Capítulo dezesseis
Tinha que deixá-la partir.
Havia fodido as coisas tanto que não acreditava que houvesse maneira de fazer entrar em razão a Gabrielle essa noite. Possivelmente nunca.
Da esquina de frente a observou enquanto ela percorria o outro lado da rua com passos largos, dirigindo-se para Deus sabia onde. A via pálida e aniquilada, como se acabassem de lhe dar um golpe no peito.
Que era exatamente o que lhe tinha acontecido, admitiu ele com tristeza.
Possivelmente fosse o melhor que ela partisse lhe acreditando um mentiroso e um lunático perigoso. Essa hipótese tampouco se afastava tanto da realidade, depois de tudo. Mas a opinião que ela tivesse dele tampouco era o importante, de todas formas. Conseguir pôr a salvo a uma companheira de raça sim o era.
Podia deixá-la voltar para casa, lhe dar uns quantos dias para que se tranquilizasse e para que começasse a aceitar que a tinham enganado. Logo podia enviar a Gideon para que suavizasse as coisas e para que a pusesse sob o amparo da raça, que era onde ela devia estar. Gabrielle podia escolher uma vida nova em qualquer dos Refúgios Escuros que havia ocultos por todo mundo. Podia viver feliz e segura e encontrar a um macho que fosse um verdadeiro companheiro para ela.
Nem sequer teria que voltar a lhe ver nunca mais.
Sim, pensou ele, esse era o melhor curso que podia tomar a ação a partir desse momento.
Mas, sem ter em conta nada disso, deu-se conta de que se estava afastando da esquina e que caminhava pela rua seguindo a Gabrielle, incapaz de permitir que ela se afastasse agora inclusive apesar de que isso era o que ela mais necessitava.
Atravessou uns sulcos com pouco tráfico noturno e um chiado de pneumáticos lhe chamou a atenção. Um velho e oxidado carro apareceu desde um dos becos próximos a delegacia de polícia a toda velocidade em meio da rua. O motor rugiu, acelerado, e os pneumáticos chiaram no asfalto enquanto o carro se dirigia como uma besta para sua frente que se encontrava ao final da rua.
Gabrielle.
Maldito desgraçado.
Lucan se precipitou em uma amalucada carreira. Seus pés comiam o pavimento, movendo-se com toda a velocidade que podia lhes dar.
O carro se deteve na esquina, a uns metros diante de Gabrielle, lhe fechando o passo. Ela se deteve em seco. Do guichê aberto do carro lhe dirigiram uma ordem em voz baixa. Ela negou com a cabeça violentamente e logo gritou; seu rosto adquiriu uma expressão severa assim que a porta do carro se abriu e um macho humano saiu dele.
—Por Deus, Gabrielle! —gritou Lucan, tentando deter mentalmente ao assaltante sem conseguir outra coisa que um vazio de desconexão imperturbavel.
Um servente, deu-se conta com um sentimento de desdém. Somente seu senhor, o renegado que possuísse a esse humano, era capaz de dirigir sua mente. E o esforço mental que Lucan tinha realizado para tentá-lo tinha feito avançar mais devagar. Somente eram uns poucos segundos os que tinha perdido, mas eram muitos.
Gabrielle girou rapidamente para a esquerda e entrou correndo em um parque infantil com seu perseguidor lhe pisando nos calcanhares.
Lucan a ouviu gritar com força, viu que o ser humano que a perseguia alargava uma mão e a sujeitava pela rabo-de-cavalo em que se recolheu o cabelo.
O bastardo a atirou ao chão e tirou uma pistola da parte de atrás do cinturão da calça.
Colocou o canhão da pistola no rosto do Gabrielle.
—Não! —rugiu Lucan no momento em que lhes dava alcance. De uma forte patada apartou ao ser humano de cima de Gabrielle.
Enquanto o tipo rodava pelo chão, a arma se disparou e uma bala atravessou as árvores. Lucan cheirou sangue. Esse aroma metálico provinha tanto de Gabrielle como de seu atacante. Não era dela, determinou imediatamente e com alívio assim que se deu conta de que não tinha o característico aroma de jasmim de Gabrielle.
O sangue era fresco e empapava o peito da camisa do servente. Esse aroma despertou a parte mortífera de Lucan que sempre se sentia faminta e que desejava saciar-se. Sentiu que as gengivas lhe vibravam em resposta a esse instinto, mas maior que todo isso era a raiva que sentia ao pensar na possibilidade de que essa escória tivesse podido fazer mal a Gabrielle. Com um olhar mortífero cravado no servente, Lucan ofereceu a mão a Gabrielle para ajudá-la a levantar do chão.
—Tem-te feito mal?
Ela negou com a cabeça, mas teve que reprimir um soluço, quase um gemido de histeria, que ficou apanhado na garganta.
—É ele, Lucan, é o que me estava vigiando no parque o outro dia.
—É um servente —lhe disse Lucan, pronunciando essa palavra com as mandíbulas apertadas. Não lhe importava quem fora esse ser humano. Ao cabo de uns minutos, já formaria parte da história de toda maneira.
— Gabrielle, tem que partir daqui, querida.
—O que? Refere-te a que te deixe aqui com ele? Lucan, tem uma arma.
—Vai agora, menina. Volta por onde vieste e vai a casa. Me assegurarei de que esteja a salvo ali.
O servente estava no chão, dobrado sobre si mesmo, ainda com a arma na mão, e tossia enquanto se esforçava por recuperar o fôlego depois da patada de Lucan. Cuspiu sangue e o olhar de Lucan se cravou na mancha escarlate que ficou no chão. As gengivas lhe doíam: as presas lhe estavam alargando.
—Lucan...
—Merda, Gabrielle! Vai!
Pronunciou essa ordem com um grunhido de fúria, mas não podia fazer nada para dominar a besta que tinha dentro. Ia matar outra vez, sua raiva estava tão fora de controle que precisava fazê-lo, e não queria deixar que ela o visse.
—Corre, Gabrielle. Vai agora!
Ela correu.
A cabeça lhe dava voltas e o coração parecia a ponto de lhe estalar. Gabrielle saiu correndo a ordem que Lucan lhe tinha gritado.
Mas não estava disposta a ir a casa tal e como lhe havia dito e a deixar a ele ali sozinho. Saiu da zona do parque infantil e rezou para que a rua e a delegacia de polícia, que estava cheia de policiais armados, não estivessem longe. Por uma parte odiava ter que deixar a Lucan sozinho, mas por outro lado, desesperada por fazer tudo o que pudesse para lhe ajudar, a fazia voar rua acima.
Apesar de zangada que estava por sua mentira, e apesar do medo que tinha por tudo aquilo que não conseguia compreender a respeito dele, necesitava que ele estivesse bem.
Se lhe acontecia algo...
Essas idéias desapareceram de sua cabeça de repente para ouvir um estrondo de disparos detrás dela, na escuridão.
Ficou imovel, os pulmões vazios de ar. Ouviu um rugido estranho, como de um animal.
Soaram outros dois disparos em uma rápida seqüência e logo... nada.
Somente um silêncio pesado e dilacerador.
OH, Deus.
—Lucan? —gemeu. Sentiu que o pânico lhe atendia a garganta—. Lucan!
Voltou a correr, agora de volta de onde vinha. De volta aonde o coração lhe estalaria em mil pedaços se não encontrava ali a Lucan, em pé, são e salvo, quando chegasse.
Teve uma vaga sensação de preocupação se por acaso o menino da delegacia —o servente, dessa maneira estranha lhe tinha chamado Lucan— pudesse estar esperando-a, ou se por acaso se lançou em sua perseguição para terminar com ela também. Mas a preocupação por si mesma ficou a um lado assim que chegou a esquina iluminada pela luz da lua.
Quão único precisava era saber que Lucan estava bem.
Por cima de qualquer outra coisa, nesse momento precisava estar com ele.
Viu a silhueta de uma figura negra sobre a grama: Lucan, em pé, com as pernas abertas e os braços a ambos os lados do corpo em um gesto ameaçador. Encontrava-se em pé diante de seu agressor quem, era evidente, tinha caido ao chão de costas em frente dele e tentava por -se fora do alcance de Lucan.
—Graças A Deus —sussurrou Gabrielle quase sem fôlego, sentindo-se aliviada imediatamente.
Lucan estava bem, e agora as autoridades poderiam encarregar do ocorrido que tinha estado a ponto de matar a ambos.
Gabrielle se aproximou um pouco mais.
—Lucan —chamou, mas ele não pareceu ouvi-la.
Em pé ante o homem que se encontrava convexo a seus pés, dobrou-se pela cintura e alargou uma mão para lhe sujeitar. Os ouvidos de Gabrielle registraram um estranho som estrangulado, e se deu conta, comocionada, de que Lucan estava sujeitando ao homem pela garganta.
De que lhe estava levantando do chão com uma só mão.
Diminuiu o passo, mas não pôde se deter enquanto se esforçava por fazer uma idéia do que era o que estava passando.
Observou com estranho distanciamento a Lucan levantar o homem mais acima enquanto este se retorcia e lutava contra a mão que lhe segurava e que lhe deixava lentamente sem ar. Um rugido terrífico lhe encheu os ouvidos, foi crescendo lentamente até que todo o resto se desvaneciou, à luz da lua viu a boca de Lucan. Tinha-a aberta e mostrava os dentes. Era sua boca o que emitia esse som terrível e de outro mundou.
—Detenha —murmurou, com os olhos cravados nele agora, sentindo-se repentinamente doente de medo—. Por favor, Lucan, detenha.
E então, o agudo uivo se apagou e foi substituído pelo horror da visão de Lucan levantando esse corpo percorrido por espasmos e lhe cravando os dentes na carne de debaixo da mandíbula. Da ferida emanou um jorro de sangue cuja cor escarlate se fez negro na escura rede da noite em que se envolvia essa terrível cena. Lucan permaneceu imovel, com a ferida aberta contra a boca.
Alimentava-se da ferida.
—OH, Meu deus —gemeu Gabrielle, levando-as mãos trementes até a boca para apagar um grito—. Não, não, não... OH, Lucan... não.
Ele levantou a cabeça abruptamente, como se tivesse percebido o silencioso sofrimento dela. Ou possivelmente tinha notado sua presença de repente, nem sequer a cem metros dele, selvagem e terrorífico como nada que ela tivesse visto antes.
«Não pode ser verdade», disse-lhe sua mente, contradizendo o que via.
Ela tinha presenciado essa brutalidade outra vez, anteriormente, e se o sentido comum lhe tinha impedido de lhe dar um nome nesses momentos, esse nome lhe fez claro como um vento frio e funesto.
—Um vampiro —sussurrou, observando o rosto de Lucan manchado de sangue e seus olhos brilhantes e ferozes.
Capítulo dezessete
O aroma de sangue lhe envolvia, metálico e penetrante. O olfato invadido com essa acidez adocicada e como de cobre. Uma parte dela provinha dele, deu-se conta com certa curiosidade surda. Baixou o olhar e viu a marca da bala no ombro esquerdo.
Não sentia nenhuma dor, somente notava a energia que lhe invadia sempre depois de haver-se alimentado.
Mas queria mais.
Necessitava mais, respondeu o grito da besta que havia dentro dele.
Essa voz soava mais forte. Era exigente. Empurrava-lhe para o limite.
Mas não tinha estado ele precipitando-se por volta desse limite durante muito tempo, de todas formas?
Lucan apertou as mandíbulas com tanta força que quase se rompeu os dentes. Tinha que controlar-se, tinha que partir dali e voltar para o recinto, onde poderia recuperar-se de toda essa merda.
Tinha estado caminhando pelas ruas escuras durante duas horas e todavia sentia o pulso lhe pulsando nas têmporas com força. Ainda notava a fome e a raiva que lhe dominavam a mente quase por completo. Nessa condição, ele era um perigo para todo mundo, mas não podia dominar a inquietação que sentia no corpo.
Caminhou pela cidade como um espectro à espreita, movendo-se sem ter consciencia de que seus pés lhe encaminhavam em linha reta para a Gabrielle.
Ela não para casa. Lucan não esteve seguro de aonde se escapou ela, até que o fio invisível de aroma e de percepção que os unia lhe conduziu até a fachada de um edifício de apartamentos no extremo norte da cidade. Um amigo dela, sem dúvida.
Em uma das janelas superiores havia uma luz acesa. Essa parte de cristal e de tijolo era o único que lhe separava dela.
Mas não tinha intenção de tentar encontrar-se com ela, e não somente por causa do Mustang vermelho que se encontrava estacionado diante do edificio com a luz da polícia acesa no parabrisa. Lucan não necessitava olhar-se no cristal do pára-brisa para saber que ainda tinha as pupilas esgotadas em meio da amplitude da íris, nem que as presas lhe marcavam detrás da rigidez dos lábios.
Tinha o aspecto exato do monstro que era.
O monstro que Gabrielle tinha visto em direto essa noite.
Lucan soltou um grunhido ao recordar a expressão de horror de Gabrielle desde que ele tinha matado ao servente.
Ainda tinha a imagem dela na cabeça, quando ela tinha dado um passo para trás com os olhos muito abertos a causa do terror e o asco. Lhe tinha visto tal e como ele era de verdade: inclusive tinha pronunciado essa palavra como uma acusação um instante antes de sair fugindo.
Ele não tinha tentado detê-la, nem com palavras nem com a força.
Quão único contava nesses momentos era a fúria mais pura quando lhe tirava todo o sangue de sua presa. Logo tinha deixado cair o corpo como lixo, como o lixo que era, e sentiu outro ataque de fúria ao pensar no que teria podido acontecer a Gabrielle se tivesse caido em mãos dos renegados. Lucan tinha desejado rasgar o corpo desse ser humano e tinha estado a ponto de fazê-lo, reconheceu nesse momento ao recordar vividamente o ato selvagem que tinha cometido.
Ele, o tipo frio, tão controlado.
Vá uma piada.
Essa máscara que levava sempre tinha começado a desaparecer no momento em que tinha conhecido a Gabrielle Maxwell. Fazia que mostrasse suas faltas.
Fazia que ele desejasse coisas que não poderia ter nunca.
Olhou para essa janela do segundo piso. Respirava agitadamente enquanto lutava contra a urgência de subir ali acima, entrar pela força e levar a Gabrielle a algum lugar onde pudesse tê-la somente para ele.
Permitir que lhe temesse. Permitir que lhe desprezasse pelo que era, sempre e quando ele pudesse sentir a calidez de seu corpo debaixo do dele, sentir como lhe acalmava a dor de uma forma que somente ela podia fazê-lo.
Sim, grunhiu a besta dentro dele, conhecendo somente desejo e necessidade.
Antes de que o impulso de possui-la ganhasse, Lucan fechou a mão em um punho e deu um forte golpe contra o capô do carro da polícia. O alarme do veículo se disparou, e enquanto detrás de todas as vendanas as cortinas se abriam por causa dessa súbita moléstia, Lucan desapareceu pela esquina e penetrou nas sombras pálidas da noite.
—Tudo está bem —disse o noivo da Megan ao voltar para o apartamento, depois de que tivesse saído a investigar por que se disparou o alarme de seu carro de repente.
— Essa maldita coisa sempre se há disparado por nada. Sinto muito. Não é que necessitemos precisamente tensão acrescentada esta noite, verdade?
—Certamente foram uns meninos que andam por aí incomodando — acrescentou Megan, que se encontrava ao lado do Gabrielle no sofá.
Gabrielle assentiu com a cabeça com gesto ausente, respondendo ao esforço que seus amigos realizavam para tranqüilizá-la, mas não acreditou nem por um segundo.
Tinha sido Lucan.
Tinha-lhe percebido ali fora com algum sentido interno que nem sequer podia começar a descrever. Não era medo nem temor, simplesmente uma profunda certeza de que ele se encontrava perto.
De que ele a necessitava.
Desejava-a.
Que Deus a ajudasse, mas a verdade era que tinha desejado que ele se dirigisse até a porta e que a tirasse dali, que a ajudasse a encontrar um sentido a esse horror que acabava de presenciar fazia uns momentos.
Mas ele se partiu. Notava sua ausência com tanta força como tinha notado que ele a tinha seguido até o apartamento de Megan.
—Tem frio, Gabby? Quer um pouco mais de chá?
—Não, obrigado.
Gabrielle agüentava a taça morna de camomila com as duas mãos. Sentia um frio interno que nem as mantas nem a água quente podiam lhe fazer passar. O coração ainda lhe pulsava acelerado, e a cabeça ainda lhe dava voltas por causa da confusão e a absoluta incredulidade.
Lucan tinha aberto o pescoço a esse tipo.
Com os dentes.
Tinha colocado os lábios sobre a ferida e tinha bebido o sangue que emanava dela e que lhe tinha manchado o rosto.
Era um monstro, parecia saído de um pesadelo. Igual a esses espectros que tinham atacado e assassinado ao punki fora do salão. Parecia que tinha passado tanto tempo desde que aconteceu isso que agora quase não podia acreditá-lo.
Mas tinha acontecido, igual a sim tinha ocorrido o assassinato dessa noite, e esta vez tinha sido Lucan o que tinha estado no centro do mesmo.
Gabrielle tinha ido casa de Megan por puro desespero porque precisava estar em algum lugar que lhe resultasse acolhedor e familiar. Todavia tinha muito medo de ir a seu próprio apartamento se por acaso o amigo de Lucan a estava esperando ali. Tinha-lhes contado a Megan e a seu noivo que o psicopata da delegacia de polícia a tinha atacado na rua. Contou-lhes que ele a tinha estado espiando fazia uns quantos dias e que esta noite, quando a tinha atacado, tinha-o feito com uma arma na mão.
Não estava segura de por que tinha deixado a Lucan fora da história, apesar do importante que sua presença tinha sido em tudo isso. Soube que se devia a que, sem ter em conta seus métodos, ele tinha matado essa noite para protegê-la, e ela sentia a necessidade de lhe oferecer parte dessa mesma consideração a ele.
Inclusive embora ele fosse um vampiro.
Deus, resultava ridículo incluso pensá-lo.
—Gab, querida. Tem que denunciar o que aconteceu. Esse tipo parece seriamente transtornado. A polícia tem que inteirar-se disto, tem que lhe apartar da rua. Ray e eu podemos te levar. Iremos ao centro da cidade e encontraremos a seu amigo o detetive.
—Não. —Gabrielle negou com a cabeça e depositou a taça de chá na mesita de diante do sofá com uma mão ligeiramente tremente.
—Esta noite não quero ir a nenhuma parte. Por favor, Megan. Somente necessito descansar um momento. Estou tão cansada.
Megan tomou a Gabrielle da mão e a apertou com suavidade.
—De acordo. Vou para te buscar um travesseiro e outra manta. Não tem por que ir a nenhuma parte até que se sinta com forças, querida. Estou contente de que te encontre bem.
—Teve sorte de escapar —interveio Ray enquanto Megan se levava a taça de Gabrielle à cozinha antes de ir ao armário que tinha ao outro lado da sala. Possivelmente outra pessoa não tenha tanta sorte. Agora estou livre e você é a amiga do Meg, assim não vou forçar o tema, mas tem a responsabilidade de não permitir que esse tipo saia ileso depois do que te tem feito esta noite.
—Não vai fazer mal a ninguém mais —sussurrou Gabrielle. E apesar de que estavam falando do tipo que a tinha apontado com uma pistola, não pôde evitar pensar que tivessem podido estar dizendo o mesmo do Lucan.
Lucan não podia recordar como tinha chegado ao recinto, nem quanto tempo ocorreu levava ali. Mas tendo em conta a quantidade de suor que tinha deixado na habitação de treinamento, supôs que devia fazer umas quantas horas que tinha chegado.
Lucan não se incomodou em acender as luzes. Os olhos já lhe doiam bastante apesar de que estava as escuras. O que precisava era sentir a dor dos músculos enquanto os obrigava a trabalhar para recuperar o controle de seu corpo depois dessa noite em que tão perto tinha estado de cair presa da sede de sangue.
Lucan alargou uma mão até uma das adagas que se encontravam em uma mesa que tinha ao seu lado. Passou os dedos pelo fio para comprovar quão afiado estava e logo se voltou em direção ao corredor da práctica de tiro. Notava, mais que via, o alvo ao final do mesmo, e quando lançou a faca na escuridão, soube que tinha dado no mesmo.
—Diabos, sim —murmurou com a voz ainda rouca. As presas ainda não tinham voltado para seu tamanho normal.
Tinha melhorado muito a pontaria. As últimas vezes que o haviam intentado seu tiro sempre tinha sido mortal. Não pensava ir-se dali até que se tirou de cima todos os efeitos da ingestão de sangue. Isso ainda demoraria certo tempo: ainda se sentia doente depois da overdose de sangue que tinha ingerido.
Lucan percorreu a longitude da zona de práticas para tirar a arma do alvo. Extraiu a adaga e observou com satisfação a profundidade da ferida que teria infligido se o alvo tivesse sido um renegado ou um de seu serventes e não um boneco de práticas.
Ao dá-se a volta para começar outra ronda, ouviu um suave clique em algum lugar de diante dele da zona de práticas e, imediatamente, uma violenta luz alagou as instalações em toda sua longitude e amplitude.
Lucan retrocedeu e a cabeça lhe explorou a causa do violento ataque. Piscou várias vezes para tentar dissipar o atordoamento que sentia e entrecerrou os olhos ante o feixe de luz que se refletia nos espelhos de parede que se alinhavam na área de treinamento de defesa e de armas, adjacente a zona de práticas. Foi ali onde viu a enorme forma de outro vampiro que apoiava um largo ombro contra a parede.
Um dos guerreiros lhe tinha estado observando das sombras.
Tegan.
Merda. Quanto tempo levava ali em pé?
—Encontra-te bem? —perguntou-lhe com sua atitude indiferente de sempre, vestido com sua camiseta escura e seu vaqueiro folgado—. Se a luz é excessiva para ti...
—Está bem —grunhiu Lucan. Umas estrelas lhe cegaram enquanto tentava acostumar-se a crua luz. Levantou a cabeça e obrigou a si mesmo a olhar aos olhos de Tegan, ao outro lado da habitação.
— De toda forma, estava a ponto de partir.
Os olhos de Tegan permaneceram cravados nele e sua expressão, enquanto Lucan, era de muita cumplicidade. As fossas nasais do Tegan se dilataram levemente e o gesto seco de seus lábios adotou um ar de surpresa.
—Estiveste caçando esta noite. E está sangrando.
-E?
—Porque não é próprio de ti aceitar um golpe. É muito rápido para isso, normalmente.
Lucan pronunciou um juramento.
—Importaria-te não farejar ao meu redor agora mesmo? Não estou de humor para ter companhia.
—Vê-se. Estamos um pouco tensos, né? —Tegan avançou com passo arrogante para examinar umas armas que se encontravam alinhadas para o treinamento. Nesse momento não estava olhando a Lucan, mas viu sua tortura como se este se encontrasse exposto diante dele, em cima da mesa, ao lado da coleção de adagas, facas e outras armas brancas.
— Tem muita agressividade que precisa tirar? Suponho que resulta difícil concentrar-se com esse zumbido na cabeça. O sangue corre tão depressa que é quão único pode ouvir. No único em que pode pensar é na sede. A que te dá conta, dominou-te.
Lucan calculou o peso de outra arma com a mão enquanto tentava calcular o equilíbrio dessa adaga feita a mão. Não podia manter os olhos fixos mais de um segundo. Os dedos lhe doíam pelo desejo de utilizar essa arma para outra coisa que não fosse um alvo de práticas. Com um grunhido, baixou o braço e lançou a adaga voando até o outro extremo da zona de tiro. Esta se cravou com força no boneco, justo no peito, atravessamdo o coração.
—Te largue daqui, Tegan. Não necessito os comentários. Nem o público.
—Não, não quer que ninguém te veja desde muito perto. Começo a compreender por que.
—Não tem nem idéia.
—Não? —Tegan lhe olhou um comprido momento, logo negou devagar com a cabeça e pronunciou uma maldição em voz baixa—. Tome cuidado, Lucan.
—O que acontece? —exclamou Lucan com dureza, voltando-se para o vampiro com uma raiva negra.
— É que me está dando conselhos, T?
—Dá igual. —O macho se encolheu de ombros com um gesto de indiferencia—. Possivelmente é uma advertência.
—Uma advertência. —A gargalhada de Lucan ressonou no espaço cavernoso é fodidamente gracioso, vindo de ti.
—Está ao limite, cara. Lhe vejo nos olhos. —Meneou a cabeça e o cabelo avermelhado lhe caiu no rosto.
— O poço é profundo, Lucan. E odeio ver-te cair nele.
—Te economize a preocupação. Você é a última pessoa de quem espero recebê-lo.
—Claro, tem tudo controlado, verdade?
—Exato.
—Pois continua te dizendo isso, Lucan. Possivelmente lhe acreditará isso. Porque eu, que te estou vendo agora, asseguro-te que não acredito.
Essa acusação disparou a fúria de Lucan. Em um ataque de precipitação e de raiva, equilibrou-se sobre o outro vampiro com as presas nuas e soltando um assobio viperino. Nem sequer se deu conta de que tinha a faca na mão até que viu o fio prateado que apertava a garganta do Tegan.
—Te tire de diante de mim. Entende-me com claridade agora?
—Quer me rachar, Lucan? Precisa me fazer sangrar? Faz-o. Faz- o de uma puta vez, cara. Importa-me uma merda.
Lucan atirou a adaga ao chão e rugiu enquanto sujeitava a Tegan pela camisa. Com as armas era muito fácil. Precisava sentir a carne e os ossos nas mãos, sentir como se rasgava a carne e como rangiam os ossos, para satisfazer a besta que tão perto estava de lhe reger a mente.
—Merda. —Tegan se engasgou; tinha os olhos fixos na desenfreada fúria que brilhava nos de Lucan.
— Já tem um pé no fossa, vê?
—Que lhe fodam—lhe disse Lucan com um grunhido ao vampiro que, muito tempo atrás, tinha sido um amigo de confiança.
— Deveria te matar. Deveria te haver matado então.
Tegan nem se alterou ante essa ameaça.
—Está procurando um inimigo, Lucan? Então te olhe ao espelho. Esse é o único bode que te vai sacudir sempre.
Lucan arrastou a Tegan para um lado e lhe estampou contra a parede do outro lado da habitação de treinamento. O espelho se rompeu a causa do impacto e os fragmentos estalaram ao redor dos ombros e o torso do Tegan como um halo de estrelas.
Apesar de seus esforços para negar a verdade do que acabava de ouvir, Lucan viu seu próprio reflexo selvagem repetido cem vezes na rede de fragmentos quebrados. Viu suas pupilas esgotadas, sua íris brilhantes —os olhos de um renegado— que lhe devolviam o olhar. Suas enormes presas se desdobraram detrás dos lábios abertos e seu rosto contraído se converteu em uma máscara horrorosa.
Viu todo aquilo que odiava, tudo o que tinha sido uma praga destruidora em sua vida, tal e como Tegan lhe acabava de dizer.
Nesse momento, refletidos na multidão de espelhos que lhe tinham mostrado sua própria transfiguração, viu que Nikolai e Dante entravam pelas portas que se encontravam detrás dele com uma expressão cautelosa nos rostos.
—Ninguém nos há dito que havia uma festa —disse Dê, arrastando as sílabas, apesar de que o olhar que dirigiu aos dois combatentes não era absolutamente despreocupado.
— O que acontece? Tudo vai bem por aqui?
Um comprido e tenso silêncio encheu a habitação.
Lucan soltou a Tegan e se apartou lentamente dele. Baixou o olhar em um intento por ocultar sua selvageria ante os outros guerreiros. A vergonha que sentia era nova para ele. Não gostou do sabor amargo que tinha; não podia nem pensar por causa da bílis que lhe amontoava na garganta.
Finalmente, Tegan rompeu o silêncio.
—Sim —disse, sem apartar o olhar do rosto de Lucan—. Tudo bem.
Lucan se separou do Tegan e de outros. Enquanto se dirigia para a saída deu um murro contra a mesa das armas e esta tremeu com violência.
—Foder, esta noite está de subida —murmurou Niko—. Cheira a mulher recente, além disso.
Lucan, enquanto atravessava as portas da zona de treinamento e saía ao vestíbulo exterior, ouviu a resposta de Dante.
—Não, cara. Cheira a overdose.
Capítulo dezoito
—«Mais —gemeu a mulher humana que, sentada sobre seu regaço, rodeava com o corpo e lhe oferecia o pescoço sob seus lábios. Atirou dele com gesto ansioso e baixou os olhos como se estivesse drogada.
— Por favor, beba mais de mim. Quero que a bebes toda!
—Possivelmente —lhe prometeu ele com expressão despreocupada. Já se estava cansando desse bonito brinquedo.
K. Delaney, R.N, tinha-lhe proporcionado um jogo bastante entretido durante as primeiras horas que fazia que a tinha levado a seus aposentosse privados, mas ao igual que todos os seres humanos apanhados pelo poder do beijo do vampiro, ao final tinha deixado de lutar e agora ansiava pôr fim a sua tortura. Nua, retorcia-se contra ele como um felinão em zelo, esfregava sua pele nua contra seus lábios e choramingou assim que ele se negou a lhe oferecer as presas.
—Por favor —repetiu ela, agora em um tom queichoso que começava a lhe ser incomodo.
Não podia negar o prazer que tinha recebido dela, tanto de seu corpo ofegante como da plenitude deliciosa e profunda que seu sangue lhe tinha proporcionado enquanto lhe oferecia sua garganta, doce e suculenta. Mas agora já tinha terminado com isso. Tinha terminado com ela a não ser que tivesse intenção de sorver o resto da humanidade dessa mulher para convertê-la em uma de seus serventes.
Ainda não. Possivelmente decidisse jogar outra vez.
Mas se não se afastava dessa sujeição ansiosa dela, possivelmente se sentisse tentado a beber da enfermeira K. Delaney até além desse ponto crucial que conduzia diretamente a morte.
Jogou-a e a empurrando de seu regaço sem contemplações e ficou em pé.
—Não —se queixou ela—. Não vá.
Ele já estava cruzando a habitação. As suntuosas dobras da bata de seda se deslizavam entre seus tornozelos enquanto caminhava fora do dormitório e se dirigia a seu estudo, ao outro lado do vestíbulo. Essa habitação, seu santuário secreto, estava cheio de todos os luxos que desejava: móveis deliciosos, peças de arte e antiguidades muito valiosos, almofadas tecidas por mãos persas durante as cruzadas religiosas do mundo. Todas as lembranças de seu próprio passado, objetos colecionados durante inumeráveis épocas pelo puro prazer que lhe ofereciam e que tinham sido gastos até aqui recentemente, à sede de seu exército na Nova Inglaterra.
Mas havia outra recente aquisição artística, também.
Esta —uma série de fotografias contemporâneas— não lhe agradava absolutamente. Observou as imagens em branco e negro de vários renegados da cidade e não pôde conter uma careta de fúria.
—Né... estes não são...?
Dirigiu um olhar de irritação para onde nesse momento se encontrava a fêmea sentada. Arrastou-se atrás dele da outra habitação. Deixou-se cair em cima de uma das palacianas almofadas e seu rosto se contraía formando uma careta infantil. Quase não podia manter erguida a cabeça e piscava com insistência como se fosse incapaz de enfocar a vista, mas estava observando a coleção de fotografias.
—OH? —exclamou ele, não muito interessado em jogar a nenhum jogo, mas bastante curioso por saber o que era o que, dessas imagens, havia pnetrado em sua cabeça aturdida.
— A quem crê que pertencem?
—Minha amiga... são delas.
Ele arqueou as sobrancelhas como resposta a essa inocente revelação.
—Conhece a artista, verdade?
A jovem mulher assentiu com a cabeça lentamente.
—Minha amiga... Gabby.
—Gabrielle Maxwell —disse ele, voltando-se, com a atenção verdadeiramente desviada dela agora.
— Me fale de seu amiga. Que interesse tem em fotografar estes lugares?
Esteve-se fazendo essa pergunta mentalmente do primeiro momento em que soube que Gabrielle como testemunha indesejada de uma matança perpetrada de forma descuidada por uns novos recrutas. Havia-se sentido irritado, embora não alarmado, ao saber que a mulher Maxwell tinha estado na delegacia de polícia. Ver seu rosto inquisitivo na tela do circuito fechado de segurança das instalações tampouco lhe tinha agradado, exatamente. Mas o que despertava um escuro interesse nela era a intenção que ela parecia ter por documentar localizações de vampiros.
Ele, até esse momento, tinha estado ocupado com outro tipo de coisas que requeriam sua atenção. Tinha estado concentrado em outro ponto, e se tinha contentado jogando um olho de vez em quando ao tema de Gabrielle Maxwell. Mas possivelmente o interesse que ela mostrava e suas atividades merecieram uma observação mais atenta. De fato, possivelmente merecessem um duro interrogatório. A tortura, ele gostava.
—Falemos de sua amiga.
Sua pesada companheira de jogos jogou a cabeça para trás e se atirou de costas no tapete com os braços levantados, como um menino mimado a quem lhe nega algo que deseja.
—Não, não quero falar dela —murmurou, levantando os quadris do chão.
— Vêem aqui... me beije primeiro... fala de mim... de nós.
Ele deu um passo em direção a fêmea, mas sua intenção não era satisfazer-la. O extreitamento das pupilas tivesse podido lhe dar a entender a ela que a desejava, mas se tratava da raiva que lhe invadia o corpo. Com um gesto de desdém, agarrou-a com força, levantou-a e a pôs em pé diante dele.
—Sim —suspirou ela, já disposta a submeter-se a suas ordens.
Com a palma da mão, lhe empurrou a cabeça a um lado para deixar ao descoberto a palidez do pescoço que ainda estava ferido e sangrava do último bocado que lhe tinha dado. Lambeu a ferida sem contemplações e as presas lhe desdobraram pela ira.
—Vais dizer-me tudo o que desejo saber —lhe sussurrou, com um domínio letal e olhando-a aos olhos.
— À partir deste momento, você, enfermeira K. Delaney, vais fazer tudo o que eu te ordene.
Descobriu as presas e os cravou com a ferocidade de uma vespa. Extraiu-lhe até a última gota de consciência e a desapropriou de seu fraco eu humano com uma única e selvagem dentada.
Gabrielle realizou um registro por todo seu apartamento, verificando que todos os ferrolhos das portas e das janelas estivessem fechados. Partiu-se de casa de Megan pela manhã, depois de que seu amiga foi trabalhar, e tinha chegado a casa na metade da tarde. Meg a tinha convidado a ficar todo o tempo que quisesse, mas Gabrielle não podia estar escondida para sempre, e não gostava da idéia de que possivelmente estivesse envolvendo a sua amiga em uma situação que se estava fazendo mais terrorífica e inexplicável a cada minuto.
Ao princípio não tinha querido ir ao seu apartamento e tinha estado dando voltas pela cidade em um atordoamento paranóico, quase cedendo a um estado de histeria. Seu instinto lhe advertia de que se preparasse para a luta.
Uma luta que, estava segura, apresentaria-se em um momento ou outro.
Tinha medo de encontrar-se com Lucan, ou a um de seus amigos chupa-sangue, ou a alguém inclusive pior, esperando-a ao chegar em casa. Por ser de dia, voltou ao fim, ao seu apartamento. Encontrou-o vazio e não havia nada fora de seu lugar.
Agora, enquanto a escuridão caía na rua, sua ansiedade voltou multiplicada por dez.
Envolta como um casulo em um suéter enorme e branco, voltou para a cozinha porque a secretária eletrônica estava dando o sinal de que havia duas mensagens novas. Os dois eram de Megan. Tinha-a chamado durante a última hora, desde que escutou a primeira mensagem sobre o corpo que tinham encontrado na área de jogos onde Gabrielle tinha sido agredida a noite anterior.
Megan estava frenética enquanto contava a Gabrielle o que Ray lhe tinha contado da polícia. Disse-lhe que o atacante parecia que havia sido destroçado por uns animais não muito tempo depois de que intentara ferir Gabrielle. Mas havia mais. Um agente da polícia tinha sido assassinado na delegacia de polícia; e foi sua arma a que se encontrou no corpo destroçado que encontraram no parque infantil.
«Gabby, por favor, me chame assim que ouça isto. Sei que está assustada, querida, mas a polícia necessita sua declaração. Ray está a ponto de sair de serviço. Diz que, se o preferir, pode ir para te buscar...»
Gabrielle apertou o botão de apagar.
E sentiu que lhe arrepiava o pêlo da nuca.
Já não estava sozinha na cozinha.
Com o coração galopando a carreira se voltou para encarar-se com o intruso: não se surpreendeu absolutamente ao ver que se tratava de Lucan. Este estava em pé na porta que dava ao vestíbulo e a olhava em uma atitude pensativa e em silêncio.
Ou possivelmente somente estava apreciando o prato que ia comer.
Curiosamente, Gabrielle se deu conta de que não tinha tanto medo dele, mas bem estava zangada. Inclusive nesses momentos, ele parecia tão normal, coberto com um casaco escuro, umas calças negras confeccionadas à medida, uma camisa que parecia rosto e de uma cor que era um tom mais escuro que seus impressionantes olhos azuis.
Não havia rastro do monstro que tinha visto a noite anterior. Era somente um homem. O escuro amante que acreditava conhecer.
Gabrielle se deu conta de que desejava que ele tivesse aparecido com as presas ao descoberto e com um olhar de fúria nesses olhos que se transformavam de forma tão estranha, que tivesse aparecido como o monstro em que se delatou ser a outra noite. Isso teria sido mais honesto que esse aspecto de normalidade que lhe provocava o desejo de fingir que tudo estava bem. Que ele era realmente o detetive Lucan Thorne da Polícia de Boston, um homem que se comprometeu a proteger aos inocentes e a fazer cumprir a lei.
Um homem de quem ela tivesse podido apaixonar-se, de quem possivelmente já se apaixonou.
Mas todo o referente a ele tinha que ser uma mentira.
—Disse-me mesmo que não ia vir esta noite.
Gabrielle tragou saliva com dificuldade.
—Sabia que viria. Sei que me seguiu a outra noite, depois de que eu fugi de você.
Seu olhar penetrante delatou um brilho; seus olhos a olhavam com demasiada intensidade. De uma forma que se parecia muito a uma carícia.
—Não te teria feito mal. Não quero te fazer mal, agora.
—Então, vai.
Ele negou com a cabeça e deu um passo para frente.
—Não até que tenhamos falado.
—Quer dizer até que te tenha assegurado de que eu não vou falar —repôs ela, tentando não deixar-se arrastar pela complacência, pelo mero feito de que ele tinha o aspecto do homem em quem confiava.
Ou pelo mero feito de que seu corpo, e inclusive seu idiota coração, reagiam ao lhe ver.
—Há umas coisas que tem que saber, Gabrielle.
—OH, já sei —disse ela, assombrada de que sua voz não soasse temoerosa. Levou-se uma mão até o pescoço procurando o pendente com a cruz que não se tornou a pôr desde a primeira comunhão. Esse delicado talismã parecia uma fina e ridicula armadura agora que se encontrava frente a Lucan e que não havia nada que lhes separasse se ele decidia dar ou não os poucos passos com suas pernas largas e musculosas.
— Não tem que me explicar nada. Demorei bastante tempo, seguro, mas acredito que por fim o compreendo tudo.
—Não. Não o compreende. —aproximou-se dela e se deteve ao ver uns bulbos alvos que penduravam por cima de sua cabeça na porta da cozinha.
— Certo —disse ele, e soltou uma risada divertida.
Gabrielle retrocedeu um passo, apartando-se dele. Suas sapatilhas de borracha chiaram sobre os ladrilhos do chão.
—Já te hei dito que te esperava.
E tinha realizado outros preparativos antes de que ele chegasse. Se olhava ao seu redor, daria-se conta de que todas as habitações do apartamemoro, incluída a porta de entrada, tinham a mesma decoração em cada uma de suas portas. Mas não parecia que lhe importasse.
Os múltiplos ferrolhos não lhe tinham detido e tampouco lhe haviam detido esse intento de medida de segurança. Passou por debaixo do repelente de vampiros que Gabrielle tinha preparado com seus olhos escuros cravados nela com intensidade.
Ele se aproximou um pouco mais e ela deu outro passo para trás até que se tropeçou com o mármore da cozinha. Em cima dele havia uma garrafa de enxágüe bocal que já não tinha o líquido original a não ser outra coisa que ela tinha conseguido de caminho a casa essa manhã, ao deter-se na igreja de Saint Mary para confessar-se. Gabrielle tomou a garrafa de plástico de cima do mármore e a aproximou do coração.
—Água benta? —perguntou Lucan, olhando-a aos olhos com frieza.
— O que vais fazer com isso, me vais jogar i em cima?
—Se tiver que fazê-lo, sim.
Ele se moveu tão depressa que ela somente viu uma mancha imprecisa que apareceu diante dela. Lhe tirou a garrafa e a esvaziou sobre as mãos. Logo se passou as mãos empapadas pelo rosto e pelo brilhante cabelo negro.
Não aconteceu nada.
Atirou a garrafa vazia ao chão e deu outro passo para ela.
—Não sou o que crê, Gabrielle.
Disse-o em um tom tão sensato que ela esteve a ponto de lhe acreditar.
—Vi o que tem feito. Assassinaste a um homem, Lucan.
Ele negou com a cabeça com calma.
—Matei a um ser humano que já não era um homem, que quase nem era humano, de fato. O que dele tinha sido uma vez humano foi roubado pelo vampiro que lhe converteu em um escravo servente. Já quase estava morto. Eu simplesmente terminei o trabalho. Sinto que tivesse que ver, mas não posso me desculpar. E não o vou fazer. Mas mataria a qualquer, humano ou não, que queria te fazer mal.
—O qual converte seu amparo em algo perigoso, por não dizer que é um psicopata. E não falamos que rasgou a garganta desse menino com os dentes e bebeu seu sangue.
Ela esperou ouvir outra resposta calculada. Alguma explicação racional que lhe fizesse pensar que uma coisa tão incrível como o vampirismo podia ter sentido —que podia ter sentido— no mundo real.
Mas Lucan não lhe ofereceu esse tipo de resposta.
—Não era assim como eu queria que fossem as coisas entre nós, Gabrielle. Deus sabe que você merece algo melhor.
—Disse algo mais em voz muito baixa e em um idioma que ela não pôde compreender.
— Você merece que te introduza nisto com suavidade, e que o faça um macho adequado que saiba pronunciar as palavras adequadas e fazer as coisas bem. É por isso que eu queria mandar a Gideon. —passou-se as mãos pelo cabelo em um gesto de frustração.
