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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Midnight Breed
Midnight Breed

                                                                                                                                              

  

 

 

 

 

 

 

Capítulo 8

– Espero que todas estejam com fome – disse Alex, passando pelas portas vaivém da cozinha da mansão, com uma tigela grande de frutas frescas cortadas numa mão e um cesto de biscoitos com ervas aromáticas quentinhos na outra.

Depositou ambos na mesa da sala de jantar diante de Jenna e Tess, que foram instruídas por Alex e as outras mulheres do complexo para que se sentassem e se servissem do café da manhã.

– Como está se sentindo, Jen? – perguntou Alex. – Precisa de alguma coisa? Se quiser erguer a perna, posso pegar um banquinho na outra sala.

Jenna meneou a cabeça.

– Estou bem. – Sua perna estava bem melhor desde a cirurgia da noite anterior, e ela não sentia muitas dores. Só por causa da insistência de Tess é que estava usando uma bengala para se movimentar. – Não precisa ficar me mimando.

– Essa é a minha melhor amiga, a policial do interior – disse Alex, revirando os olhos na direção de Tess e virando a mão num sinal de pouco caso. – Só um machucadinho a bala, não precisam se preocupar...

Jenna caçoou.

– Comparado com a semana que tive, um buraco a bala na coxa é a menor das minhas preocupações.

Ela não estava querendo solidariedade, apenas declarando um fato.

A mão de Tess pousou com suavidade em seu pulso, assustando-a com seu calor e a preocupação genuína no olhar.

– Nenhuma de nós pode fingir saber aquilo pelo que você passou, Jenna, mas espero que entenda que estamos aqui para cuidar de você agora. Você está entre amigas, todas nós.

Jenna resistiu ao efeito de consolo que as palavras de Tess exerciam sobre ela. Não queria se sentir relaxada naquele lugar, entre Alex e aquelas desconhecidas aparentemente gentis.

Nem com Brock.

Muito menos com ele.

Sua mente ainda estava confusa com o resgate inesperado na cidade. Fora um erro sair como havia saído, despreparada e afetada emocionalmente. Não fazia tanto tempo assim que se desligara da polícia para não se lembrar que o melhor modo de se ver em apuros era fugir despreparada em território desconhecido. Só o que reconheceu naquele meio segundo antes de sair do complexo foi o desespero em fugir da sua nova e sombria realidade.

Cometera um clássico erro de julgamento de principiante, incitado pela emoção, e acabara necessitando de resgate para voltar à segurança. Que o seu resgate tivesse surgido na forma de um vampiro formidável e aterrorizante era algo que ela não sabia se um dia conseguiria compreender.

No fundo, sabia que Brock salvara sua vida na noite anterior. Uma parte sua desejava que ele não o tivesse feito. Não queria ficar devendo nada a ele. Não gostava de dever a ninguém, muito menos a um homem que nem podia ser classificado como humano.

Deus, que reviravolta em sua vida...

Com seus pensamentos cada vez mais sombrios, Jenna afastou a mão da de Tess e se recostou na cadeira.

Tess não a pressionou a falar, simplesmente se inclinou sobre a mesa e inspirou um pouco da fragrância que emanava dos biscoitos.

– Hummm – gemeu, o braço fino amparando a curva do ventre arredondado. – É a receita de cheddar e manjericão da Dylan?

– Atendendo a pedidos – respondeu Alex vivamente. – E há mais de onde isso veio, incluindo as incríveis torradas francesas com crème brûlée de Savannah. Falando nelas, é melhor eu ir buscá-las para o banquete.

Enquanto Alex virava e desaparecia novamente na cozinha, Tess lançou um olhar furtivo para Jenna.

– Você ainda não viveu se não provou os biscoitos de Dylan e as torradas de Savannah. Confie em mim, são o paraíso.

Jenna sorriu com educação.

– Tudo me parece muito bom. Nunca fui muito de cozinhar. Minha tentativa de sucesso na cozinha é uma omelete de carne de alce com queijo suíço, espinafre e batatas.

– Carne de alce? – Tess gargalhou. – Bem, posso lhe garantir que nenhuma de nós já experimentou algo parecido. Talvez você possa preparar para nós um dia desses.

– Quem sabe? – disse Jenna sem se comprometer, levantando os ombros.

Se não fosse pela incômoda matéria desconhecida encravada em sua coluna, e agora pelo tiro que a manteria ali sabe lá Deus por quanto tempo, ela já teria ido embora. Não sabia quanto tempo ainda a fariam ficar ali, mas assim que conseguisse sair andando, já era. Não se importava com o que a Ordem precisava saber; não tinha nenhuma intenção de ficar por perto para ser o ratinho de laboratório deles.

Ainda era estranho demais pensar que estava ali com elas, num quartel-general secreto habitado por uma equipe de vampiros guerreiros e por mulheres aparentemente sãs e agradáveis que pareciam felizes e à vontade entre eles.

O surrealismo da coisa toda se intensificou quando Alex e o restante das mulheres da Ordem – cinco lindas jovens e a menina loira chamada Mira – saíram da cozinha com o restante do café da manhã. Conversavam amigavelmente, relaxadas na companhia uma da outra como se tivessem estado juntas a vida inteira.

Formavam uma família, inclusive Alex, apesar de ela ter chegado ali apenas uma semana antes, assim como Jenna.

Um ritmo descontraído se fez na sala de jantar, enquanto pratos com bordas douradas eram passados adiante e completados com todo tipo de comida deliciosa. Taças de cristal eram enchidas com suco até a borda, e delicadas xícaras de porcelana logo se encheram com fragrante café torrado e coado.

Jenna observava tudo em silêncio enquanto a refeição prosseguia. Xarope de bordo aquecido e bolinhas de manteiga rodavam pela mesa, parando por mais tempo com a pequena Mira, que encharcou sua torrada com aquela doçura e cobriu os biscoitos com manteiga como se aquilo fosse cobertura. Mira engoliu um em duas mordidas grandes, depois atacou o resto da refeição com muita vontade.

Jenna sorriu sem querer ante o apetite voraz da menina, sentindo uma pontada de melancolia, senão culpa, quando pensou na filha. Libby sempre fora uma menina cuidadosa, disciplinada e séria, mesmo quando pequena.

Deus, o que não daria para poder ver Libby degustando algo tão simples quanto um café da manhã à sua frente na mesa?

Com os dedos melados, Mira pegou o copo de suco de laranja e sorveu um gole grande. Suspirou de contentamento ao apoiar o copo novamente num baque.

– Pode me passar o chantilly para eu pôr nos pêssegos? – perguntou, cravejando Jenna com seus misteriosos olhos violeta.

Por um instante, Jenna se sentiu capturada por aquele olhar. Dispensou a sensação e pegou a tigela que estava no meio do caminho entre ela e Mira do outro lado.

– Pode, por favor, me passar o chantilly? – Renata a corrigiu de seu lugar à direita da menina. A morena lançou-lhe uma piscadela decididamente maternal e carinhosa ao interceptar a tigela que Jenna segurava.

– Pode, por favor – Mira se corrigiu, não parecendo nem um pouco admoestada.

Jenna cortou um pedaço da torrada e a colocou na boca. Era exatamente o que Tess havia prometido, paradisíaca. Mal conseguiu refrear um gemido alto ao se deleitar com o sabor cremoso de baunilha.

– Gostou? – perguntou Savannah, que estava sentada em uma das cabeceiras da longa mesa de jantar.

– É deliciosa – murmurou Jenna, as papilas gustativas ainda vibrando de êxtase. Lançou um breve olhar, abarcando todas ali reunidas. – Obrigada por me deixarem partilhar disto com vocês. Nunca vi tanta comida junta em minha vida.

– Achou que a deixaríamos morrer de fome? – perguntou Gabrielle da outra cabeceira. Seu sorriso era acolhedor e amigável.

– Não sei bem o que pensei – respondeu Jenna, com honestidade. – Sendo bem franca, acho que ainda não processei tudo isso muito bem.

Gabrielle inclinou a cabeça num leve assentimento, parecendo sábia e serena, ainda que, sem dúvida, devesse ser mais jovem do que Jenna e seus trinta e três anos.

– Isso é compreensível. Você sofreu muito, e a sua situação é sem igual para todos nós.

– A minha situação – Jenna repetiu, refletindo enquanto mexia um pedaço de pão molhado em xarope de bordo em seu prato. – Está falando do objeto não identificado que está alojado na base do meu crânio?

– É, isso – concordou Gabrielle, com um tom gentil na voz. – E o fato de que você teve sorte de escapar do ataque do Antigo com vida. O simples fato de ele ter se alimentado de você e tenha permitido que você vivesse é...

– Inédito – sugeriu a mulher sentada com Gabrielle. Ela tinha cabelos ruivos e o belo rosto salpicado por sardas. – Se soubesse do que ele é capaz, se você tivesse noção do que aconteceu com tantas outras... – A voz se perdeu, um leve estremecimento fazendo o garfo em sua mão tremer. – É um milagre que você esteja viva, Jenna.

– Dylan tem razão – concordou Tess. – Há mais ou menos um ano, quando a Ordem descobriu que o Antigo havia sido despertado, temos tentado localizá-lo e a Dragos, o filho da mãe responsável por trazer de volta ao mundo esse tipo de perigo.

– Não sei qual dos dois é pior – Renata interveio. – O Antigo clamou muitas vidas inocentes, mas é Dragos, o neto sádico do Antigo, quem vem dando as ordens.

– Está dizendo que aquela criatura tem descendentes? – Jenna perguntou, sem conter sua repulsa.

Gabrielle sorveu um gole de café, depois, com cuidado, voltou a depositar a xícara no pires.

– Aquela criatura e outros tantos como ele deram início à Raça na Terra.

– Na Terra? – Jenna exclamou com uma risada descrente. – Está se referido a alienígenas agora? Aquele vampiro que me atacou...

– Não era deste mundo – Savannah concluiu por ela. – É verdade. Não é mais difícil de acreditar do que a existência dos próprios vampiros, se quer saber a minha opinião, mas é a mais pura verdade. Os Antigos estupraram e dominaram depois que aterrissaram aqui há milhares de anos. Com o passar do tempo, algumas das suas vítimas engravidaram com o que se tornaria a primeira geração da Raça.

– Isso faz algum sentido para vocês? – Jenna perguntou, ainda incrédula. Relanceou para Alex, ao seu lado. – Você também acredita nisso?

Alex concordou.

– Depois de conhecer Kade e todos os demais aqui no complexo, como posso não acreditar? Também vi o Antigo com meus próprios olhos, momentos antes de ele ser morto nos despenhadeiros fora de Harmony.

– E quanto a esse outro... Dragos? – perguntou Jenna, curiosa, sem querer, em fazer com que todas as peças desse incrível quebra-cabeça se juntassem se algum modo. – Onde ele entra?

Dylan foi a primeira a falar.

– Ao que parece, Dragos despertou o Antigo muito antes do que supúnhamos. Décadas antes, de fato. Ele o manteve escondido e o usou para criar uma nova leva de Primeira Geração, os membros mais fortes da Raça, visto que são descendentes diretos da linhagem do Antigo e não geneticamente diluídos, como as gerações posteriores.

– Dragos vem criando um exército pessoal dos mais poderosos, dos mais letais membros da espécie – acrescentou Renata. – São criados supervisionados, treinados para serem assassinos impiedosos. Assassinos particulares de Dragos, a quem ele convoca sempre que necessário para os seus desígnios.

Gabrielle assentiu.

– Para criar essa geração, Dragos também precisou de um estoque de mulheres férteis para engravidar do Antigo.

– As Companheiras de Raça – disse Alex.

Jenna olhou para ela.

– E o que são elas?

– Mulheres nascidas com um DNA e características sanguíneas distintas que as tornam capazes de partilhar um elo de sangue vitalício com os membros da Raça e de reproduzir seus filhos – disse Tess, a mão distraída acariciando o ventre distendido. – Mulheres como nós ao redor desta mesa.

O choque e o horror contraíram o íntimo de Jenna.

– Está dizendo que eu...

– Não – disse Tess, balançando a cabeça. – Você é mortal, não é uma Companheira de Raça. O seu hemograma é normal e você não tem a marca que o resto de nós tem.

Ante a confusão estampada no rosto dela, Tess mostrou a mão, que trazia uma marca rubra entre o polegar e o indicador. Era uma minúscula lua crescente com o que parecia uma gota de lágrima caindo em seu centro.

– Todas vocês têm essa tatuagem?

– Não é uma tatuagem – disse Alex. – É uma marca de nascença, Jenna. Todas as Companheiras de Raça têm uma em algum lugar do corpo. A minha está no quadril.

– Não existem muitas de nós no mundo – explicou Savannah. – A Raça considera as Companheiras de Sangue sagradas, mas Dragos não. Ele vem juntando essas mulheres há anos, mantendo-as em cativeiro; deduzimos que com o único propósito de gerarem os assassinos de Primeira Geração. Muitas delas foram mortas, seja por Dragos ou pelo Antigo.

– Como sabem disso? – Jenna perguntou, horrorizada pelo que ouvia.

Na outra ponta da mesa, Dylan pigarreou.

– Eu as vi. As mortas, quero dizer.

A parte policial de Jenna ficou alerta.

– Se vocês têm cadáveres, então têm provas e motivo para entregar esse cretino, Dragos, para as autoridades.

Dylan meneava a cabeça.

– Não vi os corpos. Vi as mortas. Elas... aparecem às vezes. Às vezes falam comigo.

Jenna não sabia se gargalhava ou se deixava a cabeça cair, derrotada.

– Você vê pessoas mortas?

– Toda Companheira de Raça tem uma habilidade ou talento próprio que a torna peculiar de algum modo – explicou Tess. – Para Dylan, é esse dom de se conectar com as outras Companheiras de Raça que já morreram.

Renata se inclinou para a frente, apoiando os antebraços na mesa.

– Através do dom de Dylan, sabemos com certeza que Dragos é o responsável pela morte de inúmeras Companheiras de Raça. E por meio de outra amiga da Ordem, Claire Reichen, cujo talento nos levou a localizar a base de operações de Dragos há alguns meses, sabemos que ele ainda mantém muitas mais. Desde então, a operação de Dragos se escondeu no submundo. Agora a principal missão da Ordem, além de acabar com o maldito o mais rápido possível, é encontrar o quartel-general dele e libertar as suas vítimas.

– Temos ajudado como podemos, mas é muito difícil localizar um alvo móvel – disse Dylan. – Podemos procurar os relatórios das pessoas desaparecidas, procurando por rostos que eu reconheça. E, durante o dia, vasculhamos abrigos para mulheres, orfanatos, albergues... qualquer lugar que possa nos levar às jovens desaparecidas.

Renata assentiu.

– Particularmente aquelas com habilidades extrassensoriais ou outras competências que possam indicar uma Companheira de Raça em potencial.

– Fazemos o que podemos – disse Gabrielle. – Mas ainda não tivemos muita sorte. É como se estivesse nos faltando a chave para desvendar tudo isso e, até a encontrarmos, parece que só ficamos dando voltas.

– Ei, espere um instante – disse Jenna, seu lado policial enferrujado compreendendo a frustração de seguir pistas infrutíferas. – A persistência costuma ser o melhor aliado de um investigador.

– Pelo menos não temos mais que nos preocupar com o Antigo – disse Savannah. – Essa é uma batalha a menos para enfrentar.

Ao redor da mesa de café da manhã, um coro de vozes concordantes ecoou essa declaração.

– Por que o Antigo deixou que você vivesse, Jenna?

A pergunta foi feita por Elise, uma loira baixinha de cabelos curtos do outro lado de Tess. A discreta do grupo, que se parecia com uma flor delicada, mas com um olhar franco e decidido de uma guerreira. Ela, provavelmente, devia precisar dessa força interior, levando-se em consideração a companhia que ela e as demais mulheres naquele complexo tinham.

Jenna baixou o olhar para o prato e refletiu sobre sua resposta. Demorou um tempo para encontrar as palavras.

– Ele me fez escolher.

– O que quer dizer com isso? – disse Savannah, com a testa se franzindo numa pergunta.

O que você decide, Jenna Tucker-Darrow?

Vida... ou morte?

Jenna sentiu todos os olhos cravados nela naquele silêncio. Forçando-se a enfrentar as perguntas não proferidas que pairavam no ar, ela ergueu o olhar. Empinou o queixo e falou sucinta e rapidamente:

– Eu queria morrer. É o que eu teria preferido, ainda mais naquele momento. Ele sabia disso, tenho certeza. Mas, por algum motivo, pareceu querer brincar comigo, então me fez decidir se eu queria ou não morrer naquela noite.

– Puxa, Jen, que horrível... – A voz de Alex se mostrou emocionada. Seu braço a envolveu pelos ombros num gesto de amparo. – Filho da puta cruel.

– Então – continuou Elise –, você disse ao Antigo que a deixasse viver e ele concordou... Simples assim?

Lembrando o momento com vívida clareza agora, Jenna balançou a cabeça com vigor.

– Eu lhe disse que queria viver, e a última coisa de que lembro é dele fazendo um corte no braço e retirando aquela coisa, aquela coisa minúscula que só Deus sabe o que é, e que agora está dentro de mim.

Ela sentiu, mais do que viu, a sutil troca de olhares ao redor da mesa.

– Acham que isso tem alguma significância? – perguntou, dirigindo a pergunta ao grupo como um todo. Tentou abafar a pontada repentina de medo que reverberou em seu peito. – Acham que o fato de ele ter colocado aquela coisa dentro de mim tem alguma importância em eu viver ou morrer?

Alex segurou a mão dela num gesto tranquilizador, mas foi Tess quem falou antes das outras.

– Talvez Gideon possa fazer outros testes para nos ajudar a descobrir isso.

Jenna engoliu em seco, depois assentiu.

Seu prato de comida permaneceu intocado pelo restante da refeição.

Num canto escurecido de um quarto num hotel luxuoso em Boston, onde cortinas pesadas impediam a passagem do menor dos raios solares da manhã, o macho da Raça chamado Dragos estava acomodado numa poltrona acolchoada em seda e tamborilava as unhas da mão na mesinha lateral de mogno. Atrasos o deixavam impaciente, e a impaciência o tornava letal.

– Se ele não chegar nos próximos sessenta segundos, um de vocês terá que matá-lo – disse para o par de assassinos de Primeira Geração que o flanqueavam como Cérberos musculosos de dois metros de altura.

Assim que terminou de falar, no corredor do lado de fora da suíte presidencial, o elevador privativo emitiu uma campainha eletrônica, anunciando a chegada do convidado. Dragos não se moveu de seu canto no quarto, aguardando em silêncio irritado enquanto outro dos seus guardas pessoais criados acompanhava o macho da Raça civil – um tenente na operação secreta de Dragos – até a suíte para a sua reunião particular.

O vampiro teve o bom senso de inclinar a cabeça no instante em que seu olhar recaiu sobre Dragos.

– Mil perdões por mantê-lo esperando, senhor. A cidade está tomada pelos humanos. Pessoas fazendo compras de Natal e turistas – disse ele, o desdém revelado em cada uma das sílabas bem pronunciadas. Tirou as luvas e as colocou nos bolsos do casaco de caxemira. – O meu motorista teve que dar uma dúzia de voltas no hotel antes de conseguirmos nos aproximar da entrada de serviço no andar subterrâneo.

Dragos continuou tamborilando os dedos na mesinha.

– Algo errado com a entrada principal?

Seu tenente, pertencente à segunda geração da Raça, assim como Dragos, empalideceu visivelmente.

– Estamos em pleno dia, senhor. Com toda essa claridade, eu me incineraria em questão de minutos.

Dragos apenas o fitou, nem um pouco incomodado. Também não estava satisfeito com o local inconveniente daquele encontro. Preferiria muito mais o conforto e a segurança da sua residência. Mas isso já não era mais possível. Não depois que a Ordem interferiu em sua operação e o obrigou a buscar refúgio.

Temendo ser descoberto, ele não permitia mais que qualquer um dos seus associados civis soubesse onde seu quartel-general ficava. Como precaução adicional, nenhum deles conhecia a localização das suas propriedades nem da sua equipe. Ele não podia correr o risco de que seus tenentes caíssem no poder da Ordem e o acabassem comprometendo na esperança de que Lucan os poupasse de sua ira.

Só de pensar em Lucan Thorne e nos seus guerreiros, ele ficava com um gosto amargo na boca. Tudo pelo que tanto trabalhara, sua visão de um futuro no qual mal conseguia esperar para pôr as mãos, fora estragado pelas ações da Ordem. Eles o forçaram a bater em retirada. Forçaram-no a destruir o nervo central da sua operação – um superlaboratório de pesquisa científica que lhe custara centenas de dólares e muitas décadas para aperfeiçoar.

Tudo isso desaparecido agora, nada além de cinzas e escombros no meio de uma floresta em Connecticut.

Agora o poder e os privilégios a que Dragos estava acostumado por séculos foram substituídos por esconderijos nas sombras e olhadelas constantes por sobre o ombro para se certificar de que o inimigo não se aproximava. A Ordem o obrigara a fugir e se esconder como um coelho desesperado para se evadir da armadilha do caçador, e ele não gostava nem um pouco disso.

O último incômodo acontecera no Alasca, com a fuga do Antigo, o seu instrumento mais valioso e insubstituível na busca pela derradeira dominação. Já fora bastante ruim que o Antigo tivesse escapado durante seu transporte em seu novo tanque de contenção. Mas o desastre só piorou quando a Ordem não só conseguiu encontrar o laboratório no Alasca como também o fugitivo alienígena.

Dragos perdera essas duas peças fundamentais para os malditos. Não pretendia perder mais nada.

– Quero ouvir boas notícias – disse ao tenente, dardejando o macho por debaixo das sobrancelhas unidas. – Como tem progredido com a sua missão?

– Tudo está a postos, senhor. Esta semana, o alvo e sua família imediata acabaram de regressar aos Estados Unidos das suas férias no exterior.

Dragos grunhiu em concordância. O alvo em questão era um ancião da Raça, com quase mil anos de existência, um da Primeira Geração, de fato, motivo pelo qual Dragos o tinha em mira. Além de querer que Lucan Thorne e seu bando de guerreiros ficassem sem trabalho, Dragos também retornara aos objetivos da sua missão inicial: a extinção sistemática e total de cada um dos Primeira Geração da Raça naquele planeta.

O fato de Lucan e outro membro fundador da Ordem serem Primeira Geração só tornava seu objetivo mais doce. E ainda mais imperativo. Ao acabar com todos os Primeira Geração, exceto seus assassinos criados e treinados para servi-lo inquestionavelmente, Dragos e os outros membros da segunda geração da Raça se tornariam, por consequência, os vampiros mais importantes da atualidade.

E se, ou melhor, quando se cansasse de partilhar o futuro que ele sozinho entreviu e garantiu que acontecesse, então ordenaria ao seu exército pessoal de assassinos que dizimasse cada um dos seus contemporâneos da segunda geração também.

Sentado num silêncio contemplativo e aborrecido, ouvia enquanto seu tenente se apressava em rever os detalhes do plano que o próprio Dragos idealizou poucos dias antes. Passo a passo, tática a tática, o outro macho da Raça discorreu sobre tudo, garantindo-lhe que nada seria deixado ao acaso.

– O Primeira Geração e sua família estão sendo observados em período integral desde que voltaram para casa – disse o tenente. – Estamos prontos para disparar o gatilho dessa operação ao seu comando, senhor.

Dragos inclinou a cabeça num vago assentimento.

– Faça acontecer.

– Sim, senhor.

A mesura profunda e sua retirada foram quase tão agradáveis quanto a noção de que aquele golpe pendente deixaria absolutamente claro para a Ordem que ele podia ter sido atingido, mas estava longe de ser abatido.

Na verdade, sua presença no elegante hotel em Boston, e uma das importantes reuniões de apresentação que levaram semanas para serem arranjadas entre ele e um punhado de humanos influentes escolhidos a dedo, solidificaria a posição de Dragos em sua ascensão para a glória final. Ele praticamente já sentia o gosto do sucesso.

– Ah, mais uma coisa – Dragos chamou seu associado que partia.

– Sim, senhor.

– Se fracassar – disse ele de maneira agradável –, esteja preparado para que eu lhe sirva seu próprio coração.

O rosto do macho empalideceu, ficando branco como o carpete que cobria o piso tal qual neve fresca.

– Não fracassarei, senhor.

Dragos sorriu, expondo tanto os dentes quanto as presas.

– Certifique-se de que isso não aconteça.


Capítulo 9

Depois da bagunça carregada de morte da noite anterior na cidade, Brock considerou um triunfo pessoal que tivesse conseguido evitar Jenna em grande parte do dia após o seu retorno ao complexo.

Depois de ter descartado os dois corpos nas águas gélidas do rio Mystic, ficou sozinho até quase o amanhecer, tentando se libertar da fúria que parecia acompanhá-lo aquela noite.

Mesmo após estar no quartel-general da Ordem por algumas horas pela manhã, a raiva injustificada, e completamente indesejável, que o possuía ao pensar numa mulher inocente se deparando com o perigo fazia com que seus músculos vibrassem com uma necessidade de violência. Algumas boas horas de treino suado com as armas ajudaram a aplacar um pouco desse sentimento. Bem como o banho escaldante de quarenta minutos com o qual se castigara após o treino.

Ele até poderia achar que se sentia bem, com a cabeça no lugar de novo, se não fosse pelos golpes certeiros que Gideon lançara não muito tempo depois.

O primeiro foi a notícia de que Jenna descera depois do café da manhã com as outras mulheres do complexo e lhe pedira para fazer mais exames de sangue e de tecido. Ela havia se lembrado de algo a respeito do tempo passado com o Antigo, algo que Gideon dissera que havia deixado a fêmea valente bem atormentada.

O segundo golpe foi dado quase imediatamente depois que os primeiros resultados dos exames surgiram.

O sangue e o DNA de Jenna haviam mudado significativamente desde a última vez que Gideon os analisara.

No dia anterior, os resultados foram normais. Hoje, tudo estava alterado.

– Não podemos nos precipitar em conclusões. Não importa o que esses resultados possam indicar – disse, por fim, Lucan, em seu tom grave e sério.

– Talvez devamos fazer mais exames – sugeriu Tess, a única fêmea no laboratório de tecnologia no momento. Ela levantou o olhar dos resultados perturbadores para encarar Lucan, Brock e o restante da Ordem, que fora convocada ali para revisar os achados de Gideon. – Devo ir buscar Jenna e levá-la para a enfermaria para mais exames?

– Você até pode fazer isso – disse Gideon –, mas fazer outros exames não vai mudar nada. – Ele tirou os óculos de lentes azul-claras, jogando-os na mesa de acrílico diante dele. Pinçando o alto do nariz, balançou a cabeça de leve. – Esse tipo de mutação de DNA e a reprodução celular massiva simplesmente não acontecem. Os corpos humanos não são avançados o bastante para lidar com as exigências que mudanças dessa significância provocariam em seus órgãos e artérias, sem falar no impacto que algo assim teria no sistema nervoso central.

Com os braços cruzados diante do peito, Brock se recostou na parede ao lado de Kade, Dante e Rio. Não disse nada, esforçando-se para entender tudo o que via e ouvia. Lucan tinha aconselhado que ninguém se precipitasse em conclusões, mas era excessivamente difícil não fazer isso agora, com o futuro bem-estar de Jenna em jogo.

– Não entendo – disse Nikolai do outro lado do laboratório, onde estava sentado à mesa, junto com Tegan e Hunter. – Por que agora? Isto é, se tudo estava normal antes, por que a súbita mutação no sangue e no DNA?

Gideon deu de ombros.

– Pode ser porque até ontem ela esteve num sono profundo, quase em coma. Soubemos que sua força muscular tinha aumentado assim que despertou. Brock testemunhou isso em primeira mão, e nós também, quando Jenna fugiu do complexo. As mudanças celulares que estamos vendo agora podem ter sido uma reação retardada ao seu despertar. Estar consciente e alerta pode ter agido como algum tipo de disparador dentro de seu corpo.

– Ontem à noite ela foi alvejada – acrescentou Brock, refreando o rugido raivoso que lhe constringia a garganta. – Isso pode estar relacionado com o que vemos no sangue dela agora?

– Talvez – disse Gideon. – Tudo é possível, imagino. Isso não é nada que eu, nem ninguém nesta sala, já tenha visto antes.

– Pois é – concordou Brock. – Simplesmente uma maravilha.

No fundo da sala, com os coturnos apoiados na mesa de reuniões enquanto inclinava a cadeira para trás, Sterling Chase pigarreou.

– Levando tudo em consideração, talvez não seja uma boa ideia dar tanta liberdade a essa mulher aqui no complexo. Ela é um grande ponto de interrogação no momento. Por tudo o que sabemos, pode muito bem ser algum tipo de bomba prestes a explodir.

Por um longo instante, ninguém disse nada. Brock odiou esse silêncio. Odiou Chase por exprimir algo que nenhum dos guerreiros quis considerar.

– O que sugere? – perguntou Lucan, lançando um olhar sério para o macho que passara décadas como parte da Agência de Policiamento antes de se juntar à Ordem.

Chase arqueou as sobrancelhas loiras.

– Se dependesse de mim, eu a retiraria do complexo o mais rápido possível. Trancaria-na em algum lugar seguro, bem longe das nossas operações, pelo menos até termos a oportunidade de deter Dragos de uma vez por todas.

O grunhido de Brock surgiu na garganta, carregado de animosidade.

– Jenna fica aqui.

Gideon recolocou os óculos e assentiu na direção de Brock.

– Concordo. Eu não me sentiria à vontade em tirá-la daqui agora. Gostaria de observá-la, para entender melhor o que está acontecendo com ela a nível celular e neurológico, no mínimo.

– Façam como quiserem – disse Chase. – Mas isso será o funeral de todos nós se você estiver errado.

– Ela fica – disse Brock, estreitando o olhar para o outro lado da mesa, que perfurou o ex-agente que sorria.

– Você está todo animado com essa humana desde o segundo em que a viu – observou Chase, o tom leve, mas com a expressão carregada de desafio. – Tem algo a provar, amigo? O que foi... você é um daqueles tolos loucos por uma dama em apuros? O santo padroeiro das causas perdidas. Essa é a sua?

Brock voou por cima da mesa num único salto. Poderia ter acabado com as mãos no pescoço de Chase, mas o vampiro previu o seu ataque e se moveu com a mesma velocidade. A cadeira caiu para trás e, em meio segundo, os dois machos grandes estavam cara a cara, travados numa batalha que nenhum deles poderia vencer.

Brock sentiu mãos fortes afastando-o do confronto, Kade e Tegan, chegando ali antes que ele conseguisse desferir o soco que Chase merecia. E atrás de Chase estavam Lucan e Hunter, os dois e os demais prontos a pôr panos quentes na situação caso um dos machos resolvesse agir.

Encarando Chase com raiva, Brock se permitiu ser afastado, mas só isso. Pelo que não foi a primeira vez, refletiu sobre a natureza antagônica e agressiva de Sterling Chase, e pensou no que fazia com que o de outro modo habilidoso e fantástico guerreiro fosse tão volátil.

Se a Ordem tinha uma bomba acionada com que se preocupar em seu meio, Brock ficou pensando se não estava olhando para ela naquele mesmo instante.

– Por que diabos isso está demorando tanto?

Jenna não tinha percebido que dera vazão à sua preocupação em voz alta até sentir a mão de Alex.

– Gideon disse que queria fazer outros testes na sua amostra. Tenho certeza de que logo vamos ter notícias.

Jenna bufou um suspiro. De bengala na mão, mesmo sentindo apenas uma necessidade mínima de se apoiar nela, levantou-se do sofá no qual estivera sentada e claudicou até o outro lado da sala de estar do apartamento. Fora levada até ali por Alex e Tess depois que colheram a amostra do seu sangue na enfermaria poucas horas atrás, dizendo-lhe que lhe tinham dado o uso daquele espaço pela duração da sua estada no complexo.

Aquela suíte era uma melhora e tanto em relação ao quarto da enfermaria. Espaçosa e confortável, com mobília grande de couro e mesinhas de madeira escura meticulosamente polidas, não entulhadas de tranqueiras. Estantes altas de madeira perfiladas com livros clássicos, de filosofia e história à altura de uma biblioteca. Livros provocativos e sérios que pareciam em contraste com uma prateleira muito bem organizada – caramba, em ordem alfabética – de livros de ficção populares bem ao lado.

Jenna deixou seu olhar passar pelas prateleiras de títulos e autores, necessitando de uma distração momentânea para impedir que pensasse demais no que poderia estar provocando tanta demora para ouvir as respostas de Gideon e dos outros.

– Faz mais de uma hora que Tess está lá – observou, tirando um livro qualquer sobre cantoras de jazz de sua posição na seção de história. Folheou as páginas, mais para dar algo paras as suas mãos fazerem do que por algum interesse real pelo livro.

Enquanto passava pelo capítulo sobre a era dos clubes de jazz dos anos 1920, uma fotografia amarelada escorregou. Jenna a apanhou antes que caísse no chão. O rosto sorridente de uma mulher jovem num vestido de seda cintilante e pele brilhante a fitava da imagem. Com olhos grandes e amendoados e tez de porcelana que parecia reluzir em contraste com os cabelos negros longos, ela era linda e exótica, ainda mais no cenário do clube de jazz ao fundo.

Com sua própria vida num espiral de confusão e preocupação, Jenna sentiu-se perplexa por um momento pelo júbilo evidente no sorriso amplo da jovem. Era uma alegria tão patente, franca, que quase sentiu uma dor física ao vê-la. Ela também já vivenciara esse tipo de felicidade, não? Deus, quanto tempo se passara desde que sentira ainda que metade da vivacidade daquela jovem da fotografia?

Brava com essa sensação de autopiedade, Jenna guardou a fotografia no livro, que devolveu ao seu lugar na prateleira.

– Não aguento mais. Isso está me deixando louca.

– Eu sei, Jen, mas...

– Ao diabo. Não vou mais ficar aqui esperando – disse, virando-se para encarar a amiga. A ponta da bengala se chocou no tapete ao abrir caminho até a porta. – Eles já devem ter alguns resultados a esta altura. Tenho que saber o que está acontecendo. Vou lá agora mesmo.

– Jenna, espere – Alex pediu atrás dela.

Mas ela já estava no corredor, andando o mais rápido que conseguia, apesar do impedimento da bengala e da leve fisgada que trespassava sua perna a cada passo apressado.

– Jenna! – Alex a chamou, com as passadas rápidas ecoando no corredor já deserto.

Jenna prosseguiu pelos corredores de mármore branco polido. A perna começava a latejar, mas ela não se importou. Deixou a bengala de lado, que só a retardava, e faltou pouco para começar a correr na direção das vozes abafadas dos machos logo mais adiante. Ela arfava ao chegar à parede de vidro do laboratório de tecnologia, com suor sobre seus lábios e na testa provocado pela dor.

Seus olhos encontraram Brock antes de qualquer outro membro do grupo aparentemente solene. Seu rosto estava tenso, os tendões do pescoço esticados como cabos, a boca formando uma linha carrancuda, quase ameaçadora. Ele estava no fundo da sala, cercado pelos outros guerreiros, todos aparentando tensão e inquietação, ainda piores agora que ela estava ali. Gideon e Tess estavam próximos ao nicho de computadores na parte anterior do laboratório.

Todos pararam o que estavam fazendo para fitá-la.

Jenna sentiu o peso dos olhares como algo físico. Seu coração se contraiu. Obviamente, eles já tinham a análise de seu sangue. Será que os resultados eram tão horríveis assim?

Suas expressões eram inescrutáveis, todos a mantendo sob observação cautelosa, silenciosa, conforme seus passos desaceleraram diante das portas deslizantes do laboratório.

Deus, olhavam para ela como se nunca a tivessem visto antes.

Não, percebeu, ao notar que o grupo continuava imóvel, olhando para ela através da parede transparente que a separava do grupo solene do outro lado. Olhavam-na como se esperassem que já estivesse morta.

Como se ela fosse um fantasma.

Um medo horrível se instalou em seu estômago, mas ela não pretendia recuar agora.

– Deixem-me entrar – exigiu, irritada e aterrorizada. – Maldição, abram essa maldita porta e me digam o que está acontecendo!

Levantou a mão e cerrou o punho, mas antes que pudesse bater no vidro, as portas deslizaram num sibilo suave. Avançou para dentro, sendo seguida de perto por Alex.

– Podem me contar – disse Jenna, o olhar passando de um rosto silencioso a outro. Demorou-se em Brock, a única pessoa naquela sala, além de Alex, por quem ela sentia alguma confiança. – Por favor... Preciso saber o que descobriram.

– Ocorreram algumas mudanças no seu sangue – disse ele, a voz grave impossivelmente baixa. Gentil demais. – E no seu DNA também.

– Mudanças. – Jenna engoliu em seco. – Que tipo de mudanças?

– Anomalias – Gideon interviu. Quando ela virou a cabeça na direção dele, ficou surpresa pela preocupação no olhar do guerreiro. Ele falava com cautela, parecendo demais com um médico retardando o pior tipo de notícia a dar ao seu paciente. – Descobrimos uma reprodução celular estranha, Jenna. Mutações que estão sendo passadas ao seu DNA e que se multiplicam a uma velocidade excessiva. Essas mutações não estavam presentes na última análise que efetuamos no seu sangue.

Ela balançou a cabeça, tanto pela confusão quanto como um reflexo de negação ao que pensava estar ouvindo.

– Não estou entendendo. Está se referindo a algum tipo de doença? Aquela criatura me infectou com alguma coisa quando me mordeu?

– Nada disso – disse Gideon, lançando um olhar ansioso para Lucan. – Bem, não exatamente.

– Então, o que, exatamente? – ela exigiu saber. A resposta surgiu meio segundo mais tarde. – Ai, meu Deus. Esta coisa na minha nuca... – Ela pôs a mão sobre o ponto em que o Antigo havia inserido o material não identificado do tamanho de um grânulo. – Esta coisa que ele colocou dentro de mim está provocando as mudanças. É isso, não é?

Gideon assentiu de leve.

– É biotecnologia de algum tipo, nada que a Raça ou a espécie humana tenha capacidade de criar. Pelas radiografias mais recentes de hoje, parece que o implante está se integrando à sua medula espinhal num ritmo muito acelerado.

– Tire isso.

Uma rodada de olhares preocupados passou pelo grupo de machos grandes. Mesmo Tess parecia pouco à vontade, sem conseguir sustentar o olhar de Jenna.

– Não é tão simples assim – Gideon respondeu, por fim. – Talvez você deva ver as imagens por si só.

Antes que ela conseguisse pensar se queria ou não ver as provas daquilo que lhe estava sendo dito, a imagem do seu crânio e coluna piscou na tela plana afixada numa parede diante dela. Num segundo, Jenna notou o nauseante objeto do tamanho de um grão de arroz que brilhava no centro da sua primeira vértebra. Os tentáculos que estiveram presentes no dia anterior eram mais numerosos naquela nova imagem.

Muito mais do que centenas a mais, cada tênue feixe entrando – inextricavelmente – ao redor e através da sua medula óssea.

Gideon pigarreou.

– Como disse, o objeto aparentemente é formado por uma combinação de material genético e alta tecnologia avançada. Nunca vi nada assim antes, tampouco consegui encontrar algum tipo de pesquisa científica humana que se assemelhasse minimamente a isso. Considerando-se as transformações biológicas que temos observado em seu DNA e em seu sangue, parece ser a fonte do material genético do próprio Antigo.

O que significava que parte daquela criatura estava dentro dela. Vivendo ali. Vicejando.

A pulsação de Jenna ecoava em seu peito. Ela sentia o fluxo sanguíneo acelerado nas veias, células alteradas que ela imaginava abrindo caminho em seu corpo a cada batida do coração, multiplicando-se, crescendo, devorando-a por dentro.

– Arranquem isso de mim – disse ela, a voz se elevando por causa da angústia. – Tirem essa maldita coisa de dentro de mim ou eu mesma tiro!

Com as duas mãos, ela começou a arranhar a nuca, o desespero fazendo-a agir como louca.

Ela nem percebeu Brock se movendo da sua posição do outro lado do laboratório, mas, em menos de um instante, ele estava bem ao seu lado, as mãos grandes envolvendo-a com os dedos. Os olhos castanhos prenderam-na pelo olhar e não a soltaram.

– Relaxe agora – disse ele, num sussurro gentil, porém com firmeza tirou-lhe as mãos da nuca e segurou-as entre as suas. – Respire, Jenna.

Com os pulmões contraídos, ela emitiu um soluço.

– Solte-me. Por favor, deixem-me em paz, todos vocês.

Ela se afastou e tentou ir embora, mas a pulsação pesada e o tinir em seus ouvidos fez a sala girar ao seu redor com violência. Uma onda obscura de náusea a acometeu, envolvendo-a numa névoa densa e atordoante.

– Te peguei – a voz tranquilizadora de Brock murmurou junto ao seu ouvido.

Ela sentiu os pés deixarem o chão e, pela segunda vez em poucos dias, viu-se amparada pela segurança dos braços dele.


Capítulo 10

Ele não deu explicações para o que estava fazendo ou para onde a estava levando. Apenas saiu do laboratório de tecnologia e a carregou pelo mesmo corredor pelo qual ela viera minutos antes com Alex.

– Solte-me – exigiu Jenna, os sentidos ainda confusos, tinindo a cada longa passada das pernas de Brock. Mudou de posição nos braços dele, tentando ignorar como até mesmo o menor dos movimentos fazia sua cabeça girar e seu estômago revirar. A cabeça pendeu sobre o antebraço forte, um gemido de dor escapando. – Eu disse para me colocar no chão, inferno.

Ele grunhiu enquanto continuava a caminhar.

– Eu ouvi na primeira vez.

Ela fechou os olhos, só porque estava difícil demais mantê-los abertos e ver o teto do corredor se contorcer e girar logo acima enquanto Brock a carregava complexo adentro. Diminuiu o ritmo a certa altura, depois virou, e Jenna abriu os olhos, vendo que ele a levara de volta à suíte que agora era seu quarto.

– Por favor, me ponha no chão – murmurou, a língua grossa, a garganta seca. O latejar por trás dos olhos se tornara uma pulsar firme, o tinido nos ouvidos um lamento agudo que parecia partir seu crânio ao meio. – Deus – arfou, sem conseguir disfarçar a agonia. – Está doendo muito...

– Ok – disse Brock baixinho. – Tudo vai ficar bem agora.

– Não, não vai. – Ela choramingou, humilhada pelo som da sua fraqueza, e pelo fato de que Brock a estava vendo assim. – O que está acontecendo comigo? O que ele fez comigo?

– Isso não importa agora – sussurrou Brock, a voz grave mostrando-se contraída. Uniforme demais para ser confiável. – Primeiro, vamos fazer você superar isto.

Atravessou o quarto com ela e se ajoelhou para acomodá-la no sofá. Jenna se recostou e deixou que ele lhe endireitasse as pernas, não tão perdida no desconforto e na preocupação para deixar de notar o carinho das mãos fortes daquele homem, que, provavelmente, seriam capazes de extrair a vida de alguém com pouco mais do que uma contorção.

– Relaxe – disse ele, as mãos fortes e carinhosas afagando seu rosto, os olhos escuros incitando-a a sustentar seu olhar. – Apenas relaxe e respire, Jenna. Consegue fazer isso por mim?

Ela se acalmou um pouco de pronto, relaxando ao som do seu nome nos lábios dele, o resvalar quente dos dedos que desciam pelo rosto e pelo maxilar e, depois, pela lateral do pescoço. As lufadas curtas de ar que entravam e saíam dos seus pulmões começaram a se acalmar, enquanto Brock amparava a nuca com uma mão e deslizava a outra palma num indo e vindo lento sobre o peito dela.

– Isso mesmo – murmurou, o olhar preso ao dela, intenso e, ainda assim, inacreditavelmente carinhoso. – Solte toda a dor e relaxe. Você está segura, Jenna. Pode confiar em mim.

Ela não sabia por que essas palavras deveriam afetá-la como a afetaram. Talvez a dor a tivesse enfraquecido. Talvez fosse o medo do desconhecido, o abismo da incerteza que subitamente se tornara a sua realidade desde aquela noite gélida e horrenda no Alasca.

E talvez fosse pelo simples fato de que fazia muito tempo, quatro solitários anos, desde que ela sentira a carícia cálida de um homem, mesmo que apenas para oferecer consolo.

Quatro anos vazios desde que se convencera de que não precisava de nenhum contato afetuoso ou intimidade. Quatro anos infindáveis desde que se lembrava do como era se sentir uma mulher de carne e osso, como se fosse desejada. Como se pudesse, um dia, ser capaz de abrir o coração para algo mais.

Jenna fechou os olhos quando lágrimas começaram a arder. Afastou a onda de emoção que surgiu inesperadamente e, em vez disso, concentrou-se nas pontas dos dedos quentes e reconfortantes de Brock em sua pele. Deixou que sua voz a acalentasse, sentindo suas palavras e seu toque trabalharem juntos para ajudá-la a superar a angústia do estranho trauma que parecia estar despedaçando-a de dentro para fora.

– Isso é bom, Jenna. Apenas respire agora.

Ela sentiu a garra de dor em seu crânio relaxar enquanto ele lhe falava. Brock acariciou suas têmporas com os polegares, os dedos esticados em seus cabelos, amparando sua cabeça de maneira reconfortante. O tinir agudo em seus ouvidos começou a diminuir, a desaparecer, até, por fim, sumir de vez.

– Você está indo muito bem – murmurou Brock, a voz mais sombria do que antes, um pouco mais do que um grunhido. – Solte tudo, Jenna. Dê o resto para mim.

Ela exalou um suspiro profundo, sem conseguir mantê-lo dentro de si enquanto Brock a afagava no rosto e no pescoço. Ela gemeu, abraçando o prazer que lentamente devorava sua agonia.

– Isso é bom – sussurrou, sem poder resistir ao desejo de se aproximar do seu toque. – A dor já não é tão forte agora.

– Isso é muito bom, Jenna. – Ele inspirou, parecendo mais um arquejo, depois exalou um gemido. – Liberte-se de tudo.

Jenna sentiu um tremor vibrar por seus dedos enquanto ele falava. As pálpebras se abriram e ela arfou ao vê-lo tão tenso.

Os tendões do pescoço estavam retesados, a mandíbula travada com tanta força que era um milagre que seus dentes não tivessem trincado. Um músculo latejava no rosto delgado. Gotas de suor se formavam na testa e sobre os lábios.

Ele estava com dor.

Uma dor impossível, assim como ela estivera há minutos, antes que seu toque parecesse afastar a agonia.

Foi então que ela entendeu.

Ele não estava simplesmente acalmando-a com as mãos. Ele estava, de alguma forma, tirando a dor dela. Canalizando-a, de propósito, para si.

Ofendida com a ideia, porém ainda mais envergonhada por ter se deixado permanecer ali deitada, imaginando que a carícia dele fosse algo mais do que pura piedade, Jenna se retraiu do seu toque e se pôs sentada num canto do sofá. Respirou fundo de ultraje ao fitar os olhos escuros que reluziam fachos de luz âmbar.

– Que diabos pensa que está fazendo? – arfou, pondo-se de pé.

O músculo que estivera latejando em seu maxilar se retesou quando ele se levantou para enfrentá-la.

– Ajudando você.

Imagens tomaram conta da sua mente em um instante: repentinas lembranças vívidas dos momentos posteriores ao seu cativeiro com a criatura que invadira o seu chalé no Alasca.

Naquele momento, ela também sentira dores. Estivera aterrorizada e em estado de choque, tão devastada de horror e confusão que achou que acabaria morrendo.

E se lembrou das mãos delicadas e cálidas que a confortaram. O rosto de um belo desconhecido sério que entrara em sua vida como um anjo negro e a manteve a salvo, protegida e tranquila, quando tudo em seu mundo fora transformado em caos.

– Você esteve lá – murmurou, atônita por perceber só então. – No Alasca, depois que o Antigo sumiu. Você ficou comigo. Também tirou minha dor naquela hora. E mais tarde, depois que fui trazida para o complexo. Meu Deus... Você ficou comigo o tempo todo em que estive na enfermaria? Os olhos dele permaneceram fixos nos dela, sombrios, inescrutáveis.

– Eu era o único que podia ajudar você.

– Quem te pediu isso? – exigiu saber, num tom sabidamente áspero, mas desesperada por expurgar o calor que ainda trafegava dentro dela, indesejado e espontâneo.

Já era ruim que ele achasse necessário acalentá-la como se ela fosse algum tipo de criança em sua provação prolongada. E ainda pior que ele parecesse pensar ser necessário repetir isso agora também. Maldita fosse se permitisse que ele pensasse, por um segundo sequer, que ela, de fato, desejara seu toque.

Com a expressão ainda carregada pelo que lhe fizera instantes antes, ele meneou a cabeça e imprecou.

– Para uma mulher que não quer a ajuda de ninguém, você bem que parece precisar muito.

Ela mal resistiu à tentação de lhe dizer onde ele podia enfiar sua compaixão.

– Sei cuidar de mim sozinha.

– Como cuidou ontem à noite na cidade? – ele a desafiou. – Como fez há poucos minutos no laboratório, pouco antes que os meus braços fossem a única coisa entre o seu traseiro teimoso e o chão?

A humilhação queimou seu rosto tal qual um tapa.

– Sabe de uma coisa? Faça-nos um favor e não me faça mais favor algum!

Ela se virou para se afastar dele, seguindo para a porta ainda aberta para o corredor. Cada passo miraculosamente sem dor só aumentava sua raiva de Brock, deixando-a ainda mais determinada a colocar o máximo possível de distância entre eles.

Antes que conseguisse se aproximar da soleira, ele se postou diante dela, bloqueando-lhe o caminho, mesmo que ela não tivesse visto ou ouvido ele se mover.

Parou. Encarou-o, atordoada por sua evidente velocidade sobrenatural.

– Saia da minha frente – disse, tentando passar por ele.

Ele deu um passo para o lado, colocando o corpo imenso diretamente diante do dela. A intensidade do seu olhar revelou que ele queria lhe dizer algo mais, mas Jenna não queria ouvir. Precisava ficar sozinha.

Precisava de espaço para pensar sobre tudo o que lhe acontecera... Tudo que ainda estava acontecendo, ficando cada vez mais assustador ao mesmo tempo.

– Saia da frente – disse ela, odiando o leve tremor em sua voz.

Brock lentamente levantou a mão e afastou uma mecha de cabelo da testa dela. Foi um gesto meigo, uma afabilidade que ela tanto precisava, mas que tinha medo de aceitar.

– Você está no nosso mundo agora, Jenna. Quer queira admitir ou não, precisa de ajuda.

Ela observou-lhe a boca enquanto ele falava, desejando não se sentir tão atenta aos lábios cheios e sensuais. Ele ainda estava suportando a sua dor; podia saber pelo ligeiro inflar nas narinas enquanto ele inspirava e expirava de modo controlado. Tampouco a tensão do belo rosto e do pescoço forte se desfizera.

Durante toda a sua vida, ela se esforçou para provar seu valor, primeiro para o pai e para o irmão, Zach, sendo que ambos deixaram claro que duvidavam que ela tivesse o necessário para fazer parte da força policial. Mais tarde, esforçou-se para ser uma mãe e esposa perfeitas. A vida toda fora estruturada numa fundação de força, disciplina e competência.

De maneira inacreditável, enquanto ficava ali diante de Brock, não foi o fato de ele ser algo mais que humano – algo perigoso e alienígena – que fez com que ela quisesse que o chão se abrisse e a engolisse. Foi o medo de que ele pudesse enxergar através da casca de raiva que ela usava como uma armadura, vendo-a como o fracasso solitário e amedrontado que ela, de fato, era.

Brock balançou de leve a cabeça em sua direção enquanto o silêncio se estendia entre eles. Os olhos perscrutaram seu rosto por inteiro antes de se deterem sobre o seu olhar.

– Existem coisas piores do que precisar se apoiar em alguém de vez em quando, Jenna.

– Maldição! Eu disse para sair da minha frente! – Ela pousou as palmas sobre o peito largo e o empurrou com toda a raiva e medo que havia dentro dela.

Brock foi lançado para trás, quase se chocando com a parede oposta do corredor.

Jenna arquejou, assustada e surpresa com o que acabara de fazer.

Horrorizada.

Brock era muito forte, com quase dois metros de altura e mais de cem quilos de músculo e força. Alguém muito mais forte do que ela. Alguém muito mais poderoso do que qualquer outra pessoa que já tivesse conhecido.

As sobrancelhas dele se ergueram em sinal de surpresa.

– Jesus Cristo – murmurou, com muito mais admiração do que raiva na voz.

Jenna suspendeu as mãos diante de si e fitou-as como se elas pertencessem a outra pessoa.

– Ai, meu Deus... Como eu... O que aconteceu?

– Está tudo bem – garantiu ele, voltando para perto dela com aquela enlouquecedora tranquilidade.

– Brock, desculpe. Verdade, eu não queria...

– Eu sei – disse ele, assentindo com seriedade. – Não se preocupe. Você não me machucou.

Uma bolha de histeria subiu-lhe pela garganta. Primeiro, a notícia chocante de que o implante de algum modo estava alterando seu DNA, e agora isso: uma força que não tinha como ser sua, mas, de alguma maneira, era. Relembrou sua fuga da propriedade e as estranhas habilidades linguísticas que pareceu adquirir desde que o Antigo deixara uma parte de si emaranhado em sua medula espinhal.

– Que diabos está acontecendo comigo, Brock? Quando tudo isso vai terminar?

Ele lhe segurou as mãos trêmulas entre suas palmas com firmeza.

– O que quer que esteja acontecendo, você não tem que passar por isso sozinha. Precisa entender isso.

Ela não sabia se ele falava em nome de todos no complexo ou por si só. Ela não tinha voz para pedir uma explicação. Disse a si mesma que não importava o significado das palavras dele; contudo, isso não desacelerou seu coração quando o fitou. Sob o calor dos insondáveis olhos castanhos, ela sentiu os seus piores medos se dissolverem.

Sentia-se aquecida e protegida, coisas que queria negar, mas não podia enquanto Brock a estivesse segurando pelas mãos e pelo olhar.

Ele franziu a testa após um longo momento e lentamente soltou-lhe as mãos, deixando as suas deslizarem pelos braços dela, numa carícia sensual, demorando-se o suficiente para deixar claro que aquilo não era nada menos do que íntimo. Jenna sabia disso, e via que ele também sabia.

Os olhos escuros pareceram se aprofundar, engolindo-a. Recaíram sobre sua boca e lá ficaram enquanto a respiração de Jenna saía num suspiro trêmulo.

Ela sabia que devia se afastar dele agora. Não havia motivo para permanecerem perto assim, com meros centímetros separando seus corpos. Menos ainda entre a boca dele e a dela. Só seria preciso um leve inclinar da cabeça dele ou um erguer da dela e seus lábios se encontrariam.

A pulsação de Jenna acelerou ante a ideia de beijar Brock.

Coisa que, quando ele a carregara para o quarto, estivera bem longe dos seus pensamentos. Não muito tempo atrás, quando seu medo e sua raiva a fizeram sibilar e grunhir como um animal selvagem preso numa armadilha de caçador.

Mas agora, enquanto Brock permanecia tão perto que ela sentia o calor do corpo dele irradiando para o seu, a fragrância da pele tentando-a a aproximar o rosto e inspirar seu cheiro, beijá-lo era uma necessidade secreta que pulsava dentro dela a cada batida fugidia do seu coração.

Talvez ele soubesse o que ela estava sentindo.

Talvez ele estivesse sentindo a mesma coisa.

Ele emitiu uma imprecação, depois recuou um passo, encarando-a com ardor e firmeza.

– Ah... droga... Jenna...

Quando ergueu as mãos fortes e segurou o seu rosto com delicadeza, todo o ar pareceu evaporar no quarto. Os pulmões de Jenna pareceram congelar dentro do peito, mas o coração continuava acelerado, batendo tão rapidamente que pensou que ele poderia explodir.

Esperou, num misto de terror e esperança, atônita com a necessidade que tinha de sentir a boca de Brock na sua.

A língua dele molhou os lábios, o movimento permitindo que ela tivesse um vislumbre das pontas das suas presas, reluzindo como diamantes. Ele praguejou novamente, depois se afastou um pouco, deixando uma lufada de ar frio diante dela onde o calor do seu corpo estivera apenas um segundo antes.

– Eu não deveria estar aqui – murmurou com voz espessa. – E você precisa descansar. Fique à vontade. Se não houver cobertas suficientes na cama, encontrará mais no armário do banheiro. Use tudo que precisar.

Jenna teve que se dar um chacoalhão mental para entender a conversa.

– Este... hum... Este quarto é seu?

Ele acenou de leve, já saindo para o corredor.

– Era. Agora é seu.

– Espere – Jenna o seguiu. – E quanto a você? Você tem onde ficar?

– Não se preocupe – disse ele, parando para olhá-la quando ela se apoiou na maçaneta. – Descanse um pouco, Jenna. Te vejo por aí.

O sangue ainda corria quente nas veias de Brock pouco depois, quando ele parou diante de uma das últimas suítes residenciais e bateu à porta fechada.

– Faltam ainda onze minutos para a hora que combinamos – diz a voz profunda e prática do macho da Raça do outro lado.

A porta se abriu, e Brock foi perfurado por um par de olhos dourados inescrutáveis.

– Avon chama – disse Brock à guisa de um cumprimento ao suspender a mochila de couro preta que continha todos os seus pertences pessoais retirados dos seus aposentos. – E o que quer dizer com isso, cheguei onze minutos antes? Não me diga que você vai ser um daqueles colegas de quarto certinhos que fazem tudo seguindo um cronograma. Minhas escolhas são limitadas, já que você e Chase têm os últimos quartos do complexo. E, para falar a verdade, se Harvard e eu tivermos que dividir um quarto, não sei se sobreviveremos uma semana.

Hunter nada disse enquanto Brock passava por ele e entrava no quarto. Ele o seguiu para a parte das camas, tão sorrateiro quanto um fantasma.

– Pensei que fosse outra pessoa – afirmou um tanto tardiamente.

– É mesmo? – Brock girou de frente para o estoico Primeira Geração, verdadeiramente curioso a respeito do mais recente e reservado membro da Ordem. Sem falar no fato de que estava ávido para desviar a mente dos seus pensamentos ardentes a respeito de Jenna Darrow. – A quem esperava além de mim?

– Não importa – respondeu Hunter.

– Ok. – Brock deu de ombros. – Só estou tentando bater papo, mas tudo bem.

A expressão do Primeira Geração continuou impassível, absolutamente normal. O que não era surpresa, levando-se em consideração o modo como o macho fora criado: como um dos assassinos domésticos de Dragos. Inferno, o cara nem mesmo tinha um nome. Como o restante do exército pessoal criado por Dragos a partir do Antigo, referiam-se ao Primeira Geração apenas pelo único propósito da sua vida: Hunter3.

Ele chegara à Ordem há poucos meses, depois que Brock, Nikolai e alguns dos outros guerreiros atacaram uma reunião de Dragos e dos seus tenentes. Hunter fora libertado durante o ataque e agora era aliado contra o seu criador nos esforços da Ordem em acabar com Dragos.

Brock parou diante das duas camas que estavam em cada lado do quarto em estilo modesto. As duas estavam arrumadas com precisão militar, coberta marrom e lençóis brancos sem nenhuma prega, um único travesseiro meticulosamente colocado na cabeceira de cada estrado.

– Então, qual é a sua cama?

– Não faz diferença para mim.

Brock voltou a fitar o rosto impassível e os inescrutáveis olhos dourados.

– É só me dizer em qual costuma dormir e eu pego a outra.

O olhar nivelado de Hunter não se alterou em nada.

– São apenas mobília. Não tenho nenhum apego nem por uma, nem por outra.

– Nenhum apego – repetiu Brock num murmúrio. – Pois é, cara. Talvez você possa me dar algumas dicas sobre essa sua postura “não estou nem aí”. Acho que viria bem a calhar de tempos em tempos. Especialmente no que se refere às mulheres.

Com um grunhido, largou suas coisas na cama da esquerda, depois esfregou as mãos no rosto e na cabeça. O gemido que escapou dele estava carregado de frustração e do desejo retido que vinha abafando desde que se forçara a deixar Jenna e a tentação de que não precisava.

– Maldição – grunhiu, o corpo tinindo de novo só de lembrar o belo rosto erguido ao fitá-lo.

Era como se ela estivesse à espera de um beijo seu. Tudo que era masculino dentro de si afirmara isso com absoluta certeza na hora, mas ele sabia que aquela era a última coisa de que Jenna precisava.

Ela estava confusa e vulnerável, e ele se considerava mais do que um homem que poderia tirar vantagem disso só porque a sua libido clamava por ela. Claro, isso não o fazia se sentir muito melhor a respeito da excitação que, do nada, voltava à vida de novo, deixando toda a sua honradez de lado.

– Que beleza, meu herói – admoestou-se severamente. – Agora vai precisar afundar numa banheira de gelo por uma semana por ter bancado o nobre...

– Está se sentindo mal? – perguntou Hunter, assustando Brock, que não havia percebido que o outro macho ainda estava atrás dele no quarto.

– É... – disse Brock, dando uma risada sardônica. – Não ando muito bem, não. Se quer saber a verdade, não estou me sentindo bem desde que pus os olhos nela.

– A fêmea humana – disse Hunter, com um ar de compreensão grave. – Está aparente que ela é um problema para você.

Brock emitiu um suspiro sem humor algum.

– Acha mesmo?

– Sim, acho. – Não havia julgamento em sua voz, apenas uma declaração dos fatos. Ele falava como uma máquina: total precisão, zero sentimento. – Deduzo que todos no laboratório de tecnologia chegaram à mesma conclusão hoje, quando permitiu que Chase provocasse sua ira por conta dos comentários sobre o seu apego àquela mulher. Suas ações demonstraram uma fraqueza do seu treinamento e, pior, falta de autocontrole. Reagiu de modo impensado.

– Obrigado por notar – respondeu Brock, suspeitando que seu sarcasmo seria desperdiçado no caçador antissocial e imperturbável. – Lembre-me de encher o seu saco daqui até a semana seguinte se um dia chegar a relaxar o bastante para deixar uma mulher o irritar.

Hunter não reagiu, apenas o fitou sem demonstrar nenhuma centelha de emoção.

– Isso não acontecerá.

– Merda – disse Brock, meneando a cabeça ante o soldado Primeira Geração rígido que fora criado na base da negligência e da disciplina do castigo. – Você não deve ter estado com a mulher certa se tem tanta segurança assim.

A expressão de Hunter continuou estoica. Distante e imparcial. Na verdade, quanto mais Brock olhava para ele, mais claramente começava a enxergar a verdade.

– Caramba. Já esteve, algum dia, com uma mulher, Hunter? Meu Deus... Você é virgem, não é?

Os olhos dourados do Primeira Geração continuaram fixos no olhar de Brock como se considerasse aquilo algum teste de força de vontade no qual ele não permitiria que a revelação o afetasse. E Brock tinha que dar o braço a torcer, pois nenhum grau de emoção cintilou naqueles olhos sinistros, tampouco nas feições perfeitamente disciplinadas.

A única coisa que fez Hunter reagir foi o barulho suave de chinelos se arrastando pelo corredor. Uma voz infantil, Mira, chamando da sala de estar.

– Hunter, você está aí?

Ele se virou sem dar nenhuma explicação e foi se encontrar com a garotinha.

– Agora não é uma boa hora. – Brock o ouviu lhe dizer em seu tom modulado e grave.

– Mas não quer saber o que acontece com Harry quando ele põe a capa da invisibilidade? – perguntou Mira, o desapontamento abaixando o tom de sua voz normalmente alegre. – Essa é uma das minhas partes prediletas no livro. Você tem que ouvir esse capítulo. Vai amar.

– Ela tem razão, é uma das melhores partes. – Brock saiu do quarto, sem saber o que o fez sorrir mais: a percepção de que o implacável assassino Primeira Geração era um virgem sem experiência alguma, ou a mais recente notícia, igualmente divertida, de que o encontro que ele aparentemente atrapalhara ao aparecer com as suas coisas era a hora da leitura de Hunter com a mais jovem residente do complexo.

Deu uma piscadela e um sorriso para Mira quando ela se acomodou no sofá e abriu o livro na parte em que havia parado de ler.

– Relaxe – disse a Hunter, que estava de pé, tão duro quanto uma estátua. – Não vou revelar os seus segredos a ninguém.

Não esperou para ver a reação dele, apenas foi andando para o corredor, deixando Hunter olhando-o enquanto saía.


Caçador


Capítulo 11

– Cruzem os dedos, meninas, mas acho que acabamos de encontrar a pista que procurávamos. – Dylan desligou o telefone e girou a cadeira para ficar de frente para Jenna, Alex, Renata e Savannah, todas reunidas na sala de reuniões das Companheiras de Raça nas últimas horas.

Na verdade, chamá-la de sala de reuniões não lhe fazia justiça. Havia pelo menos meia dúzia de computadores numa mesa longa num dos lados da sala, caixas de arquivos suspensos organizados por localização dispostas numa estante alta para facilitar o acesso, quase cada espaço da parede coberto por mapas marcados da Nova Inglaterra e gráficos de investigação detalhados que envergonhariam boa parte das unidades de casos antigos arquivados da polícia. Em meio a esses gráficos, muitos esboços de retratos falados de jovens, os rostos de algumas desaparecidas, a quem a Ordem e suas companheiras diligentes estavam determinadas a encontrar.

Não, Jenna pensou ao olhar ao redor, aquela não era uma mera sala de reuniões.

Aquela era uma sala devotada à estratégia, a uma missão, à guerra.

Jenna acolhia a energia do lugar, ainda mais depois das notícias perturbadoras que recebera a respeito do seu último exame de sangue. Também precisava da distração a fim de não pensar nos inesperados momentos ardentes que partilhara com Brock no quarto dele, ou melhor, no seu. Ela praticamente dera um salto quando lhe surgiu a oportunidade de sair de lá depois que ele foi embora. Fora Alex quem apareceu procurando-a pouco depois, e fora ela quem a trouxera consigo para a sala de guerra das Companheiras de Raça para ter companhia e ficar conversando.

Ela não desejara se interessar pelo trabalho em que as mulheres da Ordem estavam envolvidas, mas, enquanto esteve entre elas, foi quase impossível para a policial dentro de si ignorar o rastro de uma boa busca por informações. Sentou-se um pouco ereta na cadeira ante a mesa de reuniões quando Dylan andou até a impressora para pegar uma folha que acabara de sair da máquina.

– O que conseguiu? – perguntou Savannah.

Dylan bateu a folha na mesa diante das mulheres reunidas.

– Irmã Margaret Mary Howland.

Jenna e as outras se inclinaram para olhar para a imagem escaneada. Era a foto de um grupo de uma dúzia ou pouco mais de garotas e jovens mulheres. Pelo estilo das roupas, parecia ter sido tirada uns vinte anos antes. O grupo estava reunido num gramado abaixo das escadas de uma varanda coberta, no tipo de pose que as estudantes às vezes faziam para a foto escolar anual. A não ser pelo fato de que, naquele caso, não havia uma escola atrás delas, mas uma casa grande, simples, autoproclamada Lar para Mulheres St. John, Queensboro, Nova York.

Uma mulher de meia-idade de rosto gentil usando um crucifixo como pingente e um vestido de verão modesto estava ao lado do grupo reunido debaixo do beiral branco no qual a placa pintada estava suspensa. Uma das moças mais jovens estava com a mulher de mais idade, os ombros finos seguros por mãos carinhosas, o rostinho erguido com um olhar luminoso de afeto.

– É ela – disse Dylan, apontando para a mulher com o sorriso maternal e braços protetores. – Irmã Margaret.

– E ela é...? – perguntou Jenna, sem conseguir conter a curiosidade.

Dylan relanceou para ela.

– Neste instante, se ainda estiver viva, esta mulher é a nossa aposta mais segura para descobrirmos mais sobre as Companheiras de Raça que sumiram ou acabaram mortas pelas mãos de Dragos.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não estou entendendo.

– Algumas das mulheres que ele matou, e provavelmente muitas outras que ele mantém em cativeiro, vieram de abrigos de fugitivas – disse Dylan. – Veja bem, não é incomum que as Companheiras de Raça se sintam confusas e deslocadas na sociedade mortal. A maioria de nós não sabe o quanto é diferente, muito menos o motivo para isso. Além da marca de nascença em comum e das características biológicas, todas nós temos também habilidades extrassensoriais singulares.

– Não o tipo de coisa que você vê nos programas da TV ou em comerciais anunciando serviços de pessoas psíquicas – explicou Savannah. – Talentos verdadeiramente extrassensoriais são normalmente o meio mais seguro de identificar uma Companheira de Raça.

Dylan concordou.

– Às vezes, esses talentos são uma bênção, mas em muitas outras são uma maldição. O meu dom foi uma maldição em boa parte da minha vida, mas, felizmente, tive uma mãe amorosa. Por isso, não importava o quanto eu ficasse confusa ou assustada, sempre tive a segurança de um lar.

– Mas nem todas têm essa sorte – acrescentou Renata. – Para Mira e para mim, foi uma extensa fila de orfanatos em Montreal. E, de tempos em tempos, chamávamos a rua de lar.

Jenna ouvia em silêncio, agradecendo a boa sorte de ter nascido em uma família normal e relativamente próxima, onde o maior problema de infância foi tentar competir com o irmão pelo afeto e pela aprovação dos pais. Ela não conseguia imaginar os tipos de problemas que as fêmeas nascidas com a marca de nascença da lágrima e da lua crescente tiveram que suportar. Seus problemas, por mais incompreensíveis que fossem, pareciam diminuir um pouco enquanto ponderava sobre as vidas que aquelas mulheres tiveram. Para não falar do inferno que as mortas ou desaparecidas tiveram que suportar.

– Quer dizer que vocês acreditam que Dragos visava as jovens que acabavam nesse tipo de abrigo? – perguntou.

– Sabemos disso – disse Dylan. – A minha mãe costumava trabalhar num abrigo para pessoas que fugiam de casa em Nova York. É uma longa história, uma para ser contada outro dia, mas, basicamente, foi descoberto que o abrigo para o qual ela trabalhava havia sido fundado e era dirigido pelo próprio Dragos.

– Ai, meu Deus... – arfou Jenna.

– Ele estivera se escondendo por trás de um nome falso, Gordon Fasso, enquanto circulava em meio à sociedade humana, e ninguém fazia ideia de quem ele fosse até... até ser tarde demais. – Dylan parou para inspirar profundamente e se fortalecer. – Ele matou minha mãe depois que percebeu que havia sido desmascarado e que a Ordem estava se aproximando dele.

– Lamento muito – sussurrou Jenna, com sinceridade. – Perder alguém que se ama para esse tipo de maldade...

As palavras se perderam enquanto algo frio e determinado borbulhou dentro dela. Como ex-policial, ela conhecia o sabor amargo da injustiça e a necessidade de equilibrar a balança. Mas suprimiu esse sentimento, dizendo a si mesma que a luta da Ordem contra aquele inimigo, Dragos, não era sua. Ela tinha as próprias batalhas para enfrentar.

– Tenho certeza de que Dragos vai ter o que merece no final – disse.

Era uma frase inútil, oferecida com certo distanciamento. Mas ela queria muito estar certa. Sentada ali com aquelas mulheres, tendo-as conhecido um pouco melhor no curto tempo em que estava no complexo, Jenna rezava para que a Ordem fosse bem-sucedida ao enfrentar Dragos. Pensar que alguém tão perverso quanto ele estivesse à solta no mundo era inaceitável.

Pegou a imagem impressa e fitou a expressão calorosa da freira, que estava tal qual uma pastora ao lado de seu rebanho vulnerável.

– Como esperam que essa mulher, a Irmã Margaret, possa ajudá-las?

– A rotatividade de pessoal é alta nesses abrigos – explicou Dylan. – Aquele em que minha mãe trabalhava não era exceção. Uma amiga que costumava trabalhar com ela lá me informou o nome da Irmã e me deu a foto. Ela disse que a freira se aposentou há vários anos, mas fez trabalho voluntário em diversos abrigos em Nova York desde meados dos anos 1970. Por isso, é o tipo de pessoa com quem precisamos conversar.

– Alguém que esteve em abrigos por muito tempo e pode ser capaz de identificar antigas residentes a partir dos retratos falados – disse Savannah, indicando os rostos afixados nas paredes.

Jenna assentiu.

– Esses retratos são de mulheres que estiveram em abrigos?

– Esses retratos – disse Alex ao lado de Jenna – são de Companheiras de Raça que estão sendo mantidas por Dragos enquanto estamos aqui conversando.

– Quer dizer que ainda estão vivas?

– Estavam há alguns meses. – A voz de Renata soou dura. – Uma amiga da Ordem, Claire Reichen, usou seu dom de Companheira de Raça, o poder de viajar em seus sonhos, para localizar o quartel-general de Dragos. Ela viu as prisioneiras, mais de vinte, trancadas em celas do laboratório dele. Embora Dragos tenha realocado sua operação antes que pudéssemos salvá-las, Claire tem trabalhado com um desenhista para documentar os rostos que viu.

– Na verdade, é lá que Claire está agora, ela e Elise – explicou Alex. – Elise tem muitos amigos na comunidade civil da Raça aqui em Boston. Ela e Claire têm trabalhado em alguns novos retratos, baseados no que Claire viu no covil de Dragos.

– Depois que tivermos os rostos das prisioneiras – disse Dylan –, podemos começar a procurar por nomes e possíveis familiares. Qualquer coisa que possa nos ajudar a nos aproximar de onde essas mulheres estão.

– E quanto aos bancos de dados de pessoas desaparecidas? – perguntou Jenna. – Vocês compararam os esboços com os perfis listados em grupos como o Centro Nacional de Pessoas Desaparecidas?

– Sim, e voltamos de mãos vazias – disse Dylan. – Muitas dessas mulheres e garotas nos abrigos são fugitivas e órfãs. Muitas são abandonadas. Umas fogem de casa, deliberadamente cortando todos os laços com a família e com os amigos. O resultado final é o mesmo: ninguém sente falta delas ou procura por elas no sistema; portanto, não há registros arquivados.

Renata concordou com um leve grunhido que pareceu falar de sua experiência.

– Quando você não tem nada, nem ninguém, você pode desaparecer, e é como se nunca tivesse existido.

Por causa dos seus anos na força policial do Alasca, Jenna sabia que isso era bem verdade. As pessoas desapareciam sem deixar rastro tanto nas grandes cidades como em pequenas comunidades. Isso acontecia todos os dias, embora ela jamais tivesse imaginado que fosse pelos motivos que Dylan, Savannah, Renata e as outras mulheres lhe explicavam agora.

– Qual o plano de vocês depois que identificarem as Companheiras de Raça desaparecidas?

– Depois que tivermos uma ligação pessoal com pelo menos uma delas – disse Savannah –, Claire pode tentar se comunicar através dos sonhos e, quem sabe, conseguir informações sobre a localização de onde as prisioneiras estão.

Jenna estava acostumada à rápida digestão e compreensão dos fatos, mas sua cabeça começava a girar com tudo o que estava ouvindo. E não conseguia evitar que sua mente procurasse por soluções para os problemas diante dela.

– Espere um instante. Se o dom de Claire a levou ao covil de Dragos uma vez, por que ela não pode simplesmente repetir isso?

– Para que seu dom funcione, ela precisa de algum tipo de elo emocional ou pessoal com a pessoa que está tentando localizar nos sonhos – respondeu Dylan. – O elo dela antes não era com Dragos, mas com outra pessoa.

– O antigo companheiro dela, Wilhelm Roth – explicou Renata, praticamente cuspindo o nome dele. – Ele era uma pessoa cruel, mas, comparada à de Dragos, sua crueldade não era nada. Jamais permitiríamos que Claire tentasse contatar o próprio Dragos. Isso seria suicídio.

– Tudo bem. Então onde nós ficamos com isso? – perguntou Jenna, o “nós” saindo de sua boca antes que ela percebesse o que havia dito. Mas era tarde demais para retirá-lo, e ela estava interessada demais para fingir outra coisa. – Onde você imagina que as coisas vão a partir daqui?

– Tenho esperanças de localizar a Irmã Margaret e que ela possa nos ajudar a desvendar alguma coisa – disse ela.

– Temos como entrar em contato com ela? – perguntou Renata.

A animação de Dylan se arrefeceu um pouco.

– Infelizmente, não há como termos certeza sequer de que ela ainda esteja viva. A amiga da minha mãe disse que ela deve estar com uns oitenta anos agora. A única boa notícia é que seu convento tem sede em Boston, então, existe a possibilidade de ela estar aqui. Por enquanto, só o que temos é seu número do seguro social4.

– Dê esse número a Gideon – sugeriu Savannah. – Tenho certeza de que ele consegue invadir o sistema do governo para conseguir todas as informações de que precisamos sobre ela.

– Foi isso mesmo que pensei – Dylan respondeu com um sorriso.

Jenna pensou em oferecer ajuda para localizar a freira. Ainda tinha amigos na força policial e em algumas agências federais. Com apenas um telefonema ou e-mail, ela poderia pedir um ou outro favor confidencial. Mas as mulheres da Ordem pareciam ter tudo sob controle.

E seria melhor para ela não se envolver em nada daquilo, lembrou-se com severidade, enquanto Dylan pegava o telefone ao lado do seu computador e ligava para o laboratório de tecnologia.

Alguns minutos mais tarde, Gideon e Rio entraram na sala de guerra. Os dois guerreiros receberam um relatório resumido do que Dylan descobrira. Antes mesmo de ela terminar de explicar o que havia descoberto, Gideon se acomodou diante de um computador e começou a trabalhar.

Jenna ficou olhando da sua cadeira junto à mesa enquanto todos os outros, Savannah, Renata, Alex, Rio e Dylan, se reuniram ao redor de Gideon para vê-lo fazer a sua mágica. Savannah estava certa: ele não precisou mais do que alguns minutos para invadir um firewall de um site do governo americano e começar a baixar os registros de que precisavam.

– A Irmã Margaret Mary Howland está bem viva, de acordo com a Administração do Seguro Social – anunciou ele. – Sacou a aposentadoria dela do mês passado, no valor de 298 dólares e alguns trocados num endereço em Gloucester. Estou imprimindo as informações agora.

Dylan deu um sorriso amplo.

– Gideon, você é um deus da tecnologia.

– Meu prazer é servir. – Levantou-se da cadeira e puxou Savannah para um beijo rápido, porém ardente. – Diga que está impressionada, amor.

– Estou impressionada – respondeu ela, rindo ao mesmo tempo em que lhe dava um tapa no ombro.

Ele sorriu, lançando um olhar para Jenna por sobre os óculos.

– Ela me ama – disse ele, puxando a bela companheira num abraço apertado. – Na verdade, ela é louca por mim. Não consegue viver sem mim. Muito provavelmente, está querendo me levar para a cama neste instante para se aproveitar de mim.

– A-hã. É o que você pensa – replicou Savannah, mas havia uma centelha ardente em seu olhar ao fitá-lo.

– Uma pena que não estamos tendo a mesma sorte para conseguir uma pista sobre a Sociedade TerraGlobal – lamentou Rio, o braço passando ao redor dos ombros de Dylan no que pareceu uma manobra instintivamente íntima.

Renata franziu o cenho.

– Nenhuma pista ainda?

– Nada – Gideon interveio. Ele deve ter percebido o olhar confuso de Jenna. – A Sociedade TerraGlobal é o nome da empresa que acreditamos que Dragos esteja usando como fachada para algumas das suas operações secretas.

Alex disse em seguida:

– Lembra-se daquela mineradora que abriu perto de Harmony há alguns meses, a Mineradora Coldstream? – Ante o aceno de Jenna, Alex continuou: – Pertencia a Dragos. Acreditamos que era para ela ter sido usada como uma prisão para o Antigo depois que o transportassem para o Alasca. Infelizmente, todos sabem como isso terminou.

– Conseguimos rastrear a Mineradora Coldstream até a Sociedade TerraGlobal – acrescentou Rio. – Mas só conseguimos avançar até aí. Sabemos que a TerraGlobal tem muitas camadas, mas está demorando demais para conseguirmos dissecá-las. Nesse ínterim, Dragos se esconde cada vez mais fundo, a cada minuto ficando mais longe do nosso alcance.

– Vocês vão pegá-lo – disse Jenna. Tentou ignorar a aceleração do coração ante a necessidade de pegar algumas armas e liderar a busca. – Vocês têm que pegá-lo, então vão pegá-lo.

Rio, com seu rosto marcado por cicatrizes demonstrando determinação ao assentir em concordância, fitou os olhos de Dylan.

– É. Um dia, nós vamos pegar esse filho da puta. Ele vai pagar por tudo o que já fez.

Debaixo do braço forte, Dylan deu um sorriso tristonho. Escondeu-se em seu abraço, tentando abafar um bocejo.

– Venha – disse Rio, afastando uma mecha dos cabelos ruivos dos olhos dela. – Você tem dedicado muitas horas a tudo isso. Agora vou levá-la para a cama.

– Não é uma má ideia – disse Renata. – A noite logo chega e aposto como Nikolai está testando a nova munição na sala de armas. Está na hora de ir buscar meu homem.

Enquanto ela se despedia e saía, Dylan e Rio, Savannah e Gideon faziam o mesmo.

– Quer ficar comigo e com Kade um pouco? – perguntou Alex.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não, estou bem. Acho que vou ficar aqui por alguns minutos, para relaxar um pouco. O dia foi longo e estranho.

O sorriso de Alex mostrou empatia.

– Se precisar de qualquer coisa, sabe onde me encontrar. Certo?

Jenna assentiu.

– Estou bem. Mas obrigada.

Observou a amiga sair e desaparecer lentamente pelo corredor. Quando não restava mais nada na sala a não ser silêncio e tranquilidade, Jenna se levantou e se aproximou da parede com os mapas, gráficos e retratos.

Era admirável o que a Ordem e as suas companheiras estavam tentando fazer. Era um trabalho importante, mais importante do que qualquer outra coisa com que Jenna se deparara no interior do Alasca, ou, na verdade, em qualquer outro lugar.

Se tudo o que ela descobrira nos últimos dias fosse verdade, então o que a Ordem fazia ali era salvar o mundo.

– Jesus Cristo... – sussurrou, atordoada com a enormidade de tudo aquilo.

Ela tinha que ajudar.

Se fosse capaz, mesmo que de uma maneira pequena, ela tinha que ajudar.

Não tinha?

Jenna andou ao redor da sala, com sua própria batalha acontecendo dentro de si. Não estava pronta para participar de algo como aquilo. Não enquanto ainda tinha tantas coisas para descobrir a respeito de si mesma. Com o irmão morto, ela não tinha mais nenhuma família. O Alasca fora seu lar durante toda a vida e agora isso também se fora, uma parte da sua existência anterior apagada para ajudar a Ordem a preservar seus segredos enquanto continuavam a perseguir o inimigo.

Quanto ao seu futuro, não sabia nem por onde começar. A substância alienígena dentro dela era um problema jamais imaginado, e nem adiantava desejar, porque aquilo não sumiria. Nem mesmo a mente brilhante de Gideon parecia capaz de arrancá-la daquela complicação confusa.

E também havia Brock. De todas as coisas que lhe aconteceram entre a invasão do Antigo ao seu chalé e a adoção atual, inesperada, ainda que não insuportável, por todos ali no quartel-general da Ordem, Brock estava se mostrando a coisa com a qual ela menos estava preparada para lidar.

Não estava nem um pouco perto disso no que se referia aos sentimentos que ele lhe provocava. Coisas que ela não sentia em anos, e, muito certamente, não queria sentir agora.

Nada em sua vida era certo, e a última coisa de que precisava era se envolver ainda mais nos problemas que os guerreiros e as suas companheiras enfrentavam.

No entanto, Jenna se viu seguindo para um computador na mesa ali perto. Sentou-se diante do teclado e entrou no navegador da internet, depois entrou num daqueles sites de e-mail grátis e criou uma conta.

Iniciou uma mensagem nova e digitou o endereço de um dos seus amigos da Polícia Federal em Anchorage. Fez uma única pergunta, uma questão a ser investigada confidencialmente como um favor pessoal.

Inspirou fundo, depois apertou o botão de enviar.


O número do seguro social, social security number, é um número de registro que todos os cidadãos americanos têm, como um CPF e um INSS unificados. Através dele, é possível localizar as pessoas, pois esse número é unificado em todo o território nacional. (N.T.)


Capítulo 12

No vestiário ao lado da sala das armas, Brock esticou a mão às costas para aumentar a temperatura da água de quente para escaldante. Com as mãos apoiadas na porta de teca do cubículo reservado, inclinou a cabeça em direção ao peito e agradeceu pelo jato de água cauterizante que lhe batia nos ombros e descia pelo pescoço. Vapor se formava ao seu redor, espesso como névoa, desde a cabeça até o piso de ladrilhos aos seus pés.

– Cristo! – Kade sibilou, alguns cubículos mais distante. – Duas horas direto de treino mano a mano não foi bastante castigo para você? Agora sente a necessidade de ferver vivo aí?

Brock grunhiu, passando a mão pelo rosto enquanto o vapor continuava a se formar e o calor continuava a açoitar seus músculos tensos demais. Encontrara Niko e Chase na sala das armas depois de deixar seus pertences no quarto que partilharia com Hunter. Parecia-lhe razoável esperar que alguns rounds de treinos de lâminas e treinos corpo a corpo bastariam para exaurir um pouco da sua inquietação e distração. Deveria ser assim, mas não foi.

– O que está acontecendo com você, cara?

– Não sei do que está falando – murmurou Brock, levando a cabeça e os ombros mais para baixo do jato de água escaldante.

A zombaria de Kade se fez ouvir no vestiário cavernoso.

– Até parece que não sabe.

– Droga – Brock exalou em meio à névoa que cobria sua cabeça. – Por que estou com a sensação de que você vai me explicar?

Houve o rangido da torneira sendo fechada, seguido pela batida da porta do chuveiro de Kade quando ele seguiu para o vestiário anexo. Alguns minutos depois, a voz de Kade soou do outro cômodo.

– Vai me contar o que aconteceu aquela noite em Southie, na fábrica?

Brock fechou os olhos e emitiu algo muito parecido com um rosnado, até mesmo para os seus ouvidos.

– Não há nada a contar. Havia fios soltos. Cuidei do assunto.

– A-hã – murmurou Kade. – Foi isso mesmo que imaginei que tivesse acontecido.

Quando Brock levantou a cabeça, viu o guerreiro parado diante dele. Kade estava totalmente vestido com jeans e camiseta preta, apoiado na parede oposta. Seu olhar prateado estreitado, como quem sabe o que está acontecendo.

Brock respeitava demais o amigo para tentar enganá-lo.

– Aqueles humanos eram a ralé que não pensaria duas vezes antes de ferir uma mulher inocente. Não acredita que esse tipo de brutalidade deve ser perdoado, acredita?

– Não. – Kade o encarou, depois assentiu com sobriedade. – Se eu me deparasse com alguém que tivesse colocado um dedo sequer em Alex, eu teria matado o desgraçado. Foi o que fez, não foi? Matou aqueles homens?

– Não eram homens, aqueles... – Brock grunhiu. – Eram cachorros raivosos, e o que fizeram com Jenna – aquilo que achavam que poderiam fazer e se safar – provavelmente não foi a primeira vez que machucaram uma mulher. Duvido que Jenna teria sido a última. Então, isso mesmo, acabei com eles.

Por um bom momento, Kade nada disse. Apenas o observou, mesmo depois que Brock voltou a colocar a cabeça debaixo do jato furioso, sem sentir necessidade de mais explicações. Nem mesmo para seu melhor amigo na Ordem, o guerreiro que era como um irmão para ele.

– Maldição – murmurou Kade depois de um longo silêncio. – Você gosta dela, não gosta?

Brock balançou a cabeça, tanto em negação como para tirar a água do rosto.

– Lucan me deu a responsabilidade de cuidar dela, de mantê-la segura. Só estou fazendo aquilo que esperam de mim. Ela é mais uma missão, nada diferente das outras.

– Ah, tá. Sem dúvida – caçoou Kade. – Eu tive uma missão como essa lá no Alasca há não muito tempo. Acho que já te contei uma ou duas vezes sobre ela, não foi?

– Isso é diferente – resmungou Brock. – O que você e Alex têm... Não é a mesma coisa. Alex é uma Companheira de Raça, para começar. Não existe a possibilidade de as coisas ficarem sérias com Jenna. Não sou do tipo que curte relacionamentos de longo prazo e, além disso, ela é humana.

As sobrancelhas escuras de Kade se uniram em sinal de preocupação.

– Não sei se algum de nós pode ter certeza do que ela é agora.

Brock absorveu a verdade dessa declaração com uma onda renovada de preocupação, não só por Jenna, mas pela Ordem e pelo resto da nação da Raça. O que quer que estivesse acontecendo com ela, parecia estar se acelerando naquele mesmo instante. Não tinha como negar que as notícias sobre seus exames de sangue o perturbavam. Sem falar que aquela porção alienígena colocada dentro dela estava se infiltrando cada vez mais em seu corpo, a um nível que nem mesmo Gideon parecia preparado para combater.

Brock emitiu uma imprecação debaixo do jato punitivo de água.

– Se está tentando fazer com que eu me sinta melhor a respeito disso tudo, sinta-se à vontade para parar a qualquer instante.

Kade riu, obviamente se divertindo com tudo aquilo.

– Sabe, não acho que você vá ter uma conversa de coração aberto com seu novo companheiro de quarto, então sou eu, aqui e agora, demonstrando que me importo.

– Sinto-me tocado – murmurou Brock. – Agora caia fora e deixe eu me escaldar em paz.

– Com todo prazer. Toda essa conversa sobre missões e mulheres me lembrou que tenho deveres importantes em meu apartamento que venho negligenciando...

Brock grunhiu.

– Lembranças a Alex.

Kade apenas sorriu ao se despedir, depois seguiu para a saída mais próxima.

Depois que ele se foi, Brock só ficou uns minutos mais debaixo da água. Já estava tarde, mas ele estava energizado demais para dormir. E o lembrete de Kade sobre as mutações biológicas de Jenna fez sua mente acelerar.

Enxugou-se, depois vestiu uma camiseta cinza e jeans escuros. Calçou os coturnos, sentindo uma súbita necessidade de voltar para a sala das armas para gastar um pouco mais de energia até o pôr do sol, quando poderia, por fim, escapar do complexo uma vez mais. Mas suar a camisa não funcionara muito da primeira vez; duvidava que o ajudasse agora.

Sem saber o que o livraria daquela agitação, Brock se viu andando pelo corredor principal do complexo, na direção do laboratório de tecnologia. Os corredores estavam silenciosos, desertos. Nada surpreendente para aquela hora do dia, quando os guerreiros comprometidos estavam com suas fêmeas e o restante dos ocupantes do quartel-general descansava antes do início das patrulhas da noite.

Brock deveria pensar em fazer o mesmo, porém estava mais interessado em saber se Gideon descobrira algo mais a respeito dos exames de sangue de Jenna. Ao entrar no corredor comprido que o levaria até o laboratório, ouviu movimentos em outra das salas do complexo.

Seguindo o barulho de papéis, parou diante da porta aberta do centro de comando da missão das Companheiras de Raça.

Jenna estava sozinha lá dentro.

Sentada à mesa de reuniões, com diversas pastas espalhadas diante de si e muitas outras empilhadas junto ao cotovelo, ela estava reclinada sobre um bloco de anotações, caneta na mão, completamente absorvida pelo que estava escrevendo, o que quer que fosse. A princípio, achou que ela não soubesse que ele estava ali. Mas em seguida, a mão dela parou no meio da página, e a cabeça se ergueu. As mechas de cabelo castanho caíram como seda quando ela se virou para ver quem estava na porta.

Aquela seria a sua chance para se esconder rápido, antes que ela o visse. Ele era da Raça, poderia estar ali e desaparecer antes que os olhos mortais registrassem sua presença. Em vez disso, por algum motivo idiota, sobre o qual não desejava refletir, avançou um passo e pigarreou.

O olhar castanho de Jenna se arregalou ao vê-lo.

– Oi – disse ele.

Ela sorriu de leve, parecendo pega desprevenida. E por que não estaria, depois da maneira como ele havia deixado as coisas entre os dois da última vez em que se viram? Ela pegou uma das pastas e colocou por cima do bloco de anotações.

– Pensei que todos tivessem ido descansar.

– E foram. – Ele entrou ainda mais na sala e passou os olhos nas informações sobre a mesa. – Parece que Dylan e as outras já conseguiram recrutar seus serviços.

Ela deu de ombros, numa negação débil.

– Eu só... estava olhando algumas coisas. Comparando anotações de alguns arquivos, anotando algumas ideias.

Brock se sentou ao lado dela.

– Elas vão gostar disso – disse ele, impressionado por ela estar ajudando. Esticou a mão na direção das suas anotações. – Posso ver?

– Não é nada de mais, mesmo – disse ela. – É só que algumas vezes ajuda alguém de fora dar uma olhada.

Ele relanceou para a letra curva e precisa que preenchia quase toda a página. A mente dela parecia funcionar do mesmo modo organizado, baseado no fluxo lógico das suas anotações e na lista de sugestões que fizera para a investigação das pessoas desaparecidas que Dylan e as outras Companheiras de Raça vinham procurando nos últimos meses.

– É um bom trabalho – disse ele, sem elogiar, apenas declarando um fato. – Dá para ver que você é uma excelente policial.

Outro levantar de ombros de negação.

– Não sou mais policial. Faz tempo que me afastei.

Ele a observou enquanto falava, notando o arrependimento que pairava em seu tom de voz.

– Não significa que não continue boa ainda no que faz.

– Parei de ser boa há algum tempo. Uma coisa aconteceu e eu... perdi minha motivação. – Ela o fitou, sem piscar. – Houve um acidente de carro há quatro anos. Meu marido e nossa filha de seis anos de idade morreram, só eu sobrevivi.

Brock assentiu.

– Eu sei. Lamento por sua perda.

A empatia dele pareceu incomodá-la de algum modo, e ela ficou meio sem saber o que fazer. Talvez lhe fosse mais fácil falar sobre a sua tragédia em seus termos, sem saber que ele já tomara conhecimento dela. Agora ela o fitava incerta, como se temesse que ele a julgasse de alguma maneira.

– Tive dificuldades para... aceitar que Mitch e Libby tinham partido. Por muito tempo, mesmo agora, é complicado entender como eu tenho que seguir em frente.

– Você vive – disse Brock. – É só o que pode fazer.

Ela assentiu, mas havia assombro em seu olhar.

– Você faz parecer tão fácil.

– Fácil não, apenas necessário. – Ele a viu cutucar um clipe torto em um dos relatórios. – Foi por isso que você se retirou do trabalho na polícia, porque não sabia como viver depois do acidente?

Fitando o espaço bagunçado na mesa diante dela, ela franziu a testa, em silêncio por um instante.

– Pedi demissão porque eu não conseguia mais executar minhas funções. Toda vez que eu tinha que me apresentar numa violação de trânsito, mesmo uma simples colisão de para-choque ou um pneu furado, eu chegava tremendo tanto ao local que mal conseguia sair do carro para oferecer ajuda. E nos chamados mais complicados, em acidentes sérios ou brigas domésticas que acabavam em violência, eu me sentia nauseada durante dias. Tudo o que eu aprendi no treinamento e no trabalho pareceu se despedaçar quando aquele caminhão carregando lenha atravessou a estrada escorregadia e destroçou minha vida. – Relanceou para ele, com seus olhos castanho-claros mais obstinados e firmes do que jamais vira. – Deixei de ser policial porque sabia que não conseguiria executar meu trabalho da maneira que ele precisava ser feito. Não queria que ninguém que pudesse depender de mim pagasse pela minha negligência. Por isso, pedi demissão.

Brock respeitava a coragem e a resiliência de Jenna desde que colocara os olhos nela. Agora, sua opinião apenas aumentara.

– Você se importava com o seu trabalho e com as pessoas que dependiam de você. Isso não é um sinal de fraqueza. Isso demonstra força. E, está claro, você amava o seu trabalho. E acho que ainda ama.

Por que essa simples observação atiçaria algum ponto fraco nela ele não entendia, mas teria que ser cego para não notar a centelha defensiva que brilhou em seus olhos. Jenna desviou o olhar ao perceber que deixara aquilo escapar e, quando falou, não havia raiva em sua voz. Apenas um tom de resignação.

– Sabe bastante sobre mim, não? Acho que não sobrou muito que você ou a Ordem não saibam sobre mim a esta altura.

– Alex nos contou apenas o básico – admitiu ele. – Depois do que aconteceu no Alasca, precisávamos saber algumas coisas.

Ela resmungou.

– Quer dizer, depois que comecei a falar coisas sem nexo enquanto dormia e me tornei um fardo indesejável para a Ordem.

– Mais ou menos isso – disse ele, continuando sentado quando ela se levantou e começou a se afastar dele, os braços cruzados diante do peito. Percebeu que ela abandonara por completo a bengala que Tess lhe dera, e que a perna machucada revelava apenas um leve manquejar a cada passo. – Vejo que seu ferimento já está melhorando.

– Está bem melhor. – Ela o fitou por sobre o ombro. – Na verdade, nem era tão grave assim.

Brock inclinou a cabeça como se concordasse, mas ele se lembrava muito bem da gravidade do ferimento. Se ela estava se curando a um ritmo acelerado, deduziu que as mutações genéticas descobertas por Gideon deviam estar por trás disso.

– Estou feliz que esteja se sentindo melhor – disse, pensando que, provavelmente, ela não precisava de um lembrete sobre a matéria desconhecida inserida dentro de si.

Seu olhar se deteve sobre ele, suavizando-se.

– Obrigada pelo que fez na noite passada, ir atrás de mim e me tirar daquele lugar horrível. Acho que você salvou a minha vida. Sei que salvou, Brock.

– Não foi nada.

Deus, ele esperava que ela jamais ficasse sabendo dos detalhes selvagens com que ele lidara com seus agressores. Ela não estaria agradecendo se o tivesse visto em ação naquela noite, nem se tivesse testemunhado o modo violento com que satisfizera tanto a sua sede quanto a sua fúria naqueles humanos desgraçados. Se soubesse do que ele era capaz, ela, sem dúvida, o enxergaria da mesma maneira que o Antigo que a atacara.

Não sabia por que isso o incomodava tanto. Não queria que ela o igualasse a um monstro, pelo menos não enquanto estivesse encarregado pela Ordem de protegê-la. Ela precisava confiar nele, e, como seu protetor designado, ele tinha que se certificar disso. Tinha um trabalho a fazer, e não estava disposto a perder de vista essa responsabilidade.

Mas sua questão com Jenna ia além disso, ele bem sabia. Só não tinha a mínima intenção de dissecar o assunto agora, nem num futuro próximo.

Observou-a se aproximar da parede coberta de mapas e gráficos que documentava a busca pelas Companheiras de Raça que a Ordem suspeitava que Dragos estivesse mantendo em cativeiro.

– Este trabalho é incrível – murmurou Jenna. – Dylan, Savannah, Renata, Tess... Todas as mulheres que conheci aqui são verdadeiramente incríveis.

– Sim, elas são – concordou Brock. Levantou-se e caminhou até onde estava Jenna. – A Ordem sempre foi uma força a ser respeitada, mas, desde que me juntei a ela, tenho visto nossas forças redobrarem por causa do envolvimento das fêmeas deste complexo.

Ela lhe lançou um olhar que ele considerou difícil de interpretar.

– O que foi?

– Nada. – Um leve sorriso tocou seus lábios quando ela meneou um pouco a cabeça. – Só estou surpresa em ouvir isso. A maioria dos homens com quem tive contato no trabalho, inclusive meu pai e meu irmão, preferiria comer seus distintivos a admitir que era melhor para eles trabalhar em equipe com as mulheres.

– Eu não tenho um distintivo – disse ele, retribuindo o sorriso. – E não sou como a maioria dos homens.

Ela riu de leve, mas não desviou o olhar.

– Não, você não é. E mesmo assim, é um dos poucos aqui que não tem uma Companheira de Raça.

Ele pensou nisso, mais do que apenas um pouco intrigado pelo fato de ela estar curiosa sobre sua vida pessoal.

– Trabalho é uma coisa. Assumir uma companheira com um elo de sangue é outra. É um tipo de situação eterna, e sou alérgico a relacionamentos de longo prazo.

Os olhos inteligentes o avaliaram.

– Por quê?

Seria fácil dar-lhe uma resposta charmosa e sem fundamento, do tipo a que estava acostumado a dar quando Kade e os outros tocavam no assunto de Companheiras de Raça e de envolvimentos sentimentais. Mas ele não poderia olhar para Jenna e ser outra coisa a não ser honesto, não importando como isso mudaria a forma como ela o enxergava.

– Relacionamentos de longo prazo aumentam as chances de eu desapontar alguém. Por isso, me esforço para me manter longe disso.

Ela não disse nada por um ou dois minutos. Apenas o encarou em silêncio, os braços ainda ao seu redor, uma centena de emoções acentuando a cor de seus olhos.

– É, sei o que está querendo dizer – disse, por fim, a voz mal passando de um sussurro rouco. – Sei tudo a respeito de desapontar as pessoas.

– Não tem como eu acreditar nisso. – Ele não conseguia enxergar a mulher capaz e confiante deixando de fazer algo que se dispusera a fazer.

– Pode acreditar – disse ela com seriedade, girando sobre os calcanhares e seguindo para junto da outra parede, onde um punhado de retratos falados fora disposto ao longo de mapas e de anotações. Quando voltou a falar, havia uma casualidade em sua voz que parecia forçada. – Então, essa sua alergia a relacionamentos duradouros é alguma novidade para você, ou sempre evitou compromissos?

Ele teve uma imagem mental instantânea de olhos reluzentes e de uma risada maliciosa e musical que ainda ouvia às vezes, como um fantasma à espreita em suas lembranças.

– Já existiu alguém. Bem... Poderia ter havido alguém. Ela morreu há muitos anos.

A expressão de Jenna ficou sombria de remorso.

– Brock, sinto muito. Não tive a intenção de...

Ele deu de ombros.

– Não precisa se desculpar. Isso foi há um século. – Quase literalmente, ele percebeu, atordoado pelo fato de que tanto tempo havia se passado desde que o seu descuido custara a vida de alguém a quem ele, supostamente, deveria ter protegido.

Jenna voltou a se aproximar e se recostou na beira da mesa ao lado dele.

– O que aconteceu com ela?

– Foi assassinada. Eu trabalhava como guarda-costas no Refúgio Secreto de uma família em Detroit na época. Era minha responsabilidade mantê-la a salvo, mas meti os pés pelas mãos. Ela desapareceu sob a minha vigilância. Seu corpo foi encontrado meses mais tarde, brutalizado a ponto de não ser reconhecido, abandonado num rio.

– Ah, meu Deus... – A voz de Jenna saiu suave, carregada de empatia. – Que horrível.

– É, foi mesmo – disse ele, lembrando-se muito bem do horror do que havia sido feito a ela, antes e depois de ser morta. Três meses na água não deixaram mais fácil de olhar o que lhe haviam feito.

– Sinto muito – repetiu Jenna, esticando uma mão para apoiá-la no músculo saltado do bíceps dele.

Ele tentou ignorar a súbita percepção que surgiu com aquele contato. Mas tentar não perceber sua atração por ela era o mesmo que ordenar ao fogo que não fosse quente. Toque-o e você se queimará. Assim como ele queimava agora, quando relanceou para a mão pálida de Jenna em contraste com a sua pele escura.

Quando ele levantou o olhar para ela, percebeu pela forma sutil com que ela inspirava que seus olhos muito provavelmente estavam iluminados por centelhas cor de âmbar, a transformação traindo seu desejo por ela. Ela engoliu em seco, mas não desviou o olhar.

Que Deus o ajudasse, mas ela tampouco retraiu a mão, nem mesmo quando o seu rugido de macho excitado se formou na base da garganta.

Pensamentos do que acontecera com ela há poucas horas em seu apartamento jorraram como uma onda de lembranças ardentes. Não havia mais do que alguns poucos centímetros entre eles, mesmo agora. Ficou imaginando se Jenna queria que ele a beijasse. Estivera inseguro quanto ao que ela sentia, e com a possibilidade de ela estar sentindo algo parecido com seu próprio desejo. Agora, precisava saber com uma ferocidade que o assustava.

Para ter certeza de que não estava interpretando mal, nem que fosse apenas pela sua sanidade, cobriu a mão dela com a sua. Aproximou-se, postando-se de frente para ela, que ainda estava apoiada na mesa.

Ela não se retraiu. Encarou-o bem nos olhos, confrontando-o, bem como ele esperava que ela fizesse.

– Eu não sei bem como lidar com tudo isto – disse ela com suavidade. – As coisas que têm acontecido comigo desde aquela noite no Alasca... Todas as perguntas que talvez nunca sejam respondidas. Sei lidar com isso. De alguma forma, vou aprender a lidar. Mas você... Isto... – Ela baixou o olhar para as mãos unidas, os dedos entrelaçados. – Não sou boa nisso. Meu marido se foi há quatro anos. Não houve ninguém desde então. Nunca estive pronta para isso. Não quis...

– Jenna. – Brock tocou no seu queixo, erguendo-o com suavidade para fitá-la nos olhos. – Tudo bem se eu te beijar?

Os lábios dela vacilaram num sorriso que ele não resistiu a provar. Inclinou a cabeça e a beijou devagar, para que ela se acostumasse, apesar da intensidade do seu desejo.

Embora ela tivesse confessado estar sem prática, ele jamais teria imaginado isso pela sensualidade dos lábios dela ao encontro dos seus. O beijo, tanto suave quanto direto, dando e recebendo, o incendiou. Ele se aproximou, até se ajustar entre suas pernas, precisando sentir o corpo dela pressionado contra o seu enquanto passava a língua ao longo dos lábios aveludados. Correu as mãos pela lateral de seu corpo, ajudando-a a subir na mesa quando a perna machucada começou a tremer.

O beijo fora um erro. Achara que as coisas terminariam ali – apenas um beijo –, mas, agora que começara, ele simplesmente não sabia como encontraria forças para pôr um fim naquilo.

E, pela sensação dela em seus braços, pelos gemidos e sussurros de prazer enquanto os beijos davam início a algo mais poderoso, teve certeza de que ela também queria mais.

Mas, pelo visto, não poderia estar mais errado.

Foi só quando percebeu a umidade em seu rosto que notou que ela estava chorando.

– Jesus – sibilou, recuando de pronto e sentindo-se um cretino ao ver seu rosto marcado pelas lágrimas. – Desculpe. Se eu te pressionei rápido demais...

Ela balançou a cabeça, visivelmente triste, mas sem conseguir falar nada.

– Diga que eu não te machuquei, Jenna.

– Droga. – Ela inspirou fundo. – Não posso fazer isto. Desculpe, a culpa é minha. Eu nunca deveria ter deixado que você...

As palavras foram interrompidas quando ela o empurrou para longe, desvencilhando-se dele, e correu para o corredor.

Brock ficou ali por um minuto, todo tenso e dolorido, ávido de desejo. Deveria deixá-la ir. Considerar aquilo apenas um desastre evitado por um triz e tirar a tentadora Jenna Darrow da cabeça.

Sim, é exatamente isso o que deveria fazer, e ele sabia muito bem disso.

Mas, quando esse pensamento se formou, ele já estava na metade do corredor, seguindo os sons do choro de Jenna até seu antigo apartamento.


Capítulo 13

Jenna se sentia a maior das covardes, uma fraude absoluta, enquanto fugia pelos corredores, tentando engolir as lágrimas. Deixara Brock pensar que não o queria. Provavelmente o fez acreditar que ele a pressionara de algum modo com aquele beijo, quando quase a derretera numa poça na mesa daquela sala de reuniões. Deixou que ele ficasse se preocupando por ter feito algo errado, que talvez a tivesse magoado, e essa era a coisa mais injusta de todas.

No entanto, não conseguira deixar de fugir, precisando colocar alguma distância entre eles com uma determinação que beirava o desespero. Ele a fazia sentir demais. Coisas para as quais não estava preparada. Coisas que ela necessitava com tamanha profundidade, mas que não merecia.

Por isso fugiu, mais aterrorizada do que nunca e odiando a covardia que a fazia colocar pé ante pé. Quando chegou ao quarto, estava tremendo e sem fôlego, lágrimas ainda descendo pelas faces.

– Jenna.

O som da voz grave atrás dela foi como uma carícia ardente em sua pele. Virou-se de frente, atônita com a velocidade e com o silêncio que o levaram até ali não mais do que um segundo depois dela. Mas, em retrospecto, ele não era humano. Não era um homem de fato – uma coisa da qual ela tinha que se lembrar quando ele estava tão próximo, com todo aquele tamanho, a intensidade do olhar se comunicando com tudo o que era feminino dentro dela.

Sua boca ainda estava inchada pelos beijos dele. Sua pulsação ainda batia descompassada. O calor ainda ardia dentro dela.

E como se soubesse disso, Brock se aproximou ainda mais. Esticou o braço e pegou sua mão, sem dizer nada. Não havia necessidade de palavras. Apesar das lágrimas que começavam a diminuir e do tremor das suas pernas, ela não conseguia esconder o desejo que sentia por ele.

Não resistiu quando ele a trouxe para perto, para o calor do seu corpo. Para o conforto dos seus braços.

– Estou com medo – sussurrou ela. Essas palavras não lhe vinham fáceis, como nunca vieram.

Com o olhar preso ao dela, ele lhe acariciou o rosto.

– Não precisa ter medo de mim. Não vou machucar você, Jenna.

Acreditou nele, mesmo antes de ele inclinar a cabeça e resvalar os lábios num beijo dolorosamente carinhoso. De maneira incrível e impossível, confiava naquele homem que não era um homem. Queria as mãos dele sobre si. Queria sentir aquela conexão de novo com alguém, mesmo que não estivesse pronta para pensar em algo além do físico, do desejo de tocar e de ser tocada.

– Está tudo bem – ele murmurou ao encontro da sua boca. – Está segura comigo, prometo.

Jenna fechou os olhos ao absorver suas palavras, as mesmas que a acalmaram na escuridão do seu chalé no Alasca, e de novo na enfermaria do complexo. Brock fora seu elo com o mundo dos vivos depois da sua provação com o Antigo. Sua única corda de segurança durante os infindáveis pesadelos que se seguiram nos dias depois que ela fora trazida àquele lugar estranho, modificada de tantas maneiras.

E agora...?

Agora ela não sabia muito bem como ele se encaixava na confusão que restara da sua vida. Não estava pronta para pensar nisso. Tampouco estava plenamente segura de estar preparada para as sensações que ele lhe provocava.

Recuou um pouco, a dúvida e a vergonha ainda se avolumando na parte dela que ainda lamentava a perda, a ferida aberta em sua alma que há muito tempo aceitara que jamais se cicatrizaria por completo.

Pressionando a testa no calor da solidez de seu peito, no algodão macio que exalava seu cheiro exótico característico, Jenna inspirou profundamente para se fortalecer. E expirou num suspiro entrecortado.

– Será que eu os amava o suficiente? É o que não paro de me perguntar desde aquela noite em meu chalé...

As mãos fortes de Brock alisaram suas costas, fortes e carregadas de compreensão, dando a calma que ela precisava a fim de reviver aqueles momentos torturosos quando o Antigo a pressionara para que ela decidisse o próprio destino.

– Ele me fez escolher, Brock. Naquela noite em meu chalé, pensei que ele iria me matar, mas não matou. Eu não teria lutado se ele matasse. E ele sabia disso, acho. – Na verdade, ela tinha certeza. Naquela noite em que o Antigo invadira sua casa, ela não estava bem. Ele vira a garrafa de uísque vazia no chão e a pistola carregada em sua mão. A caixa de fotografias que ela pegava todos os anos por volta do aniversário do acidente que lhe roubara a família e que a deixara para viver sozinha. – Ele sabia que eu estava preparada para morrer, mas, em vez de me matar, forçou-me a dizer as palavras, a lhe dizer em voz alta o que eu queria mais: vida ou morte. Foi como uma tortura, algum tipo de jogo doentio que ele me fez jogar contra a minha vontade.

Brock resmungou alguma imprecação incompreensível, mas as mãos continuaram suaves às suas costas, carinhosas, num calor tranquilizador.

– Ele me fez escolher – disse ela, lembrando-se de cada minuto insuportável daquela provação.

Mas, ainda pior do que as horas infindáveis do seu aprisionamento e de vê-lo alimentando-se dela, do que o horror de perceber que seu captor não era uma criatura deste mundo, foi o momento terrível no qual ouviu a própria voz rouca dizer as palavras que pareciam rasgar das profundezas mais íntimas e envergonhadas de sua alma.

Quero viver.

Ai, meu Deus... por favor, deixe-me viver.

Não quero morrer!

Jenna engoliu o nó de angústia que se formara em sua garganta.

– Fico pensando que não os amava o bastante – sussurrou, devastada ante esse pensamento. – Fico pensando que, se os amasse de verdade, teria morrido com eles. Que, quando o Antigo me forçou a escolher se queria ou não viver, eu teria feito uma escolha diferente.

Quando o choro ficou preso em sua garganta, os dedos de Brock resvalaram seu queixo. Ergueram seu rosto para seu olhar solene.

– Você sobreviveu – disse ele, a voz firme, mas com infinito afeto. – Foi só o que fez. Ninguém a culparia por isso, muito menos eles.

Ela fechou os olhos, sentindo o peso do arrependimento diminuir um pouco com as palavras reconfortantes que ouvia. Mas o vazio em seu coração era um lugar frio e oco. Um que se tornou ainda maior quando Brock a tomou nos braços, confortando-a. O calor e a preocupação dele penetraram em sua pele como um bálsamo, acrescentando mais emoção ao desejo que não diminuíra por conta da proximidade do corpo forte. Torceu-se no refúgio que era seu abraço, apoiando o rosto na força sólida e firme que ele era.

– Posso acabar com isso, Jenna. – Ela sentiu a pressão da boca, o fluir da respiração em seus cabelos enquanto ele beijava o topo de sua cabeça. – Posso carregar sua dor por você, se quiser.

Havia uma parte nela que se rebelava contra isso. A mulher forte, a policial experiente, aquela que sempre enfrentava qualquer situação, se retraiu ante a ideia de que seu sofrimento pudesse ser pesado demais para ela mesma suportar. Nunca precisou de ajuda, tampouco se dispôs a pedir, jamais. Esse tipo de fraqueza jamais lhe serviria.

Retraiu-se, a recusa na ponta da língua. Mas quando abriu os lábios para falar, as palavras não surgiram. Fitou o belo rosto de Brock, os olhos penetrantes que pareciam enxergar bem dentro dela.

– Quando foi a última vez que se permitiu ser feliz, Jenna? – Ele afagava seu rosto com tanta suavidade, com tanta reverência, que ela estremeceu sob seu toque. – Quando foi a última vez que sentiu prazer? A mão grande desceu ao longo do pescoço. O calor irradiou da palma ampla e dos dedos longos. Sua pulsação acelerou conforme ele espalmou a nuca, o polegar acariciando o ponto sensível debaixo da orelha.

Então, ele a aproximou de si, inclinando-lhe o rosto para se encontrar com o seu. Beijou-a, lenta e profundamente. A fusão vagarosa da boca dele ao encontro da sua lançou uma corrente de calor líquido em suas veias. O fogo se empoçou em seu centro, seu íntimo se enchendo com um desejo ardente e ávido.

– Se você não quiser isto – murmurou ele ao encontro dos seus lábios –, basta dizer. A qualquer hora, eu paro...

– Não. – Ela balançou a cabeça ao erguer a mão para tocar no maxilar forte. – Eu te quero, mas tanto que isso está me assustando demais.

O sorriso dele se espalhou preguiçosamente, os lábios sensuais se afastando para revelar os dentes brancos e a extensão aumentada das presas. Jenna fitou sua boca, sabendo que os instintos básicos humanos de sobrevivência deviam estar disparando todo tipo de alarme, avisando-a de que aproximar-se demais daqueles caninos seria letal.

Mas ela não sentiu medo. Em vez disso, sua mente reconheceu a transformação dele com um sentimento inexplicável de aceitação. Excitação até, enquanto o castanho absorvente de seus olhos começou a reluzir com uma luz âmbar incandescente.

Acima do colarinho da camiseta cinza e debaixo das mangas curtas que se agarravam aos montes firmes dos bíceps musculosos, os dermaglifos de Brock pulsavam em cores. As marcas da pele do membro da Raça assumiram uma cor mais acentuada do que seu costumeiro tom de bronze, tornando-se mais bordô e dourado, junto com um roxo escuro. Jenna percorreu os dedos ao longo das curvas e arcos dos seus glifos, maravilhando-se com a beleza sobrenatural.

– Tudo o que eu achava que sabia é diferente agora – ponderou em voz alta enquanto permanecia no círculo dos braços dele, distraidamente tracejando os desenhos dos glifos que desciam. – Tudo mudou agora. Eu mudei, de maneiras que nem sei se farão sentido para mim. – Levantou o olhar. – Não estou atrás de mais confusão em minha vida. Não acho que eu seja capaz de lidar com mais isso além de todo o resto.

Ele sustentou o seu olhar, sem julgá-la, revelando apenas paciência e uma aura de controle imperturbável.

– Você está confusa agora, enquanto te toco... ou quando a beijo?

– Não – disse ela, surpresa ao constatar isso. – Nem antes.

– Isso é bom. – Ele se inclinou e clamou sua boca novamente, sugando o lábio inferior, capturando-o entre os dentes ao afagar suas costas, depois espalmando a mão na curva das nádegas. Apertou-a com possessividade, rebocando o corpo eletrizado ao longo da sua ereção. Esfregou o nariz na curva do pescoço, os lábios quentes e úmidos em sua pele. Quando falou de novo, sua voz estava mais grossa do que antes, carregada do mesmo tipo de avidez que a percorria. – Permita-se sentir prazer, Jenna. Se quiser, é só isso o que precisa acontecer entre nós. Sem pressão, sem amarras. Sem promessas que nenhum de nós está pronto para fazer.

Ah, Deus. Parecia tão bom, tão tentador, ceder ao desejo que vinha crescendo entre eles desde que ela despertou no complexo da Ordem. Não estava pronta para abrir o coração novamente, talvez nunca estivesse pronta para essa vulnerabilidade de novo, mas não sabia se era forte o bastante para resistir ao presente que Brock estava lhe oferecendo.

Ele a beijou na base da garganta.

– Está tudo bem, Jenna. Entregue o resto para mim agora. Liberte-se de tudo, exceto disto.

– Sim. – Ela suspirou, sem conseguir refrear um arquejo quando as carícias trafegaram por seu corpo. As mãos fortes e habilidosas lançaram picadas de energia pelas suas veias, o talento sobrenatural sugando todo o peso remanescente de tristeza, de dor e de confusão. A boca ardente e habilidosa deixou apenas sensações e avidez em seu rastro.

Ele beijou uma pequena trilha ao longo do pescoço, depois pelo maxilar, até que seus lábios se encontraram com os dela uma vez mais. Jenna acolheu sua paixão, abrindo-se para ele enquanto a língua passava pelo vale entre seus lábios. Ele gemeu quando ela o sugou para dentro, grunhiu uma aprovação absolutamente masculina enquanto ela passava os dedos ao redor da sua cabeça, segurando-o com mais firmeza ao encontro da sua boca.

Deus, ela não fazia ideia de quanto necessitava do toque de um homem. Ficara tempo demais sem aquela intimidade, forçosamente se privando do contato sexual e daquele tipo de relaxamento. Por quatro anos, convencera-se de que não queria nem precisava daquilo, apenas mais um castigo autoimposto pela grave ofensa de ter sobrevivido ao acidente que matara seus entes queridos.

Acreditara-se imune ao desejo; no entanto, ali com Brock, todas aquelas barreiras antes impenetráveis estavam sendo derrubadas, caindo ao seu redor como se não fossem mais do que folhas secas. Ela não conseguia sentir culpa pelo prazer que ele estava lhe proporcionando. Não havia como saber se pela habilidade de Brock de absorver a sua angústia ou pelo desejo reprimido. Só o que ela conhecia era a intensidade crescente das reações do seu corpo ao dele, uma onda de prazer e de antecipação que a deixava sem ar e querendo ainda mais.

As mãos grandes passaram para os ombros, depois começaram sua viagem para os seios. Através do algodão fino da camisa dela, os mamilos endureceram, ficando rijos e doloridos, vivos com sensações a cada carícia aplicada. Jenna gemeu, querendo mais dos toques dele. Capturou sua mão e a guiou por baixo da bainha larga da camisa. Ele não precisou de mais orientações. Em menos de um segundo, soltou o fecho do sutiã e cobriu a pele nua com a palma quente. Brincou com o botão duro ao acariciá-la.

– Melhor assim? – murmurou ele, logo abaixo da orelha. – Diga se está gostando.

– Deus... Sim! – Era tão bom que ela mal conseguia formar palavras.

Jenna sibilou de prazer, jogando a cabeça para trás enquanto uma sensação espiralada se contraía em seu íntimo. Ele continuou tocando-a, beijando-a e acariciando-a, enquanto lentamente tirava sua camisa. Fez o mesmo com o sutiã aberto, deslizando as alças finas pelos ombros, escorregando-as pelos braços. De repente, ela estava nua da cintura para cima diante dele. O instinto de se cobrir – de esconder as cicatrizes que cruzavam seu tronco por causa do acidente, e aquela no abdômen que era um lembrete diário do difícil trabalho de parto de Libby – surgiu de leve, mas apenas por um instante.

Só pelo tempo que demorou para erguer a cabeça e se deparar com o olhar de Brock.

– Você é linda – disse ele, pegando-lhe as mãos com suavidade e afastando-as do corpo antes que ela tivesse a oportunidade de se sentir envergonhada pelo elogio dele ou pela sua observação franca.

Nunca se sentira especialmente bela. Confiante e capaz, bem fisicamente e forte. Essas palavras ela entendia e aceitava. Palavras que a acompanharam em boa parte dos seus trinta e três anos de vida, mesmo durante o casamento. Mas linda? Era-lhe tão estranha quanto o idioma desconhecido que se ouvira falar no vídeo na enfermaria no dia anterior.

Brock, este sim, era lindo. Ainda que parecesse uma palavra esquisita para descrever a sombria força da natureza que estava diante dela.

Cada mancha castanha dos olhos dele sumira, devorada pelo brilho âmbar que aquecia suas faces como uma chama viva. As pupilas afinaram parecendo fendas, e as faces magras agora estavam mais angulares, a pele escura imaculada esticada por sobre os ossos, ressaltando a aparência atordoante das presas longas e afiadas.

Aqueles olhos ardentes prenderam os seus, enquanto ele tirava a camiseta e a deixava cair no chão ao lado dela. O peito era incrível, uma parede maciça de músculos bem torneados cobertos por um desenho intricado de glifos pulsantes. Ela não resistiu ao desejo de tocar a pele lisa, só para ver se era tão sedosa sob seus dedos quanto lhe parecia ao olhar. Era ainda mais macia do que imaginara, mas a força absoluta e sobrenatural abaixo dela era inconfundível.

Brock lhe parecia tão letal quanto fora ao salvá-la na cidade, a não ser, talvez, pela ira gélida que emanara dele como em ondas aquela noite, pois agora ele vibrava com algo igualmente agressivo e intenso: desejo. Todo centrado nela.

– Você está... Maldição, Jenna – ele disse rouco, tracejando a linha do seu ombro, depois circundando a ponta rósea do seu seio. – Você não faz ideia de quanto é adorável, faz?

Ela não respondeu, nem saberia como. Em vez disso, aproximou-se e puxou a boca dele para a sua para mais um beijo ardente. Pele contra pele, os seios esmagados contra os músculos firmes do peito dele, Jenna quase entrou em combustão de tanto desejo. Seu coração batia forte, a respiração acelerada, enquanto Brock abaixava a mão e descia o zíper de seus jeans. Ela mordeu os lábios quando ele deslizou as mãos entre a cintura da calça e a pele dos seus quadris, depois fez descer os jeans por sobre a calcinha branca. Ele se afundou sobre os calcanhares, acompanhando a descida dos jeans com as mãos.

Tomou cuidado perto do ferimento a bala, a fim de não mexer no curativo que envolvia a coxa.

– Tudo bem? – perguntou, erguendo o olhar para ela, a voz grave tão rouca que ela mal a reconheceu. – Se houver dor, posso cuidar dela.

Jenna balançou a cabeça.

– Não está doendo. Está tudo bem, mesmo.

Os olhos reluzentes âmbar se fecharam baixando os cílios ao voltar para a tarefa que tinha em mãos. Com os jeans removidos, ele se apoiou nos calcanhares e olhou para ela, deslizando as mãos para cima e para baixo na extensão das suas pernas.

– Tão, tão linda – ele a elogiou, depois inclinou a cabeça e pressionou os lábios no triângulo de algodão branco entre as coxas, a única peça de roupa que a cobria agora.

Jenna expeliu um suspiro trêmulo quando ele prendeu o tecido entre os dentes e as presas. Com o olhar carregado de propósito, fitou-a, as mãos ainda acariciando as pernas, e puxou a peça antes de soltá-la, deixando voltar ao seu lugar, cobrindo a pele aquecida. Ele a seguiu com a boca, beijando-a de novo, com mais determinação agora, afastando o irrisório pedaço de pano e esfregando o rosto ainda mais na fenda úmida do seu sexo.

As mãos a seguravam pelas nádegas enquanto ele a explorava com os lábios e a língua e o resvalar erótico dos dentes na pele úmida do seu centro. Despiu-a da calcinha, depois afastou as coxas e a sugou novamente. Levou uma mão até o meio das pernas, acrescentando o toque dos dedos à habilidade enlouquecedora da boca. Jenna estremeceu, perdida em sensações e a pouco menos do que uma inspiração de desfalecer.

– Céus – arfou ela, tremendo quando ele sondou suas dobras com a ponta do dedo, penetrando-a apenas de leve, enquanto seus beijos a deixavam cada vez mais tensa. Moveu-se na direção dele, inundada pelo calor. – Meu Deus... Brock, não pare.

Ele gemeu ao encontro da umidade dela, um longo ronronar de evidente apreciação masculina que vibrou em seus ossos e músculos até seu cerne aquecido. O clímax de Jenna a atravessou tal qual uma tempestade. Estremeceu com a sua força, exclamando quando o prazer a assolou e a fez subir aos céus. Quase se desfez, a sensação pairando quase como poeira estelar enquanto ela espiralava mais e mais alto, com tremores de puro deleite trespassando-a, um após o outro.

Sentia-se sem ossos ao flutuar de volta à realidade. Sem ossos e exausta, apesar de seu corpo ainda estar vibrando, repleto de sensações. E Brock ainda a beijava. Ainda a afagava com os dedos, arrancando cada um dos tremores restantes enquanto ela se agarrava aos ombros largos e arfava com o prazer dos tremores.

– Acho que eu estava precisando disso – sussurrou, estremecendo quando o riso baixo dele ecoou em sua pele ainda sensível. Ele a beijou no interno da coxa, mordiscando de leve, e suas pernas vacilaram um pouco sob o próprio peso. Ela se deixou cair para a frente, envolvendo Brock pelas costas. – Ah, meu Deus. Eu não imaginava o quanto precisava disso.

– O prazer foi meu – ele disse, rouco. – E ainda não terminei. – Mudou de posição debaixo dela, passando o braço ao seu redor e acomodando-a sobre o ombro. – Segure firme em mim.

Ela não teve escolha. Antes de entender o que ele pretendia, ele já se levantava. Carregou-a como um peso morto sobre um ombro e se pôs de pé, como se ela não passasse de um fardo de penas. Jenna se segurou como ele lhe dissera, sem deixar de admirar a força absoluta com que ele caminhava até o quarto adjacente. Vestindo apenas os jeans, os músculos das costas se flexionavam e contraíam debaixo da pele lisa a cada longa passada, um concerto perfeito de boa forma e talhe.

Não havia dúvidas, ele era lindo.

E seu corpo já eletrizado zunia com calor renovado quando ela percebeu que ele a carregava direto para a imensa cama king size.

Ele afastou a colcha e o lençol, depois a depositou na beira do colchão. Jenna observou com desejo crescente enquanto ele desabotoava os jeans e os retirava. Ele não estava usando nada por baixo. Glifos elaborados tracejavam a cintura estreita e o quadril, descendo pelas pernas vigorosas. As cores pulsavam e se transformavam, atraindo seu olhar por um breve instante da ereção evidente, que estava rija e imensa enquanto ele apenas observava enquanto ela o avaliava dos pés à cabeça.

Jenna engoliu com a boca seca quando ele se aproximou dela, devastador em toda a sua nudez. O olhar reluzente ainda mais brilhante, as presas ainda mais alongadas.

Ele parou perto da cama, crispando a testa quando ela se deteve no seu olhar transfigurado.

– Está com medo de mim... deste jeito?

Ela só balançou a cabeça de leve.

– Não, não estou com medo.

– Se estiver preocupada com relação a uma possível gravidez...

Ela voltou a balançar a cabeça.

– Meus danos internos no acidente cuidaram disso. Não posso engravidar. De toda forma, pelo que soube, DNA humano e da Raça não se misturam.

– Não – confirmou ele. – E em relação a quaisquer outras preocupações que possa ter, está segura comigo. Não existem doenças nos da minha espécie.

Jenna assentiu.

– Confio em você, Brock.

O crispar da testa dele diminuiu, mas ele permaneceu imóvel.

– Se não tiver certeza, se não é isso o que você quer, então o que lhe disse antes ainda vale. Podemos parar a qualquer instante. – Ele riu baixinho. – Acho que isso pode acabar comigo agora, já que está toda sensual na minha cama, mas eu paro. Que Deus me ajude, mas eu paro.

Ela sorriu, emocionada por alguém tão poderoso demonstrar tamanha honra e humildade. Ela afastou o lençol e abriu espaço para ele ao seu lado.

– Não quero parar.

A boca dele se abriu num sorriso amplo. Com um grunhido, foi em frente e sentou na cama ao seu lado. A princípio, apenas se tocaram e se acariciaram, beijando-se com suavidade, aprendendo mais sobre seus corpos. Brock foi paciente, apesar de a tensão em seu corpo revelar que ele estava se torturando por se refrear. Foi atencioso e carinhoso, tratando-a como uma amante querida, apesar de terem concordado de antemão que aquilo entre eles jamais seria outra coisa além de algo casual, sem amarras.

Para Jenna, parecia incrível que um homem que ela mal conhecia – aquele macho da Raça que tinha todo o direito de assustá-la – pudesse lhe parecer tão familiar, tão íntimo. Brock, porém, dificilmente era um estranho. Ele estivera ao seu lado em meio ao seu pesadelo pessoal, e de novo nos dias de sua recuperação ali no complexo. E a procurara naquela noite em que estivera sozinha e ferida na cidade, um improvável salvador sombrio.

– Por que fez aquilo? – perguntou baixinho, os dedos percorrendo os dermaglifos que se curvavam pelos ombros e desciam pelo peito. – Por que ficou comigo no Alasca e depois todos aqueles dias na enfermaria?

Ele ficou em silêncio por um momento, as sobrancelhas escuras unidas sobre o olhar reluzente.

– Odiei ver o que aconteceu com você. Você era apenas uma inocente que se viu em meio a um tiroteio. Você é humana. Não merecia ser arrastada para o meio da nossa guerra.

– Já sou uma garota crescida. Sei lidar com isso – disse, uma resposta automática que não sentia verdadeiramente. Ainda mais depois dos resultados perturbadores dos seus exames de sangue. – E quanto a agora? O que estamos fazendo aqui, quero dizer... Isto faz parte do seu programa “seja legal com a humana” também?

– Não. Claro que não. – A carranca dele se acentuou a ponto de mostrar raiva. – Acha que isso é pena? É isso o que você acha que é? – Ele inspirou fundo, revelando as pontas das presas ao rolá-la de costas e ficar sentado em cima dela. – Para o caso de não ter percebido, estou excitado pra caramba por você. Se me excitar mais, acabo explodindo.

Para provar seu ponto de vista, ele deu uma estocada nada sutil com o quadril, acomodando-se entre as dobras úmidas de seu sexo. Ele bombeou algumas vezes, fazendo a rigidez do membro entrar e sair da fenda dela, atiçando-a com o calor da sua excitação. Passou o braço por trás do joelho dela, levantando-lhe a perna até seu ombro, virou o rosto para a coxa e deu-lhe uma mordiscada.

– Isto é desejo puro e simples, nada de piedade – disse, sua voz rouca ao penetrá-la, longa e profundamente.

Jenna não conseguiria formular uma resposta mesmo que tentasse. A sensação atordoante de tê-lo preenchendo-a, estendendo-a cada vez mais a cada estocada, era tão sobrepujante que lhe roubou o fôlego. Ela se segurou a ele com as duas mãos enquanto ele lhe capturou a boca num beijo ardente, balançando acima dela, o corpo se movimentando num ritmo exigente.

A crista de um novo clímax já se formava dentro dela, e não conseguiu contê-lo. Sentiu o calor do próprio sangue nas veias, a pulsação imperiosa de Brock também, reverberando sob seus dedos e em cada terminação nervosa. Seus ouvidos estavam tomados pelo som do seu grito silencioso de libertação, pela fricção dos corpos unidos se retorcendo sobre os lençóis. O cheiro do sexo e do sabonete e do suor limpo na pele quente a intoxicaram. O sabor dos beijos ardentes de Brock em seus lábios só a fazia desejar outros mais.

Ela tinha fome, de uma maneira inexplicável.

Tinha fome dele, tão profunda que parecia retorcê-la de dentro para fora.

Queria saboreá-lo. Saborear o poder que ele era.

Arfando após o clímax, afastou-se da boca dele. Ele praguejou algo sombrio sob o fôlego, as investidas cada vez mais intensas, as veias e os tendões saltando no pescoço e nos ombros como cabos espessos elevando-se da pele.

Segurando-se a ele, Jenna deixou a cabeça pender por um momento, tentando se perder no ritmo dos corpos. Tentando não pensar na dor que corroía suas entranhas, no impulso confuso, porém irresistível que atraía seu olhar para o pescoço forte. Para as veias saltadas que pulsavam como tambores de guerra aos seus ouvidos.

Pressionou o rosto na coluna forte do pescoço dele e percorreu a língua no ponto pulsante que encontrou ali. Ele gemeu, um som prazeroso que só servia como combustível para o fogo que ainda queimava dentro dela. Ela se aventurou um pouco mais, cerrando os dentes sobre a pele dele. Brock grunhiu uma imprecação, e ela mordeu com um pouco mais de força, sentindo a onda de tensão que atravessou todo o corpo dele, que estava no limiar agora, os braços como granito ao redor dela, cada estocada dos quadris ficando mais intensa.

Jenna cravou os dentes com mais força na pele suave.

Mordeu até ele ficar louco de paixão...

Até ela sentir o sabor da primeira gota de sangue na língua.

 

 

CONTINUA

Capítulo 8

– Espero que todas estejam com fome – disse Alex, passando pelas portas vaivém da cozinha da mansão, com uma tigela grande de frutas frescas cortadas numa mão e um cesto de biscoitos com ervas aromáticas quentinhos na outra.

Depositou ambos na mesa da sala de jantar diante de Jenna e Tess, que foram instruídas por Alex e as outras mulheres do complexo para que se sentassem e se servissem do café da manhã.

– Como está se sentindo, Jen? – perguntou Alex. – Precisa de alguma coisa? Se quiser erguer a perna, posso pegar um banquinho na outra sala.

Jenna meneou a cabeça.

– Estou bem. – Sua perna estava bem melhor desde a cirurgia da noite anterior, e ela não sentia muitas dores. Só por causa da insistência de Tess é que estava usando uma bengala para se movimentar. – Não precisa ficar me mimando.

– Essa é a minha melhor amiga, a policial do interior – disse Alex, revirando os olhos na direção de Tess e virando a mão num sinal de pouco caso. – Só um machucadinho a bala, não precisam se preocupar...

Jenna caçoou.

– Comparado com a semana que tive, um buraco a bala na coxa é a menor das minhas preocupações.

Ela não estava querendo solidariedade, apenas declarando um fato.

A mão de Tess pousou com suavidade em seu pulso, assustando-a com seu calor e a preocupação genuína no olhar.

– Nenhuma de nós pode fingir saber aquilo pelo que você passou, Jenna, mas espero que entenda que estamos aqui para cuidar de você agora. Você está entre amigas, todas nós.

Jenna resistiu ao efeito de consolo que as palavras de Tess exerciam sobre ela. Não queria se sentir relaxada naquele lugar, entre Alex e aquelas desconhecidas aparentemente gentis.

Nem com Brock.

Muito menos com ele.

Sua mente ainda estava confusa com o resgate inesperado na cidade. Fora um erro sair como havia saído, despreparada e afetada emocionalmente. Não fazia tanto tempo assim que se desligara da polícia para não se lembrar que o melhor modo de se ver em apuros era fugir despreparada em território desconhecido. Só o que reconheceu naquele meio segundo antes de sair do complexo foi o desespero em fugir da sua nova e sombria realidade.

Cometera um clássico erro de julgamento de principiante, incitado pela emoção, e acabara necessitando de resgate para voltar à segurança. Que o seu resgate tivesse surgido na forma de um vampiro formidável e aterrorizante era algo que ela não sabia se um dia conseguiria compreender.

No fundo, sabia que Brock salvara sua vida na noite anterior. Uma parte sua desejava que ele não o tivesse feito. Não queria ficar devendo nada a ele. Não gostava de dever a ninguém, muito menos a um homem que nem podia ser classificado como humano.

Deus, que reviravolta em sua vida...

Com seus pensamentos cada vez mais sombrios, Jenna afastou a mão da de Tess e se recostou na cadeira.

Tess não a pressionou a falar, simplesmente se inclinou sobre a mesa e inspirou um pouco da fragrância que emanava dos biscoitos.

– Hummm – gemeu, o braço fino amparando a curva do ventre arredondado. – É a receita de cheddar e manjericão da Dylan?

– Atendendo a pedidos – respondeu Alex vivamente. – E há mais de onde isso veio, incluindo as incríveis torradas francesas com crème brûlée de Savannah. Falando nelas, é melhor eu ir buscá-las para o banquete.

Enquanto Alex virava e desaparecia novamente na cozinha, Tess lançou um olhar furtivo para Jenna.

– Você ainda não viveu se não provou os biscoitos de Dylan e as torradas de Savannah. Confie em mim, são o paraíso.

Jenna sorriu com educação.

– Tudo me parece muito bom. Nunca fui muito de cozinhar. Minha tentativa de sucesso na cozinha é uma omelete de carne de alce com queijo suíço, espinafre e batatas.

– Carne de alce? – Tess gargalhou. – Bem, posso lhe garantir que nenhuma de nós já experimentou algo parecido. Talvez você possa preparar para nós um dia desses.

– Quem sabe? – disse Jenna sem se comprometer, levantando os ombros.

Se não fosse pela incômoda matéria desconhecida encravada em sua coluna, e agora pelo tiro que a manteria ali sabe lá Deus por quanto tempo, ela já teria ido embora. Não sabia quanto tempo ainda a fariam ficar ali, mas assim que conseguisse sair andando, já era. Não se importava com o que a Ordem precisava saber; não tinha nenhuma intenção de ficar por perto para ser o ratinho de laboratório deles.

Ainda era estranho demais pensar que estava ali com elas, num quartel-general secreto habitado por uma equipe de vampiros guerreiros e por mulheres aparentemente sãs e agradáveis que pareciam felizes e à vontade entre eles.

O surrealismo da coisa toda se intensificou quando Alex e o restante das mulheres da Ordem – cinco lindas jovens e a menina loira chamada Mira – saíram da cozinha com o restante do café da manhã. Conversavam amigavelmente, relaxadas na companhia uma da outra como se tivessem estado juntas a vida inteira.

Formavam uma família, inclusive Alex, apesar de ela ter chegado ali apenas uma semana antes, assim como Jenna.

Um ritmo descontraído se fez na sala de jantar, enquanto pratos com bordas douradas eram passados adiante e completados com todo tipo de comida deliciosa. Taças de cristal eram enchidas com suco até a borda, e delicadas xícaras de porcelana logo se encheram com fragrante café torrado e coado.

Jenna observava tudo em silêncio enquanto a refeição prosseguia. Xarope de bordo aquecido e bolinhas de manteiga rodavam pela mesa, parando por mais tempo com a pequena Mira, que encharcou sua torrada com aquela doçura e cobriu os biscoitos com manteiga como se aquilo fosse cobertura. Mira engoliu um em duas mordidas grandes, depois atacou o resto da refeição com muita vontade.

Jenna sorriu sem querer ante o apetite voraz da menina, sentindo uma pontada de melancolia, senão culpa, quando pensou na filha. Libby sempre fora uma menina cuidadosa, disciplinada e séria, mesmo quando pequena.

Deus, o que não daria para poder ver Libby degustando algo tão simples quanto um café da manhã à sua frente na mesa?

Com os dedos melados, Mira pegou o copo de suco de laranja e sorveu um gole grande. Suspirou de contentamento ao apoiar o copo novamente num baque.

– Pode me passar o chantilly para eu pôr nos pêssegos? – perguntou, cravejando Jenna com seus misteriosos olhos violeta.

Por um instante, Jenna se sentiu capturada por aquele olhar. Dispensou a sensação e pegou a tigela que estava no meio do caminho entre ela e Mira do outro lado.

– Pode, por favor, me passar o chantilly? – Renata a corrigiu de seu lugar à direita da menina. A morena lançou-lhe uma piscadela decididamente maternal e carinhosa ao interceptar a tigela que Jenna segurava.

– Pode, por favor – Mira se corrigiu, não parecendo nem um pouco admoestada.

Jenna cortou um pedaço da torrada e a colocou na boca. Era exatamente o que Tess havia prometido, paradisíaca. Mal conseguiu refrear um gemido alto ao se deleitar com o sabor cremoso de baunilha.

– Gostou? – perguntou Savannah, que estava sentada em uma das cabeceiras da longa mesa de jantar.

– É deliciosa – murmurou Jenna, as papilas gustativas ainda vibrando de êxtase. Lançou um breve olhar, abarcando todas ali reunidas. – Obrigada por me deixarem partilhar disto com vocês. Nunca vi tanta comida junta em minha vida.

– Achou que a deixaríamos morrer de fome? – perguntou Gabrielle da outra cabeceira. Seu sorriso era acolhedor e amigável.

– Não sei bem o que pensei – respondeu Jenna, com honestidade. – Sendo bem franca, acho que ainda não processei tudo isso muito bem.

Gabrielle inclinou a cabeça num leve assentimento, parecendo sábia e serena, ainda que, sem dúvida, devesse ser mais jovem do que Jenna e seus trinta e três anos.

– Isso é compreensível. Você sofreu muito, e a sua situação é sem igual para todos nós.

– A minha situação – Jenna repetiu, refletindo enquanto mexia um pedaço de pão molhado em xarope de bordo em seu prato. – Está falando do objeto não identificado que está alojado na base do meu crânio?

– É, isso – concordou Gabrielle, com um tom gentil na voz. – E o fato de que você teve sorte de escapar do ataque do Antigo com vida. O simples fato de ele ter se alimentado de você e tenha permitido que você vivesse é...

– Inédito – sugeriu a mulher sentada com Gabrielle. Ela tinha cabelos ruivos e o belo rosto salpicado por sardas. – Se soubesse do que ele é capaz, se você tivesse noção do que aconteceu com tantas outras... – A voz se perdeu, um leve estremecimento fazendo o garfo em sua mão tremer. – É um milagre que você esteja viva, Jenna.

– Dylan tem razão – concordou Tess. – Há mais ou menos um ano, quando a Ordem descobriu que o Antigo havia sido despertado, temos tentado localizá-lo e a Dragos, o filho da mãe responsável por trazer de volta ao mundo esse tipo de perigo.

– Não sei qual dos dois é pior – Renata interveio. – O Antigo clamou muitas vidas inocentes, mas é Dragos, o neto sádico do Antigo, quem vem dando as ordens.

– Está dizendo que aquela criatura tem descendentes? – Jenna perguntou, sem conter sua repulsa.

Gabrielle sorveu um gole de café, depois, com cuidado, voltou a depositar a xícara no pires.

– Aquela criatura e outros tantos como ele deram início à Raça na Terra.

– Na Terra? – Jenna exclamou com uma risada descrente. – Está se referido a alienígenas agora? Aquele vampiro que me atacou...

– Não era deste mundo – Savannah concluiu por ela. – É verdade. Não é mais difícil de acreditar do que a existência dos próprios vampiros, se quer saber a minha opinião, mas é a mais pura verdade. Os Antigos estupraram e dominaram depois que aterrissaram aqui há milhares de anos. Com o passar do tempo, algumas das suas vítimas engravidaram com o que se tornaria a primeira geração da Raça.

– Isso faz algum sentido para vocês? – Jenna perguntou, ainda incrédula. Relanceou para Alex, ao seu lado. – Você também acredita nisso?

Alex concordou.

– Depois de conhecer Kade e todos os demais aqui no complexo, como posso não acreditar? Também vi o Antigo com meus próprios olhos, momentos antes de ele ser morto nos despenhadeiros fora de Harmony.

– E quanto a esse outro... Dragos? – perguntou Jenna, curiosa, sem querer, em fazer com que todas as peças desse incrível quebra-cabeça se juntassem se algum modo. – Onde ele entra?

Dylan foi a primeira a falar.

– Ao que parece, Dragos despertou o Antigo muito antes do que supúnhamos. Décadas antes, de fato. Ele o manteve escondido e o usou para criar uma nova leva de Primeira Geração, os membros mais fortes da Raça, visto que são descendentes diretos da linhagem do Antigo e não geneticamente diluídos, como as gerações posteriores.

– Dragos vem criando um exército pessoal dos mais poderosos, dos mais letais membros da espécie – acrescentou Renata. – São criados supervisionados, treinados para serem assassinos impiedosos. Assassinos particulares de Dragos, a quem ele convoca sempre que necessário para os seus desígnios.

Gabrielle assentiu.

– Para criar essa geração, Dragos também precisou de um estoque de mulheres férteis para engravidar do Antigo.

– As Companheiras de Raça – disse Alex.

Jenna olhou para ela.

– E o que são elas?

– Mulheres nascidas com um DNA e características sanguíneas distintas que as tornam capazes de partilhar um elo de sangue vitalício com os membros da Raça e de reproduzir seus filhos – disse Tess, a mão distraída acariciando o ventre distendido. – Mulheres como nós ao redor desta mesa.

O choque e o horror contraíram o íntimo de Jenna.

– Está dizendo que eu...

– Não – disse Tess, balançando a cabeça. – Você é mortal, não é uma Companheira de Raça. O seu hemograma é normal e você não tem a marca que o resto de nós tem.

Ante a confusão estampada no rosto dela, Tess mostrou a mão, que trazia uma marca rubra entre o polegar e o indicador. Era uma minúscula lua crescente com o que parecia uma gota de lágrima caindo em seu centro.

– Todas vocês têm essa tatuagem?

– Não é uma tatuagem – disse Alex. – É uma marca de nascença, Jenna. Todas as Companheiras de Raça têm uma em algum lugar do corpo. A minha está no quadril.

– Não existem muitas de nós no mundo – explicou Savannah. – A Raça considera as Companheiras de Sangue sagradas, mas Dragos não. Ele vem juntando essas mulheres há anos, mantendo-as em cativeiro; deduzimos que com o único propósito de gerarem os assassinos de Primeira Geração. Muitas delas foram mortas, seja por Dragos ou pelo Antigo.

– Como sabem disso? – Jenna perguntou, horrorizada pelo que ouvia.

Na outra ponta da mesa, Dylan pigarreou.

– Eu as vi. As mortas, quero dizer.

A parte policial de Jenna ficou alerta.

– Se vocês têm cadáveres, então têm provas e motivo para entregar esse cretino, Dragos, para as autoridades.

Dylan meneava a cabeça.

– Não vi os corpos. Vi as mortas. Elas... aparecem às vezes. Às vezes falam comigo.

Jenna não sabia se gargalhava ou se deixava a cabeça cair, derrotada.

– Você vê pessoas mortas?

– Toda Companheira de Raça tem uma habilidade ou talento próprio que a torna peculiar de algum modo – explicou Tess. – Para Dylan, é esse dom de se conectar com as outras Companheiras de Raça que já morreram.

Renata se inclinou para a frente, apoiando os antebraços na mesa.

– Através do dom de Dylan, sabemos com certeza que Dragos é o responsável pela morte de inúmeras Companheiras de Raça. E por meio de outra amiga da Ordem, Claire Reichen, cujo talento nos levou a localizar a base de operações de Dragos há alguns meses, sabemos que ele ainda mantém muitas mais. Desde então, a operação de Dragos se escondeu no submundo. Agora a principal missão da Ordem, além de acabar com o maldito o mais rápido possível, é encontrar o quartel-general dele e libertar as suas vítimas.

– Temos ajudado como podemos, mas é muito difícil localizar um alvo móvel – disse Dylan. – Podemos procurar os relatórios das pessoas desaparecidas, procurando por rostos que eu reconheça. E, durante o dia, vasculhamos abrigos para mulheres, orfanatos, albergues... qualquer lugar que possa nos levar às jovens desaparecidas.

Renata assentiu.

– Particularmente aquelas com habilidades extrassensoriais ou outras competências que possam indicar uma Companheira de Raça em potencial.

– Fazemos o que podemos – disse Gabrielle. – Mas ainda não tivemos muita sorte. É como se estivesse nos faltando a chave para desvendar tudo isso e, até a encontrarmos, parece que só ficamos dando voltas.

– Ei, espere um instante – disse Jenna, seu lado policial enferrujado compreendendo a frustração de seguir pistas infrutíferas. – A persistência costuma ser o melhor aliado de um investigador.

– Pelo menos não temos mais que nos preocupar com o Antigo – disse Savannah. – Essa é uma batalha a menos para enfrentar.

Ao redor da mesa de café da manhã, um coro de vozes concordantes ecoou essa declaração.

– Por que o Antigo deixou que você vivesse, Jenna?

A pergunta foi feita por Elise, uma loira baixinha de cabelos curtos do outro lado de Tess. A discreta do grupo, que se parecia com uma flor delicada, mas com um olhar franco e decidido de uma guerreira. Ela, provavelmente, devia precisar dessa força interior, levando-se em consideração a companhia que ela e as demais mulheres naquele complexo tinham.

Jenna baixou o olhar para o prato e refletiu sobre sua resposta. Demorou um tempo para encontrar as palavras.

– Ele me fez escolher.

– O que quer dizer com isso? – disse Savannah, com a testa se franzindo numa pergunta.

O que você decide, Jenna Tucker-Darrow?

Vida... ou morte?

Jenna sentiu todos os olhos cravados nela naquele silêncio. Forçando-se a enfrentar as perguntas não proferidas que pairavam no ar, ela ergueu o olhar. Empinou o queixo e falou sucinta e rapidamente:

– Eu queria morrer. É o que eu teria preferido, ainda mais naquele momento. Ele sabia disso, tenho certeza. Mas, por algum motivo, pareceu querer brincar comigo, então me fez decidir se eu queria ou não morrer naquela noite.

– Puxa, Jen, que horrível... – A voz de Alex se mostrou emocionada. Seu braço a envolveu pelos ombros num gesto de amparo. – Filho da puta cruel.

– Então – continuou Elise –, você disse ao Antigo que a deixasse viver e ele concordou... Simples assim?

Lembrando o momento com vívida clareza agora, Jenna balançou a cabeça com vigor.

– Eu lhe disse que queria viver, e a última coisa de que lembro é dele fazendo um corte no braço e retirando aquela coisa, aquela coisa minúscula que só Deus sabe o que é, e que agora está dentro de mim.

Ela sentiu, mais do que viu, a sutil troca de olhares ao redor da mesa.

– Acham que isso tem alguma significância? – perguntou, dirigindo a pergunta ao grupo como um todo. Tentou abafar a pontada repentina de medo que reverberou em seu peito. – Acham que o fato de ele ter colocado aquela coisa dentro de mim tem alguma importância em eu viver ou morrer?

Alex segurou a mão dela num gesto tranquilizador, mas foi Tess quem falou antes das outras.

– Talvez Gideon possa fazer outros testes para nos ajudar a descobrir isso.

Jenna engoliu em seco, depois assentiu.

Seu prato de comida permaneceu intocado pelo restante da refeição.

Num canto escurecido de um quarto num hotel luxuoso em Boston, onde cortinas pesadas impediam a passagem do menor dos raios solares da manhã, o macho da Raça chamado Dragos estava acomodado numa poltrona acolchoada em seda e tamborilava as unhas da mão na mesinha lateral de mogno. Atrasos o deixavam impaciente, e a impaciência o tornava letal.

– Se ele não chegar nos próximos sessenta segundos, um de vocês terá que matá-lo – disse para o par de assassinos de Primeira Geração que o flanqueavam como Cérberos musculosos de dois metros de altura.

Assim que terminou de falar, no corredor do lado de fora da suíte presidencial, o elevador privativo emitiu uma campainha eletrônica, anunciando a chegada do convidado. Dragos não se moveu de seu canto no quarto, aguardando em silêncio irritado enquanto outro dos seus guardas pessoais criados acompanhava o macho da Raça civil – um tenente na operação secreta de Dragos – até a suíte para a sua reunião particular.

O vampiro teve o bom senso de inclinar a cabeça no instante em que seu olhar recaiu sobre Dragos.

– Mil perdões por mantê-lo esperando, senhor. A cidade está tomada pelos humanos. Pessoas fazendo compras de Natal e turistas – disse ele, o desdém revelado em cada uma das sílabas bem pronunciadas. Tirou as luvas e as colocou nos bolsos do casaco de caxemira. – O meu motorista teve que dar uma dúzia de voltas no hotel antes de conseguirmos nos aproximar da entrada de serviço no andar subterrâneo.

Dragos continuou tamborilando os dedos na mesinha.

– Algo errado com a entrada principal?

Seu tenente, pertencente à segunda geração da Raça, assim como Dragos, empalideceu visivelmente.

– Estamos em pleno dia, senhor. Com toda essa claridade, eu me incineraria em questão de minutos.

Dragos apenas o fitou, nem um pouco incomodado. Também não estava satisfeito com o local inconveniente daquele encontro. Preferiria muito mais o conforto e a segurança da sua residência. Mas isso já não era mais possível. Não depois que a Ordem interferiu em sua operação e o obrigou a buscar refúgio.

Temendo ser descoberto, ele não permitia mais que qualquer um dos seus associados civis soubesse onde seu quartel-general ficava. Como precaução adicional, nenhum deles conhecia a localização das suas propriedades nem da sua equipe. Ele não podia correr o risco de que seus tenentes caíssem no poder da Ordem e o acabassem comprometendo na esperança de que Lucan os poupasse de sua ira.

Só de pensar em Lucan Thorne e nos seus guerreiros, ele ficava com um gosto amargo na boca. Tudo pelo que tanto trabalhara, sua visão de um futuro no qual mal conseguia esperar para pôr as mãos, fora estragado pelas ações da Ordem. Eles o forçaram a bater em retirada. Forçaram-no a destruir o nervo central da sua operação – um superlaboratório de pesquisa científica que lhe custara centenas de dólares e muitas décadas para aperfeiçoar.

Tudo isso desaparecido agora, nada além de cinzas e escombros no meio de uma floresta em Connecticut.

Agora o poder e os privilégios a que Dragos estava acostumado por séculos foram substituídos por esconderijos nas sombras e olhadelas constantes por sobre o ombro para se certificar de que o inimigo não se aproximava. A Ordem o obrigara a fugir e se esconder como um coelho desesperado para se evadir da armadilha do caçador, e ele não gostava nem um pouco disso.

O último incômodo acontecera no Alasca, com a fuga do Antigo, o seu instrumento mais valioso e insubstituível na busca pela derradeira dominação. Já fora bastante ruim que o Antigo tivesse escapado durante seu transporte em seu novo tanque de contenção. Mas o desastre só piorou quando a Ordem não só conseguiu encontrar o laboratório no Alasca como também o fugitivo alienígena.

Dragos perdera essas duas peças fundamentais para os malditos. Não pretendia perder mais nada.

– Quero ouvir boas notícias – disse ao tenente, dardejando o macho por debaixo das sobrancelhas unidas. – Como tem progredido com a sua missão?

– Tudo está a postos, senhor. Esta semana, o alvo e sua família imediata acabaram de regressar aos Estados Unidos das suas férias no exterior.

Dragos grunhiu em concordância. O alvo em questão era um ancião da Raça, com quase mil anos de existência, um da Primeira Geração, de fato, motivo pelo qual Dragos o tinha em mira. Além de querer que Lucan Thorne e seu bando de guerreiros ficassem sem trabalho, Dragos também retornara aos objetivos da sua missão inicial: a extinção sistemática e total de cada um dos Primeira Geração da Raça naquele planeta.

O fato de Lucan e outro membro fundador da Ordem serem Primeira Geração só tornava seu objetivo mais doce. E ainda mais imperativo. Ao acabar com todos os Primeira Geração, exceto seus assassinos criados e treinados para servi-lo inquestionavelmente, Dragos e os outros membros da segunda geração da Raça se tornariam, por consequência, os vampiros mais importantes da atualidade.

E se, ou melhor, quando se cansasse de partilhar o futuro que ele sozinho entreviu e garantiu que acontecesse, então ordenaria ao seu exército pessoal de assassinos que dizimasse cada um dos seus contemporâneos da segunda geração também.

Sentado num silêncio contemplativo e aborrecido, ouvia enquanto seu tenente se apressava em rever os detalhes do plano que o próprio Dragos idealizou poucos dias antes. Passo a passo, tática a tática, o outro macho da Raça discorreu sobre tudo, garantindo-lhe que nada seria deixado ao acaso.

– O Primeira Geração e sua família estão sendo observados em período integral desde que voltaram para casa – disse o tenente. – Estamos prontos para disparar o gatilho dessa operação ao seu comando, senhor.

Dragos inclinou a cabeça num vago assentimento.

– Faça acontecer.

– Sim, senhor.

A mesura profunda e sua retirada foram quase tão agradáveis quanto a noção de que aquele golpe pendente deixaria absolutamente claro para a Ordem que ele podia ter sido atingido, mas estava longe de ser abatido.

Na verdade, sua presença no elegante hotel em Boston, e uma das importantes reuniões de apresentação que levaram semanas para serem arranjadas entre ele e um punhado de humanos influentes escolhidos a dedo, solidificaria a posição de Dragos em sua ascensão para a glória final. Ele praticamente já sentia o gosto do sucesso.

– Ah, mais uma coisa – Dragos chamou seu associado que partia.

– Sim, senhor.

– Se fracassar – disse ele de maneira agradável –, esteja preparado para que eu lhe sirva seu próprio coração.

O rosto do macho empalideceu, ficando branco como o carpete que cobria o piso tal qual neve fresca.

– Não fracassarei, senhor.

Dragos sorriu, expondo tanto os dentes quanto as presas.

– Certifique-se de que isso não aconteça.


Capítulo 9

Depois da bagunça carregada de morte da noite anterior na cidade, Brock considerou um triunfo pessoal que tivesse conseguido evitar Jenna em grande parte do dia após o seu retorno ao complexo.

Depois de ter descartado os dois corpos nas águas gélidas do rio Mystic, ficou sozinho até quase o amanhecer, tentando se libertar da fúria que parecia acompanhá-lo aquela noite.

Mesmo após estar no quartel-general da Ordem por algumas horas pela manhã, a raiva injustificada, e completamente indesejável, que o possuía ao pensar numa mulher inocente se deparando com o perigo fazia com que seus músculos vibrassem com uma necessidade de violência. Algumas boas horas de treino suado com as armas ajudaram a aplacar um pouco desse sentimento. Bem como o banho escaldante de quarenta minutos com o qual se castigara após o treino.

Ele até poderia achar que se sentia bem, com a cabeça no lugar de novo, se não fosse pelos golpes certeiros que Gideon lançara não muito tempo depois.

O primeiro foi a notícia de que Jenna descera depois do café da manhã com as outras mulheres do complexo e lhe pedira para fazer mais exames de sangue e de tecido. Ela havia se lembrado de algo a respeito do tempo passado com o Antigo, algo que Gideon dissera que havia deixado a fêmea valente bem atormentada.

O segundo golpe foi dado quase imediatamente depois que os primeiros resultados dos exames surgiram.

O sangue e o DNA de Jenna haviam mudado significativamente desde a última vez que Gideon os analisara.

No dia anterior, os resultados foram normais. Hoje, tudo estava alterado.

– Não podemos nos precipitar em conclusões. Não importa o que esses resultados possam indicar – disse, por fim, Lucan, em seu tom grave e sério.

– Talvez devamos fazer mais exames – sugeriu Tess, a única fêmea no laboratório de tecnologia no momento. Ela levantou o olhar dos resultados perturbadores para encarar Lucan, Brock e o restante da Ordem, que fora convocada ali para revisar os achados de Gideon. – Devo ir buscar Jenna e levá-la para a enfermaria para mais exames?

– Você até pode fazer isso – disse Gideon –, mas fazer outros exames não vai mudar nada. – Ele tirou os óculos de lentes azul-claras, jogando-os na mesa de acrílico diante dele. Pinçando o alto do nariz, balançou a cabeça de leve. – Esse tipo de mutação de DNA e a reprodução celular massiva simplesmente não acontecem. Os corpos humanos não são avançados o bastante para lidar com as exigências que mudanças dessa significância provocariam em seus órgãos e artérias, sem falar no impacto que algo assim teria no sistema nervoso central.

Com os braços cruzados diante do peito, Brock se recostou na parede ao lado de Kade, Dante e Rio. Não disse nada, esforçando-se para entender tudo o que via e ouvia. Lucan tinha aconselhado que ninguém se precipitasse em conclusões, mas era excessivamente difícil não fazer isso agora, com o futuro bem-estar de Jenna em jogo.

– Não entendo – disse Nikolai do outro lado do laboratório, onde estava sentado à mesa, junto com Tegan e Hunter. – Por que agora? Isto é, se tudo estava normal antes, por que a súbita mutação no sangue e no DNA?

Gideon deu de ombros.

– Pode ser porque até ontem ela esteve num sono profundo, quase em coma. Soubemos que sua força muscular tinha aumentado assim que despertou. Brock testemunhou isso em primeira mão, e nós também, quando Jenna fugiu do complexo. As mudanças celulares que estamos vendo agora podem ter sido uma reação retardada ao seu despertar. Estar consciente e alerta pode ter agido como algum tipo de disparador dentro de seu corpo.

– Ontem à noite ela foi alvejada – acrescentou Brock, refreando o rugido raivoso que lhe constringia a garganta. – Isso pode estar relacionado com o que vemos no sangue dela agora?

– Talvez – disse Gideon. – Tudo é possível, imagino. Isso não é nada que eu, nem ninguém nesta sala, já tenha visto antes.

– Pois é – concordou Brock. – Simplesmente uma maravilha.

No fundo da sala, com os coturnos apoiados na mesa de reuniões enquanto inclinava a cadeira para trás, Sterling Chase pigarreou.

– Levando tudo em consideração, talvez não seja uma boa ideia dar tanta liberdade a essa mulher aqui no complexo. Ela é um grande ponto de interrogação no momento. Por tudo o que sabemos, pode muito bem ser algum tipo de bomba prestes a explodir.

Por um longo instante, ninguém disse nada. Brock odiou esse silêncio. Odiou Chase por exprimir algo que nenhum dos guerreiros quis considerar.

– O que sugere? – perguntou Lucan, lançando um olhar sério para o macho que passara décadas como parte da Agência de Policiamento antes de se juntar à Ordem.

Chase arqueou as sobrancelhas loiras.

– Se dependesse de mim, eu a retiraria do complexo o mais rápido possível. Trancaria-na em algum lugar seguro, bem longe das nossas operações, pelo menos até termos a oportunidade de deter Dragos de uma vez por todas.

O grunhido de Brock surgiu na garganta, carregado de animosidade.

– Jenna fica aqui.

Gideon recolocou os óculos e assentiu na direção de Brock.

– Concordo. Eu não me sentiria à vontade em tirá-la daqui agora. Gostaria de observá-la, para entender melhor o que está acontecendo com ela a nível celular e neurológico, no mínimo.

– Façam como quiserem – disse Chase. – Mas isso será o funeral de todos nós se você estiver errado.

– Ela fica – disse Brock, estreitando o olhar para o outro lado da mesa, que perfurou o ex-agente que sorria.

– Você está todo animado com essa humana desde o segundo em que a viu – observou Chase, o tom leve, mas com a expressão carregada de desafio. – Tem algo a provar, amigo? O que foi... você é um daqueles tolos loucos por uma dama em apuros? O santo padroeiro das causas perdidas. Essa é a sua?

Brock voou por cima da mesa num único salto. Poderia ter acabado com as mãos no pescoço de Chase, mas o vampiro previu o seu ataque e se moveu com a mesma velocidade. A cadeira caiu para trás e, em meio segundo, os dois machos grandes estavam cara a cara, travados numa batalha que nenhum deles poderia vencer.

Brock sentiu mãos fortes afastando-o do confronto, Kade e Tegan, chegando ali antes que ele conseguisse desferir o soco que Chase merecia. E atrás de Chase estavam Lucan e Hunter, os dois e os demais prontos a pôr panos quentes na situação caso um dos machos resolvesse agir.

Encarando Chase com raiva, Brock se permitiu ser afastado, mas só isso. Pelo que não foi a primeira vez, refletiu sobre a natureza antagônica e agressiva de Sterling Chase, e pensou no que fazia com que o de outro modo habilidoso e fantástico guerreiro fosse tão volátil.

Se a Ordem tinha uma bomba acionada com que se preocupar em seu meio, Brock ficou pensando se não estava olhando para ela naquele mesmo instante.

– Por que diabos isso está demorando tanto?

Jenna não tinha percebido que dera vazão à sua preocupação em voz alta até sentir a mão de Alex.

– Gideon disse que queria fazer outros testes na sua amostra. Tenho certeza de que logo vamos ter notícias.

Jenna bufou um suspiro. De bengala na mão, mesmo sentindo apenas uma necessidade mínima de se apoiar nela, levantou-se do sofá no qual estivera sentada e claudicou até o outro lado da sala de estar do apartamento. Fora levada até ali por Alex e Tess depois que colheram a amostra do seu sangue na enfermaria poucas horas atrás, dizendo-lhe que lhe tinham dado o uso daquele espaço pela duração da sua estada no complexo.

Aquela suíte era uma melhora e tanto em relação ao quarto da enfermaria. Espaçosa e confortável, com mobília grande de couro e mesinhas de madeira escura meticulosamente polidas, não entulhadas de tranqueiras. Estantes altas de madeira perfiladas com livros clássicos, de filosofia e história à altura de uma biblioteca. Livros provocativos e sérios que pareciam em contraste com uma prateleira muito bem organizada – caramba, em ordem alfabética – de livros de ficção populares bem ao lado.

Jenna deixou seu olhar passar pelas prateleiras de títulos e autores, necessitando de uma distração momentânea para impedir que pensasse demais no que poderia estar provocando tanta demora para ouvir as respostas de Gideon e dos outros.

– Faz mais de uma hora que Tess está lá – observou, tirando um livro qualquer sobre cantoras de jazz de sua posição na seção de história. Folheou as páginas, mais para dar algo paras as suas mãos fazerem do que por algum interesse real pelo livro.

Enquanto passava pelo capítulo sobre a era dos clubes de jazz dos anos 1920, uma fotografia amarelada escorregou. Jenna a apanhou antes que caísse no chão. O rosto sorridente de uma mulher jovem num vestido de seda cintilante e pele brilhante a fitava da imagem. Com olhos grandes e amendoados e tez de porcelana que parecia reluzir em contraste com os cabelos negros longos, ela era linda e exótica, ainda mais no cenário do clube de jazz ao fundo.

Com sua própria vida num espiral de confusão e preocupação, Jenna sentiu-se perplexa por um momento pelo júbilo evidente no sorriso amplo da jovem. Era uma alegria tão patente, franca, que quase sentiu uma dor física ao vê-la. Ela também já vivenciara esse tipo de felicidade, não? Deus, quanto tempo se passara desde que sentira ainda que metade da vivacidade daquela jovem da fotografia?

Brava com essa sensação de autopiedade, Jenna guardou a fotografia no livro, que devolveu ao seu lugar na prateleira.

– Não aguento mais. Isso está me deixando louca.

– Eu sei, Jen, mas...

– Ao diabo. Não vou mais ficar aqui esperando – disse, virando-se para encarar a amiga. A ponta da bengala se chocou no tapete ao abrir caminho até a porta. – Eles já devem ter alguns resultados a esta altura. Tenho que saber o que está acontecendo. Vou lá agora mesmo.

– Jenna, espere – Alex pediu atrás dela.

Mas ela já estava no corredor, andando o mais rápido que conseguia, apesar do impedimento da bengala e da leve fisgada que trespassava sua perna a cada passo apressado.

– Jenna! – Alex a chamou, com as passadas rápidas ecoando no corredor já deserto.

Jenna prosseguiu pelos corredores de mármore branco polido. A perna começava a latejar, mas ela não se importou. Deixou a bengala de lado, que só a retardava, e faltou pouco para começar a correr na direção das vozes abafadas dos machos logo mais adiante. Ela arfava ao chegar à parede de vidro do laboratório de tecnologia, com suor sobre seus lábios e na testa provocado pela dor.

Seus olhos encontraram Brock antes de qualquer outro membro do grupo aparentemente solene. Seu rosto estava tenso, os tendões do pescoço esticados como cabos, a boca formando uma linha carrancuda, quase ameaçadora. Ele estava no fundo da sala, cercado pelos outros guerreiros, todos aparentando tensão e inquietação, ainda piores agora que ela estava ali. Gideon e Tess estavam próximos ao nicho de computadores na parte anterior do laboratório.

Todos pararam o que estavam fazendo para fitá-la.

Jenna sentiu o peso dos olhares como algo físico. Seu coração se contraiu. Obviamente, eles já tinham a análise de seu sangue. Será que os resultados eram tão horríveis assim?

Suas expressões eram inescrutáveis, todos a mantendo sob observação cautelosa, silenciosa, conforme seus passos desaceleraram diante das portas deslizantes do laboratório.

Deus, olhavam para ela como se nunca a tivessem visto antes.

Não, percebeu, ao notar que o grupo continuava imóvel, olhando para ela através da parede transparente que a separava do grupo solene do outro lado. Olhavam-na como se esperassem que já estivesse morta.

Como se ela fosse um fantasma.

Um medo horrível se instalou em seu estômago, mas ela não pretendia recuar agora.

– Deixem-me entrar – exigiu, irritada e aterrorizada. – Maldição, abram essa maldita porta e me digam o que está acontecendo!

Levantou a mão e cerrou o punho, mas antes que pudesse bater no vidro, as portas deslizaram num sibilo suave. Avançou para dentro, sendo seguida de perto por Alex.

– Podem me contar – disse Jenna, o olhar passando de um rosto silencioso a outro. Demorou-se em Brock, a única pessoa naquela sala, além de Alex, por quem ela sentia alguma confiança. – Por favor... Preciso saber o que descobriram.

– Ocorreram algumas mudanças no seu sangue – disse ele, a voz grave impossivelmente baixa. Gentil demais. – E no seu DNA também.

– Mudanças. – Jenna engoliu em seco. – Que tipo de mudanças?

– Anomalias – Gideon interviu. Quando ela virou a cabeça na direção dele, ficou surpresa pela preocupação no olhar do guerreiro. Ele falava com cautela, parecendo demais com um médico retardando o pior tipo de notícia a dar ao seu paciente. – Descobrimos uma reprodução celular estranha, Jenna. Mutações que estão sendo passadas ao seu DNA e que se multiplicam a uma velocidade excessiva. Essas mutações não estavam presentes na última análise que efetuamos no seu sangue.

Ela balançou a cabeça, tanto pela confusão quanto como um reflexo de negação ao que pensava estar ouvindo.

– Não estou entendendo. Está se referindo a algum tipo de doença? Aquela criatura me infectou com alguma coisa quando me mordeu?

– Nada disso – disse Gideon, lançando um olhar ansioso para Lucan. – Bem, não exatamente.

– Então, o que, exatamente? – ela exigiu saber. A resposta surgiu meio segundo mais tarde. – Ai, meu Deus. Esta coisa na minha nuca... – Ela pôs a mão sobre o ponto em que o Antigo havia inserido o material não identificado do tamanho de um grânulo. – Esta coisa que ele colocou dentro de mim está provocando as mudanças. É isso, não é?

Gideon assentiu de leve.

– É biotecnologia de algum tipo, nada que a Raça ou a espécie humana tenha capacidade de criar. Pelas radiografias mais recentes de hoje, parece que o implante está se integrando à sua medula espinhal num ritmo muito acelerado.

– Tire isso.

Uma rodada de olhares preocupados passou pelo grupo de machos grandes. Mesmo Tess parecia pouco à vontade, sem conseguir sustentar o olhar de Jenna.

– Não é tão simples assim – Gideon respondeu, por fim. – Talvez você deva ver as imagens por si só.

Antes que ela conseguisse pensar se queria ou não ver as provas daquilo que lhe estava sendo dito, a imagem do seu crânio e coluna piscou na tela plana afixada numa parede diante dela. Num segundo, Jenna notou o nauseante objeto do tamanho de um grão de arroz que brilhava no centro da sua primeira vértebra. Os tentáculos que estiveram presentes no dia anterior eram mais numerosos naquela nova imagem.

Muito mais do que centenas a mais, cada tênue feixe entrando – inextricavelmente – ao redor e através da sua medula óssea.

Gideon pigarreou.

– Como disse, o objeto aparentemente é formado por uma combinação de material genético e alta tecnologia avançada. Nunca vi nada assim antes, tampouco consegui encontrar algum tipo de pesquisa científica humana que se assemelhasse minimamente a isso. Considerando-se as transformações biológicas que temos observado em seu DNA e em seu sangue, parece ser a fonte do material genético do próprio Antigo.

O que significava que parte daquela criatura estava dentro dela. Vivendo ali. Vicejando.

A pulsação de Jenna ecoava em seu peito. Ela sentia o fluxo sanguíneo acelerado nas veias, células alteradas que ela imaginava abrindo caminho em seu corpo a cada batida do coração, multiplicando-se, crescendo, devorando-a por dentro.

– Arranquem isso de mim – disse ela, a voz se elevando por causa da angústia. – Tirem essa maldita coisa de dentro de mim ou eu mesma tiro!

Com as duas mãos, ela começou a arranhar a nuca, o desespero fazendo-a agir como louca.

Ela nem percebeu Brock se movendo da sua posição do outro lado do laboratório, mas, em menos de um instante, ele estava bem ao seu lado, as mãos grandes envolvendo-a com os dedos. Os olhos castanhos prenderam-na pelo olhar e não a soltaram.

– Relaxe agora – disse ele, num sussurro gentil, porém com firmeza tirou-lhe as mãos da nuca e segurou-as entre as suas. – Respire, Jenna.

Com os pulmões contraídos, ela emitiu um soluço.

– Solte-me. Por favor, deixem-me em paz, todos vocês.

Ela se afastou e tentou ir embora, mas a pulsação pesada e o tinir em seus ouvidos fez a sala girar ao seu redor com violência. Uma onda obscura de náusea a acometeu, envolvendo-a numa névoa densa e atordoante.

– Te peguei – a voz tranquilizadora de Brock murmurou junto ao seu ouvido.

Ela sentiu os pés deixarem o chão e, pela segunda vez em poucos dias, viu-se amparada pela segurança dos braços dele.


Capítulo 10

Ele não deu explicações para o que estava fazendo ou para onde a estava levando. Apenas saiu do laboratório de tecnologia e a carregou pelo mesmo corredor pelo qual ela viera minutos antes com Alex.

– Solte-me – exigiu Jenna, os sentidos ainda confusos, tinindo a cada longa passada das pernas de Brock. Mudou de posição nos braços dele, tentando ignorar como até mesmo o menor dos movimentos fazia sua cabeça girar e seu estômago revirar. A cabeça pendeu sobre o antebraço forte, um gemido de dor escapando. – Eu disse para me colocar no chão, inferno.

Ele grunhiu enquanto continuava a caminhar.

– Eu ouvi na primeira vez.

Ela fechou os olhos, só porque estava difícil demais mantê-los abertos e ver o teto do corredor se contorcer e girar logo acima enquanto Brock a carregava complexo adentro. Diminuiu o ritmo a certa altura, depois virou, e Jenna abriu os olhos, vendo que ele a levara de volta à suíte que agora era seu quarto.

– Por favor, me ponha no chão – murmurou, a língua grossa, a garganta seca. O latejar por trás dos olhos se tornara uma pulsar firme, o tinido nos ouvidos um lamento agudo que parecia partir seu crânio ao meio. – Deus – arfou, sem conseguir disfarçar a agonia. – Está doendo muito...

– Ok – disse Brock baixinho. – Tudo vai ficar bem agora.

– Não, não vai. – Ela choramingou, humilhada pelo som da sua fraqueza, e pelo fato de que Brock a estava vendo assim. – O que está acontecendo comigo? O que ele fez comigo?

– Isso não importa agora – sussurrou Brock, a voz grave mostrando-se contraída. Uniforme demais para ser confiável. – Primeiro, vamos fazer você superar isto.

Atravessou o quarto com ela e se ajoelhou para acomodá-la no sofá. Jenna se recostou e deixou que ele lhe endireitasse as pernas, não tão perdida no desconforto e na preocupação para deixar de notar o carinho das mãos fortes daquele homem, que, provavelmente, seriam capazes de extrair a vida de alguém com pouco mais do que uma contorção.

– Relaxe – disse ele, as mãos fortes e carinhosas afagando seu rosto, os olhos escuros incitando-a a sustentar seu olhar. – Apenas relaxe e respire, Jenna. Consegue fazer isso por mim?

Ela se acalmou um pouco de pronto, relaxando ao som do seu nome nos lábios dele, o resvalar quente dos dedos que desciam pelo rosto e pelo maxilar e, depois, pela lateral do pescoço. As lufadas curtas de ar que entravam e saíam dos seus pulmões começaram a se acalmar, enquanto Brock amparava a nuca com uma mão e deslizava a outra palma num indo e vindo lento sobre o peito dela.

– Isso mesmo – murmurou, o olhar preso ao dela, intenso e, ainda assim, inacreditavelmente carinhoso. – Solte toda a dor e relaxe. Você está segura, Jenna. Pode confiar em mim.

Ela não sabia por que essas palavras deveriam afetá-la como a afetaram. Talvez a dor a tivesse enfraquecido. Talvez fosse o medo do desconhecido, o abismo da incerteza que subitamente se tornara a sua realidade desde aquela noite gélida e horrenda no Alasca.

E talvez fosse pelo simples fato de que fazia muito tempo, quatro solitários anos, desde que ela sentira a carícia cálida de um homem, mesmo que apenas para oferecer consolo.

Quatro anos vazios desde que se convencera de que não precisava de nenhum contato afetuoso ou intimidade. Quatro anos infindáveis desde que se lembrava do como era se sentir uma mulher de carne e osso, como se fosse desejada. Como se pudesse, um dia, ser capaz de abrir o coração para algo mais.

Jenna fechou os olhos quando lágrimas começaram a arder. Afastou a onda de emoção que surgiu inesperadamente e, em vez disso, concentrou-se nas pontas dos dedos quentes e reconfortantes de Brock em sua pele. Deixou que sua voz a acalentasse, sentindo suas palavras e seu toque trabalharem juntos para ajudá-la a superar a angústia do estranho trauma que parecia estar despedaçando-a de dentro para fora.

– Isso é bom, Jenna. Apenas respire agora.

Ela sentiu a garra de dor em seu crânio relaxar enquanto ele lhe falava. Brock acariciou suas têmporas com os polegares, os dedos esticados em seus cabelos, amparando sua cabeça de maneira reconfortante. O tinir agudo em seus ouvidos começou a diminuir, a desaparecer, até, por fim, sumir de vez.

– Você está indo muito bem – murmurou Brock, a voz mais sombria do que antes, um pouco mais do que um grunhido. – Solte tudo, Jenna. Dê o resto para mim.

Ela exalou um suspiro profundo, sem conseguir mantê-lo dentro de si enquanto Brock a afagava no rosto e no pescoço. Ela gemeu, abraçando o prazer que lentamente devorava sua agonia.

– Isso é bom – sussurrou, sem poder resistir ao desejo de se aproximar do seu toque. – A dor já não é tão forte agora.

– Isso é muito bom, Jenna. – Ele inspirou, parecendo mais um arquejo, depois exalou um gemido. – Liberte-se de tudo.

Jenna sentiu um tremor vibrar por seus dedos enquanto ele falava. As pálpebras se abriram e ela arfou ao vê-lo tão tenso.

Os tendões do pescoço estavam retesados, a mandíbula travada com tanta força que era um milagre que seus dentes não tivessem trincado. Um músculo latejava no rosto delgado. Gotas de suor se formavam na testa e sobre os lábios.

Ele estava com dor.

Uma dor impossível, assim como ela estivera há minutos, antes que seu toque parecesse afastar a agonia.

Foi então que ela entendeu.

Ele não estava simplesmente acalmando-a com as mãos. Ele estava, de alguma forma, tirando a dor dela. Canalizando-a, de propósito, para si.

Ofendida com a ideia, porém ainda mais envergonhada por ter se deixado permanecer ali deitada, imaginando que a carícia dele fosse algo mais do que pura piedade, Jenna se retraiu do seu toque e se pôs sentada num canto do sofá. Respirou fundo de ultraje ao fitar os olhos escuros que reluziam fachos de luz âmbar.

– Que diabos pensa que está fazendo? – arfou, pondo-se de pé.

O músculo que estivera latejando em seu maxilar se retesou quando ele se levantou para enfrentá-la.

– Ajudando você.

Imagens tomaram conta da sua mente em um instante: repentinas lembranças vívidas dos momentos posteriores ao seu cativeiro com a criatura que invadira o seu chalé no Alasca.

Naquele momento, ela também sentira dores. Estivera aterrorizada e em estado de choque, tão devastada de horror e confusão que achou que acabaria morrendo.

E se lembrou das mãos delicadas e cálidas que a confortaram. O rosto de um belo desconhecido sério que entrara em sua vida como um anjo negro e a manteve a salvo, protegida e tranquila, quando tudo em seu mundo fora transformado em caos.

– Você esteve lá – murmurou, atônita por perceber só então. – No Alasca, depois que o Antigo sumiu. Você ficou comigo. Também tirou minha dor naquela hora. E mais tarde, depois que fui trazida para o complexo. Meu Deus... Você ficou comigo o tempo todo em que estive na enfermaria? Os olhos dele permaneceram fixos nos dela, sombrios, inescrutáveis.

– Eu era o único que podia ajudar você.

– Quem te pediu isso? – exigiu saber, num tom sabidamente áspero, mas desesperada por expurgar o calor que ainda trafegava dentro dela, indesejado e espontâneo.

Já era ruim que ele achasse necessário acalentá-la como se ela fosse algum tipo de criança em sua provação prolongada. E ainda pior que ele parecesse pensar ser necessário repetir isso agora também. Maldita fosse se permitisse que ele pensasse, por um segundo sequer, que ela, de fato, desejara seu toque.

Com a expressão ainda carregada pelo que lhe fizera instantes antes, ele meneou a cabeça e imprecou.

– Para uma mulher que não quer a ajuda de ninguém, você bem que parece precisar muito.

Ela mal resistiu à tentação de lhe dizer onde ele podia enfiar sua compaixão.

– Sei cuidar de mim sozinha.

– Como cuidou ontem à noite na cidade? – ele a desafiou. – Como fez há poucos minutos no laboratório, pouco antes que os meus braços fossem a única coisa entre o seu traseiro teimoso e o chão?

A humilhação queimou seu rosto tal qual um tapa.

– Sabe de uma coisa? Faça-nos um favor e não me faça mais favor algum!

Ela se virou para se afastar dele, seguindo para a porta ainda aberta para o corredor. Cada passo miraculosamente sem dor só aumentava sua raiva de Brock, deixando-a ainda mais determinada a colocar o máximo possível de distância entre eles.

Antes que conseguisse se aproximar da soleira, ele se postou diante dela, bloqueando-lhe o caminho, mesmo que ela não tivesse visto ou ouvido ele se mover.

Parou. Encarou-o, atordoada por sua evidente velocidade sobrenatural.

– Saia da minha frente – disse, tentando passar por ele.

Ele deu um passo para o lado, colocando o corpo imenso diretamente diante do dela. A intensidade do seu olhar revelou que ele queria lhe dizer algo mais, mas Jenna não queria ouvir. Precisava ficar sozinha.

Precisava de espaço para pensar sobre tudo o que lhe acontecera... Tudo que ainda estava acontecendo, ficando cada vez mais assustador ao mesmo tempo.

– Saia da frente – disse ela, odiando o leve tremor em sua voz.

Brock lentamente levantou a mão e afastou uma mecha de cabelo da testa dela. Foi um gesto meigo, uma afabilidade que ela tanto precisava, mas que tinha medo de aceitar.

– Você está no nosso mundo agora, Jenna. Quer queira admitir ou não, precisa de ajuda.

Ela observou-lhe a boca enquanto ele falava, desejando não se sentir tão atenta aos lábios cheios e sensuais. Ele ainda estava suportando a sua dor; podia saber pelo ligeiro inflar nas narinas enquanto ele inspirava e expirava de modo controlado. Tampouco a tensão do belo rosto e do pescoço forte se desfizera.

Durante toda a sua vida, ela se esforçou para provar seu valor, primeiro para o pai e para o irmão, Zach, sendo que ambos deixaram claro que duvidavam que ela tivesse o necessário para fazer parte da força policial. Mais tarde, esforçou-se para ser uma mãe e esposa perfeitas. A vida toda fora estruturada numa fundação de força, disciplina e competência.

De maneira inacreditável, enquanto ficava ali diante de Brock, não foi o fato de ele ser algo mais que humano – algo perigoso e alienígena – que fez com que ela quisesse que o chão se abrisse e a engolisse. Foi o medo de que ele pudesse enxergar através da casca de raiva que ela usava como uma armadura, vendo-a como o fracasso solitário e amedrontado que ela, de fato, era.

Brock balançou de leve a cabeça em sua direção enquanto o silêncio se estendia entre eles. Os olhos perscrutaram seu rosto por inteiro antes de se deterem sobre o seu olhar.

– Existem coisas piores do que precisar se apoiar em alguém de vez em quando, Jenna.

– Maldição! Eu disse para sair da minha frente! – Ela pousou as palmas sobre o peito largo e o empurrou com toda a raiva e medo que havia dentro dela.

Brock foi lançado para trás, quase se chocando com a parede oposta do corredor.

Jenna arquejou, assustada e surpresa com o que acabara de fazer.

Horrorizada.

Brock era muito forte, com quase dois metros de altura e mais de cem quilos de músculo e força. Alguém muito mais forte do que ela. Alguém muito mais poderoso do que qualquer outra pessoa que já tivesse conhecido.

As sobrancelhas dele se ergueram em sinal de surpresa.

– Jesus Cristo – murmurou, com muito mais admiração do que raiva na voz.

Jenna suspendeu as mãos diante de si e fitou-as como se elas pertencessem a outra pessoa.

– Ai, meu Deus... Como eu... O que aconteceu?

– Está tudo bem – garantiu ele, voltando para perto dela com aquela enlouquecedora tranquilidade.

– Brock, desculpe. Verdade, eu não queria...

– Eu sei – disse ele, assentindo com seriedade. – Não se preocupe. Você não me machucou.

Uma bolha de histeria subiu-lhe pela garganta. Primeiro, a notícia chocante de que o implante de algum modo estava alterando seu DNA, e agora isso: uma força que não tinha como ser sua, mas, de alguma maneira, era. Relembrou sua fuga da propriedade e as estranhas habilidades linguísticas que pareceu adquirir desde que o Antigo deixara uma parte de si emaranhado em sua medula espinhal.

– Que diabos está acontecendo comigo, Brock? Quando tudo isso vai terminar?

Ele lhe segurou as mãos trêmulas entre suas palmas com firmeza.

– O que quer que esteja acontecendo, você não tem que passar por isso sozinha. Precisa entender isso.

Ela não sabia se ele falava em nome de todos no complexo ou por si só. Ela não tinha voz para pedir uma explicação. Disse a si mesma que não importava o significado das palavras dele; contudo, isso não desacelerou seu coração quando o fitou. Sob o calor dos insondáveis olhos castanhos, ela sentiu os seus piores medos se dissolverem.

Sentia-se aquecida e protegida, coisas que queria negar, mas não podia enquanto Brock a estivesse segurando pelas mãos e pelo olhar.

Ele franziu a testa após um longo momento e lentamente soltou-lhe as mãos, deixando as suas deslizarem pelos braços dela, numa carícia sensual, demorando-se o suficiente para deixar claro que aquilo não era nada menos do que íntimo. Jenna sabia disso, e via que ele também sabia.

Os olhos escuros pareceram se aprofundar, engolindo-a. Recaíram sobre sua boca e lá ficaram enquanto a respiração de Jenna saía num suspiro trêmulo.

Ela sabia que devia se afastar dele agora. Não havia motivo para permanecerem perto assim, com meros centímetros separando seus corpos. Menos ainda entre a boca dele e a dela. Só seria preciso um leve inclinar da cabeça dele ou um erguer da dela e seus lábios se encontrariam.

A pulsação de Jenna acelerou ante a ideia de beijar Brock.

Coisa que, quando ele a carregara para o quarto, estivera bem longe dos seus pensamentos. Não muito tempo atrás, quando seu medo e sua raiva a fizeram sibilar e grunhir como um animal selvagem preso numa armadilha de caçador.

Mas agora, enquanto Brock permanecia tão perto que ela sentia o calor do corpo dele irradiando para o seu, a fragrância da pele tentando-a a aproximar o rosto e inspirar seu cheiro, beijá-lo era uma necessidade secreta que pulsava dentro dela a cada batida fugidia do seu coração.

Talvez ele soubesse o que ela estava sentindo.

Talvez ele estivesse sentindo a mesma coisa.

Ele emitiu uma imprecação, depois recuou um passo, encarando-a com ardor e firmeza.

– Ah... droga... Jenna...

Quando ergueu as mãos fortes e segurou o seu rosto com delicadeza, todo o ar pareceu evaporar no quarto. Os pulmões de Jenna pareceram congelar dentro do peito, mas o coração continuava acelerado, batendo tão rapidamente que pensou que ele poderia explodir.

Esperou, num misto de terror e esperança, atônita com a necessidade que tinha de sentir a boca de Brock na sua.

A língua dele molhou os lábios, o movimento permitindo que ela tivesse um vislumbre das pontas das suas presas, reluzindo como diamantes. Ele praguejou novamente, depois se afastou um pouco, deixando uma lufada de ar frio diante dela onde o calor do seu corpo estivera apenas um segundo antes.

– Eu não deveria estar aqui – murmurou com voz espessa. – E você precisa descansar. Fique à vontade. Se não houver cobertas suficientes na cama, encontrará mais no armário do banheiro. Use tudo que precisar.

Jenna teve que se dar um chacoalhão mental para entender a conversa.

– Este... hum... Este quarto é seu?

Ele acenou de leve, já saindo para o corredor.

– Era. Agora é seu.

– Espere – Jenna o seguiu. – E quanto a você? Você tem onde ficar?

– Não se preocupe – disse ele, parando para olhá-la quando ela se apoiou na maçaneta. – Descanse um pouco, Jenna. Te vejo por aí.

O sangue ainda corria quente nas veias de Brock pouco depois, quando ele parou diante de uma das últimas suítes residenciais e bateu à porta fechada.

– Faltam ainda onze minutos para a hora que combinamos – diz a voz profunda e prática do macho da Raça do outro lado.

A porta se abriu, e Brock foi perfurado por um par de olhos dourados inescrutáveis.

– Avon chama – disse Brock à guisa de um cumprimento ao suspender a mochila de couro preta que continha todos os seus pertences pessoais retirados dos seus aposentos. – E o que quer dizer com isso, cheguei onze minutos antes? Não me diga que você vai ser um daqueles colegas de quarto certinhos que fazem tudo seguindo um cronograma. Minhas escolhas são limitadas, já que você e Chase têm os últimos quartos do complexo. E, para falar a verdade, se Harvard e eu tivermos que dividir um quarto, não sei se sobreviveremos uma semana.

Hunter nada disse enquanto Brock passava por ele e entrava no quarto. Ele o seguiu para a parte das camas, tão sorrateiro quanto um fantasma.

– Pensei que fosse outra pessoa – afirmou um tanto tardiamente.

– É mesmo? – Brock girou de frente para o estoico Primeira Geração, verdadeiramente curioso a respeito do mais recente e reservado membro da Ordem. Sem falar no fato de que estava ávido para desviar a mente dos seus pensamentos ardentes a respeito de Jenna Darrow. – A quem esperava além de mim?

– Não importa – respondeu Hunter.

– Ok. – Brock deu de ombros. – Só estou tentando bater papo, mas tudo bem.

A expressão do Primeira Geração continuou impassível, absolutamente normal. O que não era surpresa, levando-se em consideração o modo como o macho fora criado: como um dos assassinos domésticos de Dragos. Inferno, o cara nem mesmo tinha um nome. Como o restante do exército pessoal criado por Dragos a partir do Antigo, referiam-se ao Primeira Geração apenas pelo único propósito da sua vida: Hunter3.

Ele chegara à Ordem há poucos meses, depois que Brock, Nikolai e alguns dos outros guerreiros atacaram uma reunião de Dragos e dos seus tenentes. Hunter fora libertado durante o ataque e agora era aliado contra o seu criador nos esforços da Ordem em acabar com Dragos.

Brock parou diante das duas camas que estavam em cada lado do quarto em estilo modesto. As duas estavam arrumadas com precisão militar, coberta marrom e lençóis brancos sem nenhuma prega, um único travesseiro meticulosamente colocado na cabeceira de cada estrado.

– Então, qual é a sua cama?

– Não faz diferença para mim.

Brock voltou a fitar o rosto impassível e os inescrutáveis olhos dourados.

– É só me dizer em qual costuma dormir e eu pego a outra.

O olhar nivelado de Hunter não se alterou em nada.

– São apenas mobília. Não tenho nenhum apego nem por uma, nem por outra.

– Nenhum apego – repetiu Brock num murmúrio. – Pois é, cara. Talvez você possa me dar algumas dicas sobre essa sua postura “não estou nem aí”. Acho que viria bem a calhar de tempos em tempos. Especialmente no que se refere às mulheres.

Com um grunhido, largou suas coisas na cama da esquerda, depois esfregou as mãos no rosto e na cabeça. O gemido que escapou dele estava carregado de frustração e do desejo retido que vinha abafando desde que se forçara a deixar Jenna e a tentação de que não precisava.

– Maldição – grunhiu, o corpo tinindo de novo só de lembrar o belo rosto erguido ao fitá-lo.

Era como se ela estivesse à espera de um beijo seu. Tudo que era masculino dentro de si afirmara isso com absoluta certeza na hora, mas ele sabia que aquela era a última coisa de que Jenna precisava.

Ela estava confusa e vulnerável, e ele se considerava mais do que um homem que poderia tirar vantagem disso só porque a sua libido clamava por ela. Claro, isso não o fazia se sentir muito melhor a respeito da excitação que, do nada, voltava à vida de novo, deixando toda a sua honradez de lado.

– Que beleza, meu herói – admoestou-se severamente. – Agora vai precisar afundar numa banheira de gelo por uma semana por ter bancado o nobre...

– Está se sentindo mal? – perguntou Hunter, assustando Brock, que não havia percebido que o outro macho ainda estava atrás dele no quarto.

– É... – disse Brock, dando uma risada sardônica. – Não ando muito bem, não. Se quer saber a verdade, não estou me sentindo bem desde que pus os olhos nela.

– A fêmea humana – disse Hunter, com um ar de compreensão grave. – Está aparente que ela é um problema para você.

Brock emitiu um suspiro sem humor algum.

– Acha mesmo?

– Sim, acho. – Não havia julgamento em sua voz, apenas uma declaração dos fatos. Ele falava como uma máquina: total precisão, zero sentimento. – Deduzo que todos no laboratório de tecnologia chegaram à mesma conclusão hoje, quando permitiu que Chase provocasse sua ira por conta dos comentários sobre o seu apego àquela mulher. Suas ações demonstraram uma fraqueza do seu treinamento e, pior, falta de autocontrole. Reagiu de modo impensado.

– Obrigado por notar – respondeu Brock, suspeitando que seu sarcasmo seria desperdiçado no caçador antissocial e imperturbável. – Lembre-me de encher o seu saco daqui até a semana seguinte se um dia chegar a relaxar o bastante para deixar uma mulher o irritar.

Hunter não reagiu, apenas o fitou sem demonstrar nenhuma centelha de emoção.

– Isso não acontecerá.

– Merda – disse Brock, meneando a cabeça ante o soldado Primeira Geração rígido que fora criado na base da negligência e da disciplina do castigo. – Você não deve ter estado com a mulher certa se tem tanta segurança assim.

A expressão de Hunter continuou estoica. Distante e imparcial. Na verdade, quanto mais Brock olhava para ele, mais claramente começava a enxergar a verdade.

– Caramba. Já esteve, algum dia, com uma mulher, Hunter? Meu Deus... Você é virgem, não é?

Os olhos dourados do Primeira Geração continuaram fixos no olhar de Brock como se considerasse aquilo algum teste de força de vontade no qual ele não permitiria que a revelação o afetasse. E Brock tinha que dar o braço a torcer, pois nenhum grau de emoção cintilou naqueles olhos sinistros, tampouco nas feições perfeitamente disciplinadas.

A única coisa que fez Hunter reagir foi o barulho suave de chinelos se arrastando pelo corredor. Uma voz infantil, Mira, chamando da sala de estar.

– Hunter, você está aí?

Ele se virou sem dar nenhuma explicação e foi se encontrar com a garotinha.

– Agora não é uma boa hora. – Brock o ouviu lhe dizer em seu tom modulado e grave.

– Mas não quer saber o que acontece com Harry quando ele põe a capa da invisibilidade? – perguntou Mira, o desapontamento abaixando o tom de sua voz normalmente alegre. – Essa é uma das minhas partes prediletas no livro. Você tem que ouvir esse capítulo. Vai amar.

– Ela tem razão, é uma das melhores partes. – Brock saiu do quarto, sem saber o que o fez sorrir mais: a percepção de que o implacável assassino Primeira Geração era um virgem sem experiência alguma, ou a mais recente notícia, igualmente divertida, de que o encontro que ele aparentemente atrapalhara ao aparecer com as suas coisas era a hora da leitura de Hunter com a mais jovem residente do complexo.

Deu uma piscadela e um sorriso para Mira quando ela se acomodou no sofá e abriu o livro na parte em que havia parado de ler.

– Relaxe – disse a Hunter, que estava de pé, tão duro quanto uma estátua. – Não vou revelar os seus segredos a ninguém.

Não esperou para ver a reação dele, apenas foi andando para o corredor, deixando Hunter olhando-o enquanto saía.


Caçador


Capítulo 11

– Cruzem os dedos, meninas, mas acho que acabamos de encontrar a pista que procurávamos. – Dylan desligou o telefone e girou a cadeira para ficar de frente para Jenna, Alex, Renata e Savannah, todas reunidas na sala de reuniões das Companheiras de Raça nas últimas horas.

Na verdade, chamá-la de sala de reuniões não lhe fazia justiça. Havia pelo menos meia dúzia de computadores numa mesa longa num dos lados da sala, caixas de arquivos suspensos organizados por localização dispostas numa estante alta para facilitar o acesso, quase cada espaço da parede coberto por mapas marcados da Nova Inglaterra e gráficos de investigação detalhados que envergonhariam boa parte das unidades de casos antigos arquivados da polícia. Em meio a esses gráficos, muitos esboços de retratos falados de jovens, os rostos de algumas desaparecidas, a quem a Ordem e suas companheiras diligentes estavam determinadas a encontrar.

Não, Jenna pensou ao olhar ao redor, aquela não era uma mera sala de reuniões.

Aquela era uma sala devotada à estratégia, a uma missão, à guerra.

Jenna acolhia a energia do lugar, ainda mais depois das notícias perturbadoras que recebera a respeito do seu último exame de sangue. Também precisava da distração a fim de não pensar nos inesperados momentos ardentes que partilhara com Brock no quarto dele, ou melhor, no seu. Ela praticamente dera um salto quando lhe surgiu a oportunidade de sair de lá depois que ele foi embora. Fora Alex quem apareceu procurando-a pouco depois, e fora ela quem a trouxera consigo para a sala de guerra das Companheiras de Raça para ter companhia e ficar conversando.

Ela não desejara se interessar pelo trabalho em que as mulheres da Ordem estavam envolvidas, mas, enquanto esteve entre elas, foi quase impossível para a policial dentro de si ignorar o rastro de uma boa busca por informações. Sentou-se um pouco ereta na cadeira ante a mesa de reuniões quando Dylan andou até a impressora para pegar uma folha que acabara de sair da máquina.

– O que conseguiu? – perguntou Savannah.

Dylan bateu a folha na mesa diante das mulheres reunidas.

– Irmã Margaret Mary Howland.

Jenna e as outras se inclinaram para olhar para a imagem escaneada. Era a foto de um grupo de uma dúzia ou pouco mais de garotas e jovens mulheres. Pelo estilo das roupas, parecia ter sido tirada uns vinte anos antes. O grupo estava reunido num gramado abaixo das escadas de uma varanda coberta, no tipo de pose que as estudantes às vezes faziam para a foto escolar anual. A não ser pelo fato de que, naquele caso, não havia uma escola atrás delas, mas uma casa grande, simples, autoproclamada Lar para Mulheres St. John, Queensboro, Nova York.

Uma mulher de meia-idade de rosto gentil usando um crucifixo como pingente e um vestido de verão modesto estava ao lado do grupo reunido debaixo do beiral branco no qual a placa pintada estava suspensa. Uma das moças mais jovens estava com a mulher de mais idade, os ombros finos seguros por mãos carinhosas, o rostinho erguido com um olhar luminoso de afeto.

– É ela – disse Dylan, apontando para a mulher com o sorriso maternal e braços protetores. – Irmã Margaret.

– E ela é...? – perguntou Jenna, sem conseguir conter a curiosidade.

Dylan relanceou para ela.

– Neste instante, se ainda estiver viva, esta mulher é a nossa aposta mais segura para descobrirmos mais sobre as Companheiras de Raça que sumiram ou acabaram mortas pelas mãos de Dragos.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não estou entendendo.

– Algumas das mulheres que ele matou, e provavelmente muitas outras que ele mantém em cativeiro, vieram de abrigos de fugitivas – disse Dylan. – Veja bem, não é incomum que as Companheiras de Raça se sintam confusas e deslocadas na sociedade mortal. A maioria de nós não sabe o quanto é diferente, muito menos o motivo para isso. Além da marca de nascença em comum e das características biológicas, todas nós temos também habilidades extrassensoriais singulares.

– Não o tipo de coisa que você vê nos programas da TV ou em comerciais anunciando serviços de pessoas psíquicas – explicou Savannah. – Talentos verdadeiramente extrassensoriais são normalmente o meio mais seguro de identificar uma Companheira de Raça.

Dylan concordou.

– Às vezes, esses talentos são uma bênção, mas em muitas outras são uma maldição. O meu dom foi uma maldição em boa parte da minha vida, mas, felizmente, tive uma mãe amorosa. Por isso, não importava o quanto eu ficasse confusa ou assustada, sempre tive a segurança de um lar.

– Mas nem todas têm essa sorte – acrescentou Renata. – Para Mira e para mim, foi uma extensa fila de orfanatos em Montreal. E, de tempos em tempos, chamávamos a rua de lar.

Jenna ouvia em silêncio, agradecendo a boa sorte de ter nascido em uma família normal e relativamente próxima, onde o maior problema de infância foi tentar competir com o irmão pelo afeto e pela aprovação dos pais. Ela não conseguia imaginar os tipos de problemas que as fêmeas nascidas com a marca de nascença da lágrima e da lua crescente tiveram que suportar. Seus problemas, por mais incompreensíveis que fossem, pareciam diminuir um pouco enquanto ponderava sobre as vidas que aquelas mulheres tiveram. Para não falar do inferno que as mortas ou desaparecidas tiveram que suportar.

– Quer dizer que vocês acreditam que Dragos visava as jovens que acabavam nesse tipo de abrigo? – perguntou.

– Sabemos disso – disse Dylan. – A minha mãe costumava trabalhar num abrigo para pessoas que fugiam de casa em Nova York. É uma longa história, uma para ser contada outro dia, mas, basicamente, foi descoberto que o abrigo para o qual ela trabalhava havia sido fundado e era dirigido pelo próprio Dragos.

– Ai, meu Deus... – arfou Jenna.

– Ele estivera se escondendo por trás de um nome falso, Gordon Fasso, enquanto circulava em meio à sociedade humana, e ninguém fazia ideia de quem ele fosse até... até ser tarde demais. – Dylan parou para inspirar profundamente e se fortalecer. – Ele matou minha mãe depois que percebeu que havia sido desmascarado e que a Ordem estava se aproximando dele.

– Lamento muito – sussurrou Jenna, com sinceridade. – Perder alguém que se ama para esse tipo de maldade...

As palavras se perderam enquanto algo frio e determinado borbulhou dentro dela. Como ex-policial, ela conhecia o sabor amargo da injustiça e a necessidade de equilibrar a balança. Mas suprimiu esse sentimento, dizendo a si mesma que a luta da Ordem contra aquele inimigo, Dragos, não era sua. Ela tinha as próprias batalhas para enfrentar.

– Tenho certeza de que Dragos vai ter o que merece no final – disse.

Era uma frase inútil, oferecida com certo distanciamento. Mas ela queria muito estar certa. Sentada ali com aquelas mulheres, tendo-as conhecido um pouco melhor no curto tempo em que estava no complexo, Jenna rezava para que a Ordem fosse bem-sucedida ao enfrentar Dragos. Pensar que alguém tão perverso quanto ele estivesse à solta no mundo era inaceitável.

Pegou a imagem impressa e fitou a expressão calorosa da freira, que estava tal qual uma pastora ao lado de seu rebanho vulnerável.

– Como esperam que essa mulher, a Irmã Margaret, possa ajudá-las?

– A rotatividade de pessoal é alta nesses abrigos – explicou Dylan. – Aquele em que minha mãe trabalhava não era exceção. Uma amiga que costumava trabalhar com ela lá me informou o nome da Irmã e me deu a foto. Ela disse que a freira se aposentou há vários anos, mas fez trabalho voluntário em diversos abrigos em Nova York desde meados dos anos 1970. Por isso, é o tipo de pessoa com quem precisamos conversar.

– Alguém que esteve em abrigos por muito tempo e pode ser capaz de identificar antigas residentes a partir dos retratos falados – disse Savannah, indicando os rostos afixados nas paredes.

Jenna assentiu.

– Esses retratos são de mulheres que estiveram em abrigos?

– Esses retratos – disse Alex ao lado de Jenna – são de Companheiras de Raça que estão sendo mantidas por Dragos enquanto estamos aqui conversando.

– Quer dizer que ainda estão vivas?

– Estavam há alguns meses. – A voz de Renata soou dura. – Uma amiga da Ordem, Claire Reichen, usou seu dom de Companheira de Raça, o poder de viajar em seus sonhos, para localizar o quartel-general de Dragos. Ela viu as prisioneiras, mais de vinte, trancadas em celas do laboratório dele. Embora Dragos tenha realocado sua operação antes que pudéssemos salvá-las, Claire tem trabalhado com um desenhista para documentar os rostos que viu.

– Na verdade, é lá que Claire está agora, ela e Elise – explicou Alex. – Elise tem muitos amigos na comunidade civil da Raça aqui em Boston. Ela e Claire têm trabalhado em alguns novos retratos, baseados no que Claire viu no covil de Dragos.

– Depois que tivermos os rostos das prisioneiras – disse Dylan –, podemos começar a procurar por nomes e possíveis familiares. Qualquer coisa que possa nos ajudar a nos aproximar de onde essas mulheres estão.

– E quanto aos bancos de dados de pessoas desaparecidas? – perguntou Jenna. – Vocês compararam os esboços com os perfis listados em grupos como o Centro Nacional de Pessoas Desaparecidas?

– Sim, e voltamos de mãos vazias – disse Dylan. – Muitas dessas mulheres e garotas nos abrigos são fugitivas e órfãs. Muitas são abandonadas. Umas fogem de casa, deliberadamente cortando todos os laços com a família e com os amigos. O resultado final é o mesmo: ninguém sente falta delas ou procura por elas no sistema; portanto, não há registros arquivados.

Renata concordou com um leve grunhido que pareceu falar de sua experiência.

– Quando você não tem nada, nem ninguém, você pode desaparecer, e é como se nunca tivesse existido.

Por causa dos seus anos na força policial do Alasca, Jenna sabia que isso era bem verdade. As pessoas desapareciam sem deixar rastro tanto nas grandes cidades como em pequenas comunidades. Isso acontecia todos os dias, embora ela jamais tivesse imaginado que fosse pelos motivos que Dylan, Savannah, Renata e as outras mulheres lhe explicavam agora.

– Qual o plano de vocês depois que identificarem as Companheiras de Raça desaparecidas?

– Depois que tivermos uma ligação pessoal com pelo menos uma delas – disse Savannah –, Claire pode tentar se comunicar através dos sonhos e, quem sabe, conseguir informações sobre a localização de onde as prisioneiras estão.

Jenna estava acostumada à rápida digestão e compreensão dos fatos, mas sua cabeça começava a girar com tudo o que estava ouvindo. E não conseguia evitar que sua mente procurasse por soluções para os problemas diante dela.

– Espere um instante. Se o dom de Claire a levou ao covil de Dragos uma vez, por que ela não pode simplesmente repetir isso?

– Para que seu dom funcione, ela precisa de algum tipo de elo emocional ou pessoal com a pessoa que está tentando localizar nos sonhos – respondeu Dylan. – O elo dela antes não era com Dragos, mas com outra pessoa.

– O antigo companheiro dela, Wilhelm Roth – explicou Renata, praticamente cuspindo o nome dele. – Ele era uma pessoa cruel, mas, comparada à de Dragos, sua crueldade não era nada. Jamais permitiríamos que Claire tentasse contatar o próprio Dragos. Isso seria suicídio.

– Tudo bem. Então onde nós ficamos com isso? – perguntou Jenna, o “nós” saindo de sua boca antes que ela percebesse o que havia dito. Mas era tarde demais para retirá-lo, e ela estava interessada demais para fingir outra coisa. – Onde você imagina que as coisas vão a partir daqui?

– Tenho esperanças de localizar a Irmã Margaret e que ela possa nos ajudar a desvendar alguma coisa – disse ela.

– Temos como entrar em contato com ela? – perguntou Renata.

A animação de Dylan se arrefeceu um pouco.

– Infelizmente, não há como termos certeza sequer de que ela ainda esteja viva. A amiga da minha mãe disse que ela deve estar com uns oitenta anos agora. A única boa notícia é que seu convento tem sede em Boston, então, existe a possibilidade de ela estar aqui. Por enquanto, só o que temos é seu número do seguro social4.

– Dê esse número a Gideon – sugeriu Savannah. – Tenho certeza de que ele consegue invadir o sistema do governo para conseguir todas as informações de que precisamos sobre ela.

– Foi isso mesmo que pensei – Dylan respondeu com um sorriso.

Jenna pensou em oferecer ajuda para localizar a freira. Ainda tinha amigos na força policial e em algumas agências federais. Com apenas um telefonema ou e-mail, ela poderia pedir um ou outro favor confidencial. Mas as mulheres da Ordem pareciam ter tudo sob controle.

E seria melhor para ela não se envolver em nada daquilo, lembrou-se com severidade, enquanto Dylan pegava o telefone ao lado do seu computador e ligava para o laboratório de tecnologia.

Alguns minutos mais tarde, Gideon e Rio entraram na sala de guerra. Os dois guerreiros receberam um relatório resumido do que Dylan descobrira. Antes mesmo de ela terminar de explicar o que havia descoberto, Gideon se acomodou diante de um computador e começou a trabalhar.

Jenna ficou olhando da sua cadeira junto à mesa enquanto todos os outros, Savannah, Renata, Alex, Rio e Dylan, se reuniram ao redor de Gideon para vê-lo fazer a sua mágica. Savannah estava certa: ele não precisou mais do que alguns minutos para invadir um firewall de um site do governo americano e começar a baixar os registros de que precisavam.

– A Irmã Margaret Mary Howland está bem viva, de acordo com a Administração do Seguro Social – anunciou ele. – Sacou a aposentadoria dela do mês passado, no valor de 298 dólares e alguns trocados num endereço em Gloucester. Estou imprimindo as informações agora.

Dylan deu um sorriso amplo.

– Gideon, você é um deus da tecnologia.

– Meu prazer é servir. – Levantou-se da cadeira e puxou Savannah para um beijo rápido, porém ardente. – Diga que está impressionada, amor.

– Estou impressionada – respondeu ela, rindo ao mesmo tempo em que lhe dava um tapa no ombro.

Ele sorriu, lançando um olhar para Jenna por sobre os óculos.

– Ela me ama – disse ele, puxando a bela companheira num abraço apertado. – Na verdade, ela é louca por mim. Não consegue viver sem mim. Muito provavelmente, está querendo me levar para a cama neste instante para se aproveitar de mim.

– A-hã. É o que você pensa – replicou Savannah, mas havia uma centelha ardente em seu olhar ao fitá-lo.

– Uma pena que não estamos tendo a mesma sorte para conseguir uma pista sobre a Sociedade TerraGlobal – lamentou Rio, o braço passando ao redor dos ombros de Dylan no que pareceu uma manobra instintivamente íntima.

Renata franziu o cenho.

– Nenhuma pista ainda?

– Nada – Gideon interveio. Ele deve ter percebido o olhar confuso de Jenna. – A Sociedade TerraGlobal é o nome da empresa que acreditamos que Dragos esteja usando como fachada para algumas das suas operações secretas.

Alex disse em seguida:

– Lembra-se daquela mineradora que abriu perto de Harmony há alguns meses, a Mineradora Coldstream? – Ante o aceno de Jenna, Alex continuou: – Pertencia a Dragos. Acreditamos que era para ela ter sido usada como uma prisão para o Antigo depois que o transportassem para o Alasca. Infelizmente, todos sabem como isso terminou.

– Conseguimos rastrear a Mineradora Coldstream até a Sociedade TerraGlobal – acrescentou Rio. – Mas só conseguimos avançar até aí. Sabemos que a TerraGlobal tem muitas camadas, mas está demorando demais para conseguirmos dissecá-las. Nesse ínterim, Dragos se esconde cada vez mais fundo, a cada minuto ficando mais longe do nosso alcance.

– Vocês vão pegá-lo – disse Jenna. Tentou ignorar a aceleração do coração ante a necessidade de pegar algumas armas e liderar a busca. – Vocês têm que pegá-lo, então vão pegá-lo.

Rio, com seu rosto marcado por cicatrizes demonstrando determinação ao assentir em concordância, fitou os olhos de Dylan.

– É. Um dia, nós vamos pegar esse filho da puta. Ele vai pagar por tudo o que já fez.

Debaixo do braço forte, Dylan deu um sorriso tristonho. Escondeu-se em seu abraço, tentando abafar um bocejo.

– Venha – disse Rio, afastando uma mecha dos cabelos ruivos dos olhos dela. – Você tem dedicado muitas horas a tudo isso. Agora vou levá-la para a cama.

– Não é uma má ideia – disse Renata. – A noite logo chega e aposto como Nikolai está testando a nova munição na sala de armas. Está na hora de ir buscar meu homem.

Enquanto ela se despedia e saía, Dylan e Rio, Savannah e Gideon faziam o mesmo.

– Quer ficar comigo e com Kade um pouco? – perguntou Alex.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não, estou bem. Acho que vou ficar aqui por alguns minutos, para relaxar um pouco. O dia foi longo e estranho.

O sorriso de Alex mostrou empatia.

– Se precisar de qualquer coisa, sabe onde me encontrar. Certo?

Jenna assentiu.

– Estou bem. Mas obrigada.

Observou a amiga sair e desaparecer lentamente pelo corredor. Quando não restava mais nada na sala a não ser silêncio e tranquilidade, Jenna se levantou e se aproximou da parede com os mapas, gráficos e retratos.

Era admirável o que a Ordem e as suas companheiras estavam tentando fazer. Era um trabalho importante, mais importante do que qualquer outra coisa com que Jenna se deparara no interior do Alasca, ou, na verdade, em qualquer outro lugar.

Se tudo o que ela descobrira nos últimos dias fosse verdade, então o que a Ordem fazia ali era salvar o mundo.

– Jesus Cristo... – sussurrou, atordoada com a enormidade de tudo aquilo.

Ela tinha que ajudar.

Se fosse capaz, mesmo que de uma maneira pequena, ela tinha que ajudar.

Não tinha?

Jenna andou ao redor da sala, com sua própria batalha acontecendo dentro de si. Não estava pronta para participar de algo como aquilo. Não enquanto ainda tinha tantas coisas para descobrir a respeito de si mesma. Com o irmão morto, ela não tinha mais nenhuma família. O Alasca fora seu lar durante toda a vida e agora isso também se fora, uma parte da sua existência anterior apagada para ajudar a Ordem a preservar seus segredos enquanto continuavam a perseguir o inimigo.

Quanto ao seu futuro, não sabia nem por onde começar. A substância alienígena dentro dela era um problema jamais imaginado, e nem adiantava desejar, porque aquilo não sumiria. Nem mesmo a mente brilhante de Gideon parecia capaz de arrancá-la daquela complicação confusa.

E também havia Brock. De todas as coisas que lhe aconteceram entre a invasão do Antigo ao seu chalé e a adoção atual, inesperada, ainda que não insuportável, por todos ali no quartel-general da Ordem, Brock estava se mostrando a coisa com a qual ela menos estava preparada para lidar.

Não estava nem um pouco perto disso no que se referia aos sentimentos que ele lhe provocava. Coisas que ela não sentia em anos, e, muito certamente, não queria sentir agora.

Nada em sua vida era certo, e a última coisa de que precisava era se envolver ainda mais nos problemas que os guerreiros e as suas companheiras enfrentavam.

No entanto, Jenna se viu seguindo para um computador na mesa ali perto. Sentou-se diante do teclado e entrou no navegador da internet, depois entrou num daqueles sites de e-mail grátis e criou uma conta.

Iniciou uma mensagem nova e digitou o endereço de um dos seus amigos da Polícia Federal em Anchorage. Fez uma única pergunta, uma questão a ser investigada confidencialmente como um favor pessoal.

Inspirou fundo, depois apertou o botão de enviar.


O número do seguro social, social security number, é um número de registro que todos os cidadãos americanos têm, como um CPF e um INSS unificados. Através dele, é possível localizar as pessoas, pois esse número é unificado em todo o território nacional. (N.T.)


Capítulo 12

No vestiário ao lado da sala das armas, Brock esticou a mão às costas para aumentar a temperatura da água de quente para escaldante. Com as mãos apoiadas na porta de teca do cubículo reservado, inclinou a cabeça em direção ao peito e agradeceu pelo jato de água cauterizante que lhe batia nos ombros e descia pelo pescoço. Vapor se formava ao seu redor, espesso como névoa, desde a cabeça até o piso de ladrilhos aos seus pés.

– Cristo! – Kade sibilou, alguns cubículos mais distante. – Duas horas direto de treino mano a mano não foi bastante castigo para você? Agora sente a necessidade de ferver vivo aí?

Brock grunhiu, passando a mão pelo rosto enquanto o vapor continuava a se formar e o calor continuava a açoitar seus músculos tensos demais. Encontrara Niko e Chase na sala das armas depois de deixar seus pertences no quarto que partilharia com Hunter. Parecia-lhe razoável esperar que alguns rounds de treinos de lâminas e treinos corpo a corpo bastariam para exaurir um pouco da sua inquietação e distração. Deveria ser assim, mas não foi.

– O que está acontecendo com você, cara?

– Não sei do que está falando – murmurou Brock, levando a cabeça e os ombros mais para baixo do jato de água escaldante.

A zombaria de Kade se fez ouvir no vestiário cavernoso.

– Até parece que não sabe.

– Droga – Brock exalou em meio à névoa que cobria sua cabeça. – Por que estou com a sensação de que você vai me explicar?

Houve o rangido da torneira sendo fechada, seguido pela batida da porta do chuveiro de Kade quando ele seguiu para o vestiário anexo. Alguns minutos depois, a voz de Kade soou do outro cômodo.

– Vai me contar o que aconteceu aquela noite em Southie, na fábrica?

Brock fechou os olhos e emitiu algo muito parecido com um rosnado, até mesmo para os seus ouvidos.

– Não há nada a contar. Havia fios soltos. Cuidei do assunto.

– A-hã – murmurou Kade. – Foi isso mesmo que imaginei que tivesse acontecido.

Quando Brock levantou a cabeça, viu o guerreiro parado diante dele. Kade estava totalmente vestido com jeans e camiseta preta, apoiado na parede oposta. Seu olhar prateado estreitado, como quem sabe o que está acontecendo.

Brock respeitava demais o amigo para tentar enganá-lo.

– Aqueles humanos eram a ralé que não pensaria duas vezes antes de ferir uma mulher inocente. Não acredita que esse tipo de brutalidade deve ser perdoado, acredita?

– Não. – Kade o encarou, depois assentiu com sobriedade. – Se eu me deparasse com alguém que tivesse colocado um dedo sequer em Alex, eu teria matado o desgraçado. Foi o que fez, não foi? Matou aqueles homens?

– Não eram homens, aqueles... – Brock grunhiu. – Eram cachorros raivosos, e o que fizeram com Jenna – aquilo que achavam que poderiam fazer e se safar – provavelmente não foi a primeira vez que machucaram uma mulher. Duvido que Jenna teria sido a última. Então, isso mesmo, acabei com eles.

Por um bom momento, Kade nada disse. Apenas o observou, mesmo depois que Brock voltou a colocar a cabeça debaixo do jato furioso, sem sentir necessidade de mais explicações. Nem mesmo para seu melhor amigo na Ordem, o guerreiro que era como um irmão para ele.

– Maldição – murmurou Kade depois de um longo silêncio. – Você gosta dela, não gosta?

Brock balançou a cabeça, tanto em negação como para tirar a água do rosto.

– Lucan me deu a responsabilidade de cuidar dela, de mantê-la segura. Só estou fazendo aquilo que esperam de mim. Ela é mais uma missão, nada diferente das outras.

– Ah, tá. Sem dúvida – caçoou Kade. – Eu tive uma missão como essa lá no Alasca há não muito tempo. Acho que já te contei uma ou duas vezes sobre ela, não foi?

– Isso é diferente – resmungou Brock. – O que você e Alex têm... Não é a mesma coisa. Alex é uma Companheira de Raça, para começar. Não existe a possibilidade de as coisas ficarem sérias com Jenna. Não sou do tipo que curte relacionamentos de longo prazo e, além disso, ela é humana.

As sobrancelhas escuras de Kade se uniram em sinal de preocupação.

– Não sei se algum de nós pode ter certeza do que ela é agora.

Brock absorveu a verdade dessa declaração com uma onda renovada de preocupação, não só por Jenna, mas pela Ordem e pelo resto da nação da Raça. O que quer que estivesse acontecendo com ela, parecia estar se acelerando naquele mesmo instante. Não tinha como negar que as notícias sobre seus exames de sangue o perturbavam. Sem falar que aquela porção alienígena colocada dentro dela estava se infiltrando cada vez mais em seu corpo, a um nível que nem mesmo Gideon parecia preparado para combater.

Brock emitiu uma imprecação debaixo do jato punitivo de água.

– Se está tentando fazer com que eu me sinta melhor a respeito disso tudo, sinta-se à vontade para parar a qualquer instante.

Kade riu, obviamente se divertindo com tudo aquilo.

– Sabe, não acho que você vá ter uma conversa de coração aberto com seu novo companheiro de quarto, então sou eu, aqui e agora, demonstrando que me importo.

– Sinto-me tocado – murmurou Brock. – Agora caia fora e deixe eu me escaldar em paz.

– Com todo prazer. Toda essa conversa sobre missões e mulheres me lembrou que tenho deveres importantes em meu apartamento que venho negligenciando...

Brock grunhiu.

– Lembranças a Alex.

Kade apenas sorriu ao se despedir, depois seguiu para a saída mais próxima.

Depois que ele se foi, Brock só ficou uns minutos mais debaixo da água. Já estava tarde, mas ele estava energizado demais para dormir. E o lembrete de Kade sobre as mutações biológicas de Jenna fez sua mente acelerar.

Enxugou-se, depois vestiu uma camiseta cinza e jeans escuros. Calçou os coturnos, sentindo uma súbita necessidade de voltar para a sala das armas para gastar um pouco mais de energia até o pôr do sol, quando poderia, por fim, escapar do complexo uma vez mais. Mas suar a camisa não funcionara muito da primeira vez; duvidava que o ajudasse agora.

Sem saber o que o livraria daquela agitação, Brock se viu andando pelo corredor principal do complexo, na direção do laboratório de tecnologia. Os corredores estavam silenciosos, desertos. Nada surpreendente para aquela hora do dia, quando os guerreiros comprometidos estavam com suas fêmeas e o restante dos ocupantes do quartel-general descansava antes do início das patrulhas da noite.

Brock deveria pensar em fazer o mesmo, porém estava mais interessado em saber se Gideon descobrira algo mais a respeito dos exames de sangue de Jenna. Ao entrar no corredor comprido que o levaria até o laboratório, ouviu movimentos em outra das salas do complexo.

Seguindo o barulho de papéis, parou diante da porta aberta do centro de comando da missão das Companheiras de Raça.

Jenna estava sozinha lá dentro.

Sentada à mesa de reuniões, com diversas pastas espalhadas diante de si e muitas outras empilhadas junto ao cotovelo, ela estava reclinada sobre um bloco de anotações, caneta na mão, completamente absorvida pelo que estava escrevendo, o que quer que fosse. A princípio, achou que ela não soubesse que ele estava ali. Mas em seguida, a mão dela parou no meio da página, e a cabeça se ergueu. As mechas de cabelo castanho caíram como seda quando ela se virou para ver quem estava na porta.

Aquela seria a sua chance para se esconder rápido, antes que ela o visse. Ele era da Raça, poderia estar ali e desaparecer antes que os olhos mortais registrassem sua presença. Em vez disso, por algum motivo idiota, sobre o qual não desejava refletir, avançou um passo e pigarreou.

O olhar castanho de Jenna se arregalou ao vê-lo.

– Oi – disse ele.

Ela sorriu de leve, parecendo pega desprevenida. E por que não estaria, depois da maneira como ele havia deixado as coisas entre os dois da última vez em que se viram? Ela pegou uma das pastas e colocou por cima do bloco de anotações.

– Pensei que todos tivessem ido descansar.

– E foram. – Ele entrou ainda mais na sala e passou os olhos nas informações sobre a mesa. – Parece que Dylan e as outras já conseguiram recrutar seus serviços.

Ela deu de ombros, numa negação débil.

– Eu só... estava olhando algumas coisas. Comparando anotações de alguns arquivos, anotando algumas ideias.

Brock se sentou ao lado dela.

– Elas vão gostar disso – disse ele, impressionado por ela estar ajudando. Esticou a mão na direção das suas anotações. – Posso ver?

– Não é nada de mais, mesmo – disse ela. – É só que algumas vezes ajuda alguém de fora dar uma olhada.

Ele relanceou para a letra curva e precisa que preenchia quase toda a página. A mente dela parecia funcionar do mesmo modo organizado, baseado no fluxo lógico das suas anotações e na lista de sugestões que fizera para a investigação das pessoas desaparecidas que Dylan e as outras Companheiras de Raça vinham procurando nos últimos meses.

– É um bom trabalho – disse ele, sem elogiar, apenas declarando um fato. – Dá para ver que você é uma excelente policial.

Outro levantar de ombros de negação.

– Não sou mais policial. Faz tempo que me afastei.

Ele a observou enquanto falava, notando o arrependimento que pairava em seu tom de voz.

– Não significa que não continue boa ainda no que faz.

– Parei de ser boa há algum tempo. Uma coisa aconteceu e eu... perdi minha motivação. – Ela o fitou, sem piscar. – Houve um acidente de carro há quatro anos. Meu marido e nossa filha de seis anos de idade morreram, só eu sobrevivi.

Brock assentiu.

– Eu sei. Lamento por sua perda.

A empatia dele pareceu incomodá-la de algum modo, e ela ficou meio sem saber o que fazer. Talvez lhe fosse mais fácil falar sobre a sua tragédia em seus termos, sem saber que ele já tomara conhecimento dela. Agora ela o fitava incerta, como se temesse que ele a julgasse de alguma maneira.

– Tive dificuldades para... aceitar que Mitch e Libby tinham partido. Por muito tempo, mesmo agora, é complicado entender como eu tenho que seguir em frente.

– Você vive – disse Brock. – É só o que pode fazer.

Ela assentiu, mas havia assombro em seu olhar.

– Você faz parecer tão fácil.

– Fácil não, apenas necessário. – Ele a viu cutucar um clipe torto em um dos relatórios. – Foi por isso que você se retirou do trabalho na polícia, porque não sabia como viver depois do acidente?

Fitando o espaço bagunçado na mesa diante dela, ela franziu a testa, em silêncio por um instante.

– Pedi demissão porque eu não conseguia mais executar minhas funções. Toda vez que eu tinha que me apresentar numa violação de trânsito, mesmo uma simples colisão de para-choque ou um pneu furado, eu chegava tremendo tanto ao local que mal conseguia sair do carro para oferecer ajuda. E nos chamados mais complicados, em acidentes sérios ou brigas domésticas que acabavam em violência, eu me sentia nauseada durante dias. Tudo o que eu aprendi no treinamento e no trabalho pareceu se despedaçar quando aquele caminhão carregando lenha atravessou a estrada escorregadia e destroçou minha vida. – Relanceou para ele, com seus olhos castanho-claros mais obstinados e firmes do que jamais vira. – Deixei de ser policial porque sabia que não conseguiria executar meu trabalho da maneira que ele precisava ser feito. Não queria que ninguém que pudesse depender de mim pagasse pela minha negligência. Por isso, pedi demissão.

Brock respeitava a coragem e a resiliência de Jenna desde que colocara os olhos nela. Agora, sua opinião apenas aumentara.

– Você se importava com o seu trabalho e com as pessoas que dependiam de você. Isso não é um sinal de fraqueza. Isso demonstra força. E, está claro, você amava o seu trabalho. E acho que ainda ama.

Por que essa simples observação atiçaria algum ponto fraco nela ele não entendia, mas teria que ser cego para não notar a centelha defensiva que brilhou em seus olhos. Jenna desviou o olhar ao perceber que deixara aquilo escapar e, quando falou, não havia raiva em sua voz. Apenas um tom de resignação.

– Sabe bastante sobre mim, não? Acho que não sobrou muito que você ou a Ordem não saibam sobre mim a esta altura.

– Alex nos contou apenas o básico – admitiu ele. – Depois do que aconteceu no Alasca, precisávamos saber algumas coisas.

Ela resmungou.

– Quer dizer, depois que comecei a falar coisas sem nexo enquanto dormia e me tornei um fardo indesejável para a Ordem.

– Mais ou menos isso – disse ele, continuando sentado quando ela se levantou e começou a se afastar dele, os braços cruzados diante do peito. Percebeu que ela abandonara por completo a bengala que Tess lhe dera, e que a perna machucada revelava apenas um leve manquejar a cada passo. – Vejo que seu ferimento já está melhorando.

– Está bem melhor. – Ela o fitou por sobre o ombro. – Na verdade, nem era tão grave assim.

Brock inclinou a cabeça como se concordasse, mas ele se lembrava muito bem da gravidade do ferimento. Se ela estava se curando a um ritmo acelerado, deduziu que as mutações genéticas descobertas por Gideon deviam estar por trás disso.

– Estou feliz que esteja se sentindo melhor – disse, pensando que, provavelmente, ela não precisava de um lembrete sobre a matéria desconhecida inserida dentro de si.

Seu olhar se deteve sobre ele, suavizando-se.

– Obrigada pelo que fez na noite passada, ir atrás de mim e me tirar daquele lugar horrível. Acho que você salvou a minha vida. Sei que salvou, Brock.

– Não foi nada.

Deus, ele esperava que ela jamais ficasse sabendo dos detalhes selvagens com que ele lidara com seus agressores. Ela não estaria agradecendo se o tivesse visto em ação naquela noite, nem se tivesse testemunhado o modo violento com que satisfizera tanto a sua sede quanto a sua fúria naqueles humanos desgraçados. Se soubesse do que ele era capaz, ela, sem dúvida, o enxergaria da mesma maneira que o Antigo que a atacara.

Não sabia por que isso o incomodava tanto. Não queria que ela o igualasse a um monstro, pelo menos não enquanto estivesse encarregado pela Ordem de protegê-la. Ela precisava confiar nele, e, como seu protetor designado, ele tinha que se certificar disso. Tinha um trabalho a fazer, e não estava disposto a perder de vista essa responsabilidade.

Mas sua questão com Jenna ia além disso, ele bem sabia. Só não tinha a mínima intenção de dissecar o assunto agora, nem num futuro próximo.

Observou-a se aproximar da parede coberta de mapas e gráficos que documentava a busca pelas Companheiras de Raça que a Ordem suspeitava que Dragos estivesse mantendo em cativeiro.

– Este trabalho é incrível – murmurou Jenna. – Dylan, Savannah, Renata, Tess... Todas as mulheres que conheci aqui são verdadeiramente incríveis.

– Sim, elas são – concordou Brock. Levantou-se e caminhou até onde estava Jenna. – A Ordem sempre foi uma força a ser respeitada, mas, desde que me juntei a ela, tenho visto nossas forças redobrarem por causa do envolvimento das fêmeas deste complexo.

Ela lhe lançou um olhar que ele considerou difícil de interpretar.

– O que foi?

– Nada. – Um leve sorriso tocou seus lábios quando ela meneou um pouco a cabeça. – Só estou surpresa em ouvir isso. A maioria dos homens com quem tive contato no trabalho, inclusive meu pai e meu irmão, preferiria comer seus distintivos a admitir que era melhor para eles trabalhar em equipe com as mulheres.

– Eu não tenho um distintivo – disse ele, retribuindo o sorriso. – E não sou como a maioria dos homens.

Ela riu de leve, mas não desviou o olhar.

– Não, você não é. E mesmo assim, é um dos poucos aqui que não tem uma Companheira de Raça.

Ele pensou nisso, mais do que apenas um pouco intrigado pelo fato de ela estar curiosa sobre sua vida pessoal.

– Trabalho é uma coisa. Assumir uma companheira com um elo de sangue é outra. É um tipo de situação eterna, e sou alérgico a relacionamentos de longo prazo.

Os olhos inteligentes o avaliaram.

– Por quê?

Seria fácil dar-lhe uma resposta charmosa e sem fundamento, do tipo a que estava acostumado a dar quando Kade e os outros tocavam no assunto de Companheiras de Raça e de envolvimentos sentimentais. Mas ele não poderia olhar para Jenna e ser outra coisa a não ser honesto, não importando como isso mudaria a forma como ela o enxergava.

– Relacionamentos de longo prazo aumentam as chances de eu desapontar alguém. Por isso, me esforço para me manter longe disso.

Ela não disse nada por um ou dois minutos. Apenas o encarou em silêncio, os braços ainda ao seu redor, uma centena de emoções acentuando a cor de seus olhos.

– É, sei o que está querendo dizer – disse, por fim, a voz mal passando de um sussurro rouco. – Sei tudo a respeito de desapontar as pessoas.

