e tudo ficaria bem.

- Não deixarei que aconteça nada a Mira - disse, forçando-a a encará-lo. - Tem minha palavra. Tampouco vou deixar que algo aconteça com você. E por isso vou buscar ajuda médica assim que escurecer.

- O quê? - ela tentou levantar e fez uma careta pela pontada de dor. - Ficarei bem. Não preciso de um médico.

- Você não está bem, Renata. Piora a cada hora – a expressão dele era grave conforme lançava um olhar para a ferida no ombro dela. - Não pode continuar assim.

- Vou sobreviver - insistiu. - Não me darei por vencida agora, quando a vida de Mira está em jogo.

- Sua vida também está em jogo, não entende isso? – Nikolai sacudiu a cabeça e murmurou algo escuro e desagradável em tom baixo. – Você pode morrer se essa ferida não for tratada. Não deixarei que isso aconteça, isso significa que você tem um encontro com o pronto socorro mais próximo esta noite.

- E quanto ao sangue? - ela viu como cada músculo no corpo de Nikolai se esticou no momento em que aquelas palavras deixaram seus lábios.

- O que tem o sangue? – ele perguntou com uma voz neutra.

- Perguntou-me se alguma vez eu tinha bebido do sangue de Sergei. Estaria curada agora se tivesse bebido?

Ele levantou os ombros em um gesto vago, mas a tensão em seu grande corpo masculino permanecia. Quando levantou o olhar para ela, havia brilhos de fogo âmbar no azul invernal de sua íris. Suas pupilas se estreitaram quando ele a encarou.

- Eu estaria curada agora se você me desse seu sangue, Nikolai?

- Está pedindo isso?

- Se estivesse, você me daria?

Ele exalou pesadamente e quando seus lábios se separaram para tomar outro fôlego, Renata viu as pontas afiadas de suas presas.

- Não é uma pergunta tão simples como talvez você pense - replicou com um tom áspero em sua voz.–Você ficaria ligada a mim. Da mesma maneira que Yakut estava ligado a você por meio de seu sangue, você estaria ligada a mim. Você me sentiria em seu sangue. Para sempre. E isso não poderia ser desfeito, Renata, mesmo se você bebesse da veia de outro macho da Raça. Nossos laços permaneceriam acima de qualquer outro. Não poderiam ser destruídos, não até que um de nós estivesse morto.

Aquilo não era pouca coisa, Renata definitivamente entendia. Diabos, ela dificilmente acreditava que pudesse estar considerando tudo isso. Mas, em seu interior, louca como podia estar, ela confiava em Nikolai. E o preço realmente não lhe importava.

- Se fizermos isso, eu serei capaz de sair caminhado durante a noite e procurar Mira?

A mandíbula quadrada e masculina dele se apertou o suficiente para que um músculo de sua bochecha ficasse retesado. Ele a olhou, seus olhos ainda mais selvagens. Pouco a pouco, o azul foi envolvido pelo resplendor do fogo.

Quando parecia que não ia responder, Renata estendeu a mão e a pôs firmemente sobre o braço musculoso do guerreiro.

- Seu sangue me curaria, Nikolai?

- Sim - disse ele, a palavra saiu presa em sua garganta.

- Então quero fazê-lo.

Enquanto sustentava seu olhar em um silêncio intenso, ela pensou em quão degradada e usada se sentia todas as vezes que Sergei Yakut se alimentava de suas veias... Revolvia-se diante da ideia de que tinha alimentado alguém tão cruel, um ser monstruoso. Ela nunca teria considerado tomar dele, nem por uma questão de sobrevivência. Colocar a boca no corpo de Yakut para se alimentar dele voluntariamente teria matado o resto de alma que ela ainda tinha. Beber dele? Sequer estava segura de que seu amor por Mira pudesse superar algo tão vil como isso.

Mas Nikolai não era um monstro. Ele era honorável e justo. Era terno e protetor, um homem que se mostrava um grande companheiro para ela nessa viagem incerta. Era seu melhor aliado nesse momento. Sua maior esperança para recuperar Mira.

E mais profundamente ainda, como toda mulher com necessidades e desejos, em um lugar que ela não se atrevia a examinar muito de perto, ela desejava saborear Nikolai. Desejava-o mais do que tinha direito.

- Tem certeza, Renata?

- Se você me der seu sangue, sim - respondeu. - Quero tomá-lo.

Um longo silêncio se seguiu e Nikolai, então, sentou-se ao lado dela na cama. Ela o assistiu desabotoar a camisa lentamente, dando tempo para que a incerteza e a apreensão dela aumentassem. Mas elas não aumentaram. Enquanto Nikolai tirava a camisa e se sentava diante dela com o torso nu, seus dermoglifos pulsavam, cada arco e curva saturados com variedades de sombras em cores vermelhas e escuras, e ela não se sentia preocupada. Quando ele se aproximou ainda mais e levou o braço direito à boca, mostrando as enormes presas e afundando-as no pulso, ela não sentia nem sequer um pingo de temor.

E quando, nesse momento, ele pôs seus pontos sangrentos junto aos lábios de Renata e lhe disse que bebesse, ela não teve nenhuma vontade de negar.

A primeira prova do sangue de Nikolai em sua língua foi um choque.

Ela esperava ser arrastada pelo amargo sabor cobre, mas em seu lugar provou especiarias e um poder que se pulverizou através dela como eletricidade líquida. Podia sentir o sangue dele descendo pela garganta, por todas as fibras de seu corpo. Aquilo era como luz que se infiltrava em seus membros pelo lado de dentro, e a dor no ombro ferido diminuiu enquanto ela obtinha mais e mais de Nikolai.

- Isso - ele murmurou, seus dedos acariciando-lhe os cabelos úmidos, afastando-os da maçã do rosto. - Ah, Cristo! Isso, Renata... beba até que sinta que é suficiente.

Ela sugou mais forte de sua veia, com um instinto que nunca soube que tinha. Sentia-se bem ao beber de Nikolai daquela forma. Sentia-se mais do que bem... sentia-se incrível. Quanto mais tirava dele, mais viva ela se sentia. Cada terminação nervosa piscava com uma força que vinha de dentro.

E enquanto ele continuava acariciando-a, alimentando-a e curando-a, Renata começou a sentir uma nova sensação de calor crescendo rapidamente em seu interior. Gemeu, arrastada por uma onda de lava fundida que atravessava-lhe o corpo em recomposição. Retorcia-se e sabia sem engano algum o que era aquilo: desejo. Um desejo que ela tinha tentado negar desde que conhecera Nikolai, e que agora aumentava, querendo consumi-la.

Ela não conseguia resistir ao impulso de sugar mais forte. Precisava mais dele. Precisava de tudo dele. E precisava agora.


Capítulo 21

Nikolai se apoiou na cabeceira da cama e colocou a mão livre sobre o lençol, mantendo-a ali enquanto Renata continuava se alimentando. Ela bebeu dele da mesma forma como fazia tudo: com intrépida força e feroz convicção. Não havia ansiedade em seus olhos verdes-claros; tampouco havia incerteza na maneira firme como se agarrava ao braço musculoso do vampiro. E cada sugada de sua boca na veia aberta dele, cada roçar de sua língua na pele dele excitava-o mais do que qualquer outra coisa jamais o fizera.

Em todas as coisas em que se concentrava, Renata colocava uma força formidável. Ela era diferente de qualquer outra mulher que Niko havia conhecido – e, em vários sentidos, uma guerreira como qualquer macho da Raça que servia na Ordem com ele. Ela tinha o coração de um guerreiro, a honra de um guerreiro, e uma determinação inabalável que exigia total respeito. Renata tinha-lhe salvado a vida e por isso ele tinha uma dívida com ela. Mas santo Deus!... o que estava acontecendo entre eles ali não tinha nada a ver com deveres ou obrigações.

Ele estava começando a se preocupar com ela – mais do que queria admitir, inclusive para si. E também a queria. Cristo, como a queria! O desejo aumentando diante da erótica sucção da boca em sua veia, do esbelto corpo serpenteando em reação ardente ao sangue de outro mundo que lhe alimentava as células inexperientes.

Renata gemeu, um ronronar profundo de excitação, enquanto se movia mais perto dele no colchão, cada movimento de seu corpo afrouxava a toalha que a cobria. Ela não parecia notar - ou se preocupar – com o olhar âmbar de Nikolai percorrendo detalhadamente sua quase nudez. A ferida no ombro já estava melhor: o inchaço e o enrijecimento já sumiam e a cor da pele parecia mais saudável a cada minuto. Renata estava mais forte, mais vibrante e mais exigente, uma febre sendo substituída por outra, um calor dando lugar a outro.

Provavelmente, ele deveria ter-lhe dito que, além da nutrição e das propriedades curativas, o sangue de Raça era também um potente afrodisíaco. Supôs que poderia lidar bem com o que acontecesse, mas, maldição! Nada poderia tê-lo preparado para a resposta ardente de Renata.

Avançando lentamente contra ele, ainda sugando-o, ela aproximou uma mão e liberou o punho dele que estava apertado contra os lençóis. Então, dirigiu-lhe os dedos por debaixo das dobras da toalha que cobria seu corpo, diretamente para os seios. Ele não resistiu e passou a ponta dos dedos sobre um dos firmes mamilos e, em seguida, sobre o outro. A respiração dela acelerou enquanto ele acariciava-lhe a quente, cremosa e tenra pele, a forte vibração do batimento de seu coração contra a mão dele enquanto impacientemente dirigia-o para baixo, para o vale suave de seu abdômen, para a sedosa junta entre suas coxas.

Ela estava encharcada e excitadíssima, a fenda de seu sexo estava como cetim quente e molhado enquanto ele deslizava um dedo para dentro. Ela apertou as pernas, mantendo-o ali como se ele tivesse alguma intenção de sair. Sugou novamente, um puxão tão profundo que Niko sentiu repercutir até em seus testículos. Apertando os olhos até fechá-los, ele deixou cair a cabeça para trás e soltou um lento e contido gemido, os tendões de seu pescoço se esticaram como cabos de aço. Seu membro, que estava como uma rocha entre suas pernas, pedia-lhe atenção. Outro minuto daquela tortura e ele gozaria ali mesmo, nas calças esportivas emprestadas.

– Ah, Jesus! – grunhiu ele, afastando a mão da doce tentação da fenda excitada e umedecida de Renata. Lentamente subiu o rosto para olhá-la. Quando suas pálpebras se levantaram, o calor de sua íris transformada banhava Renata em um ardente resplendor brilhante.

Ela estava gloriosamente nua, sentada diante dele como uma deusa, seus lábios sujeitos a seu pulso, seus olhos claros escurecendo-se enquanto ela o olhava fixamente, sem vergonha.

– Já chega – murmurou ele, sua voz rouca, as palavras espessas pela presença de suas presas. Faltava-lhe a respiração, cada terminação nervosa de seu corpo estava completamente eletrizada. – Temos que parar... Jesus Cristo... Será melhor que paremos agora.

Ela gemeu em sinal de protesto. Muito brandamente, todavia, Nikolai retirou o pulso da boca de Renata e levou os dois furos aos lábios. Uma passada de sua língua pelas feridas as selou.

Com os olhos extasiados e famintos, ela o viu lamber o lugar onde sua boca tinha estado, e sua própria língua saiu precipitadamente para lamber seus lábios.

– O que está acontecendo? – perguntou ela, passando as mãos no peito dele, sua coluna vertebral estirando-se e arqueando-se com graça felina. – O que você fez comigo? Santo Deus! Estou queimando.

– É o vínculo de sangue – disse ele, quase incapaz de formar uma oração completa, seus sentidos estavam palpitando pela necessidade daquela mulher.

– Eu deveria tê-la advertido... Sinto muito.

Começou a se afastar, mas ela agarrou-lhe a mão. Dando uma sacudida de cabeça quase imperceptível enquanto seu peito subia e descia com o ar em seus pulmões, as pesadas pálpebras que ela fixou nele não pareciam ofendidas. Sabendo que não deveria tomar vantagem da situação, Nikolai se aproximou e acariciou o rubor que lhe enchia a bochecha.

Renata gemeu enquanto seu toque se prolongava, girando a cabeça na palma da mão de Niko.

– É... É sempre assim quando você deixa uma mulher beber de você?

Ele balançou a cabeça.

– Não sei. É a primeira vez.

Ela o olhou fixamente, com a sobrancelha franzida. Ele podia ver o registro de surpresa preencher-lhe o olhar atrás da luxúria induzida pelo sangue. Um silencioso lamento deslizou de seus lábios e logo ela estava movendo-se na direção dele sem vacilação, suas mãos emoldurando-lhe o rosto.

Beijou-o, longa, forte e profundamente.

– Toque-me, Nikolai – murmurou contra sua boca.

Era tanto uma exigência como uma urgência de seus lábios contra os dele, sua língua pressionando os dentes dele. Niko passou as mãos na pele nua de Renata, encontrando o beijo dela, o corpo tão faminto quanto o seu. E ele não poderia culpar aquela feroz necessidade como uma resposta natural da união de sangue. Sua fome por Renata era algo maior, embora extremamente consumidora.

Gananciosamente, ele chegou de novo ao refúgio de seu sexo. Dessa vez, não podia se limitar a tocá-la; não quando o aroma de Renata o estava embriagando tanto quanto a febril seda de seu sexo o estava deixando louco. Acariciou-lhe as dobras molhadas, penetrando-as com seus dedos grandes e separando-as para si como uma flor de primavera. Ela se arqueou em direção a ele enquanto ele a penetrava com um dedo primeiro, em seguida com outro. Enchendo-a, deleitando-a na firme pressão de seu corpo, os sutis movimentos ondeantes de seus músculos internos enquanto ele a acariciava e a levava ao clímax.

Estava tão absorto com o prazer dela que mal notou que ela movia as mãos até sentir que ela puxava o cordão de suas calças. Uivou quando ela deslizou a mão para baixo da cintura e encontrou seu rígido membro. Acariciou a cabeça, percorrendo os dedos com a gota úmida de fluido e, em seguida, torturando-o com um movimento lento e constante ao longo de seu mastro.

– Você também me deseja – disse ela. Não era exatamente uma pergunta quando a resposta estava transbordando em sua mão.

– Ah, sim – Niko respondeu de todo modo. – Diabos! Sim... Desejo você, Renata.

Ela sorriu faminta e o empurrou de costas sobre a cama. Tirou lentamente suas calças, deslizando-as pelos quadris, mas só até os joelhos. Com sua grossa ereção sobressaindo como um orgulhoso soldado a postos, Nikolai assistiu cativado conforme Renata subia e o montava. Sabia muito bem que não esperava qualquer momento de acanhamento ou vacilação. Era intrépida e incansável, e ele nunca havia sido mais feliz em sua vida. Os olhos dela pousaram fixamente sobre os seus, e Renata desceu por seu membro em um longo e lento deslizar.

Santo Cristo! A sensação de tê-la montada no membro dele era incrível. Tão quente e apertada, tão incrivelmente molhada.

Ele disse a si mesmo que era apenas a reação do vínculo de sangue que a fazia tão pouco resistente sexualmente, que ela teria reagido da mesma maneira com qualquer macho da Raça que a alimentasse. Que era só uma reação física, como algo altamente inflamável pegar fogo quando colocado próximo a uma chama. A consciência que ela tinha dele naquele momento provavelmente estava mergulhada em seu subconsciente – ela tinha uma coceira e ele era o passar de unhas de que ela precisava, simples assim.

E tudo bem para ele. Aquilo não precisava se transformar em algo mais complicado. E ele não era idiota o bastante para querer que fosse. O sexo entre eles não era algo pessoal. E Niko disse para si que era bom que fosse assim. Disse a si um monte de porcaria enquanto colocava a cabeça para trás com um gemido selvagem e deixava que Renata tomasse dele tudo o que precisasse.

Renata jamais havia se sentido mais viva. O sangue de Nikolai era como fogo em seus sentidos, cada matiz do momento a sacudia com a vívida consciência. A ferida em seu ombro não doía, sua necessidade por Nikolai era tudo que importava.

Ele sustentava-lhe os quadris enquanto ela cavalgava em seu sexo, a mente perdida de tudo, o calor dele preenchendo-a completamente, a beleza masculina de seu grande e musculoso corpo movendo-se em igual ritmo debaixo dela. Através da inundada névoa de seu desejo, admirou os músculos entrelaçados dos braços e do peito, uma sinfonia de força, flexionando-se e contraindo-se sob o poder até mais surpreendente das cores e formatos de seus dermoglifos mutantes.

Inclusive suas presas, que por certo deveriam tê-la aterrorizado, tinham uma beleza letal agora. As afiadas pontas brilhavam com cada fôlego entrecortado que se arrastava através de seus dentes. O sangue que havia tirado dele deve tê-la deixado um pouco louca, porque alguma remota parte dela queria que suas letais presas pousassem e penetrassem seu pescoço. Perfurando sua carne enquanto ela o cavalgava.

Ainda podia saborear o sangue dele em sua língua: doce, selvagem e sombrio. Um zumbido elétrico estendeu-se através dela e a acendeu no centro de seu sexo preenchido. Ansiava mais por esse poder, mais dele... Tudo dele.

Afundou os dedos nos grossos bíceps e foi mais fundo, mais forte, seguindo essa perigosa necessidade que o sangue havia desatado. Ele tomou cada impulso desesperado de seus quadris, sustentando-a firme enquanto o estalo do orgasmo se fechou de repente nela. Gritou enquanto o prazer se apoderava dela, um grito de liberação que ela não poderia ter contido mesmo se sua vida dependesse disso. A intensidade era demais para suportar. Tremia, impressionada pela força de sua paixão – paixão que tentou evitar por muito tempo, com medo.

Não sentia medo de Nikolai. Ela o desejava. Confiava nele.

– Tudo bem? – ele perguntou, um pouco mais que um grunhido enquanto seguia balançando-se com ela. – Está com alguma dor?

Ela negou com a cabeça, incapaz de falar quando cada terminação nervosa em seu corpo estava tensa de necessidade e vibrando pela sensação.

– Bom... – murmurou ele, escorregando a mão ao redor da parte posterior de seu pescoço para puxá-la para um beijo. A boca de Renata estava quente sobre a sua, suas presas roçando-lhe lábios e língua. Sentia-se tão bem... Ela tinha um gosto tão bom.

O fogo que havia diminuído um pouco com o orgasmo dela se acendeu de novo de forma furiosa. Ela gemeu e, enquanto o desejo ganhava nova vida, moveu seus quadris ao mesmo tempo em que a fome pulsava em seu sexo. Nikolai não a deixou esperar muito tempo, movendo-se junto com ela, incrementando seu ritmo até que ela gozou de novo, flutuando à deriva depois de uma onda de prazer. Então, ele tomou as rédeas por completo, preenchendo-a com seu mastro, entrando e saindo, cada movimento aparentemente tocando mais profundamente dentro dela, e mais profundo ainda. Chegou ao clímax com um grito rouco, sua coluna arqueando-se debaixo dela, sua pélvis contra ela com a força de sua liberação. O orgasmo de Renata se uniu ao dele um momento depois, uma prolongada desintegração que a deixou tremendo e suando em seus braços.

E ela ainda queria mais.

Queria mais, mesmo depois do orgasmo seguinte e do seguinte. Mesmo depois que ela e Nikolai estavam suados e esgotados, ela ainda queria mais.

Edgar Fabien sentia seis pares de ardilosos olhos sobre ele enquanto seu secretário sussurrava uma urgente mensagem em seu ouvido. Uma interrupção a esta hora, em meio de tão importante companhia como aqueles especiais dignitários convidados da Raça que tinham chegado a Montreal vindos dos Estados Unidos e da Europa, prenunciava más noticias. E eram, embora Fabien não se permitisse tal indicação.

Os machos reunidos em particular estavam avaliando uns aos outros desde que chegaram, um por um, naquela noite, todos convocados à residência do Refúgio de Fabien à espera do transporte para uma reunião exclusiva em outro lugar. Para conservar o anonimato, o grupo havia sido instruído a ficar com capuzes negros o tempo todo. Tinha sido proibido fazer perguntas pessoais uns aos outros, ou discutir seus problemas pessoais com o macho da Raça que havia convocado aquela reunião e estabelecido seus termos. Dragos havia deixado claro que agora, mais do que nunca, procuraria por debilidades ou pela mínima razão para considerar Fabien ou os outros homens parados ali indignos do glorioso futuro que ele estava planejando revelar naquela reunião formal.

Enquanto o secretário sussurrava o resto da mensagem, Fabien alegrava-se por aquele capuz escuro ocultar sua reação dos outros. Manteve a postura relaxada, cada músculo solto e à vontade, enquanto informava que um de seus capangas da cidade estava esperando lá fora com inesperadas, porém críticas, notícias que não podiam aguardar. Notícias a respeito de um macho da Raça e de uma mulher ferida em sua companhia que, pela descrição, poderia ser nada menos que o casal que havia escapado das instalações de contenção.

– Perdoem-me – disse Fabien com um sorriso firme de fachada. – Mas tenho um pequeno problema para resolver lá fora. Retornarei em um momento.

Umas poucas cabeças se inclinaram enquanto Fabien girava para sair da sala. Uma vez que a porta da sala de recepção estava fechada e ele e seu secretário tinham caminhado vários metros pelo comprido corredor, Fabien tirou seu capuz.

– Onde está ele?

– Esperando no vestíbulo principal, Senhor.

Fabien foi naquela direção, retorcendo o capuz negro em suas mãos grandes e finas. Quando chegou à porta, seu secretário se apressou adiante para mantê-la aberta para ele. O capanga estava apoiado contra a parede, absorto em mordiscar suas unhas rapidamente, seu desalinhado cabelo muito comprido caindo sobre seus olhos. Quando elevou a vista e viu seu Mestre entrar, o repugnante e preguiçoso humano foi substituído por um desejo impaciente em agradar.

– Trouxe-lhe algumas notícias, Mestre.

Fabien grunhiu.

– Ouvi isso. Fale, Curtis. Diga-me o que viu.

O servo explicou que mais cedo ele tinha ido fazer algumas perguntas ao seu empregador humano – o dono de um abrigo para garotos de rua que contratou Curtis para trabalhar com seus computadores – e inesperadamente descobriu que o vampiro guerreiro estava escondido no apartamento em cima de uma garagem. Curtis não havia sido capaz de aproximar-se para olhar, mas chegara perto o bastante para dizer que o enorme macho era da Raça. Na verdade, ele tinha acabado de confirmar suas suspeitas. Aparentemente, o guerreiro e a mulher que estava com ele tinham se tornado bastante... amigos. O casal estava muito ocupado na cama para notar quando Curtis saiu furtivamente pela parte de trás da garagem e os espiou juntos através da janela.

O capanga havia conseguido dar uma olhada e foi capaz de proporcionar uma descrição física bastante detalhada dos dois: o guerreiro da Raça, Nikolai, e a Companheira de Raça, Renata.

– Tem certeza de que nenhum deles soube que você esteve ali? – perguntou Fabien.

O servo riu.

– Sim, Mestre. Confie em mim. Eles não estavam prestando atenção em nada que não fossem eles.

Fabien assentiu e olhou o relógio. Anoiteceria dentro de uma hora. Ele já havia atribuído a uma equipe de Agentes outra tarefa de limpeza naquela noite. Talvez devesse enviar uma segunda unidade para a cidade com Curtis. Bastante ruim era o fato de que o guerreiro tivesse conseguido escapar das instalações de contenção. A notícia não havia caído bem quando Fabien informou Dragos sobre o problema, mas a mancada seria amenizada se ele pudesse assegurar que o guerreiro fosse capturado – rápida e permanentemente.

Sim, pensou Fabien, enquanto colocava a mão no bolso de sua jaqueta para pegar o celular e discar para a Agência de Execução, colocando-lhes a par das novas informações. Esta noite, ele apagaria do quadro-negro alguns erros recentes. E quando se apresentasse a Dragos na reunião, ele o faria levando boas notícias e um pequeno e encantador presente do qual seu novo comandante certamente desfrutaria.


Capítulo 22

- Você acha que ele a machucará? - a voz tranquila de Renata rompeu o silêncio prolongado no úmido apartamento. Ela estava sentada na frente de Nikolai, usava uma camiseta cinza extragrande e suas próprias calças jeans, lavadas mais cedo por cortesia de Jack. Sua ferida no ombro estava muito melhor e cada vez que Niko perguntava, ela insistia que não sentia muita dor, de modo que ele percebeu que seu sangue a manteria alimentada por algumas poucas horas. Já tinham saído da cama há algum tempo, ambos tinham se banhado e se vestido, e evitavam cuidadosamente falar sobre tudo que tinha ocorrido entre eles horas antes.

Nikolai se manteve ocupado na limpeza das armas que Jack lhe havia dado, enquanto ele e Renata faziam planos para o breve retorno ao alojamento de Yakut. E embora Niko duvidasse que Lex fosse contar alguma coisa sobre sua aliança com Edgar Fabien, ele tinha o pressentimento de que algumas técnicas afrouxariam a língua do maldito filho da mãe.

Assim ele esperava, já que sem uma sólida vantagem sobre a localização do líder do Refúgio, as probabilidades de achar Mira ilesa diminuíam a cada segundo.

- Você acha que ele vai fazer... algo a Mira?

Niko virou e viu o pânico nos olhos de Renata.

- Fabien não é um bom homem... Francamente, não sei quais são as intenções dele com ela.

Renata dirigiu o olhar para baixo, suas magras sobrancelhas estavam unidas na testa franzida.

- Você não me disse tudo o que seus amigos de Boston descobriram sobre ele.

Inferno. Ele deveria saber que Renata perguntaria isso. Ele deliberadamente tinha passado por alto sobre o pior que Gideon havia dito sobre ele, os detalhes sórdidos que não os ajudariam a localizar Mira e só fariam Renata se preocupar ainda mais. Mas ele a respeitava muito para mentir.

- Não, eu não disse tudo - admitiu. - Realmente quer saber tudo sobre ele?

- Acredito que preciso saber - ela o olhou fixamente de novo, seus pálidos olhos verdes agora estavam sóbrios, tão firmes quanto os de um guerreiro pronto para a batalha. - O que a Ordem sabe sobre ele?

- Ele é um segunda geração da Raça, certamente tem várias centenas de anos - disse Niko, começando com o menor dos delitos de Fabien. - Ele é o líder do Refúgio de Montreal há 150 anos e também deseja chegar ao alto escalão da Agência de Execução, o que significa que está politicamente envolvido também.

Renata zombou em voz baixa.

- Isso é um curriculum vitae, Nikolai. Sabe o que estou perguntando. Fale diretamente.

- Muito bem - Niko assentiu com a cabeça, sem se preocupar em ocultar sua admiração. Ou sua preocupação. - Apesar de ter um monte de amigos em altos postos, Edgar Fabien não é o que poderíamos chamar de cidadão-modelo. Pelo que parece, ele tem várias... perversões que vêm lhe causando muitos problemas ao longo dos anos.

- Perversões? - disse Renata, quase cuspindo a palavra.

- Seus gostos tendem para o lado sádico, e ele... bem, ele é conhecido por desfrutar da companhia de crianças de vez em quando. Especialmente garotas.

- Jesus Cristo! - Renata exclamou com o fôlego apertado. Ela fechou os olhos e desviou o rosto. Quando finalmente olhou para Niko, havia um brilho assassino em seus olhos cor de jade que observavam o guerreiro sem piscar. - Vou matá-lo. Juro por Deus, Nikolai. Vou matar o filho da mãe se ele fez algo a ela.

- Vamos por as mãos nele – assegurou-lhe Niko. - Vamos encontrá-lo e resgatar Mira.

- Não posso decepcioná-la, Nikolai.

- Ei! - ele disse, segurando a mão dela. – Nós não vamos decepcioná-la. Entendido? Estou com você nisso. Vamos resgatá-la.

Ela o olhou em silêncio durante um longo momento. Então, muito lentamente, entrelaçou-lhe os dedos na mão.

- Ela vai ficar segura, não é verdade? - havia um traço de incerteza na fala de Renata e era uma das primeiras vezes que Niko percebia aquilo na voz dela. Ele queria apagar as dúvidas de Renata, queria acabar com a preocupação dela, mas tudo o que podia oferecer era sua promessa.

- Vamos trazê-la de volta, Renata. Tem minha palavra.

- Certo - disse. - Bem, Nikolai. Obrigada – completou em seguida, resoluta.

- Você realmente é especial, sabia? - Ela começou a sacudir a cabeça em negação àquelas palavras, mas Niko apertou-lhe levemente a mão, mantendo-a concentrada. - Você é forte, Renata. Mais forte do que acredita. Mira tem sorte de tê-la ao seu lado. Diabos! Eu também tenho.

A risada dela como resposta estava débil e ligeiramente triste.

- Espero que tenha razão.

- Eu nunca erro - disse ele, sorrindo abertamente para ela e mal resistindo ao impulso de inclinar-se por sobre a pequena mesa e beijá-la loucamente. Mas isso apenas os levaria a outra coisa - algo que sua libido já imaginava em detalhes explícitos.

- Então, quanto tempo ainda vai acariciar suas armas antes de eu poder dar uma olhada nelas?

Niko recostou na cadeira dobrável de metal e riu.

- Escolha a sua. Tem certeza de que sabe usar...

Ele não teve a oportunidade de terminar o pensamento: Renata estendeu a mão até a pistola mais próxima e a um carregador cheio de balas. Carregou e aprontou a arma em menos de três segundos. Niko nunca tinha visto algo tão sexy em toda sua vida.

- Impressionante.

Ela colocou a pistola sobre a mesa e arqueou uma de suas finas sobrancelhas.

- Quer que eu ajude com a sua também?

Ele quis rir, mas engoliu o som antes que ele saísse-lhe pela boca.

Eles não estavam sozinhos.

Renata seguiu o olhar do guerreiro até onde ele poderia jurar ter escutado um ruído surdo. Outro barulho, então, um pequeno rangido no teto da garagem.

- Temos companhia - sussurrou para ela. Renata lhe acenou com a cabeça, levantando-se da cadeira. Deslizou a .45 para ele através da mesa e se moveu em silêncio, rápida e eficazmente para carregar outra.

Assim que Nikolai pegou a arma, a porta do apartamento da garagem explodiu para dentro, partindo as dobradiças. Um vampiro enorme em um traje da Agência de Controle precipitou-se no interior, com a mira do laser de seu fuzil automático silencioso apontado para Renata.

– Filho da mãe! - Niko gritou. - Renata, atire!

Por um segundo terrível, ela não se moveu. Nikolai pensou que ela tivesse congelado, em estado de choque, mas logo o Agente soltou um grito de dor, deixando cair sua arma para colocar as mãos nas têmporas. Caiu de joelhos, mas havia mais dois homens armados bem atrás dele. Saltaram gritando por cima do obstáculo e abrindo fogo no pequeno espaço.

Renata se jogou atrás de um dos arquivos metálicos e disparou contra a cabeça do agente. Niko mirou o segundo visitante, mas o tiro foi desviado conforme a pequena janela acima da cama era estilhaçada e outro Agente de Execução entrava na luta, armado até os dentes.

- Nikolai, atrás de você! – gritou-lhe Renata.

Ela golpeou o último agente que chegara com uma rajada debilitante do poder de sua mente, e o bastardo caiu no chão, retorcendo e convulsionando antes que Niko acertasse alguns tiros em sua cabeça. Renata atingiu um dos outros com um tiro no joelho e, em seguida, eliminou-o com uma bala entre os olhos. Nikolai matou o outro e compreendeu tarde que tinha perdido completamente de vista o primeiro macho que atravessara a porta. O filho da mãe não estava onde Renata o havia deixado.

Para o horror de Niko, o enorme vampiro tinha pego Renata e a lançado contra a parede mais próxima. A força do macho da Raça era imensa, como a de todos. Renata bateu contra a superfície sólida e caiu com força no chão. Permaneceu imóvel, obviamente muito aturdida para responder ao ataque.

O rugido de fúria de Nikolai chacoalhou a mesa débil e as cadeiras. Sua visão foi inundada repentinamente de âmbar e suas presas perfuraram com força suas gengivas, estirando-se longas e agudas em sua cólera.

Ele saltou sobre o outro vampiro por trás, agarrando-lhe a cabeça nas mãos e torcendo-a ferozmente. O terrível rangido de osso e tendões estilhaçados não foi suficiente para Niko: quando o Agente caiu sem vida, ele chutou-lhe o corpo, afastando-o de Renata antes de estourar-lhe o crânio.

- Renata - disse, agachando-se diante dela e pegando-a nos braços. - Pode me ouvir? Você está bem?

Ela gemeu, mas acenou com a cabeça trêmula. Seus olhos abertos logo se ampliaram quando ela olhou fixamente por cima dos ombros largos de Niko para a entrada arruinada. Niko virou-se e deparou-se com o humano que tinha visto uma vez antes - o humano que tinha tentado olhar lá dentro quando Jack estivera no apartamento naquela manhã. Jack o tinha chamado de Curtis, tinha dito que o garoto fazia algum trabalho para ele na casa. Quando Niko examinou aquele rosto impassível, que não mostrava reação alguma aos seus olhos acesos e às suas presas à mostra, ele sabia do que estava diante...

- Servo - grunhiu. Colocou Renata de pé com cuidado. - Fique aqui. Eu me encarregarei dele.

O Subordinado sabia que tinha cometido um grave engano mostrando seu rosto depois do tumulto que provavelmente tinha instigado. Ele se virou e começou a descer a escada de dois em dois degraus. Nikolai grunhiu, vermelho de ira, e saiu disparado atrás da caça. Saltou sobre o corrimão da escada do segundo andar, caindo justo quando os pés do servo conseguiram tocar o pavimento. Nikolai aterrissou diretamente em cima dele, derrubando-o no chão.

- Quem fez você? - ele exigiu, golpeando o rosto do humano contra o pavimento áspero. - Quem é seu Mestre, maldito? É Fabien?

O servo não respondeu, mas, de qualquer modo, Niko sabia a verdade. Subiu sobre o humano e golpeou a coluna dele com força.

- Onde ele está? Diga-me onde encontrar Fabien. Fale, filho da mãe, ou acabo com você aqui e agora.

À distância, Nikolai ouviu o golpe de uma porta. E passos atravessando a grama.

Então, a voz de Renata ressoou de cima destroçando a porta no chão da garagem.

- Jack, não! Volte para dentro!

Nikolai olhou por cima do ombro, bem a tempo de ver o velho com uma expressão de horror. Os olhos de Jack mostravam sua incredulidade, sua mandíbula aberta.

- Jesus Cristo - murmurou, com os pés desacelerando até deter-se. - O que... que diabos está acontecendo aqui?

E então, abaixo dele, Niko sentiu o servo se retorcer. E registrou o brilho breve de uma lâmina apenas meio segundo antes que o escravo humano cortasse a própria garganta.

Renata desceu as escadas de madeira em estado de pânico.

- Jack, por favor! Entre na casa, agora!

Mas ele simplesmente permaneceu ali, congelado no lugar como se não pudesse ouvi-la, como se não pudesse vê-la. Não podia processar tudo que estava acontecendo à sua volta nesses últimos minutos de caos total e absoluto. Jack estava mudo, uma estátua imóvel na calçada.

E Nikolai...

Santo Deus, Nikolai parecia o pior pesadelo de qualquer pessoa. Empapado de sangue, o rosto travestido em uma máscara aterradora de presas letais e ferozes, os olhos brilhantes e âmbares. Quando saiu de cima do corpo morto do servo e se virou, deparando-se com o rosto de Jack, o guerreiro da Raça não podia parecer nada além de um predador desumano, sua respiração através dos dentes cerrados, seu enorme peito e ombros tremendo por conta da luta.

- Santa Maria, Mãe de Deus - murmurou Jack, fazendo o sinal da cruz enquanto Nikolai dava alguns passos para longe do cadáver do servo. Então, lançou um olhar e viu Renata correndo em sua direção através do caminho de entrada.

- Renata, sai daqui!

Renata correu para ficar entre os dois homens – Nikolai em suas costas e Jack olhando-a boquiaberto como se acabasse de entrar no meio de um campo de mina ativado.

- Ah, Jesus... Renata, querida... o que você está fazendo?

- Está tudo bem, Jack – ela respondeu tranquilamente sustentando as mãos em sua frente. – Está tudo bem, prometo. Nikolai não fará mal a você. Não fará mal a nenhum de nós.

O rosto do ex-combatente do Vietnã se enrugou diante da confusão. Mas, então, ele olhou além dela para Nikolai e uma tênue faísca de reconhecimento piscou nas fendas que lhe eram agora os rasgos dos olhos. Sua palidez era a de um fantasma contra a noite ao seu redor e suas pernas pareciam que iam ceder debaixo de si.

- Você é... mas como? Como diabos pode ser?

- Não é seguro para você saber isso - interveio Renata. - Seria muito perigoso, inclusive para nós.

- Muito tarde - a voz de Nikolai era um baixo grunhido atrás dela. – Ele já viu muito. Temos que controlar esta situação e não temos muito tempo antes que mais humanos curiosos apareçam e deixem as coisas ainda piores do que já estão.

Renata assentiu.

- Entendi.

A mão de Nikolai pousou brandamente sobre seu ombro são.

- Isso inclui Jack também. Não posso deixá-lo com sua memória nesse estado. Tudo tem que ser apagado, começando com nossa chegada na noite anterior. Ele não pode se lembrar que você e eu estivemos aqui alguma vez.

Ela estremeceu, mas não podia discutir.

- Tenho um minuto para dizer adeus?

- Um minuto - disse Nikolai. - Mas isso é tudo o que podemos arriscar.

- Que diabos está acontecendo aqui? - murmurou Jack enquanto sua neurose dava lugar ao guerreiro aposentado nele adormecido. – Renata... em que tipo de porcaria você se enfiou, garota?

Ela ofereceu-lhe um débil sorriso enquanto dava um passo adiante e o puxava-o para um abraço.

- Jack, quero agradecê-lo por ter nos ajudado na noite anterior. Mais do que isso: quero agradecê-lo por você ser a pessoa maravilhosa que é - separou-se dele para olhar seus velhos e amáveis olhos. - Não poderia compreender isso, mas você foi minha âncora muitas vezes, meu porto seguro. Sempre que eu perdia a fé na humanidade, sua bondade me compensava. Você foi um verdadeiro amigo e gosto muito de você por isso. Sempre vou gostar.

- Renata, preciso que você me diga o que está acontecendo aqui. Esse homem com quem você está... essa criatura. Por Deus, estou perdendo a razão ou ele é um tipo de...

- Ele é meu amigo - disse ela, tão sinceramente que inclusive se desconcertou diante de sua convicção. - Nikolai é meu amigo. Isso é tudo o que precisa saber.

- Temos que ir agora, Renata.

A voz de Nikolai estava calma, completamente tomada pela seriedade. Ela assentiu e, quando olhou para Niko, viu que ele estava de novo em seu estado normal. Jack crepitou de confusão, mas Nikolai aproximou-se para segurar-lhe a mão.

- Obrigado por tudo o que fez, Jack. Você é um bom homem - Nikolai não esperou por uma resposta. Com a mão livre, levantou a palma sobre a testa de Jack e pressionou-a por um longo momento. - Volte para casa e vá para a cama. Quando despertar amanhã, não se lembrará de que estivemos aqui. Descobrirá que houve um assalto no apartamento da garagem e que Curtis estava se relacionando com algumas pessoas más. O assalto saiu do controle e ele foi assassinado.

Jack não disse uma palavra sequer, apenas assentiu, concordando.

- Você não vai nos ver quando abrir os olhos - disse Nikolai. - Não verá sangue e cacos de vidro. Vai se virar, entrar na casa e subir até seu quarto, deitar-se na cama e permanecer lá pelo resto da noite.

Uma vez mais Jack assentiu com a cabeça, em complacência. Nikolai retirou a mão da testa do ex-combatente. Os olhos de Jack piscaram e abriram-se tranquilos, serenos. Ele olhou Renata, mas foi um olhar vazio que passou através dela. Ela ficou ali parada, olhando com tristeza como seu velho e querido amigo virava-se no silêncio da noite escura e começava o lento caminhar de volta para a casa.

- Você está bem? - perguntou Nikolai, passando o braço musculoso ao redor da cintura de Renata enquanto eles esperavam na entrada, observando Jack desaparecer dentro da casa.

- Sim, estou bem – disse ela em voz baixa, permitindo-se o conforto do forte abraço masculino de Nikolai. - Vamos limpar essa bagunça e dar o fora daqui.


Capítulo 23

- Já era hora de ele estar aqui.

Alexei Yakut queixou-se quando viu um par de faróis saindo das árvores do lado de fora da casa principal. Irritado por ter sido obrigado a esperar durante a última meia hora, Lex se afastou da janela do quarto do pai - quarto que agora lhe pertencia, como todo o resto que o defunto tinha deixado.

O veículo preto que rodeava pelo caminho era enorme, obviamente um SUV. Lex virou os olhos com desgosto. Tinha esperado que um macho do status de Edgar Fabien fosse viajar em algo mais elegante do que uma Humvee emprestada diretamente da frota da Agência de Execução. As próprias normas de Lex exigiam muito mais que um utilitário como meio de transporte, especialmente para um evento tão importante como o que ele assistiria com Fabien. Pelo amor de Deus, eles não poderiam chegar à reunião em uma caminhonete que declarava a todos a falta de elegância como aquele veículo fazia.

Se estivesse no comando das coisas – quando estivesse no comando, Lex mentalmente emendou - não iria a nenhuma parte sem uma caravana de veículos apropriada que formasse uma fila de elite.

Ele saiu a passos largos de seu quarto com uma raiva impaciente, ajustando a linha do casaco conforme seus polidos sapatos de couro de crocodilo brandamente repicavam através das largas tábuas do chão. Sabia que estava bem - esse era o ponto -, mas estava muito mais acostumado ao seu antigo uniforme de serviço com botas e roupas de couro. Era um sujeito flexível, de modo que não pensava que precisaria de muito esforço para se acostumar com sua nova identidade.

Na grande sala, os dois guardas restantes da casa estavam sentados jogando cartas. Um deles deu uma olhada quando Lex entrou, a sutil elevação de sua mão não foi rápida o bastante para ocultar seu sorriso divertido.

- Essa gravata parece estar deixando você sem ar, Lex - brincou o outro guarda, rindo de sua própria piada. - É melhor afrouxar essa porcaria antes que desmaie. - Lex o fulminou com o olhar enquanto passava o dedo pela folga muito justa do colarinho de sua camisa de quinhentos dólares.

- Vá se danar, cretino. E abra a maldita porta. Meu transporte está aqui.

Quando o guarda se moveu pesadamente para cumprir a ordem, Lex se perguntou quanto tempo deveria manter aqueles dois idiotas ao seu lado. Certo, eles tinham estado ao seu lado trabalhando para seu pai todos os dias durante quase uma década, mas um homem como Lex merecia respeito. Talvez ele ensinasse a ambos uma lição quando retornasse em algumas noites da reunião do fim de semana.

Lex forçou um sorriso de boas-vindas para Fabien quando o guarda abriu a porta... mas não era Edgar Fabien quem estava ali para saudá-lo: era um Agente de Execução uniformizado acompanhado por três companheiros.

- Onde está Fabien? - exigiu Lex.

O grande Agente que estava na frente cumprimentou Lex com um breve aceno de cabeça.

- Vamos nos encontrar com o senhor Fabien em um outro lugar, senhor Yakut. Precisa de alguma coisa antes de o escoltarmos até o veículo?

Lex grunhiu, seu ego tranquilizando-se um pouco diante do tom respeitoso do Agente.

- Tenho algumas malas no quarto - disse ele com um gesto desdenhoso na direção de seu quarto. - Um de seus homens pode apanhá-las para mim.

Outra inclinação em reverência do agente que estava na frente.

- Cuidarei pessoalmente de suas coisas.

- Por aqui - disse Lex, conduzindo a escolta casa adentro, para seu quarto, pelo corredor. Uma vez dentro, parou perto da cama para mostrar as coisas que desejava levar. - Pegue a mala de roupa e a mochila de couro que está ali no chão.

Quando o Agente não se moveu para recolher as coisas, mas simplesmente ficou ali junto dele, Lex se voltou com um olhar indignado.

- Bem, que diabos está esperando, idiota?

O olhar que recebeu como resposta foi cortante e frio como uma adaga. E então Lex arrepiou-se quando, no instante seguinte, ouviu o estalar de vários disparos abafados no outro quarto. Seu sangue correu gelado por suas veias.

O Agente de Execução que estava de pé ao seu lado abriu um sorriso agradável.

- O senhor. Fabien me pediu que lhe entregasse pessoalmente uma mensagem dele, senhor Yakut.

Renata parecia cansada quando Nikolai se aproximou dela no terreno onde tinham jogado os cadáveres dos agentes que lhes tinham atacado mais cedo. Em poucas horas, o amanhecer apagaria quaisquer rastros dos vampiros, apesar de que, de qualquer forma, nada ou ninguém além da fauna local fosse notar os corpos ali, tão distante da estrada mais próxima e em uma área tão afastada da cidade.

- Jogue os uniformes e acessórios deles na parte traseira do veículo - Renata disse quando se aproximou. – As outras armas estão atrás dos assentos dianteiros. As chaves estão na ignição.

Niko assentiu com a cabeça. Depois de limpar todas as provas do ataque da Raça na garagem do apartamento, ele e Renata se apropriaram do SUV da Agência, que seus atacantes tinham sido bastante atentos para deixar estacionado na rua lateral próxima da casa de Jack.

- Está cansada? – perguntou ele ao ver a fadiga nos olhos dela. - Podemos esperar aqui e descansar um momento se precisar.

Ela balançou a cabeça.

- Quero continuar. Estamos a apenas alguns quilômetros da propriedade de Yakut.

- Sim - Niko disse. - E não estou esperando que Lex vá estender um tapete vermelho para nós quando chegarmos ali. As coisas podem ficar feias muito rapidamente. Já se passaram algumas horas desde que você bombardeou as malditas mentes desses agentes. Quanto tempo você tem antes de a reverberação começar?

- Provavelmente não muito – ela admitiu, olhando para o chão mal iluminado pela lua.

Niko levantou seu queixo e não pôde evitar acariciar a delicada linha de sua bochecha.

- Mais uma razão para darmos um tempo aqui.

Ela se separou dele, obstinada e com determinação.

- Mais uma razão para continuarmos antes que os golpes da reverberação cheguem. Descanso depois que resgatarmos Mira. – Virou-se e começou a caminhar para o veículo. - Quem dirige? Você ou eu?

- Ouça - ele disse, agarrando-lhe a mão antes que ela pudesse chegar muito longe. Aproximou-se dela e envolveu-a com seus braços fortes, contendo-a em seu abraço musculoso.

Deus, como era linda. Qualquer idiota podia apreciar a perfeição frágil e feminina de seu rosto: os olhos claros e amendoados brilhavam intensamente como pedras preciosas sob a franja colorida dos cílios, o nariz travesso, a exuberante e sexy boca, a pele leitosa que mais parecia um veludo cremoso e macio em contraste com o brilho de ébano dos cabelos. A beleza física de Renata era atordoante, impressionante, mas era sua coragem - sua honra inquebrável - que realmente acabava com Niko.

De algum modo, no pouco tempo que se viram obrigados a ficar juntos, Renata tinha se convertido em uma verdadeira parceira para ele. Ele a valorizava, confiava nela tanto quanto em qualquer um de seus irmãos na Ordem.

- Ei – ele disse, agora mais calmo, olhando fixamente para o valente e belo rosto de Renata, impressionado novamente com aquela extraordinária mulher que estava demonstrando ser uma aliada vital para ele. - Formamos uma ótima equipe lá na casa de Jack, não foi?

- Fiquei muito assustada, Nikolai - ela confessou em voz baixa. -Eles apareceram tão rápido. Eu deveria ter reagido mais rápido. Deveria ter...

- Você foi incrível. - Ele alisou uma mecha de cabelo que lhe caía sobre o rosto, colocando-a atrás da orelha. - Você é incrível, Renata. E estou muito contente de saber que posso contar com você.

Ela abriu um pequeno e quase tímido sorriso.

- Eu digo o mesmo.

Talvez não fosse o momento ideal para ele querer beijá-la, de pé ali, em um lugar esquecido por Deus na beira da autoestrada, com um rastro de sangue e morte atrás deles, e mais daquilo certamente os esperando no futuro, antes de essa aventura terminar. Mas tudo o que Nikolai desejava fazer - o que ele precisava, ali, naquele preciso momento - era sentir os lábios de Renata pressionando-se contra os seus.

Cedendo à tentação, ele inclinou-se e tomou a boca de Renata em um sensível e lento beijo. Os braços dela o rodearam, timidamente a princípio, mas suas mãos estavam quentes enquanto ela acariciava-lhe as costas largas e apertava-se contra o corpo grande de Niko, mesmo depois que o beijo já tinha terminado e ela estava com a bochecha contra o peito musculoso e definido do guerreiro.

Quando ela falou, sua voz era apenas um sussurro.

- Vamos encontrá-la, Nikolai?

Ele pressionou os lábios na testa de Renata.

- Sim, vamos.

- Você acha que ela está bem? – ela ainda perguntou.

A vacilação dele foi breve, mas suficientemente longa para que Renata saísse de seus braços. Ela franziu a sobrancelha enquanto seus olhos obscureciam-se com a dor. - Ah, meu Deus... você não acredita que ela esteja bem! Posso sentir sua dúvida, Nikolai. Acredita que algo aconteceu a Mira.

- É o vínculo de sangue o que você sente - disse ele, nem sequer perto da negação que Renata tinha lido com tanta precisão nele.

Ela estava recuando agora, seus pés arrastando-se na grama escura enquanto ela se movia para o SUV. Seu rosto tinha um olhar aflito.

- Temos que ir agora. Temos que encontrar Lex e obrigá-lo a nos dizer onde ela está!

- Renata, ainda acho que deveríamos esperar aqui um momento e descansar. Se uma nova reverberação golpeá-la...

- Foda-se a reverberação! - ela gritou, sacudindo a cabeça em um pânico crescente. - Vou para a casa de Yakut. Você pode vir comigo ou ficar, mas estou indo agora mesmo.

Ele poderia tê-la detido.

Se quisesse, poderia estar em cima dela mais rápido do que ela pudesse perceber, fisicamente a impedindo de avançar outro passo em direção ao veículo. Ele poderia colocá-la em transe com um simples gesto de sua mão e assim obrigá-la a esperar pela dor que provavelmente chegaria não muito tempo depois que estivessem no chalé.

Ele poderia ter retido o traseiro dela de alguma maneira diferente, mas, em vez disso, deu a volta pelo lado do condutor do Humvee preto antes que ela chegasse e bloqueou a entrada com seu corpo.

- Eu dirijo - disse ele, sem dar a oportunidade de discutir. - Você está ferida.

Renata o olhou por um segundo, então deu a volta e subiu no assento do carona.

Eles voltaram para a estrada e percorreram, em silêncio, a pequena distância até a propriedade arborizada de Yakut. Niko apagou os faróis enquanto se aproximava devagar. Ele estava a ponto de sugerir que saíssem e fossem até a casa a pé quando se deu conta de que algo estava errado.

- É sempre assim, tranquilo?

- Nunca - disse Renata, disparando um olhar sério. Ela alcançou uma das armas atrás do assento. Passou a correia de um fuzil automático pela cabeça e logo entregou outro a Nikolai. - Lex só ficou com dois guardas, mas não parece que haja alguém por aqui.

E, mesmo daquela distância, Niko percebeu o aroma de sangue derramado. Sangue da Raça vindo de mais de uma fonte.

- Espere aqui enquanto dou uma olhada nas coisas.

Ela lançou um olhar de insubordinação que Niko deveria ter previsto.

Ambos saíram do veículo e foram juntos para a casa principal, que estava escura. A porta da frente estava totalmente aberta. Rastros de pneus frescos marcavam no caminho de cascalho: longos, profundos rastros como um tipo de SUV de grande porte deixaria para trás.

Niko tinha a sensação de que a Agência de Execução tinha estado ali também. A casa estava completamente em silêncio, fedendo às recentes mortes dos vampiros. Ele não precisava acender as luzes para ver a carnificina. Sua aguda visão localizou os dois machos mortos no interior, ambos com tiros na cabeça.

O guerreiro guiou Renata ao redor dos cadáveres, seguindo seu olfato pela parte de trás do lugar, em direção aos aposentos privados de Yakut. Ele sabia o que encontraria ali dentro. Ainda assim, quando entrou no quarto, soltou uma maldição furiosa.

Lex estava morto.

E, com ele, sua melhor esperança de localizar Edgar Fabien naquela noite.


Capítulo 24

A respiração de Renata parou diante da maldição que Nikolai murmurou. Ela alcançou o interruptor ao lado da porta entreaberta do quarto de Yakut e lentamente acendeu a luz.

Ficou sem palavras enquanto olhava o corpo sem vida de Lex, seus olhos vazios e nublados pela morte, três grandes buracos de bala em sua cabeça. Ela queria gritar. Santo Deus, ela queria cair de joelhos, passar as mãos pelo cabelo e arranhar as paredes - não de dor ou estupefação, mas tomada de completa ira.

Mas seus pulmões estavam constritos em seu peito.

Seus membros estavam sem força, braços e pernas pesados demais para os mover.

A esperança que ela estivera cultivando – mesmo que pequena - de que eles poderiam chegar ali e conseguir uma sólida pista sobre a localização de Mira escorreu para fora de seu corpo como o sangue de Lex - que escorria entre os ladrilhos do chão do quarto de seu pai.

- Renata, encontraremos outra maneira – disse Nikolai de algum lugar próximo a ela. O guerreiro inclinou-se sobre o corpo de Lex e tirou um telefone celular do bolso do casaco e apertou algumas teclas. – Temos o histórico de chamadas de Lex agora. Um desses números deve ser o de Fabien. Vou entrar em contato com Gideon e pedir que ele os rastreie. Vamos encontrar o maldito muito em breve. Vamos pegá-lo, Renata.

Mas ela não pôde responder; faltavam-lhe palavras para tanto. Virou-se lentamente e caminhou para fora do quarto, apenas consciente de que seus pés se moviam. Perambulou pela escuridão da propriedade, passou pelos corpos jogados na grande sala e no vestíbulo. Estava insegura sobre para onde ir, anestesiada ainda, quando se viu no minúsculo quarto onde Mira dormia.

A pequena cama estava exatamente como ela a havia deixado, como se esperasse que sua ocupante voltasse. Sobre a baixa mesinha de cabeceira, havia uma flor silvestre que Mira tinha recolhido no começo da semana, em uma das poucas vezes que Sergei Yakut tinha-lhe permitido aventurar-se do lado de fora. A flor de Mira estava murcha, as frágeis pétalas brancas caíam sem vida, o caule verde tão murcho como um barbante.

– Ah, meu doce ratinho – Renata sussurrou no quarto escuro e vazio. – Sinto muito... Lamento não ter estado aqui a tempo...

– Renata – Nikolai permanecia de pé, do lado de fora do quarto. – Renata, não faça isso a você mesma. Você não tem culpa. E isso ainda não acabou.

A profunda voz do macho da Raça era tranquilizadora. E era confortável apenas ouvi-la e saber que ele estava ali, com ela. Ela precisava daquela tranquilidade, mas como não a merecia, Renata se recusou a correr para os braços fortes de Niko como tão desesperadamente queria fazer. Permaneceu onde estava, rígida e imóvel, desejando poder voltar no tempo e reparar todas as suas falhas.

Ela não podia permanecer naquele lugar mais um minuto sequer. Havia muitas lembranças sombrias ali.

Muita morte ao redor dela.

Renata deixou que a flor morta caísse de seus dedos sobre a cama. Então, deu a volta em direção à porta.

– Tenho que sair deste lugar – murmurou, a culpa e a angústia retorcendo-se em seu peito. – Não posso... Estou asfixiando aqui... não consigo... respirar.

Ela não esperou que ele respondesse - não podia esperar ali, nem um minuto mais. Empurrando-o, correu loucamente do quarto de Mira afora. E não parou até que seus pés a levaram para a parte de trás da construção principal, dentro do bosque ao redor. Ainda assim seus pulmões se retorciam como se tivessem sido esmagados por um caminhão.

Atrás de seu crânio, Renata pôde sentir uma dor de cabeça florescendo. Sua pele ainda não doía, mas ela estava ficando cansada até os ossos e sabia que não levaria muito tempo antes que o cansaço a nocauteasse. Pelo menos seu ombro estava decente. A ferida do disparo ainda estava ali, havia ainda uma profunda pulsação em seus músculos, mas o sangue de Nikolai tinha feito algum tipo de mágica na infecção.

Renata se sentiu o suficientemente forte quando deu uma olhada e viu o celeiro fechado – o edifício anexo onde ela e tantos outros tinham sido presos para servirem de isca para o doentio esporte de sangue de Yakut – ela não pensou duas vezes em saltar e pegar o rifle preso em suas costas. Disparou no pesado ferrolho até que ele rompesse e caísse no chão. Então, abriu a porta e disparou mais tiros dentro do grande refúgio, pontilhando as paredes e as vigas com uma saraivada de balas.

Ela não soltou o gatilho até que o carregador estivesse vazio e sua garganta seca por causa dos gritos. Seus ombros pesavam, seu peito pulsava inquieto.

– Eu devia estar aqui – ela disse, ouvindo Nikolai aproximar-se dela por trás. – Quando Lex a jogou nos braços de Fabien, eu deveria tê-lo detido. Deveria estar lá por Mira. Em vez disso, eu estava na cama, muito fraca e... inútil.

Ele fez um pequeno ruído, um rechaço sem palavras àquela culpa.

– Você não podia saber que ela estava correndo perigo. Não podia evitar nada do que aconteceu, Renata.

– Eu nunca deveria ter abandonado a casa! – ela gritou, o próprio desprezo queimando-lhe por dentro. – Fugi, quando deveria ter ficado lá o tempo todo e feito Lex me dizer onde ela estava.

– Você não fugiu. Foi pedir ajuda. E se não o tivesse feito, eu estaria morto. – Os passos dele aproximavam-se, vindo com cuidado atrás dela. – Se tivesse ficado aqui todo esse tempo, Renata, então teria morrido com Lex e os outros guardas. O que aconteceu aqui foi um plano executado a sangue frio. E tem a assinatura de Fabien.

Nikolai tinha razão. Ela sabia que aquele macho tinha razão em tudo. Mas isso não fazia doer menos.

Renata olhava fixamente, muito embora sem ver, o abismo cheio de pólvora do celeiro.

– Temos que voltar para a cidade e começar a procurá-la. Porta a porta, se for necessário.

– Sei o que sente – disse Nikolai. Ele tocou-lhe a nuca e ela se obrigou a afastar-se daquela ternura quente. – Maldição, Renata, você não acredita que se eu achasse que chutar todas as portas daqui até Old Port nos levaria a Fabien eu não estaria contigo? Mas isso não vai nos ajudar em nada. Especialmente não com o amanhecer só daqui a algumas horas.

Ela agitou a cabeça.

– Não preciso me preocupar com a luz do dia. Posso voltar para a cidade por mim mesma.

– O inferno que vai. – As mãos dele estavam brutas quando a fez girar para olhá-lo no rosto.

Seus olhos tinham um brilho âmbar e uma emoção que parecia notavelmente ser medo, inclusive na escuridão.

– Você não vai a lugar nenhum perto de Fabien sem mim. – Ele acariciou-lhe a sobrancelha, seus ferozes olhos queimando dentro dos dela. – Estamos juntos nisso, Renata. Sabe disso, não sabe? Sabe que pode confiar em mim?

Ela olhou fixamente o rosto de Nikolai e sentiu uma emoção que começava a crescer dentro de si, e era como se aquela emoção se elevasse como uma enorme onda que não podia fazer recuar mesmo se tentasse. As lágrimas correram-lhe pelos olhos, alagando-os. Antes que pudesse parar, ela estava esfregando os olhos como se um dique tivesse arrebentado dentro dela, derramando velozmente todas as demasiadas feridas que lhe marcaram durante sua vida - toda a dor e todo o vazio de sua completa existência - em soluços grandes e pesados.

Nikolai a tomou nos braços e a apertou perto de si. Ele não tentou fazer com que suas lágrimas parassem. Não a alimentou com suaves mentiras para fazê-la se sentir melhor. Ou com falsas promessas para acomodar seu desespero.

Ele apenas a segurou perto de si, protegendo-a com seu corpo grande e masculino, entre seus braços musculosos.

Sustentou-a, fazendo-a sentir que ele a entendia. Que ela não estava sozinha e que, possivelmente, de alguma maneira, ela merecia ser amada.

Agarrou-a, levantando-a em seus braços, e começou a se afastar do celeiro.

– Vamos procurar um lugar para que descanse um pouco – disse ele, sua relaxante voz vibrando em seu peito, vibrando contra ela enquanto ela se agarrava nele como a uma âncora em um porto seguro.

– Não posso voltar para a casa, Nikolai. Não vou ficar lá.

– Eu sei – ele murmurou, entrando mais no bosque. – Tenho outra ideia.

Ele a deixou sobre um leito de folhas secas entre dois altos pinheiros. Renata não sabia o que esperar, mas nunca teria imaginado do que seria testemunha nos momentos seguintes.

Nikolai ajoelhou-se junto dela e relaxou os braços, o queixo abaixado, o enorme e musculoso corpo em um estado de tranquila concentração. Renata sentiu a energia ao redor deles ranger. Ela sentiu o aroma da terra rica e fértil, o aroma do bosque depois de uma tempestade. Uma brisa cálida fazia cócegas em sua nuca enquanto Nikolai pousava as pontas dos dedos sobre o chão ao lado de si.

Houve um tranquilo sussurro de movimento na grama próxima - um sussurro de vida. Renata viu algo serpentear sob as mãos de Nikolai e não pôde evitar ofegar assombrada quando se deu conta do que estava vendo.

Pequenas videiras, disparando através do chão, correndo para os pinheiros gêmeos a cada lado dela.

– Ah, meu Deus! – murmurou ela, encantada. – Nikolai... O que está acontecendo aqui?

– Está tudo bem – disse ele, olhando as videiras, dando a elas ordens, por mais difícil que fosse acreditar.

Os talos faziam espirais ao redor dos troncos das árvores e escalavam mais alto, enchendo-os com folhas que multiplicavam exponencialmente enquanto Renata olhava estarrecida. Por cima de sua cabeça, a cerca de dois metros e meio de altura, as videiras saltavam e preenchiam o espaço entre os pinheiros. Retorciam-se juntas, então enviavam vegetação, criando um vívido dossel que se estendia por todo o caminho até o chão onde Renata e Nikolai estavam sentados.

– Você está fazendo isso? – perguntou ela, incrédula.

Ele assentiu, mas manteve sua concentração, mais e mais folhas desdobrando-se sobre as videiras. Grossas paredes de fragrante aroma formavam um refúgio ao redor deles, a exuberante folhagem intercalada com diminutas flores brancas como aquela que Renata tinha encontrado no quarto de Mira.

– Está bem... Como você está fazendo isso?

O rangido de plantas crescendo parou e Nikolai lançou um olhar despreocupado sobre ela.

– Presente de minha mãe, herdado por seus dois filhos.

– Quem é sua mãe? A Mãe Natureza? – disse Renata, rindo, surpreendida apesar de saber que as belas flores e videiras eram apenas um véu temporário. Do lado de fora daquele castelo natural, todo o horror e a violência ainda existiam.

Nikolai sorriu e agitou a cabeça.

– Minha mãe era uma Companheira de Raça, como você. O seu dom é o poder da mente, este era o dom de minha mãe.

– É incrível! – Renata passou sua mão sobre as frescas folhas e delicadas pétalas. – Deus, Nikolai, sua habilidade é... Dizer que é surpreendente nem sequer chega perto.

Ele deu de ombros.

– Nunca a usei muito. Dê-me um espaço cheio de buracos ou uns blocos de C-4 qualquer dia. Então mostrarei algo surpreendente.

Ele estava se gabando, mas ela sentia que sua lábia ocultava algo mais sombrio.

– E seu irmão?

– O que tem ele?

– Você disse que também pode fazer isso?

– Ele podia, sim – disse Nikolai, as palavras soando quase ocas. – Dimitri era mais jovem que eu. Está morto. Aconteceu faz muito tempo, na Rússia.

Renata estremeceu.

– Sinto muito.

Niko assentiu, arrancou uma folha da massa de vegetação e a depedaçou.

– Ele era um garoto, um garoto muito bom. Ele era algumas décadas mais jovem que eu. Estava acostumado a me seguir como um maldito cachorrinho, querendo fazer tudo o que eu fazia. Eu não tinha muito tempo para ele. Eu gostava de viver no limite, acho até que ainda gosto. De qualquer modo, Dimitri meteu na cabeça que precisava me impressionar – Niko exalou uma maldição afogada. – Garoto estúpido. Ele faria qualquer coisa para que eu notasse sua presença, entende? Para me ouvir dizer que o via, que estava orgulhoso dele.

Renata o olhou na escuridão, vendo a mesma culpa que ela sentia quando pensava em Mira, o mesmo terror, a mesma condenação interior pelo fato de a menina estar em grave perigo - ou até já estar morta –, tudo porque alguém em quem eles confiavam tinha falhado.

Nikolai conhecia aquela tortura. Ele mesmo a tinha vivido.

– O que aconteceu com Dimitri? – Renata perguntou com cuidado. Ela não queria abrir velhas feridas, mas precisava saber. E podia ver que Nikolai carregava aquela dor há muito tempo. – Pode me contar, Nikolai. O que aconteceu com seu irmão?

– Ele não era como eu – disse, as palavras contemplativas, como se ele se afundasse em sua história. – Dimitri era inteligente, um aluno exemplar. Amava os livros e a filosofia, adorava destrinchar as coisas, descobrir como funcionava tudo ao seu redor e depois juntá-las de novo. Era brilhante, verdadeiramente superdotado, mas queria ser como eu.

– E como era você então?

– Selvagem – disse, mais como um epíteto do que como uma ostentação. – Sou o primeiro a admitir. Sempre fui um pouco temerário, sem me preocupar onde eu terminaria amanhã enquanto estivesse passando um bom momento hoje. Dimitri gostava da contemplação, eu gostava da adrenalina. Ele gostava de juntar as coisas; eu, de quebrá-las.

– Foi por isso que você se uniu à Ordem? Pela adrenalina da luta?

– Esse é parcialmente o motivo, sim – ele colocou os cotovelos sobre os joelhos e olhou o chão. – Depois do assassinato de Dimitri, eu tinha de me afastar. Culpei-me pelo que aconteceu. Deixei meu país e fui para os Estados Unidos. Juntei-me a Lucan e aos outros em Boston não muito tempo depois disso.

Ela não deixou de lado o fato de que ele havia dito que seu irmão tinha sido assassinado, não meramente morto.

– O que aconteceu, Nikolai?

Ele exalou um longo suspiro.

– Eu tinha problemas com um idiota do Refúgio da Ucrânia. Chegamos a sair no braço várias vezes, principalmente por causa do tédio. Mas uma noite, Dimitri ouviu aquele chupa-sangue em um botequim falando asneiras sobre mim e decidiu chamar sua atenção. Dimitri tirou uma faca e cortou o cara diante de seus amigos. Foi um golpe de sorte – ele não era bom com armas. De todo modo, aquilo encheu o saco do bastardo e, dois minutos depois, meu irmão estava no meio de uma poça de seu próprio sangue, com a cabeça separada do corpo.

– Ah, Jesus! – Renata disse com a respiração entrecortada, sentindo uma dor em seu coração. – Sinto muito, Nikolai.

– Eu também – deu de ombros. – Depois, saí e persegui o assassino de Dimitri. Arranquei a cabeça dele e a levei para meus pais como desculpas. Eles me desprezaram, disseram que deveria ter sido eu, não D. E eu não podia culpá-los por conta isso. Diabos, eles tinham razão, afinal de contas. Então, fugi e nunca mais olhei para trás.

– Sinto muito, Nikolai.

Ela não sabia mais o que dizer. Tinha pouca experiência em oferecer consolo, e mesmo que tivesse, não estava segura de que Niko quisesse ou necessitasse daquilo. Como um homem repentinamente desconfortável em sua própria pele, Nikolai ficou calado durante um longo momento.

Ele limpou a garganta, passou a mão pelos cabelos e ficou em pé.

– Acho que devo sair e dar outra olhada na casa. Você ficará bem sozinha aqui durante alguns minutos?

– Sim. Estou bem.

Ele a olhou fixamente, procurando seu rosto. Ela não sabia o que queria que dissesse, mas o olhar em seus olhos parecia indecifrável.

– Sente-se bem? Algum sinal da reverberação?

Renata deu de ombros.

– Um pouco, mas não muito forte.

– E seu ombro?

– Bem – disse ela, flexionando o braço esquerdo para mostrar que já não sentia dor. – Está muito melhor agora.

Um silêncio longo e estranho se estendeu entre eles, como se nenhum dos dois soubesse como superá-lo ou fazer a coisa mais fácil e deixá-lo durar. Foi assim até que Nikolai começou a separar algumas das grossas videiras para sair e Renata estendeu a mão para tocá-lo.

– Nikolai... Eu, hum... queria agradecê-lo – disse ela, consciente do fato de que, embora ele tenha parado, ela continuava com a mão em seu braço. – Preciso agradecê-lo... por me dar seu sangue hoje.

Ele girou para ela, fazendo um leve movimento de cabeça.

– A gratidão é agradável, mas não é necessária. Se nossas situações estivessem invertidas, sei que teria feito o mesmo por mim.

Ela o teria feito, sim; Renata podia dizer isso sem a menor dúvida. Aquele homem, um estranho há menos de uma semana - um guerreiro que também era um vampiro – e agora tinha se tornado seu mais confiável e íntimo amigo. Se fosse honesta consigo mesma, teria de admitir que Nikolai ia além disso, isso mesmo antes de ter compartilhado seu sangue com ela. Inclusive antes do sexo que ainda lhe fazia os pés se retorcerem só de lembrar.

– Não estou segura de como fazer isso... – Renata elevou o olhar para ele, lutando com as palavras, mas precisando dizê-las. – Não estou acostumada a contar com ninguém. Não sei como estar com alguém. Não é algo que eu tenha feito antes, e só... sinto como se tudo que pensei que sabia, todas as coisas que uma vez me ajudaram a sobreviver agora fugissem de mim. Estou à deriva... estou aterrada. – Nikolai acariciou-lhe a bochecha em chamas e, então, deu-lhe um abraço.

– Você está segura – disse carinhosamente ao pé da orelha dela. – Estou com você e vou protegê-la.

Ela não se deu conta do quanto precisava ouvir aquelas palavras até que Nikolai as dissesse. Ela não sabia quanto ele morria de alegria por ter seus braços ao redor dela ou quanto ansiava seu beijo até que Nikolai se aproximou mais e colocou a boca sobre a dela. Renata o beijou despreocupada, deixando-se levar pelo momento porque Nikolai estava com ela, sustentando-a, dando-lhe segurança. Seu beijo cresceu mais apaixonado, ele a inclinou sobre a terra almofadada do refúgio íntimo. Renata sentiu o peso do corpo musculoso dele sobre ela, as mãos grandes e quentes dele acariciando a pele cremosa dela. E sob sua camiseta larga, ele começou a passar os dedos pelo estômago e pelos seios já intumecidos da mulher.

Com as presas, tocou-lhe leve e infantilmente os lábios enquanto os separava para beijá-la. Os olhos dele brilhavam como brasas sob as pálpebras, e ela não precisava ver seu rosto transformado para saber que ele a queria. A rígida evidência disso apertava-se insistentemente contra seu quadril. Ela moveu as mãos pela coluna dele e ele gemeu, sua pélvis golpeando-a com um reflexivo empurrão.

Seu nome foi um gemido gutural enquanto ele movia a boca sob seu queixo e por seu pescoço. Ele arrancou a camiseta dela e Renata arqueou as costas para receber seus lábios enquanto ele descia sobre seus seios nus e pela suave planície de sua barriga. Ela estava perdida no prazer daquele beijo selvagem. Sentindo o calor da pele dele contra a sua.

Com dedos hábeis, ele desabotoou o jeans dela, deslizando-o pelas coxas. Sua boca seguiu o progresso, queimando-a do quadril até o tornozelo enquanto separava suas pernas e empurrava sua calcinha para um lado. Ela gritou quando ele se inclinou entre suas coxas e sugou-lhe o sexo, língua e presas levando-a a um delicioso tormento.

– Ah! Deus! – ofegou ela, seus quadris elevando-se do chão enquanto ele enterrava a boca em seu sexo umedecido.

Ela não soube como conseguiu, mas um momento mais tarde ele também estava nu. Deitou-se sobre ela, mais do que simplesmente um homem. E a mulher dentro de Renata estremeceu de desejo. Ela abriu as pernas para ele, ansiosa por senti-lo dentro de si, preenchendo o vazio com força e calor.

– Por favor... – ela gemeu, ofegando de necessidade.

E ele não a fez pedir duas vezes.

Movendo-se para cobri-la, Nikolai colocou os joelhos entre suas pernas e a abriu debaixo de si. A cabeça de seu pênis golpeou a fenda lisa do sexo dela e, em seguida, mergulhou longa, lenta e profundamente.

O grunhido dele enquanto se afundava dentro dela era feroz, um eco de trovões em seus ossos e sangue. Começou a empurrar lentamente, embora fosse claro que a paciência era uma tortura. Renata podia sentir a intensidade de sua fome por ela, a profundidade de seu prazer enquanto ela embainhava o mastro dele da cabeça aos testículos.

– Você é tão boa – ele murmurou entre os dentes enquanto se retirava para começar de novo, mais fundo que antes. Empurrou forte, estremecendo com o esforço. – Oh! Renata... Sinto-me tão bem.

Ela uniu os tornozelos ao redor das costas largas dele enquanto ele movia-se em um ritmo mais frenético.

– Mais forte – sussurrou ela, querendo sentir que ele acabava com seus medos, um martelo que esmagava toda sua culpa, dor e solidão. – Ah! Nikolai... Entre mais forte em mim.

O grunhido dele em resposta soou tão entusiasta quanto selvagem. Deslizando seu braço por baixo dela, inclinando-a para encontrar suas carícias, conduzindo-a com toda a ira que ela tão desesperadamente necessitava. Varreu-lhe a boca com um beijo febril, contendo o grito enquanto seu clímax rugia sobre ela como uma tormenta. Renata tremeu e estremeceu, agarrando-o enquanto ele continuava empurrando-se para dentro dela, cada músculo de suas costas e ombros ficando tão duros quanto pedras de granito.

– Ah! – gemeu entre os dentes e presas, seus quadris movendo-se de forma rápida e frenética contra ela em um rápido e temerário ritmo que era maravilhosamente bom, cheio de vida e repleto de alegria.

O grito de liberação dele ecoou na voz de Renata enquanto ela voltava novamente, aferrando-se contra ele e se perdendo naquele delicioso novo sentimento de despreocupação.

Ela estava à deriva, mas naquele momento não sentia medo. Estava a salvo com aquele macho selvagem e audacioso; ela acreditava verdadeiramente nisso. Confiava em Nikolai com seu corpo e com sua vida. Enquanto permanecia ali com ele enfiado entre suas pernas, em uma postura íntima, não era tão difícil imaginar que ela também pudesse confiar nele com seu coração. Que ela podia, de fato, estar se apaixonando por ele.

A batida foi insistente - um frenético bater na porta de carvalho do Refúgio de Andreas Reichen, em Berlim.

– Andreas, por favor! Está aí? É Helene. Tenho que vê-lo!

Era mais de 4 horas da manhã, um breve momento antes que o sol aparecesse sobre o horizonte e apenas uns poucos permaneciam acordados na casa. O resto dos familiares de Reichen - cerca de uma dúzia deles, jovens homens da Raça e casais com crianças pequenas, algumas delas recém-nascidas - já tinham começado a ir para a cama.

– Andreas? Alguém? – outra série de golpes cheios de pânico, seguidos por um grito apavorado. – Olá! Alguém, por favor... deixem-me entrar!

Dentro da mansão, um homem da Raça saiu da cozinha, onde estava esquentando um copo de leite para sua companheira que o esperava no andar de cima com seu exigente bebê. O macho conhecia a humana que estava na porta. A maioria do Refúgio a conhecia, e Andreas tinha deixado claro que Helene era sempre bem-vinda em sua casa. Ter chegado sem avisar naquela hora tardia, e enquanto Andreas estava longe em negócios particulares durante duas noites, era estranho. Mais estranho ainda era o fato de que a controlada mulher estivesse tão assustada.

Cheio de preocupação pelo que podia ter ocorrido à companheira humana de Andreas, o homem do Refúgio deixou o leite e correu pelo chão de mármore do vestíbulo, sua roupa de banho voando atrás dele como a vela de uma embarcação pirata.

– Já vou – gritou, elevando a voz para ser ouvido entre os golpes incessantes e as súplicas chorosas de Helene do outro lado da porta.

Os dedos do macho voaram sobre o teclado do sistema de segurança da mansão.

– Um momento! Estou aqui, Helene. Vai ficar tudo bem.

Quando a luz eletrônica piscou para indicar que os sensores estavam desabilitados, ele tirou os ferrolhos e abriu a porta.

– Ah! Graças a Deus! – Helene correu para ele, com a maquiagem borrada e manchas negras cobrindo-lhe as bochechas. Estava pálida e trêmula; seus olhos, habitualmente ardilosos, pareciam de algum modo vazios enquanto ela fazia uma rápida verificação do vestíbulo.

– Andreas... onde está ele?

– Foi a Hamburgo a negócios. Voltará amanhã à noite. Mas você é bem-vinda aqui – recuou para dar espaço e deixar que entrasse na mansão. – Entre, Helene. Andreas não gostaria que a rejeitássemos.

– Não – disse ela de um jeito débil. – Sei que ele nunca me rejeitaria.

Entrou no vestíbulo e pareceu instantaneamente mais calma.

– Eles sabiam que ele nunca me rejeitaria...

Foi nesse momento que o jovem do Refúgio se deu conta de que Helene não estava sozinha. Atrás dela, apressando-se antes que pudesse fazer algo mais do que gritar em alerta, havia uma equipe de Agentes da lei pesadamente armados vestidos de preto da cabeça aos pés.

Ele virou a cabeça para olhar Helene incrédulo. Com completo horror.

– Por quê? – perguntou, mas a resposta estava em seus olhos vazios.

Alguém tinha conseguido controlá-la. Alguém muito poderoso.

Alguém que tinha convertido Helene em uma Subordinada – uma escrava de sangue.

O pensamento se registrou antes que o primeiro disparo o golpeasse. Ele ouviu carregadores sendo disparados, ouviu os gritos de sua família enquanto todo o Refúgio despertava com terror.

Mas, então, outra bala golpeou seu crânio e seu mundo e tudo nele se tornou silencioso e escuro.

 

 

CONTINUA

Capítulo 19

- Agradável - exalou Niko fazendo uma tensa careta. Sentia-se tudo menos agradável enquanto fechava a porta do banheiro e caminhava para o quarto.

Ficar a sós com Renata enquanto ela estava nua na banheira, tocando-a – beijando-a, pelo amor de Deus! -, tinha deixado todo o seu corpo sobrecarregado. E estava tão perturbado que sua feroz ereção era a menor de suas preocupações enquanto ele se aproximava da porta onde Jack golpeava de novo. Uma coisa era fingir que não havia um pau de barraca ereto em suas calças. Outra, era esperar que alguém não notasse que seus olhos estavam ardendo em brasa como carvões queimando e que seus caninos estavam tão estendidos a ponto de envergonhar um rottweiller.

Ao menos a folgada camisa cobria-lhe os glifos. Niko não precisava ver seu corpo para saber que as marcas de sua pele estavam vivas e pulsando com as profundas cores por causa da excitação. Seria terrivelmente difícil tentar fazê-las passar por tatuagens agora.

Nikolai olhou à porta e se forçou a relaxar e se acalmar. Tinha que eliminar o fogo de sua íris e a significativa luxúria que o toque de Renata tinha-lhe despertado. Concentrou-se em amenizar o pulso – uma luta atroz quando era seu pênis quem comandava sua circulação sanguínea.

- Olá? - disse uma saudação arrastada do lado de fora. Jack golpeou de novo, a sombra escura de sua cabeça movendo-se ao outro lado da cortina na janela da porta. Parecia consciente em manter sua voz a um nível discreto. - Renata, é você, querida? Está acordada?