— Eu não sou porta-voz de minha raça. Sou um guerreiro. Às vezes, um ignorante. Eu trato com a morte, Gabrielle, e não estou acostumado a oferecer desculpas em nenhum de meus atos.
—Não te estou pedindo desculpas.
—O que, então, a verdade? —Dirigiu-lhe um olhar irônico.
— Esteve ante a verdade a outra noite enquanto eu matava a esse servente e lhe extraía o sangue. Essa é a verdade, Gabrielle. Esse sou eu.
»Segundo as superstições humanas, sim. Segundo essas histórias, um luta contra os de minha classe com alho ou com água benta: todo isso é falso, Como viu com seus próprios olhos. De fato, nossas raças se encontra intimamente ligadas. Não somos tão distintos um do outro.
—De verdade? —burlou-se ela. A histeria a invadiu assim que ele deu um passo para diante, obrigando-a a apartar-se outra vez.
— A última vez que o olhei, o canibalismo não se encontrava em minha lista de deveres. Mas então tampouco estava incomodando aos não mortos, mas parece que ultimamente o estive fazendo com bastante regularidade.
Ele riu sem vontades.
—Asseguro-lhe isso, eu não sou um não morto.Sou uma pessoa igual a você. Sangro igual a você. Podem-me matar, embora não é fácil, e faz muito, muito tempo que estou vivo, Gabrielle. —aproximou-se dela, percorrendo a pouca distância que lhes separava na cozinha.
— Estou vivo como está você.
Como se queria demonstrá-lo, entrelaçou seus quentes dedos com os dela. Levantou as mãos dela entre os corpos de ambos e as apertou contra seu próprio peito. Sob o suave tecido da camisa, Gabrielle notou que o coração lhe pulsava com força e a ritmo regular. Notou que o ar lhe entrava e lhe saía dos pulmões, sentiu o calor de seu corpo na ponta dos dedos e foi como se um bálsamo lhe suavizasse seus esgotados sentidos.
—Sou real, e estou em pé aqui... igual a me viu a outra noite.
—Então, demonstre-me isso mostre a esse outro você em lugar deste de agora. Quero saber com o que me enfrento de verdade. É o justo.
Ele franziu o cenho, como se a desconfiança lhe doesse.
—Essa mudança não se pode forçar. É uma mudança psicológica que se dá com a sede, ou em momentos de emoção intensa.
—Então, com que vantagem posso contar quando você ditas me abrir a jugular? Um par de minutos? Uns segundos?
Os olhos dele cintilaram ante essa provocação, mas seu tom de voz continuou sendo tranqüilo.
—Não te vou fazer mal, Gabrielle.
—Então, por que está aqui? Para transamos outra vez, antes de que me converta em alguém horrível como você?
—Porra, Gabrielle —pronunciou com voz rouca—. Não é isso o que...
—Ou é que vais converter-me em seu vampira esposa pessoal, como o que matou a outra noite?
—Gabrielle. —Lucan apertou a mandíbula, com tanta força como se se fosse partir o aço—. Vim para te proteger,porra! Porque preciso saber que está bem. Possivelmente estou aqui porque cometi erros contigo, e quero arrumá-lo de algum jeito.
Ela permaneceu imovel, absorvendo essa inesperada sinceridade e observando como suas emoções brigavam na expressão de seu rosto. Raiva, frustração, desejo, incerteza... viu tudo isso em seu olhar penetrante. Que Deus a ajudasse, mas ela também sentia tudo isso como uma tempestade em seu interior.
—Quero que parta, Lucan.
—Não, não quer.
—Não quero voltar a ver-te nunca mais! —gritou ela, desesperada para que ele acreditasse. Levantou uma mão para lhe esbofetear, mas ele a impediu com facilidade antes de que pudesse fazê-lo.
— Por favor. Vai daqui agora mesmo!
Ignorando-a por completo, Lucan se levou a mão com que ela tinha querido lhe esbofetear até os lábios. Entreabriu-os e apertou a palma de sua mão contra eles para beijar-lhe com sensualidade. Ela não sentiu o roce das presas, somente o fôlego quente de sua boca e a úmida carícia da língua dele que brincava, provocadora, entre seus dedos.
A cabeça lhe dava voltas ao sentir o delicioso contato dos lábios dele sobre sua pele.
Sentiu que lhe falhavam as pernas, que sua resistência cedia e que cimeçava a desfazer-se do mesmo centro de seu ser.
—Não — exclamou ela contra ele, apartando a mão e lhe empurrando.
— Não, não posso deixar que me faça isto, não agora.
-Entre nós tudo trocou! Agora tudo é distinto.
—O único distinto, Gabrielle, é que agora me vê com os olhos abertos.
—Sim. —obrigou-se a si mesmo a lhe olhar.
— E o que vejo eu não gosto.
Lhe sorriu sem nenhuma piedade.
—Mas desejaria poder dizer o mesmo a respeito de como te faço sentir.
Ela não estava segura de como o fez, de como era possível que ele se movesse com tanta rapidez, mas nesse mesmo instante sentiu o fôlego de Lucan detrás da orelha e sua profunda voz vibrou contra a pele de seu cabelo enquanto ele apertava seu corpo contra o dela.
Era muito para assumi-lo de repente: essa apavorante e nova realidade, as perguntas que nem sequer sabia como formular. E logo estava a desorientação que lhe provocava o delicioso tato de Lucan, sua voz, seus lábios lhe roçando com suavidade a pele.
—Detenha! —Tentou lhe empurrar, mas ele era como um muro de músculo e de determinação escura e decidida. Ele resistiu sua raiva, e os inúteis golpes que lhe deu contra o enorme peito não pareceram lhe fazer absolutamente nada. Sua expressão tranqüila não trocou, igual a seu corpo permaneceu imovel.
Ela se separou dele com expressão frustrada e angustiada.
—Deus, o que está tentando demonstrar, Lucan?
—Só que não sou o monstro que você quer acreditar que sou. Seu corpo me conhece. Seus sentidos lhe dizem que está a salvo comigo. Somente tem que escutá-los, Gabrielle. E escutar a mim quando digo que não vim para te assustar.
Nunca te vou fazer mal, tampouco vou beber seu sangue. Por minha honra, nunca te farei mal.
Ela soltou uma gargalhada afogada ante a idéia de que um vampiro pudesse ter nada parecido à honra, por não dizer que o estava prometendo a ela nesses momentos. Mas Lucan não duvidava, permanecia em atitude solene. Possivelmente estivesse louca, porque quanto mais olhava esses olhos chapeados, mais fraca era a dúvida sobre ele a que se queria agarrar.
—Não sou seu inimigo, Gabrielle. Durante séculos,os meus e os teus se necessitaram mutuamente para sobreviver.
—Se alimentam de nós —sussurrou ela com voz rota—, como parasitas.
O rosto lhe escureceu um momento, mas não reagiu ante o desprezo que havia nessa acusação.
—Também temos que lhes proteger. Alguns de meus inclusive cuidaram os seus, levaram uma vida juntos como casais com vínculos de sangue. É a única forma em que a estirpe de vampiros pode continuar. Sem as fêmeas humanas que dão a luz aos jovens, ao final nos extinguiríamos. Assim é como eu nasci, e como todos os que são como eu nasceram também.
—Não o compreendo. Por que não podem... lhes mesclar com fêmeas de sua própria espécie?
—Porque não existem. Por causa de um engano genético, a prole da raça somente pode ser masculina, desde o primeiro da estirpe, disso faz centenas de gerações.
Esta última revelação, somada a todo o resto que acabava de ouvir, obrigou-a a fazer uma pausa.
—Então, isso significa que sua mãe é humana?
Lucan assentiu levemente com a cabeça.
—Era-o.
—E seu pai? Ele era...
Antes de que pudesse pronunciar a palavra «vampiro», Lucan respondeu.
—Meu pai, e os sete outros Antigos como ele, não eram deste mundo. Foram os primeiros de minha estirpe, seres de outro lugar, muito distinto a este planeta.
Ela demorou um segundo em assimilar o que acabava de ouvir, acrescentado a todo o resto que estava começando a compreender nesse momento.
—O que está dizendo... que eram extraterrestres?
—Eram exploradores. Uns conquistadores,guerreiros e selvagens de fato, que caíram aqui faz muitíssimo tempo.
Gabrielle ficou olhando um momento.
—Seu pai não era somente um vampiro a não ser um extraterrestre, ademais? Tem idéia do louco que isto sonha?
—É a verdade. Os que eram como meu pai não se chamavam a sim mesmos vampiros mas, segundo a definição dos humanos, isso é o que eram. Seu sistema digestivo estava muito avançado para a proteína crua da Terra. Não podiam processar nem as plantas nem animais como faziam os seres humanos, assim aprenderam a tirar o alimento do sangue. Alimentaram-se sem freio e acabaram com populações inteiras nesse processo. Sem dúvida ouviste falar de alguns deles: a Atlántida. O reino dos maias. E outras incontáveis civilizações desconhecidas que se desvaneceram na noite dos tempos. Muitas das mortes maciças que historicamente se atribuíram as infestações e a fome não foram isso absolutamente.
Deus santo.
—Aceitando que tudo isto se possa tomar a sério, está falando de milhares de anos de açougue. —Ao ver que ele não o negava, um calafrío lhe percorreu as pernas.
— Eles... você... Deus, não me posso acreditar que esteja dizendo isto. Os vampiros se alimentam de algo vivo, como uns dos outros possivelmente, ou são os humanos a única fonte de alimento?
A expressão de Lucan era séria.
—Somente o sangue humano contém a combinação de nutrientes específica que necessitamos para sobreviver.
—Com que freqüência?
—Temos que nos alimentar uma vez cada três ou quatro dias, algumas semanas às vezes. Necessitamos mais se estamos feridos e necessitamos mais força para sanar as feridas.
—E vocês... matam quando lhes alimentam?
—Não sempre. De fato, poucas vezes. A maioria da raça se alimenta de humanos voluntários, anfitriões.
—De verdade que a gente se oferece voluntária para que lhes torturem? —perguntou ela, incrédula.
—Não há nenhuma tortura nisso, a não ser que o desejemos. Quando um ser humano está depravado, a dentada de um vampiro pode ser muito prazeirosa. Quando terminou, o anfitrião não recorda nada porque não lhe deixamos nenhum lembrança.
—Mas as vezes matam —disse ela, e lhe fez difícil não fazê-lo em um tom acusatório.
—Às vezes é necessário levar uma vida. A raça fez o juramento de não depredar nunca aos inocentes ou aos fracos.
Ela se burlou:
—Que nobres são.
—É nobre, Gabrielle. Se quiséssemos, se cedêssemos a essa parte que há em nós que continua sendo como esses conquistadores guerreiros que eram nossos antepassados, poderíamos escravizar a toda a raça humana. Seríamos reis e todos os seres humanos existiriam somente para nos servir de alimento e de diversão. Essa idéia é o motivo de uma antiga guerra de morte entre meus e nossos irmãos inimigos, os renegados. Você lhes viu com seus próprios olhos, essa noite fora da discoteca.
—Você estava ali?
Assim que o houve dito, deu-se conta de que ele estava ali. Recordou esse rosto lhe impactante e os olhos ocultos atrás dos óculos escuros que a tinham estado observando entre a multidão. Inclusive então ela havia sentido uma conexão com ele, nesse breve olhar que pareceu tocá-la A pesar da fumaça e da escuridão da sala.
—Eu tinha estado perseguindo a esse grupo de renegados durante uma hora —disse Lucan—, esperando a oportunidade de saltar e acabar com eles.
—Eram seis —recordou ela vividamente, que ainda via mentalmente essas seis caras terríveis, esses olhos ferozes e brilhantes e essas presas.
— Foste enfrentar a eles você sozinho?
Ele se encolheu de ombros como indicando que não era algo pouco frequente que ele se enfrentasse sozinho com muitos.
—Essa noite tive um pouco de ajuda: você e a câmera de seu telefone móvel. O flash lhes surpreendeu e me deu a oportunidade de atacar.
—Matou-lhes?
—A todos menos a um. Mas lhe apanharei, também.
Ao ver a ferocidade de sua expressão, Gabrielle não ficou nenhuma dúvida de que o faria.
—A polícia mandou um carro patrulha Aos subúrbios da sala de festas quando lhes informei do assassinato. Não encontraram nada. Nenhuma prova.
—Assegurei-me de que não o fizessem.
—Fez-me ficar como uma idiota. A polícia insistia em que eu estava inventando isso tudo.
—Melhor assim, lhes dar pistas sobre as batalhas reais que tiveram lugar nas ruas dos seres humanos durante séculos. Pode imaginar o pânico a grande escala que haveria pelo mundo se começassem a haver notícias de ataques de vampiros?
—É isso o que está acontecendo? Este tipo de assassinatos estão sucedendo todo o momento em todas partes?
—Ultimamente cada vez mais. Os renegados são um grupo de viciados que somente se preocupam da próxima dose. Pelo menos, essa foi sua maneira de atuar até recentemente. Mas agora está acontecendo algo. Estão-se preparando. Estão-se organizando. Nunca foram tão perigosos como agora.
—E graças as fotos que fiz fora da discoteca, esses vampiros renegados me estão perseguindo.
—O incidente que presenciou atraiu sua atenção para ti, sem dúvida, e qualquer ser humano significa uma boa diversão para eles. Mas o mais provável é que sejam as outras fotos que tem feito as que lhe puseram em maior perigo.
— Que outras fotos?
—Essa, por exemplo.
Assinalou uma fotografia emoldurada que estava pendurada na parede da sala de estar. Era uma tomada exterior de um velho armazém de uma das zonas mais desoladas da cidade.
—O que te levou a fazer a fotografia desse edifício?
—Não sei, exatamente —disse ela, que nem sequer estava segura de por que tinha emoldurado essa foto. Somente olhando-a nesses momentos o fazia sentir um calafrio nas costas.
— Nunca tinha ido a essa parte da cidade, mas me lembro que essa noite fui por um lugar equivocado e acabei me perdendo. Algo atraiu minha atenção para esse armazem, mas não posso explicá-lo realmente. Estava terrivelmente nervosa de estar ali, mas não podia ir sem fazer umas quantas fotos desse lugar.
O tom de voz de Lucan foi de uma extrema gravidade.
—Eu, junto com vários guerreiros da raça que trabalham comigo, estivemos nesse lugar faz um mês e meio. Era uma guarida dos Renegados que albergava a quinze de nossos inimigos.
Gabrielle ficou olhando boquiaberta.
—Há vampiros vivendo nesse edifício?
—Agora já não. —Ele passou por seu lado e foi até a mesa da cozinha, onde havia umas quantas fotos mais e entre as quais se encontravam algumas das que tinha feito no psiquiátrico abandonado, fazia tão somente um par de dias. Levantou uma das fotos e a mostrou.
— Estivemos vigiando esta localização durante semanas. Temos motivos para acreditar que se trata de uma das colônias de renegados maiores de Nova a Inglaterra.
—OH, Meu Deus. —Gabrielle olhou a foto do psiquiátrico e quando a voltou a deixar em cima da mesa, os dedos lhe tremiam um pouco.
— Quando fiz essas fotografias, a outra manhã, um homem me encontrou alí. Perseguiu-me até que saí da propriedade. Não acreditará que era...?
Lucan negou com a cabeça.
—Um servente, não um vampiro, se lhe viu depois da saída de sol. A luz do sol é um veneno para nós. Essa parte da superstição é verdade. A pele nos queima rapidamente, como a tua se a expuser debaixo de um poderoso cristal de aumento ao meio-dia.
—E por isso sempre te vi de noite —murmurou ela, pensando nas visitas que lhe tinha feito Lucan desde a primeira, quando ele tinha começado a lhe mentir.
— Como pude estar tão cega quando tinha todas as pistas diante de mim?
—Possivelmente não queria as ver, mas sabia, Gabrielle. Suspeitava que a matança que tinha presenciado era algo que estava além do que podia explicar a partir de sua experiência como ser humano. Esteve a ponto de me dizer isso a primeira vez que nos encontramos. Em algum nível de sua consciência, sabia que se tratava de um ataque de vampiros.
Ela sabia, inclusive então. Mas não tinha suspeitado que Lucan formava parte disso. Uma parte dela ainda queria negar essa idéia.
—Como é possível que isto seja real? —gemeu ela, deixando cair na cadeira que tinha mais perto. Olhou as fotos que estavam espalhadas na mesa que tinha diante e logo olhou o rosto sério de Lucan. Estava a ponto de começar a chorar, sentia que os olhos lhe ardiam e que no pescoço lhe formava um nó, como se queria negar desesperadamente tudo isso.
— Isto não pode ser real. Deus, por favor, me diga que isto não está acontecendo de verdade.
Capítulo dezenove
Ele tinha dado muita informação essa noite para que a digerisse. Não toda, mas mais que suficiente para uma noite.
Lucan tinha que confiar em Gabrielle. A parte dessa pequena amostra de irracionalidade com o alho e a água benta, ela tinha mantido uma incrível serenidade durante uma conversação que era, sem lugar a duvida, bastante difícil de assimilar.
Vampiros, a chegada de extraterrestres, a guerra iminente com os renegados que, por certo, estavam perseguindo a ela também.
Ela tinha escutado tudo com uma fortaleza que muitos homens humanos não tinham.
Lucan a observou enquanto ela se esforçava em processar a informações, sentada na mesa e com a cabeça apoiada nas mãos. Uma lagrimas tinham começado a deslizar-se por suas bochechas. Ele desejou que houvesse uma maneira de lhe fazer esse caminho mais fácil. Mas não havia. E as coisas iam piorar para ela quando conhecesse toda a verdade do que lhe esperava.
Por sua própria segurança, e pela segurança da raça, ela ia ter que abandonar seu apartamento, a seus amigos, sua carreira. Teria que deixar atrás tudo o que tinha sido parte de sua vida até esse momento.
E teria que fazê-lo essa noite.
—Se tiver outras fotografias como estas, Gabrielle, tenho que as ver.
Ela levantou a cabeça e assentiu.
—Tenho-o tudo no computador —disse, apartando o cabelo do rosto.
—E o que me diz das que tem na habitação escura?
—Estão no computador também, igual a todas as imagens que vendi através da galeria.
—Bem. —O fato de que ela tivesse mencionado essas vendas lhe dêpertou um alarme.
— Quando estive aqui faz umas quantas noites, mencionaste que tinha vendido uma coleção inteira a alguém. Quem era?
—Não sei. Era um comprador anônimo. O comprador contratou uma amostra privada em um apartamento de cobertura alugado do centro da cidade. Viram umas quantas imagens e logo pagaram em dinheiro por todas elas.
Ele soltou um juramento, e a expressão tensa de Gabrielle se transformou em uma de terror.
—OH, Meu deus. Acredita que foram os renegados quem as compraram?
O que Lucan estava pensando era que se fosse ele quem se encontrasse à frente da direção atual dos renegados, estaria extremamente interesado em adquirir uma arma que pudesse dar com as localizações de seus oponentes. Por não dizer que tentaria frustrar a capacidade de seus inimigos de utilizar essa arma em seu próprio benefício.
Ter a Gabrielle seria um bem extraordinário para os renegados, por muitas razões. E quando a tivessem em sua posse, não demorariam muito tempo em descobrir sua marca de companheira de raça. Abusariam dela como se fosse uma vulgar égua de cria, obrigariam-na a ingerir seu sangue e a levar sua semente até que seu corpo sucumbisse e morre-se. Isso demoraria anos, décadas, séculos.
—Lucan, meu melhor amigo levou as fotos a mostra essa noite, ele sozinho. Tivesse-me morrido se lhe tivesse passado algo. Jamie se meteu ali sem saber nada sobre o perigo com que se enfrentava.
—Te alegre disso, porque essa é, provavelmente, a razão pela que saiu com vida.
Ela retrocedeu como se lhe tivesse dado um bofetão.
—Não quero que meus amigos sofram nenhum dano por causa do que me está acontecendo .
—Você está em um perigo maior que ninguém, agora mesmo. E temos que nos mover. Vamos tirar essas fotos de seu computador. Quero as levar todas ao laboratório do recinto.
Gabrielle lhe levou até uma ordenada mesa que tinha em uma esquina da sala de estar. Ligou o computador de mesa e enquanto este se carregava, Gabrielle tirou um par de cartões de cor e colocou uma delas na entrada da USB.
—Sabe? Disseram que estava louca. Chamaram-na delirante, esquizofrénica paranóica. Encerraram-na por acreditar que tinha sido atacada por alguns vampiros.
—Gabrielle riu em voz baixa, mas foi uma risada triste e vazia.
— Possivelmente não estava louca, depois de tudo.
A suas costas, Lucan se aproximou.
—De quem falas?
—De minha mãe. —depois de iniciar o processo de cópia, Gabrielle se girou na cadeira para olhar a Lucan.
— A encontraram uma noite em Boston, ferida, ensangüentada e desorientada. Não tinha nem o moedeiro nem a bolsa, nem levava nenhum tipo de documentação em cima, e durante os breves períodos de tempo em que estava lúcida, não foi capaz de dizer a ninguém quem era, assim que a ficharam como anônima. Era só uma adolescente.
—Diz que estava sangrando?
—Várias feridas no pescoço: aparentemente se havia autolesionado, conforme os informe oficiais. O tribunal a julgou incapaz de agüentar um julgamento e a encerraram em uma instituição mental quando saiu do hospital.
—Porra, merda.
Ela negou com a cabeça, devagar.
—Mas e se tudo o que disse foi verdade? E se não estava louca em absoluto? OH, Deus, Lucan... todos estes anos a estive culpando. Acredito que inclusive a odiei, e agora não posso evitar pensar...
—Há dito que a polícia e o tribunal a julgaram. Refere-te a que cometeu algum tipo de crime?
O computador apitou indicando que o cartão de cor estava cheio. Gabrielle se voltou para continuar com a função de copiado, e ficou nessa posição, lhe dando as costas. Lucan lhe pôs as mãos nos ombros com suavidade e lhe fez voltar a dá-la volta com a cadeira.
—Do que acusaram a sua mãe?
Por um comprido momento, Gabrielle não disse nada. Lucan viu que tragava saliva. Seus olhos expressavam uma grande dor.
—Acusaram-na de abandonar a um bebê.
—Quantos anos tinha você?
Ela se encolheu de ombros e logo negou com a cabeça.
—Nada. Um bebê. Meteu-me em um cesto de papéis, fora do edifício de seu apartamento. Era só a uma quadra de onde a polícia a deteve. Por sorte para mim, um dos policiais decidiu registrar os arredores. Ouviu-me chorar, suponho, e me tirou dali.
Deus Santo.
Enquanto ela falava, na mente de Lucan cintilou uma lembrança. Viu uma rua escura, o pavimento úmido que brilhava sob a luz da lua, uma mulher com os olhos muito abertos e o rosto transfigurado pelo horror, em pé, enquanto um vampiro renegado lhe chupava o pescoço. Ouviu o tênue pranto de um bebê que a mulher levava nos braços.
—E isso quando aconteceu?
—Faz muito tempo. Vinte e sete anos, este verão, para ser exatos.
Para alguém da idade de Lucan, vinte e sete anos era um suspiro. Recordava claramente ter interrompido esse ataque na estação de ônibus . Recordava haver-se interposto entre o renegado e sua presa, havia jogado dali a mulher com uma potente ordem mental. Ela sangrava profusamente, e parte do sangue tinha caido em cima do bebê.
Depois de ter dado morte ao renegado e de ter limpo a estação, tinha ido em busca da mulher com o bebê. Não lhes havia encontrado. Muitas vezes se perguntou o que lhes teria passado aos dois, e se tinha amaldiçoado a si mesmo por não ter sido capaz de ter apagado essas terríveis lembranças da memória da vítima.
—Ela se suicidou na instituição mental não muito tempo depois — disse Gabrielle.
— Já me tinha adotado a administração.
Ele não pôde evitar tocá-la. Apartou-lhe o comprido cabelo do rosto com suavidade, acariciou-lhe a delicada linha que formava a mandíbula e a orgullosa forma do queixo. Tinha os olhos úmidos, mas não as derrubou. Era uma mulher dura, de acordo. Dura e bonita e incrivelmente especial.
Nesse momento, ele não queria outra coisa que não fosse tomá-la entre os braços e dizer-lhe
—Sinto-o —lhe disse, com absoluta sinceridade. E com tristeza, algo que não estava acostumado a sentir. Mas, desde que a conhecia, Gabrielle o fazia sentir muitas coisas que eram completamente novas para ele.
— Eu sinto pelas duas.
O computador voltou a apitar.
—Já estão todas —disse ela, levantando a mão como se fosse acaricia-lo; mas não foi capaz de fazê-lo, ainda.
Ele deixou que se tornasse atrás e sentiu uma ligeira espetada de remorso quando ela se apartou em silêncio.
Se apartando dele como o estranho que agora era para ela.
Observou-a enquanto ela tirava o último cartão de cor e a colocava ao lado da outra. Quando começou a fechar o programa, Lucan disse:
—Ainda não. Tem que apagar os arquivos de imagens do computador e das cópias de segurança que tenha. As cópias que nos levemos daqui têm que ser quão únicas fiquem.
—E o que fazemos com as cópia impressas? As que há aqui em cima da mesa, as que tenho abaixo, na sala escura.
—Você fique aqui. Eu vou procurar as impressões.
—De acordo.
Ela ficou a trabalhar imediatamente e Lucan fez uma rápida inspeção no resto do apartamento. Reuniu todas as fotos soltas que encontrou, incluídas as fotos emolduradas também: não queria deixar nada que pudesse ser de utilidade para os renegados. Encontrou uma bolsa grande no armário do dormitório de Gabrielle e a baixou para enchê-la.
Enquanto terminava de colocar as fotos e fechava a bolsa, ouviu o grave rugido de um carro potente que estacionava fora da casa. Abriram-se duas portas, logo se fecharam com um golpe, e uns passos potentes se acercaram ao apartamento.
—Há alguém —disse Gabrielle, olhando com seriedade a Lucan enquanto desligava o computador.
Lucan já tinha introduzido a mão debaixo do casaco e havia a levado a suas costas, onde tinha uma Beretta de nove milímetros metida no cinturão da calça. A arma estava carregada com a munição mais potente que podia disparar, umas balas de titânio especiais para aniquilar aos renegados, uma das últimas inovações do Niko. Se ao outro lado da porta havia um deles, esse filho da puta sedento de sangue iam sofrer um grande dano.
Mas imediatamente se deu conta de que não se tratava dos Renegados. Nem sequer dos serventes, o qual teria dado certa satisfação a Lucan.
Eram humanos os que se encontravam na entrada. Um homem e uma mulher.
—Gabrielle? —O timbre da porta soou várias vezes em uma rápida sucessão—. Olá? Gabby? Está aí?
—OH, não. É minha amiga Megan.
—A da casa onde esteve a noite passada.
—Sim. Esteve-me chamando durante todo o dia, e me deixou recados. Está preocupada comigo.
—O que lhe contaste?
—Sabe o da agressão no parque. Disse-lhe que me atacaram, mas não lhe disse nada de ti... pelo que fez.
—Por que não?
Gabrielle se encolheu de ombros.
—Não queria colocá-la nisto. Não quero que se meta em nenhum perigo por minha culpa. Por culpa de tudo isto. —Suspirou e meneou a cabeça.
—Possivelmente não queria dizer nada de ti até que não tivesse eu mesma algumas respostas.
O timbre da porta soou outra vez.
—Gabby, abre! Ray e eu temos que falar contigo. Precisamos saber se estiver bem.
—Seu noivo é policial —disse Gabrielle em voz baixa—. Querem que faça uma declaração sobre o que aconteceu a outra noite.
—Há uma saída traseira do apartamento.
Ela assentiu com a cabeça, mas logo pareceu trocar de idéia e fez um gesto negativo.
Dá a um pátio compartilhado, mas há uma cerca muito alta...
—Não há tempo —disse Lucan, descartando essa opção.
— Vá a porta. Deixa entrar seus amigos.
—O que vais fazer? —Viu que ele acabava de tirar a mão do casaco e que escondia a arma a suas costas. A expressão de Gabrielle se encheu de pânico.
—Tem uma arma aí detrás? Lucan, não lhe vão fazer nada. E me assegurarei de que não contem nada.
—Não vou utilizar a arma com eles.
—Então, o que vais fazer? —depois de ter evitado de forma tão deliberada lhe tocar, por fim o fez. Sujeitou-lhe o braço com as pequenas mãos.
— Deus, por favor, me diga que não lhes vais fazer mal.
—Abre a porta, Gabrielle.
Suas pernas se moviam com lentidão em direção a porta de entrada.
Abriu o ferrolho e ouviu a voz de Megan ao outro lado da porta.
—Está aí dentro, Ray. Está na porta. Gabby, abre, querida. Está bem?
Gabrielle soltou a correia sem dizer nada. Sem saber se devia tranqüilizar a sua amiga lhe dizendo que estava bem ou se devia gritar a Megan e a Ray que partissem correndo dali.
Olhou para trás, a Lucan, mas isso não lhe deu nenhuma pista. Seus rasgos agudos não mostravam nenhuma emoção nem se moveram. Tinha os olhos chapeados fixos na porta, frios, sem piscar. Suas mãos, poderosas, estavam vazias e as tinha baixado a ambos os lados do corpo, mas Gabrielle sabia que podiam entrar em movimento sem nenhum tipo de aviso.
Se ele queria matar a seus amigos, inclusive a ela, por certo, faria-o antes de que nenhum deles se desse conta.
—Deixe-lhes entrar —lhe disse com um grunhido grave.
Gabrielle girou o trinco devagar.
Somente tinha aberto a porta um pouco quando Megan a empurrou e a abriu por completo para entrar com seu noivo, vestido de uniforme, detrás.
—Por todos os Santos, Gabrielle! Tem idéia de quão preocupada estive? Por que não me há devolvido as chamadas? —Deu-lhe um forte abraço e logo a soltou e a olhou com o cenho franzido, como uma mãe zangada—. Parece cansada. Estiveste chorando? Onde há... ?
Megan se interrompeu repentinamente; seus olhos, e os do Ray, perceberam de repente a imagem de Lucan em meio da sala de estar, detrás do Gabrielle.
—OH, não me tinha dado conta de que estava com alguém...
—Tudo está bem aqui? —perguntou Ray, dando um passo além das duas mulheres enquanto levava uma mão sobre a arma embainhada.
—Bem. Tudo está bem —repôs rapidamente Gabrielle. Levantou uma mão para assinalar à Lucan— É, isto... um amigo.
—Vai a alguma parte? —O noivo de Megan deu um passo para diante e fez um gesto em direção à bolsa que se encontrava no chão aos pés de Lucan.
—Isto, sim —interveio Gabrielle enquanto se colocava rapidamente entre o Ray e Lucan—. Estava um pouco nervosa esta noite. Pensei em ir a um hotel e me tranqüilizar um pouco. Lucan veio para me levar.
—Certo. —Ray tentava olhar para detrás de Gabrielle, em direção a Lucan, que permanecia com uma arruda atitude silenciosa. A cáustica atitude de Lucan indicava que já se formou uma opinião desse jovem policial e de que lhe desprezava.
—Oxalá não tivessem vindo, meninos —disse Gabrielle. E era verdade.
— De verdade, não têm por que ficar.
Megan avançou e tomou a mão de Gabrielle entre as suas com um gesto protetor.
—Ray e eu estávamos pensando que possivelmente o tivesse reconsiderado e queria vir a delegacia de polícia, querida. É importante. Estou segura de que seu amigo está de acordo conosco. Você é o detetive de quem Gabby me falou, verdade? Sou Meg.
Lucan deu um passo. Com esse pequeno movimento se colocou justo diante de Megan e do Ray. Foi uma flexão tão rápida dos músculos que o tempo pareceu deter-se ao seu redor. Gabrielle lhe viu dar uma série de passos seguidos, mas seus amigos ficaram assombrados ao encontrar a Lucan justo diante deles, imponente em sua altura e com um ar ameaçador que vibrava ao seu redor.
Sem advertência prévia, levantou a mão direita e sujeitou a Megan pela frente.
—Lucan, não!
Meg gritou, um som que se afogou em sua garganta imediatamente assim que olhou a Lucan aos olhos. Com uma velocidade inverossímil, Lucan levantou a mão esquerda e sujeitou à Ray da mesma maneira. O agente se debateu um segundo, mas imediatamente caiu em um estupor como de transe. Os fortes dedos de Lucan pareciam ser o único que os mantinha em pé a ambos.
—Lucan, por favor! Suplico-lhe isso!
—Recolhe os cartões de cor e a bolsa —lhe disse com calma. Era uma ordem fria.
— Tenho um carro esperando fora. Entra e me espere aí. Saio em seguida.
—Não vou deixar te aqui para que chupe o sangue de meus amigos.
—Se essa tivesse sido minha intenção, agora já estariam atirados no chão e mortos.
Tinha razão. Deus, mas não tinha nenhuma dúvida de que este homem, este ser obscuro a quem já tinha aceito em sua vida, era o bastante perigoso para fazê-lo.
Mas não o tinha feito. E não o ia fazer; nisso confiava nele.
—As fotos, Gabrielle. Agora.
Ela ficou em movimento. Recolheu a avultada bolsa, a pendurou do ombro e se meteu os dois cartões de cor no bolso de diante da calça. Ao sair se deteve um momento para olhar o rosto pálido de Megan. Agora tinha os olhos fechados, igual a Ray. Lucan lhes estava dizendo algo em um murmúrio que ela não pôde ouvir.
O tom de sua voz não parecia ameaçador, a não ser extranhamente tranquilizador, persuasivo. Quase como uma canção de ninar.
Gabrielle jogou uma última olhada a estranha cena que tinha lugar na sala de estar e saiu pela porta à rua. Na esquina havia um elegante Sedam, estacionado em paralelo diante do Mustang vermelho do Ray. Era um veículo caro, incrivelmente caro pelo aspecto que tinha, e o único outro carro que havia ali.
Enquanto se aproximava dele, a porta do copiloto se abriu como se a tivessem acionado automaticamente. Como se a tivesse acionado a força mental de Lucan. Soube, e se perguntou até que ponto chegavam esses poderes paranormais.
Acomodou-se no amplo assento de pele e fechou a porta. Ainda não tinham acontecido dois segundos quando Megan e Ray apareceram na entrada. Baixaram tranqüilamente os degraus e passaram por seu lado com o olhar fixo para diante. Nenhum dos dois disse nenhuma palavra.
Lucan estava justo detrás deles. Fechou a porta do apartamento e se dirigiu até o carro, onde lhe estava esperando Gabrielle. Subiu, introduziu a chave no contato e ligou o motor.
—Não era uma boa idéia lhes deixar ali—lhe disse enquanto deixava cair a bolsa dela e a câmara em seu regaço.
Gabrielle lhe olhou.
—Exerceste alguma classe de controle sobre eles, igual a tentou fazê-lo comigo antes.
—Sugestionei-lhes para que acreditem que não estiveram em seu apartamemoro esta noite.
—Apagaste-lhes a memória?
Inclinou a cabeça em um vago gesto de assentimento.
—Não recordarão nada desta noite, nem de que foi ao apartamento de Megan a outra noite depois de que o servente te agredisse. Suas mentes já não recordarão nada disso.
—Sabe? Justo agora isto sonha muito bem. O que me diz, Lucan? Eu vou ser a seguinte? Poderia apagar minha mente a partir do momento em que decidi ir aquela discoteca, faz um par de semanas.
Ele a olhou nos olhos, mas a Gabrielle não pareceu que tentasse introduzir-se em sua mente.
—Você não é como esses humanos, Gabrielle. Embora queria fazê-lo, não poderia trocar nada do que te aconteceu. Sua mente é mais forte que a da maioria das pessoas. Em muitos aspectos, você é diferente da maioria.
—Vá, sinto-me muito afortunada.
—O melhor lugar para ti agora é onde os da raça lhe possam proteger como a um dos seus. Temos um recinto oculto na cidade. Pode ficar aí, para começar.
Ela franziu o cenho.
—O que? Está-me oferecendo o equivalente vampírico ao Programa de Amparo de Testemunhas?
—É um pouco mais que isso. —Ele girou a cabeça e olhou através do prabrisas.
— E é a única maneira.
Lucan apertou o acelerador e o elegante carro negro se precipitou pela estreita estrada com um rugido grave e suave. Gabrielle se sujeitou com ambas as mãos no assento de pele e observou a escuridão que lentamente se tragava seu edifício do Willow Street.
Ao afastar-se, viu as vagas silhuetas de Megan e do Ray que entravam no Mustang para afastar-se de seu apartamento, sem recordar o que tinha passado. Gabrielle sentiu um repentino pânico e desejou saltar do carro e correr para eles, de volta a sua vida anterior.
Muito tarde.
Sabia.
Esta realidade nova a tinha apanhado, e não acreditava que houvesse maneira de voltar atrás. Somente ficava continuar para frente. Apartou o olhar do cristal traseiro e se afundou na suavidade do assento de pele com o olhar cravado para diante enquanto Lucan girava uma esquina e conduzia no meio da noite.
Capítulo vinte
Gabrielle não sabia quanto fazia que estavam viajando, nem sequer em que direção. Ainda se encontravam na cidade, isso sabia, mas os múltiplos giros que tinham dado e os muitos becos que haviam entrado tinham formado um labirinto na mente de Gabrielle. Olhou fora do cristal preto do Sedam, vagamente consciente de que por fim se estavam detendo, agora que se aproximavam do que parecia ser um amplo terreno de um velho imovel.
Lucan se deteve diante de um muito alto portão de ferro negro. Dois facho de luz caíram sobre eles desde dois pequenos aparelhos que se encontravam pendurados A ambos os lados da cerca de alta segurança. Gabrielle piscou, deslumbrada pela súbita luz que lhe caía no rosto, e logo viu que as pesadas portas começavam a abrir-se.
—Isto é teu? —perguntou-lhe, girando a cabeça para Lucan pela primera vez desde que se foram do apartamento.
— Estive aqui antes. Fiz fotos desta porta.
Atravessaram as portas e avançaram por um caminho sinuoso flanqueado por árvores A ambas as lados.
—Esta propriedade forma parte do complexo. Pertence À raça.
Era evidente que ser um vampiro era uma atividade lucrativa. Inclusive apesar da escuridão, Gabrielle percebia a qualidade enriquecida desse terreno cuidado e da fachada ornamentada da mansão a que se estavam aproximando. Duas rotas flanqueavam as portas negras laqueadas e o impressionante pórtico da entrada principal, em cima do qual se levantavam quatro elegantes pisos.
Em algumas das janelas se via uma luz de ambiente no interior, mas Gabrielle tinha dúvidas em qualificar esse ambiente de acolhedor. A mansão se levantava ameaçadora como um sentinela em meio da noite, estóico e sério, com todas essas gárgulas que lhes olhavam do telhado e os balcões que davam ao caminho.
Lucan passou por diante da porta de entrada e se dirigiu a uma garagem detrás. Abriu-se uma porta e ele conduziu o carro para dentro e desligou o motor. Quando os dois saíram do carro, duas filas de luzes se acenderam automaticamente e iluminaram uma frota de veículos de última geração.
Gabrielle ficou boquiaberta. Entre o Sedam, que custava quase tanto como seu modesto apartamento no Beacon Hill, e a coleção do carros e motocicletas, devia encontrar-se ante um conjunto de carros de um valor de milhões de dólares. Muitos milhões.
—Por aqui —lhe disse Lucan. Levava a bolsa com as fotos em uma mão e a conduziu por diante da impressionante coleção de carros até uma porta que se encontrava ao fundo da garagem.
—Quanto dinheiro tem sua gente? —perguntou ela, lhe seguindo com assombro.
Lucan lhe fez um gesto para que entrasse assim que a porta se abriu. Logo entrou no elevador detrás dela e apertou um botão.
—Alguns membros da nação dos vampiros estão aqui a muito tempo. Aprendemos umas quantas coisas a respeito de como manter o dinheiro de forma inteligente.
—Certo —disse ela, sentindo que perdia um pouco o equilíbrio enquanto o elevador iniciava uma suave mas rápida descida, para baixo, abaixo, abaixo—. Como mantêm isto oculto ao público? O que acontece a administração e os impostos? Ou suas operações são em negro?
—A gente não pode atravessar nosso sistema de segurança, nem se queira embora o tentem. Todo o perímetro da propriedade está cercado e eletrizado. Quem for tão estúpido para aproximar-se dela receberia uma descarga de quatorze mil volts. Pagamos os impostos atraves de empresas coberta, é obvio. Nossas propriedades por todo mundo são propriedade de fundações privadas. Tudo o que a raça faz é legal e o faz de forma aberta.
—Legal e transparente, exato. —Ela riu, um pouco nervosa.
— Sem ter em conta a ingestão de sangue e a linhagem extraterrestre.
Lucan a olhou com expressão séria, mas Gabrielle sentiu certo alívio ao ver que uma comissura dos lábios lhe levantava e desenhava algo parecido a um sorriso.
—Agora eu levarei as cópias —lhe disse. Seus penetrantes olhos cinzas claros a observaram enquanto ela se tirava os cartões de cor da calça e as depositava na mão.
Ele fechou a mão ao redor da dela um segundo. Gabrielle sentiu o calor desse contato, mas não quis reconhecê-lo. Não queria admitir que o mais ligeiro contato com sua pele lhe provocava, nem sequer agora.
Especialmente agora.
Finalmente, o elevador se deteve e suas comporta se abriram ante uma antiga habitação construída com paredes de cristal reforçadas com brillantes marcos metálicos. O estou acostumado a era de mármore branco, com uma série de símbolos geométricos e de desenhos que se entrelaçavam esculpidos nele. Gabrielle viu que alguns deles eram parecidos com os que Lucan tinha em seu corpo: essas estranhas e bonitas tatuagens que lhe cobriam as costas e o torso.
Não, não eram tatuagens, pensou nesse momento, a não ser outra coisa...
Marcas de vampiro.
Em sua pele, e ali, nesse buraco sob o chão onde vivia.
Mais à frente do elevador, um corredor se afastava e serpenteava durante umas quantas centenas de metros. Lucan avançou um pouco e fez uma pausa para olhar a Gabrielle, ao dar-se conta de que ela duvidava em lhe seguir.
—Está segura aqui —disse ele.
Que Deus a ajudasse, mas lhe acreditou.