– Não tem como eu acreditar nisso. – Ele não conseguia enxergar a mulher capaz e confiante deixando de fazer algo que se dispusera a fazer.

– Pode acreditar – disse ela com seriedade, girando sobre os calcanhares e seguindo para junto da outra parede, onde um punhado de retratos falados fora disposto ao longo de mapas e de anotações. Quando voltou a falar, havia uma casualidade em sua voz que parecia forçada. – Então, essa sua alergia a relacionamentos duradouros é alguma novidade para você, ou sempre evitou compromissos?

Ele teve uma imagem mental instantânea de olhos reluzentes e de uma risada maliciosa e musical que ainda ouvia às vezes, como um fantasma à espreita em suas lembranças.

– Já existiu alguém. Bem... Poderia ter havido alguém. Ela morreu há muitos anos.

A expressão de Jenna ficou sombria de remorso.

– Brock, sinto muito. Não tive a intenção de...

Ele deu de ombros.

– Não precisa se desculpar. Isso foi há um século. – Quase literalmente, ele percebeu, atordoado pelo fato de que tanto tempo havia se passado desde que o seu descuido custara a vida de alguém a quem ele, supostamente, deveria ter protegido.

Jenna voltou a se aproximar e se recostou na beira da mesa ao lado dele.

– O que aconteceu com ela?

– Foi assassinada. Eu trabalhava como guarda-costas no Refúgio Secreto de uma família em Detroit na época. Era minha responsabilidade mantê-la a salvo, mas meti os pés pelas mãos. Ela desapareceu sob a minha vigilância. Seu corpo foi encontrado meses mais tarde, brutalizado a ponto de não ser reconhecido, abandonado num rio.

– Ah, meu Deus... – A voz de Jenna saiu suave, carregada de empatia. – Que horrível.

– É, foi mesmo – disse ele, lembrando-se muito bem do horror do que havia sido feito a ela, antes e depois de ser morta. Três meses na água não deixaram mais fácil de olhar o que lhe haviam feito.

– Sinto muito – repetiu Jenna, esticando uma mão para apoiá-la no músculo saltado do bíceps dele.

Ele tentou ignorar a súbita percepção que surgiu com aquele contato. Mas tentar não perceber sua atração por ela era o mesmo que ordenar ao fogo que não fosse quente. Toque-o e você se queimará. Assim como ele queimava agora, quando relanceou para a mão pálida de Jenna em contraste com a sua pele escura.

Quando ele levantou o olhar para ela, percebeu pela forma sutil com que ela inspirava que seus olhos muito provavelmente estavam iluminados por centelhas cor de âmbar, a transformação traindo seu desejo por ela. Ela engoliu em seco, mas não desviou o olhar.

Que Deus o ajudasse, mas ela tampouco retraiu a mão, nem mesmo quando o seu rugido de macho excitado se formou na base da garganta.

Pensamentos do que acontecera com ela há poucas horas em seu apartamento jorraram como uma onda de lembranças ardentes. Não havia mais do que alguns poucos centímetros entre eles, mesmo agora. Ficou imaginando se Jenna queria que ele a beijasse. Estivera inseguro quanto ao que ela sentia, e com a possibilidade de ela estar sentindo algo parecido com seu próprio desejo. Agora, precisava saber com uma ferocidade que o assustava.

Para ter certeza de que não estava interpretando mal, nem que fosse apenas pela sua sanidade, cobriu a mão dela com a sua. Aproximou-se, postando-se de frente para ela, que ainda estava apoiada na mesa.

Ela não se retraiu. Encarou-o bem nos olhos, confrontando-o, bem como ele esperava que ela fizesse.

– Eu não sei bem como lidar com tudo isto – disse ela com suavidade. – As coisas que têm acontecido comigo desde aquela noite no Alasca... Todas as perguntas que talvez nunca sejam respondidas. Sei lidar com isso. De alguma forma, vou aprender a lidar. Mas você... Isto... – Ela baixou o olhar para as mãos unidas, os dedos entrelaçados. – Não sou boa nisso. Meu marido se foi há quatro anos. Não houve ninguém desde então. Nunca estive pronta para isso. Não quis...

– Jenna. – Brock tocou no seu queixo, erguendo-o com suavidade para fitá-la nos olhos. – Tudo bem se eu te beijar?

Os lábios dela vacilaram num sorriso que ele não resistiu a provar. Inclinou a cabeça e a beijou devagar, para que ela se acostumasse, apesar da intensidade do seu desejo.

Embora ela tivesse confessado estar sem prática, ele jamais teria imaginado isso pela sensualidade dos lábios dela ao encontro dos seus. O beijo, tanto suave quanto direto, dando e recebendo, o incendiou. Ele se aproximou, até se ajustar entre suas pernas, precisando sentir o corpo dela pressionado contra o seu enquanto passava a língua ao longo dos lábios aveludados. Correu as mãos pela lateral de seu corpo, ajudando-a a subir na mesa quando a perna machucada começou a tremer.

O beijo fora um erro. Achara que as coisas terminariam ali – apenas um beijo –, mas, agora que começara, ele simplesmente não sabia como encontraria forças para pôr um fim naquilo.

E, pela sensação dela em seus braços, pelos gemidos e sussurros de prazer enquanto os beijos davam início a algo mais poderoso, teve certeza de que ela também queria mais.

Mas, pelo visto, não poderia estar mais errado.

Foi só quando percebeu a umidade em seu rosto que notou que ela estava chorando.

– Jesus – sibilou, recuando de pronto e sentindo-se um cretino ao ver seu rosto marcado pelas lágrimas. – Desculpe. Se eu te pressionei rápido demais...

Ela balançou a cabeça, visivelmente triste, mas sem conseguir falar nada.

– Diga que eu não te machuquei, Jenna.

– Droga. – Ela inspirou fundo. – Não posso fazer isto. Desculpe, a culpa é minha. Eu nunca deveria ter deixado que você...

As palavras foram interrompidas quando ela o empurrou para longe, desvencilhando-se dele, e correu para o corredor.

Brock ficou ali por um minuto, todo tenso e dolorido, ávido de desejo. Deveria deixá-la ir. Considerar aquilo apenas um desastre evitado por um triz e tirar a tentadora Jenna Darrow da cabeça.

Sim, é exatamente isso o que deveria fazer, e ele sabia muito bem disso.

Mas, quando esse pensamento se formou, ele já estava na metade do corredor, seguindo os sons do choro de Jenna até seu antigo apartamento.


Capítulo 13

Jenna se sentia a maior das covardes, uma fraude absoluta, enquanto fugia pelos corredores, tentando engolir as lágrimas. Deixara Brock pensar que não o queria. Provavelmente o fez acreditar que ele a pressionara de algum modo com aquele beijo, quando quase a derretera numa poça na mesa daquela sala de reuniões. Deixou que ele ficasse se preocupando por ter feito algo errado, que talvez a tivesse magoado, e essa era a coisa mais injusta de todas.

No entanto, não conseguira deixar de fugir, precisando colocar alguma distância entre eles com uma determinação que beirava o desespero. Ele a fazia sentir demais. Coisas para as quais não estava preparada. Coisas que ela necessitava com tamanha profundidade, mas que não merecia.

Por isso fugiu, mais aterrorizada do que nunca e odiando a covardia que a fazia colocar pé ante pé. Quando chegou ao quarto, estava tremendo e sem fôlego, lágrimas ainda descendo pelas faces.

– Jenna.

O som da voz grave atrás dela foi como uma carícia ardente em sua pele. Virou-se de frente, atônita com a velocidade e com o silêncio que o levaram até ali não mais do que um segundo depois dela. Mas, em retrospecto, ele não era humano. Não era um homem de fato – uma coisa da qual ela tinha que se lembrar quando ele estava tão próximo, com todo aquele tamanho, a intensidade do olhar se comunicando com tudo o que era feminino dentro dela.

Sua boca ainda estava inchada pelos beijos dele. Sua pulsação ainda batia descompassada. O calor ainda ardia dentro dela.

E como se soubesse disso, Brock se aproximou ainda mais. Esticou o braço e pegou sua mão, sem dizer nada. Não havia necessidade de palavras. Apesar das lágrimas que começavam a diminuir e do tremor das suas pernas, ela não conseguia esconder o desejo que sentia por ele.

Não resistiu quando ele a trouxe para perto, para o calor do seu corpo. Para o conforto dos seus braços.

– Estou com medo – sussurrou ela. Essas palavras não lhe vinham fáceis, como nunca vieram.

Com o olhar preso ao dela, ele lhe acariciou o rosto.

– Não precisa ter medo de mim. Não vou machucar você, Jenna.

Acreditou nele, mesmo antes de ele inclinar a cabeça e resvalar os lábios num beijo dolorosamente carinhoso. De maneira incrível e impossível, confiava naquele homem que não era um homem. Queria as mãos dele sobre si. Queria sentir aquela conexão de novo com alguém, mesmo que não estivesse pronta para pensar em algo além do físico, do desejo de tocar e de ser tocada.

– Está tudo bem – ele murmurou ao encontro da sua boca. – Está segura comigo, prometo.

Jenna fechou os olhos ao absorver suas palavras, as mesmas que a acalmaram na escuridão do seu chalé no Alasca, e de novo na enfermaria do complexo. Brock fora seu elo com o mundo dos vivos depois da sua provação com o Antigo. Sua única corda de segurança durante os infindáveis pesadelos que se seguiram nos dias depois que ela fora trazida àquele lugar estranho, modificada de tantas maneiras.

E agora...?

Agora ela não sabia muito bem como ele se encaixava na confusão que restara da sua vida. Não estava pronta para pensar nisso. Tampouco estava plenamente segura de estar preparada para as sensações que ele lhe provocava.

Recuou um pouco, a dúvida e a vergonha ainda se avolumando na parte dela que ainda lamentava a perda, a ferida aberta em sua alma que há muito tempo aceitara que jamais se cicatrizaria por completo.

Pressionando a testa no calor da solidez de seu peito, no algodão macio que exalava seu cheiro exótico característico, Jenna inspirou profundamente para se fortalecer. E expirou num suspiro entrecortado.

– Será que eu os amava o suficiente? É o que não paro de me perguntar desde aquela noite em meu chalé...

As mãos fortes de Brock alisaram suas costas, fortes e carregadas de compreensão, dando a calma que ela precisava a fim de reviver aqueles momentos torturosos quando o Antigo a pressionara para que ela decidisse o próprio destino.

– Ele me fez escolher, Brock. Naquela noite em meu chalé, pensei que ele iria me matar, mas não matou. Eu não teria lutado se ele matasse. E ele sabia disso, acho. – Na verdade, ela tinha certeza. Naquela noite em que o Antigo invadira sua casa, ela não estava bem. Ele vira a garrafa de uísque vazia no chão e a pistola carregada em sua mão. A caixa de fotografias que ela pegava todos os anos por volta do aniversário do acidente que lhe roubara a família e que a deixara para viver sozinha. – Ele sabia que eu estava preparada para morrer, mas, em vez de me matar, forçou-me a dizer as palavras, a lhe dizer em voz alta o que eu queria mais: vida ou morte. Foi como uma tortura, algum tipo de jogo doentio que ele me fez jogar contra a minha vontade.

Brock resmungou alguma imprecação incompreensível, mas as mãos continuaram suaves às suas costas, carinhosas, num calor tranquilizador.

– Ele me fez escolher – disse ela, lembrando-se de cada minuto insuportável daquela provação.

Mas, ainda pior do que as horas infindáveis do seu aprisionamento e de vê-lo alimentando-se dela, do que o horror de perceber que seu captor não era uma criatura deste mundo, foi o momento terrível no qual ouviu a própria voz rouca dizer as palavras que pareciam rasgar das profundezas mais íntimas e envergonhadas de sua alma.

Quero viver.

Ai, meu Deus... por favor, deixe-me viver.

Não quero morrer!

Jenna engoliu o nó de angústia que se formara em sua garganta.

– Fico pensando que não os amava o bastante – sussurrou, devastada ante esse pensamento. – Fico pensando que, se os amasse de verdade, teria morrido com eles. Que, quando o Antigo me forçou a escolher se queria ou não viver, eu teria feito uma escolha diferente.

Quando o choro ficou preso em sua garganta, os dedos de Brock resvalaram seu queixo. Ergueram seu rosto para seu olhar solene.

– Você sobreviveu – disse ele, a voz firme, mas com infinito afeto. – Foi só o que fez. Ninguém a culparia por isso, muito menos eles.

Ela fechou os olhos, sentindo o peso do arrependimento diminuir um pouco com as palavras reconfortantes que ouvia. Mas o vazio em seu coração era um lugar frio e oco. Um que se tornou ainda maior quando Brock a tomou nos braços, confortando-a. O calor e a preocupação dele penetraram em sua pele como um bálsamo, acrescentando mais emoção ao desejo que não diminuíra por conta da proximidade do corpo forte. Torceu-se no refúgio que era seu abraço, apoiando o rosto na força sólida e firme que ele era.

– Posso acabar com isso, Jenna. – Ela sentiu a pressão da boca, o fluir da respiração em seus cabelos enquanto ele beijava o topo de sua cabeça. – Posso carregar sua dor por você, se quiser.

Havia uma parte nela que se rebelava contra isso. A mulher forte, a policial experiente, aquela que sempre enfrentava qualquer situação, se retraiu ante a ideia de que seu sofrimento pudesse ser pesado demais para ela mesma suportar. Nunca precisou de ajuda, tampouco se dispôs a pedir, jamais. Esse tipo de fraqueza jamais lhe serviria.

Retraiu-se, a recusa na ponta da língua. Mas quando abriu os lábios para falar, as palavras não surgiram. Fitou o belo rosto de Brock, os olhos penetrantes que pareciam enxergar bem dentro dela.

– Quando foi a última vez que se permitiu ser feliz, Jenna? – Ele afagava seu rosto com tanta suavidade, com tanta reverência, que ela estremeceu sob seu toque. – Quando foi a última vez que sentiu prazer? A mão grande desceu ao longo do pescoço. O calor irradiou da palma ampla e dos dedos longos. Sua pulsação acelerou conforme ele espalmou a nuca, o polegar acariciando o ponto sensível debaixo da orelha.

Então, ele a aproximou de si, inclinando-lhe o rosto para se encontrar com o seu. Beijou-a, lenta e profundamente. A fusão vagarosa da boca dele ao encontro da sua lançou uma corrente de calor líquido em suas veias. O fogo se empoçou em seu centro, seu íntimo se enchendo com um desejo ardente e ávido.

– Se você não quiser isto – murmurou ele ao encontro dos seus lábios –, basta dizer. A qualquer hora, eu paro...

– Não. – Ela balançou a cabeça ao erguer a mão para tocar no maxilar forte. – Eu te quero, mas tanto que isso está me assustando demais.

O sorriso dele se espalhou preguiçosamente, os lábios sensuais se afastando para revelar os dentes brancos e a extensão aumentada das presas. Jenna fitou sua boca, sabendo que os instintos básicos humanos de sobrevivência deviam estar disparando todo tipo de alarme, avisando-a de que aproximar-se demais daqueles caninos seria letal.

Mas ela não sentiu medo. Em vez disso, sua mente reconheceu a transformação dele com um sentimento inexplicável de aceitação. Excitação até, enquanto o castanho absorvente de seus olhos começou a reluzir com uma luz âmbar incandescente.

Acima do colarinho da camiseta cinza e debaixo das mangas curtas que se agarravam aos montes firmes dos bíceps musculosos, os dermaglifos de Brock pulsavam em cores. As marcas da pele do membro da Raça assumiram uma cor mais acentuada do que seu costumeiro tom de bronze, tornando-se mais bordô e dourado, junto com um roxo escuro. Jenna percorreu os dedos ao longo das curvas e arcos dos seus glifos, maravilhando-se com a beleza sobrenatural.

– Tudo o que eu achava que sabia é diferente agora – ponderou em voz alta enquanto permanecia no círculo dos braços dele, distraidamente tracejando os desenhos dos glifos que desciam. – Tudo mudou agora. Eu mudei, de maneiras que nem sei se farão sentido para mim. – Levantou o olhar. – Não estou atrás de mais confusão em minha vida. Não acho que eu seja capaz de lidar com mais isso além de todo o resto.

Ele sustentou o seu olhar, sem julgá-la, revelando apenas paciência e uma aura de controle imperturbável.

– Você está confusa agora, enquanto te toco... ou quando a beijo?

– Não – disse ela, surpresa ao constatar isso. – Nem antes.

– Isso é bom. – Ele se inclinou e clamou sua boca novamente, sugando o lábio inferior, capturando-o entre os dentes ao afagar suas costas, depois espalmando a mão na curva das nádegas. Apertou-a com possessividade, rebocando o corpo eletrizado ao longo da sua ereção. Esfregou o nariz na curva do pescoço, os lábios quentes e úmidos em sua pele. Quando falou de novo, sua voz estava mais grossa do que antes, carregada do mesmo tipo de avidez que a percorria. – Permita-se sentir prazer, Jenna. Se quiser, é só isso o que precisa acontecer entre nós. Sem pressão, sem amarras. Sem promessas que nenhum de nós está pronto para fazer.

Ah, Deus. Parecia tão bom, tão tentador, ceder ao desejo que vinha crescendo entre eles desde que ela despertou no complexo da Ordem. Não estava pronta para abrir o coração novamente, talvez nunca estivesse pronta para essa vulnerabilidade de novo, mas não sabia se era forte o bastante para resistir ao presente que Brock estava lhe oferecendo.

Ele a beijou na base da garganta.

– Está tudo bem, Jenna. Entregue o resto para mim agora. Liberte-se de tudo, exceto disto.

– Sim. – Ela suspirou, sem conseguir refrear um arquejo quando as carícias trafegaram por seu corpo. As mãos fortes e habilidosas lançaram picadas de energia pelas suas veias, o talento sobrenatural sugando todo o peso remanescente de tristeza, de dor e de confusão. A boca ardente e habilidosa deixou apenas sensações e avidez em seu rastro.

Ele beijou uma pequena trilha ao longo do pescoço, depois pelo maxilar, até que seus lábios se encontraram com os dela uma vez mais. Jenna acolheu sua paixão, abrindo-se para ele enquanto a língua passava pelo vale entre seus lábios. Ele gemeu quando ela o sugou para dentro, grunhiu uma aprovação absolutamente masculina enquanto ela passava os dedos ao redor da sua cabeça, segurando-o com mais firmeza ao encontro da sua boca.

Deus, ela não fazia ideia de quanto necessitava do toque de um homem. Ficara tempo demais sem aquela intimidade, forçosamente se privando do contato sexual e daquele tipo de relaxamento. Por quatro anos, convencera-se de que não queria nem precisava daquilo, apenas mais um castigo autoimposto pela grave ofensa de ter sobrevivido ao acidente que matara seus entes queridos.

Acreditara-se imune ao desejo; no entanto, ali com Brock, todas aquelas barreiras antes impenetráveis estavam sendo derrubadas, caindo ao seu redor como se não fossem mais do que folhas secas. Ela não conseguia sentir culpa pelo prazer que ele estava lhe proporcionando. Não havia como saber se pela habilidade de Brock de absorver a sua angústia ou pelo desejo reprimido. Só o que ela conhecia era a intensidade crescente das reações do seu corpo ao dele, uma onda de prazer e de antecipação que a deixava sem ar e querendo ainda mais.

As mãos grandes passaram para os ombros, depois começaram sua viagem para os seios. Através do algodão fino da camisa dela, os mamilos endureceram, ficando rijos e doloridos, vivos com sensações a cada carícia aplicada. Jenna gemeu, querendo mais dos toques dele. Capturou sua mão e a guiou por baixo da bainha larga da camisa. Ele não precisou de mais orientações. Em menos de um segundo, soltou o fecho do sutiã e cobriu a pele nua com a palma quente. Brincou com o botão duro ao acariciá-la.

– Melhor assim? – murmurou ele, logo abaixo da orelha. – Diga se está gostando.

– Deus... Sim! – Era tão bom que ela mal conseguia formar palavras.

Jenna sibilou de prazer, jogando a cabeça para trás enquanto uma sensação espiralada se contraía em seu íntimo. Ele continuou tocando-a, beijando-a e acariciando-a, enquanto lentamente tirava sua camisa. Fez o mesmo com o sutiã aberto, deslizando as alças finas pelos ombros, escorregando-as pelos braços. De repente, ela estava nua da cintura para cima diante dele. O instinto de se cobrir – de esconder as cicatrizes que cruzavam seu tronco por causa do acidente, e aquela no abdômen que era um lembrete diário do difícil trabalho de parto de Libby – surgiu de leve, mas apenas por um instante.

Só pelo tempo que demorou para erguer a cabeça e se deparar com o olhar de Brock.

– Você é linda – disse ele, pegando-lhe as mãos com suavidade e afastando-as do corpo antes que ela tivesse a oportunidade de se sentir envergonhada pelo elogio dele ou pela sua observação franca.

Nunca se sentira especialmente bela. Confiante e capaz, bem fisicamente e forte. Essas palavras ela entendia e aceitava. Palavras que a acompanharam em boa parte dos seus trinta e três anos de vida, mesmo durante o casamento. Mas linda? Era-lhe tão estranha quanto o idioma desconhecido que se ouvira falar no vídeo na enfermaria no dia anterior.

Brock, este sim, era lindo. Ainda que parecesse uma palavra esquisita para descrever a sombria força da natureza que estava diante dela.

Cada mancha castanha dos olhos dele sumira, devorada pelo brilho âmbar que aquecia suas faces como uma chama viva. As pupilas afinaram parecendo fendas, e as faces magras agora estavam mais angulares, a pele escura imaculada esticada por sobre os ossos, ressaltando a aparência atordoante das presas longas e afiadas.

Aqueles olhos ardentes prenderam os seus, enquanto ele tirava a camiseta e a deixava cair no chão ao lado dela. O peito era incrível, uma parede maciça de músculos bem torneados cobertos por um desenho intricado de glifos pulsantes. Ela não resistiu ao desejo de tocar a pele lisa, só para ver se era tão sedosa sob seus dedos quanto lhe parecia ao olhar. Era ainda mais macia do que imaginara, mas a força absoluta e sobrenatural abaixo dela era inconfundível.

Brock lhe parecia tão letal quanto fora ao salvá-la na cidade, a não ser, talvez, pela ira gélida que emanara dele como em ondas aquela noite, pois agora ele vibrava com algo igualmente agressivo e intenso: desejo. Todo centrado nela.

– Você está... Maldição, Jenna – ele disse rouco, tracejando a linha do seu ombro, depois circundando a ponta rósea do seu seio. – Você não faz ideia de quanto é adorável, faz?

Ela não respondeu, nem saberia como. Em vez disso, aproximou-se e puxou a boca dele para a sua para mais um beijo ardente. Pele contra pele, os seios esmagados contra os músculos firmes do peito dele, Jenna quase entrou em combustão de tanto desejo. Seu coração batia forte, a respiração acelerada, enquanto Brock abaixava a mão e descia o zíper de seus jeans. Ela mordeu os lábios quando ele deslizou as mãos entre a cintura da calça e a pele dos seus quadris, depois fez descer os jeans por sobre a calcinha branca. Ele se afundou sobre os calcanhares, acompanhando a descida dos jeans com as mãos.

Tomou cuidado perto do ferimento a bala, a fim de não mexer no curativo que envolvia a coxa.

– Tudo bem? – perguntou, erguendo o olhar para ela, a voz grave tão rouca que ela mal a reconheceu. – Se houver dor, posso cuidar dela.

Jenna balançou a cabeça.

– Não está doendo. Está tudo bem, mesmo.

Os olhos reluzentes âmbar se fecharam baixando os cílios ao voltar para a tarefa que tinha em mãos. Com os jeans removidos, ele se apoiou nos calcanhares e olhou para ela, deslizando as mãos para cima e para baixo na extensão das suas pernas.

– Tão, tão linda – ele a elogiou, depois inclinou a cabeça e pressionou os lábios no triângulo de algodão branco entre as coxas, a única peça de roupa que a cobria agora.

Jenna expeliu um suspiro trêmulo quando ele prendeu o tecido entre os dentes e as presas. Com o olhar carregado de propósito, fitou-a, as mãos ainda acariciando as pernas, e puxou a peça antes de soltá-la, deixando voltar ao seu lugar, cobrindo a pele aquecida. Ele a seguiu com a boca, beijando-a de novo, com mais determinação agora, afastando o irrisório pedaço de pano e esfregando o rosto ainda mais na fenda úmida do seu sexo.

As mãos a seguravam pelas nádegas enquanto ele a explorava com os lábios e a língua e o resvalar erótico dos dentes na pele úmida do seu centro. Despiu-a da calcinha, depois afastou as coxas e a sugou novamente. Levou uma mão até o meio das pernas, acrescentando o toque dos dedos à habilidade enlouquecedora da boca. Jenna estremeceu, perdida em sensações e a pouco menos do que uma inspiração de desfalecer.

– Céus – arfou ela, tremendo quando ele sondou suas dobras com a ponta do dedo, penetrando-a apenas de leve, enquanto seus beijos a deixavam cada vez mais tensa. Moveu-se na direção dele, inundada pelo calor. – Meu Deus... Brock, não pare.

Ele gemeu ao encontro da umidade dela, um longo ronronar de evidente apreciação masculina que vibrou em seus ossos e músculos até seu cerne aquecido. O clímax de Jenna a atravessou tal qual uma tempestade. Estremeceu com a sua força, exclamando quando o prazer a assolou e a fez subir aos céus. Quase se desfez, a sensação pairando quase como poeira estelar enquanto ela espiralava mais e mais alto, com tremores de puro deleite trespassando-a, um após o outro.

Sentia-se sem ossos ao flutuar de volta à realidade. Sem ossos e exausta, apesar de seu corpo ainda estar vibrando, repleto de sensações. E Brock ainda a beijava. Ainda a afagava com os dedos, arrancando cada um dos tremores restantes enquanto ela se agarrava aos ombros largos e arfava com o prazer dos tremores.

– Acho que eu estava precisando disso – sussurrou, estremecendo quando o riso baixo dele ecoou em sua pele ainda sensível. Ele a beijou no interno da coxa, mordiscando de leve, e suas pernas vacilaram um pouco sob o próprio peso. Ela se deixou cair para a frente, envolvendo Brock pelas costas. – Ah, meu Deus. Eu não imaginava o quanto precisava disso.

– O prazer foi meu – ele disse, rouco. – E ainda não terminei. – Mudou de posição debaixo dela, passando o braço ao seu redor e acomodando-a sobre o ombro. – Segure firme em mim.

Ela não teve escolha. Antes de entender o que ele pretendia, ele já se levantava. Carregou-a como um peso morto sobre um ombro e se pôs de pé, como se ela não passasse de um fardo de penas. Jenna se segurou como ele lhe dissera, sem deixar de admirar a força absoluta com que ele caminhava até o quarto adjacente. Vestindo apenas os jeans, os músculos das costas se flexionavam e contraíam debaixo da pele lisa a cada longa passada, um concerto perfeito de boa forma e talhe.

Não havia dúvidas, ele era lindo.

E seu corpo já eletrizado zunia com calor renovado quando ela percebeu que ele a carregava direto para a imensa cama king size.

Ele afastou a colcha e o lençol, depois a depositou na beira do colchão. Jenna observou com desejo crescente enquanto ele desabotoava os jeans e os retirava. Ele não estava usando nada por baixo. Glifos elaborados tracejavam a cintura estreita e o quadril, descendo pelas pernas vigorosas. As cores pulsavam e se transformavam, atraindo seu olhar por um breve instante da ereção evidente, que estava rija e imensa enquanto ele apenas observava enquanto ela o avaliava dos pés à cabeça.

Jenna engoliu com a boca seca quando ele se aproximou dela, devastador em toda a sua nudez. O olhar reluzente ainda mais brilhante, as presas ainda mais alongadas.

Ele parou perto da cama, crispando a testa quando ela se deteve no seu olhar transfigurado.

– Está com medo de mim... deste jeito?

Ela só balançou a cabeça de leve.

– Não, não estou com medo.

– Se estiver preocupada com relação a uma possível gravidez...

Ela voltou a balançar a cabeça.

– Meus danos internos no acidente cuidaram disso. Não posso engravidar. De toda forma, pelo que soube, DNA humano e da Raça não se misturam.

– Não – confirmou ele. – E em relação a quaisquer outras preocupações que possa ter, está segura comigo. Não existem doenças nos da minha espécie.

Jenna assentiu.

– Confio em você, Brock.

O crispar da testa dele diminuiu, mas ele permaneceu imóvel.

– Se não tiver certeza, se não é isso o que você quer, então o que lhe disse antes ainda vale. Podemos parar a qualquer instante. – Ele riu baixinho. – Acho que isso pode acabar comigo agora, já que está toda sensual na minha cama, mas eu paro. Que Deus me ajude, mas eu paro.

Ela sorriu, emocionada por alguém tão poderoso demonstrar tamanha honra e humildade. Ela afastou o lençol e abriu espaço para ele ao seu lado.

– Não quero parar.

A boca dele se abriu num sorriso amplo. Com um grunhido, foi em frente e sentou na cama ao seu lado. A princípio, apenas se tocaram e se acariciaram, beijando-se com suavidade, aprendendo mais sobre seus corpos. Brock foi paciente, apesar de a tensão em seu corpo revelar que ele estava se torturando por se refrear. Foi atencioso e carinhoso, tratando-a como uma amante querida, apesar de terem concordado de antemão que aquilo entre eles jamais seria outra coisa além de algo casual, sem amarras.

Para Jenna, parecia incrível que um homem que ela mal conhecia – aquele macho da Raça que tinha todo o direito de assustá-la – pudesse lhe parecer tão familiar, tão íntimo. Brock, porém, dificilmente era um estranho. Ele estivera ao seu lado em meio ao seu pesadelo pessoal, e de novo nos dias de sua recuperação ali no complexo. E a procurara naquela noite em que estivera sozinha e ferida na cidade, um improvável salvador sombrio.

– Por que fez aquilo? – perguntou baixinho, os dedos percorrendo os dermaglifos que se curvavam pelos ombros e desciam pelo peito. – Por que ficou comigo no Alasca e depois todos aqueles dias na enfermaria?

Ele ficou em silêncio por um momento, as sobrancelhas escuras unidas sobre o olhar reluzente.

– Odiei ver o que aconteceu com você. Você era apenas uma inocente que se viu em meio a um tiroteio. Você é humana. Não merecia ser arrastada para o meio da nossa guerra.

– Já sou uma garota crescida. Sei lidar com isso – disse, uma resposta automática que não sentia verdadeiramente. Ainda mais depois dos resultados perturbadores dos seus exames de sangue. – E quanto a agora? O que estamos fazendo aqui, quero dizer... Isto faz parte do seu programa “seja legal com a humana” também?

– Não. Claro que não. – A carranca dele se acentuou a ponto de mostrar raiva. – Acha que isso é pena? É isso o que você acha que é? – Ele inspirou fundo, revelando as pontas das presas ao rolá-la de costas e ficar sentado em cima dela. – Para o caso de não ter percebido, estou excitado pra caramba por você. Se me excitar mais, acabo explodindo.

Para provar seu ponto de vista, ele deu uma estocada nada sutil com o quadril, acomodando-se entre as dobras úmidas de seu sexo. Ele bombeou algumas vezes, fazendo a rigidez do membro entrar e sair da fenda dela, atiçando-a com o calor da sua excitação. Passou o braço por trás do joelho dela, levantando-lhe a perna até seu ombro, virou o rosto para a coxa e deu-lhe uma mordiscada.

– Isto é desejo puro e simples, nada de piedade – disse, sua voz rouca ao penetrá-la, longa e profundamente.

Jenna não conseguiria formular uma resposta mesmo que tentasse. A sensação atordoante de tê-lo preenchendo-a, estendendo-a cada vez mais a cada estocada, era tão sobrepujante que lhe roubou o fôlego. Ela se segurou a ele com as duas mãos enquanto ele lhe capturou a boca num beijo ardente, balançando acima dela, o corpo se movimentando num ritmo exigente.

A crista de um novo clímax já se formava dentro dela, e não conseguiu contê-lo. Sentiu o calor do próprio sangue nas veias, a pulsação imperiosa de Brock também, reverberando sob seus dedos e em cada terminação nervosa. Seus ouvidos estavam tomados pelo som do seu grito silencioso de libertação, pela fricção dos corpos unidos se retorcendo sobre os lençóis. O cheiro do sexo e do sabonete e do suor limpo na pele quente a intoxicaram. O sabor dos beijos ardentes de Brock em seus lábios só a fazia desejar outros mais.

Ela tinha fome, de uma maneira inexplicável.

Tinha fome dele, tão profunda que parecia retorcê-la de dentro para fora.

Queria saboreá-lo. Saborear o poder que ele era.

Arfando após o clímax, afastou-se da boca dele. Ele praguejou algo sombrio sob o fôlego, as investidas cada vez mais intensas, as veias e os tendões saltando no pescoço e nos ombros como cabos espessos elevando-se da pele.

Segurando-se a ele, Jenna deixou a cabeça pender por um momento, tentando se perder no ritmo dos corpos. Tentando não pensar na dor que corroía suas entranhas, no impulso confuso, porém irresistível que atraía seu olhar para o pescoço forte. Para as veias saltadas que pulsavam como tambores de guerra aos seus ouvidos.

Pressionou o rosto na coluna forte do pescoço dele e percorreu a língua no ponto pulsante que encontrou ali. Ele gemeu, um som prazeroso que só servia como combustível para o fogo que ainda queimava dentro dela. Ela se aventurou um pouco mais, cerrando os dentes sobre a pele dele. Brock grunhiu uma imprecação, e ela mordeu com um pouco mais de força, sentindo a onda de tensão que atravessou todo o corpo dele, que estava no limiar agora, os braços como granito ao redor dela, cada estocada dos quadris ficando mais intensa.

Jenna cravou os dentes com mais força na pele suave.

Mordeu até ele ficar louco de paixão...

Até ela sentir o sabor da primeira gota de sangue na língua.

 

 

CONTINUA

Capítulo 8

– Espero que todas estejam com fome – disse Alex, passando pelas portas vaivém da cozinha da mansão, com uma tigela grande de frutas frescas cortadas numa mão e um cesto de biscoitos com ervas aromáticas quentinhos na outra.

Depositou ambos na mesa da sala de jantar diante de Jenna e Tess, que foram instruídas por Alex e as outras mulheres do complexo para que se sentassem e se servissem do café da manhã.

– Como está se sentindo, Jen? – perguntou Alex. – Precisa de alguma coisa? Se quiser erguer a perna, posso pegar um banquinho na outra sala.

Jenna meneou a cabeça.

– Estou bem. – Sua perna estava bem melhor desde a cirurgia da noite anterior, e ela não sentia muitas dores. Só por causa da insistência de Tess é que estava usando uma bengala para se movimentar. – Não precisa ficar me mimando.

– Essa é a minha melhor amiga, a policial do interior – disse Alex, revirando os olhos na direção de Tess e virando a mão num sinal de pouco caso. – Só um machucadinho a bala, não precisam se preocupar...

Jenna caçoou.

– Comparado com a semana que tive, um buraco a bala na coxa é a menor das minhas preocupações.

Ela não estava querendo solidariedade, apenas declarando um fato.

A mão de Tess pousou com suavidade em seu pulso, assustando-a com seu calor e a preocupação genuína no olhar.

– Nenhuma de nós pode fingir saber aquilo pelo que você passou, Jenna, mas espero que entenda que estamos aqui para cuidar de você agora. Você está entre amigas, todas nós.

Jenna resistiu ao efeito de consolo que as palavras de Tess exerciam sobre ela. Não queria se sentir relaxada naquele lugar, entre Alex e aquelas desconhecidas aparentemente gentis.

Nem com Brock.

Muito menos com ele.

Sua mente ainda estava confusa com o resgate inesperado na cidade. Fora um erro sair como havia saído, despreparada e afetada emocionalmente. Não fazia tanto tempo assim que se desligara da polícia para não se lembrar que o melhor modo de se ver em apuros era fugir despreparada em território desconhecido. Só o que reconheceu naquele meio segundo antes de sair do complexo foi o desespero em fugir da sua nova e sombria realidade.

Cometera um clássico erro de julgamento de principiante, incitado pela emoção, e acabara necessitando de resgate para voltar à segurança. Que o seu resgate tivesse surgido na forma de um vampiro formidável e aterrorizante era algo que ela não sabia se um dia conseguiria compreender.

No fundo, sabia que Brock salvara sua vida na noite anterior. Uma parte sua desejava que ele não o tivesse feito. Não queria ficar devendo nada a ele. Não gostava de dever a ninguém, muito menos a um homem que nem podia ser classificado como humano.

Deus, que reviravolta em sua vida...

Com seus pensamentos cada vez mais sombrios, Jenna afastou a mão da de Tess e se recostou na cadeira.

Tess não a pressionou a falar, simplesmente se inclinou sobre a mesa e inspirou um pouco da fragrância que emanava dos biscoitos.

– Hummm – gemeu, o braço fino amparando a curva do ventre arredondado. – É a receita de cheddar e manjericão da Dylan?

– Atendendo a pedidos – respondeu Alex vivamente. – E há mais de onde isso veio, incluindo as incríveis torradas francesas com crème brûlée de Savannah. Falando nelas, é melhor eu ir buscá-las para o banquete.

Enquanto Alex virava e desaparecia novamente na cozinha, Tess lançou um olhar furtivo para Jenna.

– Você ainda não viveu se não provou os biscoitos de Dylan e as torradas de Savannah. Confie em mim, são o paraíso.

Jenna sorriu com educação.

– Tudo me parece muito bom. Nunca fui muito de cozinhar. Minha tentativa de sucesso na cozinha é uma omelete de carne de alce com queijo suíço, espinafre e batatas.

– Carne de alce? – Tess gargalhou. – Bem, posso lhe garantir que nenhuma de nós já experimentou algo parecido. Talvez você possa preparar para nós um dia desses.

– Quem sabe? – disse Jenna sem se comprometer, levantando os ombros.

Se não fosse pela incômoda matéria desconhecida encravada em sua coluna, e agora pelo tiro que a manteria ali sabe lá Deus por quanto tempo, ela já teria ido embora. Não sabia quanto tempo ainda a fariam ficar ali, mas assim que conseguisse sair andando, já era. Não se importava com o que a Ordem precisava saber; não tinha nenhuma intenção de ficar por perto para ser o ratinho de laboratório deles.

Ainda era estranho demais pensar que estava ali com elas, num quartel-general secreto habitado por uma equipe de vampiros guerreiros e por mulheres aparentemente sãs e agradáveis que pareciam felizes e à vontade entre eles.

O surrealismo da coisa toda se intensificou quando Alex e o restante das mulheres da Ordem – cinco lindas jovens e a menina loira chamada Mira – saíram da cozinha com o restante do café da manhã. Conversavam amigavelmente, relaxadas na companhia uma da outra como se tivessem estado juntas a vida inteira.

Formavam uma família, inclusive Alex, apesar de ela ter chegado ali apenas uma semana antes, assim como Jenna.

Um ritmo descontraído se fez na sala de jantar, enquanto pratos com bordas douradas eram passados adiante e completados com todo tipo de comida deliciosa. Taças de cristal eram enchidas com suco até a borda, e delicadas xícaras de porcelana logo se encheram com fragrante café torrado e coado.

Jenna observava tudo em silêncio enquanto a refeição prosseguia. Xarope de bordo aquecido e bolinhas de manteiga rodavam pela mesa, parando por mais tempo com a pequena Mira, que encharcou sua torrada com aquela doçura e cobriu os biscoitos com manteiga como se aquilo fosse cobertura. Mira engoliu um em duas mordidas grandes, depois atacou o resto da refeição com muita vontade.

Jenna sorriu sem querer ante o apetite voraz da menina, sentindo uma pontada de melancolia, senão culpa, quando pensou na filha. Libby sempre fora uma menina cuidadosa, disciplinada e séria, mesmo quando pequena.

Deus, o que não daria para poder ver Libby degustando algo tão simples quanto um café da manhã à sua frente na mesa?

Com os dedos melados, Mira pegou o copo de suco de laranja e sorveu um gole grande. Suspirou de contentamento ao apoiar o copo novamente num baque.

– Pode me passar o chantilly para eu pôr nos pêssegos? – perguntou, cravejando Jenna com seus misteriosos olhos violeta.

Por um instante, Jenna se sentiu capturada por aquele olhar. Dispensou a sensação e pegou a tigela que estava no meio do caminho entre ela e Mira do outro lado.

– Pode, por favor, me passar o chantilly? – Renata a corrigiu de seu lugar à direita da menina. A morena lançou-lhe uma piscadela decididamente maternal e carinhosa ao interceptar a tigela que Jenna segurava.

– Pode, por favor – Mira se corrigiu, não parecendo nem um pouco admoestada.

Jenna cortou um pedaço da torrada e a colocou na boca. Era exatamente o que Tess havia prometido, paradisíaca. Mal conseguiu refrear um gemido alto ao se deleitar com o sabor cremoso de baunilha.

– Gostou? – perguntou Savannah, que estava sentada em uma das cabeceiras da longa mesa de jantar.

– É deliciosa – murmurou Jenna, as papilas gustativas ainda vibrando de êxtase. Lançou um breve olhar, abarcando todas ali reunidas. – Obrigada por me deixarem partilhar disto com vocês. Nunca vi tanta comida junta em minha vida.

– Achou que a deixaríamos morrer de fome? – perguntou Gabrielle da outra cabeceira. Seu sorriso era acolhedor e amigável.

– Não sei bem o que pensei – respondeu Jenna, com honestidade. – Sendo bem franca, acho que ainda não processei tudo isso muito bem.

Gabrielle inclinou a cabeça num leve assentimento, parecendo sábia e serena, ainda que, sem dúvida, devesse ser mais jovem do que Jenna e seus trinta e três anos.

– Isso é compreensível. Você sofreu muito, e a sua situação é sem igual para todos nós.

– A minha situação – Jenna repetiu, refletindo enquanto mexia um pedaço de pão molhado em xarope de bordo em seu prato. – Está falando do objeto não identificado que está alojado na base do meu crânio?

– É, isso – concordou Gabrielle, com um tom gentil na voz. – E o fato de que você teve sorte de escapar do ataque do Antigo com vida. O simples fato de ele ter se alimentado de você e tenha permitido que você vivesse é...

– Inédito – sugeriu a mulher sentada com Gabrielle. Ela tinha cabelos ruivos e o belo rosto salpicado por sardas. – Se soubesse do que ele é capaz, se você tivesse noção do que aconteceu com tantas outras... – A voz se perdeu, um leve estremecimento fazendo o garfo em sua mão tremer. – É um milagre que você esteja viva, Jenna.

– Dylan tem razão – concordou Tess. – Há mais ou menos um ano, quando a Ordem descobriu que o Antigo havia sido despertado, temos tentado localizá-lo e a Dragos, o filho da mãe responsável por trazer de volta ao mundo esse tipo de perigo.

– Não sei qual dos dois é pior – Renata interveio. – O Antigo clamou muitas vidas inocentes, mas é Dragos, o neto sádico do Antigo, quem vem dando as ordens.

– Está dizendo que aquela criatura tem descendentes? – Jenna perguntou, sem conter sua repulsa.

Gabrielle sorveu um gole de café, depois, com cuidado, voltou a depositar a xícara no pires.

– Aquela criatura e outros tantos como ele deram início à Raça na Terra.

– Na Terra? – Jenna exclamou com uma risada descrente. – Está se referido a alienígenas agora? Aquele vampiro que me atacou...

– Não era deste mundo – Savannah concluiu por ela. – É verdade. Não é mais difícil de acreditar do que a existência dos próprios vampiros, se quer saber a minha opinião, mas é a mais pura verdade. Os Antigos estupraram e dominaram depois que aterrissaram aqui há milhares de anos. Com o passar do tempo, algumas das suas vítimas engravidaram com o que se tornaria a primeira geração da Raça.

– Isso faz algum sentido para vocês? – Jenna perguntou, ainda incrédula. Relanceou para Alex, ao seu lado. – Você também acredita nisso?

Alex concordou.

– Depois de conhecer Kade e todos os demais aqui no complexo, como posso não acreditar? Também vi o Antigo com meus próprios olhos, momentos antes de ele ser morto nos despenhadeiros fora de Harmony.

– E quanto a esse outro... Dragos? – perguntou Jenna, curiosa, sem querer, em fazer com que todas as peças desse incrível quebra-cabeça se juntassem se algum modo. – Onde ele entra?

Dylan foi a primeira a falar.

– Ao que parece, Dragos despertou o Antigo muito antes do que supúnhamos. Décadas antes, de fato. Ele o manteve escondido e o usou para criar uma nova leva de Primeira Geração, os membros mais fortes da Raça, visto que são descendentes diretos da linhagem do Antigo e não geneticamente diluídos, como as gerações posteriores.

– Dragos vem criando um exército pessoal dos mais poderosos, dos mais letais membros da espécie – acrescentou Renata. – São criados supervisionados, treinados para serem assassinos impiedosos. Assassinos particulares de Dragos, a quem ele convoca sempre que necessário para os seus desígnios.

Gabrielle assentiu.

– Para criar essa geração, Dragos também precisou de um estoque de mulheres férteis para engravidar do Antigo.

– As Companheiras de Raça – disse Alex.

Jenna olhou para ela.

– E o que são elas?

– Mulheres nascidas com um DNA e características sanguíneas distintas que as tornam capazes de partilhar um elo de sangue vitalício com os membros da Raça e de reproduzir seus filhos – disse Tess, a mão distraída acariciando o ventre distendido. – Mulheres como nós ao redor desta mesa.

O choque e o horror contraíram o íntimo de Jenna.

– Está dizendo que eu...

– Não – disse Tess, balançando a cabeça. – Você é mortal, não é uma Companheira de Raça. O seu hemograma é normal e você não tem a marca que o resto de nós tem.

Ante a confusão estampada no rosto dela, Tess mostrou a mão, que trazia uma marca rubra entre o polegar e o indicador. Era uma minúscula lua crescente com o que parecia uma gota de lágrima caindo em seu centro.

– Todas vocês têm essa tatuagem?

– Não é uma tatuagem – disse Alex. – É uma marca de nascença, Jenna. Todas as Companheiras de Raça têm uma em algum lugar do corpo. A minha está no quadril.

– Não existem muitas de nós no mundo – explicou Savannah. – A Raça considera as Companheiras de Sangue sagradas, mas Dragos não. Ele vem juntando essas mulheres há anos, mantendo-as em cativeiro; deduzimos que com o único propósito de gerarem os assassinos de Primeira Geração. Muitas delas foram mortas, seja por Dragos ou pelo Antigo.

– Como sabem disso? – Jenna perguntou, horrorizada pelo que ouvia.

Na outra ponta da mesa, Dylan pigarreou.

– Eu as vi. As mortas, quero dizer.

A parte policial de Jenna ficou alerta.

– Se vocês têm cadáveres, então têm provas e motivo para entregar esse cretino, Dragos, para as autoridades.

Dylan meneava a cabeça.

– Não vi os corpos. Vi as mortas. Elas... aparecem às vezes. Às vezes falam comigo.

Jenna não sabia se gargalhava ou se deixava a cabeça cair, derrotada.

– Você vê pessoas mortas?

– Toda Companheira de Raça tem uma habilidade ou talento próprio que a torna peculiar de algum modo – explicou Tess. – Para Dylan, é esse dom de se conectar com as outras Companheiras de Raça que já morreram.

Renata se inclinou para a frente, apoiando os antebraços na mesa.

– Através do dom de Dylan, sabemos com certeza que Dragos é o responsável pela morte de inúmeras Companheiras de Raça. E por meio de outra amiga da Ordem, Claire Reichen, cujo talento nos levou a localizar a base de operações de Dragos há alguns meses, sabemos que ele ainda mantém muitas mais. Desde então, a operação de Dragos se escondeu no submundo. Agora a principal missão da Ordem, além de acabar com o maldito o mais rápido possível, é encontrar o quartel-general dele e libertar as suas vítimas.

– Temos ajudado como podemos, mas é muito difícil localizar um alvo móvel – disse Dylan. – Podemos procurar os relatórios das pessoas desaparecidas, procurando por rostos que eu reconheça. E, durante o dia, vasculhamos abrigos para mulheres, orfanatos, albergues... qualquer lugar que possa nos levar às jovens desaparecidas.

Renata assentiu.

– Particularmente aquelas com habilidades extrassensoriais ou outras competências que possam indicar uma Companheira de Raça em potencial.

– Fazemos o que podemos – disse Gabrielle. – Mas ainda não tivemos muita sorte. É como se estivesse nos faltando a chave para desvendar tudo isso e, até a encontrarmos, parece que só ficamos dando voltas.

– Ei, espere um instante – disse Jenna, seu lado policial enferrujado compreendendo a frustração de seguir pistas infrutíferas. – A persistência costuma ser o melhor aliado de um investigador.

– Pelo menos não temos mais que nos preocupar com o Antigo – disse Savannah. – Essa é uma batalha a menos para enfrentar.

Ao redor da mesa de café da manhã, um coro de vozes concordantes ecoou essa declaração.

– Por que o Antigo deixou que você vivesse, Jenna?

A pergunta foi feita por Elise, uma loira baixinha de cabelos curtos do outro lado de Tess. A discreta do grupo, que se parecia com uma flor delicada, mas com um olhar franco e decidido de uma guerreira. Ela, provavelmente, devia precisar dessa força interior, levando-se em consideração a companhia que ela e as demais mulheres naquele complexo tinham.

Jenna baixou o olhar para o prato e refletiu sobre sua resposta. Demorou um tempo para encontrar as palavras.

– Ele me fez escolher.

– O que quer dizer com isso? – disse Savannah, com a testa se franzindo numa pergunta.

O que você decide, Jenna Tucker-Darrow?

Vida... ou morte?

Jenna sentiu todos os olhos cravados nela naquele silêncio. Forçando-se a enfrentar as perguntas não proferidas que pairavam no ar, ela ergueu o olhar. Empinou o queixo e falou sucinta e rapidamente:

– Eu queria morrer. É o que eu teria preferido, ainda mais naquele momento. Ele sabia disso, tenho certeza. Mas, por algum motivo, pareceu querer brincar comigo, então me fez decidir se eu queria ou não morrer naquela noite.

– Puxa, Jen, que horrível... – A voz de Alex se mostrou emocionada. Seu braço a envolveu pelos ombros num gesto de amparo. – Filho da puta cruel.

– Então – continuou Elise –, você disse ao Antigo que a deixasse viver e ele concordou... Simples assim?

Lembrando o momento com vívida clareza agora, Jenna balançou a cabeça com vigor.

– Eu lhe disse que queria viver, e a última coisa de que lembro é dele fazendo um corte no braço e retirando aquela coisa, aquela coisa minúscula que só Deus sabe o que é, e que agora está dentro de mim.

Ela sentiu, mais do que viu, a sutil troca de olhares ao redor da mesa.

– Acham que isso tem alguma significância? – perguntou, dirigindo a pergunta ao grupo como um todo. Tentou abafar a pontada repentina de medo que reverberou em seu peito. – Acham que o fato de ele ter colocado aquela coisa dentro de mim tem alguma importância em eu viver ou morrer?

Alex segurou a mão dela num gesto tranquilizador, mas foi Tess quem falou antes das outras.

– Talvez Gideon possa fazer outros testes para nos ajudar a descobrir isso.

Jenna engoliu em seco, depois assentiu.

Seu prato de comida permaneceu intocado pelo restante da refeição.

Num canto escurecido de um quarto num hotel luxuoso em Boston, onde cortinas pesadas impediam a passagem do menor dos raios solares da manhã, o macho da Raça chamado Dragos estava acomodado numa poltrona acolchoada em seda e tamborilava as unhas da mão na mesinha lateral de mogno. Atrasos o deixavam impaciente, e a impaciência o tornava letal.

– Se ele não chegar nos próximos sessenta segundos, um de vocês terá que matá-lo – disse para o par de assassinos de Primeira Geração que o flanqueavam como Cérberos musculosos de dois metros de altura.

Assim que terminou de falar, no corredor do lado de fora da suíte presidencial, o elevador privativo emitiu uma campainha eletrônica, anunciando a chegada do convidado. Dragos não se moveu de seu canto no quarto, aguardando em silêncio irritado enquanto outro dos seus guardas pessoais criados acompanhava o macho da Raça civil – um tenente na operação secreta de Dragos – até a suíte para a sua reunião particular.

O vampiro teve o bom senso de inclinar a cabeça no instante em que seu olhar recaiu sobre Dragos.

– Mil perdões por mantê-lo esperando, senhor. A cidade está tomada pelos humanos. Pessoas fazendo compras de Natal e turistas – disse ele, o desdém revelado em cada uma das sílabas bem pronunciadas. Tirou as luvas e as colocou nos bolsos do casaco de caxemira. – O meu motorista teve que dar uma dúzia de voltas no hotel antes de conseguirmos nos aproximar da entrada de serviço no andar subterrâneo.

Dragos continuou tamborilando os dedos na mesinha.

– Algo errado com a entrada principal?

Seu tenente, pertencente à segunda geração da Raça, assim como Dragos, empalideceu visivelmente.

– Estamos em pleno dia, senhor. Com toda essa claridade, eu me incineraria em questão de minutos.

Dragos apenas o fitou, nem um pouco incomodado. Também não estava satisfeito com o local inconveniente daquele encontro. Preferiria muito mais o conforto e a segurança da sua residência. Mas isso já não era mais possível. Não depois que a Ordem interferiu em sua operação e o obrigou a buscar refúgio.

Temendo ser descoberto, ele não permitia mais que qualquer um dos seus associados civis soubesse onde seu quartel-general ficava. Como precaução adicional, nenhum deles conhecia a localização das suas propriedades nem da sua equipe. Ele não podia correr o risco de que seus tenentes caíssem no poder da Ordem e o acabassem comprometendo na esperança de que Lucan os poupasse de sua ira.

Só de pensar em Lucan Thorne e nos seus guerreiros, ele ficava com um gosto amargo na boca. Tudo pelo que tanto trabalhara, sua visão de um futuro no qual mal conseguia esperar para pôr as mãos, fora estragado pelas ações da Ordem. Eles o forçaram a bater em retirada. Forçaram-no a destruir o nervo central da sua operação – um superlaboratório de pesquisa científica que lhe custara centenas de dólares e muitas décadas para aperfeiçoar.

Tudo isso desaparecido agora, nada além de cinzas e escombros no meio de uma floresta em Connecticut.

Agora o poder e os privilégios a que Dragos estava acostumado por séculos foram substituídos por esconderijos nas sombras e olhadelas constantes por sobre o ombro para se certificar de que o inimigo não se aproximava. A Ordem o obrigara a fugir e se esconder como um coelho desesperado para se evadir da armadilha do caçador, e ele não gostava nem um pouco disso.

O último incômodo acontecera no Alasca, com a fuga do Antigo, o seu instrumento mais valioso e insubstituível na busca pela derradeira dominação. Já fora bastante ruim que o Antigo tivesse escapado durante seu transporte em seu novo tanque de contenção. Mas o desastre só piorou quando a Ordem não só conseguiu encontrar o laboratório no Alasca como também o fugitivo alienígena.

Dragos perdera essas duas peças fundamentais para os malditos. Não pretendia perder mais nada.

– Quero ouvir boas notícias – disse ao tenente, dardejando o macho por debaixo das sobrancelhas unidas. – Como tem progredido com a sua missão?

– Tudo está a postos, senhor. Esta semana, o alvo e sua família imediata acabaram de regressar aos Estados Unidos das suas férias no exterior.

Dragos grunhiu em concordância. O alvo em questão era um ancião da Raça, com quase mil anos de existência, um da Primeira Geração, de fato, motivo pelo qual Dragos o tinha em mira. Além de querer que Lucan Thorne e seu bando de guerreiros ficassem sem trabalho, Dragos também retornara aos objetivos da sua missão inicial: a extinção sistemática e total de cada um dos Primeira Geração da Raça naquele planeta.

O fato de Lucan e outro membro fundador da Ordem serem Primeira Geração só tornava seu objetivo mais doce. E ainda mais imperativo. Ao acabar com todos os Primeira Geração, exceto seus assassinos criados e treinados para servi-lo inquestionavelmente, Dragos e os outros membros da segunda geração da Raça se tornariam, por consequência, os vampiros mais importantes da atualidade.

E se, ou melhor, quando se cansasse de partilhar o futuro que ele sozinho entreviu e garantiu que acontecesse, então ordenaria ao seu exército pessoal de assassinos que dizimasse cada um dos seus contemporâneos da segunda geração também.

Sentado num silêncio contemplativo e aborrecido, ouvia enquanto seu tenente se apressava em rever os detalhes do plano que o próprio Dragos idealizou poucos dias antes. Passo a passo, tática a tática, o outro macho da Raça discorreu sobre tudo, garantindo-lhe que nada seria deixado ao acaso.

– O Primeira Geração e sua família estão sendo observados em período integral desde que voltaram para casa – disse o tenente. – Estamos prontos para disparar o gatilho dessa operação ao seu comando, senhor.

Dragos inclinou a cabeça num vago assentimento.

– Faça acontecer.

– Sim, senhor.

A mesura profunda e sua retirada foram quase tão agradáveis quanto a noção de que aquele golpe pendente deixaria absolutamente claro para a Ordem que ele podia ter sido atingido, mas estava longe de ser abatido.

Na verdade, sua presença no elegante hotel em Boston, e uma das importantes reuniões de apresentação que levaram semanas para serem arranjadas entre ele e um punhado de humanos influentes escolhidos a dedo, solidificaria a posição de Dragos em sua ascensão para a glória final. Ele praticamente já sentia o gosto do sucesso.

– Ah, mais uma coisa – Dragos chamou seu associado que partia.

– Sim, senhor.

– Se fracassar – disse ele de maneira agradável –, esteja preparado para que eu lhe sirva seu próprio coração.

O rosto do macho empalideceu, ficando branco como o carpete que cobria o piso tal qual neve fresca.

– Não fracassarei, senhor.

Dragos sorriu, expondo tanto os dentes quanto as presas.

– Certifique-se de que isso não aconteça.


Capítulo 9

Depois da bagunça carregada de morte da noite anterior na cidade, Brock considerou um triunfo pessoal que tivesse conseguido evitar Jenna em grande parte do dia após o seu retorno ao complexo.

Depois de ter descartado os dois corpos nas águas gélidas do rio Mystic, ficou sozinho até quase o amanhecer, tentando se libertar da fúria que parecia acompanhá-lo aquela noite.

Mesmo após estar no quartel-general da Ordem por algumas horas pela manhã, a raiva injustificada, e completamente indesejável, que o possuía ao pensar numa mulher inocente se deparando com o perigo fazia com que seus músculos vibrassem com uma necessidade de violência. Algumas boas horas de treino suado com as armas ajudaram a aplacar um pouco desse sentimento. Bem como o banho escaldante de quarenta minutos com o qual se castigara após o treino.

Ele até poderia achar que se sentia bem, com a cabeça no lugar de novo, se não fosse pelos golpes certeiros que Gideon lançara não muito tempo depois.

O primeiro foi a notícia de que Jenna descera depois do café da manhã com as outras mulheres do complexo e lhe pedira para fazer mais exames de sangue e de tecido. Ela havia se lembrado de algo a respeito do tempo passado com o Antigo, algo que Gideon dissera que havia deixado a fêmea valente bem atormentada.

O segundo golpe foi dado quase imediatamente depois que os primeiros resultados dos exames surgiram.

O sangue e o DNA de Jenna haviam mudado significativamente desde a última vez que Gideon os analisara.

No dia anterior, os resultados foram normais. Hoje, tudo estava alterado.

– Não podemos nos precipitar em conclusões. Não importa o que esses resultados possam indicar – disse, por fim, Lucan, em seu tom grave e sério.

– Talvez devamos fazer mais exames – sugeriu Tess, a única fêmea no laboratório de tecnologia no momento. Ela levantou o olhar dos resultados perturbadores para encarar Lucan, Brock e o restante da Ordem, que fora convocada ali para revisar os achados de Gideon. – Devo ir buscar Jenna e levá-la para a enfermaria para mais exames?

– Você até pode fazer isso – disse Gideon –, mas fazer outros exames não vai mudar nada. – Ele tirou os óculos de lentes azul-claras, jogando-os na mesa de acrílico diante dele. Pinçando o alto do nariz, balançou a cabeça de leve. – Esse tipo de mutação de DNA e a reprodução celular massiva simplesmente não acontecem. Os corpos humanos não são avançados o bastante para lidar com as exigências que mudanças dessa significância provocariam em seus órgãos e artérias, sem falar no impacto que algo assim teria no sistema nervoso central.

Com os braços cruzados diante do peito, Brock se recostou na parede ao lado de Kade, Dante e Rio. Não disse nada, esforçando-se para entender tudo o que via e ouvia. Lucan tinha aconselhado que ninguém se precipitasse em conclusões, mas era excessivamente difícil não fazer isso agora, com o futuro bem-estar de Jenna em jogo.

– Não entendo – disse Nikolai do outro lado do laboratório, onde estava sentado à mesa, junto com Tegan e Hunter. – Por que agora? Isto é, se tudo estava normal antes, por que a súbita mutação no sangue e no DNA?

Gideon deu de ombros.

– Pode ser porque até ontem ela esteve num sono profundo, quase em coma. Soubemos que sua força muscular tinha aumentado assim que despertou. Brock testemunhou isso em primeira mão, e nós também, quando Jenna fugiu do complexo. As mudanças celulares que estamos vendo agora podem ter sido uma reação retardada ao seu despertar. Estar consciente e alerta pode ter agido como algum tipo de disparador dentro de seu corpo.

– Ontem à noite ela foi alvejada – acrescentou Brock, refreando o rugido raivoso que lhe constringia a garganta. – Isso pode estar relacionado com o que vemos no sangue dela agora?

– Talvez – disse Gideon. – Tudo é possível, imagino. Isso não é nada que eu, nem ninguém nesta sala, já tenha visto antes.

– Pois é – concordou Brock. – Simplesmente uma maravilha.

No fundo da sala, com os coturnos apoiados na mesa de reuniões enquanto inclinava a cadeira para trás, Sterling Chase pigarreou.

– Levando tudo em consideração, talvez não seja uma boa ideia dar tanta liberdade a essa mulher aqui no complexo. Ela é um grande ponto de interrogação no momento. Por tudo o que sabemos, pode muito bem ser algum tipo de bomba prestes a explodir.

Por um longo instante, ninguém disse nada. Brock odiou esse silêncio. Odiou Chase por exprimir algo que nenhum dos guerreiros quis considerar.

– O que sugere? – perguntou Lucan, lançando um olhar sério para o macho que passara décadas como parte da Agência de Policiamento antes de se juntar à Ordem.

Chase arqueou as sobrancelhas loiras.

– Se dependesse de mim, eu a retiraria do complexo o mais rápido possível. Trancaria-na em algum lugar seguro, bem longe das nossas operações, pelo menos até termos a oportunidade de deter Dragos de uma vez por todas.

O grunhido de Brock surgiu na garganta, carregado de animosidade.

– Jenna fica aqui.

Gideon recolocou os óculos e assentiu na direção de Brock.

– Concordo. Eu não me sentiria à vontade em tirá-la daqui agora. Gostaria de observá-la, para entender melhor o que está acontecendo com ela a nível celular e neurológico, no mínimo.

– Façam como quiserem – disse Chase. – Mas isso será o funeral de todos nós se você estiver errado.

– Ela fica – disse Brock, estreitando o olhar para o outro lado da mesa, que perfurou o ex-agente que sorria.

– Você está todo animado com essa humana desde o segundo em que a viu – observou Chase, o tom leve, mas com a expressão carregada de desafio. – Tem algo a provar, amigo? O que foi... você é um daqueles tolos loucos por uma dama em apuros? O santo padroeiro das causas perdidas. Essa é a sua?

Brock voou por cima da mesa num único salto. Poderia ter acabado com as mãos no pescoço de Chase, mas o vampiro previu o seu ataque e se moveu com a mesma velocidade. A cadeira caiu para trás e, em meio segundo, os dois machos grandes estavam cara a cara, travados numa batalha que nenhum deles poderia vencer.

Brock sentiu mãos fortes afastando-o do confronto, Kade e Tegan, chegando ali antes que ele conseguisse desferir o soco que Chase merecia. E atrás de Chase estavam Lucan e Hunter, os dois e os demais prontos a pôr panos quentes na situação caso um dos machos resolvesse agir.

Encarando Chase com raiva, Brock se permitiu ser afastado, mas só isso. Pelo que não foi a primeira vez, refletiu sobre a natureza antagônica e agressiva de Sterling Chase, e pensou no que fazia com que o de outro modo habilidoso e fantástico guerreiro fosse tão volátil.

Se a Ordem tinha uma bomba acionada com que se preocupar em seu meio, Brock ficou pensando se não estava olhando para ela naquele mesmo instante.

– Por que diabos isso está demorando tanto?

Jenna não tinha percebido que dera vazão à sua preocupação em voz alta até sentir a mão de Alex.

– Gideon disse que queria fazer outros testes na sua amostra. Tenho certeza de que logo vamos ter notícias.

Jenna bufou um suspiro. De bengala na mão, mesmo sentindo apenas uma necessidade mínima de se apoiar nela, levantou-se do sofá no qual estivera sentada e claudicou até o outro lado da sala de estar do apartamento. Fora levada até ali por Alex e Tess depois que colheram a amostra do seu sangue na enfermaria poucas horas atrás, dizendo-lhe que lhe tinham dado o uso daquele espaço pela duração da sua estada no complexo.

Aquela suíte era uma melhora e tanto em relação ao quarto da enfermaria. Espaçosa e confortável, com mobília grande de couro e mesinhas de madeira escura meticulosamente polidas, não entulhadas de tranqueiras. Estantes altas de madeira perfiladas com livros clássicos, de filosofia e história à altura de uma biblioteca. Livros provocativos e sérios que pareciam em contraste com uma prateleira muito bem organizada – caramba, em ordem alfabética – de livros de ficção populares bem ao lado.

Jenna deixou seu olhar passar pelas prateleiras de títulos e autores, necessitando de uma distração momentânea para impedir que pensasse demais no que poderia estar provocando tanta demora para ouvir as respostas de Gideon e dos outros.

– Faz mais de uma hora que Tess está lá – observou, tirando um livro qualquer sobre cantoras de jazz de sua posição na seção de história. Folheou as páginas, mais para dar algo paras as suas mãos fazerem do que por algum interesse real pelo livro.

Enquanto passava pelo capítulo sobre a era dos clubes de jazz dos anos 1920, uma fotografia amarelada escorregou. Jenna a apanhou antes que caísse no chão. O rosto sorridente de uma mulher jovem num vestido de seda cintilante e pele brilhante a fitava da imagem. Com olhos grandes e amendoados e tez de porcelana que parecia reluzir em contraste com os cabelos negros longos, ela era linda e exótica, ainda mais no cenário do clube de jazz ao fundo.

Com sua própria vida num espiral de confusão e preocupação, Jenna sentiu-se perplexa por um momento pelo júbilo evidente no sorriso amplo da jovem. Era uma alegria tão patente, franca, que quase sentiu uma dor física ao vê-la. Ela também já vivenciara esse tipo de felicidade, não? Deus, quanto tempo se passara desde que sentira ainda que metade da vivacidade daquela jovem da fotografia?

Brava com essa sensação de autopiedade, Jenna guardou a fotografia no livro, que devolveu ao seu lugar na prateleira.

– Não aguento mais. Isso está me deixando louca.

– Eu sei, Jen, mas...

– Ao diabo. Não vou mais ficar aqui esperando – disse, virando-se para encarar a amiga. A ponta da bengala se chocou no tapete ao abrir caminho até a porta. – Eles já devem ter alguns resultados a esta altura. Tenho que saber o que está acontecendo. Vou lá agora mesmo.

– Jenna, espere – Alex pediu atrás dela.

Mas ela já estava no corredor, andando o mais rápido que conseguia, apesar do impedimento da bengala e da leve fisgada que trespassava sua perna a cada passo apressado.

– Jenna! – Alex a chamou, com as passadas rápidas ecoando no corredor já deserto.

Jenna prosseguiu pelos corredores de mármore branco polido. A perna começava a latejar, mas ela não se importou. Deixou a bengala de lado, que só a retardava, e faltou pouco para começar a correr na direção das vozes abafadas dos machos logo mais adiante. Ela arfava ao chegar à parede de vidro do laboratório de tecnologia, com suor sobre seus lábios e na testa provocado pela dor.

Seus olhos encontraram Brock antes de qualquer outro membro do grupo aparentemente solene. Seu rosto estava tenso, os tendões do pescoço esticados como cabos, a boca formando uma linha carrancuda, quase ameaçadora. Ele estava no fundo da sala, cercado pelos outros guerreiros, todos aparentando tensão e inquietação, ainda piores agora que ela estava ali. Gideon e Tess estavam próximos ao nicho de computadores na parte anterior do laboratório.

Todos pararam o que estavam fazendo para fitá-la.

Jenna sentiu o peso dos olhares como algo físico. Seu coração se contraiu. Obviamente, eles já tinham a análise de seu sangue. Será que os resultados eram tão horríveis assim?

Suas expressões eram inescrutáveis, todos a mantendo sob observação cautelosa, silenciosa, conforme seus passos desaceleraram diante das portas deslizantes do laboratório.

Deus, olhavam para ela como se nunca a tivessem visto antes.

Não, percebeu, ao notar que o grupo continuava imóvel, olhando para ela através da parede transparente que a separava do grupo solene do outro lado. Olhavam-na como se esperassem que já estivesse morta.

Como se ela fosse um fantasma.

Um medo horrível se instalou em seu estômago, mas ela não pretendia recuar agora.

– Deixem-me entrar – exigiu, irritada e aterrorizada. – Maldição, abram essa maldita porta e me digam o que está acontecendo!

Levantou a mão e cerrou o punho, mas antes que pudesse bater no vidro, as portas deslizaram num sibilo suave. Avançou para dentro, sendo seguida de perto por Alex.

– Podem me contar – disse Jenna, o olhar passando de um rosto silencioso a outro. Demorou-se em Brock, a única pessoa naquela sala, além de Alex, por quem ela sentia alguma confiança. – Por favor... Preciso saber o que descobriram.

– Ocorreram algumas mudanças no seu sangue – disse ele, a voz grave impossivelmente baixa. Gentil demais. – E no seu DNA também.

– Mudanças. – Jenna engoliu em seco. – Que tipo de mudanças?

– Anomalias – Gideon interviu. Quando ela virou a cabeça na direção dele, ficou surpresa pela preocupação no olhar do guerreiro. Ele falava com cautela, parecendo demais com um médico retardando o pior tipo de notícia a dar ao seu paciente. – Descobrimos uma reprodução celular estranha, Jenna. Mutações que estão sendo passadas ao seu DNA e que se multiplicam a uma velocidade excessiva. Essas mutações não estavam presentes na última análise que efetuamos no seu sangue.

Ela balançou a cabeça, tanto pela confusão quanto como um reflexo de negação ao que pensava estar ouvindo.

– Não estou entendendo. Está se referindo a algum tipo de doença? Aquela criatura me infectou com alguma coisa quando me mordeu?

– Nada disso – disse Gideon, lançando um olhar ansioso para Lucan. – Bem, não exatamente.

– Então, o que, exatamente? – ela exigiu saber. A resposta surgiu meio segundo mais tarde. – Ai, meu Deus. Esta coisa na minha nuca... – Ela pôs a mão sobre o ponto em que o Antigo havia inserido o material não identificado do tamanho de um grânulo. – Esta coisa que ele colocou dentro de mim está provocando as mudanças. É isso, não é?

Gideon assentiu de leve.

– É biotecnologia de algum tipo, nada que a Raça ou a espécie humana tenha capacidade de criar. Pelas radiografias mais recentes de hoje, parece que o implante está se integrando à sua medula espinhal num ritmo muito acelerado.

– Tire isso.

Uma rodada de olhares preocupados passou pelo grupo de machos grandes. Mesmo Tess parecia pouco à vontade, sem conseguir sustentar o olhar de Jenna.

– Não é tão simples assim – Gideon respondeu, por fim. – Talvez você deva ver as imagens por si só.

Antes que ela conseguisse pensar se queria ou não ver as provas daquilo que lhe estava sendo dito, a imagem do seu crânio e coluna piscou na tela plana afixada numa parede diante dela. Num segundo, Jenna notou o nauseante objeto do tamanho de um grão de arroz que brilhava no centro da sua primeira vértebra. Os tentáculos que estiveram presentes no dia anterior eram mais numerosos naquela nova imagem.

Muito mais do que centenas a mais, cada tênue feixe entrando – inextricavelmente – ao redor e através da sua medula óssea.

Gideon pigarreou.

– Como disse, o objeto aparentemente é formado por uma combinação de material genético e alta tecnologia avançada. Nunca vi nada assim antes, tampouco consegui encontrar algum tipo de pesquisa científica humana que se assemelhasse minimamente a isso. Considerando-se as transformações biológicas que temos observado em seu DNA e em seu sangue, parece ser a fonte do material genético do próprio Antigo.

O que significava que parte daquela criatura estava dentro dela. Vivendo ali. Vicejando.

A pulsação de Jenna ecoava em seu peito. Ela sentia o fluxo sanguíneo acelerado nas veias, células alteradas que ela imaginava abrindo caminho em seu corpo a cada batida do coração, multiplicando-se, crescendo, devorando-a por dentro.

– Arranquem isso de mim – disse ela, a voz se elevando por causa da angústia. – Tirem essa maldita coisa de dentro de mim ou eu mesma tiro!

Com as duas mãos, ela começou a arranhar a nuca, o desespero fazendo-a agir como louca.

Ela nem percebeu Brock se movendo da sua posição do outro lado do laboratório, mas, em menos de um instante, ele estava bem ao seu lado, as mãos grandes envolvendo-a com os dedos. Os olhos castanhos prenderam-na pelo olhar e não a soltaram.

– Relaxe agora – disse ele, num sussurro gentil, porém com firmeza tirou-lhe as mãos da nuca e segurou-as entre as suas. – Respire, Jenna.

Com os pulmões contraídos, ela emitiu um soluço.

– Solte-me. Por favor, deixem-me em paz, todos vocês.

Ela se afastou e tentou ir embora, mas a pulsação pesada e o tinir em seus ouvidos fez a sala girar ao seu redor com violência. Uma onda obscura de náusea a acometeu, envolvendo-a numa névoa densa e atordoante.

– Te peguei – a voz tranquilizadora de Brock murmurou junto ao seu ouvido.

Ela sentiu os pés deixarem o chão e, pela segunda vez em poucos dias, viu-se amparada pela segurança dos braços dele.


Capítulo 10

Ele não deu explicações para o que estava fazendo ou para onde a estava levando. Apenas saiu do laboratório de tecnologia e a carregou pelo mesmo corredor pelo qual ela viera minutos antes com Alex.

– Solte-me – exigiu Jenna, os sentidos ainda confusos, tinindo a cada longa passada das pernas de Brock. Mudou de posição nos braços dele, tentando ignorar como até mesmo o menor dos movimentos fazia sua cabeça girar e seu estômago revirar. A cabeça pendeu sobre o antebraço forte, um gemido de dor escapando. – Eu disse para me colocar no chão, inferno.

Ele grunhiu enquanto continuava a caminhar.

– Eu ouvi na primeira vez.

Ela fechou os olhos, só porque estava difícil demais mantê-los abertos e ver o teto do corredor se contorcer e girar logo acima enquanto Brock a carregava complexo adentro. Diminuiu o ritmo a certa altura, depois virou, e Jenna abriu os olhos, vendo que ele a levara de volta à suíte que agora era seu quarto.

– Por favor, me ponha no chão – murmurou, a língua grossa, a garganta seca. O latejar por trás dos olhos se tornara uma pulsar firme, o tinido nos ouvidos um lamento agudo que parecia partir seu crânio ao meio. – Deus – arfou, sem conseguir disfarçar a agonia. – Está doendo muito...

– Ok – disse Brock baixinho. – Tudo vai ficar bem agora.

– Não, não vai. – Ela choramingou, humilhada pelo som da sua fraqueza, e pelo fato de que Brock a estava vendo assim. – O que está acontecendo comigo? O que ele fez comigo?

– Isso não importa agora – sussurrou Brock, a voz grave mostrando-se contraída. Uniforme demais para ser confiável. – Primeiro, vamos fazer você superar isto.

Atravessou o quarto com ela e se ajoelhou para acomodá-la no sofá. Jenna se recostou e deixou que ele lhe endireitasse as pernas, não tão perdida no desconforto e na preocupação para deixar de notar o carinho das mãos fortes daquele homem, que, provavelmente, seriam capazes de extrair a vida de alguém com pouco mais do que uma contorção.

– Relaxe – disse ele, as mãos fortes e carinhosas afagando seu rosto, os olhos escuros incitando-a a sustentar seu olhar. – Apenas relaxe e respire, Jenna. Consegue fazer isso por mim?

Ela se acalmou um pouco de pronto, relaxando ao som do seu nome nos lábios dele, o resvalar quente dos dedos que desciam pelo rosto e pelo maxilar e, depois, pela lateral do pescoço. As lufadas curtas de ar que entravam e saíam dos seus pulmões começaram a se acalmar, enquanto Brock amparava a nuca com uma mão e deslizava a outra palma num indo e vindo lento sobre o peito dela.

– Isso mesmo – murmurou, o olhar preso ao dela, intenso e, ainda assim, inacreditavelmente carinhoso. – Solte toda a dor e relaxe. Você está segura, Jenna. Pode confiar em mim.

Ela não sabia por que essas palavras deveriam afetá-la como a afetaram. Talvez a dor a tivesse enfraquecido. Talvez fosse o medo do desconhecido, o abismo da incerteza que subitamente se tornara a sua realidade desde aquela noite gélida e horrenda no Alasca.

E talvez fosse pelo simples fato de que fazia muito tempo, quatro solitários anos, desde que ela sentira a carícia cálida de um homem, mesmo que apenas para oferecer consolo.

Quatro anos vazios desde que se convencera de que não precisava de nenhum contato afetuoso ou intimidade. Quatro anos infindáveis desde que se lembrava do como era se sentir uma mulher de carne e osso, como se fosse desejada. Como se pudesse, um dia, ser capaz de abrir o coração para algo mais.

Jenna fechou os olhos quando lágrimas começaram a arder. Afastou a onda de emoção que surgiu inesperadamente e, em vez disso, concentrou-se nas pontas dos dedos quentes e reconfortantes de Brock em sua pele. Deixou que sua voz a acalentasse, sentindo suas palavras e seu toque trabalharem juntos para ajudá-la a superar a angústia do estranho trauma que parecia estar despedaçando-a de dentro para fora.

– Isso é bom, Jenna. Apenas respire agora.

Ela sentiu a garra de dor em seu crânio relaxar enquanto ele lhe falava. Brock acariciou suas têmporas com os polegares, os dedos esticados em seus cabelos, amparando sua cabeça de maneira reconfortante. O tinir agudo em seus ouvidos começou a diminuir, a desaparecer, até, por fim, sumir de vez.

– Você está indo muito bem – murmurou Brock, a voz mais sombria do que antes, um pouco mais do que um grunhido. – Solte tudo, Jenna. Dê o resto para mim.

Ela exalou um suspiro profundo, sem conseguir mantê-lo dentro de si enquanto Brock a afagava no rosto e no pescoço. Ela gemeu, abraçando o prazer que lentamente devorava sua agonia.

– Isso é bom – sussurrou, sem poder resistir ao desejo de se aproximar do seu toque. – A dor já não é tão forte agora.

– Isso é muito bom, Jenna. – Ele inspirou, parecendo mais um arquejo, depois exalou um gemido. – Liberte-se de tudo.

Jenna sentiu um tremor vibrar por seus dedos enquanto ele falava. As pálpebras se abriram e ela arfou ao vê-lo tão tenso.

Os tendões do pescoço estavam retesados, a mandíbula travada com tanta força que era um milagre que seus dentes não tivessem trincado. Um músculo latejava no rosto delgado. Gotas de suor se formavam na testa e sobre os lábios.

Ele estava com dor.

Uma dor impossível, assim como ela estivera há minutos, antes que seu toque parecesse afastar a agonia.

Foi então que ela entendeu.

Ele não estava simplesmente acalmando-a com as mãos. Ele estava, de alguma forma, tirando a dor dela. Canalizando-a, de propósito, para si.

Ofendida com a ideia, porém ainda mais envergonhada por ter se deixado permanecer ali deitada, imaginando que a carícia dele fosse algo mais do que pura piedade, Jenna se retraiu do seu toque e se pôs sentada num canto do sofá. Respirou fundo de ultraje ao fitar os olhos escuros que reluziam fachos de luz âmbar.

– Que diabos pensa que está fazendo? – arfou, pondo-se de pé.

O músculo que estivera latejando em seu maxilar se retesou quando ele se levantou para enfrentá-la.

– Ajudando você.

Imagens tomaram conta da sua mente em um instante: repentinas lembranças vívidas dos momentos posteriores ao seu cativeiro com a criatura que invadira o seu chalé no Alasca.

Naquele momento, ela também sentira dores. Estivera aterrorizada e em estado de choque, tão devastada de horror e confusão que achou que acabaria morrendo.

E se lembrou das mãos delicadas e cálidas que a confortaram. O rosto de um belo desconhecido sério que entrara em sua vida como um anjo negro e a manteve a salvo, protegida e tranquila, quando tudo em seu mundo fora transformado em caos.

– Você esteve lá – murmurou, atônita por perceber só então. – No Alasca, depois que o Antigo sumiu. Você ficou comigo. Também tirou minha dor naquela hora. E mais tarde, depois que fui trazida para o complexo. Meu Deus... Você ficou comigo o tempo todo em que estive na enfermaria? Os olhos dele permaneceram fixos nos dela, sombrios, inescrutáveis.

– Eu era o único que podia ajudar você.

– Quem te pediu isso? – exigiu saber, num tom sabidamente áspero, mas desesperada por expurgar o calor que ainda trafegava dentro dela, indesejado e espontâneo.

Já era ruim que ele achasse necessário acalentá-la como se ela fosse algum tipo de criança em sua provação prolongada. E ainda pior que ele parecesse pensar ser necessário repetir isso agora também. Maldita fosse se permitisse que ele pensasse, por um segundo sequer, que ela, de fato, desejara seu toque.

Com a expressão ainda carregada pelo que lhe fizera instantes antes, ele meneou a cabeça e imprecou.

– Para uma mulher que não quer a ajuda de ninguém, você bem que parece precisar muito.

Ela mal resistiu à tentação de lhe dizer onde ele podia enfiar sua compaixão.

– Sei cuidar de mim sozinha.

– Como cuidou ontem à noite na cidade? – ele a desafiou. – Como fez há poucos minutos no laboratório, pouco antes que os meus braços fossem a única coisa entre o seu traseiro teimoso e o chão?

A humilhação queimou seu rosto tal qual um tapa.

– Sabe de uma coisa? Faça-nos um favor e não me faça mais favor algum!

Ela se virou para se afastar dele, seguindo para a porta ainda aberta para o corredor. Cada passo miraculosamente sem dor só aumentava sua raiva de Brock, deixando-a ainda mais determinada a colocar o máximo possível de distância entre eles.

Antes que conseguisse se aproximar da soleira, ele se postou diante dela, bloqueando-lhe o caminho, mesmo que ela não tivesse visto ou ouvido ele se mover.

Parou. Encarou-o, atordoada por sua evidente velocidade sobrenatural.

– Saia da minha frente – disse, tentando passar por ele.

Ele deu um passo para o lado, colocando o corpo imenso diretamente diante do dela. A intensidade do seu olhar revelou que ele queria lhe dizer algo mais, mas Jenna não queria ouvir. Precisava ficar sozinha.

Precisava de espaço para pensar sobre tudo o que lhe acontecera... Tudo que ainda estava acontecendo, ficando cada vez mais assustador ao mesmo tempo.

– Saia da frente – disse ela, odiando o leve tremor em sua voz.

Brock lentamente levantou a mão e afastou uma mecha de cabelo da testa dela. Foi um gesto meigo, uma afabilidade que ela tanto precisava, mas que tinha medo de aceitar.

– Você está no nosso mundo agora, Jenna. Quer queira admitir ou não, precisa de ajuda.

Ela observou-lhe a boca enquanto ele falava, desejando não se sentir tão atenta aos lábios cheios e sensuais. Ele ainda estava suportando a sua dor; podia saber pelo ligeiro inflar nas narinas enquanto ele inspirava e expirava de modo controlado. Tampouco a tensão do belo rosto e do pescoço forte se desfizera.

Durante toda a sua vida, ela se esforçou para provar seu valor, primeiro para o pai e para o irmão, Zach, sendo que ambos deixaram claro que duvidavam que ela tivesse o necessário para fazer parte da força policial. Mais tarde, esforçou-se para ser uma mãe e esposa perfeitas. A vida toda fora estruturada numa fundação de força, disciplina e competência.

De maneira inacreditável, enquanto ficava ali diante de Brock, não foi o fato de ele ser algo mais que humano – algo perigoso e alienígena – que fez com que ela quisesse que o chão se abrisse e a engolisse. Foi o medo de que ele pudesse enxergar através da casca de raiva que ela usava como uma armadura, vendo-a como o fracasso solitário e amedrontado que ela, de fato, era.

Brock balançou de leve a cabeça em sua direção enquanto o silêncio se estendia entre eles. Os olhos perscrutaram seu rosto por inteiro antes de se deterem sobre o seu olhar.

– Existem coisas piores do que precisar se apoiar em alguém de vez em quando, Jenna.

– Maldição! Eu disse para sair da minha frente! – Ela pousou as palmas sobre o peito largo e o empurrou com toda a raiva e medo que havia dentro dela.

Brock foi lançado para trás, quase se chocando com a parede oposta do corredor.

Jenna arquejou, assustada e surpresa com o que acabara de fazer.

Horrorizada.

Brock era muito forte, com quase dois metros de altura e mais de cem quilos de músculo e força. Alguém muito mais forte do que ela. Alguém muito mais poderoso do que qualquer outra pessoa que já tivesse conhecido.

As sobrancelhas dele se ergueram em sinal de surpresa.

– Jesus Cristo – murmurou, com muito mais admiração do que raiva na voz.

Jenna suspendeu as mãos diante de si e fitou-as como se elas pertencessem a outra pessoa.

– Ai, meu Deus... Como eu... O que aconteceu?

– Está tudo bem – garantiu ele, voltando para perto dela com aquela enlouquecedora tranquilidade.

– Brock, desculpe. Verdade, eu não queria...

– Eu sei – disse ele, assentindo com seriedade. – Não se preocupe. Você não me machucou.

Uma bolha de histeria subiu-lhe pela garganta. Primeiro, a notícia chocante de que o implante de algum modo estava alterando seu DNA, e agora isso: uma força que não tinha como ser sua, mas, de alguma maneira, era. Relembrou sua fuga da propriedade e as estranhas habilidades linguísticas que pareceu adquirir desde que o Antigo deixara uma parte de si emaranhado em sua medula espinhal.

– Que diabos está acontecendo comigo, Brock? Quando tudo isso vai terminar?

Ele lhe segurou as mãos trêmulas entre suas palmas com firmeza.

– O que quer que esteja acontecendo, você não tem que passar por isso sozinha. Precisa entender isso.

Ela não sabia se ele falava em nome de todos no complexo ou por si só. Ela não tinha voz para pedir uma explicação. Disse a si mesma que não importava o significado das palavras dele; contudo, isso não desacelerou seu coração quando o fitou. Sob o calor dos insondáveis olhos castanhos, ela sentiu os seus piores medos se dissolverem.

Sentia-se aquecida e protegida, coisas que queria negar, mas não podia enquanto Brock a estivesse segurando pelas mãos e pelo olhar.

Ele franziu a testa após um longo momento e lentamente soltou-lhe as mãos, deixando as suas deslizarem pelos braços dela, numa carícia sensual, demorando-se o suficiente para deixar claro que aquilo não era nada menos do que íntimo. Jenna sabia disso, e via que ele também sabia.

Os olhos escuros pareceram se aprofundar, engolindo-a. Recaíram sobre sua boca e lá ficaram enquanto a respiração de Jenna saía num suspiro trêmulo.

Ela sabia que devia se afastar dele agora. Não havia motivo para permanecerem perto assim, com meros centímetros separando seus corpos. Menos ainda entre a boca dele e a dela. Só seria preciso um leve inclinar da cabeça dele ou um erguer da dela e seus lábios se encontrariam.

A pulsação de Jenna acelerou ante a ideia de beijar Brock.

Coisa que, quando ele a carregara para o quarto, estivera bem longe dos seus pensamentos. Não muito tempo atrás, quando seu medo e sua raiva a fizeram sibilar e grunhir como um animal selvagem preso numa armadilha de caçador.

Mas agora, enquanto Brock permanecia tão perto que ela sentia o calor do corpo dele irradiando para o seu, a fragrância da pele tentando-a a aproximar o rosto e inspirar seu cheiro, beijá-lo era uma necessidade secreta que pulsava dentro dela a cada batida fugidia do seu coração.

Talvez ele soubesse o que ela estava sentindo.

Talvez ele estivesse sentindo a mesma coisa.

Ele emitiu uma imprecação, depois recuou um passo, encarando-a com ardor e firmeza.

– Ah... droga... Jenna...

Quando ergueu as mãos fortes e segurou o seu rosto com delicadeza, todo o ar pareceu evaporar no quarto. Os pulmões de Jenna pareceram congelar dentro do peito, mas o coração continuava acelerado, batendo tão rapidamente que pensou que ele poderia explodir.

Esperou, num misto de terror e esperança, atônita com a necessidade que tinha de sentir a boca de Brock na sua.

A língua dele molhou os lábios, o movimento permitindo que ela tivesse um vislumbre das pontas das suas presas, reluzindo como diamantes. Ele praguejou novamente, depois se afastou um pouco, deixando uma lufada de ar frio diante dela onde o calor do seu corpo estivera apenas um segundo antes.

– Eu não deveria estar aqui – murmurou com voz espessa. – E você precisa descansar. Fique à vontade. Se não houver cobertas suficientes na cama, encontrará mais no armário do banheiro. Use tudo que precisar.

Jenna teve que se dar um chacoalhão mental para entender a conversa.

– Este... hum... Este quarto é seu?

Ele acenou de leve, já saindo para o corredor.

– Era. Agora é seu.

– Espere – Jenna o seguiu. – E quanto a você? Você tem onde ficar?

– Não se preocupe – disse ele, parando para olhá-la quando ela se apoiou na maçaneta. – Descanse um pouco, Jenna. Te vejo por aí.

O sangue ainda corria quente nas veias de Brock pouco depois, quando ele parou diante de uma das últimas suítes residenciais e bateu à porta fechada.

– Faltam ainda onze minutos para a hora que combinamos – diz a voz profunda e prática do macho da Raça do outro lado.

A porta se abriu, e Brock foi perfurado por um par de olhos dourados inescrutáveis.

– Avon chama – disse Brock à guisa de um cumprimento ao suspender a mochila de couro preta que continha todos os seus pertences pessoais retirados dos seus aposentos. – E o que quer dizer com isso, cheguei onze minutos antes? Não me diga que você vai ser um daqueles colegas de quarto certinhos que fazem tudo seguindo um cronograma. Minhas escolhas são limitadas, já que você e Chase têm os últimos quartos do complexo. E, para falar a verdade, se Harvard e eu tivermos que dividir um quarto, não sei se sobreviveremos uma semana.

Hunter nada disse enquanto Brock passava por ele e entrava no quarto. Ele o seguiu para a parte das camas, tão sorrateiro quanto um fantasma.

– Pensei que fosse outra pessoa – afirmou um tanto tardiamente.

– É mesmo? – Brock girou de frente para o estoico Primeira Geração, verdadeiramente curioso a respeito do mais recente e reservado membro da Ordem. Sem falar no fato de que estava ávido para desviar a mente dos seus pensamentos ardentes a respeito de Jenna Darrow. – A quem esperava além de mim?

– Não importa – respondeu Hunter.

– Ok. – Brock deu de ombros. – Só estou tentando bater papo, mas tudo bem.

A expressão do Primeira Geração continuou impassível, absolutamente normal. O que não era surpresa, levando-se em consideração o modo como o macho fora criado: como um dos assassinos domésticos de Dragos. Inferno, o cara nem mesmo tinha um nome. Como o restante do exército pessoal criado por Dragos a partir do Antigo, referiam-se ao Primeira Geração apenas pelo único propósito da sua vida: Hunter3.

Ele chegara à Ordem há poucos meses, depois que Brock, Nikolai e alguns dos outros guerreiros atacaram uma reunião de Dragos e dos seus tenentes. Hunter fora libertado durante o ataque e agora era aliado contra o seu criador nos esforços da Ordem em acabar com Dragos.

Brock parou diante das duas camas que estavam em cada lado do quarto em estilo modesto. As duas estavam arrumadas com precisão militar, coberta marrom e lençóis brancos sem nenhuma prega, um único travesseiro meticulosamente colocado na cabeceira de cada estrado.

– Então, qual é a sua cama?

– Não faz diferença para mim.

Brock voltou a fitar o rosto impassível e os inescrutáveis olhos dourados.

– É só me dizer em qual costuma dormir e eu pego a outra.

O olhar nivelado de Hunter não se alterou em nada.

– São apenas mobília. Não tenho nenhum apego nem por uma, nem por outra.

– Nenhum apego – repetiu Brock num murmúrio. – Pois é, cara. Talvez você possa me dar algumas dicas sobre essa sua postura “não estou nem aí”. Acho que viria bem a calhar de tempos em tempos. Especialmente no que se refere às mulheres.

Com um grunhido, largou suas coisas na cama da esquerda, depois esfregou as mãos no rosto e na cabeça. O gemido que escapou dele estava carregado de frustração e do desejo retido que vinha abafando desde que se forçara a deixar Jenna e a tentação de que não precisava.

– Maldição – grunhiu, o corpo tinindo de novo só de lembrar o belo rosto erguido ao fitá-lo.

Era como se ela estivesse à espera de um beijo seu. Tudo que era masculino dentro de si afirmara isso com absoluta certeza na hora, mas ele sabia que aquela era a última coisa de que Jenna precisava.

Ela estava confusa e vulnerável, e ele se considerava mais do que um homem que poderia tirar vantagem disso só porque a sua libido clamava por ela. Claro, isso não o fazia se sentir muito melhor a respeito da excitação que, do nada, voltava à vida de novo, deixando toda a sua honradez de lado.

– Que beleza, meu herói – admoestou-se severamente. – Agora vai precisar afundar numa banheira de gelo por uma semana por ter bancado o nobre...

– Está se sentindo mal? – perguntou Hunter, assustando Brock, que não havia percebido que o outro macho ainda estava atrás dele no quarto.

– É... – disse Brock, dando uma risada sardônica. – Não ando muito bem, não. Se quer saber a verdade, não estou me sentindo bem desde que pus os olhos nela.

– A fêmea humana – disse Hunter, com um ar de compreensão grave. – Está aparente que ela é um problema para você.

Brock emitiu um suspiro sem humor algum.

– Acha mesmo?

– Sim, acho. – Não havia julgamento em sua voz, apenas uma declaração dos fatos. Ele falava como uma máquina: total precisão, zero sentimento. – Deduzo que todos no laboratório de tecnologia chegaram à mesma conclusão hoje, quando permitiu que Chase provocasse sua ira por conta dos comentários sobre o seu apego àquela mulher. Suas ações demonstraram uma fraqueza do seu treinamento e, pior, falta de autocontrole. Reagiu de modo impensado.

– Obrigado por notar – respondeu Brock, suspeitando que seu sarcasmo seria desperdiçado no caçador antissocial e imperturbável. – Lembre-me de encher o seu saco daqui até a semana seguinte se um dia chegar a relaxar o bastante para deixar uma mulher o irritar.

Hunter não reagiu, apenas o fitou sem demonstrar nenhuma centelha de emoção.

– Isso não acontecerá.

– Merda – disse Brock, meneando a cabeça ante o soldado Primeira Geração rígido que fora criado na base da negligência e da disciplina do castigo. – Você não deve ter estado com a mulher certa se tem tanta segurança assim.

A expressão de Hunter continuou estoica. Distante e imparcial. Na verdade, quanto mais Brock olhava para ele, mais claramente começava a enxergar a verdade.

– Caramba. Já esteve, algum dia, com uma mulher, Hunter? Meu Deus... Você é virgem, não é?

Os olhos dourados do Primeira Geração continuaram fixos no olhar de Brock como se considerasse aquilo algum teste de força de vontade no qual ele não permitiria que a revelação o afetasse. E Brock tinha que dar o braço a torcer, pois nenhum grau de emoção cintilou naqueles olhos sinistros, tampouco nas feições perfeitamente disciplinadas.

A única coisa que fez Hunter reagir foi o barulho suave de chinelos se arrastando pelo corredor. Uma voz infantil, Mira, chamando da sala de estar.

– Hunter, você está aí?

Ele se virou sem dar nenhuma explicação e foi se encontrar com a garotinha.

– Agora não é uma boa hora. – Brock o ouviu lhe dizer em seu tom modulado e grave.

– Mas não quer saber o que acontece com Harry quando ele põe a capa da invisibilidade? – perguntou Mira, o desapontamento abaixando o tom de sua voz normalmente alegre. – Essa é uma das minhas partes prediletas no livro. Você tem que ouvir esse capítulo. Vai amar.

– Ela tem razão, é uma das melhores partes. – Brock saiu do quarto, sem saber o que o fez sorrir mais: a percepção de que o implacável assassino Primeira Geração era um virgem sem experiência alguma, ou a mais recente notícia, igualmente divertida, de que o encontro que ele aparentemente atrapalhara ao aparecer com as suas coisas era a hora da leitura de Hunter com a mais jovem residente do complexo.

Deu uma piscadela e um sorriso para Mira quando ela se acomodou no sofá e abriu o livro na parte em que havia parado de ler.

– Relaxe – disse a Hunter, que estava de pé, tão duro quanto uma estátua. – Não vou revelar os seus segredos a ninguém.

Não esperou para ver a reação dele, apenas foi andando para o corredor, deixando Hunter olhando-o enquanto saía.


Caçador


Capítulo 11

– Cruzem os dedos, meninas, mas acho que acabamos de encontrar a pista que procurávamos. – Dylan desligou o telefone e girou a cadeira para ficar de frente para Jenna, Alex, Renata e Savannah, todas reunidas na sala de reuniões das Companheiras de Raça nas últimas horas.

Na verdade, chamá-la de sala de reuniões não lhe fazia justiça. Havia pelo menos meia dúzia de computadores numa mesa longa num dos lados da sala, caixas de arquivos suspensos organizados por localização dispostas numa estante alta para facilitar o acesso, quase cada espaço da parede coberto por mapas marcados da Nova Inglaterra e gráficos de investigação detalhados que envergonhariam boa parte das unidades de casos antigos arquivados da polícia. Em meio a esses gráficos, muitos esboços de retratos falados de jovens, os rostos de algumas desaparecidas, a quem a Ordem e suas companheiras diligentes estavam determinadas a encontrar.

Não, Jenna pensou ao olhar ao redor, aquela não era uma mera sala de reuniões.

Aquela era uma sala devotada à estratégia, a uma missão, à guerra.

Jenna acolhia a energia do lugar, ainda mais depois das notícias perturbadoras que recebera a respeito do seu último exame de sangue. Também precisava da distração a fim de não pensar nos inesperados momentos ardentes que partilhara com Brock no quarto dele, ou melhor, no seu. Ela praticamente dera um salto quando lhe surgiu a oportunidade de sair de lá depois que ele foi embora. Fora Alex quem apareceu procurando-a pouco depois, e fora ela quem a trouxera consigo para a sala de guerra das Companheiras de Raça para ter companhia e ficar conversando.

Ela não desejara se interessar pelo trabalho em que as mulheres da Ordem estavam envolvidas, mas, enquanto esteve entre elas, foi quase impossível para a policial dentro de si ignorar o rastro de uma boa busca por informações. Sentou-se um pouco ereta na cadeira ante a mesa de reuniões quando Dylan andou até a impressora para pegar uma folha que acabara de sair da máquina.

– O que conseguiu? – perguntou Savannah.

Dylan bateu a folha na mesa diante das mulheres reunidas.

– Irmã Margaret Mary Howland.

Jenna e as outras se inclinaram para olhar para a imagem escaneada. Era a foto de um grupo de uma dúzia ou pouco mais de garotas e jovens mulheres. Pelo estilo das roupas, parecia ter sido tirada uns vinte anos antes. O grupo estava reunido num gramado abaixo das escadas de uma varanda coberta, no tipo de pose que as estudantes às vezes faziam para a foto escolar anual. A não ser pelo fato de que, naquele caso, não havia uma escola atrás delas, mas uma casa grande, simples, autoproclamada Lar para Mulheres St. John, Queensboro, Nova York.

Uma mulher de meia-idade de rosto gentil usando um crucifixo como pingente e um vestido de verão modesto estava ao lado do grupo reunido debaixo do beiral branco no qual a placa pintada estava suspensa. Uma das moças mais jovens estava com a mulher de mais idade, os ombros finos seguros por mãos carinhosas, o rostinho erguido com um olhar luminoso de afeto.

– É ela – disse Dylan, apontando para a mulher com o sorriso maternal e braços protetores. – Irmã Margaret.

– E ela é...? – perguntou Jenna, sem conseguir conter a curiosidade.

Dylan relanceou para ela.

– Neste instante, se ainda estiver viva, esta mulher é a nossa aposta mais segura para descobrirmos mais sobre as Companheiras de Raça que sumiram ou acabaram mortas pelas mãos de Dragos.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não estou entendendo.

– Algumas das mulheres que ele matou, e provavelmente muitas outras que ele mantém em cativeiro, vieram de abrigos de fugitivas – disse Dylan. – Veja bem, não é incomum que as Companheiras de Raça se sintam confusas e deslocadas na sociedade mortal. A maioria de nós não sabe o quanto é diferente, muito menos o motivo para isso. Além da marca de nascença em comum e das características biológicas, todas nós temos também habilidades extrassensoriais singulares.

– Não o tipo de coisa que você vê nos programas da TV ou em comerciais anunciando serviços de pessoas psíquicas – explicou Savannah. – Talentos verdadeiramente extrassensoriais são normalmente o meio mais seguro de identificar uma Companheira de Raça.

Dylan concordou.

– Às vezes, esses talentos são uma bênção, mas em muitas outras são uma maldição. O meu dom foi uma maldição em boa parte da minha vida, mas, felizmente, tive uma mãe amorosa. Por isso, não importava o quanto eu ficasse confusa ou assustada, sempre tive a segurança de um lar.

– Mas nem todas têm essa sorte – acrescentou Renata. – Para Mira e para mim, foi uma extensa fila de orfanatos em Montreal. E, de tempos em tempos, chamávamos a rua de lar.

Jenna ouvia em silêncio, agradecendo a boa sorte de ter nascido em uma família normal e relativamente próxima, onde o maior problema de infância foi tentar competir com o irmão pelo afeto e pela aprovação dos pais. Ela não conseguia imaginar os tipos de problemas que as fêmeas nascidas com a marca de nascença da lágrima e da lua crescente tiveram que suportar. Seus problemas, por mais incompreensíveis que fossem, pareciam diminuir um pouco enquanto ponderava sobre as vidas que aquelas mulheres tiveram. Para não falar do inferno que as mortas ou desaparecidas tiveram que suportar.

– Quer dizer que vocês acreditam que Dragos visava as jovens que acabavam nesse tipo de abrigo? – perguntou.

– Sabemos disso – disse Dylan. – A minha mãe costumava trabalhar num abrigo para pessoas que fugiam de casa em Nova York. É uma longa história, uma para ser contada outro dia, mas, basicamente, foi descoberto que o abrigo para o qual ela trabalhava havia sido fundado e era dirigido pelo próprio Dragos.

– Ai, meu Deus... – arfou Jenna.

– Ele estivera se escondendo por trás de um nome falso, Gordon Fasso, enquanto circulava em meio à sociedade humana, e ninguém fazia ideia de quem ele fosse até... até ser tarde demais. – Dylan parou para inspirar profundamente e se fortalecer. – Ele matou minha mãe depois que percebeu que havia sido desmascarado e que a Ordem estava se aproximando dele.

– Lamento muito – sussurrou Jenna, com sinceridade. – Perder alguém que se ama para esse tipo de maldade...

As palavras se perderam enquanto algo frio e determinado borbulhou dentro dela. Como ex-policial, ela conhecia o sabor amargo da injustiça e a necessidade de equilibrar a balança. Mas suprimiu esse sentimento, dizendo a si mesma que a luta da Ordem contra aquele inimigo, Dragos, não era sua. Ela tinha as próprias batalhas para enfrentar.

– Tenho certeza de que Dragos vai ter o que merece no final – disse.

Era uma frase inútil, oferecida com certo distanciamento. Mas ela queria muito estar certa. Sentada ali com aquelas mulheres, tendo-as conhecido um pouco melhor no curto tempo em que estava no complexo, Jenna rezava para que a Ordem fosse bem-sucedida ao enfrentar Dragos. Pensar que alguém tão perverso quanto ele estivesse à solta no mundo era inaceitável.

Pegou a imagem impressa e fitou a expressão calorosa da freira, que estava tal qual uma pastora ao lado de seu rebanho vulnerável.

– Como esperam que essa mulher, a Irmã Margaret, possa ajudá-las?

– A rotatividade de pessoal é alta nesses abrigos – explicou Dylan. – Aquele em que minha mãe trabalhava não era exceção. Uma amiga que costumava trabalhar com ela lá me informou o nome da Irmã e me deu a foto. Ela disse que a freira se aposentou há vários anos, mas fez trabalho voluntário em diversos abrigos em Nova York desde meados dos anos 1970. Por isso, é o tipo de pessoa com quem precisamos conversar.

– Alguém que esteve em abrigos por muito tempo e pode ser capaz de identificar antigas residentes a partir dos retratos falados – disse Savannah, indicando os rostos afixados nas paredes.

Jenna assentiu.

– Esses retratos são de mulheres que estiveram em abrigos?

– Esses retratos – disse Alex ao lado de Jenna – são de Companheiras de Raça que estão sendo mantidas por Dragos enquanto estamos aqui conversando.

– Quer dizer que ainda estão vivas?

– Estavam há alguns meses. – A voz de Renata soou dura. – Uma amiga da Ordem, Claire Reichen, usou seu dom de Companheira de Raça, o poder de viajar em seus sonhos, para localizar o quartel-general de Dragos. Ela viu as prisioneiras, mais de vinte, trancadas em celas do laboratório dele. Embora Dragos tenha realocado sua operação antes que pudéssemos salvá-las, Claire tem trabalhado com um desenhista para documentar os rostos que viu.

– Na verdade, é lá que Claire está agora, ela e Elise – explicou Alex. – Elise tem muitos amigos na comunidade civil da Raça aqui em Boston. Ela e Claire têm trabalhado em alguns novos retratos, baseados no que Claire viu no covil de Dragos.

– Depois que tivermos os rostos das prisioneiras – disse Dylan –, podemos começar a procurar por nomes e possíveis familiares. Qualquer coisa que possa nos ajudar a nos aproximar de onde essas mulheres estão.

– E quanto aos bancos de dados de pessoas desaparecidas? – perguntou Jenna. – Vocês compararam os esboços com os perfis listados em grupos como o Centro Nacional de Pessoas Desaparecidas?

– Sim, e voltamos de mãos vazias – disse Dylan. – Muitas dessas mulheres e garotas nos abrigos são fugitivas e órfãs. Muitas são abandonadas. Umas fogem de casa, deliberadamente cortando todos os laços com a família e com os amigos. O resultado final é o mesmo: ninguém sente falta delas ou procura por elas no sistema; portanto, não há registros arquivados.

Renata concordou com um leve grunhido que pareceu falar de sua experiência.

– Quando você não tem nada, nem ninguém, você pode desaparecer, e é como se nunca tivesse existido.

Por causa dos seus anos na força policial do Alasca, Jenna sabia que isso era bem verdade. As pessoas desapareciam sem deixar rastro tanto nas grandes cidades como em pequenas comunidades. Isso acontecia todos os dias, embora ela jamais tivesse imaginado que fosse pelos motivos que Dylan, Savannah, Renata e as outras mulheres lhe explicavam agora.

– Qual o plano de vocês depois que identificarem as Companheiras de Raça desaparecidas?

– Depois que tivermos uma ligação pessoal com pelo menos uma delas – disse Savannah –, Claire pode tentar se comunicar através dos sonhos e, quem sabe, conseguir informações sobre a localização de onde as prisioneiras estão.

Jenna estava acostumada à rápida digestão e compreensão dos fatos, mas sua cabeça começava a girar com tudo o que estava ouvindo. E não conseguia evitar que sua mente procurasse por soluções para os problemas diante dela.

– Espere um instante. Se o dom de Claire a levou ao covil de Dragos uma vez, por que ela não pode simplesmente repetir isso?

– Para que seu dom funcione, ela precisa de algum tipo de elo emocional ou pessoal com a pessoa que está tentando localizar nos sonhos – respondeu Dylan. – O elo dela antes não era com Dragos, mas com outra pessoa.

– O antigo companheiro dela, Wilhelm Roth – explicou Renata, praticamente cuspindo o nome dele. – Ele era uma pessoa cruel, mas, comparada à de Dragos, sua crueldade não era nada. Jamais permitiríamos que Claire tentasse contatar o próprio Dragos. Isso seria suicídio.

– Tudo bem. Então onde nós ficamos com isso? – perguntou Jenna, o “nós” saindo de sua boca antes que ela percebesse o que havia dito. Mas era tarde demais para retirá-lo, e ela estava interessada demais para fingir outra coisa. – Onde você imagina que as coisas vão a partir daqui?

– Tenho esperanças de localizar a Irmã Margaret e que ela possa nos ajudar a desvendar alguma coisa – disse ela.

– Temos como entrar em contato com ela? – perguntou Renata.

A animação de Dylan se arrefeceu um pouco.

– Infelizmente, não há como termos certeza sequer de que ela ainda esteja viva. A amiga da minha mãe disse que ela deve estar com uns oitenta anos agora. A única boa notícia é que seu convento tem sede em Boston, então, existe a possibilidade de ela estar aqui. Por enquanto, só o que temos é seu número do seguro social4.

– Dê esse número a Gideon – sugeriu Savannah. – Tenho certeza de que ele consegue invadir o sistema do governo para conseguir todas as informações de que precisamos sobre ela.

– Foi isso mesmo que pensei – Dylan respondeu com um sorriso.

Jenna pensou em oferecer ajuda para localizar a freira. Ainda tinha amigos na força policial e em algumas agências federais. Com apenas um telefonema ou e-mail, ela poderia pedir um ou outro favor confidencial. Mas as mulheres da Ordem pareciam ter tudo sob controle.

E seria melhor para ela não se envolver em nada daquilo, lembrou-se com severidade, enquanto Dylan pegava o telefone ao lado do seu computador e ligava para o laboratório de tecnologia.

Alguns minutos mais tarde, Gideon e Rio entraram na sala de guerra. Os dois guerreiros receberam um relatório resumido do que Dylan descobrira. Antes mesmo de ela terminar de explicar o que havia descoberto, Gideon se acomodou diante de um computador e começou a trabalhar.

Jenna ficou olhando da sua cadeira junto à mesa enquanto todos os outros, Savannah, Renata, Alex, Rio e Dylan, se reuniram ao redor de Gideon para vê-lo fazer a sua mágica. Savannah estava certa: ele não precisou mais do que alguns minutos para invadir um firewall de um site do governo americano e começar a baixar os registros de que precisavam.

– A Irmã Margaret Mary Howland está bem viva, de acordo com a Administração do Seguro Social – anunciou ele. – Sacou a aposentadoria dela do mês passado, no valor de 298 dólares e alguns trocados num endereço em Gloucester. Estou imprimindo as informações agora.

Dylan deu um sorriso amplo.

– Gideon, você é um deus da tecnologia.

– Meu prazer é servir. – Levantou-se da cadeira e puxou Savannah para um beijo rápido, porém ardente. – Diga que está impressionada, amor.

– Estou impressionada – respondeu ela, rindo ao mesmo tempo em que lhe dava um tapa no ombro.

Ele sorriu, lançando um olhar para Jenna por sobre os óculos.

– Ela me ama – disse ele, puxando a bela companheira num abraço apertado. – Na verdade, ela é louca por mim. Não consegue viver sem mim. Muito provavelmente, está querendo me levar para a cama neste instante para se aproveitar de mim.

– A-hã. É o que você pensa – replicou Savannah, mas havia uma centelha ardente em seu olhar ao fitá-lo.

– Uma pena que não estamos tendo a mesma sorte para conseguir uma pista sobre a Sociedade TerraGlobal – lamentou Rio, o braço passando ao redor dos ombros de Dylan no que pareceu uma manobra instintivamente íntima.

Renata franziu o cenho.

– Nenhuma pista ainda?

– Nada – Gideon interveio. Ele deve ter percebido o olhar confuso de Jenna. – A Sociedade TerraGlobal é o nome da empresa que acreditamos que Dragos esteja usando como fachada para algumas das suas operações secretas.

Alex disse em seguida:

– Lembra-se daquela mineradora que abriu perto de Harmony há alguns meses, a Mineradora Coldstream? – Ante o aceno de Jenna, Alex continuou: – Pertencia a Dragos. Acreditamos que era para ela ter sido usada como uma prisão para o Antigo depois que o transportassem para o Alasca. Infelizmente, todos sabem como isso terminou.

– Conseguimos rastrear a Mineradora Coldstream até a Sociedade TerraGlobal – acrescentou Rio. – Mas só conseguimos avançar até aí. Sabemos que a TerraGlobal tem muitas camadas, mas está demorando demais para conseguirmos dissecá-las. Nesse ínterim, Dragos se esconde cada vez mais fundo, a cada minuto ficando mais longe do nosso alcance.

– Vocês vão pegá-lo – disse Jenna. Tentou ignorar a aceleração do coração ante a necessidade de pegar algumas armas e liderar a busca. – Vocês têm que pegá-lo, então vão pegá-lo.

Rio, com seu rosto marcado por cicatrizes demonstrando determinação ao assentir em concordância, fitou os olhos de Dylan.

– É. Um dia, nós vamos pegar esse filho da puta. Ele vai pagar por tudo o que já fez.

Debaixo do braço forte, Dylan deu um sorriso tristonho. Escondeu-se em seu abraço, tentando abafar um bocejo.

– Venha – disse Rio, afastando uma mecha dos cabelos ruivos dos olhos dela. – Você tem dedicado muitas horas a tudo isso. Agora vou levá-la para a cama.

– Não é uma má ideia – disse Renata. – A noite logo chega e aposto como Nikolai está testando a nova munição na sala de armas. Está na hora de ir buscar meu homem.

Enquanto ela se despedia e saía, Dylan e Rio, Savannah e Gideon faziam o mesmo.

– Quer ficar comigo e com Kade um pouco? – perguntou Alex.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não, estou bem. Acho que vou ficar aqui por alguns minutos, para relaxar um pouco. O dia foi longo e estranho.

O sorriso de Alex mostrou empatia.

– Se precisar de qualquer coisa, sabe onde me encontrar. Certo?

Jenna assentiu.

– Estou bem. Mas obrigada.

Observou a amiga sair e desaparecer lentamente pelo corredor. Quando não restava mais nada na sala a não ser silêncio e tranquilidade, Jenna se levantou e se aproximou da parede com os mapas, gráficos e retratos.

Era admirável o que a Ordem e as suas companheiras estavam tentando fazer. Era um trabalho importante, mais importante do que qualquer outra coisa com que Jenna se deparara no interior do Alasca, ou, na verdade, em qualquer outro lugar.

Se tudo o que ela descobrira nos últimos dias fosse verdade, então o que a Ordem fazia ali era salvar o mundo.

– Jesus Cristo... – sussurrou, atordoada com a enormidade de tudo aquilo.

Ela tinha que ajudar.

Se fosse capaz, mesmo que de uma maneira pequena, ela tinha que ajudar.

Não tinha?

Jenna andou ao redor da sala, com sua própria batalha acontecendo dentro de si. Não estava pronta para participar de algo como aquilo. Não enquanto ainda tinha tantas coisas para descobrir a respeito de si mesma. Com o irmão morto, ela não tinha mais nenhuma família. O Alasca fora seu lar durante toda a vida e agora isso também se fora, uma parte da sua existência anterior apagada para ajudar a Ordem a preservar seus segredos enquanto continuavam a perseguir o inimigo.

Quanto ao seu futuro, não sabia nem por onde começar. A substância alienígena dentro dela era um problema jamais imaginado, e nem adiantava desejar, porque aquilo não sumiria. Nem mesmo a mente brilhante de Gideon parecia capaz de arrancá-la daquela complicação confusa.

E também havia Brock. De todas as coisas que lhe aconteceram entre a invasão do Antigo ao seu chalé e a adoção atual, inesperada, ainda que não insuportável, por todos ali no quartel-general da Ordem, Brock estava se mostrando a coisa com a qual ela menos estava preparada para lidar.

Não estava nem um pouco perto disso no que se referia aos sentimentos que ele lhe provocava. Coisas que ela não sentia em anos, e, muito certamente, não queria sentir agora.

Nada em sua vida era certo, e a última coisa de que precisava era se envolver ainda mais nos problemas que os guerreiros e as suas companheiras enfrentavam.

No entanto, Jenna se viu seguindo para um computador na mesa ali perto. Sentou-se diante do teclado e entrou no navegador da internet, depois entrou num daqueles sites de e-mail grátis e criou uma conta.

Iniciou uma mensagem nova e digitou o endereço de um dos seus amigos da Polícia Federal em Anchorage. Fez uma única pergunta, uma questão a ser investigada confidencialmente como um favor pessoal.

Inspirou fundo, depois apertou o botão de enviar.


O número do seguro social, social security number, é um número de registro que todos os cidadãos americanos têm, como um CPF e um INSS unificados. Através dele, é possível localizar as pessoas, pois esse número é unificado em todo o território nacional. (N.T.)


Capítulo 12

No vestiário ao lado da sala das armas, Brock esticou a mão às costas para aumentar a temperatura da água de quente para escaldante. Com as mãos apoiadas na porta de teca do cubículo reservado, inclinou a cabeça em direção ao peito e agradeceu pelo jato de água cauterizante que lhe batia nos ombros e descia pelo pescoço. Vapor se formava ao seu redor, espesso como névoa, desde a cabeça até o piso de ladrilhos aos seus pés.

– Cristo! – Kade sibilou, alguns cubículos mais distante. – Duas horas direto de treino mano a mano não foi bastante castigo para você? Agora sente a necessidade de ferver vivo aí?

Brock grunhiu, passando a mão pelo rosto enquanto o vapor continuava a se formar e o calor continuava a açoitar seus músculos tensos demais. Encontrara Niko e Chase na sala das armas depois de deixar seus pertences no quarto que partilharia com Hunter. Parecia-lhe razoável esperar que alguns rounds de treinos de lâminas e treinos corpo a corpo bastariam para exaurir um pouco da sua inquietação e distração. Deveria ser assim, mas não foi.

– O que está acontecendo com você, cara?

– Não sei do que está falando – murmurou Brock, levando a cabeça e os ombros mais para baixo do jato de água escaldante.

A zombaria de Kade se fez ouvir no vestiário cavernoso.

– Até parece que não sabe.

– Droga – Brock exalou em meio à névoa que cobria sua cabeça. – Por que estou com a sensação de que você vai me explicar?

Houve o rangido da torneira sendo fechada, seguido pela batida da porta do chuveiro de Kade quando ele seguiu para o vestiário anexo. Alguns minutos depois, a voz de Kade soou do outro cômodo.

– Vai me contar o que aconteceu aquela noite em Southie, na fábrica?

Brock fechou os olhos e emitiu algo muito parecido com um rosnado, até mesmo para os seus ouvidos.

– Não há nada a contar. Havia fios soltos. Cuidei do assunto.

– A-hã – murmurou Kade. – Foi isso mesmo que imaginei que tivesse acontecido.

Quando Brock levantou a cabeça, viu o guerreiro parado diante dele. Kade estava totalmente vestido com jeans e camiseta preta, apoiado na parede oposta. Seu olhar prateado estreitado, como quem sabe o que está acontecendo.

Brock respeitava demais o amigo para tentar enganá-lo.

– Aqueles humanos eram a ralé que não pensaria duas vezes antes de ferir uma mulher inocente. Não acredita que esse tipo de brutalidade deve ser perdoado, acredita?

– Não. – Kade o encarou, depois assentiu com sobriedade. – Se eu me deparasse com alguém que tivesse colocado um dedo sequer em Alex, eu teria matado o desgraçado. Foi o que fez, não foi? Matou aqueles homens?

– Não eram homens, aqueles... – Brock grunhiu. – Eram cachorros raivosos, e o que fizeram com Jenna – aquilo que achavam que poderiam fazer e se safar – provavelmente não foi a primeira vez que machucaram uma mulher. Duvido que Jenna teria sido a última. Então, isso mesmo, acabei com eles.

Por um bom momento, Kade nada disse. Apenas o observou, mesmo depois que Brock voltou a colocar a cabeça debaixo do jato furioso, sem sentir necessidade de mais explicações. Nem mesmo para seu melhor amigo na Ordem, o guerreiro que era como um irmão para ele.

– Maldição – murmurou Kade depois de um longo silêncio. – Você gosta dela, não gosta?

Brock balançou a cabeça, tanto em negação como para tirar a água do rosto.

– Lucan me deu a responsabilidade de cuidar dela, de mantê-la segura. Só estou fazendo aquilo que esperam de mim. Ela é mais uma missão, nada diferente das outras.

– Ah, tá. Sem dúvida – caçoou Kade. – Eu tive uma missão como essa lá no Alasca há não muito tempo. Acho que já te contei uma ou duas vezes sobre ela, não foi?

– Isso é diferente – resmungou Brock. – O que você e Alex têm... Não é a mesma coisa. Alex é uma Companheira de Raça, para começar. Não existe a possibilidade de as coisas ficarem sérias com Jenna. Não sou do tipo que curte relacionamentos de longo prazo e, além disso, ela é humana.

As sobrancelhas escuras de Kade se uniram em sinal de preocupação.

– Não sei se algum de nós pode ter certeza do que ela é agora.

Brock absorveu a verdade dessa declaração com uma onda renovada de preocupação, não só por Jenna, mas pela Ordem e pelo resto da nação da Raça. O que quer que estivesse acontecendo com ela, parecia estar se acelerando naquele mesmo instante. Não tinha como negar que as notícias sobre seus exames de sangue o perturbavam. Sem falar que aquela porção alienígena colocada dentro dela estava se infiltrando cada vez mais em seu corpo, a um nível que nem mesmo Gideon parecia preparado para combater.

Brock emitiu uma imprecação debaixo do jato punitivo de água.

– Se está tentando fazer com que eu me sinta melhor a respeito disso tudo, sinta-se à vontade para parar a qualquer instante.

Kade riu, obviamente se divertindo com tudo aquilo.

– Sabe, não acho que você vá ter uma conversa de coração aberto com seu novo companheiro de quarto, então sou eu, aqui e agora, demonstrando que me importo.

– Sinto-me tocado – murmurou Brock. – Agora caia fora e deixe eu me escaldar em paz.

– Com todo prazer. Toda essa conversa sobre missões e mulheres me lembrou que tenho deveres importantes em meu apartamento que venho negligenciando...

Brock grunhiu.

– Lembranças a Alex.

Kade apenas sorriu ao se despedir, depois seguiu para a saída mais próxima.

Depois que ele se foi, Brock só ficou uns minutos mais debaixo da água. Já estava tarde, mas ele estava energizado demais para dormir. E o lembrete de Kade sobre as mutações biológicas de Jenna fez sua mente acelerar.

Enxugou-se, depois vestiu uma camiseta cinza e jeans escuros. Calçou os coturnos, sentindo uma súbita necessidade de voltar para a sala das armas para gastar um pouco mais de energia até o pôr do sol, quando poderia, por fim, escapar do complexo uma vez mais. Mas suar a camisa não funcionara muito da primeira vez; duvidava que o ajudasse agora.

Sem saber o que o livraria daquela agitação, Brock se viu andando pelo corredor principal do complexo, na direção do laboratório de tecnologia. Os corredores estavam silenciosos, desertos. Nada surpreendente para aquela hora do dia, quando os guerreiros comprometidos estavam com suas fêmeas e o restante dos ocupantes do quartel-general descansava antes do início das patrulhas da noite.

Brock deveria pensar em fazer o mesmo, porém estava mais interessado em saber se Gideon descobrira algo mais a respeito dos exames de sangue de Jenna. Ao entrar no corredor comprido que o levaria até o laboratório, ouviu movimentos em outra das salas do complexo.

Seguindo o barulho de papéis, parou diante da porta aberta do centro de comando da missão das Companheiras de Raça.

Jenna estava sozinha lá dentro.

Sentada à mesa de reuniões, com diversas pastas espalhadas diante de si e muitas outras empilhadas junto ao cotovelo, ela estava reclinada sobre um bloco de anotações, caneta na mão, completamente absorvida pelo que estava escrevendo, o que quer que fosse. A princípio, achou que ela não soubesse que ele estava ali. Mas em seguida, a mão dela parou no meio da página, e a cabeça se ergueu. As mechas de cabelo castanho caíram como seda quando ela se virou para ver quem estava na porta.

Aquela seria a sua chance para se esconder rápido, antes que ela o visse. Ele era da Raça, poderia estar ali e desaparecer antes que os olhos mortais registrassem sua presença. Em vez disso, por algum motivo idiota, sobre o qual não desejava refletir, avançou um passo e pigarreou.

O olhar castanho de Jenna se arregalou ao vê-lo.

– Oi – disse ele.

Ela sorriu de leve, parecendo pega desprevenida. E por que não estaria, depois da maneira como ele havia deixado as coisas entre os dois da última vez em que se viram? Ela pegou uma das pastas e colocou por cima do bloco de anotações.

– Pensei que todos tivessem ido descansar.

– E foram. – Ele entrou ainda mais na sala e passou os olhos nas informações sobre a mesa. – Parece que Dylan e as outras já conseguiram recrutar seus serviços.

Ela deu de ombros, numa negação débil.

– Eu só... estava olhando algumas coisas. Comparando anotações de alguns arquivos, anotando algumas ideias.

Brock se sentou ao lado dela.

– Elas vão gostar disso – disse ele, impressionado por ela estar ajudando. Esticou a mão na direção das suas anotações. – Posso ver?

– Não é nada de mais, mesmo – disse ela. – É só que algumas vezes ajuda alguém de fora dar uma olhada.

Ele relanceou para a letra curva e precisa que preenchia quase toda a página. A mente dela parecia funcionar do mesmo modo organizado, baseado no fluxo lógico das suas anotações e na lista de sugestões que fizera para a investigação das pessoas desaparecidas que Dylan e as outras Companheiras de Raça vinham procurando nos últimos meses.

– É um bom trabalho – disse ele, sem elogiar, apenas declarando um fato. – Dá para ver que você é uma excelente policial.

Outro levantar de ombros de negação.

– Não sou mais policial. Faz tempo que me afastei.

Ele a observou enquanto falava, notando o arrependimento que pairava em seu tom de voz.

– Não significa que não continue boa ainda no que faz.

– Parei de ser boa há algum tempo. Uma coisa aconteceu e eu... perdi minha motivação. – Ela o fitou, sem piscar. – Houve um acidente de carro há quatro anos. Meu marido e nossa filha de seis anos de idade morreram, só eu sobrevivi.

Brock assentiu.

– Eu sei. Lamento por sua perda.

A empatia dele pareceu incomodá-la de algum modo, e ela ficou meio sem saber o que fazer. Talvez lhe fosse mais fácil falar sobre a sua tragédia em seus termos, sem saber que ele já tomara conhecimento dela. Agora ela o fitava incerta, como se temesse que ele a julgasse de alguma maneira.

– Tive dificuldades para... aceitar que Mitch e Libby tinham partido. Por muito tempo, mesmo agora, é complicado entender como eu tenho que seguir em frente.

– Você vive – disse Brock. – É só o que pode fazer.

Ela assentiu, mas havia assombro em seu olhar.

– Você faz parecer tão fácil.

– Fácil não, apenas necessário. – Ele a viu cutucar um clipe torto em um dos relatórios. – Foi por isso que você se retirou do trabalho na polícia, porque não sabia como viver depois do acidente?

Fitando o espaço bagunçado na mesa diante dela, ela franziu a testa, em silêncio por um instante.

– Pedi demissão porque eu não conseguia mais executar minhas funções. Toda vez que eu tinha que me apresentar numa violação de trânsito, mesmo uma simples colisão de para-choque ou um pneu furado, eu chegava tremendo tanto ao local que mal conseguia sair do carro para oferecer ajuda. E nos chamados mais complicados, em acidentes sérios ou brigas domésticas que acabavam em violência, eu me sentia nauseada durante dias. Tudo o que eu aprendi no treinamento e no trabalho pareceu se despedaçar quando aquele caminhão carregando lenha atravessou a estrada escorregadia e destroçou minha vida. – Relanceou para ele, com seus olhos castanho-claros mais obstinados e firmes do que jamais vira. – Deixei de ser policial porque sabia que não conseguiria executar meu trabalho da maneira que ele precisava ser feito. Não queria que ninguém que pudesse depender de mim pagasse pela minha negligência. Por isso, pedi demissão.

Brock respeitava a coragem e a resiliência de Jenna desde que colocara os olhos nela. Agora, sua opinião apenas aumentara.

– Você se importava com o seu trabalho e com as pessoas que dependiam de você. Isso não é um sinal de fraqueza. Isso demonstra força. E, está claro, você amava o seu trabalho. E acho que ainda ama.

Por que essa simples observação atiçaria algum ponto fraco nela ele não entendia, mas teria que ser cego para não notar a centelha defensiva que brilhou em seus olhos. Jenna desviou o olhar ao perceber que deixara aquilo escapar e, quando falou, não havia raiva em sua voz. Apenas um tom de resignação.

– Sabe bastante sobre mim, não? Acho que não sobrou muito que você ou a Ordem não saibam sobre mim a esta altura.

– Alex nos contou apenas o básico – admitiu ele. – Depois do que aconteceu no Alasca, precisávamos saber algumas coisas.

Ela resmungou.

– Quer dizer, depois que comecei a falar coisas sem nexo enquanto dormia e me tornei um fardo indesejável para a Ordem.

– Mais ou menos isso – disse ele, continuando sentado quando ela se levantou e começou a se afastar dele, os braços cruzados diante do peito. Percebeu que ela abandonara por completo a bengala que Tess lhe dera, e que a perna machucada revelava apenas um leve manquejar a cada passo. – Vejo que seu ferimento já está melhorando.

– Está bem melhor. – Ela o fitou por sobre o ombro. – Na verdade, nem era tão grave assim.

Brock inclinou a cabeça como se concordasse, mas ele se lembrava muito bem da gravidade do ferimento. Se ela estava se curando a um ritmo acelerado, deduziu que as mutações genéticas descobertas por Gideon deviam estar por trás disso.

– Estou feliz que esteja se sentindo melhor – disse, pensando que, provavelmente, ela não precisava de um lembrete sobre a matéria desconhecida inserida dentro de si.

Seu olhar se deteve sobre ele, suavizando-se.

– Obrigada pelo que fez na noite passada, ir atrás de mim e me tirar daquele lugar horrível. Acho que você salvou a minha vida. Sei que salvou, Brock.

– Não foi nada.

Deus, ele esperava que ela jamais ficasse sabendo dos detalhes selvagens com que ele lidara com seus agressores. Ela não estaria agradecendo se o tivesse visto em ação naquela noite, nem se tivesse testemunhado o modo violento com que satisfizera tanto a sua sede quanto a sua fúria naqueles humanos desgraçados. Se soubesse do que ele era capaz, ela, sem dúvida, o enxergaria da mesma maneira que o Antigo que a atacara.

Não sabia por que isso o incomodava tanto. Não queria que ela o igualasse a um monstro, pelo menos não enquanto estivesse encarregado pela Ordem de protegê-la. Ela precisava confiar nele, e, como seu protetor designado, ele tinha que se certificar disso. Tinha um trabalho a fazer, e não estava disposto a perder de vista essa responsabilidade.

Mas sua questão com Jenna ia além disso, ele bem sabia. Só não tinha a mínima intenção de dissecar o assunto agora, nem num futuro próximo.

Observou-a se aproximar da parede coberta de mapas e gráficos que documentava a busca pelas Companheiras de Raça que a Ordem suspeitava que Dragos estivesse mantendo em cativeiro.

– Este trabalho é incrível – murmurou Jenna. – Dylan, Savannah, Renata, Tess... Todas as mulheres que conheci aqui são verdadeiramente incríveis.

– Sim, elas são – concordou Brock. Levantou-se e caminhou até onde estava Jenna. – A Ordem sempre foi uma força a ser respeitada, mas, desde que me juntei a ela, tenho visto nossas forças redobrarem por causa do envolvimento das fêmeas deste complexo.

Ela lhe lançou um olhar que ele considerou difícil de interpretar.

– O que foi?

– Nada. – Um leve sorriso tocou seus lábios quando ela meneou um pouco a cabeça. – Só estou surpresa em ouvir isso. A maioria dos homens com quem tive contato no trabalho, inclusive meu pai e meu irmão, preferiria comer seus distintivos a admitir que era melhor para eles trabalhar em equipe com as mulheres.

– Eu não tenho um distintivo – disse ele, retribuindo o sorriso. – E não sou como a maioria dos homens.

Ela riu de leve, mas não desviou o olhar.

– Não, você não é. E mesmo assim, é um dos poucos aqui que não tem uma Companheira de Raça.

Ele pensou nisso, mais do que apenas um pouco intrigado pelo fato de ela estar curiosa sobre sua vida pessoal.

– Trabalho é uma coisa. Assumir uma companheira com um elo de sangue é outra. É um tipo de situação eterna, e sou alérgico a relacionamentos de longo prazo.

Os olhos inteligentes o avaliaram.

– Por quê?

Seria fácil dar-lhe uma resposta charmosa e sem fundamento, do tipo a que estava acostumado a dar quando Kade e os outros tocavam no assunto de Companheiras de Raça e de envolvimentos sentimentais. Mas ele não poderia olhar para Jenna e ser outra coisa a não ser honesto, não importando como isso mudaria a forma como ela o enxergava.

– Relacionamentos de longo prazo aumentam as chances de eu desapontar alguém. Por isso, me esforço para me manter longe disso.

Ela não disse nada por um ou dois minutos. Apenas o encarou em silêncio, os braços ainda ao seu redor, uma centena de emoções acentuando a cor de seus olhos.

– É, sei o que está querendo dizer – disse, por fim, a voz mal passando de um sussurro rouco. – Sei tudo a respeito de desapontar as pessoas.

– Não tem como eu acreditar nisso. – Ele não conseguia enxergar a mulher capaz e confiante deixando de fazer algo que se dispusera a fazer.

– Pode acreditar – disse ela com seriedade, girando sobre os calcanhares e seguindo para junto da outra parede, onde um punhado de retratos falados fora disposto ao longo de mapas e de anotações. Quando voltou a falar, havia uma casualidade em sua voz que parecia forçada. – Então, essa sua alergia a relacionamentos duradouros é alguma novidade para você, ou sempre evitou compromissos?

Ele teve uma imagem mental instantânea de olhos reluzentes e de uma risada maliciosa e musical que ainda ouvia às vezes, como um fantasma à espreita em suas lembranças.

– Já existiu alguém. Bem... Poderia ter havido alguém. Ela morreu há muitos anos.

A expressão de Jenna ficou sombria de remorso.

– Brock, sinto muito. Não tive a intenção de...

Ele deu de ombros.

– Não precisa se desculpar. Isso foi há um século. – Quase literalmente, ele percebeu, atordoado pelo fato de que tanto tempo havia se passado desde que o seu descuido custara a vida de alguém a quem ele, supostamente, deveria ter protegido.

Jenna voltou a se aproximar e se recostou na beira da mesa ao lado dele.

– O que aconteceu com ela?

– Foi assassinada. Eu trabalhava como guarda-costas no Refúgio Secreto de uma família em Detroit na época. Era minha responsabilidade mantê-la a salvo, mas meti os pés pelas mãos. Ela desapareceu sob a minha vigilância. Seu corpo foi encontrado meses mais tarde, brutalizado a ponto de não ser reconhecido, abandonado num rio.

– Ah, meu Deus... – A voz de Jenna saiu suave, carregada de empatia. – Que horrível.

– É, foi mesmo – disse ele, lembrando-se muito bem do horror do que havia sido feito a ela, antes e depois de ser morta. Três meses na água não deixaram mais fácil de olhar o que lhe haviam feito.

– Sinto muito – repetiu Jenna, esticando uma mão para apoiá-la no músculo saltado do bíceps dele.

Ele tentou ignorar a súbita percepção que surgiu com aquele contato. Mas tentar não perceber sua atração por ela era o mesmo que ordenar ao fogo que não fosse quente. Toque-o e você se queimará. Assim como ele queimava agora, quando relanceou para a mão pálida de Jenna em contraste com a sua pele escura.

Quando ele levantou o olhar para ela, percebeu pela forma sutil com que ela inspirava que seus olhos muito provavelmente estavam iluminados por centelhas cor de âmbar, a transformação traindo seu desejo por ela. Ela engoliu em seco, mas não desviou o olhar.

Que Deus o ajudasse, mas ela tampouco retraiu a mão, nem mesmo quando o seu rugido de macho excitado se formou na base da garganta.

Pensamentos do que acontecera com ela há poucas horas em seu apartamento jorraram como uma onda de lembranças ardentes. Não havia mais do que alguns poucos centímetros entre eles, mesmo agora. Ficou imaginando se Jenna queria que ele a beijasse. Estivera inseguro quanto ao que ela sentia, e com a possibilidade de ela estar sentindo algo parecido com seu próprio desejo. Agora, precisava saber com uma ferocidade que o assustava.

Para ter certeza de que não estava interpretando mal, nem que fosse apenas pela sua sanidade, cobriu a mão dela com a sua. Aproximou-se, postando-se de frente para ela, que ainda estava apoiada na mesa.

Ela não se retraiu. Encarou-o bem nos olhos, confrontando-o, bem como ele esperava que ela fizesse.

– Eu não sei bem como lidar com tudo isto – disse ela com suavidade. – As coisas que têm acontecido comigo desde aquela noite no Alasca... Todas as perguntas que talvez nunca sejam respondidas. Sei lidar com isso. De alguma forma, vou aprender a lidar. Mas você... Isto... – Ela baixou o olhar para as mãos unidas, os dedos entrelaçados. – Não sou boa nisso. Meu marido se foi há quatro anos. Não houve ninguém desde então. Nunca estive pronta para isso. Não quis...

– Jenna. – Brock tocou no seu queixo, erguendo-o com suavidade para fitá-la nos olhos. – Tudo bem se eu te beijar?

Os lábios dela vacilaram num sorriso que ele não resistiu a provar. Inclinou a cabeça e a beijou devagar, para que ela se acostumasse, apesar da intensidade do seu desejo.

Embora ela tivesse confessado estar sem prática, ele jamais teria imaginado isso pela sensualidade dos lábios dela ao encontro dos seus. O beijo, tanto suave quanto direto, dando e recebendo, o incendiou. Ele se aproximou, até se ajustar entre suas pernas, precisando sentir o corpo dela pressionado contra o seu enquanto passava a língua ao longo dos lábios aveludados. Correu as mãos pela lateral de seu corpo, ajudando-a a subir na mesa quando a perna machucada começou a tremer.

O beijo fora um erro. Achara que as coisas terminariam ali – apenas um beijo –, mas, agora que começara, ele simplesmente não sabia como encontraria forças para pôr um fim naquilo.

E, pela sensação dela em seus braços, pelos gemidos e sussurros de prazer enquanto os beijos davam início a algo mais poderoso, teve certeza de que ela também queria mais.

Mas, pelo visto, não poderia estar mais errado.

Foi só quando percebeu a umidade em seu rosto que notou que ela estava chorando.

– Jesus – sibilou, recuando de pronto e sentindo-se um cretino ao ver seu rosto marcado pelas lágrimas. – Desculpe. Se eu te pressionei rápido demais...

Ela balançou a cabeça, visivelmente triste, mas sem conseguir falar nada.

– Diga que eu não te machuquei, Jenna.

– Droga. – Ela inspirou fundo. – Não posso fazer isto. Desculpe, a culpa é minha. Eu nunca deveria ter deixado que você...

As palavras foram interrompidas quando ela o empurrou para longe, desvencilhando-se dele, e correu para o corredor.

Brock ficou ali por um minuto, todo tenso e dolorido, ávido de desejo. Deveria deixá-la ir. Considerar aquilo apenas um desastre evitado por um triz e tirar a tentadora Jenna Darrow da cabeça.

Sim, é exatamente isso o que deveria fazer, e ele sabia muito bem disso.

Mas, quando esse pensamento se formou, ele já estava na metade do corredor, seguindo os sons do choro de Jenna até seu antigo apartamento.


Capítulo 13

Jenna se sentia a maior das covardes, uma fraude absoluta, enquanto fugia pelos corredores, tentando engolir as lágrimas. Deixara Brock pensar que não o queria. Provavelmente o fez acreditar que ele a pressionara de algum modo com aquele beijo, quando quase a derretera numa poça na mesa daquela sala de reuniões. Deixou que ele ficasse se preocupando por ter feito algo errado, que talvez a tivesse magoado, e essa era a coisa mais injusta de todas.

No entanto, não conseguira deixar de fugir, precisando colocar alguma distância entre eles com uma determinação que beirava o desespero. Ele a fazia sentir demais. Coisas para as quais não estava preparada. Coisas que ela necessitava com tamanha profundidade, mas que não merecia.

Por isso fugiu, mais aterrorizada do que nunca e odiando a covardia que a fazia colocar pé ante pé. Quando chegou ao quarto, estava tremendo e sem fôlego, lágrimas ainda descendo pelas faces.

– Jenna.

O som da voz grave atrás dela foi como uma carícia ardente em sua pele. Virou-se de frente, atônita com a velocidade e com o silêncio que o levaram até ali não mais do que um segundo depois dela. Mas, em retrospecto, ele não era humano. Não era um homem de fato – uma coisa da qual ela tinha que se lembrar quando ele estava tão próximo, com todo aquele tamanho, a intensidade do olhar se comunicando com tudo o que era feminino dentro dela.

Sua boca ainda estava inchada pelos beijos dele. Sua pulsação ainda batia descompassada. O calor ainda ardia dentro dela.

E como se soubesse disso, Brock se aproximou ainda mais. Esticou o braço e pegou sua mão, sem dizer nada. Não havia necessidade de palavras. Apesar das lágrimas que começavam a diminuir e do tremor das suas pernas, ela não conseguia esconder o desejo que sentia por ele.

Não resistiu quando ele a trouxe para perto, para o calor do seu corpo. Para o conforto dos seus braços.

– Estou com medo – sussurrou ela. Essas palavras não lhe vinham fáceis, como nunca vieram.

Com o olhar preso ao dela, ele lhe acariciou o rosto.

– Não precisa ter medo de mim. Não vou machucar você, Jenna.

Acreditou nele, mesmo antes de ele inclinar a cabeça e resvalar os lábios num beijo dolorosamente carinhoso. De maneira incrível e impossível, confiava naquele homem que não era um homem. Queria as mãos dele sobre si. Queria sentir aquela conexão de novo com alguém, mesmo que não estivesse pronta para pensar em algo além do físico, do desejo de tocar e de ser tocada.

– Está tudo bem – ele murmurou ao encontro da sua boca. – Está segura comigo, prometo.

Jenna fechou os olhos ao absorver suas palavras, as mesmas que a acalmaram na escuridão do seu chalé no Alasca, e de novo na enfermaria do complexo. Brock fora seu elo com o mundo dos vivos depois da sua provação com o Antigo. Sua única corda de segurança durante os infindáveis pesadelos que se seguiram nos dias depois que ela fora trazida àquele lugar estranho, modificada de tantas maneiras.

E agora...?

Agora ela não sabia muito bem como ele se encaixava na confusão que restara da sua vida. Não estava pronta para pensar nisso. Tampouco estava plenamente segura de estar preparada para as sensações que ele lhe provocava.

Recuou um pouco, a dúvida e a vergonha ainda se avolumando na parte dela que ainda lamentava a perda, a ferida aberta em sua alma que há muito tempo aceitara que jamais se cicatrizaria por completo.

Pressionando a testa no calor da solidez de seu peito, no algodão macio que exalava seu cheiro exótico característico, Jenna inspirou profundamente para se fortalecer. E expirou num suspiro entrecortado.

– Será que eu os amava o suficiente? É o que não paro de me perguntar desde aquela noite em meu chalé...

As mãos fortes de Brock alisaram suas costas, fortes e carregadas de compreensão, dando a calma que ela precisava a fim de reviver aqueles momentos torturosos quando o Antigo a pressionara para que ela decidisse o próprio destino.

– Ele me fez escolher, Brock. Naquela noite em meu chalé, pensei que ele iria me matar, mas não matou. Eu não teria lutado se ele matasse. E ele sabia disso, acho. – Na verdade, ela tinha certeza. Naquela noite em que o Antigo invadira sua casa, ela não estava bem. Ele vira a garrafa de uísque vazia no chão e a pistola carregada em sua mão. A caixa de fotografias que ela pegava todos os anos por volta do aniversário do acidente que lhe roubara a família e que a deixara para viver sozinha. – Ele sabia que eu estava preparada para morrer, mas, em vez de me matar, forçou-me a dizer as palavras, a lhe dizer em voz alta o que eu queria mais: vida ou morte. Foi como uma tortura, algum tipo de jogo doentio que ele me fez jogar contra a minha vontade.

Brock resmungou alguma imprecação incompreensível, mas as mãos continuaram suaves às suas costas, carinhosas, num calor tranquilizador.

– Ele me fez escolher – disse ela, lembrando-se de cada minuto insuportável daquela provação.

Mas, ainda pior do que as horas infindáveis do seu aprisionamento e de vê-lo alimentando-se dela, do que o horror de perceber que seu captor não era uma criatura deste mundo, foi o momento terrível no qual ouviu a própria voz rouca dizer as palavras que pareciam rasgar das profundezas mais íntimas e envergonhadas de sua alma.

Quero viver.

Ai, meu Deus... por favor, deixe-me viver.

Não quero morrer!

Jenna engoliu o nó de angústia que se formara em sua garganta.

– Fico pensando que não os amava o bastante – sussurrou, devastada ante esse pensamento. – Fico pensando que, se os amasse de verdade, teria morrido com eles. Que, quando o Antigo me forçou a escolher se queria ou não viver, eu teria feito uma escolha diferente.

Quando o choro ficou preso em sua garganta, os dedos de Brock resvalaram seu queixo. Ergueram seu rosto para seu olhar solene.

– Você sobreviveu – disse ele, a voz firme, mas com infinito afeto. – Foi só o que fez. Ninguém a culparia por isso, muito menos eles.

Ela fechou os olhos, sentindo o peso do arrependimento diminuir um pouco com as palavras reconfortantes que ouvia. Mas o vazio em seu coração era um lugar frio e oco. Um que se tornou ainda maior quando Brock a tomou nos braços, confortando-a. O calor e a preocupação dele penetraram em sua pele como um bálsamo, acrescentando mais emoção ao desejo que não diminuíra por conta da proximidade do corpo forte. Torceu-se no refúgio que era seu abraço, apoiando o rosto na força sólida e firme que ele era.

– Posso acabar com isso, Jenna. – Ela sentiu a pressão da boca, o fluir da respiração em seus cabelos enquanto ele beijava o topo de sua cabeça. – Posso carregar sua dor por você, se quiser.

Havia uma parte nela que se rebelava contra isso. A mulher forte, a policial experiente, aquela que sempre enfrentava qualquer situação, se retraiu ante a ideia de que seu sofrimento pudesse ser pesado demais para ela mesma suportar. Nunca precisou de ajuda, tampouco se dispôs a pedir, jamais. Esse tipo de fraqueza jamais lhe serviria.

Retraiu-se, a recusa na ponta da língua. Mas quando abriu os lábios para falar, as palavras não surgiram. Fitou o belo rosto de Brock, os olhos penetrantes que pareciam enxergar bem dentro dela.

– Quando foi a última vez que se permitiu ser feliz, Jenna? – Ele afagava seu rosto com tanta suavidade, com tanta reverência, que ela estremeceu sob seu toque. – Quando foi a última vez que sentiu prazer? A mão grande desceu ao longo do pescoço. O calor irradiou da palma ampla e dos dedos longos. Sua pulsação acelerou conforme ele espalmou a nuca, o polegar acariciando o ponto sensível debaixo da orelha.

Então, ele a aproximou de si, inclinando-lhe o rosto para se encontrar com o seu. Beijou-a, lenta e profundamente. A fusão vagarosa da boca dele ao encontro da sua lançou uma corrente de calor líquido em suas veias. O fogo se empoçou em seu centro, seu íntimo se enchendo com um desejo ardente e ávido.

– Se você não quiser isto – murmurou ele ao encontro dos seus lábios –, basta dizer. A qualquer hora, eu paro...

– Não. – Ela balançou a cabeça ao erguer a mão para tocar no maxilar forte. – Eu te quero, mas tanto que isso está me assustando demais.

O sorriso dele se espalhou preguiçosamente, os lábios sensuais se afastando para revelar os dentes brancos e a extensão aumentada das presas. Jenna fitou sua boca, sabendo que os instintos básicos humanos de sobrevivência deviam estar disparando todo tipo de alarme, avisando-a de que aproximar-se demais daqueles caninos seria letal.

Mas ela não sentiu medo. Em vez disso, sua mente reconheceu a transformação dele com um sentimento inexplicável de aceitação. Excitação até, enquanto o castanho absorvente de seus olhos começou a reluzir com uma luz âmbar incandescente.

Acima do colarinho da camiseta cinza e debaixo das mangas curtas que se agarravam aos montes firmes dos bíceps musculosos, os dermaglifos de Brock pulsavam em cores. As marcas da pele do membro da Raça assumiram uma cor mais acentuada do que seu costumeiro tom de bronze, tornando-se mais bordô e dourado, junto com um roxo escuro. Jenna percorreu os dedos ao longo das curvas e arcos dos seus glifos, maravilhando-se com a beleza sobrenatural.

– Tudo o que eu achava que sabia é diferente agora – ponderou em voz alta enquanto permanecia no círculo dos braços dele, distraidamente tracejando os desenhos dos glifos que desciam. – Tudo mudou agora. Eu mudei, de maneiras que nem sei se farão sentido para mim. – Levantou o olhar. – Não estou atrás de mais confusão em minha vida. Não acho que eu seja capaz de lidar com mais isso além de todo o resto.

Ele sustentou o seu olhar, sem julgá-la, revelando apenas paciência e uma aura de controle imperturbável.

– Você está confusa agora, enquanto te toco... ou quando a beijo?

– Não – disse ela, surpresa ao constatar isso. – Nem antes.

– Isso é bom. – Ele se inclinou e clamou sua boca novamente, sugando o lábio inferior, capturando-o entre os dentes ao afagar suas costas, depois espalmando a mão na curva das nádegas. Apertou-a com possessividade, rebocando o corpo eletrizado ao longo da sua ereção. Esfregou o nariz na curva do pescoço, os lábios quentes e úmidos em sua pele. Quando falou de novo, sua voz estava mais grossa do que antes, carregada do mesmo tipo de avidez que a percorria. – Permita-se sentir prazer, Jenna. Se quiser, é só isso o que precisa acontecer entre nós. Sem pressão, sem amarras. Sem promessas que nenhum de nós está pronto para fazer.

Ah, Deus. Parecia tão bom, tão tentador, ceder ao desejo que vinha crescendo entre eles desde que ela despertou no complexo da Ordem. Não estava pronta para abrir o coração novamente, talvez nunca estivesse pronta para essa vulnerabilidade de novo, mas não sabia se era forte o bastante para resistir ao presente que Brock estava lhe oferecendo.

Ele a beijou na base da garganta.

– Está tudo bem, Jenna. Entregue o resto para mim agora. Liberte-se de tudo, exceto disto.

– Sim. – Ela suspirou, sem conseguir refrear um arquejo quando as carícias trafegaram por seu corpo. As mãos fortes e habilidosas lançaram picadas de energia pelas suas veias, o talento sobrenatural sugando todo o peso remanescente de tristeza, de dor e de confusão. A boca ardente e habilidosa deixou apenas sensações e avidez em seu rastro.

Ele beijou uma pequena trilha ao longo do pescoço, depois pelo maxilar, até que seus lábios se encontraram com os dela uma vez mais. Jenna acolheu sua paixão, abrindo-se para ele enquanto a língua passava pelo vale entre seus lábios. Ele gemeu quando ela o sugou para dentro, grunhiu uma aprovação absolutamente masculina enquanto ela passava os dedos ao redor da sua cabeça, segurando-o com mais firmeza ao encontro da sua boca.

Deus, ela não fazia ideia de quanto necessitava do toque de um homem. Ficara tempo demais sem aquela intimidade, forçosamente se privando do contato sexual e daquele tipo de relaxamento. Por quatro anos, convencera-se de que não queria nem precisava daquilo, apenas mais um castigo autoimposto pela grave ofensa de ter sobrevivido ao acidente que matara seus entes queridos.

Acreditara-se imune ao desejo; no entanto, ali com Brock, todas aquelas barreiras antes impenetráveis estavam sendo derrubadas, caindo ao seu redor como se não fossem mais do que folhas secas. Ela não conseguia sentir culpa pelo prazer que ele estava lhe proporcionando. Não havia como saber se pela habilidade de Brock de absorver a sua angústia ou pelo desejo reprimido. Só o que ela conhecia era a intensidade crescente das reações do seu corpo ao dele, uma onda de prazer e de antecipação que a deixava sem ar e querendo ainda mais.

As mãos grandes passaram para os ombros, depois começaram sua viagem para os seios. Através do algodão fino da camisa dela, os mamilos endureceram, ficando rijos e doloridos, vivos com sensações a cada carícia aplicada. Jenna gemeu, querendo mais dos toques dele. Capturou sua mão e a guiou por baixo da bainha larga da camisa. Ele não precisou de mais orientações. Em menos de um segundo, soltou o fecho do sutiã e cobriu a pele nua com a palma quente. Brincou com o botão duro ao acariciá-la.

– Melhor assim? – murmurou ele, logo abaixo da orelha. – Diga se está gostando.

– Deus... Sim! – Era tão bom que ela mal conseguia formar palavras.

Jenna sibilou de prazer, jogando a cabeça para trás enquanto uma sensação espiralada se contraía em seu íntimo. Ele continuou tocando-a, beijando-a e acariciando-a, enquanto lentamente tirava sua camisa. Fez o mesmo com o sutiã aberto, deslizando as alças finas pelos ombros, escorregando-as pelos braços. De repente, ela estava nua da cintura para cima diante dele. O instinto de se cobrir – de esconder as cicatrizes que cruzavam seu tronco por causa do acidente, e aquela no abdômen que era um lembrete diário do difícil trabalho de parto de Libby – surgiu de leve, mas apenas por um instante.

Só pelo tempo que demorou para erguer a cabeça e se deparar com o olhar de Brock.

– Você é linda – disse ele, pegando-lhe as mãos com suavidade e afastando-as do corpo antes que ela tivesse a oportunidade de se sentir envergonhada pelo elogio dele ou pela sua observação franca.

Nunca se sentira especialmente bela. Confiante e capaz, bem fisicamente e forte. Essas palavras ela entendia e aceitava. Palavras que a acompanharam em boa parte dos seus trinta e três anos de vida, mesmo durante o casamento. Mas linda? Era-lhe tão estranha quanto o idioma desconhecido que se ouvira falar no vídeo na enfermaria no dia anterior.

Brock, este sim, era lindo. Ainda que parecesse uma palavra esquisita para descrever a sombria força da natureza que estava diante dela.

Cada mancha castanha dos olhos dele sumira, devorada pelo brilho âmbar que aquecia suas faces como uma chama viva. As pupilas afinaram parecendo fendas, e as faces magras agora estavam mais angulares, a pele escura imaculada esticada por sobre os ossos, ressaltando a aparência atordoante das presas longas e afiadas.

Aqueles olhos ardentes prenderam os seus, enquanto ele tirava a camiseta e a deixava cair no chão ao lado dela. O peito era incrível, uma parede maciça de músculos bem torneados cobertos por um desenho intricado de glifos pulsantes. Ela não resistiu ao desejo de tocar a pele lisa, só para ver se era tão sedosa sob seus dedos quanto lhe parecia ao olhar. Era ainda mais macia do que imaginara, mas a força absoluta e sobrenatural abaixo dela era inconfundível.

Brock lhe parecia tão letal quanto fora ao salvá-la na cidade, a não ser, talvez, pela ira gélida que emanara dele como em ondas aquela noite, pois agora ele vibrava com algo igualmente agressivo e intenso: desejo. Todo centrado nela.

– Você está... Maldição, Jenna – ele disse rouco, tracejando a linha do seu ombro, depois circundando a ponta rósea do seu seio. – Você não faz ideia de quanto é adorável, faz?

Ela não respondeu, nem saberia como. Em vez disso, aproximou-se e puxou a boca dele para a sua para mais um beijo ardente. Pele contra pele, os seios esmagados contra os músculos firmes do peito dele, Jenna quase entrou em combustão de tanto desejo. Seu coração batia forte, a respiração acelerada, enquanto Brock abaixava a mão e descia o zíper de seus jeans. Ela mordeu os lábios quando ele deslizou as mãos entre a cintura da calça e a pele dos seus quadris, depois fez descer os jeans por sobre a calcinha branca. Ele se afundou sobre os calcanhares, acompanhando a descida dos jeans com as mãos.

Tomou cuidado perto do ferimento a bala, a fim de não mexer no curativo que envolvia a coxa.

– Tudo bem? – perguntou, erguendo o olhar para ela, a voz grave tão rouca que ela mal a reconheceu. – Se houver dor, posso cuidar dela.

Jenna balançou a cabeça.

– Não está doendo. Está tudo bem, mesmo.

Os olhos reluzentes âmbar se fecharam baixando os cílios ao voltar para a tarefa que tinha em mãos. Com os jeans removidos, ele se apoiou nos calcanhares e olhou para ela, deslizando as mãos para cima e para baixo na extensão das suas pernas.

– Tão, tão linda – ele a elogiou, depois inclinou a cabeça e pressionou os lábios no triângulo de algodão branco entre as coxas, a única peça de roupa que a cobria agora.

Jenna expeliu um suspiro trêmulo quando ele prendeu o tecido entre os dentes e as presas. Com o olhar carregado de propósito, fitou-a, as mãos ainda acariciando as pernas, e puxou a peça antes de soltá-la, deixando voltar ao seu lugar, cobrindo a pele aquecida. Ele a seguiu com a boca, beijando-a de novo, com mais determinação agora, afastando o irrisório pedaço de pano e esfregando o rosto ainda mais na fenda úmida do seu sexo.

As mãos a seguravam pelas nádegas enquanto ele a explorava com os lábios e a língua e o resvalar erótico dos dentes na pele úmida do seu centro. Despiu-a da calcinha, depois afastou as coxas e a sugou novamente. Levou uma mão até o meio das pernas, acrescentando o toque dos dedos à habilidade enlouquecedora da boca. Jenna estremeceu, perdida em sensações e a pouco menos do que uma inspiração de desfalecer.

– Céus – arfou ela, tremendo quando ele sondou suas dobras com a ponta do dedo, penetrando-a apenas de leve, enquanto seus beijos a deixavam cada vez mais tensa. Moveu-se na direção dele, inundada pelo calor. – Meu Deus... Brock, não pare.

Ele gemeu ao encontro da umidade dela, um longo ronronar de evidente apreciação masculina que vibrou em seus ossos e músculos até seu cerne aquecido. O clímax de Jenna a atravessou tal qual uma tempestade. Estremeceu com a sua força, exclamando quando o prazer a assolou e a fez subir aos céus. Quase se desfez, a sensação pairando quase como poeira estelar enquanto ela espiralava mais e mais alto, com tremores de puro deleite trespassando-a, um após o outro.

Sentia-se sem ossos ao flutuar de volta à realidade. Sem ossos e exausta, apesar de seu corpo ainda estar vibrando, repleto de sensações. E Brock ainda a beijava. Ainda a afagava com os dedos, arrancando cada um dos tremores restantes enquanto ela se agarrava aos ombros largos e arfava com o prazer dos tremores.

– Acho que eu estava precisando disso – sussurrou, estremecendo quando o riso baixo dele ecoou em sua pele ainda sensível. Ele a beijou no interno da coxa, mordiscando de leve, e suas pernas vacilaram um pouco sob o próprio peso. Ela se deixou cair para a frente, envolvendo Brock pelas costas. – Ah, meu Deus. Eu não imaginava o quanto precisava disso.

– O prazer foi meu – ele disse, rouco. – E ainda não terminei. – Mudou de posição debaixo dela, passando o braço ao seu redor e acomodando-a sobre o ombro. – Segure firme em mim.

Ela não teve escolha. Antes de entender o que ele pretendia, ele já se levantava. Carregou-a como um peso morto sobre um ombro e se pôs de pé, como se ela não passasse de um fardo de penas. Jenna se segurou como ele lhe dissera, sem deixar de admirar a força absoluta com que ele caminhava até o quarto adjacente. Vestindo apenas os jeans, os músculos das costas se flexionavam e contraíam debaixo da pele lisa a cada longa passada, um concerto perfeito de boa forma e talhe.

Não havia dúvidas, ele era lindo.

E seu corpo já eletrizado zunia com calor renovado quando ela percebeu que ele a carregava direto para a imensa cama king size.

Ele afastou a colcha e o lençol, depois a depositou na beira do colchão. Jenna observou com desejo crescente enquanto ele desabotoava os jeans e os retirava. Ele não estava usando nada por baixo. Glifos elaborados tracejavam a cintura estreita e o quadril, descendo pelas pernas vigorosas. As cores pulsavam e se transformavam, atraindo seu olhar por um breve instante da ereção evidente, que estava rija e imensa enquanto ele apenas observava enquanto ela o avaliava dos pés à cabeça.

Jenna engoliu com a boca seca quando ele se aproximou dela, devastador em toda a sua nudez. O olhar reluzente ainda mais brilhante, as presas ainda mais alongadas.

Ele parou perto da cama, crispando a testa quando ela se deteve no seu olhar transfigurado.

– Está com medo de mim... deste jeito?

Ela só balançou a cabeça de leve.

– Não, não estou com medo.

– Se estiver preocupada com relação a uma possível gravidez...

Ela voltou a balançar a cabeça.

– Meus danos internos no acidente cuidaram disso. Não posso engravidar. De toda forma, pelo que soube, DNA humano e da Raça não se misturam.

– Não – confirmou ele. – E em relação a quaisquer outras preocupações que possa ter, está segura comigo. Não existem doenças nos da minha espécie.

Jenna assentiu.

– Confio em você, Brock.

O crispar da testa dele diminuiu, mas ele permaneceu imóvel.

– Se não tiver certeza, se não é isso o que você quer, então o que lhe disse antes ainda vale. Podemos parar a qualquer instante. – Ele riu baixinho. – Acho que isso pode acabar comigo agora, já que está toda sensual na minha cama, mas eu paro. Que Deus me ajude, mas eu paro.

Ela sorriu, emocionada por alguém tão poderoso demonstrar tamanha honra e humildade. Ela afastou o lençol e abriu espaço para ele ao seu lado.

– Não quero parar.

A boca dele se abriu num sorriso amplo. Com um grunhido, foi em frente e sentou na cama ao seu lado. A princípio, apenas se tocaram e se acariciaram, beijando-se com suavidade, aprendendo mais sobre seus corpos. Brock foi paciente, apesar de a tensão em seu corpo revelar que ele estava se torturando por se refrear. Foi atencioso e carinhoso, tratando-a como uma amante querida, apesar de terem concordado de antemão que aquilo entre eles jamais seria outra coisa além de algo casual, sem amarras.

Para Jenna, parecia incrível que um homem que ela mal conhecia – aquele macho da Raça que tinha todo o direito de assustá-la – pudesse lhe parecer tão familiar, tão íntimo. Brock, porém, dificilmente era um estranho. Ele estivera ao seu lado em meio ao seu pesadelo pessoal, e de novo nos dias de sua recuperação ali no complexo. E a procurara naquela noite em que estivera sozinha e ferida na cidade, um improvável salvador sombrio.

– Por que fez aquilo? – perguntou baixinho, os dedos percorrendo os dermaglifos que se curvavam pelos ombros e desciam pelo peito. – Por que ficou comigo no Alasca e depois todos aqueles dias na enfermaria?

Ele ficou em silêncio por um momento, as sobrancelhas escuras unidas sobre o olhar reluzente.

– Odiei ver o que aconteceu com você. Você era apenas uma inocente que se viu em meio a um tiroteio. Você é humana. Não merecia ser arrastada para o meio da nossa guerra.

– Já sou uma garota crescida. Sei lidar com isso – disse, uma resposta automática que não sentia verdadeiramente. Ainda mais depois dos resultados perturbadores dos seus exames de sangue. – E quanto a agora? O que estamos fazendo aqui, quero dizer... Isto faz parte do seu programa “seja legal com a humana” também?

– Não. Claro que não. – A carranca dele se acentuou a ponto de mostrar raiva. – Acha que isso é pena? É isso o que você acha que é? – Ele inspirou fundo, revelando as pontas das presas ao rolá-la de costas e ficar sentado em cima dela. – Para o caso de não ter percebido, estou excitado pra caramba por você. Se me excitar mais, acabo explodindo.

Para provar seu ponto de vista, ele deu uma estocada nada sutil com o quadril, acomodando-se entre as dobras úmidas de seu sexo. Ele bombeou algumas vezes, fazendo a rigidez do membro entrar e sair da fenda dela, atiçando-a com o calor da sua excitação. Passou o braço por trás do joelho dela, levantando-lhe a perna até seu ombro, virou o rosto para a coxa e deu-lhe uma mordiscada.

– Isto é desejo puro e simples, nada de piedade – disse, sua voz rouca ao penetrá-la, longa e profundamente.

Jenna não conseguiria formular uma resposta mesmo que tentasse. A sensação atordoante de tê-lo preenchendo-a, estendendo-a cada vez mais a cada estocada, era tão sobrepujante que lhe roubou o fôlego. Ela se segurou a ele com as duas mãos enquanto ele lhe capturou a boca num beijo ardente, balançando acima dela, o corpo se movimentando num ritmo exigente.

A crista de um novo clímax já se formava dentro dela, e não conseguiu contê-lo. Sentiu o calor do próprio sangue nas veias, a pulsação imperiosa de Brock também, reverberando sob seus dedos e em cada terminação nervosa. Seus ouvidos estavam tomados pelo som do seu grito silencioso de libertação, pela fricção dos corpos unidos se retorcendo sobre os lençóis. O cheiro do sexo e do sabonete e do suor limpo na pele quente a intoxicaram. O sabor dos beijos ardentes de Brock em seus lábios só a fazia desejar outros mais.

Ela tinha fome, de uma maneira inexplicável.

Tinha fome dele, tão profunda que parecia retorcê-la de dentro para fora.

Queria saboreá-lo. Saborear o poder que ele era.

Arfando após o clímax, afastou-se da boca dele. Ele praguejou algo sombrio sob o fôlego, as investidas cada vez mais intensas, as veias e os tendões saltando no pescoço e nos ombros como cabos espessos elevando-se da pele.

Segurando-se a ele, Jenna deixou a cabeça pender por um momento, tentando se perder no ritmo dos corpos. Tentando não pensar na dor que corroía suas entranhas, no impulso confuso, porém irresistível que atraía seu olhar para o pescoço forte. Para as veias saltadas que pulsavam como tambores de guerra aos seus ouvidos.

Pressionou o rosto na coluna forte do pescoço dele e percorreu a língua no ponto pulsante que encontrou ali. Ele gemeu, um som prazeroso que só servia como combustível para o fogo que ainda queimava dentro dela. Ela se aventurou um pouco mais, cerrando os dentes sobre a pele dele. Brock grunhiu uma imprecação, e ela mordeu com um pouco mais de força, sentindo a onda de tensão que atravessou todo o corpo dele, que estava no limiar agora, os braços como granito ao redor dela, cada estocada dos quadris ficando mais intensa.

Jenna cravou os dentes com mais força na pele suave.

Mordeu até ele ficar louco de paixão...

Até ela sentir o sabor da primeira gota de sangue na língua.

 

 

CONTINUA

Capítulo 8

– Espero que todas estejam com fome – disse Alex, passando pelas portas vaivém da cozinha da mansão, com uma tigela grande de frutas frescas cortadas numa mão e um cesto de biscoitos com ervas aromáticas quentinhos na outra.

Depositou ambos na mesa da sala de jantar diante de Jenna e Tess, que foram instruídas por Alex e as outras mulheres do complexo para que se sentassem e se servissem do café da manhã.

– Como está se sentindo, Jen? – perguntou Alex. – Precisa de alguma coisa? Se quiser erguer a perna, posso pegar um banquinho na outra sala.

Jenna meneou a cabeça.

– Estou bem. – Sua perna estava bem melhor desde a cirurgia da noite anterior, e ela não sentia muitas dores. Só por causa da insistência de Tess é que estava usando uma bengala para se movimentar. – Não precisa ficar me mimando.

– Essa é a minha melhor amiga, a policial do interior – disse Alex, revirando os olhos na direção de Tess e virando a mão num sinal de pouco caso. – Só um machucadinho a bala, não precisam se preocupar...

Jenna caçoou.

– Comparado com a semana que tive, um buraco a bala na coxa é a menor das minhas preocupações.

Ela não estava querendo solidariedade, apenas declarando um fato.

A mão de Tess pousou com suavidade em seu pulso, assustando-a com seu calor e a preocupação genuína no olhar.

– Nenhuma de nós pode fingir saber aquilo pelo que você passou, Jenna, mas espero que entenda que estamos aqui para cuidar de você agora. Você está entre amigas, todas nós.

Jenna resistiu ao efeito de consolo que as palavras de Tess exerciam sobre ela. Não queria se sentir relaxada naquele lugar, entre Alex e aquelas desconhecidas aparentemente gentis.

Nem com Brock.

Muito menos com ele.

Sua mente ainda estava confusa com o resgate inesperado na cidade. Fora um erro sair como havia saído, despreparada e afetada emocionalmente. Não fazia tanto tempo assim que se desligara da polícia para não se lembrar que o melhor modo de se ver em apuros era fugir despreparada em território desconhecido. Só o que reconheceu naquele meio segundo antes de sair do complexo foi o desespero em fugir da sua nova e sombria realidade.

Cometera um clássico erro de julgamento de principiante, incitado pela emoção, e acabara necessitando de resgate para voltar à segurança. Que o seu resgate tivesse surgido na forma de um vampiro formidável e aterrorizante era algo que ela não sabia se um dia conseguiria compreender.

No fundo, sabia que Brock salvara sua vida na noite anterior. Uma parte sua desejava que ele não o tivesse feito. Não queria ficar devendo nada a ele. Não gostava de dever a ninguém, muito menos a um homem que nem podia ser classificado como humano.

Deus, que reviravolta em sua vida...

Com seus pensamentos cada vez mais sombrios, Jenna afastou a mão da de Tess e se recostou na cadeira.

Tess não a pressionou a falar, simplesmente se inclinou sobre a mesa e inspirou um pouco da fragrância que emanava dos biscoitos.

– Hummm – gemeu, o braço fino amparando a curva do ventre arredondado. – É a receita de cheddar e manjericão da Dylan?

– Atendendo a pedidos – respondeu Alex vivamente. – E há mais de onde isso veio, incluindo as incríveis torradas francesas com crème brûlée de Savannah. Falando nelas, é melhor eu ir buscá-las para o banquete.

Enquanto Alex virava e desaparecia novamente na cozinha, Tess lançou um olhar furtivo para Jenna.

– Você ainda não viveu se não provou os biscoitos de Dylan e as torradas de Savannah. Confie em mim, são o paraíso.

Jenna sorriu com educação.

– Tudo me parece muito bom. Nunca fui muito de cozinhar. Minha tentativa de sucesso na cozinha é uma omelete de carne de alce com queijo suíço, espinafre e batatas.

– Carne de alce? – Tess gargalhou. – Bem, posso lhe garantir que nenhuma de nós já experimentou algo parecido. Talvez você possa preparar para nós um dia desses.

– Quem sabe? – disse Jenna sem se comprometer, levantando os ombros.

Se não fosse pela incômoda matéria desconhecida encravada em sua coluna, e agora pelo tiro que a manteria ali sabe lá Deus por quanto tempo, ela já teria ido embora. Não sabia quanto tempo ainda a fariam ficar ali, mas assim que conseguisse sair andando, já era. Não se importava com o que a Ordem precisava saber; não tinha nenhuma intenção de ficar por perto para ser o ratinho de laboratório deles.

Ainda era estranho demais pensar que estava ali com elas, num quartel-general secreto habitado por uma equipe de vampiros guerreiros e por mulheres aparentemente sãs e agradáveis que pareciam felizes e à vontade entre eles.

O surrealismo da coisa toda se intensificou quando Alex e o restante das mulheres da Ordem – cinco lindas jovens e a menina loira chamada Mira – saíram da cozinha com o restante do café da manhã. Conversavam amigavelmente, relaxadas na companhia uma da outra como se tivessem estado juntas a vida inteira.

Formavam uma família, inclusive Alex, apesar de ela ter chegado ali apenas uma semana antes, assim como Jenna.

Um ritmo descontraído se fez na sala de jantar, enquanto pratos com bordas douradas eram passados adiante e completados com todo tipo de comida deliciosa. Taças de cristal eram enchidas com suco até a borda, e delicadas xícaras de porcelana logo se encheram com fragrante café torrado e coado.

Jenna observava tudo em silêncio enquanto a refeição prosseguia. Xarope de bordo aquecido e bolinhas de manteiga rodavam pela mesa, parando por mais tempo com a pequena Mira, que encharcou sua torrada com aquela doçura e cobriu os biscoitos com manteiga como se aquilo fosse cobertura. Mira engoliu um em duas mordidas grandes, depois atacou o resto da refeição com muita vontade.

Jenna sorriu sem querer ante o apetite voraz da menina, sentindo uma pontada de melancolia, senão culpa, quando pensou na filha. Libby sempre fora uma menina cuidadosa, disciplinada e séria, mesmo quando pequena.

Deus, o que não daria para poder ver Libby degustando algo tão simples quanto um café da manhã à sua frente na mesa?

Com os dedos melados, Mira pegou o copo de suco de laranja e sorveu um gole grande. Suspirou de contentamento ao apoiar o copo novamente num baque.

– Pode me passar o chantilly para eu pôr nos pêssegos? – perguntou, cravejando Jenna com seus misteriosos olhos violeta.

Por um instante, Jenna se sentiu capturada por aquele olhar. Dispensou a sensação e pegou a tigela que estava no meio do caminho entre ela e Mira do outro lado.

– Pode, por favor, me passar o chantilly? – Renata a corrigiu de seu lugar à direita da menina. A morena lançou-lhe uma piscadela decididamente maternal e carinhosa ao interceptar a tigela que Jenna segurava.

– Pode, por favor – Mira se corrigiu, não parecendo nem um pouco admoestada.

Jenna cortou um pedaço da torrada e a colocou na boca. Era exatamente o que Tess havia prometido, paradisíaca. Mal conseguiu refrear um gemido alto ao se deleitar com o sabor cremoso de baunilha.

– Gostou? – perguntou Savannah, que estava sentada em uma das cabeceiras da longa mesa de jantar.

– É deliciosa – murmurou Jenna, as papilas gustativas ainda vibrando de êxtase. Lançou um breve olhar, abarcando todas ali reunidas. – Obrigada por me deixarem partilhar disto com vocês. Nunca vi tanta comida junta em minha vida.

– Achou que a deixaríamos morrer de fome? – perguntou Gabrielle da outra cabeceira. Seu sorriso era acolhedor e amigável.

– Não sei bem o que pensei – respondeu Jenna, com honestidade. – Sendo bem franca, acho que ainda não processei tudo isso muito bem.

Gabrielle inclinou a cabeça num leve assentimento, parecendo sábia e serena, ainda que, sem dúvida, devesse ser mais jovem do que Jenna e seus trinta e três anos.

– Isso é compreensível. Você sofreu muito, e a sua situação é sem igual para todos nós.

– A minha situação – Jenna repetiu, refletindo enquanto mexia um pedaço de pão molhado em xarope de bordo em seu prato. – Está falando do objeto não identificado que está alojado na base do meu crânio?

– É, isso – concordou Gabrielle, com um tom gentil na voz. – E o fato de que você teve sorte de escapar do ataque do Antigo com vida. O simples fato de ele ter se alimentado de você e tenha permitido que você vivesse é...

– Inédito – sugeriu a mulher sentada com Gabrielle. Ela tinha cabelos ruivos e o belo rosto salpicado por sardas. – Se soubesse do que ele é capaz, se você tivesse noção do que aconteceu com tantas outras... – A voz se perdeu, um leve estremecimento fazendo o garfo em sua mão tremer. – É um milagre que você esteja viva, Jenna.

– Dylan tem razão – concordou Tess. – Há mais ou menos um ano, quando a Ordem descobriu que o Antigo havia sido despertado, temos tentado localizá-lo e a Dragos, o filho da mãe responsável por trazer de volta ao mundo esse tipo de perigo.

– Não sei qual dos dois é pior – Renata interveio. – O Antigo clamou muitas vidas inocentes, mas é Dragos, o neto sádico do Antigo, quem vem dando as ordens.

– Está dizendo que aquela criatura tem descendentes? – Jenna perguntou, sem conter sua repulsa.

Gabrielle sorveu um gole de café, depois, com cuidado, voltou a depositar a xícara no pires.

– Aquela criatura e outros tantos como ele deram início à Raça na Terra.

– Na Terra? – Jenna exclamou com uma risada descrente. – Está se referido a alienígenas agora? Aquele vampiro que me atacou...

– Não era deste mundo – Savannah concluiu por ela. – É verdade. Não é mais difícil de acreditar do que a existência dos próprios vampiros, se quer saber a minha opinião, mas é a mais pura verdade. Os Antigos estupraram e dominaram depois que aterrissaram aqui há milhares de anos. Com o passar do tempo, algumas das suas vítimas engravidaram com o que se tornaria a primeira geração da Raça.

– Isso faz algum sentido para vocês? – Jenna perguntou, ainda incrédula. Relanceou para Alex, ao seu lado. – Você também acredita nisso?

Alex concordou.

– Depois de conhecer Kade e todos os demais aqui no complexo, como posso não acreditar? Também vi o Antigo com meus próprios olhos, momentos antes de ele ser morto nos despenhadeiros fora de Harmony.

– E quanto a esse outro... Dragos? – perguntou Jenna, curiosa, sem querer, em fazer com que todas as peças desse incrível quebra-cabeça se juntassem se algum modo. – Onde ele entra?

Dylan foi a primeira a falar.

– Ao que parece, Dragos despertou o Antigo muito antes do que supúnhamos. Décadas antes, de fato. Ele o manteve escondido e o usou para criar uma nova leva de Primeira Geração, os membros mais fortes da Raça, visto que são descendentes diretos da linhagem do Antigo e não geneticamente diluídos, como as gerações posteriores.

– Dragos vem criando um exército pessoal dos mais poderosos, dos mais letais membros da espécie – acrescentou Renata. – São criados supervisionados, treinados para serem assassinos impiedosos. Assassinos particulares de Dragos, a quem ele convoca sempre que necessário para os seus desígnios.

Gabrielle assentiu.

– Para criar essa geração, Dragos também precisou de um estoque de mulheres férteis para engravidar do Antigo.

– As Companheiras de Raça – disse Alex.

Jenna olhou para ela.

– E o que são elas?

– Mulheres nascidas com um DNA e características sanguíneas distintas que as tornam capazes de partilhar um elo de sangue vitalício com os membros da Raça e de reproduzir seus filhos – disse Tess, a mão distraída acariciando o ventre distendido. – Mulheres como nós ao redor desta mesa.

O choque e o horror contraíram o íntimo de Jenna.

– Está dizendo que eu...

– Não – disse Tess, balançando a cabeça. – Você é mortal, não é uma Companheira de Raça. O seu hemograma é normal e você não tem a marca que o resto de nós tem.

Ante a confusão estampada no rosto dela, Tess mostrou a mão, que trazia uma marca rubra entre o polegar e o indicador. Era uma minúscula lua crescente com o que parecia uma gota de lágrima caindo em seu centro.

– Todas vocês têm essa tatuagem?

– Não é uma tatuagem – disse Alex. – É uma marca de nascença, Jenna. Todas as Companheiras de Raça têm uma em algum lugar do corpo. A minha está no quadril.

– Não existem muitas de nós no mundo – explicou Savannah. – A Raça considera as Companheiras de Sangue sagradas, mas Dragos não. Ele vem juntando essas mulheres há anos, mantendo-as em cativeiro; deduzimos que com o único propósito de gerarem os assassinos de Primeira Geração. Muitas delas foram mortas, seja por Dragos ou pelo Antigo.

– Como sabem disso? – Jenna perguntou, horrorizada pelo que ouvia.

Na outra ponta da mesa, Dylan pigarreou.

– Eu as vi. As mortas, quero dizer.

A parte policial de Jenna ficou alerta.

– Se vocês têm cadáveres, então têm provas e motivo para entregar esse cretino, Dragos, para as autoridades.

Dylan meneava a cabeça.

– Não vi os corpos. Vi as mortas. Elas... aparecem às vezes. Às vezes falam comigo.

Jenna não sabia se gargalhava ou se deixava a cabeça cair, derrotada.

– Você vê pessoas mortas?

– Toda Companheira de Raça tem uma habilidade ou talento próprio que a torna peculiar de algum modo – explicou Tess. – Para Dylan, é esse dom de se conectar com as outras Companheiras de Raça que já morreram.

Renata se inclinou para a frente, apoiando os antebraços na mesa.

– Através do dom de Dylan, sabemos com certeza que Dragos é o responsável pela morte de inúmeras Companheiras de Raça. E por meio de outra amiga da Ordem, Claire Reichen, cujo talento nos levou a localizar a base de operações de Dragos há alguns meses, sabemos que ele ainda mantém muitas mais. Desde então, a operação de Dragos se escondeu no submundo. Agora a principal missão da Ordem, além de acabar com o maldito o mais rápido possível, é encontrar o quartel-general dele e libertar as suas vítimas.

– Temos ajudado como podemos, mas é muito difícil localizar um alvo móvel – disse Dylan. – Podemos procurar os relatórios das pessoas desaparecidas, procurando por rostos que eu reconheça. E, durante o dia, vasculhamos abrigos para mulheres, orfanatos, albergues... qualquer lugar que possa nos levar às jovens desaparecidas.

Renata assentiu.

– Particularmente aquelas com habilidades extrassensoriais ou outras competências que possam indicar uma Companheira de Raça em potencial.

– Fazemos o que podemos – disse Gabrielle. – Mas ainda não tivemos muita sorte. É como se estivesse nos faltando a chave para desvendar tudo isso e, até a encontrarmos, parece que só ficamos dando voltas.

– Ei, espere um instante – disse Jenna, seu lado policial enferrujado compreendendo a frustração de seguir pistas infrutíferas. – A persistência costuma ser o melhor aliado de um investigador.

– Pelo menos não temos mais que nos preocupar com o Antigo – disse Savannah. – Essa é uma batalha a menos para enfrentar.

Ao redor da mesa de café da manhã, um coro de vozes concordantes ecoou essa declaração.

– Por que o Antigo deixou que você vivesse, Jenna?

A pergunta foi feita por Elise, uma loira baixinha de cabelos curtos do outro lado de Tess. A discreta do grupo, que se parecia com uma flor delicada, mas com um olhar franco e decidido de uma guerreira. Ela, provavelmente, devia precisar dessa força interior, levando-se em consideração a companhia que ela e as demais mulheres naquele complexo tinham.

Jenna baixou o olhar para o prato e refletiu sobre sua resposta. Demorou um tempo para encontrar as palavras.

– Ele me fez escolher.

– O que quer dizer com isso? – disse Savannah, com a testa se franzindo numa pergunta.

O que você decide, Jenna Tucker-Darrow?

Vida... ou morte?

Jenna sentiu todos os olhos cravados nela naquele silêncio. Forçando-se a enfrentar as perguntas não proferidas que pairavam no ar, ela ergueu o olhar. Empinou o queixo e falou sucinta e rapidamente:

– Eu queria morrer. É o que eu teria preferido, ainda mais naquele momento. Ele sabia disso, tenho certeza. Mas, por algum motivo, pareceu querer brincar comigo, então me fez decidir se eu queria ou não morrer naquela noite.

– Puxa, Jen, que horrível... – A voz de Alex se mostrou emocionada. Seu braço a envolveu pelos ombros num gesto de amparo. – Filho da puta cruel.

– Então – continuou Elise –, você disse ao Antigo que a deixasse viver e ele concordou... Simples assim?

Lembrando o momento com vívida clareza agora, Jenna balançou a cabeça com vigor.

– Eu lhe disse que queria viver, e a última coisa de que lembro é dele fazendo um corte no braço e retirando aquela coisa, aquela coisa minúscula que só Deus sabe o que é, e que agora está dentro de mim.

Ela sentiu, mais do que viu, a sutil troca de olhares ao redor da mesa.

– Acham que isso tem alguma significância? – perguntou, dirigindo a pergunta ao grupo como um todo. Tentou abafar a pontada repentina de medo que reverberou em seu peito. – Acham que o fato de ele ter colocado aquela coisa dentro de mim tem alguma importância em eu viver ou morrer?

Alex segurou a mão dela num gesto tranquilizador, mas foi Tess quem falou antes das outras.

– Talvez Gideon possa fazer outros testes para nos ajudar a descobrir isso.

Jenna engoliu em seco, depois assentiu.

Seu prato de comida permaneceu intocado pelo restante da refeição.

Num canto escurecido de um quarto num hotel luxuoso em Boston, onde cortinas pesadas impediam a passagem do menor dos raios solares da manhã, o macho da Raça chamado Dragos estava acomodado numa poltrona acolchoada em seda e tamborilava as unhas da mão na mesinha lateral de mogno. Atrasos o deixavam impaciente, e a impaciência o tornava letal.

– Se ele não chegar nos próximos sessenta segundos, um de vocês terá que matá-lo – disse para o par de assassinos de Primeira Geração que o flanqueavam como Cérberos musculosos de dois metros de altura.

Assim que terminou de falar, no corredor do lado de fora da suíte presidencial, o elevador privativo emitiu uma campainha eletrônica, anunciando a chegada do convidado. Dragos não se moveu de seu canto no quarto, aguardando em silêncio irritado enquanto outro dos seus guardas pessoais criados acompanhava o macho da Raça civil – um tenente na operação secreta de Dragos – até a suíte para a sua reunião particular.

O vampiro teve o bom senso de inclinar a cabeça no instante em que seu olhar recaiu sobre Dragos.

– Mil perdões por mantê-lo esperando, senhor. A cidade está tomada pelos humanos. Pessoas fazendo compras de Natal e turistas – disse ele, o desdém revelado em cada uma das sílabas bem pronunciadas. Tirou as luvas e as colocou nos bolsos do casaco de caxemira. – O meu motorista teve que dar uma dúzia de voltas no hotel antes de conseguirmos nos aproximar da entrada de serviço no andar subterrâneo.

Dragos continuou tamborilando os dedos na mesinha.

– Algo errado com a entrada principal?

Seu tenente, pertencente à segunda geração da Raça, assim como Dragos, empalideceu visivelmente.

– Estamos em pleno dia, senhor. Com toda essa claridade, eu me incineraria em questão de minutos.

Dragos apenas o fitou, nem um pouco incomodado. Também não estava satisfeito com o local inconveniente daquele encontro. Preferiria muito mais o conforto e a segurança da sua residência. Mas isso já não era mais possível. Não depois que a Ordem interferiu em sua operação e o obrigou a buscar refúgio.

Temendo ser descoberto, ele não permitia mais que qualquer um dos seus associados civis soubesse onde seu quartel-general ficava. Como precaução adicional, nenhum deles conhecia a localização das suas propriedades nem da sua equipe. Ele não podia correr o risco de que seus tenentes caíssem no poder da Ordem e o acabassem comprometendo na esperança de que Lucan os poupasse de sua ira.

Só de pensar em Lucan Thorne e nos seus guerreiros, ele ficava com um gosto amargo na boca. Tudo pelo que tanto trabalhara, sua visão de um futuro no qual mal conseguia esperar para pôr as mãos, fora estragado pelas ações da Ordem. Eles o forçaram a bater em retirada. Forçaram-no a destruir o nervo central da sua operação – um superlaboratório de pesquisa científica que lhe custara centenas de dólares e muitas décadas para aperfeiçoar.

Tudo isso desaparecido agora, nada além de cinzas e escombros no meio de uma floresta em Connecticut.

Agora o poder e os privilégios a que Dragos estava acostumado por séculos foram substituídos por esconderijos nas sombras e olhadelas constantes por sobre o ombro para se certificar de que o inimigo não se aproximava. A Ordem o obrigara a fugir e se esconder como um coelho desesperado para se evadir da armadilha do caçador, e ele não gostava nem um pouco disso.

O último incômodo acontecera no Alasca, com a fuga do Antigo, o seu instrumento mais valioso e insubstituível na busca pela derradeira dominação. Já fora bastante ruim que o Antigo tivesse escapado durante seu transporte em seu novo tanque de contenção. Mas o desastre só piorou quando a Ordem não só conseguiu encontrar o laboratório no Alasca como também o fugitivo alienígena.

Dragos perdera essas duas peças fundamentais para os malditos. Não pretendia perder mais nada.

– Quero ouvir boas notícias – disse ao tenente, dardejando o macho por debaixo das sobrancelhas unidas. – Como tem progredido com a sua missão?

– Tudo está a postos, senhor. Esta semana, o alvo e sua família imediata acabaram de regressar aos Estados Unidos das suas férias no exterior.

Dragos grunhiu em concordância. O alvo em questão era um ancião da Raça, com quase mil anos de existência, um da Primeira Geração, de fato, motivo pelo qual Dragos o tinha em mira. Além de querer que Lucan Thorne e seu bando de guerreiros ficassem sem trabalho, Dragos também retornara aos objetivos da sua missão inicial: a extinção sistemática e total de cada um dos Primeira Geração da Raça naquele planeta.

O fato de Lucan e outro membro fundador da Ordem serem Primeira Geração só tornava seu objetivo mais doce. E ainda mais imperativo. Ao acabar com todos os Primeira Geração, exceto seus assassinos criados e treinados para servi-lo inquestionavelmente, Dragos e os outros membros da segunda geração da Raça se tornariam, por consequência, os vampiros mais importantes da atualidade.

E se, ou melhor, quando se cansasse de partilhar o futuro que ele sozinho entreviu e garantiu que acontecesse, então ordenaria ao seu exército pessoal de assassinos que dizimasse cada um dos seus contemporâneos da segunda geração também.

Sentado num silêncio contemplativo e aborrecido, ouvia enquanto seu tenente se apressava em rever os detalhes do plano que o próprio Dragos idealizou poucos dias antes. Passo a passo, tática a tática, o outro macho da Raça discorreu sobre tudo, garantindo-lhe que nada seria deixado ao acaso.

– O Primeira Geração e sua família estão sendo observados em período integral desde que voltaram para casa – disse o tenente. – Estamos prontos para disparar o gatilho dessa operação ao seu comando, senhor.

Dragos inclinou a cabeça num vago assentimento.

– Faça acontecer.

– Sim, senhor.

A mesura profunda e sua retirada foram quase tão agradáveis quanto a noção de que aquele golpe pendente deixaria absolutamente claro para a Ordem que ele podia ter sido atingido, mas estava longe de ser abatido.

Na verdade, sua presença no elegante hotel em Boston, e uma das importantes reuniões de apresentação que levaram semanas para serem arranjadas entre ele e um punhado de humanos influentes escolhidos a dedo, solidificaria a posição de Dragos em sua ascensão para a glória final. Ele praticamente já sentia o gosto do sucesso.

– Ah, mais uma coisa – Dragos chamou seu associado que partia.

– Sim, senhor.

– Se fracassar – disse ele de maneira agradável –, esteja preparado para que eu lhe sirva seu próprio coração.

O rosto do macho empalideceu, ficando branco como o carpete que cobria o piso tal qual neve fresca.

– Não fracassarei, senhor.

Dragos sorriu, expondo tanto os dentes quanto as presas.

– Certifique-se de que isso não aconteça.


Capítulo 9

Depois da bagunça carregada de morte da noite anterior na cidade, Brock considerou um triunfo pessoal que tivesse conseguido evitar Jenna em grande parte do dia após o seu retorno ao complexo.

Depois de ter descartado os dois corpos nas águas gélidas do rio Mystic, ficou sozinho até quase o amanhecer, tentando se libertar da fúria que parecia acompanhá-lo aquela noite.

Mesmo após estar no quartel-general da Ordem por algumas horas pela manhã, a raiva injustificada, e completamente indesejável, que o possuía ao pensar numa mulher inocente se deparando com o perigo fazia com que seus músculos vibrassem com uma necessidade de violência. Algumas boas horas de treino suado com as armas ajudaram a aplacar um pouco desse sentimento. Bem como o banho escaldante de quarenta minutos com o qual se castigara após o treino.

Ele até poderia achar que se sentia bem, com a cabeça no lugar de novo, se não fosse pelos golpes certeiros que Gideon lançara não muito tempo depois.

O primeiro foi a notícia de que Jenna descera depois do café da manhã com as outras mulheres do complexo e lhe pedira para fazer mais exames de sangue e de tecido. Ela havia se lembrado de algo a respeito do tempo passado com o Antigo, algo que Gideon dissera que havia deixado a fêmea valente bem atormentada.

O segundo golpe foi dado quase imediatamente depois que os primeiros resultados dos exames surgiram.

O sangue e o DNA de Jenna haviam mudado significativamente desde a última vez que Gideon os analisara.

No dia anterior, os resultados foram normais. Hoje, tudo estava alterado.

– Não podemos nos precipitar em conclusões. Não importa o que esses resultados possam indicar – disse, por fim, Lucan, em seu tom grave e sério.

– Talvez devamos fazer mais exames – sugeriu Tess, a única fêmea no laboratório de tecnologia no momento. Ela levantou o olhar dos resultados perturbadores para encarar Lucan, Brock e o restante da Ordem, que fora convocada ali para revisar os achados de Gideon. – Devo ir buscar Jenna e levá-la para a enfermaria para mais exames?

– Você até pode fazer isso – disse Gideon –, mas fazer outros exames não vai mudar nada. – Ele tirou os óculos de lentes azul-claras, jogando-os na mesa de acrílico diante dele. Pinçando o alto do nariz, balançou a cabeça de leve. – Esse tipo de mutação de DNA e a reprodução celular massiva simplesmente não acontecem. Os corpos humanos não são avançados o bastante para lidar com as exigências que mudanças dessa significância provocariam em seus órgãos e artérias, sem falar no impacto que algo assim teria no sistema nervoso central.

Com os braços cruzados diante do peito, Brock se recostou na parede ao lado de Kade, Dante e Rio. Não disse nada, esforçando-se para entender tudo o que via e ouvia. Lucan tinha aconselhado que ninguém se precipitasse em conclusões, mas era excessivamente difícil não fazer isso agora, com o futuro bem-estar de Jenna em jogo.

– Não entendo – disse Nikolai do outro lado do laboratório, onde estava sentado à mesa, junto com Tegan e Hunter. – Por que agora? Isto é, se tudo estava normal antes, por que a súbita mutação no sangue e no DNA?

Gideon deu de ombros.

– Pode ser porque até ontem ela esteve num sono profundo, quase em coma. Soubemos que sua força muscular tinha aumentado assim que despertou. Brock testemunhou isso em primeira mão, e nós também, quando Jenna fugiu do complexo. As mudanças celulares que estamos vendo agora podem ter sido uma reação retardada ao seu despertar. Estar consciente e alerta pode ter agido como algum tipo de disparador dentro de seu corpo.

– Ontem à noite ela foi alvejada – acrescentou Brock, refreando o rugido raivoso que lhe constringia a garganta. – Isso pode estar relacionado com o que vemos no sangue dela agora?

– Talvez – disse Gideon. – Tudo é possível, imagino. Isso não é nada que eu, nem ninguém nesta sala, já tenha visto antes.

– Pois é – concordou Brock. – Simplesmente uma maravilha.

No fundo da sala, com os coturnos apoiados na mesa de reuniões enquanto inclinava a cadeira para trás, Sterling Chase pigarreou.

– Levando tudo em consideração, talvez não seja uma boa ideia dar tanta liberdade a essa mulher aqui no complexo. Ela é um grande ponto de interrogação no momento. Por tudo o que sabemos, pode muito bem ser algum tipo de bomba prestes a explodir.

Por um longo instante, ninguém disse nada. Brock odiou esse silêncio. Odiou Chase por exprimir algo que nenhum dos guerreiros quis considerar.

– O que sugere? – perguntou Lucan, lançando um olhar sério para o macho que passara décadas como parte da Agência de Policiamento antes de se juntar à Ordem.

Chase arqueou as sobrancelhas loiras.

– Se dependesse de mim, eu a retiraria do complexo o mais rápido possível. Trancaria-na em algum lugar seguro, bem longe das nossas operações, pelo menos até termos a oportunidade de deter Dragos de uma vez por todas.

O grunhido de Brock surgiu na garganta, carregado de animosidade.

– Jenna fica aqui.

Gideon recolocou os óculos e assentiu na direção de Brock.

– Concordo. Eu não me sentiria à vontade em tirá-la daqui agora. Gostaria de observá-la, para entender melhor o que está acontecendo com ela a nível celular e neurológico, no mínimo.

– Façam como quiserem – disse Chase. – Mas isso será o funeral de todos nós se você estiver errado.

– Ela fica – disse Brock, estreitando o olhar para o outro lado da mesa, que perfurou o ex-agente que sorria.

– Você está todo animado com essa humana desde o segundo em que a viu – observou Chase, o tom leve, mas com a expressão carregada de desafio. – Tem algo a provar, amigo? O que foi... você é um daqueles tolos loucos por uma dama em apuros? O santo padroeiro das causas perdidas. Essa é a sua?

Brock voou por cima da mesa num único salto. Poderia ter acabado com as mãos no pescoço de Chase, mas o vampiro previu o seu ataque e se moveu com a mesma velocidade. A cadeira caiu para trás e, em meio segundo, os dois machos grandes estavam cara a cara, travados numa batalha que nenhum deles poderia vencer.

Brock sentiu mãos fortes afastando-o do confronto, Kade e Tegan, chegando ali antes que ele conseguisse desferir o soco que Chase merecia. E atrás de Chase estavam Lucan e Hunter, os dois e os demais prontos a pôr panos quentes na situação caso um dos machos resolvesse agir.

Encarando Chase com raiva, Brock se permitiu ser afastado, mas só isso. Pelo que não foi a primeira vez, refletiu sobre a natureza antagônica e agressiva de Sterling Chase, e pensou no que fazia com que o de outro modo habilidoso e fantástico guerreiro fosse tão volátil.

Se a Ordem tinha uma bomba acionada com que se preocupar em seu meio, Brock ficou pensando se não estava olhando para ela naquele mesmo instante.

– Por que diabos isso está demorando tanto?

Jenna não tinha percebido que dera vazão à sua preocupação em voz alta até sentir a mão de Alex.

– Gideon disse que queria fazer outros testes na sua amostra. Tenho certeza de que logo vamos ter notícias.

Jenna bufou um suspiro. De bengala na mão, mesmo sentindo apenas uma necessidade mínima de se apoiar nela, levantou-se do sofá no qual estivera sentada e claudicou até o outro lado da sala de estar do apartamento. Fora levada até ali por Alex e Tess depois que colheram a amostra do seu sangue na enfermaria poucas horas atrás, dizendo-lhe que lhe tinham dado o uso daquele espaço pela duração da sua estada no complexo.

Aquela suíte era uma melhora e tanto em relação ao quarto da enfermaria. Espaçosa e confortável, com mobília grande de couro e mesinhas de madeira escura meticulosamente polidas, não entulhadas de tranqueiras. Estantes altas de madeira perfiladas com livros clássicos, de filosofia e história à altura de uma biblioteca. Livros provocativos e sérios que pareciam em contraste com uma prateleira muito bem organizada – caramba, em ordem alfabética – de livros de ficção populares bem ao lado.

Jenna deixou seu olhar passar pelas prateleiras de títulos e autores, necessitando de uma distração momentânea para impedir que pensasse demais no que poderia estar provocando tanta demora para ouvir as respostas de Gideon e dos outros.

– Faz mais de uma hora que Tess está lá – observou, tirando um livro qualquer sobre cantoras de jazz de sua posição na seção de história. Folheou as páginas, mais para dar algo paras as suas mãos fazerem do que por algum interesse real pelo livro.

Enquanto passava pelo capítulo sobre a era dos clubes de jazz dos anos 1920, uma fotografia amarelada escorregou. Jenna a apanhou antes que caísse no chão. O rosto sorridente de uma mulher jovem num vestido de seda cintilante e pele brilhante a fitava da imagem. Com olhos grandes e amendoados e tez de porcelana que parecia reluzir em contraste com os cabelos negros longos, ela era linda e exótica, ainda mais no cenário do clube de jazz ao fundo.

Com sua própria vida num espiral de confusão e preocupação, Jenna sentiu-se perplexa por um momento pelo júbilo evidente no sorriso amplo da jovem. Era uma alegria tão patente, franca, que quase sentiu uma dor física ao vê-la. Ela também já vivenciara esse tipo de felicidade, não? Deus, quanto tempo se passara desde que sentira ainda que metade da vivacidade daquela jovem da fotografia?

Brava com essa sensação de autopiedade, Jenna guardou a fotografia no livro, que devolveu ao seu lugar na prateleira.

– Não aguento mais. Isso está me deixando louca.

– Eu sei, Jen, mas...

– Ao diabo. Não vou mais ficar aqui esperando – disse, virando-se para encarar a amiga. A ponta da bengala se chocou no tapete ao abrir caminho até a porta. – Eles já devem ter alguns resultados a esta altura. Tenho que saber o que está acontecendo. Vou lá agora mesmo.

– Jenna, espere – Alex pediu atrás dela.

Mas ela já estava no corredor, andando o mais rápido que conseguia, apesar do impedimento da bengala e da leve fisgada que trespassava sua perna a cada passo apressado.

– Jenna! – Alex a chamou, com as passadas rápidas ecoando no corredor já deserto.

Jenna prosseguiu pelos corredores de mármore branco polido. A perna começava a latejar, mas ela não se importou. Deixou a bengala de lado, que só a retardava, e faltou pouco para começar a correr na direção das vozes abafadas dos machos logo mais adiante. Ela arfava ao chegar à parede de vidro do laboratório de tecnologia, com suor sobre seus lábios e na testa provocado pela dor.

Seus olhos encontraram Brock antes de qualquer outro membro do grupo aparentemente solene. Seu rosto estava tenso, os tendões do pescoço esticados como cabos, a boca formando uma linha carrancuda, quase ameaçadora. Ele estava no fundo da sala, cercado pelos outros guerreiros, todos aparentando tensão e inquietação, ainda piores agora que ela estava ali. Gideon e Tess estavam próximos ao nicho de computadores na parte anterior do laboratório.

Todos pararam o que estavam fazendo para fitá-la.

Jenna sentiu o peso dos olhares como algo físico. Seu coração se contraiu. Obviamente, eles já tinham a análise de seu sangue. Será que os resultados eram tão horríveis assim?

Suas expressões eram inescrutáveis, todos a mantendo sob observação cautelosa, silenciosa, conforme seus passos desaceleraram diante das portas deslizantes do laboratório.

Deus, olhavam para ela como se nunca a tivessem visto antes.

Não, percebeu, ao notar que o grupo continuava imóvel, olhando para ela através da parede transparente que a separava do grupo solene do outro lado. Olhavam-na como se esperassem que já estivesse morta.

Como se ela fosse um fantasma.

Um medo horrível se instalou em seu estômago, mas ela não pretendia recuar agora.

– Deixem-me entrar – exigiu, irritada e aterrorizada. – Maldição, abram essa maldita porta e me digam o que está acontecendo!

Levantou a mão e cerrou o punho, mas antes que pudesse bater no vidro, as portas deslizaram num sibilo suave. Avançou para dentro, sendo seguida de perto por Alex.

– Podem me contar – disse Jenna, o olhar passando de um rosto silencioso a outro. Demorou-se em Brock, a única pessoa naquela sala, além de Alex, por quem ela sentia alguma confiança. – Por favor... Preciso saber o que descobriram.

– Ocorreram algumas mudanças no seu sangue – disse ele, a voz grave impossivelmente baixa. Gentil demais. – E no seu DNA também.

– Mudanças. – Jenna engoliu em seco. – Que tipo de mudanças?

– Anomalias – Gideon interviu. Quando ela virou a cabeça na direção dele, ficou surpresa pela preocupação no olhar do guerreiro. Ele falava com cautela, parecendo demais com um médico retardando o pior tipo de notícia a dar ao seu paciente. – Descobrimos uma reprodução celular estranha, Jenna. Mutações que estão sendo passadas ao seu DNA e que se multiplicam a uma velocidade excessiva. Essas mutações não estavam presentes na última análise que efetuamos no seu sangue.

Ela balançou a cabeça, tanto pela confusão quanto como um reflexo de negação ao que pensava estar ouvindo.

– Não estou entendendo. Está se referindo a algum tipo de doença? Aquela criatura me infectou com alguma coisa quando me mordeu?

– Nada disso – disse Gideon, lançando um olhar ansioso para Lucan. – Bem, não exatamente.

– Então, o que, exatamente? – ela exigiu saber. A resposta surgiu meio segundo mais tarde. – Ai, meu Deus. Esta coisa na minha nuca... – Ela pôs a mão sobre o ponto em que o Antigo havia inserido o material não identificado do tamanho de um grânulo. – Esta coisa que ele colocou dentro de mim está provocando as mudanças. É isso, não é?

Gideon assentiu de leve.

– É biotecnologia de algum tipo, nada que a Raça ou a espécie humana tenha capacidade de criar. Pelas radiografias mais recentes de hoje, parece que o implante está se integrando à sua medula espinhal num ritmo muito acelerado.

– Tire isso.

Uma rodada de olhares preocupados passou pelo grupo de machos grandes. Mesmo Tess parecia pouco à vontade, sem conseguir sustentar o olhar de Jenna.

– Não é tão simples assim – Gideon respondeu, por fim. – Talvez você deva ver as imagens por si só.

Antes que ela conseguisse pensar se queria ou não ver as provas daquilo que lhe estava sendo dito, a imagem do seu crânio e coluna piscou na tela plana afixada numa parede diante dela. Num segundo, Jenna notou o nauseante objeto do tamanho de um grão de arroz que brilhava no centro da sua primeira vértebra. Os tentáculos que estiveram presentes no dia anterior eram mais numerosos naquela nova imagem.

Muito mais do que centenas a mais, cada tênue feixe entrando – inextricavelmente – ao redor e através da sua medula óssea.

Gideon pigarreou.

– Como disse, o objeto aparentemente é formado por uma combinação de material genético e alta tecnologia avançada. Nunca vi nada assim antes, tampouco consegui encontrar algum tipo de pesquisa científica humana que se assemelhasse minimamente a isso. Considerando-se as transformações biológicas que temos observado em seu DNA e em seu sangue, parece ser a fonte do material genético do próprio Antigo.

O que significava que parte daquela criatura estava dentro dela. Vivendo ali. Vicejando.

A pulsação de Jenna ecoava em seu peito. Ela sentia o fluxo sanguíneo acelerado nas veias, células alteradas que ela imaginava abrindo caminho em seu corpo a cada batida do coração, multiplicando-se, crescendo, devorando-a por dentro.

– Arranquem isso de mim – disse ela, a voz se elevando por causa da angústia. – Tirem essa maldita coisa de dentro de mim ou eu mesma tiro!

Com as duas mãos, ela começou a arranhar a nuca, o desespero fazendo-a agir como louca.

Ela nem percebeu Brock se movendo da sua posição do outro lado do laboratório, mas, em menos de um instante, ele estava bem ao seu lado, as mãos grandes envolvendo-a com os dedos. Os olhos castanhos prenderam-na pelo olhar e não a soltaram.

– Relaxe agora – disse ele, num sussurro gentil, porém com firmeza tirou-lhe as mãos da nuca e segurou-as entre as suas. – Respire, Jenna.

Com os pulmões contraídos, ela emitiu um soluço.

– Solte-me. Por favor, deixem-me em paz, todos vocês.

Ela se afastou e tentou ir embora, mas a pulsação pesada e o tinir em seus ouvidos fez a sala girar ao seu redor com violência. Uma onda obscura de náusea a acometeu, envolvendo-a numa névoa densa e atordoante.

– Te peguei – a voz tranquilizadora de Brock murmurou junto ao seu ouvido.

Ela sentiu os pés deixarem o chão e, pela segunda vez em poucos dias, viu-se amparada pela segurança dos braços dele.


Capítulo 10

Ele não deu explicações para o que estava fazendo ou para onde a estava levando. Apenas saiu do laboratório de tecnologia e a carregou pelo mesmo corredor pelo qual ela viera minutos antes com Alex.

– Solte-me – exigiu Jenna, os sentidos ainda confusos, tinindo a cada longa passada das pernas de Brock. Mudou de posição nos braços dele, tentando ignorar como até mesmo o menor dos movimentos fazia sua cabeça girar e seu estômago revirar. A cabeça pendeu sobre o antebraço forte, um gemido de dor escapando. – Eu disse para me colocar no chão, inferno.

Ele grunhiu enquanto continuava a caminhar.

– Eu ouvi na primeira vez.

Ela fechou os olhos, só porque estava difícil demais mantê-los abertos e ver o teto do corredor se contorcer e girar logo acima enquanto Brock a carregava complexo adentro. Diminuiu o ritmo a certa altura, depois virou, e Jenna abriu os olhos, vendo que ele a levara de volta à suíte que agora era seu quarto.

– Por favor, me ponha no chão – murmurou, a língua grossa, a garganta seca. O latejar por trás dos olhos se tornara uma pulsar firme, o tinido nos ouvidos um lamento agudo que parecia partir seu crânio ao meio. – Deus – arfou, sem conseguir disfarçar a agonia. – Está doendo muito...

– Ok – disse Brock baixinho. – Tudo vai ficar bem agora.

– Não, não vai. – Ela choramingou, humilhada pelo som da sua fraqueza, e pelo fato de que Brock a estava vendo assim. – O que está acontecendo comigo? O que ele fez comigo?

– Isso não importa agora – sussurrou Brock, a voz grave mostrando-se contraída. Uniforme demais para ser confiável. – Primeiro, vamos fazer você superar isto.

Atravessou o quarto com ela e se ajoelhou para acomodá-la no sofá. Jenna se recostou e deixou que ele lhe endireitasse as pernas, não tão perdida no desconforto e na preocupação para deixar de notar o carinho das mãos fortes daquele homem, que, provavelmente, seriam capazes de extrair a vida de alguém com pouco mais do que uma contorção.

– Relaxe – disse ele, as mãos fortes e carinhosas afagando seu rosto, os olhos escuros incitando-a a sustentar seu olhar. – Apenas relaxe e respire, Jenna. Consegue fazer isso por mim?

Ela se acalmou um pouco de pronto, relaxando ao som do seu nome nos lábios dele, o resvalar quente dos dedos que desciam pelo rosto e pelo maxilar e, depois, pela lateral do pescoço. As lufadas curtas de ar que entravam e saíam dos seus pulmões começaram a se acalmar, enquanto Brock amparava a nuca com uma mão e deslizava a outra palma num indo e vindo lento sobre o peito dela.

– Isso mesmo – murmurou, o olhar preso ao dela, intenso e, ainda assim, inacreditavelmente carinhoso. – Solte toda a dor e relaxe. Você está segura, Jenna. Pode confiar em mim.

Ela não sabia por que essas palavras deveriam afetá-la como a afetaram. Talvez a dor a tivesse enfraquecido. Talvez fosse o medo do desconhecido, o abismo da incerteza que subitamente se tornara a sua realidade desde aquela noite gélida e horrenda no Alasca.

E talvez fosse pelo simples fato de que fazia muito tempo, quatro solitários anos, desde que ela sentira a carícia cálida de um homem, mesmo que apenas para oferecer consolo.

Quatro anos vazios desde que se convencera de que não precisava de nenhum contato afetuoso ou intimidade. Quatro anos infindáveis desde que se lembrava do como era se sentir uma mulher de carne e osso, como se fosse desejada. Como se pudesse, um dia, ser capaz de abrir o coração para algo mais.

Jenna fechou os olhos quando lágrimas começaram a arder. Afastou a onda de emoção que surgiu inesperadamente e, em vez disso, concentrou-se nas pontas dos dedos quentes e reconfortantes de Brock em sua pele. Deixou que sua voz a acalentasse, sentindo suas palavras e seu toque trabalharem juntos para ajudá-la a superar a angústia do estranho trauma que parecia estar despedaçando-a de dentro para fora.

– Isso é bom, Jenna. Apenas respire agora.

Ela sentiu a garra de dor em seu crânio relaxar enquanto ele lhe falava. Brock acariciou suas têmporas com os polegares, os dedos esticados em seus cabelos, amparando sua cabeça de maneira reconfortante. O tinir agudo em seus ouvidos começou a diminuir, a desaparecer, até, por fim, sumir de vez.

– Você está indo muito bem – murmurou Brock, a voz mais sombria do que antes, um pouco mais do que um grunhido. – Solte tudo, Jenna. Dê o resto para mim.

Ela exalou um suspiro profundo, sem conseguir mantê-lo dentro de si enquanto Brock a afagava no rosto e no pescoço. Ela gemeu, abraçando o prazer que lentamente devorava sua agonia.

– Isso é bom – sussurrou, sem poder resistir ao desejo de se aproximar do seu toque. – A dor já não é tão forte agora.

– Isso é muito bom, Jenna. – Ele inspirou, parecendo mais um arquejo, depois exalou um gemido. – Liberte-se de tudo.

Jenna sentiu um tremor vibrar por seus dedos enquanto ele falava. As pálpebras se abriram e ela arfou ao vê-lo tão tenso.

Os tendões do pescoço estavam retesados, a mandíbula travada com tanta força que era um milagre que seus dentes não tivessem trincado. Um músculo latejava no rosto delgado. Gotas de suor se formavam na testa e sobre os lábios.

Ele estava com dor.

Uma dor impossível, assim como ela estivera há minutos, antes que seu toque parecesse afastar a agonia.

Foi então que ela entendeu.

Ele não estava simplesmente acalmando-a com as mãos. Ele estava, de alguma forma, tirando a dor dela. Canalizando-a, de propósito, para si.

Ofendida com a ideia, porém ainda mais envergonhada por ter se deixado permanecer ali deitada, imaginando que a carícia dele fosse algo mais do que pura piedade, Jenna se retraiu do seu toque e se pôs sentada num canto do sofá. Respirou fundo de ultraje ao fitar os olhos escuros que reluziam fachos de luz âmbar.

– Que diabos pensa que está fazendo? – arfou, pondo-se de pé.

O músculo que estivera latejando em seu maxilar se retesou quando ele se levantou para enfrentá-la.

– Ajudando você.

Imagens tomaram conta da sua mente em um instante: repentinas lembranças vívidas dos momentos posteriores ao seu cativeiro com a criatura que invadira o seu chalé no Alasca.

Naquele momento, ela também sentira dores. Estivera aterrorizada e em estado de choque, tão devastada de horror e confusão que achou que acabaria morrendo.

E se lembrou das mãos delicadas e cálidas que a confortaram. O rosto de um belo desconhecido sério que entrara em sua vida como um anjo negro e a manteve a salvo, protegida e tranquila, quando tudo em seu mundo fora transformado em caos.

– Você esteve lá – murmurou, atônita por perceber só então. – No Alasca, depois que o Antigo sumiu. Você ficou comigo. Também tirou minha dor naquela hora. E mais tarde, depois que fui trazida para o complexo. Meu Deus... Você ficou comigo o tempo todo em que estive na enfermaria? Os olhos dele permaneceram fixos nos dela, sombrios, inescrutáveis.

– Eu era o único que podia ajudar você.

– Quem te pediu isso? – exigiu saber, num tom sabidamente áspero, mas desesperada por expurgar o calor que ainda trafegava dentro dela, indesejado e espontâneo.

Já era ruim que ele achasse necessário acalentá-la como se ela fosse algum tipo de criança em sua provação prolongada. E ainda pior que ele parecesse pensar ser necessário repetir isso agora também. Maldita fosse se permitisse que ele pensasse, por um segundo sequer, que ela, de fato, desejara seu toque.

Com a expressão ainda carregada pelo que lhe fizera instantes antes, ele meneou a cabeça e imprecou.

– Para uma mulher que não quer a ajuda de ninguém, você bem que parece precisar muito.

Ela mal resistiu à tentação de lhe dizer onde ele podia enfiar sua compaixão.

– Sei cuidar de mim sozinha.

– Como cuidou ontem à noite na cidade? – ele a desafiou. – Como fez há poucos minutos no laboratório, pouco antes que os meus braços fossem a única coisa entre o seu traseiro teimoso e o chão?

A humilhação queimou seu rosto tal qual um tapa.

– Sabe de uma coisa? Faça-nos um favor e não me faça mais favor algum!

Ela se virou para se afastar dele, seguindo para a porta ainda aberta para o corredor. Cada passo miraculosamente sem dor só aumentava sua raiva de Brock, deixando-a ainda mais determinada a colocar o máximo possível de distância entre eles.

Antes que conseguisse se aproximar da soleira, ele se postou diante dela, bloqueando-lhe o caminho, mesmo que ela não tivesse visto ou ouvido ele se mover.

Parou. Encarou-o, atordoada por sua evidente velocidade sobrenatural.

– Saia da minha frente – disse, tentando passar por ele.

Ele deu um passo para o lado, colocando o corpo imenso diretamente diante do dela. A intensidade do seu olhar revelou que ele queria lhe dizer algo mais, mas Jenna não queria ouvir. Precisava ficar sozinha.

Precisava de espaço para pensar sobre tudo o que lhe acontecera... Tudo que ainda estava acontecendo, ficando cada vez mais assustador ao mesmo tempo.

– Saia da frente – disse ela, odiando o leve tremor em sua voz.

Brock lentamente levantou a mão e afastou uma mecha de cabelo da testa dela. Foi um gesto meigo, uma afabilidade que ela tanto precisava, mas que tinha medo de aceitar.

– Você está no nosso mundo agora, Jenna. Quer queira admitir ou não, precisa de ajuda.

Ela observou-lhe a boca enquanto ele falava, desejando não se sentir tão atenta aos lábios cheios e sensuais. Ele ainda estava suportando a sua dor; podia saber pelo ligeiro inflar nas narinas enquanto ele inspirava e expirava de modo controlado. Tampouco a tensão do belo rosto e do pescoço forte se desfizera.

Durante toda a sua vida, ela se esforçou para provar seu valor, primeiro para o pai e para o irmão, Zach, sendo que ambos deixaram claro que duvidavam que ela tivesse o necessário para fazer parte da força policial. Mais tarde, esforçou-se para ser uma mãe e esposa perfeitas. A vida toda fora estruturada numa fundação de força, disciplina e competência.

De maneira inacreditável, enquanto ficava ali diante de Brock, não foi o fato de ele ser algo mais que humano – algo perigoso e alienígena – que fez com que ela quisesse que o chão se abrisse e a engolisse. Foi o medo de que ele pudesse enxergar através da casca de raiva que ela usava como uma armadura, vendo-a como o fracasso solitário e amedrontado que ela, de fato, era.

Brock balançou de leve a cabeça em sua direção enquanto o silêncio se estendia entre eles. Os olhos perscrutaram seu rosto por inteiro antes de se deterem sobre o seu olhar.

– Existem coisas piores do que precisar se apoiar em alguém de vez em quando, Jenna.

– Maldição! Eu disse para sair da minha frente! – Ela pousou as palmas sobre o peito largo e o empurrou com toda a raiva e medo que havia dentro dela.

Brock foi lançado para trás, quase se chocando com a parede oposta do corredor.

Jenna arquejou, assustada e surpresa com o que acabara de fazer.

Horrorizada.

Brock era muito forte, com quase dois metros de altura e mais de cem quilos de músculo e força. Alguém muito mais forte do que ela. Alguém muito mais poderoso do que qualquer outra pessoa que já tivesse conhecido.

As sobrancelhas dele se ergueram em sinal de surpresa.

– Jesus Cristo – murmurou, com muito mais admiração do que raiva na voz.

Jenna suspendeu as mãos diante de si e fitou-as como se elas pertencessem a outra pessoa.

– Ai, meu Deus... Como eu... O que aconteceu?

– Está tudo bem – garantiu ele, voltando para perto dela com aquela enlouquecedora tranquilidade.

– Brock, desculpe. Verdade, eu não queria...

– Eu sei – disse ele, assentindo com seriedade. – Não se preocupe. Você não me machucou.

Uma bolha de histeria subiu-lhe pela garganta. Primeiro, a notícia chocante de que o implante de algum modo estava alterando seu DNA, e agora isso: uma força que não tinha como ser sua, mas, de alguma maneira, era. Relembrou sua fuga da propriedade e as estranhas habilidades linguísticas que pareceu adquirir desde que o Antigo deixara uma parte de si emaranhado em sua medula espinhal.

– Que diabos está acontecendo comigo, Brock? Quando tudo isso vai terminar?

Ele lhe segurou as mãos trêmulas entre suas palmas com firmeza.

– O que quer que esteja acontecendo, você não tem que passar por isso sozinha. Precisa entender isso.

Ela não sabia se ele falava em nome de todos no complexo ou por si só. Ela não tinha voz para pedir uma explicação. Disse a si mesma que não importava o significado das palavras dele; contudo, isso não desacelerou seu coração quando o fitou. Sob o calor dos insondáveis olhos castanhos, ela sentiu os seus piores medos se dissolverem.

Sentia-se aquecida e protegida, coisas que queria negar, mas não podia enquanto Brock a estivesse segurando pelas mãos e pelo olhar.

Ele franziu a testa após um longo momento e lentamente soltou-lhe as mãos, deixando as suas deslizarem pelos braços dela, numa carícia sensual, demorando-se o suficiente para deixar claro que aquilo não era nada menos do que íntimo. Jenna sabia disso, e via que ele também sabia.

Os olhos escuros pareceram se aprofundar, engolindo-a. Recaíram sobre sua boca e lá ficaram enquanto a respiração de Jenna saía num suspiro trêmulo.

Ela sabia que devia se afastar dele agora. Não havia motivo para permanecerem perto assim, com meros centímetros separando seus corpos. Menos ainda entre a boca dele e a dela. Só seria preciso um leve inclinar da cabeça dele ou um erguer da dela e seus lábios se encontrariam.

A pulsação de Jenna acelerou ante a ideia de beijar Brock.

Coisa que, quando ele a carregara para o quarto, estivera bem longe dos seus pensamentos. Não muito tempo atrás, quando seu medo e sua raiva a fizeram sibilar e grunhir como um animal selvagem preso numa armadilha de caçador.

Mas agora, enquanto Brock permanecia tão perto que ela sentia o calor do corpo dele irradiando para o seu, a fragrância da pele tentando-a a aproximar o rosto e inspirar seu cheiro, beijá-lo era uma necessidade secreta que pulsava dentro dela a cada batida fugidia do seu coração.

Talvez ele soubesse o que ela estava sentindo.

Talvez ele estivesse sentindo a mesma coisa.

Ele emitiu uma imprecação, depois recuou um passo, encarando-a com ardor e firmeza.

– Ah... droga... Jenna...

Quando ergueu as mãos fortes e segurou o seu rosto com delicadeza, todo o ar pareceu evaporar no quarto. Os pulmões de Jenna pareceram congelar dentro do peito, mas o coração continuava acelerado, batendo tão rapidamente que pensou que ele poderia explodir.

Esperou, num misto de terror e esperança, atônita com a necessidade que tinha de sentir a boca de Brock na sua.

A língua dele molhou os lábios, o movimento permitindo que ela tivesse um vislumbre das pontas das suas presas, reluzindo como diamantes. Ele praguejou novamente, depois se afastou um pouco, deixando uma lufada de ar frio diante dela onde o calor do seu corpo estivera apenas um segundo antes.

– Eu não deveria estar aqui – murmurou com voz espessa. – E você precisa descansar. Fique à vontade. Se não houver cobertas suficientes na cama, encontrará mais no armário do banheiro. Use tudo que precisar.

Jenna teve que se dar um chacoalhão mental para entender a conversa.

– Este... hum... Este quarto é seu?

Ele acenou de leve, já saindo para o corredor.

– Era. Agora é seu.

– Espere – Jenna o seguiu. – E quanto a você? Você tem onde ficar?

– Não se preocupe – disse ele, parando para olhá-la quando ela se apoiou na maçaneta. – Descanse um pouco, Jenna. Te vejo por aí.

O sangue ainda corria quente nas veias de Brock pouco depois, quando ele parou diante de uma das últimas suítes residenciais e bateu à porta fechada.

– Faltam ainda onze minutos para a hora que combinamos – diz a voz profunda e prática do macho da Raça do outro lado.

A porta se abriu, e Brock foi perfurado por um par de olhos dourados inescrutáveis.

– Avon chama – disse Brock à guisa de um cumprimento ao suspender a mochila de couro preta que continha todos os seus pertences pessoais retirados dos seus aposentos. – E o que quer dizer com isso, cheguei onze minutos antes? Não me diga que você vai ser um daqueles colegas de quarto certinhos que fazem tudo seguindo um cronograma. Minhas escolhas são limitadas, já que você e Chase têm os últimos quartos do complexo. E, para falar a verdade, se Harvard e eu tivermos que dividir um quarto, não sei se sobreviveremos uma semana.

Hunter nada disse enquanto Brock passava por ele e entrava no quarto. Ele o seguiu para a parte das camas, tão sorrateiro quanto um fantasma.

– Pensei que fosse outra pessoa – afirmou um tanto tardiamente.

– É mesmo? – Brock girou de frente para o estoico Primeira Geração, verdadeiramente curioso a respeito do mais recente e reservado membro da Ordem. Sem falar no fato de que estava ávido para desviar a mente dos seus pensamentos ardentes a respeito de Jenna Darrow. – A quem esperava além de mim?

– Não importa – respondeu Hunter.

– Ok. – Brock deu de ombros. – Só estou tentando bater papo, mas tudo bem.

A expressão do Primeira Geração continuou impassível, absolutamente normal. O que não era surpresa, levando-se em consideração o modo como o macho fora criado: como um dos assassinos domésticos de Dragos. Inferno, o cara nem mesmo tinha um nome. Como o restante do exército pessoal criado por Dragos a partir do Antigo, referiam-se ao Primeira Geração apenas pelo único propósito da sua vida: Hunter3.

Ele chegara à Ordem há poucos meses, depois que Brock, Nikolai e alguns dos outros guerreiros atacaram uma reunião de Dragos e dos seus tenentes. Hunter fora libertado durante o ataque e agora era aliado contra o seu criador nos esforços da Ordem em acabar com Dragos.

Brock parou diante das duas camas que estavam em cada lado do quarto em estilo modesto. As duas estavam arrumadas com precisão militar, coberta marrom e lençóis brancos sem nenhuma prega, um único travesseiro meticulosamente colocado na cabeceira de cada estrado.

– Então, qual é a sua cama?

– Não faz diferença para mim.

Brock voltou a fitar o rosto impassível e os inescrutáveis olhos dourados.

– É só me dizer em qual costuma dormir e eu pego a outra.

O olhar nivelado de Hunter não se alterou em nada.

– São apenas mobília. Não tenho nenhum apego nem por uma, nem por outra.

– Nenhum apego – repetiu Brock num murmúrio. – Pois é, cara. Talvez você possa me dar algumas dicas sobre essa sua postura “não estou nem aí”. Acho que viria bem a calhar de tempos em tempos. Especialmente no que se refere às mulheres.

Com um grunhido, largou suas coisas na cama da esquerda, depois esfregou as mãos no rosto e na cabeça. O gemido que escapou dele estava carregado de frustração e do desejo retido que vinha abafando desde que se forçara a deixar Jenna e a tentação de que não precisava.

– Maldição – grunhiu, o corpo tinindo de novo só de lembrar o belo rosto erguido ao fitá-lo.

Era como se ela estivesse à espera de um beijo seu. Tudo que era masculino dentro de si afirmara isso com absoluta certeza na hora, mas ele sabia que aquela era a última coisa de que Jenna precisava.

Ela estava confusa e vulnerável, e ele se considerava mais do que um homem que poderia tirar vantagem disso só porque a sua libido clamava por ela. Claro, isso não o fazia se sentir muito melhor a respeito da excitação que, do nada, voltava à vida de novo, deixando toda a sua honradez de lado.

– Que beleza, meu herói – admoestou-se severamente. – Agora vai precisar afundar numa banheira de gelo por uma semana por ter bancado o nobre...

– Está se sentindo mal? – perguntou Hunter, assustando Brock, que não havia percebido que o outro macho ainda estava atrás dele no quarto.

– É... – disse Brock, dando uma risada sardônica. – Não ando muito bem, não. Se quer saber a verdade, não estou me sentindo bem desde que pus os olhos nela.

– A fêmea humana – disse Hunter, com um ar de compreensão grave. – Está aparente que ela é um problema para você.

Brock emitiu um suspiro sem humor algum.

– Acha mesmo?

– Sim, acho. – Não havia julgamento em sua voz, apenas uma declaração dos fatos. Ele falava como uma máquina: total precisão, zero sentimento. – Deduzo que todos no laboratório de tecnologia chegaram à mesma conclusão hoje, quando permitiu que Chase provocasse sua ira por conta dos comentários sobre o seu apego àquela mulher. Suas ações demonstraram uma fraqueza do seu treinamento e, pior, falta de autocontrole. Reagiu de modo impensado.

– Obrigado por notar – respondeu Brock, suspeitando que seu sarcasmo seria desperdiçado no caçador antissocial e imperturbável. – Lembre-me de encher o seu saco daqui até a semana seguinte se um dia chegar a relaxar o bastante para deixar uma mulher o irritar.

Hunter não reagiu, apenas o fitou sem demonstrar nenhuma centelha de emoção.

– Isso não acontecerá.

– Merda – disse Brock, meneando a cabeça ante o soldado Primeira Geração rígido que fora criado na base da negligência e da disciplina do castigo. – Você não deve ter estado com a mulher certa se tem tanta segurança assim.

A expressão de Hunter continuou estoica. Distante e imparcial. Na verdade, quanto mais Brock olhava para ele, mais claramente começava a enxergar a verdade.

– Caramba. Já esteve, algum dia, com uma mulher, Hunter? Meu Deus... Você é virgem, não é?

Os olhos dourados do Primeira Geração continuaram fixos no olhar de Brock como se considerasse aquilo algum teste de força de vontade no qual ele não permitiria que a revelação o afetasse. E Brock tinha que dar o braço a torcer, pois nenhum grau de emoção cintilou naqueles olhos sinistros, tampouco nas feições perfeitamente disciplinadas.

A única coisa que fez Hunter reagir foi o barulho suave de chinelos se arrastando pelo corredor. Uma voz infantil, Mira, chamando da sala de estar.

– Hunter, você está aí?

Ele se virou sem dar nenhuma explicação e foi se encontrar com a garotinha.

– Agora não é uma boa hora. – Brock o ouviu lhe dizer em seu tom modulado e grave.

– Mas não quer saber o que acontece com Harry quando ele põe a capa da invisibilidade? – perguntou Mira, o desapontamento abaixando o tom de sua voz normalmente alegre. – Essa é uma das minhas partes prediletas no livro. Você tem que ouvir esse capítulo. Vai amar.

– Ela tem razão, é uma das melhores partes. – Brock saiu do quarto, sem saber o que o fez sorrir mais: a percepção de que o implacável assassino Primeira Geração era um virgem sem experiência alguma, ou a mais recente notícia, igualmente divertida, de que o encontro que ele aparentemente atrapalhara ao aparecer com as suas coisas era a hora da leitura de Hunter com a mais jovem residente do complexo.

Deu uma piscadela e um sorriso para Mira quando ela se acomodou no sofá e abriu o livro na parte em que havia parado de ler.

– Relaxe – disse a Hunter, que estava de pé, tão duro quanto uma estátua. – Não vou revelar os seus segredos a ninguém.

Não esperou para ver a reação dele, apenas foi andando para o corredor, deixando Hunter olhando-o enquanto saía.


Caçador


Capítulo 11

– Cruzem os dedos, meninas, mas acho que acabamos de encontrar a pista que procurávamos. – Dylan desligou o telefone e girou a cadeira para ficar de frente para Jenna, Alex, Renata e Savannah, todas reunidas na sala de reuniões das Companheiras de Raça nas últimas horas.

Na verdade, chamá-la de sala de reuniões não lhe fazia justiça. Havia pelo menos meia dúzia de computadores numa mesa longa num dos lados da sala, caixas de arquivos suspensos organizados por localização dispostas numa estante alta para facilitar o acesso, quase cada espaço da parede coberto por mapas marcados da Nova Inglaterra e gráficos de investigação detalhados que envergonhariam boa parte das unidades de casos antigos arquivados da polícia. Em meio a esses gráficos, muitos esboços de retratos falados de jovens, os rostos de algumas desaparecidas, a quem a Ordem e suas companheiras diligentes estavam determinadas a encontrar.

Não, Jenna pensou ao olhar ao redor, aquela não era uma mera sala de reuniões.

Aquela era uma sala devotada à estratégia, a uma missão, à guerra.

Jenna acolhia a energia do lugar, ainda mais depois das notícias perturbadoras que recebera a respeito do seu último exame de sangue. Também precisava da distração a fim de não pensar nos inesperados momentos ardentes que partilhara com Brock no quarto dele, ou melhor, no seu. Ela praticamente dera um salto quando lhe surgiu a oportunidade de sair de lá depois que ele foi embora. Fora Alex quem apareceu procurando-a pouco depois, e fora ela quem a trouxera consigo para a sala de guerra das Companheiras de Raça para ter companhia e ficar conversando.

Ela não desejara se interessar pelo trabalho em que as mulheres da Ordem estavam envolvidas, mas, enquanto esteve entre elas, foi quase impossível para a policial dentro de si ignorar o rastro de uma boa busca por informações. Sentou-se um pouco ereta na cadeira ante a mesa de reuniões quando Dylan andou até a impressora para pegar uma folha que acabara de sair da máquina.

– O que conseguiu? – perguntou Savannah.

Dylan bateu a folha na mesa diante das mulheres reunidas.

– Irmã Margaret Mary Howland.

Jenna e as outras se inclinaram para olhar para a imagem escaneada. Era a foto de um grupo de uma dúzia ou pouco mais de garotas e jovens mulheres. Pelo estilo das roupas, parecia ter sido tirada uns vinte anos antes. O grupo estava reunido num gramado abaixo das escadas de uma varanda coberta, no tipo de pose que as estudantes às vezes faziam para a foto escolar anual. A não ser pelo fato de que, naquele caso, não havia uma escola atrás delas, mas uma casa grande, simples, autoproclamada Lar para Mulheres St. John, Queensboro, Nova York.

Uma mulher de meia-idade de rosto gentil usando um crucifixo como pingente e um vestido de verão modesto estava ao lado do grupo reunido debaixo do beiral branco no qual a placa pintada estava suspensa. Uma das moças mais jovens estava com a mulher de mais idade, os ombros finos seguros por mãos carinhosas, o rostinho erguido com um olhar luminoso de afeto.