Inferno. Não havia escolha senão deixá-lo entrar. Nikolai grunhiu em voz baixa enquanto estirava o braço para puxar o ferrolho. Tinha garantido a Renata que seria agradável com o homem, mas as coisas podiam mudar logo que abrisse a maldita porta. E se o humano emitisse uma ligeira suspeita, logo faria parte da lista de pessoas que já tinham passado por uma lavagem cerebral.

Niko destrancou a porta e virou o trinco. Recuou do fio de luz que se vertia no interior pela abertura e posicionou-se atrás da porta enquanto a abria.

- Renata? Posso entrar um minuto? - botas de cowboy marrons avançaram sobre a soleira. - Pensei em visitá-la esta manhã antes de ocupar-me com os garotos na casa.

Quando o humano entrou vestindo um par de jeans desgastado e uma camiseta de algodão branco, Nikolai fechou a porta para selar o sol da manhã. Avaliou o homem mais velho, olhando o rosto enrugado, os ardilosos olhos e o estilo militar de sua roupa. Era um homem grande, magro e com as pernas ligeiramente tortas, mas seus braços tatuados estavam bronzeados e ainda firmes com músculos o suficiente para indicar que mesmo velho ele não temia o trabalho duro.

- Você deve ser o Jack - disse Nikolai, tomando cuidado para falar de maneira que mantivesse suas presas ocultas atrás dos lábios.

- Correto. - Um ligeiro assentimento enquanto Niko era objeto de uma avaliação similar a que fizera antes. - E você é o amigo da Renata... Ela, ah, não me disse seu nome ontem à noite.

Aparentemente o brilho âmbar tinha desaparecido das íris azuis de Niko, já que ele duvidava que Jack lhe apertaria a mão como fazia nesse momento se visse um par de olhos de outro mundo que brilhavam como centelhas em uma lareira.

- Nick - disse, apenas se aproximando da verdade por ora. Apertou a mão brevemente do antigo soldado. - Obrigado por nos ajudar.

Jack assentiu.

- Seu aspecto está melhor esta manhã, Nick. Alegra-me vê-lo de pé, andando por aí. Como está Renata?

- Bem. Está no banheiro tomando banho.

Não viu razão alguma para expor a infecção. Não tinha sentido preocupar o bem-intencionado Jack a ponto de começar a falar sobre médicos ou idas ao hospital. Embora se apoiando no que Nikolai tinha visto da ferida de Renata, se seu processo de cura não obtivesse um sério avanço – e rápido - não haveria alternativa exceto uma visita à sala de emergência mais próxima.

- Não quero perguntar como ela terminou com uma bala no ombro - disse Jack, olhando de perto Nikolai. - Pela forma como vocês estavam ontem à noite e pelo fato de ter tido que desaparecer com um caminhão roubado cheio de produtos médicos, eu diria que, seja qual for, o problema está relacionado a drogas. Mas sei que Renata é mais inteligente que isso. Não acredito nem por um momento que ela se envolveria em algo como drogas. Ela não quis me dizer nada, e prometi não pressioná-la. Sou um homem de palavra.

Niko sustentou o olhar do velho homem.

- Estou seguro de que ela aprecia isso. Ambos apreciamos.

- Sim - disse Jack arrastando as palavras, seus duros olhos estreitando-se. - Mas tenho curiosidade sobre algo. Ela sumiu durante os últimos anos... Você teve algo a ver com isso?

Aquilo não foi pronunciado como uma acusação aberta, mas era óbvio que o homem tinha estado preocupado com Renata e também tinha sentido que sua longa ausência não fora necessariamente boa para ela. Cara, se ele soubesse o que ela tinha passado! A ferida de bala que tinha agora era apenas a cereja do que tinha sido um bolo muito, muito desagradável.

Nikolai agitou a cabeça.

- Só conheço Renata há alguns dias, mas posso dizer que você tem razão quando diz que ela é muito inteligente para cair em problemas com drogas. Esse não é o problema agora, Jack. Mas ela está em perigo. A única razão pela qual estou aqui é porque ela arriscou o próprio pescoço para me tirar de um monte de problemas ontem.

- Isso é bem a cara de Renata - disse Jack com uma expressão perdida entre o orgulho e a preocupação.

- Infelizmente, porque ela entrou para me ajudar, agora há um alvo em nossas costas.

Jack grunhiu enquanto escutava, juntando as enxutas sobrancelhas.

- Ela disse como nos conhecemos?

- Alguma coisa - disse Niko. - Sei que confia em você e que o respeita. Presumo que esteve aqui para ajudá-la uma ou duas vezes antes de agora.

- Tentei, melhor dizendo. Renata nunca quis ajuda de mim ou de ninguém mais. Não para si. Mas havia muitos outros meninos que ela trouxe para minha casa em busca de ajuda. Ela não podia ver alguém sofrer. Demônios, ela não era muito mais que uma menina na primeira vez que veio. Sempre guardava para si mesma os maiores pesos, uma verdadeira solitária. Ela não tem família, já sabe.

Nikolai agitou a cabeça mais uma vez.

- Não, não sabia disso.

- As irmãs de um orfanato a criaram nos primeiros 12 anos de sua vida. A mãe dela a abandonou na igreja quando Renata era apenas um bebê. Ela nunca soube nada de seus pais. Quando fez 15 anos, deixou as freiras para viver nas ruas. Sozinha.

Jack caminhou para um arquivo metálico que permanecia com algumas das outras coisas armazenadas no apartamento. Pegou um molho de chaves do bolso do jeans e enfiou uma delas na fechadura.

- Sim, senhor, Renata era difícil, desde o começo. Magra, cautelosa, ela parecia alguém que sequer podia manter-se de pé durante uma forte brisa, mas essa garota tinha nervos de aço. Não levava desaforo algum.

- Não mudou muito - disse Nikolai, olhando o homem abrir a gaveta do fundo. - Nunca conheci uma mulher como Renata.

Jack olhou por cima dele e sorriu.

- Ela é especial, não é mesmo? Teimosa também. Uns poucos meses antes da última vez que a vi, ela estava com o rosto cheio de hematomas. Aparentemente algum bêbado com quem cruzou na saída de um bar teve a ideia de querer um pouco de companhia durante a noite. Viu Renata e tentou levá-la para um passeio em seu carro. Ela lutou com ele, mas ganhou alguns socos antes de conseguir escapar.

Nikolai amaldiçoou em voz baixa.

- O filho da mãe deveria ter sido estripado por colocar as mãos em uma mulher indefesa.

- Isso foi o que pensei - disse Jack, mortalmente sério, o soldado protetor falando uma vez mais.

Relaxou e retirou uma caixa de madeira polida do arquivo.

- Ensinei uns golpes básicos de autodefesa a ela. Ofereci enviá-la a algumas aulas, mas é óbvio que ela rechaçou. Umas poucas semanas se passaram e ela voltou de novo, trazendo outro menino sem lar. Disse que tinha algo para ela – um presente especial que eu havia feito para ela. Juro por Deus, se você tivesse visto seu rosto, pensaria que ela preferiria se jogar na frente de um carro a ter que aceitar alguma amabilidade de alguém.

Nikolai não tinha que se esforçar para imaginar aquele olhar. Ele mesmo o tinha visto uma ou duas vezes desde que conhecera Renata.

- Qual foi seu presente para ela?

O velho deu de ombros.

- Não muito, realmente. Um velho jogo de adagas. Levei-as ao artesão que trabalhava com metais e pedi para customizar as lâminas. Cada uma das quatro com parte da força que vi em Renata. Disse que eram as qualidades que a faziam única e resolveriam qualquer situação.

- Fé, coragem, honra e sacrifício - disse Nikolai, recordando as palavras que tinha visto nas adagas que Renata parecia guardar como um tesouro.

- Ela lhe contou sobre as adagas?

Niko deu de ombros.

- Eu a vi usando-as. Significam muito para ela, Jack.

- Não sabia - respondeu. - Fiquei surpreso por ela as ter aceitado de primeira, mas não pensei que ainda as guardasse depois de todo esse tempo.

Piscou rapidamente, depois se entreteve com a caixa que tinha tirado do arquivo. Abriu a tampa, e Niko captou o brilho do escuro metal descansando dentro do estojo. Jack limpou a garganta.

- Escuta, como disse antes, não vou pressionar para que me dê detalhes daquilo em que estão envolvidos. Está suficientemente claro que estão em um grande apuro. Podem ficar aqui o tempo que precisar. E quando estiverem preparados para ir, saibam que não precisa ser com as mãos vazias.

Colocou a caixa aberta no chão e empurrou na direção de Nikolai. Dentro havia duas imaculadas pistolas semiautomáticas e uma caixa de balas.

- São suas, se quiser. Não farei perguntas.

Niko agarrou umas das duas 45 mm e a inspecionou com um olhar crítico. Era um belo e bem cuidado Colt M1911. Provavelmente armas de uso militar da época em que Jack servira no Vietnã.

- Obrigado, Jack.

O velho guerreiro humano assentiu ligeiramente.

- Tome conta dela. Mantenha-a protegida.

Nikolai sustentou esse firme olhar.

- Farei isso.

- Está bem - Jack murmurou. - Está bem, então.

Enquanto começava a levantar-se, alguém gritou seu nome no caminho de entrada. Um segundo mais tarde, ouviam-se pisadas nas escadas de madeira que levavam ao apartamento da garagem.

Niko lançou a Jack um afiado olhar.

- Alguém sabe que estamos aqui?

- Não. De modo algum. É só Curtis, um de meus meninos recentes. Está arrumando meu velho computador. Os malditos vírus atacaram de novo – Jack se dirigiu para a porta. - Ele acha que estou procurando um disco rígido aqui dentro. Vou dispensá-lo. Enquanto isso, se pensar em algo mais de que possam precisar, basta pedir.

- Tem um telefone? - perguntou Niko, devolvendo a pistola à caixa.

Jack colocou a mão em seu bolso dianteiro e tirou um celular, jogando-o para Nikolai.

- Deve ter algumas horas de bateria. É seu.

- Obrigado.

- Virei mais tarde - Jack segurou o trinco da porta e Nikolai voltou para as sombras, longe do reflexo da luz diurna enquanto fazia um esforço para ficar fora da visão do indesejado visitante que tinha chegado no alto das escadas.

- Bem, eu estava enganado, Curtis. Olhei todos os lugares e não há nenhum disco rígido nas caixas daqui de cima.

Niko viu a cabeça do outro humano tentando olhar pelo fio da porta enquanto Jack a fechava firmemente atrás dele. Houve uma multidão de passos enquanto Jack escoltava o outro humano para longe.

Uma vez que estava seguro de que eles tinham partido, Nikolai discou um número de acesso remoto que era mantido pelos quartéis centrais da Ordem em Boston. Teclou no celular de Jack um número e um código que o identificaria para Gideon, e então esperou que a chamada fosse atendida.

O meio-dia em uma comunidade que abrigava um grupo de vampiros era geralmente uma hora de inatividade, mas nenhum dos sete guerreiros reunidos na sala de armas dos quartéis centrais da Ordem pareceu notar a hora, nem sequer os suficientemente abençoados que tinham suas encantadoras Companheiras de Raça esquentando suas camas. Desde que se reagruparam na comunidade antes do amanhecer, os guerreiros se mantiveram ocupados revisando as situações de missões atuais e marcando objetivos para a noite que se aproximava. Investigaram os assuntos da Ordem durante horas e, ao final, não havia nada novo. E dessa vez não havia também nada das habituais conversas de bom humor ou brincadeiras sobre quem estava pegando as melhores missões.

Nesse momento, a alguns metros de distância, na área usada para prática de tiro, cinco pistolas estavam sendo disparadas, uma atrás da outra, os olhos do outro lado trituravam minúsculos confetes. A sala de tiro da comunidade era usada mais para entretenimento do que para necessidade, posto que todos os guerreiros matavam seus alvos. Mesmo assim, nunca paravam de se provocar e de chutar os traseiros uns dos outros só para manter as coisas vívidas.

Não havia isso hoje. Apenas o som de todo aquele ruído ensurdecedor. O ruído era estranhamente cômodo só porque ajudava a mascarar o silêncio, e o fato de a comunidade toda estar vibrando com um atual mal-estar. Durante as últimas 36 horas, o comportamento tinha sido mais sóbrio, envolto no coletivo, se não talvez inexpressivo, terror.

Um dos seus tinha desaparecido.

Nikolai sempre tendeu a ser um pouco inconformista, mas não significava que o homem fosse de pouca confiança. Se dizia que ia fazer algo - ou que estaria em algum lugar -, podiam contar com ele para seguir adiante. Em qualquer momento, sem exceções.

E agora, quando deveria ter voltado para Montreal fazia um dia e meio, como tinha planejado, Niko estava apagado e fora de contato.

Nada bom, pensou Lucan, sentindo que não era o único com essa sensação enquanto olhava os outros guerreiros que também esperavam notícias de Nikolai e se perguntavam o que poderia ter acontecido.

Como Primeira Geração da Raça e fundador da Ordem na Idade Média, Lucan era o líder daquele grupo de vampiros guerreiros da era moderna. Sua palavra era lei naquela comunidade. Em tempos de crise – para melhor ou pior - era sua resposta que estabelecia a voz para os outros guerreiros. Estava bem condicionado a não mostrar preocupação ou dúvida, uma destreza que vinha naturalmente de sua parte virtualmente imortal, um poderoso predador que tinha caminhado por esta Terra durante 900 anos.

Mas a parte humana, a parte que tinha chegado a apreciar mais a vida por ter conhecido sua Companheira de Raça, Gabrielle, no verão passado, não podia fingir que a perda potencial de um guerreiro nessa guerra privada dentro da nação vampírica não seria algo catastrófico. Sem falar do fato de que os guerreiros da Ordem, os que tinham estado com ele desde o começo e os membros mais recentes, que tinham se unido à luta no último ano, eram quase uma família para ele. Tudo tinha mudado tanto nesse tempo. Agora também havia várias mulheres vivendo na comunidade, e para um dos guerreiros e sua companheira - Dante e Tess -, havia um bebê à caminho.

Agora, as apostas eram mais altas que qualquer outra para a Ordem; assim que um inimigo era derrotado, outro ainda mais poderoso surgia em seu lugar. Em um ano, a principal missão dos guerreiros tinha sido caçar os Renegados, em um esforço para manter a paz, perseguir um perigoso inimigo que tinha se escondido por muitas longas décadas. Um inimigo que tinha estado pacientemente construindo sua estratégia enquanto ocultava um segredo mortal e esperava a oportunidade de levá-lo a cabo. Se tivesse êxito, não estariam só as populações da Raça em perigo, mas também toda a humanidade.

Não custou muito a Lucan recordar a selvageria dos velhos tempos, quando a noite era dominada por um monte de criaturas de outro mundo, sedentas. Criaturas que tratavam em ampla escala de terror e morte. Alimentavam-se como bestas e causavam destruição como os malfeitores mais letais. Lucan havia feito de sua vida uma missão de erradicar aquelas bestas, mesmo que isso significasse caçar seu próprio pai.

A Ordem tinha declarado a guerra, havia brandido espadas e batalhado para exterminar a todos... ou pelo menos assim eles acreditavam. A ideia de que alguém tivesse sobrevivido causou um profundo frio nos imortais ossos de Lucan.

Olhou os guerreiros que serviam junto a ele e não pôde evitar sentir algo de sua idade. Não pôde evitar sentir que tinham enfrentado uma prova no ano passado - possivelmente sua primeira e verdadeira prova desde a formação da Ordem - e que o pior estava por vir.

Perdido em escuros pensamentos enquanto perambulava pela parte traseira da sala de armas, Lucan não se deu conta de que as portas da área de treinamento estavam sendo abertas até que Gideon irrompesse a toda pressa. O tênis do vampiro loiro deslizou sobre o mármore branco até parar diante de Lucan.

- Niko fez contato - anunciou, visivelmente aliviado. – Identificou-se de um celular de Montreal.

- Finalmente - disse Lucan, embora sua resposta não disfarçasse sua preocupação. – Está com ele na linha?

Gideon assentiu.

- Está esperando no laboratório tecnológico. Pensei que queria falar com ele pessoalmente.

- Fez bem.

Os disparos cessaram abruptamente quando um dos outros guerreiros, o outro único membro Primeira Geração da Ordem, Tegan, corria para dar as notícias sobre o contato de Niko aos cinco homens que treinavam. Os guerreiros - Dante e Rio, membros há muito tempo; Chase, que tinha deixado a Agência para unir-se à Ordem naquele verão; e os dois recrutas mais recentes, Kade e Brock, ambos trazidos por Niko - abaixaram as armas e avançaram atrás de Tegan, formando um nó de músculos e testosterona.

Rio, um dos guerreiros mais ligados a Nikolai, foi o primeiro a falar. Seu rosto cicatrizado estava cheio de preocupação.

- O que aconteceu?

- Ele me deu a versão resumida - disse Gideon. - Mas a porcaria é grande e fedorenta, começando com o assassinato de Sergei Yakut há duas noites.

- Maldito seja - murmurou Brock, arrastando seus escuros dedos pelo cabelo estilizado.

- Essa onda de assassinatos dos Primeira Geração está saindo do nosso controle.

- Bom - acrescentou Gideon. - Isso não é exatamente o pior. Niko foi detido pelo assassinato e levado às instalações da Agência de Imposição.

- Ah! Inferno! - respondeu Kade, estreitando seus pálidos olhos. –Você não acha que ele...

- De maneira alguma - disse Dante, sem pestanejar um segundo. - Duvido que derramasse uma só lágrima por uma escória como Yakut, mas Nikolai não tomaria parte em sua morte.

Gideon agitou sua cabeça.

- Não. E não foi trabalho de um assassino, tampouco. Niko diz que o próprio filho de Yakut levou um Renegado para matar seu pai. Infelizmente para Nikolai, o filho de Yakut tem algum tipo de aliança com a Agência. Eles arrastaram Niko e o jogaram dentro de uma sala de contenção.

- Que merda é essa? - dessa vez era Sterling Chase quem falava. Sendo um antigo agente, ele estava ciente tanto quanto qualquer um dos guerreiros na sala do quão desagradável uma visita à Agência podia ser.

- Já que estava suficientemente consciente para telefonar, assumo que não está mais preso lá.

- Escapou de algum jeito - disse Gideon. - Mas não tenho todos os detalhes ainda. Posso dizer que há uma mulher na jogada, uma Companheira de Raça que era membro da casa de Yakut. Ela está com Niko agora.

Lucan não comentou essa problemática informação de última hora, embora sua sombria expressão provavelmente dissesse tudo.

- Onde eles estão?

- Em alguma parte da cidade - respondeu Gideon. - Niko não tem certeza sobre a localização exata, mas diz que estão seguros por agora. No entanto, estão preparados para o verdadeiro golpe?

Lucan arqueou uma sobrancelha.

- Pelo amor de Deus. Há algo mais?

- Temo que sim. O cara que atirou no traseiro de Niko na sala de contenção e pessoalmente fiscalizou sua tortura... bem, aparentemente, durante um de seus momentos mais expressivos o filho da mãe admitiu ter uma ligação com Dragos.


Capítulo 20

Nikolai estava no meio de uma conversa no celular quando Renata saiu de seu longo e bem-vindo banho. Ela evidentemente tinha adormecido na banheira em algum momento, porque a última coisa de que se lembrava era de ter escutado a voz de Jack na porta do quarto depois de Nikolai ir conhecê-lo, e agora já não havia mais nenhum sinal do ex-marinheiro. Deteve-se dentro do quarto, com os cabelos úmidos grudando no pescoço e o corpo envolto na toalha que Nikolai lhe havia dado.

Estava aturdida e dolorida, muito quente ainda, mas o banho com água fria era exatamente do que necessitava. O beijo de Nikolai tampouco tinha sido mal.

Falando baixo, em um tom confidencial, ele a olhou de onde estava, sentado em uma cadeira dobrável perto de uma mesa no centro da sala, seus olhos azul-claro fazendo uma rápida, porém completa exploração do corpo de Renata. Havia um calor inconfundível naquele breve olhar, mas ele parecia falar de negócios ao telefone, o que fazia presumir que só podia estar falando com a Ordem, em Boston. Renata escutou enquanto o guerreiro fez um resumo eficiente das circunstâncias do assassinato de Yakut, da clara aliança entre Lex e Fabien, do desaparecimento de Mira e da fuga que tinha trazido Nikolai e Renata para a casa de Jack.

Pelo tom daquela conversa, o homem do outro lado da linha - Lucan, ela tinha escutado Nikolai chamá-lo - estava preocupado com sua segurança e alegre que ambos estivessem inteiros, e não gostou nem um pouco de saber que estavam completamente à mercê de um humano. E Lucan não estava entusiasmado com o fato de que Nikolai estivesse falando em ajudar Renata a localizar Mira. Ela podia escutar a voz profunda ao final da outra linha grunhindo sobre “problemas de Companheiras de Raça” e objetivos da missão atual - como se uns excluíssem os outros.

A maldição como resposta quando Nikolai acrescentou que Renata estava se curando de uma ferida de bala era audível através de todo o quarto.

- Ela é forte–Niko disse para Lucan enquanto olhava para Renata. - Mas levou um forte golpe no ombro e não está muito bem. Seria uma boa ideia arranjar alguém para vir pegá-la e levá-la para a Ordem até que tudo se acalme por aqui.

Renata olhou com desaprovação e deu uma sacudida de cabeça. Grande engano. Até mesmo aquele pequeno gesto fez a visão dela fraquejar, e foi só o que pode fazer antes de cair sobre a cama quando suas pernas lhe faltaram. Deixou-se desabar sobre o colchão, lutando contra um círculo vicioso de ondas de calor e frio.

Tentou ocultar de Nikolai seu estado deplorável, mas o olhar que ele deu disse-lhe que seria inútil continuar tentando esconder seu mau estado.

- Gideon ainda não tem nada de Fabien? - perguntou, levantando-se para passear pelo quarto. Escutou por um minuto, depois exalou um suspiro. - Inferno! Não posso dizer que isso me surpreende. Ele tinha um maldito ar de político, então imaginei que o bastardo tivesse boas conexões. O que mais temos?

Renata conteve a respiração no silêncio que se estendeu. Podia ver que as notícias do outro lado da linha não eram boas.

Nikolai deixou escapar um profundo suspiro e, então, passou a mão pelos cabelos loiros.

- Quanto tempo acredita que Gideon vai demorar para pesquisar nos arquivos protegidos e conseguir seu endereço? Inferno, Lucan, não estou seguro de que devêssemos esperar tanto tempo, levando em conta... Sim, estou ouvindo. Talvez, enquanto Gideon faz esse trabalho, eu faça uma visita a Alexei Yakut. Poderia apostar meu testículo esquerdo que Lex sabe onde encontrar Fabien. Diabos, não me resta dúvidas de que Lex esteve lá mais de uma vez. Eu ficaria feliz em obter essa informação, depois enfrentarei Fabien pessoalmente.

Nikolai escutou por um momento antes de grunhir uma maldição em voz baixa.

- Sim, claro, eu sei... por mais que queira fazer esse filho da mãe pagar, você tem razão. Não podemos nos arriscar a assustar Fabien antes de ter uma sólida informação sobre sua ligação com Dragos.

Renata olhou a tempo de perceber o olhar sombrio de Nikolai. Ela esperou que ele acrescentasse que nada era mais importante do que garantir a segurança de Mira e rastrear o vampiro que a mantinha. Ela esperou, mas essas palavras nunca atravessaram os lábios do guerreiro da Ordem.

- Sim - murmurou. - Ligue quando souber de algo. Vou sair esta noite e ver se descubro algo útil. Manterei contato.

Niko terminou a chamada e deixou o celular sobre a mesa. Renata o olhou enquanto ele se aproximava da cama e se agachava na frente dela.

- Como se sente?

Estendeu a mão como se fosse checar o ombro, talvez simplesmente acariciá-la, mas Renata distanciou-se. Não podia sentar-se ali e agir como se não estivesse nem um pouco confusa naquele momento. Sentia-se traída e ridícula por ter pensado que podia contar com ele em primeiro lugar.

- A água fria ajudou a baixar a febre? - perguntou, com a testa franzida. - Ainda está pálida e trêmula. Venha, deixe-me dar uma olhada.

- Não preciso de sua preocupação - disse. - E tampouco preciso de sua ajuda. Esqueça que a pedi. Só... esqueça tudo. Eu não gostaria que meus problemas interferissem em nenhum dos objetivos de sua atual missão.

Niko olhou-a ainda mais tenso.

- Do que está falando?

- Tenho minhas prioridades, e você claramente tem as suas. Deixou claro que seu companheiro Lucan tem a última palavra.

- Lucan é um de meus irmãos de armas. Além disso, ele é o líder da Ordem, portanto, sim, tem o direito de ter a última palavra quando se trata de assuntos da Ordem. - Nikolai ficou de pé, cruzando os braços fortes sobre o peito bem-definido. - Algo grande está por vir, Renata. O assassinato de Yakut foi somente uma pequena parte disso, e não foi o primeiro. Houve vários assassinatos de Primeiras Gerações nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Alguém vem matando os mais velhos e poderosos membros da Raça silenciosamente.

- Para quê? - olhou-o curiosa contra sua vontade.

- Não estamos seguros. Entretanto, acredita-se que tudo esteja ligado a um único indivíduo, um macho da Raça de segunda geração muito perigoso chamado Dragos. A Ordem o tirou de seu esconderijo há algumas semanas, mas ele conseguiu fugir. Agora ele está escondido outra vez. O filho da mãe esteve agindo sob nossos narizes. Qualquer coisa que descobrirmos que possa nos levar a ele é importante. Ele precisa ser detido.

- Sergei Yakut matou dúzias de seres humanos só por esporte - Renata assinalou. - Por que você ou o resto da Ordem não o pararam?

- Até recentemente não sabíamos onde encontrá-lo, muito menos sabíamos de suas atividades. E mesmo se soubéssemos, ele era um Primeira Geração, e por mais que o odiássemos, a Ordem não teria sido capaz de detê-lo por um monte de questões burocráticas.

Os pensamentos de Renata obscureceram-se, voltando para o tempo que tinha vivido sob o controle de Yakut.

- Havia vezes em que Yakut bebia de mim... quando me usava por conta de meu sangue, eu via algo monstruoso nele. Quero dizer, eu sabia o que ele era, o que todos vocês são. Mas, de vez em quando, eu olhava nos olhos dele e juro que não havia humanidade alguma. Tudo o que via era algo verdadeiramente mau.

- Ele era um Primeira Geração - Nikolai disse, como se isso fosse explicação suficiente. - Só metade de seus genes era humana. A outra metade era... algo mais.

- Vampiro - murmurou ela.

- De outro mundo - disse Nikolai, corrigindo-a.

Olhou-a enquanto dizia essas palavras e Renata teve o impulso de rir. Mas ela não podia, não quando a expressão de Niko era tão grave.

- Lex gosta de gabar-se que é filho de um rei conquistador de outro mundo. Sempre supus que isso tudo era bobagem. Você está me dizendo que o que ele diz é realmente verdade?

Nikolai zombou.

- Um conquistador, sim, mas um rei, não. Os oito Antigos que chegaram há milhares de anos e tiveram filhos com mulheres humanas eram selvagens sedentos de sangue, violadores... criaturas letais que dizimavam cidades inteiras. A maioria deles foi eliminada pela Ordem na Idade Média. Lucan conduziu a missão contra eles depois que sua própria mãe foi assassinada pela criatura de quem ele era filho.

Renata apenas escutava, muito surpresa para fazer todas as perguntas que formavam redemoinhos em sua cabeça.

- Como resultado, um dos Antigos sobreviveu à guerra da Ordem contra eles – Nikolai acrescentou. – Esse Antigo foi escondido por um de seus filhos, um vampiro Primeira Geração chamado Dragos. Temos boas razões para acreditar que o Antigo ainda está vivo e que o último filho sobrevivente de Dragos, seu xará e o bastardo que tentamos deter, só está esperando uma oportunidade para libertá-lo.

- Há dois anos eu estava segura de que vampiros não existiam realmente. Sergei Yakut me fez mudar de opinião. Mostrou-me que vampiros não apenas existem, mas que também são mais temíveis e perigosos do que qualquer coisa que eu tenha visto em livros ou filmes. Agora, você está me dizendo que há ainda algo pior lá fora?

- Não estou querendo assustá-la, Renata. Só acredito que você deveria saber dos fatos. De todos eles. Estou lhe confiando tudo isso.

- Por quê?

- Porque quero que você entenda - disse as palavras de maneira muito gentil.

Como se ele estivesse se desculpando com ela de alguma forma.

Renata levantou o queixo, uma frieza parecia ter-se estabelecido em seu peito.

- Quer que eu entenda o quê? Que a vida de uma menina desaparecida não significa nada em comparação com tudo isso?

Nikolai amaldiçoou entre os dentes.

- Não, Renata...

- Está bem. Agora entendo, Nikolai – ela não pôde disfarçar a amargura de sua voz, nem mesmo quando estava lutando para absorver todas as coisas surpreendentes que acabara de ouvir. - Ei, não é grande coisa. Afinal de contas, você nunca concordou comigo em nada e estou acostumada a ser deixada de lado. A vida é uma merda, não é mesmo? É bom saber onde ambos estamos antes de deixar as coisas irem mais longe.

- O que está acontecendo aqui, Renata? – ele a olhou com um olhar penetrante, como se pudesse ver através dela. – Isso é realmente por causa de Mira ou você está incomodada pelo que aconteceu entre nós?

Nós. A palavra cravou no cérebro de Renata como um objeto estranho. Parecia tão estranha, tão perigosa. Muito íntima. Nunca tinha havido um nós para Renata. Ela sempre tinha dependido apenas de si, nunca tinha pedido nada a ninguém. Era mais seguro dessa forma. Mais seguro agora também.

Ela tinha quebrado sua própria regra quando foi atrás de Nikolai pedir-lhe ajuda para procurar Mira, e olhe o resultado daquilo: uma ferida de bala infeccionada, tempo crucial perdido e nem um passo mais próxima de encontrar Mira. De fato, agora que tinha ajudado na fuga de Nikolai, havia pouquíssima esperança de Renata se aproximar dos vampiros que estavam com a garota. Se Mira estava em perigo antes, Renata talvez tenha deixado as coisas ainda piores agora.

- Tenho que sair daqui - disse inexpressiva. - Já perdi muito tempo. Não poderia suportar se algo acontecesse com Mira por minha culpa.

Preocupação e frustração fizeram-na se levantar da cama. Pôs-se de pé rapidamente.

Antes que pudesse se afastar dois passos de Nikolai, seus joelhos cederam, sua visão escureceu por um segundo e, de repente, ela estava caindo para a frente. Sentiu braços fortes sustentarem seu corpo e a voz tranquila de Nikolai junto ao seu ouvido enquanto ele a agarrava e a levava para a cama.

- Deixe de lutar, Renata - disse ele, enquanto saía de sua debilidade e piscava. Posicionado sobre ela, percorreu com a ponta dos dedos seu rosto. Tão terno, tão relaxado. - Não precisa correr. Não precisa brigar... não comigo. Você está a salvo comigo, Renata.

Ela queria fechar os olhos e guardar aquelas gentis palavras. Estava tão assustada para acreditar, para confiar. E sentia-se tão culpada por aceitar essa comodidade sabendo que Mira poderia estar sofrendo, provavelmente chorando por ela na escuridão e perguntando-se por que Renata tinha quebrado sua promessa.

- Mira é tudo o que me importa - sussurrou. - Preciso garantir que ela esteja a salvo. Sempre.

Nikolai assentiu, solene.

- Sei quanto ela significa para você. E sei quanto é difícil para você pedir ajuda a alguém. Jesus Cristo, Renata... conscientemente arriscou sua vida para me tirar da Agência. Nunca serei capaz de pagá-la pelo que fez por mim.

Ela deitou a cabeça sobre o travesseiro, incapaz de suportar o penetrante olhar de Niko.

- Não se preocupe, você não tem obrigação alguma comigo. Não me deve nada, Nikolai.

Dedos quentes deslizaram ao longo de sua mandíbula, tomando-lhe o queixo e gentilmente guiando-lhe o rosto de novo para ele.

- Devo minha vida. De onde venho, isso não é insignificante.

A respiração de Renata se deteve enquanto ela o olhava nos olhos. Odiava-se pela esperança que se acendia em seu coração, a esperança de que ela não estava realmente só naquele momento. Esperança de que este guerreiro lhe protegeria, que tudo sairia bem, e que não importava que monstro estivesse com Mira, eles a encontrariam e tudo ficaria bem.

- Não deixarei que aconteça nada a Mira - disse, forçando-a a encará-lo. - Tem minha palavra. Tampouco vou deixar que algo aconteça com você. E por isso vou buscar ajuda médica assim que escurecer.

- O quê? - ela tentou levantar e fez uma careta pela pontada de dor. - Ficarei bem. Não preciso de um médico.

- Você não está bem, Renata. Piora a cada hora – a expressão dele era grave conforme lançava um olhar para a ferida no ombro dela. - Não pode continuar assim.

- Vou sobreviver - insistiu. - Não me darei por vencida agora, quando a vida de Mira está em jogo.

- Sua vida também está em jogo, não entende isso? – Nikolai sacudiu a cabeça e murmurou algo escuro e desagradável em tom baixo. – Você pode morrer se essa ferida não for tratada. Não deixarei que isso aconteça, isso significa que você tem um encontro com o pronto socorro mais próximo esta noite.

- E quanto ao sangue? - ela viu como cada músculo no corpo de Nikolai se esticou no momento em que aquelas palavras deixaram seus lábios.

- O que tem o sangue? – ele perguntou com uma voz neutra.

- Perguntou-me se alguma vez eu tinha bebido do sangue de Sergei. Estaria curada agora se tivesse bebido?

Ele levantou os ombros em um gesto vago, mas a tensão em seu grande corpo masculino permanecia. Quando levantou o olhar para ela, havia brilhos de fogo âmbar no azul invernal de sua íris. Suas pupilas se estreitaram quando ele a encarou.

- Eu estaria curada agora se você me desse seu sangue, Nikolai?

- Está pedindo isso?

- Se estivesse, você me daria?

Ele exalou pesadamente e quando seus lábios se separaram para tomar outro fôlego, Renata viu as pontas afiadas de suas presas.

- Não é uma pergunta tão simples como talvez você pense - replicou com um tom áspero em sua voz.–Você ficaria ligada a mim. Da mesma maneira que Yakut estava ligado a você por meio de seu sangue, você estaria ligada a mim. Você me sentiria em seu sangue. Para sempre. E isso não poderia ser desfeito, Renata, mesmo se você bebesse da veia de outro macho da Raça. Nossos laços permaneceriam acima de qualquer outro. Não poderiam ser destruídos, não até que um de nós estivesse morto.

Aquilo não era pouca coisa, Renata definitivamente entendia. Diabos, ela dificilmente acreditava que pudesse estar considerando tudo isso. Mas, em seu interior, louca como podia estar, ela confiava em Nikolai. E o preço realmente não lhe importava.

- Se fizermos isso, eu serei capaz de sair caminhado durante a noite e procurar Mira?

A mandíbula quadrada e masculina dele se apertou o suficiente para que um músculo de sua bochecha ficasse retesado. Ele a olhou, seus olhos ainda mais selvagens. Pouco a pouco, o azul foi envolvido pelo resplendor do fogo.

Quando parecia que não ia responder, Renata estendeu a mão e a pôs firmemente sobre o braço musculoso do guerreiro.

- Seu sangue me curaria, Nikolai?

- Sim - disse ele, a palavra saiu presa em sua garganta.

- Então quero fazê-lo.

Enquanto sustentava seu olhar em um silêncio intenso, ela pensou em quão degradada e usada se sentia todas as vezes que Sergei Yakut se alimentava de suas veias... Revolvia-se diante da ideia de que tinha alimentado alguém tão cruel, um ser monstruoso. Ela nunca teria considerado tomar dele, nem por uma questão de sobrevivência. Colocar a boca no corpo de Yakut para se alimentar dele voluntariamente teria matado o resto de alma que ela ainda tinha. Beber dele? Sequer estava segura de que seu amor por Mira pudesse superar algo tão vil como isso.

Mas Nikolai não era um monstro. Ele era honorável e justo. Era terno e protetor, um homem que se mostrava um grande companheiro para ela nessa viagem incerta. Era seu melhor aliado nesse momento. Sua maior esperança para recuperar Mira.

E mais profundamente ainda, como toda mulher com necessidades e desejos, em um lugar que ela não se atrevia a examinar muito de perto, ela desejava saborear Nikolai. Desejava-o mais do que tinha direito.

- Tem certeza, Renata?

- Se você me der seu sangue, sim - respondeu. - Quero tomá-lo.

Um longo silêncio se seguiu e Nikolai, então, sentou-se ao lado dela na cama. Ela o assistiu desabotoar a camisa lentamente, dando tempo para que a incerteza e a apreensão dela aumentassem. Mas elas não aumentaram. Enquanto Nikolai tirava a camisa e se sentava diante dela com o torso nu, seus dermoglifos pulsavam, cada arco e curva saturados com variedades de sombras em cores vermelhas e escuras, e ela não se sentia preocupada. Quando ele se aproximou ainda mais e levou o braço direito à boca, mostrando as enormes presas e afundando-as no pulso, ela não sentia nem sequer um pingo de temor.

E quando, nesse momento, ele pôs seus pontos sangrentos junto aos lábios de Renata e lhe disse que bebesse, ela não teve nenhuma vontade de negar.

A primeira prova do sangue de Nikolai em sua língua foi um choque.

Ela esperava ser arrastada pelo amargo sabor cobre, mas em seu lugar provou especiarias e um poder que se pulverizou através dela como eletricidade líquida. Podia sentir o sangue dele descendo pela garganta, por todas as fibras de seu corpo. Aquilo era como luz que se infiltrava em seus membros pelo lado de dentro, e a dor no ombro ferido diminuiu enquanto ela obtinha mais e mais de Nikolai.

- Isso - ele murmurou, seus dedos acariciando-lhe os cabelos úmidos, afastando-os da maçã do rosto. - Ah, Cristo! Isso, Renata... beba até que sinta que é suficiente.

Ela sugou mais forte de sua veia, com um instinto que nunca soube que tinha. Sentia-se bem ao beber de Nikolai daquela forma. Sentia-se mais do que bem... sentia-se incrível. Quanto mais tirava dele, mais viva ela se sentia. Cada terminação nervosa piscava com uma força que vinha de dentro.

E enquanto ele continuava acariciando-a, alimentando-a e curando-a, Renata começou a sentir uma nova sensação de calor crescendo rapidamente em seu interior. Gemeu, arrastada por uma onda de lava fundida que atravessava-lhe o corpo em recomposição. Retorcia-se e sabia sem engano algum o que era aquilo: desejo. Um desejo que ela tinha tentado negar desde que conhecera Nikolai, e que agora aumentava, querendo consumi-la.

Ela não conseguia resistir ao impulso de sugar mais forte. Precisava mais dele. Precisava de tudo dele. E precisava agora.


Capítulo 21

Nikolai se apoiou na cabeceira da cama e colocou a mão livre sobre o lençol, mantendo-a ali enquanto Renata continuava se alimentando. Ela bebeu dele da mesma forma como fazia tudo: com intrépida força e feroz convicção. Não havia ansiedade em seus olhos verdes-claros; tampouco havia incerteza na maneira firme como se agarrava ao braço musculoso do vampiro. E cada sugada de sua boca na veia aberta dele, cada roçar de sua língua na pele dele excitava-o mais do que qualquer outra coisa jamais o fizera.

Em todas as coisas em que se concentrava, Renata colocava uma força formidável. Ela era diferente de qualquer outra mulher que Niko havia conhecido – e, em vários sentidos, uma guerreira como qualquer macho da Raça que servia na Ordem com ele. Ela tinha o coração de um guerreiro, a honra de um guerreiro, e uma determinação inabalável que exigia total respeito. Renata tinha-lhe salvado a vida e por isso ele tinha uma dívida com ela. Mas santo Deus!... o que estava acontecendo entre eles ali não tinha nada a ver com deveres ou obrigações.

Ele estava começando a se preocupar com ela – mais do que queria admitir, inclusive para si. E também a queria. Cristo, como a queria! O desejo aumentando diante da erótica sucção da boca em sua veia, do esbelto corpo serpenteando em reação ardente ao sangue de outro mundo que lhe alimentava as células inexperientes.

Renata gemeu, um ronronar profundo de excitação, enquanto se movia mais perto dele no colchão, cada movimento de seu corpo afrouxava a toalha que a cobria. Ela não parecia notar - ou se preocupar – com o olhar âmbar de Nikolai percorrendo detalhadamente sua quase nudez. A ferida no ombro já estava melhor: o inchaço e o enrijecimento já sumiam e a cor da pele parecia mais saudável a cada minuto. Renata estava mais forte, mais vibrante e mais exigente, uma febre sendo substituída por outra, um calor dando lugar a outro.

Provavelmente, ele deveria ter-lhe dito que, além da nutrição e das propriedades curativas, o sangue de Raça era também um potente afrodisíaco. Supôs que poderia lidar bem com o que acontecesse, mas, maldição! Nada poderia tê-lo preparado para a resposta ardente de Renata.

Avançando lentamente contra ele, ainda sugando-o, ela aproximou uma mão e liberou o punho dele que estava apertado contra os lençóis. Então, dirigiu-lhe os dedos por debaixo das dobras da toalha que cobria seu corpo, diretamente para os seios. Ele não resistiu e passou a ponta dos dedos sobre um dos firmes mamilos e, em seguida, sobre o outro. A respiração dela acelerou enquanto ele acariciava-lhe a quente, cremosa e tenra pele, a forte vibração do batimento de seu coração contra a mão dele enquanto impacientemente dirigia-o para baixo, para o vale suave de seu abdômen, para a sedosa junta entre suas coxas.

Ela estava encharcada e excitadíssima, a fenda de seu sexo estava como cetim quente e molhado enquanto ele deslizava um dedo para dentro. Ela apertou as pernas, mantendo-o ali como se ele tivesse alguma intenção de sair. Sugou novamente, um puxão tão profundo que Niko sentiu repercutir até em seus testículos. Apertando os olhos até fechá-los, ele deixou cair a cabeça para trás e soltou um lento e contido gemido, os tendões de seu pescoço se esticaram como cabos de aço. Seu membro, que estava como uma rocha entre suas pernas, pedia-lhe atenção. Outro minuto daquela tortura e ele gozaria ali mesmo, nas calças esportivas emprestadas.

– Ah, Jesus! – grunhiu ele, afastando a mão da doce tentação da fenda excitada e umedecida de Renata. Lentamente subiu o rosto para olhá-la. Quando suas pálpebras se levantaram, o calor de sua íris transformada banhava Renata em um ardente resplendor brilhante.

Ela estava gloriosamente nua, sentada diante dele como uma deusa, seus lábios sujeitos a seu pulso, seus olhos claros escurecendo-se enquanto ela o olhava fixamente, sem vergonha.

– Já chega – murmurou ele, sua voz rouca, as palavras espessas pela presença de suas presas. Faltava-lhe a respiração, cada terminação nervosa de seu corpo estava completamente eletrizada. – Temos que parar... Jesus Cristo... Será melhor que paremos agora.

Ela gemeu em sinal de protesto. Muito brandamente, todavia, Nikolai retirou o pulso da boca de Renata e levou os dois furos aos lábios. Uma passada de sua língua pelas feridas as selou.

Com os olhos extasiados e famintos, ela o viu lamber o lugar onde sua boca tinha estado, e sua própria língua saiu precipitadamente para lamber seus lábios.

– O que está acontecendo? – perguntou ela, passando as mãos no peito dele, sua coluna vertebral estirando-se e arqueando-se com graça felina. – O que você fez comigo? Santo Deus! Estou queimando.

– É o vínculo de sangue – disse ele, quase incapaz de formar uma oração completa, seus sentidos estavam palpitando pela necessidade daquela mulher.

– Eu deveria tê-la advertido... Sinto muito.

Começou a se afastar, mas ela agarrou-lhe a mão. Dando uma sacudida de cabeça quase imperceptível enquanto seu peito subia e descia com o ar em seus pulmões, as pesadas pálpebras que ela fixou nele não pareciam ofendidas. Sabendo que não deveria tomar vantagem da situação, Nikolai se aproximou e acariciou o rubor que lhe enchia a bochecha.

Renata gemeu enquanto seu toque se prolongava, girando a cabeça na palma da mão de Niko.

– É... É sempre assim quando você deixa uma mulher beber de você?

Ele balançou a cabeça.

– Não sei. É a primeira vez.

Ela o olhou fixamente, com a sobrancelha franzida. Ele podia ver o registro de surpresa preencher-lhe o olhar atrás da luxúria induzida pelo sangue. Um silencioso lamento deslizou de seus lábios e logo ela estava movendo-se na direção dele sem vacilação, suas mãos emoldurando-lhe o rosto.

Beijou-o, longa, forte e profundamente.

– Toque-me, Nikolai – murmurou contra sua boca.

Era tanto uma exigência como uma urgência de seus lábios contra os dele, sua língua pressionando os dentes dele. Niko passou as mãos na pele nua de Renata, encontrando o beijo dela, o corpo tão faminto quanto o seu. E ele não poderia culpar aquela feroz necessidade como uma resposta natural da união de sangue. Sua fome por Renata era algo maior, embora extremamente consumidora.

Gananciosamente, ele chegou de novo ao refúgio de seu sexo. Dessa vez, não podia se limitar a tocá-la; não quando o aroma de Renata o estava embriagando tanto quanto a febril seda de seu sexo o estava deixando louco. Acariciou-lhe as dobras molhadas, penetrando-as com seus dedos grandes e separando-as para si como uma flor de primavera. Ela se arqueou em direção a ele enquanto ele a penetrava com um dedo primeiro, em seguida com outro. Enchendo-a, deleitando-a na firme pressão de seu corpo, os sutis movimentos ondeantes de seus músculos internos enquanto ele a acariciava e a levava ao clímax.

Estava tão absorto com o prazer dela que mal notou que ela movia as mãos até sentir que ela puxava o cordão de suas calças. Uivou quando ela deslizou a mão para baixo da cintura e encontrou seu rígido membro. Acariciou a cabeça, percorrendo os dedos com a gota úmida de fluido e, em seguida, torturando-o com um movimento lento e constante ao longo de seu mastro.

– Você também me deseja – disse ela. Não era exatamente uma pergunta quando a resposta estava transbordando em sua mão.

– Ah, sim – Niko respondeu de todo modo. – Diabos! Sim... Desejo você, Renata.

Ela sorriu faminta e o empurrou de costas sobre a cama. Tirou lentamente suas calças, deslizando-as pelos quadris, mas só até os joelhos. Com sua grossa ereção sobressaindo como um orgulhoso soldado a postos, Nikolai assistiu cativado conforme Renata subia e o montava. Sabia muito bem que não esperava qualquer momento de acanhamento ou vacilação. Era intrépida e incansável, e ele nunca havia sido mais feliz em sua vida. Os olhos dela pousaram fixamente sobre os seus, e Renata desceu por seu membro em um longo e lento deslizar.

Santo Cristo! A sensação de tê-la montada no membro dele era incrível. Tão quente e apertada, tão incrivelmente molhada.

Ele disse a si mesmo que era apenas a reação do vínculo de sangue que a fazia tão pouco resistente sexualmente, que ela teria reagido da mesma maneira com qualquer macho da Raça que a alimentasse. Que era só uma reação física, como algo altamente inflamável pegar fogo quando colocado próximo a uma chama. A consciência que ela tinha dele naquele momento provavelmente estava mergulhada em seu subconsciente – ela tinha uma coceira e ele era o passar de unhas de que ela precisava, simples assim.

E tudo bem para ele. Aquilo não precisava se transformar em algo mais complicado. E ele não era idiota o bastante para querer que fosse. O sexo entre eles não era algo pessoal. E Niko disse para si que era bom que fosse assim. Disse a si um monte de porcaria enquanto colocava a cabeça para trás com um gemido selvagem e deixava que Renata tomasse dele tudo o que precisasse.

Renata jamais havia se sentido mais viva. O sangue de Nikolai era como fogo em seus sentidos, cada matiz do momento a sacudia com a vívida consciência. A ferida em seu ombro não doía, sua necessidade por Nikolai era tudo que importava.

Ele sustentava-lhe os quadris enquanto ela cavalgava em seu sexo, a mente perdida de tudo, o calor dele preenchendo-a completamente, a beleza masculina de seu grande e musculoso corpo movendo-se em igual ritmo debaixo dela. Através da inundada névoa de seu desejo, admirou os músculos entrelaçados dos braços e do peito, uma sinfonia de força, flexionando-se e contraindo-se sob o poder até mais surpreendente das cores e formatos de seus dermoglifos mutantes.

Inclusive suas presas, que por certo deveriam tê-la aterrorizado, tinham uma beleza letal agora. As afiadas pontas brilhavam com cada fôlego entrecortado que se arrastava através de seus dentes. O sangue que havia tirado dele deve tê-la deixado um pouco louca, porque alguma remota parte dela queria que suas letais presas pousassem e penetrassem seu pescoço. Perfurando sua carne enquanto ela o cavalgava.

Ainda podia saborear o sangue dele em sua língua: doce, selvagem e sombrio. Um zumbido elétrico estendeu-se através dela e a acendeu no centro de seu sexo preenchido. Ansiava mais por esse poder, mais dele... Tudo dele.

Afundou os dedos nos grossos bíceps e foi mais fundo, mais forte, seguindo essa perigosa necessidade que o sangue havia desatado. Ele tomou cada impulso desesperado de seus quadris, sustentando-a firme enquanto o estalo do orgasmo se fechou de repente nela. Gritou enquanto o prazer se apoderava dela, um grito de liberação que ela não poderia ter contido mesmo se sua vida dependesse disso. A intensidade era demais para suportar. Tremia, impressionada pela força de sua paixão – paixão que tentou evitar por muito tempo, com medo.

Não sentia medo de Nikolai. Ela o desejava. Confiava nele.

– Tudo bem? – ele perguntou, um pouco mais que um grunhido enquanto seguia balançando-se com ela. – Está com alguma dor?

Ela negou com a cabeça, incapaz de falar quando cada terminação nervosa em seu corpo estava tensa de necessidade e vibrando pela sensação.

– Bom... – murmurou ele, escorregando a mão ao redor da parte posterior de seu pescoço para puxá-la para um beijo. A boca de Renata estava quente sobre a sua, suas presas roçando-lhe lábios e língua. Sentia-se tão bem... Ela tinha um gosto tão bom.

O fogo que havia diminuído um pouco com o orgasmo dela se acendeu de novo de forma furiosa. Ela gemeu e, enquanto o desejo ganhava nova vida, moveu seus quadris ao mesmo tempo em que a fome pulsava em seu sexo. Nikolai não a deixou esperar muito tempo, movendo-se junto com ela, incrementando seu ritmo até que ela gozou de novo, flutuando à deriva depois de uma onda de prazer. Então, ele tomou as rédeas por completo, preenchendo-a com seu mastro, entrando e saindo, cada movimento aparentemente tocando mais profundamente dentro dela, e mais profundo ainda. Chegou ao clímax com um grito rouco, sua coluna arqueando-se debaixo dela, sua pélvis contra ela com a força de sua liberação. O orgasmo de Renata se uniu ao dele um momento depois, uma prolongada desintegração que a deixou tremendo e suando em seus braços.

E ela ainda queria mais.

Queria mais, mesmo depois do orgasmo seguinte e do seguinte. Mesmo depois que ela e Nikolai estavam suados e esgotados, ela ainda queria mais.

Edgar Fabien sentia seis pares de ardilosos olhos sobre ele enquanto seu secretário sussurrava uma urgente mensagem em seu ouvido. Uma interrupção a esta hora, em meio de tão importante companhia como aqueles especiais dignitários convidados da Raça que tinham chegado a Montreal vindos dos Estados Unidos e da Europa, prenunciava más noticias. E eram, embora Fabien não se permitisse tal indicação.

Os machos reunidos em particular estavam avaliando uns aos outros desde que chegaram, um por um, naquela noite, todos convocados à residência do Refúgio de Fabien à espera do transporte para uma reunião exclusiva em outro lugar. Para conservar o anonimato, o grupo havia sido instruído a ficar com capuzes negros o tempo todo. Tinha sido proibido fazer perguntas pessoais uns aos outros, ou discutir seus problemas pessoais com o macho da Raça que havia convocado aquela reunião e estabelecido seus termos. Dragos havia deixado claro que agora, mais do que nunca, procuraria por debilidades ou pela mínima razão para considerar Fabien ou os outros homens parados ali indignos do glorioso futuro que ele estava planejando revelar naquela reunião formal.

Enquanto o secretário sussurrava o resto da mensagem, Fabien alegrava-se por aquele capuz escuro ocultar sua reação dos outros. Manteve a postura relaxada, cada músculo solto e à vontade, enquanto informava que um de seus capangas da cidade estava esperando lá fora com inesperadas, porém críticas, notícias que não podiam aguardar. Notícias a respeito de um macho da Raça e de uma mulher ferida em sua companhia que, pela descrição, poderia ser nada menos que o casal que havia escapado das instalações de contenção.

– Perdoem-me – disse Fabien com um sorriso firme de fachada. – Mas tenho um pequeno problema para resolver lá fora. Retornarei em um momento.

Umas poucas cabeças se inclinaram enquanto Fabien girava para sair da sala. Uma vez que a porta da sala de recepção estava fechada e ele e seu secretário tinham caminhado vários metros pelo comprido corredor, Fabien tirou seu capuz.

– Onde está ele?

– Esperando no vestíbulo principal, Senhor.

Fabien foi naquela direção, retorcendo o capuz negro em suas mãos grandes e finas. Quando chegou à porta, seu secretário se apressou adiante para mantê-la aberta para ele. O capanga estava apoiado contra a parede, absorto em mordiscar suas unhas rapidamente, seu desalinhado cabelo muito comprido caindo sobre seus olhos. Quando elevou a vista e viu seu Mestre entrar, o repugnante e preguiçoso humano foi substituído por um desejo impaciente em agradar.

– Trouxe-lhe algumas notícias, Mestre.

Fabien grunhiu.

– Ouvi isso. Fale, Curtis. Diga-me o que viu.

O servo explicou que mais cedo ele tinha ido fazer algumas perguntas ao seu empregador humano – o dono de um abrigo para garotos de rua que contratou Curtis para trabalhar com seus computadores – e inesperadamente descobriu que o vampiro guerreiro estava escondido no apartamento em cima de uma garagem. Curtis não havia sido capaz de aproximar-se para olhar, mas chegara perto o bastante para dizer que o enorme macho era da Raça. Na verdade, ele tinha acabado de confirmar suas suspeitas. Aparentemente, o guerreiro e a mulher que estava com ele tinham se tornado bastante... amigos. O casal estava muito ocupado na cama para notar quando Curtis saiu furtivamente pela parte de trás da garagem e os espiou juntos através da janela.

O capanga havia conseguido dar uma olhada e foi capaz de proporcionar uma descrição física bastante detalhada dos dois: o guerreiro da Raça, Nikolai, e a Companheira de Raça, Renata.

– Tem certeza de que nenhum deles soube que você esteve ali? – perguntou Fabien.

O servo riu.

– Sim, Mestre. Confie em mim. Eles não estavam prestando atenção em nada que não fossem eles.

Fabien assentiu e olhou o relógio. Anoiteceria dentro de uma hora. Ele já havia atribuído a uma equipe de Agentes outra tarefa de limpeza naquela noite. Talvez devesse enviar uma segunda unidade para a cidade com Curtis. Bastante ruim era o fato de que o guerreiro tivesse conseguido escapar das instalações de contenção. A notícia não havia caído bem quando Fabien informou Dragos sobre o problema, mas a mancada seria amenizada se ele pudesse assegurar que o guerreiro fosse capturado – rápida e permanentemente.

Sim, pensou Fabien, enquanto colocava a mão no bolso de sua jaqueta para pegar o celular e discar para a Agência de Execução, colocando-lhes a par das novas informações. Esta noite, ele apagaria do quadro-negro alguns erros recentes. E quando se apresentasse a Dragos na reunião, ele o faria levando boas notícias e um pequeno e encantador presente do qual seu novo comandante certamente desfrutaria.


Capítulo 22

- Você acha que ele a machucará? - a voz tranquila de Renata rompeu o silêncio prolongado no úmido apartamento. Ela estava sentada na frente de Nikolai, usava uma camiseta cinza extragrande e suas próprias calças jeans, lavadas mais cedo por cortesia de Jack. Sua ferida no ombro estava muito melhor e cada vez que Niko perguntava, ela insistia que não sentia muita dor, de modo que ele percebeu que seu sangue a manteria alimentada por algumas poucas horas. Já tinham saído da cama há algum tempo, ambos tinham se banhado e se vestido, e evitavam cuidadosamente falar sobre tudo que tinha ocorrido entre eles horas antes.

Nikolai se manteve ocupado na limpeza das armas que Jack lhe havia dado, enquanto ele e Renata faziam planos para o breve retorno ao alojamento de Yakut. E embora Niko duvidasse que Lex fosse contar alguma coisa sobre sua aliança com Edgar Fabien, ele tinha o pressentimento de que algumas técnicas afrouxariam a língua do maldito filho da mãe.

Assim ele esperava, já que sem uma sólida vantagem sobre a localização do líder do Refúgio, as probabilidades de achar Mira ilesa diminuíam a cada segundo.

- Você acha que ele vai fazer... algo a Mira?

Niko virou e viu o pânico nos olhos de Renata.

- Fabien não é um bom homem... Francamente, não sei quais são as intenções dele com ela.

Renata dirigiu o olhar para baixo, suas magras sobrancelhas estavam unidas na testa franzida.

- Você não me disse tudo o que seus amigos de Boston descobriram sobre ele.

Inferno. Ele deveria saber que Renata perguntaria isso. Ele deliberadamente tinha passado por alto sobre o pior que Gideon havia dito sobre ele, os detalhes sórdidos que não os ajudariam a localizar Mira e só fariam Renata se preocupar ainda mais. Mas ele a respeitava muito para mentir.

- Não, eu não disse tudo - admitiu. - Realmente quer saber tudo sobre ele?

- Acredito que preciso saber - ela o olhou fixamente de novo, seus pálidos olhos verdes agora estavam sóbrios, tão firmes quanto os de um guerreiro pronto para a batalha. - O que a Ordem sabe sobre ele?

- Ele é um segunda geração da Raça, certamente tem várias centenas de anos - disse Niko, começando com o menor dos delitos de Fabien. - Ele é o líder do Refúgio de Montreal há 150 anos e também deseja chegar ao alto escalão da Agência de Execução, o que significa que está politicamente envolvido também.

Renata zombou em voz baixa.

- Isso é um curriculum vitae, Nikolai. Sabe o que estou perguntando. Fale diretamente.

- Muito bem - Niko assentiu com a cabeça, sem se preocupar em ocultar sua admiração. Ou sua preocupação. - Apesar de ter um monte de amigos em altos postos, Edgar Fabien não é o que poderíamos chamar de cidadão-modelo. Pelo que parece, ele tem várias... perversões que vêm lhe causando muitos problemas ao longo dos anos.

- Perversões? - disse Renata, quase cuspindo a palavra.

- Seus gostos tendem para o lado sádico, e ele... bem, ele é conhecido por desfrutar da companhia de crianças de vez em quando. Especialmente garotas.

- Jesus Cristo! - Renata exclamou com o fôlego apertado. Ela fechou os olhos e desviou o rosto. Quando finalmente olhou para Niko, havia um brilho assassino em seus olhos cor de jade que observavam o guerreiro sem piscar. - Vou matá-lo. Juro por Deus, Nikolai. Vou matar o filho da mãe se ele fez algo a ela.

- Vamos por as mãos nele – assegurou-lhe Niko. - Vamos encontrá-lo e resgatar Mira.

- Não posso decepcioná-la, Nikolai.

- Ei! - ele disse, segurando a mão dela. – Nós não vamos decepcioná-la. Entendido? Estou com você nisso. Vamos resgatá-la.

Ela o olhou em silêncio durante um longo momento. Então, muito lentamente, entrelaçou-lhe os dedos na mão.

- Ela vai ficar segura, não é verdade? - havia um traço de incerteza na fala de Renata e era uma das primeiras vezes que Niko percebia aquilo na voz dela. Ele queria apagar as dúvidas de Renata, queria acabar com a preocupação dela, mas tudo o que podia oferecer era sua promessa.

- Vamos trazê-la de volta, Renata. Tem minha palavra.

- Certo - disse. - Bem, Nikolai. Obrigada – completou em seguida, resoluta.

- Você realmente é especial, sabia? - Ela começou a sacudir a cabeça em negação àquelas palavras, mas Niko apertou-lhe levemente a mão, mantendo-a concentrada. - Você é forte, Renata. Mais forte do que acredita. Mira tem sorte de tê-la ao seu lado. Diabos! Eu também tenho.

A risada dela como resposta estava débil e ligeiramente triste.

- Espero que tenha razão.

- Eu nunca erro - disse ele, sorrindo abertamente para ela e mal resistindo ao impulso de inclinar-se por sobre a pequena mesa e beijá-la loucamente. Mas isso apenas os levaria a outra coisa - algo que sua libido já imaginava em detalhes explícitos.

- Então, quanto tempo ainda vai acariciar suas armas antes de eu poder dar uma olhada nelas?

Niko recostou na cadeira dobrável de metal e riu.

- Escolha a sua. Tem certeza de que sabe usar...

Ele não teve a oportunidade de terminar o pensamento: Renata estendeu a mão até a pistola mais próxima e a um carregador cheio de balas. Carregou e aprontou a arma em menos de três segundos. Niko nunca tinha visto algo tão sexy em toda sua vida.

- Impressionante.

Ela colocou a pistola sobre a mesa e arqueou uma de suas finas sobrancelhas.

- Quer que eu ajude com a sua também?

Ele quis rir, mas engoliu o som antes que ele saísse-lhe pela boca.

Eles não estavam sozinhos.

Renata seguiu o olhar do guerreiro até onde ele poderia jurar ter escutado um ruído surdo. Outro barulho, então, um pequeno rangido no teto da garagem.

- Temos companhia - sussurrou para ela. Renata lhe acenou com a cabeça, levantando-se da cadeira. Deslizou a .45 para ele através da mesa e se moveu em silêncio, rápida e eficazmente para carregar outra.

Assim que Nikolai pegou a arma, a porta do apartamento da garagem explodiu para dentro, partindo as dobradiças. Um vampiro enorme em um traje da Agência de Controle precipitou-se no interior, com a mira do laser de seu fuzil automático silencioso apontado para Renata.

– Filho da mãe! - Niko gritou. - Renata, atire!

Por um segundo terrível, ela não se moveu. Nikolai pensou que ela tivesse congelado, em estado de choque, mas logo o Agente soltou um grito de dor, deixando cair sua arma para colocar as mãos nas têmporas. Caiu de joelhos, mas havia mais dois homens armados bem atrás dele. Saltaram gritando por cima do obstáculo e abrindo fogo no pequeno espaço.

Renata se jogou atrás de um dos arquivos metálicos e disparou contra a cabeça do agente. Niko mirou o segundo visitante, mas o tiro foi desviado conforme a pequena janela acima da cama era estilhaçada e outro Agente de Execução entrava na luta, armado até os dentes.

- Nikolai, atrás de você! – gritou-lhe Renata.

Ela golpeou o último agente que chegara com uma rajada debilitante do poder de sua mente, e o bastardo caiu no chão, retorcendo e convulsionando antes que Niko acertasse alguns tiros em sua cabeça. Renata atingiu um dos outros com um tiro no joelho e, em seguida, eliminou-o com uma bala entre os olhos. Nikolai matou o outro e compreendeu tarde que tinha perdido completamente de vista o primeiro macho que atravessara a porta. O filho da mãe não estava onde Renata o havia deixado.

Para o horror de Niko, o enorme vampiro tinha pego Renata e a lançado contra a parede mais próxima. A força do macho da Raça era imensa, como a de todos. Renata bateu contra a superfície sólida e caiu com força no chão. Permaneceu imóvel, obviamente muito aturdida para responder ao ataque.

O rugido de fúria de Nikolai chacoalhou a mesa débil e as cadeiras. Sua visão foi inundada repentinamente de âmbar e suas presas perfuraram com força suas gengivas, estirando-se longas e agudas em sua cólera.

Ele saltou sobre o outro vampiro por trás, agarrando-lhe a cabeça nas mãos e torcendo-a ferozmente. O terrível rangido de osso e tendões estilhaçados não foi suficiente para Niko: quando o Agente caiu sem vida, ele chutou-lhe o corpo, afastando-o de Renata antes de estourar-lhe o crânio.

- Renata - disse, agachando-se diante dela e pegando-a nos braços. - Pode me ouvir? Você está bem?

Ela gemeu, mas acenou com a cabeça trêmula. Seus olhos abertos logo se ampliaram quando ela olhou fixamente por cima dos ombros largos de Niko para a entrada arruinada. Niko virou-se e deparou-se com o humano que tinha visto uma vez antes - o humano que tinha tentado olhar lá dentro quando Jack estivera no apartamento naquela manhã. Jack o tinha chamado de Curtis, tinha dito que o garoto fazia algum trabalho para ele na casa. Quando Niko examinou aquele rosto impassível, que não mostrava reação alguma aos seus olhos acesos e às suas presas à mostra, ele sabia do que estava diante...

- Servo - grunhiu. Colocou Renata de pé com cuidado. - Fique aqui. Eu me encarregarei dele.

O Subordinado sabia que tinha cometido um grave engano mostrando seu rosto depois do tumulto que provavelmente tinha instigado. Ele se virou e começou a descer a escada de dois em dois degraus. Nikolai grunhiu, vermelho de ira, e saiu disparado atrás da caça. Saltou sobre o corrimão da escada do segundo andar, caindo justo quando os pés do servo conseguiram tocar o pavimento. Nikolai aterrissou diretamente em cima dele, derrubando-o no chão.

- Quem fez você? - ele exigiu, golpeando o rosto do humano contra o pavimento áspero. - Quem é seu Mestre, maldito? É Fabien?

O servo não respondeu, mas, de qualquer modo, Niko sabia a verdade. Subiu sobre o humano e golpeou a coluna dele com força.

- Onde ele está? Diga-me onde encontrar Fabien. Fale, filho da mãe, ou acabo com você aqui e agora.

À distância, Nikolai ouviu o golpe de uma porta. E passos atravessando a grama.

Então, a voz de Renata ressoou de cima destroçando a porta no chão da garagem.

- Jack, não! Volte para dentro!

Nikolai olhou por cima do ombro, bem a tempo de ver o velho com uma expressão de horror. Os olhos de Jack mostravam sua incredulidade, sua mandíbula aberta.

- Jesus Cristo - murmurou, com os pés desacelerando até deter-se. - O que... que diabos está acontecendo aqui?

E então, abaixo dele, Niko sentiu o servo se retorcer. E registrou o brilho breve de uma lâmina apenas meio segundo antes que o escravo humano cortasse a própria garganta.

Renata desceu as escadas de madeira em estado de pânico.

- Jack, por favor! Entre na casa, agora!

Mas ele simplesmente permaneceu ali, congelado no lugar como se não pudesse ouvi-la, como se não pudesse vê-la. Não podia processar tudo que estava acontecendo à sua volta nesses últimos minutos de caos total e absoluto. Jack estava mudo, uma estátua imóvel na calçada.

E Nikolai...

Santo Deus, Nikolai parecia o pior pesadelo de qualquer pessoa. Empapado de sangue, o rosto travestido em uma máscara aterradora de presas letais e ferozes, os olhos brilhantes e âmbares. Quando saiu de cima do corpo morto do servo e se virou, deparando-se com o rosto de Jack, o guerreiro da Raça não podia parecer nada além de um predador desumano, sua respiração através dos dentes cerrados, seu enorme peito e ombros tremendo por conta da luta.

- Santa Maria, Mãe de Deus - murmurou Jack, fazendo o sinal da cruz enquanto Nikolai dava alguns passos para longe do cadáver do servo. Então, lançou um olhar e viu Renata correndo em sua direção através do caminho de entrada.

- Renata, sai daqui!

Renata correu para ficar entre os dois homens – Nikolai em suas costas e Jack olhando-a boquiaberto como se acabasse de entrar no meio de um campo de mina ativado.

- Ah, Jesus... Renata, querida... o que você está fazendo?

- Está tudo bem, Jack – ela respondeu tranquilamente sustentando as mãos em sua frente. – Está tudo bem, prometo. Nikolai não fará mal a você. Não fará mal a nenhum de nós.

O rosto do ex-combatente do Vietnã se enrugou diante da confusão. Mas, então, ele olhou além dela para Nikolai e uma tênue faísca de reconhecimento piscou nas fendas que lhe eram agora os rasgos dos olhos. Sua palidez era a de um fantasma contra a noite ao seu redor e suas pernas pareciam que iam ceder debaixo de si.

- Você é... mas como? Como diabos pode ser?

- Não é seguro para você saber isso - interveio Renata. - Seria muito perigoso, inclusive para nós.

- Muito tarde - a voz de Nikolai era um baixo grunhido atrás dela. – Ele já viu muito. Temos que controlar esta situação e não temos muito tempo antes que mais humanos curiosos apareçam e deixem as coisas ainda piores do que já estão.

Renata assentiu.

- Entendi.

A mão de Nikolai pousou brandamente sobre seu ombro são.

- Isso inclui Jack também. Não posso deixá-lo com sua memória nesse estado. Tudo tem que ser apagado, começando com nossa chegada na noite anterior. Ele não pode se lembrar que você e eu estivemos aqui alguma vez.

Ela estremeceu, mas não podia discutir.

- Tenho um minuto para dizer adeus?

- Um minuto - disse Nikolai. - Mas isso é tudo o que podemos arriscar.

- Que diabos está acontecendo aqui? - murmurou Jack enquanto sua neurose dava lugar ao guerreiro aposentado nele adormecido. – Renata... em que tipo de porcaria você se enfiou, garota?

Ela ofereceu-lhe um débil sorriso enquanto dava um passo adiante e o puxava-o para um abraço.

- Jack, quero agradecê-lo por ter nos ajudado na noite anterior. Mais do que isso: quero agradecê-lo por você ser a pessoa maravilhosa que é - separou-se dele para olhar seus velhos e amáveis olhos. - Não poderia compreender isso, mas você foi minha âncora muitas vezes, meu porto seguro. Sempre que eu perdia a fé na humanidade, sua bondade me compensava. Você foi um verdadeiro amigo e gosto muito de você por isso. Sempre vou gostar.

- Renata, preciso que você me diga o que está acontecendo aqui. Esse homem com quem você está... essa criatura. Por Deus, estou perdendo a razão ou ele é um tipo de...

- Ele é meu amigo - disse ela, tão sinceramente que inclusive se desconcertou diante de sua convicção. - Nikolai é meu amigo. Isso é tudo o que precisa saber.

- Temos que ir agora, Renata.

A voz de Nikolai estava calma, completamente tomada pela seriedade. Ela assentiu e, quando olhou para Niko, viu que ele estava de novo em seu estado normal. Jack crepitou de confusão, mas Nikolai aproximou-se para segurar-lhe a mão.

- Obrigado por tudo o que fez, Jack. Você é um bom homem - Nikolai não esperou por uma resposta. Com a mão livre, levantou a palma sobre a testa de Jack e pressionou-a por um longo momento. - Volte para casa e vá para a cama. Quando despertar amanhã, não se lembrará de que estivemos aqui. Descobrirá que houve um assalto no apartamento da garagem e que Curtis estava se relacionando com algumas pessoas más. O assalto saiu do controle e ele foi assassinado.

Jack não disse uma palavra sequer, apenas assentiu, concordando.

- Você não vai nos ver quando abrir os olhos - disse Nikolai. - Não verá sangue e cacos de vidro. Vai se virar, entrar na casa e subir até seu quarto, deitar-se na cama e permanecer lá pelo resto da noite.

Uma vez mais Jack assentiu com a cabeça, em complacência. Nikolai retirou a mão da testa do ex-combatente. Os olhos de Jack piscaram e abriram-se tranquilos, serenos. Ele olhou Renata, mas foi um olhar vazio que passou através dela. Ela ficou ali parada, olhando com tristeza como seu velho e querido amigo virava-se no silêncio da noite escura e começava o lento caminhar de volta para a casa.

- Você está bem? - perguntou Nikolai, passando o braço musculoso ao redor da cintura de Renata enquanto eles esperavam na entrada, observando Jack desaparecer dentro da casa.

- Sim, estou bem – disse ela em voz baixa, permitindo-se o conforto do forte abraço masculino de Nikolai. - Vamos limpar essa bagunça e dar o fora daqui.


Capítulo 23

- Já era hora de ele estar aqui.

Alexei Yakut queixou-se quando viu um par de faróis saindo das árvores do lado de fora da casa principal. Irritado por ter sido obrigado a esperar durante a última meia hora, Lex se afastou da janela do quarto do pai - quarto que agora lhe pertencia, como todo o resto que o defunto tinha deixado.

O veículo preto que rodeava pelo caminho era enorme, obviamente um SUV. Lex virou os olhos com desgosto. Tinha esperado que um macho do status de Edgar Fabien fosse viajar em algo mais elegante do que uma Humvee emprestada diretamente da frota da Agência de Execução. As próprias normas de Lex exigiam muito mais que um utilitário como meio de transporte, especialmente para um evento tão importante como o que ele assistiria com Fabien. Pelo amor de Deus, eles não poderiam chegar à reunião em uma caminhonete que declarava a todos a falta de elegância como aquele veículo fazia.

Se estivesse no comando das coisas – quando estivesse no comando, Lex mentalmente emendou - não iria a nenhuma parte sem uma caravana de veículos apropriada que formasse uma fila de elite.

Ele saiu a passos largos de seu quarto com uma raiva impaciente, ajustando a linha do casaco conforme seus polidos sapatos de couro de crocodilo brandamente repicavam através das largas tábuas do chão. Sabia que estava bem - esse era o ponto -, mas estava muito mais acostumado ao seu antigo uniforme de serviço com botas e roupas de couro. Era um sujeito flexível, de modo que não pensava que precisaria de muito esforço para se acostumar com sua nova identidade.

Na grande sala, os dois guardas restantes da casa estavam sentados jogando cartas. Um deles deu uma olhada quando Lex entrou, a sutil elevação de sua mão não foi rápida o bastante para ocultar seu sorriso divertido.

- Essa gravata parece estar deixando você sem ar, Lex - brincou o outro guarda, rindo de sua própria piada. - É melhor afrouxar essa porcaria antes que desmaie. - Lex o fulminou com o olhar enquanto passava o dedo pela folga muito justa do colarinho de sua camisa de quinhentos dólares.

- Vá se danar, cretino. E abra a maldita porta. Meu transporte está aqui.

Quando o guarda se moveu pesadamente para cumprir a ordem, Lex se perguntou quanto tempo deveria manter aqueles dois idiotas ao seu lado. Certo, eles tinham estado ao seu lado trabalhando para seu pai todos os dias durante quase uma década, mas um homem como Lex merecia respeito. Talvez ele ensinasse a ambos uma lição quando retornasse em algumas noites da reunião do fim de semana.

Lex forçou um sorriso de boas-vindas para Fabien quando o guarda abriu a porta... mas não era Edgar Fabien quem estava ali para saudá-lo: era um Agente de Execução uniformizado acompanhado por três companheiros.

- Onde está Fabien? - exigiu Lex.

O grande Agente que estava na frente cumprimentou Lex com um breve aceno de cabeça.

- Vamos nos encontrar com o senhor Fabien em um outro lugar, senhor Yakut. Precisa de alguma coisa antes de o escoltarmos até o veículo?

Lex grunhiu, seu ego tranquilizando-se um pouco diante do tom respeitoso do Agente.

- Tenho algumas malas no quarto - disse ele com um gesto desdenhoso na direção de seu quarto. - Um de seus homens pode apanhá-las para mim.

Outra inclinação em reverência do agente que estava na frente.

- Cuidarei pessoalmente de suas coisas.

- Por aqui - disse Lex, conduzindo a escolta casa adentro, para seu quarto, pelo corredor. Uma vez dentro, parou perto da cama para mostrar as coisas que desejava levar. - Pegue a mala de roupa e a mochila de couro que está ali no chão.

Quando o Agente não se moveu para recolher as coisas, mas simplesmente ficou ali junto dele, Lex se voltou com um olhar indignado.

- Bem, que diabos está esperando, idiota?

O olhar que recebeu como resposta foi cortante e frio como uma adaga. E então Lex arrepiou-se quando, no instante seguinte, ouviu o estalar de vários disparos abafados no outro quarto. Seu sangue correu gelado por suas veias.

O Agente de Execução que estava de pé ao seu lado abriu um sorriso agradável.

- O senhor. Fabien me pediu que lhe entregasse pessoalmente uma mensagem dele, senhor Yakut.

Renata parecia cansada quando Nikolai se aproximou dela no terreno onde tinham jogado os cadáveres dos agentes que lhes tinham atacado mais cedo. Em poucas horas, o amanhecer apagaria quaisquer rastros dos vampiros, apesar de que, de qualquer forma, nada ou ninguém além da fauna local fosse notar os corpos ali, tão distante da estrada mais próxima e em uma área tão afastada da cidade.

- Jogue os uniformes e acessórios deles na parte traseira do veículo - Renata disse quando se aproximou. – As outras armas estão atrás dos assentos dianteiros. As chaves estão na ignição.

Niko assentiu com a cabeça. Depois de limpar todas as provas do ataque da Raça na garagem do apartamento, ele e Renata se apropriaram do SUV da Agência, que seus atacantes tinham sido bastante atentos para deixar estacionado na rua lateral próxima da casa de Jack.

- Está cansada? – perguntou ele ao ver a fadiga nos olhos dela. - Podemos esperar aqui e descansar um momento se precisar.

Ela balançou a cabeça.

- Quero continuar. Estamos a apenas alguns quilômetros da propriedade de Yakut.

- Sim - Niko disse. - E não estou esperando que Lex vá estender um tapete vermelho para nós quando chegarmos ali. As coisas podem ficar feias muito rapidamente. Já se passaram algumas horas desde que você bombardeou as malditas mentes desses agentes. Quanto tempo você tem antes de a reverberação começar?

- Provavelmente não muito – ela admitiu, olhando para o chão mal iluminado pela lua.

Niko levantou seu queixo e não pôde evitar acariciar a delicada linha de sua bochecha.

- Mais uma razão para darmos um tempo aqui.

Ela se separou dele, obstinada e com determinação.

- Mais uma razão para continuarmos antes que os golpes da reverberação cheguem. Descanso depois que resgatarmos Mira. – Virou-se e começou a caminhar para o veículo. - Quem dirige? Você ou eu?

- Ouça - ele disse, agarrando-lhe a mão antes que ela pudesse chegar muito longe. Aproximou-se dela e envolveu-a com seus braços fortes, contendo-a em seu abraço musculoso.

Deus, como era linda. Qualquer idiota podia apreciar a perfeição frágil e feminina de seu rosto: os olhos claros e amendoados brilhavam intensamente como pedras preciosas sob a franja colorida dos cílios, o nariz travesso, a exuberante e sexy boca, a pele leitosa que mais parecia um veludo cremoso e macio em contraste com o brilho de ébano dos cabelos. A beleza física de Renata era atordoante, impressionante, mas era sua coragem - sua honra inquebrável - que realmente acabava com Niko.

De algum modo, no pouco tempo que se viram obrigados a ficar juntos, Renata tinha se convertido em uma verdadeira parceira para ele. Ele a valorizava, confiava nela tanto quanto em qualquer um de seus irmãos na Ordem.

- Ei – ele disse, agora mais calmo, olhando fixamente para o valente e belo rosto de Renata, impressionado novamente com aquela extraordinária mulher que estava demonstrando ser uma aliada vital para ele. - Formamos uma ótima equipe lá na casa de Jack, não foi?

- Fiquei muito assustada, Nikolai - ela confessou em voz baixa. -Eles apareceram tão rápido. Eu deveria ter reagido mais rápido. Deveria ter...

- Você foi incrível. - Ele alisou uma mecha de cabelo que lhe caía sobre o rosto, colocando-a atrás da orelha. - Você é incrível, Renata. E estou muito contente de saber que posso contar com você.