Ela avançou pelo mármore níveo com Lucan, e agüentou a respiração enquanto ele colocava a palma da mão sobre um leitor e as portas de cristal diante dele se abriam. Um ar frio banhou a Gabrielle, e ouviu um rugido apagado de vozes masculinas que provinham de algum ponto ao final da sala. Lucan a conduziu em direção a conversação com passos largos e decididos.
Deteve-se um momento diante de outra porta de cristal e, enquanto chegava ao seu lado, Gabrielle viu o que parecia ser uma espécie de sala de controle. Havia computadores e monitores alinhados em cima de um console em forma de «Ou», e uns leitores digitais emitiam uma série de coordenada desde outro dispositivo cheio de equipamentos. No centro de tudo isso, sentado em uma cadeira giratória como um diretor de orquestra, se encontrava um jovem de aspecto estranho e de um cabelo loiro mal talhado e desordenado. Levantou o olhar e seus brilhantes olhos azuis expressaram uma surpreendida bem-vinda assim que a porta se abriu e Lucan entrou na sala com Gabrielle ao lado.
—Gideon —disse Lucan, inclinando a cabeça em sinal de saudação.
Assim que este era o sócio de quem lhe tinha falado, pensou Gabrielle, apreciando o sorriso fácil e o comportamento amigável do outro homem. Levantou-se da cadeira e saudou Lucan com um gesto da cabeça e, logo, a Gabrielle.
Gideon era alto e magro, com um atrativo juvenil e um encanto evidente. Não se parecia com Lucan absolutamente. Não se parecia como ela imaginava que seria um vampiro, embora não tinha muita experiência nessa área.
—Ele é…?
—Sim —respondeu Lucan, antes de que ela pudesse lhe sussurrar o resto da pergunta. Deixou a bolsa em cima da mesa.
—Gideon também é da raça. Igual a outros.
Nesse momento Gabrielle se deu conta de que a conversação que tinha ouvido na outra habitação enquanto se aproximavam tinha cessado.
Sentiu outros olhos que a olhavam desde algum ponto de detrás dela, e ao voltar-se para ver de onde provinha essa sensação, pareceu que os pulmões lhe esvaziaram por completo. Três homens enormes ocupavam o espaço que havia a suas costas: a gente levava umas calças confeccionadas sob medida, uma folgada camisa de seda e se encontrava elegantemente acomodado em uma poltrona de pele; o outro ia vestido dos pés a cabeça em couro negro, tinha os largos braços cruzados sobre o peito, e estava apoiado contra a parede traseira; o último, que levava jeans e uma camiseta branca, encontrava-se ante uma mesa na qual havia estado limpando as partes de uma espécie de complicada arma de mão.
Todos eles a estavam olhando.
— Dante —disse Lucan, dirigindo-se ao tipo todo vestido de couro, quem lhe dirigiu uma ligeira inclinação de cabeça a modo de saudação, ou possivelmente foi mas bem a modo de reconhecimento de macho, a julgar pela maneira em que arqueou as sobrancelhas ao voltar a olhar a Lucan.
»O irmão que está ali é Nikolai. —Assim que Lucan lhe houve presentado, o macho de cabelo loiro dirigiu a Gabrielle um rápido sorriso. Tinha uns rasgos severos, umas maçãs do rosto incríveis e uma mandíbula decidida e forte. Inclusive enquanto a olhava, seus dedos trabalham impecavelmente com a arma, como se conhecesse os componentes da peça de forma instintiva.
»E este é Rio —disse Lucan, dirigindo a atenção para o macho sedutor e atrativo que mostrava um imaculado sentido de estilo. Da poltrona em que se encontrava despreocupadamente instalado, dirigiu- um deslumbrante sorriso a Gabrielle que mostrava um atrativo inato e um perigo inequívoco oculto atrás desses olhos da cor do topázio.
Essa ameaça emanava de todos eles: a constituição musculosa e as armas a vista advertiam de forma inequívoca de que, apesar de seu áspecto depravado, esses homens estavam acostumados a batalhar. Possivelmente inclusive desfrutavam com isso.
Lucan colocou uma mão na base das costas de Gabrielle e ela se sobressaltou com esse contato. Atraiu-a mais perto de si ante esses três machos. Ela não estava totalmente segura de se confiava nele, ainda, mas tal e como estavam as coisas, ele era o único aliado que tinha nessa habitação cheia de vampiros armados.
—Apresento-lhes a Gabrielle Maxwell. A partir de agora vai ficar no complexo.
Deixou essa afirmação no ar sem oferecer nenhuma explicação adicional, como se desafiasse a que algum desses homens de aspecto letal o questiona-se. Nenhum o fez. Gabrielle olhou a Lucan e, ao ver seu poder de mando em meio desse escuro poder e dessa força, Gabrielle se deu conta de que ele não era, meramente, um dos guerreiros.
ele era seu líder.
Gideon foi o primeiro em falar. Aproximou-se da zona de computadores e monitores e ofereceu a mão a Gabrielle.
—Me alegro de te conhecer —disse, com uma voz que tinha um ligeiro acento inglês.
— Foi uma reação rápida, a de tomar essas fotos durante o ataque que presenciou. Ajudaram-nos muito.
—Ok, nenhum problema.
Lhe deu a mão brevemente e se surpreendeu de que ele resultasse tão afável, tão normal.
Mas também Lucan lhe tinha parecido relativamente normal ao principio, e logo tudo isso tinha trocado. Pelo menos, não lhe havia mentido ao lhe dizer que se levou as fotos ao laboratório para que as analisassem. Somente tinha esquecido lhe dizer que se tratava de um laboratório de vampiros, e não o da polícia de Boston.
Um assobio agudo soou na mesa de computadores que havia ali ao lado e Gideon voltou correndo ante os monitores.
—Sim! São um maravilhoso ramo de parafusos —gritou, sentando-se na cadeira e girando sobre ela—. Meninos, devem ver isto.
Especialmente você, Niko.
Lucan e outros se reuniram ao redor do monitor que banhava o rosto do Gideon com um brilho azul pálido. Gabrielle, que se sentiu um tanto incômoda em pé, sozinha, em meio da habitação, também se aproximou, devagar.
—Consegui entrar e ver o material das câmeras de segurança da estação —disse Gideon—. Agora vamos ver se podemos conseguir imagens da outra noite, e possivelmente averiguar no que andava de verdade o bastardo que se levou a Conlan.
Gabrielle observava em silencio da periferia enquanto várias telas de computadores se encheram de imagens de circuito fechado de plataformas de trem da cidade. As imagens passavam uma atrás da outra a grande velocidade. Gideon arrastou a cadeira ao longo da linha de computadoes , detendo-se ante cada um deles para teclar alguma instrução antes de continuar até o seguinte e logo o seguinte. Finalmente, todo esse frenético desdobramento de energia cessou.
—De acordo, aí está. Green Line em tela. —separou-se do monitor que tinha diante dele para permitir que outros tivessem uma visão clara.
— Estas imagens da plataforma começam três minutos antes da confrontação.
Lucan e outros se aproximaram enquanto as imagens mostravam um fluxo de gente entrando e saindo de um trem. Gabrielle, que observava entre as enormes costas, viu o rosto agora familiar do Nikolai na tela do monitor: ele e seu companheiro, um enorme e ameaçador macho vestido com couro negro, entravam em um trem. Justo acabavam de sentar-se quando um dos passageiros atraiu a atenção do companheiro do Nikolai. Os dois guerreiros ficaram em pé, e justo antes de que as comporta se fechassem para arrancar, o menino a quem tinham estado olhando saltou do trem. Nikolai e o outro homem ficaram em pé, mas a atenção do Gabrielle estava centrada na pessoa a quem queriam seguir.
—OH, Meu deus —exclamou—. Conheço este tipo.
Cinco pares de olhos de macho a olharam com expressão interrogadora.
—Quero dizer, não lhe conheço pessoalmente, mas lhe vi antes. Sei como se chama. Brent, pelo menos isso é o que disse a minha amiga Kendra. Conheceu-lhe na discoteca a mesma noite em que eu presenciei o assassinato. Após, viram-se cada noite, bastante a sério, de fato.
—Está segura? —perguntou-lhe Lucan.
—Sim. É ele. Estou segura.
O guerreiro que se chamava Dê soltou um violento juramento.
—É um renegado —disse Lucan—. Ou melhor, era-o. Faz um par de noites, entrou no trem do Green Line com um cinturão de explosivos. Fez-os estalar antes de que pudéssemos lhe tirar dali. Um de nossos melhores guerreiros morreu com ele.
—OH, Deus. Refere a essa explosão da que falaram nas notícias ? —Olhou a Nikolai, que tinha a mandíbula apertada com força.
— Eu sinto muito.
—Se não fosse porque Conlan se jogou em cima desse chupão covarde, eu não estaria aqui. Isso seguro.
Gabrielle se sentia realmente entristecida pela perda que Lucan e seus homens tinham sofrido, mas um novo temor tinha aninhado em seu peito ao saber o perto que sua amiga tinha estado do perigo do Brent.
E se Kendra estava ferida? E se lhe tinha feito algo e ela necessitava ajuda?
—Tenho que chamá-la. —Gabrielle começou a rebuscar em sua bolsa intentando encontrar o telefone celular.
— Tenho que chamar Kendra agora mesmo e me assegurar de que está bem.
Lucan lhe sujeitou o pulso com firmeza, embora sua atitude foi de súplica:
—Sinto muito, Gabrielle. Não posso deixar que o faça.
—Ela é minha amiga, Lucan. E o sinto, mas não pode me deter.
Gabrielle abriu a tampa do telefone, mais decidida que nunca a fazer essa chamada. Mas antes de que pudesse marcar o número da Kendra, o aparelho saiu voando das mãos e apareceu na mão de Lucan. Ele fechou a mão ao redor dele e o guardou no bolso da jaqueta.
—Gideon —disse em tom de abrir conversação, apesar de que continuava olhando fixamente a Gabrielle.
— Diga a Savannah que venha e que acompanhe a Gabrielle a uns aposentos mais cômodos enquanto nós terminamos aqui. Que lhe traga algo para comer.
—Devolva-me isso disse Gabrielle, sem fazer caso da surpresa dos outros ao ver que ela desafiava o intento de Lucan de controlá-la.
— Preciso saber que se encontra bem, Lucan.
Ele se aproximou dela e, por um segundo, ela teve medo do que pudesse lhe fazer ao ver que ele alargava a mão para lhe tocar o rosto. Diante de outros, acariciou-lhe a bochecha com ternura e com gesto possessivo. Falou com suavidade.
—O bem-estar de seu amiga está fora de seu controle. Se esse renegado não lhe extraiu antes o sangue, e me acredite, é o mais provável, agora ele já não representa nenhum perigo para ela.
—Mas e se lhe fez algo? E se a converteu em um desses serventes?
Lucan negou com a cabeça.
—Somente os mais capitalistas de nossa estirpe podem criar um servente. Esse merda que se voou a si mesmo é incapaz de fazer algo assim. Somente era um peão.
Gabrielle se separou de sua carícia apesar do consolo que seu contato lhe proporcionava.
—E se ele viu Kendra da mesma maneira? E se a entregou a alguém que tem mais poder que ele?
A expressão de Lucan era grave, mas não mostrava nenhuma dúvida. Seu tom foi mais amável do que nunca o tinha sido com ela, o qual só fazia que suas palavras resultassem mais difíceis de aceitar.
—Então tem que te esquecer dela por completo, porque é como se estivesse morta.
Capítulo vinte e um
— Espero que o chá não esteja muito forte. Se quiser um pouco de leite, pode ir procurar na cozinha.
Gabrielle sorriu, sentindo-se verdadeiramente acolhida pela hospitalidade da companheira do Gideon.
—O chá está perfeito. Obrigado.
Surpreendeu-se ao saber que havia outras mulheres no complexo e sentiu imediatamente que entre a bonita Savannah e ela se estabelecia uma espécie de cumplicidade. Do mesmo momento em que Savannah tinha ido, seguindo as ordens de Lucan, a procurar Gabrielle, tomou-se muito aborrecida para assegurar-se de que ela se sentisse cômoda e relaxada.
Tão relaxada como era possível, em qualquer caso, ao estar rodeada de vampiros armados em um buraco de alta segurança a várias centenas de metros clandestinamente. Apesar de que nesse momento não o parecesse, sentada ali com a Savannah em uma larga mesa de cerejeira, de uma elegante sala de estar, enquanto tomava um chá especiado e exótico servido em uma delicada taça de porcelana e uma suave música soava de fundo.
Essa habitação, ao igual que as espaçosas suítes residenciais que a rodeavam, pertenciam a Gideon e a Savannah. Pelo que parecia, viviam como um casal normal dentro do complexo, em uns aposentos muito cômodos, rodeados por um suntuoso mobiliário, uma quantidade inumerável de livros e de bonitos objetos de arte. Tudo era da melhor qualidade e tudo estava impecavelmente cuidado, absolutamente distinto ao que alguém poderia encontrar em uma das caras mansões do Back Bay. Se não fora pela ausência de janelas, tivesse sido quase perfeito. Mas inclusive essa falta estava compensada por uma impressionante coleção de pinturas e fotografias que adornavam quase todas as paredes.
—Não tem fome?
Savannah indicou com um gesto uma bandeja de prata repleta de massas e de bolachas que se encontrava em cima da mesa, entre ambas. Ao lado da mesma havia outra brilhante bandeja cheia de deliciosos canapés e molhos aromáticos. Tudo tinha um aspecto e um aroma maravilhoso, mas Gabrielle tinha perdido o apetite quase por completo da noite anterior, quando tinha visto Lucan abrir a garganta desse servente com os dentes e, logo, beber seu sangue.
—Não, obrigado —repôs—. Isto é mais que suficiente agora mesmo.
Surpreendia-lhe ser capaz de tragar-se inclusive o chá, mas este estava quente e era relaxante, e esse calor lhe sentava bem tão por dentro como por fora.
Savannah a observou beber em silencio do outro lado da mesa. Seus olhos escuros tinham uma expressão amistosa, e franzia o cenho com gesto cúmplice. Tinha o cabelo encaracolado, negro e curto e lhe cobria o bem formado crânio com um efeito mas bem sofisticado por causa de seus impresionantes rasgos e de suas bonitas e femininas curvas. Mostrava a mesma atitude aberta e fácil que Gideon, e esse era um rasgo que Gabrielle apreciava muito depois de ter estado ante a atitude dominante de Lucan durante as últimas horas.
—Bom, possivelmente você sim seja capaz de resistir as tentações —disse Sejavannah, alargando a mão para tomar uma torrada—, mas eu não posso.
Lubrificou uma colherada de comestíveis de nata em cima da torrada, rompeu um pedaço e o meteu na boca com um gemido de felicidade. Gabrielle se deu conta de que a tinha ficado olhando, mas não pôde evitá-lo.
—Come comida de verdade —disse, mais em tom de interrogação que de afirmação.
Savannah assentiu com a cabeça e se limpou as comissuras dos lábios com o guardanapo.
—Sim, é obvio. Uma garota deve comer.
—Mas eu pensei... Se você e Gideon... Você não é como ele? Savannah franziu o cenho e negou com a cabeça. —Sou humana, igual a você. É que Lucan não te explicou nada? —Algo. —Gabrielle se encolheu de ombros—. O suficiente como para que a cabeça me dê voltas, mas ainda tenho muitas perguntas.
—É obvio que as tem. Todo mundo as tem quando conhecem pela primeira vez este mundo novo. —Alargou a mão e apertou a do Gabrielle com simpatia.
— Pode me perguntar algo. Sou uma das fêmeas mais novas. Essa oferta fez que Gabrielle se incorporasse no assento com renovado interesse.
—Quanto faz que está aqui? Savannah olhou para diante um momento, como se contasse.
—Abandonei minha antiga vida em 1974. Foi quando conheci Gideon e apaixonamo-nos loucamente.
—Faz mais de trinta anos —disse Gabrielle, maravilhada, observando os rasgos juvenis, a pele escura e radiante e os olhos brilhantes da mulher do Gideon.
— Nem sequer me parece que tenha vinte anos. Savannah sorriu ampliamente.
—Tinha dezoito anos quando Gideon me trouxe aqui como companheira.
Ele me salvou a vida, na verdade. Tirou-me de uma situação difícil, e enquanto estejamos unidos eu ficarei igual a estou. De verdade te pareço tão jovem?
—Sim. É muito bonita.
Savannah soltou uma risadinha suave e deu outra dentada a torrada.
—Como...? —perguntou Gabrielle, esperando que não resultasse de má educação o insistir, mas se sentia tão curiosa e estava tão assombrada que não podia evitar fazer perguntas.
— Se você é humana e eles não pode nos converter em... o que eles são... então, como é possível? Como é que não envelheceste?
—Sou uma companheira de raça —repôs Savannah, como se isso o explicasse tudo. Ao ver que Gabrielle franzia o cenho, confundida, Savannah continuou.
— Gideon e eu temos um vínculo, emparelhamo-nos. Seu sangue me mantém jovem, mas ainda sou humana aos cem por cem. Isso nunca troca, nem sequer quando nos unimos com um deles como companheira. Não nos saem presas e não ansiamos o sangue da maneira em que eles o fazem para sobreviver.
—Mas você o deixou tudo para estar com ele, assim?
—O que deixei? Passo minha vida com um homem a quem adoro completamente, e que me quer da mesma forma. Os dois estamos sãs, somos felizes e estamos rodeados de outros que são como nós, que são nossa família. Além da ameaça dos renegados, não temos nenhuma preocupação aqui. Se tiver sacrificado alguma coisa, isso não é nada comparado com o que tenho com o Gideon.
—E o que me diz da luz do sol? Não a sente falta ao viver aqui?
—Nenhuma de nós está obrigada a permanecer no complexo durante todo o tempo. Eu passo muito tempo nos jardins da propiedade durante o dia, sempre que quero. O terreno é muito seguro, ao igual que a mansão, que é enorme. Quando cheguei aqui, ao princípio, passei-me três semanas explorando-o.
Pela breve olhada que Gabrielle tinha jogado a esse lugar, se imaginava que demoraria bastante tempo em familiarizar-se contudo.
—Quanto a ir à cidade durante o dia, fazemo-lo as vezes, embora não muito freqüentemente. Tudo o que necessitamos o podemos pedir pela Internet e o entregam a domicílio.
—Sorriu e se encolheu de ombros—. Não me interprete mal, eu adoro ir aos cafés e de compras tanto como a qualquer, mas aventurar-se fora do complexo sem nossos companheiros sempre implica certo risco. E eles se preocupam quando estamos em algum lugar onde não podem nos proteger. Suponho que as fêmeas que vivem nos Refúgios Escuros tem um pouco mais de liberdade durante o dia que as que estamos vinculadas com os membros desta classe guerreira. Embora não ouvirá nos queixar.
—Há mais companheiras de raça vivendo aqui?
—Há duas mais, além de mim. Eva está vinculada a Rio. As duas lhe cairão bem... são a alma das festas. E Danika é uma das pessoas mais doces que conheci nunca. Era a companheira de raça do Conlan. Ele foi assassinado recentemente, em um enfrentamento com um renegado.
Gabrielle assentiu com gesto sério.
—Sim, inteirei-me disso justo antes de que viesse para me trazer aqui. Sinto muito.
—Tudo é distinto sem ele, mais silencioso. Não sei como Danika vai levar , se te for sincera. Estiveram juntos durante muitos, muitos anos. Conlan era um bom guerreiro, mas era inclusive um melhor companheiro. Também era um dos membros mais antigos deste complexo.
—Até que idade chegam?
—OH, não sei. Muito avançada, para nós. Conlan nasceu da filha de um capitão escocês da época do Colombo. Seu pai era um vampiro da raça daquela geração, de faz quinhentos anos.
—Quer dizer que Conlan tinha quinhentos anos de idade?
Savannah se encolheu de ombros.
—Mais ou menos, sim. Há alguns muito mais jovens, como Rio e Nikolai, que nasceram neste século, mas nenhum deles viveu tanto tempo como Lucan. Ele pertence à primeira geração, filho dos Antigos, dos originários e da primeira linha de companheiras de raça que receberam suas sementes extraterrestres e deram a luz. Pelo que sei, esses primeiros filhos da raça nasceram muito tempo depois de que os Antigos chegassem aqui, ao cabo de vários séculos, segundo a história. Os membros da primeira geração foram concebidos sem desejo e completamente por sorte, cada vez que as violações dos vampiros se faziam em fêmeas humanas cujo sangue tinha umas características únicas e cujo DNA era o bastante forte para levar a cabo uma gravidez híbrida.
Gabrielle imaginou por um instante a brutalidade e a maldade que deveu ter tido lugar nesses tempos.
—Parece que eram animais, os Antigos.
—Eram selvagens. Os renegados operam da mesma maneira e com a mesma falta de consideração pela vida. Se não fosse por guerreiros como Lucan, Gideon e uns quantos mais da Ordem que lhes dão caça por todo mundo, nossas vidas, as vidas de todos os seres humanos, estariam em perigo.
—E o que me diz de Lucan? —perguntou Gabrielle com voz débil—. Quão velho é ele?
—Ah, ele é uma raridade, embora só seja por sua linhagem. Ficam muito poucos de sua geração.
—A expressão de Savannah mostrava certa admiração e mais que respeito.
— Lucan terá uns novecentos anos, posivelmente mais.
—OH, Meu deus. —Gabrielle se recostou na cadeira. Riu ante essa idéia, mas ao mesmo tempo se deu conta de que tinha sentido—. Sabe? A primeira vez que lhe vi, pensei que tinha todo o aspecto de montar a cavalo brandindo uma espada e dirigindo a um exército de cavalheiros a batalha. Tem esse tipo de porte. Como se fosse o proprietário do mundo, e como se tivesse visto tantas coisas que nada pode lhe surpreender. Agora sei por que.
Savannah a olhou com expressão sábia e inclinou a cabeça.
—Acredito que você foste uma surpresa para ele.
—Eu? O que quer dizer?
—Trouxe-te aqui, ao complexo. Nunca tem feito algo assim, não em todo o tempo que faz que lhe conheço, nem tampouco antes pelo que me disse Gideon.
—Lucan diz que me trouxe aqui para me proteger, porque agora os renegados vão detrás de mim. Deus, eu não queria lhe acreditar, não queria acreditar nada de tudo isto, mas é verdade, não?
O sorriso do Savannah era cálida e pormenorizada.
—É.
—Vi-lhe matar a alguém a outra noite, a um servente. Fez-o para proteger-me, sei, mas foi tão violento. Foi horrível. —Sentiu que um calafrio lhe percorria as pernas ao recordar a terrível cena que teve lugar no parque dos meninos.
— Lucan mordeu a garganta do homem e se alimentou dele como uma espécie de...
—Vampiro —repôs Savannah em voz baixa, sem rastro de acusação nem de condenação na voz é o que são, Gabrielle, desde que nasceram. Não é nenhuma maldição nem um desastre. É somente sua forma de viver, uma forma diferente de consumir ao que os humanos têm aprendido que é normal. E os vampiros não sempre matam para alimentar-se. De fato, isso não é habitual, pelo menos entre a população geral da raça, incluída a classe dos guerreiros. E é algo completamente desconhecido entre os vampiros que têm vínculos de sangue, como Gideon ou Rio, dado que seu alimento provém regularmente de suas companheiras de raça.
—Diz-o de uma forma que faz que pareça normal —disse Gabrielle, franzindo o cenho enquanto passava um dedo pelo bordo da taça. Sabia que o que Savannah lhe estava dizendo tinha certa lógica, apesar de que era surrealista, mas aceitava que não ia ser fácil.
— Me aterroriza pensar no que ele é, em como vive. Deveria lhe desprezar por isso.
—Mas não lhe despreza.
—Não —confessou ela em voz baixa.
—Se preocupa por ele, verdade?
Gabrielle assentiu com a cabeça, resistindo a afirmá-lo de palavra.
—E tem uma relação íntima com ele.
—Sim. —Gabrielle suspirou e meneou a cabeça—. E de verdade, não é estúpido? Não sei o que tem que me faz lhe desejar desta maneira. Quero dizer, mentiu-me e enganou a tantos níveis que não posso nem enumerá-los e, apesar de tudo isso, pensar nele faz que me tremam as pernas. Nunca senti este tipo de necessidade com nenhum outro homem.
Savannah sorria desde detrás da taça de chá.
—São mais que homens, nossos guerreiros.
Gabrielle deu um sorvo de chá, pensando que possivelmente não era sensato pensar em Lucan como nada dela, a não ser que tivesse intenção de pôr seu coração sob as botas dele e ver como o pisoteava e o fazia pó.
—Estes machos são apaixonados por tudo o que fazem —acrescentou Savannah.
— E não há nada que possa comparar-se dando e recebendo quando há um vínculo de sangue, especialmente enquanto se faz o amor.
Gabrielle se encolheu de ombros.
—Bom, o sexo é incrível, não vou tentar negá-lo. Mas não tive esse tipo de vínculo de sangue com Lucan.
O sorriso do Savannah fraquejou um momento.
—Não te mordeu?
—Não. Deus, não. —Negou com a cabeça, perguntando-se se podia sentir-se pior do que se sentia.
— Nem sequer tentou provar meu sangue, pelo que sei. Esta mesma noite me jurou que nunca o fará.
—OH. —Savannah deixou com cuidado a taça de chá na mesa.
—Por que? Acha que o fará?
A companheira do Gideon pareceu pensá-lo um momento e logo negou lentamente com a cabeça.
—Lucan nunca faz uma promessa a ligeira, e não o faria com algo como isto. Estou segura de que tem intenção de fazer exatamente o que te há dito.
Gabrielle assentiu com a cabeça, aliviada, Apesar de que a afirmação de Savannah lhe soou quase como se acabasse de lhe dar os pêsames.
—Vêem —lhe disse, levantando-se da mesa e fazendo um sinal a Gabrielle para que a seguisse.
— Vou mostrar-lhe o resto do complexo.
—Algo novo a respeito desses glifos que vimos em nosso sujeito da Costa Oeste? —perguntou Lucan enquanto atirava a jaqueta de pele nas cadeiras que se encontravam perto do Gideon.
Nesse momento estavam os dois sós no laboratório: outros guerreiros se tinham ido relaxar umas quantas horas antes de que Lucan desse as ordens para iniciar a limpeza noturna da cidade. Sentia-se contente de ter essa relativa intimidade. A cabeça começava a lhe pulsar, ameaçando com outra terrível dor de cabeça.
—Não consegui nada, sinto dizer. Não apareceu nada na comprovação dos antecedentes criminais, nem na busca no censo. Parece que nosso menino não está registrado, mas isso não é pouco usual. Os registros da Base de dados de Identificação Internacional são enormes, mas estão longe de ser perfeitos, especialmente no que tem que ver com vocês, os membros da primeira geração. Só ficam uns quantos como você por aí e, por diferentes raciocinio, nunca se ofereceram a ser processados nem catalogados, incluído você.
—Merda —exclamou Lucan, apertando a ponte do nariz sem sentir nenhum alívio da pressão que cada vez sentia com mais força na cabeça.
—Encontra-te bem, cara?
—Não é nada. —Não olhou a Gideon, mas notava que o vampiro o olhava com preocupação.
—O superarei.
—Eu, isto... Inteirei-me que o que aconteceu com você e Tegan a outra noite. Os meninos disseram que você acabava de voltar de uma caçada e que tinha mau aspecto. Seu corpo ainda se está recuperando das queimaduras do sol, já sabe. Tem que tomar as coisas com calma, te curar...
—Hei-te dito que estou bem —lhe cortou Lucan, notando que lhe ardiam os olhos de irritação e que seus lábios desenhavam uma careta e mostravam os dentes.
Entre a presa que tinha caçado na rua e o servente a quem tinha chupado o sangue no parque, tinha ingerido sangue suficiente para todo o tempo de recuperação. A verdade era que, apesar de que físicamente estava satisfeito, ainda desejava mais.
Encontrava-se em um terreno muito escorregadio, e sabia.
A sede de sangue era, somente, permitir a queda.
Controlar essa debilidade estava sendo cada vez mais difícil.
—Tenho um presente para ti —disse Lucan, ansioso por trocar de tema. De um tapa, deixou os dois cartões de cor em cima da mesa.
—As carregue.
—De verdade? Um presente para mim? Querido, não tinha que fazê-lo — disse Gideon, voltando para sua habitual atitude jovial. Já estava introduzindou uma delas na porta USB do disco portátil da máquina que tinha mais perto. Na tela se abriu uma pasta que mostrou uma larga lista de nomes no monitor. Gideon se deu a volta e olhou a Lucan com atitude pensativa.
— São arquivos de imagem. Um montão.
Lucan assentiu com a cabeça. Agora estava dando voltas pela habitação, cada vez mais irritado e acalorado pelas brilhantes luz da habitação.
—Necessito que observe cada uma delas e as compare com todas as localizações de quão renegados conhecemos da cidade, do passado, do presente assim como as suspeitas.
Gideon abriu uma imagem aleatoriamente e soltou um suave assobio.
—Esta é a guarida de renegados que tomamos o mês passado. —Abriu duas imagens mais e as colocou uma ao lado da outra na tela do cimputador—. E o armazém que estivemos vigiando durante duas semana... Jesus, é isto uma imagem do edifício que está em frente do Refúgio Obscuro Quincy?
—Há mais.
—Filho da puta. A maioria destas imagens são de localizações de vampiros, tanto de renegados como da raça. —Gideon passou uma dúzia de fotos mais.
— Ela as tem feito todas?
—Sim. —Lucan fez uma pausa para olhar a tela. Assinalou uma série de arquivos datados da semana em curso.
— Abre este grupo.
Gideon abriu as fotos com uns rápidos movimentos do mouse.
—Deve estar tomando o cabelo. Ela também esteve nos arredores do psiquiátrico? Nesse lugar deve haver centenas de chupões.
Lucan sentiu um aperto no estômago ante essa idéia: o medo era como um ácido na boca do estômago. Sentia as vísceras revoltas, retorcidas por causa da necessidade de alimentar-se. Mentalmente controlou a sede, mas lhe tremiam as mãos e o suor começava a lhe aparecer na frente.
—Um servente a encontrou e a perseguiu até que ela saiu da própiedade —disse com a voz rouca, como se tivesse terra na garganta, e não somente porque tinha o corpo completamente decomposto.
— Teve muita sorte de poder escapar.
—Pois sim. Como encontrou esse lugar? Quer dizer, como pôde encontrar todos estes lugares?
—Diz que não sabe por que se sentiu atraída para eles. É uma especie de instinto especial. Forma parte da habilidade que tem uma companheira de raça de resistir ao controle mental de um vampiro e que lhe permite ver nossos movimentos apesar de que o resto de seres humãos não pode.
—Chame-o como o chama, este tipo de habilidade nos pode resultar de grande ajuda.
—Esquece-o. Não vamos envolver a Gabrielle mais do que já se envolveu. Ela não forma parte disto, e não a vou expor a mais perigos. De todas formas, não vai ficar aqui muito tempo.
—Não crê que podemos protegê-la?
—Não vou permitir que fique em primeira linha de fogo quando uma guerra se está gerando frente a nossas portas. Que tipo de vida seria esta?
Gideon se encolheu de ombros.
—Pois parece que a Savannah e Eva não vai mau.
—Sim, e também foi uma festa para a Danika, ultimamente. —Lucan negou com a cabeça—. Não quero que Gabrielle esteja perto desta violência . Vai partir a um dos Refúgios Escuros logo que seja possível. A algum lugar remoto que esteja o mais longe possível, onde os renegados não possam encontrá-la nunca.
E onde também estivesse a salvo dele. A salvo da besta que se retorcia dentro dele inclusive nesses momentos. Se a sede de sangue finalmente lhe vencia —e ultimamente lhe parecia que era somente uma questão de tempo—, queria que Gabrielle estivesse tão longe como fosse possível.
Gideon, muito quieto, olhava a Lucan.
—Se preocupa por ela.
Lucan lhe devolveu o olhar e sentiu desejos de golpear algo, de destruir algo.
—Não seja ridículo.
—Refiro-me a que é bonita, e é evidente que é valente e criativa, assim não é difícil compreender que qualquer possa sentir-se atraído por ela. Mas... porra. Você se preocupa por ela de verdade, não? —Era evidente que esse vampiro não sabia quando devia calar-se.
— Nunca pensei que chegaria o dia em que uma fêmea te colocasse sob a pele desta maneira.
—É que tenho pinta de querer me unir ao mesmo patético clube do coração e flores ao que você e Rio pertencem? Ou Conlan, com seu cachorrinho em caminho que alguma vez conhecerá seu pai? De verdade, não tenho nenhuma intenção de me vincular com esta mulher nem com nenhuma outra. —Pronunciou um violento juramento—. Sou um guerreiro. Meu primeiro e único dever sempre é para a raça. Nunca houve espaço para nada mais. Assim que encontre um lugar seguro para ela em um dos Refúgios, Gabrielle Maxwell se irá. Esquecida. Fim da história.
Gideon ficou em silêncio um comprido momento, lhe observando dar voltas pela habitação, frenético e mal-humorado, com uma falta de controle que não era própria dele.
O qual somente conseguia enervar o mau humor de Lucan até um nível perigoso.
—Tem algo mais que acrescentar ou podemos deixar este tema por agora?
Os inteligentes olhos azuis do vampiro continuaram lhe olhando de forma enloquecedora.
—Simplesmente pergunto a quem precisa convencer: A mim ou a você mesmo?
Capítulo vinte e dois
A visita de Gabrielle pelo labiríntico complexo dos guerreiros lhe mostrou dependências de residência privadas, zonas comuns, uma sala de treinamento equipada com um incrível sortido de armas e de equipamentos de combate, uma sala para banquetes, uma espécie de capelas e inumeraveis habitações escondidas para várias funções que se mesclavam em sua mente.
Também conheceu Eva, que era exatamente como Savannah lhe havia dito que era. Vivaz, encantadora e bonita como uma supermodelo. A companheira de raça de Rio tinha insistido em sabê-lo tudo a respeito de Gabrielle e de sua vida. Eva era espanhola e falava de voltar ali algum dia com Rio, onde ambos poderiam criar uma família com o tempo. Foi uma agradável apresentação que somente se viu interrompida pela chegada de Rio. Quando ele chegou, Eva se dedicou por inteiro a seu companheiro e Savannah levou a Gabrielle a outras zonas do complexo.
Era impressionante o imensas e eficientes que eram as instalações. Qualquer idéia que ela pudesse ter a respeito de que os vampiros viviam em velhas, cavernosas e úmidas cavernas lhe tinha desaparecido da mente assim que ela e Savannah tiveram concluído esse informal passeio.
Esses guerreiros e suas companheiras viviam com um estilo de alta tecnología e tinham literalmente todos os luxos que pudessem desejar, embora nenhum atraiu tanto a Gabrielle como a habitação em que se encontravam ela e Savannah nesse momento. Umas estanterías de polida madeira escura que foram do chão ao teto enchiam as altas paredes da hábitação e continham milhares de volúmes. Sem dúvida, a maioria eram extranhos, dado a quantidade de quão mesmos estavam encadernados em pele e cujos lombos gravados com ouro brilhavam a suave luz da biblioteca.
—Puxa —exclamou Gabrielle enquanto se dirigia ao centro da habitação e se dava a volta para admirar a impressionante coleção do Livros.
—Você gosta? —perguntou-lhe Savannah, apoiando-se na porta aberta.
Gabrielle assentiu, muito ocupada em olhá-lo tudo para responder. Ao dá-la volta viu uma luxuosa tapeçaria que cobria a parede traseira. Era uma imagem noturna que representava a um enorme cavalheiro vestido do Nnegro e com uma malha de prata, sentado em cima de um escuro cavalo . O cavalheiro levava a cabeça descoberta e seu comprido cabelo de ébano voava ao vento igual aos penachos que ondeavam da ponta de sua lança ensangüentada e no parapeito de um castelo que havia no topo de uma colina, ao fundo.
O bordado era tão intrincado e preciso que Gabrielle pôde distinguir os penetrantes olhos de um cinza pálido desse homem e seus angulosos e marcados maçãs do rosto. Em seu sorriso cínico e quase depreciativo havia algo que lhe resultava familiar.
—OH, Meu Deus. supõe-se que é...? —murmurou Gabrielle.
Savannah respondeu com um encolhimento de ombros e uma risita divertída.
—Quer ficar aqui um momento? Tenho que ir ver Danika, mas eu vou não significa que tenha que ir, se preferir...
—Claro. Sim. eu adorarei ficar um momento por aqui. Por favor, tome o tempo que necessite e não se preocupe por mim.
Savannah sorriu.
—Voltarei logo e nos ocuparemos de te preparar uma habitação.
—Obrigado —repôs Gabrielle, que não tinha nenhuma pressa em que a levassem desse paraíso inesperado.
Assim que a outra mulher teve saído, Gabrielle se deu conta de que não sabia por onde começar A olhar: se pelo tesouro da literatura ou a pintura medieval que representava A Lucan Thorne, que parecia ser de ao redor do século XIV.
Decidiu fazer ambas as coisas. Tirou um incrível volume de poesia francessa, presumivelmente uma primeira edição, de uma das prateleiras e o levou a uma poltrona de leitura colocado ante a tapeçaria. Deixou o livro em cima de uma delicada mesa antiga e, durante um minuto, quão único foi xapaz de fazer foi olhar a imagem de Lucan bordada de forma tão perita com fio de seda. Levantou uma mão, mas não se atreveu a tocar essa peça de museu.
«Meu Deus», pensou, impressionada, ao captar a incrível realidade desse outro mundo.
Durante todo esse tempo, eles tinham existido ao mesmo tempo que os seres humanos.
«Incrível.»
E que pequeno lhe parecia seu próprio mundo à luz desse novo conhecimento. Todo aquilo que acreditava saber sobre a vida tinha sido eclipsado em questão de horas pela larga história de Lucan e do resto dos seuseus.
De repente, o ar pareceu mover-se ao seu redor e Gabrielle sentiu um súbito alarme. Voltou-se rapidamente e se sobressaltou ao encontrar-se com o Lucan real, em carne e osso, em pé, detrás dela, na entrada da habitação, apoiado com um de seus enormes ombros contra o gonzo da porta. Levava o cabelo mais curto que o cavalheiro, seus olhos tinham possivelmente uma expressão de maior obsessão e não se viam tão ansiosos como os que tinha representado o artista.
Lucan era muito mais atrativo em pessoa: inclusive quando estava quieto irradiava um poder inato. Inclusive quando a olhava com o cenho franzido e em silêncio, como nesse momento.
O coração de Gabrielle se acelerou com uma mescla de medo e expectativa assim que viu que ele se separava do gonzo da porta e entrava na habitação. Olhou-lhe, olhou-lhe de verdade, e lhe viu tal e como era: uma força que não tinha idade, uma beleza selvagem, um poder incomensurável.
Um enigma escuro, que resultava tão sedutor como perigoso.
—O que está fazendo aqui? —Em sua voz havia uma nota acusatória.
—Nada —respondeu ela rapidamente—. Bom, se te for sincera, não pude evitar admirar algumas destas coisas tão formosas. Savannah me esteve mostrando o complexo.
Ele grunhiu e se apertou a ponte do nariz sem deixar de franzir o cenho.
—tomamos o chá juntas e estivemos conversando um pouco —disse Gabrielle.
— Eva esteve conosco também. As duas são muito agradáveis. E este lugar é realmente impressionante. Quanto faz que você e outros guerreiros vivem aqui?
Ela se dava conta de que ele tinha pouco interesse em entrar em conversação, mas respondeu, levantando um ombro em um encolhimento despreocupado.
—Gideon e eu fundamos este lugar em 1898 como quartel geral para dar caça aos renegados que se transladaram A esta região. daqui recrutamos a um grupo dos melhores guerreiros para que lutassem conosco. Dante e Conlan foram os primeiros. Nikolai e Rio se unierum a nós mais tarde. E Tegan.
Este último nome lhe era completamente desconhecido a Gabrielle.
—Tegan? —perguntou—. Savannah não lhe mencionou. Ele não estava quando apresentou A outros.
—Não, não estava.
Ao ver que ele não dava mais explicações, a curiosidade a apanhou.
—É um a quem perdestes, como Conlan?
—Não. Não é isso. —Lucan falou com voz entrecortada ao referir-se a este último membro do grupo, como se o tema fora um tema doloroso que preferisse não tocar.
Ele continuava olhando-a intensamente e estava tão perto que ela percebía o movimento de seu peito ao respirar, os músculos que se expandían sob a camisa negra de impecável queda, o calor que seu corpo precía irradiar para ela.
Detrás dele, na parede, seu semelhante olhava da tapeçaria com uma expressão de fervente determinação: o jovem cavalheiro decidido e gravê, seguro de conquistar todo prêmio que encontrasse em seu caminho. Gabrielle distinguia uma sombra mais escura dessa mesma determinação em Lucan agora, enquanto o olhar dele percorria todo seu corpo, de pés a cabeça.
—Esta tapeçaria é incrível.
—É muito velho —disse ele, olhando-a enquanto se aproximava dela.
— Mas suponho que isso já sabe agora.
—É precioso. E te vê tão feroz, como se estivesse a ponto de conquistar o mundo.
—Estava-o. —Olhou a tapeçaria da parede com uma ligeira expressão de brincadeira.
— Eu mandei fazer uns meses depois da morte de meus pais. Esse castelo que se queima, ao fundo, pertencia ao meu pai. Fiz-o cnizas depois de lhe cortei a cabeça por ter matado a minha mãe em um ataque de sede de sangue.
Gabrielle ficou sem fala. Não tinha esperado nada como isso.
—Meu Deus. Lucan...
—Encontrei-a em um atoleiro de sangue em nosso vestíbulo. Tinha a garganta destroçada. Ele nem sequer tentou defender-se. Sabia o que hávia feito. Amava-a, tanto como podiam amar os de sua classe, mas sua sede era mais forte. Não podia negar sua natureza. —Lucan se encolheu de ombros.
— Lhe fiz um favor ao terminar com sua existência.
Gabrielle observou a expressão fria dele e se sentiu tão impressionadá pelo que acabava de ouvir como pelo tom displicente com que o disse. Todo o romântico atrativo que tinha projetado nessa tapeçaria fazia tão somente um minuto, desapareceu sob o peso da tragédia que verdaderamente representava.
— por que quis ter uma lembrança tão bonita de uma coisa tão Terrivel?
—Terrível? —Ele negou com a cabeça—. Minha vida começou essa noite. Eu nunca tive nenhum lente até que me ergui sobre meus pés, sobre o sangue de minha família e me dava conta de que tinha que trocar as coisas: para mim mesmo e para o resto de minha estirpe. Essa noite declarei a guerra a quão antigos ficavam dos da classe de meu pai, e a todos os membros da raça que lhes tinham servido como renegados.