– É ela – disse Dylan, apontando para a mulher com o sorriso maternal e braços protetores. – Irmã Margaret.

– E ela é...? – perguntou Jenna, sem conseguir conter a curiosidade.

Dylan relanceou para ela.

– Neste instante, se ainda estiver viva, esta mulher é a nossa aposta mais segura para descobrirmos mais sobre as Companheiras de Raça que sumiram ou acabaram mortas pelas mãos de Dragos.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não estou entendendo.

– Algumas das mulheres que ele matou, e provavelmente muitas outras que ele mantém em cativeiro, vieram de abrigos de fugitivas – disse Dylan. – Veja bem, não é incomum que as Companheiras de Raça se sintam confusas e deslocadas na sociedade mortal. A maioria de nós não sabe o quanto é diferente, muito menos o motivo para isso. Além da marca de nascença em comum e das características biológicas, todas nós temos também habilidades extrassensoriais singulares.

– Não o tipo de coisa que você vê nos programas da TV ou em comerciais anunciando serviços de pessoas psíquicas – explicou Savannah. – Talentos verdadeiramente extrassensoriais são normalmente o meio mais seguro de identificar uma Companheira de Raça.

Dylan concordou.

– Às vezes, esses talentos são uma bênção, mas em muitas outras são uma maldição. O meu dom foi uma maldição em boa parte da minha vida, mas, felizmente, tive uma mãe amorosa. Por isso, não importava o quanto eu ficasse confusa ou assustada, sempre tive a segurança de um lar.

– Mas nem todas têm essa sorte – acrescentou Renata. – Para Mira e para mim, foi uma extensa fila de orfanatos em Montreal. E, de tempos em tempos, chamávamos a rua de lar.

Jenna ouvia em silêncio, agradecendo a boa sorte de ter nascido em uma família normal e relativamente próxima, onde o maior problema de infância foi tentar competir com o irmão pelo afeto e pela aprovação dos pais. Ela não conseguia imaginar os tipos de problemas que as fêmeas nascidas com a marca de nascença da lágrima e da lua crescente tiveram que suportar. Seus problemas, por mais incompreensíveis que fossem, pareciam diminuir um pouco enquanto ponderava sobre as vidas que aquelas mulheres tiveram. Para não falar do inferno que as mortas ou desaparecidas tiveram que suportar.

– Quer dizer que vocês acreditam que Dragos visava as jovens que acabavam nesse tipo de abrigo? – perguntou.

– Sabemos disso – disse Dylan. – A minha mãe costumava trabalhar num abrigo para pessoas que fugiam de casa em Nova York. É uma longa história, uma para ser contada outro dia, mas, basicamente, foi descoberto que o abrigo para o qual ela trabalhava havia sido fundado e era dirigido pelo próprio Dragos.

– Ai, meu Deus... – arfou Jenna.

– Ele estivera se escondendo por trás de um nome falso, Gordon Fasso, enquanto circulava em meio à sociedade humana, e ninguém fazia ideia de quem ele fosse até... até ser tarde demais. – Dylan parou para inspirar profundamente e se fortalecer. – Ele matou minha mãe depois que percebeu que havia sido desmascarado e que a Ordem estava se aproximando dele.

– Lamento muito – sussurrou Jenna, com sinceridade. – Perder alguém que se ama para esse tipo de maldade...

As palavras se perderam enquanto algo frio e determinado borbulhou dentro dela. Como ex-policial, ela conhecia o sabor amargo da injustiça e a necessidade de equilibrar a balança. Mas suprimiu esse sentimento, dizendo a si mesma que a luta da Ordem contra aquele inimigo, Dragos, não era sua. Ela tinha as próprias batalhas para enfrentar.

– Tenho certeza de que Dragos vai ter o que merece no final – disse.

Era uma frase inútil, oferecida com certo distanciamento. Mas ela queria muito estar certa. Sentada ali com aquelas mulheres, tendo-as conhecido um pouco melhor no curto tempo em que estava no complexo, Jenna rezava para que a Ordem fosse bem-sucedida ao enfrentar Dragos. Pensar que alguém tão perverso quanto ele estivesse à solta no mundo era inaceitável.

Pegou a imagem impressa e fitou a expressão calorosa da freira, que estava tal qual uma pastora ao lado de seu rebanho vulnerável.

– Como esperam que essa mulher, a Irmã Margaret, possa ajudá-las?

– A rotatividade de pessoal é alta nesses abrigos – explicou Dylan. – Aquele em que minha mãe trabalhava não era exceção. Uma amiga que costumava trabalhar com ela lá me informou o nome da Irmã e me deu a foto. Ela disse que a freira se aposentou há vários anos, mas fez trabalho voluntário em diversos abrigos em Nova York desde meados dos anos 1970. Por isso, é o tipo de pessoa com quem precisamos conversar.

– Alguém que esteve em abrigos por muito tempo e pode ser capaz de identificar antigas residentes a partir dos retratos falados – disse Savannah, indicando os rostos afixados nas paredes.

Jenna assentiu.

– Esses retratos são de mulheres que estiveram em abrigos?

– Esses retratos – disse Alex ao lado de Jenna – são de Companheiras de Raça que estão sendo mantidas por Dragos enquanto estamos aqui conversando.

– Quer dizer que ainda estão vivas?

– Estavam há alguns meses. – A voz de Renata soou dura. – Uma amiga da Ordem, Claire Reichen, usou seu dom de Companheira de Raça, o poder de viajar em seus sonhos, para localizar o quartel-general de Dragos. Ela viu as prisioneiras, mais de vinte, trancadas em celas do laboratório dele. Embora Dragos tenha realocado sua operação antes que pudéssemos salvá-las, Claire tem trabalhado com um desenhista para documentar os rostos que viu.

– Na verdade, é lá que Claire está agora, ela e Elise – explicou Alex. – Elise tem muitos amigos na comunidade civil da Raça aqui em Boston. Ela e Claire têm trabalhado em alguns novos retratos, baseados no que Claire viu no covil de Dragos.

– Depois que tivermos os rostos das prisioneiras – disse Dylan –, podemos começar a procurar por nomes e possíveis familiares. Qualquer coisa que possa nos ajudar a nos aproximar de onde essas mulheres estão.

– E quanto aos bancos de dados de pessoas desaparecidas? – perguntou Jenna. – Vocês compararam os esboços com os perfis listados em grupos como o Centro Nacional de Pessoas Desaparecidas?

– Sim, e voltamos de mãos vazias – disse Dylan. – Muitas dessas mulheres e garotas nos abrigos são fugitivas e órfãs. Muitas são abandonadas. Umas fogem de casa, deliberadamente cortando todos os laços com a família e com os amigos. O resultado final é o mesmo: ninguém sente falta delas ou procura por elas no sistema; portanto, não há registros arquivados.

Renata concordou com um leve grunhido que pareceu falar de sua experiência.

– Quando você não tem nada, nem ninguém, você pode desaparecer, e é como se nunca tivesse existido.

Por causa dos seus anos na força policial do Alasca, Jenna sabia que isso era bem verdade. As pessoas desapareciam sem deixar rastro tanto nas grandes cidades como em pequenas comunidades. Isso acontecia todos os dias, embora ela jamais tivesse imaginado que fosse pelos motivos que Dylan, Savannah, Renata e as outras mulheres lhe explicavam agora.

– Qual o plano de vocês depois que identificarem as Companheiras de Raça desaparecidas?

– Depois que tivermos uma ligação pessoal com pelo menos uma delas – disse Savannah –, Claire pode tentar se comunicar através dos sonhos e, quem sabe, conseguir informações sobre a localização de onde as prisioneiras estão.

Jenna estava acostumada à rápida digestão e compreensão dos fatos, mas sua cabeça começava a girar com tudo o que estava ouvindo. E não conseguia evitar que sua mente procurasse por soluções para os problemas diante dela.

– Espere um instante. Se o dom de Claire a levou ao covil de Dragos uma vez, por que ela não pode simplesmente repetir isso?

– Para que seu dom funcione, ela precisa de algum tipo de elo emocional ou pessoal com a pessoa que está tentando localizar nos sonhos – respondeu Dylan. – O elo dela antes não era com Dragos, mas com outra pessoa.

– O antigo companheiro dela, Wilhelm Roth – explicou Renata, praticamente cuspindo o nome dele. – Ele era uma pessoa cruel, mas, comparada à de Dragos, sua crueldade não era nada. Jamais permitiríamos que Claire tentasse contatar o próprio Dragos. Isso seria suicídio.

– Tudo bem. Então onde nós ficamos com isso? – perguntou Jenna, o “nós” saindo de sua boca antes que ela percebesse o que havia dito. Mas era tarde demais para retirá-lo, e ela estava interessada demais para fingir outra coisa. – Onde você imagina que as coisas vão a partir daqui?

– Tenho esperanças de localizar a Irmã Margaret e que ela possa nos ajudar a desvendar alguma coisa – disse ela.

– Temos como entrar em contato com ela? – perguntou Renata.

A animação de Dylan se arrefeceu um pouco.

– Infelizmente, não há como termos certeza sequer de que ela ainda esteja viva. A amiga da minha mãe disse que ela deve estar com uns oitenta anos agora. A única boa notícia é que seu convento tem sede em Boston, então, existe a possibilidade de ela estar aqui. Por enquanto, só o que temos é seu número do seguro social4.

– Dê esse número a Gideon – sugeriu Savannah. – Tenho certeza de que ele consegue invadir o sistema do governo para conseguir todas as informações de que precisamos sobre ela.

– Foi isso mesmo que pensei – Dylan respondeu com um sorriso.

Jenna pensou em oferecer ajuda para localizar a freira. Ainda tinha amigos na força policial e em algumas agências federais. Com apenas um telefonema ou e-mail, ela poderia pedir um ou outro favor confidencial. Mas as mulheres da Ordem pareciam ter tudo sob controle.

E seria melhor para ela não se envolver em nada daquilo, lembrou-se com severidade, enquanto Dylan pegava o telefone ao lado do seu computador e ligava para o laboratório de tecnologia.

Alguns minutos mais tarde, Gideon e Rio entraram na sala de guerra. Os dois guerreiros receberam um relatório resumido do que Dylan descobrira. Antes mesmo de ela terminar de explicar o que havia descoberto, Gideon se acomodou diante de um computador e começou a trabalhar.

Jenna ficou olhando da sua cadeira junto à mesa enquanto todos os outros, Savannah, Renata, Alex, Rio e Dylan, se reuniram ao redor de Gideon para vê-lo fazer a sua mágica. Savannah estava certa: ele não precisou mais do que alguns minutos para invadir um firewall de um site do governo americano e começar a baixar os registros de que precisavam.

– A Irmã Margaret Mary Howland está bem viva, de acordo com a Administração do Seguro Social – anunciou ele. – Sacou a aposentadoria dela do mês passado, no valor de 298 dólares e alguns trocados num endereço em Gloucester. Estou imprimindo as informações agora.

Dylan deu um sorriso amplo.

– Gideon, você é um deus da tecnologia.

– Meu prazer é servir. – Levantou-se da cadeira e puxou Savannah para um beijo rápido, porém ardente. – Diga que está impressionada, amor.

– Estou impressionada – respondeu ela, rindo ao mesmo tempo em que lhe dava um tapa no ombro.

Ele sorriu, lançando um olhar para Jenna por sobre os óculos.

– Ela me ama – disse ele, puxando a bela companheira num abraço apertado. – Na verdade, ela é louca por mim. Não consegue viver sem mim. Muito provavelmente, está querendo me levar para a cama neste instante para se aproveitar de mim.

– A-hã. É o que você pensa – replicou Savannah, mas havia uma centelha ardente em seu olhar ao fitá-lo.

– Uma pena que não estamos tendo a mesma sorte para conseguir uma pista sobre a Sociedade TerraGlobal – lamentou Rio, o braço passando ao redor dos ombros de Dylan no que pareceu uma manobra instintivamente íntima.

Renata franziu o cenho.

– Nenhuma pista ainda?

– Nada – Gideon interveio. Ele deve ter percebido o olhar confuso de Jenna. – A Sociedade TerraGlobal é o nome da empresa que acreditamos que Dragos esteja usando como fachada para algumas das suas operações secretas.

Alex disse em seguida:

– Lembra-se daquela mineradora que abriu perto de Harmony há alguns meses, a Mineradora Coldstream? – Ante o aceno de Jenna, Alex continuou: – Pertencia a Dragos. Acreditamos que era para ela ter sido usada como uma prisão para o Antigo depois que o transportassem para o Alasca. Infelizmente, todos sabem como isso terminou.

– Conseguimos rastrear a Mineradora Coldstream até a Sociedade TerraGlobal – acrescentou Rio. – Mas só conseguimos avançar até aí. Sabemos que a TerraGlobal tem muitas camadas, mas está demorando demais para conseguirmos dissecá-las. Nesse ínterim, Dragos se esconde cada vez mais fundo, a cada minuto ficando mais longe do nosso alcance.

– Vocês vão pegá-lo – disse Jenna. Tentou ignorar a aceleração do coração ante a necessidade de pegar algumas armas e liderar a busca. – Vocês têm que pegá-lo, então vão pegá-lo.

Rio, com seu rosto marcado por cicatrizes demonstrando determinação ao assentir em concordância, fitou os olhos de Dylan.

– É. Um dia, nós vamos pegar esse filho da puta. Ele vai pagar por tudo o que já fez.

Debaixo do braço forte, Dylan deu um sorriso tristonho. Escondeu-se em seu abraço, tentando abafar um bocejo.

– Venha – disse Rio, afastando uma mecha dos cabelos ruivos dos olhos dela. – Você tem dedicado muitas horas a tudo isso. Agora vou levá-la para a cama.

– Não é uma má ideia – disse Renata. – A noite logo chega e aposto como Nikolai está testando a nova munição na sala de armas. Está na hora de ir buscar meu homem.

Enquanto ela se despedia e saía, Dylan e Rio, Savannah e Gideon faziam o mesmo.

– Quer ficar comigo e com Kade um pouco? – perguntou Alex.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não, estou bem. Acho que vou ficar aqui por alguns minutos, para relaxar um pouco. O dia foi longo e estranho.

O sorriso de Alex mostrou empatia.

– Se precisar de qualquer coisa, sabe onde me encontrar. Certo?

Jenna assentiu.

– Estou bem. Mas obrigada.

Observou a amiga sair e desaparecer lentamente pelo corredor. Quando não restava mais nada na sala a não ser silêncio e tranquilidade, Jenna se levantou e se aproximou da parede com os mapas, gráficos e retratos.

Era admirável o que a Ordem e as suas companheiras estavam tentando fazer. Era um trabalho importante, mais importante do que qualquer outra coisa com que Jenna se deparara no interior do Alasca, ou, na verdade, em qualquer outro lugar.

Se tudo o que ela descobrira nos últimos dias fosse verdade, então o que a Ordem fazia ali era salvar o mundo.

– Jesus Cristo... – sussurrou, atordoada com a enormidade de tudo aquilo.

Ela tinha que ajudar.

Se fosse capaz, mesmo que de uma maneira pequena, ela tinha que ajudar.

Não tinha?

Jenna andou ao redor da sala, com sua própria batalha acontecendo dentro de si. Não estava pronta para participar de algo como aquilo. Não enquanto ainda tinha tantas coisas para descobrir a respeito de si mesma. Com o irmão morto, ela não tinha mais nenhuma família. O Alasca fora seu lar durante toda a vida e agora isso também se fora, uma parte da sua existência anterior apagada para ajudar a Ordem a preservar seus segredos enquanto continuavam a perseguir o inimigo.

Quanto ao seu futuro, não sabia nem por onde começar. A substância alienígena dentro dela era um problema jamais imaginado, e nem adiantava desejar, porque aquilo não sumiria. Nem mesmo a mente brilhante de Gideon parecia capaz de arrancá-la daquela complicação confusa.

E também havia Brock. De todas as coisas que lhe aconteceram entre a invasão do Antigo ao seu chalé e a adoção atual, inesperada, ainda que não insuportável, por todos ali no quartel-general da Ordem, Brock estava se mostrando a coisa com a qual ela menos estava preparada para lidar.

Não estava nem um pouco perto disso no que se referia aos sentimentos que ele lhe provocava. Coisas que ela não sentia em anos, e, muito certamente, não queria sentir agora.

Nada em sua vida era certo, e a última coisa de que precisava era se envolver ainda mais nos problemas que os guerreiros e as suas companheiras enfrentavam.

No entanto, Jenna se viu seguindo para um computador na mesa ali perto. Sentou-se diante do teclado e entrou no navegador da internet, depois entrou num daqueles sites de e-mail grátis e criou uma conta.

Iniciou uma mensagem nova e digitou o endereço de um dos seus amigos da Polícia Federal em Anchorage. Fez uma única pergunta, uma questão a ser investigada confidencialmente como um favor pessoal.

Inspirou fundo, depois apertou o botão de enviar.


O número do seguro social, social security number, é um número de registro que todos os cidadãos americanos têm, como um CPF e um INSS unificados. Através dele, é possível localizar as pessoas, pois esse número é unificado em todo o território nacional. (N.T.)


Capítulo 12

No vestiário ao lado da sala das armas, Brock esticou a mão às costas para aumentar a temperatura da água de quente para escaldante. Com as mãos apoiadas na porta de teca do cubículo reservado, inclinou a cabeça em direção ao peito e agradeceu pelo jato de água cauterizante que lhe batia nos ombros e descia pelo pescoço. Vapor se formava ao seu redor, espesso como névoa, desde a cabeça até o piso de ladrilhos aos seus pés.

– Cristo! – Kade sibilou, alguns cubículos mais distante. – Duas horas direto de treino mano a mano não foi bastante castigo para você? Agora sente a necessidade de ferver vivo aí?

Brock grunhiu, passando a mão pelo rosto enquanto o vapor continuava a se formar e o calor continuava a açoitar seus músculos tensos demais. Encontrara Niko e Chase na sala das armas depois de deixar seus pertences no quarto que partilharia com Hunter. Parecia-lhe razoável esperar que alguns rounds de treinos de lâminas e treinos corpo a corpo bastariam para exaurir um pouco da sua inquietação e distração. Deveria ser assim, mas não foi.

– O que está acontecendo com você, cara?

– Não sei do que está falando – murmurou Brock, levando a cabeça e os ombros mais para baixo do jato de água escaldante.

A zombaria de Kade se fez ouvir no vestiário cavernoso.

– Até parece que não sabe.

– Droga – Brock exalou em meio à névoa que cobria sua cabeça. – Por que estou com a sensação de que você vai me explicar?

Houve o rangido da torneira sendo fechada, seguido pela batida da porta do chuveiro de Kade quando ele seguiu para o vestiário anexo. Alguns minutos depois, a voz de Kade soou do outro cômodo.

– Vai me contar o que aconteceu aquela noite em Southie, na fábrica?

Brock fechou os olhos e emitiu algo muito parecido com um rosnado, até mesmo para os seus ouvidos.

– Não há nada a contar. Havia fios soltos. Cuidei do assunto.

– A-hã – murmurou Kade. – Foi isso mesmo que imaginei que tivesse acontecido.

Quando Brock levantou a cabeça, viu o guerreiro parado diante dele. Kade estava totalmente vestido com jeans e camiseta preta, apoiado na parede oposta. Seu olhar prateado estreitado, como quem sabe o que está acontecendo.

Brock respeitava demais o amigo para tentar enganá-lo.

– Aqueles humanos eram a ralé que não pensaria duas vezes antes de ferir uma mulher inocente. Não acredita que esse tipo de brutalidade deve ser perdoado, acredita?

– Não. – Kade o encarou, depois assentiu com sobriedade. – Se eu me deparasse com alguém que tivesse colocado um dedo sequer em Alex, eu teria matado o desgraçado. Foi o que fez, não foi? Matou aqueles homens?

– Não eram homens, aqueles... – Brock grunhiu. – Eram cachorros raivosos, e o que fizeram com Jenna – aquilo que achavam que poderiam fazer e se safar – provavelmente não foi a primeira vez que machucaram uma mulher. Duvido que Jenna teria sido a última. Então, isso mesmo, acabei com eles.

Por um bom momento, Kade nada disse. Apenas o observou, mesmo depois que Brock voltou a colocar a cabeça debaixo do jato furioso, sem sentir necessidade de mais explicações. Nem mesmo para seu melhor amigo na Ordem, o guerreiro que era como um irmão para ele.

– Maldição – murmurou Kade depois de um longo silêncio. – Você gosta dela, não gosta?

Brock balançou a cabeça, tanto em negação como para tirar a água do rosto.

– Lucan me deu a responsabilidade de cuidar dela, de mantê-la segura. Só estou fazendo aquilo que esperam de mim. Ela é mais uma missão, nada diferente das outras.

– Ah, tá. Sem dúvida – caçoou Kade. – Eu tive uma missão como essa lá no Alasca há não muito tempo. Acho que já te contei uma ou duas vezes sobre ela, não foi?

– Isso é diferente – resmungou Brock. – O que você e Alex têm... Não é a mesma coisa. Alex é uma Companheira de Raça, para começar. Não existe a possibilidade de as coisas ficarem sérias com Jenna. Não sou do tipo que curte relacionamentos de longo prazo e, além disso, ela é humana.

As sobrancelhas escuras de Kade se uniram em sinal de preocupação.

– Não sei se algum de nós pode ter certeza do que ela é agora.

Brock absorveu a verdade dessa declaração com uma onda renovada de preocupação, não só por Jenna, mas pela Ordem e pelo resto da nação da Raça. O que quer que estivesse acontecendo com ela, parecia estar se acelerando naquele mesmo instante. Não tinha como negar que as notícias sobre seus exames de sangue o perturbavam. Sem falar que aquela porção alienígena colocada dentro dela estava se infiltrando cada vez mais em seu corpo, a um nível que nem mesmo Gideon parecia preparado para combater.

Brock emitiu uma imprecação debaixo do jato punitivo de água.

– Se está tentando fazer com que eu me sinta melhor a respeito disso tudo, sinta-se à vontade para parar a qualquer instante.

Kade riu, obviamente se divertindo com tudo aquilo.

– Sabe, não acho que você vá ter uma conversa de coração aberto com seu novo companheiro de quarto, então sou eu, aqui e agora, demonstrando que me importo.

– Sinto-me tocado – murmurou Brock. – Agora caia fora e deixe eu me escaldar em paz.

– Com todo prazer. Toda essa conversa sobre missões e mulheres me lembrou que tenho deveres importantes em meu apartamento que venho negligenciando...

Brock grunhiu.

– Lembranças a Alex.

Kade apenas sorriu ao se despedir, depois seguiu para a saída mais próxima.

Depois que ele se foi, Brock só ficou uns minutos mais debaixo da água. Já estava tarde, mas ele estava energizado demais para dormir. E o lembrete de Kade sobre as mutações biológicas de Jenna fez sua mente acelerar.

Enxugou-se, depois vestiu uma camiseta cinza e jeans escuros. Calçou os coturnos, sentindo uma súbita necessidade de voltar para a sala das armas para gastar um pouco mais de energia até o pôr do sol, quando poderia, por fim, escapar do complexo uma vez mais. Mas suar a camisa não funcionara muito da primeira vez; duvidava que o ajudasse agora.

Sem saber o que o livraria daquela agitação, Brock se viu andando pelo corredor principal do complexo, na direção do laboratório de tecnologia. Os corredores estavam silenciosos, desertos. Nada surpreendente para aquela hora do dia, quando os guerreiros comprometidos estavam com suas fêmeas e o restante dos ocupantes do quartel-general descansava antes do início das patrulhas da noite.

Brock deveria pensar em fazer o mesmo, porém estava mais interessado em saber se Gideon descobrira algo mais a respeito dos exames de sangue de Jenna. Ao entrar no corredor comprido que o levaria até o laboratório, ouviu movimentos em outra das salas do complexo.

Seguindo o barulho de papéis, parou diante da porta aberta do centro de comando da missão das Companheiras de Raça.

Jenna estava sozinha lá dentro.

Sentada à mesa de reuniões, com diversas pastas espalhadas diante de si e muitas outras empilhadas junto ao cotovelo, ela estava reclinada sobre um bloco de anotações, caneta na mão, completamente absorvida pelo que estava escrevendo, o que quer que fosse. A princípio, achou que ela não soubesse que ele estava ali. Mas em seguida, a mão dela parou no meio da página, e a cabeça se ergueu. As mechas de cabelo castanho caíram como seda quando ela se virou para ver quem estava na porta.

Aquela seria a sua chance para se esconder rápido, antes que ela o visse. Ele era da Raça, poderia estar ali e desaparecer antes que os olhos mortais registrassem sua presença. Em vez disso, por algum motivo idiota, sobre o qual não desejava refletir, avançou um passo e pigarreou.

O olhar castanho de Jenna se arregalou ao vê-lo.

– Oi – disse ele.

Ela sorriu de leve, parecendo pega desprevenida. E por que não estaria, depois da maneira como ele havia deixado as coisas entre os dois da última vez em que se viram? Ela pegou uma das pastas e colocou por cima do bloco de anotações.

– Pensei que todos tivessem ido descansar.

– E foram. – Ele entrou ainda mais na sala e passou os olhos nas informações sobre a mesa. – Parece que Dylan e as outras já conseguiram recrutar seus serviços.

Ela deu de ombros, numa negação débil.

– Eu só... estava olhando algumas coisas. Comparando anotações de alguns arquivos, anotando algumas ideias.

Brock se sentou ao lado dela.

– Elas vão gostar disso – disse ele, impressionado por ela estar ajudando. Esticou a mão na direção das suas anotações. – Posso ver?

– Não é nada de mais, mesmo – disse ela. – É só que algumas vezes ajuda alguém de fora dar uma olhada.

Ele relanceou para a letra curva e precisa que preenchia quase toda a página. A mente dela parecia funcionar do mesmo modo organizado, baseado no fluxo lógico das suas anotações e na lista de sugestões que fizera para a investigação das pessoas desaparecidas que Dylan e as outras Companheiras de Raça vinham procurando nos últimos meses.

– É um bom trabalho – disse ele, sem elogiar, apenas declarando um fato. – Dá para ver que você é uma excelente policial.

Outro levantar de ombros de negação.

– Não sou mais policial. Faz tempo que me afastei.

Ele a observou enquanto falava, notando o arrependimento que pairava em seu tom de voz.

– Não significa que não continue boa ainda no que faz.

– Parei de ser boa há algum tempo. Uma coisa aconteceu e eu... perdi minha motivação. – Ela o fitou, sem piscar. – Houve um acidente de carro há quatro anos. Meu marido e nossa filha de seis anos de idade morreram, só eu sobrevivi.

Brock assentiu.

– Eu sei. Lamento por sua perda.

A empatia dele pareceu incomodá-la de algum modo, e ela ficou meio sem saber o que fazer. Talvez lhe fosse mais fácil falar sobre a sua tragédia em seus termos, sem saber que ele já tomara conhecimento dela. Agora ela o fitava incerta, como se temesse que ele a julgasse de alguma maneira.

– Tive dificuldades para... aceitar que Mitch e Libby tinham partido. Por muito tempo, mesmo agora, é complicado entender como eu tenho que seguir em frente.

– Você vive – disse Brock. – É só o que pode fazer.

Ela assentiu, mas havia assombro em seu olhar.

– Você faz parecer tão fácil.

– Fácil não, apenas necessário. – Ele a viu cutucar um clipe torto em um dos relatórios. – Foi por isso que você se retirou do trabalho na polícia, porque não sabia como viver depois do acidente?

Fitando o espaço bagunçado na mesa diante dela, ela franziu a testa, em silêncio por um instante.

– Pedi demissão porque eu não conseguia mais executar minhas funções. Toda vez que eu tinha que me apresentar numa violação de trânsito, mesmo uma simples colisão de para-choque ou um pneu furado, eu chegava tremendo tanto ao local que mal conseguia sair do carro para oferecer ajuda. E nos chamados mais complicados, em acidentes sérios ou brigas domésticas que acabavam em violência, eu me sentia nauseada durante dias. Tudo o que eu aprendi no treinamento e no trabalho pareceu se despedaçar quando aquele caminhão carregando lenha atravessou a estrada escorregadia e destroçou minha vida. – Relanceou para ele, com seus olhos castanho-claros mais obstinados e firmes do que jamais vira. – Deixei de ser policial porque sabia que não conseguiria executar meu trabalho da maneira que ele precisava ser feito. Não queria que ninguém que pudesse depender de mim pagasse pela minha negligência. Por isso, pedi demissão.

Brock respeitava a coragem e a resiliência de Jenna desde que colocara os olhos nela. Agora, sua opinião apenas aumentara.

– Você se importava com o seu trabalho e com as pessoas que dependiam de você. Isso não é um sinal de fraqueza. Isso demonstra força. E, está claro, você amava o seu trabalho. E acho que ainda ama.

Por que essa simples observação atiçaria algum ponto fraco nela ele não entendia, mas teria que ser cego para não notar a centelha defensiva que brilhou em seus olhos. Jenna desviou o olhar ao perceber que deixara aquilo escapar e, quando falou, não havia raiva em sua voz. Apenas um tom de resignação.

– Sabe bastante sobre mim, não? Acho que não sobrou muito que você ou a Ordem não saibam sobre mim a esta altura.

– Alex nos contou apenas o básico – admitiu ele. – Depois do que aconteceu no Alasca, precisávamos saber algumas coisas.

Ela resmungou.

– Quer dizer, depois que comecei a falar coisas sem nexo enquanto dormia e me tornei um fardo indesejável para a Ordem.

– Mais ou menos isso – disse ele, continuando sentado quando ela se levantou e começou a se afastar dele, os braços cruzados diante do peito. Percebeu que ela abandonara por completo a bengala que Tess lhe dera, e que a perna machucada revelava apenas um leve manquejar a cada passo. – Vejo que seu ferimento já está melhorando.

– Está bem melhor. – Ela o fitou por sobre o ombro. – Na verdade, nem era tão grave assim.

Brock inclinou a cabeça como se concordasse, mas ele se lembrava muito bem da gravidade do ferimento. Se ela estava se curando a um ritmo acelerado, deduziu que as mutações genéticas descobertas por Gideon deviam estar por trás disso.

– Estou feliz que esteja se sentindo melhor – disse, pensando que, provavelmente, ela não precisava de um lembrete sobre a matéria desconhecida inserida dentro de si.

Seu olhar se deteve sobre ele, suavizando-se.

– Obrigada pelo que fez na noite passada, ir atrás de mim e me tirar daquele lugar horrível. Acho que você salvou a minha vida. Sei que salvou, Brock.

– Não foi nada.

Deus, ele esperava que ela jamais ficasse sabendo dos detalhes selvagens com que ele lidara com seus agressores. Ela não estaria agradecendo se o tivesse visto em ação naquela noite, nem se tivesse testemunhado o modo violento com que satisfizera tanto a sua sede quanto a sua fúria naqueles humanos desgraçados. Se soubesse do que ele era capaz, ela, sem dúvida, o enxergaria da mesma maneira que o Antigo que a atacara.

Não sabia por que isso o incomodava tanto. Não queria que ela o igualasse a um monstro, pelo menos não enquanto estivesse encarregado pela Ordem de protegê-la. Ela precisava confiar nele, e, como seu protetor designado, ele tinha que se certificar disso. Tinha um trabalho a fazer, e não estava disposto a perder de vista essa responsabilidade.

Mas sua questão com Jenna ia além disso, ele bem sabia. Só não tinha a mínima intenção de dissecar o assunto agora, nem num futuro próximo.

Observou-a se aproximar da parede coberta de mapas e gráficos que documentava a busca pelas Companheiras de Raça que a Ordem suspeitava que Dragos estivesse mantendo em cativeiro.

– Este trabalho é incrível – murmurou Jenna. – Dylan, Savannah, Renata, Tess... Todas as mulheres que conheci aqui são verdadeiramente incríveis.

– Sim, elas são – concordou Brock. Levantou-se e caminhou até onde estava Jenna. – A Ordem sempre foi uma força a ser respeitada, mas, desde que me juntei a ela, tenho visto nossas forças redobrarem por causa do envolvimento das fêmeas deste complexo.

Ela lhe lançou um olhar que ele considerou difícil de interpretar.

– O que foi?

– Nada. – Um leve sorriso tocou seus lábios quando ela meneou um pouco a cabeça. – Só estou surpresa em ouvir isso. A maioria dos homens com quem tive contato no trabalho, inclusive meu pai e meu irmão, preferiria comer seus distintivos a admitir que era melhor para eles trabalhar em equipe com as mulheres.

– Eu não tenho um distintivo – disse ele, retribuindo o sorriso. – E não sou como a maioria dos homens.

Ela riu de leve, mas não desviou o olhar.

– Não, você não é. E mesmo assim, é um dos poucos aqui que não tem uma Companheira de Raça.

Ele pensou nisso, mais do que apenas um pouco intrigado pelo fato de ela estar curiosa sobre sua vida pessoal.

– Trabalho é uma coisa. Assumir uma companheira com um elo de sangue é outra. É um tipo de situação eterna, e sou alérgico a relacionamentos de longo prazo.

Os olhos inteligentes o avaliaram.

– Por quê?

Seria fácil dar-lhe uma resposta charmosa e sem fundamento, do tipo a que estava acostumado a dar quando Kade e os outros tocavam no assunto de Companheiras de Raça e de envolvimentos sentimentais. Mas ele não poderia olhar para Jenna e ser outra coisa a não ser honesto, não importando como isso mudaria a forma como ela o enxergava.

– Relacionamentos de longo prazo aumentam as chances de eu desapontar alguém. Por isso, me esforço para me manter longe disso.

Ela não disse nada por um ou dois minutos. Apenas o encarou em silêncio, os braços ainda ao seu redor, uma centena de emoções acentuando a cor de seus olhos.

– É, sei o que está querendo dizer – disse, por fim, a voz mal passando de um sussurro rouco. – Sei tudo a respeito de desapontar as pessoas.

– Não tem como eu acreditar nisso. – Ele não conseguia enxergar a mulher capaz e confiante deixando de fazer algo que se dispusera a fazer.

– Pode acreditar – disse ela com seriedade, girando sobre os calcanhares e seguindo para junto da outra parede, onde um punhado de retratos falados fora disposto ao longo de mapas e de anotações. Quando voltou a falar, havia uma casualidade em sua voz que parecia forçada. – Então, essa sua alergia a relacionamentos duradouros é alguma novidade para você, ou sempre evitou compromissos?

Ele teve uma imagem mental instantânea de olhos reluzentes e de uma risada maliciosa e musical que ainda ouvia às vezes, como um fantasma à espreita em suas lembranças.

– Já existiu alguém. Bem... Poderia ter havido alguém. Ela morreu há muitos anos.

A expressão de Jenna ficou sombria de remorso.

– Brock, sinto muito. Não tive a intenção de...

Ele deu de ombros.

– Não precisa se desculpar. Isso foi há um século. – Quase literalmente, ele percebeu, atordoado pelo fato de que tanto tempo havia se passado desde que o seu descuido custara a vida de alguém a quem ele, supostamente, deveria ter protegido.

Jenna voltou a se aproximar e se recostou na beira da mesa ao lado dele.

– O que aconteceu com ela?

– Foi assassinada. Eu trabalhava como guarda-costas no Refúgio Secreto de uma família em Detroit na época. Era minha responsabilidade mantê-la a salvo, mas meti os pés pelas mãos. Ela desapareceu sob a minha vigilância. Seu corpo foi encontrado meses mais tarde, brutalizado a ponto de não ser reconhecido, abandonado num rio.

– Ah, meu Deus... – A voz de Jenna saiu suave, carregada de empatia. – Que horrível.

– É, foi mesmo – disse ele, lembrando-se muito bem do horror do que havia sido feito a ela, antes e depois de ser morta. Três meses na água não deixaram mais fácil de olhar o que lhe haviam feito.

– Sinto muito – repetiu Jenna, esticando uma mão para apoiá-la no músculo saltado do bíceps dele.

Ele tentou ignorar a súbita percepção que surgiu com aquele contato. Mas tentar não perceber sua atração por ela era o mesmo que ordenar ao fogo que não fosse quente. Toque-o e você se queimará. Assim como ele queimava agora, quando relanceou para a mão pálida de Jenna em contraste com a sua pele escura.

Quando ele levantou o olhar para ela, percebeu pela forma sutil com que ela inspirava que seus olhos muito provavelmente estavam iluminados por centelhas cor de âmbar, a transformação traindo seu desejo por ela. Ela engoliu em seco, mas não desviou o olhar.

Que Deus o ajudasse, mas ela tampouco retraiu a mão, nem mesmo quando o seu rugido de macho excitado se formou na base da garganta.

Pensamentos do que acontecera com ela há poucas horas em seu apartamento jorraram como uma onda de lembranças ardentes. Não havia mais do que alguns poucos centímetros entre eles, mesmo agora. Ficou imaginando se Jenna queria que ele a beijasse. Estivera inseguro quanto ao que ela sentia, e com a possibilidade de ela estar sentindo algo parecido com seu próprio desejo. Agora, precisava saber com uma ferocidade que o assustava.

Para ter certeza de que não estava interpretando mal, nem que fosse apenas pela sua sanidade, cobriu a mão dela com a sua. Aproximou-se, postando-se de frente para ela, que ainda estava apoiada na mesa.

Ela não se retraiu. Encarou-o bem nos olhos, confrontando-o, bem como ele esperava que ela fizesse.

– Eu não sei bem como lidar com tudo isto – disse ela com suavidade. – As coisas que têm acontecido comigo desde aquela noite no Alasca... Todas as perguntas que talvez nunca sejam respondidas. Sei lidar com isso. De alguma forma, vou aprender a lidar. Mas você... Isto... – Ela baixou o olhar para as mãos unidas, os dedos entrelaçados. – Não sou boa nisso. Meu marido se foi há quatro anos. Não houve ninguém desde então. Nunca estive pronta para isso. Não quis...

– Jenna. – Brock tocou no seu queixo, erguendo-o com suavidade para fitá-la nos olhos. – Tudo bem se eu te beijar?

Os lábios dela vacilaram num sorriso que ele não resistiu a provar. Inclinou a cabeça e a beijou devagar, para que ela se acostumasse, apesar da intensidade do seu desejo.

Embora ela tivesse confessado estar sem prática, ele jamais teria imaginado isso pela sensualidade dos lábios dela ao encontro dos seus. O beijo, tanto suave quanto direto, dando e recebendo, o incendiou. Ele se aproximou, até se ajustar entre suas pernas, precisando sentir o corpo dela pressionado contra o seu enquanto passava a língua ao longo dos lábios aveludados. Correu as mãos pela lateral de seu corpo, ajudando-a a subir na mesa quando a perna machucada começou a tremer.

O beijo fora um erro. Achara que as coisas terminariam ali – apenas um beijo –, mas, agora que começara, ele simplesmente não sabia como encontraria forças para pôr um fim naquilo.

E, pela sensação dela em seus braços, pelos gemidos e sussurros de prazer enquanto os beijos davam início a algo mais poderoso, teve certeza de que ela também queria mais.

Mas, pelo visto, não poderia estar mais errado.

Foi só quando percebeu a umidade em seu rosto que notou que ela estava chorando.

– Jesus – sibilou, recuando de pronto e sentindo-se um cretino ao ver seu rosto marcado pelas lágrimas. – Desculpe. Se eu te pressionei rápido demais...

Ela balançou a cabeça, visivelmente triste, mas sem conseguir falar nada.

– Diga que eu não te machuquei, Jenna.

– Droga. – Ela inspirou fundo. – Não posso fazer isto. Desculpe, a culpa é minha. Eu nunca deveria ter deixado que você...

As palavras foram interrompidas quando ela o empurrou para longe, desvencilhando-se dele, e correu para o corredor.

Brock ficou ali por um minuto, todo tenso e dolorido, ávido de desejo. Deveria deixá-la ir. Considerar aquilo apenas um desastre evitado por um triz e tirar a tentadora Jenna Darrow da cabeça.

Sim, é exatamente isso o que deveria fazer, e ele sabia muito bem disso.

Mas, quando esse pensamento se formou, ele já estava na metade do corredor, seguindo os sons do choro de Jenna até seu antigo apartamento.


Capítulo 13

Jenna se sentia a maior das covardes, uma fraude absoluta, enquanto fugia pelos corredores, tentando engolir as lágrimas. Deixara Brock pensar que não o queria. Provavelmente o fez acreditar que ele a pressionara de algum modo com aquele beijo, quando quase a derretera numa poça na mesa daquela sala de reuniões. Deixou que ele ficasse se preocupando por ter feito algo errado, que talvez a tivesse magoado, e essa era a coisa mais injusta de todas.

No entanto, não conseguira deixar de fugir, precisando colocar alguma distância entre eles com uma determinação que beirava o desespero. Ele a fazia sentir demais. Coisas para as quais não estava preparada. Coisas que ela necessitava com tamanha profundidade, mas que não merecia.

Por isso fugiu, mais aterrorizada do que nunca e odiando a covardia que a fazia colocar pé ante pé. Quando chegou ao quarto, estava tremendo e sem fôlego, lágrimas ainda descendo pelas faces.

– Jenna.

O som da voz grave atrás dela foi como uma carícia ardente em sua pele. Virou-se de frente, atônita com a velocidade e com o silêncio que o levaram até ali não mais do que um segundo depois dela. Mas, em retrospecto, ele não era humano. Não era um homem de fato – uma coisa da qual ela tinha que se lembrar quando ele estava tão próximo, com todo aquele tamanho, a intensidade do olhar se comunicando com tudo o que era feminino dentro dela.

Sua boca ainda estava inchada pelos beijos dele. Sua pulsação ainda batia descompassada. O calor ainda ardia dentro dela.

E como se soubesse disso, Brock se aproximou ainda mais. Esticou o braço e pegou sua mão, sem dizer nada. Não havia necessidade de palavras. Apesar das lágrimas que começavam a diminuir e do tremor das suas pernas, ela não conseguia esconder o desejo que sentia por ele.

Não resistiu quando ele a trouxe para perto, para o calor do seu corpo. Para o conforto dos seus braços.

– Estou com medo – sussurrou ela. Essas palavras não lhe vinham fáceis, como nunca vieram.

Com o olhar preso ao dela, ele lhe acariciou o rosto.

– Não precisa ter medo de mim. Não vou machucar você, Jenna.

Acreditou nele, mesmo antes de ele inclinar a cabeça e resvalar os lábios num beijo dolorosamente carinhoso. De maneira incrível e impossível, confiava naquele homem que não era um homem. Queria as mãos dele sobre si. Queria sentir aquela conexão de novo com alguém, mesmo que não estivesse pronta para pensar em algo além do físico, do desejo de tocar e de ser tocada.

– Está tudo bem – ele murmurou ao encontro da sua boca. – Está segura comigo, prometo.

Jenna fechou os olhos ao absorver suas palavras, as mesmas que a acalmaram na escuridão do seu chalé no Alasca, e de novo na enfermaria do complexo. Brock fora seu elo com o mundo dos vivos depois da sua provação com o Antigo. Sua única corda de segurança durante os infindáveis pesadelos que se seguiram nos dias depois que ela fora trazida àquele lugar estranho, modificada de tantas maneiras.

E agora...?

Agora ela não sabia muito bem como ele se encaixava na confusão que restara da sua vida. Não estava pronta para pensar nisso. Tampouco estava plenamente segura de estar preparada para as sensações que ele lhe provocava.

Recuou um pouco, a dúvida e a vergonha ainda se avolumando na parte dela que ainda lamentava a perda, a ferida aberta em sua alma que há muito tempo aceitara que jamais se cicatrizaria por completo.

Pressionando a testa no calor da solidez de seu peito, no algodão macio que exalava seu cheiro exótico característico, Jenna inspirou profundamente para se fortalecer. E expirou num suspiro entrecortado.

– Será que eu os amava o suficiente? É o que não paro de me perguntar desde aquela noite em meu chalé...

As mãos fortes de Brock alisaram suas costas, fortes e carregadas de compreensão, dando a calma que ela precisava a fim de reviver aqueles momentos torturosos quando o Antigo a pressionara para que ela decidisse o próprio destino.

– Ele me fez escolher, Brock. Naquela noite em meu chalé, pensei que ele iria me matar, mas não matou. Eu não teria lutado se ele matasse. E ele sabia disso, acho. – Na verdade, ela tinha certeza. Naquela noite em que o Antigo invadira sua casa, ela não estava bem. Ele vira a garrafa de uísque vazia no chão e a pistola carregada em sua mão. A caixa de fotografias que ela pegava todos os anos por volta do aniversário do acidente que lhe roubara a família e que a deixara para viver sozinha. – Ele sabia que eu estava preparada para morrer, mas, em vez de me matar, forçou-me a dizer as palavras, a lhe dizer em voz alta o que eu queria mais: vida ou morte. Foi como uma tortura, algum tipo de jogo doentio que ele me fez jogar contra a minha vontade.

Brock resmungou alguma imprecação incompreensível, mas as mãos continuaram suaves às suas costas, carinhosas, num calor tranquilizador.

– Ele me fez escolher – disse ela, lembrando-se de cada minuto insuportável daquela provação.

Mas, ainda pior do que as horas infindáveis do seu aprisionamento e de vê-lo alimentando-se dela, do que o horror de perceber que seu captor não era uma criatura deste mundo, foi o momento terrível no qual ouviu a própria voz rouca dizer as palavras que pareciam rasgar das profundezas mais íntimas e envergonhadas de sua alma.

Quero viver.

Ai, meu Deus... por favor, deixe-me viver.

Não quero morrer!

Jenna engoliu o nó de angústia que se formara em sua garganta.

– Fico pensando que não os amava o bastante – sussurrou, devastada ante esse pensamento. – Fico pensando que, se os amasse de verdade, teria morrido com eles. Que, quando o Antigo me forçou a escolher se queria ou não viver, eu teria feito uma escolha diferente.

Quando o choro ficou preso em sua garganta, os dedos de Brock resvalaram seu queixo. Ergueram seu rosto para seu olhar solene.

– Você sobreviveu – disse ele, a voz firme, mas com infinito afeto. – Foi só o que fez. Ninguém a culparia por isso, muito menos eles.

Ela fechou os olhos, sentindo o peso do arrependimento diminuir um pouco com as palavras reconfortantes que ouvia. Mas o vazio em seu coração era um lugar frio e oco. Um que se tornou ainda maior quando Brock a tomou nos braços, confortando-a. O calor e a preocupação dele penetraram em sua pele como um bálsamo, acrescentando mais emoção ao desejo que não diminuíra por conta da proximidade do corpo forte. Torceu-se no refúgio que era seu abraço, apoiando o rosto na força sólida e firme que ele era.

– Posso acabar com isso, Jenna. – Ela sentiu a pressão da boca, o fluir da respiração em seus cabelos enquanto ele beijava o topo de sua cabeça. – Posso carregar sua dor por você, se quiser.

Havia uma parte nela que se rebelava contra isso. A mulher forte, a policial experiente, aquela que sempre enfrentava qualquer situação, se retraiu ante a ideia de que seu sofrimento pudesse ser pesado demais para ela mesma suportar. Nunca precisou de ajuda, tampouco se dispôs a pedir, jamais. Esse tipo de fraqueza jamais lhe serviria.

Retraiu-se, a recusa na ponta da língua. Mas quando abriu os lábios para falar, as palavras não surgiram. Fitou o belo rosto de Brock, os olhos penetrantes que pareciam enxergar bem dentro dela.

– Quando foi a última vez que se permitiu ser feliz, Jenna? – Ele afagava seu rosto com tanta suavidade, com tanta reverência, que ela estremeceu sob seu toque. – Quando foi a última vez que sentiu prazer? A mão grande desceu ao longo do pescoço. O calor irradiou da palma ampla e dos dedos longos. Sua pulsação acelerou conforme ele espalmou a nuca, o polegar acariciando o ponto sensível debaixo da orelha.

Então, ele a aproximou de si, inclinando-lhe o rosto para se encontrar com o seu. Beijou-a, lenta e profundamente. A fusão vagarosa da boca dele ao encontro da sua lançou uma corrente de calor líquido em suas veias. O fogo se empoçou em seu centro, seu íntimo se enchendo com um desejo ardente e ávido.

– Se você não quiser isto – murmurou ele ao encontro dos seus lábios –, basta dizer. A qualquer hora, eu paro...

– Não. – Ela balançou a cabeça ao erguer a mão para tocar no maxilar forte. – Eu te quero, mas tanto que isso está me assustando demais.

O sorriso dele se espalhou preguiçosamente, os lábios sensuais se afastando para revelar os dentes brancos e a extensão aumentada das presas. Jenna fitou sua boca, sabendo que os instintos básicos humanos de sobrevivência deviam estar disparando todo tipo de alarme, avisando-a de que aproximar-se demais daqueles caninos seria letal.

Mas ela não sentiu medo. Em vez disso, sua mente reconheceu a transformação dele com um sentimento inexplicável de aceitação. Excitação até, enquanto o castanho absorvente de seus olhos começou a reluzir com uma luz âmbar incandescente.

Acima do colarinho da camiseta cinza e debaixo das mangas curtas que se agarravam aos montes firmes dos bíceps musculosos, os dermaglifos de Brock pulsavam em cores. As marcas da pele do membro da Raça assumiram uma cor mais acentuada do que seu costumeiro tom de bronze, tornando-se mais bordô e dourado, junto com um roxo escuro. Jenna percorreu os dedos ao longo das curvas e arcos dos seus glifos, maravilhando-se com a beleza sobrenatural.

– Tudo o que eu achava que sabia é diferente agora – ponderou em voz alta enquanto permanecia no círculo dos braços dele, distraidamente tracejando os desenhos dos glifos que desciam. – Tudo mudou agora. Eu mudei, de maneiras que nem sei se farão sentido para mim. – Levantou o olhar. – Não estou atrás de mais confusão em minha vida. Não acho que eu seja capaz de lidar com mais isso além de todo o resto.

Ele sustentou o seu olhar, sem julgá-la, revelando apenas paciência e uma aura de controle imperturbável.

– Você está confusa agora, enquanto te toco... ou quando a beijo?

– Não – disse ela, surpresa ao constatar isso. – Nem antes.

– Isso é bom. – Ele se inclinou e clamou sua boca novamente, sugando o lábio inferior, capturando-o entre os dentes ao afagar suas costas, depois espalmando a mão na curva das nádegas. Apertou-a com possessividade, rebocando o corpo eletrizado ao longo da sua ereção. Esfregou o nariz na curva do pescoço, os lábios quentes e úmidos em sua pele. Quando falou de novo, sua voz estava mais grossa do que antes, carregada do mesmo tipo de avidez que a percorria. – Permita-se sentir prazer, Jenna. Se quiser, é só isso o que precisa acontecer entre nós. Sem pressão, sem amarras. Sem promessas que nenhum de nós está pronto para fazer.

Ah, Deus. Parecia tão bom, tão tentador, ceder ao desejo que vinha crescendo entre eles desde que ela despertou no complexo da Ordem. Não estava pronta para abrir o coração novamente, talvez nunca estivesse pronta para essa vulnerabilidade de novo, mas não sabia se era forte o bastante para resistir ao presente que Brock estava lhe oferecendo.

Ele a beijou na base da garganta.

– Está tudo bem, Jenna. Entregue o resto para mim agora. Liberte-se de tudo, exceto disto.

– Sim. – Ela suspirou, sem conseguir refrear um arquejo quando as carícias trafegaram por seu corpo. As mãos fortes e habilidosas lançaram picadas de energia pelas suas veias, o talento sobrenatural sugando todo o peso remanescente de tristeza, de dor e de confusão. A boca ardente e habilidosa deixou apenas sensações e avidez em seu rastro.

Ele beijou uma pequena trilha ao longo do pescoço, depois pelo maxilar, até que seus lábios se encontraram com os dela uma vez mais. Jenna acolheu sua paixão, abrindo-se para ele enquanto a língua passava pelo vale entre seus lábios. Ele gemeu quando ela o sugou para dentro, grunhiu uma aprovação absolutamente masculina enquanto ela passava os dedos ao redor da sua cabeça, segurando-o com mais firmeza ao encontro da sua boca.

Deus, ela não fazia ideia de quanto necessitava do toque de um homem. Ficara tempo demais sem aquela intimidade, forçosamente se privando do contato sexual e daquele tipo de relaxamento. Por quatro anos, convencera-se de que não queria nem precisava daquilo, apenas mais um castigo autoimposto pela grave ofensa de ter sobrevivido ao acidente que matara seus entes queridos.

Acreditara-se imune ao desejo; no entanto, ali com Brock, todas aquelas barreiras antes impenetráveis estavam sendo derrubadas, caindo ao seu redor como se não fossem mais do que folhas secas. Ela não conseguia sentir culpa pelo prazer que ele estava lhe proporcionando. Não havia como saber se pela habilidade de Brock de absorver a sua angústia ou pelo desejo reprimido. Só o que ela conhecia era a intensidade crescente das reações do seu corpo ao dele, uma onda de prazer e de antecipação que a deixava sem ar e querendo ainda mais.

As mãos grandes passaram para os ombros, depois começaram sua viagem para os seios. Através do algodão fino da camisa dela, os mamilos endureceram, ficando rijos e doloridos, vivos com sensações a cada carícia aplicada. Jenna gemeu, querendo mais dos toques dele. Capturou sua mão e a guiou por baixo da bainha larga da camisa. Ele não precisou de mais orientações. Em menos de um segundo, soltou o fecho do sutiã e cobriu a pele nua com a palma quente. Brincou com o botão duro ao acariciá-la.

– Melhor assim? – murmurou ele, logo abaixo da orelha. – Diga se está gostando.

– Deus... Sim! – Era tão bom que ela mal conseguia formar palavras.

Jenna sibilou de prazer, jogando a cabeça para trás enquanto uma sensação espiralada se contraía em seu íntimo. Ele continuou tocando-a, beijando-a e acariciando-a, enquanto lentamente tirava sua camisa. Fez o mesmo com o sutiã aberto, deslizando as alças finas pelos ombros, escorregando-as pelos braços. De repente, ela estava nua da cintura para cima diante dele. O instinto de se cobrir – de esconder as cicatrizes que cruzavam seu tronco por causa do acidente, e aquela no abdômen que era um lembrete diário do difícil trabalho de parto de Libby – surgiu de leve, mas apenas por um instante.

Só pelo tempo que demorou para erguer a cabeça e se deparar com o olhar de Brock.

– Você é linda – disse ele, pegando-lhe as mãos com suavidade e afastando-as do corpo antes que ela tivesse a oportunidade de se sentir envergonhada pelo elogio dele ou pela sua observação franca.

Nunca se sentira especialmente bela. Confiante e capaz, bem fisicamente e forte. Essas palavras ela entendia e aceitava. Palavras que a acompanharam em boa parte dos seus trinta e três anos de vida, mesmo durante o casamento. Mas linda? Era-lhe tão estranha quanto o idioma desconhecido que se ouvira falar no vídeo na enfermaria no dia anterior.

Brock, este sim, era lindo. Ainda que parecesse uma palavra esquisita para descrever a sombria força da natureza que estava diante dela.

Cada mancha castanha dos olhos dele sumira, devorada pelo brilho âmbar que aquecia suas faces como uma chama viva. As pupilas afinaram parecendo fendas, e as faces magras agora estavam mais angulares, a pele escura imaculada esticada por sobre os ossos, ressaltando a aparência atordoante das presas longas e afiadas.

Aqueles olhos ardentes prenderam os seus, enquanto ele tirava a camiseta e a deixava cair no chão ao lado dela. O peito era incrível, uma parede maciça de músculos bem torneados cobertos por um desenho intricado de glifos pulsantes. Ela não resistiu ao desejo de tocar a pele lisa, só para ver se era tão sedosa sob seus dedos quanto lhe parecia ao olhar. Era ainda mais macia do que imaginara, mas a força absoluta e sobrenatural abaixo dela era inconfundível.

Brock lhe parecia tão letal quanto fora ao salvá-la na cidade, a não ser, talvez, pela ira gélida que emanara dele como em ondas aquela noite, pois agora ele vibrava com algo igualmente agressivo e intenso: desejo. Todo centrado nela.

– Você está... Maldição, Jenna – ele disse rouco, tracejando a linha do seu ombro, depois circundando a ponta rósea do seu seio. – Você não faz ideia de quanto é adorável, faz?

Ela não respondeu, nem saberia como. Em vez disso, aproximou-se e puxou a boca dele para a sua para mais um beijo ardente. Pele contra pele, os seios esmagados contra os músculos firmes do peito dele, Jenna quase entrou em combustão de tanto desejo. Seu coração batia forte, a respiração acelerada, enquanto Brock abaixava a mão e descia o zíper de seus jeans. Ela mordeu os lábios quando ele deslizou as mãos entre a cintura da calça e a pele dos seus quadris, depois fez descer os jeans por sobre a calcinha branca. Ele se afundou sobre os calcanhares, acompanhando a descida dos jeans com as mãos.

Tomou cuidado perto do ferimento a bala, a fim de não mexer no curativo que envolvia a coxa.

– Tudo bem? – perguntou, erguendo o olhar para ela, a voz grave tão rouca que ela mal a reconheceu. – Se houver dor, posso cuidar dela.

Jenna balançou a cabeça.

– Não está doendo. Está tudo bem, mesmo.

Os olhos reluzentes âmbar se fecharam baixando os cílios ao voltar para a tarefa que tinha em mãos. Com os jeans removidos, ele se apoiou nos calcanhares e olhou para ela, deslizando as mãos para cima e para baixo na extensão das suas pernas.

– Tão, tão linda – ele a elogiou, depois inclinou a cabeça e pressionou os lábios no triângulo de algodão branco entre as coxas, a única peça de roupa que a cobria agora.

Jenna expeliu um suspiro trêmulo quando ele prendeu o tecido entre os dentes e as presas. Com o olhar carregado de propósito, fitou-a, as mãos ainda acariciando as pernas, e puxou a peça antes de soltá-la, deixando voltar ao seu lugar, cobrindo a pele aquecida. Ele a seguiu com a boca, beijando-a de novo, com mais determinação agora, afastando o irrisório pedaço de pano e esfregando o rosto ainda mais na fenda úmida do seu sexo.

As mãos a seguravam pelas nádegas enquanto ele a explorava com os lábios e a língua e o resvalar erótico dos dentes na pele úmida do seu centro. Despiu-a da calcinha, depois afastou as coxas e a sugou novamente. Levou uma mão até o meio das pernas, acrescentando o toque dos dedos à habilidade enlouquecedora da boca. Jenna estremeceu, perdida em sensações e a pouco menos do que uma inspiração de desfalecer.

– Céus – arfou ela, tremendo quando ele sondou suas dobras com a ponta do dedo, penetrando-a apenas de leve, enquanto seus beijos a deixavam cada vez mais tensa. Moveu-se na direção dele, inundada pelo calor. – Meu Deus... Brock, não pare.

Ele gemeu ao encontro da umidade dela, um longo ronronar de evidente apreciação masculina que vibrou em seus ossos e músculos até seu cerne aquecido. O clímax de Jenna a atravessou tal qual uma tempestade. Estremeceu com a sua força, exclamando quando o prazer a assolou e a fez subir aos céus. Quase se desfez, a sensação pairando quase como poeira estelar enquanto ela espiralava mais e mais alto, com tremores de puro deleite trespassando-a, um após o outro.

Sentia-se sem ossos ao flutuar de volta à realidade. Sem ossos e exausta, apesar de seu corpo ainda estar vibrando, repleto de sensações. E Brock ainda a beijava. Ainda a afagava com os dedos, arrancando cada um dos tremores restantes enquanto ela se agarrava aos ombros largos e arfava com o prazer dos tremores.

– Acho que eu estava precisando disso – sussurrou, estremecendo quando o riso baixo dele ecoou em sua pele ainda sensível. Ele a beijou no interno da coxa, mordiscando de leve, e suas pernas vacilaram um pouco sob o próprio peso. Ela se deixou cair para a frente, envolvendo Brock pelas costas. – Ah, meu Deus. Eu não imaginava o quanto precisava disso.

– O prazer foi meu – ele disse, rouco. – E ainda não terminei. – Mudou de posição debaixo dela, passando o braço ao seu redor e acomodando-a sobre o ombro. – Segure firme em mim.

Ela não teve escolha. Antes de entender o que ele pretendia, ele já se levantava. Carregou-a como um peso morto sobre um ombro e se pôs de pé, como se ela não passasse de um fardo de penas. Jenna se segurou como ele lhe dissera, sem deixar de admirar a força absoluta com que ele caminhava até o quarto adjacente. Vestindo apenas os jeans, os músculos das costas se flexionavam e contraíam debaixo da pele lisa a cada longa passada, um concerto perfeito de boa forma e talhe.

Não havia dúvidas, ele era lindo.

E seu corpo já eletrizado zunia com calor renovado quando ela percebeu que ele a carregava direto para a imensa cama king size.

Ele afastou a colcha e o lençol, depois a depositou na beira do colchão. Jenna observou com desejo crescente enquanto ele desabotoava os jeans e os retirava. Ele não estava usando nada por baixo. Glifos elaborados tracejavam a cintura estreita e o quadril, descendo pelas pernas vigorosas. As cores pulsavam e se transformavam, atraindo seu olhar por um breve instante da ereção evidente, que estava rija e imensa enquanto ele apenas observava enquanto ela o avaliava dos pés à cabeça.

Jenna engoliu com a boca seca quando ele se aproximou dela, devastador em toda a sua nudez. O olhar reluzente ainda mais brilhante, as presas ainda mais alongadas.

Ele parou perto da cama, crispando a testa quando ela se deteve no seu olhar transfigurado.

– Está com medo de mim... deste jeito?

Ela só balançou a cabeça de leve.

– Não, não estou com medo.

– Se estiver preocupada com relação a uma possível gravidez...

Ela voltou a balançar a cabeça.

– Meus danos internos no acidente cuidaram disso. Não posso engravidar. De toda forma, pelo que soube, DNA humano e da Raça não se misturam.

– Não – confirmou ele. – E em relação a quaisquer outras preocupações que possa ter, está segura comigo. Não existem doenças nos da minha espécie.

Jenna assentiu.

– Confio em você, Brock.

O crispar da testa dele diminuiu, mas ele permaneceu imóvel.

– Se não tiver certeza, se não é isso o que você quer, então o que lhe disse antes ainda vale. Podemos parar a qualquer instante. – Ele riu baixinho. – Acho que isso pode acabar comigo agora, já que está toda sensual na minha cama, mas eu paro. Que Deus me ajude, mas eu paro.

Ela sorriu, emocionada por alguém tão poderoso demonstrar tamanha honra e humildade. Ela afastou o lençol e abriu espaço para ele ao seu lado.

– Não quero parar.

A boca dele se abriu num sorriso amplo. Com um grunhido, foi em frente e sentou na cama ao seu lado. A princípio, apenas se tocaram e se acariciaram, beijando-se com suavidade, aprendendo mais sobre seus corpos. Brock foi paciente, apesar de a tensão em seu corpo revelar que ele estava se torturando por se refrear. Foi atencioso e carinhoso, tratando-a como uma amante querida, apesar de terem concordado de antemão que aquilo entre eles jamais seria outra coisa além de algo casual, sem amarras.

Para Jenna, parecia incrível que um homem que ela mal conhecia – aquele macho da Raça que tinha todo o direito de assustá-la – pudesse lhe parecer tão familiar, tão íntimo. Brock, porém, dificilmente era um estranho. Ele estivera ao seu lado em meio ao seu pesadelo pessoal, e de novo nos dias de sua recuperação ali no complexo. E a procurara naquela noite em que estivera sozinha e ferida na cidade, um improvável salvador sombrio.

– Por que fez aquilo? – perguntou baixinho, os dedos percorrendo os dermaglifos que se curvavam pelos ombros e desciam pelo peito. – Por que ficou comigo no Alasca e depois todos aqueles dias na enfermaria?

Ele ficou em silêncio por um momento, as sobrancelhas escuras unidas sobre o olhar reluzente.

– Odiei ver o que aconteceu com você. Você era apenas uma inocente que se viu em meio a um tiroteio. Você é humana. Não merecia ser arrastada para o meio da nossa guerra.

– Já sou uma garota crescida. Sei lidar com isso – disse, uma resposta automática que não sentia verdadeiramente. Ainda mais depois dos resultados perturbadores dos seus exames de sangue. – E quanto a agora? O que estamos fazendo aqui, quero dizer... Isto faz parte do seu programa “seja legal com a humana” também?

– Não. Claro que não. – A carranca dele se acentuou a ponto de mostrar raiva. – Acha que isso é pena? É isso o que você acha que é? – Ele inspirou fundo, revelando as pontas das presas ao rolá-la de costas e ficar sentado em cima dela. – Para o caso de não ter percebido, estou excitado pra caramba por você. Se me excitar mais, acabo explodindo.

Para provar seu ponto de vista, ele deu uma estocada nada sutil com o quadril, acomodando-se entre as dobras úmidas de seu sexo. Ele bombeou algumas vezes, fazendo a rigidez do membro entrar e sair da fenda dela, atiçando-a com o calor da sua excitação. Passou o braço por trás do joelho dela, levantando-lhe a perna até seu ombro, virou o rosto para a coxa e deu-lhe uma mordiscada.

– Isto é desejo puro e simples, nada de piedade – disse, sua voz rouca ao penetrá-la, longa e profundamente.

Jenna não conseguiria formular uma resposta mesmo que tentasse. A sensação atordoante de tê-lo preenchendo-a, estendendo-a cada vez mais a cada estocada, era tão sobrepujante que lhe roubou o fôlego. Ela se segurou a ele com as duas mãos enquanto ele lhe capturou a boca num beijo ardente, balançando acima dela, o corpo se movimentando num ritmo exigente.

A crista de um novo clímax já se formava dentro dela, e não conseguiu contê-lo. Sentiu o calor do próprio sangue nas veias, a pulsação imperiosa de Brock também, reverberando sob seus dedos e em cada terminação nervosa. Seus ouvidos estavam tomados pelo som do seu grito silencioso de libertação, pela fricção dos corpos unidos se retorcendo sobre os lençóis. O cheiro do sexo e do sabonete e do suor limpo na pele quente a intoxicaram. O sabor dos beijos ardentes de Brock em seus lábios só a fazia desejar outros mais.

Ela tinha fome, de uma maneira inexplicável.

Tinha fome dele, tão profunda que parecia retorcê-la de dentro para fora.

Queria saboreá-lo. Saborear o poder que ele era.

Arfando após o clímax, afastou-se da boca dele. Ele praguejou algo sombrio sob o fôlego, as investidas cada vez mais intensas, as veias e os tendões saltando no pescoço e nos ombros como cabos espessos elevando-se da pele.

Segurando-se a ele, Jenna deixou a cabeça pender por um momento, tentando se perder no ritmo dos corpos. Tentando não pensar na dor que corroía suas entranhas, no impulso confuso, porém irresistível que atraía seu olhar para o pescoço forte. Para as veias saltadas que pulsavam como tambores de guerra aos seus ouvidos.

Pressionou o rosto na coluna forte do pescoço dele e percorreu a língua no ponto pulsante que encontrou ali. Ele gemeu, um som prazeroso que só servia como combustível para o fogo que ainda queimava dentro dela. Ela se aventurou um pouco mais, cerrando os dentes sobre a pele dele. Brock grunhiu uma imprecação, e ela mordeu com um pouco mais de força, sentindo a onda de tensão que atravessou todo o corpo dele, que estava no limiar agora, os braços como granito ao redor dela, cada estocada dos quadris ficando mais intensa.

Jenna cravou os dentes com mais força na pele suave.

Mordeu até ele ficar louco de paixão...

Até ela sentir o sabor da primeira gota de sangue na língua.

 

 

CONTINUA

Capítulo 8

– Espero que todas estejam com fome – disse Alex, passando pelas portas vaivém da cozinha da mansão, com uma tigela grande de frutas frescas cortadas numa mão e um cesto de biscoitos com ervas aromáticas quentinhos na outra.

Depositou ambos na mesa da sala de jantar diante de Jenna e Tess, que foram instruídas por Alex e as outras mulheres do complexo para que se sentassem e se servissem do café da manhã.

– Como está se sentindo, Jen? – perguntou Alex. – Precisa de alguma coisa? Se quiser erguer a perna, posso pegar um banquinho na outra sala.

Jenna meneou a cabeça.

– Estou bem. – Sua perna estava bem melhor desde a cirurgia da noite anterior, e ela não sentia muitas dores. Só por causa da insistência de Tess é que estava usando uma bengala para se movimentar. – Não precisa ficar me mimando.

– Essa é a minha melhor amiga, a policial do interior – disse Alex, revirando os olhos na direção de Tess e virando a mão num sinal de pouco caso. – Só um machucadinho a bala, não precisam se preocupar...

Jenna caçoou.

– Comparado com a semana que tive, um buraco a bala na coxa é a menor das minhas preocupações.

Ela não estava querendo solidariedade, apenas declarando um fato.

A mão de Tess pousou com suavidade em seu pulso, assustando-a com seu calor e a preocupação genuína no olhar.

– Nenhuma de nós pode fingir saber aquilo pelo que você passou, Jenna, mas espero que entenda que estamos aqui para cuidar de você agora. Você está entre amigas, todas nós.

Jenna resistiu ao efeito de consolo que as palavras de Tess exerciam sobre ela. Não queria se sentir relaxada naquele lugar, entre Alex e aquelas desconhecidas aparentemente gentis.

Nem com Brock.

Muito menos com ele.

Sua mente ainda estava confusa com o resgate inesperado na cidade. Fora um erro sair como havia saído, despreparada e afetada emocionalmente. Não fazia tanto tempo assim que se desligara da polícia para não se lembrar que o melhor modo de se ver em apuros era fugir despreparada em território desconhecido. Só o que reconheceu naquele meio segundo antes de sair do complexo foi o desespero em fugir da sua nova e sombria realidade.

Cometera um clássico erro de julgamento de principiante, incitado pela emoção, e acabara necessitando de resgate para voltar à segurança. Que o seu resgate tivesse surgido na forma de um vampiro formidável e aterrorizante era algo que ela não sabia se um dia conseguiria compreender.

No fundo, sabia que Brock salvara sua vida na noite anterior. Uma parte sua desejava que ele não o tivesse feito. Não queria ficar devendo nada a ele. Não gostava de dever a ninguém, muito menos a um homem que nem podia ser classificado como humano.

Deus, que reviravolta em sua vida...

Com seus pensamentos cada vez mais sombrios, Jenna afastou a mão da de Tess e se recostou na cadeira.

Tess não a pressionou a falar, simplesmente se inclinou sobre a mesa e inspirou um pouco da fragrância que emanava dos biscoitos.

– Hummm – gemeu, o braço fino amparando a curva do ventre arredondado. – É a receita de cheddar e manjericão da Dylan?

– Atendendo a pedidos – respondeu Alex vivamente. – E há mais de onde isso veio, incluindo as incríveis torradas francesas com crème brûlée de Savannah. Falando nelas, é melhor eu ir buscá-las para o banquete.

Enquanto Alex virava e desaparecia novamente na cozinha, Tess lançou um olhar furtivo para Jenna.

– Você ainda não viveu se não provou os biscoitos de Dylan e as torradas de Savannah. Confie em mim, são o paraíso.

Jenna sorriu com educação.

– Tudo me parece muito bom. Nunca fui muito de cozinhar. Minha tentativa de sucesso na cozinha é uma omelete de carne de alce com queijo suíço, espinafre e batatas.

– Carne de alce? – Tess gargalhou. – Bem, posso lhe garantir que nenhuma de nós já experimentou algo parecido. Talvez você possa preparar para nós um dia desses.

– Quem sabe? – disse Jenna sem se comprometer, levantando os ombros.

Se não fosse pela incômoda matéria desconhecida encravada em sua coluna, e agora pelo tiro que a manteria ali sabe lá Deus por quanto tempo, ela já teria ido embora. Não sabia quanto tempo ainda a fariam ficar ali, mas assim que conseguisse sair andando, já era. Não se importava com o que a Ordem precisava saber; não tinha nenhuma intenção de ficar por perto para ser o ratinho de laboratório deles.

Ainda era estranho demais pensar que estava ali com elas, num quartel-general secreto habitado por uma equipe de vampiros guerreiros e por mulheres aparentemente sãs e agradáveis que pareciam felizes e à vontade entre eles.

O surrealismo da coisa toda se intensificou quando Alex e o restante das mulheres da Ordem – cinco lindas jovens e a menina loira chamada Mira – saíram da cozinha com o restante do café da manhã. Conversavam amigavelmente, relaxadas na companhia uma da outra como se tivessem estado juntas a vida inteira.

Formavam uma família, inclusive Alex, apesar de ela ter chegado ali apenas uma semana antes, assim como Jenna.

Um ritmo descontraído se fez na sala de jantar, enquanto pratos com bordas douradas eram passados adiante e completados com todo tipo de comida deliciosa. Taças de cristal eram enchidas com suco até a borda, e delicadas xícaras de porcelana logo se encheram com fragrante café torrado e coado.

Jenna observava tudo em silêncio enquanto a refeição prosseguia. Xarope de bordo aquecido e bolinhas de manteiga rodavam pela mesa, parando por mais tempo com a pequena Mira, que encharcou sua torrada com aquela doçura e cobriu os biscoitos com manteiga como se aquilo fosse cobertura. Mira engoliu um em duas mordidas grandes, depois atacou o resto da refeição com muita vontade.

Jenna sorriu sem querer ante o apetite voraz da menina, sentindo uma pontada de melancolia, senão culpa, quando pensou na filha. Libby sempre fora uma menina cuidadosa, disciplinada e séria, mesmo quando pequena.

Deus, o que não daria para poder ver Libby degustando algo tão simples quanto um café da manhã à sua frente na mesa?

Com os dedos melados, Mira pegou o copo de suco de laranja e sorveu um gole grande. Suspirou de contentamento ao apoiar o copo novamente num baque.

– Pode me passar o chantilly para eu pôr nos pêssegos? – perguntou, cravejando Jenna com seus misteriosos olhos violeta.

Por um instante, Jenna se sentiu capturada por aquele olhar. Dispensou a sensação e pegou a tigela que estava no meio do caminho entre ela e Mira do outro lado.

– Pode, por favor, me passar o chantilly? – Renata a corrigiu de seu lugar à direita da menina. A morena lançou-lhe uma piscadela decididamente maternal e carinhosa ao interceptar a tigela que Jenna segurava.

– Pode, por favor – Mira se corrigiu, não parecendo nem um pouco admoestada.

Jenna cortou um pedaço da torrada e a colocou na boca. Era exatamente o que Tess havia prometido, paradisíaca. Mal conseguiu refrear um gemido alto ao se deleitar com o sabor cremoso de baunilha.

– Gostou? – perguntou Savannah, que estava sentada em uma das cabeceiras da longa mesa de jantar.

– É deliciosa – murmurou Jenna, as papilas gustativas ainda vibrando de êxtase. Lançou um breve olhar, abarcando todas ali reunidas. – Obrigada por me deixarem partilhar disto com vocês. Nunca vi tanta comida junta em minha vida.

– Achou que a deixaríamos morrer de fome? – perguntou Gabrielle da outra cabeceira. Seu sorriso era acolhedor e amigável.

– Não sei bem o que pensei – respondeu Jenna, com honestidade. – Sendo bem franca, acho que ainda não processei tudo isso muito bem.

Gabrielle inclinou a cabeça num leve assentimento, parecendo sábia e serena, ainda que, sem dúvida, devesse ser mais jovem do que Jenna e seus trinta e três anos.

– Isso é compreensível. Você sofreu muito, e a sua situação é sem igual para todos nós.

– A minha situação – Jenna repetiu, refletindo enquanto mexia um pedaço de pão molhado em xarope de bordo em seu prato. – Está falando do objeto não identificado que está alojado na base do meu crânio?

– É, isso – concordou Gabrielle, com um tom gentil na voz. – E o fato de que você teve sorte de escapar do ataque do Antigo com vida. O simples fato de ele ter se alimentado de você e tenha permitido que você vivesse é...

– Inédito – sugeriu a mulher sentada com Gabrielle. Ela tinha cabelos ruivos e o belo rosto salpicado por sardas. – Se soubesse do que ele é capaz, se você tivesse noção do que aconteceu com tantas outras... – A voz se perdeu, um leve estremecimento fazendo o garfo em sua mão tremer. – É um milagre que você esteja viva, Jenna.

– Dylan tem razão – concordou Tess. – Há mais ou menos um ano, quando a Ordem descobriu que o Antigo havia sido despertado, temos tentado localizá-lo e a Dragos, o filho da mãe responsável por trazer de volta ao mundo esse tipo de perigo.

– Não sei qual dos dois é pior – Renata interveio. – O Antigo clamou muitas vidas inocentes, mas é Dragos, o neto sádico do Antigo, quem vem dando as ordens.

– Está dizendo que aquela criatura tem descendentes? – Jenna perguntou, sem conter sua repulsa.

Gabrielle sorveu um gole de café, depois, com cuidado, voltou a depositar a xícara no pires.

– Aquela criatura e outros tantos como ele deram início à Raça na Terra.

– Na Terra? – Jenna exclamou com uma risada descrente. – Está se referido a alienígenas agora? Aquele vampiro que me atacou...

– Não era deste mundo – Savannah concluiu por ela. – É verdade. Não é mais difícil de acreditar do que a existência dos próprios vampiros, se quer saber a minha opinião, mas é a mais pura verdade. Os Antigos estupraram e dominaram depois que aterrissaram aqui há milhares de anos. Com o passar do tempo, algumas das suas vítimas engravidaram com o que se tornaria a primeira geração da Raça.

– Isso faz algum sentido para vocês? – Jenna perguntou, ainda incrédula. Relanceou para Alex, ao seu lado. – Você também acredita nisso?

Alex concordou.

– Depois de conhecer Kade e todos os demais aqui no complexo, como posso não acreditar? Também vi o Antigo com meus próprios olhos, momentos antes de ele ser morto nos despenhadeiros fora de Harmony.

– E quanto a esse outro... Dragos? – perguntou Jenna, curiosa, sem querer, em fazer com que todas as peças desse incrível quebra-cabeça se juntassem se algum modo. – Onde ele entra?

Dylan foi a primeira a falar.

– Ao que parece, Dragos despertou o Antigo muito antes do que supúnhamos. Décadas antes, de fato. Ele o manteve escondido e o usou para criar uma nova leva de Primeira Geração, os membros mais fortes da Raça, visto que são descendentes diretos da linhagem do Antigo e não geneticamente diluídos, como as gerações posteriores.

– Dragos vem criando um exército pessoal dos mais poderosos, dos mais letais membros da espécie – acrescentou Renata. – São criados supervisionados, treinados para serem assassinos impiedosos. Assassinos particulares de Dragos, a quem ele convoca sempre que necessário para os seus desígnios.

Gabrielle assentiu.

– Para criar essa geração, Dragos também precisou de um estoque de mulheres férteis para engravidar do Antigo.

– As Companheiras de Raça – disse Alex.

Jenna olhou para ela.

– E o que são elas?

– Mulheres nascidas com um DNA e características sanguíneas distintas que as tornam capazes de partilhar um elo de sangue vitalício com os membros da Raça e de reproduzir seus filhos – disse Tess, a mão distraída acariciando o ventre distendido. – Mulheres como nós ao redor desta mesa.

O choque e o horror contraíram o íntimo de Jenna.

– Está dizendo que eu...

– Não – disse Tess, balançando a cabeça. – Você é mortal, não é uma Companheira de Raça. O seu hemograma é normal e você não tem a marca que o resto de nós tem.

Ante a confusão estampada no rosto dela, Tess mostrou a mão, que trazia uma marca rubra entre o polegar e o indicador. Era uma minúscula lua crescente com o que parecia uma gota de lágrima caindo em seu centro.

– Todas vocês têm essa tatuagem?

– Não é uma tatuagem – disse Alex. – É uma marca de nascença, Jenna. Todas as Companheiras de Raça têm uma em algum lugar do corpo. A minha está no quadril.

– Não existem muitas de nós no mundo – explicou Savannah. – A Raça considera as Companheiras de Sangue sagradas, mas Dragos não. Ele vem juntando essas mulheres há anos, mantendo-as em cativeiro; deduzimos que com o único propósito de gerarem os assassinos de Primeira Geração. Muitas delas foram mortas, seja por Dragos ou pelo Antigo.

– Como sabem disso? – Jenna perguntou, horrorizada pelo que ouvia.

Na outra ponta da mesa, Dylan pigarreou.

– Eu as vi. As mortas, quero dizer.

A parte policial de Jenna ficou alerta.

– Se vocês têm cadáveres, então têm provas e motivo para entregar esse cretino, Dragos, para as autoridades.

Dylan meneava a cabeça.

– Não vi os corpos. Vi as mortas. Elas... aparecem às vezes. Às vezes falam comigo.

Jenna não sabia se gargalhava ou se deixava a cabeça cair, derrotada.

– Você vê pessoas mortas?

– Toda Companheira de Raça tem uma habilidade ou talento próprio que a torna peculiar de algum modo – explicou Tess. – Para Dylan, é esse dom de se conectar com as outras Companheiras de Raça que já morreram.

Renata se inclinou para a frente, apoiando os antebraços na mesa.

– Através do dom de Dylan, sabemos com certeza que Dragos é o responsável pela morte de inúmeras Companheiras de Raça. E por meio de outra amiga da Ordem, Claire Reichen, cujo talento nos levou a localizar a base de operações de Dragos há alguns meses, sabemos que ele ainda mantém muitas mais. Desde então, a operação de Dragos se escondeu no submundo. Agora a principal missão da Ordem, além de acabar com o maldito o mais rápido possível, é encontrar o quartel-general dele e libertar as suas vítimas.

– Temos ajudado como podemos, mas é muito difícil localizar um alvo móvel – disse Dylan. – Podemos procurar os relatórios das pessoas desaparecidas, procurando por rostos que eu reconheça. E, durante o dia, vasculhamos abrigos para mulheres, orfanatos, albergues... qualquer lugar que possa nos levar às jovens desaparecidas.

Renata assentiu.

– Particularmente aquelas com habilidades extrassensoriais ou outras competências que possam indicar uma Companheira de Raça em potencial.

– Fazemos o que podemos – disse Gabrielle. – Mas ainda não tivemos muita sorte. É como se estivesse nos faltando a chave para desvendar tudo isso e, até a encontrarmos, parece que só ficamos dando voltas.

– Ei, espere um instante – disse Jenna, seu lado policial enferrujado compreendendo a frustração de seguir pistas infrutíferas. – A persistência costuma ser o melhor aliado de um investigador.

– Pelo menos não temos mais que nos preocupar com o Antigo – disse Savannah. – Essa é uma batalha a menos para enfrentar.

Ao redor da mesa de café da manhã, um coro de vozes concordantes ecoou essa declaração.

– Por que o Antigo deixou que você vivesse, Jenna?

A pergunta foi feita por Elise, uma loira baixinha de cabelos curtos do outro lado de Tess. A discreta do grupo, que se parecia com uma flor delicada, mas com um olhar franco e decidido de uma guerreira. Ela, provavelmente, devia precisar dessa força interior, levando-se em consideração a companhia que ela e as demais mulheres naquele complexo tinham.

Jenna baixou o olhar para o prato e refletiu sobre sua resposta. Demorou um tempo para encontrar as palavras.

– Ele me fez escolher.

– O que quer dizer com isso? – disse Savannah, com a testa se franzindo numa pergunta.

O que você decide, Jenna Tucker-Darrow?

Vida... ou morte?

Jenna sentiu todos os olhos cravados nela naquele silêncio. Forçando-se a enfrentar as perguntas não proferidas que pairavam no ar, ela ergueu o olhar. Empinou o queixo e falou sucinta e rapidamente:

– Eu queria morrer. É o que eu teria preferido, ainda mais naquele momento. Ele sabia disso, tenho certeza. Mas, por algum motivo, pareceu querer brincar comigo, então me fez decidir se eu queria ou não morrer naquela noite.

– Puxa, Jen, que horrível... – A voz de Alex se mostrou emocionada. Seu braço a envolveu pelos ombros num gesto de amparo. – Filho da puta cruel.

– Então – continuou Elise –, você disse ao Antigo que a deixasse viver e ele concordou... Simples assim?

Lembrando o momento com vívida clareza agora, Jenna balançou a cabeça com vigor.

– Eu lhe disse que queria viver, e a última coisa de que lembro é dele fazendo um corte no braço e retirando aquela coisa, aquela coisa minúscula que só Deus sabe o que é, e que agora está dentro de mim.

Ela sentiu, mais do que viu, a sutil troca de olhares ao redor da mesa.

– Acham que isso tem alguma significância? – perguntou, dirigindo a pergunta ao grupo como um todo. Tentou abafar a pontada repentina de medo que reverberou em seu peito. – Acham que o fato de ele ter colocado aquela coisa dentro de mim tem alguma importância em eu viver ou morrer?

Alex segurou a mão dela num gesto tranquilizador, mas foi Tess quem falou antes das outras.

– Talvez Gideon possa fazer outros testes para nos ajudar a descobrir isso.

Jenna engoliu em seco, depois assentiu.

Seu prato de comida permaneceu intocado pelo restante da refeição.

Num canto escurecido de um quarto num hotel luxuoso em Boston, onde cortinas pesadas impediam a passagem do menor dos raios solares da manhã, o macho da Raça chamado Dragos estava acomodado numa poltrona acolchoada em seda e tamborilava as unhas da mão na mesinha lateral de mogno. Atrasos o deixavam impaciente, e a impaciência o tornava letal.

– Se ele não chegar nos próximos sessenta segundos, um de vocês terá que matá-lo – disse para o par de assassinos de Primeira Geração que o flanqueavam como Cérberos musculosos de dois metros de altura.

Assim que terminou de falar, no corredor do lado de fora da suíte presidencial, o elevador privativo emitiu uma campainha eletrônica, anunciando a chegada do convidado. Dragos não se moveu de seu canto no quarto, aguardando em silêncio irritado enquanto outro dos seus guardas pessoais criados acompanhava o macho da Raça civil – um tenente na operação secreta de Dragos – até a suíte para a sua reunião particular.

O vampiro teve o bom senso de inclinar a cabeça no instante em que seu olhar recaiu sobre Dragos.

– Mil perdões por mantê-lo esperando, senhor. A cidade está tomada pelos humanos. Pessoas fazendo compras de Natal e turistas – disse ele, o desdém revelado em cada uma das sílabas bem pronunciadas. Tirou as luvas e as colocou nos bolsos do casaco de caxemira. – O meu motorista teve que dar uma dúzia de voltas no hotel antes de conseguirmos nos aproximar da entrada de serviço no andar subterrâneo.

Dragos continuou tamborilando os dedos na mesinha.

– Algo errado com a entrada principal?

Seu tenente, pertencente à segunda geração da Raça, assim como Dragos, empalideceu visivelmente.

– Estamos em pleno dia, senhor. Com toda essa claridade, eu me incineraria em questão de minutos.

Dragos apenas o fitou, nem um pouco incomodado. Também não estava satisfeito com o local inconveniente daquele encontro. Preferiria muito mais o conforto e a segurança da sua residência. Mas isso já não era mais possível. Não depois que a Ordem interferiu em sua operação e o obrigou a buscar refúgio.

Temendo ser descoberto, ele não permitia mais que qualquer um dos seus associados civis soubesse onde seu quartel-general ficava. Como precaução adicional, nenhum deles conhecia a localização das suas propriedades nem da sua equipe. Ele não podia correr o risco de que seus tenentes caíssem no poder da Ordem e o acabassem comprometendo na esperança de que Lucan os poupasse de sua ira.

Só de pensar em Lucan Thorne e nos seus guerreiros, ele ficava com um gosto amargo na boca. Tudo pelo que tanto trabalhara, sua visão de um futuro no qual mal conseguia esperar para pôr as mãos, fora estragado pelas ações da Ordem. Eles o forçaram a bater em retirada. Forçaram-no a destruir o nervo central da sua operação – um superlaboratório de pesquisa científica que lhe custara centenas de dólares e muitas décadas para aperfeiçoar.

Tudo isso desaparecido agora, nada além de cinzas e escombros no meio de uma floresta em Connecticut.

Agora o poder e os privilégios a que Dragos estava acostumado por séculos foram substituídos por esconderijos nas sombras e olhadelas constantes por sobre o ombro para se certificar de que o inimigo não se aproximava. A Ordem o obrigara a fugir e se esconder como um coelho desesperado para se evadir da armadilha do caçador, e ele não gostava nem um pouco disso.

O último incômodo acontecera no Alasca, com a fuga do Antigo, o seu instrumento mais valioso e insubstituível na busca pela derradeira dominação. Já fora bastante ruim que o Antigo tivesse escapado durante seu transporte em seu novo tanque de contenção. Mas o desastre só piorou quando a Ordem não só conseguiu encontrar o laboratório no Alasca como também o fugitivo alienígena.

Dragos perdera essas duas peças fundamentais para os malditos. Não pretendia perder mais nada.

– Quero ouvir boas notícias – disse ao tenente, dardejando o macho por debaixo das sobrancelhas unidas. – Como tem progredido com a sua missão?

– Tudo está a postos, senhor. Esta semana, o alvo e sua família imediata acabaram de regressar aos Estados Unidos das suas férias no exterior.

Dragos grunhiu em concordância. O alvo em questão era um ancião da Raça, com quase mil anos de existência, um da Primeira Geração, de fato, motivo pelo qual Dragos o tinha em mira. Além de querer que Lucan Thorne e seu bando de guerreiros ficassem sem trabalho, Dragos também retornara aos objetivos da sua missão inicial: a extinção sistemática e total de cada um dos Primeira Geração da Raça naquele planeta.

O fato de Lucan e outro membro fundador da Ordem serem Primeira Geração só tornava seu objetivo mais doce. E ainda mais imperativo. Ao acabar com todos os Primeira Geração, exceto seus assassinos criados e treinados para servi-lo inquestionavelmente, Dragos e os outros membros da segunda geração da Raça se tornariam, por consequência, os vampiros mais importantes da atualidade.

E se, ou melhor, quando se cansasse de partilhar o futuro que ele sozinho entreviu e garantiu que acontecesse, então ordenaria ao seu exército pessoal de assassinos que dizimasse cada um dos seus contemporâneos da segunda geração também.

Sentado num silêncio contemplativo e aborrecido, ouvia enquanto seu tenente se apressava em rever os detalhes do plano que o próprio Dragos idealizou poucos dias antes. Passo a passo, tática a tática, o outro macho da Raça discorreu sobre tudo, garantindo-lhe que nada seria deixado ao acaso.

– O Primeira Geração e sua família estão sendo observados em período integral desde que voltaram para casa – disse o tenente. – Estamos prontos para disparar o gatilho dessa operação ao seu comando, senhor.

Dragos inclinou a cabeça num vago assentimento.

– Faça acontecer.

– Sim, senhor.

A mesura profunda e sua retirada foram quase tão agradáveis quanto a noção de que aquele golpe pendente deixaria absolutamente claro para a Ordem que ele podia ter sido atingido, mas estava longe de ser abatido.

Na verdade, sua presença no elegante hotel em Boston, e uma das importantes reuniões de apresentação que levaram semanas para serem arranjadas entre ele e um punhado de humanos influentes escolhidos a dedo, solidificaria a posição de Dragos em sua ascensão para a glória final. Ele praticamente já sentia o gosto do sucesso.

– Ah, mais uma coisa – Dragos chamou seu associado que partia.

– Sim, senhor.

– Se fracassar – disse ele de maneira agradável –, esteja preparado para que eu lhe sirva seu próprio coração.

O rosto do macho empalideceu, ficando branco como o carpete que cobria o piso tal qual neve fresca.

– Não fracassarei, senhor.

Dragos sorriu, expondo tanto os dentes quanto as presas.

– Certifique-se de que isso não aconteça.


Capítulo 9

Depois da bagunça carregada de morte da noite anterior na cidade, Brock considerou um triunfo pessoal que tivesse conseguido evitar Jenna em grande parte do dia após o seu retorno ao complexo.

Depois de ter descartado os dois corpos nas águas gélidas do rio Mystic, ficou sozinho até quase o amanhecer, tentando se libertar da fúria que parecia acompanhá-lo aquela noite.

Mesmo após estar no quartel-general da Ordem por algumas horas pela manhã, a raiva injustificada, e completamente indesejável, que o possuía ao pensar numa mulher inocente se deparando com o perigo fazia com que seus músculos vibrassem com uma necessidade de violência. Algumas boas horas de treino suado com as armas ajudaram a aplacar um pouco desse sentimento. Bem como o banho escaldante de quarenta minutos com o qual se castigara após o treino.

Ele até poderia achar que se sentia bem, com a cabeça no lugar de novo, se não fosse pelos golpes certeiros que Gideon lançara não muito tempo depois.

O primeiro foi a notícia de que Jenna descera depois do café da manhã com as outras mulheres do complexo e lhe pedira para fazer mais exames de sangue e de tecido. Ela havia se lembrado de algo a respeito do tempo passado com o Antigo, algo que Gideon dissera que havia deixado a fêmea valente bem atormentada.

O segundo golpe foi dado quase imediatamente depois que os primeiros resultados dos exames surgiram.

O sangue e o DNA de Jenna haviam mudado significativamente desde a última vez que Gideon os analisara.

No dia anterior, os resultados foram normais. Hoje, tudo estava alterado.

– Não podemos nos precipitar em conclusões. Não importa o que esses resultados possam indicar – disse, por fim, Lucan, em seu tom grave e sério.

– Talvez devamos fazer mais exames – sugeriu Tess, a única fêmea no laboratório de tecnologia no momento. Ela levantou o olhar dos resultados perturbadores para encarar Lucan, Brock e o restante da Ordem, que fora convocada ali para revisar os achados de Gideon. – Devo ir buscar Jenna e levá-la para a enfermaria para mais exames?

– Você até pode fazer isso – disse Gideon –, mas fazer outros exames não vai mudar nada. – Ele tirou os óculos de lentes azul-claras, jogando-os na mesa de acrílico diante dele. Pinçando o alto do nariz, balançou a cabeça de leve. – Esse tipo de mutação de DNA e a reprodução celular massiva simplesmente não acontecem. Os corpos humanos não são avançados o bastante para lidar com as exigências que mudanças dessa significância provocariam em seus órgãos e artérias, sem falar no impacto que algo assim teria no sistema nervoso central.

Com os braços cruzados diante do peito, Brock se recostou na parede ao lado de Kade, Dante e Rio. Não disse nada, esforçando-se para entender tudo o que via e ouvia. Lucan tinha aconselhado que ninguém se precipitasse em conclusões, mas era excessivamente difícil não fazer isso agora, com o futuro bem-estar de Jenna em jogo.

– Não entendo – disse Nikolai do outro lado do laboratório, onde estava sentado à mesa, junto com Tegan e Hunter. – Por que agora? Isto é, se tudo estava normal antes, por que a súbita mutação no sangue e no DNA?

Gideon deu de ombros.

– Pode ser porque até ontem ela esteve num sono profundo, quase em coma. Soubemos que sua força muscular tinha aumentado assim que despertou. Brock testemunhou isso em primeira mão, e nós também, quando Jenna fugiu do complexo. As mudanças celulares que estamos vendo agora podem ter sido uma reação retardada ao seu despertar. Estar consciente e alerta pode ter agido como algum tipo de disparador dentro de seu corpo.

– Ontem à noite ela foi alvejada – acrescentou Brock, refreando o rugido raivoso que lhe constringia a garganta. – Isso pode estar relacionado com o que vemos no sangue dela agora?

– Talvez – disse Gideon. – Tudo é possível, imagino. Isso não é nada que eu, nem ninguém nesta sala, já tenha visto antes.

– Pois é – concordou Brock. – Simplesmente uma maravilha.

No fundo da sala, com os coturnos apoiados na mesa de reuniões enquanto inclinava a cadeira para trás, Sterling Chase pigarreou.

– Levando tudo em consideração, talvez não seja uma boa ideia dar tanta liberdade a essa mulher aqui no complexo. Ela é um grande ponto de interrogação no momento. Por tudo o que sabemos, pode muito bem ser algum tipo de bomba prestes a explodir.

Por um longo instante, ninguém disse nada. Brock odiou esse silêncio. Odiou Chase por exprimir algo que nenhum dos guerreiros quis considerar.

– O que sugere? – perguntou Lucan, lançando um olhar sério para o macho que passara décadas como parte da Agência de Policiamento antes de se juntar à Ordem.

Chase arqueou as sobrancelhas loiras.

– Se dependesse de mim, eu a retiraria do complexo o mais rápido possível. Trancaria-na em algum lugar seguro, bem longe das nossas operações, pelo menos até termos a oportunidade de deter Dragos de uma vez por todas.

O grunhido de Brock surgiu na garganta, carregado de animosidade.

– Jenna fica aqui.

Gideon recolocou os óculos e assentiu na direção de Brock.

– Concordo. Eu não me sentiria à vontade em tirá-la daqui agora. Gostaria de observá-la, para entender melhor o que está acontecendo com ela a nível celular e neurológico, no mínimo.

– Façam como quiserem – disse Chase. – Mas isso será o funeral de todos nós se você estiver errado.

– Ela fica – disse Brock, estreitando o olhar para o outro lado da mesa, que perfurou o ex-agente que sorria.

– Você está todo animado com essa humana desde o segundo em que a viu – observou Chase, o tom leve, mas com a expressão carregada de desafio. – Tem algo a provar, amigo? O que foi... você é um daqueles tolos loucos por uma dama em apuros? O santo padroeiro das causas perdidas. Essa é a sua?

Brock voou por cima da mesa num único salto. Poderia ter acabado com as mãos no pescoço de Chase, mas o vampiro previu o seu ataque e se moveu com a mesma velocidade. A cadeira caiu para trás e, em meio segundo, os dois machos grandes estavam cara a cara, travados numa batalha que nenhum deles poderia vencer.

Brock sentiu mãos fortes afastando-o do confronto, Kade e Tegan, chegando ali antes que ele conseguisse desferir o soco que Chase merecia. E atrás de Chase estavam Lucan e Hunter, os dois e os demais prontos a pôr panos quentes na situação caso um dos machos resolvesse agir.

Encarando Chase com raiva, Brock se permitiu ser afastado, mas só isso. Pelo que não foi a primeira vez, refletiu sobre a natureza antagônica e agressiva de Sterling Chase, e pensou no que fazia com que o de outro modo habilidoso e fantástico guerreiro fosse tão volátil.

Se a Ordem tinha uma bomba acionada com que se preocupar em seu meio, Brock ficou pensando se não estava olhando para ela naquele mesmo instante.

– Por que diabos isso está demorando tanto?

Jenna não tinha percebido que dera vazão à sua preocupação em voz alta até sentir a mão de Alex.

– Gideon disse que queria fazer outros testes na sua amostra. Tenho certeza de que logo vamos ter notícias.

Jenna bufou um suspiro. De bengala na mão, mesmo sentindo apenas uma necessidade mínima de se apoiar nela, levantou-se do sofá no qual estivera sentada e claudicou até o outro lado da sala de estar do apartamento. Fora levada até ali por Alex e Tess depois que colheram a amostra do seu sangue na enfermaria poucas horas atrás, dizendo-lhe que lhe tinham dado o uso daquele espaço pela duração da sua estada no complexo.

Aquela suíte era uma melhora e tanto em relação ao quarto da enfermaria. Espaçosa e confortável, com mobília grande de couro e mesinhas de madeira escura meticulosamente polidas, não entulhadas de tranqueiras. Estantes altas de madeira perfiladas com livros clássicos, de filosofia e história à altura de uma biblioteca. Livros provocativos e sérios que pareciam em contraste com uma prateleira muito bem organizada – caramba, em ordem alfabética – de livros de ficção populares bem ao lado.

Jenna deixou seu olhar passar pelas prateleiras de títulos e autores, necessitando de uma distração momentânea para impedir que pensasse demais no que poderia estar provocando tanta demora para ouvir as respostas de Gideon e dos outros.

– Faz mais de uma hora que Tess está lá – observou, tirando um livro qualquer sobre cantoras de jazz de sua posição na seção de história. Folheou as páginas, mais para dar algo paras as suas mãos fazerem do que por algum interesse real pelo livro.

Enquanto passava pelo capítulo sobre a era dos clubes de jazz dos anos 1920, uma fotografia amarelada escorregou. Jenna a apanhou antes que caísse no chão. O rosto sorridente de uma mulher jovem num vestido de seda cintilante e pele brilhante a fitava da imagem. Com olhos grandes e amendoados e tez de porcelana que parecia reluzir em contraste com os cabelos negros longos, ela era linda e exótica, ainda mais no cenário do clube de jazz ao fundo.

Com sua própria vida num espiral de confusão e preocupação, Jenna sentiu-se perplexa por um momento pelo júbilo evidente no sorriso amplo da jovem. Era uma alegria tão patente, franca, que quase sentiu uma dor física ao vê-la. Ela também já vivenciara esse tipo de felicidade, não? Deus, quanto tempo se passara desde que sentira ainda que metade da vivacidade daquela jovem da fotografia?

Brava com essa sensação de autopiedade, Jenna guardou a fotografia no livro, que devolveu ao seu lugar na prateleira.

– Não aguento mais. Isso está me deixando louca.

– Eu sei, Jen, mas...

– Ao diabo. Não vou mais ficar aqui esperando – disse, virando-se para encarar a amiga. A ponta da bengala se chocou no tapete ao abrir caminho até a porta. – Eles já devem ter alguns resultados a esta altura. Tenho que saber o que está acontecendo. Vou lá agora mesmo.

– Jenna, espere – Alex pediu atrás dela.

Mas ela já estava no corredor, andando o mais rápido que conseguia, apesar do impedimento da bengala e da leve fisgada que trespassava sua perna a cada passo apressado.

– Jenna! – Alex a chamou, com as passadas rápidas ecoando no corredor já deserto.

Jenna prosseguiu pelos corredores de mármore branco polido. A perna começava a latejar, mas ela não se importou. Deixou a bengala de lado, que só a retardava, e faltou pouco para começar a correr na direção das vozes abafadas dos machos logo mais adiante. Ela arfava ao chegar à parede de vidro do laboratório de tecnologia, com suor sobre seus lábios e na testa provocado pela dor.

Seus olhos encontraram Brock antes de qualquer outro membro do grupo aparentemente solene. Seu rosto estava tenso, os tendões do pescoço esticados como cabos, a boca formando uma linha carrancuda, quase ameaçadora. Ele estava no fundo da sala, cercado pelos outros guerreiros, todos aparentando tensão e inquietação, ainda piores agora que ela estava ali. Gideon e Tess estavam próximos ao nicho de computadores na parte anterior do laboratório.

Todos pararam o que estavam fazendo para fitá-la.

Jenna sentiu o peso dos olhares como algo físico. Seu coração se contraiu. Obviamente, eles já tinham a análise de seu sangue. Será que os resultados eram tão horríveis assim?

Suas expressões eram inescrutáveis, todos a mantendo sob observação cautelosa, silenciosa, conforme seus passos desaceleraram diante das portas deslizantes do laboratório.

Deus, olhavam para ela como se nunca a tivessem visto antes.

Não, percebeu, ao notar que o grupo continuava imóvel, olhando para ela através da parede transparente que a separava do grupo solene do outro lado. Olhavam-na como se esperassem que já estivesse morta.

Como se ela fosse um fantasma.

Um medo horrível se instalou em seu estômago, mas ela não pretendia recuar agora.

– Deixem-me entrar – exigiu, irritada e aterrorizada. – Maldição, abram essa maldita porta e me digam o que está acontecendo!

Levantou a mão e cerrou o punho, mas antes que pudesse bater no vidro, as portas deslizaram num sibilo suave. Avançou para dentro, sendo seguida de perto por Alex.

– Podem me contar – disse Jenna, o olhar passando de um rosto silencioso a outro. Demorou-se em Brock, a única pessoa naquela sala, além de Alex, por quem ela sentia alguma confiança. – Por favor... Preciso saber o que descobriram.

– Ocorreram algumas mudanças no seu sangue – disse ele, a voz grave impossivelmente baixa. Gentil demais. – E no seu DNA também.

– Mudanças. – Jenna engoliu em seco. – Que tipo de mudanças?

– Anomalias – Gideon interviu. Quando ela virou a cabeça na direção dele, ficou surpresa pela preocupação no olhar do guerreiro. Ele falava com cautela, parecendo demais com um médico retardando o pior tipo de notícia a dar ao seu paciente. – Descobrimos uma reprodução celular estranha, Jenna. Mutações que estão sendo passadas ao seu DNA e que se multiplicam a uma velocidade excessiva. Essas mutações não estavam presentes na última análise que efetuamos no seu sangue.

Ela balançou a cabeça, tanto pela confusão quanto como um reflexo de negação ao que pensava estar ouvindo.

– Não estou entendendo. Está se referindo a algum tipo de doença? Aquela criatura me infectou com alguma coisa quando me mordeu?

– Nada disso – disse Gideon, lançando um olhar ansioso para Lucan. – Bem, não exatamente.

– Então, o que, exatamente? – ela exigiu saber. A resposta surgiu meio segundo mais tarde. – Ai, meu Deus. Esta coisa na minha nuca... – Ela pôs a mão sobre o ponto em que o Antigo havia inserido o material não identificado do tamanho de um grânulo. – Esta coisa que ele colocou dentro de mim está provocando as mudanças. É isso, não é?

Gideon assentiu de leve.

– É biotecnologia de algum tipo, nada que a Raça ou a espécie humana tenha capacidade de criar. Pelas radiografias mais recentes de hoje, parece que o implante está se integrando à sua medula espinhal num ritmo muito acelerado.

– Tire isso.

Uma rodada de olhares preocupados passou pelo grupo de machos grandes. Mesmo Tess parecia pouco à vontade, sem conseguir sustentar o olhar de Jenna.

– Não é tão simples assim – Gideon respondeu, por fim. – Talvez você deva ver as imagens por si só.

Antes que ela conseguisse pensar se queria ou não ver as provas daquilo que lhe estava sendo dito, a imagem do seu crânio e coluna piscou na tela plana afixada numa parede diante dela. Num segundo, Jenna notou o nauseante objeto do tamanho de um grão de arroz que brilhava no centro da sua primeira vértebra. Os tentáculos que estiveram presentes no dia anterior eram mais numerosos naquela nova imagem.

Muito mais do que centenas a mais, cada tênue feixe entrando – inextricavelmente – ao redor e através da sua medula óssea.

Gideon pigarreou.

– Como disse, o objeto aparentemente é formado por uma combinação de material genético e alta tecnologia avançada. Nunca vi nada assim antes, tampouco consegui encontrar algum tipo de pesquisa científica humana que se assemelhasse minimamente a isso. Considerando-se as transformações biológicas que temos observado em seu DNA e em seu sangue, parece ser a fonte do material genético do próprio Antigo.

O que significava que parte daquela criatura estava dentro dela. Vivendo ali. Vicejando.

A pulsação de Jenna ecoava em seu peito. Ela sentia o fluxo sanguíneo acelerado nas veias, células alteradas que ela imaginava abrindo caminho em seu corpo a cada batida do coração, multiplicando-se, crescendo, devorando-a por dentro.

– Arranquem isso de mim – disse ela, a voz se elevando por causa da angústia. – Tirem essa maldita coisa de dentro de mim ou eu mesma tiro!

Com as duas mãos, ela começou a arranhar a nuca, o desespero fazendo-a agir como louca.

Ela nem percebeu Brock se movendo da sua posição do outro lado do laboratório, mas, em menos de um instante, ele estava bem ao seu lado, as mãos grandes envolvendo-a com os dedos. Os olhos castanhos prenderam-na pelo olhar e não a soltaram.

– Relaxe agora – disse ele, num sussurro gentil, porém com firmeza tirou-lhe as mãos da nuca e segurou-as entre as suas. – Respire, Jenna.

Com os pulmões contraídos, ela emitiu um soluço.

– Solte-me. Por favor, deixem-me em paz, todos vocês.

Ela se afastou e tentou ir embora, mas a pulsação pesada e o tinir em seus ouvidos fez a sala girar ao seu redor com violência. Uma onda obscura de náusea a acometeu, envolvendo-a numa névoa densa e atordoante.

– Te peguei – a voz tranquilizadora de Brock murmurou junto ao seu ouvido.

Ela sentiu os pés deixarem o chão e, pela segunda vez em poucos dias, viu-se amparada pela segurança dos braços dele.


Capítulo 10

Ele não deu explicações para o que estava fazendo ou para onde a estava levando. Apenas saiu do laboratório de tecnologia e a carregou pelo mesmo corredor pelo qual ela viera minutos antes com Alex.

– Solte-me – exigiu Jenna, os sentidos ainda confusos, tinindo a cada longa passada das pernas de Brock. Mudou de posição nos braços dele, tentando ignorar como até mesmo o menor dos movimentos fazia sua cabeça girar e seu estômago revirar. A cabeça pendeu sobre o antebraço forte, um gemido de dor escapando. – Eu disse para me colocar no chão, inferno.

Ele grunhiu enquanto continuava a caminhar.

– Eu ouvi na primeira vez.

Ela fechou os olhos, só porque estava difícil demais mantê-los abertos e ver o teto do corredor se contorcer e girar logo acima enquanto Brock a carregava complexo adentro. Diminuiu o ritmo a certa altura, depois virou, e Jenna abriu os olhos, vendo que ele a levara de volta à suíte que agora era seu quarto.

– Por favor, me ponha no chão – murmurou, a língua grossa, a garganta seca. O latejar por trás dos olhos se tornara uma pulsar firme, o tinido nos ouvidos um lamento agudo que parecia partir seu crânio ao meio. – Deus – arfou, sem conseguir disfarçar a agonia. – Está doendo muito...

– Ok – disse Brock baixinho. – Tudo vai ficar bem agora.

– Não, não vai. – Ela choramingou, humilhada pelo som da sua fraqueza, e pelo fato de que Brock a estava vendo assim. – O que está acontecendo comigo? O que ele fez comigo?

– Isso não importa agora – sussurrou Brock, a voz grave mostrando-se contraída. Uniforme demais para ser confiável. – Primeiro, vamos fazer você superar isto.

Atravessou o quarto com ela e se ajoelhou para acomodá-la no sofá. Jenna se recostou e deixou que ele lhe endireitasse as pernas, não tão perdida no desconforto e na preocupação para deixar de notar o carinho das mãos fortes daquele homem, que, provavelmente, seriam capazes de extrair a vida de alguém com pouco mais do que uma contorção.

– Relaxe – disse ele, as mãos fortes e carinhosas afagando seu rosto, os olhos escuros incitando-a a sustentar seu olhar. – Apenas relaxe e respire, Jenna. Consegue fazer isso por mim?

Ela se acalmou um pouco de pronto, relaxando ao som do seu nome nos lábios dele, o resvalar quente dos dedos que desciam pelo rosto e pelo maxilar e, depois, pela lateral do pescoço. As lufadas curtas de ar que entravam e saíam dos seus pulmões começaram a se acalmar, enquanto Brock amparava a nuca com uma mão e deslizava a outra palma num indo e vindo lento sobre o peito dela.

– Isso mesmo – murmurou, o olhar preso ao dela, intenso e, ainda assim, inacreditavelmente carinhoso. – Solte toda a dor e relaxe. Você está segura, Jenna. Pode confiar em mim.

Ela não sabia por que essas palavras deveriam afetá-la como a afetaram. Talvez a dor a tivesse enfraquecido. Talvez fosse o medo do desconhecido, o abismo da incerteza que subitamente se tornara a sua realidade desde aquela noite gélida e horrenda no Alasca.

E talvez fosse pelo simples fato de que fazia muito tempo, quatro solitários anos, desde que ela sentira a carícia cálida de um homem, mesmo que apenas para oferecer consolo.

Quatro anos vazios desde que se convencera de que não precisava de nenhum contato afetuoso ou intimidade. Quatro anos infindáveis desde que se lembrava do como era se sentir uma mulher de carne e osso, como se fosse desejada. Como se pudesse, um dia, ser capaz de abrir o coração para algo mais.

Jenna fechou os olhos quando lágrimas começaram a arder. Afastou a onda de emoção que surgiu inesperadamente e, em vez disso, concentrou-se nas pontas dos dedos quentes e reconfortantes de Brock em sua pele. Deixou que sua voz a acalentasse, sentindo suas palavras e seu toque trabalharem juntos para ajudá-la a superar a angústia do estranho trauma que parecia estar despedaçando-a de dentro para fora.

– Isso é bom, Jenna. Apenas respire agora.

Ela sentiu a garra de dor em seu crânio relaxar enquanto ele lhe falava. Brock acariciou suas têmporas com os polegares, os dedos esticados em seus cabelos, amparando sua cabeça de maneira reconfortante. O tinir agudo em seus ouvidos começou a diminuir, a desaparecer, até, por fim, sumir de vez.

– Você está indo muito bem – murmurou Brock, a voz mais sombria do que antes, um pouco mais do que um grunhido. – Solte tudo, Jenna. Dê o resto para mim.

Ela exalou um suspiro profundo, sem conseguir mantê-lo dentro de si enquanto Brock a afagava no rosto e no pescoço. Ela gemeu, abraçando o prazer que lentamente devorava sua agonia.

– Isso é bom – sussurrou, sem poder resistir ao desejo de se aproximar do seu toque. – A dor já não é tão forte agora.

– Isso é muito bom, Jenna. – Ele inspirou, parecendo mais um arquejo, depois exalou um gemido. – Liberte-se de tudo.

Jenna sentiu um tremor vibrar por seus dedos enquanto ele falava. As pálpebras se abriram e ela arfou ao vê-lo tão tenso.

Os tendões do pescoço estavam retesados, a mandíbula travada com tanta força que era um milagre que seus dentes não tivessem trincado. Um músculo latejava no rosto delgado. Gotas de suor se formavam na testa e sobre os lábios.

Ele estava com dor.

Uma dor impossível, assim como ela estivera há minutos, antes que seu toque parecesse afastar a agonia.

Foi então que ela entendeu.

Ele não estava simplesmente acalmando-a com as mãos. Ele estava, de alguma forma, tirando a dor dela. Canalizando-a, de propósito, para si.

Ofendida com a ideia, porém ainda mais envergonhada por ter se deixado permanecer ali deitada, imaginando que a carícia dele fosse algo mais do que pura piedade, Jenna se retraiu do seu toque e se pôs sentada num canto do sofá. Respirou fundo de ultraje ao fitar os olhos escuros que reluziam fachos de luz âmbar.

– Que diabos pensa que está fazendo? – arfou, pondo-se de pé.

O músculo que estivera latejando em seu maxilar se retesou quando ele se levantou para enfrentá-la.

– Ajudando você.

Imagens tomaram conta da sua mente em um instante: repentinas lembranças vívidas dos momentos posteriores ao seu cativeiro com a criatura que invadira o seu chalé no Alasca.

Naquele momento, ela também sentira dores. Estivera aterrorizada e em estado de choque, tão devastada de horror e confusão que achou que acabaria morrendo.

E se lembrou das mãos delicadas e cálidas que a confortaram. O rosto de um belo desconhecido sério que entrara em sua vida como um anjo negro e a manteve a salvo, protegida e tranquila, quando tudo em seu mundo fora transformado em caos.

– Você esteve lá – murmurou, atônita por perceber só então. – No Alasca, depois que o Antigo sumiu. Você ficou comigo. Também tirou minha dor naquela hora. E mais tarde, depois que fui trazida para o complexo. Meu Deus... Você ficou comigo o tempo todo em que estive na enfermaria? Os olhos dele permaneceram fixos nos dela, sombrios, inescrutáveis.

– Eu era o único que podia ajudar você.

– Quem te pediu isso? – exigiu saber, num tom sabidamente áspero, mas desesperada por expurgar o calor que ainda trafegava dentro dela, indesejado e espontâneo.

Já era ruim que ele achasse necessário acalentá-la como se ela fosse algum tipo de criança em sua provação prolongada. E ainda pior que ele parecesse pensar ser necessário repetir isso agora também. Maldita fosse se permitisse que ele pensasse, por um segundo sequer, que ela, de fato, desejara seu toque.

Com a expressão ainda carregada pelo que lhe fizera instantes antes, ele meneou a cabeça e imprecou.

– Para uma mulher que não quer a ajuda de ninguém, você bem que parece precisar muito.

Ela mal resistiu à tentação de lhe dizer onde ele podia enfiar sua compaixão.

– Sei cuidar de mim sozinha.

– Como cuidou ontem à noite na cidade? – ele a desafiou. – Como fez há poucos minutos no laboratório, pouco antes que os meus braços fossem a única coisa entre o seu traseiro teimoso e o chão?

A humilhação queimou seu rosto tal qual um tapa.

– Sabe de uma coisa? Faça-nos um favor e não me faça mais favor algum!

Ela se virou para se afastar dele, seguindo para a porta ainda aberta para o corredor. Cada passo miraculosamente sem dor só aumentava sua raiva de Brock, deixando-a ainda mais determinada a colocar o máximo possível de distância entre eles.

Antes que conseguisse se aproximar da soleira, ele se postou diante dela, bloqueando-lhe o caminho, mesmo que ela não tivesse visto ou ouvido ele se mover.

Parou. Encarou-o, atordoada por sua evidente velocidade sobrenatural.

– Saia da minha frente – disse, tentando passar por ele.

Ele deu um passo para o lado, colocando o corpo imenso diretamente diante do dela. A intensidade do seu olhar revelou que ele queria lhe dizer algo mais, mas Jenna não queria ouvir. Precisava ficar sozinha.

Precisava de espaço para pensar sobre tudo o que lhe acontecera... Tudo que ainda estava acontecendo, ficando cada vez mais assustador ao mesmo tempo.

– Saia da frente – disse ela, odiando o leve tremor em sua voz.

Brock lentamente levantou a mão e afastou uma mecha de cabelo da testa dela. Foi um gesto meigo, uma afabilidade que ela tanto precisava, mas que tinha medo de aceitar.

– Você está no nosso mundo agora, Jenna. Quer queira admitir ou não, precisa de ajuda.

Ela observou-lhe a boca enquanto ele falava, desejando não se sentir tão atenta aos lábios cheios e sensuais. Ele ainda estava suportando a sua dor; podia saber pelo ligeiro inflar nas narinas enquanto ele inspirava e expirava de modo controlado. Tampouco a tensão do belo rosto e do pescoço forte se desfizera.

Durante toda a sua vida, ela se esforçou para provar seu valor, primeiro para o pai e para o irmão, Zach, sendo que ambos deixaram claro que duvidavam que ela tivesse o necessário para fazer parte da força policial. Mais tarde, esforçou-se para ser uma mãe e esposa perfeitas. A vida toda fora estruturada numa fundação de força, disciplina e competência.

De maneira inacreditável, enquanto ficava ali diante de Brock, não foi o fato de ele ser algo mais que humano – algo perigoso e alienígena – que fez com que ela quisesse que o chão se abrisse e a engolisse. Foi o medo de que ele pudesse enxergar através da casca de raiva que ela usava como uma armadura, vendo-a como o fracasso solitário e amedrontado que ela, de fato, era.

Brock balançou de leve a cabeça em sua direção enquanto o silêncio se estendia entre eles. Os olhos perscrutaram seu rosto por inteiro antes de se deterem sobre o seu olhar.

– Existem coisas piores do que precisar se apoiar em alguém de vez em quando, Jenna.

– Maldição! Eu disse para sair da minha frente! – Ela pousou as palmas sobre o peito largo e o empurrou com toda a raiva e medo que havia dentro dela.

Brock foi lançado para trás, quase se chocando com a parede oposta do corredor.

Jenna arquejou, assustada e surpresa com o que acabara de fazer.

Horrorizada.

Brock era muito forte, com quase dois metros de altura e mais de cem quilos de músculo e força. Alguém muito mais forte do que ela. Alguém muito mais poderoso do que qualquer outra pessoa que já tivesse conhecido.

As sobrancelhas dele se ergueram em sinal de surpresa.

– Jesus Cristo – murmurou, com muito mais admiração do que raiva na voz.

Jenna suspendeu as mãos diante de si e fitou-as como se elas pertencessem a outra pessoa.

– Ai, meu Deus... Como eu... O que aconteceu?

– Está tudo bem – garantiu ele, voltando para perto dela com aquela enlouquecedora tranquilidade.

– Brock, desculpe. Verdade, eu não queria...

– Eu sei – disse ele, assentindo com seriedade. – Não se preocupe. Você não me machucou.

Uma bolha de histeria subiu-lhe pela garganta. Primeiro, a notícia chocante de que o implante de algum modo estava alterando seu DNA, e agora isso: uma força que não tinha como ser sua, mas, de alguma maneira, era. Relembrou sua fuga da propriedade e as estranhas habilidades linguísticas que pareceu adquirir desde que o Antigo deixara uma parte de si emaranhado em sua medula espinhal.

– Que diabos está acontecendo comigo, Brock? Quando tudo isso vai terminar?

Ele lhe segurou as mãos trêmulas entre suas palmas com firmeza.

– O que quer que esteja acontecendo, você não tem que passar por isso sozinha. Precisa entender isso.

Ela não sabia se ele falava em nome de todos no complexo ou por si só. Ela não tinha voz para pedir uma explicação. Disse a si mesma que não importava o significado das palavras dele; contudo, isso não desacelerou seu coração quando o fitou. Sob o calor dos insondáveis olhos castanhos, ela sentiu os seus piores medos se dissolverem.

Sentia-se aquecida e protegida, coisas que queria negar, mas não podia enquanto Brock a estivesse segurando pelas mãos e pelo olhar.

Ele franziu a testa após um longo momento e lentamente soltou-lhe as mãos, deixando as suas deslizarem pelos braços dela, numa carícia sensual, demorando-se o suficiente para deixar claro que aquilo não era nada menos do que íntimo. Jenna sabia disso, e via que ele também sabia.

Os olhos escuros pareceram se aprofundar, engolindo-a. Recaíram sobre sua boca e lá ficaram enquanto a respiração de Jenna saía num suspiro trêmulo.

Ela sabia que devia se afastar dele agora. Não havia motivo para permanecerem perto assim, com meros centímetros separando seus corpos. Menos ainda entre a boca dele e a dela. Só seria preciso um leve inclinar da cabeça dele ou um erguer da dela e seus lábios se encontrariam.

A pulsação de Jenna acelerou ante a ideia de beijar Brock.

Coisa que, quando ele a carregara para o quarto, estivera bem longe dos seus pensamentos. Não muito tempo atrás, quando seu medo e sua raiva a fizeram sibilar e grunhir como um animal selvagem preso numa armadilha de caçador.

Mas agora, enquanto Brock permanecia tão perto que ela sentia o calor do corpo dele irradiando para o seu, a fragrância da pele tentando-a a aproximar o rosto e inspirar seu cheiro, beijá-lo era uma necessidade secreta que pulsava dentro dela a cada batida fugidia do seu coração.

Talvez ele soubesse o que ela estava sentindo.

Talvez ele estivesse sentindo a mesma coisa.

Ele emitiu uma imprecação, depois recuou um passo, encarando-a com ardor e firmeza.

– Ah... droga... Jenna...

Quando ergueu as mãos fortes e segurou o seu rosto com delicadeza, todo o ar pareceu evaporar no quarto. Os pulmões de Jenna pareceram congelar dentro do peito, mas o coração continuava acelerado, batendo tão rapidamente que pensou que ele poderia explodir.

Esperou, num misto de terror e esperança, atônita com a necessidade que tinha de sentir a boca de Brock na sua.

A língua dele molhou os lábios, o movimento permitindo que ela tivesse um vislumbre das pontas das suas presas, reluzindo como diamantes. Ele praguejou novamente, depois se afastou um pouco, deixando uma lufada de ar frio diante dela onde o calor do seu corpo estivera apenas um segundo antes.

– Eu não deveria estar aqui – murmurou com voz espessa. – E você precisa descansar. Fique à vontade. Se não houver cobertas suficientes na cama, encontrará mais no armário do banheiro. Use tudo que precisar.

Jenna teve que se dar um chacoalhão mental para entender a conversa.

– Este... hum... Este quarto é seu?

Ele acenou de leve, já saindo para o corredor.

– Era. Agora é seu.

– Espere – Jenna o seguiu. – E quanto a você? Você tem onde ficar?

– Não se preocupe – disse ele, parando para olhá-la quando ela se apoiou na maçaneta. – Descanse um pouco, Jenna. Te vejo por aí.

O sangue ainda corria quente nas veias de Brock pouco depois, quando ele parou diante de uma das últimas suítes residenciais e bateu à porta fechada.

– Faltam ainda onze minutos para a hora que combinamos – diz a voz profunda e prática do macho da Raça do outro lado.

A porta se abriu, e Brock foi perfurado por um par de olhos dourados inescrutáveis.

– Avon chama – disse Brock à guisa de um cumprimento ao suspender a mochila de couro preta que continha todos os seus pertences pessoais retirados dos seus aposentos. – E o que quer dizer com isso, cheguei onze minutos antes? Não me diga que você vai ser um daqueles colegas de quarto certinhos que fazem tudo seguindo um cronograma. Minhas escolhas são limitadas, já que você e Chase têm os últimos quartos do complexo. E, para falar a verdade, se Harvard e eu tivermos que dividir um quarto, não sei se sobreviveremos uma semana.

Hunter nada disse enquanto Brock passava por ele e entrava no quarto. Ele o seguiu para a parte das camas, tão sorrateiro quanto um fantasma.

– Pensei que fosse outra pessoa – afirmou um tanto tardiamente.

– É mesmo? – Brock girou de frente para o estoico Primeira Geração, verdadeiramente curioso a respeito do mais recente e reservado membro da Ordem. Sem falar no fato de que estava ávido para desviar a mente dos seus pensamentos ardentes a respeito de Jenna Darrow. – A quem esperava além de mim?

– Não importa – respondeu Hunter.

– Ok. – Brock deu de ombros. – Só estou tentando bater papo, mas tudo bem.

A expressão do Primeira Geração continuou impassível, absolutamente normal. O que não era surpresa, levando-se em consideração o modo como o macho fora criado: como um dos assassinos domésticos de Dragos. Inferno, o cara nem mesmo tinha um nome. Como o restante do exército pessoal criado por Dragos a partir do Antigo, referiam-se ao Primeira Geração apenas pelo único propósito da sua vida: Hunter3.

Ele chegara à Ordem há poucos meses, depois que Brock, Nikolai e alguns dos outros guerreiros atacaram uma reunião de Dragos e dos seus tenentes. Hunter fora libertado durante o ataque e agora era aliado contra o seu criador nos esforços da Ordem em acabar com Dragos.

Brock parou diante das duas camas que estavam em cada lado do quarto em estilo modesto. As duas estavam arrumadas com precisão militar, coberta marrom e lençóis brancos sem nenhuma prega, um único travesseiro meticulosamente colocado na cabeceira de cada estrado.

– Então, qual é a sua cama?

– Não faz diferença para mim.

Brock voltou a fitar o rosto impassível e os inescrutáveis olhos dourados.

– É só me dizer em qual costuma dormir e eu pego a outra.

O olhar nivelado de Hunter não se alterou em nada.

– São apenas mobília. Não tenho nenhum apego nem por uma, nem por outra.

– Nenhum apego – repetiu Brock num murmúrio. – Pois é, cara. Talvez você possa me dar algumas dicas sobre essa sua postura “não estou nem aí”. Acho que viria bem a calhar de tempos em tempos. Especialmente no que se refere às mulheres.

Com um grunhido, largou suas coisas na cama da esquerda, depois esfregou as mãos no rosto e na cabeça. O gemido que escapou dele estava carregado de frustração e do desejo retido que vinha abafando desde que se forçara a deixar Jenna e a tentação de que não precisava.

– Maldição – grunhiu, o corpo tinindo de novo só de lembrar o belo rosto erguido ao fitá-lo.

Era como se ela estivesse à espera de um beijo seu. Tudo que era masculino dentro de si afirmara isso com absoluta certeza na hora, mas ele sabia que aquela era a última coisa de que Jenna precisava.

Ela estava confusa e vulnerável, e ele se considerava mais do que um homem que poderia tirar vantagem disso só porque a sua libido clamava por ela. Claro, isso não o fazia se sentir muito melhor a respeito da excitação que, do nada, voltava à vida de novo, deixando toda a sua honradez de lado.

– Que beleza, meu herói – admoestou-se severamente. – Agora vai precisar afundar numa banheira de gelo por uma semana por ter bancado o nobre...

– Está se sentindo mal? – perguntou Hunter, assustando Brock, que não havia percebido que o outro macho ainda estava atrás dele no quarto.

– É... – disse Brock, dando uma risada sardônica. – Não ando muito bem, não. Se quer saber a verdade, não estou me sentindo bem desde que pus os olhos nela.

– A fêmea humana – disse Hunter, com um ar de compreensão grave. – Está aparente que ela é um problema para você.

Brock emitiu um suspiro sem humor algum.

– Acha mesmo?

– Sim, acho. – Não havia julgamento em sua voz, apenas uma declaração dos fatos. Ele falava como uma máquina: total precisão, zero sentimento. – Deduzo que todos no laboratório de tecnologia chegaram à mesma conclusão hoje, quando permitiu que Chase provocasse sua ira por conta dos comentários sobre o seu apego àquela mulher. Suas ações demonstraram uma fraqueza do seu treinamento e, pior, falta de autocontrole. Reagiu de modo impensado.

– Obrigado por notar – respondeu Brock, suspeitando que seu sarcasmo seria desperdiçado no caçador antissocial e imperturbável. – Lembre-me de encher o seu saco daqui até a semana seguinte se um dia chegar a relaxar o bastante para deixar uma mulher o irritar.

Hunter não reagiu, apenas o fitou sem demonstrar nenhuma centelha de emoção.

– Isso não acontecerá.

– Merda – disse Brock, meneando a cabeça ante o soldado Primeira Geração rígido que fora criado na base da negligência e da disciplina do castigo. – Você não deve ter estado com a mulher certa se tem tanta segurança assim.

A expressão de Hunter continuou estoica. Distante e imparcial. Na verdade, quanto mais Brock olhava para ele, mais claramente começava a enxergar a verdade.

– Caramba. Já esteve, algum dia, com uma mulher, Hunter? Meu Deus... Você é virgem, não é?

Os olhos dourados do Primeira Geração continuaram fixos no olhar de Brock como se considerasse aquilo algum teste de força de vontade no qual ele não permitiria que a revelação o afetasse. E Brock tinha que dar o braço a torcer, pois nenhum grau de emoção cintilou naqueles olhos sinistros, tampouco nas feições perfeitamente disciplinadas.

A única coisa que fez Hunter reagir foi o barulho suave de chinelos se arrastando pelo corredor. Uma voz infantil, Mira, chamando da sala de estar.

– Hunter, você está aí?

Ele se virou sem dar nenhuma explicação e foi se encontrar com a garotinha.

– Agora não é uma boa hora. – Brock o ouviu lhe dizer em seu tom modulado e grave.

– Mas não quer saber o que acontece com Harry quando ele põe a capa da invisibilidade? – perguntou Mira, o desapontamento abaixando o tom de sua voz normalmente alegre. – Essa é uma das minhas partes prediletas no livro. Você tem que ouvir esse capítulo. Vai amar.

– Ela tem razão, é uma das melhores partes. – Brock saiu do quarto, sem saber o que o fez sorrir mais: a percepção de que o implacável assassino Primeira Geração era um virgem sem experiência alguma, ou a mais recente notícia, igualmente divertida, de que o encontro que ele aparentemente atrapalhara ao aparecer com as suas coisas era a hora da leitura de Hunter com a mais jovem residente do complexo.

Deu uma piscadela e um sorriso para Mira quando ela se acomodou no sofá e abriu o livro na parte em que havia parado de ler.

– Relaxe – disse a Hunter, que estava de pé, tão duro quanto uma estátua. – Não vou revelar os seus segredos a ninguém.

Não esperou para ver a reação dele, apenas foi andando para o corredor, deixando Hunter olhando-o enquanto saía.


Caçador


Capítulo 11

– Cruzem os dedos, meninas, mas acho que acabamos de encontrar a pista que procurávamos. – Dylan desligou o telefone e girou a cadeira para ficar de frente para Jenna, Alex, Renata e Savannah, todas reunidas na sala de reuniões das Companheiras de Raça nas últimas horas.

Na verdade, chamá-la de sala de reuniões não lhe fazia justiça. Havia pelo menos meia dúzia de computadores numa mesa longa num dos lados da sala, caixas de arquivos suspensos organizados por localização dispostas numa estante alta para facilitar o acesso, quase cada espaço da parede coberto por mapas marcados da Nova Inglaterra e gráficos de investigação detalhados que envergonhariam boa parte das unidades de casos antigos arquivados da polícia. Em meio a esses gráficos, muitos esboços de retratos falados de jovens, os rostos de algumas desaparecidas, a quem a Ordem e suas companheiras diligentes estavam determinadas a encontrar.

Não, Jenna pensou ao olhar ao redor, aquela não era uma mera sala de reuniões.

Aquela era uma sala devotada à estratégia, a uma missão, à guerra.

Jenna acolhia a energia do lugar, ainda mais depois das notícias perturbadoras que recebera a respeito do seu último exame de sangue. Também precisava da distração a fim de não pensar nos inesperados momentos ardentes que partilhara com Brock no quarto dele, ou melhor, no seu. Ela praticamente dera um salto quando lhe surgiu a oportunidade de sair de lá depois que ele foi embora. Fora Alex quem apareceu procurando-a pouco depois, e fora ela quem a trouxera consigo para a sala de guerra das Companheiras de Raça para ter companhia e ficar conversando.

Ela não desejara se interessar pelo trabalho em que as mulheres da Ordem estavam envolvidas, mas, enquanto esteve entre elas, foi quase impossível para a policial dentro de si ignorar o rastro de uma boa busca por informações. Sentou-se um pouco ereta na cadeira ante a mesa de reuniões quando Dylan andou até a impressora para pegar uma folha que acabara de sair da máquina.

– O que conseguiu? – perguntou Savannah.

Dylan bateu a folha na mesa diante das mulheres reunidas.

– Irmã Margaret Mary Howland.

Jenna e as outras se inclinaram para olhar para a imagem escaneada. Era a foto de um grupo de uma dúzia ou pouco mais de garotas e jovens mulheres. Pelo estilo das roupas, parecia ter sido tirada uns vinte anos antes. O grupo estava reunido num gramado abaixo das escadas de uma varanda coberta, no tipo de pose que as estudantes às vezes faziam para a foto escolar anual. A não ser pelo fato de que, naquele caso, não havia uma escola atrás delas, mas uma casa grande, simples, autoproclamada Lar para Mulheres St. John, Queensboro, Nova York.

Uma mulher de meia-idade de rosto gentil usando um crucifixo como pingente e um vestido de verão modesto estava ao lado do grupo reunido debaixo do beiral branco no qual a placa pintada estava suspensa. Uma das moças mais jovens estava com a mulher de mais idade, os ombros finos seguros por mãos carinhosas, o rostinho erguido com um olhar luminoso de afeto.

– É ela – disse Dylan, apontando para a mulher com o sorriso maternal e braços protetores. – Irmã Margaret.

– E ela é...? – perguntou Jenna, sem conseguir conter a curiosidade.

Dylan relanceou para ela.

– Neste instante, se ainda estiver viva, esta mulher é a nossa aposta mais segura para descobrirmos mais sobre as Companheiras de Raça que sumiram ou acabaram mortas pelas mãos de Dragos.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não estou entendendo.

– Algumas das mulheres que ele matou, e provavelmente muitas outras que ele mantém em cativeiro, vieram de abrigos de fugitivas – disse Dylan. – Veja bem, não é incomum que as Companheiras de Raça se sintam confusas e deslocadas na sociedade mortal. A maioria de nós não sabe o quanto é diferente, muito menos o motivo para isso. Além da marca de nascença em comum e das características biológicas, todas nós temos também habilidades extrassensoriais singulares.

– Não o tipo de coisa que você vê nos programas da TV ou em comerciais anunciando serviços de pessoas psíquicas – explicou Savannah. – Talentos verdadeiramente extrassensoriais são normalmente o meio mais seguro de identificar uma Companheira de Raça.

Dylan concordou.

– Às vezes, esses talentos são uma bênção, mas em muitas outras são uma maldição. O meu dom foi uma maldição em boa parte da minha vida, mas, felizmente, tive uma mãe amorosa. Por isso, não importava o quanto eu ficasse confusa ou assustada, sempre tive a segurança de um lar.

– Mas nem todas têm essa sorte – acrescentou Renata. – Para Mira e para mim, foi uma extensa fila de orfanatos em Montreal. E, de tempos em tempos, chamávamos a rua de lar.

Jenna ouvia em silêncio, agradecendo a boa sorte de ter nascido em uma família normal e relativamente próxima, onde o maior problema de infância foi tentar competir com o irmão pelo afeto e pela aprovação dos pais. Ela não conseguia imaginar os tipos de problemas que as fêmeas nascidas com a marca de nascença da lágrima e da lua crescente tiveram que suportar. Seus problemas, por mais incompreensíveis que fossem, pareciam diminuir um pouco enquanto ponderava sobre as vidas que aquelas mulheres tiveram. Para não falar do inferno que as mortas ou desaparecidas tiveram que suportar.

– Quer dizer que vocês acreditam que Dragos visava as jovens que acabavam nesse tipo de abrigo? – perguntou.

– Sabemos disso – disse Dylan. – A minha mãe costumava trabalhar num abrigo para pessoas que fugiam de casa em Nova York. É uma longa história, uma para ser contada outro dia, mas, basicamente, foi descoberto que o abrigo para o qual ela trabalhava havia sido fundado e era dirigido pelo próprio Dragos.

– Ai, meu Deus... – arfou Jenna.

– Ele estivera se escondendo por trás de um nome falso, Gordon Fasso, enquanto circulava em meio à sociedade humana, e ninguém fazia ideia de quem ele fosse até... até ser tarde demais. – Dylan parou para inspirar profundamente e se fortalecer. – Ele matou minha mãe depois que percebeu que havia sido desmascarado e que a Ordem estava se aproximando dele.

– Lamento muito – sussurrou Jenna, com sinceridade. – Perder alguém que se ama para esse tipo de maldade...

As palavras se perderam enquanto algo frio e determinado borbulhou dentro dela. Como ex-policial, ela conhecia o sabor amargo da injustiça e a necessidade de equilibrar a balança. Mas suprimiu esse sentimento, dizendo a si mesma que a luta da Ordem contra aquele inimigo, Dragos, não era sua. Ela tinha as próprias batalhas para enfrentar.

– Tenho certeza de que Dragos vai ter o que merece no final – disse.

Era uma frase inútil, oferecida com certo distanciamento. Mas ela queria muito estar certa. Sentada ali com aquelas mulheres, tendo-as conhecido um pouco melhor no curto tempo em que estava no complexo, Jenna rezava para que a Ordem fosse bem-sucedida ao enfrentar Dragos. Pensar que alguém tão perverso quanto ele estivesse à solta no mundo era inaceitável.

Pegou a imagem impressa e fitou a expressão calorosa da freira, que estava tal qual uma pastora ao lado de seu rebanho vulnerável.

– Como esperam que essa mulher, a Irmã Margaret, possa ajudá-las?

– A rotatividade de pessoal é alta nesses abrigos – explicou Dylan. – Aquele em que minha mãe trabalhava não era exceção. Uma amiga que costumava trabalhar com ela lá me informou o nome da Irmã e me deu a foto. Ela disse que a freira se aposentou há vários anos, mas fez trabalho voluntário em diversos abrigos em Nova York desde meados dos anos 1970. Por isso, é o tipo de pessoa com quem precisamos conversar.

– Alguém que esteve em abrigos por muito tempo e pode ser capaz de identificar antigas residentes a partir dos retratos falados – disse Savannah, indicando os rostos afixados nas paredes.

Jenna assentiu.

– Esses retratos são de mulheres que estiveram em abrigos?

– Esses retratos – disse Alex ao lado de Jenna – são de Companheiras de Raça que estão sendo mantidas por Dragos enquanto estamos aqui conversando.

– Quer dizer que ainda estão vivas?

– Estavam há alguns meses. – A voz de Renata soou dura. – Uma amiga da Ordem, Claire Reichen, usou seu dom de Companheira de Raça, o poder de viajar em seus sonhos, para localizar o quartel-general de Dragos. Ela viu as prisioneiras, mais de vinte, trancadas em celas do laboratório dele. Embora Dragos tenha realocado sua operação antes que pudéssemos salvá-las, Claire tem trabalhado com um desenhista para documentar os rostos que viu.

– Na verdade, é lá que Claire está agora, ela e Elise – explicou Alex. – Elise tem muitos amigos na comunidade civil da Raça aqui em Boston. Ela e Claire têm trabalhado em alguns novos retratos, baseados no que Claire viu no covil de Dragos.

– Depois que tivermos os rostos das prisioneiras – disse Dylan –, podemos começar a procurar por nomes e possíveis familiares. Qualquer coisa que possa nos ajudar a nos aproximar de onde essas mulheres estão.

– E quanto aos bancos de dados de pessoas desaparecidas? – perguntou Jenna. – Vocês compararam os esboços com os perfis listados em grupos como o Centro Nacional de Pessoas Desaparecidas?

– Sim, e voltamos de mãos vazias – disse Dylan. – Muitas dessas mulheres e garotas nos abrigos são fugitivas e órfãs. Muitas são abandonadas. Umas fogem de casa, deliberadamente cortando todos os laços com a família e com os amigos. O resultado final é o mesmo: ninguém sente falta delas ou procura por elas no sistema; portanto, não há registros arquivados.

Renata concordou com um leve grunhido que pareceu falar de sua experiência.

– Quando você não tem nada, nem ninguém, você pode desaparecer, e é como se nunca tivesse existido.

Por causa dos seus anos na força policial do Alasca, Jenna sabia que isso era bem verdade. As pessoas desapareciam sem deixar rastro tanto nas grandes cidades como em pequenas comunidades. Isso acontecia todos os dias, embora ela jamais tivesse imaginado que fosse pelos motivos que Dylan, Savannah, Renata e as outras mulheres lhe explicavam agora.

– Qual o plano de vocês depois que identificarem as Companheiras de Raça desaparecidas?

– Depois que tivermos uma ligação pessoal com pelo menos uma delas – disse Savannah –, Claire pode tentar se comunicar através dos sonhos e, quem sabe, conseguir informações sobre a localização de onde as prisioneiras estão.

Jenna estava acostumada à rápida digestão e compreensão dos fatos, mas sua cabeça começava a girar com tudo o que estava ouvindo. E não conseguia evitar que sua mente procurasse por soluções para os problemas diante dela.

– Espere um instante. Se o dom de Claire a levou ao covil de Dragos uma vez, por que ela não pode simplesmente repetir isso?

– Para que seu dom funcione, ela precisa de algum tipo de elo emocional ou pessoal com a pessoa que está tentando localizar nos sonhos – respondeu Dylan. – O elo dela antes não era com Dragos, mas com outra pessoa.

– O antigo companheiro dela, Wilhelm Roth – explicou Renata, praticamente cuspindo o nome dele. – Ele era uma pessoa cruel, mas, comparada à de Dragos, sua crueldade não era nada. Jamais permitiríamos que Claire tentasse contatar o próprio Dragos. Isso seria suicídio.

– Tudo bem. Então onde nós ficamos com isso? – perguntou Jenna, o “nós” saindo de sua boca antes que ela percebesse o que havia dito. Mas era tarde demais para retirá-lo, e ela estava interessada demais para fingir outra coisa. – Onde você imagina que as coisas vão a partir daqui?

– Tenho esperanças de localizar a Irmã Margaret e que ela possa nos ajudar a desvendar alguma coisa – disse ela.

– Temos como entrar em contato com ela? – perguntou Renata.

A animação de Dylan se arrefeceu um pouco.

– Infelizmente, não há como termos certeza sequer de que ela ainda esteja viva. A amiga da minha mãe disse que ela deve estar com uns oitenta anos agora. A única boa notícia é que seu convento tem sede em Boston, então, existe a possibilidade de ela estar aqui. Por enquanto, só o que temos é seu número do seguro social4.

– Dê esse número a Gideon – sugeriu Savannah. – Tenho certeza de que ele consegue invadir o sistema do governo para conseguir todas as informações de que precisamos sobre ela.

– Foi isso mesmo que pensei – Dylan respondeu com um sorriso.

Jenna pensou em oferecer ajuda para localizar a freira. Ainda tinha amigos na força policial e em algumas agências federais. Com apenas um telefonema ou e-mail, ela poderia pedir um ou outro favor confidencial. Mas as mulheres da Ordem pareciam ter tudo sob controle.

E seria melhor para ela não se envolver em nada daquilo, lembrou-se com severidade, enquanto Dylan pegava o telefone ao lado do seu computador e ligava para o laboratório de tecnologia.

Alguns minutos mais tarde, Gideon e Rio entraram na sala de guerra. Os dois guerreiros receberam um relatório resumido do que Dylan descobrira. Antes mesmo de ela terminar de explicar o que havia descoberto, Gideon se acomodou diante de um computador e começou a trabalhar.

Jenna ficou olhando da sua cadeira junto à mesa enquanto todos os outros, Savannah, Renata, Alex, Rio e Dylan, se reuniram ao redor de Gideon para vê-lo fazer a sua mágica. Savannah estava certa: ele não precisou mais do que alguns minutos para invadir um firewall de um site do governo americano e começar a baixar os registros de que precisavam.

– A Irmã Margaret Mary Howland está bem viva, de acordo com a Administração do Seguro Social – anunciou ele. – Sacou a aposentadoria dela do mês passado, no valor de 298 dólares e alguns trocados num endereço em Gloucester. Estou imprimindo as informações agora.

Dylan deu um sorriso amplo.

– Gideon, você é um deus da tecnologia.

– Meu prazer é servir. – Levantou-se da cadeira e puxou Savannah para um beijo rápido, porém ardente. – Diga que está impressionada, amor.

– Estou impressionada – respondeu ela, rindo ao mesmo tempo em que lhe dava um tapa no ombro.

Ele sorriu, lançando um olhar para Jenna por sobre os óculos.

– Ela me ama – disse ele, puxando a bela companheira num abraço apertado. – Na verdade, ela é louca por mim. Não consegue viver sem mim. Muito provavelmente, está querendo me levar para a cama neste instante para se aproveitar de mim.

– A-hã. É o que você pensa – replicou Savannah, mas havia uma centelha ardente em seu olhar ao fitá-lo.

– Uma pena que não estamos tendo a mesma sorte para conseguir uma pista sobre a Sociedade TerraGlobal – lamentou Rio, o braço passando ao redor dos ombros de Dylan no que pareceu uma manobra instintivamente íntima.

Renata franziu o cenho.

– Nenhuma pista ainda?

– Nada – Gideon interveio. Ele deve ter percebido o olhar confuso de Jenna. – A Sociedade TerraGlobal é o nome da empresa que acreditamos que Dragos esteja usando como fachada para algumas das suas operações secretas.

Alex disse em seguida:

– Lembra-se daquela mineradora que abriu perto de Harmony há alguns meses, a Mineradora Coldstream? – Ante o aceno de Jenna, Alex continuou: – Pertencia a Dragos. Acreditamos que era para ela ter sido usada como uma prisão para o Antigo depois que o transportassem para o Alasca. Infelizmente, todos sabem como isso terminou.

– Conseguimos rastrear a Mineradora Coldstream até a Sociedade TerraGlobal – acrescentou Rio. – Mas só conseguimos avançar até aí. Sabemos que a TerraGlobal tem muitas camadas, mas está demorando demais para conseguirmos dissecá-las. Nesse ínterim, Dragos se esconde cada vez mais fundo, a cada minuto ficando mais longe do nosso alcance.

– Vocês vão pegá-lo – disse Jenna. Tentou ignorar a aceleração do coração ante a necessidade de pegar algumas armas e liderar a busca. – Vocês têm que pegá-lo, então vão pegá-lo.

Rio, com seu rosto marcado por cicatrizes demonstrando determinação ao assentir em concordância, fitou os olhos de Dylan.

– É. Um dia, nós vamos pegar esse filho da puta. Ele vai pagar por tudo o que já fez.

Debaixo do braço forte, Dylan deu um sorriso tristonho. Escondeu-se em seu abraço, tentando abafar um bocejo.

– Venha – disse Rio, afastando uma mecha dos cabelos ruivos dos olhos dela. – Você tem dedicado muitas horas a tudo isso. Agora vou levá-la para a cama.

– Não é uma má ideia – disse Renata. – A noite logo chega e aposto como Nikolai está testando a nova munição na sala de armas. Está na hora de ir buscar meu homem.

Enquanto ela se despedia e saía, Dylan e Rio, Savannah e Gideon faziam o mesmo.

– Quer ficar comigo e com Kade um pouco? – perguntou Alex.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não, estou bem. Acho que vou ficar aqui por alguns minutos, para relaxar um pouco. O dia foi longo e estranho.

O sorriso de Alex mostrou empatia.

– Se precisar de qualquer coisa, sabe onde me encontrar. Certo?

Jenna assentiu.

– Estou bem. Mas obrigada.

Observou a amiga sair e desaparecer lentamente pelo corredor. Quando não restava mais nada na sala a não ser silêncio e tranquilidade, Jenna se levantou e se aproximou da parede com os mapas, gráficos e retratos.

Era admirável o que a Ordem e as suas companheiras estavam tentando fazer. Era um trabalho importante, mais importante do que qualquer outra coisa com que Jenna se deparara no interior do Alasca, ou, na verdade, em qualquer outro lugar.

Se tudo o que ela descobrira nos últimos dias fosse verdade, então o que a Ordem fazia ali era salvar o mundo.

– Jesus Cristo... – sussurrou, atordoada com a enormidade de tudo aquilo.

Ela tinha que ajudar.

Se fosse capaz, mesmo que de uma maneira pequena, ela tinha que ajudar.

Não tinha?

Jenna andou ao redor da sala, com sua própria batalha acontecendo dentro de si. Não estava pronta para participar de algo como aquilo. Não enquanto ainda tinha tantas coisas para descobrir a respeito de si mesma. Com o irmão morto, ela não tinha mais nenhuma família. O Alasca fora seu lar durante toda a vida e agora isso também se fora, uma parte da sua existência anterior apagada para ajudar a Ordem a preservar seus segredos enquanto continuavam a perseguir o inimigo.

Quanto ao seu futuro, não sabia nem por onde começar. A substância alienígena dentro dela era um problema jamais imaginado, e nem adiantava desejar, porque aquilo não sumiria. Nem mesmo a mente brilhante de Gideon parecia capaz de arrancá-la daquela complicação confusa.

E também havia Brock. De todas as coisas que lhe aconteceram entre a invasão do Antigo ao seu chalé e a adoção atual, inesperada, ainda que não insuportável, por todos ali no quartel-general da Ordem, Brock estava se mostrando a coisa com a qual ela menos estava preparada para lidar.

Não estava nem um pouco perto disso no que se referia aos sentimentos que ele lhe provocava. Coisas que ela não sentia em anos, e, muito certamente, não queria sentir agora.

Nada em sua vida era certo, e a última coisa de que precisava era se envolver ainda mais nos problemas que os guerreiros e as suas companheiras enfrentavam.

No entanto, Jenna se viu seguindo para um computador na mesa ali perto. Sentou-se diante do teclado e entrou no navegador da internet, depois entrou num daqueles sites de e-mail grátis e criou uma conta.

Iniciou uma mensagem nova e digitou o endereço de um dos seus amigos da Polícia Federal em Anchorage. Fez uma única pergunta, uma questão a ser investigada confidencialmente como um favor pessoal.

Inspirou fundo, depois apertou o botão de enviar.


O número do seguro social, social security number, é um número de registro que todos os cidadãos americanos têm, como um CPF e um INSS unificados. Através dele, é possível localizar as pessoas, pois esse número é unificado em todo o território nacional. (N.T.)


Capítulo 12

No vestiário ao lado da sala das armas, Brock esticou a mão às costas para aumentar a temperatura da água de quente para escaldante. Com as mãos apoiadas na porta de teca do cubículo reservado, inclinou a cabeça em direção ao peito e agradeceu pelo jato de água cauterizante que lhe batia nos ombros e descia pelo pescoço. Vapor se formava ao seu redor, espesso como névoa, desde a cabeça até o piso de ladrilhos aos seus pés.

– Cristo! – Kade sibilou, alguns cubículos mais distante. – Duas horas direto de treino mano a mano não foi bastante castigo para você? Agora sente a necessidade de ferver vivo aí?

Brock grunhiu, passando a mão pelo rosto enquanto o vapor continuava a se formar e o calor continuava a açoitar seus músculos tensos demais. Encontrara Niko e Chase na sala das armas depois de deixar seus pertences no quarto que partilharia com Hunter. Parecia-lhe razoável esperar que alguns rounds de treinos de lâminas e treinos corpo a corpo bastariam para exaurir um pouco da sua inquietação e distração. Deveria ser assim, mas não foi.

– O que está acontecendo com você, cara?

– Não sei do que está falando – murmurou Brock, levando a cabeça e os ombros mais para baixo do jato de água escaldante.

A zombaria de Kade se fez ouvir no vestiário cavernoso.

– Até parece que não sabe.

– Droga – Brock exalou em meio à névoa que cobria sua cabeça. – Por que estou com a sensação de que você vai me explicar?

Houve o rangido da torneira sendo fechada, seguido pela batida da porta do chuveiro de Kade quando ele seguiu para o vestiário anexo. Alguns minutos depois, a voz de Kade soou do outro cômodo.

– Vai me contar o que aconteceu aquela noite em Southie, na fábrica?

Brock fechou os olhos e emitiu algo muito parecido com um rosnado, até mesmo para os seus ouvidos.

– Não há nada a contar. Havia fios soltos. Cuidei do assunto.

– A-hã – murmurou Kade. – Foi isso mesmo que imaginei que tivesse acontecido.

Quando Brock levantou a cabeça, viu o guerreiro parado diante dele. Kade estava totalmente vestido com jeans e camiseta preta, apoiado na parede oposta. Seu olhar prateado estreitado, como quem sabe o que está acontecendo.

Brock respeitava demais o amigo para tentar enganá-lo.

– Aqueles humanos eram a ralé que não pensaria duas vezes antes de ferir uma mulher inocente. Não acredita que esse tipo de brutalidade deve ser perdoado, acredita?

– Não. – Kade o encarou, depois assentiu com sobriedade. – Se eu me deparasse com alguém que tivesse colocado um dedo sequer em Alex, eu teria matado o desgraçado. Foi o que fez, não foi? Matou aqueles homens?

– Não eram homens, aqueles... – Brock grunhiu. – Eram cachorros raivosos, e o que fizeram com Jenna – aquilo que achavam que poderiam fazer e se safar – provavelmente não foi a primeira vez que machucaram uma mulher. Duvido que Jenna teria sido a última. Então, isso mesmo, acabei com eles.

Por um bom momento, Kade nada disse. Apenas o observou, mesmo depois que Brock voltou a colocar a cabeça debaixo do jato furioso, sem sentir necessidade de mais explicações. Nem mesmo para seu melhor amigo na Ordem, o guerreiro que era como um irmão para ele.

– Maldição – murmurou Kade depois de um longo silêncio. – Você gosta dela, não gosta?

Brock balançou a cabeça, tanto em negação como para tirar a água do rosto.

– Lucan me deu a responsabilidade de cuidar dela, de mantê-la segura. Só estou fazendo aquilo que esperam de mim. Ela é mais uma missão, nada diferente das outras.

– Ah, tá. Sem dúvida – caçoou Kade. – Eu tive uma missão como essa lá no Alasca há não muito tempo. Acho que já te contei uma ou duas vezes sobre ela, não foi?

– Isso é diferente – resmungou Brock. – O que você e Alex têm... Não é a mesma coisa. Alex é uma Companheira de Raça, para começar. Não existe a possibilidade de as coisas ficarem sérias com Jenna. Não sou do tipo que curte relacionamentos de longo prazo e, além disso, ela é humana.

As sobrancelhas escuras de Kade se uniram em sinal de preocupação.

– Não sei se algum de nós pode ter certeza do que ela é agora.

Brock absorveu a verdade dessa declaração com uma onda renovada de preocupação, não só por Jenna, mas pela Ordem e pelo resto da nação da Raça. O que quer que estivesse acontecendo com ela, parecia estar se acelerando naquele mesmo instante. Não tinha como negar que as notícias sobre seus exames de sangue o perturbavam. Sem falar que aquela porção alienígena colocada dentro dela estava se infiltrando cada vez mais em seu corpo, a um nível que nem mesmo Gideon parecia preparado para combater.

Brock emitiu uma imprecação debaixo do jato punitivo de água.

– Se está tentando fazer com que eu me sinta melhor a respeito disso tudo, sinta-se à vontade para parar a qualquer instante.

Kade riu, obviamente se divertindo com tudo aquilo.

– Sabe, não acho que você vá ter uma conversa de coração aberto com seu novo companheiro de quarto, então sou eu, aqui e agora, demonstrando que me importo.

– Sinto-me tocado – murmurou Brock. – Agora caia fora e deixe eu me escaldar em paz.

– Com todo prazer. Toda essa conversa sobre missões e mulheres me lembrou que tenho deveres importantes em meu apartamento que venho negligenciando...

Brock grunhiu.

– Lembranças a Alex.

Kade apenas sorriu ao se despedir, depois seguiu para a saída mais próxima.

Depois que ele se foi, Brock só ficou uns minutos mais debaixo da água. Já estava tarde, mas ele estava energizado demais para dormir. E o lembrete de Kade sobre as mutações biológicas de Jenna fez sua mente acelerar.

Enxugou-se, depois vestiu uma camiseta cinza e jeans escuros. Calçou os coturnos, sentindo uma súbita necessidade de voltar para a sala das armas para gastar um pouco mais de energia até o pôr do sol, quando poderia, por fim, escapar do complexo uma vez mais. Mas suar a camisa não funcionara muito da primeira vez; duvidava que o ajudasse agora.

Sem saber o que o livraria daquela agitação, Brock se viu andando pelo corredor principal do complexo, na direção do laboratório de tecnologia. Os corredores estavam silenciosos, desertos. Nada surpreendente para aquela hora do dia, quando os guerreiros comprometidos estavam com suas fêmeas e o restante dos ocupantes do quartel-general descansava antes do início das patrulhas da noite.

Brock deveria pensar em fazer o mesmo, porém estava mais interessado em saber se Gideon descobrira algo mais a respeito dos exames de sangue de Jenna. Ao entrar no corredor comprido que o levaria até o laboratório, ouviu movimentos em outra das salas do complexo.

Seguindo o barulho de papéis, parou diante da porta aberta do centro de comando da missão das Companheiras de Raça.

Jenna estava sozinha lá dentro.

Sentada à mesa de reuniões, com diversas pastas espalhadas diante de si e muitas outras empilhadas junto ao cotovelo, ela estava reclinada sobre um bloco de anotações, caneta na mão, completamente absorvida pelo que estava escrevendo, o que quer que fosse. A princípio, achou que ela não soubesse que ele estava ali. Mas em seguida, a mão dela parou no meio da página, e a cabeça se ergueu. As mechas de cabelo castanho caíram como seda quando ela se virou para ver quem estava na porta.

Aquela seria a sua chance para se esconder rápido, antes que ela o visse. Ele era da Raça, poderia estar ali e desaparecer antes que os olhos mortais registrassem sua presença. Em vez disso, por algum motivo idiota, sobre o qual não desejava refletir, avançou um passo e pigarreou.

O olhar castanho de Jenna se arregalou ao vê-lo.

– Oi – disse ele.

Ela sorriu de leve, parecendo pega desprevenida. E por que não estaria, depois da maneira como ele havia deixado as coisas entre os dois da última vez em que se viram? Ela pegou uma das pastas e colocou por cima do bloco de anotações.

– Pensei que todos tivessem ido descansar.

– E foram. – Ele entrou ainda mais na sala e passou os olhos nas informações sobre a mesa. – Parece que Dylan e as outras já conseguiram recrutar seus serviços.

Ela deu de ombros, numa negação débil.

– Eu só... estava olhando algumas coisas. Comparando anotações de alguns arquivos, anotando algumas ideias.

Brock se sentou ao lado dela.

– Elas vão gostar disso – disse ele, impressionado por ela estar ajudando. Esticou a mão na direção das suas anotações. – Posso ver?

– Não é nada de mais, mesmo – disse ela. – É só que algumas vezes ajuda alguém de fora dar uma olhada.

Ele relanceou para a letra curva e precisa que preenchia quase toda a página. A mente dela parecia funcionar do mesmo modo organizado, baseado no fluxo lógico das suas anotações e na lista de sugestões que fizera para a investigação das pessoas desaparecidas que Dylan e as outras Companheiras de Raça vinham procurando nos últimos meses.

– É um bom trabalho – disse ele, sem elogiar, apenas declarando um fato. – Dá para ver que você é uma excelente policial.

Outro levantar de ombros de negação.

– Não sou mais policial. Faz tempo que me afastei.

Ele a observou enquanto falava, notando o arrependimento que pairava em seu tom de voz.

– Não significa que não continue boa ainda no que faz.

– Parei de ser boa há algum tempo. Uma coisa aconteceu e eu... perdi minha motivação. – Ela o fitou, sem piscar. – Houve um acidente de carro há quatro anos. Meu marido e nossa filha de seis anos de idade morreram, só eu sobrevivi.

Brock assentiu.

– Eu sei. Lamento por sua perda.

A empatia dele pareceu incomodá-la de algum modo, e ela ficou meio sem saber o que fazer. Talvez lhe fosse mais fácil falar sobre a sua tragédia em seus termos, sem saber que ele já tomara conhecimento dela. Agora ela o fitava incerta, como se temesse que ele a julgasse de alguma maneira.

– Tive dificuldades para... aceitar que Mitch e Libby tinham partido. Por muito tempo, mesmo agora, é complicado entender como eu tenho que seguir em frente.

– Você vive – disse Brock. – É só o que pode fazer.

Ela assentiu, mas havia assombro em seu olhar.

– Você faz parecer tão fácil.

– Fácil não, apenas necessário. – Ele a viu cutucar um clipe torto em um dos relatórios. – Foi por isso que você se retirou do trabalho na polícia, porque não sabia como viver depois do acidente?

Fitando o espaço bagunçado na mesa diante dela, ela franziu a testa, em silêncio por um instante.

– Pedi demissão porque eu não conseguia mais executar minhas funções. Toda vez que eu tinha que me apresentar numa violação de trânsito, mesmo uma simples colisão de para-choque ou um pneu furado, eu chegava tremendo tanto ao local que mal conseguia sair do carro para oferecer ajuda. E nos chamados mais complicados, em acidentes sérios ou brigas domésticas que acabavam em violência, eu me sentia nauseada durante dias. Tudo o que eu aprendi no treinamento e no trabalho pareceu se despedaçar quando aquele caminhão carregando lenha atravessou a estrada escorregadia e destroçou minha vida. – Relanceou para ele, com seus olhos castanho-claros mais obstinados e firmes do que jamais vira. – Deixei de ser policial porque sabia que não conseguiria executar meu trabalho da maneira que ele precisava ser feito. Não queria que ninguém que pudesse depender de mim pagasse pela minha negligência. Por isso, pedi demissão.

Brock respeitava a coragem e a resiliência de Jenna desde que colocara os olhos nela. Agora, sua opinião apenas aumentara.

– Você se importava com o seu trabalho e com as pessoas que dependiam de você. Isso não é um sinal de fraqueza. Isso demonstra força. E, está claro, você amava o seu trabalho. E acho que ainda ama.

Por que essa simples observação atiçaria algum ponto fraco nela ele não entendia, mas teria que ser cego para não notar a centelha defensiva que brilhou em seus olhos. Jenna desviou o olhar ao perceber que deixara aquilo escapar e, quando falou, não havia raiva em sua voz. Apenas um tom de resignação.

– Sabe bastante sobre mim, não? Acho que não sobrou muito que você ou a Ordem não saibam sobre mim a esta altura.

– Alex nos contou apenas o básico – admitiu ele. – Depois do que aconteceu no Alasca, precisávamos saber algumas coisas.

Ela resmungou.

– Quer dizer, depois que comecei a falar coisas sem nexo enquanto dormia e me tornei um fardo indesejável para a Ordem.

– Mais ou menos isso – disse ele, continuando sentado quando ela se levantou e começou a se afastar dele, os braços cruzados diante do peito. Percebeu que ela abandonara por completo a bengala que Tess lhe dera, e que a perna machucada revelava apenas um leve manquejar a cada passo. – Vejo que seu ferimento já está melhorando.

– Está bem melhor. – Ela o fitou por sobre o ombro. – Na verdade, nem era tão grave assim.

Brock inclinou a cabeça como se concordasse, mas ele se lembrava muito bem da gravidade do ferimento. Se ela estava se curando a um ritmo acelerado, deduziu que as mutações genéticas descobertas por Gideon deviam estar por trás disso.

– Estou feliz que esteja se sentindo melhor – disse, pensando que, provavelmente, ela não precisava de um lembrete sobre a matéria desconhecida inserida dentro de si.

Seu olhar se deteve sobre ele, suavizando-se.

– Obrigada pelo que fez na noite passada, ir atrás de mim e me tirar daquele lugar horrível. Acho que você salvou a minha vida. Sei que salvou, Brock.

– Não foi nada.

Deus, ele esperava que ela jamais ficasse sabendo dos detalhes selvagens com que ele lidara com seus agressores. Ela não estaria agradecendo se o tivesse visto em ação naquela noite, nem se tivesse testemunhado o modo violento com que satisfizera tanto a sua sede quanto a sua fúria naqueles humanos desgraçados. Se soubesse do que ele era capaz, ela, sem dúvida, o enxergaria da mesma maneira que o Antigo que a atacara.

Não sabia por que isso o incomodava tanto. Não queria que ela o igualasse a um monstro, pelo menos não enquanto estivesse encarregado pela Ordem de protegê-la. Ela precisava confiar nele, e, como seu protetor designado, ele tinha que se certificar disso. Tinha um trabalho a fazer, e não estava disposto a perder de vista essa responsabilidade.

Mas sua questão com Jenna ia além disso, ele bem sabia. Só não tinha a mínima intenção de dissecar o assunto agora, nem num futuro próximo.

Observou-a se aproximar da parede coberta de mapas e gráficos que documentava a busca pelas Companheiras de Raça que a Ordem suspeitava que Dragos estivesse mantendo em cativeiro.

– Este trabalho é incrível – murmurou Jenna. – Dylan, Savannah, Renata, Tess... Todas as mulheres que conheci aqui são verdadeiramente incríveis.

– Sim, elas são – concordou Brock. Levantou-se e caminhou até onde estava Jenna. – A Ordem sempre foi uma força a ser respeitada, mas, desde que me juntei a ela, tenho visto nossas forças redobrarem por causa do envolvimento das fêmeas deste complexo.

Ela lhe lançou um olhar que ele considerou difícil de interpretar.

– O que foi?

– Nada. – Um leve sorriso tocou seus lábios quando ela meneou um pouco a cabeça. – Só estou surpresa em ouvir isso. A maioria dos homens com quem tive contato no trabalho, inclusive meu pai e meu irmão, preferiria comer seus distintivos a admitir que era melhor para eles trabalhar em equipe com as mulheres.

– Eu não tenho um distintivo – disse ele, retribuindo o sorriso. – E não sou como a maioria dos homens.

Ela riu de leve, mas não desviou o olhar.

– Não, você não é. E mesmo assim, é um dos poucos aqui que não tem uma Companheira de Raça.

Ele pensou nisso, mais do que apenas um pouco intrigado pelo fato de ela estar curiosa sobre sua vida pessoal.

– Trabalho é uma coisa. Assumir uma companheira com um elo de sangue é outra. É um tipo de situação eterna, e sou alérgico a relacionamentos de longo prazo.

Os olhos inteligentes o avaliaram.

– Por quê?

Seria fácil dar-lhe uma resposta charmosa e sem fundamento, do tipo a que estava acostumado a dar quando Kade e os outros tocavam no assunto de Companheiras de Raça e de envolvimentos sentimentais. Mas ele não poderia olhar para Jenna e ser outra coisa a não ser honesto, não importando como isso mudaria a forma como ela o enxergava.

– Relacionamentos de longo prazo aumentam as chances de eu desapontar alguém. Por isso, me esforço para me manter longe disso.

Ela não disse nada por um ou dois minutos. Apenas o encarou em silêncio, os braços ainda ao seu redor, uma centena de emoções acentuando a cor de seus olhos.

– É, sei o que está querendo dizer – disse, por fim, a voz mal passando de um sussurro rouco. – Sei tudo a respeito de desapontar as pessoas.

– Não tem como eu acreditar nisso. – Ele não conseguia enxergar a mulher capaz e confiante deixando de fazer algo que se dispusera a fazer.

– Pode acreditar – disse ela com seriedade, girando sobre os calcanhares e seguindo para junto da outra parede, onde um punhado de retratos falados fora disposto ao longo de mapas e de anotações. Quando voltou a falar, havia uma casualidade em sua voz que parecia forçada. – Então, essa sua alergia a relacionamentos duradouros é alguma novidade para você, ou sempre evitou compromissos?

Ele teve uma imagem mental instantânea de olhos reluzentes e de uma risada maliciosa e musical que ainda ouvia às vezes, como um fantasma à espreita em suas lembranças.

– Já existiu alguém. Bem... Poderia ter havido alguém. Ela morreu há muitos anos.

A expressão de Jenna ficou sombria de remorso.

– Brock, sinto muito. Não tive a intenção de...

Ele deu de ombros.

– Não precisa se desculpar. Isso foi há um século. – Quase literalmente, ele percebeu, atordoado pelo fato de que tanto tempo havia se passado desde que o seu descuido custara a vida de alguém a quem ele, supostamente, deveria ter protegido.

Jenna voltou a se aproximar e se recostou na beira da mesa ao lado dele.

– O que aconteceu com ela?

– Foi assassinada. Eu trabalhava como guarda-costas no Refúgio Secreto de uma família em Detroit na época. Era minha responsabilidade mantê-la a salvo, mas meti os pés pelas mãos. Ela desapareceu sob a minha vigilância. Seu corpo foi encontrado meses mais tarde, brutalizado a ponto de não ser reconhecido, abandonado num rio.

– Ah, meu Deus... – A voz de Jenna saiu suave, carregada de empatia. – Que horrível.

– É, foi mesmo – disse ele, lembrando-se muito bem do horror do que havia sido feito a ela, antes e depois de ser morta. Três meses na água não deixaram mais fácil de olhar o que lhe haviam feito.

– Sinto muito – repetiu Jenna, esticando uma mão para apoiá-la no músculo saltado do bíceps dele.

Ele tentou ignorar a súbita percepção que surgiu com aquele contato. Mas tentar não perceber sua atração por ela era o mesmo que ordenar ao fogo que não fosse quente. Toque-o e você se queimará. Assim como ele queimava agora, quando relanceou para a mão pálida de Jenna em contraste com a sua pele escura.

Quando ele levantou o olhar para ela, percebeu pela forma sutil com que ela inspirava que seus olhos muito provavelmente estavam iluminados por centelhas cor de âmbar, a transformação traindo seu desejo por ela. Ela engoliu em seco, mas não desviou o olhar.

Que Deus o ajudasse, mas ela tampouco retraiu a mão, nem mesmo quando o seu rugido de macho excitado se formou na base da garganta.

Pensamentos do que acontecera com ela há poucas horas em seu apartamento jorraram como uma onda de lembranças ardentes. Não havia mais do que alguns poucos centímetros entre eles, mesmo agora. Ficou imaginando se Jenna queria que ele a beijasse. Estivera inseguro quanto ao que ela sentia, e com a possibilidade de ela estar sentindo algo parecido com seu próprio desejo. Agora, precisava saber com uma ferocidade que o assustava.

Para ter certeza de que não estava interpretando mal, nem que fosse apenas pela sua sanidade, cobriu a mão dela com a sua. Aproximou-se, postando-se de frente para ela, que ainda estava apoiada na mesa.

Ela não se retraiu. Encarou-o bem nos olhos, confrontando-o, bem como ele esperava que ela fizesse.

– Eu não sei bem como lidar com tudo isto – disse ela com suavidade. – As coisas que têm acontecido comigo desde aquela noite no Alasca... Todas as perguntas que talvez nunca sejam respondidas. Sei lidar com isso. De alguma forma, vou aprender a lidar. Mas você... Isto... – Ela baixou o olhar para as mãos unidas, os dedos entrelaçados. – Não sou boa nisso. Meu marido se foi há quatro anos. Não houve ninguém desde então. Nunca estive pronta para isso. Não quis...

– Jenna. – Brock tocou no seu queixo, erguendo-o com suavidade para fitá-la nos olhos. – Tudo bem se eu te beijar?

Os lábios dela vacilaram num sorriso que ele não resistiu a provar. Inclinou a cabeça e a beijou devagar, para que ela se acostumasse, apesar da intensidade do seu desejo.

Embora ela tivesse confessado estar sem prática, ele jamais teria imaginado isso pela sensualidade dos lábios dela ao encontro dos seus. O beijo, tanto suave quanto direto, dando e recebendo, o incendiou. Ele se aproximou, até se ajustar entre suas pernas, precisando sentir o corpo dela pressionado contra o seu enquanto passava a língua ao longo dos lábios aveludados. Correu as mãos pela lateral de seu corpo, ajudando-a a subir na mesa quando a perna machucada começou a tremer.

O beijo fora um erro. Achara que as coisas terminariam ali – apenas um beijo –, mas, agora que começara, ele simplesmente não sabia como encontraria forças para pôr um fim naquilo.

E, pela sensação dela em seus braços, pelos gemidos e sussurros de prazer enquanto os beijos davam início a algo mais poderoso, teve certeza de que ela também queria mais.

Mas, pelo visto, não poderia estar mais errado.

Foi só quando percebeu a umidade em seu rosto que notou que ela estava chorando.

– Jesus – sibilou, recuando de pronto e sentindo-se um cretino ao ver seu rosto marcado pelas lágrimas. – Desculpe. Se eu te pressionei rápido demais...

Ela balançou a cabeça, visivelmente triste, mas sem conseguir falar nada.

– Diga que eu não te machuquei, Jenna.

– Droga. – Ela inspirou fundo. – Não posso fazer isto. Desculpe, a culpa é minha. Eu nunca deveria ter deixado que você...

As palavras foram interrompidas quando ela o empurrou para longe, desvencilhando-se dele, e correu para o corredor.

Brock ficou ali por um minuto, todo tenso e dolorido, ávido de desejo. Deveria deixá-la ir. Considerar aquilo apenas um desastre evitado por um triz e tirar a tentadora Jenna Darrow da cabeça.

Sim, é exatamente isso o que deveria fazer, e ele sabia muito bem disso.

Mas, quando esse pensamento se formou, ele já estava na metade do corredor, seguindo os sons do choro de Jenna até seu antigo apartamento.


Capítulo 13

Jenna se sentia a maior das covardes, uma fraude absoluta, enquanto fugia pelos corredores, tentando engolir as lágrimas. Deixara Brock pensar que não o queria. Provavelmente o fez acreditar que ele a pressionara de algum modo com aquele beijo, quando quase a derretera numa poça na mesa daquela sala de reuniões. Deixou que ele ficasse se preocupando por ter feito algo errado, que talvez a tivesse magoado, e essa era a coisa mais injusta de todas.

No entanto, não conseguira deixar de fugir, precisando colocar alguma distância entre eles com uma determinação que beirava o desespero. Ele a fazia sentir demais. Coisas para as quais não estava preparada. Coisas que ela necessitava com tamanha profundidade, mas que não merecia.

Por isso fugiu, mais aterrorizada do que nunca e odiando a covardia que a fazia colocar pé ante pé. Quando chegou ao quarto, estava tremendo e sem fôlego, lágrimas ainda descendo pelas faces.

– Jenna.

O som da voz grave atrás dela foi como uma carícia ardente em sua pele. Virou-se de frente, atônita com a velocidade e com o silêncio que o levaram até ali não mais do que um segundo depois dela. Mas, em retrospecto, ele não era humano. Não era um homem de fato – uma coisa da qual ela tinha que se lembrar quando ele estava tão próximo, com todo aquele tamanho, a intensidade do olhar se comunicando com tudo o que era feminino dentro dela.

Sua boca ainda estava inchada pelos beijos dele. Sua pulsação ainda batia descompassada. O calor ainda ardia dentro dela.

E como se soubesse disso, Brock se aproximou ainda mais. Esticou o braço e pegou sua mão, sem dizer nada. Não havia necessidade de palavras. Apesar das lágrimas que começavam a diminuir e do tremor das suas pernas, ela não conseguia esconder o desejo que sentia por ele.

Não resistiu quando ele a trouxe para perto, para o calor do seu corpo. Para o conforto dos seus braços.

– Estou com medo – sussurrou ela. Essas palavras não lhe vinham fáceis, como nunca vieram.

Com o olhar preso ao dela, ele lhe acariciou o rosto.

– Não precisa ter medo de mim. Não vou machucar você, Jenna.

Acreditou nele, mesmo antes de ele inclinar a cabeça e resvalar os lábios num beijo dolorosamente carinhoso. De maneira incrível e impossível, confiava naquele homem que não era um homem. Queria as mãos dele sobre si. Queria sentir aquela conexão de novo com alguém, mesmo que não estivesse pronta para pensar em algo além do físico, do desejo de tocar e de ser tocada.

– Está tudo bem – ele murmurou ao encontro da sua boca. – Está segura comigo, prometo.

Jenna fechou os olhos ao absorver suas palavras, as mesmas que a acalmaram na escuridão do seu chalé no Alasca, e de novo na enfermaria do complexo. Brock fora seu elo com o mundo dos vivos depois da sua provação com o Antigo. Sua única corda de segurança durante os infindáveis pesadelos que se seguiram nos dias depois que ela fora trazida àquele lugar estranho, modificada de tantas maneiras.

E agora...?

Agora ela não sabia muito bem como ele se encaixava na confusão que restara da sua vida. Não estava pronta para pensar nisso. Tampouco estava plenamente segura de estar preparada para as sensações que ele lhe provocava.

Recuou um pouco, a dúvida e a vergonha ainda se avolumando na parte dela que ainda lamentava a perda, a ferida aberta em sua alma que há muito tempo aceitara que jamais se cicatrizaria por completo.

Pressionando a testa no calor da solidez de seu peito, no algodão macio que exalava seu cheiro exótico característico, Jenna inspirou profundamente para se fortalecer. E expirou num suspiro entrecortado.

– Será que eu os amava o suficiente? É o que não paro de me perguntar desde aquela noite em meu chalé...

As mãos fortes de Brock alisaram suas costas, fortes e carregadas de compreensão, dando a calma que ela precisava a fim de reviver aqueles momentos torturosos quando o Antigo a pressionara para que ela decidisse o próprio destino.

– Ele me fez escolher, Brock. Naquela noite em meu chalé, pensei que ele iria me matar, mas não matou. Eu não teria lutado se ele matasse. E ele sabia disso, acho. – Na verdade, ela tinha certeza. Naquela noite em que o Antigo invadira sua casa, ela não estava bem. Ele vira a garrafa de uísque vazia no chão e a pistola carregada em sua mão. A caixa de fotografias que ela pegava todos os anos por volta do aniversário do acidente que lhe roubara a família e que a deixara para viver sozinha. – Ele sabia que eu estava preparada para morrer, mas, em vez de me matar, forçou-me a dizer as palavras, a lhe dizer em voz alta o que eu queria mais: vida ou morte. Foi como uma tortura, algum tipo de jogo doentio que ele me fez jogar contra a minha vontade.

Brock resmungou alguma imprecação incompreensível, mas as mãos continuaram suaves às suas costas, carinhosas, num calor tranquilizador.

– Ele me fez escolher – disse ela, lembrando-se de cada minuto insuportável daquela provação.

Mas, ainda pior do que as horas infindáveis do seu aprisionamento e de vê-lo alimentando-se dela, do que o horror de perceber que seu captor não era uma criatura deste mundo, foi o momento terrível no qual ouviu a própria voz rouca dizer as palavras que pareciam rasgar das profundezas mais íntimas e envergonhadas de sua alma.

Quero viver.

Ai, meu Deus... por favor, deixe-me viver.

Não quero morrer!

Jenna engoliu o nó de angústia que se formara em sua garganta.

– Fico pensando que não os amava o bastante – sussurrou, devastada ante esse pensamento. – Fico pensando que, se os amasse de verdade, teria morrido com eles. Que, quando o Antigo me forçou a escolher se queria ou não viver, eu teria feito uma escolha diferente.

Quando o choro ficou preso em sua garganta, os dedos de Brock resvalaram seu queixo. Ergueram seu rosto para seu olhar solene.

– Você sobreviveu – disse ele, a voz firme, mas com infinito afeto. – Foi só o que fez. Ninguém a culparia por isso, muito menos eles.

Ela fechou os olhos, sentindo o peso do arrependimento diminuir um pouco com as palavras reconfortantes que ouvia. Mas o vazio em seu coração era um lugar frio e oco. Um que se tornou ainda maior quando Brock a tomou nos braços, confortando-a. O calor e a preocupação dele penetraram em sua pele como um bálsamo, acrescentando mais emoção ao desejo que não diminuíra por conta da proximidade do corpo forte. Torceu-se no refúgio que era seu abraço, apoiando o rosto na força sólida e firme que ele era.

– Posso acabar com isso, Jenna. – Ela sentiu a pressão da boca, o fluir da respiração em seus cabelos enquanto ele beijava o topo de sua cabeça. – Posso carregar sua dor por você, se quiser.

Havia uma parte nela que se rebelava contra isso. A mulher forte, a policial experiente, aquela que sempre enfrentava qualquer situação, se retraiu ante a ideia de que seu sofrimento pudesse ser pesado demais para ela mesma suportar. Nunca precisou de ajuda, tampouco se dispôs a pedir, jamais. Esse tipo de fraqueza jamais lhe serviria.

Retraiu-se, a recusa na ponta da língua. Mas quando abriu os lábios para falar, as palavras não surgiram. Fitou o belo rosto de Brock, os olhos penetrantes que pareciam enxergar bem dentro dela.

– Quando foi a última vez que se permitiu ser feliz, Jenna? – Ele afagava seu rosto com tanta suavidade, com tanta reverência, que ela estremeceu sob seu toque. – Quando foi a última vez que sentiu prazer? A mão grande desceu ao longo do pescoço. O calor irradiou da palma ampla e dos dedos longos. Sua pulsação acelerou conforme ele espalmou a nuca, o polegar acariciando o ponto sensível debaixo da orelha.

Então, ele a aproximou de si, inclinando-lhe o rosto para se encontrar com o seu. Beijou-a, lenta e profundamente. A fusão vagarosa da boca dele ao encontro da sua lançou uma corrente de calor líquido em suas veias. O fogo se empoçou em seu centro, seu íntimo se enchendo com um desejo ardente e ávido.

– Se você não quiser isto – murmurou ele ao encontro dos seus lábios –, basta dizer. A qualquer hora, eu paro...

– Não. – Ela balançou a cabeça ao erguer a mão para tocar no maxilar forte. – Eu te quero, mas tanto que isso está me assustando demais.

O sorriso dele se espalhou preguiçosamente, os lábios sensuais se afastando para revelar os dentes brancos e a extensão aumentada das presas. Jenna fitou sua boca, sabendo que os instintos básicos humanos de sobrevivência deviam estar disparando todo tipo de alarme, avisando-a de que aproximar-se demais daqueles caninos seria letal.

Mas ela não sentiu medo. Em vez disso, sua mente reconheceu a transformação dele com um sentimento inexplicável de aceitação. Excitação até, enquanto o castanho absorvente de seus olhos começou a reluzir com uma luz âmbar incandescente.

Acima do colarinho da camiseta cinza e debaixo das mangas curtas que se agarravam aos montes firmes dos bíceps musculosos, os dermaglifos de Brock pulsavam em cores. As marcas da pele do membro da Raça assumiram uma cor mais acentuada do que seu costumeiro tom de bronze, tornando-se mais bordô e dourado, junto com um roxo escuro. Jenna percorreu os dedos ao longo das curvas e arcos dos seus glifos, maravilhando-se com a beleza sobrenatural.

– Tudo o que eu achava que sabia é diferente agora – ponderou em voz alta enquanto permanecia no círculo dos braços dele, distraidamente tracejando os desenhos dos glifos que desciam. – Tudo mudou agora. Eu mudei, de maneiras que nem sei se farão sentido para mim. – Levantou o olhar. – Não estou atrás de mais confusão em minha vida. Não acho que eu seja capaz de lidar com mais isso além de todo o resto.

Ele sustentou o seu olhar, sem julgá-la, revelando apenas paciência e uma aura de controle imperturbável.

– Você está confusa agora, enquanto te toco... ou quando a beijo?

– Não – disse ela, surpresa ao constatar isso. – Nem antes.

– Isso é bom. – Ele se inclinou e clamou sua boca novamente, sugando o lábio inferior, capturando-o entre os dentes ao afagar suas costas, depois espalmando a mão na curva das nádegas. Apertou-a com possessividade, rebocando o corpo eletrizado ao longo da sua ereção. Esfregou o nariz na curva do pescoço, os lábios quentes e úmidos em sua pele. Quando falou de novo, sua voz estava mais grossa do que antes, carregada do mesmo tipo de avidez que a percorria. – Permita-se sentir prazer, Jenna. Se quiser, é só isso o que precisa acontecer entre nós. Sem pressão, sem amarras. Sem promessas que nenhum de nós está pronto para fazer.

Ah, Deus. Parecia tão bom, tão tentador, ceder ao desejo que vinha crescendo entre eles desde que ela despertou no complexo da Ordem. Não estava pronta para abrir o coração novamente, talvez nunca estivesse pronta para essa vulnerabilidade de novo, mas não sabia se era forte o bastante para resistir ao presente que Brock estava lhe oferecendo.

Ele a beijou na base da garganta.

– Está tudo bem, Jenna. Entregue o resto para mim agora. Liberte-se de tudo, exceto disto.

– Sim. – Ela suspirou, sem conseguir refrear um arquejo quando as carícias trafegaram por seu corpo. As mãos fortes e habilidosas lançaram picadas de energia pelas suas veias, o talento sobrenatural sugando todo o peso remanescente de tristeza, de dor e de confusão. A boca ardente e habilidosa deixou apenas sensações e avidez em seu rastro.

Ele beijou uma pequena trilha ao longo do pescoço, depois pelo maxilar, até que seus lábios se encontraram com os dela uma vez mais. Jenna acolheu sua paixão, abrindo-se para ele enquanto a língua passava pelo vale entre seus lábios. Ele gemeu quando ela o sugou para dentro, grunhiu uma aprovação absolutamente masculina enquanto ela passava os dedos ao redor da sua cabeça, segurando-o com mais firmeza ao encontro da sua boca.

Deus, ela não fazia ideia de quanto necessitava do toque de um homem. Ficara tempo demais sem aquela intimidade, forçosamente se privando do contato sexual e daquele tipo de relaxamento. Por quatro anos, convencera-se de que não queria nem precisava daquilo, apenas mais um castigo autoimposto pela grave ofensa de ter sobrevivido ao acidente que matara seus entes queridos.

Acreditara-se imune ao desejo; no entanto, ali com Brock, todas aquelas barreiras antes impenetráveis estavam sendo derrubadas, caindo ao seu redor como se não fossem mais do que folhas secas. Ela não conseguia sentir culpa pelo prazer que ele estava lhe proporcionando. Não havia como saber se pela habilidade de Brock de absorver a sua angústia ou pelo desejo reprimido. Só o que ela conhecia era a intensidade crescente das reações do seu corpo ao dele, uma onda de prazer e de antecipação que a deixava sem ar e querendo ainda mais.

As mãos grandes passaram para os ombros, depois começaram sua viagem para os seios. Através do algodão fino da camisa dela, os mamilos endureceram, ficando rijos e doloridos, vivos com sensações a cada carícia aplicada. Jenna gemeu, querendo mais dos toques dele. Capturou sua mão e a guiou por baixo da bainha larga da camisa. Ele não precisou de mais orientações. Em menos de um segundo, soltou o fecho do sutiã e cobriu a pele nua com a palma quente. Brincou com o botão duro ao acariciá-la.

– Melhor assim? – murmurou ele, logo abaixo da orelha. – Diga se está gostando.

– Deus... Sim! – Era tão bom que ela mal conseguia formar palavras.

Jenna sibilou de prazer, jogando a cabeça para trás enquanto uma sensação espiralada se contraía em seu íntimo. Ele continuou tocando-a, beijando-a e acariciando-a, enquanto lentamente tirava sua camisa. Fez o mesmo com o sutiã aberto, deslizando as alças finas pelos ombros, escorregando-as pelos braços. De repente, ela estava nua da cintura para cima diante dele. O instinto de se cobrir – de esconder as cicatrizes que cruzavam seu tronco por causa do acidente, e aquela no abdômen que era um lembrete diário do difícil trabalho de parto de Libby – surgiu de leve, mas apenas por um instante.

Só pelo tempo que demorou para erguer a cabeça e se deparar com o olhar de Brock.

– Você é linda – disse ele, pegando-lhe as mãos com suavidade e afastando-as do corpo antes que ela tivesse a oportunidade de se sentir envergonhada pelo elogio dele ou pela sua observação franca.

Nunca se sentira especialmente bela. Confiante e capaz, bem fisicamente e forte. Essas palavras ela entendia e aceitava. Palavras que a acompanharam em boa parte dos seus trinta e três anos de vida, mesmo durante o casamento. Mas linda? Era-lhe tão estranha quanto o idioma desconhecido que se ouvira falar no vídeo na enfermaria no dia anterior.

Brock, este sim, era lindo. Ainda que parecesse uma palavra esquisita para descrever a sombria força da natureza que estava diante dela.

Cada mancha castanha dos olhos dele sumira, devorada pelo brilho âmbar que aquecia suas faces como uma chama viva. As pupilas afinaram parecendo fendas, e as faces magras agora estavam mais angulares, a pele escura imaculada esticada por sobre os ossos, ressaltando a aparência atordoante das presas longas e afiadas.

Aqueles olhos ardentes prenderam os seus, enquanto ele tirava a camiseta e a deixava cair no chão ao lado dela. O peito era incrível, uma parede maciça de músculos bem torneados cobertos por um desenho intricado de glifos pulsantes. Ela não resistiu ao desejo de tocar a pele lisa, só para ver se era tão sedosa sob seus dedos quanto lhe parecia ao olhar. Era ainda mais macia do que imaginara, mas a força absoluta e sobrenatural abaixo dela era inconfundível.

Brock lhe parecia tão letal quanto fora ao salvá-la na cidade, a não ser, talvez, pela ira gélida que emanara dele como em ondas aquela noite, pois agora ele vibrava com algo igualmente agressivo e intenso: desejo. Todo centrado nela.

– Você está... Maldição, Jenna – ele disse rouco, tracejando a linha do seu ombro, depois circundando a ponta rósea do seu seio. – Você não faz ideia de quanto é adorável, faz?

Ela não respondeu, nem saberia como. Em vez disso, aproximou-se e puxou a boca dele para a sua para mais um beijo ardente. Pele contra pele, os seios esmagados contra os músculos firmes do peito dele, Jenna quase entrou em combustão de tanto desejo. Seu coração batia forte, a respiração acelerada, enquanto Brock abaixava a mão e descia o zíper de seus jeans. Ela mordeu os lábios quando ele deslizou as mãos entre a cintura da calça e a pele dos seus quadris, depois fez descer os jeans por sobre a calcinha branca. Ele se afundou sobre os calcanhares, acompanhando a descida dos jeans com as mãos.

Tomou cuidado perto do ferimento a bala, a fim de não mexer no curativo que envolvia a coxa.

– Tudo bem? – perguntou, erguendo o olhar para ela, a voz grave tão rouca que ela mal a reconheceu. – Se houver dor, posso cuidar dela.

Jenna balançou a cabeça.

– Não está doendo. Está tudo bem, mesmo.

Os olhos reluzentes âmbar se fecharam baixando os cílios ao voltar para a tarefa que tinha em mãos. Com os jeans removidos, ele se apoiou nos calcanhares e olhou para ela, deslizando as mãos para cima e para baixo na extensão das suas pernas.

– Tão, tão linda – ele a elogiou, depois inclinou a cabeça e pressionou os lábios no triângulo de algodão branco entre as coxas, a única peça de roupa que a cobria agora.

Jenna expeliu um suspiro trêmulo quando ele prendeu o tecido entre os dentes e as presas. Com o olhar carregado de propósito, fitou-a, as mãos ainda acariciando as pernas, e puxou a peça antes de soltá-la, deixando voltar ao seu lugar, cobrindo a pele aquecida. Ele a seguiu com a boca, beijando-a de novo, com mais determinação agora, afastando o irrisório pedaço de pano e esfregando o rosto ainda mais na fenda úmida do seu sexo.

As mãos a seguravam pelas nádegas enquanto ele a explorava com os lábios e a língua e o resvalar erótico dos dentes na pele úmida do seu centro. Despiu-a da calcinha, depois afastou as coxas e a sugou novamente. Levou uma mão até o meio das pernas, acrescentando o toque dos dedos à habilidade enlouquecedora da boca. Jenna estremeceu, perdida em sensações e a pouco menos do que uma inspiração de desfalecer.

– Céus – arfou ela, tremendo quando ele sondou suas dobras com a ponta do dedo, penetrando-a apenas de leve, enquanto seus beijos a deixavam cada vez mais tensa. Moveu-se na direção dele, inundada pelo calor. – Meu Deus... Brock, não pare.

Ele gemeu ao encontro da umidade dela, um longo ronronar de evidente apreciação masculina que vibrou em seus ossos e músculos até seu cerne aquecido. O clímax de Jenna a atravessou tal qual uma tempestade. Estremeceu com a sua força, exclamando quando o prazer a assolou e a fez subir aos céus. Quase se desfez, a sensação pairando quase como poeira estelar enquanto ela espiralava mais e mais alto, com tremores de puro deleite trespassando-a, um após o outro.

Sentia-se sem ossos ao flutuar de volta à realidade. Sem ossos e exausta, apesar de seu corpo ainda estar vibrando, repleto de sensações. E Brock ainda a beijava. Ainda a afagava com os dedos, arrancando cada um dos tremores restantes enquanto ela se agarrava aos ombros largos e arfava com o prazer dos tremores.

– Acho que eu estava precisando disso – sussurrou, estremecendo quando o riso baixo dele ecoou em sua pele ainda sensível. Ele a beijou no interno da coxa, mordiscando de leve, e suas pernas vacilaram um pouco sob o próprio peso. Ela se deixou cair para a frente, envolvendo Brock pelas costas. – Ah, meu Deus. Eu não imaginava o quanto precisava disso.

– O prazer foi meu – ele disse, rouco. – E ainda não terminei. – Mudou de posição debaixo dela, passando o braço ao seu redor e acomodando-a sobre o ombro. – Segure firme em mim.

Ela não teve escolha. Antes de entender o que ele pretendia, ele já se levantava. Carregou-a como um peso morto sobre um ombro e se pôs de pé, como se ela não passasse de um fardo de penas. Jenna se segurou como ele lhe dissera, sem deixar de admirar a força absoluta com que ele caminhava até o quarto adjacente. Vestindo apenas os jeans, os músculos das costas se flexionavam e contraíam debaixo da pele lisa a cada longa passada, um concerto perfeito de boa forma e talhe.

Não havia dúvidas, ele era lindo.

E seu corpo já eletrizado zunia com calor renovado quando ela percebeu que ele a carregava direto para a imensa cama king size.

Ele afastou a colcha e o lençol, depois a depositou na beira do colchão. Jenna observou com desejo crescente enquanto ele desabotoava os jeans e os retirava. Ele não estava usando nada por baixo. Glifos elaborados tracejavam a cintura estreita e o quadril, descendo pelas pernas vigorosas. As cores pulsavam e se transformavam, atraindo seu olhar por um breve instante da ereção evidente, que estava rija e imensa enquanto ele apenas observava enquanto ela o avaliava dos pés à cabeça.

Jenna engoliu com a boca seca quando ele se aproximou dela, devastador em toda a sua nudez. O olhar reluzente ainda mais brilhante, as presas ainda mais alongadas.

Ele parou perto da cama, crispando a testa quando ela se deteve no seu olhar transfigurado.

– Está com medo de mim... deste jeito?

Ela só balançou a cabeça de leve.

– Não, não estou com medo.

– Se estiver preocupada com relação a uma possível gravidez...

Ela voltou a balançar a cabeça.

– Meus danos internos no acidente cuidaram disso. Não posso engravidar. De toda forma, pelo que soube, DNA humano e da Raça não se misturam.

– Não – confirmou ele. – E em relação a quaisquer outras preocupações que possa ter, está segura comigo. Não existem doenças nos da minha espécie.

Jenna assentiu.

– Confio em você, Brock.

O crispar da testa dele diminuiu, mas ele permaneceu imóvel.

– Se não tiver certeza, se não é isso o que você quer, então o que lhe disse antes ainda vale. Podemos parar a qualquer instante. – Ele riu baixinho. – Acho que isso pode acabar comigo agora, já que está toda sensual na minha cama, mas eu paro. Que Deus me ajude, mas eu paro.

Ela sorriu, emocionada por alguém tão poderoso demonstrar tamanha honra e humildade. Ela afastou o lençol e abriu espaço para ele ao seu lado.

– Não quero parar.

A boca dele se abriu num sorriso amplo. Com um grunhido, foi em frente e sentou na cama ao seu lado. A princípio, apenas se tocaram e se acariciaram, beijando-se com suavidade, aprendendo mais sobre seus corpos. Brock foi paciente, apesar de a tensão em seu corpo revelar que ele estava se torturando por se refrear. Foi atencioso e carinhoso, tratando-a como uma amante querida, apesar de terem concordado de antemão que aquilo entre eles jamais seria outra coisa além de algo casual, sem amarras.

Para Jenna, parecia incrível que um homem que ela mal conhecia – aquele macho da Raça que tinha todo o direito de assustá-la – pudesse lhe parecer tão familiar, tão íntimo. Brock, porém, dificilmente era um estranho. Ele estivera ao seu lado em meio ao seu pesadelo pessoal, e de novo nos dias de sua recuperação ali no complexo. E a procurara naquela noite em que estivera sozinha e ferida na cidade, um improvável salvador sombrio.

– Por que fez aquilo? – perguntou baixinho, os dedos percorrendo os dermaglifos que se curvavam pelos ombros e desciam pelo peito. – Por que ficou comigo no Alasca e depois todos aqueles dias na enfermaria?

Ele ficou em silêncio por um momento, as sobrancelhas escuras unidas sobre o olhar reluzente.

– Odiei ver o que aconteceu com você. Você era apenas uma inocente que se viu em meio a um tiroteio. Você é humana. Não merecia ser arrastada para o meio da nossa guerra.

– Já sou uma garota crescida. Sei lidar com isso – disse, uma resposta automática que não sentia verdadeiramente. Ainda mais depois dos resultados perturbadores dos seus exames de sangue. – E quanto a agora? O que estamos fazendo aqui, quero dizer... Isto faz parte do seu programa “seja legal com a humana” também?

– Não. Claro que não. – A carranca dele se acentuou a ponto de mostrar raiva. – Acha que isso é pena? É isso o que você acha que é? – Ele inspirou fundo, revelando as pontas das presas ao rolá-la de costas e ficar sentado em cima dela. – Para o caso de não ter percebido, estou excitado pra caramba por você. Se me excitar mais, acabo explodindo.

Para provar seu ponto de vista, ele deu uma estocada nada sutil com o quadril, acomodando-se entre as dobras úmidas de seu sexo. Ele bombeou algumas vezes, fazendo a rigidez do membro entrar e sair da fenda dela, atiçando-a com o calor da sua excitação. Passou o braço por trás do joelho dela, levantando-lhe a perna até seu ombro, virou o rosto para a coxa e deu-lhe uma mordiscada.

– Isto é desejo puro e simples, nada de piedade – disse, sua voz rouca ao penetrá-la, longa e profundamente.

Jenna não conseguiria formular uma resposta mesmo que tentasse. A sensação atordoante de tê-lo preenchendo-a, estendendo-a cada vez mais a cada estocada, era tão sobrepujante que lhe roubou o fôlego. Ela se segurou a ele com as duas mãos enquanto ele lhe capturou a boca num beijo ardente, balançando acima dela, o corpo se movimentando num ritmo exigente.

A crista de um novo clímax já se formava dentro dela, e não conseguiu contê-lo. Sentiu o calor do próprio sangue nas veias, a pulsação imperiosa de Brock também, reverberando sob seus dedos e em cada terminação nervosa. Seus ouvidos estavam tomados pelo som do seu grito silencioso de libertação, pela fricção dos corpos unidos se retorcendo sobre os lençóis. O cheiro do sexo e do sabonete e do suor limpo na pele quente a intoxicaram. O sabor dos beijos ardentes de Brock em seus lábios só a fazia desejar outros mais.

Ela tinha fome, de uma maneira inexplicável.

Tinha fome dele, tão profunda que parecia retorcê-la de dentro para fora.

Queria saboreá-lo. Saborear o poder que ele era.

Arfando após o clímax, afastou-se da boca dele. Ele praguejou algo sombrio sob o fôlego, as investidas cada vez mais intensas, as veias e os tendões saltando no pescoço e nos ombros como cabos espessos elevando-se da pele.

Segurando-se a ele, Jenna deixou a cabeça pender por um momento, tentando se perder no ritmo dos corpos. Tentando não pensar na dor que corroía suas entranhas, no impulso confuso, porém irresistível que atraía seu olhar para o pescoço forte. Para as veias saltadas que pulsavam como tambores de guerra aos seus ouvidos.

Pressionou o rosto na coluna forte do pescoço dele e percorreu a língua no ponto pulsante que encontrou ali. Ele gemeu, um som prazeroso que só servia como combustível para o fogo que ainda queimava dentro dela. Ela se aventurou um pouco mais, cerrando os dentes sobre a pele dele. Brock grunhiu uma imprecação, e ela mordeu com um pouco mais de força, sentindo a onda de tensão que atravessou todo o corpo dele, que estava no limiar agora, os braços como granito ao redor dela, cada estocada dos quadris ficando mais intensa.

Jenna cravou os dentes com mais força na pele suave.

Mordeu até ele ficar louco de paixão...

Até ela sentir o sabor da primeira gota de sangue na língua.

 

 

CONTINUA

Capítulo 8

– Espero que todas estejam com fome – disse Alex, passando pelas portas vaivém da cozinha da mansão, com uma tigela grande de frutas frescas cortadas numa mão e um cesto de biscoitos com ervas aromáticas quentinhos na outra.

Depositou ambos na mesa da sala de jantar diante de Jenna e Tess, que foram instruídas por Alex e as outras mulheres do complexo para que se sentassem e se servissem do café da manhã.

– Como está se sentindo, Jen? – perguntou Alex. – Precisa de alguma coisa? Se quiser erguer a perna, posso pegar um banquinho na outra sala.

Jenna meneou a cabeça.

– Estou bem. – Sua perna estava bem melhor desde a cirurgia da noite anterior, e ela não sentia muitas dores. Só por causa da insistência de Tess é que estava usando uma bengala para se movimentar. – Não precisa ficar me mimando.

– Essa é a minha melhor amiga, a policial do interior – disse Alex, revirando os olhos na direção de Tess e virando a mão num sinal de pouco caso. – Só um machucadinho a bala, não precisam se preocupar...

Jenna caçoou.

– Comparado com a semana que tive, um buraco a bala na coxa é a menor das minhas preocupações.

Ela não estava querendo solidariedade, apenas declarando um fato.

A mão de Tess pousou com suavidade em seu pulso, assustando-a com seu calor e a preocupação genuína no olhar.

– Nenhuma de nós pode fingir saber aquilo pelo que você passou, Jenna, mas espero que entenda que estamos aqui para cuidar de você agora. Você está entre amigas, todas nós.

Jenna resistiu ao efeito de consolo que as palavras de Tess exerciam sobre ela. Não queria se sentir relaxada naquele lugar, entre Alex e aquelas desconhecidas aparentemente gentis.

Nem com Brock.

Muito menos com ele.

Sua mente ainda estava confusa com o resgate inesperado na cidade. Fora um erro sair como havia saído, despreparada e afetada emocionalmente. Não fazia tanto tempo assim que se desligara da polícia para não se lembrar que o melhor modo de se ver em apuros era fugir despreparada em território desconhecido. Só o que reconheceu naquele meio segundo antes de sair do complexo foi o desespero em fugir da sua nova e sombria realidade.

Cometera um clássico erro de julgamento de principiante, incitado pela emoção, e acabara necessitando de resgate para voltar à segurança. Que o seu resgate tivesse surgido na forma de um vampiro formidável e aterrorizante era algo que ela não sabia se um dia conseguiria compreender.

No fundo, sabia que Brock salvara sua vida na noite anterior. Uma parte sua desejava que ele não o tivesse feito. Não queria ficar devendo nada a ele. Não gostava de dever a ninguém, muito menos a um homem que nem podia ser classificado como humano.

Deus, que reviravolta em sua vida...

Com seus pensamentos cada vez mais sombrios, Jenna afastou a mão da de Tess e se recostou na cadeira.

Tess não a pressionou a falar, simplesmente se inclinou sobre a mesa e inspirou um pouco da fragrância que emanava dos biscoitos.

– Hummm – gemeu, o braço fino amparando a curva do ventre arredondado. – É a receita de cheddar e manjericão da Dylan?

– Atendendo a pedidos – respondeu Alex vivamente. – E há mais de onde isso veio, incluindo as incríveis torradas francesas com crème brûlée de Savannah. Falando nelas, é melhor eu ir buscá-las para o banquete.

Enquanto Alex virava e desaparecia novamente na cozinha, Tess lançou um olhar furtivo para Jenna.

– Você ainda não viveu se não provou os biscoitos de Dylan e as torradas de Savannah. Confie em mim, são o paraíso.

Jenna sorriu com educação.

– Tudo me parece muito bom. Nunca fui muito de cozinhar. Minha tentativa de sucesso na cozinha é uma omelete de carne de alce com queijo suíço, espinafre e batatas.

– Carne de alce? – Tess gargalhou. – Bem, posso lhe garantir que nenhuma de nós já experimentou algo parecido. Talvez você possa preparar para nós um dia desses.

– Quem sabe? – disse Jenna sem se comprometer, levantando os ombros.

Se não fosse pela incômoda matéria desconhecida encravada em sua coluna, e agora pelo tiro que a manteria ali sabe lá Deus por quanto tempo, ela já teria ido embora. Não sabia quanto tempo ainda a fariam ficar ali, mas assim que conseguisse sair andando, já era. Não se importava com o que a Ordem precisava saber; não tinha nenhuma intenção de ficar por perto para ser o ratinho de laboratório deles.

Ainda era estranho demais pensar que estava ali com elas, num quartel-general secreto habitado por uma equipe de vampiros guerreiros e por mulheres aparentemente sãs e agradáveis que pareciam felizes e à vontade entre eles.

O surrealismo da coisa toda se intensificou quando Alex e o restante das mulheres da Ordem – cinco lindas jovens e a menina loira chamada Mira – saíram da cozinha com o restante do café da manhã. Conversavam amigavelmente, relaxadas na companhia uma da outra como se tivessem estado juntas a vida inteira.

Formavam uma família, inclusive Alex, apesar de ela ter chegado ali apenas uma semana antes, assim como Jenna.

Um ritmo descontraído se fez na sala de jantar, enquanto pratos com bordas douradas eram passados adiante e completados com todo tipo de comida deliciosa. Taças de cristal eram enchidas com suco até a borda, e delicadas xícaras de porcelana logo se encheram com fragrante café torrado e coado.

Jenna observava tudo em silêncio enquanto a refeição prosseguia. Xarope de bordo aquecido e bolinhas de manteiga rodavam pela mesa, parando por mais tempo com a pequena Mira, que encharcou sua torrada com aquela doçura e cobriu os biscoitos com manteiga como se aquilo fosse cobertura. Mira engoliu um em duas mordidas grandes, depois atacou o resto da refeição com muita vontade.

Jenna sorriu sem querer ante o apetite voraz da menina, sentindo uma pontada de melancolia, senão culpa, quando pensou na filha. Libby sempre fora uma menina cuidadosa, disciplinada e séria, mesmo quando pequena.

Deus, o que não daria para poder ver Libby degustando algo tão simples quanto um café da manhã à sua frente na mesa?

Com os dedos melados, Mira pegou o copo de suco de laranja e sorveu um gole grande. Suspirou de contentamento ao apoiar o copo novamente num baque.

– Pode me passar o chantilly para eu pôr nos pêssegos? – perguntou, cravejando Jenna com seus misteriosos olhos violeta.

Por um instante, Jenna se sentiu capturada por aquele olhar. Dispensou a sensação e pegou a tigela que estava no meio do caminho entre ela e Mira do outro lado.

– Pode, por favor, me passar o chantilly? – Renata a corrigiu de seu lugar à direita da menina. A morena lançou-lhe uma piscadela decididamente maternal e carinhosa ao interceptar a tigela que Jenna segurava.

– Pode, por favor – Mira se corrigiu, não parecendo nem um pouco admoestada.

Jenna cortou um pedaço da torrada e a colocou na boca. Era exatamente o que Tess havia prometido, paradisíaca. Mal conseguiu refrear um gemido alto ao se deleitar com o sabor cremoso de baunilha.

– Gostou? – perguntou Savannah, que estava sentada em uma das cabeceiras da longa mesa de jantar.

– É deliciosa – murmurou Jenna, as papilas gustativas ainda vibrando de êxtase. Lançou um breve olhar, abarcando todas ali reunidas. – Obrigada por me deixarem partilhar disto com vocês. Nunca vi tanta comida junta em minha vida.

– Achou que a deixaríamos morrer de fome? – perguntou Gabrielle da outra cabeceira. Seu sorriso era acolhedor e amigável.

– Não sei bem o que pensei – respondeu Jenna, com honestidade. – Sendo bem franca, acho que ainda não processei tudo isso muito bem.

Gabrielle inclinou a cabeça num leve assentimento, parecendo sábia e serena, ainda que, sem dúvida, devesse ser mais jovem do que Jenna e seus trinta e três anos.

– Isso é compreensível. Você sofreu muito, e a sua situação é sem igual para todos nós.

– A minha situação – Jenna repetiu, refletindo enquanto mexia um pedaço de pão molhado em xarope de bordo em seu prato. – Está falando do objeto não identificado que está alojado na base do meu crânio?

– É, isso – concordou Gabrielle, com um tom gentil na voz. – E o fato de que você teve sorte de escapar do ataque do Antigo com vida. O simples fato de ele ter se alimentado de você e tenha permitido que você vivesse é...

– Inédito – sugeriu a mulher sentada com Gabrielle. Ela tinha cabelos ruivos e o belo rosto salpicado por sardas. – Se soubesse do que ele é capaz, se você tivesse noção do que aconteceu com tantas outras... – A voz se perdeu, um leve estremecimento fazendo o garfo em sua mão tremer. – É um milagre que você esteja viva, Jenna.

– Dylan tem razão – concordou Tess. – Há mais ou menos um ano, quando a Ordem descobriu que o Antigo havia sido despertado, temos tentado localizá-lo e a Dragos, o filho da mãe responsável por trazer de volta ao mundo esse tipo de perigo.

– Não sei qual dos dois é pior – Renata interveio. – O Antigo clamou muitas vidas inocentes, mas é Dragos, o neto sádico do Antigo, quem vem dando as ordens.

– Está dizendo que aquela criatura tem descendentes? – Jenna perguntou, sem conter sua repulsa.

Gabrielle sorveu um gole de café, depois, com cuidado, voltou a depositar a xícara no pires.

– Aquela criatura e outros tantos como ele deram início à Raça na Terra.

– Na Terra? – Jenna exclamou com uma risada descrente. – Está se referido a alienígenas agora? Aquele vampiro que me atacou...

– Não era deste mundo – Savannah concluiu por ela. – É verdade. Não é mais difícil de acreditar do que a existência dos próprios vampiros, se quer saber a minha opinião, mas é a mais pura verdade. Os Antigos estupraram e dominaram depois que aterrissaram aqui há milhares de anos. Com o passar do tempo, algumas das suas vítimas engravidaram com o que se tornaria a primeira geração da Raça.

– Isso faz algum sentido para vocês? – Jenna perguntou, ainda incrédula. Relanceou para Alex, ao seu lado. – Você também acredita nisso?

Alex concordou.

– Depois de conhecer Kade e todos os demais aqui no complexo, como posso não acreditar? Também vi o Antigo com meus próprios olhos, momentos antes de ele ser morto nos despenhadeiros fora de Harmony.

– E quanto a esse outro... Dragos? – perguntou Jenna, curiosa, sem querer, em fazer com que todas as peças desse incrível quebra-cabeça se juntassem se algum modo. – Onde ele entra?

Dylan foi a primeira a falar.

– Ao que parece, Dragos despertou o Antigo muito antes do que supúnhamos. Décadas antes, de fato. Ele o manteve escondido e o usou para criar uma nova leva de Primeira Geração, os membros mais fortes da Raça, visto que são descendentes diretos da linhagem do Antigo e não geneticamente diluídos, como as gerações posteriores.

– Dragos vem criando um exército pessoal dos mais poderosos, dos mais letais membros da espécie – acrescentou Renata. – São criados supervisionados, treinados para serem assassinos impiedosos. Assassinos particulares de Dragos, a quem ele convoca sempre que necessário para os seus desígnios.

Gabrielle assentiu.

– Para criar essa geração, Dragos também precisou de um estoque de mulheres férteis para engravidar do Antigo.

– As Companheiras de Raça – disse Alex.

Jenna olhou para ela.

– E o que são elas?

– Mulheres nascidas com um DNA e características sanguíneas distintas que as tornam capazes de partilhar um elo de sangue vitalício com os membros da Raça e de reproduzir seus filhos – disse Tess, a mão distraída acariciando o ventre distendido. – Mulheres como nós ao redor desta mesa.

O choque e o horror contraíram o íntimo de Jenna.

– Está dizendo que eu...

– Não – disse Tess, balançando a cabeça. – Você é mortal, não é uma Companheira de Raça. O seu hemograma é normal e você não tem a marca que o resto de nós tem.

Ante a confusão estampada no rosto dela, Tess mostrou a mão, que trazia uma marca rubra entre o polegar e o indicador. Era uma minúscula lua crescente com o que parecia uma gota de lágrima caindo em seu centro.

– Todas vocês têm essa tatuagem?

– Não é uma tatuagem – disse Alex. – É uma marca de nascença, Jenna. Todas as Companheiras de Raça têm uma em algum lugar do corpo. A minha está no quadril.

– Não existem muitas de nós no mundo – explicou Savannah. – A Raça considera as Companheiras de Sangue sagradas, mas Dragos não. Ele vem juntando essas mulheres há anos, mantendo-as em cativeiro; deduzimos que com o único propósito de gerarem os assassinos de Primeira Geração. Muitas delas foram mortas, seja por Dragos ou pelo Antigo.

– Como sabem disso? – Jenna perguntou, horrorizada pelo que ouvia.

Na outra ponta da mesa, Dylan pigarreou.

– Eu as vi. As mortas, quero dizer.

A parte policial de Jenna ficou alerta.

– Se vocês têm cadáveres, então têm provas e motivo para entregar esse cretino, Dragos, para as autoridades.

Dylan meneava a cabeça.

– Não vi os corpos. Vi as mortas. Elas... aparecem às vezes. Às vezes falam comigo.

Jenna não sabia se gargalhava ou se deixava a cabeça cair, derrotada.

– Você vê pessoas mortas?

– Toda Companheira de Raça tem uma habilidade ou talento próprio que a torna peculiar de algum modo – explicou Tess. – Para Dylan, é esse dom de se conectar com as outras Companheiras de Raça que já morreram.

Renata se inclinou para a frente, apoiando os antebraços na mesa.

– Através do dom de Dylan, sabemos com certeza que Dragos é o responsável pela morte de inúmeras Companheiras de Raça. E por meio de outra amiga da Ordem, Claire Reichen, cujo talento nos levou a localizar a base de operações de Dragos há alguns meses, sabemos que ele ainda mantém muitas mais. Desde então, a operação de Dragos se escondeu no submundo. Agora a principal missão da Ordem, além de acabar com o maldito o mais rápido possível, é encontrar o quartel-general dele e libertar as suas vítimas.

– Temos ajudado como podemos, mas é muito difícil localizar um alvo móvel – disse Dylan. – Podemos procurar os relatórios das pessoas desaparecidas, procurando por rostos que eu reconheça. E, durante o dia, vasculhamos abrigos para mulheres, orfanatos, albergues... qualquer lugar que possa nos levar às jovens desaparecidas.

Renata assentiu.

– Particularmente aquelas com habilidades extrassensoriais ou outras competências que possam indicar uma Companheira de Raça em potencial.

– Fazemos o que podemos – disse Gabrielle. – Mas ainda não tivemos muita sorte. É como se estivesse nos faltando a chave para desvendar tudo isso e, até a encontrarmos, parece que só ficamos dando voltas.

– Ei, espere um instante – disse Jenna, seu lado policial enferrujado compreendendo a frustração de seguir pistas infrutíferas. – A persistência costuma ser o melhor aliado de um investigador.

– Pelo menos não temos mais que nos preocupar com o Antigo – disse Savannah. – Essa é uma batalha a menos para enfrentar.

Ao redor da mesa de café da manhã, um coro de vozes concordantes ecoou essa declaração.

– Por que o Antigo deixou que você vivesse, Jenna?

A pergunta foi feita por Elise, uma loira baixinha de cabelos curtos do outro lado de Tess. A discreta do grupo, que se parecia com uma flor delicada, mas com um olhar franco e decidido de uma guerreira. Ela, provavelmente, devia precisar dessa força interior, levando-se em consideração a companhia que ela e as demais mulheres naquele complexo tinham.

Jenna baixou o olhar para o prato e refletiu sobre sua resposta. Demorou um tempo para encontrar as palavras.

– Ele me fez escolher.

– O que quer dizer com isso? – disse Savannah, com a testa se franzindo numa pergunta.

O que você decide, Jenna Tucker-Darrow?

Vida... ou morte?

Jenna sentiu todos os olhos cravados nela naquele silêncio. Forçando-se a enfrentar as perguntas não proferidas que pairavam no ar, ela ergueu o olhar. Empinou o queixo e falou sucinta e rapidamente:

– Eu queria morrer. É o que eu teria preferido, ainda mais naquele momento. Ele sabia disso, tenho certeza. Mas, por algum motivo, pareceu querer brincar comigo, então me fez decidir se eu queria ou não morrer naquela noite.

– Puxa, Jen, que horrível... – A voz de Alex se mostrou emocionada. Seu braço a envolveu pelos ombros num gesto de amparo. – Filho da puta cruel.

– Então – continuou Elise –, você disse ao Antigo que a deixasse viver e ele concordou... Simples assim?

Lembrando o momento com vívida clareza agora, Jenna balançou a cabeça com vigor.

– Eu lhe disse que queria viver, e a última coisa de que lembro é dele fazendo um corte no braço e retirando aquela coisa, aquela coisa minúscula que só Deus sabe o que é, e que agora está dentro de mim.

Ela sentiu, mais do que viu, a sutil troca de olhares ao redor da mesa.

– Acham que isso tem alguma significância? – perguntou, dirigindo a pergunta ao grupo como um todo. Tentou abafar a pontada repentina de medo que reverberou em seu peito. – Acham que o fato de ele ter colocado aquela coisa dentro de mim tem alguma importância em eu viver ou morrer?

Alex segurou a mão dela num gesto tranquilizador, mas foi Tess quem falou antes das outras.

– Talvez Gideon possa fazer outros testes para nos ajudar a descobrir isso.

Jenna engoliu em seco, depois assentiu.

Seu prato de comida permaneceu intocado pelo restante da refeição.

Num canto escurecido de um quarto num hotel luxuoso em Boston, onde cortinas pesadas impediam a passagem do menor dos raios solares da manhã, o macho da Raça chamado Dragos estava acomodado numa poltrona acolchoada em seda e tamborilava as unhas da mão na mesinha lateral de mogno. Atrasos o deixavam impaciente, e a impaciência o tornava letal.

– Se ele não chegar nos próximos sessenta segundos, um de vocês terá que matá-lo – disse para o par de assassinos de Primeira Geração que o flanqueavam como Cérberos musculosos de dois metros de altura.

Assim que terminou de falar, no corredor do lado de fora da suíte presidencial, o elevador privativo emitiu uma campainha eletrônica, anunciando a chegada do convidado. Dragos não se moveu de seu canto no quarto, aguardando em silêncio irritado enquanto outro dos seus guardas pessoais criados acompanhava o macho da Raça civil – um tenente na operação secreta de Dragos – até a suíte para a sua reunião particular.

O vampiro teve o bom senso de inclinar a cabeça no instante em que seu olhar recaiu sobre Dragos.

– Mil perdões por mantê-lo esperando, senhor. A cidade está tomada pelos humanos. Pessoas fazendo compras de Natal e turistas – disse ele, o desdém revelado em cada uma das sílabas bem pronunciadas. Tirou as luvas e as colocou nos bolsos do casaco de caxemira. – O meu motorista teve que dar uma dúzia de voltas no hotel antes de conseguirmos nos aproximar da entrada de serviço no andar subterrâneo.

Dragos continuou tamborilando os dedos na mesinha.

– Algo errado com a entrada principal?

Seu tenente, pertencente à segunda geração da Raça, assim como Dragos, empalideceu visivelmente.

– Estamos em pleno dia, senhor. Com toda essa claridade, eu me incineraria em questão de minutos.

Dragos apenas o fitou, nem um pouco incomodado. Também não estava satisfeito com o local inconveniente daquele encontro. Preferiria muito mais o conforto e a segurança da sua residência. Mas isso já não era mais possível. Não depois que a Ordem interferiu em sua operação e o obrigou a buscar refúgio.

Temendo ser descoberto, ele não permitia mais que qualquer um dos seus associados civis soubesse onde seu quartel-general ficava. Como precaução adicional, nenhum deles conhecia a localização das suas propriedades nem da sua equipe. Ele não podia correr o risco de que seus tenentes caíssem no poder da Ordem e o acabassem comprometendo na esperança de que Lucan os poupasse de sua ira.

Só de pensar em Lucan Thorne e nos seus guerreiros, ele ficava com um gosto amargo na boca. Tudo pelo que tanto trabalhara, sua visão de um futuro no qual mal conseguia esperar para pôr as mãos, fora estragado pelas ações da Ordem. Eles o forçaram a bater em retirada. Forçaram-no a destruir o nervo central da sua operação – um superlaboratório de pesquisa científica que lhe custara centenas de dólares e muitas décadas para aperfeiçoar.

Tudo isso desaparecido agora, nada além de cinzas e escombros no meio de uma floresta em Connecticut.

Agora o poder e os privilégios a que Dragos estava acostumado por séculos foram substituídos por esconderijos nas sombras e olhadelas constantes por sobre o ombro para se certificar de que o inimigo não se aproximava. A Ordem o obrigara a fugir e se esconder como um coelho desesperado para se evadir da armadilha do caçador, e ele não gostava nem um pouco disso.

O último incômodo acontecera no Alasca, com a fuga do Antigo, o seu instrumento mais valioso e insubstituível na busca pela derradeira dominação. Já fora bastante ruim que o Antigo tivesse escapado durante seu transporte em seu novo tanque de contenção. Mas o desastre só piorou quando a Ordem não só conseguiu encontrar o laboratório no Alasca como também o fugitivo alienígena.

Dragos perdera essas duas peças fundamentais para os malditos. Não pretendia perder mais nada.

– Quero ouvir boas notícias – disse ao tenente, dardejando o macho por debaixo das sobrancelhas unidas. – Como tem progredido com a sua missão?

– Tudo está a postos, senhor. Esta semana, o alvo e sua família imediata acabaram de regressar aos Estados Unidos das suas férias no exterior.

Dragos grunhiu em concordância. O alvo em questão era um ancião da Raça, com quase mil anos de existência, um da Primeira Geração, de fato, motivo pelo qual Dragos o tinha em mira. Além de querer que Lucan Thorne e seu bando de guerreiros ficassem sem trabalho, Dragos também retornara aos objetivos da sua missão inicial: a extinção sistemática e total de cada um dos Primeira Geração da Raça naquele planeta.

O fato de Lucan e outro membro fundador da Ordem serem Primeira Geração só tornava seu objetivo mais doce. E ainda mais imperativo. Ao acabar com todos os Primeira Geração, exceto seus assassinos criados e treinados para servi-lo inquestionavelmente, Dragos e os outros membros da segunda geração da Raça se tornariam, por consequência, os vampiros mais importantes da atualidade.

E se, ou melhor, quando se cansasse de partilhar o futuro que ele sozinho entreviu e garantiu que acontecesse, então ordenaria ao seu exército pessoal de assassinos que dizimasse cada um dos seus contemporâneos da segunda geração também.

Sentado num silêncio contemplativo e aborrecido, ouvia enquanto seu tenente se apressava em rever os detalhes do plano que o próprio Dragos idealizou poucos dias antes. Passo a passo, tática a tática, o outro macho da Raça discorreu sobre tudo, garantindo-lhe que nada seria deixado ao acaso.

– O Primeira Geração e sua família estão sendo observados em período integral desde que voltaram para casa – disse o tenente. – Estamos prontos para disparar o gatilho dessa operação ao seu comando, senhor.

Dragos inclinou a cabeça num vago assentimento.

– Faça acontecer.

– Sim, senhor.

A mesura profunda e sua retirada foram quase tão agradáveis quanto a noção de que aquele golpe pendente deixaria absolutamente claro para a Ordem que ele podia ter sido atingido, mas estava longe de ser abatido.

Na verdade, sua presença no elegante hotel em Boston, e uma das importantes reuniões de apresentação que levaram semanas para serem arranjadas entre ele e um punhado de humanos influentes escolhidos a dedo, solidificaria a posição de Dragos em sua ascensão para a glória final. Ele praticamente já sentia o gosto do sucesso.

– Ah, mais uma coisa – Dragos chamou seu associado que partia.

– Sim, senhor.

– Se fracassar – disse ele de maneira agradável –, esteja preparado para que eu lhe sirva seu próprio coração.

O rosto do macho empalideceu, ficando branco como o carpete que cobria o piso tal qual neve fresca.

– Não fracassarei, senhor.

Dragos sorriu, expondo tanto os dentes quanto as presas.

– Certifique-se de que isso não aconteça.


Capítulo 9

Depois da bagunça carregada de morte da noite anterior na cidade, Brock considerou um triunfo pessoal que tivesse conseguido evitar Jenna em grande parte do dia após o seu retorno ao complexo.

Depois de ter descartado os dois corpos nas águas gélidas do rio Mystic, ficou sozinho até quase o amanhecer, tentando se libertar da fúria que parecia acompanhá-lo aquela noite.

Mesmo após estar no quartel-general da Ordem por algumas horas pela manhã, a raiva injustificada, e completamente indesejável, que o possuía ao pensar numa mulher inocente se deparando com o perigo fazia com que seus músculos vibrassem com uma necessidade de violência. Algumas boas horas de treino suado com as armas ajudaram a aplacar um pouco desse sentimento. Bem como o banho escaldante de quarenta minutos com o qual se castigara após o treino.

Ele até poderia achar que se sentia bem, com a cabeça no lugar de novo, se não fosse pelos golpes certeiros que Gideon lançara não muito tempo depois.

O primeiro foi a notícia de que Jenna descera depois do café da manhã com as outras mulheres do complexo e lhe pedira para fazer mais exames de sangue e de tecido. Ela havia se lembrado de algo a respeito do tempo passado com o Antigo, algo que Gideon dissera que havia deixado a fêmea valente bem atormentada.

O segundo golpe foi dado quase imediatamente depois que os primeiros resultados dos exames surgiram.

O sangue e o DNA de Jenna haviam mudado significativamente desde a última vez que Gideon os analisara.

No dia anterior, os resultados foram normais. Hoje, tudo estava alterado.

– Não podemos nos precipitar em conclusões. Não importa o que esses resultados possam indicar – disse, por fim, Lucan, em seu tom grave e sério.

– Talvez devamos fazer mais exames – sugeriu Tess, a única fêmea no laboratório de tecnologia no momento. Ela levantou o olhar dos resultados perturbadores para encarar Lucan, Brock e o restante da Ordem, que fora convocada ali para revisar os achados de Gideon. – Devo ir buscar Jenna e levá-la para a enfermaria para mais exames?

– Você até pode fazer isso – disse Gideon –, mas fazer outros exames não vai mudar nada. – Ele tirou os óculos de lentes azul-claras, jogando-os na mesa de acrílico diante dele. Pinçando o alto do nariz, balançou a cabeça de leve. – Esse tipo de mutação de DNA e a reprodução celular massiva simplesmente não acontecem. Os corpos humanos não são avançados o bastante para lidar com as exigências que mudanças dessa significância provocariam em seus órgãos e artérias, sem falar no impacto que algo assim teria no sistema nervoso central.

Com os braços cruzados diante do peito, Brock se recostou na parede ao lado de Kade, Dante e Rio. Não disse nada, esforçando-se para entender tudo o que via e ouvia. Lucan tinha aconselhado que ninguém se precipitasse em conclusões, mas era excessivamente difícil não fazer isso agora, com o futuro bem-estar de Jenna em jogo.

– Não entendo – disse Nikolai do outro lado do laboratório, onde estava sentado à mesa, junto com Tegan e Hunter. – Por que agora? Isto é, se tudo estava normal antes, por que a súbita mutação no sangue e no DNA?

Gideon deu de ombros.

– Pode ser porque até ontem ela esteve num sono profundo, quase em coma. Soubemos que sua força muscular tinha aumentado assim que despertou. Brock testemunhou isso em primeira mão, e nós também, quando Jenna fugiu do complexo. As mudanças celulares que estamos vendo agora podem ter sido uma reação retardada ao seu despertar. Estar consciente e alerta pode ter agido como algum tipo de disparador dentro de seu corpo.

– Ontem à noite ela foi alvejada – acrescentou Brock, refreando o rugido raivoso que lhe constringia a garganta. – Isso pode estar relacionado com o que vemos no sangue dela agora?

– Talvez – disse Gideon. – Tudo é possível, imagino. Isso não é nada que eu, nem ninguém nesta sala, já tenha visto antes.

– Pois é – concordou Brock. – Simplesmente uma maravilha.

No fundo da sala, com os coturnos apoiados na mesa de reuniões enquanto inclinava a cadeira para trás, Sterling Chase pigarreou.

– Levando tudo em consideração, talvez não seja uma boa ideia dar tanta liberdade a essa mulher aqui no complexo. Ela é um grande ponto de interrogação no momento. Por tudo o que sabemos, pode muito bem ser algum tipo de bomba prestes a explodir.

Por um longo instante, ninguém disse nada. Brock odiou esse silêncio. Odiou Chase por exprimir algo que nenhum dos guerreiros quis considerar.

– O que sugere? – perguntou Lucan, lançando um olhar sério para o macho que passara décadas como parte da Agência de Policiamento antes de se juntar à Ordem.

Chase arqueou as sobrancelhas loiras.

– Se dependesse de mim, eu a retiraria do complexo o mais rápido possível. Trancaria-na em algum lugar seguro, bem longe das nossas operações, pelo menos até termos a oportunidade de deter Dragos de uma vez por todas.

O grunhido de Brock surgiu na garganta, carregado de animosidade.

– Jenna fica aqui.

Gideon recolocou os óculos e assentiu na direção de Brock.

– Concordo. Eu não me sentiria à vontade em tirá-la daqui agora. Gostaria de observá-la, para entender melhor o que está acontecendo com ela a nível celular e neurológico, no mínimo.

– Façam como quiserem – disse Chase. – Mas isso será o funeral de todos nós se você estiver errado.

– Ela fica – disse Brock, estreitando o olhar para o outro lado da mesa, que perfurou o ex-agente que sorria.

– Você está todo animado com essa humana desde o segundo em que a viu – observou Chase, o tom leve, mas com a expressão carregada de desafio. – Tem algo a provar, amigo? O que foi... você é um daqueles tolos loucos por uma dama em apuros? O santo padroeiro das causas perdidas. Essa é a sua?

Brock voou por cima da mesa num único salto. Poderia ter acabado com as mãos no pescoço de Chase, mas o vampiro previu o seu ataque e se moveu com a mesma velocidade. A cadeira caiu para trás e, em meio segundo, os dois machos grandes estavam cara a cara, travados numa batalha que nenhum deles poderia vencer.

Brock sentiu mãos fortes afastando-o do confronto, Kade e Tegan, chegando ali antes que ele conseguisse desferir o soco que Chase merecia. E atrás de Chase estavam Lucan e Hunter, os dois e os demais prontos a pôr panos quentes na situação caso um dos machos resolvesse agir.

Encarando Chase com raiva, Brock se permitiu ser afastado, mas só isso. Pelo que não foi a primeira vez, refletiu sobre a natureza antagônica e agressiva de Sterling Chase, e pensou no que fazia com que o de outro modo habilidoso e fantástico guerreiro fosse tão volátil.

Se a Ordem tinha uma bomba acionada com que se preocupar em seu meio, Brock ficou pensando se não estava olhando para ela naquele mesmo instante.

– Por que diabos isso está demorando tanto?

Jenna não tinha percebido que dera vazão à sua preocupação em voz alta até sentir a mão de Alex.

– Gideon disse que queria fazer outros testes na sua amostra. Tenho certeza de que logo vamos ter notícias.

Jenna bufou um suspiro. De bengala na mão, mesmo sentindo apenas uma necessidade mínima de se apoiar nela, levantou-se do sofá no qual estivera sentada e claudicou até o outro lado da sala de estar do apartamento. Fora levada até ali por Alex e Tess depois que colheram a amostra do seu sangue na enfermaria poucas horas atrás, dizendo-lhe que lhe tinham dado o uso daquele espaço pela duração da sua estada no complexo.

Aquela suíte era uma melhora e tanto em relação ao quarto da enfermaria. Espaçosa e confortável, com mobília grande de couro e mesinhas de madeira escura meticulosamente polidas, não entulhadas de tranqueiras. Estantes altas de madeira perfiladas com livros clássicos, de filosofia e história à altura de uma biblioteca. Livros provocativos e sérios que pareciam em contraste com uma prateleira muito bem organizada – caramba, em ordem alfabética – de livros de ficção populares bem ao lado.

Jenna deixou seu olhar passar pelas prateleiras de títulos e autores, necessitando de uma distração momentânea para impedir que pensasse demais no que poderia estar provocando tanta demora para ouvir as respostas de Gideon e dos outros.

– Faz mais de uma hora que Tess está lá – observou, tirando um livro qualquer sobre cantoras de jazz de sua posição na seção de história. Folheou as páginas, mais para dar algo paras as suas mãos fazerem do que por algum interesse real pelo livro.

Enquanto passava pelo capítulo sobre a era dos clubes de jazz dos anos 1920, uma fotografia amarelada escorregou. Jenna a apanhou antes que caísse no chão. O rosto sorridente de uma mulher jovem num vestido de seda cintilante e pele brilhante a fitava da imagem. Com olhos grandes e amendoados e tez de porcelana que parecia reluzir em contraste com os cabelos negros longos, ela era linda e exótica, ainda mais no cenário do clube de jazz ao fundo.

Com sua própria vida num espiral de confusão e preocupação, Jenna sentiu-se perplexa por um momento pelo júbilo evidente no sorriso amplo da jovem. Era uma alegria tão patente, franca, que quase sentiu uma dor física ao vê-la. Ela também já vivenciara esse tipo de felicidade, não? Deus, quanto tempo se passara desde que sentira ainda que metade da vivacidade daquela jovem da fotografia?

Brava com essa sensação de autopiedade, Jenna guardou a fotografia no livro, que devolveu ao seu lugar na prateleira.

– Não aguento mais. Isso está me deixando louca.

– Eu sei, Jen, mas...

