Capítulo sete
—Dê uns minutos mais e o céu —disse Gabrielle, olhando dentro do forno da cozinha e permitindo que o rico aroma dos manicotti Calhes se pulverizasse pelo apartamento.
Fechou a porta do forno, voltou a programar o relógio digital, serviu-se outra taça de vinho tinto e a levou a sala de estar. No sistema de áudio soava com suavidade um velho cd da Sara McLahlan. Passavam uns minutos das sete da tarde, e Gabrielle tinha começado, por fim, a relaxar-se depois da pequena aventura da manhã no asilo abandonado. Tinha conseguido um par de fotos decentes que possivelmente dessem para algo, mas o melhor de tudo era que tinha conseguido escapar do sistema de segurança do edifício.
Somente isso já era digno de celebração.
Gabrielle se acomodou em um fofo rincão do sofá, quente dentro das calças cinzas de ioga e da camiseta rosa de manga larga. Acabava-se de dar um banho e ainda tinha o cabelo úmido; umas mechas lhe desprendiam da pregadeira em que se recolheu o cabelo despreocupadamente, na nuca. Agora se sentia limpa e começava a relaxar-se por fim, e se sentia mais que contente de ficar em casa para passar a noite desfrutando de sua solidão.
Por isso, quando soou o timbre da porta ao cabo de um minuto, soltou uma maldição em voz baixa e pensou em fazer caso omisso dessa interrupção indesejada. O timbre soou pela segunda vez, insistente, seguido por uns rápidos golpes na porta jogo de dados com força e que não soavam como que foram aceitar um não por resposta.
—Gabrielle.
Gabrielle já se pôs em pé e se dirigia cautelosamente para a porta, quando reconheceu essa voz imediatamente. Não deveria havê-la reconhecido com tanta certeza, mas assim era. A profunda voz de barítono de Lucan Thorne atravessou a porta e lhe meteu no corpo como se fosse um som que tivesse ouvido milhares de vezes antes e que a tranquilizava tanto como lhe disparava o pulso, enchendo a de expectativas.
Surpreendida e mais agradada do que queria admitir, Gabrielle abriu os múltiplos ferrolhos e lhe abriu a porta.
—Olá.
—Olá, Gabrielle.
Ele a saudou com uma inquietante familiaridade: seus olhos eram intensos baixo essas escuras sobrancelhas de linha decidida. Esse penetrante olhar percorreu lentamente o corpo de Gabrielle, desde sua cabeça despenteada, passando pelo sinal da paz costurado em seda na camiseta que cobria o peito sem sutiens, até os dedos dos pés que apareciam nus por debaixo das pernas das calças boca de sino.
—Não esperava a visita de ninguém. —Disse-o como desculpa por seu aspecto, mas não pareceu que a Thorne importasse. Em realidade, quando ele voltou a dirigir sua atenção ao rosto dela, Gabrielle sentiu que se ruborisava repentinamente por causa da forma em que a estava olhando.
Como se queria devorá-la ali mesmo.
—OH, trouxe-me o telefone celular —disse ela, sem poder evitar dizer uma obviosidade, ao ver o brilho metálico na mão dele.
O alargou a mão, oferecendo-lhe,
—Mais tarde que o que deveria. Peço-lhe desculpas.
Tinha sido sua imaginação, ou os dedos dele tinham roçado os seus de forma deliberada quando ela tomava o celular de sua mão?
—Obrigado por devolver-me disse isso ela, ainda apanhada no olhar dele—. pôde... isto... pôde fazer algo com as imagens?
—Sim. Foram de grande ajuda.
Ela suspirou, aliviada de que a polícia estivesse, por fim, de sua parte nesse assunto.
—você crê que poderá apanhar aos tipos das fotos?
—Estou seguro disso.
O tom da voz dele tinha sido tão ameaçador que Gabrielle não o duvidou nem um instante. A verdade era que começava a ter a sensação de que o detetive Thorne era um menino travesso no pior de seus pesadelos.
—Bom, essa é uma notícia fantástica. Tenho que admitir que todo esse assunto me deixou um pouco intranqüila. Suponho que presenciar um assassinato brutal tem esse efeito em uma pessoa, verdade?
Ele se limitou a responder com um direto assentimento de cabeça. Era um homem de poucas palavras, isso era evidente, mas quem necessitava palavras quando se tinham uns olhos como esses que eram capazes de desnudar a alma?
Nesse momento, a suas costas, o alarme do forno da cozinha começou a soar. Gabrielle se sentiu aborrecida e aliviada ao mesmo tempo.
—Merda. Isso... isto... é meu jantar. Será melhor que o apague antes de que se dispare o alarme contra incêndios. Espere aqui um segundo... quero dizer, quer...? —Respirou fundo para tranqüilizar-se; não estava acostumada a sentir-se tão insegura com ninguém.
— Entre, por favor. Volto em seguida.
Sem duvidar nem um momento, Lucan Thorne entrou no apartamento atrás dela, Gabrielle se dava a volta para deixar o telefone celular e dirigir-se a cozinha para tirar os manicotti do forno.
—Interrompi algo?
Gabrielle se surpreendeu para ouvir que lhe falava desde dentro da cozinha, como se a tivesse seguido imediatamente e em silencio do mesmo instante em que lhe tinha convidado a entrar. Gabrielle tirou a bandeja com a massa fumegante do forno e a deixou em cima da mesa para que se esfriasse. Tirou-se as luvas de cozinha, quentes, e se deu a volta para lhe dedicar ao detetive um sorriso orgulhoso.
—Estou de celebração.
Ele inclinou a cabeça e jogou uma olhada ao silencioso ambiente que lhes rodeava.
—Sozinha?
Ela se encolheu de ombros.
—A não ser que você queira me acompanhar.
O leve gesto de cabeça que ele fez parecia mostrar reticência, mas imediatamente se tirou o casaco escuro e o deixou, dobrado, em cima do respaldo de um dos tamboretes que havia na cozinha. Sua presença era peculiar e lhe impedia de concentrar-se, especialmente nesses momentos em que ele se encontrava dentro da pequena cozinha: esse homem desconhecido e musculoso de olhar cativante e de um atrativo ligeiramente sinistro.
Ele se apoiou no mármore da cozinha e a observou enquanto ela se ocupava da bandeja de massa.
—O que celebramos, Gabrielle?
—Que hoje vendi algumas fotografias, em uma amostra privada, em um escritório brega do centro da cidade. Meu amigo Jamie me chamou faz uma hora aproximadamente e me deu a notícia.
Thorne sorriu levemente.
—Felicidades.
—Obrigado. —Ela tirou outra taça do armário da cozinha e levantou a garrafa aberta do Chianti.
— Quer um pouco?
O negou lentamente com a cabeça.
—Infelizmente, não posso.
—OH, sinto-o —repôs ela, recordando qual era sua profissão.
— De serviço, verdade?
Ele apertou a mandíbula.
—Sempre.
Gabrielle sorriu, levou-se uma mão até uma mecha que lhe tinha desprendido da cauda e o colocou detrás da orelha. Thorne seguiu com o olhar o movimento de sua mão, e seus olhos se detiveram no arranhão que Gabrielle tinha na bochecha.
—O que lhe aconteceu?
—OH, nada —respondeu ela, pensando que não era uma boa idéia contar a um policial que se passou parte da manhã dentro de um velho psiquiátrico no qual tinha entrado de maneira ilegal.
— Ésomente um arranhão: ossos do ofício, de vez em quando. Estou segura de que sabe do que lhe falo.
Gabrielle riu, um pouco nervosa, porque de repente ele se estava acercando a ela com uma expressão muito séria no rosto. Com apenas uns quantos passos se colocou justo diante dela. Seu tamanho, sua força —que resultava evidente—, era entristecedora. A essa curta distância, Gabrielle pôde ver os músculos bem desenhados que se marcavam e se moviam desde sua camisa negra. Essa malha de qualidade lhe caía nos ombros, no peito e nos braços como se o tivessem feito a medida para que lhe sentasse perfeitamente.
E seu aroma era incrível. Não notou que levasse colônia, somente notou um ligeiro aroma a memora e a pele, e a um pouco mais denso, como uma especiaria exótica que não conhecia. Fossr o que fosse, esse aroma invadiu todos seus sentidos como algo elementar e primitivo e fez que se aproximasse ainda mais a ele em um momento no qual o que deveria ter feito era apartar-se.
Ele alargou a mão e Gabrielle agüentou a respiração ao notar que a acariciava a linha da mandíbula com a ponta dos dedos. A nudez desse contato irradiou calor sobre sua pele, que se estendeu para seu pescoço enquanto lhe acariciava com a mão a sensível pele debaixo da orelha e da nuca. Acariciou-lhe o arranhão da bochecha com o dedo polegar. A ferida lhe tinha ardido antes, quando a tinha limpo, mas nesse momento, essa tenra e inesperada carícia não a incomodou absolutamente.
Não sentia nada mais que uma cálida frouxidão e uma lenta dor que lhe formava redemoinhos no mais profundo de seu corpo.
Para sua surpresa, ele se inclinou para diante e lhe deu um beijo no arranhão. Os lábios dele se entretiveram nesse ponto um instante, o tempo suficiente para que ela compreendesse que esse gesto era um prelúdio a algo mais. Gabrielle fechou os olhos: sentia o coração acelerado. Não se moveu e quase nem respirou enquanto notava o contato dos lábios de Lucan que se dirigiam para os seus. Os beijou com intensidade, e notou a chicotada do desejo apesar da suavidade e a calidez dos lábios dele. Gabrielle abriu os olhos e viu que ele a estava olhando. Os olhos dele tinham uma expressão selvagem e animal que lhe provocou uma corrente de ansiedade que lhe percorreu todas as costas.
Quando finalmente foi capaz de falar, a voz lhe saiu débil e quase sem fôlego.
—Tem que fazer isto?
Esse olhar penetrante permaneceu cravado em seus olhos.
—OH, sim.
Ele se inclinou para ela outra vez e lhe acariciou as bochechas, o queixo e o pescoço com os lábios. Ela suspirou e ele apanhou esse ar com um profundo beijo, lhe penetrando a boca com a língua. Gabrielle lhe recebeu, vagamente consciente de que as mãos dele se encontravam sobre suas costas agora e que se deslizavam por debaixo da camiseta. E lhe acariciou, percorrendo a coluna com as pontas dos dedos. Essa carícia se deslocou com um movimento preguiçoso para baixo, e continuou por cima da malha da calça. Essas mãos fortes se acoplaram a curva de suas nádegas e as apertaram ligeiramente. Ela não resistiu. Ele voltou a beijá-la, mais profundamente, e a atraiu devagar para si até que a pélvis dela entrou em contato com o duro músculo de sua entre perna.