Ela abriu um pequeno e quase tímido sorriso.

- Eu digo o mesmo.

Talvez não fosse o momento ideal para ele querer beijá-la, de pé ali, em um lugar esquecido por Deus na beira da autoestrada, com um rastro de sangue e morte atrás deles, e mais daquilo certamente os esperando no futuro, antes de essa aventura terminar. Mas tudo o que Nikolai desejava fazer - o que ele precisava, ali, naquele preciso momento - era sentir os lábios de Renata pressionando-se contra os seus.

Cedendo à tentação, ele inclinou-se e tomou a boca de Renata em um sensível e lento beijo. Os braços dela o rodearam, timidamente a princípio, mas suas mãos estavam quentes enquanto ela acariciava-lhe as costas largas e apertava-se contra o corpo grande de Niko, mesmo depois que o beijo já tinha terminado e ela estava com a bochecha contra o peito musculoso e definido do guerreiro.

Quando ela falou, sua voz era apenas um sussurro.

- Vamos encontrá-la, Nikolai?

Ele pressionou os lábios na testa de Renata.

- Sim, vamos.

- Você acha que ela está bem? – ela ainda perguntou.

A vacilação dele foi breve, mas suficientemente longa para que Renata saísse de seus braços. Ela franziu a sobrancelha enquanto seus olhos obscureciam-se com a dor. - Ah, meu Deus... você não acredita que ela esteja bem! Posso sentir sua dúvida, Nikolai. Acredita que algo aconteceu a Mira.

- É o vínculo de sangue o que você sente - disse ele, nem sequer perto da negação que Renata tinha lido com tanta precisão nele.

Ela estava recuando agora, seus pés arrastando-se na grama escura enquanto ela se movia para o SUV. Seu rosto tinha um olhar aflito.

- Temos que ir agora. Temos que encontrar Lex e obrigá-lo a nos dizer onde ela está!

- Renata, ainda acho que deveríamos esperar aqui um momento e descansar. Se uma nova reverberação golpeá-la...

- Foda-se a reverberação! - ela gritou, sacudindo a cabeça em um pânico crescente. - Vou para a casa de Yakut. Você pode vir comigo ou ficar, mas estou indo agora mesmo.

Ele poderia tê-la detido.

Se quisesse, poderia estar em cima dela mais rápido do que ela pudesse perceber, fisicamente a impedindo de avançar outro passo em direção ao veículo. Ele poderia colocá-la em transe com um simples gesto de sua mão e assim obrigá-la a esperar pela dor que provavelmente chegaria não muito tempo depois que estivessem no chalé.

Ele poderia ter retido o traseiro dela de alguma maneira diferente, mas, em vez disso, deu a volta pelo lado do condutor do Humvee preto antes que ela chegasse e bloqueou a entrada com seu corpo.

- Eu dirijo - disse ele, sem dar a oportunidade de discutir. - Você está ferida.

Renata o olhou por um segundo, então deu a volta e subiu no assento do carona.

Eles voltaram para a estrada e percorreram, em silêncio, a pequena distância até a propriedade arborizada de Yakut. Niko apagou os faróis enquanto se aproximava devagar. Ele estava a ponto de sugerir que saíssem e fossem até a casa a pé quando se deu conta de que algo estava errado.

- É sempre assim, tranquilo?

- Nunca - disse Renata, disparando um olhar sério. Ela alcançou uma das armas atrás do assento. Passou a correia de um fuzil automático pela cabeça e logo entregou outro a Nikolai. - Lex só ficou com dois guardas, mas não parece que haja alguém por aqui.

E, mesmo daquela distância, Niko percebeu o aroma de sangue derramado. Sangue da Raça vindo de mais de uma fonte.

- Espere aqui enquanto dou uma olhada nas coisas.

Ela lançou um olhar de insubordinação que Niko deveria ter previsto.

Ambos saíram do veículo e foram juntos para a casa principal, que estava escura. A porta da frente estava totalmente aberta. Rastros de pneus frescos marcavam no caminho de cascalho: longos, profundos rastros como um tipo de SUV de grande porte deixaria para trás.

Niko tinha a sensação de que a Agência de Execução tinha estado ali também. A casa estava completamente em silêncio, fedendo às recentes mortes dos vampiros. Ele não precisava acender as luzes para ver a carnificina. Sua aguda visão localizou os dois machos mortos no interior, ambos com tiros na cabeça.

O guerreiro guiou Renata ao redor dos cadáveres, seguindo seu olfato pela parte de trás do lugar, em direção aos aposentos privados de Yakut. Ele sabia o que encontraria ali dentro. Ainda assim, quando entrou no quarto, soltou uma maldição furiosa.

Lex estava morto.

E, com ele, sua melhor esperança de localizar Edgar Fabien naquela noite.


Capítulo 24

A respiração de Renata parou diante da maldição que Nikolai murmurou. Ela alcançou o interruptor ao lado da porta entreaberta do quarto de Yakut e lentamente acendeu a luz.

Ficou sem palavras enquanto olhava o corpo sem vida de Lex, seus olhos vazios e nublados pela morte, três grandes buracos de bala em sua cabeça. Ela queria gritar. Santo Deus, ela queria cair de joelhos, passar as mãos pelo cabelo e arranhar as paredes - não de dor ou estupefação, mas tomada de completa ira.

Mas seus pulmões estavam constritos em seu peito.

Seus membros estavam sem força, braços e pernas pesados demais para os mover.

A esperança que ela estivera cultivando – mesmo que pequena - de que eles poderiam chegar ali e conseguir uma sólida pista sobre a localização de Mira escorreu para fora de seu corpo como o sangue de Lex - que escorria entre os ladrilhos do chão do quarto de seu pai.

- Renata, encontraremos outra maneira – disse Nikolai de algum lugar próximo a ela. O guerreiro inclinou-se sobre o corpo de Lex e tirou um telefone celular do bolso do casaco e apertou algumas teclas. – Temos o histórico de chamadas de Lex agora. Um desses números deve ser o de Fabien. Vou entrar em contato com Gideon e pedir que ele os rastreie. Vamos encontrar o maldito muito em breve. Vamos pegá-lo, Renata.

Mas ela não pôde responder; faltavam-lhe palavras para tanto. Virou-se lentamente e caminhou para fora do quarto, apenas consciente de que seus pés se moviam. Perambulou pela escuridão da propriedade, passou pelos corpos jogados na grande sala e no vestíbulo. Estava insegura sobre para onde ir, anestesiada ainda, quando se viu no minúsculo quarto onde Mira dormia.

A pequena cama estava exatamente como ela a havia deixado, como se esperasse que sua ocupante voltasse. Sobre a baixa mesinha de cabeceira, havia uma flor silvestre que Mira tinha recolhido no começo da semana, em uma das poucas vezes que Sergei Yakut tinha-lhe permitido aventurar-se do lado de fora. A flor de Mira estava murcha, as frágeis pétalas brancas caíam sem vida, o caule verde tão murcho como um barbante.

– Ah, meu doce ratinho – Renata sussurrou no quarto escuro e vazio. – Sinto muito... Lamento não ter estado aqui a tempo...

– Renata – Nikolai permanecia de pé, do lado de fora do quarto. – Renata, não faça isso a você mesma. Você não tem culpa. E isso ainda não acabou.

A profunda voz do macho da Raça era tranquilizadora. E era confortável apenas ouvi-la e saber que ele estava ali, com ela. Ela precisava daquela tranquilidade, mas como não a merecia, Renata se recusou a correr para os braços fortes de Niko como tão desesperadamente queria fazer. Permaneceu onde estava, rígida e imóvel, desejando poder voltar no tempo e reparar todas as suas falhas.

Ela não podia permanecer naquele lugar mais um minuto sequer. Havia muitas lembranças sombrias ali.

Muita morte ao redor dela.

Renata deixou que a flor morta caísse de seus dedos sobre a cama. Então, deu a volta em direção à porta.

– Tenho que sair deste lugar – murmurou, a culpa e a angústia retorcendo-se em seu peito. – Não posso... Estou asfixiando aqui... não consigo... respirar.

Ela não esperou que ele respondesse - não podia esperar ali, nem um minuto mais. Empurrando-o, correu loucamente do quarto de Mira afora. E não parou até que seus pés a levaram para a parte de trás da construção principal, dentro do bosque ao redor. Ainda assim seus pulmões se retorciam como se tivessem sido esmagados por um caminhão.

Atrás de seu crânio, Renata pôde sentir uma dor de cabeça florescendo. Sua pele ainda não doía, mas ela estava ficando cansada até os ossos e sabia que não levaria muito tempo antes que o cansaço a nocauteasse. Pelo menos seu ombro estava decente. A ferida do disparo ainda estava ali, havia ainda uma profunda pulsação em seus músculos, mas o sangue de Nikolai tinha feito algum tipo de mágica na infecção.

Renata se sentiu o suficientemente forte quando deu uma olhada e viu o celeiro fechado – o edifício anexo onde ela e tantos outros tinham sido presos para servirem de isca para o doentio esporte de sangue de Yakut – ela não pensou duas vezes em saltar e pegar o rifle preso em suas costas. Disparou no pesado ferrolho até que ele rompesse e caísse no chão. Então, abriu a porta e disparou mais tiros dentro do grande refúgio, pontilhando as paredes e as vigas com uma saraivada de balas.

Ela não soltou o gatilho até que o carregador estivesse vazio e sua garganta seca por causa dos gritos. Seus ombros pesavam, seu peito pulsava inquieto.

– Eu devia estar aqui – ela disse, ouvindo Nikolai aproximar-se dela por trás. – Quando Lex a jogou nos braços de Fabien, eu deveria tê-lo detido. Deveria estar lá por Mira. Em vez disso, eu estava na cama, muito fraca e... inútil.

Ele fez um pequeno ruído, um rechaço sem palavras àquela culpa.

– Você não podia saber que ela estava correndo perigo. Não podia evitar nada do que aconteceu, Renata.

– Eu nunca deveria ter abandonado a casa! – ela gritou, o próprio desprezo queimando-lhe por dentro. – Fugi, quando deveria ter ficado lá o tempo todo e feito Lex me dizer onde ela estava.

– Você não fugiu. Foi pedir ajuda. E se não o tivesse feito, eu estaria morto. – Os passos dele aproximavam-se, vindo com cuidado atrás dela. – Se tivesse ficado aqui todo esse tempo, Renata, então teria morrido com Lex e os outros guardas. O que aconteceu aqui foi um plano executado a sangue frio. E tem a assinatura de Fabien.

Nikolai tinha razão. Ela sabia que aquele macho tinha razão em tudo. Mas isso não fazia doer menos.

Renata olhava fixamente, muito embora sem ver, o abismo cheio de pólvora do celeiro.

– Temos que voltar para a cidade e começar a procurá-la. Porta a porta, se for necessário.

– Sei o que sente – disse Nikolai. Ele tocou-lhe a nuca e ela se obrigou a afastar-se daquela ternura quente. – Maldição, Renata, você não acredita que se eu achasse que chutar todas as portas daqui até Old Port nos levaria a Fabien eu não estaria contigo? Mas isso não vai nos ajudar em nada. Especialmente não com o amanhecer só daqui a algumas horas.

Ela agitou a cabeça.

– Não preciso me preocupar com a luz do dia. Posso voltar para a cidade por mim mesma.

– O inferno que vai. – As mãos dele estavam brutas quando a fez girar para olhá-lo no rosto.

Seus olhos tinham um brilho âmbar e uma emoção que parecia notavelmente ser medo, inclusive na escuridão.

– Você não vai a lugar nenhum perto de Fabien sem mim. – Ele acariciou-lhe a sobrancelha, seus ferozes olhos queimando dentro dos dela. – Estamos juntos nisso, Renata. Sabe disso, não sabe? Sabe que pode confiar em mim?

Ela olhou fixamente o rosto de Nikolai e sentiu uma emoção que começava a crescer dentro de si, e era como se aquela emoção se elevasse como uma enorme onda que não podia fazer recuar mesmo se tentasse. As lágrimas correram-lhe pelos olhos, alagando-os. Antes que pudesse parar, ela estava esfregando os olhos como se um dique tivesse arrebentado dentro dela, derramando velozmente todas as demasiadas feridas que lhe marcaram durante sua vida - toda a dor e todo o vazio de sua completa existência - em soluços grandes e pesados.

Nikolai a tomou nos braços e a apertou perto de si. Ele não tentou fazer com que suas lágrimas parassem. Não a alimentou com suaves mentiras para fazê-la se sentir melhor. Ou com falsas promessas para acomodar seu desespero.

Ele apenas a segurou perto de si, protegendo-a com seu corpo grande e masculino, entre seus braços musculosos.

Sustentou-a, fazendo-a sentir que ele a entendia. Que ela não estava sozinha e que, possivelmente, de alguma maneira, ela merecia ser amada.

Agarrou-a, levantando-a em seus braços, e começou a se afastar do celeiro.

– Vamos procurar um lugar para que descanse um pouco – disse ele, sua relaxante voz vibrando em seu peito, vibrando contra ela enquanto ela se agarrava nele como a uma âncora em um porto seguro.

– Não posso voltar para a casa, Nikolai. Não vou ficar lá.

– Eu sei – ele murmurou, entrando mais no bosque. – Tenho outra ideia.

Ele a deixou sobre um leito de folhas secas entre dois altos pinheiros. Renata não sabia o que esperar, mas nunca teria imaginado do que seria testemunha nos momentos seguintes.

Nikolai ajoelhou-se junto dela e relaxou os braços, o queixo abaixado, o enorme e musculoso corpo em um estado de tranquila concentração. Renata sentiu a energia ao redor deles ranger. Ela sentiu o aroma da terra rica e fértil, o aroma do bosque depois de uma tempestade. Uma brisa cálida fazia cócegas em sua nuca enquanto Nikolai pousava as pontas dos dedos sobre o chão ao lado de si.

Houve um tranquilo sussurro de movimento na grama próxima - um sussurro de vida. Renata viu algo serpentear sob as mãos de Nikolai e não pôde evitar ofegar assombrada quando se deu conta do que estava vendo.

Pequenas videiras, disparando através do chão, correndo para os pinheiros gêmeos a cada lado dela.

– Ah, meu Deus! – murmurou ela, encantada. – Nikolai... O que está acontecendo aqui?

– Está tudo bem – disse ele, olhando as videiras, dando a elas ordens, por mais difícil que fosse acreditar.

Os talos faziam espirais ao redor dos troncos das árvores e escalavam mais alto, enchendo-os com folhas que multiplicavam exponencialmente enquanto Renata olhava estarrecida. Por cima de sua cabeça, a cerca de dois metros e meio de altura, as videiras saltavam e preenchiam o espaço entre os pinheiros. Retorciam-se juntas, então enviavam vegetação, criando um vívido dossel que se estendia por todo o caminho até o chão onde Renata e Nikolai estavam sentados.

– Você está fazendo isso? – perguntou ela, incrédula.

Ele assentiu, mas manteve sua concentração, mais e mais folhas desdobrando-se sobre as videiras. Grossas paredes de fragrante aroma formavam um refúgio ao redor deles, a exuberante folhagem intercalada com diminutas flores brancas como aquela que Renata tinha encontrado no quarto de Mira.

– Está bem... Como você está fazendo isso?

O rangido de plantas crescendo parou e Nikolai lançou um olhar despreocupado sobre ela.

– Presente de minha mãe, herdado por seus dois filhos.

– Quem é sua mãe? A Mãe Natureza? – disse Renata, rindo, surpreendida apesar de saber que as belas flores e videiras eram apenas um véu temporário. Do lado de fora daquele castelo natural, todo o horror e a violência ainda existiam.

Nikolai sorriu e agitou a cabeça.

– Minha mãe era uma Companheira de Raça, como você. O seu dom é o poder da mente, este era o dom de minha mãe.

– É incrível! – Renata passou sua mão sobre as frescas folhas e delicadas pétalas. – Deus, Nikolai, sua habilidade é... Dizer que é surpreendente nem sequer chega perto.

Ele deu de ombros.

– Nunca a usei muito. Dê-me um espaço cheio de buracos ou uns blocos de C-4 qualquer dia. Então mostrarei algo surpreendente.

Ele estava se gabando, mas ela sentia que sua lábia ocultava algo mais sombrio.

– E seu irmão?

– O que tem ele?

– Você disse que também pode fazer isso?

– Ele podia, sim – disse Nikolai, as palavras soando quase ocas. – Dimitri era mais jovem que eu. Está morto. Aconteceu faz muito tempo, na Rússia.

Renata estremeceu.

– Sinto muito.

Niko assentiu, arrancou uma folha da massa de vegetação e a depedaçou.

– Ele era um garoto, um garoto muito bom. Ele era algumas décadas mais jovem que eu. Estava acostumado a me seguir como um maldito cachorrinho, querendo fazer tudo o que eu fazia. Eu não tinha muito tempo para ele. Eu gostava de viver no limite, acho até que ainda gosto. De qualquer modo, Dimitri meteu na cabeça que precisava me impressionar – Niko exalou uma maldição afogada. – Garoto estúpido. Ele faria qualquer coisa para que eu notasse sua presença, entende? Para me ouvir dizer que o via, que estava orgulhoso dele.

Renata o olhou na escuridão, vendo a mesma culpa que ela sentia quando pensava em Mira, o mesmo terror, a mesma condenação interior pelo fato de a menina estar em grave perigo - ou até já estar morta –, tudo porque alguém em quem eles confiavam tinha falhado.

Nikolai conhecia aquela tortura. Ele mesmo a tinha vivido.

– O que aconteceu com Dimitri? – Renata perguntou com cuidado. Ela não queria abrir velhas feridas, mas precisava saber. E podia ver que Nikolai carregava aquela dor há muito tempo. – Pode me contar, Nikolai. O que aconteceu com seu irmão?

– Ele não era como eu – disse, as palavras contemplativas, como se ele se afundasse em sua história. – Dimitri era inteligente, um aluno exemplar. Amava os livros e a filosofia, adorava destrinchar as coisas, descobrir como funcionava tudo ao seu redor e depois juntá-las de novo. Era brilhante, verdadeiramente superdotado, mas queria ser como eu.

– E como era você então?

– Selvagem – disse, mais como um epíteto do que como uma ostentação. – Sou o primeiro a admitir. Sempre fui um pouco temerário, sem me preocupar onde eu terminaria amanhã enquanto estivesse passando um bom momento hoje. Dimitri gostava da contemplação, eu gostava da adrenalina. Ele gostava de juntar as coisas; eu, de quebrá-las.

– Foi por isso que você se uniu à Ordem? Pela adrenalina da luta?

– Esse é parcialmente o motivo, sim – ele colocou os cotovelos sobre os joelhos e olhou o chão. – Depois do assassinato de Dimitri, eu tinha de me afastar. Culpei-me pelo que aconteceu. Deixei meu país e fui para os Estados Unidos. Juntei-me a Lucan e aos outros em Boston não muito tempo depois disso.

Ela não deixou de lado o fato de que ele havia dito que seu irmão tinha sido assassinado, não meramente morto.

– O que aconteceu, Nikolai?

Ele exalou um longo suspiro.

– Eu tinha problemas com um idiota do Refúgio da Ucrânia. Chegamos a sair no braço várias vezes, principalmente por causa do tédio. Mas uma noite, Dimitri ouviu aquele chupa-sangue em um botequim falando asneiras sobre mim e decidiu chamar sua atenção. Dimitri tirou uma faca e cortou o cara diante de seus amigos. Foi um golpe de sorte – ele não era bom com armas. De todo modo, aquilo encheu o saco do bastardo e, dois minutos depois, meu irmão estava no meio de uma poça de seu próprio sangue, com a cabeça separada do corpo.

– Ah, Jesus! – Renata disse com a respiração entrecortada, sentindo uma dor em seu coração. – Sinto muito, Nikolai.

– Eu também – deu de ombros. – Depois, saí e persegui o assassino de Dimitri. Arranquei a cabeça dele e a levei para meus pais como desculpas. Eles me desprezaram, disseram que deveria ter sido eu, não D. E eu não podia culpá-los por conta isso. Diabos, eles tinham razão, afinal de contas. Então, fugi e nunca mais olhei para trás.

– Sinto muito, Nikolai.

Ela não sabia mais o que dizer. Tinha pouca experiência em oferecer consolo, e mesmo que tivesse, não estava segura de que Niko quisesse ou necessitasse daquilo. Como um homem repentinamente desconfortável em sua própria pele, Nikolai ficou calado durante um longo momento.

Ele limpou a garganta, passou a mão pelos cabelos e ficou em pé.

– Acho que devo sair e dar outra olhada na casa. Você ficará bem sozinha aqui durante alguns minutos?

– Sim. Estou bem.

Ele a olhou fixamente, procurando seu rosto. Ela não sabia o que queria que dissesse, mas o olhar em seus olhos parecia indecifrável.

– Sente-se bem? Algum sinal da reverberação?

Renata deu de ombros.

– Um pouco, mas não muito forte.

– E seu ombro?

– Bem – disse ela, flexionando o braço esquerdo para mostrar que já não sentia dor. – Está muito melhor agora.

Um silêncio longo e estranho se estendeu entre eles, como se nenhum dos dois soubesse como superá-lo ou fazer a coisa mais fácil e deixá-lo durar. Foi assim até que Nikolai começou a separar algumas das grossas videiras para sair e Renata estendeu a mão para tocá-lo.

– Nikolai... Eu, hum... queria agradecê-lo – disse ela, consciente do fato de que, embora ele tenha parado, ela continuava com a mão em seu braço. – Preciso agradecê-lo... por me dar seu sangue hoje.

Ele girou para ela, fazendo um leve movimento de cabeça.

– A gratidão é agradável, mas não é necessária. Se nossas situações estivessem invertidas, sei que teria feito o mesmo por mim.

Ela o teria feito, sim; Renata podia dizer isso sem a menor dúvida. Aquele homem, um estranho há menos de uma semana - um guerreiro que também era um vampiro – e agora tinha se tornado seu mais confiável e íntimo amigo. Se fosse honesta consigo mesma, teria de admitir que Nikolai ia além disso, isso mesmo antes de ter compartilhado seu sangue com ela. Inclusive antes do sexo que ainda lhe fazia os pés se retorcerem só de lembrar.

– Não estou segura de como fazer isso... – Renata elevou o olhar para ele, lutando com as palavras, mas precisando dizê-las. – Não estou acostumada a contar com ninguém. Não sei como estar com alguém. Não é algo que eu tenha feito antes, e só... sinto como se tudo que pensei que sabia, todas as coisas que uma vez me ajudaram a sobreviver agora fugissem de mim. Estou à deriva... estou aterrada. – Nikolai acariciou-lhe a bochecha em chamas e, então, deu-lhe um abraço.

– Você está segura – disse carinhosamente ao pé da orelha dela. – Estou com você e vou protegê-la.

Ela não se deu conta do quanto precisava ouvir aquelas palavras até que Nikolai as dissesse. Ela não sabia quanto ele morria de alegria por ter seus braços ao redor dela ou quanto ansiava seu beijo até que Nikolai se aproximou mais e colocou a boca sobre a dela. Renata o beijou despreocupada, deixando-se levar pelo momento porque Nikolai estava com ela, sustentando-a, dando-lhe segurança. Seu beijo cresceu mais apaixonado, ele a inclinou sobre a terra almofadada do refúgio íntimo. Renata sentiu o peso do corpo musculoso dele sobre ela, as mãos grandes e quentes dele acariciando a pele cremosa dela. E sob sua camiseta larga, ele começou a passar os dedos pelo estômago e pelos seios já intumecidos da mulher.

Com as presas, tocou-lhe leve e infantilmente os lábios enquanto os separava para beijá-la. Os olhos dele brilhavam como brasas sob as pálpebras, e ela não precisava ver seu rosto transformado para saber que ele a queria. A rígida evidência disso apertava-se insistentemente contra seu quadril. Ela moveu as mãos pela coluna dele e ele gemeu, sua pélvis golpeando-a com um reflexivo empurrão.

Seu nome foi um gemido gutural enquanto ele movia a boca sob seu queixo e por seu pescoço. Ele arrancou a camiseta dela e Renata arqueou as costas para receber seus lábios enquanto ele descia sobre seus seios nus e pela suave planície de sua barriga. Ela estava perdida no prazer daquele beijo selvagem. Sentindo o calor da pele dele contra a sua.

Com dedos hábeis, ele desabotoou o jeans dela, deslizando-o pelas coxas. Sua boca seguiu o progresso, queimando-a do quadril até o tornozelo enquanto separava suas pernas e empurrava sua calcinha para um lado. Ela gritou quando ele se inclinou entre suas coxas e sugou-lhe o sexo, língua e presas levando-a a um delicioso tormento.

– Ah! Deus! – ofegou ela, seus quadris elevando-se do chão enquanto ele enterrava a boca em seu sexo umedecido.

Ela não soube como conseguiu, mas um momento mais tarde ele também estava nu. Deitou-se sobre ela, mais do que simplesmente um homem. E a mulher dentro de Renata estremeceu de desejo. Ela abriu as pernas para ele, ansiosa por senti-lo dentro de si, preenchendo o vazio com força e calor.

– Por favor... – ela gemeu, ofegando de necessidade.

E ele não a fez pedir duas vezes.

Movendo-se para cobri-la, Nikolai colocou os joelhos entre suas pernas e a abriu debaixo de si. A cabeça de seu pênis golpeou a fenda lisa do sexo dela e, em seguida, mergulhou longa, lenta e profundamente.

O grunhido dele enquanto se afundava dentro dela era feroz, um eco de trovões em seus ossos e sangue. Começou a empurrar lentamente, embora fosse claro que a paciência era uma tortura. Renata podia sentir a intensidade de sua fome por ela, a profundidade de seu prazer enquanto ela embainhava o mastro dele da cabeça aos testículos.

– Você é tão boa – ele murmurou entre os dentes enquanto se retirava para começar de novo, mais fundo que antes. Empurrou forte, estremecendo com o esforço. – Oh! Renata... Sinto-me tão bem.

Ela uniu os tornozelos ao redor das costas largas dele enquanto ele movia-se em um ritmo mais frenético.

– Mais forte – sussurrou ela, querendo sentir que ele acabava com seus medos, um martelo que esmagava toda sua culpa, dor e solidão. – Ah! Nikolai... Entre mais forte em mim.

O grunhido dele em resposta soou tão entusiasta quanto selvagem. Deslizando seu braço por baixo dela, inclinando-a para encontrar suas carícias, conduzindo-a com toda a ira que ela tão desesperadamente necessitava. Varreu-lhe a boca com um beijo febril, contendo o grito enquanto seu clímax rugia sobre ela como uma tormenta. Renata tremeu e estremeceu, agarrando-o enquanto ele continuava empurrando-se para dentro dela, cada músculo de suas costas e ombros ficando tão duros quanto pedras de granito.

– Ah! – gemeu entre os dentes e presas, seus quadris movendo-se de forma rápida e frenética contra ela em um rápido e temerário ritmo que era maravilhosamente bom, cheio de vida e repleto de alegria.

O grito de liberação dele ecoou na voz de Renata enquanto ela voltava novamente, aferrando-se contra ele e se perdendo naquele delicioso novo sentimento de despreocupação.

Ela estava à deriva, mas naquele momento não sentia medo. Estava a salvo com aquele macho selvagem e audacioso; ela acreditava verdadeiramente nisso. Confiava em Nikolai com seu corpo e com sua vida. Enquanto permanecia ali com ele enfiado entre suas pernas, em uma postura íntima, não era tão difícil imaginar que ela também pudesse confiar nele com seu coração. Que ela podia, de fato, estar se apaixonando por ele.

A batida foi insistente - um frenético bater na porta de carvalho do Refúgio de Andreas Reichen, em Berlim.

– Andreas, por favor! Está aí? É Helene. Tenho que vê-lo!

Era mais de 4 horas da manhã, um breve momento antes que o sol aparecesse sobre o horizonte e apenas uns poucos permaneciam acordados na casa. O resto dos familiares de Reichen - cerca de uma dúzia deles, jovens homens da Raça e casais com crianças pequenas, algumas delas recém-nascidas - já tinham começado a ir para a cama.

– Andreas? Alguém? – outra série de golpes cheios de pânico, seguidos por um grito apavorado. – Olá! Alguém, por favor... deixem-me entrar!

Dentro da mansão, um homem da Raça saiu da cozinha, onde estava esquentando um copo de leite para sua companheira que o esperava no andar de cima com seu exigente bebê. O macho conhecia a humana que estava na porta. A maioria do Refúgio a conhecia, e Andreas tinha deixado claro que Helene era sempre bem-vinda em sua casa. Ter chegado sem avisar naquela hora tardia, e enquanto Andreas estava longe em negócios particulares durante duas noites, era estranho. Mais estranho ainda era o fato de que a controlada mulher estivesse tão assustada.

Cheio de preocupação pelo que podia ter ocorrido à companheira humana de Andreas, o homem do Refúgio deixou o leite e correu pelo chão de mármore do vestíbulo, sua roupa de banho voando atrás dele como a vela de uma embarcação pirata.

– Já vou – gritou, elevando a voz para ser ouvido entre os golpes incessantes e as súplicas chorosas de Helene do outro lado da porta.

Os dedos do macho voaram sobre o teclado do sistema de segurança da mansão.

– Um momento! Estou aqui, Helene. Vai ficar tudo bem.

Quando a luz eletrônica piscou para indicar que os sensores estavam desabilitados, ele tirou os ferrolhos e abriu a porta.

– Ah! Graças a Deus! – Helene correu para ele, com a maquiagem borrada e manchas negras cobrindo-lhe as bochechas. Estava pálida e trêmula; seus olhos, habitualmente ardilosos, pareciam de algum modo vazios enquanto ela fazia uma rápida verificação do vestíbulo.

– Andreas... onde está ele?

– Foi a Hamburgo a negócios. Voltará amanhã à noite. Mas você é bem-vinda aqui – recuou para dar espaço e deixar que entrasse na mansão. – Entre, Helene. Andreas não gostaria que a rejeitássemos.

– Não – disse ela de um jeito débil. – Sei que ele nunca me rejeitaria.

Entrou no vestíbulo e pareceu instantaneamente mais calma.

– Eles sabiam que ele nunca me rejeitaria...

Foi nesse momento que o jovem do Refúgio se deu conta de que Helene não estava sozinha. Atrás dela, apressando-se antes que pudesse fazer algo mais do que gritar em alerta, havia uma equipe de Agentes da lei pesadamente armados vestidos de preto da cabeça aos pés.

Ele virou a cabeça para olhar Helene incrédulo. Com completo horror.

– Por quê? – perguntou, mas a resposta estava em seus olhos vazios.

Alguém tinha conseguido controlá-la. Alguém muito poderoso.

Alguém que tinha convertido Helene em uma Subordinada – uma escrava de sangue.

O pensamento se registrou antes que o primeiro disparo o golpeasse. Ele ouviu carregadores sendo disparados, ouviu os gritos de sua família enquanto todo o Refúgio despertava com terror.

Mas, então, outra bala golpeou seu crânio e seu mundo e tudo nele se tornou silencioso e escuro.

 

 

CONTINUA

Capítulo 19

- Agradável - exalou Niko fazendo uma tensa careta. Sentia-se tudo menos agradável enquanto fechava a porta do banheiro e caminhava para o quarto.

Ficar a sós com Renata enquanto ela estava nua na banheira, tocando-a – beijando-a, pelo amor de Deus! -, tinha deixado todo o seu corpo sobrecarregado. E estava tão perturbado que sua feroz ereção era a menor de suas preocupações enquanto ele se aproximava da porta onde Jack golpeava de novo. Uma coisa era fingir que não havia um pau de barraca ereto em suas calças. Outra, era esperar que alguém não notasse que seus olhos estavam ardendo em brasa como carvões queimando e que seus caninos estavam tão estendidos a ponto de envergonhar um rottweiller.

Ao menos a folgada camisa cobria-lhe os glifos. Niko não precisava ver seu corpo para saber que as marcas de sua pele estavam vivas e pulsando com as profundas cores por causa da excitação. Seria terrivelmente difícil tentar fazê-las passar por tatuagens agora.

Nikolai olhou à porta e se forçou a relaxar e se acalmar. Tinha que eliminar o fogo de sua íris e a significativa luxúria que o toque de Renata tinha-lhe despertado. Concentrou-se em amenizar o pulso – uma luta atroz quando era seu pênis quem comandava sua circulação sanguínea.

- Olá? - disse uma saudação arrastada do lado de fora. Jack golpeou de novo, a sombra escura de sua cabeça movendo-se ao outro lado da cortina na janela da porta. Parecia consciente em manter sua voz a um nível discreto. - Renata, é você, querida? Está acordada?

Inferno. Não havia escolha senão deixá-lo entrar. Nikolai grunhiu em voz baixa enquanto estirava o braço para puxar o ferrolho. Tinha garantido a Renata que seria agradável com o homem, mas as coisas podiam mudar logo que abrisse a maldita porta. E se o humano emitisse uma ligeira suspeita, logo faria parte da lista de pessoas que já tinham passado por uma lavagem cerebral.

Niko destrancou a porta e virou o trinco. Recuou do fio de luz que se vertia no interior pela abertura e posicionou-se atrás da porta enquanto a abria.

- Renata? Posso entrar um minuto? - botas de cowboy marrons avançaram sobre a soleira. - Pensei em visitá-la esta manhã antes de ocupar-me com os garotos na casa.

Quando o humano entrou vestindo um par de jeans desgastado e uma camiseta de algodão branco, Nikolai fechou a porta para selar o sol da manhã. Avaliou o homem mais velho, olhando o rosto enrugado, os ardilosos olhos e o estilo militar de sua roupa. Era um homem grande, magro e com as pernas ligeiramente tortas, mas seus braços tatuados estavam bronzeados e ainda firmes com músculos o suficiente para indicar que mesmo velho ele não temia o trabalho duro.

- Você deve ser o Jack - disse Nikolai, tomando cuidado para falar de maneira que mantivesse suas presas ocultas atrás dos lábios.

- Correto. - Um ligeiro assentimento enquanto Niko era objeto de uma avaliação similar a que fizera antes. - E você é o amigo da Renata... Ela, ah, não me disse seu nome ontem à noite.

Aparentemente o brilho âmbar tinha desaparecido das íris azuis de Niko, já que ele duvidava que Jack lhe apertaria a mão como fazia nesse momento se visse um par de olhos de outro mundo que brilhavam como centelhas em uma lareira.

- Nick - disse, apenas se aproximando da verdade por ora. Apertou a mão brevemente do antigo soldado. - Obrigado por nos ajudar.

Jack assentiu.

- Seu aspecto está melhor esta manhã, Nick. Alegra-me vê-lo de pé, andando por aí. Como está Renata?

- Bem. Está no banheiro tomando banho.

Não viu razão alguma para expor a infecção. Não tinha sentido preocupar o bem-intencionado Jack a ponto de começar a falar sobre médicos ou idas ao hospital. Embora se apoiando no que Nikolai tinha visto da ferida de Renata, se seu processo de cura não obtivesse um sério avanço – e rápido - não haveria alternativa exceto uma visita à sala de emergência mais próxima.

- Não quero perguntar como ela terminou com uma bala no ombro - disse Jack, olhando de perto Nikolai. - Pela forma como vocês estavam ontem à noite e pelo fato de ter tido que desaparecer com um caminhão roubado cheio de produtos médicos, eu diria que, seja qual for, o problema está relacionado a drogas. Mas sei que Renata é mais inteligente que isso. Não acredito nem por um momento que ela se envolveria em algo como drogas. Ela não quis me dizer nada, e prometi não pressioná-la. Sou um homem de palavra.

Niko sustentou o olhar do velho homem.

- Estou seguro de que ela aprecia isso. Ambos apreciamos.

- Sim - disse Jack arrastando as palavras, seus duros olhos estreitando-se. - Mas tenho curiosidade sobre algo. Ela sumiu durante os últimos anos... Você teve algo a ver com isso?

Aquilo não foi pronunciado como uma acusação aberta, mas era óbvio que o homem tinha estado preocupado com Renata e também tinha sentido que sua longa ausência não fora necessariamente boa para ela. Cara, se ele soubesse o que ela tinha passado! A ferida de bala que tinha agora era apenas a cereja do que tinha sido um bolo muito, muito desagradável.

Nikolai agitou a cabeça.

- Só conheço Renata há alguns dias, mas posso dizer que você tem razão quando diz que ela é muito inteligente para cair em problemas com drogas. Esse não é o problema agora, Jack. Mas ela está em perigo. A única razão pela qual estou aqui é porque ela arriscou o próprio pescoço para me tirar de um monte de problemas ontem.

- Isso é bem a cara de Renata - disse Jack com uma expressão perdida entre o orgulho e a preocupação.

- Infelizmente, porque ela entrou para me ajudar, agora há um alvo em nossas costas.

Jack grunhiu enquanto escutava, juntando as enxutas sobrancelhas.

- Ela disse como nos conhecemos?

- Alguma coisa - disse Niko. - Sei que confia em você e que o respeita. Presumo que esteve aqui para ajudá-la uma ou duas vezes antes de agora.

- Tentei, melhor dizendo. Renata nunca quis ajuda de mim ou de ninguém mais. Não para si. Mas havia muitos outros meninos que ela trouxe para minha casa em busca de ajuda. Ela não podia ver alguém sofrer. Demônios, ela não era muito mais que uma menina na primeira vez que veio. Sempre guardava para si mesma os maiores pesos, uma verdadeira solitária. Ela não tem família, já sabe.

Nikolai agitou a cabeça mais uma vez.

- Não, não sabia disso.

- As irmãs de um orfanato a criaram nos primeiros 12 anos de sua vida. A mãe dela a abandonou na igreja quando Renata era apenas um bebê. Ela nunca soube nada de seus pais. Quando fez 15 anos, deixou as freiras para viver nas ruas. Sozinha.

Jack caminhou para um arquivo metálico que permanecia com algumas das outras coisas armazenadas no apartamento. Pegou um molho de chaves do bolso do jeans e enfiou uma delas na fechadura.

- Sim, senhor, Renata era difícil, desde o começo. Magra, cautelosa, ela parecia alguém que sequer podia manter-se de pé durante uma forte brisa, mas essa garota tinha nervos de aço. Não levava desaforo algum.

- Não mudou muito - disse Nikolai, olhando o homem abrir a gaveta do fundo. - Nunca conheci uma mulher como Renata.

Jack olhou por cima dele e sorriu.

- Ela é especial, não é mesmo? Teimosa também. Uns poucos meses antes da última vez que a vi, ela estava com o rosto cheio de hematomas. Aparentemente algum bêbado com quem cruzou na saída de um bar teve a ideia de querer um pouco de companhia durante a noite. Viu Renata e tentou levá-la para um passeio em seu carro. Ela lutou com ele, mas ganhou alguns socos antes de conseguir escapar.

Nikolai amaldiçoou em voz baixa.

- O filho da mãe deveria ter sido estripado por colocar as mãos em uma mulher indefesa.

- Isso foi o que pensei - disse Jack, mortalmente sério, o soldado protetor falando uma vez mais.

Relaxou e retirou uma caixa de madeira polida do arquivo.

- Ensinei uns golpes básicos de autodefesa a ela. Ofereci enviá-la a algumas aulas, mas é óbvio que ela rechaçou. Umas poucas semanas se passaram e ela voltou de novo, trazendo outro menino sem lar. Disse que tinha algo para ela – um presente especial que eu havia feito para ela. Juro por Deus, se você tivesse visto seu rosto, pensaria que ela preferiria se jogar na frente de um carro a ter que aceitar alguma amabilidade de alguém.

Nikolai não tinha que se esforçar para imaginar aquele olhar. Ele mesmo o tinha visto uma ou duas vezes desde que conhecera Renata.

- Qual foi seu presente para ela?

O velho deu de ombros.

- Não muito, realmente. Um velho jogo de adagas. Levei-as ao artesão que trabalhava com metais e pedi para customizar as lâminas. Cada uma das quatro com parte da força que vi em Renata. Disse que eram as qualidades que a faziam única e resolveriam qualquer situação.

- Fé, coragem, honra e sacrifício - disse Nikolai, recordando as palavras que tinha visto nas adagas que Renata parecia guardar como um tesouro.

- Ela lhe contou sobre as adagas?

Niko deu de ombros.

- Eu a vi usando-as. Significam muito para ela, Jack.

- Não sabia - respondeu. - Fiquei surpreso por ela as ter aceitado de primeira, mas não pensei que ainda as guardasse depois de todo esse tempo.

Piscou rapidamente, depois se entreteve com a caixa que tinha tirado do arquivo. Abriu a tampa, e Niko captou o brilho do escuro metal descansando dentro do estojo. Jack limpou a garganta.

- Escuta, como disse antes, não vou pressionar para que me dê detalhes daquilo em que estão envolvidos. Está suficientemente claro que estão em um grande apuro. Podem ficar aqui o tempo que precisar. E quando estiverem preparados para ir, saibam que não precisa ser com as mãos vazias.

Colocou a caixa aberta no chão e empurrou na direção de Nikolai. Dentro havia duas imaculadas pistolas semiautomáticas e uma caixa de balas.

- São suas, se quiser. Não farei perguntas.

Niko agarrou umas das duas 45 mm e a inspecionou com um olhar crítico. Era um belo e bem cuidado Colt M1911. Provavelmente armas de uso militar da época em que Jack servira no Vietnã.

- Obrigado, Jack.

O velho guerreiro humano assentiu ligeiramente.

- Tome conta dela. Mantenha-a protegida.

Nikolai sustentou esse firme olhar.

- Farei isso.

- Está bem - Jack murmurou. - Está bem, então.

Enquanto começava a levantar-se, alguém gritou seu nome no caminho de entrada. Um segundo mais tarde, ouviam-se pisadas nas escadas de madeira que levavam ao apartamento da garagem.

Niko lançou a Jack um afiado olhar.

- Alguém sabe que estamos aqui?

- Não. De modo algum. É só Curtis, um de meus meninos recentes. Está arrumando meu velho computador. Os malditos vírus atacaram de novo – Jack se dirigiu para a porta. - Ele acha que estou procurando um disco rígido aqui dentro. Vou dispensá-lo. Enquanto isso, se pensar em algo mais de que possam precisar, basta pedir.

- Tem um telefone? - perguntou Niko, devolvendo a pistola à caixa.

Jack colocou a mão em seu bolso dianteiro e tirou um celular, jogando-o para Nikolai.

- Deve ter algumas horas de bateria. É seu.

- Obrigado.

- Virei mais tarde - Jack segurou o trinco da porta e Nikolai voltou para as sombras, longe do reflexo da luz diurna enquanto fazia um esforço para ficar fora da visão do indesejado visitante que tinha chegado no alto das escadas.

- Bem, eu estava enganado, Curtis. Olhei todos os lugares e não há nenhum disco rígido nas caixas daqui de cima.

Niko viu a cabeça do outro humano tentando olhar pelo fio da porta enquanto Jack a fechava firmemente atrás dele. Houve uma multidão de passos enquanto Jack escoltava o outro humano para longe.

Uma vez que estava seguro de que eles tinham partido, Nikolai discou um número de acesso remoto que era mantido pelos quartéis centrais da Ordem em Boston. Teclou no celular de Jack um número e um código que o identificaria para Gideon, e então esperou que a chamada fosse atendida.

O meio-dia em uma comunidade que abrigava um grupo de vampiros era geralmente uma hora de inatividade, mas nenhum dos sete guerreiros reunidos na sala de armas dos quartéis centrais da Ordem pareceu notar a hora, nem sequer os suficientemente abençoados que tinham suas encantadoras Companheiras de Raça esquentando suas camas. Desde que se reagruparam na comunidade antes do amanhecer, os guerreiros se mantiveram ocupados revisando as situações de missões atuais e marcando objetivos para a noite que se aproximava. Investigaram os assuntos da Ordem durante horas e, ao final, não havia nada novo. E dessa vez não havia também nada das habituais conversas de bom humor ou brincadeiras sobre quem estava pegando as melhores missões.

Nesse momento, a alguns metros de distância, na área usada para prática de tiro, cinco pistolas estavam sendo disparadas, uma atrás da outra, os olhos do outro lado trituravam minúsculos confetes. A sala de tiro da comunidade era usada mais para entretenimento do que para necessidade, posto que todos os guerreiros matavam seus alvos. Mesmo assim, nunca paravam de se provocar e de chutar os traseiros uns dos outros só para manter as coisas vívidas.

Não havia isso hoje. Apenas o som de todo aquele ruído ensurdecedor. O ruído era estranhamente cômodo só porque ajudava a mascarar o silêncio, e o fato de a comunidade toda estar vibrando com um atual mal-estar. Durante as últimas 36 horas, o comportamento tinha sido mais sóbrio, envolto no coletivo, se não talvez inexpressivo, terror.

Um dos seus tinha desaparecido.

Nikolai sempre tendeu a ser um pouco inconformista, mas não significava que o homem fosse de pouca confiança. Se dizia que ia fazer algo - ou que estaria em algum lugar -, podiam contar com ele para seguir adiante. Em qualquer momento, sem exceções.

E agora, quando deveria ter voltado para Montreal fazia um dia e meio, como tinha planejado, Niko estava apagado e fora de contato.

Nada bom, pensou Lucan, sentindo que não era o único com essa sensação enquanto olhava os outros guerreiros que também esperavam notícias de Nikolai e se perguntavam o que poderia ter acontecido.

Como Primeira Geração da Raça e fundador da Ordem na Idade Média, Lucan era o líder daquele grupo de vampiros guerreiros da era moderna. Sua palavra era lei naquela comunidade. Em tempos de crise – para melhor ou pior - era sua resposta que estabelecia a voz para os outros guerreiros. Estava bem condicionado a não mostrar preocupação ou dúvida, uma destreza que vinha naturalmente de sua parte virtualmente imortal, um poderoso predador que tinha caminhado por esta Terra durante 900 anos.

Mas a parte humana, a parte que tinha chegado a apreciar mais a vida por ter conhecido sua Companheira de Raça, Gabrielle, no verão passado, não podia fingir que a perda potencial de um guerreiro nessa guerra privada dentro da nação vampírica não seria algo catastrófico. Sem falar do fato de que os guerreiros da Ordem, os que tinham estado com ele desde o começo e os membros mais recentes, que tinham se unido à luta no último ano, eram quase uma família para ele. Tudo tinha mudado tanto nesse tempo. Agora também havia várias mulheres vivendo na comunidade, e para um dos guerreiros e sua companheira - Dante e Tess -, havia um bebê à caminho.

Agora, as apostas eram mais altas que qualquer outra para a Ordem; assim que um inimigo era derrotado, outro ainda mais poderoso surgia em seu lugar. Em um ano, a principal missão dos guerreiros tinha sido caçar os Renegados, em um esforço para manter a paz, perseguir um perigoso inimigo que tinha se escondido por muitas longas décadas. Um inimigo que tinha estado pacientemente construindo sua estratégia enquanto ocultava um segredo mortal e esperava a oportunidade de levá-lo a cabo. Se tivesse êxito, não estariam só as populações da Raça em perigo, mas também toda a humanidade.

Não custou muito a Lucan recordar a selvageria dos velhos tempos, quando a noite era dominada por um monte de criaturas de outro mundo, sedentas. Criaturas que tratavam em ampla escala de terror e morte. Alimentavam-se como bestas e causavam destruição como os malfeitores mais letais. Lucan havia feito de sua vida uma missão de erradicar aquelas bestas, mesmo que isso significasse caçar seu próprio pai.

A Ordem tinha declarado a guerra, havia brandido espadas e batalhado para exterminar a todos... ou pelo menos assim eles acreditavam. A ideia de que alguém tivesse sobrevivido causou um profundo frio nos imortais ossos de Lucan.

Olhou os guerreiros que serviam junto a ele e não pôde evitar sentir algo de sua idade. Não pôde evitar sentir que tinham enfrentado uma prova no ano passado - possivelmente sua primeira e verdadeira prova desde a formação da Ordem - e que o pior estava por vir.

Perdido em escuros pensamentos enquanto perambulava pela parte traseira da sala de armas, Lucan não se deu conta de que as portas da área de treinamento estavam sendo abertas até que Gideon irrompesse a toda pressa. O tênis do vampiro loiro deslizou sobre o mármore branco até parar diante de Lucan.

- Niko fez contato - anunciou, visivelmente aliviado. – Identificou-se de um celular de Montreal.

- Finalmente - disse Lucan, embora sua resposta não disfarçasse sua preocupação. – Está com ele na linha?

Gideon assentiu.

- Está esperando no laboratório tecnológico. Pensei que queria falar com ele pessoalmente.

- Fez bem.

Os disparos cessaram abruptamente quando um dos outros guerreiros, o outro único membro Primeira Geração da Ordem, Tegan, corria para dar as notícias sobre o contato de Niko aos cinco homens que treinavam. Os guerreiros - Dante e Rio, membros há muito tempo; Chase, que tinha deixado a Agência para unir-se à Ordem naquele verão; e os dois recrutas mais recentes, Kade e Brock, ambos trazidos por Niko - abaixaram as armas e avançaram atrás de Tegan, formando um nó de músculos e testosterona.

Rio, um dos guerreiros mais ligados a Nikolai, foi o primeiro a falar. Seu rosto cicatrizado estava cheio de preocupação.

- O que aconteceu?

- Ele me deu a versão resumida - disse Gideon. - Mas a porcaria é grande e fedorenta, começando com o assassinato de Sergei Yakut há duas noites.

- Maldito seja - murmurou Brock, arrastando seus escuros dedos pelo cabelo estilizado.

- Essa onda de assassinatos dos Primeira Geração está saindo do nosso controle.

- Bom - acrescentou Gideon. - Isso não é exatamente o pior. Niko foi detido pelo assassinato e levado às instalações da Agência de Imposição.

- Ah! Inferno! - respondeu Kade, estreitando seus pálidos olhos. –Você não acha que ele...

- De maneira alguma - disse Dante, sem pestanejar um segundo. - Duvido que derramasse uma só lágrima por uma escória como Yakut, mas Nikolai não tomaria parte em sua morte.

Gideon agitou sua cabeça.

- Não. E não foi trabalho de um assassino, tampouco. Niko diz que o próprio filho de Yakut levou um Renegado para matar seu pai. Infelizmente para Nikolai, o filho de Yakut tem algum tipo de aliança com a Agência. Eles arrastaram Niko e o jogaram dentro de uma sala de contenção.

- Que merda é essa? - dessa vez era Sterling Chase quem falava. Sendo um antigo agente, ele estava ciente tanto quanto qualquer um dos guerreiros na sala do quão desagradável uma visita à Agência podia ser.

- Já que estava suficientemente consciente para telefonar, assumo que não está mais preso lá.

- Escapou de algum jeito - disse Gideon. - Mas não tenho todos os detalhes ainda. Posso dizer que há uma mulher na jogada, uma Companheira de Raça que era membro da casa de Yakut. Ela está com Niko agora.

Lucan não comentou essa problemática informação de última hora, embora sua sombria expressão provavelmente dissesse tudo.

- Onde eles estão?

- Em alguma parte da cidade - respondeu Gideon. - Niko não tem certeza sobre a localização exata, mas diz que estão seguros por agora. No entanto, estão preparados para o verdadeiro golpe?

Lucan arqueou uma sobrancelha.

- Pelo amor de Deus. Há algo mais?

- Temo que sim. O cara que atirou no traseiro de Niko na sala de contenção e pessoalmente fiscalizou sua tortura... bem, aparentemente, durante um de seus momentos mais expressivos o filho da mãe admitiu ter uma ligação com Dragos.


Capítulo 20

Nikolai estava no meio de uma conversa no celular quando Renata saiu de seu longo e bem-vindo banho. Ela evidentemente tinha adormecido na banheira em algum momento, porque a última coisa de que se lembrava era de ter escutado a voz de Jack na porta do quarto depois de Nikolai ir conhecê-lo, e agora já não havia mais nenhum sinal do ex-marinheiro. Deteve-se dentro do quarto, com os cabelos úmidos grudando no pescoço e o corpo envolto na toalha que Nikolai lhe havia dado.

Estava aturdida e dolorida, muito quente ainda, mas o banho com água fria era exatamente do que necessitava. O beijo de Nikolai tampouco tinha sido mal.

Falando baixo, em um tom confidencial, ele a olhou de onde estava, sentado em uma cadeira dobrável perto de uma mesa no centro da sala, seus olhos azul-claro fazendo uma rápida, porém completa exploração do corpo de Renata. Havia um calor inconfundível naquele breve olhar, mas ele parecia falar de negócios ao telefone, o que fazia presumir que só podia estar falando com a Ordem, em Boston. Renata escutou enquanto o guerreiro fez um resumo eficiente das circunstâncias do assassinato de Yakut, da clara aliança entre Lex e Fabien, do desaparecimento de Mira e da fuga que tinha trazido Nikolai e Renata para a casa de Jack.

Pelo tom daquela conversa, o homem do outro lado da linha - Lucan, ela tinha escutado Nikolai chamá-lo - estava preocupado com sua segurança e alegre que ambos estivessem inteiros, e não gostou nem um pouco de saber que estavam completamente à mercê de um humano. E Lucan não estava entusiasmado com o fato de que Nikolai estivesse falando em ajudar Renata a localizar Mira. Ela podia escutar a voz profunda ao final da outra linha grunhindo sobre “problemas de Companheiras de Raça” e objetivos da missão atual - como se uns excluíssem os outros.

A maldição como resposta quando Nikolai acrescentou que Renata estava se curando de uma ferida de bala era audível através de todo o quarto.

- Ela é forte–Niko disse para Lucan enquanto olhava para Renata. - Mas levou um forte golpe no ombro e não está muito bem. Seria uma boa ideia arranjar alguém para vir pegá-la e levá-la para a Ordem até que tudo se acalme por aqui.

Renata olhou com desaprovação e deu uma sacudida de cabeça. Grande engano. Até mesmo aquele pequeno gesto fez a visão dela fraquejar, e foi só o que pode fazer antes de cair sobre a cama quando suas pernas lhe faltaram. Deixou-se desabar sobre o colchão, lutando contra um círculo vicioso de ondas de calor e frio.

Tentou ocultar de Nikolai seu estado deplorável, mas o olhar que ele deu disse-lhe que seria inútil continuar tentando esconder seu mau estado.

- Gideon ainda não tem nada de Fabien? - perguntou, levantando-se para passear pelo quarto. Escutou por um minuto, depois exalou um suspiro. - Inferno! Não posso dizer que isso me surpreende. Ele tinha um maldito ar de político, então imaginei que o bastardo tivesse boas conexões. O que mais temos?

Renata conteve a respiração no silêncio que se estendeu. Podia ver que as notícias do outro lado da linha não eram boas.

Nikolai deixou escapar um profundo suspiro e, então, passou a mão pelos cabelos loiros.

- Quanto tempo acredita que Gideon vai demorar para pesquisar nos arquivos protegidos e conseguir seu endereço? Inferno, Lucan, não estou seguro de que devêssemos esperar tanto tempo, levando em conta... Sim, estou ouvindo. Talvez, enquanto Gideon faz esse trabalho, eu faça uma visita a Alexei Yakut. Poderia apostar meu testículo esquerdo que Lex sabe onde encontrar Fabien. Diabos, não me resta dúvidas de que Lex esteve lá mais de uma vez. Eu ficaria feliz em obter essa informação, depois enfrentarei Fabien pessoalmente.

Nikolai escutou por um momento antes de grunhir uma maldição em voz baixa.

- Sim, claro, eu sei... por mais que queira fazer esse filho da mãe pagar, você tem razão. Não podemos nos arriscar a assustar Fabien antes de ter uma sólida informação sobre sua ligação com Dragos.

Renata olhou a tempo de perceber o olhar sombrio de Nikolai. Ela esperou que ele acrescentasse que nada era mais importante do que garantir a segurança de Mira e rastrear o vampiro que a mantinha. Ela esperou, mas essas palavras nunca atravessaram os lábios do guerreiro da Ordem.

- Sim - murmurou. - Ligue quando souber de algo. Vou sair esta noite e ver se descubro algo útil. Manterei contato.

Niko terminou a chamada e deixou o celular sobre a mesa. Renata o olhou enquanto ele se aproximava da cama e se agachava na frente dela.

- Como se sente?

Estendeu a mão como se fosse checar o ombro, talvez simplesmente acariciá-la, mas Renata distanciou-se. Não podia sentar-se ali e agir como se não estivesse nem um pouco confusa naquele momento. Sentia-se traída e ridícula por ter pensado que podia contar com ele em primeiro lugar.

- A água fria ajudou a baixar a febre? - perguntou, com a testa franzida. - Ainda está pálida e trêmula. Venha, deixe-me dar uma olhada.

- Não preciso de sua preocupação - disse. - E tampouco preciso de sua ajuda. Esqueça que a pedi. Só... esqueça tudo. Eu não gostaria que meus problemas interferissem em nenhum dos objetivos de sua atual missão.

Niko olhou-a ainda mais tenso.

- Do que está falando?

- Tenho minhas prioridades, e você claramente tem as suas. Deixou claro que seu companheiro Lucan tem a última palavra.

- Lucan é um de meus irmãos de armas. Além disso, ele é o líder da Ordem, portanto, sim, tem o direito de ter a última palavra quando se trata de assuntos da Ordem. - Nikolai ficou de pé, cruzando os braços fortes sobre o peito bem-definido. - Algo grande está por vir, Renata. O assassinato de Yakut foi somente uma pequena parte disso, e não foi o primeiro. Houve vários assassinatos de Primeiras Gerações nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Alguém vem matando os mais velhos e poderosos membros da Raça silenciosamente.

- Para quê? - olhou-o curiosa contra sua vontade.

- Não estamos seguros. Entretanto, acredita-se que tudo esteja ligado a um único indivíduo, um macho da Raça de segunda geração muito perigoso chamado Dragos. A Ordem o tirou de seu esconderijo há algumas semanas, mas ele conseguiu fugir. Agora ele está escondido outra vez. O filho da mãe esteve agindo sob nossos narizes. Qualquer coisa que descobrirmos que possa nos levar a ele é importante. Ele precisa ser detido.

- Sergei Yakut matou dúzias de seres humanos só por esporte - Renata assinalou. - Por que você ou o resto da Ordem não o pararam?

- Até recentemente não sabíamos onde encontrá-lo, muito menos sabíamos de suas atividades. E mesmo se soubéssemos, ele era um Primeira Geração, e por mais que o odiássemos, a Ordem não teria sido capaz de detê-lo por um monte de questões burocráticas.

Os pensamentos de Renata obscureceram-se, voltando para o tempo que tinha vivido sob o controle de Yakut.

- Havia vezes em que Yakut bebia de mim... quando me usava por conta de meu sangue, eu via algo monstruoso nele. Quero dizer, eu sabia o que ele era, o que todos vocês são. Mas, de vez em quando, eu olhava nos olhos dele e juro que não havia humanidade alguma. Tudo o que via era algo verdadeiramente mau.

- Ele era um Primeira Geração - Nikolai disse, como se isso fosse explicação suficiente. - Só metade de seus genes era humana. A outra metade era... algo mais.

- Vampiro - murmurou ela.

- De outro mundo - disse Nikolai, corrigindo-a.

Olhou-a enquanto dizia essas palavras e Renata teve o impulso de rir. Mas ela não podia, não quando a expressão de Niko era tão grave.

- Lex gosta de gabar-se que é filho de um rei conquistador de outro mundo. Sempre supus que isso tudo era bobagem. Você está me dizendo que o que ele diz é realmente verdade?

Nikolai zombou.

- Um conquistador, sim, mas um rei, não. Os oito Antigos que chegaram há milhares de anos e tiveram filhos com mulheres humanas eram selvagens sedentos de sangue, violadores... criaturas letais que dizimavam cidades inteiras. A maioria deles foi eliminada pela Ordem na Idade Média. Lucan conduziu a missão contra eles depois que sua própria mãe foi assassinada pela criatura de quem ele era filho.

Renata apenas escutava, muito surpresa para fazer todas as perguntas que formavam redemoinhos em sua cabeça.

- Como resultado, um dos Antigos sobreviveu à guerra da Ordem contra eles – Nikolai acrescentou. – Esse Antigo foi escondido por um de seus filhos, um vampiro Primeira Geração chamado Dragos. Temos boas razões para acreditar que o Antigo ainda está vivo e que o último filho sobrevivente de Dragos, seu xará e o bastardo que tentamos deter, só está esperando uma oportunidade para libertá-lo.

- Há dois anos eu estava segura de que vampiros não existiam realmente. Sergei Yakut me fez mudar de opinião. Mostrou-me que vampiros não apenas existem, mas que também são mais temíveis e perigosos do que qualquer coisa que eu tenha visto em livros ou filmes. Agora, você está me dizendo que há ainda algo pior lá fora?

- Não estou querendo assustá-la, Renata. Só acredito que você deveria saber dos fatos. De todos eles. Estou lhe confiando tudo isso.

- Por quê?

- Porque quero que você entenda - disse as palavras de maneira muito gentil.

Como se ele estivesse se desculpando com ela de alguma forma.

Renata levantou o queixo, uma frieza parecia ter-se estabelecido em seu peito.

- Quer que eu entenda o quê? Que a vida de uma menina desaparecida não significa nada em comparação com tudo isso?

Nikolai amaldiçoou entre os dentes.

- Não, Renata...

- Está bem. Agora entendo, Nikolai – ela não pôde disfarçar a amargura de sua voz, nem mesmo quando estava lutando para absorver todas as coisas surpreendentes que acabara de ouvir. - Ei, não é grande coisa. Afinal de contas, você nunca concordou comigo em nada e estou acostumada a ser deixada de lado. A vida é uma merda, não é mesmo? É bom saber onde ambos estamos antes de deixar as coisas irem mais longe.

- O que está acontecendo aqui, Renata? – ele a olhou com um olhar penetrante, como se pudesse ver através dela. – Isso é realmente por causa de Mira ou você está incomodada pelo que aconteceu entre nós?

Nós. A palavra cravou no cérebro de Renata como um objeto estranho. Parecia tão estranha, tão perigosa. Muito íntima. Nunca tinha havido um nós para Renata. Ela sempre tinha dependido apenas de si, nunca tinha pedido nada a ninguém. Era mais seguro dessa forma. Mais seguro agora também.

Ela tinha quebrado sua própria regra quando foi atrás de Nikolai pedir-lhe ajuda para procurar Mira, e olhe o resultado daquilo: uma ferida de bala infeccionada, tempo crucial perdido e nem um passo mais próxima de encontrar Mira. De fato, agora que tinha ajudado na fuga de Nikolai, havia pouquíssima esperança de Renata se aproximar dos vampiros que estavam com a garota. Se Mira estava em perigo antes, Renata talvez tenha deixado as coisas ainda piores agora.

- Tenho que sair daqui - disse inexpressiva. - Já perdi muito tempo. Não poderia suportar se algo acontecesse com Mira por minha culpa.

Preocupação e frustração fizeram-na se levantar da cama. Pôs-se de pé rapidamente.

Antes que pudesse se afastar dois passos de Nikolai, seus joelhos cederam, sua visão escureceu por um segundo e, de repente, ela estava caindo para a frente. Sentiu braços fortes sustentarem seu corpo e a voz tranquila de Nikolai junto ao seu ouvido enquanto ele a agarrava e a levava para a cama.

- Deixe de lutar, Renata - disse ele, enquanto saía de sua debilidade e piscava. Posicionado sobre ela, percorreu com a ponta dos dedos seu rosto. Tão terno, tão relaxado. - Não precisa correr. Não precisa brigar... não comigo. Você está a salvo comigo, Renata.

Ela queria fechar os olhos e guardar aquelas gentis palavras. Estava tão assustada para acreditar, para confiar. E sentia-se tão culpada por aceitar essa comodidade sabendo que Mira poderia estar sofrendo, provavelmente chorando por ela na escuridão e perguntando-se por que Renata tinha quebrado sua promessa.

- Mira é tudo o que me importa - sussurrou. - Preciso garantir que ela esteja a salvo. Sempre.

Nikolai assentiu, solene.

- Sei quanto ela significa para você. E sei quanto é difícil para você pedir ajuda a alguém. Jesus Cristo, Renata... conscientemente arriscou sua vida para me tirar da Agência. Nunca serei capaz de pagá-la pelo que fez por mim.

Ela deitou a cabeça sobre o travesseiro, incapaz de suportar o penetrante olhar de Niko.

- Não se preocupe, você não tem obrigação alguma comigo. Não me deve nada, Nikolai.

Dedos quentes deslizaram ao longo de sua mandíbula, tomando-lhe o queixo e gentilmente guiando-lhe o rosto de novo para ele.

- Devo minha vida. De onde venho, isso não é insignificante.

A respiração de Renata se deteve enquanto ela o olhava nos olhos. Odiava-se pela esperança que se acendia em seu coração, a esperança de que ela não estava realmente só naquele momento. Esperança de que este guerreiro lhe protegeria, que tudo sairia bem, e que não importava que monstro estivesse com Mira, eles a encontrariam e tudo ficaria bem.

- Não deixarei que aconteça nada a Mira - disse, forçando-a a encará-lo. - Tem minha palavra. Tampouco vou deixar que algo aconteça com você. E por isso vou buscar ajuda médica assim que escurecer.

- O quê? - ela tentou levantar e fez uma careta pela pontada de dor. - Ficarei bem. Não preciso de um médico.

- Você não está bem, Renata. Piora a cada hora – a expressão dele era grave conforme lançava um olhar para a ferida no ombro dela. - Não pode continuar assim.

- Vou sobreviver - insistiu. - Não me darei por vencida agora, quando a vida de Mira está em jogo.

- Sua vida também está em jogo, não entende isso? – Nikolai sacudiu a cabeça e murmurou algo escuro e desagradável em tom baixo. – Você pode morrer se essa ferida não for tratada. Não deixarei que isso aconteça, isso significa que você tem um encontro com o pronto socorro mais próximo esta noite.

- E quanto ao sangue? - ela viu como cada músculo no corpo de Nikolai se esticou no momento em que aquelas palavras deixaram seus lábios.

- O que tem o sangue? – ele perguntou com uma voz neutra.

- Perguntou-me se alguma vez eu tinha bebido do sangue de Sergei. Estaria curada agora se tivesse bebido?

Ele levantou os ombros em um gesto vago, mas a tensão em seu grande corpo masculino permanecia. Quando levantou o olhar para ela, havia brilhos de fogo âmbar no azul invernal de sua íris. Suas pupilas se estreitaram quando ele a encarou.

- Eu estaria curada agora se você me desse seu sangue, Nikolai?

- Está pedindo isso?

- Se estivesse, você me daria?

Ele exalou pesadamente e quando seus lábios se separaram para tomar outro fôlego, Renata viu as pontas afiadas de suas presas.

- Não é uma pergunta tão simples como talvez você pense - replicou com um tom áspero em sua voz.–Você ficaria ligada a mim. Da mesma maneira que Yakut estava ligado a você por meio de seu sangue, você estaria ligada a mim. Você me sentiria em seu sangue. Para sempre. E isso não poderia ser desfeito, Renata, mesmo se você bebesse da veia de outro macho da Raça. Nossos laços permaneceriam acima de qualquer outro. Não poderiam ser destruídos, não até que um de nós estivesse morto.

Aquilo não era pouca coisa, Renata definitivamente entendia. Diabos, ela dificilmente acreditava que pudesse estar considerando tudo isso. Mas, em seu interior, louca como podia estar, ela confiava em Nikolai. E o preço realmente não lhe importava.

- Se fizermos isso, eu serei capaz de sair caminhado durante a noite e procurar Mira?

A mandíbula quadrada e masculina dele se apertou o suficiente para que um músculo de sua bochecha ficasse retesado. Ele a olhou, seus olhos ainda mais selvagens. Pouco a pouco, o azul foi envolvido pelo resplendor do fogo.

Quando parecia que não ia responder, Renata estendeu a mão e a pôs firmemente sobre o braço musculoso do guerreiro.

- Seu sangue me curaria, Nikolai?

- Sim - disse ele, a palavra saiu presa em sua garganta.

- Então quero fazê-lo.

Enquanto sustentava seu olhar em um silêncio intenso, ela pensou em quão degradada e usada se sentia todas as vezes que Sergei Yakut se alimentava de suas veias... Revolvia-se diante da ideia de que tinha alimentado alguém tão cruel, um ser monstruoso. Ela nunca teria considerado tomar dele, nem por uma questão de sobrevivência. Colocar a boca no corpo de Yakut para se alimentar dele voluntariamente teria matado o resto de alma que ela ainda tinha. Beber dele? Sequer estava segura de que seu amor por Mira pudesse superar algo tão vil como isso.

Mas Nikolai não era um monstro. Ele era honorável e justo. Era terno e protetor, um homem que se mostrava um grande companheiro para ela nessa viagem incerta. Era seu melhor aliado nesse momento. Sua maior esperança para recuperar Mira.

E mais profundamente ainda, como toda mulher com necessidades e desejos, em um lugar que ela não se atrevia a examinar muito de perto, ela desejava saborear Nikolai. Desejava-o mais do que tinha direito.

- Tem certeza, Renata?

- Se você me der seu sangue, sim - respondeu. - Quero tomá-lo.

Um longo silêncio se seguiu e Nikolai, então, sentou-se ao lado dela na cama. Ela o assistiu desabotoar a camisa lentamente, dando tempo para que a incerteza e a apreensão dela aumentassem. Mas elas não aumentaram. Enquanto Nikolai tirava a camisa e se sentava diante dela com o torso nu, seus dermoglifos pulsavam, cada arco e curva saturados com variedades de sombras em cores vermelhas e escuras, e ela não se sentia preocupada. Quando ele se aproximou ainda mais e levou o braço direito à boca, mostrando as enormes presas e afundando-as no pulso, ela não sentia nem sequer um pingo de temor.

E quando, nesse momento, ele pôs seus pontos sangrentos junto aos lábios de Renata e lhe disse que bebesse, ela não teve nenhuma vontade de negar.

A primeira prova do sangue de Nikolai em sua língua foi um choque.

Ela esperava ser arrastada pelo amargo sabor cobre, mas em seu lugar provou especiarias e um poder que se pulverizou através dela como eletricidade líquida. Podia sentir o sangue dele descendo pela garganta, por todas as fibras de seu corpo. Aquilo era como luz que se infiltrava em seus membros pelo lado de dentro, e a dor no ombro ferido diminuiu enquanto ela obtinha mais e mais de Nikolai.

- Isso - ele murmurou, seus dedos acariciando-lhe os cabelos úmidos, afastando-os da maçã do rosto. - Ah, Cristo! Isso, Renata... beba até que sinta que é suficiente.

Ela sugou mais forte de sua veia, com um instinto que nunca soube que tinha. Sentia-se bem ao beber de Nikolai daquela forma. Sentia-se mais do que bem... sentia-se incrível. Quanto mais tirava dele, mais viva ela se sentia. Cada terminação nervosa piscava com uma força que vinha de dentro.

E enquanto ele continuava acariciando-a, alimentando-a e curando-a, Renata começou a sentir uma nova sensação de calor crescendo rapidamente em seu interior. Gemeu, arrastada por uma onda de lava fundida que atravessava-lhe o corpo em recomposição. Retorcia-se e sabia sem engano algum o que era aquilo: desejo. Um desejo que ela tinha tentado negar desde que conhecera Nikolai, e que agora aumentava, querendo consumi-la.

Ela não conseguia resistir ao impulso de sugar mais forte. Precisava mais dele. Precisava de tudo dele. E precisava agora.


Capítulo 21

Nikolai se apoiou na cabeceira da cama e colocou a mão livre sobre o lençol, mantendo-a ali enquanto Renata continuava se alimentando. Ela bebeu dele da mesma forma como fazia tudo: com intrépida força e feroz convicção. Não havia ansiedade em seus olhos verdes-claros; tampouco havia incerteza na maneira firme como se agarrava ao braço musculoso do vampiro. E cada sugada de sua boca na veia aberta dele, cada roçar de sua língua na pele dele excitava-o mais do que qualquer outra coisa jamais o fizera.

Em todas as coisas em que se concentrava, Renata colocava uma força formidável. Ela era diferente de qualquer outra mulher que Niko havia conhecido – e, em vários sentidos, uma guerreira como qualquer macho da Raça que servia na Ordem com ele. Ela tinha o coração de um guerreiro, a honra de um guerreiro, e uma determinação inabalável que exigia total respeito. Renata tinha-lhe salvado a vida e por isso ele tinha uma dívida com ela. Mas santo Deus!... o que estava acontecendo entre eles ali não tinha nada a ver com deveres ou obrigações.

Ele estava começando a se preocupar com ela – mais do que queria admitir, inclusive para si. E também a queria. Cristo, como a queria! O desejo aumentando diante da erótica sucção da boca em sua veia, do esbelto corpo serpenteando em reação ardente ao sangue de outro mundo que lhe alimentava as células inexperientes.

Renata gemeu, um ronronar profundo de excitação, enquanto se movia mais perto dele no colchão, cada movimento de seu corpo afrouxava a toalha que a cobria. Ela não parecia notar - ou se preocupar – com o olhar âmbar de Nikolai percorrendo detalhadamente sua quase nudez. A ferida no ombro já estava melhor: o inchaço e o enrijecimento já sumiam e a cor da pele parecia mais saudável a cada minuto. Renata estava mais forte, mais vibrante e mais exigente, uma febre sendo substituída por outra, um calor dando lugar a outro.

Provavelmente, ele deveria ter-lhe dito que, além da nutrição e das propriedades curativas, o sangue de Raça era também um potente afrodisíaco. Supôs que poderia lidar bem com o que acontecesse, mas, maldição! Nada poderia tê-lo preparado para a resposta ardente de Renata.

Avançando lentamente contra ele, ainda sugando-o, ela aproximou uma mão e liberou o punho dele que estava apertado contra os lençóis. Então, dirigiu-lhe os dedos por debaixo das dobras da toalha que cobria seu corpo, diretamente para os seios. Ele não resistiu e passou a ponta dos dedos sobre um dos firmes mamilos e, em seguida, sobre o outro. A respiração dela acelerou enquanto ele acariciava-lhe a quente, cremosa e tenra pele, a forte vibração do batimento de seu coração contra a mão dele enquanto impacientemente dirigia-o para baixo, para o vale suave de seu abdômen, para a sedosa junta entre suas coxas.

Ela estava encharcada e excitadíssima, a fenda de seu sexo estava como cetim quente e molhado enquanto ele deslizava um dedo para dentro. Ela apertou as pernas, mantendo-o ali como se ele tivesse alguma intenção de sair. Sugou novamente, um puxão tão profundo que Niko sentiu repercutir até em seus testículos. Apertando os olhos até fechá-los, ele deixou cair a cabeça para trás e soltou um lento e contido gemido, os tendões de seu pescoço se esticaram como cabos de aço. Seu membro, que estava como uma rocha entre suas pernas, pedia-lhe atenção. Outro minuto daquela tortura e ele gozaria ali mesmo, nas calças esportivas emprestadas.

– Ah, Jesus! – grunhiu ele, afastando a mão da doce tentação da fenda excitada e umedecida de Renata. Lentamente subiu o rosto para olhá-la. Quando suas pálpebras se levantaram, o calor de sua íris transformada banhava Renata em um ardente resplendor brilhante.

Ela estava gloriosamente nua, sentada diante dele como uma deusa, seus lábios sujeitos a seu pulso, seus olhos claros escurecendo-se enquanto ela o olhava fixamente, sem vergonha.

– Já chega – murmurou ele, sua voz rouca, as palavras espessas pela presença de suas presas. Faltava-lhe a respiração, cada terminação nervosa de seu corpo estava completamente eletrizada. – Temos que parar... Jesus Cristo... Será melhor que paremos agora.

Ela gemeu em sinal de protesto. Muito brandamente, todavia, Nikolai retirou o pulso da boca de Renata e levou os dois furos aos lábios. Uma passada de sua língua pelas feridas as selou.

Com os olhos extasiados e famintos, ela o viu lamber o lugar onde sua boca tinha estado, e sua própria língua saiu precipitadamente para lamber seus lábios.

– O que está acontecendo? – perguntou ela, passando as mãos no peito dele, sua coluna vertebral estirando-se e arqueando-se com graça felina. – O que você fez comigo? Santo Deus! Estou queimando.

– É o vínculo de sangue – disse ele, quase incapaz de formar uma oração completa, seus sentidos estavam palpitando pela necessidade daquela mulher.

– Eu deveria tê-la advertido... Sinto muito.

Começou a se afastar, mas ela agarrou-lhe a mão. Dando uma sacudida de cabeça quase imperceptível enquanto seu peito subia e descia com o ar em seus pulmões, as pesadas pálpebras que ela fixou nele não pareciam ofendidas. Sabendo que não deveria tomar vantagem da situação, Nikolai se aproximou e acariciou o rubor que lhe enchia a bochecha.

Renata gemeu enquanto seu toque se prolongava, girando a cabeça na palma da mão de Niko.

– É... É sempre assim quando você deixa uma mulher beber de você?

Ele balançou a cabeça.

– Não sei. É a primeira vez.

Ela o olhou fixamente, com a sobrancelha franzida. Ele podia ver o registro de surpresa preencher-lhe o olhar atrás da luxúria induzida pelo sangue. Um silencioso lamento deslizou de seus lábios e logo ela estava movendo-se na direção dele sem vacilação, suas mãos emoldurando-lhe o rosto.

Beijou-o, longa, forte e profundamente.

– Toque-me, Nikolai – murmurou contra sua boca.

Era tanto uma exigência como uma urgência de seus lábios contra os dele, sua língua pressionando os dentes dele. Niko passou as mãos na pele nua de Renata, encontrando o beijo dela, o corpo tão faminto quanto o seu. E ele não poderia culpar aquela feroz necessidade como uma resposta natural da união de sangue. Sua fome por Renata era algo maior, embora extremamente consumidora.

Gananciosamente, ele chegou de novo ao refúgio de seu sexo. Dessa vez, não podia se limitar a tocá-la; não quando o aroma de Renata o estava embriagando tanto quanto a febril seda de seu sexo o estava deixando louco. Acariciou-lhe as dobras molhadas, penetrando-as com seus dedos grandes e separando-as para si como uma flor de primavera. Ela se arqueou em direção a ele enquanto ele a penetrava com um dedo primeiro, em seguida com outro. Enchendo-a, deleitando-a na firme pressão de seu corpo, os sutis movimentos ondeantes de seus músculos internos enquanto ele a acariciava e a levava ao clímax.

Estava tão absorto com o prazer dela que mal notou que ela movia as mãos até sentir que ela puxava o cordão de suas calças. Uivou quando ela deslizou a mão para baixo da cintura e encontrou seu rígido membro. Acariciou a cabeça, percorrendo os dedos com a gota úmida de fluido e, em seguida, torturando-o com um movimento lento e constante ao longo de seu mastro.

– Você também me deseja – disse ela. Não era exatamente uma pergunta quando a resposta estava transbordando em sua mão.

– Ah, sim – Niko respondeu de todo modo. – Diabos! Sim... Desejo você, Renata.

Ela sorriu faminta e o empurrou de costas sobre a cama. Tirou lentamente suas calças, deslizando-as pelos quadris, mas só até os joelhos. Com sua grossa ereção sobressaindo como um orgulhoso soldado a postos, Nikolai assistiu cativado conforme Renata subia e o montava. Sabia muito bem que não esperava qualquer momento de acanhamento ou vacilação. Era intrépida e incansável, e ele nunca havia sido mais feliz em sua vida. Os olhos dela pousaram fixamente sobre os seus, e Renata desceu por seu membro em um longo e lento deslizar.

Santo Cristo! A sensação de tê-la montada no membro dele era incrível. Tão quente e apertada, tão incrivelmente molhada.

Ele disse a si mesmo que era apenas a reação do vínculo de sangue que a fazia tão pouco resistente sexualmente, que ela teria reagido da mesma maneira com qualquer macho da Raça que a alimentasse. Que era só uma reação física, como algo altamente inflamável pegar fogo quando colocado próximo a uma chama. A consciência que ela tinha dele naquele momento provavelmente estava mergulhada em seu subconsciente – ela tinha uma coceira e ele era o passar de unhas de que ela precisava, simples assim.

E tudo bem para ele. Aquilo não precisava se transformar em algo mais complicado. E ele não era idiota o bastante para querer que fosse. O sexo entre eles não era algo pessoal. E Niko disse para si que era bom que fosse assim. Disse a si um monte de porcaria enquanto colocava a cabeça para trás com um gemido selvagem e deixava que Renata tomasse dele tudo o que precisasse.