– Ao diabo. Não vou mais ficar aqui esperando – disse, virando-se para encarar a amiga. A ponta da bengala se chocou no tapete ao abrir caminho até a porta. – Eles já devem ter alguns resultados a esta altura. Tenho que saber o que está acontecendo. Vou lá agora mesmo.

– Jenna, espere – Alex pediu atrás dela.

Mas ela já estava no corredor, andando o mais rápido que conseguia, apesar do impedimento da bengala e da leve fisgada que trespassava sua perna a cada passo apressado.

– Jenna! – Alex a chamou, com as passadas rápidas ecoando no corredor já deserto.

Jenna prosseguiu pelos corredores de mármore branco polido. A perna começava a latejar, mas ela não se importou. Deixou a bengala de lado, que só a retardava, e faltou pouco para começar a correr na direção das vozes abafadas dos machos logo mais adiante. Ela arfava ao chegar à parede de vidro do laboratório de tecnologia, com suor sobre seus lábios e na testa provocado pela dor.

Seus olhos encontraram Brock antes de qualquer outro membro do grupo aparentemente solene. Seu rosto estava tenso, os tendões do pescoço esticados como cabos, a boca formando uma linha carrancuda, quase ameaçadora. Ele estava no fundo da sala, cercado pelos outros guerreiros, todos aparentando tensão e inquietação, ainda piores agora que ela estava ali. Gideon e Tess estavam próximos ao nicho de computadores na parte anterior do laboratório.

Todos pararam o que estavam fazendo para fitá-la.

Jenna sentiu o peso dos olhares como algo físico. Seu coração se contraiu. Obviamente, eles já tinham a análise de seu sangue. Será que os resultados eram tão horríveis assim?

Suas expressões eram inescrutáveis, todos a mantendo sob observação cautelosa, silenciosa, conforme seus passos desaceleraram diante das portas deslizantes do laboratório.

Deus, olhavam para ela como se nunca a tivessem visto antes.

Não, percebeu, ao notar que o grupo continuava imóvel, olhando para ela através da parede transparente que a separava do grupo solene do outro lado. Olhavam-na como se esperassem que já estivesse morta.

Como se ela fosse um fantasma.

Um medo horrível se instalou em seu estômago, mas ela não pretendia recuar agora.

– Deixem-me entrar – exigiu, irritada e aterrorizada. – Maldição, abram essa maldita porta e me digam o que está acontecendo!

Levantou a mão e cerrou o punho, mas antes que pudesse bater no vidro, as portas deslizaram num sibilo suave. Avançou para dentro, sendo seguida de perto por Alex.

– Podem me contar – disse Jenna, o olhar passando de um rosto silencioso a outro. Demorou-se em Brock, a única pessoa naquela sala, além de Alex, por quem ela sentia alguma confiança. – Por favor... Preciso saber o que descobriram.

– Ocorreram algumas mudanças no seu sangue – disse ele, a voz grave impossivelmente baixa. Gentil demais. – E no seu DNA também.

– Mudanças. – Jenna engoliu em seco. – Que tipo de mudanças?

– Anomalias – Gideon interviu. Quando ela virou a cabeça na direção dele, ficou surpresa pela preocupação no olhar do guerreiro. Ele falava com cautela, parecendo demais com um médico retardando o pior tipo de notícia a dar ao seu paciente. – Descobrimos uma reprodução celular estranha, Jenna. Mutações que estão sendo passadas ao seu DNA e que se multiplicam a uma velocidade excessiva. Essas mutações não estavam presentes na última análise que efetuamos no seu sangue.

Ela balançou a cabeça, tanto pela confusão quanto como um reflexo de negação ao que pensava estar ouvindo.

– Não estou entendendo. Está se referindo a algum tipo de doença? Aquela criatura me infectou com alguma coisa quando me mordeu?

– Nada disso – disse Gideon, lançando um olhar ansioso para Lucan. – Bem, não exatamente.

– Então, o que, exatamente? – ela exigiu saber. A resposta surgiu meio segundo mais tarde. – Ai, meu Deus. Esta coisa na minha nuca... – Ela pôs a mão sobre o ponto em que o Antigo havia inserido o material não identificado do tamanho de um grânulo. – Esta coisa que ele colocou dentro de mim está provocando as mudanças. É isso, não é?

Gideon assentiu de leve.

– É biotecnologia de algum tipo, nada que a Raça ou a espécie humana tenha capacidade de criar. Pelas radiografias mais recentes de hoje, parece que o implante está se integrando à sua medula espinhal num ritmo muito acelerado.

– Tire isso.

Uma rodada de olhares preocupados passou pelo grupo de machos grandes. Mesmo Tess parecia pouco à vontade, sem conseguir sustentar o olhar de Jenna.

– Não é tão simples assim – Gideon respondeu, por fim. – Talvez você deva ver as imagens por si só.

Antes que ela conseguisse pensar se queria ou não ver as provas daquilo que lhe estava sendo dito, a imagem do seu crânio e coluna piscou na tela plana afixada numa parede diante dela. Num segundo, Jenna notou o nauseante objeto do tamanho de um grão de arroz que brilhava no centro da sua primeira vértebra. Os tentáculos que estiveram presentes no dia anterior eram mais numerosos naquela nova imagem.

Muito mais do que centenas a mais, cada tênue feixe entrando – inextricavelmente – ao redor e através da sua medula óssea.

Gideon pigarreou.

– Como disse, o objeto aparentemente é formado por uma combinação de material genético e alta tecnologia avançada. Nunca vi nada assim antes, tampouco consegui encontrar algum tipo de pesquisa científica humana que se assemelhasse minimamente a isso. Considerando-se as transformações biológicas que temos observado em seu DNA e em seu sangue, parece ser a fonte do material genético do próprio Antigo.

O que significava que parte daquela criatura estava dentro dela. Vivendo ali. Vicejando.

A pulsação de Jenna ecoava em seu peito. Ela sentia o fluxo sanguíneo acelerado nas veias, células alteradas que ela imaginava abrindo caminho em seu corpo a cada batida do coração, multiplicando-se, crescendo, devorando-a por dentro.

– Arranquem isso de mim – disse ela, a voz se elevando por causa da angústia. – Tirem essa maldita coisa de dentro de mim ou eu mesma tiro!

Com as duas mãos, ela começou a arranhar a nuca, o desespero fazendo-a agir como louca.

Ela nem percebeu Brock se movendo da sua posição do outro lado do laboratório, mas, em menos de um instante, ele estava bem ao seu lado, as mãos grandes envolvendo-a com os dedos. Os olhos castanhos prenderam-na pelo olhar e não a soltaram.

– Relaxe agora – disse ele, num sussurro gentil, porém com firmeza tirou-lhe as mãos da nuca e segurou-as entre as suas. – Respire, Jenna.

Com os pulmões contraídos, ela emitiu um soluço.

– Solte-me. Por favor, deixem-me em paz, todos vocês.

Ela se afastou e tentou ir embora, mas a pulsação pesada e o tinir em seus ouvidos fez a sala girar ao seu redor com violência. Uma onda obscura de náusea a acometeu, envolvendo-a numa névoa densa e atordoante.

– Te peguei – a voz tranquilizadora de Brock murmurou junto ao seu ouvido.

Ela sentiu os pés deixarem o chão e, pela segunda vez em poucos dias, viu-se amparada pela segurança dos braços dele.


Capítulo 10

Ele não deu explicações para o que estava fazendo ou para onde a estava levando. Apenas saiu do laboratório de tecnologia e a carregou pelo mesmo corredor pelo qual ela viera minutos antes com Alex.

– Solte-me – exigiu Jenna, os sentidos ainda confusos, tinindo a cada longa passada das pernas de Brock. Mudou de posição nos braços dele, tentando ignorar como até mesmo o menor dos movimentos fazia sua cabeça girar e seu estômago revirar. A cabeça pendeu sobre o antebraço forte, um gemido de dor escapando. – Eu disse para me colocar no chão, inferno.

Ele grunhiu enquanto continuava a caminhar.

– Eu ouvi na primeira vez.

Ela fechou os olhos, só porque estava difícil demais mantê-los abertos e ver o teto do corredor se contorcer e girar logo acima enquanto Brock a carregava complexo adentro. Diminuiu o ritmo a certa altura, depois virou, e Jenna abriu os olhos, vendo que ele a levara de volta à suíte que agora era seu quarto.

– Por favor, me ponha no chão – murmurou, a língua grossa, a garganta seca. O latejar por trás dos olhos se tornara uma pulsar firme, o tinido nos ouvidos um lamento agudo que parecia partir seu crânio ao meio. – Deus – arfou, sem conseguir disfarçar a agonia. – Está doendo muito...

– Ok – disse Brock baixinho. – Tudo vai ficar bem agora.

– Não, não vai. – Ela choramingou, humilhada pelo som da sua fraqueza, e pelo fato de que Brock a estava vendo assim. – O que está acontecendo comigo? O que ele fez comigo?

– Isso não importa agora – sussurrou Brock, a voz grave mostrando-se contraída. Uniforme demais para ser confiável. – Primeiro, vamos fazer você superar isto.

Atravessou o quarto com ela e se ajoelhou para acomodá-la no sofá. Jenna se recostou e deixou que ele lhe endireitasse as pernas, não tão perdida no desconforto e na preocupação para deixar de notar o carinho das mãos fortes daquele homem, que, provavelmente, seriam capazes de extrair a vida de alguém com pouco mais do que uma contorção.

– Relaxe – disse ele, as mãos fortes e carinhosas afagando seu rosto, os olhos escuros incitando-a a sustentar seu olhar. – Apenas relaxe e respire, Jenna. Consegue fazer isso por mim?

Ela se acalmou um pouco de pronto, relaxando ao som do seu nome nos lábios dele, o resvalar quente dos dedos que desciam pelo rosto e pelo maxilar e, depois, pela lateral do pescoço. As lufadas curtas de ar que entravam e saíam dos seus pulmões começaram a se acalmar, enquanto Brock amparava a nuca com uma mão e deslizava a outra palma num indo e vindo lento sobre o peito dela.

– Isso mesmo – murmurou, o olhar preso ao dela, intenso e, ainda assim, inacreditavelmente carinhoso. – Solte toda a dor e relaxe. Você está segura, Jenna. Pode confiar em mim.

Ela não sabia por que essas palavras deveriam afetá-la como a afetaram. Talvez a dor a tivesse enfraquecido. Talvez fosse o medo do desconhecido, o abismo da incerteza que subitamente se tornara a sua realidade desde aquela noite gélida e horrenda no Alasca.

E talvez fosse pelo simples fato de que fazia muito tempo, quatro solitários anos, desde que ela sentira a carícia cálida de um homem, mesmo que apenas para oferecer consolo.

Quatro anos vazios desde que se convencera de que não precisava de nenhum contato afetuoso ou intimidade. Quatro anos infindáveis desde que se lembrava do como era se sentir uma mulher de carne e osso, como se fosse desejada. Como se pudesse, um dia, ser capaz de abrir o coração para algo mais.

Jenna fechou os olhos quando lágrimas começaram a arder. Afastou a onda de emoção que surgiu inesperadamente e, em vez disso, concentrou-se nas pontas dos dedos quentes e reconfortantes de Brock em sua pele. Deixou que sua voz a acalentasse, sentindo suas palavras e seu toque trabalharem juntos para ajudá-la a superar a angústia do estranho trauma que parecia estar despedaçando-a de dentro para fora.

– Isso é bom, Jenna. Apenas respire agora.

Ela sentiu a garra de dor em seu crânio relaxar enquanto ele lhe falava. Brock acariciou suas têmporas com os polegares, os dedos esticados em seus cabelos, amparando sua cabeça de maneira reconfortante. O tinir agudo em seus ouvidos começou a diminuir, a desaparecer, até, por fim, sumir de vez.

– Você está indo muito bem – murmurou Brock, a voz mais sombria do que antes, um pouco mais do que um grunhido. – Solte tudo, Jenna. Dê o resto para mim.

Ela exalou um suspiro profundo, sem conseguir mantê-lo dentro de si enquanto Brock a afagava no rosto e no pescoço. Ela gemeu, abraçando o prazer que lentamente devorava sua agonia.

– Isso é bom – sussurrou, sem poder resistir ao desejo de se aproximar do seu toque. – A dor já não é tão forte agora.

– Isso é muito bom, Jenna. – Ele inspirou, parecendo mais um arquejo, depois exalou um gemido. – Liberte-se de tudo.

Jenna sentiu um tremor vibrar por seus dedos enquanto ele falava. As pálpebras se abriram e ela arfou ao vê-lo tão tenso.

Os tendões do pescoço estavam retesados, a mandíbula travada com tanta força que era um milagre que seus dentes não tivessem trincado. Um músculo latejava no rosto delgado. Gotas de suor se formavam na testa e sobre os lábios.

Ele estava com dor.

Uma dor impossível, assim como ela estivera há minutos, antes que seu toque parecesse afastar a agonia.

Foi então que ela entendeu.

Ele não estava simplesmente acalmando-a com as mãos. Ele estava, de alguma forma, tirando a dor dela. Canalizando-a, de propósito, para si.

Ofendida com a ideia, porém ainda mais envergonhada por ter se deixado permanecer ali deitada, imaginando que a carícia dele fosse algo mais do que pura piedade, Jenna se retraiu do seu toque e se pôs sentada num canto do sofá. Respirou fundo de ultraje ao fitar os olhos escuros que reluziam fachos de luz âmbar.

– Que diabos pensa que está fazendo? – arfou, pondo-se de pé.

O músculo que estivera latejando em seu maxilar se retesou quando ele se levantou para enfrentá-la.

– Ajudando você.

Imagens tomaram conta da sua mente em um instante: repentinas lembranças vívidas dos momentos posteriores ao seu cativeiro com a criatura que invadira o seu chalé no Alasca.

Naquele momento, ela também sentira dores. Estivera aterrorizada e em estado de choque, tão devastada de horror e confusão que achou que acabaria morrendo.

E se lembrou das mãos delicadas e cálidas que a confortaram. O rosto de um belo desconhecido sério que entrara em sua vida como um anjo negro e a manteve a salvo, protegida e tranquila, quando tudo em seu mundo fora transformado em caos.

– Você esteve lá – murmurou, atônita por perceber só então. – No Alasca, depois que o Antigo sumiu. Você ficou comigo. Também tirou minha dor naquela hora. E mais tarde, depois que fui trazida para o complexo. Meu Deus... Você ficou comigo o tempo todo em que estive na enfermaria? Os olhos dele permaneceram fixos nos dela, sombrios, inescrutáveis.

– Eu era o único que podia ajudar você.

– Quem te pediu isso? – exigiu saber, num tom sabidamente áspero, mas desesperada por expurgar o calor que ainda trafegava dentro dela, indesejado e espontâneo.

Já era ruim que ele achasse necessário acalentá-la como se ela fosse algum tipo de criança em sua provação prolongada. E ainda pior que ele parecesse pensar ser necessário repetir isso agora também. Maldita fosse se permitisse que ele pensasse, por um segundo sequer, que ela, de fato, desejara seu toque.

Com a expressão ainda carregada pelo que lhe fizera instantes antes, ele meneou a cabeça e imprecou.

– Para uma mulher que não quer a ajuda de ninguém, você bem que parece precisar muito.

Ela mal resistiu à tentação de lhe dizer onde ele podia enfiar sua compaixão.

– Sei cuidar de mim sozinha.

– Como cuidou ontem à noite na cidade? – ele a desafiou. – Como fez há poucos minutos no laboratório, pouco antes que os meus braços fossem a única coisa entre o seu traseiro teimoso e o chão?

A humilhação queimou seu rosto tal qual um tapa.

– Sabe de uma coisa? Faça-nos um favor e não me faça mais favor algum!

Ela se virou para se afastar dele, seguindo para a porta ainda aberta para o corredor. Cada passo miraculosamente sem dor só aumentava sua raiva de Brock, deixando-a ainda mais determinada a colocar o máximo possível de distância entre eles.

Antes que conseguisse se aproximar da soleira, ele se postou diante dela, bloqueando-lhe o caminho, mesmo que ela não tivesse visto ou ouvido ele se mover.

Parou. Encarou-o, atordoada por sua evidente velocidade sobrenatural.

– Saia da minha frente – disse, tentando passar por ele.

Ele deu um passo para o lado, colocando o corpo imenso diretamente diante do dela. A intensidade do seu olhar revelou que ele queria lhe dizer algo mais, mas Jenna não queria ouvir. Precisava ficar sozinha.

Precisava de espaço para pensar sobre tudo o que lhe acontecera... Tudo que ainda estava acontecendo, ficando cada vez mais assustador ao mesmo tempo.

– Saia da frente – disse ela, odiando o leve tremor em sua voz.

Brock lentamente levantou a mão e afastou uma mecha de cabelo da testa dela. Foi um gesto meigo, uma afabilidade que ela tanto precisava, mas que tinha medo de aceitar.

– Você está no nosso mundo agora, Jenna. Quer queira admitir ou não, precisa de ajuda.

Ela observou-lhe a boca enquanto ele falava, desejando não se sentir tão atenta aos lábios cheios e sensuais. Ele ainda estava suportando a sua dor; podia saber pelo ligeiro inflar nas narinas enquanto ele inspirava e expirava de modo controlado. Tampouco a tensão do belo rosto e do pescoço forte se desfizera.

Durante toda a sua vida, ela se esforçou para provar seu valor, primeiro para o pai e para o irmão, Zach, sendo que ambos deixaram claro que duvidavam que ela tivesse o necessário para fazer parte da força policial. Mais tarde, esforçou-se para ser uma mãe e esposa perfeitas. A vida toda fora estruturada numa fundação de força, disciplina e competência.

De maneira inacreditável, enquanto ficava ali diante de Brock, não foi o fato de ele ser algo mais que humano – algo perigoso e alienígena – que fez com que ela quisesse que o chão se abrisse e a engolisse. Foi o medo de que ele pudesse enxergar através da casca de raiva que ela usava como uma armadura, vendo-a como o fracasso solitário e amedrontado que ela, de fato, era.

Brock balançou de leve a cabeça em sua direção enquanto o silêncio se estendia entre eles. Os olhos perscrutaram seu rosto por inteiro antes de se deterem sobre o seu olhar.

– Existem coisas piores do que precisar se apoiar em alguém de vez em quando, Jenna.

– Maldição! Eu disse para sair da minha frente! – Ela pousou as palmas sobre o peito largo e o empurrou com toda a raiva e medo que havia dentro dela.

Brock foi lançado para trás, quase se chocando com a parede oposta do corredor.

Jenna arquejou, assustada e surpresa com o que acabara de fazer.

Horrorizada.

Brock era muito forte, com quase dois metros de altura e mais de cem quilos de músculo e força. Alguém muito mais forte do que ela. Alguém muito mais poderoso do que qualquer outra pessoa que já tivesse conhecido.

As sobrancelhas dele se ergueram em sinal de surpresa.

– Jesus Cristo – murmurou, com muito mais admiração do que raiva na voz.

Jenna suspendeu as mãos diante de si e fitou-as como se elas pertencessem a outra pessoa.

– Ai, meu Deus... Como eu... O que aconteceu?

– Está tudo bem – garantiu ele, voltando para perto dela com aquela enlouquecedora tranquilidade.

– Brock, desculpe. Verdade, eu não queria...

– Eu sei – disse ele, assentindo com seriedade. – Não se preocupe. Você não me machucou.

Uma bolha de histeria subiu-lhe pela garganta. Primeiro, a notícia chocante de que o implante de algum modo estava alterando seu DNA, e agora isso: uma força que não tinha como ser sua, mas, de alguma maneira, era. Relembrou sua fuga da propriedade e as estranhas habilidades linguísticas que pareceu adquirir desde que o Antigo deixara uma parte de si emaranhado em sua medula espinhal.

– Que diabos está acontecendo comigo, Brock? Quando tudo isso vai terminar?

Ele lhe segurou as mãos trêmulas entre suas palmas com firmeza.

– O que quer que esteja acontecendo, você não tem que passar por isso sozinha. Precisa entender isso.

Ela não sabia se ele falava em nome de todos no complexo ou por si só. Ela não tinha voz para pedir uma explicação. Disse a si mesma que não importava o significado das palavras dele; contudo, isso não desacelerou seu coração quando o fitou. Sob o calor dos insondáveis olhos castanhos, ela sentiu os seus piores medos se dissolverem.

Sentia-se aquecida e protegida, coisas que queria negar, mas não podia enquanto Brock a estivesse segurando pelas mãos e pelo olhar.

Ele franziu a testa após um longo momento e lentamente soltou-lhe as mãos, deixando as suas deslizarem pelos braços dela, numa carícia sensual, demorando-se o suficiente para deixar claro que aquilo não era nada menos do que íntimo. Jenna sabia disso, e via que ele também sabia.

Os olhos escuros pareceram se aprofundar, engolindo-a. Recaíram sobre sua boca e lá ficaram enquanto a respiração de Jenna saía num suspiro trêmulo.

Ela sabia que devia se afastar dele agora. Não havia motivo para permanecerem perto assim, com meros centímetros separando seus corpos. Menos ainda entre a boca dele e a dela. Só seria preciso um leve inclinar da cabeça dele ou um erguer da dela e seus lábios se encontrariam.

A pulsação de Jenna acelerou ante a ideia de beijar Brock.

Coisa que, quando ele a carregara para o quarto, estivera bem longe dos seus pensamentos. Não muito tempo atrás, quando seu medo e sua raiva a fizeram sibilar e grunhir como um animal selvagem preso numa armadilha de caçador.

Mas agora, enquanto Brock permanecia tão perto que ela sentia o calor do corpo dele irradiando para o seu, a fragrância da pele tentando-a a aproximar o rosto e inspirar seu cheiro, beijá-lo era uma necessidade secreta que pulsava dentro dela a cada batida fugidia do seu coração.

Talvez ele soubesse o que ela estava sentindo.

Talvez ele estivesse sentindo a mesma coisa.

Ele emitiu uma imprecação, depois recuou um passo, encarando-a com ardor e firmeza.

– Ah... droga... Jenna...

Quando ergueu as mãos fortes e segurou o seu rosto com delicadeza, todo o ar pareceu evaporar no quarto. Os pulmões de Jenna pareceram congelar dentro do peito, mas o coração continuava acelerado, batendo tão rapidamente que pensou que ele poderia explodir.

Esperou, num misto de terror e esperança, atônita com a necessidade que tinha de sentir a boca de Brock na sua.

A língua dele molhou os lábios, o movimento permitindo que ela tivesse um vislumbre das pontas das suas presas, reluzindo como diamantes. Ele praguejou novamente, depois se afastou um pouco, deixando uma lufada de ar frio diante dela onde o calor do seu corpo estivera apenas um segundo antes.

– Eu não deveria estar aqui – murmurou com voz espessa. – E você precisa descansar. Fique à vontade. Se não houver cobertas suficientes na cama, encontrará mais no armário do banheiro. Use tudo que precisar.

Jenna teve que se dar um chacoalhão mental para entender a conversa.

– Este... hum... Este quarto é seu?

Ele acenou de leve, já saindo para o corredor.

– Era. Agora é seu.

– Espere – Jenna o seguiu. – E quanto a você? Você tem onde ficar?

– Não se preocupe – disse ele, parando para olhá-la quando ela se apoiou na maçaneta. – Descanse um pouco, Jenna. Te vejo por aí.

O sangue ainda corria quente nas veias de Brock pouco depois, quando ele parou diante de uma das últimas suítes residenciais e bateu à porta fechada.

– Faltam ainda onze minutos para a hora que combinamos – diz a voz profunda e prática do macho da Raça do outro lado.

A porta se abriu, e Brock foi perfurado por um par de olhos dourados inescrutáveis.

– Avon chama – disse Brock à guisa de um cumprimento ao suspender a mochila de couro preta que continha todos os seus pertences pessoais retirados dos seus aposentos. – E o que quer dizer com isso, cheguei onze minutos antes? Não me diga que você vai ser um daqueles colegas de quarto certinhos que fazem tudo seguindo um cronograma. Minhas escolhas são limitadas, já que você e Chase têm os últimos quartos do complexo. E, para falar a verdade, se Harvard e eu tivermos que dividir um quarto, não sei se sobreviveremos uma semana.

Hunter nada disse enquanto Brock passava por ele e entrava no quarto. Ele o seguiu para a parte das camas, tão sorrateiro quanto um fantasma.

– Pensei que fosse outra pessoa – afirmou um tanto tardiamente.

– É mesmo? – Brock girou de frente para o estoico Primeira Geração, verdadeiramente curioso a respeito do mais recente e reservado membro da Ordem. Sem falar no fato de que estava ávido para desviar a mente dos seus pensamentos ardentes a respeito de Jenna Darrow. – A quem esperava além de mim?

– Não importa – respondeu Hunter.

– Ok. – Brock deu de ombros. – Só estou tentando bater papo, mas tudo bem.

A expressão do Primeira Geração continuou impassível, absolutamente normal. O que não era surpresa, levando-se em consideração o modo como o macho fora criado: como um dos assassinos domésticos de Dragos. Inferno, o cara nem mesmo tinha um nome. Como o restante do exército pessoal criado por Dragos a partir do Antigo, referiam-se ao Primeira Geração apenas pelo único propósito da sua vida: Hunter3.

Ele chegara à Ordem há poucos meses, depois que Brock, Nikolai e alguns dos outros guerreiros atacaram uma reunião de Dragos e dos seus tenentes. Hunter fora libertado durante o ataque e agora era aliado contra o seu criador nos esforços da Ordem em acabar com Dragos.

Brock parou diante das duas camas que estavam em cada lado do quarto em estilo modesto. As duas estavam arrumadas com precisão militar, coberta marrom e lençóis brancos sem nenhuma prega, um único travesseiro meticulosamente colocado na cabeceira de cada estrado.

– Então, qual é a sua cama?

– Não faz diferença para mim.

Brock voltou a fitar o rosto impassível e os inescrutáveis olhos dourados.

– É só me dizer em qual costuma dormir e eu pego a outra.

O olhar nivelado de Hunter não se alterou em nada.

– São apenas mobília. Não tenho nenhum apego nem por uma, nem por outra.

– Nenhum apego – repetiu Brock num murmúrio. – Pois é, cara. Talvez você possa me dar algumas dicas sobre essa sua postura “não estou nem aí”. Acho que viria bem a calhar de tempos em tempos. Especialmente no que se refere às mulheres.

Com um grunhido, largou suas coisas na cama da esquerda, depois esfregou as mãos no rosto e na cabeça. O gemido que escapou dele estava carregado de frustração e do desejo retido que vinha abafando desde que se forçara a deixar Jenna e a tentação de que não precisava.

– Maldição – grunhiu, o corpo tinindo de novo só de lembrar o belo rosto erguido ao fitá-lo.

Era como se ela estivesse à espera de um beijo seu. Tudo que era masculino dentro de si afirmara isso com absoluta certeza na hora, mas ele sabia que aquela era a última coisa de que Jenna precisava.

Ela estava confusa e vulnerável, e ele se considerava mais do que um homem que poderia tirar vantagem disso só porque a sua libido clamava por ela. Claro, isso não o fazia se sentir muito melhor a respeito da excitação que, do nada, voltava à vida de novo, deixando toda a sua honradez de lado.

– Que beleza, meu herói – admoestou-se severamente. – Agora vai precisar afundar numa banheira de gelo por uma semana por ter bancado o nobre...

– Está se sentindo mal? – perguntou Hunter, assustando Brock, que não havia percebido que o outro macho ainda estava atrás dele no quarto.

– É... – disse Brock, dando uma risada sardônica. – Não ando muito bem, não. Se quer saber a verdade, não estou me sentindo bem desde que pus os olhos nela.

– A fêmea humana – disse Hunter, com um ar de compreensão grave. – Está aparente que ela é um problema para você.

Brock emitiu um suspiro sem humor algum.

– Acha mesmo?

– Sim, acho. – Não havia julgamento em sua voz, apenas uma declaração dos fatos. Ele falava como uma máquina: total precisão, zero sentimento. – Deduzo que todos no laboratório de tecnologia chegaram à mesma conclusão hoje, quando permitiu que Chase provocasse sua ira por conta dos comentários sobre o seu apego àquela mulher. Suas ações demonstraram uma fraqueza do seu treinamento e, pior, falta de autocontrole. Reagiu de modo impensado.

– Obrigado por notar – respondeu Brock, suspeitando que seu sarcasmo seria desperdiçado no caçador antissocial e imperturbável. – Lembre-me de encher o seu saco daqui até a semana seguinte se um dia chegar a relaxar o bastante para deixar uma mulher o irritar.

Hunter não reagiu, apenas o fitou sem demonstrar nenhuma centelha de emoção.

– Isso não acontecerá.

– Merda – disse Brock, meneando a cabeça ante o soldado Primeira Geração rígido que fora criado na base da negligência e da disciplina do castigo. – Você não deve ter estado com a mulher certa se tem tanta segurança assim.

A expressão de Hunter continuou estoica. Distante e imparcial. Na verdade, quanto mais Brock olhava para ele, mais claramente começava a enxergar a verdade.

– Caramba. Já esteve, algum dia, com uma mulher, Hunter? Meu Deus... Você é virgem, não é?

Os olhos dourados do Primeira Geração continuaram fixos no olhar de Brock como se considerasse aquilo algum teste de força de vontade no qual ele não permitiria que a revelação o afetasse. E Brock tinha que dar o braço a torcer, pois nenhum grau de emoção cintilou naqueles olhos sinistros, tampouco nas feições perfeitamente disciplinadas.

A única coisa que fez Hunter reagir foi o barulho suave de chinelos se arrastando pelo corredor. Uma voz infantil, Mira, chamando da sala de estar.

– Hunter, você está aí?

Ele se virou sem dar nenhuma explicação e foi se encontrar com a garotinha.

– Agora não é uma boa hora. – Brock o ouviu lhe dizer em seu tom modulado e grave.

– Mas não quer saber o que acontece com Harry quando ele põe a capa da invisibilidade? – perguntou Mira, o desapontamento abaixando o tom de sua voz normalmente alegre. – Essa é uma das minhas partes prediletas no livro. Você tem que ouvir esse capítulo. Vai amar.

– Ela tem razão, é uma das melhores partes. – Brock saiu do quarto, sem saber o que o fez sorrir mais: a percepção de que o implacável assassino Primeira Geração era um virgem sem experiência alguma, ou a mais recente notícia, igualmente divertida, de que o encontro que ele aparentemente atrapalhara ao aparecer com as suas coisas era a hora da leitura de Hunter com a mais jovem residente do complexo.

Deu uma piscadela e um sorriso para Mira quando ela se acomodou no sofá e abriu o livro na parte em que havia parado de ler.

– Relaxe – disse a Hunter, que estava de pé, tão duro quanto uma estátua. – Não vou revelar os seus segredos a ninguém.

Não esperou para ver a reação dele, apenas foi andando para o corredor, deixando Hunter olhando-o enquanto saía.


Caçador


Capítulo 11

– Cruzem os dedos, meninas, mas acho que acabamos de encontrar a pista que procurávamos. – Dylan desligou o telefone e girou a cadeira para ficar de frente para Jenna, Alex, Renata e Savannah, todas reunidas na sala de reuniões das Companheiras de Raça nas últimas horas.

Na verdade, chamá-la de sala de reuniões não lhe fazia justiça. Havia pelo menos meia dúzia de computadores numa mesa longa num dos lados da sala, caixas de arquivos suspensos organizados por localização dispostas numa estante alta para facilitar o acesso, quase cada espaço da parede coberto por mapas marcados da Nova Inglaterra e gráficos de investigação detalhados que envergonhariam boa parte das unidades de casos antigos arquivados da polícia. Em meio a esses gráficos, muitos esboços de retratos falados de jovens, os rostos de algumas desaparecidas, a quem a Ordem e suas companheiras diligentes estavam determinadas a encontrar.

Não, Jenna pensou ao olhar ao redor, aquela não era uma mera sala de reuniões.

Aquela era uma sala devotada à estratégia, a uma missão, à guerra.

Jenna acolhia a energia do lugar, ainda mais depois das notícias perturbadoras que recebera a respeito do seu último exame de sangue. Também precisava da distração a fim de não pensar nos inesperados momentos ardentes que partilhara com Brock no quarto dele, ou melhor, no seu. Ela praticamente dera um salto quando lhe surgiu a oportunidade de sair de lá depois que ele foi embora. Fora Alex quem apareceu procurando-a pouco depois, e fora ela quem a trouxera consigo para a sala de guerra das Companheiras de Raça para ter companhia e ficar conversando.

Ela não desejara se interessar pelo trabalho em que as mulheres da Ordem estavam envolvidas, mas, enquanto esteve entre elas, foi quase impossível para a policial dentro de si ignorar o rastro de uma boa busca por informações. Sentou-se um pouco ereta na cadeira ante a mesa de reuniões quando Dylan andou até a impressora para pegar uma folha que acabara de sair da máquina.

– O que conseguiu? – perguntou Savannah.

Dylan bateu a folha na mesa diante das mulheres reunidas.

– Irmã Margaret Mary Howland.

Jenna e as outras se inclinaram para olhar para a imagem escaneada. Era a foto de um grupo de uma dúzia ou pouco mais de garotas e jovens mulheres. Pelo estilo das roupas, parecia ter sido tirada uns vinte anos antes. O grupo estava reunido num gramado abaixo das escadas de uma varanda coberta, no tipo de pose que as estudantes às vezes faziam para a foto escolar anual. A não ser pelo fato de que, naquele caso, não havia uma escola atrás delas, mas uma casa grande, simples, autoproclamada Lar para Mulheres St. John, Queensboro, Nova York.

Uma mulher de meia-idade de rosto gentil usando um crucifixo como pingente e um vestido de verão modesto estava ao lado do grupo reunido debaixo do beiral branco no qual a placa pintada estava suspensa. Uma das moças mais jovens estava com a mulher de mais idade, os ombros finos seguros por mãos carinhosas, o rostinho erguido com um olhar luminoso de afeto.

– É ela – disse Dylan, apontando para a mulher com o sorriso maternal e braços protetores. – Irmã Margaret.

– E ela é...? – perguntou Jenna, sem conseguir conter a curiosidade.

Dylan relanceou para ela.

– Neste instante, se ainda estiver viva, esta mulher é a nossa aposta mais segura para descobrirmos mais sobre as Companheiras de Raça que sumiram ou acabaram mortas pelas mãos de Dragos.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não estou entendendo.

– Algumas das mulheres que ele matou, e provavelmente muitas outras que ele mantém em cativeiro, vieram de abrigos de fugitivas – disse Dylan. – Veja bem, não é incomum que as Companheiras de Raça se sintam confusas e deslocadas na sociedade mortal. A maioria de nós não sabe o quanto é diferente, muito menos o motivo para isso. Além da marca de nascença em comum e das características biológicas, todas nós temos também habilidades extrassensoriais singulares.

– Não o tipo de coisa que você vê nos programas da TV ou em comerciais anunciando serviços de pessoas psíquicas – explicou Savannah. – Talentos verdadeiramente extrassensoriais são normalmente o meio mais seguro de identificar uma Companheira de Raça.

Dylan concordou.

– Às vezes, esses talentos são uma bênção, mas em muitas outras são uma maldição. O meu dom foi uma maldição em boa parte da minha vida, mas, felizmente, tive uma mãe amorosa. Por isso, não importava o quanto eu ficasse confusa ou assustada, sempre tive a segurança de um lar.

– Mas nem todas têm essa sorte – acrescentou Renata. – Para Mira e para mim, foi uma extensa fila de orfanatos em Montreal. E, de tempos em tempos, chamávamos a rua de lar.

Jenna ouvia em silêncio, agradecendo a boa sorte de ter nascido em uma família normal e relativamente próxima, onde o maior problema de infância foi tentar competir com o irmão pelo afeto e pela aprovação dos pais. Ela não conseguia imaginar os tipos de problemas que as fêmeas nascidas com a marca de nascença da lágrima e da lua crescente tiveram que suportar. Seus problemas, por mais incompreensíveis que fossem, pareciam diminuir um pouco enquanto ponderava sobre as vidas que aquelas mulheres tiveram. Para não falar do inferno que as mortas ou desaparecidas tiveram que suportar.

– Quer dizer que vocês acreditam que Dragos visava as jovens que acabavam nesse tipo de abrigo? – perguntou.

– Sabemos disso – disse Dylan. – A minha mãe costumava trabalhar num abrigo para pessoas que fugiam de casa em Nova York. É uma longa história, uma para ser contada outro dia, mas, basicamente, foi descoberto que o abrigo para o qual ela trabalhava havia sido fundado e era dirigido pelo próprio Dragos.

– Ai, meu Deus... – arfou Jenna.

– Ele estivera se escondendo por trás de um nome falso, Gordon Fasso, enquanto circulava em meio à sociedade humana, e ninguém fazia ideia de quem ele fosse até... até ser tarde demais. – Dylan parou para inspirar profundamente e se fortalecer. – Ele matou minha mãe depois que percebeu que havia sido desmascarado e que a Ordem estava se aproximando dele.

– Lamento muito – sussurrou Jenna, com sinceridade. – Perder alguém que se ama para esse tipo de maldade...

As palavras se perderam enquanto algo frio e determinado borbulhou dentro dela. Como ex-policial, ela conhecia o sabor amargo da injustiça e a necessidade de equilibrar a balança. Mas suprimiu esse sentimento, dizendo a si mesma que a luta da Ordem contra aquele inimigo, Dragos, não era sua. Ela tinha as próprias batalhas para enfrentar.

– Tenho certeza de que Dragos vai ter o que merece no final – disse.

Era uma frase inútil, oferecida com certo distanciamento. Mas ela queria muito estar certa. Sentada ali com aquelas mulheres, tendo-as conhecido um pouco melhor no curto tempo em que estava no complexo, Jenna rezava para que a Ordem fosse bem-sucedida ao enfrentar Dragos. Pensar que alguém tão perverso quanto ele estivesse à solta no mundo era inaceitável.

Pegou a imagem impressa e fitou a expressão calorosa da freira, que estava tal qual uma pastora ao lado de seu rebanho vulnerável.

– Como esperam que essa mulher, a Irmã Margaret, possa ajudá-las?

– A rotatividade de pessoal é alta nesses abrigos – explicou Dylan. – Aquele em que minha mãe trabalhava não era exceção. Uma amiga que costumava trabalhar com ela lá me informou o nome da Irmã e me deu a foto. Ela disse que a freira se aposentou há vários anos, mas fez trabalho voluntário em diversos abrigos em Nova York desde meados dos anos 1970. Por isso, é o tipo de pessoa com quem precisamos conversar.

– Alguém que esteve em abrigos por muito tempo e pode ser capaz de identificar antigas residentes a partir dos retratos falados – disse Savannah, indicando os rostos afixados nas paredes.

Jenna assentiu.

– Esses retratos são de mulheres que estiveram em abrigos?

– Esses retratos – disse Alex ao lado de Jenna – são de Companheiras de Raça que estão sendo mantidas por Dragos enquanto estamos aqui conversando.

– Quer dizer que ainda estão vivas?

– Estavam há alguns meses. – A voz de Renata soou dura. – Uma amiga da Ordem, Claire Reichen, usou seu dom de Companheira de Raça, o poder de viajar em seus sonhos, para localizar o quartel-general de Dragos. Ela viu as prisioneiras, mais de vinte, trancadas em celas do laboratório dele. Embora Dragos tenha realocado sua operação antes que pudéssemos salvá-las, Claire tem trabalhado com um desenhista para documentar os rostos que viu.

– Na verdade, é lá que Claire está agora, ela e Elise – explicou Alex. – Elise tem muitos amigos na comunidade civil da Raça aqui em Boston. Ela e Claire têm trabalhado em alguns novos retratos, baseados no que Claire viu no covil de Dragos.

– Depois que tivermos os rostos das prisioneiras – disse Dylan –, podemos começar a procurar por nomes e possíveis familiares. Qualquer coisa que possa nos ajudar a nos aproximar de onde essas mulheres estão.

– E quanto aos bancos de dados de pessoas desaparecidas? – perguntou Jenna. – Vocês compararam os esboços com os perfis listados em grupos como o Centro Nacional de Pessoas Desaparecidas?

– Sim, e voltamos de mãos vazias – disse Dylan. – Muitas dessas mulheres e garotas nos abrigos são fugitivas e órfãs. Muitas são abandonadas. Umas fogem de casa, deliberadamente cortando todos os laços com a família e com os amigos. O resultado final é o mesmo: ninguém sente falta delas ou procura por elas no sistema; portanto, não há registros arquivados.

Renata concordou com um leve grunhido que pareceu falar de sua experiência.

– Quando você não tem nada, nem ninguém, você pode desaparecer, e é como se nunca tivesse existido.

Por causa dos seus anos na força policial do Alasca, Jenna sabia que isso era bem verdade. As pessoas desapareciam sem deixar rastro tanto nas grandes cidades como em pequenas comunidades. Isso acontecia todos os dias, embora ela jamais tivesse imaginado que fosse pelos motivos que Dylan, Savannah, Renata e as outras mulheres lhe explicavam agora.

– Qual o plano de vocês depois que identificarem as Companheiras de Raça desaparecidas?

– Depois que tivermos uma ligação pessoal com pelo menos uma delas – disse Savannah –, Claire pode tentar se comunicar através dos sonhos e, quem sabe, conseguir informações sobre a localização de onde as prisioneiras estão.

Jenna estava acostumada à rápida digestão e compreensão dos fatos, mas sua cabeça começava a girar com tudo o que estava ouvindo. E não conseguia evitar que sua mente procurasse por soluções para os problemas diante dela.

– Espere um instante. Se o dom de Claire a levou ao covil de Dragos uma vez, por que ela não pode simplesmente repetir isso?

– Para que seu dom funcione, ela precisa de algum tipo de elo emocional ou pessoal com a pessoa que está tentando localizar nos sonhos – respondeu Dylan. – O elo dela antes não era com Dragos, mas com outra pessoa.

– O antigo companheiro dela, Wilhelm Roth – explicou Renata, praticamente cuspindo o nome dele. – Ele era uma pessoa cruel, mas, comparada à de Dragos, sua crueldade não era nada. Jamais permitiríamos que Claire tentasse contatar o próprio Dragos. Isso seria suicídio.

– Tudo bem. Então onde nós ficamos com isso? – perguntou Jenna, o “nós” saindo de sua boca antes que ela percebesse o que havia dito. Mas era tarde demais para retirá-lo, e ela estava interessada demais para fingir outra coisa. – Onde você imagina que as coisas vão a partir daqui?

– Tenho esperanças de localizar a Irmã Margaret e que ela possa nos ajudar a desvendar alguma coisa – disse ela.

– Temos como entrar em contato com ela? – perguntou Renata.

A animação de Dylan se arrefeceu um pouco.

– Infelizmente, não há como termos certeza sequer de que ela ainda esteja viva. A amiga da minha mãe disse que ela deve estar com uns oitenta anos agora. A única boa notícia é que seu convento tem sede em Boston, então, existe a possibilidade de ela estar aqui. Por enquanto, só o que temos é seu número do seguro social4.

– Dê esse número a Gideon – sugeriu Savannah. – Tenho certeza de que ele consegue invadir o sistema do governo para conseguir todas as informações de que precisamos sobre ela.

– Foi isso mesmo que pensei – Dylan respondeu com um sorriso.

Jenna pensou em oferecer ajuda para localizar a freira. Ainda tinha amigos na força policial e em algumas agências federais. Com apenas um telefonema ou e-mail, ela poderia pedir um ou outro favor confidencial. Mas as mulheres da Ordem pareciam ter tudo sob controle.

E seria melhor para ela não se envolver em nada daquilo, lembrou-se com severidade, enquanto Dylan pegava o telefone ao lado do seu computador e ligava para o laboratório de tecnologia.

Alguns minutos mais tarde, Gideon e Rio entraram na sala de guerra. Os dois guerreiros receberam um relatório resumido do que Dylan descobrira. Antes mesmo de ela terminar de explicar o que havia descoberto, Gideon se acomodou diante de um computador e começou a trabalhar.

Jenna ficou olhando da sua cadeira junto à mesa enquanto todos os outros, Savannah, Renata, Alex, Rio e Dylan, se reuniram ao redor de Gideon para vê-lo fazer a sua mágica. Savannah estava certa: ele não precisou mais do que alguns minutos para invadir um firewall de um site do governo americano e começar a baixar os registros de que precisavam.

– A Irmã Margaret Mary Howland está bem viva, de acordo com a Administração do Seguro Social – anunciou ele. – Sacou a aposentadoria dela do mês passado, no valor de 298 dólares e alguns trocados num endereço em Gloucester. Estou imprimindo as informações agora.

Dylan deu um sorriso amplo.

– Gideon, você é um deus da tecnologia.

– Meu prazer é servir. – Levantou-se da cadeira e puxou Savannah para um beijo rápido, porém ardente. – Diga que está impressionada, amor.

– Estou impressionada – respondeu ela, rindo ao mesmo tempo em que lhe dava um tapa no ombro.

Ele sorriu, lançando um olhar para Jenna por sobre os óculos.

– Ela me ama – disse ele, puxando a bela companheira num abraço apertado. – Na verdade, ela é louca por mim. Não consegue viver sem mim. Muito provavelmente, está querendo me levar para a cama neste instante para se aproveitar de mim.

– A-hã. É o que você pensa – replicou Savannah, mas havia uma centelha ardente em seu olhar ao fitá-lo.

– Uma pena que não estamos tendo a mesma sorte para conseguir uma pista sobre a Sociedade TerraGlobal – lamentou Rio, o braço passando ao redor dos ombros de Dylan no que pareceu uma manobra instintivamente íntima.

Renata franziu o cenho.

– Nenhuma pista ainda?

– Nada – Gideon interveio. Ele deve ter percebido o olhar confuso de Jenna. – A Sociedade TerraGlobal é o nome da empresa que acreditamos que Dragos esteja usando como fachada para algumas das suas operações secretas.

Alex disse em seguida:

– Lembra-se daquela mineradora que abriu perto de Harmony há alguns meses, a Mineradora Coldstream? – Ante o aceno de Jenna, Alex continuou: – Pertencia a Dragos. Acreditamos que era para ela ter sido usada como uma prisão para o Antigo depois que o transportassem para o Alasca. Infelizmente, todos sabem como isso terminou.

– Conseguimos rastrear a Mineradora Coldstream até a Sociedade TerraGlobal – acrescentou Rio. – Mas só conseguimos avançar até aí. Sabemos que a TerraGlobal tem muitas camadas, mas está demorando demais para conseguirmos dissecá-las. Nesse ínterim, Dragos se esconde cada vez mais fundo, a cada minuto ficando mais longe do nosso alcance.

– Vocês vão pegá-lo – disse Jenna. Tentou ignorar a aceleração do coração ante a necessidade de pegar algumas armas e liderar a busca. – Vocês têm que pegá-lo, então vão pegá-lo.

Rio, com seu rosto marcado por cicatrizes demonstrando determinação ao assentir em concordância, fitou os olhos de Dylan.

– É. Um dia, nós vamos pegar esse filho da puta. Ele vai pagar por tudo o que já fez.

Debaixo do braço forte, Dylan deu um sorriso tristonho. Escondeu-se em seu abraço, tentando abafar um bocejo.

– Venha – disse Rio, afastando uma mecha dos cabelos ruivos dos olhos dela. – Você tem dedicado muitas horas a tudo isso. Agora vou levá-la para a cama.

– Não é uma má ideia – disse Renata. – A noite logo chega e aposto como Nikolai está testando a nova munição na sala de armas. Está na hora de ir buscar meu homem.

Enquanto ela se despedia e saía, Dylan e Rio, Savannah e Gideon faziam o mesmo.

– Quer ficar comigo e com Kade um pouco? – perguntou Alex.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não, estou bem. Acho que vou ficar aqui por alguns minutos, para relaxar um pouco. O dia foi longo e estranho.

O sorriso de Alex mostrou empatia.

– Se precisar de qualquer coisa, sabe onde me encontrar. Certo?

Jenna assentiu.

– Estou bem. Mas obrigada.

Observou a amiga sair e desaparecer lentamente pelo corredor. Quando não restava mais nada na sala a não ser silêncio e tranquilidade, Jenna se levantou e se aproximou da parede com os mapas, gráficos e retratos.

Era admirável o que a Ordem e as suas companheiras estavam tentando fazer. Era um trabalho importante, mais importante do que qualquer outra coisa com que Jenna se deparara no interior do Alasca, ou, na verdade, em qualquer outro lugar.

Se tudo o que ela descobrira nos últimos dias fosse verdade, então o que a Ordem fazia ali era salvar o mundo.

– Jesus Cristo... – sussurrou, atordoada com a enormidade de tudo aquilo.

Ela tinha que ajudar.

Se fosse capaz, mesmo que de uma maneira pequena, ela tinha que ajudar.

Não tinha?

Jenna andou ao redor da sala, com sua própria batalha acontecendo dentro de si. Não estava pronta para participar de algo como aquilo. Não enquanto ainda tinha tantas coisas para descobrir a respeito de si mesma. Com o irmão morto, ela não tinha mais nenhuma família. O Alasca fora seu lar durante toda a vida e agora isso também se fora, uma parte da sua existência anterior apagada para ajudar a Ordem a preservar seus segredos enquanto continuavam a perseguir o inimigo.

Quanto ao seu futuro, não sabia nem por onde começar. A substância alienígena dentro dela era um problema jamais imaginado, e nem adiantava desejar, porque aquilo não sumiria. Nem mesmo a mente brilhante de Gideon parecia capaz de arrancá-la daquela complicação confusa.

E também havia Brock. De todas as coisas que lhe aconteceram entre a invasão do Antigo ao seu chalé e a adoção atual, inesperada, ainda que não insuportável, por todos ali no quartel-general da Ordem, Brock estava se mostrando a coisa com a qual ela menos estava preparada para lidar.

Não estava nem um pouco perto disso no que se referia aos sentimentos que ele lhe provocava. Coisas que ela não sentia em anos, e, muito certamente, não queria sentir agora.

Nada em sua vida era certo, e a última coisa de que precisava era se envolver ainda mais nos problemas que os guerreiros e as suas companheiras enfrentavam.

No entanto, Jenna se viu seguindo para um computador na mesa ali perto. Sentou-se diante do teclado e entrou no navegador da internet, depois entrou num daqueles sites de e-mail grátis e criou uma conta.

Iniciou uma mensagem nova e digitou o endereço de um dos seus amigos da Polícia Federal em Anchorage. Fez uma única pergunta, uma questão a ser investigada confidencialmente como um favor pessoal.

Inspirou fundo, depois apertou o botão de enviar.


O número do seguro social, social security number, é um número de registro que todos os cidadãos americanos têm, como um CPF e um INSS unificados. Através dele, é possível localizar as pessoas, pois esse número é unificado em todo o território nacional. (N.T.)


Capítulo 12

No vestiário ao lado da sala das armas, Brock esticou a mão às costas para aumentar a temperatura da água de quente para escaldante. Com as mãos apoiadas na porta de teca do cubículo reservado, inclinou a cabeça em direção ao peito e agradeceu pelo jato de água cauterizante que lhe batia nos ombros e descia pelo pescoço. Vapor se formava ao seu redor, espesso como névoa, desde a cabeça até o piso de ladrilhos aos seus pés.

– Cristo! – Kade sibilou, alguns cubículos mais distante. – Duas horas direto de treino mano a mano não foi bastante castigo para você? Agora sente a necessidade de ferver vivo aí?

Brock grunhiu, passando a mão pelo rosto enquanto o vapor continuava a se formar e o calor continuava a açoitar seus músculos tensos demais. Encontrara Niko e Chase na sala das armas depois de deixar seus pertences no quarto que partilharia com Hunter. Parecia-lhe razoável esperar que alguns rounds de treinos de lâminas e treinos corpo a corpo bastariam para exaurir um pouco da sua inquietação e distração. Deveria ser assim, mas não foi.

– O que está acontecendo com você, cara?

– Não sei do que está falando – murmurou Brock, levando a cabeça e os ombros mais para baixo do jato de água escaldante.

A zombaria de Kade se fez ouvir no vestiário cavernoso.

– Até parece que não sabe.

– Droga – Brock exalou em meio à névoa que cobria sua cabeça. – Por que estou com a sensação de que você vai me explicar?

Houve o rangido da torneira sendo fechada, seguido pela batida da porta do chuveiro de Kade quando ele seguiu para o vestiário anexo. Alguns minutos depois, a voz de Kade soou do outro cômodo.

– Vai me contar o que aconteceu aquela noite em Southie, na fábrica?

Brock fechou os olhos e emitiu algo muito parecido com um rosnado, até mesmo para os seus ouvidos.

– Não há nada a contar. Havia fios soltos. Cuidei do assunto.

– A-hã – murmurou Kade. – Foi isso mesmo que imaginei que tivesse acontecido.

Quando Brock levantou a cabeça, viu o guerreiro parado diante dele. Kade estava totalmente vestido com jeans e camiseta preta, apoiado na parede oposta. Seu olhar prateado estreitado, como quem sabe o que está acontecendo.

Brock respeitava demais o amigo para tentar enganá-lo.

– Aqueles humanos eram a ralé que não pensaria duas vezes antes de ferir uma mulher inocente. Não acredita que esse tipo de brutalidade deve ser perdoado, acredita?

– Não. – Kade o encarou, depois assentiu com sobriedade. – Se eu me deparasse com alguém que tivesse colocado um dedo sequer em Alex, eu teria matado o desgraçado. Foi o que fez, não foi? Matou aqueles homens?

– Não eram homens, aqueles... – Brock grunhiu. – Eram cachorros raivosos, e o que fizeram com Jenna – aquilo que achavam que poderiam fazer e se safar – provavelmente não foi a primeira vez que machucaram uma mulher. Duvido que Jenna teria sido a última. Então, isso mesmo, acabei com eles.

Por um bom momento, Kade nada disse. Apenas o observou, mesmo depois que Brock voltou a colocar a cabeça debaixo do jato furioso, sem sentir necessidade de mais explicações. Nem mesmo para seu melhor amigo na Ordem, o guerreiro que era como um irmão para ele.

– Maldição – murmurou Kade depois de um longo silêncio. – Você gosta dela, não gosta?

Brock balançou a cabeça, tanto em negação como para tirar a água do rosto.

– Lucan me deu a responsabilidade de cuidar dela, de mantê-la segura. Só estou fazendo aquilo que esperam de mim. Ela é mais uma missão, nada diferente das outras.

– Ah, tá. Sem dúvida – caçoou Kade. – Eu tive uma missão como essa lá no Alasca há não muito tempo. Acho que já te contei uma ou duas vezes sobre ela, não foi?

– Isso é diferente – resmungou Brock. – O que você e Alex têm... Não é a mesma coisa. Alex é uma Companheira de Raça, para começar. Não existe a possibilidade de as coisas ficarem sérias com Jenna. Não sou do tipo que curte relacionamentos de longo prazo e, além disso, ela é humana.

As sobrancelhas escuras de Kade se uniram em sinal de preocupação.

– Não sei se algum de nós pode ter certeza do que ela é agora.

Brock absorveu a verdade dessa declaração com uma onda renovada de preocupação, não só por Jenna, mas pela Ordem e pelo resto da nação da Raça. O que quer que estivesse acontecendo com ela, parecia estar se acelerando naquele mesmo instante. Não tinha como negar que as notícias sobre seus exames de sangue o perturbavam. Sem falar que aquela porção alienígena colocada dentro dela estava se infiltrando cada vez mais em seu corpo, a um nível que nem mesmo Gideon parecia preparado para combater.

Brock emitiu uma imprecação debaixo do jato punitivo de água.

– Se está tentando fazer com que eu me sinta melhor a respeito disso tudo, sinta-se à vontade para parar a qualquer instante.

Kade riu, obviamente se divertindo com tudo aquilo.

– Sabe, não acho que você vá ter uma conversa de coração aberto com seu novo companheiro de quarto, então sou eu, aqui e agora, demonstrando que me importo.

– Sinto-me tocado – murmurou Brock. – Agora caia fora e deixe eu me escaldar em paz.

– Com todo prazer. Toda essa conversa sobre missões e mulheres me lembrou que tenho deveres importantes em meu apartamento que venho negligenciando...

Brock grunhiu.

– Lembranças a Alex.

Kade apenas sorriu ao se despedir, depois seguiu para a saída mais próxima.

Depois que ele se foi, Brock só ficou uns minutos mais debaixo da água. Já estava tarde, mas ele estava energizado demais para dormir. E o lembrete de Kade sobre as mutações biológicas de Jenna fez sua mente acelerar.

Enxugou-se, depois vestiu uma camiseta cinza e jeans escuros. Calçou os coturnos, sentindo uma súbita necessidade de voltar para a sala das armas para gastar um pouco mais de energia até o pôr do sol, quando poderia, por fim, escapar do complexo uma vez mais. Mas suar a camisa não funcionara muito da primeira vez; duvidava que o ajudasse agora.

Sem saber o que o livraria daquela agitação, Brock se viu andando pelo corredor principal do complexo, na direção do laboratório de tecnologia. Os corredores estavam silenciosos, desertos. Nada surpreendente para aquela hora do dia, quando os guerreiros comprometidos estavam com suas fêmeas e o restante dos ocupantes do quartel-general descansava antes do início das patrulhas da noite.

Brock deveria pensar em fazer o mesmo, porém estava mais interessado em saber se Gideon descobrira algo mais a respeito dos exames de sangue de Jenna. Ao entrar no corredor comprido que o levaria até o laboratório, ouviu movimentos em outra das salas do complexo.

Seguindo o barulho de papéis, parou diante da porta aberta do centro de comando da missão das Companheiras de Raça.

Jenna estava sozinha lá dentro.

Sentada à mesa de reuniões, com diversas pastas espalhadas diante de si e muitas outras empilhadas junto ao cotovelo, ela estava reclinada sobre um bloco de anotações, caneta na mão, completamente absorvida pelo que estava escrevendo, o que quer que fosse. A princípio, achou que ela não soubesse que ele estava ali. Mas em seguida, a mão dela parou no meio da página, e a cabeça se ergueu. As mechas de cabelo castanho caíram como seda quando ela se virou para ver quem estava na porta.

Aquela seria a sua chance para se esconder rápido, antes que ela o visse. Ele era da Raça, poderia estar ali e desaparecer antes que os olhos mortais registrassem sua presença. Em vez disso, por algum motivo idiota, sobre o qual não desejava refletir, avançou um passo e pigarreou.

O olhar castanho de Jenna se arregalou ao vê-lo.

– Oi – disse ele.

Ela sorriu de leve, parecendo pega desprevenida. E por que não estaria, depois da maneira como ele havia deixado as coisas entre os dois da última vez em que se viram? Ela pegou uma das pastas e colocou por cima do bloco de anotações.

– Pensei que todos tivessem ido descansar.

– E foram. – Ele entrou ainda mais na sala e passou os olhos nas informações sobre a mesa. – Parece que Dylan e as outras já conseguiram recrutar seus serviços.

Ela deu de ombros, numa negação débil.

– Eu só... estava olhando algumas coisas. Comparando anotações de alguns arquivos, anotando algumas ideias.

Brock se sentou ao lado dela.

– Elas vão gostar disso – disse ele, impressionado por ela estar ajudando. Esticou a mão na direção das suas anotações. – Posso ver?

– Não é nada de mais, mesmo – disse ela. – É só que algumas vezes ajuda alguém de fora dar uma olhada.

Ele relanceou para a letra curva e precisa que preenchia quase toda a página. A mente dela parecia funcionar do mesmo modo organizado, baseado no fluxo lógico das suas anotações e na lista de sugestões que fizera para a investigação das pessoas desaparecidas que Dylan e as outras Companheiras de Raça vinham procurando nos últimos meses.

– É um bom trabalho – disse ele, sem elogiar, apenas declarando um fato. – Dá para ver que você é uma excelente policial.

Outro levantar de ombros de negação.

– Não sou mais policial. Faz tempo que me afastei.

Ele a observou enquanto falava, notando o arrependimento que pairava em seu tom de voz.

– Não significa que não continue boa ainda no que faz.

– Parei de ser boa há algum tempo. Uma coisa aconteceu e eu... perdi minha motivação. – Ela o fitou, sem piscar. – Houve um acidente de carro há quatro anos. Meu marido e nossa filha de seis anos de idade morreram, só eu sobrevivi.

Brock assentiu.

– Eu sei. Lamento por sua perda.

A empatia dele pareceu incomodá-la de algum modo, e ela ficou meio sem saber o que fazer. Talvez lhe fosse mais fácil falar sobre a sua tragédia em seus termos, sem saber que ele já tomara conhecimento dela. Agora ela o fitava incerta, como se temesse que ele a julgasse de alguma maneira.

– Tive dificuldades para... aceitar que Mitch e Libby tinham partido. Por muito tempo, mesmo agora, é complicado entender como eu tenho que seguir em frente.

– Você vive – disse Brock. – É só o que pode fazer.

Ela assentiu, mas havia assombro em seu olhar.

– Você faz parecer tão fácil.

– Fácil não, apenas necessário. – Ele a viu cutucar um clipe torto em um dos relatórios. – Foi por isso que você se retirou do trabalho na polícia, porque não sabia como viver depois do acidente?

Fitando o espaço bagunçado na mesa diante dela, ela franziu a testa, em silêncio por um instante.

– Pedi demissão porque eu não conseguia mais executar minhas funções. Toda vez que eu tinha que me apresentar numa violação de trânsito, mesmo uma simples colisão de para-choque ou um pneu furado, eu chegava tremendo tanto ao local que mal conseguia sair do carro para oferecer ajuda. E nos chamados mais complicados, em acidentes sérios ou brigas domésticas que acabavam em violência, eu me sentia nauseada durante dias. Tudo o que eu aprendi no treinamento e no trabalho pareceu se despedaçar quando aquele caminhão carregando lenha atravessou a estrada escorregadia e destroçou minha vida. – Relanceou para ele, com seus olhos castanho-claros mais obstinados e firmes do que jamais vira. – Deixei de ser policial porque sabia que não conseguiria executar meu trabalho da maneira que ele precisava ser feito. Não queria que ninguém que pudesse depender de mim pagasse pela minha negligência. Por isso, pedi demissão.

Brock respeitava a coragem e a resiliência de Jenna desde que colocara os olhos nela. Agora, sua opinião apenas aumentara.

– Você se importava com o seu trabalho e com as pessoas que dependiam de você. Isso não é um sinal de fraqueza. Isso demonstra força. E, está claro, você amava o seu trabalho. E acho que ainda ama.

Por que essa simples observação atiçaria algum ponto fraco nela ele não entendia, mas teria que ser cego para não notar a centelha defensiva que brilhou em seus olhos. Jenna desviou o olhar ao perceber que deixara aquilo escapar e, quando falou, não havia raiva em sua voz. Apenas um tom de resignação.

– Sabe bastante sobre mim, não? Acho que não sobrou muito que você ou a Ordem não saibam sobre mim a esta altura.

– Alex nos contou apenas o básico – admitiu ele. – Depois do que aconteceu no Alasca, precisávamos saber algumas coisas.

Ela resmungou.

– Quer dizer, depois que comecei a falar coisas sem nexo enquanto dormia e me tornei um fardo indesejável para a Ordem.

– Mais ou menos isso – disse ele, continuando sentado quando ela se levantou e começou a se afastar dele, os braços cruzados diante do peito. Percebeu que ela abandonara por completo a bengala que Tess lhe dera, e que a perna machucada revelava apenas um leve manquejar a cada passo. – Vejo que seu ferimento já está melhorando.

– Está bem melhor. – Ela o fitou por sobre o ombro. – Na verdade, nem era tão grave assim.

Brock inclinou a cabeça como se concordasse, mas ele se lembrava muito bem da gravidade do ferimento. Se ela estava se curando a um ritmo acelerado, deduziu que as mutações genéticas descobertas por Gideon deviam estar por trás disso.

– Estou feliz que esteja se sentindo melhor – disse, pensando que, provavelmente, ela não precisava de um lembrete sobre a matéria desconhecida inserida dentro de si.

Seu olhar se deteve sobre ele, suavizando-se.

– Obrigada pelo que fez na noite passada, ir atrás de mim e me tirar daquele lugar horrível. Acho que você salvou a minha vida. Sei que salvou, Brock.

– Não foi nada.

Deus, ele esperava que ela jamais ficasse sabendo dos detalhes selvagens com que ele lidara com seus agressores. Ela não estaria agradecendo se o tivesse visto em ação naquela noite, nem se tivesse testemunhado o modo violento com que satisfizera tanto a sua sede quanto a sua fúria naqueles humanos desgraçados. Se soubesse do que ele era capaz, ela, sem dúvida, o enxergaria da mesma maneira que o Antigo que a atacara.

Não sabia por que isso o incomodava tanto. Não queria que ela o igualasse a um monstro, pelo menos não enquanto estivesse encarregado pela Ordem de protegê-la. Ela precisava confiar nele, e, como seu protetor designado, ele tinha que se certificar disso. Tinha um trabalho a fazer, e não estava disposto a perder de vista essa responsabilidade.

Mas sua questão com Jenna ia além disso, ele bem sabia. Só não tinha a mínima intenção de dissecar o assunto agora, nem num futuro próximo.

Observou-a se aproximar da parede coberta de mapas e gráficos que documentava a busca pelas Companheiras de Raça que a Ordem suspeitava que Dragos estivesse mantendo em cativeiro.

– Este trabalho é incrível – murmurou Jenna. – Dylan, Savannah, Renata, Tess... Todas as mulheres que conheci aqui são verdadeiramente incríveis.

– Sim, elas são – concordou Brock. Levantou-se e caminhou até onde estava Jenna. – A Ordem sempre foi uma força a ser respeitada, mas, desde que me juntei a ela, tenho visto nossas forças redobrarem por causa do envolvimento das fêmeas deste complexo.

Ela lhe lançou um olhar que ele considerou difícil de interpretar.

– O que foi?

– Nada. – Um leve sorriso tocou seus lábios quando ela meneou um pouco a cabeça. – Só estou surpresa em ouvir isso. A maioria dos homens com quem tive contato no trabalho, inclusive meu pai e meu irmão, preferiria comer seus distintivos a admitir que era melhor para eles trabalhar em equipe com as mulheres.

– Eu não tenho um distintivo – disse ele, retribuindo o sorriso. – E não sou como a maioria dos homens.

Ela riu de leve, mas não desviou o olhar.

– Não, você não é. E mesmo assim, é um dos poucos aqui que não tem uma Companheira de Raça.

Ele pensou nisso, mais do que apenas um pouco intrigado pelo fato de ela estar curiosa sobre sua vida pessoal.

– Trabalho é uma coisa. Assumir uma companheira com um elo de sangue é outra. É um tipo de situação eterna, e sou alérgico a relacionamentos de longo prazo.

Os olhos inteligentes o avaliaram.

– Por quê?

Seria fácil dar-lhe uma resposta charmosa e sem fundamento, do tipo a que estava acostumado a dar quando Kade e os outros tocavam no assunto de Companheiras de Raça e de envolvimentos sentimentais. Mas ele não poderia olhar para Jenna e ser outra coisa a não ser honesto, não importando como isso mudaria a forma como ela o enxergava.

– Relacionamentos de longo prazo aumentam as chances de eu desapontar alguém. Por isso, me esforço para me manter longe disso.

Ela não disse nada por um ou dois minutos. Apenas o encarou em silêncio, os braços ainda ao seu redor, uma centena de emoções acentuando a cor de seus olhos.

– É, sei o que está querendo dizer – disse, por fim, a voz mal passando de um sussurro rouco. – Sei tudo a respeito de desapontar as pessoas.

– Não tem como eu acreditar nisso. – Ele não conseguia enxergar a mulher capaz e confiante deixando de fazer algo que se dispusera a fazer.

– Pode acreditar – disse ela com seriedade, girando sobre os calcanhares e seguindo para junto da outra parede, onde um punhado de retratos falados fora disposto ao longo de mapas e de anotações. Quando voltou a falar, havia uma casualidade em sua voz que parecia forçada. – Então, essa sua alergia a relacionamentos duradouros é alguma novidade para você, ou sempre evitou compromissos?

Ele teve uma imagem mental instantânea de olhos reluzentes e de uma risada maliciosa e musical que ainda ouvia às vezes, como um fantasma à espreita em suas lembranças.

– Já existiu alguém. Bem... Poderia ter havido alguém. Ela morreu há muitos anos.

A expressão de Jenna ficou sombria de remorso.

– Brock, sinto muito. Não tive a intenção de...

Ele deu de ombros.

– Não precisa se desculpar. Isso foi há um século. – Quase literalmente, ele percebeu, atordoado pelo fato de que tanto tempo havia se passado desde que o seu descuido custara a vida de alguém a quem ele, supostamente, deveria ter protegido.

Jenna voltou a se aproximar e se recostou na beira da mesa ao lado dele.

– O que aconteceu com ela?

– Foi assassinada. Eu trabalhava como guarda-costas no Refúgio Secreto de uma família em Detroit na época. Era minha responsabilidade mantê-la a salvo, mas meti os pés pelas mãos. Ela desapareceu sob a minha vigilância. Seu corpo foi encontrado meses mais tarde, brutalizado a ponto de não ser reconhecido, abandonado num rio.

– Ah, meu Deus... – A voz de Jenna saiu suave, carregada de empatia. – Que horrível.

– É, foi mesmo – disse ele, lembrando-se muito bem do horror do que havia sido feito a ela, antes e depois de ser morta. Três meses na água não deixaram mais fácil de olhar o que lhe haviam feito.

– Sinto muito – repetiu Jenna, esticando uma mão para apoiá-la no músculo saltado do bíceps dele.

Ele tentou ignorar a súbita percepção que surgiu com aquele contato. Mas tentar não perceber sua atração por ela era o mesmo que ordenar ao fogo que não fosse quente. Toque-o e você se queimará. Assim como ele queimava agora, quando relanceou para a mão pálida de Jenna em contraste com a sua pele escura.

Quando ele levantou o olhar para ela, percebeu pela forma sutil com que ela inspirava que seus olhos muito provavelmente estavam iluminados por centelhas cor de âmbar, a transformação traindo seu desejo por ela. Ela engoliu em seco, mas não desviou o olhar.

Que Deus o ajudasse, mas ela tampouco retraiu a mão, nem mesmo quando o seu rugido de macho excitado se formou na base da garganta.

Pensamentos do que acontecera com ela há poucas horas em seu apartamento jorraram como uma onda de lembranças ardentes. Não havia mais do que alguns poucos centímetros entre eles, mesmo agora. Ficou imaginando se Jenna queria que ele a beijasse. Estivera inseguro quanto ao que ela sentia, e com a possibilidade de ela estar sentindo algo parecido com seu próprio desejo. Agora, precisava saber com uma ferocidade que o assustava.

Para ter certeza de que não estava interpretando mal, nem que fosse apenas pela sua sanidade, cobriu a mão dela com a sua. Aproximou-se, postando-se de frente para ela, que ainda estava apoiada na mesa.

Ela não se retraiu. Encarou-o bem nos olhos, confrontando-o, bem como ele esperava que ela fizesse.

– Eu não sei bem como lidar com tudo isto – disse ela com suavidade. – As coisas que têm acontecido comigo desde aquela noite no Alasca... Todas as perguntas que talvez nunca sejam respondidas. Sei lidar com isso. De alguma forma, vou aprender a lidar. Mas você... Isto... – Ela baixou o olhar para as mãos unidas, os dedos entrelaçados. – Não sou boa nisso. Meu marido se foi há quatro anos. Não houve ninguém desde então. Nunca estive pronta para isso. Não quis...

– Jenna. – Brock tocou no seu queixo, erguendo-o com suavidade para fitá-la nos olhos. – Tudo bem se eu te beijar?

Os lábios dela vacilaram num sorriso que ele não resistiu a provar. Inclinou a cabeça e a beijou devagar, para que ela se acostumasse, apesar da intensidade do seu desejo.

Embora ela tivesse confessado estar sem prática, ele jamais teria imaginado isso pela sensualidade dos lábios dela ao encontro dos seus. O beijo, tanto suave quanto direto, dando e recebendo, o incendiou. Ele se aproximou, até se ajustar entre suas pernas, precisando sentir o corpo dela pressionado contra o seu enquanto passava a língua ao longo dos lábios aveludados. Correu as mãos pela lateral de seu corpo, ajudando-a a subir na mesa quando a perna machucada começou a tremer.

O beijo fora um erro. Achara que as coisas terminariam ali – apenas um beijo –, mas, agora que começara, ele simplesmente não sabia como encontraria forças para pôr um fim naquilo.

E, pela sensação dela em seus braços, pelos gemidos e sussurros de prazer enquanto os beijos davam início a algo mais poderoso, teve certeza de que ela também queria mais.

Mas, pelo visto, não poderia estar mais errado.

Foi só quando percebeu a umidade em seu rosto que notou que ela estava chorando.

– Jesus – sibilou, recuando de pronto e sentindo-se um cretino ao ver seu rosto marcado pelas lágrimas. – Desculpe. Se eu te pressionei rápido demais...

Ela balançou a cabeça, visivelmente triste, mas sem conseguir falar nada.

– Diga que eu não te machuquei, Jenna.

– Droga. – Ela inspirou fundo. – Não posso fazer isto. Desculpe, a culpa é minha. Eu nunca deveria ter deixado que você...

As palavras foram interrompidas quando ela o empurrou para longe, desvencilhando-se dele, e correu para o corredor.

Brock ficou ali por um minuto, todo tenso e dolorido, ávido de desejo. Deveria deixá-la ir. Considerar aquilo apenas um desastre evitado por um triz e tirar a tentadora Jenna Darrow da cabeça.

Sim, é exatamente isso o que deveria fazer, e ele sabia muito bem disso.

Mas, quando esse pensamento se formou, ele já estava na metade do corredor, seguindo os sons do choro de Jenna até seu antigo apartamento.


Capítulo 13

Jenna se sentia a maior das covardes, uma fraude absoluta, enquanto fugia pelos corredores, tentando engolir as lágrimas. Deixara Brock pensar que não o queria. Provavelmente o fez acreditar que ele a pressionara de algum modo com aquele beijo, quando quase a derretera numa poça na mesa daquela sala de reuniões. Deixou que ele ficasse se preocupando por ter feito algo errado, que talvez a tivesse magoado, e essa era a coisa mais injusta de todas.

No entanto, não conseguira deixar de fugir, precisando colocar alguma distância entre eles com uma determinação que beirava o desespero. Ele a fazia sentir demais. Coisas para as quais não estava preparada. Coisas que ela necessitava com tamanha profundidade, mas que não merecia.

Por isso fugiu, mais aterrorizada do que nunca e odiando a covardia que a fazia colocar pé ante pé. Quando chegou ao quarto, estava tremendo e sem fôlego, lágrimas ainda descendo pelas faces.

– Jenna.

O som da voz grave atrás dela foi como uma carícia ardente em sua pele. Virou-se de frente, atônita com a velocidade e com o silêncio que o levaram até ali não mais do que um segundo depois dela. Mas, em retrospecto, ele não era humano. Não era um homem de fato – uma coisa da qual ela tinha que se lembrar quando ele estava tão próximo, com todo aquele tamanho, a intensidade do olhar se comunicando com tudo o que era feminino dentro dela.

Sua boca ainda estava inchada pelos beijos dele. Sua pulsação ainda batia descompassada. O calor ainda ardia dentro dela.

E como se soubesse disso, Brock se aproximou ainda mais. Esticou o braço e pegou sua mão, sem dizer nada. Não havia necessidade de palavras. Apesar das lágrimas que começavam a diminuir e do tremor das suas pernas, ela não conseguia esconder o desejo que sentia por ele.

Não resistiu quando ele a trouxe para perto, para o calor do seu corpo. Para o conforto dos seus braços.

– Estou com medo – sussurrou ela. Essas palavras não lhe vinham fáceis, como nunca vieram.

Com o olhar preso ao dela, ele lhe acariciou o rosto.

– Não precisa ter medo de mim. Não vou machucar você, Jenna.

Acreditou nele, mesmo antes de ele inclinar a cabeça e resvalar os lábios num beijo dolorosamente carinhoso. De maneira incrível e impossível, confiava naquele homem que não era um homem. Queria as mãos dele sobre si. Queria sentir aquela conexão de novo com alguém, mesmo que não estivesse pronta para pensar em algo além do físico, do desejo de tocar e de ser tocada.

– Está tudo bem – ele murmurou ao encontro da sua boca. – Está segura comigo, prometo.

Jenna fechou os olhos ao absorver suas palavras, as mesmas que a acalmaram na escuridão do seu chalé no Alasca, e de novo na enfermaria do complexo. Brock fora seu elo com o mundo dos vivos depois da sua provação com o Antigo. Sua única corda de segurança durante os infindáveis pesadelos que se seguiram nos dias depois que ela fora trazida àquele lugar estranho, modificada de tantas maneiras.

E agora...?

Agora ela não sabia muito bem como ele se encaixava na confusão que restara da sua vida. Não estava pronta para pensar nisso. Tampouco estava plenamente segura de estar preparada para as sensações que ele lhe provocava.

Recuou um pouco, a dúvida e a vergonha ainda se avolumando na parte dela que ainda lamentava a perda, a ferida aberta em sua alma que há muito tempo aceitara que jamais se cicatrizaria por completo.

Pressionando a testa no calor da solidez de seu peito, no algodão macio que exalava seu cheiro exótico característico, Jenna inspirou profundamente para se fortalecer. E expirou num suspiro entrecortado.

– Será que eu os amava o suficiente? É o que não paro de me perguntar desde aquela noite em meu chalé...

As mãos fortes de Brock alisaram suas costas, fortes e carregadas de compreensão, dando a calma que ela precisava a fim de reviver aqueles momentos torturosos quando o Antigo a pressionara para que ela decidisse o próprio destino.

– Ele me fez escolher, Brock. Naquela noite em meu chalé, pensei que ele iria me matar, mas não matou. Eu não teria lutado se ele matasse. E ele sabia disso, acho. – Na verdade, ela tinha certeza. Naquela noite em que o Antigo invadira sua casa, ela não estava bem. Ele vira a garrafa de uísque vazia no chão e a pistola carregada em sua mão. A caixa de fotografias que ela pegava todos os anos por volta do aniversário do acidente que lhe roubara a família e que a deixara para viver sozinha. – Ele sabia que eu estava preparada para morrer, mas, em vez de me matar, forçou-me a dizer as palavras, a lhe dizer em voz alta o que eu queria mais: vida ou morte. Foi como uma tortura, algum tipo de jogo doentio que ele me fez jogar contra a minha vontade.

Brock resmungou alguma imprecação incompreensível, mas as mãos continuaram suaves às suas costas, carinhosas, num calor tranquilizador.

– Ele me fez escolher – disse ela, lembrando-se de cada minuto insuportável daquela provação.

Mas, ainda pior do que as horas infindáveis do seu aprisionamento e de vê-lo alimentando-se dela, do que o horror de perceber que seu captor não era uma criatura deste mundo, foi o momento terrível no qual ouviu a própria voz rouca dizer as palavras que pareciam rasgar das profundezas mais íntimas e envergonhadas de sua alma.

Quero viver.

Ai, meu Deus... por favor, deixe-me viver.

Não quero morrer!

Jenna engoliu o nó de angústia que se formara em sua garganta.

– Fico pensando que não os amava o bastante – sussurrou, devastada ante esse pensamento. – Fico pensando que, se os amasse de verdade, teria morrido com eles. Que, quando o Antigo me forçou a escolher se queria ou não viver, eu teria feito uma escolha diferente.

Quando o choro ficou preso em sua garganta, os dedos de Brock resvalaram seu queixo. Ergueram seu rosto para seu olhar solene.

– Você sobreviveu – disse ele, a voz firme, mas com infinito afeto. – Foi só o que fez. Ninguém a culparia por isso, muito menos eles.

Ela fechou os olhos, sentindo o peso do arrependimento diminuir um pouco com as palavras reconfortantes que ouvia. Mas o vazio em seu coração era um lugar frio e oco. Um que se tornou ainda maior quando Brock a tomou nos braços, confortando-a. O calor e a preocupação dele penetraram em sua pele como um bálsamo, acrescentando mais emoção ao desejo que não diminuíra por conta da proximidade do corpo forte. Torceu-se no refúgio que era seu abraço, apoiando o rosto na força sólida e firme que ele era.

– Posso acabar com isso, Jenna. – Ela sentiu a pressão da boca, o fluir da respiração em seus cabelos enquanto ele beijava o topo de sua cabeça. – Posso carregar sua dor por você, se quiser.

Havia uma parte nela que se rebelava contra isso. A mulher forte, a policial experiente, aquela que sempre enfrentava qualquer situação, se retraiu ante a ideia de que seu sofrimento pudesse ser pesado demais para ela mesma suportar. Nunca precisou de ajuda, tampouco se dispôs a pedir, jamais. Esse tipo de fraqueza jamais lhe serviria.

Retraiu-se, a recusa na ponta da língua. Mas quando abriu os lábios para falar, as palavras não surgiram. Fitou o belo rosto de Brock, os olhos penetrantes que pareciam enxergar bem dentro dela.

– Quando foi a última vez que se permitiu ser feliz, Jenna? – Ele afagava seu rosto com tanta suavidade, com tanta reverência, que ela estremeceu sob seu toque. – Quando foi a última vez que sentiu prazer? A mão grande desceu ao longo do pescoço. O calor irradiou da palma ampla e dos dedos longos. Sua pulsação acelerou conforme ele espalmou a nuca, o polegar acariciando o ponto sensível debaixo da orelha.

Então, ele a aproximou de si, inclinando-lhe o rosto para se encontrar com o seu. Beijou-a, lenta e profundamente. A fusão vagarosa da boca dele ao encontro da sua lançou uma corrente de calor líquido em suas veias. O fogo se empoçou em seu centro, seu íntimo se enchendo com um desejo ardente e ávido.

– Se você não quiser isto – murmurou ele ao encontro dos seus lábios –, basta dizer. A qualquer hora, eu paro...

– Não. – Ela balançou a cabeça ao erguer a mão para tocar no maxilar forte. – Eu te quero, mas tanto que isso está me assustando demais.

O sorriso dele se espalhou preguiçosamente, os lábios sensuais se afastando para revelar os dentes brancos e a extensão aumentada das presas. Jenna fitou sua boca, sabendo que os instintos básicos humanos de sobrevivência deviam estar disparando todo tipo de alarme, avisando-a de que aproximar-se demais daqueles caninos seria letal.

Mas ela não sentiu medo. Em vez disso, sua mente reconheceu a transformação dele com um sentimento inexplicável de aceitação. Excitação até, enquanto o castanho absorvente de seus olhos começou a reluzir com uma luz âmbar incandescente.

Acima do colarinho da camiseta cinza e debaixo das mangas curtas que se agarravam aos montes firmes dos bíceps musculosos, os dermaglifos de Brock pulsavam em cores. As marcas da pele do membro da Raça assumiram uma cor mais acentuada do que seu costumeiro tom de bronze, tornando-se mais bordô e dourado, junto com um roxo escuro. Jenna percorreu os dedos ao longo das curvas e arcos dos seus glifos, maravilhando-se com a beleza sobrenatural.

– Tudo o que eu achava que sabia é diferente agora – ponderou em voz alta enquanto permanecia no círculo dos braços dele, distraidamente tracejando os desenhos dos glifos que desciam. – Tudo mudou agora. Eu mudei, de maneiras que nem sei se farão sentido para mim. – Levantou o olhar. – Não estou atrás de mais confusão em minha vida. Não acho que eu seja capaz de lidar com mais isso além de todo o resto.

Ele sustentou o seu olhar, sem julgá-la, revelando apenas paciência e uma aura de controle imperturbável.

– Você está confusa agora, enquanto te toco... ou quando a beijo?

– Não – disse ela, surpresa ao constatar isso. – Nem antes.

– Isso é bom. – Ele se inclinou e clamou sua boca novamente, sugando o lábio inferior, capturando-o entre os dentes ao afagar suas costas, depois espalmando a mão na curva das nádegas. Apertou-a com possessividade, rebocando o corpo eletrizado ao longo da sua ereção. Esfregou o nariz na curva do pescoço, os lábios quentes e úmidos em sua pele. Quando falou de novo, sua voz estava mais grossa do que antes, carregada do mesmo tipo de avidez que a percorria. – Permita-se sentir prazer, Jenna. Se quiser, é só isso o que precisa acontecer entre nós. Sem pressão, sem amarras. Sem promessas que nenhum de nós está pronto para fazer.

Ah, Deus. Parecia tão bom, tão tentador, ceder ao desejo que vinha crescendo entre eles desde que ela despertou no complexo da Ordem. Não estava pronta para abrir o coração novamente, talvez nunca estivesse pronta para essa vulnerabilidade de novo, mas não sabia se era forte o bastante para resistir ao presente que Brock estava lhe oferecendo.

Ele a beijou na base da garganta.

– Está tudo bem, Jenna. Entregue o resto para mim agora. Liberte-se de tudo, exceto disto.

– Sim. – Ela suspirou, sem conseguir refrear um arquejo quando as carícias trafegaram por seu corpo. As mãos fortes e habilidosas lançaram picadas de energia pelas suas veias, o talento sobrenatural sugando todo o peso remanescente de tristeza, de dor e de confusão. A boca ardente e habilidosa deixou apenas sensações e avidez em seu rastro.

Ele beijou uma pequena trilha ao longo do pescoço, depois pelo maxilar, até que seus lábios se encontraram com os dela uma vez mais. Jenna acolheu sua paixão, abrindo-se para ele enquanto a língua passava pelo vale entre seus lábios. Ele gemeu quando ela o sugou para dentro, grunhiu uma aprovação absolutamente masculina enquanto ela passava os dedos ao redor da sua cabeça, segurando-o com mais firmeza ao encontro da sua boca.

Deus, ela não fazia ideia de quanto necessitava do toque de um homem. Ficara tempo demais sem aquela intimidade, forçosamente se privando do contato sexual e daquele tipo de relaxamento. Por quatro anos, convencera-se de que não queria nem precisava daquilo, apenas mais um castigo autoimposto pela grave ofensa de ter sobrevivido ao acidente que matara seus entes queridos.

Acreditara-se imune ao desejo; no entanto, ali com Brock, todas aquelas barreiras antes impenetráveis estavam sendo derrubadas, caindo ao seu redor como se não fossem mais do que folhas secas. Ela não conseguia sentir culpa pelo prazer que ele estava lhe proporcionando. Não havia como saber se pela habilidade de Brock de absorver a sua angústia ou pelo desejo reprimido. Só o que ela conhecia era a intensidade crescente das reações do seu corpo ao dele, uma onda de prazer e de antecipação que a deixava sem ar e querendo ainda mais.

As mãos grandes passaram para os ombros, depois começaram sua viagem para os seios. Através do algodão fino da camisa dela, os mamilos endureceram, ficando rijos e doloridos, vivos com sensações a cada carícia aplicada. Jenna gemeu, querendo mais dos toques dele. Capturou sua mão e a guiou por baixo da bainha larga da camisa. Ele não precisou de mais orientações. Em menos de um segundo, soltou o fecho do sutiã e cobriu a pele nua com a palma quente. Brincou com o botão duro ao acariciá-la.

– Melhor assim? – murmurou ele, logo abaixo da orelha. – Diga se está gostando.

– Deus... Sim! – Era tão bom que ela mal conseguia formar palavras.

Jenna sibilou de prazer, jogando a cabeça para trás enquanto uma sensação espiralada se contraía em seu íntimo. Ele continuou tocando-a, beijando-a e acariciando-a, enquanto lentamente tirava sua camisa. Fez o mesmo com o sutiã aberto, deslizando as alças finas pelos ombros, escorregando-as pelos braços. De repente, ela estava nua da cintura para cima diante dele. O instinto de se cobrir – de esconder as cicatrizes que cruzavam seu tronco por causa do acidente, e aquela no abdômen que era um lembrete diário do difícil trabalho de parto de Libby – surgiu de leve, mas apenas por um instante.

Só pelo tempo que demorou para erguer a cabeça e se deparar com o olhar de Brock.

– Você é linda – disse ele, pegando-lhe as mãos com suavidade e afastando-as do corpo antes que ela tivesse a oportunidade de se sentir envergonhada pelo elogio dele ou pela sua observação franca.

Nunca se sentira especialmente bela. Confiante e capaz, bem fisicamente e forte. Essas palavras ela entendia e aceitava. Palavras que a acompanharam em boa parte dos seus trinta e três anos de vida, mesmo durante o casamento. Mas linda? Era-lhe tão estranha quanto o idioma desconhecido que se ouvira falar no vídeo na enfermaria no dia anterior.

Brock, este sim, era lindo. Ainda que parecesse uma palavra esquisita para descrever a sombria força da natureza que estava diante dela.

Cada mancha castanha dos olhos dele sumira, devorada pelo brilho âmbar que aquecia suas faces como uma chama viva. As pupilas afinaram parecendo fendas, e as faces magras agora estavam mais angulares, a pele escura imaculada esticada por sobre os ossos, ressaltando a aparência atordoante das presas longas e afiadas.

Aqueles olhos ardentes prenderam os seus, enquanto ele tirava a camiseta e a deixava cair no chão ao lado dela. O peito era incrível, uma parede maciça de músculos bem torneados cobertos por um desenho intricado de glifos pulsantes. Ela não resistiu ao desejo de tocar a pele lisa, só para ver se era tão sedosa sob seus dedos quanto lhe parecia ao olhar. Era ainda mais macia do que imaginara, mas a força absoluta e sobrenatural abaixo dela era inconfundível.

Brock lhe parecia tão letal quanto fora ao salvá-la na cidade, a não ser, talvez, pela ira gélida que emanara dele como em ondas aquela noite, pois agora ele vibrava com algo igualmente agressivo e intenso: desejo. Todo centrado nela.

– Você está... Maldição, Jenna – ele disse rouco, tracejando a linha do seu ombro, depois circundando a ponta rósea do seu seio. – Você não faz ideia de quanto é adorável, faz?

Ela não respondeu, nem saberia como. Em vez disso, aproximou-se e puxou a boca dele para a sua para mais um beijo ardente. Pele contra pele, os seios esmagados contra os músculos firmes do peito dele, Jenna quase entrou em combustão de tanto desejo. Seu coração batia forte, a respiração acelerada, enquanto Brock abaixava a mão e descia o zíper de seus jeans. Ela mordeu os lábios quando ele deslizou as mãos entre a cintura da calça e a pele dos seus quadris, depois fez descer os jeans por sobre a calcinha branca. Ele se afundou sobre os calcanhares, acompanhando a descida dos jeans com as mãos.

Tomou cuidado perto do ferimento a bala, a fim de não mexer no curativo que envolvia a coxa.

– Tudo bem? – perguntou, erguendo o olhar para ela, a voz grave tão rouca que ela mal a reconheceu. – Se houver dor, posso cuidar dela.

Jenna balançou a cabeça.

– Não está doendo. Está tudo bem, mesmo.

Os olhos reluzentes âmbar se fecharam baixando os cílios ao voltar para a tarefa que tinha em mãos. Com os jeans removidos, ele se apoiou nos calcanhares e olhou para ela, deslizando as mãos para cima e para baixo na extensão das suas pernas.

– Tão, tão linda – ele a elogiou, depois inclinou a cabeça e pressionou os lábios no triângulo de algodão branco entre as coxas, a única peça de roupa que a cobria agora.

Jenna expeliu um suspiro trêmulo quando ele prendeu o tecido entre os dentes e as presas. Com o olhar carregado de propósito, fitou-a, as mãos ainda acariciando as pernas, e puxou a peça antes de soltá-la, deixando voltar ao seu lugar, cobrindo a pele aquecida. Ele a seguiu com a boca, beijando-a de novo, com mais determinação agora, afastando o irrisório pedaço de pano e esfregando o rosto ainda mais na fenda úmida do seu sexo.

As mãos a seguravam pelas nádegas enquanto ele a explorava com os lábios e a língua e o resvalar erótico dos dentes na pele úmida do seu centro. Despiu-a da calcinha, depois afastou as coxas e a sugou novamente. Levou uma mão até o meio das pernas, acrescentando o toque dos dedos à habilidade enlouquecedora da boca. Jenna estremeceu, perdida em sensações e a pouco menos do que uma inspiração de desfalecer.

– Céus – arfou ela, tremendo quando ele sondou suas dobras com a ponta do dedo, penetrando-a apenas de leve, enquanto seus beijos a deixavam cada vez mais tensa. Moveu-se na direção dele, inundada pelo calor. – Meu Deus... Brock, não pare.

Ele gemeu ao encontro da umidade dela, um longo ronronar de evidente apreciação masculina que vibrou em seus ossos e músculos até seu cerne aquecido. O clímax de Jenna a atravessou tal qual uma tempestade. Estremeceu com a sua força, exclamando quando o prazer a assolou e a fez subir aos céus. Quase se desfez, a sensação pairando quase como poeira estelar enquanto ela espiralava mais e mais alto, com tremores de puro deleite trespassando-a, um após o outro.

Sentia-se sem ossos ao flutuar de volta à realidade. Sem ossos e exausta, apesar de seu corpo ainda estar vibrando, repleto de sensações. E Brock ainda a beijava. Ainda a afagava com os dedos, arrancando cada um dos tremores restantes enquanto ela se agarrava aos ombros largos e arfava com o prazer dos tremores.

– Acho que eu estava precisando disso – sussurrou, estremecendo quando o riso baixo dele ecoou em sua pele ainda sensível. Ele a beijou no interno da coxa, mordiscando de leve, e suas pernas vacilaram um pouco sob o próprio peso. Ela se deixou cair para a frente, envolvendo Brock pelas costas. – Ah, meu Deus. Eu não imaginava o quanto precisava disso.

– O prazer foi meu – ele disse, rouco. – E ainda não terminei. – Mudou de posição debaixo dela, passando o braço ao seu redor e acomodando-a sobre o ombro. – Segure firme em mim.

Ela não teve escolha. Antes de entender o que ele pretendia, ele já se levantava. Carregou-a como um peso morto sobre um ombro e se pôs de pé, como se ela não passasse de um fardo de penas. Jenna se segurou como ele lhe dissera, sem deixar de admirar a força absoluta com que ele caminhava até o quarto adjacente. Vestindo apenas os jeans, os músculos das costas se flexionavam e contraíam debaixo da pele lisa a cada longa passada, um concerto perfeito de boa forma e talhe.

Não havia dúvidas, ele era lindo.

E seu corpo já eletrizado zunia com calor renovado quando ela percebeu que ele a carregava direto para a imensa cama king size.

Ele afastou a colcha e o lençol, depois a depositou na beira do colchão. Jenna observou com desejo crescente enquanto ele desabotoava os jeans e os retirava. Ele não estava usando nada por baixo. Glifos elaborados tracejavam a cintura estreita e o quadril, descendo pelas pernas vigorosas. As cores pulsavam e se transformavam, atraindo seu olhar por um breve instante da ereção evidente, que estava rija e imensa enquanto ele apenas observava enquanto ela o avaliava dos pés à cabeça.

Jenna engoliu com a boca seca quando ele se aproximou dela, devastador em toda a sua nudez. O olhar reluzente ainda mais brilhante, as presas ainda mais alongadas.

Ele parou perto da cama, crispando a testa quando ela se deteve no seu olhar transfigurado.

– Está com medo de mim... deste jeito?

Ela só balançou a cabeça de leve.

– Não, não estou com medo.

– Se estiver preocupada com relação a uma possível gravidez...

Ela voltou a balançar a cabeça.

– Meus danos internos no acidente cuidaram disso. Não posso engravidar. De toda forma, pelo que soube, DNA humano e da Raça não se misturam.

– Não – confirmou ele. – E em relação a quaisquer outras preocupações que possa ter, está segura comigo. Não existem doenças nos da minha espécie.

Jenna assentiu.

– Confio em você, Brock.

O crispar da testa dele diminuiu, mas ele permaneceu imóvel.

– Se não tiver certeza, se não é isso o que você quer, então o que lhe disse antes ainda vale. Podemos parar a qualquer instante. – Ele riu baixinho. – Acho que isso pode acabar comigo agora, já que está toda sensual na minha cama, mas eu paro. Que Deus me ajude, mas eu paro.

Ela sorriu, emocionada por alguém tão poderoso demonstrar tamanha honra e humildade. Ela afastou o lençol e abriu espaço para ele ao seu lado.

– Não quero parar.

A boca dele se abriu num sorriso amplo. Com um grunhido, foi em frente e sentou na cama ao seu lado. A princípio, apenas se tocaram e se acariciaram, beijando-se com suavidade, aprendendo mais sobre seus corpos. Brock foi paciente, apesar de a tensão em seu corpo revelar que ele estava se torturando por se refrear. Foi atencioso e carinhoso, tratando-a como uma amante querida, apesar de terem concordado de antemão que aquilo entre eles jamais seria outra coisa além de algo casual, sem amarras.

Para Jenna, parecia incrível que um homem que ela mal conhecia – aquele macho da Raça que tinha todo o direito de assustá-la – pudesse lhe parecer tão familiar, tão íntimo. Brock, porém, dificilmente era um estranho. Ele estivera ao seu lado em meio ao seu pesadelo pessoal, e de novo nos dias de sua recuperação ali no complexo. E a procurara naquela noite em que estivera sozinha e ferida na cidade, um improvável salvador sombrio.

– Por que fez aquilo? – perguntou baixinho, os dedos percorrendo os dermaglifos que se curvavam pelos ombros e desciam pelo peito. – Por que ficou comigo no Alasca e depois todos aqueles dias na enfermaria?

Ele ficou em silêncio por um momento, as sobrancelhas escuras unidas sobre o olhar reluzente.

– Odiei ver o que aconteceu com você. Você era apenas uma inocente que se viu em meio a um tiroteio. Você é humana. Não merecia ser arrastada para o meio da nossa guerra.

– Já sou uma garota crescida. Sei lidar com isso – disse, uma resposta automática que não sentia verdadeiramente. Ainda mais depois dos resultados perturbadores dos seus exames de sangue. – E quanto a agora? O que estamos fazendo aqui, quero dizer... Isto faz parte do seu programa “seja legal com a humana” também?

– Não. Claro que não. – A carranca dele se acentuou a ponto de mostrar raiva. – Acha que isso é pena? É isso o que você acha que é? – Ele inspirou fundo, revelando as pontas das presas ao rolá-la de costas e ficar sentado em cima dela. – Para o caso de não ter percebido, estou excitado pra caramba por você. Se me excitar mais, acabo explodindo.

Para provar seu ponto de vista, ele deu uma estocada nada sutil com o quadril, acomodando-se entre as dobras úmidas de seu sexo. Ele bombeou algumas vezes, fazendo a rigidez do membro entrar e sair da fenda dela, atiçando-a com o calor da sua excitação. Passou o braço por trás do joelho dela, levantando-lhe a perna até seu ombro, virou o rosto para a coxa e deu-lhe uma mordiscada.

– Isto é desejo puro e simples, nada de piedade – disse, sua voz rouca ao penetrá-la, longa e profundamente.

Jenna não conseguiria formular uma resposta mesmo que tentasse. A sensação atordoante de tê-lo preenchendo-a, estendendo-a cada vez mais a cada estocada, era tão sobrepujante que lhe roubou o fôlego. Ela se segurou a ele com as duas mãos enquanto ele lhe capturou a boca num beijo ardente, balançando acima dela, o corpo se movimentando num ritmo exigente.

A crista de um novo clímax já se formava dentro dela, e não conseguiu contê-lo. Sentiu o calor do próprio sangue nas veias, a pulsação imperiosa de Brock também, reverberando sob seus dedos e em cada terminação nervosa. Seus ouvidos estavam tomados pelo som do seu grito silencioso de libertação, pela fricção dos corpos unidos se retorcendo sobre os lençóis. O cheiro do sexo e do sabonete e do suor limpo na pele quente a intoxicaram. O sabor dos beijos ardentes de Brock em seus lábios só a fazia desejar outros mais.

Ela tinha fome, de uma maneira inexplicável.

Tinha fome dele, tão profunda que parecia retorcê-la de dentro para fora.

Queria saboreá-lo. Saborear o poder que ele era.

Arfando após o clímax, afastou-se da boca dele. Ele praguejou algo sombrio sob o fôlego, as investidas cada vez mais intensas, as veias e os tendões saltando no pescoço e nos ombros como cabos espessos elevando-se da pele.

Segurando-se a ele, Jenna deixou a cabeça pender por um momento, tentando se perder no ritmo dos corpos. Tentando não pensar na dor que corroía suas entranhas, no impulso confuso, porém irresistível que atraía seu olhar para o pescoço forte. Para as veias saltadas que pulsavam como tambores de guerra aos seus ouvidos.

Pressionou o rosto na coluna forte do pescoço dele e percorreu a língua no ponto pulsante que encontrou ali. Ele gemeu, um som prazeroso que só servia como combustível para o fogo que ainda queimava dentro dela. Ela se aventurou um pouco mais, cerrando os dentes sobre a pele dele. Brock grunhiu uma imprecação, e ela mordeu com um pouco mais de força, sentindo a onda de tensão que atravessou todo o corpo dele, que estava no limiar agora, os braços como granito ao redor dela, cada estocada dos quadris ficando mais intensa.

Jenna cravou os dentes com mais força na pele suave.

Mordeu até ele ficar louco de paixão...

Até ela sentir o sabor da primeira gota de sangue na língua.

 

 

CONTINUA

Capítulo 8

– Espero que todas estejam com fome – disse Alex, passando pelas portas vaivém da cozinha da mansão, com uma tigela grande de frutas frescas cortadas numa mão e um cesto de biscoitos com ervas aromáticas quentinhos na outra.

Depositou ambos na mesa da sala de jantar diante de Jenna e Tess, que foram instruídas por Alex e as outras mulheres do complexo para que se sentassem e se servissem do café da manhã.

– Como está se sentindo, Jen? – perguntou Alex. – Precisa de alguma coisa? Se quiser erguer a perna, posso pegar um banquinho na outra sala.

Jenna meneou a cabeça.

– Estou bem. – Sua perna estava bem melhor desde a cirurgia da noite anterior, e ela não sentia muitas dores. Só por causa da insistência de Tess é que estava usando uma bengala para se movimentar. – Não precisa ficar me mimando.

– Essa é a minha melhor amiga, a policial do interior – disse Alex, revirando os olhos na direção de Tess e virando a mão num sinal de pouco caso. – Só um machucadinho a bala, não precisam se preocupar...

Jenna caçoou.

– Comparado com a semana que tive, um buraco a bala na coxa é a menor das minhas preocupações.

Ela não estava querendo solidariedade, apenas declarando um fato.

A mão de Tess pousou com suavidade em seu pulso, assustando-a com seu calor e a preocupação genuína no olhar.

– Nenhuma de nós pode fingir saber aquilo pelo que você passou, Jenna, mas espero que entenda que estamos aqui para cuidar de você agora. Você está entre amigas, todas nós.

Jenna resistiu ao efeito de consolo que as palavras de Tess exerciam sobre ela. Não queria se sentir relaxada naquele lugar, entre Alex e aquelas desconhecidas aparentemente gentis.

Nem com Brock.

Muito menos com ele.

Sua mente ainda estava confusa com o resgate inesperado na cidade. Fora um erro sair como havia saído, despreparada e afetada emocionalmente. Não fazia tanto tempo assim que se desligara da polícia para não se lembrar que o melhor modo de se ver em apuros era fugir despreparada em território desconhecido. Só o que reconheceu naquele meio segundo antes de sair do complexo foi o desespero em fugir da sua nova e sombria realidade.

Cometera um clássico erro de julgamento de principiante, incitado pela emoção, e acabara necessitando de resgate para voltar à segurança. Que o seu resgate tivesse surgido na forma de um vampiro formidável e aterrorizante era algo que ela não sabia se um dia conseguiria compreender.

No fundo, sabia que Brock salvara sua vida na noite anterior. Uma parte sua desejava que ele não o tivesse feito. Não queria ficar devendo nada a ele. Não gostava de dever a ninguém, muito menos a um homem que nem podia ser classificado como humano.

Deus, que reviravolta em sua vida...

Com seus pensamentos cada vez mais sombrios, Jenna afastou a mão da de Tess e se recostou na cadeira.

Tess não a pressionou a falar, simplesmente se inclinou sobre a mesa e inspirou um pouco da fragrância que emanava dos biscoitos.

– Hummm – gemeu, o braço fino amparando a curva do ventre arredondado. – É a receita de cheddar e manjericão da Dylan?

– Atendendo a pedidos – respondeu Alex vivamente. – E há mais de onde isso veio, incluindo as incríveis torradas francesas com crème brûlée de Savannah. Falando nelas, é melhor eu ir buscá-las para o banquete.

Enquanto Alex virava e desaparecia novamente na cozinha, Tess lançou um olhar furtivo para Jenna.

– Você ainda não viveu se não provou os biscoitos de Dylan e as torradas de Savannah. Confie em mim, são o paraíso.

Jenna sorriu com educação.

– Tudo me parece muito bom. Nunca fui muito de cozinhar. Minha tentativa de sucesso na cozinha é uma omelete de carne de alce com queijo suíço, espinafre e batatas.

– Carne de alce? – Tess gargalhou. – Bem, posso lhe garantir que nenhuma de nós já experimentou algo parecido. Talvez você possa preparar para nós um dia desses.

– Quem sabe? – disse Jenna sem se comprometer, levantando os ombros.

Se não fosse pela incômoda matéria desconhecida encravada em sua coluna, e agora pelo tiro que a manteria ali sabe lá Deus por quanto tempo, ela já teria ido embora. Não sabia quanto tempo ainda a fariam ficar ali, mas assim que conseguisse sair andando, já era. Não se importava com o que a Ordem precisava saber; não tinha nenhuma intenção de ficar por perto para ser o ratinho de laboratório deles.

Ainda era estranho demais pensar que estava ali com elas, num quartel-general secreto habitado por uma equipe de vampiros guerreiros e por mulheres aparentemente sãs e agradáveis que pareciam felizes e à vontade entre eles.

O surrealismo da coisa toda se intensificou quando Alex e o restante das mulheres da Ordem – cinco lindas jovens e a menina loira chamada Mira – saíram da cozinha com o restante do café da manhã. Conversavam amigavelmente, relaxadas na companhia uma da outra como se tivessem estado juntas a vida inteira.

Formavam uma família, inclusive Alex, apesar de ela ter chegado ali apenas uma semana antes, assim como Jenna.

Um ritmo descontraído se fez na sala de jantar, enquanto pratos com bordas douradas eram passados adiante e completados com todo tipo de comida deliciosa. Taças de cristal eram enchidas com suco até a borda, e delicadas xícaras de porcelana logo se encheram com fragrante café torrado e coado.

Jenna observava tudo em silêncio enquanto a refeição prosseguia. Xarope de bordo aquecido e bolinhas de manteiga rodavam pela mesa, parando por mais tempo com a pequena Mira, que encharcou sua torrada com aquela doçura e cobriu os biscoitos com manteiga como se aquilo fosse cobertura. Mira engoliu um em duas mordidas grandes, depois atacou o resto da refeição com muita vontade.

Jenna sorriu sem querer ante o apetite voraz da menina, sentindo uma pontada de melancolia, senão culpa, quando pensou na filha. Libby sempre fora uma menina cuidadosa, disciplinada e séria, mesmo quando pequena.

Deus, o que não daria para poder ver Libby degustando algo tão simples quanto um café da manhã à sua frente na mesa?

Com os dedos melados, Mira pegou o copo de suco de laranja e sorveu um gole grande. Suspirou de contentamento ao apoiar o copo novamente num baque.

– Pode me passar o chantilly para eu pôr nos pêssegos? – perguntou, cravejando Jenna com seus misteriosos olhos violeta.

Por um instante, Jenna se sentiu capturada por aquele olhar. Dispensou a sensação e pegou a tigela que estava no meio do caminho entre ela e Mira do outro lado.

– Pode, por favor, me passar o chantilly? – Renata a corrigiu de seu lugar à direita da menina. A morena lançou-lhe uma piscadela decididamente maternal e carinhosa ao interceptar a tigela que Jenna segurava.

– Pode, por favor – Mira se corrigiu, não parecendo nem um pouco admoestada.

Jenna cortou um pedaço da torrada e a colocou na boca. Era exatamente o que Tess havia prometido, paradisíaca. Mal conseguiu refrear um gemido alto ao se deleitar com o sabor cremoso de baunilha.

– Gostou? – perguntou Savannah, que estava sentada em uma das cabeceiras da longa mesa de jantar.

– É deliciosa – murmurou Jenna, as papilas gustativas ainda vibrando de êxtase. Lançou um breve olhar, abarcando todas ali reunidas. – Obrigada por me deixarem partilhar disto com vocês. Nunca vi tanta comida junta em minha vida.

– Achou que a deixaríamos morrer de fome? – perguntou Gabrielle da outra cabeceira. Seu sorriso era acolhedor e amigável.

– Não sei bem o que pensei – respondeu Jenna, com honestidade. – Sendo bem franca, acho que ainda não processei tudo isso muito bem.

Gabrielle inclinou a cabeça num leve assentimento, parecendo sábia e serena, ainda que, sem dúvida, devesse ser mais jovem do que Jenna e seus trinta e três anos.

– Isso é compreensível. Você sofreu muito, e a sua situação é sem igual para todos nós.

– A minha situação – Jenna repetiu, refletindo enquanto mexia um pedaço de pão molhado em xarope de bordo em seu prato. – Está falando do objeto não identificado que está alojado na base do meu crânio?

– É, isso – concordou Gabrielle, com um tom gentil na voz. – E o fato de que você teve sorte de escapar do ataque do Antigo com vida. O simples fato de ele ter se alimentado de você e tenha permitido que você vivesse é...

– Inédito – sugeriu a mulher sentada com Gabrielle. Ela tinha cabelos ruivos e o belo rosto salpicado por sardas. – Se soubesse do que ele é capaz, se você tivesse noção do que aconteceu com tantas outras... – A voz se perdeu, um leve estremecimento fazendo o garfo em sua mão tremer. – É um milagre que você esteja viva, Jenna.

– Dylan tem razão – concordou Tess. – Há mais ou menos um ano, quando a Ordem descobriu que o Antigo havia sido despertado, temos tentado localizá-lo e a Dragos, o filho da mãe responsável por trazer de volta ao mundo esse tipo de perigo.

– Não sei qual dos dois é pior – Renata interveio. – O Antigo clamou muitas vidas inocentes, mas é Dragos, o neto sádico do Antigo, quem vem dando as ordens.

– Está dizendo que aquela criatura tem descendentes? – Jenna perguntou, sem conter sua repulsa.

Gabrielle sorveu um gole de café, depois, com cuidado, voltou a depositar a xícara no pires.

– Aquela criatura e outros tantos como ele deram início à Raça na Terra.

– Na Terra? – Jenna exclamou com uma risada descrente. – Está se referido a alienígenas agora? Aquele vampiro que me atacou...

– Não era deste mundo – Savannah concluiu por ela. – É verdade. Não é mais difícil de acreditar do que a existência dos próprios vampiros, se quer saber a minha opinião, mas é a mais pura verdade. Os Antigos estupraram e dominaram depois que aterrissaram aqui há milhares de anos. Com o passar do tempo, algumas das suas vítimas engravidaram com o que se tornaria a primeira geração da Raça.

– Isso faz algum sentido para vocês? – Jenna perguntou, ainda incrédula. Relanceou para Alex, ao seu lado. – Você também acredita nisso?

Alex concordou.

– Depois de conhecer Kade e todos os demais aqui no complexo, como posso não acreditar? Também vi o Antigo com meus próprios olhos, momentos antes de ele ser morto nos despenhadeiros fora de Harmony.

– E quanto a esse outro... Dragos? – perguntou Jenna, curiosa, sem querer, em fazer com que todas as peças desse incrível quebra-cabeça se juntassem se algum modo. – Onde ele entra?

Dylan foi a primeira a falar.

– Ao que parece, Dragos despertou o Antigo muito antes do que supúnhamos. Décadas antes, de fato. Ele o manteve escondido e o usou para criar uma nova leva de Primeira Geração, os membros mais fortes da Raça, visto que são descendentes diretos da linhagem do Antigo e não geneticamente diluídos, como as gerações posteriores.

– Dragos vem criando um exército pessoal dos mais poderosos, dos mais letais membros da espécie – acrescentou Renata. – São criados supervisionados, treinados para serem assassinos impiedosos. Assassinos particulares de Dragos, a quem ele convoca sempre que necessário para os seus desígnios.

Gabrielle assentiu.

– Para criar essa geração, Dragos também precisou de um estoque de mulheres férteis para engravidar do Antigo.

– As Companheiras de Raça – disse Alex.

Jenna olhou para ela.

– E o que são elas?

– Mulheres nascidas com um DNA e características sanguíneas distintas que as tornam capazes de partilhar um elo de sangue vitalício com os membros da Raça e de reproduzir seus filhos – disse Tess, a mão distraída acariciando o ventre distendido. – Mulheres como nós ao redor desta mesa.

O choque e o horror contraíram o íntimo de Jenna.

– Está dizendo que eu...

– Não – disse Tess, balançando a cabeça. – Você é mortal, não é uma Companheira de Raça. O seu hemograma é normal e você não tem a marca que o resto de nós tem.

Ante a confusão estampada no rosto dela, Tess mostrou a mão, que trazia uma marca rubra entre o polegar e o indicador. Era uma minúscula lua crescente com o que parecia uma gota de lágrima caindo em seu centro.

– Todas vocês têm essa tatuagem?

– Não é uma tatuagem – disse Alex. – É uma marca de nascença, Jenna. Todas as Companheiras de Raça têm uma em algum lugar do corpo. A minha está no quadril.

– Não existem muitas de nós no mundo – explicou Savannah. – A Raça considera as Companheiras de Sangue sagradas, mas Dragos não. Ele vem juntando essas mulheres há anos, mantendo-as em cativeiro; deduzimos que com o único propósito de gerarem os assassinos de Primeira Geração. Muitas delas foram mortas, seja por Dragos ou pelo Antigo.

– Como sabem disso? – Jenna perguntou, horrorizada pelo que ouvia.

Na outra ponta da mesa, Dylan pigarreou.

– Eu as vi. As mortas, quero dizer.

A parte policial de Jenna ficou alerta.

– Se vocês têm cadáveres, então têm provas e motivo para entregar esse cretino, Dragos, para as autoridades.

Dylan meneava a cabeça.

– Não vi os corpos. Vi as mortas. Elas... aparecem às vezes. Às vezes falam comigo.

Jenna não sabia se gargalhava ou se deixava a cabeça cair, derrotada.

– Você vê pessoas mortas?

– Toda Companheira de Raça tem uma habilidade ou talento próprio que a torna peculiar de algum modo – explicou Tess. – Para Dylan, é esse dom de se conectar com as outras Companheiras de Raça que já morreram.

Renata se inclinou para a frente, apoiando os antebraços na mesa.

– Através do dom de Dylan, sabemos com certeza que Dragos é o responsável pela morte de inúmeras Companheiras de Raça. E por meio de outra amiga da Ordem, Claire Reichen, cujo talento nos levou a localizar a base de operações de Dragos há alguns meses, sabemos que ele ainda mantém muitas mais. Desde então, a operação de Dragos se escondeu no submundo. Agora a principal missão da Ordem, além de acabar com o maldito o mais rápido possível, é encontrar o quartel-general dele e libertar as suas vítimas.

– Temos ajudado como podemos, mas é muito difícil localizar um alvo móvel – disse Dylan. – Podemos procurar os relatórios das pessoas desaparecidas, procurando por rostos que eu reconheça. E, durante o dia, vasculhamos abrigos para mulheres, orfanatos, albergues... qualquer lugar que possa nos levar às jovens desaparecidas.

Renata assentiu.

– Particularmente aquelas com habilidades extrassensoriais ou outras competências que possam indicar uma Companheira de Raça em potencial.

– Fazemos o que podemos – disse Gabrielle. – Mas ainda não tivemos muita sorte. É como se estivesse nos faltando a chave para desvendar tudo isso e, até a encontrarmos, parece que só ficamos dando voltas.

– Ei, espere um instante – disse Jenna, seu lado policial enferrujado compreendendo a frustração de seguir pistas infrutíferas. – A persistência costuma ser o melhor aliado de um investigador.

– Pelo menos não temos mais que nos preocupar com o Antigo – disse Savannah. – Essa é uma batalha a menos para enfrentar.

Ao redor da mesa de café da manhã, um coro de vozes concordantes ecoou essa declaração.

– Por que o Antigo deixou que você vivesse, Jenna?

A pergunta foi feita por Elise, uma loira baixinha de cabelos curtos do outro lado de Tess. A discreta do grupo, que se parecia com uma flor delicada, mas com um olhar franco e decidido de uma guerreira. Ela, provavelmente, devia precisar dessa força interior, levando-se em consideração a companhia que ela e as demais mulheres naquele complexo tinham.

Jenna baixou o olhar para o prato e refletiu sobre sua resposta. Demorou um tempo para encontrar as palavras.

– Ele me fez escolher.

– O que quer dizer com isso? – disse Savannah, com a testa se franzindo numa pergunta.

O que você decide, Jenna Tucker-Darrow?

Vida... ou morte?

Jenna sentiu todos os olhos cravados nela naquele silêncio. Forçando-se a enfrentar as perguntas não proferidas que pairavam no ar, ela ergueu o olhar. Empinou o queixo e falou sucinta e rapidamente:

– Eu queria morrer. É o que eu teria preferido, ainda mais naquele momento. Ele sabia disso, tenho certeza. Mas, por algum motivo, pareceu querer brincar comigo, então me fez decidir se eu queria ou não morrer naquela noite.

– Puxa, Jen, que horrível... – A voz de Alex se mostrou emocionada. Seu braço a envolveu pelos ombros num gesto de amparo. – Filho da puta cruel.

– Então – continuou Elise –, você disse ao Antigo que a deixasse viver e ele concordou... Simples assim?

Lembrando o momento com vívida clareza agora, Jenna balançou a cabeça com vigor.

– Eu lhe disse que queria viver, e a última coisa de que lembro é dele fazendo um corte no braço e retirando aquela coisa, aquela coisa minúscula que só Deus sabe o que é, e que agora está dentro de mim.

Ela sentiu, mais do que viu, a sutil troca de olhares ao redor da mesa.

– Acham que isso tem alguma significância? – perguntou, dirigindo a pergunta ao grupo como um todo. Tentou abafar a pontada repentina de medo que reverberou em seu peito. – Acham que o fato de ele ter colocado aquela coisa dentro de mim tem alguma importância em eu viver ou morrer?

Alex segurou a mão dela num gesto tranquilizador, mas foi Tess quem falou antes das outras.

– Talvez Gideon possa fazer outros testes para nos ajudar a descobrir isso.

Jenna engoliu em seco, depois assentiu.

Seu prato de comida permaneceu intocado pelo restante da refeição.

Num canto escurecido de um quarto num hotel luxuoso em Boston, onde cortinas pesadas impediam a passagem do menor dos raios solares da manhã, o macho da Raça chamado Dragos estava acomodado numa poltrona acolchoada em seda e tamborilava as unhas da mão na mesinha lateral de mogno. Atrasos o deixavam impaciente, e a impaciência o tornava letal.

– Se ele não chegar nos próximos sessenta segundos, um de vocês terá que matá-lo – disse para o par de assassinos de Primeira Geração que o flanqueavam como Cérberos musculosos de dois metros de altura.

Assim que terminou de falar, no corredor do lado de fora da suíte presidencial, o elevador privativo emitiu uma campainha eletrônica, anunciando a chegada do convidado. Dragos não se moveu de seu canto no quarto, aguardando em silêncio irritado enquanto outro dos seus guardas pessoais criados acompanhava o macho da Raça civil – um tenente na operação secreta de Dragos – até a suíte para a sua reunião particular.

O vampiro teve o bom senso de inclinar a cabeça no instante em que seu olhar recaiu sobre Dragos.

– Mil perdões por mantê-lo esperando, senhor. A cidade está tomada pelos humanos. Pessoas fazendo compras de Natal e turistas – disse ele, o desdém revelado em cada uma das sílabas bem pronunciadas. Tirou as luvas e as colocou nos bolsos do casaco de caxemira. – O meu motorista teve que dar uma dúzia de voltas no hotel antes de conseguirmos nos aproximar da entrada de serviço no andar subterrâneo.

Dragos continuou tamborilando os dedos na mesinha.

– Algo errado com a entrada principal?

Seu tenente, pertencente à segunda geração da Raça, assim como Dragos, empalideceu visivelmente.

– Estamos em pleno dia, senhor. Com toda essa claridade, eu me incineraria em questão de minutos.

Dragos apenas o fitou, nem um pouco incomodado. Também não estava satisfeito com o local inconveniente daquele encontro. Preferiria muito mais o conforto e a segurança da sua residência. Mas isso já não era mais possível. Não depois que a Ordem interferiu em sua operação e o obrigou a buscar refúgio.

Temendo ser descoberto, ele não permitia mais que qualquer um dos seus associados civis soubesse onde seu quartel-general ficava. Como precaução adicional, nenhum deles conhecia a localização das suas propriedades nem da sua equipe. Ele não podia correr o risco de que seus tenentes caíssem no poder da Ordem e o acabassem comprometendo na esperança de que Lucan os poupasse de sua ira.

Só de pensar em Lucan Thorne e nos seus guerreiros, ele ficava com um gosto amargo na boca. Tudo pelo que tanto trabalhara, sua visão de um futuro no qual mal conseguia esperar para pôr as mãos, fora estragado pelas ações da Ordem. Eles o forçaram a bater em retirada. Forçaram-no a destruir o nervo central da sua operação – um superlaboratório de pesquisa científica que lhe custara centenas de dólares e muitas décadas para aperfeiçoar.

Tudo isso desaparecido agora, nada além de cinzas e escombros no meio de uma floresta em Connecticut.

Agora o poder e os privilégios a que Dragos estava acostumado por séculos foram substituídos por esconderijos nas sombras e olhadelas constantes por sobre o ombro para se certificar de que o inimigo não se aproximava. A Ordem o obrigara a fugir e se esconder como um coelho desesperado para se evadir da armadilha do caçador, e ele não gostava nem um pouco disso.

O último incômodo acontecera no Alasca, com a fuga do Antigo, o seu instrumento mais valioso e insubstituível na busca pela derradeira dominação. Já fora bastante ruim que o Antigo tivesse escapado durante seu transporte em seu novo tanque de contenção. Mas o desastre só piorou quando a Ordem não só conseguiu encontrar o laboratório no Alasca como também o fugitivo alienígena.

Dragos perdera essas duas peças fundamentais para os malditos. Não pretendia perder mais nada.

– Quero ouvir boas notícias – disse ao tenente, dardejando o macho por debaixo das sobrancelhas unidas. – Como tem progredido com a sua missão?

– Tudo está a postos, senhor. Esta semana, o alvo e sua família imediata acabaram de regressar aos Estados Unidos das suas férias no exterior.

Dragos grunhiu em concordância. O alvo em questão era um ancião da Raça, com quase mil anos de existência, um da Primeira Geração, de fato, motivo pelo qual Dragos o tinha em mira. Além de querer que Lucan Thorne e seu bando de guerreiros ficassem sem trabalho, Dragos também retornara aos objetivos da sua missão inicial: a extinção sistemática e total de cada um dos Primeira Geração da Raça naquele planeta.

O fato de Lucan e outro membro fundador da Ordem serem Primeira Geração só tornava seu objetivo mais doce. E ainda mais imperativo. Ao acabar com todos os Primeira Geração, exceto seus assassinos criados e treinados para servi-lo inquestionavelmente, Dragos e os outros membros da segunda geração da Raça se tornariam, por consequência, os vampiros mais importantes da atualidade.

E se, ou melhor, quando se cansasse de partilhar o futuro que ele sozinho entreviu e garantiu que acontecesse, então ordenaria ao seu exército pessoal de assassinos que dizimasse cada um dos seus contemporâneos da segunda geração também.

Sentado num silêncio contemplativo e aborrecido, ouvia enquanto seu tenente se apressava em rever os detalhes do plano que o próprio Dragos idealizou poucos dias antes. Passo a passo, tática a tática, o outro macho da Raça discorreu sobre tudo, garantindo-lhe que nada seria deixado ao acaso.

– O Primeira Geração e sua família estão sendo observados em período integral desde que voltaram para casa – disse o tenente. – Estamos prontos para disparar o gatilho dessa operação ao seu comando, senhor.

Dragos inclinou a cabeça num vago assentimento.

– Faça acontecer.

– Sim, senhor.

A mesura profunda e sua retirada foram quase tão agradáveis quanto a noção de que aquele golpe pendente deixaria absolutamente claro para a Ordem que ele podia ter sido atingido, mas estava longe de ser abatido.

Na verdade, sua presença no elegante hotel em Boston, e uma das importantes reuniões de apresentação que levaram semanas para serem arranjadas entre ele e um punhado de humanos influentes escolhidos a dedo, solidificaria a posição de Dragos em sua ascensão para a glória final. Ele praticamente já sentia o gosto do sucesso.

– Ah, mais uma coisa – Dragos chamou seu associado que partia.

– Sim, senhor.

– Se fracassar – disse ele de maneira agradável –, esteja preparado para que eu lhe sirva seu próprio coração.

O rosto do macho empalideceu, ficando branco como o carpete que cobria o piso tal qual neve fresca.

– Não fracassarei, senhor.

Dragos sorriu, expondo tanto os dentes quanto as presas.

– Certifique-se de que isso não aconteça.


Capítulo 9

Depois da bagunça carregada de morte da noite anterior na cidade, Brock considerou um triunfo pessoal que tivesse conseguido evitar Jenna em grande parte do dia após o seu retorno ao complexo.

Depois de ter descartado os dois corpos nas águas gélidas do rio Mystic, ficou sozinho até quase o amanhecer, tentando se libertar da fúria que parecia acompanhá-lo aquela noite.

Mesmo após estar no quartel-general da Ordem por algumas horas pela manhã, a raiva injustificada, e completamente indesejável, que o possuía ao pensar numa mulher inocente se deparando com o perigo fazia com que seus músculos vibrassem com uma necessidade de violência. Algumas boas horas de treino suado com as armas ajudaram a aplacar um pouco desse sentimento. Bem como o banho escaldante de quarenta minutos com o qual se castigara após o treino.

Ele até poderia achar que se sentia bem, com a cabeça no lugar de novo, se não fosse pelos golpes certeiros que Gideon lançara não muito tempo depois.

O primeiro foi a notícia de que Jenna descera depois do café da manhã com as outras mulheres do complexo e lhe pedira para fazer mais exames de sangue e de tecido. Ela havia se lembrado de algo a respeito do tempo passado com o Antigo, algo que Gideon dissera que havia deixado a fêmea valente bem atormentada.

O segundo golpe foi dado quase imediatamente depois que os primeiros resultados dos exames surgiram.

O sangue e o DNA de Jenna haviam mudado significativamente desde a última vez que Gideon os analisara.

No dia anterior, os resultados foram normais. Hoje, tudo estava alterado.

– Não podemos nos precipitar em conclusões. Não importa o que esses resultados possam indicar – disse, por fim, Lucan, em seu tom grave e sério.

– Talvez devamos fazer mais exames – sugeriu Tess, a única fêmea no laboratório de tecnologia no momento. Ela levantou o olhar dos resultados perturbadores para encarar Lucan, Brock e o restante da Ordem, que fora convocada ali para revisar os achados de Gideon. – Devo ir buscar Jenna e levá-la para a enfermaria para mais exames?

– Você até pode fazer isso – disse Gideon –, mas fazer outros exames não vai mudar nada. – Ele tirou os óculos de lentes azul-claras, jogando-os na mesa de acrílico diante dele. Pinçando o alto do nariz, balançou a cabeça de leve. – Esse tipo de mutação de DNA e a reprodução celular massiva simplesmente não acontecem. Os corpos humanos não são avançados o bastante para lidar com as exigências que mudanças dessa significância provocariam em seus órgãos e artérias, sem falar no impacto que algo assim teria no sistema nervoso central.

Com os braços cruzados diante do peito, Brock se recostou na parede ao lado de Kade, Dante e Rio. Não disse nada, esforçando-se para entender tudo o que via e ouvia. Lucan tinha aconselhado que ninguém se precipitasse em conclusões, mas era excessivamente difícil não fazer isso agora, com o futuro bem-estar de Jenna em jogo.

– Não entendo – disse Nikolai do outro lado do laboratório, onde estava sentado à mesa, junto com Tegan e Hunter. – Por que agora? Isto é, se tudo estava normal antes, por que a súbita mutação no sangue e no DNA?

Gideon deu de ombros.

– Pode ser porque até ontem ela esteve num sono profundo, quase em coma. Soubemos que sua força muscular tinha aumentado assim que despertou. Brock testemunhou isso em primeira mão, e nós também, quando Jenna fugiu do complexo. As mudanças celulares que estamos vendo agora podem ter sido uma reação retardada ao seu despertar. Estar consciente e alerta pode ter agido como algum tipo de disparador dentro de seu corpo.

– Ontem à noite ela foi alvejada – acrescentou Brock, refreando o rugido raivoso que lhe constringia a garganta. – Isso pode estar relacionado com o que vemos no sangue dela agora?

– Talvez – disse Gideon. – Tudo é possível, imagino. Isso não é nada que eu, nem ninguém nesta sala, já tenha visto antes.

– Pois é – concordou Brock. – Simplesmente uma maravilha.

No fundo da sala, com os coturnos apoiados na mesa de reuniões enquanto inclinava a cadeira para trás, Sterling Chase pigarreou.

– Levando tudo em consideração, talvez não seja uma boa ideia dar tanta liberdade a essa mulher aqui no complexo. Ela é um grande ponto de interrogação no momento. Por tudo o que sabemos, pode muito bem ser algum tipo de bomba prestes a explodir.

Por um longo instante, ninguém disse nada. Brock odiou esse silêncio. Odiou Chase por exprimir algo que nenhum dos guerreiros quis considerar.

– O que sugere? – perguntou Lucan, lançando um olhar sério para o macho que passara décadas como parte da Agência de Policiamento antes de se juntar à Ordem.

Chase arqueou as sobrancelhas loiras.

– Se dependesse de mim, eu a retiraria do complexo o mais rápido possível. Trancaria-na em algum lugar seguro, bem longe das nossas operações, pelo menos até termos a oportunidade de deter Dragos de uma vez por todas.

O grunhido de Brock surgiu na garganta, carregado de animosidade.

– Jenna fica aqui.

Gideon recolocou os óculos e assentiu na direção de Brock.

– Concordo. Eu não me sentiria à vontade em tirá-la daqui agora. Gostaria de observá-la, para entender melhor o que está acontecendo com ela a nível celular e neurológico, no mínimo.

– Façam como quiserem – disse Chase. – Mas isso será o funeral de todos nós se você estiver errado.

– Ela fica – disse Brock, estreitando o olhar para o outro lado da mesa, que perfurou o ex-agente que sorria.

– Você está todo animado com essa humana desde o segundo em que a viu – observou Chase, o tom leve, mas com a expressão carregada de desafio. – Tem algo a provar, amigo? O que foi... você é um daqueles tolos loucos por uma dama em apuros? O santo padroeiro das causas perdidas. Essa é a sua?

Brock voou por cima da mesa num único salto. Poderia ter acabado com as mãos no pescoço de Chase, mas o vampiro previu o seu ataque e se moveu com a mesma velocidade. A cadeira caiu para trás e, em meio segundo, os dois machos grandes estavam cara a cara, travados numa batalha que nenhum deles poderia vencer.

Brock sentiu mãos fortes afastando-o do confronto, Kade e Tegan, chegando ali antes que ele conseguisse desferir o soco que Chase merecia. E atrás de Chase estavam Lucan e Hunter, os dois e os demais prontos a pôr panos quentes na situação caso um dos machos resolvesse agir.

Encarando Chase com raiva, Brock se permitiu ser afastado, mas só isso. Pelo que não foi a primeira vez, refletiu sobre a natureza antagônica e agressiva de Sterling Chase, e pensou no que fazia com que o de outro modo habilidoso e fantástico guerreiro fosse tão volátil.

Se a Ordem tinha uma bomba acionada com que se preocupar em seu meio, Brock ficou pensando se não estava olhando para ela naquele mesmo instante.

– Por que diabos isso está demorando tanto?

Jenna não tinha percebido que dera vazão à sua preocupação em voz alta até sentir a mão de Alex.

– Gideon disse que queria fazer outros testes na sua amostra. Tenho certeza de que logo vamos ter notícias.

Jenna bufou um suspiro. De bengala na mão, mesmo sentindo apenas uma necessidade mínima de se apoiar nela, levantou-se do sofá no qual estivera sentada e claudicou até o outro lado da sala de estar do apartamento. Fora levada até ali por Alex e Tess depois que colheram a amostra do seu sangue na enfermaria poucas horas atrás, dizendo-lhe que lhe tinham dado o uso daquele espaço pela duração da sua estada no complexo.

Aquela suíte era uma melhora e tanto em relação ao quarto da enfermaria. Espaçosa e confortável, com mobília grande de couro e mesinhas de madeira escura meticulosamente polidas, não entulhadas de tranqueiras. Estantes altas de madeira perfiladas com livros clássicos, de filosofia e história à altura de uma biblioteca. Livros provocativos e sérios que pareciam em contraste com uma prateleira muito bem organizada – caramba, em ordem alfabética – de livros de ficção populares bem ao lado.

Jenna deixou seu olhar passar pelas prateleiras de títulos e autores, necessitando de uma distração momentânea para impedir que pensasse demais no que poderia estar provocando tanta demora para ouvir as respostas de Gideon e dos outros.

– Faz mais de uma hora que Tess está lá – observou, tirando um livro qualquer sobre cantoras de jazz de sua posição na seção de história. Folheou as páginas, mais para dar algo paras as suas mãos fazerem do que por algum interesse real pelo livro.

Enquanto passava pelo capítulo sobre a era dos clubes de jazz dos anos 1920, uma fotografia amarelada escorregou. Jenna a apanhou antes que caísse no chão. O rosto sorridente de uma mulher jovem num vestido de seda cintilante e pele brilhante a fitava da imagem. Com olhos grandes e amendoados e tez de porcelana que parecia reluzir em contraste com os cabelos negros longos, ela era linda e exótica, ainda mais no cenário do clube de jazz ao fundo.

Com sua própria vida num espiral de confusão e preocupação, Jenna sentiu-se perplexa por um momento pelo júbilo evidente no sorriso amplo da jovem. Era uma alegria tão patente, franca, que quase sentiu uma dor física ao vê-la. Ela também já vivenciara esse tipo de felicidade, não? Deus, quanto tempo se passara desde que sentira ainda que metade da vivacidade daquela jovem da fotografia?

Brava com essa sensação de autopiedade, Jenna guardou a fotografia no livro, que devolveu ao seu lugar na prateleira.

– Não aguento mais. Isso está me deixando louca.

– Eu sei, Jen, mas...

– Ao diabo. Não vou mais ficar aqui esperando – disse, virando-se para encarar a amiga. A ponta da bengala se chocou no tapete ao abrir caminho até a porta. – Eles já devem ter alguns resultados a esta altura. Tenho que saber o que está acontecendo. Vou lá agora mesmo.

– Jenna, espere – Alex pediu atrás dela.

Mas ela já estava no corredor, andando o mais rápido que conseguia, apesar do impedimento da bengala e da leve fisgada que trespassava sua perna a cada passo apressado.

– Jenna! – Alex a chamou, com as passadas rápidas ecoando no corredor já deserto.

Jenna prosseguiu pelos corredores de mármore branco polido. A perna começava a latejar, mas ela não se importou. Deixou a bengala de lado, que só a retardava, e faltou pouco para começar a correr na direção das vozes abafadas dos machos logo mais adiante. Ela arfava ao chegar à parede de vidro do laboratório de tecnologia, com suor sobre seus lábios e na testa provocado pela dor.

Seus olhos encontraram Brock antes de qualquer outro membro do grupo aparentemente solene. Seu rosto estava tenso, os tendões do pescoço esticados como cabos, a boca formando uma linha carrancuda, quase ameaçadora. Ele estava no fundo da sala, cercado pelos outros guerreiros, todos aparentando tensão e inquietação, ainda piores agora que ela estava ali. Gideon e Tess estavam próximos ao nicho de computadores na parte anterior do laboratório.

Todos pararam o que estavam fazendo para fitá-la.

Jenna sentiu o peso dos olhares como algo físico. Seu coração se contraiu. Obviamente, eles já tinham a análise de seu sangue. Será que os resultados eram tão horríveis assim?

Suas expressões eram inescrutáveis, todos a mantendo sob observação cautelosa, silenciosa, conforme seus passos desaceleraram diante das portas deslizantes do laboratório.

Deus, olhavam para ela como se nunca a tivessem visto antes.

Não, percebeu, ao notar que o grupo continuava imóvel, olhando para ela através da parede transparente que a separava do grupo solene do outro lado. Olhavam-na como se esperassem que já estivesse morta.

Como se ela fosse um fantasma.

Um medo horrível se instalou em seu estômago, mas ela não pretendia recuar agora.

– Deixem-me entrar – exigiu, irritada e aterrorizada. – Maldição, abram essa maldita porta e me digam o que está acontecendo!

Levantou a mão e cerrou o punho, mas antes que pudesse bater no vidro, as portas deslizaram num sibilo suave. Avançou para dentro, sendo seguida de perto por Alex.

– Podem me contar – disse Jenna, o olhar passando de um rosto silencioso a outro. Demorou-se em Brock, a única pessoa naquela sala, além de Alex, por quem ela sentia alguma confiança. – Por favor... Preciso saber o que descobriram.

– Ocorreram algumas mudanças no seu sangue – disse ele, a voz grave impossivelmente baixa. Gentil demais. – E no seu DNA também.

– Mudanças. – Jenna engoliu em seco. – Que tipo de mudanças?

– Anomalias – Gideon interviu. Quando ela virou a cabeça na direção dele, ficou surpresa pela preocupação no olhar do guerreiro. Ele falava com cautela, parecendo demais com um médico retardando o pior tipo de notícia a dar ao seu paciente. – Descobrimos uma reprodução celular estranha, Jenna. Mutações que estão sendo passadas ao seu DNA e que se multiplicam a uma velocidade excessiva. Essas mutações não estavam presentes na última análise que efetuamos no seu sangue.

Ela balançou a cabeça, tanto pela confusão quanto como um reflexo de negação ao que pensava estar ouvindo.

– Não estou entendendo. Está se referindo a algum tipo de doença? Aquela criatura me infectou com alguma coisa quando me mordeu?

– Nada disso – disse Gideon, lançando um olhar ansioso para Lucan. – Bem, não exatamente.

– Então, o que, exatamente? – ela exigiu saber. A resposta surgiu meio segundo mais tarde. – Ai, meu Deus. Esta coisa na minha nuca... – Ela pôs a mão sobre o ponto em que o Antigo havia inserido o material não identificado do tamanho de um grânulo. – Esta coisa que ele colocou dentro de mim está provocando as mudanças. É isso, não é?

Gideon assentiu de leve.

– É biotecnologia de algum tipo, nada que a Raça ou a espécie humana tenha capacidade de criar. Pelas radiografias mais recentes de hoje, parece que o implante está se integrando à sua medula espinhal num ritmo muito acelerado.

– Tire isso.

Uma rodada de olhares preocupados passou pelo grupo de machos grandes. Mesmo Tess parecia pouco à vontade, sem conseguir sustentar o olhar de Jenna.

– Não é tão simples assim – Gideon respondeu, por fim. – Talvez você deva ver as imagens por si só.

Antes que ela conseguisse pensar se queria ou não ver as provas daquilo que lhe estava sendo dito, a imagem do seu crânio e coluna piscou na tela plana afixada numa parede diante dela. Num segundo, Jenna notou o nauseante objeto do tamanho de um grão de arroz que brilhava no centro da sua primeira vértebra. Os tentáculos que estiveram presentes no dia anterior eram mais numerosos naquela nova imagem.

Muito mais do que centenas a mais, cada tênue feixe entrando – inextricavelmente – ao redor e através da sua medula óssea.

Gideon pigarreou.

– Como disse, o objeto aparentemente é formado por uma combinação de material genético e alta tecnologia avançada. Nunca vi nada assim antes, tampouco consegui encontrar algum tipo de pesquisa científica humana que se assemelhasse minimamente a isso. Considerando-se as transformações biológicas que temos observado em seu DNA e em seu sangue, parece ser a fonte do material genético do próprio Antigo.

O que significava que parte daquela criatura estava dentro dela. Vivendo ali. Vicejando.

A pulsação de Jenna ecoava em seu peito. Ela sentia o fluxo sanguíneo acelerado nas veias, células alteradas que ela imaginava abrindo caminho em seu corpo a cada batida do coração, multiplicando-se, crescendo, devorando-a por dentro.

– Arranquem isso de mim – disse ela, a voz se elevando por causa da angústia. – Tirem essa maldita coisa de dentro de mim ou eu mesma tiro!

Com as duas mãos, ela começou a arranhar a nuca, o desespero fazendo-a agir como louca.

Ela nem percebeu Brock se movendo da sua posição do outro lado do laboratório, mas, em menos de um instante, ele estava bem ao seu lado, as mãos grandes envolvendo-a com os dedos. Os olhos castanhos prenderam-na pelo olhar e não a soltaram.

– Relaxe agora – disse ele, num sussurro gentil, porém com firmeza tirou-lhe as mãos da nuca e segurou-as entre as suas. – Respire, Jenna.

Com os pulmões contraídos, ela emitiu um soluço.

– Solte-me. Por favor, deixem-me em paz, todos vocês.

Ela se afastou e tentou ir embora, mas a pulsação pesada e o tinir em seus ouvidos fez a sala girar ao seu redor com violência. Uma onda obscura de náusea a acometeu, envolvendo-a numa névoa densa e atordoante.

– Te peguei – a voz tranquilizadora de Brock murmurou junto ao seu ouvido.

Ela sentiu os pés deixarem o chão e, pela segunda vez em poucos dias, viu-se amparada pela segurança dos braços dele.


Capítulo 10

Ele não deu explicações para o que estava fazendo ou para onde a estava levando. Apenas saiu do laboratório de tecnologia e a carregou pelo mesmo corredor pelo qual ela viera minutos antes com Alex.

– Solte-me – exigiu Jenna, os sentidos ainda confusos, tinindo a cada longa passada das pernas de Brock. Mudou de posição nos braços dele, tentando ignorar como até mesmo o menor dos movimentos fazia sua cabeça girar e seu estômago revirar. A cabeça pendeu sobre o antebraço forte, um gemido de dor escapando. – Eu disse para me colocar no chão, inferno.

Ele grunhiu enquanto continuava a caminhar.

– Eu ouvi na primeira vez.

Ela fechou os olhos, só porque estava difícil demais mantê-los abertos e ver o teto do corredor se contorcer e girar logo acima enquanto Brock a carregava complexo adentro. Diminuiu o ritmo a certa altura, depois virou, e Jenna abriu os olhos, vendo que ele a levara de volta à suíte que agora era seu quarto.

– Por favor, me ponha no chão – murmurou, a língua grossa, a garganta seca. O latejar por trás dos olhos se tornara uma pulsar firme, o tinido nos ouvidos um lamento agudo que parecia partir seu crânio ao meio. – Deus – arfou, sem conseguir disfarçar a agonia. – Está doendo muito...

– Ok – disse Brock baixinho. – Tudo vai ficar bem agora.

– Não, não vai. – Ela choramingou, humilhada pelo som da sua fraqueza, e pelo fato de que Brock a estava vendo assim. – O que está acontecendo comigo? O que ele fez comigo?

– Isso não importa agora – sussurrou Brock, a voz grave mostrando-se contraída. Uniforme demais para ser confiável. – Primeiro, vamos fazer você superar isto.

Atravessou o quarto com ela e se ajoelhou para acomodá-la no sofá. Jenna se recostou e deixou que ele lhe endireitasse as pernas, não tão perdida no desconforto e na preocupação para deixar de notar o carinho das mãos fortes daquele homem, que, provavelmente, seriam capazes de extrair a vida de alguém com pouco mais do que uma contorção.

– Relaxe – disse ele, as mãos fortes e carinhosas afagando seu rosto, os olhos escuros incitando-a a sustentar seu olhar. – Apenas relaxe e respire, Jenna. Consegue fazer isso por mim?

Ela se acalmou um pouco de pronto, relaxando ao som do seu nome nos lábios dele, o resvalar quente dos dedos que desciam pelo rosto e pelo maxilar e, depois, pela lateral do pescoço. As lufadas curtas de ar que entravam e saíam dos seus pulmões começaram a se acalmar, enquanto Brock amparava a nuca com uma mão e deslizava a outra palma num indo e vindo lento sobre o peito dela.

– Isso mesmo – murmurou, o olhar preso ao dela, intenso e, ainda assim, inacreditavelmente carinhoso. – Solte toda a dor e relaxe. Você está segura, Jenna. Pode confiar em mim.

Ela não sabia por que essas palavras deveriam afetá-la como a afetaram. Talvez a dor a tivesse enfraquecido. Talvez fosse o medo do desconhecido, o abismo da incerteza que subitamente se tornara a sua realidade desde aquela noite gélida e horrenda no Alasca.

E talvez fosse pelo simples fato de que fazia muito tempo, quatro solitários anos, desde que ela sentira a carícia cálida de um homem, mesmo que apenas para oferecer consolo.

Quatro anos vazios desde que se convencera de que não precisava de nenhum contato afetuoso ou intimidade. Quatro anos infindáveis desde que se lembrava do como era se sentir uma mulher de carne e osso, como se fosse desejada. Como se pudesse, um dia, ser capaz de abrir o coração para algo mais.

Jenna fechou os olhos quando lágrimas começaram a arder. Afastou a onda de emoção que surgiu inesperadamente e, em vez disso, concentrou-se nas pontas dos dedos quentes e reconfortantes de Brock em sua pele. Deixou que sua voz a acalentasse, sentindo suas palavras e seu toque trabalharem juntos para ajudá-la a superar a angústia do estranho trauma que parecia estar despedaçando-a de dentro para fora.

– Isso é bom, Jenna. Apenas respire agora.

Ela sentiu a garra de dor em seu crânio relaxar enquanto ele lhe falava. Brock acariciou suas têmporas com os polegares, os dedos esticados em seus cabelos, amparando sua cabeça de maneira reconfortante. O tinir agudo em seus ouvidos começou a diminuir, a desaparecer, até, por fim, sumir de vez.

– Você está indo muito bem – murmurou Brock, a voz mais sombria do que antes, um pouco mais do que um grunhido. – Solte tudo, Jenna. Dê o resto para mim.

Ela exalou um suspiro profundo, sem conseguir mantê-lo dentro de si enquanto Brock a afagava no rosto e no pescoço. Ela gemeu, abraçando o prazer que lentamente devorava sua agonia.

– Isso é bom – sussurrou, sem poder resistir ao desejo de se aproximar do seu toque. – A dor já não é tão forte agora.

– Isso é muito bom, Jenna. – Ele inspirou, parecendo mais um arquejo, depois exalou um gemido. – Liberte-se de tudo.

Jenna sentiu um tremor vibrar por seus dedos enquanto ele falava. As pálpebras se abriram e ela arfou ao vê-lo tão tenso.

Os tendões do pescoço estavam retesados, a mandíbula travada com tanta força que era um milagre que seus dentes não tivessem trincado. Um músculo latejava no rosto delgado. Gotas de suor se formavam na testa e sobre os lábios.

Ele estava com dor.

Uma dor impossível, assim como ela estivera há minutos, antes que seu toque parecesse afastar a agonia.

Foi então que ela entendeu.

Ele não estava simplesmente acalmando-a com as mãos. Ele estava, de alguma forma, tirando a dor dela. Canalizando-a, de propósito, para si.

Ofendida com a ideia, porém ainda mais envergonhada por ter se deixado permanecer ali deitada, imaginando que a carícia dele fosse algo mais do que pura piedade, Jenna se retraiu do seu toque e se pôs sentada num canto do sofá. Respirou fundo de ultraje ao fitar os olhos escuros que reluziam fachos de luz âmbar.

– Que diabos pensa que está fazendo? – arfou, pondo-se de pé.

O músculo que estivera latejando em seu maxilar se retesou quando ele se levantou para enfrentá-la.

– Ajudando você.

Imagens tomaram conta da sua mente em um instante: repentinas lembranças vívidas dos momentos posteriores ao seu cativeiro com a criatura que invadira o seu chalé no Alasca.

Naquele momento, ela também sentira dores. Estivera aterrorizada e em estado de choque, tão devastada de horror e confusão que achou que acabaria morrendo.

E se lembrou das mãos delicadas e cálidas que a confortaram. O rosto de um belo desconhecido sério que entrara em sua vida como um anjo negro e a manteve a salvo, protegida e tranquila, quando tudo em seu mundo fora transformado em caos.

– Você esteve lá – murmurou, atônita por perceber só então. – No Alasca, depois que o Antigo sumiu. Você ficou comigo. Também tirou minha dor naquela hora. E mais tarde, depois que fui trazida para o complexo. Meu Deus... Você ficou comigo o tempo todo em que estive na enfermaria? Os olhos dele permaneceram fixos nos dela, sombrios, inescrutáveis.

– Eu era o único que podia ajudar você.

– Quem te pediu isso? – exigiu saber, num tom sabidamente áspero, mas desesperada por expurgar o calor que ainda trafegava dentro dela, indesejado e espontâneo.

Já era ruim que ele achasse necessário acalentá-la como se ela fosse algum tipo de criança em sua provação prolongada. E ainda pior que ele parecesse pensar ser necessário repetir isso agora também. Maldita fosse se permitisse que ele pensasse, por um segundo sequer, que ela, de fato, desejara seu toque.

Com a expressão ainda carregada pelo que lhe fizera instantes antes, ele meneou a cabeça e imprecou.

– Para uma mulher que não quer a ajuda de ninguém, você bem que parece precisar muito.

Ela mal resistiu à tentação de lhe dizer onde ele podia enfiar sua compaixão.

– Sei cuidar de mim sozinha.

– Como cuidou ontem à noite na cidade? – ele a desafiou. – Como fez há poucos minutos no laboratório, pouco antes que os meus braços fossem a única coisa entre o seu traseiro teimoso e o chão?

A humilhação queimou seu rosto tal qual um tapa.

– Sabe de uma coisa? Faça-nos um favor e não me faça mais favor algum!

Ela se virou para se afastar dele, seguindo para a porta ainda aberta para o corredor. Cada passo miraculosamente sem dor só aumentava sua raiva de Brock, deixando-a ainda mais determinada a colocar o máximo possível de distância entre eles.

Antes que conseguisse se aproximar da soleira, ele se postou diante dela, bloqueando-lhe o caminho, mesmo que ela não tivesse visto ou ouvido ele se mover.

Parou. Encarou-o, atordoada por sua evidente velocidade sobrenatural.

– Saia da minha frente – disse, tentando passar por ele.

Ele deu um passo para o lado, colocando o corpo imenso diretamente diante do dela. A intensidade do seu olhar revelou que ele queria lhe dizer algo mais, mas Jenna não queria ouvir. Precisava ficar sozinha.

Precisava de espaço para pensar sobre tudo o que lhe acontecera... Tudo que ainda estava acontecendo, ficando cada vez mais assustador ao mesmo tempo.

– Saia da frente – disse ela, odiando o leve tremor em sua voz.

Brock lentamente levantou a mão e afastou uma mecha de cabelo da testa dela. Foi um gesto meigo, uma afabilidade que ela tanto precisava, mas que tinha medo de aceitar.

– Você está no nosso mundo agora, Jenna. Quer queira admitir ou não, precisa de ajuda.

Ela observou-lhe a boca enquanto ele falava, desejando não se sentir tão atenta aos lábios cheios e sensuais. Ele ainda estava suportando a sua dor; podia saber pelo ligeiro inflar nas narinas enquanto ele inspirava e expirava de modo controlado. Tampouco a tensão do belo rosto e do pescoço forte se desfizera.

Durante toda a sua vida, ela se esforçou para provar seu valor, primeiro para o pai e para o irmão, Zach, sendo que ambos deixaram claro que duvidavam que ela tivesse o necessário para fazer parte da força policial. Mais tarde, esforçou-se para ser uma mãe e esposa perfeitas. A vida toda fora estruturada numa fundação de força, disciplina e competência.

De maneira inacreditável, enquanto ficava ali diante de Brock, não foi o fato de ele ser algo mais que humano – algo perigoso e alienígena – que fez com que ela quisesse que o chão se abrisse e a engolisse. Foi o medo de que ele pudesse enxergar através da casca de raiva que ela usava como uma armadura, vendo-a como o fracasso solitário e amedrontado que ela, de fato, era.

Brock balançou de leve a cabeça em sua direção enquanto o silêncio se estendia entre eles. Os olhos perscrutaram seu rosto por inteiro antes de se deterem sobre o seu olhar.

– Existem coisas piores do que precisar se apoiar em alguém de vez em quando, Jenna.

– Maldição! Eu disse para sair da minha frente! – Ela pousou as palmas sobre o peito largo e o empurrou com toda a raiva e medo que havia dentro dela.

Brock foi lançado para trás, quase se chocando com a parede oposta do corredor.

Jenna arquejou, assustada e surpresa com o que acabara de fazer.

Horrorizada.

Brock era muito forte, com quase dois metros de altura e mais de cem quilos de músculo e força. Alguém muito mais forte do que ela. Alguém muito mais poderoso do que qualquer outra pessoa que já tivesse conhecido.

As sobrancelhas dele se ergueram em sinal de surpresa.

– Jesus Cristo – murmurou, com muito mais admiração do que raiva na voz.

Jenna suspendeu as mãos diante de si e fitou-as como se elas pertencessem a outra pessoa.

– Ai, meu Deus... Como eu... O que aconteceu?

– Está tudo bem – garantiu ele, voltando para perto dela com aquela enlouquecedora tranquilidade.

– Brock, desculpe. Verdade, eu não queria...

– Eu sei – disse ele, assentindo com seriedade. – Não se preocupe. Você não me machucou.

Uma bolha de histeria subiu-lhe pela garganta. Primeiro, a notícia chocante de que o implante de algum modo estava alterando seu DNA, e agora isso: uma força que não tinha como ser sua, mas, de alguma maneira, era. Relembrou sua fuga da propriedade e as estranhas habilidades linguísticas que pareceu adquirir desde que o Antigo deixara uma parte de si emaranhado em sua medula espinhal.

– Que diabos está acontecendo comigo, Brock? Quando tudo isso vai terminar?

Ele lhe segurou as mãos trêmulas entre suas palmas com firmeza.

– O que quer que esteja acontecendo, você não tem que passar por isso sozinha. Precisa entender isso.

Ela não sabia se ele falava em nome de todos no complexo ou por si só. Ela não tinha voz para pedir uma explicação. Disse a si mesma que não importava o significado das palavras dele; contudo, isso não desacelerou seu coração quando o fitou. Sob o calor dos insondáveis olhos castanhos, ela sentiu os seus piores medos se dissolverem.

Sentia-se aquecida e protegida, coisas que queria negar, mas não podia enquanto Brock a estivesse segurando pelas mãos e pelo olhar.

Ele franziu a testa após um longo momento e lentamente soltou-lhe as mãos, deixando as suas deslizarem pelos braços dela, numa carícia sensual, demorando-se o suficiente para deixar claro que aquilo não era nada menos do que íntimo. Jenna sabia disso, e via que ele também sabia.

Os olhos escuros pareceram se aprofundar, engolindo-a. Recaíram sobre sua boca e lá ficaram enquanto a respiração de Jenna saía num suspiro trêmulo.

Ela sabia que devia se afastar dele agora. Não havia motivo para permanecerem perto assim, com meros centímetros separando seus corpos. Menos ainda entre a boca dele e a dela. Só seria preciso um leve inclinar da cabeça dele ou um erguer da dela e seus lábios se encontrariam.

A pulsação de Jenna acelerou ante a ideia de beijar Brock.

Coisa que, quando ele a carregara para o quarto, estivera bem longe dos seus pensamentos. Não muito tempo atrás, quando seu medo e sua raiva a fizeram sibilar e grunhir como um animal selvagem preso numa armadilha de caçador.

Mas agora, enquanto Brock permanecia tão perto que ela sentia o calor do corpo dele irradiando para o seu, a fragrância da pele tentando-a a aproximar o rosto e inspirar seu cheiro, beijá-lo era uma necessidade secreta que pulsava dentro dela a cada batida fugidia do seu coração.

Talvez ele soubesse o que ela estava sentindo.

Talvez ele estivesse sentindo a mesma coisa.

Ele emitiu uma imprecação, depois recuou um passo, encarando-a com ardor e firmeza.

– Ah... droga... Jenna...

Quando ergueu as mãos fortes e segurou o seu rosto com delicadeza, todo o ar pareceu evaporar no quarto. Os pulmões de Jenna pareceram congelar dentro do peito, mas o coração continuava acelerado, batendo tão rapidamente que pensou que ele poderia explodir.

Esperou, num misto de terror e esperança, atônita com a necessidade que tinha de sentir a boca de Brock na sua.

A língua dele molhou os lábios, o movimento permitindo que ela tivesse um vislumbre das pontas das suas presas, reluzindo como diamantes. Ele praguejou novamente, depois se afastou um pouco, deixando uma lufada de ar frio diante dela onde o calor do seu corpo estivera apenas um segundo antes.

– Eu não deveria estar aqui – murmurou com voz espessa. – E você precisa descansar. Fique à vontade. Se não houver cobertas suficientes na cama, encontrará mais no armário do banheiro. Use tudo que precisar.

Jenna teve que se dar um chacoalhão mental para entender a conversa.

– Este... hum... Este quarto é seu?

Ele acenou de leve, já saindo para o corredor.

– Era. Agora é seu.

– Espere – Jenna o seguiu. – E quanto a você? Você tem onde ficar?

– Não se preocupe – disse ele, parando para olhá-la quando ela se apoiou na maçaneta. – Descanse um pouco, Jenna. Te vejo por aí.

O sangue ainda corria quente nas veias de Brock pouco depois, quando ele parou diante de uma das últimas suítes residenciais e bateu à porta fechada.

– Faltam ainda onze minutos para a hora que combinamos – diz a voz profunda e prática do macho da Raça do outro lado.

A porta se abriu, e Brock foi perfurado por um par de olhos dourados inescrutáveis.

– Avon chama – disse Brock à guisa de um cumprimento ao suspender a mochila de couro preta que continha todos os seus pertences pessoais retirados dos seus aposentos. – E o que quer dizer com isso, cheguei onze minutos antes? Não me diga que você vai ser um daqueles colegas de quarto certinhos que fazem tudo seguindo um cronograma. Minhas escolhas são limitadas, já que você e Chase têm os últimos quartos do complexo. E, para falar a verdade, se Harvard e eu tivermos que dividir um quarto, não sei se sobreviveremos uma semana.

Hunter nada disse enquanto Brock passava por ele e entrava no quarto. Ele o seguiu para a parte das camas, tão sorrateiro quanto um fantasma.

– Pensei que fosse outra pessoa – afirmou um tanto tardiamente.

– É mesmo? – Brock girou de frente para o estoico Primeira Geração, verdadeiramente curioso a respeito do mais recente e reservado membro da Ordem. Sem falar no fato de que estava ávido para desviar a mente dos seus pensamentos ardentes a respeito de Jenna Darrow. – A quem esperava além de mim?

– Não importa – respondeu Hunter.

– Ok. – Brock deu de ombros. – Só estou tentando bater papo, mas tudo bem.

A expressão do Primeira Geração continuou impassível, absolutamente normal. O que não era surpresa, levando-se em consideração o modo como o macho fora criado: como um dos assassinos domésticos de Dragos. Inferno, o cara nem mesmo tinha um nome. Como o restante do exército pessoal criado por Dragos a partir do Antigo, referiam-se ao Primeira Geração apenas pelo único propósito da sua vida: Hunter3.

Ele chegara à Ordem há poucos meses, depois que Brock, Nikolai e alguns dos outros guerreiros atacaram uma reunião de Dragos e dos seus tenentes. Hunter fora libertado durante o ataque e agora era aliado contra o seu criador nos esforços da Ordem em acabar com Dragos.

Brock parou diante das duas camas que estavam em cada lado do quarto em estilo modesto. As duas estavam arrumadas com precisão militar, coberta marrom e lençóis brancos sem nenhuma prega, um único travesseiro meticulosamente colocado na cabeceira de cada estrado.

– Então, qual é a sua cama?

– Não faz diferença para mim.

Brock voltou a fitar o rosto impassível e os inescrutáveis olhos dourados.

– É só me dizer em qual costuma dormir e eu pego a outra.

O olhar nivelado de Hunter não se alterou em nada.

– São apenas mobília. Não tenho nenhum apego nem por uma, nem por outra.

– Nenhum apego – repetiu Brock num murmúrio. – Pois é, cara. Talvez você possa me dar algumas dicas sobre essa sua postura “não estou nem aí”. Acho que viria bem a calhar de tempos em tempos. Especialmente no que se refere às mulheres.

Com um grunhido, largou suas coisas na cama da esquerda, depois esfregou as mãos no rosto e na cabeça. O gemido que escapou dele estava carregado de frustração e do desejo retido que vinha abafando desde que se forçara a deixar Jenna e a tentação de que não precisava.

– Maldição – grunhiu, o corpo tinindo de novo só de lembrar o belo rosto erguido ao fitá-lo.

Era como se ela estivesse à espera de um beijo seu. Tudo que era masculino dentro de si afirmara isso com absoluta certeza na hora, mas ele sabia que aquela era a última coisa de que Jenna precisava.

Ela estava confusa e vulnerável, e ele se considerava mais do que um homem que poderia tirar vantagem disso só porque a sua libido clamava por ela. Claro, isso não o fazia se sentir muito melhor a respeito da excitação que, do nada, voltava à vida de novo, deixando toda a sua honradez de lado.

– Que beleza, meu herói – admoestou-se severamente. – Agora vai precisar afundar numa banheira de gelo por uma semana por ter bancado o nobre...

– Está se sentindo mal? – perguntou Hunter, assustando Brock, que não havia percebido que o outro macho ainda estava atrás dele no quarto.

– É... – disse Brock, dando uma risada sardônica. – Não ando muito bem, não. Se quer saber a verdade, não estou me sentindo bem desde que pus os olhos nela.

– A fêmea humana – disse Hunter, com um ar de compreensão grave. – Está aparente que ela é um problema para você.

Brock emitiu um suspiro sem humor algum.

– Acha mesmo?

– Sim, acho. – Não havia julgamento em sua voz, apenas uma declaração dos fatos. Ele falava como uma máquina: total precisão, zero sentimento. – Deduzo que todos no laboratório de tecnologia chegaram à mesma conclusão hoje, quando permitiu que Chase provocasse sua ira por conta dos comentários sobre o seu apego àquela mulher. Suas ações demonstraram uma fraqueza do seu treinamento e, pior, falta de autocontrole. Reagiu de modo impensado.

– Obrigado por notar – respondeu Brock, suspeitando que seu sarcasmo seria desperdiçado no caçador antissocial e imperturbável. – Lembre-me de encher o seu saco daqui até a semana seguinte se um dia chegar a relaxar o bastante para deixar uma mulher o irritar.

Hunter não reagiu, apenas o fitou sem demonstrar nenhuma centelha de emoção.

– Isso não acontecerá.

– Merda – disse Brock, meneando a cabeça ante o soldado Primeira Geração rígido que fora criado na base da negligência e da disciplina do castigo. – Você não deve ter estado com a mulher certa se tem tanta segurança assim.

A expressão de Hunter continuou estoica. Distante e imparcial. Na verdade, quanto mais Brock olhava para ele, mais claramente começava a enxergar a verdade.

– Caramba. Já esteve, algum dia, com uma mulher, Hunter? Meu Deus... Você é virgem, não é?

Os olhos dourados do Primeira Geração continuaram fixos no olhar de Brock como se considerasse aquilo algum teste de força de vontade no qual ele não permitiria que a revelação o afetasse. E Brock tinha que dar o braço a torcer, pois nenhum grau de emoção cintilou naqueles olhos sinistros, tampouco nas feições perfeitamente disciplinadas.

A única coisa que fez Hunter reagir foi o barulho suave de chinelos se arrastando pelo corredor. Uma voz infantil, Mira, chamando da sala de estar.

– Hunter, você está aí?

Ele se virou sem dar nenhuma explicação e foi se encontrar com a garotinha.

– Agora não é uma boa hora. – Brock o ouviu lhe dizer em seu tom modulado e grave.

– Mas não quer saber o que acontece com Harry quando ele põe a capa da invisibilidade? – perguntou Mira, o desapontamento abaixando o tom de sua voz normalmente alegre. – Essa é uma das minhas partes prediletas no livro. Você tem que ouvir esse capítulo. Vai amar.

– Ela tem razão, é uma das melhores partes. – Brock saiu do quarto, sem saber o que o fez sorrir mais: a percepção de que o implacável assassino Primeira Geração era um virgem sem experiência alguma, ou a mais recente notícia, igualmente divertida, de que o encontro que ele aparentemente atrapalhara ao aparecer com as suas coisas era a hora da leitura de Hunter com a mais jovem residente do complexo.

Deu uma piscadela e um sorriso para Mira quando ela se acomodou no sofá e abriu o livro na parte em que havia parado de ler.

– Relaxe – disse a Hunter, que estava de pé, tão duro quanto uma estátua. – Não vou revelar os seus segredos a ninguém.

Não esperou para ver a reação dele, apenas foi andando para o corredor, deixando Hunter olhando-o enquanto saía.


Caçador


Capítulo 11

– Cruzem os dedos, meninas, mas acho que acabamos de encontrar a pista que procurávamos. – Dylan desligou o telefone e girou a cadeira para ficar de frente para Jenna, Alex, Renata e Savannah, todas reunidas na sala de reuniões das Companheiras de Raça nas últimas horas.

Na verdade, chamá-la de sala de reuniões não lhe fazia justiça. Havia pelo menos meia dúzia de computadores numa mesa longa num dos lados da sala, caixas de arquivos suspensos organizados por localização dispostas numa estante alta para facilitar o acesso, quase cada espaço da parede coberto por mapas marcados da Nova Inglaterra e gráficos de investigação detalhados que envergonhariam boa parte das unidades de casos antigos arquivados da polícia. Em meio a esses gráficos, muitos esboços de retratos falados de jovens, os rostos de algumas desaparecidas, a quem a Ordem e suas companheiras diligentes estavam determinadas a encontrar.

Não, Jenna pensou ao olhar ao redor, aquela não era uma mera sala de reuniões.

Aquela era uma sala devotada à estratégia, a uma missão, à guerra.

Jenna acolhia a energia do lugar, ainda mais depois das notícias perturbadoras que recebera a respeito do seu último exame de sangue. Também precisava da distração a fim de não pensar nos inesperados momentos ardentes que partilhara com Brock no quarto dele, ou melhor, no seu. Ela praticamente dera um salto quando lhe surgiu a oportunidade de sair de lá depois que ele foi embora. Fora Alex quem apareceu procurando-a pouco depois, e fora ela quem a trouxera consigo para a sala de guerra das Companheiras de Raça para ter companhia e ficar conversando.

Ela não desejara se interessar pelo trabalho em que as mulheres da Ordem estavam envolvidas, mas, enquanto esteve entre elas, foi quase impossível para a policial dentro de si ignorar o rastro de uma boa busca por informações. Sentou-se um pouco ereta na cadeira ante a mesa de reuniões quando Dylan andou até a impressora para pegar uma folha que acabara de sair da máquina.

– O que conseguiu? – perguntou Savannah.

Dylan bateu a folha na mesa diante das mulheres reunidas.

– Irmã Margaret Mary Howland.

Jenna e as outras se inclinaram para olhar para a imagem escaneada. Era a foto de um grupo de uma dúzia ou pouco mais de garotas e jovens mulheres. Pelo estilo das roupas, parecia ter sido tirada uns vinte anos antes. O grupo estava reunido num gramado abaixo das escadas de uma varanda coberta, no tipo de pose que as estudantes às vezes faziam para a foto escolar anual. A não ser pelo fato de que, naquele caso, não havia uma escola atrás delas, mas uma casa grande, simples, autoproclamada Lar para Mulheres St. John, Queensboro, Nova York.

Uma mulher de meia-idade de rosto gentil usando um crucifixo como pingente e um vestido de verão modesto estava ao lado do grupo reunido debaixo do beiral branco no qual a placa pintada estava suspensa. Uma das moças mais jovens estava com a mulher de mais idade, os ombros finos seguros por mãos carinhosas, o rostinho erguido com um olhar luminoso de afeto.

– É ela – disse Dylan, apontando para a mulher com o sorriso maternal e braços protetores. – Irmã Margaret.

– E ela é...? – perguntou Jenna, sem conseguir conter a curiosidade.

Dylan relanceou para ela.

– Neste instante, se ainda estiver viva, esta mulher é a nossa aposta mais segura para descobrirmos mais sobre as Companheiras de Raça que sumiram ou acabaram mortas pelas mãos de Dragos.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não estou entendendo.

– Algumas das mulheres que ele matou, e provavelmente muitas outras que ele mantém em cativeiro, vieram de abrigos de fugitivas – disse Dylan. – Veja bem, não é incomum que as Companheiras de Raça se sintam confusas e deslocadas na sociedade mortal. A maioria de nós não sabe o quanto é diferente, muito menos o motivo para isso. Além da marca de nascença em comum e das características biológicas, todas nós temos também habilidades extrassensoriais singulares.

– Não o tipo de coisa que você vê nos programas da TV ou em comerciais anunciando serviços de pessoas psíquicas – explicou Savannah. – Talentos verdadeiramente extrassensoriais são normalmente o meio mais seguro de identificar uma Companheira de Raça.

Dylan concordou.

– Às vezes, esses talentos são uma bênção, mas em muitas outras são uma maldição. O meu dom foi uma maldição em boa parte da minha vida, mas, felizmente, tive uma mãe amorosa. Por isso, não importava o quanto eu ficasse confusa ou assustada, sempre tive a segurança de um lar.

– Mas nem todas têm essa sorte – acrescentou Renata. – Para Mira e para mim, foi uma extensa fila de orfanatos em Montreal. E, de tempos em tempos, chamávamos a rua de lar.

Jenna ouvia em silêncio, agradecendo a boa sorte de ter nascido em uma família normal e relativamente próxima, onde o maior problema de infância foi tentar competir com o irmão pelo afeto e pela aprovação dos pais. Ela não conseguia imaginar os tipos de problemas que as fêmeas nascidas com a marca de nascença da lágrima e da lua crescente tiveram que suportar. Seus problemas, por mais incompreensíveis que fossem, pareciam diminuir um pouco enquanto ponderava sobre as vidas que aquelas mulheres tiveram. Para não falar do inferno que as mortas ou desaparecidas tiveram que suportar.

– Quer dizer que vocês acreditam que Dragos visava as jovens que acabavam nesse tipo de abrigo? – perguntou.

– Sabemos disso – disse Dylan. – A minha mãe costumava trabalhar num abrigo para pessoas que fugiam de casa em Nova York. É uma longa história, uma para ser contada outro dia, mas, basicamente, foi descoberto que o abrigo para o qual ela trabalhava havia sido fundado e era dirigido pelo próprio Dragos.

– Ai, meu Deus... – arfou Jenna.

– Ele estivera se escondendo por trás de um nome falso, Gordon Fasso, enquanto circulava em meio à sociedade humana, e ninguém fazia ideia de quem ele fosse até... até ser tarde demais. – Dylan parou para inspirar profundamente e se fortalecer. – Ele matou minha mãe depois que percebeu que havia sido desmascarado e que a Ordem estava se aproximando dele.

– Lamento muito – sussurrou Jenna, com sinceridade. – Perder alguém que se ama para esse tipo de maldade...

As palavras se perderam enquanto algo frio e determinado borbulhou dentro dela. Como ex-policial, ela conhecia o sabor amargo da injustiça e a necessidade de equilibrar a balança. Mas suprimiu esse sentimento, dizendo a si mesma que a luta da Ordem contra aquele inimigo, Dragos, não era sua. Ela tinha as próprias batalhas para enfrentar.

– Tenho certeza de que Dragos vai ter o que merece no final – disse.

Era uma frase inútil, oferecida com certo distanciamento. Mas ela queria muito estar certa. Sentada ali com aquelas mulheres, tendo-as conhecido um pouco melhor no curto tempo em que estava no complexo, Jenna rezava para que a Ordem fosse bem-sucedida ao enfrentar Dragos. Pensar que alguém tão perverso quanto ele estivesse à solta no mundo era inaceitável.

Pegou a imagem impressa e fitou a expressão calorosa da freira, que estava tal qual uma pastora ao lado de seu rebanho vulnerável.

– Como esperam que essa mulher, a Irmã Margaret, possa ajudá-las?

– A rotatividade de pessoal é alta nesses abrigos – explicou Dylan. – Aquele em que minha mãe trabalhava não era exceção. Uma amiga que costumava trabalhar com ela lá me informou o nome da Irmã e me deu a foto. Ela disse que a freira se aposentou há vários anos, mas fez trabalho voluntário em diversos abrigos em Nova York desde meados dos anos 1970. Por isso, é o tipo de pessoa com quem precisamos conversar.

– Alguém que esteve em abrigos por muito tempo e pode ser capaz de identificar antigas residentes a partir dos retratos falados – disse Savannah, indicando os rostos afixados nas paredes.

Jenna assentiu.

– Esses retratos são de mulheres que estiveram em abrigos?

– Esses retratos – disse Alex ao lado de Jenna – são de Companheiras de Raça que estão sendo mantidas por Dragos enquanto estamos aqui conversando.

– Quer dizer que ainda estão vivas?

– Estavam há alguns meses. – A voz de Renata soou dura. – Uma amiga da Ordem, Claire Reichen, usou seu dom de Companheira de Raça, o poder de viajar em seus sonhos, para localizar o quartel-general de Dragos. Ela viu as prisioneiras, mais de vinte, trancadas em celas do laboratório dele. Embora Dragos tenha realocado sua operação antes que pudéssemos salvá-las, Claire tem trabalhado com um desenhista para documentar os rostos que viu.

– Na verdade, é lá que Claire está agora, ela e Elise – explicou Alex. – Elise tem muitos amigos na comunidade civil da Raça aqui em Boston. Ela e Claire têm trabalhado em alguns novos retratos, baseados no que Claire viu no covil de Dragos.

– Depois que tivermos os rostos das prisioneiras – disse Dylan –, podemos começar a procurar por nomes e possíveis familiares. Qualquer coisa que possa nos ajudar a nos aproximar de onde essas mulheres estão.

– E quanto aos bancos de dados de pessoas desaparecidas? – perguntou Jenna. – Vocês compararam os esboços com os perfis listados em grupos como o Centro Nacional de Pessoas Desaparecidas?

– Sim, e voltamos de mãos vazias – disse Dylan. – Muitas dessas mulheres e garotas nos abrigos são fugitivas e órfãs. Muitas são abandonadas. Umas fogem de casa, deliberadamente cortando todos os laços com a família e com os amigos. O resultado final é o mesmo: ninguém sente falta delas ou procura por elas no sistema; portanto, não há registros arquivados.

Renata concordou com um leve grunhido que pareceu falar de sua experiência.

– Quando você não tem nada, nem ninguém, você pode desaparecer, e é como se nunca tivesse existido.

Por causa dos seus anos na força policial do Alasca, Jenna sabia que isso era bem verdade. As pessoas desapareciam sem deixar rastro tanto nas grandes cidades como em pequenas comunidades. Isso acontecia todos os dias, embora ela jamais tivesse imaginado que fosse pelos motivos que Dylan, Savannah, Renata e as outras mulheres lhe explicavam agora.

– Qual o plano de vocês depois que identificarem as Companheiras de Raça desaparecidas?

– Depois que tivermos uma ligação pessoal com pelo menos uma delas – disse Savannah –, Claire pode tentar se comunicar através dos sonhos e, quem sabe, conseguir informações sobre a localização de onde as prisioneiras estão.

Jenna estava acostumada à rápida digestão e compreensão dos fatos, mas sua cabeça começava a girar com tudo o que estava ouvindo. E não conseguia evitar que sua mente procurasse por soluções para os problemas diante dela.

– Espere um instante. Se o dom de Claire a levou ao covil de Dragos uma vez, por que ela não pode simplesmente repetir isso?

– Para que seu dom funcione, ela precisa de algum tipo de elo emocional ou pessoal com a pessoa que está tentando localizar nos sonhos – respondeu Dylan. – O elo dela antes não era com Dragos, mas com outra pessoa.

– O antigo companheiro dela, Wilhelm Roth – explicou Renata, praticamente cuspindo o nome dele. – Ele era uma pessoa cruel, mas, comparada à de Dragos, sua crueldade não era nada. Jamais permitiríamos que Claire tentasse contatar o próprio Dragos. Isso seria suicídio.

– Tudo bem. Então onde nós ficamos com isso? – perguntou Jenna, o “nós” saindo de sua boca antes que ela percebesse o que havia dito. Mas era tarde demais para retirá-lo, e ela estava interessada demais para fingir outra coisa. – Onde você imagina que as coisas vão a partir daqui?

– Tenho esperanças de localizar a Irmã Margaret e que ela possa nos ajudar a desvendar alguma coisa – disse ela.

– Temos como entrar em contato com ela? – perguntou Renata.

A animação de Dylan se arrefeceu um pouco.

– Infelizmente, não há como termos certeza sequer de que ela ainda esteja viva. A amiga da minha mãe disse que ela deve estar com uns oitenta anos agora. A única boa notícia é que seu convento tem sede em Boston, então, existe a possibilidade de ela estar aqui. Por enquanto, só o que temos é seu número do seguro social4.

– Dê esse número a Gideon – sugeriu Savannah. – Tenho certeza de que ele consegue invadir o sistema do governo para conseguir todas as informações de que precisamos sobre ela.

– Foi isso mesmo que pensei – Dylan respondeu com um sorriso.

Jenna pensou em oferecer ajuda para localizar a freira. Ainda tinha amigos na força policial e em algumas agências federais. Com apenas um telefonema ou e-mail, ela poderia pedir um ou outro favor confidencial. Mas as mulheres da Ordem pareciam ter tudo sob controle.

E seria melhor para ela não se envolver em nada daquilo, lembrou-se com severidade, enquanto Dylan pegava o telefone ao lado do seu computador e ligava para o laboratório de tecnologia.

Alguns minutos mais tarde, Gideon e Rio entraram na sala de guerra. Os dois guerreiros receberam um relatório resumido do que Dylan descobrira. Antes mesmo de ela terminar de explicar o que havia descoberto, Gideon se acomodou diante de um computador e começou a trabalhar.

Jenna ficou olhando da sua cadeira junto à mesa enquanto todos os outros, Savannah, Renata, Alex, Rio e Dylan, se reuniram ao redor de Gideon para vê-lo fazer a sua mágica. Savannah estava certa: ele não precisou mais do que alguns minutos para invadir um firewall de um site do governo americano e começar a baixar os registros de que precisavam.

– A Irmã Margaret Mary Howland está bem viva, de acordo com a Administração do Seguro Social – anunciou ele. – Sacou a aposentadoria dela do mês passado, no valor de 298 dólares e alguns trocados num endereço em Gloucester. Estou imprimindo as informações agora.

Dylan deu um sorriso amplo.

– Gideon, você é um deus da tecnologia.

– Meu prazer é servir. – Levantou-se da cadeira e puxou Savannah para um beijo rápido, porém ardente. – Diga que está impressionada, amor.

– Estou impressionada – respondeu ela, rindo ao mesmo tempo em que lhe dava um tapa no ombro.

Ele sorriu, lançando um olhar para Jenna por sobre os óculos.

– Ela me ama – disse ele, puxando a bela companheira num abraço apertado. – Na verdade, ela é louca por mim. Não consegue viver sem mim. Muito provavelmente, está querendo me levar para a cama neste instante para se aproveitar de mim.

– A-hã. É o que você pensa – replicou Savannah, mas havia uma centelha ardente em seu olhar ao fitá-lo.

– Uma pena que não estamos tendo a mesma sorte para conseguir uma pista sobre a Sociedade TerraGlobal – lamentou Rio, o braço passando ao redor dos ombros de Dylan no que pareceu uma manobra instintivamente íntima.

Renata franziu o cenho.

– Nenhuma pista ainda?

– Nada – Gideon interveio. Ele deve ter percebido o olhar confuso de Jenna. – A Sociedade TerraGlobal é o nome da empresa que acreditamos que Dragos esteja usando como fachada para algumas das suas operações secretas.

Alex disse em seguida:

– Lembra-se daquela mineradora que abriu perto de Harmony há alguns meses, a Mineradora Coldstream? – Ante o aceno de Jenna, Alex continuou: – Pertencia a Dragos. Acreditamos que era para ela ter sido usada como uma prisão para o Antigo depois que o transportassem para o Alasca. Infelizmente, todos sabem como isso terminou.

– Conseguimos rastrear a Mineradora Coldstream até a Sociedade TerraGlobal – acrescentou Rio. – Mas só conseguimos avançar até aí. Sabemos que a TerraGlobal tem muitas camadas, mas está demorando demais para conseguirmos dissecá-las. Nesse ínterim, Dragos se esconde cada vez mais fundo, a cada minuto ficando mais longe do nosso alcance.

– Vocês vão pegá-lo – disse Jenna. Tentou ignorar a aceleração do coração ante a necessidade de pegar algumas armas e liderar a busca. – Vocês têm que pegá-lo, então vão pegá-lo.

Rio, com seu rosto marcado por cicatrizes demonstrando determinação ao assentir em concordância, fitou os olhos de Dylan.

– É. Um dia, nós vamos pegar esse filho da puta. Ele vai pagar por tudo o que já fez.

Debaixo do braço forte, Dylan deu um sorriso tristonho. Escondeu-se em seu abraço, tentando abafar um bocejo.

– Venha – disse Rio, afastando uma mecha dos cabelos ruivos dos olhos dela. – Você tem dedicado muitas horas a tudo isso. Agora vou levá-la para a cama.

– Não é uma má ideia – disse Renata. – A noite logo chega e aposto como Nikolai está testando a nova munição na sala de armas. Está na hora de ir buscar meu homem.

Enquanto ela se despedia e saía, Dylan e Rio, Savannah e Gideon faziam o mesmo.

– Quer ficar comigo e com Kade um pouco? – perguntou Alex.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não, estou bem. Acho que vou ficar aqui por alguns minutos, para relaxar um pouco. O dia foi longo e estranho.

O sorriso de Alex mostrou empatia.

– Se precisar de qualquer coisa, sabe onde me encontrar. Certo?

Jenna assentiu.

– Estou bem. Mas obrigada.

Observou a amiga sair e desaparecer lentamente pelo corredor. Quando não restava mais nada na sala a não ser silêncio e tranquilidade, Jenna se levantou e se aproximou da parede com os mapas, gráficos e retratos.

Era admirável o que a Ordem e as suas companheiras estavam tentando fazer. Era um trabalho importante, mais importante do que qualquer outra coisa com que Jenna se deparara no interior do Alasca, ou, na verdade, em qualquer outro lugar.

Se tudo o que ela descobrira nos últimos dias fosse verdade, então o que a Ordem fazia ali era salvar o mundo.

– Jesus Cristo... – sussurrou, atordoada com a enormidade de tudo aquilo.

Ela tinha que ajudar.

Se fosse capaz, mesmo que de uma maneira pequena, ela tinha que ajudar.

Não tinha?

Jenna andou ao redor da sala, com sua própria batalha acontecendo dentro de si. Não estava pronta para participar de algo como aquilo. Não enquanto ainda tinha tantas coisas para descobrir a respeito de si mesma. Com o irmão morto, ela não tinha mais nenhuma família. O Alasca fora seu lar durante toda a vida e agora isso também se fora, uma parte da sua existência anterior apagada para ajudar a Ordem a preservar seus segredos enquanto continuavam a perseguir o inimigo.

Quanto ao seu futuro, não sabia nem por onde começar. A substância alienígena dentro dela era um problema jamais imaginado, e nem adiantava desejar, porque aquilo não sumiria. Nem mesmo a mente brilhante de Gideon parecia capaz de arrancá-la daquela complicação confusa.

E também havia Brock. De todas as coisas que lhe aconteceram entre a invasão do Antigo ao seu chalé e a adoção atual, inesperada, ainda que não insuportável, por todos ali no quartel-general da Ordem, Brock estava se mostrando a coisa com a qual ela menos estava preparada para lidar.

Não estava nem um pouco perto disso no que se referia aos sentimentos que ele lhe provocava. Coisas que ela não sentia em anos, e, muito certamente, não queria sentir agora.

Nada em sua vida era certo, e a última coisa de que precisava era se envolver ainda mais nos problemas que os guerreiros e as suas companheiras enfrentavam.

No entanto, Jenna se viu seguindo para um computador na mesa ali perto. Sentou-se diante do teclado e entrou no navegador da internet, depois entrou num daqueles sites de e-mail grátis e criou uma conta.

Iniciou uma mensagem nova e digitou o endereço de um dos seus amigos da Polícia Federal em Anchorage. Fez uma única pergunta, uma questão a ser investigada confidencialmente como um favor pessoal.

Inspirou fundo, depois apertou o botão de enviar.


O número do seguro social, social security number, é um número de registro que todos os cidadãos americanos têm, como um CPF e um INSS unificados. Através dele, é possível localizar as pessoas, pois esse número é unificado em todo o território nacional. (N.T.)


Capítulo 12

No vestiário ao lado da sala das armas, Brock esticou a mão às costas para aumentar a temperatura da água de quente para escaldante. Com as mãos apoiadas na porta de teca do cubículo reservado, inclinou a cabeça em direção ao peito e agradeceu pelo jato de água cauterizante que lhe batia nos ombros e descia pelo pescoço. Vapor se formava ao seu redor, espesso como névoa, desde a cabeça até o piso de ladrilhos aos seus pés.

– Cristo! – Kade sibilou, alguns cubículos mais distante. – Duas horas direto de treino mano a mano não foi bastante castigo para você? Agora sente a necessidade de ferver vivo aí?

Brock grunhiu, passando a mão pelo rosto enquanto o vapor continuava a se formar e o calor continuava a açoitar seus músculos tensos demais. Encontrara Niko e Chase na sala das armas depois de deixar seus pertences no quarto que partilharia com Hunter. Parecia-lhe razoável esperar que alguns rounds de treinos de lâminas e treinos corpo a corpo bastariam para exaurir um pouco da sua inquietação e distração. Deveria ser assim, mas não foi.

– O que está acontecendo com você, cara?

– Não sei do que está falando – murmurou Brock, levando a cabeça e os ombros mais para baixo do jato de água escaldante.

A zombaria de Kade se fez ouvir no vestiário cavernoso.

– Até parece que não sabe.

– Droga – Brock exalou em meio à névoa que cobria sua cabeça. – Por que estou com a sensação de que você vai me explicar?

Houve o rangido da torneira sendo fechada, seguido pela batida da porta do chuveiro de Kade quando ele seguiu para o vestiário anexo. Alguns minutos depois, a voz de Kade soou do outro cômodo.

– Vai me contar o que aconteceu aquela noite em Southie, na fábrica?

Brock fechou os olhos e emitiu algo muito parecido com um rosnado, até mesmo para os seus ouvidos.

– Não há nada a contar. Havia fios soltos. Cuidei do assunto.

– A-hã – murmurou Kade. – Foi isso mesmo que imaginei que tivesse acontecido.

Quando Brock levantou a cabeça, viu o guerreiro parado diante dele. Kade estava totalmente vestido com jeans e camiseta preta, apoiado na parede oposta. Seu olhar prateado estreitado, como quem sabe o que está acontecendo.

Brock respeitava demais o amigo para tentar enganá-lo.

– Aqueles humanos eram a ralé que não pensaria duas vezes antes de ferir uma mulher inocente. Não acredita que esse tipo de brutalidade deve ser perdoado, acredita?

– Não. – Kade o encarou, depois assentiu com sobriedade. – Se eu me deparasse com alguém que tivesse colocado um dedo sequer em Alex, eu teria matado o desgraçado. Foi o que fez, não foi? Matou aqueles homens?

– Não eram homens, aqueles... – Brock grunhiu. – Eram cachorros raivosos, e o que fizeram com Jenna – aquilo que achavam que poderiam fazer e se safar – provavelmente não foi a primeira vez que machucaram uma mulher. Duvido que Jenna teria sido a última. Então, isso mesmo, acabei com eles.

Por um bom momento, Kade nada disse. Apenas o observou, mesmo depois que Brock voltou a colocar a cabeça debaixo do jato furioso, sem sentir necessidade de mais explicações. Nem mesmo para seu melhor amigo na Ordem, o guerreiro que era como um irmão para ele.

– Maldição – murmurou Kade depois de um longo silêncio. – Você gosta dela, não gosta?

Brock balançou a cabeça, tanto em negação como para tirar a água do rosto.

– Lucan me deu a responsabilidade de cuidar dela, de mantê-la segura. Só estou fazendo aquilo que esperam de mim. Ela é mais uma missão, nada diferente das outras.

– Ah, tá. Sem dúvida – caçoou Kade. – Eu tive uma missão como essa lá no Alasca há não muito tempo. Acho que já te contei uma ou duas vezes sobre ela, não foi?

– Isso é diferente – resmungou Brock. – O que você e Alex têm... Não é a mesma coisa. Alex é uma Companheira de Raça, para começar. Não existe a possibilidade de as coisas ficarem sérias com Jenna. Não sou do tipo que curte relacionamentos de longo prazo e, além disso, ela é humana.

As sobrancelhas escuras de Kade se uniram em sinal de preocupação.

– Não sei se algum de nós pode ter certeza do que ela é agora.

Brock absorveu a verdade dessa declaração com uma onda renovada de preocupação, não só por Jenna, mas pela Ordem e pelo resto da nação da Raça. O que quer que estivesse acontecendo com ela, parecia estar se acelerando naquele mesmo instante. Não tinha como negar que as notícias sobre seus exames de sangue o perturbavam. Sem falar que aquela porção alienígena colocada dentro dela estava se infiltrando cada vez mais em seu corpo, a um nível que nem mesmo Gideon parecia preparado para combater.

Brock emitiu uma imprecação debaixo do jato punitivo de água.

– Se está tentando fazer com que eu me sinta melhor a respeito disso tudo, sinta-se à vontade para parar a qualquer instante.

Kade riu, obviamente se divertindo com tudo aquilo.

– Sabe, não acho que você vá ter uma conversa de coração aberto com seu novo companheiro de quarto, então sou eu, aqui e agora, demonstrando que me importo.

– Sinto-me tocado – murmurou Brock. – Agora caia fora e deixe eu me escaldar em paz.

– Com todo prazer. Toda essa conversa sobre missões e mulheres me lembrou que tenho deveres importantes em meu apartamento que venho negligenciando...

Brock grunhiu.

– Lembranças a Alex.

Kade apenas sorriu ao se despedir, depois seguiu para a saída mais próxima.

Depois que ele se foi, Brock só ficou uns minutos mais debaixo da água. Já estava tarde, mas ele estava energizado demais para dormir. E o lembrete de Kade sobre as mutações biológicas de Jenna fez sua mente acelerar.

Enxugou-se, depois vestiu uma camiseta cinza e jeans escuros. Calçou os coturnos, sentindo uma súbita necessidade de voltar para a sala das armas para gastar um pouco mais de energia até o pôr do sol, quando poderia, por fim, escapar do complexo uma vez mais. Mas suar a camisa não funcionara muito da primeira vez; duvidava que o ajudasse agora.

Sem saber o que o livraria daquela agitação, Brock se viu andando pelo corredor principal do complexo, na direção do laboratório de tecnologia. Os corredores estavam silenciosos, desertos. Nada surpreendente para aquela hora do dia, quando os guerreiros comprometidos estavam com suas fêmeas e o restante dos ocupantes do quartel-general descansava antes do início das patrulhas da noite.

Brock deveria pensar em fazer o mesmo, porém estava mais interessado em saber se Gideon descobrira algo mais a respeito dos exames de sangue de Jenna. Ao entrar no corredor comprido que o levaria até o laboratório, ouviu movimentos em outra das salas do complexo.

Seguindo o barulho de papéis, parou diante da porta aberta do centro de comando da missão das Companheiras de Raça.

Jenna estava sozinha lá dentro.

Sentada à mesa de reuniões, com diversas pastas espalhadas diante de si e muitas outras empilhadas junto ao cotovelo, ela estava reclinada sobre um bloco de anotações, caneta na mão, completamente absorvida pelo que estava escrevendo, o que quer que fosse. A princípio, achou que ela não soubesse que ele estava ali. Mas em seguida, a mão dela parou no meio da página, e a cabeça se ergueu. As mechas de cabelo castanho caíram como seda quando ela se virou para ver quem estava na porta.

Aquela seria a sua chance para se esconder rápido, antes que ela o visse. Ele era da Raça, poderia estar ali e desaparecer antes que os olhos mortais registrassem sua presença. Em vez disso, por algum motivo idiota, sobre o qual não desejava refletir, avançou um passo e pigarreou.

O olhar castanho de Jenna se arregalou ao vê-lo.

– Oi – disse ele.

Ela sorriu de leve, parecendo pega desprevenida. E por que não estaria, depois da maneira como ele havia deixado as coisas entre os dois da última vez em que se viram? Ela pegou uma das pastas e colocou por cima do bloco de anotações.

– Pensei que todos tivessem ido descansar.

– E foram. – Ele entrou ainda mais na sala e passou os olhos nas informações sobre a mesa. – Parece que Dylan e as outras já conseguiram recrutar seus serviços.

Ela deu de ombros, numa negação débil.

– Eu só... estava olhando algumas coisas. Comparando anotações de alguns arquivos, anotando algumas ideias.

Brock se sentou ao lado dela.

– Elas vão gostar disso – disse ele, impressionado por ela estar ajudando. Esticou a mão na direção das suas anotações. – Posso ver?

– Não é nada de mais, mesmo – disse ela. – É só que algumas vezes ajuda alguém de fora dar uma olhada.

Ele relanceou para a letra curva e precisa que preenchia quase toda a página. A mente dela parecia funcionar do mesmo modo organizado, baseado no fluxo lógico das suas anotações e na lista de sugestões que fizera para a investigação das pessoas desaparecidas que Dylan e as outras Companheiras de Raça vinham procurando nos últimos meses.

– É um bom trabalho – disse ele, sem elogiar, apenas declarando um fato. – Dá para ver que você é uma excelente policial.

Outro levantar de ombros de negação.

– Não sou mais policial. Faz tempo que me afastei.

Ele a observou enquanto falava, notando o arrependimento que pairava em seu tom de voz.

– Não significa que não continue boa ainda no que faz.

– Parei de ser boa há algum tempo. Uma coisa aconteceu e eu... perdi minha motivação. – Ela o fitou, sem piscar. – Houve um acidente de carro há quatro anos. Meu marido e nossa filha de seis anos de idade morreram, só eu sobrevivi.

Brock assentiu.

– Eu sei. Lamento por sua perda.

A empatia dele pareceu incomodá-la de algum modo, e ela ficou meio sem saber o que fazer. Talvez lhe fosse mais fácil falar sobre a sua tragédia em seus termos, sem saber que ele já tomara conhecimento dela. Agora ela o fitava incerta, como se temesse que ele a julgasse de alguma maneira.

– Tive dificuldades para... aceitar que Mitch e Libby tinham partido. Por muito tempo, mesmo agora, é complicado entender como eu tenho que seguir em frente.

– Você vive – disse Brock. – É só o que pode fazer.

Ela assentiu, mas havia assombro em seu olhar.

– Você faz parecer tão fácil.

– Fácil não, apenas necessário. – Ele a viu cutucar um clipe torto em um dos relatórios. – Foi por isso que você se retirou do trabalho na polícia, porque não sabia como viver depois do acidente?

Fitando o espaço bagunçado na mesa diante dela, ela franziu a testa, em silêncio por um instante.

– Pedi demissão porque eu não conseguia mais executar minhas funções. Toda vez que eu tinha que me apresentar numa violação de trânsito, mesmo uma simples colisão de para-choque ou um pneu furado, eu chegava tremendo tanto ao local que mal conseguia sair do carro para oferecer ajuda. E nos chamados mais complicados, em acidentes sérios ou brigas domésticas que acabavam em violência, eu me sentia nauseada durante dias. Tudo o que eu aprendi no treinamento e no trabalho pareceu se despedaçar quando aquele caminhão carregando lenha atravessou a estrada escorregadia e destroçou minha vida. – Relanceou para ele, com seus olhos castanho-claros mais obstinados e firmes do que jamais vira. – Deixei de ser policial porque sabia que não conseguiria executar meu trabalho da maneira que ele precisava ser feito. Não queria que ninguém que pudesse depender de mim pagasse pela minha negligência. Por isso, pedi demissão.

Brock respeitava a coragem e a resiliência de Jenna desde que colocara os olhos nela. Agora, sua opinião apenas aumentara.

– Você se importava com o seu trabalho e com as pessoas que dependiam de você. Isso não é um sinal de fraqueza. Isso demonstra força. E, está claro, você amava o seu trabalho. E acho que ainda ama.

Por que essa simples observação atiçaria algum ponto fraco nela ele não entendia, mas teria que ser cego para não notar a centelha defensiva que brilhou em seus olhos. Jenna desviou o olhar ao perceber que deixara aquilo escapar e, quando falou, não havia raiva em sua voz. Apenas um tom de resignação.

– Sabe bastante sobre mim, não? Acho que não sobrou muito que você ou a Ordem não saibam sobre mim a esta altura.

– Alex nos contou apenas o básico – admitiu ele. – Depois do que aconteceu no Alasca, precisávamos saber algumas coisas.

Ela resmungou.

– Quer dizer, depois que comecei a falar coisas sem nexo enquanto dormia e me tornei um fardo indesejável para a Ordem.

– Mais ou menos isso – disse ele, continuando sentado quando ela se levantou e começou a se afastar dele, os braços cruzados diante do peito. Percebeu que ela abandonara por completo a bengala que Tess lhe dera, e que a perna machucada revelava apenas um leve manquejar a cada passo. – Vejo que seu ferimento já está melhorando.

– Está bem melhor. – Ela o fitou por sobre o ombro. – Na verdade, nem era tão grave assim.

Brock inclinou a cabeça como se concordasse, mas ele se lembrava muito bem da gravidade do ferimento. Se ela estava se curando a um ritmo acelerado, deduziu que as mutações genéticas descobertas por Gideon deviam estar por trás disso.

– Estou feliz que esteja se sentindo melhor – disse, pensando que, provavelmente, ela não precisava de um lembrete sobre a matéria desconhecida inserida dentro de si.

Seu olhar se deteve sobre ele, suavizando-se.

– Obrigada pelo que fez na noite passada, ir atrás de mim e me tirar daquele lugar horrível. Acho que você salvou a minha vida. Sei que salvou, Brock.

– Não foi nada.

Deus, ele esperava que ela jamais ficasse sabendo dos detalhes selvagens com que ele lidara com seus agressores. Ela não estaria agradecendo se o tivesse visto em ação naquela noite, nem se tivesse testemunhado o modo violento com que satisfizera tanto a sua sede quanto a sua fúria naqueles humanos desgraçados. Se soubesse do que ele era capaz, ela, sem dúvida, o enxergaria da mesma maneira que o Antigo que a atacara.

Não sabia por que isso o incomodava tanto. Não queria que ela o igualasse a um monstro, pelo menos não enquanto estivesse encarregado pela Ordem de protegê-la. Ela precisava confiar nele, e, como seu protetor designado, ele tinha que se certificar disso. Tinha um trabalho a fazer, e não estava disposto a perder de vista essa responsabilidade.

Mas sua questão com Jenna ia além disso, ele bem sabia. Só não tinha a mínima intenção de dissecar o assunto agora, nem num futuro próximo.

Observou-a se aproximar da parede coberta de mapas e gráficos que documentava a busca pelas Companheiras de Raça que a Ordem suspeitava que Dragos estivesse mantendo em cativeiro.

– Este trabalho é incrível – murmurou Jenna. – Dylan, Savannah, Renata, Tess... Todas as mulheres que conheci aqui são verdadeiramente incríveis.

– Sim, elas são – concordou Brock. Levantou-se e caminhou até onde estava Jenna. – A Ordem sempre foi uma força a ser respeitada, mas, desde que me juntei a ela, tenho visto nossas forças redobrarem por causa do envolvimento das fêmeas deste complexo.

Ela lhe lançou um olhar que ele considerou difícil de interpretar.

– O que foi?

– Nada. – Um leve sorriso tocou seus lábios quando ela meneou um pouco a cabeça. – Só estou surpresa em ouvir isso. A maioria dos homens com quem tive contato no trabalho, inclusive meu pai e meu irmão, preferiria comer seus distintivos a admitir que era melhor para eles trabalhar em equipe com as mulheres.

– Eu não tenho um distintivo – disse ele, retribuindo o sorriso. – E não sou como a maioria dos homens.

Ela riu de leve, mas não desviou o olhar.

– Não, você não é. E mesmo assim, é um dos poucos aqui que não tem uma Companheira de Raça.

Ele pensou nisso, mais do que apenas um pouco intrigado pelo fato de ela estar curiosa sobre sua vida pessoal.

– Trabalho é uma coisa. Assumir uma companheira com um elo de sangue é outra. É um tipo de situação eterna, e sou alérgico a relacionamentos de longo prazo.

Os olhos inteligentes o avaliaram.

– Por quê?

Seria fácil dar-lhe uma resposta charmosa e sem fundamento, do tipo a que estava acostumado a dar quando Kade e os outros tocavam no assunto de Companheiras de Raça e de envolvimentos sentimentais. Mas ele não poderia olhar para Jenna e ser outra coisa a não ser honesto, não importando como isso mudaria a forma como ela o enxergava.

– Relacionamentos de longo prazo aumentam as chances de eu desapontar alguém. Por isso, me esforço para me manter longe disso.

Ela não disse nada por um ou dois minutos. Apenas o encarou em silêncio, os braços ainda ao seu redor, uma centena de emoções acentuando a cor de seus olhos.

– É, sei o que está querendo dizer – disse, por fim, a voz mal passando de um sussurro rouco. – Sei tudo a respeito de desapontar as pessoas.

– Não tem como eu acreditar nisso. – Ele não conseguia enxergar a mulher capaz e confiante deixando de fazer algo que se dispusera a fazer.

– Pode acreditar – disse ela com seriedade, girando sobre os calcanhares e seguindo para junto da outra parede, onde um punhado de retratos falados fora disposto ao longo de mapas e de anotações. Quando voltou a falar, havia uma casualidade em sua voz que parecia forçada. – Então, essa sua alergia a relacionamentos duradouros é alguma novidade para você, ou sempre evitou compromissos?

Ele teve uma imagem mental instantânea de olhos reluzentes e de uma risada maliciosa e musical que ainda ouvia às vezes, como um fantasma à espreita em suas lembranças.

– Já existiu alguém. Bem... Poderia ter havido alguém. Ela morreu há muitos anos.

A expressão de Jenna ficou sombria de remorso.

– Brock, sinto muito. Não tive a intenção de...

Ele deu de ombros.

– Não precisa se desculpar. Isso foi há um século. – Quase literalmente, ele percebeu, atordoado pelo fato de que tanto tempo havia se passado desde que o seu descuido custara a vida de alguém a quem ele, supostamente, deveria ter protegido.

Jenna voltou a se aproximar e se recostou na beira da mesa ao lado dele.

– O que aconteceu com ela?

– Foi assassinada. Eu trabalhava como guarda-costas no Refúgio Secreto de uma família em Detroit na época. Era minha responsabilidade mantê-la a salvo, mas meti os pés pelas mãos. Ela desapareceu sob a minha vigilância. Seu corpo foi encontrado meses mais tarde, brutalizado a ponto de não ser reconhecido, abandonado num rio.

– Ah, meu Deus... – A voz de Jenna saiu suave, carregada de empatia. – Que horrível.

– É, foi mesmo – disse ele, lembrando-se muito bem do horror do que havia sido feito a ela, antes e depois de ser morta. Três meses na água não deixaram mais fácil de olhar o que lhe haviam feito.

– Sinto muito – repetiu Jenna, esticando uma mão para apoiá-la no músculo saltado do bíceps dele.

Ele tentou ignorar a súbita percepção que surgiu com aquele contato. Mas tentar não perceber sua atração por ela era o mesmo que ordenar ao fogo que não fosse quente. Toque-o e você se queimará. Assim como ele queimava agora, quando relanceou para a mão pálida de Jenna em contraste com a sua pele escura.

Quando ele levantou o olhar para ela, percebeu pela forma sutil com que ela inspirava que seus olhos muito provavelmente estavam iluminados por centelhas cor de âmbar, a transformação traindo seu desejo por ela. Ela engoliu em seco, mas não desviou o olhar.

Que Deus o ajudasse, mas ela tampouco retraiu a mão, nem mesmo quando o seu rugido de macho excitado se formou na base da garganta.

Pensamentos do que acontecera com ela há poucas horas em seu apartamento jorraram como uma onda de lembranças ardentes. Não havia mais do que alguns poucos centímetros entre eles, mesmo agora. Ficou imaginando se Jenna queria que ele a beijasse. Estivera inseguro quanto ao que ela sentia, e com a possibilidade de ela estar sentindo algo parecido com seu próprio desejo. Agora, precisava saber com uma ferocidade que o assustava.

Para ter certeza de que não estava interpretando mal, nem que fosse apenas pela sua sanidade, cobriu a mão dela com a sua. Aproximou-se, postando-se de frente para ela, que ainda estava apoiada na mesa.

Ela não se retraiu. Encarou-o bem nos olhos, confrontando-o, bem como ele esperava que ela fizesse.

– Eu não sei bem como lidar com tudo isto – disse ela com suavidade. – As coisas que têm acontecido comigo desde aquela noite no Alasca... Todas as perguntas que talvez nunca sejam respondidas. Sei lidar com isso. De alguma forma, vou aprender a lidar. Mas você... Isto... – Ela baixou o olhar para as mãos unidas, os dedos entrelaçados. – Não sou boa nisso. Meu marido se foi há quatro anos. Não houve ninguém desde então. Nunca estive pronta para isso. Não quis...

– Jenna. – Brock tocou no seu queixo, erguendo-o com suavidade para fitá-la nos olhos. – Tudo bem se eu te beijar?

Os lábios dela vacilaram num sorriso que ele não resistiu a provar. Inclinou a cabeça e a beijou devagar, para que ela se acostumasse, apesar da intensidade do seu desejo.

Embora ela tivesse confessado estar sem prática, ele jamais teria imaginado isso pela sensualidade dos lábios dela ao encontro dos seus. O beijo, tanto suave quanto direto, dando e recebendo, o incendiou. Ele se aproximou, até se ajustar entre suas pernas, precisando sentir o corpo dela pressionado contra o seu enquanto passava a língua ao longo dos lábios aveludados. Correu as mãos pela lateral de seu corpo, ajudando-a a subir na mesa quando a perna machucada começou a tremer.

O beijo fora um erro. Achara que as coisas terminariam ali – apenas um beijo –, mas, agora que começara, ele simplesmente não sabia como encontraria forças para pôr um fim naquilo.

E, pela sensação dela em seus braços, pelos gemidos e sussurros de prazer enquanto os beijos davam início a algo mais poderoso, teve certeza de que ela também queria mais.

Mas, pelo visto, não poderia estar mais errado.

Foi só quando percebeu a umidade em seu rosto que notou que ela estava chorando.

– Jesus – sibilou, recuando de pronto e sentindo-se um cretino ao ver seu rosto marcado pelas lágrimas. – Desculpe. Se eu te pressionei rápido demais...

Ela balançou a cabeça, visivelmente triste, mas sem conseguir falar nada.

– Diga que eu não te machuquei, Jenna.

– Droga. – Ela inspirou fundo. – Não posso fazer isto. Desculpe, a culpa é minha. Eu nunca deveria ter deixado que você...

As palavras foram interrompidas quando ela o empurrou para longe, desvencilhando-se dele, e correu para o corredor.

Brock ficou ali por um minuto, todo tenso e dolorido, ávido de desejo. Deveria deixá-la ir. Considerar aquilo apenas um desastre evitado por um triz e tirar a tentadora Jenna Darrow da cabeça.

Sim, é exatamente isso o que deveria fazer, e ele sabia muito bem disso.

Mas, quando esse pensamento se formou, ele já estava na metade do corredor, seguindo os sons do choro de Jenna até seu antigo apartamento.


Capítulo 13

Jenna se sentia a maior das covardes, uma fraude absoluta, enquanto fugia pelos corredores, tentando engolir as lágrimas. Deixara Brock pensar que não o queria. Provavelmente o fez acreditar que ele a pressionara de algum modo com aquele beijo, quando quase a derretera numa poça na mesa daquela sala de reuniões. Deixou que ele ficasse se preocupando por ter feito algo errado, que talvez a tivesse magoado, e essa era a coisa mais injusta de todas.

No entanto, não conseguira deixar de fugir, precisando colocar alguma distância entre eles com uma determinação que beirava o desespero. Ele a fazia sentir demais. Coisas para as quais não estava preparada. Coisas que ela necessitava com tamanha profundidade, mas que não merecia.

Por isso fugiu, mais aterrorizada do que nunca e odiando a covardia que a fazia colocar pé ante pé. Quando chegou ao quarto, estava tremendo e sem fôlego, lágrimas ainda descendo pelas faces.

– Jenna.

O som da voz grave atrás dela foi como uma carícia ardente em sua pele. Virou-se de frente, atônita com a velocidade e com o silêncio que o levaram até ali não mais do que um segundo depois dela. Mas, em retrospecto, ele não era humano. Não era um homem de fato – uma coisa da qual ela tinha que se lembrar quando ele estava tão próximo, com todo aquele tamanho, a intensidade do olhar se comunicando com tudo o que era feminino dentro dela.

Sua boca ainda estava inchada pelos beijos dele. Sua pulsação ainda batia descompassada. O calor ainda ardia dentro dela.

E como se soubesse disso, Brock se aproximou ainda mais. Esticou o braço e pegou sua mão, sem dizer nada. Não havia necessidade de palavras. Apesar das lágrimas que começavam a diminuir e do tremor das suas pernas, ela não conseguia esconder o desejo que sentia por ele.

Não resistiu quando ele a trouxe para perto, para o calor do seu corpo. Para o conforto dos seus braços.

– Estou com medo – sussurrou ela. Essas palavras não lhe vinham fáceis, como nunca vieram.

Com o olhar preso ao dela, ele lhe acariciou o rosto.

– Não precisa ter medo de mim. Não vou machucar você, Jenna.

Acreditou nele, mesmo antes de ele inclinar a cabeça e resvalar os lábios num beijo dolorosamente carinhoso. De maneira incrível e impossível, confiava naquele homem que não era um homem. Queria as mãos dele sobre si. Queria sentir aquela conexão de novo com alguém, mesmo que não estivesse pronta para pensar em algo além do físico, do desejo de tocar e de ser tocada.

– Está tudo bem – ele murmurou ao encontro da sua boca. – Está segura comigo, prometo.

Jenna fechou os olhos ao absorver suas palavras, as mesmas que a acalmaram na escuridão do seu chalé no Alasca, e de novo na enfermaria do complexo. Brock fora seu elo com o mundo dos vivos depois da sua provação com o Antigo. Sua única corda de segurança durante os infindáveis pesadelos que se seguiram nos dias depois que ela fora trazida àquele lugar estranho, modificada de tantas maneiras.

E agora...?

Agora ela não sabia muito bem como ele se encaixava na confusão que restara da sua vida. Não estava pronta para pensar nisso. Tampouco estava plenamente segura de estar preparada para as sensações que ele lhe provocava.

Recuou um pouco, a dúvida e a vergonha ainda se avolumando na parte dela que ainda lamentava a perda, a ferida aberta em sua alma que há muito tempo aceitara que jamais se cicatrizaria por completo.

Pressionando a testa no calor da solidez de seu peito, no algodão macio que exalava seu cheiro exótico característico, Jenna inspirou profundamente para se fortalecer. E expirou num suspiro entrecortado.

– Será que eu os amava o suficiente? É o que não paro de me perguntar desde aquela noite em meu chalé...

As mãos fortes de Brock alisaram suas costas, fortes e carregadas de compreensão, dando a calma que ela precisava a fim de reviver aqueles momentos torturosos quando o Antigo a pressionara para que ela decidisse o próprio destino.

– Ele me fez escolher, Brock. Naquela noite em meu chalé, pensei que ele iria me matar, mas não matou. Eu não teria lutado se ele matasse. E ele sabia disso, acho. – Na verdade, ela tinha certeza. Naquela noite em que o Antigo invadira sua casa, ela não estava bem. Ele vira a garrafa de uísque vazia no chão e a pistola carregada em sua mão. A caixa de fotografias que ela pegava todos os anos por volta do aniversário do acidente que lhe roubara a família e que a deixara para viver sozinha. – Ele sabia que eu estava preparada para morrer, mas, em vez de me matar, forçou-me a dizer as palavras, a lhe dizer em voz alta o que eu queria mais: vida ou morte. Foi como uma tortura, algum tipo de jogo doentio que ele me fez jogar contra a minha vontade.

Brock resmungou alguma imprecação incompreensível, mas as mãos continuaram suaves às suas costas, carinhosas, num calor tranquilizador.

– Ele me fez escolher – disse ela, lembrando-se de cada minuto insuportável daquela provação.

Mas, ainda pior do que as horas infindáveis do seu aprisionamento e de vê-lo alimentando-se dela, do que o horror de perceber que seu captor não era uma criatura deste mundo, foi o momento terrível no qual ouviu a própria voz rouca dizer as palavras que pareciam rasgar das profundezas mais íntimas e envergonhadas de sua alma.

Quero viver.

Ai, meu Deus... por favor, deixe-me viver.

Não quero morrer!

Jenna engoliu o nó de angústia que se formara em sua garganta.

– Fico pensando que não os amava o bastante – sussurrou, devastada ante esse pensamento. – Fico pensando que, se os amasse de verdade, teria morrido com eles. Que, quando o Antigo me forçou a escolher se queria ou não viver, eu teria feito uma escolha diferente.

Quando o choro ficou preso em sua garganta, os dedos de Brock resvalaram seu queixo. Ergueram seu rosto para seu olhar solene.

– Você sobreviveu – disse ele, a voz firme, mas com infinito afeto. – Foi só o que fez. Ninguém a culparia por isso, muito menos eles.

Ela fechou os olhos, sentindo o peso do arrependimento diminuir um pouco com as palavras reconfortantes que ouvia. Mas o vazio em seu coração era um lugar frio e oco. Um que se tornou ainda maior quando Brock a tomou nos braços, confortando-a. O calor e a preocupação dele penetraram em sua pele como um bálsamo, acrescentando mais emoção ao desejo que não diminuíra por conta da proximidade do corpo forte. Torceu-se no refúgio que era seu abraço, apoiando o rosto na força sólida e firme que ele era.

– Posso acabar com isso, Jenna. – Ela sentiu a pressão da boca, o fluir da respiração em seus cabelos enquanto ele beijava o topo de sua cabeça. – Posso carregar sua dor por você, se quiser.

Havia uma parte nela que se rebelava contra isso. A mulher forte, a policial experiente, aquela que sempre enfrentava qualquer situação, se retraiu ante a ideia de que seu sofrimento pudesse ser pesado demais para ela mesma suportar. Nunca precisou de ajuda, tampouco se dispôs a pedir, jamais. Esse tipo de fraqueza jamais lhe serviria.

Retraiu-se, a recusa na ponta da língua. Mas quando abriu os lábios para falar, as palavras não surgiram. Fitou o belo rosto de Brock, os olhos penetrantes que pareciam enxergar bem dentro dela.

– Quando foi a última vez que se permitiu ser feliz, Jenna? – Ele afagava seu rosto com tanta suavidade, com tanta reverência, que ela estremeceu sob seu toque. – Quando foi a última vez que sentiu prazer? A mão grande desceu ao longo do pescoço. O calor irradiou da palma ampla e dos dedos longos. Sua pulsação acelerou conforme ele espalmou a nuca, o polegar acariciando o ponto sensível debaixo da orelha.

Então, ele a aproximou de si, inclinando-lhe o rosto para se encontrar com o seu. Beijou-a, lenta e profundamente. A fusão vagarosa da boca dele ao encontro da sua lançou uma corrente de calor líquido em suas veias. O fogo se empoçou em seu centro, seu íntimo se enchendo com um desejo ardente e ávido.

– Se você não quiser isto – murmurou ele ao encontro dos seus lábios –, basta dizer. A qualquer hora, eu paro...

– Não. – Ela balançou a cabeça ao erguer a mão para tocar no maxilar forte. – Eu te quero, mas tanto que isso está me assustando demais.

O sorriso dele se espalhou preguiçosamente, os lábios sensuais se afastando para revelar os dentes brancos e a extensão aumentada das presas. Jenna fitou sua boca, sabendo que os instintos básicos humanos de sobrevivência deviam estar disparando todo tipo de alarme, avisando-a de que aproximar-se demais daqueles caninos seria letal.

Mas ela não sentiu medo. Em vez disso, sua mente reconheceu a transformação dele com um sentimento inexplicável de aceitação. Excitação até, enquanto o castanho absorvente de seus olhos começou a reluzir com uma luz âmbar incandescente.

Acima do colarinho da camiseta cinza e debaixo das mangas curtas que se agarravam aos montes firmes dos bíceps musculosos, os dermaglifos de Brock pulsavam em cores. As marcas da pele do membro da Raça assumiram uma cor mais acentuada do que seu costumeiro tom de bronze, tornando-se mais bordô e dourado, junto com um roxo escuro. Jenna percorreu os dedos ao longo das curvas e arcos dos seus glifos, maravilhando-se com a beleza sobrenatural.

– Tudo o que eu achava que sabia é diferente agora – ponderou em voz alta enquanto permanecia no círculo dos braços dele, distraidamente tracejando os desenhos dos glifos que desciam. – Tudo mudou agora. Eu mudei, de maneiras que nem sei se farão sentido para mim. – Levantou o olhar. – Não estou atrás de mais confusão em minha vida. Não acho que eu seja capaz de lidar com mais isso além de todo o resto.

Ele sustentou o seu olhar, sem julgá-la, revelando apenas paciência e uma aura de controle imperturbável.

– Você está confusa agora, enquanto te toco... ou quando a beijo?

– Não – disse ela, surpresa ao constatar isso. – Nem antes.

– Isso é bom. – Ele se inclinou e clamou sua boca novamente, sugando o lábio inferior, capturando-o entre os dentes ao afagar suas costas, depois espalmando a mão na curva das nádegas. Apertou-a com possessividade, rebocando o corpo eletrizado ao longo da sua ereção. Esfregou o nariz na curva do pescoço, os lábios quentes e úmidos em sua pele. Quando falou de novo, sua voz estava mais grossa do que antes, carregada do mesmo tipo de avidez que a percorria. – Permita-se sentir prazer, Jenna. Se quiser, é só isso o que precisa acontecer entre nós. Sem pressão, sem amarras. Sem promessas que nenhum de nós está pronto para fazer.

Ah, Deus. Parecia tão bom, tão tentador, ceder ao desejo que vinha crescendo entre eles desde que ela despertou no complexo da Ordem. Não estava pronta para abrir o coração novamente, talvez nunca estivesse pronta para essa vulnerabilidade de novo, mas não sabia se era forte o bastante para resistir ao presente que Brock estava lhe oferecendo.

Ele a beijou na base da garganta.

– Está tudo bem, Jenna. Entregue o resto para mim agora. Liberte-se de tudo, exceto disto.

– Sim. – Ela suspirou, sem conseguir refrear um arquejo quando as carícias trafegaram por seu corpo. As mãos fortes e habilidosas lançaram picadas de energia pelas suas veias, o talento sobrenatural sugando todo o peso remanescente de tristeza, de dor e de confusão. A boca ardente e habilidosa deixou apenas sensações e avidez em seu rastro.

Ele beijou uma pequena trilha ao longo do pescoço, depois pelo maxilar, até que seus lábios se encontraram com os dela uma vez mais. Jenna acolheu sua paixão, abrindo-se para ele enquanto a língua passava pelo vale entre seus lábios. Ele gemeu quando ela o sugou para dentro, grunhiu uma aprovação absolutamente masculina enquanto ela passava os dedos ao redor da sua cabeça, segurando-o com mais firmeza ao encontro da sua boca.

Deus, ela não fazia ideia de quanto necessitava do toque de um homem. Ficara tempo demais sem aquela intimidade, forçosamente se privando do contato sexual e daquele tipo de relaxamento. Por quatro anos, convencera-se de que não queria nem precisava daquilo, apenas mais um castigo autoimposto pela grave ofensa de ter sobrevivido ao acidente que matara seus entes queridos.

Acreditara-se imune ao desejo; no entanto, ali com Brock, todas aquelas barreiras antes impenetráveis estavam sendo derrubadas, caindo ao seu redor como se não fossem mais do que folhas secas. Ela não conseguia sentir culpa pelo prazer que ele estava lhe proporcionando. Não havia como saber se pela habilidade de Brock de absorver a sua angústia ou pelo desejo reprimido. Só o que ela conhecia era a intensidade crescente das reações do seu corpo ao dele, uma onda de prazer e de antecipação que a deixava sem ar e querendo ainda mais.

As mãos grandes passaram para os ombros, depois começaram sua viagem para os seios. Através do algodão fino da camisa dela, os mamilos endureceram, ficando rijos e doloridos, vivos com sensações a cada carícia aplicada. Jenna gemeu, querendo mais dos toques dele. Capturou sua mão e a guiou por baixo da bainha larga da camisa. Ele não precisou de mais orientações. Em menos de um segundo, soltou o fecho do sutiã e cobriu a pele nua com a palma quente. Brincou com o botão duro ao acariciá-la.

– Melhor assim? – murmurou ele, logo abaixo da orelha. – Diga se está gostando.

– Deus... Sim! – Era tão bom que ela mal conseguia formar palavras.

Jenna sibilou de prazer, jogando a cabeça para trás enquanto uma sensação espiralada se contraía em seu íntimo. Ele continuou tocando-a, beijando-a e acariciando-a, enquanto lentamente tirava sua camisa. Fez o mesmo com o sutiã aberto, deslizando as alças finas pelos ombros, escorregando-as pelos braços. De repente, ela estava nua da cintura para cima diante dele. O instinto de se cobrir – de esconder as cicatrizes que cruzavam seu tronco por causa do acidente, e aquela no abdômen que era um lembrete diário do difícil trabalho de parto de Libby – surgiu de leve, mas apenas por um instante.

Só pelo tempo que demorou para erguer a cabeça e se deparar com o olhar de Brock.

– Você é linda – disse ele, pegando-lhe as mãos com suavidade e afastando-as do corpo antes que ela tivesse a oportunidade de se sentir envergonhada pelo elogio dele ou pela sua observação franca.

Nunca se sentira especialmente bela. Confiante e capaz, bem fisicamente e forte. Essas palavras ela entendia e aceitava. Palavras que a acompanharam em boa parte dos seus trinta e três anos de vida, mesmo durante o casamento. Mas linda? Era-lhe tão estranha quanto o idioma desconhecido que se ouvira falar no vídeo na enfermaria no dia anterior.

Brock, este sim, era lindo. Ainda que parecesse uma palavra esquisita para descrever a sombria força da natureza que estava diante dela.

Cada mancha castanha dos olhos dele sumira, devorada pelo brilho âmbar que aquecia suas faces como uma chama viva. As pupilas afinaram parecendo fendas, e as faces magras agora estavam mais angulares, a pele escura imaculada esticada por sobre os ossos, ressaltando a aparência atordoante das presas longas e afiadas.

Aqueles olhos ardentes prenderam os seus, enquanto ele tirava a camiseta e a deixava cair no chão ao lado dela. O peito era incrível, uma parede maciça de músculos bem torneados cobertos por um desenho intricado de glifos pulsantes. Ela não resistiu ao desejo de tocar a pele lisa, só para ver se era tão sedosa sob seus dedos quanto lhe parecia ao olhar. Era ainda mais macia do que imaginara, mas a força absoluta e sobrenatural abaixo dela era inconfundível.

Brock lhe parecia tão letal quanto fora ao salvá-la na cidade, a não ser, talvez, pela ira gélida que emanara dele como em ondas aquela noite, pois agora ele vibrava com algo igualmente agressivo e intenso: desejo. Todo centrado nela.

– Você está... Maldição, Jenna – ele disse rouco, tracejando a linha do seu ombro, depois circundando a ponta rósea do seu seio. – Você não faz ideia de quanto é adorável, faz?

Ela não respondeu, nem saberia como. Em vez disso, aproximou-se e puxou a boca dele para a sua para mais um beijo ardente. Pele contra pele, os seios esmagados contra os músculos firmes do peito dele, Jenna quase entrou em combustão de tanto desejo. Seu coração batia forte, a respiração acelerada, enquanto Brock abaixava a mão e descia o zíper de seus jeans. Ela mordeu os lábios quando ele deslizou as mãos entre a cintura da calça e a pele dos seus quadris, depois fez descer os jeans por sobre a calcinha branca. Ele se afundou sobre os calcanhares, acompanhando a descida dos jeans com as mãos.

Tomou cuidado perto do ferimento a bala, a fim de não mexer no curativo que envolvia a coxa.

– Tudo bem? – perguntou, erguendo o olhar para ela, a voz grave tão rouca que ela mal a reconheceu. – Se houver dor, posso cuidar dela.

Jenna balançou a cabeça.

– Não está doendo. Está tudo bem, mesmo.

Os olhos reluzentes âmbar se fecharam baixando os cílios ao voltar para a tarefa que tinha em mãos. Com os jeans removidos, ele se apoiou nos calcanhares e olhou para ela, deslizando as mãos para cima e para baixo na extensão das suas pernas.

– Tão, tão linda – ele a elogiou, depois inclinou a cabeça e pressionou os lábios no triângulo de algodão branco entre as coxas, a única peça de roupa que a cobria agora.

Jenna expeliu um suspiro trêmulo quando ele prendeu o tecido entre os dentes e as presas. Com o olhar carregado de propósito, fitou-a, as mãos ainda acariciando as pernas, e puxou a peça antes de soltá-la, deixando voltar ao seu lugar, cobrindo a pele aquecida. Ele a seguiu com a boca, beijando-a de novo, com mais determinação agora, afastando o irrisório pedaço de pano e esfregando o rosto ainda mais na fenda úmida do seu sexo.

As mãos a seguravam pelas nádegas enquanto ele a explorava com os lábios e a língua e o resvalar erótico dos dentes na pele úmida do seu centro. Despiu-a da calcinha, depois afastou as coxas e a sugou novamente. Levou uma mão até o meio das pernas, acrescentando o toque dos dedos à habilidade enlouquecedora da boca. Jenna estremeceu, perdida em sensações e a pouco menos do que uma inspiração de desfalecer.

– Céus – arfou ela, tremendo quando ele sondou suas dobras com a ponta do dedo, penetrando-a apenas de leve, enquanto seus beijos a deixavam cada vez mais tensa. Moveu-se na direção dele, inundada pelo calor. – Meu Deus... Brock, não pare.

Ele gemeu ao encontro da umidade dela, um longo ronronar de evidente apreciação masculina que vibrou em seus ossos e músculos até seu cerne aquecido. O clímax de Jenna a atravessou tal qual uma tempestade. Estremeceu com a sua força, exclamando quando o prazer a assolou e a fez subir aos céus. Quase se desfez, a sensação pairando quase como poeira estelar enquanto ela espiralava mais e mais alto, com tremores de puro deleite trespassando-a, um após o outro.

Sentia-se sem ossos ao flutuar de volta à realidade. Sem ossos e exausta, apesar de seu corpo ainda estar vibrando, repleto de sensações. E Brock ainda a beijava. Ainda a afagava com os dedos, arrancando cada um dos tremores restantes enquanto ela se agarrava aos ombros largos e arfava com o prazer dos tremores.

– Acho que eu estava precisando disso – sussurrou, estremecendo quando o riso baixo dele ecoou em sua pele ainda sensível. Ele a beijou no interno da coxa, mordiscando de leve, e suas pernas vacilaram um pouco sob o próprio peso. Ela se deixou cair para a frente, envolvendo Brock pelas costas. – Ah, meu Deus. Eu não imaginava o quanto precisava disso.

– O prazer foi meu – ele disse, rouco. – E ainda não terminei. – Mudou de posição debaixo dela, passando o braço ao seu redor e acomodando-a sobre o ombro. – Segure firme em mim.

Ela não teve escolha. Antes de entender o que ele pretendia, ele já se levantava. Carregou-a como um peso morto sobre um ombro e se pôs de pé, como se ela não passasse de um fardo de penas. Jenna se segurou como ele lhe dissera, sem deixar de admirar a força absoluta com que ele caminhava até o quarto adjacente. Vestindo apenas os jeans, os músculos das costas se flexionavam e contraíam debaixo da pele lisa a cada longa passada, um concerto perfeito de boa forma e talhe.

Não havia dúvidas, ele era lindo.

E seu corpo já eletrizado zunia com calor renovado quando ela percebeu que ele a carregava direto para a imensa cama king size.

Ele afastou a colcha e o lençol, depois a depositou na beira do colchão. Jenna observou com desejo crescente enquanto ele desabotoava os jeans e os retirava. Ele não estava usando nada por baixo. Glifos elaborados tracejavam a cintura estreita e o quadril, descendo pelas pernas vigorosas. As cores pulsavam e se transformavam, atraindo seu olhar por um breve instante da ereção evidente, que estava rija e imensa enquanto ele apenas observava enquanto ela o avaliava dos pés à cabeça.

Jenna engoliu com a boca seca quando ele se aproximou dela, devastador em toda a sua nudez. O olhar reluzente ainda mais brilhante, as presas ainda mais alongadas.

Ele parou perto da cama, crispando a testa quando ela se deteve no seu olhar transfigurado.

– Está com medo de mim... deste jeito?

Ela só balançou a cabeça de leve.

– Não, não estou com medo.

– Se estiver preocupada com relação a uma possível gravidez...

Ela voltou a balançar a cabeça.

– Meus danos internos no acidente cuidaram disso. Não posso engravidar. De toda forma, pelo que soube, DNA humano e da Raça não se misturam.

– Não – confirmou ele. – E em relação a quaisquer outras preocupações que possa ter, está segura comigo. Não existem doenças nos da minha espécie.

Jenna assentiu.

– Confio em você, Brock.

O crispar da testa dele diminuiu, mas ele permaneceu imóvel.

– Se não tiver certeza, se não é isso o que você quer, então o que lhe disse antes ainda vale. Podemos parar a qualquer instante. – Ele riu baixinho. – Acho que isso pode acabar comigo agora, já que está toda sensual na minha cama, mas eu paro. Que Deus me ajude, mas eu paro.

Ela sorriu, emocionada por alguém tão poderoso demonstrar tamanha honra e humildade. Ela afastou o lençol e abriu espaço para ele ao seu lado.

– Não quero parar.

A boca dele se abriu num sorriso amplo. Com um grunhido, foi em frente e sentou na cama ao seu lado. A princípio, apenas se tocaram e se acariciaram, beijando-se com suavidade, aprendendo mais sobre seus corpos. Brock foi paciente, apesar de a tensão em seu corpo revelar que ele estava se torturando por se refrear. Foi atencioso e carinhoso, tratando-a como uma amante querida, apesar de terem concordado de antemão que aquilo entre eles jamais seria outra coisa além de algo casual, sem amarras.

Para Jenna, parecia incrível que um homem que ela mal conhecia – aquele macho da Raça que tinha todo o direito de assustá-la – pudesse lhe parecer tão familiar, tão íntimo. Brock, porém, dificilmente era um estranho. Ele estivera ao seu lado em meio ao seu pesadelo pessoal, e de novo nos dias de sua recuperação ali no complexo. E a procurara naquela noite em que estivera sozinha e ferida na cidade, um improvável salvador sombrio.

– Por que fez aquilo? – perguntou baixinho, os dedos percorrendo os dermaglifos que se curvavam pelos ombros e desciam pelo peito. – Por que ficou comigo no Alasca e depois todos aqueles dias na enfermaria?

Ele ficou em silêncio por um momento, as sobrancelhas escuras unidas sobre o olhar reluzente.

– Odiei ver o que aconteceu com você. Você era apenas uma inocente que se viu em meio a um tiroteio. Você é humana. Não merecia ser arrastada para o meio da nossa guerra.

– Já sou uma garota crescida. Sei lidar com isso – disse, uma resposta automática que não sentia verdadeiramente. Ainda mais depois dos resultados perturbadores dos seus exames de sangue. – E quanto a agora? O que estamos fazendo aqui, quero dizer... Isto faz parte do seu programa “seja legal com a humana” também?

– Não. Claro que não. – A carranca dele se acentuou a ponto de mostrar raiva. – Acha que isso é pena? É isso o que você acha que é? – Ele inspirou fundo, revelando as pontas das presas ao rolá-la de costas e ficar sentado em cima dela. – Para o caso de não ter percebido, estou excitado pra caramba por você. Se me excitar mais, acabo explodindo.

Para provar seu ponto de vista, ele deu uma estocada nada sutil com o quadril, acomodando-se entre as dobras úmidas de seu sexo. Ele bombeou algumas vezes, fazendo a rigidez do membro entrar e sair da fenda dela, atiçando-a com o calor da sua excitação. Passou o braço por trás do joelho dela, levantando-lhe a perna até seu ombro, virou o rosto para a coxa e deu-lhe uma mordiscada.

– Isto é desejo puro e simples, nada de piedade – disse, sua voz rouca ao penetrá-la, longa e profundamente.

Jenna não conseguiria formular uma resposta mesmo que tentasse. A sensação atordoante de tê-lo preenchendo-a, estendendo-a cada vez mais a cada estocada, era tão sobrepujante que lhe roubou o fôlego. Ela se segurou a ele com as duas mãos enquanto ele lhe capturou a boca num beijo ardente, balançando acima dela, o corpo se movimentando num ritmo exigente.

A crista de um novo clímax já se formava dentro dela, e não conseguiu contê-lo. Sentiu o calor do próprio sangue nas veias, a pulsação imperiosa de Brock também, reverberando sob seus dedos e em cada terminação nervosa. Seus ouvidos estavam tomados pelo som do seu grito silencioso de libertação, pela fricção dos corpos unidos se retorcendo sobre os lençóis. O cheiro do sexo e do sabonete e do suor limpo na pele quente a intoxicaram. O sabor dos beijos ardentes de Brock em seus lábios só a fazia desejar outros mais.

Ela tinha fome, de uma maneira inexplicável.

Tinha fome dele, tão profunda que parecia retorcê-la de dentro para fora.

Queria saboreá-lo. Saborear o poder que ele era.

Arfando após o clímax, afastou-se da boca dele. Ele praguejou algo sombrio sob o fôlego, as investidas cada vez mais intensas, as veias e os tendões saltando no pescoço e nos ombros como cabos espessos elevando-se da pele.

Segurando-se a ele, Jenna deixou a cabeça pender por um momento, tentando se perder no ritmo dos corpos. Tentando não pensar na dor que corroía suas entranhas, no impulso confuso, porém irresistível que atraía seu olhar para o pescoço forte. Para as veias saltadas que pulsavam como tambores de guerra aos seus ouvidos.

Pressionou o rosto na coluna forte do pescoço dele e percorreu a língua no ponto pulsante que encontrou ali. Ele gemeu, um som prazeroso que só servia como combustível para o fogo que ainda queimava dentro dela. Ela se aventurou um pouco mais, cerrando os dentes sobre a pele dele. Brock grunhiu uma imprecação, e ela mordeu com um pouco mais de força, sentindo a onda de tensão que atravessou todo o corpo dele, que estava no limiar agora, os braços como granito ao redor dela, cada estocada dos quadris ficando mais intensa.

Jenna cravou os dentes com mais força na pele suave.

Mordeu até ele ficar louco de paixão...

Até ela sentir o sabor da primeira gota de sangue na língua.