Que diabos estava fazendo? Estava utilizando a cabeça?
—Não —disse ela, tentando recuperar o sentido comum.
— Não, um momento. Pare. —Deus, detestou como tinha divulgado essa palavra, agora que a sensação dos lábios dele sobre os sua era tão agradável.
— Está... Lucan... está com alguém?
—Olhe a seu redor, Gabrielle. —Passou-lhe os lábios por cima dos dela enquanto o dizia e ela se sentiu enjoada de desejo.
— Estamos somente você e eu.
—Tem namorada —gaguejou ela entre beijo e beijo. Possivelmente já era um pouco tarde para perguntá-lo, mas tinha que sabê-lo, inclusive apesar de que não estava segura de como reagiria ante uma resposta que não fosse a que queria ouvir.
— Tem casal? Está casado? Por favor, não me diga que está casado...
—Não há ninguém mais.
«Somente você.»
Ela estava bastante segura de que ele não tinha pronunciado essas duas últimas palavras, mas Gabrielle as ouvia em sua cabeça, ouvia seu eco quente e provocador, vencendo todas suas resistências.
«OH, ele resulta muito agradável.» Ou possivelmente era que ela estava tão desesperada por ele, que esse simples e único sinal que lhe oferecia era suficiente. Essa e a que combinava essas mãos suaves e esses quentes e famintos lábios. Apesar de tudo, lhe acreditou sem sombra de dúvida. Sentiu como se todos e cada um dos sentidos dele estivessem sozinho concentrados nela.
Como se somente existisse ela, somente ele, e essa coisa quente que havia entre eles.
E que, inegavelmente, tinha existido entre eles do mesmo momento em que ele tinha subido as escadas de sua casa pela primeira vez.
—OH —exclamou ela enquanto exalava todo o ar dos pulmões com um comprido suspiro. Ela se apertou contra ele desfrutando da sensação de notar essas mãos sobre sua pele, lhe acariciando a garganta, o ombro, o arco das costas.
— O que estamos fazendo, Lucan?
Ele emitiu um grunhido divertido que ela sentiu no ouvido, grave e prófundo como a noite.
—Acredito que já sabe.
—Eu não sei nada, nada quando faz isso. OH... Deus.
Ele deixou de beijá-la um instante e a olhou aos olhos com intensidade enquanto se apertava contra ela com um gesto lento e deliberado. O sexo dele se apertou, rígido, contra o estômago dela. Ela notava a solidez e a dimensão de seu membro, sentia a pura força e tamanho de seu pênis, inclusive através da barreira da roupa. Sentiu a umidade entre as pernas no mesmo instante em que a idéia de lhe receber dentro de si passou pela cabeça.
—É por isso que vim esta noite. —A voz de Lucan soou rouca contra seu ouvido.
—O compreende, Gabrielle? Desejo-te.
Esse sentimento era mais que mútuo. Gabrielle gemeu e esfregou seu corpo contra o dele com um desejo que não podia, nem queria, controlar.
Isso não estava acontecendo. Não estava acontecendo, realmente. Tinha que tratar-se de outro sonho louco, como o que tinha tido depois da primera vez que lhe tinha visto. Ela não estava em pé na cozinha com Lucan Thorne, nem estava permitindo que esse homem ao que quase não conhecia a seduzisse. Estava sonhando, tinha que estar sonhando, e ao cabo de pouco tempo despertaria no sofá, sozinha, como sempre, com a taça de vinho atirada no tapete e seu jantar no forno, queimado.
Mas ainda não.
OH, Deus, por favor, ainda não.
Sentir como lhe acariciava a pele, como bulia de desejo sua língua, era melhor que qualquer sonho, inclusive melhor que esse delicioso sonho que tinha tido antes, se é que isso era possível.
—Gabrielle —sussurrou ele.
— Me diga que você também quer isto.
—Sim.
Gabrielle notou que ele introduzia uma mão entre os corpos de ambos, urgente, e sentiu o fôlego quente dele em sua garganta.
—Me sinta, Gabrielle. Date conta de até que ponto te necessito.
Ela sentiu os dedos dele ligeiros ao entrar em contato com os seus. Conduziu-lhe a mão até a tensa ereção, liberada agora de seu confinamento. Gabrielle lhe rodeou o pênis com a mão e acariciou sua pele aveludada lentamente, lhe medindo. Essa parte de seu corpo era tão grande como o resto, e tinha uma força brutal apesar de que era muito suave. Sentir o peso do sexo dele na mão a transtornou como se tivesse tomado uma droga. Apertou a mão ao redor do pênis e atirou para cima, acariciando com a ponta dos dedos o grosso glande.
Enquanto Gabrielle subia e baixava com a mão ao longo de seu membro, Lucan se retorcia. Notou que as mãos dele tremiam enquanto se deslocavam dos quadris dela até a parte dianteira da pantalona para desabotoar-lhe, atirou do nó do cordão e soltou um juramento em algum idioma estranho com os lábios quentes contra seu cabelo. Gabrielle sentiu uma corrente de ar frio sobre o ventre e, imediatamente, o calor repentino da mão de Lucan, que acabava de introduzir-lhe dentro da calça.
Ela estava úmida por ele, tinha perdido a cabeça e sentia que o desejo lhe queimava.
Ele introduziu os dedos com facilidade por entre os cachos de sua entre perna e em seu sexo empapado, provocando-a com a brincadeira de sua mão contra sua carne. Ela gritou ao sentir que o desejo a invadia em uma quebra de onda que a deixou tremendo.
—Necessito-te —lhe confessou em um fio de voz, nua pelo desejo. Por resposta, lhe introduziu um comprido dedo dentro da vagina e logo outro. Gabrielle se retorceu ao sentir essa carícia tentadora que ainda não a enchia.
—Mais —disse, quase sem fôlego—. Lucan, por favor... necessito... mais.
Um escuro grunhido de paixão soou na garganta dele enquanto voltava a atacar seus lábios com outro beijo faminto. A calça dela se escorregou até o chão. Detrás, seguiram-lhe as calcinhas, a fina malha se rompeu com a força e a impaciência da mão de Lucan. Gabrielle sentiu que o ar frio lhe acariciava a pele, mas então Lucan ficou de joelhos diante dela e ela se acendeu antes de ter tempo de voltar a respirar. Ele a beijou e a lambeu, lhe sujeitando com força a parte interior das coxas com as mãos e lhe fazendo abrir as pernas para satisfazer seu desejo carnal. Sentiu a língua dele que a penetrava, sentiu que os lábios dele a chupavam com força, e não pôde evitar sentir que as pernas lhe fraquejavam.
Gozou rapidamente, com mais força da que teria imaginado. Lucan a sujeitava com firmeza com as mãos, apertando seu úmido sexo contra ele, sem lhe dar trégua Apesar de que o corpo dela tremia e se retorcia e que seu fôlego era agitado e entrecortado enquanto ele a conduzia para o orgasmo outra vez. Gabrielle fechou os olhos e jogou a cabeça para trás, rendendo-se a ele, e a loucura desse inesperado encontro. Cravou-lhe as unhas nos ombros para sujeitar-se, porque sentia que as pernas lhe falhavam.
Sentiu, de novo, o alívio do orgasmo em todo o corpo. Primeiro a possuiu com uma força férrea, arrastando-a a um país de uma sensualidade de sonho, e logo a soltou e ela se sentiu cair e cair...
Não, estava-a levantando, pensou, aturdida por essa neblina sexual. Os braços de Lucan a sujeitavam com ternura por debaixo das costas e dos joelhos. Agora ele estava nu, e ela também, Apesar de que não podia recordar quando se tirou a camiseta. Lhe rodeou o pescoço com os braços e ele a tirou da cozinha para a sala de estar, onde soava pelos alto-falantes a voz do Sarah McLahlan em um tema que falava de abraçar a alguém e de lhe beijar até lhe deixar sem respiração.
A suavidade do sofá a recebeu assim que Lucan a teve depositado no sofá para colocar-se em cima dela. Não foi até esse momento que ela pôde lhe ver por completo, e o que viu era magnífico. Um metro noventa e oito de sólida musculatura e de pura força masculina que a apanhava por cima, e esses sólidos braços a cada lado de seu corpo.
Como se a pura beleza do corpo dele não fosse suficiente, a impressionante pele de Lucan mostrava umas intrincadas tatuagens que a deixaram boquiaberta. O complicado desenho de linhas curvas e formas entrecruzadas se desdobrava por cima de seus peitorais e de seu forte abdomen, subia-lhe pelos largos ombros e lhe rodeava os grossos bíceps. A cor era confusa, variava de um verde mar, a um siena, um vermelho bordo que parecia tomar um tom mais intenso quando ela o olhava.
Ele baixou a cabeça para concentrar-se em seus peitos, e Gabrielle viu que a tatuagem lhe cobria as costas e desaparecia sob o cabelo da nuca. A primeira vez que lhe viu, sentiu o desejo de percorrer com os dedo essa marca. Agora sucumbiu a ele, abandonando-se, deixando que suas mãos percorressem todo o corpo dele, maravilhada tanto por esse homem misterioso como por essa estranha arte que sua pele mostrava.
—Me beije —lhe suplicou, lhe sujeitando os ombros tatuados com ambas as mãos.
Ele começou a levantar a cabeça e Gabrielle arqueou as costas debaixo dele, sentindo-se enfebrecida pelo desejo, precisando lhe sentir dentro de seu corpo. Sua ereção era dura como o aço e quente contra suas coxas. Gabrielle deslizou as mãos para baixo e lhe acariciou enquanto levantava os quadris para lhe receber.
—Tome —sussurrou ela—. Me encha, Lucan. Agora. Por favor.
Ele não o negou.
O grosso glande de seu membro pulsava, duro e sensível, na entrada de sua vagina. Ele estava tremendo e ela se deu conta de uma forma um tanto confusa. Esses impressionantes ombros tremiam sob o contato de suas mãos, como se ele se esteve contendo todo esse tempo e estivesse a ponto de explodir. Ela queria que ele gozasse com a mesma força com que o tinha feito ela. Precisava lhe ter dentro dela ou ia morrer. Ele emitiu um grunhido afogado, os lábios lhe roçando a sensibilidade da pele do pescoço.