—Isso significa que estiveste lutando durante muito tempo.
—Teria que ter começado muitíssimo antes. —Cravou-lhe uma olhadá de ferro e lhe dirigiu um sorriso arrepiante.
— Não vou me deter nunca. É por isso pelo que vivo: manejo a morte.
—Algum dia ganhará, Lucan. Então toda a violência terminará por fim.
—Você crie? —disse ele, arrastando as palavras com certa brincadeira no tom de voz.
— E sabe com segurança, te apoiando no que? Em seus poucos vinte e sete anos de vida?
—Apóio-o na esperança, para começar. Na fé. Tenho que acreditar que o bem sempre prevalecerá. Você não? Não é por isso que você e os demais fazem o que fazem? Porque têm a esperança de que podem melhorar as coisas?
Ele rio. Na verdade, olhou-a diretamente e rio.
—Mato aos renegados porque o desfruto. Sou retorcidamente bom nisso. Não vou falar dos motivos de outros.
—O que passa contigo, Lucan? Parece... cheio o saco? Desafiador? um pouco psicótico? Está atuando de forma diferente aqui de como atuou antes comigo.
Lhe cravou um olhar mordaz.
—Se por acaso não te deste conta, carinho, agora está em meus domínios. As coisas são diferentes aqui.
A crueldade que via nele nesses momentos a desconcertou, mas foi seu estranho olhar ardente o que de verdade a enervou. Seus olhos eram muito brilhantes, pareciam duros como o cristal. Sua pele havia enrejecido e se via tensa em suas bochechas. E agora que lhe olhava de perto, viu que tinha a frente perlada de suor.
Uma raiva pura e fria emanava dele em feitas ondas. Como se desejasse destruir algo com suas próprias mãos.
E resultava que quão único tinha diante era a ela.
Ele avançou e passou por seu lado em silêncio, dirigindo-se para uma porta fechada que se encontrava perto de uma das altas estanterías. A porta se abriu sem que ele a tocasse. Ao outro lado todo estava tão escuro que Gabrielle pensou que era um armário. Mas ele entrou nesse espaço tenebroso e ela ouviu suas pegadas afastando-se sobre um chão de madeira do que devia ser um passadiço escondido do complexo.
Gabrielle ficou ali em pé, como se acabasse de livrar-se de que uma brutal tormenta a apanhasse. Exalou com força, aliviada. Possivelmente devia deixa-lo partir. Se ter por afortunada por estar longe de seu caminho em esse momento. Estava claro que ele não parecia desejar sua companhia, e ela não estava segura de querer a dele se estava dessa maneira.
Mas algo lhe acontecia, algo estava realmente mal, e tinha que saber o que era.
tragou-se o medo e lhe seguiu.
—Lucan? —No espaço de além da porta não havia nenhuma luz. Somente havia escuridão, e se ouvia o som constante do barulho das botas de Lucan.
— Deus, está muito escuro aqui. Lucan, espera um segundo. me diga algo.
O ritmo de seus passos não se alterou. Parecia mais que ansioso de livrar-se dela. Como se estivesse desesperado por afastar-se dela.
Gabrielle avançou pelo corredor escuro que tinha diante da melhor maneira que pôde, com os braços alargados para diante para ajudar-se A seguir as curvas do passadiço.
—Aonde vai?
—Fora.
—Para que?
—Já lhe hei isso dito. —ouviu-se um ferrolho no mesmo ponto de onde provinha sua voz.
—Tenho que fazer um trabalho. Ultimamente estive muito depravado.
Por causa dela.
Não o disse, mas não havia maneira de interpretar mal o que queria dizer.
—Tenho que sair daqui —lhe disse, cortante—. É hora de que acrescente uns quantos chupões a minha lista.
—A noite já quase passou. Possivelmente teria que descansar um pouco, em lugar disso. Não me parece que esteja bem, Lucan.
—Preciso lutar.
Gabrielle ouviu que seus passos se detinham, ouviu o sussurro do tecido em algum ponto por diante dela, na escuridão, como se ele se deteve e se estivesse tirando a roupa. Gabrielle continuou avançando em direção a esses sons com as mãos para diante, tentando segurar nesse poço escuro interminável. Agora se encontravam em outro espaço; havia uma parede a direita. Utilizou-a como guia, avançando ao longo dela com passos cuidadosos.
—Na outra habitação parecia ruborizado. E sua voz soa... estranha.
—Preciso me alimentar. —Sua voz soou grave e letal, como uma amenaça inequívoca.
Deu-se conta ele de que ela se deteve para lhe ouvir? Devia haver-se dado conta, porque se rio com um humor amargo, como se a intranqüilidade lhe divertisse.
—Mas já te alimentaste —lhe recordou ela—. Justo a outra noite, de fato. É que não tomou suficiente sangue quando matou a esse servente? Acreditei que disse que somente precisava te alimentar uma vez durante vários dias.
—Já é uma perita no tema, verdade? Estou impressionado.
As botas caíram ao chão com um descuidado golpe, primeiro uma e logo a outra.
—Podemos acender algumas luz aqui? Não posso verte...
—Sem luzes —a cortou ele—. Eu vejo perfeitamente. Cheiro seu medo.
Ela tinha medo, nem tanto por ela mas sim por ele. Ele estava mais que enervado. O ar que lhe rodeava parecia pulsar de pura fúria. Chegava até ela através da escuridão, como uma força invisível que a empurrava para trás.
—Fiz algo mal, Lucan? Não deveria estar aqui no complexo? Porque se tiver trocado de opinião a respeito, tenho que te dizer que não estou muito segura de que fora uma boa idéia que eu viesse aqui.
—Agora não há nenhum outro lugar para ti.
—Quero voltar para meu apartamento.
Gabrielle sentiu uma quebra de onda de calor que lhe subia pelos braços, como se ele se deu a volta e a fulminasse com o olhar.
—vieste aqui. E não pode voltar ali. Ficará até que eu dita o contrário.
—Isto se parece muito a uma ordem.
—é.
De acordo, agora ele não era o único que sentia raiva.
—Quero meu telefone celular, Lucan. Tenho que chamar a meus amigos e Aasegurar-me de que estão bem. Logo chamarei um táxi e irei casa, onde tentarei lhe encontrar algum sentido a esta confusão em que se há convertido minha vida.
—Nem pensar. —Gabrielle ouviu um clique metálico de uma arma, e o roce de uma gaveta que se abria.
— Agora está em meu mundo, Gabrielle. Aqui sou eu quem dita as leis. E você está sob meu amparo até que eu consideré que é seguro te soltar.
Ela se tragou a maldição que tinha na ponta da língua. Quase.
—Olhe, esta atitude benevolente de chefe te pode ter funcionado no passado, mas não imagine que a pode utilizar comigo.
O raivoso grunhido que saiu dele foi como uma chicotada que lhe arrepiou os cabelos da nuca.
—Não sobreviveria uma noite aí fora sem mim, compreende-o? Se não tivesse sido por mim, não teria sobrevivido a seu primeiro maldito ano de vida.
Em pé, ali, na escuridão, Gabrielle ficou totalmente icelular.
—O que há dito?
Só obteve um comprido silencio como resposta.
—O que quer dizer com que não tivesse sobrevivido?
Ele soltou um juramento entre os dentes apertados.
—Eu estava ali, Gabrielle. Faz vinte e sete anos, quando uma indefesa mãe jovem foi atacada por um vampiro renegado na estação de ônibus de Boston, eu estava ali.
—Minha mãe —murmurou ela com o coração quase detido. Alargou a mão para trás em busca da parede e se apoiou nela.
—Já a tinha mordido. Estava-lhe chupando o sangue quando o cheirei e lhes encontrei fora da estação. Ele a tivesse matado. Tivesse-te matado também .
Gabrielle quase não podia acreditar o que estava ouvindo.
—Você nos salvou?
—Dava a sua mãe a oportunidade de afastar-se. Mas estava muito mau por causa da mordida. Nada podia salvá-la. Mas ela queria salvarte a você. Escapou contigo em braços.
—Não. Ela não se preocupava comigo. Abandonou-me. Pô-me em um cubo de lixo —sussurrou Gabrielle, com a garganta atendida ao sentir a velha ferida do abandono.
—A mordida a deixou em um estado de comoção. É provável que estivesse desorientada, e que acreditasse que te estava deixando em um lugar seguro. Que te estivesse ocultando do perigo.
Deus, durante quanto tempo se esteve interrogando a respeito da jovem mulher que havia a trazido para o mundo? Quantos cenários havia inventado para explicar, explicar-se a si mesmo pelo menos, o que devia ter acontecido essa noite em que a encontraram na rua, quando era um bebê? Mas nunca tinha imaginado isto.
—Como se chamava?
—Não sei. Não me interessava. Ela era somente outra vítima dos renegados. Eu não tinha pensado em nada disso até que você mencionou a sua mãe em seu apartamento.
—E eu? —perguntou ela, tentando pô-lo tudo em ordem—. Quando veio para ver-me pela primeira vez depois do assassinato, sabia que eu era o bebê a quem tinha salvado?
Ele emitiu uma gargalhada seca.
—Não tinha nem idéia. Vim até ti porque notei seu aroma de jasmim fora da discoteca e te desejava. Precisava saber se seu sangue seria tão doce como o resto.
Ouvir essas palavras lhe fez recordar todo o prazer que Lucan lhe tinha dado com seu corpo. Agora se perguntava como seria que lhe chupasse do pescoço enquanto a penetrava. Para sua surpresa, deu-se conta que era muito mais que curiosidade o que sentia.
—Mas não o fez. Você não...
—E não o farei —respondeu ele, com voz entrecortada. Gabrielle ouviu outra maldição onde se encontrava ele, esta vez de dor.
— Nunca te haveria tocadosse tivesse sabido...
—Se tivesse sabido o que?
—Nada, esquece-o. Só que... Deus, a cabeça me dói muito para falar. Vai daqui. Me deixe só agora.
Gabrielle ficou justo onde estava. Ouviu-lhe mover-se outra vez, foi um surdo roce dos pés. E outro grunhido grave e animalesco.
—Lucan? Está bem?
—Estou bem —grunhiu, o qual parecia algo menos que estuvisse bem—. Necessito né...porra. —Agora respirava com maior dificuldade, quase ofegava.
— Vai daqui, Gabrielle. Preciso estar... sozinho.
Um pouco pesado caiu no tapete do chão com um golpe surdo. Ele inaló com força.
—Não acredito que precise ficar só agora mesmo, absolutamente. Acredito que necessita ajuda. E não posso continuar falando contigo na escuro desta maneira. —Gabrielle passou a mão pela parede procurando atenta a luz.
— Não encontro nenhum...
Seus dedos tropeçaram com um interruptor e o acendeu.
—OH, Meu deus.
Lucan estava dobrado sobre si mesmo no chão, ao lado de uma cama grande. Tirou-se a camisa e as botas e se retorcia como presa de uma dor extrema.As marca do torso e das costas tinham um cor lívido. Intrincada-las curvas e arcos trocavam do púrpura profundou ao vermelho e ao negro a cada espasmo enquanto ele se sujeitava o abdomen.
Gabrielle correu ao seu lado e se ajoelhou. O corpo dele se contraiu grosseiramente e lhe fez encolher-se em uma tensa bola.
—Lucan! O que está acontecendo?
—Vai —lhe grunhiu ele quando ela tentou lhe tocar ao tempo que se apartaba como um animal ferido.
—Vai! Não é... coisa tua.
—E uma merda não é!
—Vai... aaah! —Seu corpo voltou a sofrer uma convulsão, pior que a anterior—. Te aparte de mim.
lhe ver com tanto dor fez que o pânico se apoderasse dela.
—O que te está acontecendo? me diga o que tenho que fazer!
Ele se tombou de costas como se umas mãos invisíveis houvessem lhe feito dá-la volta. Os tendões do pescoço lhe viam tensos como cabos. As veias e as artérias lhe sobressaíam nos bíceps e os antebraços. Tinha uma careta nos lábios que deixava ao descoberta os afiados presas brancas.
—Gabrielle, te largue daqui!
Ela se apartou para lhe ceder espaço, mas não estava disposta a lhe deixar sofrendo dessa maneira.
—vou procurar a alguém? Posso dizer-lhe A Gideon.
—Não! Não... não o pode dizer. Não... A ninguém. —Ele levantou os olhos para ela e Gabrielle viu que se esgotaram em duas magras raias negras rodeadas por uma brilhante cor âmbar. Esse olhar fera lhe atendeu a garganta e lhe fez acelerar o pulso. Lucan se estremeceu e apertou os olhos com força.
—Passará. Sempre passa... ao final.
Para demonstrá-lo, depois de um comprido momento, começou a arrastrar-se para ficar em pé. Resultou-lhe difícil; seus movimentos eram torpes, mas o grunhido que lhe dirigiu quando ela tentou lhe ajudar a comnvénceu para lhe deixar que o fizesse sozinho. Por pura força de vontade, levantou-se e se apoiou com o estômago contra a cama. Continuava ofegando e ainda tinha o corpo tenso e pesado.
—Posso fazer alguma coisa?
—Vai. —Pronunciou essa palavra com angústia—. Só... mantem longe.
Ela permaneceu justo onde estava e se atreveu a lhe tocar ligeiramente o ombro.
—Tem a pele acesa. Está ardendo de febre.
Ele não disse nada. Gabrielle não estava segura de se ele era capaz de prónunciar nenhuma palavra agora que toda sua energia estava dedicada em suportar a dor e em livrar-se do que lhe tinha apanhado, fora o que fosse. Lhe havia dito que precisava alimentar-se essa noite, mas isto parecia ser algo mais profundo que uma fome básica. Era um sofrimento de uma classe que ela nunca tinha visto.
«Sede de sangue.»
Esse era o vício que ele havia dito que era o distintivo dos Renegados. «Quão único distinguia a Raça de seus irmãos selvagens.» Ao lhe olhar nesses momentos, ela se expôs quão difícil devia ser satisfazer uma sede que também podia lhe destruir a um.
E quando a sede de sangue tinha um apanhado, quanto tempo falta para que lhe arrastasse por completo?
—vais pôr te bem —lhe disse com suavidade enquanto lhe acariciava o cabelo escuro.
— Te relaxe. Me deixe que te cuide, Lucan.
Capítulo vinte e três
Encontrava-se convexo em uma sombra fresca e uma suave brisa o acariciava o cabelo. Não queria despertar desse sono profundo e sem pesadelos. Não encontrava essa paz Freqüentemente. Nunca dessa maneira. Queria ficar aí e dormir cem anos.
Mas o ligeiro aroma a jasmim que flutuava perto dele fez despertar. Inalou o doce aroma com força para enchê-los pulmões, saboreando-o na parte traseira do paladar. Desfrutando-o. Abriu os olhos, pesados, e viu uns bonitos olhos marrons que lhe devolviam o olhar.
—Encontra-te melhor?
A verdade era que se encontrava melhor. A aguda dor de cabeça tinha desaparecido. Já não tinha a sensação de que lhe estavam arrancamndou a pele. A dor no abdômen que lhe tinha feito retorcer-se reduziu a um mal-estar profundo, intensamente incômodo, mas nada que não pudesse suportar.
Tentou lhe dizer que se encontrava melhor, mas a voz lhe saiu como um grasnido agudo. esclareceu-se garganta e se esforçou em pronunciar um sounido.
—Estou bem.
Gabrielle estava sentada na cama ao seu lado e tinha a cabeça dele em seu regaço. Estava-lhe pondo um trapo fresco e úmido na frente e nas bochechas. Com a outra mão lhe acariciava o cabelo com seus dedos suaves e cuidadosos.
Era agradável. Tão incrivelmente agradável.
—Encontraste-te muito mal. Estava preocupada com você.
O grunhiu ao recordar o que tinha acontecido. O ataque de sede de sangue lhe tinha convexo de costas. Tinha-lhe reduzido A uma débil bola de dor. E ela o tinha presenciado tudo. Merda, desejava arrastar-se a um escuro buraco e morrer por ter permitido que alguém lhe visse nessas condições. Especialmente Gabrielle.
A humilhação por sua própria debilidade foi um duro golpe, mas foi um repentino ataque de medo o que lhe obrigou a incorporar-se e a despertar por completo.
—Deus, Gabrielle. Hei-te... tenho-te feito mal?
—Não. —Lhe tocou a mandíbula. Não havia nem rastro de medo em seu olhar nem em sua carícia.
_ Estou bem. Não me fez nada, Lucan.
«Graças a Deus.»
—Leva posta minha camisa —lhe disse, dando-se conta de que o suéter dela e sua calça tinham desaparecido e que suas esbeltas curvas estavam envoltas em sua camiseta negra. Quão único ele levava era a calça,
—Ah, sim —repôs ela, tirando um fio solto da camiseta—. Me pus faz isso um momento, quando Dante veio te buscando. Disse-lhe que estava na cama, dormindo. —ruborizou-se um pouco.
—Pensei que se sentiria menos inclinado a fazer perguntas se lhe abria a porta assim.
Lucan apoiou as costas na cama e a olhou com o cenho franzido.
—mentiste por mim.
—Parecia ser muito importante para ti que ninguém te visse... como estava.
Ele a olhou: ali, sentada, tão confiada com ele. sentiu-se admirado. Qualquer que lhe tivesse visto nesse estado lhe tivesse usado uma folha de titânio no coração, e tivesse feito bem. Mas ela não tinha tido medo. Ele acabava de enfrentar-se com um de seus piores ataques até esse momento, e Gabrielle tinha estado com ele todo o momento. lhe cuidando.
Lhe tinha protegido.
Sentiu que o peito lhe enchia de respeito. De uma profunda gratidão.
Ele nunca tinha experiente como isso fazia lhe sentir um, o poder confiar em alguém dessa maneira. Sabia que qualquer de seus irmãos lhe houvesse coberto as costas na batalha, igual a ele tivesse feito com eles, mas isto era distinto. Alguém lhe tinha cuidado. Havia-lhe prótegido quando tinha estado mais vulnerável.
Inclusive quando lhe tinha cuspido e lhe tinha grunhido, tentando apartar-la dele. lhe permitindo lhe ver como a besta que verdadeiramente era.
Ela se tinha ficado ao seu lado, Apesar de tudo isso.
Ele não tinha as palavras adequadas para lhe dar as obrigado por algo tão profundamente generoso. Em lugar disso, inclinou-se e a beijou, com toda a suavidade que pôde, com toda a reverência que nunca seria capaz de expressar adequadamente.
—Deveria me vestir —disse, gemendo ao dar-se conta de que tinha que deixá-la.
— Estou melhor agora. Tenho que ir.
—Ir, onde?
—Fora, a acabar com uns quantos renegados mais. Não posso deixar que outros façam todo meu trabalho.
Gabrielle se aproximou dele, na cama, e lhe pôs a mão no antebraço.
—Lucan, são as dez da manhã. Aí fora é de dia.
Ele girou a cabeça para olhar o relógio da mesinha de noite e viu que tinha razão.
—Merda. dormi toda a noite? Dante vai dar uma boa sova no traseiro por isso.
Os lábios do Gabrielle desenharam um sorriso sensual.
—A verdade é que ele tem a impressão de que você me deste uma boa sova no meu durante toda a noite, recorda?
A excitação despertou em seu interior como uma chama prende na isca seca.
«Maldita seja.»
«Só pensando-o.»
Ela estava sentada sobre as pernas e a camiseta negra lhe caía justo sobre o início das coxas, o qual lhe oferecia uma visão de umas minúsculas calcinhas brancas ao final dessa pele branca. O cabelo lhe caía al redor do rosto e sobre os ombros em suntuosas ondas, e o fazia desejar enterrar as mãos nele e afundar-se em seu corpo.
—Detesto que tenha tido que mentir por mim —lhe disse, com voz rouca. Passou-lhe uma mão ao longo da sedosa curva de um dos músculos.
— Deveria fazer que fosse uma mulher honesta.
Tomou os dedos da mão e os sujeitou.
—De verdade crie que está preparado para isso?
Ele rio com um humor negro.
—OH, estou mais que preparado para isso.
Embora lhe olhava com calidez e um olhar de interesse, também expresava certa duvida.
—passaste por um momento difícil. Possivelmente deveríamos falar do que aconteceu. Possivelmente fora uma idéia melhor que descansasse um pouco mais.
Quão último ele queria fazer era falar de seus problemas, especialmente nesse momento em que Gabrielle tinha um aspecto tão tentador na cama. Ele sentia que seu corpo se recuperou da batalha, e seu sexo tinha cobrado vida com facilidade. como sempre, quando se encontrava perto dela. Quando pensava nela.
—Já me dirá se preciso descansar mais.
Tomou uma mão e a levou até a dura crista de sua ereção, que se apertava contra a cremalheira da calça. Ela acariciou o dolorido vulto de seu membro e logo girou a mão para tomá-lo na palma da mão. Ele fechou os olhos, perdendo-se no contato dela e no quente perfume de sua excitação enquanto ela se colocava entre seus braços.
Beijou-a, larga e profundamente, em uma lenta união de seus lábios. Lucan deslizou as mãos sob a camiseta e com os dedos subiu pela sedosa pele das costas dela, pelas costelas e pela deliciosa curva dos peitos. Os mamilos lhe endureceram quando os acariciou, como pequenos casulos que suplicassem ser lambidos.
Ela arqueou as costas com o contato de suas mãos e gemeu. Com os dedos abriu o fechamento e a braguilha de sua calça. Baixou-lhe a cremalheira. Deslizou-os dentro e colocou a palma da mão em cima de toda a longitude de seu membro.
—É tão perigosa —lhe sussurrou ele contra os lábios—. Eu gosto de verte aqui, em meus domínios. Não acreditei que aconteceria. Deus sabe que não deveria.
Levou as mãos até a prega da camiseta e a subiu pela cabeça para tirar-lhe e poder apreciar sem dificuldades o corpo desnudou dela. Apartou-lhe o cabelo e lhe acariciou com ternura o pescoço com os nódulos.
—De verdade sou a primeira mulher a quem trouxeste aqui?
O sorriu com ironia enquanto lhe acariciava a pele suave.
—Quem lhe há isso dito? Savannah?
—É verdade?
Ele se inclinou para diante e tomou um dos mamilos rosados entre os lábios. Empurrou-a com o peso de seu corpo para colocá-la debaixo dele enquanto se tirava rapidamente a calça. As presas começaram a alargar-se o o desejo escapava a seu controle rapidamente e lhe percorria todo o corpo como ondas ardentes.
—Você é a única —lhe disse com voz densa, com honestidade pela comfiança que lhe tinha devotado umas horas antes.
Gabrielle seria a última mulher a quem levaria ali, também.
Não podia imaginar ter na cama a ninguém mais. Nunca permitiria que ninguém voltasse a entrar em seu coração. Porque tinha que enfrentar a uma dura realidade: e isso tinha feito. Depois de seu cuidadoso controle e de todos esses anos de solidão auto imposta, tinha baixado a guarda emocional e Gabrielle tinha enchido esse vazio como ninguém o encheria nunca.
—Deus, é tão suave —lhe disse, acariciando-a, percorrendo um flanco de seu corpo e o abdômen com os dedos até que chegou a delicada curva do quadril. Deu-lhe um beijo nos lábios.
— Tão doce.
Sua mão avançou para baixo, entre as coxas, e lhe fez abrir as pernas para lhe permitir continuar com a exploração.
—Tão úmida —murmurou, penetrando seus lábios com a língua enquanto introduzia um dedo por debaixo das calcinhas e lhe acariciava as úmidas dobras da vagina.
Penetrou-a, só como um meio ao princípio, e logo com profundidade. Ela se sujeitou a ele, arqueou as costas ao sentir que dois dedos mais penetravam em seu corpo mas não deixou de acariciar a suave e dura ereção dele. Ele interrompeu o beijo e lhe tirou a peça de tecido que lhe cobria o sexo. Logo foi descendo por seu corpo, empurrou-lhe as pernas, abrindo as, e se inundou entre elas.
—Tão formosa —disse, sem fôlego e fascinado pela rosada perfeição dela. Apertou o rosto contra ela, abriu-a com os dedos e lhe acariciou o clitóris e as úmidas dobras que o rodeavam com a língua. Conduziu-a até um rápido climax e saboreou os fortes tremores que percorreram seu corpo enquanto lhe cravava os dedos nos ombros e gritava de prazer.
—Deus, destroça-me, mulher. Nunca tenho bastante de ti.
Sentia-se tão enfebrecido por estar dentro dela que quase não ouviu a pequena exclamação que Gabrielle soltou quando ele a cobriu com seu corpo. Sim percebeu a repentina quietude em que tinha ficado ela, mas foi sua voz o que lhe fez ficar paralisado.
—Lucan... seus olhos...
Com uma reação instintiva, apartou o rosto dela. Muito tarde. Sabia que ela tinha visto o resplendor sedento que seu olhar tinha adquirido. Era o mesmo olhar selvagem que ela tinha visto nele a outra noite, ou lhe parecia o bastante como para que seus olhos de ser humano não pudessem registrar a diferença entre a sede de sangue e a intensidade do desejo.
—Por favor —disse ela com suavidade—. Deixa que te olhe.
Negligentemente, apoiou-se sobre os punhos para elevar-se por cima dela e a olhou Aos olhos. Viu um brilho de alarme no olhar dela, mas não se separou dele. Olhou-lhe com atenção, lhe estudando.
—Não vou fazer te danifico —disse ele, com voz áspera e pastosa. Ao falar lhe permitiu ver as presas: agora já não era capaz de lhe ocultar nenhuma das reações de seu corpo é necessidade, Gabrielle. Desejo.
_ Você me provoca isto. Às vezes somente de pensar em ti... —Se interrompeu e soltou um juramento em voz baixa.
— Não quero te assustar, mas não posso deter esta mudança. Não, porque te desejo muito.
—E as outras vezes que estivemos juntos? —perguntou ela em um sussurro e com o cenho franzido.
— Me ocultaste isto? Sempre éescondía o rosto e apartava o olhar quando fazíamos o amor?
—Não quero te assustar. Não queria que visse o que sou.
—Esboçou um sorriso de brincadeira.— Mas já o viu tudo.
Ela meneou a cabeça devagar e tomou o rosto com ambas as mãos. Dirigiu-lhe um olhar intenso, como assimilando tudo o que ele era. Tinha os olhos úmidos, reluzentes, com um brilho incrível, e uma expressão tenra e afetuosa que irradiava para ele.
—É formoso para mim, Lucan. Sempre quererei te olhar. Não há nada que tenha que me esconder nunca.
Essa sincera declaração lhe comoveu. Lhe devolvia o olhar de seus olhos selvagens enquanto lhe acariciava a mandíbula, rígida, e percorria com dedos brincalhões seus lábios entreabertos. As presas lhe doíam, se Aalargavam ainda mais, por causa desse suave contato com que ela explorava seu rosto.
Como se queria lhe demonstrar algo —ou, possivelmente, a ele— deslizou um dedo por entre seus lábios e o introduziu na boca. Lucan emitiu um profundo grunhido gutural. Pressionou-lhe o dedo com a língua, com força, e sentiu o roce tenro de seus dentes contra a pele dela. Fechou os lábios e succionó para que seu dedo penetrasse mais em sua boca.
Viu que Gabrielle tragava saliva. Cheirou a adrenalina que lhe percorreu o corpo e que se mesclava com o aroma de seu desejo.
Era tão endiabradamente formosa, tão suave e generosa, tão valente em tudo aquilo que fazia, que não podia evitar sentir-se impressionado por ela.
—Confio em ti —lhe disse ela, e seus escuros olhos se escureceram pelo desejo. Lhe soltou o dedo lentamente de entre seus afiados dentes.
— E te desejo. Desejo cada parte de ti.
Isso era mais do que ele podia suportar.
Com um grunhido animal de lascívia, desabou-se sobre ela, colocou a pélvis entre suas coxas e lhe fez abrir as pernas empurrando-lhe com os joelhos. Sentiu seu sexo úmido e quente na ponta do pênis, uma bem-vinda a que não pôde resistir. Com uma forte investida, a empaló, deslizando-se para dentro tudo o que pôde. Ela recebeu cada centímetro dele, seu tenso túnel lhe envolveu como um punho e lhe banhou em um calor maravilhoso e molhado. Lucan soltou o ar entre os dentes ao notar que as paredes do sexo dela tremeram ao notar que ele se retirava lentamente. Voltou a enchê-la, esta vez lhe levantando os joelhos com os braços para poder estar mais perto, para afundar-se mais nela.
—Sim —lhe animou ela enquanto começava a mover-se com ele a um ritmo que era algo menos suave.
— Deus, Lucan, sim.
Lucan sabia que o rosto dela se endureceu pela força da lascívia dele; provavelmente, ele nunca se mostrou tão bestial como nesse momento: sentia o sangue como lava líquida que chamasse a essa parte dele que era a maldição da brutal linhagem de seu pai. A fodeu com força e tentou ignorar essa necessidade vibrante que despertava em seu interior e que lhe exigia algo mais que esse imenso prazer.
Sua atenção ficou muito fixa na garganta de Gabrielle, onde uma delicada veia pulsava debaixo de sua pele delicada. A boca lhe encheu de saliva, febrilmente, apesar da pressão que sentiu na base da coluna vertebral e que indicava que se aproximava do climax.
—Não te detenha —lhe disse ela sem o mais mínimo tremor na voz. Que Deus a ajudasse, mas lhe atraiu mais para si e lhe agüentou o olhar bestial enquanto lhe acariciava a bochecha com os dedos quentes.
— Tira de mim tudo o que necessite. Mas... OH, Deus... não te detenha.
O olfato de Lucan se encheu do erótico aroma dela e do penetrante aroma ligeiramente metálico do sangue que lhe tingia os peitos e lhe coloria a pálida pele do pescoço e o rosto. Rugiu de agonia, lutando por negar-se a si mesmo —lhes negar a ambos— o êxtase que somente se podia obter com o beijo de um vampiro.
Arrancou o olhar de sua garganta e investiu contra seu corpo com um vigor renovado que a levou a ela, e logo a ele, até um orgasmo demolidor.
Mas esse desafogo somente mitigou uma parte de sua necessidade.
A outra, mais profunda, persistia e piorava a cada pulsado do coração do Gabrielle.
—Porra. —apartou-se a um lado, na cama, e sua voz soou rouca e fébril.
—O que acontece? —Gabrielle lhe pôs uma mão no ombro.
Aproximou-se dele e ele notou o calor exuberante de seus peitos contra suas costas. Levou as pernas para o bordo da cama, sentou-se e apoiou a cabeça entre as mãos. Passou-se os dedos, trementes, pelo cabelo. A suas costas, Gabrielle estava calada; ele se deu a volta e a olhou Aos olhos, interrogadores.
—Não tem feito nada mal. É muito para mim, e tenho que... Não consigo ter bastante de você, agora mesmo.
—Não passa nada.
—Não. Não deveria estar contigo desta maneira, quando necessito. .. — «A você», repôs todo seu corpo—. Deus Santo, isto não é bom.
Ele se deu a volta outra vez, preparado para levantar-se da cama.
—Lucan, se estiver sedento... se necessitar sangue...
Ela se aproximou dele por detrás. Passou-lhe um braço por cima do ombro e levou uma mão até seu queixo.
—Gabrielle, não me ofereça isso. —Pensativo, separou-se dela, igual a se tivesse afastado de um veneno. Levantou-se e colocou a calça. Começou a dar voltas pela habitação.
— Não vou beber de você, Gabrielle.
—por que não? —Disse-o em tom doído, confundida.
— É evidente que o necessita. E sou o único ser humano por aqui neste momento, assim suponho que tem que ficar comigo.
—Não é isso. —Negou com a cabeça e fechou os olhos, apertando-os para obrigar a essa parte bestial nele a retirar-se.
— Não posso fazê-lo. Não te vou atar para mim.
—Do que está falando? Não passa nada se me fode mas a idéia de aceitar meu sangue te revolve o estômago? —Soltou uma gargalhada mordaz.
—Merda, Lucan. Não me posso acreditar isso: sinto-me realmente insultada com isto.
—Isto não vai funcionar —disse ele, furioso consigo mesmo por colocar a ambos em um poço ainda mais profundo por causa de sua própria falta de controle quando estava ao lado dela.
— Isto não vai sair bem. Deveria ter deixado as coisas claras entre nós desde o começo.
—Se tiver que me dizer algo, espero que o faça. Sei que tem um problema, Lucan. É bastante difícil não dar-se conta, depois de te haver visto ontem à noite.
—Não é isso. —Soltou uma maldição.
— Mas é parte disso. Não quero te fazer danifico. E se beber seu sangue, farei-lhe isso. Antes ou depois, se tiver um vínculo de sangue comigo, farei-te mal.
—Ter um vínculo de sangue contigo —repetiu ela, devagar.
— Cóomo?
—Leva a marca das companheiras de raça, Gabrielle. —Fez-lhe um gesto assinalando seu ombro esquerdo.
— Está aí, justo debaixo de sua orelha.
Ela franziu o cenho e levou a mão até o lugar exato de sua pele onde tinha as marca com forma de lágrima e de lua crescente.
—Isto? É uma marca de nascimento. Tenho-a desde que tenho uso de razão.
—Todas as companheiras de raça têm esta marca em algum lugar do corpo. Savannah e as demais fêmeas a têm. Minha própria mãe Tambem . Todas vocês a têm.
Ela tinha ficado muito quieta, agora. Falou com voz muito débil.
—Quanto faz que sabe isto de mim?
—Vi-a a primeira noite que fui ao seu apartamento.
—Quando levou as fotos de meu celular?
—Depois —disse ele.
— Quando voltei logo, e você estava dormindo na cama.
A compreensão se fez visível na expressão do rosto do Gabrielle com uma mescla de surpresa e de dor emocional.
—Você estava aí. Acreditei que tinha sonhado contigo.
—Nunca notaste este mundo em que está porque não é seu mundo, Gabrielle. Suas fotografias, o fato de que se sentisse atraída pelos lugares que albergam aos vampiros, sua confusão com seus sentimentos a respeito do sangue e a compulsão por fazê-la fluir: todas estas são partes de quem você é de verdade.
Lucan se deu conta de que ela se estava esforçando por aceitar o que estava ouvindo, e detestou não ser capaz de lhe fazer as coisas mais fácil . Era melhor, pois, que o deixasse tudo claro e acabasse com isso.
—Um dia encontrará a um macho adequado e tomará como companheiro. Ele somente beberá de você, e você dele. O sangue lhes unirá em um sozinho ser. É um juramento sagrado entre os nossos. Um juramento que eu não posso te fazer.
A expressão ferida do rosto do Gabrielle era como se ele acabasse de lhe dar uma bofetada.
—Não pode... ou não quer?
—O que importa isso? Estou-te dizendo que isso não vai acontecer porque não o vou permitir. Se tivermos um vínculo de sangue, estarei unido a você enquanto fique um hálito de vida em meu corpo e no teu. Você nunca estará livre de mim porque esse vínculo me obrigará para te buscar até qualquer lugar aonde possa fugir.
—por que crê que eu fugiria de você?
Ele exalou com força.
—Porque, um dia, esta coisa contra a que estou lutando vai poder comigo e não posso suportar a idéia de que você te encontre em meu camihno quando isso aconteça.
—Está falando da sede de sangue.
—Sim —disse ele. Era a primeira vez que de verdade o reconhecia, inclusive ante si mesmo. Durante todos estes anos tinha conseguido escondê-lo. Mas não o tinha conseguido ante ela.
— A sede de sangue é a maior debilidade dos de minha classe. É um vício, uma condenada praga. Uma vez te tem em seu poder, muito poucos vampiros têm a força necessária
para escapar dela. Convertem-se em renegados e logo estão perdidos.
—Como acontece?
—Para cada um é diferente. Às vezes, a enfermidade se instala pouco a pouco. A sede vai crescendo e alguém vai satisfazendo. Alguém a satisfaz sempre que o exige, e uma noite um se dá conta de que essa necessidade nunca fica satisfeita. Para outros, um momento de descuido e indulgencia pode conduzir a passar ao outro lado.
—E como é para você?
Seu sorriso se fez tenso, foi como se descobrisse os dentes e as presas.
—Tenho a duvidosa honra de levar o sangue de meu pai nas veias. Se os renegado forem umas bestas, não são nada comparados com o açoite que iniciou nossa estirpe. Para os da primeira geração, a tentação sempre está presente, tem mais força em nós que em outros. Se quer saber a verdade, estive enganando a sede de sangue desde que a provei pela primeira vez.
—Assim tem um problema, mas o superou a outra noite.
—Consegui controlá-lo, obrigado em grande medida a você, mas cada vez é pior.
—Pode superá-lo outra vez. Superaremo-lo juntos.
—Você não conhece minha história. Já perdi meus dois irmãos a causa desta enfermidade.
—Quando?
—Faz muito tempo. —Franziu o cenho, recordando um passado que não gostava de desenterrar. Mas as palavras acudiam rapidamente agora, queria as pronunciar ou não—. Evran, o do meio dos três, converteu-se em renegado justo quando se fez adulto. Morreu em combate, lutando no bando equivocado durante uma das antigas guerras entre a raça e os renegados. Marek era o maior, e quem tinha menos medo. Ele, Tegan e eu formávamos parte do primeiro grupo de guerreiros da raça que se levantou contra o último dos Antigos e seus exércitos de renegados. Fundamos a Ordem mais ou menos na época da grande praga que os humanos sofreram na Europa. Ao cabo de quase cem anos, a sede de sangue se levou a Marek; foi em busca do sol para terminar com sua desgraça. Inclusive Tegan teve um roce com o vício faz muito tempo.
—Sinto-o —disse ela com suavidade.
— Perdeste muito por causa disto. E por causa deste conflito com os renegados. Dou-me conta de que te aterroriza.
Ele teve uma resposta frivola imediata na ponta da língua, uma tolice que não duvidaria em responder a qualquer de outros guerreros que mostrassem a presunção suficiente para acreditar que lhe tinha medo a algo. Mas essa resposta ficou presa em sua garganta ao olhar a Gabrielle porque sabia que lhe compreendia melhor do que ninguém lhe tinha compreendido em sua larga existência.
Conhecia-lhe em um plano no qual ninguém mais lhe tinha conhecido, e uma parte dele ia jogar isso de menos quando chegasse o momento de mandá-la longe, ao futuro que lhe esperava em um dos Refúgios Oscuros.
—Não sabia que você e Tegan tinham estado juntos desde tanto tempo — disse Gabrielle.
—Ele e eu estivemos juntos sempre, desde o começo. Os dois somos da primeira geração, e ambos juramos que nosso dever consiste em defender A nossa estirpe.
—Mas não são amigos.
—Amigos? —Lucan rio ao pensar nos séculos de antagonismo entre eles.
_ egan não tem amigos. E se os tivesse, seguro que não me contaria entre eles.
—Então, por que lhe permite estar aqui?
—É um dos melhores guerreiros que conheci. Seu compromiso com a Ordem é muito mais profundo que qualquer ódio que possa sentir porim. Compartilhamos a crença de que não há nada mais importante que proteger o futuro da raça.
—Nem sequer o amor?
Ele não pôde falar durante um segundo: sentiu-se apanhado com a guarda baixa quando franca pergunta e não desejava pensar aonde lhes podia conduzir isso. Não tinha experiência nessa emoção em particular. E por causa da maneira em que transcorria sua vida nesses momentos, não queria nem pensar em nada que lhe parecesse.
—O amor é para quão machos escolhem levar uma vida branda em um Refúgio Escuro. Não para os guerreiros.
—Alguns de outros que vivem neste complexo lhe discutiriam isto.
Ele a olhou com serenidade.
—Eu não sou como eles.
Ela baixou a cabeça imediatamente e olhou para baixo para ocultar seus olhos ante ele.
—Então, no que me converte tudo isto? Represento somente uma maneira de passar o tempo enquanto continua matando renegados e fingindo que tem tudo sobrecontrole? —Levantou o olhar e tinha os olhos alagados de lágrimas.
— Sou um brinquedo que tomadas somente quando precisa gozar?
—Não te queixaste.
Gabrielle ficou sem respiração e uma ligeira exclamação ficou apanhada na garganta. Olhou-lhe, evidentemente consternada e com todo o direito de está-lo. Sua expressão foi primeiro de abatimento e logo se endureceu adotando um aspecto duro como o cristal.
—Que lhe fodam.
O desprezo que sentia para ele nesse momento era compreensível, mas isso não o fazia mais fácil de aceitar. Ele nunca tivesse aceito esse insulto verbal de ninguém. Antes desse momento, nunca ninguém tinha tido o valor de lhe desafiar. Lucan, o distante, o assassino frio e duro que não tolerava nenhum tipo de debilidade, e muito menos em si mesmo.
Apesar de todos os limites e a disciplina que tinha conseguido implantar durante esses séculos de vida, ali estava, destroçado por uma mulher a quem tinha sido o suficientemente louco para deixar que se o cerca-se. E se preocupava com ela, além disso, muito mais do que deveria. O qual fazia que o fato de lhe fazer machuco nesse momento lhe parecesse muito mais repugnante, apesar do fato de que a noite passada lhe fez claro que era necessário que a apartasse. Era inevitável, e se fingia que ela algum dia poderia adequar-se a sua forma de vida, era ainda pior.
—Não quero te fazer danifico, Gabrielle, e sei que lhe farei isso.
—E o que crie que está fazendo agora mesmo? —sussurrou ela, com um nó na garganta.
—Sabe? Acreditei-te. Merda, de verdade acreditei todas as mentiras que me disse. Inclusive essa tolice de que queria ajudar-me a encontrar meu verdadeiro destino. De verdade acreditei que se preocupava comigo.
Lucan se sentiu impotente, o mais frio dos bodes por deixar que as coisas lhe escapassem das mãos até tal ponto com ela. Dirigiu-se a uma cômoda, tirou uma camisa limpa e a pôs. Logo foi até a porta que conduzia ao vestíbulo de fora de seus apartamentos privados e se deteve para olhar a Gabrielle.
Desejava tanto alargar os braços para ela, tentar melhorar as coisas de algum jeito. Mas sabia que seria um engano. Se a tocava, voltaria a tê-la outra vez entre os braços.
Então possivelmente não seria capaz de deixá-la partir.
Abriu a porta, preparado para sair.
— Encontraste seu destino, Gabrielle. Tal e como te disse que aconteceria. Eu nunca te disse que seria comigo.