 

 

CONTINUA

Capítulo 8

– Espero que todas estejam com fome – disse Alex, passando pelas portas vaivém da cozinha da mansão, com uma tigela grande de frutas frescas cortadas numa mão e um cesto de biscoitos com ervas aromáticas quentinhos na outra.

Depositou ambos na mesa da sala de jantar diante de Jenna e Tess, que foram instruídas por Alex e as outras mulheres do complexo para que se sentassem e se servissem do café da manhã.

– Como está se sentindo, Jen? – perguntou Alex. – Precisa de alguma coisa? Se quiser erguer a perna, posso pegar um banquinho na outra sala.

Jenna meneou a cabeça.

– Estou bem. – Sua perna estava bem melhor desde a cirurgia da noite anterior, e ela não sentia muitas dores. Só por causa da insistência de Tess é que estava usando uma bengala para se movimentar. – Não precisa ficar me mimando.

– Essa é a minha melhor amiga, a policial do interior – disse Alex, revirando os olhos na direção de Tess e virando a mão num sinal de pouco caso. – Só um machucadinho a bala, não precisam se preocupar...

Jenna caçoou.

– Comparado com a semana que tive, um buraco a bala na coxa é a menor das minhas preocupações.

Ela não estava querendo solidariedade, apenas declarando um fato.

A mão de Tess pousou com suavidade em seu pulso, assustando-a com seu calor e a preocupação genuína no olhar.

– Nenhuma de nós pode fingir saber aquilo pelo que você passou, Jenna, mas espero que entenda que estamos aqui para cuidar de você agora. Você está entre amigas, todas nós.

Jenna resistiu ao efeito de consolo que as palavras de Tess exerciam sobre ela. Não queria se sentir relaxada naquele lugar, entre Alex e aquelas desconhecidas aparentemente gentis.

Nem com Brock.

Muito menos com ele.

Sua mente ainda estava confusa com o resgate inesperado na cidade. Fora um erro sair como havia saído, despreparada e afetada emocionalmente. Não fazia tanto tempo assim que se desligara da polícia para não se lembrar que o melhor modo de se ver em apuros era fugir despreparada em território desconhecido. Só o que reconheceu naquele meio segundo antes de sair do complexo foi o desespero em fugir da sua nova e sombria realidade.

Cometera um clássico erro de julgamento de principiante, incitado pela emoção, e acabara necessitando de resgate para voltar à segurança. Que o seu resgate tivesse surgido na forma de um vampiro formidável e aterrorizante era algo que ela não sabia se um dia conseguiria compreender.

No fundo, sabia que Brock salvara sua vida na noite anterior. Uma parte sua desejava que ele não o tivesse feito. Não queria ficar devendo nada a ele. Não gostava de dever a ninguém, muito menos a um homem que nem podia ser classificado como humano.

Deus, que reviravolta em sua vida...

Com seus pensamentos cada vez mais sombrios, Jenna afastou a mão da de Tess e se recostou na cadeira.

Tess não a pressionou a falar, simplesmente se inclinou sobre a mesa e inspirou um pouco da fragrância que emanava dos biscoitos.

– Hummm – gemeu, o braço fino amparando a curva do ventre arredondado. – É a receita de cheddar e manjericão da Dylan?

– Atendendo a pedidos – respondeu Alex vivamente. – E há mais de onde isso veio, incluindo as incríveis torradas francesas com crème brûlée de Savannah. Falando nelas, é melhor eu ir buscá-las para o banquete.

Enquanto Alex virava e desaparecia novamente na cozinha, Tess lançou um olhar furtivo para Jenna.

– Você ainda não viveu se não provou os biscoitos de Dylan e as torradas de Savannah. Confie em mim, são o paraíso.

Jenna sorriu com educação.

– Tudo me parece muito bom. Nunca fui muito de cozinhar. Minha tentativa de sucesso na cozinha é uma omelete de carne de alce com queijo suíço, espinafre e batatas.

– Carne de alce? – Tess gargalhou. – Bem, posso lhe garantir que nenhuma de nós já experimentou algo parecido. Talvez você possa preparar para nós um dia desses.

– Quem sabe? – disse Jenna sem se comprometer, levantando os ombros.

Se não fosse pela incômoda matéria desconhecida encravada em sua coluna, e agora pelo tiro que a manteria ali sabe lá Deus por quanto tempo, ela já teria ido embora. Não sabia quanto tempo ainda a fariam ficar ali, mas assim que conseguisse sair andando, já era. Não se importava com o que a Ordem precisava saber; não tinha nenhuma intenção de ficar por perto para ser o ratinho de laboratório deles.

Ainda era estranho demais pensar que estava ali com elas, num quartel-general secreto habitado por uma equipe de vampiros guerreiros e por mulheres aparentemente sãs e agradáveis que pareciam felizes e à vontade entre eles.

O surrealismo da coisa toda se intensificou quando Alex e o restante das mulheres da Ordem – cinco lindas jovens e a menina loira chamada Mira – saíram da cozinha com o restante do café da manhã. Conversavam amigavelmente, relaxadas na companhia uma da outra como se tivessem estado juntas a vida inteira.

Formavam uma família, inclusive Alex, apesar de ela ter chegado ali apenas uma semana antes, assim como Jenna.

Um ritmo descontraído se fez na sala de jantar, enquanto pratos com bordas douradas eram passados adiante e completados com todo tipo de comida deliciosa. Taças de cristal eram enchidas com suco até a borda, e delicadas xícaras de porcelana logo se encheram com fragrante café torrado e coado.

Jenna observava tudo em silêncio enquanto a refeição prosseguia. Xarope de bordo aquecido e bolinhas de manteiga rodavam pela mesa, parando por mais tempo com a pequena Mira, que encharcou sua torrada com aquela doçura e cobriu os biscoitos com manteiga como se aquilo fosse cobertura. Mira engoliu um em duas mordidas grandes, depois atacou o resto da refeição com muita vontade.

Jenna sorriu sem querer ante o apetite voraz da menina, sentindo uma pontada de melancolia, senão culpa, quando pensou na filha. Libby sempre fora uma menina cuidadosa, disciplinada e séria, mesmo quando pequena.

Deus, o que não daria para poder ver Libby degustando algo tão simples quanto um café da manhã à sua frente na mesa?

Com os dedos melados, Mira pegou o copo de suco de laranja e sorveu um gole grande. Suspirou de contentamento ao apoiar o copo novamente num baque.

– Pode me passar o chantilly para eu pôr nos pêssegos? – perguntou, cravejando Jenna com seus misteriosos olhos violeta.

Por um instante, Jenna se sentiu capturada por aquele olhar. Dispensou a sensação e pegou a tigela que estava no meio do caminho entre ela e Mira do outro lado.

– Pode, por favor, me passar o chantilly? – Renata a corrigiu de seu lugar à direita da menina. A morena lançou-lhe uma piscadela decididamente maternal e carinhosa ao interceptar a tigela que Jenna segurava.

– Pode, por favor – Mira se corrigiu, não parecendo nem um pouco admoestada.

Jenna cortou um pedaço da torrada e a colocou na boca. Era exatamente o que Tess havia prometido, paradisíaca. Mal conseguiu refrear um gemido alto ao se deleitar com o sabor cremoso de baunilha.

– Gostou? – perguntou Savannah, que estava sentada em uma das cabeceiras da longa mesa de jantar.

– É deliciosa – murmurou Jenna, as papilas gustativas ainda vibrando de êxtase. Lançou um breve olhar, abarcando todas ali reunidas. – Obrigada por me deixarem partilhar disto com vocês. Nunca vi tanta comida junta em minha vida.

– Achou que a deixaríamos morrer de fome? – perguntou Gabrielle da outra cabeceira. Seu sorriso era acolhedor e amigável.

– Não sei bem o que pensei – respondeu Jenna, com honestidade. – Sendo bem franca, acho que ainda não processei tudo isso muito bem.

Gabrielle inclinou a cabeça num leve assentimento, parecendo sábia e serena, ainda que, sem dúvida, devesse ser mais jovem do que Jenna e seus trinta e três anos.

– Isso é compreensível. Você sofreu muito, e a sua situação é sem igual para todos nós.

– A minha situação – Jenna repetiu, refletindo enquanto mexia um pedaço de pão molhado em xarope de bordo em seu prato. – Está falando do objeto não identificado que está alojado na base do meu crânio?

– É, isso – concordou Gabrielle, com um tom gentil na voz. – E o fato de que você teve sorte de escapar do ataque do Antigo com vida. O simples fato de ele ter se alimentado de você e tenha permitido que você vivesse é...

– Inédito – sugeriu a mulher sentada com Gabrielle. Ela tinha cabelos ruivos e o belo rosto salpicado por sardas. – Se soubesse do que ele é capaz, se você tivesse noção do que aconteceu com tantas outras... – A voz se perdeu, um leve estremecimento fazendo o garfo em sua mão tremer. – É um milagre que você esteja viva, Jenna.

– Dylan tem razão – concordou Tess. – Há mais ou menos um ano, quando a Ordem descobriu que o Antigo havia sido despertado, temos tentado localizá-lo e a Dragos, o filho da mãe responsável por trazer de volta ao mundo esse tipo de perigo.

– Não sei qual dos dois é pior – Renata interveio. – O Antigo clamou muitas vidas inocentes, mas é Dragos, o neto sádico do Antigo, quem vem dando as ordens.

– Está dizendo que aquela criatura tem descendentes? – Jenna perguntou, sem conter sua repulsa.

Gabrielle sorveu um gole de café, depois, com cuidado, voltou a depositar a xícara no pires.

– Aquela criatura e outros tantos como ele deram início à Raça na Terra.

– Na Terra? – Jenna exclamou com uma risada descrente. – Está se referido a alienígenas agora? Aquele vampiro que me atacou...

– Não era deste mundo – Savannah concluiu por ela. – É verdade. Não é mais difícil de acreditar do que a existência dos próprios vampiros, se quer saber a minha opinião, mas é a mais pura verdade. Os Antigos estupraram e dominaram depois que aterrissaram aqui há milhares de anos. Com o passar do tempo, algumas das suas vítimas engravidaram com o que se tornaria a primeira geração da Raça.

– Isso faz algum sentido para vocês? – Jenna perguntou, ainda incrédula. Relanceou para Alex, ao seu lado. – Você também acredita nisso?

Alex concordou.

– Depois de conhecer Kade e todos os demais aqui no complexo, como posso não acreditar? Também vi o Antigo com meus próprios olhos, momentos antes de ele ser morto nos despenhadeiros fora de Harmony.

– E quanto a esse outro... Dragos? – perguntou Jenna, curiosa, sem querer, em fazer com que todas as peças desse incrível quebra-cabeça se juntassem se algum modo. – Onde ele entra?

Dylan foi a primeira a falar.

– Ao que parece, Dragos despertou o Antigo muito antes do que supúnhamos. Décadas antes, de fato. Ele o manteve escondido e o usou para criar uma nova leva de Primeira Geração, os membros mais fortes da Raça, visto que são descendentes diretos da linhagem do Antigo e não geneticamente diluídos, como as gerações posteriores.

– Dragos vem criando um exército pessoal dos mais poderosos, dos mais letais membros da espécie – acrescentou Renata. – São criados supervisionados, treinados para serem assassinos impiedosos. Assassinos particulares de Dragos, a quem ele convoca sempre que necessário para os seus desígnios.

Gabrielle assentiu.

– Para criar essa geração, Dragos também precisou de um estoque de mulheres férteis para engravidar do Antigo.

– As Companheiras de Raça – disse Alex.

Jenna olhou para ela.

– E o que são elas?

– Mulheres nascidas com um DNA e características sanguíneas distintas que as tornam capazes de partilhar um elo de sangue vitalício com os membros da Raça e de reproduzir seus filhos – disse Tess, a mão distraída acariciando o ventre distendido. – Mulheres como nós ao redor desta mesa.

O choque e o horror contraíram o íntimo de Jenna.

– Está dizendo que eu...

– Não – disse Tess, balançando a cabeça. – Você é mortal, não é uma Companheira de Raça. O seu hemograma é normal e você não tem a marca que o resto de nós tem.

Ante a confusão estampada no rosto dela, Tess mostrou a mão, que trazia uma marca rubra entre o polegar e o indicador. Era uma minúscula lua crescente com o que parecia uma gota de lágrima caindo em seu centro.

– Todas vocês têm essa tatuagem?

– Não é uma tatuagem – disse Alex. – É uma marca de nascença, Jenna. Todas as Companheiras de Raça têm uma em algum lugar do corpo. A minha está no quadril.

– Não existem muitas de nós no mundo – explicou Savannah. – A Raça considera as Companheiras de Sangue sagradas, mas Dragos não. Ele vem juntando essas mulheres há anos, mantendo-as em cativeiro; deduzimos que com o único propósito de gerarem os assassinos de Primeira Geração. Muitas delas foram mortas, seja por Dragos ou pelo Antigo.

– Como sabem disso? – Jenna perguntou, horrorizada pelo que ouvia.

Na outra ponta da mesa, Dylan pigarreou.

– Eu as vi. As mortas, quero dizer.

A parte policial de Jenna ficou alerta.

– Se vocês têm cadáveres, então têm provas e motivo para entregar esse cretino, Dragos, para as autoridades.

Dylan meneava a cabeça.

– Não vi os corpos. Vi as mortas. Elas... aparecem às vezes. Às vezes falam comigo.

Jenna não sabia se gargalhava ou se deixava a cabeça cair, derrotada.

– Você vê pessoas mortas?

– Toda Companheira de Raça tem uma habilidade ou talento próprio que a torna peculiar de algum modo – explicou Tess. – Para Dylan, é esse dom de se conectar com as outras Companheiras de Raça que já morreram.

Renata se inclinou para a frente, apoiando os antebraços na mesa.

– Através do dom de Dylan, sabemos com certeza que Dragos é o responsável pela morte de inúmeras Companheiras de Raça. E por meio de outra amiga da Ordem, Claire Reichen, cujo talento nos levou a localizar a base de operações de Dragos há alguns meses, sabemos que ele ainda mantém muitas mais. Desde então, a operação de Dragos se escondeu no submundo. Agora a principal missão da Ordem, além de acabar com o maldito o mais rápido possível, é encontrar o quartel-general dele e libertar as suas vítimas.

– Temos ajudado como podemos, mas é muito difícil localizar um alvo móvel – disse Dylan. – Podemos procurar os relatórios das pessoas desaparecidas, procurando por rostos que eu reconheça. E, durante o dia, vasculhamos abrigos para mulheres, orfanatos, albergues... qualquer lugar que possa nos levar às jovens desaparecidas.

Renata assentiu.

– Particularmente aquelas com habilidades extrassensoriais ou outras competências que possam indicar uma Companheira de Raça em potencial.

– Fazemos o que podemos – disse Gabrielle. – Mas ainda não tivemos muita sorte. É como se estivesse nos faltando a chave para desvendar tudo isso e, até a encontrarmos, parece que só ficamos dando voltas.

– Ei, espere um instante – disse Jenna, seu lado policial enferrujado compreendendo a frustração de seguir pistas infrutíferas. – A persistência costuma ser o melhor aliado de um investigador.

– Pelo menos não temos mais que nos preocupar com o Antigo – disse Savannah. – Essa é uma batalha a menos para enfrentar.

Ao redor da mesa de café da manhã, um coro de vozes concordantes ecoou essa declaração.

– Por que o Antigo deixou que você vivesse, Jenna?

A pergunta foi feita por Elise, uma loira baixinha de cabelos curtos do outro lado de Tess. A discreta do grupo, que se parecia com uma flor delicada, mas com um olhar franco e decidido de uma guerreira. Ela, provavelmente, devia precisar dessa força interior, levando-se em consideração a companhia que ela e as demais mulheres naquele complexo tinham.

Jenna baixou o olhar para o prato e refletiu sobre sua resposta. Demorou um tempo para encontrar as palavras.

– Ele me fez escolher.

– O que quer dizer com isso? – disse Savannah, com a testa se franzindo numa pergunta.

O que você decide, Jenna Tucker-Darrow?

Vida... ou morte?

Jenna sentiu todos os olhos cravados nela naquele silêncio. Forçando-se a enfrentar as perguntas não proferidas que pairavam no ar, ela ergueu o olhar. Empinou o queixo e falou sucinta e rapidamente:

– Eu queria morrer. É o que eu teria preferido, ainda mais naquele momento. Ele sabia disso, tenho certeza. Mas, por algum motivo, pareceu querer brincar comigo, então me fez decidir se eu queria ou não morrer naquela noite.

– Puxa, Jen, que horrível... – A voz de Alex se mostrou emocionada. Seu braço a envolveu pelos ombros num gesto de amparo. – Filho da puta cruel.

– Então – continuou Elise –, você disse ao Antigo que a deixasse viver e ele concordou... Simples assim?

Lembrando o momento com vívida clareza agora, Jenna balançou a cabeça com vigor.

– Eu lhe disse que queria viver, e a última coisa de que lembro é dele fazendo um corte no braço e retirando aquela coisa, aquela coisa minúscula que só Deus sabe o que é, e que agora está dentro de mim.

Ela sentiu, mais do que viu, a sutil troca de olhares ao redor da mesa.

– Acham que isso tem alguma significância? – perguntou, dirigindo a pergunta ao grupo como um todo. Tentou abafar a pontada repentina de medo que reverberou em seu peito. – Acham que o fato de ele ter colocado aquela coisa dentro de mim tem alguma importância em eu viver ou morrer?

Alex segurou a mão dela num gesto tranquilizador, mas foi Tess quem falou antes das outras.

– Talvez Gideon possa fazer outros testes para nos ajudar a descobrir isso.

Jenna engoliu em seco, depois assentiu.

Seu prato de comida permaneceu intocado pelo restante da refeição.

Num canto escurecido de um quarto num hotel luxuoso em Boston, onde cortinas pesadas impediam a passagem do menor dos raios solares da manhã, o macho da Raça chamado Dragos estava acomodado numa poltrona acolchoada em seda e tamborilava as unhas da mão na mesinha lateral de mogno. Atrasos o deixavam impaciente, e a impaciência o tornava letal.

– Se ele não chegar nos próximos sessenta segundos, um de vocês terá que matá-lo – disse para o par de assassinos de Primeira Geração que o flanqueavam como Cérberos musculosos de dois metros de altura.

Assim que terminou de falar, no corredor do lado de fora da suíte presidencial, o elevador privativo emitiu uma campainha eletrônica, anunciando a chegada do convidado. Dragos não se moveu de seu canto no quarto, aguardando em silêncio irritado enquanto outro dos seus guardas pessoais criados acompanhava o macho da Raça civil – um tenente na operação secreta de Dragos – até a suíte para a sua reunião particular.

O vampiro teve o bom senso de inclinar a cabeça no instante em que seu olhar recaiu sobre Dragos.

– Mil perdões por mantê-lo esperando, senhor. A cidade está tomada pelos humanos. Pessoas fazendo compras de Natal e turistas – disse ele, o desdém revelado em cada uma das sílabas bem pronunciadas. Tirou as luvas e as colocou nos bolsos do casaco de caxemira. – O meu motorista teve que dar uma dúzia de voltas no hotel antes de conseguirmos nos aproximar da entrada de serviço no andar subterrâneo.

Dragos continuou tamborilando os dedos na mesinha.

– Algo errado com a entrada principal?

Seu tenente, pertencente à segunda geração da Raça, assim como Dragos, empalideceu visivelmente.

– Estamos em pleno dia, senhor. Com toda essa claridade, eu me incineraria em questão de minutos.

Dragos apenas o fitou, nem um pouco incomodado. Também não estava satisfeito com o local inconveniente daquele encontro. Preferiria muito mais o conforto e a segurança da sua residência. Mas isso já não era mais possível. Não depois que a Ordem interferiu em sua operação e o obrigou a buscar refúgio.

Temendo ser descoberto, ele não permitia mais que qualquer um dos seus associados civis soubesse onde seu quartel-general ficava. Como precaução adicional, nenhum deles conhecia a localização das suas propriedades nem da sua equipe. Ele não podia correr o risco de que seus tenentes caíssem no poder da Ordem e o acabassem comprometendo na esperança de que Lucan os poupasse de sua ira.

Só de pensar em Lucan Thorne e nos seus guerreiros, ele ficava com um gosto amargo na boca. Tudo pelo que tanto trabalhara, sua visão de um futuro no qual mal conseguia esperar para pôr as mãos, fora estragado pelas ações da Ordem. Eles o forçaram a bater em retirada. Forçaram-no a destruir o nervo central da sua operação – um superlaboratório de pesquisa científica que lhe custara centenas de dólares e muitas décadas para aperfeiçoar.

Tudo isso desaparecido agora, nada além de cinzas e escombros no meio de uma floresta em Connecticut.

Agora o poder e os privilégios a que Dragos estava acostumado por séculos foram substituídos por esconderijos nas sombras e olhadelas constantes por sobre o ombro para se certificar de que o inimigo não se aproximava. A Ordem o obrigara a fugir e se esconder como um coelho desesperado para se evadir da armadilha do caçador, e ele não gostava nem um pouco disso.

O último incômodo acontecera no Alasca, com a fuga do Antigo, o seu instrumento mais valioso e insubstituível na busca pela derradeira dominação. Já fora bastante ruim que o Antigo tivesse escapado durante seu transporte em seu novo tanque de contenção. Mas o desastre só piorou quando a Ordem não só conseguiu encontrar o laboratório no Alasca como também o fugitivo alienígena.

Dragos perdera essas duas peças fundamentais para os malditos. Não pretendia perder mais nada.

– Quero ouvir boas notícias – disse ao tenente, dardejando o macho por debaixo das sobrancelhas unidas. – Como tem progredido com a sua missão?

– Tudo está a postos, senhor. Esta semana, o alvo e sua família imediata acabaram de regressar aos Estados Unidos das suas férias no exterior.

Dragos grunhiu em concordância. O alvo em questão era um ancião da Raça, com quase mil anos de existência, um da Primeira Geração, de fato, motivo pelo qual Dragos o tinha em mira. Além de querer que Lucan Thorne e seu bando de guerreiros ficassem sem trabalho, Dragos também retornara aos objetivos da sua missão inicial: a extinção sistemática e total de cada um dos Primeira Geração da Raça naquele planeta.

O fato de Lucan e outro membro fundador da Ordem serem Primeira Geração só tornava seu objetivo mais doce. E ainda mais imperativo. Ao acabar com todos os Primeira Geração, exceto seus assassinos criados e treinados para servi-lo inquestionavelmente, Dragos e os outros membros da segunda geração da Raça se tornariam, por consequência, os vampiros mais importantes da atualidade.

E se, ou melhor, quando se cansasse de partilhar o futuro que ele sozinho entreviu e garantiu que acontecesse, então ordenaria ao seu exército pessoal de assassinos que dizimasse cada um dos seus contemporâneos da segunda geração também.

Sentado num silêncio contemplativo e aborrecido, ouvia enquanto seu tenente se apressava em rever os detalhes do plano que o próprio Dragos idealizou poucos dias antes. Passo a passo, tática a tática, o outro macho da Raça discorreu sobre tudo, garantindo-lhe que nada seria deixado ao acaso.

– O Primeira Geração e sua família estão sendo observados em período integral desde que voltaram para casa – disse o tenente. – Estamos prontos para disparar o gatilho dessa operação ao seu comando, senhor.

Dragos inclinou a cabeça num vago assentimento.

– Faça acontecer.

– Sim, senhor.

A mesura profunda e sua retirada foram quase tão agradáveis quanto a noção de que aquele golpe pendente deixaria absolutamente claro para a Ordem que ele podia ter sido atingido, mas estava longe de ser abatido.

Na verdade, sua presença no elegante hotel em Boston, e uma das importantes reuniões de apresentação que levaram semanas para serem arranjadas entre ele e um punhado de humanos influentes escolhidos a dedo, solidificaria a posição de Dragos em sua ascensão para a glória final. Ele praticamente já sentia o gosto do sucesso.

– Ah, mais uma coisa – Dragos chamou seu associado que partia.

– Sim, senhor.

– Se fracassar – disse ele de maneira agradável –, esteja preparado para que eu lhe sirva seu próprio coração.

O rosto do macho empalideceu, ficando branco como o carpete que cobria o piso tal qual neve fresca.

– Não fracassarei, senhor.

Dragos sorriu, expondo tanto os dentes quanto as presas.

– Certifique-se de que isso não aconteça.


Capítulo 9

Depois da bagunça carregada de morte da noite anterior na cidade, Brock considerou um triunfo pessoal que tivesse conseguido evitar Jenna em grande parte do dia após o seu retorno ao complexo.

Depois de ter descartado os dois corpos nas águas gélidas do rio Mystic, ficou sozinho até quase o amanhecer, tentando se libertar da fúria que parecia acompanhá-lo aquela noite.

Mesmo após estar no quartel-general da Ordem por algumas horas pela manhã, a raiva injustificada, e completamente indesejável, que o possuía ao pensar numa mulher inocente se deparando com o perigo fazia com que seus músculos vibrassem com uma necessidade de violência. Algumas boas horas de treino suado com as armas ajudaram a aplacar um pouco desse sentimento. Bem como o banho escaldante de quarenta minutos com o qual se castigara após o treino.

Ele até poderia achar que se sentia bem, com a cabeça no lugar de novo, se não fosse pelos golpes certeiros que Gideon lançara não muito tempo depois.

O primeiro foi a notícia de que Jenna descera depois do café da manhã com as outras mulheres do complexo e lhe pedira para fazer mais exames de sangue e de tecido. Ela havia se lembrado de algo a respeito do tempo passado com o Antigo, algo que Gideon dissera que havia deixado a fêmea valente bem atormentada.

O segundo golpe foi dado quase imediatamente depois que os primeiros resultados dos exames surgiram.

O sangue e o DNA de Jenna haviam mudado significativamente desde a última vez que Gideon os analisara.

No dia anterior, os resultados foram normais. Hoje, tudo estava alterado.

– Não podemos nos precipitar em conclusões. Não importa o que esses resultados possam indicar – disse, por fim, Lucan, em seu tom grave e sério.

– Talvez devamos fazer mais exames – sugeriu Tess, a única fêmea no laboratório de tecnologia no momento. Ela levantou o olhar dos resultados perturbadores para encarar Lucan, Brock e o restante da Ordem, que fora convocada ali para revisar os achados de Gideon. – Devo ir buscar Jenna e levá-la para a enfermaria para mais exames?

– Você até pode fazer isso – disse Gideon –, mas fazer outros exames não vai mudar nada. – Ele tirou os óculos de lentes azul-claras, jogando-os na mesa de acrílico diante dele. Pinçando o alto do nariz, balançou a cabeça de leve. – Esse tipo de mutação de DNA e a reprodução celular massiva simplesmente não acontecem. Os corpos humanos não são avançados o bastante para lidar com as exigências que mudanças dessa significância provocariam em seus órgãos e artérias, sem falar no impacto que algo assim teria no sistema nervoso central.

Com os braços cruzados diante do peito, Brock se recostou na parede ao lado de Kade, Dante e Rio. Não disse nada, esforçando-se para entender tudo o que via e ouvia. Lucan tinha aconselhado que ninguém se precipitasse em conclusões, mas era excessivamente difícil não fazer isso agora, com o futuro bem-estar de Jenna em jogo.

– Não entendo – disse Nikolai do outro lado do laboratório, onde estava sentado à mesa, junto com Tegan e Hunter. – Por que agora? Isto é, se tudo estava normal antes, por que a súbita mutação no sangue e no DNA?

Gideon deu de ombros.

– Pode ser porque até ontem ela esteve num sono profundo, quase em coma. Soubemos que sua força muscular tinha aumentado assim que despertou. Brock testemunhou isso em primeira mão, e nós também, quando Jenna fugiu do complexo. As mudanças celulares que estamos vendo agora podem ter sido uma reação retardada ao seu despertar. Estar consciente e alerta pode ter agido como algum tipo de disparador dentro de seu corpo.

– Ontem à noite ela foi alvejada – acrescentou Brock, refreando o rugido raivoso que lhe constringia a garganta. – Isso pode estar relacionado com o que vemos no sangue dela agora?

– Talvez – disse Gideon. – Tudo é possível, imagino. Isso não é nada que eu, nem ninguém nesta sala, já tenha visto antes.

– Pois é – concordou Brock. – Simplesmente uma maravilha.

No fundo da sala, com os coturnos apoiados na mesa de reuniões enquanto inclinava a cadeira para trás, Sterling Chase pigarreou.

– Levando tudo em consideração, talvez não seja uma boa ideia dar tanta liberdade a essa mulher aqui no complexo. Ela é um grande ponto de interrogação no momento. Por tudo o que sabemos, pode muito bem ser algum tipo de bomba prestes a explodir.

Por um longo instante, ninguém disse nada. Brock odiou esse silêncio. Odiou Chase por exprimir algo que nenhum dos guerreiros quis considerar.

– O que sugere? – perguntou Lucan, lançando um olhar sério para o macho que passara décadas como parte da Agência de Policiamento antes de se juntar à Ordem.

Chase arqueou as sobrancelhas loiras.

– Se dependesse de mim, eu a retiraria do complexo o mais rápido possível. Trancaria-na em algum lugar seguro, bem longe das nossas operações, pelo menos até termos a oportunidade de deter Dragos de uma vez por todas.

O grunhido de Brock surgiu na garganta, carregado de animosidade.

– Jenna fica aqui.

Gideon recolocou os óculos e assentiu na direção de Brock.

– Concordo. Eu não me sentiria à vontade em tirá-la daqui agora. Gostaria de observá-la, para entender melhor o que está acontecendo com ela a nível celular e neurológico, no mínimo.

– Façam como quiserem – disse Chase. – Mas isso será o funeral de todos nós se você estiver errado.

– Ela fica – disse Brock, estreitando o olhar para o outro lado da mesa, que perfurou o ex-agente que sorria.

– Você está todo animado com essa humana desde o segundo em que a viu – observou Chase, o tom leve, mas com a expressão carregada de desafio. – Tem algo a provar, amigo? O que foi... você é um daqueles tolos loucos por uma dama em apuros? O santo padroeiro das causas perdidas. Essa é a sua?

Brock voou por cima da mesa num único salto. Poderia ter acabado com as mãos no pescoço de Chase, mas o vampiro previu o seu ataque e se moveu com a mesma velocidade. A cadeira caiu para trás e, em meio segundo, os dois machos grandes estavam cara a cara, travados numa batalha que nenhum deles poderia vencer.

Brock sentiu mãos fortes afastando-o do confronto, Kade e Tegan, chegando ali antes que ele conseguisse desferir o soco que Chase merecia. E atrás de Chase estavam Lucan e Hunter, os dois e os demais prontos a pôr panos quentes na situação caso um dos machos resolvesse agir.

Encarando Chase com raiva, Brock se permitiu ser afastado, mas só isso. Pelo que não foi a primeira vez, refletiu sobre a natureza antagônica e agressiva de Sterling Chase, e pensou no que fazia com que o de outro modo habilidoso e fantástico guerreiro fosse tão volátil.

Se a Ordem tinha uma bomba acionada com que se preocupar em seu meio, Brock ficou pensando se não estava olhando para ela naquele mesmo instante.

– Por que diabos isso está demorando tanto?

Jenna não tinha percebido que dera vazão à sua preocupação em voz alta até sentir a mão de Alex.

– Gideon disse que queria fazer outros testes na sua amostra. Tenho certeza de que logo vamos ter notícias.

Jenna bufou um suspiro. De bengala na mão, mesmo sentindo apenas uma necessidade mínima de se apoiar nela, levantou-se do sofá no qual estivera sentada e claudicou até o outro lado da sala de estar do apartamento. Fora levada até ali por Alex e Tess depois que colheram a amostra do seu sangue na enfermaria poucas horas atrás, dizendo-lhe que lhe tinham dado o uso daquele espaço pela duração da sua estada no complexo.

Aquela suíte era uma melhora e tanto em relação ao quarto da enfermaria. Espaçosa e confortável, com mobília grande de couro e mesinhas de madeira escura meticulosamente polidas, não entulhadas de tranqueiras. Estantes altas de madeira perfiladas com livros clássicos, de filosofia e história à altura de uma biblioteca. Livros provocativos e sérios que pareciam em contraste com uma prateleira muito bem organizada – caramba, em ordem alfabética – de livros de ficção populares bem ao lado.

Jenna deixou seu olhar passar pelas prateleiras de títulos e autores, necessitando de uma distração momentânea para impedir que pensasse demais no que poderia estar provocando tanta demora para ouvir as respostas de Gideon e dos outros.

– Faz mais de uma hora que Tess está lá – observou, tirando um livro qualquer sobre cantoras de jazz de sua posição na seção de história. Folheou as páginas, mais para dar algo paras as suas mãos fazerem do que por algum interesse real pelo livro.

Enquanto passava pelo capítulo sobre a era dos clubes de jazz dos anos 1920, uma fotografia amarelada escorregou. Jenna a apanhou antes que caísse no chão. O rosto sorridente de uma mulher jovem num vestido de seda cintilante e pele brilhante a fitava da imagem. Com olhos grandes e amendoados e tez de porcelana que parecia reluzir em contraste com os cabelos negros longos, ela era linda e exótica, ainda mais no cenário do clube de jazz ao fundo.

Com sua própria vida num espiral de confusão e preocupação, Jenna sentiu-se perplexa por um momento pelo júbilo evidente no sorriso amplo da jovem. Era uma alegria tão patente, franca, que quase sentiu uma dor física ao vê-la. Ela também já vivenciara esse tipo de felicidade, não? Deus, quanto tempo se passara desde que sentira ainda que metade da vivacidade daquela jovem da fotografia?

Brava com essa sensação de autopiedade, Jenna guardou a fotografia no livro, que devolveu ao seu lugar na prateleira.

– Não aguento mais. Isso está me deixando louca.

– Eu sei, Jen, mas...

– Ao diabo. Não vou mais ficar aqui esperando – disse, virando-se para encarar a amiga. A ponta da bengala se chocou no tapete ao abrir caminho até a porta. – Eles já devem ter alguns resultados a esta altura. Tenho que saber o que está acontecendo. Vou lá agora mesmo.

– Jenna, espere – Alex pediu atrás dela.

Mas ela já estava no corredor, andando o mais rápido que conseguia, apesar do impedimento da bengala e da leve fisgada que trespassava sua perna a cada passo apressado.

– Jenna! – Alex a chamou, com as passadas rápidas ecoando no corredor já deserto.

Jenna prosseguiu pelos corredores de mármore branco polido. A perna começava a latejar, mas ela não se importou. Deixou a bengala de lado, que só a retardava, e faltou pouco para começar a correr na direção das vozes abafadas dos machos logo mais adiante. Ela arfava ao chegar à parede de vidro do laboratório de tecnologia, com suor sobre seus lábios e na testa provocado pela dor.

Seus olhos encontraram Brock antes de qualquer outro membro do grupo aparentemente solene. Seu rosto estava tenso, os tendões do pescoço esticados como cabos, a boca formando uma linha carrancuda, quase ameaçadora. Ele estava no fundo da sala, cercado pelos outros guerreiros, todos aparentando tensão e inquietação, ainda piores agora que ela estava ali. Gideon e Tess estavam próximos ao nicho de computadores na parte anterior do laboratório.

Todos pararam o que estavam fazendo para fitá-la.

Jenna sentiu o peso dos olhares como algo físico. Seu coração se contraiu. Obviamente, eles já tinham a análise de seu sangue. Será que os resultados eram tão horríveis assim?

Suas expressões eram inescrutáveis, todos a mantendo sob observação cautelosa, silenciosa, conforme seus passos desaceleraram diante das portas deslizantes do laboratório.

Deus, olhavam para ela como se nunca a tivessem visto antes.

Não, percebeu, ao notar que o grupo continuava imóvel, olhando para ela através da parede transparente que a separava do grupo solene do outro lado. Olhavam-na como se esperassem que já estivesse morta.

Como se ela fosse um fantasma.

Um medo horrível se instalou em seu estômago, mas ela não pretendia recuar agora.

– Deixem-me entrar – exigiu, irritada e aterrorizada. – Maldição, abram essa maldita porta e me digam o que está acontecendo!

Levantou a mão e cerrou o punho, mas antes que pudesse bater no vidro, as portas deslizaram num sibilo suave. Avançou para dentro, sendo seguida de perto por Alex.

– Podem me contar – disse Jenna, o olhar passando de um rosto silencioso a outro. Demorou-se em Brock, a única pessoa naquela sala, além de Alex, por quem ela sentia alguma confiança. – Por favor... Preciso saber o que descobriram.

– Ocorreram algumas mudanças no seu sangue – disse ele, a voz grave impossivelmente baixa. Gentil demais. – E no seu DNA também.

– Mudanças. – Jenna engoliu em seco. – Que tipo de mudanças?

– Anomalias – Gideon interviu. Quando ela virou a cabeça na direção dele, ficou surpresa pela preocupação no olhar do guerreiro. Ele falava com cautela, parecendo demais com um médico retardando o pior tipo de notícia a dar ao seu paciente. – Descobrimos uma reprodução celular estranha, Jenna. Mutações que estão sendo passadas ao seu DNA e que se multiplicam a uma velocidade excessiva. Essas mutações não estavam presentes na última análise que efetuamos no seu sangue.

Ela balançou a cabeça, tanto pela confusão quanto como um reflexo de negação ao que pensava estar ouvindo.

– Não estou entendendo. Está se referindo a algum tipo de doença? Aquela criatura me infectou com alguma coisa quando me mordeu?

– Nada disso – disse Gideon, lançando um olhar ansioso para Lucan. – Bem, não exatamente.

– Então, o que, exatamente? – ela exigiu saber. A resposta surgiu meio segundo mais tarde. – Ai, meu Deus. Esta coisa na minha nuca... – Ela pôs a mão sobre o ponto em que o Antigo havia inserido o material não identificado do tamanho de um grânulo. – Esta coisa que ele colocou dentro de mim está provocando as mudanças. É isso, não é?

Gideon assentiu de leve.

– É biotecnologia de algum tipo, nada que a Raça ou a espécie humana tenha capacidade de criar. Pelas radiografias mais recentes de hoje, parece que o implante está se integrando à sua medula espinhal num ritmo muito acelerado.

– Tire isso.

Uma rodada de olhares preocupados passou pelo grupo de machos grandes. Mesmo Tess parecia pouco à vontade, sem conseguir sustentar o olhar de Jenna.

– Não é tão simples assim – Gideon respondeu, por fim. – Talvez você deva ver as imagens por si só.

Antes que ela conseguisse pensar se queria ou não ver as provas daquilo que lhe estava sendo dito, a imagem do seu crânio e coluna piscou na tela plana afixada numa parede diante dela. Num segundo, Jenna notou o nauseante objeto do tamanho de um grão de arroz que brilhava no centro da sua primeira vértebra. Os tentáculos que estiveram presentes no dia anterior eram mais numerosos naquela nova imagem.

Muito mais do que centenas a mais, cada tênue feixe entrando – inextricavelmente – ao redor e através da sua medula óssea.

Gideon pigarreou.

– Como disse, o objeto aparentemente é formado por uma combinação de material genético e alta tecnologia avançada. Nunca vi nada assim antes, tampouco consegui encontrar algum tipo de pesquisa científica humana que se assemelhasse minimamente a isso. Considerando-se as transformações biológicas que temos observado em seu DNA e em seu sangue, parece ser a fonte do material genético do próprio Antigo.

O que significava que parte daquela criatura estava dentro dela. Vivendo ali. Vicejando.

A pulsação de Jenna ecoava em seu peito. Ela sentia o fluxo sanguíneo acelerado nas veias, células alteradas que ela imaginava abrindo caminho em seu corpo a cada batida do coração, multiplicando-se, crescendo, devorando-a por dentro.

– Arranquem isso de mim – disse ela, a voz se elevando por causa da angústia. – Tirem essa maldita coisa de dentro de mim ou eu mesma tiro!

Com as duas mãos, ela começou a arranhar a nuca, o desespero fazendo-a agir como louca.

Ela nem percebeu Brock se movendo da sua posição do outro lado do laboratório, mas, em menos de um instante, ele estava bem ao seu lado, as mãos grandes envolvendo-a com os dedos. Os olhos castanhos prenderam-na pelo olhar e não a soltaram.

– Relaxe agora – disse ele, num sussurro gentil, porém com firmeza tirou-lhe as mãos da nuca e segurou-as entre as suas. – Respire, Jenna.

Com os pulmões contraídos, ela emitiu um soluço.

– Solte-me. Por favor, deixem-me em paz, todos vocês.

Ela se afastou e tentou ir embora, mas a pulsação pesada e o tinir em seus ouvidos fez a sala girar ao seu redor com violência. Uma onda obscura de náusea a acometeu, envolvendo-a numa névoa densa e atordoante.

– Te peguei – a voz tranquilizadora de Brock murmurou junto ao seu ouvido.

Ela sentiu os pés deixarem o chão e, pela segunda vez em poucos dias, viu-se amparada pela segurança dos braços dele.


Capítulo 10

Ele não deu explicações para o que estava fazendo ou para onde a estava levando. Apenas saiu do laboratório de tecnologia e a carregou pelo mesmo corredor pelo qual ela viera minutos antes com Alex.

– Solte-me – exigiu Jenna, os sentidos ainda confusos, tinindo a cada longa passada das pernas de Brock. Mudou de posição nos braços dele, tentando ignorar como até mesmo o menor dos movimentos fazia sua cabeça girar e seu estômago revirar. A cabeça pendeu sobre o antebraço forte, um gemido de dor escapando. – Eu disse para me colocar no chão, inferno.

Ele grunhiu enquanto continuava a caminhar.

– Eu ouvi na primeira vez.

Ela fechou os olhos, só porque estava difícil demais mantê-los abertos e ver o teto do corredor se contorcer e girar logo acima enquanto Brock a carregava complexo adentro. Diminuiu o ritmo a certa altura, depois virou, e Jenna abriu os olhos, vendo que ele a levara de volta à suíte que agora era seu quarto.

– Por favor, me ponha no chão – murmurou, a língua grossa, a garganta seca. O latejar por trás dos olhos se tornara uma pulsar firme, o tinido nos ouvidos um lamento agudo que parecia partir seu crânio ao meio. – Deus – arfou, sem conseguir disfarçar a agonia. – Está doendo muito...

– Ok – disse Brock baixinho. – Tudo vai ficar bem agora.

– Não, não vai. – Ela choramingou, humilhada pelo som da sua fraqueza, e pelo fato de que Brock a estava vendo assim. – O que está acontecendo comigo? O que ele fez comigo?

– Isso não importa agora – sussurrou Brock, a voz grave mostrando-se contraída. Uniforme demais para ser confiável. – Primeiro, vamos fazer você superar isto.

Atravessou o quarto com ela e se ajoelhou para acomodá-la no sofá. Jenna se recostou e deixou que ele lhe endireitasse as pernas, não tão perdida no desconforto e na preocupação para deixar de notar o carinho das mãos fortes daquele homem, que, provavelmente, seriam capazes de extrair a vida de alguém com pouco mais do que uma contorção.

– Relaxe – disse ele, as mãos fortes e carinhosas afagando seu rosto, os olhos escuros incitando-a a sustentar seu olhar. – Apenas relaxe e respire, Jenna. Consegue fazer isso por mim?

Ela se acalmou um pouco de pronto, relaxando ao som do seu nome nos lábios dele, o resvalar quente dos dedos que desciam pelo rosto e pelo maxilar e, depois, pela lateral do pescoço. As lufadas curtas de ar que entravam e saíam dos seus pulmões começaram a se acalmar, enquanto Brock amparava a nuca com uma mão e deslizava a outra palma num indo e vindo lento sobre o peito dela.

– Isso mesmo – murmurou, o olhar preso ao dela, intenso e, ainda assim, inacreditavelmente carinhoso. – Solte toda a dor e relaxe. Você está segura, Jenna. Pode confiar em mim.

Ela não sabia por que essas palavras deveriam afetá-la como a afetaram. Talvez a dor a tivesse enfraquecido. Talvez fosse o medo do desconhecido, o abismo da incerteza que subitamente se tornara a sua realidade desde aquela noite gélida e horrenda no Alasca.

E talvez fosse pelo simples fato de que fazia muito tempo, quatro solitários anos, desde que ela sentira a carícia cálida de um homem, mesmo que apenas para oferecer consolo.

Quatro anos vazios desde que se convencera de que não precisava de nenhum contato afetuoso ou intimidade. Quatro anos infindáveis desde que se lembrava do como era se sentir uma mulher de carne e osso, como se fosse desejada. Como se pudesse, um dia, ser capaz de abrir o coração para algo mais.

Jenna fechou os olhos quando lágrimas começaram a arder. Afastou a onda de emoção que surgiu inesperadamente e, em vez disso, concentrou-se nas pontas dos dedos quentes e reconfortantes de Brock em sua pele. Deixou que sua voz a acalentasse, sentindo suas palavras e seu toque trabalharem juntos para ajudá-la a superar a angústia do estranho trauma que parecia estar despedaçando-a de dentro para fora.

– Isso é bom, Jenna. Apenas respire agora.

Ela sentiu a garra de dor em seu crânio relaxar enquanto ele lhe falava. Brock acariciou suas têmporas com os polegares, os dedos esticados em seus cabelos, amparando sua cabeça de maneira reconfortante. O tinir agudo em seus ouvidos começou a diminuir, a desaparecer, até, por fim, sumir de vez.

– Você está indo muito bem – murmurou Brock, a voz mais sombria do que antes, um pouco mais do que um grunhido. – Solte tudo, Jenna. Dê o resto para mim.

Ela exalou um suspiro profundo, sem conseguir mantê-lo dentro de si enquanto Brock a afagava no rosto e no pescoço. Ela gemeu, abraçando o prazer que lentamente devorava sua agonia.

– Isso é bom – sussurrou, sem poder resistir ao desejo de se aproximar do seu toque. – A dor já não é tão forte agora.

– Isso é muito bom, Jenna. – Ele inspirou, parecendo mais um arquejo, depois exalou um gemido. – Liberte-se de tudo.

Jenna sentiu um tremor vibrar por seus dedos enquanto ele falava. As pálpebras se abriram e ela arfou ao vê-lo tão tenso.

Os tendões do pescoço estavam retesados, a mandíbula travada com tanta força que era um milagre que seus dentes não tivessem trincado. Um músculo latejava no rosto delgado. Gotas de suor se formavam na testa e sobre os lábios.

Ele estava com dor.

Uma dor impossível, assim como ela estivera há minutos, antes que seu toque parecesse afastar a agonia.

Foi então que ela entendeu.

Ele não estava simplesmente acalmando-a com as mãos. Ele estava, de alguma forma, tirando a dor dela. Canalizando-a, de propósito, para si.

Ofendida com a ideia, porém ainda mais envergonhada por ter se deixado permanecer ali deitada, imaginando que a carícia dele fosse algo mais do que pura piedade, Jenna se retraiu do seu toque e se pôs sentada num canto do sofá. Respirou fundo de ultraje ao fitar os olhos escuros que reluziam fachos de luz âmbar.

– Que diabos pensa que está fazendo? – arfou, pondo-se de pé.

O músculo que estivera latejando em seu maxilar se retesou quando ele se levantou para enfrentá-la.

– Ajudando você.

Imagens tomaram conta da sua mente em um instante: repentinas lembranças vívidas dos momentos posteriores ao seu cativeiro com a criatura que invadira o seu chalé no Alasca.

Naquele momento, ela também sentira dores. Estivera aterrorizada e em estado de choque, tão devastada de horror e confusão que achou que acabaria morrendo.

E se lembrou das mãos delicadas e cálidas que a confortaram. O rosto de um belo desconhecido sério que entrara em sua vida como um anjo negro e a manteve a salvo, protegida e tranquila, quando tudo em seu mundo fora transformado em caos.

– Você esteve lá – murmurou, atônita por perceber só então. – No Alasca, depois que o Antigo sumiu. Você ficou comigo. Também tirou minha dor naquela hora. E mais tarde, depois que fui trazida para o complexo. Meu Deus... Você ficou comigo o tempo todo em que estive na enfermaria? Os olhos dele permaneceram fixos nos dela, sombrios, inescrutáveis.

– Eu era o único que podia ajudar você.

– Quem te pediu isso? – exigiu saber, num tom sabidamente áspero, mas desesperada por expurgar o calor que ainda trafegava dentro dela, indesejado e espontâneo.

Já era ruim que ele achasse necessário acalentá-la como se ela fosse algum tipo de criança em sua provação prolongada. E ainda pior que ele parecesse pensar ser necessário repetir isso agora também. Maldita fosse se permitisse que ele pensasse, por um segundo sequer, que ela, de fato, desejara seu toque.

Com a expressão ainda carregada pelo que lhe fizera instantes antes, ele meneou a cabeça e imprecou.

– Para uma mulher que não quer a ajuda de ninguém, você bem que parece precisar muito.

Ela mal resistiu à tentação de lhe dizer onde ele podia enfiar sua compaixão.

– Sei cuidar de mim sozinha.

– Como cuidou ontem à noite na cidade? – ele a desafiou. – Como fez há poucos minutos no laboratório, pouco antes que os meus braços fossem a única coisa entre o seu traseiro teimoso e o chão?

A humilhação queimou seu rosto tal qual um tapa.

– Sabe de uma coisa? Faça-nos um favor e não me faça mais favor algum!

Ela se virou para se afastar dele, seguindo para a porta ainda aberta para o corredor. Cada passo miraculosamente sem dor só aumentava sua raiva de Brock, deixando-a ainda mais determinada a colocar o máximo possível de distância entre eles.

Antes que conseguisse se aproximar da soleira, ele se postou diante dela, bloqueando-lhe o caminho, mesmo que ela não tivesse visto ou ouvido ele se mover.

Parou. Encarou-o, atordoada por sua evidente velocidade sobrenatural.

– Saia da minha frente – disse, tentando passar por ele.

Ele deu um passo para o lado, colocando o corpo imenso diretamente diante do dela. A intensidade do seu olhar revelou que ele queria lhe dizer algo mais, mas Jenna não queria ouvir. Precisava ficar sozinha.

Precisava de espaço para pensar sobre tudo o que lhe acontecera... Tudo que ainda estava acontecendo, ficando cada vez mais assustador ao mesmo tempo.

– Saia da frente – disse ela, odiando o leve tremor em sua voz.

Brock lentamente levantou a mão e afastou uma mecha de cabelo da testa dela. Foi um gesto meigo, uma afabilidade que ela tanto precisava, mas que tinha medo de aceitar.

– Você está no nosso mundo agora, Jenna. Quer queira admitir ou não, precisa de ajuda.

Ela observou-lhe a boca enquanto ele falava, desejando não se sentir tão atenta aos lábios cheios e sensuais. Ele ainda estava suportando a sua dor; podia saber pelo ligeiro inflar nas narinas enquanto ele inspirava e expirava de modo controlado. Tampouco a tensão do belo rosto e do pescoço forte se desfizera.

Durante toda a sua vida, ela se esforçou para provar seu valor, primeiro para o pai e para o irmão, Zach, sendo que ambos deixaram claro que duvidavam que ela tivesse o necessário para fazer parte da força policial. Mais tarde, esforçou-se para ser uma mãe e esposa perfeitas. A vida toda fora estruturada numa fundação de força, disciplina e competência.

De maneira inacreditável, enquanto ficava ali diante de Brock, não foi o fato de ele ser algo mais que humano – algo perigoso e alienígena – que fez com que ela quisesse que o chão se abrisse e a engolisse. Foi o medo de que ele pudesse enxergar através da casca de raiva que ela usava como uma armadura, vendo-a como o fracasso solitário e amedrontado que ela, de fato, era.

Brock balançou de leve a cabeça em sua direção enquanto o silêncio se estendia entre eles. Os olhos perscrutaram seu rosto por inteiro antes de se deterem sobre o seu olhar.

– Existem coisas piores do que precisar se apoiar em alguém de vez em quando, Jenna.

– Maldição! Eu disse para sair da minha frente! – Ela pousou as palmas sobre o peito largo e o empurrou com toda a raiva e medo que havia dentro dela.

Brock foi lançado para trás, quase se chocando com a parede oposta do corredor.

Jenna arquejou, assustada e surpresa com o que acabara de fazer.

Horrorizada.

Brock era muito forte, com quase dois metros de altura e mais de cem quilos de músculo e força. Alguém muito mais forte do que ela. Alguém muito mais poderoso do que qualquer outra pessoa que já tivesse conhecido.

As sobrancelhas dele se ergueram em sinal de surpresa.

– Jesus Cristo – murmurou, com muito mais admiração do que raiva na voz.

Jenna suspendeu as mãos diante de si e fitou-as como se elas pertencessem a outra pessoa.

– Ai, meu Deus... Como eu... O que aconteceu?

– Está tudo bem – garantiu ele, voltando para perto dela com aquela enlouquecedora tranquilidade.

– Brock, desculpe. Verdade, eu não queria...

– Eu sei – disse ele, assentindo com seriedade. – Não se preocupe. Você não me machucou.

Uma bolha de histeria subiu-lhe pela garganta. Primeiro, a notícia chocante de que o implante de algum modo estava alterando seu DNA, e agora isso: uma força que não tinha como ser sua, mas, de alguma maneira, era. Relembrou sua fuga da propriedade e as estranhas habilidades linguísticas que pareceu adquirir desde que o Antigo deixara uma parte de si emaranhado em sua medula espinhal.

– Que diabos está acontecendo comigo, Brock? Quando tudo isso vai terminar?

Ele lhe segurou as mãos trêmulas entre suas palmas com firmeza.

– O que quer que esteja acontecendo, você não tem que passar por isso sozinha. Precisa entender isso.

Ela não sabia se ele falava em nome de todos no complexo ou por si só. Ela não tinha voz para pedir uma explicação. Disse a si mesma que não importava o significado das palavras dele; contudo, isso não desacelerou seu coração quando o fitou. Sob o calor dos insondáveis olhos castanhos, ela sentiu os seus piores medos se dissolverem.

Sentia-se aquecida e protegida, coisas que queria negar, mas não podia enquanto Brock a estivesse segurando pelas mãos e pelo olhar.

Ele franziu a testa após um longo momento e lentamente soltou-lhe as mãos, deixando as suas deslizarem pelos braços dela, numa carícia sensual, demorando-se o suficiente para deixar claro que aquilo não era nada menos do que íntimo. Jenna sabia disso, e via que ele também sabia.

Os olhos escuros pareceram se aprofundar, engolindo-a. Recaíram sobre sua boca e lá ficaram enquanto a respiração de Jenna saía num suspiro trêmulo.

Ela sabia que devia se afastar dele agora. Não havia motivo para permanecerem perto assim, com meros centímetros separando seus corpos. Menos ainda entre a boca dele e a dela. Só seria preciso um leve inclinar da cabeça dele ou um erguer da dela e seus lábios se encontrariam.

A pulsação de Jenna acelerou ante a ideia de beijar Brock.

Coisa que, quando ele a carregara para o quarto, estivera bem longe dos seus pensamentos. Não muito tempo atrás, quando seu medo e sua raiva a fizeram sibilar e grunhir como um animal selvagem preso numa armadilha de caçador.

Mas agora, enquanto Brock permanecia tão perto que ela sentia o calor do corpo dele irradiando para o seu, a fragrância da pele tentando-a a aproximar o rosto e inspirar seu cheiro, beijá-lo era uma necessidade secreta que pulsava dentro dela a cada batida fugidia do seu coração.

Talvez ele soubesse o que ela estava sentindo.

Talvez ele estivesse sentindo a mesma coisa.

Ele emitiu uma imprecação, depois recuou um passo, encarando-a com ardor e firmeza.

– Ah... droga... Jenna...

Quando ergueu as mãos fortes e segurou o seu rosto com delicadeza, todo o ar pareceu evaporar no quarto. Os pulmões de Jenna pareceram congelar dentro do peito, mas o coração continuava acelerado, batendo tão rapidamente que pensou que ele poderia explodir.

Esperou, num misto de terror e esperança, atônita com a necessidade que tinha de sentir a boca de Brock na sua.

A língua dele molhou os lábios, o movimento permitindo que ela tivesse um vislumbre das pontas das suas presas, reluzindo como diamantes. Ele praguejou novamente, depois se afastou um pouco, deixando uma lufada de ar frio diante dela onde o calor do seu corpo estivera apenas um segundo antes.

– Eu não deveria estar aqui – murmurou com voz espessa. – E você precisa descansar. Fique à vontade. Se não houver cobertas suficientes na cama, encontrará mais no armário do banheiro. Use tudo que precisar.

Jenna teve que se dar um chacoalhão mental para entender a conversa.

– Este... hum... Este quarto é seu?

Ele acenou de leve, já saindo para o corredor.

– Era. Agora é seu.

– Espere – Jenna o seguiu. – E quanto a você? Você tem onde ficar?

– Não se preocupe – disse ele, parando para olhá-la quando ela se apoiou na maçaneta. – Descanse um pouco, Jenna. Te vejo por aí.

O sangue ainda corria quente nas veias de Brock pouco depois, quando ele parou diante de uma das últimas suítes residenciais e bateu à porta fechada.

– Faltam ainda onze minutos para a hora que combinamos – diz a voz profunda e prática do macho da Raça do outro lado.

A porta se abriu, e Brock foi perfurado por um par de olhos dourados inescrutáveis.

– Avon chama – disse Brock à guisa de um cumprimento ao suspender a mochila de couro preta que continha todos os seus pertences pessoais retirados dos seus aposentos. – E o que quer dizer com isso, cheguei onze minutos antes? Não me diga que você vai ser um daqueles colegas de quarto certinhos que fazem tudo seguindo um cronograma. Minhas escolhas são limitadas, já que você e Chase têm os últimos quartos do complexo. E, para falar a verdade, se Harvard e eu tivermos que dividir um quarto, não sei se sobreviveremos uma semana.

Hunter nada disse enquanto Brock passava por ele e entrava no quarto. Ele o seguiu para a parte das camas, tão sorrateiro quanto um fantasma.

– Pensei que fosse outra pessoa – afirmou um tanto tardiamente.

– É mesmo? – Brock girou de frente para o estoico Primeira Geração, verdadeiramente curioso a respeito do mais recente e reservado membro da Ordem. Sem falar no fato de que estava ávido para desviar a mente dos seus pensamentos ardentes a respeito de Jenna Darrow. – A quem esperava além de mim?

– Não importa – respondeu Hunter.

– Ok. – Brock deu de ombros. – Só estou tentando bater papo, mas tudo bem.

A expressão do Primeira Geração continuou impassível, absolutamente normal. O que não era surpresa, levando-se em consideração o modo como o macho fora criado: como um dos assassinos domésticos de Dragos. Inferno, o cara nem mesmo tinha um nome. Como o restante do exército pessoal criado por Dragos a partir do Antigo, referiam-se ao Primeira Geração apenas pelo único propósito da sua vida: Hunter3.

Ele chegara à Ordem há poucos meses, depois que Brock, Nikolai e alguns dos outros guerreiros atacaram uma reunião de Dragos e dos seus tenentes. Hunter fora libertado durante o ataque e agora era aliado contra o seu criador nos esforços da Ordem em acabar com Dragos.

Brock parou diante das duas camas que estavam em cada lado do quarto em estilo modesto. As duas estavam arrumadas com precisão militar, coberta marrom e lençóis brancos sem nenhuma prega, um único travesseiro meticulosamente colocado na cabeceira de cada estrado.

– Então, qual é a sua cama?

– Não faz diferença para mim.

Brock voltou a fitar o rosto impassível e os inescrutáveis olhos dourados.

– É só me dizer em qual costuma dormir e eu pego a outra.

O olhar nivelado de Hunter não se alterou em nada.

– São apenas mobília. Não tenho nenhum apego nem por uma, nem por outra.

– Nenhum apego – repetiu Brock num murmúrio. – Pois é, cara. Talvez você possa me dar algumas dicas sobre essa sua postura “não estou nem aí”. Acho que viria bem a calhar de tempos em tempos. Especialmente no que se refere às mulheres.

Com um grunhido, largou suas coisas na cama da esquerda, depois esfregou as mãos no rosto e na cabeça. O gemido que escapou dele estava carregado de frustração e do desejo retido que vinha abafando desde que se forçara a deixar Jenna e a tentação de que não precisava.

– Maldição – grunhiu, o corpo tinindo de novo só de lembrar o belo rosto erguido ao fitá-lo.

Era como se ela estivesse à espera de um beijo seu. Tudo que era masculino dentro de si afirmara isso com absoluta certeza na hora, mas ele sabia que aquela era a última coisa de que Jenna precisava.

Ela estava confusa e vulnerável, e ele se considerava mais do que um homem que poderia tirar vantagem disso só porque a sua libido clamava por ela. Claro, isso não o fazia se sentir muito melhor a respeito da excitação que, do nada, voltava à vida de novo, deixando toda a sua honradez de lado.

– Que beleza, meu herói – admoestou-se severamente. – Agora vai precisar afundar numa banheira de gelo por uma semana por ter bancado o nobre...

– Está se sentindo mal? – perguntou Hunter, assustando Brock, que não havia percebido que o outro macho ainda estava atrás dele no quarto.

– É... – disse Brock, dando uma risada sardônica. – Não ando muito bem, não. Se quer saber a verdade, não estou me sentindo bem desde que pus os olhos nela.

– A fêmea humana – disse Hunter, com um ar de compreensão grave. – Está aparente que ela é um problema para você.

Brock emitiu um suspiro sem humor algum.

– Acha mesmo?

– Sim, acho. – Não havia julgamento em sua voz, apenas uma declaração dos fatos. Ele falava como uma máquina: total precisão, zero sentimento. – Deduzo que todos no laboratório de tecnologia chegaram à mesma conclusão hoje, quando permitiu que Chase provocasse sua ira por conta dos comentários sobre o seu apego àquela mulher. Suas ações demonstraram uma fraqueza do seu treinamento e, pior, falta de autocontrole. Reagiu de modo impensado.

– Obrigado por notar – respondeu Brock, suspeitando que seu sarcasmo seria desperdiçado no caçador antissocial e imperturbável. – Lembre-me de encher o seu saco daqui até a semana seguinte se um dia chegar a relaxar o bastante para deixar uma mulher o irritar.

Hunter não reagiu, apenas o fitou sem demonstrar nenhuma centelha de emoção.

– Isso não acontecerá.

– Merda – disse Brock, meneando a cabeça ante o soldado Primeira Geração rígido que fora criado na base da negligência e da disciplina do castigo. – Você não deve ter estado com a mulher certa se tem tanta segurança assim.

A expressão de Hunter continuou estoica. Distante e imparcial. Na verdade, quanto mais Brock olhava para ele, mais claramente começava a enxergar a verdade.

– Caramba. Já esteve, algum dia, com uma mulher, Hunter? Meu Deus... Você é virgem, não é?

Os olhos dourados do Primeira Geração continuaram fixos no olhar de Brock como se considerasse aquilo algum teste de força de vontade no qual ele não permitiria que a revelação o afetasse. E Brock tinha que dar o braço a torcer, pois nenhum grau de emoção cintilou naqueles olhos sinistros, tampouco nas feições perfeitamente disciplinadas.

A única coisa que fez Hunter reagir foi o barulho suave de chinelos se arrastando pelo corredor. Uma voz infantil, Mira, chamando da sala de estar.

– Hunter, você está aí?

Ele se virou sem dar nenhuma explicação e foi se encontrar com a garotinha.

– Agora não é uma boa hora. – Brock o ouviu lhe dizer em seu tom modulado e grave.

– Mas não quer saber o que acontece com Harry quando ele põe a capa da invisibilidade? – perguntou Mira, o desapontamento abaixando o tom de sua voz normalmente alegre. – Essa é uma das minhas partes prediletas no livro. Você tem que ouvir esse capítulo. Vai amar.

– Ela tem razão, é uma das melhores partes. – Brock saiu do quarto, sem saber o que o fez sorrir mais: a percepção de que o implacável assassino Primeira Geração era um virgem sem experiência alguma, ou a mais recente notícia, igualmente divertida, de que o encontro que ele aparentemente atrapalhara ao aparecer com as suas coisas era a hora da leitura de Hunter com a mais jovem residente do complexo.

Deu uma piscadela e um sorriso para Mira quando ela se acomodou no sofá e abriu o livro na parte em que havia parado de ler.

– Relaxe – disse a Hunter, que estava de pé, tão duro quanto uma estátua. – Não vou revelar os seus segredos a ninguém.

Não esperou para ver a reação dele, apenas foi andando para o corredor, deixando Hunter olhando-o enquanto saía.


Caçador


Capítulo 11

– Cruzem os dedos, meninas, mas acho que acabamos de encontrar a pista que procurávamos. – Dylan desligou o telefone e girou a cadeira para ficar de frente para Jenna, Alex, Renata e Savannah, todas reunidas na sala de reuniões das Companheiras de Raça nas últimas horas.

Na verdade, chamá-la de sala de reuniões não lhe fazia justiça. Havia pelo menos meia dúzia de computadores numa mesa longa num dos lados da sala, caixas de arquivos suspensos organizados por localização dispostas numa estante alta para facilitar o acesso, quase cada espaço da parede coberto por mapas marcados da Nova Inglaterra e gráficos de investigação detalhados que envergonhariam boa parte das unidades de casos antigos arquivados da polícia. Em meio a esses gráficos, muitos esboços de retratos falados de jovens, os rostos de algumas desaparecidas, a quem a Ordem e suas companheiras diligentes estavam determinadas a encontrar.

Não, Jenna pensou ao olhar ao redor, aquela não era uma mera sala de reuniões.

Aquela era uma sala devotada à estratégia, a uma missão, à guerra.

Jenna acolhia a energia do lugar, ainda mais depois das notícias perturbadoras que recebera a respeito do seu último exame de sangue. Também precisava da distração a fim de não pensar nos inesperados momentos ardentes que partilhara com Brock no quarto dele, ou melhor, no seu. Ela praticamente dera um salto quando lhe surgiu a oportunidade de sair de lá depois que ele foi embora. Fora Alex quem apareceu procurando-a pouco depois, e fora ela quem a trouxera consigo para a sala de guerra das Companheiras de Raça para ter companhia e ficar conversando.

Ela não desejara se interessar pelo trabalho em que as mulheres da Ordem estavam envolvidas, mas, enquanto esteve entre elas, foi quase impossível para a policial dentro de si ignorar o rastro de uma boa busca por informações. Sentou-se um pouco ereta na cadeira ante a mesa de reuniões quando Dylan andou até a impressora para pegar uma folha que acabara de sair da máquina.

– O que conseguiu? – perguntou Savannah.

Dylan bateu a folha na mesa diante das mulheres reunidas.

– Irmã Margaret Mary Howland.

Jenna e as outras se inclinaram para olhar para a imagem escaneada. Era a foto de um grupo de uma dúzia ou pouco mais de garotas e jovens mulheres. Pelo estilo das roupas, parecia ter sido tirada uns vinte anos antes. O grupo estava reunido num gramado abaixo das escadas de uma varanda coberta, no tipo de pose que as estudantes às vezes faziam para a foto escolar anual. A não ser pelo fato de que, naquele caso, não havia uma escola atrás delas, mas uma casa grande, simples, autoproclamada Lar para Mulheres St. John, Queensboro, Nova York.

Uma mulher de meia-idade de rosto gentil usando um crucifixo como pingente e um vestido de verão modesto estava ao lado do grupo reunido debaixo do beiral branco no qual a placa pintada estava suspensa. Uma das moças mais jovens estava com a mulher de mais idade, os ombros finos seguros por mãos carinhosas, o rostinho erguido com um olhar luminoso de afeto.

– É ela – disse Dylan, apontando para a mulher com o sorriso maternal e braços protetores. – Irmã Margaret.

– E ela é...? – perguntou Jenna, sem conseguir conter a curiosidade.

Dylan relanceou para ela.

– Neste instante, se ainda estiver viva, esta mulher é a nossa aposta mais segura para descobrirmos mais sobre as Companheiras de Raça que sumiram ou acabaram mortas pelas mãos de Dragos.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não estou entendendo.

– Algumas das mulheres que ele matou, e provavelmente muitas outras que ele mantém em cativeiro, vieram de abrigos de fugitivas – disse Dylan. – Veja bem, não é incomum que as Companheiras de Raça se sintam confusas e deslocadas na sociedade mortal. A maioria de nós não sabe o quanto é diferente, muito menos o motivo para isso. Além da marca de nascença em comum e das características biológicas, todas nós temos também habilidades extrassensoriais singulares.

– Não o tipo de coisa que você vê nos programas da TV ou em comerciais anunciando serviços de pessoas psíquicas – explicou Savannah. – Talentos verdadeiramente extrassensoriais são normalmente o meio mais seguro de identificar uma Companheira de Raça.

Dylan concordou.

– Às vezes, esses talentos são uma bênção, mas em muitas outras são uma maldição. O meu dom foi uma maldição em boa parte da minha vida, mas, felizmente, tive uma mãe amorosa. Por isso, não importava o quanto eu ficasse confusa ou assustada, sempre tive a segurança de um lar.

– Mas nem todas têm essa sorte – acrescentou Renata. – Para Mira e para mim, foi uma extensa fila de orfanatos em Montreal. E, de tempos em tempos, chamávamos a rua de lar.

Jenna ouvia em silêncio, agradecendo a boa sorte de ter nascido em uma família normal e relativamente próxima, onde o maior problema de infância foi tentar competir com o irmão pelo afeto e pela aprovação dos pais. Ela não conseguia imaginar os tipos de problemas que as fêmeas nascidas com a marca de nascença da lágrima e da lua crescente tiveram que suportar. Seus problemas, por mais incompreensíveis que fossem, pareciam diminuir um pouco enquanto ponderava sobre as vidas que aquelas mulheres tiveram. Para não falar do inferno que as mortas ou desaparecidas tiveram que suportar.

– Quer dizer que vocês acreditam que Dragos visava as jovens que acabavam nesse tipo de abrigo? – perguntou.

– Sabemos disso – disse Dylan. – A minha mãe costumava trabalhar num abrigo para pessoas que fugiam de casa em Nova York. É uma longa história, uma para ser contada outro dia, mas, basicamente, foi descoberto que o abrigo para o qual ela trabalhava havia sido fundado e era dirigido pelo próprio Dragos.

– Ai, meu Deus... – arfou Jenna.

– Ele estivera se escondendo por trás de um nome falso, Gordon Fasso, enquanto circulava em meio à sociedade humana, e ninguém fazia ideia de quem ele fosse até... até ser tarde demais. – Dylan parou para inspirar profundamente e se fortalecer. – Ele matou minha mãe depois que percebeu que havia sido desmascarado e que a Ordem estava se aproximando dele.

– Lamento muito – sussurrou Jenna, com sinceridade. – Perder alguém que se ama para esse tipo de maldade...

As palavras se perderam enquanto algo frio e determinado borbulhou dentro dela. Como ex-policial, ela conhecia o sabor amargo da injustiça e a necessidade de equilibrar a balança. Mas suprimiu esse sentimento, dizendo a si mesma que a luta da Ordem contra aquele inimigo, Dragos, não era sua. Ela tinha as próprias batalhas para enfrentar.

– Tenho certeza de que Dragos vai ter o que merece no final – disse.

Era uma frase inútil, oferecida com certo distanciamento. Mas ela queria muito estar certa. Sentada ali com aquelas mulheres, tendo-as conhecido um pouco melhor no curto tempo em que estava no complexo, Jenna rezava para que a Ordem fosse bem-sucedida ao enfrentar Dragos. Pensar que alguém tão perverso quanto ele estivesse à solta no mundo era inaceitável.

Pegou a imagem impressa e fitou a expressão calorosa da freira, que estava tal qual uma pastora ao lado de seu rebanho vulnerável.

– Como esperam que essa mulher, a Irmã Margaret, possa ajudá-las?

– A rotatividade de pessoal é alta nesses abrigos – explicou Dylan. – Aquele em que minha mãe trabalhava não era exceção. Uma amiga que costumava trabalhar com ela lá me informou o nome da Irmã e me deu a foto. Ela disse que a freira se aposentou há vários anos, mas fez trabalho voluntário em diversos abrigos em Nova York desde meados dos anos 1970. Por isso, é o tipo de pessoa com quem precisamos conversar.

– Alguém que esteve em abrigos por muito tempo e pode ser capaz de identificar antigas residentes a partir dos retratos falados – disse Savannah, indicando os rostos afixados nas paredes.

Jenna assentiu.

– Esses retratos são de mulheres que estiveram em abrigos?

– Esses retratos – disse Alex ao lado de Jenna – são de Companheiras de Raça que estão sendo mantidas por Dragos enquanto estamos aqui conversando.

– Quer dizer que ainda estão vivas?

– Estavam há alguns meses. – A voz de Renata soou dura. – Uma amiga da Ordem, Claire Reichen, usou seu dom de Companheira de Raça, o poder de viajar em seus sonhos, para localizar o quartel-general de Dragos. Ela viu as prisioneiras, mais de vinte, trancadas em celas do laboratório dele. Embora Dragos tenha realocado sua operação antes que pudéssemos salvá-las, Claire tem trabalhado com um desenhista para documentar os rostos que viu.

– Na verdade, é lá que Claire está agora, ela e Elise – explicou Alex. – Elise tem muitos amigos na comunidade civil da Raça aqui em Boston. Ela e Claire têm trabalhado em alguns novos retratos, baseados no que Claire viu no covil de Dragos.

– Depois que tivermos os rostos das prisioneiras – disse Dylan –, podemos começar a procurar por nomes e possíveis familiares. Qualquer coisa que possa nos ajudar a nos aproximar de onde essas mulheres estão.

– E quanto aos bancos de dados de pessoas desaparecidas? – perguntou Jenna. – Vocês compararam os esboços com os perfis listados em grupos como o Centro Nacional de Pessoas Desaparecidas?

– Sim, e voltamos de mãos vazias – disse Dylan. – Muitas dessas mulheres e garotas nos abrigos são fugitivas e órfãs. Muitas são abandonadas. Umas fogem de casa, deliberadamente cortando todos os laços com a família e com os amigos. O resultado final é o mesmo: ninguém sente falta delas ou procura por elas no sistema; portanto, não há registros arquivados.

Renata concordou com um leve grunhido que pareceu falar de sua experiência.

– Quando você não tem nada, nem ninguém, você pode desaparecer, e é como se nunca tivesse existido.

Por causa dos seus anos na força policial do Alasca, Jenna sabia que isso era bem verdade. As pessoas desapareciam sem deixar rastro tanto nas grandes cidades como em pequenas comunidades. Isso acontecia todos os dias, embora ela jamais tivesse imaginado que fosse pelos motivos que Dylan, Savannah, Renata e as outras mulheres lhe explicavam agora.

– Qual o plano de vocês depois que identificarem as Companheiras de Raça desaparecidas?

– Depois que tivermos uma ligação pessoal com pelo menos uma delas – disse Savannah –, Claire pode tentar se comunicar através dos sonhos e, quem sabe, conseguir informações sobre a localização de onde as prisioneiras estão.

Jenna estava acostumada à rápida digestão e compreensão dos fatos, mas sua cabeça começava a girar com tudo o que estava ouvindo. E não conseguia evitar que sua mente procurasse por soluções para os problemas diante dela.

– Espere um instante. Se o dom de Claire a levou ao covil de Dragos uma vez, por que ela não pode simplesmente repetir isso?

– Para que seu dom funcione, ela precisa de algum tipo de elo emocional ou pessoal com a pessoa que está tentando localizar nos sonhos – respondeu Dylan. – O elo dela antes não era com Dragos, mas com outra pessoa.

– O antigo companheiro dela, Wilhelm Roth – explicou Renata, praticamente cuspindo o nome dele. – Ele era uma pessoa cruel, mas, comparada à de Dragos, sua crueldade não era nada. Jamais permitiríamos que Claire tentasse contatar o próprio Dragos. Isso seria suicídio.

– Tudo bem. Então onde nós ficamos com isso? – perguntou Jenna, o “nós” saindo de sua boca antes que ela percebesse o que havia dito. Mas era tarde demais para retirá-lo, e ela estava interessada demais para fingir outra coisa. – Onde você imagina que as coisas vão a partir daqui?

– Tenho esperanças de localizar a Irmã Margaret e que ela possa nos ajudar a desvendar alguma coisa – disse ela.

– Temos como entrar em contato com ela? – perguntou Renata.

A animação de Dylan se arrefeceu um pouco.

– Infelizmente, não há como termos certeza sequer de que ela ainda esteja viva. A amiga da minha mãe disse que ela deve estar com uns oitenta anos agora. A única boa notícia é que seu convento tem sede em Boston, então, existe a possibilidade de ela estar aqui. Por enquanto, só o que temos é seu número do seguro social4.

– Dê esse número a Gideon – sugeriu Savannah. – Tenho certeza de que ele consegue invadir o sistema do governo para conseguir todas as informações de que precisamos sobre ela.

– Foi isso mesmo que pensei – Dylan respondeu com um sorriso.

Jenna pensou em oferecer ajuda para localizar a freira. Ainda tinha amigos na força policial e em algumas agências federais. Com apenas um telefonema ou e-mail, ela poderia pedir um ou outro favor confidencial. Mas as mulheres da Ordem pareciam ter tudo sob controle.

E seria melhor para ela não se envolver em nada daquilo, lembrou-se com severidade, enquanto Dylan pegava o telefone ao lado do seu computador e ligava para o laboratório de tecnologia.

Alguns minutos mais tarde, Gideon e Rio entraram na sala de guerra. Os dois guerreiros receberam um relatório resumido do que Dylan descobrira. Antes mesmo de ela terminar de explicar o que havia descoberto, Gideon se acomodou diante de um computador e começou a trabalhar.

Jenna ficou olhando da sua cadeira junto à mesa enquanto todos os outros, Savannah, Renata, Alex, Rio e Dylan, se reuniram ao redor de Gideon para vê-lo fazer a sua mágica. Savannah estava certa: ele não precisou mais do que alguns minutos para invadir um firewall de um site do governo americano e começar a baixar os registros de que precisavam.

– A Irmã Margaret Mary Howland está bem viva, de acordo com a Administração do Seguro Social – anunciou ele. – Sacou a aposentadoria dela do mês passado, no valor de 298 dólares e alguns trocados num endereço em Gloucester. Estou imprimindo as informações agora.

Dylan deu um sorriso amplo.

– Gideon, você é um deus da tecnologia.

– Meu prazer é servir. – Levantou-se da cadeira e puxou Savannah para um beijo rápido, porém ardente. – Diga que está impressionada, amor.

– Estou impressionada – respondeu ela, rindo ao mesmo tempo em que lhe dava um tapa no ombro.

Ele sorriu, lançando um olhar para Jenna por sobre os óculos.

– Ela me ama – disse ele, puxando a bela companheira num abraço apertado. – Na verdade, ela é louca por mim. Não consegue viver sem mim. Muito provavelmente, está querendo me levar para a cama neste instante para se aproveitar de mim.

– A-hã. É o que você pensa – replicou Savannah, mas havia uma centelha ardente em seu olhar ao fitá-lo.

– Uma pena que não estamos tendo a mesma sorte para conseguir uma pista sobre a Sociedade TerraGlobal – lamentou Rio, o braço passando ao redor dos ombros de Dylan no que pareceu uma manobra instintivamente íntima.

Renata franziu o cenho.

– Nenhuma pista ainda?

– Nada – Gideon interveio. Ele deve ter percebido o olhar confuso de Jenna. – A Sociedade TerraGlobal é o nome da empresa que acreditamos que Dragos esteja usando como fachada para algumas das suas operações secretas.

Alex disse em seguida:

– Lembra-se daquela mineradora que abriu perto de Harmony há alguns meses, a Mineradora Coldstream? – Ante o aceno de Jenna, Alex continuou: – Pertencia a Dragos. Acreditamos que era para ela ter sido usada como uma prisão para o Antigo depois que o transportassem para o Alasca. Infelizmente, todos sabem como isso terminou.

– Conseguimos rastrear a Mineradora Coldstream até a Sociedade TerraGlobal – acrescentou Rio. – Mas só conseguimos avançar até aí. Sabemos que a TerraGlobal tem muitas camadas, mas está demorando demais para conseguirmos dissecá-las. Nesse ínterim, Dragos se esconde cada vez mais fundo, a cada minuto ficando mais longe do nosso alcance.

– Vocês vão pegá-lo – disse Jenna. Tentou ignorar a aceleração do coração ante a necessidade de pegar algumas armas e liderar a busca. – Vocês têm que pegá-lo, então vão pegá-lo.

Rio, com seu rosto marcado por cicatrizes demonstrando determinação ao assentir em concordância, fitou os olhos de Dylan.

– É. Um dia, nós vamos pegar esse filho da puta. Ele vai pagar por tudo o que já fez.

Debaixo do braço forte, Dylan deu um sorriso tristonho. Escondeu-se em seu abraço, tentando abafar um bocejo.

– Venha – disse Rio, afastando uma mecha dos cabelos ruivos dos olhos dela. – Você tem dedicado muitas horas a tudo isso. Agora vou levá-la para a cama.

– Não é uma má ideia – disse Renata. – A noite logo chega e aposto como Nikolai está testando a nova munição na sala de armas. Está na hora de ir buscar meu homem.

Enquanto ela se despedia e saía, Dylan e Rio, Savannah e Gideon faziam o mesmo.

– Quer ficar comigo e com Kade um pouco? – perguntou Alex.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não, estou bem. Acho que vou ficar aqui por alguns minutos, para relaxar um pouco. O dia foi longo e estranho.

O sorriso de Alex mostrou empatia.

– Se precisar de qualquer coisa, sabe onde me encontrar. Certo?

Jenna assentiu.

– Estou bem. Mas obrigada.

Observou a amiga sair e desaparecer lentamente pelo corredor. Quando não restava mais nada na sala a não ser silêncio e tranquilidade, Jenna se levantou e se aproximou da parede com os mapas, gráficos e retratos.

Era admirável o que a Ordem e as suas companheiras estavam tentando fazer. Era um trabalho importante, mais importante do que qualquer outra coisa com que Jenna se deparara no interior do Alasca, ou, na verdade, em qualquer outro lugar.

Se tudo o que ela descobrira nos últimos dias fosse verdade, então o que a Ordem fazia ali era salvar o mundo.

– Jesus Cristo... – sussurrou, atordoada com a enormidade de tudo aquilo.

Ela tinha que ajudar.

Se fosse capaz, mesmo que de uma maneira pequena, ela tinha que ajudar.

Não tinha?

Jenna andou ao redor da sala, com sua própria batalha acontecendo dentro de si. Não estava pronta para participar de algo como aquilo. Não enquanto ainda tinha tantas coisas para descobrir a respeito de si mesma. Com o irmão morto, ela não tinha mais nenhuma família. O Alasca fora seu lar durante toda a vida e agora isso também se fora, uma parte da sua existência anterior apagada para ajudar a Ordem a preservar seus segredos enquanto continuavam a perseguir o inimigo.

Quanto ao seu futuro, não sabia nem por onde começar. A substância alienígena dentro dela era um problema jamais imaginado, e nem adiantava desejar, porque aquilo não sumiria. Nem mesmo a mente brilhante de Gideon parecia capaz de arrancá-la daquela complicação confusa.

E também havia Brock. De todas as coisas que lhe aconteceram entre a invasão do Antigo ao seu chalé e a adoção atual, inesperada, ainda que não insuportável, por todos ali no quartel-general da Ordem, Brock estava se mostrando a coisa com a qual ela menos estava preparada para lidar.

Não estava nem um pouco perto disso no que se referia aos sentimentos que ele lhe provocava. Coisas que ela não sentia em anos, e, muito certamente, não queria sentir agora.

Nada em sua vida era certo, e a última coisa de que precisava era se envolver ainda mais nos problemas que os guerreiros e as suas companheiras enfrentavam.

No entanto, Jenna se viu seguindo para um computador na mesa ali perto. Sentou-se diante do teclado e entrou no navegador da internet, depois entrou num daqueles sites de e-mail grátis e criou uma conta.

Iniciou uma mensagem nova e digitou o endereço de um dos seus amigos da Polícia Federal em Anchorage. Fez uma única pergunta, uma questão a ser investigada confidencialmente como um favor pessoal.

Inspirou fundo, depois apertou o botão de enviar.


O número do seguro social, social security number, é um número de registro que todos os cidadãos americanos têm, como um CPF e um INSS unificados. Através dele, é possível localizar as pessoas, pois esse número é unificado em todo o território nacional. (N.T.)


Capítulo 12

No vestiário ao lado da sala das armas, Brock esticou a mão às costas para aumentar a temperatura da água de quente para escaldante. Com as mãos apoiadas na porta de teca do cubículo reservado, inclinou a cabeça em direção ao peito e agradeceu pelo jato de água cauterizante que lhe batia nos ombros e descia pelo pescoço. Vapor se formava ao seu redor, espesso como névoa, desde a cabeça até o piso de ladrilhos aos seus pés.

– Cristo! – Kade sibilou, alguns cubículos mais distante. – Duas horas direto de treino mano a mano não foi bastante castigo para você? Agora sente a necessidade de ferver vivo aí?

Brock grunhiu, passando a mão pelo rosto enquanto o vapor continuava a se formar e o calor continuava a açoitar seus músculos tensos demais. Encontrara Niko e Chase na sala das armas depois de deixar seus pertences no quarto que partilharia com Hunter. Parecia-lhe razoável esperar que alguns rounds de treinos de lâminas e treinos corpo a corpo bastariam para exaurir um pouco da sua inquietação e distração. Deveria ser assim, mas não foi.

– O que está acontecendo com você, cara?

– Não sei do que está falando – murmurou Brock, levando a cabeça e os ombros mais para baixo do jato de água escaldante.

A zombaria de Kade se fez ouvir no vestiário cavernoso.

– Até parece que não sabe.

– Droga – Brock exalou em meio à névoa que cobria sua cabeça. – Por que estou com a sensação de que você vai me explicar?

Houve o rangido da torneira sendo fechada, seguido pela batida da porta do chuveiro de Kade quando ele seguiu para o vestiário anexo. Alguns minutos depois, a voz de Kade soou do outro cômodo.

– Vai me contar o que aconteceu aquela noite em Southie, na fábrica?

Brock fechou os olhos e emitiu algo muito parecido com um rosnado, até mesmo para os seus ouvidos.

– Não há nada a contar. Havia fios soltos. Cuidei do assunto.

– A-hã – murmurou Kade. – Foi isso mesmo que imaginei que tivesse acontecido.

Quando Brock levantou a cabeça, viu o guerreiro parado diante dele. Kade estava totalmente vestido com jeans e camiseta preta, apoiado na parede oposta. Seu olhar prateado estreitado, como quem sabe o que está acontecendo.

Brock respeitava demais o amigo para tentar enganá-lo.

– Aqueles humanos eram a ralé que não pensaria duas vezes antes de ferir uma mulher inocente. Não acredita que esse tipo de brutalidade deve ser perdoado, acredita?

– Não. – Kade o encarou, depois assentiu com sobriedade. – Se eu me deparasse com alguém que tivesse colocado um dedo sequer em Alex, eu teria matado o desgraçado. Foi o que fez, não foi? Matou aqueles homens?

– Não eram homens, aqueles... – Brock grunhiu. – Eram cachorros raivosos, e o que fizeram com Jenna – aquilo que achavam que poderiam fazer e se safar – provavelmente não foi a primeira vez que machucaram uma mulher. Duvido que Jenna teria sido a última. Então, isso mesmo, acabei com eles.

Por um bom momento, Kade nada disse. Apenas o observou, mesmo depois que Brock voltou a colocar a cabeça debaixo do jato furioso, sem sentir necessidade de mais explicações. Nem mesmo para seu melhor amigo na Ordem, o guerreiro que era como um irmão para ele.

– Maldição – murmurou Kade depois de um longo silêncio. – Você gosta dela, não gosta?

Brock balançou a cabeça, tanto em negação como para tirar a água do rosto.

– Lucan me deu a responsabilidade de cuidar dela, de mantê-la segura. Só estou fazendo aquilo que esperam de mim. Ela é mais uma missão, nada diferente das outras.

– Ah, tá. Sem dúvida – caçoou Kade. – Eu tive uma missão como essa lá no Alasca há não muito tempo. Acho que já te contei uma ou duas vezes sobre ela, não foi?

– Isso é diferente – resmungou Brock. – O que você e Alex têm... Não é a mesma coisa. Alex é uma Companheira de Raça, para começar. Não existe a possibilidade de as coisas ficarem sérias com Jenna. Não sou do tipo que curte relacionamentos de longo prazo e, além disso, ela é humana.

As sobrancelhas escuras de Kade se uniram em sinal de preocupação.

– Não sei se algum de nós pode ter certeza do que ela é agora.

Brock absorveu a verdade dessa declaração com uma onda renovada de preocupação, não só por Jenna, mas pela Ordem e pelo resto da nação da Raça. O que quer que estivesse acontecendo com ela, parecia estar se acelerando naquele mesmo instante. Não tinha como negar que as notícias sobre seus exames de sangue o perturbavam. Sem falar que aquela porção alienígena colocada dentro dela estava se infiltrando cada vez mais em seu corpo, a um nível que nem mesmo Gideon parecia preparado para combater.

Brock emitiu uma imprecação debaixo do jato punitivo de água.

– Se está tentando fazer com que eu me sinta melhor a respeito disso tudo, sinta-se à vontade para parar a qualquer instante.

Kade riu, obviamente se divertindo com tudo aquilo.

– Sabe, não acho que você vá ter uma conversa de coração aberto com seu novo companheiro de quarto, então sou eu, aqui e agora, demonstrando que me importo.

– Sinto-me tocado – murmurou Brock. – Agora caia fora e deixe eu me escaldar em paz.

– Com todo prazer. Toda essa conversa sobre missões e mulheres me lembrou que tenho deveres importantes em meu apartamento que venho negligenciando...

Brock grunhiu.

– Lembranças a Alex.

Kade apenas sorriu ao se despedir, depois seguiu para a saída mais próxima.

Depois que ele se foi, Brock só ficou uns minutos mais debaixo da água. Já estava tarde, mas ele estava energizado demais para dormir. E o lembrete de Kade sobre as mutações biológicas de Jenna fez sua mente acelerar.

Enxugou-se, depois vestiu uma camiseta cinza e jeans escuros. Calçou os coturnos, sentindo uma súbita necessidade de voltar para a sala das armas para gastar um pouco mais de energia até o pôr do sol, quando poderia, por fim, escapar do complexo uma vez mais. Mas suar a camisa não funcionara muito da primeira vez; duvidava que o ajudasse agora.

Sem saber o que o livraria daquela agitação, Brock se viu andando pelo corredor principal do complexo, na direção do laboratório de tecnologia. Os corredores estavam silenciosos, desertos. Nada surpreendente para aquela hora do dia, quando os guerreiros comprometidos estavam com suas fêmeas e o restante dos ocupantes do quartel-general descansava antes do início das patrulhas da noite.

Brock deveria pensar em fazer o mesmo, porém estava mais interessado em saber se Gideon descobrira algo mais a respeito dos exames de sangue de Jenna. Ao entrar no corredor comprido que o levaria até o laboratório, ouviu movimentos em outra das salas do complexo.

Seguindo o barulho de papéis, parou diante da porta aberta do centro de comando da missão das Companheiras de Raça.

Jenna estava sozinha lá dentro.

Sentada à mesa de reuniões, com diversas pastas espalhadas diante de si e muitas outras empilhadas junto ao cotovelo, ela estava reclinada sobre um bloco de anotações, caneta na mão, completamente absorvida pelo que estava escrevendo, o que quer que fosse. A princípio, achou que ela não soubesse que ele estava ali. Mas em seguida, a mão dela parou no meio da página, e a cabeça se ergueu. As mechas de cabelo castanho caíram como seda quando ela se virou para ver quem estava na porta.

Aquela seria a sua chance para se esconder rápido, antes que ela o visse. Ele era da Raça, poderia estar ali e desaparecer antes que os olhos mortais registrassem sua presença. Em vez disso, por algum motivo idiota, sobre o qual não desejava refletir, avançou um passo e pigarreou.

O olhar castanho de Jenna se arregalou ao vê-lo.

– Oi – disse ele.

Ela sorriu de leve, parecendo pega desprevenida. E por que não estaria, depois da maneira como ele havia deixado as coisas entre os dois da última vez em que se viram? Ela pegou uma das pastas e colocou por cima do bloco de anotações.

– Pensei que todos tivessem ido descansar.

– E foram. – Ele entrou ainda mais na sala e passou os olhos nas informações sobre a mesa. – Parece que Dylan e as outras já conseguiram recrutar seus serviços.

Ela deu de ombros, numa negação débil.

– Eu só... estava olhando algumas coisas. Comparando anotações de alguns arquivos, anotando algumas ideias.

Brock se sentou ao lado dela.

– Elas vão gostar disso – disse ele, impressionado por ela estar ajudando. Esticou a mão na direção das suas anotações. – Posso ver?

– Não é nada de mais, mesmo – disse ela. – É só que algumas vezes ajuda alguém de fora dar uma olhada.

Ele relanceou para a letra curva e precisa que preenchia quase toda a página. A mente dela parecia funcionar do mesmo modo organizado, baseado no fluxo lógico das suas anotações e na lista de sugestões que fizera para a investigação das pessoas desaparecidas que Dylan e as outras Companheiras de Raça vinham procurando nos últimos meses.

– É um bom trabalho – disse ele, sem elogiar, apenas declarando um fato. – Dá para ver que você é uma excelente policial.

Outro levantar de ombros de negação.

– Não sou mais policial. Faz tempo que me afastei.

Ele a observou enquanto falava, notando o arrependimento que pairava em seu tom de voz.

– Não significa que não continue boa ainda no que faz.

– Parei de ser boa há algum tempo. Uma coisa aconteceu e eu... perdi minha motivação. – Ela o fitou, sem piscar. – Houve um acidente de carro há quatro anos. Meu marido e nossa filha de seis anos de idade morreram, só eu sobrevivi.

Brock assentiu.

– Eu sei. Lamento por sua perda.

A empatia dele pareceu incomodá-la de algum modo, e ela ficou meio sem saber o que fazer. Talvez lhe fosse mais fácil falar sobre a sua tragédia em seus termos, sem saber que ele já tomara conhecimento dela. Agora ela o fitava incerta, como se temesse que ele a julgasse de alguma maneira.

– Tive dificuldades para... aceitar que Mitch e Libby tinham partido. Por muito tempo, mesmo agora, é complicado entender como eu tenho que seguir em frente.

– Você vive – disse Brock. – É só o que pode fazer.

Ela assentiu, mas havia assombro em seu olhar.

– Você faz parecer tão fácil.

– Fácil não, apenas necessário. – Ele a viu cutucar um clipe torto em um dos relatórios. – Foi por isso que você se retirou do trabalho na polícia, porque não sabia como viver depois do acidente?

Fitando o espaço bagunçado na mesa diante dela, ela franziu a testa, em silêncio por um instante.

– Pedi demissão porque eu não conseguia mais executar minhas funções. Toda vez que eu tinha que me apresentar numa violação de trânsito, mesmo uma simples colisão de para-choque ou um pneu furado, eu chegava tremendo tanto ao local que mal conseguia sair do carro para oferecer ajuda. E nos chamados mais complicados, em acidentes sérios ou brigas domésticas que acabavam em violência, eu me sentia nauseada durante dias. Tudo o que eu aprendi no treinamento e no trabalho pareceu se despedaçar quando aquele caminhão carregando lenha atravessou a estrada escorregadia e destroçou minha vida. – Relanceou para ele, com seus olhos castanho-claros mais obstinados e firmes do que jamais vira. – Deixei de ser policial porque sabia que não conseguiria executar meu trabalho da maneira que ele precisava ser feito. Não queria que ninguém que pudesse depender de mim pagasse pela minha negligência. Por isso, pedi demissão.

Brock respeitava a coragem e a resiliência de Jenna desde que colocara os olhos nela. Agora, sua opinião apenas aumentara.

– Você se importava com o seu trabalho e com as pessoas que dependiam de você. Isso não é um sinal de fraqueza. Isso demonstra força. E, está claro, você amava o seu trabalho. E acho que ainda ama.

Por que essa simples observação atiçaria algum ponto fraco nela ele não entendia, mas teria que ser cego para não notar a centelha defensiva que brilhou em seus olhos. Jenna desviou o olhar ao perceber que deixara aquilo escapar e, quando falou, não havia raiva em sua voz. Apenas um tom de resignação.

– Sabe bastante sobre mim, não? Acho que não sobrou muito que você ou a Ordem não saibam sobre mim a esta altura.

– Alex nos contou apenas o básico – admitiu ele. – Depois do que aconteceu no Alasca, precisávamos saber algumas coisas.

Ela resmungou.

– Quer dizer, depois que comecei a falar coisas sem nexo enquanto dormia e me tornei um fardo indesejável para a Ordem.

– Mais ou menos isso – disse ele, continuando sentado quando ela se levantou e começou a se afastar dele, os braços cruzados diante do peito. Percebeu que ela abandonara por completo a bengala que Tess lhe dera, e que a perna machucada revelava apenas um leve manquejar a cada passo. – Vejo que seu ferimento já está melhorando.

– Está bem melhor. – Ela o fitou por sobre o ombro. – Na verdade, nem era tão grave assim.

Brock inclinou a cabeça como se concordasse, mas ele se lembrava muito bem da gravidade do ferimento. Se ela estava se curando a um ritmo acelerado, deduziu que as mutações genéticas descobertas por Gideon deviam estar por trás disso.

– Estou feliz que esteja se sentindo melhor – disse, pensando que, provavelmente, ela não precisava de um lembrete sobre a matéria desconhecida inserida dentro de si.

Seu olhar se deteve sobre ele, suavizando-se.

– Obrigada pelo que fez na noite passada, ir atrás de mim e me tirar daquele lugar horrível. Acho que você salvou a minha vida. Sei que salvou, Brock.

– Não foi nada.

Deus, ele esperava que ela jamais ficasse sabendo dos detalhes selvagens com que ele lidara com seus agressores. Ela não estaria agradecendo se o tivesse visto em ação naquela noite, nem se tivesse testemunhado o modo violento com que satisfizera tanto a sua sede quanto a sua fúria naqueles humanos desgraçados. Se soubesse do que ele era capaz, ela, sem dúvida, o enxergaria da mesma maneira que o Antigo que a atacara.

Não sabia por que isso o incomodava tanto. Não queria que ela o igualasse a um monstro, pelo menos não enquanto estivesse encarregado pela Ordem de protegê-la. Ela precisava confiar nele, e, como seu protetor designado, ele tinha que se certificar disso. Tinha um trabalho a fazer, e não estava disposto a perder de vista essa responsabilidade.

Mas sua questão com Jenna ia além disso, ele bem sabia. Só não tinha a mínima intenção de dissecar o assunto agora, nem num futuro próximo.

Observou-a se aproximar da parede coberta de mapas e gráficos que documentava a busca pelas Companheiras de Raça que a Ordem suspeitava que Dragos estivesse mantendo em cativeiro.

– Este trabalho é incrível – murmurou Jenna. – Dylan, Savannah, Renata, Tess... Todas as mulheres que conheci aqui são verdadeiramente incríveis.

– Sim, elas são – concordou Brock. Levantou-se e caminhou até onde estava Jenna. – A Ordem sempre foi uma força a ser respeitada, mas, desde que me juntei a ela, tenho visto nossas forças redobrarem por causa do envolvimento das fêmeas deste complexo.

Ela lhe lançou um olhar que ele considerou difícil de interpretar.

– O que foi?

– Nada. – Um leve sorriso tocou seus lábios quando ela meneou um pouco a cabeça. – Só estou surpresa em ouvir isso. A maioria dos homens com quem tive contato no trabalho, inclusive meu pai e meu irmão, preferiria comer seus distintivos a admitir que era melhor para eles trabalhar em equipe com as mulheres.

– Eu não tenho um distintivo – disse ele, retribuindo o sorriso. – E não sou como a maioria dos homens.

Ela riu de leve, mas não desviou o olhar.

– Não, você não é. E mesmo assim, é um dos poucos aqui que não tem uma Companheira de Raça.

Ele pensou nisso, mais do que apenas um pouco intrigado pelo fato de ela estar curiosa sobre sua vida pessoal.

– Trabalho é uma coisa. Assumir uma companheira com um elo de sangue é outra. É um tipo de situação eterna, e sou alérgico a relacionamentos de longo prazo.

Os olhos inteligentes o avaliaram.

– Por quê?

Seria fácil dar-lhe uma resposta charmosa e sem fundamento, do tipo a que estava acostumado a dar quando Kade e os outros tocavam no assunto de Companheiras de Raça e de envolvimentos sentimentais. Mas ele não poderia olhar para Jenna e ser outra coisa a não ser honesto, não importando como isso mudaria a forma como ela o enxergava.

– Relacionamentos de longo prazo aumentam as chances de eu desapontar alguém. Por isso, me esforço para me manter longe disso.

Ela não disse nada por um ou dois minutos. Apenas o encarou em silêncio, os braços ainda ao seu redor, uma centena de emoções acentuando a cor de seus olhos.

– É, sei o que está querendo dizer – disse, por fim, a voz mal passando de um sussurro rouco. – Sei tudo a respeito de desapontar as pessoas.

– Não tem como eu acreditar nisso. – Ele não conseguia enxergar a mulher capaz e confiante deixando de fazer algo que se dispusera a fazer.

– Pode acreditar – disse ela com seriedade, girando sobre os calcanhares e seguindo para junto da outra parede, onde um punhado de retratos falados fora disposto ao longo de mapas e de anotações. Quando voltou a falar, havia uma casualidade em sua voz que parecia forçada. – Então, essa sua alergia a relacionamentos duradouros é alguma novidade para você, ou sempre evitou compromissos?

Ele teve uma imagem mental instantânea de olhos reluzentes e de uma risada maliciosa e musical que ainda ouvia às vezes, como um fantasma à espreita em suas lembranças.

– Já existiu alguém. Bem... Poderia ter havido alguém. Ela morreu há muitos anos.

A expressão de Jenna ficou sombria de remorso.

– Brock, sinto muito. Não tive a intenção de...

Ele deu de ombros.

– Não precisa se desculpar. Isso foi há um século. – Quase literalmente, ele percebeu, atordoado pelo fato de que tanto tempo havia se passado desde que o seu descuido custara a vida de alguém a quem ele, supostamente, deveria ter protegido.

Jenna voltou a se aproximar e se recostou na beira da mesa ao lado dele.

– O que aconteceu com ela?

– Foi assassinada. Eu trabalhava como guarda-costas no Refúgio Secreto de uma família em Detroit na época. Era minha responsabilidade mantê-la a salvo, mas meti os pés pelas mãos. Ela desapareceu sob a minha vigilância. Seu corpo foi encontrado meses mais tarde, brutalizado a ponto de não ser reconhecido, abandonado num rio.

– Ah, meu Deus... – A voz de Jenna saiu suave, carregada de empatia. – Que horrível.

– É, foi mesmo – disse ele, lembrando-se muito bem do horror do que havia sido feito a ela, antes e depois de ser morta. Três meses na água não deixaram mais fácil de olhar o que lhe haviam feito.

– Sinto muito – repetiu Jenna, esticando uma mão para apoiá-la no músculo saltado do bíceps dele.

Ele tentou ignorar a súbita percepção que surgiu com aquele contato. Mas tentar não perceber sua atração por ela era o mesmo que ordenar ao fogo que não fosse quente. Toque-o e você se queimará. Assim como ele queimava agora, quando relanceou para a mão pálida de Jenna em contraste com a sua pele escura.

Quando ele levantou o olhar para ela, percebeu pela forma sutil com que ela inspirava que seus olhos muito provavelmente estavam iluminados por centelhas cor de âmbar, a transformação traindo seu desejo por ela. Ela engoliu em seco, mas não desviou o olhar.

Que Deus o ajudasse, mas ela tampouco retraiu a mão, nem mesmo quando o seu rugido de macho excitado se formou na base da garganta.

Pensamentos do que acontecera com ela há poucas horas em seu apartamento jorraram como uma onda de lembranças ardentes. Não havia mais do que alguns poucos centímetros entre eles, mesmo agora. Ficou imaginando se Jenna queria que ele a beijasse. Estivera inseguro quanto ao que ela sentia, e com a possibilidade de ela estar sentindo algo parecido com seu próprio desejo. Agora, precisava saber com uma ferocidade que o assustava.

Para ter certeza de que não estava interpretando mal, nem que fosse apenas pela sua sanidade, cobriu a mão dela com a sua. Aproximou-se, postando-se de frente para ela, que ainda estava apoiada na mesa.

Ela não se retraiu. Encarou-o bem nos olhos, confrontando-o, bem como ele esperava que ela fizesse.

– Eu não sei bem como lidar com tudo isto – disse ela com suavidade. – As coisas que têm acontecido comigo desde aquela noite no Alasca... Todas as perguntas que talvez nunca sejam respondidas. Sei lidar com isso. De alguma forma, vou aprender a lidar. Mas você... Isto... – Ela baixou o olhar para as mãos unidas, os dedos entrelaçados. – Não sou boa nisso. Meu marido se foi há quatro anos. Não houve ninguém desde então. Nunca estive pronta para isso. Não quis...

– Jenna. – Brock tocou no seu queixo, erguendo-o com suavidade para fitá-la nos olhos. – Tudo bem se eu te beijar?

Os lábios dela vacilaram num sorriso que ele não resistiu a provar. Inclinou a cabeça e a beijou devagar, para que ela se acostumasse, apesar da intensidade do seu desejo.

Embora ela tivesse confessado estar sem prática, ele jamais teria imaginado isso pela sensualidade dos lábios dela ao encontro dos seus. O beijo, tanto suave quanto direto, dando e recebendo, o incendiou. Ele se aproximou, até se ajustar entre suas pernas, precisando sentir o corpo dela pressionado contra o seu enquanto passava a língua ao longo dos lábios aveludados. Correu as mãos pela lateral de seu corpo, ajudando-a a subir na mesa quando a perna machucada começou a tremer.

O beijo fora um erro. Achara que as coisas terminariam ali – apenas um beijo –, mas, agora que começara, ele simplesmente não sabia como encontraria forças para pôr um fim naquilo.

E, pela sensação dela em seus braços, pelos gemidos e sussurros de prazer enquanto os beijos davam início a algo mais poderoso, teve certeza de que ela também queria mais.

Mas, pelo visto, não poderia estar mais errado.

Foi só quando percebeu a umidade em seu rosto que notou que ela estava chorando.

– Jesus – sibilou, recuando de pronto e sentindo-se um cretino ao ver seu rosto marcado pelas lágrimas. – Desculpe. Se eu te pressionei rápido demais...

Ela balançou a cabeça, visivelmente triste, mas sem conseguir falar nada.

– Diga que eu não te machuquei, Jenna.

– Droga. – Ela inspirou fundo. – Não posso fazer isto. Desculpe, a culpa é minha. Eu nunca deveria ter deixado que você...

As palavras foram interrompidas quando ela o empurrou para longe, desvencilhando-se dele, e correu para o corredor.

Brock ficou ali por um minuto, todo tenso e dolorido, ávido de desejo. Deveria deixá-la ir. Considerar aquilo apenas um desastre evitado por um triz e tirar a tentadora Jenna Darrow da cabeça.

Sim, é exatamente isso o que deveria fazer, e ele sabia muito bem disso.

Mas, quando esse pensamento se formou, ele já estava na metade do corredor, seguindo os sons do choro de Jenna até seu antigo apartamento.


Capítulo 13

Jenna se sentia a maior das covardes, uma fraude absoluta, enquanto fugia pelos corredores, tentando engolir as lágrimas. Deixara Brock pensar que não o queria. Provavelmente o fez acreditar que ele a pressionara de algum modo com aquele beijo, quando quase a derretera numa poça na mesa daquela sala de reuniões. Deixou que ele ficasse se preocupando por ter feito algo errado, que talvez a tivesse magoado, e essa era a coisa mais injusta de todas.

No entanto, não conseguira deixar de fugir, precisando colocar alguma distância entre eles com uma determinação que beirava o desespero. Ele a fazia sentir demais. Coisas para as quais não estava preparada. Coisas que ela necessitava com tamanha profundidade, mas que não merecia.

Por isso fugiu, mais aterrorizada do que nunca e odiando a covardia que a fazia colocar pé ante pé. Quando chegou ao quarto, estava tremendo e sem fôlego, lágrimas ainda descendo pelas faces.

– Jenna.

O som da voz grave atrás dela foi como uma carícia ardente em sua pele. Virou-se de frente, atônita com a velocidade e com o silêncio que o levaram até ali não mais do que um segundo depois dela. Mas, em retrospecto, ele não era humano. Não era um homem de fato – uma coisa da qual ela tinha que se lembrar quando ele estava tão próximo, com todo aquele tamanho, a intensidade do olhar se comunicando com tudo o que era feminino dentro dela.

Sua boca ainda estava inchada pelos beijos dele. Sua pulsação ainda batia descompassada. O calor ainda ardia dentro dela.

E como se soubesse disso, Brock se aproximou ainda mais. Esticou o braço e pegou sua mão, sem dizer nada. Não havia necessidade de palavras. Apesar das lágrimas que começavam a diminuir e do tremor das suas pernas, ela não conseguia esconder o desejo que sentia por ele.

Não resistiu quando ele a trouxe para perto, para o calor do seu corpo. Para o conforto dos seus braços.

– Estou com medo – sussurrou ela. Essas palavras não lhe vinham fáceis, como nunca vieram.

Com o olhar preso ao dela, ele lhe acariciou o rosto.

– Não precisa ter medo de mim. Não vou machucar você, Jenna.

Acreditou nele, mesmo antes de ele inclinar a cabeça e resvalar os lábios num beijo dolorosamente carinhoso. De maneira incrível e impossível, confiava naquele homem que não era um homem. Queria as mãos dele sobre si. Queria sentir aquela conexão de novo com alguém, mesmo que não estivesse pronta para pensar em algo além do físico, do desejo de tocar e de ser tocada.

– Está tudo bem – ele murmurou ao encontro da sua boca. – Está segura comigo, prometo.

Jenna fechou os olhos ao absorver suas palavras, as mesmas que a acalmaram na escuridão do seu chalé no Alasca, e de novo na enfermaria do complexo. Brock fora seu elo com o mundo dos vivos depois da sua provação com o Antigo. Sua única corda de segurança durante os infindáveis pesadelos que se seguiram nos dias depois que ela fora trazida àquele lugar estranho, modificada de tantas maneiras.

E agora...?

Agora ela não sabia muito bem como ele se encaixava na confusão que restara da sua vida. Não estava pronta para pensar nisso. Tampouco estava plenamente segura de estar preparada para as sensações que ele lhe provocava.

Recuou um pouco, a dúvida e a vergonha ainda se avolumando na parte dela que ainda lamentava a perda, a ferida aberta em sua alma que há muito tempo aceitara que jamais se cicatrizaria por completo.

Pressionando a testa no calor da solidez de seu peito, no algodão macio que exalava seu cheiro exótico característico, Jenna inspirou profundamente para se fortalecer. E expirou num suspiro entrecortado.

– Será que eu os amava o suficiente? É o que não paro de me perguntar desde aquela noite em meu chalé...

As mãos fortes de Brock alisaram suas costas, fortes e carregadas de compreensão, dando a calma que ela precisava a fim de reviver aqueles momentos torturosos quando o Antigo a pressionara para que ela decidisse o próprio destino.

– Ele me fez escolher, Brock. Naquela noite em meu chalé, pensei que ele iria me matar, mas não matou. Eu não teria lutado se ele matasse. E ele sabia disso, acho. – Na verdade, ela tinha certeza. Naquela noite em que o Antigo invadira sua casa, ela não estava bem. Ele vira a garrafa de uísque vazia no chão e a pistola carregada em sua mão. A caixa de fotografias que ela pegava todos os anos por volta do aniversário do acidente que lhe roubara a família e que a deixara para viver sozinha. – Ele sabia que eu estava preparada para morrer, mas, em vez de me matar, forçou-me a dizer as palavras, a lhe dizer em voz alta o que eu queria mais: vida ou morte. Foi como uma tortura, algum tipo de jogo doentio que ele me fez jogar contra a minha vontade.

Brock resmungou alguma imprecação incompreensível, mas as mãos continuaram suaves às suas costas, carinhosas, num calor tranquilizador.

– Ele me fez escolher – disse ela, lembrando-se de cada minuto insuportável daquela provação.

Mas, ainda pior do que as horas infindáveis do seu aprisionamento e de vê-lo alimentando-se dela, do que o horror de perceber que seu captor não era uma criatura deste mundo, foi o momento terrível no qual ouviu a própria voz rouca dizer as palavras que pareciam rasgar das profundezas mais íntimas e envergonhadas de sua alma.

Quero viver.

Ai, meu Deus... por favor, deixe-me viver.

Não quero morrer!

Jenna engoliu o nó de angústia que se formara em sua garganta.

– Fico pensando que não os amava o bastante – sussurrou, devastada ante esse pensamento. – Fico pensando que, se os amasse de verdade, teria morrido com eles. Que, quando o Antigo me forçou a escolher se queria ou não viver, eu teria feito uma escolha diferente.

Quando o choro ficou preso em sua garganta, os dedos de Brock resvalaram seu queixo. Ergueram seu rosto para seu olhar solene.

– Você sobreviveu – disse ele, a voz firme, mas com infinito afeto. – Foi só o que fez. Ninguém a culparia por isso, muito menos eles.

Ela fechou os olhos, sentindo o peso do arrependimento diminuir um pouco com as palavras reconfortantes que ouvia. Mas o vazio em seu coração era um lugar frio e oco. Um que se tornou ainda maior quando Brock a tomou nos braços, confortando-a. O calor e a preocupação dele penetraram em sua pele como um bálsamo, acrescentando mais emoção ao desejo que não diminuíra por conta da proximidade do corpo forte. Torceu-se no refúgio que era seu abraço, apoiando o rosto na força sólida e firme que ele era.

– Posso acabar com isso, Jenna. – Ela sentiu a pressão da boca, o fluir da respiração em seus cabelos enquanto ele beijava o topo de sua cabeça. – Posso carregar sua dor por você, se quiser.

Havia uma parte nela que se rebelava contra isso. A mulher forte, a policial experiente, aquela que sempre enfrentava qualquer situação, se retraiu ante a ideia de que seu sofrimento pudesse ser pesado demais para ela mesma suportar. Nunca precisou de ajuda, tampouco se dispôs a pedir, jamais. Esse tipo de fraqueza jamais lhe serviria.

Retraiu-se, a recusa na ponta da língua. Mas quando abriu os lábios para falar, as palavras não surgiram. Fitou o belo rosto de Brock, os olhos penetrantes que pareciam enxergar bem dentro dela.

– Quando foi a última vez que se permitiu ser feliz, Jenna? – Ele afagava seu rosto com tanta suavidade, com tanta reverência, que ela estremeceu sob seu toque. – Quando foi a última vez que sentiu prazer? A mão grande desceu ao longo do pescoço. O calor irradiou da palma ampla e dos dedos longos. Sua pulsação acelerou conforme ele espalmou a nuca, o polegar acariciando o ponto sensível debaixo da orelha.

Então, ele a aproximou de si, inclinando-lhe o rosto para se encontrar com o seu. Beijou-a, lenta e profundamente. A fusão vagarosa da boca dele ao encontro da sua lançou uma corrente de calor líquido em suas veias. O fogo se empoçou em seu centro, seu íntimo se enchendo com um desejo ardente e ávido.

– Se você não quiser isto – murmurou ele ao encontro dos seus lábios –, basta dizer. A qualquer hora, eu paro...

– Não. – Ela balançou a cabeça ao erguer a mão para tocar no maxilar forte. – Eu te quero, mas tanto que isso está me assustando demais.

O sorriso dele se espalhou preguiçosamente, os lábios sensuais se afastando para revelar os dentes brancos e a extensão aumentada das presas. Jenna fitou sua boca, sabendo que os instintos básicos humanos de sobrevivência deviam estar disparando todo tipo de alarme, avisando-a de que aproximar-se demais daqueles caninos seria letal.

Mas ela não sentiu medo. Em vez disso, sua mente reconheceu a transformação dele com um sentimento inexplicável de aceitação. Excitação até, enquanto o castanho absorvente de seus olhos começou a reluzir com uma luz âmbar incandescente.

Acima do colarinho da camiseta cinza e debaixo das mangas curtas que se agarravam aos montes firmes dos bíceps musculosos, os dermaglifos de Brock pulsavam em cores. As marcas da pele do membro da Raça assumiram uma cor mais acentuada do que seu costumeiro tom de bronze, tornando-se mais bordô e dourado, junto com um roxo escuro. Jenna percorreu os dedos ao longo das curvas e arcos dos seus glifos, maravilhando-se com a beleza sobrenatural.

– Tudo o que eu achava que sabia é diferente agora – ponderou em voz alta enquanto permanecia no círculo dos braços dele, distraidamente tracejando os desenhos dos glifos que desciam. – Tudo mudou agora. Eu mudei, de maneiras que nem sei se farão sentido para mim. – Levantou o olhar. – Não estou atrás de mais confusão em minha vida. Não acho que eu seja capaz de lidar com mais isso além de todo o resto.

Ele sustentou o seu olhar, sem julgá-la, revelando apenas paciência e uma aura de controle imperturbável.

– Você está confusa agora, enquanto te toco... ou quando a beijo?

– Não – disse ela, surpresa ao constatar isso. – Nem antes.

– Isso é bom. – Ele se inclinou e clamou sua boca novamente, sugando o lábio inferior, capturando-o entre os dentes ao afagar suas costas, depois espalmando a mão na curva das nádegas. Apertou-a com possessividade, rebocando o corpo eletrizado ao longo da sua ereção. Esfregou o nariz na curva do pescoço, os lábios quentes e úmidos em sua pele. Quando falou de novo, sua voz estava mais grossa do que antes, carregada do mesmo tipo de avidez que a percorria. – Permita-se sentir prazer, Jenna. Se quiser, é só isso o que precisa acontecer entre nós. Sem pressão, sem amarras. Sem promessas que nenhum de nós está pronto para fazer.

Ah, Deus. Parecia tão bom, tão tentador, ceder ao desejo que vinha crescendo entre eles desde que ela despertou no complexo da Ordem. Não estava pronta para abrir o coração novamente, talvez nunca estivesse pronta para essa vulnerabilidade de novo, mas não sabia se era forte o bastante para resistir ao presente que Brock estava lhe oferecendo.

Ele a beijou na base da garganta.

– Está tudo bem, Jenna. Entregue o resto para mim agora. Liberte-se de tudo, exceto disto.

– Sim. – Ela suspirou, sem conseguir refrear um arquejo quando as carícias trafegaram por seu corpo. As mãos fortes e habilidosas lançaram picadas de energia pelas suas veias, o talento sobrenatural sugando todo o peso remanescente de tristeza, de dor e de confusão. A boca ardente e habilidosa deixou apenas sensações e avidez em seu rastro.

Ele beijou uma pequena trilha ao longo do pescoço, depois pelo maxilar, até que seus lábios se encontraram com os dela uma vez mais. Jenna acolheu sua paixão, abrindo-se para ele enquanto a língua passava pelo vale entre seus lábios. Ele gemeu quando ela o sugou para dentro, grunhiu uma aprovação absolutamente masculina enquanto ela passava os dedos ao redor da sua cabeça, segurando-o com mais firmeza ao encontro da sua boca.

Deus, ela não fazia ideia de quanto necessitava do toque de um homem. Ficara tempo demais sem aquela intimidade, forçosamente se privando do contato sexual e daquele tipo de relaxamento. Por quatro anos, convencera-se de que não queria nem precisava daquilo, apenas mais um castigo autoimposto pela grave ofensa de ter sobrevivido ao acidente que matara seus entes queridos.

Acreditara-se imune ao desejo; no entanto, ali com Brock, todas aquelas barreiras antes impenetráveis estavam sendo derrubadas, caindo ao seu redor como se não fossem mais do que folhas secas. Ela não conseguia sentir culpa pelo prazer que ele estava lhe proporcionando. Não havia como saber se pela habilidade de Brock de absorver a sua angústia ou pelo desejo reprimido. Só o que ela conhecia era a intensidade crescente das reações do seu corpo ao dele, uma onda de prazer e de antecipação que a deixava sem ar e querendo ainda mais.

As mãos grandes passaram para os ombros, depois começaram sua viagem para os seios. Através do algodão fino da camisa dela, os mamilos endureceram, ficando rijos e doloridos, vivos com sensações a cada carícia aplicada. Jenna gemeu, querendo mais dos toques dele. Capturou sua mão e a guiou por baixo da bainha larga da camisa. Ele não precisou de mais orientações. Em menos de um segundo, soltou o fecho do sutiã e cobriu a pele nua com a palma quente. Brincou com o botão duro ao acariciá-la.

– Melhor assim? – murmurou ele, logo abaixo da orelha. – Diga se está gostando.

– Deus... Sim! – Era tão bom que ela mal conseguia formar palavras.

Jenna sibilou de prazer, jogando a cabeça para trás enquanto uma sensação espiralada se contraía em seu íntimo. Ele continuou tocando-a, beijando-a e acariciando-a, enquanto lentamente tirava sua camisa. Fez o mesmo com o sutiã aberto, deslizando as alças finas pelos ombros, escorregando-as pelos braços. De repente, ela estava nua da cintura para cima diante dele. O instinto de se cobrir – de esconder as cicatrizes que cruzavam seu tronco por causa do acidente, e aquela no abdômen que era um lembrete diário do difícil trabalho de parto de Libby – surgiu de leve, mas apenas por um instante.

Só pelo tempo que demorou para erguer a cabeça e se deparar com o olhar de Brock.

– Você é linda – disse ele, pegando-lhe as mãos com suavidade e afastando-as do corpo antes que ela tivesse a oportunidade de se sentir envergonhada pelo elogio dele ou pela sua observação franca.

Nunca se sentira especialmente bela. Confiante e capaz, bem fisicamente e forte. Essas palavras ela entendia e aceitava. Palavras que a acompanharam em boa parte dos seus trinta e três anos de vida, mesmo durante o casamento. Mas linda? Era-lhe tão estranha quanto o idioma desconhecido que se ouvira falar no vídeo na enfermaria no dia anterior.

Brock, este sim, era lindo. Ainda que parecesse uma palavra esquisita para descrever a sombria força da natureza que estava diante dela.

Cada mancha castanha dos olhos dele sumira, devorada pelo brilho âmbar que aquecia suas faces como uma chama viva. As pupilas afinaram parecendo fendas, e as faces magras agora estavam mais angulares, a pele escura imaculada esticada por sobre os ossos, ressaltando a aparência atordoante das presas longas e afiadas.

Aqueles olhos ardentes prenderam os seus, enquanto ele tirava a camiseta e a deixava cair no chão ao lado dela. O peito era incrível, uma parede maciça de músculos bem torneados cobertos por um desenho intricado de glifos pulsantes. Ela não resistiu ao desejo de tocar a pele lisa, só para ver se era tão sedosa sob seus dedos quanto lhe parecia ao olhar. Era ainda mais macia do que imaginara, mas a força absoluta e sobrenatural abaixo dela era inconfundível.

Brock lhe parecia tão letal quanto fora ao salvá-la na cidade, a não ser, talvez, pela ira gélida que emanara dele como em ondas aquela noite, pois agora ele vibrava com algo igualmente agressivo e intenso: desejo. Todo centrado nela.

– Você está... Maldição, Jenna – ele disse rouco, tracejando a linha do seu ombro, depois circundando a ponta rósea do seu seio. – Você não faz ideia de quanto é adorável, faz?

Ela não respondeu, nem saberia como. Em vez disso, aproximou-se e puxou a boca dele para a sua para mais um beijo ardente. Pele contra pele, os seios esmagados contra os músculos firmes do peito dele, Jenna quase entrou em combustão de tanto desejo. Seu coração batia forte, a respiração acelerada, enquanto Brock abaixava a mão e descia o zíper de seus jeans. Ela mordeu os lábios quando ele deslizou as mãos entre a cintura da calça e a pele dos seus quadris, depois fez descer os jeans por sobre a calcinha branca. Ele se afundou sobre os calcanhares, acompanhando a descida dos jeans com as mãos.

Tomou cuidado perto do ferimento a bala, a fim de não mexer no curativo que envolvia a coxa.

– Tudo bem? – perguntou, erguendo o olhar para ela, a voz grave tão rouca que ela mal a reconheceu. – Se houver dor, posso cuidar dela.

Jenna balançou a cabeça.

– Não está doendo. Está tudo bem, mesmo.

Os olhos reluzentes âmbar se fecharam baixando os cílios ao voltar para a tarefa que tinha em mãos. Com os jeans removidos, ele se apoiou nos calcanhares e olhou para ela, deslizando as mãos para cima e para baixo na extensão das suas pernas.

– Tão, tão linda – ele a elogiou, depois inclinou a cabeça e pressionou os lábios no triângulo de algodão branco entre as coxas, a única peça de roupa que a cobria agora.

Jenna expeliu um suspiro trêmulo quando ele prendeu o tecido entre os dentes e as presas. Com o olhar carregado de propósito, fitou-a, as mãos ainda acariciando as pernas, e puxou a peça antes de soltá-la, deixando voltar ao seu lugar, cobrindo a pele aquecida. Ele a seguiu com a boca, beijando-a de novo, com mais determinação agora, afastando o irrisório pedaço de pano e esfregando o rosto ainda mais na fenda úmida do seu sexo.

As mãos a seguravam pelas nádegas enquanto ele a explorava com os lábios e a língua e o resvalar erótico dos dentes na pele úmida do seu centro. Despiu-a da calcinha, depois afastou as coxas e a sugou novamente. Levou uma mão até o meio das pernas, acrescentando o toque dos dedos à habilidade enlouquecedora da boca. Jenna estremeceu, perdida em sensações e a pouco menos do que uma inspiração de desfalecer.

– Céus – arfou ela, tremendo quando ele sondou suas dobras com a ponta do dedo, penetrando-a apenas de leve, enquanto seus beijos a deixavam cada vez mais tensa. Moveu-se na direção dele, inundada pelo calor. – Meu Deus... Brock, não pare.

Ele gemeu ao encontro da umidade dela, um longo ronronar de evidente apreciação masculina que vibrou em seus ossos e músculos até seu cerne aquecido. O clímax de Jenna a atravessou tal qual uma tempestade. Estremeceu com a sua força, exclamando quando o prazer a assolou e a fez subir aos céus. Quase se desfez, a sensação pairando quase como poeira estelar enquanto ela espiralava mais e mais alto, com tremores de puro deleite trespassando-a, um após o outro.

Sentia-se sem ossos ao flutuar de volta à realidade. Sem ossos e exausta, apesar de seu corpo ainda estar vibrando, repleto de sensações. E Brock ainda a beijava. Ainda a afagava com os dedos, arrancando cada um dos tremores restantes enquanto ela se agarrava aos ombros largos e arfava com o prazer dos tremores.

– Acho que eu estava precisando disso – sussurrou, estremecendo quando o riso baixo dele ecoou em sua pele ainda sensível. Ele a beijou no interno da coxa, mordiscando de leve, e suas pernas vacilaram um pouco sob o próprio peso. Ela se deixou cair para a frente, envolvendo Brock pelas costas. – Ah, meu Deus. Eu não imaginava o quanto precisava disso.

– O prazer foi meu – ele disse, rouco. – E ainda não terminei. – Mudou de posição debaixo dela, passando o braço ao seu redor e acomodando-a sobre o ombro. – Segure firme em mim.

Ela não teve escolha. Antes de entender o que ele pretendia, ele já se levantava. Carregou-a como um peso morto sobre um ombro e se pôs de pé, como se ela não passasse de um fardo de penas. Jenna se segurou como ele lhe dissera, sem deixar de admirar a força absoluta com que ele caminhava até o quarto adjacente. Vestindo apenas os jeans, os músculos das costas se flexionavam e contraíam debaixo da pele lisa a cada longa passada, um concerto perfeito de boa forma e talhe.

Não havia dúvidas, ele era lindo.

E seu corpo já eletrizado zunia com calor renovado quando ela percebeu que ele a carregava direto para a imensa cama king size.

Ele afastou a colcha e o lençol, depois a depositou na beira do colchão. Jenna observou com desejo crescente enquanto ele desabotoava os jeans e os retirava. Ele não estava usando nada por baixo. Glifos elaborados tracejavam a cintura estreita e o quadril, descendo pelas pernas vigorosas. As cores pulsavam e se transformavam, atraindo seu olhar por um breve instante da ereção evidente, que estava rija e imensa enquanto ele apenas observava enquanto ela o avaliava dos pés à cabeça.

Jenna engoliu com a boca seca quando ele se aproximou dela, devastador em toda a sua nudez. O olhar reluzente ainda mais brilhante, as presas ainda mais alongadas.

Ele parou perto da cama, crispando a testa quando ela se deteve no seu olhar transfigurado.

– Está com medo de mim... deste jeito?

Ela só balançou a cabeça de leve.

– Não, não estou com medo.

– Se estiver preocupada com relação a uma possível gravidez...

Ela voltou a balançar a cabeça.

– Meus danos internos no acidente cuidaram disso. Não posso engravidar. De toda forma, pelo que soube, DNA humano e da Raça não se misturam.

– Não – confirmou ele. – E em relação a quaisquer outras preocupações que possa ter, está segura comigo. Não existem doenças nos da minha espécie.

Jenna assentiu.

– Confio em você, Brock.

O crispar da testa dele diminuiu, mas ele permaneceu imóvel.

– Se não tiver certeza, se não é isso o que você quer, então o que lhe disse antes ainda vale. Podemos parar a qualquer instante. – Ele riu baixinho. – Acho que isso pode acabar comigo agora, já que está toda sensual na minha cama, mas eu paro. Que Deus me ajude, mas eu paro.

Ela sorriu, emocionada por alguém tão poderoso demonstrar tamanha honra e humildade. Ela afastou o lençol e abriu espaço para ele ao seu lado.

– Não quero parar.

A boca dele se abriu num sorriso amplo. Com um grunhido, foi em frente e sentou na cama ao seu lado. A princípio, apenas se tocaram e se acariciaram, beijando-se com suavidade, aprendendo mais sobre seus corpos. Brock foi paciente, apesar de a tensão em seu corpo revelar que ele estava se torturando por se refrear. Foi atencioso e carinhoso, tratando-a como uma amante querida, apesar de terem concordado de antemão que aquilo entre eles jamais seria outra coisa além de algo casual, sem amarras.

Para Jenna, parecia incrível que um homem que ela mal conhecia – aquele macho da Raça que tinha todo o direito de assustá-la – pudesse lhe parecer tão familiar, tão íntimo. Brock, porém, dificilmente era um estranho. Ele estivera ao seu lado em meio ao seu pesadelo pessoal, e de novo nos dias de sua recuperação ali no complexo. E a procurara naquela noite em que estivera sozinha e ferida na cidade, um improvável salvador sombrio.

– Por que fez aquilo? – perguntou baixinho, os dedos percorrendo os dermaglifos que se curvavam pelos ombros e desciam pelo peito. – Por que ficou comigo no Alasca e depois todos aqueles dias na enfermaria?

Ele ficou em silêncio por um momento, as sobrancelhas escuras unidas sobre o olhar reluzente.

– Odiei ver o que aconteceu com você. Você era apenas uma inocente que se viu em meio a um tiroteio. Você é humana. Não merecia ser arrastada para o meio da nossa guerra.

– Já sou uma garota crescida. Sei lidar com isso – disse, uma resposta automática que não sentia verdadeiramente. Ainda mais depois dos resultados perturbadores dos seus exames de sangue. – E quanto a agora? O que estamos fazendo aqui, quero dizer... Isto faz parte do seu programa “seja legal com a humana” também?

– Não. Claro que não. – A carranca dele se acentuou a ponto de mostrar raiva. – Acha que isso é pena? É isso o que você acha que é? – Ele inspirou fundo, revelando as pontas das presas ao rolá-la de costas e ficar sentado em cima dela. – Para o caso de não ter percebido, estou excitado pra caramba por você. Se me excitar mais, acabo explodindo.

Para provar seu ponto de vista, ele deu uma estocada nada sutil com o quadril, acomodando-se entre as dobras úmidas de seu sexo. Ele bombeou algumas vezes, fazendo a rigidez do membro entrar e sair da fenda dela, atiçando-a com o calor da sua excitação. Passou o braço por trás do joelho dela, levantando-lhe a perna até seu ombro, virou o rosto para a coxa e deu-lhe uma mordiscada.

– Isto é desejo puro e simples, nada de piedade – disse, sua voz rouca ao penetrá-la, longa e profundamente.

Jenna não conseguiria formular uma resposta mesmo que tentasse. A sensação atordoante de tê-lo preenchendo-a, estendendo-a cada vez mais a cada estocada, era tão sobrepujante que lhe roubou o fôlego. Ela se segurou a ele com as duas mãos enquanto ele lhe capturou a boca num beijo ardente, balançando acima dela, o corpo se movimentando num ritmo exigente.

A crista de um novo clímax já se formava dentro dela, e não conseguiu contê-lo. Sentiu o calor do próprio sangue nas veias, a pulsação imperiosa de Brock também, reverberando sob seus dedos e em cada terminação nervosa. Seus ouvidos estavam tomados pelo som do seu grito silencioso de libertação, pela fricção dos corpos unidos se retorcendo sobre os lençóis. O cheiro do sexo e do sabonete e do suor limpo na pele quente a intoxicaram. O sabor dos beijos ardentes de Brock em seus lábios só a fazia desejar outros mais.

Ela tinha fome, de uma maneira inexplicável.

Tinha fome dele, tão profunda que parecia retorcê-la de dentro para fora.

Queria saboreá-lo. Saborear o poder que ele era.

Arfando após o clímax, afastou-se da boca dele. Ele praguejou algo sombrio sob o fôlego, as investidas cada vez mais intensas, as veias e os tendões saltando no pescoço e nos ombros como cabos espessos elevando-se da pele.

Segurando-se a ele, Jenna deixou a cabeça pender por um momento, tentando se perder no ritmo dos corpos. Tentando não pensar na dor que corroía suas entranhas, no impulso confuso, porém irresistível que atraía seu olhar para o pescoço forte. Para as veias saltadas que pulsavam como tambores de guerra aos seus ouvidos.

Pressionou o rosto na coluna forte do pescoço dele e percorreu a língua no ponto pulsante que encontrou ali. Ele gemeu, um som prazeroso que só servia como combustível para o fogo que ainda queimava dentro dela. Ela se aventurou um pouco mais, cerrando os dentes sobre a pele dele. Brock grunhiu uma imprecação, e ela mordeu com um pouco mais de força, sentindo a onda de tensão que atravessou todo o corpo dele, que estava no limiar agora, os braços como granito ao redor dela, cada estocada dos quadris ficando mais intensa.

Jenna cravou os dentes com mais força na pele suave.

Mordeu até ele ficar louco de paixão...

Até ela sentir o sabor da primeira gota de sangue na língua.

 

 

CONTINUA

Capítulo 8

– Espero que todas estejam com fome – disse Alex, passando pelas portas vaivém da cozinha da mansão, com uma tigela grande de frutas frescas cortadas numa mão e um cesto de biscoitos com ervas aromáticas quentinhos na outra.

Depositou ambos na mesa da sala de jantar diante de Jenna e Tess, que foram instruídas por Alex e as outras mulheres do complexo para que se sentassem e se servissem do café da manhã.

– Como está se sentindo, Jen? – perguntou Alex. – Precisa de alguma coisa? Se quiser erguer a perna, posso pegar um banquinho na outra sala.

Jenna meneou a cabeça.

– Estou bem. – Sua perna estava bem melhor desde a cirurgia da noite anterior, e ela não sentia muitas dores. Só por causa da insistência de Tess é que estava usando uma bengala para se movimentar. – Não precisa ficar me mimando.

– Essa é a minha melhor amiga, a policial do interior – disse Alex, revirando os olhos na direção de Tess e virando a mão num sinal de pouco caso. – Só um machucadinho a bala, não precisam se preocupar...

Jenna caçoou.

– Comparado com a semana que tive, um buraco a bala na coxa é a menor das minhas preocupações.

Ela não estava querendo solidariedade, apenas declarando um fato.

A mão de Tess pousou com suavidade em seu pulso, assustando-a com seu calor e a preocupação genuína no olhar.

– Nenhuma de nós pode fingir saber aquilo pelo que você passou, Jenna, mas espero que entenda que estamos aqui para cuidar de você agora. Você está entre amigas, todas nós.

Jenna resistiu ao efeito de consolo que as palavras de Tess exerciam sobre ela. Não queria se sentir relaxada naquele lugar, entre Alex e aquelas desconhecidas aparentemente gentis.

Nem com Brock.

Muito menos com ele.

Sua mente ainda estava confusa com o resgate inesperado na cidade. Fora um erro sair como havia saído, despreparada e afetada emocionalmente. Não fazia tanto tempo assim que se desligara da polícia para não se lembrar que o melhor modo de se ver em apuros era fugir despreparada em território desconhecido. Só o que reconheceu naquele meio segundo antes de sair do complexo foi o desespero em fugir da sua nova e sombria realidade.

Cometera um clássico erro de julgamento de principiante, incitado pela emoção, e acabara necessitando de resgate para voltar à segurança. Que o seu resgate tivesse surgido na forma de um vampiro formidável e aterrorizante era algo que ela não sabia se um dia conseguiria compreender.

No fundo, sabia que Brock salvara sua vida na noite anterior. Uma parte sua desejava que ele não o tivesse feito. Não queria ficar devendo nada a ele. Não gostava de dever a ninguém, muito menos a um homem que nem podia ser classificado como humano.

Deus, que reviravolta em sua vida...

Com seus pensamentos cada vez mais sombrios, Jenna afastou a mão da de Tess e se recostou na cadeira.

Tess não a pressionou a falar, simplesmente se inclinou sobre a mesa e inspirou um pouco da fragrância que emanava dos biscoitos.

– Hummm – gemeu, o braço fino amparando a curva do ventre arredondado. – É a receita de cheddar e manjericão da Dylan?

– Atendendo a pedidos – respondeu Alex vivamente. – E há mais de onde isso veio, incluindo as incríveis torradas francesas com crème brûlée de Savannah. Falando nelas, é melhor eu ir buscá-las para o banquete.

Enquanto Alex virava e desaparecia novamente na cozinha, Tess lançou um olhar furtivo para Jenna.

– Você ainda não viveu se não provou os biscoitos de Dylan e as torradas de Savannah. Confie em mim, são o paraíso.

Jenna sorriu com educação.

– Tudo me parece muito bom. Nunca fui muito de cozinhar. Minha tentativa de sucesso na cozinha é uma omelete de carne de alce com queijo suíço, espinafre e batatas.

– Carne de alce? – Tess gargalhou. – Bem, posso lhe garantir que nenhuma de nós já experimentou algo parecido. Talvez você possa preparar para nós um dia desses.

– Quem sabe? – disse Jenna sem se comprometer, levantando os ombros.

Se não fosse pela incômoda matéria desconhecida encravada em sua coluna, e agora pelo tiro que a manteria ali sabe lá Deus por quanto tempo, ela já teria ido embora. Não sabia quanto tempo ainda a fariam ficar ali, mas assim que conseguisse sair andando, já era. Não se importava com o que a Ordem precisava saber; não tinha nenhuma intenção de ficar por perto para ser o ratinho de laboratório deles.

Ainda era estranho demais pensar que estava ali com elas, num quartel-general secreto habitado por uma equipe de vampiros guerreiros e por mulheres aparentemente sãs e agradáveis que pareciam felizes e à vontade entre eles.

O surrealismo da coisa toda se intensificou quando Alex e o restante das mulheres da Ordem – cinco lindas jovens e a menina loira chamada Mira – saíram da cozinha com o restante do café da manhã. Conversavam amigavelmente, relaxadas na companhia uma da outra como se tivessem estado juntas a vida inteira.

Formavam uma família, inclusive Alex, apesar de ela ter chegado ali apenas uma semana antes, assim como Jenna.

Um ritmo descontraído se fez na sala de jantar, enquanto pratos com bordas douradas eram passados adiante e completados com todo tipo de comida deliciosa. Taças de cristal eram enchidas com suco até a borda, e delicadas xícaras de porcelana logo se encheram com fragrante café torrado e coado.

Jenna observava tudo em silêncio enquanto a refeição prosseguia. Xarope de bordo aquecido e bolinhas de manteiga rodavam pela mesa, parando por mais tempo com a pequena Mira, que encharcou sua torrada com aquela doçura e cobriu os biscoitos com manteiga como se aquilo fosse cobertura. Mira engoliu um em duas mordidas grandes, depois atacou o resto da refeição com muita vontade.

Jenna sorriu sem querer ante o apetite voraz da menina, sentindo uma pontada de melancolia, senão culpa, quando pensou na filha. Libby sempre fora uma menina cuidadosa, disciplinada e séria, mesmo quando pequena.

Deus, o que não daria para poder ver Libby degustando algo tão simples quanto um café da manhã à sua frente na mesa?

Com os dedos melados, Mira pegou o copo de suco de laranja e sorveu um gole grande. Suspirou de contentamento ao apoiar o copo novamente num baque.

– Pode me passar o chantilly para eu pôr nos pêssegos? – perguntou, cravejando Jenna com seus misteriosos olhos violeta.

Por um instante, Jenna se sentiu capturada por aquele olhar. Dispensou a sensação e pegou a tigela que estava no meio do caminho entre ela e Mira do outro lado.

– Pode, por favor, me passar o chantilly? – Renata a corrigiu de seu lugar à direita da menina. A morena lançou-lhe uma piscadela decididamente maternal e carinhosa ao interceptar a tigela que Jenna segurava.

– Pode, por favor – Mira se corrigiu, não parecendo nem um pouco admoestada.

Jenna cortou um pedaço da torrada e a colocou na boca. Era exatamente o que Tess havia prometido, paradisíaca. Mal conseguiu refrear um gemido alto ao se deleitar com o sabor cremoso de baunilha.

– Gostou? – perguntou Savannah, que estava sentada em uma das cabeceiras da longa mesa de jantar.

– É deliciosa – murmurou Jenna, as papilas gustativas ainda vibrando de êxtase. Lançou um breve olhar, abarcando todas ali reunidas. – Obrigada por me deixarem partilhar disto com vocês. Nunca vi tanta comida junta em minha vida.

– Achou que a deixaríamos morrer de fome? – perguntou Gabrielle da outra cabeceira. Seu sorriso era acolhedor e amigável.

– Não sei bem o que pensei – respondeu Jenna, com honestidade. – Sendo bem franca, acho que ainda não processei tudo isso muito bem.

Gabrielle inclinou a cabeça num leve assentimento, parecendo sábia e serena, ainda que, sem dúvida, devesse ser mais jovem do que Jenna e seus trinta e três anos.

– Isso é compreensível. Você sofreu muito, e a sua situação é sem igual para todos nós.

– A minha situação – Jenna repetiu, refletindo enquanto mexia um pedaço de pão molhado em xarope de bordo em seu prato. – Está falando do objeto não identificado que está alojado na base do meu crânio?

– É, isso – concordou Gabrielle, com um tom gentil na voz. – E o fato de que você teve sorte de escapar do ataque do Antigo com vida. O simples fato de ele ter se alimentado de você e tenha permitido que você vivesse é...

– Inédito – sugeriu a mulher sentada com Gabrielle. Ela tinha cabelos ruivos e o belo rosto salpicado por sardas. – Se soubesse do que ele é capaz, se você tivesse noção do que aconteceu com tantas outras... – A voz se perdeu, um leve estremecimento fazendo o garfo em sua mão tremer. – É um milagre que você esteja viva, Jenna.

– Dylan tem razão – concordou Tess. – Há mais ou menos um ano, quando a Ordem descobriu que o Antigo havia sido despertado, temos tentado localizá-lo e a Dragos, o filho da mãe responsável por trazer de volta ao mundo esse tipo de perigo.

– Não sei qual dos dois é pior – Renata interveio. – O Antigo clamou muitas vidas inocentes, mas é Dragos, o neto sádico do Antigo, quem vem dando as ordens.

– Está dizendo que aquela criatura tem descendentes? – Jenna perguntou, sem conter sua repulsa.

Gabrielle sorveu um gole de café, depois, com cuidado, voltou a depositar a xícara no pires.

– Aquela criatura e outros tantos como ele deram início à Raça na Terra.

– Na Terra? – Jenna exclamou com uma risada descrente. – Está se referido a alienígenas agora? Aquele vampiro que me atacou...

– Não era deste mundo – Savannah concluiu por ela. – É verdade. Não é mais difícil de acreditar do que a existência dos próprios vampiros, se quer saber a minha opinião, mas é a mais pura verdade. Os Antigos estupraram e dominaram depois que aterrissaram aqui há milhares de anos. Com o passar do tempo, algumas das suas vítimas engravidaram com o que se tornaria a primeira geração da Raça.

– Isso faz algum sentido para vocês? – Jenna perguntou, ainda incrédula. Relanceou para Alex, ao seu lado. – Você também acredita nisso?

Alex concordou.

– Depois de conhecer Kade e todos os demais aqui no complexo, como posso não acreditar? Também vi o Antigo com meus próprios olhos, momentos antes de ele ser morto nos despenhadeiros fora de Harmony.

– E quanto a esse outro... Dragos? – perguntou Jenna, curiosa, sem querer, em fazer com que todas as peças desse incrível quebra-cabeça se juntassem se algum modo. – Onde ele entra?

Dylan foi a primeira a falar.

– Ao que parece, Dragos despertou o Antigo muito antes do que supúnhamos. Décadas antes, de fato. Ele o manteve escondido e o usou para criar uma nova leva de Primeira Geração, os membros mais fortes da Raça, visto que são descendentes diretos da linhagem do Antigo e não geneticamente diluídos, como as gerações posteriores.

– Dragos vem criando um exército pessoal dos mais poderosos, dos mais letais membros da espécie – acrescentou Renata. – São criados supervisionados, treinados para serem assassinos impiedosos. Assassinos particulares de Dragos, a quem ele convoca sempre que necessário para os seus desígnios.

Gabrielle assentiu.

– Para criar essa geração, Dragos também precisou de um estoque de mulheres férteis para engravidar do Antigo.

– As Companheiras de Raça – disse Alex.

Jenna olhou para ela.

– E o que são elas?

– Mulheres nascidas com um DNA e características sanguíneas distintas que as tornam capazes de partilhar um elo de sangue vitalício com os membros da Raça e de reproduzir seus filhos – disse Tess, a mão distraída acariciando o ventre distendido. – Mulheres como nós ao redor desta mesa.

O choque e o horror contraíram o íntimo de Jenna.

– Está dizendo que eu...

– Não – disse Tess, balançando a cabeça. – Você é mortal, não é uma Companheira de Raça. O seu hemograma é normal e você não tem a marca que o resto de nós tem.

Ante a confusão estampada no rosto dela, Tess mostrou a mão, que trazia uma marca rubra entre o polegar e o indicador. Era uma minúscula lua crescente com o que parecia uma gota de lágrima caindo em seu centro.

– Todas vocês têm essa tatuagem?

– Não é uma tatuagem – disse Alex. – É uma marca de nascença, Jenna. Todas as Companheiras de Raça têm uma em algum lugar do corpo. A minha está no quadril.

– Não existem muitas de nós no mundo – explicou Savannah. – A Raça considera as Companheiras de Sangue sagradas, mas Dragos não. Ele vem juntando essas mulheres há anos, mantendo-as em cativeiro; deduzimos que com o único propósito de gerarem os assassinos de Primeira Geração. Muitas delas foram mortas, seja por Dragos ou pelo Antigo.

– Como sabem disso? – Jenna perguntou, horrorizada pelo que ouvia.

Na outra ponta da mesa, Dylan pigarreou.

– Eu as vi. As mortas, quero dizer.

A parte policial de Jenna ficou alerta.

– Se vocês têm cadáveres, então têm provas e motivo para entregar esse cretino, Dragos, para as autoridades.

Dylan meneava a cabeça.

– Não vi os corpos. Vi as mortas. Elas... aparecem às vezes. Às vezes falam comigo.

Jenna não sabia se gargalhava ou se deixava a cabeça cair, derrotada.

– Você vê pessoas mortas?

– Toda Companheira de Raça tem uma habilidade ou talento próprio que a torna peculiar de algum modo – explicou Tess. – Para Dylan, é esse dom de se conectar com as outras Companheiras de Raça que já morreram.

Renata se inclinou para a frente, apoiando os antebraços na mesa.

– Através do dom de Dylan, sabemos com certeza que Dragos é o responsável pela morte de inúmeras Companheiras de Raça. E por meio de outra amiga da Ordem, Claire Reichen, cujo talento nos levou a localizar a base de operações de Dragos há alguns meses, sabemos que ele ainda mantém muitas mais. Desde então, a operação de Dragos se escondeu no submundo. Agora a principal missão da Ordem, além de acabar com o maldito o mais rápido possível, é encontrar o quartel-general dele e libertar as suas vítimas.

– Temos ajudado como podemos, mas é muito difícil localizar um alvo móvel – disse Dylan. – Podemos procurar os relatórios das pessoas desaparecidas, procurando por rostos que eu reconheça. E, durante o dia, vasculhamos abrigos para mulheres, orfanatos, albergues... qualquer lugar que possa nos levar às jovens desaparecidas.

Renata assentiu.

– Particularmente aquelas com habilidades extrassensoriais ou outras competências que possam indicar uma Companheira de Raça em potencial.

– Fazemos o que podemos – disse Gabrielle. – Mas ainda não tivemos muita sorte. É como se estivesse nos faltando a chave para desvendar tudo isso e, até a encontrarmos, parece que só ficamos dando voltas.

– Ei, espere um instante – disse Jenna, seu lado policial enferrujado compreendendo a frustração de seguir pistas infrutíferas. – A persistência costuma ser o melhor aliado de um investigador.

– Pelo menos não temos mais que nos preocupar com o Antigo – disse Savannah. – Essa é uma batalha a menos para enfrentar.

Ao redor da mesa de café da manhã, um coro de vozes concordantes ecoou essa declaração.

– Por que o Antigo deixou que você vivesse, Jenna?

A pergunta foi feita por Elise, uma loira baixinha de cabelos curtos do outro lado de Tess. A discreta do grupo, que se parecia com uma flor delicada, mas com um olhar franco e decidido de uma guerreira. Ela, provavelmente, devia precisar dessa força interior, levando-se em consideração a companhia que ela e as demais mulheres naquele complexo tinham.

Jenna baixou o olhar para o prato e refletiu sobre sua resposta. Demorou um tempo para encontrar as palavras.

– Ele me fez escolher.

– O que quer dizer com isso? – disse Savannah, com a testa se franzindo numa pergunta.

O que você decide, Jenna Tucker-Darrow?

Vida... ou morte?

Jenna sentiu todos os olhos cravados nela naquele silêncio. Forçando-se a enfrentar as perguntas não proferidas que pairavam no ar, ela ergueu o olhar. Empinou o queixo e falou sucinta e rapidamente:

– Eu queria morrer. É o que eu teria preferido, ainda mais naquele momento. Ele sabia disso, tenho certeza. Mas, por algum motivo, pareceu querer brincar comigo, então me fez decidir se eu queria ou não morrer naquela noite.

– Puxa, Jen, que horrível... – A voz de Alex se mostrou emocionada. Seu braço a envolveu pelos ombros num gesto de amparo. – Filho da puta cruel.

– Então – continuou Elise –, você disse ao Antigo que a deixasse viver e ele concordou... Simples assim?

Lembrando o momento com vívida clareza agora, Jenna balançou a cabeça com vigor.

– Eu lhe disse que queria viver, e a última coisa de que lembro é dele fazendo um corte no braço e retirando aquela coisa, aquela coisa minúscula que só Deus sabe o que é, e que agora está dentro de mim.

Ela sentiu, mais do que viu, a sutil troca de olhares ao redor da mesa.

– Acham que isso tem alguma significância? – perguntou, dirigindo a pergunta ao grupo como um todo. Tentou abafar a pontada repentina de medo que reverberou em seu peito. – Acham que o fato de ele ter colocado aquela coisa dentro de mim tem alguma importância em eu viver ou morrer?

Alex segurou a mão dela num gesto tranquilizador, mas foi Tess quem falou antes das outras.

– Talvez Gideon possa fazer outros testes para nos ajudar a descobrir isso.

Jenna engoliu em seco, depois assentiu.

Seu prato de comida permaneceu intocado pelo restante da refeição.

Num canto escurecido de um quarto num hotel luxuoso em Boston, onde cortinas pesadas impediam a passagem do menor dos raios solares da manhã, o macho da Raça chamado Dragos estava acomodado numa poltrona acolchoada em seda e tamborilava as unhas da mão na mesinha lateral de mogno. Atrasos o deixavam impaciente, e a impaciência o tornava letal.

– Se ele não chegar nos próximos sessenta segundos, um de vocês terá que matá-lo – disse para o par de assassinos de Primeira Geração que o flanqueavam como Cérberos musculosos de dois metros de altura.

Assim que terminou de falar, no corredor do lado de fora da suíte presidencial, o elevador privativo emitiu uma campainha eletrônica, anunciando a chegada do convidado. Dragos não se moveu de seu canto no quarto, aguardando em silêncio irritado enquanto outro dos seus guardas pessoais criados acompanhava o macho da Raça civil – um tenente na operação secreta de Dragos – até a suíte para a sua reunião particular.

O vampiro teve o bom senso de inclinar a cabeça no instante em que seu olhar recaiu sobre Dragos.

– Mil perdões por mantê-lo esperando, senhor. A cidade está tomada pelos humanos. Pessoas fazendo compras de Natal e turistas – disse ele, o desdém revelado em cada uma das sílabas bem pronunciadas. Tirou as luvas e as colocou nos bolsos do casaco de caxemira. – O meu motorista teve que dar uma dúzia de voltas no hotel antes de conseguirmos nos aproximar da entrada de serviço no andar subterrâneo.

Dragos continuou tamborilando os dedos na mesinha.

– Algo errado com a entrada principal?

Seu tenente, pertencente à segunda geração da Raça, assim como Dragos, empalideceu visivelmente.

– Estamos em pleno dia, senhor. Com toda essa claridade, eu me incineraria em questão de minutos.

Dragos apenas o fitou, nem um pouco incomodado. Também não estava satisfeito com o local inconveniente daquele encontro. Preferiria muito mais o conforto e a segurança da sua residência. Mas isso já não era mais possível. Não depois que a Ordem interferiu em sua operação e o obrigou a buscar refúgio.

Temendo ser descoberto, ele não permitia mais que qualquer um dos seus associados civis soubesse onde seu quartel-general ficava. Como precaução adicional, nenhum deles conhecia a localização das suas propriedades nem da sua equipe. Ele não podia correr o risco de que seus tenentes caíssem no poder da Ordem e o acabassem comprometendo na esperança de que Lucan os poupasse de sua ira.

Só de pensar em Lucan Thorne e nos seus guerreiros, ele ficava com um gosto amargo na boca. Tudo pelo que tanto trabalhara, sua visão de um futuro no qual mal conseguia esperar para pôr as mãos, fora estragado pelas ações da Ordem. Eles o forçaram a bater em retirada. Forçaram-no a destruir o nervo central da sua operação – um superlaboratório de pesquisa científica que lhe custara centenas de dólares e muitas décadas para aperfeiçoar.

Tudo isso desaparecido agora, nada além de cinzas e escombros no meio de uma floresta em Connecticut.

Agora o poder e os privilégios a que Dragos estava acostumado por séculos foram substituídos por esconderijos nas sombras e olhadelas constantes por sobre o ombro para se certificar de que o inimigo não se aproximava. A Ordem o obrigara a fugir e se esconder como um coelho desesperado para se evadir da armadilha do caçador, e ele não gostava nem um pouco disso.

O último incômodo acontecera no Alasca, com a fuga do Antigo, o seu instrumento mais valioso e insubstituível na busca pela derradeira dominação. Já fora bastante ruim que o Antigo tivesse escapado durante seu transporte em seu novo tanque de contenção. Mas o desastre só piorou quando a Ordem não só conseguiu encontrar o laboratório no Alasca como também o fugitivo alienígena.

Dragos perdera essas duas peças fundamentais para os malditos. Não pretendia perder mais nada.

– Quero ouvir boas notícias – disse ao tenente, dardejando o macho por debaixo das sobrancelhas unidas. – Como tem progredido com a sua missão?

– Tudo está a postos, senhor. Esta semana, o alvo e sua família imediata acabaram de regressar aos Estados Unidos das suas férias no exterior.

Dragos grunhiu em concordância. O alvo em questão era um ancião da Raça, com quase mil anos de existência, um da Primeira Geração, de fato, motivo pelo qual Dragos o tinha em mira. Além de querer que Lucan Thorne e seu bando de guerreiros ficassem sem trabalho, Dragos também retornara aos objetivos da sua missão inicial: a extinção sistemática e total de cada um dos Primeira Geração da Raça naquele planeta.

O fato de Lucan e outro membro fundador da Ordem serem Primeira Geração só tornava seu objetivo mais doce. E ainda mais imperativo. Ao acabar com todos os Primeira Geração, exceto seus assassinos criados e treinados para servi-lo inquestionavelmente, Dragos e os outros membros da segunda geração da Raça se tornariam, por consequência, os vampiros mais importantes da atualidade.

E se, ou melhor, quando se cansasse de partilhar o futuro que ele sozinho entreviu e garantiu que acontecesse, então ordenaria ao seu exército pessoal de assassinos que dizimasse cada um dos seus contemporâneos da segunda geração também.

Sentado num silêncio contemplativo e aborrecido, ouvia enquanto seu tenente se apressava em rever os detalhes do plano que o próprio Dragos idealizou poucos dias antes. Passo a passo, tática a tática, o outro macho da Raça discorreu sobre tudo, garantindo-lhe que nada seria deixado ao acaso.

– O Primeira Geração e sua família estão sendo observados em período integral desde que voltaram para casa – disse o tenente. – Estamos prontos para disparar o gatilho dessa operação ao seu comando, senhor.

Dragos inclinou a cabeça num vago assentimento.

– Faça acontecer.

– Sim, senhor.

A mesura profunda e sua retirada foram quase tão agradáveis quanto a noção de que aquele golpe pendente deixaria absolutamente claro para a Ordem que ele podia ter sido atingido, mas estava longe de ser abatido.

Na verdade, sua presença no elegante hotel em Boston, e uma das importantes reuniões de apresentação que levaram semanas para serem arranjadas entre ele e um punhado de humanos influentes escolhidos a dedo, solidificaria a posição de Dragos em sua ascensão para a glória final. Ele praticamente já sentia o gosto do sucesso.

– Ah, mais uma coisa – Dragos chamou seu associado que partia.

– Sim, senhor.

– Se fracassar – disse ele de maneira agradável –, esteja preparado para que eu lhe sirva seu próprio coração.

O rosto do macho empalideceu, ficando branco como o carpete que cobria o piso tal qual neve fresca.

– Não fracassarei, senhor.

Dragos sorriu, expondo tanto os dentes quanto as presas.

– Certifique-se de que isso não aconteça.


Capítulo 9

Depois da bagunça carregada de morte da noite anterior na cidade, Brock considerou um triunfo pessoal que tivesse conseguido evitar Jenna em grande parte do dia após o seu retorno ao complexo.

Depois de ter descartado os dois corpos nas águas gélidas do rio Mystic, ficou sozinho até quase o amanhecer, tentando se libertar da fúria que parecia acompanhá-lo aquela noite.

Mesmo após estar no quartel-general da Ordem por algumas horas pela manhã, a raiva injustificada, e completamente indesejável, que o possuía ao pensar numa mulher inocente se deparando com o perigo fazia com que seus músculos vibrassem com uma necessidade de violência. Algumas boas horas de treino suado com as armas ajudaram a aplacar um pouco desse sentimento. Bem como o banho escaldante de quarenta minutos com o qual se castigara após o treino.

Ele até poderia achar que se sentia bem, com a cabeça no lugar de novo, se não fosse pelos golpes certeiros que Gideon lançara não muito tempo depois.

O primeiro foi a notícia de que Jenna descera depois do café da manhã com as outras mulheres do complexo e lhe pedira para fazer mais exames de sangue e de tecido. Ela havia se lembrado de algo a respeito do tempo passado com o Antigo, algo que Gideon dissera que havia deixado a fêmea valente bem atormentada.

O segundo golpe foi dado quase imediatamente depois que os primeiros resultados dos exames surgiram.

O sangue e o DNA de Jenna haviam mudado significativamente desde a última vez que Gideon os analisara.

No dia anterior, os resultados foram normais. Hoje, tudo estava alterado.

– Não podemos nos precipitar em conclusões. Não importa o que esses resultados possam indicar – disse, por fim, Lucan, em seu tom grave e sério.

– Talvez devamos fazer mais exames – sugeriu Tess, a única fêmea no laboratório de tecnologia no momento. Ela levantou o olhar dos resultados perturbadores para encarar Lucan, Brock e o restante da Ordem, que fora convocada ali para revisar os achados de Gideon. – Devo ir buscar Jenna e levá-la para a enfermaria para mais exames?

– Você até pode fazer isso – disse Gideon –, mas fazer outros exames não vai mudar nada. – Ele tirou os óculos de lentes azul-claras, jogando-os na mesa de acrílico diante dele. Pinçando o alto do nariz, balançou a cabeça de leve. – Esse tipo de mutação de DNA e a reprodução celular massiva simplesmente não acontecem. Os corpos humanos não são avançados o bastante para lidar com as exigências que mudanças dessa significância provocariam em seus órgãos e artérias, sem falar no impacto que algo assim teria no sistema nervoso central.

Com os braços cruzados diante do peito, Brock se recostou na parede ao lado de Kade, Dante e Rio. Não disse nada, esforçando-se para entender tudo o que via e ouvia. Lucan tinha aconselhado que ninguém se precipitasse em conclusões, mas era excessivamente difícil não fazer isso agora, com o futuro bem-estar de Jenna em jogo.

– Não entendo – disse Nikolai do outro lado do laboratório, onde estava sentado à mesa, junto com Tegan e Hunter. – Por que agora? Isto é, se tudo estava normal antes, por que a súbita mutação no sangue e no DNA?

Gideon deu de ombros.

– Pode ser porque até ontem ela esteve num sono profundo, quase em coma. Soubemos que sua força muscular tinha aumentado assim que despertou. Brock testemunhou isso em primeira mão, e nós também, quando Jenna fugiu do complexo. As mudanças celulares que estamos vendo agora podem ter sido uma reação retardada ao seu despertar. Estar consciente e alerta pode ter agido como algum tipo de disparador dentro de seu corpo.

– Ontem à noite ela foi alvejada – acrescentou Brock, refreando o rugido raivoso que lhe constringia a garganta. – Isso pode estar relacionado com o que vemos no sangue dela agora?

– Talvez – disse Gideon. – Tudo é possível, imagino. Isso não é nada que eu, nem ninguém nesta sala, já tenha visto antes.

– Pois é – concordou Brock. – Simplesmente uma maravilha.

No fundo da sala, com os coturnos apoiados na mesa de reuniões enquanto inclinava a cadeira para trás, Sterling Chase pigarreou.

– Levando tudo em consideração, talvez não seja uma boa ideia dar tanta liberdade a essa mulher aqui no complexo. Ela é um grande ponto de interrogação no momento. Por tudo o que sabemos, pode muito bem ser algum tipo de bomba prestes a explodir.

Por um longo instante, ninguém disse nada. Brock odiou esse silêncio. Odiou Chase por exprimir algo que nenhum dos guerreiros quis considerar.

– O que sugere? – perguntou Lucan, lançando um olhar sério para o macho que passara décadas como parte da Agência de Policiamento antes de se juntar à Ordem.

Chase arqueou as sobrancelhas loiras.

– Se dependesse de mim, eu a retiraria do complexo o mais rápido possível. Trancaria-na em algum lugar seguro, bem longe das nossas operações, pelo menos até termos a oportunidade de deter Dragos de uma vez por todas.

O grunhido de Brock surgiu na garganta, carregado de animosidade.

– Jenna fica aqui.

Gideon recolocou os óculos e assentiu na direção de Brock.

– Concordo. Eu não me sentiria à vontade em tirá-la daqui agora. Gostaria de observá-la, para entender melhor o que está acontecendo com ela a nível celular e neurológico, no mínimo.

– Façam como quiserem – disse Chase. – Mas isso será o funeral de todos nós se você estiver errado.

– Ela fica – disse Brock, estreitando o olhar para o outro lado da mesa, que perfurou o ex-agente que sorria.

– Você está todo animado com essa humana desde o segundo em que a viu – observou Chase, o tom leve, mas com a expressão carregada de desafio. – Tem algo a provar, amigo? O que foi... você é um daqueles tolos loucos por uma dama em apuros? O santo padroeiro das causas perdidas. Essa é a sua?

Brock voou por cima da mesa num único salto. Poderia ter acabado com as mãos no pescoço de Chase, mas o vampiro previu o seu ataque e se moveu com a mesma velocidade. A cadeira caiu para trás e, em meio segundo, os dois machos grandes estavam cara a cara, travados numa batalha que nenhum deles poderia vencer.

Brock sentiu mãos fortes afastando-o do confronto, Kade e Tegan, chegando ali antes que ele conseguisse desferir o soco que Chase merecia. E atrás de Chase estavam Lucan e Hunter, os dois e os demais prontos a pôr panos quentes na situação caso um dos machos resolvesse agir.

Encarando Chase com raiva, Brock se permitiu ser afastado, mas só isso. Pelo que não foi a primeira vez, refletiu sobre a natureza antagônica e agressiva de Sterling Chase, e pensou no que fazia com que o de outro modo habilidoso e fantástico guerreiro fosse tão volátil.

Se a Ordem tinha uma bomba acionada com que se preocupar em seu meio, Brock ficou pensando se não estava olhando para ela naquele mesmo instante.

– Por que diabos isso está demorando tanto?

Jenna não tinha percebido que dera vazão à sua preocupação em voz alta até sentir a mão de Alex.

– Gideon disse que queria fazer outros testes na sua amostra. Tenho certeza de que logo vamos ter notícias.

Jenna bufou um suspiro. De bengala na mão, mesmo sentindo apenas uma necessidade mínima de se apoiar nela, levantou-se do sofá no qual estivera sentada e claudicou até o outro lado da sala de estar do apartamento. Fora levada até ali por Alex e Tess depois que colheram a amostra do seu sangue na enfermaria poucas horas atrás, dizendo-lhe que lhe tinham dado o uso daquele espaço pela duração da sua estada no complexo.

Aquela suíte era uma melhora e tanto em relação ao quarto da enfermaria. Espaçosa e confortável, com mobília grande de couro e mesinhas de madeira escura meticulosamente polidas, não entulhadas de tranqueiras. Estantes altas de madeira perfiladas com livros clássicos, de filosofia e história à altura de uma biblioteca. Livros provocativos e sérios que pareciam em contraste com uma prateleira muito bem organizada – caramba, em ordem alfabética – de livros de ficção populares bem ao lado.

Jenna deixou seu olhar passar pelas prateleiras de títulos e autores, necessitando de uma distração momentânea para impedir que pensasse demais no que poderia estar provocando tanta demora para ouvir as respostas de Gideon e dos outros.

– Faz mais de uma hora que Tess está lá – observou, tirando um livro qualquer sobre cantoras de jazz de sua posição na seção de história. Folheou as páginas, mais para dar algo paras as suas mãos fazerem do que por algum interesse real pelo livro.

Enquanto passava pelo capítulo sobre a era dos clubes de jazz dos anos 1920, uma fotografia amarelada escorregou. Jenna a apanhou antes que caísse no chão. O rosto sorridente de uma mulher jovem num vestido de seda cintilante e pele brilhante a fitava da imagem. Com olhos grandes e amendoados e tez de porcelana que parecia reluzir em contraste com os cabelos negros longos, ela era linda e exótica, ainda mais no cenário do clube de jazz ao fundo.

Com sua própria vida num espiral de confusão e preocupação, Jenna sentiu-se perplexa por um momento pelo júbilo evidente no sorriso amplo da jovem. Era uma alegria tão patente, franca, que quase sentiu uma dor física ao vê-la. Ela também já vivenciara esse tipo de felicidade, não? Deus, quanto tempo se passara desde que sentira ainda que metade da vivacidade daquela jovem da fotografia?

Brava com essa sensação de autopiedade, Jenna guardou a fotografia no livro, que devolveu ao seu lugar na prateleira.

– Não aguento mais. Isso está me deixando louca.

– Eu sei, Jen, mas...

– Ao diabo. Não vou mais ficar aqui esperando – disse, virando-se para encarar a amiga. A ponta da bengala se chocou no tapete ao abrir caminho até a porta. – Eles já devem ter alguns resultados a esta altura. Tenho que saber o que está acontecendo. Vou lá agora mesmo.

– Jenna, espere – Alex pediu atrás dela.

Mas ela já estava no corredor, andando o mais rápido que conseguia, apesar do impedimento da bengala e da leve fisgada que trespassava sua perna a cada passo apressado.

– Jenna! – Alex a chamou, com as passadas rápidas ecoando no corredor já deserto.

Jenna prosseguiu pelos corredores de mármore branco polido. A perna começava a latejar, mas ela não se importou. Deixou a bengala de lado, que só a retardava, e faltou pouco para começar a correr na direção das vozes abafadas dos machos logo mais adiante. Ela arfava ao chegar à parede de vidro do laboratório de tecnologia, com suor sobre seus lábios e na testa provocado pela dor.

Seus olhos encontraram Brock antes de qualquer outro membro do grupo aparentemente solene. Seu rosto estava tenso, os tendões do pescoço esticados como cabos, a boca formando uma linha carrancuda, quase ameaçadora. Ele estava no fundo da sala, cercado pelos outros guerreiros, todos aparentando tensão e inquietação, ainda piores agora que ela estava ali. Gideon e Tess estavam próximos ao nicho de computadores na parte anterior do laboratório.

Todos pararam o que estavam fazendo para fitá-la.

Jenna sentiu o peso dos olhares como algo físico. Seu coração se contraiu. Obviamente, eles já tinham a análise de seu sangue. Será que os resultados eram tão horríveis assim?

Suas expressões eram inescrutáveis, todos a mantendo sob observação cautelosa, silenciosa, conforme seus passos desaceleraram diante das portas deslizantes do laboratório.

Deus, olhavam para ela como se nunca a tivessem visto antes.

Não, percebeu, ao notar que o grupo continuava imóvel, olhando para ela através da parede transparente que a separava do grupo solene do outro lado. Olhavam-na como se esperassem que já estivesse morta.

Como se ela fosse um fantasma.

Um medo horrível se instalou em seu estômago, mas ela não pretendia recuar agora.

– Deixem-me entrar – exigiu, irritada e aterrorizada. – Maldição, abram essa maldita porta e me digam o que está acontecendo!

Levantou a mão e cerrou o punho, mas antes que pudesse bater no vidro, as portas deslizaram num sibilo suave. Avançou para dentro, sendo seguida de perto por Alex.

– Podem me contar – disse Jenna, o olhar passando de um rosto silencioso a outro. Demorou-se em Brock, a única pessoa naquela sala, além de Alex, por quem ela sentia alguma confiança. – Por favor... Preciso saber o que descobriram.

– Ocorreram algumas mudanças no seu sangue – disse ele, a voz grave impossivelmente baixa. Gentil demais. – E no seu DNA também.

– Mudanças. – Jenna engoliu em seco. – Que tipo de mudanças?

– Anomalias – Gideon interviu. Quando ela virou a cabeça na direção dele, ficou surpresa pela preocupação no olhar do guerreiro. Ele falava com cautela, parecendo demais com um médico retardando o pior tipo de notícia a dar ao seu paciente. – Descobrimos uma reprodução celular estranha, Jenna. Mutações que estão sendo passadas ao seu DNA e que se multiplicam a uma velocidade excessiva. Essas mutações não estavam presentes na última análise que efetuamos no seu sangue.

Ela balançou a cabeça, tanto pela confusão quanto como um reflexo de negação ao que pensava estar ouvindo.

– Não estou entendendo. Está se referindo a algum tipo de doença? Aquela criatura me infectou com alguma coisa quando me mordeu?

– Nada disso – disse Gideon, lançando um olhar ansioso para Lucan. – Bem, não exatamente.

– Então, o que, exatamente? – ela exigiu saber. A resposta surgiu meio segundo mais tarde. – Ai, meu Deus. Esta coisa na minha nuca... – Ela pôs a mão sobre o ponto em que o Antigo havia inserido o material não identificado do tamanho de um grânulo. – Esta coisa que ele colocou dentro de mim está provocando as mudanças. É isso, não é?

Gideon assentiu de leve.

– É biotecnologia de algum tipo, nada que a Raça ou a espécie humana tenha capacidade de criar. Pelas radiografias mais recentes de hoje, parece que o implante está se integrando à sua medula espinhal num ritmo muito acelerado.

– Tire isso.

Uma rodada de olhares preocupados passou pelo grupo de machos grandes. Mesmo Tess parecia pouco à vontade, sem conseguir sustentar o olhar de Jenna.

– Não é tão simples assim – Gideon respondeu, por fim. – Talvez você deva ver as imagens por si só.

Antes que ela conseguisse pensar se queria ou não ver as provas daquilo que lhe estava sendo dito, a imagem do seu crânio e coluna piscou na tela plana afixada numa parede diante dela. Num segundo, Jenna notou o nauseante objeto do tamanho de um grão de arroz que brilhava no centro da sua primeira vértebra. Os tentáculos que estiveram presentes no dia anterior eram mais numerosos naquela nova imagem.

Muito mais do que centenas a mais, cada tênue feixe entrando – inextricavelmente – ao redor e através da sua medula óssea.

Gideon pigarreou.

– Como disse, o objeto aparentemente é formado por uma combinação de material genético e alta tecnologia avançada. Nunca vi nada assim antes, tampouco consegui encontrar algum tipo de pesquisa científica humana que se assemelhasse minimamente a isso. Considerando-se as transformações biológicas que temos observado em seu DNA e em seu sangue, parece ser a fonte do material genético do próprio Antigo.

O que significava que parte daquela criatura estava dentro dela. Vivendo ali. Vicejando.

A pulsação de Jenna ecoava em seu peito. Ela sentia o fluxo sanguíneo acelerado nas veias, células alteradas que ela imaginava abrindo caminho em seu corpo a cada batida do coração, multiplicando-se, crescendo, devorando-a por dentro.

– Arranquem isso de mim – disse ela, a voz se elevando por causa da angústia. – Tirem essa maldita coisa de dentro de mim ou eu mesma tiro!

Com as duas mãos, ela começou a arranhar a nuca, o desespero fazendo-a agir como louca.

Ela nem percebeu Brock se movendo da sua posição do outro lado do laboratório, mas, em menos de um instante, ele estava bem ao seu lado, as mãos grandes envolvendo-a com os dedos. Os olhos castanhos prenderam-na pelo olhar e não a soltaram.

– Relaxe agora – disse ele, num sussurro gentil, porém com firmeza tirou-lhe as mãos da nuca e segurou-as entre as suas. – Respire, Jenna.

Com os pulmões contraídos, ela emitiu um soluço.

– Solte-me. Por favor, deixem-me em paz, todos vocês.

Ela se afastou e tentou ir embora, mas a pulsação pesada e o tinir em seus ouvidos fez a sala girar ao seu redor com violência. Uma onda obscura de náusea a acometeu, envolvendo-a numa névoa densa e atordoante.

– Te peguei – a voz tranquilizadora de Brock murmurou junto ao seu ouvido.

Ela sentiu os pés deixarem o chão e, pela segunda vez em poucos dias, viu-se amparada pela segurança dos braços dele.


Capítulo 10

Ele não deu explicações para o que estava fazendo ou para onde a estava levando. Apenas saiu do laboratório de tecnologia e a carregou pelo mesmo corredor pelo qual ela viera minutos antes com Alex.

– Solte-me – exigiu Jenna, os sentidos ainda confusos, tinindo a cada longa passada das pernas de Brock. Mudou de posição nos braços dele, tentando ignorar como até mesmo o menor dos movimentos fazia sua cabeça girar e seu estômago revirar. A cabeça pendeu sobre o antebraço forte, um gemido de dor escapando. – Eu disse para me colocar no chão, inferno.

Ele grunhiu enquanto continuava a caminhar.

– Eu ouvi na primeira vez.

Ela fechou os olhos, só porque estava difícil demais mantê-los abertos e ver o teto do corredor se contorcer e girar logo acima enquanto Brock a carregava complexo adentro. Diminuiu o ritmo a certa altura, depois virou, e Jenna abriu os olhos, vendo que ele a levara de volta à suíte que agora era seu quarto.

– Por favor, me ponha no chão – murmurou, a língua grossa, a garganta seca. O latejar por trás dos olhos se tornara uma pulsar firme, o tinido nos ouvidos um lamento agudo que parecia partir seu crânio ao meio. – Deus – arfou, sem conseguir disfarçar a agonia. – Está doendo muito...

– Ok – disse Brock baixinho. – Tudo vai ficar bem agora.

– Não, não vai. – Ela choramingou, humilhada pelo som da sua fraqueza, e pelo fato de que Brock a estava vendo assim. – O que está acontecendo comigo? O que ele fez comigo?

– Isso não importa agora – sussurrou Brock, a voz grave mostrando-se contraída. Uniforme demais para ser confiável. – Primeiro, vamos fazer você superar isto.

Atravessou o quarto com ela e se ajoelhou para acomodá-la no sofá. Jenna se recostou e deixou que ele lhe endireitasse as pernas, não tão perdida no desconforto e na preocupação para deixar de notar o carinho das mãos fortes daquele homem, que, provavelmente, seriam capazes de extrair a vida de alguém com pouco mais do que uma contorção.

– Relaxe – disse ele, as mãos fortes e carinhosas afagando seu rosto, os olhos escuros incitando-a a sustentar seu olhar. – Apenas relaxe e respire, Jenna. Consegue fazer isso por mim?

Ela se acalmou um pouco de pronto, relaxando ao som do seu nome nos lábios dele, o resvalar quente dos dedos que desciam pelo rosto e pelo maxilar e, depois, pela lateral do pescoço. As lufadas curtas de ar que entravam e saíam dos seus pulmões começaram a se acalmar, enquanto Brock amparava a nuca com uma mão e deslizava a outra palma num indo e vindo lento sobre o peito dela.

– Isso mesmo – murmurou, o olhar preso ao dela, intenso e, ainda assim, inacreditavelmente carinhoso. – Solte toda a dor e relaxe. Você está segura, Jenna. Pode confiar em mim.

Ela não sabia por que essas palavras deveriam afetá-la como a afetaram. Talvez a dor a tivesse enfraquecido. Talvez fosse o medo do desconhecido, o abismo da incerteza que subitamente se tornara a sua realidade desde aquela noite gélida e horrenda no Alasca.

E talvez fosse pelo simples fato de que fazia muito tempo, quatro solitários anos, desde que ela sentira a carícia cálida de um homem, mesmo que apenas para oferecer consolo.

Quatro anos vazios desde que se convencera de que não precisava de nenhum contato afetuoso ou intimidade. Quatro anos infindáveis desde que se lembrava do como era se sentir uma mulher de carne e osso, como se fosse desejada. Como se pudesse, um dia, ser capaz de abrir o coração para algo mais.

Jenna fechou os olhos quando lágrimas começaram a arder. Afastou a onda de emoção que surgiu inesperadamente e, em vez disso, concentrou-se nas pontas dos dedos quentes e reconfortantes de Brock em sua pele. Deixou que sua voz a acalentasse, sentindo suas palavras e seu toque trabalharem juntos para ajudá-la a superar a angústia do estranho trauma que parecia estar despedaçando-a de dentro para fora.

– Isso é bom, Jenna. Apenas respire agora.

Ela sentiu a garra de dor em seu crânio relaxar enquanto ele lhe falava. Brock acariciou suas têmporas com os polegares, os dedos esticados em seus cabelos, amparando sua cabeça de maneira reconfortante. O tinir agudo em seus ouvidos começou a diminuir, a desaparecer, até, por fim, sumir de vez.

– Você está indo muito bem – murmurou Brock, a voz mais sombria do que antes, um pouco mais do que um grunhido. – Solte tudo, Jenna. Dê o resto para mim.

Ela exalou um suspiro profundo, sem conseguir mantê-lo dentro de si enquanto Brock a afagava no rosto e no pescoço. Ela gemeu, abraçando o prazer que lentamente devorava sua agonia.

– Isso é bom – sussurrou, sem poder resistir ao desejo de se aproximar do seu toque. – A dor já não é tão forte agora.

– Isso é muito bom, Jenna. – Ele inspirou, parecendo mais um arquejo, depois exalou um gemido. – Liberte-se de tudo.

Jenna sentiu um tremor vibrar por seus dedos enquanto ele falava. As pálpebras se abriram e ela arfou ao vê-lo tão tenso.

Os tendões do pescoço estavam retesados, a mandíbula travada com tanta força que era um milagre que seus dentes não tivessem trincado. Um músculo latejava no rosto delgado. Gotas de suor se formavam na testa e sobre os lábios.

Ele estava com dor.

Uma dor impossível, assim como ela estivera há minutos, antes que seu toque parecesse afastar a agonia.

Foi então que ela entendeu.

Ele não estava simplesmente acalmando-a com as mãos. Ele estava, de alguma forma, tirando a dor dela. Canalizando-a, de propósito, para si.

Ofendida com a ideia, porém ainda mais envergonhada por ter se deixado permanecer ali deitada, imaginando que a carícia dele fosse algo mais do que pura piedade, Jenna se retraiu do seu toque e se pôs sentada num canto do sofá. Respirou fundo de ultraje ao fitar os olhos escuros que reluziam fachos de luz âmbar.

– Que diabos pensa que está fazendo? – arfou, pondo-se de pé.

O músculo que estivera latejando em seu maxilar se retesou quando ele se levantou para enfrentá-la.

– Ajudando você.

Imagens tomaram conta da sua mente em um instante: repentinas lembranças vívidas dos momentos posteriores ao seu cativeiro com a criatura que invadira o seu chalé no Alasca.

Naquele momento, ela também sentira dores. Estivera aterrorizada e em estado de choque, tão devastada de horror e confusão que achou que acabaria morrendo.

E se lembrou das mãos delicadas e cálidas que a confortaram. O rosto de um belo desconhecido sério que entrara em sua vida como um anjo negro e a manteve a salvo, protegida e tranquila, quando tudo em seu mundo fora transformado em caos.

– Você esteve lá – murmurou, atônita por perceber só então. – No Alasca, depois que o Antigo sumiu. Você ficou comigo. Também tirou minha dor naquela hora. E mais tarde, depois que fui trazida para o complexo. Meu Deus... Você ficou comigo o tempo todo em que estive na enfermaria? Os olhos dele permaneceram fixos nos dela, sombrios, inescrutáveis.

– Eu era o único que podia ajudar você.

– Quem te pediu isso? – exigiu saber, num tom sabidamente áspero, mas desesperada por expurgar o calor que ainda trafegava dentro dela, indesejado e espontâneo.

Já era ruim que ele achasse necessário acalentá-la como se ela fosse algum tipo de criança em sua provação prolongada. E ainda pior que ele parecesse pensar ser necessário repetir isso agora também. Maldita fosse se permitisse que ele pensasse, por um segundo sequer, que ela, de fato, desejara seu toque.

Com a expressão ainda carregada pelo que lhe fizera instantes antes, ele meneou a cabeça e imprecou.

– Para uma mulher que não quer a ajuda de ninguém, você bem que parece precisar muito.

Ela mal resistiu à tentação de lhe dizer onde ele podia enfiar sua compaixão.

– Sei cuidar de mim sozinha.

– Como cuidou ontem à noite na cidade? – ele a desafiou. – Como fez há poucos minutos no laboratório, pouco antes que os meus braços fossem a única coisa entre o seu traseiro teimoso e o chão?

A humilhação queimou seu rosto tal qual um tapa.

– Sabe de uma coisa? Faça-nos um favor e não me faça mais favor algum!

Ela se virou para se afastar dele, seguindo para a porta ainda aberta para o corredor. Cada passo miraculosamente sem dor só aumentava sua raiva de Brock, deixando-a ainda mais determinada a colocar o máximo possível de distância entre eles.

Antes que conseguisse se aproximar da soleira, ele se postou diante dela, bloqueando-lhe o caminho, mesmo que ela não tivesse visto ou ouvido ele se mover.

Parou. Encarou-o, atordoada por sua evidente velocidade sobrenatural.

– Saia da minha frente – disse, tentando passar por ele.

Ele deu um passo para o lado, colocando o corpo imenso diretamente diante do dela. A intensidade do seu olhar revelou que ele queria lhe dizer algo mais, mas Jenna não queria ouvir. Precisava ficar sozinha.

Precisava de espaço para pensar sobre tudo o que lhe acontecera... Tudo que ainda estava acontecendo, ficando cada vez mais assustador ao mesmo tempo.

– Saia da frente – disse ela, odiando o leve tremor em sua voz.

Brock lentamente levantou a mão e afastou uma mecha de cabelo da testa dela. Foi um gesto meigo, uma afabilidade que ela tanto precisava, mas que tinha medo de aceitar.

– Você está no nosso mundo agora, Jenna. Quer queira admitir ou não, precisa de ajuda.

Ela observou-lhe a boca enquanto ele falava, desejando não se sentir tão atenta aos lábios cheios e sensuais. Ele ainda estava suportando a sua dor; podia saber pelo ligeiro inflar nas narinas enquanto ele inspirava e expirava de modo controlado. Tampouco a tensão do belo rosto e do pescoço forte se desfizera.

Durante toda a sua vida, ela se esforçou para provar seu valor, primeiro para o pai e para o irmão, Zach, sendo que ambos deixaram claro que duvidavam que ela tivesse o necessário para fazer parte da força policial. Mais tarde, esforçou-se para ser uma mãe e esposa perfeitas. A vida toda fora estruturada numa fundação de força, disciplina e competência.

De maneira inacreditável, enquanto ficava ali diante de Brock, não foi o fato de ele ser algo mais que humano – algo perigoso e alienígena – que fez com que ela quisesse que o chão se abrisse e a engolisse. Foi o medo de que ele pudesse enxergar através da casca de raiva que ela usava como uma armadura, vendo-a como o fracasso solitário e amedrontado que ela, de fato, era.

Brock balançou de leve a cabeça em sua direção enquanto o silêncio se estendia entre eles. Os olhos perscrutaram seu rosto por inteiro antes de se deterem sobre o seu olhar.

– Existem coisas piores do que precisar se apoiar em alguém de vez em quando, Jenna.

– Maldição! Eu disse para sair da minha frente! – Ela pousou as palmas sobre o peito largo e o empurrou com toda a raiva e medo que havia dentro dela.

Brock foi lançado para trás, quase se chocando com a parede oposta do corredor.

Jenna arquejou, assustada e surpresa com o que acabara de fazer.

Horrorizada.

Brock era muito forte, com quase dois metros de altura e mais de cem quilos de músculo e força. Alguém muito mais forte do que ela. Alguém muito mais poderoso do que qualquer outra pessoa que já tivesse conhecido.

As sobrancelhas dele se ergueram em sinal de surpresa.

– Jesus Cristo – murmurou, com muito mais admiração do que raiva na voz.

Jenna suspendeu as mãos diante de si e fitou-as como se elas pertencessem a outra pessoa.

– Ai, meu Deus... Como eu... O que aconteceu?

– Está tudo bem – garantiu ele, voltando para perto dela com aquela enlouquecedora tranquilidade.

– Brock, desculpe. Verdade, eu não queria...

– Eu sei – disse ele, assentindo com seriedade. – Não se preocupe. Você não me machucou.

Uma bolha de histeria subiu-lhe pela garganta. Primeiro, a notícia chocante de que o implante de algum modo estava alterando seu DNA, e agora isso: uma força que não tinha como ser sua, mas, de alguma maneira, era. Relembrou sua fuga da propriedade e as estranhas habilidades linguísticas que pareceu adquirir desde que o Antigo deixara uma parte de si emaranhado em sua medula espinhal.

– Que diabos está acontecendo comigo, Brock? Quando tudo isso vai terminar?

Ele lhe segurou as mãos trêmulas entre suas palmas com firmeza.

– O que quer que esteja acontecendo, você não tem que passar por isso sozinha. Precisa entender isso.

Ela não sabia se ele falava em nome de todos no complexo ou por si só. Ela não tinha voz para pedir uma explicação. Disse a si mesma que não importava o significado das palavras dele; contudo, isso não desacelerou seu coração quando o fitou. Sob o calor dos insondáveis olhos castanhos, ela sentiu os seus piores medos se dissolverem.

Sentia-se aquecida e protegida, coisas que queria negar, mas não podia enquanto Brock a estivesse segurando pelas mãos e pelo olhar.

Ele franziu a testa após um longo momento e lentamente soltou-lhe as mãos, deixando as suas deslizarem pelos braços dela, numa carícia sensual, demorando-se o suficiente para deixar claro que aquilo não era nada menos do que íntimo. Jenna sabia disso, e via que ele também sabia.

Os olhos escuros pareceram se aprofundar, engolindo-a. Recaíram sobre sua boca e lá ficaram enquanto a respiração de Jenna saía num suspiro trêmulo.

Ela sabia que devia se afastar dele agora. Não havia motivo para permanecerem perto assim, com meros centímetros separando seus corpos. Menos ainda entre a boca dele e a dela. Só seria preciso um leve inclinar da cabeça dele ou um erguer da dela e seus lábios se encontrariam.

A pulsação de Jenna acelerou ante a ideia de beijar Brock.

Coisa que, quando ele a carregara para o quarto, estivera bem longe dos seus pensamentos. Não muito tempo atrás, quando seu medo e sua raiva a fizeram sibilar e grunhir como um animal selvagem preso numa armadilha de caçador.

Mas agora, enquanto Brock permanecia tão perto que ela sentia o calor do corpo dele irradiando para o seu, a fragrância da pele tentando-a a aproximar o rosto e inspirar seu cheiro, beijá-lo era uma necessidade secreta que pulsava dentro dela a cada batida fugidia do seu coração.

Talvez ele soubesse o que ela estava sentindo.

Talvez ele estivesse sentindo a mesma coisa.

Ele emitiu uma imprecação, depois recuou um passo, encarando-a com ardor e firmeza.

– Ah... droga... Jenna...

Quando ergueu as mãos fortes e segurou o seu rosto com delicadeza, todo o ar pareceu evaporar no quarto. Os pulmões de Jenna pareceram congelar dentro do peito, mas o coração continuava acelerado, batendo tão rapidamente que pensou que ele poderia explodir.

Esperou, num misto de terror e esperança, atônita com a necessidade que tinha de sentir a boca de Brock na sua.

A língua dele molhou os lábios, o movimento permitindo que ela tivesse um vislumbre das pontas das suas presas, reluzindo como diamantes. Ele praguejou novamente, depois se afastou um pouco, deixando uma lufada de ar frio diante dela onde o calor do seu corpo estivera apenas um segundo antes.

– Eu não deveria estar aqui – murmurou com voz espessa. – E você precisa descansar. Fique à vontade. Se não houver cobertas suficientes na cama, encontrará mais no armário do banheiro. Use tudo que precisar.

Jenna teve que se dar um chacoalhão mental para entender a conversa.

– Este... hum... Este quarto é seu?

Ele acenou de leve, já saindo para o corredor.

– Era. Agora é seu.

– Espere – Jenna o seguiu. – E quanto a você? Você tem onde ficar?

– Não se preocupe – disse ele, parando para olhá-la quando ela se apoiou na maçaneta. – Descanse um pouco, Jenna. Te vejo por aí.

O sangue ainda corria quente nas veias de Brock pouco depois, quando ele parou diante de uma das últimas suítes residenciais e bateu à porta fechada.

– Faltam ainda onze minutos para a hora que combinamos – diz a voz profunda e prática do macho da Raça do outro lado.

A porta se abriu, e Brock foi perfurado por um par de olhos dourados inescrutáveis.

– Avon chama – disse Brock à guisa de um cumprimento ao suspender a mochila de couro preta que continha todos os seus pertences pessoais retirados dos seus aposentos. – E o que quer dizer com isso, cheguei onze minutos antes? Não me diga que você vai ser um daqueles colegas de quarto certinhos que fazem tudo seguindo um cronograma. Minhas escolhas são limitadas, já que você e Chase têm os últimos quartos do complexo. E, para falar a verdade, se Harvard e eu tivermos que dividir um quarto, não sei se sobreviveremos uma semana.

Hunter nada disse enquanto Brock passava por ele e entrava no quarto. Ele o seguiu para a parte das camas, tão sorrateiro quanto um fantasma.

– Pensei que fosse outra pessoa – afirmou um tanto tardiamente.

– É mesmo? – Brock girou de frente para o estoico Primeira Geração, verdadeiramente curioso a respeito do mais recente e reservado membro da Ordem. Sem falar no fato de que estava ávido para desviar a mente dos seus pensamentos ardentes a respeito de Jenna Darrow. – A quem esperava além de mim?

– Não importa – respondeu Hunter.

– Ok. – Brock deu de ombros. – Só estou tentando bater papo, mas tudo bem.

A expressão do Primeira Geração continuou impassível, absolutamente normal. O que não era surpresa, levando-se em consideração o modo como o macho fora criado: como um dos assassinos domésticos de Dragos. Inferno, o cara nem mesmo tinha um nome. Como o restante do exército pessoal criado por Dragos a partir do Antigo, referiam-se ao Primeira Geração apenas pelo único propósito da sua vida: Hunter3.

Ele chegara à Ordem há poucos meses, depois que Brock, Nikolai e alguns dos outros guerreiros atacaram uma reunião de Dragos e dos seus tenentes. Hunter fora libertado durante o ataque e agora era aliado contra o seu criador nos esforços da Ordem em acabar com Dragos.

Brock parou diante das duas camas que estavam em cada lado do quarto em estilo modesto. As duas estavam arrumadas com precisão militar, coberta marrom e lençóis brancos sem nenhuma prega, um único travesseiro meticulosamente colocado na cabeceira de cada estrado.

– Então, qual é a sua cama?

– Não faz diferença para mim.

Brock voltou a fitar o rosto impassível e os inescrutáveis olhos dourados.

– É só me dizer em qual costuma dormir e eu pego a outra.

O olhar nivelado de Hunter não se alterou em nada.

– São apenas mobília. Não tenho nenhum apego nem por uma, nem por outra.

– Nenhum apego – repetiu Brock num murmúrio. – Pois é, cara. Talvez você possa me dar algumas dicas sobre essa sua postura “não estou nem aí”. Acho que viria bem a calhar de tempos em tempos. Especialmente no que se refere às mulheres.

Com um grunhido, largou suas coisas na cama da esquerda, depois esfregou as mãos no rosto e na cabeça. O gemido que escapou dele estava carregado de frustração e do desejo retido que vinha abafando desde que se forçara a deixar Jenna e a tentação de que não precisava.

– Maldição – grunhiu, o corpo tinindo de novo só de lembrar o belo rosto erguido ao fitá-lo.

Era como se ela estivesse à espera de um beijo seu. Tudo que era masculino dentro de si afirmara isso com absoluta certeza na hora, mas ele sabia que aquela era a última coisa de que Jenna precisava.

Ela estava confusa e vulnerável, e ele se considerava mais do que um homem que poderia tirar vantagem disso só porque a sua libido clamava por ela. Claro, isso não o fazia se sentir muito melhor a respeito da excitação que, do nada, voltava à vida de novo, deixando toda a sua honradez de lado.

– Que beleza, meu herói – admoestou-se severamente. – Agora vai precisar afundar numa banheira de gelo por uma semana por ter bancado o nobre...

– Está se sentindo mal? – perguntou Hunter, assustando Brock, que não havia percebido que o outro macho ainda estava atrás dele no quarto.

– É... – disse Brock, dando uma risada sardônica. – Não ando muito bem, não. Se quer saber a verdade, não estou me sentindo bem desde que pus os olhos nela.

– A fêmea humana – disse Hunter, com um ar de compreensão grave. – Está aparente que ela é um problema para você.

Brock emitiu um suspiro sem humor algum.

– Acha mesmo?

– Sim, acho. – Não havia julgamento em sua voz, apenas uma declaração dos fatos. Ele falava como uma máquina: total precisão, zero sentimento. – Deduzo que todos no laboratório de tecnologia chegaram à mesma conclusão hoje, quando permitiu que Chase provocasse sua ira por conta dos comentários sobre o seu apego àquela mulher. Suas ações demonstraram uma fraqueza do seu treinamento e, pior, falta de autocontrole. Reagiu de modo impensado.

– Obrigado por notar – respondeu Brock, suspeitando que seu sarcasmo seria desperdiçado no caçador antissocial e imperturbável. – Lembre-me de encher o seu saco daqui até a semana seguinte se um dia chegar a relaxar o bastante para deixar uma mulher o irritar.

Hunter não reagiu, apenas o fitou sem demonstrar nenhuma centelha de emoção.

– Isso não acontecerá.

– Merda – disse Brock, meneando a cabeça ante o soldado Primeira Geração rígido que fora criado na base da negligência e da disciplina do castigo. – Você não deve ter estado com a mulher certa se tem tanta segurança assim.

A expressão de Hunter continuou estoica. Distante e imparcial. Na verdade, quanto mais Brock olhava para ele, mais claramente começava a enxergar a verdade.

– Caramba. Já esteve, algum dia, com uma mulher, Hunter? Meu Deus... Você é virgem, não é?

Os olhos dourados do Primeira Geração continuaram fixos no olhar de Brock como se considerasse aquilo algum teste de força de vontade no qual ele não permitiria que a revelação o afetasse. E Brock tinha que dar o braço a torcer, pois nenhum grau de emoção cintilou naqueles olhos sinistros, tampouco nas feições perfeitamente disciplinadas.

A única coisa que fez Hunter reagir foi o barulho suave de chinelos se arrastando pelo corredor. Uma voz infantil, Mira, chamando da sala de estar.

– Hunter, você está aí?

Ele se virou sem dar nenhuma explicação e foi se encontrar com a garotinha.

– Agora não é uma boa hora. – Brock o ouviu lhe dizer em seu tom modulado e grave.

– Mas não quer saber o que acontece com Harry quando ele põe a capa da invisibilidade? – perguntou Mira, o desapontamento abaixando o tom de sua voz normalmente alegre. – Essa é uma das minhas partes prediletas no livro. Você tem que ouvir esse capítulo. Vai amar.

– Ela tem razão, é uma das melhores partes. – Brock saiu do quarto, sem saber o que o fez sorrir mais: a percepção de que o implacável assassino Primeira Geração era um virgem sem experiência alguma, ou a mais recente notícia, igualmente divertida, de que o encontro que ele aparentemente atrapalhara ao aparecer com as suas coisas era a hora da leitura de Hunter com a mais jovem residente do complexo.

Deu uma piscadela e um sorriso para Mira quando ela se acomodou no sofá e abriu o livro na parte em que havia parado de ler.

– Relaxe – disse a Hunter, que estava de pé, tão duro quanto uma estátua. – Não vou revelar os seus segredos a ninguém.

Não esperou para ver a reação dele, apenas foi andando para o corredor, deixando Hunter olhando-o enquanto saía.


Caçador


Capítulo 11

– Cruzem os dedos, meninas, mas acho que acabamos de encontrar a pista que procurávamos. – Dylan desligou o telefone e girou a cadeira para ficar de frente para Jenna, Alex, Renata e Savannah, todas reunidas na sala de reuniões das Companheiras de Raça nas últimas horas.

Na verdade, chamá-la de sala de reuniões não lhe fazia justiça. Havia pelo menos meia dúzia de computadores numa mesa longa num dos lados da sala, caixas de arquivos suspensos organizados por localização dispostas numa estante alta para facilitar o acesso, quase cada espaço da parede coberto por mapas marcados da Nova Inglaterra e gráficos de investigação detalhados que envergonhariam boa parte das unidades de casos antigos arquivados da polícia. Em meio a esses gráficos, muitos esboços de retratos falados de jovens, os rostos de algumas desaparecidas, a quem a Ordem e suas companheiras diligentes estavam determinadas a encontrar.

Não, Jenna pensou ao olhar ao redor, aquela não era uma mera sala de reuniões.

Aquela era uma sala devotada à estratégia, a uma missão, à guerra.

Jenna acolhia a energia do lugar, ainda mais depois das notícias perturbadoras que recebera a respeito do seu último exame de sangue. Também precisava da distração a fim de não pensar nos inesperados momentos ardentes que partilhara com Brock no quarto dele, ou melhor, no seu. Ela praticamente dera um salto quando lhe surgiu a oportunidade de sair de lá depois que ele foi embora. Fora Alex quem apareceu procurando-a pouco depois, e fora ela quem a trouxera consigo para a sala de guerra das Companheiras de Raça para ter companhia e ficar conversando.

Ela não desejara se interessar pelo trabalho em que as mulheres da Ordem estavam envolvidas, mas, enquanto esteve entre elas, foi quase impossível para a policial dentro de si ignorar o rastro de uma boa busca por informações. Sentou-se um pouco ereta na cadeira ante a mesa de reuniões quando Dylan andou até a impressora para pegar uma folha que acabara de sair da máquina.

– O que conseguiu? – perguntou Savannah.

Dylan bateu a folha na mesa diante das mulheres reunidas.

– Irmã Margaret Mary Howland.

Jenna e as outras se inclinaram para olhar para a imagem escaneada. Era a foto de um grupo de uma dúzia ou pouco mais de garotas e jovens mulheres. Pelo estilo das roupas, parecia ter sido tirada uns vinte anos antes. O grupo estava reunido num gramado abaixo das escadas de uma varanda coberta, no tipo de pose que as estudantes às vezes faziam para a foto escolar anual. A não ser pelo fato de que, naquele caso, não havia uma escola atrás delas, mas uma casa grande, simples, autoproclamada Lar para Mulheres St. John, Queensboro, Nova York.

Uma mulher de meia-idade de rosto gentil usando um crucifixo como pingente e um vestido de verão modesto estava ao lado do grupo reunido debaixo do beiral branco no qual a placa pintada estava suspensa. Uma das moças mais jovens estava com a mulher de mais idade, os ombros finos seguros por mãos carinhosas, o rostinho erguido com um olhar luminoso de afeto.

– É ela – disse Dylan, apontando para a mulher com o sorriso maternal e braços protetores. – Irmã Margaret.

– E ela é...? – perguntou Jenna, sem conseguir conter a curiosidade.

Dylan relanceou para ela.

– Neste instante, se ainda estiver viva, esta mulher é a nossa aposta mais segura para descobrirmos mais sobre as Companheiras de Raça que sumiram ou acabaram mortas pelas mãos de Dragos.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não estou entendendo.

– Algumas das mulheres que ele matou, e provavelmente muitas outras que ele mantém em cativeiro, vieram de abrigos de fugitivas – disse Dylan. – Veja bem, não é incomum que as Companheiras de Raça se sintam confusas e deslocadas na sociedade mortal. A maioria de nós não sabe o quanto é diferente, muito menos o motivo para isso. Além da marca de nascença em comum e das características biológicas, todas nós temos também habilidades extrassensoriais singulares.

– Não o tipo de coisa que você vê nos programas da TV ou em comerciais anunciando serviços de pessoas psíquicas – explicou Savannah. – Talentos verdadeiramente extrassensoriais são normalmente o meio mais seguro de identificar uma Companheira de Raça.

Dylan concordou.

– Às vezes, esses talentos são uma bênção, mas em muitas outras são uma maldição. O meu dom foi uma maldição em boa parte da minha vida, mas, felizmente, tive uma mãe amorosa. Por isso, não importava o quanto eu ficasse confusa ou assustada, sempre tive a segurança de um lar.

– Mas nem todas têm essa sorte – acrescentou Renata. – Para Mira e para mim, foi uma extensa fila de orfanatos em Montreal. E, de tempos em tempos, chamávamos a rua de lar.

Jenna ouvia em silêncio, agradecendo a boa sorte de ter nascido em uma família normal e relativamente próxima, onde o maior problema de infância foi tentar competir com o irmão pelo afeto e pela aprovação dos pais. Ela não conseguia imaginar os tipos de problemas que as fêmeas nascidas com a marca de nascença da lágrima e da lua crescente tiveram que suportar. Seus problemas, por mais incompreensíveis que fossem, pareciam diminuir um pouco enquanto ponderava sobre as vidas que aquelas mulheres tiveram. Para não falar do inferno que as mortas ou desaparecidas tiveram que suportar.

– Quer dizer que vocês acreditam que Dragos visava as jovens que acabavam nesse tipo de abrigo? – perguntou.

– Sabemos disso – disse Dylan. – A minha mãe costumava trabalhar num abrigo para pessoas que fugiam de casa em Nova York. É uma longa história, uma para ser contada outro dia, mas, basicamente, foi descoberto que o abrigo para o qual ela trabalhava havia sido fundado e era dirigido pelo próprio Dragos.

– Ai, meu Deus... – arfou Jenna.

– Ele estivera se escondendo por trás de um nome falso, Gordon Fasso, enquanto circulava em meio à sociedade humana, e ninguém fazia ideia de quem ele fosse até... até ser tarde demais. – Dylan parou para inspirar profundamente e se fortalecer. – Ele matou minha mãe depois que percebeu que havia sido desmascarado e que a Ordem estava se aproximando dele.

– Lamento muito – sussurrou Jenna, com sinceridade. – Perder alguém que se ama para esse tipo de maldade...

As palavras se perderam enquanto algo frio e determinado borbulhou dentro dela. Como ex-policial, ela conhecia o sabor amargo da injustiça e a necessidade de equilibrar a balança. Mas suprimiu esse sentimento, dizendo a si mesma que a luta da Ordem contra aquele inimigo, Dragos, não era sua. Ela tinha as próprias batalhas para enfrentar.

– Tenho certeza de que Dragos vai ter o que merece no final – disse.

Era uma frase inútil, oferecida com certo distanciamento. Mas ela queria muito estar certa. Sentada ali com aquelas mulheres, tendo-as conhecido um pouco melhor no curto tempo em que estava no complexo, Jenna rezava para que a Ordem fosse bem-sucedida ao enfrentar Dragos. Pensar que alguém tão perverso quanto ele estivesse à solta no mundo era inaceitável.

Pegou a imagem impressa e fitou a expressão calorosa da freira, que estava tal qual uma pastora ao lado de seu rebanho vulnerável.

– Como esperam que essa mulher, a Irmã Margaret, possa ajudá-las?

– A rotatividade de pessoal é alta nesses abrigos – explicou Dylan. – Aquele em que minha mãe trabalhava não era exceção. Uma amiga que costumava trabalhar com ela lá me informou o nome da Irmã e me deu a foto. Ela disse que a freira se aposentou há vários anos, mas fez trabalho voluntário em diversos abrigos em Nova York desde meados dos anos 1970. Por isso, é o tipo de pessoa com quem precisamos conversar.

– Alguém que esteve em abrigos por muito tempo e pode ser capaz de identificar antigas residentes a partir dos retratos falados – disse Savannah, indicando os rostos afixados nas paredes.

Jenna assentiu.

– Esses retratos são de mulheres que estiveram em abrigos?

– Esses retratos – disse Alex ao lado de Jenna – são de Companheiras de Raça que estão sendo mantidas por Dragos enquanto estamos aqui conversando.

– Quer dizer que ainda estão vivas?

– Estavam há alguns meses. – A voz de Renata soou dura. – Uma amiga da Ordem, Claire Reichen, usou seu dom de Companheira de Raça, o poder de viajar em seus sonhos, para localizar o quartel-general de Dragos. Ela viu as prisioneiras, mais de vinte, trancadas em celas do laboratório dele. Embora Dragos tenha realocado sua operação antes que pudéssemos salvá-las, Claire tem trabalhado com um desenhista para documentar os rostos que viu.

– Na verdade, é lá que Claire está agora, ela e Elise – explicou Alex. – Elise tem muitos amigos na comunidade civil da Raça aqui em Boston. Ela e Claire têm trabalhado em alguns novos retratos, baseados no que Claire viu no covil de Dragos.

– Depois que tivermos os rostos das prisioneiras – disse Dylan –, podemos começar a procurar por nomes e possíveis familiares. Qualquer coisa que possa nos ajudar a nos aproximar de onde essas mulheres estão.

– E quanto aos bancos de dados de pessoas desaparecidas? – perguntou Jenna. – Vocês compararam os esboços com os perfis listados em grupos como o Centro Nacional de Pessoas Desaparecidas?

– Sim, e voltamos de mãos vazias – disse Dylan. – Muitas dessas mulheres e garotas nos abrigos são fugitivas e órfãs. Muitas são abandonadas. Umas fogem de casa, deliberadamente cortando todos os laços com a família e com os amigos. O resultado final é o mesmo: ninguém sente falta delas ou procura por elas no sistema; portanto, não há registros arquivados.

Renata concordou com um leve grunhido que pareceu falar de sua experiência.

– Quando você não tem nada, nem ninguém, você pode desaparecer, e é como se nunca tivesse existido.

Por causa dos seus anos na força policial do Alasca, Jenna sabia que isso era bem verdade. As pessoas desapareciam sem deixar rastro tanto nas grandes cidades como em pequenas comunidades. Isso acontecia todos os dias, embora ela jamais tivesse imaginado que fosse pelos motivos que Dylan, Savannah, Renata e as outras mulheres lhe explicavam agora.

– Qual o plano de vocês depois que identificarem as Companheiras de Raça desaparecidas?

– Depois que tivermos uma ligação pessoal com pelo menos uma delas – disse Savannah –, Claire pode tentar se comunicar através dos sonhos e, quem sabe, conseguir informações sobre a localização de onde as prisioneiras estão.

Jenna estava acostumada à rápida digestão e compreensão dos fatos, mas sua cabeça começava a girar com tudo o que estava ouvindo. E não conseguia evitar que sua mente procurasse por soluções para os problemas diante dela.

– Espere um instante. Se o dom de Claire a levou ao covil de Dragos uma vez, por que ela não pode simplesmente repetir isso?

– Para que seu dom funcione, ela precisa de algum tipo de elo emocional ou pessoal com a pessoa que está tentando localizar nos sonhos – respondeu Dylan. – O elo dela antes não era com Dragos, mas com outra pessoa.

– O antigo companheiro dela, Wilhelm Roth – explicou Renata, praticamente cuspindo o nome dele. – Ele era uma pessoa cruel, mas, comparada à de Dragos, sua crueldade não era nada. Jamais permitiríamos que Claire tentasse contatar o próprio Dragos. Isso seria suicídio.

– Tudo bem. Então onde nós ficamos com isso? – perguntou Jenna, o “nós” saindo de sua boca antes que ela percebesse o que havia dito. Mas era tarde demais para retirá-lo, e ela estava interessada demais para fingir outra coisa. – Onde você imagina que as coisas vão a partir daqui?

– Tenho esperanças de localizar a Irmã Margaret e que ela possa nos ajudar a desvendar alguma coisa – disse ela.

– Temos como entrar em contato com ela? – perguntou Renata.

A animação de Dylan se arrefeceu um pouco.

– Infelizmente, não há como termos certeza sequer de que ela ainda esteja viva. A amiga da minha mãe disse que ela deve estar com uns oitenta anos agora. A única boa notícia é que seu convento tem sede em Boston, então, existe a possibilidade de ela estar aqui. Por enquanto, só o que temos é seu número do seguro social4.

– Dê esse número a Gideon – sugeriu Savannah. – Tenho certeza de que ele consegue invadir o sistema do governo para conseguir todas as informações de que precisamos sobre ela.

– Foi isso mesmo que pensei – Dylan respondeu com um sorriso.

Jenna pensou em oferecer ajuda para localizar a freira. Ainda tinha amigos na força policial e em algumas agências federais. Com apenas um telefonema ou e-mail, ela poderia pedir um ou outro favor confidencial. Mas as mulheres da Ordem pareciam ter tudo sob controle.

E seria melhor para ela não se envolver em nada daquilo, lembrou-se com severidade, enquanto Dylan pegava o telefone ao lado do seu computador e ligava para o laboratório de tecnologia.

Alguns minutos mais tarde, Gideon e Rio entraram na sala de guerra. Os dois guerreiros receberam um relatório resumido do que Dylan descobrira. Antes mesmo de ela terminar de explicar o que havia descoberto, Gideon se acomodou diante de um computador e começou a trabalhar.

Jenna ficou olhando da sua cadeira junto à mesa enquanto todos os outros, Savannah, Renata, Alex, Rio e Dylan, se reuniram ao redor de Gideon para vê-lo fazer a sua mágica. Savannah estava certa: ele não precisou mais do que alguns minutos para invadir um firewall de um site do governo americano e começar a baixar os registros de que precisavam.

– A Irmã Margaret Mary Howland está bem viva, de acordo com a Administração do Seguro Social – anunciou ele. – Sacou a aposentadoria dela do mês passado, no valor de 298 dólares e alguns trocados num endereço em Gloucester. Estou imprimindo as informações agora.

Dylan deu um sorriso amplo.

– Gideon, você é um deus da tecnologia.

– Meu prazer é servir. – Levantou-se da cadeira e puxou Savannah para um beijo rápido, porém ardente. – Diga que está impressionada, amor.

– Estou impressionada – respondeu ela, rindo ao mesmo tempo em que lhe dava um tapa no ombro.

Ele sorriu, lançando um olhar para Jenna por sobre os óculos.

– Ela me ama – disse ele, puxando a bela companheira num abraço apertado. – Na verdade, ela é louca por mim. Não consegue viver sem mim. Muito provavelmente, está querendo me levar para a cama neste instante para se aproveitar de mim.

– A-hã. É o que você pensa – replicou Savannah, mas havia uma centelha ardente em seu olhar ao fitá-lo.

– Uma pena que não estamos tendo a mesma sorte para conseguir uma pista sobre a Sociedade TerraGlobal – lamentou Rio, o braço passando ao redor dos ombros de Dylan no que pareceu uma manobra instintivamente íntima.

Renata franziu o cenho.

– Nenhuma pista ainda?

– Nada – Gideon interveio. Ele deve ter percebido o olhar confuso de Jenna. – A Sociedade TerraGlobal é o nome da empresa que acreditamos que Dragos esteja usando como fachada para algumas das suas operações secretas.

Alex disse em seguida:

– Lembra-se daquela mineradora que abriu perto de Harmony há alguns meses, a Mineradora Coldstream? – Ante o aceno de Jenna, Alex continuou: – Pertencia a Dragos. Acreditamos que era para ela ter sido usada como uma prisão para o Antigo depois que o transportassem para o Alasca. Infelizmente, todos sabem como isso terminou.

– Conseguimos rastrear a Mineradora Coldstream até a Sociedade TerraGlobal – acrescentou Rio. – Mas só conseguimos avançar até aí. Sabemos que a TerraGlobal tem muitas camadas, mas está demorando demais para conseguirmos dissecá-las. Nesse ínterim, Dragos se esconde cada vez mais fundo, a cada minuto ficando mais longe do nosso alcance.

– Vocês vão pegá-lo – disse Jenna. Tentou ignorar a aceleração do coração ante a necessidade de pegar algumas armas e liderar a busca. – Vocês têm que pegá-lo, então vão pegá-lo.

Rio, com seu rosto marcado por cicatrizes demonstrando determinação ao assentir em concordância, fitou os olhos de Dylan.

– É. Um dia, nós vamos pegar esse filho da puta. Ele vai pagar por tudo o que já fez.

Debaixo do braço forte, Dylan deu um sorriso tristonho. Escondeu-se em seu abraço, tentando abafar um bocejo.

– Venha – disse Rio, afastando uma mecha dos cabelos ruivos dos olhos dela. – Você tem dedicado muitas horas a tudo isso. Agora vou levá-la para a cama.

– Não é uma má ideia – disse Renata. – A noite logo chega e aposto como Nikolai está testando a nova munição na sala de armas. Está na hora de ir buscar meu homem.

Enquanto ela se despedia e saía, Dylan e Rio, Savannah e Gideon faziam o mesmo.

– Quer ficar comigo e com Kade um pouco? – perguntou Alex.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não, estou bem. Acho que vou ficar aqui por alguns minutos, para relaxar um pouco. O dia foi longo e estranho.

O sorriso de Alex mostrou empatia.

– Se precisar de qualquer coisa, sabe onde me encontrar. Certo?

Jenna assentiu.

– Estou bem. Mas obrigada.

Observou a amiga sair e desaparecer lentamente pelo corredor. Quando não restava mais nada na sala a não ser silêncio e tranquilidade, Jenna se levantou e se aproximou da parede com os mapas, gráficos e retratos.

Era admirável o que a Ordem e as suas companheiras estavam tentando fazer. Era um trabalho importante, mais importante do que qualquer outra coisa com que Jenna se deparara no interior do Alasca, ou, na verdade, em qualquer outro lugar.

Se tudo o que ela descobrira nos últimos dias fosse verdade, então o que a Ordem fazia ali era salvar o mundo.

– Jesus Cristo... – sussurrou, atordoada com a enormidade de tudo aquilo.

Ela tinha que ajudar.

Se fosse capaz, mesmo que de uma maneira pequena, ela tinha que ajudar.

Não tinha?

Jenna andou ao redor da sala, com sua própria batalha acontecendo dentro de si. Não estava pronta para participar de algo como aquilo. Não enquanto ainda tinha tantas coisas para descobrir a respeito de si mesma. Com o irmão morto, ela não tinha mais nenhuma família. O Alasca fora seu lar durante toda a vida e agora isso também se fora, uma parte da sua existência anterior apagada para ajudar a Ordem a preservar seus segredos enquanto continuavam a perseguir o inimigo.

Quanto ao seu futuro, não sabia nem por onde começar. A substância alienígena dentro dela era um problema jamais imaginado, e nem adiantava desejar, porque aquilo não sumiria. Nem mesmo a mente brilhante de Gideon parecia capaz de arrancá-la daquela complicação confusa.

E também havia Brock. De todas as coisas que lhe aconteceram entre a invasão do Antigo ao seu chalé e a adoção atual, inesperada, ainda que não insuportável, por todos ali no quartel-general da Ordem, Brock estava se mostrando a coisa com a qual ela menos estava preparada para lidar.

Não estava nem um pouco perto disso no que se referia aos sentimentos que ele lhe provocava. Coisas que ela não sentia em anos, e, muito certamente, não queria sentir agora.

Nada em sua vida era certo, e a última coisa de que precisava era se envolver ainda mais nos problemas que os guerreiros e as suas companheiras enfrentavam.

No entanto, Jenna se viu seguindo para um computador na mesa ali perto. Sentou-se diante do teclado e entrou no navegador da internet, depois entrou num daqueles sites de e-mail grátis e criou uma conta.

Iniciou uma mensagem nova e digitou o endereço de um dos seus amigos da Polícia Federal em Anchorage. Fez uma única pergunta, uma questão a ser investigada confidencialmente como um favor pessoal.

Inspirou fundo, depois apertou o botão de enviar.


O número do seguro social, social security number, é um número de registro que todos os cidadãos americanos têm, como um CPF e um INSS unificados. Através dele, é possível localizar as pessoas, pois esse número é unificado em todo o território nacional. (N.T.)


Capítulo 12

No vestiário ao lado da sala das armas, Brock esticou a mão às costas para aumentar a temperatura da água de quente para escaldante. Com as mãos apoiadas na porta de teca do cubículo reservado, inclinou a cabeça em direção ao peito e agradeceu pelo jato de água cauterizante que lhe batia nos ombros e descia pelo pescoço. Vapor se formava ao seu redor, espesso como névoa, desde a cabeça até o piso de ladrilhos aos seus pés.

– Cristo! – Kade sibilou, alguns cubículos mais distante. – Duas horas direto de treino mano a mano não foi bastante castigo para você? Agora sente a necessidade de ferver vivo aí?

Brock grunhiu, passando a mão pelo rosto enquanto o vapor continuava a se formar e o calor continuava a açoitar seus músculos tensos demais. Encontrara Niko e Chase na sala das armas depois de deixar seus pertences no quarto que partilharia com Hunter. Parecia-lhe razoável esperar que alguns rounds de treinos de lâminas e treinos corpo a corpo bastariam para exaurir um pouco da sua inquietação e distração. Deveria ser assim, mas não foi.

– O que está acontecendo com você, cara?

– Não sei do que está falando – murmurou Brock, levando a cabeça e os ombros mais para baixo do jato de água escaldante.

A zombaria de Kade se fez ouvir no vestiário cavernoso.

– Até parece que não sabe.

– Droga – Brock exalou em meio à névoa que cobria sua cabeça. – Por que estou com a sensação de que você vai me explicar?

Houve o rangido da torneira sendo fechada, seguido pela batida da porta do chuveiro de Kade quando ele seguiu para o vestiário anexo. Alguns minutos depois, a voz de Kade soou do outro cômodo.

– Vai me contar o que aconteceu aquela noite em Southie, na fábrica?

Brock fechou os olhos e emitiu algo muito parecido com um rosnado, até mesmo para os seus ouvidos.

– Não há nada a contar. Havia fios soltos. Cuidei do assunto.

– A-hã – murmurou Kade. – Foi isso mesmo que imaginei que tivesse acontecido.

Quando Brock levantou a cabeça, viu o guerreiro parado diante dele. Kade estava totalmente vestido com jeans e camiseta preta, apoiado na parede oposta. Seu olhar prateado estreitado, como quem sabe o que está acontecendo.

Brock respeitava demais o amigo para tentar enganá-lo.

– Aqueles humanos eram a ralé que não pensaria duas vezes antes de ferir uma mulher inocente. Não acredita que esse tipo de brutalidade deve ser perdoado, acredita?

– Não. – Kade o encarou, depois assentiu com sobriedade. – Se eu me deparasse com alguém que tivesse colocado um dedo sequer em Alex, eu teria matado o desgraçado. Foi o que fez, não foi? Matou aqueles homens?

– Não eram homens, aqueles... – Brock grunhiu. – Eram cachorros raivosos, e o que fizeram com Jenna – aquilo que achavam que poderiam fazer e se safar – provavelmente não foi a primeira vez que machucaram uma mulher. Duvido que Jenna teria sido a última. Então, isso mesmo, acabei com eles.

Por um bom momento, Kade nada disse. Apenas o observou, mesmo depois que Brock voltou a colocar a cabeça debaixo do jato furioso, sem sentir necessidade de mais explicações. Nem mesmo para seu melhor amigo na Ordem, o guerreiro que era como um irmão para ele.

– Maldição – murmurou Kade depois de um longo silêncio. – Você gosta dela, não gosta?

Brock balançou a cabeça, tanto em negação como para tirar a água do rosto.

– Lucan me deu a responsabilidade de cuidar dela, de mantê-la segura. Só estou fazendo aquilo que esperam de mim. Ela é mais uma missão, nada diferente das outras.

– Ah, tá. Sem dúvida – caçoou Kade. – Eu tive uma missão como essa lá no Alasca há não muito tempo. Acho que já te contei uma ou duas vezes sobre ela, não foi?

– Isso é diferente – resmungou Brock. – O que você e Alex têm... Não é a mesma coisa. Alex é uma Companheira de Raça, para começar. Não existe a possibilidade de as coisas ficarem sérias com Jenna. Não sou do tipo que curte relacionamentos de longo prazo e, além disso, ela é humana.

As sobrancelhas escuras de Kade se uniram em sinal de preocupação.

– Não sei se algum de nós pode ter certeza do que ela é agora.

Brock absorveu a verdade dessa declaração com uma onda renovada de preocupação, não só por Jenna, mas pela Ordem e pelo resto da nação da Raça. O que quer que estivesse acontecendo com ela, parecia estar se acelerando naquele mesmo instante. Não tinha como negar que as notícias sobre seus exames de sangue o perturbavam. Sem falar que aquela porção alienígena colocada dentro dela estava se infiltrando cada vez mais em seu corpo, a um nível que nem mesmo Gideon parecia preparado para combater.

Brock emitiu uma imprecação debaixo do jato punitivo de água.

– Se está tentando fazer com que eu me sinta melhor a respeito disso tudo, sinta-se à vontade para parar a qualquer instante.

Kade riu, obviamente se divertindo com tudo aquilo.

– Sabe, não acho que você vá ter uma conversa de coração aberto com seu novo companheiro de quarto, então sou eu, aqui e agora, demonstrando que me importo.

– Sinto-me tocado – murmurou Brock. – Agora caia fora e deixe eu me escaldar em paz.

– Com todo prazer. Toda essa conversa sobre missões e mulheres me lembrou que tenho deveres importantes em meu apartamento que venho negligenciando...

Brock grunhiu.

– Lembranças a Alex.

Kade apenas sorriu ao se despedir, depois seguiu para a saída mais próxima.

Depois que ele se foi, Brock só ficou uns minutos mais debaixo da água. Já estava tarde, mas ele estava energizado demais para dormir. E o lembrete de Kade sobre as mutações biológicas de Jenna fez sua mente acelerar.

Enxugou-se, depois vestiu uma camiseta cinza e jeans escuros. Calçou os coturnos, sentindo uma súbita necessidade de voltar para a sala das armas para gastar um pouco mais de energia até o pôr do sol, quando poderia, por fim, escapar do complexo uma vez mais. Mas suar a camisa não funcionara muito da primeira vez; duvidava que o ajudasse agora.

Sem saber o que o livraria daquela agitação, Brock se viu andando pelo corredor principal do complexo, na direção do laboratório de tecnologia. Os corredores estavam silenciosos, desertos. Nada surpreendente para aquela hora do dia, quando os guerreiros comprometidos estavam com suas fêmeas e o restante dos ocupantes do quartel-general descansava antes do início das patrulhas da noite.

Brock deveria pensar em fazer o mesmo, porém estava mais interessado em saber se Gideon descobrira algo mais a respeito dos exames de sangue de Jenna. Ao entrar no corredor comprido que o levaria até o laboratório, ouviu movimentos em outra das salas do complexo.

Seguindo o barulho de papéis, parou diante da porta aberta do centro de comando da missão das Companheiras de Raça.

Jenna estava sozinha lá dentro.

Sentada à mesa de reuniões, com diversas pastas espalhadas diante de si e muitas outras empilhadas junto ao cotovelo, ela estava reclinada sobre um bloco de anotações, caneta na mão, completamente absorvida pelo que estava escrevendo, o que quer que fosse. A princípio, achou que ela não soubesse que ele estava ali. Mas em seguida, a mão dela parou no meio da página, e a cabeça se ergueu. As mechas de cabelo castanho caíram como seda quando ela se virou para ver quem estava na porta.

Aquela seria a sua chance para se esconder rápido, antes que ela o visse. Ele era da Raça, poderia estar ali e desaparecer antes que os olhos mortais registrassem sua presença. Em vez disso, por algum motivo idiota, sobre o qual não desejava refletir, avançou um passo e pigarreou.

O olhar castanho de Jenna se arregalou ao vê-lo.

– Oi – disse ele.

Ela sorriu de leve, parecendo pega desprevenida. E por que não estaria, depois da maneira como ele havia deixado as coisas entre os dois da última vez em que se viram? Ela pegou uma das pastas e colocou por cima do bloco de anotações.

– Pensei que todos tivessem ido descansar.

– E foram. – Ele entrou ainda mais na sala e passou os olhos nas informações sobre a mesa. – Parece que Dylan e as outras já conseguiram recrutar seus serviços.

Ela deu de ombros, numa negação débil.

– Eu só... estava olhando algumas coisas. Comparando anotações de alguns arquivos, anotando algumas ideias.

Brock se sentou ao lado dela.

– Elas vão gostar disso – disse ele, impressionado por ela estar ajudando. Esticou a mão na direção das suas anotações. – Posso ver?

– Não é nada de mais, mesmo – disse ela. – É só que algumas vezes ajuda alguém de fora dar uma olhada.

Ele relanceou para a letra curva e precisa que preenchia quase toda a página. A mente dela parecia funcionar do mesmo modo organizado, baseado no fluxo lógico das suas anotações e na lista de sugestões que fizera para a investigação das pessoas desaparecidas que Dylan e as outras Companheiras de Raça vinham procurando nos últimos meses.

– É um bom trabalho – disse ele, sem elogiar, apenas declarando um fato. – Dá para ver que você é uma excelente policial.

Outro levantar de ombros de negação.

– Não sou mais policial. Faz tempo que me afastei.

Ele a observou enquanto falava, notando o arrependimento que pairava em seu tom de voz.

– Não significa que não continue boa ainda no que faz.

– Parei de ser boa há algum tempo. Uma coisa aconteceu e eu... perdi minha motivação. – Ela o fitou, sem piscar. – Houve um acidente de carro há quatro anos. Meu marido e nossa filha de seis anos de idade morreram, só eu sobrevivi.

Brock assentiu.

– Eu sei. Lamento por sua perda.

A empatia dele pareceu incomodá-la de algum modo, e ela ficou meio sem saber o que fazer. Talvez lhe fosse mais fácil falar sobre a sua tragédia em seus termos, sem saber que ele já tomara conhecimento dela. Agora ela o fitava incerta, como se temesse que ele a julgasse de alguma maneira.

– Tive dificuldades para... aceitar que Mitch e Libby tinham partido. Por muito tempo, mesmo agora, é complicado entender como eu tenho que seguir em frente.

– Você vive – disse Brock. – É só o que pode fazer.

Ela assentiu, mas havia assombro em seu olhar.

– Você faz parecer tão fácil.

– Fácil não, apenas necessário. – Ele a viu cutucar um clipe torto em um dos relatórios. – Foi por isso que você se retirou do trabalho na polícia, porque não sabia como viver depois do acidente?

Fitando o espaço bagunçado na mesa diante dela, ela franziu a testa, em silêncio por um instante.

– Pedi demissão porque eu não conseguia mais executar minhas funções. Toda vez que eu tinha que me apresentar numa violação de trânsito, mesmo uma simples colisão de para-choque ou um pneu furado, eu chegava tremendo tanto ao local que mal conseguia sair do carro para oferecer ajuda. E nos chamados mais complicados, em acidentes sérios ou brigas domésticas que acabavam em violência, eu me sentia nauseada durante dias. Tudo o que eu aprendi no treinamento e no trabalho pareceu se despedaçar quando aquele caminhão carregando lenha atravessou a estrada escorregadia e destroçou minha vida. – Relanceou para ele, com seus olhos castanho-claros mais obstinados e firmes do que jamais vira. – Deixei de ser policial porque sabia que não conseguiria executar meu trabalho da maneira que ele precisava ser feito. Não queria que ninguém que pudesse depender de mim pagasse pela minha negligência. Por isso, pedi demissão.

Brock respeitava a coragem e a resiliência de Jenna desde que colocara os olhos nela. Agora, sua opinião apenas aumentara.

– Você se importava com o seu trabalho e com as pessoas que dependiam de você. Isso não é um sinal de fraqueza. Isso demonstra força. E, está claro, você amava o seu trabalho. E acho que ainda ama.

Por que essa simples observação atiçaria algum ponto fraco nela ele não entendia, mas teria que ser cego para não notar a centelha defensiva que brilhou em seus olhos. Jenna desviou o olhar ao perceber que deixara aquilo escapar e, quando falou, não havia raiva em sua voz. Apenas um tom de resignação.

– Sabe bastante sobre mim, não? Acho que não sobrou muito que você ou a Ordem não saibam sobre mim a esta altura.

– Alex nos contou apenas o básico – admitiu ele. – Depois do que aconteceu no Alasca, precisávamos saber algumas coisas.

Ela resmungou.

– Quer dizer, depois que comecei a falar coisas sem nexo enquanto dormia e me tornei um fardo indesejável para a Ordem.

– Mais ou menos isso – disse ele, continuando sentado quando ela se levantou e começou a se afastar dele, os braços cruzados diante do peito. Percebeu que ela abandonara por completo a bengala que Tess lhe dera, e que a perna machucada revelava apenas um leve manquejar a cada passo. – Vejo que seu ferimento já está melhorando.

– Está bem melhor. – Ela o fitou por sobre o ombro. – Na verdade, nem era tão grave assim.

Brock inclinou a cabeça como se concordasse, mas ele se lembrava muito bem da gravidade do ferimento. Se ela estava se curando a um ritmo acelerado, deduziu que as mutações genéticas descobertas por Gideon deviam estar por trás disso.

– Estou feliz que esteja se sentindo melhor – disse, pensando que, provavelmente, ela não precisava de um lembrete sobre a matéria desconhecida inserida dentro de si.

Seu olhar se deteve sobre ele, suavizando-se.

– Obrigada pelo que fez na noite passada, ir atrás de mim e me tirar daquele lugar horrível. Acho que você salvou a minha vida. Sei que salvou, Brock.

– Não foi nada.

Deus, ele esperava que ela jamais ficasse sabendo dos detalhes selvagens com que ele lidara com seus agressores. Ela não estaria agradecendo se o tivesse visto em ação naquela noite, nem se tivesse testemunhado o modo violento com que satisfizera tanto a sua sede quanto a sua fúria naqueles humanos desgraçados. Se soubesse do que ele era capaz, ela, sem dúvida, o enxergaria da mesma maneira que o Antigo que a atacara.

Não sabia por que isso o incomodava tanto. Não queria que ela o igualasse a um monstro, pelo menos não enquanto estivesse encarregado pela Ordem de protegê-la. Ela precisava confiar nele, e, como seu protetor designado, ele tinha que se certificar disso. Tinha um trabalho a fazer, e não estava disposto a perder de vista essa responsabilidade.

Mas sua questão com Jenna ia além disso, ele bem sabia. Só não tinha a mínima intenção de dissecar o assunto agora, nem num futuro próximo.

Observou-a se aproximar da parede coberta de mapas e gráficos que documentava a busca pelas Companheiras de Raça que a Ordem suspeitava que Dragos estivesse mantendo em cativeiro.

– Este trabalho é incrível – murmurou Jenna. – Dylan, Savannah, Renata, Tess... Todas as mulheres que conheci aqui são verdadeiramente incríveis.

– Sim, elas são – concordou Brock. Levantou-se e caminhou até onde estava Jenna. – A Ordem sempre foi uma força a ser respeitada, mas, desde que me juntei a ela, tenho visto nossas forças redobrarem por causa do envolvimento das fêmeas deste complexo.

Ela lhe lançou um olhar que ele considerou difícil de interpretar.

– O que foi?

– Nada. – Um leve sorriso tocou seus lábios quando ela meneou um pouco a cabeça. – Só estou surpresa em ouvir isso. A maioria dos homens com quem tive contato no trabalho, inclusive meu pai e meu irmão, preferiria comer seus distintivos a admitir que era melhor para eles trabalhar em equipe com as mulheres.

– Eu não tenho um distintivo – disse ele, retribuindo o sorriso. – E não sou como a maioria dos homens.

Ela riu de leve, mas não desviou o olhar.

– Não, você não é. E mesmo assim, é um dos poucos aqui que não tem uma Companheira de Raça.

Ele pensou nisso, mais do que apenas um pouco intrigado pelo fato de ela estar curiosa sobre sua vida pessoal.

– Trabalho é uma coisa. Assumir uma companheira com um elo de sangue é outra. É um tipo de situação eterna, e sou alérgico a relacionamentos de longo prazo.

Os olhos inteligentes o avaliaram.

– Por quê?

Seria fácil dar-lhe uma resposta charmosa e sem fundamento, do tipo a que estava acostumado a dar quando Kade e os outros tocavam no assunto de Companheiras de Raça e de envolvimentos sentimentais. Mas ele não poderia olhar para Jenna e ser outra coisa a não ser honesto, não importando como isso mudaria a forma como ela o enxergava.

– Relacionamentos de longo prazo aumentam as chances de eu desapontar alguém. Por isso, me esforço para me manter longe disso.

Ela não disse nada por um ou dois minutos. Apenas o encarou em silêncio, os braços ainda ao seu redor, uma centena de emoções acentuando a cor de seus olhos.

– É, sei o que está querendo dizer – disse, por fim, a voz mal passando de um sussurro rouco. – Sei tudo a respeito de desapontar as pessoas.

– Não tem como eu acreditar nisso. – Ele não conseguia enxergar a mulher capaz e confiante deixando de fazer algo que se dispusera a fazer.