Renata jamais havia se sentido mais viva. O sangue de Nikolai era como fogo em seus sentidos, cada matiz do momento a sacudia com a vívida consciência. A ferida em seu ombro não doía, sua necessidade por Nikolai era tudo que importava.

Ele sustentava-lhe os quadris enquanto ela cavalgava em seu sexo, a mente perdida de tudo, o calor dele preenchendo-a completamente, a beleza masculina de seu grande e musculoso corpo movendo-se em igual ritmo debaixo dela. Através da inundada névoa de seu desejo, admirou os músculos entrelaçados dos braços e do peito, uma sinfonia de força, flexionando-se e contraindo-se sob o poder até mais surpreendente das cores e formatos de seus dermoglifos mutantes.

Inclusive suas presas, que por certo deveriam tê-la aterrorizado, tinham uma beleza letal agora. As afiadas pontas brilhavam com cada fôlego entrecortado que se arrastava através de seus dentes. O sangue que havia tirado dele deve tê-la deixado um pouco louca, porque alguma remota parte dela queria que suas letais presas pousassem e penetrassem seu pescoço. Perfurando sua carne enquanto ela o cavalgava.

Ainda podia saborear o sangue dele em sua língua: doce, selvagem e sombrio. Um zumbido elétrico estendeu-se através dela e a acendeu no centro de seu sexo preenchido. Ansiava mais por esse poder, mais dele... Tudo dele.

Afundou os dedos nos grossos bíceps e foi mais fundo, mais forte, seguindo essa perigosa necessidade que o sangue havia desatado. Ele tomou cada impulso desesperado de seus quadris, sustentando-a firme enquanto o estalo do orgasmo se fechou de repente nela. Gritou enquanto o prazer se apoderava dela, um grito de liberação que ela não poderia ter contido mesmo se sua vida dependesse disso. A intensidade era demais para suportar. Tremia, impressionada pela força de sua paixão – paixão que tentou evitar por muito tempo, com medo.

Não sentia medo de Nikolai. Ela o desejava. Confiava nele.

– Tudo bem? – ele perguntou, um pouco mais que um grunhido enquanto seguia balançando-se com ela. – Está com alguma dor?

Ela negou com a cabeça, incapaz de falar quando cada terminação nervosa em seu corpo estava tensa de necessidade e vibrando pela sensação.

– Bom... – murmurou ele, escorregando a mão ao redor da parte posterior de seu pescoço para puxá-la para um beijo. A boca de Renata estava quente sobre a sua, suas presas roçando-lhe lábios e língua. Sentia-se tão bem... Ela tinha um gosto tão bom.

O fogo que havia diminuído um pouco com o orgasmo dela se acendeu de novo de forma furiosa. Ela gemeu e, enquanto o desejo ganhava nova vida, moveu seus quadris ao mesmo tempo em que a fome pulsava em seu sexo. Nikolai não a deixou esperar muito tempo, movendo-se junto com ela, incrementando seu ritmo até que ela gozou de novo, flutuando à deriva depois de uma onda de prazer. Então, ele tomou as rédeas por completo, preenchendo-a com seu mastro, entrando e saindo, cada movimento aparentemente tocando mais profundamente dentro dela, e mais profundo ainda. Chegou ao clímax com um grito rouco, sua coluna arqueando-se debaixo dela, sua pélvis contra ela com a força de sua liberação. O orgasmo de Renata se uniu ao dele um momento depois, uma prolongada desintegração que a deixou tremendo e suando em seus braços.

E ela ainda queria mais.

Queria mais, mesmo depois do orgasmo seguinte e do seguinte. Mesmo depois que ela e Nikolai estavam suados e esgotados, ela ainda queria mais.

Edgar Fabien sentia seis pares de ardilosos olhos sobre ele enquanto seu secretário sussurrava uma urgente mensagem em seu ouvido. Uma interrupção a esta hora, em meio de tão importante companhia como aqueles especiais dignitários convidados da Raça que tinham chegado a Montreal vindos dos Estados Unidos e da Europa, prenunciava más noticias. E eram, embora Fabien não se permitisse tal indicação.

Os machos reunidos em particular estavam avaliando uns aos outros desde que chegaram, um por um, naquela noite, todos convocados à residência do Refúgio de Fabien à espera do transporte para uma reunião exclusiva em outro lugar. Para conservar o anonimato, o grupo havia sido instruído a ficar com capuzes negros o tempo todo. Tinha sido proibido fazer perguntas pessoais uns aos outros, ou discutir seus problemas pessoais com o macho da Raça que havia convocado aquela reunião e estabelecido seus termos. Dragos havia deixado claro que agora, mais do que nunca, procuraria por debilidades ou pela mínima razão para considerar Fabien ou os outros homens parados ali indignos do glorioso futuro que ele estava planejando revelar naquela reunião formal.

Enquanto o secretário sussurrava o resto da mensagem, Fabien alegrava-se por aquele capuz escuro ocultar sua reação dos outros. Manteve a postura relaxada, cada músculo solto e à vontade, enquanto informava que um de seus capangas da cidade estava esperando lá fora com inesperadas, porém críticas, notícias que não podiam aguardar. Notícias a respeito de um macho da Raça e de uma mulher ferida em sua companhia que, pela descrição, poderia ser nada menos que o casal que havia escapado das instalações de contenção.

– Perdoem-me – disse Fabien com um sorriso firme de fachada. – Mas tenho um pequeno problema para resolver lá fora. Retornarei em um momento.

Umas poucas cabeças se inclinaram enquanto Fabien girava para sair da sala. Uma vez que a porta da sala de recepção estava fechada e ele e seu secretário tinham caminhado vários metros pelo comprido corredor, Fabien tirou seu capuz.

– Onde está ele?

– Esperando no vestíbulo principal, Senhor.

Fabien foi naquela direção, retorcendo o capuz negro em suas mãos grandes e finas. Quando chegou à porta, seu secretário se apressou adiante para mantê-la aberta para ele. O capanga estava apoiado contra a parede, absorto em mordiscar suas unhas rapidamente, seu desalinhado cabelo muito comprido caindo sobre seus olhos. Quando elevou a vista e viu seu Mestre entrar, o repugnante e preguiçoso humano foi substituído por um desejo impaciente em agradar.

– Trouxe-lhe algumas notícias, Mestre.

Fabien grunhiu.

– Ouvi isso. Fale, Curtis. Diga-me o que viu.

O servo explicou que mais cedo ele tinha ido fazer algumas perguntas ao seu empregador humano – o dono de um abrigo para garotos de rua que contratou Curtis para trabalhar com seus computadores – e inesperadamente descobriu que o vampiro guerreiro estava escondido no apartamento em cima de uma garagem. Curtis não havia sido capaz de aproximar-se para olhar, mas chegara perto o bastante para dizer que o enorme macho era da Raça. Na verdade, ele tinha acabado de confirmar suas suspeitas. Aparentemente, o guerreiro e a mulher que estava com ele tinham se tornado bastante... amigos. O casal estava muito ocupado na cama para notar quando Curtis saiu furtivamente pela parte de trás da garagem e os espiou juntos através da janela.

O capanga havia conseguido dar uma olhada e foi capaz de proporcionar uma descrição física bastante detalhada dos dois: o guerreiro da Raça, Nikolai, e a Companheira de Raça, Renata.

– Tem certeza de que nenhum deles soube que você esteve ali? – perguntou Fabien.

O servo riu.

– Sim, Mestre. Confie em mim. Eles não estavam prestando atenção em nada que não fossem eles.

Fabien assentiu e olhou o relógio. Anoiteceria dentro de uma hora. Ele já havia atribuído a uma equipe de Agentes outra tarefa de limpeza naquela noite. Talvez devesse enviar uma segunda unidade para a cidade com Curtis. Bastante ruim era o fato de que o guerreiro tivesse conseguido escapar das instalações de contenção. A notícia não havia caído bem quando Fabien informou Dragos sobre o problema, mas a mancada seria amenizada se ele pudesse assegurar que o guerreiro fosse capturado – rápida e permanentemente.

Sim, pensou Fabien, enquanto colocava a mão no bolso de sua jaqueta para pegar o celular e discar para a Agência de Execução, colocando-lhes a par das novas informações. Esta noite, ele apagaria do quadro-negro alguns erros recentes. E quando se apresentasse a Dragos na reunião, ele o faria levando boas notícias e um pequeno e encantador presente do qual seu novo comandante certamente desfrutaria.


Capítulo 22

- Você acha que ele a machucará? - a voz tranquila de Renata rompeu o silêncio prolongado no úmido apartamento. Ela estava sentada na frente de Nikolai, usava uma camiseta cinza extragrande e suas próprias calças jeans, lavadas mais cedo por cortesia de Jack. Sua ferida no ombro estava muito melhor e cada vez que Niko perguntava, ela insistia que não sentia muita dor, de modo que ele percebeu que seu sangue a manteria alimentada por algumas poucas horas. Já tinham saído da cama há algum tempo, ambos tinham se banhado e se vestido, e evitavam cuidadosamente falar sobre tudo que tinha ocorrido entre eles horas antes.

Nikolai se manteve ocupado na limpeza das armas que Jack lhe havia dado, enquanto ele e Renata faziam planos para o breve retorno ao alojamento de Yakut. E embora Niko duvidasse que Lex fosse contar alguma coisa sobre sua aliança com Edgar Fabien, ele tinha o pressentimento de que algumas técnicas afrouxariam a língua do maldito filho da mãe.

Assim ele esperava, já que sem uma sólida vantagem sobre a localização do líder do Refúgio, as probabilidades de achar Mira ilesa diminuíam a cada segundo.

- Você acha que ele vai fazer... algo a Mira?

Niko virou e viu o pânico nos olhos de Renata.

- Fabien não é um bom homem... Francamente, não sei quais são as intenções dele com ela.

Renata dirigiu o olhar para baixo, suas magras sobrancelhas estavam unidas na testa franzida.

- Você não me disse tudo o que seus amigos de Boston descobriram sobre ele.

Inferno. Ele deveria saber que Renata perguntaria isso. Ele deliberadamente tinha passado por alto sobre o pior que Gideon havia dito sobre ele, os detalhes sórdidos que não os ajudariam a localizar Mira e só fariam Renata se preocupar ainda mais. Mas ele a respeitava muito para mentir.

- Não, eu não disse tudo - admitiu. - Realmente quer saber tudo sobre ele?

- Acredito que preciso saber - ela o olhou fixamente de novo, seus pálidos olhos verdes agora estavam sóbrios, tão firmes quanto os de um guerreiro pronto para a batalha. - O que a Ordem sabe sobre ele?

- Ele é um segunda geração da Raça, certamente tem várias centenas de anos - disse Niko, começando com o menor dos delitos de Fabien. - Ele é o líder do Refúgio de Montreal há 150 anos e também deseja chegar ao alto escalão da Agência de Execução, o que significa que está politicamente envolvido também.

Renata zombou em voz baixa.

- Isso é um curriculum vitae, Nikolai. Sabe o que estou perguntando. Fale diretamente.

- Muito bem - Niko assentiu com a cabeça, sem se preocupar em ocultar sua admiração. Ou sua preocupação. - Apesar de ter um monte de amigos em altos postos, Edgar Fabien não é o que poderíamos chamar de cidadão-modelo. Pelo que parece, ele tem várias... perversões que vêm lhe causando muitos problemas ao longo dos anos.

- Perversões? - disse Renata, quase cuspindo a palavra.

- Seus gostos tendem para o lado sádico, e ele... bem, ele é conhecido por desfrutar da companhia de crianças de vez em quando. Especialmente garotas.

- Jesus Cristo! - Renata exclamou com o fôlego apertado. Ela fechou os olhos e desviou o rosto. Quando finalmente olhou para Niko, havia um brilho assassino em seus olhos cor de jade que observavam o guerreiro sem piscar. - Vou matá-lo. Juro por Deus, Nikolai. Vou matar o filho da mãe se ele fez algo a ela.

- Vamos por as mãos nele – assegurou-lhe Niko. - Vamos encontrá-lo e resgatar Mira.

- Não posso decepcioná-la, Nikolai.

- Ei! - ele disse, segurando a mão dela. – Nós não vamos decepcioná-la. Entendido? Estou com você nisso. Vamos resgatá-la.

Ela o olhou em silêncio durante um longo momento. Então, muito lentamente, entrelaçou-lhe os dedos na mão.

- Ela vai ficar segura, não é verdade? - havia um traço de incerteza na fala de Renata e era uma das primeiras vezes que Niko percebia aquilo na voz dela. Ele queria apagar as dúvidas de Renata, queria acabar com a preocupação dela, mas tudo o que podia oferecer era sua promessa.

- Vamos trazê-la de volta, Renata. Tem minha palavra.

- Certo - disse. - Bem, Nikolai. Obrigada – completou em seguida, resoluta.

- Você realmente é especial, sabia? - Ela começou a sacudir a cabeça em negação àquelas palavras, mas Niko apertou-lhe levemente a mão, mantendo-a concentrada. - Você é forte, Renata. Mais forte do que acredita. Mira tem sorte de tê-la ao seu lado. Diabos! Eu também tenho.

A risada dela como resposta estava débil e ligeiramente triste.

- Espero que tenha razão.

- Eu nunca erro - disse ele, sorrindo abertamente para ela e mal resistindo ao impulso de inclinar-se por sobre a pequena mesa e beijá-la loucamente. Mas isso apenas os levaria a outra coisa - algo que sua libido já imaginava em detalhes explícitos.

- Então, quanto tempo ainda vai acariciar suas armas antes de eu poder dar uma olhada nelas?

Niko recostou na cadeira dobrável de metal e riu.

- Escolha a sua. Tem certeza de que sabe usar...

Ele não teve a oportunidade de terminar o pensamento: Renata estendeu a mão até a pistola mais próxima e a um carregador cheio de balas. Carregou e aprontou a arma em menos de três segundos. Niko nunca tinha visto algo tão sexy em toda sua vida.

- Impressionante.

Ela colocou a pistola sobre a mesa e arqueou uma de suas finas sobrancelhas.

- Quer que eu ajude com a sua também?

Ele quis rir, mas engoliu o som antes que ele saísse-lhe pela boca.

Eles não estavam sozinhos.

Renata seguiu o olhar do guerreiro até onde ele poderia jurar ter escutado um ruído surdo. Outro barulho, então, um pequeno rangido no teto da garagem.

- Temos companhia - sussurrou para ela. Renata lhe acenou com a cabeça, levantando-se da cadeira. Deslizou a .45 para ele através da mesa e se moveu em silêncio, rápida e eficazmente para carregar outra.

Assim que Nikolai pegou a arma, a porta do apartamento da garagem explodiu para dentro, partindo as dobradiças. Um vampiro enorme em um traje da Agência de Controle precipitou-se no interior, com a mira do laser de seu fuzil automático silencioso apontado para Renata.

– Filho da mãe! - Niko gritou. - Renata, atire!

Por um segundo terrível, ela não se moveu. Nikolai pensou que ela tivesse congelado, em estado de choque, mas logo o Agente soltou um grito de dor, deixando cair sua arma para colocar as mãos nas têmporas. Caiu de joelhos, mas havia mais dois homens armados bem atrás dele. Saltaram gritando por cima do obstáculo e abrindo fogo no pequeno espaço.

Renata se jogou atrás de um dos arquivos metálicos e disparou contra a cabeça do agente. Niko mirou o segundo visitante, mas o tiro foi desviado conforme a pequena janela acima da cama era estilhaçada e outro Agente de Execução entrava na luta, armado até os dentes.

- Nikolai, atrás de você! – gritou-lhe Renata.

Ela golpeou o último agente que chegara com uma rajada debilitante do poder de sua mente, e o bastardo caiu no chão, retorcendo e convulsionando antes que Niko acertasse alguns tiros em sua cabeça. Renata atingiu um dos outros com um tiro no joelho e, em seguida, eliminou-o com uma bala entre os olhos. Nikolai matou o outro e compreendeu tarde que tinha perdido completamente de vista o primeiro macho que atravessara a porta. O filho da mãe não estava onde Renata o havia deixado.

Para o horror de Niko, o enorme vampiro tinha pego Renata e a lançado contra a parede mais próxima. A força do macho da Raça era imensa, como a de todos. Renata bateu contra a superfície sólida e caiu com força no chão. Permaneceu imóvel, obviamente muito aturdida para responder ao ataque.

O rugido de fúria de Nikolai chacoalhou a mesa débil e as cadeiras. Sua visão foi inundada repentinamente de âmbar e suas presas perfuraram com força suas gengivas, estirando-se longas e agudas em sua cólera.

Ele saltou sobre o outro vampiro por trás, agarrando-lhe a cabeça nas mãos e torcendo-a ferozmente. O terrível rangido de osso e tendões estilhaçados não foi suficiente para Niko: quando o Agente caiu sem vida, ele chutou-lhe o corpo, afastando-o de Renata antes de estourar-lhe o crânio.

- Renata - disse, agachando-se diante dela e pegando-a nos braços. - Pode me ouvir? Você está bem?

Ela gemeu, mas acenou com a cabeça trêmula. Seus olhos abertos logo se ampliaram quando ela olhou fixamente por cima dos ombros largos de Niko para a entrada arruinada. Niko virou-se e deparou-se com o humano que tinha visto uma vez antes - o humano que tinha tentado olhar lá dentro quando Jack estivera no apartamento naquela manhã. Jack o tinha chamado de Curtis, tinha dito que o garoto fazia algum trabalho para ele na casa. Quando Niko examinou aquele rosto impassível, que não mostrava reação alguma aos seus olhos acesos e às suas presas à mostra, ele sabia do que estava diante...

- Servo - grunhiu. Colocou Renata de pé com cuidado. - Fique aqui. Eu me encarregarei dele.

O Subordinado sabia que tinha cometido um grave engano mostrando seu rosto depois do tumulto que provavelmente tinha instigado. Ele se virou e começou a descer a escada de dois em dois degraus. Nikolai grunhiu, vermelho de ira, e saiu disparado atrás da caça. Saltou sobre o corrimão da escada do segundo andar, caindo justo quando os pés do servo conseguiram tocar o pavimento. Nikolai aterrissou diretamente em cima dele, derrubando-o no chão.

- Quem fez você? - ele exigiu, golpeando o rosto do humano contra o pavimento áspero. - Quem é seu Mestre, maldito? É Fabien?

O servo não respondeu, mas, de qualquer modo, Niko sabia a verdade. Subiu sobre o humano e golpeou a coluna dele com força.

- Onde ele está? Diga-me onde encontrar Fabien. Fale, filho da mãe, ou acabo com você aqui e agora.

À distância, Nikolai ouviu o golpe de uma porta. E passos atravessando a grama.

Então, a voz de Renata ressoou de cima destroçando a porta no chão da garagem.

- Jack, não! Volte para dentro!

Nikolai olhou por cima do ombro, bem a tempo de ver o velho com uma expressão de horror. Os olhos de Jack mostravam sua incredulidade, sua mandíbula aberta.

- Jesus Cristo - murmurou, com os pés desacelerando até deter-se. - O que... que diabos está acontecendo aqui?

E então, abaixo dele, Niko sentiu o servo se retorcer. E registrou o brilho breve de uma lâmina apenas meio segundo antes que o escravo humano cortasse a própria garganta.

Renata desceu as escadas de madeira em estado de pânico.

- Jack, por favor! Entre na casa, agora!

Mas ele simplesmente permaneceu ali, congelado no lugar como se não pudesse ouvi-la, como se não pudesse vê-la. Não podia processar tudo que estava acontecendo à sua volta nesses últimos minutos de caos total e absoluto. Jack estava mudo, uma estátua imóvel na calçada.

E Nikolai...

Santo Deus, Nikolai parecia o pior pesadelo de qualquer pessoa. Empapado de sangue, o rosto travestido em uma máscara aterradora de presas letais e ferozes, os olhos brilhantes e âmbares. Quando saiu de cima do corpo morto do servo e se virou, deparando-se com o rosto de Jack, o guerreiro da Raça não podia parecer nada além de um predador desumano, sua respiração através dos dentes cerrados, seu enorme peito e ombros tremendo por conta da luta.

- Santa Maria, Mãe de Deus - murmurou Jack, fazendo o sinal da cruz enquanto Nikolai dava alguns passos para longe do cadáver do servo. Então, lançou um olhar e viu Renata correndo em sua direção através do caminho de entrada.

- Renata, sai daqui!

Renata correu para ficar entre os dois homens – Nikolai em suas costas e Jack olhando-a boquiaberto como se acabasse de entrar no meio de um campo de mina ativado.

- Ah, Jesus... Renata, querida... o que você está fazendo?

- Está tudo bem, Jack – ela respondeu tranquilamente sustentando as mãos em sua frente. – Está tudo bem, prometo. Nikolai não fará mal a você. Não fará mal a nenhum de nós.

O rosto do ex-combatente do Vietnã se enrugou diante da confusão. Mas, então, ele olhou além dela para Nikolai e uma tênue faísca de reconhecimento piscou nas fendas que lhe eram agora os rasgos dos olhos. Sua palidez era a de um fantasma contra a noite ao seu redor e suas pernas pareciam que iam ceder debaixo de si.

- Você é... mas como? Como diabos pode ser?

- Não é seguro para você saber isso - interveio Renata. - Seria muito perigoso, inclusive para nós.

- Muito tarde - a voz de Nikolai era um baixo grunhido atrás dela. – Ele já viu muito. Temos que controlar esta situação e não temos muito tempo antes que mais humanos curiosos apareçam e deixem as coisas ainda piores do que já estão.

Renata assentiu.

- Entendi.

A mão de Nikolai pousou brandamente sobre seu ombro são.

- Isso inclui Jack também. Não posso deixá-lo com sua memória nesse estado. Tudo tem que ser apagado, começando com nossa chegada na noite anterior. Ele não pode se lembrar que você e eu estivemos aqui alguma vez.

Ela estremeceu, mas não podia discutir.

- Tenho um minuto para dizer adeus?

- Um minuto - disse Nikolai. - Mas isso é tudo o que podemos arriscar.

- Que diabos está acontecendo aqui? - murmurou Jack enquanto sua neurose dava lugar ao guerreiro aposentado nele adormecido. – Renata... em que tipo de porcaria você se enfiou, garota?

Ela ofereceu-lhe um débil sorriso enquanto dava um passo adiante e o puxava-o para um abraço.

- Jack, quero agradecê-lo por ter nos ajudado na noite anterior. Mais do que isso: quero agradecê-lo por você ser a pessoa maravilhosa que é - separou-se dele para olhar seus velhos e amáveis olhos. - Não poderia compreender isso, mas você foi minha âncora muitas vezes, meu porto seguro. Sempre que eu perdia a fé na humanidade, sua bondade me compensava. Você foi um verdadeiro amigo e gosto muito de você por isso. Sempre vou gostar.

- Renata, preciso que você me diga o que está acontecendo aqui. Esse homem com quem você está... essa criatura. Por Deus, estou perdendo a razão ou ele é um tipo de...

- Ele é meu amigo - disse ela, tão sinceramente que inclusive se desconcertou diante de sua convicção. - Nikolai é meu amigo. Isso é tudo o que precisa saber.

- Temos que ir agora, Renata.

A voz de Nikolai estava calma, completamente tomada pela seriedade. Ela assentiu e, quando olhou para Niko, viu que ele estava de novo em seu estado normal. Jack crepitou de confusão, mas Nikolai aproximou-se para segurar-lhe a mão.

- Obrigado por tudo o que fez, Jack. Você é um bom homem - Nikolai não esperou por uma resposta. Com a mão livre, levantou a palma sobre a testa de Jack e pressionou-a por um longo momento. - Volte para casa e vá para a cama. Quando despertar amanhã, não se lembrará de que estivemos aqui. Descobrirá que houve um assalto no apartamento da garagem e que Curtis estava se relacionando com algumas pessoas más. O assalto saiu do controle e ele foi assassinado.

Jack não disse uma palavra sequer, apenas assentiu, concordando.

- Você não vai nos ver quando abrir os olhos - disse Nikolai. - Não verá sangue e cacos de vidro. Vai se virar, entrar na casa e subir até seu quarto, deitar-se na cama e permanecer lá pelo resto da noite.

Uma vez mais Jack assentiu com a cabeça, em complacência. Nikolai retirou a mão da testa do ex-combatente. Os olhos de Jack piscaram e abriram-se tranquilos, serenos. Ele olhou Renata, mas foi um olhar vazio que passou através dela. Ela ficou ali parada, olhando com tristeza como seu velho e querido amigo virava-se no silêncio da noite escura e começava o lento caminhar de volta para a casa.

- Você está bem? - perguntou Nikolai, passando o braço musculoso ao redor da cintura de Renata enquanto eles esperavam na entrada, observando Jack desaparecer dentro da casa.

- Sim, estou bem – disse ela em voz baixa, permitindo-se o conforto do forte abraço masculino de Nikolai. - Vamos limpar essa bagunça e dar o fora daqui.


Capítulo 23

- Já era hora de ele estar aqui.

Alexei Yakut queixou-se quando viu um par de faróis saindo das árvores do lado de fora da casa principal. Irritado por ter sido obrigado a esperar durante a última meia hora, Lex se afastou da janela do quarto do pai - quarto que agora lhe pertencia, como todo o resto que o defunto tinha deixado.

O veículo preto que rodeava pelo caminho era enorme, obviamente um SUV. Lex virou os olhos com desgosto. Tinha esperado que um macho do status de Edgar Fabien fosse viajar em algo mais elegante do que uma Humvee emprestada diretamente da frota da Agência de Execução. As próprias normas de Lex exigiam muito mais que um utilitário como meio de transporte, especialmente para um evento tão importante como o que ele assistiria com Fabien. Pelo amor de Deus, eles não poderiam chegar à reunião em uma caminhonete que declarava a todos a falta de elegância como aquele veículo fazia.

Se estivesse no comando das coisas – quando estivesse no comando, Lex mentalmente emendou - não iria a nenhuma parte sem uma caravana de veículos apropriada que formasse uma fila de elite.

Ele saiu a passos largos de seu quarto com uma raiva impaciente, ajustando a linha do casaco conforme seus polidos sapatos de couro de crocodilo brandamente repicavam através das largas tábuas do chão. Sabia que estava bem - esse era o ponto -, mas estava muito mais acostumado ao seu antigo uniforme de serviço com botas e roupas de couro. Era um sujeito flexível, de modo que não pensava que precisaria de muito esforço para se acostumar com sua nova identidade.

Na grande sala, os dois guardas restantes da casa estavam sentados jogando cartas. Um deles deu uma olhada quando Lex entrou, a sutil elevação de sua mão não foi rápida o bastante para ocultar seu sorriso divertido.

- Essa gravata parece estar deixando você sem ar, Lex - brincou o outro guarda, rindo de sua própria piada. - É melhor afrouxar essa porcaria antes que desmaie. - Lex o fulminou com o olhar enquanto passava o dedo pela folga muito justa do colarinho de sua camisa de quinhentos dólares.

- Vá se danar, cretino. E abra a maldita porta. Meu transporte está aqui.

Quando o guarda se moveu pesadamente para cumprir a ordem, Lex se perguntou quanto tempo deveria manter aqueles dois idiotas ao seu lado. Certo, eles tinham estado ao seu lado trabalhando para seu pai todos os dias durante quase uma década, mas um homem como Lex merecia respeito. Talvez ele ensinasse a ambos uma lição quando retornasse em algumas noites da reunião do fim de semana.

Lex forçou um sorriso de boas-vindas para Fabien quando o guarda abriu a porta... mas não era Edgar Fabien quem estava ali para saudá-lo: era um Agente de Execução uniformizado acompanhado por três companheiros.

- Onde está Fabien? - exigiu Lex.

O grande Agente que estava na frente cumprimentou Lex com um breve aceno de cabeça.

- Vamos nos encontrar com o senhor Fabien em um outro lugar, senhor Yakut. Precisa de alguma coisa antes de o escoltarmos até o veículo?

Lex grunhiu, seu ego tranquilizando-se um pouco diante do tom respeitoso do Agente.

- Tenho algumas malas no quarto - disse ele com um gesto desdenhoso na direção de seu quarto. - Um de seus homens pode apanhá-las para mim.

Outra inclinação em reverência do agente que estava na frente.

- Cuidarei pessoalmente de suas coisas.

- Por aqui - disse Lex, conduzindo a escolta casa adentro, para seu quarto, pelo corredor. Uma vez dentro, parou perto da cama para mostrar as coisas que desejava levar. - Pegue a mala de roupa e a mochila de couro que está ali no chão.

Quando o Agente não se moveu para recolher as coisas, mas simplesmente ficou ali junto dele, Lex se voltou com um olhar indignado.

- Bem, que diabos está esperando, idiota?

O olhar que recebeu como resposta foi cortante e frio como uma adaga. E então Lex arrepiou-se quando, no instante seguinte, ouviu o estalar de vários disparos abafados no outro quarto. Seu sangue correu gelado por suas veias.

O Agente de Execução que estava de pé ao seu lado abriu um sorriso agradável.

- O senhor. Fabien me pediu que lhe entregasse pessoalmente uma mensagem dele, senhor Yakut.

Renata parecia cansada quando Nikolai se aproximou dela no terreno onde tinham jogado os cadáveres dos agentes que lhes tinham atacado mais cedo. Em poucas horas, o amanhecer apagaria quaisquer rastros dos vampiros, apesar de que, de qualquer forma, nada ou ninguém além da fauna local fosse notar os corpos ali, tão distante da estrada mais próxima e em uma área tão afastada da cidade.

- Jogue os uniformes e acessórios deles na parte traseira do veículo - Renata disse quando se aproximou. – As outras armas estão atrás dos assentos dianteiros. As chaves estão na ignição.

Niko assentiu com a cabeça. Depois de limpar todas as provas do ataque da Raça na garagem do apartamento, ele e Renata se apropriaram do SUV da Agência, que seus atacantes tinham sido bastante atentos para deixar estacionado na rua lateral próxima da casa de Jack.

- Está cansada? – perguntou ele ao ver a fadiga nos olhos dela. - Podemos esperar aqui e descansar um momento se precisar.

Ela balançou a cabeça.

- Quero continuar. Estamos a apenas alguns quilômetros da propriedade de Yakut.

- Sim - Niko disse. - E não estou esperando que Lex vá estender um tapete vermelho para nós quando chegarmos ali. As coisas podem ficar feias muito rapidamente. Já se passaram algumas horas desde que você bombardeou as malditas mentes desses agentes. Quanto tempo você tem antes de a reverberação começar?

- Provavelmente não muito – ela admitiu, olhando para o chão mal iluminado pela lua.

Niko levantou seu queixo e não pôde evitar acariciar a delicada linha de sua bochecha.

- Mais uma razão para darmos um tempo aqui.

Ela se separou dele, obstinada e com determinação.

- Mais uma razão para continuarmos antes que os golpes da reverberação cheguem. Descanso depois que resgatarmos Mira. – Virou-se e começou a caminhar para o veículo. - Quem dirige? Você ou eu?

- Ouça - ele disse, agarrando-lhe a mão antes que ela pudesse chegar muito longe. Aproximou-se dela e envolveu-a com seus braços fortes, contendo-a em seu abraço musculoso.

Deus, como era linda. Qualquer idiota podia apreciar a perfeição frágil e feminina de seu rosto: os olhos claros e amendoados brilhavam intensamente como pedras preciosas sob a franja colorida dos cílios, o nariz travesso, a exuberante e sexy boca, a pele leitosa que mais parecia um veludo cremoso e macio em contraste com o brilho de ébano dos cabelos. A beleza física de Renata era atordoante, impressionante, mas era sua coragem - sua honra inquebrável - que realmente acabava com Niko.

De algum modo, no pouco tempo que se viram obrigados a ficar juntos, Renata tinha se convertido em uma verdadeira parceira para ele. Ele a valorizava, confiava nela tanto quanto em qualquer um de seus irmãos na Ordem.

- Ei – ele disse, agora mais calmo, olhando fixamente para o valente e belo rosto de Renata, impressionado novamente com aquela extraordinária mulher que estava demonstrando ser uma aliada vital para ele. - Formamos uma ótima equipe lá na casa de Jack, não foi?

- Fiquei muito assustada, Nikolai - ela confessou em voz baixa. -Eles apareceram tão rápido. Eu deveria ter reagido mais rápido. Deveria ter...

- Você foi incrível. - Ele alisou uma mecha de cabelo que lhe caía sobre o rosto, colocando-a atrás da orelha. - Você é incrível, Renata. E estou muito contente de saber que posso contar com você.

Ela abriu um pequeno e quase tímido sorriso.

- Eu digo o mesmo.

Talvez não fosse o momento ideal para ele querer beijá-la, de pé ali, em um lugar esquecido por Deus na beira da autoestrada, com um rastro de sangue e morte atrás deles, e mais daquilo certamente os esperando no futuro, antes de essa aventura terminar. Mas tudo o que Nikolai desejava fazer - o que ele precisava, ali, naquele preciso momento - era sentir os lábios de Renata pressionando-se contra os seus.

Cedendo à tentação, ele inclinou-se e tomou a boca de Renata em um sensível e lento beijo. Os braços dela o rodearam, timidamente a princípio, mas suas mãos estavam quentes enquanto ela acariciava-lhe as costas largas e apertava-se contra o corpo grande de Niko, mesmo depois que o beijo já tinha terminado e ela estava com a bochecha contra o peito musculoso e definido do guerreiro.

Quando ela falou, sua voz era apenas um sussurro.

- Vamos encontrá-la, Nikolai?

Ele pressionou os lábios na testa de Renata.

- Sim, vamos.

- Você acha que ela está bem? – ela ainda perguntou.

A vacilação dele foi breve, mas suficientemente longa para que Renata saísse de seus braços. Ela franziu a sobrancelha enquanto seus olhos obscureciam-se com a dor. - Ah, meu Deus... você não acredita que ela esteja bem! Posso sentir sua dúvida, Nikolai. Acredita que algo aconteceu a Mira.

- É o vínculo de sangue o que você sente - disse ele, nem sequer perto da negação que Renata tinha lido com tanta precisão nele.

Ela estava recuando agora, seus pés arrastando-se na grama escura enquanto ela se movia para o SUV. Seu rosto tinha um olhar aflito.

- Temos que ir agora. Temos que encontrar Lex e obrigá-lo a nos dizer onde ela está!

- Renata, ainda acho que deveríamos esperar aqui um momento e descansar. Se uma nova reverberação golpeá-la...

- Foda-se a reverberação! - ela gritou, sacudindo a cabeça em um pânico crescente. - Vou para a casa de Yakut. Você pode vir comigo ou ficar, mas estou indo agora mesmo.

Ele poderia tê-la detido.

Se quisesse, poderia estar em cima dela mais rápido do que ela pudesse perceber, fisicamente a impedindo de avançar outro passo em direção ao veículo. Ele poderia colocá-la em transe com um simples gesto de sua mão e assim obrigá-la a esperar pela dor que provavelmente chegaria não muito tempo depois que estivessem no chalé.

Ele poderia ter retido o traseiro dela de alguma maneira diferente, mas, em vez disso, deu a volta pelo lado do condutor do Humvee preto antes que ela chegasse e bloqueou a entrada com seu corpo.

- Eu dirijo - disse ele, sem dar a oportunidade de discutir. - Você está ferida.

Renata o olhou por um segundo, então deu a volta e subiu no assento do carona.

Eles voltaram para a estrada e percorreram, em silêncio, a pequena distância até a propriedade arborizada de Yakut. Niko apagou os faróis enquanto se aproximava devagar. Ele estava a ponto de sugerir que saíssem e fossem até a casa a pé quando se deu conta de que algo estava errado.

- É sempre assim, tranquilo?

- Nunca - disse Renata, disparando um olhar sério. Ela alcançou uma das armas atrás do assento. Passou a correia de um fuzil automático pela cabeça e logo entregou outro a Nikolai. - Lex só ficou com dois guardas, mas não parece que haja alguém por aqui.

E, mesmo daquela distância, Niko percebeu o aroma de sangue derramado. Sangue da Raça vindo de mais de uma fonte.

- Espere aqui enquanto dou uma olhada nas coisas.

Ela lançou um olhar de insubordinação que Niko deveria ter previsto.

Ambos saíram do veículo e foram juntos para a casa principal, que estava escura. A porta da frente estava totalmente aberta. Rastros de pneus frescos marcavam no caminho de cascalho: longos, profundos rastros como um tipo de SUV de grande porte deixaria para trás.

Niko tinha a sensação de que a Agência de Execução tinha estado ali também. A casa estava completamente em silêncio, fedendo às recentes mortes dos vampiros. Ele não precisava acender as luzes para ver a carnificina. Sua aguda visão localizou os dois machos mortos no interior, ambos com tiros na cabeça.

O guerreiro guiou Renata ao redor dos cadáveres, seguindo seu olfato pela parte de trás do lugar, em direção aos aposentos privados de Yakut. Ele sabia o que encontraria ali dentro. Ainda assim, quando entrou no quarto, soltou uma maldição furiosa.

Lex estava morto.

E, com ele, sua melhor esperança de localizar Edgar Fabien naquela noite.


Capítulo 24

A respiração de Renata parou diante da maldição que Nikolai murmurou. Ela alcançou o interruptor ao lado da porta entreaberta do quarto de Yakut e lentamente acendeu a luz.

Ficou sem palavras enquanto olhava o corpo sem vida de Lex, seus olhos vazios e nublados pela morte, três grandes buracos de bala em sua cabeça. Ela queria gritar. Santo Deus, ela queria cair de joelhos, passar as mãos pelo cabelo e arranhar as paredes - não de dor ou estupefação, mas tomada de completa ira.

Mas seus pulmões estavam constritos em seu peito.

Seus membros estavam sem força, braços e pernas pesados demais para os mover.

A esperança que ela estivera cultivando – mesmo que pequena - de que eles poderiam chegar ali e conseguir uma sólida pista sobre a localização de Mira escorreu para fora de seu corpo como o sangue de Lex - que escorria entre os ladrilhos do chão do quarto de seu pai.

- Renata, encontraremos outra maneira – disse Nikolai de algum lugar próximo a ela. O guerreiro inclinou-se sobre o corpo de Lex e tirou um telefone celular do bolso do casaco e apertou algumas teclas. – Temos o histórico de chamadas de Lex agora. Um desses números deve ser o de Fabien. Vou entrar em contato com Gideon e pedir que ele os rastreie. Vamos encontrar o maldito muito em breve. Vamos pegá-lo, Renata.

Mas ela não pôde responder; faltavam-lhe palavras para tanto. Virou-se lentamente e caminhou para fora do quarto, apenas consciente de que seus pés se moviam. Perambulou pela escuridão da propriedade, passou pelos corpos jogados na grande sala e no vestíbulo. Estava insegura sobre para onde ir, anestesiada ainda, quando se viu no minúsculo quarto onde Mira dormia.

A pequena cama estava exatamente como ela a havia deixado, como se esperasse que sua ocupante voltasse. Sobre a baixa mesinha de cabeceira, havia uma flor silvestre que Mira tinha recolhido no começo da semana, em uma das poucas vezes que Sergei Yakut tinha-lhe permitido aventurar-se do lado de fora. A flor de Mira estava murcha, as frágeis pétalas brancas caíam sem vida, o caule verde tão murcho como um barbante.

– Ah, meu doce ratinho – Renata sussurrou no quarto escuro e vazio. – Sinto muito... Lamento não ter estado aqui a tempo...

– Renata – Nikolai permanecia de pé, do lado de fora do quarto. – Renata, não faça isso a você mesma. Você não tem culpa. E isso ainda não acabou.

A profunda voz do macho da Raça era tranquilizadora. E era confortável apenas ouvi-la e saber que ele estava ali, com ela. Ela precisava daquela tranquilidade, mas como não a merecia, Renata se recusou a correr para os braços fortes de Niko como tão desesperadamente queria fazer. Permaneceu onde estava, rígida e imóvel, desejando poder voltar no tempo e reparar todas as suas falhas.

Ela não podia permanecer naquele lugar mais um minuto sequer. Havia muitas lembranças sombrias ali.

Muita morte ao redor dela.

Renata deixou que a flor morta caísse de seus dedos sobre a cama. Então, deu a volta em direção à porta.

– Tenho que sair deste lugar – murmurou, a culpa e a angústia retorcendo-se em seu peito. – Não posso... Estou asfixiando aqui... não consigo... respirar.

Ela não esperou que ele respondesse - não podia esperar ali, nem um minuto mais. Empurrando-o, correu loucamente do quarto de Mira afora. E não parou até que seus pés a levaram para a parte de trás da construção principal, dentro do bosque ao redor. Ainda assim seus pulmões se retorciam como se tivessem sido esmagados por um caminhão.

Atrás de seu crânio, Renata pôde sentir uma dor de cabeça florescendo. Sua pele ainda não doía, mas ela estava ficando cansada até os ossos e sabia que não levaria muito tempo antes que o cansaço a nocauteasse. Pelo menos seu ombro estava decente. A ferida do disparo ainda estava ali, havia ainda uma profunda pulsação em seus músculos, mas o sangue de Nikolai tinha feito algum tipo de mágica na infecção.

Renata se sentiu o suficientemente forte quando deu uma olhada e viu o celeiro fechado – o edifício anexo onde ela e tantos outros tinham sido presos para servirem de isca para o doentio esporte de sangue de Yakut – ela não pensou duas vezes em saltar e pegar o rifle preso em suas costas. Disparou no pesado ferrolho até que ele rompesse e caísse no chão. Então, abriu a porta e disparou mais tiros dentro do grande refúgio, pontilhando as paredes e as vigas com uma saraivada de balas.

Ela não soltou o gatilho até que o carregador estivesse vazio e sua garganta seca por causa dos gritos. Seus ombros pesavam, seu peito pulsava inquieto.

– Eu devia estar aqui – ela disse, ouvindo Nikolai aproximar-se dela por trás. – Quando Lex a jogou nos braços de Fabien, eu deveria tê-lo detido. Deveria estar lá por Mira. Em vez disso, eu estava na cama, muito fraca e... inútil.

Ele fez um pequeno ruído, um rechaço sem palavras àquela culpa.

– Você não podia saber que ela estava correndo perigo. Não podia evitar nada do que aconteceu, Renata.

– Eu nunca deveria ter abandonado a casa! – ela gritou, o próprio desprezo queimando-lhe por dentro. – Fugi, quando deveria ter ficado lá o tempo todo e feito Lex me dizer onde ela estava.

– Você não fugiu. Foi pedir ajuda. E se não o tivesse feito, eu estaria morto. – Os passos dele aproximavam-se, vindo com cuidado atrás dela. – Se tivesse ficado aqui todo esse tempo, Renata, então teria morrido com Lex e os outros guardas. O que aconteceu aqui foi um plano executado a sangue frio. E tem a assinatura de Fabien.

Nikolai tinha razão. Ela sabia que aquele macho tinha razão em tudo. Mas isso não fazia doer menos.

Renata olhava fixamente, muito embora sem ver, o abismo cheio de pólvora do celeiro.

– Temos que voltar para a cidade e começar a procurá-la. Porta a porta, se for necessário.

– Sei o que sente – disse Nikolai. Ele tocou-lhe a nuca e ela se obrigou a afastar-se daquela ternura quente. – Maldição, Renata, você não acredita que se eu achasse que chutar todas as portas daqui até Old Port nos levaria a Fabien eu não estaria contigo? Mas isso não vai nos ajudar em nada. Especialmente não com o amanhecer só daqui a algumas horas.

Ela agitou a cabeça.

– Não preciso me preocupar com a luz do dia. Posso voltar para a cidade por mim mesma.

– O inferno que vai. – As mãos dele estavam brutas quando a fez girar para olhá-lo no rosto.

Seus olhos tinham um brilho âmbar e uma emoção que parecia notavelmente ser medo, inclusive na escuridão.

– Você não vai a lugar nenhum perto de Fabien sem mim. – Ele acariciou-lhe a sobrancelha, seus ferozes olhos queimando dentro dos dela. – Estamos juntos nisso, Renata. Sabe disso, não sabe? Sabe que pode confiar em mim?

Ela olhou fixamente o rosto de Nikolai e sentiu uma emoção que começava a crescer dentro de si, e era como se aquela emoção se elevasse como uma enorme onda que não podia fazer recuar mesmo se tentasse. As lágrimas correram-lhe pelos olhos, alagando-os. Antes que pudesse parar, ela estava esfregando os olhos como se um dique tivesse arrebentado dentro dela, derramando velozmente todas as demasiadas feridas que lhe marcaram durante sua vida - toda a dor e todo o vazio de sua completa existência - em soluços grandes e pesados.

Nikolai a tomou nos braços e a apertou perto de si. Ele não tentou fazer com que suas lágrimas parassem. Não a alimentou com suaves mentiras para fazê-la se sentir melhor. Ou com falsas promessas para acomodar seu desespero.

Ele apenas a segurou perto de si, protegendo-a com seu corpo grande e masculino, entre seus braços musculosos.

Sustentou-a, fazendo-a sentir que ele a entendia. Que ela não estava sozinha e que, possivelmente, de alguma maneira, ela merecia ser amada.

Agarrou-a, levantando-a em seus braços, e começou a se afastar do celeiro.

– Vamos procurar um lugar para que descanse um pouco – disse ele, sua relaxante voz vibrando em seu peito, vibrando contra ela enquanto ela se agarrava nele como a uma âncora em um porto seguro.

– Não posso voltar para a casa, Nikolai. Não vou ficar lá.

– Eu sei – ele murmurou, entrando mais no bosque. – Tenho outra ideia.

Ele a deixou sobre um leito de folhas secas entre dois altos pinheiros. Renata não sabia o que esperar, mas nunca teria imaginado do que seria testemunha nos momentos seguintes.

Nikolai ajoelhou-se junto dela e relaxou os braços, o queixo abaixado, o enorme e musculoso corpo em um estado de tranquila concentração. Renata sentiu a energia ao redor deles ranger. Ela sentiu o aroma da terra rica e fértil, o aroma do bosque depois de uma tempestade. Uma brisa cálida fazia cócegas em sua nuca enquanto Nikolai pousava as pontas dos dedos sobre o chão ao lado de si.

Houve um tranquilo sussurro de movimento na grama próxima - um sussurro de vida. Renata viu algo serpentear sob as mãos de Nikolai e não pôde evitar ofegar assombrada quando se deu conta do que estava vendo.

Pequenas videiras, disparando através do chão, correndo para os pinheiros gêmeos a cada lado dela.

– Ah, meu Deus! – murmurou ela, encantada. – Nikolai... O que está acontecendo aqui?

– Está tudo bem – disse ele, olhando as videiras, dando a elas ordens, por mais difícil que fosse acreditar.

Os talos faziam espirais ao redor dos troncos das árvores e escalavam mais alto, enchendo-os com folhas que multiplicavam exponencialmente enquanto Renata olhava estarrecida. Por cima de sua cabeça, a cerca de dois metros e meio de altura, as videiras saltavam e preenchiam o espaço entre os pinheiros. Retorciam-se juntas, então enviavam vegetação, criando um vívido dossel que se estendia por todo o caminho até o chão onde Renata e Nikolai estavam sentados.

– Você está fazendo isso? – perguntou ela, incrédula.

Ele assentiu, mas manteve sua concentração, mais e mais folhas desdobrando-se sobre as videiras. Grossas paredes de fragrante aroma formavam um refúgio ao redor deles, a exuberante folhagem intercalada com diminutas flores brancas como aquela que Renata tinha encontrado no quarto de Mira.

– Está bem... Como você está fazendo isso?

O rangido de plantas crescendo parou e Nikolai lançou um olhar despreocupado sobre ela.

– Presente de minha mãe, herdado por seus dois filhos.

– Quem é sua mãe? A Mãe Natureza? – disse Renata, rindo, surpreendida apesar de saber que as belas flores e videiras eram apenas um véu temporário. Do lado de fora daquele castelo natural, todo o horror e a violência ainda existiam.

Nikolai sorriu e agitou a cabeça.

– Minha mãe era uma Companheira de Raça, como você. O seu dom é o poder da mente, este era o dom de minha mãe.

– É incrível! – Renata passou sua mão sobre as frescas folhas e delicadas pétalas. – Deus, Nikolai, sua habilidade é... Dizer que é surpreendente nem sequer chega perto.

Ele deu de ombros.

– Nunca a usei muito. Dê-me um espaço cheio de buracos ou uns blocos de C-4 qualquer dia. Então mostrarei algo surpreendente.

Ele estava se gabando, mas ela sentia que sua lábia ocultava algo mais sombrio.

– E seu irmão?

– O que tem ele?

– Você disse que também pode fazer isso?

– Ele podia, sim – disse Nikolai, as palavras soando quase ocas. – Dimitri era mais jovem que eu. Está morto. Aconteceu faz muito tempo, na Rússia.

Renata estremeceu.

– Sinto muito.

Niko assentiu, arrancou uma folha da massa de vegetação e a depedaçou.

– Ele era um garoto, um garoto muito bom. Ele era algumas décadas mais jovem que eu. Estava acostumado a me seguir como um maldito cachorrinho, querendo fazer tudo o que eu fazia. Eu não tinha muito tempo para ele. Eu gostava de viver no limite, acho até que ainda gosto. De qualquer modo, Dimitri meteu na cabeça que precisava me impressionar – Niko exalou uma maldição afogada. – Garoto estúpido. Ele faria qualquer coisa para que eu notasse sua presença, entende? Para me ouvir dizer que o via, que estava orgulhoso dele.

Renata o olhou na escuridão, vendo a mesma culpa que ela sentia quando pensava em Mira, o mesmo terror, a mesma condenação interior pelo fato de a menina estar em grave perigo - ou até já estar morta –, tudo porque alguém em quem eles confiavam tinha falhado.

Nikolai conhecia aquela tortura. Ele mesmo a tinha vivido.

– O que aconteceu com Dimitri? – Renata perguntou com cuidado. Ela não queria abrir velhas feridas, mas precisava saber. E podia ver que Nikolai carregava aquela dor há muito tempo. – Pode me contar, Nikolai. O que aconteceu com seu irmão?

– Ele não era como eu – disse, as palavras contemplativas, como se ele se afundasse em sua história. – Dimitri era inteligente, um aluno exemplar. Amava os livros e a filosofia, adorava destrinchar as coisas, descobrir como funcionava tudo ao seu redor e depois juntá-las de novo. Era brilhante, verdadeiramente superdotado, mas queria ser como eu.

– E como era você então?

– Selvagem – disse, mais como um epíteto do que como uma ostentação. – Sou o primeiro a admitir. Sempre fui um pouco temerário, sem me preocupar onde eu terminaria amanhã enquanto estivesse passando um bom momento hoje. Dimitri gostava da contemplação, eu gostava da adrenalina. Ele gostava de juntar as coisas; eu, de quebrá-las.

– Foi por isso que você se uniu à Ordem? Pela adrenalina da luta?

– Esse é parcialmente o motivo, sim – ele colocou os cotovelos sobre os joelhos e olhou o chão. – Depois do assassinato de Dimitri, eu tinha de me afastar. Culpei-me pelo que aconteceu. Deixei meu país e fui para os Estados Unidos. Juntei-me a Lucan e aos outros em Boston não muito tempo depois disso.

Ela não deixou de lado o fato de que ele havia dito que seu irmão tinha sido assassinado, não meramente morto.

– O que aconteceu, Nikolai?

Ele exalou um longo suspiro.

– Eu tinha problemas com um idiota do Refúgio da Ucrânia. Chegamos a sair no braço várias vezes, principalmente por causa do tédio. Mas uma noite, Dimitri ouviu aquele chupa-sangue em um botequim falando asneiras sobre mim e decidiu chamar sua atenção. Dimitri tirou uma faca e cortou o cara diante de seus amigos. Foi um golpe de sorte – ele não era bom com armas. De todo modo, aquilo encheu o saco do bastardo e, dois minutos depois, meu irmão estava no meio de uma poça de seu próprio sangue, com a cabeça separada do corpo.

– Ah, Jesus! – Renata disse com a respiração entrecortada, sentindo uma dor em seu coração. – Sinto muito, Nikolai.

– Eu também – deu de ombros. – Depois, saí e persegui o assassino de Dimitri. Arranquei a cabeça dele e a levei para meus pais como desculpas. Eles me desprezaram, disseram que deveria ter sido eu, não D. E eu não podia culpá-los por conta isso. Diabos, eles tinham razão, afinal de contas. Então, fugi e nunca mais olhei para trás.

– Sinto muito, Nikolai.

Ela não sabia mais o que dizer. Tinha pouca experiência em oferecer consolo, e mesmo que tivesse, não estava segura de que Niko quisesse ou necessitasse daquilo. Como um homem repentinamente desconfortável em sua própria pele, Nikolai ficou calado durante um longo momento.

Ele limpou a garganta, passou a mão pelos cabelos e ficou em pé.

– Acho que devo sair e dar outra olhada na casa. Você ficará bem sozinha aqui durante alguns minutos?

– Sim. Estou bem.

Ele a olhou fixamente, procurando seu rosto. Ela não sabia o que queria que dissesse, mas o olhar em seus olhos parecia indecifrável.

– Sente-se bem? Algum sinal da reverberação?

Renata deu de ombros.

– Um pouco, mas não muito forte.

– E seu ombro?

– Bem – disse ela, flexionando o braço esquerdo para mostrar que já não sentia dor. – Está muito melhor agora.

Um silêncio longo e estranho se estendeu entre eles, como se nenhum dos dois soubesse como superá-lo ou fazer a coisa mais fácil e deixá-lo durar. Foi assim até que Nikolai começou a separar algumas das grossas videiras para sair e Renata estendeu a mão para tocá-lo.

– Nikolai... Eu, hum... queria agradecê-lo – disse ela, consciente do fato de que, embora ele tenha parado, ela continuava com a mão em seu braço. – Preciso agradecê-lo... por me dar seu sangue hoje.

Ele girou para ela, fazendo um leve movimento de cabeça.

– A gratidão é agradável, mas não é necessária. Se nossas situações estivessem invertidas, sei que teria feito o mesmo por mim.

Ela o teria feito, sim; Renata podia dizer isso sem a menor dúvida. Aquele homem, um estranho há menos de uma semana - um guerreiro que também era um vampiro – e agora tinha se tornado seu mais confiável e íntimo amigo. Se fosse honesta consigo mesma, teria de admitir que Nikolai ia além disso, isso mesmo antes de ter compartilhado seu sangue com ela. Inclusive antes do sexo que ainda lhe fazia os pés se retorcerem só de lembrar.

– Não estou segura de como fazer isso... – Renata elevou o olhar para ele, lutando com as palavras, mas precisando dizê-las. – Não estou acostumada a contar com ninguém. Não sei como estar com alguém. Não é algo que eu tenha feito antes, e só... sinto como se tudo que pensei que sabia, todas as coisas que uma vez me ajudaram a sobreviver agora fugissem de mim. Estou à deriva... estou aterrada. – Nikolai acariciou-lhe a bochecha em chamas e, então, deu-lhe um abraço.

– Você está segura – disse carinhosamente ao pé da orelha dela. – Estou com você e vou protegê-la.

Ela não se deu conta do quanto precisava ouvir aquelas palavras até que Nikolai as dissesse. Ela não sabia quanto ele morria de alegria por ter seus braços ao redor dela ou quanto ansiava seu beijo até que Nikolai se aproximou mais e colocou a boca sobre a dela. Renata o beijou despreocupada, deixando-se levar pelo momento porque Nikolai estava com ela, sustentando-a, dando-lhe segurança. Seu beijo cresceu mais apaixonado, ele a inclinou sobre a terra almofadada do refúgio íntimo. Renata sentiu o peso do corpo musculoso dele sobre ela, as mãos grandes e quentes dele acariciando a pele cremosa dela. E sob sua camiseta larga, ele começou a passar os dedos pelo estômago e pelos seios já intumecidos da mulher.

Com as presas, tocou-lhe leve e infantilmente os lábios enquanto os separava para beijá-la. Os olhos dele brilhavam como brasas sob as pálpebras, e ela não precisava ver seu rosto transformado para saber que ele a queria. A rígida evidência disso apertava-se insistentemente contra seu quadril. Ela moveu as mãos pela coluna dele e ele gemeu, sua pélvis golpeando-a com um reflexivo empurrão.

Seu nome foi um gemido gutural enquanto ele movia a boca sob seu queixo e por seu pescoço. Ele arrancou a camiseta dela e Renata arqueou as costas para receber seus lábios enquanto ele descia sobre seus seios nus e pela suave planície de sua barriga. Ela estava perdida no prazer daquele beijo selvagem. Sentindo o calor da pele dele contra a sua.

Com dedos hábeis, ele desabotoou o jeans dela, deslizando-o pelas coxas. Sua boca seguiu o progresso, queimando-a do quadril até o tornozelo enquanto separava suas pernas e empurrava sua calcinha para um lado. Ela gritou quando ele se inclinou entre suas coxas e sugou-lhe o sexo, língua e presas levando-a a um delicioso tormento.

– Ah! Deus! – ofegou ela, seus quadris elevando-se do chão enquanto ele enterrava a boca em seu sexo umedecido.

Ela não soube como conseguiu, mas um momento mais tarde ele também estava nu. Deitou-se sobre ela, mais do que simplesmente um homem. E a mulher dentro de Renata estremeceu de desejo. Ela abriu as pernas para ele, ansiosa por senti-lo dentro de si, preenchendo o vazio com força e calor.

– Por favor... – ela gemeu, ofegando de necessidade.

E ele não a fez pedir duas vezes.

Movendo-se para cobri-la, Nikolai colocou os joelhos entre suas pernas e a abriu debaixo de si. A cabeça de seu pênis golpeou a fenda lisa do sexo dela e, em seguida, mergulhou longa, lenta e profundamente.

O grunhido dele enquanto se afundava dentro dela era feroz, um eco de trovões em seus ossos e sangue. Começou a empurrar lentamente, embora fosse claro que a paciência era uma tortura. Renata podia sentir a intensidade de sua fome por ela, a profundidade de seu prazer enquanto ela embainhava o mastro dele da cabeça aos testículos.

– Você é tão boa – ele murmurou entre os dentes enquanto se retirava para começar de novo, mais fundo que antes. Empurrou forte, estremecendo com o esforço. – Oh! Renata... Sinto-me tão bem.

Ela uniu os tornozelos ao redor das costas largas dele enquanto ele movia-se em um ritmo mais frenético.

– Mais forte – sussurrou ela, querendo sentir que ele acabava com seus medos, um martelo que esmagava toda sua culpa, dor e solidão. – Ah! Nikolai... Entre mais forte em mim.

O grunhido dele em resposta soou tão entusiasta quanto selvagem. Deslizando seu braço por baixo dela, inclinando-a para encontrar suas carícias, conduzindo-a com toda a ira que ela tão desesperadamente necessitava. Varreu-lhe a boca com um beijo febril, contendo o grito enquanto seu clímax rugia sobre ela como uma tormenta. Renata tremeu e estremeceu, agarrando-o enquanto ele continuava empurrando-se para dentro dela, cada músculo de suas costas e ombros ficando tão duros quanto pedras de granito.

– Ah! – gemeu entre os dentes e presas, seus quadris movendo-se de forma rápida e frenética contra ela em um rápido e temerário ritmo que era maravilhosamente bom, cheio de vida e repleto de alegria.

O grito de liberação dele ecoou na voz de Renata enquanto ela voltava novamente, aferrando-se contra ele e se perdendo naquele delicioso novo sentimento de despreocupação.

Ela estava à deriva, mas naquele momento não sentia medo. Estava a salvo com aquele macho selvagem e audacioso; ela acreditava verdadeiramente nisso. Confiava em Nikolai com seu corpo e com sua vida. Enquanto permanecia ali com ele enfiado entre suas pernas, em uma postura íntima, não era tão difícil imaginar que ela também pudesse confiar nele com seu coração. Que ela podia, de fato, estar se apaixonando por ele.

A batida foi insistente - um frenético bater na porta de carvalho do Refúgio de Andreas Reichen, em Berlim.

– Andreas, por favor! Está aí? É Helene. Tenho que vê-lo!

Era mais de 4 horas da manhã, um breve momento antes que o sol aparecesse sobre o horizonte e apenas uns poucos permaneciam acordados na casa. O resto dos familiares de Reichen - cerca de uma dúzia deles, jovens homens da Raça e casais com crianças pequenas, algumas delas recém-nascidas - já tinham começado a ir para a cama.

– Andreas? Alguém? – outra série de golpes cheios de pânico, seguidos por um grito apavorado. – Olá! Alguém, por favor... deixem-me entrar!

Dentro da mansão, um homem da Raça saiu da cozinha, onde estava esquentando um copo de leite para sua companheira que o esperava no andar de cima com seu exigente bebê. O macho conhecia a humana que estava na porta. A maioria do Refúgio a conhecia, e Andreas tinha deixado claro que Helene era sempre bem-vinda em sua casa. Ter chegado sem avisar naquela hora tardia, e enquanto Andreas estava longe em negócios particulares durante duas noites, era estranho. Mais estranho ainda era o fato de que a controlada mulher estivesse tão assustada.

Cheio de preocupação pelo que podia ter ocorrido à companheira humana de Andreas, o homem do Refúgio deixou o leite e correu pelo chão de mármore do vestíbulo, sua roupa de banho voando atrás dele como a vela de uma embarcação pirata.

– Já vou – gritou, elevando a voz para ser ouvido entre os golpes incessantes e as súplicas chorosas de Helene do outro lado da porta.

Os dedos do macho voaram sobre o teclado do sistema de segurança da mansão.

– Um momento! Estou aqui, Helene. Vai ficar tudo bem.

Quando a luz eletrônica piscou para indicar que os sensores estavam desabilitados, ele tirou os ferrolhos e abriu a porta.

– Ah! Graças a Deus! – Helene correu para ele, com a maquiagem borrada e manchas negras cobrindo-lhe as bochechas. Estava pálida e trêmula; seus olhos, habitualmente ardilosos, pareciam de algum modo vazios enquanto ela fazia uma rápida verificação do vestíbulo.

– Andreas... onde está ele?

– Foi a Hamburgo a negócios. Voltará amanhã à noite. Mas você é bem-vinda aqui – recuou para dar espaço e deixar que entrasse na mansão. – Entre, Helene. Andreas não gostaria que a rejeitássemos.

– Não – disse ela de um jeito débil. – Sei que ele nunca me rejeitaria.

Entrou no vestíbulo e pareceu instantaneamente mais calma.

– Eles sabiam que ele nunca me rejeitaria...

Foi nesse momento que o jovem do Refúgio se deu conta de que Helene não estava sozinha. Atrás dela, apressando-se antes que pudesse fazer algo mais do que gritar em alerta, havia uma equipe de Agentes da lei pesadamente armados vestidos de preto da cabeça aos pés.

Ele virou a cabeça para olhar Helene incrédulo. Com completo horror.

– Por quê? – perguntou, mas a resposta estava em seus olhos vazios.

Alguém tinha conseguido controlá-la. Alguém muito poderoso.

Alguém que tinha convertido Helene em uma Subordinada – uma escrava de sangue.

O pensamento se registrou antes que o primeiro disparo o golpeasse. Ele ouviu carregadores sendo disparados, ouviu os gritos de sua família enquanto todo o Refúgio despertava com terror.

Mas, então, outra bala golpeou seu crânio e seu mundo e tudo nele se tornou silencioso e escuro.

 

 

CONTINUA

Capítulo 19

- Agradável - exalou Niko fazendo uma tensa careta. Sentia-se tudo menos agradável enquanto fechava a porta do banheiro e caminhava para o quarto.

Ficar a sós com Renata enquanto ela estava nua na banheira, tocando-a – beijando-a, pelo amor de Deus! -, tinha deixado todo o seu corpo sobrecarregado. E estava tão perturbado que sua feroz ereção era a menor de suas preocupações enquanto ele se aproximava da porta onde Jack golpeava de novo. Uma coisa era fingir que não havia um pau de barraca ereto em suas calças. Outra, era esperar que alguém não notasse que seus olhos estavam ardendo em brasa como carvões queimando e que seus caninos estavam tão estendidos a ponto de envergonhar um rottweiller.

Ao menos a folgada camisa cobria-lhe os glifos. Niko não precisava ver seu corpo para saber que as marcas de sua pele estavam vivas e pulsando com as profundas cores por causa da excitação. Seria terrivelmente difícil tentar fazê-las passar por tatuagens agora.

Nikolai olhou à porta e se forçou a relaxar e se acalmar. Tinha que eliminar o fogo de sua íris e a significativa luxúria que o toque de Renata tinha-lhe despertado. Concentrou-se em amenizar o pulso – uma luta atroz quando era seu pênis quem comandava sua circulação sanguínea.

- Olá? - disse uma saudação arrastada do lado de fora. Jack golpeou de novo, a sombra escura de sua cabeça movendo-se ao outro lado da cortina na janela da porta. Parecia consciente em manter sua voz a um nível discreto. - Renata, é você, querida? Está acordada?

Inferno. Não havia escolha senão deixá-lo entrar. Nikolai grunhiu em voz baixa enquanto estirava o braço para puxar o ferrolho. Tinha garantido a Renata que seria agradável com o homem, mas as coisas podiam mudar logo que abrisse a maldita porta. E se o humano emitisse uma ligeira suspeita, logo faria parte da lista de pessoas que já tinham passado por uma lavagem cerebral.

Niko destrancou a porta e virou o trinco. Recuou do fio de luz que se vertia no interior pela abertura e posicionou-se atrás da porta enquanto a abria.

- Renata? Posso entrar um minuto? - botas de cowboy marrons avançaram sobre a soleira. - Pensei em visitá-la esta manhã antes de ocupar-me com os garotos na casa.

Quando o humano entrou vestindo um par de jeans desgastado e uma camiseta de algodão branco, Nikolai fechou a porta para selar o sol da manhã. Avaliou o homem mais velho, olhando o rosto enrugado, os ardilosos olhos e o estilo militar de sua roupa. Era um homem grande, magro e com as pernas ligeiramente tortas, mas seus braços tatuados estavam bronzeados e ainda firmes com músculos o suficiente para indicar que mesmo velho ele não temia o trabalho duro.

- Você deve ser o Jack - disse Nikolai, tomando cuidado para falar de maneira que mantivesse suas presas ocultas atrás dos lábios.

- Correto. - Um ligeiro assentimento enquanto Niko era objeto de uma avaliação similar a que fizera antes. - E você é o amigo da Renata... Ela, ah, não me disse seu nome ontem à noite.

Aparentemente o brilho âmbar tinha desaparecido das íris azuis de Niko, já que ele duvidava que Jack lhe apertaria a mão como fazia nesse momento se visse um par de olhos de outro mundo que brilhavam como centelhas em uma lareira.

- Nick - disse, apenas se aproximando da verdade por ora. Apertou a mão brevemente do antigo soldado. - Obrigado por nos ajudar.

Jack assentiu.

- Seu aspecto está melhor esta manhã, Nick. Alegra-me vê-lo de pé, andando por aí. Como está Renata?

- Bem. Está no banheiro tomando banho.

Não viu razão alguma para expor a infecção. Não tinha sentido preocupar o bem-intencionado Jack a ponto de começar a falar sobre médicos ou idas ao hospital. Embora se apoiando no que Nikolai tinha visto da ferida de Renata, se seu processo de cura não obtivesse um sério avanço – e rápido - não haveria alternativa exceto uma visita à sala de emergência mais próxima.

- Não quero perguntar como ela terminou com uma bala no ombro - disse Jack, olhando de perto Nikolai. - Pela forma como vocês estavam ontem à noite e pelo fato de ter tido que desaparecer com um caminhão roubado cheio de produtos médicos, eu diria que, seja qual for, o problema está relacionado a drogas. Mas sei que Renata é mais inteligente que isso. Não acredito nem por um momento que ela se envolveria em algo como drogas. Ela não quis me dizer nada, e prometi não pressioná-la. Sou um homem de palavra.

Niko sustentou o olhar do velho homem.

- Estou seguro de que ela aprecia isso. Ambos apreciamos.

- Sim - disse Jack arrastando as palavras, seus duros olhos estreitando-se. - Mas tenho curiosidade sobre algo. Ela sumiu durante os últimos anos... Você teve algo a ver com isso?

Aquilo não foi pronunciado como uma acusação aberta, mas era óbvio que o homem tinha estado preocupado com Renata e também tinha sentido que sua longa ausência não fora necessariamente boa para ela. Cara, se ele soubesse o que ela tinha passado! A ferida de bala que tinha agora era apenas a cereja do que tinha sido um bolo muito, muito desagradável.

Nikolai agitou a cabeça.

- Só conheço Renata há alguns dias, mas posso dizer que você tem razão quando diz que ela é muito inteligente para cair em problemas com drogas. Esse não é o problema agora, Jack. Mas ela está em perigo. A única razão pela qual estou aqui é porque ela arriscou o próprio pescoço para me tirar de um monte de problemas ontem.

- Isso é bem a cara de Renata - disse Jack com uma expressão perdida entre o orgulho e a preocupação.

- Infelizmente, porque ela entrou para me ajudar, agora há um alvo em nossas costas.

Jack grunhiu enquanto escutava, juntando as enxutas sobrancelhas.

- Ela disse como nos conhecemos?

- Alguma coisa - disse Niko. - Sei que confia em você e que o respeita. Presumo que esteve aqui para ajudá-la uma ou duas vezes antes de agora.

- Tentei, melhor dizendo. Renata nunca quis ajuda de mim ou de ninguém mais. Não para si. Mas havia muitos outros meninos que ela trouxe para minha casa em busca de ajuda. Ela não podia ver alguém sofrer. Demônios, ela não era muito mais que uma menina na primeira vez que veio. Sempre guardava para si mesma os maiores pesos, uma verdadeira solitária. Ela não tem família, já sabe.

Nikolai agitou a cabeça mais uma vez.

- Não, não sabia disso.

- As irmãs de um orfanato a criaram nos primeiros 12 anos de sua vida. A mãe dela a abandonou na igreja quando Renata era apenas um bebê. Ela nunca soube nada de seus pais. Quando fez 15 anos, deixou as freiras para viver nas ruas. Sozinha.

Jack caminhou para um arquivo metálico que permanecia com algumas das outras coisas armazenadas no apartamento. Pegou um molho de chaves do bolso do jeans e enfiou uma delas na fechadura.

- Sim, senhor, Renata era difícil, desde o começo. Magra, cautelosa, ela parecia alguém que sequer podia manter-se de pé durante uma forte brisa, mas essa garota tinha nervos de aço. Não levava desaforo algum.

- Não mudou muito - disse Nikolai, olhando o homem abrir a gaveta do fundo. - Nunca conheci uma mulher como Renata.

Jack olhou por cima dele e sorriu.

- Ela é especial, não é mesmo? Teimosa também. Uns poucos meses antes da última vez que a vi, ela estava com o rosto cheio de hematomas. Aparentemente algum bêbado com quem cruzou na saída de um bar teve a ideia de querer um pouco de companhia durante a noite. Viu Renata e tentou levá-la para um passeio em seu carro. Ela lutou com ele, mas ganhou alguns socos antes de conseguir escapar.

Nikolai amaldiçoou em voz baixa.

- O filho da mãe deveria ter sido estripado por colocar as mãos em uma mulher indefesa.

- Isso foi o que pensei - disse Jack, mortalmente sério, o soldado protetor falando uma vez mais.

Relaxou e retirou uma caixa de madeira polida do arquivo.

- Ensinei uns golpes básicos de autodefesa a ela. Ofereci enviá-la a algumas aulas, mas é óbvio que ela rechaçou. Umas poucas semanas se passaram e ela voltou de novo, trazendo outro menino sem lar. Disse que tinha algo para ela – um presente especial que eu havia feito para ela. Juro por Deus, se você tivesse visto seu rosto, pensaria que ela preferiria se jogar na frente de um carro a ter que aceitar alguma amabilidade de alguém.

Nikolai não tinha que se esforçar para imaginar aquele olhar. Ele mesmo o tinha visto uma ou duas vezes desde que conhecera Renata.

- Qual foi seu presente para ela?

O velho deu de ombros.

- Não muito, realmente. Um velho jogo de adagas. Levei-as ao artesão que trabalhava com metais e pedi para customizar as lâminas. Cada uma das quatro com parte da força que vi em Renata. Disse que eram as qualidades que a faziam única e resolveriam qualquer situação.

- Fé, coragem, honra e sacrifício - disse Nikolai, recordando as palavras que tinha visto nas adagas que Renata parecia guardar como um tesouro.

- Ela lhe contou sobre as adagas?

Niko deu de ombros.

- Eu a vi usando-as. Significam muito para ela, Jack.

- Não sabia - respondeu. - Fiquei surpreso por ela as ter aceitado de primeira, mas não pensei que ainda as guardasse depois de todo esse tempo.

Piscou rapidamente, depois se entreteve com a caixa que tinha tirado do arquivo. Abriu a tampa, e Niko captou o brilho do escuro metal descansando dentro do estojo. Jack limpou a garganta.

- Escuta, como disse antes, não vou pressionar para que me dê detalhes daquilo em que estão envolvidos. Está suficientemente claro que estão em um grande apuro. Podem ficar aqui o tempo que precisar. E quando estiverem preparados para ir, saibam que não precisa ser com as mãos vazias.

Colocou a caixa aberta no chão e empurrou na direção de Nikolai. Dentro havia duas imaculadas pistolas semiautomáticas e uma caixa de balas.

- São suas, se quiser. Não farei perguntas.

Niko agarrou umas das duas 45 mm e a inspecionou com um olhar crítico. Era um belo e bem cuidado Colt M1911. Provavelmente armas de uso militar da época em que Jack servira no Vietnã.

- Obrigado, Jack.

O velho guerreiro humano assentiu ligeiramente.

- Tome conta dela. Mantenha-a protegida.

Nikolai sustentou esse firme olhar.

- Farei isso.

- Está bem - Jack murmurou. - Está bem, então.

Enquanto começava a levantar-se, alguém gritou seu nome no caminho de entrada. Um segundo mais tarde, ouviam-se pisadas nas escadas de madeira que levavam ao apartamento da garagem.

Niko lançou a Jack um afiado olhar.

- Alguém sabe que estamos aqui?

- Não. De modo algum. É só Curtis, um de meus meninos recentes. Está arrumando meu velho computador. Os malditos vírus atacaram de novo – Jack se dirigiu para a porta. - Ele acha que estou procurando um disco rígido aqui dentro. Vou dispensá-lo. Enquanto isso, se pensar em algo mais de que possam precisar, basta pedir.

- Tem um telefone? - perguntou Niko, devolvendo a pistola à caixa.

Jack colocou a mão em seu bolso dianteiro e tirou um celular, jogando-o para Nikolai.

- Deve ter algumas horas de bateria. É seu.

- Obrigado.

- Virei mais tarde - Jack segurou o trinco da porta e Nikolai voltou para as sombras, longe do reflexo da luz diurna enquanto fazia um esforço para ficar fora da visão do indesejado visitante que tinha chegado no alto das escadas.

- Bem, eu estava enganado, Curtis. Olhei todos os lugares e não há nenhum disco rígido nas caixas daqui de cima.

Niko viu a cabeça do outro humano tentando olhar pelo fio da porta enquanto Jack a fechava firmemente atrás dele. Houve uma multidão de passos enquanto Jack escoltava o outro humano para longe.

Uma vez que estava seguro de que eles tinham partido, Nikolai discou um número de acesso remoto que era mantido pelos quartéis centrais da Ordem em Boston. Teclou no celular de Jack um número e um código que o identificaria para Gideon, e então esperou que a chamada fosse atendida.

O meio-dia em uma comunidade que abrigava um grupo de vampiros era geralmente uma hora de inatividade, mas nenhum dos sete guerreiros reunidos na sala de armas dos quartéis centrais da Ordem pareceu notar a hora, nem sequer os suficientemente abençoados que tinham suas encantadoras Companheiras de Raça esquentando suas camas. Desde que se reagruparam na comunidade antes do amanhecer, os guerreiros se mantiveram ocupados revisando as situações de missões atuais e marcando objetivos para a noite que se aproximava. Investigaram os assuntos da Ordem durante horas e, ao final, não havia nada novo. E dessa vez não havia também nada das habituais conversas de bom humor ou brincadeiras sobre quem estava pegando as melhores missões.

Nesse momento, a alguns metros de distância, na área usada para prática de tiro, cinco pistolas estavam sendo disparadas, uma atrás da outra, os olhos do outro lado trituravam minúsculos confetes. A sala de tiro da comunidade era usada mais para entretenimento do que para necessidade, posto que todos os guerreiros matavam seus alvos. Mesmo assim, nunca paravam de se provocar e de chutar os traseiros uns dos outros só para manter as coisas vívidas.

Não havia isso hoje. Apenas o som de todo aquele ruído ensurdecedor. O ruído era estranhamente cômodo só porque ajudava a mascarar o silêncio, e o fato de a comunidade toda estar vibrando com um atual mal-estar. Durante as últimas 36 horas, o comportamento tinha sido mais sóbrio, envolto no coletivo, se não talvez inexpressivo, terror.

Um dos seus tinha desaparecido.

Nikolai sempre tendeu a ser um pouco inconformista, mas não significava que o homem fosse de pouca confiança. Se dizia que ia fazer algo - ou que estaria em algum lugar -, podiam contar com ele para seguir adiante. Em qualquer momento, sem exceções.

E agora, quando deveria ter voltado para Montreal fazia um dia e meio, como tinha planejado, Niko estava apagado e fora de contato.

Nada bom, pensou Lucan, sentindo que não era o único com essa sensação enquanto olhava os outros guerreiros que também esperavam notícias de Nikolai e se perguntavam o que poderia ter acontecido.

Como Primeira Geração da Raça e fundador da Ordem na Idade Média, Lucan era o líder daquele grupo de vampiros guerreiros da era moderna. Sua palavra era lei naquela comunidade. Em tempos de crise – para melhor ou pior - era sua resposta que estabelecia a voz para os outros guerreiros. Estava bem condicionado a não mostrar preocupação ou dúvida, uma destreza que vinha naturalmente de sua parte virtualmente imortal, um poderoso predador que tinha caminhado por esta Terra durante 900 anos.

Mas a parte humana, a parte que tinha chegado a apreciar mais a vida por ter conhecido sua Companheira de Raça, Gabrielle, no verão passado, não podia fingir que a perda potencial de um guerreiro nessa guerra privada dentro da nação vampírica não seria algo catastrófico. Sem falar do fato de que os guerreiros da Ordem, os que tinham estado com ele desde o começo e os membros mais recentes, que tinham se unido à luta no último ano, eram quase uma família para ele. Tudo tinha mudado tanto nesse tempo. Agora também havia várias mulheres vivendo na comunidade, e para um dos guerreiros e sua companheira - Dante e Tess -, havia um bebê à caminho.

Agora, as apostas eram mais altas que qualquer outra para a Ordem; assim que um inimigo era derrotado, outro ainda mais poderoso surgia em seu lugar. Em um ano, a principal missão dos guerreiros tinha sido caçar os Renegados, em um esforço para manter a paz, perseguir um perigoso inimigo que tinha se escondido por muitas longas décadas. Um inimigo que tinha estado pacientemente construindo sua estratégia enquanto ocultava um segredo mortal e esperava a oportunidade de levá-lo a cabo. Se tivesse êxito, não estariam só as populações da Raça em perigo, mas também toda a humanidade.

Não custou muito a Lucan recordar a selvageria dos velhos tempos, quando a noite era dominada por um monte de criaturas de outro mundo, sedentas. Criaturas que tratavam em ampla escala de terror e morte. Alimentavam-se como bestas e causavam destruição como os malfeitores mais letais. Lucan havia feito de sua vida uma missão de erradicar aquelas bestas, mesmo que isso significasse caçar seu próprio pai.

A Ordem tinha declarado a guerra, havia brandido espadas e batalhado para exterminar a todos... ou pelo menos assim eles acreditavam. A ideia de que alguém tivesse sobrevivido causou um profundo frio nos imortais ossos de Lucan.

Olhou os guerreiros que serviam junto a ele e não pôde evitar sentir algo de sua idade. Não pôde evitar sentir que tinham enfrentado uma prova no ano passado - possivelmente sua primeira e verdadeira prova desde a formação da Ordem - e que o pior estava por vir.