CONTINUA
Capítulo dezesseis
Tinha que deixá-la partir.
Havia fodido as coisas tanto que não acreditava que houvesse maneira de fazer entrar em razão a Gabrielle essa noite. Possivelmente nunca.
Da esquina de frente a observou enquanto ela percorria o outro lado da rua com passos largos, dirigindo-se para Deus sabia onde. A via pálida e aniquilada, como se acabassem de lhe dar um golpe no peito.
Que era exatamente o que lhe tinha acontecido, admitiu ele com tristeza.
Possivelmente fosse o melhor que ela partisse lhe acreditando um mentiroso e um lunático perigoso. Essa hipótese tampouco se afastava tanto da realidade, depois de tudo. Mas a opinião que ela tivesse dele tampouco era o importante, de todas formas. Conseguir pôr a salvo a uma companheira de raça sim o era.
Podia deixá-la voltar para casa, lhe dar uns quantos dias para que se tranquilizasse e para que começasse a aceitar que a tinham enganado. Logo podia enviar a Gideon para que suavizasse as coisas e para que a pusesse sob o amparo da raça, que era onde ela devia estar. Gabrielle podia escolher uma vida nova em qualquer dos Refúgios Escuros que havia ocultos por todo mundo. Podia viver feliz e segura e encontrar a um macho que fosse um verdadeiro companheiro para ela.
Nem sequer teria que voltar a lhe ver nunca mais.
Sim, pensou ele, esse era o melhor curso que podia tomar a ação a partir desse momento.
Mas, sem ter em conta nada disso, deu-se conta de que se estava afastando da esquina e que caminhava pela rua seguindo a Gabrielle, incapaz de permitir que ela se afastasse agora inclusive apesar de que isso era o que ela mais necessitava.
Atravessou uns sulcos com pouco tráfico noturno e um chiado de pneumáticos lhe chamou a atenção. Um velho e oxidado carro apareceu desde um dos becos próximos a delegacia de polícia a toda velocidade em meio da rua. O motor rugiu, acelerado, e os pneumáticos chiaram no asfalto enquanto o carro se dirigia como uma besta para sua frente que se encontrava ao final da rua.
Gabrielle.
Maldito desgraçado.
Lucan se precipitou em uma amalucada carreira. Seus pés comiam o pavimento, movendo-se com toda a velocidade que podia lhes dar.
O carro se deteve na esquina, a uns metros diante de Gabrielle, lhe fechando o passo. Ela se deteve em seco. Do guichê aberto do carro lhe dirigiram uma ordem em voz baixa. Ela negou com a cabeça violentamente e logo gritou; seu rosto adquiriu uma expressão severa assim que a porta do carro se abriu e um macho humano saiu dele.
—Por Deus, Gabrielle! —gritou Lucan, tentando deter mentalmente ao assaltante sem conseguir outra coisa que um vazio de desconexão imperturbavel.
Um servente, deu-se conta com um sentimento de desdém. Somente seu senhor, o renegado que possuísse a esse humano, era capaz de dirigir sua mente. E o esforço mental que Lucan tinha realizado para tentá-lo tinha feito avançar mais devagar. Somente eram uns poucos segundos os que tinha perdido, mas eram muitos.
Gabrielle girou rapidamente para a esquerda e entrou correndo em um parque infantil com seu perseguidor lhe pisando nos calcanhares.
Lucan a ouviu gritar com força, viu que o ser humano que a perseguia alargava uma mão e a sujeitava pela rabo-de-cavalo em que se recolheu o cabelo.
O bastardo a atirou ao chão e tirou uma pistola da parte de atrás do cinturão da calça.
Colocou o canhão da pistola no rosto do Gabrielle.
—Não! —rugiu Lucan no momento em que lhes dava alcance. De uma forte patada apartou ao ser humano de cima de Gabrielle.
Enquanto o tipo rodava pelo chão, a arma se disparou e uma bala atravessou as árvores. Lucan cheirou sangue. Esse aroma metálico provinha tanto de Gabrielle como de seu atacante. Não era dela, determinou imediatamente e com alívio assim que se deu conta de que não tinha o característico aroma de jasmim de Gabrielle.
O sangue era fresco e empapava o peito da camisa do servente. Esse aroma despertou a parte mortífera de Lucan que sempre se sentia faminta e que desejava saciar-se. Sentiu que as gengivas lhe vibravam em resposta a esse instinto, mas maior que todo isso era a raiva que sentia ao pensar na possibilidade de que essa escória tivesse podido fazer mal a Gabrielle. Com um olhar mortífero cravado no servente, Lucan ofereceu a mão a Gabrielle para ajudá-la a levantar do chão.
—Tem-te feito mal?
Ela negou com a cabeça, mas teve que reprimir um soluço, quase um gemido de histeria, que ficou apanhado na garganta.
—É ele, Lucan, é o que me estava vigiando no parque o outro dia.
—É um servente —lhe disse Lucan, pronunciando essa palavra com as mandíbulas apertadas. Não lhe importava quem fora esse ser humano. Ao cabo de uns minutos, já formaria parte da história de toda maneira.
— Gabrielle, tem que partir daqui, querida.
—O que? Refere-te a que te deixe aqui com ele? Lucan, tem uma arma.
—Vai agora, menina. Volta por onde vieste e vai a casa. Me assegurarei de que esteja a salvo ali.
O servente estava no chão, dobrado sobre si mesmo, ainda com a arma na mão, e tossia enquanto se esforçava por recuperar o fôlego depois da patada de Lucan. Cuspiu sangue e o olhar de Lucan se cravou na mancha escarlate que ficou no chão. As gengivas lhe doíam: as presas lhe estavam alargando.
—Lucan...
—Merda, Gabrielle! Vai!
Pronunciou essa ordem com um grunhido de fúria, mas não podia fazer nada para dominar a besta que tinha dentro. Ia matar outra vez, sua raiva estava tão fora de controle que precisava fazê-lo, e não queria deixar que ela o visse.
—Corre, Gabrielle. Vai agora!
Ela correu.
A cabeça lhe dava voltas e o coração parecia a ponto de lhe estalar. Gabrielle saiu correndo a ordem que Lucan lhe tinha gritado.
Mas não estava disposta a ir a casa tal e como lhe havia dito e a deixar a ele ali sozinho. Saiu da zona do parque infantil e rezou para que a rua e a delegacia de polícia, que estava cheia de policiais armados, não estivessem longe. Por uma parte odiava ter que deixar a Lucan sozinho, mas por outro lado, desesperada por fazer tudo o que pudesse para lhe ajudar, a fazia voar rua acima.
Apesar de zangada que estava por sua mentira, e apesar do medo que tinha por tudo aquilo que não conseguia compreender a respeito dele, necesitava que ele estivesse bem.
Se lhe acontecia algo...
Essas idéias desapareceram de sua cabeça de repente para ouvir um estrondo de disparos detrás dela, na escuridão.
Ficou imovel, os pulmões vazios de ar. Ouviu um rugido estranho, como de um animal.
Soaram outros dois disparos em uma rápida seqüência e logo... nada.
Somente um silêncio pesado e dilacerador.
OH, Deus.
—Lucan? —gemeu. Sentiu que o pânico lhe atendia a garganta—. Lucan!
Voltou a correr, agora de volta de onde vinha. De volta aonde o coração lhe estalaria em mil pedaços se não encontrava ali a Lucan, em pé, são e salvo, quando chegasse.
Teve uma vaga sensação de preocupação se por acaso o menino da delegacia —o servente, dessa maneira estranha lhe tinha chamado Lucan— pudesse estar esperando-a, ou se por acaso se lançou em sua perseguição para terminar com ela também. Mas a preocupação por si mesma ficou a um lado assim que chegou a esquina iluminada pela luz da lua.
Quão único precisava era saber que Lucan estava bem.
Por cima de qualquer outra coisa, nesse momento precisava estar com ele.
Viu a silhueta de uma figura negra sobre a grama: Lucan, em pé, com as pernas abertas e os braços a ambos os lados do corpo em um gesto ameaçador. Encontrava-se em pé diante de seu agressor quem, era evidente, tinha caido ao chão de costas em frente dele e tentava por -se fora do alcance de Lucan.
—Graças A Deus —sussurrou Gabrielle quase sem fôlego, sentindo-se aliviada imediatamente.
Lucan estava bem, e agora as autoridades poderiam encarregar do ocorrido que tinha estado a ponto de matar a ambos.
Gabrielle se aproximou um pouco mais.
—Lucan —chamou, mas ele não pareceu ouvi-la.
Em pé ante o homem que se encontrava convexo a seus pés, dobrou-se pela cintura e alargou uma mão para lhe sujeitar. Os ouvidos de Gabrielle registraram um estranho som estrangulado, e se deu conta, comocionada, de que Lucan estava sujeitando ao homem pela garganta.
De que lhe estava levantando do chão com uma só mão.
Diminuiu o passo, mas não pôde se deter enquanto se esforçava por fazer uma idéia do que era o que estava passando.
Observou com estranho distanciamento a Lucan levantar o homem mais acima enquanto este se retorcia e lutava contra a mão que lhe segurava e que lhe deixava lentamente sem ar. Um rugido terrífico lhe encheu os ouvidos, foi crescendo lentamente até que todo o resto se desvaneciou, à luz da lua viu a boca de Lucan. Tinha-a aberta e mostrava os dentes. Era sua boca o que emitia esse som terrível e de outro mundou.
—Detenha —murmurou, com os olhos cravados nele agora, sentindo-se repentinamente doente de medo—. Por favor, Lucan, detenha.
E então, o agudo uivo se apagou e foi substituído pelo horror da visão de Lucan levantando esse corpo percorrido por espasmos e lhe cravando os dentes na carne de debaixo da mandíbula. Da ferida emanou um jorro de sangue cuja cor escarlate se fez negro na escura rede da noite em que se envolvia essa terrível cena. Lucan permaneceu imovel, com a ferida aberta contra a boca.
Alimentava-se da ferida.
—OH, Meu deus —gemeu Gabrielle, levando-as mãos trementes até a boca para apagar um grito—. Não, não, não... OH, Lucan... não.
Ele levantou a cabeça abruptamente, como se tivesse percebido o silencioso sofrimento dela. Ou possivelmente tinha notado sua presença de repente, nem sequer a cem metros dele, selvagem e terrorífico como nada que ela tivesse visto antes.
«Não pode ser verdade», disse-lhe sua mente, contradizendo o que via.
Ela tinha presenciado essa brutalidade outra vez, anteriormente, e se o sentido comum lhe tinha impedido de lhe dar um nome nesses momentos, esse nome lhe fez claro como um vento frio e funesto.
—Um vampiro —sussurrou, observando o rosto de Lucan manchado de sangue e seus olhos brilhantes e ferozes.
Capítulo dezessete
O aroma de sangue lhe envolvia, metálico e penetrante. O olfato invadido com essa acidez adocicada e como de cobre. Uma parte dela provinha dele, deu-se conta com certa curiosidade surda. Baixou o olhar e viu a marca da bala no ombro esquerdo.
Não sentia nenhuma dor, somente notava a energia que lhe invadia sempre depois de haver-se alimentado.
Mas queria mais.
Necessitava mais, respondeu o grito da besta que havia dentro dele.
Essa voz soava mais forte. Era exigente. Empurrava-lhe para o limite.
Mas não tinha estado ele precipitando-se por volta desse limite durante muito tempo, de todas formas?
Lucan apertou as mandíbulas com tanta força que quase se rompeu os dentes. Tinha que controlar-se, tinha que partir dali e voltar para o recinto, onde poderia recuperar-se de toda essa merda.
Tinha estado caminhando pelas ruas escuras durante duas horas e todavia sentia o pulso lhe pulsando nas têmporas com força. Ainda notava a fome e a raiva que lhe dominavam a mente quase por completo. Nessa condição, ele era um perigo para todo mundo, mas não podia dominar a inquietação que sentia no corpo.
Caminhou pela cidade como um espectro à espreita, movendo-se sem ter consciencia de que seus pés lhe encaminhavam em linha reta para a Gabrielle.
Ela não para casa. Lucan não esteve seguro de aonde se escapou ela, até que o fio invisível de aroma e de percepção que os unia lhe conduziu até a fachada de um edifício de apartamentos no extremo norte da cidade. Um amigo dela, sem dúvida.
Em uma das janelas superiores havia uma luz acesa. Essa parte de cristal e de tijolo era o único que lhe separava dela.
Mas não tinha intenção de tentar encontrar-se com ela, e não somente por causa do Mustang vermelho que se encontrava estacionado diante do edificio com a luz da polícia acesa no parabrisa. Lucan não necessitava olhar-se no cristal do pára-brisa para saber que ainda tinha as pupilas esgotadas em meio da amplitude da íris, nem que as presas lhe marcavam detrás da rigidez dos lábios.
Tinha o aspecto exato do monstro que era.
O monstro que Gabrielle tinha visto em direto essa noite.
Lucan soltou um grunhido ao recordar a expressão de horror de Gabrielle desde que ele tinha matado ao servente.
Ainda tinha a imagem dela na cabeça, quando ela tinha dado um passo para trás com os olhos muito abertos a causa do terror e o asco. Lhe tinha visto tal e como ele era de verdade: inclusive tinha pronunciado essa palavra como uma acusação um instante antes de sair fugindo.
Ele não tinha tentado detê-la, nem com palavras nem com a força.
Quão único contava nesses momentos era a fúria mais pura quando lhe tirava todo o sangue de sua presa. Logo tinha deixado cair o corpo como lixo, como o lixo que era, e sentiu outro ataque de fúria ao pensar no que teria podido acontecer a Gabrielle se tivesse caido em mãos dos renegados. Lucan tinha desejado rasgar o corpo desse ser humano e tinha estado a ponto de fazê-lo, reconheceu nesse momento ao recordar vividamente o ato selvagem que tinha cometido.
Ele, o tipo frio, tão controlado.
Vá uma piada.
Essa máscara que levava sempre tinha começado a desaparecer no momento em que tinha conhecido a Gabrielle Maxwell. Fazia que mostrasse suas faltas.
Fazia que ele desejasse coisas que não poderia ter nunca.
Olhou para essa janela do segundo piso. Respirava agitadamente enquanto lutava contra a urgência de subir ali acima, entrar pela força e levar a Gabrielle a algum lugar onde pudesse tê-la somente para ele.
Permitir que lhe temesse. Permitir que lhe desprezasse pelo que era, sempre e quando ele pudesse sentir a calidez de seu corpo debaixo do dele, sentir como lhe acalmava a dor de uma forma que somente ela podia fazê-lo.
Sim, grunhiu a besta dentro dele, conhecendo somente desejo e necessidade.
Antes de que o impulso de possui-la ganhasse, Lucan fechou a mão em um punho e deu um forte golpe contra o capô do carro da polícia. O alarme do veículo se disparou, e enquanto detrás de todas as vendanas as cortinas se abriam por causa dessa súbita moléstia, Lucan desapareceu pela esquina e penetrou nas sombras pálidas da noite.
—Tudo está bem —disse o noivo da Megan ao voltar para o apartamento, depois de que tivesse saído a investigar por que se disparou o alarme de seu carro de repente.
— Essa maldita coisa sempre se há disparado por nada. Sinto muito. Não é que necessitemos precisamente tensão acrescentada esta noite, verdade?
—Certamente foram uns meninos que andam por aí incomodando — acrescentou Megan, que se encontrava ao lado do Gabrielle no sofá.
Gabrielle assentiu com a cabeça com gesto ausente, respondendo ao esforço que seus amigos realizavam para tranqüilizá-la, mas não acreditou nem por um segundo.
Tinha sido Lucan.
Tinha-lhe percebido ali fora com algum sentido interno que nem sequer podia começar a descrever. Não era medo nem temor, simplesmente uma profunda certeza de que ele se encontrava perto.
De que ele a necessitava.
Desejava-a.
Que Deus a ajudasse, mas a verdade era que tinha desejado que ele se dirigisse até a porta e que a tirasse dali, que a ajudasse a encontrar um sentido a esse horror que acabava de presenciar fazia uns momentos.
Mas ele se partiu. Notava sua ausência com tanta força como tinha notado que ele a tinha seguido até o apartamento de Megan.
—Tem frio, Gabby? Quer um pouco mais de chá?
—Não, obrigado.
Gabrielle agüentava a taça morna de camomila com as duas mãos. Sentia um frio interno que nem as mantas nem a água quente podiam lhe fazer passar. O coração ainda lhe pulsava acelerado, e a cabeça ainda lhe dava voltas por causa da confusão e a absoluta incredulidade.
Lucan tinha aberto o pescoço a esse tipo.
Com os dentes.
Tinha colocado os lábios sobre a ferida e tinha bebido o sangue que emanava dela e que lhe tinha manchado o rosto.
Era um monstro, parecia saído de um pesadelo. Igual a esses espectros que tinham atacado e assassinado ao punki fora do salão. Parecia que tinha passado tanto tempo desde que aconteceu isso que agora quase não podia acreditá-lo.
Mas tinha acontecido, igual a sim tinha ocorrido o assassinato dessa noite, e esta vez tinha sido Lucan o que tinha estado no centro do mesmo.
Gabrielle tinha ido casa de Megan por puro desespero porque precisava estar em algum lugar que lhe resultasse acolhedor e familiar. Todavia tinha muito medo de ir a seu próprio apartamento se por acaso o amigo de Lucan a estava esperando ali. Tinha-lhes contado a Megan e a seu noivo que o psicopata da delegacia de polícia a tinha atacado na rua. Contou-lhes que ele a tinha estado espiando fazia uns quantos dias e que esta noite, quando a tinha atacado, tinha-o feito com uma arma na mão.
Não estava segura de por que tinha deixado a Lucan fora da história, apesar do importante que sua presença tinha sido em tudo isso. Soube que se devia a que, sem ter em conta seus métodos, ele tinha matado essa noite para protegê-la, e ela sentia a necessidade de lhe oferecer parte dessa mesma consideração a ele.
Inclusive embora ele fosse um vampiro.
Deus, resultava ridículo incluso pensá-lo.
—Gab, querida. Tem que denunciar o que aconteceu. Esse tipo parece seriamente transtornado. A polícia tem que inteirar-se disto, tem que lhe apartar da rua. Ray e eu podemos te levar. Iremos ao centro da cidade e encontraremos a seu amigo o detetive.
—Não. —Gabrielle negou com a cabeça e depositou a taça de chá na mesita de diante do sofá com uma mão ligeiramente tremente.
—Esta noite não quero ir a nenhuma parte. Por favor, Megan. Somente necessito descansar um momento. Estou tão cansada.
Megan tomou a Gabrielle da mão e a apertou com suavidade.
—De acordo. Vou para te buscar um travesseiro e outra manta. Não tem por que ir a nenhuma parte até que se sinta com forças, querida. Estou contente de que te encontre bem.
—Teve sorte de escapar —interveio Ray enquanto Megan se levava a taça de Gabrielle à cozinha antes de ir ao armário que tinha ao outro lado da sala. Possivelmente outra pessoa não tenha tanta sorte. Agora estou livre e você é a amiga do Meg, assim não vou forçar o tema, mas tem a responsabilidade de não permitir que esse tipo saia ileso depois do que te tem feito esta noite.
—Não vai fazer mal a ninguém mais —sussurrou Gabrielle. E apesar de que estavam falando do tipo que a tinha apontado com uma pistola, não pôde evitar pensar que tivessem podido estar dizendo o mesmo do Lucan.
Lucan não podia recordar como tinha chegado ao recinto, nem quanto tempo ocorreu levava ali. Mas tendo em conta a quantidade de suor que tinha deixado na habitação de treinamento, supôs que devia fazer umas quantas horas que tinha chegado.
Lucan não se incomodou em acender as luzes. Os olhos já lhe doiam bastante apesar de que estava as escuras. O que precisava era sentir a dor dos músculos enquanto os obrigava a trabalhar para recuperar o controle de seu corpo depois dessa noite em que tão perto tinha estado de cair presa da sede de sangue.
Lucan alargou uma mão até uma das adagas que se encontravam em uma mesa que tinha ao seu lado. Passou os dedos pelo fio para comprovar quão afiado estava e logo se voltou em direção ao corredor da práctica de tiro. Notava, mais que via, o alvo ao final do mesmo, e quando lançou a faca na escuridão, soube que tinha dado no mesmo.
—Diabos, sim —murmurou com a voz ainda rouca. As presas ainda não tinham voltado para seu tamanho normal.
Tinha melhorado muito a pontaria. As últimas vezes que o haviam intentado seu tiro sempre tinha sido mortal. Não pensava ir-se dali até que se tirou de cima todos os efeitos da ingestão de sangue. Isso ainda demoraria certo tempo: ainda se sentia doente depois da overdose de sangue que tinha ingerido.
Lucan percorreu a longitude da zona de práticas para tirar a arma do alvo. Extraiu a adaga e observou com satisfação a profundidade da ferida que teria infligido se o alvo tivesse sido um renegado ou um de seu serventes e não um boneco de práticas.
Ao dá-se a volta para começar outra ronda, ouviu um suave clique em algum lugar de diante dele da zona de práticas e, imediatamente, uma violenta luz alagou as instalações em toda sua longitude e amplitude.
Lucan retrocedeu e a cabeça lhe explorou a causa do violento ataque. Piscou várias vezes para tentar dissipar o atordoamento que sentia e entrecerrou os olhos ante o feixe de luz que se refletia nos espelhos de parede que se alinhavam na área de treinamento de defesa e de armas, adjacente a zona de práticas. Foi ali onde viu a enorme forma de outro vampiro que apoiava um largo ombro contra a parede.
Um dos guerreiros lhe tinha estado observando das sombras.
Tegan.
Merda. Quanto tempo levava ali em pé?
—Encontra-te bem? —perguntou-lhe com sua atitude indiferente de sempre, vestido com sua camiseta escura e seu vaqueiro folgado—. Se a luz é excessiva para ti...
—Está bem —grunhiu Lucan. Umas estrelas lhe cegaram enquanto tentava acostumar-se a crua luz. Levantou a cabeça e obrigou a si mesmo a olhar aos olhos de Tegan, ao outro lado da habitação.
— De toda forma, estava a ponto de partir.
Os olhos de Tegan permaneceram cravados nele e sua expressão, enquanto Lucan, era de muita cumplicidade. As fossas nasais do Tegan se dilataram levemente e o gesto seco de seus lábios adotou um ar de surpresa.
—Estiveste caçando esta noite. E está sangrando.
-E?
—Porque não é próprio de ti aceitar um golpe. É muito rápido para isso, normalmente.
Lucan pronunciou um juramento.
—Importaria-te não farejar ao meu redor agora mesmo? Não estou de humor para ter companhia.
—Vê-se. Estamos um pouco tensos, né? —Tegan avançou com passo arrogante para examinar umas armas que se encontravam alinhadas para o treinamento. Nesse momento não estava olhando a Lucan, mas viu sua tortura como se este se encontrasse exposto diante dele, em cima da mesa, ao lado da coleção de adagas, facas e outras armas brancas.
— Tem muita agressividade que precisa tirar? Suponho que resulta difícil concentrar-se com esse zumbido na cabeça. O sangue corre tão depressa que é quão único pode ouvir. No único em que pode pensar é na sede. A que te dá conta, dominou-te.
Lucan calculou o peso de outra arma com a mão enquanto tentava calcular o equilíbrio dessa adaga feita a mão. Não podia manter os olhos fixos mais de um segundo. Os dedos lhe doíam pelo desejo de utilizar essa arma para outra coisa que não fosse um alvo de práticas. Com um grunhido, baixou o braço e lançou a adaga voando até o outro extremo da zona de tiro. Esta se cravou com força no boneco, justo no peito, atravessamdo o coração.
—Te largue daqui, Tegan. Não necessito os comentários. Nem o público.
—Não, não quer que ninguém te veja desde muito perto. Começo a compreender por que.
—Não tem nem idéia.
—Não? —Tegan lhe olhou um comprido momento, logo negou devagar com a cabeça e pronunciou uma maldição em voz baixa—. Tome cuidado, Lucan.
—O que acontece? —exclamou Lucan com dureza, voltando-se para o vampiro com uma raiva negra.
— É que me está dando conselhos, T?
—Dá igual. —O macho se encolheu de ombros com um gesto de indiferencia—. Possivelmente é uma advertência.
—Uma advertência. —A gargalhada de Lucan ressonou no espaço cavernoso é fodidamente gracioso, vindo de ti.
—Está ao limite, cara. Lhe vejo nos olhos. —Meneou a cabeça e o cabelo avermelhado lhe caiu no rosto.
— O poço é profundo, Lucan. E odeio ver-te cair nele.
—Te economize a preocupação. Você é a última pessoa de quem espero recebê-lo.
—Claro, tem tudo controlado, verdade?
—Exato.
—Pois continua te dizendo isso, Lucan. Possivelmente lhe acreditará isso. Porque eu, que te estou vendo agora, asseguro-te que não acredito.
Essa acusação disparou a fúria de Lucan. Em um ataque de precipitação e de raiva, equilibrou-se sobre o outro vampiro com as presas nuas e soltando um assobio viperino. Nem sequer se deu conta de que tinha a faca na mão até que viu o fio prateado que apertava a garganta do Tegan.
—Te tire de diante de mim. Entende-me com claridade agora?
—Quer me rachar, Lucan? Precisa me fazer sangrar? Faz-o. Faz- o de uma puta vez, cara. Importa-me uma merda.
Lucan atirou a adaga ao chão e rugiu enquanto sujeitava a Tegan pela camisa. Com as armas era muito fácil. Precisava sentir a carne e os ossos nas mãos, sentir como se rasgava a carne e como rangiam os ossos, para satisfazer a besta que tão perto estava de lhe reger a mente.
—Merda. —Tegan se engasgou; tinha os olhos fixos na desenfreada fúria que brilhava nos de Lucan.
— Já tem um pé no fossa, vê?
—Que lhe fodam—lhe disse Lucan com um grunhido ao vampiro que, muito tempo atrás, tinha sido um amigo de confiança.
— Deveria te matar. Deveria te haver matado então.
Tegan nem se alterou ante essa ameaça.
—Está procurando um inimigo, Lucan? Então te olhe ao espelho. Esse é o único bode que te vai sacudir sempre.
Lucan arrastou a Tegan para um lado e lhe estampou contra a parede do outro lado da habitação de treinamento. O espelho se rompeu a causa do impacto e os fragmentos estalaram ao redor dos ombros e o torso do Tegan como um halo de estrelas.
Apesar de seus esforços para negar a verdade do que acabava de ouvir, Lucan viu seu próprio reflexo selvagem repetido cem vezes na rede de fragmentos quebrados. Viu suas pupilas esgotadas, sua íris brilhantes —os olhos de um renegado— que lhe devolviam o olhar. Suas enormes presas se desdobraram detrás dos lábios abertos e seu rosto contraído se converteu em uma máscara horrorosa.
Viu todo aquilo que odiava, tudo o que tinha sido uma praga destruidora em sua vida, tal e como Tegan lhe acabava de dizer.
Nesse momento, refletidos na multidão de espelhos que lhe tinham mostrado sua própria transfiguração, viu que Nikolai e Dante entravam pelas portas que se encontravam detrás dele com uma expressão cautelosa nos rostos.
—Ninguém nos há dito que havia uma festa —disse Dê, arrastando as sílabas, apesar de que o olhar que dirigiu aos dois combatentes não era absolutamente despreocupado.
— O que acontece? Tudo vai bem por aqui?
Um comprido e tenso silêncio encheu a habitação.
Lucan soltou a Tegan e se apartou lentamente dele. Baixou o olhar em um intento por ocultar sua selvageria ante os outros guerreiros. A vergonha que sentia era nova para ele. Não gostou do sabor amargo que tinha; não podia nem pensar por causa da bílis que lhe amontoava na garganta.
Finalmente, Tegan rompeu o silêncio.
—Sim —disse, sem apartar o olhar do rosto de Lucan—. Tudo bem.
Lucan se separou do Tegan e de outros. Enquanto se dirigia para a saída deu um murro contra a mesa das armas e esta tremeu com violência.
—Foder, esta noite está de subida —murmurou Niko—. Cheira a mulher recente, além disso.
Lucan, enquanto atravessava as portas da zona de treinamento e saía ao vestíbulo exterior, ouviu a resposta de Dante.
—Não, cara. Cheira a overdose.
Capítulo dezoito
—«Mais —gemeu a mulher humana que, sentada sobre seu regaço, rodeava com o corpo e lhe oferecia o pescoço sob seus lábios. Atirou dele com gesto ansioso e baixou os olhos como se estivesse drogada.
— Por favor, beba mais de mim. Quero que a bebes toda!
—Possivelmente —lhe prometeu ele com expressão despreocupada. Já se estava cansando desse bonito brinquedo.
K. Delaney, R.N, tinha-lhe proporcionado um jogo bastante entretido durante as primeiras horas que fazia que a tinha levado a seus aposentosse privados, mas ao igual que todos os seres humanos apanhados pelo poder do beijo do vampiro, ao final tinha deixado de lutar e agora ansiava pôr fim a sua tortura. Nua, retorcia-se contra ele como um felinão em zelo, esfregava sua pele nua contra seus lábios e choramingou assim que ele se negou a lhe oferecer as presas.
—Por favor —repetiu ela, agora em um tom queichoso que começava a lhe ser incomodo.
Não podia negar o prazer que tinha recebido dela, tanto de seu corpo ofegante como da plenitude deliciosa e profunda que seu sangue lhe tinha proporcionado enquanto lhe oferecia sua garganta, doce e suculenta. Mas agora já tinha terminado com isso. Tinha terminado com ela a não ser que tivesse intenção de sorver o resto da humanidade dessa mulher para convertê-la em uma de seus serventes.
Ainda não. Possivelmente decidisse jogar outra vez.
Mas se não se afastava dessa sujeição ansiosa dela, possivelmente se sentisse tentado a beber da enfermeira K. Delaney até além desse ponto crucial que conduzia diretamente a morte.
Jogou-a e a empurrando de seu regaço sem contemplações e ficou em pé.
—Não —se queixou ela—. Não vá.
Ele já estava cruzando a habitação. As suntuosas dobras da bata de seda se deslizavam entre seus tornozelos enquanto caminhava fora do dormitório e se dirigia a seu estudo, ao outro lado do vestíbulo. Essa habitação, seu santuário secreto, estava cheio de todos os luxos que desejava: móveis deliciosos, peças de arte e antiguidades muito valiosos, almofadas tecidas por mãos persas durante as cruzadas religiosas do mundo. Todas as lembranças de seu próprio passado, objetos colecionados durante inumeráveis épocas pelo puro prazer que lhe ofereciam e que tinham sido gastos até aqui recentemente, à sede de seu exército na Nova Inglaterra.
Mas havia outra recente aquisição artística, também.
Esta —uma série de fotografias contemporâneas— não lhe agradava absolutamente. Observou as imagens em branco e negro de vários renegados da cidade e não pôde conter uma careta de fúria.
—Né... estes não são...?
Dirigiu um olhar de irritação para onde nesse momento se encontrava a fêmea sentada. Arrastou-se atrás dele da outra habitação. Deixou-se cair em cima de uma das palacianas almofadas e seu rosto se contraía formando uma careta infantil. Quase não podia manter erguida a cabeça e piscava com insistência como se fosse incapaz de enfocar a vista, mas estava observando a coleção de fotografias.
—OH? —exclamou ele, não muito interessado em jogar a nenhum jogo, mas bastante curioso por saber o que era o que, dessas imagens, havia pnetrado em sua cabeça aturdida.
— A quem crê que pertencem?
—Minha amiga... são delas.
Ele arqueou as sobrancelhas como resposta a essa inocente revelação.
—Conhece a artista, verdade?
A jovem mulher assentiu com a cabeça lentamente.
—Minha amiga... Gabby.
—Gabrielle Maxwell —disse ele, voltando-se, com a atenção verdadeiramente desviada dela agora.
— Me fale de seu amiga. Que interesse tem em fotografar estes lugares?
Esteve-se fazendo essa pergunta mentalmente do primeiro momento em que soube que Gabrielle como testemunha indesejada de uma matança perpetrada de forma descuidada por uns novos recrutas. Havia-se sentido irritado, embora não alarmado, ao saber que a mulher Maxwell tinha estado na delegacia de polícia. Ver seu rosto inquisitivo na tela do circuito fechado de segurança das instalações tampouco lhe tinha agradado, exatamente. Mas o que despertava um escuro interesse nela era a intenção que ela parecia ter por documentar localizações de vampiros.
Ele, até esse momento, tinha estado ocupado com outro tipo de coisas que requeriam sua atenção. Tinha estado concentrado em outro ponto, e se tinha contentado jogando um olho de vez em quando ao tema de Gabrielle Maxwell. Mas possivelmente o interesse que ela mostrava e suas atividades merecieram uma observação mais atenta. De fato, possivelmente merecessem um duro interrogatório. A tortura, ele gostava.
—Falemos de sua amiga.
Sua pesada companheira de jogos jogou a cabeça para trás e se atirou de costas no tapete com os braços levantados, como um menino mimado a quem lhe nega algo que deseja.
—Não, não quero falar dela —murmurou, levantando os quadris do chão.
— Vêem aqui... me beije primeiro... fala de mim... de nós.
Ele deu um passo em direção a fêmea, mas sua intenção não era satisfazer-la. O extreitamento das pupilas tivesse podido lhe dar a entender a ela que a desejava, mas se tratava da raiva que lhe invadia o corpo. Com um gesto de desdém, agarrou-a com força, levantou-a e a pôs em pé diante dele.
—Sim —suspirou ela, já disposta a submeter-se a suas ordens.
Com a palma da mão, lhe empurrou a cabeça a um lado para deixar ao descoberto a palidez do pescoço que ainda estava ferido e sangrava do último bocado que lhe tinha dado. Lambeu a ferida sem contemplações e as presas lhe desdobraram pela ira.
—Vais dizer-me tudo o que desejo saber —lhe sussurrou, com um domínio letal e olhando-a aos olhos.
— À partir deste momento, você, enfermeira K. Delaney, vais fazer tudo o que eu te ordene.
Descobriu as presas e os cravou com a ferocidade de uma vespa. Extraiu-lhe até a última gota de consciência e a desapropriou de seu fraco eu humano com uma única e selvagem dentada.
Gabrielle realizou um registro por todo seu apartamento, verificando que todos os ferrolhos das portas e das janelas estivessem fechados. Partiu-se de casa de Megan pela manhã, depois de que seu amiga foi trabalhar, e tinha chegado a casa na metade da tarde. Meg a tinha convidado a ficar todo o tempo que quisesse, mas Gabrielle não podia estar escondida para sempre, e não gostava da idéia de que possivelmente estivesse envolvendo a sua amiga em uma situação que se estava fazendo mais terrorífica e inexplicável a cada minuto.
Ao princípio não tinha querido ir ao seu apartamento e tinha estado dando voltas pela cidade em um atordoamento paranóico, quase cedendo a um estado de histeria. Seu instinto lhe advertia de que se preparasse para a luta.
Uma luta que, estava segura, apresentaria-se em um momento ou outro.
Tinha medo de encontrar-se com Lucan, ou a um de seus amigos chupa-sangue, ou a alguém inclusive pior, esperando-a ao chegar em casa. Por ser de dia, voltou ao fim, ao seu apartamento. Encontrou-o vazio e não havia nada fora de seu lugar.
Agora, enquanto a escuridão caía na rua, sua ansiedade voltou multiplicada por dez.
Envolta como um casulo em um suéter enorme e branco, voltou para a cozinha porque a secretária eletrônica estava dando o sinal de que havia duas mensagens novas. Os dois eram de Megan. Tinha-a chamado durante a última hora, desde que escutou a primeira mensagem sobre o corpo que tinham encontrado na área de jogos onde Gabrielle tinha sido agredida a noite anterior.
Megan estava frenética enquanto contava a Gabrielle o que Ray lhe tinha contado da polícia. Disse-lhe que o atacante parecia que havia sido destroçado por uns animais não muito tempo depois de que intentara ferir Gabrielle. Mas havia mais. Um agente da polícia tinha sido assassinado na delegacia de polícia; e foi sua arma a que se encontrou no corpo destroçado que encontraram no parque infantil.
«Gabby, por favor, me chame assim que ouça isto. Sei que está assustada, querida, mas a polícia necessita sua declaração. Ray está a ponto de sair de serviço. Diz que, se o preferir, pode ir para te buscar...»
Gabrielle apertou o botão de apagar.
E sentiu que lhe arrepiava o pêlo da nuca.
Já não estava sozinha na cozinha.
Com o coração galopando a carreira se voltou para encarar-se com o intruso: não se surpreendeu absolutamente ao ver que se tratava de Lucan. Este estava em pé na porta que dava ao vestíbulo e a olhava em uma atitude pensativa e em silêncio.
Ou possivelmente somente estava apreciando o prato que ia comer.
Curiosamente, Gabrielle se deu conta de que não tinha tanto medo dele, mas bem estava zangada. Inclusive nesses momentos, ele parecia tão normal, coberto com um casaco escuro, umas calças negras confeccionadas à medida, uma camisa que parecia rosto e de uma cor que era um tom mais escuro que seus impressionantes olhos azuis.
Não havia rastro do monstro que tinha visto a noite anterior. Era somente um homem. O escuro amante que acreditava conhecer.
Gabrielle se deu conta de que desejava que ele tivesse aparecido com as presas ao descoberto e com um olhar de fúria nesses olhos que se transformavam de forma tão estranha, que tivesse aparecido como o monstro em que se delatou ser a outra noite. Isso teria sido mais honesto que esse aspecto de normalidade que lhe provocava o desejo de fingir que tudo estava bem. Que ele era realmente o detetive Lucan Thorne da Polícia de Boston, um homem que se comprometeu a proteger aos inocentes e a fazer cumprir a lei.
Um homem de quem ela tivesse podido apaixonar-se, de quem possivelmente já se apaixonou.
Mas todo o referente a ele tinha que ser uma mentira.
—Disse-me mesmo que não ia vir esta noite.
Gabrielle tragou saliva com dificuldade.
—Sabia que viria. Sei que me seguiu a outra noite, depois de que eu fugi de você.
Seu olhar penetrante delatou um brilho; seus olhos a olhavam com demasiada intensidade. De uma forma que se parecia muito a uma carícia.
—Não te teria feito mal. Não quero te fazer mal, agora.
—Então, vai.
Ele negou com a cabeça e deu um passo para frente.
—Não até que tenhamos falado.
—Quer dizer até que te tenha assegurado de que eu não vou falar —repôs ela, tentando não deixar-se arrastar pela complacência, pelo mero feito de que ele tinha o aspecto do homem em quem confiava.
Ou pelo mero feito de que seu corpo, e inclusive seu idiota coração, reagiam ao lhe ver.
—Há umas coisas que tem que saber, Gabrielle.
—OH, já sei —disse ela, assombrada de que sua voz não soasse temoerosa. Levou-se uma mão até o pescoço procurando o pendente com a cruz que não se tornou a pôr desde a primeira comunhão. Esse delicado talismã parecia uma fina e ridicula armadura agora que se encontrava frente a Lucan e que não havia nada que lhes separasse se ele decidia dar ou não os poucos passos com suas pernas largas e musculosas.
— Não tem que me explicar nada. Demorei bastante tempo, seguro, mas acredito que por fim o compreendo tudo.
—Não. Não o compreende. —aproximou-se dela e se deteve ao ver uns bulbos alvos que penduravam por cima de sua cabeça na porta da cozinha.
— Certo —disse ele, e soltou uma risada divertida.
Gabrielle retrocedeu um passo, apartando-se dele. Suas sapatilhas de borracha chiaram sobre os ladrilhos do chão.
—Já te hei dito que te esperava.
E tinha realizado outros preparativos antes de que ele chegasse. Se olhava ao seu redor, daria-se conta de que todas as habitações do apartamemoro, incluída a porta de entrada, tinham a mesma decoração em cada uma de suas portas. Mas não parecia que lhe importasse.
Os múltiplos ferrolhos não lhe tinham detido e tampouco lhe haviam detido esse intento de medida de segurança. Passou por debaixo do repelente de vampiros que Gabrielle tinha preparado com seus olhos escuros cravados nela com intensidade.
Ele se aproximou um pouco mais e ela deu outro passo para trás até que se tropeçou com o mármore da cozinha. Em cima dele havia uma garrafa de enxágüe bocal que já não tinha o líquido original a não ser outra coisa que ela tinha conseguido de caminho a casa essa manhã, ao deter-se na igreja de Saint Mary para confessar-se. Gabrielle tomou a garrafa de plástico de cima do mármore e a aproximou do coração.
—Água benta? —perguntou Lucan, olhando-a aos olhos com frieza.
— O que vais fazer com isso, me vais jogar i em cima?
—Se tiver que fazê-lo, sim.
Ele se moveu tão depressa que ela somente viu uma mancha imprecisa que apareceu diante dela. Lhe tirou a garrafa e a esvaziou sobre as mãos. Logo se passou as mãos empapadas pelo rosto e pelo brilhante cabelo negro.
Não aconteceu nada.
Atirou a garrafa vazia ao chão e deu outro passo para ela.
—Não sou o que crê, Gabrielle.
Disse-o em um tom tão sensato que ela esteve a ponto de lhe acreditar.
—Vi o que tem feito. Assassinaste a um homem, Lucan.
Ele negou com a cabeça com calma.
—Matei a um ser humano que já não era um homem, que quase nem era humano, de fato. O que dele tinha sido uma vez humano foi roubado pelo vampiro que lhe converteu em um escravo servente. Já quase estava morto. Eu simplesmente terminei o trabalho. Sinto que tivesse que ver, mas não posso me desculpar. E não o vou fazer. Mas mataria a qualquer, humano ou não, que queria te fazer mal.
—O qual converte seu amparo em algo perigoso, por não dizer que é um psicopata. E não falamos que rasgou a garganta desse menino com os dentes e bebeu seu sangue.
Ela esperou ouvir outra resposta calculada. Alguma explicação racional que lhe fizesse pensar que uma coisa tão incrível como o vampirismo podia ter sentido —que podia ter sentido— no mundo real.
Mas Lucan não lhe ofereceu esse tipo de resposta.
—Não era assim como eu queria que fossem as coisas entre nós, Gabrielle. Deus sabe que você merece algo melhor.
—Disse algo mais em voz muito baixa e em um idioma que ela não pôde compreender.
— Você merece que te introduza nisto com suavidade, e que o faça um macho adequado que saiba pronunciar as palavras adequadas e fazer as coisas bem. É por isso que eu queria mandar a Gideon. —passou-se as mãos pelo cabelo em um gesto de frustração.