– Pode acreditar – disse ela com seriedade, girando sobre os calcanhares e seguindo para junto da outra parede, onde um punhado de retratos falados fora disposto ao longo de mapas e de anotações. Quando voltou a falar, havia uma casualidade em sua voz que parecia forçada. – Então, essa sua alergia a relacionamentos duradouros é alguma novidade para você, ou sempre evitou compromissos?

Ele teve uma imagem mental instantânea de olhos reluzentes e de uma risada maliciosa e musical que ainda ouvia às vezes, como um fantasma à espreita em suas lembranças.

– Já existiu alguém. Bem... Poderia ter havido alguém. Ela morreu há muitos anos.

A expressão de Jenna ficou sombria de remorso.

– Brock, sinto muito. Não tive a intenção de...

Ele deu de ombros.

– Não precisa se desculpar. Isso foi há um século. – Quase literalmente, ele percebeu, atordoado pelo fato de que tanto tempo havia se passado desde que o seu descuido custara a vida de alguém a quem ele, supostamente, deveria ter protegido.

Jenna voltou a se aproximar e se recostou na beira da mesa ao lado dele.

– O que aconteceu com ela?

– Foi assassinada. Eu trabalhava como guarda-costas no Refúgio Secreto de uma família em Detroit na época. Era minha responsabilidade mantê-la a salvo, mas meti os pés pelas mãos. Ela desapareceu sob a minha vigilância. Seu corpo foi encontrado meses mais tarde, brutalizado a ponto de não ser reconhecido, abandonado num rio.

– Ah, meu Deus... – A voz de Jenna saiu suave, carregada de empatia. – Que horrível.

– É, foi mesmo – disse ele, lembrando-se muito bem do horror do que havia sido feito a ela, antes e depois de ser morta. Três meses na água não deixaram mais fácil de olhar o que lhe haviam feito.

– Sinto muito – repetiu Jenna, esticando uma mão para apoiá-la no músculo saltado do bíceps dele.

Ele tentou ignorar a súbita percepção que surgiu com aquele contato. Mas tentar não perceber sua atração por ela era o mesmo que ordenar ao fogo que não fosse quente. Toque-o e você se queimará. Assim como ele queimava agora, quando relanceou para a mão pálida de Jenna em contraste com a sua pele escura.

Quando ele levantou o olhar para ela, percebeu pela forma sutil com que ela inspirava que seus olhos muito provavelmente estavam iluminados por centelhas cor de âmbar, a transformação traindo seu desejo por ela. Ela engoliu em seco, mas não desviou o olhar.

Que Deus o ajudasse, mas ela tampouco retraiu a mão, nem mesmo quando o seu rugido de macho excitado se formou na base da garganta.

Pensamentos do que acontecera com ela há poucas horas em seu apartamento jorraram como uma onda de lembranças ardentes. Não havia mais do que alguns poucos centímetros entre eles, mesmo agora. Ficou imaginando se Jenna queria que ele a beijasse. Estivera inseguro quanto ao que ela sentia, e com a possibilidade de ela estar sentindo algo parecido com seu próprio desejo. Agora, precisava saber com uma ferocidade que o assustava.

Para ter certeza de que não estava interpretando mal, nem que fosse apenas pela sua sanidade, cobriu a mão dela com a sua. Aproximou-se, postando-se de frente para ela, que ainda estava apoiada na mesa.

Ela não se retraiu. Encarou-o bem nos olhos, confrontando-o, bem como ele esperava que ela fizesse.

– Eu não sei bem como lidar com tudo isto – disse ela com suavidade. – As coisas que têm acontecido comigo desde aquela noite no Alasca... Todas as perguntas que talvez nunca sejam respondidas. Sei lidar com isso. De alguma forma, vou aprender a lidar. Mas você... Isto... – Ela baixou o olhar para as mãos unidas, os dedos entrelaçados. – Não sou boa nisso. Meu marido se foi há quatro anos. Não houve ninguém desde então. Nunca estive pronta para isso. Não quis...

– Jenna. – Brock tocou no seu queixo, erguendo-o com suavidade para fitá-la nos olhos. – Tudo bem se eu te beijar?

Os lábios dela vacilaram num sorriso que ele não resistiu a provar. Inclinou a cabeça e a beijou devagar, para que ela se acostumasse, apesar da intensidade do seu desejo.

Embora ela tivesse confessado estar sem prática, ele jamais teria imaginado isso pela sensualidade dos lábios dela ao encontro dos seus. O beijo, tanto suave quanto direto, dando e recebendo, o incendiou. Ele se aproximou, até se ajustar entre suas pernas, precisando sentir o corpo dela pressionado contra o seu enquanto passava a língua ao longo dos lábios aveludados. Correu as mãos pela lateral de seu corpo, ajudando-a a subir na mesa quando a perna machucada começou a tremer.

O beijo fora um erro. Achara que as coisas terminariam ali – apenas um beijo –, mas, agora que começara, ele simplesmente não sabia como encontraria forças para pôr um fim naquilo.

E, pela sensação dela em seus braços, pelos gemidos e sussurros de prazer enquanto os beijos davam início a algo mais poderoso, teve certeza de que ela também queria mais.

Mas, pelo visto, não poderia estar mais errado.

Foi só quando percebeu a umidade em seu rosto que notou que ela estava chorando.

– Jesus – sibilou, recuando de pronto e sentindo-se um cretino ao ver seu rosto marcado pelas lágrimas. – Desculpe. Se eu te pressionei rápido demais...

Ela balançou a cabeça, visivelmente triste, mas sem conseguir falar nada.

– Diga que eu não te machuquei, Jenna.

– Droga. – Ela inspirou fundo. – Não posso fazer isto. Desculpe, a culpa é minha. Eu nunca deveria ter deixado que você...

As palavras foram interrompidas quando ela o empurrou para longe, desvencilhando-se dele, e correu para o corredor.

Brock ficou ali por um minuto, todo tenso e dolorido, ávido de desejo. Deveria deixá-la ir. Considerar aquilo apenas um desastre evitado por um triz e tirar a tentadora Jenna Darrow da cabeça.

Sim, é exatamente isso o que deveria fazer, e ele sabia muito bem disso.

Mas, quando esse pensamento se formou, ele já estava na metade do corredor, seguindo os sons do choro de Jenna até seu antigo apartamento.


Capítulo 13

Jenna se sentia a maior das covardes, uma fraude absoluta, enquanto fugia pelos corredores, tentando engolir as lágrimas. Deixara Brock pensar que não o queria. Provavelmente o fez acreditar que ele a pressionara de algum modo com aquele beijo, quando quase a derretera numa poça na mesa daquela sala de reuniões. Deixou que ele ficasse se preocupando por ter feito algo errado, que talvez a tivesse magoado, e essa era a coisa mais injusta de todas.

No entanto, não conseguira deixar de fugir, precisando colocar alguma distância entre eles com uma determinação que beirava o desespero. Ele a fazia sentir demais. Coisas para as quais não estava preparada. Coisas que ela necessitava com tamanha profundidade, mas que não merecia.

Por isso fugiu, mais aterrorizada do que nunca e odiando a covardia que a fazia colocar pé ante pé. Quando chegou ao quarto, estava tremendo e sem fôlego, lágrimas ainda descendo pelas faces.

– Jenna.

O som da voz grave atrás dela foi como uma carícia ardente em sua pele. Virou-se de frente, atônita com a velocidade e com o silêncio que o levaram até ali não mais do que um segundo depois dela. Mas, em retrospecto, ele não era humano. Não era um homem de fato – uma coisa da qual ela tinha que se lembrar quando ele estava tão próximo, com todo aquele tamanho, a intensidade do olhar se comunicando com tudo o que era feminino dentro dela.

Sua boca ainda estava inchada pelos beijos dele. Sua pulsação ainda batia descompassada. O calor ainda ardia dentro dela.

E como se soubesse disso, Brock se aproximou ainda mais. Esticou o braço e pegou sua mão, sem dizer nada. Não havia necessidade de palavras. Apesar das lágrimas que começavam a diminuir e do tremor das suas pernas, ela não conseguia esconder o desejo que sentia por ele.

Não resistiu quando ele a trouxe para perto, para o calor do seu corpo. Para o conforto dos seus braços.

– Estou com medo – sussurrou ela. Essas palavras não lhe vinham fáceis, como nunca vieram.

Com o olhar preso ao dela, ele lhe acariciou o rosto.

– Não precisa ter medo de mim. Não vou machucar você, Jenna.

Acreditou nele, mesmo antes de ele inclinar a cabeça e resvalar os lábios num beijo dolorosamente carinhoso. De maneira incrível e impossível, confiava naquele homem que não era um homem. Queria as mãos dele sobre si. Queria sentir aquela conexão de novo com alguém, mesmo que não estivesse pronta para pensar em algo além do físico, do desejo de tocar e de ser tocada.

– Está tudo bem – ele murmurou ao encontro da sua boca. – Está segura comigo, prometo.

Jenna fechou os olhos ao absorver suas palavras, as mesmas que a acalmaram na escuridão do seu chalé no Alasca, e de novo na enfermaria do complexo. Brock fora seu elo com o mundo dos vivos depois da sua provação com o Antigo. Sua única corda de segurança durante os infindáveis pesadelos que se seguiram nos dias depois que ela fora trazida àquele lugar estranho, modificada de tantas maneiras.

E agora...?

Agora ela não sabia muito bem como ele se encaixava na confusão que restara da sua vida. Não estava pronta para pensar nisso. Tampouco estava plenamente segura de estar preparada para as sensações que ele lhe provocava.

Recuou um pouco, a dúvida e a vergonha ainda se avolumando na parte dela que ainda lamentava a perda, a ferida aberta em sua alma que há muito tempo aceitara que jamais se cicatrizaria por completo.

Pressionando a testa no calor da solidez de seu peito, no algodão macio que exalava seu cheiro exótico característico, Jenna inspirou profundamente para se fortalecer. E expirou num suspiro entrecortado.

– Será que eu os amava o suficiente? É o que não paro de me perguntar desde aquela noite em meu chalé...

As mãos fortes de Brock alisaram suas costas, fortes e carregadas de compreensão, dando a calma que ela precisava a fim de reviver aqueles momentos torturosos quando o Antigo a pressionara para que ela decidisse o próprio destino.

– Ele me fez escolher, Brock. Naquela noite em meu chalé, pensei que ele iria me matar, mas não matou. Eu não teria lutado se ele matasse. E ele sabia disso, acho. – Na verdade, ela tinha certeza. Naquela noite em que o Antigo invadira sua casa, ela não estava bem. Ele vira a garrafa de uísque vazia no chão e a pistola carregada em sua mão. A caixa de fotografias que ela pegava todos os anos por volta do aniversário do acidente que lhe roubara a família e que a deixara para viver sozinha. – Ele sabia que eu estava preparada para morrer, mas, em vez de me matar, forçou-me a dizer as palavras, a lhe dizer em voz alta o que eu queria mais: vida ou morte. Foi como uma tortura, algum tipo de jogo doentio que ele me fez jogar contra a minha vontade.

Brock resmungou alguma imprecação incompreensível, mas as mãos continuaram suaves às suas costas, carinhosas, num calor tranquilizador.

– Ele me fez escolher – disse ela, lembrando-se de cada minuto insuportável daquela provação.

Mas, ainda pior do que as horas infindáveis do seu aprisionamento e de vê-lo alimentando-se dela, do que o horror de perceber que seu captor não era uma criatura deste mundo, foi o momento terrível no qual ouviu a própria voz rouca dizer as palavras que pareciam rasgar das profundezas mais íntimas e envergonhadas de sua alma.

Quero viver.

Ai, meu Deus... por favor, deixe-me viver.

Não quero morrer!

Jenna engoliu o nó de angústia que se formara em sua garganta.

– Fico pensando que não os amava o bastante – sussurrou, devastada ante esse pensamento. – Fico pensando que, se os amasse de verdade, teria morrido com eles. Que, quando o Antigo me forçou a escolher se queria ou não viver, eu teria feito uma escolha diferente.

Quando o choro ficou preso em sua garganta, os dedos de Brock resvalaram seu queixo. Ergueram seu rosto para seu olhar solene.

– Você sobreviveu – disse ele, a voz firme, mas com infinito afeto. – Foi só o que fez. Ninguém a culparia por isso, muito menos eles.

Ela fechou os olhos, sentindo o peso do arrependimento diminuir um pouco com as palavras reconfortantes que ouvia. Mas o vazio em seu coração era um lugar frio e oco. Um que se tornou ainda maior quando Brock a tomou nos braços, confortando-a. O calor e a preocupação dele penetraram em sua pele como um bálsamo, acrescentando mais emoção ao desejo que não diminuíra por conta da proximidade do corpo forte. Torceu-se no refúgio que era seu abraço, apoiando o rosto na força sólida e firme que ele era.

– Posso acabar com isso, Jenna. – Ela sentiu a pressão da boca, o fluir da respiração em seus cabelos enquanto ele beijava o topo de sua cabeça. – Posso carregar sua dor por você, se quiser.

Havia uma parte nela que se rebelava contra isso. A mulher forte, a policial experiente, aquela que sempre enfrentava qualquer situação, se retraiu ante a ideia de que seu sofrimento pudesse ser pesado demais para ela mesma suportar. Nunca precisou de ajuda, tampouco se dispôs a pedir, jamais. Esse tipo de fraqueza jamais lhe serviria.

Retraiu-se, a recusa na ponta da língua. Mas quando abriu os lábios para falar, as palavras não surgiram. Fitou o belo rosto de Brock, os olhos penetrantes que pareciam enxergar bem dentro dela.

– Quando foi a última vez que se permitiu ser feliz, Jenna? – Ele afagava seu rosto com tanta suavidade, com tanta reverência, que ela estremeceu sob seu toque. – Quando foi a última vez que sentiu prazer? A mão grande desceu ao longo do pescoço. O calor irradiou da palma ampla e dos dedos longos. Sua pulsação acelerou conforme ele espalmou a nuca, o polegar acariciando o ponto sensível debaixo da orelha.

Então, ele a aproximou de si, inclinando-lhe o rosto para se encontrar com o seu. Beijou-a, lenta e profundamente. A fusão vagarosa da boca dele ao encontro da sua lançou uma corrente de calor líquido em suas veias. O fogo se empoçou em seu centro, seu íntimo se enchendo com um desejo ardente e ávido.

– Se você não quiser isto – murmurou ele ao encontro dos seus lábios –, basta dizer. A qualquer hora, eu paro...

– Não. – Ela balançou a cabeça ao erguer a mão para tocar no maxilar forte. – Eu te quero, mas tanto que isso está me assustando demais.

O sorriso dele se espalhou preguiçosamente, os lábios sensuais se afastando para revelar os dentes brancos e a extensão aumentada das presas. Jenna fitou sua boca, sabendo que os instintos básicos humanos de sobrevivência deviam estar disparando todo tipo de alarme, avisando-a de que aproximar-se demais daqueles caninos seria letal.

Mas ela não sentiu medo. Em vez disso, sua mente reconheceu a transformação dele com um sentimento inexplicável de aceitação. Excitação até, enquanto o castanho absorvente de seus olhos começou a reluzir com uma luz âmbar incandescente.

Acima do colarinho da camiseta cinza e debaixo das mangas curtas que se agarravam aos montes firmes dos bíceps musculosos, os dermaglifos de Brock pulsavam em cores. As marcas da pele do membro da Raça assumiram uma cor mais acentuada do que seu costumeiro tom de bronze, tornando-se mais bordô e dourado, junto com um roxo escuro. Jenna percorreu os dedos ao longo das curvas e arcos dos seus glifos, maravilhando-se com a beleza sobrenatural.

– Tudo o que eu achava que sabia é diferente agora – ponderou em voz alta enquanto permanecia no círculo dos braços dele, distraidamente tracejando os desenhos dos glifos que desciam. – Tudo mudou agora. Eu mudei, de maneiras que nem sei se farão sentido para mim. – Levantou o olhar. – Não estou atrás de mais confusão em minha vida. Não acho que eu seja capaz de lidar com mais isso além de todo o resto.

Ele sustentou o seu olhar, sem julgá-la, revelando apenas paciência e uma aura de controle imperturbável.

– Você está confusa agora, enquanto te toco... ou quando a beijo?

– Não – disse ela, surpresa ao constatar isso. – Nem antes.

– Isso é bom. – Ele se inclinou e clamou sua boca novamente, sugando o lábio inferior, capturando-o entre os dentes ao afagar suas costas, depois espalmando a mão na curva das nádegas. Apertou-a com possessividade, rebocando o corpo eletrizado ao longo da sua ereção. Esfregou o nariz na curva do pescoço, os lábios quentes e úmidos em sua pele. Quando falou de novo, sua voz estava mais grossa do que antes, carregada do mesmo tipo de avidez que a percorria. – Permita-se sentir prazer, Jenna. Se quiser, é só isso o que precisa acontecer entre nós. Sem pressão, sem amarras. Sem promessas que nenhum de nós está pronto para fazer.

Ah, Deus. Parecia tão bom, tão tentador, ceder ao desejo que vinha crescendo entre eles desde que ela despertou no complexo da Ordem. Não estava pronta para abrir o coração novamente, talvez nunca estivesse pronta para essa vulnerabilidade de novo, mas não sabia se era forte o bastante para resistir ao presente que Brock estava lhe oferecendo.

Ele a beijou na base da garganta.

– Está tudo bem, Jenna. Entregue o resto para mim agora. Liberte-se de tudo, exceto disto.

– Sim. – Ela suspirou, sem conseguir refrear um arquejo quando as carícias trafegaram por seu corpo. As mãos fortes e habilidosas lançaram picadas de energia pelas suas veias, o talento sobrenatural sugando todo o peso remanescente de tristeza, de dor e de confusão. A boca ardente e habilidosa deixou apenas sensações e avidez em seu rastro.

Ele beijou uma pequena trilha ao longo do pescoço, depois pelo maxilar, até que seus lábios se encontraram com os dela uma vez mais. Jenna acolheu sua paixão, abrindo-se para ele enquanto a língua passava pelo vale entre seus lábios. Ele gemeu quando ela o sugou para dentro, grunhiu uma aprovação absolutamente masculina enquanto ela passava os dedos ao redor da sua cabeça, segurando-o com mais firmeza ao encontro da sua boca.

Deus, ela não fazia ideia de quanto necessitava do toque de um homem. Ficara tempo demais sem aquela intimidade, forçosamente se privando do contato sexual e daquele tipo de relaxamento. Por quatro anos, convencera-se de que não queria nem precisava daquilo, apenas mais um castigo autoimposto pela grave ofensa de ter sobrevivido ao acidente que matara seus entes queridos.

Acreditara-se imune ao desejo; no entanto, ali com Brock, todas aquelas barreiras antes impenetráveis estavam sendo derrubadas, caindo ao seu redor como se não fossem mais do que folhas secas. Ela não conseguia sentir culpa pelo prazer que ele estava lhe proporcionando. Não havia como saber se pela habilidade de Brock de absorver a sua angústia ou pelo desejo reprimido. Só o que ela conhecia era a intensidade crescente das reações do seu corpo ao dele, uma onda de prazer e de antecipação que a deixava sem ar e querendo ainda mais.

As mãos grandes passaram para os ombros, depois começaram sua viagem para os seios. Através do algodão fino da camisa dela, os mamilos endureceram, ficando rijos e doloridos, vivos com sensações a cada carícia aplicada. Jenna gemeu, querendo mais dos toques dele. Capturou sua mão e a guiou por baixo da bainha larga da camisa. Ele não precisou de mais orientações. Em menos de um segundo, soltou o fecho do sutiã e cobriu a pele nua com a palma quente. Brincou com o botão duro ao acariciá-la.

– Melhor assim? – murmurou ele, logo abaixo da orelha. – Diga se está gostando.

– Deus... Sim! – Era tão bom que ela mal conseguia formar palavras.

Jenna sibilou de prazer, jogando a cabeça para trás enquanto uma sensação espiralada se contraía em seu íntimo. Ele continuou tocando-a, beijando-a e acariciando-a, enquanto lentamente tirava sua camisa. Fez o mesmo com o sutiã aberto, deslizando as alças finas pelos ombros, escorregando-as pelos braços. De repente, ela estava nua da cintura para cima diante dele. O instinto de se cobrir – de esconder as cicatrizes que cruzavam seu tronco por causa do acidente, e aquela no abdômen que era um lembrete diário do difícil trabalho de parto de Libby – surgiu de leve, mas apenas por um instante.

Só pelo tempo que demorou para erguer a cabeça e se deparar com o olhar de Brock.

– Você é linda – disse ele, pegando-lhe as mãos com suavidade e afastando-as do corpo antes que ela tivesse a oportunidade de se sentir envergonhada pelo elogio dele ou pela sua observação franca.

Nunca se sentira especialmente bela. Confiante e capaz, bem fisicamente e forte. Essas palavras ela entendia e aceitava. Palavras que a acompanharam em boa parte dos seus trinta e três anos de vida, mesmo durante o casamento. Mas linda? Era-lhe tão estranha quanto o idioma desconhecido que se ouvira falar no vídeo na enfermaria no dia anterior.

Brock, este sim, era lindo. Ainda que parecesse uma palavra esquisita para descrever a sombria força da natureza que estava diante dela.

Cada mancha castanha dos olhos dele sumira, devorada pelo brilho âmbar que aquecia suas faces como uma chama viva. As pupilas afinaram parecendo fendas, e as faces magras agora estavam mais angulares, a pele escura imaculada esticada por sobre os ossos, ressaltando a aparência atordoante das presas longas e afiadas.

Aqueles olhos ardentes prenderam os seus, enquanto ele tirava a camiseta e a deixava cair no chão ao lado dela. O peito era incrível, uma parede maciça de músculos bem torneados cobertos por um desenho intricado de glifos pulsantes. Ela não resistiu ao desejo de tocar a pele lisa, só para ver se era tão sedosa sob seus dedos quanto lhe parecia ao olhar. Era ainda mais macia do que imaginara, mas a força absoluta e sobrenatural abaixo dela era inconfundível.

Brock lhe parecia tão letal quanto fora ao salvá-la na cidade, a não ser, talvez, pela ira gélida que emanara dele como em ondas aquela noite, pois agora ele vibrava com algo igualmente agressivo e intenso: desejo. Todo centrado nela.

– Você está... Maldição, Jenna – ele disse rouco, tracejando a linha do seu ombro, depois circundando a ponta rósea do seu seio. – Você não faz ideia de quanto é adorável, faz?

Ela não respondeu, nem saberia como. Em vez disso, aproximou-se e puxou a boca dele para a sua para mais um beijo ardente. Pele contra pele, os seios esmagados contra os músculos firmes do peito dele, Jenna quase entrou em combustão de tanto desejo. Seu coração batia forte, a respiração acelerada, enquanto Brock abaixava a mão e descia o zíper de seus jeans. Ela mordeu os lábios quando ele deslizou as mãos entre a cintura da calça e a pele dos seus quadris, depois fez descer os jeans por sobre a calcinha branca. Ele se afundou sobre os calcanhares, acompanhando a descida dos jeans com as mãos.

Tomou cuidado perto do ferimento a bala, a fim de não mexer no curativo que envolvia a coxa.

– Tudo bem? – perguntou, erguendo o olhar para ela, a voz grave tão rouca que ela mal a reconheceu. – Se houver dor, posso cuidar dela.

Jenna balançou a cabeça.

– Não está doendo. Está tudo bem, mesmo.

Os olhos reluzentes âmbar se fecharam baixando os cílios ao voltar para a tarefa que tinha em mãos. Com os jeans removidos, ele se apoiou nos calcanhares e olhou para ela, deslizando as mãos para cima e para baixo na extensão das suas pernas.

– Tão, tão linda – ele a elogiou, depois inclinou a cabeça e pressionou os lábios no triângulo de algodão branco entre as coxas, a única peça de roupa que a cobria agora.

Jenna expeliu um suspiro trêmulo quando ele prendeu o tecido entre os dentes e as presas. Com o olhar carregado de propósito, fitou-a, as mãos ainda acariciando as pernas, e puxou a peça antes de soltá-la, deixando voltar ao seu lugar, cobrindo a pele aquecida. Ele a seguiu com a boca, beijando-a de novo, com mais determinação agora, afastando o irrisório pedaço de pano e esfregando o rosto ainda mais na fenda úmida do seu sexo.

As mãos a seguravam pelas nádegas enquanto ele a explorava com os lábios e a língua e o resvalar erótico dos dentes na pele úmida do seu centro. Despiu-a da calcinha, depois afastou as coxas e a sugou novamente. Levou uma mão até o meio das pernas, acrescentando o toque dos dedos à habilidade enlouquecedora da boca. Jenna estremeceu, perdida em sensações e a pouco menos do que uma inspiração de desfalecer.

– Céus – arfou ela, tremendo quando ele sondou suas dobras com a ponta do dedo, penetrando-a apenas de leve, enquanto seus beijos a deixavam cada vez mais tensa. Moveu-se na direção dele, inundada pelo calor. – Meu Deus... Brock, não pare.

Ele gemeu ao encontro da umidade dela, um longo ronronar de evidente apreciação masculina que vibrou em seus ossos e músculos até seu cerne aquecido. O clímax de Jenna a atravessou tal qual uma tempestade. Estremeceu com a sua força, exclamando quando o prazer a assolou e a fez subir aos céus. Quase se desfez, a sensação pairando quase como poeira estelar enquanto ela espiralava mais e mais alto, com tremores de puro deleite trespassando-a, um após o outro.

Sentia-se sem ossos ao flutuar de volta à realidade. Sem ossos e exausta, apesar de seu corpo ainda estar vibrando, repleto de sensações. E Brock ainda a beijava. Ainda a afagava com os dedos, arrancando cada um dos tremores restantes enquanto ela se agarrava aos ombros largos e arfava com o prazer dos tremores.

– Acho que eu estava precisando disso – sussurrou, estremecendo quando o riso baixo dele ecoou em sua pele ainda sensível. Ele a beijou no interno da coxa, mordiscando de leve, e suas pernas vacilaram um pouco sob o próprio peso. Ela se deixou cair para a frente, envolvendo Brock pelas costas. – Ah, meu Deus. Eu não imaginava o quanto precisava disso.

– O prazer foi meu – ele disse, rouco. – E ainda não terminei. – Mudou de posição debaixo dela, passando o braço ao seu redor e acomodando-a sobre o ombro. – Segure firme em mim.

Ela não teve escolha. Antes de entender o que ele pretendia, ele já se levantava. Carregou-a como um peso morto sobre um ombro e se pôs de pé, como se ela não passasse de um fardo de penas. Jenna se segurou como ele lhe dissera, sem deixar de admirar a força absoluta com que ele caminhava até o quarto adjacente. Vestindo apenas os jeans, os músculos das costas se flexionavam e contraíam debaixo da pele lisa a cada longa passada, um concerto perfeito de boa forma e talhe.

Não havia dúvidas, ele era lindo.

E seu corpo já eletrizado zunia com calor renovado quando ela percebeu que ele a carregava direto para a imensa cama king size.

Ele afastou a colcha e o lençol, depois a depositou na beira do colchão. Jenna observou com desejo crescente enquanto ele desabotoava os jeans e os retirava. Ele não estava usando nada por baixo. Glifos elaborados tracejavam a cintura estreita e o quadril, descendo pelas pernas vigorosas. As cores pulsavam e se transformavam, atraindo seu olhar por um breve instante da ereção evidente, que estava rija e imensa enquanto ele apenas observava enquanto ela o avaliava dos pés à cabeça.

Jenna engoliu com a boca seca quando ele se aproximou dela, devastador em toda a sua nudez. O olhar reluzente ainda mais brilhante, as presas ainda mais alongadas.

Ele parou perto da cama, crispando a testa quando ela se deteve no seu olhar transfigurado.

– Está com medo de mim... deste jeito?

Ela só balançou a cabeça de leve.

– Não, não estou com medo.

– Se estiver preocupada com relação a uma possível gravidez...

Ela voltou a balançar a cabeça.

– Meus danos internos no acidente cuidaram disso. Não posso engravidar. De toda forma, pelo que soube, DNA humano e da Raça não se misturam.

– Não – confirmou ele. – E em relação a quaisquer outras preocupações que possa ter, está segura comigo. Não existem doenças nos da minha espécie.

Jenna assentiu.

– Confio em você, Brock.

O crispar da testa dele diminuiu, mas ele permaneceu imóvel.

– Se não tiver certeza, se não é isso o que você quer, então o que lhe disse antes ainda vale. Podemos parar a qualquer instante. – Ele riu baixinho. – Acho que isso pode acabar comigo agora, já que está toda sensual na minha cama, mas eu paro. Que Deus me ajude, mas eu paro.

Ela sorriu, emocionada por alguém tão poderoso demonstrar tamanha honra e humildade. Ela afastou o lençol e abriu espaço para ele ao seu lado.

– Não quero parar.

A boca dele se abriu num sorriso amplo. Com um grunhido, foi em frente e sentou na cama ao seu lado. A princípio, apenas se tocaram e se acariciaram, beijando-se com suavidade, aprendendo mais sobre seus corpos. Brock foi paciente, apesar de a tensão em seu corpo revelar que ele estava se torturando por se refrear. Foi atencioso e carinhoso, tratando-a como uma amante querida, apesar de terem concordado de antemão que aquilo entre eles jamais seria outra coisa além de algo casual, sem amarras.

Para Jenna, parecia incrível que um homem que ela mal conhecia – aquele macho da Raça que tinha todo o direito de assustá-la – pudesse lhe parecer tão familiar, tão íntimo. Brock, porém, dificilmente era um estranho. Ele estivera ao seu lado em meio ao seu pesadelo pessoal, e de novo nos dias de sua recuperação ali no complexo. E a procurara naquela noite em que estivera sozinha e ferida na cidade, um improvável salvador sombrio.

– Por que fez aquilo? – perguntou baixinho, os dedos percorrendo os dermaglifos que se curvavam pelos ombros e desciam pelo peito. – Por que ficou comigo no Alasca e depois todos aqueles dias na enfermaria?

Ele ficou em silêncio por um momento, as sobrancelhas escuras unidas sobre o olhar reluzente.

– Odiei ver o que aconteceu com você. Você era apenas uma inocente que se viu em meio a um tiroteio. Você é humana. Não merecia ser arrastada para o meio da nossa guerra.

– Já sou uma garota crescida. Sei lidar com isso – disse, uma resposta automática que não sentia verdadeiramente. Ainda mais depois dos resultados perturbadores dos seus exames de sangue. – E quanto a agora? O que estamos fazendo aqui, quero dizer... Isto faz parte do seu programa “seja legal com a humana” também?

– Não. Claro que não. – A carranca dele se acentuou a ponto de mostrar raiva. – Acha que isso é pena? É isso o que você acha que é? – Ele inspirou fundo, revelando as pontas das presas ao rolá-la de costas e ficar sentado em cima dela. – Para o caso de não ter percebido, estou excitado pra caramba por você. Se me excitar mais, acabo explodindo.

Para provar seu ponto de vista, ele deu uma estocada nada sutil com o quadril, acomodando-se entre as dobras úmidas de seu sexo. Ele bombeou algumas vezes, fazendo a rigidez do membro entrar e sair da fenda dela, atiçando-a com o calor da sua excitação. Passou o braço por trás do joelho dela, levantando-lhe a perna até seu ombro, virou o rosto para a coxa e deu-lhe uma mordiscada.

– Isto é desejo puro e simples, nada de piedade – disse, sua voz rouca ao penetrá-la, longa e profundamente.

Jenna não conseguiria formular uma resposta mesmo que tentasse. A sensação atordoante de tê-lo preenchendo-a, estendendo-a cada vez mais a cada estocada, era tão sobrepujante que lhe roubou o fôlego. Ela se segurou a ele com as duas mãos enquanto ele lhe capturou a boca num beijo ardente, balançando acima dela, o corpo se movimentando num ritmo exigente.

A crista de um novo clímax já se formava dentro dela, e não conseguiu contê-lo. Sentiu o calor do próprio sangue nas veias, a pulsação imperiosa de Brock também, reverberando sob seus dedos e em cada terminação nervosa. Seus ouvidos estavam tomados pelo som do seu grito silencioso de libertação, pela fricção dos corpos unidos se retorcendo sobre os lençóis. O cheiro do sexo e do sabonete e do suor limpo na pele quente a intoxicaram. O sabor dos beijos ardentes de Brock em seus lábios só a fazia desejar outros mais.

Ela tinha fome, de uma maneira inexplicável.

Tinha fome dele, tão profunda que parecia retorcê-la de dentro para fora.

Queria saboreá-lo. Saborear o poder que ele era.

Arfando após o clímax, afastou-se da boca dele. Ele praguejou algo sombrio sob o fôlego, as investidas cada vez mais intensas, as veias e os tendões saltando no pescoço e nos ombros como cabos espessos elevando-se da pele.

Segurando-se a ele, Jenna deixou a cabeça pender por um momento, tentando se perder no ritmo dos corpos. Tentando não pensar na dor que corroía suas entranhas, no impulso confuso, porém irresistível que atraía seu olhar para o pescoço forte. Para as veias saltadas que pulsavam como tambores de guerra aos seus ouvidos.

Pressionou o rosto na coluna forte do pescoço dele e percorreu a língua no ponto pulsante que encontrou ali. Ele gemeu, um som prazeroso que só servia como combustível para o fogo que ainda queimava dentro dela. Ela se aventurou um pouco mais, cerrando os dentes sobre a pele dele. Brock grunhiu uma imprecação, e ela mordeu com um pouco mais de força, sentindo a onda de tensão que atravessou todo o corpo dele, que estava no limiar agora, os braços como granito ao redor dela, cada estocada dos quadris ficando mais intensa.

Jenna cravou os dentes com mais força na pele suave.

Mordeu até ele ficar louco de paixão...

Até ela sentir o sabor da primeira gota de sangue na língua.

 

 

CONTINUA

Capítulo 8

– Espero que todas estejam com fome – disse Alex, passando pelas portas vaivém da cozinha da mansão, com uma tigela grande de frutas frescas cortadas numa mão e um cesto de biscoitos com ervas aromáticas quentinhos na outra.

Depositou ambos na mesa da sala de jantar diante de Jenna e Tess, que foram instruídas por Alex e as outras mulheres do complexo para que se sentassem e se servissem do café da manhã.

– Como está se sentindo, Jen? – perguntou Alex. – Precisa de alguma coisa? Se quiser erguer a perna, posso pegar um banquinho na outra sala.

Jenna meneou a cabeça.

– Estou bem. – Sua perna estava bem melhor desde a cirurgia da noite anterior, e ela não sentia muitas dores. Só por causa da insistência de Tess é que estava usando uma bengala para se movimentar. – Não precisa ficar me mimando.

– Essa é a minha melhor amiga, a policial do interior – disse Alex, revirando os olhos na direção de Tess e virando a mão num sinal de pouco caso. – Só um machucadinho a bala, não precisam se preocupar...

Jenna caçoou.

– Comparado com a semana que tive, um buraco a bala na coxa é a menor das minhas preocupações.

Ela não estava querendo solidariedade, apenas declarando um fato.

A mão de Tess pousou com suavidade em seu pulso, assustando-a com seu calor e a preocupação genuína no olhar.

– Nenhuma de nós pode fingir saber aquilo pelo que você passou, Jenna, mas espero que entenda que estamos aqui para cuidar de você agora. Você está entre amigas, todas nós.

Jenna resistiu ao efeito de consolo que as palavras de Tess exerciam sobre ela. Não queria se sentir relaxada naquele lugar, entre Alex e aquelas desconhecidas aparentemente gentis.

Nem com Brock.

Muito menos com ele.

Sua mente ainda estava confusa com o resgate inesperado na cidade. Fora um erro sair como havia saído, despreparada e afetada emocionalmente. Não fazia tanto tempo assim que se desligara da polícia para não se lembrar que o melhor modo de se ver em apuros era fugir despreparada em território desconhecido. Só o que reconheceu naquele meio segundo antes de sair do complexo foi o desespero em fugir da sua nova e sombria realidade.

Cometera um clássico erro de julgamento de principiante, incitado pela emoção, e acabara necessitando de resgate para voltar à segurança. Que o seu resgate tivesse surgido na forma de um vampiro formidável e aterrorizante era algo que ela não sabia se um dia conseguiria compreender.

No fundo, sabia que Brock salvara sua vida na noite anterior. Uma parte sua desejava que ele não o tivesse feito. Não queria ficar devendo nada a ele. Não gostava de dever a ninguém, muito menos a um homem que nem podia ser classificado como humano.

Deus, que reviravolta em sua vida...

Com seus pensamentos cada vez mais sombrios, Jenna afastou a mão da de Tess e se recostou na cadeira.

Tess não a pressionou a falar, simplesmente se inclinou sobre a mesa e inspirou um pouco da fragrância que emanava dos biscoitos.

– Hummm – gemeu, o braço fino amparando a curva do ventre arredondado. – É a receita de cheddar e manjericão da Dylan?

– Atendendo a pedidos – respondeu Alex vivamente. – E há mais de onde isso veio, incluindo as incríveis torradas francesas com crème brûlée de Savannah. Falando nelas, é melhor eu ir buscá-las para o banquete.

Enquanto Alex virava e desaparecia novamente na cozinha, Tess lançou um olhar furtivo para Jenna.

– Você ainda não viveu se não provou os biscoitos de Dylan e as torradas de Savannah. Confie em mim, são o paraíso.

Jenna sorriu com educação.

– Tudo me parece muito bom. Nunca fui muito de cozinhar. Minha tentativa de sucesso na cozinha é uma omelete de carne de alce com queijo suíço, espinafre e batatas.

– Carne de alce? – Tess gargalhou. – Bem, posso lhe garantir que nenhuma de nós já experimentou algo parecido. Talvez você possa preparar para nós um dia desses.

– Quem sabe? – disse Jenna sem se comprometer, levantando os ombros.

Se não fosse pela incômoda matéria desconhecida encravada em sua coluna, e agora pelo tiro que a manteria ali sabe lá Deus por quanto tempo, ela já teria ido embora. Não sabia quanto tempo ainda a fariam ficar ali, mas assim que conseguisse sair andando, já era. Não se importava com o que a Ordem precisava saber; não tinha nenhuma intenção de ficar por perto para ser o ratinho de laboratório deles.

Ainda era estranho demais pensar que estava ali com elas, num quartel-general secreto habitado por uma equipe de vampiros guerreiros e por mulheres aparentemente sãs e agradáveis que pareciam felizes e à vontade entre eles.

O surrealismo da coisa toda se intensificou quando Alex e o restante das mulheres da Ordem – cinco lindas jovens e a menina loira chamada Mira – saíram da cozinha com o restante do café da manhã. Conversavam amigavelmente, relaxadas na companhia uma da outra como se tivessem estado juntas a vida inteira.

Formavam uma família, inclusive Alex, apesar de ela ter chegado ali apenas uma semana antes, assim como Jenna.

Um ritmo descontraído se fez na sala de jantar, enquanto pratos com bordas douradas eram passados adiante e completados com todo tipo de comida deliciosa. Taças de cristal eram enchidas com suco até a borda, e delicadas xícaras de porcelana logo se encheram com fragrante café torrado e coado.

Jenna observava tudo em silêncio enquanto a refeição prosseguia. Xarope de bordo aquecido e bolinhas de manteiga rodavam pela mesa, parando por mais tempo com a pequena Mira, que encharcou sua torrada com aquela doçura e cobriu os biscoitos com manteiga como se aquilo fosse cobertura. Mira engoliu um em duas mordidas grandes, depois atacou o resto da refeição com muita vontade.

Jenna sorriu sem querer ante o apetite voraz da menina, sentindo uma pontada de melancolia, senão culpa, quando pensou na filha. Libby sempre fora uma menina cuidadosa, disciplinada e séria, mesmo quando pequena.

Deus, o que não daria para poder ver Libby degustando algo tão simples quanto um café da manhã à sua frente na mesa?

Com os dedos melados, Mira pegou o copo de suco de laranja e sorveu um gole grande. Suspirou de contentamento ao apoiar o copo novamente num baque.

– Pode me passar o chantilly para eu pôr nos pêssegos? – perguntou, cravejando Jenna com seus misteriosos olhos violeta.

Por um instante, Jenna se sentiu capturada por aquele olhar. Dispensou a sensação e pegou a tigela que estava no meio do caminho entre ela e Mira do outro lado.

– Pode, por favor, me passar o chantilly? – Renata a corrigiu de seu lugar à direita da menina. A morena lançou-lhe uma piscadela decididamente maternal e carinhosa ao interceptar a tigela que Jenna segurava.

– Pode, por favor – Mira se corrigiu, não parecendo nem um pouco admoestada.

Jenna cortou um pedaço da torrada e a colocou na boca. Era exatamente o que Tess havia prometido, paradisíaca. Mal conseguiu refrear um gemido alto ao se deleitar com o sabor cremoso de baunilha.

– Gostou? – perguntou Savannah, que estava sentada em uma das cabeceiras da longa mesa de jantar.

– É deliciosa – murmurou Jenna, as papilas gustativas ainda vibrando de êxtase. Lançou um breve olhar, abarcando todas ali reunidas. – Obrigada por me deixarem partilhar disto com vocês. Nunca vi tanta comida junta em minha vida.

– Achou que a deixaríamos morrer de fome? – perguntou Gabrielle da outra cabeceira. Seu sorriso era acolhedor e amigável.

– Não sei bem o que pensei – respondeu Jenna, com honestidade. – Sendo bem franca, acho que ainda não processei tudo isso muito bem.

Gabrielle inclinou a cabeça num leve assentimento, parecendo sábia e serena, ainda que, sem dúvida, devesse ser mais jovem do que Jenna e seus trinta e três anos.

– Isso é compreensível. Você sofreu muito, e a sua situação é sem igual para todos nós.

– A minha situação – Jenna repetiu, refletindo enquanto mexia um pedaço de pão molhado em xarope de bordo em seu prato. – Está falando do objeto não identificado que está alojado na base do meu crânio?

– É, isso – concordou Gabrielle, com um tom gentil na voz. – E o fato de que você teve sorte de escapar do ataque do Antigo com vida. O simples fato de ele ter se alimentado de você e tenha permitido que você vivesse é...

– Inédito – sugeriu a mulher sentada com Gabrielle. Ela tinha cabelos ruivos e o belo rosto salpicado por sardas. – Se soubesse do que ele é capaz, se você tivesse noção do que aconteceu com tantas outras... – A voz se perdeu, um leve estremecimento fazendo o garfo em sua mão tremer. – É um milagre que você esteja viva, Jenna.

– Dylan tem razão – concordou Tess. – Há mais ou menos um ano, quando a Ordem descobriu que o Antigo havia sido despertado, temos tentado localizá-lo e a Dragos, o filho da mãe responsável por trazer de volta ao mundo esse tipo de perigo.

– Não sei qual dos dois é pior – Renata interveio. – O Antigo clamou muitas vidas inocentes, mas é Dragos, o neto sádico do Antigo, quem vem dando as ordens.

– Está dizendo que aquela criatura tem descendentes? – Jenna perguntou, sem conter sua repulsa.

Gabrielle sorveu um gole de café, depois, com cuidado, voltou a depositar a xícara no pires.

– Aquela criatura e outros tantos como ele deram início à Raça na Terra.

– Na Terra? – Jenna exclamou com uma risada descrente. – Está se referido a alienígenas agora? Aquele vampiro que me atacou...

– Não era deste mundo – Savannah concluiu por ela. – É verdade. Não é mais difícil de acreditar do que a existência dos próprios vampiros, se quer saber a minha opinião, mas é a mais pura verdade. Os Antigos estupraram e dominaram depois que aterrissaram aqui há milhares de anos. Com o passar do tempo, algumas das suas vítimas engravidaram com o que se tornaria a primeira geração da Raça.

– Isso faz algum sentido para vocês? – Jenna perguntou, ainda incrédula. Relanceou para Alex, ao seu lado. – Você também acredita nisso?

Alex concordou.

– Depois de conhecer Kade e todos os demais aqui no complexo, como posso não acreditar? Também vi o Antigo com meus próprios olhos, momentos antes de ele ser morto nos despenhadeiros fora de Harmony.

– E quanto a esse outro... Dragos? – perguntou Jenna, curiosa, sem querer, em fazer com que todas as peças desse incrível quebra-cabeça se juntassem se algum modo. – Onde ele entra?

Dylan foi a primeira a falar.

– Ao que parece, Dragos despertou o Antigo muito antes do que supúnhamos. Décadas antes, de fato. Ele o manteve escondido e o usou para criar uma nova leva de Primeira Geração, os membros mais fortes da Raça, visto que são descendentes diretos da linhagem do Antigo e não geneticamente diluídos, como as gerações posteriores.

– Dragos vem criando um exército pessoal dos mais poderosos, dos mais letais membros da espécie – acrescentou Renata. – São criados supervisionados, treinados para serem assassinos impiedosos. Assassinos particulares de Dragos, a quem ele convoca sempre que necessário para os seus desígnios.

Gabrielle assentiu.

– Para criar essa geração, Dragos também precisou de um estoque de mulheres férteis para engravidar do Antigo.

– As Companheiras de Raça – disse Alex.

Jenna olhou para ela.

– E o que são elas?

– Mulheres nascidas com um DNA e características sanguíneas distintas que as tornam capazes de partilhar um elo de sangue vitalício com os membros da Raça e de reproduzir seus filhos – disse Tess, a mão distraída acariciando o ventre distendido. – Mulheres como nós ao redor desta mesa.

O choque e o horror contraíram o íntimo de Jenna.

– Está dizendo que eu...

– Não – disse Tess, balançando a cabeça. – Você é mortal, não é uma Companheira de Raça. O seu hemograma é normal e você não tem a marca que o resto de nós tem.

Ante a confusão estampada no rosto dela, Tess mostrou a mão, que trazia uma marca rubra entre o polegar e o indicador. Era uma minúscula lua crescente com o que parecia uma gota de lágrima caindo em seu centro.

– Todas vocês têm essa tatuagem?

– Não é uma tatuagem – disse Alex. – É uma marca de nascença, Jenna. Todas as Companheiras de Raça têm uma em algum lugar do corpo. A minha está no quadril.

– Não existem muitas de nós no mundo – explicou Savannah. – A Raça considera as Companheiras de Sangue sagradas, mas Dragos não. Ele vem juntando essas mulheres há anos, mantendo-as em cativeiro; deduzimos que com o único propósito de gerarem os assassinos de Primeira Geração. Muitas delas foram mortas, seja por Dragos ou pelo Antigo.

– Como sabem disso? – Jenna perguntou, horrorizada pelo que ouvia.

Na outra ponta da mesa, Dylan pigarreou.

– Eu as vi. As mortas, quero dizer.

A parte policial de Jenna ficou alerta.

– Se vocês têm cadáveres, então têm provas e motivo para entregar esse cretino, Dragos, para as autoridades.

Dylan meneava a cabeça.

– Não vi os corpos. Vi as mortas. Elas... aparecem às vezes. Às vezes falam comigo.

Jenna não sabia se gargalhava ou se deixava a cabeça cair, derrotada.

– Você vê pessoas mortas?

– Toda Companheira de Raça tem uma habilidade ou talento próprio que a torna peculiar de algum modo – explicou Tess. – Para Dylan, é esse dom de se conectar com as outras Companheiras de Raça que já morreram.

Renata se inclinou para a frente, apoiando os antebraços na mesa.

– Através do dom de Dylan, sabemos com certeza que Dragos é o responsável pela morte de inúmeras Companheiras de Raça. E por meio de outra amiga da Ordem, Claire Reichen, cujo talento nos levou a localizar a base de operações de Dragos há alguns meses, sabemos que ele ainda mantém muitas mais. Desde então, a operação de Dragos se escondeu no submundo. Agora a principal missão da Ordem, além de acabar com o maldito o mais rápido possível, é encontrar o quartel-general dele e libertar as suas vítimas.

– Temos ajudado como podemos, mas é muito difícil localizar um alvo móvel – disse Dylan. – Podemos procurar os relatórios das pessoas desaparecidas, procurando por rostos que eu reconheça. E, durante o dia, vasculhamos abrigos para mulheres, orfanatos, albergues... qualquer lugar que possa nos levar às jovens desaparecidas.

Renata assentiu.

– Particularmente aquelas com habilidades extrassensoriais ou outras competências que possam indicar uma Companheira de Raça em potencial.

– Fazemos o que podemos – disse Gabrielle. – Mas ainda não tivemos muita sorte. É como se estivesse nos faltando a chave para desvendar tudo isso e, até a encontrarmos, parece que só ficamos dando voltas.

– Ei, espere um instante – disse Jenna, seu lado policial enferrujado compreendendo a frustração de seguir pistas infrutíferas. – A persistência costuma ser o melhor aliado de um investigador.

– Pelo menos não temos mais que nos preocupar com o Antigo – disse Savannah. – Essa é uma batalha a menos para enfrentar.

Ao redor da mesa de café da manhã, um coro de vozes concordantes ecoou essa declaração.

– Por que o Antigo deixou que você vivesse, Jenna?

A pergunta foi feita por Elise, uma loira baixinha de cabelos curtos do outro lado de Tess. A discreta do grupo, que se parecia com uma flor delicada, mas com um olhar franco e decidido de uma guerreira. Ela, provavelmente, devia precisar dessa força interior, levando-se em consideração a companhia que ela e as demais mulheres naquele complexo tinham.

Jenna baixou o olhar para o prato e refletiu sobre sua resposta. Demorou um tempo para encontrar as palavras.

– Ele me fez escolher.

– O que quer dizer com isso? – disse Savannah, com a testa se franzindo numa pergunta.

O que você decide, Jenna Tucker-Darrow?

Vida... ou morte?

Jenna sentiu todos os olhos cravados nela naquele silêncio. Forçando-se a enfrentar as perguntas não proferidas que pairavam no ar, ela ergueu o olhar. Empinou o queixo e falou sucinta e rapidamente:

– Eu queria morrer. É o que eu teria preferido, ainda mais naquele momento. Ele sabia disso, tenho certeza. Mas, por algum motivo, pareceu querer brincar comigo, então me fez decidir se eu queria ou não morrer naquela noite.

– Puxa, Jen, que horrível... – A voz de Alex se mostrou emocionada. Seu braço a envolveu pelos ombros num gesto de amparo. – Filho da puta cruel.

– Então – continuou Elise –, você disse ao Antigo que a deixasse viver e ele concordou... Simples assim?

Lembrando o momento com vívida clareza agora, Jenna balançou a cabeça com vigor.

– Eu lhe disse que queria viver, e a última coisa de que lembro é dele fazendo um corte no braço e retirando aquela coisa, aquela coisa minúscula que só Deus sabe o que é, e que agora está dentro de mim.

Ela sentiu, mais do que viu, a sutil troca de olhares ao redor da mesa.

– Acham que isso tem alguma significância? – perguntou, dirigindo a pergunta ao grupo como um todo. Tentou abafar a pontada repentina de medo que reverberou em seu peito. – Acham que o fato de ele ter colocado aquela coisa dentro de mim tem alguma importância em eu viver ou morrer?

Alex segurou a mão dela num gesto tranquilizador, mas foi Tess quem falou antes das outras.

– Talvez Gideon possa fazer outros testes para nos ajudar a descobrir isso.

Jenna engoliu em seco, depois assentiu.

Seu prato de comida permaneceu intocado pelo restante da refeição.

Num canto escurecido de um quarto num hotel luxuoso em Boston, onde cortinas pesadas impediam a passagem do menor dos raios solares da manhã, o macho da Raça chamado Dragos estava acomodado numa poltrona acolchoada em seda e tamborilava as unhas da mão na mesinha lateral de mogno. Atrasos o deixavam impaciente, e a impaciência o tornava letal.

– Se ele não chegar nos próximos sessenta segundos, um de vocês terá que matá-lo – disse para o par de assassinos de Primeira Geração que o flanqueavam como Cérberos musculosos de dois metros de altura.

Assim que terminou de falar, no corredor do lado de fora da suíte presidencial, o elevador privativo emitiu uma campainha eletrônica, anunciando a chegada do convidado. Dragos não se moveu de seu canto no quarto, aguardando em silêncio irritado enquanto outro dos seus guardas pessoais criados acompanhava o macho da Raça civil – um tenente na operação secreta de Dragos – até a suíte para a sua reunião particular.

O vampiro teve o bom senso de inclinar a cabeça no instante em que seu olhar recaiu sobre Dragos.

– Mil perdões por mantê-lo esperando, senhor. A cidade está tomada pelos humanos. Pessoas fazendo compras de Natal e turistas – disse ele, o desdém revelado em cada uma das sílabas bem pronunciadas. Tirou as luvas e as colocou nos bolsos do casaco de caxemira. – O meu motorista teve que dar uma dúzia de voltas no hotel antes de conseguirmos nos aproximar da entrada de serviço no andar subterrâneo.

Dragos continuou tamborilando os dedos na mesinha.

– Algo errado com a entrada principal?

Seu tenente, pertencente à segunda geração da Raça, assim como Dragos, empalideceu visivelmente.

– Estamos em pleno dia, senhor. Com toda essa claridade, eu me incineraria em questão de minutos.

Dragos apenas o fitou, nem um pouco incomodado. Também não estava satisfeito com o local inconveniente daquele encontro. Preferiria muito mais o conforto e a segurança da sua residência. Mas isso já não era mais possível. Não depois que a Ordem interferiu em sua operação e o obrigou a buscar refúgio.

Temendo ser descoberto, ele não permitia mais que qualquer um dos seus associados civis soubesse onde seu quartel-general ficava. Como precaução adicional, nenhum deles conhecia a localização das suas propriedades nem da sua equipe. Ele não podia correr o risco de que seus tenentes caíssem no poder da Ordem e o acabassem comprometendo na esperança de que Lucan os poupasse de sua ira.

Só de pensar em Lucan Thorne e nos seus guerreiros, ele ficava com um gosto amargo na boca. Tudo pelo que tanto trabalhara, sua visão de um futuro no qual mal conseguia esperar para pôr as mãos, fora estragado pelas ações da Ordem. Eles o forçaram a bater em retirada. Forçaram-no a destruir o nervo central da sua operação – um superlaboratório de pesquisa científica que lhe custara centenas de dólares e muitas décadas para aperfeiçoar.

Tudo isso desaparecido agora, nada além de cinzas e escombros no meio de uma floresta em Connecticut.

Agora o poder e os privilégios a que Dragos estava acostumado por séculos foram substituídos por esconderijos nas sombras e olhadelas constantes por sobre o ombro para se certificar de que o inimigo não se aproximava. A Ordem o obrigara a fugir e se esconder como um coelho desesperado para se evadir da armadilha do caçador, e ele não gostava nem um pouco disso.

O último incômodo acontecera no Alasca, com a fuga do Antigo, o seu instrumento mais valioso e insubstituível na busca pela derradeira dominação. Já fora bastante ruim que o Antigo tivesse escapado durante seu transporte em seu novo tanque de contenção. Mas o desastre só piorou quando a Ordem não só conseguiu encontrar o laboratório no Alasca como também o fugitivo alienígena.

Dragos perdera essas duas peças fundamentais para os malditos. Não pretendia perder mais nada.

– Quero ouvir boas notícias – disse ao tenente, dardejando o macho por debaixo das sobrancelhas unidas. – Como tem progredido com a sua missão?

– Tudo está a postos, senhor. Esta semana, o alvo e sua família imediata acabaram de regressar aos Estados Unidos das suas férias no exterior.

Dragos grunhiu em concordância. O alvo em questão era um ancião da Raça, com quase mil anos de existência, um da Primeira Geração, de fato, motivo pelo qual Dragos o tinha em mira. Além de querer que Lucan Thorne e seu bando de guerreiros ficassem sem trabalho, Dragos também retornara aos objetivos da sua missão inicial: a extinção sistemática e total de cada um dos Primeira Geração da Raça naquele planeta.

O fato de Lucan e outro membro fundador da Ordem serem Primeira Geração só tornava seu objetivo mais doce. E ainda mais imperativo. Ao acabar com todos os Primeira Geração, exceto seus assassinos criados e treinados para servi-lo inquestionavelmente, Dragos e os outros membros da segunda geração da Raça se tornariam, por consequência, os vampiros mais importantes da atualidade.

E se, ou melhor, quando se cansasse de partilhar o futuro que ele sozinho entreviu e garantiu que acontecesse, então ordenaria ao seu exército pessoal de assassinos que dizimasse cada um dos seus contemporâneos da segunda geração também.

Sentado num silêncio contemplativo e aborrecido, ouvia enquanto seu tenente se apressava em rever os detalhes do plano que o próprio Dragos idealizou poucos dias antes. Passo a passo, tática a tática, o outro macho da Raça discorreu sobre tudo, garantindo-lhe que nada seria deixado ao acaso.

– O Primeira Geração e sua família estão sendo observados em período integral desde que voltaram para casa – disse o tenente. – Estamos prontos para disparar o gatilho dessa operação ao seu comando, senhor.

Dragos inclinou a cabeça num vago assentimento.

– Faça acontecer.

– Sim, senhor.

A mesura profunda e sua retirada foram quase tão agradáveis quanto a noção de que aquele golpe pendente deixaria absolutamente claro para a Ordem que ele podia ter sido atingido, mas estava longe de ser abatido.

Na verdade, sua presença no elegante hotel em Boston, e uma das importantes reuniões de apresentação que levaram semanas para serem arranjadas entre ele e um punhado de humanos influentes escolhidos a dedo, solidificaria a posição de Dragos em sua ascensão para a glória final. Ele praticamente já sentia o gosto do sucesso.

– Ah, mais uma coisa – Dragos chamou seu associado que partia.

– Sim, senhor.

– Se fracassar – disse ele de maneira agradável –, esteja preparado para que eu lhe sirva seu próprio coração.

O rosto do macho empalideceu, ficando branco como o carpete que cobria o piso tal qual neve fresca.

– Não fracassarei, senhor.

Dragos sorriu, expondo tanto os dentes quanto as presas.

– Certifique-se de que isso não aconteça.


Capítulo 9

Depois da bagunça carregada de morte da noite anterior na cidade, Brock considerou um triunfo pessoal que tivesse conseguido evitar Jenna em grande parte do dia após o seu retorno ao complexo.

Depois de ter descartado os dois corpos nas águas gélidas do rio Mystic, ficou sozinho até quase o amanhecer, tentando se libertar da fúria que parecia acompanhá-lo aquela noite.

Mesmo após estar no quartel-general da Ordem por algumas horas pela manhã, a raiva injustificada, e completamente indesejável, que o possuía ao pensar numa mulher inocente se deparando com o perigo fazia com que seus músculos vibrassem com uma necessidade de violência. Algumas boas horas de treino suado com as armas ajudaram a aplacar um pouco desse sentimento. Bem como o banho escaldante de quarenta minutos com o qual se castigara após o treino.

Ele até poderia achar que se sentia bem, com a cabeça no lugar de novo, se não fosse pelos golpes certeiros que Gideon lançara não muito tempo depois.

O primeiro foi a notícia de que Jenna descera depois do café da manhã com as outras mulheres do complexo e lhe pedira para fazer mais exames de sangue e de tecido. Ela havia se lembrado de algo a respeito do tempo passado com o Antigo, algo que Gideon dissera que havia deixado a fêmea valente bem atormentada.

O segundo golpe foi dado quase imediatamente depois que os primeiros resultados dos exames surgiram.

O sangue e o DNA de Jenna haviam mudado significativamente desde a última vez que Gideon os analisara.

No dia anterior, os resultados foram normais. Hoje, tudo estava alterado.

– Não podemos nos precipitar em conclusões. Não importa o que esses resultados possam indicar – disse, por fim, Lucan, em seu tom grave e sério.

– Talvez devamos fazer mais exames – sugeriu Tess, a única fêmea no laboratório de tecnologia no momento. Ela levantou o olhar dos resultados perturbadores para encarar Lucan, Brock e o restante da Ordem, que fora convocada ali para revisar os achados de Gideon. – Devo ir buscar Jenna e levá-la para a enfermaria para mais exames?

– Você até pode fazer isso – disse Gideon –, mas fazer outros exames não vai mudar nada. – Ele tirou os óculos de lentes azul-claras, jogando-os na mesa de acrílico diante dele. Pinçando o alto do nariz, balançou a cabeça de leve. – Esse tipo de mutação de DNA e a reprodução celular massiva simplesmente não acontecem. Os corpos humanos não são avançados o bastante para lidar com as exigências que mudanças dessa significância provocariam em seus órgãos e artérias, sem falar no impacto que algo assim teria no sistema nervoso central.

Com os braços cruzados diante do peito, Brock se recostou na parede ao lado de Kade, Dante e Rio. Não disse nada, esforçando-se para entender tudo o que via e ouvia. Lucan tinha aconselhado que ninguém se precipitasse em conclusões, mas era excessivamente difícil não fazer isso agora, com o futuro bem-estar de Jenna em jogo.

– Não entendo – disse Nikolai do outro lado do laboratório, onde estava sentado à mesa, junto com Tegan e Hunter. – Por que agora? Isto é, se tudo estava normal antes, por que a súbita mutação no sangue e no DNA?

Gideon deu de ombros.

– Pode ser porque até ontem ela esteve num sono profundo, quase em coma. Soubemos que sua força muscular tinha aumentado assim que despertou. Brock testemunhou isso em primeira mão, e nós também, quando Jenna fugiu do complexo. As mudanças celulares que estamos vendo agora podem ter sido uma reação retardada ao seu despertar. Estar consciente e alerta pode ter agido como algum tipo de disparador dentro de seu corpo.

– Ontem à noite ela foi alvejada – acrescentou Brock, refreando o rugido raivoso que lhe constringia a garganta. – Isso pode estar relacionado com o que vemos no sangue dela agora?

– Talvez – disse Gideon. – Tudo é possível, imagino. Isso não é nada que eu, nem ninguém nesta sala, já tenha visto antes.

– Pois é – concordou Brock. – Simplesmente uma maravilha.

No fundo da sala, com os coturnos apoiados na mesa de reuniões enquanto inclinava a cadeira para trás, Sterling Chase pigarreou.

– Levando tudo em consideração, talvez não seja uma boa ideia dar tanta liberdade a essa mulher aqui no complexo. Ela é um grande ponto de interrogação no momento. Por tudo o que sabemos, pode muito bem ser algum tipo de bomba prestes a explodir.

Por um longo instante, ninguém disse nada. Brock odiou esse silêncio. Odiou Chase por exprimir algo que nenhum dos guerreiros quis considerar.

– O que sugere? – perguntou Lucan, lançando um olhar sério para o macho que passara décadas como parte da Agência de Policiamento antes de se juntar à Ordem.

Chase arqueou as sobrancelhas loiras.

– Se dependesse de mim, eu a retiraria do complexo o mais rápido possível. Trancaria-na em algum lugar seguro, bem longe das nossas operações, pelo menos até termos a oportunidade de deter Dragos de uma vez por todas.

O grunhido de Brock surgiu na garganta, carregado de animosidade.

– Jenna fica aqui.

Gideon recolocou os óculos e assentiu na direção de Brock.

– Concordo. Eu não me sentiria à vontade em tirá-la daqui agora. Gostaria de observá-la, para entender melhor o que está acontecendo com ela a nível celular e neurológico, no mínimo.

– Façam como quiserem – disse Chase. – Mas isso será o funeral de todos nós se você estiver errado.

– Ela fica – disse Brock, estreitando o olhar para o outro lado da mesa, que perfurou o ex-agente que sorria.

– Você está todo animado com essa humana desde o segundo em que a viu – observou Chase, o tom leve, mas com a expressão carregada de desafio. – Tem algo a provar, amigo? O que foi... você é um daqueles tolos loucos por uma dama em apuros? O santo padroeiro das causas perdidas. Essa é a sua?

Brock voou por cima da mesa num único salto. Poderia ter acabado com as mãos no pescoço de Chase, mas o vampiro previu o seu ataque e se moveu com a mesma velocidade. A cadeira caiu para trás e, em meio segundo, os dois machos grandes estavam cara a cara, travados numa batalha que nenhum deles poderia vencer.

Brock sentiu mãos fortes afastando-o do confronto, Kade e Tegan, chegando ali antes que ele conseguisse desferir o soco que Chase merecia. E atrás de Chase estavam Lucan e Hunter, os dois e os demais prontos a pôr panos quentes na situação caso um dos machos resolvesse agir.

Encarando Chase com raiva, Brock se permitiu ser afastado, mas só isso. Pelo que não foi a primeira vez, refletiu sobre a natureza antagônica e agressiva de Sterling Chase, e pensou no que fazia com que o de outro modo habilidoso e fantástico guerreiro fosse tão volátil.

Se a Ordem tinha uma bomba acionada com que se preocupar em seu meio, Brock ficou pensando se não estava olhando para ela naquele mesmo instante.

– Por que diabos isso está demorando tanto?

Jenna não tinha percebido que dera vazão à sua preocupação em voz alta até sentir a mão de Alex.

– Gideon disse que queria fazer outros testes na sua amostra. Tenho certeza de que logo vamos ter notícias.

Jenna bufou um suspiro. De bengala na mão, mesmo sentindo apenas uma necessidade mínima de se apoiar nela, levantou-se do sofá no qual estivera sentada e claudicou até o outro lado da sala de estar do apartamento. Fora levada até ali por Alex e Tess depois que colheram a amostra do seu sangue na enfermaria poucas horas atrás, dizendo-lhe que lhe tinham dado o uso daquele espaço pela duração da sua estada no complexo.

Aquela suíte era uma melhora e tanto em relação ao quarto da enfermaria. Espaçosa e confortável, com mobília grande de couro e mesinhas de madeira escura meticulosamente polidas, não entulhadas de tranqueiras. Estantes altas de madeira perfiladas com livros clássicos, de filosofia e história à altura de uma biblioteca. Livros provocativos e sérios que pareciam em contraste com uma prateleira muito bem organizada – caramba, em ordem alfabética – de livros de ficção populares bem ao lado.

Jenna deixou seu olhar passar pelas prateleiras de títulos e autores, necessitando de uma distração momentânea para impedir que pensasse demais no que poderia estar provocando tanta demora para ouvir as respostas de Gideon e dos outros.

– Faz mais de uma hora que Tess está lá – observou, tirando um livro qualquer sobre cantoras de jazz de sua posição na seção de história. Folheou as páginas, mais para dar algo paras as suas mãos fazerem do que por algum interesse real pelo livro.

Enquanto passava pelo capítulo sobre a era dos clubes de jazz dos anos 1920, uma fotografia amarelada escorregou. Jenna a apanhou antes que caísse no chão. O rosto sorridente de uma mulher jovem num vestido de seda cintilante e pele brilhante a fitava da imagem. Com olhos grandes e amendoados e tez de porcelana que parecia reluzir em contraste com os cabelos negros longos, ela era linda e exótica, ainda mais no cenário do clube de jazz ao fundo.

Com sua própria vida num espiral de confusão e preocupação, Jenna sentiu-se perplexa por um momento pelo júbilo evidente no sorriso amplo da jovem. Era uma alegria tão patente, franca, que quase sentiu uma dor física ao vê-la. Ela também já vivenciara esse tipo de felicidade, não? Deus, quanto tempo se passara desde que sentira ainda que metade da vivacidade daquela jovem da fotografia?

Brava com essa sensação de autopiedade, Jenna guardou a fotografia no livro, que devolveu ao seu lugar na prateleira.

– Não aguento mais. Isso está me deixando louca.

– Eu sei, Jen, mas...

– Ao diabo. Não vou mais ficar aqui esperando – disse, virando-se para encarar a amiga. A ponta da bengala se chocou no tapete ao abrir caminho até a porta. – Eles já devem ter alguns resultados a esta altura. Tenho que saber o que está acontecendo. Vou lá agora mesmo.

– Jenna, espere – Alex pediu atrás dela.

Mas ela já estava no corredor, andando o mais rápido que conseguia, apesar do impedimento da bengala e da leve fisgada que trespassava sua perna a cada passo apressado.

– Jenna! – Alex a chamou, com as passadas rápidas ecoando no corredor já deserto.

Jenna prosseguiu pelos corredores de mármore branco polido. A perna começava a latejar, mas ela não se importou. Deixou a bengala de lado, que só a retardava, e faltou pouco para começar a correr na direção das vozes abafadas dos machos logo mais adiante. Ela arfava ao chegar à parede de vidro do laboratório de tecnologia, com suor sobre seus lábios e na testa provocado pela dor.

Seus olhos encontraram Brock antes de qualquer outro membro do grupo aparentemente solene. Seu rosto estava tenso, os tendões do pescoço esticados como cabos, a boca formando uma linha carrancuda, quase ameaçadora. Ele estava no fundo da sala, cercado pelos outros guerreiros, todos aparentando tensão e inquietação, ainda piores agora que ela estava ali. Gideon e Tess estavam próximos ao nicho de computadores na parte anterior do laboratório.

Todos pararam o que estavam fazendo para fitá-la.

Jenna sentiu o peso dos olhares como algo físico. Seu coração se contraiu. Obviamente, eles já tinham a análise de seu sangue. Será que os resultados eram tão horríveis assim?

Suas expressões eram inescrutáveis, todos a mantendo sob observação cautelosa, silenciosa, conforme seus passos desaceleraram diante das portas deslizantes do laboratório.

Deus, olhavam para ela como se nunca a tivessem visto antes.

Não, percebeu, ao notar que o grupo continuava imóvel, olhando para ela através da parede transparente que a separava do grupo solene do outro lado. Olhavam-na como se esperassem que já estivesse morta.

Como se ela fosse um fantasma.

Um medo horrível se instalou em seu estômago, mas ela não pretendia recuar agora.

– Deixem-me entrar – exigiu, irritada e aterrorizada. – Maldição, abram essa maldita porta e me digam o que está acontecendo!

Levantou a mão e cerrou o punho, mas antes que pudesse bater no vidro, as portas deslizaram num sibilo suave. Avançou para dentro, sendo seguida de perto por Alex.

– Podem me contar – disse Jenna, o olhar passando de um rosto silencioso a outro. Demorou-se em Brock, a única pessoa naquela sala, além de Alex, por quem ela sentia alguma confiança. – Por favor... Preciso saber o que descobriram.

– Ocorreram algumas mudanças no seu sangue – disse ele, a voz grave impossivelmente baixa. Gentil demais. – E no seu DNA também.

– Mudanças. – Jenna engoliu em seco. – Que tipo de mudanças?

– Anomalias – Gideon interviu. Quando ela virou a cabeça na direção dele, ficou surpresa pela preocupação no olhar do guerreiro. Ele falava com cautela, parecendo demais com um médico retardando o pior tipo de notícia a dar ao seu paciente. – Descobrimos uma reprodução celular estranha, Jenna. Mutações que estão sendo passadas ao seu DNA e que se multiplicam a uma velocidade excessiva. Essas mutações não estavam presentes na última análise que efetuamos no seu sangue.

Ela balançou a cabeça, tanto pela confusão quanto como um reflexo de negação ao que pensava estar ouvindo.

– Não estou entendendo. Está se referindo a algum tipo de doença? Aquela criatura me infectou com alguma coisa quando me mordeu?

– Nada disso – disse Gideon, lançando um olhar ansioso para Lucan. – Bem, não exatamente.

– Então, o que, exatamente? – ela exigiu saber. A resposta surgiu meio segundo mais tarde. – Ai, meu Deus. Esta coisa na minha nuca... – Ela pôs a mão sobre o ponto em que o Antigo havia inserido o material não identificado do tamanho de um grânulo. – Esta coisa que ele colocou dentro de mim está provocando as mudanças. É isso, não é?

Gideon assentiu de leve.

– É biotecnologia de algum tipo, nada que a Raça ou a espécie humana tenha capacidade de criar. Pelas radiografias mais recentes de hoje, parece que o implante está se integrando à sua medula espinhal num ritmo muito acelerado.

– Tire isso.

Uma rodada de olhares preocupados passou pelo grupo de machos grandes. Mesmo Tess parecia pouco à vontade, sem conseguir sustentar o olhar de Jenna.

– Não é tão simples assim – Gideon respondeu, por fim. – Talvez você deva ver as imagens por si só.

Antes que ela conseguisse pensar se queria ou não ver as provas daquilo que lhe estava sendo dito, a imagem do seu crânio e coluna piscou na tela plana afixada numa parede diante dela. Num segundo, Jenna notou o nauseante objeto do tamanho de um grão de arroz que brilhava no centro da sua primeira vértebra. Os tentáculos que estiveram presentes no dia anterior eram mais numerosos naquela nova imagem.

Muito mais do que centenas a mais, cada tênue feixe entrando – inextricavelmente – ao redor e através da sua medula óssea.

Gideon pigarreou.

– Como disse, o objeto aparentemente é formado por uma combinação de material genético e alta tecnologia avançada. Nunca vi nada assim antes, tampouco consegui encontrar algum tipo de pesquisa científica humana que se assemelhasse minimamente a isso. Considerando-se as transformações biológicas que temos observado em seu DNA e em seu sangue, parece ser a fonte do material genético do próprio Antigo.

O que significava que parte daquela criatura estava dentro dela. Vivendo ali. Vicejando.

A pulsação de Jenna ecoava em seu peito. Ela sentia o fluxo sanguíneo acelerado nas veias, células alteradas que ela imaginava abrindo caminho em seu corpo a cada batida do coração, multiplicando-se, crescendo, devorando-a por dentro.

– Arranquem isso de mim – disse ela, a voz se elevando por causa da angústia. – Tirem essa maldita coisa de dentro de mim ou eu mesma tiro!

Com as duas mãos, ela começou a arranhar a nuca, o desespero fazendo-a agir como louca.

Ela nem percebeu Brock se movendo da sua posição do outro lado do laboratório, mas, em menos de um instante, ele estava bem ao seu lado, as mãos grandes envolvendo-a com os dedos. Os olhos castanhos prenderam-na pelo olhar e não a soltaram.

– Relaxe agora – disse ele, num sussurro gentil, porém com firmeza tirou-lhe as mãos da nuca e segurou-as entre as suas. – Respire, Jenna.

Com os pulmões contraídos, ela emitiu um soluço.

– Solte-me. Por favor, deixem-me em paz, todos vocês.

Ela se afastou e tentou ir embora, mas a pulsação pesada e o tinir em seus ouvidos fez a sala girar ao seu redor com violência. Uma onda obscura de náusea a acometeu, envolvendo-a numa névoa densa e atordoante.

– Te peguei – a voz tranquilizadora de Brock murmurou junto ao seu ouvido.

Ela sentiu os pés deixarem o chão e, pela segunda vez em poucos dias, viu-se amparada pela segurança dos braços dele.


Capítulo 10

Ele não deu explicações para o que estava fazendo ou para onde a estava levando. Apenas saiu do laboratório de tecnologia e a carregou pelo mesmo corredor pelo qual ela viera minutos antes com Alex.

– Solte-me – exigiu Jenna, os sentidos ainda confusos, tinindo a cada longa passada das pernas de Brock. Mudou de posição nos braços dele, tentando ignorar como até mesmo o menor dos movimentos fazia sua cabeça girar e seu estômago revirar. A cabeça pendeu sobre o antebraço forte, um gemido de dor escapando. – Eu disse para me colocar no chão, inferno.

Ele grunhiu enquanto continuava a caminhar.

– Eu ouvi na primeira vez.

Ela fechou os olhos, só porque estava difícil demais mantê-los abertos e ver o teto do corredor se contorcer e girar logo acima enquanto Brock a carregava complexo adentro. Diminuiu o ritmo a certa altura, depois virou, e Jenna abriu os olhos, vendo que ele a levara de volta à suíte que agora era seu quarto.

– Por favor, me ponha no chão – murmurou, a língua grossa, a garganta seca. O latejar por trás dos olhos se tornara uma pulsar firme, o tinido nos ouvidos um lamento agudo que parecia partir seu crânio ao meio. – Deus – arfou, sem conseguir disfarçar a agonia. – Está doendo muito...

– Ok – disse Brock baixinho. – Tudo vai ficar bem agora.

– Não, não vai. – Ela choramingou, humilhada pelo som da sua fraqueza, e pelo fato de que Brock a estava vendo assim. – O que está acontecendo comigo? O que ele fez comigo?

– Isso não importa agora – sussurrou Brock, a voz grave mostrando-se contraída. Uniforme demais para ser confiável. – Primeiro, vamos fazer você superar isto.

Atravessou o quarto com ela e se ajoelhou para acomodá-la no sofá. Jenna se recostou e deixou que ele lhe endireitasse as pernas, não tão perdida no desconforto e na preocupação para deixar de notar o carinho das mãos fortes daquele homem, que, provavelmente, seriam capazes de extrair a vida de alguém com pouco mais do que uma contorção.

– Relaxe – disse ele, as mãos fortes e carinhosas afagando seu rosto, os olhos escuros incitando-a a sustentar seu olhar. – Apenas relaxe e respire, Jenna. Consegue fazer isso por mim?

Ela se acalmou um pouco de pronto, relaxando ao som do seu nome nos lábios dele, o resvalar quente dos dedos que desciam pelo rosto e pelo maxilar e, depois, pela lateral do pescoço. As lufadas curtas de ar que entravam e saíam dos seus pulmões começaram a se acalmar, enquanto Brock amparava a nuca com uma mão e deslizava a outra palma num indo e vindo lento sobre o peito dela.

– Isso mesmo – murmurou, o olhar preso ao dela, intenso e, ainda assim, inacreditavelmente carinhoso. – Solte toda a dor e relaxe. Você está segura, Jenna. Pode confiar em mim.

Ela não sabia por que essas palavras deveriam afetá-la como a afetaram. Talvez a dor a tivesse enfraquecido. Talvez fosse o medo do desconhecido, o abismo da incerteza que subitamente se tornara a sua realidade desde aquela noite gélida e horrenda no Alasca.

E talvez fosse pelo simples fato de que fazia muito tempo, quatro solitários anos, desde que ela sentira a carícia cálida de um homem, mesmo que apenas para oferecer consolo.

Quatro anos vazios desde que se convencera de que não precisava de nenhum contato afetuoso ou intimidade. Quatro anos infindáveis desde que se lembrava do como era se sentir uma mulher de carne e osso, como se fosse desejada. Como se pudesse, um dia, ser capaz de abrir o coração para algo mais.

Jenna fechou os olhos quando lágrimas começaram a arder. Afastou a onda de emoção que surgiu inesperadamente e, em vez disso, concentrou-se nas pontas dos dedos quentes e reconfortantes de Brock em sua pele. Deixou que sua voz a acalentasse, sentindo suas palavras e seu toque trabalharem juntos para ajudá-la a superar a angústia do estranho trauma que parecia estar despedaçando-a de dentro para fora.

– Isso é bom, Jenna. Apenas respire agora.

Ela sentiu a garra de dor em seu crânio relaxar enquanto ele lhe falava. Brock acariciou suas têmporas com os polegares, os dedos esticados em seus cabelos, amparando sua cabeça de maneira reconfortante. O tinir agudo em seus ouvidos começou a diminuir, a desaparecer, até, por fim, sumir de vez.

– Você está indo muito bem – murmurou Brock, a voz mais sombria do que antes, um pouco mais do que um grunhido. – Solte tudo, Jenna. Dê o resto para mim.

Ela exalou um suspiro profundo, sem conseguir mantê-lo dentro de si enquanto Brock a afagava no rosto e no pescoço. Ela gemeu, abraçando o prazer que lentamente devorava sua agonia.

– Isso é bom – sussurrou, sem poder resistir ao desejo de se aproximar do seu toque. – A dor já não é tão forte agora.

– Isso é muito bom, Jenna. – Ele inspirou, parecendo mais um arquejo, depois exalou um gemido. – Liberte-se de tudo.

Jenna sentiu um tremor vibrar por seus dedos enquanto ele falava. As pálpebras se abriram e ela arfou ao vê-lo tão tenso.

Os tendões do pescoço estavam retesados, a mandíbula travada com tanta força que era um milagre que seus dentes não tivessem trincado. Um músculo latejava no rosto delgado. Gotas de suor se formavam na testa e sobre os lábios.

Ele estava com dor.

Uma dor impossível, assim como ela estivera há minutos, antes que seu toque parecesse afastar a agonia.

Foi então que ela entendeu.

Ele não estava simplesmente acalmando-a com as mãos. Ele estava, de alguma forma, tirando a dor dela. Canalizando-a, de propósito, para si.

Ofendida com a ideia, porém ainda mais envergonhada por ter se deixado permanecer ali deitada, imaginando que a carícia dele fosse algo mais do que pura piedade, Jenna se retraiu do seu toque e se pôs sentada num canto do sofá. Respirou fundo de ultraje ao fitar os olhos escuros que reluziam fachos de luz âmbar.

– Que diabos pensa que está fazendo? – arfou, pondo-se de pé.

O músculo que estivera latejando em seu maxilar se retesou quando ele se levantou para enfrentá-la.

– Ajudando você.

Imagens tomaram conta da sua mente em um instante: repentinas lembranças vívidas dos momentos posteriores ao seu cativeiro com a criatura que invadira o seu chalé no Alasca.

Naquele momento, ela também sentira dores. Estivera aterrorizada e em estado de choque, tão devastada de horror e confusão que achou que acabaria morrendo.

E se lembrou das mãos delicadas e cálidas que a confortaram. O rosto de um belo desconhecido sério que entrara em sua vida como um anjo negro e a manteve a salvo, protegida e tranquila, quando tudo em seu mundo fora transformado em caos.

– Você esteve lá – murmurou, atônita por perceber só então. – No Alasca, depois que o Antigo sumiu. Você ficou comigo. Também tirou minha dor naquela hora. E mais tarde, depois que fui trazida para o complexo. Meu Deus... Você ficou comigo o tempo todo em que estive na enfermaria? Os olhos dele permaneceram fixos nos dela, sombrios, inescrutáveis.

– Eu era o único que podia ajudar você.

– Quem te pediu isso? – exigiu saber, num tom sabidamente áspero, mas desesperada por expurgar o calor que ainda trafegava dentro dela, indesejado e espontâneo.

Já era ruim que ele achasse necessário acalentá-la como se ela fosse algum tipo de criança em sua provação prolongada. E ainda pior que ele parecesse pensar ser necessário repetir isso agora também. Maldita fosse se permitisse que ele pensasse, por um segundo sequer, que ela, de fato, desejara seu toque.

Com a expressão ainda carregada pelo que lhe fizera instantes antes, ele meneou a cabeça e imprecou.

– Para uma mulher que não quer a ajuda de ninguém, você bem que parece precisar muito.

Ela mal resistiu à tentação de lhe dizer onde ele podia enfiar sua compaixão.

– Sei cuidar de mim sozinha.

– Como cuidou ontem à noite na cidade? – ele a desafiou. – Como fez há poucos minutos no laboratório, pouco antes que os meus braços fossem a única coisa entre o seu traseiro teimoso e o chão?

A humilhação queimou seu rosto tal qual um tapa.

– Sabe de uma coisa? Faça-nos um favor e não me faça mais favor algum!

Ela se virou para se afastar dele, seguindo para a porta ainda aberta para o corredor. Cada passo miraculosamente sem dor só aumentava sua raiva de Brock, deixando-a ainda mais determinada a colocar o máximo possível de distância entre eles.

Antes que conseguisse se aproximar da soleira, ele se postou diante dela, bloqueando-lhe o caminho, mesmo que ela não tivesse visto ou ouvido ele se mover.

Parou. Encarou-o, atordoada por sua evidente velocidade sobrenatural.

– Saia da minha frente – disse, tentando passar por ele.

Ele deu um passo para o lado, colocando o corpo imenso diretamente diante do dela. A intensidade do seu olhar revelou que ele queria lhe dizer algo mais, mas Jenna não queria ouvir. Precisava ficar sozinha.

Precisava de espaço para pensar sobre tudo o que lhe acontecera... Tudo que ainda estava acontecendo, ficando cada vez mais assustador ao mesmo tempo.

– Saia da frente – disse ela, odiando o leve tremor em sua voz.

Brock lentamente levantou a mão e afastou uma mecha de cabelo da testa dela. Foi um gesto meigo, uma afabilidade que ela tanto precisava, mas que tinha medo de aceitar.

– Você está no nosso mundo agora, Jenna. Quer queira admitir ou não, precisa de ajuda.

Ela observou-lhe a boca enquanto ele falava, desejando não se sentir tão atenta aos lábios cheios e sensuais. Ele ainda estava suportando a sua dor; podia saber pelo ligeiro inflar nas narinas enquanto ele inspirava e expirava de modo controlado. Tampouco a tensão do belo rosto e do pescoço forte se desfizera.

Durante toda a sua vida, ela se esforçou para provar seu valor, primeiro para o pai e para o irmão, Zach, sendo que ambos deixaram claro que duvidavam que ela tivesse o necessário para fazer parte da força policial. Mais tarde, esforçou-se para ser uma mãe e esposa perfeitas. A vida toda fora estruturada numa fundação de força, disciplina e competência.

De maneira inacreditável, enquanto ficava ali diante de Brock, não foi o fato de ele ser algo mais que humano – algo perigoso e alienígena – que fez com que ela quisesse que o chão se abrisse e a engolisse. Foi o medo de que ele pudesse enxergar através da casca de raiva que ela usava como uma armadura, vendo-a como o fracasso solitário e amedrontado que ela, de fato, era.

Brock balançou de leve a cabeça em sua direção enquanto o silêncio se estendia entre eles. Os olhos perscrutaram seu rosto por inteiro antes de se deterem sobre o seu olhar.

– Existem coisas piores do que precisar se apoiar em alguém de vez em quando, Jenna.

– Maldição! Eu disse para sair da minha frente! – Ela pousou as palmas sobre o peito largo e o empurrou com toda a raiva e medo que havia dentro dela.

Brock foi lançado para trás, quase se chocando com a parede oposta do corredor.

Jenna arquejou, assustada e surpresa com o que acabara de fazer.

Horrorizada.

Brock era muito forte, com quase dois metros de altura e mais de cem quilos de músculo e força. Alguém muito mais forte do que ela. Alguém muito mais poderoso do que qualquer outra pessoa que já tivesse conhecido.

As sobrancelhas dele se ergueram em sinal de surpresa.

– Jesus Cristo – murmurou, com muito mais admiração do que raiva na voz.

Jenna suspendeu as mãos diante de si e fitou-as como se elas pertencessem a outra pessoa.

– Ai, meu Deus... Como eu... O que aconteceu?

– Está tudo bem – garantiu ele, voltando para perto dela com aquela enlouquecedora tranquilidade.

– Brock, desculpe. Verdade, eu não queria...

– Eu sei – disse ele, assentindo com seriedade. – Não se preocupe. Você não me machucou.

Uma bolha de histeria subiu-lhe pela garganta. Primeiro, a notícia chocante de que o implante de algum modo estava alterando seu DNA, e agora isso: uma força que não tinha como ser sua, mas, de alguma maneira, era. Relembrou sua fuga da propriedade e as estranhas habilidades linguísticas que pareceu adquirir desde que o Antigo deixara uma parte de si emaranhado em sua medula espinhal.

– Que diabos está acontecendo comigo, Brock? Quando tudo isso vai terminar?

Ele lhe segurou as mãos trêmulas entre suas palmas com firmeza.

– O que quer que esteja acontecendo, você não tem que passar por isso sozinha. Precisa entender isso.

Ela não sabia se ele falava em nome de todos no complexo ou por si só. Ela não tinha voz para pedir uma explicação. Disse a si mesma que não importava o significado das palavras dele; contudo, isso não desacelerou seu coração quando o fitou. Sob o calor dos insondáveis olhos castanhos, ela sentiu os seus piores medos se dissolverem.

Sentia-se aquecida e protegida, coisas que queria negar, mas não podia enquanto Brock a estivesse segurando pelas mãos e pelo olhar.

Ele franziu a testa após um longo momento e lentamente soltou-lhe as mãos, deixando as suas deslizarem pelos braços dela, numa carícia sensual, demorando-se o suficiente para deixar claro que aquilo não era nada menos do que íntimo. Jenna sabia disso, e via que ele também sabia.

Os olhos escuros pareceram se aprofundar, engolindo-a. Recaíram sobre sua boca e lá ficaram enquanto a respiração de Jenna saía num suspiro trêmulo.

Ela sabia que devia se afastar dele agora. Não havia motivo para permanecerem perto assim, com meros centímetros separando seus corpos. Menos ainda entre a boca dele e a dela. Só seria preciso um leve inclinar da cabeça dele ou um erguer da dela e seus lábios se encontrariam.

A pulsação de Jenna acelerou ante a ideia de beijar Brock.

Coisa que, quando ele a carregara para o quarto, estivera bem longe dos seus pensamentos. Não muito tempo atrás, quando seu medo e sua raiva a fizeram sibilar e grunhir como um animal selvagem preso numa armadilha de caçador.

Mas agora, enquanto Brock permanecia tão perto que ela sentia o calor do corpo dele irradiando para o seu, a fragrância da pele tentando-a a aproximar o rosto e inspirar seu cheiro, beijá-lo era uma necessidade secreta que pulsava dentro dela a cada batida fugidia do seu coração.

Talvez ele soubesse o que ela estava sentindo.

Talvez ele estivesse sentindo a mesma coisa.

Ele emitiu uma imprecação, depois recuou um passo, encarando-a com ardor e firmeza.

– Ah... droga... Jenna...

Quando ergueu as mãos fortes e segurou o seu rosto com delicadeza, todo o ar pareceu evaporar no quarto. Os pulmões de Jenna pareceram congelar dentro do peito, mas o coração continuava acelerado, batendo tão rapidamente que pensou que ele poderia explodir.

Esperou, num misto de terror e esperança, atônita com a necessidade que tinha de sentir a boca de Brock na sua.

A língua dele molhou os lábios, o movimento permitindo que ela tivesse um vislumbre das pontas das suas presas, reluzindo como diamantes. Ele praguejou novamente, depois se afastou um pouco, deixando uma lufada de ar frio diante dela onde o calor do seu corpo estivera apenas um segundo antes.

– Eu não deveria estar aqui – murmurou com voz espessa. – E você precisa descansar. Fique à vontade. Se não houver cobertas suficientes na cama, encontrará mais no armário do banheiro. Use tudo que precisar.

Jenna teve que se dar um chacoalhão mental para entender a conversa.

– Este... hum... Este quarto é seu?

Ele acenou de leve, já saindo para o corredor.

– Era. Agora é seu.

– Espere – Jenna o seguiu. – E quanto a você? Você tem onde ficar?

– Não se preocupe – disse ele, parando para olhá-la quando ela se apoiou na maçaneta. – Descanse um pouco, Jenna. Te vejo por aí.

O sangue ainda corria quente nas veias de Brock pouco depois, quando ele parou diante de uma das últimas suítes residenciais e bateu à porta fechada.

– Faltam ainda onze minutos para a hora que combinamos – diz a voz profunda e prática do macho da Raça do outro lado.

A porta se abriu, e Brock foi perfurado por um par de olhos dourados inescrutáveis.

– Avon chama – disse Brock à guisa de um cumprimento ao suspender a mochila de couro preta que continha todos os seus pertences pessoais retirados dos seus aposentos. – E o que quer dizer com isso, cheguei onze minutos antes? Não me diga que você vai ser um daqueles colegas de quarto certinhos que fazem tudo seguindo um cronograma. Minhas escolhas são limitadas, já que você e Chase têm os últimos quartos do complexo. E, para falar a verdade, se Harvard e eu tivermos que dividir um quarto, não sei se sobreviveremos uma semana.

Hunter nada disse enquanto Brock passava por ele e entrava no quarto. Ele o seguiu para a parte das camas, tão sorrateiro quanto um fantasma.

– Pensei que fosse outra pessoa – afirmou um tanto tardiamente.

– É mesmo? – Brock girou de frente para o estoico Primeira Geração, verdadeiramente curioso a respeito do mais recente e reservado membro da Ordem. Sem falar no fato de que estava ávido para desviar a mente dos seus pensamentos ardentes a respeito de Jenna Darrow. – A quem esperava além de mim?

– Não importa – respondeu Hunter.

– Ok. – Brock deu de ombros. – Só estou tentando bater papo, mas tudo bem.

A expressão do Primeira Geração continuou impassível, absolutamente normal. O que não era surpresa, levando-se em consideração o modo como o macho fora criado: como um dos assassinos domésticos de Dragos. Inferno, o cara nem mesmo tinha um nome. Como o restante do exército pessoal criado por Dragos a partir do Antigo, referiam-se ao Primeira Geração apenas pelo único propósito da sua vida: Hunter3.

Ele chegara à Ordem há poucos meses, depois que Brock, Nikolai e alguns dos outros guerreiros atacaram uma reunião de Dragos e dos seus tenentes. Hunter fora libertado durante o ataque e agora era aliado contra o seu criador nos esforços da Ordem em acabar com Dragos.

Brock parou diante das duas camas que estavam em cada lado do quarto em estilo modesto. As duas estavam arrumadas com precisão militar, coberta marrom e lençóis brancos sem nenhuma prega, um único travesseiro meticulosamente colocado na cabeceira de cada estrado.

– Então, qual é a sua cama?

– Não faz diferença para mim.

Brock voltou a fitar o rosto impassível e os inescrutáveis olhos dourados.

– É só me dizer em qual costuma dormir e eu pego a outra.

O olhar nivelado de Hunter não se alterou em nada.

– São apenas mobília. Não tenho nenhum apego nem por uma, nem por outra.

– Nenhum apego – repetiu Brock num murmúrio. – Pois é, cara. Talvez você possa me dar algumas dicas sobre essa sua postura “não estou nem aí”. Acho que viria bem a calhar de tempos em tempos. Especialmente no que se refere às mulheres.

Com um grunhido, largou suas coisas na cama da esquerda, depois esfregou as mãos no rosto e na cabeça. O gemido que escapou dele estava carregado de frustração e do desejo retido que vinha abafando desde que se forçara a deixar Jenna e a tentação de que não precisava.

– Maldição – grunhiu, o corpo tinindo de novo só de lembrar o belo rosto erguido ao fitá-lo.

Era como se ela estivesse à espera de um beijo seu. Tudo que era masculino dentro de si afirmara isso com absoluta certeza na hora, mas ele sabia que aquela era a última coisa de que Jenna precisava.

Ela estava confusa e vulnerável, e ele se considerava mais do que um homem que poderia tirar vantagem disso só porque a sua libido clamava por ela. Claro, isso não o fazia se sentir muito melhor a respeito da excitação que, do nada, voltava à vida de novo, deixando toda a sua honradez de lado.

– Que beleza, meu herói – admoestou-se severamente. – Agora vai precisar afundar numa banheira de gelo por uma semana por ter bancado o nobre...

– Está se sentindo mal? – perguntou Hunter, assustando Brock, que não havia percebido que o outro macho ainda estava atrás dele no quarto.

– É... – disse Brock, dando uma risada sardônica. – Não ando muito bem, não. Se quer saber a verdade, não estou me sentindo bem desde que pus os olhos nela.

– A fêmea humana – disse Hunter, com um ar de compreensão grave. – Está aparente que ela é um problema para você.

Brock emitiu um suspiro sem humor algum.

– Acha mesmo?

– Sim, acho. – Não havia julgamento em sua voz, apenas uma declaração dos fatos. Ele falava como uma máquina: total precisão, zero sentimento. – Deduzo que todos no laboratório de tecnologia chegaram à mesma conclusão hoje, quando permitiu que Chase provocasse sua ira por conta dos comentários sobre o seu apego àquela mulher. Suas ações demonstraram uma fraqueza do seu treinamento e, pior, falta de autocontrole. Reagiu de modo impensado.

– Obrigado por notar – respondeu Brock, suspeitando que seu sarcasmo seria desperdiçado no caçador antissocial e imperturbável. – Lembre-me de encher o seu saco daqui até a semana seguinte se um dia chegar a relaxar o bastante para deixar uma mulher o irritar.

Hunter não reagiu, apenas o fitou sem demonstrar nenhuma centelha de emoção.

– Isso não acontecerá.

– Merda – disse Brock, meneando a cabeça ante o soldado Primeira Geração rígido que fora criado na base da negligência e da disciplina do castigo. – Você não deve ter estado com a mulher certa se tem tanta segurança assim.

A expressão de Hunter continuou estoica. Distante e imparcial. Na verdade, quanto mais Brock olhava para ele, mais claramente começava a enxergar a verdade.

– Caramba. Já esteve, algum dia, com uma mulher, Hunter? Meu Deus... Você é virgem, não é?

Os olhos dourados do Primeira Geração continuaram fixos no olhar de Brock como se considerasse aquilo algum teste de força de vontade no qual ele não permitiria que a revelação o afetasse. E Brock tinha que dar o braço a torcer, pois nenhum grau de emoção cintilou naqueles olhos sinistros, tampouco nas feições perfeitamente disciplinadas.

A única coisa que fez Hunter reagir foi o barulho suave de chinelos se arrastando pelo corredor. Uma voz infantil, Mira, chamando da sala de estar.

– Hunter, você está aí?

Ele se virou sem dar nenhuma explicação e foi se encontrar com a garotinha.

– Agora não é uma boa hora. – Brock o ouviu lhe dizer em seu tom modulado e grave.

– Mas não quer saber o que acontece com Harry quando ele põe a capa da invisibilidade? – perguntou Mira, o desapontamento abaixando o tom de sua voz normalmente alegre. – Essa é uma das minhas partes prediletas no livro. Você tem que ouvir esse capítulo. Vai amar.

– Ela tem razão, é uma das melhores partes. – Brock saiu do quarto, sem saber o que o fez sorrir mais: a percepção de que o implacável assassino Primeira Geração era um virgem sem experiência alguma, ou a mais recente notícia, igualmente divertida, de que o encontro que ele aparentemente atrapalhara ao aparecer com as suas coisas era a hora da leitura de Hunter com a mais jovem residente do complexo.

Deu uma piscadela e um sorriso para Mira quando ela se acomodou no sofá e abriu o livro na parte em que havia parado de ler.

– Relaxe – disse a Hunter, que estava de pé, tão duro quanto uma estátua. – Não vou revelar os seus segredos a ninguém.

Não esperou para ver a reação dele, apenas foi andando para o corredor, deixando Hunter olhando-o enquanto saía.


Caçador


Capítulo 11

– Cruzem os dedos, meninas, mas acho que acabamos de encontrar a pista que procurávamos. – Dylan desligou o telefone e girou a cadeira para ficar de frente para Jenna, Alex, Renata e Savannah, todas reunidas na sala de reuniões das Companheiras de Raça nas últimas horas.

Na verdade, chamá-la de sala de reuniões não lhe fazia justiça. Havia pelo menos meia dúzia de computadores numa mesa longa num dos lados da sala, caixas de arquivos suspensos organizados por localização dispostas numa estante alta para facilitar o acesso, quase cada espaço da parede coberto por mapas marcados da Nova Inglaterra e gráficos de investigação detalhados que envergonhariam boa parte das unidades de casos antigos arquivados da polícia. Em meio a esses gráficos, muitos esboços de retratos falados de jovens, os rostos de algumas desaparecidas, a quem a Ordem e suas companheiras diligentes estavam determinadas a encontrar.

Não, Jenna pensou ao olhar ao redor, aquela não era uma mera sala de reuniões.

Aquela era uma sala devotada à estratégia, a uma missão, à guerra.

Jenna acolhia a energia do lugar, ainda mais depois das notícias perturbadoras que recebera a respeito do seu último exame de sangue. Também precisava da distração a fim de não pensar nos inesperados momentos ardentes que partilhara com Brock no quarto dele, ou melhor, no seu. Ela praticamente dera um salto quando lhe surgiu a oportunidade de sair de lá depois que ele foi embora. Fora Alex quem apareceu procurando-a pouco depois, e fora ela quem a trouxera consigo para a sala de guerra das Companheiras de Raça para ter companhia e ficar conversando.

Ela não desejara se interessar pelo trabalho em que as mulheres da Ordem estavam envolvidas, mas, enquanto esteve entre elas, foi quase impossível para a policial dentro de si ignorar o rastro de uma boa busca por informações. Sentou-se um pouco ereta na cadeira ante a mesa de reuniões quando Dylan andou até a impressora para pegar uma folha que acabara de sair da máquina.

– O que conseguiu? – perguntou Savannah.

Dylan bateu a folha na mesa diante das mulheres reunidas.

– Irmã Margaret Mary Howland.

Jenna e as outras se inclinaram para olhar para a imagem escaneada. Era a foto de um grupo de uma dúzia ou pouco mais de garotas e jovens mulheres. Pelo estilo das roupas, parecia ter sido tirada uns vinte anos antes. O grupo estava reunido num gramado abaixo das escadas de uma varanda coberta, no tipo de pose que as estudantes às vezes faziam para a foto escolar anual. A não ser pelo fato de que, naquele caso, não havia uma escola atrás delas, mas uma casa grande, simples, autoproclamada Lar para Mulheres St. John, Queensboro, Nova York.

Uma mulher de meia-idade de rosto gentil usando um crucifixo como pingente e um vestido de verão modesto estava ao lado do grupo reunido debaixo do beiral branco no qual a placa pintada estava suspensa. Uma das moças mais jovens estava com a mulher de mais idade, os ombros finos seguros por mãos carinhosas, o rostinho erguido com um olhar luminoso de afeto.

– É ela – disse Dylan, apontando para a mulher com o sorriso maternal e braços protetores. – Irmã Margaret.

– E ela é...? – perguntou Jenna, sem conseguir conter a curiosidade.

Dylan relanceou para ela.

– Neste instante, se ainda estiver viva, esta mulher é a nossa aposta mais segura para descobrirmos mais sobre as Companheiras de Raça que sumiram ou acabaram mortas pelas mãos de Dragos.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não estou entendendo.

– Algumas das mulheres que ele matou, e provavelmente muitas outras que ele mantém em cativeiro, vieram de abrigos de fugitivas – disse Dylan. – Veja bem, não é incomum que as Companheiras de Raça se sintam confusas e deslocadas na sociedade mortal. A maioria de nós não sabe o quanto é diferente, muito menos o motivo para isso. Além da marca de nascença em comum e das características biológicas, todas nós temos também habilidades extrassensoriais singulares.

– Não o tipo de coisa que você vê nos programas da TV ou em comerciais anunciando serviços de pessoas psíquicas – explicou Savannah. – Talentos verdadeiramente extrassensoriais são normalmente o meio mais seguro de identificar uma Companheira de Raça.

Dylan concordou.

– Às vezes, esses talentos são uma bênção, mas em muitas outras são uma maldição. O meu dom foi uma maldição em boa parte da minha vida, mas, felizmente, tive uma mãe amorosa. Por isso, não importava o quanto eu ficasse confusa ou assustada, sempre tive a segurança de um lar.

– Mas nem todas têm essa sorte – acrescentou Renata. – Para Mira e para mim, foi uma extensa fila de orfanatos em Montreal. E, de tempos em tempos, chamávamos a rua de lar.

Jenna ouvia em silêncio, agradecendo a boa sorte de ter nascido em uma família normal e relativamente próxima, onde o maior problema de infância foi tentar competir com o irmão pelo afeto e pela aprovação dos pais. Ela não conseguia imaginar os tipos de problemas que as fêmeas nascidas com a marca de nascença da lágrima e da lua crescente tiveram que suportar. Seus problemas, por mais incompreensíveis que fossem, pareciam diminuir um pouco enquanto ponderava sobre as vidas que aquelas mulheres tiveram. Para não falar do inferno que as mortas ou desaparecidas tiveram que suportar.

– Quer dizer que vocês acreditam que Dragos visava as jovens que acabavam nesse tipo de abrigo? – perguntou.

– Sabemos disso – disse Dylan. – A minha mãe costumava trabalhar num abrigo para pessoas que fugiam de casa em Nova York. É uma longa história, uma para ser contada outro dia, mas, basicamente, foi descoberto que o abrigo para o qual ela trabalhava havia sido fundado e era dirigido pelo próprio Dragos.

– Ai, meu Deus... – arfou Jenna.

– Ele estivera se escondendo por trás de um nome falso, Gordon Fasso, enquanto circulava em meio à sociedade humana, e ninguém fazia ideia de quem ele fosse até... até ser tarde demais. – Dylan parou para inspirar profundamente e se fortalecer. – Ele matou minha mãe depois que percebeu que havia sido desmascarado e que a Ordem estava se aproximando dele.

– Lamento muito – sussurrou Jenna, com sinceridade. – Perder alguém que se ama para esse tipo de maldade...

As palavras se perderam enquanto algo frio e determinado borbulhou dentro dela. Como ex-policial, ela conhecia o sabor amargo da injustiça e a necessidade de equilibrar a balança. Mas suprimiu esse sentimento, dizendo a si mesma que a luta da Ordem contra aquele inimigo, Dragos, não era sua. Ela tinha as próprias batalhas para enfrentar.

– Tenho certeza de que Dragos vai ter o que merece no final – disse.

Era uma frase inútil, oferecida com certo distanciamento. Mas ela queria muito estar certa. Sentada ali com aquelas mulheres, tendo-as conhecido um pouco melhor no curto tempo em que estava no complexo, Jenna rezava para que a Ordem fosse bem-sucedida ao enfrentar Dragos. Pensar que alguém tão perverso quanto ele estivesse à solta no mundo era inaceitável.

Pegou a imagem impressa e fitou a expressão calorosa da freira, que estava tal qual uma pastora ao lado de seu rebanho vulnerável.

– Como esperam que essa mulher, a Irmã Margaret, possa ajudá-las?

– A rotatividade de pessoal é alta nesses abrigos – explicou Dylan. – Aquele em que minha mãe trabalhava não era exceção. Uma amiga que costumava trabalhar com ela lá me informou o nome da Irmã e me deu a foto. Ela disse que a freira se aposentou há vários anos, mas fez trabalho voluntário em diversos abrigos em Nova York desde meados dos anos 1970. Por isso, é o tipo de pessoa com quem precisamos conversar.

– Alguém que esteve em abrigos por muito tempo e pode ser capaz de identificar antigas residentes a partir dos retratos falados – disse Savannah, indicando os rostos afixados nas paredes.

Jenna assentiu.

– Esses retratos são de mulheres que estiveram em abrigos?

– Esses retratos – disse Alex ao lado de Jenna – são de Companheiras de Raça que estão sendo mantidas por Dragos enquanto estamos aqui conversando.

– Quer dizer que ainda estão vivas?

– Estavam há alguns meses. – A voz de Renata soou dura. – Uma amiga da Ordem, Claire Reichen, usou seu dom de Companheira de Raça, o poder de viajar em seus sonhos, para localizar o quartel-general de Dragos. Ela viu as prisioneiras, mais de vinte, trancadas em celas do laboratório dele. Embora Dragos tenha realocado sua operação antes que pudéssemos salvá-las, Claire tem trabalhado com um desenhista para documentar os rostos que viu.

– Na verdade, é lá que Claire está agora, ela e Elise – explicou Alex. – Elise tem muitos amigos na comunidade civil da Raça aqui em Boston. Ela e Claire têm trabalhado em alguns novos retratos, baseados no que Claire viu no covil de Dragos.

– Depois que tivermos os rostos das prisioneiras – disse Dylan –, podemos começar a procurar por nomes e possíveis familiares. Qualquer coisa que possa nos ajudar a nos aproximar de onde essas mulheres estão.

– E quanto aos bancos de dados de pessoas desaparecidas? – perguntou Jenna. – Vocês compararam os esboços com os perfis listados em grupos como o Centro Nacional de Pessoas Desaparecidas?

– Sim, e voltamos de mãos vazias – disse Dylan. – Muitas dessas mulheres e garotas nos abrigos são fugitivas e órfãs. Muitas são abandonadas. Umas fogem de casa, deliberadamente cortando todos os laços com a família e com os amigos. O resultado final é o mesmo: ninguém sente falta delas ou procura por elas no sistema; portanto, não há registros arquivados.

Renata concordou com um leve grunhido que pareceu falar de sua experiência.

– Quando você não tem nada, nem ninguém, você pode desaparecer, e é como se nunca tivesse existido.

Por causa dos seus anos na força policial do Alasca, Jenna sabia que isso era bem verdade. As pessoas desapareciam sem deixar rastro tanto nas grandes cidades como em pequenas comunidades. Isso acontecia todos os dias, embora ela jamais tivesse imaginado que fosse pelos motivos que Dylan, Savannah, Renata e as outras mulheres lhe explicavam agora.

– Qual o plano de vocês depois que identificarem as Companheiras de Raça desaparecidas?

– Depois que tivermos uma ligação pessoal com pelo menos uma delas – disse Savannah –, Claire pode tentar se comunicar através dos sonhos e, quem sabe, conseguir informações sobre a localização de onde as prisioneiras estão.

Jenna estava acostumada à rápida digestão e compreensão dos fatos, mas sua cabeça começava a girar com tudo o que estava ouvindo. E não conseguia evitar que sua mente procurasse por soluções para os problemas diante dela.

– Espere um instante. Se o dom de Claire a levou ao covil de Dragos uma vez, por que ela não pode simplesmente repetir isso?

– Para que seu dom funcione, ela precisa de algum tipo de elo emocional ou pessoal com a pessoa que está tentando localizar nos sonhos – respondeu Dylan. – O elo dela antes não era com Dragos, mas com outra pessoa.

– O antigo companheiro dela, Wilhelm Roth – explicou Renata, praticamente cuspindo o nome dele. – Ele era uma pessoa cruel, mas, comparada à de Dragos, sua crueldade não era nada. Jamais permitiríamos que Claire tentasse contatar o próprio Dragos. Isso seria suicídio.

– Tudo bem. Então onde nós ficamos com isso? – perguntou Jenna, o “nós” saindo de sua boca antes que ela percebesse o que havia dito. Mas era tarde demais para retirá-lo, e ela estava interessada demais para fingir outra coisa. – Onde você imagina que as coisas vão a partir daqui?

– Tenho esperanças de localizar a Irmã Margaret e que ela possa nos ajudar a desvendar alguma coisa – disse ela.

– Temos como entrar em contato com ela? – perguntou Renata.

A animação de Dylan se arrefeceu um pouco.

– Infelizmente, não há como termos certeza sequer de que ela ainda esteja viva. A amiga da minha mãe disse que ela deve estar com uns oitenta anos agora. A única boa notícia é que seu convento tem sede em Boston, então, existe a possibilidade de ela estar aqui. Por enquanto, só o que temos é seu número do seguro social4.

– Dê esse número a Gideon – sugeriu Savannah. – Tenho certeza de que ele consegue invadir o sistema do governo para conseguir todas as informações de que precisamos sobre ela.

– Foi isso mesmo que pensei – Dylan respondeu com um sorriso.

Jenna pensou em oferecer ajuda para localizar a freira. Ainda tinha amigos na força policial e em algumas agências federais. Com apenas um telefonema ou e-mail, ela poderia pedir um ou outro favor confidencial. Mas as mulheres da Ordem pareciam ter tudo sob controle.

E seria melhor para ela não se envolver em nada daquilo, lembrou-se com severidade, enquanto Dylan pegava o telefone ao lado do seu computador e ligava para o laboratório de tecnologia.

Alguns minutos mais tarde, Gideon e Rio entraram na sala de guerra. Os dois guerreiros receberam um relatório resumido do que Dylan descobrira. Antes mesmo de ela terminar de explicar o que havia descoberto, Gideon se acomodou diante de um computador e começou a trabalhar.

Jenna ficou olhando da sua cadeira junto à mesa enquanto todos os outros, Savannah, Renata, Alex, Rio e Dylan, se reuniram ao redor de Gideon para vê-lo fazer a sua mágica. Savannah estava certa: ele não precisou mais do que alguns minutos para invadir um firewall de um site do governo americano e começar a baixar os registros de que precisavam.

– A Irmã Margaret Mary Howland está bem viva, de acordo com a Administração do Seguro Social – anunciou ele. – Sacou a aposentadoria dela do mês passado, no valor de 298 dólares e alguns trocados num endereço em Gloucester. Estou imprimindo as informações agora.

Dylan deu um sorriso amplo.

– Gideon, você é um deus da tecnologia.

– Meu prazer é servir. – Levantou-se da cadeira e puxou Savannah para um beijo rápido, porém ardente. – Diga que está impressionada, amor.

– Estou impressionada – respondeu ela, rindo ao mesmo tempo em que lhe dava um tapa no ombro.

Ele sorriu, lançando um olhar para Jenna por sobre os óculos.

– Ela me ama – disse ele, puxando a bela companheira num abraço apertado. – Na verdade, ela é louca por mim. Não consegue viver sem mim. Muito provavelmente, está querendo me levar para a cama neste instante para se aproveitar de mim.

– A-hã. É o que você pensa – replicou Savannah, mas havia uma centelha ardente em seu olhar ao fitá-lo.

– Uma pena que não estamos tendo a mesma sorte para conseguir uma pista sobre a Sociedade TerraGlobal – lamentou Rio, o braço passando ao redor dos ombros de Dylan no que pareceu uma manobra instintivamente íntima.

Renata franziu o cenho.

– Nenhuma pista ainda?

– Nada – Gideon interveio. Ele deve ter percebido o olhar confuso de Jenna. – A Sociedade TerraGlobal é o nome da empresa que acreditamos que Dragos esteja usando como fachada para algumas das suas operações secretas.

Alex disse em seguida:

– Lembra-se daquela mineradora que abriu perto de Harmony há alguns meses, a Mineradora Coldstream? – Ante o aceno de Jenna, Alex continuou: – Pertencia a Dragos. Acreditamos que era para ela ter sido usada como uma prisão para o Antigo depois que o transportassem para o Alasca. Infelizmente, todos sabem como isso terminou.

– Conseguimos rastrear a Mineradora Coldstream até a Sociedade TerraGlobal – acrescentou Rio. – Mas só conseguimos avançar até aí. Sabemos que a TerraGlobal tem muitas camadas, mas está demorando demais para conseguirmos dissecá-las. Nesse ínterim, Dragos se esconde cada vez mais fundo, a cada minuto ficando mais longe do nosso alcance.

– Vocês vão pegá-lo – disse Jenna. Tentou ignorar a aceleração do coração ante a necessidade de pegar algumas armas e liderar a busca. – Vocês têm que pegá-lo, então vão pegá-lo.

Rio, com seu rosto marcado por cicatrizes demonstrando determinação ao assentir em concordância, fitou os olhos de Dylan.

– É. Um dia, nós vamos pegar esse filho da puta. Ele vai pagar por tudo o que já fez.

Debaixo do braço forte, Dylan deu um sorriso tristonho. Escondeu-se em seu abraço, tentando abafar um bocejo.

– Venha – disse Rio, afastando uma mecha dos cabelos ruivos dos olhos dela. – Você tem dedicado muitas horas a tudo isso. Agora vou levá-la para a cama.

– Não é uma má ideia – disse Renata. – A noite logo chega e aposto como Nikolai está testando a nova munição na sala de armas. Está na hora de ir buscar meu homem.

Enquanto ela se despedia e saía, Dylan e Rio, Savannah e Gideon faziam o mesmo.

– Quer ficar comigo e com Kade um pouco? – perguntou Alex.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não, estou bem. Acho que vou ficar aqui por alguns minutos, para relaxar um pouco. O dia foi longo e estranho.

O sorriso de Alex mostrou empatia.

– Se precisar de qualquer coisa, sabe onde me encontrar. Certo?

Jenna assentiu.

– Estou bem. Mas obrigada.

Observou a amiga sair e desaparecer lentamente pelo corredor. Quando não restava mais nada na sala a não ser silêncio e tranquilidade, Jenna se levantou e se aproximou da parede com os mapas, gráficos e retratos.

Era admirável o que a Ordem e as suas companheiras estavam tentando fazer. Era um trabalho importante, mais importante do que qualquer outra coisa com que Jenna se deparara no interior do Alasca, ou, na verdade, em qualquer outro lugar.

Se tudo o que ela descobrira nos últimos dias fosse verdade, então o que a Ordem fazia ali era salvar o mundo.

– Jesus Cristo... – sussurrou, atordoada com a enormidade de tudo aquilo.

Ela tinha que ajudar.

Se fosse capaz, mesmo que de uma maneira pequena, ela tinha que ajudar.

Não tinha?

Jenna andou ao redor da sala, com sua própria batalha acontecendo dentro de si. Não estava pronta para participar de algo como aquilo. Não enquanto ainda tinha tantas coisas para descobrir a respeito de si mesma. Com o irmão morto, ela não tinha mais nenhuma família. O Alasca fora seu lar durante toda a vida e agora isso também se fora, uma parte da sua existência anterior apagada para ajudar a Ordem a preservar seus segredos enquanto continuavam a perseguir o inimigo.

Quanto ao seu futuro, não sabia nem por onde começar. A substância alienígena dentro dela era um problema jamais imaginado, e nem adiantava desejar, porque aquilo não sumiria. Nem mesmo a mente brilhante de Gideon parecia capaz de arrancá-la daquela complicação confusa.

E também havia Brock. De todas as coisas que lhe aconteceram entre a invasão do Antigo ao seu chalé e a adoção atual, inesperada, ainda que não insuportável, por todos ali no quartel-general da Ordem, Brock estava se mostrando a coisa com a qual ela menos estava preparada para lidar.

Não estava nem um pouco perto disso no que se referia aos sentimentos que ele lhe provocava. Coisas que ela não sentia em anos, e, muito certamente, não queria sentir agora.

Nada em sua vida era certo, e a última coisa de que precisava era se envolver ainda mais nos problemas que os guerreiros e as suas companheiras enfrentavam.

No entanto, Jenna se viu seguindo para um computador na mesa ali perto. Sentou-se diante do teclado e entrou no navegador da internet, depois entrou num daqueles sites de e-mail grátis e criou uma conta.

Iniciou uma mensagem nova e digitou o endereço de um dos seus amigos da Polícia Federal em Anchorage. Fez uma única pergunta, uma questão a ser investigada confidencialmente como um favor pessoal.

Inspirou fundo, depois apertou o botão de enviar.


O número do seguro social, social security number, é um número de registro que todos os cidadãos americanos têm, como um CPF e um INSS unificados. Através dele, é possível localizar as pessoas, pois esse número é unificado em todo o território nacional. (N.T.)


Capítulo 12

No vestiário ao lado da sala das armas, Brock esticou a mão às costas para aumentar a temperatura da água de quente para escaldante. Com as mãos apoiadas na porta de teca do cubículo reservado, inclinou a cabeça em direção ao peito e agradeceu pelo jato de água cauterizante que lhe batia nos ombros e descia pelo pescoço. Vapor se formava ao seu redor, espesso como névoa, desde a cabeça até o piso de ladrilhos aos seus pés.

– Cristo! – Kade sibilou, alguns cubículos mais distante. – Duas horas direto de treino mano a mano não foi bastante castigo para você? Agora sente a necessidade de ferver vivo aí?

Brock grunhiu, passando a mão pelo rosto enquanto o vapor continuava a se formar e o calor continuava a açoitar seus músculos tensos demais. Encontrara Niko e Chase na sala das armas depois de deixar seus pertences no quarto que partilharia com Hunter. Parecia-lhe razoável esperar que alguns rounds de treinos de lâminas e treinos corpo a corpo bastariam para exaurir um pouco da sua inquietação e distração. Deveria ser assim, mas não foi.

– O que está acontecendo com você, cara?

– Não sei do que está falando – murmurou Brock, levando a cabeça e os ombros mais para baixo do jato de água escaldante.

A zombaria de Kade se fez ouvir no vestiário cavernoso.

– Até parece que não sabe.

– Droga – Brock exalou em meio à névoa que cobria sua cabeça. – Por que estou com a sensação de que você vai me explicar?

Houve o rangido da torneira sendo fechada, seguido pela batida da porta do chuveiro de Kade quando ele seguiu para o vestiário anexo. Alguns minutos depois, a voz de Kade soou do outro cômodo.

– Vai me contar o que aconteceu aquela noite em Southie, na fábrica?

Brock fechou os olhos e emitiu algo muito parecido com um rosnado, até mesmo para os seus ouvidos.

– Não há nada a contar. Havia fios soltos. Cuidei do assunto.

– A-hã – murmurou Kade. – Foi isso mesmo que imaginei que tivesse acontecido.

Quando Brock levantou a cabeça, viu o guerreiro parado diante dele. Kade estava totalmente vestido com jeans e camiseta preta, apoiado na parede oposta. Seu olhar prateado estreitado, como quem sabe o que está acontecendo.

Brock respeitava demais o amigo para tentar enganá-lo.

– Aqueles humanos eram a ralé que não pensaria duas vezes antes de ferir uma mulher inocente. Não acredita que esse tipo de brutalidade deve ser perdoado, acredita?

– Não. – Kade o encarou, depois assentiu com sobriedade. – Se eu me deparasse com alguém que tivesse colocado um dedo sequer em Alex, eu teria matado o desgraçado. Foi o que fez, não foi? Matou aqueles homens?

– Não eram homens, aqueles... – Brock grunhiu. – Eram cachorros raivosos, e o que fizeram com Jenna – aquilo que achavam que poderiam fazer e se safar – provavelmente não foi a primeira vez que machucaram uma mulher. Duvido que Jenna teria sido a última. Então, isso mesmo, acabei com eles.

Por um bom momento, Kade nada disse. Apenas o observou, mesmo depois que Brock voltou a colocar a cabeça debaixo do jato furioso, sem sentir necessidade de mais explicações. Nem mesmo para seu melhor amigo na Ordem, o guerreiro que era como um irmão para ele.

– Maldição – murmurou Kade depois de um longo silêncio. – Você gosta dela, não gosta?

Brock balançou a cabeça, tanto em negação como para tirar a água do rosto.

– Lucan me deu a responsabilidade de cuidar dela, de mantê-la segura. Só estou fazendo aquilo que esperam de mim. Ela é mais uma missão, nada diferente das outras.

– Ah, tá. Sem dúvida – caçoou Kade. – Eu tive uma missão como essa lá no Alasca há não muito tempo. Acho que já te contei uma ou duas vezes sobre ela, não foi?

– Isso é diferente – resmungou Brock. – O que você e Alex têm... Não é a mesma coisa. Alex é uma Companheira de Raça, para começar. Não existe a possibilidade de as coisas ficarem sérias com Jenna. Não sou do tipo que curte relacionamentos de longo prazo e, além disso, ela é humana.

As sobrancelhas escuras de Kade se uniram em sinal de preocupação.

– Não sei se algum de nós pode ter certeza do que ela é agora.

Brock absorveu a verdade dessa declaração com uma onda renovada de preocupação, não só por Jenna, mas pela Ordem e pelo resto da nação da Raça. O que quer que estivesse acontecendo com ela, parecia estar se acelerando naquele mesmo instante. Não tinha como negar que as notícias sobre seus exames de sangue o perturbavam. Sem falar que aquela porção alienígena colocada dentro dela estava se infiltrando cada vez mais em seu corpo, a um nível que nem mesmo Gideon parecia preparado para combater.

Brock emitiu uma imprecação debaixo do jato punitivo de água.

– Se está tentando fazer com que eu me sinta melhor a respeito disso tudo, sinta-se à vontade para parar a qualquer instante.

Kade riu, obviamente se divertindo com tudo aquilo.

– Sabe, não acho que você vá ter uma conversa de coração aberto com seu novo companheiro de quarto, então sou eu, aqui e agora, demonstrando que me importo.

– Sinto-me tocado – murmurou Brock. – Agora caia fora e deixe eu me escaldar em paz.

– Com todo prazer. Toda essa conversa sobre missões e mulheres me lembrou que tenho deveres importantes em meu apartamento que venho negligenciando...

Brock grunhiu.

– Lembranças a Alex.

Kade apenas sorriu ao se despedir, depois seguiu para a saída mais próxima.

Depois que ele se foi, Brock só ficou uns minutos mais debaixo da água. Já estava tarde, mas ele estava energizado demais para dormir. E o lembrete de Kade sobre as mutações biológicas de Jenna fez sua mente acelerar.

Enxugou-se, depois vestiu uma camiseta cinza e jeans escuros. Calçou os coturnos, sentindo uma súbita necessidade de voltar para a sala das armas para gastar um pouco mais de energia até o pôr do sol, quando poderia, por fim, escapar do complexo uma vez mais. Mas suar a camisa não funcionara muito da primeira vez; duvidava que o ajudasse agora.

Sem saber o que o livraria daquela agitação, Brock se viu andando pelo corredor principal do complexo, na direção do laboratório de tecnologia. Os corredores estavam silenciosos, desertos. Nada surpreendente para aquela hora do dia, quando os guerreiros comprometidos estavam com suas fêmeas e o restante dos ocupantes do quartel-general descansava antes do início das patrulhas da noite.

Brock deveria pensar em fazer o mesmo, porém estava mais interessado em saber se Gideon descobrira algo mais a respeito dos exames de sangue de Jenna. Ao entrar no corredor comprido que o levaria até o laboratório, ouviu movimentos em outra das salas do complexo.

Seguindo o barulho de papéis, parou diante da porta aberta do centro de comando da missão das Companheiras de Raça.

Jenna estava sozinha lá dentro.

Sentada à mesa de reuniões, com diversas pastas espalhadas diante de si e muitas outras empilhadas junto ao cotovelo, ela estava reclinada sobre um bloco de anotações, caneta na mão, completamente absorvida pelo que estava escrevendo, o que quer que fosse. A princípio, achou que ela não soubesse que ele estava ali. Mas em seguida, a mão dela parou no meio da página, e a cabeça se ergueu. As mechas de cabelo castanho caíram como seda quando ela se virou para ver quem estava na porta.

Aquela seria a sua chance para se esconder rápido, antes que ela o visse. Ele era da Raça, poderia estar ali e desaparecer antes que os olhos mortais registrassem sua presença. Em vez disso, por algum motivo idiota, sobre o qual não desejava refletir, avançou um passo e pigarreou.

O olhar castanho de Jenna se arregalou ao vê-lo.

– Oi – disse ele.

Ela sorriu de leve, parecendo pega desprevenida. E por que não estaria, depois da maneira como ele havia deixado as coisas entre os dois da última vez em que se viram? Ela pegou uma das pastas e colocou por cima do bloco de anotações.

– Pensei que todos tivessem ido descansar.

– E foram. – Ele entrou ainda mais na sala e passou os olhos nas informações sobre a mesa. – Parece que Dylan e as outras já conseguiram recrutar seus serviços.

Ela deu de ombros, numa negação débil.

– Eu só... estava olhando algumas coisas. Comparando anotações de alguns arquivos, anotando algumas ideias.

Brock se sentou ao lado dela.

– Elas vão gostar disso – disse ele, impressionado por ela estar ajudando. Esticou a mão na direção das suas anotações. – Posso ver?

– Não é nada de mais, mesmo – disse ela. – É só que algumas vezes ajuda alguém de fora dar uma olhada.

Ele relanceou para a letra curva e precisa que preenchia quase toda a página. A mente dela parecia funcionar do mesmo modo organizado, baseado no fluxo lógico das suas anotações e na lista de sugestões que fizera para a investigação das pessoas desaparecidas que Dylan e as outras Companheiras de Raça vinham procurando nos últimos meses.

– É um bom trabalho – disse ele, sem elogiar, apenas declarando um fato. – Dá para ver que você é uma excelente policial.

Outro levantar de ombros de negação.

– Não sou mais policial. Faz tempo que me afastei.

Ele a observou enquanto falava, notando o arrependimento que pairava em seu tom de voz.

– Não significa que não continue boa ainda no que faz.

– Parei de ser boa há algum tempo. Uma coisa aconteceu e eu... perdi minha motivação. – Ela o fitou, sem piscar. – Houve um acidente de carro há quatro anos. Meu marido e nossa filha de seis anos de idade morreram, só eu sobrevivi.

Brock assentiu.

– Eu sei. Lamento por sua perda.

A empatia dele pareceu incomodá-la de algum modo, e ela ficou meio sem saber o que fazer. Talvez lhe fosse mais fácil falar sobre a sua tragédia em seus termos, sem saber que ele já tomara conhecimento dela. Agora ela o fitava incerta, como se temesse que ele a julgasse de alguma maneira.

– Tive dificuldades para... aceitar que Mitch e Libby tinham partido. Por muito tempo, mesmo agora, é complicado entender como eu tenho que seguir em frente.

– Você vive – disse Brock. – É só o que pode fazer.

Ela assentiu, mas havia assombro em seu olhar.

– Você faz parecer tão fácil.

– Fácil não, apenas necessário. – Ele a viu cutucar um clipe torto em um dos relatórios. – Foi por isso que você se retirou do trabalho na polícia, porque não sabia como viver depois do acidente?

Fitando o espaço bagunçado na mesa diante dela, ela franziu a testa, em silêncio por um instante.

– Pedi demissão porque eu não conseguia mais executar minhas funções. Toda vez que eu tinha que me apresentar numa violação de trânsito, mesmo uma simples colisão de para-choque ou um pneu furado, eu chegava tremendo tanto ao local que mal conseguia sair do carro para oferecer ajuda. E nos chamados mais complicados, em acidentes sérios ou brigas domésticas que acabavam em violência, eu me sentia nauseada durante dias. Tudo o que eu aprendi no treinamento e no trabalho pareceu se despedaçar quando aquele caminhão carregando lenha atravessou a estrada escorregadia e destroçou minha vida. – Relanceou para ele, com seus olhos castanho-claros mais obstinados e firmes do que jamais vira. – Deixei de ser policial porque sabia que não conseguiria executar meu trabalho da maneira que ele precisava ser feito. Não queria que ninguém que pudesse depender de mim pagasse pela minha negligência. Por isso, pedi demissão.

Brock respeitava a coragem e a resiliência de Jenna desde que colocara os olhos nela. Agora, sua opinião apenas aumentara.

– Você se importava com o seu trabalho e com as pessoas que dependiam de você. Isso não é um sinal de fraqueza. Isso demonstra força. E, está claro, você amava o seu trabalho. E acho que ainda ama.

Por que essa simples observação atiçaria algum ponto fraco nela ele não entendia, mas teria que ser cego para não notar a centelha defensiva que brilhou em seus olhos. Jenna desviou o olhar ao perceber que deixara aquilo escapar e, quando falou, não havia raiva em sua voz. Apenas um tom de resignação.

– Sabe bastante sobre mim, não? Acho que não sobrou muito que você ou a Ordem não saibam sobre mim a esta altura.

– Alex nos contou apenas o básico – admitiu ele. – Depois do que aconteceu no Alasca, precisávamos saber algumas coisas.

Ela resmungou.

– Quer dizer, depois que comecei a falar coisas sem nexo enquanto dormia e me tornei um fardo indesejável para a Ordem.

– Mais ou menos isso – disse ele, continuando sentado quando ela se levantou e começou a se afastar dele, os braços cruzados diante do peito. Percebeu que ela abandonara por completo a bengala que Tess lhe dera, e que a perna machucada revelava apenas um leve manquejar a cada passo. – Vejo que seu ferimento já está melhorando.

– Está bem melhor. – Ela o fitou por sobre o ombro. – Na verdade, nem era tão grave assim.

Brock inclinou a cabeça como se concordasse, mas ele se lembrava muito bem da gravidade do ferimento. Se ela estava se curando a um ritmo acelerado, deduziu que as mutações genéticas descobertas por Gideon deviam estar por trás disso.

– Estou feliz que esteja se sentindo melhor – disse, pensando que, provavelmente, ela não precisava de um lembrete sobre a matéria desconhecida inserida dentro de si.

Seu olhar se deteve sobre ele, suavizando-se.

– Obrigada pelo que fez na noite passada, ir atrás de mim e me tirar daquele lugar horrível. Acho que você salvou a minha vida. Sei que salvou, Brock.

– Não foi nada.

Deus, ele esperava que ela jamais ficasse sabendo dos detalhes selvagens com que ele lidara com seus agressores. Ela não estaria agradecendo se o tivesse visto em ação naquela noite, nem se tivesse testemunhado o modo violento com que satisfizera tanto a sua sede quanto a sua fúria naqueles humanos desgraçados. Se soubesse do que ele era capaz, ela, sem dúvida, o enxergaria da mesma maneira que o Antigo que a atacara.

Não sabia por que isso o incomodava tanto. Não queria que ela o igualasse a um monstro, pelo menos não enquanto estivesse encarregado pela Ordem de protegê-la. Ela precisava confiar nele, e, como seu protetor designado, ele tinha que se certificar disso. Tinha um trabalho a fazer, e não estava disposto a perder de vista essa responsabilidade.

Mas sua questão com Jenna ia além disso, ele bem sabia. Só não tinha a mínima intenção de dissecar o assunto agora, nem num futuro próximo.

Observou-a se aproximar da parede coberta de mapas e gráficos que documentava a busca pelas Companheiras de Raça que a Ordem suspeitava que Dragos estivesse mantendo em cativeiro.

– Este trabalho é incrível – murmurou Jenna. – Dylan, Savannah, Renata, Tess... Todas as mulheres que conheci aqui são verdadeiramente incríveis.

– Sim, elas são – concordou Brock. Levantou-se e caminhou até onde estava Jenna. – A Ordem sempre foi uma força a ser respeitada, mas, desde que me juntei a ela, tenho visto nossas forças redobrarem por causa do envolvimento das fêmeas deste complexo.

Ela lhe lançou um olhar que ele considerou difícil de interpretar.

– O que foi?

– Nada. – Um leve sorriso tocou seus lábios quando ela meneou um pouco a cabeça. – Só estou surpresa em ouvir isso. A maioria dos homens com quem tive contato no trabalho, inclusive meu pai e meu irmão, preferiria comer seus distintivos a admitir que era melhor para eles trabalhar em equipe com as mulheres.

– Eu não tenho um distintivo – disse ele, retribuindo o sorriso. – E não sou como a maioria dos homens.

Ela riu de leve, mas não desviou o olhar.

– Não, você não é. E mesmo assim, é um dos poucos aqui que não tem uma Companheira de Raça.

Ele pensou nisso, mais do que apenas um pouco intrigado pelo fato de ela estar curiosa sobre sua vida pessoal.

– Trabalho é uma coisa. Assumir uma companheira com um elo de sangue é outra. É um tipo de situação eterna, e sou alérgico a relacionamentos de longo prazo.

Os olhos inteligentes o avaliaram.

– Por quê?

Seria fácil dar-lhe uma resposta charmosa e sem fundamento, do tipo a que estava acostumado a dar quando Kade e os outros tocavam no assunto de Companheiras de Raça e de envolvimentos sentimentais. Mas ele não poderia olhar para Jenna e ser outra coisa a não ser honesto, não importando como isso mudaria a forma como ela o enxergava.

– Relacionamentos de longo prazo aumentam as chances de eu desapontar alguém. Por isso, me esforço para me manter longe disso.

Ela não disse nada por um ou dois minutos. Apenas o encarou em silêncio, os braços ainda ao seu redor, uma centena de emoções acentuando a cor de seus olhos.

– É, sei o que está querendo dizer – disse, por fim, a voz mal passando de um sussurro rouco. – Sei tudo a respeito de desapontar as pessoas.

– Não tem como eu acreditar nisso. – Ele não conseguia enxergar a mulher capaz e confiante deixando de fazer algo que se dispusera a fazer.

– Pode acreditar – disse ela com seriedade, girando sobre os calcanhares e seguindo para junto da outra parede, onde um punhado de retratos falados fora disposto ao longo de mapas e de anotações. Quando voltou a falar, havia uma casualidade em sua voz que parecia forçada. – Então, essa sua alergia a relacionamentos duradouros é alguma novidade para você, ou sempre evitou compromissos?

Ele teve uma imagem mental instantânea de olhos reluzentes e de uma risada maliciosa e musical que ainda ouvia às vezes, como um fantasma à espreita em suas lembranças.

– Já existiu alguém. Bem... Poderia ter havido alguém. Ela morreu há muitos anos.

A expressão de Jenna ficou sombria de remorso.

– Brock, sinto muito. Não tive a intenção de...

Ele deu de ombros.

– Não precisa se desculpar. Isso foi há um século. – Quase literalmente, ele percebeu, atordoado pelo fato de que tanto tempo havia se passado desde que o seu descuido custara a vida de alguém a quem ele, supostamente, deveria ter protegido.

Jenna voltou a se aproximar e se recostou na beira da mesa ao lado dele.

– O que aconteceu com ela?

– Foi assassinada. Eu trabalhava como guarda-costas no Refúgio Secreto de uma família em Detroit na época. Era minha responsabilidade mantê-la a salvo, mas meti os pés pelas mãos. Ela desapareceu sob a minha vigilância. Seu corpo foi encontrado meses mais tarde, brutalizado a ponto de não ser reconhecido, abandonado num rio.

– Ah, meu Deus... – A voz de Jenna saiu suave, carregada de empatia. – Que horrível.

– É, foi mesmo – disse ele, lembrando-se muito bem do horror do que havia sido feito a ela, antes e depois de ser morta. Três meses na água não deixaram mais fácil de olhar o que lhe haviam feito.

– Sinto muito – repetiu Jenna, esticando uma mão para apoiá-la no músculo saltado do bíceps dele.

Ele tentou ignorar a súbita percepção que surgiu com aquele contato. Mas tentar não perceber sua atração por ela era o mesmo que ordenar ao fogo que não fosse quente. Toque-o e você se queimará. Assim como ele queimava agora, quando relanceou para a mão pálida de Jenna em contraste com a sua pele escura.

Quando ele levantou o olhar para ela, percebeu pela forma sutil com que ela inspirava que seus olhos muito provavelmente estavam iluminados por centelhas cor de âmbar, a transformação traindo seu desejo por ela. Ela engoliu em seco, mas não desviou o olhar.

Que Deus o ajudasse, mas ela tampouco retraiu a mão, nem mesmo quando o seu rugido de macho excitado se formou na base da garganta.

Pensamentos do que acontecera com ela há poucas horas em seu apartamento jorraram como uma onda de lembranças ardentes. Não havia mais do que alguns poucos centímetros entre eles, mesmo agora. Ficou imaginando se Jenna queria que ele a beijasse. Estivera inseguro quanto ao que ela sentia, e com a possibilidade de ela estar sentindo algo parecido com seu próprio desejo. Agora, precisava saber com uma ferocidade que o assustava.

Para ter certeza de que não estava interpretando mal, nem que fosse apenas pela sua sanidade, cobriu a mão dela com a sua. Aproximou-se, postando-se de frente para ela, que ainda estava apoiada na mesa.

Ela não se retraiu. Encarou-o bem nos olhos, confrontando-o, bem como ele esperava que ela fizesse.

– Eu não sei bem como lidar com tudo isto – disse ela com suavidade. – As coisas que têm acontecido comigo desde aquela noite no Alasca... Todas as perguntas que talvez nunca sejam respondidas. Sei lidar com isso. De alguma forma, vou aprender a lidar. Mas você... Isto... – Ela baixou o olhar para as mãos unidas, os dedos entrelaçados. – Não sou boa nisso. Meu marido se foi há quatro anos. Não houve ninguém desde então. Nunca estive pronta para isso. Não quis...

– Jenna. – Brock tocou no seu queixo, erguendo-o com suavidade para fitá-la nos olhos. – Tudo bem se eu te beijar?

Os lábios dela vacilaram num sorriso que ele não resistiu a provar. Inclinou a cabeça e a beijou devagar, para que ela se acostumasse, apesar da intensidade do seu desejo.

Embora ela tivesse confessado estar sem prática, ele jamais teria imaginado isso pela sensualidade dos lábios dela ao encontro dos seus. O beijo, tanto suave quanto direto, dando e recebendo, o incendiou. Ele se aproximou, até se ajustar entre suas pernas, precisando sentir o corpo dela pressionado contra o seu enquanto passava a língua ao longo dos lábios aveludados. Correu as mãos pela lateral de seu corpo, ajudando-a a subir na mesa quando a perna machucada começou a tremer.

O beijo fora um erro. Achara que as coisas terminariam ali – apenas um beijo –, mas, agora que começara, ele simplesmente não sabia como encontraria forças para pôr um fim naquilo.

E, pela sensação dela em seus braços, pelos gemidos e sussurros de prazer enquanto os beijos davam início a algo mais poderoso, teve certeza de que ela também queria mais.

Mas, pelo visto, não poderia estar mais errado.

Foi só quando percebeu a umidade em seu rosto que notou que ela estava chorando.

– Jesus – sibilou, recuando de pronto e sentindo-se um cretino ao ver seu rosto marcado pelas lágrimas. – Desculpe. Se eu te pressionei rápido demais...

Ela balançou a cabeça, visivelmente triste, mas sem conseguir falar nada.

– Diga que eu não te machuquei, Jenna.

– Droga. – Ela inspirou fundo. – Não posso fazer isto. Desculpe, a culpa é minha. Eu nunca deveria ter deixado que você...

As palavras foram interrompidas quando ela o empurrou para longe, desvencilhando-se dele, e correu para o corredor.

Brock ficou ali por um minuto, todo tenso e dolorido, ávido de desejo. Deveria deixá-la ir. Considerar aquilo apenas um desastre evitado por um triz e tirar a tentadora Jenna Darrow da cabeça.

Sim, é exatamente isso o que deveria fazer, e ele sabia muito bem disso.

Mas, quando esse pensamento se formou, ele já estava na metade do corredor, seguindo os sons do choro de Jenna até seu antigo apartamento.


Capítulo 13

Jenna se sentia a maior das covardes, uma fraude absoluta, enquanto fugia pelos corredores, tentando engolir as lágrimas. Deixara Brock pensar que não o queria. Provavelmente o fez acreditar que ele a pressionara de algum modo com aquele beijo, quando quase a derretera numa poça na mesa daquela sala de reuniões. Deixou que ele ficasse se preocupando por ter feito algo errado, que talvez a tivesse magoado, e essa era a coisa mais injusta de todas.

No entanto, não conseguira deixar de fugir, precisando colocar alguma distância entre eles com uma determinação que beirava o desespero. Ele a fazia sentir demais. Coisas para as quais não estava preparada. Coisas que ela necessitava com tamanha profundidade, mas que não merecia.

Por isso fugiu, mais aterrorizada do que nunca e odiando a covardia que a fazia colocar pé ante pé. Quando chegou ao quarto, estava tremendo e sem fôlego, lágrimas ainda descendo pelas faces.

– Jenna.

O som da voz grave atrás dela foi como uma carícia ardente em sua pele. Virou-se de frente, atônita com a velocidade e com o silêncio que o levaram até ali não mais do que um segundo depois dela. Mas, em retrospecto, ele não era humano. Não era um homem de fato – uma coisa da qual ela tinha que se lembrar quando ele estava tão próximo, com todo aquele tamanho, a intensidade do olhar se comunicando com tudo o que era feminino dentro dela.

Sua boca ainda estava inchada pelos beijos dele. Sua pulsação ainda batia descompassada. O calor ainda ardia dentro dela.

E como se soubesse disso, Brock se aproximou ainda mais. Esticou o braço e pegou sua mão, sem dizer nada. Não havia necessidade de palavras. Apesar das lágrimas que começavam a diminuir e do tremor das suas pernas, ela não conseguia esconder o desejo que sentia por ele.

Não resistiu quando ele a trouxe para perto, para o calor do seu corpo. Para o conforto dos seus braços.

– Estou com medo – sussurrou ela. Essas palavras não lhe vinham fáceis, como nunca vieram.

Com o olhar preso ao dela, ele lhe acariciou o rosto.

– Não precisa ter medo de mim. Não vou machucar você, Jenna.

Acreditou nele, mesmo antes de ele inclinar a cabeça e resvalar os lábios num beijo dolorosamente carinhoso. De maneira incrível e impossível, confiava naquele homem que não era um homem. Queria as mãos dele sobre si. Queria sentir aquela conexão de novo com alguém, mesmo que não estivesse pronta para pensar em algo além do físico, do desejo de tocar e de ser tocada.

– Está tudo bem – ele murmurou ao encontro da sua boca. – Está segura comigo, prometo.

Jenna fechou os olhos ao absorver suas palavras, as mesmas que a acalmaram na escuridão do seu chalé no Alasca, e de novo na enfermaria do complexo. Brock fora seu elo com o mundo dos vivos depois da sua provação com o Antigo. Sua única corda de segurança durante os infindáveis pesadelos que se seguiram nos dias depois que ela fora trazida àquele lugar estranho, modificada de tantas maneiras.

E agora...?

Agora ela não sabia muito bem como ele se encaixava na confusão que restara da sua vida. Não estava pronta para pensar nisso. Tampouco estava plenamente segura de estar preparada para as sensações que ele lhe provocava.

Recuou um pouco, a dúvida e a vergonha ainda se avolumando na parte dela que ainda lamentava a perda, a ferida aberta em sua alma que há muito tempo aceitara que jamais se cicatrizaria por completo.

Pressionando a testa no calor da solidez de seu peito, no algodão macio que exalava seu cheiro exótico característico, Jenna inspirou profundamente para se fortalecer. E expirou num suspiro entrecortado.

– Será que eu os amava o suficiente? É o que não paro de me perguntar desde aquela noite em meu chalé...

As mãos fortes de Brock alisaram suas costas, fortes e carregadas de compreensão, dando a calma que ela precisava a fim de reviver aqueles momentos torturosos quando o Antigo a pressionara para que ela decidisse o próprio destino.

– Ele me fez escolher, Brock. Naquela noite em meu chalé, pensei que ele iria me matar, mas não matou. Eu não teria lutado se ele matasse. E ele sabia disso, acho. – Na verdade, ela tinha certeza. Naquela noite em que o Antigo invadira sua casa, ela não estava bem. Ele vira a garrafa de uísque vazia no chão e a pistola carregada em sua mão. A caixa de fotografias que ela pegava todos os anos por volta do aniversário do acidente que lhe roubara a família e que a deixara para viver sozinha. – Ele sabia que eu estava preparada para morrer, mas, em vez de me matar, forçou-me a dizer as palavras, a lhe dizer em voz alta o que eu queria mais: vida ou morte. Foi como uma tortura, algum tipo de jogo doentio que ele me fez jogar contra a minha vontade.

Brock resmungou alguma imprecação incompreensível, mas as mãos continuaram suaves às suas costas, carinhosas, num calor tranquilizador.

– Ele me fez escolher – disse ela, lembrando-se de cada minuto insuportável daquela provação.

Mas, ainda pior do que as horas infindáveis do seu aprisionamento e de vê-lo alimentando-se dela, do que o horror de perceber que seu captor não era uma criatura deste mundo, foi o momento terrível no qual ouviu a própria voz rouca dizer as palavras que pareciam rasgar das profundezas mais íntimas e envergonhadas de sua alma.

Quero viver.

Ai, meu Deus... por favor, deixe-me viver.

Não quero morrer!

Jenna engoliu o nó de angústia que se formara em sua garganta.

– Fico pensando que não os amava o bastante – sussurrou, devastada ante esse pensamento. – Fico pensando que, se os amasse de verdade, teria morrido com eles. Que, quando o Antigo me forçou a escolher se queria ou não viver, eu teria feito uma escolha diferente.

Quando o choro ficou preso em sua garganta, os dedos de Brock resvalaram seu queixo. Ergueram seu rosto para seu olhar solene.

– Você sobreviveu – disse ele, a voz firme, mas com infinito afeto. – Foi só o que fez. Ninguém a culparia por isso, muito menos eles.

Ela fechou os olhos, sentindo o peso do arrependimento diminuir um pouco com as palavras reconfortantes que ouvia. Mas o vazio em seu coração era um lugar frio e oco. Um que se tornou ainda maior quando Brock a tomou nos braços, confortando-a. O calor e a preocupação dele penetraram em sua pele como um bálsamo, acrescentando mais emoção ao desejo que não diminuíra por conta da proximidade do corpo forte. Torceu-se no refúgio que era seu abraço, apoiando o rosto na força sólida e firme que ele era.

– Posso acabar com isso, Jenna. – Ela sentiu a pressão da boca, o fluir da respiração em seus cabelos enquanto ele beijava o topo de sua cabeça. – Posso carregar sua dor por você, se quiser.

Havia uma parte nela que se rebelava contra isso. A mulher forte, a policial experiente, aquela que sempre enfrentava qualquer situação, se retraiu ante a ideia de que seu sofrimento pudesse ser pesado demais para ela mesma suportar. Nunca precisou de ajuda, tampouco se dispôs a pedir, jamais. Esse tipo de fraqueza jamais lhe serviria.

Retraiu-se, a recusa na ponta da língua. Mas quando abriu os lábios para falar, as palavras não surgiram. Fitou o belo rosto de Brock, os olhos penetrantes que pareciam enxergar bem dentro dela.

– Quando foi a última vez que se permitiu ser feliz, Jenna? – Ele afagava seu rosto com tanta suavidade, com tanta reverência, que ela estremeceu sob seu toque. – Quando foi a última vez que sentiu prazer? A mão grande desceu ao longo do pescoço. O calor irradiou da palma ampla e dos dedos longos. Sua pulsação acelerou conforme ele espalmou a nuca, o polegar acariciando o ponto sensível debaixo da orelha.

Então, ele a aproximou de si, inclinando-lhe o rosto para se encontrar com o seu. Beijou-a, lenta e profundamente. A fusão vagarosa da boca dele ao encontro da sua lançou uma corrente de calor líquido em suas veias. O fogo se empoçou em seu centro, seu íntimo se enchendo com um desejo ardente e ávido.

– Se você não quiser isto – murmurou ele ao encontro dos seus lábios –, basta dizer. A qualquer hora, eu paro...

– Não. – Ela balançou a cabeça ao erguer a mão para tocar no maxilar forte. – Eu te quero, mas tanto que isso está me assustando demais.

O sorriso dele se espalhou preguiçosamente, os lábios sensuais se afastando para revelar os dentes brancos e a extensão aumentada das presas. Jenna fitou sua boca, sabendo que os instintos básicos humanos de sobrevivência deviam estar disparando todo tipo de alarme, avisando-a de que aproximar-se demais daqueles caninos seria letal.

Mas ela não sentiu medo. Em vez disso, sua mente reconheceu a transformação dele com um sentimento inexplicável de aceitação. Excitação até, enquanto o castanho absorvente de seus olhos começou a reluzir com uma luz âmbar incandescente.

Acima do colarinho da camiseta cinza e debaixo das mangas curtas que se agarravam aos montes firmes dos bíceps musculosos, os dermaglifos de Brock pulsavam em cores. As marcas da pele do membro da Raça assumiram uma cor mais acentuada do que seu costumeiro tom de bronze, tornando-se mais bordô e dourado, junto com um roxo escuro. Jenna percorreu os dedos ao longo das curvas e arcos dos seus glifos, maravilhando-se com a beleza sobrenatural.

– Tudo o que eu achava que sabia é diferente agora – ponderou em voz alta enquanto permanecia no círculo dos braços dele, distraidamente tracejando os desenhos dos glifos que desciam. – Tudo mudou agora. Eu mudei, de maneiras que nem sei se farão sentido para mim. – Levantou o olhar. – Não estou atrás de mais confusão em minha vida. Não acho que eu seja capaz de lidar com mais isso além de todo o resto.

Ele sustentou o seu olhar, sem julgá-la, revelando apenas paciência e uma aura de controle imperturbável.

– Você está confusa agora, enquanto te toco... ou quando a beijo?

– Não – disse ela, surpresa ao constatar isso. – Nem antes.

– Isso é bom. – Ele se inclinou e clamou sua boca novamente, sugando o lábio inferior, capturando-o entre os dentes ao afagar suas costas, depois espalmando a mão na curva das nádegas. Apertou-a com possessividade, rebocando o corpo eletrizado ao longo da sua ereção. Esfregou o nariz na curva do pescoço, os lábios quentes e úmidos em sua pele. Quando falou de novo, sua voz estava mais grossa do que antes, carregada do mesmo tipo de avidez que a percorria. – Permita-se sentir prazer, Jenna. Se quiser, é só isso o que precisa acontecer entre nós. Sem pressão, sem amarras. Sem promessas que nenhum de nós está pronto para fazer.

Ah, Deus. Parecia tão bom, tão tentador, ceder ao desejo que vinha crescendo entre eles desde que ela despertou no complexo da Ordem. Não estava pronta para abrir o coração novamente, talvez nunca estivesse pronta para essa vulnerabilidade de novo, mas não sabia se era forte o bastante para resistir ao presente que Brock estava lhe oferecendo.

Ele a beijou na base da garganta.

– Está tudo bem, Jenna. Entregue o resto para mim agora. Liberte-se de tudo, exceto disto.

– Sim. – Ela suspirou, sem conseguir refrear um arquejo quando as carícias trafegaram por seu corpo. As mãos fortes e habilidosas lançaram picadas de energia pelas suas veias, o talento sobrenatural sugando todo o peso remanescente de tristeza, de dor e de confusão. A boca ardente e habilidosa deixou apenas sensações e avidez em seu rastro.

Ele beijou uma pequena trilha ao longo do pescoço, depois pelo maxilar, até que seus lábios se encontraram com os dela uma vez mais. Jenna acolheu sua paixão, abrindo-se para ele enquanto a língua passava pelo vale entre seus lábios. Ele gemeu quando ela o sugou para dentro, grunhiu uma aprovação absolutamente masculina enquanto ela passava os dedos ao redor da sua cabeça, segurando-o com mais firmeza ao encontro da sua boca.

Deus, ela não fazia ideia de quanto necessitava do toque de um homem. Ficara tempo demais sem aquela intimidade, forçosamente se privando do contato sexual e daquele tipo de relaxamento. Por quatro anos, convencera-se de que não queria nem precisava daquilo, apenas mais um castigo autoimposto pela grave ofensa de ter sobrevivido ao acidente que matara seus entes queridos.

Acreditara-se imune ao desejo; no entanto, ali com Brock, todas aquelas barreiras antes impenetráveis estavam sendo derrubadas, caindo ao seu redor como se não fossem mais do que folhas secas. Ela não conseguia sentir culpa pelo prazer que ele estava lhe proporcionando. Não havia como saber se pela habilidade de Brock de absorver a sua angústia ou pelo desejo reprimido. Só o que ela conhecia era a intensidade crescente das reações do seu corpo ao dele, uma onda de prazer e de antecipação que a deixava sem ar e querendo ainda mais.

As mãos grandes passaram para os ombros, depois começaram sua viagem para os seios. Através do algodão fino da camisa dela, os mamilos endureceram, ficando rijos e doloridos, vivos com sensações a cada carícia aplicada. Jenna gemeu, querendo mais dos toques dele. Capturou sua mão e a guiou por baixo da bainha larga da camisa. Ele não precisou de mais orientações. Em menos de um segundo, soltou o fecho do sutiã e cobriu a pele nua com a palma quente. Brincou com o botão duro ao acariciá-la.

– Melhor assim? – murmurou ele, logo abaixo da orelha. – Diga se está gostando.

– Deus... Sim! – Era tão bom que ela mal conseguia formar palavras.

Jenna sibilou de prazer, jogando a cabeça para trás enquanto uma sensação espiralada se contraía em seu íntimo. Ele continuou tocando-a, beijando-a e acariciando-a, enquanto lentamente tirava sua camisa. Fez o mesmo com o sutiã aberto, deslizando as alças finas pelos ombros, escorregando-as pelos braços. De repente, ela estava nua da cintura para cima diante dele. O instinto de se cobrir – de esconder as cicatrizes que cruzavam seu tronco por causa do acidente, e aquela no abdômen que era um lembrete diário do difícil trabalho de parto de Libby – surgiu de leve, mas apenas por um instante.

Só pelo tempo que demorou para erguer a cabeça e se deparar com o olhar de Brock.

– Você é linda – disse ele, pegando-lhe as mãos com suavidade e afastando-as do corpo antes que ela tivesse a oportunidade de se sentir envergonhada pelo elogio dele ou pela sua observação franca.

Nunca se sentira especialmente bela. Confiante e capaz, bem fisicamente e forte. Essas palavras ela entendia e aceitava. Palavras que a acompanharam em boa parte dos seus trinta e três anos de vida, mesmo durante o casamento. Mas linda? Era-lhe tão estranha quanto o idioma desconhecido que se ouvira falar no vídeo na enfermaria no dia anterior.

Brock, este sim, era lindo. Ainda que parecesse uma palavra esquisita para descrever a sombria força da natureza que estava diante dela.

Cada mancha castanha dos olhos dele sumira, devorada pelo brilho âmbar que aquecia suas faces como uma chama viva. As pupilas afinaram parecendo fendas, e as faces magras agora estavam mais angulares, a pele escura imaculada esticada por sobre os ossos, ressaltando a aparência atordoante das presas longas e afiadas.

Aqueles olhos ardentes prenderam os seus, enquanto ele tirava a camiseta e a deixava cair no chão ao lado dela. O peito era incrível, uma parede maciça de músculos bem torneados cobertos por um desenho intricado de glifos pulsantes. Ela não resistiu ao desejo de tocar a pele lisa, só para ver se era tão sedosa sob seus dedos quanto lhe parecia ao olhar. Era ainda mais macia do que imaginara, mas a força absoluta e sobrenatural abaixo dela era inconfundível.

Brock lhe parecia tão letal quanto fora ao salvá-la na cidade, a não ser, talvez, pela ira gélida que emanara dele como em ondas aquela noite, pois agora ele vibrava com algo igualmente agressivo e intenso: desejo. Todo centrado nela.

– Você está... Maldição, Jenna – ele disse rouco, tracejando a linha do seu ombro, depois circundando a ponta rósea do seu seio. – Você não faz ideia de quanto é adorável, faz?

Ela não respondeu, nem saberia como. Em vez disso, aproximou-se e puxou a boca dele para a sua para mais um beijo ardente. Pele contra pele, os seios esmagados contra os músculos firmes do peito dele, Jenna quase entrou em combustão de tanto desejo. Seu coração batia forte, a respiração acelerada, enquanto Brock abaixava a mão e descia o zíper de seus jeans. Ela mordeu os lábios quando ele deslizou as mãos entre a cintura da calça e a pele dos seus quadris, depois fez descer os jeans por sobre a calcinha branca. Ele se afundou sobre os calcanhares, acompanhando a descida dos jeans com as mãos.

Tomou cuidado perto do ferimento a bala, a fim de não mexer no curativo que envolvia a coxa.

– Tudo bem? – perguntou, erguendo o olhar para ela, a voz grave tão rouca que ela mal a reconheceu. – Se houver dor, posso cuidar dela.

Jenna balançou a cabeça.

– Não está doendo. Está tudo bem, mesmo.

Os olhos reluzentes âmbar se fecharam baixando os cílios ao voltar para a tarefa que tinha em mãos. Com os jeans removidos, ele se apoiou nos calcanhares e olhou para ela, deslizando as mãos para cima e para baixo na extensão das suas pernas.

– Tão, tão linda – ele a elogiou, depois inclinou a cabeça e pressionou os lábios no triângulo de algodão branco entre as coxas, a única peça de roupa que a cobria agora.

Jenna expeliu um suspiro trêmulo quando ele prendeu o tecido entre os dentes e as presas. Com o olhar carregado de propósito, fitou-a, as mãos ainda acariciando as pernas, e puxou a peça antes de soltá-la, deixando voltar ao seu lugar, cobrindo a pele aquecida. Ele a seguiu com a boca, beijando-a de novo, com mais determinação agora, afastando o irrisório pedaço de pano e esfregando o rosto ainda mais na fenda úmida do seu sexo.

As mãos a seguravam pelas nádegas enquanto ele a explorava com os lábios e a língua e o resvalar erótico dos dentes na pele úmida do seu centro. Despiu-a da calcinha, depois afastou as coxas e a sugou novamente. Levou uma mão até o meio das pernas, acrescentando o toque dos dedos à habilidade enlouquecedora da boca. Jenna estremeceu, perdida em sensações e a pouco menos do que uma inspiração de desfalecer.

– Céus – arfou ela, tremendo quando ele sondou suas dobras com a ponta do dedo, penetrando-a apenas de leve, enquanto seus beijos a deixavam cada vez mais tensa. Moveu-se na direção dele, inundada pelo calor. – Meu Deus... Brock, não pare.

Ele gemeu ao encontro da umidade dela, um longo ronronar de evidente apreciação masculina que vibrou em seus ossos e músculos até seu cerne aquecido. O clímax de Jenna a atravessou tal qual uma tempestade. Estremeceu com a sua força, exclamando quando o prazer a assolou e a fez subir aos céus. Quase se desfez, a sensação pairando quase como poeira estelar enquanto ela espiralava mais e mais alto, com tremores de puro deleite trespassando-a, um após o outro.

Sentia-se sem ossos ao flutuar de volta à realidade. Sem ossos e exausta, apesar de seu corpo ainda estar vibrando, repleto de sensações. E Brock ainda a beijava. Ainda a afagava com os dedos, arrancando cada um dos tremores restantes enquanto ela se agarrava aos ombros largos e arfava com o prazer dos tremores.

– Acho que eu estava precisando disso – sussurrou, estremecendo quando o riso baixo dele ecoou em sua pele ainda sensível. Ele a beijou no interno da coxa, mordiscando de leve, e suas pernas vacilaram um pouco sob o próprio peso. Ela se deixou cair para a frente, envolvendo Brock pelas costas. – Ah, meu Deus. Eu não imaginava o quanto precisava disso.

– O prazer foi meu – ele disse, rouco. – E ainda não terminei. – Mudou de posição debaixo dela, passando o braço ao seu redor e acomodando-a sobre o ombro. – Segure firme em mim.

Ela não teve escolha. Antes de entender o que ele pretendia, ele já se levantava. Carregou-a como um peso morto sobre um ombro e se pôs de pé, como se ela não passasse de um fardo de penas. Jenna se segurou como ele lhe dissera, sem deixar de admirar a força absoluta com que ele caminhava até o quarto adjacente. Vestindo apenas os jeans, os músculos das costas se flexionavam e contraíam debaixo da pele lisa a cada longa passada, um concerto perfeito de boa forma e talhe.

Não havia dúvidas, ele era lindo.

E seu corpo já eletrizado zunia com calor renovado quando ela percebeu que ele a carregava direto para a imensa cama king size.

Ele afastou a colcha e o lençol, depois a depositou na beira do colchão. Jenna observou com desejo crescente enquanto ele desabotoava os jeans e os retirava. Ele não estava usando nada por baixo. Glifos elaborados tracejavam a cintura estreita e o quadril, descendo pelas pernas vigorosas. As cores pulsavam e se transformavam, atraindo seu olhar por um breve instante da ereção evidente, que estava rija e imensa enquanto ele apenas observava enquanto ela o avaliava dos pés à cabeça.

Jenna engoliu com a boca seca quando ele se aproximou dela, devastador em toda a sua nudez. O olhar reluzente ainda mais brilhante, as presas ainda mais alongadas.

Ele parou perto da cama, crispando a testa quando ela se deteve no seu olhar transfigurado.

– Está com medo de mim... deste jeito?

Ela só balançou a cabeça de leve.

– Não, não estou com medo.

– Se estiver preocupada com relação a uma possível gravidez...

Ela voltou a balançar a cabeça.

– Meus danos internos no acidente cuidaram disso. Não posso engravidar. De toda forma, pelo que soube, DNA humano e da Raça não se misturam.

– Não – confirmou ele. – E em relação a quaisquer outras preocupações que possa ter, está segura comigo. Não existem doenças nos da minha espécie.

Jenna assentiu.

– Confio em você, Brock.

O crispar da testa dele diminuiu, mas ele permaneceu imóvel.

– Se não tiver certeza, se não é isso o que você quer, então o que lhe disse antes ainda vale. Podemos parar a qualquer instante. – Ele riu baixinho. – Acho que isso pode acabar comigo agora, já que está toda sensual na minha cama, mas eu paro. Que Deus me ajude, mas eu paro.

Ela sorriu, emocionada por alguém tão poderoso demonstrar tamanha honra e humildade. Ela afastou o lençol e abriu espaço para ele ao seu lado.

– Não quero parar.

A boca dele se abriu num sorriso amplo. Com um grunhido, foi em frente e sentou na cama ao seu lado. A princípio, apenas se tocaram e se acariciaram, beijando-se com suavidade, aprendendo mais sobre seus corpos. Brock foi paciente, apesar de a tensão em seu corpo revelar que ele estava se torturando por se refrear. Foi atencioso e carinhoso, tratando-a como uma amante querida, apesar de terem concordado de antemão que aquilo entre eles jamais seria outra coisa além de algo casual, sem amarras.

Para Jenna, parecia incrível que um homem que ela mal conhecia – aquele macho da Raça que tinha todo o direito de assustá-la – pudesse lhe parecer tão familiar, tão íntimo. Brock, porém, dificilmente era um estranho. Ele estivera ao seu lado em meio ao seu pesadelo pessoal, e de novo nos dias de sua recuperação ali no complexo. E a procurara naquela noite em que estivera sozinha e ferida na cidade, um improvável salvador sombrio.

– Por que fez aquilo? – perguntou baixinho, os dedos percorrendo os dermaglifos que se curvavam pelos ombros e desciam pelo peito. – Por que ficou comigo no Alasca e depois todos aqueles dias na enfermaria?

Ele ficou em silêncio por um momento, as sobrancelhas escuras unidas sobre o olhar reluzente.

– Odiei ver o que aconteceu com você. Você era apenas uma inocente que se viu em meio a um tiroteio. Você é humana. Não merecia ser arrastada para o meio da nossa guerra.

– Já sou uma garota crescida. Sei lidar com isso – disse, uma resposta automática que não sentia verdadeiramente. Ainda mais depois dos resultados perturbadores dos seus exames de sangue. – E quanto a agora? O que estamos fazendo aqui, quero dizer... Isto faz parte do seu programa “seja legal com a humana” também?

– Não. Claro que não. – A carranca dele se acentuou a ponto de mostrar raiva. – Acha que isso é pena? É isso o que você acha que é? – Ele inspirou fundo, revelando as pontas das presas ao rolá-la de costas e ficar sentado em cima dela. – Para o caso de não ter percebido, estou excitado pra caramba por você. Se me excitar mais, acabo explodindo.

Para provar seu ponto de vista, ele deu uma estocada nada sutil com o quadril, acomodando-se entre as dobras úmidas de seu sexo. Ele bombeou algumas vezes, fazendo a rigidez do membro entrar e sair da fenda dela, atiçando-a com o calor da sua excitação. Passou o braço por trás do joelho dela, levantando-lhe a perna até seu ombro, virou o rosto para a coxa e deu-lhe uma mordiscada.

– Isto é desejo puro e simples, nada de piedade – disse, sua voz rouca ao penetrá-la, longa e profundamente.

Jenna não conseguiria formular uma resposta mesmo que tentasse. A sensação atordoante de tê-lo preenchendo-a, estendendo-a cada vez mais a cada estocada, era tão sobrepujante que lhe roubou o fôlego. Ela se segurou a ele com as duas mãos enquanto ele lhe capturou a boca num beijo ardente, balançando acima dela, o corpo se movimentando num ritmo exigente.

A crista de um novo clímax já se formava dentro dela, e não conseguiu contê-lo. Sentiu o calor do próprio sangue nas veias, a pulsação imperiosa de Brock também, reverberando sob seus dedos e em cada terminação nervosa. Seus ouvidos estavam tomados pelo som do seu grito silencioso de libertação, pela fricção dos corpos unidos se retorcendo sobre os lençóis. O cheiro do sexo e do sabonete e do suor limpo na pele quente a intoxicaram. O sabor dos beijos ardentes de Brock em seus lábios só a fazia desejar outros mais.

Ela tinha fome, de uma maneira inexplicável.

Tinha fome dele, tão profunda que parecia retorcê-la de dentro para fora.

Queria saboreá-lo. Saborear o poder que ele era.

Arfando após o clímax, afastou-se da boca dele. Ele praguejou algo sombrio sob o fôlego, as investidas cada vez mais intensas, as veias e os tendões saltando no pescoço e nos ombros como cabos espessos elevando-se da pele.

Segurando-se a ele, Jenna deixou a cabeça pender por um momento, tentando se perder no ritmo dos corpos. Tentando não pensar na dor que corroía suas entranhas, no impulso confuso, porém irresistível que atraía seu olhar para o pescoço forte. Para as veias saltadas que pulsavam como tambores de guerra aos seus ouvidos.

Pressionou o rosto na coluna forte do pescoço dele e percorreu a língua no ponto pulsante que encontrou ali. Ele gemeu, um som prazeroso que só servia como combustível para o fogo que ainda queimava dentro dela. Ela se aventurou um pouco mais, cerrando os dentes sobre a pele dele. Brock grunhiu uma imprecação, e ela mordeu com um pouco mais de força, sentindo a onda de tensão que atravessou todo o corpo dele, que estava no limiar agora, os braços como granito ao redor dela, cada estocada dos quadris ficando mais intensa.

Jenna cravou os dentes com mais força na pele suave.

Mordeu até ele ficar louco de paixão...

Até ela sentir o sabor da primeira gota de sangue na língua.

 

 

CONTINUA

Capítulo 8

– Espero que todas estejam com fome – disse Alex, passando pelas portas vaivém da cozinha da mansão, com uma tigela grande de frutas frescas cortadas numa mão e um cesto de biscoitos com ervas aromáticas quentinhos na outra.

Depositou ambos na mesa da sala de jantar diante de Jenna e Tess, que foram instruídas por Alex e as outras mulheres do complexo para que se sentassem e se servissem do café da manhã.

– Como está se sentindo, Jen? – perguntou Alex. – Precisa de alguma coisa? Se quiser erguer a perna, posso pegar um banquinho na outra sala.

Jenna meneou a cabeça.

– Estou bem. – Sua perna estava bem melhor desde a cirurgia da noite anterior, e ela não sentia muitas dores. Só por causa da insistência de Tess é que estava usando uma bengala para se movimentar. – Não precisa ficar me mimando.

– Essa é a minha melhor amiga, a policial do interior – disse Alex, revirando os olhos na direção de Tess e virando a mão num sinal de pouco caso. – Só um machucadinho a bala, não precisam se preocupar...

Jenna caçoou.

– Comparado com a semana que tive, um buraco a bala na coxa é a menor das minhas preocupações.

Ela não estava querendo solidariedade, apenas declarando um fato.

A mão de Tess pousou com suavidade em seu pulso, assustando-a com seu calor e a preocupação genuína no olhar.

– Nenhuma de nós pode fingir saber aquilo pelo que você passou, Jenna, mas espero que entenda que estamos aqui para cuidar de você agora. Você está entre amigas, todas nós.

Jenna resistiu ao efeito de consolo que as palavras de Tess exerciam sobre ela. Não queria se sentir relaxada naquele lugar, entre Alex e aquelas desconhecidas aparentemente gentis.

Nem com Brock.

Muito menos com ele.

Sua mente ainda estava confusa com o resgate inesperado na cidade. Fora um erro sair como havia saído, despreparada e afetada emocionalmente. Não fazia tanto tempo assim que se desligara da polícia para não se lembrar que o melhor modo de se ver em apuros era fugir despreparada em território desconhecido. Só o que reconheceu naquele meio segundo antes de sair do complexo foi o desespero em fugir da sua nova e sombria realidade.

Cometera um clássico erro de julgamento de principiante, incitado pela emoção, e acabara necessitando de resgate para voltar à segurança. Que o seu resgate tivesse surgido na forma de um vampiro formidável e aterrorizante era algo que ela não sabia se um dia conseguiria compreender.

No fundo, sabia que Brock salvara sua vida na noite anterior. Uma parte sua desejava que ele não o tivesse feito. Não queria ficar devendo nada a ele. Não gostava de dever a ninguém, muito menos a um homem que nem podia ser classificado como humano.

Deus, que reviravolta em sua vida...

Com seus pensamentos cada vez mais sombrios, Jenna afastou a mão da de Tess e se recostou na cadeira.

Tess não a pressionou a falar, simplesmente se inclinou sobre a mesa e inspirou um pouco da fragrância que emanava dos biscoitos.

– Hummm – gemeu, o braço fino amparando a curva do ventre arredondado. – É a receita de cheddar e manjericão da Dylan?

– Atendendo a pedidos – respondeu Alex vivamente. – E há mais de onde isso veio, incluindo as incríveis torradas francesas com crème brûlée de Savannah. Falando nelas, é melhor eu ir buscá-las para o banquete.

Enquanto Alex virava e desaparecia novamente na cozinha, Tess lançou um olhar furtivo para Jenna.

– Você ainda não viveu se não provou os biscoitos de Dylan e as torradas de Savannah. Confie em mim, são o paraíso.

Jenna sorriu com educação.

– Tudo me parece muito bom. Nunca fui muito de cozinhar. Minha tentativa de sucesso na cozinha é uma omelete de carne de alce com queijo suíço, espinafre e batatas.

– Carne de alce? – Tess gargalhou. – Bem, posso lhe garantir que nenhuma de nós já experimentou algo parecido. Talvez você possa preparar para nós um dia desses.

– Quem sabe? – disse Jenna sem se comprometer, levantando os ombros.

Se não fosse pela incômoda matéria desconhecida encravada em sua coluna, e agora pelo tiro que a manteria ali sabe lá Deus por quanto tempo, ela já teria ido embora. Não sabia quanto tempo ainda a fariam ficar ali, mas assim que conseguisse sair andando, já era. Não se importava com o que a Ordem precisava saber; não tinha nenhuma intenção de ficar por perto para ser o ratinho de laboratório deles.

Ainda era estranho demais pensar que estava ali com elas, num quartel-general secreto habitado por uma equipe de vampiros guerreiros e por mulheres aparentemente sãs e agradáveis que pareciam felizes e à vontade entre eles.

O surrealismo da coisa toda se intensificou quando Alex e o restante das mulheres da Ordem – cinco lindas jovens e a menina loira chamada Mira – saíram da cozinha com o restante do café da manhã. Conversavam amigavelmente, relaxadas na companhia uma da outra como se tivessem estado juntas a vida inteira.

Formavam uma família, inclusive Alex, apesar de ela ter chegado ali apenas uma semana antes, assim como Jenna.

Um ritmo descontraído se fez na sala de jantar, enquanto pratos com bordas douradas eram passados adiante e completados com todo tipo de comida deliciosa. Taças de cristal eram enchidas com suco até a borda, e delicadas xícaras de porcelana logo se encheram com fragrante café torrado e coado.

Jenna observava tudo em silêncio enquanto a refeição prosseguia. Xarope de bordo aquecido e bolinhas de manteiga rodavam pela mesa, parando por mais tempo com a pequena Mira, que encharcou sua torrada com aquela doçura e cobriu os biscoitos com manteiga como se aquilo fosse cobertura. Mira engoliu um em duas mordidas grandes, depois atacou o resto da refeição com muita vontade.

Jenna sorriu sem querer ante o apetite voraz da menina, sentindo uma pontada de melancolia, senão culpa, quando pensou na filha. Libby sempre fora uma menina cuidadosa, disciplinada e séria, mesmo quando pequena.

Deus, o que não daria para poder ver Libby degustando algo tão simples quanto um café da manhã à sua frente na mesa?

Com os dedos melados, Mira pegou o copo de suco de laranja e sorveu um gole grande. Suspirou de contentamento ao apoiar o copo novamente num baque.

– Pode me passar o chantilly para eu pôr nos pêssegos? – perguntou, cravejando Jenna com seus misteriosos olhos violeta.

Por um instante, Jenna se sentiu capturada por aquele olhar. Dispensou a sensação e pegou a tigela que estava no meio do caminho entre ela e Mira do outro lado.

– Pode, por favor, me passar o chantilly? – Renata a corrigiu de seu lugar à direita da menina. A morena lançou-lhe uma piscadela decididamente maternal e carinhosa ao interceptar a tigela que Jenna segurava.

– Pode, por favor – Mira se corrigiu, não parecendo nem um pouco admoestada.

Jenna cortou um pedaço da torrada e a colocou na boca. Era exatamente o que Tess havia prometido, paradisíaca. Mal conseguiu refrear um gemido alto ao se deleitar com o sabor cremoso de baunilha.

– Gostou? – perguntou Savannah, que estava sentada em uma das cabeceiras da longa mesa de jantar.

– É deliciosa – murmurou Jenna, as papilas gustativas ainda vibrando de êxtase. Lançou um breve olhar, abarcando todas ali reunidas. – Obrigada por me deixarem partilhar disto com vocês. Nunca vi tanta comida junta em minha vida.

– Achou que a deixaríamos morrer de fome? – perguntou Gabrielle da outra cabeceira. Seu sorriso era acolhedor e amigável.

– Não sei bem o que pensei – respondeu Jenna, com honestidade. – Sendo bem franca, acho que ainda não processei tudo isso muito bem.

Gabrielle inclinou a cabeça num leve assentimento, parecendo sábia e serena, ainda que, sem dúvida, devesse ser mais jovem do que Jenna e seus trinta e três anos.

– Isso é compreensível. Você sofreu muito, e a sua situação é sem igual para todos nós.

– A minha situação – Jenna repetiu, refletindo enquanto mexia um pedaço de pão molhado em xarope de bordo em seu prato. – Está falando do objeto não identificado que está alojado na base do meu crânio?

– É, isso – concordou Gabrielle, com um tom gentil na voz. – E o fato de que você teve sorte de escapar do ataque do Antigo com vida. O simples fato de ele ter se alimentado de você e tenha permitido que você vivesse é...

– Inédito – sugeriu a mulher sentada com Gabrielle. Ela tinha cabelos ruivos e o belo rosto salpicado por sardas. – Se soubesse do que ele é capaz, se você tivesse noção do que aconteceu com tantas outras... – A voz se perdeu, um leve estremecimento fazendo o garfo em sua mão tremer. – É um milagre que você esteja viva, Jenna.

– Dylan tem razão – concordou Tess. – Há mais ou menos um ano, quando a Ordem descobriu que o Antigo havia sido despertado, temos tentado localizá-lo e a Dragos, o filho da mãe responsável por trazer de volta ao mundo esse tipo de perigo.

– Não sei qual dos dois é pior – Renata interveio. – O Antigo clamou muitas vidas inocentes, mas é Dragos, o neto sádico do Antigo, quem vem dando as ordens.

– Está dizendo que aquela criatura tem descendentes? – Jenna perguntou, sem conter sua repulsa.

Gabrielle sorveu um gole de café, depois, com cuidado, voltou a depositar a xícara no pires.

– Aquela criatura e outros tantos como ele deram início à Raça na Terra.

– Na Terra? – Jenna exclamou com uma risada descrente. – Está se referido a alienígenas agora? Aquele vampiro que me atacou...

– Não era deste mundo – Savannah concluiu por ela. – É verdade. Não é mais difícil de acreditar do que a existência dos próprios vampiros, se quer saber a minha opinião, mas é a mais pura verdade. Os Antigos estupraram e dominaram depois que aterrissaram aqui há milhares de anos. Com o passar do tempo, algumas das suas vítimas engravidaram com o que se tornaria a primeira geração da Raça.

– Isso faz algum sentido para vocês? – Jenna perguntou, ainda incrédula. Relanceou para Alex, ao seu lado. – Você também acredita nisso?

Alex concordou.

– Depois de conhecer Kade e todos os demais aqui no complexo, como posso não acreditar? Também vi o Antigo com meus próprios olhos, momentos antes de ele ser morto nos despenhadeiros fora de Harmony.

– E quanto a esse outro... Dragos? – perguntou Jenna, curiosa, sem querer, em fazer com que todas as peças desse incrível quebra-cabeça se juntassem se algum modo. – Onde ele entra?

Dylan foi a primeira a falar.

– Ao que parece, Dragos despertou o Antigo muito antes do que supúnhamos. Décadas antes, de fato. Ele o manteve escondido e o usou para criar uma nova leva de Primeira Geração, os membros mais fortes da Raça, visto que são descendentes diretos da linhagem do Antigo e não geneticamente diluídos, como as gerações posteriores.

– Dragos vem criando um exército pessoal dos mais poderosos, dos mais letais membros da espécie – acrescentou Renata. – São criados supervisionados, treinados para serem assassinos impiedosos. Assassinos particulares de Dragos, a quem ele convoca sempre que necessário para os seus desígnios.

Gabrielle assentiu.

– Para criar essa geração, Dragos também precisou de um estoque de mulheres férteis para engravidar do Antigo.

– As Companheiras de Raça – disse Alex.

Jenna olhou para ela.

– E o que são elas?

– Mulheres nascidas com um DNA e características sanguíneas distintas que as tornam capazes de partilhar um elo de sangue vitalício com os membros da Raça e de reproduzir seus filhos – disse Tess, a mão distraída acariciando o ventre distendido. – Mulheres como nós ao redor desta mesa.

O choque e o horror contraíram o íntimo de Jenna.

– Está dizendo que eu...

– Não – disse Tess, balançando a cabeça. – Você é mortal, não é uma Companheira de Raça. O seu hemograma é normal e você não tem a marca que o resto de nós tem.

Ante a confusão estampada no rosto dela, Tess mostrou a mão, que trazia uma marca rubra entre o polegar e o indicador. Era uma minúscula lua crescente com o que parecia uma gota de lágrima caindo em seu centro.

– Todas vocês têm essa tatuagem?

– Não é uma tatuagem – disse Alex. – É uma marca de nascença, Jenna. Todas as Companheiras de Raça têm uma em algum lugar do corpo. A minha está no quadril.

– Não existem muitas de nós no mundo – explicou Savannah. – A Raça considera as Companheiras de Sangue sagradas, mas Dragos não. Ele vem juntando essas mulheres há anos, mantendo-as em cativeiro; deduzimos que com o único propósito de gerarem os assassinos de Primeira Geração. Muitas delas foram mortas, seja por Dragos ou pelo Antigo.

– Como sabem disso? – Jenna perguntou, horrorizada pelo que ouvia.

Na outra ponta da mesa, Dylan pigarreou.

– Eu as vi. As mortas, quero dizer.

A parte policial de Jenna ficou alerta.

– Se vocês têm cadáveres, então têm provas e motivo para entregar esse cretino, Dragos, para as autoridades.

Dylan meneava a cabeça.

– Não vi os corpos. Vi as mortas. Elas... aparecem às vezes. Às vezes falam comigo.

Jenna não sabia se gargalhava ou se deixava a cabeça cair, derrotada.

– Você vê pessoas mortas?

– Toda Companheira de Raça tem uma habilidade ou talento próprio que a torna peculiar de algum modo – explicou Tess. – Para Dylan, é esse dom de se conectar com as outras Companheiras de Raça que já morreram.

Renata se inclinou para a frente, apoiando os antebraços na mesa.

– Através do dom de Dylan, sabemos com certeza que Dragos é o responsável pela morte de inúmeras Companheiras de Raça. E por meio de outra amiga da Ordem, Claire Reichen, cujo talento nos levou a localizar a base de operações de Dragos há alguns meses, sabemos que ele ainda mantém muitas mais. Desde então, a operação de Dragos se escondeu no submundo. Agora a principal missão da Ordem, além de acabar com o maldito o mais rápido possível, é encontrar o quartel-general dele e libertar as suas vítimas.

– Temos ajudado como podemos, mas é muito difícil localizar um alvo móvel – disse Dylan. – Podemos procurar os relatórios das pessoas desaparecidas, procurando por rostos que eu reconheça. E, durante o dia, vasculhamos abrigos para mulheres, orfanatos, albergues... qualquer lugar que possa nos levar às jovens desaparecidas.

Renata assentiu.

– Particularmente aquelas com habilidades extrassensoriais ou outras competências que possam indicar uma Companheira de Raça em potencial.

– Fazemos o que podemos – disse Gabrielle. – Mas ainda não tivemos muita sorte. É como se estivesse nos faltando a chave para desvendar tudo isso e, até a encontrarmos, parece que só ficamos dando voltas.

– Ei, espere um instante – disse Jenna, seu lado policial enferrujado compreendendo a frustração de seguir pistas infrutíferas. – A persistência costuma ser o melhor aliado de um investigador.

– Pelo menos não temos mais que nos preocupar com o Antigo – disse Savannah. – Essa é uma batalha a menos para enfrentar.

Ao redor da mesa de café da manhã, um coro de vozes concordantes ecoou essa declaração.

– Por que o Antigo deixou que você vivesse, Jenna?

A pergunta foi feita por Elise, uma loira baixinha de cabelos curtos do outro lado de Tess. A discreta do grupo, que se parecia com uma flor delicada, mas com um olhar franco e decidido de uma guerreira. Ela, provavelmente, devia precisar dessa força interior, levando-se em consideração a companhia que ela e as demais mulheres naquele complexo tinham.

Jenna baixou o olhar para o prato e refletiu sobre sua resposta. Demorou um tempo para encontrar as palavras.

– Ele me fez escolher.

– O que quer dizer com isso? – disse Savannah, com a testa se franzindo numa pergunta.

O que você decide, Jenna Tucker-Darrow?

Vida... ou morte?

Jenna sentiu todos os olhos cravados nela naquele silêncio. Forçando-se a enfrentar as perguntas não proferidas que pairavam no ar, ela ergueu o olhar. Empinou o queixo e falou sucinta e rapidamente:

– Eu queria morrer. É o que eu teria preferido, ainda mais naquele momento. Ele sabia disso, tenho certeza. Mas, por algum motivo, pareceu querer brincar comigo, então me fez decidir se eu queria ou não morrer naquela noite.

– Puxa, Jen, que horrível... – A voz de Alex se mostrou emocionada. Seu braço a envolveu pelos ombros num gesto de amparo. – Filho da puta cruel.

– Então – continuou Elise –, você disse ao Antigo que a deixasse viver e ele concordou... Simples assim?

Lembrando o momento com vívida clareza agora, Jenna balançou a cabeça com vigor.

– Eu lhe disse que queria viver, e a última coisa de que lembro é dele fazendo um corte no braço e retirando aquela coisa, aquela coisa minúscula que só Deus sabe o que é, e que agora está dentro de mim.

Ela sentiu, mais do que viu, a sutil troca de olhares ao redor da mesa.

– Acham que isso tem alguma significância? – perguntou, dirigindo a pergunta ao grupo como um todo. Tentou abafar a pontada repentina de medo que reverberou em seu peito. – Acham que o fato de ele ter colocado aquela coisa dentro de mim tem alguma importância em eu viver ou morrer?

Alex segurou a mão dela num gesto tranquilizador, mas foi Tess quem falou antes das outras.

– Talvez Gideon possa fazer outros testes para nos ajudar a descobrir isso.

Jenna engoliu em seco, depois assentiu.

Seu prato de comida permaneceu intocado pelo restante da refeição.

Num canto escurecido de um quarto num hotel luxuoso em Boston, onde cortinas pesadas impediam a passagem do menor dos raios solares da manhã, o macho da Raça chamado Dragos estava acomodado numa poltrona acolchoada em seda e tamborilava as unhas da mão na mesinha lateral de mogno. Atrasos o deixavam impaciente, e a impaciência o tornava letal.

– Se ele não chegar nos próximos sessenta segundos, um de vocês terá que matá-lo – disse para o par de assassinos de Primeira Geração que o flanqueavam como Cérberos musculosos de dois metros de altura.

Assim que terminou de falar, no corredor do lado de fora da suíte presidencial, o elevador privativo emitiu uma campainha eletrônica, anunciando a chegada do convidado. Dragos não se moveu de seu canto no quarto, aguardando em silêncio irritado enquanto outro dos seus guardas pessoais criados acompanhava o macho da Raça civil – um tenente na operação secreta de Dragos – até a suíte para a sua reunião particular.

O vampiro teve o bom senso de inclinar a cabeça no instante em que seu olhar recaiu sobre Dragos.

– Mil perdões por mantê-lo esperando, senhor. A cidade está tomada pelos humanos. Pessoas fazendo compras de Natal e turistas – disse ele, o desdém revelado em cada uma das sílabas bem pronunciadas. Tirou as luvas e as colocou nos bolsos do casaco de caxemira. – O meu motorista teve que dar uma dúzia de voltas no hotel antes de conseguirmos nos aproximar da entrada de serviço no andar subterrâneo.

Dragos continuou tamborilando os dedos na mesinha.

– Algo errado com a entrada principal?

Seu tenente, pertencente à segunda geração da Raça, assim como Dragos, empalideceu visivelmente.

– Estamos em pleno dia, senhor. Com toda essa claridade, eu me incineraria em questão de minutos.

Dragos apenas o fitou, nem um pouco incomodado. Também não estava satisfeito com o local inconveniente daquele encontro. Preferiria muito mais o conforto e a segurança da sua residência. Mas isso já não era mais possível. Não depois que a Ordem interferiu em sua operação e o obrigou a buscar refúgio.

Temendo ser descoberto, ele não permitia mais que qualquer um dos seus associados civis soubesse onde seu quartel-general ficava. Como precaução adicional, nenhum deles conhecia a localização das suas propriedades nem da sua equipe. Ele não podia correr o risco de que seus tenentes caíssem no poder da Ordem e o acabassem comprometendo na esperança de que Lucan os poupasse de sua ira.

Só de pensar em Lucan Thorne e nos seus guerreiros, ele ficava com um gosto amargo na boca. Tudo pelo que tanto trabalhara, sua visão de um futuro no qual mal conseguia esperar para pôr as mãos, fora estragado pelas ações da Ordem. Eles o forçaram a bater em retirada. Forçaram-no a destruir o nervo central da sua operação – um superlaboratório de pesquisa científica que lhe custara centenas de dólares e muitas décadas para aperfeiçoar.

Tudo isso desaparecido agora, nada além de cinzas e escombros no meio de uma floresta em Connecticut.

Agora o poder e os privilégios a que Dragos estava acostumado por séculos foram substituídos por esconderijos nas sombras e olhadelas constantes por sobre o ombro para se certificar de que o inimigo não se aproximava. A Ordem o obrigara a fugir e se esconder como um coelho desesperado para se evadir da armadilha do caçador, e ele não gostava nem um pouco disso.

O último incômodo acontecera no Alasca, com a fuga do Antigo, o seu instrumento mais valioso e insubstituível na busca pela derradeira dominação. Já fora bastante ruim que o Antigo tivesse escapado durante seu transporte em seu novo tanque de contenção. Mas o desastre só piorou quando a Ordem não só conseguiu encontrar o laboratório no Alasca como também o fugitivo alienígena.

Dragos perdera essas duas peças fundamentais para os malditos. Não pretendia perder mais nada.

– Quero ouvir boas notícias – disse ao tenente, dardejando o macho por debaixo das sobrancelhas unidas. – Como tem progredido com a sua missão?

– Tudo está a postos, senhor. Esta semana, o alvo e sua família imediata acabaram de regressar aos Estados Unidos das suas férias no exterior.

Dragos grunhiu em concordância. O alvo em questão era um ancião da Raça, com quase mil anos de existência, um da Primeira Geração, de fato, motivo pelo qual Dragos o tinha em mira. Além de querer que Lucan Thorne e seu bando de guerreiros ficassem sem trabalho, Dragos também retornara aos objetivos da sua missão inicial: a extinção sistemática e total de cada um dos Primeira Geração da Raça naquele planeta.

O fato de Lucan e outro membro fundador da Ordem serem Primeira Geração só tornava seu objetivo mais doce. E ainda mais imperativo. Ao acabar com todos os Primeira Geração, exceto seus assassinos criados e treinados para servi-lo inquestionavelmente, Dragos e os outros membros da segunda geração da Raça se tornariam, por consequência, os vampiros mais importantes da atualidade.

E se, ou melhor, quando se cansasse de partilhar o futuro que ele sozinho entreviu e garantiu que acontecesse, então ordenaria ao seu exército pessoal de assassinos que dizimasse cada um dos seus contemporâneos da segunda geração também.

Sentado num silêncio contemplativo e aborrecido, ouvia enquanto seu tenente se apressava em rever os detalhes do plano que o próprio Dragos idealizou poucos dias antes. Passo a passo, tática a tática, o outro macho da Raça discorreu sobre tudo, garantindo-lhe que nada seria deixado ao acaso.

– O Primeira Geração e sua família estão sendo observados em período integral desde que voltaram para casa – disse o tenente. – Estamos prontos para disparar o gatilho dessa operação ao seu comando, senhor.

Dragos inclinou a cabeça num vago assentimento.

– Faça acontecer.

– Sim, senhor.

A mesura profunda e sua retirada foram quase tão agradáveis quanto a noção de que aquele golpe pendente deixaria absolutamente claro para a Ordem que ele podia ter sido atingido, mas estava longe de ser abatido.

Na verdade, sua presença no elegante hotel em Boston, e uma das importantes reuniões de apresentação que levaram semanas para serem arranjadas entre ele e um punhado de humanos influentes escolhidos a dedo, solidificaria a posição de Dragos em sua ascensão para a glória final. Ele praticamente já sentia o gosto do sucesso.

– Ah, mais uma coisa – Dragos chamou seu associado que partia.

– Sim, senhor.

– Se fracassar – disse ele de maneira agradável –, esteja preparado para que eu lhe sirva seu próprio coração.

O rosto do macho empalideceu, ficando branco como o carpete que cobria o piso tal qual neve fresca.

– Não fracassarei, senhor.

Dragos sorriu, expondo tanto os dentes quanto as presas.

– Certifique-se de que isso não aconteça.


Capítulo 9

Depois da bagunça carregada de morte da noite anterior na cidade, Brock considerou um triunfo pessoal que tivesse conseguido evitar Jenna em grande parte do dia após o seu retorno ao complexo.

Depois de ter descartado os dois corpos nas águas gélidas do rio Mystic, ficou sozinho até quase o amanhecer, tentando se libertar da fúria que parecia acompanhá-lo aquela noite.

Mesmo após estar no quartel-general da Ordem por algumas horas pela manhã, a raiva injustificada, e completamente indesejável, que o possuía ao pensar numa mulher inocente se deparando com o perigo fazia com que seus músculos vibrassem com uma necessidade de violência. Algumas boas horas de treino suado com as armas ajudaram a aplacar um pouco desse sentimento. Bem como o banho escaldante de quarenta minutos com o qual se castigara após o treino.

Ele até poderia achar que se sentia bem, com a cabeça no lugar de novo, se não fosse pelos golpes certeiros que Gideon lançara não muito tempo depois.

O primeiro foi a notícia de que Jenna descera depois do café da manhã com as outras mulheres do complexo e lhe pedira para fazer mais exames de sangue e de tecido. Ela havia se lembrado de algo a respeito do tempo passado com o Antigo, algo que Gideon dissera que havia deixado a fêmea valente bem atormentada.

O segundo golpe foi dado quase imediatamente depois que os primeiros resultados dos exames surgiram.

O sangue e o DNA de Jenna haviam mudado significativamente desde a última vez que Gideon os analisara.

No dia anterior, os resultados foram normais. Hoje, tudo estava alterado.

– Não podemos nos precipitar em conclusões. Não importa o que esses resultados possam indicar – disse, por fim, Lucan, em seu tom grave e sério.

– Talvez devamos fazer mais exames – sugeriu Tess, a única fêmea no laboratório de tecnologia no momento. Ela levantou o olhar dos resultados perturbadores para encarar Lucan, Brock e o restante da Ordem, que fora convocada ali para revisar os achados de Gideon. – Devo ir buscar Jenna e levá-la para a enfermaria para mais exames?

– Você até pode fazer isso – disse Gideon –, mas fazer outros exames não vai mudar nada. – Ele tirou os óculos de lentes azul-claras, jogando-os na mesa de acrílico diante dele. Pinçando o alto do nariz, balançou a cabeça de leve. – Esse tipo de mutação de DNA e a reprodução celular massiva simplesmente não acontecem. Os corpos humanos não são avançados o bastante para lidar com as exigências que mudanças dessa significância provocariam em seus órgãos e artérias, sem falar no impacto que algo assim teria no sistema nervoso central.

Com os braços cruzados diante do peito, Brock se recostou na parede ao lado de Kade, Dante e Rio. Não disse nada, esforçando-se para entender tudo o que via e ouvia. Lucan tinha aconselhado que ninguém se precipitasse em conclusões, mas era excessivamente difícil não fazer isso agora, com o futuro bem-estar de Jenna em jogo.

– Não entendo – disse Nikolai do outro lado do laboratório, onde estava sentado à mesa, junto com Tegan e Hunter. – Por que agora? Isto é, se tudo estava normal antes, por que a súbita mutação no sangue e no DNA?

Gideon deu de ombros.

– Pode ser porque até ontem ela esteve num sono profundo, quase em coma. Soubemos que sua força muscular tinha aumentado assim que despertou. Brock testemunhou isso em primeira mão, e nós também, quando Jenna fugiu do complexo. As mudanças celulares que estamos vendo agora podem ter sido uma reação retardada ao seu despertar. Estar consciente e alerta pode ter agido como algum tipo de disparador dentro de seu corpo.

– Ontem à noite ela foi alvejada – acrescentou Brock, refreando o rugido raivoso que lhe constringia a garganta. – Isso pode estar relacionado com o que vemos no sangue dela agora?

– Talvez – disse Gideon. – Tudo é possível, imagino. Isso não é nada que eu, nem ninguém nesta sala, já tenha visto antes.

– Pois é – concordou Brock. – Simplesmente uma maravilha.

No fundo da sala, com os coturnos apoiados na mesa de reuniões enquanto inclinava a cadeira para trás, Sterling Chase pigarreou.

– Levando tudo em consideração, talvez não seja uma boa ideia dar tanta liberdade a essa mulher aqui no complexo. Ela é um grande ponto de interrogação no momento. Por tudo o que sabemos, pode muito bem ser algum tipo de bomba prestes a explodir.

Por um longo instante, ninguém disse nada. Brock odiou esse silêncio. Odiou Chase por exprimir algo que nenhum dos guerreiros quis considerar.

– O que sugere? – perguntou Lucan, lançando um olhar sério para o macho que passara décadas como parte da Agência de Policiamento antes de se juntar à Ordem.

Chase arqueou as sobrancelhas loiras.

– Se dependesse de mim, eu a retiraria do complexo o mais rápido possível. Trancaria-na em algum lugar seguro, bem longe das nossas operações, pelo menos até termos a oportunidade de deter Dragos de uma vez por todas.

O grunhido de Brock surgiu na garganta, carregado de animosidade.

– Jenna fica aqui.

Gideon recolocou os óculos e assentiu na direção de Brock.

– Concordo. Eu não me sentiria à vontade em tirá-la daqui agora. Gostaria de observá-la, para entender melhor o que está acontecendo com ela a nível celular e neurológico, no mínimo.

– Façam como quiserem – disse Chase. – Mas isso será o funeral de todos nós se você estiver errado.

– Ela fica – disse Brock, estreitando o olhar para o outro lado da mesa, que perfurou o ex-agente que sorria.

– Você está todo animado com essa humana desde o segundo em que a viu – observou Chase, o tom leve, mas com a expressão carregada de desafio. – Tem algo a provar, amigo? O que foi... você é um daqueles tolos loucos por uma dama em apuros? O santo padroeiro das causas perdidas. Essa é a sua?

Brock voou por cima da mesa num único salto. Poderia ter acabado com as mãos no pescoço de Chase, mas o vampiro previu o seu ataque e se moveu com a mesma velocidade. A cadeira caiu para trás e, em meio segundo, os dois machos grandes estavam cara a cara, travados numa batalha que nenhum deles poderia vencer.

Brock sentiu mãos fortes afastando-o do confronto, Kade e Tegan, chegando ali antes que ele conseguisse desferir o soco que Chase merecia. E atrás de Chase estavam Lucan e Hunter, os dois e os demais prontos a pôr panos quentes na situação caso um dos machos resolvesse agir.

Encarando Chase com raiva, Brock se permitiu ser afastado, mas só isso. Pelo que não foi a primeira vez, refletiu sobre a natureza antagônica e agressiva de Sterling Chase, e pensou no que fazia com que o de outro modo habilidoso e fantástico guerreiro fosse tão volátil.

Se a Ordem tinha uma bomba acionada com que se preocupar em seu meio, Brock ficou pensando se não estava olhando para ela naquele mesmo instante.

– Por que diabos isso está demorando tanto?

Jenna não tinha percebido que dera vazão à sua preocupação em voz alta até sentir a mão de Alex.

– Gideon disse que queria fazer outros testes na sua amostra. Tenho certeza de que logo vamos ter notícias.

Jenna bufou um suspiro. De bengala na mão, mesmo sentindo apenas uma necessidade mínima de se apoiar nela, levantou-se do sofá no qual estivera sentada e claudicou até o outro lado da sala de estar do apartamento. Fora levada até ali por Alex e Tess depois que colheram a amostra do seu sangue na enfermaria poucas horas atrás, dizendo-lhe que lhe tinham dado o uso daquele espaço pela duração da sua estada no complexo.

Aquela suíte era uma melhora e tanto em relação ao quarto da enfermaria. Espaçosa e confortável, com mobília grande de couro e mesinhas de madeira escura meticulosamente polidas, não entulhadas de tranqueiras. Estantes altas de madeira perfiladas com livros clássicos, de filosofia e história à altura de uma biblioteca. Livros provocativos e sérios que pareciam em contraste com uma prateleira muito bem organizada – caramba, em ordem alfabética – de livros de ficção populares bem ao lado.

Jenna deixou seu olhar passar pelas prateleiras de títulos e autores, necessitando de uma distração momentânea para impedir que pensasse demais no que poderia estar provocando tanta demora para ouvir as respostas de Gideon e dos outros.

– Faz mais de uma hora que Tess está lá – observou, tirando um livro qualquer sobre cantoras de jazz de sua posição na seção de história. Folheou as páginas, mais para dar algo paras as suas mãos fazerem do que por algum interesse real pelo livro.

Enquanto passava pelo capítulo sobre a era dos clubes de jazz dos anos 1920, uma fotografia amarelada escorregou. Jenna a apanhou antes que caísse no chão. O rosto sorridente de uma mulher jovem num vestido de seda cintilante e pele brilhante a fitava da imagem. Com olhos grandes e amendoados e tez de porcelana que parecia reluzir em contraste com os cabelos negros longos, ela era linda e exótica, ainda mais no cenário do clube de jazz ao fundo.

Com sua própria vida num espiral de confusão e preocupação, Jenna sentiu-se perplexa por um momento pelo júbilo evidente no sorriso amplo da jovem. Era uma alegria tão patente, franca, que quase sentiu uma dor física ao vê-la. Ela também já vivenciara esse tipo de felicidade, não? Deus, quanto tempo se passara desde que sentira ainda que metade da vivacidade daquela jovem da fotografia?

Brava com essa sensação de autopiedade, Jenna guardou a fotografia no livro, que devolveu ao seu lugar na prateleira.

– Não aguento mais. Isso está me deixando louca.

– Eu sei, Jen, mas...

– Ao diabo. Não vou mais ficar aqui esperando – disse, virando-se para encarar a amiga. A ponta da bengala se chocou no tapete ao abrir caminho até a porta. – Eles já devem ter alguns resultados a esta altura. Tenho que saber o que está acontecendo. Vou lá agora mesmo.

– Jenna, espere – Alex pediu atrás dela.

Mas ela já estava no corredor, andando o mais rápido que conseguia, apesar do impedimento da bengala e da leve fisgada que trespassava sua perna a cada passo apressado.

– Jenna! – Alex a chamou, com as passadas rápidas ecoando no corredor já deserto.

Jenna prosseguiu pelos corredores de mármore branco polido. A perna começava a latejar, mas ela não se importou. Deixou a bengala de lado, que só a retardava, e faltou pouco para começar a correr na direção das vozes abafadas dos machos logo mais adiante. Ela arfava ao chegar à parede de vidro do laboratório de tecnologia, com suor sobre seus lábios e na testa provocado pela dor.

Seus olhos encontraram Brock antes de qualquer outro membro do grupo aparentemente solene. Seu rosto estava tenso, os tendões do pescoço esticados como cabos, a boca formando uma linha carrancuda, quase ameaçadora. Ele estava no fundo da sala, cercado pelos outros guerreiros, todos aparentando tensão e inquietação, ainda piores agora que ela estava ali. Gideon e Tess estavam próximos ao nicho de computadores na parte anterior do laboratório.

Todos pararam o que estavam fazendo para fitá-la.

Jenna sentiu o peso dos olhares como algo físico. Seu coração se contraiu. Obviamente, eles já tinham a análise de seu sangue. Será que os resultados eram tão horríveis assim?

Suas expressões eram inescrutáveis, todos a mantendo sob observação cautelosa, silenciosa, conforme seus passos desaceleraram diante das portas deslizantes do laboratório.

Deus, olhavam para ela como se nunca a tivessem visto antes.

Não, percebeu, ao notar que o grupo continuava imóvel, olhando para ela através da parede transparente que a separava do grupo solene do outro lado. Olhavam-na como se esperassem que já estivesse morta.

Como se ela fosse um fantasma.

Um medo horrível se instalou em seu estômago, mas ela não pretendia recuar agora.

– Deixem-me entrar – exigiu, irritada e aterrorizada. – Maldição, abram essa maldita porta e me digam o que está acontecendo!

Levantou a mão e cerrou o punho, mas antes que pudesse bater no vidro, as portas deslizaram num sibilo suave. Avançou para dentro, sendo seguida de perto por Alex.

– Podem me contar – disse Jenna, o olhar passando de um rosto silencioso a outro. Demorou-se em Brock, a única pessoa naquela sala, além de Alex, por quem ela sentia alguma confiança. – Por favor... Preciso saber o que descobriram.

– Ocorreram algumas mudanças no seu sangue – disse ele, a voz grave impossivelmente baixa. Gentil demais. – E no seu DNA também.

– Mudanças. – Jenna engoliu em seco. – Que tipo de mudanças?

– Anomalias – Gideon interviu. Quando ela virou a cabeça na direção dele, ficou surpresa pela preocupação no olhar do guerreiro. Ele falava com cautela, parecendo demais com um médico retardando o pior tipo de notícia a dar ao seu paciente. – Descobrimos uma reprodução celular estranha, Jenna. Mutações que estão sendo passadas ao seu DNA e que se multiplicam a uma velocidade excessiva. Essas mutações não estavam presentes na última análise que efetuamos no seu sangue.

Ela balançou a cabeça, tanto pela confusão quanto como um reflexo de negação ao que pensava estar ouvindo.

– Não estou entendendo. Está se referindo a algum tipo de doença? Aquela criatura me infectou com alguma coisa quando me mordeu?

– Nada disso – disse Gideon, lançando um olhar ansioso para Lucan. – Bem, não exatamente.

– Então, o que, exatamente? – ela exigiu saber. A resposta surgiu meio segundo mais tarde. – Ai, meu Deus. Esta coisa na minha nuca... – Ela pôs a mão sobre o ponto em que o Antigo havia inserido o material não identificado do tamanho de um grânulo. – Esta coisa que ele colocou dentro de mim está provocando as mudanças. É isso, não é?

Gideon assentiu de leve.

– É biotecnologia de algum tipo, nada que a Raça ou a espécie humana tenha capacidade de criar. Pelas radiografias mais recentes de hoje, parece que o implante está se integrando à sua medula espinhal num ritmo muito acelerado.

– Tire isso.

Uma rodada de olhares preocupados passou pelo grupo de machos grandes. Mesmo Tess parecia pouco à vontade, sem conseguir sustentar o olhar de Jenna.

– Não é tão simples assim – Gideon respondeu, por fim. – Talvez você deva ver as imagens por si só.

Antes que ela conseguisse pensar se queria ou não ver as provas daquilo que lhe estava sendo dito, a imagem do seu crânio e coluna piscou na tela plana afixada numa parede diante dela. Num segundo, Jenna notou o nauseante objeto do tamanho de um grão de arroz que brilhava no centro da sua primeira vértebra. Os tentáculos que estiveram presentes no dia anterior eram mais numerosos naquela nova imagem.

Muito mais do que centenas a mais, cada tênue feixe entrando – inextricavelmente – ao redor e através da sua medula óssea.

Gideon pigarreou.

– Como disse, o objeto aparentemente é formado por uma combinação de material genético e alta tecnologia avançada. Nunca vi nada assim antes, tampouco consegui encontrar algum tipo de pesquisa científica humana que se assemelhasse minimamente a isso. Considerando-se as transformações biológicas que temos observado em seu DNA e em seu sangue, parece ser a fonte do material genético do próprio Antigo.

O que significava que parte daquela criatura estava dentro dela. Vivendo ali. Vicejando.

A pulsação de Jenna ecoava em seu peito. Ela sentia o fluxo sanguíneo acelerado nas veias, células alteradas que ela imaginava abrindo caminho em seu corpo a cada batida do coração, multiplicando-se, crescendo, devorando-a por dentro.

– Arranquem isso de mim – disse ela, a voz se elevando por causa da angústia. – Tirem essa maldita coisa de dentro de mim ou eu mesma tiro!

Com as duas mãos, ela começou a arranhar a nuca, o desespero fazendo-a agir como louca.

Ela nem percebeu Brock se movendo da sua posição do outro lado do laboratório, mas, em menos de um instante, ele estava bem ao seu lado, as mãos grandes envolvendo-a com os dedos. Os olhos castanhos prenderam-na pelo olhar e não a soltaram.

– Relaxe agora – disse ele, num sussurro gentil, porém com firmeza tirou-lhe as mãos da nuca e segurou-as entre as suas. – Respire, Jenna.

Com os pulmões contraídos, ela emitiu um soluço.

– Solte-me. Por favor, deixem-me em paz, todos vocês.

Ela se afastou e tentou ir embora, mas a pulsação pesada e o tinir em seus ouvidos fez a sala girar ao seu redor com violência. Uma onda obscura de náusea a acometeu, envolvendo-a numa névoa densa e atordoante.

– Te peguei – a voz tranquilizadora de Brock murmurou junto ao seu ouvido.

Ela sentiu os pés deixarem o chão e, pela segunda vez em poucos dias, viu-se amparada pela segurança dos braços dele.


Capítulo 10

Ele não deu explicações para o que estava fazendo ou para onde a estava levando. Apenas saiu do laboratório de tecnologia e a carregou pelo mesmo corredor pelo qual ela viera minutos antes com Alex.

– Solte-me – exigiu Jenna, os sentidos ainda confusos, tinindo a cada longa passada das pernas de Brock. Mudou de posição nos braços dele, tentando ignorar como até mesmo o menor dos movimentos fazia sua cabeça girar e seu estômago revirar. A cabeça pendeu sobre o antebraço forte, um gemido de dor escapando. – Eu disse para me colocar no chão, inferno.

Ele grunhiu enquanto continuava a caminhar.

– Eu ouvi na primeira vez.

Ela fechou os olhos, só porque estava difícil demais mantê-los abertos e ver o teto do corredor se contorcer e girar logo acima enquanto Brock a carregava complexo adentro. Diminuiu o ritmo a certa altura, depois virou, e Jenna abriu os olhos, vendo que ele a levara de volta à suíte que agora era seu quarto.

– Por favor, me ponha no chão – murmurou, a língua grossa, a garganta seca. O latejar por trás dos olhos se tornara uma pulsar firme, o tinido nos ouvidos um lamento agudo que parecia partir seu crânio ao meio. – Deus – arfou, sem conseguir disfarçar a agonia. – Está doendo muito...

– Ok – disse Brock baixinho. – Tudo vai ficar bem agora.

– Não, não vai. – Ela choramingou, humilhada pelo som da sua fraqueza, e pelo fato de que Brock a estava vendo assim. – O que está acontecendo comigo? O que ele fez comigo?

– Isso não importa agora – sussurrou Brock, a voz grave mostrando-se contraída. Uniforme demais para ser confiável. – Primeiro, vamos fazer você superar isto.

Atravessou o quarto com ela e se ajoelhou para acomodá-la no sofá. Jenna se recostou e deixou que ele lhe endireitasse as pernas, não tão perdida no desconforto e na preocupação para deixar de notar o carinho das mãos fortes daquele homem, que, provavelmente, seriam capazes de extrair a vida de alguém com pouco mais do que uma contorção.

– Relaxe – disse ele, as mãos fortes e carinhosas afagando seu rosto, os olhos escuros incitando-a a sustentar seu olhar. – Apenas relaxe e respire, Jenna. Consegue fazer isso por mim?

Ela se acalmou um pouco de pronto, relaxando ao som do seu nome nos lábios dele, o resvalar quente dos dedos que desciam pelo rosto e pelo maxilar e, depois, pela lateral do pescoço. As lufadas curtas de ar que entravam e saíam dos seus pulmões começaram a se acalmar, enquanto Brock amparava a nuca com uma mão e deslizava a outra palma num indo e vindo lento sobre o peito dela.

– Isso mesmo – murmurou, o olhar preso ao dela, intenso e, ainda assim, inacreditavelmente carinhoso. – Solte toda a dor e relaxe. Você está segura, Jenna. Pode confiar em mim.

Ela não sabia por que essas palavras deveriam afetá-la como a afetaram. Talvez a dor a tivesse enfraquecido. Talvez fosse o medo do desconhecido, o abismo da incerteza que subitamente se tornara a sua realidade desde aquela noite gélida e horrenda no Alasca.

E talvez fosse pelo simples fato de que fazia muito tempo, quatro solitários anos, desde que ela sentira a carícia cálida de um homem, mesmo que apenas para oferecer consolo.

Quatro anos vazios desde que se convencera de que não precisava de nenhum contato afetuoso ou intimidade. Quatro anos infindáveis desde que se lembrava do como era se sentir uma mulher de carne e osso, como se fosse desejada. Como se pudesse, um dia, ser capaz de abrir o coração para algo mais.

Jenna fechou os olhos quando lágrimas começaram a arder. Afastou a onda de emoção que surgiu inesperadamente e, em vez disso, concentrou-se nas pontas dos dedos quentes e reconfortantes de Brock em sua pele. Deixou que sua voz a acalentasse, sentindo suas palavras e seu toque trabalharem juntos para ajudá-la a superar a angústia do estranho trauma que parecia estar despedaçando-a de dentro para fora.

– Isso é bom, Jenna. Apenas respire agora.

Ela sentiu a garra de dor em seu crânio relaxar enquanto ele lhe falava. Brock acariciou suas têmporas com os polegares, os dedos esticados em seus cabelos, amparando sua cabeça de maneira reconfortante. O tinir agudo em seus ouvidos começou a diminuir, a desaparecer, até, por fim, sumir de vez.

– Você está indo muito bem – murmurou Brock, a voz mais sombria do que antes, um pouco mais do que um grunhido. – Solte tudo, Jenna. Dê o resto para mim.

Ela exalou um suspiro profundo, sem conseguir mantê-lo dentro de si enquanto Brock a afagava no rosto e no pescoço. Ela gemeu, abraçando o prazer que lentamente devorava sua agonia.

– Isso é bom – sussurrou, sem poder resistir ao desejo de se aproximar do seu toque. – A dor já não é tão forte agora.

– Isso é muito bom, Jenna. – Ele inspirou, parecendo mais um arquejo, depois exalou um gemido. – Liberte-se de tudo.

Jenna sentiu um tremor vibrar por seus dedos enquanto ele falava. As pálpebras se abriram e ela arfou ao vê-lo tão tenso.

Os tendões do pescoço estavam retesados, a mandíbula travada com tanta força que era um milagre que seus dentes não tivessem trincado. Um músculo latejava no rosto delgado. Gotas de suor se formavam na testa e sobre os lábios.

Ele estava com dor.

Uma dor impossível, assim como ela estivera há minutos, antes que seu toque parecesse afastar a agonia.

Foi então que ela entendeu.

Ele não estava simplesmente acalmando-a com as mãos. Ele estava, de alguma forma, tirando a dor dela. Canalizando-a, de propósito, para si.

Ofendida com a ideia, porém ainda mais envergonhada por ter se deixado permanecer ali deitada, imaginando que a carícia dele fosse algo mais do que pura piedade, Jenna se retraiu do seu toque e se pôs sentada num canto do sofá. Respirou fundo de ultraje ao fitar os olhos escuros que reluziam fachos de luz âmbar.

– Que diabos pensa que está fazendo? – arfou, pondo-se de pé.

O músculo que estivera latejando em seu maxilar se retesou quando ele se levantou para enfrentá-la.

– Ajudando você.

Imagens tomaram conta da sua mente em um instante: repentinas lembranças vívidas dos momentos posteriores ao seu cativeiro com a criatura que invadira o seu chalé no Alasca.

Naquele momento, ela também sentira dores. Estivera aterrorizada e em estado de choque, tão devastada de horror e confusão que achou que acabaria morrendo.

E se lembrou das mãos delicadas e cálidas que a confortaram. O rosto de um belo desconhecido sério que entrara em sua vida como um anjo negro e a manteve a salvo, protegida e tranquila, quando tudo em seu mundo fora transformado em caos.

– Você esteve lá – murmurou, atônita por perceber só então. – No Alasca, depois que o Antigo sumiu. Você ficou comigo. Também tirou minha dor naquela hora. E mais tarde, depois que fui trazida para o complexo. Meu Deus... Você ficou comigo o tempo todo em que estive na enfermaria? Os olhos dele permaneceram fixos nos dela, sombrios, inescrutáveis.

– Eu era o único que podia ajudar você.

– Quem te pediu isso? – exigiu saber, num tom sabidamente áspero, mas desesperada por expurgar o calor que ainda trafegava dentro dela, indesejado e espontâneo.

Já era ruim que ele achasse necessário acalentá-la como se ela fosse algum tipo de criança em sua provação prolongada. E ainda pior que ele parecesse pensar ser necessário repetir isso agora também. Maldita fosse se permitisse que ele pensasse, por um segundo sequer, que ela, de fato, desejara seu toque.

Com a expressão ainda carregada pelo que lhe fizera instantes antes, ele meneou a cabeça e imprecou.

– Para uma mulher que não quer a ajuda de ninguém, você bem que parece precisar muito.

Ela mal resistiu à tentação de lhe dizer onde ele podia enfiar sua compaixão.

– Sei cuidar de mim sozinha.

– Como cuidou ontem à noite na cidade? – ele a desafiou. – Como fez há poucos minutos no laboratório, pouco antes que os meus braços fossem a única coisa entre o seu traseiro teimoso e o chão?

A humilhação queimou seu rosto tal qual um tapa.

– Sabe de uma coisa? Faça-nos um favor e não me faça mais favor algum!

Ela se virou para se afastar dele, seguindo para a porta ainda aberta para o corredor. Cada passo miraculosamente sem dor só aumentava sua raiva de Brock, deixando-a ainda mais determinada a colocar o máximo possível de distância entre eles.

Antes que conseguisse se aproximar da soleira, ele se postou diante dela, bloqueando-lhe o caminho, mesmo que ela não tivesse visto ou ouvido ele se mover.

Parou. Encarou-o, atordoada por sua evidente velocidade sobrenatural.

– Saia da minha frente – disse, tentando passar por ele.

Ele deu um passo para o lado, colocando o corpo imenso diretamente diante do dela. A intensidade do seu olhar revelou que ele queria lhe dizer algo mais, mas Jenna não queria ouvir. Precisava ficar sozinha.

Precisava de espaço para pensar sobre tudo o que lhe acontecera... Tudo que ainda estava acontecendo, ficando cada vez mais assustador ao mesmo tempo.

– Saia da frente – disse ela, odiando o leve tremor em sua voz.

Brock lentamente levantou a mão e afastou uma mecha de cabelo da testa dela. Foi um gesto meigo, uma afabilidade que ela tanto precisava, mas que tinha medo de aceitar.

– Você está no nosso mundo agora, Jenna. Quer queira admitir ou não, precisa de ajuda.

Ela observou-lhe a boca enquanto ele falava, desejando não se sentir tão atenta aos lábios cheios e sensuais. Ele ainda estava suportando a sua dor; podia saber pelo ligeiro inflar nas narinas enquanto ele inspirava e expirava de modo controlado. Tampouco a tensão do belo rosto e do pescoço forte se desfizera.

Durante toda a sua vida, ela se esforçou para provar seu valor, primeiro para o pai e para o irmão, Zach, sendo que ambos deixaram claro que duvidavam que ela tivesse o necessário para fazer parte da força policial. Mais tarde, esforçou-se para ser uma mãe e esposa perfeitas. A vida toda fora estruturada numa fundação de força, disciplina e competência.

De maneira inacreditável, enquanto ficava ali diante de Brock, não foi o fato de ele ser algo mais que humano – algo perigoso e alienígena – que fez com que ela quisesse que o chão se abrisse e a engolisse. Foi o medo de que ele pudesse enxergar através da casca de raiva que ela usava como uma armadura, vendo-a como o fracasso solitário e amedrontado que ela, de fato, era.

Brock balançou de leve a cabeça em sua direção enquanto o silêncio se estendia entre eles. Os olhos perscrutaram seu rosto por inteiro antes de se deterem sobre o seu olhar.

– Existem coisas piores do que precisar se apoiar em alguém de vez em quando, Jenna.

– Maldição! Eu disse para sair da minha frente! – Ela pousou as palmas sobre o peito largo e o empurrou com toda a raiva e medo que havia dentro dela.

Brock foi lançado para trás, quase se chocando com a parede oposta do corredor.

Jenna arquejou, assustada e surpresa com o que acabara de fazer.

Horrorizada.

Brock era muito forte, com quase dois metros de altura e mais de cem quilos de músculo e força. Alguém muito mais forte do que ela. Alguém muito mais poderoso do que qualquer outra pessoa que já tivesse conhecido.

As sobrancelhas dele se ergueram em sinal de surpresa.

– Jesus Cristo – murmurou, com muito mais admiração do que raiva na voz.

Jenna suspendeu as mãos diante de si e fitou-as como se elas pertencessem a outra pessoa.

– Ai, meu Deus... Como eu... O que aconteceu?

– Está tudo bem – garantiu ele, voltando para perto dela com aquela enlouquecedora tranquilidade.

– Brock, desculpe. Verdade, eu não queria...

– Eu sei – disse ele, assentindo com seriedade. – Não se preocupe. Você não me machucou.

Uma bolha de histeria subiu-lhe pela garganta. Primeiro, a notícia chocante de que o implante de algum modo estava alterando seu DNA, e agora isso: uma força que não tinha como ser sua, mas, de alguma maneira, era. Relembrou sua fuga da propriedade e as estranhas habilidades linguísticas que pareceu adquirir desde que o Antigo deixara uma parte de si emaranhado em sua medula espinhal.

– Que diabos está acontecendo comigo, Brock? Quando tudo isso vai terminar?

Ele lhe segurou as mãos trêmulas entre suas palmas com firmeza.

– O que quer que esteja acontecendo, você não tem que passar por isso sozinha. Precisa entender isso.

Ela não sabia se ele falava em nome de todos no complexo ou por si só. Ela não tinha voz para pedir uma explicação. Disse a si mesma que não importava o significado das palavras dele; contudo, isso não desacelerou seu coração quando o fitou. Sob o calor dos insondáveis olhos castanhos, ela sentiu os seus piores medos se dissolverem.

Sentia-se aquecida e protegida, coisas que queria negar, mas não podia enquanto Brock a estivesse segurando pelas mãos e pelo olhar.

Ele franziu a testa após um longo momento e lentamente soltou-lhe as mãos, deixando as suas deslizarem pelos braços dela, numa carícia sensual, demorando-se o suficiente para deixar claro que aquilo não era nada menos do que íntimo. Jenna sabia disso, e via que ele também sabia.

Os olhos escuros pareceram se aprofundar, engolindo-a. Recaíram sobre sua boca e lá ficaram enquanto a respiração de Jenna saía num suspiro trêmulo.

Ela sabia que devia se afastar dele agora. Não havia motivo para permanecerem perto assim, com meros centímetros separando seus corpos. Menos ainda entre a boca dele e a dela. Só seria preciso um leve inclinar da cabeça dele ou um erguer da dela e seus lábios se encontrariam.

A pulsação de Jenna acelerou ante a ideia de beijar Brock.

Coisa que, quando ele a carregara para o quarto, estivera bem longe dos seus pensamentos. Não muito tempo atrás, quando seu medo e sua raiva a fizeram sibilar e grunhir como um animal selvagem preso numa armadilha de caçador.

Mas agora, enquanto Brock permanecia tão perto que ela sentia o calor do corpo dele irradiando para o seu, a fragrância da pele tentando-a a aproximar o rosto e inspirar seu cheiro, beijá-lo era uma necessidade secreta que pulsava dentro dela a cada batida fugidia do seu coração.

Talvez ele soubesse o que ela estava sentindo.

Talvez ele estivesse sentindo a mesma coisa.

Ele emitiu uma imprecação, depois recuou um passo, encarando-a com ardor e firmeza.

– Ah... droga... Jenna...

Quando ergueu as mãos fortes e segurou o seu rosto com delicadeza, todo o ar pareceu evaporar no quarto. Os pulmões de Jenna pareceram congelar dentro do peito, mas o coração continuava acelerado, batendo tão rapidamente que pensou que ele poderia explodir.

Esperou, num misto de terror e esperança, atônita com a necessidade que tinha de sentir a boca de Brock na sua.

A língua dele molhou os lábios, o movimento permitindo que ela tivesse um vislumbre das pontas das suas presas, reluzindo como diamantes. Ele praguejou novamente, depois se afastou um pouco, deixando uma lufada de ar frio diante dela onde o calor do seu corpo estivera apenas um segundo antes.

– Eu não deveria estar aqui – murmurou com voz espessa. – E você precisa descansar. Fique à vontade. Se não houver cobertas suficientes na cama, encontrará mais no armário do banheiro. Use tudo que precisar.

Jenna teve que se dar um chacoalhão mental para entender a conversa.

– Este... hum... Este quarto é seu?

Ele acenou de leve, já saindo para o corredor.

– Era. Agora é seu.

– Espere – Jenna o seguiu. – E quanto a você? Você tem onde ficar?

– Não se preocupe – disse ele, parando para olhá-la quando ela se apoiou na maçaneta. – Descanse um pouco, Jenna. Te vejo por aí.

O sangue ainda corria quente nas veias de Brock pouco depois, quando ele parou diante de uma das últimas suítes residenciais e bateu à porta fechada.

– Faltam ainda onze minutos para a hora que combinamos – diz a voz profunda e prática do macho da Raça do outro lado.

A porta se abriu, e Brock foi perfurado por um par de olhos dourados inescrutáveis.

– Avon chama – disse Brock à guisa de um cumprimento ao suspender a mochila de couro preta que continha todos os seus pertences pessoais retirados dos seus aposentos. – E o que quer dizer com isso, cheguei onze minutos antes? Não me diga que você vai ser um daqueles colegas de quarto certinhos que fazem tudo seguindo um cronograma. Minhas escolhas são limitadas, já que você e Chase têm os últimos quartos do complexo. E, para falar a verdade, se Harvard e eu tivermos que dividir um quarto, não sei se sobreviveremos uma semana.

Hunter nada disse enquanto Brock passava por ele e entrava no quarto. Ele o seguiu para a parte das camas, tão sorrateiro quanto um fantasma.

– Pensei que fosse outra pessoa – afirmou um tanto tardiamente.

– É mesmo? – Brock girou de frente para o estoico Primeira Geração, verdadeiramente curioso a respeito do mais recente e reservado membro da Ordem. Sem falar no fato de que estava ávido para desviar a mente dos seus pensamentos ardentes a respeito de Jenna Darrow. – A quem esperava além de mim?

– Não importa – respondeu Hunter.

– Ok. – Brock deu de ombros. – Só estou tentando bater papo, mas tudo bem.

A expressão do Primeira Geração continuou impassível, absolutamente normal. O que não era surpresa, levando-se em consideração o modo como o macho fora criado: como um dos assassinos domésticos de Dragos. Inferno, o cara nem mesmo tinha um nome. Como o restante do exército pessoal criado por Dragos a partir do Antigo, referiam-se ao Primeira Geração apenas pelo único propósito da sua vida: Hunter3.

Ele chegara à Ordem há poucos meses, depois que Brock, Nikolai e alguns dos outros guerreiros atacaram uma reunião de Dragos e dos seus tenentes. Hunter fora libertado durante o ataque e agora era aliado contra o seu criador nos esforços da Ordem em acabar com Dragos.

Brock parou diante das duas camas que estavam em cada lado do quarto em estilo modesto. As duas estavam arrumadas com precisão militar, coberta marrom e lençóis brancos sem nenhuma prega, um único travesseiro meticulosamente colocado na cabeceira de cada estrado.

– Então, qual é a sua cama?

– Não faz diferença para mim.

Brock voltou a fitar o rosto impassível e os inescrutáveis olhos dourados.

– É só me dizer em qual costuma dormir e eu pego a outra.

O olhar nivelado de Hunter não se alterou em nada.

– São apenas mobília. Não tenho nenhum apego nem por uma, nem por outra.

– Nenhum apego – repetiu Brock num murmúrio. – Pois é, cara. Talvez você possa me dar algumas dicas sobre essa sua postura “não estou nem aí”. Acho que viria bem a calhar de tempos em tempos. Especialmente no que se refere às mulheres.

Com um grunhido, largou suas coisas na cama da esquerda, depois esfregou as mãos no rosto e na cabeça. O gemido que escapou dele estava carregado de frustração e do desejo retido que vinha abafando desde que se forçara a deixar Jenna e a tentação de que não precisava.

– Maldição – grunhiu, o corpo tinindo de novo só de lembrar o belo rosto erguido ao fitá-lo.

Era como se ela estivesse à espera de um beijo seu. Tudo que era masculino dentro de si afirmara isso com absoluta certeza na hora, mas ele sabia que aquela era a última coisa de que Jenna precisava.

Ela estava confusa e vulnerável, e ele se considerava mais do que um homem que poderia tirar vantagem disso só porque a sua libido clamava por ela. Claro, isso não o fazia se sentir muito melhor a respeito da excitação que, do nada, voltava à vida de novo, deixando toda a sua honradez de lado.

– Que beleza, meu herói – admoestou-se severamente. – Agora vai precisar afundar numa banheira de gelo por uma semana por ter bancado o nobre...

– Está se sentindo mal? – perguntou Hunter, assustando Brock, que não havia percebido que o outro macho ainda estava atrás dele no quarto.

– É... – disse Brock, dando uma risada sardônica. – Não ando muito bem, não. Se quer saber a verdade, não estou me sentindo bem desde que pus os olhos nela.

– A fêmea humana – disse Hunter, com um ar de compreensão grave. – Está aparente que ela é um problema para você.

Brock emitiu um suspiro sem humor algum.

– Acha mesmo?

– Sim, acho. – Não havia julgamento em sua voz, apenas uma declaração dos fatos. Ele falava como uma máquina: total precisão, zero sentimento. – Deduzo que todos no laboratório de tecnologia chegaram à mesma conclusão hoje, quando permitiu que Chase provocasse sua ira por conta dos comentários sobre o seu apego àquela mulher. Suas ações demonstraram uma fraqueza do seu treinamento e, pior, falta de autocontrole. Reagiu de modo impensado.

– Obrigado por notar – respondeu Brock, suspeitando que seu sarcasmo seria desperdiçado no caçador antissocial e imperturbável. – Lembre-me de encher o seu saco daqui até a semana seguinte se um dia chegar a relaxar o bastante para deixar uma mulher o irritar.

Hunter não reagiu, apenas o fitou sem demonstrar nenhuma centelha de emoção.

– Isso não acontecerá.

– Merda – disse Brock, meneando a cabeça ante o soldado Primeira Geração rígido que fora criado na base da negligência e da disciplina do castigo. – Você não deve ter estado com a mulher certa se tem tanta segurança assim.

A expressão de Hunter continuou estoica. Distante e imparcial. Na verdade, quanto mais Brock olhava para ele, mais claramente começava a enxergar a verdade.

– Caramba. Já esteve, algum dia, com uma mulher, Hunter? Meu Deus... Você é virgem, não é?

Os olhos dourados do Primeira Geração continuaram fixos no olhar de Brock como se considerasse aquilo algum teste de força de vontade no qual ele não permitiria que a revelação o afetasse. E Brock tinha que dar o braço a torcer, pois nenhum grau de emoção cintilou naqueles olhos sinistros, tampouco nas feições perfeitamente disciplinadas.

A única coisa que fez Hunter reagir foi o barulho suave de chinelos se arrastando pelo corredor. Uma voz infantil, Mira, chamando da sala de estar.

– Hunter, você está aí?

Ele se virou sem dar nenhuma explicação e foi se encontrar com a garotinha.

– Agora não é uma boa hora. – Brock o ouviu lhe dizer em seu tom modulado e grave.

– Mas não quer saber o que acontece com Harry quando ele põe a capa da invisibilidade? – perguntou Mira, o desapontamento abaixando o tom de sua voz normalmente alegre. – Essa é uma das minhas partes prediletas no livro. Você tem que ouvir esse capítulo. Vai amar.

– Ela tem razão, é uma das melhores partes. – Brock saiu do quarto, sem saber o que o fez sorrir mais: a percepção de que o implacável assassino Primeira Geração era um virgem sem experiência alguma, ou a mais recente notícia, igualmente divertida, de que o encontro que ele aparentemente atrapalhara ao aparecer com as suas coisas era a hora da leitura de Hunter com a mais jovem residente do complexo.

Deu uma piscadela e um sorriso para Mira quando ela se acomodou no sofá e abriu o livro na parte em que havia parado de ler.

– Relaxe – disse a Hunter, que estava de pé, tão duro quanto uma estátua. – Não vou revelar os seus segredos a ninguém.

Não esperou para ver a reação dele, apenas foi andando para o corredor, deixando Hunter olhando-o enquanto saía.


Caçador


Capítulo 11

– Cruzem os dedos, meninas, mas acho que acabamos de encontrar a pista que procurávamos. – Dylan desligou o telefone e girou a cadeira para ficar de frente para Jenna, Alex, Renata e Savannah, todas reunidas na sala de reuniões das Companheiras de Raça nas últimas horas.

Na verdade, chamá-la de sala de reuniões não lhe fazia justiça. Havia pelo menos meia dúzia de computadores numa mesa longa num dos lados da sala, caixas de arquivos suspensos organizados por localização dispostas numa estante alta para facilitar o acesso, quase cada espaço da parede coberto por mapas marcados da Nova Inglaterra e gráficos de investigação detalhados que envergonhariam boa parte das unidades de casos antigos arquivados da polícia. Em meio a esses gráficos, muitos esboços de retratos falados de jovens, os rostos de algumas desaparecidas, a quem a Ordem e suas companheiras diligentes estavam determinadas a encontrar.

Não, Jenna pensou ao olhar ao redor, aquela não era uma mera sala de reuniões.

Aquela era uma sala devotada à estratégia, a uma missão, à guerra.

Jenna acolhia a energia do lugar, ainda mais depois das notícias perturbadoras que recebera a respeito do seu último exame de sangue. Também precisava da distração a fim de não pensar nos inesperados momentos ardentes que partilhara com Brock no quarto dele, ou melhor, no seu. Ela praticamente dera um salto quando lhe surgiu a oportunidade de sair de lá depois que ele foi embora. Fora Alex quem apareceu procurando-a pouco depois, e fora ela quem a trouxera consigo para a sala de guerra das Companheiras de Raça para ter companhia e ficar conversando.

Ela não desejara se interessar pelo trabalho em que as mulheres da Ordem estavam envolvidas, mas, enquanto esteve entre elas, foi quase impossível para a policial dentro de si ignorar o rastro de uma boa busca por informações. Sentou-se um pouco ereta na cadeira ante a mesa de reuniões quando Dylan andou até a impressora para pegar uma folha que acabara de sair da máquina.

– O que conseguiu? – perguntou Savannah.

Dylan bateu a folha na mesa diante das mulheres reunidas.

– Irmã Margaret Mary Howland.

Jenna e as outras se inclinaram para olhar para a imagem escaneada. Era a foto de um grupo de uma dúzia ou pouco mais de garotas e jovens mulheres. Pelo estilo das roupas, parecia ter sido tirada uns vinte anos antes. O grupo estava reunido num gramado abaixo das escadas de uma varanda coberta, no tipo de pose que as estudantes às vezes faziam para a foto escolar anual. A não ser pelo fato de que, naquele caso, não havia uma escola atrás delas, mas uma casa grande, simples, autoproclamada Lar para Mulheres St. John, Queensboro, Nova York.

Uma mulher de meia-idade de rosto gentil usando um crucifixo como pingente e um vestido de verão modesto estava ao lado do grupo reunido debaixo do beiral branco no qual a placa pintada estava suspensa. Uma das moças mais jovens estava com a mulher de mais idade, os ombros finos seguros por mãos carinhosas, o rostinho erguido com um olhar luminoso de afeto.

– É ela – disse Dylan, apontando para a mulher com o sorriso maternal e braços protetores. – Irmã Margaret.