Perdido em escuros pensamentos enquanto perambulava pela parte traseira da sala de armas, Lucan não se deu conta de que as portas da área de treinamento estavam sendo abertas até que Gideon irrompesse a toda pressa. O tênis do vampiro loiro deslizou sobre o mármore branco até parar diante de Lucan.

- Niko fez contato - anunciou, visivelmente aliviado. – Identificou-se de um celular de Montreal.

- Finalmente - disse Lucan, embora sua resposta não disfarçasse sua preocupação. – Está com ele na linha?

Gideon assentiu.

- Está esperando no laboratório tecnológico. Pensei que queria falar com ele pessoalmente.

- Fez bem.

Os disparos cessaram abruptamente quando um dos outros guerreiros, o outro único membro Primeira Geração da Ordem, Tegan, corria para dar as notícias sobre o contato de Niko aos cinco homens que treinavam. Os guerreiros - Dante e Rio, membros há muito tempo; Chase, que tinha deixado a Agência para unir-se à Ordem naquele verão; e os dois recrutas mais recentes, Kade e Brock, ambos trazidos por Niko - abaixaram as armas e avançaram atrás de Tegan, formando um nó de músculos e testosterona.

Rio, um dos guerreiros mais ligados a Nikolai, foi o primeiro a falar. Seu rosto cicatrizado estava cheio de preocupação.

- O que aconteceu?

- Ele me deu a versão resumida - disse Gideon. - Mas a porcaria é grande e fedorenta, começando com o assassinato de Sergei Yakut há duas noites.

- Maldito seja - murmurou Brock, arrastando seus escuros dedos pelo cabelo estilizado.

- Essa onda de assassinatos dos Primeira Geração está saindo do nosso controle.

- Bom - acrescentou Gideon. - Isso não é exatamente o pior. Niko foi detido pelo assassinato e levado às instalações da Agência de Imposição.

- Ah! Inferno! - respondeu Kade, estreitando seus pálidos olhos. –Você não acha que ele...

- De maneira alguma - disse Dante, sem pestanejar um segundo. - Duvido que derramasse uma só lágrima por uma escória como Yakut, mas Nikolai não tomaria parte em sua morte.

Gideon agitou sua cabeça.

- Não. E não foi trabalho de um assassino, tampouco. Niko diz que o próprio filho de Yakut levou um Renegado para matar seu pai. Infelizmente para Nikolai, o filho de Yakut tem algum tipo de aliança com a Agência. Eles arrastaram Niko e o jogaram dentro de uma sala de contenção.

- Que merda é essa? - dessa vez era Sterling Chase quem falava. Sendo um antigo agente, ele estava ciente tanto quanto qualquer um dos guerreiros na sala do quão desagradável uma visita à Agência podia ser.

- Já que estava suficientemente consciente para telefonar, assumo que não está mais preso lá.

- Escapou de algum jeito - disse Gideon. - Mas não tenho todos os detalhes ainda. Posso dizer que há uma mulher na jogada, uma Companheira de Raça que era membro da casa de Yakut. Ela está com Niko agora.

Lucan não comentou essa problemática informação de última hora, embora sua sombria expressão provavelmente dissesse tudo.

- Onde eles estão?

- Em alguma parte da cidade - respondeu Gideon. - Niko não tem certeza sobre a localização exata, mas diz que estão seguros por agora. No entanto, estão preparados para o verdadeiro golpe?

Lucan arqueou uma sobrancelha.

- Pelo amor de Deus. Há algo mais?

- Temo que sim. O cara que atirou no traseiro de Niko na sala de contenção e pessoalmente fiscalizou sua tortura... bem, aparentemente, durante um de seus momentos mais expressivos o filho da mãe admitiu ter uma ligação com Dragos.


Capítulo 20

Nikolai estava no meio de uma conversa no celular quando Renata saiu de seu longo e bem-vindo banho. Ela evidentemente tinha adormecido na banheira em algum momento, porque a última coisa de que se lembrava era de ter escutado a voz de Jack na porta do quarto depois de Nikolai ir conhecê-lo, e agora já não havia mais nenhum sinal do ex-marinheiro. Deteve-se dentro do quarto, com os cabelos úmidos grudando no pescoço e o corpo envolto na toalha que Nikolai lhe havia dado.

Estava aturdida e dolorida, muito quente ainda, mas o banho com água fria era exatamente do que necessitava. O beijo de Nikolai tampouco tinha sido mal.

Falando baixo, em um tom confidencial, ele a olhou de onde estava, sentado em uma cadeira dobrável perto de uma mesa no centro da sala, seus olhos azul-claro fazendo uma rápida, porém completa exploração do corpo de Renata. Havia um calor inconfundível naquele breve olhar, mas ele parecia falar de negócios ao telefone, o que fazia presumir que só podia estar falando com a Ordem, em Boston. Renata escutou enquanto o guerreiro fez um resumo eficiente das circunstâncias do assassinato de Yakut, da clara aliança entre Lex e Fabien, do desaparecimento de Mira e da fuga que tinha trazido Nikolai e Renata para a casa de Jack.

Pelo tom daquela conversa, o homem do outro lado da linha - Lucan, ela tinha escutado Nikolai chamá-lo - estava preocupado com sua segurança e alegre que ambos estivessem inteiros, e não gostou nem um pouco de saber que estavam completamente à mercê de um humano. E Lucan não estava entusiasmado com o fato de que Nikolai estivesse falando em ajudar Renata a localizar Mira. Ela podia escutar a voz profunda ao final da outra linha grunhindo sobre “problemas de Companheiras de Raça” e objetivos da missão atual - como se uns excluíssem os outros.

A maldição como resposta quando Nikolai acrescentou que Renata estava se curando de uma ferida de bala era audível através de todo o quarto.

- Ela é forte–Niko disse para Lucan enquanto olhava para Renata. - Mas levou um forte golpe no ombro e não está muito bem. Seria uma boa ideia arranjar alguém para vir pegá-la e levá-la para a Ordem até que tudo se acalme por aqui.

Renata olhou com desaprovação e deu uma sacudida de cabeça. Grande engano. Até mesmo aquele pequeno gesto fez a visão dela fraquejar, e foi só o que pode fazer antes de cair sobre a cama quando suas pernas lhe faltaram. Deixou-se desabar sobre o colchão, lutando contra um círculo vicioso de ondas de calor e frio.

Tentou ocultar de Nikolai seu estado deplorável, mas o olhar que ele deu disse-lhe que seria inútil continuar tentando esconder seu mau estado.

- Gideon ainda não tem nada de Fabien? - perguntou, levantando-se para passear pelo quarto. Escutou por um minuto, depois exalou um suspiro. - Inferno! Não posso dizer que isso me surpreende. Ele tinha um maldito ar de político, então imaginei que o bastardo tivesse boas conexões. O que mais temos?

Renata conteve a respiração no silêncio que se estendeu. Podia ver que as notícias do outro lado da linha não eram boas.

Nikolai deixou escapar um profundo suspiro e, então, passou a mão pelos cabelos loiros.

- Quanto tempo acredita que Gideon vai demorar para pesquisar nos arquivos protegidos e conseguir seu endereço? Inferno, Lucan, não estou seguro de que devêssemos esperar tanto tempo, levando em conta... Sim, estou ouvindo. Talvez, enquanto Gideon faz esse trabalho, eu faça uma visita a Alexei Yakut. Poderia apostar meu testículo esquerdo que Lex sabe onde encontrar Fabien. Diabos, não me resta dúvidas de que Lex esteve lá mais de uma vez. Eu ficaria feliz em obter essa informação, depois enfrentarei Fabien pessoalmente.

Nikolai escutou por um momento antes de grunhir uma maldição em voz baixa.

- Sim, claro, eu sei... por mais que queira fazer esse filho da mãe pagar, você tem razão. Não podemos nos arriscar a assustar Fabien antes de ter uma sólida informação sobre sua ligação com Dragos.

Renata olhou a tempo de perceber o olhar sombrio de Nikolai. Ela esperou que ele acrescentasse que nada era mais importante do que garantir a segurança de Mira e rastrear o vampiro que a mantinha. Ela esperou, mas essas palavras nunca atravessaram os lábios do guerreiro da Ordem.

- Sim - murmurou. - Ligue quando souber de algo. Vou sair esta noite e ver se descubro algo útil. Manterei contato.

Niko terminou a chamada e deixou o celular sobre a mesa. Renata o olhou enquanto ele se aproximava da cama e se agachava na frente dela.

- Como se sente?

Estendeu a mão como se fosse checar o ombro, talvez simplesmente acariciá-la, mas Renata distanciou-se. Não podia sentar-se ali e agir como se não estivesse nem um pouco confusa naquele momento. Sentia-se traída e ridícula por ter pensado que podia contar com ele em primeiro lugar.

- A água fria ajudou a baixar a febre? - perguntou, com a testa franzida. - Ainda está pálida e trêmula. Venha, deixe-me dar uma olhada.

- Não preciso de sua preocupação - disse. - E tampouco preciso de sua ajuda. Esqueça que a pedi. Só... esqueça tudo. Eu não gostaria que meus problemas interferissem em nenhum dos objetivos de sua atual missão.

Niko olhou-a ainda mais tenso.

- Do que está falando?

- Tenho minhas prioridades, e você claramente tem as suas. Deixou claro que seu companheiro Lucan tem a última palavra.

- Lucan é um de meus irmãos de armas. Além disso, ele é o líder da Ordem, portanto, sim, tem o direito de ter a última palavra quando se trata de assuntos da Ordem. - Nikolai ficou de pé, cruzando os braços fortes sobre o peito bem-definido. - Algo grande está por vir, Renata. O assassinato de Yakut foi somente uma pequena parte disso, e não foi o primeiro. Houve vários assassinatos de Primeiras Gerações nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Alguém vem matando os mais velhos e poderosos membros da Raça silenciosamente.

- Para quê? - olhou-o curiosa contra sua vontade.

- Não estamos seguros. Entretanto, acredita-se que tudo esteja ligado a um único indivíduo, um macho da Raça de segunda geração muito perigoso chamado Dragos. A Ordem o tirou de seu esconderijo há algumas semanas, mas ele conseguiu fugir. Agora ele está escondido outra vez. O filho da mãe esteve agindo sob nossos narizes. Qualquer coisa que descobrirmos que possa nos levar a ele é importante. Ele precisa ser detido.

- Sergei Yakut matou dúzias de seres humanos só por esporte - Renata assinalou. - Por que você ou o resto da Ordem não o pararam?

- Até recentemente não sabíamos onde encontrá-lo, muito menos sabíamos de suas atividades. E mesmo se soubéssemos, ele era um Primeira Geração, e por mais que o odiássemos, a Ordem não teria sido capaz de detê-lo por um monte de questões burocráticas.

Os pensamentos de Renata obscureceram-se, voltando para o tempo que tinha vivido sob o controle de Yakut.

- Havia vezes em que Yakut bebia de mim... quando me usava por conta de meu sangue, eu via algo monstruoso nele. Quero dizer, eu sabia o que ele era, o que todos vocês são. Mas, de vez em quando, eu olhava nos olhos dele e juro que não havia humanidade alguma. Tudo o que via era algo verdadeiramente mau.

- Ele era um Primeira Geração - Nikolai disse, como se isso fosse explicação suficiente. - Só metade de seus genes era humana. A outra metade era... algo mais.

- Vampiro - murmurou ela.

- De outro mundo - disse Nikolai, corrigindo-a.

Olhou-a enquanto dizia essas palavras e Renata teve o impulso de rir. Mas ela não podia, não quando a expressão de Niko era tão grave.

- Lex gosta de gabar-se que é filho de um rei conquistador de outro mundo. Sempre supus que isso tudo era bobagem. Você está me dizendo que o que ele diz é realmente verdade?

Nikolai zombou.

- Um conquistador, sim, mas um rei, não. Os oito Antigos que chegaram há milhares de anos e tiveram filhos com mulheres humanas eram selvagens sedentos de sangue, violadores... criaturas letais que dizimavam cidades inteiras. A maioria deles foi eliminada pela Ordem na Idade Média. Lucan conduziu a missão contra eles depois que sua própria mãe foi assassinada pela criatura de quem ele era filho.

Renata apenas escutava, muito surpresa para fazer todas as perguntas que formavam redemoinhos em sua cabeça.

- Como resultado, um dos Antigos sobreviveu à guerra da Ordem contra eles – Nikolai acrescentou. – Esse Antigo foi escondido por um de seus filhos, um vampiro Primeira Geração chamado Dragos. Temos boas razões para acreditar que o Antigo ainda está vivo e que o último filho sobrevivente de Dragos, seu xará e o bastardo que tentamos deter, só está esperando uma oportunidade para libertá-lo.

- Há dois anos eu estava segura de que vampiros não existiam realmente. Sergei Yakut me fez mudar de opinião. Mostrou-me que vampiros não apenas existem, mas que também são mais temíveis e perigosos do que qualquer coisa que eu tenha visto em livros ou filmes. Agora, você está me dizendo que há ainda algo pior lá fora?

- Não estou querendo assustá-la, Renata. Só acredito que você deveria saber dos fatos. De todos eles. Estou lhe confiando tudo isso.

- Por quê?

- Porque quero que você entenda - disse as palavras de maneira muito gentil.

Como se ele estivesse se desculpando com ela de alguma forma.

Renata levantou o queixo, uma frieza parecia ter-se estabelecido em seu peito.

- Quer que eu entenda o quê? Que a vida de uma menina desaparecida não significa nada em comparação com tudo isso?

Nikolai amaldiçoou entre os dentes.

- Não, Renata...

- Está bem. Agora entendo, Nikolai – ela não pôde disfarçar a amargura de sua voz, nem mesmo quando estava lutando para absorver todas as coisas surpreendentes que acabara de ouvir. - Ei, não é grande coisa. Afinal de contas, você nunca concordou comigo em nada e estou acostumada a ser deixada de lado. A vida é uma merda, não é mesmo? É bom saber onde ambos estamos antes de deixar as coisas irem mais longe.

- O que está acontecendo aqui, Renata? – ele a olhou com um olhar penetrante, como se pudesse ver através dela. – Isso é realmente por causa de Mira ou você está incomodada pelo que aconteceu entre nós?

Nós. A palavra cravou no cérebro de Renata como um objeto estranho. Parecia tão estranha, tão perigosa. Muito íntima. Nunca tinha havido um nós para Renata. Ela sempre tinha dependido apenas de si, nunca tinha pedido nada a ninguém. Era mais seguro dessa forma. Mais seguro agora também.

Ela tinha quebrado sua própria regra quando foi atrás de Nikolai pedir-lhe ajuda para procurar Mira, e olhe o resultado daquilo: uma ferida de bala infeccionada, tempo crucial perdido e nem um passo mais próxima de encontrar Mira. De fato, agora que tinha ajudado na fuga de Nikolai, havia pouquíssima esperança de Renata se aproximar dos vampiros que estavam com a garota. Se Mira estava em perigo antes, Renata talvez tenha deixado as coisas ainda piores agora.

- Tenho que sair daqui - disse inexpressiva. - Já perdi muito tempo. Não poderia suportar se algo acontecesse com Mira por minha culpa.

Preocupação e frustração fizeram-na se levantar da cama. Pôs-se de pé rapidamente.

Antes que pudesse se afastar dois passos de Nikolai, seus joelhos cederam, sua visão escureceu por um segundo e, de repente, ela estava caindo para a frente. Sentiu braços fortes sustentarem seu corpo e a voz tranquila de Nikolai junto ao seu ouvido enquanto ele a agarrava e a levava para a cama.

- Deixe de lutar, Renata - disse ele, enquanto saía de sua debilidade e piscava. Posicionado sobre ela, percorreu com a ponta dos dedos seu rosto. Tão terno, tão relaxado. - Não precisa correr. Não precisa brigar... não comigo. Você está a salvo comigo, Renata.

Ela queria fechar os olhos e guardar aquelas gentis palavras. Estava tão assustada para acreditar, para confiar. E sentia-se tão culpada por aceitar essa comodidade sabendo que Mira poderia estar sofrendo, provavelmente chorando por ela na escuridão e perguntando-se por que Renata tinha quebrado sua promessa.

- Mira é tudo o que me importa - sussurrou. - Preciso garantir que ela esteja a salvo. Sempre.

Nikolai assentiu, solene.

- Sei quanto ela significa para você. E sei quanto é difícil para você pedir ajuda a alguém. Jesus Cristo, Renata... conscientemente arriscou sua vida para me tirar da Agência. Nunca serei capaz de pagá-la pelo que fez por mim.

Ela deitou a cabeça sobre o travesseiro, incapaz de suportar o penetrante olhar de Niko.

- Não se preocupe, você não tem obrigação alguma comigo. Não me deve nada, Nikolai.

Dedos quentes deslizaram ao longo de sua mandíbula, tomando-lhe o queixo e gentilmente guiando-lhe o rosto de novo para ele.

- Devo minha vida. De onde venho, isso não é insignificante.

A respiração de Renata se deteve enquanto ela o olhava nos olhos. Odiava-se pela esperança que se acendia em seu coração, a esperança de que ela não estava realmente só naquele momento. Esperança de que este guerreiro lhe protegeria, que tudo sairia bem, e que não importava que monstro estivesse com Mira, eles a encontrariam e tudo ficaria bem.

- Não deixarei que aconteça nada a Mira - disse, forçando-a a encará-lo. - Tem minha palavra. Tampouco vou deixar que algo aconteça com você. E por isso vou buscar ajuda médica assim que escurecer.

- O quê? - ela tentou levantar e fez uma careta pela pontada de dor. - Ficarei bem. Não preciso de um médico.

- Você não está bem, Renata. Piora a cada hora – a expressão dele era grave conforme lançava um olhar para a ferida no ombro dela. - Não pode continuar assim.

- Vou sobreviver - insistiu. - Não me darei por vencida agora, quando a vida de Mira está em jogo.

- Sua vida também está em jogo, não entende isso? – Nikolai sacudiu a cabeça e murmurou algo escuro e desagradável em tom baixo. – Você pode morrer se essa ferida não for tratada. Não deixarei que isso aconteça, isso significa que você tem um encontro com o pronto socorro mais próximo esta noite.

- E quanto ao sangue? - ela viu como cada músculo no corpo de Nikolai se esticou no momento em que aquelas palavras deixaram seus lábios.

- O que tem o sangue? – ele perguntou com uma voz neutra.

- Perguntou-me se alguma vez eu tinha bebido do sangue de Sergei. Estaria curada agora se tivesse bebido?

Ele levantou os ombros em um gesto vago, mas a tensão em seu grande corpo masculino permanecia. Quando levantou o olhar para ela, havia brilhos de fogo âmbar no azul invernal de sua íris. Suas pupilas se estreitaram quando ele a encarou.

- Eu estaria curada agora se você me desse seu sangue, Nikolai?

- Está pedindo isso?

- Se estivesse, você me daria?

Ele exalou pesadamente e quando seus lábios se separaram para tomar outro fôlego, Renata viu as pontas afiadas de suas presas.

- Não é uma pergunta tão simples como talvez você pense - replicou com um tom áspero em sua voz.–Você ficaria ligada a mim. Da mesma maneira que Yakut estava ligado a você por meio de seu sangue, você estaria ligada a mim. Você me sentiria em seu sangue. Para sempre. E isso não poderia ser desfeito, Renata, mesmo se você bebesse da veia de outro macho da Raça. Nossos laços permaneceriam acima de qualquer outro. Não poderiam ser destruídos, não até que um de nós estivesse morto.

Aquilo não era pouca coisa, Renata definitivamente entendia. Diabos, ela dificilmente acreditava que pudesse estar considerando tudo isso. Mas, em seu interior, louca como podia estar, ela confiava em Nikolai. E o preço realmente não lhe importava.

- Se fizermos isso, eu serei capaz de sair caminhado durante a noite e procurar Mira?

A mandíbula quadrada e masculina dele se apertou o suficiente para que um músculo de sua bochecha ficasse retesado. Ele a olhou, seus olhos ainda mais selvagens. Pouco a pouco, o azul foi envolvido pelo resplendor do fogo.

Quando parecia que não ia responder, Renata estendeu a mão e a pôs firmemente sobre o braço musculoso do guerreiro.

- Seu sangue me curaria, Nikolai?

- Sim - disse ele, a palavra saiu presa em sua garganta.

- Então quero fazê-lo.

Enquanto sustentava seu olhar em um silêncio intenso, ela pensou em quão degradada e usada se sentia todas as vezes que Sergei Yakut se alimentava de suas veias... Revolvia-se diante da ideia de que tinha alimentado alguém tão cruel, um ser monstruoso. Ela nunca teria considerado tomar dele, nem por uma questão de sobrevivência. Colocar a boca no corpo de Yakut para se alimentar dele voluntariamente teria matado o resto de alma que ela ainda tinha. Beber dele? Sequer estava segura de que seu amor por Mira pudesse superar algo tão vil como isso.

Mas Nikolai não era um monstro. Ele era honorável e justo. Era terno e protetor, um homem que se mostrava um grande companheiro para ela nessa viagem incerta. Era seu melhor aliado nesse momento. Sua maior esperança para recuperar Mira.

E mais profundamente ainda, como toda mulher com necessidades e desejos, em um lugar que ela não se atrevia a examinar muito de perto, ela desejava saborear Nikolai. Desejava-o mais do que tinha direito.

- Tem certeza, Renata?

- Se você me der seu sangue, sim - respondeu. - Quero tomá-lo.

Um longo silêncio se seguiu e Nikolai, então, sentou-se ao lado dela na cama. Ela o assistiu desabotoar a camisa lentamente, dando tempo para que a incerteza e a apreensão dela aumentassem. Mas elas não aumentaram. Enquanto Nikolai tirava a camisa e se sentava diante dela com o torso nu, seus dermoglifos pulsavam, cada arco e curva saturados com variedades de sombras em cores vermelhas e escuras, e ela não se sentia preocupada. Quando ele se aproximou ainda mais e levou o braço direito à boca, mostrando as enormes presas e afundando-as no pulso, ela não sentia nem sequer um pingo de temor.

E quando, nesse momento, ele pôs seus pontos sangrentos junto aos lábios de Renata e lhe disse que bebesse, ela não teve nenhuma vontade de negar.

A primeira prova do sangue de Nikolai em sua língua foi um choque.

Ela esperava ser arrastada pelo amargo sabor cobre, mas em seu lugar provou especiarias e um poder que se pulverizou através dela como eletricidade líquida. Podia sentir o sangue dele descendo pela garganta, por todas as fibras de seu corpo. Aquilo era como luz que se infiltrava em seus membros pelo lado de dentro, e a dor no ombro ferido diminuiu enquanto ela obtinha mais e mais de Nikolai.

- Isso - ele murmurou, seus dedos acariciando-lhe os cabelos úmidos, afastando-os da maçã do rosto. - Ah, Cristo! Isso, Renata... beba até que sinta que é suficiente.

Ela sugou mais forte de sua veia, com um instinto que nunca soube que tinha. Sentia-se bem ao beber de Nikolai daquela forma. Sentia-se mais do que bem... sentia-se incrível. Quanto mais tirava dele, mais viva ela se sentia. Cada terminação nervosa piscava com uma força que vinha de dentro.

E enquanto ele continuava acariciando-a, alimentando-a e curando-a, Renata começou a sentir uma nova sensação de calor crescendo rapidamente em seu interior. Gemeu, arrastada por uma onda de lava fundida que atravessava-lhe o corpo em recomposição. Retorcia-se e sabia sem engano algum o que era aquilo: desejo. Um desejo que ela tinha tentado negar desde que conhecera Nikolai, e que agora aumentava, querendo consumi-la.

Ela não conseguia resistir ao impulso de sugar mais forte. Precisava mais dele. Precisava de tudo dele. E precisava agora.


Capítulo 21

Nikolai se apoiou na cabeceira da cama e colocou a mão livre sobre o lençol, mantendo-a ali enquanto Renata continuava se alimentando. Ela bebeu dele da mesma forma como fazia tudo: com intrépida força e feroz convicção. Não havia ansiedade em seus olhos verdes-claros; tampouco havia incerteza na maneira firme como se agarrava ao braço musculoso do vampiro. E cada sugada de sua boca na veia aberta dele, cada roçar de sua língua na pele dele excitava-o mais do que qualquer outra coisa jamais o fizera.

Em todas as coisas em que se concentrava, Renata colocava uma força formidável. Ela era diferente de qualquer outra mulher que Niko havia conhecido – e, em vários sentidos, uma guerreira como qualquer macho da Raça que servia na Ordem com ele. Ela tinha o coração de um guerreiro, a honra de um guerreiro, e uma determinação inabalável que exigia total respeito. Renata tinha-lhe salvado a vida e por isso ele tinha uma dívida com ela. Mas santo Deus!... o que estava acontecendo entre eles ali não tinha nada a ver com deveres ou obrigações.

Ele estava começando a se preocupar com ela – mais do que queria admitir, inclusive para si. E também a queria. Cristo, como a queria! O desejo aumentando diante da erótica sucção da boca em sua veia, do esbelto corpo serpenteando em reação ardente ao sangue de outro mundo que lhe alimentava as células inexperientes.

Renata gemeu, um ronronar profundo de excitação, enquanto se movia mais perto dele no colchão, cada movimento de seu corpo afrouxava a toalha que a cobria. Ela não parecia notar - ou se preocupar – com o olhar âmbar de Nikolai percorrendo detalhadamente sua quase nudez. A ferida no ombro já estava melhor: o inchaço e o enrijecimento já sumiam e a cor da pele parecia mais saudável a cada minuto. Renata estava mais forte, mais vibrante e mais exigente, uma febre sendo substituída por outra, um calor dando lugar a outro.

Provavelmente, ele deveria ter-lhe dito que, além da nutrição e das propriedades curativas, o sangue de Raça era também um potente afrodisíaco. Supôs que poderia lidar bem com o que acontecesse, mas, maldição! Nada poderia tê-lo preparado para a resposta ardente de Renata.

Avançando lentamente contra ele, ainda sugando-o, ela aproximou uma mão e liberou o punho dele que estava apertado contra os lençóis. Então, dirigiu-lhe os dedos por debaixo das dobras da toalha que cobria seu corpo, diretamente para os seios. Ele não resistiu e passou a ponta dos dedos sobre um dos firmes mamilos e, em seguida, sobre o outro. A respiração dela acelerou enquanto ele acariciava-lhe a quente, cremosa e tenra pele, a forte vibração do batimento de seu coração contra a mão dele enquanto impacientemente dirigia-o para baixo, para o vale suave de seu abdômen, para a sedosa junta entre suas coxas.

Ela estava encharcada e excitadíssima, a fenda de seu sexo estava como cetim quente e molhado enquanto ele deslizava um dedo para dentro. Ela apertou as pernas, mantendo-o ali como se ele tivesse alguma intenção de sair. Sugou novamente, um puxão tão profundo que Niko sentiu repercutir até em seus testículos. Apertando os olhos até fechá-los, ele deixou cair a cabeça para trás e soltou um lento e contido gemido, os tendões de seu pescoço se esticaram como cabos de aço. Seu membro, que estava como uma rocha entre suas pernas, pedia-lhe atenção. Outro minuto daquela tortura e ele gozaria ali mesmo, nas calças esportivas emprestadas.

– Ah, Jesus! – grunhiu ele, afastando a mão da doce tentação da fenda excitada e umedecida de Renata. Lentamente subiu o rosto para olhá-la. Quando suas pálpebras se levantaram, o calor de sua íris transformada banhava Renata em um ardente resplendor brilhante.

Ela estava gloriosamente nua, sentada diante dele como uma deusa, seus lábios sujeitos a seu pulso, seus olhos claros escurecendo-se enquanto ela o olhava fixamente, sem vergonha.

– Já chega – murmurou ele, sua voz rouca, as palavras espessas pela presença de suas presas. Faltava-lhe a respiração, cada terminação nervosa de seu corpo estava completamente eletrizada. – Temos que parar... Jesus Cristo... Será melhor que paremos agora.

Ela gemeu em sinal de protesto. Muito brandamente, todavia, Nikolai retirou o pulso da boca de Renata e levou os dois furos aos lábios. Uma passada de sua língua pelas feridas as selou.

Com os olhos extasiados e famintos, ela o viu lamber o lugar onde sua boca tinha estado, e sua própria língua saiu precipitadamente para lamber seus lábios.

– O que está acontecendo? – perguntou ela, passando as mãos no peito dele, sua coluna vertebral estirando-se e arqueando-se com graça felina. – O que você fez comigo? Santo Deus! Estou queimando.

– É o vínculo de sangue – disse ele, quase incapaz de formar uma oração completa, seus sentidos estavam palpitando pela necessidade daquela mulher.

– Eu deveria tê-la advertido... Sinto muito.

Começou a se afastar, mas ela agarrou-lhe a mão. Dando uma sacudida de cabeça quase imperceptível enquanto seu peito subia e descia com o ar em seus pulmões, as pesadas pálpebras que ela fixou nele não pareciam ofendidas. Sabendo que não deveria tomar vantagem da situação, Nikolai se aproximou e acariciou o rubor que lhe enchia a bochecha.

Renata gemeu enquanto seu toque se prolongava, girando a cabeça na palma da mão de Niko.

– É... É sempre assim quando você deixa uma mulher beber de você?

Ele balançou a cabeça.

– Não sei. É a primeira vez.

Ela o olhou fixamente, com a sobrancelha franzida. Ele podia ver o registro de surpresa preencher-lhe o olhar atrás da luxúria induzida pelo sangue. Um silencioso lamento deslizou de seus lábios e logo ela estava movendo-se na direção dele sem vacilação, suas mãos emoldurando-lhe o rosto.

Beijou-o, longa, forte e profundamente.

– Toque-me, Nikolai – murmurou contra sua boca.

Era tanto uma exigência como uma urgência de seus lábios contra os dele, sua língua pressionando os dentes dele. Niko passou as mãos na pele nua de Renata, encontrando o beijo dela, o corpo tão faminto quanto o seu. E ele não poderia culpar aquela feroz necessidade como uma resposta natural da união de sangue. Sua fome por Renata era algo maior, embora extremamente consumidora.

Gananciosamente, ele chegou de novo ao refúgio de seu sexo. Dessa vez, não podia se limitar a tocá-la; não quando o aroma de Renata o estava embriagando tanto quanto a febril seda de seu sexo o estava deixando louco. Acariciou-lhe as dobras molhadas, penetrando-as com seus dedos grandes e separando-as para si como uma flor de primavera. Ela se arqueou em direção a ele enquanto ele a penetrava com um dedo primeiro, em seguida com outro. Enchendo-a, deleitando-a na firme pressão de seu corpo, os sutis movimentos ondeantes de seus músculos internos enquanto ele a acariciava e a levava ao clímax.

Estava tão absorto com o prazer dela que mal notou que ela movia as mãos até sentir que ela puxava o cordão de suas calças. Uivou quando ela deslizou a mão para baixo da cintura e encontrou seu rígido membro. Acariciou a cabeça, percorrendo os dedos com a gota úmida de fluido e, em seguida, torturando-o com um movimento lento e constante ao longo de seu mastro.

– Você também me deseja – disse ela. Não era exatamente uma pergunta quando a resposta estava transbordando em sua mão.

– Ah, sim – Niko respondeu de todo modo. – Diabos! Sim... Desejo você, Renata.

Ela sorriu faminta e o empurrou de costas sobre a cama. Tirou lentamente suas calças, deslizando-as pelos quadris, mas só até os joelhos. Com sua grossa ereção sobressaindo como um orgulhoso soldado a postos, Nikolai assistiu cativado conforme Renata subia e o montava. Sabia muito bem que não esperava qualquer momento de acanhamento ou vacilação. Era intrépida e incansável, e ele nunca havia sido mais feliz em sua vida. Os olhos dela pousaram fixamente sobre os seus, e Renata desceu por seu membro em um longo e lento deslizar.

Santo Cristo! A sensação de tê-la montada no membro dele era incrível. Tão quente e apertada, tão incrivelmente molhada.

Ele disse a si mesmo que era apenas a reação do vínculo de sangue que a fazia tão pouco resistente sexualmente, que ela teria reagido da mesma maneira com qualquer macho da Raça que a alimentasse. Que era só uma reação física, como algo altamente inflamável pegar fogo quando colocado próximo a uma chama. A consciência que ela tinha dele naquele momento provavelmente estava mergulhada em seu subconsciente – ela tinha uma coceira e ele era o passar de unhas de que ela precisava, simples assim.

E tudo bem para ele. Aquilo não precisava se transformar em algo mais complicado. E ele não era idiota o bastante para querer que fosse. O sexo entre eles não era algo pessoal. E Niko disse para si que era bom que fosse assim. Disse a si um monte de porcaria enquanto colocava a cabeça para trás com um gemido selvagem e deixava que Renata tomasse dele tudo o que precisasse.

Renata jamais havia se sentido mais viva. O sangue de Nikolai era como fogo em seus sentidos, cada matiz do momento a sacudia com a vívida consciência. A ferida em seu ombro não doía, sua necessidade por Nikolai era tudo que importava.

Ele sustentava-lhe os quadris enquanto ela cavalgava em seu sexo, a mente perdida de tudo, o calor dele preenchendo-a completamente, a beleza masculina de seu grande e musculoso corpo movendo-se em igual ritmo debaixo dela. Através da inundada névoa de seu desejo, admirou os músculos entrelaçados dos braços e do peito, uma sinfonia de força, flexionando-se e contraindo-se sob o poder até mais surpreendente das cores e formatos de seus dermoglifos mutantes.

Inclusive suas presas, que por certo deveriam tê-la aterrorizado, tinham uma beleza letal agora. As afiadas pontas brilhavam com cada fôlego entrecortado que se arrastava através de seus dentes. O sangue que havia tirado dele deve tê-la deixado um pouco louca, porque alguma remota parte dela queria que suas letais presas pousassem e penetrassem seu pescoço. Perfurando sua carne enquanto ela o cavalgava.

Ainda podia saborear o sangue dele em sua língua: doce, selvagem e sombrio. Um zumbido elétrico estendeu-se através dela e a acendeu no centro de seu sexo preenchido. Ansiava mais por esse poder, mais dele... Tudo dele.

Afundou os dedos nos grossos bíceps e foi mais fundo, mais forte, seguindo essa perigosa necessidade que o sangue havia desatado. Ele tomou cada impulso desesperado de seus quadris, sustentando-a firme enquanto o estalo do orgasmo se fechou de repente nela. Gritou enquanto o prazer se apoderava dela, um grito de liberação que ela não poderia ter contido mesmo se sua vida dependesse disso. A intensidade era demais para suportar. Tremia, impressionada pela força de sua paixão – paixão que tentou evitar por muito tempo, com medo.

Não sentia medo de Nikolai. Ela o desejava. Confiava nele.

– Tudo bem? – ele perguntou, um pouco mais que um grunhido enquanto seguia balançando-se com ela. – Está com alguma dor?

Ela negou com a cabeça, incapaz de falar quando cada terminação nervosa em seu corpo estava tensa de necessidade e vibrando pela sensação.

– Bom... – murmurou ele, escorregando a mão ao redor da parte posterior de seu pescoço para puxá-la para um beijo. A boca de Renata estava quente sobre a sua, suas presas roçando-lhe lábios e língua. Sentia-se tão bem... Ela tinha um gosto tão bom.

O fogo que havia diminuído um pouco com o orgasmo dela se acendeu de novo de forma furiosa. Ela gemeu e, enquanto o desejo ganhava nova vida, moveu seus quadris ao mesmo tempo em que a fome pulsava em seu sexo. Nikolai não a deixou esperar muito tempo, movendo-se junto com ela, incrementando seu ritmo até que ela gozou de novo, flutuando à deriva depois de uma onda de prazer. Então, ele tomou as rédeas por completo, preenchendo-a com seu mastro, entrando e saindo, cada movimento aparentemente tocando mais profundamente dentro dela, e mais profundo ainda. Chegou ao clímax com um grito rouco, sua coluna arqueando-se debaixo dela, sua pélvis contra ela com a força de sua liberação. O orgasmo de Renata se uniu ao dele um momento depois, uma prolongada desintegração que a deixou tremendo e suando em seus braços.

E ela ainda queria mais.

Queria mais, mesmo depois do orgasmo seguinte e do seguinte. Mesmo depois que ela e Nikolai estavam suados e esgotados, ela ainda queria mais.

Edgar Fabien sentia seis pares de ardilosos olhos sobre ele enquanto seu secretário sussurrava uma urgente mensagem em seu ouvido. Uma interrupção a esta hora, em meio de tão importante companhia como aqueles especiais dignitários convidados da Raça que tinham chegado a Montreal vindos dos Estados Unidos e da Europa, prenunciava más noticias. E eram, embora Fabien não se permitisse tal indicação.

Os machos reunidos em particular estavam avaliando uns aos outros desde que chegaram, um por um, naquela noite, todos convocados à residência do Refúgio de Fabien à espera do transporte para uma reunião exclusiva em outro lugar. Para conservar o anonimato, o grupo havia sido instruído a ficar com capuzes negros o tempo todo. Tinha sido proibido fazer perguntas pessoais uns aos outros, ou discutir seus problemas pessoais com o macho da Raça que havia convocado aquela reunião e estabelecido seus termos. Dragos havia deixado claro que agora, mais do que nunca, procuraria por debilidades ou pela mínima razão para considerar Fabien ou os outros homens parados ali indignos do glorioso futuro que ele estava planejando revelar naquela reunião formal.

Enquanto o secretário sussurrava o resto da mensagem, Fabien alegrava-se por aquele capuz escuro ocultar sua reação dos outros. Manteve a postura relaxada, cada músculo solto e à vontade, enquanto informava que um de seus capangas da cidade estava esperando lá fora com inesperadas, porém críticas, notícias que não podiam aguardar. Notícias a respeito de um macho da Raça e de uma mulher ferida em sua companhia que, pela descrição, poderia ser nada menos que o casal que havia escapado das instalações de contenção.

– Perdoem-me – disse Fabien com um sorriso firme de fachada. – Mas tenho um pequeno problema para resolver lá fora. Retornarei em um momento.

Umas poucas cabeças se inclinaram enquanto Fabien girava para sair da sala. Uma vez que a porta da sala de recepção estava fechada e ele e seu secretário tinham caminhado vários metros pelo comprido corredor, Fabien tirou seu capuz.

– Onde está ele?

– Esperando no vestíbulo principal, Senhor.

Fabien foi naquela direção, retorcendo o capuz negro em suas mãos grandes e finas. Quando chegou à porta, seu secretário se apressou adiante para mantê-la aberta para ele. O capanga estava apoiado contra a parede, absorto em mordiscar suas unhas rapidamente, seu desalinhado cabelo muito comprido caindo sobre seus olhos. Quando elevou a vista e viu seu Mestre entrar, o repugnante e preguiçoso humano foi substituído por um desejo impaciente em agradar.

– Trouxe-lhe algumas notícias, Mestre.

Fabien grunhiu.

– Ouvi isso. Fale, Curtis. Diga-me o que viu.

O servo explicou que mais cedo ele tinha ido fazer algumas perguntas ao seu empregador humano – o dono de um abrigo para garotos de rua que contratou Curtis para trabalhar com seus computadores – e inesperadamente descobriu que o vampiro guerreiro estava escondido no apartamento em cima de uma garagem. Curtis não havia sido capaz de aproximar-se para olhar, mas chegara perto o bastante para dizer que o enorme macho era da Raça. Na verdade, ele tinha acabado de confirmar suas suspeitas. Aparentemente, o guerreiro e a mulher que estava com ele tinham se tornado bastante... amigos. O casal estava muito ocupado na cama para notar quando Curtis saiu furtivamente pela parte de trás da garagem e os espiou juntos através da janela.

O capanga havia conseguido dar uma olhada e foi capaz de proporcionar uma descrição física bastante detalhada dos dois: o guerreiro da Raça, Nikolai, e a Companheira de Raça, Renata.

– Tem certeza de que nenhum deles soube que você esteve ali? – perguntou Fabien.

O servo riu.

– Sim, Mestre. Confie em mim. Eles não estavam prestando atenção em nada que não fossem eles.

Fabien assentiu e olhou o relógio. Anoiteceria dentro de uma hora. Ele já havia atribuído a uma equipe de Agentes outra tarefa de limpeza naquela noite. Talvez devesse enviar uma segunda unidade para a cidade com Curtis. Bastante ruim era o fato de que o guerreiro tivesse conseguido escapar das instalações de contenção. A notícia não havia caído bem quando Fabien informou Dragos sobre o problema, mas a mancada seria amenizada se ele pudesse assegurar que o guerreiro fosse capturado – rápida e permanentemente.

Sim, pensou Fabien, enquanto colocava a mão no bolso de sua jaqueta para pegar o celular e discar para a Agência de Execução, colocando-lhes a par das novas informações. Esta noite, ele apagaria do quadro-negro alguns erros recentes. E quando se apresentasse a Dragos na reunião, ele o faria levando boas notícias e um pequeno e encantador presente do qual seu novo comandante certamente desfrutaria.


Capítulo 22

- Você acha que ele a machucará? - a voz tranquila de Renata rompeu o silêncio prolongado no úmido apartamento. Ela estava sentada na frente de Nikolai, usava uma camiseta cinza extragrande e suas próprias calças jeans, lavadas mais cedo por cortesia de Jack. Sua ferida no ombro estava muito melhor e cada vez que Niko perguntava, ela insistia que não sentia muita dor, de modo que ele percebeu que seu sangue a manteria alimentada por algumas poucas horas. Já tinham saído da cama há algum tempo, ambos tinham se banhado e se vestido, e evitavam cuidadosamente falar sobre tudo que tinha ocorrido entre eles horas antes.

Nikolai se manteve ocupado na limpeza das armas que Jack lhe havia dado, enquanto ele e Renata faziam planos para o breve retorno ao alojamento de Yakut. E embora Niko duvidasse que Lex fosse contar alguma coisa sobre sua aliança com Edgar Fabien, ele tinha o pressentimento de que algumas técnicas afrouxariam a língua do maldito filho da mãe.

Assim ele esperava, já que sem uma sólida vantagem sobre a localização do líder do Refúgio, as probabilidades de achar Mira ilesa diminuíam a cada segundo.

- Você acha que ele vai fazer... algo a Mira?

Niko virou e viu o pânico nos olhos de Renata.

- Fabien não é um bom homem... Francamente, não sei quais são as intenções dele com ela.

Renata dirigiu o olhar para baixo, suas magras sobrancelhas estavam unidas na testa franzida.

- Você não me disse tudo o que seus amigos de Boston descobriram sobre ele.

Inferno. Ele deveria saber que Renata perguntaria isso. Ele deliberadamente tinha passado por alto sobre o pior que Gideon havia dito sobre ele, os detalhes sórdidos que não os ajudariam a localizar Mira e só fariam Renata se preocupar ainda mais. Mas ele a respeitava muito para mentir.

- Não, eu não disse tudo - admitiu. - Realmente quer saber tudo sobre ele?

- Acredito que preciso saber - ela o olhou fixamente de novo, seus pálidos olhos verdes agora estavam sóbrios, tão firmes quanto os de um guerreiro pronto para a batalha. - O que a Ordem sabe sobre ele?

- Ele é um segunda geração da Raça, certamente tem várias centenas de anos - disse Niko, começando com o menor dos delitos de Fabien. - Ele é o líder do Refúgio de Montreal há 150 anos e também deseja chegar ao alto escalão da Agência de Execução, o que significa que está politicamente envolvido também.

Renata zombou em voz baixa.

- Isso é um curriculum vitae, Nikolai. Sabe o que estou perguntando. Fale diretamente.

- Muito bem - Niko assentiu com a cabeça, sem se preocupar em ocultar sua admiração. Ou sua preocupação. - Apesar de ter um monte de amigos em altos postos, Edgar Fabien não é o que poderíamos chamar de cidadão-modelo. Pelo que parece, ele tem várias... perversões que vêm lhe causando muitos problemas ao longo dos anos.

- Perversões? - disse Renata, quase cuspindo a palavra.

- Seus gostos tendem para o lado sádico, e ele... bem, ele é conhecido por desfrutar da companhia de crianças de vez em quando. Especialmente garotas.

- Jesus Cristo! - Renata exclamou com o fôlego apertado. Ela fechou os olhos e desviou o rosto. Quando finalmente olhou para Niko, havia um brilho assassino em seus olhos cor de jade que observavam o guerreiro sem piscar. - Vou matá-lo. Juro por Deus, Nikolai. Vou matar o filho da mãe se ele fez algo a ela.

- Vamos por as mãos nele – assegurou-lhe Niko. - Vamos encontrá-lo e resgatar Mira.

- Não posso decepcioná-la, Nikolai.

- Ei! - ele disse, segurando a mão dela. – Nós não vamos decepcioná-la. Entendido? Estou com você nisso. Vamos resgatá-la.

Ela o olhou em silêncio durante um longo momento. Então, muito lentamente, entrelaçou-lhe os dedos na mão.

- Ela vai ficar segura, não é verdade? - havia um traço de incerteza na fala de Renata e era uma das primeiras vezes que Niko percebia aquilo na voz dela. Ele queria apagar as dúvidas de Renata, queria acabar com a preocupação dela, mas tudo o que podia oferecer era sua promessa.

- Vamos trazê-la de volta, Renata. Tem minha palavra.

- Certo - disse. - Bem, Nikolai. Obrigada – completou em seguida, resoluta.

- Você realmente é especial, sabia? - Ela começou a sacudir a cabeça em negação àquelas palavras, mas Niko apertou-lhe levemente a mão, mantendo-a concentrada. - Você é forte, Renata. Mais forte do que acredita. Mira tem sorte de tê-la ao seu lado. Diabos! Eu também tenho.

A risada dela como resposta estava débil e ligeiramente triste.

- Espero que tenha razão.

- Eu nunca erro - disse ele, sorrindo abertamente para ela e mal resistindo ao impulso de inclinar-se por sobre a pequena mesa e beijá-la loucamente. Mas isso apenas os levaria a outra coisa - algo que sua libido já imaginava em detalhes explícitos.

- Então, quanto tempo ainda vai acariciar suas armas antes de eu poder dar uma olhada nelas?

Niko recostou na cadeira dobrável de metal e riu.

- Escolha a sua. Tem certeza de que sabe usar...

Ele não teve a oportunidade de terminar o pensamento: Renata estendeu a mão até a pistola mais próxima e a um carregador cheio de balas. Carregou e aprontou a arma em menos de três segundos. Niko nunca tinha visto algo tão sexy em toda sua vida.

- Impressionante.

Ela colocou a pistola sobre a mesa e arqueou uma de suas finas sobrancelhas.

- Quer que eu ajude com a sua também?

Ele quis rir, mas engoliu o som antes que ele saísse-lhe pela boca.

Eles não estavam sozinhos.

Renata seguiu o olhar do guerreiro até onde ele poderia jurar ter escutado um ruído surdo. Outro barulho, então, um pequeno rangido no teto da garagem.

- Temos companhia - sussurrou para ela. Renata lhe acenou com a cabeça, levantando-se da cadeira. Deslizou a .45 para ele através da mesa e se moveu em silêncio, rápida e eficazmente para carregar outra.

Assim que Nikolai pegou a arma, a porta do apartamento da garagem explodiu para dentro, partindo as dobradiças. Um vampiro enorme em um traje da Agência de Controle precipitou-se no interior, com a mira do laser de seu fuzil automático silencioso apontado para Renata.

– Filho da mãe! - Niko gritou. - Renata, atire!

Por um segundo terrível, ela não se moveu. Nikolai pensou que ela tivesse congelado, em estado de choque, mas logo o Agente soltou um grito de dor, deixando cair sua arma para colocar as mãos nas têmporas. Caiu de joelhos, mas havia mais dois homens armados bem atrás dele. Saltaram gritando por cima do obstáculo e abrindo fogo no pequeno espaço.

Renata se jogou atrás de um dos arquivos metálicos e disparou contra a cabeça do agente. Niko mirou o segundo visitante, mas o tiro foi desviado conforme a pequena janela acima da cama era estilhaçada e outro Agente de Execução entrava na luta, armado até os dentes.

- Nikolai, atrás de você! – gritou-lhe Renata.

Ela golpeou o último agente que chegara com uma rajada debilitante do poder de sua mente, e o bastardo caiu no chão, retorcendo e convulsionando antes que Niko acertasse alguns tiros em sua cabeça. Renata atingiu um dos outros com um tiro no joelho e, em seguida, eliminou-o com uma bala entre os olhos. Nikolai matou o outro e compreendeu tarde que tinha perdido completamente de vista o primeiro macho que atravessara a porta. O filho da mãe não estava onde Renata o havia deixado.

Para o horror de Niko, o enorme vampiro tinha pego Renata e a lançado contra a parede mais próxima. A força do macho da Raça era imensa, como a de todos. Renata bateu contra a superfície sólida e caiu com força no chão. Permaneceu imóvel, obviamente muito aturdida para responder ao ataque.

O rugido de fúria de Nikolai chacoalhou a mesa débil e as cadeiras. Sua visão foi inundada repentinamente de âmbar e suas presas perfuraram com força suas gengivas, estirando-se longas e agudas em sua cólera.

Ele saltou sobre o outro vampiro por trás, agarrando-lhe a cabeça nas mãos e torcendo-a ferozmente. O terrível rangido de osso e tendões estilhaçados não foi suficiente para Niko: quando o Agente caiu sem vida, ele chutou-lhe o corpo, afastando-o de Renata antes de estourar-lhe o crânio.

- Renata - disse, agachando-se diante dela e pegando-a nos braços. - Pode me ouvir? Você está bem?

Ela gemeu, mas acenou com a cabeça trêmula. Seus olhos abertos logo se ampliaram quando ela olhou fixamente por cima dos ombros largos de Niko para a entrada arruinada. Niko virou-se e deparou-se com o humano que tinha visto uma vez antes - o humano que tinha tentado olhar lá dentro quando Jack estivera no apartamento naquela manhã. Jack o tinha chamado de Curtis, tinha dito que o garoto fazia algum trabalho para ele na casa. Quando Niko examinou aquele rosto impassível, que não mostrava reação alguma aos seus olhos acesos e às suas presas à mostra, ele sabia do que estava diante...

- Servo - grunhiu. Colocou Renata de pé com cuidado. - Fique aqui. Eu me encarregarei dele.

O Subordinado sabia que tinha cometido um grave engano mostrando seu rosto depois do tumulto que provavelmente tinha instigado. Ele se virou e começou a descer a escada de dois em dois degraus. Nikolai grunhiu, vermelho de ira, e saiu disparado atrás da caça. Saltou sobre o corrimão da escada do segundo andar, caindo justo quando os pés do servo conseguiram tocar o pavimento. Nikolai aterrissou diretamente em cima dele, derrubando-o no chão.

- Quem fez você? - ele exigiu, golpeando o rosto do humano contra o pavimento áspero. - Quem é seu Mestre, maldito? É Fabien?

O servo não respondeu, mas, de qualquer modo, Niko sabia a verdade. Subiu sobre o humano e golpeou a coluna dele com força.

- Onde ele está? Diga-me onde encontrar Fabien. Fale, filho da mãe, ou acabo com você aqui e agora.

À distância, Nikolai ouviu o golpe de uma porta. E passos atravessando a grama.

Então, a voz de Renata ressoou de cima destroçando a porta no chão da garagem.

- Jack, não! Volte para dentro!

Nikolai olhou por cima do ombro, bem a tempo de ver o velho com uma expressão de horror. Os olhos de Jack mostravam sua incredulidade, sua mandíbula aberta.

- Jesus Cristo - murmurou, com os pés desacelerando até deter-se. - O que... que diabos está acontecendo aqui?

E então, abaixo dele, Niko sentiu o servo se retorcer. E registrou o brilho breve de uma lâmina apenas meio segundo antes que o escravo humano cortasse a própria garganta.

Renata desceu as escadas de madeira em estado de pânico.

- Jack, por favor! Entre na casa, agora!

Mas ele simplesmente permaneceu ali, congelado no lugar como se não pudesse ouvi-la, como se não pudesse vê-la. Não podia processar tudo que estava acontecendo à sua volta nesses últimos minutos de caos total e absoluto. Jack estava mudo, uma estátua imóvel na calçada.

E Nikolai...

Santo Deus, Nikolai parecia o pior pesadelo de qualquer pessoa. Empapado de sangue, o rosto travestido em uma máscara aterradora de presas letais e ferozes, os olhos brilhantes e âmbares. Quando saiu de cima do corpo morto do servo e se virou, deparando-se com o rosto de Jack, o guerreiro da Raça não podia parecer nada além de um predador desumano, sua respiração através dos dentes cerrados, seu enorme peito e ombros tremendo por conta da luta.

- Santa Maria, Mãe de Deus - murmurou Jack, fazendo o sinal da cruz enquanto Nikolai dava alguns passos para longe do cadáver do servo. Então, lançou um olhar e viu Renata correndo em sua direção através do caminho de entrada.

- Renata, sai daqui!

Renata correu para ficar entre os dois homens – Nikolai em suas costas e Jack olhando-a boquiaberto como se acabasse de entrar no meio de um campo de mina ativado.

- Ah, Jesus... Renata, querida... o que você está fazendo?

- Está tudo bem, Jack – ela respondeu tranquilamente sustentando as mãos em sua frente. – Está tudo bem, prometo. Nikolai não fará mal a você. Não fará mal a nenhum de nós.

O rosto do ex-combatente do Vietnã se enrugou diante da confusão. Mas, então, ele olhou além dela para Nikolai e uma tênue faísca de reconhecimento piscou nas fendas que lhe eram agora os rasgos dos olhos. Sua palidez era a de um fantasma contra a noite ao seu redor e suas pernas pareciam que iam ceder debaixo de si.

- Você é... mas como? Como diabos pode ser?

- Não é seguro para você saber isso - interveio Renata. - Seria muito perigoso, inclusive para nós.

- Muito tarde - a voz de Nikolai era um baixo grunhido atrás dela. – Ele já viu muito. Temos que controlar esta situação e não temos muito tempo antes que mais humanos curiosos apareçam e deixem as coisas ainda piores do que já estão.

Renata assentiu.

- Entendi.

A mão de Nikolai pousou brandamente sobre seu ombro são.

- Isso inclui Jack também. Não posso deixá-lo com sua memória nesse estado. Tudo tem que ser apagado, começando com nossa chegada na noite anterior. Ele não pode se lembrar que você e eu estivemos aqui alguma vez.

Ela estremeceu, mas não podia discutir.

- Tenho um minuto para dizer adeus?

- Um minuto - disse Nikolai. - Mas isso é tudo o que podemos arriscar.

- Que diabos está acontecendo aqui? - murmurou Jack enquanto sua neurose dava lugar ao guerreiro aposentado nele adormecido. – Renata... em que tipo de porcaria você se enfiou, garota?

Ela ofereceu-lhe um débil sorriso enquanto dava um passo adiante e o puxava-o para um abraço.

- Jack, quero agradecê-lo por ter nos ajudado na noite anterior. Mais do que isso: quero agradecê-lo por você ser a pessoa maravilhosa que é - separou-se dele para olhar seus velhos e amáveis olhos. - Não poderia compreender isso, mas você foi minha âncora muitas vezes, meu porto seguro. Sempre que eu perdia a fé na humanidade, sua bondade me compensava. Você foi um verdadeiro amigo e gosto muito de você por isso. Sempre vou gostar.

- Renata, preciso que você me diga o que está acontecendo aqui. Esse homem com quem você está... essa criatura. Por Deus, estou perdendo a razão ou ele é um tipo de...

- Ele é meu amigo - disse ela, tão sinceramente que inclusive se desconcertou diante de sua convicção. - Nikolai é meu amigo. Isso é tudo o que precisa saber.

- Temos que ir agora, Renata.

A voz de Nikolai estava calma, completamente tomada pela seriedade. Ela assentiu e, quando olhou para Niko, viu que ele estava de novo em seu estado normal. Jack crepitou de confusão, mas Nikolai aproximou-se para segurar-lhe a mão.

- Obrigado por tudo o que fez, Jack. Você é um bom homem - Nikolai não esperou por uma resposta. Com a mão livre, levantou a palma sobre a testa de Jack e pressionou-a por um longo momento. - Volte para casa e vá para a cama. Quando despertar amanhã, não se lembrará de que estivemos aqui. Descobrirá que houve um assalto no apartamento da garagem e que Curtis estava se relacionando com algumas pessoas más. O assalto saiu do controle e ele foi assassinado.

Jack não disse uma palavra sequer, apenas assentiu, concordando.

- Você não vai nos ver quando abrir os olhos - disse Nikolai. - Não verá sangue e cacos de vidro. Vai se virar, entrar na casa e subir até seu quarto, deitar-se na cama e permanecer lá pelo resto da noite.

Uma vez mais Jack assentiu com a cabeça, em complacência. Nikolai retirou a mão da testa do ex-combatente. Os olhos de Jack piscaram e abriram-se tranquilos, serenos. Ele olhou Renata, mas foi um olhar vazio que passou através dela. Ela ficou ali parada, olhando com tristeza como seu velho e querido amigo virava-se no silêncio da noite escura e começava o lento caminhar de volta para a casa.

- Você está bem? - perguntou Nikolai, passando o braço musculoso ao redor da cintura de Renata enquanto eles esperavam na entrada, observando Jack desaparecer dentro da casa.

- Sim, estou bem – disse ela em voz baixa, permitindo-se o conforto do forte abraço masculino de Nikolai. - Vamos limpar essa bagunça e dar o fora daqui.


Capítulo 23

- Já era hora de ele estar aqui.

Alexei Yakut queixou-se quando viu um par de faróis saindo das árvores do lado de fora da casa principal. Irritado por ter sido obrigado a esperar durante a última meia hora, Lex se afastou da janela do quarto do pai - quarto que agora lhe pertencia, como todo o resto que o defunto tinha deixado.

O veículo preto que rodeava pelo caminho era enorme, obviamente um SUV. Lex virou os olhos com desgosto. Tinha esperado que um macho do status de Edgar Fabien fosse viajar em algo mais elegante do que uma Humvee emprestada diretamente da frota da Agência de Execução. As próprias normas de Lex exigiam muito mais que um utilitário como meio de transporte, especialmente para um evento tão importante como o que ele assistiria com Fabien. Pelo amor de Deus, eles não poderiam chegar à reunião em uma caminhonete que declarava a todos a falta de elegância como aquele veículo fazia.

Se estivesse no comando das coisas – quando estivesse no comando, Lex mentalmente emendou - não iria a nenhuma parte sem uma caravana de veículos apropriada que formasse uma fila de elite.

Ele saiu a passos largos de seu quarto com uma raiva impaciente, ajustando a linha do casaco conforme seus polidos sapatos de couro de crocodilo brandamente repicavam através das largas tábuas do chão. Sabia que estava bem - esse era o ponto -, mas estava muito mais acostumado ao seu antigo uniforme de serviço com botas e roupas de couro. Era um sujeito flexível, de modo que não pensava que precisaria de muito esforço para se acostumar com sua nova identidade.

Na grande sala, os dois guardas restantes da casa estavam sentados jogando cartas. Um deles deu uma olhada quando Lex entrou, a sutil elevação de sua mão não foi rápida o bastante para ocultar seu sorriso divertido.

- Essa gravata parece estar deixando você sem ar, Lex - brincou o outro guarda, rindo de sua própria piada. - É melhor afrouxar essa porcaria antes que desmaie. - Lex o fulminou com o olhar enquanto passava o dedo pela folga muito justa do colarinho de sua camisa de quinhentos dólares.

- Vá se danar, cretino. E abra a maldita porta. Meu transporte está aqui.

Quando o guarda se moveu pesadamente para cumprir a ordem, Lex se perguntou quanto tempo deveria manter aqueles dois idiotas ao seu lado. Certo, eles tinham estado ao seu lado trabalhando para seu pai todos os dias durante quase uma década, mas um homem como Lex merecia respeito. Talvez ele ensinasse a ambos uma lição quando retornasse em algumas noites da reunião do fim de semana.

Lex forçou um sorriso de boas-vindas para Fabien quando o guarda abriu a porta... mas não era Edgar Fabien quem estava ali para saudá-lo: era um Agente de Execução uniformizado acompanhado por três companheiros.

- Onde está Fabien? - exigiu Lex.

O grande Agente que estava na frente cumprimentou Lex com um breve aceno de cabeça.

- Vamos nos encontrar com o senhor Fabien em um outro lugar, senhor Yakut. Precisa de alguma coisa antes de o escoltarmos até o veículo?

Lex grunhiu, seu ego tranquilizando-se um pouco diante do tom respeitoso do Agente.

- Tenho algumas malas no quarto - disse ele com um gesto desdenhoso na direção de seu quarto. - Um de seus homens pode apanhá-las para mim.

Outra inclinação em reverência do agente que estava na frente.

- Cuidarei pessoalmente de suas coisas.

- Por aqui - disse Lex, conduzindo a escolta casa adentro, para seu quarto, pelo corredor. Uma vez dentro, parou perto da cama para mostrar as coisas que desejava levar. - Pegue a mala de roupa e a mochila de couro que está ali no chão.

Quando o Agente não se moveu para recolher as coisas, mas simplesmente ficou ali junto dele, Lex se voltou com um olhar indignado.

- Bem, que diabos está esperando, idiota?

O olhar que recebeu como resposta foi cortante e frio como uma adaga. E então Lex arrepiou-se quando, no instante seguinte, ouviu o estalar de vários disparos abafados no outro quarto. Seu sangue correu gelado por suas veias.

O Agente de Execução que estava de pé ao seu lado abriu um sorriso agradável.

- O senhor. Fabien me pediu que lhe entregasse pessoalmente uma mensagem dele, senhor Yakut.

Renata parecia cansada quando Nikolai se aproximou dela no terreno onde tinham jogado os cadáveres dos agentes que lhes tinham atacado mais cedo. Em poucas horas, o amanhecer apagaria quaisquer rastros dos vampiros, apesar de que, de qualquer forma, nada ou ninguém além da fauna local fosse notar os corpos ali, tão distante da estrada mais próxima e em uma área tão afastada da cidade.

- Jogue os uniformes e acessórios deles na parte traseira do veículo - Renata disse quando se aproximou. – As outras armas estão atrás dos assentos dianteiros. As chaves estão na ignição.

Niko assentiu com a cabeça. Depois de limpar todas as provas do ataque da Raça na garagem do apartamento, ele e Renata se apropriaram do SUV da Agência, que seus atacantes tinham sido bastante atentos para deixar estacionado na rua lateral próxima da casa de Jack.

- Está cansada? – perguntou ele ao ver a fadiga nos olhos dela. - Podemos esperar aqui e descansar um momento se precisar.

Ela balançou a cabeça.

- Quero continuar. Estamos a apenas alguns quilômetros da propriedade de Yakut.

- Sim - Niko disse. - E não estou esperando que Lex vá estender um tapete vermelho para nós quando chegarmos ali. As coisas podem ficar feias muito rapidamente. Já se passaram algumas horas desde que você bombardeou as malditas mentes desses agentes. Quanto tempo você tem antes de a reverberação começar?

- Provavelmente não muito – ela admitiu, olhando para o chão mal iluminado pela lua.

Niko levantou seu queixo e não pôde evitar acariciar a delicada linha de sua bochecha.

- Mais uma razão para darmos um tempo aqui.

Ela se separou dele, obstinada e com determinação.

- Mais uma razão para continuarmos antes que os golpes da reverberação cheguem. Descanso depois que resgatarmos Mira. – Virou-se e começou a caminhar para o veículo. - Quem dirige? Você ou eu?

- Ouça - ele disse, agarrando-lhe a mão antes que ela pudesse chegar muito longe. Aproximou-se dela e envolveu-a com seus braços fortes, contendo-a em seu abraço musculoso.

Deus, como era linda. Qualquer idiota podia apreciar a perfeição frágil e feminina de seu rosto: os olhos claros e amendoados brilhavam intensamente como pedras preciosas sob a franja colorida dos cílios, o nariz travesso, a exuberante e sexy boca, a pele leitosa que mais parecia um veludo cremoso e macio em contraste com o brilho de ébano dos cabelos. A beleza física de Renata era atordoante, impressionante, mas era sua coragem - sua honra inquebrável - que realmente acabava com Niko.

De algum modo, no pouco tempo que se viram obrigados a ficar juntos, Renata tinha se convertido em uma verdadeira parceira para ele. Ele a valorizava, confiava nela tanto quanto em qualquer um de seus irmãos na Ordem.

- Ei – ele disse, agora mais calmo, olhando fixamente para o valente e belo rosto de Renata, impressionado novamente com aquela extraordinária mulher que estava demonstrando ser uma aliada vital para ele. - Formamos uma ótima equipe lá na casa de Jack, não foi?

- Fiquei muito assustada, Nikolai - ela confessou em voz baixa. -Eles apareceram tão rápido. Eu deveria ter reagido mais rápido. Deveria ter...

- Você foi incrível. - Ele alisou uma mecha de cabelo que lhe caía sobre o rosto, colocando-a atrás da orelha. - Você é incrível, Renata. E estou muito contente de saber que posso contar com você.

Ela abriu um pequeno e quase tímido sorriso.

- Eu digo o mesmo.

Talvez não fosse o momento ideal para ele querer beijá-la, de pé ali, em um lugar esquecido por Deus na beira da autoestrada, com um rastro de sangue e morte atrás deles, e mais daquilo certamente os esperando no futuro, antes de essa aventura terminar. Mas tudo o que Nikolai desejava fazer - o que ele precisava, ali, naquele preciso momento - era sentir os lábios de Renata pressionando-se contra os seus.

Cedendo à tentação, ele inclinou-se e tomou a boca de Renata em um sensível e lento beijo. Os braços dela o rodearam, timidamente a princípio, mas suas mãos estavam quentes enquanto ela acariciava-lhe as costas largas e apertava-se contra o corpo grande de Niko, mesmo depois que o beijo já tinha terminado e ela estava com a bochecha contra o peito musculoso e definido do guerreiro.

Quando ela falou, sua voz era apenas um sussurro.

- Vamos encontrá-la, Nikolai?

Ele pressionou os lábios na testa de Renata.

- Sim, vamos.

- Você acha que ela está bem? – ela ainda perguntou.

A vacilação dele foi breve, mas suficientemente longa para que Renata saísse de seus braços. Ela franziu a sobrancelha enquanto seus olhos obscureciam-se com a dor. - Ah, meu Deus... você não acredita que ela esteja bem! Posso sentir sua dúvida, Nikolai. Acredita que algo aconteceu a Mira.

- É o vínculo de sangue o que você sente - disse ele, nem sequer perto da negação que Renata tinha lido com tanta precisão nele.

Ela estava recuando agora, seus pés arrastando-se na grama escura enquanto ela se movia para o SUV. Seu rosto tinha um olhar aflito.

- Temos que ir agora. Temos que encontrar Lex e obrigá-lo a nos dizer onde ela está!

- Renata, ainda acho que deveríamos esperar aqui um momento e descansar. Se uma nova reverberação golpeá-la...

- Foda-se a reverberação! - ela gritou, sacudindo a cabeça em um pânico crescente. - Vou para a casa de Yakut. Você pode vir comigo ou ficar, mas estou indo agora mesmo.

Ele poderia tê-la detido.

Se quisesse, poderia estar em cima dela mais rápido do que ela pudesse perceber, fisicamente a impedindo de avançar outro passo em direção ao veículo. Ele poderia colocá-la em transe com um simples gesto de sua mão e assim obrigá-la a esperar pela dor que provavelmente chegaria não muito tempo depois que estivessem no chalé.

Ele poderia ter retido o traseiro dela de alguma maneira diferente, mas, em vez disso, deu a volta pelo lado do condutor do Humvee preto antes que ela chegasse e bloqueou a entrada com seu corpo.

- Eu dirijo - disse ele, sem dar a oportunidade de discutir. - Você está ferida.

Renata o olhou por um segundo, então deu a volta e subiu no assento do carona.

Eles voltaram para a estrada e percorreram, em silêncio, a pequena distância até a propriedade arborizada de Yakut. Niko apagou os faróis enquanto se aproximava devagar. Ele estava a ponto de sugerir que saíssem e fossem até a casa a pé quando se deu conta de que algo estava errado.

- É sempre assim, tranquilo?

- Nunca - disse Renata, disparando um olhar sério. Ela alcançou uma das armas atrás do assento. Passou a correia de um fuzil automático pela cabeça e logo entregou outro a Nikolai. - Lex só ficou com dois guardas, mas não parece que haja alguém por aqui.

E, mesmo daquela distância, Niko percebeu o aroma de sangue derramado. Sangue da Raça vindo de mais de uma fonte.

- Espere aqui enquanto dou uma olhada nas coisas.

Ela lançou um olhar de insubordinação que Niko deveria ter previsto.

Ambos saíram do veículo e foram juntos para a casa principal, que estava escura. A porta da frente estava totalmente aberta. Rastros de pneus frescos marcavam no caminho de cascalho: longos, profundos rastros como um tipo de SUV de grande porte deixaria para trás.

Niko tinha a sensação de que a Agência de Execução tinha estado ali também. A casa estava completamente em silêncio, fedendo às recentes mortes dos vampiros. Ele não precisava acender as luzes para ver a carnificina. Sua aguda visão localizou os dois machos mortos no interior, ambos com tiros na cabeça.

O guerreiro guiou Renata ao redor dos cadáveres, seguindo seu olfato pela parte de trás do lugar, em direção aos aposentos privados de Yakut. Ele sabia o que encontraria ali dentro. Ainda assim, quando entrou no quarto, soltou uma maldição furiosa.

Lex estava morto.

E, com ele, sua melhor esperança de localizar Edgar Fabien naquela noite.


Capítulo 24

A respiração de Renata parou diante da maldição que Nikolai murmurou. Ela alcançou o interruptor ao lado da porta entreaberta do quarto de Yakut e lentamente acendeu a luz.

Ficou sem palavras enquanto olhava o corpo sem vida de Lex, seus olhos vazios e nublados pela morte, três grandes buracos de bala em sua cabeça. Ela queria gritar. Santo Deus, ela queria cair de joelhos, passar as mãos pelo cabelo e arranhar as paredes - não de dor ou estupefação, mas tomada de completa ira.

Mas seus pulmões estavam constritos em seu peito.

Seus membros estavam sem força, braços e pernas pesados demais para os mover.

A esperança que ela estivera cultivando – mesmo que pequena - de que eles poderiam chegar ali e conseguir uma sólida pista sobre a localização de Mira escorreu para fora de seu corpo como o sangue de Lex - que escorria entre os ladrilhos do chão do quarto de seu pai.

- Renata, encontraremos outra maneira – disse Nikolai de algum lugar próximo a ela. O guerreiro inclinou-se sobre o corpo de Lex e tirou um telefone celular do bolso do casaco e apertou algumas teclas. – Temos o histórico de chamadas de Lex agora. Um desses números deve ser o de Fabien. Vou entrar em contato com Gideon e pedir que ele os rastreie. Vamos encontrar o maldito muito em breve. Vamos pegá-lo, Renata.

Mas ela não pôde responder; faltavam-lhe palavras para tanto. Virou-se lentamente e caminhou para fora do quarto, apenas consciente de que seus pés se moviam. Perambulou pela escuridão da propriedade, passou pelos corpos jogados na grande sala e no vestíbulo. Estava insegura sobre para onde ir, anestesiada ainda, quando se viu no minúsculo quarto onde Mira dormia.

A pequena cama estava exatamente como ela a havia deixado, como se esperasse que sua ocupante voltasse. Sobre a baixa mesinha de cabeceira, havia uma flor silvestre que Mira tinha recolhido no começo da semana, em uma das poucas vezes que Sergei Yakut tinha-lhe permitido aventurar-se do lado de fora. A flor de Mira estava murcha, as frágeis pétalas brancas caíam sem vida, o caule verde tão murcho como um barbante.

– Ah, meu doce ratinho – Renata sussurrou no quarto escuro e vazio. – Sinto muito... Lamento não ter estado aqui a tempo...

– Renata – Nikolai permanecia de pé, do lado de fora do quarto. – Renata, não faça isso a você mesma. Você não tem culpa. E isso ainda não acabou.

A profunda voz do macho da Raça era tranquilizadora. E era confortável apenas ouvi-la e saber que ele estava ali, com ela. Ela precisava daquela tranquilidade, mas como não a merecia, Renata se recusou a correr para os braços fortes de Niko como tão desesperadamente queria fazer. Permaneceu onde estava, rígida e imóvel, desejando poder voltar no tempo e reparar todas as suas falhas.

Ela não podia permanecer naquele lugar mais um minuto sequer. Havia muitas lembranças sombrias ali.

Muita morte ao redor dela.

Renata deixou que a flor morta caísse de seus dedos sobre a cama. Então, deu a volta em direção à porta.

– Tenho que sair deste lugar – murmurou, a culpa e a angústia retorcendo-se em seu peito. – Não posso... Estou asfixiando aqui... não consigo... respirar.

Ela não esperou que ele respondesse - não podia esperar ali, nem um minuto mais. Empurrando-o, correu loucamente do quarto de Mira afora. E não parou até que seus pés a levaram para a parte de trás da construção principal, dentro do bosque ao redor. Ainda assim seus pulmões se retorciam como se tivessem sido esmagados por um caminhão.

Atrás de seu crânio, Renata pôde sentir uma dor de cabeça florescendo. Sua pele ainda não doía, mas ela estava ficando cansada até os ossos e sabia que não levaria muito tempo antes que o cansaço a nocauteasse. Pelo menos seu ombro estava decente. A ferida do disparo ainda estava ali, havia ainda uma profunda pulsação em seus músculos, mas o sangue de Nikolai tinha feito algum tipo de mágica na infecção.

Renata se sentiu o suficientemente forte quando deu uma olhada e viu o celeiro fechado – o edifício anexo onde ela e tantos outros tinham sido presos para servirem de isca para o doentio esporte de sangue de Yakut – ela não pensou duas vezes em saltar e pegar o rifle preso em suas costas. Disparou no pesado ferrolho até que ele rompesse e caísse no chão. Então, abriu a porta e disparou mais tiros dentro do grande refúgio, pontilhando as paredes e as vigas com uma saraivada de balas.

Ela não soltou o gatilho até que o carregador estivesse vazio e sua garganta seca por causa dos gritos. Seus ombros pesavam, seu peito pulsava inquieto.

– Eu devia estar aqui – ela disse, ouvindo Nikolai aproximar-se dela por trás. – Quando Lex a jogou nos braços de Fabien, eu deveria tê-lo detido. Deveria estar lá por Mira. Em vez disso, eu estava na cama, muito fraca e... inútil.

Ele fez um pequeno ruído, um rechaço sem palavras àquela culpa.

– Você não podia saber que ela estava correndo perigo. Não podia evitar nada do que aconteceu, Renata.

– Eu nunca deveria ter abandonado a casa! – ela gritou, o próprio desprezo queimando-lhe por dentro. – Fugi, quando deveria ter ficado lá o tempo todo e feito Lex me dizer onde ela estava.

– Você não fugiu. Foi pedir ajuda. E se não o tivesse feito, eu estaria morto. – Os passos dele aproximavam-se, vindo com cuidado atrás dela. – Se tivesse ficado aqui todo esse tempo, Renata, então teria morrido com Lex e os outros guardas. O que aconteceu aqui foi um plano executado a sangue frio. E tem a assinatura de Fabien.

Nikolai tinha razão. Ela sabia que aquele macho tinha razão em tudo. Mas isso não fazia doer menos.

Renata olhava fixamente, muito embora sem ver, o abismo cheio de pólvora do celeiro.

– Temos que voltar para a cidade e começar a procurá-la. Porta a porta, se for necessário.

– Sei o que sente – disse Nikolai. Ele tocou-lhe a nuca e ela se obrigou a afastar-se daquela ternura quente. – Maldição, Renata, você não acredita que se eu achasse que chutar todas as portas daqui até Old Port nos levaria a Fabien eu não estaria contigo? Mas isso não vai nos ajudar em nada. Especialmente não com o amanhecer só daqui a algumas horas.

Ela agitou a cabeça.

– Não preciso me preocupar com a luz do dia. Posso voltar para a cidade por mim mesma.

– O inferno que vai. – As mãos dele estavam brutas quando a fez girar para olhá-lo no rosto.

Seus olhos tinham um brilho âmbar e uma emoção que parecia notavelmente ser medo, inclusive na escuridão.

– Você não vai a lugar nenhum perto de Fabien sem mim. – Ele acariciou-lhe a sobrancelha, seus ferozes olhos queimando dentro dos dela. – Estamos juntos nisso, Renata. Sabe disso, não sabe? Sabe que pode confiar em mim?

Ela olhou fixamente o rosto de Nikolai e sentiu uma emoção que começava a crescer dentro de si, e era como se aquela emoção se elevasse como uma enorme onda que não podia fazer recuar mesmo se tentasse. As lágrimas correram-lhe pelos olhos, alagando-os. Antes que pudesse parar, ela estava esfregando os olhos como se um dique tivesse arrebentado dentro dela, derramando velozmente todas as demasiadas feridas que lhe marcaram durante sua vida - toda a dor e todo o vazio de sua completa existência - em soluços grandes e pesados.

Nikolai a tomou nos braços e a apertou perto de si. Ele não tentou fazer com que suas lágrimas parassem. Não a alimentou com suaves mentiras para fazê-la se sentir melhor. Ou com falsas promessas para acomodar seu desespero.

Ele apenas a segurou perto de si, protegendo-a com seu corpo grande e masculino, entre seus braços musculosos.

Sustentou-a, fazendo-a sentir que ele a entendia. Que ela não estava sozinha e que, possivelmente, de alguma maneira, ela merecia ser amada.

Agarrou-a, levantando-a em seus braços, e começou a se afastar do celeiro.

– Vamos procurar um lugar para que descanse um pouco – disse ele, sua relaxante voz vibrando em seu peito, vibrando contra ela enquanto ela se agarrava nele como a uma âncora em um porto seguro.

– Não posso voltar para a casa, Nikolai. Não vou ficar lá.

– Eu sei – ele murmurou, entrando mais no bosque. – Tenho outra ideia.

Ele a deixou sobre um leito de folhas secas entre dois altos pinheiros. Renata não sabia o que esperar, mas nunca teria imaginado do que seria testemunha nos momentos seguintes.

Nikolai ajoelhou-se junto dela e relaxou os braços, o queixo abaixado, o enorme e musculoso corpo em um estado de tranquila concentração. Renata sentiu a energia ao redor deles ranger. Ela sentiu o aroma da terra rica e fértil, o aroma do bosque depois de uma tempestade. Uma brisa cálida fazia cócegas em sua nuca enquanto Nikolai pousava as pontas dos dedos sobre o chão ao lado de si.

Houve um tranquilo sussurro de movimento na grama próxima - um sussurro de vida. Renata viu algo serpentear sob as mãos de Nikolai e não pôde evitar ofegar assombrada quando se deu conta do que estava vendo.

Pequenas videiras, disparando através do chão, correndo para os pinheiros gêmeos a cada lado dela.

– Ah, meu Deus! – murmurou ela, encantada. – Nikolai... O que está acontecendo aqui?

– Está tudo bem – disse ele, olhando as videiras, dando a elas ordens, por mais difícil que fosse acreditar.

Os talos faziam espirais ao redor dos troncos das árvores e escalavam mais alto, enchendo-os com folhas que multiplicavam exponencialmente enquanto Renata olhava estarrecida. Por cima de sua cabeça, a cerca de dois metros e meio de altura, as videiras saltavam e preenchiam o espaço entre os pinheiros. Retorciam-se juntas, então enviavam vegetação, criando um vívido dossel que se estendia por todo o caminho até o chão onde Renata e Nikolai estavam sentados.

– Você está fazendo isso? – perguntou ela, incrédula.

Ele assentiu, mas manteve sua concentração, mais e mais folhas desdobrando-se sobre as videiras. Grossas paredes de fragrante aroma formavam um refúgio ao redor deles, a exuberante folhagem intercalada com diminutas flores brancas como aquela que Renata tinha encontrado no quarto de Mira.

– Está bem... Como você está fazendo isso?

O rangido de plantas crescendo parou e Nikolai lançou um olhar despreocupado sobre ela.

– Presente de minha mãe, herdado por seus dois filhos.

– Quem é sua mãe? A Mãe Natureza? – disse Renata, rindo, surpreendida apesar de saber que as belas flores e videiras eram apenas um véu temporário. Do lado de fora daquele castelo natural, todo o horror e a violência ainda existiam.

Nikolai sorriu e agitou a cabeça.