—Sim —lhe animou ela, movendo-se debaixo dele para que seu pênis se crava-se até o centro de seu corpo.
— Não seja suave. Não vou romper.
Ele levantou a cabeça finalmente e, por um instante, olhou-a aos olhos. Gabrielle lhe olhou, com as pálpebras pesadas, assustada pelo fogo indómito que viu nele: seus olhos brilhavam com umas chamas gêmeas de uma cor prateado pálido que lhe alagava as pupilas e penetrava nos olhos dela com um calor sobrenatural. Os rasgos do rosto dele pareciam mais afiados, sua pele parecia estirar-se sobre suas maçãs do rosto e suas fortes mandíbulas.
Era verdadeiramente peculiar como a tênue luz da habitação jogava sobre esses rasgos.
Esse pensamento ainda não lhe tinha terminado de formar por completo quando as luzes da sala de estar se apagaram de uma vez. Tivesse-lhe parecido estranho se Lucan, nesse momento, quando a escuridão caiu sobre eles, não a tivesse penetrado com uma forte e profunda investida. Gabrielle não pôde reprimir um gemido de prazer ao notar que ele a enchia, abria-a, empalava-a até o centro de seu corpo.
—OH, Meu deus —exclamou ela quase em um soluço, aceitando toda a dureza e dimensão dele.
— É tão prazeiroso.
Ele baixou a cabeça até o ombro dela e soltou um grunhido enquanto saía de sua vagina. Logo investiu com mais força que antes. Gabrielle se sujeitou as costas dele, lhe atraindo para si, enquanto levantava as cadeiras para receber suas fortes investidas. Ele soltou um juramento, quase sem respiração, que pareceu um som escuro e animal. Seu pênis se deslizava dentro dela e parecia inchar-se mais a cada movimento de seus quadris.
—Necessito foderte, Gabrielle. Precisava estar dentro de ti do primeiro momento em que te vi.
A franqueza dessas palavras, o fato de que admitisse que a tinha desejado tanto como lhe tinha desejado a ele somente serviu para que ela se inflamasse mais. Enredou os dedos no cabelo dele, e gritou, sem respiração, à medida que o ritmo dele se incrementava. Agora ele entrava e saía, incansável, entre suas pernas. Gabrielle sentiu a corrente do orgasmo no mais profundo de seu ventre.
—Poderia estar fazendo isto toda a noite —disse ele com voz rouca, seu fôlego quente contra o pescoço dela.
— Acredito que não posso parar.
—Não o faça, Lucan. OH, Deus... não o faça.
Gabrielle se agarrou a ele enquanto ele bombeava dentro de seu corpo. Era o único que pôde fazer enquanto um grito lhe rompia a garganta e gozava e gozava e gozava uma vez detrás de outra, imparavel.
Lucan saiu do apartamento de Gabrielle e percorreu a escura e silenciosa rua a pé. Tinha-a deixado dormindo no dormitório de seu apartamento, com a respiração compassada e tranqüila, o delicioso corpo esgotado depois de três horas de paixão sem parar. Nunca havia transado com tanta fúria, durante tanto tempo, nem tão completamente com ninguém.
E ainda desejava mais.
Mais dela.
O fato de que tivesse conseguido lhe ocultar o alongamento das presas e o brilho de selvagem desejo de seus olhos era um milagre.
O fato de que não tivesse cedido à necessidade invencível e urgente de lhe cravar as afiadas presas na garganta e beber até ficar embriagado era ainda mais impressionante.
Mas não confiava em si mesmo o suficiente para ficar perto dela enquanto cada uma das enfebrecidas células de seu corpo lhe doía pelo desejo de fazê-lo.
Provavelmente, a ter ido ver essa noite tinha sido um monstruoso engano. Tinha pensado que ter sexo com ela apagaria o fogo que lhe acendia, mas nunca se equivocou tanto. Ter tomado a Gabrielle, ter estado dentro dela, somente tinha servido para pôr em evidência a debilidade que sentia por ela. Tinha-a desejado com uma necessidade animal e a tinha açoitado como o depredador que era. Não estava seguro de ter sido capaz de aceitar um não como resposta. Não acreditava que tivesse sido capaz de controlar o desejo que sentia por ela.
Mas não lhe tinha rechaçado.
Não o tinha feito, não.
Em retrospectiva, tivesse sido um ato de misericórdia que ela o ouvesse feito, mas em lugar disso, Gabrielle tinha aceito por completo sua fúria sexual e tinha exigido que não lhe desse nada inferior a isso .
Se nesse mesmo momento, desse meia volta e voltasse para seu apartamento para despertá-la, poderia passar umas quantas horas mais entre suas impressionantes e acolhedoras coxas. Isso, pelo menos, satisfaria parte de sua necessidade. E se não podia saciar a outra parte, esse tortura que crescia cada vez mais em seu interior, podia esperar a que se levantasse o sol e deixar que seus mortais raios o abrasassem até a destruição.
Se o dever que tinha para a raça não lhe tivesse tão comprometido, consideraria essa opção como uma possibilidade atrativa.
Lucan pronunciou um juramento em voz baixa. Saiu do bairro de Gabrielle e se internou na paisagem noturna da cidade. Tremiam-lhe as mãos. Lhe havia agudizado a vista, e seus pensamentos começavam a ser selvagens. O corpo lhe picava; sentia-se ansioso. Soltou um grunhido de frustração: conhecia esses sintomas muito bem.
Precisava voltar a alimentar-se.
Fazia muito pouco tempo que tinha tomado a quantidade suficiente de sangue para manter-se durante uma semana, possivelmente mais. Isso havia sido umas quantas noites atrás e, apesar disso, lhe retorcia o estômago como se estivesse desfalecido de fome. Fazia muito tempo que sua necessidade de alimentar-se tinha piorado e já quase resultava insuportavel quando tentava reprimir-lhe.
Isso era o que lhe tinha permitido chegar tão longe.
Em um momento ou outro ia chegar ao final da corda. E então o que?
De verdade acreditava que era tão distinto de seu pai?
Seus irmãos não tinham sido distintos de seu pai, e eles eram maiores e mais fortes que ele. A sede de sangue os tinha levado aos dois: um deles se tirou a vida quando o vício foi demasíado forte; o outro foi mais à frente ainda, converteu-se em um renegado e perdeu a cabeça sob a folha mortal de um guerreiro da raça.
Ter nascido na primeira geração lhe tinha dado a Lucan uma grande força e um grande poder —e lhe tinha permitido gozar de um imediato respeito que ele sabia que não merecia—, mas isso era tanto um dom como uma maldição. Perguntava-se quanto tempo mais poderia continuar lutando contra a escuridão de sua própria natureza selvagem. Algumas noites se sentia muito cansado de ter que fazê-lo.
Enquanto caminhava entre a gente que povoava as ruas noturnas Lucan deixou vagar o olhar. Embora estava preparado para entrar em batalha se tinha que fazê-lo, alegrou-se de que não houvesse nenhum renegado a vista. Somente viu uns quantos vampiros da última geração que pertenciam ao Refúgio Escuro dessa zona: um grupo de jovens machos que se mesclaram com um animado grupo de seres humanos que tinham saído de festa e que procuravam dissimuladamente, igual a ele, um anfitrião de sangue. Enquanto se dirigia para eles por essa parte da calçada, viu que os jovens se davam cotoveladas uns aos outros e lhes ouviu sussurrar as palavras «guerreiro» e «primeira geração». A admiração que mostravam abertamente e sua curiosidade resultavam aborrecida, embora não era algo pouco habitual. Os vampiros que nasciam e cresciam nos Refúgios Escuros raramente tinham a oportunidade de ver um membro da classe dos guerreiros, por não falar do fundador da antiga e orgulhosa e agora já antiquada Ordem.
A maioria deles conheciam as histórias que contavam que fazia varios séculos, oito dos mais ferozes e letais machos da raça se uniram em um grupo para assassinar aos últimos antigos selvagens e ao exército de renegados que lhes serviam. Esses guerreiros se converteram lenda e desde esse momento, a Ordem tinha sofrido muitas mudanças, havia crescido em número e suas localizações tinham aumentado nos períodos em que tinha havido conflito com os renegados e tinham detido sua atividade durante os largos períodos de paz.
Agora, a classe dos vampiros estava formada somente por um punhado de indivíduos em todo o planeta que operava de forma encoberta e muitas vezes independente e com não pouco desprezo da sociedade. Nesta época ilustrada de trato justo e de processos legais em que se encontrava a nação dos vampiros, as táticas dos guerreiros se consideravam renegadas e quase do outro lado da lei.
Como se Lucan, ou a qualquer dos guerreiros que se encontravam em primeira fila da luta com ele, importassem-lhes o mais mínimo as relações públicas.
Lucan grunhiu em direção aos jovens boquiabertos e dirigiu uma convite mental as fêmeas humanas com quem os vampiros tinham estado conversando na rua. Todos os olhos femininos ficaram cravados no puro poder que ele —e ele sabia— emanava em todas as direções. Duas das garotas —uma loira de peito abundante e uma ruiva de cabelo somente um pouco mais claro que o do Gabrielle— se separaram imediatamente do grupo e se aproximaram dele, esquecendo a seus amigos e aos outros machos imediatamente.
Mas Lucan somente necessitava a uma, e a eleição era fácil. Rechaçou a loira com um gesto de cabeça. Sua companheira se colocou sob o braço dele e começou alhe manusear enquanto ele a conduzia para um discreto e escuro rincão de um edifício próximo.
Se pos a tarefa sem duvidar nem um momento.
Apartou o cabelo da garota, impregnado do aroma de tabaco e a cerveja, de seu pescoço, lambeu-se os lábios e lhe cravou as presas estendidas na garganta. Ela sofreu um espasmo ao notar a dentada e levantou as mãos em um gesto instintivo no momento no qual ele começou a chupar com força o sangue de suas veias. Chupou durante um bom momento, não queria desperdiçar nada. A fêmea gemeu, não por causa do alarme nem da dor, a não ser a causa do prazer único que produzia sentir sair o sangue sob o domínio de um vampiro.