– E ela é...? – perguntou Jenna, sem conseguir conter a curiosidade.

Dylan relanceou para ela.

– Neste instante, se ainda estiver viva, esta mulher é a nossa aposta mais segura para descobrirmos mais sobre as Companheiras de Raça que sumiram ou acabaram mortas pelas mãos de Dragos.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não estou entendendo.

– Algumas das mulheres que ele matou, e provavelmente muitas outras que ele mantém em cativeiro, vieram de abrigos de fugitivas – disse Dylan. – Veja bem, não é incomum que as Companheiras de Raça se sintam confusas e deslocadas na sociedade mortal. A maioria de nós não sabe o quanto é diferente, muito menos o motivo para isso. Além da marca de nascença em comum e das características biológicas, todas nós temos também habilidades extrassensoriais singulares.

– Não o tipo de coisa que você vê nos programas da TV ou em comerciais anunciando serviços de pessoas psíquicas – explicou Savannah. – Talentos verdadeiramente extrassensoriais são normalmente o meio mais seguro de identificar uma Companheira de Raça.

Dylan concordou.

– Às vezes, esses talentos são uma bênção, mas em muitas outras são uma maldição. O meu dom foi uma maldição em boa parte da minha vida, mas, felizmente, tive uma mãe amorosa. Por isso, não importava o quanto eu ficasse confusa ou assustada, sempre tive a segurança de um lar.

– Mas nem todas têm essa sorte – acrescentou Renata. – Para Mira e para mim, foi uma extensa fila de orfanatos em Montreal. E, de tempos em tempos, chamávamos a rua de lar.

Jenna ouvia em silêncio, agradecendo a boa sorte de ter nascido em uma família normal e relativamente próxima, onde o maior problema de infância foi tentar competir com o irmão pelo afeto e pela aprovação dos pais. Ela não conseguia imaginar os tipos de problemas que as fêmeas nascidas com a marca de nascença da lágrima e da lua crescente tiveram que suportar. Seus problemas, por mais incompreensíveis que fossem, pareciam diminuir um pouco enquanto ponderava sobre as vidas que aquelas mulheres tiveram. Para não falar do inferno que as mortas ou desaparecidas tiveram que suportar.

– Quer dizer que vocês acreditam que Dragos visava as jovens que acabavam nesse tipo de abrigo? – perguntou.

– Sabemos disso – disse Dylan. – A minha mãe costumava trabalhar num abrigo para pessoas que fugiam de casa em Nova York. É uma longa história, uma para ser contada outro dia, mas, basicamente, foi descoberto que o abrigo para o qual ela trabalhava havia sido fundado e era dirigido pelo próprio Dragos.

– Ai, meu Deus... – arfou Jenna.

– Ele estivera se escondendo por trás de um nome falso, Gordon Fasso, enquanto circulava em meio à sociedade humana, e ninguém fazia ideia de quem ele fosse até... até ser tarde demais. – Dylan parou para inspirar profundamente e se fortalecer. – Ele matou minha mãe depois que percebeu que havia sido desmascarado e que a Ordem estava se aproximando dele.

– Lamento muito – sussurrou Jenna, com sinceridade. – Perder alguém que se ama para esse tipo de maldade...

As palavras se perderam enquanto algo frio e determinado borbulhou dentro dela. Como ex-policial, ela conhecia o sabor amargo da injustiça e a necessidade de equilibrar a balança. Mas suprimiu esse sentimento, dizendo a si mesma que a luta da Ordem contra aquele inimigo, Dragos, não era sua. Ela tinha as próprias batalhas para enfrentar.

– Tenho certeza de que Dragos vai ter o que merece no final – disse.

Era uma frase inútil, oferecida com certo distanciamento. Mas ela queria muito estar certa. Sentada ali com aquelas mulheres, tendo-as conhecido um pouco melhor no curto tempo em que estava no complexo, Jenna rezava para que a Ordem fosse bem-sucedida ao enfrentar Dragos. Pensar que alguém tão perverso quanto ele estivesse à solta no mundo era inaceitável.

Pegou a imagem impressa e fitou a expressão calorosa da freira, que estava tal qual uma pastora ao lado de seu rebanho vulnerável.

– Como esperam que essa mulher, a Irmã Margaret, possa ajudá-las?

– A rotatividade de pessoal é alta nesses abrigos – explicou Dylan. – Aquele em que minha mãe trabalhava não era exceção. Uma amiga que costumava trabalhar com ela lá me informou o nome da Irmã e me deu a foto. Ela disse que a freira se aposentou há vários anos, mas fez trabalho voluntário em diversos abrigos em Nova York desde meados dos anos 1970. Por isso, é o tipo de pessoa com quem precisamos conversar.

– Alguém que esteve em abrigos por muito tempo e pode ser capaz de identificar antigas residentes a partir dos retratos falados – disse Savannah, indicando os rostos afixados nas paredes.

Jenna assentiu.

– Esses retratos são de mulheres que estiveram em abrigos?

– Esses retratos – disse Alex ao lado de Jenna – são de Companheiras de Raça que estão sendo mantidas por Dragos enquanto estamos aqui conversando.

– Quer dizer que ainda estão vivas?

– Estavam há alguns meses. – A voz de Renata soou dura. – Uma amiga da Ordem, Claire Reichen, usou seu dom de Companheira de Raça, o poder de viajar em seus sonhos, para localizar o quartel-general de Dragos. Ela viu as prisioneiras, mais de vinte, trancadas em celas do laboratório dele. Embora Dragos tenha realocado sua operação antes que pudéssemos salvá-las, Claire tem trabalhado com um desenhista para documentar os rostos que viu.

– Na verdade, é lá que Claire está agora, ela e Elise – explicou Alex. – Elise tem muitos amigos na comunidade civil da Raça aqui em Boston. Ela e Claire têm trabalhado em alguns novos retratos, baseados no que Claire viu no covil de Dragos.

– Depois que tivermos os rostos das prisioneiras – disse Dylan –, podemos começar a procurar por nomes e possíveis familiares. Qualquer coisa que possa nos ajudar a nos aproximar de onde essas mulheres estão.

– E quanto aos bancos de dados de pessoas desaparecidas? – perguntou Jenna. – Vocês compararam os esboços com os perfis listados em grupos como o Centro Nacional de Pessoas Desaparecidas?

– Sim, e voltamos de mãos vazias – disse Dylan. – Muitas dessas mulheres e garotas nos abrigos são fugitivas e órfãs. Muitas são abandonadas. Umas fogem de casa, deliberadamente cortando todos os laços com a família e com os amigos. O resultado final é o mesmo: ninguém sente falta delas ou procura por elas no sistema; portanto, não há registros arquivados.

Renata concordou com um leve grunhido que pareceu falar de sua experiência.

– Quando você não tem nada, nem ninguém, você pode desaparecer, e é como se nunca tivesse existido.

Por causa dos seus anos na força policial do Alasca, Jenna sabia que isso era bem verdade. As pessoas desapareciam sem deixar rastro tanto nas grandes cidades como em pequenas comunidades. Isso acontecia todos os dias, embora ela jamais tivesse imaginado que fosse pelos motivos que Dylan, Savannah, Renata e as outras mulheres lhe explicavam agora.

– Qual o plano de vocês depois que identificarem as Companheiras de Raça desaparecidas?

– Depois que tivermos uma ligação pessoal com pelo menos uma delas – disse Savannah –, Claire pode tentar se comunicar através dos sonhos e, quem sabe, conseguir informações sobre a localização de onde as prisioneiras estão.

Jenna estava acostumada à rápida digestão e compreensão dos fatos, mas sua cabeça começava a girar com tudo o que estava ouvindo. E não conseguia evitar que sua mente procurasse por soluções para os problemas diante dela.

– Espere um instante. Se o dom de Claire a levou ao covil de Dragos uma vez, por que ela não pode simplesmente repetir isso?

– Para que seu dom funcione, ela precisa de algum tipo de elo emocional ou pessoal com a pessoa que está tentando localizar nos sonhos – respondeu Dylan. – O elo dela antes não era com Dragos, mas com outra pessoa.

– O antigo companheiro dela, Wilhelm Roth – explicou Renata, praticamente cuspindo o nome dele. – Ele era uma pessoa cruel, mas, comparada à de Dragos, sua crueldade não era nada. Jamais permitiríamos que Claire tentasse contatar o próprio Dragos. Isso seria suicídio.

– Tudo bem. Então onde nós ficamos com isso? – perguntou Jenna, o “nós” saindo de sua boca antes que ela percebesse o que havia dito. Mas era tarde demais para retirá-lo, e ela estava interessada demais para fingir outra coisa. – Onde você imagina que as coisas vão a partir daqui?

– Tenho esperanças de localizar a Irmã Margaret e que ela possa nos ajudar a desvendar alguma coisa – disse ela.

– Temos como entrar em contato com ela? – perguntou Renata.

A animação de Dylan se arrefeceu um pouco.

– Infelizmente, não há como termos certeza sequer de que ela ainda esteja viva. A amiga da minha mãe disse que ela deve estar com uns oitenta anos agora. A única boa notícia é que seu convento tem sede em Boston, então, existe a possibilidade de ela estar aqui. Por enquanto, só o que temos é seu número do seguro social4.

– Dê esse número a Gideon – sugeriu Savannah. – Tenho certeza de que ele consegue invadir o sistema do governo para conseguir todas as informações de que precisamos sobre ela.

– Foi isso mesmo que pensei – Dylan respondeu com um sorriso.

Jenna pensou em oferecer ajuda para localizar a freira. Ainda tinha amigos na força policial e em algumas agências federais. Com apenas um telefonema ou e-mail, ela poderia pedir um ou outro favor confidencial. Mas as mulheres da Ordem pareciam ter tudo sob controle.

E seria melhor para ela não se envolver em nada daquilo, lembrou-se com severidade, enquanto Dylan pegava o telefone ao lado do seu computador e ligava para o laboratório de tecnologia.

Alguns minutos mais tarde, Gideon e Rio entraram na sala de guerra. Os dois guerreiros receberam um relatório resumido do que Dylan descobrira. Antes mesmo de ela terminar de explicar o que havia descoberto, Gideon se acomodou diante de um computador e começou a trabalhar.

Jenna ficou olhando da sua cadeira junto à mesa enquanto todos os outros, Savannah, Renata, Alex, Rio e Dylan, se reuniram ao redor de Gideon para vê-lo fazer a sua mágica. Savannah estava certa: ele não precisou mais do que alguns minutos para invadir um firewall de um site do governo americano e começar a baixar os registros de que precisavam.

– A Irmã Margaret Mary Howland está bem viva, de acordo com a Administração do Seguro Social – anunciou ele. – Sacou a aposentadoria dela do mês passado, no valor de 298 dólares e alguns trocados num endereço em Gloucester. Estou imprimindo as informações agora.

Dylan deu um sorriso amplo.

– Gideon, você é um deus da tecnologia.

– Meu prazer é servir. – Levantou-se da cadeira e puxou Savannah para um beijo rápido, porém ardente. – Diga que está impressionada, amor.

– Estou impressionada – respondeu ela, rindo ao mesmo tempo em que lhe dava um tapa no ombro.

Ele sorriu, lançando um olhar para Jenna por sobre os óculos.

– Ela me ama – disse ele, puxando a bela companheira num abraço apertado. – Na verdade, ela é louca por mim. Não consegue viver sem mim. Muito provavelmente, está querendo me levar para a cama neste instante para se aproveitar de mim.

– A-hã. É o que você pensa – replicou Savannah, mas havia uma centelha ardente em seu olhar ao fitá-lo.

– Uma pena que não estamos tendo a mesma sorte para conseguir uma pista sobre a Sociedade TerraGlobal – lamentou Rio, o braço passando ao redor dos ombros de Dylan no que pareceu uma manobra instintivamente íntima.

Renata franziu o cenho.

– Nenhuma pista ainda?

– Nada – Gideon interveio. Ele deve ter percebido o olhar confuso de Jenna. – A Sociedade TerraGlobal é o nome da empresa que acreditamos que Dragos esteja usando como fachada para algumas das suas operações secretas.

Alex disse em seguida:

– Lembra-se daquela mineradora que abriu perto de Harmony há alguns meses, a Mineradora Coldstream? – Ante o aceno de Jenna, Alex continuou: – Pertencia a Dragos. Acreditamos que era para ela ter sido usada como uma prisão para o Antigo depois que o transportassem para o Alasca. Infelizmente, todos sabem como isso terminou.

– Conseguimos rastrear a Mineradora Coldstream até a Sociedade TerraGlobal – acrescentou Rio. – Mas só conseguimos avançar até aí. Sabemos que a TerraGlobal tem muitas camadas, mas está demorando demais para conseguirmos dissecá-las. Nesse ínterim, Dragos se esconde cada vez mais fundo, a cada minuto ficando mais longe do nosso alcance.

– Vocês vão pegá-lo – disse Jenna. Tentou ignorar a aceleração do coração ante a necessidade de pegar algumas armas e liderar a busca. – Vocês têm que pegá-lo, então vão pegá-lo.

Rio, com seu rosto marcado por cicatrizes demonstrando determinação ao assentir em concordância, fitou os olhos de Dylan.

– É. Um dia, nós vamos pegar esse filho da puta. Ele vai pagar por tudo o que já fez.

Debaixo do braço forte, Dylan deu um sorriso tristonho. Escondeu-se em seu abraço, tentando abafar um bocejo.

– Venha – disse Rio, afastando uma mecha dos cabelos ruivos dos olhos dela. – Você tem dedicado muitas horas a tudo isso. Agora vou levá-la para a cama.

– Não é uma má ideia – disse Renata. – A noite logo chega e aposto como Nikolai está testando a nova munição na sala de armas. Está na hora de ir buscar meu homem.

Enquanto ela se despedia e saía, Dylan e Rio, Savannah e Gideon faziam o mesmo.

– Quer ficar comigo e com Kade um pouco? – perguntou Alex.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não, estou bem. Acho que vou ficar aqui por alguns minutos, para relaxar um pouco. O dia foi longo e estranho.

O sorriso de Alex mostrou empatia.

– Se precisar de qualquer coisa, sabe onde me encontrar. Certo?

Jenna assentiu.

– Estou bem. Mas obrigada.

Observou a amiga sair e desaparecer lentamente pelo corredor. Quando não restava mais nada na sala a não ser silêncio e tranquilidade, Jenna se levantou e se aproximou da parede com os mapas, gráficos e retratos.

Era admirável o que a Ordem e as suas companheiras estavam tentando fazer. Era um trabalho importante, mais importante do que qualquer outra coisa com que Jenna se deparara no interior do Alasca, ou, na verdade, em qualquer outro lugar.

Se tudo o que ela descobrira nos últimos dias fosse verdade, então o que a Ordem fazia ali era salvar o mundo.

– Jesus Cristo... – sussurrou, atordoada com a enormidade de tudo aquilo.

Ela tinha que ajudar.

Se fosse capaz, mesmo que de uma maneira pequena, ela tinha que ajudar.

Não tinha?

Jenna andou ao redor da sala, com sua própria batalha acontecendo dentro de si. Não estava pronta para participar de algo como aquilo. Não enquanto ainda tinha tantas coisas para descobrir a respeito de si mesma. Com o irmão morto, ela não tinha mais nenhuma família. O Alasca fora seu lar durante toda a vida e agora isso também se fora, uma parte da sua existência anterior apagada para ajudar a Ordem a preservar seus segredos enquanto continuavam a perseguir o inimigo.

Quanto ao seu futuro, não sabia nem por onde começar. A substância alienígena dentro dela era um problema jamais imaginado, e nem adiantava desejar, porque aquilo não sumiria. Nem mesmo a mente brilhante de Gideon parecia capaz de arrancá-la daquela complicação confusa.

E também havia Brock. De todas as coisas que lhe aconteceram entre a invasão do Antigo ao seu chalé e a adoção atual, inesperada, ainda que não insuportável, por todos ali no quartel-general da Ordem, Brock estava se mostrando a coisa com a qual ela menos estava preparada para lidar.

Não estava nem um pouco perto disso no que se referia aos sentimentos que ele lhe provocava. Coisas que ela não sentia em anos, e, muito certamente, não queria sentir agora.

Nada em sua vida era certo, e a última coisa de que precisava era se envolver ainda mais nos problemas que os guerreiros e as suas companheiras enfrentavam.

No entanto, Jenna se viu seguindo para um computador na mesa ali perto. Sentou-se diante do teclado e entrou no navegador da internet, depois entrou num daqueles sites de e-mail grátis e criou uma conta.

Iniciou uma mensagem nova e digitou o endereço de um dos seus amigos da Polícia Federal em Anchorage. Fez uma única pergunta, uma questão a ser investigada confidencialmente como um favor pessoal.

Inspirou fundo, depois apertou o botão de enviar.


O número do seguro social, social security number, é um número de registro que todos os cidadãos americanos têm, como um CPF e um INSS unificados. Através dele, é possível localizar as pessoas, pois esse número é unificado em todo o território nacional. (N.T.)


Capítulo 12

No vestiário ao lado da sala das armas, Brock esticou a mão às costas para aumentar a temperatura da água de quente para escaldante. Com as mãos apoiadas na porta de teca do cubículo reservado, inclinou a cabeça em direção ao peito e agradeceu pelo jato de água cauterizante que lhe batia nos ombros e descia pelo pescoço. Vapor se formava ao seu redor, espesso como névoa, desde a cabeça até o piso de ladrilhos aos seus pés.

– Cristo! – Kade sibilou, alguns cubículos mais distante. – Duas horas direto de treino mano a mano não foi bastante castigo para você? Agora sente a necessidade de ferver vivo aí?

Brock grunhiu, passando a mão pelo rosto enquanto o vapor continuava a se formar e o calor continuava a açoitar seus músculos tensos demais. Encontrara Niko e Chase na sala das armas depois de deixar seus pertences no quarto que partilharia com Hunter. Parecia-lhe razoável esperar que alguns rounds de treinos de lâminas e treinos corpo a corpo bastariam para exaurir um pouco da sua inquietação e distração. Deveria ser assim, mas não foi.

– O que está acontecendo com você, cara?

– Não sei do que está falando – murmurou Brock, levando a cabeça e os ombros mais para baixo do jato de água escaldante.

A zombaria de Kade se fez ouvir no vestiário cavernoso.

– Até parece que não sabe.

– Droga – Brock exalou em meio à névoa que cobria sua cabeça. – Por que estou com a sensação de que você vai me explicar?

Houve o rangido da torneira sendo fechada, seguido pela batida da porta do chuveiro de Kade quando ele seguiu para o vestiário anexo. Alguns minutos depois, a voz de Kade soou do outro cômodo.

– Vai me contar o que aconteceu aquela noite em Southie, na fábrica?

Brock fechou os olhos e emitiu algo muito parecido com um rosnado, até mesmo para os seus ouvidos.

– Não há nada a contar. Havia fios soltos. Cuidei do assunto.

– A-hã – murmurou Kade. – Foi isso mesmo que imaginei que tivesse acontecido.

Quando Brock levantou a cabeça, viu o guerreiro parado diante dele. Kade estava totalmente vestido com jeans e camiseta preta, apoiado na parede oposta. Seu olhar prateado estreitado, como quem sabe o que está acontecendo.

Brock respeitava demais o amigo para tentar enganá-lo.

– Aqueles humanos eram a ralé que não pensaria duas vezes antes de ferir uma mulher inocente. Não acredita que esse tipo de brutalidade deve ser perdoado, acredita?

– Não. – Kade o encarou, depois assentiu com sobriedade. – Se eu me deparasse com alguém que tivesse colocado um dedo sequer em Alex, eu teria matado o desgraçado. Foi o que fez, não foi? Matou aqueles homens?

– Não eram homens, aqueles... – Brock grunhiu. – Eram cachorros raivosos, e o que fizeram com Jenna – aquilo que achavam que poderiam fazer e se safar – provavelmente não foi a primeira vez que machucaram uma mulher. Duvido que Jenna teria sido a última. Então, isso mesmo, acabei com eles.

Por um bom momento, Kade nada disse. Apenas o observou, mesmo depois que Brock voltou a colocar a cabeça debaixo do jato furioso, sem sentir necessidade de mais explicações. Nem mesmo para seu melhor amigo na Ordem, o guerreiro que era como um irmão para ele.

– Maldição – murmurou Kade depois de um longo silêncio. – Você gosta dela, não gosta?

Brock balançou a cabeça, tanto em negação como para tirar a água do rosto.

– Lucan me deu a responsabilidade de cuidar dela, de mantê-la segura. Só estou fazendo aquilo que esperam de mim. Ela é mais uma missão, nada diferente das outras.

– Ah, tá. Sem dúvida – caçoou Kade. – Eu tive uma missão como essa lá no Alasca há não muito tempo. Acho que já te contei uma ou duas vezes sobre ela, não foi?

– Isso é diferente – resmungou Brock. – O que você e Alex têm... Não é a mesma coisa. Alex é uma Companheira de Raça, para começar. Não existe a possibilidade de as coisas ficarem sérias com Jenna. Não sou do tipo que curte relacionamentos de longo prazo e, além disso, ela é humana.

As sobrancelhas escuras de Kade se uniram em sinal de preocupação.

– Não sei se algum de nós pode ter certeza do que ela é agora.

Brock absorveu a verdade dessa declaração com uma onda renovada de preocupação, não só por Jenna, mas pela Ordem e pelo resto da nação da Raça. O que quer que estivesse acontecendo com ela, parecia estar se acelerando naquele mesmo instante. Não tinha como negar que as notícias sobre seus exames de sangue o perturbavam. Sem falar que aquela porção alienígena colocada dentro dela estava se infiltrando cada vez mais em seu corpo, a um nível que nem mesmo Gideon parecia preparado para combater.

Brock emitiu uma imprecação debaixo do jato punitivo de água.

– Se está tentando fazer com que eu me sinta melhor a respeito disso tudo, sinta-se à vontade para parar a qualquer instante.

Kade riu, obviamente se divertindo com tudo aquilo.

– Sabe, não acho que você vá ter uma conversa de coração aberto com seu novo companheiro de quarto, então sou eu, aqui e agora, demonstrando que me importo.

– Sinto-me tocado – murmurou Brock. – Agora caia fora e deixe eu me escaldar em paz.

– Com todo prazer. Toda essa conversa sobre missões e mulheres me lembrou que tenho deveres importantes em meu apartamento que venho negligenciando...

Brock grunhiu.

– Lembranças a Alex.

Kade apenas sorriu ao se despedir, depois seguiu para a saída mais próxima.

Depois que ele se foi, Brock só ficou uns minutos mais debaixo da água. Já estava tarde, mas ele estava energizado demais para dormir. E o lembrete de Kade sobre as mutações biológicas de Jenna fez sua mente acelerar.

Enxugou-se, depois vestiu uma camiseta cinza e jeans escuros. Calçou os coturnos, sentindo uma súbita necessidade de voltar para a sala das armas para gastar um pouco mais de energia até o pôr do sol, quando poderia, por fim, escapar do complexo uma vez mais. Mas suar a camisa não funcionara muito da primeira vez; duvidava que o ajudasse agora.

Sem saber o que o livraria daquela agitação, Brock se viu andando pelo corredor principal do complexo, na direção do laboratório de tecnologia. Os corredores estavam silenciosos, desertos. Nada surpreendente para aquela hora do dia, quando os guerreiros comprometidos estavam com suas fêmeas e o restante dos ocupantes do quartel-general descansava antes do início das patrulhas da noite.

Brock deveria pensar em fazer o mesmo, porém estava mais interessado em saber se Gideon descobrira algo mais a respeito dos exames de sangue de Jenna. Ao entrar no corredor comprido que o levaria até o laboratório, ouviu movimentos em outra das salas do complexo.

Seguindo o barulho de papéis, parou diante da porta aberta do centro de comando da missão das Companheiras de Raça.

Jenna estava sozinha lá dentro.

Sentada à mesa de reuniões, com diversas pastas espalhadas diante de si e muitas outras empilhadas junto ao cotovelo, ela estava reclinada sobre um bloco de anotações, caneta na mão, completamente absorvida pelo que estava escrevendo, o que quer que fosse. A princípio, achou que ela não soubesse que ele estava ali. Mas em seguida, a mão dela parou no meio da página, e a cabeça se ergueu. As mechas de cabelo castanho caíram como seda quando ela se virou para ver quem estava na porta.

Aquela seria a sua chance para se esconder rápido, antes que ela o visse. Ele era da Raça, poderia estar ali e desaparecer antes que os olhos mortais registrassem sua presença. Em vez disso, por algum motivo idiota, sobre o qual não desejava refletir, avançou um passo e pigarreou.

O olhar castanho de Jenna se arregalou ao vê-lo.

– Oi – disse ele.

Ela sorriu de leve, parecendo pega desprevenida. E por que não estaria, depois da maneira como ele havia deixado as coisas entre os dois da última vez em que se viram? Ela pegou uma das pastas e colocou por cima do bloco de anotações.

– Pensei que todos tivessem ido descansar.

– E foram. – Ele entrou ainda mais na sala e passou os olhos nas informações sobre a mesa. – Parece que Dylan e as outras já conseguiram recrutar seus serviços.

Ela deu de ombros, numa negação débil.

– Eu só... estava olhando algumas coisas. Comparando anotações de alguns arquivos, anotando algumas ideias.

Brock se sentou ao lado dela.

– Elas vão gostar disso – disse ele, impressionado por ela estar ajudando. Esticou a mão na direção das suas anotações. – Posso ver?

– Não é nada de mais, mesmo – disse ela. – É só que algumas vezes ajuda alguém de fora dar uma olhada.

Ele relanceou para a letra curva e precisa que preenchia quase toda a página. A mente dela parecia funcionar do mesmo modo organizado, baseado no fluxo lógico das suas anotações e na lista de sugestões que fizera para a investigação das pessoas desaparecidas que Dylan e as outras Companheiras de Raça vinham procurando nos últimos meses.

– É um bom trabalho – disse ele, sem elogiar, apenas declarando um fato. – Dá para ver que você é uma excelente policial.

Outro levantar de ombros de negação.

– Não sou mais policial. Faz tempo que me afastei.

Ele a observou enquanto falava, notando o arrependimento que pairava em seu tom de voz.

– Não significa que não continue boa ainda no que faz.

– Parei de ser boa há algum tempo. Uma coisa aconteceu e eu... perdi minha motivação. – Ela o fitou, sem piscar. – Houve um acidente de carro há quatro anos. Meu marido e nossa filha de seis anos de idade morreram, só eu sobrevivi.

Brock assentiu.

– Eu sei. Lamento por sua perda.

A empatia dele pareceu incomodá-la de algum modo, e ela ficou meio sem saber o que fazer. Talvez lhe fosse mais fácil falar sobre a sua tragédia em seus termos, sem saber que ele já tomara conhecimento dela. Agora ela o fitava incerta, como se temesse que ele a julgasse de alguma maneira.

– Tive dificuldades para... aceitar que Mitch e Libby tinham partido. Por muito tempo, mesmo agora, é complicado entender como eu tenho que seguir em frente.

– Você vive – disse Brock. – É só o que pode fazer.

Ela assentiu, mas havia assombro em seu olhar.

– Você faz parecer tão fácil.

– Fácil não, apenas necessário. – Ele a viu cutucar um clipe torto em um dos relatórios. – Foi por isso que você se retirou do trabalho na polícia, porque não sabia como viver depois do acidente?

Fitando o espaço bagunçado na mesa diante dela, ela franziu a testa, em silêncio por um instante.

– Pedi demissão porque eu não conseguia mais executar minhas funções. Toda vez que eu tinha que me apresentar numa violação de trânsito, mesmo uma simples colisão de para-choque ou um pneu furado, eu chegava tremendo tanto ao local que mal conseguia sair do carro para oferecer ajuda. E nos chamados mais complicados, em acidentes sérios ou brigas domésticas que acabavam em violência, eu me sentia nauseada durante dias. Tudo o que eu aprendi no treinamento e no trabalho pareceu se despedaçar quando aquele caminhão carregando lenha atravessou a estrada escorregadia e destroçou minha vida. – Relanceou para ele, com seus olhos castanho-claros mais obstinados e firmes do que jamais vira. – Deixei de ser policial porque sabia que não conseguiria executar meu trabalho da maneira que ele precisava ser feito. Não queria que ninguém que pudesse depender de mim pagasse pela minha negligência. Por isso, pedi demissão.

Brock respeitava a coragem e a resiliência de Jenna desde que colocara os olhos nela. Agora, sua opinião apenas aumentara.

– Você se importava com o seu trabalho e com as pessoas que dependiam de você. Isso não é um sinal de fraqueza. Isso demonstra força. E, está claro, você amava o seu trabalho. E acho que ainda ama.

Por que essa simples observação atiçaria algum ponto fraco nela ele não entendia, mas teria que ser cego para não notar a centelha defensiva que brilhou em seus olhos. Jenna desviou o olhar ao perceber que deixara aquilo escapar e, quando falou, não havia raiva em sua voz. Apenas um tom de resignação.

– Sabe bastante sobre mim, não? Acho que não sobrou muito que você ou a Ordem não saibam sobre mim a esta altura.

– Alex nos contou apenas o básico – admitiu ele. – Depois do que aconteceu no Alasca, precisávamos saber algumas coisas.

Ela resmungou.

– Quer dizer, depois que comecei a falar coisas sem nexo enquanto dormia e me tornei um fardo indesejável para a Ordem.

– Mais ou menos isso – disse ele, continuando sentado quando ela se levantou e começou a se afastar dele, os braços cruzados diante do peito. Percebeu que ela abandonara por completo a bengala que Tess lhe dera, e que a perna machucada revelava apenas um leve manquejar a cada passo. – Vejo que seu ferimento já está melhorando.

– Está bem melhor. – Ela o fitou por sobre o ombro. – Na verdade, nem era tão grave assim.

Brock inclinou a cabeça como se concordasse, mas ele se lembrava muito bem da gravidade do ferimento. Se ela estava se curando a um ritmo acelerado, deduziu que as mutações genéticas descobertas por Gideon deviam estar por trás disso.

– Estou feliz que esteja se sentindo melhor – disse, pensando que, provavelmente, ela não precisava de um lembrete sobre a matéria desconhecida inserida dentro de si.

Seu olhar se deteve sobre ele, suavizando-se.

– Obrigada pelo que fez na noite passada, ir atrás de mim e me tirar daquele lugar horrível. Acho que você salvou a minha vida. Sei que salvou, Brock.

– Não foi nada.

Deus, ele esperava que ela jamais ficasse sabendo dos detalhes selvagens com que ele lidara com seus agressores. Ela não estaria agradecendo se o tivesse visto em ação naquela noite, nem se tivesse testemunhado o modo violento com que satisfizera tanto a sua sede quanto a sua fúria naqueles humanos desgraçados. Se soubesse do que ele era capaz, ela, sem dúvida, o enxergaria da mesma maneira que o Antigo que a atacara.

Não sabia por que isso o incomodava tanto. Não queria que ela o igualasse a um monstro, pelo menos não enquanto estivesse encarregado pela Ordem de protegê-la. Ela precisava confiar nele, e, como seu protetor designado, ele tinha que se certificar disso. Tinha um trabalho a fazer, e não estava disposto a perder de vista essa responsabilidade.

Mas sua questão com Jenna ia além disso, ele bem sabia. Só não tinha a mínima intenção de dissecar o assunto agora, nem num futuro próximo.

Observou-a se aproximar da parede coberta de mapas e gráficos que documentava a busca pelas Companheiras de Raça que a Ordem suspeitava que Dragos estivesse mantendo em cativeiro.

– Este trabalho é incrível – murmurou Jenna. – Dylan, Savannah, Renata, Tess... Todas as mulheres que conheci aqui são verdadeiramente incríveis.

– Sim, elas são – concordou Brock. Levantou-se e caminhou até onde estava Jenna. – A Ordem sempre foi uma força a ser respeitada, mas, desde que me juntei a ela, tenho visto nossas forças redobrarem por causa do envolvimento das fêmeas deste complexo.

Ela lhe lançou um olhar que ele considerou difícil de interpretar.

– O que foi?

– Nada. – Um leve sorriso tocou seus lábios quando ela meneou um pouco a cabeça. – Só estou surpresa em ouvir isso. A maioria dos homens com quem tive contato no trabalho, inclusive meu pai e meu irmão, preferiria comer seus distintivos a admitir que era melhor para eles trabalhar em equipe com as mulheres.

– Eu não tenho um distintivo – disse ele, retribuindo o sorriso. – E não sou como a maioria dos homens.

Ela riu de leve, mas não desviou o olhar.

– Não, você não é. E mesmo assim, é um dos poucos aqui que não tem uma Companheira de Raça.

Ele pensou nisso, mais do que apenas um pouco intrigado pelo fato de ela estar curiosa sobre sua vida pessoal.

– Trabalho é uma coisa. Assumir uma companheira com um elo de sangue é outra. É um tipo de situação eterna, e sou alérgico a relacionamentos de longo prazo.

Os olhos inteligentes o avaliaram.

– Por quê?

Seria fácil dar-lhe uma resposta charmosa e sem fundamento, do tipo a que estava acostumado a dar quando Kade e os outros tocavam no assunto de Companheiras de Raça e de envolvimentos sentimentais. Mas ele não poderia olhar para Jenna e ser outra coisa a não ser honesto, não importando como isso mudaria a forma como ela o enxergava.

– Relacionamentos de longo prazo aumentam as chances de eu desapontar alguém. Por isso, me esforço para me manter longe disso.

Ela não disse nada por um ou dois minutos. Apenas o encarou em silêncio, os braços ainda ao seu redor, uma centena de emoções acentuando a cor de seus olhos.

– É, sei o que está querendo dizer – disse, por fim, a voz mal passando de um sussurro rouco. – Sei tudo a respeito de desapontar as pessoas.

– Não tem como eu acreditar nisso. – Ele não conseguia enxergar a mulher capaz e confiante deixando de fazer algo que se dispusera a fazer.

– Pode acreditar – disse ela com seriedade, girando sobre os calcanhares e seguindo para junto da outra parede, onde um punhado de retratos falados fora disposto ao longo de mapas e de anotações. Quando voltou a falar, havia uma casualidade em sua voz que parecia forçada. – Então, essa sua alergia a relacionamentos duradouros é alguma novidade para você, ou sempre evitou compromissos?

Ele teve uma imagem mental instantânea de olhos reluzentes e de uma risada maliciosa e musical que ainda ouvia às vezes, como um fantasma à espreita em suas lembranças.

– Já existiu alguém. Bem... Poderia ter havido alguém. Ela morreu há muitos anos.

A expressão de Jenna ficou sombria de remorso.

– Brock, sinto muito. Não tive a intenção de...

Ele deu de ombros.

– Não precisa se desculpar. Isso foi há um século. – Quase literalmente, ele percebeu, atordoado pelo fato de que tanto tempo havia se passado desde que o seu descuido custara a vida de alguém a quem ele, supostamente, deveria ter protegido.

Jenna voltou a se aproximar e se recostou na beira da mesa ao lado dele.

– O que aconteceu com ela?

– Foi assassinada. Eu trabalhava como guarda-costas no Refúgio Secreto de uma família em Detroit na época. Era minha responsabilidade mantê-la a salvo, mas meti os pés pelas mãos. Ela desapareceu sob a minha vigilância. Seu corpo foi encontrado meses mais tarde, brutalizado a ponto de não ser reconhecido, abandonado num rio.

– Ah, meu Deus... – A voz de Jenna saiu suave, carregada de empatia. – Que horrível.

– É, foi mesmo – disse ele, lembrando-se muito bem do horror do que havia sido feito a ela, antes e depois de ser morta. Três meses na água não deixaram mais fácil de olhar o que lhe haviam feito.

– Sinto muito – repetiu Jenna, esticando uma mão para apoiá-la no músculo saltado do bíceps dele.

Ele tentou ignorar a súbita percepção que surgiu com aquele contato. Mas tentar não perceber sua atração por ela era o mesmo que ordenar ao fogo que não fosse quente. Toque-o e você se queimará. Assim como ele queimava agora, quando relanceou para a mão pálida de Jenna em contraste com a sua pele escura.

Quando ele levantou o olhar para ela, percebeu pela forma sutil com que ela inspirava que seus olhos muito provavelmente estavam iluminados por centelhas cor de âmbar, a transformação traindo seu desejo por ela. Ela engoliu em seco, mas não desviou o olhar.

Que Deus o ajudasse, mas ela tampouco retraiu a mão, nem mesmo quando o seu rugido de macho excitado se formou na base da garganta.

Pensamentos do que acontecera com ela há poucas horas em seu apartamento jorraram como uma onda de lembranças ardentes. Não havia mais do que alguns poucos centímetros entre eles, mesmo agora. Ficou imaginando se Jenna queria que ele a beijasse. Estivera inseguro quanto ao que ela sentia, e com a possibilidade de ela estar sentindo algo parecido com seu próprio desejo. Agora, precisava saber com uma ferocidade que o assustava.

Para ter certeza de que não estava interpretando mal, nem que fosse apenas pela sua sanidade, cobriu a mão dela com a sua. Aproximou-se, postando-se de frente para ela, que ainda estava apoiada na mesa.

Ela não se retraiu. Encarou-o bem nos olhos, confrontando-o, bem como ele esperava que ela fizesse.

– Eu não sei bem como lidar com tudo isto – disse ela com suavidade. – As coisas que têm acontecido comigo desde aquela noite no Alasca... Todas as perguntas que talvez nunca sejam respondidas. Sei lidar com isso. De alguma forma, vou aprender a lidar. Mas você... Isto... – Ela baixou o olhar para as mãos unidas, os dedos entrelaçados. – Não sou boa nisso. Meu marido se foi há quatro anos. Não houve ninguém desde então. Nunca estive pronta para isso. Não quis...

– Jenna. – Brock tocou no seu queixo, erguendo-o com suavidade para fitá-la nos olhos. – Tudo bem se eu te beijar?

Os lábios dela vacilaram num sorriso que ele não resistiu a provar. Inclinou a cabeça e a beijou devagar, para que ela se acostumasse, apesar da intensidade do seu desejo.

Embora ela tivesse confessado estar sem prática, ele jamais teria imaginado isso pela sensualidade dos lábios dela ao encontro dos seus. O beijo, tanto suave quanto direto, dando e recebendo, o incendiou. Ele se aproximou, até se ajustar entre suas pernas, precisando sentir o corpo dela pressionado contra o seu enquanto passava a língua ao longo dos lábios aveludados. Correu as mãos pela lateral de seu corpo, ajudando-a a subir na mesa quando a perna machucada começou a tremer.

O beijo fora um erro. Achara que as coisas terminariam ali – apenas um beijo –, mas, agora que começara, ele simplesmente não sabia como encontraria forças para pôr um fim naquilo.

E, pela sensação dela em seus braços, pelos gemidos e sussurros de prazer enquanto os beijos davam início a algo mais poderoso, teve certeza de que ela também queria mais.

Mas, pelo visto, não poderia estar mais errado.

Foi só quando percebeu a umidade em seu rosto que notou que ela estava chorando.

– Jesus – sibilou, recuando de pronto e sentindo-se um cretino ao ver seu rosto marcado pelas lágrimas. – Desculpe. Se eu te pressionei rápido demais...

Ela balançou a cabeça, visivelmente triste, mas sem conseguir falar nada.

– Diga que eu não te machuquei, Jenna.

– Droga. – Ela inspirou fundo. – Não posso fazer isto. Desculpe, a culpa é minha. Eu nunca deveria ter deixado que você...

As palavras foram interrompidas quando ela o empurrou para longe, desvencilhando-se dele, e correu para o corredor.

Brock ficou ali por um minuto, todo tenso e dolorido, ávido de desejo. Deveria deixá-la ir. Considerar aquilo apenas um desastre evitado por um triz e tirar a tentadora Jenna Darrow da cabeça.

Sim, é exatamente isso o que deveria fazer, e ele sabia muito bem disso.

Mas, quando esse pensamento se formou, ele já estava na metade do corredor, seguindo os sons do choro de Jenna até seu antigo apartamento.


Capítulo 13

Jenna se sentia a maior das covardes, uma fraude absoluta, enquanto fugia pelos corredores, tentando engolir as lágrimas. Deixara Brock pensar que não o queria. Provavelmente o fez acreditar que ele a pressionara de algum modo com aquele beijo, quando quase a derretera numa poça na mesa daquela sala de reuniões. Deixou que ele ficasse se preocupando por ter feito algo errado, que talvez a tivesse magoado, e essa era a coisa mais injusta de todas.

No entanto, não conseguira deixar de fugir, precisando colocar alguma distância entre eles com uma determinação que beirava o desespero. Ele a fazia sentir demais. Coisas para as quais não estava preparada. Coisas que ela necessitava com tamanha profundidade, mas que não merecia.

Por isso fugiu, mais aterrorizada do que nunca e odiando a covardia que a fazia colocar pé ante pé. Quando chegou ao quarto, estava tremendo e sem fôlego, lágrimas ainda descendo pelas faces.

– Jenna.

O som da voz grave atrás dela foi como uma carícia ardente em sua pele. Virou-se de frente, atônita com a velocidade e com o silêncio que o levaram até ali não mais do que um segundo depois dela. Mas, em retrospecto, ele não era humano. Não era um homem de fato – uma coisa da qual ela tinha que se lembrar quando ele estava tão próximo, com todo aquele tamanho, a intensidade do olhar se comunicando com tudo o que era feminino dentro dela.

Sua boca ainda estava inchada pelos beijos dele. Sua pulsação ainda batia descompassada. O calor ainda ardia dentro dela.

E como se soubesse disso, Brock se aproximou ainda mais. Esticou o braço e pegou sua mão, sem dizer nada. Não havia necessidade de palavras. Apesar das lágrimas que começavam a diminuir e do tremor das suas pernas, ela não conseguia esconder o desejo que sentia por ele.

Não resistiu quando ele a trouxe para perto, para o calor do seu corpo. Para o conforto dos seus braços.

– Estou com medo – sussurrou ela. Essas palavras não lhe vinham fáceis, como nunca vieram.

Com o olhar preso ao dela, ele lhe acariciou o rosto.

– Não precisa ter medo de mim. Não vou machucar você, Jenna.

Acreditou nele, mesmo antes de ele inclinar a cabeça e resvalar os lábios num beijo dolorosamente carinhoso. De maneira incrível e impossível, confiava naquele homem que não era um homem. Queria as mãos dele sobre si. Queria sentir aquela conexão de novo com alguém, mesmo que não estivesse pronta para pensar em algo além do físico, do desejo de tocar e de ser tocada.

– Está tudo bem – ele murmurou ao encontro da sua boca. – Está segura comigo, prometo.

Jenna fechou os olhos ao absorver suas palavras, as mesmas que a acalmaram na escuridão do seu chalé no Alasca, e de novo na enfermaria do complexo. Brock fora seu elo com o mundo dos vivos depois da sua provação com o Antigo. Sua única corda de segurança durante os infindáveis pesadelos que se seguiram nos dias depois que ela fora trazida àquele lugar estranho, modificada de tantas maneiras.

E agora...?

Agora ela não sabia muito bem como ele se encaixava na confusão que restara da sua vida. Não estava pronta para pensar nisso. Tampouco estava plenamente segura de estar preparada para as sensações que ele lhe provocava.

Recuou um pouco, a dúvida e a vergonha ainda se avolumando na parte dela que ainda lamentava a perda, a ferida aberta em sua alma que há muito tempo aceitara que jamais se cicatrizaria por completo.

Pressionando a testa no calor da solidez de seu peito, no algodão macio que exalava seu cheiro exótico característico, Jenna inspirou profundamente para se fortalecer. E expirou num suspiro entrecortado.

– Será que eu os amava o suficiente? É o que não paro de me perguntar desde aquela noite em meu chalé...

As mãos fortes de Brock alisaram suas costas, fortes e carregadas de compreensão, dando a calma que ela precisava a fim de reviver aqueles momentos torturosos quando o Antigo a pressionara para que ela decidisse o próprio destino.

– Ele me fez escolher, Brock. Naquela noite em meu chalé, pensei que ele iria me matar, mas não matou. Eu não teria lutado se ele matasse. E ele sabia disso, acho. – Na verdade, ela tinha certeza. Naquela noite em que o Antigo invadira sua casa, ela não estava bem. Ele vira a garrafa de uísque vazia no chão e a pistola carregada em sua mão. A caixa de fotografias que ela pegava todos os anos por volta do aniversário do acidente que lhe roubara a família e que a deixara para viver sozinha. – Ele sabia que eu estava preparada para morrer, mas, em vez de me matar, forçou-me a dizer as palavras, a lhe dizer em voz alta o que eu queria mais: vida ou morte. Foi como uma tortura, algum tipo de jogo doentio que ele me fez jogar contra a minha vontade.

Brock resmungou alguma imprecação incompreensível, mas as mãos continuaram suaves às suas costas, carinhosas, num calor tranquilizador.

– Ele me fez escolher – disse ela, lembrando-se de cada minuto insuportável daquela provação.

Mas, ainda pior do que as horas infindáveis do seu aprisionamento e de vê-lo alimentando-se dela, do que o horror de perceber que seu captor não era uma criatura deste mundo, foi o momento terrível no qual ouviu a própria voz rouca dizer as palavras que pareciam rasgar das profundezas mais íntimas e envergonhadas de sua alma.

Quero viver.

Ai, meu Deus... por favor, deixe-me viver.

Não quero morrer!

Jenna engoliu o nó de angústia que se formara em sua garganta.

– Fico pensando que não os amava o bastante – sussurrou, devastada ante esse pensamento. – Fico pensando que, se os amasse de verdade, teria morrido com eles. Que, quando o Antigo me forçou a escolher se queria ou não viver, eu teria feito uma escolha diferente.

Quando o choro ficou preso em sua garganta, os dedos de Brock resvalaram seu queixo. Ergueram seu rosto para seu olhar solene.

– Você sobreviveu – disse ele, a voz firme, mas com infinito afeto. – Foi só o que fez. Ninguém a culparia por isso, muito menos eles.

Ela fechou os olhos, sentindo o peso do arrependimento diminuir um pouco com as palavras reconfortantes que ouvia. Mas o vazio em seu coração era um lugar frio e oco. Um que se tornou ainda maior quando Brock a tomou nos braços, confortando-a. O calor e a preocupação dele penetraram em sua pele como um bálsamo, acrescentando mais emoção ao desejo que não diminuíra por conta da proximidade do corpo forte. Torceu-se no refúgio que era seu abraço, apoiando o rosto na força sólida e firme que ele era.

– Posso acabar com isso, Jenna. – Ela sentiu a pressão da boca, o fluir da respiração em seus cabelos enquanto ele beijava o topo de sua cabeça. – Posso carregar sua dor por você, se quiser.

Havia uma parte nela que se rebelava contra isso. A mulher forte, a policial experiente, aquela que sempre enfrentava qualquer situação, se retraiu ante a ideia de que seu sofrimento pudesse ser pesado demais para ela mesma suportar. Nunca precisou de ajuda, tampouco se dispôs a pedir, jamais. Esse tipo de fraqueza jamais lhe serviria.

Retraiu-se, a recusa na ponta da língua. Mas quando abriu os lábios para falar, as palavras não surgiram. Fitou o belo rosto de Brock, os olhos penetrantes que pareciam enxergar bem dentro dela.

– Quando foi a última vez que se permitiu ser feliz, Jenna? – Ele afagava seu rosto com tanta suavidade, com tanta reverência, que ela estremeceu sob seu toque. – Quando foi a última vez que sentiu prazer? A mão grande desceu ao longo do pescoço. O calor irradiou da palma ampla e dos dedos longos. Sua pulsação acelerou conforme ele espalmou a nuca, o polegar acariciando o ponto sensível debaixo da orelha.

Então, ele a aproximou de si, inclinando-lhe o rosto para se encontrar com o seu. Beijou-a, lenta e profundamente. A fusão vagarosa da boca dele ao encontro da sua lançou uma corrente de calor líquido em suas veias. O fogo se empoçou em seu centro, seu íntimo se enchendo com um desejo ardente e ávido.

– Se você não quiser isto – murmurou ele ao encontro dos seus lábios –, basta dizer. A qualquer hora, eu paro...

– Não. – Ela balançou a cabeça ao erguer a mão para tocar no maxilar forte. – Eu te quero, mas tanto que isso está me assustando demais.

O sorriso dele se espalhou preguiçosamente, os lábios sensuais se afastando para revelar os dentes brancos e a extensão aumentada das presas. Jenna fitou sua boca, sabendo que os instintos básicos humanos de sobrevivência deviam estar disparando todo tipo de alarme, avisando-a de que aproximar-se demais daqueles caninos seria letal.

Mas ela não sentiu medo. Em vez disso, sua mente reconheceu a transformação dele com um sentimento inexplicável de aceitação. Excitação até, enquanto o castanho absorvente de seus olhos começou a reluzir com uma luz âmbar incandescente.

Acima do colarinho da camiseta cinza e debaixo das mangas curtas que se agarravam aos montes firmes dos bíceps musculosos, os dermaglifos de Brock pulsavam em cores. As marcas da pele do membro da Raça assumiram uma cor mais acentuada do que seu costumeiro tom de bronze, tornando-se mais bordô e dourado, junto com um roxo escuro. Jenna percorreu os dedos ao longo das curvas e arcos dos seus glifos, maravilhando-se com a beleza sobrenatural.

– Tudo o que eu achava que sabia é diferente agora – ponderou em voz alta enquanto permanecia no círculo dos braços dele, distraidamente tracejando os desenhos dos glifos que desciam. – Tudo mudou agora. Eu mudei, de maneiras que nem sei se farão sentido para mim. – Levantou o olhar. – Não estou atrás de mais confusão em minha vida. Não acho que eu seja capaz de lidar com mais isso além de todo o resto.

Ele sustentou o seu olhar, sem julgá-la, revelando apenas paciência e uma aura de controle imperturbável.

– Você está confusa agora, enquanto te toco... ou quando a beijo?

– Não – disse ela, surpresa ao constatar isso. – Nem antes.

– Isso é bom. – Ele se inclinou e clamou sua boca novamente, sugando o lábio inferior, capturando-o entre os dentes ao afagar suas costas, depois espalmando a mão na curva das nádegas. Apertou-a com possessividade, rebocando o corpo eletrizado ao longo da sua ereção. Esfregou o nariz na curva do pescoço, os lábios quentes e úmidos em sua pele. Quando falou de novo, sua voz estava mais grossa do que antes, carregada do mesmo tipo de avidez que a percorria. – Permita-se sentir prazer, Jenna. Se quiser, é só isso o que precisa acontecer entre nós. Sem pressão, sem amarras. Sem promessas que nenhum de nós está pronto para fazer.

Ah, Deus. Parecia tão bom, tão tentador, ceder ao desejo que vinha crescendo entre eles desde que ela despertou no complexo da Ordem. Não estava pronta para abrir o coração novamente, talvez nunca estivesse pronta para essa vulnerabilidade de novo, mas não sabia se era forte o bastante para resistir ao presente que Brock estava lhe oferecendo.

Ele a beijou na base da garganta.

– Está tudo bem, Jenna. Entregue o resto para mim agora. Liberte-se de tudo, exceto disto.

– Sim. – Ela suspirou, sem conseguir refrear um arquejo quando as carícias trafegaram por seu corpo. As mãos fortes e habilidosas lançaram picadas de energia pelas suas veias, o talento sobrenatural sugando todo o peso remanescente de tristeza, de dor e de confusão. A boca ardente e habilidosa deixou apenas sensações e avidez em seu rastro.

Ele beijou uma pequena trilha ao longo do pescoço, depois pelo maxilar, até que seus lábios se encontraram com os dela uma vez mais. Jenna acolheu sua paixão, abrindo-se para ele enquanto a língua passava pelo vale entre seus lábios. Ele gemeu quando ela o sugou para dentro, grunhiu uma aprovação absolutamente masculina enquanto ela passava os dedos ao redor da sua cabeça, segurando-o com mais firmeza ao encontro da sua boca.

Deus, ela não fazia ideia de quanto necessitava do toque de um homem. Ficara tempo demais sem aquela intimidade, forçosamente se privando do contato sexual e daquele tipo de relaxamento. Por quatro anos, convencera-se de que não queria nem precisava daquilo, apenas mais um castigo autoimposto pela grave ofensa de ter sobrevivido ao acidente que matara seus entes queridos.

Acreditara-se imune ao desejo; no entanto, ali com Brock, todas aquelas barreiras antes impenetráveis estavam sendo derrubadas, caindo ao seu redor como se não fossem mais do que folhas secas. Ela não conseguia sentir culpa pelo prazer que ele estava lhe proporcionando. Não havia como saber se pela habilidade de Brock de absorver a sua angústia ou pelo desejo reprimido. Só o que ela conhecia era a intensidade crescente das reações do seu corpo ao dele, uma onda de prazer e de antecipação que a deixava sem ar e querendo ainda mais.

As mãos grandes passaram para os ombros, depois começaram sua viagem para os seios. Através do algodão fino da camisa dela, os mamilos endureceram, ficando rijos e doloridos, vivos com sensações a cada carícia aplicada. Jenna gemeu, querendo mais dos toques dele. Capturou sua mão e a guiou por baixo da bainha larga da camisa. Ele não precisou de mais orientações. Em menos de um segundo, soltou o fecho do sutiã e cobriu a pele nua com a palma quente. Brincou com o botão duro ao acariciá-la.

– Melhor assim? – murmurou ele, logo abaixo da orelha. – Diga se está gostando.

– Deus... Sim! – Era tão bom que ela mal conseguia formar palavras.

Jenna sibilou de prazer, jogando a cabeça para trás enquanto uma sensação espiralada se contraía em seu íntimo. Ele continuou tocando-a, beijando-a e acariciando-a, enquanto lentamente tirava sua camisa. Fez o mesmo com o sutiã aberto, deslizando as alças finas pelos ombros, escorregando-as pelos braços. De repente, ela estava nua da cintura para cima diante dele. O instinto de se cobrir – de esconder as cicatrizes que cruzavam seu tronco por causa do acidente, e aquela no abdômen que era um lembrete diário do difícil trabalho de parto de Libby – surgiu de leve, mas apenas por um instante.

Só pelo tempo que demorou para erguer a cabeça e se deparar com o olhar de Brock.

– Você é linda – disse ele, pegando-lhe as mãos com suavidade e afastando-as do corpo antes que ela tivesse a oportunidade de se sentir envergonhada pelo elogio dele ou pela sua observação franca.

Nunca se sentira especialmente bela. Confiante e capaz, bem fisicamente e forte. Essas palavras ela entendia e aceitava. Palavras que a acompanharam em boa parte dos seus trinta e três anos de vida, mesmo durante o casamento. Mas linda? Era-lhe tão estranha quanto o idioma desconhecido que se ouvira falar no vídeo na enfermaria no dia anterior.

Brock, este sim, era lindo. Ainda que parecesse uma palavra esquisita para descrever a sombria força da natureza que estava diante dela.

Cada mancha castanha dos olhos dele sumira, devorada pelo brilho âmbar que aquecia suas faces como uma chama viva. As pupilas afinaram parecendo fendas, e as faces magras agora estavam mais angulares, a pele escura imaculada esticada por sobre os ossos, ressaltando a aparência atordoante das presas longas e afiadas.

Aqueles olhos ardentes prenderam os seus, enquanto ele tirava a camiseta e a deixava cair no chão ao lado dela. O peito era incrível, uma parede maciça de músculos bem torneados cobertos por um desenho intricado de glifos pulsantes. Ela não resistiu ao desejo de tocar a pele lisa, só para ver se era tão sedosa sob seus dedos quanto lhe parecia ao olhar. Era ainda mais macia do que imaginara, mas a força absoluta e sobrenatural abaixo dela era inconfundível.

Brock lhe parecia tão letal quanto fora ao salvá-la na cidade, a não ser, talvez, pela ira gélida que emanara dele como em ondas aquela noite, pois agora ele vibrava com algo igualmente agressivo e intenso: desejo. Todo centrado nela.

– Você está... Maldição, Jenna – ele disse rouco, tracejando a linha do seu ombro, depois circundando a ponta rósea do seu seio. – Você não faz ideia de quanto é adorável, faz?

Ela não respondeu, nem saberia como. Em vez disso, aproximou-se e puxou a boca dele para a sua para mais um beijo ardente. Pele contra pele, os seios esmagados contra os músculos firmes do peito dele, Jenna quase entrou em combustão de tanto desejo. Seu coração batia forte, a respiração acelerada, enquanto Brock abaixava a mão e descia o zíper de seus jeans. Ela mordeu os lábios quando ele deslizou as mãos entre a cintura da calça e a pele dos seus quadris, depois fez descer os jeans por sobre a calcinha branca. Ele se afundou sobre os calcanhares, acompanhando a descida dos jeans com as mãos.

Tomou cuidado perto do ferimento a bala, a fim de não mexer no curativo que envolvia a coxa.

– Tudo bem? – perguntou, erguendo o olhar para ela, a voz grave tão rouca que ela mal a reconheceu. – Se houver dor, posso cuidar dela.

Jenna balançou a cabeça.

– Não está doendo. Está tudo bem, mesmo.

Os olhos reluzentes âmbar se fecharam baixando os cílios ao voltar para a tarefa que tinha em mãos. Com os jeans removidos, ele se apoiou nos calcanhares e olhou para ela, deslizando as mãos para cima e para baixo na extensão das suas pernas.

– Tão, tão linda – ele a elogiou, depois inclinou a cabeça e pressionou os lábios no triângulo de algodão branco entre as coxas, a única peça de roupa que a cobria agora.

Jenna expeliu um suspiro trêmulo quando ele prendeu o tecido entre os dentes e as presas. Com o olhar carregado de propósito, fitou-a, as mãos ainda acariciando as pernas, e puxou a peça antes de soltá-la, deixando voltar ao seu lugar, cobrindo a pele aquecida. Ele a seguiu com a boca, beijando-a de novo, com mais determinação agora, afastando o irrisório pedaço de pano e esfregando o rosto ainda mais na fenda úmida do seu sexo.

As mãos a seguravam pelas nádegas enquanto ele a explorava com os lábios e a língua e o resvalar erótico dos dentes na pele úmida do seu centro. Despiu-a da calcinha, depois afastou as coxas e a sugou novamente. Levou uma mão até o meio das pernas, acrescentando o toque dos dedos à habilidade enlouquecedora da boca. Jenna estremeceu, perdida em sensações e a pouco menos do que uma inspiração de desfalecer.

– Céus – arfou ela, tremendo quando ele sondou suas dobras com a ponta do dedo, penetrando-a apenas de leve, enquanto seus beijos a deixavam cada vez mais tensa. Moveu-se na direção dele, inundada pelo calor. – Meu Deus... Brock, não pare.

Ele gemeu ao encontro da umidade dela, um longo ronronar de evidente apreciação masculina que vibrou em seus ossos e músculos até seu cerne aquecido. O clímax de Jenna a atravessou tal qual uma tempestade. Estremeceu com a sua força, exclamando quando o prazer a assolou e a fez subir aos céus. Quase se desfez, a sensação pairando quase como poeira estelar enquanto ela espiralava mais e mais alto, com tremores de puro deleite trespassando-a, um após o outro.

Sentia-se sem ossos ao flutuar de volta à realidade. Sem ossos e exausta, apesar de seu corpo ainda estar vibrando, repleto de sensações. E Brock ainda a beijava. Ainda a afagava com os dedos, arrancando cada um dos tremores restantes enquanto ela se agarrava aos ombros largos e arfava com o prazer dos tremores.

– Acho que eu estava precisando disso – sussurrou, estremecendo quando o riso baixo dele ecoou em sua pele ainda sensível. Ele a beijou no interno da coxa, mordiscando de leve, e suas pernas vacilaram um pouco sob o próprio peso. Ela se deixou cair para a frente, envolvendo Brock pelas costas. – Ah, meu Deus. Eu não imaginava o quanto precisava disso.

– O prazer foi meu – ele disse, rouco. – E ainda não terminei. – Mudou de posição debaixo dela, passando o braço ao seu redor e acomodando-a sobre o ombro. – Segure firme em mim.

Ela não teve escolha. Antes de entender o que ele pretendia, ele já se levantava. Carregou-a como um peso morto sobre um ombro e se pôs de pé, como se ela não passasse de um fardo de penas. Jenna se segurou como ele lhe dissera, sem deixar de admirar a força absoluta com que ele caminhava até o quarto adjacente. Vestindo apenas os jeans, os músculos das costas se flexionavam e contraíam debaixo da pele lisa a cada longa passada, um concerto perfeito de boa forma e talhe.

Não havia dúvidas, ele era lindo.

E seu corpo já eletrizado zunia com calor renovado quando ela percebeu que ele a carregava direto para a imensa cama king size.

Ele afastou a colcha e o lençol, depois a depositou na beira do colchão. Jenna observou com desejo crescente enquanto ele desabotoava os jeans e os retirava. Ele não estava usando nada por baixo. Glifos elaborados tracejavam a cintura estreita e o quadril, descendo pelas pernas vigorosas. As cores pulsavam e se transformavam, atraindo seu olhar por um breve instante da ereção evidente, que estava rija e imensa enquanto ele apenas observava enquanto ela o avaliava dos pés à cabeça.

Jenna engoliu com a boca seca quando ele se aproximou dela, devastador em toda a sua nudez. O olhar reluzente ainda mais brilhante, as presas ainda mais alongadas.

Ele parou perto da cama, crispando a testa quando ela se deteve no seu olhar transfigurado.

– Está com medo de mim... deste jeito?

Ela só balançou a cabeça de leve.

– Não, não estou com medo.

– Se estiver preocupada com relação a uma possível gravidez...

Ela voltou a balançar a cabeça.

– Meus danos internos no acidente cuidaram disso. Não posso engravidar. De toda forma, pelo que soube, DNA humano e da Raça não se misturam.

– Não – confirmou ele. – E em relação a quaisquer outras preocupações que possa ter, está segura comigo. Não existem doenças nos da minha espécie.

Jenna assentiu.

– Confio em você, Brock.

O crispar da testa dele diminuiu, mas ele permaneceu imóvel.

– Se não tiver certeza, se não é isso o que você quer, então o que lhe disse antes ainda vale. Podemos parar a qualquer instante. – Ele riu baixinho. – Acho que isso pode acabar comigo agora, já que está toda sensual na minha cama, mas eu paro. Que Deus me ajude, mas eu paro.

Ela sorriu, emocionada por alguém tão poderoso demonstrar tamanha honra e humildade. Ela afastou o lençol e abriu espaço para ele ao seu lado.

– Não quero parar.

A boca dele se abriu num sorriso amplo. Com um grunhido, foi em frente e sentou na cama ao seu lado. A princípio, apenas se tocaram e se acariciaram, beijando-se com suavidade, aprendendo mais sobre seus corpos. Brock foi paciente, apesar de a tensão em seu corpo revelar que ele estava se torturando por se refrear. Foi atencioso e carinhoso, tratando-a como uma amante querida, apesar de terem concordado de antemão que aquilo entre eles jamais seria outra coisa além de algo casual, sem amarras.

Para Jenna, parecia incrível que um homem que ela mal conhecia – aquele macho da Raça que tinha todo o direito de assustá-la – pudesse lhe parecer tão familiar, tão íntimo. Brock, porém, dificilmente era um estranho. Ele estivera ao seu lado em meio ao seu pesadelo pessoal, e de novo nos dias de sua recuperação ali no complexo. E a procurara naquela noite em que estivera sozinha e ferida na cidade, um improvável salvador sombrio.

– Por que fez aquilo? – perguntou baixinho, os dedos percorrendo os dermaglifos que se curvavam pelos ombros e desciam pelo peito. – Por que ficou comigo no Alasca e depois todos aqueles dias na enfermaria?

Ele ficou em silêncio por um momento, as sobrancelhas escuras unidas sobre o olhar reluzente.

– Odiei ver o que aconteceu com você. Você era apenas uma inocente que se viu em meio a um tiroteio. Você é humana. Não merecia ser arrastada para o meio da nossa guerra.

– Já sou uma garota crescida. Sei lidar com isso – disse, uma resposta automática que não sentia verdadeiramente. Ainda mais depois dos resultados perturbadores dos seus exames de sangue. – E quanto a agora? O que estamos fazendo aqui, quero dizer... Isto faz parte do seu programa “seja legal com a humana” também?

– Não. Claro que não. – A carranca dele se acentuou a ponto de mostrar raiva. – Acha que isso é pena? É isso o que você acha que é? – Ele inspirou fundo, revelando as pontas das presas ao rolá-la de costas e ficar sentado em cima dela. – Para o caso de não ter percebido, estou excitado pra caramba por você. Se me excitar mais, acabo explodindo.

Para provar seu ponto de vista, ele deu uma estocada nada sutil com o quadril, acomodando-se entre as dobras úmidas de seu sexo. Ele bombeou algumas vezes, fazendo a rigidez do membro entrar e sair da fenda dela, atiçando-a com o calor da sua excitação. Passou o braço por trás do joelho dela, levantando-lhe a perna até seu ombro, virou o rosto para a coxa e deu-lhe uma mordiscada.

– Isto é desejo puro e simples, nada de piedade – disse, sua voz rouca ao penetrá-la, longa e profundamente.

Jenna não conseguiria formular uma resposta mesmo que tentasse. A sensação atordoante de tê-lo preenchendo-a, estendendo-a cada vez mais a cada estocada, era tão sobrepujante que lhe roubou o fôlego. Ela se segurou a ele com as duas mãos enquanto ele lhe capturou a boca num beijo ardente, balançando acima dela, o corpo se movimentando num ritmo exigente.

A crista de um novo clímax já se formava dentro dela, e não conseguiu contê-lo. Sentiu o calor do próprio sangue nas veias, a pulsação imperiosa de Brock também, reverberando sob seus dedos e em cada terminação nervosa. Seus ouvidos estavam tomados pelo som do seu grito silencioso de libertação, pela fricção dos corpos unidos se retorcendo sobre os lençóis. O cheiro do sexo e do sabonete e do suor limpo na pele quente a intoxicaram. O sabor dos beijos ardentes de Brock em seus lábios só a fazia desejar outros mais.

Ela tinha fome, de uma maneira inexplicável.

Tinha fome dele, tão profunda que parecia retorcê-la de dentro para fora.

Queria saboreá-lo. Saborear o poder que ele era.

Arfando após o clímax, afastou-se da boca dele. Ele praguejou algo sombrio sob o fôlego, as investidas cada vez mais intensas, as veias e os tendões saltando no pescoço e nos ombros como cabos espessos elevando-se da pele.

Segurando-se a ele, Jenna deixou a cabeça pender por um momento, tentando se perder no ritmo dos corpos. Tentando não pensar na dor que corroía suas entranhas, no impulso confuso, porém irresistível que atraía seu olhar para o pescoço forte. Para as veias saltadas que pulsavam como tambores de guerra aos seus ouvidos.

Pressionou o rosto na coluna forte do pescoço dele e percorreu a língua no ponto pulsante que encontrou ali. Ele gemeu, um som prazeroso que só servia como combustível para o fogo que ainda queimava dentro dela. Ela se aventurou um pouco mais, cerrando os dentes sobre a pele dele. Brock grunhiu uma imprecação, e ela mordeu com um pouco mais de força, sentindo a onda de tensão que atravessou todo o corpo dele, que estava no limiar agora, os braços como granito ao redor dela, cada estocada dos quadris ficando mais intensa.

Jenna cravou os dentes com mais força na pele suave.

Mordeu até ele ficar louco de paixão...

Até ela sentir o sabor da primeira gota de sangue na língua.

 

 

CONTINUA

Capítulo 8

– Espero que todas estejam com fome – disse Alex, passando pelas portas vaivém da cozinha da mansão, com uma tigela grande de frutas frescas cortadas numa mão e um cesto de biscoitos com ervas aromáticas quentinhos na outra.

Depositou ambos na mesa da sala de jantar diante de Jenna e Tess, que foram instruídas por Alex e as outras mulheres do complexo para que se sentassem e se servissem do café da manhã.

– Como está se sentindo, Jen? – perguntou Alex. – Precisa de alguma coisa? Se quiser erguer a perna, posso pegar um banquinho na outra sala.

Jenna meneou a cabeça.

– Estou bem. – Sua perna estava bem melhor desde a cirurgia da noite anterior, e ela não sentia muitas dores. Só por causa da insistência de Tess é que estava usando uma bengala para se movimentar. – Não precisa ficar me mimando.

– Essa é a minha melhor amiga, a policial do interior – disse Alex, revirando os olhos na direção de Tess e virando a mão num sinal de pouco caso. – Só um machucadinho a bala, não precisam se preocupar...

Jenna caçoou.

– Comparado com a semana que tive, um buraco a bala na coxa é a menor das minhas preocupações.

Ela não estava querendo solidariedade, apenas declarando um fato.

A mão de Tess pousou com suavidade em seu pulso, assustando-a com seu calor e a preocupação genuína no olhar.

– Nenhuma de nós pode fingir saber aquilo pelo que você passou, Jenna, mas espero que entenda que estamos aqui para cuidar de você agora. Você está entre amigas, todas nós.

Jenna resistiu ao efeito de consolo que as palavras de Tess exerciam sobre ela. Não queria se sentir relaxada naquele lugar, entre Alex e aquelas desconhecidas aparentemente gentis.

Nem com Brock.

Muito menos com ele.

Sua mente ainda estava confusa com o resgate inesperado na cidade. Fora um erro sair como havia saído, despreparada e afetada emocionalmente. Não fazia tanto tempo assim que se desligara da polícia para não se lembrar que o melhor modo de se ver em apuros era fugir despreparada em território desconhecido. Só o que reconheceu naquele meio segundo antes de sair do complexo foi o desespero em fugir da sua nova e sombria realidade.

Cometera um clássico erro de julgamento de principiante, incitado pela emoção, e acabara necessitando de resgate para voltar à segurança. Que o seu resgate tivesse surgido na forma de um vampiro formidável e aterrorizante era algo que ela não sabia se um dia conseguiria compreender.

No fundo, sabia que Brock salvara sua vida na noite anterior. Uma parte sua desejava que ele não o tivesse feito. Não queria ficar devendo nada a ele. Não gostava de dever a ninguém, muito menos a um homem que nem podia ser classificado como humano.

Deus, que reviravolta em sua vida...

Com seus pensamentos cada vez mais sombrios, Jenna afastou a mão da de Tess e se recostou na cadeira.

Tess não a pressionou a falar, simplesmente se inclinou sobre a mesa e inspirou um pouco da fragrância que emanava dos biscoitos.

– Hummm – gemeu, o braço fino amparando a curva do ventre arredondado. – É a receita de cheddar e manjericão da Dylan?

– Atendendo a pedidos – respondeu Alex vivamente. – E há mais de onde isso veio, incluindo as incríveis torradas francesas com crème brûlée de Savannah. Falando nelas, é melhor eu ir buscá-las para o banquete.

Enquanto Alex virava e desaparecia novamente na cozinha, Tess lançou um olhar furtivo para Jenna.

– Você ainda não viveu se não provou os biscoitos de Dylan e as torradas de Savannah. Confie em mim, são o paraíso.

Jenna sorriu com educação.

– Tudo me parece muito bom. Nunca fui muito de cozinhar. Minha tentativa de sucesso na cozinha é uma omelete de carne de alce com queijo suíço, espinafre e batatas.

– Carne de alce? – Tess gargalhou. – Bem, posso lhe garantir que nenhuma de nós já experimentou algo parecido. Talvez você possa preparar para nós um dia desses.

– Quem sabe? – disse Jenna sem se comprometer, levantando os ombros.

Se não fosse pela incômoda matéria desconhecida encravada em sua coluna, e agora pelo tiro que a manteria ali sabe lá Deus por quanto tempo, ela já teria ido embora. Não sabia quanto tempo ainda a fariam ficar ali, mas assim que conseguisse sair andando, já era. Não se importava com o que a Ordem precisava saber; não tinha nenhuma intenção de ficar por perto para ser o ratinho de laboratório deles.

Ainda era estranho demais pensar que estava ali com elas, num quartel-general secreto habitado por uma equipe de vampiros guerreiros e por mulheres aparentemente sãs e agradáveis que pareciam felizes e à vontade entre eles.

O surrealismo da coisa toda se intensificou quando Alex e o restante das mulheres da Ordem – cinco lindas jovens e a menina loira chamada Mira – saíram da cozinha com o restante do café da manhã. Conversavam amigavelmente, relaxadas na companhia uma da outra como se tivessem estado juntas a vida inteira.

Formavam uma família, inclusive Alex, apesar de ela ter chegado ali apenas uma semana antes, assim como Jenna.

Um ritmo descontraído se fez na sala de jantar, enquanto pratos com bordas douradas eram passados adiante e completados com todo tipo de comida deliciosa. Taças de cristal eram enchidas com suco até a borda, e delicadas xícaras de porcelana logo se encheram com fragrante café torrado e coado.

Jenna observava tudo em silêncio enquanto a refeição prosseguia. Xarope de bordo aquecido e bolinhas de manteiga rodavam pela mesa, parando por mais tempo com a pequena Mira, que encharcou sua torrada com aquela doçura e cobriu os biscoitos com manteiga como se aquilo fosse cobertura. Mira engoliu um em duas mordidas grandes, depois atacou o resto da refeição com muita vontade.

Jenna sorriu sem querer ante o apetite voraz da menina, sentindo uma pontada de melancolia, senão culpa, quando pensou na filha. Libby sempre fora uma menina cuidadosa, disciplinada e séria, mesmo quando pequena.

Deus, o que não daria para poder ver Libby degustando algo tão simples quanto um café da manhã à sua frente na mesa?

Com os dedos melados, Mira pegou o copo de suco de laranja e sorveu um gole grande. Suspirou de contentamento ao apoiar o copo novamente num baque.

– Pode me passar o chantilly para eu pôr nos pêssegos? – perguntou, cravejando Jenna com seus misteriosos olhos violeta.

Por um instante, Jenna se sentiu capturada por aquele olhar. Dispensou a sensação e pegou a tigela que estava no meio do caminho entre ela e Mira do outro lado.

– Pode, por favor, me passar o chantilly? – Renata a corrigiu de seu lugar à direita da menina. A morena lançou-lhe uma piscadela decididamente maternal e carinhosa ao interceptar a tigela que Jenna segurava.

– Pode, por favor – Mira se corrigiu, não parecendo nem um pouco admoestada.

Jenna cortou um pedaço da torrada e a colocou na boca. Era exatamente o que Tess havia prometido, paradisíaca. Mal conseguiu refrear um gemido alto ao se deleitar com o sabor cremoso de baunilha.

– Gostou? – perguntou Savannah, que estava sentada em uma das cabeceiras da longa mesa de jantar.

– É deliciosa – murmurou Jenna, as papilas gustativas ainda vibrando de êxtase. Lançou um breve olhar, abarcando todas ali reunidas. – Obrigada por me deixarem partilhar disto com vocês. Nunca vi tanta comida junta em minha vida.

– Achou que a deixaríamos morrer de fome? – perguntou Gabrielle da outra cabeceira. Seu sorriso era acolhedor e amigável.

– Não sei bem o que pensei – respondeu Jenna, com honestidade. – Sendo bem franca, acho que ainda não processei tudo isso muito bem.

Gabrielle inclinou a cabeça num leve assentimento, parecendo sábia e serena, ainda que, sem dúvida, devesse ser mais jovem do que Jenna e seus trinta e três anos.

– Isso é compreensível. Você sofreu muito, e a sua situação é sem igual para todos nós.

– A minha situação – Jenna repetiu, refletindo enquanto mexia um pedaço de pão molhado em xarope de bordo em seu prato. – Está falando do objeto não identificado que está alojado na base do meu crânio?

– É, isso – concordou Gabrielle, com um tom gentil na voz. – E o fato de que você teve sorte de escapar do ataque do Antigo com vida. O simples fato de ele ter se alimentado de você e tenha permitido que você vivesse é...

– Inédito – sugeriu a mulher sentada com Gabrielle. Ela tinha cabelos ruivos e o belo rosto salpicado por sardas. – Se soubesse do que ele é capaz, se você tivesse noção do que aconteceu com tantas outras... – A voz se perdeu, um leve estremecimento fazendo o garfo em sua mão tremer. – É um milagre que você esteja viva, Jenna.

– Dylan tem razão – concordou Tess. – Há mais ou menos um ano, quando a Ordem descobriu que o Antigo havia sido despertado, temos tentado localizá-lo e a Dragos, o filho da mãe responsável por trazer de volta ao mundo esse tipo de perigo.

– Não sei qual dos dois é pior – Renata interveio. – O Antigo clamou muitas vidas inocentes, mas é Dragos, o neto sádico do Antigo, quem vem dando as ordens.

– Está dizendo que aquela criatura tem descendentes? – Jenna perguntou, sem conter sua repulsa.

Gabrielle sorveu um gole de café, depois, com cuidado, voltou a depositar a xícara no pires.

– Aquela criatura e outros tantos como ele deram início à Raça na Terra.

– Na Terra? – Jenna exclamou com uma risada descrente. – Está se referido a alienígenas agora? Aquele vampiro que me atacou...

– Não era deste mundo – Savannah concluiu por ela. – É verdade. Não é mais difícil de acreditar do que a existência dos próprios vampiros, se quer saber a minha opinião, mas é a mais pura verdade. Os Antigos estupraram e dominaram depois que aterrissaram aqui há milhares de anos. Com o passar do tempo, algumas das suas vítimas engravidaram com o que se tornaria a primeira geração da Raça.

– Isso faz algum sentido para vocês? – Jenna perguntou, ainda incrédula. Relanceou para Alex, ao seu lado. – Você também acredita nisso?

Alex concordou.

– Depois de conhecer Kade e todos os demais aqui no complexo, como posso não acreditar? Também vi o Antigo com meus próprios olhos, momentos antes de ele ser morto nos despenhadeiros fora de Harmony.

– E quanto a esse outro... Dragos? – perguntou Jenna, curiosa, sem querer, em fazer com que todas as peças desse incrível quebra-cabeça se juntassem se algum modo. – Onde ele entra?

Dylan foi a primeira a falar.

– Ao que parece, Dragos despertou o Antigo muito antes do que supúnhamos. Décadas antes, de fato. Ele o manteve escondido e o usou para criar uma nova leva de Primeira Geração, os membros mais fortes da Raça, visto que são descendentes diretos da linhagem do Antigo e não geneticamente diluídos, como as gerações posteriores.

– Dragos vem criando um exército pessoal dos mais poderosos, dos mais letais membros da espécie – acrescentou Renata. – São criados supervisionados, treinados para serem assassinos impiedosos. Assassinos particulares de Dragos, a quem ele convoca sempre que necessário para os seus desígnios.

Gabrielle assentiu.

– Para criar essa geração, Dragos também precisou de um estoque de mulheres férteis para engravidar do Antigo.

– As Companheiras de Raça – disse Alex.

Jenna olhou para ela.

– E o que são elas?

– Mulheres nascidas com um DNA e características sanguíneas distintas que as tornam capazes de partilhar um elo de sangue vitalício com os membros da Raça e de reproduzir seus filhos – disse Tess, a mão distraída acariciando o ventre distendido. – Mulheres como nós ao redor desta mesa.

O choque e o horror contraíram o íntimo de Jenna.

– Está dizendo que eu...

– Não – disse Tess, balançando a cabeça. – Você é mortal, não é uma Companheira de Raça. O seu hemograma é normal e você não tem a marca que o resto de nós tem.

Ante a confusão estampada no rosto dela, Tess mostrou a mão, que trazia uma marca rubra entre o polegar e o indicador. Era uma minúscula lua crescente com o que parecia uma gota de lágrima caindo em seu centro.

– Todas vocês têm essa tatuagem?

– Não é uma tatuagem – disse Alex. – É uma marca de nascença, Jenna. Todas as Companheiras de Raça têm uma em algum lugar do corpo. A minha está no quadril.

– Não existem muitas de nós no mundo – explicou Savannah. – A Raça considera as Companheiras de Sangue sagradas, mas Dragos não. Ele vem juntando essas mulheres há anos, mantendo-as em cativeiro; deduzimos que com o único propósito de gerarem os assassinos de Primeira Geração. Muitas delas foram mortas, seja por Dragos ou pelo Antigo.

– Como sabem disso? – Jenna perguntou, horrorizada pelo que ouvia.

Na outra ponta da mesa, Dylan pigarreou.

– Eu as vi. As mortas, quero dizer.

A parte policial de Jenna ficou alerta.

– Se vocês têm cadáveres, então têm provas e motivo para entregar esse cretino, Dragos, para as autoridades.

Dylan meneava a cabeça.

– Não vi os corpos. Vi as mortas. Elas... aparecem às vezes. Às vezes falam comigo.

Jenna não sabia se gargalhava ou se deixava a cabeça cair, derrotada.

– Você vê pessoas mortas?

– Toda Companheira de Raça tem uma habilidade ou talento próprio que a torna peculiar de algum modo – explicou Tess. – Para Dylan, é esse dom de se conectar com as outras Companheiras de Raça que já morreram.

Renata se inclinou para a frente, apoiando os antebraços na mesa.

– Através do dom de Dylan, sabemos com certeza que Dragos é o responsável pela morte de inúmeras Companheiras de Raça. E por meio de outra amiga da Ordem, Claire Reichen, cujo talento nos levou a localizar a base de operações de Dragos há alguns meses, sabemos que ele ainda mantém muitas mais. Desde então, a operação de Dragos se escondeu no submundo. Agora a principal missão da Ordem, além de acabar com o maldito o mais rápido possível, é encontrar o quartel-general dele e libertar as suas vítimas.

– Temos ajudado como podemos, mas é muito difícil localizar um alvo móvel – disse Dylan. – Podemos procurar os relatórios das pessoas desaparecidas, procurando por rostos que eu reconheça. E, durante o dia, vasculhamos abrigos para mulheres, orfanatos, albergues... qualquer lugar que possa nos levar às jovens desaparecidas.

Renata assentiu.

– Particularmente aquelas com habilidades extrassensoriais ou outras competências que possam indicar uma Companheira de Raça em potencial.

– Fazemos o que podemos – disse Gabrielle. – Mas ainda não tivemos muita sorte. É como se estivesse nos faltando a chave para desvendar tudo isso e, até a encontrarmos, parece que só ficamos dando voltas.

– Ei, espere um instante – disse Jenna, seu lado policial enferrujado compreendendo a frustração de seguir pistas infrutíferas. – A persistência costuma ser o melhor aliado de um investigador.

– Pelo menos não temos mais que nos preocupar com o Antigo – disse Savannah. – Essa é uma batalha a menos para enfrentar.

Ao redor da mesa de café da manhã, um coro de vozes concordantes ecoou essa declaração.

– Por que o Antigo deixou que você vivesse, Jenna?

A pergunta foi feita por Elise, uma loira baixinha de cabelos curtos do outro lado de Tess. A discreta do grupo, que se parecia com uma flor delicada, mas com um olhar franco e decidido de uma guerreira. Ela, provavelmente, devia precisar dessa força interior, levando-se em consideração a companhia que ela e as demais mulheres naquele complexo tinham.

Jenna baixou o olhar para o prato e refletiu sobre sua resposta. Demorou um tempo para encontrar as palavras.

– Ele me fez escolher.

– O que quer dizer com isso? – disse Savannah, com a testa se franzindo numa pergunta.

O que você decide, Jenna Tucker-Darrow?

Vida... ou morte?

Jenna sentiu todos os olhos cravados nela naquele silêncio. Forçando-se a enfrentar as perguntas não proferidas que pairavam no ar, ela ergueu o olhar. Empinou o queixo e falou sucinta e rapidamente:

– Eu queria morrer. É o que eu teria preferido, ainda mais naquele momento. Ele sabia disso, tenho certeza. Mas, por algum motivo, pareceu querer brincar comigo, então me fez decidir se eu queria ou não morrer naquela noite.

– Puxa, Jen, que horrível... – A voz de Alex se mostrou emocionada. Seu braço a envolveu pelos ombros num gesto de amparo. – Filho da puta cruel.

– Então – continuou Elise –, você disse ao Antigo que a deixasse viver e ele concordou... Simples assim?

Lembrando o momento com vívida clareza agora, Jenna balançou a cabeça com vigor.

– Eu lhe disse que queria viver, e a última coisa de que lembro é dele fazendo um corte no braço e retirando aquela coisa, aquela coisa minúscula que só Deus sabe o que é, e que agora está dentro de mim.

Ela sentiu, mais do que viu, a sutil troca de olhares ao redor da mesa.

– Acham que isso tem alguma significância? – perguntou, dirigindo a pergunta ao grupo como um todo. Tentou abafar a pontada repentina de medo que reverberou em seu peito. – Acham que o fato de ele ter colocado aquela coisa dentro de mim tem alguma importância em eu viver ou morrer?

Alex segurou a mão dela num gesto tranquilizador, mas foi Tess quem falou antes das outras.

– Talvez Gideon possa fazer outros testes para nos ajudar a descobrir isso.

Jenna engoliu em seco, depois assentiu.

Seu prato de comida permaneceu intocado pelo restante da refeição.

Num canto escurecido de um quarto num hotel luxuoso em Boston, onde cortinas pesadas impediam a passagem do menor dos raios solares da manhã, o macho da Raça chamado Dragos estava acomodado numa poltrona acolchoada em seda e tamborilava as unhas da mão na mesinha lateral de mogno. Atrasos o deixavam impaciente, e a impaciência o tornava letal.

– Se ele não chegar nos próximos sessenta segundos, um de vocês terá que matá-lo – disse para o par de assassinos de Primeira Geração que o flanqueavam como Cérberos musculosos de dois metros de altura.

Assim que terminou de falar, no corredor do lado de fora da suíte presidencial, o elevador privativo emitiu uma campainha eletrônica, anunciando a chegada do convidado. Dragos não se moveu de seu canto no quarto, aguardando em silêncio irritado enquanto outro dos seus guardas pessoais criados acompanhava o macho da Raça civil – um tenente na operação secreta de Dragos – até a suíte para a sua reunião particular.

O vampiro teve o bom senso de inclinar a cabeça no instante em que seu olhar recaiu sobre Dragos.

– Mil perdões por mantê-lo esperando, senhor. A cidade está tomada pelos humanos. Pessoas fazendo compras de Natal e turistas – disse ele, o desdém revelado em cada uma das sílabas bem pronunciadas. Tirou as luvas e as colocou nos bolsos do casaco de caxemira. – O meu motorista teve que dar uma dúzia de voltas no hotel antes de conseguirmos nos aproximar da entrada de serviço no andar subterrâneo.

Dragos continuou tamborilando os dedos na mesinha.

– Algo errado com a entrada principal?

Seu tenente, pertencente à segunda geração da Raça, assim como Dragos, empalideceu visivelmente.

– Estamos em pleno dia, senhor. Com toda essa claridade, eu me incineraria em questão de minutos.

Dragos apenas o fitou, nem um pouco incomodado. Também não estava satisfeito com o local inconveniente daquele encontro. Preferiria muito mais o conforto e a segurança da sua residência. Mas isso já não era mais possível. Não depois que a Ordem interferiu em sua operação e o obrigou a buscar refúgio.

Temendo ser descoberto, ele não permitia mais que qualquer um dos seus associados civis soubesse onde seu quartel-general ficava. Como precaução adicional, nenhum deles conhecia a localização das suas propriedades nem da sua equipe. Ele não podia correr o risco de que seus tenentes caíssem no poder da Ordem e o acabassem comprometendo na esperança de que Lucan os poupasse de sua ira.

Só de pensar em Lucan Thorne e nos seus guerreiros, ele ficava com um gosto amargo na boca. Tudo pelo que tanto trabalhara, sua visão de um futuro no qual mal conseguia esperar para pôr as mãos, fora estragado pelas ações da Ordem. Eles o forçaram a bater em retirada. Forçaram-no a destruir o nervo central da sua operação – um superlaboratório de pesquisa científica que lhe custara centenas de dólares e muitas décadas para aperfeiçoar.

Tudo isso desaparecido agora, nada além de cinzas e escombros no meio de uma floresta em Connecticut.

Agora o poder e os privilégios a que Dragos estava acostumado por séculos foram substituídos por esconderijos nas sombras e olhadelas constantes por sobre o ombro para se certificar de que o inimigo não se aproximava. A Ordem o obrigara a fugir e se esconder como um coelho desesperado para se evadir da armadilha do caçador, e ele não gostava nem um pouco disso.

O último incômodo acontecera no Alasca, com a fuga do Antigo, o seu instrumento mais valioso e insubstituível na busca pela derradeira dominação. Já fora bastante ruim que o Antigo tivesse escapado durante seu transporte em seu novo tanque de contenção. Mas o desastre só piorou quando a Ordem não só conseguiu encontrar o laboratório no Alasca como também o fugitivo alienígena.

Dragos perdera essas duas peças fundamentais para os malditos. Não pretendia perder mais nada.

– Quero ouvir boas notícias – disse ao tenente, dardejando o macho por debaixo das sobrancelhas unidas. – Como tem progredido com a sua missão?

– Tudo está a postos, senhor. Esta semana, o alvo e sua família imediata acabaram de regressar aos Estados Unidos das suas férias no exterior.

Dragos grunhiu em concordância. O alvo em questão era um ancião da Raça, com quase mil anos de existência, um da Primeira Geração, de fato, motivo pelo qual Dragos o tinha em mira. Além de querer que Lucan Thorne e seu bando de guerreiros ficassem sem trabalho, Dragos também retornara aos objetivos da sua missão inicial: a extinção sistemática e total de cada um dos Primeira Geração da Raça naquele planeta.

O fato de Lucan e outro membro fundador da Ordem serem Primeira Geração só tornava seu objetivo mais doce. E ainda mais imperativo. Ao acabar com todos os Primeira Geração, exceto seus assassinos criados e treinados para servi-lo inquestionavelmente, Dragos e os outros membros da segunda geração da Raça se tornariam, por consequência, os vampiros mais importantes da atualidade.

E se, ou melhor, quando se cansasse de partilhar o futuro que ele sozinho entreviu e garantiu que acontecesse, então ordenaria ao seu exército pessoal de assassinos que dizimasse cada um dos seus contemporâneos da segunda geração também.

Sentado num silêncio contemplativo e aborrecido, ouvia enquanto seu tenente se apressava em rever os detalhes do plano que o próprio Dragos idealizou poucos dias antes. Passo a passo, tática a tática, o outro macho da Raça discorreu sobre tudo, garantindo-lhe que nada seria deixado ao acaso.

– O Primeira Geração e sua família estão sendo observados em período integral desde que voltaram para casa – disse o tenente. – Estamos prontos para disparar o gatilho dessa operação ao seu comando, senhor.

Dragos inclinou a cabeça num vago assentimento.

– Faça acontecer.

– Sim, senhor.

A mesura profunda e sua retirada foram quase tão agradáveis quanto a noção de que aquele golpe pendente deixaria absolutamente claro para a Ordem que ele podia ter sido atingido, mas estava longe de ser abatido.

Na verdade, sua presença no elegante hotel em Boston, e uma das importantes reuniões de apresentação que levaram semanas para serem arranjadas entre ele e um punhado de humanos influentes escolhidos a dedo, solidificaria a posição de Dragos em sua ascensão para a glória final. Ele praticamente já sentia o gosto do sucesso.

– Ah, mais uma coisa – Dragos chamou seu associado que partia.

– Sim, senhor.

– Se fracassar – disse ele de maneira agradável –, esteja preparado para que eu lhe sirva seu próprio coração.

O rosto do macho empalideceu, ficando branco como o carpete que cobria o piso tal qual neve fresca.

– Não fracassarei, senhor.

Dragos sorriu, expondo tanto os dentes quanto as presas.

– Certifique-se de que isso não aconteça.


Capítulo 9

Depois da bagunça carregada de morte da noite anterior na cidade, Brock considerou um triunfo pessoal que tivesse conseguido evitar Jenna em grande parte do dia após o seu retorno ao complexo.

Depois de ter descartado os dois corpos nas águas gélidas do rio Mystic, ficou sozinho até quase o amanhecer, tentando se libertar da fúria que parecia acompanhá-lo aquela noite.

Mesmo após estar no quartel-general da Ordem por algumas horas pela manhã, a raiva injustificada, e completamente indesejável, que o possuía ao pensar numa mulher inocente se deparando com o perigo fazia com que seus músculos vibrassem com uma necessidade de violência. Algumas boas horas de treino suado com as armas ajudaram a aplacar um pouco desse sentimento. Bem como o banho escaldante de quarenta minutos com o qual se castigara após o treino.

Ele até poderia achar que se sentia bem, com a cabeça no lugar de novo, se não fosse pelos golpes certeiros que Gideon lançara não muito tempo depois.

O primeiro foi a notícia de que Jenna descera depois do café da manhã com as outras mulheres do complexo e lhe pedira para fazer mais exames de sangue e de tecido. Ela havia se lembrado de algo a respeito do tempo passado com o Antigo, algo que Gideon dissera que havia deixado a fêmea valente bem atormentada.

O segundo golpe foi dado quase imediatamente depois que os primeiros resultados dos exames surgiram.

O sangue e o DNA de Jenna haviam mudado significativamente desde a última vez que Gideon os analisara.

No dia anterior, os resultados foram normais. Hoje, tudo estava alterado.

– Não podemos nos precipitar em conclusões. Não importa o que esses resultados possam indicar – disse, por fim, Lucan, em seu tom grave e sério.

– Talvez devamos fazer mais exames – sugeriu Tess, a única fêmea no laboratório de tecnologia no momento. Ela levantou o olhar dos resultados perturbadores para encarar Lucan, Brock e o restante da Ordem, que fora convocada ali para revisar os achados de Gideon. – Devo ir buscar Jenna e levá-la para a enfermaria para mais exames?

– Você até pode fazer isso – disse Gideon –, mas fazer outros exames não vai mudar nada. – Ele tirou os óculos de lentes azul-claras, jogando-os na mesa de acrílico diante dele. Pinçando o alto do nariz, balançou a cabeça de leve. – Esse tipo de mutação de DNA e a reprodução celular massiva simplesmente não acontecem. Os corpos humanos não são avançados o bastante para lidar com as exigências que mudanças dessa significância provocariam em seus órgãos e artérias, sem falar no impacto que algo assim teria no sistema nervoso central.

Com os braços cruzados diante do peito, Brock se recostou na parede ao lado de Kade, Dante e Rio. Não disse nada, esforçando-se para entender tudo o que via e ouvia. Lucan tinha aconselhado que ninguém se precipitasse em conclusões, mas era excessivamente difícil não fazer isso agora, com o futuro bem-estar de Jenna em jogo.

– Não entendo – disse Nikolai do outro lado do laboratório, onde estava sentado à mesa, junto com Tegan e Hunter. – Por que agora? Isto é, se tudo estava normal antes, por que a súbita mutação no sangue e no DNA?

Gideon deu de ombros.

– Pode ser porque até ontem ela esteve num sono profundo, quase em coma. Soubemos que sua força muscular tinha aumentado assim que despertou. Brock testemunhou isso em primeira mão, e nós também, quando Jenna fugiu do complexo. As mudanças celulares que estamos vendo agora podem ter sido uma reação retardada ao seu despertar. Estar consciente e alerta pode ter agido como algum tipo de disparador dentro de seu corpo.

– Ontem à noite ela foi alvejada – acrescentou Brock, refreando o rugido raivoso que lhe constringia a garganta. – Isso pode estar relacionado com o que vemos no sangue dela agora?

– Talvez – disse Gideon. – Tudo é possível, imagino. Isso não é nada que eu, nem ninguém nesta sala, já tenha visto antes.

– Pois é – concordou Brock. – Simplesmente uma maravilha.

No fundo da sala, com os coturnos apoiados na mesa de reuniões enquanto inclinava a cadeira para trás, Sterling Chase pigarreou.

– Levando tudo em consideração, talvez não seja uma boa ideia dar tanta liberdade a essa mulher aqui no complexo. Ela é um grande ponto de interrogação no momento. Por tudo o que sabemos, pode muito bem ser algum tipo de bomba prestes a explodir.

Por um longo instante, ninguém disse nada. Brock odiou esse silêncio. Odiou Chase por exprimir algo que nenhum dos guerreiros quis considerar.

– O que sugere? – perguntou Lucan, lançando um olhar sério para o macho que passara décadas como parte da Agência de Policiamento antes de se juntar à Ordem.

Chase arqueou as sobrancelhas loiras.

– Se dependesse de mim, eu a retiraria do complexo o mais rápido possível. Trancaria-na em algum lugar seguro, bem longe das nossas operações, pelo menos até termos a oportunidade de deter Dragos de uma vez por todas.

O grunhido de Brock surgiu na garganta, carregado de animosidade.

– Jenna fica aqui.

Gideon recolocou os óculos e assentiu na direção de Brock.

– Concordo. Eu não me sentiria à vontade em tirá-la daqui agora. Gostaria de observá-la, para entender melhor o que está acontecendo com ela a nível celular e neurológico, no mínimo.

– Façam como quiserem – disse Chase. – Mas isso será o funeral de todos nós se você estiver errado.

– Ela fica – disse Brock, estreitando o olhar para o outro lado da mesa, que perfurou o ex-agente que sorria.

– Você está todo animado com essa humana desde o segundo em que a viu – observou Chase, o tom leve, mas com a expressão carregada de desafio. – Tem algo a provar, amigo? O que foi... você é um daqueles tolos loucos por uma dama em apuros? O santo padroeiro das causas perdidas. Essa é a sua?

Brock voou por cima da mesa num único salto. Poderia ter acabado com as mãos no pescoço de Chase, mas o vampiro previu o seu ataque e se moveu com a mesma velocidade. A cadeira caiu para trás e, em meio segundo, os dois machos grandes estavam cara a cara, travados numa batalha que nenhum deles poderia vencer.

Brock sentiu mãos fortes afastando-o do confronto, Kade e Tegan, chegando ali antes que ele conseguisse desferir o soco que Chase merecia. E atrás de Chase estavam Lucan e Hunter, os dois e os demais prontos a pôr panos quentes na situação caso um dos machos resolvesse agir.

Encarando Chase com raiva, Brock se permitiu ser afastado, mas só isso. Pelo que não foi a primeira vez, refletiu sobre a natureza antagônica e agressiva de Sterling Chase, e pensou no que fazia com que o de outro modo habilidoso e fantástico guerreiro fosse tão volátil.

Se a Ordem tinha uma bomba acionada com que se preocupar em seu meio, Brock ficou pensando se não estava olhando para ela naquele mesmo instante.

– Por que diabos isso está demorando tanto?

Jenna não tinha percebido que dera vazão à sua preocupação em voz alta até sentir a mão de Alex.

– Gideon disse que queria fazer outros testes na sua amostra. Tenho certeza de que logo vamos ter notícias.

Jenna bufou um suspiro. De bengala na mão, mesmo sentindo apenas uma necessidade mínima de se apoiar nela, levantou-se do sofá no qual estivera sentada e claudicou até o outro lado da sala de estar do apartamento. Fora levada até ali por Alex e Tess depois que colheram a amostra do seu sangue na enfermaria poucas horas atrás, dizendo-lhe que lhe tinham dado o uso daquele espaço pela duração da sua estada no complexo.

Aquela suíte era uma melhora e tanto em relação ao quarto da enfermaria. Espaçosa e confortável, com mobília grande de couro e mesinhas de madeira escura meticulosamente polidas, não entulhadas de tranqueiras. Estantes altas de madeira perfiladas com livros clássicos, de filosofia e história à altura de uma biblioteca. Livros provocativos e sérios que pareciam em contraste com uma prateleira muito bem organizada – caramba, em ordem alfabética – de livros de ficção populares bem ao lado.

Jenna deixou seu olhar passar pelas prateleiras de títulos e autores, necessitando de uma distração momentânea para impedir que pensasse demais no que poderia estar provocando tanta demora para ouvir as respostas de Gideon e dos outros.

– Faz mais de uma hora que Tess está lá – observou, tirando um livro qualquer sobre cantoras de jazz de sua posição na seção de história. Folheou as páginas, mais para dar algo paras as suas mãos fazerem do que por algum interesse real pelo livro.

Enquanto passava pelo capítulo sobre a era dos clubes de jazz dos anos 1920, uma fotografia amarelada escorregou. Jenna a apanhou antes que caísse no chão. O rosto sorridente de uma mulher jovem num vestido de seda cintilante e pele brilhante a fitava da imagem. Com olhos grandes e amendoados e tez de porcelana que parecia reluzir em contraste com os cabelos negros longos, ela era linda e exótica, ainda mais no cenário do clube de jazz ao fundo.

Com sua própria vida num espiral de confusão e preocupação, Jenna sentiu-se perplexa por um momento pelo júbilo evidente no sorriso amplo da jovem. Era uma alegria tão patente, franca, que quase sentiu uma dor física ao vê-la. Ela também já vivenciara esse tipo de felicidade, não? Deus, quanto tempo se passara desde que sentira ainda que metade da vivacidade daquela jovem da fotografia?

Brava com essa sensação de autopiedade, Jenna guardou a fotografia no livro, que devolveu ao seu lugar na prateleira.

– Não aguento mais. Isso está me deixando louca.

– Eu sei, Jen, mas...

– Ao diabo. Não vou mais ficar aqui esperando – disse, virando-se para encarar a amiga. A ponta da bengala se chocou no tapete ao abrir caminho até a porta. – Eles já devem ter alguns resultados a esta altura. Tenho que saber o que está acontecendo. Vou lá agora mesmo.

– Jenna, espere – Alex pediu atrás dela.

Mas ela já estava no corredor, andando o mais rápido que conseguia, apesar do impedimento da bengala e da leve fisgada que trespassava sua perna a cada passo apressado.

– Jenna! – Alex a chamou, com as passadas rápidas ecoando no corredor já deserto.

Jenna prosseguiu pelos corredores de mármore branco polido. A perna começava a latejar, mas ela não se importou. Deixou a bengala de lado, que só a retardava, e faltou pouco para começar a correr na direção das vozes abafadas dos machos logo mais adiante. Ela arfava ao chegar à parede de vidro do laboratório de tecnologia, com suor sobre seus lábios e na testa provocado pela dor.

Seus olhos encontraram Brock antes de qualquer outro membro do grupo aparentemente solene. Seu rosto estava tenso, os tendões do pescoço esticados como cabos, a boca formando uma linha carrancuda, quase ameaçadora. Ele estava no fundo da sala, cercado pelos outros guerreiros, todos aparentando tensão e inquietação, ainda piores agora que ela estava ali. Gideon e Tess estavam próximos ao nicho de computadores na parte anterior do laboratório.

Todos pararam o que estavam fazendo para fitá-la.

Jenna sentiu o peso dos olhares como algo físico. Seu coração se contraiu. Obviamente, eles já tinham a análise de seu sangue. Será que os resultados eram tão horríveis assim?

Suas expressões eram inescrutáveis, todos a mantendo sob observação cautelosa, silenciosa, conforme seus passos desaceleraram diante das portas deslizantes do laboratório.

Deus, olhavam para ela como se nunca a tivessem visto antes.

Não, percebeu, ao notar que o grupo continuava imóvel, olhando para ela através da parede transparente que a separava do grupo solene do outro lado. Olhavam-na como se esperassem que já estivesse morta.

Como se ela fosse um fantasma.

Um medo horrível se instalou em seu estômago, mas ela não pretendia recuar agora.

– Deixem-me entrar – exigiu, irritada e aterrorizada. – Maldição, abram essa maldita porta e me digam o que está acontecendo!

Levantou a mão e cerrou o punho, mas antes que pudesse bater no vidro, as portas deslizaram num sibilo suave. Avançou para dentro, sendo seguida de perto por Alex.

– Podem me contar – disse Jenna, o olhar passando de um rosto silencioso a outro. Demorou-se em Brock, a única pessoa naquela sala, além de Alex, por quem ela sentia alguma confiança. – Por favor... Preciso saber o que descobriram.

– Ocorreram algumas mudanças no seu sangue – disse ele, a voz grave impossivelmente baixa. Gentil demais. – E no seu DNA também.

– Mudanças. – Jenna engoliu em seco. – Que tipo de mudanças?

– Anomalias – Gideon interviu. Quando ela virou a cabeça na direção dele, ficou surpresa pela preocupação no olhar do guerreiro. Ele falava com cautela, parecendo demais com um médico retardando o pior tipo de notícia a dar ao seu paciente. – Descobrimos uma reprodução celular estranha, Jenna. Mutações que estão sendo passadas ao seu DNA e que se multiplicam a uma velocidade excessiva. Essas mutações não estavam presentes na última análise que efetuamos no seu sangue.

Ela balançou a cabeça, tanto pela confusão quanto como um reflexo de negação ao que pensava estar ouvindo.

– Não estou entendendo. Está se referindo a algum tipo de doença? Aquela criatura me infectou com alguma coisa quando me mordeu?

– Nada disso – disse Gideon, lançando um olhar ansioso para Lucan. – Bem, não exatamente.

– Então, o que, exatamente? – ela exigiu saber. A resposta surgiu meio segundo mais tarde. – Ai, meu Deus. Esta coisa na minha nuca... – Ela pôs a mão sobre o ponto em que o Antigo havia inserido o material não identificado do tamanho de um grânulo. – Esta coisa que ele colocou dentro de mim está provocando as mudanças. É isso, não é?

Gideon assentiu de leve.

– É biotecnologia de algum tipo, nada que a Raça ou a espécie humana tenha capacidade de criar. Pelas radiografias mais recentes de hoje, parece que o implante está se integrando à sua medula espinhal num ritmo muito acelerado.

– Tire isso.

Uma rodada de olhares preocupados passou pelo grupo de machos grandes. Mesmo Tess parecia pouco à vontade, sem conseguir sustentar o olhar de Jenna.

– Não é tão simples assim – Gideon respondeu, por fim. – Talvez você deva ver as imagens por si só.

Antes que ela conseguisse pensar se queria ou não ver as provas daquilo que lhe estava sendo dito, a imagem do seu crânio e coluna piscou na tela plana afixada numa parede diante dela. Num segundo, Jenna notou o nauseante objeto do tamanho de um grão de arroz que brilhava no centro da sua primeira vértebra. Os tentáculos que estiveram presentes no dia anterior eram mais numerosos naquela nova imagem.

Muito mais do que centenas a mais, cada tênue feixe entrando – inextricavelmente – ao redor e através da sua medula óssea.

Gideon pigarreou.

– Como disse, o objeto aparentemente é formado por uma combinação de material genético e alta tecnologia avançada. Nunca vi nada assim antes, tampouco consegui encontrar algum tipo de pesquisa científica humana que se assemelhasse minimamente a isso. Considerando-se as transformações biológicas que temos observado em seu DNA e em seu sangue, parece ser a fonte do material genético do próprio Antigo.

O que significava que parte daquela criatura estava dentro dela. Vivendo ali. Vicejando.

A pulsação de Jenna ecoava em seu peito. Ela sentia o fluxo sanguíneo acelerado nas veias, células alteradas que ela imaginava abrindo caminho em seu corpo a cada batida do coração, multiplicando-se, crescendo, devorando-a por dentro.

– Arranquem isso de mim – disse ela, a voz se elevando por causa da angústia. – Tirem essa maldita coisa de dentro de mim ou eu mesma tiro!

Com as duas mãos, ela começou a arranhar a nuca, o desespero fazendo-a agir como louca.

Ela nem percebeu Brock se movendo da sua posição do outro lado do laboratório, mas, em menos de um instante, ele estava bem ao seu lado, as mãos grandes envolvendo-a com os dedos. Os olhos castanhos prenderam-na pelo olhar e não a soltaram.

– Relaxe agora – disse ele, num sussurro gentil, porém com firmeza tirou-lhe as mãos da nuca e segurou-as entre as suas. – Respire, Jenna.

Com os pulmões contraídos, ela emitiu um soluço.

– Solte-me. Por favor, deixem-me em paz, todos vocês.

Ela se afastou e tentou ir embora, mas a pulsação pesada e o tinir em seus ouvidos fez a sala girar ao seu redor com violência. Uma onda obscura de náusea a acometeu, envolvendo-a numa névoa densa e atordoante.

– Te peguei – a voz tranquilizadora de Brock murmurou junto ao seu ouvido.

Ela sentiu os pés deixarem o chão e, pela segunda vez em poucos dias, viu-se amparada pela segurança dos braços dele.


Capítulo 10

Ele não deu explicações para o que estava fazendo ou para onde a estava levando. Apenas saiu do laboratório de tecnologia e a carregou pelo mesmo corredor pelo qual ela viera minutos antes com Alex.

– Solte-me – exigiu Jenna, os sentidos ainda confusos, tinindo a cada longa passada das pernas de Brock. Mudou de posição nos braços dele, tentando ignorar como até mesmo o menor dos movimentos fazia sua cabeça girar e seu estômago revirar. A cabeça pendeu sobre o antebraço forte, um gemido de dor escapando. – Eu disse para me colocar no chão, inferno.

Ele grunhiu enquanto continuava a caminhar.

– Eu ouvi na primeira vez.

Ela fechou os olhos, só porque estava difícil demais mantê-los abertos e ver o teto do corredor se contorcer e girar logo acima enquanto Brock a carregava complexo adentro. Diminuiu o ritmo a certa altura, depois virou, e Jenna abriu os olhos, vendo que ele a levara de volta à suíte que agora era seu quarto.

– Por favor, me ponha no chão – murmurou, a língua grossa, a garganta seca. O latejar por trás dos olhos se tornara uma pulsar firme, o tinido nos ouvidos um lamento agudo que parecia partir seu crânio ao meio. – Deus – arfou, sem conseguir disfarçar a agonia. – Está doendo muito...

– Ok – disse Brock baixinho. – Tudo vai ficar bem agora.

– Não, não vai. – Ela choramingou, humilhada pelo som da sua fraqueza, e pelo fato de que Brock a estava vendo assim. – O que está acontecendo comigo? O que ele fez comigo?

– Isso não importa agora – sussurrou Brock, a voz grave mostrando-se contraída. Uniforme demais para ser confiável. – Primeiro, vamos fazer você superar isto.

Atravessou o quarto com ela e se ajoelhou para acomodá-la no sofá. Jenna se recostou e deixou que ele lhe endireitasse as pernas, não tão perdida no desconforto e na preocupação para deixar de notar o carinho das mãos fortes daquele homem, que, provavelmente, seriam capazes de extrair a vida de alguém com pouco mais do que uma contorção.

– Relaxe – disse ele, as mãos fortes e carinhosas afagando seu rosto, os olhos escuros incitando-a a sustentar seu olhar. – Apenas relaxe e respire, Jenna. Consegue fazer isso por mim?

Ela se acalmou um pouco de pronto, relaxando ao som do seu nome nos lábios dele, o resvalar quente dos dedos que desciam pelo rosto e pelo maxilar e, depois, pela lateral do pescoço. As lufadas curtas de ar que entravam e saíam dos seus pulmões começaram a se acalmar, enquanto Brock amparava a nuca com uma mão e deslizava a outra palma num indo e vindo lento sobre o peito dela.

– Isso mesmo – murmurou, o olhar preso ao dela, intenso e, ainda assim, inacreditavelmente carinhoso. – Solte toda a dor e relaxe. Você está segura, Jenna. Pode confiar em mim.

Ela não sabia por que essas palavras deveriam afetá-la como a afetaram. Talvez a dor a tivesse enfraquecido. Talvez fosse o medo do desconhecido, o abismo da incerteza que subitamente se tornara a sua realidade desde aquela noite gélida e horrenda no Alasca.

E talvez fosse pelo simples fato de que fazia muito tempo, quatro solitários anos, desde que ela sentira a carícia cálida de um homem, mesmo que apenas para oferecer consolo.

Quatro anos vazios desde que se convencera de que não precisava de nenhum contato afetuoso ou intimidade. Quatro anos infindáveis desde que se lembrava do como era se sentir uma mulher de carne e osso, como se fosse desejada. Como se pudesse, um dia, ser capaz de abrir o coração para algo mais.

Jenna fechou os olhos quando lágrimas começaram a arder. Afastou a onda de emoção que surgiu inesperadamente e, em vez disso, concentrou-se nas pontas dos dedos quentes e reconfortantes de Brock em sua pele. Deixou que sua voz a acalentasse, sentindo suas palavras e seu toque trabalharem juntos para ajudá-la a superar a angústia do estranho trauma que parecia estar despedaçando-a de dentro para fora.

– Isso é bom, Jenna. Apenas respire agora.

Ela sentiu a garra de dor em seu crânio relaxar enquanto ele lhe falava. Brock acariciou suas têmporas com os polegares, os dedos esticados em seus cabelos, amparando sua cabeça de maneira reconfortante. O tinir agudo em seus ouvidos começou a diminuir, a desaparecer, até, por fim, sumir de vez.

– Você está indo muito bem – murmurou Brock, a voz mais sombria do que antes, um pouco mais do que um grunhido. – Solte tudo, Jenna. Dê o resto para mim.

Ela exalou um suspiro profundo, sem conseguir mantê-lo dentro de si enquanto Brock a afagava no rosto e no pescoço. Ela gemeu, abraçando o prazer que lentamente devorava sua agonia.

– Isso é bom – sussurrou, sem poder resistir ao desejo de se aproximar do seu toque. – A dor já não é tão forte agora.

– Isso é muito bom, Jenna. – Ele inspirou, parecendo mais um arquejo, depois exalou um gemido. – Liberte-se de tudo.

Jenna sentiu um tremor vibrar por seus dedos enquanto ele falava. As pálpebras se abriram e ela arfou ao vê-lo tão tenso.

Os tendões do pescoço estavam retesados, a mandíbula travada com tanta força que era um milagre que seus dentes não tivessem trincado. Um músculo latejava no rosto delgado. Gotas de suor se formavam na testa e sobre os lábios.

Ele estava com dor.

Uma dor impossível, assim como ela estivera há minutos, antes que seu toque parecesse afastar a agonia.

Foi então que ela entendeu.

Ele não estava simplesmente acalmando-a com as mãos. Ele estava, de alguma forma, tirando a dor dela. Canalizando-a, de propósito, para si.

Ofendida com a ideia, porém ainda mais envergonhada por ter se deixado permanecer ali deitada, imaginando que a carícia dele fosse algo mais do que pura piedade, Jenna se retraiu do seu toque e se pôs sentada num canto do sofá. Respirou fundo de ultraje ao fitar os olhos escuros que reluziam fachos de luz âmbar.

– Que diabos pensa que está fazendo? – arfou, pondo-se de pé.

O músculo que estivera latejando em seu maxilar se retesou quando ele se levantou para enfrentá-la.

– Ajudando você.

Imagens tomaram conta da sua mente em um instante: repentinas lembranças vívidas dos momentos posteriores ao seu cativeiro com a criatura que invadira o seu chalé no Alasca.

Naquele momento, ela também sentira dores. Estivera aterrorizada e em estado de choque, tão devastada de horror e confusão que achou que acabaria morrendo.

E se lembrou das mãos delicadas e cálidas que a confortaram. O rosto de um belo desconhecido sério que entrara em sua vida como um anjo negro e a manteve a salvo, protegida e tranquila, quando tudo em seu mundo fora transformado em caos.

– Você esteve lá – murmurou, atônita por perceber só então. – No Alasca, depois que o Antigo sumiu. Você ficou comigo. Também tirou minha dor naquela hora. E mais tarde, depois que fui trazida para o complexo. Meu Deus... Você ficou comigo o tempo todo em que estive na enfermaria? Os olhos dele permaneceram fixos nos dela, sombrios, inescrutáveis.

– Eu era o único que podia ajudar você.

– Quem te pediu isso? – exigiu saber, num tom sabidamente áspero, mas desesperada por expurgar o calor que ainda trafegava dentro dela, indesejado e espontâneo.

Já era ruim que ele achasse necessário acalentá-la como se ela fosse algum tipo de criança em sua provação prolongada. E ainda pior que ele parecesse pensar ser necessário repetir isso agora também. Maldita fosse se permitisse que ele pensasse, por um segundo sequer, que ela, de fato, desejara seu toque.

Com a expressão ainda carregada pelo que lhe fizera instantes antes, ele meneou a cabeça e imprecou.

– Para uma mulher que não quer a ajuda de ninguém, você bem que parece precisar muito.

Ela mal resistiu à tentação de lhe dizer onde ele podia enfiar sua compaixão.

– Sei cuidar de mim sozinha.

– Como cuidou ontem à noite na cidade? – ele a desafiou. – Como fez há poucos minutos no laboratório, pouco antes que os meus braços fossem a única coisa entre o seu traseiro teimoso e o chão?

A humilhação queimou seu rosto tal qual um tapa.

– Sabe de uma coisa? Faça-nos um favor e não me faça mais favor algum!

Ela se virou para se afastar dele, seguindo para a porta ainda aberta para o corredor. Cada passo miraculosamente sem dor só aumentava sua raiva de Brock, deixando-a ainda mais determinada a colocar o máximo possível de distância entre eles.

Antes que conseguisse se aproximar da soleira, ele se postou diante dela, bloqueando-lhe o caminho, mesmo que ela não tivesse visto ou ouvido ele se mover.

Parou. Encarou-o, atordoada por sua evidente velocidade sobrenatural.

– Saia da minha frente – disse, tentando passar por ele.

Ele deu um passo para o lado, colocando o corpo imenso diretamente diante do dela. A intensidade do seu olhar revelou que ele queria lhe dizer algo mais, mas Jenna não queria ouvir. Precisava ficar sozinha.

Precisava de espaço para pensar sobre tudo o que lhe acontecera... Tudo que ainda estava acontecendo, ficando cada vez mais assustador ao mesmo tempo.

– Saia da frente – disse ela, odiando o leve tremor em sua voz.

Brock lentamente levantou a mão e afastou uma mecha de cabelo da testa dela. Foi um gesto meigo, uma afabilidade que ela tanto precisava, mas que tinha medo de aceitar.

– Você está no nosso mundo agora, Jenna. Quer queira admitir ou não, precisa de ajuda.

Ela observou-lhe a boca enquanto ele falava, desejando não se sentir tão atenta aos lábios cheios e sensuais. Ele ainda estava suportando a sua dor; podia saber pelo ligeiro inflar nas narinas enquanto ele inspirava e expirava de modo controlado. Tampouco a tensão do belo rosto e do pescoço forte se desfizera.

Durante toda a sua vida, ela se esforçou para provar seu valor, primeiro para o pai e para o irmão, Zach, sendo que ambos deixaram claro que duvidavam que ela tivesse o necessário para fazer parte da força policial. Mais tarde, esforçou-se para ser uma mãe e esposa perfeitas. A vida toda fora estruturada numa fundação de força, disciplina e competência.

De maneira inacreditável, enquanto ficava ali diante de Brock, não foi o fato de ele ser algo mais que humano – algo perigoso e alienígena – que fez com que ela quisesse que o chão se abrisse e a engolisse. Foi o medo de que ele pudesse enxergar através da casca de raiva que ela usava como uma armadura, vendo-a como o fracasso solitário e amedrontado que ela, de fato, era.

Brock balançou de leve a cabeça em sua direção enquanto o silêncio se estendia entre eles. Os olhos perscrutaram seu rosto por inteiro antes de se deterem sobre o seu olhar.

– Existem coisas piores do que precisar se apoiar em alguém de vez em quando, Jenna.

– Maldição! Eu disse para sair da minha frente! – Ela pousou as palmas sobre o peito largo e o empurrou com toda a raiva e medo que havia dentro dela.

Brock foi lançado para trás, quase se chocando com a parede oposta do corredor.

Jenna arquejou, assustada e surpresa com o que acabara de fazer.

Horrorizada.

Brock era muito forte, com quase dois metros de altura e mais de cem quilos de músculo e força. Alguém muito mais forte do que ela. Alguém muito mais poderoso do que qualquer outra pessoa que já tivesse conhecido.

As sobrancelhas dele se ergueram em sinal de surpresa.

– Jesus Cristo – murmurou, com muito mais admiração do que raiva na voz.

Jenna suspendeu as mãos diante de si e fitou-as como se elas pertencessem a outra pessoa.

– Ai, meu Deus... Como eu... O que aconteceu?

– Está tudo bem – garantiu ele, voltando para perto dela com aquela enlouquecedora tranquilidade.

– Brock, desculpe. Verdade, eu não queria...

– Eu sei – disse ele, assentindo com seriedade. – Não se preocupe. Você não me machucou.

Uma bolha de histeria subiu-lhe pela garganta. Primeiro, a notícia chocante de que o implante de algum modo estava alterando seu DNA, e agora isso: uma força que não tinha como ser sua, mas, de alguma maneira, era. Relembrou sua fuga da propriedade e as estranhas habilidades linguísticas que pareceu adquirir desde que o Antigo deixara uma parte de si emaranhado em sua medula espinhal.

– Que diabos está acontecendo comigo, Brock? Quando tudo isso vai terminar?

Ele lhe segurou as mãos trêmulas entre suas palmas com firmeza.

– O que quer que esteja acontecendo, você não tem que passar por isso sozinha. Precisa entender isso.

Ela não sabia se ele falava em nome de todos no complexo ou por si só. Ela não tinha voz para pedir uma explicação. Disse a si mesma que não importava o significado das palavras dele; contudo, isso não desacelerou seu coração quando o fitou. Sob o calor dos insondáveis olhos castanhos, ela sentiu os seus piores medos se dissolverem.

Sentia-se aquecida e protegida, coisas que queria negar, mas não podia enquanto Brock a estivesse segurando pelas mãos e pelo olhar.

Ele franziu a testa após um longo momento e lentamente soltou-lhe as mãos, deixando as suas deslizarem pelos braços dela, numa carícia sensual, demorando-se o suficiente para deixar claro que aquilo não era nada menos do que íntimo. Jenna sabia disso, e via que ele também sabia.

Os olhos escuros pareceram se aprofundar, engolindo-a. Recaíram sobre sua boca e lá ficaram enquanto a respiração de Jenna saía num suspiro trêmulo.

Ela sabia que devia se afastar dele agora. Não havia motivo para permanecerem perto assim, com meros centímetros separando seus corpos. Menos ainda entre a boca dele e a dela. Só seria preciso um leve inclinar da cabeça dele ou um erguer da dela e seus lábios se encontrariam.

A pulsação de Jenna acelerou ante a ideia de beijar Brock.

Coisa que, quando ele a carregara para o quarto, estivera bem longe dos seus pensamentos. Não muito tempo atrás, quando seu medo e sua raiva a fizeram sibilar e grunhir como um animal selvagem preso numa armadilha de caçador.

Mas agora, enquanto Brock permanecia tão perto que ela sentia o calor do corpo dele irradiando para o seu, a fragrância da pele tentando-a a aproximar o rosto e inspirar seu cheiro, beijá-lo era uma necessidade secreta que pulsava dentro dela a cada batida fugidia do seu coração.

Talvez ele soubesse o que ela estava sentindo.

Talvez ele estivesse sentindo a mesma coisa.

Ele emitiu uma imprecação, depois recuou um passo, encarando-a com ardor e firmeza.

– Ah... droga... Jenna...

Quando ergueu as mãos fortes e segurou o seu rosto com delicadeza, todo o ar pareceu evaporar no quarto. Os pulmões de Jenna pareceram congelar dentro do peito, mas o coração continuava acelerado, batendo tão rapidamente que pensou que ele poderia explodir.

Esperou, num misto de terror e esperança, atônita com a necessidade que tinha de sentir a boca de Brock na sua.

A língua dele molhou os lábios, o movimento permitindo que ela tivesse um vislumbre das pontas das suas presas, reluzindo como diamantes. Ele praguejou novamente, depois se afastou um pouco, deixando uma lufada de ar frio diante dela onde o calor do seu corpo estivera apenas um segundo antes.

– Eu não deveria estar aqui – murmurou com voz espessa. – E você precisa descansar. Fique à vontade. Se não houver cobertas suficientes na cama, encontrará mais no armário do banheiro. Use tudo que precisar.

Jenna teve que se dar um chacoalhão mental para entender a conversa.

– Este... hum... Este quarto é seu?

Ele acenou de leve, já saindo para o corredor.

– Era. Agora é seu.

– Espere – Jenna o seguiu. – E quanto a você? Você tem onde ficar?

– Não se preocupe – disse ele, parando para olhá-la quando ela se apoiou na maçaneta. – Descanse um pouco, Jenna. Te vejo por aí.

O sangue ainda corria quente nas veias de Brock pouco depois, quando ele parou diante de uma das últimas suítes residenciais e bateu à porta fechada.

– Faltam ainda onze minutos para a hora que combinamos – diz a voz profunda e prática do macho da Raça do outro lado.

A porta se abriu, e Brock foi perfurado por um par de olhos dourados inescrutáveis.

– Avon chama – disse Brock à guisa de um cumprimento ao suspender a mochila de couro preta que continha todos os seus pertences pessoais retirados dos seus aposentos. – E o que quer dizer com isso, cheguei onze minutos antes? Não me diga que você vai ser um daqueles colegas de quarto certinhos que fazem tudo seguindo um cronograma. Minhas escolhas são limitadas, já que você e Chase têm os últimos quartos do complexo. E, para falar a verdade, se Harvard e eu tivermos que dividir um quarto, não sei se sobreviveremos uma semana.

Hunter nada disse enquanto Brock passava por ele e entrava no quarto. Ele o seguiu para a parte das camas, tão sorrateiro quanto um fantasma.

– Pensei que fosse outra pessoa – afirmou um tanto tardiamente.

– É mesmo? – Brock girou de frente para o estoico Primeira Geração, verdadeiramente curioso a respeito do mais recente e reservado membro da Ordem. Sem falar no fato de que estava ávido para desviar a mente dos seus pensamentos ardentes a respeito de Jenna Darrow. – A quem esperava além de mim?

– Não importa – respondeu Hunter.

– Ok. – Brock deu de ombros. – Só estou tentando bater papo, mas tudo bem.

A expressão do Primeira Geração continuou impassível, absolutamente normal. O que não era surpresa, levando-se em consideração o modo como o macho fora criado: como um dos assassinos domésticos de Dragos. Inferno, o cara nem mesmo tinha um nome. Como o restante do exército pessoal criado por Dragos a partir do Antigo, referiam-se ao Primeira Geração apenas pelo único propósito da sua vida: Hunter3.

Ele chegara à Ordem há poucos meses, depois que Brock, Nikolai e alguns dos outros guerreiros atacaram uma reunião de Dragos e dos seus tenentes. Hunter fora libertado durante o ataque e agora era aliado contra o seu criador nos esforços da Ordem em acabar com Dragos.

Brock parou diante das duas camas que estavam em cada lado do quarto em estilo modesto. As duas estavam arrumadas com precisão militar, coberta marrom e lençóis brancos sem nenhuma prega, um único travesseiro meticulosamente colocado na cabeceira de cada estrado.

– Então, qual é a sua cama?

– Não faz diferença para mim.

Brock voltou a fitar o rosto impassível e os inescrutáveis olhos dourados.

– É só me dizer em qual costuma dormir e eu pego a outra.

O olhar nivelado de Hunter não se alterou em nada.

– São apenas mobília. Não tenho nenhum apego nem por uma, nem por outra.

– Nenhum apego – repetiu Brock num murmúrio. – Pois é, cara. Talvez você possa me dar algumas dicas sobre essa sua postura “não estou nem aí”. Acho que viria bem a calhar de tempos em tempos. Especialmente no que se refere às mulheres.

Com um grunhido, largou suas coisas na cama da esquerda, depois esfregou as mãos no rosto e na cabeça. O gemido que escapou dele estava carregado de frustração e do desejo retido que vinha abafando desde que se forçara a deixar Jenna e a tentação de que não precisava.

– Maldição – grunhiu, o corpo tinindo de novo só de lembrar o belo rosto erguido ao fitá-lo.

Era como se ela estivesse à espera de um beijo seu. Tudo que era masculino dentro de si afirmara isso com absoluta certeza na hora, mas ele sabia que aquela era a última coisa de que Jenna precisava.

Ela estava confusa e vulnerável, e ele se considerava mais do que um homem que poderia tirar vantagem disso só porque a sua libido clamava por ela. Claro, isso não o fazia se sentir muito melhor a respeito da excitação que, do nada, voltava à vida de novo, deixando toda a sua honradez de lado.

– Que beleza, meu herói – admoestou-se severamente. – Agora vai precisar afundar numa banheira de gelo por uma semana por ter bancado o nobre...

– Está se sentindo mal? – perguntou Hunter, assustando Brock, que não havia percebido que o outro macho ainda estava atrás dele no quarto.

– É... – disse Brock, dando uma risada sardônica. – Não ando muito bem, não. Se quer saber a verdade, não estou me sentindo bem desde que pus os olhos nela.

– A fêmea humana – disse Hunter, com um ar de compreensão grave. – Está aparente que ela é um problema para você.

Brock emitiu um suspiro sem humor algum.

– Acha mesmo?

– Sim, acho. – Não havia julgamento em sua voz, apenas uma declaração dos fatos. Ele falava como uma máquina: total precisão, zero sentimento. – Deduzo que todos no laboratório de tecnologia chegaram à mesma conclusão hoje, quando permitiu que Chase provocasse sua ira por conta dos comentários sobre o seu apego àquela mulher. Suas ações demonstraram uma fraqueza do seu treinamento e, pior, falta de autocontrole. Reagiu de modo impensado.

– Obrigado por notar – respondeu Brock, suspeitando que seu sarcasmo seria desperdiçado no caçador antissocial e imperturbável. – Lembre-me de encher o seu saco daqui até a semana seguinte se um dia chegar a relaxar o bastante para deixar uma mulher o irritar.

Hunter não reagiu, apenas o fitou sem demonstrar nenhuma centelha de emoção.

– Isso não acontecerá.

– Merda – disse Brock, meneando a cabeça ante o soldado Primeira Geração rígido que fora criado na base da negligência e da disciplina do castigo. – Você não deve ter estado com a mulher certa se tem tanta segurança assim.

A expressão de Hunter continuou estoica. Distante e imparcial. Na verdade, quanto mais Brock olhava para ele, mais claramente começava a enxergar a verdade.

– Caramba. Já esteve, algum dia, com uma mulher, Hunter? Meu Deus... Você é virgem, não é?

Os olhos dourados do Primeira Geração continuaram fixos no olhar de Brock como se considerasse aquilo algum teste de força de vontade no qual ele não permitiria que a revelação o afetasse. E Brock tinha que dar o braço a torcer, pois nenhum grau de emoção cintilou naqueles olhos sinistros, tampouco nas feições perfeitamente disciplinadas.

A única coisa que fez Hunter reagir foi o barulho suave de chinelos se arrastando pelo corredor. Uma voz infantil, Mira, chamando da sala de estar.

– Hunter, você está aí?

Ele se virou sem dar nenhuma explicação e foi se encontrar com a garotinha.

– Agora não é uma boa hora. – Brock o ouviu lhe dizer em seu tom modulado e grave.

– Mas não quer saber o que acontece com Harry quando ele põe a capa da invisibilidade? – perguntou Mira, o desapontamento abaixando o tom de sua voz normalmente alegre. – Essa é uma das minhas partes prediletas no livro. Você tem que ouvir esse capítulo. Vai amar.

– Ela tem razão, é uma das melhores partes. – Brock saiu do quarto, sem saber o que o fez sorrir mais: a percepção de que o implacável assassino Primeira Geração era um virgem sem experiência alguma, ou a mais recente notícia, igualmente divertida, de que o encontro que ele aparentemente atrapalhara ao aparecer com as suas coisas era a hora da leitura de Hunter com a mais jovem residente do complexo.

Deu uma piscadela e um sorriso para Mira quando ela se acomodou no sofá e abriu o livro na parte em que havia parado de ler.

– Relaxe – disse a Hunter, que estava de pé, tão duro quanto uma estátua. – Não vou revelar os seus segredos a ninguém.

Não esperou para ver a reação dele, apenas foi andando para o corredor, deixando Hunter olhando-o enquanto saía.


Caçador


Capítulo 11

– Cruzem os dedos, meninas, mas acho que acabamos de encontrar a pista que procurávamos. – Dylan desligou o telefone e girou a cadeira para ficar de frente para Jenna, Alex, Renata e Savannah, todas reunidas na sala de reuniões das Companheiras de Raça nas últimas horas.

Na verdade, chamá-la de sala de reuniões não lhe fazia justiça. Havia pelo menos meia dúzia de computadores numa mesa longa num dos lados da sala, caixas de arquivos suspensos organizados por localização dispostas numa estante alta para facilitar o acesso, quase cada espaço da parede coberto por mapas marcados da Nova Inglaterra e gráficos de investigação detalhados que envergonhariam boa parte das unidades de casos antigos arquivados da polícia. Em meio a esses gráficos, muitos esboços de retratos falados de jovens, os rostos de algumas desaparecidas, a quem a Ordem e suas companheiras diligentes estavam determinadas a encontrar.

Não, Jenna pensou ao olhar ao redor, aquela não era uma mera sala de reuniões.

Aquela era uma sala devotada à estratégia, a uma missão, à guerra.

Jenna acolhia a energia do lugar, ainda mais depois das notícias perturbadoras que recebera a respeito do seu último exame de sangue. Também precisava da distração a fim de não pensar nos inesperados momentos ardentes que partilhara com Brock no quarto dele, ou melhor, no seu. Ela praticamente dera um salto quando lhe surgiu a oportunidade de sair de lá depois que ele foi embora. Fora Alex quem apareceu procurando-a pouco depois, e fora ela quem a trouxera consigo para a sala de guerra das Companheiras de Raça para ter companhia e ficar conversando.

Ela não desejara se interessar pelo trabalho em que as mulheres da Ordem estavam envolvidas, mas, enquanto esteve entre elas, foi quase impossível para a policial dentro de si ignorar o rastro de uma boa busca por informações. Sentou-se um pouco ereta na cadeira ante a mesa de reuniões quando Dylan andou até a impressora para pegar uma folha que acabara de sair da máquina.

– O que conseguiu? – perguntou Savannah.

Dylan bateu a folha na mesa diante das mulheres reunidas.

– Irmã Margaret Mary Howland.

Jenna e as outras se inclinaram para olhar para a imagem escaneada. Era a foto de um grupo de uma dúzia ou pouco mais de garotas e jovens mulheres. Pelo estilo das roupas, parecia ter sido tirada uns vinte anos antes. O grupo estava reunido num gramado abaixo das escadas de uma varanda coberta, no tipo de pose que as estudantes às vezes faziam para a foto escolar anual. A não ser pelo fato de que, naquele caso, não havia uma escola atrás delas, mas uma casa grande, simples, autoproclamada Lar para Mulheres St. John, Queensboro, Nova York.

Uma mulher de meia-idade de rosto gentil usando um crucifixo como pingente e um vestido de verão modesto estava ao lado do grupo reunido debaixo do beiral branco no qual a placa pintada estava suspensa. Uma das moças mais jovens estava com a mulher de mais idade, os ombros finos seguros por mãos carinhosas, o rostinho erguido com um olhar luminoso de afeto.

– É ela – disse Dylan, apontando para a mulher com o sorriso maternal e braços protetores. – Irmã Margaret.

– E ela é...? – perguntou Jenna, sem conseguir conter a curiosidade.

Dylan relanceou para ela.

– Neste instante, se ainda estiver viva, esta mulher é a nossa aposta mais segura para descobrirmos mais sobre as Companheiras de Raça que sumiram ou acabaram mortas pelas mãos de Dragos.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não estou entendendo.

– Algumas das mulheres que ele matou, e provavelmente muitas outras que ele mantém em cativeiro, vieram de abrigos de fugitivas – disse Dylan. – Veja bem, não é incomum que as Companheiras de Raça se sintam confusas e deslocadas na sociedade mortal. A maioria de nós não sabe o quanto é diferente, muito menos o motivo para isso. Além da marca de nascença em comum e das características biológicas, todas nós temos também habilidades extrassensoriais singulares.

– Não o tipo de coisa que você vê nos programas da TV ou em comerciais anunciando serviços de pessoas psíquicas – explicou Savannah. – Talentos verdadeiramente extrassensoriais são normalmente o meio mais seguro de identificar uma Companheira de Raça.

Dylan concordou.

– Às vezes, esses talentos são uma bênção, mas em muitas outras são uma maldição. O meu dom foi uma maldição em boa parte da minha vida, mas, felizmente, tive uma mãe amorosa. Por isso, não importava o quanto eu ficasse confusa ou assustada, sempre tive a segurança de um lar.

– Mas nem todas têm essa sorte – acrescentou Renata. – Para Mira e para mim, foi uma extensa fila de orfanatos em Montreal. E, de tempos em tempos, chamávamos a rua de lar.

Jenna ouvia em silêncio, agradecendo a boa sorte de ter nascido em uma família normal e relativamente próxima, onde o maior problema de infância foi tentar competir com o irmão pelo afeto e pela aprovação dos pais. Ela não conseguia imaginar os tipos de problemas que as fêmeas nascidas com a marca de nascença da lágrima e da lua crescente tiveram que suportar. Seus problemas, por mais incompreensíveis que fossem, pareciam diminuir um pouco enquanto ponderava sobre as vidas que aquelas mulheres tiveram. Para não falar do inferno que as mortas ou desaparecidas tiveram que suportar.

– Quer dizer que vocês acreditam que Dragos visava as jovens que acabavam nesse tipo de abrigo? – perguntou.

– Sabemos disso – disse Dylan. – A minha mãe costumava trabalhar num abrigo para pessoas que fugiam de casa em Nova York. É uma longa história, uma para ser contada outro dia, mas, basicamente, foi descoberto que o abrigo para o qual ela trabalhava havia sido fundado e era dirigido pelo próprio Dragos.

– Ai, meu Deus... – arfou Jenna.

– Ele estivera se escondendo por trás de um nome falso, Gordon Fasso, enquanto circulava em meio à sociedade humana, e ninguém fazia ideia de quem ele fosse até... até ser tarde demais. – Dylan parou para inspirar profundamente e se fortalecer. – Ele matou minha mãe depois que percebeu que havia sido desmascarado e que a Ordem estava se aproximando dele.

– Lamento muito – sussurrou Jenna, com sinceridade. – Perder alguém que se ama para esse tipo de maldade...

As palavras se perderam enquanto algo frio e determinado borbulhou dentro dela. Como ex-policial, ela conhecia o sabor amargo da injustiça e a necessidade de equilibrar a balança. Mas suprimiu esse sentimento, dizendo a si mesma que a luta da Ordem contra aquele inimigo, Dragos, não era sua. Ela tinha as próprias batalhas para enfrentar.

– Tenho certeza de que Dragos vai ter o que merece no final – disse.

Era uma frase inútil, oferecida com certo distanciamento. Mas ela queria muito estar certa. Sentada ali com aquelas mulheres, tendo-as conhecido um pouco melhor no curto tempo em que estava no complexo, Jenna rezava para que a Ordem fosse bem-sucedida ao enfrentar Dragos. Pensar que alguém tão perverso quanto ele estivesse à solta no mundo era inaceitável.

Pegou a imagem impressa e fitou a expressão calorosa da freira, que estava tal qual uma pastora ao lado de seu rebanho vulnerável.

– Como esperam que essa mulher, a Irmã Margaret, possa ajudá-las?

– A rotatividade de pessoal é alta nesses abrigos – explicou Dylan. – Aquele em que minha mãe trabalhava não era exceção. Uma amiga que costumava trabalhar com ela lá me informou o nome da Irmã e me deu a foto. Ela disse que a freira se aposentou há vários anos, mas fez trabalho voluntário em diversos abrigos em Nova York desde meados dos anos 1970. Por isso, é o tipo de pessoa com quem precisamos conversar.

– Alguém que esteve em abrigos por muito tempo e pode ser capaz de identificar antigas residentes a partir dos retratos falados – disse Savannah, indicando os rostos afixados nas paredes.

Jenna assentiu.

– Esses retratos são de mulheres que estiveram em abrigos?

– Esses retratos – disse Alex ao lado de Jenna – são de Companheiras de Raça que estão sendo mantidas por Dragos enquanto estamos aqui conversando.

– Quer dizer que ainda estão vivas?

– Estavam há alguns meses. – A voz de Renata soou dura. – Uma amiga da Ordem, Claire Reichen, usou seu dom de Companheira de Raça, o poder de viajar em seus sonhos, para localizar o quartel-general de Dragos. Ela viu as prisioneiras, mais de vinte, trancadas em celas do laboratório dele. Embora Dragos tenha realocado sua operação antes que pudéssemos salvá-las, Claire tem trabalhado com um desenhista para documentar os rostos que viu.

– Na verdade, é lá que Claire está agora, ela e Elise – explicou Alex. – Elise tem muitos amigos na comunidade civil da Raça aqui em Boston. Ela e Claire têm trabalhado em alguns novos retratos, baseados no que Claire viu no covil de Dragos.

– Depois que tivermos os rostos das prisioneiras – disse Dylan –, podemos começar a procurar por nomes e possíveis familiares. Qualquer coisa que possa nos ajudar a nos aproximar de onde essas mulheres estão.

– E quanto aos bancos de dados de pessoas desaparecidas? – perguntou Jenna. – Vocês compararam os esboços com os perfis listados em grupos como o Centro Nacional de Pessoas Desaparecidas?

– Sim, e voltamos de mãos vazias – disse Dylan. – Muitas dessas mulheres e garotas nos abrigos são fugitivas e órfãs. Muitas são abandonadas. Umas fogem de casa, deliberadamente cortando todos os laços com a família e com os amigos. O resultado final é o mesmo: ninguém sente falta delas ou procura por elas no sistema; portanto, não há registros arquivados.

Renata concordou com um leve grunhido que pareceu falar de sua experiência.

– Quando você não tem nada, nem ninguém, você pode desaparecer, e é como se nunca tivesse existido.

Por causa dos seus anos na força policial do Alasca, Jenna sabia que isso era bem verdade. As pessoas desapareciam sem deixar rastro tanto nas grandes cidades como em pequenas comunidades. Isso acontecia todos os dias, embora ela jamais tivesse imaginado que fosse pelos motivos que Dylan, Savannah, Renata e as outras mulheres lhe explicavam agora.

– Qual o plano de vocês depois que identificarem as Companheiras de Raça desaparecidas?

– Depois que tivermos uma ligação pessoal com pelo menos uma delas – disse Savannah –, Claire pode tentar se comunicar através dos sonhos e, quem sabe, conseguir informações sobre a localização de onde as prisioneiras estão.

Jenna estava acostumada à rápida digestão e compreensão dos fatos, mas sua cabeça começava a girar com tudo o que estava ouvindo. E não conseguia evitar que sua mente procurasse por soluções para os problemas diante dela.

– Espere um instante. Se o dom de Claire a levou ao covil de Dragos uma vez, por que ela não pode simplesmente repetir isso?

– Para que seu dom funcione, ela precisa de algum tipo de elo emocional ou pessoal com a pessoa que está tentando localizar nos sonhos – respondeu Dylan. – O elo dela antes não era com Dragos, mas com outra pessoa.

– O antigo companheiro dela, Wilhelm Roth – explicou Renata, praticamente cuspindo o nome dele. – Ele era uma pessoa cruel, mas, comparada à de Dragos, sua crueldade não era nada. Jamais permitiríamos que Claire tentasse contatar o próprio Dragos. Isso seria suicídio.

– Tudo bem. Então onde nós ficamos com isso? – perguntou Jenna, o “nós” saindo de sua boca antes que ela percebesse o que havia dito. Mas era tarde demais para retirá-lo, e ela estava interessada demais para fingir outra coisa. – Onde você imagina que as coisas vão a partir daqui?

– Tenho esperanças de localizar a Irmã Margaret e que ela possa nos ajudar a desvendar alguma coisa – disse ela.

– Temos como entrar em contato com ela? – perguntou Renata.

A animação de Dylan se arrefeceu um pouco.

– Infelizmente, não há como termos certeza sequer de que ela ainda esteja viva. A amiga da minha mãe disse que ela deve estar com uns oitenta anos agora. A única boa notícia é que seu convento tem sede em Boston, então, existe a possibilidade de ela estar aqui. Por enquanto, só o que temos é seu número do seguro social4.

– Dê esse número a Gideon – sugeriu Savannah. – Tenho certeza de que ele consegue invadir o sistema do governo para conseguir todas as informações de que precisamos sobre ela.

– Foi isso mesmo que pensei – Dylan respondeu com um sorriso.

Jenna pensou em oferecer ajuda para localizar a freira. Ainda tinha amigos na força policial e em algumas agências federais. Com apenas um telefonema ou e-mail, ela poderia pedir um ou outro favor confidencial. Mas as mulheres da Ordem pareciam ter tudo sob controle.

E seria melhor para ela não se envolver em nada daquilo, lembrou-se com severidade, enquanto Dylan pegava o telefone ao lado do seu computador e ligava para o laboratório de tecnologia.

Alguns minutos mais tarde, Gideon e Rio entraram na sala de guerra. Os dois guerreiros receberam um relatório resumido do que Dylan descobrira. Antes mesmo de ela terminar de explicar o que havia descoberto, Gideon se acomodou diante de um computador e começou a trabalhar.

Jenna ficou olhando da sua cadeira junto à mesa enquanto todos os outros, Savannah, Renata, Alex, Rio e Dylan, se reuniram ao redor de Gideon para vê-lo fazer a sua mágica. Savannah estava certa: ele não precisou mais do que alguns minutos para invadir um firewall de um site do governo americano e começar a baixar os registros de que precisavam.

– A Irmã Margaret Mary Howland está bem viva, de acordo com a Administração do Seguro Social – anunciou ele. – Sacou a aposentadoria dela do mês passado, no valor de 298 dólares e alguns trocados num endereço em Gloucester. Estou imprimindo as informações agora.

Dylan deu um sorriso amplo.

– Gideon, você é um deus da tecnologia.

– Meu prazer é servir. – Levantou-se da cadeira e puxou Savannah para um beijo rápido, porém ardente. – Diga que está impressionada, amor.

– Estou impressionada – respondeu ela, rindo ao mesmo tempo em que lhe dava um tapa no ombro.

Ele sorriu, lançando um olhar para Jenna por sobre os óculos.

– Ela me ama – disse ele, puxando a bela companheira num abraço apertado. – Na verdade, ela é louca por mim. Não consegue viver sem mim. Muito provavelmente, está querendo me levar para a cama neste instante para se aproveitar de mim.

– A-hã. É o que você pensa – replicou Savannah, mas havia uma centelha ardente em seu olhar ao fitá-lo.

– Uma pena que não estamos tendo a mesma sorte para conseguir uma pista sobre a Sociedade TerraGlobal – lamentou Rio, o braço passando ao redor dos ombros de Dylan no que pareceu uma manobra instintivamente íntima.

Renata franziu o cenho.

– Nenhuma pista ainda?

– Nada – Gideon interveio. Ele deve ter percebido o olhar confuso de Jenna. – A Sociedade TerraGlobal é o nome da empresa que acreditamos que Dragos esteja usando como fachada para algumas das suas operações secretas.

Alex disse em seguida:

– Lembra-se daquela mineradora que abriu perto de Harmony há alguns meses, a Mineradora Coldstream? – Ante o aceno de Jenna, Alex continuou: – Pertencia a Dragos. Acreditamos que era para ela ter sido usada como uma prisão para o Antigo depois que o transportassem para o Alasca. Infelizmente, todos sabem como isso terminou.

– Conseguimos rastrear a Mineradora Coldstream até a Sociedade TerraGlobal – acrescentou Rio. – Mas só conseguimos avançar até aí. Sabemos que a TerraGlobal tem muitas camadas, mas está demorando demais para conseguirmos dissecá-las. Nesse ínterim, Dragos se esconde cada vez mais fundo, a cada minuto ficando mais longe do nosso alcance.

– Vocês vão pegá-lo – disse Jenna. Tentou ignorar a aceleração do coração ante a necessidade de pegar algumas armas e liderar a busca. – Vocês têm que pegá-lo, então vão pegá-lo.

Rio, com seu rosto marcado por cicatrizes demonstrando determinação ao assentir em concordância, fitou os olhos de Dylan.

– É. Um dia, nós vamos pegar esse filho da puta. Ele vai pagar por tudo o que já fez.

Debaixo do braço forte, Dylan deu um sorriso tristonho. Escondeu-se em seu abraço, tentando abafar um bocejo.

– Venha – disse Rio, afastando uma mecha dos cabelos ruivos dos olhos dela. – Você tem dedicado muitas horas a tudo isso. Agora vou levá-la para a cama.

– Não é uma má ideia – disse Renata. – A noite logo chega e aposto como Nikolai está testando a nova munição na sala de armas. Está na hora de ir buscar meu homem.

Enquanto ela se despedia e saía, Dylan e Rio, Savannah e Gideon faziam o mesmo.

– Quer ficar comigo e com Kade um pouco? – perguntou Alex.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não, estou bem. Acho que vou ficar aqui por alguns minutos, para relaxar um pouco. O dia foi longo e estranho.

O sorriso de Alex mostrou empatia.

– Se precisar de qualquer coisa, sabe onde me encontrar. Certo?

Jenna assentiu.

– Estou bem. Mas obrigada.

Observou a amiga sair e desaparecer lentamente pelo corredor. Quando não restava mais nada na sala a não ser silêncio e tranquilidade, Jenna se levantou e se aproximou da parede com os mapas, gráficos e retratos.

Era admirável o que a Ordem e as suas companheiras estavam tentando fazer. Era um trabalho importante, mais importante do que qualquer outra coisa com que Jenna se deparara no interior do Alasca, ou, na verdade, em qualquer outro lugar.

Se tudo o que ela descobrira nos últimos dias fosse verdade, então o que a Ordem fazia ali era salvar o mundo.

– Jesus Cristo... – sussurrou, atordoada com a enormidade de tudo aquilo.

Ela tinha que ajudar.

Se fosse capaz, mesmo que de uma maneira pequena, ela tinha que ajudar.

Não tinha?

Jenna andou ao redor da sala, com sua própria batalha acontecendo dentro de si. Não estava pronta para participar de algo como aquilo. Não enquanto ainda tinha tantas coisas para descobrir a respeito de si mesma. Com o irmão morto, ela não tinha mais nenhuma família. O Alasca fora seu lar durante toda a vida e agora isso também se fora, uma parte da sua existência anterior apagada para ajudar a Ordem a preservar seus segredos enquanto continuavam a perseguir o inimigo.

Quanto ao seu futuro, não sabia nem por onde começar. A substância alienígena dentro dela era um problema jamais imaginado, e nem adiantava desejar, porque aquilo não sumiria. Nem mesmo a mente brilhante de Gideon parecia capaz de arrancá-la daquela complicação confusa.

E também havia Brock. De todas as coisas que lhe aconteceram entre a invasão do Antigo ao seu chalé e a adoção atual, inesperada, ainda que não insuportável, por todos ali no quartel-general da Ordem, Brock estava se mostrando a coisa com a qual ela menos estava preparada para lidar.

Não estava nem um pouco perto disso no que se referia aos sentimentos que ele lhe provocava. Coisas que ela não sentia em anos, e, muito certamente, não queria sentir agora.

Nada em sua vida era certo, e a última coisa de que precisava era se envolver ainda mais nos problemas que os guerreiros e as suas companheiras enfrentavam.

No entanto, Jenna se viu seguindo para um computador na mesa ali perto. Sentou-se diante do teclado e entrou no navegador da internet, depois entrou num daqueles sites de e-mail grátis e criou uma conta.

Iniciou uma mensagem nova e digitou o endereço de um dos seus amigos da Polícia Federal em Anchorage. Fez uma única pergunta, uma questão a ser investigada confidencialmente como um favor pessoal.

Inspirou fundo, depois apertou o botão de enviar.


O número do seguro social, social security number, é um número de registro que todos os cidadãos americanos têm, como um CPF e um INSS unificados. Através dele, é possível localizar as pessoas, pois esse número é unificado em todo o território nacional. (N.T.)


Capítulo 12

No vestiário ao lado da sala das armas, Brock esticou a mão às costas para aumentar a temperatura da água de quente para escaldante. Com as mãos apoiadas na porta de teca do cubículo reservado, inclinou a cabeça em direção ao peito e agradeceu pelo jato de água cauterizante que lhe batia nos ombros e descia pelo pescoço. Vapor se formava ao seu redor, espesso como névoa, desde a cabeça até o piso de ladrilhos aos seus pés.

– Cristo! – Kade sibilou, alguns cubículos mais distante. – Duas horas direto de treino mano a mano não foi bastante castigo para você? Agora sente a necessidade de ferver vivo aí?

Brock grunhiu, passando a mão pelo rosto enquanto o vapor continuava a se formar e o calor continuava a açoitar seus músculos tensos demais. Encontrara Niko e Chase na sala das armas depois de deixar seus pertences no quarto que partilharia com Hunter. Parecia-lhe razoável esperar que alguns rounds de treinos de lâminas e treinos corpo a corpo bastariam para exaurir um pouco da sua inquietação e distração. Deveria ser assim, mas não foi.

– O que está acontecendo com você, cara?

– Não sei do que está falando – murmurou Brock, levando a cabeça e os ombros mais para baixo do jato de água escaldante.

A zombaria de Kade se fez ouvir no vestiário cavernoso.

– Até parece que não sabe.

– Droga – Brock exalou em meio à névoa que cobria sua cabeça. – Por que estou com a sensação de que você vai me explicar?

Houve o rangido da torneira sendo fechada, seguido pela batida da porta do chuveiro de Kade quando ele seguiu para o vestiário anexo. Alguns minutos depois, a voz de Kade soou do outro cômodo.

– Vai me contar o que aconteceu aquela noite em Southie, na fábrica?

Brock fechou os olhos e emitiu algo muito parecido com um rosnado, até mesmo para os seus ouvidos.

– Não há nada a contar. Havia fios soltos. Cuidei do assunto.

– A-hã – murmurou Kade. – Foi isso mesmo que imaginei que tivesse acontecido.

Quando Brock levantou a cabeça, viu o guerreiro parado diante dele. Kade estava totalmente vestido com jeans e camiseta preta, apoiado na parede oposta. Seu olhar prateado estreitado, como quem sabe o que está acontecendo.

Brock respeitava demais o amigo para tentar enganá-lo.

– Aqueles humanos eram a ralé que não pensaria duas vezes antes de ferir uma mulher inocente. Não acredita que esse tipo de brutalidade deve ser perdoado, acredita?

– Não. – Kade o encarou, depois assentiu com sobriedade. – Se eu me deparasse com alguém que tivesse colocado um dedo sequer em Alex, eu teria matado o desgraçado. Foi o que fez, não foi? Matou aqueles homens?

– Não eram homens, aqueles... – Brock grunhiu. – Eram cachorros raivosos, e o que fizeram com Jenna – aquilo que achavam que poderiam fazer e se safar – provavelmente não foi a primeira vez que machucaram uma mulher. Duvido que Jenna teria sido a última. Então, isso mesmo, acabei com eles.

Por um bom momento, Kade nada disse. Apenas o observou, mesmo depois que Brock voltou a colocar a cabeça debaixo do jato furioso, sem sentir necessidade de mais explicações. Nem mesmo para seu melhor amigo na Ordem, o guerreiro que era como um irmão para ele.

– Maldição – murmurou Kade depois de um longo silêncio. – Você gosta dela, não gosta?

Brock balançou a cabeça, tanto em negação como para tirar a água do rosto.

– Lucan me deu a responsabilidade de cuidar dela, de mantê-la segura. Só estou fazendo aquilo que esperam de mim. Ela é mais uma missão, nada diferente das outras.

– Ah, tá. Sem dúvida – caçoou Kade. – Eu tive uma missão como essa lá no Alasca há não muito tempo. Acho que já te contei uma ou duas vezes sobre ela, não foi?

– Isso é diferente – resmungou Brock. – O que você e Alex têm... Não é a mesma coisa. Alex é uma Companheira de Raça, para começar. Não existe a possibilidade de as coisas ficarem sérias com Jenna. Não sou do tipo que curte relacionamentos de longo prazo e, além disso, ela é humana.

As sobrancelhas escuras de Kade se uniram em sinal de preocupação.

– Não sei se algum de nós pode ter certeza do que ela é agora.

Brock absorveu a verdade dessa declaração com uma onda renovada de preocupação, não só por Jenna, mas pela Ordem e pelo resto da nação da Raça. O que quer que estivesse acontecendo com ela, parecia estar se acelerando naquele mesmo instante. Não tinha como negar que as notícias sobre seus exames de sangue o perturbavam. Sem falar que aquela porção alienígena colocada dentro dela estava se infiltrando cada vez mais em seu corpo, a um nível que nem mesmo Gideon parecia preparado para combater.

Brock emitiu uma imprecação debaixo do jato punitivo de água.

– Se está tentando fazer com que eu me sinta melhor a respeito disso tudo, sinta-se à vontade para parar a qualquer instante.

Kade riu, obviamente se divertindo com tudo aquilo.

– Sabe, não acho que você vá ter uma conversa de coração aberto com seu novo companheiro de quarto, então sou eu, aqui e agora, demonstrando que me importo.

– Sinto-me tocado – murmurou Brock. – Agora caia fora e deixe eu me escaldar em paz.

– Com todo prazer. Toda essa conversa sobre missões e mulheres me lembrou que tenho deveres importantes em meu apartamento que venho negligenciando...

Brock grunhiu.

– Lembranças a Alex.

Kade apenas sorriu ao se despedir, depois seguiu para a saída mais próxima.

Depois que ele se foi, Brock só ficou uns minutos mais debaixo da água. Já estava tarde, mas ele estava energizado demais para dormir. E o lembrete de Kade sobre as mutações biológicas de Jenna fez sua mente acelerar.

Enxugou-se, depois vestiu uma camiseta cinza e jeans escuros. Calçou os coturnos, sentindo uma súbita necessidade de voltar para a sala das armas para gastar um pouco mais de energia até o pôr do sol, quando poderia, por fim, escapar do complexo uma vez mais. Mas suar a camisa não funcionara muito da primeira vez; duvidava que o ajudasse agora.

Sem saber o que o livraria daquela agitação, Brock se viu andando pelo corredor principal do complexo, na direção do laboratório de tecnologia. Os corredores estavam silenciosos, desertos. Nada surpreendente para aquela hora do dia, quando os guerreiros comprometidos estavam com suas fêmeas e o restante dos ocupantes do quartel-general descansava antes do início das patrulhas da noite.

Brock deveria pensar em fazer o mesmo, porém estava mais interessado em saber se Gideon descobrira algo mais a respeito dos exames de sangue de Jenna. Ao entrar no corredor comprido que o levaria até o laboratório, ouviu movimentos em outra das salas do complexo.

Seguindo o barulho de papéis, parou diante da porta aberta do centro de comando da missão das Companheiras de Raça.

Jenna estava sozinha lá dentro.

Sentada à mesa de reuniões, com diversas pastas espalhadas diante de si e muitas outras empilhadas junto ao cotovelo, ela estava reclinada sobre um bloco de anotações, caneta na mão, completamente absorvida pelo que estava escrevendo, o que quer que fosse. A princípio, achou que ela não soubesse que ele estava ali. Mas em seguida, a mão dela parou no meio da página, e a cabeça se ergueu. As mechas de cabelo castanho caíram como seda quando ela se virou para ver quem estava na porta.

Aquela seria a sua chance para se esconder rápido, antes que ela o visse. Ele era da Raça, poderia estar ali e desaparecer antes que os olhos mortais registrassem sua presença. Em vez disso, por algum motivo idiota, sobre o qual não desejava refletir, avançou um passo e pigarreou.

O olhar castanho de Jenna se arregalou ao vê-lo.

– Oi – disse ele.

Ela sorriu de leve, parecendo pega desprevenida. E por que não estaria, depois da maneira como ele havia deixado as coisas entre os dois da última vez em que se viram? Ela pegou uma das pastas e colocou por cima do bloco de anotações.

– Pensei que todos tivessem ido descansar.

– E foram. – Ele entrou ainda mais na sala e passou os olhos nas informações sobre a mesa. – Parece que Dylan e as outras já conseguiram recrutar seus serviços.

Ela deu de ombros, numa negação débil.

– Eu só... estava olhando algumas coisas. Comparando anotações de alguns arquivos, anotando algumas ideias.

Brock se sentou ao lado dela.

– Elas vão gostar disso – disse ele, impressionado por ela estar ajudando. Esticou a mão na direção das suas anotações. – Posso ver?

– Não é nada de mais, mesmo – disse ela. – É só que algumas vezes ajuda alguém de fora dar uma olhada.

Ele relanceou para a letra curva e precisa que preenchia quase toda a página. A mente dela parecia funcionar do mesmo modo organizado, baseado no fluxo lógico das suas anotações e na lista de sugestões que fizera para a investigação das pessoas desaparecidas que Dylan e as outras Companheiras de Raça vinham procurando nos últimos meses.

– É um bom trabalho – disse ele, sem elogiar, apenas declarando um fato. – Dá para ver que você é uma excelente policial.

Outro levantar de ombros de negação.

– Não sou mais policial. Faz tempo que me afastei.

Ele a observou enquanto falava, notando o arrependimento que pairava em seu tom de voz.

– Não significa que não continue boa ainda no que faz.

– Parei de ser boa há algum tempo. Uma coisa aconteceu e eu... perdi minha motivação. – Ela o fitou, sem piscar. – Houve um acidente de carro há quatro anos. Meu marido e nossa filha de seis anos de idade morreram, só eu sobrevivi.

Brock assentiu.

– Eu sei. Lamento por sua perda.

A empatia dele pareceu incomodá-la de algum modo, e ela ficou meio sem saber o que fazer. Talvez lhe fosse mais fácil falar sobre a sua tragédia em seus termos, sem saber que ele já tomara conhecimento dela. Agora ela o fitava incerta, como se temesse que ele a julgasse de alguma maneira.

– Tive dificuldades para... aceitar que Mitch e Libby tinham partido. Por muito tempo, mesmo agora, é complicado entender como eu tenho que seguir em frente.

– Você vive – disse Brock. – É só o que pode fazer.

Ela assentiu, mas havia assombro em seu olhar.

– Você faz parecer tão fácil.

– Fácil não, apenas necessário. – Ele a viu cutucar um clipe torto em um dos relatórios. – Foi por isso que você se retirou do trabalho na polícia, porque não sabia como viver depois do acidente?

Fitando o espaço bagunçado na mesa diante dela, ela franziu a testa, em silêncio por um instante.

– Pedi demissão porque eu não conseguia mais executar minhas funções. Toda vez que eu tinha que me apresentar numa violação de trânsito, mesmo uma simples colisão de para-choque ou um pneu furado, eu chegava tremendo tanto ao local que mal conseguia sair do carro para oferecer ajuda. E nos chamados mais complicados, em acidentes sérios ou brigas domésticas que acabavam em violência, eu me sentia nauseada durante dias. Tudo o que eu aprendi no treinamento e no trabalho pareceu se despedaçar quando aquele caminhão carregando lenha atravessou a estrada escorregadia e destroçou minha vida. – Relanceou para ele, com seus olhos castanho-claros mais obstinados e firmes do que jamais vira. – Deixei de ser policial porque sabia que não conseguiria executar meu trabalho da maneira que ele precisava ser feito. Não queria que ninguém que pudesse depender de mim pagasse pela minha negligência. Por isso, pedi demissão.

Brock respeitava a coragem e a resiliência de Jenna desde que colocara os olhos nela. Agora, sua opinião apenas aumentara.

– Você se importava com o seu trabalho e com as pessoas que dependiam de você. Isso não é um sinal de fraqueza. Isso demonstra força. E, está claro, você amava o seu trabalho. E acho que ainda ama.

Por que essa simples observação atiçaria algum ponto fraco nela ele não entendia, mas teria que ser cego para não notar a centelha defensiva que brilhou em seus olhos. Jenna desviou o olhar ao perceber que deixara aquilo escapar e, quando falou, não havia raiva em sua voz. Apenas um tom de resignação.

– Sabe bastante sobre mim, não? Acho que não sobrou muito que você ou a Ordem não saibam sobre mim a esta altura.

– Alex nos contou apenas o básico – admitiu ele. – Depois do que aconteceu no Alasca, precisávamos saber algumas coisas.

Ela resmungou.

– Quer dizer, depois que comecei a falar coisas sem nexo enquanto dormia e me tornei um fardo indesejável para a Ordem.

– Mais ou menos isso – disse ele, continuando sentado quando ela se levantou e começou a se afastar dele, os braços cruzados diante do peito. Percebeu que ela abandonara por completo a bengala que Tess lhe dera, e que a perna machucada revelava apenas um leve manquejar a cada passo. – Vejo que seu ferimento já está melhorando.

– Está bem melhor. – Ela o fitou por sobre o ombro. – Na verdade, nem era tão grave assim.

Brock inclinou a cabeça como se concordasse, mas ele se lembrava muito bem da gravidade do ferimento. Se ela estava se curando a um ritmo acelerado, deduziu que as mutações genéticas descobertas por Gideon deviam estar por trás disso.

– Estou feliz que esteja se sentindo melhor – disse, pensando que, provavelmente, ela não precisava de um lembrete sobre a matéria desconhecida inserida dentro de si.

Seu olhar se deteve sobre ele, suavizando-se.

– Obrigada pelo que fez na noite passada, ir atrás de mim e me tirar daquele lugar horrível. Acho que você salvou a minha vida. Sei que salvou, Brock.

– Não foi nada.

Deus, ele esperava que ela jamais ficasse sabendo dos detalhes selvagens com que ele lidara com seus agressores. Ela não estaria agradecendo se o tivesse visto em ação naquela noite, nem se tivesse testemunhado o modo violento com que satisfizera tanto a sua sede quanto a sua fúria naqueles humanos desgraçados. Se soubesse do que ele era capaz, ela, sem dúvida, o enxergaria da mesma maneira que o Antigo que a atacara.

Não sabia por que isso o incomodava tanto. Não queria que ela o igualasse a um monstro, pelo menos não enquanto estivesse encarregado pela Ordem de protegê-la. Ela precisava confiar nele, e, como seu protetor designado, ele tinha que se certificar disso. Tinha um trabalho a fazer, e não estava disposto a perder de vista essa responsabilidade.

Mas sua questão com Jenna ia além disso, ele bem sabia. Só não tinha a mínima intenção de dissecar o assunto agora, nem num futuro próximo.

Observou-a se aproximar da parede coberta de mapas e gráficos que documentava a busca pelas Companheiras de Raça que a Ordem suspeitava que Dragos estivesse mantendo em cativeiro.

– Este trabalho é incrível – murmurou Jenna. – Dylan, Savannah, Renata, Tess... Todas as mulheres que conheci aqui são verdadeiramente incríveis.

– Sim, elas são – concordou Brock. Levantou-se e caminhou até onde estava Jenna. – A Ordem sempre foi uma força a ser respeitada, mas, desde que me juntei a ela, tenho visto nossas forças redobrarem por causa do envolvimento das fêmeas deste complexo.

Ela lhe lançou um olhar que ele considerou difícil de interpretar.

– O que foi?

– Nada. – Um leve sorriso tocou seus lábios quando ela meneou um pouco a cabeça. – Só estou surpresa em ouvir isso. A maioria dos homens com quem tive contato no trabalho, inclusive meu pai e meu irmão, preferiria comer seus distintivos a admitir que era melhor para eles trabalhar em equipe com as mulheres.

– Eu não tenho um distintivo – disse ele, retribuindo o sorriso. – E não sou como a maioria dos homens.

Ela riu de leve, mas não desviou o olhar.

– Não, você não é. E mesmo assim, é um dos poucos aqui que não tem uma Companheira de Raça.

Ele pensou nisso, mais do que apenas um pouco intrigado pelo fato de ela estar curiosa sobre sua vida pessoal.

– Trabalho é uma coisa. Assumir uma companheira com um elo de sangue é outra. É um tipo de situação eterna, e sou alérgico a relacionamentos de longo prazo.

Os olhos inteligentes o avaliaram.

– Por quê?

Seria fácil dar-lhe uma resposta charmosa e sem fundamento, do tipo a que estava acostumado a dar quando Kade e os outros tocavam no assunto de Companheiras de Raça e de envolvimentos sentimentais. Mas ele não poderia olhar para Jenna e ser outra coisa a não ser honesto, não importando como isso mudaria a forma como ela o enxergava.

– Relacionamentos de longo prazo aumentam as chances de eu desapontar alguém. Por isso, me esforço para me manter longe disso.

Ela não disse nada por um ou dois minutos. Apenas o encarou em silêncio, os braços ainda ao seu redor, uma centena de emoções acentuando a cor de seus olhos.

– É, sei o que está querendo dizer – disse, por fim, a voz mal passando de um sussurro rouco. – Sei tudo a respeito de desapontar as pessoas.

– Não tem como eu acreditar nisso. – Ele não conseguia enxergar a mulher capaz e confiante deixando de fazer algo que se dispusera a fazer.

– Pode acreditar – disse ela com seriedade, girando sobre os calcanhares e seguindo para junto da outra parede, onde um punhado de retratos falados fora disposto ao longo de mapas e de anotações. Quando voltou a falar, havia uma casualidade em sua voz que parecia forçada. – Então, essa sua alergia a relacionamentos duradouros é alguma novidade para você, ou sempre evitou compromissos?

Ele teve uma imagem mental instantânea de olhos reluzentes e de uma risada maliciosa e musical que ainda ouvia às vezes, como um fantasma à espreita em suas lembranças.

– Já existiu alguém. Bem... Poderia ter havido alguém. Ela morreu há muitos anos.

A expressão de Jenna ficou sombria de remorso.

– Brock, sinto muito. Não tive a intenção de...

Ele deu de ombros.

– Não precisa se desculpar. Isso foi há um século. – Quase literalmente, ele percebeu, atordoado pelo fato de que tanto tempo havia se passado desde que o seu descuido custara a vida de alguém a quem ele, supostamente, deveria ter protegido.

Jenna voltou a se aproximar e se recostou na beira da mesa ao lado dele.

– O que aconteceu com ela?

– Foi assassinada. Eu trabalhava como guarda-costas no Refúgio Secreto de uma família em Detroit na época. Era minha responsabilidade mantê-la a salvo, mas meti os pés pelas mãos. Ela desapareceu sob a minha vigilância. Seu corpo foi encontrado meses mais tarde, brutalizado a ponto de não ser reconhecido, abandonado num rio.

– Ah, meu Deus... – A voz de Jenna saiu suave, carregada de empatia. – Que horrível.

– É, foi mesmo – disse ele, lembrando-se muito bem do horror do que havia sido feito a ela, antes e depois de ser morta. Três meses na água não deixaram mais fácil de olhar o que lhe haviam feito.

– Sinto muito – repetiu Jenna, esticando uma mão para apoiá-la no músculo saltado do bíceps dele.

Ele tentou ignorar a súbita percepção que surgiu com aquele contato. Mas tentar não perceber sua atração por ela era o mesmo que ordenar ao fogo que não fosse quente. Toque-o e você se queimará. Assim como ele queimava agora, quando relanceou para a mão pálida de Jenna em contraste com a sua pele escura.

Quando ele levantou o olhar para ela, percebeu pela forma sutil com que ela inspirava que seus olhos muito provavelmente estavam iluminados por centelhas cor de âmbar, a transformação traindo seu desejo por ela. Ela engoliu em seco, mas não desviou o olhar.

Que Deus o ajudasse, mas ela tampouco retraiu a mão, nem mesmo quando o seu rugido de macho excitado se formou na base da garganta.

Pensamentos do que acontecera com ela há poucas horas em seu apartamento jorraram como uma onda de lembranças ardentes. Não havia mais do que alguns poucos centímetros entre eles, mesmo agora. Ficou imaginando se Jenna queria que ele a beijasse. Estivera inseguro quanto ao que ela sentia, e com a possibilidade de ela estar sentindo algo parecido com seu próprio desejo. Agora, precisava saber com uma ferocidade que o assustava.

Para ter certeza de que não estava interpretando mal, nem que fosse apenas pela sua sanidade, cobriu a mão dela com a sua. Aproximou-se, postando-se de frente para ela, que ainda estava apoiada na mesa.

Ela não se retraiu. Encarou-o bem nos olhos, confrontando-o, bem como ele esperava que ela fizesse.

– Eu não sei bem como lidar com tudo isto – disse ela com suavidade. – As coisas que têm acontecido comigo desde aquela noite no Alasca... Todas as perguntas que talvez nunca sejam respondidas. Sei lidar com isso. De alguma forma, vou aprender a lidar. Mas você... Isto... – Ela baixou o olhar para as mãos unidas, os dedos entrelaçados. – Não sou boa nisso. Meu marido se foi há quatro anos. Não houve ninguém desde então. Nunca estive pronta para isso. Não quis...

– Jenna. – Brock tocou no seu queixo, erguendo-o com suavidade para fitá-la nos olhos. – Tudo bem se eu te beijar?

Os lábios dela vacilaram num sorriso que ele não resistiu a provar. Inclinou a cabeça e a beijou devagar, para que ela se acostumasse, apesar da intensidade do seu desejo.

Embora ela tivesse confessado estar sem prática, ele jamais teria imaginado isso pela sensualidade dos lábios dela ao encontro dos seus. O beijo, tanto suave quanto direto, dando e recebendo, o incendiou. Ele se aproximou, até se ajustar entre suas pernas, precisando sentir o corpo dela pressionado contra o seu enquanto passava a língua ao longo dos lábios aveludados. Correu as mãos pela lateral de seu corpo, ajudando-a a subir na mesa quando a perna machucada começou a tremer.

O beijo fora um erro. Achara que as coisas terminariam ali – apenas um beijo –, mas, agora que começara, ele simplesmente não sabia como encontraria forças para pôr um fim naquilo.

E, pela sensação dela em seus braços, pelos gemidos e sussurros de prazer enquanto os beijos davam início a algo mais poderoso, teve certeza de que ela também queria mais.

Mas, pelo visto, não poderia estar mais errado.

Foi só quando percebeu a umidade em seu rosto que notou que ela estava chorando.

– Jesus – sibilou, recuando de pronto e sentindo-se um cretino ao ver seu rosto marcado pelas lágrimas. – Desculpe. Se eu te pressionei rápido demais...

Ela balançou a cabeça, visivelmente triste, mas sem conseguir falar nada.

– Diga que eu não te machuquei, Jenna.

– Droga. – Ela inspirou fundo. – Não posso fazer isto. Desculpe, a culpa é minha. Eu nunca deveria ter deixado que você...

As palavras foram interrompidas quando ela o empurrou para longe, desvencilhando-se dele, e correu para o corredor.

Brock ficou ali por um minuto, todo tenso e dolorido, ávido de desejo. Deveria deixá-la ir. Considerar aquilo apenas um desastre evitado por um triz e tirar a tentadora Jenna Darrow da cabeça.

Sim, é exatamente isso o que deveria fazer, e ele sabia muito bem disso.

Mas, quando esse pensamento se formou, ele já estava na metade do corredor, seguindo os sons do choro de Jenna até seu antigo apartamento.


Capítulo 13

Jenna se sentia a maior das covardes, uma fraude absoluta, enquanto fugia pelos corredores, tentando engolir as lágrimas. Deixara Brock pensar que não o queria. Provavelmente o fez acreditar que ele a pressionara de algum modo com aquele beijo, quando quase a derretera numa poça na mesa daquela sala de reuniões. Deixou que ele ficasse se preocupando por ter feito algo errado, que talvez a tivesse magoado, e essa era a coisa mais injusta de todas.

No entanto, não conseguira deixar de fugir, precisando colocar alguma distância entre eles com uma determinação que beirava o desespero. Ele a fazia sentir demais. Coisas para as quais não estava preparada. Coisas que ela necessitava com tamanha profundidade, mas que não merecia.

Por isso fugiu, mais aterrorizada do que nunca e odiando a covardia que a fazia colocar pé ante pé. Quando chegou ao quarto, estava tremendo e sem fôlego, lágrimas ainda descendo pelas faces.

– Jenna.

O som da voz grave atrás dela foi como uma carícia ardente em sua pele. Virou-se de frente, atônita com a velocidade e com o silêncio que o levaram até ali não mais do que um segundo depois dela. Mas, em retrospecto, ele não era humano. Não era um homem de fato – uma coisa da qual ela tinha que se lembrar quando ele estava tão próximo, com todo aquele tamanho, a intensidade do olhar se comunicando com tudo o que era feminino dentro dela.

Sua boca ainda estava inchada pelos beijos dele. Sua pulsação ainda batia descompassada. O calor ainda ardia dentro dela.

E como se soubesse disso, Brock se aproximou ainda mais. Esticou o braço e pegou sua mão, sem dizer nada. Não havia necessidade de palavras. Apesar das lágrimas que começavam a diminuir e do tremor das suas pernas, ela não conseguia esconder o desejo que sentia por ele.

Não resistiu quando ele a trouxe para perto, para o calor do seu corpo. Para o conforto dos seus braços.

– Estou com medo – sussurrou ela. Essas palavras não lhe vinham fáceis, como nunca vieram.

Com o olhar preso ao dela, ele lhe acariciou o rosto.

– Não precisa ter medo de mim. Não vou machucar você, Jenna.

Acreditou nele, mesmo antes de ele inclinar a cabeça e resvalar os lábios num beijo dolorosamente carinhoso. De maneira incrível e impossível, confiava naquele homem que não era um homem. Queria as mãos dele sobre si. Queria sentir aquela conexão de novo com alguém, mesmo que não estivesse pronta para pensar em algo além do físico, do desejo de tocar e de ser tocada.

– Está tudo bem – ele murmurou ao encontro da sua boca. – Está segura comigo, prometo.

Jenna fechou os olhos ao absorver suas palavras, as mesmas que a acalmaram na escuridão do seu chalé no Alasca, e de novo na enfermaria do complexo. Brock fora seu elo com o mundo dos vivos depois da sua provação com o Antigo. Sua única corda de segurança durante os infindáveis pesadelos que se seguiram nos dias depois que ela fora trazida àquele lugar estranho, modificada de tantas maneiras.

E agora...?

Agora ela não sabia muito bem como ele se encaixava na confusão que restara da sua vida. Não estava pronta para pensar nisso. Tampouco estava plenamente segura de estar preparada para as sensações que ele lhe provocava.

Recuou um pouco, a dúvida e a vergonha ainda se avolumando na parte dela que ainda lamentava a perda, a ferida aberta em sua alma que há muito tempo aceitara que jamais se cicatrizaria por completo.

Pressionando a testa no calor da solidez de seu peito, no algodão macio que exalava seu cheiro exótico característico, Jenna inspirou profundamente para se fortalecer. E expirou num suspiro entrecortado.

– Será que eu os amava o suficiente? É o que não paro de me perguntar desde aquela noite em meu chalé...

As mãos fortes de Brock alisaram suas costas, fortes e carregadas de compreensão, dando a calma que ela precisava a fim de reviver aqueles momentos torturosos quando o Antigo a pressionara para que ela decidisse o próprio destino.

– Ele me fez escolher, Brock. Naquela noite em meu chalé, pensei que ele iria me matar, mas não matou. Eu não teria lutado se ele matasse. E ele sabia disso, acho. – Na verdade, ela tinha certeza. Naquela noite em que o Antigo invadira sua casa, ela não estava bem. Ele vira a garrafa de uísque vazia no chão e a pistola carregada em sua mão. A caixa de fotografias que ela pegava todos os anos por volta do aniversário do acidente que lhe roubara a família e que a deixara para viver sozinha. – Ele sabia que eu estava preparada para morrer, mas, em vez de me matar, forçou-me a dizer as palavras, a lhe dizer em voz alta o que eu queria mais: vida ou morte. Foi como uma tortura, algum tipo de jogo doentio que ele me fez jogar contra a minha vontade.

Brock resmungou alguma imprecação incompreensível, mas as mãos continuaram suaves às suas costas, carinhosas, num calor tranquilizador.

– Ele me fez escolher – disse ela, lembrando-se de cada minuto insuportável daquela provação.

Mas, ainda pior do que as horas infindáveis do seu aprisionamento e de vê-lo alimentando-se dela, do que o horror de perceber que seu captor não era uma criatura deste mundo, foi o momento terrível no qual ouviu a própria voz rouca dizer as palavras que pareciam rasgar das profundezas mais íntimas e envergonhadas de sua alma.

Quero viver.

Ai, meu Deus... por favor, deixe-me viver.

Não quero morrer!

Jenna engoliu o nó de angústia que se formara em sua garganta.

– Fico pensando que não os amava o bastante – sussurrou, devastada ante esse pensamento. – Fico pensando que, se os amasse de verdade, teria morrido com eles. Que, quando o Antigo me forçou a escolher se queria ou não viver, eu teria feito uma escolha diferente.

Quando o choro ficou preso em sua garganta, os dedos de Brock resvalaram seu queixo. Ergueram seu rosto para seu olhar solene.

– Você sobreviveu – disse ele, a voz firme, mas com infinito afeto. – Foi só o que fez. Ninguém a culparia por isso, muito menos eles.

Ela fechou os olhos, sentindo o peso do arrependimento diminuir um pouco com as palavras reconfortantes que ouvia. Mas o vazio em seu coração era um lugar frio e oco. Um que se tornou ainda maior quando Brock a tomou nos braços, confortando-a. O calor e a preocupação dele penetraram em sua pele como um bálsamo, acrescentando mais emoção ao desejo que não diminuíra por conta da proximidade do corpo forte. Torceu-se no refúgio que era seu abraço, apoiando o rosto na força sólida e firme que ele era.

– Posso acabar com isso, Jenna. – Ela sentiu a pressão da boca, o fluir da respiração em seus cabelos enquanto ele beijava o topo de sua cabeça. – Posso carregar sua dor por você, se quiser.

Havia uma parte nela que se rebelava contra isso. A mulher forte, a policial experiente, aquela que sempre enfrentava qualquer situação, se retraiu ante a ideia de que seu sofrimento pudesse ser pesado demais para ela mesma suportar. Nunca precisou de ajuda, tampouco se dispôs a pedir, jamais. Esse tipo de fraqueza jamais lhe serviria.

Retraiu-se, a recusa na ponta da língua. Mas quando abriu os lábios para falar, as palavras não surgiram. Fitou o belo rosto de Brock, os olhos penetrantes que pareciam enxergar bem dentro dela.

– Quando foi a última vez que se permitiu ser feliz, Jenna? – Ele afagava seu rosto com tanta suavidade, com tanta reverência, que ela estremeceu sob seu toque. – Quando foi a última vez que sentiu prazer? A mão grande desceu ao longo do pescoço. O calor irradiou da palma ampla e dos dedos longos. Sua pulsação acelerou conforme ele espalmou a nuca, o polegar acariciando o ponto sensível debaixo da orelha.

Então, ele a aproximou de si, inclinando-lhe o rosto para se encontrar com o seu. Beijou-a, lenta e profundamente. A fusão vagarosa da boca dele ao encontro da sua lançou uma corrente de calor líquido em suas veias. O fogo se empoçou em seu centro, seu íntimo se enchendo com um desejo ardente e ávido.

– Se você não quiser isto – murmurou ele ao encontro dos seus lábios –, basta dizer. A qualquer hora, eu paro...

– Não. – Ela balançou a cabeça ao erguer a mão para tocar no maxilar forte. – Eu te quero, mas tanto que isso está me assustando demais.

O sorriso dele se espalhou preguiçosamente, os lábios sensuais se afastando para revelar os dentes brancos e a extensão aumentada das presas. Jenna fitou sua boca, sabendo que os instintos básicos humanos de sobrevivência deviam estar disparando todo tipo de alarme, avisando-a de que aproximar-se demais daqueles caninos seria letal.

Mas ela não sentiu medo. Em vez disso, sua mente reconheceu a transformação dele com um sentimento inexplicável de aceitação. Excitação até, enquanto o castanho absorvente de seus olhos começou a reluzir com uma luz âmbar incandescente.

Acima do colarinho da camiseta cinza e debaixo das mangas curtas que se agarravam aos montes firmes dos bíceps musculosos, os dermaglifos de Brock pulsavam em cores. As marcas da pele do membro da Raça assumiram uma cor mais acentuada do que seu costumeiro tom de bronze, tornando-se mais bordô e dourado, junto com um roxo escuro. Jenna percorreu os dedos ao longo das curvas e arcos dos seus glifos, maravilhando-se com a beleza sobrenatural.

– Tudo o que eu achava que sabia é diferente agora – ponderou em voz alta enquanto permanecia no círculo dos braços dele, distraidamente tracejando os desenhos dos glifos que desciam. – Tudo mudou agora. Eu mudei, de maneiras que nem sei se farão sentido para mim. – Levantou o olhar. – Não estou atrás de mais confusão em minha vida. Não acho que eu seja capaz de lidar com mais isso além de todo o resto.

Ele sustentou o seu olhar, sem julgá-la, revelando apenas paciência e uma aura de controle imperturbável.

– Você está confusa agora, enquanto te toco... ou quando a beijo?

– Não – disse ela, surpresa ao constatar isso. – Nem antes.

– Isso é bom. – Ele se inclinou e clamou sua boca novamente, sugando o lábio inferior, capturando-o entre os dentes ao afagar suas costas, depois espalmando a mão na curva das nádegas. Apertou-a com possessividade, rebocando o corpo eletrizado ao longo da sua ereção. Esfregou o nariz na curva do pescoço, os lábios quentes e úmidos em sua pele. Quando falou de novo, sua voz estava mais grossa do que antes, carregada do mesmo tipo de avidez que a percorria. – Permita-se sentir prazer, Jenna. Se quiser, é só isso o que precisa acontecer entre nós. Sem pressão, sem amarras. Sem promessas que nenhum de nós está pronto para fazer.

Ah, Deus. Parecia tão bom, tão tentador, ceder ao desejo que vinha crescendo entre eles desde que ela despertou no complexo da Ordem. Não estava pronta para abrir o coração novamente, talvez nunca estivesse pronta para essa vulnerabilidade de novo, mas não sabia se era forte o bastante para resistir ao presente que Brock estava lhe oferecendo.

Ele a beijou na base da garganta.

– Está tudo bem, Jenna. Entregue o resto para mim agora. Liberte-se de tudo, exceto disto.

– Sim. – Ela suspirou, sem conseguir refrear um arquejo quando as carícias trafegaram por seu corpo. As mãos fortes e habilidosas lançaram picadas de energia pelas suas veias, o talento sobrenatural sugando todo o peso remanescente de tristeza, de dor e de confusão. A boca ardente e habilidosa deixou apenas sensações e avidez em seu rastro.

Ele beijou uma pequena trilha ao longo do pescoço, depois pelo maxilar, até que seus lábios se encontraram com os dela uma vez mais. Jenna acolheu sua paixão, abrindo-se para ele enquanto a língua passava pelo vale entre seus lábios. Ele gemeu quando ela o sugou para dentro, grunhiu uma aprovação absolutamente masculina enquanto ela passava os dedos ao redor da sua cabeça, segurando-o com mais firmeza ao encontro da sua boca.

Deus, ela não fazia ideia de quanto necessitava do toque de um homem. Ficara tempo demais sem aquela intimidade, forçosamente se privando do contato sexual e daquele tipo de relaxamento. Por quatro anos, convencera-se de que não queria nem precisava daquilo, apenas mais um castigo autoimposto pela grave ofensa de ter sobrevivido ao acidente que matara seus entes queridos.

Acreditara-se imune ao desejo; no entanto, ali com Brock, todas aquelas barreiras antes impenetráveis estavam sendo derrubadas, caindo ao seu redor como se não fossem mais do que folhas secas. Ela não conseguia sentir culpa pelo prazer que ele estava lhe proporcionando. Não havia como saber se pela habilidade de Brock de absorver a sua angústia ou pelo desejo reprimido. Só o que ela conhecia era a intensidade crescente das reações do seu corpo ao dele, uma onda de prazer e de antecipação que a deixava sem ar e querendo ainda mais.

As mãos grandes passaram para os ombros, depois começaram sua viagem para os seios. Através do algodão fino da camisa dela, os mamilos endureceram, ficando rijos e doloridos, vivos com sensações a cada carícia aplicada. Jenna gemeu, querendo mais dos toques dele. Capturou sua mão e a guiou por baixo da bainha larga da camisa. Ele não precisou de mais orientações. Em menos de um segundo, soltou o fecho do sutiã e cobriu a pele nua com a palma quente. Brincou com o botão duro ao acariciá-la.

– Melhor assim? – murmurou ele, logo abaixo da orelha. – Diga se está gostando.

– Deus... Sim! – Era tão bom que ela mal conseguia formar palavras.

Jenna sibilou de prazer, jogando a cabeça para trás enquanto uma sensação espiralada se contraía em seu íntimo. Ele continuou tocando-a, beijando-a e acariciando-a, enquanto lentamente tirava sua camisa. Fez o mesmo com o sutiã aberto, deslizando as alças finas pelos ombros, escorregando-as pelos braços. De repente, ela estava nua da cintura para cima diante dele. O instinto de se cobrir – de esconder as cicatrizes que cruzavam seu tronco por causa do acidente, e aquela no abdômen que era um lembrete diário do difícil trabalho de parto de Libby – surgiu de leve, mas apenas por um instante.

Só pelo tempo que demorou para erguer a cabeça e se deparar com o olhar de Brock.

– Você é linda – disse ele, pegando-lhe as mãos com suavidade e afastando-as do corpo antes que ela tivesse a oportunidade de se sentir envergonhada pelo elogio dele ou pela sua observação franca.

Nunca se sentira especialmente bela. Confiante e capaz, bem fisicamente e forte. Essas palavras ela entendia e aceitava. Palavras que a acompanharam em boa parte dos seus trinta e três anos de vida, mesmo durante o casamento. Mas linda? Era-lhe tão estranha quanto o idioma desconhecido que se ouvira falar no vídeo na enfermaria no dia anterior.

Brock, este sim, era lindo. Ainda que parecesse uma palavra esquisita para descrever a sombria força da natureza que estava diante dela.

Cada mancha castanha dos olhos dele sumira, devorada pelo brilho âmbar que aquecia suas faces como uma chama viva. As pupilas afinaram parecendo fendas, e as faces magras agora estavam mais angulares, a pele escura imaculada esticada por sobre os ossos, ressaltando a aparência atordoante das presas longas e afiadas.

Aqueles olhos ardentes prenderam os seus, enquanto ele tirava a camiseta e a deixava cair no chão ao lado dela. O peito era incrível, uma parede maciça de músculos bem torneados cobertos por um desenho intricado de glifos pulsantes. Ela não resistiu ao desejo de tocar a pele lisa, só para ver se era tão sedosa sob seus dedos quanto lhe parecia ao olhar. Era ainda mais macia do que imaginara, mas a força absoluta e sobrenatural abaixo dela era inconfundível.

Brock lhe parecia tão letal quanto fora ao salvá-la na cidade, a não ser, talvez, pela ira gélida que emanara dele como em ondas aquela noite, pois agora ele vibrava com algo igualmente agressivo e intenso: desejo. Todo centrado nela.

– Você está... Maldição, Jenna – ele disse rouco, tracejando a linha do seu ombro, depois circundando a ponta rósea do seu seio. – Você não faz ideia de quanto é adorável, faz?

Ela não respondeu, nem saberia como. Em vez disso, aproximou-se e puxou a boca dele para a sua para mais um beijo ardente. Pele contra pele, os seios esmagados contra os músculos firmes do peito dele, Jenna quase entrou em combustão de tanto desejo. Seu coração batia forte, a respiração acelerada, enquanto Brock abaixava a mão e descia o zíper de seus jeans. Ela mordeu os lábios quando ele deslizou as mãos entre a cintura da calça e a pele dos seus quadris, depois fez descer os jeans por sobre a calcinha branca. Ele se afundou sobre os calcanhares, acompanhando a descida dos jeans com as mãos.

Tomou cuidado perto do ferimento a bala, a fim de não mexer no curativo que envolvia a coxa.

– Tudo bem? – perguntou, erguendo o olhar para ela, a voz grave tão rouca que ela mal a reconheceu. – Se houver dor, posso cuidar dela.

Jenna balançou a cabeça.

– Não está doendo. Está tudo bem, mesmo.

Os olhos reluzentes âmbar se fecharam baixando os cílios ao voltar para a tarefa que tinha em mãos. Com os jeans removidos, ele se apoiou nos calcanhares e olhou para ela, deslizando as mãos para cima e para baixo na extensão das suas pernas.

– Tão, tão linda – ele a elogiou, depois inclinou a cabeça e pressionou os lábios no triângulo de algodão branco entre as coxas, a única peça de roupa que a cobria agora.

Jenna expeliu um suspiro trêmulo quando ele prendeu o tecido entre os dentes e as presas. Com o olhar carregado de propósito, fitou-a, as mãos ainda acariciando as pernas, e puxou a peça antes de soltá-la, deixando voltar ao seu lugar, cobrindo a pele aquecida. Ele a seguiu com a boca, beijando-a de novo, com mais determinação agora, afastando o irrisório pedaço de pano e esfregando o rosto ainda mais na fenda úmida do seu sexo.

As mãos a seguravam pelas nádegas enquanto ele a explorava com os lábios e a língua e o resvalar erótico dos dentes na pele úmida do seu centro. Despiu-a da calcinha, depois afastou as coxas e a sugou novamente. Levou uma mão até o meio das pernas, acrescentando o toque dos dedos à habilidade enlouquecedora da boca. Jenna estremeceu, perdida em sensações e a pouco menos do que uma inspiração de desfalecer.

– Céus – arfou ela, tremendo quando ele sondou suas dobras com a ponta do dedo, penetrando-a apenas de leve, enquanto seus beijos a deixavam cada vez mais tensa. Moveu-se na direção dele, inundada pelo calor. – Meu Deus... Brock, não pare.

Ele gemeu ao encontro da umidade dela, um longo ronronar de evidente apreciação masculina que vibrou em seus ossos e músculos até seu cerne aquecido. O clímax de Jenna a atravessou tal qual uma tempestade. Estremeceu com a sua força, exclamando quando o prazer a assolou e a fez subir aos céus. Quase se desfez, a sensação pairando quase como poeira estelar enquanto ela espiralava mais e mais alto, com tremores de puro deleite trespassando-a, um após o outro.

Sentia-se sem ossos ao flutuar de volta à realidade. Sem ossos e exausta, apesar de seu corpo ainda estar vibrando, repleto de sensações. E Brock ainda a beijava. Ainda a afagava com os dedos, arrancando cada um dos tremores restantes enquanto ela se agarrava aos ombros largos e arfava com o prazer dos tremores.

– Acho que eu estava precisando disso – sussurrou, estremecendo quando o riso baixo dele ecoou em sua pele ainda sensível. Ele a beijou no interno da coxa, mordiscando de leve, e suas pernas vacilaram um pouco sob o próprio peso. Ela se deixou cair para a frente, envolvendo Brock pelas costas. – Ah, meu Deus. Eu não imaginava o quanto precisava disso.

– O prazer foi meu – ele disse, rouco. – E ainda não terminei. – Mudou de posição debaixo dela, passando o braço ao seu redor e acomodando-a sobre o ombro. – Segure firme em mim.

Ela não teve escolha. Antes de entender o que ele pretendia, ele já se levantava. Carregou-a como um peso morto sobre um ombro e se pôs de pé, como se ela não passasse de um fardo de penas. Jenna se segurou como ele lhe dissera, sem deixar de admirar a força absoluta com que ele caminhava até o quarto adjacente. Vestindo apenas os jeans, os músculos das costas se flexionavam e contraíam debaixo da pele lisa a cada longa passada, um concerto perfeito de boa forma e talhe.

Não havia dúvidas, ele era lindo.

E seu corpo já eletrizado zunia com calor renovado quando ela percebeu que ele a carregava direto para a imensa cama king size.

Ele afastou a colcha e o lençol, depois a depositou na beira do colchão. Jenna observou com desejo crescente enquanto ele desabotoava os jeans e os retirava. Ele não estava usando nada por baixo. Glifos elaborados tracejavam a cintura estreita e o quadril, descendo pelas pernas vigorosas. As cores pulsavam e se transformavam, atraindo seu olhar por um breve instante da ereção evidente, que estava rija e imensa enquanto ele apenas observava enquanto ela o avaliava dos pés à cabeça.

Jenna engoliu com a boca seca quando ele se aproximou dela, devastador em toda a sua nudez. O olhar reluzente ainda mais brilhante, as presas ainda mais alongadas.

Ele parou perto da cama, crispando a testa quando ela se deteve no seu olhar transfigurado.

– Está com medo de mim... deste jeito?

Ela só balançou a cabeça de leve.

– Não, não estou com medo.

– Se estiver preocupada com relação a uma possível gravidez...

Ela voltou a balançar a cabeça.

– Meus danos internos no acidente cuidaram disso. Não posso engravidar. De toda forma, pelo que soube, DNA humano e da Raça não se misturam.

– Não – confirmou ele. – E em relação a quaisquer outras preocupações que possa ter, está segura comigo. Não existem doenças nos da minha espécie.

Jenna assentiu.

– Confio em você, Brock.

O crispar da testa dele diminuiu, mas ele permaneceu imóvel.

– Se não tiver certeza, se não é isso o que você quer, então o que lhe disse antes ainda vale. Podemos parar a qualquer instante. – Ele riu baixinho. – Acho que isso pode acabar comigo agora, já que está toda sensual na minha cama, mas eu paro. Que Deus me ajude, mas eu paro.

Ela sorriu, emocionada por alguém tão poderoso demonstrar tamanha honra e humildade. Ela afastou o lençol e abriu espaço para ele ao seu lado.

– Não quero parar.

A boca dele se abriu num sorriso amplo. Com um grunhido, foi em frente e sentou na cama ao seu lado. A princípio, apenas se tocaram e se acariciaram, beijando-se com suavidade, aprendendo mais sobre seus corpos. Brock foi paciente, apesar de a tensão em seu corpo revelar que ele estava se torturando por se refrear. Foi atencioso e carinhoso, tratando-a como uma amante querida, apesar de terem concordado de antemão que aquilo entre eles jamais seria outra coisa além de algo casual, sem amarras.

Para Jenna, parecia incrível que um homem que ela mal conhecia – aquele macho da Raça que tinha todo o direito de assustá-la – pudesse lhe parecer tão familiar, tão íntimo. Brock, porém, dificilmente era um estranho. Ele estivera ao seu lado em meio ao seu pesadelo pessoal, e de novo nos dias de sua recuperação ali no complexo. E a procurara naquela noite em que estivera sozinha e ferida na cidade, um improvável salvador sombrio.

– Por que fez aquilo? – perguntou baixinho, os dedos percorrendo os dermaglifos que se curvavam pelos ombros e desciam pelo peito. – Por que ficou comigo no Alasca e depois todos aqueles dias na enfermaria?

Ele ficou em silêncio por um momento, as sobrancelhas escuras unidas sobre o olhar reluzente.

– Odiei ver o que aconteceu com você. Você era apenas uma inocente que se viu em meio a um tiroteio. Você é humana. Não merecia ser arrastada para o meio da nossa guerra.

– Já sou uma garota crescida. Sei lidar com isso – disse, uma resposta automática que não sentia verdadeiramente. Ainda mais depois dos resultados perturbadores dos seus exames de sangue. – E quanto a agora? O que estamos fazendo aqui, quero dizer... Isto faz parte do seu programa “seja legal com a humana” também?

– Não. Claro que não. – A carranca dele se acentuou a ponto de mostrar raiva. – Acha que isso é pena? É isso o que você acha que é? – Ele inspirou fundo, revelando as pontas das presas ao rolá-la de costas e ficar sentado em cima dela. – Para o caso de não ter percebido, estou excitado pra caramba por você. Se me excitar mais, acabo explodindo.

Para provar seu ponto de vista, ele deu uma estocada nada sutil com o quadril, acomodando-se entre as dobras úmidas de seu sexo. Ele bombeou algumas vezes, fazendo a rigidez do membro entrar e sair da fenda dela, atiçando-a com o calor da sua excitação. Passou o braço por trás do joelho dela, levantando-lhe a perna até seu ombro, virou o rosto para a coxa e deu-lhe uma mordiscada.

– Isto é desejo puro e simples, nada de piedade – disse, sua voz rouca ao penetrá-la, longa e profundamente.

Jenna não conseguiria formular uma resposta mesmo que tentasse. A sensação atordoante de tê-lo preenchendo-a, estendendo-a cada vez mais a cada estocada, era tão sobrepujante que lhe roubou o fôlego. Ela se segurou a ele com as duas mãos enquanto ele lhe capturou a boca num beijo ardente, balançando acima dela, o corpo se movimentando num ritmo exigente.

A crista de um novo clímax já se formava dentro dela, e não conseguiu contê-lo. Sentiu o calor do próprio sangue nas veias, a pulsação imperiosa de Brock também, reverberando sob seus dedos e em cada terminação nervosa. Seus ouvidos estavam tomados pelo som do seu grito silencioso de libertação, pela fricção dos corpos unidos se retorcendo sobre os lençóis. O cheiro do sexo e do sabonete e do suor limpo na pele quente a intoxicaram. O sabor dos beijos ardentes de Brock em seus lábios só a fazia desejar outros mais.

Ela tinha fome, de uma maneira inexplicável.

Tinha fome dele, tão profunda que parecia retorcê-la de dentro para fora.

Queria saboreá-lo. Saborear o poder que ele era.

Arfando após o clímax, afastou-se da boca dele. Ele praguejou algo sombrio sob o fôlego, as investidas cada vez mais intensas, as veias e os tendões saltando no pescoço e nos ombros como cabos espessos elevando-se da pele.

Segurando-se a ele, Jenna deixou a cabeça pender por um momento, tentando se perder no ritmo dos corpos. Tentando não pensar na dor que corroía suas entranhas, no impulso confuso, porém irresistível que atraía seu olhar para o pescoço forte. Para as veias saltadas que pulsavam como tambores de guerra aos seus ouvidos.

Pressionou o rosto na coluna forte do pescoço dele e percorreu a língua no ponto pulsante que encontrou ali. Ele gemeu, um som prazeroso que só servia como combustível para o fogo que ainda queimava dentro dela. Ela se aventurou um pouco mais, cerrando os dentes sobre a pele dele. Brock grunhiu uma imprecação, e ela mordeu com um pouco mais de força, sentindo a onda de tensão que atravessou todo o corpo dele, que estava no limiar agora, os braços como granito ao redor dela, cada estocada dos quadris ficando mais intensa.

Jenna cravou os dentes com mais força na pele suave.

Mordeu até ele ficar louco de paixão...

Até ela sentir o sabor da primeira gota de sangue na língua.

 

 

CONTINUA

Capítulo 8

– Espero que todas estejam com fome – disse Alex, passando pelas portas vaivém da cozinha da mansão, com uma tigela grande de frutas frescas cortadas numa mão e um cesto de biscoitos com ervas aromáticas quentinhos na outra.

Depositou ambos na mesa da sala de jantar diante de Jenna e Tess, que foram instruídas por Alex e as outras mulheres do complexo para que se sentassem e se servissem do café da manhã.

– Como está se sentindo, Jen? – perguntou Alex. – Precisa de alguma coisa? Se quiser erguer a perna, posso pegar um banquinho na outra sala.

Jenna meneou a cabeça.

– Estou bem. – Sua perna estava bem melhor desde a cirurgia da noite anterior, e ela não sentia muitas dores. Só por causa da insistência de Tess é que estava usando uma bengala para se movimentar. – Não precisa ficar me mimando.

– Essa é a minha melhor amiga, a policial do interior – disse Alex, revirando os olhos na direção de Tess e virando a mão num sinal de pouco caso. – Só um machucadinho a bala, não precisam se preocupar...

Jenna caçoou.

– Comparado com a semana que tive, um buraco a bala na coxa é a menor das minhas preocupações.

Ela não estava querendo solidariedade, apenas declarando um fato.

A mão de Tess pousou com suavidade em seu pulso, assustando-a com seu calor e a preocupação genuína no olhar.

– Nenhuma de nós pode fingir saber aquilo pelo que você passou, Jenna, mas espero que entenda que estamos aqui para cuidar de você agora. Você está entre amigas, todas nós.

Jenna resistiu ao efeito de consolo que as palavras de Tess exerciam sobre ela. Não queria se sentir relaxada naquele lugar, entre Alex e aquelas desconhecidas aparentemente gentis.

Nem com Brock.

Muito menos com ele.

Sua mente ainda estava confusa com o resgate inesperado na cidade. Fora um erro sair como havia saído, despreparada e afetada emocionalmente. Não fazia tanto tempo assim que se desligara da polícia para não se lembrar que o melhor modo de se ver em apuros era fugir despreparada em território desconhecido. Só o que reconheceu naquele meio segundo antes de sair do complexo foi o desespero em fugir da sua nova e sombria realidade.

Cometera um clássico erro de julgamento de principiante, incitado pela emoção, e acabara necessitando de resgate para voltar à segurança. Que o seu resgate tivesse surgido na forma de um vampiro formidável e aterrorizante era algo que ela não sabia se um dia conseguiria compreender.

No fundo, sabia que Brock salvara sua vida na noite anterior. Uma parte sua desejava que ele não o tivesse feito. Não queria ficar devendo nada a ele. Não gostava de dever a ninguém, muito menos a um homem que nem podia ser classificado como humano.

Deus, que reviravolta em sua vida...

Com seus pensamentos cada vez mais sombrios, Jenna afastou a mão da de Tess e se recostou na cadeira.

Tess não a pressionou a falar, simplesmente se inclinou sobre a mesa e inspirou um pouco da fragrância que emanava dos biscoitos.

– Hummm – gemeu, o braço fino amparando a curva do ventre arredondado. – É a receita de cheddar e manjericão da Dylan?

– Atendendo a pedidos – respondeu Alex vivamente. – E há mais de onde isso veio, incluindo as incríveis torradas francesas com crème brûlée de Savannah. Falando nelas, é melhor eu ir buscá-las para o banquete.

Enquanto Alex virava e desaparecia novamente na cozinha, Tess lançou um olhar furtivo para Jenna.

– Você ainda não viveu se não provou os biscoitos de Dylan e as torradas de Savannah. Confie em mim, são o paraíso.

Jenna sorriu com educação.

– Tudo me parece muito bom. Nunca fui muito de cozinhar. Minha tentativa de sucesso na cozinha é uma omelete de carne de alce com queijo suíço, espinafre e batatas.

– Carne de alce? – Tess gargalhou. – Bem, posso lhe garantir que nenhuma de nós já experimentou algo parecido. Talvez você possa preparar para nós um dia desses.

– Quem sabe? – disse Jenna sem se comprometer, levantando os ombros.

Se não fosse pela incômoda matéria desconhecida encravada em sua coluna, e agora pelo tiro que a manteria ali sabe lá Deus por quanto tempo, ela já teria ido embora. Não sabia quanto tempo ainda a fariam ficar ali, mas assim que conseguisse sair andando, já era. Não se importava com o que a Ordem precisava saber; não tinha nenhuma intenção de ficar por perto para ser o ratinho de laboratório deles.

Ainda era estranho demais pensar que estava ali com elas, num quartel-general secreto habitado por uma equipe de vampiros guerreiros e por mulheres aparentemente sãs e agradáveis que pareciam felizes e à vontade entre eles.

O surrealismo da coisa toda se intensificou quando Alex e o restante das mulheres da Ordem – cinco lindas jovens e a menina loira chamada Mira – saíram da cozinha com o restante do café da manhã. Conversavam amigavelmente, relaxadas na companhia uma da outra como se tivessem estado juntas a vida inteira.

Formavam uma família, inclusive Alex, apesar de ela ter chegado ali apenas uma semana antes, assim como Jenna.

Um ritmo descontraído se fez na sala de jantar, enquanto pratos com bordas douradas eram passados adiante e completados com todo tipo de comida deliciosa. Taças de cristal eram enchidas com suco até a borda, e delicadas xícaras de porcelana logo se encheram com fragrante café torrado e coado.

Jenna observava tudo em silêncio enquanto a refeição prosseguia. Xarope de bordo aquecido e bolinhas de manteiga rodavam pela mesa, parando por mais tempo com a pequena Mira, que encharcou sua torrada com aquela doçura e cobriu os biscoitos com manteiga como se aquilo fosse cobertura. Mira engoliu um em duas mordidas grandes, depois atacou o resto da refeição com muita vontade.

Jenna sorriu sem querer ante o apetite voraz da menina, sentindo uma pontada de melancolia, senão culpa, quando pensou na filha. Libby sempre fora uma menina cuidadosa, disciplinada e séria, mesmo quando pequena.

Deus, o que não daria para poder ver Libby degustando algo tão simples quanto um café da manhã à sua frente na mesa?

Com os dedos melados, Mira pegou o copo de suco de laranja e sorveu um gole grande. Suspirou de contentamento ao apoiar o copo novamente num baque.

– Pode me passar o chantilly para eu pôr nos pêssegos? – perguntou, cravejando Jenna com seus misteriosos olhos violeta.

Por um instante, Jenna se sentiu capturada por aquele olhar. Dispensou a sensação e pegou a tigela que estava no meio do caminho entre ela e Mira do outro lado.

– Pode, por favor, me passar o chantilly? – Renata a corrigiu de seu lugar à direita da menina. A morena lançou-lhe uma piscadela decididamente maternal e carinhosa ao interceptar a tigela que Jenna segurava.

– Pode, por favor – Mira se corrigiu, não parecendo nem um pouco admoestada.

Jenna cortou um pedaço da torrada e a colocou na boca. Era exatamente o que Tess havia prometido, paradisíaca. Mal conseguiu refrear um gemido alto ao se deleitar com o sabor cremoso de baunilha.

– Gostou? – perguntou Savannah, que estava sentada em uma das cabeceiras da longa mesa de jantar.

– É deliciosa – murmurou Jenna, as papilas gustativas ainda vibrando de êxtase. Lançou um breve olhar, abarcando todas ali reunidas. – Obrigada por me deixarem partilhar disto com vocês. Nunca vi tanta comida junta em minha vida.

– Achou que a deixaríamos morrer de fome? – perguntou Gabrielle da outra cabeceira. Seu sorriso era acolhedor e amigável.

– Não sei bem o que pensei – respondeu Jenna, com honestidade. – Sendo bem franca, acho que ainda não processei tudo isso muito bem.

Gabrielle inclinou a cabeça num leve assentimento, parecendo sábia e serena, ainda que, sem dúvida, devesse ser mais jovem do que Jenna e seus trinta e três anos.

– Isso é compreensível. Você sofreu muito, e a sua situação é sem igual para todos nós.

– A minha situação – Jenna repetiu, refletindo enquanto mexia um pedaço de pão molhado em xarope de bordo em seu prato. – Está falando do objeto não identificado que está alojado na base do meu crânio?

– É, isso – concordou Gabrielle, com um tom gentil na voz. – E o fato de que você teve sorte de escapar do ataque do Antigo com vida. O simples fato de ele ter se alimentado de você e tenha permitido que você vivesse é...

– Inédito – sugeriu a mulher sentada com Gabrielle. Ela tinha cabelos ruivos e o belo rosto salpicado por sardas. – Se soubesse do que ele é capaz, se você tivesse noção do que aconteceu com tantas outras... – A voz se perdeu, um leve estremecimento fazendo o garfo em sua mão tremer. – É um milagre que você esteja viva, Jenna.

– Dylan tem razão – concordou Tess. – Há mais ou menos um ano, quando a Ordem descobriu que o Antigo havia sido despertado, temos tentado localizá-lo e a Dragos, o filho da mãe responsável por trazer de volta ao mundo esse tipo de perigo.

– Não sei qual dos dois é pior – Renata interveio. – O Antigo clamou muitas vidas inocentes, mas é Dragos, o neto sádico do Antigo, quem vem dando as ordens.

– Está dizendo que aquela criatura tem descendentes? – Jenna perguntou, sem conter sua repulsa.

Gabrielle sorveu um gole de café, depois, com cuidado, voltou a depositar a xícara no pires.

– Aquela criatura e outros tantos como ele deram início à Raça na Terra.

– Na Terra? – Jenna exclamou com uma risada descrente. – Está se referido a alienígenas agora? Aquele vampiro que me atacou...

– Não era deste mundo – Savannah concluiu por ela. – É verdade. Não é mais difícil de acreditar do que a existência dos próprios vampiros, se quer saber a minha opinião, mas é a mais pura verdade. Os Antigos estupraram e dominaram depois que aterrissaram aqui há milhares de anos. Com o passar do tempo, algumas das suas vítimas engravidaram com o que se tornaria a primeira geração da Raça.

– Isso faz algum sentido para vocês? – Jenna perguntou, ainda incrédula. Relanceou para Alex, ao seu lado. – Você também acredita nisso?

Alex concordou.

– Depois de conhecer Kade e todos os demais aqui no complexo, como posso não acreditar? Também vi o Antigo com meus próprios olhos, momentos antes de ele ser morto nos despenhadeiros fora de Harmony.

– E quanto a esse outro... Dragos? – perguntou Jenna, curiosa, sem querer, em fazer com que todas as peças desse incrível quebra-cabeça se juntassem se algum modo. – Onde ele entra?

Dylan foi a primeira a falar.

– Ao que parece, Dragos despertou o Antigo muito antes do que supúnhamos. Décadas antes, de fato. Ele o manteve escondido e o usou para criar uma nova leva de Primeira Geração, os membros mais fortes da Raça, visto que são descendentes diretos da linhagem do Antigo e não geneticamente diluídos, como as gerações posteriores.

– Dragos vem criando um exército pessoal dos mais poderosos, dos mais letais membros da espécie – acrescentou Renata. – São criados supervisionados, treinados para serem assassinos impiedosos. Assassinos particulares de Dragos, a quem ele convoca sempre que necessário para os seus desígnios.

Gabrielle assentiu.

– Para criar essa geração, Dragos também precisou de um estoque de mulheres férteis para engravidar do Antigo.

– As Companheiras de Raça – disse Alex.

Jenna olhou para ela.

– E o que são elas?

– Mulheres nascidas com um DNA e características sanguíneas distintas que as tornam capazes de partilhar um elo de sangue vitalício com os membros da Raça e de reproduzir seus filhos – disse Tess, a mão distraída acariciando o ventre distendido. – Mulheres como nós ao redor desta mesa.

O choque e o horror contraíram o íntimo de Jenna.

– Está dizendo que eu...

– Não – disse Tess, balançando a cabeça. – Você é mortal, não é uma Companheira de Raça. O seu hemograma é normal e você não tem a marca que o resto de nós tem.

Ante a confusão estampada no rosto dela, Tess mostrou a mão, que trazia uma marca rubra entre o polegar e o indicador. Era uma minúscula lua crescente com o que parecia uma gota de lágrima caindo em seu centro.

– Todas vocês têm essa tatuagem?

– Não é uma tatuagem – disse Alex. – É uma marca de nascença, Jenna. Todas as Companheiras de Raça têm uma em algum lugar do corpo. A minha está no quadril.

– Não existem muitas de nós no mundo – explicou Savannah. – A Raça considera as Companheiras de Sangue sagradas, mas Dragos não. Ele vem juntando essas mulheres há anos, mantendo-as em cativeiro; deduzimos que com o único propósito de gerarem os assassinos de Primeira Geração. Muitas delas foram mortas, seja por Dragos ou pelo Antigo.

– Como sabem disso? – Jenna perguntou, horrorizada pelo que ouvia.

Na outra ponta da mesa, Dylan pigarreou.

– Eu as vi. As mortas, quero dizer.

A parte policial de Jenna ficou alerta.

– Se vocês têm cadáveres, então têm provas e motivo para entregar esse cretino, Dragos, para as autoridades.

Dylan meneava a cabeça.

– Não vi os corpos. Vi as mortas. Elas... aparecem às vezes. Às vezes falam comigo.

Jenna não sabia se gargalhava ou se deixava a cabeça cair, derrotada.

– Você vê pessoas mortas?

– Toda Companheira de Raça tem uma habilidade ou talento próprio que a torna peculiar de algum modo – explicou Tess. – Para Dylan, é esse dom de se conectar com as outras Companheiras de Raça que já morreram.

Renata se inclinou para a frente, apoiando os antebraços na mesa.

– Através do dom de Dylan, sabemos com certeza que Dragos é o responsável pela morte de inúmeras Companheiras de Raça. E por meio de outra amiga da Ordem, Claire Reichen, cujo talento nos levou a localizar a base de operações de Dragos há alguns meses, sabemos que ele ainda mantém muitas mais. Desde então, a operação de Dragos se escondeu no submundo. Agora a principal missão da Ordem, além de acabar com o maldito o mais rápido possível, é encontrar o quartel-general dele e libertar as suas vítimas.

– Temos ajudado como podemos, mas é muito difícil localizar um alvo móvel – disse Dylan. – Podemos procurar os relatórios das pessoas desaparecidas, procurando por rostos que eu reconheça. E, durante o dia, vasculhamos abrigos para mulheres, orfanatos, albergues... qualquer lugar que possa nos levar às jovens desaparecidas.

Renata assentiu.

– Particularmente aquelas com habilidades extrassensoriais ou outras competências que possam indicar uma Companheira de Raça em potencial.

– Fazemos o que podemos – disse Gabrielle. – Mas ainda não tivemos muita sorte. É como se estivesse nos faltando a chave para desvendar tudo isso e, até a encontrarmos, parece que só ficamos dando voltas.

– Ei, espere um instante – disse Jenna, seu lado policial enferrujado compreendendo a frustração de seguir pistas infrutíferas. – A persistência costuma ser o melhor aliado de um investigador.

– Pelo menos não temos mais que nos preocupar com o Antigo – disse Savannah. – Essa é uma batalha a menos para enfrentar.

Ao redor da mesa de café da manhã, um coro de vozes concordantes ecoou essa declaração.

– Por que o Antigo deixou que você vivesse, Jenna?

A pergunta foi feita por Elise, uma loira baixinha de cabelos curtos do outro lado de Tess. A discreta do grupo, que se parecia com uma flor delicada, mas com um olhar franco e decidido de uma guerreira. Ela, provavelmente, devia precisar dessa força interior, levando-se em consideração a companhia que ela e as demais mulheres naquele complexo tinham.

Jenna baixou o olhar para o prato e refletiu sobre sua resposta. Demorou um tempo para encontrar as palavras.

– Ele me fez escolher.

– O que quer dizer com isso? – disse Savannah, com a testa se franzindo numa pergunta.

O que você decide, Jenna Tucker-Darrow?

Vida... ou morte?

Jenna sentiu todos os olhos cravados nela naquele silêncio. Forçando-se a enfrentar as perguntas não proferidas que pairavam no ar, ela ergueu o olhar. Empinou o queixo e falou sucinta e rapidamente:

– Eu queria morrer. É o que eu teria preferido, ainda mais naquele momento. Ele sabia disso, tenho certeza. Mas, por algum motivo, pareceu querer brincar comigo, então me fez decidir se eu queria ou não morrer naquela noite.

– Puxa, Jen, que horrível... – A voz de Alex se mostrou emocionada. Seu braço a envolveu pelos ombros num gesto de amparo. – Filho da puta cruel.

– Então – continuou Elise –, você disse ao Antigo que a deixasse viver e ele concordou... Simples assim?

Lembrando o momento com vívida clareza agora, Jenna balançou a cabeça com vigor.

– Eu lhe disse que queria viver, e a última coisa de que lembro é dele fazendo um corte no braço e retirando aquela coisa, aquela coisa minúscula que só Deus sabe o que é, e que agora está dentro de mim.

Ela sentiu, mais do que viu, a sutil troca de olhares ao redor da mesa.

– Acham que isso tem alguma significância? – perguntou, dirigindo a pergunta ao grupo como um todo. Tentou abafar a pontada repentina de medo que reverberou em seu peito. – Acham que o fato de ele ter colocado aquela coisa dentro de mim tem alguma importância em eu viver ou morrer?

Alex segurou a mão dela num gesto tranquilizador, mas foi Tess quem falou antes das outras.

– Talvez Gideon possa fazer outros testes para nos ajudar a descobrir isso.

Jenna engoliu em seco, depois assentiu.

Seu prato de comida permaneceu intocado pelo restante da refeição.

Num canto escurecido de um quarto num hotel luxuoso em Boston, onde cortinas pesadas impediam a passagem do menor dos raios solares da manhã, o macho da Raça chamado Dragos estava acomodado numa poltrona acolchoada em seda e tamborilava as unhas da mão na mesinha lateral de mogno. Atrasos o deixavam impaciente, e a impaciência o tornava letal.

– Se ele não chegar nos próximos sessenta segundos, um de vocês terá que matá-lo – disse para o par de assassinos de Primeira Geração que o flanqueavam como Cérberos musculosos de dois metros de altura.

Assim que terminou de falar, no corredor do lado de fora da suíte presidencial, o elevador privativo emitiu uma campainha eletrônica, anunciando a chegada do convidado. Dragos não se moveu de seu canto no quarto, aguardando em silêncio irritado enquanto outro dos seus guardas pessoais criados acompanhava o macho da Raça civil – um tenente na operação secreta de Dragos – até a suíte para a sua reunião particular.

O vampiro teve o bom senso de inclinar a cabeça no instante em que seu olhar recaiu sobre Dragos.

– Mil perdões por mantê-lo esperando, senhor. A cidade está tomada pelos humanos. Pessoas fazendo compras de Natal e turistas – disse ele, o desdém revelado em cada uma das sílabas bem pronunciadas. Tirou as luvas e as colocou nos bolsos do casaco de caxemira. – O meu motorista teve que dar uma dúzia de voltas no hotel antes de conseguirmos nos aproximar da entrada de serviço no andar subterrâneo.

Dragos continuou tamborilando os dedos na mesinha.

– Algo errado com a entrada principal?

Seu tenente, pertencente à segunda geração da Raça, assim como Dragos, empalideceu visivelmente.

– Estamos em pleno dia, senhor. Com toda essa claridade, eu me incineraria em questão de minutos.

Dragos apenas o fitou, nem um pouco incomodado. Também não estava satisfeito com o local inconveniente daquele encontro. Preferiria muito mais o conforto e a segurança da sua residência. Mas isso já não era mais possível. Não depois que a Ordem interferiu em sua operação e o obrigou a buscar refúgio.

Temendo ser descoberto, ele não permitia mais que qualquer um dos seus associados civis soubesse onde seu quartel-general ficava. Como precaução adicional, nenhum deles conhecia a localização das suas propriedades nem da sua equipe. Ele não podia correr o risco de que seus tenentes caíssem no poder da Ordem e o acabassem comprometendo na esperança de que Lucan os poupasse de sua ira.

Só de pensar em Lucan Thorne e nos seus guerreiros, ele ficava com um gosto amargo na boca. Tudo pelo que tanto trabalhara, sua visão de um futuro no qual mal conseguia esperar para pôr as mãos, fora estragado pelas ações da Ordem. Eles o forçaram a bater em retirada. Forçaram-no a destruir o nervo central da sua operação – um superlaboratório de pesquisa científica que lhe custara centenas de dólares e muitas décadas para aperfeiçoar.

Tudo isso desaparecido agora, nada além de cinzas e escombros no meio de uma floresta em Connecticut.

Agora o poder e os privilégios a que Dragos estava acostumado por séculos foram substituídos por esconderijos nas sombras e olhadelas constantes por sobre o ombro para se certificar de que o inimigo não se aproximava. A Ordem o obrigara a fugir e se esconder como um coelho desesperado para se evadir da armadilha do caçador, e ele não gostava nem um pouco disso.

O último incômodo acontecera no Alasca, com a fuga do Antigo, o seu instrumento mais valioso e insubstituível na busca pela derradeira dominação. Já fora bastante ruim que o Antigo tivesse escapado durante seu transporte em seu novo tanque de contenção. Mas o desastre só piorou quando a Ordem não só conseguiu encontrar o laboratório no Alasca como também o fugitivo alienígena.

Dragos perdera essas duas peças fundamentais para os malditos. Não pretendia perder mais nada.

– Quero ouvir boas notícias – disse ao tenente, dardejando o macho por debaixo das sobrancelhas unidas. – Como tem progredido com a sua missão?

– Tudo está a postos, senhor. Esta semana, o alvo e sua família imediata acabaram de regressar aos Estados Unidos das suas férias no exterior.

Dragos grunhiu em concordância. O alvo em questão era um ancião da Raça, com quase mil anos de existência, um da Primeira Geração, de fato, motivo pelo qual Dragos o tinha em mira. Além de querer que Lucan Thorne e seu bando de guerreiros ficassem sem trabalho, Dragos também retornara aos objetivos da sua missão inicial: a extinção sistemática e total de cada um dos Primeira Geração da Raça naquele planeta.

O fato de Lucan e outro membro fundador da Ordem serem Primeira Geração só tornava seu objetivo mais doce. E ainda mais imperativo. Ao acabar com todos os Primeira Geração, exceto seus assassinos criados e treinados para servi-lo inquestionavelmente, Dragos e os outros membros da segunda geração da Raça se tornariam, por consequência, os vampiros mais importantes da atualidade.

E se, ou melhor, quando se cansasse de partilhar o futuro que ele sozinho entreviu e garantiu que acontecesse, então ordenaria ao seu exército pessoal de assassinos que dizimasse cada um dos seus contemporâneos da segunda geração também.

Sentado num silêncio contemplativo e aborrecido, ouvia enquanto seu tenente se apressava em rever os detalhes do plano que o próprio Dragos idealizou poucos dias antes. Passo a passo, tática a tática, o outro macho da Raça discorreu sobre tudo, garantindo-lhe que nada seria deixado ao acaso.

– O Primeira Geração e sua família estão sendo observados em período integral desde que voltaram para casa – disse o tenente. – Estamos prontos para disparar o gatilho dessa operação ao seu comando, senhor.

Dragos inclinou a cabeça num vago assentimento.

– Faça acontecer.

– Sim, senhor.

A mesura profunda e sua retirada foram quase tão agradáveis quanto a noção de que aquele golpe pendente deixaria absolutamente claro para a Ordem que ele podia ter sido atingido, mas estava longe de ser abatido.

Na verdade, sua presença no elegante hotel em Boston, e uma das importantes reuniões de apresentação que levaram semanas para serem arranjadas entre ele e um punhado de humanos influentes escolhidos a dedo, solidificaria a posição de Dragos em sua ascensão para a glória final. Ele praticamente já sentia o gosto do sucesso.

– Ah, mais uma coisa – Dragos chamou seu associado que partia.

– Sim, senhor.

– Se fracassar – disse ele de maneira agradável –, esteja preparado para que eu lhe sirva seu próprio coração.

O rosto do macho empalideceu, ficando branco como o carpete que cobria o piso tal qual neve fresca.

– Não fracassarei, senhor.

Dragos sorriu, expondo tanto os dentes quanto as presas.

– Certifique-se de que isso não aconteça.


Capítulo 9

Depois da bagunça carregada de morte da noite anterior na cidade, Brock considerou um triunfo pessoal que tivesse conseguido evitar Jenna em grande parte do dia após o seu retorno ao complexo.

Depois de ter descartado os dois corpos nas águas gélidas do rio Mystic, ficou sozinho até quase o amanhecer, tentando se libertar da fúria que parecia acompanhá-lo aquela noite.

Mesmo após estar no quartel-general da Ordem por algumas horas pela manhã, a raiva injustificada, e completamente indesejável, que o possuía ao pensar numa mulher inocente se deparando com o perigo fazia com que seus músculos vibrassem com uma necessidade de violência. Algumas boas horas de treino suado com as armas ajudaram a aplacar um pouco desse sentimento. Bem como o banho escaldante de quarenta minutos com o qual se castigara após o treino.

Ele até poderia achar que se sentia bem, com a cabeça no lugar de novo, se não fosse pelos golpes certeiros que Gideon lançara não muito tempo depois.

O primeiro foi a notícia de que Jenna descera depois do café da manhã com as outras mulheres do complexo e lhe pedira para fazer mais exames de sangue e de tecido. Ela havia se lembrado de algo a respeito do tempo passado com o Antigo, algo que Gideon dissera que havia deixado a fêmea valente bem atormentada.

O segundo golpe foi dado quase imediatamente depois que os primeiros resultados dos exames surgiram.

O sangue e o DNA de Jenna haviam mudado significativamente desde a última vez que Gideon os analisara.

No dia anterior, os resultados foram normais. Hoje, tudo estava alterado.

– Não podemos nos precipitar em conclusões. Não importa o que esses resultados possam indicar – disse, por fim, Lucan, em seu tom grave e sério.

– Talvez devamos fazer mais exames – sugeriu Tess, a única fêmea no laboratório de tecnologia no momento. Ela levantou o olhar dos resultados perturbadores para encarar Lucan, Brock e o restante da Ordem, que fora convocada ali para revisar os achados de Gideon. – Devo ir buscar Jenna e levá-la para a enfermaria para mais exames?

– Você até pode fazer isso – disse Gideon –, mas fazer outros exames não vai mudar nada. – Ele tirou os óculos de lentes azul-claras, jogando-os na mesa de acrílico diante dele. Pinçando o alto do nariz, balançou a cabeça de leve. – Esse tipo de mutação de DNA e a reprodução celular massiva simplesmente não acontecem. Os corpos humanos não são avançados o bastante para lidar com as exigências que mudanças dessa significância provocariam em seus órgãos e artérias, sem falar no impacto que algo assim teria no sistema nervoso central.

Com os braços cruzados diante do peito, Brock se recostou na parede ao lado de Kade, Dante e Rio. Não disse nada, esforçando-se para entender tudo o que via e ouvia. Lucan tinha aconselhado que ninguém se precipitasse em conclusões, mas era excessivamente difícil não fazer isso agora, com o futuro bem-estar de Jenna em jogo.

– Não entendo – disse Nikolai do outro lado do laboratório, onde estava sentado à mesa, junto com Tegan e Hunter. – Por que agora? Isto é, se tudo estava normal antes, por que a súbita mutação no sangue e no DNA?

Gideon deu de ombros.

– Pode ser porque até ontem ela esteve num sono profundo, quase em coma. Soubemos que sua força muscular tinha aumentado assim que despertou. Brock testemunhou isso em primeira mão, e nós também, quando Jenna fugiu do complexo. As mudanças celulares que estamos vendo agora podem ter sido uma reação retardada ao seu despertar. Estar consciente e alerta pode ter agido como algum tipo de disparador dentro de seu corpo.

– Ontem à noite ela foi alvejada – acrescentou Brock, refreando o rugido raivoso que lhe constringia a garganta. – Isso pode estar relacionado com o que vemos no sangue dela agora?

– Talvez – disse Gideon. – Tudo é possível, imagino. Isso não é nada que eu, nem ninguém nesta sala, já tenha visto antes.

– Pois é – concordou Brock. – Simplesmente uma maravilha.

No fundo da sala, com os coturnos apoiados na mesa de reuniões enquanto inclinava a cadeira para trás, Sterling Chase pigarreou.

– Levando tudo em consideração, talvez não seja uma boa ideia dar tanta liberdade a essa mulher aqui no complexo. Ela é um grande ponto de interrogação no momento. Por tudo o que sabemos, pode muito bem ser algum tipo de bomba prestes a explodir.

Por um longo instante, ninguém disse nada. Brock odiou esse silêncio. Odiou Chase por exprimir algo que nenhum dos guerreiros quis considerar.

– O que sugere? – perguntou Lucan, lançando um olhar sério para o macho que passara décadas como parte da Agência de Policiamento antes de se juntar à Ordem.

Chase arqueou as sobrancelhas loiras.

– Se dependesse de mim, eu a retiraria do complexo o mais rápido possível. Trancaria-na em algum lugar seguro, bem longe das nossas operações, pelo menos até termos a oportunidade de deter Dragos de uma vez por todas.

O grunhido de Brock surgiu na garganta, carregado de animosidade.

– Jenna fica aqui.

Gideon recolocou os óculos e assentiu na direção de Brock.

– Concordo. Eu não me sentiria à vontade em tirá-la daqui agora. Gostaria de observá-la, para entender melhor o que está acontecendo com ela a nível celular e neurológico, no mínimo.

– Façam como quiserem – disse Chase. – Mas isso será o funeral de todos nós se você estiver errado.

– Ela fica – disse Brock, estreitando o olhar para o outro lado da mesa, que perfurou o ex-agente que sorria.

– Você está todo animado com essa humana desde o segundo em que a viu – observou Chase, o tom leve, mas com a expressão carregada de desafio. – Tem algo a provar, amigo? O que foi... você é um daqueles tolos loucos por uma dama em apuros? O santo padroeiro das causas perdidas. Essa é a sua?

Brock voou por cima da mesa num único salto. Poderia ter acabado com as mãos no pescoço de Chase, mas o vampiro previu o seu ataque e se moveu com a mesma velocidade. A cadeira caiu para trás e, em meio segundo, os dois machos grandes estavam cara a cara, travados numa batalha que nenhum deles poderia vencer.

Brock sentiu mãos fortes afastando-o do confronto, Kade e Tegan, chegando ali antes que ele conseguisse desferir o soco que Chase merecia. E atrás de Chase estavam Lucan e Hunter, os dois e os demais prontos a pôr panos quentes na situação caso um dos machos resolvesse agir.

Encarando Chase com raiva, Brock se permitiu ser afastado, mas só isso. Pelo que não foi a primeira vez, refletiu sobre a natureza antagônica e agressiva de Sterling Chase, e pensou no que fazia com que o de outro modo habilidoso e fantástico guerreiro fosse tão volátil.

Se a Ordem tinha uma bomba acionada com que se preocupar em seu meio, Brock ficou pensando se não estava olhando para ela naquele mesmo instante.

– Por que diabos isso está demorando tanto?

Jenna não tinha percebido que dera vazão à sua preocupação em voz alta até sentir a mão de Alex.

– Gideon disse que queria fazer outros testes na sua amostra. Tenho certeza de que logo vamos ter notícias.

Jenna bufou um suspiro. De bengala na mão, mesmo sentindo apenas uma necessidade mínima de se apoiar nela, levantou-se do sofá no qual estivera sentada e claudicou até o outro lado da sala de estar do apartamento. Fora levada até ali por Alex e Tess depois que colheram a amostra do seu sangue na enfermaria poucas horas atrás, dizendo-lhe que lhe tinham dado o uso daquele espaço pela duração da sua estada no complexo.

Aquela suíte era uma melhora e tanto em relação ao quarto da enfermaria. Espaçosa e confortável, com mobília grande de couro e mesinhas de madeira escura meticulosamente polidas, não entulhadas de tranqueiras. Estantes altas de madeira perfiladas com livros clássicos, de filosofia e história à altura de uma biblioteca. Livros provocativos e sérios que pareciam em contraste com uma prateleira muito bem organizada – caramba, em ordem alfabética – de livros de ficção populares bem ao lado.

Jenna deixou seu olhar passar pelas prateleiras de títulos e autores, necessitando de uma distração momentânea para impedir que pensasse demais no que poderia estar provocando tanta demora para ouvir as respostas de Gideon e dos outros.

– Faz mais de uma hora que Tess está lá – observou, tirando um livro qualquer sobre cantoras de jazz de sua posição na seção de história. Folheou as páginas, mais para dar algo paras as suas mãos fazerem do que por algum interesse real pelo livro.

Enquanto passava pelo capítulo sobre a era dos clubes de jazz dos anos 1920, uma fotografia amarelada escorregou. Jenna a apanhou antes que caísse no chão. O rosto sorridente de uma mulher jovem num vestido de seda cintilante e pele brilhante a fitava da imagem. Com olhos grandes e amendoados e tez de porcelana que parecia reluzir em contraste com os cabelos negros longos, ela era linda e exótica, ainda mais no cenário do clube de jazz ao fundo.

Com sua própria vida num espiral de confusão e preocupação, Jenna sentiu-se perplexa por um momento pelo júbilo evidente no sorriso amplo da jovem. Era uma alegria tão patente, franca, que quase sentiu uma dor física ao vê-la. Ela também já vivenciara esse tipo de felicidade, não? Deus, quanto tempo se passara desde que sentira ainda que metade da vivacidade daquela jovem da fotografia?

Brava com essa sensação de autopiedade, Jenna guardou a fotografia no livro, que devolveu ao seu lugar na prateleira.

– Não aguento mais. Isso está me deixando louca.

– Eu sei, Jen, mas...

– Ao diabo. Não vou mais ficar aqui esperando – disse, virando-se para encarar a amiga. A ponta da bengala se chocou no tapete ao abrir caminho até a porta. – Eles já devem ter alguns resultados a esta altura. Tenho que saber o que está acontecendo. Vou lá agora mesmo.