– Minha mãe era uma Companheira de Raça, como você. O seu dom é o poder da mente, este era o dom de minha mãe.

– É incrível! – Renata passou sua mão sobre as frescas folhas e delicadas pétalas. – Deus, Nikolai, sua habilidade é... Dizer que é surpreendente nem sequer chega perto.

Ele deu de ombros.

– Nunca a usei muito. Dê-me um espaço cheio de buracos ou uns blocos de C-4 qualquer dia. Então mostrarei algo surpreendente.

Ele estava se gabando, mas ela sentia que sua lábia ocultava algo mais sombrio.

– E seu irmão?

– O que tem ele?

– Você disse que também pode fazer isso?

– Ele podia, sim – disse Nikolai, as palavras soando quase ocas. – Dimitri era mais jovem que eu. Está morto. Aconteceu faz muito tempo, na Rússia.

Renata estremeceu.

– Sinto muito.

Niko assentiu, arrancou uma folha da massa de vegetação e a depedaçou.

– Ele era um garoto, um garoto muito bom. Ele era algumas décadas mais jovem que eu. Estava acostumado a me seguir como um maldito cachorrinho, querendo fazer tudo o que eu fazia. Eu não tinha muito tempo para ele. Eu gostava de viver no limite, acho até que ainda gosto. De qualquer modo, Dimitri meteu na cabeça que precisava me impressionar – Niko exalou uma maldição afogada. – Garoto estúpido. Ele faria qualquer coisa para que eu notasse sua presença, entende? Para me ouvir dizer que o via, que estava orgulhoso dele.

Renata o olhou na escuridão, vendo a mesma culpa que ela sentia quando pensava em Mira, o mesmo terror, a mesma condenação interior pelo fato de a menina estar em grave perigo - ou até já estar morta –, tudo porque alguém em quem eles confiavam tinha falhado.

Nikolai conhecia aquela tortura. Ele mesmo a tinha vivido.

– O que aconteceu com Dimitri? – Renata perguntou com cuidado. Ela não queria abrir velhas feridas, mas precisava saber. E podia ver que Nikolai carregava aquela dor há muito tempo. – Pode me contar, Nikolai. O que aconteceu com seu irmão?

– Ele não era como eu – disse, as palavras contemplativas, como se ele se afundasse em sua história. – Dimitri era inteligente, um aluno exemplar. Amava os livros e a filosofia, adorava destrinchar as coisas, descobrir como funcionava tudo ao seu redor e depois juntá-las de novo. Era brilhante, verdadeiramente superdotado, mas queria ser como eu.

– E como era você então?

– Selvagem – disse, mais como um epíteto do que como uma ostentação. – Sou o primeiro a admitir. Sempre fui um pouco temerário, sem me preocupar onde eu terminaria amanhã enquanto estivesse passando um bom momento hoje. Dimitri gostava da contemplação, eu gostava da adrenalina. Ele gostava de juntar as coisas; eu, de quebrá-las.

– Foi por isso que você se uniu à Ordem? Pela adrenalina da luta?

– Esse é parcialmente o motivo, sim – ele colocou os cotovelos sobre os joelhos e olhou o chão. – Depois do assassinato de Dimitri, eu tinha de me afastar. Culpei-me pelo que aconteceu. Deixei meu país e fui para os Estados Unidos. Juntei-me a Lucan e aos outros em Boston não muito tempo depois disso.

Ela não deixou de lado o fato de que ele havia dito que seu irmão tinha sido assassinado, não meramente morto.

– O que aconteceu, Nikolai?

Ele exalou um longo suspiro.

– Eu tinha problemas com um idiota do Refúgio da Ucrânia. Chegamos a sair no braço várias vezes, principalmente por causa do tédio. Mas uma noite, Dimitri ouviu aquele chupa-sangue em um botequim falando asneiras sobre mim e decidiu chamar sua atenção. Dimitri tirou uma faca e cortou o cara diante de seus amigos. Foi um golpe de sorte – ele não era bom com armas. De todo modo, aquilo encheu o saco do bastardo e, dois minutos depois, meu irmão estava no meio de uma poça de seu próprio sangue, com a cabeça separada do corpo.

– Ah, Jesus! – Renata disse com a respiração entrecortada, sentindo uma dor em seu coração. – Sinto muito, Nikolai.

– Eu também – deu de ombros. – Depois, saí e persegui o assassino de Dimitri. Arranquei a cabeça dele e a levei para meus pais como desculpas. Eles me desprezaram, disseram que deveria ter sido eu, não D. E eu não podia culpá-los por conta isso. Diabos, eles tinham razão, afinal de contas. Então, fugi e nunca mais olhei para trás.

– Sinto muito, Nikolai.

Ela não sabia mais o que dizer. Tinha pouca experiência em oferecer consolo, e mesmo que tivesse, não estava segura de que Niko quisesse ou necessitasse daquilo. Como um homem repentinamente desconfortável em sua própria pele, Nikolai ficou calado durante um longo momento.

Ele limpou a garganta, passou a mão pelos cabelos e ficou em pé.

– Acho que devo sair e dar outra olhada na casa. Você ficará bem sozinha aqui durante alguns minutos?

– Sim. Estou bem.

Ele a olhou fixamente, procurando seu rosto. Ela não sabia o que queria que dissesse, mas o olhar em seus olhos parecia indecifrável.

– Sente-se bem? Algum sinal da reverberação?

Renata deu de ombros.

– Um pouco, mas não muito forte.

– E seu ombro?

– Bem – disse ela, flexionando o braço esquerdo para mostrar que já não sentia dor. – Está muito melhor agora.

Um silêncio longo e estranho se estendeu entre eles, como se nenhum dos dois soubesse como superá-lo ou fazer a coisa mais fácil e deixá-lo durar. Foi assim até que Nikolai começou a separar algumas das grossas videiras para sair e Renata estendeu a mão para tocá-lo.

– Nikolai... Eu, hum... queria agradecê-lo – disse ela, consciente do fato de que, embora ele tenha parado, ela continuava com a mão em seu braço. – Preciso agradecê-lo... por me dar seu sangue hoje.

Ele girou para ela, fazendo um leve movimento de cabeça.

– A gratidão é agradável, mas não é necessária. Se nossas situações estivessem invertidas, sei que teria feito o mesmo por mim.

Ela o teria feito, sim; Renata podia dizer isso sem a menor dúvida. Aquele homem, um estranho há menos de uma semana - um guerreiro que também era um vampiro – e agora tinha se tornado seu mais confiável e íntimo amigo. Se fosse honesta consigo mesma, teria de admitir que Nikolai ia além disso, isso mesmo antes de ter compartilhado seu sangue com ela. Inclusive antes do sexo que ainda lhe fazia os pés se retorcerem só de lembrar.

– Não estou segura de como fazer isso... – Renata elevou o olhar para ele, lutando com as palavras, mas precisando dizê-las. – Não estou acostumada a contar com ninguém. Não sei como estar com alguém. Não é algo que eu tenha feito antes, e só... sinto como se tudo que pensei que sabia, todas as coisas que uma vez me ajudaram a sobreviver agora fugissem de mim. Estou à deriva... estou aterrada. – Nikolai acariciou-lhe a bochecha em chamas e, então, deu-lhe um abraço.

– Você está segura – disse carinhosamente ao pé da orelha dela. – Estou com você e vou protegê-la.

Ela não se deu conta do quanto precisava ouvir aquelas palavras até que Nikolai as dissesse. Ela não sabia quanto ele morria de alegria por ter seus braços ao redor dela ou quanto ansiava seu beijo até que Nikolai se aproximou mais e colocou a boca sobre a dela. Renata o beijou despreocupada, deixando-se levar pelo momento porque Nikolai estava com ela, sustentando-a, dando-lhe segurança. Seu beijo cresceu mais apaixonado, ele a inclinou sobre a terra almofadada do refúgio íntimo. Renata sentiu o peso do corpo musculoso dele sobre ela, as mãos grandes e quentes dele acariciando a pele cremosa dela. E sob sua camiseta larga, ele começou a passar os dedos pelo estômago e pelos seios já intumecidos da mulher.

Com as presas, tocou-lhe leve e infantilmente os lábios enquanto os separava para beijá-la. Os olhos dele brilhavam como brasas sob as pálpebras, e ela não precisava ver seu rosto transformado para saber que ele a queria. A rígida evidência disso apertava-se insistentemente contra seu quadril. Ela moveu as mãos pela coluna dele e ele gemeu, sua pélvis golpeando-a com um reflexivo empurrão.

Seu nome foi um gemido gutural enquanto ele movia a boca sob seu queixo e por seu pescoço. Ele arrancou a camiseta dela e Renata arqueou as costas para receber seus lábios enquanto ele descia sobre seus seios nus e pela suave planície de sua barriga. Ela estava perdida no prazer daquele beijo selvagem. Sentindo o calor da pele dele contra a sua.

Com dedos hábeis, ele desabotoou o jeans dela, deslizando-o pelas coxas. Sua boca seguiu o progresso, queimando-a do quadril até o tornozelo enquanto separava suas pernas e empurrava sua calcinha para um lado. Ela gritou quando ele se inclinou entre suas coxas e sugou-lhe o sexo, língua e presas levando-a a um delicioso tormento.

– Ah! Deus! – ofegou ela, seus quadris elevando-se do chão enquanto ele enterrava a boca em seu sexo umedecido.

Ela não soube como conseguiu, mas um momento mais tarde ele também estava nu. Deitou-se sobre ela, mais do que simplesmente um homem. E a mulher dentro de Renata estremeceu de desejo. Ela abriu as pernas para ele, ansiosa por senti-lo dentro de si, preenchendo o vazio com força e calor.

– Por favor... – ela gemeu, ofegando de necessidade.

E ele não a fez pedir duas vezes.

Movendo-se para cobri-la, Nikolai colocou os joelhos entre suas pernas e a abriu debaixo de si. A cabeça de seu pênis golpeou a fenda lisa do sexo dela e, em seguida, mergulhou longa, lenta e profundamente.

O grunhido dele enquanto se afundava dentro dela era feroz, um eco de trovões em seus ossos e sangue. Começou a empurrar lentamente, embora fosse claro que a paciência era uma tortura. Renata podia sentir a intensidade de sua fome por ela, a profundidade de seu prazer enquanto ela embainhava o mastro dele da cabeça aos testículos.

– Você é tão boa – ele murmurou entre os dentes enquanto se retirava para começar de novo, mais fundo que antes. Empurrou forte, estremecendo com o esforço. – Oh! Renata... Sinto-me tão bem.

Ela uniu os tornozelos ao redor das costas largas dele enquanto ele movia-se em um ritmo mais frenético.

– Mais forte – sussurrou ela, querendo sentir que ele acabava com seus medos, um martelo que esmagava toda sua culpa, dor e solidão. – Ah! Nikolai... Entre mais forte em mim.

O grunhido dele em resposta soou tão entusiasta quanto selvagem. Deslizando seu braço por baixo dela, inclinando-a para encontrar suas carícias, conduzindo-a com toda a ira que ela tão desesperadamente necessitava. Varreu-lhe a boca com um beijo febril, contendo o grito enquanto seu clímax rugia sobre ela como uma tormenta. Renata tremeu e estremeceu, agarrando-o enquanto ele continuava empurrando-se para dentro dela, cada músculo de suas costas e ombros ficando tão duros quanto pedras de granito.

– Ah! – gemeu entre os dentes e presas, seus quadris movendo-se de forma rápida e frenética contra ela em um rápido e temerário ritmo que era maravilhosamente bom, cheio de vida e repleto de alegria.

O grito de liberação dele ecoou na voz de Renata enquanto ela voltava novamente, aferrando-se contra ele e se perdendo naquele delicioso novo sentimento de despreocupação.

Ela estava à deriva, mas naquele momento não sentia medo. Estava a salvo com aquele macho selvagem e audacioso; ela acreditava verdadeiramente nisso. Confiava em Nikolai com seu corpo e com sua vida. Enquanto permanecia ali com ele enfiado entre suas pernas, em uma postura íntima, não era tão difícil imaginar que ela também pudesse confiar nele com seu coração. Que ela podia, de fato, estar se apaixonando por ele.

A batida foi insistente - um frenético bater na porta de carvalho do Refúgio de Andreas Reichen, em Berlim.

– Andreas, por favor! Está aí? É Helene. Tenho que vê-lo!

Era mais de 4 horas da manhã, um breve momento antes que o sol aparecesse sobre o horizonte e apenas uns poucos permaneciam acordados na casa. O resto dos familiares de Reichen - cerca de uma dúzia deles, jovens homens da Raça e casais com crianças pequenas, algumas delas recém-nascidas - já tinham começado a ir para a cama.

– Andreas? Alguém? – outra série de golpes cheios de pânico, seguidos por um grito apavorado. – Olá! Alguém, por favor... deixem-me entrar!

Dentro da mansão, um homem da Raça saiu da cozinha, onde estava esquentando um copo de leite para sua companheira que o esperava no andar de cima com seu exigente bebê. O macho conhecia a humana que estava na porta. A maioria do Refúgio a conhecia, e Andreas tinha deixado claro que Helene era sempre bem-vinda em sua casa. Ter chegado sem avisar naquela hora tardia, e enquanto Andreas estava longe em negócios particulares durante duas noites, era estranho. Mais estranho ainda era o fato de que a controlada mulher estivesse tão assustada.

Cheio de preocupação pelo que podia ter ocorrido à companheira humana de Andreas, o homem do Refúgio deixou o leite e correu pelo chão de mármore do vestíbulo, sua roupa de banho voando atrás dele como a vela de uma embarcação pirata.

– Já vou – gritou, elevando a voz para ser ouvido entre os golpes incessantes e as súplicas chorosas de Helene do outro lado da porta.

Os dedos do macho voaram sobre o teclado do sistema de segurança da mansão.

– Um momento! Estou aqui, Helene. Vai ficar tudo bem.

Quando a luz eletrônica piscou para indicar que os sensores estavam desabilitados, ele tirou os ferrolhos e abriu a porta.

– Ah! Graças a Deus! – Helene correu para ele, com a maquiagem borrada e manchas negras cobrindo-lhe as bochechas. Estava pálida e trêmula; seus olhos, habitualmente ardilosos, pareciam de algum modo vazios enquanto ela fazia uma rápida verificação do vestíbulo.

– Andreas... onde está ele?

– Foi a Hamburgo a negócios. Voltará amanhã à noite. Mas você é bem-vinda aqui – recuou para dar espaço e deixar que entrasse na mansão. – Entre, Helene. Andreas não gostaria que a rejeitássemos.

– Não – disse ela de um jeito débil. – Sei que ele nunca me rejeitaria.

Entrou no vestíbulo e pareceu instantaneamente mais calma.

– Eles sabiam que ele nunca me rejeitaria...

Foi nesse momento que o jovem do Refúgio se deu conta de que Helene não estava sozinha. Atrás dela, apressando-se antes que pudesse fazer algo mais do que gritar em alerta, havia uma equipe de Agentes da lei pesadamente armados vestidos de preto da cabeça aos pés.

Ele virou a cabeça para olhar Helene incrédulo. Com completo horror.

– Por quê? – perguntou, mas a resposta estava em seus olhos vazios.

Alguém tinha conseguido controlá-la. Alguém muito poderoso.

Alguém que tinha convertido Helene em uma Subordinada – uma escrava de sangue.

O pensamento se registrou antes que o primeiro disparo o golpeasse. Ele ouviu carregadores sendo disparados, ouviu os gritos de sua família enquanto todo o Refúgio despertava com terror.

Mas, então, outra bala golpeou seu crânio e seu mundo e tudo nele se tornou silencioso e escuro.

 

 

CONTINUA

Capítulo 19

- Agradável - exalou Niko fazendo uma tensa careta. Sentia-se tudo menos agradável enquanto fechava a porta do banheiro e caminhava para o quarto.

Ficar a sós com Renata enquanto ela estava nua na banheira, tocando-a – beijando-a, pelo amor de Deus! -, tinha deixado todo o seu corpo sobrecarregado. E estava tão perturbado que sua feroz ereção era a menor de suas preocupações enquanto ele se aproximava da porta onde Jack golpeava de novo. Uma coisa era fingir que não havia um pau de barraca ereto em suas calças. Outra, era esperar que alguém não notasse que seus olhos estavam ardendo em brasa como carvões queimando e que seus caninos estavam tão estendidos a ponto de envergonhar um rottweiller.

Ao menos a folgada camisa cobria-lhe os glifos. Niko não precisava ver seu corpo para saber que as marcas de sua pele estavam vivas e pulsando com as profundas cores por causa da excitação. Seria terrivelmente difícil tentar fazê-las passar por tatuagens agora.

Nikolai olhou à porta e se forçou a relaxar e se acalmar. Tinha que eliminar o fogo de sua íris e a significativa luxúria que o toque de Renata tinha-lhe despertado. Concentrou-se em amenizar o pulso – uma luta atroz quando era seu pênis quem comandava sua circulação sanguínea.

- Olá? - disse uma saudação arrastada do lado de fora. Jack golpeou de novo, a sombra escura de sua cabeça movendo-se ao outro lado da cortina na janela da porta. Parecia consciente em manter sua voz a um nível discreto. - Renata, é você, querida? Está acordada?

Inferno. Não havia escolha senão deixá-lo entrar. Nikolai grunhiu em voz baixa enquanto estirava o braço para puxar o ferrolho. Tinha garantido a Renata que seria agradável com o homem, mas as coisas podiam mudar logo que abrisse a maldita porta. E se o humano emitisse uma ligeira suspeita, logo faria parte da lista de pessoas que já tinham passado por uma lavagem cerebral.

Niko destrancou a porta e virou o trinco. Recuou do fio de luz que se vertia no interior pela abertura e posicionou-se atrás da porta enquanto a abria.

- Renata? Posso entrar um minuto? - botas de cowboy marrons avançaram sobre a soleira. - Pensei em visitá-la esta manhã antes de ocupar-me com os garotos na casa.

Quando o humano entrou vestindo um par de jeans desgastado e uma camiseta de algodão branco, Nikolai fechou a porta para selar o sol da manhã. Avaliou o homem mais velho, olhando o rosto enrugado, os ardilosos olhos e o estilo militar de sua roupa. Era um homem grande, magro e com as pernas ligeiramente tortas, mas seus braços tatuados estavam bronzeados e ainda firmes com músculos o suficiente para indicar que mesmo velho ele não temia o trabalho duro.

- Você deve ser o Jack - disse Nikolai, tomando cuidado para falar de maneira que mantivesse suas presas ocultas atrás dos lábios.

- Correto. - Um ligeiro assentimento enquanto Niko era objeto de uma avaliação similar a que fizera antes. - E você é o amigo da Renata... Ela, ah, não me disse seu nome ontem à noite.

Aparentemente o brilho âmbar tinha desaparecido das íris azuis de Niko, já que ele duvidava que Jack lhe apertaria a mão como fazia nesse momento se visse um par de olhos de outro mundo que brilhavam como centelhas em uma lareira.

- Nick - disse, apenas se aproximando da verdade por ora. Apertou a mão brevemente do antigo soldado. - Obrigado por nos ajudar.

Jack assentiu.

- Seu aspecto está melhor esta manhã, Nick. Alegra-me vê-lo de pé, andando por aí. Como está Renata?

- Bem. Está no banheiro tomando banho.

Não viu razão alguma para expor a infecção. Não tinha sentido preocupar o bem-intencionado Jack a ponto de começar a falar sobre médicos ou idas ao hospital. Embora se apoiando no que Nikolai tinha visto da ferida de Renata, se seu processo de cura não obtivesse um sério avanço – e rápido - não haveria alternativa exceto uma visita à sala de emergência mais próxima.

- Não quero perguntar como ela terminou com uma bala no ombro - disse Jack, olhando de perto Nikolai. - Pela forma como vocês estavam ontem à noite e pelo fato de ter tido que desaparecer com um caminhão roubado cheio de produtos médicos, eu diria que, seja qual for, o problema está relacionado a drogas. Mas sei que Renata é mais inteligente que isso. Não acredito nem por um momento que ela se envolveria em algo como drogas. Ela não quis me dizer nada, e prometi não pressioná-la. Sou um homem de palavra.

Niko sustentou o olhar do velho homem.

- Estou seguro de que ela aprecia isso. Ambos apreciamos.

- Sim - disse Jack arrastando as palavras, seus duros olhos estreitando-se. - Mas tenho curiosidade sobre algo. Ela sumiu durante os últimos anos... Você teve algo a ver com isso?

Aquilo não foi pronunciado como uma acusação aberta, mas era óbvio que o homem tinha estado preocupado com Renata e também tinha sentido que sua longa ausência não fora necessariamente boa para ela. Cara, se ele soubesse o que ela tinha passado! A ferida de bala que tinha agora era apenas a cereja do que tinha sido um bolo muito, muito desagradável.

Nikolai agitou a cabeça.

- Só conheço Renata há alguns dias, mas posso dizer que você tem razão quando diz que ela é muito inteligente para cair em problemas com drogas. Esse não é o problema agora, Jack. Mas ela está em perigo. A única razão pela qual estou aqui é porque ela arriscou o próprio pescoço para me tirar de um monte de problemas ontem.

- Isso é bem a cara de Renata - disse Jack com uma expressão perdida entre o orgulho e a preocupação.

- Infelizmente, porque ela entrou para me ajudar, agora há um alvo em nossas costas.

Jack grunhiu enquanto escutava, juntando as enxutas sobrancelhas.

- Ela disse como nos conhecemos?

- Alguma coisa - disse Niko. - Sei que confia em você e que o respeita. Presumo que esteve aqui para ajudá-la uma ou duas vezes antes de agora.

- Tentei, melhor dizendo. Renata nunca quis ajuda de mim ou de ninguém mais. Não para si. Mas havia muitos outros meninos que ela trouxe para minha casa em busca de ajuda. Ela não podia ver alguém sofrer. Demônios, ela não era muito mais que uma menina na primeira vez que veio. Sempre guardava para si mesma os maiores pesos, uma verdadeira solitária. Ela não tem família, já sabe.

Nikolai agitou a cabeça mais uma vez.

- Não, não sabia disso.

- As irmãs de um orfanato a criaram nos primeiros 12 anos de sua vida. A mãe dela a abandonou na igreja quando Renata era apenas um bebê. Ela nunca soube nada de seus pais. Quando fez 15 anos, deixou as freiras para viver nas ruas. Sozinha.

Jack caminhou para um arquivo metálico que permanecia com algumas das outras coisas armazenadas no apartamento. Pegou um molho de chaves do bolso do jeans e enfiou uma delas na fechadura.

- Sim, senhor, Renata era difícil, desde o começo. Magra, cautelosa, ela parecia alguém que sequer podia manter-se de pé durante uma forte brisa, mas essa garota tinha nervos de aço. Não levava desaforo algum.

- Não mudou muito - disse Nikolai, olhando o homem abrir a gaveta do fundo. - Nunca conheci uma mulher como Renata.

Jack olhou por cima dele e sorriu.

- Ela é especial, não é mesmo? Teimosa também. Uns poucos meses antes da última vez que a vi, ela estava com o rosto cheio de hematomas. Aparentemente algum bêbado com quem cruzou na saída de um bar teve a ideia de querer um pouco de companhia durante a noite. Viu Renata e tentou levá-la para um passeio em seu carro. Ela lutou com ele, mas ganhou alguns socos antes de conseguir escapar.

Nikolai amaldiçoou em voz baixa.

- O filho da mãe deveria ter sido estripado por colocar as mãos em uma mulher indefesa.

- Isso foi o que pensei - disse Jack, mortalmente sério, o soldado protetor falando uma vez mais.

Relaxou e retirou uma caixa de madeira polida do arquivo.

- Ensinei uns golpes básicos de autodefesa a ela. Ofereci enviá-la a algumas aulas, mas é óbvio que ela rechaçou. Umas poucas semanas se passaram e ela voltou de novo, trazendo outro menino sem lar. Disse que tinha algo para ela – um presente especial que eu havia feito para ela. Juro por Deus, se você tivesse visto seu rosto, pensaria que ela preferiria se jogar na frente de um carro a ter que aceitar alguma amabilidade de alguém.

Nikolai não tinha que se esforçar para imaginar aquele olhar. Ele mesmo o tinha visto uma ou duas vezes desde que conhecera Renata.

- Qual foi seu presente para ela?

O velho deu de ombros.

- Não muito, realmente. Um velho jogo de adagas. Levei-as ao artesão que trabalhava com metais e pedi para customizar as lâminas. Cada uma das quatro com parte da força que vi em Renata. Disse que eram as qualidades que a faziam única e resolveriam qualquer situação.

- Fé, coragem, honra e sacrifício - disse Nikolai, recordando as palavras que tinha visto nas adagas que Renata parecia guardar como um tesouro.

- Ela lhe contou sobre as adagas?

Niko deu de ombros.

- Eu a vi usando-as. Significam muito para ela, Jack.

- Não sabia - respondeu. - Fiquei surpreso por ela as ter aceitado de primeira, mas não pensei que ainda as guardasse depois de todo esse tempo.

Piscou rapidamente, depois se entreteve com a caixa que tinha tirado do arquivo. Abriu a tampa, e Niko captou o brilho do escuro metal descansando dentro do estojo. Jack limpou a garganta.

- Escuta, como disse antes, não vou pressionar para que me dê detalhes daquilo em que estão envolvidos. Está suficientemente claro que estão em um grande apuro. Podem ficar aqui o tempo que precisar. E quando estiverem preparados para ir, saibam que não precisa ser com as mãos vazias.

Colocou a caixa aberta no chão e empurrou na direção de Nikolai. Dentro havia duas imaculadas pistolas semiautomáticas e uma caixa de balas.

- São suas, se quiser. Não farei perguntas.

Niko agarrou umas das duas 45 mm e a inspecionou com um olhar crítico. Era um belo e bem cuidado Colt M1911. Provavelmente armas de uso militar da época em que Jack servira no Vietnã.

- Obrigado, Jack.

O velho guerreiro humano assentiu ligeiramente.

- Tome conta dela. Mantenha-a protegida.

Nikolai sustentou esse firme olhar.

- Farei isso.

- Está bem - Jack murmurou. - Está bem, então.

Enquanto começava a levantar-se, alguém gritou seu nome no caminho de entrada. Um segundo mais tarde, ouviam-se pisadas nas escadas de madeira que levavam ao apartamento da garagem.

Niko lançou a Jack um afiado olhar.

- Alguém sabe que estamos aqui?

- Não. De modo algum. É só Curtis, um de meus meninos recentes. Está arrumando meu velho computador. Os malditos vírus atacaram de novo – Jack se dirigiu para a porta. - Ele acha que estou procurando um disco rígido aqui dentro. Vou dispensá-lo. Enquanto isso, se pensar em algo mais de que possam precisar, basta pedir.

- Tem um telefone? - perguntou Niko, devolvendo a pistola à caixa.

Jack colocou a mão em seu bolso dianteiro e tirou um celular, jogando-o para Nikolai.

- Deve ter algumas horas de bateria. É seu.

- Obrigado.

- Virei mais tarde - Jack segurou o trinco da porta e Nikolai voltou para as sombras, longe do reflexo da luz diurna enquanto fazia um esforço para ficar fora da visão do indesejado visitante que tinha chegado no alto das escadas.

- Bem, eu estava enganado, Curtis. Olhei todos os lugares e não há nenhum disco rígido nas caixas daqui de cima.

Niko viu a cabeça do outro humano tentando olhar pelo fio da porta enquanto Jack a fechava firmemente atrás dele. Houve uma multidão de passos enquanto Jack escoltava o outro humano para longe.

Uma vez que estava seguro de que eles tinham partido, Nikolai discou um número de acesso remoto que era mantido pelos quartéis centrais da Ordem em Boston. Teclou no celular de Jack um número e um código que o identificaria para Gideon, e então esperou que a chamada fosse atendida.

O meio-dia em uma comunidade que abrigava um grupo de vampiros era geralmente uma hora de inatividade, mas nenhum dos sete guerreiros reunidos na sala de armas dos quartéis centrais da Ordem pareceu notar a hora, nem sequer os suficientemente abençoados que tinham suas encantadoras Companheiras de Raça esquentando suas camas. Desde que se reagruparam na comunidade antes do amanhecer, os guerreiros se mantiveram ocupados revisando as situações de missões atuais e marcando objetivos para a noite que se aproximava. Investigaram os assuntos da Ordem durante horas e, ao final, não havia nada novo. E dessa vez não havia também nada das habituais conversas de bom humor ou brincadeiras sobre quem estava pegando as melhores missões.

Nesse momento, a alguns metros de distância, na área usada para prática de tiro, cinco pistolas estavam sendo disparadas, uma atrás da outra, os olhos do outro lado trituravam minúsculos confetes. A sala de tiro da comunidade era usada mais para entretenimento do que para necessidade, posto que todos os guerreiros matavam seus alvos. Mesmo assim, nunca paravam de se provocar e de chutar os traseiros uns dos outros só para manter as coisas vívidas.

Não havia isso hoje. Apenas o som de todo aquele ruído ensurdecedor. O ruído era estranhamente cômodo só porque ajudava a mascarar o silêncio, e o fato de a comunidade toda estar vibrando com um atual mal-estar. Durante as últimas 36 horas, o comportamento tinha sido mais sóbrio, envolto no coletivo, se não talvez inexpressivo, terror.

Um dos seus tinha desaparecido.

Nikolai sempre tendeu a ser um pouco inconformista, mas não significava que o homem fosse de pouca confiança. Se dizia que ia fazer algo - ou que estaria em algum lugar -, podiam contar com ele para seguir adiante. Em qualquer momento, sem exceções.

E agora, quando deveria ter voltado para Montreal fazia um dia e meio, como tinha planejado, Niko estava apagado e fora de contato.

Nada bom, pensou Lucan, sentindo que não era o único com essa sensação enquanto olhava os outros guerreiros que também esperavam notícias de Nikolai e se perguntavam o que poderia ter acontecido.

Como Primeira Geração da Raça e fundador da Ordem na Idade Média, Lucan era o líder daquele grupo de vampiros guerreiros da era moderna. Sua palavra era lei naquela comunidade. Em tempos de crise – para melhor ou pior - era sua resposta que estabelecia a voz para os outros guerreiros. Estava bem condicionado a não mostrar preocupação ou dúvida, uma destreza que vinha naturalmente de sua parte virtualmente imortal, um poderoso predador que tinha caminhado por esta Terra durante 900 anos.

Mas a parte humana, a parte que tinha chegado a apreciar mais a vida por ter conhecido sua Companheira de Raça, Gabrielle, no verão passado, não podia fingir que a perda potencial de um guerreiro nessa guerra privada dentro da nação vampírica não seria algo catastrófico. Sem falar do fato de que os guerreiros da Ordem, os que tinham estado com ele desde o começo e os membros mais recentes, que tinham se unido à luta no último ano, eram quase uma família para ele. Tudo tinha mudado tanto nesse tempo. Agora também havia várias mulheres vivendo na comunidade, e para um dos guerreiros e sua companheira - Dante e Tess -, havia um bebê à caminho.

Agora, as apostas eram mais altas que qualquer outra para a Ordem; assim que um inimigo era derrotado, outro ainda mais poderoso surgia em seu lugar. Em um ano, a principal missão dos guerreiros tinha sido caçar os Renegados, em um esforço para manter a paz, perseguir um perigoso inimigo que tinha se escondido por muitas longas décadas. Um inimigo que tinha estado pacientemente construindo sua estratégia enquanto ocultava um segredo mortal e esperava a oportunidade de levá-lo a cabo. Se tivesse êxito, não estariam só as populações da Raça em perigo, mas também toda a humanidade.

Não custou muito a Lucan recordar a selvageria dos velhos tempos, quando a noite era dominada por um monte de criaturas de outro mundo, sedentas. Criaturas que tratavam em ampla escala de terror e morte. Alimentavam-se como bestas e causavam destruição como os malfeitores mais letais. Lucan havia feito de sua vida uma missão de erradicar aquelas bestas, mesmo que isso significasse caçar seu próprio pai.

A Ordem tinha declarado a guerra, havia brandido espadas e batalhado para exterminar a todos... ou pelo menos assim eles acreditavam. A ideia de que alguém tivesse sobrevivido causou um profundo frio nos imortais ossos de Lucan.

Olhou os guerreiros que serviam junto a ele e não pôde evitar sentir algo de sua idade. Não pôde evitar sentir que tinham enfrentado uma prova no ano passado - possivelmente sua primeira e verdadeira prova desde a formação da Ordem - e que o pior estava por vir.

Perdido em escuros pensamentos enquanto perambulava pela parte traseira da sala de armas, Lucan não se deu conta de que as portas da área de treinamento estavam sendo abertas até que Gideon irrompesse a toda pressa. O tênis do vampiro loiro deslizou sobre o mármore branco até parar diante de Lucan.

- Niko fez contato - anunciou, visivelmente aliviado. – Identificou-se de um celular de Montreal.

- Finalmente - disse Lucan, embora sua resposta não disfarçasse sua preocupação. – Está com ele na linha?

Gideon assentiu.

- Está esperando no laboratório tecnológico. Pensei que queria falar com ele pessoalmente.

- Fez bem.

Os disparos cessaram abruptamente quando um dos outros guerreiros, o outro único membro Primeira Geração da Ordem, Tegan, corria para dar as notícias sobre o contato de Niko aos cinco homens que treinavam. Os guerreiros - Dante e Rio, membros há muito tempo; Chase, que tinha deixado a Agência para unir-se à Ordem naquele verão; e os dois recrutas mais recentes, Kade e Brock, ambos trazidos por Niko - abaixaram as armas e avançaram atrás de Tegan, formando um nó de músculos e testosterona.

Rio, um dos guerreiros mais ligados a Nikolai, foi o primeiro a falar. Seu rosto cicatrizado estava cheio de preocupação.

- O que aconteceu?

- Ele me deu a versão resumida - disse Gideon. - Mas a porcaria é grande e fedorenta, começando com o assassinato de Sergei Yakut há duas noites.

- Maldito seja - murmurou Brock, arrastando seus escuros dedos pelo cabelo estilizado.

- Essa onda de assassinatos dos Primeira Geração está saindo do nosso controle.

- Bom - acrescentou Gideon. - Isso não é exatamente o pior. Niko foi detido pelo assassinato e levado às instalações da Agência de Imposição.

- Ah! Inferno! - respondeu Kade, estreitando seus pálidos olhos. –Você não acha que ele...

- De maneira alguma - disse Dante, sem pestanejar um segundo. - Duvido que derramasse uma só lágrima por uma escória como Yakut, mas Nikolai não tomaria parte em sua morte.

Gideon agitou sua cabeça.

- Não. E não foi trabalho de um assassino, tampouco. Niko diz que o próprio filho de Yakut levou um Renegado para matar seu pai. Infelizmente para Nikolai, o filho de Yakut tem algum tipo de aliança com a Agência. Eles arrastaram Niko e o jogaram dentro de uma sala de contenção.

- Que merda é essa? - dessa vez era Sterling Chase quem falava. Sendo um antigo agente, ele estava ciente tanto quanto qualquer um dos guerreiros na sala do quão desagradável uma visita à Agência podia ser.

- Já que estava suficientemente consciente para telefonar, assumo que não está mais preso lá.

- Escapou de algum jeito - disse Gideon. - Mas não tenho todos os detalhes ainda. Posso dizer que há uma mulher na jogada, uma Companheira de Raça que era membro da casa de Yakut. Ela está com Niko agora.

Lucan não comentou essa problemática informação de última hora, embora sua sombria expressão provavelmente dissesse tudo.

- Onde eles estão?

- Em alguma parte da cidade - respondeu Gideon. - Niko não tem certeza sobre a localização exata, mas diz que estão seguros por agora. No entanto, estão preparados para o verdadeiro golpe?

Lucan arqueou uma sobrancelha.

- Pelo amor de Deus. Há algo mais?

- Temo que sim. O cara que atirou no traseiro de Niko na sala de contenção e pessoalmente fiscalizou sua tortura... bem, aparentemente, durante um de seus momentos mais expressivos o filho da mãe admitiu ter uma ligação com Dragos.


Capítulo 20

Nikolai estava no meio de uma conversa no celular quando Renata saiu de seu longo e bem-vindo banho. Ela evidentemente tinha adormecido na banheira em algum momento, porque a última coisa de que se lembrava era de ter escutado a voz de Jack na porta do quarto depois de Nikolai ir conhecê-lo, e agora já não havia mais nenhum sinal do ex-marinheiro. Deteve-se dentro do quarto, com os cabelos úmidos grudando no pescoço e o corpo envolto na toalha que Nikolai lhe havia dado.

Estava aturdida e dolorida, muito quente ainda, mas o banho com água fria era exatamente do que necessitava. O beijo de Nikolai tampouco tinha sido mal.

Falando baixo, em um tom confidencial, ele a olhou de onde estava, sentado em uma cadeira dobrável perto de uma mesa no centro da sala, seus olhos azul-claro fazendo uma rápida, porém completa exploração do corpo de Renata. Havia um calor inconfundível naquele breve olhar, mas ele parecia falar de negócios ao telefone, o que fazia presumir que só podia estar falando com a Ordem, em Boston. Renata escutou enquanto o guerreiro fez um resumo eficiente das circunstâncias do assassinato de Yakut, da clara aliança entre Lex e Fabien, do desaparecimento de Mira e da fuga que tinha trazido Nikolai e Renata para a casa de Jack.

Pelo tom daquela conversa, o homem do outro lado da linha - Lucan, ela tinha escutado Nikolai chamá-lo - estava preocupado com sua segurança e alegre que ambos estivessem inteiros, e não gostou nem um pouco de saber que estavam completamente à mercê de um humano. E Lucan não estava entusiasmado com o fato de que Nikolai estivesse falando em ajudar Renata a localizar Mira. Ela podia escutar a voz profunda ao final da outra linha grunhindo sobre “problemas de Companheiras de Raça” e objetivos da missão atual - como se uns excluíssem os outros.

A maldição como resposta quando Nikolai acrescentou que Renata estava se curando de uma ferida de bala era audível através de todo o quarto.

- Ela é forte–Niko disse para Lucan enquanto olhava para Renata. - Mas levou um forte golpe no ombro e não está muito bem. Seria uma boa ideia arranjar alguém para vir pegá-la e levá-la para a Ordem até que tudo se acalme por aqui.

Renata olhou com desaprovação e deu uma sacudida de cabeça. Grande engano. Até mesmo aquele pequeno gesto fez a visão dela fraquejar, e foi só o que pode fazer antes de cair sobre a cama quando suas pernas lhe faltaram. Deixou-se desabar sobre o colchão, lutando contra um círculo vicioso de ondas de calor e frio.

Tentou ocultar de Nikolai seu estado deplorável, mas o olhar que ele deu disse-lhe que seria inútil continuar tentando esconder seu mau estado.

- Gideon ainda não tem nada de Fabien? - perguntou, levantando-se para passear pelo quarto. Escutou por um minuto, depois exalou um suspiro. - Inferno! Não posso dizer que isso me surpreende. Ele tinha um maldito ar de político, então imaginei que o bastardo tivesse boas conexões. O que mais temos?

Renata conteve a respiração no silêncio que se estendeu. Podia ver que as notícias do outro lado da linha não eram boas.

Nikolai deixou escapar um profundo suspiro e, então, passou a mão pelos cabelos loiros.

- Quanto tempo acredita que Gideon vai demorar para pesquisar nos arquivos protegidos e conseguir seu endereço? Inferno, Lucan, não estou seguro de que devêssemos esperar tanto tempo, levando em conta... Sim, estou ouvindo. Talvez, enquanto Gideon faz esse trabalho, eu faça uma visita a Alexei Yakut. Poderia apostar meu testículo esquerdo que Lex sabe onde encontrar Fabien. Diabos, não me resta dúvidas de que Lex esteve lá mais de uma vez. Eu ficaria feliz em obter essa informação, depois enfrentarei Fabien pessoalmente.

Nikolai escutou por um momento antes de grunhir uma maldição em voz baixa.

- Sim, claro, eu sei... por mais que queira fazer esse filho da mãe pagar, você tem razão. Não podemos nos arriscar a assustar Fabien antes de ter uma sólida informação sobre sua ligação com Dragos.

Renata olhou a tempo de perceber o olhar sombrio de Nikolai. Ela esperou que ele acrescentasse que nada era mais importante do que garantir a segurança de Mira e rastrear o vampiro que a mantinha. Ela esperou, mas essas palavras nunca atravessaram os lábios do guerreiro da Ordem.

- Sim - murmurou. - Ligue quando souber de algo. Vou sair esta noite e ver se descubro algo útil. Manterei contato.

Niko terminou a chamada e deixou o celular sobre a mesa. Renata o olhou enquanto ele se aproximava da cama e se agachava na frente dela.

- Como se sente?

Estendeu a mão como se fosse checar o ombro, talvez simplesmente acariciá-la, mas Renata distanciou-se. Não podia sentar-se ali e agir como se não estivesse nem um pouco confusa naquele momento. Sentia-se traída e ridícula por ter pensado que podia contar com ele em primeiro lugar.

- A água fria ajudou a baixar a febre? - perguntou, com a testa franzida. - Ainda está pálida e trêmula. Venha, deixe-me dar uma olhada.

- Não preciso de sua preocupação - disse. - E tampouco preciso de sua ajuda. Esqueça que a pedi. Só... esqueça tudo. Eu não gostaria que meus problemas interferissem em nenhum dos objetivos de sua atual missão.

Niko olhou-a ainda mais tenso.

- Do que está falando?

- Tenho minhas prioridades, e você claramente tem as suas. Deixou claro que seu companheiro Lucan tem a última palavra.

- Lucan é um de meus irmãos de armas. Além disso, ele é o líder da Ordem, portanto, sim, tem o direito de ter a última palavra quando se trata de assuntos da Ordem. - Nikolai ficou de pé, cruzando os braços fortes sobre o peito bem-definido. - Algo grande está por vir, Renata. O assassinato de Yakut foi somente uma pequena parte disso, e não foi o primeiro. Houve vários assassinatos de Primeiras Gerações nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Alguém vem matando os mais velhos e poderosos membros da Raça silenciosamente.

- Para quê? - olhou-o curiosa contra sua vontade.

- Não estamos seguros. Entretanto, acredita-se que tudo esteja ligado a um único indivíduo, um macho da Raça de segunda geração muito perigoso chamado Dragos. A Ordem o tirou de seu esconderijo há algumas semanas, mas ele conseguiu fugir. Agora ele está escondido outra vez. O filho da mãe esteve agindo sob nossos narizes. Qualquer coisa que descobrirmos que possa nos levar a ele é importante. Ele precisa ser detido.

- Sergei Yakut matou dúzias de seres humanos só por esporte - Renata assinalou. - Por que você ou o resto da Ordem não o pararam?

- Até recentemente não sabíamos onde encontrá-lo, muito menos sabíamos de suas atividades. E mesmo se soubéssemos, ele era um Primeira Geração, e por mais que o odiássemos, a Ordem não teria sido capaz de detê-lo por um monte de questões burocráticas.

Os pensamentos de Renata obscureceram-se, voltando para o tempo que tinha vivido sob o controle de Yakut.

- Havia vezes em que Yakut bebia de mim... quando me usava por conta de meu sangue, eu via algo monstruoso nele. Quero dizer, eu sabia o que ele era, o que todos vocês são. Mas, de vez em quando, eu olhava nos olhos dele e juro que não havia humanidade alguma. Tudo o que via era algo verdadeiramente mau.

- Ele era um Primeira Geração - Nikolai disse, como se isso fosse explicação suficiente. - Só metade de seus genes era humana. A outra metade era... algo mais.

- Vampiro - murmurou ela.

- De outro mundo - disse Nikolai, corrigindo-a.

Olhou-a enquanto dizia essas palavras e Renata teve o impulso de rir. Mas ela não podia, não quando a expressão de Niko era tão grave.

- Lex gosta de gabar-se que é filho de um rei conquistador de outro mundo. Sempre supus que isso tudo era bobagem. Você está me dizendo que o que ele diz é realmente verdade?

Nikolai zombou.

- Um conquistador, sim, mas um rei, não. Os oito Antigos que chegaram há milhares de anos e tiveram filhos com mulheres humanas eram selvagens sedentos de sangue, violadores... criaturas letais que dizimavam cidades inteiras. A maioria deles foi eliminada pela Ordem na Idade Média. Lucan conduziu a missão contra eles depois que sua própria mãe foi assassinada pela criatura de quem ele era filho.

Renata apenas escutava, muito surpresa para fazer todas as perguntas que formavam redemoinhos em sua cabeça.

- Como resultado, um dos Antigos sobreviveu à guerra da Ordem contra eles – Nikolai acrescentou. – Esse Antigo foi escondido por um de seus filhos, um vampiro Primeira Geração chamado Dragos. Temos boas razões para acreditar que o Antigo ainda está vivo e que o último filho sobrevivente de Dragos, seu xará e o bastardo que tentamos deter, só está esperando uma oportunidade para libertá-lo.

- Há dois anos eu estava segura de que vampiros não existiam realmente. Sergei Yakut me fez mudar de opinião. Mostrou-me que vampiros não apenas existem, mas que também são mais temíveis e perigosos do que qualquer coisa que eu tenha visto em livros ou filmes. Agora, você está me dizendo que há ainda algo pior lá fora?

- Não estou querendo assustá-la, Renata. Só acredito que você deveria saber dos fatos. De todos eles. Estou lhe confiando tudo isso.

- Por quê?

- Porque quero que você entenda - disse as palavras de maneira muito gentil.

Como se ele estivesse se desculpando com ela de alguma forma.

Renata levantou o queixo, uma frieza parecia ter-se estabelecido em seu peito.

- Quer que eu entenda o quê? Que a vida de uma menina desaparecida não significa nada em comparação com tudo isso?

Nikolai amaldiçoou entre os dentes.

- Não, Renata...

- Está bem. Agora entendo, Nikolai – ela não pôde disfarçar a amargura de sua voz, nem mesmo quando estava lutando para absorver todas as coisas surpreendentes que acabara de ouvir. - Ei, não é grande coisa. Afinal de contas, você nunca concordou comigo em nada e estou acostumada a ser deixada de lado. A vida é uma merda, não é mesmo? É bom saber onde ambos estamos antes de deixar as coisas irem mais longe.

- O que está acontecendo aqui, Renata? – ele a olhou com um olhar penetrante, como se pudesse ver através dela. – Isso é realmente por causa de Mira ou você está incomodada pelo que aconteceu entre nós?

Nós. A palavra cravou no cérebro de Renata como um objeto estranho. Parecia tão estranha, tão perigosa. Muito íntima. Nunca tinha havido um nós para Renata. Ela sempre tinha dependido apenas de si, nunca tinha pedido nada a ninguém. Era mais seguro dessa forma. Mais seguro agora também.

Ela tinha quebrado sua própria regra quando foi atrás de Nikolai pedir-lhe ajuda para procurar Mira, e olhe o resultado daquilo: uma ferida de bala infeccionada, tempo crucial perdido e nem um passo mais próxima de encontrar Mira. De fato, agora que tinha ajudado na fuga de Nikolai, havia pouquíssima esperança de Renata se aproximar dos vampiros que estavam com a garota. Se Mira estava em perigo antes, Renata talvez tenha deixado as coisas ainda piores agora.

- Tenho que sair daqui - disse inexpressiva. - Já perdi muito tempo. Não poderia suportar se algo acontecesse com Mira por minha culpa.

Preocupação e frustração fizeram-na se levantar da cama. Pôs-se de pé rapidamente.

Antes que pudesse se afastar dois passos de Nikolai, seus joelhos cederam, sua visão escureceu por um segundo e, de repente, ela estava caindo para a frente. Sentiu braços fortes sustentarem seu corpo e a voz tranquila de Nikolai junto ao seu ouvido enquanto ele a agarrava e a levava para a cama.

- Deixe de lutar, Renata - disse ele, enquanto saía de sua debilidade e piscava. Posicionado sobre ela, percorreu com a ponta dos dedos seu rosto. Tão terno, tão relaxado. - Não precisa correr. Não precisa brigar... não comigo. Você está a salvo comigo, Renata.

Ela queria fechar os olhos e guardar aquelas gentis palavras. Estava tão assustada para acreditar, para confiar. E sentia-se tão culpada por aceitar essa comodidade sabendo que Mira poderia estar sofrendo, provavelmente chorando por ela na escuridão e perguntando-se por que Renata tinha quebrado sua promessa.

- Mira é tudo o que me importa - sussurrou. - Preciso garantir que ela esteja a salvo. Sempre.

Nikolai assentiu, solene.

- Sei quanto ela significa para você. E sei quanto é difícil para você pedir ajuda a alguém. Jesus Cristo, Renata... conscientemente arriscou sua vida para me tirar da Agência. Nunca serei capaz de pagá-la pelo que fez por mim.

Ela deitou a cabeça sobre o travesseiro, incapaz de suportar o penetrante olhar de Niko.

- Não se preocupe, você não tem obrigação alguma comigo. Não me deve nada, Nikolai.

Dedos quentes deslizaram ao longo de sua mandíbula, tomando-lhe o queixo e gentilmente guiando-lhe o rosto de novo para ele.

- Devo minha vida. De onde venho, isso não é insignificante.

A respiração de Renata se deteve enquanto ela o olhava nos olhos. Odiava-se pela esperança que se acendia em seu coração, a esperança de que ela não estava realmente só naquele momento. Esperança de que este guerreiro lhe protegeria, que tudo sairia bem, e que não importava que monstro estivesse com Mira, eles a encontrariam e tudo ficaria bem.

- Não deixarei que aconteça nada a Mira - disse, forçando-a a encará-lo. - Tem minha palavra. Tampouco vou deixar que algo aconteça com você. E por isso vou buscar ajuda médica assim que escurecer.

- O quê? - ela tentou levantar e fez uma careta pela pontada de dor. - Ficarei bem. Não preciso de um médico.

- Você não está bem, Renata. Piora a cada hora – a expressão dele era grave conforme lançava um olhar para a ferida no ombro dela. - Não pode continuar assim.

- Vou sobreviver - insistiu. - Não me darei por vencida agora, quando a vida de Mira está em jogo.

- Sua vida também está em jogo, não entende isso? – Nikolai sacudiu a cabeça e murmurou algo escuro e desagradável em tom baixo. – Você pode morrer se essa ferida não for tratada. Não deixarei que isso aconteça, isso significa que você tem um encontro com o pronto socorro mais próximo esta noite.

- E quanto ao sangue? - ela viu como cada músculo no corpo de Nikolai se esticou no momento em que aquelas palavras deixaram seus lábios.

- O que tem o sangue? – ele perguntou com uma voz neutra.

- Perguntou-me se alguma vez eu tinha bebido do sangue de Sergei. Estaria curada agora se tivesse bebido?

Ele levantou os ombros em um gesto vago, mas a tensão em seu grande corpo masculino permanecia. Quando levantou o olhar para ela, havia brilhos de fogo âmbar no azul invernal de sua íris. Suas pupilas se estreitaram quando ele a encarou.

- Eu estaria curada agora se você me desse seu sangue, Nikolai?

- Está pedindo isso?

- Se estivesse, você me daria?

Ele exalou pesadamente e quando seus lábios se separaram para tomar outro fôlego, Renata viu as pontas afiadas de suas presas.

- Não é uma pergunta tão simples como talvez você pense - replicou com um tom áspero em sua voz.–Você ficaria ligada a mim. Da mesma maneira que Yakut estava ligado a você por meio de seu sangue, você estaria ligada a mim. Você me sentiria em seu sangue. Para sempre. E isso não poderia ser desfeito, Renata, mesmo se você bebesse da veia de outro macho da Raça. Nossos laços permaneceriam acima de qualquer outro. Não poderiam ser destruídos, não até que um de nós estivesse morto.

Aquilo não era pouca coisa, Renata definitivamente entendia. Diabos, ela dificilmente acreditava que pudesse estar considerando tudo isso. Mas, em seu interior, louca como podia estar, ela confiava em Nikolai. E o preço realmente não lhe importava.

- Se fizermos isso, eu serei capaz de sair caminhado durante a noite e procurar Mira?

A mandíbula quadrada e masculina dele se apertou o suficiente para que um músculo de sua bochecha ficasse retesado. Ele a olhou, seus olhos ainda mais selvagens. Pouco a pouco, o azul foi envolvido pelo resplendor do fogo.

Quando parecia que não ia responder, Renata estendeu a mão e a pôs firmemente sobre o braço musculoso do guerreiro.

- Seu sangue me curaria, Nikolai?

- Sim - disse ele, a palavra saiu presa em sua garganta.

- Então quero fazê-lo.

Enquanto sustentava seu olhar em um silêncio intenso, ela pensou em quão degradada e usada se sentia todas as vezes que Sergei Yakut se alimentava de suas veias... Revolvia-se diante da ideia de que tinha alimentado alguém tão cruel, um ser monstruoso. Ela nunca teria considerado tomar dele, nem por uma questão de sobrevivência. Colocar a boca no corpo de Yakut para se alimentar dele voluntariamente teria matado o resto de alma que ela ainda tinha. Beber dele? Sequer estava segura de que seu amor por Mira pudesse superar algo tão vil como isso.

Mas Nikolai não era um monstro. Ele era honorável e justo. Era terno e protetor, um homem que se mostrava um grande companheiro para ela nessa viagem incerta. Era seu melhor aliado nesse momento. Sua maior esperança para recuperar Mira.

E mais profundamente ainda, como toda mulher com necessidades e desejos, em um lugar que ela não se atrevia a examinar muito de perto, ela desejava saborear Nikolai. Desejava-o mais do que tinha direito.

- Tem certeza, Renata?

- Se você me der seu sangue, sim - respondeu. - Quero tomá-lo.

Um longo silêncio se seguiu e Nikolai, então, sentou-se ao lado dela na cama. Ela o assistiu desabotoar a camisa lentamente, dando tempo para que a incerteza e a apreensão dela aumentassem. Mas elas não aumentaram. Enquanto Nikolai tirava a camisa e se sentava diante dela com o torso nu, seus dermoglifos pulsavam, cada arco e curva saturados com variedades de sombras em cores vermelhas e escuras, e ela não se sentia preocupada. Quando ele se aproximou ainda mais e levou o braço direito à boca, mostrando as enormes presas e afundando-as no pulso, ela não sentia nem sequer um pingo de temor.

E quando, nesse momento, ele pôs seus pontos sangrentos junto aos lábios de Renata e lhe disse que bebesse, ela não teve nenhuma vontade de negar.

A primeira prova do sangue de Nikolai em sua língua foi um choque.

Ela esperava ser arrastada pelo amargo sabor cobre, mas em seu lugar provou especiarias e um poder que se pulverizou através dela como eletricidade líquida. Podia sentir o sangue dele descendo pela garganta, por todas as fibras de seu corpo. Aquilo era como luz que se infiltrava em seus membros pelo lado de dentro, e a dor no ombro ferido diminuiu enquanto ela obtinha mais e mais de Nikolai.

- Isso - ele murmurou, seus dedos acariciando-lhe os cabelos úmidos, afastando-os da maçã do rosto. - Ah, Cristo! Isso, Renata... beba até que sinta que é suficiente.

Ela sugou mais forte de sua veia, com um instinto que nunca soube que tinha. Sentia-se bem ao beber de Nikolai daquela forma. Sentia-se mais do que bem... sentia-se incrível. Quanto mais tirava dele, mais viva ela se sentia. Cada terminação nervosa piscava com uma força que vinha de dentro.

E enquanto ele continuava acariciando-a, alimentando-a e curando-a, Renata começou a sentir uma nova sensação de calor crescendo rapidamente em seu interior. Gemeu, arrastada por uma onda de lava fundida que atravessava-lhe o corpo em recomposição. Retorcia-se e sabia sem engano algum o que era aquilo: desejo. Um desejo que ela tinha tentado negar desde que conhecera Nikolai, e que agora aumentava, querendo consumi-la.

Ela não conseguia resistir ao impulso de sugar mais forte. Precisava mais dele. Precisava de tudo dele. E precisava agora.


Capítulo 21

Nikolai se apoiou na cabeceira da cama e colocou a mão livre sobre o lençol, mantendo-a ali enquanto Renata continuava se alimentando. Ela bebeu dele da mesma forma como fazia tudo: com intrépida força e feroz convicção. Não havia ansiedade em seus olhos verdes-claros; tampouco havia incerteza na maneira firme como se agarrava ao braço musculoso do vampiro. E cada sugada de sua boca na veia aberta dele, cada roçar de sua língua na pele dele excitava-o mais do que qualquer outra coisa jamais o fizera.

Em todas as coisas em que se concentrava, Renata colocava uma força formidável. Ela era diferente de qualquer outra mulher que Niko havia conhecido – e, em vários sentidos, uma guerreira como qualquer macho da Raça que servia na Ordem com ele. Ela tinha o coração de um guerreiro, a honra de um guerreiro, e uma determinação inabalável que exigia total respeito. Renata tinha-lhe salvado a vida e por isso ele tinha uma dívida com ela. Mas santo Deus!... o que estava acontecendo entre eles ali não tinha nada a ver com deveres ou obrigações.

Ele estava começando a se preocupar com ela – mais do que queria admitir, inclusive para si. E também a queria. Cristo, como a queria! O desejo aumentando diante da erótica sucção da boca em sua veia, do esbelto corpo serpenteando em reação ardente ao sangue de outro mundo que lhe alimentava as células inexperientes.

Renata gemeu, um ronronar profundo de excitação, enquanto se movia mais perto dele no colchão, cada movimento de seu corpo afrouxava a toalha que a cobria. Ela não parecia notar - ou se preocupar – com o olhar âmbar de Nikolai percorrendo detalhadamente sua quase nudez. A ferida no ombro já estava melhor: o inchaço e o enrijecimento já sumiam e a cor da pele parecia mais saudável a cada minuto. Renata estava mais forte, mais vibrante e mais exigente, uma febre sendo substituída por outra, um calor dando lugar a outro.

Provavelmente, ele deveria ter-lhe dito que, além da nutrição e das propriedades curativas, o sangue de Raça era também um potente afrodisíaco. Supôs que poderia lidar bem com o que acontecesse, mas, maldição! Nada poderia tê-lo preparado para a resposta ardente de Renata.

Avançando lentamente contra ele, ainda sugando-o, ela aproximou uma mão e liberou o punho dele que estava apertado contra os lençóis. Então, dirigiu-lhe os dedos por debaixo das dobras da toalha que cobria seu corpo, diretamente para os seios. Ele não resistiu e passou a ponta dos dedos sobre um dos firmes mamilos e, em seguida, sobre o outro. A respiração dela acelerou enquanto ele acariciava-lhe a quente, cremosa e tenra pele, a forte vibração do batimento de seu coração contra a mão dele enquanto impacientemente dirigia-o para baixo, para o vale suave de seu abdômen, para a sedosa junta entre suas coxas.

Ela estava encharcada e excitadíssima, a fenda de seu sexo estava como cetim quente e molhado enquanto ele deslizava um dedo para dentro. Ela apertou as pernas, mantendo-o ali como se ele tivesse alguma intenção de sair. Sugou novamente, um puxão tão profundo que Niko sentiu repercutir até em seus testículos. Apertando os olhos até fechá-los, ele deixou cair a cabeça para trás e soltou um lento e contido gemido, os tendões de seu pescoço se esticaram como cabos de aço. Seu membro, que estava como uma rocha entre suas pernas, pedia-lhe atenção. Outro minuto daquela tortura e ele gozaria ali mesmo, nas calças esportivas emprestadas.

– Ah, Jesus! – grunhiu ele, afastando a mão da doce tentação da fenda excitada e umedecida de Renata. Lentamente subiu o rosto para olhá-la. Quando suas pálpebras se levantaram, o calor de sua íris transformada banhava Renata em um ardente resplendor brilhante.

Ela estava gloriosamente nua, sentada diante dele como uma deusa, seus lábios sujeitos a seu pulso, seus olhos claros escurecendo-se enquanto ela o olhava fixamente, sem vergonha.

– Já chega – murmurou ele, sua voz rouca, as palavras espessas pela presença de suas presas. Faltava-lhe a respiração, cada terminação nervosa de seu corpo estava completamente eletrizada. – Temos que parar... Jesus Cristo... Será melhor que paremos agora.

Ela gemeu em sinal de protesto. Muito brandamente, todavia, Nikolai retirou o pulso da boca de Renata e levou os dois furos aos lábios. Uma passada de sua língua pelas feridas as selou.

Com os olhos extasiados e famintos, ela o viu lamber o lugar onde sua boca tinha estado, e sua própria língua saiu precipitadamente para lamber seus lábios.

– O que está acontecendo? – perguntou ela, passando as mãos no peito dele, sua coluna vertebral estirando-se e arqueando-se com graça felina. – O que você fez comigo? Santo Deus! Estou queimando.

– É o vínculo de sangue – disse ele, quase incapaz de formar uma oração completa, seus sentidos estavam palpitando pela necessidade daquela mulher.

– Eu deveria tê-la advertido... Sinto muito.

Começou a se afastar, mas ela agarrou-lhe a mão. Dando uma sacudida de cabeça quase imperceptível enquanto seu peito subia e descia com o ar em seus pulmões, as pesadas pálpebras que ela fixou nele não pareciam ofendidas. Sabendo que não deveria tomar vantagem da situação, Nikolai se aproximou e acariciou o rubor que lhe enchia a bochecha.

Renata gemeu enquanto seu toque se prolongava, girando a cabeça na palma da mão de Niko.

– É... É sempre assim quando você deixa uma mulher beber de você?

Ele balançou a cabeça.

– Não sei. É a primeira vez.

Ela o olhou fixamente, com a sobrancelha franzida. Ele podia ver o registro de surpresa preencher-lhe o olhar atrás da luxúria induzida pelo sangue. Um silencioso lamento deslizou de seus lábios e logo ela estava movendo-se na direção dele sem vacilação, suas mãos emoldurando-lhe o rosto.

Beijou-o, longa, forte e profundamente.

– Toque-me, Nikolai – murmurou contra sua boca.

Era tanto uma exigência como uma urgência de seus lábios contra os dele, sua língua pressionando os dentes dele. Niko passou as mãos na pele nua de Renata, encontrando o beijo dela, o corpo tão faminto quanto o seu. E ele não poderia culpar aquela feroz necessidade como uma resposta natural da união de sangue. Sua fome por Renata era algo maior, embora extremamente consumidora.

Gananciosamente, ele chegou de novo ao refúgio de seu sexo. Dessa vez, não podia se limitar a tocá-la; não quando o aroma de Renata o estava embriagando tanto quanto a febril seda de seu sexo o estava deixando louco. Acariciou-lhe as dobras molhadas, penetrando-as com seus dedos grandes e separando-as para si como uma flor de primavera. Ela se arqueou em direção a ele enquanto ele a penetrava com um dedo primeiro, em seguida com outro. Enchendo-a, deleitando-a na firme pressão de seu corpo, os sutis movimentos ondeantes de seus músculos internos enquanto ele a acariciava e a levava ao clímax.

Estava tão absorto com o prazer dela que mal notou que ela movia as mãos até sentir que ela puxava o cordão de suas calças. Uivou quando ela deslizou a mão para baixo da cintura e encontrou seu rígido membro. Acariciou a cabeça, percorrendo os dedos com a gota úmida de fluido e, em seguida, torturando-o com um movimento lento e constante ao longo de seu mastro.

– Você também me deseja – disse ela. Não era exatamente uma pergunta quando a resposta estava transbordando em sua mão.

– Ah, sim – Niko respondeu de todo modo. – Diabos! Sim... Desejo você, Renata.

Ela sorriu faminta e o empurrou de costas sobre a cama. Tirou lentamente suas calças, deslizando-as pelos quadris, mas só até os joelhos. Com sua grossa ereção sobressaindo como um orgulhoso soldado a postos, Nikolai assistiu cativado conforme Renata subia e o montava. Sabia muito bem que não esperava qualquer momento de acanhamento ou vacilação. Era intrépida e incansável, e ele nunca havia sido mais feliz em sua vida. Os olhos dela pousaram fixamente sobre os seus, e Renata desceu por seu membro em um longo e lento deslizar.

Santo Cristo! A sensação de tê-la montada no membro dele era incrível. Tão quente e apertada, tão incrivelmente molhada.

Ele disse a si mesmo que era apenas a reação do vínculo de sangue que a fazia tão pouco resistente sexualmente, que ela teria reagido da mesma maneira com qualquer macho da Raça que a alimentasse. Que era só uma reação física, como algo altamente inflamável pegar fogo quando colocado próximo a uma chama. A consciência que ela tinha dele naquele momento provavelmente estava mergulhada em seu subconsciente – ela tinha uma coceira e ele era o passar de unhas de que ela precisava, simples assim.

E tudo bem para ele. Aquilo não precisava se transformar em algo mais complicado. E ele não era idiota o bastante para querer que fosse. O sexo entre eles não era algo pessoal. E Niko disse para si que era bom que fosse assim. Disse a si um monte de porcaria enquanto colocava a cabeça para trás com um gemido selvagem e deixava que Renata tomasse dele tudo o que precisasse.

Renata jamais havia se sentido mais viva. O sangue de Nikolai era como fogo em seus sentidos, cada matiz do momento a sacudia com a vívida consciência. A ferida em seu ombro não doía, sua necessidade por Nikolai era tudo que importava.

Ele sustentava-lhe os quadris enquanto ela cavalgava em seu sexo, a mente perdida de tudo, o calor dele preenchendo-a completamente, a beleza masculina de seu grande e musculoso corpo movendo-se em igual ritmo debaixo dela. Através da inundada névoa de seu desejo, admirou os músculos entrelaçados dos braços e do peito, uma sinfonia de força, flexionando-se e contraindo-se sob o poder até mais surpreendente das cores e formatos de seus dermoglifos mutantes.

Inclusive suas presas, que por certo deveriam tê-la aterrorizado, tinham uma beleza letal agora. As afiadas pontas brilhavam com cada fôlego entrecortado que se arrastava através de seus dentes. O sangue que havia tirado dele deve tê-la deixado um pouco louca, porque alguma remota parte dela queria que suas letais presas pousassem e penetrassem seu pescoço. Perfurando sua carne enquanto ela o cavalgava.

Ainda podia saborear o sangue dele em sua língua: doce, selvagem e sombrio. Um zumbido elétrico estendeu-se através dela e a acendeu no centro de seu sexo preenchido. Ansiava mais por esse poder, mais dele... Tudo dele.

Afundou os dedos nos grossos bíceps e foi mais fundo, mais forte, seguindo essa perigosa necessidade que o sangue havia desatado. Ele tomou cada impulso desesperado de seus quadris, sustentando-a firme enquanto o estalo do orgasmo se fechou de repente nela. Gritou enquanto o prazer se apoderava dela, um grito de liberação que ela não poderia ter contido mesmo se sua vida dependesse disso. A intensidade era demais para suportar. Tremia, impressionada pela força de sua paixão – paixão que tentou evitar por muito tempo, com medo.

Não sentia medo de Nikolai. Ela o desejava. Confiava nele.

– Tudo bem? – ele perguntou, um pouco mais que um grunhido enquanto seguia balançando-se com ela. – Está com alguma dor?

Ela negou com a cabeça, incapaz de falar quando cada terminação nervosa em seu corpo estava tensa de necessidade e vibrando pela sensação.

– Bom... – murmurou ele, escorregando a mão ao redor da parte posterior de seu pescoço para puxá-la para um beijo. A boca de Renata estava quente sobre a sua, suas presas roçando-lhe lábios e língua. Sentia-se tão bem... Ela tinha um gosto tão bom.

O fogo que havia diminuído um pouco com o orgasmo dela se acendeu de novo de forma furiosa. Ela gemeu e, enquanto o desejo ganhava nova vida, moveu seus quadris ao mesmo tempo em que a fome pulsava em seu sexo. Nikolai não a deixou esperar muito tempo, movendo-se junto com ela, incrementando seu ritmo até que ela gozou de novo, flutuando à deriva depois de uma onda de prazer. Então, ele tomou as rédeas por completo, preenchendo-a com seu mastro, entrando e saindo, cada movimento aparentemente tocando mais profundamente dentro dela, e mais profundo ainda. Chegou ao clímax com um grito rouco, sua coluna arqueando-se debaixo dela, sua pélvis contra ela com a força de sua liberação. O orgasmo de Renata se uniu ao dele um momento depois, uma prolongada desintegração que a deixou tremendo e suando em seus braços.

E ela ainda queria mais.

Queria mais, mesmo depois do orgasmo seguinte e do seguinte. Mesmo depois que ela e Nikolai estavam suados e esgotados, ela ainda queria mais.

Edgar Fabien sentia seis pares de ardilosos olhos sobre ele enquanto seu secretário sussurrava uma urgente mensagem em seu ouvido. Uma interrupção a esta hora, em meio de tão importante companhia como aqueles especiais dignitários convidados da Raça que tinham chegado a Montreal vindos dos Estados Unidos e da Europa, prenunciava más noticias. E eram, embora Fabien não se permitisse tal indicação.

Os machos reunidos em particular estavam avaliando uns aos outros desde que chegaram, um por um, naquela noite, todos convocados à residência do Refúgio de Fabien à espera do transporte para uma reunião exclusiva em outro lugar. Para conservar o anonimato, o grupo havia sido instruído a ficar com capuzes negros o tempo todo. Tinha sido proibido fazer perguntas pessoais uns aos outros, ou discutir seus problemas pessoais com o macho da Raça que havia convocado aquela reunião e estabelecido seus termos. Dragos havia deixado claro que agora, mais do que nunca, procuraria por debilidades ou pela mínima razão para considerar Fabien ou os outros homens parados ali indignos do glorioso futuro que ele estava planejando revelar naquela reunião formal.

Enquanto o secretário sussurrava o resto da mensagem, Fabien alegrava-se por aquele capuz escuro ocultar sua reação dos outros. Manteve a postura relaxada, cada músculo solto e à vontade, enquanto informava que um de seus capangas da cidade estava esperando lá fora com inesperadas, porém críticas, notícias que não podiam aguardar. Notícias a respeito de um macho da Raça e de uma mulher ferida em sua companhia que, pela descrição, poderia ser nada menos que o casal que havia escapado das instalações de contenção.

– Perdoem-me – disse Fabien com um sorriso firme de fachada. – Mas tenho um pequeno problema para resolver lá fora. Retornarei em um momento.

Umas poucas cabeças se inclinaram enquanto Fabien girava para sair da sala. Uma vez que a porta da sala de recepção estava fechada e ele e seu secretário tinham caminhado vários metros pelo comprido corredor, Fabien tirou seu capuz.

– Onde está ele?

– Esperando no vestíbulo principal, Senhor.

Fabien foi naquela direção, retorcendo o capuz negro em suas mãos grandes e finas. Quando chegou à porta, seu secretário se apressou adiante para mantê-la aberta para ele. O capanga estava apoiado contra a parede, absorto em mordiscar suas unhas rapidamente, seu desalinhado cabelo muito comprido caindo sobre seus olhos. Quando elevou a vista e viu seu Mestre entrar, o repugnante e preguiçoso humano foi substituído por um desejo impaciente em agradar.

– Trouxe-lhe algumas notícias, Mestre.

Fabien grunhiu.

– Ouvi isso. Fale, Curtis. Diga-me o que viu.

O servo explicou que mais cedo ele tinha ido fazer algumas perguntas ao seu empregador humano – o dono de um abrigo para garotos de rua que contratou Curtis para trabalhar com seus computadores – e inesperadamente descobriu que o vampiro guerreiro estava escondido no apartamento em cima de uma garagem. Curtis não havia sido capaz de aproximar-se para olhar, mas chegara perto o bastante para dizer que o enorme macho era da Raça. Na verdade, ele tinha acabado de confirmar suas suspeitas. Aparentemente, o guerreiro e a mulher que estava com ele tinham se tornado bastante... amigos. O casal estava muito ocupado na cama para notar quando Curtis saiu furtivamente pela parte de trás da garagem e os espiou juntos através da janela.

O capanga havia conseguido dar uma olhada e foi capaz de proporcionar uma descrição física bastante detalhada dos dois: o guerreiro da Raça, Nikolai, e a Companheira de Raça, Renata.

– Tem certeza de que nenhum deles soube que você esteve ali? – perguntou Fabien.

O servo riu.

– Sim, Mestre. Confie em mim. Eles não estavam prestando atenção em nada que não fossem eles.

Fabien assentiu e olhou o relógio. Anoiteceria dentro de uma hora. Ele já havia atribuído a uma equipe de Agentes outra tarefa de limpeza naquela noite. Talvez devesse enviar uma segunda unidade para a cidade com Curtis. Bastante ruim era o fato de que o guerreiro tivesse conseguido escapar das instalações de contenção. A notícia não havia caído bem quando Fabien informou Dragos sobre o problema, mas a mancada seria amenizada se ele pudesse assegurar que o guerreiro fosse capturado – rápida e permanentemente.

Sim, pensou Fabien, enquanto colocava a mão no bolso de sua jaqueta para pegar o celular e discar para a Agência de Execução, colocando-lhes a par das novas informações. Esta noite, ele apagaria do quadro-negro alguns erros recentes. E quando se apresentasse a Dragos na reunião, ele o faria levando boas notícias e um pequeno e encantador presente do qual seu novo comandante certamente desfrutaria.


Capítulo 22

- Você acha que ele a machucará? - a voz tranquila de Renata rompeu o silêncio prolongado no úmido apartamento. Ela estava sentada na frente de Nikolai, usava uma camiseta cinza extragrande e suas próprias calças jeans, lavadas mais cedo por cortesia de Jack. Sua ferida no ombro estava muito melhor e cada vez que Niko perguntava, ela insistia que não sentia muita dor, de modo que ele percebeu que seu sangue a manteria alimentada por algumas poucas horas. Já tinham saído da cama há algum tempo, ambos tinham se banhado e se vestido, e evitavam cuidadosamente falar sobre tudo que tinha ocorrido entre eles horas antes.

Nikolai se manteve ocupado na limpeza das armas que Jack lhe havia dado, enquanto ele e Renata faziam planos para o breve retorno ao alojamento de Yakut. E embora Niko duvidasse que Lex fosse contar alguma coisa sobre sua aliança com Edgar Fabien, ele tinha o pressentimento de que algumas técnicas afrouxariam a língua do maldito filho da mãe.

Assim ele esperava, já que sem uma sólida vantagem sobre a localização do líder do Refúgio, as probabilidades de achar Mira ilesa diminuíam a cada segundo.

- Você acha que ele vai fazer... algo a Mira?

Niko virou e viu o pânico nos olhos de Renata.

- Fabien não é um bom homem... Francamente, não sei quais são as intenções dele com ela.

Renata dirigiu o olhar para baixo, suas magras sobrancelhas estavam unidas na testa franzida.

- Você não me disse tudo o que seus amigos de Boston descobriram sobre ele.

Inferno. Ele deveria saber que Renata perguntaria isso. Ele deliberadamente tinha passado por alto sobre o pior que Gideon havia dito sobre ele, os detalhes sórdidos que não os ajudariam a localizar Mira e só fariam Renata se preocupar ainda mais. Mas ele a respeitava muito para mentir.

- Não, eu não disse tudo - admitiu. - Realmente quer saber tudo sobre ele?

- Acredito que preciso saber - ela o olhou fixamente de novo, seus pálidos olhos verdes agora estavam sóbrios, tão firmes quanto os de um guerreiro pronto para a batalha. - O que a Ordem sabe sobre ele?

- Ele é um segunda geração da Raça, certamente tem várias centenas de anos - disse Niko, começando com o menor dos delitos de Fabien. - Ele é o líder do Refúgio de Montreal há 150 anos e também deseja chegar ao alto escalão da Agência de Execução, o que significa que está politicamente envolvido também.

Renata zombou em voz baixa.

- Isso é um curriculum vitae, Nikolai. Sabe o que estou perguntando. Fale diretamente.

- Muito bem - Niko assentiu com a cabeça, sem se preocupar em ocultar sua admiração. Ou sua preocupação. - Apesar de ter um monte de amigos em altos postos, Edgar Fabien não é o que poderíamos chamar de cidadão-modelo. Pelo que parece, ele tem várias... perversões que vêm lhe causando muitos problemas ao longo dos anos.

- Perversões? - disse Renata, quase cuspindo a palavra.

- Seus gostos tendem para o lado sádico, e ele... bem, ele é conhecido por desfrutar da companhia de crianças de vez em quando. Especialmente garotas.

- Jesus Cristo! - Renata exclamou com o fôlego apertado. Ela fechou os olhos e desviou o rosto. Quando finalmente olhou para Niko, havia um brilho assassino em seus olhos cor de jade que observavam o guerreiro sem piscar. - Vou matá-lo. Juro por Deus, Nikolai. Vou matar o filho da mãe se ele fez algo a ela.

- Vamos por as mãos nele – assegurou-lhe Niko. - Vamos encontrá-lo e resgatar Mira.

- Não posso decepcioná-la, Nikolai.

- Ei! - ele disse, segurando a mão dela. – Nós não vamos decepcioná-la. Entendido? Estou com você nisso. Vamos resgatá-la.

Ela o olhou em silêncio durante um longo momento. Então, muito lentamente, entrelaçou-lhe os dedos na mão.

- Ela vai ficar segura, não é verdade? - havia um traço de incerteza na fala de Renata e era uma das primeiras vezes que Niko percebia aquilo na voz dela. Ele queria apagar as dúvidas de Renata, queria acabar com a preocupação dela, mas tudo o que podia oferecer era sua promessa.

- Vamos trazê-la de volta, Renata. Tem minha palavra.

- Certo - disse. - Bem, Nikolai. Obrigada – completou em seguida, resoluta.

- Você realmente é especial, sabia? - Ela começou a sacudir a cabeça em negação àquelas palavras, mas Niko apertou-lhe levemente a mão, mantendo-a concentrada. - Você é forte, Renata. Mais forte do que acredita. Mira tem sorte de tê-la ao seu lado. Diabos! Eu também tenho.

A risada dela como resposta estava débil e ligeiramente triste.

- Espero que tenha razão.

- Eu nunca erro - disse ele, sorrindo abertamente para ela e mal resistindo ao impulso de inclinar-se por sobre a pequena mesa e beijá-la loucamente. Mas isso apenas os levaria a outra coisa - algo que sua libido já imaginava em detalhes explícitos.

- Então, quanto tempo ainda vai acariciar suas armas antes de eu poder dar uma olhada nelas?

Niko recostou na cadeira dobrável de metal e riu.

- Escolha a sua. Tem certeza de que sabe usar...

Ele não teve a oportunidade de terminar o pensamento: Renata estendeu a mão até a pistola mais próxima e a um carregador cheio de balas. Carregou e aprontou a arma em menos de três segundos. Niko nunca tinha visto algo tão sexy em toda sua vida.

- Impressionante.

Ela colocou a pistola sobre a mesa e arqueou uma de suas finas sobrancelhas.

- Quer que eu ajude com a sua também?

Ele quis rir, mas engoliu o som antes que ele saísse-lhe pela boca.

Eles não estavam sozinhos.

Renata seguiu o olhar do guerreiro até onde ele poderia jurar ter escutado um ruído surdo. Outro barulho, então, um pequeno rangido no teto da garagem.

- Temos companhia - sussurrou para ela. Renata lhe acenou com a cabeça, levantando-se da cadeira. Deslizou a .45 para ele através da mesa e se moveu em silêncio, rápida e eficazmente para carregar outra.

Assim que Nikolai pegou a arma, a porta do apartamento da garagem explodiu para dentro, partindo as dobradiças. Um vampiro enorme em um traje da Agência de Controle precipitou-se no interior, com a mira do laser de seu fuzil automático silencioso apontado para Renata.

– Filho da mãe! - Niko gritou. - Renata, atire!

Por um segundo terrível, ela não se moveu. Nikolai pensou que ela tivesse congelado, em estado de choque, mas logo o Agente soltou um grito de dor, deixando cair sua arma para colocar as mãos nas têmporas. Caiu de joelhos, mas havia mais dois homens armados bem atrás dele. Saltaram gritando por cima do obstáculo e abrindo fogo no pequeno espaço.

Renata se jogou atrás de um dos arquivos metálicos e disparou contra a cabeça do agente. Niko mirou o segundo visitante, mas o tiro foi desviado conforme a pequena janela acima da cama era estilhaçada e outro Agente de Execução entrava na luta, armado até os dentes.

- Nikolai, atrás de você! – gritou-lhe Renata.