— Eu não sou porta-voz de minha raça. Sou um guerreiro. Às vezes, um ignorante. Eu trato com a morte, Gabrielle, e não estou acostumado a oferecer desculpas em nenhum de meus atos.
—Não te estou pedindo desculpas.
—O que, então, a verdade? —Dirigiu-lhe um olhar irônico.
— Esteve ante a verdade a outra noite enquanto eu matava a esse servente e lhe extraía o sangue. Essa é a verdade, Gabrielle. Esse sou eu.
»Segundo as superstições humanas, sim. Segundo essas histórias, um luta contra os de minha classe com alho ou com água benta: todo isso é falso, Como viu com seus próprios olhos. De fato, nossas raças se encontra intimamente ligadas. Não somos tão distintos um do outro.
—De verdade? —burlou-se ela. A histeria a invadiu assim que ele deu um passo para diante, obrigando-a a apartar-se outra vez.
— A última vez que o olhei, o canibalismo não se encontrava em minha lista de deveres. Mas então tampouco estava incomodando aos não mortos, mas parece que ultimamente o estive fazendo com bastante regularidade.
Ele riu sem vontades.
—Asseguro-lhe isso, eu não sou um não morto.Sou uma pessoa igual a você. Sangro igual a você. Podem-me matar, embora não é fácil, e faz muito, muito tempo que estou vivo, Gabrielle. —aproximou-se dela, percorrendo a pouca distância que lhes separava na cozinha.
— Estou vivo como está você.
Como se queria demonstrá-lo, entrelaçou seus quentes dedos com os dela. Levantou as mãos dela entre os corpos de ambos e as apertou contra seu próprio peito. Sob o suave tecido da camisa, Gabrielle notou que o coração lhe pulsava com força e a ritmo regular. Notou que o ar lhe entrava e lhe saía dos pulmões, sentiu o calor de seu corpo na ponta dos dedos e foi como se um bálsamo lhe suavizasse seus esgotados sentidos.
—Sou real, e estou em pé aqui... igual a me viu a outra noite.
—Então, demonstre-me isso mostre a esse outro você em lugar deste de agora. Quero saber com o que me enfrento de verdade. É o justo.
Ele franziu o cenho, como se a desconfiança lhe doesse.
—Essa mudança não se pode forçar. É uma mudança psicológica que se dá com a sede, ou em momentos de emoção intensa.
—Então, com que vantagem posso contar quando você ditas me abrir a jugular? Um par de minutos? Uns segundos?
Os olhos dele cintilaram ante essa provocação, mas seu tom de voz continuou sendo tranqüilo.
—Não te vou fazer mal, Gabrielle.
—Então, por que está aqui? Para transamos outra vez, antes de que me converta em alguém horrível como você?
—Porra, Gabrielle —pronunciou com voz rouca—. Não é isso o que...
—Ou é que vais converter-me em seu vampira esposa pessoal, como o que matou a outra noite?
—Gabrielle. —Lucan apertou a mandíbula, com tanta força como se se fosse partir o aço—. Vim para te proteger,porra! Porque preciso saber que está bem. Possivelmente estou aqui porque cometi erros contigo, e quero arrumá-lo de algum jeito.
Ela permaneceu imovel, absorvendo essa inesperada sinceridade e observando como suas emoções brigavam na expressão de seu rosto. Raiva, frustração, desejo, incerteza... viu tudo isso em seu olhar penetrante. Que Deus a ajudasse, mas ela também sentia tudo isso como uma tempestade em seu interior.
—Quero que parta, Lucan.
—Não, não quer.
—Não quero voltar a ver-te nunca mais! —gritou ela, desesperada para que ele acreditasse. Levantou uma mão para lhe esbofetear, mas ele a impediu com facilidade antes de que pudesse fazê-lo.
— Por favor. Vai daqui agora mesmo!
Ignorando-a por completo, Lucan se levou a mão com que ela tinha querido lhe esbofetear até os lábios. Entreabriu-os e apertou a palma de sua mão contra eles para beijar-lhe com sensualidade. Ela não sentiu o roce das presas, somente o fôlego quente de sua boca e a úmida carícia da língua dele que brincava, provocadora, entre seus dedos.
A cabeça lhe dava voltas ao sentir o delicioso contato dos lábios dele sobre sua pele.
Sentiu que lhe falhavam as pernas, que sua resistência cedia e que cimeçava a desfazer-se do mesmo centro de seu ser.
—Não — exclamou ela contra ele, apartando a mão e lhe empurrando.
— Não, não posso deixar que me faça isto, não agora.
-Entre nós tudo trocou! Agora tudo é distinto.
—O único distinto, Gabrielle, é que agora me vê com os olhos abertos.
—Sim. —obrigou-se a si mesmo a lhe olhar.
— E o que vejo eu não gosto.
Lhe sorriu sem nenhuma piedade.
—Mas desejaria poder dizer o mesmo a respeito de como te faço sentir.
Ela não estava segura de como o fez, de como era possível que ele se movesse com tanta rapidez, mas nesse mesmo instante sentiu o fôlego de Lucan detrás da orelha e sua profunda voz vibrou contra a pele de seu cabelo enquanto ele apertava seu corpo contra o dela.
Era muito para assumi-lo de repente: essa apavorante e nova realidade, as perguntas que nem sequer sabia como formular. E logo estava a desorientação que lhe provocava o delicioso tato de Lucan, sua voz, seus lábios lhe roçando com suavidade a pele.
—Detenha! —Tentou lhe empurrar, mas ele era como um muro de músculo e de determinação escura e decidida. Ele resistiu sua raiva, e os inúteis golpes que lhe deu contra o enorme peito não pareceram lhe fazer absolutamente nada. Sua expressão tranqüila não trocou, igual a seu corpo permaneceu imovel.
Ela se separou dele com expressão frustrada e angustiada.
—Deus, o que está tentando demonstrar, Lucan?
—Só que não sou o monstro que você quer acreditar que sou. Seu corpo me conhece. Seus sentidos lhe dizem que está a salvo comigo. Somente tem que escutá-los, Gabrielle. E escutar a mim quando digo que não vim para te assustar.
Nunca te vou fazer mal, tampouco vou beber seu sangue. Por minha honra, nunca te farei mal.
Ela soltou uma gargalhada afogada ante a idéia de que um vampiro pudesse ter nada parecido à honra, por não dizer que o estava prometendo a ela nesses momentos. Mas Lucan não duvidava, permanecia em atitude solene. Possivelmente estivesse louca, porque quanto mais olhava esses olhos chapeados, mais fraca era a dúvida sobre ele a que se queria agarrar.
—Não sou seu inimigo, Gabrielle. Durante séculos,os meus e os teus se necessitaram mutuamente para sobreviver.
—Se alimentam de nós —sussurrou ela com voz rota—, como parasitas.
O rosto lhe escureceu um momento, mas não reagiu ante o desprezo que havia nessa acusação.
—Também temos que lhes proteger. Alguns de meus inclusive cuidaram os seus, levaram uma vida juntos como casais com vínculos de sangue. É a única forma em que a estirpe de vampiros pode continuar. Sem as fêmeas humanas que dão a luz aos jovens, ao final nos extinguiríamos. Assim é como eu nasci, e como todos os que são como eu nasceram também.
—Não o compreendo. Por que não podem... lhes mesclar com fêmeas de sua própria espécie?
—Porque não existem. Por causa de um engano genético, a prole da raça somente pode ser masculina, desde o primeiro da estirpe, disso faz centenas de gerações.
Esta última revelação, somada a todo o resto que acabava de ouvir, obrigou-a a fazer uma pausa.
—Então, isso significa que sua mãe é humana?
Lucan assentiu levemente com a cabeça.
—Era-o.
—E seu pai? Ele era...
Antes de que pudesse pronunciar a palavra «vampiro», Lucan respondeu.
—Meu pai, e os sete outros Antigos como ele, não eram deste mundo. Foram os primeiros de minha estirpe, seres de outro lugar, muito distinto a este planeta.
Ela demorou um segundo em assimilar o que acabava de ouvir, acrescentado a todo o resto que estava começando a compreender nesse momento.
—O que está dizendo... que eram extraterrestres?
—Eram exploradores. Uns conquistadores,guerreiros e selvagens de fato, que caíram aqui faz muitíssimo tempo.
Gabrielle ficou olhando um momento.
—Seu pai não era somente um vampiro a não ser um extraterrestre, ademais? Tem idéia do louco que isto sonha?
—É a verdade. Os que eram como meu pai não se chamavam a sim mesmos vampiros mas, segundo a definição dos humanos, isso é o que eram. Seu sistema digestivo estava muito avançado para a proteína crua da Terra. Não podiam processar nem as plantas nem animais como faziam os seres humanos, assim aprenderam a tirar o alimento do sangue. Alimentaram-se sem freio e acabaram com populações inteiras nesse processo. Sem dúvida ouviste falar de alguns deles: a Atlántida. O reino dos maias. E outras incontáveis civilizações desconhecidas que se desvaneceram na noite dos tempos. Muitas das mortes maciças que historicamente se atribuíram as infestações e a fome não foram isso absolutamente.
Deus santo.
—Aceitando que tudo isto se possa tomar a sério, está falando de milhares de anos de açougue. —Ao ver que ele não o negava, um calafrío lhe percorreu as pernas.
— Eles... você... Deus, não me posso acreditar que esteja dizendo isto. Os vampiros se alimentam de algo vivo, como uns dos outros possivelmente, ou são os humanos a única fonte de alimento?
A expressão de Lucan era séria.
—Somente o sangue humano contém a combinação de nutrientes específica que necessitamos para sobreviver.
—Com que freqüência?
—Temos que nos alimentar uma vez cada três ou quatro dias, algumas semanas às vezes. Necessitamos mais se estamos feridos e necessitamos mais força para sanar as feridas.
—E vocês... matam quando lhes alimentam?
—Não sempre. De fato, poucas vezes. A maioria da raça se alimenta de humanos voluntários, anfitriões.
—De verdade que a gente se oferece voluntária para que lhes torturem? —perguntou ela, incrédula.
—Não há nenhuma tortura nisso, a não ser que o desejemos. Quando um ser humano está depravado, a dentada de um vampiro pode ser muito prazeirosa. Quando terminou, o anfitrião não recorda nada porque não lhe deixamos nenhum lembrança.
—Mas as vezes matam —disse ela, e lhe fez difícil não fazê-lo em um tom acusatório.
—Às vezes é necessário levar uma vida. A raça fez o juramento de não depredar nunca aos inocentes ou aos fracos.
Ela se burlou:
—Que nobres são.
—É nobre, Gabrielle. Se quiséssemos, se cedêssemos a essa parte que há em nós que continua sendo como esses conquistadores guerreiros que eram nossos antepassados, poderíamos escravizar a toda a raça humana. Seríamos reis e todos os seres humanos existiriam somente para nos servir de alimento e de diversão. Essa idéia é o motivo de uma antiga guerra de morte entre meus e nossos irmãos inimigos, os renegados. Você lhes viu com seus próprios olhos, essa noite fora da discoteca.
—Você estava ali?
Assim que o houve dito, deu-se conta de que ele estava ali. Recordou esse rosto lhe impactante e os olhos ocultos atrás dos óculos escuros que a tinham estado observando entre a multidão. Inclusive então ela havia sentido uma conexão com ele, nesse breve olhar que pareceu tocá-la A pesar da fumaça e da escuridão da sala.
—Eu tinha estado perseguindo a esse grupo de renegados durante uma hora —disse Lucan—, esperando a oportunidade de saltar e acabar com eles.
—Eram seis —recordou ela vividamente, que ainda via mentalmente essas seis caras terríveis, esses olhos ferozes e brilhantes e essas presas.
— Foste enfrentar a eles você sozinho?
Ele se encolheu de ombros como indicando que não era algo pouco frequente que ele se enfrentasse sozinho com muitos.
—Essa noite tive um pouco de ajuda: você e a câmera de seu telefone móvel. O flash lhes surpreendeu e me deu a oportunidade de atacar.
—Matou-lhes?
—A todos menos a um. Mas lhe apanharei, também.
Ao ver a ferocidade de sua expressão, Gabrielle não ficou nenhuma dúvida de que o faria.
—A polícia mandou um carro patrulha Aos subúrbios da sala de festas quando lhes informei do assassinato. Não encontraram nada. Nenhuma prova.
—Assegurei-me de que não o fizessem.
—Fez-me ficar como uma idiota. A polícia insistia em que eu estava inventando isso tudo.
—Melhor assim, lhes dar pistas sobre as batalhas reais que tiveram lugar nas ruas dos seres humanos durante séculos. Pode imaginar o pânico a grande escala que haveria pelo mundo se começassem a haver notícias de ataques de vampiros?
—É isso o que está acontecendo? Este tipo de assassinatos estão sucedendo todo o momento em todas partes?
—Ultimamente cada vez mais. Os renegados são um grupo de viciados que somente se preocupam da próxima dose. Pelo menos, essa foi sua maneira de atuar até recentemente. Mas agora está acontecendo algo. Estão-se preparando. Estão-se organizando. Nunca foram tão perigosos como agora.
—E graças as fotos que fiz fora da discoteca, esses vampiros renegados me estão perseguindo.
—O incidente que presenciou atraiu sua atenção para ti, sem dúvida, e qualquer ser humano significa uma boa diversão para eles. Mas o mais provável é que sejam as outras fotos que tem feito as que lhe puseram em maior perigo.
— Que outras fotos?
—Essa, por exemplo.
Assinalou uma fotografia emoldurada que estava pendurada na parede da sala de estar. Era uma tomada exterior de um velho armazém de uma das zonas mais desoladas da cidade.
—O que te levou a fazer a fotografia desse edifício?
—Não sei, exatamente —disse ela, que nem sequer estava segura de por que tinha emoldurado essa foto. Somente olhando-a nesses momentos o fazia sentir um calafrio nas costas.
— Nunca tinha ido a essa parte da cidade, mas me lembro que essa noite fui por um lugar equivocado e acabei me perdendo. Algo atraiu minha atenção para esse armazem, mas não posso explicá-lo realmente. Estava terrivelmente nervosa de estar ali, mas não podia ir sem fazer umas quantas fotos desse lugar.
O tom de voz de Lucan foi de uma extrema gravidade.
—Eu, junto com vários guerreiros da raça que trabalham comigo, estivemos nesse lugar faz um mês e meio. Era uma guarida dos Renegados que albergava a quinze de nossos inimigos.
Gabrielle ficou olhando boquiaberta.
—Há vampiros vivendo nesse edifício?
—Agora já não. —Ele passou por seu lado e foi até a mesa da cozinha, onde havia umas quantas fotos mais e entre as quais se encontravam algumas das que tinha feito no psiquiátrico abandonado, fazia tão somente um par de dias. Levantou uma das fotos e a mostrou.
— Estivemos vigiando esta localização durante semanas. Temos motivos para acreditar que se trata de uma das colônias de renegados maiores de Nova a Inglaterra.
—OH, Meu Deus. —Gabrielle olhou a foto do psiquiátrico e quando a voltou a deixar em cima da mesa, os dedos lhe tremiam um pouco.
— Quando fiz essas fotografias, a outra manhã, um homem me encontrou alí. Perseguiu-me até que saí da propriedade. Não acreditará que era...?
Lucan negou com a cabeça.
—Um servente, não um vampiro, se lhe viu depois da saída de sol. A luz do sol é um veneno para nós. Essa parte da superstição é verdade. A pele nos queima rapidamente, como a tua se a expuser debaixo de um poderoso cristal de aumento ao meio-dia.
—E por isso sempre te vi de noite —murmurou ela, pensando nas visitas que lhe tinha feito Lucan desde a primeira, quando ele tinha começado a lhe mentir.
— Como pude estar tão cega quando tinha todas as pistas diante de mim?
—Possivelmente não queria as ver, mas sabia, Gabrielle. Suspeitava que a matança que tinha presenciado era algo que estava além do que podia explicar a partir de sua experiência como ser humano. Esteve a ponto de me dizer isso a primeira vez que nos encontramos. Em algum nível de sua consciência, sabia que se tratava de um ataque de vampiros.
Ela sabia, inclusive então. Mas não tinha suspeitado que Lucan formava parte disso. Uma parte dela ainda queria negar essa idéia.
—Como é possível que isto seja real? —gemeu ela, deixando cair na cadeira que tinha mais perto. Olhou as fotos que estavam espalhadas na mesa que tinha diante e logo olhou o rosto sério de Lucan. Estava a ponto de começar a chorar, sentia que os olhos lhe ardiam e que no pescoço lhe formava um nó, como se queria negar desesperadamente tudo isso.
— Isto não pode ser real. Deus, por favor, me diga que isto não está acontecendo de verdade.
Capítulo dezenove
Ele tinha dado muita informação essa noite para que a digerisse. Não toda, mas mais que suficiente para uma noite.
Lucan tinha que confiar em Gabrielle. A parte dessa pequena amostra de irracionalidade com o alho e a água benta, ela tinha mantido uma incrível serenidade durante uma conversação que era, sem lugar a duvida, bastante difícil de assimilar.
Vampiros, a chegada de extraterrestres, a guerra iminente com os renegados que, por certo, estavam perseguindo a ela também.
Ela tinha escutado tudo com uma fortaleza que muitos homens humanos não tinham.
Lucan a observou enquanto ela se esforçava em processar a informações, sentada na mesa e com a cabeça apoiada nas mãos. Uma lagrimas tinham começado a deslizar-se por suas bochechas. Ele desejou que houvesse uma maneira de lhe fazer esse caminho mais fácil. Mas não havia. E as coisas iam piorar para ela quando conhecesse toda a verdade do que lhe esperava.
Por sua própria segurança, e pela segurança da raça, ela ia ter que abandonar seu apartamento, a seus amigos, sua carreira. Teria que deixar atrás tudo o que tinha sido parte de sua vida até esse momento.
E teria que fazê-lo essa noite.
—Se tiver outras fotografias como estas, Gabrielle, tenho que as ver.
Ela levantou a cabeça e assentiu.
—Tenho-o tudo no computador —disse, apartando o cabelo do rosto.
—E o que me diz das que tem na habitação escura?
—Estão no computador também, igual a todas as imagens que vendi através da galeria.
—Bem. —O fato de que ela tivesse mencionado essas vendas lhe dêpertou um alarme.
— Quando estive aqui faz umas quantas noites, mencionaste que tinha vendido uma coleção inteira a alguém. Quem era?
—Não sei. Era um comprador anônimo. O comprador contratou uma amostra privada em um apartamento de cobertura alugado do centro da cidade. Viram umas quantas imagens e logo pagaram em dinheiro por todas elas.
Ele soltou um juramento, e a expressão tensa de Gabrielle se transformou em uma de terror.
—OH, Meu deus. Acredita que foram os renegados quem as compraram?
O que Lucan estava pensando era que se fosse ele quem se encontrasse à frente da direção atual dos renegados, estaria extremamente interesado em adquirir uma arma que pudesse dar com as localizações de seus oponentes. Por não dizer que tentaria frustrar a capacidade de seus inimigos de utilizar essa arma em seu próprio benefício.
Ter a Gabrielle seria um bem extraordinário para os renegados, por muitas razões. E quando a tivessem em sua posse, não demorariam muito tempo em descobrir sua marca de companheira de raça. Abusariam dela como se fosse uma vulgar égua de cria, obrigariam-na a ingerir seu sangue e a levar sua semente até que seu corpo sucumbisse e morre-se. Isso demoraria anos, décadas, séculos.
—Lucan, meu melhor amigo levou as fotos a mostra essa noite, ele sozinho. Tivesse-me morrido se lhe tivesse passado algo. Jamie se meteu ali sem saber nada sobre o perigo com que se enfrentava.
—Te alegre disso, porque essa é, provavelmente, a razão pela que saiu com vida.
Ela retrocedeu como se lhe tivesse dado um bofetão.
—Não quero que meus amigos sofram nenhum dano por causa do que me está acontecendo .
—Você está em um perigo maior que ninguém, agora mesmo. E temos que nos mover. Vamos tirar essas fotos de seu computador. Quero as levar todas ao laboratório do recinto.
Gabrielle lhe levou até uma ordenada mesa que tinha em uma esquina da sala de estar. Ligou o computador de mesa e enquanto este se carregava, Gabrielle tirou um par de cartões de cor e colocou uma delas na entrada da USB.
—Sabe? Disseram que estava louca. Chamaram-na delirante, esquizofrénica paranóica. Encerraram-na por acreditar que tinha sido atacada por alguns vampiros.
—Gabrielle riu em voz baixa, mas foi uma risada triste e vazia.
— Possivelmente não estava louca, depois de tudo.
A suas costas, Lucan se aproximou.
—De quem falas?
—De minha mãe. —depois de iniciar o processo de cópia, Gabrielle se girou na cadeira para olhar a Lucan.
— A encontraram uma noite em Boston, ferida, ensangüentada e desorientada. Não tinha nem o moedeiro nem a bolsa, nem levava nenhum tipo de documentação em cima, e durante os breves períodos de tempo em que estava lúcida, não foi capaz de dizer a ninguém quem era, assim que a ficharam como anônima. Era só uma adolescente.
—Diz que estava sangrando?
—Várias feridas no pescoço: aparentemente se havia autolesionado, conforme os informe oficiais. O tribunal a julgou incapaz de agüentar um julgamento e a encerraram em uma instituição mental quando saiu do hospital.
—Porra, merda.
Ela negou com a cabeça, devagar.
—Mas e se tudo o que disse foi verdade? E se não estava louca em absoluto? OH, Deus, Lucan... todos estes anos a estive culpando. Acredito que inclusive a odiei, e agora não posso evitar pensar...
—Há dito que a polícia e o tribunal a julgaram. Refere-te a que cometeu algum tipo de crime?
O computador apitou indicando que o cartão de cor estava cheio. Gabrielle se voltou para continuar com a função de copiado, e ficou nessa posição, lhe dando as costas. Lucan lhe pôs as mãos nos ombros com suavidade e lhe fez voltar a dá-la volta com a cadeira.
—Do que acusaram a sua mãe?
Por um comprido momento, Gabrielle não disse nada. Lucan viu que tragava saliva. Seus olhos expressavam uma grande dor.
—Acusaram-na de abandonar a um bebê.
—Quantos anos tinha você?
Ela se encolheu de ombros e logo negou com a cabeça.
—Nada. Um bebê. Meteu-me em um cesto de papéis, fora do edifício de seu apartamento. Era só a uma quadra de onde a polícia a deteve. Por sorte para mim, um dos policiais decidiu registrar os arredores. Ouviu-me chorar, suponho, e me tirou dali.
Deus Santo.
Enquanto ela falava, na mente de Lucan cintilou uma lembrança. Viu uma rua escura, o pavimento úmido que brilhava sob a luz da lua, uma mulher com os olhos muito abertos e o rosto transfigurado pelo horror, em pé, enquanto um vampiro renegado lhe chupava o pescoço. Ouviu o tênue pranto de um bebê que a mulher levava nos braços.
—E isso quando aconteceu?
—Faz muito tempo. Vinte e sete anos, este verão, para ser exatos.
Para alguém da idade de Lucan, vinte e sete anos era um suspiro. Recordava claramente ter interrompido esse ataque na estação de ônibus . Recordava haver-se interposto entre o renegado e sua presa, havia jogado dali a mulher com uma potente ordem mental. Ela sangrava profusamente, e parte do sangue tinha caido em cima do bebê.
Depois de ter dado morte ao renegado e de ter limpo a estação, tinha ido em busca da mulher com o bebê. Não lhes havia encontrado. Muitas vezes se perguntou o que lhes teria passado aos dois, e se tinha amaldiçoado a si mesmo por não ter sido capaz de ter apagado essas terríveis lembranças da memória da vítima.
—Ela se suicidou na instituição mental não muito tempo depois — disse Gabrielle.
— Já me tinha adotado a administração.
Ele não pôde evitar tocá-la. Apartou-lhe o comprido cabelo do rosto com suavidade, acariciou-lhe a delicada linha que formava a mandíbula e a orgullosa forma do queixo. Tinha os olhos úmidos, mas não as derrubou. Era uma mulher dura, de acordo. Dura e bonita e incrivelmente especial.
Nesse momento, ele não queria outra coisa que não fosse tomá-la entre os braços e dizer-lhe
—Sinto-o —lhe disse, com absoluta sinceridade. E com tristeza, algo que não estava acostumado a sentir. Mas, desde que a conhecia, Gabrielle o fazia sentir muitas coisas que eram completamente novas para ele.
— Eu sinto pelas duas.
O computador voltou a apitar.
—Já estão todas —disse ela, levantando a mão como se fosse acaricia-lo; mas não foi capaz de fazê-lo, ainda.
Ele deixou que se tornasse atrás e sentiu uma ligeira espetada de remorso quando ela se apartou em silêncio.
Se apartando dele como o estranho que agora era para ela.
Observou-a enquanto ela tirava o último cartão de cor e a colocava ao lado da outra. Quando começou a fechar o programa, Lucan disse:
—Ainda não. Tem que apagar os arquivos de imagens do computador e das cópias de segurança que tenha. As cópias que nos levemos daqui têm que ser quão únicas fiquem.
—E o que fazemos com as cópia impressas? As que há aqui em cima da mesa, as que tenho abaixo, na sala escura.
—Você fique aqui. Eu vou procurar as impressões.
—De acordo.
Ela ficou a trabalhar imediatamente e Lucan fez uma rápida inspeção no resto do apartamento. Reuniu todas as fotos soltas que encontrou, incluídas as fotos emolduradas também: não queria deixar nada que pudesse ser de utilidade para os renegados. Encontrou uma bolsa grande no armário do dormitório de Gabrielle e a baixou para enchê-la.
Enquanto terminava de colocar as fotos e fechava a bolsa, ouviu o grave rugido de um carro potente que estacionava fora da casa. Abriram-se duas portas, logo se fecharam com um golpe, e uns passos potentes se acercaram ao apartamento.
—Há alguém —disse Gabrielle, olhando com seriedade a Lucan enquanto desligava o computador.
Lucan já tinha introduzido a mão debaixo do casaco e havia a levado a suas costas, onde tinha uma Beretta de nove milímetros metida no cinturão da calça. A arma estava carregada com a munição mais potente que podia disparar, umas balas de titânio especiais para aniquilar aos renegados, uma das últimas inovações do Niko. Se ao outro lado da porta havia um deles, esse filho da puta sedento de sangue iam sofrer um grande dano.
Mas imediatamente se deu conta de que não se tratava dos Renegados. Nem sequer dos serventes, o qual teria dado certa satisfação a Lucan.
Eram humanos os que se encontravam na entrada. Um homem e uma mulher.
—Gabrielle? —O timbre da porta soou várias vezes em uma rápida sucessão—. Olá? Gabby? Está aí?
—OH, não. É minha amiga Megan.
—A da casa onde esteve a noite passada.
—Sim. Esteve-me chamando durante todo o dia, e me deixou recados. Está preocupada comigo.
—O que lhe contaste?
—Sabe o da agressão no parque. Disse-lhe que me atacaram, mas não lhe disse nada de ti... pelo que fez.
—Por que não?
Gabrielle se encolheu de ombros.
—Não queria colocá-la nisto. Não quero que se meta em nenhum perigo por minha culpa. Por culpa de tudo isto. —Suspirou e meneou a cabeça.
—Possivelmente não queria dizer nada de ti até que não tivesse eu mesma algumas respostas.
O timbre da porta soou outra vez.
—Gabby, abre! Ray e eu temos que falar contigo. Precisamos saber se estiver bem.
—Seu noivo é policial —disse Gabrielle em voz baixa—. Querem que faça uma declaração sobre o que aconteceu a outra noite.
—Há uma saída traseira do apartamento.
Ela assentiu com a cabeça, mas logo pareceu trocar de idéia e fez um gesto negativo.
Dá a um pátio compartilhado, mas há uma cerca muito alta...
—Não há tempo —disse Lucan, descartando essa opção.
— Vá a porta. Deixa entrar seus amigos.
—O que vais fazer? —Viu que ele acabava de tirar a mão do casaco e que escondia a arma a suas costas. A expressão de Gabrielle se encheu de pânico.
—Tem uma arma aí detrás? Lucan, não lhe vão fazer nada. E me assegurarei de que não contem nada.
—Não vou utilizar a arma com eles.
—Então, o que vais fazer? —depois de ter evitado de forma tão deliberada lhe tocar, por fim o fez. Sujeitou-lhe o braço com as pequenas mãos.
— Deus, por favor, me diga que não lhes vais fazer mal.
—Abre a porta, Gabrielle.
Suas pernas se moviam com lentidão em direção a porta de entrada.
Abriu o ferrolho e ouviu a voz de Megan ao outro lado da porta.
—Está aí dentro, Ray. Está na porta. Gabby, abre, querida. Está bem?
Gabrielle soltou a correia sem dizer nada. Sem saber se devia tranqüilizar a sua amiga lhe dizendo que estava bem ou se devia gritar a Megan e a Ray que partissem correndo dali.
Olhou para trás, a Lucan, mas isso não lhe deu nenhuma pista. Seus rasgos agudos não mostravam nenhuma emoção nem se moveram. Tinha os olhos chapeados fixos na porta, frios, sem piscar. Suas mãos, poderosas, estavam vazias e as tinha baixado a ambos os lados do corpo, mas Gabrielle sabia que podiam entrar em movimento sem nenhum tipo de aviso.
Se ele queria matar a seus amigos, inclusive a ela, por certo, faria-o antes de que nenhum deles se desse conta.
—Deixe-lhes entrar —lhe disse com um grunhido grave.
Gabrielle girou o trinco devagar.
Somente tinha aberto a porta um pouco quando Megan a empurrou e a abriu por completo para entrar com seu noivo, vestido de uniforme, detrás.
—Por todos os Santos, Gabrielle! Tem idéia de quão preocupada estive? Por que não me há devolvido as chamadas? —Deu-lhe um forte abraço e logo a soltou e a olhou com o cenho franzido, como uma mãe zangada—. Parece cansada. Estiveste chorando? Onde há... ?
Megan se interrompeu repentinamente; seus olhos, e os do Ray, perceberam de repente a imagem de Lucan em meio da sala de estar, detrás do Gabrielle.
—OH, não me tinha dado conta de que estava com alguém...
—Tudo está bem aqui? —perguntou Ray, dando um passo além das duas mulheres enquanto levava uma mão sobre a arma embainhada.
—Bem. Tudo está bem —repôs rapidamente Gabrielle. Levantou uma mão para assinalar à Lucan— É, isto... um amigo.
—Vai a alguma parte? —O noivo de Megan deu um passo para diante e fez um gesto em direção à bolsa que se encontrava no chão aos pés de Lucan.
—Isto, sim —interveio Gabrielle enquanto se colocava rapidamente entre o Ray e Lucan—. Estava um pouco nervosa esta noite. Pensei em ir a um hotel e me tranqüilizar um pouco. Lucan veio para me levar.
—Certo. —Ray tentava olhar para detrás de Gabrielle, em direção a Lucan, que permanecia com uma arruda atitude silenciosa. A cáustica atitude de Lucan indicava que já se formou uma opinião desse jovem policial e de que lhe desprezava.
—Oxalá não tivessem vindo, meninos —disse Gabrielle. E era verdade.
— De verdade, não têm por que ficar.
Megan avançou e tomou a mão de Gabrielle entre as suas com um gesto protetor.
—Ray e eu estávamos pensando que possivelmente o tivesse reconsiderado e queria vir a delegacia de polícia, querida. É importante. Estou segura de que seu amigo está de acordo conosco. Você é o detetive de quem Gabby me falou, verdade? Sou Meg.
Lucan deu um passo. Com esse pequeno movimento se colocou justo diante de Megan e do Ray. Foi uma flexão tão rápida dos músculos que o tempo pareceu deter-se ao seu redor. Gabrielle lhe viu dar uma série de passos seguidos, mas seus amigos ficaram assombrados ao encontrar a Lucan justo diante deles, imponente em sua altura e com um ar ameaçador que vibrava ao seu redor.
Sem advertência prévia, levantou a mão direita e sujeitou a Megan pela frente.
—Lucan, não!
Meg gritou, um som que se afogou em sua garganta imediatamente assim que olhou a Lucan aos olhos. Com uma velocidade inverossímil, Lucan levantou a mão esquerda e sujeitou à Ray da mesma maneira. O agente se debateu um segundo, mas imediatamente caiu em um estupor como de transe. Os fortes dedos de Lucan pareciam ser o único que os mantinha em pé a ambos.
—Lucan, por favor! Suplico-lhe isso!
—Recolhe os cartões de cor e a bolsa —lhe disse com calma. Era uma ordem fria.
— Tenho um carro esperando fora. Entra e me espere aí. Saio em seguida.
—Não vou deixar te aqui para que chupe o sangue de meus amigos.
—Se essa tivesse sido minha intenção, agora já estariam atirados no chão e mortos.
Tinha razão. Deus, mas não tinha nenhuma dúvida de que este homem, este ser obscuro a quem já tinha aceito em sua vida, era o bastante perigoso para fazê-lo.
Mas não o tinha feito. E não o ia fazer; nisso confiava nele.
—As fotos, Gabrielle. Agora.
Ela ficou em movimento. Recolheu a avultada bolsa, a pendurou do ombro e se meteu os dois cartões de cor no bolso de diante da calça. Ao sair se deteve um momento para olhar o rosto pálido de Megan. Agora tinha os olhos fechados, igual a Ray. Lucan lhes estava dizendo algo em um murmúrio que ela não pôde ouvir.
O tom de sua voz não parecia ameaçador, a não ser extranhamente tranquilizador, persuasivo. Quase como uma canção de ninar.
Gabrielle jogou uma última olhada a estranha cena que tinha lugar na sala de estar e saiu pela porta à rua. Na esquina havia um elegante Sedam, estacionado em paralelo diante do Mustang vermelho do Ray. Era um veículo caro, incrivelmente caro pelo aspecto que tinha, e o único outro carro que havia ali.
Enquanto se aproximava dele, a porta do copiloto se abriu como se a tivessem acionado automaticamente. Como se a tivesse acionado a força mental de Lucan. Soube, e se perguntou até que ponto chegavam esses poderes paranormais.
Acomodou-se no amplo assento de pele e fechou a porta. Ainda não tinham acontecido dois segundos quando Megan e Ray apareceram na entrada. Baixaram tranqüilamente os degraus e passaram por seu lado com o olhar fixo para diante. Nenhum dos dois disse nenhuma palavra.
Lucan estava justo detrás deles. Fechou a porta do apartamento e se dirigiu até o carro, onde lhe estava esperando Gabrielle. Subiu, introduziu a chave no contato e ligou o motor.
—Não era uma boa idéia lhes deixar ali—lhe disse enquanto deixava cair a bolsa dela e a câmara em seu regaço.
Gabrielle lhe olhou.
—Exerceste alguma classe de controle sobre eles, igual a tentou fazê-lo comigo antes.
—Sugestionei-lhes para que acreditem que não estiveram em seu apartamemoro esta noite.
—Apagaste-lhes a memória?
Inclinou a cabeça em um vago gesto de assentimento.
—Não recordarão nada desta noite, nem de que foi ao apartamento de Megan a outra noite depois de que o servente te agredisse. Suas mentes já não recordarão nada disso.
—Sabe? Justo agora isto sonha muito bem. O que me diz, Lucan? Eu vou ser a seguinte? Poderia apagar minha mente a partir do momento em que decidi ir aquela discoteca, faz um par de semanas.
Ele a olhou nos olhos, mas a Gabrielle não pareceu que tentasse introduzir-se em sua mente.
—Você não é como esses humanos, Gabrielle. Embora queria fazê-lo, não poderia trocar nada do que te aconteceu. Sua mente é mais forte que a da maioria das pessoas. Em muitos aspectos, você é diferente da maioria.
—Vá, sinto-me muito afortunada.
—O melhor lugar para ti agora é onde os da raça lhe possam proteger como a um dos seus. Temos um recinto oculto na cidade. Pode ficar aí, para começar.
Ela franziu o cenho.
—O que? Está-me oferecendo o equivalente vampírico ao Programa de Amparo de Testemunhas?
—É um pouco mais que isso. —Ele girou a cabeça e olhou através do prabrisas.
— E é a única maneira.
Lucan apertou o acelerador e o elegante carro negro se precipitou pela estreita estrada com um rugido grave e suave. Gabrielle se sujeitou com ambas as mãos no assento de pele e observou a escuridão que lentamente se tragava seu edifício do Willow Street.
Ao afastar-se, viu as vagas silhuetas de Megan e do Ray que entravam no Mustang para afastar-se de seu apartamento, sem recordar o que tinha passado. Gabrielle sentiu um repentino pânico e desejou saltar do carro e correr para eles, de volta a sua vida anterior.
Muito tarde.
Sabia.
Esta realidade nova a tinha apanhado, e não acreditava que houvesse maneira de voltar atrás. Somente ficava continuar para frente. Apartou o olhar do cristal traseiro e se afundou na suavidade do assento de pele com o olhar cravado para diante enquanto Lucan girava uma esquina e conduzia no meio da noite.
Capítulo vinte
Gabrielle não sabia quanto fazia que estavam viajando, nem sequer em que direção. Ainda se encontravam na cidade, isso sabia, mas os múltiplos giros que tinham dado e os muitos becos que haviam entrado tinham formado um labirinto na mente de Gabrielle. Olhou fora do cristal preto do Sedam, vagamente consciente de que por fim se estavam detendo, agora que se aproximavam do que parecia ser um amplo terreno de um velho imovel.
Lucan se deteve diante de um muito alto portão de ferro negro. Dois facho de luz caíram sobre eles desde dois pequenos aparelhos que se encontravam pendurados A ambos os lados da cerca de alta segurança. Gabrielle piscou, deslumbrada pela súbita luz que lhe caía no rosto, e logo viu que as pesadas portas começavam a abrir-se.
—Isto é teu? —perguntou-lhe, girando a cabeça para Lucan pela primera vez desde que se foram do apartamento.
— Estive aqui antes. Fiz fotos desta porta.
Atravessaram as portas e avançaram por um caminho sinuoso flanqueado por árvores A ambas as lados.
—Esta propriedade forma parte do complexo. Pertence À raça.
Era evidente que ser um vampiro era uma atividade lucrativa. Inclusive apesar da escuridão, Gabrielle percebia a qualidade enriquecida desse terreno cuidado e da fachada ornamentada da mansão a que se estavam aproximando. Duas rotas flanqueavam as portas negras laqueadas e o impressionante pórtico da entrada principal, em cima do qual se levantavam quatro elegantes pisos.
Em algumas das janelas se via uma luz de ambiente no interior, mas Gabrielle tinha dúvidas em qualificar esse ambiente de acolhedor. A mansão se levantava ameaçadora como um sentinela em meio da noite, estóico e sério, com todas essas gárgulas que lhes olhavam do telhado e os balcões que davam ao caminho.
Lucan passou por diante da porta de entrada e se dirigiu a uma garagem detrás. Abriu-se uma porta e ele conduziu o carro para dentro e desligou o motor. Quando os dois saíram do carro, duas filas de luzes se acenderam automaticamente e iluminaram uma frota de veículos de última geração.
Gabrielle ficou boquiaberta. Entre o Sedam, que custava quase tanto como seu modesto apartamento no Beacon Hill, e a coleção do carros e motocicletas, devia encontrar-se ante um conjunto de carros de um valor de milhões de dólares. Muitos milhões.
—Por aqui —lhe disse Lucan. Levava a bolsa com as fotos em uma mão e a conduziu por diante da impressionante coleção de carros até uma porta que se encontrava ao fundo da garagem.
—Quanto dinheiro tem sua gente? —perguntou ela, lhe seguindo com assombro.
Lucan lhe fez um gesto para que entrasse assim que a porta se abriu. Logo entrou no elevador detrás dela e apertou um botão.
—Alguns membros da nação dos vampiros estão aqui a muito tempo. Aprendemos umas quantas coisas a respeito de como manter o dinheiro de forma inteligente.
—Certo —disse ela, sentindo que perdia um pouco o equilíbrio enquanto o elevador iniciava uma suave mas rápida descida, para baixo, abaixo, abaixo—. Como mantêm isto oculto ao público? O que acontece a administração e os impostos? Ou suas operações são em negro?
—A gente não pode atravessar nosso sistema de segurança, nem se queira embora o tentem. Todo o perímetro da propriedade está cercado e eletrizado. Quem for tão estúpido para aproximar-se dela receberia uma descarga de quatorze mil volts. Pagamos os impostos atraves de empresas coberta, é obvio. Nossas propriedades por todo mundo são propriedade de fundações privadas. Tudo o que a raça faz é legal e o faz de forma aberta.
—Legal e transparente, exato. —Ela riu, um pouco nervosa.
— Sem ter em conta a ingestão de sangue e a linhagem extraterrestre.
Lucan a olhou com expressão séria, mas Gabrielle sentiu certo alívio ao ver que uma comissura dos lábios lhe levantava e desenhava algo parecido a um sorriso.
—Agora eu levarei as cópias —lhe disse. Seus penetrantes olhos cinzas claros a observaram enquanto ela se tirava os cartões de cor da calça e as depositava na mão.
Ele fechou a mão ao redor da dela um segundo. Gabrielle sentiu o calor desse contato, mas não quis reconhecê-lo. Não queria admitir que o mais ligeiro contato com sua pele lhe provocava, nem sequer agora.
Especialmente agora.
Finalmente, o elevador se deteve e suas comporta se abriram ante uma antiga habitação construída com paredes de cristal reforçadas com brillantes marcos metálicos. O estou acostumado a era de mármore branco, com uma série de símbolos geométricos e de desenhos que se entrelaçavam esculpidos nele. Gabrielle viu que alguns deles eram parecidos com os que Lucan tinha em seu corpo: essas estranhas e bonitas tatuagens que lhe cobriam as costas e o torso.
Não, não eram tatuagens, pensou nesse momento, a não ser outra coisa...
Marcas de vampiro.
Em sua pele, e ali, nesse buraco sob o chão onde vivia.
Mais à frente do elevador, um corredor se afastava e serpenteava durante umas quantas centenas de metros. Lucan avançou um pouco e fez uma pausa para olhar a Gabrielle, ao dar-se conta de que ela duvidava em lhe seguir.
—Está segura aqui —disse ele.
Que Deus a ajudasse, mas lhe acreditou.