O sangue encheu a boca de Lucan, quente e denso.
Contra sua vontade, em sua mente se formou a imagem de Gabrielle em seus braços, e Lucan imaginou, por um muito breve instante, que era de seu pescoço de que chupava nesses momentos.
Que era o sangue dela a que lhe descia pela garganta e lhe entrava no corpo.
Deus, o que era pensar como seria chupar a veia de Gabrielle enquanto seu pênis se cravava no quente e úmido centro de seu corpo.
Que prazer só pensá-lo.
Apartou essa fantasia de sua mente com um grunhido feroz.
«Isso não vai acontecer nunca», disse a si mesmo, com dureza. A realidade era outra coisa, e era melhor que não a perdesse de vista.
A verdade era que não se tratava de Gabrielle, mas sim de uma estranha sem nome, justo tal e como ele o preferia. O sangue que tomava nesse momento não tinha a doçura de jasmim que ele tanto desejava, a não ser uma acidez amarga viciada por algum suave narcótico que sua anfitriã tinha ingerido recentemente.
Não lhe importava o sabor que tivesse. Quão único precisava era apaziguar a urgência da sede, e para isso servia qualquer. Continuou chupando e tragando com ansiedade, de forma expedita, como o fazia sempre quando se alimentava.
Quando teve terminado, passou a língua pelos dois orifícios para fecha-los. A jovem estava respirando agitadamente, tinha os lábios entre abertos e seu corpo estava lânguido como se tivesse acabado de ter um orgasmo.
Lucan pôs a palma da mão sobre a frente dela e a desceu para seu rosto para lhe fechar os olhos, vazios de expressão e sonolentos. Esse contato apagava qualquer lembrança do que acabava de acontecer entre eles.
—Seus amigos lhe estão procurando — disse a garota enquanto apartava a mão de seu rosto e lhe olhava, confundida, piscando.
— Deveria ir a casa. A noite está cheia de depredadores.
—De acordo —disse ela, assentindo com a cabeça.
Lucan esperou entre as sombras enquanto ela dava a volta a esquina do edifício e se dirigia para seus companheiros. Ele inalou com força através dos dentes e das presas: sentia todos os músculos do corpo tensos, duros e vivos. O coração lhe pulsava com força no peito. Somente pensar no sabor que devia ter o sangue de Gabrielle lhe tinha provocado uma ereção.
Seu apetite físico deveria haver-se apaziguado agora que já se havia alimentado, mas não se sentia satisfeito.
Ainda... desejava-a.
Emitiu um grunhido baixo e voltou a sair de caça a rua, mais mal humorado que nunca. Pôs o olhar na parte mais conflitiva da cidade com a esperança de encontrasse com um ou dois renegados antes de que começasse a sair o sol. De repente, precisava meter-se em uma briga desesperadamente. Precisava fazer mal a alguém, inclusive embora esse alguém acabasse sendo ele mesmo.
Tinha que fazer o que fosse necessário para manter-se afastado de Gabrielle Maxwell.
Capítulo oito
Ao princípio, Gabrielle pensou que se tratou somente de outro sonho erótico. Mas a manhã seguinte, ao despertar, tarde, nua na cama, com o corpo esgotado e dolorido nos lugares adequados, soube que, definitivamente, Lucan Thorne tinha estado ali, em carne e osso. E Deus, que carne tão impressionante. Tinha perdido a conta de quantas vezes a tinha levado até o climax. Se somava todos os orgasmos que tinha tido durante os últimos dois anos, provavelmente nem se aproximaria do que tinha experiente com ele a passada noite.
E apesar disso, no momento em que abriu os olhos e se deu conta, decepcionada, de que Lucan não se ficou ali, ainda desejava ter outro orgasmo mais. A cama estava vazia, o apartamento se encontrava em silêncio. Era evidente que ele se partiu em algum momento durante a noite.
Gabrielle estava tão esgotada que tivesse podido dormir o dia inteiro, mas tinha uma entrevista para com o Jamie e com as garotas, assim saiu da casa e se dirigiu por volta do centro da cidade vinte minutos depois do meio-dia. Quando entrou no restaurante de Chinatown se deu conta de que umas quantas cabeças se giravam a seu passo: notou as olhadas apreciativas de um grupo de tipos que pareciam modelos de publicidade e que se encontravam ante a barra de sushi e as de meia dúzia de executivos trajados que a seguiram enquanto ela se dirigia para a
mesa de seus amigos, ao fundo do restaurante.
Sentia-se sexy e segura de si mesmo, vestida com seu suéter de pescoço de pico de cor vermelha escuro e sua saia negra, e não lhe importava que fora evidente para todo mundo que se encontrava ali que tinha desfrutado da noite de sexo mais incrível de toda sua vida.
—Finalmente, honra-nos com sua presença! —exclamou Jamie assim que Gabrielle chegou a mesa e saudou seus amigos com uns abraços.
Megan lhe acariciou uma bochecha.
—Tem um aspecto fantástico.
Jamie assentiu com a cabeça.
—Sim, é verdade, carinho. Eu adoro o que tem posto. É novo? —Não esperou a que lhe respondesse. Voltou a sentar-se imediatamente ante a mesa e se meteu na boca um rollito frito.
— Morria de fome, assim já pedimos um aperitivo. Mas onde estiveste? Estava a ponto de mandar a um esquadrão para te buscar.
—Sinto muito. Hoje dormi um pouco.
—Sorriu e se sentou ao lado do Jamie, no banco de vinil de cor verde.
— Kendra não vem?
—Desaparecida em combate outra vez. —Megan tomou um sorvo de chá e se encolheu de ombros.
— Não importa. Ultimamente, somente fala de seu novo namorado, já sabe, esse menino que encontrou em La Notte o passado fim de semana.
—Brent —disse Gabrielle, controlando a pontada de desconforto que sentiu pela menção dessa terrível noite.
—Sim, ele. Ela inclusive conseguiu trocar seu turno pelo de dia no hospital para passar todas as noites com ele. Parece que ele tem que viajar muito para ir ao trabalho ou o que seja e normalmente não está disponivel durante o dia. Não me posso acreditar que Kendra permita que alguém lhe dirija a vida desta maneira. Ray e eu levamos três meses saindo, eu ainda tenho tempo para meus amigos.
Gabrielle arqueou as sobrancelhas. Dos quatro, Kendra era a mais livre de espírito, inclusive de forma impenitente. Preferia manter uns quantos amantes e tinha intenção de permanecer solteira pelo menos até que cumprisse os trinta.
—Crê que se apaixonou?
—Lascívia, carinho. —Jamie colheu com os palitos o último sushi.
— Às vezes te faz fazer coisas piores que o amor. Me acredite, passou-me.
Enquanto mastigava, Jamie cravou os olhos nos do Gabrielle durante um comprido momento. Logo se fixou no cabelo desordenado e em que ela, de repente, ruborizou-se. Gabrielle tentou sorrir com expressão despreocupada, mas não pôde evitar que seu segredo a traísse no brilho de felicidade de seus olhos. Jamie deixou os palitos no prato, inclinou a cabeça para ela e o cabelo loiro lhe caiu sobre a bochecha.
—OH, Meu deus. —Sorriu—. O tem feito.
—Fiz o que? —Mas lhe escapou uma suave gargalhada.
—Tem-no feito. Deitaste-te com alguém, verdade?
A gargalhada de Gabrielle se reduziu a uma tímida risadinha.
—OH, carinho. Pois te sinta bem, devo dizer. —Jamie lhe deu umas palmadinhas na mão e Riu com ela.
— A ver se o adivinho: é o escuro e sexy detetive do Departamento de Polícia de Boston.
Ela levantou os olhos ao céu para ouvir como lhe tinha qualificado, mas assentiu com a cabeça.
—Quando foi?
—Esta noite. Virtualmente toda a noite.
A expressão de entusiasmo do Jamie atraiu a atenção de algumas mesas próximas. Ele se acalmou um pouco, mas sorria a Gabrielle como uma orgulhosa mamãe ganso.
—Ele é bom, né?
—Incrível.
—De acordo. E como é possível que eu não saiba nada deste homem misterioso? —interrompeu Megan nesses momentos—. E é um policial? Possivelmente Ray lhe conheça. Posso-lhe perguntar...
—Não. —Gabrielle negou com a cabeça—. Por favor, não digam nada disto aninguém, meninos. Não estou saindo com Lucan. Veio ontem pela noite para me devolver o telefone celular e as coisas ficaram... bom... fora de controle. Nem sequer sei se vou voltar a lhe ver.
A verdade era que não tinha nem idéia disso mas, Deus, desejava que assim fosse.
Uma parte dela sabia que o que tinha ocorrido entre eles era algo insensato, uma loucura. Era-o. A verdade é que não podia negá-lo. Era de loucos. Ela sempre se teve por uma pessoa sensata, prudente: a pessoa que acautelava a seus amigos dos impulsos imprudentes como o que se permitiu a noite passada.
Tola, tola, tola.
E não somente por ter permitido que esse momento a apanhasse por completo até o ponto de ter esquecido tomar nenhum amparo. Ter relação íntimas com alguém que é virtualmente um desconhecido raramente era uma boa idéia, mas Gabrielle tinha a terrível sensação de que resultaria muito fácil perder o coração por um homem como Lucan Thorne.
Mas como, estava segura, não era menos que de idiotas.
Apesar de tudo, o sexo como o que tinha tido com ele não se dava freqüentemente. Pelo menos, não para ela. Somente pensar em Lucan Thorne fazia que tudo dentro de seu corpo se retorcesse de desejo. Se ele entrasse no restaurante justo nesse momento, provavelmente saltaria por sobre as mesas e se tornaria em cima dele.
—Ontem passamos juntos uma noite incrível, mas agora mesmo, isso é quão único há. Não quero tirar nenhuma conclusão disso.
—Ok! —Jamie apoiou um cotovelo na mesa e se apoiou nele com expressão conspiradora.
— Então, por que está a todo o momento?
—Onde diabos estiveste?
Lucan cheirou a Tegan antes de ver o vampiro dar a volta à esquina do corredor da zona de residência do complexo. O macho tinha estado caçando fazia pouco. Ainda arrastava o aroma metálico e adocicado do sangue, tanto de humano como de algum renegado.