Ela golpeou o último agente que chegara com uma rajada debilitante do poder de sua mente, e o bastardo caiu no chão, retorcendo e convulsionando antes que Niko acertasse alguns tiros em sua cabeça. Renata atingiu um dos outros com um tiro no joelho e, em seguida, eliminou-o com uma bala entre os olhos. Nikolai matou o outro e compreendeu tarde que tinha perdido completamente de vista o primeiro macho que atravessara a porta. O filho da mãe não estava onde Renata o havia deixado.

Para o horror de Niko, o enorme vampiro tinha pego Renata e a lançado contra a parede mais próxima. A força do macho da Raça era imensa, como a de todos. Renata bateu contra a superfície sólida e caiu com força no chão. Permaneceu imóvel, obviamente muito aturdida para responder ao ataque.

O rugido de fúria de Nikolai chacoalhou a mesa débil e as cadeiras. Sua visão foi inundada repentinamente de âmbar e suas presas perfuraram com força suas gengivas, estirando-se longas e agudas em sua cólera.

Ele saltou sobre o outro vampiro por trás, agarrando-lhe a cabeça nas mãos e torcendo-a ferozmente. O terrível rangido de osso e tendões estilhaçados não foi suficiente para Niko: quando o Agente caiu sem vida, ele chutou-lhe o corpo, afastando-o de Renata antes de estourar-lhe o crânio.

- Renata - disse, agachando-se diante dela e pegando-a nos braços. - Pode me ouvir? Você está bem?

Ela gemeu, mas acenou com a cabeça trêmula. Seus olhos abertos logo se ampliaram quando ela olhou fixamente por cima dos ombros largos de Niko para a entrada arruinada. Niko virou-se e deparou-se com o humano que tinha visto uma vez antes - o humano que tinha tentado olhar lá dentro quando Jack estivera no apartamento naquela manhã. Jack o tinha chamado de Curtis, tinha dito que o garoto fazia algum trabalho para ele na casa. Quando Niko examinou aquele rosto impassível, que não mostrava reação alguma aos seus olhos acesos e às suas presas à mostra, ele sabia do que estava diante...

- Servo - grunhiu. Colocou Renata de pé com cuidado. - Fique aqui. Eu me encarregarei dele.

O Subordinado sabia que tinha cometido um grave engano mostrando seu rosto depois do tumulto que provavelmente tinha instigado. Ele se virou e começou a descer a escada de dois em dois degraus. Nikolai grunhiu, vermelho de ira, e saiu disparado atrás da caça. Saltou sobre o corrimão da escada do segundo andar, caindo justo quando os pés do servo conseguiram tocar o pavimento. Nikolai aterrissou diretamente em cima dele, derrubando-o no chão.

- Quem fez você? - ele exigiu, golpeando o rosto do humano contra o pavimento áspero. - Quem é seu Mestre, maldito? É Fabien?

O servo não respondeu, mas, de qualquer modo, Niko sabia a verdade. Subiu sobre o humano e golpeou a coluna dele com força.

- Onde ele está? Diga-me onde encontrar Fabien. Fale, filho da mãe, ou acabo com você aqui e agora.

À distância, Nikolai ouviu o golpe de uma porta. E passos atravessando a grama.

Então, a voz de Renata ressoou de cima destroçando a porta no chão da garagem.

- Jack, não! Volte para dentro!

Nikolai olhou por cima do ombro, bem a tempo de ver o velho com uma expressão de horror. Os olhos de Jack mostravam sua incredulidade, sua mandíbula aberta.

- Jesus Cristo - murmurou, com os pés desacelerando até deter-se. - O que... que diabos está acontecendo aqui?

E então, abaixo dele, Niko sentiu o servo se retorcer. E registrou o brilho breve de uma lâmina apenas meio segundo antes que o escravo humano cortasse a própria garganta.

Renata desceu as escadas de madeira em estado de pânico.

- Jack, por favor! Entre na casa, agora!

Mas ele simplesmente permaneceu ali, congelado no lugar como se não pudesse ouvi-la, como se não pudesse vê-la. Não podia processar tudo que estava acontecendo à sua volta nesses últimos minutos de caos total e absoluto. Jack estava mudo, uma estátua imóvel na calçada.

E Nikolai...

Santo Deus, Nikolai parecia o pior pesadelo de qualquer pessoa. Empapado de sangue, o rosto travestido em uma máscara aterradora de presas letais e ferozes, os olhos brilhantes e âmbares. Quando saiu de cima do corpo morto do servo e se virou, deparando-se com o rosto de Jack, o guerreiro da Raça não podia parecer nada além de um predador desumano, sua respiração através dos dentes cerrados, seu enorme peito e ombros tremendo por conta da luta.

- Santa Maria, Mãe de Deus - murmurou Jack, fazendo o sinal da cruz enquanto Nikolai dava alguns passos para longe do cadáver do servo. Então, lançou um olhar e viu Renata correndo em sua direção através do caminho de entrada.

- Renata, sai daqui!

Renata correu para ficar entre os dois homens – Nikolai em suas costas e Jack olhando-a boquiaberto como se acabasse de entrar no meio de um campo de mina ativado.

- Ah, Jesus... Renata, querida... o que você está fazendo?

- Está tudo bem, Jack – ela respondeu tranquilamente sustentando as mãos em sua frente. – Está tudo bem, prometo. Nikolai não fará mal a você. Não fará mal a nenhum de nós.

O rosto do ex-combatente do Vietnã se enrugou diante da confusão. Mas, então, ele olhou além dela para Nikolai e uma tênue faísca de reconhecimento piscou nas fendas que lhe eram agora os rasgos dos olhos. Sua palidez era a de um fantasma contra a noite ao seu redor e suas pernas pareciam que iam ceder debaixo de si.

- Você é... mas como? Como diabos pode ser?

- Não é seguro para você saber isso - interveio Renata. - Seria muito perigoso, inclusive para nós.

- Muito tarde - a voz de Nikolai era um baixo grunhido atrás dela. – Ele já viu muito. Temos que controlar esta situação e não temos muito tempo antes que mais humanos curiosos apareçam e deixem as coisas ainda piores do que já estão.

Renata assentiu.

- Entendi.

A mão de Nikolai pousou brandamente sobre seu ombro são.

- Isso inclui Jack também. Não posso deixá-lo com sua memória nesse estado. Tudo tem que ser apagado, começando com nossa chegada na noite anterior. Ele não pode se lembrar que você e eu estivemos aqui alguma vez.

Ela estremeceu, mas não podia discutir.

- Tenho um minuto para dizer adeus?

- Um minuto - disse Nikolai. - Mas isso é tudo o que podemos arriscar.

- Que diabos está acontecendo aqui? - murmurou Jack enquanto sua neurose dava lugar ao guerreiro aposentado nele adormecido. – Renata... em que tipo de porcaria você se enfiou, garota?

Ela ofereceu-lhe um débil sorriso enquanto dava um passo adiante e o puxava-o para um abraço.

- Jack, quero agradecê-lo por ter nos ajudado na noite anterior. Mais do que isso: quero agradecê-lo por você ser a pessoa maravilhosa que é - separou-se dele para olhar seus velhos e amáveis olhos. - Não poderia compreender isso, mas você foi minha âncora muitas vezes, meu porto seguro. Sempre que eu perdia a fé na humanidade, sua bondade me compensava. Você foi um verdadeiro amigo e gosto muito de você por isso. Sempre vou gostar.

- Renata, preciso que você me diga o que está acontecendo aqui. Esse homem com quem você está... essa criatura. Por Deus, estou perdendo a razão ou ele é um tipo de...

- Ele é meu amigo - disse ela, tão sinceramente que inclusive se desconcertou diante de sua convicção. - Nikolai é meu amigo. Isso é tudo o que precisa saber.

- Temos que ir agora, Renata.

A voz de Nikolai estava calma, completamente tomada pela seriedade. Ela assentiu e, quando olhou para Niko, viu que ele estava de novo em seu estado normal. Jack crepitou de confusão, mas Nikolai aproximou-se para segurar-lhe a mão.

- Obrigado por tudo o que fez, Jack. Você é um bom homem - Nikolai não esperou por uma resposta. Com a mão livre, levantou a palma sobre a testa de Jack e pressionou-a por um longo momento. - Volte para casa e vá para a cama. Quando despertar amanhã, não se lembrará de que estivemos aqui. Descobrirá que houve um assalto no apartamento da garagem e que Curtis estava se relacionando com algumas pessoas más. O assalto saiu do controle e ele foi assassinado.

Jack não disse uma palavra sequer, apenas assentiu, concordando.

- Você não vai nos ver quando abrir os olhos - disse Nikolai. - Não verá sangue e cacos de vidro. Vai se virar, entrar na casa e subir até seu quarto, deitar-se na cama e permanecer lá pelo resto da noite.

Uma vez mais Jack assentiu com a cabeça, em complacência. Nikolai retirou a mão da testa do ex-combatente. Os olhos de Jack piscaram e abriram-se tranquilos, serenos. Ele olhou Renata, mas foi um olhar vazio que passou através dela. Ela ficou ali parada, olhando com tristeza como seu velho e querido amigo virava-se no silêncio da noite escura e começava o lento caminhar de volta para a casa.

- Você está bem? - perguntou Nikolai, passando o braço musculoso ao redor da cintura de Renata enquanto eles esperavam na entrada, observando Jack desaparecer dentro da casa.

- Sim, estou bem – disse ela em voz baixa, permitindo-se o conforto do forte abraço masculino de Nikolai. - Vamos limpar essa bagunça e dar o fora daqui.


Capítulo 23

- Já era hora de ele estar aqui.

Alexei Yakut queixou-se quando viu um par de faróis saindo das árvores do lado de fora da casa principal. Irritado por ter sido obrigado a esperar durante a última meia hora, Lex se afastou da janela do quarto do pai - quarto que agora lhe pertencia, como todo o resto que o defunto tinha deixado.

O veículo preto que rodeava pelo caminho era enorme, obviamente um SUV. Lex virou os olhos com desgosto. Tinha esperado que um macho do status de Edgar Fabien fosse viajar em algo mais elegante do que uma Humvee emprestada diretamente da frota da Agência de Execução. As próprias normas de Lex exigiam muito mais que um utilitário como meio de transporte, especialmente para um evento tão importante como o que ele assistiria com Fabien. Pelo amor de Deus, eles não poderiam chegar à reunião em uma caminhonete que declarava a todos a falta de elegância como aquele veículo fazia.

Se estivesse no comando das coisas – quando estivesse no comando, Lex mentalmente emendou - não iria a nenhuma parte sem uma caravana de veículos apropriada que formasse uma fila de elite.

Ele saiu a passos largos de seu quarto com uma raiva impaciente, ajustando a linha do casaco conforme seus polidos sapatos de couro de crocodilo brandamente repicavam através das largas tábuas do chão. Sabia que estava bem - esse era o ponto -, mas estava muito mais acostumado ao seu antigo uniforme de serviço com botas e roupas de couro. Era um sujeito flexível, de modo que não pensava que precisaria de muito esforço para se acostumar com sua nova identidade.

Na grande sala, os dois guardas restantes da casa estavam sentados jogando cartas. Um deles deu uma olhada quando Lex entrou, a sutil elevação de sua mão não foi rápida o bastante para ocultar seu sorriso divertido.

- Essa gravata parece estar deixando você sem ar, Lex - brincou o outro guarda, rindo de sua própria piada. - É melhor afrouxar essa porcaria antes que desmaie. - Lex o fulminou com o olhar enquanto passava o dedo pela folga muito justa do colarinho de sua camisa de quinhentos dólares.

- Vá se danar, cretino. E abra a maldita porta. Meu transporte está aqui.

Quando o guarda se moveu pesadamente para cumprir a ordem, Lex se perguntou quanto tempo deveria manter aqueles dois idiotas ao seu lado. Certo, eles tinham estado ao seu lado trabalhando para seu pai todos os dias durante quase uma década, mas um homem como Lex merecia respeito. Talvez ele ensinasse a ambos uma lição quando retornasse em algumas noites da reunião do fim de semana.

Lex forçou um sorriso de boas-vindas para Fabien quando o guarda abriu a porta... mas não era Edgar Fabien quem estava ali para saudá-lo: era um Agente de Execução uniformizado acompanhado por três companheiros.

- Onde está Fabien? - exigiu Lex.

O grande Agente que estava na frente cumprimentou Lex com um breve aceno de cabeça.

- Vamos nos encontrar com o senhor Fabien em um outro lugar, senhor Yakut. Precisa de alguma coisa antes de o escoltarmos até o veículo?

Lex grunhiu, seu ego tranquilizando-se um pouco diante do tom respeitoso do Agente.

- Tenho algumas malas no quarto - disse ele com um gesto desdenhoso na direção de seu quarto. - Um de seus homens pode apanhá-las para mim.

Outra inclinação em reverência do agente que estava na frente.

- Cuidarei pessoalmente de suas coisas.

- Por aqui - disse Lex, conduzindo a escolta casa adentro, para seu quarto, pelo corredor. Uma vez dentro, parou perto da cama para mostrar as coisas que desejava levar. - Pegue a mala de roupa e a mochila de couro que está ali no chão.

Quando o Agente não se moveu para recolher as coisas, mas simplesmente ficou ali junto dele, Lex se voltou com um olhar indignado.

- Bem, que diabos está esperando, idiota?

O olhar que recebeu como resposta foi cortante e frio como uma adaga. E então Lex arrepiou-se quando, no instante seguinte, ouviu o estalar de vários disparos abafados no outro quarto. Seu sangue correu gelado por suas veias.

O Agente de Execução que estava de pé ao seu lado abriu um sorriso agradável.

- O senhor. Fabien me pediu que lhe entregasse pessoalmente uma mensagem dele, senhor Yakut.

Renata parecia cansada quando Nikolai se aproximou dela no terreno onde tinham jogado os cadáveres dos agentes que lhes tinham atacado mais cedo. Em poucas horas, o amanhecer apagaria quaisquer rastros dos vampiros, apesar de que, de qualquer forma, nada ou ninguém além da fauna local fosse notar os corpos ali, tão distante da estrada mais próxima e em uma área tão afastada da cidade.

- Jogue os uniformes e acessórios deles na parte traseira do veículo - Renata disse quando se aproximou. – As outras armas estão atrás dos assentos dianteiros. As chaves estão na ignição.

Niko assentiu com a cabeça. Depois de limpar todas as provas do ataque da Raça na garagem do apartamento, ele e Renata se apropriaram do SUV da Agência, que seus atacantes tinham sido bastante atentos para deixar estacionado na rua lateral próxima da casa de Jack.

- Está cansada? – perguntou ele ao ver a fadiga nos olhos dela. - Podemos esperar aqui e descansar um momento se precisar.

Ela balançou a cabeça.

- Quero continuar. Estamos a apenas alguns quilômetros da propriedade de Yakut.

- Sim - Niko disse. - E não estou esperando que Lex vá estender um tapete vermelho para nós quando chegarmos ali. As coisas podem ficar feias muito rapidamente. Já se passaram algumas horas desde que você bombardeou as malditas mentes desses agentes. Quanto tempo você tem antes de a reverberação começar?

- Provavelmente não muito – ela admitiu, olhando para o chão mal iluminado pela lua.

Niko levantou seu queixo e não pôde evitar acariciar a delicada linha de sua bochecha.

- Mais uma razão para darmos um tempo aqui.

Ela se separou dele, obstinada e com determinação.

- Mais uma razão para continuarmos antes que os golpes da reverberação cheguem. Descanso depois que resgatarmos Mira. – Virou-se e começou a caminhar para o veículo. - Quem dirige? Você ou eu?

- Ouça - ele disse, agarrando-lhe a mão antes que ela pudesse chegar muito longe. Aproximou-se dela e envolveu-a com seus braços fortes, contendo-a em seu abraço musculoso.

Deus, como era linda. Qualquer idiota podia apreciar a perfeição frágil e feminina de seu rosto: os olhos claros e amendoados brilhavam intensamente como pedras preciosas sob a franja colorida dos cílios, o nariz travesso, a exuberante e sexy boca, a pele leitosa que mais parecia um veludo cremoso e macio em contraste com o brilho de ébano dos cabelos. A beleza física de Renata era atordoante, impressionante, mas era sua coragem - sua honra inquebrável - que realmente acabava com Niko.

De algum modo, no pouco tempo que se viram obrigados a ficar juntos, Renata tinha se convertido em uma verdadeira parceira para ele. Ele a valorizava, confiava nela tanto quanto em qualquer um de seus irmãos na Ordem.

- Ei – ele disse, agora mais calmo, olhando fixamente para o valente e belo rosto de Renata, impressionado novamente com aquela extraordinária mulher que estava demonstrando ser uma aliada vital para ele. - Formamos uma ótima equipe lá na casa de Jack, não foi?

- Fiquei muito assustada, Nikolai - ela confessou em voz baixa. -Eles apareceram tão rápido. Eu deveria ter reagido mais rápido. Deveria ter...

- Você foi incrível. - Ele alisou uma mecha de cabelo que lhe caía sobre o rosto, colocando-a atrás da orelha. - Você é incrível, Renata. E estou muito contente de saber que posso contar com você.

Ela abriu um pequeno e quase tímido sorriso.

- Eu digo o mesmo.

Talvez não fosse o momento ideal para ele querer beijá-la, de pé ali, em um lugar esquecido por Deus na beira da autoestrada, com um rastro de sangue e morte atrás deles, e mais daquilo certamente os esperando no futuro, antes de essa aventura terminar. Mas tudo o que Nikolai desejava fazer - o que ele precisava, ali, naquele preciso momento - era sentir os lábios de Renata pressionando-se contra os seus.

Cedendo à tentação, ele inclinou-se e tomou a boca de Renata em um sensível e lento beijo. Os braços dela o rodearam, timidamente a princípio, mas suas mãos estavam quentes enquanto ela acariciava-lhe as costas largas e apertava-se contra o corpo grande de Niko, mesmo depois que o beijo já tinha terminado e ela estava com a bochecha contra o peito musculoso e definido do guerreiro.

Quando ela falou, sua voz era apenas um sussurro.

- Vamos encontrá-la, Nikolai?

Ele pressionou os lábios na testa de Renata.

- Sim, vamos.

- Você acha que ela está bem? – ela ainda perguntou.

A vacilação dele foi breve, mas suficientemente longa para que Renata saísse de seus braços. Ela franziu a sobrancelha enquanto seus olhos obscureciam-se com a dor. - Ah, meu Deus... você não acredita que ela esteja bem! Posso sentir sua dúvida, Nikolai. Acredita que algo aconteceu a Mira.

- É o vínculo de sangue o que você sente - disse ele, nem sequer perto da negação que Renata tinha lido com tanta precisão nele.

Ela estava recuando agora, seus pés arrastando-se na grama escura enquanto ela se movia para o SUV. Seu rosto tinha um olhar aflito.

- Temos que ir agora. Temos que encontrar Lex e obrigá-lo a nos dizer onde ela está!

- Renata, ainda acho que deveríamos esperar aqui um momento e descansar. Se uma nova reverberação golpeá-la...

- Foda-se a reverberação! - ela gritou, sacudindo a cabeça em um pânico crescente. - Vou para a casa de Yakut. Você pode vir comigo ou ficar, mas estou indo agora mesmo.

Ele poderia tê-la detido.

Se quisesse, poderia estar em cima dela mais rápido do que ela pudesse perceber, fisicamente a impedindo de avançar outro passo em direção ao veículo. Ele poderia colocá-la em transe com um simples gesto de sua mão e assim obrigá-la a esperar pela dor que provavelmente chegaria não muito tempo depois que estivessem no chalé.

Ele poderia ter retido o traseiro dela de alguma maneira diferente, mas, em vez disso, deu a volta pelo lado do condutor do Humvee preto antes que ela chegasse e bloqueou a entrada com seu corpo.

- Eu dirijo - disse ele, sem dar a oportunidade de discutir. - Você está ferida.

Renata o olhou por um segundo, então deu a volta e subiu no assento do carona.

Eles voltaram para a estrada e percorreram, em silêncio, a pequena distância até a propriedade arborizada de Yakut. Niko apagou os faróis enquanto se aproximava devagar. Ele estava a ponto de sugerir que saíssem e fossem até a casa a pé quando se deu conta de que algo estava errado.

- É sempre assim, tranquilo?

- Nunca - disse Renata, disparando um olhar sério. Ela alcançou uma das armas atrás do assento. Passou a correia de um fuzil automático pela cabeça e logo entregou outro a Nikolai. - Lex só ficou com dois guardas, mas não parece que haja alguém por aqui.

E, mesmo daquela distância, Niko percebeu o aroma de sangue derramado. Sangue da Raça vindo de mais de uma fonte.

- Espere aqui enquanto dou uma olhada nas coisas.

Ela lançou um olhar de insubordinação que Niko deveria ter previsto.

Ambos saíram do veículo e foram juntos para a casa principal, que estava escura. A porta da frente estava totalmente aberta. Rastros de pneus frescos marcavam no caminho de cascalho: longos, profundos rastros como um tipo de SUV de grande porte deixaria para trás.

Niko tinha a sensação de que a Agência de Execução tinha estado ali também. A casa estava completamente em silêncio, fedendo às recentes mortes dos vampiros. Ele não precisava acender as luzes para ver a carnificina. Sua aguda visão localizou os dois machos mortos no interior, ambos com tiros na cabeça.

O guerreiro guiou Renata ao redor dos cadáveres, seguindo seu olfato pela parte de trás do lugar, em direção aos aposentos privados de Yakut. Ele sabia o que encontraria ali dentro. Ainda assim, quando entrou no quarto, soltou uma maldição furiosa.

Lex estava morto.

E, com ele, sua melhor esperança de localizar Edgar Fabien naquela noite.


Capítulo 24

A respiração de Renata parou diante da maldição que Nikolai murmurou. Ela alcançou o interruptor ao lado da porta entreaberta do quarto de Yakut e lentamente acendeu a luz.

Ficou sem palavras enquanto olhava o corpo sem vida de Lex, seus olhos vazios e nublados pela morte, três grandes buracos de bala em sua cabeça. Ela queria gritar. Santo Deus, ela queria cair de joelhos, passar as mãos pelo cabelo e arranhar as paredes - não de dor ou estupefação, mas tomada de completa ira.

Mas seus pulmões estavam constritos em seu peito.

Seus membros estavam sem força, braços e pernas pesados demais para os mover.

A esperança que ela estivera cultivando – mesmo que pequena - de que eles poderiam chegar ali e conseguir uma sólida pista sobre a localização de Mira escorreu para fora de seu corpo como o sangue de Lex - que escorria entre os ladrilhos do chão do quarto de seu pai.

- Renata, encontraremos outra maneira – disse Nikolai de algum lugar próximo a ela. O guerreiro inclinou-se sobre o corpo de Lex e tirou um telefone celular do bolso do casaco e apertou algumas teclas. – Temos o histórico de chamadas de Lex agora. Um desses números deve ser o de Fabien. Vou entrar em contato com Gideon e pedir que ele os rastreie. Vamos encontrar o maldito muito em breve. Vamos pegá-lo, Renata.

Mas ela não pôde responder; faltavam-lhe palavras para tanto. Virou-se lentamente e caminhou para fora do quarto, apenas consciente de que seus pés se moviam. Perambulou pela escuridão da propriedade, passou pelos corpos jogados na grande sala e no vestíbulo. Estava insegura sobre para onde ir, anestesiada ainda, quando se viu no minúsculo quarto onde Mira dormia.

A pequena cama estava exatamente como ela a havia deixado, como se esperasse que sua ocupante voltasse. Sobre a baixa mesinha de cabeceira, havia uma flor silvestre que Mira tinha recolhido no começo da semana, em uma das poucas vezes que Sergei Yakut tinha-lhe permitido aventurar-se do lado de fora. A flor de Mira estava murcha, as frágeis pétalas brancas caíam sem vida, o caule verde tão murcho como um barbante.

– Ah, meu doce ratinho – Renata sussurrou no quarto escuro e vazio. – Sinto muito... Lamento não ter estado aqui a tempo...

– Renata – Nikolai permanecia de pé, do lado de fora do quarto. – Renata, não faça isso a você mesma. Você não tem culpa. E isso ainda não acabou.

A profunda voz do macho da Raça era tranquilizadora. E era confortável apenas ouvi-la e saber que ele estava ali, com ela. Ela precisava daquela tranquilidade, mas como não a merecia, Renata se recusou a correr para os braços fortes de Niko como tão desesperadamente queria fazer. Permaneceu onde estava, rígida e imóvel, desejando poder voltar no tempo e reparar todas as suas falhas.

Ela não podia permanecer naquele lugar mais um minuto sequer. Havia muitas lembranças sombrias ali.

Muita morte ao redor dela.

Renata deixou que a flor morta caísse de seus dedos sobre a cama. Então, deu a volta em direção à porta.

– Tenho que sair deste lugar – murmurou, a culpa e a angústia retorcendo-se em seu peito. – Não posso... Estou asfixiando aqui... não consigo... respirar.

Ela não esperou que ele respondesse - não podia esperar ali, nem um minuto mais. Empurrando-o, correu loucamente do quarto de Mira afora. E não parou até que seus pés a levaram para a parte de trás da construção principal, dentro do bosque ao redor. Ainda assim seus pulmões se retorciam como se tivessem sido esmagados por um caminhão.

Atrás de seu crânio, Renata pôde sentir uma dor de cabeça florescendo. Sua pele ainda não doía, mas ela estava ficando cansada até os ossos e sabia que não levaria muito tempo antes que o cansaço a nocauteasse. Pelo menos seu ombro estava decente. A ferida do disparo ainda estava ali, havia ainda uma profunda pulsação em seus músculos, mas o sangue de Nikolai tinha feito algum tipo de mágica na infecção.

Renata se sentiu o suficientemente forte quando deu uma olhada e viu o celeiro fechado – o edifício anexo onde ela e tantos outros tinham sido presos para servirem de isca para o doentio esporte de sangue de Yakut – ela não pensou duas vezes em saltar e pegar o rifle preso em suas costas. Disparou no pesado ferrolho até que ele rompesse e caísse no chão. Então, abriu a porta e disparou mais tiros dentro do grande refúgio, pontilhando as paredes e as vigas com uma saraivada de balas.

Ela não soltou o gatilho até que o carregador estivesse vazio e sua garganta seca por causa dos gritos. Seus ombros pesavam, seu peito pulsava inquieto.

– Eu devia estar aqui – ela disse, ouvindo Nikolai aproximar-se dela por trás. – Quando Lex a jogou nos braços de Fabien, eu deveria tê-lo detido. Deveria estar lá por Mira. Em vez disso, eu estava na cama, muito fraca e... inútil.

Ele fez um pequeno ruído, um rechaço sem palavras àquela culpa.

– Você não podia saber que ela estava correndo perigo. Não podia evitar nada do que aconteceu, Renata.

– Eu nunca deveria ter abandonado a casa! – ela gritou, o próprio desprezo queimando-lhe por dentro. – Fugi, quando deveria ter ficado lá o tempo todo e feito Lex me dizer onde ela estava.

– Você não fugiu. Foi pedir ajuda. E se não o tivesse feito, eu estaria morto. – Os passos dele aproximavam-se, vindo com cuidado atrás dela. – Se tivesse ficado aqui todo esse tempo, Renata, então teria morrido com Lex e os outros guardas. O que aconteceu aqui foi um plano executado a sangue frio. E tem a assinatura de Fabien.

Nikolai tinha razão. Ela sabia que aquele macho tinha razão em tudo. Mas isso não fazia doer menos.

Renata olhava fixamente, muito embora sem ver, o abismo cheio de pólvora do celeiro.

– Temos que voltar para a cidade e começar a procurá-la. Porta a porta, se for necessário.

– Sei o que sente – disse Nikolai. Ele tocou-lhe a nuca e ela se obrigou a afastar-se daquela ternura quente. – Maldição, Renata, você não acredita que se eu achasse que chutar todas as portas daqui até Old Port nos levaria a Fabien eu não estaria contigo? Mas isso não vai nos ajudar em nada. Especialmente não com o amanhecer só daqui a algumas horas.

Ela agitou a cabeça.

– Não preciso me preocupar com a luz do dia. Posso voltar para a cidade por mim mesma.

– O inferno que vai. – As mãos dele estavam brutas quando a fez girar para olhá-lo no rosto.

Seus olhos tinham um brilho âmbar e uma emoção que parecia notavelmente ser medo, inclusive na escuridão.

– Você não vai a lugar nenhum perto de Fabien sem mim. – Ele acariciou-lhe a sobrancelha, seus ferozes olhos queimando dentro dos dela. – Estamos juntos nisso, Renata. Sabe disso, não sabe? Sabe que pode confiar em mim?

Ela olhou fixamente o rosto de Nikolai e sentiu uma emoção que começava a crescer dentro de si, e era como se aquela emoção se elevasse como uma enorme onda que não podia fazer recuar mesmo se tentasse. As lágrimas correram-lhe pelos olhos, alagando-os. Antes que pudesse parar, ela estava esfregando os olhos como se um dique tivesse arrebentado dentro dela, derramando velozmente todas as demasiadas feridas que lhe marcaram durante sua vida - toda a dor e todo o vazio de sua completa existência - em soluços grandes e pesados.

Nikolai a tomou nos braços e a apertou perto de si. Ele não tentou fazer com que suas lágrimas parassem. Não a alimentou com suaves mentiras para fazê-la se sentir melhor. Ou com falsas promessas para acomodar seu desespero.

Ele apenas a segurou perto de si, protegendo-a com seu corpo grande e masculino, entre seus braços musculosos.

Sustentou-a, fazendo-a sentir que ele a entendia. Que ela não estava sozinha e que, possivelmente, de alguma maneira, ela merecia ser amada.

Agarrou-a, levantando-a em seus braços, e começou a se afastar do celeiro.

– Vamos procurar um lugar para que descanse um pouco – disse ele, sua relaxante voz vibrando em seu peito, vibrando contra ela enquanto ela se agarrava nele como a uma âncora em um porto seguro.

– Não posso voltar para a casa, Nikolai. Não vou ficar lá.

– Eu sei – ele murmurou, entrando mais no bosque. – Tenho outra ideia.

Ele a deixou sobre um leito de folhas secas entre dois altos pinheiros. Renata não sabia o que esperar, mas nunca teria imaginado do que seria testemunha nos momentos seguintes.

Nikolai ajoelhou-se junto dela e relaxou os braços, o queixo abaixado, o enorme e musculoso corpo em um estado de tranquila concentração. Renata sentiu a energia ao redor deles ranger. Ela sentiu o aroma da terra rica e fértil, o aroma do bosque depois de uma tempestade. Uma brisa cálida fazia cócegas em sua nuca enquanto Nikolai pousava as pontas dos dedos sobre o chão ao lado de si.

Houve um tranquilo sussurro de movimento na grama próxima - um sussurro de vida. Renata viu algo serpentear sob as mãos de Nikolai e não pôde evitar ofegar assombrada quando se deu conta do que estava vendo.

Pequenas videiras, disparando através do chão, correndo para os pinheiros gêmeos a cada lado dela.

– Ah, meu Deus! – murmurou ela, encantada. – Nikolai... O que está acontecendo aqui?

– Está tudo bem – disse ele, olhando as videiras, dando a elas ordens, por mais difícil que fosse acreditar.

Os talos faziam espirais ao redor dos troncos das árvores e escalavam mais alto, enchendo-os com folhas que multiplicavam exponencialmente enquanto Renata olhava estarrecida. Por cima de sua cabeça, a cerca de dois metros e meio de altura, as videiras saltavam e preenchiam o espaço entre os pinheiros. Retorciam-se juntas, então enviavam vegetação, criando um vívido dossel que se estendia por todo o caminho até o chão onde Renata e Nikolai estavam sentados.

– Você está fazendo isso? – perguntou ela, incrédula.

Ele assentiu, mas manteve sua concentração, mais e mais folhas desdobrando-se sobre as videiras. Grossas paredes de fragrante aroma formavam um refúgio ao redor deles, a exuberante folhagem intercalada com diminutas flores brancas como aquela que Renata tinha encontrado no quarto de Mira.

– Está bem... Como você está fazendo isso?

O rangido de plantas crescendo parou e Nikolai lançou um olhar despreocupado sobre ela.

– Presente de minha mãe, herdado por seus dois filhos.

– Quem é sua mãe? A Mãe Natureza? – disse Renata, rindo, surpreendida apesar de saber que as belas flores e videiras eram apenas um véu temporário. Do lado de fora daquele castelo natural, todo o horror e a violência ainda existiam.

Nikolai sorriu e agitou a cabeça.

– Minha mãe era uma Companheira de Raça, como você. O seu dom é o poder da mente, este era o dom de minha mãe.

– É incrível! – Renata passou sua mão sobre as frescas folhas e delicadas pétalas. – Deus, Nikolai, sua habilidade é... Dizer que é surpreendente nem sequer chega perto.

Ele deu de ombros.

– Nunca a usei muito. Dê-me um espaço cheio de buracos ou uns blocos de C-4 qualquer dia. Então mostrarei algo surpreendente.

Ele estava se gabando, mas ela sentia que sua lábia ocultava algo mais sombrio.

– E seu irmão?

– O que tem ele?

– Você disse que também pode fazer isso?

– Ele podia, sim – disse Nikolai, as palavras soando quase ocas. – Dimitri era mais jovem que eu. Está morto. Aconteceu faz muito tempo, na Rússia.

Renata estremeceu.

– Sinto muito.

Niko assentiu, arrancou uma folha da massa de vegetação e a depedaçou.

– Ele era um garoto, um garoto muito bom. Ele era algumas décadas mais jovem que eu. Estava acostumado a me seguir como um maldito cachorrinho, querendo fazer tudo o que eu fazia. Eu não tinha muito tempo para ele. Eu gostava de viver no limite, acho até que ainda gosto. De qualquer modo, Dimitri meteu na cabeça que precisava me impressionar – Niko exalou uma maldição afogada. – Garoto estúpido. Ele faria qualquer coisa para que eu notasse sua presença, entende? Para me ouvir dizer que o via, que estava orgulhoso dele.

Renata o olhou na escuridão, vendo a mesma culpa que ela sentia quando pensava em Mira, o mesmo terror, a mesma condenação interior pelo fato de a menina estar em grave perigo - ou até já estar morta –, tudo porque alguém em quem eles confiavam tinha falhado.

Nikolai conhecia aquela tortura. Ele mesmo a tinha vivido.

– O que aconteceu com Dimitri? – Renata perguntou com cuidado. Ela não queria abrir velhas feridas, mas precisava saber. E podia ver que Nikolai carregava aquela dor há muito tempo. – Pode me contar, Nikolai. O que aconteceu com seu irmão?

– Ele não era como eu – disse, as palavras contemplativas, como se ele se afundasse em sua história. – Dimitri era inteligente, um aluno exemplar. Amava os livros e a filosofia, adorava destrinchar as coisas, descobrir como funcionava tudo ao seu redor e depois juntá-las de novo. Era brilhante, verdadeiramente superdotado, mas queria ser como eu.

– E como era você então?

– Selvagem – disse, mais como um epíteto do que como uma ostentação. – Sou o primeiro a admitir. Sempre fui um pouco temerário, sem me preocupar onde eu terminaria amanhã enquanto estivesse passando um bom momento hoje. Dimitri gostava da contemplação, eu gostava da adrenalina. Ele gostava de juntar as coisas; eu, de quebrá-las.

– Foi por isso que você se uniu à Ordem? Pela adrenalina da luta?

– Esse é parcialmente o motivo, sim – ele colocou os cotovelos sobre os joelhos e olhou o chão. – Depois do assassinato de Dimitri, eu tinha de me afastar. Culpei-me pelo que aconteceu. Deixei meu país e fui para os Estados Unidos. Juntei-me a Lucan e aos outros em Boston não muito tempo depois disso.

Ela não deixou de lado o fato de que ele havia dito que seu irmão tinha sido assassinado, não meramente morto.

– O que aconteceu, Nikolai?

Ele exalou um longo suspiro.

– Eu tinha problemas com um idiota do Refúgio da Ucrânia. Chegamos a sair no braço várias vezes, principalmente por causa do tédio. Mas uma noite, Dimitri ouviu aquele chupa-sangue em um botequim falando asneiras sobre mim e decidiu chamar sua atenção. Dimitri tirou uma faca e cortou o cara diante de seus amigos. Foi um golpe de sorte – ele não era bom com armas. De todo modo, aquilo encheu o saco do bastardo e, dois minutos depois, meu irmão estava no meio de uma poça de seu próprio sangue, com a cabeça separada do corpo.

– Ah, Jesus! – Renata disse com a respiração entrecortada, sentindo uma dor em seu coração. – Sinto muito, Nikolai.

– Eu também – deu de ombros. – Depois, saí e persegui o assassino de Dimitri. Arranquei a cabeça dele e a levei para meus pais como desculpas. Eles me desprezaram, disseram que deveria ter sido eu, não D. E eu não podia culpá-los por conta isso. Diabos, eles tinham razão, afinal de contas. Então, fugi e nunca mais olhei para trás.

– Sinto muito, Nikolai.

Ela não sabia mais o que dizer. Tinha pouca experiência em oferecer consolo, e mesmo que tivesse, não estava segura de que Niko quisesse ou necessitasse daquilo. Como um homem repentinamente desconfortável em sua própria pele, Nikolai ficou calado durante um longo momento.

Ele limpou a garganta, passou a mão pelos cabelos e ficou em pé.

– Acho que devo sair e dar outra olhada na casa. Você ficará bem sozinha aqui durante alguns minutos?

– Sim. Estou bem.

Ele a olhou fixamente, procurando seu rosto. Ela não sabia o que queria que dissesse, mas o olhar em seus olhos parecia indecifrável.

– Sente-se bem? Algum sinal da reverberação?

Renata deu de ombros.

– Um pouco, mas não muito forte.

– E seu ombro?

– Bem – disse ela, flexionando o braço esquerdo para mostrar que já não sentia dor. – Está muito melhor agora.

Um silêncio longo e estranho se estendeu entre eles, como se nenhum dos dois soubesse como superá-lo ou fazer a coisa mais fácil e deixá-lo durar. Foi assim até que Nikolai começou a separar algumas das grossas videiras para sair e Renata estendeu a mão para tocá-lo.

– Nikolai... Eu, hum... queria agradecê-lo – disse ela, consciente do fato de que, embora ele tenha parado, ela continuava com a mão em seu braço. – Preciso agradecê-lo... por me dar seu sangue hoje.

Ele girou para ela, fazendo um leve movimento de cabeça.

– A gratidão é agradável, mas não é necessária. Se nossas situações estivessem invertidas, sei que teria feito o mesmo por mim.

Ela o teria feito, sim; Renata podia dizer isso sem a menor dúvida. Aquele homem, um estranho há menos de uma semana - um guerreiro que também era um vampiro – e agora tinha se tornado seu mais confiável e íntimo amigo. Se fosse honesta consigo mesma, teria de admitir que Nikolai ia além disso, isso mesmo antes de ter compartilhado seu sangue com ela. Inclusive antes do sexo que ainda lhe fazia os pés se retorcerem só de lembrar.

– Não estou segura de como fazer isso... – Renata elevou o olhar para ele, lutando com as palavras, mas precisando dizê-las. – Não estou acostumada a contar com ninguém. Não sei como estar com alguém. Não é algo que eu tenha feito antes, e só... sinto como se tudo que pensei que sabia, todas as coisas que uma vez me ajudaram a sobreviver agora fugissem de mim. Estou à deriva... estou aterrada. – Nikolai acariciou-lhe a bochecha em chamas e, então, deu-lhe um abraço.

– Você está segura – disse carinhosamente ao pé da orelha dela. – Estou com você e vou protegê-la.

Ela não se deu conta do quanto precisava ouvir aquelas palavras até que Nikolai as dissesse. Ela não sabia quanto ele morria de alegria por ter seus braços ao redor dela ou quanto ansiava seu beijo até que Nikolai se aproximou mais e colocou a boca sobre a dela. Renata o beijou despreocupada, deixando-se levar pelo momento porque Nikolai estava com ela, sustentando-a, dando-lhe segurança. Seu beijo cresceu mais apaixonado, ele a inclinou sobre a terra almofadada do refúgio íntimo. Renata sentiu o peso do corpo musculoso dele sobre ela, as mãos grandes e quentes dele acariciando a pele cremosa dela. E sob sua camiseta larga, ele começou a passar os dedos pelo estômago e pelos seios já intumecidos da mulher.

Com as presas, tocou-lhe leve e infantilmente os lábios enquanto os separava para beijá-la. Os olhos dele brilhavam como brasas sob as pálpebras, e ela não precisava ver seu rosto transformado para saber que ele a queria. A rígida evidência disso apertava-se insistentemente contra seu quadril. Ela moveu as mãos pela coluna dele e ele gemeu, sua pélvis golpeando-a com um reflexivo empurrão.

Seu nome foi um gemido gutural enquanto ele movia a boca sob seu queixo e por seu pescoço. Ele arrancou a camiseta dela e Renata arqueou as costas para receber seus lábios enquanto ele descia sobre seus seios nus e pela suave planície de sua barriga. Ela estava perdida no prazer daquele beijo selvagem. Sentindo o calor da pele dele contra a sua.

Com dedos hábeis, ele desabotoou o jeans dela, deslizando-o pelas coxas. Sua boca seguiu o progresso, queimando-a do quadril até o tornozelo enquanto separava suas pernas e empurrava sua calcinha para um lado. Ela gritou quando ele se inclinou entre suas coxas e sugou-lhe o sexo, língua e presas levando-a a um delicioso tormento.

– Ah! Deus! – ofegou ela, seus quadris elevando-se do chão enquanto ele enterrava a boca em seu sexo umedecido.

Ela não soube como conseguiu, mas um momento mais tarde ele também estava nu. Deitou-se sobre ela, mais do que simplesmente um homem. E a mulher dentro de Renata estremeceu de desejo. Ela abriu as pernas para ele, ansiosa por senti-lo dentro de si, preenchendo o vazio com força e calor.

– Por favor... – ela gemeu, ofegando de necessidade.

E ele não a fez pedir duas vezes.

Movendo-se para cobri-la, Nikolai colocou os joelhos entre suas pernas e a abriu debaixo de si. A cabeça de seu pênis golpeou a fenda lisa do sexo dela e, em seguida, mergulhou longa, lenta e profundamente.

O grunhido dele enquanto se afundava dentro dela era feroz, um eco de trovões em seus ossos e sangue. Começou a empurrar lentamente, embora fosse claro que a paciência era uma tortura. Renata podia sentir a intensidade de sua fome por ela, a profundidade de seu prazer enquanto ela embainhava o mastro dele da cabeça aos testículos.

– Você é tão boa – ele murmurou entre os dentes enquanto se retirava para começar de novo, mais fundo que antes. Empurrou forte, estremecendo com o esforço. – Oh! Renata... Sinto-me tão bem.

Ela uniu os tornozelos ao redor das costas largas dele enquanto ele movia-se em um ritmo mais frenético.

– Mais forte – sussurrou ela, querendo sentir que ele acabava com seus medos, um martelo que esmagava toda sua culpa, dor e solidão. – Ah! Nikolai... Entre mais forte em mim.

O grunhido dele em resposta soou tão entusiasta quanto selvagem. Deslizando seu braço por baixo dela, inclinando-a para encontrar suas carícias, conduzindo-a com toda a ira que ela tão desesperadamente necessitava. Varreu-lhe a boca com um beijo febril, contendo o grito enquanto seu clímax rugia sobre ela como uma tormenta. Renata tremeu e estremeceu, agarrando-o enquanto ele continuava empurrando-se para dentro dela, cada músculo de suas costas e ombros ficando tão duros quanto pedras de granito.

– Ah! – gemeu entre os dentes e presas, seus quadris movendo-se de forma rápida e frenética contra ela em um rápido e temerário ritmo que era maravilhosamente bom, cheio de vida e repleto de alegria.

O grito de liberação dele ecoou na voz de Renata enquanto ela voltava novamente, aferrando-se contra ele e se perdendo naquele delicioso novo sentimento de despreocupação.

Ela estava à deriva, mas naquele momento não sentia medo. Estava a salvo com aquele macho selvagem e audacioso; ela acreditava verdadeiramente nisso. Confiava em Nikolai com seu corpo e com sua vida. Enquanto permanecia ali com ele enfiado entre suas pernas, em uma postura íntima, não era tão difícil imaginar que ela também pudesse confiar nele com seu coração. Que ela podia, de fato, estar se apaixonando por ele.

A batida foi insistente - um frenético bater na porta de carvalho do Refúgio de Andreas Reichen, em Berlim.

– Andreas, por favor! Está aí? É Helene. Tenho que vê-lo!

Era mais de 4 horas da manhã, um breve momento antes que o sol aparecesse sobre o horizonte e apenas uns poucos permaneciam acordados na casa. O resto dos familiares de Reichen - cerca de uma dúzia deles, jovens homens da Raça e casais com crianças pequenas, algumas delas recém-nascidas - já tinham começado a ir para a cama.

– Andreas? Alguém? – outra série de golpes cheios de pânico, seguidos por um grito apavorado. – Olá! Alguém, por favor... deixem-me entrar!

Dentro da mansão, um homem da Raça saiu da cozinha, onde estava esquentando um copo de leite para sua companheira que o esperava no andar de cima com seu exigente bebê. O macho conhecia a humana que estava na porta. A maioria do Refúgio a conhecia, e Andreas tinha deixado claro que Helene era sempre bem-vinda em sua casa. Ter chegado sem avisar naquela hora tardia, e enquanto Andreas estava longe em negócios particulares durante duas noites, era estranho. Mais estranho ainda era o fato de que a controlada mulher estivesse tão assustada.

Cheio de preocupação pelo que podia ter ocorrido à companheira humana de Andreas, o homem do Refúgio deixou o leite e correu pelo chão de mármore do vestíbulo, sua roupa de banho voando atrás dele como a vela de uma embarcação pirata.

– Já vou – gritou, elevando a voz para ser ouvido entre os golpes incessantes e as súplicas chorosas de Helene do outro lado da porta.

Os dedos do macho voaram sobre o teclado do sistema de segurança da mansão.

– Um momento! Estou aqui, Helene. Vai ficar tudo bem.

Quando a luz eletrônica piscou para indicar que os sensores estavam desabilitados, ele tirou os ferrolhos e abriu a porta.

– Ah! Graças a Deus! – Helene correu para ele, com a maquiagem borrada e manchas negras cobrindo-lhe as bochechas. Estava pálida e trêmula; seus olhos, habitualmente ardilosos, pareciam de algum modo vazios enquanto ela fazia uma rápida verificação do vestíbulo.

– Andreas... onde está ele?

– Foi a Hamburgo a negócios. Voltará amanhã à noite. Mas você é bem-vinda aqui – recuou para dar espaço e deixar que entrasse na mansão. – Entre, Helene. Andreas não gostaria que a rejeitássemos.

– Não – disse ela de um jeito débil. – Sei que ele nunca me rejeitaria.

Entrou no vestíbulo e pareceu instantaneamente mais calma.

– Eles sabiam que ele nunca me rejeitaria...

Foi nesse momento que o jovem do Refúgio se deu conta de que Helene não estava sozinha. Atrás dela, apressando-se antes que pudesse fazer algo mais do que gritar em alerta, havia uma equipe de Agentes da lei pesadamente armados vestidos de preto da cabeça aos pés.

Ele virou a cabeça para olhar Helene incrédulo. Com completo horror.

– Por quê? – perguntou, mas a resposta estava em seus olhos vazios.

Alguém tinha conseguido controlá-la. Alguém muito poderoso.

Alguém que tinha convertido Helene em uma Subordinada – uma escrava de sangue.

O pensamento se registrou antes que o primeiro disparo o golpeasse. Ele ouviu carregadores sendo disparados, ouviu os gritos de sua família enquanto todo o Refúgio despertava com terror.

Mas, então, outra bala golpeou seu crânio e seu mundo e tudo nele se tornou silencioso e escuro.

 

 

CONTINUA

Capítulo 19

- Agradável - exalou Niko fazendo uma tensa careta. Sentia-se tudo menos agradável enquanto fechava a porta do banheiro e caminhava para o quarto.

Ficar a sós com Renata enquanto ela estava nua na banheira, tocando-a – beijando-a, pelo amor de Deus! -, tinha deixado todo o seu corpo sobrecarregado. E estava tão perturbado que sua feroz ereção era a menor de suas preocupações enquanto ele se aproximava da porta onde Jack golpeava de novo. Uma coisa era fingir que não havia um pau de barraca ereto em suas calças. Outra, era esperar que alguém não notasse que seus olhos estavam ardendo em brasa como carvões queimando e que seus caninos estavam tão estendidos a ponto de envergonhar um rottweiller.

Ao menos a folgada camisa cobria-lhe os glifos. Niko não precisava ver seu corpo para saber que as marcas de sua pele estavam vivas e pulsando com as profundas cores por causa da excitação. Seria terrivelmente difícil tentar fazê-las passar por tatuagens agora.

Nikolai olhou à porta e se forçou a relaxar e se acalmar. Tinha que eliminar o fogo de sua íris e a significativa luxúria que o toque de Renata tinha-lhe despertado. Concentrou-se em amenizar o pulso – uma luta atroz quando era seu pênis quem comandava sua circulação sanguínea.

- Olá? - disse uma saudação arrastada do lado de fora. Jack golpeou de novo, a sombra escura de sua cabeça movendo-se ao outro lado da cortina na janela da porta. Parecia consciente em manter sua voz a um nível discreto. - Renata, é você, querida? Está acordada?

Inferno. Não havia escolha senão deixá-lo entrar. Nikolai grunhiu em voz baixa enquanto estirava o braço para puxar o ferrolho. Tinha garantido a Renata que seria agradável com o homem, mas as coisas podiam mudar logo que abrisse a maldita porta. E se o humano emitisse uma ligeira suspeita, logo faria parte da lista de pessoas que já tinham passado por uma lavagem cerebral.

Niko destrancou a porta e virou o trinco. Recuou do fio de luz que se vertia no interior pela abertura e posicionou-se atrás da porta enquanto a abria.

- Renata? Posso entrar um minuto? - botas de cowboy marrons avançaram sobre a soleira. - Pensei em visitá-la esta manhã antes de ocupar-me com os garotos na casa.

Quando o humano entrou vestindo um par de jeans desgastado e uma camiseta de algodão branco, Nikolai fechou a porta para selar o sol da manhã. Avaliou o homem mais velho, olhando o rosto enrugado, os ardilosos olhos e o estilo militar de sua roupa. Era um homem grande, magro e com as pernas ligeiramente tortas, mas seus braços tatuados estavam bronzeados e ainda firmes com músculos o suficiente para indicar que mesmo velho ele não temia o trabalho duro.

- Você deve ser o Jack - disse Nikolai, tomando cuidado para falar de maneira que mantivesse suas presas ocultas atrás dos lábios.

- Correto. - Um ligeiro assentimento enquanto Niko era objeto de uma avaliação similar a que fizera antes. - E você é o amigo da Renata... Ela, ah, não me disse seu nome ontem à noite.

Aparentemente o brilho âmbar tinha desaparecido das íris azuis de Niko, já que ele duvidava que Jack lhe apertaria a mão como fazia nesse momento se visse um par de olhos de outro mundo que brilhavam como centelhas em uma lareira.

- Nick - disse, apenas se aproximando da verdade por ora. Apertou a mão brevemente do antigo soldado. - Obrigado por nos ajudar.

Jack assentiu.

- Seu aspecto está melhor esta manhã, Nick. Alegra-me vê-lo de pé, andando por aí. Como está Renata?

- Bem. Está no banheiro tomando banho.

Não viu razão alguma para expor a infecção. Não tinha sentido preocupar o bem-intencionado Jack a ponto de começar a falar sobre médicos ou idas ao hospital. Embora se apoiando no que Nikolai tinha visto da ferida de Renata, se seu processo de cura não obtivesse um sério avanço – e rápido - não haveria alternativa exceto uma visita à sala de emergência mais próxima.

- Não quero perguntar como ela terminou com uma bala no ombro - disse Jack, olhando de perto Nikolai. - Pela forma como vocês estavam ontem à noite e pelo fato de ter tido que desaparecer com um caminhão roubado cheio de produtos médicos, eu diria que, seja qual for, o problema está relacionado a drogas. Mas sei que Renata é mais inteligente que isso. Não acredito nem por um momento que ela se envolveria em algo como drogas. Ela não quis me dizer nada, e prometi não pressioná-la. Sou um homem de palavra.

Niko sustentou o olhar do velho homem.

- Estou seguro de que ela aprecia isso. Ambos apreciamos.

- Sim - disse Jack arrastando as palavras, seus duros olhos estreitando-se. - Mas tenho curiosidade sobre algo. Ela sumiu durante os últimos anos... Você teve algo a ver com isso?

Aquilo não foi pronunciado como uma acusação aberta, mas era óbvio que o homem tinha estado preocupado com Renata e também tinha sentido que sua longa ausência não fora necessariamente boa para ela. Cara, se ele soubesse o que ela tinha passado! A ferida de bala que tinha agora era apenas a cereja do que tinha sido um bolo muito, muito desagradável.

Nikolai agitou a cabeça.

- Só conheço Renata há alguns dias, mas posso dizer que você tem razão quando diz que ela é muito inteligente para cair em problemas com drogas. Esse não é o problema agora, Jack. Mas ela está em perigo. A única razão pela qual estou aqui é porque ela arriscou o próprio pescoço para me tirar de um monte de problemas ontem.

- Isso é bem a cara de Renata - disse Jack com uma expressão perdida entre o orgulho e a preocupação.

- Infelizmente, porque ela entrou para me ajudar, agora há um alvo em nossas costas.

Jack grunhiu enquanto escutava, juntando as enxutas sobrancelhas.

- Ela disse como nos conhecemos?

- Alguma coisa - disse Niko. - Sei que confia em você e que o respeita. Presumo que esteve aqui para ajudá-la uma ou duas vezes antes de agora.

- Tentei, melhor dizendo. Renata nunca quis ajuda de mim ou de ninguém mais. Não para si. Mas havia muitos outros meninos que ela trouxe para minha casa em busca de ajuda. Ela não podia ver alguém sofrer. Demônios, ela não era muito mais que uma menina na primeira vez que veio. Sempre guardava para si mesma os maiores pesos, uma verdadeira solitária. Ela não tem família, já sabe.

Nikolai agitou a cabeça mais uma vez.

- Não, não sabia disso.

- As irmãs de um orfanato a criaram nos primeiros 12 anos de sua vida. A mãe dela a abandonou na igreja quando Renata era apenas um bebê. Ela nunca soube nada de seus pais. Quando fez 15 anos, deixou as freiras para viver nas ruas. Sozinha.

Jack caminhou para um arquivo metálico que permanecia com algumas das outras coisas armazenadas no apartamento. Pegou um molho de chaves do bolso do jeans e enfiou uma delas na fechadura.

- Sim, senhor, Renata era difícil, desde o começo. Magra, cautelosa, ela parecia alguém que sequer podia manter-se de pé durante uma forte brisa, mas essa garota tinha nervos de aço. Não levava desaforo algum.

- Não mudou muito - disse Nikolai, olhando o homem abrir a gaveta do fundo. - Nunca conheci uma mulher como Renata.

Jack olhou por cima dele e sorriu.

- Ela é especial, não é mesmo? Teimosa também. Uns poucos meses antes da última vez que a vi, ela estava com o rosto cheio de hematomas. Aparentemente algum bêbado com quem cruzou na saída de um bar teve a ideia de querer um pouco de companhia durante a noite. Viu Renata e tentou levá-la para um passeio em seu carro. Ela lutou com ele, mas ganhou alguns socos antes de conseguir escapar.

Nikolai amaldiçoou em voz baixa.

- O filho da mãe deveria ter sido estripado por colocar as mãos em uma mulher indefesa.

- Isso foi o que pensei - disse Jack, mortalmente sério, o soldado protetor falando uma vez mais.

Relaxou e retirou uma caixa de madeira polida do arquivo.

- Ensinei uns golpes básicos de autodefesa a ela. Ofereci enviá-la a algumas aulas, mas é óbvio que ela rechaçou. Umas poucas semanas se passaram e ela voltou de novo, trazendo outro menino sem lar. Disse que tinha algo para ela – um presente especial que eu havia feito para ela. Juro por Deus, se você tivesse visto seu rosto, pensaria que ela preferiria se jogar na frente de um carro a ter que aceitar alguma amabilidade de alguém.

Nikolai não tinha que se esforçar para imaginar aquele olhar. Ele mesmo o tinha visto uma ou duas vezes desde que conhecera Renata.

- Qual foi seu presente para ela?

O velho deu de ombros.

- Não muito, realmente. Um velho jogo de adagas. Levei-as ao artesão que trabalhava com metais e pedi para customizar as lâminas. Cada uma das quatro com parte da força que vi em Renata. Disse que eram as qualidades que a faziam única e resolveriam qualquer situação.

- Fé, coragem, honra e sacrifício - disse Nikolai, recordando as palavras que tinha visto nas adagas que Renata parecia guardar como um tesouro.

- Ela lhe contou sobre as adagas?

Niko deu de ombros.

- Eu a vi usando-as. Significam muito para ela, Jack.

- Não sabia - respondeu. - Fiquei surpreso por ela as ter aceitado de primeira, mas não pensei que ainda as guardasse depois de todo esse tempo.

Piscou rapidamente, depois se entreteve com a caixa que tinha tirado do arquivo. Abriu a tampa, e Niko captou o brilho do escuro metal descansando dentro do estojo. Jack limpou a garganta.

- Escuta, como disse antes, não vou pressionar para que me dê detalhes daquilo em que estão envolvidos. Está suficientemente claro que estão em um grande apuro. Podem ficar aqui o tempo que precisar. E quando estiverem preparados para ir, saibam que não precisa ser com as mãos vazias.

Colocou a caixa aberta no chão e empurrou na direção de Nikolai. Dentro havia duas imaculadas pistolas semiautomáticas e uma caixa de balas.

- São suas, se quiser. Não farei perguntas.

Niko agarrou umas das duas 45 mm e a inspecionou com um olhar crítico. Era um belo e bem cuidado Colt M1911. Provavelmente armas de uso militar da época em que Jack servira no Vietnã.

- Obrigado, Jack.

O velho guerreiro humano assentiu ligeiramente.

- Tome conta dela. Mantenha-a protegida.

Nikolai sustentou esse firme olhar.

- Farei isso.

- Está bem - Jack murmurou. - Está bem, então.

Enquanto começava a levantar-se, alguém gritou seu nome no caminho de entrada. Um segundo mais tarde, ouviam-se pisadas nas escadas de madeira que levavam ao apartamento da garagem.

Niko lançou a Jack um afiado olhar.

- Alguém sabe que estamos aqui?

- Não. De modo algum. É só Curtis, um de meus meninos recentes. Está arrumando meu velho computador. Os malditos vírus atacaram de novo – Jack se dirigiu para a porta. - Ele acha que estou procurando um disco rígido aqui dentro. Vou dispensá-lo. Enquanto isso, se pensar em algo mais de que possam precisar, basta pedir.

- Tem um telefone? - perguntou Niko, devolvendo a pistola à caixa.

Jack colocou a mão em seu bolso dianteiro e tirou um celular, jogando-o para Nikolai.

- Deve ter algumas horas de bateria. É seu.

- Obrigado.

- Virei mais tarde - Jack segurou o trinco da porta e Nikolai voltou para as sombras, longe do reflexo da luz diurna enquanto fazia um esforço para ficar fora da visão do indesejado visitante que tinha chegado no alto das escadas.

- Bem, eu estava enganado, Curtis. Olhei todos os lugares e não há nenhum disco rígido nas caixas daqui de cima.

Niko viu a cabeça do outro humano tentando olhar pelo fio da porta enquanto Jack a fechava firmemente atrás dele. Houve uma multidão de passos enquanto Jack escoltava o outro humano para longe.

Uma vez que estava seguro de que eles tinham partido, Nikolai discou um número de acesso remoto que era mantido pelos quartéis centrais da Ordem em Boston. Teclou no celular de Jack um número e um código que o identificaria para Gideon, e então esperou que a chamada fosse atendida.

O meio-dia em uma comunidade que abrigava um grupo de vampiros era geralmente uma hora de inatividade, mas nenhum dos sete guerreiros reunidos na sala de armas dos quartéis centrais da Ordem pareceu notar a hora, nem sequer os suficientemente abençoados que tinham suas encantadoras Companheiras de Raça esquentando suas camas. Desde que se reagruparam na comunidade antes do amanhecer, os guerreiros se mantiveram ocupados revisando as situações de missões atuais e marcando objetivos para a noite que se aproximava. Investigaram os assuntos da Ordem durante horas e, ao final, não havia nada novo. E dessa vez não havia também nada das habituais conversas de bom humor ou brincadeiras sobre quem estava pegando as melhores missões.

Nesse momento, a alguns metros de distância, na área usada para prática de tiro, cinco pistolas estavam sendo disparadas, uma atrás da outra, os olhos do outro lado trituravam minúsculos confetes. A sala de tiro da comunidade era usada mais para entretenimento do que para necessidade, posto que todos os guerreiros matavam seus alvos. Mesmo assim, nunca paravam de se provocar e de chutar os traseiros uns dos outros só para manter as coisas vívidas.

Não havia isso hoje. Apenas o som de todo aquele ruído ensurdecedor. O ruído era estranhamente cômodo só porque ajudava a mascarar o silêncio, e o fato de a comunidade toda estar vibrando com um atual mal-estar. Durante as últimas 36 horas, o comportamento tinha sido mais sóbrio, envolto no coletivo, se não talvez inexpressivo, terror.

Um dos seus tinha desaparecido.

Nikolai sempre tendeu a ser um pouco inconformista, mas não significava que o homem fosse de pouca confiança. Se dizia que ia fazer algo - ou que estaria em algum lugar -, podiam contar com ele para seguir adiante. Em qualquer momento, sem exceções.

E agora, quando deveria ter voltado para Montreal fazia um dia e meio, como tinha planejado, Niko estava apagado e fora de contato.

Nada bom, pensou Lucan, sentindo que não era o único com essa sensação enquanto olhava os outros guerreiros que também esperavam notícias de Nikolai e se perguntavam o que poderia ter acontecido.

Como Primeira Geração da Raça e fundador da Ordem na Idade Média, Lucan era o líder daquele grupo de vampiros guerreiros da era moderna. Sua palavra era lei naquela comunidade. Em tempos de crise – para melhor ou pior - era sua resposta que estabelecia a voz para os outros guerreiros. Estava bem condicionado a não mostrar preocupação ou dúvida, uma destreza que vinha naturalmente de sua parte virtualmente imortal, um poderoso predador que tinha caminhado por esta Terra durante 900 anos.

Mas a parte humana, a parte que tinha chegado a apreciar mais a vida por ter conhecido sua Companheira de Raça, Gabrielle, no verão passado, não podia fingir que a perda potencial de um guerreiro nessa guerra privada dentro da nação vampírica não seria algo catastrófico. Sem falar do fato de que os guerreiros da Ordem, os que tinham estado com ele desde o começo e os membros mais recentes, que tinham se unido à luta no último ano, eram quase uma família para ele. Tudo tinha mudado tanto nesse tempo. Agora também havia várias mulheres vivendo na comunidade, e para um dos guerreiros e sua companheira - Dante e Tess -, havia um bebê à caminho.

Agora, as apostas eram mais altas que qualquer outra para a Ordem; assim que um inimigo era derrotado, outro ainda mais poderoso surgia em seu lugar. Em um ano, a principal missão dos guerreiros tinha sido caçar os Renegados, em um esforço para manter a paz, perseguir um perigoso inimigo que tinha se escondido por muitas longas décadas. Um inimigo que tinha estado pacientemente construindo sua estratégia enquanto ocultava um segredo mortal e esperava a oportunidade de levá-lo a cabo. Se tivesse êxito, não estariam só as populações da Raça em perigo, mas também toda a humanidade.

Não custou muito a Lucan recordar a selvageria dos velhos tempos, quando a noite era dominada por um monte de criaturas de outro mundo, sedentas. Criaturas que tratavam em ampla escala de terror e morte. Alimentavam-se como bestas e causavam destruição como os malfeitores mais letais. Lucan havia feito de sua vida uma missão de erradicar aquelas bestas, mesmo que isso significasse caçar seu próprio pai.

A Ordem tinha declarado a guerra, havia brandido espadas e batalhado para exterminar a todos... ou pelo menos assim eles acreditavam. A ideia de que alguém tivesse sobrevivido causou um profundo frio nos imortais ossos de Lucan.

Olhou os guerreiros que serviam junto a ele e não pôde evitar sentir algo de sua idade. Não pôde evitar sentir que tinham enfrentado uma prova no ano passado - possivelmente sua primeira e verdadeira prova desde a formação da Ordem - e que o pior estava por vir.

Perdido em escuros pensamentos enquanto perambulava pela parte traseira da sala de armas, Lucan não se deu conta de que as portas da área de treinamento estavam sendo abertas até que Gideon irrompesse a toda pressa. O tênis do vampiro loiro deslizou sobre o mármore branco até parar diante de Lucan.

- Niko fez contato - anunciou, visivelmente aliviado. – Identificou-se de um celular de Montreal.

- Finalmente - disse Lucan, embora sua resposta não disfarçasse sua preocupação. – Está com ele na linha?

Gideon assentiu.

- Está esperando no laboratório tecnológico. Pensei que queria falar com ele pessoalmente.

- Fez bem.

Os disparos cessaram abruptamente quando um dos outros guerreiros, o outro único membro Primeira Geração da Ordem, Tegan, corria para dar as notícias sobre o contato de Niko aos cinco homens que treinavam. Os guerreiros - Dante e Rio, membros há muito tempo; Chase, que tinha deixado a Agência para unir-se à Ordem naquele verão; e os dois recrutas mais recentes, Kade e Brock, ambos trazidos por Niko - abaixaram as armas e avançaram atrás de Tegan, formando um nó de músculos e testosterona.

Rio, um dos guerreiros mais ligados a Nikolai, foi o primeiro a falar. Seu rosto cicatrizado estava cheio de preocupação.

- O que aconteceu?

- Ele me deu a versão resumida - disse Gideon. - Mas a porcaria é grande e fedorenta, começando com o assassinato de Sergei Yakut há duas noites.

- Maldito seja - murmurou Brock, arrastando seus escuros dedos pelo cabelo estilizado.

- Essa onda de assassinatos dos Primeira Geração está saindo do nosso controle.

- Bom - acrescentou Gideon. - Isso não é exatamente o pior. Niko foi detido pelo assassinato e levado às instalações da Agência de Imposição.

- Ah! Inferno! - respondeu Kade, estreitando seus pálidos olhos. –Você não acha que ele...

- De maneira alguma - disse Dante, sem pestanejar um segundo. - Duvido que derramasse uma só lágrima por uma escória como Yakut, mas Nikolai não tomaria parte em sua morte.

Gideon agitou sua cabeça.

- Não. E não foi trabalho de um assassino, tampouco. Niko diz que o próprio filho de Yakut levou um Renegado para matar seu pai. Infelizmente para Nikolai, o filho de Yakut tem algum tipo de aliança com a Agência. Eles arrastaram Niko e o jogaram dentro de uma sala de contenção.

- Que merda é essa? - dessa vez era Sterling Chase quem falava. Sendo um antigo agente, ele estava ciente tanto quanto qualquer um dos guerreiros na sala do quão desagradável uma visita à Agência podia ser.

- Já que estava suficientemente consciente para telefonar, assumo que não está mais preso lá.

- Escapou de algum jeito - disse Gideon. - Mas não tenho todos os detalhes ainda. Posso dizer que há uma mulher na jogada, uma Companheira de Raça que era membro da casa de Yakut. Ela está com Niko agora.

Lucan não comentou essa problemática informação de última hora, embora sua sombria expressão provavelmente dissesse tudo.

- Onde eles estão?

- Em alguma parte da cidade - respondeu Gideon. - Niko não tem certeza sobre a localização exata, mas diz que estão seguros por agora. No entanto, estão preparados para o verdadeiro golpe?

Lucan arqueou uma sobrancelha.

- Pelo amor de Deus. Há algo mais?

- Temo que sim. O cara que atirou no traseiro de Niko na sala de contenção e pessoalmente fiscalizou sua tortura... bem, aparentemente, durante um de seus momentos mais expressivos o filho da mãe admitiu ter uma ligação com Dragos.


Capítulo 20

Nikolai estava no meio de uma conversa no celular quando Renata saiu de seu longo e bem-vindo banho. Ela evidentemente tinha adormecido na banheira em algum momento, porque a última coisa de que se lembrava era de ter escutado a voz de Jack na porta do quarto depois de Nikolai ir conhecê-lo, e agora já não havia mais nenhum sinal do ex-marinheiro. Deteve-se dentro do quarto, com os cabelos úmidos grudando no pescoço e o corpo envolto na toalha que Nikolai lhe havia dado.

Estava aturdida e dolorida, muito quente ainda, mas o banho com água fria era exatamente do que necessitava. O beijo de Nikolai tampouco tinha sido mal.

Falando baixo, em um tom confidencial, ele a olhou de onde estava, sentado em uma cadeira dobrável perto de uma mesa no centro da sala, seus olhos azul-claro fazendo uma rápida, porém completa exploração do corpo de Renata. Havia um calor inconfundível naquele breve olhar, mas ele parecia falar de negócios ao telefone, o que fazia presumir que só podia estar falando com a Ordem, em Boston. Renata escutou enquanto o guerreiro fez um resumo eficiente das circunstâncias do assassinato de Yakut, da clara aliança entre Lex e Fabien, do desaparecimento de Mira e da fuga que tinha trazido Nikolai e Renata para a casa de Jack.

Pelo tom daquela conversa, o homem do outro lado da linha - Lucan, ela tinha escutado Nikolai chamá-lo - estava preocupado com sua segurança e alegre que ambos estivessem inteiros, e não gostou nem um pouco de saber que estavam completamente à mercê de um humano. E Lucan não estava entusiasmado com o fato de que Nikolai estivesse falando em ajudar Renata a localizar Mira. Ela podia escutar a voz profunda ao final da outra linha grunhindo sobre “problemas de Companheiras de Raça” e objetivos da missão atual - como se uns excluíssem os outros.

A maldição como resposta quando Nikolai acrescentou que Renata estava se curando de uma ferida de bala era audível através de todo o quarto.

- Ela é forte–Niko disse para Lucan enquanto olhava para Renata. - Mas levou um forte golpe no ombro e não está muito bem. Seria uma boa ideia arranjar alguém para vir pegá-la e levá-la para a Ordem até que tudo se acalme por aqui.

Renata olhou com desaprovação e deu uma sacudida de cabeça. Grande engano. Até mesmo aquele pequeno gesto fez a visão dela fraquejar, e foi só o que pode fazer antes de cair sobre a cama quando suas pernas lhe faltaram. Deixou-se desabar sobre o colchão, lutando contra um círculo vicioso de ondas de calor e frio.

Tentou ocultar de Nikolai seu estado deplorável, mas o olhar que ele deu disse-lhe que seria inútil continuar tentando esconder seu mau estado.

- Gideon ainda não tem nada de Fabien? - perguntou, levantando-se para passear pelo quarto. Escutou por um minuto, depois exalou um suspiro. - Inferno! Não posso dizer que isso me surpreende. Ele tinha um maldito ar de político, então imaginei que o bastardo tivesse boas conexões. O que mais temos?

Renata conteve a respiração no silêncio que se estendeu. Podia ver que as notícias do outro lado da linha não eram boas.

Nikolai deixou escapar um profundo suspiro e, então, passou a mão pelos cabelos loiros.

- Quanto tempo acredita que Gideon vai demorar para pesquisar nos arquivos protegidos e conseguir seu endereço? Inferno, Lucan, não estou seguro de que devêssemos esperar tanto tempo, levando em conta... Sim, estou ouvindo. Talvez, enquanto Gideon faz esse trabalho, eu faça uma visita a Alexei Yakut. Poderia apostar meu testículo esquerdo que Lex sabe onde encontrar Fabien. Diabos, não me resta dúvidas de que Lex esteve lá mais de uma vez. Eu ficaria feliz em obter essa informação, depois enfrentarei Fabien pessoalmente.

Nikolai escutou por um momento antes de grunhir uma maldição em voz baixa.

- Sim, claro, eu sei... por mais que queira fazer esse filho da mãe pagar, você tem razão. Não podemos nos arriscar a assustar Fabien antes de ter uma sólida informação sobre sua ligação com Dragos.

Renata olhou a tempo de perceber o olhar sombrio de Nikolai. Ela esperou que ele acrescentasse que nada era mais importante do que garantir a segurança de Mira e rastrear o vampiro que a mantinha. Ela esperou, mas essas palavras nunca atravessaram os lábios do guerreiro da Ordem.

- Sim - murmurou. - Ligue quando souber de algo. Vou sair esta noite e ver se descubro algo útil. Manterei contato.

Niko terminou a chamada e deixou o celular sobre a mesa. Renata o olhou enquanto ele se aproximava da cama e se agachava na frente dela.

- Como se sente?

Estendeu a mão como se fosse checar o ombro, talvez simplesmente acariciá-la, mas Renata distanciou-se. Não podia sentar-se ali e agir como se não estivesse nem um pouco confusa naquele momento. Sentia-se traída e ridícula por ter pensado que podia contar com ele em primeiro lugar.

- A água fria ajudou a baixar a febre? - perguntou, com a testa franzida. - Ainda está pálida e trêmula. Venha, deixe-me dar uma olhada.

- Não preciso de sua preocupação - disse. - E tampouco preciso de sua ajuda. Esqueça que a pedi. Só... esqueça tudo. Eu não gostaria que meus problemas interferissem em nenhum dos objetivos de sua atual missão.

Niko olhou-a ainda mais tenso.

- Do que está falando?

- Tenho minhas prioridades, e você claramente tem as suas. Deixou claro que seu companheiro Lucan tem a última palavra.

- Lucan é um de meus irmãos de armas. Além disso, ele é o líder da Ordem, portanto, sim, tem o direito de ter a última palavra quando se trata de assuntos da Ordem. - Nikolai ficou de pé, cruzando os braços fortes sobre o peito bem-definido. - Algo grande está por vir, Renata. O assassinato de Yakut foi somente uma pequena parte disso, e não foi o primeiro. Houve vários assassinatos de Primeiras Gerações nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Alguém vem matando os mais velhos e poderosos membros da Raça silenciosamente.

- Para quê? - olhou-o curiosa contra sua vontade.

- Não estamos seguros. Entretanto, acredita-se que tudo esteja ligado a um único indivíduo, um macho da Raça de segunda geração muito perigoso chamado Dragos. A Ordem o tirou de seu esconderijo há algumas semanas, mas ele conseguiu fugir. Agora ele está escondido outra vez. O filho da mãe esteve agindo sob nossos narizes. Qualquer coisa que descobrirmos que possa nos levar a ele é importante. Ele precisa ser detido.

- Sergei Yakut matou dúzias de seres humanos só por esporte - Renata assinalou. - Por que você ou o resto da Ordem não o pararam?

- Até recentemente não sabíamos onde encontrá-lo, muito menos sabíamos de suas atividades. E mesmo se soubéssemos, ele era um Primeira Geração, e por mais que o odiássemos, a Ordem não teria sido capaz de detê-lo por um monte de questões burocráticas.

Os pensamentos de Renata obscureceram-se, voltando para o tempo que tinha vivido sob o controle de Yakut.

- Havia vezes em que Yakut bebia de mim... quando me usava por conta de meu sangue, eu via algo monstruoso nele. Quero dizer, eu sabia o que ele era, o que todos vocês são. Mas, de vez em quando, eu olhava nos olhos dele e juro que não havia humanidade alguma. Tudo o que via era algo verdadeiramente mau.

- Ele era um Primeira Geração - Nikolai disse, como se isso fosse explicação suficiente. - Só metade de seus genes era humana. A outra metade era... algo mais.

- Vampiro - murmurou ela.

- De outro mundo - disse Nikolai, corrigindo-a.

Olhou-a enquanto dizia essas palavras e Renata teve o impulso de rir. Mas ela não podia, não quando a expressão de Niko era tão grave.

- Lex gosta de gabar-se que é filho de um rei conquistador de outro mundo. Sempre supus que isso tudo era bobagem. Você está me dizendo que o que ele diz é realmente verdade?

Nikolai zombou.

- Um conquistador, sim, mas um rei, não. Os oito Antigos que chegaram há milhares de anos e tiveram filhos com mulheres humanas eram selvagens sedentos de sangue, violadores... criaturas letais que dizimavam cidades inteiras. A maioria deles foi eliminada pela Ordem na Idade Média. Lucan conduziu a missão contra eles depois que sua própria mãe foi assassinada pela criatura de quem ele era filho.

Renata apenas escutava, muito surpresa para fazer todas as perguntas que formavam redemoinhos em sua cabeça.

- Como resultado, um dos Antigos sobreviveu à guerra da Ordem contra eles – Nikolai acrescentou. – Esse Antigo foi escondido por um de seus filhos, um vampiro Primeira Geração chamado Dragos. Temos boas razões para acreditar que o Antigo ainda está vivo e que o último filho sobrevivente de Dragos, seu xará e o bastardo que tentamos deter, só está esperando uma oportunidade para libertá-lo.

- Há dois anos eu estava segura de que vampiros não existiam realmente. Sergei Yakut me fez mudar de opinião. Mostrou-me que vampiros não apenas existem, mas que também são mais temíveis e perigosos do que qualquer coisa que eu tenha visto em livros ou filmes. Agora, você está me dizendo que há ainda algo pior lá fora?

- Não estou querendo assustá-la, Renata. Só acredito que você deveria saber dos fatos. De todos eles. Estou lhe confiando tudo isso.

- Por quê?

- Porque quero que você entenda - disse as palavras de maneira muito gentil.

Como se ele estivesse se desculpando com ela de alguma forma.

Renata levantou o queixo, uma frieza parecia ter-se estabelecido em seu peito.

- Quer que eu entenda o quê? Que a vida de uma menina desaparecida não significa nada em comparação com tudo isso?

Nikolai amaldiçoou entre os dentes.

- Não, Renata...

- Está bem. Agora entendo, Nikolai – ela não pôde disfarçar a amargura de sua voz, nem mesmo quando estava lutando para absorver todas as coisas surpreendentes que acabara de ouvir. - Ei, não é grande coisa. Afinal de contas, você nunca concordou comigo em nada e estou acostumada a ser deixada de lado. A vida é uma merda, não é mesmo? É bom saber onde ambos estamos antes de deixar as coisas irem mais longe.

- O que está acontecendo aqui, Renata? – ele a olhou com um olhar penetrante, como se pudesse ver através dela. – Isso é realmente por causa de Mira ou você está incomodada pelo que aconteceu entre nós?

Nós. A palavra cravou no cérebro de Renata como um objeto estranho. Parecia tão estranha, tão perigosa. Muito íntima. Nunca tinha havido um nós para Renata. Ela sempre tinha dependido apenas de si, nunca tinha pedido nada a ninguém. Era mais seguro dessa forma. Mais seguro agora também.

Ela tinha quebrado sua própria regra quando foi atrás de Nikolai pedir-lhe ajuda para procurar Mira, e olhe o resultado daquilo: uma ferida de bala infeccionada, tempo crucial perdido e nem um passo mais próxima de encontrar Mira. De fato, agora que tinha ajudado na fuga de Nikolai, havia pouquíssima esperança de Renata se aproximar dos vampiros que estavam com a garota. Se Mira estava em perigo antes, Renata talvez tenha deixado as coisas ainda piores agora.

- Tenho que sair daqui - disse inexpressiva. - Já perdi muito tempo. Não poderia suportar se algo acontecesse com Mira por minha culpa.

Preocupação e frustração fizeram-na se levantar da cama. Pôs-se de pé rapidamente.

Antes que pudesse se afastar dois passos de Nikolai, seus joelhos cederam, sua visão escureceu por um segundo e, de repente, ela estava caindo para a frente. Sentiu braços fortes sustentarem seu corpo e a voz tranquila de Nikolai junto ao seu ouvido enquanto ele a agarrava e a levava para a cama.

- Deixe de lutar, Renata - disse ele, enquanto saía de sua debilidade e piscava. Posicionado sobre ela, percorreu com a ponta dos dedos seu rosto. Tão terno, tão relaxado. - Não precisa correr. Não precisa brigar... não comigo. Você está a salvo comigo, Renata.