Ela avançou pelo mármore níveo com Lucan, e agüentou a respiração enquanto ele colocava a palma da mão sobre um leitor e as portas de cristal diante dele se abriam. Um ar frio banhou a Gabrielle, e ouviu um rugido apagado de vozes masculinas que provinham de algum ponto ao final da sala. Lucan a conduziu em direção a conversação com passos largos e decididos.
Deteve-se um momento diante de outra porta de cristal e, enquanto chegava ao seu lado, Gabrielle viu o que parecia ser uma espécie de sala de controle. Havia computadores e monitores alinhados em cima de um console em forma de «Ou», e uns leitores digitais emitiam uma série de coordenada desde outro dispositivo cheio de equipamentos. No centro de tudo isso, sentado em uma cadeira giratória como um diretor de orquestra, se encontrava um jovem de aspecto estranho e de um cabelo loiro mal talhado e desordenado. Levantou o olhar e seus brilhantes olhos azuis expressaram uma surpreendida bem-vinda assim que a porta se abriu e Lucan entrou na sala com Gabrielle ao lado.
—Gideon —disse Lucan, inclinando a cabeça em sinal de saudação.
Assim que este era o sócio de quem lhe tinha falado, pensou Gabrielle, apreciando o sorriso fácil e o comportamento amigável do outro homem. Levantou-se da cadeira e saudou Lucan com um gesto da cabeça e, logo, a Gabrielle.
Gideon era alto e magro, com um atrativo juvenil e um encanto evidente. Não se parecia com Lucan absolutamente. Não se parecia como ela imaginava que seria um vampiro, embora não tinha muita experiência nessa área.
—Ele é…?
—Sim —respondeu Lucan, antes de que ela pudesse lhe sussurrar o resto da pergunta. Deixou a bolsa em cima da mesa.
—Gideon também é da raça. Igual a outros.
Nesse momento Gabrielle se deu conta de que a conversação que tinha ouvido na outra habitação enquanto se aproximavam tinha cessado.
Sentiu outros olhos que a olhavam desde algum ponto de detrás dela, e ao voltar-se para ver de onde provinha essa sensação, pareceu que os pulmões lhe esvaziaram por completo. Três homens enormes ocupavam o espaço que havia a suas costas: a gente levava umas calças confeccionadas sob medida, uma folgada camisa de seda e se encontrava elegantemente acomodado em uma poltrona de pele; o outro ia vestido dos pés a cabeça em couro negro, tinha os largos braços cruzados sobre o peito, e estava apoiado contra a parede traseira; o último, que levava jeans e uma camiseta branca, encontrava-se ante uma mesa na qual havia estado limpando as partes de uma espécie de complicada arma de mão.
Todos eles a estavam olhando.
— Dante —disse Lucan, dirigindo-se ao tipo todo vestido de couro, quem lhe dirigiu uma ligeira inclinação de cabeça a modo de saudação, ou possivelmente foi mas bem a modo de reconhecimento de macho, a julgar pela maneira em que arqueou as sobrancelhas ao voltar a olhar a Lucan.
»O irmão que está ali é Nikolai. —Assim que Lucan lhe houve presentado, o macho de cabelo loiro dirigiu a Gabrielle um rápido sorriso. Tinha uns rasgos severos, umas maçãs do rosto incríveis e uma mandíbula decidida e forte. Inclusive enquanto a olhava, seus dedos trabalham impecavelmente com a arma, como se conhecesse os componentes da peça de forma instintiva.
»E este é Rio —disse Lucan, dirigindo a atenção para o macho sedutor e atrativo que mostrava um imaculado sentido de estilo. Da poltrona em que se encontrava despreocupadamente instalado, dirigiu- um deslumbrante sorriso a Gabrielle que mostrava um atrativo inato e um perigo inequívoco oculto atrás desses olhos da cor do topázio.
Essa ameaça emanava de todos eles: a constituição musculosa e as armas a vista advertiam de forma inequívoca de que, apesar de seu áspecto depravado, esses homens estavam acostumados a batalhar. Possivelmente inclusive desfrutavam com isso.
Lucan colocou uma mão na base das costas de Gabrielle e ela se sobressaltou com esse contato. Atraiu-a mais perto de si ante esses três machos. Ela não estava totalmente segura de se confiava nele, ainda, mas tal e como estavam as coisas, ele era o único aliado que tinha nessa habitação cheia de vampiros armados.
—Apresento-lhes a Gabrielle Maxwell. A partir de agora vai ficar no complexo.
Deixou essa afirmação no ar sem oferecer nenhuma explicação adicional, como se desafiasse a que algum desses homens de aspecto letal o questiona-se. Nenhum o fez. Gabrielle olhou a Lucan e, ao ver seu poder de mando em meio desse escuro poder e dessa força, Gabrielle se deu conta de que ele não era, meramente, um dos guerreiros.
ele era seu líder.
Gideon foi o primeiro em falar. Aproximou-se da zona de computadores e monitores e ofereceu a mão a Gabrielle.
—Me alegro de te conhecer —disse, com uma voz que tinha um ligeiro acento inglês.
— Foi uma reação rápida, a de tomar essas fotos durante o ataque que presenciou. Ajudaram-nos muito.
—Ok, nenhum problema.
Lhe deu a mão brevemente e se surpreendeu de que ele resultasse tão afável, tão normal.
Mas também Lucan lhe tinha parecido relativamente normal ao principio, e logo tudo isso tinha trocado. Pelo menos, não lhe havia mentido ao lhe dizer que se levou as fotos ao laboratório para que as analisassem. Somente tinha esquecido lhe dizer que se tratava de um laboratório de vampiros, e não o da polícia de Boston.
Um assobio agudo soou na mesa de computadores que havia ali ao lado e Gideon voltou correndo ante os monitores.
—Sim! São um maravilhoso ramo de parafusos —gritou, sentando-se na cadeira e girando sobre ela—. Meninos, devem ver isto.
Especialmente você, Niko.
Lucan e outros se reuniram ao redor do monitor que banhava o rosto do Gideon com um brilho azul pálido. Gabrielle, que se sentiu um tanto incômoda em pé, sozinha, em meio da habitação, também se aproximou, devagar.
—Consegui entrar e ver o material das câmeras de segurança da estação —disse Gideon—. Agora vamos ver se podemos conseguir imagens da outra noite, e possivelmente averiguar no que andava de verdade o bastardo que se levou a Conlan.
Gabrielle observava em silencio da periferia enquanto várias telas de computadores se encheram de imagens de circuito fechado de plataformas de trem da cidade. As imagens passavam uma atrás da outra a grande velocidade. Gideon arrastou a cadeira ao longo da linha de computadoes , detendo-se ante cada um deles para teclar alguma instrução antes de continuar até o seguinte e logo o seguinte. Finalmente, todo esse frenético desdobramento de energia cessou.
—De acordo, aí está. Green Line em tela. —separou-se do monitor que tinha diante dele para permitir que outros tivessem uma visão clara.
— Estas imagens da plataforma começam três minutos antes da confrontação.
Lucan e outros se aproximaram enquanto as imagens mostravam um fluxo de gente entrando e saindo de um trem. Gabrielle, que observava entre as enormes costas, viu o rosto agora familiar do Nikolai na tela do monitor: ele e seu companheiro, um enorme e ameaçador macho vestido com couro negro, entravam em um trem. Justo acabavam de sentar-se quando um dos passageiros atraiu a atenção do companheiro do Nikolai. Os dois guerreiros ficaram em pé, e justo antes de que as comporta se fechassem para arrancar, o menino a quem tinham estado olhando saltou do trem. Nikolai e o outro homem ficaram em pé, mas a atenção do Gabrielle estava centrada na pessoa a quem queriam seguir.
—OH, Meu deus —exclamou—. Conheço este tipo.
Cinco pares de olhos de macho a olharam com expressão interrogadora.
—Quero dizer, não lhe conheço pessoalmente, mas lhe vi antes. Sei como se chama. Brent, pelo menos isso é o que disse a minha amiga Kendra. Conheceu-lhe na discoteca a mesma noite em que eu presenciei o assassinato. Após, viram-se cada noite, bastante a sério, de fato.
—Está segura? —perguntou-lhe Lucan.
—Sim. É ele. Estou segura.
O guerreiro que se chamava Dê soltou um violento juramento.
—É um renegado —disse Lucan—. Ou melhor, era-o. Faz um par de noites, entrou no trem do Green Line com um cinturão de explosivos. Fez-os estalar antes de que pudéssemos lhe tirar dali. Um de nossos melhores guerreiros morreu com ele.
—OH, Deus. Refere a essa explosão da que falaram nas notícias ? —Olhou a Nikolai, que tinha a mandíbula apertada com força.
— Eu sinto muito.
—Se não fosse porque Conlan se jogou em cima desse chupão covarde, eu não estaria aqui. Isso seguro.
Gabrielle se sentia realmente entristecida pela perda que Lucan e seus homens tinham sofrido, mas um novo temor tinha aninhado em seu peito ao saber o perto que sua amiga tinha estado do perigo do Brent.
E se Kendra estava ferida? E se lhe tinha feito algo e ela necessitava ajuda?
—Tenho que chamá-la. —Gabrielle começou a rebuscar em sua bolsa intentando encontrar o telefone celular.
— Tenho que chamar Kendra agora mesmo e me assegurar de que está bem.
Lucan lhe sujeitou o pulso com firmeza, embora sua atitude foi de súplica:
—Sinto muito, Gabrielle. Não posso deixar que o faça.
—Ela é minha amiga, Lucan. E o sinto, mas não pode me deter.
Gabrielle abriu a tampa do telefone, mais decidida que nunca a fazer essa chamada. Mas antes de que pudesse marcar o número da Kendra, o aparelho saiu voando das mãos e apareceu na mão de Lucan. Ele fechou a mão ao redor dele e o guardou no bolso da jaqueta.
—Gideon —disse em tom de abrir conversação, apesar de que continuava olhando fixamente a Gabrielle.
— Diga a Savannah que venha e que acompanhe a Gabrielle a uns aposentos mais cômodos enquanto nós terminamos aqui. Que lhe traga algo para comer.
—Devolva-me isso disse Gabrielle, sem fazer caso da surpresa dos outros ao ver que ela desafiava o intento de Lucan de controlá-la.
— Preciso saber que se encontra bem, Lucan.
Ele se aproximou dela e, por um segundo, ela teve medo do que pudesse lhe fazer ao ver que ele alargava a mão para lhe tocar o rosto. Diante de outros, acariciou-lhe a bochecha com ternura e com gesto possessivo. Falou com suavidade.
—O bem-estar de seu amiga está fora de seu controle. Se esse renegado não lhe extraiu antes o sangue, e me acredite, é o mais provável, agora ele já não representa nenhum perigo para ela.
—Mas e se lhe fez algo? E se a converteu em um desses serventes?
Lucan negou com a cabeça.
—Somente os mais capitalistas de nossa estirpe podem criar um servente. Esse merda que se voou a si mesmo é incapaz de fazer algo assim. Somente era um peão.
Gabrielle se separou de sua carícia apesar do consolo que seu contato lhe proporcionava.
—E se ele viu Kendra da mesma maneira? E se a entregou a alguém que tem mais poder que ele?
A expressão de Lucan era grave, mas não mostrava nenhuma dúvida. Seu tom foi mais amável do que nunca o tinha sido com ela, o qual só fazia que suas palavras resultassem mais difíceis de aceitar.
—Então tem que te esquecer dela por completo, porque é como se estivesse morta.
Capítulo vinte e um
— Espero que o chá não esteja muito forte. Se quiser um pouco de leite, pode ir procurar na cozinha.
Gabrielle sorriu, sentindo-se verdadeiramente acolhida pela hospitalidade da companheira do Gideon.
—O chá está perfeito. Obrigado.
Surpreendeu-se ao saber que havia outras mulheres no complexo e sentiu imediatamente que entre a bonita Savannah e ela se estabelecia uma espécie de cumplicidade. Do mesmo momento em que Savannah tinha ido, seguindo as ordens de Lucan, a procurar Gabrielle, tomou-se muito aborrecida para assegurar-se de que ela se sentisse cômoda e relaxada.
Tão relaxada como era possível, em qualquer caso, ao estar rodeada de vampiros armados em um buraco de alta segurança a várias centenas de metros clandestinamente. Apesar de que nesse momento não o parecesse, sentada ali com a Savannah em uma larga mesa de cerejeira, de uma elegante sala de estar, enquanto tomava um chá especiado e exótico servido em uma delicada taça de porcelana e uma suave música soava de fundo.
Essa habitação, ao igual que as espaçosas suítes residenciais que a rodeavam, pertenciam a Gideon e a Savannah. Pelo que parecia, viviam como um casal normal dentro do complexo, em uns aposentos muito cômodos, rodeados por um suntuoso mobiliário, uma quantidade inumerável de livros e de bonitos objetos de arte. Tudo era da melhor qualidade e tudo estava impecavelmente cuidado, absolutamente distinto ao que alguém poderia encontrar em uma das caras mansões do Back Bay. Se não fora pela ausência de janelas, tivesse sido quase perfeito. Mas inclusive essa falta estava compensada por uma impressionante coleção de pinturas e fotografias que adornavam quase todas as paredes.
—Não tem fome?
Savannah indicou com um gesto uma bandeja de prata repleta de massas e de bolachas que se encontrava em cima da mesa, entre ambas. Ao lado da mesma havia outra brilhante bandeja cheia de deliciosos canapés e molhos aromáticos. Tudo tinha um aspecto e um aroma maravilhoso, mas Gabrielle tinha perdido o apetite quase por completo da noite anterior, quando tinha visto Lucan abrir a garganta desse servente com os dentes e, logo, beber seu sangue.
—Não, obrigado —repôs—. Isto é mais que suficiente agora mesmo.
Surpreendia-lhe ser capaz de tragar-se inclusive o chá, mas este estava quente e era relaxante, e esse calor lhe sentava bem tão por dentro como por fora.
Savannah a observou beber em silencio do outro lado da mesa. Seus olhos escuros tinham uma expressão amistosa, e franzia o cenho com gesto cúmplice. Tinha o cabelo encaracolado, negro e curto e lhe cobria o bem formado crânio com um efeito mas bem sofisticado por causa de seus impresionantes rasgos e de suas bonitas e femininas curvas. Mostrava a mesma atitude aberta e fácil que Gideon, e esse era um rasgo que Gabrielle apreciava muito depois de ter estado ante a atitude dominante de Lucan durante as últimas horas.
—Bom, possivelmente você sim seja capaz de resistir as tentações —disse Sejavannah, alargando a mão para tomar uma torrada—, mas eu não posso.
Lubrificou uma colherada de comestíveis de nata em cima da torrada, rompeu um pedaço e o meteu na boca com um gemido de felicidade. Gabrielle se deu conta de que a tinha ficado olhando, mas não pôde evitá-lo.
—Come comida de verdade —disse, mais em tom de interrogação que de afirmação.
Savannah assentiu com a cabeça e se limpou as comissuras dos lábios com o guardanapo.
—Sim, é obvio. Uma garota deve comer.
—Mas eu pensei... Se você e Gideon... Você não é como ele? Savannah franziu o cenho e negou com a cabeça. —Sou humana, igual a você. É que Lucan não te explicou nada? —Algo. —Gabrielle se encolheu de ombros—. O suficiente como para que a cabeça me dê voltas, mas ainda tenho muitas perguntas.
—É obvio que as tem. Todo mundo as tem quando conhecem pela primeira vez este mundo novo. —Alargou a mão e apertou a do Gabrielle com simpatia.
— Pode me perguntar algo. Sou uma das fêmeas mais novas. Essa oferta fez que Gabrielle se incorporasse no assento com renovado interesse.
—Quanto faz que está aqui? Savannah olhou para diante um momento, como se contasse.
—Abandonei minha antiga vida em 1974. Foi quando conheci Gideon e apaixonamo-nos loucamente.
—Faz mais de trinta anos —disse Gabrielle, maravilhada, observando os rasgos juvenis, a pele escura e radiante e os olhos brilhantes da mulher do Gideon.
— Nem sequer me parece que tenha vinte anos. Savannah sorriu ampliamente.
—Tinha dezoito anos quando Gideon me trouxe aqui como companheira.
Ele me salvou a vida, na verdade. Tirou-me de uma situação difícil, e enquanto estejamos unidos eu ficarei igual a estou. De verdade te pareço tão jovem?
—Sim. É muito bonita.
Savannah soltou uma risadinha suave e deu outra dentada a torrada.
—Como...? —perguntou Gabrielle, esperando que não resultasse de má educação o insistir, mas se sentia tão curiosa e estava tão assombrada que não podia evitar fazer perguntas.
— Se você é humana e eles não pode nos converter em... o que eles são... então, como é possível? Como é que não envelheceste?
—Sou uma companheira de raça —repôs Savannah, como se isso o explicasse tudo. Ao ver que Gabrielle franzia o cenho, confundida, Savannah continuou.
— Gideon e eu temos um vínculo, emparelhamo-nos. Seu sangue me mantém jovem, mas ainda sou humana aos cem por cem. Isso nunca troca, nem sequer quando nos unimos com um deles como companheira. Não nos saem presas e não ansiamos o sangue da maneira em que eles o fazem para sobreviver.
—Mas você o deixou tudo para estar com ele, assim?
—O que deixei? Passo minha vida com um homem a quem adoro completamente, e que me quer da mesma forma. Os dois estamos sãs, somos felizes e estamos rodeados de outros que são como nós, que são nossa família. Além da ameaça dos renegados, não temos nenhuma preocupação aqui. Se tiver sacrificado alguma coisa, isso não é nada comparado com o que tenho com o Gideon.
—E o que me diz da luz do sol? Não a sente falta ao viver aqui?
—Nenhuma de nós está obrigada a permanecer no complexo durante todo o tempo. Eu passo muito tempo nos jardins da propiedade durante o dia, sempre que quero. O terreno é muito seguro, ao igual que a mansão, que é enorme. Quando cheguei aqui, ao princípio, passei-me três semanas explorando-o.
Pela breve olhada que Gabrielle tinha jogado a esse lugar, se imaginava que demoraria bastante tempo em familiarizar-se contudo.
—Quanto a ir à cidade durante o dia, fazemo-lo as vezes, embora não muito freqüentemente. Tudo o que necessitamos o podemos pedir pela Internet e o entregam a domicílio.
—Sorriu e se encolheu de ombros—. Não me interprete mal, eu adoro ir aos cafés e de compras tanto como a qualquer, mas aventurar-se fora do complexo sem nossos companheiros sempre implica certo risco. E eles se preocupam quando estamos em algum lugar onde não podem nos proteger. Suponho que as fêmeas que vivem nos Refúgios Escuros tem um pouco mais de liberdade durante o dia que as que estamos vinculadas com os membros desta classe guerreira. Embora não ouvirá nos queixar.
—Há mais companheiras de raça vivendo aqui?
—Há duas mais, além de mim. Eva está vinculada a Rio. As duas lhe cairão bem... são a alma das festas. E Danika é uma das pessoas mais doces que conheci nunca. Era a companheira de raça do Conlan. Ele foi assassinado recentemente, em um enfrentamento com um renegado.
Gabrielle assentiu com gesto sério.
—Sim, inteirei-me disso justo antes de que viesse para me trazer aqui. Sinto muito.
—Tudo é distinto sem ele, mais silencioso. Não sei como Danika vai levar , se te for sincera. Estiveram juntos durante muitos, muitos anos. Conlan era um bom guerreiro, mas era inclusive um melhor companheiro. Também era um dos membros mais antigos deste complexo.
—Até que idade chegam?
—OH, não sei. Muito avançada, para nós. Conlan nasceu da filha de um capitão escocês da época do Colombo. Seu pai era um vampiro da raça daquela geração, de faz quinhentos anos.
—Quer dizer que Conlan tinha quinhentos anos de idade?
Savannah se encolheu de ombros.
—Mais ou menos, sim. Há alguns muito mais jovens, como Rio e Nikolai, que nasceram neste século, mas nenhum deles viveu tanto tempo como Lucan. Ele pertence à primeira geração, filho dos Antigos, dos originários e da primeira linha de companheiras de raça que receberam suas sementes extraterrestres e deram a luz. Pelo que sei, esses primeiros filhos da raça nasceram muito tempo depois de que os Antigos chegassem aqui, ao cabo de vários séculos, segundo a história. Os membros da primeira geração foram concebidos sem desejo e completamente por sorte, cada vez que as violações dos vampiros se faziam em fêmeas humanas cujo sangue tinha umas características únicas e cujo DNA era o bastante forte para levar a cabo uma gravidez híbrida.
Gabrielle imaginou por um instante a brutalidade e a maldade que deveu ter tido lugar nesses tempos.
—Parece que eram animais, os Antigos.
—Eram selvagens. Os renegados operam da mesma maneira e com a mesma falta de consideração pela vida. Se não fosse por guerreiros como Lucan, Gideon e uns quantos mais da Ordem que lhes dão caça por todo mundo, nossas vidas, as vidas de todos os seres humanos, estariam em perigo.
—E o que me diz de Lucan? —perguntou Gabrielle com voz débil—. Quão velho é ele?
—Ah, ele é uma raridade, embora só seja por sua linhagem. Ficam muito poucos de sua geração.
—A expressão de Savannah mostrava certa admiração e mais que respeito.
— Lucan terá uns novecentos anos, posivelmente mais.
—OH, Meu deus. —Gabrielle se recostou na cadeira. Riu ante essa idéia, mas ao mesmo tempo se deu conta de que tinha sentido—. Sabe? A primeira vez que lhe vi, pensei que tinha todo o aspecto de montar a cavalo brandindo uma espada e dirigindo a um exército de cavalheiros a batalha. Tem esse tipo de porte. Como se fosse o proprietário do mundo, e como se tivesse visto tantas coisas que nada pode lhe surpreender. Agora sei por que.
Savannah a olhou com expressão sábia e inclinou a cabeça.
—Acredito que você foste uma surpresa para ele.
—Eu? O que quer dizer?
—Trouxe-te aqui, ao complexo. Nunca tem feito algo assim, não em todo o tempo que faz que lhe conheço, nem tampouco antes pelo que me disse Gideon.
—Lucan diz que me trouxe aqui para me proteger, porque agora os renegados vão detrás de mim. Deus, eu não queria lhe acreditar, não queria acreditar nada de tudo isto, mas é verdade, não?
O sorriso do Savannah era cálida e pormenorizada.
—É.
—Vi-lhe matar a alguém a outra noite, a um servente. Fez-o para proteger-me, sei, mas foi tão violento. Foi horrível. —Sentiu que um calafrio lhe percorria as pernas ao recordar a terrível cena que teve lugar no parque dos meninos.
— Lucan mordeu a garganta do homem e se alimentou dele como uma espécie de...
—Vampiro —repôs Savannah em voz baixa, sem rastro de acusação nem de condenação na voz é o que são, Gabrielle, desde que nasceram. Não é nenhuma maldição nem um desastre. É somente sua forma de viver, uma forma diferente de consumir ao que os humanos têm aprendido que é normal. E os vampiros não sempre matam para alimentar-se. De fato, isso não é habitual, pelo menos entre a população geral da raça, incluída a classe dos guerreiros. E é algo completamente desconhecido entre os vampiros que têm vínculos de sangue, como Gideon ou Rio, dado que seu alimento provém regularmente de suas companheiras de raça.
—Diz-o de uma forma que faz que pareça normal —disse Gabrielle, franzindo o cenho enquanto passava um dedo pelo bordo da taça. Sabia que o que Savannah lhe estava dizendo tinha certa lógica, apesar de que era surrealista, mas aceitava que não ia ser fácil.
— Me aterroriza pensar no que ele é, em como vive. Deveria lhe desprezar por isso.
—Mas não lhe despreza.
—Não —confessou ela em voz baixa.
—Se preocupa por ele, verdade?
Gabrielle assentiu com a cabeça, resistindo a afirmá-lo de palavra.
—E tem uma relação íntima com ele.
—Sim. —Gabrielle suspirou e meneou a cabeça—. E de verdade, não é estúpido? Não sei o que tem que me faz lhe desejar desta maneira. Quero dizer, mentiu-me e enganou a tantos níveis que não posso nem enumerá-los e, apesar de tudo isso, pensar nele faz que me tremam as pernas. Nunca senti este tipo de necessidade com nenhum outro homem.
Savannah sorria desde detrás da taça de chá.
—São mais que homens, nossos guerreiros.
Gabrielle deu um sorvo de chá, pensando que possivelmente não era sensato pensar em Lucan como nada dela, a não ser que tivesse intenção de pôr seu coração sob as botas dele e ver como o pisoteava e o fazia pó.
—Estes machos são apaixonados por tudo o que fazem —acrescentou Savannah.
— E não há nada que possa comparar-se dando e recebendo quando há um vínculo de sangue, especialmente enquanto se faz o amor.
Gabrielle se encolheu de ombros.
—Bom, o sexo é incrível, não vou tentar negá-lo. Mas não tive esse tipo de vínculo de sangue com Lucan.
O sorriso do Savannah fraquejou um momento.
—Não te mordeu?
—Não. Deus, não. —Negou com a cabeça, perguntando-se se podia sentir-se pior do que se sentia.
— Nem sequer tentou provar meu sangue, pelo que sei. Esta mesma noite me jurou que nunca o fará.
—OH. —Savannah deixou com cuidado a taça de chá na mesa.
—Por que? Acha que o fará?
A companheira do Gideon pareceu pensá-lo um momento e logo negou lentamente com a cabeça.
—Lucan nunca faz uma promessa a ligeira, e não o faria com algo como isto. Estou segura de que tem intenção de fazer exatamente o que te há dito.
Gabrielle assentiu com a cabeça, aliviada, Apesar de que a afirmação de Savannah lhe soou quase como se acabasse de lhe dar os pêsames.
—Vêem —lhe disse, levantando-se da mesa e fazendo um sinal a Gabrielle para que a seguisse.
— Vou mostrar-lhe o resto do complexo.
—Algo novo a respeito desses glifos que vimos em nosso sujeito da Costa Oeste? —perguntou Lucan enquanto atirava a jaqueta de pele nas cadeiras que se encontravam perto do Gideon.
Nesse momento estavam os dois sós no laboratório: outros guerreiros se tinham ido relaxar umas quantas horas antes de que Lucan desse as ordens para iniciar a limpeza noturna da cidade. Sentia-se contente de ter essa relativa intimidade. A cabeça começava a lhe pulsar, ameaçando com outra terrível dor de cabeça.
—Não consegui nada, sinto dizer. Não apareceu nada na comprovação dos antecedentes criminais, nem na busca no censo. Parece que nosso menino não está registrado, mas isso não é pouco usual. Os registros da Base de dados de Identificação Internacional são enormes, mas estão longe de ser perfeitos, especialmente no que tem que ver com vocês, os membros da primeira geração. Só ficam uns quantos como você por aí e, por diferentes raciocinio, nunca se ofereceram a ser processados nem catalogados, incluído você.
—Merda —exclamou Lucan, apertando a ponte do nariz sem sentir nenhum alívio da pressão que cada vez sentia com mais força na cabeça.
—Encontra-te bem, cara?
—Não é nada. —Não olhou a Gideon, mas notava que o vampiro o olhava com preocupação.
—O superarei.
—Eu, isto... Inteirei-me que o que aconteceu com você e Tegan a outra noite. Os meninos disseram que você acabava de voltar de uma caçada e que tinha mau aspecto. Seu corpo ainda se está recuperando das queimaduras do sol, já sabe. Tem que tomar as coisas com calma, te curar...
—Hei-te dito que estou bem —lhe cortou Lucan, notando que lhe ardiam os olhos de irritação e que seus lábios desenhavam uma careta e mostravam os dentes.
Entre a presa que tinha caçado na rua e o servente a quem tinha chupado o sangue no parque, tinha ingerido sangue suficiente para todo o tempo de recuperação. A verdade era que, apesar de que físicamente estava satisfeito, ainda desejava mais.
Encontrava-se em um terreno muito escorregadio, e sabia.
A sede de sangue era, somente, permitir a queda.
Controlar essa debilidade estava sendo cada vez mais difícil.
—Tenho um presente para ti —disse Lucan, ansioso por trocar de tema. De um tapa, deixou os dois cartões de cor em cima da mesa.
—As carregue.
—De verdade? Um presente para mim? Querido, não tinha que fazê-lo — disse Gideon, voltando para sua habitual atitude jovial. Já estava introduzindou uma delas na porta USB do disco portátil da máquina que tinha mais perto. Na tela se abriu uma pasta que mostrou uma larga lista de nomes no monitor. Gideon se deu a volta e olhou a Lucan com atitude pensativa.
— São arquivos de imagem. Um montão.
Lucan assentiu com a cabeça. Agora estava dando voltas pela habitação, cada vez mais irritado e acalorado pelas brilhantes luz da habitação.
—Necessito que observe cada uma delas e as compare com todas as localizações de quão renegados conhecemos da cidade, do passado, do presente assim como as suspeitas.
Gideon abriu uma imagem aleatoriamente e soltou um suave assobio.
—Esta é a guarida de renegados que tomamos o mês passado. —Abriu duas imagens mais e as colocou uma ao lado da outra na tela do cimputador—. E o armazém que estivemos vigiando durante duas semana... Jesus, é isto uma imagem do edifício que está em frente do Refúgio Obscuro Quincy?
—Há mais.
—Filho da puta. A maioria destas imagens são de localizações de vampiros, tanto de renegados como da raça. —Gideon passou uma dúzia de fotos mais.
— Ela as tem feito todas?
—Sim. —Lucan fez uma pausa para olhar a tela. Assinalou uma série de arquivos datados da semana em curso.
— Abre este grupo.
Gideon abriu as fotos com uns rápidos movimentos do mouse.
—Deve estar tomando o cabelo. Ela também esteve nos arredores do psiquiátrico? Nesse lugar deve haver centenas de chupões.
Lucan sentiu um aperto no estômago ante essa idéia: o medo era como um ácido na boca do estômago. Sentia as vísceras revoltas, retorcidas por causa da necessidade de alimentar-se. Mentalmente controlou a sede, mas lhe tremiam as mãos e o suor começava a lhe aparecer na frente.
—Um servente a encontrou e a perseguiu até que ela saiu da própiedade —disse com a voz rouca, como se tivesse terra na garganta, e não somente porque tinha o corpo completamente decomposto.
— Teve muita sorte de poder escapar.
—Pois sim. Como encontrou esse lugar? Quer dizer, como pôde encontrar todos estes lugares?
—Diz que não sabe por que se sentiu atraída para eles. É uma especie de instinto especial. Forma parte da habilidade que tem uma companheira de raça de resistir ao controle mental de um vampiro e que lhe permite ver nossos movimentos apesar de que o resto de seres humãos não pode.
—Chame-o como o chama, este tipo de habilidade nos pode resultar de grande ajuda.
—Esquece-o. Não vamos envolver a Gabrielle mais do que já se envolveu. Ela não forma parte disto, e não a vou expor a mais perigos. De todas formas, não vai ficar aqui muito tempo.
—Não crê que podemos protegê-la?
—Não vou permitir que fique em primeira linha de fogo quando uma guerra se está gerando frente a nossas portas. Que tipo de vida seria esta?
Gideon se encolheu de ombros.
—Pois parece que a Savannah e Eva não vai mau.
—Sim, e também foi uma festa para a Danika, ultimamente. —Lucan negou com a cabeça—. Não quero que Gabrielle esteja perto desta violência . Vai partir a um dos Refúgios Escuros logo que seja possível. A algum lugar remoto que esteja o mais longe possível, onde os renegados não possam encontrá-la nunca.
E onde também estivesse a salvo dele. A salvo da besta que se retorcia dentro dele inclusive nesses momentos. Se a sede de sangue finalmente lhe vencia —e ultimamente lhe parecia que era somente uma questão de tempo—, queria que Gabrielle estivesse tão longe como fosse possível.
Gideon, muito quieto, olhava a Lucan.
—Se preocupa por ela.
Lucan lhe devolveu o olhar e sentiu desejos de golpear algo, de destruir algo.
—Não seja ridículo.
—Refiro-me a que é bonita, e é evidente que é valente e criativa, assim não é difícil compreender que qualquer possa sentir-se atraído por ela. Mas... porra. Você se preocupa por ela de verdade, não? —Era evidente que esse vampiro não sabia quando devia calar-se.
— Nunca pensei que chegaria o dia em que uma fêmea te colocasse sob a pele desta maneira.
—É que tenho pinta de querer me unir ao mesmo patético clube do coração e flores ao que você e Rio pertencem? Ou Conlan, com seu cachorrinho em caminho que alguma vez conhecerá seu pai? De verdade, não tenho nenhuma intenção de me vincular com esta mulher nem com nenhuma outra. —Pronunciou um violento juramento—. Sou um guerreiro. Meu primeiro e único dever sempre é para a raça. Nunca houve espaço para nada mais. Assim que encontre um lugar seguro para ela em um dos Refúgios, Gabrielle Maxwell se irá. Esquecida. Fim da história.
Gideon ficou em silêncio um comprido momento, lhe observando dar voltas pela habitação, frenético e mal-humorado, com uma falta de controle que não era própria dele.
O qual somente conseguia enervar o mau humor de Lucan até um nível perigoso.
—Tem algo mais que acrescentar ou podemos deixar este tema por agora?
Os inteligentes olhos azuis do vampiro continuaram lhe olhando de forma enloquecedora.
—Simplesmente pergunto a quem precisa convencer: A mim ou a você mesmo?
Capítulo vinte e dois
A visita de Gabrielle pelo labiríntico complexo dos guerreiros lhe mostrou dependências de residência privadas, zonas comuns, uma sala de treinamento equipada com um incrível sortido de armas e de equipamentos de combate, uma sala para banquetes, uma espécie de capelas e inumeraveis habitações escondidas para várias funções que se mesclavam em sua mente.
Também conheceu Eva, que era exatamente como Savannah lhe havia dito que era. Vivaz, encantadora e bonita como uma supermodelo. A companheira de raça de Rio tinha insistido em sabê-lo tudo a respeito de Gabrielle e de sua vida. Eva era espanhola e falava de voltar ali algum dia com Rio, onde ambos poderiam criar uma família com o tempo. Foi uma agradável apresentação que somente se viu interrompida pela chegada de Rio. Quando ele chegou, Eva se dedicou por inteiro a seu companheiro e Savannah levou a Gabrielle a outras zonas do complexo.
Era impressionante o imensas e eficientes que eram as instalações. Qualquer idéia que ela pudesse ter a respeito de que os vampiros viviam em velhas, cavernosas e úmidas cavernas lhe tinha desaparecido da mente assim que ela e Savannah tiveram concluído esse informal passeio.
Esses guerreiros e suas companheiras viviam com um estilo de alta tecnología e tinham literalmente todos os luxos que pudessem desejar, embora nenhum atraiu tanto a Gabrielle como a habitação em que se encontravam ela e Savannah nesse momento. Umas estanterías de polida madeira escura que foram do chão ao teto enchiam as altas paredes da hábitação e continham milhares de volúmes. Sem dúvida, a maioria eram extranhos, dado a quantidade de quão mesmos estavam encadernados em pele e cujos lombos gravados com ouro brilhavam a suave luz da biblioteca.
—Puxa —exclamou Gabrielle enquanto se dirigia ao centro da habitação e se dava a volta para admirar a impressionante coleção do Livros.
—Você gosta? —perguntou-lhe Savannah, apoiando-se na porta aberta.
Gabrielle assentiu, muito ocupada em olhá-lo tudo para responder. Ao dá-la volta viu uma luxuosa tapeçaria que cobria a parede traseira. Era uma imagem noturna que representava a um enorme cavalheiro vestido do Nnegro e com uma malha de prata, sentado em cima de um escuro cavalo . O cavalheiro levava a cabeça descoberta e seu comprido cabelo de ébano voava ao vento igual aos penachos que ondeavam da ponta de sua lança ensangüentada e no parapeito de um castelo que havia no topo de uma colina, ao fundo.
O bordado era tão intrincado e preciso que Gabrielle pôde distinguir os penetrantes olhos de um cinza pálido desse homem e seus angulosos e marcados maçãs do rosto. Em seu sorriso cínico e quase depreciativo havia algo que lhe resultava familiar.
—OH, Meu Deus. supõe-se que é...? —murmurou Gabrielle.
Savannah respondeu com um encolhimento de ombros e uma risita divertída.
—Quer ficar aqui um momento? Tenho que ir ver Danika, mas eu vou não significa que tenha que ir, se preferir...
—Claro. Sim. eu adorarei ficar um momento por aqui. Por favor, tome o tempo que necessite e não se preocupe por mim.
Savannah sorriu.
—Voltarei logo e nos ocuparemos de te preparar uma habitação.
—Obrigado —repôs Gabrielle, que não tinha nenhuma pressa em que a levassem desse paraíso inesperado.
Assim que a outra mulher teve saído, Gabrielle se deu conta de que não sabia por onde começar A olhar: se pelo tesouro da literatura ou a pintura medieval que representava A Lucan Thorne, que parecia ser de ao redor do século XIV.
Decidiu fazer ambas as coisas. Tirou um incrível volume de poesia francessa, presumivelmente uma primeira edição, de uma das prateleiras e o levou a uma poltrona de leitura colocado ante a tapeçaria. Deixou o livro em cima de uma delicada mesa antiga e, durante um minuto, quão único foi xapaz de fazer foi olhar a imagem de Lucan bordada de forma tão perita com fio de seda. Levantou uma mão, mas não se atreveu a tocar essa peça de museu.
«Meu Deus», pensou, impressionada, ao captar a incrível realidade desse outro mundo.
Durante todo esse tempo, eles tinham existido ao mesmo tempo que os seres humanos.
«Incrível.»
E que pequeno lhe parecia seu próprio mundo à luz desse novo conhecimento. Todo aquilo que acreditava saber sobre a vida tinha sido eclipsado em questão de horas pela larga história de Lucan e do resto dos seuseus.
De repente, o ar pareceu mover-se ao seu redor e Gabrielle sentiu um súbito alarme. Voltou-se rapidamente e se sobressaltou ao encontrar-se com o Lucan real, em carne e osso, em pé, detrás dela, na entrada da habitação, apoiado com um de seus enormes ombros contra o gonzo da porta. Levava o cabelo mais curto que o cavalheiro, seus olhos tinham possivelmente uma expressão de maior obsessão e não se viam tão ansiosos como os que tinha representado o artista.
Lucan era muito mais atrativo em pessoa: inclusive quando estava quieto irradiava um poder inato. Inclusive quando a olhava com o cenho franzido e em silêncio, como nesse momento.
O coração de Gabrielle se acelerou com uma mescla de medo e expectativa assim que viu que ele se separava do gonzo da porta e entrava na habitação. Olhou-lhe, olhou-lhe de verdade, e lhe viu tal e como era: uma força que não tinha idade, uma beleza selvagem, um poder incomensurável.
Um enigma escuro, que resultava tão sedutor como perigoso.
—O que está fazendo aqui? —Em sua voz havia uma nota acusatória.
—Nada —respondeu ela rapidamente—. Bom, se te for sincera, não pude evitar admirar algumas destas coisas tão formosas. Savannah me esteve mostrando o complexo.
Ele grunhiu e se apertou a ponte do nariz sem deixar de franzir o cenho.
—tomamos o chá juntas e estivemos conversando um pouco —disse Gabrielle.
— Eva esteve conosco também. As duas são muito agradáveis. E este lugar é realmente impressionante. Quanto faz que você e outros guerreiros vivem aqui?
Ela se dava conta de que ele tinha pouco interesse em entrar em conversação, mas respondeu, levantando um ombro em um encolhimento despreocupado.
—Gideon e eu fundamos este lugar em 1898 como quartel geral para dar caça aos renegados que se transladaram A esta região. daqui recrutamos a um grupo dos melhores guerreiros para que lutassem conosco. Dante e Conlan foram os primeiros. Nikolai e Rio se unierum a nós mais tarde. E Tegan.
Este último nome lhe era completamente desconhecido a Gabrielle.
—Tegan? —perguntou—. Savannah não lhe mencionou. Ele não estava quando apresentou A outros.
—Não, não estava.
Ao ver que ele não dava mais explicações, a curiosidade a apanhou.
—É um a quem perdestes, como Conlan?
—Não. Não é isso. —Lucan falou com voz entrecortada ao referir-se a este último membro do grupo, como se o tema fora um tema doloroso que preferisse não tocar.
Ele continuava olhando-a intensamente e estava tão perto que ela percebía o movimento de seu peito ao respirar, os músculos que se expandían sob a camisa negra de impecável queda, o calor que seu corpo precía irradiar para ela.
Detrás dele, na parede, seu semelhante olhava da tapeçaria com uma expressão de fervente determinação: o jovem cavalheiro decidido e gravê, seguro de conquistar todo prêmio que encontrasse em seu caminho. Gabrielle distinguia uma sombra mais escura dessa mesma determinação em Lucan agora, enquanto o olhar dele percorria todo seu corpo, de pés a cabeça.
—Esta tapeçaria é incrível.
—É muito velho —disse ele, olhando-a enquanto se aproximava dela.
— Mas suponho que isso já sabe agora.
—É precioso. E te vê tão feroz, como se estivesse a ponto de conquistar o mundo.
—Estava-o. —Olhou a tapeçaria da parede com uma ligeira expressão de brincadeira.
— Eu mandei fazer uns meses depois da morte de meus pais. Esse castelo que se queima, ao fundo, pertencia ao meu pai. Fiz-o cnizas depois de lhe cortei a cabeça por ter matado a minha mãe em um ataque de sede de sangue.
Gabrielle ficou sem fala. Não tinha esperado nada como isso.
—Meu Deus. Lucan...
—Encontrei-a em um atoleiro de sangue em nosso vestíbulo. Tinha a garganta destroçada. Ele nem sequer tentou defender-se. Sabia o que hávia feito. Amava-a, tanto como podiam amar os de sua classe, mas sua sede era mais forte. Não podia negar sua natureza. —Lucan se encolheu de ombros.
— Lhe fiz um favor ao terminar com sua existência.
Gabrielle observou a expressão fria dele e se sentiu tão impressionadá pelo que acabava de ouvir como pelo tom displicente com que o disse. Todo o romântico atrativo que tinha projetado nessa tapeçaria fazia tão somente um minuto, desapareceu sob o peso da tragédia que verdaderamente representava.
— por que quis ter uma lembrança tão bonita de uma coisa tão Terrivel?
—Terrível? —Ele negou com a cabeça—. Minha vida começou essa noite. Eu nunca tive nenhum lente até que me ergui sobre meus pés, sobre o sangue de minha família e me dava conta de que tinha que trocar as coisas: para mim mesmo e para o resto de minha estirpe. Essa noite declarei a guerra a quão antigos ficavam dos da classe de meu pai, e a todos os membros da raça que lhes tinham servido como renegados.