Quando viu que Lucan lhe estava esperando fora de um dos apartamentos se deteve, com as mãos apertadas em punhos dentro dos bolsos da calça texana de cintura baixa. A camiseta cinza que levava posta estava desfiada em alguns pontos e suja de pó e de sangue. Tinha as pálpebras cansadas sobre os pálidos olhos verdes e se viam umas escuras olheiras. O cabelo, avermelhado, descuidado e comprido, caía-lhe sobre o rosto.
—Tem um aspecto de merda, Tegan.
Ele levantou os olhos por debaixo da franja de seu cabelo e se mostrou burlón, como sempre.
Seus fortes bíceps e antebraços estavam cobertos de dermoglifos. Essas elegantes e afiligranadas marca tinham somente um tom mais escuro que o de sua pele dourada e sua cor não desvelava o estado de ânimo do vampiro. Lucan não sabia se era por pura vontade que esse macho se encerrava em uma atitude permanente de apatia ou se era a escuridão de seu passado que verdadeiramente tinha apagado qualquer sentimento que pudesse ter.
Deus era testemunha de que tinha passado por algo que tivesse podido vencer a uma equipe inteira de guerreiros.
Mas os demônios pessoais que Tegan tivesse eram coisa dele. O único que lhe importava a Lucan era assegurar-se de que a Ordem se mantinha forte e a ponto. Não havia lugar para que essa correia tivesse enganos débeis.
—Faz cinco dias que estiveste fora de contato, Tegan. Lhe vou perguntar isso outra vez: onde merda estiveste?
O sorriu, zombador.
—Foda-se, cara. Não é minha mãe.
Começou a afastar-se, mas Lucan lhe fechou o passo com uma velocidade assombrosa. Levantou Tegan pelo pescoço e o empurrou contra a parede do corredor para captar sua atenção.
A fúria de Lucan estava em seu ponto máximo: em parte pela desconsideração que, em geral, Tegan mostrava por volta de outros na Ordem durante os últimos tempos, mas ainda o estava mais pela falta de sensatez que lhe tinha feito pensar que poderia passar uma noite com a Gabrielle Maxwell e tirar-lhe logo depois da cabeça.
Nem o sangue nem a extrema violência que tinha exercido com dois Renegados durante as horas prévias ao amanhecer tinham sido suficientes para apagar a lascívia pelo Gabrielle que ainda lhe pulsava por todo o corpo. Lucan tinha percorrido a cidade como um espectro durante toda a noite e tinha voltado para o complexo com um humor furioso e negro.
Esse sentimento persistia nele enquanto apertava os dedos ao redor da garganta de seu irmão. Necessitava uma desculpa para tirar a agresividade, e Tegan, com esse aspecto animal e com seu secretismo, era um candidato mais que bom para fazer esse papel.
—Estou cansado de suas tolices, Tegan. Precisa te controlar, ou eu o farei em seu lugar. —Apertou a laringe do vampiro com mais força, mas Tegan nem sequer se alterou pela dor.
— Agora me diga onde estiveste durante todo este tempo ou você e eu vamos ter sérios problemas.
Os dois machos tinham mais ou menos o mesmo tamanho e estavam mais que igualados em questão de força. Tegan pôde ter apresentado batalha, mas não o fez. Não demonstrou nem a mais mínima emoção, simplesmente olhou A Lucan com olhos frios e indiferentes.
Não sentia nada, e inclusive isso tirava de gonzo a Lucan.
Lucan, com um grunhido, tirou a mão da garganta do guerreiro e tentou controlar a raiva. Não era próprio dele comportar-se dessa maneira. Isso estava por debaixo dele.
Merda.
E era ele quem dizia a Tegan que tinha que controlar-se?
Bom conselho. Possivelmente tinha que aplicar-lhe a si mesmo.
O olhar inexpressivo do Tegan dizia mais ou menos o mesmo, embora o vampiro manteve, de forma inteligente, a boca fechada.
Enquanto os dois difíceis aliados se olhavam um ao outro em meio de um escuro silêncio, detrás deles e a certa distancia no corredor, uma porta de cristal se abriu com um zumbido. Ouviu-se o chiado das sapatilhas esportivas do Gideon no gentil chão enquanto este saía de seus aposentos privados e percorria o corredor.
—Né, Tegan, bom trabalho de reconhecimento, cara. Vigiei um pouco depois do que falamos o outro dia. Esse pressentimento que teve de que devíamos manter vigiados Aos renegados no Green Line parece bom.
Lucan nem sequer piscou. Tegan lhe agüentou o olhar, sem fazer caso às felicitações de Gideon. Tampouco tentou defender-se dessas suspeitas infundadas. Simplesmente ficou ali durante um comprido minuto sem dizer nada. Logo passou ao lado de Lucan e continuou seu caminho pelo corredor do complexo.
—Acredito que quererá comprovar isto, Lucan —disse Gideon enquanto se dirigia para o laboratório.
— Parece que algo está a ponto de ficar feio.
Capítulo nove
Com a taça quente entre as mãos, Gabrielle tomou um sorvo do suave chá enquanto Jamie comia o resto de seu prato. Também ia comer seu biscoitinho da sorte de sobremesa, como fazia sempre, mas não importava. Era agradável estar, simplesmente, com os amigos, e sentir que a vida voltava a adquirir certo ar de normalidade depois do que lhe tinha acontecido o fim de semana passado.
—Tenho uma coisa para ti —disse Jamie, interrompendo os pensamentos de Gabrielle. Rebuscou um momento na bolsa que levava de cor nata que estava no banco em meio de ambos e tirou um envelope alvo.
— Procede da amostra privada.
Gabrielle o abriu e tirou um cheque da galeria. Era mais do que hávia esperado. Uns par de notas grandes demais.
—Vai.
—Surpresa —cantarolou Jamie com um amplo sorriso—. Subi o preço. Pensei que diabos e eles o aceitaram sem regatear em nenhum momento. Crê que deveria ter pedido mais?
—Não —repôs Gabrielle—. Não, isto é... isto... uuuff. Obrigado.
—Não é nada. —Assinalou a barra de chocolate.
—Vais comer?
Ela empurrou o prato por cima da mesa para ele.
—Bom, e quem é o comprador?
—Ah, isso continua sendo um grande mistério —disse ele, enquanto rompia a bolacha dentro de seu pacote de plástico.
— Pagaram em dinheiro, assim é evidente que são sérios sobre o caráter anônimo da venda. E mandaram um táxi para me buscar para levar a coleção.
—Do que estão falando, meninos? —perguntou Megan. Olhou aos dois com o cenho franzido e uma expressão de confusão.
— Lhes juro que sou a última que se inteira de tudo.
—Nossa pequena e talentosa artista tem um admirador secreto — informou Jamie, dramaticamente. Tirou a nota da sorte do biscoitinho, leu-a, levantou os olhos ao céu e atirou o trocito de papel no prato vazio.
— Onde ficaram os dias em que este tipo de coisas significavam algo? Bom, faz umas quantas noites me pediram que apresentasse a coleção completa de fotografias da Gabby ante um comprador anônimo do centro da cidade. Compraram-nas todas: até a última.
Megan olhou a Gabrielle com os olhos muito abertos.
—Isso é maravilhoso! Me alegro tanto por ti, carinho!
—Seja quem é quem as comprou, a verdade é que tem uma seria mania com o secretismo.
Gabrielle olhou a seu amigo enquanto se guardava o cheque na bolsa.
—O que quer dizer?
Jamie terminou de mastigar o último pedaço de biscoitinho da sorte e se limpou os dedos dos miolos.
—Bom, quando cheguei a direção que me deram, em um desses luxuosos edifícios de escritórios com vários inquilinos, recebeu-me uma espécie de guarda-costas no vestíbulo. Não me disse nada, somente murmurou algo a um microfone sem fio e logo me acompanhou até um elevador que nos levou a piso mais alto do edifício.
Megan arqueou as sobrancelhas.
—Ao apartamento de cobertura?
—Sim. E aí está a coisa. O lugar estava vazio. Todas as luzes estavam acesas, mas não havia ninguém dentro. Não havia móveis, não havia nenhuma equipe, nada. Somente paredes e janelas que davam a cidade.
—Isso é muito estranho. Não te parece, Gabby?
Ela assentiu com a cabeça e uma sensação de intranqüilidade foi invadindo enquanto Jamie continuava.
—Então o guarda-costas me disse que tirasse a primeira fotografia da pasta e que caminhasse com ela e me dirigisse para as janelas da parede norte. Ao outro lado estava escuro, e eu lhe estava dando as costas a ele, mas ele me disse que devia sujeitar cada uma das fotos ante essa janela até que me desse instruções das deixar a um lado e tomar outra.
Megan riu.
—De costas a ele? Por que queria que fizesse isso?
—Porque o comprador estava observando desde outro lugar —respondeu Gabrielle em voz baixa.
— Em algum lugar de onde via as janelas do apartamento de cobertura.
Jamie assentiu com a cabeça.
—Isso parece. Não consegui ouvir nada, mas estou seguro de que o guarda-costas, ou o que fora, estava recebendo instruções pelos auriculares. Para te dizer a verdade, estava-me pondo um pouco nervoso com tudo isso, mas foi bem. Ao final não passou nada mau. Quão único queriam eram suas fotografias. Somente tinha chegado a quarta quando disseram que pedisse um preço para todas elas. Assim, que tal e como te hei dito, pus alto e o aceitaram.
—Estranho —comentou Megan—. Né, Gab, possivelmente chamaste a atenção de um milionário mortalmente atrativo mas retraído. Possivelmente o ano que vem, por estas datas, estaremos dançando em suas luxuosas bodas no Mikonos.
—Uf, por favor —exclamou Jamie sem fôlego—. Mikonos é do ano passado. A gente bonita está na Marbella, querida.
Gabrielle tentou tirar-se de cima a estranha sensação de inquietação que lhe estava produzindo a estranha história do Jamie. Tal e como ele havia dito, tudo tinha ido bem e ela tinha um cheque por uma importância muito alta na bolsa. Possivelmente podia convidar para jantar a Lucan, dado que a comida que tinha preparado a outra noite para a celebração ficou no balcão da cozinha.
Embora não sentia nem o mais mínimo remorso pela perda de seus manicotti.
Sim, uma romântica saída para jantar com Lucan soava fantástico. Com um pouco de sorte, possivelmente tomassem as sobremesas em... e o café da manhã também .