– Jenna, espere – Alex pediu atrás dela.

Mas ela já estava no corredor, andando o mais rápido que conseguia, apesar do impedimento da bengala e da leve fisgada que trespassava sua perna a cada passo apressado.

– Jenna! – Alex a chamou, com as passadas rápidas ecoando no corredor já deserto.

Jenna prosseguiu pelos corredores de mármore branco polido. A perna começava a latejar, mas ela não se importou. Deixou a bengala de lado, que só a retardava, e faltou pouco para começar a correr na direção das vozes abafadas dos machos logo mais adiante. Ela arfava ao chegar à parede de vidro do laboratório de tecnologia, com suor sobre seus lábios e na testa provocado pela dor.

Seus olhos encontraram Brock antes de qualquer outro membro do grupo aparentemente solene. Seu rosto estava tenso, os tendões do pescoço esticados como cabos, a boca formando uma linha carrancuda, quase ameaçadora. Ele estava no fundo da sala, cercado pelos outros guerreiros, todos aparentando tensão e inquietação, ainda piores agora que ela estava ali. Gideon e Tess estavam próximos ao nicho de computadores na parte anterior do laboratório.

Todos pararam o que estavam fazendo para fitá-la.

Jenna sentiu o peso dos olhares como algo físico. Seu coração se contraiu. Obviamente, eles já tinham a análise de seu sangue. Será que os resultados eram tão horríveis assim?

Suas expressões eram inescrutáveis, todos a mantendo sob observação cautelosa, silenciosa, conforme seus passos desaceleraram diante das portas deslizantes do laboratório.

Deus, olhavam para ela como se nunca a tivessem visto antes.

Não, percebeu, ao notar que o grupo continuava imóvel, olhando para ela através da parede transparente que a separava do grupo solene do outro lado. Olhavam-na como se esperassem que já estivesse morta.

Como se ela fosse um fantasma.

Um medo horrível se instalou em seu estômago, mas ela não pretendia recuar agora.

– Deixem-me entrar – exigiu, irritada e aterrorizada. – Maldição, abram essa maldita porta e me digam o que está acontecendo!

Levantou a mão e cerrou o punho, mas antes que pudesse bater no vidro, as portas deslizaram num sibilo suave. Avançou para dentro, sendo seguida de perto por Alex.

– Podem me contar – disse Jenna, o olhar passando de um rosto silencioso a outro. Demorou-se em Brock, a única pessoa naquela sala, além de Alex, por quem ela sentia alguma confiança. – Por favor... Preciso saber o que descobriram.

– Ocorreram algumas mudanças no seu sangue – disse ele, a voz grave impossivelmente baixa. Gentil demais. – E no seu DNA também.

– Mudanças. – Jenna engoliu em seco. – Que tipo de mudanças?

– Anomalias – Gideon interviu. Quando ela virou a cabeça na direção dele, ficou surpresa pela preocupação no olhar do guerreiro. Ele falava com cautela, parecendo demais com um médico retardando o pior tipo de notícia a dar ao seu paciente. – Descobrimos uma reprodução celular estranha, Jenna. Mutações que estão sendo passadas ao seu DNA e que se multiplicam a uma velocidade excessiva. Essas mutações não estavam presentes na última análise que efetuamos no seu sangue.

Ela balançou a cabeça, tanto pela confusão quanto como um reflexo de negação ao que pensava estar ouvindo.

– Não estou entendendo. Está se referindo a algum tipo de doença? Aquela criatura me infectou com alguma coisa quando me mordeu?

– Nada disso – disse Gideon, lançando um olhar ansioso para Lucan. – Bem, não exatamente.

– Então, o que, exatamente? – ela exigiu saber. A resposta surgiu meio segundo mais tarde. – Ai, meu Deus. Esta coisa na minha nuca... – Ela pôs a mão sobre o ponto em que o Antigo havia inserido o material não identificado do tamanho de um grânulo. – Esta coisa que ele colocou dentro de mim está provocando as mudanças. É isso, não é?

Gideon assentiu de leve.

– É biotecnologia de algum tipo, nada que a Raça ou a espécie humana tenha capacidade de criar. Pelas radiografias mais recentes de hoje, parece que o implante está se integrando à sua medula espinhal num ritmo muito acelerado.

– Tire isso.

Uma rodada de olhares preocupados passou pelo grupo de machos grandes. Mesmo Tess parecia pouco à vontade, sem conseguir sustentar o olhar de Jenna.

– Não é tão simples assim – Gideon respondeu, por fim. – Talvez você deva ver as imagens por si só.

Antes que ela conseguisse pensar se queria ou não ver as provas daquilo que lhe estava sendo dito, a imagem do seu crânio e coluna piscou na tela plana afixada numa parede diante dela. Num segundo, Jenna notou o nauseante objeto do tamanho de um grão de arroz que brilhava no centro da sua primeira vértebra. Os tentáculos que estiveram presentes no dia anterior eram mais numerosos naquela nova imagem.

Muito mais do que centenas a mais, cada tênue feixe entrando – inextricavelmente – ao redor e através da sua medula óssea.

Gideon pigarreou.

– Como disse, o objeto aparentemente é formado por uma combinação de material genético e alta tecnologia avançada. Nunca vi nada assim antes, tampouco consegui encontrar algum tipo de pesquisa científica humana que se assemelhasse minimamente a isso. Considerando-se as transformações biológicas que temos observado em seu DNA e em seu sangue, parece ser a fonte do material genético do próprio Antigo.

O que significava que parte daquela criatura estava dentro dela. Vivendo ali. Vicejando.

A pulsação de Jenna ecoava em seu peito. Ela sentia o fluxo sanguíneo acelerado nas veias, células alteradas que ela imaginava abrindo caminho em seu corpo a cada batida do coração, multiplicando-se, crescendo, devorando-a por dentro.

– Arranquem isso de mim – disse ela, a voz se elevando por causa da angústia. – Tirem essa maldita coisa de dentro de mim ou eu mesma tiro!

Com as duas mãos, ela começou a arranhar a nuca, o desespero fazendo-a agir como louca.

Ela nem percebeu Brock se movendo da sua posição do outro lado do laboratório, mas, em menos de um instante, ele estava bem ao seu lado, as mãos grandes envolvendo-a com os dedos. Os olhos castanhos prenderam-na pelo olhar e não a soltaram.

– Relaxe agora – disse ele, num sussurro gentil, porém com firmeza tirou-lhe as mãos da nuca e segurou-as entre as suas. – Respire, Jenna.

Com os pulmões contraídos, ela emitiu um soluço.

– Solte-me. Por favor, deixem-me em paz, todos vocês.

Ela se afastou e tentou ir embora, mas a pulsação pesada e o tinir em seus ouvidos fez a sala girar ao seu redor com violência. Uma onda obscura de náusea a acometeu, envolvendo-a numa névoa densa e atordoante.

– Te peguei – a voz tranquilizadora de Brock murmurou junto ao seu ouvido.

Ela sentiu os pés deixarem o chão e, pela segunda vez em poucos dias, viu-se amparada pela segurança dos braços dele.


Capítulo 10

Ele não deu explicações para o que estava fazendo ou para onde a estava levando. Apenas saiu do laboratório de tecnologia e a carregou pelo mesmo corredor pelo qual ela viera minutos antes com Alex.

– Solte-me – exigiu Jenna, os sentidos ainda confusos, tinindo a cada longa passada das pernas de Brock. Mudou de posição nos braços dele, tentando ignorar como até mesmo o menor dos movimentos fazia sua cabeça girar e seu estômago revirar. A cabeça pendeu sobre o antebraço forte, um gemido de dor escapando. – Eu disse para me colocar no chão, inferno.

Ele grunhiu enquanto continuava a caminhar.

– Eu ouvi na primeira vez.

Ela fechou os olhos, só porque estava difícil demais mantê-los abertos e ver o teto do corredor se contorcer e girar logo acima enquanto Brock a carregava complexo adentro. Diminuiu o ritmo a certa altura, depois virou, e Jenna abriu os olhos, vendo que ele a levara de volta à suíte que agora era seu quarto.

– Por favor, me ponha no chão – murmurou, a língua grossa, a garganta seca. O latejar por trás dos olhos se tornara uma pulsar firme, o tinido nos ouvidos um lamento agudo que parecia partir seu crânio ao meio. – Deus – arfou, sem conseguir disfarçar a agonia. – Está doendo muito...

– Ok – disse Brock baixinho. – Tudo vai ficar bem agora.

– Não, não vai. – Ela choramingou, humilhada pelo som da sua fraqueza, e pelo fato de que Brock a estava vendo assim. – O que está acontecendo comigo? O que ele fez comigo?

– Isso não importa agora – sussurrou Brock, a voz grave mostrando-se contraída. Uniforme demais para ser confiável. – Primeiro, vamos fazer você superar isto.

Atravessou o quarto com ela e se ajoelhou para acomodá-la no sofá. Jenna se recostou e deixou que ele lhe endireitasse as pernas, não tão perdida no desconforto e na preocupação para deixar de notar o carinho das mãos fortes daquele homem, que, provavelmente, seriam capazes de extrair a vida de alguém com pouco mais do que uma contorção.

– Relaxe – disse ele, as mãos fortes e carinhosas afagando seu rosto, os olhos escuros incitando-a a sustentar seu olhar. – Apenas relaxe e respire, Jenna. Consegue fazer isso por mim?

Ela se acalmou um pouco de pronto, relaxando ao som do seu nome nos lábios dele, o resvalar quente dos dedos que desciam pelo rosto e pelo maxilar e, depois, pela lateral do pescoço. As lufadas curtas de ar que entravam e saíam dos seus pulmões começaram a se acalmar, enquanto Brock amparava a nuca com uma mão e deslizava a outra palma num indo e vindo lento sobre o peito dela.

– Isso mesmo – murmurou, o olhar preso ao dela, intenso e, ainda assim, inacreditavelmente carinhoso. – Solte toda a dor e relaxe. Você está segura, Jenna. Pode confiar em mim.

Ela não sabia por que essas palavras deveriam afetá-la como a afetaram. Talvez a dor a tivesse enfraquecido. Talvez fosse o medo do desconhecido, o abismo da incerteza que subitamente se tornara a sua realidade desde aquela noite gélida e horrenda no Alasca.

E talvez fosse pelo simples fato de que fazia muito tempo, quatro solitários anos, desde que ela sentira a carícia cálida de um homem, mesmo que apenas para oferecer consolo.

Quatro anos vazios desde que se convencera de que não precisava de nenhum contato afetuoso ou intimidade. Quatro anos infindáveis desde que se lembrava do como era se sentir uma mulher de carne e osso, como se fosse desejada. Como se pudesse, um dia, ser capaz de abrir o coração para algo mais.

Jenna fechou os olhos quando lágrimas começaram a arder. Afastou a onda de emoção que surgiu inesperadamente e, em vez disso, concentrou-se nas pontas dos dedos quentes e reconfortantes de Brock em sua pele. Deixou que sua voz a acalentasse, sentindo suas palavras e seu toque trabalharem juntos para ajudá-la a superar a angústia do estranho trauma que parecia estar despedaçando-a de dentro para fora.

– Isso é bom, Jenna. Apenas respire agora.

Ela sentiu a garra de dor em seu crânio relaxar enquanto ele lhe falava. Brock acariciou suas têmporas com os polegares, os dedos esticados em seus cabelos, amparando sua cabeça de maneira reconfortante. O tinir agudo em seus ouvidos começou a diminuir, a desaparecer, até, por fim, sumir de vez.

– Você está indo muito bem – murmurou Brock, a voz mais sombria do que antes, um pouco mais do que um grunhido. – Solte tudo, Jenna. Dê o resto para mim.

Ela exalou um suspiro profundo, sem conseguir mantê-lo dentro de si enquanto Brock a afagava no rosto e no pescoço. Ela gemeu, abraçando o prazer que lentamente devorava sua agonia.

– Isso é bom – sussurrou, sem poder resistir ao desejo de se aproximar do seu toque. – A dor já não é tão forte agora.

– Isso é muito bom, Jenna. – Ele inspirou, parecendo mais um arquejo, depois exalou um gemido. – Liberte-se de tudo.

Jenna sentiu um tremor vibrar por seus dedos enquanto ele falava. As pálpebras se abriram e ela arfou ao vê-lo tão tenso.

Os tendões do pescoço estavam retesados, a mandíbula travada com tanta força que era um milagre que seus dentes não tivessem trincado. Um músculo latejava no rosto delgado. Gotas de suor se formavam na testa e sobre os lábios.

Ele estava com dor.

Uma dor impossível, assim como ela estivera há minutos, antes que seu toque parecesse afastar a agonia.

Foi então que ela entendeu.

Ele não estava simplesmente acalmando-a com as mãos. Ele estava, de alguma forma, tirando a dor dela. Canalizando-a, de propósito, para si.

Ofendida com a ideia, porém ainda mais envergonhada por ter se deixado permanecer ali deitada, imaginando que a carícia dele fosse algo mais do que pura piedade, Jenna se retraiu do seu toque e se pôs sentada num canto do sofá. Respirou fundo de ultraje ao fitar os olhos escuros que reluziam fachos de luz âmbar.

– Que diabos pensa que está fazendo? – arfou, pondo-se de pé.

O músculo que estivera latejando em seu maxilar se retesou quando ele se levantou para enfrentá-la.

– Ajudando você.

Imagens tomaram conta da sua mente em um instante: repentinas lembranças vívidas dos momentos posteriores ao seu cativeiro com a criatura que invadira o seu chalé no Alasca.

Naquele momento, ela também sentira dores. Estivera aterrorizada e em estado de choque, tão devastada de horror e confusão que achou que acabaria morrendo.

E se lembrou das mãos delicadas e cálidas que a confortaram. O rosto de um belo desconhecido sério que entrara em sua vida como um anjo negro e a manteve a salvo, protegida e tranquila, quando tudo em seu mundo fora transformado em caos.

– Você esteve lá – murmurou, atônita por perceber só então. – No Alasca, depois que o Antigo sumiu. Você ficou comigo. Também tirou minha dor naquela hora. E mais tarde, depois que fui trazida para o complexo. Meu Deus... Você ficou comigo o tempo todo em que estive na enfermaria? Os olhos dele permaneceram fixos nos dela, sombrios, inescrutáveis.

– Eu era o único que podia ajudar você.

– Quem te pediu isso? – exigiu saber, num tom sabidamente áspero, mas desesperada por expurgar o calor que ainda trafegava dentro dela, indesejado e espontâneo.

Já era ruim que ele achasse necessário acalentá-la como se ela fosse algum tipo de criança em sua provação prolongada. E ainda pior que ele parecesse pensar ser necessário repetir isso agora também. Maldita fosse se permitisse que ele pensasse, por um segundo sequer, que ela, de fato, desejara seu toque.

Com a expressão ainda carregada pelo que lhe fizera instantes antes, ele meneou a cabeça e imprecou.

– Para uma mulher que não quer a ajuda de ninguém, você bem que parece precisar muito.

Ela mal resistiu à tentação de lhe dizer onde ele podia enfiar sua compaixão.

– Sei cuidar de mim sozinha.

– Como cuidou ontem à noite na cidade? – ele a desafiou. – Como fez há poucos minutos no laboratório, pouco antes que os meus braços fossem a única coisa entre o seu traseiro teimoso e o chão?

A humilhação queimou seu rosto tal qual um tapa.

– Sabe de uma coisa? Faça-nos um favor e não me faça mais favor algum!

Ela se virou para se afastar dele, seguindo para a porta ainda aberta para o corredor. Cada passo miraculosamente sem dor só aumentava sua raiva de Brock, deixando-a ainda mais determinada a colocar o máximo possível de distância entre eles.

Antes que conseguisse se aproximar da soleira, ele se postou diante dela, bloqueando-lhe o caminho, mesmo que ela não tivesse visto ou ouvido ele se mover.

Parou. Encarou-o, atordoada por sua evidente velocidade sobrenatural.

– Saia da minha frente – disse, tentando passar por ele.

Ele deu um passo para o lado, colocando o corpo imenso diretamente diante do dela. A intensidade do seu olhar revelou que ele queria lhe dizer algo mais, mas Jenna não queria ouvir. Precisava ficar sozinha.

Precisava de espaço para pensar sobre tudo o que lhe acontecera... Tudo que ainda estava acontecendo, ficando cada vez mais assustador ao mesmo tempo.

– Saia da frente – disse ela, odiando o leve tremor em sua voz.

Brock lentamente levantou a mão e afastou uma mecha de cabelo da testa dela. Foi um gesto meigo, uma afabilidade que ela tanto precisava, mas que tinha medo de aceitar.

– Você está no nosso mundo agora, Jenna. Quer queira admitir ou não, precisa de ajuda.

Ela observou-lhe a boca enquanto ele falava, desejando não se sentir tão atenta aos lábios cheios e sensuais. Ele ainda estava suportando a sua dor; podia saber pelo ligeiro inflar nas narinas enquanto ele inspirava e expirava de modo controlado. Tampouco a tensão do belo rosto e do pescoço forte se desfizera.

Durante toda a sua vida, ela se esforçou para provar seu valor, primeiro para o pai e para o irmão, Zach, sendo que ambos deixaram claro que duvidavam que ela tivesse o necessário para fazer parte da força policial. Mais tarde, esforçou-se para ser uma mãe e esposa perfeitas. A vida toda fora estruturada numa fundação de força, disciplina e competência.

De maneira inacreditável, enquanto ficava ali diante de Brock, não foi o fato de ele ser algo mais que humano – algo perigoso e alienígena – que fez com que ela quisesse que o chão se abrisse e a engolisse. Foi o medo de que ele pudesse enxergar através da casca de raiva que ela usava como uma armadura, vendo-a como o fracasso solitário e amedrontado que ela, de fato, era.

Brock balançou de leve a cabeça em sua direção enquanto o silêncio se estendia entre eles. Os olhos perscrutaram seu rosto por inteiro antes de se deterem sobre o seu olhar.

– Existem coisas piores do que precisar se apoiar em alguém de vez em quando, Jenna.

– Maldição! Eu disse para sair da minha frente! – Ela pousou as palmas sobre o peito largo e o empurrou com toda a raiva e medo que havia dentro dela.

Brock foi lançado para trás, quase se chocando com a parede oposta do corredor.

Jenna arquejou, assustada e surpresa com o que acabara de fazer.

Horrorizada.

Brock era muito forte, com quase dois metros de altura e mais de cem quilos de músculo e força. Alguém muito mais forte do que ela. Alguém muito mais poderoso do que qualquer outra pessoa que já tivesse conhecido.

As sobrancelhas dele se ergueram em sinal de surpresa.

– Jesus Cristo – murmurou, com muito mais admiração do que raiva na voz.

Jenna suspendeu as mãos diante de si e fitou-as como se elas pertencessem a outra pessoa.

– Ai, meu Deus... Como eu... O que aconteceu?

– Está tudo bem – garantiu ele, voltando para perto dela com aquela enlouquecedora tranquilidade.

– Brock, desculpe. Verdade, eu não queria...

– Eu sei – disse ele, assentindo com seriedade. – Não se preocupe. Você não me machucou.

Uma bolha de histeria subiu-lhe pela garganta. Primeiro, a notícia chocante de que o implante de algum modo estava alterando seu DNA, e agora isso: uma força que não tinha como ser sua, mas, de alguma maneira, era. Relembrou sua fuga da propriedade e as estranhas habilidades linguísticas que pareceu adquirir desde que o Antigo deixara uma parte de si emaranhado em sua medula espinhal.

– Que diabos está acontecendo comigo, Brock? Quando tudo isso vai terminar?

Ele lhe segurou as mãos trêmulas entre suas palmas com firmeza.

– O que quer que esteja acontecendo, você não tem que passar por isso sozinha. Precisa entender isso.

Ela não sabia se ele falava em nome de todos no complexo ou por si só. Ela não tinha voz para pedir uma explicação. Disse a si mesma que não importava o significado das palavras dele; contudo, isso não desacelerou seu coração quando o fitou. Sob o calor dos insondáveis olhos castanhos, ela sentiu os seus piores medos se dissolverem.

Sentia-se aquecida e protegida, coisas que queria negar, mas não podia enquanto Brock a estivesse segurando pelas mãos e pelo olhar.

Ele franziu a testa após um longo momento e lentamente soltou-lhe as mãos, deixando as suas deslizarem pelos braços dela, numa carícia sensual, demorando-se o suficiente para deixar claro que aquilo não era nada menos do que íntimo. Jenna sabia disso, e via que ele também sabia.

Os olhos escuros pareceram se aprofundar, engolindo-a. Recaíram sobre sua boca e lá ficaram enquanto a respiração de Jenna saía num suspiro trêmulo.

Ela sabia que devia se afastar dele agora. Não havia motivo para permanecerem perto assim, com meros centímetros separando seus corpos. Menos ainda entre a boca dele e a dela. Só seria preciso um leve inclinar da cabeça dele ou um erguer da dela e seus lábios se encontrariam.

A pulsação de Jenna acelerou ante a ideia de beijar Brock.

Coisa que, quando ele a carregara para o quarto, estivera bem longe dos seus pensamentos. Não muito tempo atrás, quando seu medo e sua raiva a fizeram sibilar e grunhir como um animal selvagem preso numa armadilha de caçador.

Mas agora, enquanto Brock permanecia tão perto que ela sentia o calor do corpo dele irradiando para o seu, a fragrância da pele tentando-a a aproximar o rosto e inspirar seu cheiro, beijá-lo era uma necessidade secreta que pulsava dentro dela a cada batida fugidia do seu coração.

Talvez ele soubesse o que ela estava sentindo.

Talvez ele estivesse sentindo a mesma coisa.

Ele emitiu uma imprecação, depois recuou um passo, encarando-a com ardor e firmeza.

– Ah... droga... Jenna...

Quando ergueu as mãos fortes e segurou o seu rosto com delicadeza, todo o ar pareceu evaporar no quarto. Os pulmões de Jenna pareceram congelar dentro do peito, mas o coração continuava acelerado, batendo tão rapidamente que pensou que ele poderia explodir.

Esperou, num misto de terror e esperança, atônita com a necessidade que tinha de sentir a boca de Brock na sua.

A língua dele molhou os lábios, o movimento permitindo que ela tivesse um vislumbre das pontas das suas presas, reluzindo como diamantes. Ele praguejou novamente, depois se afastou um pouco, deixando uma lufada de ar frio diante dela onde o calor do seu corpo estivera apenas um segundo antes.

– Eu não deveria estar aqui – murmurou com voz espessa. – E você precisa descansar. Fique à vontade. Se não houver cobertas suficientes na cama, encontrará mais no armário do banheiro. Use tudo que precisar.

Jenna teve que se dar um chacoalhão mental para entender a conversa.

– Este... hum... Este quarto é seu?

Ele acenou de leve, já saindo para o corredor.

– Era. Agora é seu.

– Espere – Jenna o seguiu. – E quanto a você? Você tem onde ficar?

– Não se preocupe – disse ele, parando para olhá-la quando ela se apoiou na maçaneta. – Descanse um pouco, Jenna. Te vejo por aí.

O sangue ainda corria quente nas veias de Brock pouco depois, quando ele parou diante de uma das últimas suítes residenciais e bateu à porta fechada.

– Faltam ainda onze minutos para a hora que combinamos – diz a voz profunda e prática do macho da Raça do outro lado.

A porta se abriu, e Brock foi perfurado por um par de olhos dourados inescrutáveis.

– Avon chama – disse Brock à guisa de um cumprimento ao suspender a mochila de couro preta que continha todos os seus pertences pessoais retirados dos seus aposentos. – E o que quer dizer com isso, cheguei onze minutos antes? Não me diga que você vai ser um daqueles colegas de quarto certinhos que fazem tudo seguindo um cronograma. Minhas escolhas são limitadas, já que você e Chase têm os últimos quartos do complexo. E, para falar a verdade, se Harvard e eu tivermos que dividir um quarto, não sei se sobreviveremos uma semana.

Hunter nada disse enquanto Brock passava por ele e entrava no quarto. Ele o seguiu para a parte das camas, tão sorrateiro quanto um fantasma.

– Pensei que fosse outra pessoa – afirmou um tanto tardiamente.

– É mesmo? – Brock girou de frente para o estoico Primeira Geração, verdadeiramente curioso a respeito do mais recente e reservado membro da Ordem. Sem falar no fato de que estava ávido para desviar a mente dos seus pensamentos ardentes a respeito de Jenna Darrow. – A quem esperava além de mim?

– Não importa – respondeu Hunter.

– Ok. – Brock deu de ombros. – Só estou tentando bater papo, mas tudo bem.

A expressão do Primeira Geração continuou impassível, absolutamente normal. O que não era surpresa, levando-se em consideração o modo como o macho fora criado: como um dos assassinos domésticos de Dragos. Inferno, o cara nem mesmo tinha um nome. Como o restante do exército pessoal criado por Dragos a partir do Antigo, referiam-se ao Primeira Geração apenas pelo único propósito da sua vida: Hunter3.

Ele chegara à Ordem há poucos meses, depois que Brock, Nikolai e alguns dos outros guerreiros atacaram uma reunião de Dragos e dos seus tenentes. Hunter fora libertado durante o ataque e agora era aliado contra o seu criador nos esforços da Ordem em acabar com Dragos.

Brock parou diante das duas camas que estavam em cada lado do quarto em estilo modesto. As duas estavam arrumadas com precisão militar, coberta marrom e lençóis brancos sem nenhuma prega, um único travesseiro meticulosamente colocado na cabeceira de cada estrado.

– Então, qual é a sua cama?

– Não faz diferença para mim.

Brock voltou a fitar o rosto impassível e os inescrutáveis olhos dourados.

– É só me dizer em qual costuma dormir e eu pego a outra.

O olhar nivelado de Hunter não se alterou em nada.

– São apenas mobília. Não tenho nenhum apego nem por uma, nem por outra.

– Nenhum apego – repetiu Brock num murmúrio. – Pois é, cara. Talvez você possa me dar algumas dicas sobre essa sua postura “não estou nem aí”. Acho que viria bem a calhar de tempos em tempos. Especialmente no que se refere às mulheres.

Com um grunhido, largou suas coisas na cama da esquerda, depois esfregou as mãos no rosto e na cabeça. O gemido que escapou dele estava carregado de frustração e do desejo retido que vinha abafando desde que se forçara a deixar Jenna e a tentação de que não precisava.

– Maldição – grunhiu, o corpo tinindo de novo só de lembrar o belo rosto erguido ao fitá-lo.

Era como se ela estivesse à espera de um beijo seu. Tudo que era masculino dentro de si afirmara isso com absoluta certeza na hora, mas ele sabia que aquela era a última coisa de que Jenna precisava.

Ela estava confusa e vulnerável, e ele se considerava mais do que um homem que poderia tirar vantagem disso só porque a sua libido clamava por ela. Claro, isso não o fazia se sentir muito melhor a respeito da excitação que, do nada, voltava à vida de novo, deixando toda a sua honradez de lado.

– Que beleza, meu herói – admoestou-se severamente. – Agora vai precisar afundar numa banheira de gelo por uma semana por ter bancado o nobre...

– Está se sentindo mal? – perguntou Hunter, assustando Brock, que não havia percebido que o outro macho ainda estava atrás dele no quarto.

– É... – disse Brock, dando uma risada sardônica. – Não ando muito bem, não. Se quer saber a verdade, não estou me sentindo bem desde que pus os olhos nela.

– A fêmea humana – disse Hunter, com um ar de compreensão grave. – Está aparente que ela é um problema para você.

Brock emitiu um suspiro sem humor algum.

– Acha mesmo?

– Sim, acho. – Não havia julgamento em sua voz, apenas uma declaração dos fatos. Ele falava como uma máquina: total precisão, zero sentimento. – Deduzo que todos no laboratório de tecnologia chegaram à mesma conclusão hoje, quando permitiu que Chase provocasse sua ira por conta dos comentários sobre o seu apego àquela mulher. Suas ações demonstraram uma fraqueza do seu treinamento e, pior, falta de autocontrole. Reagiu de modo impensado.

– Obrigado por notar – respondeu Brock, suspeitando que seu sarcasmo seria desperdiçado no caçador antissocial e imperturbável. – Lembre-me de encher o seu saco daqui até a semana seguinte se um dia chegar a relaxar o bastante para deixar uma mulher o irritar.

Hunter não reagiu, apenas o fitou sem demonstrar nenhuma centelha de emoção.

– Isso não acontecerá.

– Merda – disse Brock, meneando a cabeça ante o soldado Primeira Geração rígido que fora criado na base da negligência e da disciplina do castigo. – Você não deve ter estado com a mulher certa se tem tanta segurança assim.

A expressão de Hunter continuou estoica. Distante e imparcial. Na verdade, quanto mais Brock olhava para ele, mais claramente começava a enxergar a verdade.

– Caramba. Já esteve, algum dia, com uma mulher, Hunter? Meu Deus... Você é virgem, não é?

Os olhos dourados do Primeira Geração continuaram fixos no olhar de Brock como se considerasse aquilo algum teste de força de vontade no qual ele não permitiria que a revelação o afetasse. E Brock tinha que dar o braço a torcer, pois nenhum grau de emoção cintilou naqueles olhos sinistros, tampouco nas feições perfeitamente disciplinadas.

A única coisa que fez Hunter reagir foi o barulho suave de chinelos se arrastando pelo corredor. Uma voz infantil, Mira, chamando da sala de estar.

– Hunter, você está aí?

Ele se virou sem dar nenhuma explicação e foi se encontrar com a garotinha.

– Agora não é uma boa hora. – Brock o ouviu lhe dizer em seu tom modulado e grave.

– Mas não quer saber o que acontece com Harry quando ele põe a capa da invisibilidade? – perguntou Mira, o desapontamento abaixando o tom de sua voz normalmente alegre. – Essa é uma das minhas partes prediletas no livro. Você tem que ouvir esse capítulo. Vai amar.

– Ela tem razão, é uma das melhores partes. – Brock saiu do quarto, sem saber o que o fez sorrir mais: a percepção de que o implacável assassino Primeira Geração era um virgem sem experiência alguma, ou a mais recente notícia, igualmente divertida, de que o encontro que ele aparentemente atrapalhara ao aparecer com as suas coisas era a hora da leitura de Hunter com a mais jovem residente do complexo.

Deu uma piscadela e um sorriso para Mira quando ela se acomodou no sofá e abriu o livro na parte em que havia parado de ler.

– Relaxe – disse a Hunter, que estava de pé, tão duro quanto uma estátua. – Não vou revelar os seus segredos a ninguém.

Não esperou para ver a reação dele, apenas foi andando para o corredor, deixando Hunter olhando-o enquanto saía.


Caçador


Capítulo 11

– Cruzem os dedos, meninas, mas acho que acabamos de encontrar a pista que procurávamos. – Dylan desligou o telefone e girou a cadeira para ficar de frente para Jenna, Alex, Renata e Savannah, todas reunidas na sala de reuniões das Companheiras de Raça nas últimas horas.

Na verdade, chamá-la de sala de reuniões não lhe fazia justiça. Havia pelo menos meia dúzia de computadores numa mesa longa num dos lados da sala, caixas de arquivos suspensos organizados por localização dispostas numa estante alta para facilitar o acesso, quase cada espaço da parede coberto por mapas marcados da Nova Inglaterra e gráficos de investigação detalhados que envergonhariam boa parte das unidades de casos antigos arquivados da polícia. Em meio a esses gráficos, muitos esboços de retratos falados de jovens, os rostos de algumas desaparecidas, a quem a Ordem e suas companheiras diligentes estavam determinadas a encontrar.

Não, Jenna pensou ao olhar ao redor, aquela não era uma mera sala de reuniões.

Aquela era uma sala devotada à estratégia, a uma missão, à guerra.

Jenna acolhia a energia do lugar, ainda mais depois das notícias perturbadoras que recebera a respeito do seu último exame de sangue. Também precisava da distração a fim de não pensar nos inesperados momentos ardentes que partilhara com Brock no quarto dele, ou melhor, no seu. Ela praticamente dera um salto quando lhe surgiu a oportunidade de sair de lá depois que ele foi embora. Fora Alex quem apareceu procurando-a pouco depois, e fora ela quem a trouxera consigo para a sala de guerra das Companheiras de Raça para ter companhia e ficar conversando.

Ela não desejara se interessar pelo trabalho em que as mulheres da Ordem estavam envolvidas, mas, enquanto esteve entre elas, foi quase impossível para a policial dentro de si ignorar o rastro de uma boa busca por informações. Sentou-se um pouco ereta na cadeira ante a mesa de reuniões quando Dylan andou até a impressora para pegar uma folha que acabara de sair da máquina.

– O que conseguiu? – perguntou Savannah.

Dylan bateu a folha na mesa diante das mulheres reunidas.

– Irmã Margaret Mary Howland.

Jenna e as outras se inclinaram para olhar para a imagem escaneada. Era a foto de um grupo de uma dúzia ou pouco mais de garotas e jovens mulheres. Pelo estilo das roupas, parecia ter sido tirada uns vinte anos antes. O grupo estava reunido num gramado abaixo das escadas de uma varanda coberta, no tipo de pose que as estudantes às vezes faziam para a foto escolar anual. A não ser pelo fato de que, naquele caso, não havia uma escola atrás delas, mas uma casa grande, simples, autoproclamada Lar para Mulheres St. John, Queensboro, Nova York.

Uma mulher de meia-idade de rosto gentil usando um crucifixo como pingente e um vestido de verão modesto estava ao lado do grupo reunido debaixo do beiral branco no qual a placa pintada estava suspensa. Uma das moças mais jovens estava com a mulher de mais idade, os ombros finos seguros por mãos carinhosas, o rostinho erguido com um olhar luminoso de afeto.

– É ela – disse Dylan, apontando para a mulher com o sorriso maternal e braços protetores. – Irmã Margaret.

– E ela é...? – perguntou Jenna, sem conseguir conter a curiosidade.

Dylan relanceou para ela.

– Neste instante, se ainda estiver viva, esta mulher é a nossa aposta mais segura para descobrirmos mais sobre as Companheiras de Raça que sumiram ou acabaram mortas pelas mãos de Dragos.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não estou entendendo.

– Algumas das mulheres que ele matou, e provavelmente muitas outras que ele mantém em cativeiro, vieram de abrigos de fugitivas – disse Dylan. – Veja bem, não é incomum que as Companheiras de Raça se sintam confusas e deslocadas na sociedade mortal. A maioria de nós não sabe o quanto é diferente, muito menos o motivo para isso. Além da marca de nascença em comum e das características biológicas, todas nós temos também habilidades extrassensoriais singulares.

– Não o tipo de coisa que você vê nos programas da TV ou em comerciais anunciando serviços de pessoas psíquicas – explicou Savannah. – Talentos verdadeiramente extrassensoriais são normalmente o meio mais seguro de identificar uma Companheira de Raça.

Dylan concordou.

– Às vezes, esses talentos são uma bênção, mas em muitas outras são uma maldição. O meu dom foi uma maldição em boa parte da minha vida, mas, felizmente, tive uma mãe amorosa. Por isso, não importava o quanto eu ficasse confusa ou assustada, sempre tive a segurança de um lar.

– Mas nem todas têm essa sorte – acrescentou Renata. – Para Mira e para mim, foi uma extensa fila de orfanatos em Montreal. E, de tempos em tempos, chamávamos a rua de lar.

Jenna ouvia em silêncio, agradecendo a boa sorte de ter nascido em uma família normal e relativamente próxima, onde o maior problema de infância foi tentar competir com o irmão pelo afeto e pela aprovação dos pais. Ela não conseguia imaginar os tipos de problemas que as fêmeas nascidas com a marca de nascença da lágrima e da lua crescente tiveram que suportar. Seus problemas, por mais incompreensíveis que fossem, pareciam diminuir um pouco enquanto ponderava sobre as vidas que aquelas mulheres tiveram. Para não falar do inferno que as mortas ou desaparecidas tiveram que suportar.

– Quer dizer que vocês acreditam que Dragos visava as jovens que acabavam nesse tipo de abrigo? – perguntou.

– Sabemos disso – disse Dylan. – A minha mãe costumava trabalhar num abrigo para pessoas que fugiam de casa em Nova York. É uma longa história, uma para ser contada outro dia, mas, basicamente, foi descoberto que o abrigo para o qual ela trabalhava havia sido fundado e era dirigido pelo próprio Dragos.

– Ai, meu Deus... – arfou Jenna.

– Ele estivera se escondendo por trás de um nome falso, Gordon Fasso, enquanto circulava em meio à sociedade humana, e ninguém fazia ideia de quem ele fosse até... até ser tarde demais. – Dylan parou para inspirar profundamente e se fortalecer. – Ele matou minha mãe depois que percebeu que havia sido desmascarado e que a Ordem estava se aproximando dele.

– Lamento muito – sussurrou Jenna, com sinceridade. – Perder alguém que se ama para esse tipo de maldade...

As palavras se perderam enquanto algo frio e determinado borbulhou dentro dela. Como ex-policial, ela conhecia o sabor amargo da injustiça e a necessidade de equilibrar a balança. Mas suprimiu esse sentimento, dizendo a si mesma que a luta da Ordem contra aquele inimigo, Dragos, não era sua. Ela tinha as próprias batalhas para enfrentar.

– Tenho certeza de que Dragos vai ter o que merece no final – disse.

Era uma frase inútil, oferecida com certo distanciamento. Mas ela queria muito estar certa. Sentada ali com aquelas mulheres, tendo-as conhecido um pouco melhor no curto tempo em que estava no complexo, Jenna rezava para que a Ordem fosse bem-sucedida ao enfrentar Dragos. Pensar que alguém tão perverso quanto ele estivesse à solta no mundo era inaceitável.

Pegou a imagem impressa e fitou a expressão calorosa da freira, que estava tal qual uma pastora ao lado de seu rebanho vulnerável.

– Como esperam que essa mulher, a Irmã Margaret, possa ajudá-las?

– A rotatividade de pessoal é alta nesses abrigos – explicou Dylan. – Aquele em que minha mãe trabalhava não era exceção. Uma amiga que costumava trabalhar com ela lá me informou o nome da Irmã e me deu a foto. Ela disse que a freira se aposentou há vários anos, mas fez trabalho voluntário em diversos abrigos em Nova York desde meados dos anos 1970. Por isso, é o tipo de pessoa com quem precisamos conversar.

– Alguém que esteve em abrigos por muito tempo e pode ser capaz de identificar antigas residentes a partir dos retratos falados – disse Savannah, indicando os rostos afixados nas paredes.

Jenna assentiu.

– Esses retratos são de mulheres que estiveram em abrigos?

– Esses retratos – disse Alex ao lado de Jenna – são de Companheiras de Raça que estão sendo mantidas por Dragos enquanto estamos aqui conversando.

– Quer dizer que ainda estão vivas?

– Estavam há alguns meses. – A voz de Renata soou dura. – Uma amiga da Ordem, Claire Reichen, usou seu dom de Companheira de Raça, o poder de viajar em seus sonhos, para localizar o quartel-general de Dragos. Ela viu as prisioneiras, mais de vinte, trancadas em celas do laboratório dele. Embora Dragos tenha realocado sua operação antes que pudéssemos salvá-las, Claire tem trabalhado com um desenhista para documentar os rostos que viu.

– Na verdade, é lá que Claire está agora, ela e Elise – explicou Alex. – Elise tem muitos amigos na comunidade civil da Raça aqui em Boston. Ela e Claire têm trabalhado em alguns novos retratos, baseados no que Claire viu no covil de Dragos.

– Depois que tivermos os rostos das prisioneiras – disse Dylan –, podemos começar a procurar por nomes e possíveis familiares. Qualquer coisa que possa nos ajudar a nos aproximar de onde essas mulheres estão.

– E quanto aos bancos de dados de pessoas desaparecidas? – perguntou Jenna. – Vocês compararam os esboços com os perfis listados em grupos como o Centro Nacional de Pessoas Desaparecidas?

– Sim, e voltamos de mãos vazias – disse Dylan. – Muitas dessas mulheres e garotas nos abrigos são fugitivas e órfãs. Muitas são abandonadas. Umas fogem de casa, deliberadamente cortando todos os laços com a família e com os amigos. O resultado final é o mesmo: ninguém sente falta delas ou procura por elas no sistema; portanto, não há registros arquivados.

Renata concordou com um leve grunhido que pareceu falar de sua experiência.

– Quando você não tem nada, nem ninguém, você pode desaparecer, e é como se nunca tivesse existido.

Por causa dos seus anos na força policial do Alasca, Jenna sabia que isso era bem verdade. As pessoas desapareciam sem deixar rastro tanto nas grandes cidades como em pequenas comunidades. Isso acontecia todos os dias, embora ela jamais tivesse imaginado que fosse pelos motivos que Dylan, Savannah, Renata e as outras mulheres lhe explicavam agora.

– Qual o plano de vocês depois que identificarem as Companheiras de Raça desaparecidas?

– Depois que tivermos uma ligação pessoal com pelo menos uma delas – disse Savannah –, Claire pode tentar se comunicar através dos sonhos e, quem sabe, conseguir informações sobre a localização de onde as prisioneiras estão.

Jenna estava acostumada à rápida digestão e compreensão dos fatos, mas sua cabeça começava a girar com tudo o que estava ouvindo. E não conseguia evitar que sua mente procurasse por soluções para os problemas diante dela.

– Espere um instante. Se o dom de Claire a levou ao covil de Dragos uma vez, por que ela não pode simplesmente repetir isso?

– Para que seu dom funcione, ela precisa de algum tipo de elo emocional ou pessoal com a pessoa que está tentando localizar nos sonhos – respondeu Dylan. – O elo dela antes não era com Dragos, mas com outra pessoa.

– O antigo companheiro dela, Wilhelm Roth – explicou Renata, praticamente cuspindo o nome dele. – Ele era uma pessoa cruel, mas, comparada à de Dragos, sua crueldade não era nada. Jamais permitiríamos que Claire tentasse contatar o próprio Dragos. Isso seria suicídio.

– Tudo bem. Então onde nós ficamos com isso? – perguntou Jenna, o “nós” saindo de sua boca antes que ela percebesse o que havia dito. Mas era tarde demais para retirá-lo, e ela estava interessada demais para fingir outra coisa. – Onde você imagina que as coisas vão a partir daqui?

– Tenho esperanças de localizar a Irmã Margaret e que ela possa nos ajudar a desvendar alguma coisa – disse ela.

– Temos como entrar em contato com ela? – perguntou Renata.

A animação de Dylan se arrefeceu um pouco.

– Infelizmente, não há como termos certeza sequer de que ela ainda esteja viva. A amiga da minha mãe disse que ela deve estar com uns oitenta anos agora. A única boa notícia é que seu convento tem sede em Boston, então, existe a possibilidade de ela estar aqui. Por enquanto, só o que temos é seu número do seguro social4.

– Dê esse número a Gideon – sugeriu Savannah. – Tenho certeza de que ele consegue invadir o sistema do governo para conseguir todas as informações de que precisamos sobre ela.

– Foi isso mesmo que pensei – Dylan respondeu com um sorriso.

Jenna pensou em oferecer ajuda para localizar a freira. Ainda tinha amigos na força policial e em algumas agências federais. Com apenas um telefonema ou e-mail, ela poderia pedir um ou outro favor confidencial. Mas as mulheres da Ordem pareciam ter tudo sob controle.

E seria melhor para ela não se envolver em nada daquilo, lembrou-se com severidade, enquanto Dylan pegava o telefone ao lado do seu computador e ligava para o laboratório de tecnologia.

Alguns minutos mais tarde, Gideon e Rio entraram na sala de guerra. Os dois guerreiros receberam um relatório resumido do que Dylan descobrira. Antes mesmo de ela terminar de explicar o que havia descoberto, Gideon se acomodou diante de um computador e começou a trabalhar.

Jenna ficou olhando da sua cadeira junto à mesa enquanto todos os outros, Savannah, Renata, Alex, Rio e Dylan, se reuniram ao redor de Gideon para vê-lo fazer a sua mágica. Savannah estava certa: ele não precisou mais do que alguns minutos para invadir um firewall de um site do governo americano e começar a baixar os registros de que precisavam.

– A Irmã Margaret Mary Howland está bem viva, de acordo com a Administração do Seguro Social – anunciou ele. – Sacou a aposentadoria dela do mês passado, no valor de 298 dólares e alguns trocados num endereço em Gloucester. Estou imprimindo as informações agora.

Dylan deu um sorriso amplo.

– Gideon, você é um deus da tecnologia.

– Meu prazer é servir. – Levantou-se da cadeira e puxou Savannah para um beijo rápido, porém ardente. – Diga que está impressionada, amor.

– Estou impressionada – respondeu ela, rindo ao mesmo tempo em que lhe dava um tapa no ombro.

Ele sorriu, lançando um olhar para Jenna por sobre os óculos.

– Ela me ama – disse ele, puxando a bela companheira num abraço apertado. – Na verdade, ela é louca por mim. Não consegue viver sem mim. Muito provavelmente, está querendo me levar para a cama neste instante para se aproveitar de mim.

– A-hã. É o que você pensa – replicou Savannah, mas havia uma centelha ardente em seu olhar ao fitá-lo.

– Uma pena que não estamos tendo a mesma sorte para conseguir uma pista sobre a Sociedade TerraGlobal – lamentou Rio, o braço passando ao redor dos ombros de Dylan no que pareceu uma manobra instintivamente íntima.

Renata franziu o cenho.

– Nenhuma pista ainda?

– Nada – Gideon interveio. Ele deve ter percebido o olhar confuso de Jenna. – A Sociedade TerraGlobal é o nome da empresa que acreditamos que Dragos esteja usando como fachada para algumas das suas operações secretas.

Alex disse em seguida:

– Lembra-se daquela mineradora que abriu perto de Harmony há alguns meses, a Mineradora Coldstream? – Ante o aceno de Jenna, Alex continuou: – Pertencia a Dragos. Acreditamos que era para ela ter sido usada como uma prisão para o Antigo depois que o transportassem para o Alasca. Infelizmente, todos sabem como isso terminou.

– Conseguimos rastrear a Mineradora Coldstream até a Sociedade TerraGlobal – acrescentou Rio. – Mas só conseguimos avançar até aí. Sabemos que a TerraGlobal tem muitas camadas, mas está demorando demais para conseguirmos dissecá-las. Nesse ínterim, Dragos se esconde cada vez mais fundo, a cada minuto ficando mais longe do nosso alcance.

– Vocês vão pegá-lo – disse Jenna. Tentou ignorar a aceleração do coração ante a necessidade de pegar algumas armas e liderar a busca. – Vocês têm que pegá-lo, então vão pegá-lo.

Rio, com seu rosto marcado por cicatrizes demonstrando determinação ao assentir em concordância, fitou os olhos de Dylan.

– É. Um dia, nós vamos pegar esse filho da puta. Ele vai pagar por tudo o que já fez.

Debaixo do braço forte, Dylan deu um sorriso tristonho. Escondeu-se em seu abraço, tentando abafar um bocejo.

– Venha – disse Rio, afastando uma mecha dos cabelos ruivos dos olhos dela. – Você tem dedicado muitas horas a tudo isso. Agora vou levá-la para a cama.

– Não é uma má ideia – disse Renata. – A noite logo chega e aposto como Nikolai está testando a nova munição na sala de armas. Está na hora de ir buscar meu homem.

Enquanto ela se despedia e saía, Dylan e Rio, Savannah e Gideon faziam o mesmo.

– Quer ficar comigo e com Kade um pouco? – perguntou Alex.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não, estou bem. Acho que vou ficar aqui por alguns minutos, para relaxar um pouco. O dia foi longo e estranho.

O sorriso de Alex mostrou empatia.

– Se precisar de qualquer coisa, sabe onde me encontrar. Certo?

Jenna assentiu.

– Estou bem. Mas obrigada.

Observou a amiga sair e desaparecer lentamente pelo corredor. Quando não restava mais nada na sala a não ser silêncio e tranquilidade, Jenna se levantou e se aproximou da parede com os mapas, gráficos e retratos.

Era admirável o que a Ordem e as suas companheiras estavam tentando fazer. Era um trabalho importante, mais importante do que qualquer outra coisa com que Jenna se deparara no interior do Alasca, ou, na verdade, em qualquer outro lugar.

Se tudo o que ela descobrira nos últimos dias fosse verdade, então o que a Ordem fazia ali era salvar o mundo.

– Jesus Cristo... – sussurrou, atordoada com a enormidade de tudo aquilo.

Ela tinha que ajudar.

Se fosse capaz, mesmo que de uma maneira pequena, ela tinha que ajudar.

Não tinha?

Jenna andou ao redor da sala, com sua própria batalha acontecendo dentro de si. Não estava pronta para participar de algo como aquilo. Não enquanto ainda tinha tantas coisas para descobrir a respeito de si mesma. Com o irmão morto, ela não tinha mais nenhuma família. O Alasca fora seu lar durante toda a vida e agora isso também se fora, uma parte da sua existência anterior apagada para ajudar a Ordem a preservar seus segredos enquanto continuavam a perseguir o inimigo.

Quanto ao seu futuro, não sabia nem por onde começar. A substância alienígena dentro dela era um problema jamais imaginado, e nem adiantava desejar, porque aquilo não sumiria. Nem mesmo a mente brilhante de Gideon parecia capaz de arrancá-la daquela complicação confusa.

E também havia Brock. De todas as coisas que lhe aconteceram entre a invasão do Antigo ao seu chalé e a adoção atual, inesperada, ainda que não insuportável, por todos ali no quartel-general da Ordem, Brock estava se mostrando a coisa com a qual ela menos estava preparada para lidar.

Não estava nem um pouco perto disso no que se referia aos sentimentos que ele lhe provocava. Coisas que ela não sentia em anos, e, muito certamente, não queria sentir agora.

Nada em sua vida era certo, e a última coisa de que precisava era se envolver ainda mais nos problemas que os guerreiros e as suas companheiras enfrentavam.

No entanto, Jenna se viu seguindo para um computador na mesa ali perto. Sentou-se diante do teclado e entrou no navegador da internet, depois entrou num daqueles sites de e-mail grátis e criou uma conta.

Iniciou uma mensagem nova e digitou o endereço de um dos seus amigos da Polícia Federal em Anchorage. Fez uma única pergunta, uma questão a ser investigada confidencialmente como um favor pessoal.

Inspirou fundo, depois apertou o botão de enviar.


O número do seguro social, social security number, é um número de registro que todos os cidadãos americanos têm, como um CPF e um INSS unificados. Através dele, é possível localizar as pessoas, pois esse número é unificado em todo o território nacional. (N.T.)


Capítulo 12

No vestiário ao lado da sala das armas, Brock esticou a mão às costas para aumentar a temperatura da água de quente para escaldante. Com as mãos apoiadas na porta de teca do cubículo reservado, inclinou a cabeça em direção ao peito e agradeceu pelo jato de água cauterizante que lhe batia nos ombros e descia pelo pescoço. Vapor se formava ao seu redor, espesso como névoa, desde a cabeça até o piso de ladrilhos aos seus pés.

– Cristo! – Kade sibilou, alguns cubículos mais distante. – Duas horas direto de treino mano a mano não foi bastante castigo para você? Agora sente a necessidade de ferver vivo aí?

Brock grunhiu, passando a mão pelo rosto enquanto o vapor continuava a se formar e o calor continuava a açoitar seus músculos tensos demais. Encontrara Niko e Chase na sala das armas depois de deixar seus pertences no quarto que partilharia com Hunter. Parecia-lhe razoável esperar que alguns rounds de treinos de lâminas e treinos corpo a corpo bastariam para exaurir um pouco da sua inquietação e distração. Deveria ser assim, mas não foi.

– O que está acontecendo com você, cara?

– Não sei do que está falando – murmurou Brock, levando a cabeça e os ombros mais para baixo do jato de água escaldante.

A zombaria de Kade se fez ouvir no vestiário cavernoso.

– Até parece que não sabe.

– Droga – Brock exalou em meio à névoa que cobria sua cabeça. – Por que estou com a sensação de que você vai me explicar?

Houve o rangido da torneira sendo fechada, seguido pela batida da porta do chuveiro de Kade quando ele seguiu para o vestiário anexo. Alguns minutos depois, a voz de Kade soou do outro cômodo.

– Vai me contar o que aconteceu aquela noite em Southie, na fábrica?

Brock fechou os olhos e emitiu algo muito parecido com um rosnado, até mesmo para os seus ouvidos.

– Não há nada a contar. Havia fios soltos. Cuidei do assunto.

– A-hã – murmurou Kade. – Foi isso mesmo que imaginei que tivesse acontecido.

Quando Brock levantou a cabeça, viu o guerreiro parado diante dele. Kade estava totalmente vestido com jeans e camiseta preta, apoiado na parede oposta. Seu olhar prateado estreitado, como quem sabe o que está acontecendo.

Brock respeitava demais o amigo para tentar enganá-lo.

– Aqueles humanos eram a ralé que não pensaria duas vezes antes de ferir uma mulher inocente. Não acredita que esse tipo de brutalidade deve ser perdoado, acredita?

– Não. – Kade o encarou, depois assentiu com sobriedade. – Se eu me deparasse com alguém que tivesse colocado um dedo sequer em Alex, eu teria matado o desgraçado. Foi o que fez, não foi? Matou aqueles homens?

– Não eram homens, aqueles... – Brock grunhiu. – Eram cachorros raivosos, e o que fizeram com Jenna – aquilo que achavam que poderiam fazer e se safar – provavelmente não foi a primeira vez que machucaram uma mulher. Duvido que Jenna teria sido a última. Então, isso mesmo, acabei com eles.

Por um bom momento, Kade nada disse. Apenas o observou, mesmo depois que Brock voltou a colocar a cabeça debaixo do jato furioso, sem sentir necessidade de mais explicações. Nem mesmo para seu melhor amigo na Ordem, o guerreiro que era como um irmão para ele.

– Maldição – murmurou Kade depois de um longo silêncio. – Você gosta dela, não gosta?

Brock balançou a cabeça, tanto em negação como para tirar a água do rosto.

– Lucan me deu a responsabilidade de cuidar dela, de mantê-la segura. Só estou fazendo aquilo que esperam de mim. Ela é mais uma missão, nada diferente das outras.

– Ah, tá. Sem dúvida – caçoou Kade. – Eu tive uma missão como essa lá no Alasca há não muito tempo. Acho que já te contei uma ou duas vezes sobre ela, não foi?

– Isso é diferente – resmungou Brock. – O que você e Alex têm... Não é a mesma coisa. Alex é uma Companheira de Raça, para começar. Não existe a possibilidade de as coisas ficarem sérias com Jenna. Não sou do tipo que curte relacionamentos de longo prazo e, além disso, ela é humana.

As sobrancelhas escuras de Kade se uniram em sinal de preocupação.

– Não sei se algum de nós pode ter certeza do que ela é agora.

Brock absorveu a verdade dessa declaração com uma onda renovada de preocupação, não só por Jenna, mas pela Ordem e pelo resto da nação da Raça. O que quer que estivesse acontecendo com ela, parecia estar se acelerando naquele mesmo instante. Não tinha como negar que as notícias sobre seus exames de sangue o perturbavam. Sem falar que aquela porção alienígena colocada dentro dela estava se infiltrando cada vez mais em seu corpo, a um nível que nem mesmo Gideon parecia preparado para combater.

Brock emitiu uma imprecação debaixo do jato punitivo de água.

– Se está tentando fazer com que eu me sinta melhor a respeito disso tudo, sinta-se à vontade para parar a qualquer instante.

Kade riu, obviamente se divertindo com tudo aquilo.

– Sabe, não acho que você vá ter uma conversa de coração aberto com seu novo companheiro de quarto, então sou eu, aqui e agora, demonstrando que me importo.

– Sinto-me tocado – murmurou Brock. – Agora caia fora e deixe eu me escaldar em paz.

– Com todo prazer. Toda essa conversa sobre missões e mulheres me lembrou que tenho deveres importantes em meu apartamento que venho negligenciando...

Brock grunhiu.

– Lembranças a Alex.

Kade apenas sorriu ao se despedir, depois seguiu para a saída mais próxima.

Depois que ele se foi, Brock só ficou uns minutos mais debaixo da água. Já estava tarde, mas ele estava energizado demais para dormir. E o lembrete de Kade sobre as mutações biológicas de Jenna fez sua mente acelerar.

Enxugou-se, depois vestiu uma camiseta cinza e jeans escuros. Calçou os coturnos, sentindo uma súbita necessidade de voltar para a sala das armas para gastar um pouco mais de energia até o pôr do sol, quando poderia, por fim, escapar do complexo uma vez mais. Mas suar a camisa não funcionara muito da primeira vez; duvidava que o ajudasse agora.

Sem saber o que o livraria daquela agitação, Brock se viu andando pelo corredor principal do complexo, na direção do laboratório de tecnologia. Os corredores estavam silenciosos, desertos. Nada surpreendente para aquela hora do dia, quando os guerreiros comprometidos estavam com suas fêmeas e o restante dos ocupantes do quartel-general descansava antes do início das patrulhas da noite.

Brock deveria pensar em fazer o mesmo, porém estava mais interessado em saber se Gideon descobrira algo mais a respeito dos exames de sangue de Jenna. Ao entrar no corredor comprido que o levaria até o laboratório, ouviu movimentos em outra das salas do complexo.

Seguindo o barulho de papéis, parou diante da porta aberta do centro de comando da missão das Companheiras de Raça.

Jenna estava sozinha lá dentro.

Sentada à mesa de reuniões, com diversas pastas espalhadas diante de si e muitas outras empilhadas junto ao cotovelo, ela estava reclinada sobre um bloco de anotações, caneta na mão, completamente absorvida pelo que estava escrevendo, o que quer que fosse. A princípio, achou que ela não soubesse que ele estava ali. Mas em seguida, a mão dela parou no meio da página, e a cabeça se ergueu. As mechas de cabelo castanho caíram como seda quando ela se virou para ver quem estava na porta.

Aquela seria a sua chance para se esconder rápido, antes que ela o visse. Ele era da Raça, poderia estar ali e desaparecer antes que os olhos mortais registrassem sua presença. Em vez disso, por algum motivo idiota, sobre o qual não desejava refletir, avançou um passo e pigarreou.

O olhar castanho de Jenna se arregalou ao vê-lo.

– Oi – disse ele.

Ela sorriu de leve, parecendo pega desprevenida. E por que não estaria, depois da maneira como ele havia deixado as coisas entre os dois da última vez em que se viram? Ela pegou uma das pastas e colocou por cima do bloco de anotações.

– Pensei que todos tivessem ido descansar.

– E foram. – Ele entrou ainda mais na sala e passou os olhos nas informações sobre a mesa. – Parece que Dylan e as outras já conseguiram recrutar seus serviços.

Ela deu de ombros, numa negação débil.

– Eu só... estava olhando algumas coisas. Comparando anotações de alguns arquivos, anotando algumas ideias.

Brock se sentou ao lado dela.

– Elas vão gostar disso – disse ele, impressionado por ela estar ajudando. Esticou a mão na direção das suas anotações. – Posso ver?

– Não é nada de mais, mesmo – disse ela. – É só que algumas vezes ajuda alguém de fora dar uma olhada.

Ele relanceou para a letra curva e precisa que preenchia quase toda a página. A mente dela parecia funcionar do mesmo modo organizado, baseado no fluxo lógico das suas anotações e na lista de sugestões que fizera para a investigação das pessoas desaparecidas que Dylan e as outras Companheiras de Raça vinham procurando nos últimos meses.

– É um bom trabalho – disse ele, sem elogiar, apenas declarando um fato. – Dá para ver que você é uma excelente policial.

Outro levantar de ombros de negação.

– Não sou mais policial. Faz tempo que me afastei.

Ele a observou enquanto falava, notando o arrependimento que pairava em seu tom de voz.

– Não significa que não continue boa ainda no que faz.

– Parei de ser boa há algum tempo. Uma coisa aconteceu e eu... perdi minha motivação. – Ela o fitou, sem piscar. – Houve um acidente de carro há quatro anos. Meu marido e nossa filha de seis anos de idade morreram, só eu sobrevivi.

Brock assentiu.

– Eu sei. Lamento por sua perda.

A empatia dele pareceu incomodá-la de algum modo, e ela ficou meio sem saber o que fazer. Talvez lhe fosse mais fácil falar sobre a sua tragédia em seus termos, sem saber que ele já tomara conhecimento dela. Agora ela o fitava incerta, como se temesse que ele a julgasse de alguma maneira.

– Tive dificuldades para... aceitar que Mitch e Libby tinham partido. Por muito tempo, mesmo agora, é complicado entender como eu tenho que seguir em frente.

– Você vive – disse Brock. – É só o que pode fazer.

Ela assentiu, mas havia assombro em seu olhar.

– Você faz parecer tão fácil.

– Fácil não, apenas necessário. – Ele a viu cutucar um clipe torto em um dos relatórios. – Foi por isso que você se retirou do trabalho na polícia, porque não sabia como viver depois do acidente?

Fitando o espaço bagunçado na mesa diante dela, ela franziu a testa, em silêncio por um instante.

– Pedi demissão porque eu não conseguia mais executar minhas funções. Toda vez que eu tinha que me apresentar numa violação de trânsito, mesmo uma simples colisão de para-choque ou um pneu furado, eu chegava tremendo tanto ao local que mal conseguia sair do carro para oferecer ajuda. E nos chamados mais complicados, em acidentes sérios ou brigas domésticas que acabavam em violência, eu me sentia nauseada durante dias. Tudo o que eu aprendi no treinamento e no trabalho pareceu se despedaçar quando aquele caminhão carregando lenha atravessou a estrada escorregadia e destroçou minha vida. – Relanceou para ele, com seus olhos castanho-claros mais obstinados e firmes do que jamais vira. – Deixei de ser policial porque sabia que não conseguiria executar meu trabalho da maneira que ele precisava ser feito. Não queria que ninguém que pudesse depender de mim pagasse pela minha negligência. Por isso, pedi demissão.

Brock respeitava a coragem e a resiliência de Jenna desde que colocara os olhos nela. Agora, sua opinião apenas aumentara.

– Você se importava com o seu trabalho e com as pessoas que dependiam de você. Isso não é um sinal de fraqueza. Isso demonstra força. E, está claro, você amava o seu trabalho. E acho que ainda ama.

Por que essa simples observação atiçaria algum ponto fraco nela ele não entendia, mas teria que ser cego para não notar a centelha defensiva que brilhou em seus olhos. Jenna desviou o olhar ao perceber que deixara aquilo escapar e, quando falou, não havia raiva em sua voz. Apenas um tom de resignação.

– Sabe bastante sobre mim, não? Acho que não sobrou muito que você ou a Ordem não saibam sobre mim a esta altura.

– Alex nos contou apenas o básico – admitiu ele. – Depois do que aconteceu no Alasca, precisávamos saber algumas coisas.

Ela resmungou.

– Quer dizer, depois que comecei a falar coisas sem nexo enquanto dormia e me tornei um fardo indesejável para a Ordem.

– Mais ou menos isso – disse ele, continuando sentado quando ela se levantou e começou a se afastar dele, os braços cruzados diante do peito. Percebeu que ela abandonara por completo a bengala que Tess lhe dera, e que a perna machucada revelava apenas um leve manquejar a cada passo. – Vejo que seu ferimento já está melhorando.

– Está bem melhor. – Ela o fitou por sobre o ombro. – Na verdade, nem era tão grave assim.

Brock inclinou a cabeça como se concordasse, mas ele se lembrava muito bem da gravidade do ferimento. Se ela estava se curando a um ritmo acelerado, deduziu que as mutações genéticas descobertas por Gideon deviam estar por trás disso.

– Estou feliz que esteja se sentindo melhor – disse, pensando que, provavelmente, ela não precisava de um lembrete sobre a matéria desconhecida inserida dentro de si.

Seu olhar se deteve sobre ele, suavizando-se.

– Obrigada pelo que fez na noite passada, ir atrás de mim e me tirar daquele lugar horrível. Acho que você salvou a minha vida. Sei que salvou, Brock.

– Não foi nada.

Deus, ele esperava que ela jamais ficasse sabendo dos detalhes selvagens com que ele lidara com seus agressores. Ela não estaria agradecendo se o tivesse visto em ação naquela noite, nem se tivesse testemunhado o modo violento com que satisfizera tanto a sua sede quanto a sua fúria naqueles humanos desgraçados. Se soubesse do que ele era capaz, ela, sem dúvida, o enxergaria da mesma maneira que o Antigo que a atacara.

Não sabia por que isso o incomodava tanto. Não queria que ela o igualasse a um monstro, pelo menos não enquanto estivesse encarregado pela Ordem de protegê-la. Ela precisava confiar nele, e, como seu protetor designado, ele tinha que se certificar disso. Tinha um trabalho a fazer, e não estava disposto a perder de vista essa responsabilidade.

Mas sua questão com Jenna ia além disso, ele bem sabia. Só não tinha a mínima intenção de dissecar o assunto agora, nem num futuro próximo.

Observou-a se aproximar da parede coberta de mapas e gráficos que documentava a busca pelas Companheiras de Raça que a Ordem suspeitava que Dragos estivesse mantendo em cativeiro.

– Este trabalho é incrível – murmurou Jenna. – Dylan, Savannah, Renata, Tess... Todas as mulheres que conheci aqui são verdadeiramente incríveis.

– Sim, elas são – concordou Brock. Levantou-se e caminhou até onde estava Jenna. – A Ordem sempre foi uma força a ser respeitada, mas, desde que me juntei a ela, tenho visto nossas forças redobrarem por causa do envolvimento das fêmeas deste complexo.

Ela lhe lançou um olhar que ele considerou difícil de interpretar.

– O que foi?

– Nada. – Um leve sorriso tocou seus lábios quando ela meneou um pouco a cabeça. – Só estou surpresa em ouvir isso. A maioria dos homens com quem tive contato no trabalho, inclusive meu pai e meu irmão, preferiria comer seus distintivos a admitir que era melhor para eles trabalhar em equipe com as mulheres.

– Eu não tenho um distintivo – disse ele, retribuindo o sorriso. – E não sou como a maioria dos homens.

Ela riu de leve, mas não desviou o olhar.

– Não, você não é. E mesmo assim, é um dos poucos aqui que não tem uma Companheira de Raça.

Ele pensou nisso, mais do que apenas um pouco intrigado pelo fato de ela estar curiosa sobre sua vida pessoal.

– Trabalho é uma coisa. Assumir uma companheira com um elo de sangue é outra. É um tipo de situação eterna, e sou alérgico a relacionamentos de longo prazo.

Os olhos inteligentes o avaliaram.

– Por quê?

Seria fácil dar-lhe uma resposta charmosa e sem fundamento, do tipo a que estava acostumado a dar quando Kade e os outros tocavam no assunto de Companheiras de Raça e de envolvimentos sentimentais. Mas ele não poderia olhar para Jenna e ser outra coisa a não ser honesto, não importando como isso mudaria a forma como ela o enxergava.

– Relacionamentos de longo prazo aumentam as chances de eu desapontar alguém. Por isso, me esforço para me manter longe disso.

Ela não disse nada por um ou dois minutos. Apenas o encarou em silêncio, os braços ainda ao seu redor, uma centena de emoções acentuando a cor de seus olhos.

– É, sei o que está querendo dizer – disse, por fim, a voz mal passando de um sussurro rouco. – Sei tudo a respeito de desapontar as pessoas.

– Não tem como eu acreditar nisso. – Ele não conseguia enxergar a mulher capaz e confiante deixando de fazer algo que se dispusera a fazer.

– Pode acreditar – disse ela com seriedade, girando sobre os calcanhares e seguindo para junto da outra parede, onde um punhado de retratos falados fora disposto ao longo de mapas e de anotações. Quando voltou a falar, havia uma casualidade em sua voz que parecia forçada. – Então, essa sua alergia a relacionamentos duradouros é alguma novidade para você, ou sempre evitou compromissos?

Ele teve uma imagem mental instantânea de olhos reluzentes e de uma risada maliciosa e musical que ainda ouvia às vezes, como um fantasma à espreita em suas lembranças.

– Já existiu alguém. Bem... Poderia ter havido alguém. Ela morreu há muitos anos.

A expressão de Jenna ficou sombria de remorso.

– Brock, sinto muito. Não tive a intenção de...

Ele deu de ombros.

– Não precisa se desculpar. Isso foi há um século. – Quase literalmente, ele percebeu, atordoado pelo fato de que tanto tempo havia se passado desde que o seu descuido custara a vida de alguém a quem ele, supostamente, deveria ter protegido.

Jenna voltou a se aproximar e se recostou na beira da mesa ao lado dele.

– O que aconteceu com ela?

– Foi assassinada. Eu trabalhava como guarda-costas no Refúgio Secreto de uma família em Detroit na época. Era minha responsabilidade mantê-la a salvo, mas meti os pés pelas mãos. Ela desapareceu sob a minha vigilância. Seu corpo foi encontrado meses mais tarde, brutalizado a ponto de não ser reconhecido, abandonado num rio.

– Ah, meu Deus... – A voz de Jenna saiu suave, carregada de empatia. – Que horrível.

– É, foi mesmo – disse ele, lembrando-se muito bem do horror do que havia sido feito a ela, antes e depois de ser morta. Três meses na água não deixaram mais fácil de olhar o que lhe haviam feito.

– Sinto muito – repetiu Jenna, esticando uma mão para apoiá-la no músculo saltado do bíceps dele.

Ele tentou ignorar a súbita percepção que surgiu com aquele contato. Mas tentar não perceber sua atração por ela era o mesmo que ordenar ao fogo que não fosse quente. Toque-o e você se queimará. Assim como ele queimava agora, quando relanceou para a mão pálida de Jenna em contraste com a sua pele escura.

Quando ele levantou o olhar para ela, percebeu pela forma sutil com que ela inspirava que seus olhos muito provavelmente estavam iluminados por centelhas cor de âmbar, a transformação traindo seu desejo por ela. Ela engoliu em seco, mas não desviou o olhar.

Que Deus o ajudasse, mas ela tampouco retraiu a mão, nem mesmo quando o seu rugido de macho excitado se formou na base da garganta.

Pensamentos do que acontecera com ela há poucas horas em seu apartamento jorraram como uma onda de lembranças ardentes. Não havia mais do que alguns poucos centímetros entre eles, mesmo agora. Ficou imaginando se Jenna queria que ele a beijasse. Estivera inseguro quanto ao que ela sentia, e com a possibilidade de ela estar sentindo algo parecido com seu próprio desejo. Agora, precisava saber com uma ferocidade que o assustava.

Para ter certeza de que não estava interpretando mal, nem que fosse apenas pela sua sanidade, cobriu a mão dela com a sua. Aproximou-se, postando-se de frente para ela, que ainda estava apoiada na mesa.

Ela não se retraiu. Encarou-o bem nos olhos, confrontando-o, bem como ele esperava que ela fizesse.

– Eu não sei bem como lidar com tudo isto – disse ela com suavidade. – As coisas que têm acontecido comigo desde aquela noite no Alasca... Todas as perguntas que talvez nunca sejam respondidas. Sei lidar com isso. De alguma forma, vou aprender a lidar. Mas você... Isto... – Ela baixou o olhar para as mãos unidas, os dedos entrelaçados. – Não sou boa nisso. Meu marido se foi há quatro anos. Não houve ninguém desde então. Nunca estive pronta para isso. Não quis...

– Jenna. – Brock tocou no seu queixo, erguendo-o com suavidade para fitá-la nos olhos. – Tudo bem se eu te beijar?

Os lábios dela vacilaram num sorriso que ele não resistiu a provar. Inclinou a cabeça e a beijou devagar, para que ela se acostumasse, apesar da intensidade do seu desejo.

Embora ela tivesse confessado estar sem prática, ele jamais teria imaginado isso pela sensualidade dos lábios dela ao encontro dos seus. O beijo, tanto suave quanto direto, dando e recebendo, o incendiou. Ele se aproximou, até se ajustar entre suas pernas, precisando sentir o corpo dela pressionado contra o seu enquanto passava a língua ao longo dos lábios aveludados. Correu as mãos pela lateral de seu corpo, ajudando-a a subir na mesa quando a perna machucada começou a tremer.

O beijo fora um erro. Achara que as coisas terminariam ali – apenas um beijo –, mas, agora que começara, ele simplesmente não sabia como encontraria forças para pôr um fim naquilo.

E, pela sensação dela em seus braços, pelos gemidos e sussurros de prazer enquanto os beijos davam início a algo mais poderoso, teve certeza de que ela também queria mais.

Mas, pelo visto, não poderia estar mais errado.

Foi só quando percebeu a umidade em seu rosto que notou que ela estava chorando.

– Jesus – sibilou, recuando de pronto e sentindo-se um cretino ao ver seu rosto marcado pelas lágrimas. – Desculpe. Se eu te pressionei rápido demais...

Ela balançou a cabeça, visivelmente triste, mas sem conseguir falar nada.

– Diga que eu não te machuquei, Jenna.

– Droga. – Ela inspirou fundo. – Não posso fazer isto. Desculpe, a culpa é minha. Eu nunca deveria ter deixado que você...

As palavras foram interrompidas quando ela o empurrou para longe, desvencilhando-se dele, e correu para o corredor.

Brock ficou ali por um minuto, todo tenso e dolorido, ávido de desejo. Deveria deixá-la ir. Considerar aquilo apenas um desastre evitado por um triz e tirar a tentadora Jenna Darrow da cabeça.

Sim, é exatamente isso o que deveria fazer, e ele sabia muito bem disso.

Mas, quando esse pensamento se formou, ele já estava na metade do corredor, seguindo os sons do choro de Jenna até seu antigo apartamento.


Capítulo 13

Jenna se sentia a maior das covardes, uma fraude absoluta, enquanto fugia pelos corredores, tentando engolir as lágrimas. Deixara Brock pensar que não o queria. Provavelmente o fez acreditar que ele a pressionara de algum modo com aquele beijo, quando quase a derretera numa poça na mesa daquela sala de reuniões. Deixou que ele ficasse se preocupando por ter feito algo errado, que talvez a tivesse magoado, e essa era a coisa mais injusta de todas.

No entanto, não conseguira deixar de fugir, precisando colocar alguma distância entre eles com uma determinação que beirava o desespero. Ele a fazia sentir demais. Coisas para as quais não estava preparada. Coisas que ela necessitava com tamanha profundidade, mas que não merecia.

Por isso fugiu, mais aterrorizada do que nunca e odiando a covardia que a fazia colocar pé ante pé. Quando chegou ao quarto, estava tremendo e sem fôlego, lágrimas ainda descendo pelas faces.

– Jenna.

O som da voz grave atrás dela foi como uma carícia ardente em sua pele. Virou-se de frente, atônita com a velocidade e com o silêncio que o levaram até ali não mais do que um segundo depois dela. Mas, em retrospecto, ele não era humano. Não era um homem de fato – uma coisa da qual ela tinha que se lembrar quando ele estava tão próximo, com todo aquele tamanho, a intensidade do olhar se comunicando com tudo o que era feminino dentro dela.

Sua boca ainda estava inchada pelos beijos dele. Sua pulsação ainda batia descompassada. O calor ainda ardia dentro dela.

E como se soubesse disso, Brock se aproximou ainda mais. Esticou o braço e pegou sua mão, sem dizer nada. Não havia necessidade de palavras. Apesar das lágrimas que começavam a diminuir e do tremor das suas pernas, ela não conseguia esconder o desejo que sentia por ele.

Não resistiu quando ele a trouxe para perto, para o calor do seu corpo. Para o conforto dos seus braços.

– Estou com medo – sussurrou ela. Essas palavras não lhe vinham fáceis, como nunca vieram.

Com o olhar preso ao dela, ele lhe acariciou o rosto.

– Não precisa ter medo de mim. Não vou machucar você, Jenna.

Acreditou nele, mesmo antes de ele inclinar a cabeça e resvalar os lábios num beijo dolorosamente carinhoso. De maneira incrível e impossível, confiava naquele homem que não era um homem. Queria as mãos dele sobre si. Queria sentir aquela conexão de novo com alguém, mesmo que não estivesse pronta para pensar em algo além do físico, do desejo de tocar e de ser tocada.

– Está tudo bem – ele murmurou ao encontro da sua boca. – Está segura comigo, prometo.

Jenna fechou os olhos ao absorver suas palavras, as mesmas que a acalmaram na escuridão do seu chalé no Alasca, e de novo na enfermaria do complexo. Brock fora seu elo com o mundo dos vivos depois da sua provação com o Antigo. Sua única corda de segurança durante os infindáveis pesadelos que se seguiram nos dias depois que ela fora trazida àquele lugar estranho, modificada de tantas maneiras.

E agora...?

Agora ela não sabia muito bem como ele se encaixava na confusão que restara da sua vida. Não estava pronta para pensar nisso. Tampouco estava plenamente segura de estar preparada para as sensações que ele lhe provocava.

Recuou um pouco, a dúvida e a vergonha ainda se avolumando na parte dela que ainda lamentava a perda, a ferida aberta em sua alma que há muito tempo aceitara que jamais se cicatrizaria por completo.

Pressionando a testa no calor da solidez de seu peito, no algodão macio que exalava seu cheiro exótico característico, Jenna inspirou profundamente para se fortalecer. E expirou num suspiro entrecortado.

– Será que eu os amava o suficiente? É o que não paro de me perguntar desde aquela noite em meu chalé...

As mãos fortes de Brock alisaram suas costas, fortes e carregadas de compreensão, dando a calma que ela precisava a fim de reviver aqueles momentos torturosos quando o Antigo a pressionara para que ela decidisse o próprio destino.

– Ele me fez escolher, Brock. Naquela noite em meu chalé, pensei que ele iria me matar, mas não matou. Eu não teria lutado se ele matasse. E ele sabia disso, acho. – Na verdade, ela tinha certeza. Naquela noite em que o Antigo invadira sua casa, ela não estava bem. Ele vira a garrafa de uísque vazia no chão e a pistola carregada em sua mão. A caixa de fotografias que ela pegava todos os anos por volta do aniversário do acidente que lhe roubara a família e que a deixara para viver sozinha. – Ele sabia que eu estava preparada para morrer, mas, em vez de me matar, forçou-me a dizer as palavras, a lhe dizer em voz alta o que eu queria mais: vida ou morte. Foi como uma tortura, algum tipo de jogo doentio que ele me fez jogar contra a minha vontade.

Brock resmungou alguma imprecação incompreensível, mas as mãos continuaram suaves às suas costas, carinhosas, num calor tranquilizador.

– Ele me fez escolher – disse ela, lembrando-se de cada minuto insuportável daquela provação.

Mas, ainda pior do que as horas infindáveis do seu aprisionamento e de vê-lo alimentando-se dela, do que o horror de perceber que seu captor não era uma criatura deste mundo, foi o momento terrível no qual ouviu a própria voz rouca dizer as palavras que pareciam rasgar das profundezas mais íntimas e envergonhadas de sua alma.

Quero viver.

Ai, meu Deus... por favor, deixe-me viver.

Não quero morrer!

Jenna engoliu o nó de angústia que se formara em sua garganta.

– Fico pensando que não os amava o bastante – sussurrou, devastada ante esse pensamento. – Fico pensando que, se os amasse de verdade, teria morrido com eles. Que, quando o Antigo me forçou a escolher se queria ou não viver, eu teria feito uma escolha diferente.

Quando o choro ficou preso em sua garganta, os dedos de Brock resvalaram seu queixo. Ergueram seu rosto para seu olhar solene.

– Você sobreviveu – disse ele, a voz firme, mas com infinito afeto. – Foi só o que fez. Ninguém a culparia por isso, muito menos eles.

Ela fechou os olhos, sentindo o peso do arrependimento diminuir um pouco com as palavras reconfortantes que ouvia. Mas o vazio em seu coração era um lugar frio e oco. Um que se tornou ainda maior quando Brock a tomou nos braços, confortando-a. O calor e a preocupação dele penetraram em sua pele como um bálsamo, acrescentando mais emoção ao desejo que não diminuíra por conta da proximidade do corpo forte. Torceu-se no refúgio que era seu abraço, apoiando o rosto na força sólida e firme que ele era.

– Posso acabar com isso, Jenna. – Ela sentiu a pressão da boca, o fluir da respiração em seus cabelos enquanto ele beijava o topo de sua cabeça. – Posso carregar sua dor por você, se quiser.

Havia uma parte nela que se rebelava contra isso. A mulher forte, a policial experiente, aquela que sempre enfrentava qualquer situação, se retraiu ante a ideia de que seu sofrimento pudesse ser pesado demais para ela mesma suportar. Nunca precisou de ajuda, tampouco se dispôs a pedir, jamais. Esse tipo de fraqueza jamais lhe serviria.

Retraiu-se, a recusa na ponta da língua. Mas quando abriu os lábios para falar, as palavras não surgiram. Fitou o belo rosto de Brock, os olhos penetrantes que pareciam enxergar bem dentro dela.

– Quando foi a última vez que se permitiu ser feliz, Jenna? – Ele afagava seu rosto com tanta suavidade, com tanta reverência, que ela estremeceu sob seu toque. – Quando foi a última vez que sentiu prazer? A mão grande desceu ao longo do pescoço. O calor irradiou da palma ampla e dos dedos longos. Sua pulsação acelerou conforme ele espalmou a nuca, o polegar acariciando o ponto sensível debaixo da orelha.

Então, ele a aproximou de si, inclinando-lhe o rosto para se encontrar com o seu. Beijou-a, lenta e profundamente. A fusão vagarosa da boca dele ao encontro da sua lançou uma corrente de calor líquido em suas veias. O fogo se empoçou em seu centro, seu íntimo se enchendo com um desejo ardente e ávido.

– Se você não quiser isto – murmurou ele ao encontro dos seus lábios –, basta dizer. A qualquer hora, eu paro...

– Não. – Ela balançou a cabeça ao erguer a mão para tocar no maxilar forte. – Eu te quero, mas tanto que isso está me assustando demais.

O sorriso dele se espalhou preguiçosamente, os lábios sensuais se afastando para revelar os dentes brancos e a extensão aumentada das presas. Jenna fitou sua boca, sabendo que os instintos básicos humanos de sobrevivência deviam estar disparando todo tipo de alarme, avisando-a de que aproximar-se demais daqueles caninos seria letal.

Mas ela não sentiu medo. Em vez disso, sua mente reconheceu a transformação dele com um sentimento inexplicável de aceitação. Excitação até, enquanto o castanho absorvente de seus olhos começou a reluzir com uma luz âmbar incandescente.

Acima do colarinho da camiseta cinza e debaixo das mangas curtas que se agarravam aos montes firmes dos bíceps musculosos, os dermaglifos de Brock pulsavam em cores. As marcas da pele do membro da Raça assumiram uma cor mais acentuada do que seu costumeiro tom de bronze, tornando-se mais bordô e dourado, junto com um roxo escuro. Jenna percorreu os dedos ao longo das curvas e arcos dos seus glifos, maravilhando-se com a beleza sobrenatural.

– Tudo o que eu achava que sabia é diferente agora – ponderou em voz alta enquanto permanecia no círculo dos braços dele, distraidamente tracejando os desenhos dos glifos que desciam. – Tudo mudou agora. Eu mudei, de maneiras que nem sei se farão sentido para mim. – Levantou o olhar. – Não estou atrás de mais confusão em minha vida. Não acho que eu seja capaz de lidar com mais isso além de todo o resto.

Ele sustentou o seu olhar, sem julgá-la, revelando apenas paciência e uma aura de controle imperturbável.

– Você está confusa agora, enquanto te toco... ou quando a beijo?

– Não – disse ela, surpresa ao constatar isso. – Nem antes.

– Isso é bom. – Ele se inclinou e clamou sua boca novamente, sugando o lábio inferior, capturando-o entre os dentes ao afagar suas costas, depois espalmando a mão na curva das nádegas. Apertou-a com possessividade, rebocando o corpo eletrizado ao longo da sua ereção. Esfregou o nariz na curva do pescoço, os lábios quentes e úmidos em sua pele. Quando falou de novo, sua voz estava mais grossa do que antes, carregada do mesmo tipo de avidez que a percorria. – Permita-se sentir prazer, Jenna. Se quiser, é só isso o que precisa acontecer entre nós. Sem pressão, sem amarras. Sem promessas que nenhum de nós está pronto para fazer.

Ah, Deus. Parecia tão bom, tão tentador, ceder ao desejo que vinha crescendo entre eles desde que ela despertou no complexo da Ordem. Não estava pronta para abrir o coração novamente, talvez nunca estivesse pronta para essa vulnerabilidade de novo, mas não sabia se era forte o bastante para resistir ao presente que Brock estava lhe oferecendo.

Ele a beijou na base da garganta.

– Está tudo bem, Jenna. Entregue o resto para mim agora. Liberte-se de tudo, exceto disto.

– Sim. – Ela suspirou, sem conseguir refrear um arquejo quando as carícias trafegaram por seu corpo. As mãos fortes e habilidosas lançaram picadas de energia pelas suas veias, o talento sobrenatural sugando todo o peso remanescente de tristeza, de dor e de confusão. A boca ardente e habilidosa deixou apenas sensações e avidez em seu rastro.

Ele beijou uma pequena trilha ao longo do pescoço, depois pelo maxilar, até que seus lábios se encontraram com os dela uma vez mais. Jenna acolheu sua paixão, abrindo-se para ele enquanto a língua passava pelo vale entre seus lábios. Ele gemeu quando ela o sugou para dentro, grunhiu uma aprovação absolutamente masculina enquanto ela passava os dedos ao redor da sua cabeça, segurando-o com mais firmeza ao encontro da sua boca.

Deus, ela não fazia ideia de quanto necessitava do toque de um homem. Ficara tempo demais sem aquela intimidade, forçosamente se privando do contato sexual e daquele tipo de relaxamento. Por quatro anos, convencera-se de que não queria nem precisava daquilo, apenas mais um castigo autoimposto pela grave ofensa de ter sobrevivido ao acidente que matara seus entes queridos.

Acreditara-se imune ao desejo; no entanto, ali com Brock, todas aquelas barreiras antes impenetráveis estavam sendo derrubadas, caindo ao seu redor como se não fossem mais do que folhas secas. Ela não conseguia sentir culpa pelo prazer que ele estava lhe proporcionando. Não havia como saber se pela habilidade de Brock de absorver a sua angústia ou pelo desejo reprimido. Só o que ela conhecia era a intensidade crescente das reações do seu corpo ao dele, uma onda de prazer e de antecipação que a deixava sem ar e querendo ainda mais.

As mãos grandes passaram para os ombros, depois começaram sua viagem para os seios. Através do algodão fino da camisa dela, os mamilos endureceram, ficando rijos e doloridos, vivos com sensações a cada carícia aplicada. Jenna gemeu, querendo mais dos toques dele. Capturou sua mão e a guiou por baixo da bainha larga da camisa. Ele não precisou de mais orientações. Em menos de um segundo, soltou o fecho do sutiã e cobriu a pele nua com a palma quente. Brincou com o botão duro ao acariciá-la.

– Melhor assim? – murmurou ele, logo abaixo da orelha. – Diga se está gostando.

– Deus... Sim! – Era tão bom que ela mal conseguia formar palavras.

Jenna sibilou de prazer, jogando a cabeça para trás enquanto uma sensação espiralada se contraía em seu íntimo. Ele continuou tocando-a, beijando-a e acariciando-a, enquanto lentamente tirava sua camisa. Fez o mesmo com o sutiã aberto, deslizando as alças finas pelos ombros, escorregando-as pelos braços. De repente, ela estava nua da cintura para cima diante dele. O instinto de se cobrir – de esconder as cicatrizes que cruzavam seu tronco por causa do acidente, e aquela no abdômen que era um lembrete diário do difícil trabalho de parto de Libby – surgiu de leve, mas apenas por um instante.

Só pelo tempo que demorou para erguer a cabeça e se deparar com o olhar de Brock.

– Você é linda – disse ele, pegando-lhe as mãos com suavidade e afastando-as do corpo antes que ela tivesse a oportunidade de se sentir envergonhada pelo elogio dele ou pela sua observação franca.

Nunca se sentira especialmente bela. Confiante e capaz, bem fisicamente e forte. Essas palavras ela entendia e aceitava. Palavras que a acompanharam em boa parte dos seus trinta e três anos de vida, mesmo durante o casamento. Mas linda? Era-lhe tão estranha quanto o idioma desconhecido que se ouvira falar no vídeo na enfermaria no dia anterior.

Brock, este sim, era lindo. Ainda que parecesse uma palavra esquisita para descrever a sombria força da natureza que estava diante dela.

Cada mancha castanha dos olhos dele sumira, devorada pelo brilho âmbar que aquecia suas faces como uma chama viva. As pupilas afinaram parecendo fendas, e as faces magras agora estavam mais angulares, a pele escura imaculada esticada por sobre os ossos, ressaltando a aparência atordoante das presas longas e afiadas.

Aqueles olhos ardentes prenderam os seus, enquanto ele tirava a camiseta e a deixava cair no chão ao lado dela. O peito era incrível, uma parede maciça de músculos bem torneados cobertos por um desenho intricado de glifos pulsantes. Ela não resistiu ao desejo de tocar a pele lisa, só para ver se era tão sedosa sob seus dedos quanto lhe parecia ao olhar. Era ainda mais macia do que imaginara, mas a força absoluta e sobrenatural abaixo dela era inconfundível.

Brock lhe parecia tão letal quanto fora ao salvá-la na cidade, a não ser, talvez, pela ira gélida que emanara dele como em ondas aquela noite, pois agora ele vibrava com algo igualmente agressivo e intenso: desejo. Todo centrado nela.

– Você está... Maldição, Jenna – ele disse rouco, tracejando a linha do seu ombro, depois circundando a ponta rósea do seu seio. – Você não faz ideia de quanto é adorável, faz?

Ela não respondeu, nem saberia como. Em vez disso, aproximou-se e puxou a boca dele para a sua para mais um beijo ardente. Pele contra pele, os seios esmagados contra os músculos firmes do peito dele, Jenna quase entrou em combustão de tanto desejo. Seu coração batia forte, a respiração acelerada, enquanto Brock abaixava a mão e descia o zíper de seus jeans. Ela mordeu os lábios quando ele deslizou as mãos entre a cintura da calça e a pele dos seus quadris, depois fez descer os jeans por sobre a calcinha branca. Ele se afundou sobre os calcanhares, acompanhando a descida dos jeans com as mãos.

Tomou cuidado perto do ferimento a bala, a fim de não mexer no curativo que envolvia a coxa.

– Tudo bem? – perguntou, erguendo o olhar para ela, a voz grave tão rouca que ela mal a reconheceu. – Se houver dor, posso cuidar dela.

Jenna balançou a cabeça.

– Não está doendo. Está tudo bem, mesmo.

Os olhos reluzentes âmbar se fecharam baixando os cílios ao voltar para a tarefa que tinha em mãos. Com os jeans removidos, ele se apoiou nos calcanhares e olhou para ela, deslizando as mãos para cima e para baixo na extensão das suas pernas.

– Tão, tão linda – ele a elogiou, depois inclinou a cabeça e pressionou os lábios no triângulo de algodão branco entre as coxas, a única peça de roupa que a cobria agora.

Jenna expeliu um suspiro trêmulo quando ele prendeu o tecido entre os dentes e as presas. Com o olhar carregado de propósito, fitou-a, as mãos ainda acariciando as pernas, e puxou a peça antes de soltá-la, deixando voltar ao seu lugar, cobrindo a pele aquecida. Ele a seguiu com a boca, beijando-a de novo, com mais determinação agora, afastando o irrisório pedaço de pano e esfregando o rosto ainda mais na fenda úmida do seu sexo.

As mãos a seguravam pelas nádegas enquanto ele a explorava com os lábios e a língua e o resvalar erótico dos dentes na pele úmida do seu centro. Despiu-a da calcinha, depois afastou as coxas e a sugou novamente. Levou uma mão até o meio das pernas, acrescentando o toque dos dedos à habilidade enlouquecedora da boca. Jenna estremeceu, perdida em sensações e a pouco menos do que uma inspiração de desfalecer.

– Céus – arfou ela, tremendo quando ele sondou suas dobras com a ponta do dedo, penetrando-a apenas de leve, enquanto seus beijos a deixavam cada vez mais tensa. Moveu-se na direção dele, inundada pelo calor. – Meu Deus... Brock, não pare.

Ele gemeu ao encontro da umidade dela, um longo ronronar de evidente apreciação masculina que vibrou em seus ossos e músculos até seu cerne aquecido. O clímax de Jenna a atravessou tal qual uma tempestade. Estremeceu com a sua força, exclamando quando o prazer a assolou e a fez subir aos céus. Quase se desfez, a sensação pairando quase como poeira estelar enquanto ela espiralava mais e mais alto, com tremores de puro deleite trespassando-a, um após o outro.

Sentia-se sem ossos ao flutuar de volta à realidade. Sem ossos e exausta, apesar de seu corpo ainda estar vibrando, repleto de sensações. E Brock ainda a beijava. Ainda a afagava com os dedos, arrancando cada um dos tremores restantes enquanto ela se agarrava aos ombros largos e arfava com o prazer dos tremores.

– Acho que eu estava precisando disso – sussurrou, estremecendo quando o riso baixo dele ecoou em sua pele ainda sensível. Ele a beijou no interno da coxa, mordiscando de leve, e suas pernas vacilaram um pouco sob o próprio peso. Ela se deixou cair para a frente, envolvendo Brock pelas costas. – Ah, meu Deus. Eu não imaginava o quanto precisava disso.

– O prazer foi meu – ele disse, rouco. – E ainda não terminei. – Mudou de posição debaixo dela, passando o braço ao seu redor e acomodando-a sobre o ombro. – Segure firme em mim.

Ela não teve escolha. Antes de entender o que ele pretendia, ele já se levantava. Carregou-a como um peso morto sobre um ombro e se pôs de pé, como se ela não passasse de um fardo de penas. Jenna se segurou como ele lhe dissera, sem deixar de admirar a força absoluta com que ele caminhava até o quarto adjacente. Vestindo apenas os jeans, os músculos das costas se flexionavam e contraíam debaixo da pele lisa a cada longa passada, um concerto perfeito de boa forma e talhe.

Não havia dúvidas, ele era lindo.

E seu corpo já eletrizado zunia com calor renovado quando ela percebeu que ele a carregava direto para a imensa cama king size.

Ele afastou a colcha e o lençol, depois a depositou na beira do colchão. Jenna observou com desejo crescente enquanto ele desabotoava os jeans e os retirava. Ele não estava usando nada por baixo. Glifos elaborados tracejavam a cintura estreita e o quadril, descendo pelas pernas vigorosas. As cores pulsavam e se transformavam, atraindo seu olhar por um breve instante da ereção evidente, que estava rija e imensa enquanto ele apenas observava enquanto ela o avaliava dos pés à cabeça.

Jenna engoliu com a boca seca quando ele se aproximou dela, devastador em toda a sua nudez. O olhar reluzente ainda mais brilhante, as presas ainda mais alongadas.

Ele parou perto da cama, crispando a testa quando ela se deteve no seu olhar transfigurado.

– Está com medo de mim... deste jeito?

Ela só balançou a cabeça de leve.

– Não, não estou com medo.

– Se estiver preocupada com relação a uma possível gravidez...

Ela voltou a balançar a cabeça.

– Meus danos internos no acidente cuidaram disso. Não posso engravidar. De toda forma, pelo que soube, DNA humano e da Raça não se misturam.

– Não – confirmou ele. – E em relação a quaisquer outras preocupações que possa ter, está segura comigo. Não existem doenças nos da minha espécie.

Jenna assentiu.

– Confio em você, Brock.

O crispar da testa dele diminuiu, mas ele permaneceu imóvel.

– Se não tiver certeza, se não é isso o que você quer, então o que lhe disse antes ainda vale. Podemos parar a qualquer instante. – Ele riu baixinho. – Acho que isso pode acabar comigo agora, já que está toda sensual na minha cama, mas eu paro. Que Deus me ajude, mas eu paro.

Ela sorriu, emocionada por alguém tão poderoso demonstrar tamanha honra e humildade. Ela afastou o lençol e abriu espaço para ele ao seu lado.

– Não quero parar.

A boca dele se abriu num sorriso amplo. Com um grunhido, foi em frente e sentou na cama ao seu lado. A princípio, apenas se tocaram e se acariciaram, beijando-se com suavidade, aprendendo mais sobre seus corpos. Brock foi paciente, apesar de a tensão em seu corpo revelar que ele estava se torturando por se refrear. Foi atencioso e carinhoso, tratando-a como uma amante querida, apesar de terem concordado de antemão que aquilo entre eles jamais seria outra coisa além de algo casual, sem amarras.

Para Jenna, parecia incrível que um homem que ela mal conhecia – aquele macho da Raça que tinha todo o direito de assustá-la – pudesse lhe parecer tão familiar, tão íntimo. Brock, porém, dificilmente era um estranho. Ele estivera ao seu lado em meio ao seu pesadelo pessoal, e de novo nos dias de sua recuperação ali no complexo. E a procurara naquela noite em que estivera sozinha e ferida na cidade, um improvável salvador sombrio.

– Por que fez aquilo? – perguntou baixinho, os dedos percorrendo os dermaglifos que se curvavam pelos ombros e desciam pelo peito. – Por que ficou comigo no Alasca e depois todos aqueles dias na enfermaria?

Ele ficou em silêncio por um momento, as sobrancelhas escuras unidas sobre o olhar reluzente.

– Odiei ver o que aconteceu com você. Você era apenas uma inocente que se viu em meio a um tiroteio. Você é humana. Não merecia ser arrastada para o meio da nossa guerra.

– Já sou uma garota crescida. Sei lidar com isso – disse, uma resposta automática que não sentia verdadeiramente. Ainda mais depois dos resultados perturbadores dos seus exames de sangue. – E quanto a agora? O que estamos fazendo aqui, quero dizer... Isto faz parte do seu programa “seja legal com a humana” também?

– Não. Claro que não. – A carranca dele se acentuou a ponto de mostrar raiva. – Acha que isso é pena? É isso o que você acha que é? – Ele inspirou fundo, revelando as pontas das presas ao rolá-la de costas e ficar sentado em cima dela. – Para o caso de não ter percebido, estou excitado pra caramba por você. Se me excitar mais, acabo explodindo.

Para provar seu ponto de vista, ele deu uma estocada nada sutil com o quadril, acomodando-se entre as dobras úmidas de seu sexo. Ele bombeou algumas vezes, fazendo a rigidez do membro entrar e sair da fenda dela, atiçando-a com o calor da sua excitação. Passou o braço por trás do joelho dela, levantando-lhe a perna até seu ombro, virou o rosto para a coxa e deu-lhe uma mordiscada.

– Isto é desejo puro e simples, nada de piedade – disse, sua voz rouca ao penetrá-la, longa e profundamente.

Jenna não conseguiria formular uma resposta mesmo que tentasse. A sensação atordoante de tê-lo preenchendo-a, estendendo-a cada vez mais a cada estocada, era tão sobrepujante que lhe roubou o fôlego. Ela se segurou a ele com as duas mãos enquanto ele lhe capturou a boca num beijo ardente, balançando acima dela, o corpo se movimentando num ritmo exigente.

A crista de um novo clímax já se formava dentro dela, e não conseguiu contê-lo. Sentiu o calor do próprio sangue nas veias, a pulsação imperiosa de Brock também, reverberando sob seus dedos e em cada terminação nervosa. Seus ouvidos estavam tomados pelo som do seu grito silencioso de libertação, pela fricção dos corpos unidos se retorcendo sobre os lençóis. O cheiro do sexo e do sabonete e do suor limpo na pele quente a intoxicaram. O sabor dos beijos ardentes de Brock em seus lábios só a fazia desejar outros mais.

Ela tinha fome, de uma maneira inexplicável.

Tinha fome dele, tão profunda que parecia retorcê-la de dentro para fora.

Queria saboreá-lo. Saborear o poder que ele era.

Arfando após o clímax, afastou-se da boca dele. Ele praguejou algo sombrio sob o fôlego, as investidas cada vez mais intensas, as veias e os tendões saltando no pescoço e nos ombros como cabos espessos elevando-se da pele.

Segurando-se a ele, Jenna deixou a cabeça pender por um momento, tentando se perder no ritmo dos corpos. Tentando não pensar na dor que corroía suas entranhas, no impulso confuso, porém irresistível que atraía seu olhar para o pescoço forte. Para as veias saltadas que pulsavam como tambores de guerra aos seus ouvidos.

Pressionou o rosto na coluna forte do pescoço dele e percorreu a língua no ponto pulsante que encontrou ali. Ele gemeu, um som prazeroso que só servia como combustível para o fogo que ainda queimava dentro dela. Ela se aventurou um pouco mais, cerrando os dentes sobre a pele dele. Brock grunhiu uma imprecação, e ela mordeu com um pouco mais de força, sentindo a onda de tensão que atravessou todo o corpo dele, que estava no limiar agora, os braços como granito ao redor dela, cada estocada dos quadris ficando mais intensa.

Jenna cravou os dentes com mais força na pele suave.

Mordeu até ele ficar louco de paixão...

Até ela sentir o sabor da primeira gota de sangue na língua.

 

 

CONTINUA

Capítulo 8

– Espero que todas estejam com fome – disse Alex, passando pelas portas vaivém da cozinha da mansão, com uma tigela grande de frutas frescas cortadas numa mão e um cesto de biscoitos com ervas aromáticas quentinhos na outra.

Depositou ambos na mesa da sala de jantar diante de Jenna e Tess, que foram instruídas por Alex e as outras mulheres do complexo para que se sentassem e se servissem do café da manhã.

– Como está se sentindo, Jen? – perguntou Alex. – Precisa de alguma coisa? Se quiser erguer a perna, posso pegar um banquinho na outra sala.

Jenna meneou a cabeça.

– Estou bem. – Sua perna estava bem melhor desde a cirurgia da noite anterior, e ela não sentia muitas dores. Só por causa da insistência de Tess é que estava usando uma bengala para se movimentar. – Não precisa ficar me mimando.

– Essa é a minha melhor amiga, a policial do interior – disse Alex, revirando os olhos na direção de Tess e virando a mão num sinal de pouco caso. – Só um machucadinho a bala, não precisam se preocupar...

Jenna caçoou.

– Comparado com a semana que tive, um buraco a bala na coxa é a menor das minhas preocupações.

Ela não estava querendo solidariedade, apenas declarando um fato.

A mão de Tess pousou com suavidade em seu pulso, assustando-a com seu calor e a preocupação genuína no olhar.

– Nenhuma de nós pode fingir saber aquilo pelo que você passou, Jenna, mas espero que entenda que estamos aqui para cuidar de você agora. Você está entre amigas, todas nós.

Jenna resistiu ao efeito de consolo que as palavras de Tess exerciam sobre ela. Não queria se sentir relaxada naquele lugar, entre Alex e aquelas desconhecidas aparentemente gentis.

Nem com Brock.

Muito menos com ele.

Sua mente ainda estava confusa com o resgate inesperado na cidade. Fora um erro sair como havia saído, despreparada e afetada emocionalmente. Não fazia tanto tempo assim que se desligara da polícia para não se lembrar que o melhor modo de se ver em apuros era fugir despreparada em território desconhecido. Só o que reconheceu naquele meio segundo antes de sair do complexo foi o desespero em fugir da sua nova e sombria realidade.

Cometera um clássico erro de julgamento de principiante, incitado pela emoção, e acabara necessitando de resgate para voltar à segurança. Que o seu resgate tivesse surgido na forma de um vampiro formidável e aterrorizante era algo que ela não sabia se um dia conseguiria compreender.

No fundo, sabia que Brock salvara sua vida na noite anterior. Uma parte sua desejava que ele não o tivesse feito. Não queria ficar devendo nada a ele. Não gostava de dever a ninguém, muito menos a um homem que nem podia ser classificado como humano.

Deus, que reviravolta em sua vida...

Com seus pensamentos cada vez mais sombrios, Jenna afastou a mão da de Tess e se recostou na cadeira.

Tess não a pressionou a falar, simplesmente se inclinou sobre a mesa e inspirou um pouco da fragrância que emanava dos biscoitos.

– Hummm – gemeu, o braço fino amparando a curva do ventre arredondado. – É a receita de cheddar e manjericão da Dylan?

– Atendendo a pedidos – respondeu Alex vivamente. – E há mais de onde isso veio, incluindo as incríveis torradas francesas com crème brûlée de Savannah. Falando nelas, é melhor eu ir buscá-las para o banquete.

Enquanto Alex virava e desaparecia novamente na cozinha, Tess lançou um olhar furtivo para Jenna.

– Você ainda não viveu se não provou os biscoitos de Dylan e as torradas de Savannah. Confie em mim, são o paraíso.

Jenna sorriu com educação.

– Tudo me parece muito bom. Nunca fui muito de cozinhar. Minha tentativa de sucesso na cozinha é uma omelete de carne de alce com queijo suíço, espinafre e batatas.

– Carne de alce? – Tess gargalhou. – Bem, posso lhe garantir que nenhuma de nós já experimentou algo parecido. Talvez você possa preparar para nós um dia desses.

– Quem sabe? – disse Jenna sem se comprometer, levantando os ombros.

Se não fosse pela incômoda matéria desconhecida encravada em sua coluna, e agora pelo tiro que a manteria ali sabe lá Deus por quanto tempo, ela já teria ido embora. Não sabia quanto tempo ainda a fariam ficar ali, mas assim que conseguisse sair andando, já era. Não se importava com o que a Ordem precisava saber; não tinha nenhuma intenção de ficar por perto para ser o ratinho de laboratório deles.

Ainda era estranho demais pensar que estava ali com elas, num quartel-general secreto habitado por uma equipe de vampiros guerreiros e por mulheres aparentemente sãs e agradáveis que pareciam felizes e à vontade entre eles.

O surrealismo da coisa toda se intensificou quando Alex e o restante das mulheres da Ordem – cinco lindas jovens e a menina loira chamada Mira – saíram da cozinha com o restante do café da manhã. Conversavam amigavelmente, relaxadas na companhia uma da outra como se tivessem estado juntas a vida inteira.

Formavam uma família, inclusive Alex, apesar de ela ter chegado ali apenas uma semana antes, assim como Jenna.

Um ritmo descontraído se fez na sala de jantar, enquanto pratos com bordas douradas eram passados adiante e completados com todo tipo de comida deliciosa. Taças de cristal eram enchidas com suco até a borda, e delicadas xícaras de porcelana logo se encheram com fragrante café torrado e coado.

Jenna observava tudo em silêncio enquanto a refeição prosseguia. Xarope de bordo aquecido e bolinhas de manteiga rodavam pela mesa, parando por mais tempo com a pequena Mira, que encharcou sua torrada com aquela doçura e cobriu os biscoitos com manteiga como se aquilo fosse cobertura. Mira engoliu um em duas mordidas grandes, depois atacou o resto da refeição com muita vontade.

Jenna sorriu sem querer ante o apetite voraz da menina, sentindo uma pontada de melancolia, senão culpa, quando pensou na filha. Libby sempre fora uma menina cuidadosa, disciplinada e séria, mesmo quando pequena.

Deus, o que não daria para poder ver Libby degustando algo tão simples quanto um café da manhã à sua frente na mesa?

Com os dedos melados, Mira pegou o copo de suco de laranja e sorveu um gole grande. Suspirou de contentamento ao apoiar o copo novamente num baque.

– Pode me passar o chantilly para eu pôr nos pêssegos? – perguntou, cravejando Jenna com seus misteriosos olhos violeta.

Por um instante, Jenna se sentiu capturada por aquele olhar. Dispensou a sensação e pegou a tigela que estava no meio do caminho entre ela e Mira do outro lado.

– Pode, por favor, me passar o chantilly? – Renata a corrigiu de seu lugar à direita da menina. A morena lançou-lhe uma piscadela decididamente maternal e carinhosa ao interceptar a tigela que Jenna segurava.

– Pode, por favor – Mira se corrigiu, não parecendo nem um pouco admoestada.

Jenna cortou um pedaço da torrada e a colocou na boca. Era exatamente o que Tess havia prometido, paradisíaca. Mal conseguiu refrear um gemido alto ao se deleitar com o sabor cremoso de baunilha.

– Gostou? – perguntou Savannah, que estava sentada em uma das cabeceiras da longa mesa de jantar.

– É deliciosa – murmurou Jenna, as papilas gustativas ainda vibrando de êxtase. Lançou um breve olhar, abarcando todas ali reunidas. – Obrigada por me deixarem partilhar disto com vocês. Nunca vi tanta comida junta em minha vida.

– Achou que a deixaríamos morrer de fome? – perguntou Gabrielle da outra cabeceira. Seu sorriso era acolhedor e amigável.

– Não sei bem o que pensei – respondeu Jenna, com honestidade. – Sendo bem franca, acho que ainda não processei tudo isso muito bem.

Gabrielle inclinou a cabeça num leve assentimento, parecendo sábia e serena, ainda que, sem dúvida, devesse ser mais jovem do que Jenna e seus trinta e três anos.

– Isso é compreensível. Você sofreu muito, e a sua situação é sem igual para todos nós.

– A minha situação – Jenna repetiu, refletindo enquanto mexia um pedaço de pão molhado em xarope de bordo em seu prato. – Está falando do objeto não identificado que está alojado na base do meu crânio?

– É, isso – concordou Gabrielle, com um tom gentil na voz. – E o fato de que você teve sorte de escapar do ataque do Antigo com vida. O simples fato de ele ter se alimentado de você e tenha permitido que você vivesse é...

– Inédito – sugeriu a mulher sentada com Gabrielle. Ela tinha cabelos ruivos e o belo rosto salpicado por sardas. – Se soubesse do que ele é capaz, se você tivesse noção do que aconteceu com tantas outras... – A voz se perdeu, um leve estremecimento fazendo o garfo em sua mão tremer. – É um milagre que você esteja viva, Jenna.

– Dylan tem razão – concordou Tess. – Há mais ou menos um ano, quando a Ordem descobriu que o Antigo havia sido despertado, temos tentado localizá-lo e a Dragos, o filho da mãe responsável por trazer de volta ao mundo esse tipo de perigo.

– Não sei qual dos dois é pior – Renata interveio. – O Antigo clamou muitas vidas inocentes, mas é Dragos, o neto sádico do Antigo, quem vem dando as ordens.

– Está dizendo que aquela criatura tem descendentes? – Jenna perguntou, sem conter sua repulsa.

Gabrielle sorveu um gole de café, depois, com cuidado, voltou a depositar a xícara no pires.

– Aquela criatura e outros tantos como ele deram início à Raça na Terra.

– Na Terra? – Jenna exclamou com uma risada descrente. – Está se referido a alienígenas agora? Aquele vampiro que me atacou...

– Não era deste mundo – Savannah concluiu por ela. – É verdade. Não é mais difícil de acreditar do que a existência dos próprios vampiros, se quer saber a minha opinião, mas é a mais pura verdade. Os Antigos estupraram e dominaram depois que aterrissaram aqui há milhares de anos. Com o passar do tempo, algumas das suas vítimas engravidaram com o que se tornaria a primeira geração da Raça.

– Isso faz algum sentido para vocês? – Jenna perguntou, ainda incrédula. Relanceou para Alex, ao seu lado. – Você também acredita nisso?

Alex concordou.

– Depois de conhecer Kade e todos os demais aqui no complexo, como posso não acreditar? Também vi o Antigo com meus próprios olhos, momentos antes de ele ser morto nos despenhadeiros fora de Harmony.

– E quanto a esse outro... Dragos? – perguntou Jenna, curiosa, sem querer, em fazer com que todas as peças desse incrível quebra-cabeça se juntassem se algum modo. – Onde ele entra?

Dylan foi a primeira a falar.

– Ao que parece, Dragos despertou o Antigo muito antes do que supúnhamos. Décadas antes, de fato. Ele o manteve escondido e o usou para criar uma nova leva de Primeira Geração, os membros mais fortes da Raça, visto que são descendentes diretos da linhagem do Antigo e não geneticamente diluídos, como as gerações posteriores.

– Dragos vem criando um exército pessoal dos mais poderosos, dos mais letais membros da espécie – acrescentou Renata. – São criados supervisionados, treinados para serem assassinos impiedosos. Assassinos particulares de Dragos, a quem ele convoca sempre que necessário para os seus desígnios.

Gabrielle assentiu.

– Para criar essa geração, Dragos também precisou de um estoque de mulheres férteis para engravidar do Antigo.

– As Companheiras de Raça – disse Alex.

Jenna olhou para ela.

– E o que são elas?

– Mulheres nascidas com um DNA e características sanguíneas distintas que as tornam capazes de partilhar um elo de sangue vitalício com os membros da Raça e de reproduzir seus filhos – disse Tess, a mão distraída acariciando o ventre distendido. – Mulheres como nós ao redor desta mesa.

O choque e o horror contraíram o íntimo de Jenna.

– Está dizendo que eu...

– Não – disse Tess, balançando a cabeça. – Você é mortal, não é uma Companheira de Raça. O seu hemograma é normal e você não tem a marca que o resto de nós tem.

Ante a confusão estampada no rosto dela, Tess mostrou a mão, que trazia uma marca rubra entre o polegar e o indicador. Era uma minúscula lua crescente com o que parecia uma gota de lágrima caindo em seu centro.

– Todas vocês têm essa tatuagem?

– Não é uma tatuagem – disse Alex. – É uma marca de nascença, Jenna. Todas as Companheiras de Raça têm uma em algum lugar do corpo. A minha está no quadril.

– Não existem muitas de nós no mundo – explicou Savannah. – A Raça considera as Companheiras de Sangue sagradas, mas Dragos não. Ele vem juntando essas mulheres há anos, mantendo-as em cativeiro; deduzimos que com o único propósito de gerarem os assassinos de Primeira Geração. Muitas delas foram mortas, seja por Dragos ou pelo Antigo.

– Como sabem disso? – Jenna perguntou, horrorizada pelo que ouvia.

Na outra ponta da mesa, Dylan pigarreou.

– Eu as vi. As mortas, quero dizer.

A parte policial de Jenna ficou alerta.

– Se vocês têm cadáveres, então têm provas e motivo para entregar esse cretino, Dragos, para as autoridades.

Dylan meneava a cabeça.

– Não vi os corpos. Vi as mortas. Elas... aparecem às vezes. Às vezes falam comigo.

Jenna não sabia se gargalhava ou se deixava a cabeça cair, derrotada.

– Você vê pessoas mortas?

– Toda Companheira de Raça tem uma habilidade ou talento próprio que a torna peculiar de algum modo – explicou Tess. – Para Dylan, é esse dom de se conectar com as outras Companheiras de Raça que já morreram.

Renata se inclinou para a frente, apoiando os antebraços na mesa.

– Através do dom de Dylan, sabemos com certeza que Dragos é o responsável pela morte de inúmeras Companheiras de Raça. E por meio de outra amiga da Ordem, Claire Reichen, cujo talento nos levou a localizar a base de operações de Dragos há alguns meses, sabemos que ele ainda mantém muitas mais. Desde então, a operação de Dragos se escondeu no submundo. Agora a principal missão da Ordem, além de acabar com o maldito o mais rápido possível, é encontrar o quartel-general dele e libertar as suas vítimas.

– Temos ajudado como podemos, mas é muito difícil localizar um alvo móvel – disse Dylan. – Podemos procurar os relatórios das pessoas desaparecidas, procurando por rostos que eu reconheça. E, durante o dia, vasculhamos abrigos para mulheres, orfanatos, albergues... qualquer lugar que possa nos levar às jovens desaparecidas.

Renata assentiu.

– Particularmente aquelas com habilidades extrassensoriais ou outras competências que possam indicar uma Companheira de Raça em potencial.

– Fazemos o que podemos – disse Gabrielle. – Mas ainda não tivemos muita sorte. É como se estivesse nos faltando a chave para desvendar tudo isso e, até a encontrarmos, parece que só ficamos dando voltas.

– Ei, espere um instante – disse Jenna, seu lado policial enferrujado compreendendo a frustração de seguir pistas infrutíferas. – A persistência costuma ser o melhor aliado de um investigador.

– Pelo menos não temos mais que nos preocupar com o Antigo – disse Savannah. – Essa é uma batalha a menos para enfrentar.

Ao redor da mesa de café da manhã, um coro de vozes concordantes ecoou essa declaração.

– Por que o Antigo deixou que você vivesse, Jenna?

A pergunta foi feita por Elise, uma loira baixinha de cabelos curtos do outro lado de Tess. A discreta do grupo, que se parecia com uma flor delicada, mas com um olhar franco e decidido de uma guerreira. Ela, provavelmente, devia precisar dessa força interior, levando-se em consideração a companhia que ela e as demais mulheres naquele complexo tinham.

Jenna baixou o olhar para o prato e refletiu sobre sua resposta. Demorou um tempo para encontrar as palavras.

– Ele me fez escolher.

– O que quer dizer com isso? – disse Savannah, com a testa se franzindo numa pergunta.

O que você decide, Jenna Tucker-Darrow?

Vida... ou morte?

Jenna sentiu todos os olhos cravados nela naquele silêncio. Forçando-se a enfrentar as perguntas não proferidas que pairavam no ar, ela ergueu o olhar. Empinou o queixo e falou sucinta e rapidamente:

– Eu queria morrer. É o que eu teria preferido, ainda mais naquele momento. Ele sabia disso, tenho certeza. Mas, por algum motivo, pareceu querer brincar comigo, então me fez decidir se eu queria ou não morrer naquela noite.

– Puxa, Jen, que horrível... – A voz de Alex se mostrou emocionada. Seu braço a envolveu pelos ombros num gesto de amparo. – Filho da puta cruel.

– Então – continuou Elise –, você disse ao Antigo que a deixasse viver e ele concordou... Simples assim?

Lembrando o momento com vívida clareza agora, Jenna balançou a cabeça com vigor.

– Eu lhe disse que queria viver, e a última coisa de que lembro é dele fazendo um corte no braço e retirando aquela coisa, aquela coisa minúscula que só Deus sabe o que é, e que agora está dentro de mim.

Ela sentiu, mais do que viu, a sutil troca de olhares ao redor da mesa.

– Acham que isso tem alguma significância? – perguntou, dirigindo a pergunta ao grupo como um todo. Tentou abafar a pontada repentina de medo que reverberou em seu peito. – Acham que o fato de ele ter colocado aquela coisa dentro de mim tem alguma importância em eu viver ou morrer?

Alex segurou a mão dela num gesto tranquilizador, mas foi Tess quem falou antes das outras.

– Talvez Gideon possa fazer outros testes para nos ajudar a descobrir isso.

Jenna engoliu em seco, depois assentiu.

Seu prato de comida permaneceu intocado pelo restante da refeição.

Num canto escurecido de um quarto num hotel luxuoso em Boston, onde cortinas pesadas impediam a passagem do menor dos raios solares da manhã, o macho da Raça chamado Dragos estava acomodado numa poltrona acolchoada em seda e tamborilava as unhas da mão na mesinha lateral de mogno. Atrasos o deixavam impaciente, e a impaciência o tornava letal.

– Se ele não chegar nos próximos sessenta segundos, um de vocês terá que matá-lo – disse para o par de assassinos de Primeira Geração que o flanqueavam como Cérberos musculosos de dois metros de altura.

Assim que terminou de falar, no corredor do lado de fora da suíte presidencial, o elevador privativo emitiu uma campainha eletrônica, anunciando a chegada do convidado. Dragos não se moveu de seu canto no quarto, aguardando em silêncio irritado enquanto outro dos seus guardas pessoais criados acompanhava o macho da Raça civil – um tenente na operação secreta de Dragos – até a suíte para a sua reunião particular.

O vampiro teve o bom senso de inclinar a cabeça no instante em que seu olhar recaiu sobre Dragos.

– Mil perdões por mantê-lo esperando, senhor. A cidade está tomada pelos humanos. Pessoas fazendo compras de Natal e turistas – disse ele, o desdém revelado em cada uma das sílabas bem pronunciadas. Tirou as luvas e as colocou nos bolsos do casaco de caxemira. – O meu motorista teve que dar uma dúzia de voltas no hotel antes de conseguirmos nos aproximar da entrada de serviço no andar subterrâneo.

Dragos continuou tamborilando os dedos na mesinha.

– Algo errado com a entrada principal?

Seu tenente, pertencente à segunda geração da Raça, assim como Dragos, empalideceu visivelmente.

– Estamos em pleno dia, senhor. Com toda essa claridade, eu me incineraria em questão de minutos.

Dragos apenas o fitou, nem um pouco incomodado. Também não estava satisfeito com o local inconveniente daquele encontro. Preferiria muito mais o conforto e a segurança da sua residência. Mas isso já não era mais possível. Não depois que a Ordem interferiu em sua operação e o obrigou a buscar refúgio.

Temendo ser descoberto, ele não permitia mais que qualquer um dos seus associados civis soubesse onde seu quartel-general ficava. Como precaução adicional, nenhum deles conhecia a localização das suas propriedades nem da sua equipe. Ele não podia correr o risco de que seus tenentes caíssem no poder da Ordem e o acabassem comprometendo na esperança de que Lucan os poupasse de sua ira.

Só de pensar em Lucan Thorne e nos seus guerreiros, ele ficava com um gosto amargo na boca. Tudo pelo que tanto trabalhara, sua visão de um futuro no qual mal conseguia esperar para pôr as mãos, fora estragado pelas ações da Ordem. Eles o forçaram a bater em retirada. Forçaram-no a destruir o nervo central da sua operação – um superlaboratório de pesquisa científica que lhe custara centenas de dólares e muitas décadas para aperfeiçoar.

Tudo isso desaparecido agora, nada além de cinzas e escombros no meio de uma floresta em Connecticut.

Agora o poder e os privilégios a que Dragos estava acostumado por séculos foram substituídos por esconderijos nas sombras e olhadelas constantes por sobre o ombro para se certificar de que o inimigo não se aproximava. A Ordem o obrigara a fugir e se esconder como um coelho desesperado para se evadir da armadilha do caçador, e ele não gostava nem um pouco disso.

O último incômodo acontecera no Alasca, com a fuga do Antigo, o seu instrumento mais valioso e insubstituível na busca pela derradeira dominação. Já fora bastante ruim que o Antigo tivesse escapado durante seu transporte em seu novo tanque de contenção. Mas o desastre só piorou quando a Ordem não só conseguiu encontrar o laboratório no Alasca como também o fugitivo alienígena.

Dragos perdera essas duas peças fundamentais para os malditos. Não pretendia perder mais nada.

– Quero ouvir boas notícias – disse ao tenente, dardejando o macho por debaixo das sobrancelhas unidas. – Como tem progredido com a sua missão?

– Tudo está a postos, senhor. Esta semana, o alvo e sua família imediata acabaram de regressar aos Estados Unidos das suas férias no exterior.

Dragos grunhiu em concordância. O alvo em questão era um ancião da Raça, com quase mil anos de existência, um da Primeira Geração, de fato, motivo pelo qual Dragos o tinha em mira. Além de querer que Lucan Thorne e seu bando de guerreiros ficassem sem trabalho, Dragos também retornara aos objetivos da sua missão inicial: a extinção sistemática e total de cada um dos Primeira Geração da Raça naquele planeta.

O fato de Lucan e outro membro fundador da Ordem serem Primeira Geração só tornava seu objetivo mais doce. E ainda mais imperativo. Ao acabar com todos os Primeira Geração, exceto seus assassinos criados e treinados para servi-lo inquestionavelmente, Dragos e os outros membros da segunda geração da Raça se tornariam, por consequência, os vampiros mais importantes da atualidade.

E se, ou melhor, quando se cansasse de partilhar o futuro que ele sozinho entreviu e garantiu que acontecesse, então ordenaria ao seu exército pessoal de assassinos que dizimasse cada um dos seus contemporâneos da segunda geração também.

Sentado num silêncio contemplativo e aborrecido, ouvia enquanto seu tenente se apressava em rever os detalhes do plano que o próprio Dragos idealizou poucos dias antes. Passo a passo, tática a tática, o outro macho da Raça discorreu sobre tudo, garantindo-lhe que nada seria deixado ao acaso.

– O Primeira Geração e sua família estão sendo observados em período integral desde que voltaram para casa – disse o tenente. – Estamos prontos para disparar o gatilho dessa operação ao seu comando, senhor.

Dragos inclinou a cabeça num vago assentimento.

– Faça acontecer.

– Sim, senhor.

A mesura profunda e sua retirada foram quase tão agradáveis quanto a noção de que aquele golpe pendente deixaria absolutamente claro para a Ordem que ele podia ter sido atingido, mas estava longe de ser abatido.

Na verdade, sua presença no elegante hotel em Boston, e uma das importantes reuniões de apresentação que levaram semanas para serem arranjadas entre ele e um punhado de humanos influentes escolhidos a dedo, solidificaria a posição de Dragos em sua ascensão para a glória final. Ele praticamente já sentia o gosto do sucesso.

– Ah, mais uma coisa – Dragos chamou seu associado que partia.

– Sim, senhor.

– Se fracassar – disse ele de maneira agradável –, esteja preparado para que eu lhe sirva seu próprio coração.

O rosto do macho empalideceu, ficando branco como o carpete que cobria o piso tal qual neve fresca.

– Não fracassarei, senhor.

Dragos sorriu, expondo tanto os dentes quanto as presas.

– Certifique-se de que isso não aconteça.


Capítulo 9

Depois da bagunça carregada de morte da noite anterior na cidade, Brock considerou um triunfo pessoal que tivesse conseguido evitar Jenna em grande parte do dia após o seu retorno ao complexo.

Depois de ter descartado os dois corpos nas águas gélidas do rio Mystic, ficou sozinho até quase o amanhecer, tentando se libertar da fúria que parecia acompanhá-lo aquela noite.

Mesmo após estar no quartel-general da Ordem por algumas horas pela manhã, a raiva injustificada, e completamente indesejável, que o possuía ao pensar numa mulher inocente se deparando com o perigo fazia com que seus músculos vibrassem com uma necessidade de violência. Algumas boas horas de treino suado com as armas ajudaram a aplacar um pouco desse sentimento. Bem como o banho escaldante de quarenta minutos com o qual se castigara após o treino.

Ele até poderia achar que se sentia bem, com a cabeça no lugar de novo, se não fosse pelos golpes certeiros que Gideon lançara não muito tempo depois.

O primeiro foi a notícia de que Jenna descera depois do café da manhã com as outras mulheres do complexo e lhe pedira para fazer mais exames de sangue e de tecido. Ela havia se lembrado de algo a respeito do tempo passado com o Antigo, algo que Gideon dissera que havia deixado a fêmea valente bem atormentada.

O segundo golpe foi dado quase imediatamente depois que os primeiros resultados dos exames surgiram.

O sangue e o DNA de Jenna haviam mudado significativamente desde a última vez que Gideon os analisara.

No dia anterior, os resultados foram normais. Hoje, tudo estava alterado.

– Não podemos nos precipitar em conclusões. Não importa o que esses resultados possam indicar – disse, por fim, Lucan, em seu tom grave e sério.

– Talvez devamos fazer mais exames – sugeriu Tess, a única fêmea no laboratório de tecnologia no momento. Ela levantou o olhar dos resultados perturbadores para encarar Lucan, Brock e o restante da Ordem, que fora convocada ali para revisar os achados de Gideon. – Devo ir buscar Jenna e levá-la para a enfermaria para mais exames?

– Você até pode fazer isso – disse Gideon –, mas fazer outros exames não vai mudar nada. – Ele tirou os óculos de lentes azul-claras, jogando-os na mesa de acrílico diante dele. Pinçando o alto do nariz, balançou a cabeça de leve. – Esse tipo de mutação de DNA e a reprodução celular massiva simplesmente não acontecem. Os corpos humanos não são avançados o bastante para lidar com as exigências que mudanças dessa significância provocariam em seus órgãos e artérias, sem falar no impacto que algo assim teria no sistema nervoso central.

Com os braços cruzados diante do peito, Brock se recostou na parede ao lado de Kade, Dante e Rio. Não disse nada, esforçando-se para entender tudo o que via e ouvia. Lucan tinha aconselhado que ninguém se precipitasse em conclusões, mas era excessivamente difícil não fazer isso agora, com o futuro bem-estar de Jenna em jogo.

– Não entendo – disse Nikolai do outro lado do laboratório, onde estava sentado à mesa, junto com Tegan e Hunter. – Por que agora? Isto é, se tudo estava normal antes, por que a súbita mutação no sangue e no DNA?

Gideon deu de ombros.

– Pode ser porque até ontem ela esteve num sono profundo, quase em coma. Soubemos que sua força muscular tinha aumentado assim que despertou. Brock testemunhou isso em primeira mão, e nós também, quando Jenna fugiu do complexo. As mudanças celulares que estamos vendo agora podem ter sido uma reação retardada ao seu despertar. Estar consciente e alerta pode ter agido como algum tipo de disparador dentro de seu corpo.

– Ontem à noite ela foi alvejada – acrescentou Brock, refreando o rugido raivoso que lhe constringia a garganta. – Isso pode estar relacionado com o que vemos no sangue dela agora?

– Talvez – disse Gideon. – Tudo é possível, imagino. Isso não é nada que eu, nem ninguém nesta sala, já tenha visto antes.

– Pois é – concordou Brock. – Simplesmente uma maravilha.

No fundo da sala, com os coturnos apoiados na mesa de reuniões enquanto inclinava a cadeira para trás, Sterling Chase pigarreou.

– Levando tudo em consideração, talvez não seja uma boa ideia dar tanta liberdade a essa mulher aqui no complexo. Ela é um grande ponto de interrogação no momento. Por tudo o que sabemos, pode muito bem ser algum tipo de bomba prestes a explodir.

Por um longo instante, ninguém disse nada. Brock odiou esse silêncio. Odiou Chase por exprimir algo que nenhum dos guerreiros quis considerar.

– O que sugere? – perguntou Lucan, lançando um olhar sério para o macho que passara décadas como parte da Agência de Policiamento antes de se juntar à Ordem.

Chase arqueou as sobrancelhas loiras.

– Se dependesse de mim, eu a retiraria do complexo o mais rápido possível. Trancaria-na em algum lugar seguro, bem longe das nossas operações, pelo menos até termos a oportunidade de deter Dragos de uma vez por todas.

O grunhido de Brock surgiu na garganta, carregado de animosidade.

– Jenna fica aqui.

Gideon recolocou os óculos e assentiu na direção de Brock.

– Concordo. Eu não me sentiria à vontade em tirá-la daqui agora. Gostaria de observá-la, para entender melhor o que está acontecendo com ela a nível celular e neurológico, no mínimo.

– Façam como quiserem – disse Chase. – Mas isso será o funeral de todos nós se você estiver errado.

– Ela fica – disse Brock, estreitando o olhar para o outro lado da mesa, que perfurou o ex-agente que sorria.

– Você está todo animado com essa humana desde o segundo em que a viu – observou Chase, o tom leve, mas com a expressão carregada de desafio. – Tem algo a provar, amigo? O que foi... você é um daqueles tolos loucos por uma dama em apuros? O santo padroeiro das causas perdidas. Essa é a sua?

Brock voou por cima da mesa num único salto. Poderia ter acabado com as mãos no pescoço de Chase, mas o vampiro previu o seu ataque e se moveu com a mesma velocidade. A cadeira caiu para trás e, em meio segundo, os dois machos grandes estavam cara a cara, travados numa batalha que nenhum deles poderia vencer.

Brock sentiu mãos fortes afastando-o do confronto, Kade e Tegan, chegando ali antes que ele conseguisse desferir o soco que Chase merecia. E atrás de Chase estavam Lucan e Hunter, os dois e os demais prontos a pôr panos quentes na situação caso um dos machos resolvesse agir.

Encarando Chase com raiva, Brock se permitiu ser afastado, mas só isso. Pelo que não foi a primeira vez, refletiu sobre a natureza antagônica e agressiva de Sterling Chase, e pensou no que fazia com que o de outro modo habilidoso e fantástico guerreiro fosse tão volátil.

Se a Ordem tinha uma bomba acionada com que se preocupar em seu meio, Brock ficou pensando se não estava olhando para ela naquele mesmo instante.

– Por que diabos isso está demorando tanto?

Jenna não tinha percebido que dera vazão à sua preocupação em voz alta até sentir a mão de Alex.

– Gideon disse que queria fazer outros testes na sua amostra. Tenho certeza de que logo vamos ter notícias.

Jenna bufou um suspiro. De bengala na mão, mesmo sentindo apenas uma necessidade mínima de se apoiar nela, levantou-se do sofá no qual estivera sentada e claudicou até o outro lado da sala de estar do apartamento. Fora levada até ali por Alex e Tess depois que colheram a amostra do seu sangue na enfermaria poucas horas atrás, dizendo-lhe que lhe tinham dado o uso daquele espaço pela duração da sua estada no complexo.

Aquela suíte era uma melhora e tanto em relação ao quarto da enfermaria. Espaçosa e confortável, com mobília grande de couro e mesinhas de madeira escura meticulosamente polidas, não entulhadas de tranqueiras. Estantes altas de madeira perfiladas com livros clássicos, de filosofia e história à altura de uma biblioteca. Livros provocativos e sérios que pareciam em contraste com uma prateleira muito bem organizada – caramba, em ordem alfabética – de livros de ficção populares bem ao lado.

Jenna deixou seu olhar passar pelas prateleiras de títulos e autores, necessitando de uma distração momentânea para impedir que pensasse demais no que poderia estar provocando tanta demora para ouvir as respostas de Gideon e dos outros.

– Faz mais de uma hora que Tess está lá – observou, tirando um livro qualquer sobre cantoras de jazz de sua posição na seção de história. Folheou as páginas, mais para dar algo paras as suas mãos fazerem do que por algum interesse real pelo livro.

Enquanto passava pelo capítulo sobre a era dos clubes de jazz dos anos 1920, uma fotografia amarelada escorregou. Jenna a apanhou antes que caísse no chão. O rosto sorridente de uma mulher jovem num vestido de seda cintilante e pele brilhante a fitava da imagem. Com olhos grandes e amendoados e tez de porcelana que parecia reluzir em contraste com os cabelos negros longos, ela era linda e exótica, ainda mais no cenário do clube de jazz ao fundo.

Com sua própria vida num espiral de confusão e preocupação, Jenna sentiu-se perplexa por um momento pelo júbilo evidente no sorriso amplo da jovem. Era uma alegria tão patente, franca, que quase sentiu uma dor física ao vê-la. Ela também já vivenciara esse tipo de felicidade, não? Deus, quanto tempo se passara desde que sentira ainda que metade da vivacidade daquela jovem da fotografia?

Brava com essa sensação de autopiedade, Jenna guardou a fotografia no livro, que devolveu ao seu lugar na prateleira.

– Não aguento mais. Isso está me deixando louca.

– Eu sei, Jen, mas...

– Ao diabo. Não vou mais ficar aqui esperando – disse, virando-se para encarar a amiga. A ponta da bengala se chocou no tapete ao abrir caminho até a porta. – Eles já devem ter alguns resultados a esta altura. Tenho que saber o que está acontecendo. Vou lá agora mesmo.

– Jenna, espere – Alex pediu atrás dela.

Mas ela já estava no corredor, andando o mais rápido que conseguia, apesar do impedimento da bengala e da leve fisgada que trespassava sua perna a cada passo apressado.

– Jenna! – Alex a chamou, com as passadas rápidas ecoando no corredor já deserto.

Jenna prosseguiu pelos corredores de mármore branco polido. A perna começava a latejar, mas ela não se importou. Deixou a bengala de lado, que só a retardava, e faltou pouco para começar a correr na direção das vozes abafadas dos machos logo mais adiante. Ela arfava ao chegar à parede de vidro do laboratório de tecnologia, com suor sobre seus lábios e na testa provocado pela dor.

Seus olhos encontraram Brock antes de qualquer outro membro do grupo aparentemente solene. Seu rosto estava tenso, os tendões do pescoço esticados como cabos, a boca formando uma linha carrancuda, quase ameaçadora. Ele estava no fundo da sala, cercado pelos outros guerreiros, todos aparentando tensão e inquietação, ainda piores agora que ela estava ali. Gideon e Tess estavam próximos ao nicho de computadores na parte anterior do laboratório.

Todos pararam o que estavam fazendo para fitá-la.

Jenna sentiu o peso dos olhares como algo físico. Seu coração se contraiu. Obviamente, eles já tinham a análise de seu sangue. Será que os resultados eram tão horríveis assim?

Suas expressões eram inescrutáveis, todos a mantendo sob observação cautelosa, silenciosa, conforme seus passos desaceleraram diante das portas deslizantes do laboratório.

Deus, olhavam para ela como se nunca a tivessem visto antes.

Não, percebeu, ao notar que o grupo continuava imóvel, olhando para ela através da parede transparente que a separava do grupo solene do outro lado. Olhavam-na como se esperassem que já estivesse morta.

Como se ela fosse um fantasma.

Um medo horrível se instalou em seu estômago, mas ela não pretendia recuar agora.

– Deixem-me entrar – exigiu, irritada e aterrorizada. – Maldição, abram essa maldita porta e me digam o que está acontecendo!

Levantou a mão e cerrou o punho, mas antes que pudesse bater no vidro, as portas deslizaram num sibilo suave. Avançou para dentro, sendo seguida de perto por Alex.

– Podem me contar – disse Jenna, o olhar passando de um rosto silencioso a outro. Demorou-se em Brock, a única pessoa naquela sala, além de Alex, por quem ela sentia alguma confiança. – Por favor... Preciso saber o que descobriram.

– Ocorreram algumas mudanças no seu sangue – disse ele, a voz grave impossivelmente baixa. Gentil demais. – E no seu DNA também.

– Mudanças. – Jenna engoliu em seco. – Que tipo de mudanças?

– Anomalias – Gideon interviu. Quando ela virou a cabeça na direção dele, ficou surpresa pela preocupação no olhar do guerreiro. Ele falava com cautela, parecendo demais com um médico retardando o pior tipo de notícia a dar ao seu paciente. – Descobrimos uma reprodução celular estranha, Jenna. Mutações que estão sendo passadas ao seu DNA e que se multiplicam a uma velocidade excessiva. Essas mutações não estavam presentes na última análise que efetuamos no seu sangue.

Ela balançou a cabeça, tanto pela confusão quanto como um reflexo de negação ao que pensava estar ouvindo.

– Não estou entendendo. Está se referindo a algum tipo de doença? Aquela criatura me infectou com alguma coisa quando me mordeu?

– Nada disso – disse Gideon, lançando um olhar ansioso para Lucan. – Bem, não exatamente.

– Então, o que, exatamente? – ela exigiu saber. A resposta surgiu meio segundo mais tarde. – Ai, meu Deus. Esta coisa na minha nuca... – Ela pôs a mão sobre o ponto em que o Antigo havia inserido o material não identificado do tamanho de um grânulo. – Esta coisa que ele colocou dentro de mim está provocando as mudanças. É isso, não é?

Gideon assentiu de leve.

– É biotecnologia de algum tipo, nada que a Raça ou a espécie humana tenha capacidade de criar. Pelas radiografias mais recentes de hoje, parece que o implante está se integrando à sua medula espinhal num ritmo muito acelerado.

– Tire isso.

Uma rodada de olhares preocupados passou pelo grupo de machos grandes. Mesmo Tess parecia pouco à vontade, sem conseguir sustentar o olhar de Jenna.

– Não é tão simples assim – Gideon respondeu, por fim. – Talvez você deva ver as imagens por si só.

Antes que ela conseguisse pensar se queria ou não ver as provas daquilo que lhe estava sendo dito, a imagem do seu crânio e coluna piscou na tela plana afixada numa parede diante dela. Num segundo, Jenna notou o nauseante objeto do tamanho de um grão de arroz que brilhava no centro da sua primeira vértebra. Os tentáculos que estiveram presentes no dia anterior eram mais numerosos naquela nova imagem.

Muito mais do que centenas a mais, cada tênue feixe entrando – inextricavelmente – ao redor e através da sua medula óssea.

Gideon pigarreou.

– Como disse, o objeto aparentemente é formado por uma combinação de material genético e alta tecnologia avançada. Nunca vi nada assim antes, tampouco consegui encontrar algum tipo de pesquisa científica humana que se assemelhasse minimamente a isso. Considerando-se as transformações biológicas que temos observado em seu DNA e em seu sangue, parece ser a fonte do material genético do próprio Antigo.

O que significava que parte daquela criatura estava dentro dela. Vivendo ali. Vicejando.

A pulsação de Jenna ecoava em seu peito. Ela sentia o fluxo sanguíneo acelerado nas veias, células alteradas que ela imaginava abrindo caminho em seu corpo a cada batida do coração, multiplicando-se, crescendo, devorando-a por dentro.

– Arranquem isso de mim – disse ela, a voz se elevando por causa da angústia. – Tirem essa maldita coisa de dentro de mim ou eu mesma tiro!

Com as duas mãos, ela começou a arranhar a nuca, o desespero fazendo-a agir como louca.

Ela nem percebeu Brock se movendo da sua posição do outro lado do laboratório, mas, em menos de um instante, ele estava bem ao seu lado, as mãos grandes envolvendo-a com os dedos. Os olhos castanhos prenderam-na pelo olhar e não a soltaram.

– Relaxe agora – disse ele, num sussurro gentil, porém com firmeza tirou-lhe as mãos da nuca e segurou-as entre as suas. – Respire, Jenna.

Com os pulmões contraídos, ela emitiu um soluço.

– Solte-me. Por favor, deixem-me em paz, todos vocês.

Ela se afastou e tentou ir embora, mas a pulsação pesada e o tinir em seus ouvidos fez a sala girar ao seu redor com violência. Uma onda obscura de náusea a acometeu, envolvendo-a numa névoa densa e atordoante.

– Te peguei – a voz tranquilizadora de Brock murmurou junto ao seu ouvido.

Ela sentiu os pés deixarem o chão e, pela segunda vez em poucos dias, viu-se amparada pela segurança dos braços dele.


Capítulo 10

Ele não deu explicações para o que estava fazendo ou para onde a estava levando. Apenas saiu do laboratório de tecnologia e a carregou pelo mesmo corredor pelo qual ela viera minutos antes com Alex.

– Solte-me – exigiu Jenna, os sentidos ainda confusos, tinindo a cada longa passada das pernas de Brock. Mudou de posição nos braços dele, tentando ignorar como até mesmo o menor dos movimentos fazia sua cabeça girar e seu estômago revirar. A cabeça pendeu sobre o antebraço forte, um gemido de dor escapando. – Eu disse para me colocar no chão, inferno.

Ele grunhiu enquanto continuava a caminhar.

– Eu ouvi na primeira vez.

Ela fechou os olhos, só porque estava difícil demais mantê-los abertos e ver o teto do corredor se contorcer e girar logo acima enquanto Brock a carregava complexo adentro. Diminuiu o ritmo a certa altura, depois virou, e Jenna abriu os olhos, vendo que ele a levara de volta à suíte que agora era seu quarto.

– Por favor, me ponha no chão – murmurou, a língua grossa, a garganta seca. O latejar por trás dos olhos se tornara uma pulsar firme, o tinido nos ouvidos um lamento agudo que parecia partir seu crânio ao meio. – Deus – arfou, sem conseguir disfarçar a agonia. – Está doendo muito...

– Ok – disse Brock baixinho. – Tudo vai ficar bem agora.

– Não, não vai. – Ela choramingou, humilhada pelo som da sua fraqueza, e pelo fato de que Brock a estava vendo assim. – O que está acontecendo comigo? O que ele fez comigo?

– Isso não importa agora – sussurrou Brock, a voz grave mostrando-se contraída. Uniforme demais para ser confiável. – Primeiro, vamos fazer você superar isto.

Atravessou o quarto com ela e se ajoelhou para acomodá-la no sofá. Jenna se recostou e deixou que ele lhe endireitasse as pernas, não tão perdida no desconforto e na preocupação para deixar de notar o carinho das mãos fortes daquele homem, que, provavelmente, seriam capazes de extrair a vida de alguém com pouco mais do que uma contorção.

– Relaxe – disse ele, as mãos fortes e carinhosas afagando seu rosto, os olhos escuros incitando-a a sustentar seu olhar. – Apenas relaxe e respire, Jenna. Consegue fazer isso por mim?

Ela se acalmou um pouco de pronto, relaxando ao som do seu nome nos lábios dele, o resvalar quente dos dedos que desciam pelo rosto e pelo maxilar e, depois, pela lateral do pescoço. As lufadas curtas de ar que entravam e saíam dos seus pulmões começaram a se acalmar, enquanto Brock amparava a nuca com uma mão e deslizava a outra palma num indo e vindo lento sobre o peito dela.

– Isso mesmo – murmurou, o olhar preso ao dela, intenso e, ainda assim, inacreditavelmente carinhoso. – Solte toda a dor e relaxe. Você está segura, Jenna. Pode confiar em mim.

Ela não sabia por que essas palavras deveriam afetá-la como a afetaram. Talvez a dor a tivesse enfraquecido. Talvez fosse o medo do desconhecido, o abismo da incerteza que subitamente se tornara a sua realidade desde aquela noite gélida e horrenda no Alasca.

E talvez fosse pelo simples fato de que fazia muito tempo, quatro solitários anos, desde que ela sentira a carícia cálida de um homem, mesmo que apenas para oferecer consolo.

Quatro anos vazios desde que se convencera de que não precisava de nenhum contato afetuoso ou intimidade. Quatro anos infindáveis desde que se lembrava do como era se sentir uma mulher de carne e osso, como se fosse desejada. Como se pudesse, um dia, ser capaz de abrir o coração para algo mais.

Jenna fechou os olhos quando lágrimas começaram a arder. Afastou a onda de emoção que surgiu inesperadamente e, em vez disso, concentrou-se nas pontas dos dedos quentes e reconfortantes de Brock em sua pele. Deixou que sua voz a acalentasse, sentindo suas palavras e seu toque trabalharem juntos para ajudá-la a superar a angústia do estranho trauma que parecia estar despedaçando-a de dentro para fora.

– Isso é bom, Jenna. Apenas respire agora.

Ela sentiu a garra de dor em seu crânio relaxar enquanto ele lhe falava. Brock acariciou suas têmporas com os polegares, os dedos esticados em seus cabelos, amparando sua cabeça de maneira reconfortante. O tinir agudo em seus ouvidos começou a diminuir, a desaparecer, até, por fim, sumir de vez.

– Você está indo muito bem – murmurou Brock, a voz mais sombria do que antes, um pouco mais do que um grunhido. – Solte tudo, Jenna. Dê o resto para mim.

Ela exalou um suspiro profundo, sem conseguir mantê-lo dentro de si enquanto Brock a afagava no rosto e no pescoço. Ela gemeu, abraçando o prazer que lentamente devorava sua agonia.

– Isso é bom – sussurrou, sem poder resistir ao desejo de se aproximar do seu toque. – A dor já não é tão forte agora.

– Isso é muito bom, Jenna. – Ele inspirou, parecendo mais um arquejo, depois exalou um gemido. – Liberte-se de tudo.

Jenna sentiu um tremor vibrar por seus dedos enquanto ele falava. As pálpebras se abriram e ela arfou ao vê-lo tão tenso.

Os tendões do pescoço estavam retesados, a mandíbula travada com tanta força que era um milagre que seus dentes não tivessem trincado. Um músculo latejava no rosto delgado. Gotas de suor se formavam na testa e sobre os lábios.

Ele estava com dor.

Uma dor impossível, assim como ela estivera há minutos, antes que seu toque parecesse afastar a agonia.

Foi então que ela entendeu.

Ele não estava simplesmente acalmando-a com as mãos. Ele estava, de alguma forma, tirando a dor dela. Canalizando-a, de propósito, para si.

Ofendida com a ideia, porém ainda mais envergonhada por ter se deixado permanecer ali deitada, imaginando que a carícia dele fosse algo mais do que pura piedade, Jenna se retraiu do seu toque e se pôs sentada num canto do sofá. Respirou fundo de ultraje ao fitar os olhos escuros que reluziam fachos de luz âmbar.

– Que diabos pensa que está fazendo? – arfou, pondo-se de pé.

O músculo que estivera latejando em seu maxilar se retesou quando ele se levantou para enfrentá-la.

– Ajudando você.

Imagens tomaram conta da sua mente em um instante: repentinas lembranças vívidas dos momentos posteriores ao seu cativeiro com a criatura que invadira o seu chalé no Alasca.

Naquele momento, ela também sentira dores. Estivera aterrorizada e em estado de choque, tão devastada de horror e confusão que achou que acabaria morrendo.

E se lembrou das mãos delicadas e cálidas que a confortaram. O rosto de um belo desconhecido sério que entrara em sua vida como um anjo negro e a manteve a salvo, protegida e tranquila, quando tudo em seu mundo fora transformado em caos.

– Você esteve lá – murmurou, atônita por perceber só então. – No Alasca, depois que o Antigo sumiu. Você ficou comigo. Também tirou minha dor naquela hora. E mais tarde, depois que fui trazida para o complexo. Meu Deus... Você ficou comigo o tempo todo em que estive na enfermaria? Os olhos dele permaneceram fixos nos dela, sombrios, inescrutáveis.

– Eu era o único que podia ajudar você.

– Quem te pediu isso? – exigiu saber, num tom sabidamente áspero, mas desesperada por expurgar o calor que ainda trafegava dentro dela, indesejado e espontâneo.

Já era ruim que ele achasse necessário acalentá-la como se ela fosse algum tipo de criança em sua provação prolongada. E ainda pior que ele parecesse pensar ser necessário repetir isso agora também. Maldita fosse se permitisse que ele pensasse, por um segundo sequer, que ela, de fato, desejara seu toque.

Com a expressão ainda carregada pelo que lhe fizera instantes antes, ele meneou a cabeça e imprecou.

– Para uma mulher que não quer a ajuda de ninguém, você bem que parece precisar muito.

Ela mal resistiu à tentação de lhe dizer onde ele podia enfiar sua compaixão.

– Sei cuidar de mim sozinha.

– Como cuidou ontem à noite na cidade? – ele a desafiou. – Como fez há poucos minutos no laboratório, pouco antes que os meus braços fossem a única coisa entre o seu traseiro teimoso e o chão?

A humilhação queimou seu rosto tal qual um tapa.

– Sabe de uma coisa? Faça-nos um favor e não me faça mais favor algum!

Ela se virou para se afastar dele, seguindo para a porta ainda aberta para o corredor. Cada passo miraculosamente sem dor só aumentava sua raiva de Brock, deixando-a ainda mais determinada a colocar o máximo possível de distância entre eles.

Antes que conseguisse se aproximar da soleira, ele se postou diante dela, bloqueando-lhe o caminho, mesmo que ela não tivesse visto ou ouvido ele se mover.

Parou. Encarou-o, atordoada por sua evidente velocidade sobrenatural.

– Saia da minha frente – disse, tentando passar por ele.

Ele deu um passo para o lado, colocando o corpo imenso diretamente diante do dela. A intensidade do seu olhar revelou que ele queria lhe dizer algo mais, mas Jenna não queria ouvir. Precisava ficar sozinha.

Precisava de espaço para pensar sobre tudo o que lhe acontecera... Tudo que ainda estava acontecendo, ficando cada vez mais assustador ao mesmo tempo.

– Saia da frente – disse ela, odiando o leve tremor em sua voz.

Brock lentamente levantou a mão e afastou uma mecha de cabelo da testa dela. Foi um gesto meigo, uma afabilidade que ela tanto precisava, mas que tinha medo de aceitar.

– Você está no nosso mundo agora, Jenna. Quer queira admitir ou não, precisa de ajuda.

Ela observou-lhe a boca enquanto ele falava, desejando não se sentir tão atenta aos lábios cheios e sensuais. Ele ainda estava suportando a sua dor; podia saber pelo ligeiro inflar nas narinas enquanto ele inspirava e expirava de modo controlado. Tampouco a tensão do belo rosto e do pescoço forte se desfizera.

Durante toda a sua vida, ela se esforçou para provar seu valor, primeiro para o pai e para o irmão, Zach, sendo que ambos deixaram claro que duvidavam que ela tivesse o necessário para fazer parte da força policial. Mais tarde, esforçou-se para ser uma mãe e esposa perfeitas. A vida toda fora estruturada numa fundação de força, disciplina e competência.

De maneira inacreditável, enquanto ficava ali diante de Brock, não foi o fato de ele ser algo mais que humano – algo perigoso e alienígena – que fez com que ela quisesse que o chão se abrisse e a engolisse. Foi o medo de que ele pudesse enxergar através da casca de raiva que ela usava como uma armadura, vendo-a como o fracasso solitário e amedrontado que ela, de fato, era.

Brock balançou de leve a cabeça em sua direção enquanto o silêncio se estendia entre eles. Os olhos perscrutaram seu rosto por inteiro antes de se deterem sobre o seu olhar.

– Existem coisas piores do que precisar se apoiar em alguém de vez em quando, Jenna.

– Maldição! Eu disse para sair da minha frente! – Ela pousou as palmas sobre o peito largo e o empurrou com toda a raiva e medo que havia dentro dela.

Brock foi lançado para trás, quase se chocando com a parede oposta do corredor.

Jenna arquejou, assustada e surpresa com o que acabara de fazer.

Horrorizada.

Brock era muito forte, com quase dois metros de altura e mais de cem quilos de músculo e força. Alguém muito mais forte do que ela. Alguém muito mais poderoso do que qualquer outra pessoa que já tivesse conhecido.

As sobrancelhas dele se ergueram em sinal de surpresa.

– Jesus Cristo – murmurou, com muito mais admiração do que raiva na voz.

Jenna suspendeu as mãos diante de si e fitou-as como se elas pertencessem a outra pessoa.

– Ai, meu Deus... Como eu... O que aconteceu?

– Está tudo bem – garantiu ele, voltando para perto dela com aquela enlouquecedora tranquilidade.

– Brock, desculpe. Verdade, eu não queria...

– Eu sei – disse ele, assentindo com seriedade. – Não se preocupe. Você não me machucou.

Uma bolha de histeria subiu-lhe pela garganta. Primeiro, a notícia chocante de que o implante de algum modo estava alterando seu DNA, e agora isso: uma força que não tinha como ser sua, mas, de alguma maneira, era. Relembrou sua fuga da propriedade e as estranhas habilidades linguísticas que pareceu adquirir desde que o Antigo deixara uma parte de si emaranhado em sua medula espinhal.

– Que diabos está acontecendo comigo, Brock? Quando tudo isso vai terminar?

Ele lhe segurou as mãos trêmulas entre suas palmas com firmeza.

– O que quer que esteja acontecendo, você não tem que passar por isso sozinha. Precisa entender isso.

Ela não sabia se ele falava em nome de todos no complexo ou por si só. Ela não tinha voz para pedir uma explicação. Disse a si mesma que não importava o significado das palavras dele; contudo, isso não desacelerou seu coração quando o fitou. Sob o calor dos insondáveis olhos castanhos, ela sentiu os seus piores medos se dissolverem.

Sentia-se aquecida e protegida, coisas que queria negar, mas não podia enquanto Brock a estivesse segurando pelas mãos e pelo olhar.

Ele franziu a testa após um longo momento e lentamente soltou-lhe as mãos, deixando as suas deslizarem pelos braços dela, numa carícia sensual, demorando-se o suficiente para deixar claro que aquilo não era nada menos do que íntimo. Jenna sabia disso, e via que ele também sabia.

Os olhos escuros pareceram se aprofundar, engolindo-a. Recaíram sobre sua boca e lá ficaram enquanto a respiração de Jenna saía num suspiro trêmulo.

Ela sabia que devia se afastar dele agora. Não havia motivo para permanecerem perto assim, com meros centímetros separando seus corpos. Menos ainda entre a boca dele e a dela. Só seria preciso um leve inclinar da cabeça dele ou um erguer da dela e seus lábios se encontrariam.

A pulsação de Jenna acelerou ante a ideia de beijar Brock.

Coisa que, quando ele a carregara para o quarto, estivera bem longe dos seus pensamentos. Não muito tempo atrás, quando seu medo e sua raiva a fizeram sibilar e grunhir como um animal selvagem preso numa armadilha de caçador.

Mas agora, enquanto Brock permanecia tão perto que ela sentia o calor do corpo dele irradiando para o seu, a fragrância da pele tentando-a a aproximar o rosto e inspirar seu cheiro, beijá-lo era uma necessidade secreta que pulsava dentro dela a cada batida fugidia do seu coração.

Talvez ele soubesse o que ela estava sentindo.

Talvez ele estivesse sentindo a mesma coisa.

Ele emitiu uma imprecação, depois recuou um passo, encarando-a com ardor e firmeza.

– Ah... droga... Jenna...

Quando ergueu as mãos fortes e segurou o seu rosto com delicadeza, todo o ar pareceu evaporar no quarto. Os pulmões de Jenna pareceram congelar dentro do peito, mas o coração continuava acelerado, batendo tão rapidamente que pensou que ele poderia explodir.

Esperou, num misto de terror e esperança, atônita com a necessidade que tinha de sentir a boca de Brock na sua.

A língua dele molhou os lábios, o movimento permitindo que ela tivesse um vislumbre das pontas das suas presas, reluzindo como diamantes. Ele praguejou novamente, depois se afastou um pouco, deixando uma lufada de ar frio diante dela onde o calor do seu corpo estivera apenas um segundo antes.

– Eu não deveria estar aqui – murmurou com voz espessa. – E você precisa descansar. Fique à vontade. Se não houver cobertas suficientes na cama, encontrará mais no armário do banheiro. Use tudo que precisar.

Jenna teve que se dar um chacoalhão mental para entender a conversa.

– Este... hum... Este quarto é seu?

Ele acenou de leve, já saindo para o corredor.

– Era. Agora é seu.

– Espere – Jenna o seguiu. – E quanto a você? Você tem onde ficar?

– Não se preocupe – disse ele, parando para olhá-la quando ela se apoiou na maçaneta. – Descanse um pouco, Jenna. Te vejo por aí.

O sangue ainda corria quente nas veias de Brock pouco depois, quando ele parou diante de uma das últimas suítes residenciais e bateu à porta fechada.

– Faltam ainda onze minutos para a hora que combinamos – diz a voz profunda e prática do macho da Raça do outro lado.

A porta se abriu, e Brock foi perfurado por um par de olhos dourados inescrutáveis.

– Avon chama – disse Brock à guisa de um cumprimento ao suspender a mochila de couro preta que continha todos os seus pertences pessoais retirados dos seus aposentos. – E o que quer dizer com isso, cheguei onze minutos antes? Não me diga que você vai ser um daqueles colegas de quarto certinhos que fazem tudo seguindo um cronograma. Minhas escolhas são limitadas, já que você e Chase têm os últimos quartos do complexo. E, para falar a verdade, se Harvard e eu tivermos que dividir um quarto, não sei se sobreviveremos uma semana.

Hunter nada disse enquanto Brock passava por ele e entrava no quarto. Ele o seguiu para a parte das camas, tão sorrateiro quanto um fantasma.

– Pensei que fosse outra pessoa – afirmou um tanto tardiamente.

– É mesmo? – Brock girou de frente para o estoico Primeira Geração, verdadeiramente curioso a respeito do mais recente e reservado membro da Ordem. Sem falar no fato de que estava ávido para desviar a mente dos seus pensamentos ardentes a respeito de Jenna Darrow. – A quem esperava além de mim?

– Não importa – respondeu Hunter.

– Ok. – Brock deu de ombros. – Só estou tentando bater papo, mas tudo bem.

A expressão do Primeira Geração continuou impassível, absolutamente normal. O que não era surpresa, levando-se em consideração o modo como o macho fora criado: como um dos assassinos domésticos de Dragos. Inferno, o cara nem mesmo tinha um nome. Como o restante do exército pessoal criado por Dragos a partir do Antigo, referiam-se ao Primeira Geração apenas pelo único propósito da sua vida: Hunter3.

Ele chegara à Ordem há poucos meses, depois que Brock, Nikolai e alguns dos outros guerreiros atacaram uma reunião de Dragos e dos seus tenentes. Hunter fora libertado durante o ataque e agora era aliado contra o seu criador nos esforços da Ordem em acabar com Dragos.

Brock parou diante das duas camas que estavam em cada lado do quarto em estilo modesto. As duas estavam arrumadas com precisão militar, coberta marrom e lençóis brancos sem nenhuma prega, um único travesseiro meticulosamente colocado na cabeceira de cada estrado.

– Então, qual é a sua cama?

– Não faz diferença para mim.

Brock voltou a fitar o rosto impassível e os inescrutáveis olhos dourados.

– É só me dizer em qual costuma dormir e eu pego a outra.

O olhar nivelado de Hunter não se alterou em nada.

– São apenas mobília. Não tenho nenhum apego nem por uma, nem por outra.

– Nenhum apego – repetiu Brock num murmúrio. – Pois é, cara. Talvez você possa me dar algumas dicas sobre essa sua postura “não estou nem aí”. Acho que viria bem a calhar de tempos em tempos. Especialmente no que se refere às mulheres.

Com um grunhido, largou suas coisas na cama da esquerda, depois esfregou as mãos no rosto e na cabeça. O gemido que escapou dele estava carregado de frustração e do desejo retido que vinha abafando desde que se forçara a deixar Jenna e a tentação de que não precisava.

– Maldição – grunhiu, o corpo tinindo de novo só de lembrar o belo rosto erguido ao fitá-lo.

Era como se ela estivesse à espera de um beijo seu. Tudo que era masculino dentro de si afirmara isso com absoluta certeza na hora, mas ele sabia que aquela era a última coisa de que Jenna precisava.

Ela estava confusa e vulnerável, e ele se considerava mais do que um homem que poderia tirar vantagem disso só porque a sua libido clamava por ela. Claro, isso não o fazia se sentir muito melhor a respeito da excitação que, do nada, voltava à vida de novo, deixando toda a sua honradez de lado.

– Que beleza, meu herói – admoestou-se severamente. – Agora vai precisar afundar numa banheira de gelo por uma semana por ter bancado o nobre...

– Está se sentindo mal? – perguntou Hunter, assustando Brock, que não havia percebido que o outro macho ainda estava atrás dele no quarto.

– É... – disse Brock, dando uma risada sardônica. – Não ando muito bem, não. Se quer saber a verdade, não estou me sentindo bem desde que pus os olhos nela.

– A fêmea humana – disse Hunter, com um ar de compreensão grave. – Está aparente que ela é um problema para você.

Brock emitiu um suspiro sem humor algum.

– Acha mesmo?

– Sim, acho. – Não havia julgamento em sua voz, apenas uma declaração dos fatos. Ele falava como uma máquina: total precisão, zero sentimento. – Deduzo que todos no laboratório de tecnologia chegaram à mesma conclusão hoje, quando permitiu que Chase provocasse sua ira por conta dos comentários sobre o seu apego àquela mulher. Suas ações demonstraram uma fraqueza do seu treinamento e, pior, falta de autocontrole. Reagiu de modo impensado.

– Obrigado por notar – respondeu Brock, suspeitando que seu sarcasmo seria desperdiçado no caçador antissocial e imperturbável. – Lembre-me de encher o seu saco daqui até a semana seguinte se um dia chegar a relaxar o bastante para deixar uma mulher o irritar.

Hunter não reagiu, apenas o fitou sem demonstrar nenhuma centelha de emoção.

– Isso não acontecerá.

– Merda – disse Brock, meneando a cabeça ante o soldado Primeira Geração rígido que fora criado na base da negligência e da disciplina do castigo. – Você não deve ter estado com a mulher certa se tem tanta segurança assim.

A expressão de Hunter continuou estoica. Distante e imparcial. Na verdade, quanto mais Brock olhava para ele, mais claramente começava a enxergar a verdade.

– Caramba. Já esteve, algum dia, com uma mulher, Hunter? Meu Deus... Você é virgem, não é?

Os olhos dourados do Primeira Geração continuaram fixos no olhar de Brock como se considerasse aquilo algum teste de força de vontade no qual ele não permitiria que a revelação o afetasse. E Brock tinha que dar o braço a torcer, pois nenhum grau de emoção cintilou naqueles olhos sinistros, tampouco nas feições perfeitamente disciplinadas.

A única coisa que fez Hunter reagir foi o barulho suave de chinelos se arrastando pelo corredor. Uma voz infantil, Mira, chamando da sala de estar.

– Hunter, você está aí?

Ele se virou sem dar nenhuma explicação e foi se encontrar com a garotinha.

– Agora não é uma boa hora. – Brock o ouviu lhe dizer em seu tom modulado e grave.

– Mas não quer saber o que acontece com Harry quando ele põe a capa da invisibilidade? – perguntou Mira, o desapontamento abaixando o tom de sua voz normalmente alegre. – Essa é uma das minhas partes prediletas no livro. Você tem que ouvir esse capítulo. Vai amar.

– Ela tem razão, é uma das melhores partes. – Brock saiu do quarto, sem saber o que o fez sorrir mais: a percepção de que o implacável assassino Primeira Geração era um virgem sem experiência alguma, ou a mais recente notícia, igualmente divertida, de que o encontro que ele aparentemente atrapalhara ao aparecer com as suas coisas era a hora da leitura de Hunter com a mais jovem residente do complexo.

Deu uma piscadela e um sorriso para Mira quando ela se acomodou no sofá e abriu o livro na parte em que havia parado de ler.

– Relaxe – disse a Hunter, que estava de pé, tão duro quanto uma estátua. – Não vou revelar os seus segredos a ninguém.

Não esperou para ver a reação dele, apenas foi andando para o corredor, deixando Hunter olhando-o enquanto saía.


Caçador


Capítulo 11

– Cruzem os dedos, meninas, mas acho que acabamos de encontrar a pista que procurávamos. – Dylan desligou o telefone e girou a cadeira para ficar de frente para Jenna, Alex, Renata e Savannah, todas reunidas na sala de reuniões das Companheiras de Raça nas últimas horas.

Na verdade, chamá-la de sala de reuniões não lhe fazia justiça. Havia pelo menos meia dúzia de computadores numa mesa longa num dos lados da sala, caixas de arquivos suspensos organizados por localização dispostas numa estante alta para facilitar o acesso, quase cada espaço da parede coberto por mapas marcados da Nova Inglaterra e gráficos de investigação detalhados que envergonhariam boa parte das unidades de casos antigos arquivados da polícia. Em meio a esses gráficos, muitos esboços de retratos falados de jovens, os rostos de algumas desaparecidas, a quem a Ordem e suas companheiras diligentes estavam determinadas a encontrar.

Não, Jenna pensou ao olhar ao redor, aquela não era uma mera sala de reuniões.

Aquela era uma sala devotada à estratégia, a uma missão, à guerra.

Jenna acolhia a energia do lugar, ainda mais depois das notícias perturbadoras que recebera a respeito do seu último exame de sangue. Também precisava da distração a fim de não pensar nos inesperados momentos ardentes que partilhara com Brock no quarto dele, ou melhor, no seu. Ela praticamente dera um salto quando lhe surgiu a oportunidade de sair de lá depois que ele foi embora. Fora Alex quem apareceu procurando-a pouco depois, e fora ela quem a trouxera consigo para a sala de guerra das Companheiras de Raça para ter companhia e ficar conversando.

Ela não desejara se interessar pelo trabalho em que as mulheres da Ordem estavam envolvidas, mas, enquanto esteve entre elas, foi quase impossível para a policial dentro de si ignorar o rastro de uma boa busca por informações. Sentou-se um pouco ereta na cadeira ante a mesa de reuniões quando Dylan andou até a impressora para pegar uma folha que acabara de sair da máquina.

– O que conseguiu? – perguntou Savannah.

Dylan bateu a folha na mesa diante das mulheres reunidas.

– Irmã Margaret Mary Howland.

Jenna e as outras se inclinaram para olhar para a imagem escaneada. Era a foto de um grupo de uma dúzia ou pouco mais de garotas e jovens mulheres. Pelo estilo das roupas, parecia ter sido tirada uns vinte anos antes. O grupo estava reunido num gramado abaixo das escadas de uma varanda coberta, no tipo de pose que as estudantes às vezes faziam para a foto escolar anual. A não ser pelo fato de que, naquele caso, não havia uma escola atrás delas, mas uma casa grande, simples, autoproclamada Lar para Mulheres St. John, Queensboro, Nova York.

Uma mulher de meia-idade de rosto gentil usando um crucifixo como pingente e um vestido de verão modesto estava ao lado do grupo reunido debaixo do beiral branco no qual a placa pintada estava suspensa. Uma das moças mais jovens estava com a mulher de mais idade, os ombros finos seguros por mãos carinhosas, o rostinho erguido com um olhar luminoso de afeto.

– É ela – disse Dylan, apontando para a mulher com o sorriso maternal e braços protetores. – Irmã Margaret.

– E ela é...? – perguntou Jenna, sem conseguir conter a curiosidade.

Dylan relanceou para ela.

– Neste instante, se ainda estiver viva, esta mulher é a nossa aposta mais segura para descobrirmos mais sobre as Companheiras de Raça que sumiram ou acabaram mortas pelas mãos de Dragos.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não estou entendendo.

– Algumas das mulheres que ele matou, e provavelmente muitas outras que ele mantém em cativeiro, vieram de abrigos de fugitivas – disse Dylan. – Veja bem, não é incomum que as Companheiras de Raça se sintam confusas e deslocadas na sociedade mortal. A maioria de nós não sabe o quanto é diferente, muito menos o motivo para isso. Além da marca de nascença em comum e das características biológicas, todas nós temos também habilidades extrassensoriais singulares.

– Não o tipo de coisa que você vê nos programas da TV ou em comerciais anunciando serviços de pessoas psíquicas – explicou Savannah. – Talentos verdadeiramente extrassensoriais são normalmente o meio mais seguro de identificar uma Companheira de Raça.

Dylan concordou.

– Às vezes, esses talentos são uma bênção, mas em muitas outras são uma maldição. O meu dom foi uma maldição em boa parte da minha vida, mas, felizmente, tive uma mãe amorosa. Por isso, não importava o quanto eu ficasse confusa ou assustada, sempre tive a segurança de um lar.

– Mas nem todas têm essa sorte – acrescentou Renata. – Para Mira e para mim, foi uma extensa fila de orfanatos em Montreal. E, de tempos em tempos, chamávamos a rua de lar.

Jenna ouvia em silêncio, agradecendo a boa sorte de ter nascido em uma família normal e relativamente próxima, onde o maior problema de infância foi tentar competir com o irmão pelo afeto e pela aprovação dos pais. Ela não conseguia imaginar os tipos de problemas que as fêmeas nascidas com a marca de nascença da lágrima e da lua crescente tiveram que suportar. Seus problemas, por mais incompreensíveis que fossem, pareciam diminuir um pouco enquanto ponderava sobre as vidas que aquelas mulheres tiveram. Para não falar do inferno que as mortas ou desaparecidas tiveram que suportar.

– Quer dizer que vocês acreditam que Dragos visava as jovens que acabavam nesse tipo de abrigo? – perguntou.

– Sabemos disso – disse Dylan. – A minha mãe costumava trabalhar num abrigo para pessoas que fugiam de casa em Nova York. É uma longa história, uma para ser contada outro dia, mas, basicamente, foi descoberto que o abrigo para o qual ela trabalhava havia sido fundado e era dirigido pelo próprio Dragos.

– Ai, meu Deus... – arfou Jenna.

– Ele estivera se escondendo por trás de um nome falso, Gordon Fasso, enquanto circulava em meio à sociedade humana, e ninguém fazia ideia de quem ele fosse até... até ser tarde demais. – Dylan parou para inspirar profundamente e se fortalecer. – Ele matou minha mãe depois que percebeu que havia sido desmascarado e que a Ordem estava se aproximando dele.

– Lamento muito – sussurrou Jenna, com sinceridade. – Perder alguém que se ama para esse tipo de maldade...

As palavras se perderam enquanto algo frio e determinado borbulhou dentro dela. Como ex-policial, ela conhecia o sabor amargo da injustiça e a necessidade de equilibrar a balança. Mas suprimiu esse sentimento, dizendo a si mesma que a luta da Ordem contra aquele inimigo, Dragos, não era sua. Ela tinha as próprias batalhas para enfrentar.

– Tenho certeza de que Dragos vai ter o que merece no final – disse.

Era uma frase inútil, oferecida com certo distanciamento. Mas ela queria muito estar certa. Sentada ali com aquelas mulheres, tendo-as conhecido um pouco melhor no curto tempo em que estava no complexo, Jenna rezava para que a Ordem fosse bem-sucedida ao enfrentar Dragos. Pensar que alguém tão perverso quanto ele estivesse à solta no mundo era inaceitável.

Pegou a imagem impressa e fitou a expressão calorosa da freira, que estava tal qual uma pastora ao lado de seu rebanho vulnerável.

– Como esperam que essa mulher, a Irmã Margaret, possa ajudá-las?

– A rotatividade de pessoal é alta nesses abrigos – explicou Dylan. – Aquele em que minha mãe trabalhava não era exceção. Uma amiga que costumava trabalhar com ela lá me informou o nome da Irmã e me deu a foto. Ela disse que a freira se aposentou há vários anos, mas fez trabalho voluntário em diversos abrigos em Nova York desde meados dos anos 1970. Por isso, é o tipo de pessoa com quem precisamos conversar.

– Alguém que esteve em abrigos por muito tempo e pode ser capaz de identificar antigas residentes a partir dos retratos falados – disse Savannah, indicando os rostos afixados nas paredes.

Jenna assentiu.

– Esses retratos são de mulheres que estiveram em abrigos?

– Esses retratos – disse Alex ao lado de Jenna – são de Companheiras de Raça que estão sendo mantidas por Dragos enquanto estamos aqui conversando.

– Quer dizer que ainda estão vivas?

– Estavam há alguns meses. – A voz de Renata soou dura. – Uma amiga da Ordem, Claire Reichen, usou seu dom de Companheira de Raça, o poder de viajar em seus sonhos, para localizar o quartel-general de Dragos. Ela viu as prisioneiras, mais de vinte, trancadas em celas do laboratório dele. Embora Dragos tenha realocado sua operação antes que pudéssemos salvá-las, Claire tem trabalhado com um desenhista para documentar os rostos que viu.

– Na verdade, é lá que Claire está agora, ela e Elise – explicou Alex. – Elise tem muitos amigos na comunidade civil da Raça aqui em Boston. Ela e Claire têm trabalhado em alguns novos retratos, baseados no que Claire viu no covil de Dragos.

– Depois que tivermos os rostos das prisioneiras – disse Dylan –, podemos começar a procurar por nomes e possíveis familiares. Qualquer coisa que possa nos ajudar a nos aproximar de onde essas mulheres estão.

– E quanto aos bancos de dados de pessoas desaparecidas? – perguntou Jenna. – Vocês compararam os esboços com os perfis listados em grupos como o Centro Nacional de Pessoas Desaparecidas?

– Sim, e voltamos de mãos vazias – disse Dylan. – Muitas dessas mulheres e garotas nos abrigos são fugitivas e órfãs. Muitas são abandonadas. Umas fogem de casa, deliberadamente cortando todos os laços com a família e com os amigos. O resultado final é o mesmo: ninguém sente falta delas ou procura por elas no sistema; portanto, não há registros arquivados.

Renata concordou com um leve grunhido que pareceu falar de sua experiência.

– Quando você não tem nada, nem ninguém, você pode desaparecer, e é como se nunca tivesse existido.

Por causa dos seus anos na força policial do Alasca, Jenna sabia que isso era bem verdade. As pessoas desapareciam sem deixar rastro tanto nas grandes cidades como em pequenas comunidades. Isso acontecia todos os dias, embora ela jamais tivesse imaginado que fosse pelos motivos que Dylan, Savannah, Renata e as outras mulheres lhe explicavam agora.

– Qual o plano de vocês depois que identificarem as Companheiras de Raça desaparecidas?

– Depois que tivermos uma ligação pessoal com pelo menos uma delas – disse Savannah –, Claire pode tentar se comunicar através dos sonhos e, quem sabe, conseguir informações sobre a localização de onde as prisioneiras estão.

Jenna estava acostumada à rápida digestão e compreensão dos fatos, mas sua cabeça começava a girar com tudo o que estava ouvindo. E não conseguia evitar que sua mente procurasse por soluções para os problemas diante dela.

– Espere um instante. Se o dom de Claire a levou ao covil de Dragos uma vez, por que ela não pode simplesmente repetir isso?

– Para que seu dom funcione, ela precisa de algum tipo de elo emocional ou pessoal com a pessoa que está tentando localizar nos sonhos – respondeu Dylan. – O elo dela antes não era com Dragos, mas com outra pessoa.

– O antigo companheiro dela, Wilhelm Roth – explicou Renata, praticamente cuspindo o nome dele. – Ele era uma pessoa cruel, mas, comparada à de Dragos, sua crueldade não era nada. Jamais permitiríamos que Claire tentasse contatar o próprio Dragos. Isso seria suicídio.

– Tudo bem. Então onde nós ficamos com isso? – perguntou Jenna, o “nós” saindo de sua boca antes que ela percebesse o que havia dito. Mas era tarde demais para retirá-lo, e ela estava interessada demais para fingir outra coisa. – Onde você imagina que as coisas vão a partir daqui?

– Tenho esperanças de localizar a Irmã Margaret e que ela possa nos ajudar a desvendar alguma coisa – disse ela.

– Temos como entrar em contato com ela? – perguntou Renata.

A animação de Dylan se arrefeceu um pouco.

– Infelizmente, não há como termos certeza sequer de que ela ainda esteja viva. A amiga da minha mãe disse que ela deve estar com uns oitenta anos agora. A única boa notícia é que seu convento tem sede em Boston, então, existe a possibilidade de ela estar aqui. Por enquanto, só o que temos é seu número do seguro social4.

– Dê esse número a Gideon – sugeriu Savannah. – Tenho certeza de que ele consegue invadir o sistema do governo para conseguir todas as informações de que precisamos sobre ela.

– Foi isso mesmo que pensei – Dylan respondeu com um sorriso.

Jenna pensou em oferecer ajuda para localizar a freira. Ainda tinha amigos na força policial e em algumas agências federais. Com apenas um telefonema ou e-mail, ela poderia pedir um ou outro favor confidencial. Mas as mulheres da Ordem pareciam ter tudo sob controle.

E seria melhor para ela não se envolver em nada daquilo, lembrou-se com severidade, enquanto Dylan pegava o telefone ao lado do seu computador e ligava para o laboratório de tecnologia.

Alguns minutos mais tarde, Gideon e Rio entraram na sala de guerra. Os dois guerreiros receberam um relatório resumido do que Dylan descobrira. Antes mesmo de ela terminar de explicar o que havia descoberto, Gideon se acomodou diante de um computador e começou a trabalhar.

Jenna ficou olhando da sua cadeira junto à mesa enquanto todos os outros, Savannah, Renata, Alex, Rio e Dylan, se reuniram ao redor de Gideon para vê-lo fazer a sua mágica. Savannah estava certa: ele não precisou mais do que alguns minutos para invadir um firewall de um site do governo americano e começar a baixar os registros de que precisavam.

– A Irmã Margaret Mary Howland está bem viva, de acordo com a Administração do Seguro Social – anunciou ele. – Sacou a aposentadoria dela do mês passado, no valor de 298 dólares e alguns trocados num endereço em Gloucester. Estou imprimindo as informações agora.

Dylan deu um sorriso amplo.

– Gideon, você é um deus da tecnologia.

– Meu prazer é servir. – Levantou-se da cadeira e puxou Savannah para um beijo rápido, porém ardente. – Diga que está impressionada, amor.

– Estou impressionada – respondeu ela, rindo ao mesmo tempo em que lhe dava um tapa no ombro.

Ele sorriu, lançando um olhar para Jenna por sobre os óculos.

– Ela me ama – disse ele, puxando a bela companheira num abraço apertado. – Na verdade, ela é louca por mim. Não consegue viver sem mim. Muito provavelmente, está querendo me levar para a cama neste instante para se aproveitar de mim.

– A-hã. É o que você pensa – replicou Savannah, mas havia uma centelha ardente em seu olhar ao fitá-lo.

– Uma pena que não estamos tendo a mesma sorte para conseguir uma pista sobre a Sociedade TerraGlobal – lamentou Rio, o braço passando ao redor dos ombros de Dylan no que pareceu uma manobra instintivamente íntima.

Renata franziu o cenho.

– Nenhuma pista ainda?

– Nada – Gideon interveio. Ele deve ter percebido o olhar confuso de Jenna. – A Sociedade TerraGlobal é o nome da empresa que acreditamos que Dragos esteja usando como fachada para algumas das suas operações secretas.

Alex disse em seguida:

– Lembra-se daquela mineradora que abriu perto de Harmony há alguns meses, a Mineradora Coldstream? – Ante o aceno de Jenna, Alex continuou: – Pertencia a Dragos. Acreditamos que era para ela ter sido usada como uma prisão para o Antigo depois que o transportassem para o Alasca. Infelizmente, todos sabem como isso terminou.

– Conseguimos rastrear a Mineradora Coldstream até a Sociedade TerraGlobal – acrescentou Rio. – Mas só conseguimos avançar até aí. Sabemos que a TerraGlobal tem muitas camadas, mas está demorando demais para conseguirmos dissecá-las. Nesse ínterim, Dragos se esconde cada vez mais fundo, a cada minuto ficando mais longe do nosso alcance.

– Vocês vão pegá-lo – disse Jenna. Tentou ignorar a aceleração do coração ante a necessidade de pegar algumas armas e liderar a busca. – Vocês têm que pegá-lo, então vão pegá-lo.

Rio, com seu rosto marcado por cicatrizes demonstrando determinação ao assentir em concordância, fitou os olhos de Dylan.

– É. Um dia, nós vamos pegar esse filho da puta. Ele vai pagar por tudo o que já fez.

Debaixo do braço forte, Dylan deu um sorriso tristonho. Escondeu-se em seu abraço, tentando abafar um bocejo.

– Venha – disse Rio, afastando uma mecha dos cabelos ruivos dos olhos dela. – Você tem dedicado muitas horas a tudo isso. Agora vou levá-la para a cama.

– Não é uma má ideia – disse Renata. – A noite logo chega e aposto como Nikolai está testando a nova munição na sala de armas. Está na hora de ir buscar meu homem.

Enquanto ela se despedia e saía, Dylan e Rio, Savannah e Gideon faziam o mesmo.

– Quer ficar comigo e com Kade um pouco? – perguntou Alex.

Jenna balançou a cabeça de leve.

– Não, estou bem. Acho que vou ficar aqui por alguns minutos, para relaxar um pouco. O dia foi longo e estranho.

O sorriso de Alex mostrou empatia.

– Se precisar de qualquer coisa, sabe onde me encontrar. Certo?

Jenna assentiu.

– Estou bem. Mas obrigada.

Observou a amiga sair e desaparecer lentamente pelo corredor. Quando não restava mais nada na sala a não ser silêncio e tranquilidade, Jenna se levantou e se aproximou da parede com os mapas, gráficos e retratos.

Era admirável o que a Ordem e as suas companheiras estavam tentando fazer. Era um trabalho importante, mais importante do que qualquer outra coisa com que Jenna se deparara no interior do Alasca, ou, na verdade, em qualquer outro lugar.

Se tudo o que ela descobrira nos últimos dias fosse verdade, então o que a Ordem fazia ali era salvar o mundo.

– Jesus Cristo... – sussurrou, atordoada com a enormidade de tudo aquilo.

Ela tinha que ajudar.

Se fosse capaz, mesmo que de uma maneira pequena, ela tinha que ajudar.

Não tinha?

Jenna andou ao redor da sala, com sua própria batalha acontecendo dentro de si. Não estava pronta para participar de algo como aquilo. Não enquanto ainda tinha tantas coisas para descobrir a respeito de si mesma. Com o irmão morto, ela não tinha mais nenhuma família. O Alasca fora seu lar durante toda a vida e agora isso também se fora, uma parte da sua existência anterior apagada para ajudar a Ordem a preservar seus segredos enquanto continuavam a perseguir o inimigo.

Quanto ao seu futuro, não sabia nem por onde começar. A substância alienígena dentro dela era um problema jamais imaginado, e nem adiantava desejar, porque aquilo não sumiria. Nem mesmo a mente brilhante de Gideon parecia capaz de arrancá-la daquela complicação confusa.

E também havia Brock. De todas as coisas que lhe aconteceram entre a invasão do Antigo ao seu chalé e a adoção atual, inesperada, ainda que não insuportável, por todos ali no quartel-general da Ordem, Brock estava se mostrando a coisa com a qual ela menos estava preparada para lidar.

Não estava nem um pouco perto disso no que se referia aos sentimentos que ele lhe provocava. Coisas que ela não sentia em anos, e, muito certamente, não queria sentir agora.

Nada em sua vida era certo, e a última coisa de que precisava era se envolver ainda mais nos problemas que os guerreiros e as suas companheiras enfrentavam.

No entanto, Jenna se viu seguindo para um computador na mesa ali perto. Sentou-se diante do teclado e entrou no navegador da internet, depois entrou num daqueles sites de e-mail grátis e criou uma conta.

Iniciou uma mensagem nova e digitou o endereço de um dos seus amigos da Polícia Federal em Anchorage. Fez uma única pergunta, uma questão a ser investigada confidencialmente como um favor pessoal.

Inspirou fundo, depois apertou o botão de enviar.


O número do seguro social, social security number, é um número de registro que todos os cidadãos americanos têm, como um CPF e um INSS unificados. Através dele, é possível localizar as pessoas, pois esse número é unificado em todo o território nacional. (N.T.)


Capítulo 12

No vestiário ao lado da sala das armas, Brock esticou a mão às costas para aumentar a temperatura da água de quente para escaldante. Com as mãos apoiadas na porta de teca do cubículo reservado, inclinou a cabeça em direção ao peito e agradeceu pelo jato de água cauterizante que lhe batia nos ombros e descia pelo pescoço. Vapor se formava ao seu redor, espesso como névoa, desde a cabeça até o piso de ladrilhos aos seus pés.

– Cristo! – Kade sibilou, alguns cubículos mais distante. – Duas horas direto de treino mano a mano não foi bastante castigo para você? Agora sente a necessidade de ferver vivo aí?

Brock grunhiu, passando a mão pelo rosto enquanto o vapor continuava a se formar e o calor continuava a açoitar seus músculos tensos demais. Encontrara Niko e Chase na sala das armas depois de deixar seus pertences no quarto que partilharia com Hunter. Parecia-lhe razoável esperar que alguns rounds de treinos de lâminas e treinos corpo a corpo bastariam para exaurir um pouco da sua inquietação e distração. Deveria ser assim, mas não foi.

– O que está acontecendo com você, cara?

– Não sei do que está falando – murmurou Brock, levando a cabeça e os ombros mais para baixo do jato de água escaldante.

A zombaria de Kade se fez ouvir no vestiário cavernoso.

– Até parece que não sabe.

– Droga – Brock exalou em meio à névoa que cobria sua cabeça. – Por que estou com a sensação de que você vai me explicar?

Houve o rangido da torneira sendo fechada, seguido pela batida da porta do chuveiro de Kade quando ele seguiu para o vestiário anexo. Alguns minutos depois, a voz de Kade soou do outro cômodo.

– Vai me contar o que aconteceu aquela noite em Southie, na fábrica?

Brock fechou os olhos e emitiu algo muito parecido com um rosnado, até mesmo para os seus ouvidos.

– Não há nada a contar. Havia fios soltos. Cuidei do assunto.

– A-hã – murmurou Kade. – Foi isso mesmo que imaginei que tivesse acontecido.

Quando Brock levantou a cabeça, viu o guerreiro parado diante dele. Kade estava totalmente vestido com jeans e camiseta preta, apoiado na parede oposta. Seu olhar prateado estreitado, como quem sabe o que está acontecendo.

Brock respeitava demais o amigo para tentar enganá-lo.

– Aqueles humanos eram a ralé que não pensaria duas vezes antes de ferir uma mulher inocente. Não acredita que esse tipo de brutalidade deve ser perdoado, acredita?

– Não. – Kade o encarou, depois assentiu com sobriedade. – Se eu me deparasse com alguém que tivesse colocado um dedo sequer em Alex, eu teria matado o desgraçado. Foi o que fez, não foi? Matou aqueles homens?

– Não eram homens, aqueles... – Brock grunhiu. – Eram cachorros raivosos, e o que fizeram com Jenna – aquilo que achavam que poderiam fazer e se safar – provavelmente não foi a primeira vez que machucaram uma mulher. Duvido que Jenna teria sido a última. Então, isso mesmo, acabei com eles.

Por um bom momento, Kade nada disse. Apenas o observou, mesmo depois que Brock voltou a colocar a cabeça debaixo do jato furioso, sem sentir necessidade de mais explicações. Nem mesmo para seu melhor amigo na Ordem, o guerreiro que era como um irmão para ele.

– Maldição – murmurou Kade depois de um longo silêncio. – Você gosta dela, não gosta?

Brock balançou a cabeça, tanto em negação como para tirar a água do rosto.

– Lucan me deu a responsabilidade de cuidar dela, de mantê-la segura. Só estou fazendo aquilo que esperam de mim. Ela é mais uma missão, nada diferente das outras.

– Ah, tá. Sem dúvida – caçoou Kade. – Eu tive uma missão como essa lá no Alasca há não muito tempo. Acho que já te contei uma ou duas vezes sobre ela, não foi?

– Isso é diferente – resmungou Brock. – O que você e Alex têm... Não é a mesma coisa. Alex é uma Companheira de Raça, para começar. Não existe a possibilidade de as coisas ficarem sérias com Jenna. Não sou do tipo que curte relacionamentos de longo prazo e, além disso, ela é humana.

As sobrancelhas escuras de Kade se uniram em sinal de preocupação.

– Não sei se algum de nós pode ter certeza do que ela é agora.

Brock absorveu a verdade dessa declaração com uma onda renovada de preocupação, não só por Jenna, mas pela Ordem e pelo resto da nação da Raça. O que quer que estivesse acontecendo com ela, parecia estar se acelerando naquele mesmo instante. Não tinha como negar que as notícias sobre seus exames de sangue o perturbavam. Sem falar que aquela porção alienígena colocada dentro dela estava se infiltrando cada vez mais em seu corpo, a um nível que nem mesmo Gideon parecia preparado para combater.

Brock emitiu uma imprecação debaixo do jato punitivo de água.

– Se está tentando fazer com que eu me sinta melhor a respeito disso tudo, sinta-se à vontade para parar a qualquer instante.

Kade riu, obviamente se divertindo com tudo aquilo.

– Sabe, não acho que você vá ter uma conversa de coração aberto com seu novo companheiro de quarto, então sou eu, aqui e agora, demonstrando que me importo.

– Sinto-me tocado – murmurou Brock. – Agora caia fora e deixe eu me escaldar em paz.

– Com todo prazer. Toda essa conversa sobre missões e mulheres me lembrou que tenho deveres importantes em meu apartamento que venho negligenciando...

Brock grunhiu.

– Lembranças a Alex.

Kade apenas sorriu ao se despedir, depois seguiu para a saída mais próxima.

Depois que ele se foi, Brock só ficou uns minutos mais debaixo da água. Já estava tarde, mas ele estava energizado demais para dormir. E o lembrete de Kade sobre as mutações biológicas de Jenna fez sua mente acelerar.

Enxugou-se, depois vestiu uma camiseta cinza e jeans escuros. Calçou os coturnos, sentindo uma súbita necessidade de voltar para a sala das armas para gastar um pouco mais de energia até o pôr do sol, quando poderia, por fim, escapar do complexo uma vez mais. Mas suar a camisa não funcionara muito da primeira vez; duvidava que o ajudasse agora.

Sem saber o que o livraria daquela agitação, Brock se viu andando pelo corredor principal do complexo, na direção do laboratório de tecnologia. Os corredores estavam silenciosos, desertos. Nada surpreendente para aquela hora do dia, quando os guerreiros comprometidos estavam com suas fêmeas e o restante dos ocupantes do quartel-general descansava antes do início das patrulhas da noite.

Brock deveria pensar em fazer o mesmo, porém estava mais interessado em saber se Gideon descobrira algo mais a respeito dos exames de sangue de Jenna. Ao entrar no corredor comprido que o levaria até o laboratório, ouviu movimentos em outra das salas do complexo.

Seguindo o barulho de papéis, parou diante da porta aberta do centro de comando da missão das Companheiras de Raça.

Jenna estava sozinha lá dentro.

Sentada à mesa de reuniões, com diversas pastas espalhadas diante de si e muitas outras empilhadas junto ao cotovelo, ela estava reclinada sobre um bloco de anotações, caneta na mão, completamente absorvida pelo que estava escrevendo, o que quer que fosse. A princípio, achou que ela não soubesse que ele estava ali. Mas em seguida, a mão dela parou no meio da página, e a cabeça se ergueu. As mechas de cabelo castanho caíram como seda quando ela se virou para ver quem estava na porta.

Aquela seria a sua chance para se esconder rápido, antes que ela o visse. Ele era da Raça, poderia estar ali e desaparecer antes que os olhos mortais registrassem sua presença. Em vez disso, por algum motivo idiota, sobre o qual não desejava refletir, avançou um passo e pigarreou.

O olhar castanho de Jenna se arregalou ao vê-lo.

– Oi – disse ele.

Ela sorriu de leve, parecendo pega desprevenida. E por que não estaria, depois da maneira como ele havia deixado as coisas entre os dois da última vez em que se viram? Ela pegou uma das pastas e colocou por cima do bloco de anotações.

– Pensei que todos tivessem ido descansar.

– E foram. – Ele entrou ainda mais na sala e passou os olhos nas informações sobre a mesa. – Parece que Dylan e as outras já conseguiram recrutar seus serviços.

Ela deu de ombros, numa negação débil.

– Eu só... estava olhando algumas coisas. Comparando anotações de alguns arquivos, anotando algumas ideias.

Brock se sentou ao lado dela.

– Elas vão gostar disso – disse ele, impressionado por ela estar ajudando. Esticou a mão na direção das suas anotações. – Posso ver?

– Não é nada de mais, mesmo – disse ela. – É só que algumas vezes ajuda alguém de fora dar uma olhada.

Ele relanceou para a letra curva e precisa que preenchia quase toda a página. A mente dela parecia funcionar do mesmo modo organizado, baseado no fluxo lógico das suas anotações e na lista de sugestões que fizera para a investigação das pessoas desaparecidas que Dylan e as outras Companheiras de Raça vinham procurando nos últimos meses.

– É um bom trabalho – disse ele, sem elogiar, apenas declarando um fato. – Dá para ver que você é uma excelente policial.

Outro levantar de ombros de negação.

– Não sou mais policial. Faz tempo que me afastei.

Ele a observou enquanto falava, notando o arrependimento que pairava em seu tom de voz.

– Não significa que não continue boa ainda no que faz.

– Parei de ser boa há algum tempo. Uma coisa aconteceu e eu... perdi minha motivação. – Ela o fitou, sem piscar. – Houve um acidente de carro há quatro anos. Meu marido e nossa filha de seis anos de idade morreram, só eu sobrevivi.

Brock assentiu.

– Eu sei. Lamento por sua perda.

A empatia dele pareceu incomodá-la de algum modo, e ela ficou meio sem saber o que fazer. Talvez lhe fosse mais fácil falar sobre a sua tragédia em seus termos, sem saber que ele já tomara conhecimento dela. Agora ela o fitava incerta, como se temesse que ele a julgasse de alguma maneira.

– Tive dificuldades para... aceitar que Mitch e Libby tinham partido. Por muito tempo, mesmo agora, é complicado entender como eu tenho que seguir em frente.

– Você vive – disse Brock. – É só o que pode fazer.

Ela assentiu, mas havia assombro em seu olhar.

– Você faz parecer tão fácil.

– Fácil não, apenas necessário. – Ele a viu cutucar um clipe torto em um dos relatórios. – Foi por isso que você se retirou do trabalho na polícia, porque não sabia como viver depois do acidente?

Fitando o espaço bagunçado na mesa diante dela, ela franziu a testa, em silêncio por um instante.

– Pedi demissão porque eu não conseguia mais executar minhas funções. Toda vez que eu tinha que me apresentar numa violação de trânsito, mesmo uma simples colisão de para-choque ou um pneu furado, eu chegava tremendo tanto ao local que mal conseguia sair do carro para oferecer ajuda. E nos chamados mais complicados, em acidentes sérios ou brigas domésticas que acabavam em violência, eu me sentia nauseada durante dias. Tudo o que eu aprendi no treinamento e no trabalho pareceu se despedaçar quando aquele caminhão carregando lenha atravessou a estrada escorregadia e destroçou minha vida. – Relanceou para ele, com seus olhos castanho-claros mais obstinados e firmes do que jamais vira. – Deixei de ser policial porque sabia que não conseguiria executar meu trabalho da maneira que ele precisava ser feito. Não queria que ninguém que pudesse depender de mim pagasse pela minha negligência. Por isso, pedi demissão.

Brock respeitava a coragem e a resiliência de Jenna desde que colocara os olhos nela. Agora, sua opinião apenas aumentara.

– Você se importava com o seu trabalho e com as pessoas que dependiam de você. Isso não é um sinal de fraqueza. Isso demonstra força. E, está claro, você amava o seu trabalho. E acho que ainda ama.

Por que essa simples observação atiçaria algum ponto fraco nela ele não entendia, mas teria que ser cego para não notar a centelha defensiva que brilhou em seus olhos. Jenna desviou o olhar ao perceber que deixara aquilo escapar e, quando falou, não havia raiva em sua voz. Apenas um tom de resignação.

– Sabe bastante sobre mim, não? Acho que não sobrou muito que você ou a Ordem não saibam sobre mim a esta altura.

– Alex nos contou apenas o básico – admitiu ele. – Depois do que aconteceu no Alasca, precisávamos saber algumas coisas.

Ela resmungou.

– Quer dizer, depois que comecei a falar coisas sem nexo enquanto dormia e me tornei um fardo indesejável para a Ordem.

– Mais ou menos isso – disse ele, continuando sentado quando ela se levantou e começou a se afastar dele, os braços cruzados diante do peito. Percebeu que ela abandonara por completo a bengala que Tess lhe dera, e que a perna machucada revelava apenas um leve manquejar a cada passo. – Vejo que seu ferimento já está melhorando.

– Está bem melhor. – Ela o fitou por sobre o ombro. – Na verdade, nem era tão grave assim.

Brock inclinou a cabeça como se concordasse, mas ele se lembrava muito bem da gravidade do ferimento. Se ela estava se curando a um ritmo acelerado, deduziu que as mutações genéticas descobertas por Gideon deviam estar por trás disso.

– Estou feliz que esteja se sentindo melhor – disse, pensando que, provavelmente, ela não precisava de um lembrete sobre a matéria desconhecida inserida dentro de si.

Seu olhar se deteve sobre ele, suavizando-se.

– Obrigada pelo que fez na noite passada, ir atrás de mim e me tirar daquele lugar horrível. Acho que você salvou a minha vida. Sei que salvou, Brock.

– Não foi nada.

Deus, ele esperava que ela jamais ficasse sabendo dos detalhes selvagens com que ele lidara com seus agressores. Ela não estaria agradecendo se o tivesse visto em ação naquela noite, nem se tivesse testemunhado o modo violento com que satisfizera tanto a sua sede quanto a sua fúria naqueles humanos desgraçados. Se soubesse do que ele era capaz, ela, sem dúvida, o enxergaria da mesma maneira que o Antigo que a atacara.

Não sabia por que isso o incomodava tanto. Não queria que ela o igualasse a um monstro, pelo menos não enquanto estivesse encarregado pela Ordem de protegê-la. Ela precisava confiar nele, e, como seu protetor designado, ele tinha que se certificar disso. Tinha um trabalho a fazer, e não estava disposto a perder de vista essa responsabilidade.

Mas sua questão com Jenna ia além disso, ele bem sabia. Só não tinha a mínima intenção de dissecar o assunto agora, nem num futuro próximo.

Observou-a se aproximar da parede coberta de mapas e gráficos que documentava a busca pelas Companheiras de Raça que a Ordem suspeitava que Dragos estivesse mantendo em cativeiro.

– Este trabalho é incrível – murmurou Jenna. – Dylan, Savannah, Renata, Tess... Todas as mulheres que conheci aqui são verdadeiramente incríveis.

– Sim, elas são – concordou Brock. Levantou-se e caminhou até onde estava Jenna. – A Ordem sempre foi uma força a ser respeitada, mas, desde que me juntei a ela, tenho visto nossas forças redobrarem por causa do envolvimento das fêmeas deste complexo.

Ela lhe lançou um olhar que ele considerou difícil de interpretar.

– O que foi?

– Nada. – Um leve sorriso tocou seus lábios quando ela meneou um pouco a cabeça. – Só estou surpresa em ouvir isso. A maioria dos homens com quem tive contato no trabalho, inclusive meu pai e meu irmão, preferiria comer seus distintivos a admitir que era melhor para eles trabalhar em equipe com as mulheres.

– Eu não tenho um distintivo – disse ele, retribuindo o sorriso. – E não sou como a maioria dos homens.

Ela riu de leve, mas não desviou o olhar.

– Não, você não é. E mesmo assim, é um dos poucos aqui que não tem uma Companheira de Raça.

Ele pensou nisso, mais do que apenas um pouco intrigado pelo fato de ela estar curiosa sobre sua vida pessoal.

– Trabalho é uma coisa. Assumir uma companheira com um elo de sangue é outra. É um tipo de situação eterna, e sou alérgico a relacionamentos de longo prazo.

Os olhos inteligentes o avaliaram.

– Por quê?

Seria fácil dar-lhe uma resposta charmosa e sem fundamento, do tipo a que estava acostumado a dar quando Kade e os outros tocavam no assunto de Companheiras de Raça e de envolvimentos sentimentais. Mas ele não poderia olhar para Jenna e ser outra coisa a não ser honesto, não importando como isso mudaria a forma como ela o enxergava.

– Relacionamentos de longo prazo aumentam as chances de eu desapontar alguém. Por isso, me esforço para me manter longe disso.

Ela não disse nada por um ou dois minutos. Apenas o encarou em silêncio, os braços ainda ao seu redor, uma centena de emoções acentuando a cor de seus olhos.

– É, sei o que está querendo dizer – disse, por fim, a voz mal passando de um sussurro rouco. – Sei tudo a respeito de desapontar as pessoas.

– Não tem como eu acreditar nisso. – Ele não conseguia enxergar a mulher capaz e confiante deixando de fazer algo que se dispusera a fazer.

– Pode acreditar – disse ela com seriedade, girando sobre os calcanhares e seguindo para junto da outra parede, onde um punhado de retratos falados fora disposto ao longo de mapas e de anotações. Quando voltou a falar, havia uma casualidade em sua voz que parecia forçada. – Então, essa sua alergia a relacionamentos duradouros é alguma novidade para você, ou sempre evitou compromissos?

Ele teve uma imagem mental instantânea de olhos reluzentes e de uma risada maliciosa e musical que ainda ouvia às vezes, como um fantasma à espreita em suas lembranças.

– Já existiu alguém. Bem... Poderia ter havido alguém. Ela morreu há muitos anos.

A expressão de Jenna ficou sombria de remorso.

– Brock, sinto muito. Não tive a intenção de...

Ele deu de ombros.

– Não precisa se desculpar. Isso foi há um século. – Quase literalmente, ele percebeu, atordoado pelo fato de que tanto tempo havia se passado desde que o seu descuido custara a vida de alguém a quem ele, supostamente, deveria ter protegido.

Jenna voltou a se aproximar e se recostou na beira da mesa ao lado dele.

– O que aconteceu com ela?

– Foi assassinada. Eu trabalhava como guarda-costas no Refúgio Secreto de uma família em Detroit na época. Era minha responsabilidade mantê-la a salvo, mas meti os pés pelas mãos. Ela desapareceu sob a minha vigilância. Seu corpo foi encontrado meses mais tarde, brutalizado a ponto de não ser reconhecido, abandonado num rio.

– Ah, meu Deus... – A voz de Jenna saiu suave, carregada de empatia. – Que horrível.

– É, foi mesmo – disse ele, lembrando-se muito bem do horror do que havia sido feito a ela, antes e depois de ser morta. Três meses na água não deixaram mais fácil de olhar o que lhe haviam feito.

– Sinto muito – repetiu Jenna, esticando uma mão para apoiá-la no músculo saltado do bíceps dele.

Ele tentou ignorar a súbita percepção que surgiu com aquele contato. Mas tentar não perceber sua atração por ela era o mesmo que ordenar ao fogo que não fosse quente. Toque-o e você se queimará. Assim como ele queimava agora, quando relanceou para a mão pálida de Jenna em contraste com a sua pele escura.

Quando ele levantou o olhar para ela, percebeu pela forma sutil com que ela inspirava que seus olhos muito provavelmente estavam iluminados por centelhas cor de âmbar, a transformação traindo seu desejo por ela. Ela engoliu em seco, mas não desviou o olhar.

Que Deus o ajudasse, mas ela tampouco retraiu a mão, nem mesmo quando o seu rugido de macho excitado se formou na base da garganta.

Pensamentos do que acontecera com ela há poucas horas em seu apartamento jorraram como uma onda de lembranças ardentes. Não havia mais do que alguns poucos centímetros entre eles, mesmo agora. Ficou imaginando se Jenna queria que ele a beijasse. Estivera inseguro quanto ao que ela sentia, e com a possibilidade de ela estar sentindo algo parecido com seu próprio desejo. Agora, precisava saber com uma ferocidade que o assustava.

Para ter certeza de que não estava interpretando mal, nem que fosse apenas pela sua sanidade, cobriu a mão dela com a sua. Aproximou-se, postando-se de frente para ela, que ainda estava apoiada na mesa.

Ela não se retraiu. Encarou-o bem nos olhos, confrontando-o, bem como ele esperava que ela fizesse.

– Eu não sei bem como lidar com tudo isto – disse ela com suavidade. – As coisas que têm acontecido comigo desde aquela noite no Alasca... Todas as perguntas que talvez nunca sejam respondidas. Sei lidar com isso. De alguma forma, vou aprender a lidar. Mas você... Isto... – Ela baixou o olhar para as mãos unidas, os dedos entrelaçados. – Não sou boa nisso. Meu marido se foi há quatro anos. Não houve ninguém desde então. Nunca estive pronta para isso. Não quis...

– Jenna. – Brock tocou no seu queixo, erguendo-o com suavidade para fitá-la nos olhos. – Tudo bem se eu te beijar?

Os lábios dela vacilaram num sorriso que ele não resistiu a provar. Inclinou a cabeça e a beijou devagar, para que ela se acostumasse, apesar da intensidade do seu desejo.

Embora ela tivesse confessado estar sem prática, ele jamais teria imaginado isso pela sensualidade dos lábios dela ao encontro dos seus. O beijo, tanto suave quanto direto, dando e recebendo, o incendiou. Ele se aproximou, até se ajustar entre suas pernas, precisando sentir o corpo dela pressionado contra o seu enquanto passava a língua ao longo dos lábios aveludados. Correu as mãos pela lateral de seu corpo, ajudando-a a subir na mesa quando a perna machucada começou a tremer.

O beijo fora um erro. Achara que as coisas terminariam ali – apenas um beijo –, mas, agora que começara, ele simplesmente não sabia como encontraria forças para pôr um fim naquilo.

E, pela sensação dela em seus braços, pelos gemidos e sussurros de prazer enquanto os beijos davam início a algo mais poderoso, teve certeza de que ela também queria mais.

Mas, pelo visto, não poderia estar mais errado.

Foi só quando percebeu a umidade em seu rosto que notou que ela estava chorando.

– Jesus – sibilou, recuando de pronto e sentindo-se um cretino ao ver seu rosto marcado pelas lágrimas. – Desculpe. Se eu te pressionei rápido demais...

Ela balançou a cabeça, visivelmente triste, mas sem conseguir falar nada.

– Diga que eu não te machuquei, Jenna.

– Droga. – Ela inspirou fundo. – Não posso fazer isto. Desculpe, a culpa é minha. Eu nunca deveria ter deixado que você...

As palavras foram interrompidas quando ela o empurrou para longe, desvencilhando-se dele, e correu para o corredor.

Brock ficou ali por um minuto, todo tenso e dolorido, ávido de desejo. Deveria deixá-la ir. Considerar aquilo apenas um desastre evitado por um triz e tirar a tentadora Jenna Darrow da cabeça.

Sim, é exatamente isso o que deveria fazer, e ele sabia muito bem disso.

Mas, quando esse pensamento se formou, ele já estava na metade do corredor, seguindo os sons do choro de Jenna até seu antigo apartamento.


Capítulo 13

Jenna se sentia a maior das covardes, uma fraude absoluta, enquanto fugia pelos corredores, tentando engolir as lágrimas. Deixara Brock pensar que não o queria. Provavelmente o fez acreditar que ele a pressionara de algum modo com aquele beijo, quando quase a derretera numa poça na mesa daquela sala de reuniões. Deixou que ele ficasse se preocupando por ter feito algo errado, que talvez a tivesse magoado, e essa era a coisa mais injusta de todas.

No entanto, não conseguira deixar de fugir, precisando colocar alguma distância entre eles com uma determinação que beirava o desespero. Ele a fazia sentir demais. Coisas para as quais não estava preparada. Coisas que ela necessitava com tamanha profundidade, mas que não merecia.

Por isso fugiu, mais aterrorizada do que nunca e odiando a covardia que a fazia colocar pé ante pé. Quando chegou ao quarto, estava tremendo e sem fôlego, lágrimas ainda descendo pelas faces.

– Jenna.

O som da voz grave atrás dela foi como uma carícia ardente em sua pele. Virou-se de frente, atônita com a velocidade e com o silêncio que o levaram até ali não mais do que um segundo depois dela. Mas, em retrospecto, ele não era humano. Não era um homem de fato – uma coisa da qual ela tinha que se lembrar quando ele estava tão próximo, com todo aquele tamanho, a intensidade do olhar se comunicando com tudo o que era feminino dentro dela.

Sua boca ainda estava inchada pelos beijos dele. Sua pulsação ainda batia descompassada. O calor ainda ardia dentro dela.

E como se soubesse disso, Brock se aproximou ainda mais. Esticou o braço e pegou sua mão, sem dizer nada. Não havia necessidade de palavras. Apesar das lágrimas que começavam a diminuir e do tremor das suas pernas, ela não conseguia esconder o desejo que sentia por ele.

Não resistiu quando ele a trouxe para perto, para o calor do seu corpo. Para o conforto dos seus braços.

– Estou com medo – sussurrou ela. Essas palavras não lhe vinham fáceis, como nunca vieram.

Com o olhar preso ao dela, ele lhe acariciou o rosto.

– Não precisa ter medo de mim. Não vou machucar você, Jenna.

Acreditou nele, mesmo antes de ele inclinar a cabeça e resvalar os lábios num beijo dolorosamente carinhoso. De maneira incrível e impossível, confiava naquele homem que não era um homem. Queria as mãos dele sobre si. Queria sentir aquela conexão de novo com alguém, mesmo que não estivesse pronta para pensar em algo além do físico, do desejo de tocar e de ser tocada.

– Está tudo bem – ele murmurou ao encontro da sua boca. – Está segura comigo, prometo.

Jenna fechou os olhos ao absorver suas palavras, as mesmas que a acalmaram na escuridão do seu chalé no Alasca, e de novo na enfermaria do complexo. Brock fora seu elo com o mundo dos vivos depois da sua provação com o Antigo. Sua única corda de segurança durante os infindáveis pesadelos que se seguiram nos dias depois que ela fora trazida àquele lugar estranho, modificada de tantas maneiras.

E agora...?

Agora ela não sabia muito bem como ele se encaixava na confusão que restara da sua vida. Não estava pronta para pensar nisso. Tampouco estava plenamente segura de estar preparada para as sensações que ele lhe provocava.

Recuou um pouco, a dúvida e a vergonha ainda se avolumando na parte dela que ainda lamentava a perda, a ferida aberta em sua alma que há muito tempo aceitara que jamais se cicatrizaria por completo.

Pressionando a testa no calor da solidez de seu peito, no algodão macio que exalava seu cheiro exótico característico, Jenna inspirou profundamente para se fortalecer. E expirou num suspiro entrecortado.

– Será que eu os amava o suficiente? É o que não paro de me perguntar desde aquela noite em meu chalé...

As mãos fortes de Brock alisaram suas costas, fortes e carregadas de compreensão, dando a calma que ela precisava a fim de reviver aqueles momentos torturosos quando o Antigo a pressionara para que ela decidisse o próprio destino.

– Ele me fez escolher, Brock. Naquela noite em meu chalé, pensei que ele iria me matar, mas não matou. Eu não teria lutado se ele matasse. E ele sabia disso, acho. – Na verdade, ela tinha certeza. Naquela noite em que o Antigo invadira sua casa, ela não estava bem. Ele vira a garrafa de uísque vazia no chão e a pistola carregada em sua mão. A caixa de fotografias que ela pegava todos os anos por volta do aniversário do acidente que lhe roubara a família e que a deixara para viver sozinha. – Ele sabia que eu estava preparada para morrer, mas, em vez de me matar, forçou-me a dizer as palavras, a lhe dizer em voz alta o que eu queria mais: vida ou morte. Foi como uma tortura, algum tipo de jogo doentio que ele me fez jogar contra a minha vontade.

Brock resmungou alguma imprecação incompreensível, mas as mãos continuaram suaves às suas costas, carinhosas, num calor tranquilizador.

– Ele me fez escolher – disse ela, lembrando-se de cada minuto insuportável daquela provação.

Mas, ainda pior do que as horas infindáveis do seu aprisionamento e de vê-lo alimentando-se dela, do que o horror de perceber que seu captor não era uma criatura deste mundo, foi o momento terrível no qual ouviu a própria voz rouca dizer as palavras que pareciam rasgar das profundezas mais íntimas e envergonhadas de sua alma.

Quero viver.

Ai, meu Deus... por favor, deixe-me viver.

Não quero morrer!

Jenna engoliu o nó de angústia que se formara em sua garganta.

– Fico pensando que não os amava o bastante – sussurrou, devastada ante esse pensamento. – Fico pensando que, se os amasse de verdade, teria morrido com eles. Que, quando o Antigo me forçou a escolher se queria ou não viver, eu teria feito uma escolha diferente.

Quando o choro ficou preso em sua garganta, os dedos de Brock resvalaram seu queixo. Ergueram seu rosto para seu olhar solene.

– Você sobreviveu – disse ele, a voz firme, mas com infinito afeto. – Foi só o que fez. Ninguém a culparia por isso, muito menos eles.

Ela fechou os olhos, sentindo o peso do arrependimento diminuir um pouco com as palavras reconfortantes que ouvia. Mas o vazio em seu coração era um lugar frio e oco. Um que se tornou ainda maior quando Brock a tomou nos braços, confortando-a. O calor e a preocupação dele penetraram em sua pele como um bálsamo, acrescentando mais emoção ao desejo que não diminuíra por conta da proximidade do corpo forte. Torceu-se no refúgio que era seu abraço, apoiando o rosto na força sólida e firme que ele era.

– Posso acabar com isso, Jenna. – Ela sentiu a pressão da boca, o fluir da respiração em seus cabelos enquanto ele beijava o topo de sua cabeça. – Posso carregar sua dor por você, se quiser.

Havia uma parte nela que se rebelava contra isso. A mulher forte, a policial experiente, aquela que sempre enfrentava qualquer situação, se retraiu ante a ideia de que seu sofrimento pudesse ser pesado demais para ela mesma suportar. Nunca precisou de ajuda, tampouco se dispôs a pedir, jamais. Esse tipo de fraqueza jamais lhe serviria.

Retraiu-se, a recusa na ponta da língua. Mas quando abriu os lábios para falar, as palavras não surgiram. Fitou o belo rosto de Brock, os olhos penetrantes que pareciam enxergar bem dentro dela.

– Quando foi a última vez que se permitiu ser feliz, Jenna? – Ele afagava seu rosto com tanta suavidade, com tanta reverência, que ela estremeceu sob seu toque. – Quando foi a última vez que sentiu prazer? A mão grande desceu ao longo do pescoço. O calor irradiou da palma ampla e dos dedos longos. Sua pulsação acelerou conforme ele espalmou a nuca, o polegar acariciando o ponto sensível debaixo da orelha.

Então, ele a aproximou de si, inclinando-lhe o rosto para se encontrar com o seu. Beijou-a, lenta e profundamente. A fusão vagarosa da boca dele ao encontro da sua lançou uma corrente de calor líquido em suas veias. O fogo se empoçou em seu centro, seu íntimo se enchendo com um desejo ardente e ávido.

– Se você não quiser isto – murmurou ele ao encontro dos seus lábios –, basta dizer. A qualquer hora, eu paro...

– Não. – Ela balançou a cabeça ao erguer a mão para tocar no maxilar forte. – Eu te quero, mas tanto que isso está me assustando demais.

O sorriso dele se espalhou preguiçosamente, os lábios sensuais se afastando para revelar os dentes brancos e a extensão aumentada das presas. Jenna fitou sua boca, sabendo que os instintos básicos humanos de sobrevivência deviam estar disparando todo tipo de alarme, avisando-a de que aproximar-se demais daqueles caninos seria letal.

Mas ela não sentiu medo. Em vez disso, sua mente reconheceu a transformação dele com um sentimento inexplicável de aceitação. Excitação até, enquanto o castanho absorvente de seus olhos começou a reluzir com uma luz âmbar incandescente.

Acima do colarinho da camiseta cinza e debaixo das mangas curtas que se agarravam aos montes firmes dos bíceps musculosos, os dermaglifos de Brock pulsavam em cores. As marcas da pele do membro da Raça assumiram uma cor mais acentuada do que seu costumeiro tom de bronze, tornando-se mais bordô e dourado, junto com um roxo escuro. Jenna percorreu os dedos ao longo das curvas e arcos dos seus glifos, maravilhando-se com a beleza sobrenatural.

– Tudo o que eu achava que sabia é diferente agora – ponderou em voz alta enquanto permanecia no círculo dos braços dele, distraidamente tracejando os desenhos dos glifos que desciam. – Tudo mudou agora. Eu mudei, de maneiras que nem sei se farão sentido para mim. – Levantou o olhar. – Não estou atrás de mais confusão em minha vida. Não acho que eu seja capaz de lidar com mais isso além de todo o resto.

Ele sustentou o seu olhar, sem julgá-la, revelando apenas paciência e uma aura de controle imperturbável.

– Você está confusa agora, enquanto te toco... ou quando a beijo?

– Não – disse ela, surpresa ao constatar isso. – Nem antes.

– Isso é bom. – Ele se inclinou e clamou sua boca novamente, sugando o lábio inferior, capturando-o entre os dentes ao afagar suas costas, depois espalmando a mão na curva das nádegas. Apertou-a com possessividade, rebocando o corpo eletrizado ao longo da sua ereção. Esfregou o nariz na curva do pescoço, os lábios quentes e úmidos em sua pele. Quando falou de novo, sua voz estava mais grossa do que antes, carregada do mesmo tipo de avidez que a percorria. – Permita-se sentir prazer, Jenna. Se quiser, é só isso o que precisa acontecer entre nós. Sem pressão, sem amarras. Sem promessas que nenhum de nós está pronto para fazer.

Ah, Deus. Parecia tão bom, tão tentador, ceder ao desejo que vinha crescendo entre eles desde que ela despertou no complexo da Ordem. Não estava pronta para abrir o coração novamente, talvez nunca estivesse pronta para essa vulnerabilidade de novo, mas não sabia se era forte o bastante para resistir ao presente que Brock estava lhe oferecendo.

Ele a beijou na base da garganta.

– Está tudo bem, Jenna. Entregue o resto para mim agora. Liberte-se de tudo, exceto disto.

– Sim. – Ela suspirou, sem conseguir refrear um arquejo quando as carícias trafegaram por seu corpo. As mãos fortes e habilidosas lançaram picadas de energia pelas suas veias, o talento sobrenatural sugando todo o peso remanescente de tristeza, de dor e de confusão. A boca ardente e habilidosa deixou apenas sensações e avidez em seu rastro.

Ele beijou uma pequena trilha ao longo do pescoço, depois pelo maxilar, até que seus lábios se encontraram com os dela uma vez mais. Jenna acolheu sua paixão, abrindo-se para ele enquanto a língua passava pelo vale entre seus lábios. Ele gemeu quando ela o sugou para dentro, grunhiu uma aprovação absolutamente masculina enquanto ela passava os dedos ao redor da sua cabeça, segurando-o com mais firmeza ao encontro da sua boca.

Deus, ela não fazia ideia de quanto necessitava do toque de um homem. Ficara tempo demais sem aquela intimidade, forçosamente se privando do contato sexual e daquele tipo de relaxamento. Por quatro anos, convencera-se de que não queria nem precisava daquilo, apenas mais um castigo autoimposto pela grave ofensa de ter sobrevivido ao acidente que matara seus entes queridos.

Acreditara-se imune ao desejo; no entanto, ali com Brock, todas aquelas barreiras antes impenetráveis estavam sendo derrubadas, caindo ao seu redor como se não fossem mais do que folhas secas. Ela não conseguia sentir culpa pelo prazer que ele estava lhe proporcionando. Não havia como saber se pela habilidade de Brock de absorver a sua angústia ou pelo desejo reprimido. Só o que ela conhecia era a intensidade crescente das reações do seu corpo ao dele, uma onda de prazer e de antecipação que a deixava sem ar e querendo ainda mais.

As mãos grandes passaram para os ombros, depois começaram sua viagem para os seios. Através do algodão fino da camisa dela, os mamilos endureceram, ficando rijos e doloridos, vivos com sensações a cada carícia aplicada. Jenna gemeu, querendo mais dos toques dele. Capturou sua mão e a guiou por baixo da bainha larga da camisa. Ele não precisou de mais orientações. Em menos de um segundo, soltou o fecho do sutiã e cobriu a pele nua com a palma quente. Brincou com o botão duro ao acariciá-la.

– Melhor assim? – murmurou ele, logo abaixo da orelha. – Diga se está gostando.

– Deus... Sim! – Era tão bom que ela mal conseguia formar palavras.

Jenna sibilou de prazer, jogando a cabeça para trás enquanto uma sensação espiralada se contraía em seu íntimo. Ele continuou tocando-a, beijando-a e acariciando-a, enquanto lentamente tirava sua camisa. Fez o mesmo com o sutiã aberto, deslizando as alças finas pelos ombros, escorregando-as pelos braços. De repente, ela estava nua da cintura para cima diante dele. O instinto de se cobrir – de esconder as cicatrizes que cruzavam seu tronco por causa do acidente, e aquela no abdômen que era um lembrete diário do difícil trabalho de parto de Libby – surgiu de leve, mas apenas por um instante.

Só pelo tempo que demorou para erguer a cabeça e se deparar com o olhar de Brock.

– Você é linda – disse ele, pegando-lhe as mãos com suavidade e afastando-as do corpo antes que ela tivesse a oportunidade de se sentir envergonhada pelo elogio dele ou pela sua observação franca.

Nunca se sentira especialmente bela. Confiante e capaz, bem fisicamente e forte. Essas palavras ela entendia e aceitava. Palavras que a acompanharam em boa parte dos seus trinta e três anos de vida, mesmo durante o casamento. Mas linda? Era-lhe tão estranha quanto o idioma desconhecido que se ouvira falar no vídeo na enfermaria no dia anterior.

Brock, este sim, era lindo. Ainda que parecesse uma palavra esquisita para descrever a sombria força da natureza que estava diante dela.

Cada mancha castanha dos olhos dele sumira, devorada pelo brilho âmbar que aquecia suas faces como uma chama viva. As pupilas afinaram parecendo fendas, e as faces magras agora estavam mais angulares, a pele escura imaculada esticada por sobre os ossos, ressaltando a aparência atordoante das presas longas e afiadas.

Aqueles olhos ardentes prenderam os seus, enquanto ele tirava a camiseta e a deixava cair no chão ao lado dela. O peito era incrível, uma parede maciça de músculos bem torneados cobertos por um desenho intricado de glifos pulsantes. Ela não resistiu ao desejo de tocar a pele lisa, só para ver se era tão sedosa sob seus dedos quanto lhe parecia ao olhar. Era ainda mais macia do que imaginara, mas a força absoluta e sobrenatural abaixo dela era inconfundível.

Brock lhe parecia tão letal quanto fora ao salvá-la na cidade, a não ser, talvez, pela ira gélida que emanara dele como em ondas aquela noite, pois agora ele vibrava com algo igualmente agressivo e intenso: desejo. Todo centrado nela.

– Você está... Maldição, Jenna – ele disse rouco, tracejando a linha do seu ombro, depois circundando a ponta rósea do seu seio. – Você não faz ideia de quanto é adorável, faz?

Ela não respondeu, nem saberia como. Em vez disso, aproximou-se e puxou a boca dele para a sua para mais um beijo ardente. Pele contra pele, os seios esmagados contra os músculos firmes do peito dele, Jenna quase entrou em combustão de tanto desejo. Seu coração batia forte, a respiração acelerada, enquanto Brock abaixava a mão e descia o zíper de seus jeans. Ela mordeu os lábios quando ele deslizou as mãos entre a cintura da calça e a pele dos seus quadris, depois fez descer os jeans por sobre a calcinha branca. Ele se afundou sobre os calcanhares, acompanhando a descida dos jeans com as mãos.

Tomou cuidado perto do ferimento a bala, a fim de não mexer no curativo que envolvia a coxa.

– Tudo bem? – perguntou, erguendo o olhar para ela, a voz grave tão rouca que ela mal a reconheceu. – Se houver dor, posso cuidar dela.

Jenna balançou a cabeça.

– Não está doendo. Está tudo bem, mesmo.

Os olhos reluzentes âmbar se fecharam baixando os cílios ao voltar para a tarefa que tinha em mãos. Com os jeans removidos, ele se apoiou nos calcanhares e olhou para ela, deslizando as mãos para cima e para baixo na extensão das suas pernas.

– Tão, tão linda – ele a elogiou, depois inclinou a cabeça e pressionou os lábios no triângulo de algodão branco entre as coxas, a única peça de roupa que a cobria agora.

Jenna expeliu um suspiro trêmulo quando ele prendeu o tecido entre os dentes e as presas. Com o olhar carregado de propósito, fitou-a, as mãos ainda acariciando as pernas, e puxou a peça antes de soltá-la, deixando voltar ao seu lugar, cobrindo a pele aquecida. Ele a seguiu com a boca, beijando-a de novo, com mais determinação agora, afastando o irrisório pedaço de pano e esfregando o rosto ainda mais na fenda úmida do seu sexo.

As mãos a seguravam pelas nádegas enquanto ele a explorava com os lábios e a língua e o resvalar erótico dos dentes na pele úmida do seu centro. Despiu-a da calcinha, depois afastou as coxas e a sugou novamente. Levou uma mão até o meio das pernas, acrescentando o toque dos dedos à habilidade enlouquecedora da boca. Jenna estremeceu, perdida em sensações e a pouco menos do que uma inspiração de desfalecer.

– Céus – arfou ela, tremendo quando ele sondou suas dobras com a ponta do dedo, penetrando-a apenas de leve, enquanto seus beijos a deixavam cada vez mais tensa. Moveu-se na direção dele, inundada pelo calor. – Meu Deus... Brock, não pare.

Ele gemeu ao encontro da umidade dela, um longo ronronar de evidente apreciação masculina que vibrou em seus ossos e músculos até seu cerne aquecido. O clímax de Jenna a atravessou tal qual uma tempestade. Estremeceu com a sua força, exclamando quando o prazer a assolou e a fez subir aos céus. Quase se desfez, a sensação pairando quase como poeira estelar enquanto ela espiralava mais e mais alto, com tremores de puro deleite trespassando-a, um após o outro.

Sentia-se sem ossos ao flutuar de volta à realidade. Sem ossos e exausta, apesar de seu corpo ainda estar vibrando, repleto de sensações. E Brock ainda a beijava. Ainda a afagava com os dedos, arrancando cada um dos tremores restantes enquanto ela se agarrava aos ombros largos e arfava com o prazer dos tremores.

– Acho que eu estava precisando disso – sussurrou, estremecendo quando o riso baixo dele ecoou em sua pele ainda sensível. Ele a beijou no interno da coxa, mordiscando de leve, e suas pernas vacilaram um pouco sob o próprio peso. Ela se deixou cair para a frente, envolvendo Brock pelas costas. – Ah, meu Deus. Eu não imaginava o quanto precisava disso.

– O prazer foi meu – ele disse, rouco. – E ainda não terminei. – Mudou de posição debaixo dela, passando o braço ao seu redor e acomodando-a sobre o ombro. – Segure firme em mim.

Ela não teve escolha. Antes de entender o que ele pretendia, ele já se levantava. Carregou-a como um peso morto sobre um ombro e se pôs de pé, como se ela não passasse de um fardo de penas. Jenna se segurou como ele lhe dissera, sem deixar de admirar a força absoluta com que ele caminhava até o quarto adjacente. Vestindo apenas os jeans, os músculos das costas se flexionavam e contraíam debaixo da pele lisa a cada longa passada, um concerto perfeito de boa forma e talhe.

Não havia dúvidas, ele era lindo.

E seu corpo já eletrizado zunia com calor renovado quando ela percebeu que ele a carregava direto para a imensa cama king size.

Ele afastou a colcha e o lençol, depois a depositou na beira do colchão. Jenna observou com desejo crescente enquanto ele desabotoava os jeans e os retirava. Ele não estava usando nada por baixo. Glifos elaborados tracejavam a cintura estreita e o quadril, descendo pelas pernas vigorosas. As cores pulsavam e se transformavam, atraindo seu olhar por um breve instante da ereção evidente, que estava rija e imensa enquanto ele apenas observava enquanto ela o avaliava dos pés à cabeça.

Jenna engoliu com a boca seca quando ele se aproximou dela, devastador em toda a sua nudez. O olhar reluzente ainda mais brilhante, as presas ainda mais alongadas.

Ele parou perto da cama, crispando a testa quando ela se deteve no seu olhar transfigurado.

– Está com medo de mim... deste jeito?

Ela só balançou a cabeça de leve.

– Não, não estou com medo.

– Se estiver preocupada com relação a uma possível gravidez...

Ela voltou a balançar a cabeça.

– Meus danos internos no acidente cuidaram disso. Não posso engravidar. De toda forma, pelo que soube, DNA humano e da Raça não se misturam.

– Não – confirmou ele. – E em relação a quaisquer outras preocupações que possa ter, está segura comigo. Não existem doenças nos da minha espécie.

Jenna assentiu.

– Confio em você, Brock.

O crispar da testa dele diminuiu, mas ele permaneceu imóvel.

– Se não tiver certeza, se não é isso o que você quer, então o que lhe disse antes ainda vale. Podemos parar a qualquer instante. – Ele riu baixinho. – Acho que isso pode acabar comigo agora, já que está toda sensual na minha cama, mas eu paro. Que Deus me ajude, mas eu paro.

Ela sorriu, emocionada por alguém tão poderoso demonstrar tamanha honra e humildade. Ela afastou o lençol e abriu espaço para ele ao seu lado.

– Não quero parar.

A boca dele se abriu num sorriso amplo. Com um grunhido, foi em frente e sentou na cama ao seu lado. A princípio, apenas se tocaram e se acariciaram, beijando-se com suavidade, aprendendo mais sobre seus corpos. Brock foi paciente, apesar de a tensão em seu corpo revelar que ele estava se torturando por se refrear. Foi atencioso e carinhoso, tratando-a como uma amante querida, apesar de terem concordado de antemão que aquilo entre eles jamais seria outra coisa além de algo casual, sem amarras.

Para Jenna, parecia incrível que um homem que ela mal conhecia – aquele macho da Raça que tinha todo o direito de assustá-la – pudesse lhe parecer tão familiar, tão íntimo. Brock, porém, dificilmente era um estranho. Ele estivera ao seu lado em meio ao seu pesadelo pessoal, e de novo nos dias de sua recuperação ali no complexo. E a procurara naquela noite em que estivera sozinha e ferida na cidade, um improvável salvador sombrio.

– Por que fez aquilo? – perguntou baixinho, os dedos percorrendo os dermaglifos que se curvavam pelos ombros e desciam pelo peito. – Por que ficou comigo no Alasca e depois todos aqueles dias na enfermaria?

Ele ficou em silêncio por um momento, as sobrancelhas escuras unidas sobre o olhar reluzente.

– Odiei ver o que aconteceu com você. Você era apenas uma inocente que se viu em meio a um tiroteio. Você é humana. Não merecia ser arrastada para o meio da nossa guerra.

– Já sou uma garota crescida. Sei lidar com isso – disse, uma resposta automática que não sentia verdadeiramente. Ainda mais depois dos resultados perturbadores dos seus exames de sangue. – E quanto a agora? O que estamos fazendo aqui, quero dizer... Isto faz parte do seu programa “seja legal com a humana” também?

– Não. Claro que não. – A carranca dele se acentuou a ponto de mostrar raiva. – Acha que isso é pena? É isso o que você acha que é? – Ele inspirou fundo, revelando as pontas das presas ao rolá-la de costas e ficar sentado em cima dela. – Para o caso de não ter percebido, estou excitado pra caramba por você. Se me excitar mais, acabo explodindo.

Para provar seu ponto de vista, ele deu uma estocada nada sutil com o quadril, acomodando-se entre as dobras úmidas de seu sexo. Ele bombeou algumas vezes, fazendo a rigidez do membro entrar e sair da fenda dela, atiçando-a com o calor da sua excitação. Passou o braço por trás do joelho dela, levantando-lhe a perna até seu ombro, virou o rosto para a coxa e deu-lhe uma mordiscada.

– Isto é desejo puro e simples, nada de piedade – disse, sua voz rouca ao penetrá-la, longa e profundamente.

Jenna não conseguiria formular uma resposta mesmo que tentasse. A sensação atordoante de tê-lo preenchendo-a, estendendo-a cada vez mais a cada estocada, era tão sobrepujante que lhe roubou o fôlego. Ela se segurou a ele com as duas mãos enquanto ele lhe capturou a boca num beijo ardente, balançando acima dela, o corpo se movimentando num ritmo exigente.

A crista de um novo clímax já se formava dentro dela, e não conseguiu contê-lo. Sentiu o calor do próprio sangue nas veias, a pulsação imperiosa de Brock também, reverberando sob seus dedos e em cada terminação nervosa. Seus ouvidos estavam tomados pelo som do seu grito silencioso de libertação, pela fricção dos corpos unidos se retorcendo sobre os lençóis. O cheiro do sexo e do sabonete e do suor limpo na pele quente a intoxicaram. O sabor dos beijos ardentes de Brock em seus lábios só a fazia desejar outros mais.

Ela tinha fome, de uma maneira inexplicável.

Tinha fome dele, tão profunda que parecia retorcê-la de dentro para fora.

Queria saboreá-lo. Saborear o poder que ele era.

Arfando após o clímax, afastou-se da boca dele. Ele praguejou algo sombrio sob o fôlego, as investidas cada vez mais intensas, as veias e os tendões saltando no pescoço e nos ombros como cabos espessos elevando-se da pele.

Segurando-se a ele, Jenna deixou a cabeça pender por um momento, tentando se perder no ritmo dos corpos. Tentando não pensar na dor que corroía suas entranhas, no impulso confuso, porém irresistível que atraía seu olhar para o pescoço forte. Para as veias saltadas que pulsavam como tambores de guerra aos seus ouvidos.

Pressionou o rosto na coluna forte do pescoço dele e percorreu a língua no ponto pulsante que encontrou ali. Ele gemeu, um som prazeroso que só servia como combustível para o fogo que ainda queimava dentro dela. Ela se aventurou um pouco mais, cerrando os dentes sobre a pele dele. Brock grunhiu uma imprecação, e ela mordeu com um pouco mais de força, sentindo a onda de tensão que atravessou todo o corpo dele, que estava no limiar agora, os braços como granito ao redor dela, cada estocada dos quadris ficando mais intensa.

Jenna cravou os dentes com mais força na pele suave.

Mordeu até ele ficar louco de paixão...

Até ela sentir o sabor da primeira gota de sangue na língua.

 

 

                                      CONTINUA