—Isso significa que estiveste lutando durante muito tempo.
—Teria que ter começado muitíssimo antes. —Cravou-lhe uma olhadá de ferro e lhe dirigiu um sorriso arrepiante.
— Não vou me deter nunca. É por isso pelo que vivo: manejo a morte.
—Algum dia ganhará, Lucan. Então toda a violência terminará por fim.
—Você crie? —disse ele, arrastando as palavras com certa brincadeira no tom de voz.
— E sabe com segurança, te apoiando no que? Em seus poucos vinte e sete anos de vida?
—Apóio-o na esperança, para começar. Na fé. Tenho que acreditar que o bem sempre prevalecerá. Você não? Não é por isso que você e os demais fazem o que fazem? Porque têm a esperança de que podem melhorar as coisas?
Ele rio. Na verdade, olhou-a diretamente e rio.
—Mato aos renegados porque o desfruto. Sou retorcidamente bom nisso. Não vou falar dos motivos de outros.
—O que passa contigo, Lucan? Parece... cheio o saco? Desafiador? um pouco psicótico? Está atuando de forma diferente aqui de como atuou antes comigo.
Lhe cravou um olhar mordaz.
—Se por acaso não te deste conta, carinho, agora está em meus domínios. As coisas são diferentes aqui.
A crueldade que via nele nesses momentos a desconcertou, mas foi seu estranho olhar ardente o que de verdade a enervou. Seus olhos eram muito brilhantes, pareciam duros como o cristal. Sua pele havia enrejecido e se via tensa em suas bochechas. E agora que lhe olhava de perto, viu que tinha a frente perlada de suor.
Uma raiva pura e fria emanava dele em feitas ondas. Como se desejasse destruir algo com suas próprias mãos.
E resultava que quão único tinha diante era a ela.
Ele avançou e passou por seu lado em silêncio, dirigindo-se para uma porta fechada que se encontrava perto de uma das altas estanterías. A porta se abriu sem que ele a tocasse. Ao outro lado todo estava tão escuro que Gabrielle pensou que era um armário. Mas ele entrou nesse espaço tenebroso e ela ouviu suas pegadas afastando-se sobre um chão de madeira do que devia ser um passadiço escondido do complexo.
Gabrielle ficou ali em pé, como se acabasse de livrar-se de que uma brutal tormenta a apanhasse. Exalou com força, aliviada. Possivelmente devia deixa-lo partir. Se ter por afortunada por estar longe de seu caminho em esse momento. Estava claro que ele não parecia desejar sua companhia, e ela não estava segura de querer a dele se estava dessa maneira.
Mas algo lhe acontecia, algo estava realmente mal, e tinha que saber o que era.
tragou-se o medo e lhe seguiu.
—Lucan? —No espaço de além da porta não havia nenhuma luz. Somente havia escuridão, e se ouvia o som constante do barulho das botas de Lucan.
— Deus, está muito escuro aqui. Lucan, espera um segundo. me diga algo.
O ritmo de seus passos não se alterou. Parecia mais que ansioso de livrar-se dela. Como se estivesse desesperado por afastar-se dela.
Gabrielle avançou pelo corredor escuro que tinha diante da melhor maneira que pôde, com os braços alargados para diante para ajudar-se A seguir as curvas do passadiço.
—Aonde vai?
—Fora.
—Para que?
—Já lhe hei isso dito. —ouviu-se um ferrolho no mesmo ponto de onde provinha sua voz.
—Tenho que fazer um trabalho. Ultimamente estive muito depravado.
Por causa dela.
Não o disse, mas não havia maneira de interpretar mal o que queria dizer.
—Tenho que sair daqui —lhe disse, cortante—. É hora de que acrescente uns quantos chupões a minha lista.
—A noite já quase passou. Possivelmente teria que descansar um pouco, em lugar disso. Não me parece que esteja bem, Lucan.
—Preciso lutar.
Gabrielle ouviu que seus passos se detinham, ouviu o sussurro do tecido em algum ponto por diante dela, na escuridão, como se ele se deteve e se estivesse tirando a roupa. Gabrielle continuou avançando em direção a esses sons com as mãos para diante, tentando segurar nesse poço escuro interminável. Agora se encontravam em outro espaço; havia uma parede a direita. Utilizou-a como guia, avançando ao longo dela com passos cuidadosos.
—Na outra habitação parecia ruborizado. E sua voz soa... estranha.
—Preciso me alimentar. —Sua voz soou grave e letal, como uma amenaça inequívoca.
Deu-se conta ele de que ela se deteve para lhe ouvir? Devia haver-se dado conta, porque se rio com um humor amargo, como se a intranqüilidade lhe divertisse.
—Mas já te alimentaste —lhe recordou ela—. Justo a outra noite, de fato. É que não tomou suficiente sangue quando matou a esse servente? Acreditei que disse que somente precisava te alimentar uma vez durante vários dias.
—Já é uma perita no tema, verdade? Estou impressionado.
As botas caíram ao chão com um descuidado golpe, primeiro uma e logo a outra.
—Podemos acender algumas luz aqui? Não posso verte...
—Sem luzes —a cortou ele—. Eu vejo perfeitamente. Cheiro seu medo.
Ela tinha medo, nem tanto por ela mas sim por ele. Ele estava mais que enervado. O ar que lhe rodeava parecia pulsar de pura fúria. Chegava até ela através da escuridão, como uma força invisível que a empurrava para trás.
—Fiz algo mal, Lucan? Não deveria estar aqui no complexo? Porque se tiver trocado de opinião a respeito, tenho que te dizer que não estou muito segura de que fora uma boa idéia que eu viesse aqui.
—Agora não há nenhum outro lugar para ti.
—Quero voltar para meu apartamento.
Gabrielle sentiu uma quebra de onda de calor que lhe subia pelos braços, como se ele se deu a volta e a fulminasse com o olhar.
—vieste aqui. E não pode voltar ali. Ficará até que eu dita o contrário.
—Isto se parece muito a uma ordem.
—é.
De acordo, agora ele não era o único que sentia raiva.
—Quero meu telefone celular, Lucan. Tenho que chamar a meus amigos e Aasegurar-me de que estão bem. Logo chamarei um táxi e irei casa, onde tentarei lhe encontrar algum sentido a esta confusão em que se há convertido minha vida.
—Nem pensar. —Gabrielle ouviu um clique metálico de uma arma, e o roce de uma gaveta que se abria.
— Agora está em meu mundo, Gabrielle. Aqui sou eu quem dita as leis. E você está sob meu amparo até que eu consideré que é seguro te soltar.
Ela se tragou a maldição que tinha na ponta da língua. Quase.
—Olhe, esta atitude benevolente de chefe te pode ter funcionado no passado, mas não imagine que a pode utilizar comigo.
O raivoso grunhido que saiu dele foi como uma chicotada que lhe arrepiou os cabelos da nuca.
—Não sobreviveria uma noite aí fora sem mim, compreende-o? Se não tivesse sido por mim, não teria sobrevivido a seu primeiro maldito ano de vida.
Em pé, ali, na escuridão, Gabrielle ficou totalmente icelular.
—O que há dito?
Só obteve um comprido silencio como resposta.
—O que quer dizer com que não tivesse sobrevivido?
Ele soltou um juramento entre os dentes apertados.
—Eu estava ali, Gabrielle. Faz vinte e sete anos, quando uma indefesa mãe jovem foi atacada por um vampiro renegado na estação de ônibus de Boston, eu estava ali.
—Minha mãe —murmurou ela com o coração quase detido. Alargou a mão para trás em busca da parede e se apoiou nela.
—Já a tinha mordido. Estava-lhe chupando o sangue quando o cheirei e lhes encontrei fora da estação. Ele a tivesse matado. Tivesse-te matado também .
Gabrielle quase não podia acreditar o que estava ouvindo.
—Você nos salvou?
—Dava a sua mãe a oportunidade de afastar-se. Mas estava muito mau por causa da mordida. Nada podia salvá-la. Mas ela queria salvarte a você. Escapou contigo em braços.
—Não. Ela não se preocupava comigo. Abandonou-me. Pô-me em um cubo de lixo —sussurrou Gabrielle, com a garganta atendida ao sentir a velha ferida do abandono.
—A mordida a deixou em um estado de comoção. É provável que estivesse desorientada, e que acreditasse que te estava deixando em um lugar seguro. Que te estivesse ocultando do perigo.
Deus, durante quanto tempo se esteve interrogando a respeito da jovem mulher que havia a trazido para o mundo? Quantos cenários havia inventado para explicar, explicar-se a si mesmo pelo menos, o que devia ter acontecido essa noite em que a encontraram na rua, quando era um bebê? Mas nunca tinha imaginado isto.
—Como se chamava?
—Não sei. Não me interessava. Ela era somente outra vítima dos renegados. Eu não tinha pensado em nada disso até que você mencionou a sua mãe em seu apartamento.
—E eu? —perguntou ela, tentando pô-lo tudo em ordem—. Quando veio para ver-me pela primeira vez depois do assassinato, sabia que eu era o bebê a quem tinha salvado?
Ele emitiu uma gargalhada seca.
—Não tinha nem idéia. Vim até ti porque notei seu aroma de jasmim fora da discoteca e te desejava. Precisava saber se seu sangue seria tão doce como o resto.
Ouvir essas palavras lhe fez recordar todo o prazer que Lucan lhe tinha dado com seu corpo. Agora se perguntava como seria que lhe chupasse do pescoço enquanto a penetrava. Para sua surpresa, deu-se conta que era muito mais que curiosidade o que sentia.
—Mas não o fez. Você não...
—E não o farei —respondeu ele, com voz entrecortada. Gabrielle ouviu outra maldição onde se encontrava ele, esta vez de dor.
— Nunca te haveria tocadosse tivesse sabido...
—Se tivesse sabido o que?
—Nada, esquece-o. Só que... Deus, a cabeça me dói muito para falar. Vai daqui. Me deixe só agora.
Gabrielle ficou justo onde estava. Ouviu-lhe mover-se outra vez, foi um surdo roce dos pés. E outro grunhido grave e animalesco.
—Lucan? Está bem?
—Estou bem —grunhiu, o qual parecia algo menos que estuvisse bem—. Necessito né...porra. —Agora respirava com maior dificuldade, quase ofegava.
— Vai daqui, Gabrielle. Preciso estar... sozinho.
Um pouco pesado caiu no tapete do chão com um golpe surdo. Ele inaló com força.
—Não acredito que precise ficar só agora mesmo, absolutamente. Acredito que necessita ajuda. E não posso continuar falando contigo na escuro desta maneira. —Gabrielle passou a mão pela parede procurando atenta a luz.
— Não encontro nenhum...
Seus dedos tropeçaram com um interruptor e o acendeu.
—OH, Meu deus.
Lucan estava dobrado sobre si mesmo no chão, ao lado de uma cama grande. Tirou-se a camisa e as botas e se retorcia como presa de uma dor extrema.As marca do torso e das costas tinham um cor lívido. Intrincada-las curvas e arcos trocavam do púrpura profundou ao vermelho e ao negro a cada espasmo enquanto ele se sujeitava o abdomen.
Gabrielle correu ao seu lado e se ajoelhou. O corpo dele se contraiu grosseiramente e lhe fez encolher-se em uma tensa bola.
—Lucan! O que está acontecendo?
—Vai —lhe grunhiu ele quando ela tentou lhe tocar ao tempo que se apartaba como um animal ferido.
—Vai! Não é... coisa tua.
—E uma merda não é!
—Vai... aaah! —Seu corpo voltou a sofrer uma convulsão, pior que a anterior—. Te aparte de mim.
lhe ver com tanto dor fez que o pânico se apoderasse dela.
—O que te está acontecendo? me diga o que tenho que fazer!
Ele se tombou de costas como se umas mãos invisíveis houvessem lhe feito dá-la volta. Os tendões do pescoço lhe viam tensos como cabos. As veias e as artérias lhe sobressaíam nos bíceps e os antebraços. Tinha uma careta nos lábios que deixava ao descoberta os afiados presas brancas.
—Gabrielle, te largue daqui!
Ela se apartou para lhe ceder espaço, mas não estava disposta a lhe deixar sofrendo dessa maneira.
—vou procurar a alguém? Posso dizer-lhe A Gideon.
—Não! Não... não o pode dizer. Não... A ninguém. —Ele levantou os olhos para ela e Gabrielle viu que se esgotaram em duas magras raias negras rodeadas por uma brilhante cor âmbar. Esse olhar fera lhe atendeu a garganta e lhe fez acelerar o pulso. Lucan se estremeceu e apertou os olhos com força.
—Passará. Sempre passa... ao final.
Para demonstrá-lo, depois de um comprido momento, começou a arrastrar-se para ficar em pé. Resultou-lhe difícil; seus movimentos eram torpes, mas o grunhido que lhe dirigiu quando ela tentou lhe ajudar a comnvénceu para lhe deixar que o fizesse sozinho. Por pura força de vontade, levantou-se e se apoiou com o estômago contra a cama. Continuava ofegando e ainda tinha o corpo tenso e pesado.
—Posso fazer alguma coisa?
—Vai. —Pronunciou essa palavra com angústia—. Só... mantem longe.
Ela permaneceu justo onde estava e se atreveu a lhe tocar ligeiramente o ombro.
—Tem a pele acesa. Está ardendo de febre.
Ele não disse nada. Gabrielle não estava segura de se ele era capaz de prónunciar nenhuma palavra agora que toda sua energia estava dedicada em suportar a dor e em livrar-se do que lhe tinha apanhado, fora o que fosse. Lhe havia dito que precisava alimentar-se essa noite, mas isto parecia ser algo mais profundo que uma fome básica. Era um sofrimento de uma classe que ela nunca tinha visto.
«Sede de sangue.»
Esse era o vício que ele havia dito que era o distintivo dos Renegados. «Quão único distinguia a Raça de seus irmãos selvagens.» Ao lhe olhar nesses momentos, ela se expôs quão difícil devia ser satisfazer uma sede que também podia lhe destruir a um.
E quando a sede de sangue tinha um apanhado, quanto tempo falta para que lhe arrastasse por completo?
—vais pôr te bem —lhe disse com suavidade enquanto lhe acariciava o cabelo escuro.
— Te relaxe. Me deixe que te cuide, Lucan.
Capítulo vinte e três
Encontrava-se convexo em uma sombra fresca e uma suave brisa o acariciava o cabelo. Não queria despertar desse sono profundo e sem pesadelos. Não encontrava essa paz Freqüentemente. Nunca dessa maneira. Queria ficar aí e dormir cem anos.
Mas o ligeiro aroma a jasmim que flutuava perto dele fez despertar. Inalou o doce aroma com força para enchê-los pulmões, saboreando-o na parte traseira do paladar. Desfrutando-o. Abriu os olhos, pesados, e viu uns bonitos olhos marrons que lhe devolviam o olhar.
—Encontra-te melhor?
A verdade era que se encontrava melhor. A aguda dor de cabeça tinha desaparecido. Já não tinha a sensação de que lhe estavam arrancamndou a pele. A dor no abdômen que lhe tinha feito retorcer-se reduziu a um mal-estar profundo, intensamente incômodo, mas nada que não pudesse suportar.
Tentou lhe dizer que se encontrava melhor, mas a voz lhe saiu como um grasnido agudo. esclareceu-se garganta e se esforçou em pronunciar um sounido.
—Estou bem.
Gabrielle estava sentada na cama ao seu lado e tinha a cabeça dele em seu regaço. Estava-lhe pondo um trapo fresco e úmido na frente e nas bochechas. Com a outra mão lhe acariciava o cabelo com seus dedos suaves e cuidadosos.
Era agradável. Tão incrivelmente agradável.
—Encontraste-te muito mal. Estava preocupada com você.
O grunhiu ao recordar o que tinha acontecido. O ataque de sede de sangue lhe tinha convexo de costas. Tinha-lhe reduzido A uma débil bola de dor. E ela o tinha presenciado tudo. Merda, desejava arrastar-se a um escuro buraco e morrer por ter permitido que alguém lhe visse nessas condições. Especialmente Gabrielle.
A humilhação por sua própria debilidade foi um duro golpe, mas foi um repentino ataque de medo o que lhe obrigou a incorporar-se e a despertar por completo.
—Deus, Gabrielle. Hei-te... tenho-te feito mal?
—Não. —Lhe tocou a mandíbula. Não havia nem rastro de medo em seu olhar nem em sua carícia.
_ Estou bem. Não me fez nada, Lucan.
«Graças a Deus.»
—Leva posta minha camisa —lhe disse, dando-se conta de que o suéter dela e sua calça tinham desaparecido e que suas esbeltas curvas estavam envoltas em sua camiseta negra. Quão único ele levava era a calça,
—Ah, sim —repôs ela, tirando um fio solto da camiseta—. Me pus faz isso um momento, quando Dante veio te buscando. Disse-lhe que estava na cama, dormindo. —ruborizou-se um pouco.
—Pensei que se sentiria menos inclinado a fazer perguntas se lhe abria a porta assim.
Lucan apoiou as costas na cama e a olhou com o cenho franzido.
—mentiste por mim.
—Parecia ser muito importante para ti que ninguém te visse... como estava.
Ele a olhou: ali, sentada, tão confiada com ele. sentiu-se admirado. Qualquer que lhe tivesse visto nesse estado lhe tivesse usado uma folha de titânio no coração, e tivesse feito bem. Mas ela não tinha tido medo. Ele acabava de enfrentar-se com um de seus piores ataques até esse momento, e Gabrielle tinha estado com ele todo o momento. lhe cuidando.
Lhe tinha protegido.
Sentiu que o peito lhe enchia de respeito. De uma profunda gratidão.
Ele nunca tinha experiente como isso fazia lhe sentir um, o poder confiar em alguém dessa maneira. Sabia que qualquer de seus irmãos lhe houvesse coberto as costas na batalha, igual a ele tivesse feito com eles, mas isto era distinto. Alguém lhe tinha cuidado. Havia-lhe prótegido quando tinha estado mais vulnerável.
Inclusive quando lhe tinha cuspido e lhe tinha grunhido, tentando apartar-la dele. lhe permitindo lhe ver como a besta que verdadeiramente era.
Ela se tinha ficado ao seu lado, Apesar de tudo isso.
Ele não tinha as palavras adequadas para lhe dar as obrigado por algo tão profundamente generoso. Em lugar disso, inclinou-se e a beijou, com toda a suavidade que pôde, com toda a reverência que nunca seria capaz de expressar adequadamente.
—Deveria me vestir —disse, gemendo ao dar-se conta de que tinha que deixá-la.
— Estou melhor agora. Tenho que ir.
—Ir, onde?
—Fora, a acabar com uns quantos renegados mais. Não posso deixar que outros façam todo meu trabalho.
Gabrielle se aproximou dele, na cama, e lhe pôs a mão no antebraço.
—Lucan, são as dez da manhã. Aí fora é de dia.
Ele girou a cabeça para olhar o relógio da mesinha de noite e viu que tinha razão.
—Merda. dormi toda a noite? Dante vai dar uma boa sova no traseiro por isso.
Os lábios do Gabrielle desenharam um sorriso sensual.
—A verdade é que ele tem a impressão de que você me deste uma boa sova no meu durante toda a noite, recorda?
A excitação despertou em seu interior como uma chama prende na isca seca.
«Maldita seja.»
«Só pensando-o.»
Ela estava sentada sobre as pernas e a camiseta negra lhe caía justo sobre o início das coxas, o qual lhe oferecia uma visão de umas minúsculas calcinhas brancas ao final dessa pele branca. O cabelo lhe caía al redor do rosto e sobre os ombros em suntuosas ondas, e o fazia desejar enterrar as mãos nele e afundar-se em seu corpo.
—Detesto que tenha tido que mentir por mim —lhe disse, com voz rouca. Passou-lhe uma mão ao longo da sedosa curva de um dos músculos.
— Deveria fazer que fosse uma mulher honesta.
Tomou os dedos da mão e os sujeitou.
—De verdade crie que está preparado para isso?
Ele rio com um humor negro.
—OH, estou mais que preparado para isso.
Embora lhe olhava com calidez e um olhar de interesse, também expresava certa duvida.
—passaste por um momento difícil. Possivelmente deveríamos falar do que aconteceu. Possivelmente fora uma idéia melhor que descansasse um pouco mais.
Quão último ele queria fazer era falar de seus problemas, especialmente nesse momento em que Gabrielle tinha um aspecto tão tentador na cama. Ele sentia que seu corpo se recuperou da batalha, e seu sexo tinha cobrado vida com facilidade. como sempre, quando se encontrava perto dela. Quando pensava nela.
—Já me dirá se preciso descansar mais.
Tomou uma mão e a levou até a dura crista de sua ereção, que se apertava contra a cremalheira da calça. Ela acariciou o dolorido vulto de seu membro e logo girou a mão para tomá-lo na palma da mão. Ele fechou os olhos, perdendo-se no contato dela e no quente perfume de sua excitação enquanto ela se colocava entre seus braços.
Beijou-a, larga e profundamente, em uma lenta união de seus lábios. Lucan deslizou as mãos sob a camiseta e com os dedos subiu pela sedosa pele das costas dela, pelas costelas e pela deliciosa curva dos peitos. Os mamilos lhe endureceram quando os acariciou, como pequenos casulos que suplicassem ser lambidos.
Ela arqueou as costas com o contato de suas mãos e gemeu. Com os dedos abriu o fechamento e a braguilha de sua calça. Baixou-lhe a cremalheira. Deslizou-os dentro e colocou a palma da mão em cima de toda a longitude de seu membro.
—É tão perigosa —lhe sussurrou ele contra os lábios—. Eu gosto de verte aqui, em meus domínios. Não acreditei que aconteceria. Deus sabe que não deveria.
Levou as mãos até a prega da camiseta e a subiu pela cabeça para tirar-lhe e poder apreciar sem dificuldades o corpo desnudou dela. Apartou-lhe o cabelo e lhe acariciou com ternura o pescoço com os nódulos.
—De verdade sou a primeira mulher a quem trouxeste aqui?
O sorriu com ironia enquanto lhe acariciava a pele suave.
—Quem lhe há isso dito? Savannah?
—É verdade?
Ele se inclinou para diante e tomou um dos mamilos rosados entre os lábios. Empurrou-a com o peso de seu corpo para colocá-la debaixo dele enquanto se tirava rapidamente a calça. As presas começaram a alargar-se o o desejo escapava a seu controle rapidamente e lhe percorria todo o corpo como ondas ardentes.
—Você é a única —lhe disse com voz densa, com honestidade pela comfiança que lhe tinha devotado umas horas antes.
Gabrielle seria a última mulher a quem levaria ali, também.
Não podia imaginar ter na cama a ninguém mais. Nunca permitiria que ninguém voltasse a entrar em seu coração. Porque tinha que enfrentar a uma dura realidade: e isso tinha feito. Depois de seu cuidadoso controle e de todos esses anos de solidão auto imposta, tinha baixado a guarda emocional e Gabrielle tinha enchido esse vazio como ninguém o encheria nunca.
—Deus, é tão suave —lhe disse, acariciando-a, percorrendo um flanco de seu corpo e o abdômen com os dedos até que chegou a delicada curva do quadril. Deu-lhe um beijo nos lábios.
— Tão doce.
Sua mão avançou para baixo, entre as coxas, e lhe fez abrir as pernas para lhe permitir continuar com a exploração.
—Tão úmida —murmurou, penetrando seus lábios com a língua enquanto introduzia um dedo por debaixo das calcinhas e lhe acariciava as úmidas dobras da vagina.
Penetrou-a, só como um meio ao princípio, e logo com profundidade. Ela se sujeitou a ele, arqueou as costas ao sentir que dois dedos mais penetravam em seu corpo mas não deixou de acariciar a suave e dura ereção dele. Ele interrompeu o beijo e lhe tirou a peça de tecido que lhe cobria o sexo. Logo foi descendo por seu corpo, empurrou-lhe as pernas, abrindo as, e se inundou entre elas.
—Tão formosa —disse, sem fôlego e fascinado pela rosada perfeição dela. Apertou o rosto contra ela, abriu-a com os dedos e lhe acariciou o clitóris e as úmidas dobras que o rodeavam com a língua. Conduziu-a até um rápido climax e saboreou os fortes tremores que percorreram seu corpo enquanto lhe cravava os dedos nos ombros e gritava de prazer.
—Deus, destroça-me, mulher. Nunca tenho bastante de ti.
Sentia-se tão enfebrecido por estar dentro dela que quase não ouviu a pequena exclamação que Gabrielle soltou quando ele a cobriu com seu corpo. Sim percebeu a repentina quietude em que tinha ficado ela, mas foi sua voz o que lhe fez ficar paralisado.
—Lucan... seus olhos...
Com uma reação instintiva, apartou o rosto dela. Muito tarde. Sabia que ela tinha visto o resplendor sedento que seu olhar tinha adquirido. Era o mesmo olhar selvagem que ela tinha visto nele a outra noite, ou lhe parecia o bastante como para que seus olhos de ser humano não pudessem registrar a diferença entre a sede de sangue e a intensidade do desejo.
—Por favor —disse ela com suavidade—. Deixa que te olhe.
Negligentemente, apoiou-se sobre os punhos para elevar-se por cima dela e a olhou Aos olhos. Viu um brilho de alarme no olhar dela, mas não se separou dele. Olhou-lhe com atenção, lhe estudando.
—Não vou fazer te danifico —disse ele, com voz áspera e pastosa. Ao falar lhe permitiu ver as presas: agora já não era capaz de lhe ocultar nenhuma das reações de seu corpo é necessidade, Gabrielle. Desejo.
_ Você me provoca isto. Às vezes somente de pensar em ti... —Se interrompeu e soltou um juramento em voz baixa.
— Não quero te assustar, mas não posso deter esta mudança. Não, porque te desejo muito.
—E as outras vezes que estivemos juntos? —perguntou ela em um sussurro e com o cenho franzido.
— Me ocultaste isto? Sempre éescondía o rosto e apartava o olhar quando fazíamos o amor?
—Não quero te assustar. Não queria que visse o que sou.
—Esboçou um sorriso de brincadeira.— Mas já o viu tudo.
Ela meneou a cabeça devagar e tomou o rosto com ambas as mãos. Dirigiu-lhe um olhar intenso, como assimilando tudo o que ele era. Tinha os olhos úmidos, reluzentes, com um brilho incrível, e uma expressão tenra e afetuosa que irradiava para ele.
—É formoso para mim, Lucan. Sempre quererei te olhar. Não há nada que tenha que me esconder nunca.
Essa sincera declaração lhe comoveu. Lhe devolvia o olhar de seus olhos selvagens enquanto lhe acariciava a mandíbula, rígida, e percorria com dedos brincalhões seus lábios entreabertos. As presas lhe doíam, se Aalargavam ainda mais, por causa desse suave contato com que ela explorava seu rosto.
Como se queria lhe demonstrar algo —ou, possivelmente, a ele— deslizou um dedo por entre seus lábios e o introduziu na boca. Lucan emitiu um profundo grunhido gutural. Pressionou-lhe o dedo com a língua, com força, e sentiu o roce tenro de seus dentes contra a pele dela. Fechou os lábios e succionó para que seu dedo penetrasse mais em sua boca.
Viu que Gabrielle tragava saliva. Cheirou a adrenalina que lhe percorreu o corpo e que se mesclava com o aroma de seu desejo.
Era tão endiabradamente formosa, tão suave e generosa, tão valente em tudo aquilo que fazia, que não podia evitar sentir-se impressionado por ela.
—Confio em ti —lhe disse ela, e seus escuros olhos se escureceram pelo desejo. Lhe soltou o dedo lentamente de entre seus afiados dentes.
— E te desejo. Desejo cada parte de ti.
Isso era mais do que ele podia suportar.
Com um grunhido animal de lascívia, desabou-se sobre ela, colocou a pélvis entre suas coxas e lhe fez abrir as pernas empurrando-lhe com os joelhos. Sentiu seu sexo úmido e quente na ponta do pênis, uma bem-vinda a que não pôde resistir. Com uma forte investida, a empaló, deslizando-se para dentro tudo o que pôde. Ela recebeu cada centímetro dele, seu tenso túnel lhe envolveu como um punho e lhe banhou em um calor maravilhoso e molhado. Lucan soltou o ar entre os dentes ao notar que as paredes do sexo dela tremeram ao notar que ele se retirava lentamente. Voltou a enchê-la, esta vez lhe levantando os joelhos com os braços para poder estar mais perto, para afundar-se mais nela.
—Sim —lhe animou ela enquanto começava a mover-se com ele a um ritmo que era algo menos suave.
— Deus, Lucan, sim.
Lucan sabia que o rosto dela se endureceu pela força da lascívia dele; provavelmente, ele nunca se mostrou tão bestial como nesse momento: sentia o sangue como lava líquida que chamasse a essa parte dele que era a maldição da brutal linhagem de seu pai. A fodeu com força e tentou ignorar essa necessidade vibrante que despertava em seu interior e que lhe exigia algo mais que esse imenso prazer.
Sua atenção ficou muito fixa na garganta de Gabrielle, onde uma delicada veia pulsava debaixo de sua pele delicada. A boca lhe encheu de saliva, febrilmente, apesar da pressão que sentiu na base da coluna vertebral e que indicava que se aproximava do climax.
—Não te detenha —lhe disse ela sem o mais mínimo tremor na voz. Que Deus a ajudasse, mas lhe atraiu mais para si e lhe agüentou o olhar bestial enquanto lhe acariciava a bochecha com os dedos quentes.
— Tira de mim tudo o que necessite. Mas... OH, Deus... não te detenha.
O olfato de Lucan se encheu do erótico aroma dela e do penetrante aroma ligeiramente metálico do sangue que lhe tingia os peitos e lhe coloria a pálida pele do pescoço e o rosto. Rugiu de agonia, lutando por negar-se a si mesmo —lhes negar a ambos— o êxtase que somente se podia obter com o beijo de um vampiro.
Arrancou o olhar de sua garganta e investiu contra seu corpo com um vigor renovado que a levou a ela, e logo a ele, até um orgasmo demolidor.
Mas esse desafogo somente mitigou uma parte de sua necessidade.
A outra, mais profunda, persistia e piorava a cada pulsado do coração do Gabrielle.
—Porra. —apartou-se a um lado, na cama, e sua voz soou rouca e fébril.
—O que acontece? —Gabrielle lhe pôs uma mão no ombro.
Aproximou-se dele e ele notou o calor exuberante de seus peitos contra suas costas. Levou as pernas para o bordo da cama, sentou-se e apoiou a cabeça entre as mãos. Passou-se os dedos, trementes, pelo cabelo. A suas costas, Gabrielle estava calada; ele se deu a volta e a olhou Aos olhos, interrogadores.
—Não tem feito nada mal. É muito para mim, e tenho que... Não consigo ter bastante de você, agora mesmo.
—Não passa nada.
—Não. Não deveria estar contigo desta maneira, quando necessito. .. — «A você», repôs todo seu corpo—. Deus Santo, isto não é bom.
Ele se deu a volta outra vez, preparado para levantar-se da cama.
—Lucan, se estiver sedento... se necessitar sangue...
Ela se aproximou dele por detrás. Passou-lhe um braço por cima do ombro e levou uma mão até seu queixo.
—Gabrielle, não me ofereça isso. —Pensativo, separou-se dela, igual a se tivesse afastado de um veneno. Levantou-se e colocou a calça. Começou a dar voltas pela habitação.
— Não vou beber de você, Gabrielle.
—por que não? —Disse-o em tom doído, confundida.
— É evidente que o necessita. E sou o único ser humano por aqui neste momento, assim suponho que tem que ficar comigo.
—Não é isso. —Negou com a cabeça e fechou os olhos, apertando-os para obrigar a essa parte bestial nele a retirar-se.
— Não posso fazê-lo. Não te vou atar para mim.
—Do que está falando? Não passa nada se me fode mas a idéia de aceitar meu sangue te revolve o estômago? —Soltou uma gargalhada mordaz.
—Merda, Lucan. Não me posso acreditar isso: sinto-me realmente insultada com isto.
—Isto não vai funcionar —disse ele, furioso consigo mesmo por colocar a ambos em um poço ainda mais profundo por causa de sua própria falta de controle quando estava ao lado dela.
— Isto não vai sair bem. Deveria ter deixado as coisas claras entre nós desde o começo.
—Se tiver que me dizer algo, espero que o faça. Sei que tem um problema, Lucan. É bastante difícil não dar-se conta, depois de te haver visto ontem à noite.
—Não é isso. —Soltou uma maldição.
— Mas é parte disso. Não quero te fazer danifico. E se beber seu sangue, farei-lhe isso. Antes ou depois, se tiver um vínculo de sangue comigo, farei-te mal.
—Ter um vínculo de sangue contigo —repetiu ela, devagar.
— Cóomo?
—Leva a marca das companheiras de raça, Gabrielle. —Fez-lhe um gesto assinalando seu ombro esquerdo.
— Está aí, justo debaixo de sua orelha.
Ela franziu o cenho e levou a mão até o lugar exato de sua pele onde tinha as marca com forma de lágrima e de lua crescente.
—Isto? É uma marca de nascimento. Tenho-a desde que tenho uso de razão.
—Todas as companheiras de raça têm esta marca em algum lugar do corpo. Savannah e as demais fêmeas a têm. Minha própria mãe Tambem . Todas vocês a têm.
Ela tinha ficado muito quieta, agora. Falou com voz muito débil.
—Quanto faz que sabe isto de mim?
—Vi-a a primeira noite que fui ao seu apartamento.
—Quando levou as fotos de meu celular?
—Depois —disse ele.
— Quando voltei logo, e você estava dormindo na cama.
A compreensão se fez visível na expressão do rosto do Gabrielle com uma mescla de surpresa e de dor emocional.
—Você estava aí. Acreditei que tinha sonhado contigo.
—Nunca notaste este mundo em que está porque não é seu mundo, Gabrielle. Suas fotografias, o fato de que se sentisse atraída pelos lugares que albergam aos vampiros, sua confusão com seus sentimentos a respeito do sangue e a compulsão por fazê-la fluir: todas estas são partes de quem você é de verdade.
Lucan se deu conta de que ela se estava esforçando por aceitar o que estava ouvindo, e detestou não ser capaz de lhe fazer as coisas mais fácil . Era melhor, pois, que o deixasse tudo claro e acabasse com isso.
—Um dia encontrará a um macho adequado e tomará como companheiro. Ele somente beberá de você, e você dele. O sangue lhes unirá em um sozinho ser. É um juramento sagrado entre os nossos. Um juramento que eu não posso te fazer.
A expressão ferida do rosto do Gabrielle era como se ele acabasse de lhe dar uma bofetada.
—Não pode... ou não quer?
—O que importa isso? Estou-te dizendo que isso não vai acontecer porque não o vou permitir. Se tivermos um vínculo de sangue, estarei unido a você enquanto fique um hálito de vida em meu corpo e no teu. Você nunca estará livre de mim porque esse vínculo me obrigará para te buscar até qualquer lugar aonde possa fugir.
—por que crê que eu fugiria de você?
Ele exalou com força.
—Porque, um dia, esta coisa contra a que estou lutando vai poder comigo e não posso suportar a idéia de que você te encontre em meu camihno quando isso aconteça.
—Está falando da sede de sangue.
—Sim —disse ele. Era a primeira vez que de verdade o reconhecia, inclusive ante si mesmo. Durante todos estes anos tinha conseguido escondê-lo. Mas não o tinha conseguido ante ela.
— A sede de sangue é a maior debilidade dos de minha classe. É um vício, uma condenada praga. Uma vez te tem em seu poder, muito poucos vampiros têm a força necessária
para escapar dela. Convertem-se em renegados e logo estão perdidos.
—Como acontece?
—Para cada um é diferente. Às vezes, a enfermidade se instala pouco a pouco. A sede vai crescendo e alguém vai satisfazendo. Alguém a satisfaz sempre que o exige, e uma noite um se dá conta de que essa necessidade nunca fica satisfeita. Para outros, um momento de descuido e indulgencia pode conduzir a passar ao outro lado.
—E como é para você?
Seu sorriso se fez tenso, foi como se descobrisse os dentes e as presas.
—Tenho a duvidosa honra de levar o sangue de meu pai nas veias. Se os renegado forem umas bestas, não são nada comparados com o açoite que iniciou nossa estirpe. Para os da primeira geração, a tentação sempre está presente, tem mais força em nós que em outros. Se quer saber a verdade, estive enganando a sede de sangue desde que a provei pela primeira vez.
—Assim tem um problema, mas o superou a outra noite.
—Consegui controlá-lo, obrigado em grande medida a você, mas cada vez é pior.
—Pode superá-lo outra vez. Superaremo-lo juntos.
—Você não conhece minha história. Já perdi meus dois irmãos a causa desta enfermidade.
—Quando?
—Faz muito tempo. —Franziu o cenho, recordando um passado que não gostava de desenterrar. Mas as palavras acudiam rapidamente agora, queria as pronunciar ou não—. Evran, o do meio dos três, converteu-se em renegado justo quando se fez adulto. Morreu em combate, lutando no bando equivocado durante uma das antigas guerras entre a raça e os renegados. Marek era o maior, e quem tinha menos medo. Ele, Tegan e eu formávamos parte do primeiro grupo de guerreiros da raça que se levantou contra o último dos Antigos e seus exércitos de renegados. Fundamos a Ordem mais ou menos na época da grande praga que os humanos sofreram na Europa. Ao cabo de quase cem anos, a sede de sangue se levou a Marek; foi em busca do sol para terminar com sua desgraça. Inclusive Tegan teve um roce com o vício faz muito tempo.
—Sinto-o —disse ela com suavidade.
— Perdeste muito por causa disto. E por causa deste conflito com os renegados. Dou-me conta de que te aterroriza.
Ele teve uma resposta frivola imediata na ponta da língua, uma tolice que não duvidaria em responder a qualquer de outros guerreros que mostrassem a presunção suficiente para acreditar que lhe tinha medo a algo. Mas essa resposta ficou presa em sua garganta ao olhar a Gabrielle porque sabia que lhe compreendia melhor do que ninguém lhe tinha compreendido em sua larga existência.
Conhecia-lhe em um plano no qual ninguém mais lhe tinha conhecido, e uma parte dele ia jogar isso de menos quando chegasse o momento de mandá-la longe, ao futuro que lhe esperava em um dos Refúgios Oscuros.
—Não sabia que você e Tegan tinham estado juntos desde tanto tempo — disse Gabrielle.
—Ele e eu estivemos juntos sempre, desde o começo. Os dois somos da primeira geração, e ambos juramos que nosso dever consiste em defender A nossa estirpe.
—Mas não são amigos.
—Amigos? —Lucan rio ao pensar nos séculos de antagonismo entre eles.
_ egan não tem amigos. E se os tivesse, seguro que não me contaria entre eles.
—Então, por que lhe permite estar aqui?
—É um dos melhores guerreiros que conheci. Seu compromiso com a Ordem é muito mais profundo que qualquer ódio que possa sentir porim. Compartilhamos a crença de que não há nada mais importante que proteger o futuro da raça.
—Nem sequer o amor?
Ele não pôde falar durante um segundo: sentiu-se apanhado com a guarda baixa quando franca pergunta e não desejava pensar aonde lhes podia conduzir isso. Não tinha experiência nessa emoção em particular. E por causa da maneira em que transcorria sua vida nesses momentos, não queria nem pensar em nada que lhe parecesse.
—O amor é para quão machos escolhem levar uma vida branda em um Refúgio Escuro. Não para os guerreiros.
—Alguns de outros que vivem neste complexo lhe discutiriam isto.
Ele a olhou com serenidade.
—Eu não sou como eles.
Ela baixou a cabeça imediatamente e olhou para baixo para ocultar seus olhos ante ele.
—Então, no que me converte tudo isto? Represento somente uma maneira de passar o tempo enquanto continua matando renegados e fingindo que tem tudo sobrecontrole? —Levantou o olhar e tinha os olhos alagados de lágrimas.
— Sou um brinquedo que tomadas somente quando precisa gozar?
—Não te queixaste.
Gabrielle ficou sem respiração e uma ligeira exclamação ficou apanhada na garganta. Olhou-lhe, evidentemente consternada e com todo o direito de está-lo. Sua expressão foi primeiro de abatimento e logo se endureceu adotando um aspecto duro como o cristal.
—Que lhe fodam.
O desprezo que sentia para ele nesse momento era compreensível, mas isso não o fazia mais fácil de aceitar. Ele nunca tivesse aceito esse insulto verbal de ninguém. Antes desse momento, nunca ninguém tinha tido o valor de lhe desafiar. Lucan, o distante, o assassino frio e duro que não tolerava nenhum tipo de debilidade, e muito menos em si mesmo.
Apesar de todos os limites e a disciplina que tinha conseguido implantar durante esses séculos de vida, ali estava, destroçado por uma mulher a quem tinha sido o suficientemente louco para deixar que se o cerca-se. E se preocupava com ela, além disso, muito mais do que deveria. O qual fazia que o fato de lhe fazer machuco nesse momento lhe parecesse muito mais repugnante, apesar do fato de que a noite passada lhe fez claro que era necessário que a apartasse. Era inevitável, e se fingia que ela algum dia poderia adequar-se a sua forma de vida, era ainda pior.
—Não quero te fazer danifico, Gabrielle, e sei que lhe farei isso.
—E o que crie que está fazendo agora mesmo? —sussurrou ela, com um nó na garganta.
—Sabe? Acreditei-te. Merda, de verdade acreditei todas as mentiras que me disse. Inclusive essa tolice de que queria ajudar-me a encontrar meu verdadeiro destino. De verdade acreditei que se preocupava comigo.
Lucan se sentiu impotente, o mais frio dos bodes por deixar que as coisas lhe escapassem das mãos até tal ponto com ela. Dirigiu-se a uma cômoda, tirou uma camisa limpa e a pôs. Logo foi até a porta que conduzia ao vestíbulo de fora de seus apartamentos privados e se deteve para olhar a Gabrielle.
Desejava tanto alargar os braços para ela, tentar melhorar as coisas de algum jeito. Mas sabia que seria um engano. Se a tocava, voltaria a tê-la outra vez entre os braços.
Então possivelmente não seria capaz de deixá-la partir.
Abriu a porta, preparado para sair.
— Encontraste seu destino, Gabrielle. Tal e como te disse que aconteceria. Eu nunca te disse que seria comigo.