Gabrielle ficou de bom humor imediatamente e riu com seus amigos enquanto estes continuavam intercambiando idéias extravagantes a respeito de quem podia ser esse misterioso colecionador e o que podia significar para seu futuro e, por extensão, para o de todos eles. Ainda estavam falando do mesmo quando a mesafoi retirada e a conta paga, e os três saíram a rua ensolarada.
—Tenho que ir correndo —disse Megan, dando um rápido abraço a Gabrielle e a Jamie.
— Nos veremos logo, meninos?
—Sim —responderam os dois ao uníssono e a saudaram com a mão, atrás da Megan caminhava rua acima, para o edifício de escritórios onde trabalhava.
Jamie levantou uma mão para chamar um táxi.
—Vai diretamente a casa, Gabby?
—Não, ainda não. —Deu uns golpezinhos a câmera que levava sobre o ombro.
— Pensava dar um passeio até o parque e possivelmente gastar um pouco de filme. E você?
—David vai chegar de Atlanta dentro de uma hora —lhe disse .
— Vou tirar o resto do dia. Possivelmente amanhã também.
Gabrielle riu.
—Dê- lhe lembranças de minha parte.
—Farei-o. —aproximou-se dela e lhe deu um beijo na bochecha.
— Eu gosto de verte sorrir outra vez. Estava realmente preocupado por ti depois do último fim de semana. Nunca te tinha visto tão afetada. Está bem, verdade?
—Sim, estou bem, de verdade.
—E agora tem ao escuro e sexy detetive para te cuidar, o qual não está nada mal.
—Não, não está nada mal —admitiu ela, e notou uma sensação de calidez pelo só feito de pensar nele.
Jamie lhe deu um abraço afetuoso.
—Bom, céu, se necessitar algo que ele não te possa dar, o qual duvido muito, me chame, de acordo? Quero-te, carinho.
—Eu também te quero. —Um táxi se deteve na esquina e se saudaram.
— Te divirta com o David. —E levantou a mão para lhe dizer adeus enquanto Jamie entrava no táxi e este se internava no matizado tráfico da hora de comer.
Somente se demorava uns quantos minutos em percorrer as quadras que separavam Chinatown do parque Boston Common. Gabrielle passeou pelos amplos espaços e tirou umas quantas fotografias. Logo se deteve para observar a uns meninos que jogavam a galinha cega na grama da zona de recreio. Observou a uma menina que se encontrava no centro do grupo com os olhos tampados com uma atadura e que girava a um lado e a outro com os braços estendidos tentando apanharar seus esquivos amigos.
Gabrielle levantou a câmera e enfocou aos meninos, que não paravam de correr e de rir. Aproximou a imagem com o zoom e seguiu a menina de cabelo loiro e olhos enfaixados com a lente enquanto as risadas e os gritos dos meninos enchiam o parque. Não fez nenhuma fotografia, simplesmente olhou esse despreocupado jogo desde detrás da câmera e tentou recordar uma época em que ela se houvesse sentido assim contente e segura.
Deus, havia-se sentido assim alguma vez?
Um de quão adultos estava vigiando aos meninos de perto lhes chamou para que fossem comer, interrompendo seu estridente jogo. Os meninos correram até o lençol estendido no chão para comer e Gabrielle percorreu o parque ao seu redor com a lente da câmera. Na imagem desfocada a causa do movimento, percebeu a figura de alguém que a olhava desde debaixo da sombra de uma árvore grande.
Gabrielle apartou a câmera de seu rosto e olhou nessa direção: havia um homem jovem em pé, parcialmente escondido pelo tronco de um velho carvalho.
Sua presença era quase imperceptível nesse parque cheio de atividade, mas lhe resultava vagamente familiar. Gabrielle viu que tinha o cabelo abundante e de uma cor castanha cinzenta, que levava uma camisa solta e uma calça cáqui. Era a classe de pessoa que desaparecia com facilidade entre a multidão, mas estava segura de que lhe tinha visto em algum lugar fazia pouco tempo.
Não lhe tinha visto na delegacia de polícia de polícia a semana passada quando foi fazer a declaração?
Fosse quem fosse, deveu dar-se conta de que lhe tinha visto, porque imediatamente retrocedeu, escondeu-se atrás do tronco da árvore e começou a afastar-se dali em direção a Charles Street. Enquanto caminhava a passo rápido em direção a essa rua, tirou-se um telefone celular do bolso da calça e jogou uma rápida olhada para trás por cima do ombro, em direção a Gabrielle.
Gabrielle sentiu que lhe arrepiavam os cabelos da nuca com uma repentina sensação de suspeita e de alarme.
Ele a tinha estado observando, mas por que?
Que diabos estava acontecendo? Algo acontecia, definitivamente, e ela não tinha intenção de tratar de adivinhá-lo por mais tempo.
Com o olhar cravado no menino da calça cáqui, Gabrielle começou a caminhar detrás dele enquanto se guardava a câmera na capa e se ajustava a tira da bolsa protetora no ombro. Quando saiu do amplo terreno do parque e entrou no Charles Street, o menino lhe levava uma quadra de vantagem.
—Né! —chamou ela, começando a correr.
O,menino que continuava falando por telefone, girou a cabeça e a olhou. Disse algo ao aparelho com gesto apressado, apagou o aparelho e o conservou na mão. Apartou o olhar dela e começou a correr.
—Para! —gritou Gabrielle. Chamou a atenção das pessoas na rua, o menino continuou sem lhe fazer caso.
— Te hei dito que te detenha, merda! Quem é? Por que me está espiando?
Ele subiu a toda velocidade pelo Charles Street mergulhando-se na maré de pedestres. Gabrielle lhe seguiu, esquivando a turistas e empregados de escritório que saíam durante o descanso para a comida, sem apartar a vista da mochila delgada que o menino levava nas costas. Ele torceu por uma rua, logo por outra, internando-se cada vez mais na cidade, afastando-se das lojas e os escritórios do Charles Street e voltando para a matizada zona de Chinatown.
Sem saber quanto tempo levava perseguindo a esse menino nem onde havia chegado exatamente, Gabrielle se deu conta de repente de que lhe tinha perdido.
Girou por uma esquina cheia de gente e se sentiu profundamente sozinha: esse ambiente pouco familiar se fechou ao redor dela. Os lojistas a observavam desde debaixo dos toldos e desde detrás das portas abertas para deixar entrar o ar do verão. Os pedestres a olhavam, aborrecidos, porque se tinha detido de repente em meio da calçada e interrompia o passo.
Foi nesse momento quando sentiu uma presença ameaçadora detrás dela, na rua.
Gabrielle olhou por cima do ombro e viu um Sedam negro de vidros escuro que se deslocava devagar entre outros carros. Movia-se com elegância, deliberadamente, como um tubarão que atravessasse um banco de peixes pequenos em busca de uma presa melhor.
Estava-se dirigindo para ela?
Talvez o menino que a tinha estado espiando se encontrava dentro do carro. Possivelmente sua aparição, e a do carro de aspecto ameaçador, tinham algo que ver com quem tinha comprado suas fotografias.
Ou possivelmente se tratasse de algo pior.
Possivelmente um pouco relacionado com o espantoso ataque que tinha presenciado na semana anterior e tendo informado disso a polícia. Possívelmente se tropeçou com uma rixa entre bandas, depois de tudo. Possivelmente essas criaturas malignas —já que não podia acabar de convencer-se de que eram homens— tinham decidido que ela era seu próximo alvo.
O veículo se aproximou por um sulco lateral até a calçada onde ela se encontrava em pé e Gabrielle sentiu que um medo gelado a atravessa.
Começou a caminhar. Acelerou o ritmo para avançar mais depressa.
A suas costas ouviu o som do carro que acelerava.
OH, Deus.
Ia por ela!
Gabrielle não esperou para ouvir o som dos pneumáticos das rodas no pavimento a suas costas. Gritou e saiu disparada em uma carreira , movendo as pernas tão depressa como era capaz.
Havia muita gente ao seu redor. Muitos obstáculos para tomar um caminho reto. Esquivou aos pedestres, muito nervosa para oferecer nenhuma desculpa antes seus estalos de língua e exclamações de irritação.
Não lhe importava: estava segura de que era um assunto de vida ou morte.
Olhar para trás seria um grave engano. Ainda ouvia o ruído do motor do carro no meio do tráfico, que a seguia de perto. Gabrielle baixou a cabeça e se esforçou em correr mais rápido enquanto rezava por ser capaz de sair dessa rua antes de que o carro a apanhasse.
De repente, nessa enlouquecida carreira, falhou-lhe um tornozelo.
Cambaleou-se e perdeu o equilíbrio. O chão pareceu elevar-se para ela e caiu com força contra o duro pavimento. Parou o golpe forte da queda com os joelhos e as palmas das mãos, destroçando-lhe a dor da carne rasgada, lhe fez saltar as lágrimas, mas não fez conta. Gabrielle voltou a ficar em pé. Quase ainda não tinha recuperado o equilíbrio quando notou a mão de um estranho que a sujeitava com força pelo cotovelo.
Gabrielle reprimiu um grito. Tinha os olhos enlouquecidos de pânico.
—Encontra-se bem, senhorita? —O rosto cinza de um trabalhador municipal apareceu em seu ângulo de visão e seus olhos azuis rodeados de rugas se fixaram nas feridas.
—Uf, vá, olhe isso, está sangrando.
—Solte-me!
—É que não viu esses reservatórios de água daí? —Assinalou com o polegar por cima do ombro, a suas costas, para os cones de cor laranja com os quais Gabrielle tinha se chocado ao passar—Esta parte da calçada está levantada.
—Por favor, não passa nada. Estou bem.
Apanhada pela mão dele, que tentava ajudá-la mas que a desafiava, Gabrielle levantou o olhar bem a tempo para ver que o Sedam escuro aparecia na esquina por onde ela tinha passado fazia um instante. O carro se deteve abruptamente, a porta do condutor se abriu e um homem enorme e muito alto saiu à rua.
—OH, Deus. Me solte! —Gabrielle deu uma sacudida com o braço para soltar do homem que tentava ajudá-la sem apartar o olhar desse monstruoso carro negro e no perigo que supunha—. É que não comprende que me estão perseguindo?
—Quem? —O tom de voz do trabalhador municipal foi de incredualidade. Levou a vista em direção aonde ela estava olhando e soltou uma gargalhada.