Ela queria fechar os olhos e guardar aquelas gentis palavras. Estava tão assustada para acreditar, para confiar. E sentia-se tão culpada por aceitar essa comodidade sabendo que Mira poderia estar sofrendo, provavelmente chorando por ela na escuridão e perguntando-se por que Renata tinha quebrado sua promessa.

- Mira é tudo o que me importa - sussurrou. - Preciso garantir que ela esteja a salvo. Sempre.

Nikolai assentiu, solene.

- Sei quanto ela significa para você. E sei quanto é difícil para você pedir ajuda a alguém. Jesus Cristo, Renata... conscientemente arriscou sua vida para me tirar da Agência. Nunca serei capaz de pagá-la pelo que fez por mim.

Ela deitou a cabeça sobre o travesseiro, incapaz de suportar o penetrante olhar de Niko.

- Não se preocupe, você não tem obrigação alguma comigo. Não me deve nada, Nikolai.

Dedos quentes deslizaram ao longo de sua mandíbula, tomando-lhe o queixo e gentilmente guiando-lhe o rosto de novo para ele.

- Devo minha vida. De onde venho, isso não é insignificante.

A respiração de Renata se deteve enquanto ela o olhava nos olhos. Odiava-se pela esperança que se acendia em seu coração, a esperança de que ela não estava realmente só naquele momento. Esperança de que este guerreiro lhe protegeria, que tudo sairia bem, e que não importava que monstro estivesse com Mira, eles a encontrariam e tudo ficaria bem.

- Não deixarei que aconteça nada a Mira - disse, forçando-a a encará-lo. - Tem minha palavra. Tampouco vou deixar que algo aconteça com você. E por isso vou buscar ajuda médica assim que escurecer.

- O quê? - ela tentou levantar e fez uma careta pela pontada de dor. - Ficarei bem. Não preciso de um médico.

- Você não está bem, Renata. Piora a cada hora – a expressão dele era grave conforme lançava um olhar para a ferida no ombro dela. - Não pode continuar assim.

- Vou sobreviver - insistiu. - Não me darei por vencida agora, quando a vida de Mira está em jogo.

- Sua vida também está em jogo, não entende isso? – Nikolai sacudiu a cabeça e murmurou algo escuro e desagradável em tom baixo. – Você pode morrer se essa ferida não for tratada. Não deixarei que isso aconteça, isso significa que você tem um encontro com o pronto socorro mais próximo esta noite.

- E quanto ao sangue? - ela viu como cada músculo no corpo de Nikolai se esticou no momento em que aquelas palavras deixaram seus lábios.

- O que tem o sangue? – ele perguntou com uma voz neutra.

- Perguntou-me se alguma vez eu tinha bebido do sangue de Sergei. Estaria curada agora se tivesse bebido?

Ele levantou os ombros em um gesto vago, mas a tensão em seu grande corpo masculino permanecia. Quando levantou o olhar para ela, havia brilhos de fogo âmbar no azul invernal de sua íris. Suas pupilas se estreitaram quando ele a encarou.

- Eu estaria curada agora se você me desse seu sangue, Nikolai?

- Está pedindo isso?

- Se estivesse, você me daria?

Ele exalou pesadamente e quando seus lábios se separaram para tomar outro fôlego, Renata viu as pontas afiadas de suas presas.

- Não é uma pergunta tão simples como talvez você pense - replicou com um tom áspero em sua voz.–Você ficaria ligada a mim. Da mesma maneira que Yakut estava ligado a você por meio de seu sangue, você estaria ligada a mim. Você me sentiria em seu sangue. Para sempre. E isso não poderia ser desfeito, Renata, mesmo se você bebesse da veia de outro macho da Raça. Nossos laços permaneceriam acima de qualquer outro. Não poderiam ser destruídos, não até que um de nós estivesse morto.

Aquilo não era pouca coisa, Renata definitivamente entendia. Diabos, ela dificilmente acreditava que pudesse estar considerando tudo isso. Mas, em seu interior, louca como podia estar, ela confiava em Nikolai. E o preço realmente não lhe importava.

- Se fizermos isso, eu serei capaz de sair caminhado durante a noite e procurar Mira?

A mandíbula quadrada e masculina dele se apertou o suficiente para que um músculo de sua bochecha ficasse retesado. Ele a olhou, seus olhos ainda mais selvagens. Pouco a pouco, o azul foi envolvido pelo resplendor do fogo.

Quando parecia que não ia responder, Renata estendeu a mão e a pôs firmemente sobre o braço musculoso do guerreiro.

- Seu sangue me curaria, Nikolai?

- Sim - disse ele, a palavra saiu presa em sua garganta.

- Então quero fazê-lo.

Enquanto sustentava seu olhar em um silêncio intenso, ela pensou em quão degradada e usada se sentia todas as vezes que Sergei Yakut se alimentava de suas veias... Revolvia-se diante da ideia de que tinha alimentado alguém tão cruel, um ser monstruoso. Ela nunca teria considerado tomar dele, nem por uma questão de sobrevivência. Colocar a boca no corpo de Yakut para se alimentar dele voluntariamente teria matado o resto de alma que ela ainda tinha. Beber dele? Sequer estava segura de que seu amor por Mira pudesse superar algo tão vil como isso.

Mas Nikolai não era um monstro. Ele era honorável e justo. Era terno e protetor, um homem que se mostrava um grande companheiro para ela nessa viagem incerta. Era seu melhor aliado nesse momento. Sua maior esperança para recuperar Mira.

E mais profundamente ainda, como toda mulher com necessidades e desejos, em um lugar que ela não se atrevia a examinar muito de perto, ela desejava saborear Nikolai. Desejava-o mais do que tinha direito.

- Tem certeza, Renata?

- Se você me der seu sangue, sim - respondeu. - Quero tomá-lo.

Um longo silêncio se seguiu e Nikolai, então, sentou-se ao lado dela na cama. Ela o assistiu desabotoar a camisa lentamente, dando tempo para que a incerteza e a apreensão dela aumentassem. Mas elas não aumentaram. Enquanto Nikolai tirava a camisa e se sentava diante dela com o torso nu, seus dermoglifos pulsavam, cada arco e curva saturados com variedades de sombras em cores vermelhas e escuras, e ela não se sentia preocupada. Quando ele se aproximou ainda mais e levou o braço direito à boca, mostrando as enormes presas e afundando-as no pulso, ela não sentia nem sequer um pingo de temor.

E quando, nesse momento, ele pôs seus pontos sangrentos junto aos lábios de Renata e lhe disse que bebesse, ela não teve nenhuma vontade de negar.

A primeira prova do sangue de Nikolai em sua língua foi um choque.

Ela esperava ser arrastada pelo amargo sabor cobre, mas em seu lugar provou especiarias e um poder que se pulverizou através dela como eletricidade líquida. Podia sentir o sangue dele descendo pela garganta, por todas as fibras de seu corpo. Aquilo era como luz que se infiltrava em seus membros pelo lado de dentro, e a dor no ombro ferido diminuiu enquanto ela obtinha mais e mais de Nikolai.

- Isso - ele murmurou, seus dedos acariciando-lhe os cabelos úmidos, afastando-os da maçã do rosto. - Ah, Cristo! Isso, Renata... beba até que sinta que é suficiente.

Ela sugou mais forte de sua veia, com um instinto que nunca soube que tinha. Sentia-se bem ao beber de Nikolai daquela forma. Sentia-se mais do que bem... sentia-se incrível. Quanto mais tirava dele, mais viva ela se sentia. Cada terminação nervosa piscava com uma força que vinha de dentro.

E enquanto ele continuava acariciando-a, alimentando-a e curando-a, Renata começou a sentir uma nova sensação de calor crescendo rapidamente em seu interior. Gemeu, arrastada por uma onda de lava fundida que atravessava-lhe o corpo em recomposição. Retorcia-se e sabia sem engano algum o que era aquilo: desejo. Um desejo que ela tinha tentado negar desde que conhecera Nikolai, e que agora aumentava, querendo consumi-la.

Ela não conseguia resistir ao impulso de sugar mais forte. Precisava mais dele. Precisava de tudo dele. E precisava agora.


Capítulo 21

Nikolai se apoiou na cabeceira da cama e colocou a mão livre sobre o lençol, mantendo-a ali enquanto Renata continuava se alimentando. Ela bebeu dele da mesma forma como fazia tudo: com intrépida força e feroz convicção. Não havia ansiedade em seus olhos verdes-claros; tampouco havia incerteza na maneira firme como se agarrava ao braço musculoso do vampiro. E cada sugada de sua boca na veia aberta dele, cada roçar de sua língua na pele dele excitava-o mais do que qualquer outra coisa jamais o fizera.

Em todas as coisas em que se concentrava, Renata colocava uma força formidável. Ela era diferente de qualquer outra mulher que Niko havia conhecido – e, em vários sentidos, uma guerreira como qualquer macho da Raça que servia na Ordem com ele. Ela tinha o coração de um guerreiro, a honra de um guerreiro, e uma determinação inabalável que exigia total respeito. Renata tinha-lhe salvado a vida e por isso ele tinha uma dívida com ela. Mas santo Deus!... o que estava acontecendo entre eles ali não tinha nada a ver com deveres ou obrigações.

Ele estava começando a se preocupar com ela – mais do que queria admitir, inclusive para si. E também a queria. Cristo, como a queria! O desejo aumentando diante da erótica sucção da boca em sua veia, do esbelto corpo serpenteando em reação ardente ao sangue de outro mundo que lhe alimentava as células inexperientes.

Renata gemeu, um ronronar profundo de excitação, enquanto se movia mais perto dele no colchão, cada movimento de seu corpo afrouxava a toalha que a cobria. Ela não parecia notar - ou se preocupar – com o olhar âmbar de Nikolai percorrendo detalhadamente sua quase nudez. A ferida no ombro já estava melhor: o inchaço e o enrijecimento já sumiam e a cor da pele parecia mais saudável a cada minuto. Renata estava mais forte, mais vibrante e mais exigente, uma febre sendo substituída por outra, um calor dando lugar a outro.

Provavelmente, ele deveria ter-lhe dito que, além da nutrição e das propriedades curativas, o sangue de Raça era também um potente afrodisíaco. Supôs que poderia lidar bem com o que acontecesse, mas, maldição! Nada poderia tê-lo preparado para a resposta ardente de Renata.

Avançando lentamente contra ele, ainda sugando-o, ela aproximou uma mão e liberou o punho dele que estava apertado contra os lençóis. Então, dirigiu-lhe os dedos por debaixo das dobras da toalha que cobria seu corpo, diretamente para os seios. Ele não resistiu e passou a ponta dos dedos sobre um dos firmes mamilos e, em seguida, sobre o outro. A respiração dela acelerou enquanto ele acariciava-lhe a quente, cremosa e tenra pele, a forte vibração do batimento de seu coração contra a mão dele enquanto impacientemente dirigia-o para baixo, para o vale suave de seu abdômen, para a sedosa junta entre suas coxas.

Ela estava encharcada e excitadíssima, a fenda de seu sexo estava como cetim quente e molhado enquanto ele deslizava um dedo para dentro. Ela apertou as pernas, mantendo-o ali como se ele tivesse alguma intenção de sair. Sugou novamente, um puxão tão profundo que Niko sentiu repercutir até em seus testículos. Apertando os olhos até fechá-los, ele deixou cair a cabeça para trás e soltou um lento e contido gemido, os tendões de seu pescoço se esticaram como cabos de aço. Seu membro, que estava como uma rocha entre suas pernas, pedia-lhe atenção. Outro minuto daquela tortura e ele gozaria ali mesmo, nas calças esportivas emprestadas.

– Ah, Jesus! – grunhiu ele, afastando a mão da doce tentação da fenda excitada e umedecida de Renata. Lentamente subiu o rosto para olhá-la. Quando suas pálpebras se levantaram, o calor de sua íris transformada banhava Renata em um ardente resplendor brilhante.

Ela estava gloriosamente nua, sentada diante dele como uma deusa, seus lábios sujeitos a seu pulso, seus olhos claros escurecendo-se enquanto ela o olhava fixamente, sem vergonha.

– Já chega – murmurou ele, sua voz rouca, as palavras espessas pela presença de suas presas. Faltava-lhe a respiração, cada terminação nervosa de seu corpo estava completamente eletrizada. – Temos que parar... Jesus Cristo... Será melhor que paremos agora.

Ela gemeu em sinal de protesto. Muito brandamente, todavia, Nikolai retirou o pulso da boca de Renata e levou os dois furos aos lábios. Uma passada de sua língua pelas feridas as selou.

Com os olhos extasiados e famintos, ela o viu lamber o lugar onde sua boca tinha estado, e sua própria língua saiu precipitadamente para lamber seus lábios.

– O que está acontecendo? – perguntou ela, passando as mãos no peito dele, sua coluna vertebral estirando-se e arqueando-se com graça felina. – O que você fez comigo? Santo Deus! Estou queimando.

– É o vínculo de sangue – disse ele, quase incapaz de formar uma oração completa, seus sentidos estavam palpitando pela necessidade daquela mulher.

– Eu deveria tê-la advertido... Sinto muito.

Começou a se afastar, mas ela agarrou-lhe a mão. Dando uma sacudida de cabeça quase imperceptível enquanto seu peito subia e descia com o ar em seus pulmões, as pesadas pálpebras que ela fixou nele não pareciam ofendidas. Sabendo que não deveria tomar vantagem da situação, Nikolai se aproximou e acariciou o rubor que lhe enchia a bochecha.

Renata gemeu enquanto seu toque se prolongava, girando a cabeça na palma da mão de Niko.

– É... É sempre assim quando você deixa uma mulher beber de você?

Ele balançou a cabeça.

– Não sei. É a primeira vez.

Ela o olhou fixamente, com a sobrancelha franzida. Ele podia ver o registro de surpresa preencher-lhe o olhar atrás da luxúria induzida pelo sangue. Um silencioso lamento deslizou de seus lábios e logo ela estava movendo-se na direção dele sem vacilação, suas mãos emoldurando-lhe o rosto.

Beijou-o, longa, forte e profundamente.

– Toque-me, Nikolai – murmurou contra sua boca.

Era tanto uma exigência como uma urgência de seus lábios contra os dele, sua língua pressionando os dentes dele. Niko passou as mãos na pele nua de Renata, encontrando o beijo dela, o corpo tão faminto quanto o seu. E ele não poderia culpar aquela feroz necessidade como uma resposta natural da união de sangue. Sua fome por Renata era algo maior, embora extremamente consumidora.

Gananciosamente, ele chegou de novo ao refúgio de seu sexo. Dessa vez, não podia se limitar a tocá-la; não quando o aroma de Renata o estava embriagando tanto quanto a febril seda de seu sexo o estava deixando louco. Acariciou-lhe as dobras molhadas, penetrando-as com seus dedos grandes e separando-as para si como uma flor de primavera. Ela se arqueou em direção a ele enquanto ele a penetrava com um dedo primeiro, em seguida com outro. Enchendo-a, deleitando-a na firme pressão de seu corpo, os sutis movimentos ondeantes de seus músculos internos enquanto ele a acariciava e a levava ao clímax.

Estava tão absorto com o prazer dela que mal notou que ela movia as mãos até sentir que ela puxava o cordão de suas calças. Uivou quando ela deslizou a mão para baixo da cintura e encontrou seu rígido membro. Acariciou a cabeça, percorrendo os dedos com a gota úmida de fluido e, em seguida, torturando-o com um movimento lento e constante ao longo de seu mastro.

– Você também me deseja – disse ela. Não era exatamente uma pergunta quando a resposta estava transbordando em sua mão.

– Ah, sim – Niko respondeu de todo modo. – Diabos! Sim... Desejo você, Renata.

Ela sorriu faminta e o empurrou de costas sobre a cama. Tirou lentamente suas calças, deslizando-as pelos quadris, mas só até os joelhos. Com sua grossa ereção sobressaindo como um orgulhoso soldado a postos, Nikolai assistiu cativado conforme Renata subia e o montava. Sabia muito bem que não esperava qualquer momento de acanhamento ou vacilação. Era intrépida e incansável, e ele nunca havia sido mais feliz em sua vida. Os olhos dela pousaram fixamente sobre os seus, e Renata desceu por seu membro em um longo e lento deslizar.

Santo Cristo! A sensação de tê-la montada no membro dele era incrível. Tão quente e apertada, tão incrivelmente molhada.

Ele disse a si mesmo que era apenas a reação do vínculo de sangue que a fazia tão pouco resistente sexualmente, que ela teria reagido da mesma maneira com qualquer macho da Raça que a alimentasse. Que era só uma reação física, como algo altamente inflamável pegar fogo quando colocado próximo a uma chama. A consciência que ela tinha dele naquele momento provavelmente estava mergulhada em seu subconsciente – ela tinha uma coceira e ele era o passar de unhas de que ela precisava, simples assim.

E tudo bem para ele. Aquilo não precisava se transformar em algo mais complicado. E ele não era idiota o bastante para querer que fosse. O sexo entre eles não era algo pessoal. E Niko disse para si que era bom que fosse assim. Disse a si um monte de porcaria enquanto colocava a cabeça para trás com um gemido selvagem e deixava que Renata tomasse dele tudo o que precisasse.

Renata jamais havia se sentido mais viva. O sangue de Nikolai era como fogo em seus sentidos, cada matiz do momento a sacudia com a vívida consciência. A ferida em seu ombro não doía, sua necessidade por Nikolai era tudo que importava.

Ele sustentava-lhe os quadris enquanto ela cavalgava em seu sexo, a mente perdida de tudo, o calor dele preenchendo-a completamente, a beleza masculina de seu grande e musculoso corpo movendo-se em igual ritmo debaixo dela. Através da inundada névoa de seu desejo, admirou os músculos entrelaçados dos braços e do peito, uma sinfonia de força, flexionando-se e contraindo-se sob o poder até mais surpreendente das cores e formatos de seus dermoglifos mutantes.

Inclusive suas presas, que por certo deveriam tê-la aterrorizado, tinham uma beleza letal agora. As afiadas pontas brilhavam com cada fôlego entrecortado que se arrastava através de seus dentes. O sangue que havia tirado dele deve tê-la deixado um pouco louca, porque alguma remota parte dela queria que suas letais presas pousassem e penetrassem seu pescoço. Perfurando sua carne enquanto ela o cavalgava.

Ainda podia saborear o sangue dele em sua língua: doce, selvagem e sombrio. Um zumbido elétrico estendeu-se através dela e a acendeu no centro de seu sexo preenchido. Ansiava mais por esse poder, mais dele... Tudo dele.

Afundou os dedos nos grossos bíceps e foi mais fundo, mais forte, seguindo essa perigosa necessidade que o sangue havia desatado. Ele tomou cada impulso desesperado de seus quadris, sustentando-a firme enquanto o estalo do orgasmo se fechou de repente nela. Gritou enquanto o prazer se apoderava dela, um grito de liberação que ela não poderia ter contido mesmo se sua vida dependesse disso. A intensidade era demais para suportar. Tremia, impressionada pela força de sua paixão – paixão que tentou evitar por muito tempo, com medo.

Não sentia medo de Nikolai. Ela o desejava. Confiava nele.

– Tudo bem? – ele perguntou, um pouco mais que um grunhido enquanto seguia balançando-se com ela. – Está com alguma dor?

Ela negou com a cabeça, incapaz de falar quando cada terminação nervosa em seu corpo estava tensa de necessidade e vibrando pela sensação.

– Bom... – murmurou ele, escorregando a mão ao redor da parte posterior de seu pescoço para puxá-la para um beijo. A boca de Renata estava quente sobre a sua, suas presas roçando-lhe lábios e língua. Sentia-se tão bem... Ela tinha um gosto tão bom.

O fogo que havia diminuído um pouco com o orgasmo dela se acendeu de novo de forma furiosa. Ela gemeu e, enquanto o desejo ganhava nova vida, moveu seus quadris ao mesmo tempo em que a fome pulsava em seu sexo. Nikolai não a deixou esperar muito tempo, movendo-se junto com ela, incrementando seu ritmo até que ela gozou de novo, flutuando à deriva depois de uma onda de prazer. Então, ele tomou as rédeas por completo, preenchendo-a com seu mastro, entrando e saindo, cada movimento aparentemente tocando mais profundamente dentro dela, e mais profundo ainda. Chegou ao clímax com um grito rouco, sua coluna arqueando-se debaixo dela, sua pélvis contra ela com a força de sua liberação. O orgasmo de Renata se uniu ao dele um momento depois, uma prolongada desintegração que a deixou tremendo e suando em seus braços.

E ela ainda queria mais.

Queria mais, mesmo depois do orgasmo seguinte e do seguinte. Mesmo depois que ela e Nikolai estavam suados e esgotados, ela ainda queria mais.

Edgar Fabien sentia seis pares de ardilosos olhos sobre ele enquanto seu secretário sussurrava uma urgente mensagem em seu ouvido. Uma interrupção a esta hora, em meio de tão importante companhia como aqueles especiais dignitários convidados da Raça que tinham chegado a Montreal vindos dos Estados Unidos e da Europa, prenunciava más noticias. E eram, embora Fabien não se permitisse tal indicação.

Os machos reunidos em particular estavam avaliando uns aos outros desde que chegaram, um por um, naquela noite, todos convocados à residência do Refúgio de Fabien à espera do transporte para uma reunião exclusiva em outro lugar. Para conservar o anonimato, o grupo havia sido instruído a ficar com capuzes negros o tempo todo. Tinha sido proibido fazer perguntas pessoais uns aos outros, ou discutir seus problemas pessoais com o macho da Raça que havia convocado aquela reunião e estabelecido seus termos. Dragos havia deixado claro que agora, mais do que nunca, procuraria por debilidades ou pela mínima razão para considerar Fabien ou os outros homens parados ali indignos do glorioso futuro que ele estava planejando revelar naquela reunião formal.

Enquanto o secretário sussurrava o resto da mensagem, Fabien alegrava-se por aquele capuz escuro ocultar sua reação dos outros. Manteve a postura relaxada, cada músculo solto e à vontade, enquanto informava que um de seus capangas da cidade estava esperando lá fora com inesperadas, porém críticas, notícias que não podiam aguardar. Notícias a respeito de um macho da Raça e de uma mulher ferida em sua companhia que, pela descrição, poderia ser nada menos que o casal que havia escapado das instalações de contenção.

– Perdoem-me – disse Fabien com um sorriso firme de fachada. – Mas tenho um pequeno problema para resolver lá fora. Retornarei em um momento.

Umas poucas cabeças se inclinaram enquanto Fabien girava para sair da sala. Uma vez que a porta da sala de recepção estava fechada e ele e seu secretário tinham caminhado vários metros pelo comprido corredor, Fabien tirou seu capuz.

– Onde está ele?

– Esperando no vestíbulo principal, Senhor.

Fabien foi naquela direção, retorcendo o capuz negro em suas mãos grandes e finas. Quando chegou à porta, seu secretário se apressou adiante para mantê-la aberta para ele. O capanga estava apoiado contra a parede, absorto em mordiscar suas unhas rapidamente, seu desalinhado cabelo muito comprido caindo sobre seus olhos. Quando elevou a vista e viu seu Mestre entrar, o repugnante e preguiçoso humano foi substituído por um desejo impaciente em agradar.

– Trouxe-lhe algumas notícias, Mestre.

Fabien grunhiu.

– Ouvi isso. Fale, Curtis. Diga-me o que viu.

O servo explicou que mais cedo ele tinha ido fazer algumas perguntas ao seu empregador humano – o dono de um abrigo para garotos de rua que contratou Curtis para trabalhar com seus computadores – e inesperadamente descobriu que o vampiro guerreiro estava escondido no apartamento em cima de uma garagem. Curtis não havia sido capaz de aproximar-se para olhar, mas chegara perto o bastante para dizer que o enorme macho era da Raça. Na verdade, ele tinha acabado de confirmar suas suspeitas. Aparentemente, o guerreiro e a mulher que estava com ele tinham se tornado bastante... amigos. O casal estava muito ocupado na cama para notar quando Curtis saiu furtivamente pela parte de trás da garagem e os espiou juntos através da janela.

O capanga havia conseguido dar uma olhada e foi capaz de proporcionar uma descrição física bastante detalhada dos dois: o guerreiro da Raça, Nikolai, e a Companheira de Raça, Renata.

– Tem certeza de que nenhum deles soube que você esteve ali? – perguntou Fabien.

O servo riu.

– Sim, Mestre. Confie em mim. Eles não estavam prestando atenção em nada que não fossem eles.

Fabien assentiu e olhou o relógio. Anoiteceria dentro de uma hora. Ele já havia atribuído a uma equipe de Agentes outra tarefa de limpeza naquela noite. Talvez devesse enviar uma segunda unidade para a cidade com Curtis. Bastante ruim era o fato de que o guerreiro tivesse conseguido escapar das instalações de contenção. A notícia não havia caído bem quando Fabien informou Dragos sobre o problema, mas a mancada seria amenizada se ele pudesse assegurar que o guerreiro fosse capturado – rápida e permanentemente.

Sim, pensou Fabien, enquanto colocava a mão no bolso de sua jaqueta para pegar o celular e discar para a Agência de Execução, colocando-lhes a par das novas informações. Esta noite, ele apagaria do quadro-negro alguns erros recentes. E quando se apresentasse a Dragos na reunião, ele o faria levando boas notícias e um pequeno e encantador presente do qual seu novo comandante certamente desfrutaria.


Capítulo 22

- Você acha que ele a machucará? - a voz tranquila de Renata rompeu o silêncio prolongado no úmido apartamento. Ela estava sentada na frente de Nikolai, usava uma camiseta cinza extragrande e suas próprias calças jeans, lavadas mais cedo por cortesia de Jack. Sua ferida no ombro estava muito melhor e cada vez que Niko perguntava, ela insistia que não sentia muita dor, de modo que ele percebeu que seu sangue a manteria alimentada por algumas poucas horas. Já tinham saído da cama há algum tempo, ambos tinham se banhado e se vestido, e evitavam cuidadosamente falar sobre tudo que tinha ocorrido entre eles horas antes.

Nikolai se manteve ocupado na limpeza das armas que Jack lhe havia dado, enquanto ele e Renata faziam planos para o breve retorno ao alojamento de Yakut. E embora Niko duvidasse que Lex fosse contar alguma coisa sobre sua aliança com Edgar Fabien, ele tinha o pressentimento de que algumas técnicas afrouxariam a língua do maldito filho da mãe.

Assim ele esperava, já que sem uma sólida vantagem sobre a localização do líder do Refúgio, as probabilidades de achar Mira ilesa diminuíam a cada segundo.

- Você acha que ele vai fazer... algo a Mira?

Niko virou e viu o pânico nos olhos de Renata.

- Fabien não é um bom homem... Francamente, não sei quais são as intenções dele com ela.

Renata dirigiu o olhar para baixo, suas magras sobrancelhas estavam unidas na testa franzida.

- Você não me disse tudo o que seus amigos de Boston descobriram sobre ele.

Inferno. Ele deveria saber que Renata perguntaria isso. Ele deliberadamente tinha passado por alto sobre o pior que Gideon havia dito sobre ele, os detalhes sórdidos que não os ajudariam a localizar Mira e só fariam Renata se preocupar ainda mais. Mas ele a respeitava muito para mentir.

- Não, eu não disse tudo - admitiu. - Realmente quer saber tudo sobre ele?

- Acredito que preciso saber - ela o olhou fixamente de novo, seus pálidos olhos verdes agora estavam sóbrios, tão firmes quanto os de um guerreiro pronto para a batalha. - O que a Ordem sabe sobre ele?

- Ele é um segunda geração da Raça, certamente tem várias centenas de anos - disse Niko, começando com o menor dos delitos de Fabien. - Ele é o líder do Refúgio de Montreal há 150 anos e também deseja chegar ao alto escalão da Agência de Execução, o que significa que está politicamente envolvido também.

Renata zombou em voz baixa.

- Isso é um curriculum vitae, Nikolai. Sabe o que estou perguntando. Fale diretamente.

- Muito bem - Niko assentiu com a cabeça, sem se preocupar em ocultar sua admiração. Ou sua preocupação. - Apesar de ter um monte de amigos em altos postos, Edgar Fabien não é o que poderíamos chamar de cidadão-modelo. Pelo que parece, ele tem várias... perversões que vêm lhe causando muitos problemas ao longo dos anos.

- Perversões? - disse Renata, quase cuspindo a palavra.

- Seus gostos tendem para o lado sádico, e ele... bem, ele é conhecido por desfrutar da companhia de crianças de vez em quando. Especialmente garotas.

- Jesus Cristo! - Renata exclamou com o fôlego apertado. Ela fechou os olhos e desviou o rosto. Quando finalmente olhou para Niko, havia um brilho assassino em seus olhos cor de jade que observavam o guerreiro sem piscar. - Vou matá-lo. Juro por Deus, Nikolai. Vou matar o filho da mãe se ele fez algo a ela.

- Vamos por as mãos nele – assegurou-lhe Niko. - Vamos encontrá-lo e resgatar Mira.

- Não posso decepcioná-la, Nikolai.

- Ei! - ele disse, segurando a mão dela. – Nós não vamos decepcioná-la. Entendido? Estou com você nisso. Vamos resgatá-la.

Ela o olhou em silêncio durante um longo momento. Então, muito lentamente, entrelaçou-lhe os dedos na mão.

- Ela vai ficar segura, não é verdade? - havia um traço de incerteza na fala de Renata e era uma das primeiras vezes que Niko percebia aquilo na voz dela. Ele queria apagar as dúvidas de Renata, queria acabar com a preocupação dela, mas tudo o que podia oferecer era sua promessa.

- Vamos trazê-la de volta, Renata. Tem minha palavra.

- Certo - disse. - Bem, Nikolai. Obrigada – completou em seguida, resoluta.

- Você realmente é especial, sabia? - Ela começou a sacudir a cabeça em negação àquelas palavras, mas Niko apertou-lhe levemente a mão, mantendo-a concentrada. - Você é forte, Renata. Mais forte do que acredita. Mira tem sorte de tê-la ao seu lado. Diabos! Eu também tenho.

A risada dela como resposta estava débil e ligeiramente triste.

- Espero que tenha razão.

- Eu nunca erro - disse ele, sorrindo abertamente para ela e mal resistindo ao impulso de inclinar-se por sobre a pequena mesa e beijá-la loucamente. Mas isso apenas os levaria a outra coisa - algo que sua libido já imaginava em detalhes explícitos.

- Então, quanto tempo ainda vai acariciar suas armas antes de eu poder dar uma olhada nelas?

Niko recostou na cadeira dobrável de metal e riu.

- Escolha a sua. Tem certeza de que sabe usar...

Ele não teve a oportunidade de terminar o pensamento: Renata estendeu a mão até a pistola mais próxima e a um carregador cheio de balas. Carregou e aprontou a arma em menos de três segundos. Niko nunca tinha visto algo tão sexy em toda sua vida.

- Impressionante.

Ela colocou a pistola sobre a mesa e arqueou uma de suas finas sobrancelhas.

- Quer que eu ajude com a sua também?

Ele quis rir, mas engoliu o som antes que ele saísse-lhe pela boca.

Eles não estavam sozinhos.

Renata seguiu o olhar do guerreiro até onde ele poderia jurar ter escutado um ruído surdo. Outro barulho, então, um pequeno rangido no teto da garagem.

- Temos companhia - sussurrou para ela. Renata lhe acenou com a cabeça, levantando-se da cadeira. Deslizou a .45 para ele através da mesa e se moveu em silêncio, rápida e eficazmente para carregar outra.

Assim que Nikolai pegou a arma, a porta do apartamento da garagem explodiu para dentro, partindo as dobradiças. Um vampiro enorme em um traje da Agência de Controle precipitou-se no interior, com a mira do laser de seu fuzil automático silencioso apontado para Renata.

– Filho da mãe! - Niko gritou. - Renata, atire!

Por um segundo terrível, ela não se moveu. Nikolai pensou que ela tivesse congelado, em estado de choque, mas logo o Agente soltou um grito de dor, deixando cair sua arma para colocar as mãos nas têmporas. Caiu de joelhos, mas havia mais dois homens armados bem atrás dele. Saltaram gritando por cima do obstáculo e abrindo fogo no pequeno espaço.

Renata se jogou atrás de um dos arquivos metálicos e disparou contra a cabeça do agente. Niko mirou o segundo visitante, mas o tiro foi desviado conforme a pequena janela acima da cama era estilhaçada e outro Agente de Execução entrava na luta, armado até os dentes.

- Nikolai, atrás de você! – gritou-lhe Renata.

Ela golpeou o último agente que chegara com uma rajada debilitante do poder de sua mente, e o bastardo caiu no chão, retorcendo e convulsionando antes que Niko acertasse alguns tiros em sua cabeça. Renata atingiu um dos outros com um tiro no joelho e, em seguida, eliminou-o com uma bala entre os olhos. Nikolai matou o outro e compreendeu tarde que tinha perdido completamente de vista o primeiro macho que atravessara a porta. O filho da mãe não estava onde Renata o havia deixado.

Para o horror de Niko, o enorme vampiro tinha pego Renata e a lançado contra a parede mais próxima. A força do macho da Raça era imensa, como a de todos. Renata bateu contra a superfície sólida e caiu com força no chão. Permaneceu imóvel, obviamente muito aturdida para responder ao ataque.

O rugido de fúria de Nikolai chacoalhou a mesa débil e as cadeiras. Sua visão foi inundada repentinamente de âmbar e suas presas perfuraram com força suas gengivas, estirando-se longas e agudas em sua cólera.

Ele saltou sobre o outro vampiro por trás, agarrando-lhe a cabeça nas mãos e torcendo-a ferozmente. O terrível rangido de osso e tendões estilhaçados não foi suficiente para Niko: quando o Agente caiu sem vida, ele chutou-lhe o corpo, afastando-o de Renata antes de estourar-lhe o crânio.

- Renata - disse, agachando-se diante dela e pegando-a nos braços. - Pode me ouvir? Você está bem?

Ela gemeu, mas acenou com a cabeça trêmula. Seus olhos abertos logo se ampliaram quando ela olhou fixamente por cima dos ombros largos de Niko para a entrada arruinada. Niko virou-se e deparou-se com o humano que tinha visto uma vez antes - o humano que tinha tentado olhar lá dentro quando Jack estivera no apartamento naquela manhã. Jack o tinha chamado de Curtis, tinha dito que o garoto fazia algum trabalho para ele na casa. Quando Niko examinou aquele rosto impassível, que não mostrava reação alguma aos seus olhos acesos e às suas presas à mostra, ele sabia do que estava diante...

- Servo - grunhiu. Colocou Renata de pé com cuidado. - Fique aqui. Eu me encarregarei dele.

O Subordinado sabia que tinha cometido um grave engano mostrando seu rosto depois do tumulto que provavelmente tinha instigado. Ele se virou e começou a descer a escada de dois em dois degraus. Nikolai grunhiu, vermelho de ira, e saiu disparado atrás da caça. Saltou sobre o corrimão da escada do segundo andar, caindo justo quando os pés do servo conseguiram tocar o pavimento. Nikolai aterrissou diretamente em cima dele, derrubando-o no chão.

- Quem fez você? - ele exigiu, golpeando o rosto do humano contra o pavimento áspero. - Quem é seu Mestre, maldito? É Fabien?

O servo não respondeu, mas, de qualquer modo, Niko sabia a verdade. Subiu sobre o humano e golpeou a coluna dele com força.

- Onde ele está? Diga-me onde encontrar Fabien. Fale, filho da mãe, ou acabo com você aqui e agora.

À distância, Nikolai ouviu o golpe de uma porta. E passos atravessando a grama.

Então, a voz de Renata ressoou de cima destroçando a porta no chão da garagem.

- Jack, não! Volte para dentro!

Nikolai olhou por cima do ombro, bem a tempo de ver o velho com uma expressão de horror. Os olhos de Jack mostravam sua incredulidade, sua mandíbula aberta.

- Jesus Cristo - murmurou, com os pés desacelerando até deter-se. - O que... que diabos está acontecendo aqui?

E então, abaixo dele, Niko sentiu o servo se retorcer. E registrou o brilho breve de uma lâmina apenas meio segundo antes que o escravo humano cortasse a própria garganta.

Renata desceu as escadas de madeira em estado de pânico.

- Jack, por favor! Entre na casa, agora!

Mas ele simplesmente permaneceu ali, congelado no lugar como se não pudesse ouvi-la, como se não pudesse vê-la. Não podia processar tudo que estava acontecendo à sua volta nesses últimos minutos de caos total e absoluto. Jack estava mudo, uma estátua imóvel na calçada.

E Nikolai...

Santo Deus, Nikolai parecia o pior pesadelo de qualquer pessoa. Empapado de sangue, o rosto travestido em uma máscara aterradora de presas letais e ferozes, os olhos brilhantes e âmbares. Quando saiu de cima do corpo morto do servo e se virou, deparando-se com o rosto de Jack, o guerreiro da Raça não podia parecer nada além de um predador desumano, sua respiração através dos dentes cerrados, seu enorme peito e ombros tremendo por conta da luta.

- Santa Maria, Mãe de Deus - murmurou Jack, fazendo o sinal da cruz enquanto Nikolai dava alguns passos para longe do cadáver do servo. Então, lançou um olhar e viu Renata correndo em sua direção através do caminho de entrada.

- Renata, sai daqui!

Renata correu para ficar entre os dois homens – Nikolai em suas costas e Jack olhando-a boquiaberto como se acabasse de entrar no meio de um campo de mina ativado.

- Ah, Jesus... Renata, querida... o que você está fazendo?

- Está tudo bem, Jack – ela respondeu tranquilamente sustentando as mãos em sua frente. – Está tudo bem, prometo. Nikolai não fará mal a você. Não fará mal a nenhum de nós.

O rosto do ex-combatente do Vietnã se enrugou diante da confusão. Mas, então, ele olhou além dela para Nikolai e uma tênue faísca de reconhecimento piscou nas fendas que lhe eram agora os rasgos dos olhos. Sua palidez era a de um fantasma contra a noite ao seu redor e suas pernas pareciam que iam ceder debaixo de si.

- Você é... mas como? Como diabos pode ser?

- Não é seguro para você saber isso - interveio Renata. - Seria muito perigoso, inclusive para nós.

- Muito tarde - a voz de Nikolai era um baixo grunhido atrás dela. – Ele já viu muito. Temos que controlar esta situação e não temos muito tempo antes que mais humanos curiosos apareçam e deixem as coisas ainda piores do que já estão.

Renata assentiu.

- Entendi.

A mão de Nikolai pousou brandamente sobre seu ombro são.

- Isso inclui Jack também. Não posso deixá-lo com sua memória nesse estado. Tudo tem que ser apagado, começando com nossa chegada na noite anterior. Ele não pode se lembrar que você e eu estivemos aqui alguma vez.

Ela estremeceu, mas não podia discutir.

- Tenho um minuto para dizer adeus?

- Um minuto - disse Nikolai. - Mas isso é tudo o que podemos arriscar.

- Que diabos está acontecendo aqui? - murmurou Jack enquanto sua neurose dava lugar ao guerreiro aposentado nele adormecido. – Renata... em que tipo de porcaria você se enfiou, garota?

Ela ofereceu-lhe um débil sorriso enquanto dava um passo adiante e o puxava-o para um abraço.

- Jack, quero agradecê-lo por ter nos ajudado na noite anterior. Mais do que isso: quero agradecê-lo por você ser a pessoa maravilhosa que é - separou-se dele para olhar seus velhos e amáveis olhos. - Não poderia compreender isso, mas você foi minha âncora muitas vezes, meu porto seguro. Sempre que eu perdia a fé na humanidade, sua bondade me compensava. Você foi um verdadeiro amigo e gosto muito de você por isso. Sempre vou gostar.

- Renata, preciso que você me diga o que está acontecendo aqui. Esse homem com quem você está... essa criatura. Por Deus, estou perdendo a razão ou ele é um tipo de...

- Ele é meu amigo - disse ela, tão sinceramente que inclusive se desconcertou diante de sua convicção. - Nikolai é meu amigo. Isso é tudo o que precisa saber.

- Temos que ir agora, Renata.

A voz de Nikolai estava calma, completamente tomada pela seriedade. Ela assentiu e, quando olhou para Niko, viu que ele estava de novo em seu estado normal. Jack crepitou de confusão, mas Nikolai aproximou-se para segurar-lhe a mão.

- Obrigado por tudo o que fez, Jack. Você é um bom homem - Nikolai não esperou por uma resposta. Com a mão livre, levantou a palma sobre a testa de Jack e pressionou-a por um longo momento. - Volte para casa e vá para a cama. Quando despertar amanhã, não se lembrará de que estivemos aqui. Descobrirá que houve um assalto no apartamento da garagem e que Curtis estava se relacionando com algumas pessoas más. O assalto saiu do controle e ele foi assassinado.

Jack não disse uma palavra sequer, apenas assentiu, concordando.

- Você não vai nos ver quando abrir os olhos - disse Nikolai. - Não verá sangue e cacos de vidro. Vai se virar, entrar na casa e subir até seu quarto, deitar-se na cama e permanecer lá pelo resto da noite.

Uma vez mais Jack assentiu com a cabeça, em complacência. Nikolai retirou a mão da testa do ex-combatente. Os olhos de Jack piscaram e abriram-se tranquilos, serenos. Ele olhou Renata, mas foi um olhar vazio que passou através dela. Ela ficou ali parada, olhando com tristeza como seu velho e querido amigo virava-se no silêncio da noite escura e começava o lento caminhar de volta para a casa.

- Você está bem? - perguntou Nikolai, passando o braço musculoso ao redor da cintura de Renata enquanto eles esperavam na entrada, observando Jack desaparecer dentro da casa.

- Sim, estou bem – disse ela em voz baixa, permitindo-se o conforto do forte abraço masculino de Nikolai. - Vamos limpar essa bagunça e dar o fora daqui.


Capítulo 23

- Já era hora de ele estar aqui.

Alexei Yakut queixou-se quando viu um par de faróis saindo das árvores do lado de fora da casa principal. Irritado por ter sido obrigado a esperar durante a última meia hora, Lex se afastou da janela do quarto do pai - quarto que agora lhe pertencia, como todo o resto que o defunto tinha deixado.

O veículo preto que rodeava pelo caminho era enorme, obviamente um SUV. Lex virou os olhos com desgosto. Tinha esperado que um macho do status de Edgar Fabien fosse viajar em algo mais elegante do que uma Humvee emprestada diretamente da frota da Agência de Execução. As próprias normas de Lex exigiam muito mais que um utilitário como meio de transporte, especialmente para um evento tão importante como o que ele assistiria com Fabien. Pelo amor de Deus, eles não poderiam chegar à reunião em uma caminhonete que declarava a todos a falta de elegância como aquele veículo fazia.

Se estivesse no comando das coisas – quando estivesse no comando, Lex mentalmente emendou - não iria a nenhuma parte sem uma caravana de veículos apropriada que formasse uma fila de elite.

Ele saiu a passos largos de seu quarto com uma raiva impaciente, ajustando a linha do casaco conforme seus polidos sapatos de couro de crocodilo brandamente repicavam através das largas tábuas do chão. Sabia que estava bem - esse era o ponto -, mas estava muito mais acostumado ao seu antigo uniforme de serviço com botas e roupas de couro. Era um sujeito flexível, de modo que não pensava que precisaria de muito esforço para se acostumar com sua nova identidade.

Na grande sala, os dois guardas restantes da casa estavam sentados jogando cartas. Um deles deu uma olhada quando Lex entrou, a sutil elevação de sua mão não foi rápida o bastante para ocultar seu sorriso divertido.

- Essa gravata parece estar deixando você sem ar, Lex - brincou o outro guarda, rindo de sua própria piada. - É melhor afrouxar essa porcaria antes que desmaie. - Lex o fulminou com o olhar enquanto passava o dedo pela folga muito justa do colarinho de sua camisa de quinhentos dólares.

- Vá se danar, cretino. E abra a maldita porta. Meu transporte está aqui.

Quando o guarda se moveu pesadamente para cumprir a ordem, Lex se perguntou quanto tempo deveria manter aqueles dois idiotas ao seu lado. Certo, eles tinham estado ao seu lado trabalhando para seu pai todos os dias durante quase uma década, mas um homem como Lex merecia respeito. Talvez ele ensinasse a ambos uma lição quando retornasse em algumas noites da reunião do fim de semana.

Lex forçou um sorriso de boas-vindas para Fabien quando o guarda abriu a porta... mas não era Edgar Fabien quem estava ali para saudá-lo: era um Agente de Execução uniformizado acompanhado por três companheiros.

- Onde está Fabien? - exigiu Lex.

O grande Agente que estava na frente cumprimentou Lex com um breve aceno de cabeça.

- Vamos nos encontrar com o senhor Fabien em um outro lugar, senhor Yakut. Precisa de alguma coisa antes de o escoltarmos até o veículo?

Lex grunhiu, seu ego tranquilizando-se um pouco diante do tom respeitoso do Agente.

- Tenho algumas malas no quarto - disse ele com um gesto desdenhoso na direção de seu quarto. - Um de seus homens pode apanhá-las para mim.

Outra inclinação em reverência do agente que estava na frente.

- Cuidarei pessoalmente de suas coisas.

- Por aqui - disse Lex, conduzindo a escolta casa adentro, para seu quarto, pelo corredor. Uma vez dentro, parou perto da cama para mostrar as coisas que desejava levar. - Pegue a mala de roupa e a mochila de couro que está ali no chão.

Quando o Agente não se moveu para recolher as coisas, mas simplesmente ficou ali junto dele, Lex se voltou com um olhar indignado.

- Bem, que diabos está esperando, idiota?

O olhar que recebeu como resposta foi cortante e frio como uma adaga. E então Lex arrepiou-se quando, no instante seguinte, ouviu o estalar de vários disparos abafados no outro quarto. Seu sangue correu gelado por suas veias.

O Agente de Execução que estava de pé ao seu lado abriu um sorriso agradável.

- O senhor. Fabien me pediu que lhe entregasse pessoalmente uma mensagem dele, senhor Yakut.

Renata parecia cansada quando Nikolai se aproximou dela no terreno onde tinham jogado os cadáveres dos agentes que lhes tinham atacado mais cedo. Em poucas horas, o amanhecer apagaria quaisquer rastros dos vampiros, apesar de que, de qualquer forma, nada ou ninguém além da fauna local fosse notar os corpos ali, tão distante da estrada mais próxima e em uma área tão afastada da cidade.

- Jogue os uniformes e acessórios deles na parte traseira do veículo - Renata disse quando se aproximou. – As outras armas estão atrás dos assentos dianteiros. As chaves estão na ignição.

Niko assentiu com a cabeça. Depois de limpar todas as provas do ataque da Raça na garagem do apartamento, ele e Renata se apropriaram do SUV da Agência, que seus atacantes tinham sido bastante atentos para deixar estacionado na rua lateral próxima da casa de Jack.

- Está cansada? – perguntou ele ao ver a fadiga nos olhos dela. - Podemos esperar aqui e descansar um momento se precisar.

Ela balançou a cabeça.

- Quero continuar. Estamos a apenas alguns quilômetros da propriedade de Yakut.

- Sim - Niko disse. - E não estou esperando que Lex vá estender um tapete vermelho para nós quando chegarmos ali. As coisas podem ficar feias muito rapidamente. Já se passaram algumas horas desde que você bombardeou as malditas mentes desses agentes. Quanto tempo você tem antes de a reverberação começar?

- Provavelmente não muito – ela admitiu, olhando para o chão mal iluminado pela lua.

Niko levantou seu queixo e não pôde evitar acariciar a delicada linha de sua bochecha.

- Mais uma razão para darmos um tempo aqui.

Ela se separou dele, obstinada e com determinação.

- Mais uma razão para continuarmos antes que os golpes da reverberação cheguem. Descanso depois que resgatarmos Mira. – Virou-se e começou a caminhar para o veículo. - Quem dirige? Você ou eu?

- Ouça - ele disse, agarrando-lhe a mão antes que ela pudesse chegar muito longe. Aproximou-se dela e envolveu-a com seus braços fortes, contendo-a em seu abraço musculoso.

Deus, como era linda. Qualquer idiota podia apreciar a perfeição frágil e feminina de seu rosto: os olhos claros e amendoados brilhavam intensamente como pedras preciosas sob a franja colorida dos cílios, o nariz travesso, a exuberante e sexy boca, a pele leitosa que mais parecia um veludo cremoso e macio em contraste com o brilho de ébano dos cabelos. A beleza física de Renata era atordoante, impressionante, mas era sua coragem - sua honra inquebrável - que realmente acabava com Niko.

De algum modo, no pouco tempo que se viram obrigados a ficar juntos, Renata tinha se convertido em uma verdadeira parceira para ele. Ele a valorizava, confiava nela tanto quanto em qualquer um de seus irmãos na Ordem.

- Ei – ele disse, agora mais calmo, olhando fixamente para o valente e belo rosto de Renata, impressionado novamente com aquela extraordinária mulher que estava demonstrando ser uma aliada vital para ele. - Formamos uma ótima equipe lá na casa de Jack, não foi?

- Fiquei muito assustada, Nikolai - ela confessou em voz baixa. -Eles apareceram tão rápido. Eu deveria ter reagido mais rápido. Deveria ter...

- Você foi incrível. - Ele alisou uma mecha de cabelo que lhe caía sobre o rosto, colocando-a atrás da orelha. - Você é incrível, Renata. E estou muito contente de saber que posso contar com você.

Ela abriu um pequeno e quase tímido sorriso.

- Eu digo o mesmo.

Talvez não fosse o momento ideal para ele querer beijá-la, de pé ali, em um lugar esquecido por Deus na beira da autoestrada, com um rastro de sangue e morte atrás deles, e mais daquilo certamente os esperando no futuro, antes de essa aventura terminar. Mas tudo o que Nikolai desejava fazer - o que ele precisava, ali, naquele preciso momento - era sentir os lábios de Renata pressionando-se contra os seus.

Cedendo à tentação, ele inclinou-se e tomou a boca de Renata em um sensível e lento beijo. Os braços dela o rodearam, timidamente a princípio, mas suas mãos estavam quentes enquanto ela acariciava-lhe as costas largas e apertava-se contra o corpo grande de Niko, mesmo depois que o beijo já tinha terminado e ela estava com a bochecha contra o peito musculoso e definido do guerreiro.

Quando ela falou, sua voz era apenas um sussurro.

- Vamos encontrá-la, Nikolai?

Ele pressionou os lábios na testa de Renata.

- Sim, vamos.

- Você acha que ela está bem? – ela ainda perguntou.

A vacilação dele foi breve, mas suficientemente longa para que Renata saísse de seus braços. Ela franziu a sobrancelha enquanto seus olhos obscureciam-se com a dor. - Ah, meu Deus... você não acredita que ela esteja bem! Posso sentir sua dúvida, Nikolai. Acredita que algo aconteceu a Mira.

- É o vínculo de sangue o que você sente - disse ele, nem sequer perto da negação que Renata tinha lido com tanta precisão nele.

Ela estava recuando agora, seus pés arrastando-se na grama escura enquanto ela se movia para o SUV. Seu rosto tinha um olhar aflito.

- Temos que ir agora. Temos que encontrar Lex e obrigá-lo a nos dizer onde ela está!

- Renata, ainda acho que deveríamos esperar aqui um momento e descansar. Se uma nova reverberação golpeá-la...

- Foda-se a reverberação! - ela gritou, sacudindo a cabeça em um pânico crescente. - Vou para a casa de Yakut. Você pode vir comigo ou ficar, mas estou indo agora mesmo.

Ele poderia tê-la detido.

Se quisesse, poderia estar em cima dela mais rápido do que ela pudesse perceber, fisicamente a impedindo de avançar outro passo em direção ao veículo. Ele poderia colocá-la em transe com um simples gesto de sua mão e assim obrigá-la a esperar pela dor que provavelmente chegaria não muito tempo depois que estivessem no chalé.

Ele poderia ter retido o traseiro dela de alguma maneira diferente, mas, em vez disso, deu a volta pelo lado do condutor do Humvee preto antes que ela chegasse e bloqueou a entrada com seu corpo.

- Eu dirijo - disse ele, sem dar a oportunidade de discutir. - Você está ferida.

Renata o olhou por um segundo, então deu a volta e subiu no assento do carona.

Eles voltaram para a estrada e percorreram, em silêncio, a pequena distância até a propriedade arborizada de Yakut. Niko apagou os faróis enquanto se aproximava devagar. Ele estava a ponto de sugerir que saíssem e fossem até a casa a pé quando se deu conta de que algo estava errado.

- É sempre assim, tranquilo?

- Nunca - disse Renata, disparando um olhar sério. Ela alcançou uma das armas atrás do assento. Passou a correia de um fuzil automático pela cabeça e logo entregou outro a Nikolai. - Lex só ficou com dois guardas, mas não parece que haja alguém por aqui.

E, mesmo daquela distância, Niko percebeu o aroma de sangue derramado. Sangue da Raça vindo de mais de uma fonte.

- Espere aqui enquanto dou uma olhada nas coisas.

Ela lançou um olhar de insubordinação que Niko deveria ter previsto.

Ambos saíram do veículo e foram juntos para a casa principal, que estava escura. A porta da frente estava totalmente aberta. Rastros de pneus frescos marcavam no caminho de cascalho: longos, profundos rastros como um tipo de SUV de grande porte deixaria para trás.

Niko tinha a sensação de que a Agência de Execução tinha estado ali também. A casa estava completamente em silêncio, fedendo às recentes mortes dos vampiros. Ele não precisava acender as luzes para ver a carnificina. Sua aguda visão localizou os dois machos mortos no interior, ambos com tiros na cabeça.

O guerreiro guiou Renata ao redor dos cadáveres, seguindo seu olfato pela parte de trás do lugar, em direção aos aposentos privados de Yakut. Ele sabia o que encontraria ali dentro. Ainda assim, quando entrou no quarto, soltou uma maldição furiosa.

Lex estava morto.

E, com ele, sua melhor esperança de localizar Edgar Fabien naquela noite.


Capítulo 24

A respiração de Renata parou diante da maldição que Nikolai murmurou. Ela alcançou o interruptor ao lado da porta entreaberta do quarto de Yakut e lentamente acendeu a luz.

Ficou sem palavras enquanto olhava o corpo sem vida de Lex, seus olhos vazios e nublados pela morte, três grandes buracos de bala em sua cabeça. Ela queria gritar. Santo Deus, ela queria cair de joelhos, passar as mãos pelo cabelo e arranhar as paredes - não de dor ou estupefação, mas tomada de completa ira.

Mas seus pulmões estavam constritos em seu peito.

Seus membros estavam sem força, braços e pernas pesados demais para os mover.

A esperança que ela estivera cultivando – mesmo que pequena - de que eles poderiam chegar ali e conseguir uma sólida pista sobre a localização de Mira escorreu para fora de seu corpo como o sangue de Lex - que escorria entre os ladrilhos do chão do quarto de seu pai.

- Renata, encontraremos outra maneira – disse Nikolai de algum lugar próximo a ela. O guerreiro inclinou-se sobre o corpo de Lex e tirou um telefone celular do bolso do casaco e apertou algumas teclas. – Temos o histórico de chamadas de Lex agora. Um desses números deve ser o de Fabien. Vou entrar em contato com Gideon e pedir que ele os rastreie. Vamos encontrar o maldito muito em breve. Vamos pegá-lo, Renata.

Mas ela não pôde responder; faltavam-lhe palavras para tanto. Virou-se lentamente e caminhou para fora do quarto, apenas consciente de que seus pés se moviam. Perambulou pela escuridão da propriedade, passou pelos corpos jogados na grande sala e no vestíbulo. Estava insegura sobre para onde ir, anestesiada ainda, quando se viu no minúsculo quarto onde Mira dormia.

A pequena cama estava exatamente como ela a havia deixado, como se esperasse que sua ocupante voltasse. Sobre a baixa mesinha de cabeceira, havia uma flor silvestre que Mira tinha recolhido no começo da semana, em uma das poucas vezes que Sergei Yakut tinha-lhe permitido aventurar-se do lado de fora. A flor de Mira estava murcha, as frágeis pétalas brancas caíam sem vida, o caule verde tão murcho como um barbante.

– Ah, meu doce ratinho – Renata sussurrou no quarto escuro e vazio. – Sinto muito... Lamento não ter estado aqui a tempo...

– Renata – Nikolai permanecia de pé, do lado de fora do quarto. – Renata, não faça isso a você mesma. Você não tem culpa. E isso ainda não acabou.

A profunda voz do macho da Raça era tranquilizadora. E era confortável apenas ouvi-la e saber que ele estava ali, com ela. Ela precisava daquela tranquilidade, mas como não a merecia, Renata se recusou a correr para os braços fortes de Niko como tão desesperadamente queria fazer. Permaneceu onde estava, rígida e imóvel, desejando poder voltar no tempo e reparar todas as suas falhas.

Ela não podia permanecer naquele lugar mais um minuto sequer. Havia muitas lembranças sombrias ali.

Muita morte ao redor dela.

Renata deixou que a flor morta caísse de seus dedos sobre a cama. Então, deu a volta em direção à porta.

– Tenho que sair deste lugar – murmurou, a culpa e a angústia retorcendo-se em seu peito. – Não posso... Estou asfixiando aqui... não consigo... respirar.

Ela não esperou que ele respondesse - não podia esperar ali, nem um minuto mais. Empurrando-o, correu loucamente do quarto de Mira afora. E não parou até que seus pés a levaram para a parte de trás da construção principal, dentro do bosque ao redor. Ainda assim seus pulmões se retorciam como se tivessem sido esmagados por um caminhão.

Atrás de seu crânio, Renata pôde sentir uma dor de cabeça florescendo. Sua pele ainda não doía, mas ela estava ficando cansada até os ossos e sabia que não levaria muito tempo antes que o cansaço a nocauteasse. Pelo menos seu ombro estava decente. A ferida do disparo ainda estava ali, havia ainda uma profunda pulsação em seus músculos, mas o sangue de Nikolai tinha feito algum tipo de mágica na infecção.

Renata se sentiu o suficientemente forte quando deu uma olhada e viu o celeiro fechado – o edifício anexo onde ela e tantos outros tinham sido presos para servirem de isca para o doentio esporte de sangue de Yakut – ela não pensou duas vezes em saltar e pegar o rifle preso em suas costas. Disparou no pesado ferrolho até que ele rompesse e caísse no chão. Então, abriu a porta e disparou mais tiros dentro do grande refúgio, pontilhando as paredes e as vigas com uma saraivada de balas.

Ela não soltou o gatilho até que o carregador estivesse vazio e sua garganta seca por causa dos gritos. Seus ombros pesavam, seu peito pulsava inquieto.

– Eu devia estar aqui – ela disse, ouvindo Nikolai aproximar-se dela por trás. – Quando Lex a jogou nos braços de Fabien, eu deveria tê-lo detido. Deveria estar lá por Mira. Em vez disso, eu estava na cama, muito fraca e... inútil.

Ele fez um pequeno ruído, um rechaço sem palavras àquela culpa.

– Você não podia saber que ela estava correndo perigo. Não podia evitar nada do que aconteceu, Renata.

– Eu nunca deveria ter abandonado a casa! – ela gritou, o próprio desprezo queimando-lhe por dentro. – Fugi, quando deveria ter ficado lá o tempo todo e feito Lex me dizer onde ela estava.

– Você não fugiu. Foi pedir ajuda. E se não o tivesse feito, eu estaria morto. – Os passos dele aproximavam-se, vindo com cuidado atrás dela. – Se tivesse ficado aqui todo esse tempo, Renata, então teria morrido com Lex e os outros guardas. O que aconteceu aqui foi um plano executado a sangue frio. E tem a assinatura de Fabien.

Nikolai tinha razão. Ela sabia que aquele macho tinha razão em tudo. Mas isso não fazia doer menos.

Renata olhava fixamente, muito embora sem ver, o abismo cheio de pólvora do celeiro.

– Temos que voltar para a cidade e começar a procurá-la. Porta a porta, se for necessário.

– Sei o que sente – disse Nikolai. Ele tocou-lhe a nuca e ela se obrigou a afastar-se daquela ternura quente. – Maldição, Renata, você não acredita que se eu achasse que chutar todas as portas daqui até Old Port nos levaria a Fabien eu não estaria contigo? Mas isso não vai nos ajudar em nada. Especialmente não com o amanhecer só daqui a algumas horas.

Ela agitou a cabeça.

– Não preciso me preocupar com a luz do dia. Posso voltar para a cidade por mim mesma.

– O inferno que vai. – As mãos dele estavam brutas quando a fez girar para olhá-lo no rosto.

Seus olhos tinham um brilho âmbar e uma emoção que parecia notavelmente ser medo, inclusive na escuridão.

– Você não vai a lugar nenhum perto de Fabien sem mim. – Ele acariciou-lhe a sobrancelha, seus ferozes olhos queimando dentro dos dela. – Estamos juntos nisso, Renata. Sabe disso, não sabe? Sabe que pode confiar em mim?

Ela olhou fixamente o rosto de Nikolai e sentiu uma emoção que começava a crescer dentro de si, e era como se aquela emoção se elevasse como uma enorme onda que não podia fazer recuar mesmo se tentasse. As lágrimas correram-lhe pelos olhos, alagando-os. Antes que pudesse parar, ela estava esfregando os olhos como se um dique tivesse arrebentado dentro dela, derramando velozmente todas as demasiadas feridas que lhe marcaram durante sua vida - toda a dor e todo o vazio de sua completa existência - em soluços grandes e pesados.

Nikolai a tomou nos braços e a apertou perto de si. Ele não tentou fazer com que suas lágrimas parassem. Não a alimentou com suaves mentiras para fazê-la se sentir melhor. Ou com falsas promessas para acomodar seu desespero.

Ele apenas a segurou perto de si, protegendo-a com seu corpo grande e masculino, entre seus braços musculosos.

Sustentou-a, fazendo-a sentir que ele a entendia. Que ela não estava sozinha e que, possivelmente, de alguma maneira, ela merecia ser amada.

Agarrou-a, levantando-a em seus braços, e começou a se afastar do celeiro.

– Vamos procurar um lugar para que descanse um pouco – disse ele, sua relaxante voz vibrando em seu peito, vibrando contra ela enquanto ela se agarrava nele como a uma âncora em um porto seguro.

– Não posso voltar para a casa, Nikolai. Não vou ficar lá.

– Eu sei – ele murmurou, entrando mais no bosque. – Tenho outra ideia.

Ele a deixou sobre um leito de folhas secas entre dois altos pinheiros. Renata não sabia o que esperar, mas nunca teria imaginado do que seria testemunha nos momentos seguintes.

Nikolai ajoelhou-se junto dela e relaxou os braços, o queixo abaixado, o enorme e musculoso corpo em um estado de tranquila concentração. Renata sentiu a energia ao redor deles ranger. Ela sentiu o aroma da terra rica e fértil, o aroma do bosque depois de uma tempestade. Uma brisa cálida fazia cócegas em sua nuca enquanto Nikolai pousava as pontas dos dedos sobre o chão ao lado de si.

Houve um tranquilo sussurro de movimento na grama próxima - um sussurro de vida. Renata viu algo serpentear sob as mãos de Nikolai e não pôde evitar ofegar assombrada quando se deu conta do que estava vendo.

Pequenas videiras, disparando através do chão, correndo para os pinheiros gêmeos a cada lado dela.

– Ah, meu Deus! – murmurou ela, encantada. – Nikolai... O que está acontecendo aqui?

– Está tudo bem – disse ele, olhando as videiras, dando a elas ordens, por mais difícil que fosse acreditar.

Os talos faziam espirais ao redor dos troncos das árvores e escalavam mais alto, enchendo-os com folhas que multiplicavam exponencialmente enquanto Renata olhava estarrecida. Por cima de sua cabeça, a cerca de dois metros e meio de altura, as videiras saltavam e preenchiam o espaço entre os pinheiros. Retorciam-se juntas, então enviavam vegetação, criando um vívido dossel que se estendia por todo o caminho até o chão onde Renata e Nikolai estavam sentados.

– Você está fazendo isso? – perguntou ela, incrédula.

Ele assentiu, mas manteve sua concentração, mais e mais folhas desdobrando-se sobre as videiras. Grossas paredes de fragrante aroma formavam um refúgio ao redor deles, a exuberante folhagem intercalada com diminutas flores brancas como aquela que Renata tinha encontrado no quarto de Mira.

– Está bem... Como você está fazendo isso?

O rangido de plantas crescendo parou e Nikolai lançou um olhar despreocupado sobre ela.

– Presente de minha mãe, herdado por seus dois filhos.

– Quem é sua mãe? A Mãe Natureza? – disse Renata, rindo, surpreendida apesar de saber que as belas flores e videiras eram apenas um véu temporário. Do lado de fora daquele castelo natural, todo o horror e a violência ainda existiam.

Nikolai sorriu e agitou a cabeça.

– Minha mãe era uma Companheira de Raça, como você. O seu dom é o poder da mente, este era o dom de minha mãe.

– É incrível! – Renata passou sua mão sobre as frescas folhas e delicadas pétalas. – Deus, Nikolai, sua habilidade é... Dizer que é surpreendente nem sequer chega perto.

Ele deu de ombros.

– Nunca a usei muito. Dê-me um espaço cheio de buracos ou uns blocos de C-4 qualquer dia. Então mostrarei algo surpreendente.

Ele estava se gabando, mas ela sentia que sua lábia ocultava algo mais sombrio.

– E seu irmão?

– O que tem ele?

– Você disse que também pode fazer isso?

– Ele podia, sim – disse Nikolai, as palavras soando quase ocas. – Dimitri era mais jovem que eu. Está morto. Aconteceu faz muito tempo, na Rússia.

Renata estremeceu.

– Sinto muito.

Niko assentiu, arrancou uma folha da massa de vegetação e a depedaçou.

– Ele era um garoto, um garoto muito bom. Ele era algumas décadas mais jovem que eu. Estava acostumado a me seguir como um maldito cachorrinho, querendo fazer tudo o que eu fazia. Eu não tinha muito tempo para ele. Eu gostava de viver no limite, acho até que ainda gosto. De qualquer modo, Dimitri meteu na cabeça que precisava me impressionar – Niko exalou uma maldição afogada. – Garoto estúpido. Ele faria qualquer coisa para que eu notasse sua presença, entende? Para me ouvir dizer que o via, que estava orgulhoso dele.

Renata o olhou na escuridão, vendo a mesma culpa que ela sentia quando pensava em Mira, o mesmo terror, a mesma condenação interior pelo fato de a menina estar em grave perigo - ou até já estar morta –, tudo porque alguém em quem eles confiavam tinha falhado.

Nikolai conhecia aquela tortura. Ele mesmo a tinha vivido.

– O que aconteceu com Dimitri? – Renata perguntou com cuidado. Ela não queria abrir velhas feridas, mas precisava saber. E podia ver que Nikolai carregava aquela dor há muito tempo. – Pode me contar, Nikolai. O que aconteceu com seu irmão?

– Ele não era como eu – disse, as palavras contemplativas, como se ele se afundasse em sua história. – Dimitri era inteligente, um aluno exemplar. Amava os livros e a filosofia, adorava destrinchar as coisas, descobrir como funcionava tudo ao seu redor e depois juntá-las de novo. Era brilhante, verdadeiramente superdotado, mas queria ser como eu.

– E como era você então?

– Selvagem – disse, mais como um epíteto do que como uma ostentação. – Sou o primeiro a admitir. Sempre fui um pouco temerário, sem me preocupar onde eu terminaria amanhã enquanto estivesse passando um bom momento hoje. Dimitri gostava da contemplação, eu gostava da adrenalina. Ele gostava de juntar as coisas; eu, de quebrá-las.

– Foi por isso que você se uniu à Ordem? Pela adrenalina da luta?

– Esse é parcialmente o motivo, sim – ele colocou os cotovelos sobre os joelhos e olhou o chão. – Depois do assassinato de Dimitri, eu tinha de me afastar. Culpei-me pelo que aconteceu. Deixei meu país e fui para os Estados Unidos. Juntei-me a Lucan e aos outros em Boston não muito tempo depois disso.

Ela não deixou de lado o fato de que ele havia dito que seu irmão tinha sido assassinado, não meramente morto.

– O que aconteceu, Nikolai?

Ele exalou um longo suspiro.

– Eu tinha problemas com um idiota do Refúgio da Ucrânia. Chegamos a sair no braço várias vezes, principalmente por causa do tédio. Mas uma noite, Dimitri ouviu aquele chupa-sangue em um botequim falando asneiras sobre mim e decidiu chamar sua atenção. Dimitri tirou uma faca e cortou o cara diante de seus amigos. Foi um golpe de sorte – ele não era bom com armas. De todo modo, aquilo encheu o saco do bastardo e, dois minutos depois, meu irmão estava no meio de uma poça de seu próprio sangue, com a cabeça separada do corpo.

– Ah, Jesus! – Renata disse com a respiração entrecortada, sentindo uma dor em seu coração. – Sinto muito, Nikolai.

– Eu também – deu de ombros. – Depois, saí e persegui o assassino de Dimitri. Arranquei a cabeça dele e a levei para meus pais como desculpas. Eles me desprezaram, disseram que deveria ter sido eu, não D. E eu não podia culpá-los por conta isso. Diabos, eles tinham razão, afinal de contas. Então, fugi e nunca mais olhei para trás.

– Sinto muito, Nikolai.

Ela não sabia mais o que dizer. Tinha pouca experiência em oferecer consolo, e mesmo que tivesse, não estava segura de que Niko quisesse ou necessitasse daquilo. Como um homem repentinamente desconfortável em sua própria pele, Nikolai ficou calado durante um longo momento.

Ele limpou a garganta, passou a mão pelos cabelos e ficou em pé.

– Acho que devo sair e dar outra olhada na casa. Você ficará bem sozinha aqui durante alguns minutos?

– Sim. Estou bem.

Ele a olhou fixamente, procurando seu rosto. Ela não sabia o que queria que dissesse, mas o olhar em seus olhos parecia indecifrável.

– Sente-se bem? Algum sinal da reverberação?

Renata deu de ombros.

– Um pouco, mas não muito forte.

– E seu ombro?

– Bem – disse ela, flexionando o braço esquerdo para mostrar que já não sentia dor. – Está muito melhor agora.

Um silêncio longo e estranho se estendeu entre eles, como se nenhum dos dois soubesse como superá-lo ou fazer a coisa mais fácil e deixá-lo durar. Foi assim até que Nikolai começou a separar algumas das grossas videiras para sair e Renata estendeu a mão para tocá-lo.

– Nikolai... Eu, hum... queria agradecê-lo – disse ela, consciente do fato de que, embora ele tenha parado, ela continuava com a mão em seu braço. – Preciso agradecê-lo... por me dar seu sangue hoje.

Ele girou para ela, fazendo um leve movimento de cabeça.

– A gratidão é agradável, mas não é necessária. Se nossas situações estivessem invertidas, sei que teria feito o mesmo por mim.

Ela o teria feito, sim; Renata podia dizer isso sem a menor dúvida. Aquele homem, um estranho há menos de uma semana - um guerreiro que também era um vampiro – e agora tinha se tornado seu mais confiável e íntimo amigo. Se fosse honesta consigo mesma, teria de admitir que Nikolai ia além disso, isso mesmo antes de ter compartilhado seu sangue com ela. Inclusive antes do sexo que ainda lhe fazia os pés se retorcerem só de lembrar.

– Não estou segura de como fazer isso... – Renata elevou o olhar para ele, lutando com as palavras, mas precisando dizê-las. – Não estou acostumada a contar com ninguém. Não sei como estar com alguém. Não é algo que eu tenha feito antes, e só... sinto como se tudo que pensei que sabia, todas as coisas que uma vez me ajudaram a sobreviver agora fugissem de mim. Estou à deriva... estou aterrada. – Nikolai acariciou-lhe a bochecha em chamas e, então, deu-lhe um abraço.

– Você está segura – disse carinhosamente ao pé da orelha dela. – Estou com você e vou protegê-la.

Ela não se deu conta do quanto precisava ouvir aquelas palavras até que Nikolai as dissesse. Ela não sabia quanto ele morria de alegria por ter seus braços ao redor dela ou quanto ansiava seu beijo até que Nikolai se aproximou mais e colocou a boca sobre a dela. Renata o beijou despreocupada, deixando-se levar pelo momento porque Nikolai estava com ela, sustentando-a, dando-lhe segurança. Seu beijo cresceu mais apaixonado, ele a inclinou sobre a terra almofadada do refúgio íntimo. Renata sentiu o peso do corpo musculoso dele sobre ela, as mãos grandes e quentes dele acariciando a pele cremosa dela. E sob sua camiseta larga, ele começou a passar os dedos pelo estômago e pelos seios já intumecidos da mulher.

Com as presas, tocou-lhe leve e infantilmente os lábios enquanto os separava para beijá-la. Os olhos dele brilhavam como brasas sob as pálpebras, e ela não precisava ver seu rosto transformado para saber que ele a queria. A rígida evidência disso apertava-se insistentemente contra seu quadril. Ela moveu as mãos pela coluna dele e ele gemeu, sua pélvis golpeando-a com um reflexivo empurrão.

Seu nome foi um gemido gutural enquanto ele movia a boca sob seu queixo e por seu pescoço. Ele arrancou a camiseta dela e Renata arqueou as costas para receber seus lábios enquanto ele descia sobre seus seios nus e pela suave planície de sua barriga. Ela estava perdida no prazer daquele beijo selvagem. Sentindo o calor da pele dele contra a sua.

Com dedos hábeis, ele desabotoou o jeans dela, deslizando-o pelas coxas. Sua boca seguiu o progresso, queimando-a do quadril até o tornozelo enquanto separava suas pernas e empurrava sua calcinha para um lado. Ela gritou quando ele se inclinou entre suas coxas e sugou-lhe o sexo, língua e presas levando-a a um delicioso tormento.

– Ah! Deus! – ofegou ela, seus quadris elevando-se do chão enquanto ele enterrava a boca em seu sexo umedecido.

Ela não soube como conseguiu, mas um momento mais tarde ele também estava nu. Deitou-se sobre ela, mais do que simplesmente um homem. E a mulher dentro de Renata estremeceu de desejo. Ela abriu as pernas para ele, ansiosa por senti-lo dentro de si, preenchendo o vazio com força e calor.

– Por favor... – ela gemeu, ofegando de necessidade.

E ele não a fez pedir duas vezes.

Movendo-se para cobri-la, Nikolai colocou os joelhos entre suas pernas e a abriu debaixo de si. A cabeça de seu pênis golpeou a fenda lisa do sexo dela e, em seguida, mergulhou longa, lenta e profundamente.

O grunhido dele enquanto se afundava dentro dela era feroz, um eco de trovões em seus ossos e sangue. Começou a empurrar lentamente, embora fosse claro que a paciência era uma tortura. Renata podia sentir a intensidade de sua fome por ela, a profundidade de seu prazer enquanto ela embainhava o mastro dele da cabeça aos testículos.

– Você é tão boa – ele murmurou entre os dentes enquanto se retirava para começar de novo, mais fundo que antes. Empurrou forte, estremecendo com o esforço. – Oh! Renata... Sinto-me tão bem.

Ela uniu os tornozelos ao redor das costas largas dele enquanto ele movia-se em um ritmo mais frenético.

– Mais forte – sussurrou ela, querendo sentir que ele acabava com seus medos, um martelo que esmagava toda sua culpa, dor e solidão. – Ah! Nikolai... Entre mais forte em mim.

O grunhido dele em resposta soou tão entusiasta quanto selvagem. Deslizando seu braço por baixo dela, inclinando-a para encontrar suas carícias, conduzindo-a com toda a ira que ela tão desesperadamente necessitava. Varreu-lhe a boca com um beijo febril, contendo o grito enquanto seu clímax rugia sobre ela como uma tormenta. Renata tremeu e estremeceu, agarrando-o enquanto ele continuava empurrando-se para dentro dela, cada músculo de suas costas e ombros ficando tão duros quanto pedras de granito.

– Ah! – gemeu entre os dentes e presas, seus quadris movendo-se de forma rápida e frenética contra ela em um rápido e temerário ritmo que era maravilhosamente bom, cheio de vida e repleto de alegria.

O grito de liberação dele ecoou na voz de Renata enquanto ela voltava novamente, aferrando-se contra ele e se perdendo naquele delicioso novo sentimento de despreocupação.

Ela estava à deriva, mas naquele momento não sentia medo. Estava a salvo com aquele macho selvagem e audacioso; ela acreditava verdadeiramente nisso. Confiava em Nikolai com seu corpo e com sua vida. Enquanto permanecia ali com ele enfiado entre suas pernas, em uma postura íntima, não era tão difícil imaginar que ela também pudesse confiar nele com seu coração. Que ela podia, de fato, estar se apaixonando por ele.

A batida foi insistente - um frenético bater na porta de carvalho do Refúgio de Andreas Reichen, em Berlim.

– Andreas, por favor! Está aí? É Helene. Tenho que vê-lo!

Era mais de 4 horas da manhã, um breve momento antes que o sol aparecesse sobre o horizonte e apenas uns poucos permaneciam acordados na casa. O resto dos familiares de Reichen - cerca de uma dúzia deles, jovens homens da Raça e casais com crianças pequenas, algumas delas recém-nascidas - já tinham começado a ir para a cama.

– Andreas? Alguém? – outra série de golpes cheios de pânico, seguidos por um grito apavorado. – Olá! Alguém, por favor... deixem-me entrar!

Dentro da mansão, um homem da Raça saiu da cozinha, onde estava esquentando um copo de leite para sua companheira que o esperava no andar de cima com seu exigente bebê. O macho conhecia a humana que estava na porta. A maioria do Refúgio a conhecia, e Andreas tinha deixado claro que Helene era sempre bem-vinda em sua casa. Ter chegado sem avisar naquela hora tardia, e enquanto Andreas estava longe em negócios particulares durante duas noites, era estranho. Mais estranho ainda era o fato de que a controlada mulher estivesse tão assustada.

Cheio de preocupação pelo que podia ter ocorrido à companheira humana de Andreas, o homem do Refúgio deixou o leite e correu pelo chão de mármore do vestíbulo, sua roupa de banho voando atrás dele como a vela de uma embarcação pirata.

– Já vou – gritou, elevando a voz para ser ouvido entre os golpes incessantes e as súplicas chorosas de Helene do outro lado da porta.

Os dedos do macho voaram sobre o teclado do sistema de segurança da mansão.

– Um momento! Estou aqui, Helene. Vai ficar tudo bem.

Quando a luz eletrônica piscou para indicar que os sensores estavam desabilitados, ele tirou os ferrolhos e abriu a porta.

– Ah! Graças a Deus! – Helene correu para ele, com a maquiagem borrada e manchas negras cobrindo-lhe as bochechas. Estava pálida e trêmula; seus olhos, habitualmente ardilosos, pareciam de algum modo vazios enquanto ela fazia uma rápida verificação do vestíbulo.

– Andreas... onde está ele?

– Foi a Hamburgo a negócios. Voltará amanhã à noite. Mas você é bem-vinda aqui – recuou para dar espaço e deixar que entrasse na mansão. – Entre, Helene. Andreas não gostaria que a rejeitássemos.

– Não – disse ela de um jeito débil. – Sei que ele nunca me rejeitaria.

Entrou no vestíbulo e pareceu instantaneamente mais calma.

– Eles sabiam que ele nunca me rejeitaria...

Foi nesse momento que o jovem do Refúgio se deu conta de que Helene não estava sozinha. Atrás dela, apressando-se antes que pudesse fazer algo mais do que gritar em alerta, havia uma equipe de Agentes da lei pesadamente armados vestidos de preto da cabeça aos pés.

Ele virou a cabeça para olhar Helene incrédulo. Com completo horror.

– Por quê? – perguntou, mas a resposta estava em seus olhos vazios.

Alguém tinha conseguido controlá-la. Alguém muito poderoso.

Alguém que tinha convertido Helene em uma Subordinada – uma escrava de sangue.

O pensamento se registrou antes que o primeiro disparo o golpeasse. Ele ouviu carregadores sendo disparados, ouviu os gritos de sua família enquanto todo o Refúgio despertava com terror.

Mas, então, outra bala golpeou seu crânio e seu mundo e tudo nele se tornou silencioso e escuro.

 

 

                                                  CONTINUA