— Se refere a esse tipo? Senhora, é o maldito prefeito do Bostom.
-O que...?
Era verdade. Olhou enlouquecida toda a atividade que se desenvolvia nessa esquina e o compreendeu. O Sedam negro não a perseguia, depois de tudo. Tinha estacionado na esquina e o condutor, agora, estava esperando com a porta traseira aberta. O prefeito em pessoa saiu de um restaurante acompanhado por dois guarda-costas e os três subiram ao assento traseiro do veículo.
Gabrielle fechou os olhos. As palmas das mãos lhe queimavam de dor. Os joelhos, também. Tinha o pulso acelerado, mas parecia que o sangue lhe tinha descido da cabeça.
Sentiu-se como uma completa idiota.
—Acreditei... —murmurou, enquanto o condutor fechava a porta, e se colocava no assento dianteiro e arrancava o carro em direção ao tráfico da rua.
O trabalhador lhe soltou o braço. Afastou-se dela para voltar a ocupar-se da bolsa com sua comida e seu café enquanto meneava a cabeça.
—O que lhe acontece? É que se tornou louca ou algo?
Merda.
Supunha-se que ela não tinha que lhe haver visto. Tinha ordens de observar a mulher Maxwell, de tomar nota de suas atividades, de estabelecer quais eram seus costumes. Tinha que informar de tudo isso a seu Professor. Por cima de tudo, tinha que evitar ser visto. O subordinado soltou outra maldição do mesmo lugar onde estava escondido, as costas pega contra uma anódina porta de um edifício, um desses tantos lugares que se apinhavam entre os restaurantes e mercados do Chinatown. Com cuidado, abriu a porta e tirou a cabeça para ver se podia detectar a mulher em algum lugar da rua.
Ali estava, justo ao outro lado da rua abarrotada de gente.
E se alegrou de ver que ela estava abandonando a zona. Quão último perdeu de vista foi seu cabelo acobreado por entre a multidão da calçada, a cabeça encurvada e o passo acelerado.
Esperou ali, observou-a até que teve desaparecido de sua vista por completo. Então voltou a sair a rua e se dirigiu em direção contraria. Tinha passado mais de uma hora de seu descanso para comer. Era melhor que voltasse para a delegacia de polícia antes de que lhe sentissem falta.
Capítulo dez
Gabrielle pôs outra toalha de papel sob o jorro de água fria na pia da cozinha. Havia várias toalhas mais atiradas já, empapadas de água e manchadas de sangue, além de sujas do pó da rua que se limpou das palmas das mãos e dos joelhos. Em pé, de sutiens e calcinhas, jogou um pouco de sabão líquido na toalha de papel empapada de água e se esfregou com energia as feridas das palmas das mãos.
—Ai! —exclamou, e franziu o cenho. Encontrou-se uma pequena e afiada lasca cravada na ferida. A tirou e a atirou à pia ao lado de todo o cascalho que se limpou das feridas.
Deus, parecia um desastre.
A saia nova estava rota e destroçada. A prega do suéter se danificou ao cair contra o áspero pavimento. E parecia que as mãos e os joelhos pertencessem a uma menina selvagem e torpe.
E além de tudo isso, mostrou-se como uma completa estúpida em público.
Que demônios lhe estava acontecendo para ficar histérica dessa maneira?
O prefeito, pelo amor de Deus. E ela tinha fugido desse carro como se temesse que se tratasse de...
Do que? De alguma espécie de monstro?
«Vampiro.»
As mãos do Gabrielle ficaram imóveis.
Ouviu a palavra mentalmente, apesar de que se negou a pronunciá-la em voz alta. Essa era a palavra que tinha na soleira da consciência do momento em que foi testemunha desse assassinato. Era uma palavra que não queria reconhecer, nem sequer quando se encontrava sozinha no selêncio de seu apartamento vazio.
Os vampiros eram a obsessão da louca de sua mãe biológica, não a sua.
Essa adolescente anônima se encontrava em um estado completamente delirante quando a polícia a tirou das ruas, fazia tantos anos. Dizia que a tinham açoitado uns demônios que queriam beber seu sangue, que, de fato, tinham-no tentado, e essa tinha sido a explicação que tinha dado pelas estranhas feridas que tinha na garganta. Os documentos judiciais que lhe tinham dado estavam salpicados de loucas referencias a espectros sedentos de sangue que percorriam a cidade em completa liberdade.
Impossível.
Isso era uma loucura, e Gabrielle sabia.
Estava permitindo que sua imaginação e que o medo que tinha de converter-se em uma perturbada como sua mãe algum dia acabassem com ela. Mas ela era muito inteligente para permiti-lo. Era mais sã, pelo menos...
Deus, tinha que sê-lo.
Ter visto esse menino da delegacia de polícia esse mesmo dia —para somar-se a tudo pelo que tinha passado durante os últimos dias— lhe havia disparado seus medos. Apesar de tudo, agora que o pensava, nem sequer estava segura de que esse tipo a quem tinha visto no parque fora de verdade o administrativo que tinha visto na delegacia de polícia.
Mas e o que se o era? Possivelmente se encontrava no parque para tomar sua comida e para desfrutar do tempo igual ao estava fazendo ela. Isso não era nenhum crime. Possivelmente, a estava olhando era porque também lhe tinha parecido que lhe resultava familiar. Possivelmente ele se aproximou para saudá-la se ela não tivesse carregado contra ele como uma psicopata paranoica, lhe acusando de estar espiando-a.
OH, e não seria perfeito que ele fosse a delegacia de polícia e contasse a todos que lhe tinha açoitado por várias quadras no Chinatown?
Se Lucan se inteirava disso, ela ia morrer da humilhação.
Gabrielle terminou de limpar as feridas das palmas das mãos e tentou apartar tudo o que tinha ocorrido esse dia de sua cabeça. Ainda tinha a ansiedade no ponto máximo e o coração lhe pulsava com força. Limpou-se os golpes do rosto e observou um magro rastro de sangue que lhe descia pelo pulso.
Ver seu sangue sempre a tranqüilizava, por alguma estranha razão. Sempre tinha sido assim.
Quando era mais jovem e as emoções e as pressões internas eram tão fortes que já não sabia o que fazer com elas, quão único tinha que fazer para se acalmar era fazer um pequeno corte.
O primeiro tinha sido por acidente. Gabrielle se encontrava cortando uma maçã em um de seus lares de acolhida quando a faca resvalou e lhe fez um corte na base do dedo polegar. Doeu-lhe um pouco, mas Gabrielle não sentiu nem medo nem pânico ao observar como o sangue saía e desenhava um reluzente redemoinho escarlate.
Havia-se sentido fascinada.
Havia sentido uma incrível espécie de... paz.
Ao cabo de uns quantos meses desse surpreendente descobrimento, Gabrielle voltou a cortar-se. Fê-lo de forma deliberada e em segredo, sem intenção de fazer-se mal de verdade. À medida que o tempo transcorreu, fê-lo mais freqüentemente, sempre que precisava sentir essa profunda sensação de calma.
E agora o necessitava porque estava ansiosa e nervosa como um gato atento a qualquer pequeno ruído que ouvisse no apartamento ou fora dele. Doía-lhe a cabeça. Tinha a respiração agitada e apertava as mandíbulas.
Seus pensamentos saltavam do brilho do flash ante a cena da noite fora da discoteca ao inquietante psiquiátrico onde tinha estado fazendo fotos a manhã anterior e ao medo irracional, profundo e perturbador que havia sentido essa tarde.
Necessitava um pouco de paz depois de tudo isso.
Só embora fossem uns quantos minutos de calma.
Gabrielle dirigiu o olhar para o contêiner de facas de madeira que se encontrava, ali perto, sobre o mármore. Alargou a mão e tomou um deles. Fazia anos que não o fazia. esforçou-se tanto em controlar essa compulsão estranha e vergonhoza.
Mas a tinha feito desaparecer de verdade?
Os psicólogos que a administração lhe tinha posto e os trabalhadores sociais, ao final, convenceram-se de que assim era. Também os Maxwell.
Agora, enquanto se aproximava a faca à pele do braço e sentia como uma escura emoção despertava dentro dela, Gabrielle o duvidou. Aperto a ponta da folha contra a pele do antebraço, embora ainda sem a força suficiente para cortar-se.
Esse era seu demônio privado, e era uma coisa que nunca havia comprartilhado abertamente com ninguém, nem sequer com o Jamie, seu amigo mais querido.
Ninguém o compreenderia.
Quase nem ela mesma o compreendia.
Gabrielle jogou a cabeça para trás e respirou profundamente. Enquanto voltava a baixar a cabeça e exalava lentamente, viu seu próprio reflexo no cristal da janela de cima da pia. O rosto que lhe devolveu o olhar tinha uma expressão esgotada e triste, seus olhos estavam apagados e angustiados.
—Quem é? —sussurrou a essa imagem fantasmal que via no cristal. Teve que reprimir um soluço.
— O que é que vai mal contigo?
Abatida consigo mesma, atirou a faca na pia e se apartou dali enquanto o som do aço ressonava na cozinha.
O constante som dos sinais de multiplicação de um helicóptero atravessava o céu da noite no velho psiquiátrico. Da camuflagem de uma nuvem, um Colibri EC120 negro descendeu e se posou com suavidade em uma zona plaina do telhado.
—Desliga o motor —ordenou o líder dos renegados a seu subordinado piloto quando o aparelho se posou no improvisado heliporto.
— Espere-me aqui até que volte.
Saltou fora da cabine e recebeu a imediata saudação de seu tenente, um indivíduo bastante desagradável a quem tinha recrutado na Costa Oeste.
—Tudo está em ordem, senhor.
As espessas sobrancelhas marrons do renegado se afundaram em cima de seus ferozes olhos amarelos. Na enorme cabeça calva ainda se viam as cicatrizes das queimaduras de eletricidade que lhe tinham infligido os da raça durante um interrogatório pelo que tinha passado fazia meio ano. Mas, entre o resto dos repugnantes rasgos de seu rosto, essas numerosas marcas de queimaduras eram somente um detalhe. O renegado sorriu, deixando ver umas enormes presas.
—Seus presentes foram muito bem recebidos esta noite, senhor. Todo o mundo espera com ânsia sua chegada.
O líder dos renegados, com os olhos escondidos detrás de uns óculos de sol, assentiu com a cabeça brevemente e, com passo depravado, deixou-se conduzir até o piso de acima do edifício e logo até um elevador que lhe levaria ao coração das instalações. Afundaram-se por debaixo do nível do piso do chão, saíram do elevador e se internaram por uma rede de túneis que rodeavam uma parte da fortaleza da guarida dos renegados.
Quanto ao líder, este tinha estado instalado em seu quartel privado em algum ponto de Boston durante o último mês, fiscalizando em privado algumas operações, determinando obstáculos e estabelecendo as principais vantagens que tinham no novo território que queriam controlar. Esta era sua primeira aparição em público: era todo um evento, e essa era exatamente sua intenção.
Não era algo freqüente que ele se aventurasse a sair em meio da porqueira da população geral; os vampiros que se convertiam em renegados eram uma gente arruda, indiscriminada, e ele tinha aprendido apreciar coisas melhores durante seus muitos anos de existência. Tinha que lhes recordar a essas bestas quem era e a quem serviam e por isso lhes tinha devotado uma amostra do bota de cano longo que lhes esperava ao final de sua última missão. Não todos eles sobreviveriam, é obvio. As vítimas acostumavam a acumular-se em meio de uma guerra.
E uma guerra era o que ia vender aí essa noite.
Já não haveria mais conflitos insignificantes no terreno. Não haveria mais luta internas entre os renegados, nem mais atos absurdos de vingança individual. Foram unir-se e passar a página de uma forma que ainda ninguém tinha imaginado nessa antiga batalha que tinha dividido para sempre a nação dos vampiros em dois. A raça tinha mandado durante muito tempo e tinha chegado a um acordo não falado com os humano inferiores ao tempo que ansiavam eliminar a seus irmãos os renegados.
As duas facções da estirpe dos vampiros não eram tão diferentes uma da outra, somente lhes separava uma questão de grau. Quão único diferenciava a um vampiro da raça que saciava sua fome de vida e a um vampiro constantemente sedento de sangue e viciado era uma questão de litros. As linhas sangüíneas da estirpe se apagaram com o tempo da época dos antigos e os novos vampiros se convertiam em adultos e se apareavam com as companheiras de raça humanas.
Mas não havia forma de que a contaminação de gens humanos destruisse por completo os gens dos vampiros, mais fortes. A sede de sangue era um espectro que perseguiria a raça para sempre.
Do ponto de vista do líder dessa guerra que se aproximava, a gente tanto podia lutar contra o impulso inato próprio de sua estirpe ou utiliza-lo para benefício próprio.
Nesse momento, ele e seu tenente tinham chegado ao final do corredor e a vibração de uma música estridente reverberava nas paredes e no chão, sob seus pés. Estava-se levando a cabo uma festa detrás de uma dupla porta de aço amassada e maltratada. Ante ela, um vampiro Renegado que se encontrava de guarda se fincou de joelhos pesadamente assim que suas rasgadas pupilas registraram quem estava esperando diante dele.
—Senhor. —O tom de sua áspera voz foi reverente e mostrou deferencia ao não levantar a vista para encontrar-se com os olhos que se ocultavam detrás desses óculos escuros.
— Meu senhor, sua presença nos honra.
De fato, sim lhes honrava. O líder fez um rápido movimento afirmativo com a cabeça assim que o vigilante ficou em pé de novo. Com uma mão imunda, que estava de guarda empurrou as portas para permitir a entrada a seu superior a estridente reunião que se levava a cabo ao outro lado das mesmas. O líder se despediu de seu acompanhante e ficou livre para observar em privado o lugar.
Tratava-se de uma orgia de sangue, sexo e música. Em todos os rincões onde olhasse via machos renegados que manuseavam, perseguiam e se alimentavam de um variado sortido de seres humanos, tanto homens como mulheres. Sentiam pouca dor, tanto se encontravam nesse evento de forma voluntária como se não. A maioria tinham sofrido, pelo menos, uma dentada, e lhes tinham extraído tanto sangue que se sentiam como em uma nuvem de sensualidade e ligeireza. Alguns deles fazia muito momento que se foram, e seus corpos se encontravam inertes como os de uns bonitos bonecos de roupa em cima do regaço de seus depredadores
Olhos selvagens, que não cessavam de alimentar-se até que não ficava nada mais que devorar.
Mas isso era o que alguém devia esperar se lançava uns tenros cordeiros a um poço cheio de bestas vorazes.
Enquanto se dirigia para a parte mais matizada dessa reunião, começaram-lhe a suar as mãos. O pênis lhe endureceu baixo a cuidada queda da calça confeccionada a medida. As gengivas começaram a lhe doer e a lhe pulsar, e teve que morder a língua para evitar que as presas lhe alargassem de fome, ao igual que tinha feito seu sexo, em resposta a chuva de estímulos eróticos e sensoriais que lhe golpeiavan desde todos os ângulos.
A mescla do aroma de sexo e sangue derramada lhe chamava como o canto de uma sereia. Esse era um canto que ele conhecia bem, embora isso tinha sido em seu passado, agora muito distante. OH, ainda desfrutava com um bom sexo e com uma suculenta veia aberta, mas essas necessidades já não lhe governavam. Tinha tido que percorrer um caminho muito difícil do ponto em que se encontrava antigamente, mas, ao final, tinha vencido.
Agora era senhor de si mesmo e logo o seria de muito, muito mais.
Uma nova guerra ia começar e ele estava preparado para oferecer a última batalha. Estava educando a seu exército, aperfeiçoando seus métodos, recrutando aliados que mais tarde seriam sacrificados sem duvidá-lo nem um momento no altar de seu capricho pessoal. Ia infligir uma sangrenta vingança a nação dos vampiros e ao mundo de quão humanos somente existia para servir aos seus.
Quando a grande batalha tivesse terminado e as cinzas e o pó houvessem sido finalmente varridos, não haveria ninguém que pudesse interpor em seu caminho.
Ele seria um maldito rei. Esse era seu direito de nascimento.
—Mmmm... né, bonito... vêem aqui e joga comigo.
Esse convite realizado em voz rouca lhe alcançou por cima do barulho da sala. De um montículo de corpos retorcidos, nus e úmidos tinha aparecido a mão de uma mulher que lhe sujeitou pela coxa no momento em que ele passava por seu lado. Ele se deteve, baixou o olhar até ela com uma clara expressão de impaciência. Percebeu uma beleza oculta sob a escura e destroçado maquiagem, mas ela tinha a mente completamente perdida nesse profundo delírio da orgia.
Um par de rastro de sangue lhe desciam pelo bonito pescoço e chegavam até as pontas de seus peitos perfeitamente formados. Tinha outras mordidas em outros pontos do corpo: no ombro, no ventre, e na parte interior de uma das coxas, justo debaixo da estreita banda de pêlo que lhe ocultava o sexo.
—Te una lhe suplicou ela, levantando-se de entre a selva enredada de braços e pernas dos vampiros renegados em zelo. A essa mulher quase tinham extraído todo o sangue, somente ficavam uns litros antes de morrer. Tinha os olhos frágeis, perdidos. Seus movimentos eram lânguidos, como se seus ossos se tornaram de borracha.
— Tenho o que desejas. Sangrarei para ti, também. Vêem, me prove.
Ele não disse nada; simplesmente apartou os pálidos dedos manchados de sangue que atiravam da fina malha de suas caras calças de seda.
Verdadeiramente, não estava de humor.
E, ao igual que todo líder com êxito, nunca tocava sua própria mercadoria.
Pôs-lhe a mão plaina em cima do peito e a empurrou. Ela chiou: um dos renegados a tinha apanhado sem contemplação e, com rudeza, deu-lhe a volta em cima de seu braço, colocou-a debaixo dele e a penetrou por detrás. Ela gemeu assim que ele a atravessou, mas ficou em silencio ao cabo de um instante enquanto o vampiro sedento de sangue lhe cravava as enormes presas no pescoço e lhe chupava a última gota de vida de seu corpo consumido.
—Desfrutem destes restos —disse o que ia ser rei com uma voz profunda que se elevava em tom magnânimo por cima dos rugidos animais e o estrondo ensurdecedor da música.
— A noite se está levantando e logo conhecerão as recompensas que tenho a lhes oferecer.
Capítulo onze
Lucan bateu na porta do apartamento de Gabrielle outra vez.
Ainda, nenhuma resposta.
Fazia cinco minutos que se encontrava em pé na entrada, na escuridaão, esperando a que ou ela abrisse a porta e convidasse a entrar, ou lhe amaldiçoar e lhe chamasse bastardo do outro lado dos numerosos ferrolhos de segurança e lhe dissesse que se perdesse.
Depois do comportamento pornográfico que tinha tido com ela a noite anterior, não estava seguro de qual era a reação que se merecia encontrar. Provavelmente, uma irada despedida.
Golpeou a porta com os nódulos outra vez com tanta força que era provável que os vizinhos lhe tivessem ouvido, mas não se ouviu nenhum movimento dentro do apartamento de Gabrielle. Somente silencio. Havia muita quietude ao outro lado da porta.
Mas ela estava ali dentro. Notava-a ao outro lado das capas de madeira e tijolo que lhes separavam. E cheirava a sangue, também. Não muito sangue, mas certa quantidade em algum ponto próximo a porta.
Filho da puta.
Ela estava dentro, e estava ferida.
—Gabrielle!
A preocupação lhe corria pelas veias como se fosse um ácido. Tentou se tranquiliza o suficiente para poder concentrar seus poderes mentais no ferrolho de correia e nas duas fechaduras que estavam colocadas ao outro lado da porta. Com um esforço, abriu um ferrolho e logo o outro. A correia se soltou e caiu contra o gonzo da porta com um som metálico.
Lucan abriu a porta com um empurrão e suas botas soaram com força sobre o chão de ladrilhos do vestíbulo. A bolsa das câmeras de Gabrielle se encontrava justo em seu caminho, provavelmente onde ela a tinha deixado cair com a pressa. O doce aroma ajazminado de seu sangue lhe encheu as fossas nasais justo um instante antes de que sua vista tropeçasse com um caminho de pequenas manchas de cor carmesim.
O ambiente do apartamento tinha certo ar amargo de medo cujo aroma, que já tinha umas horas, apagou-se mas permanecia como uma neblina.
Atravessou a sala de estar com intenção de entrar na cozinha, para onde se dirigiam as gotas de sangue. Enquanto cruzava a sala, tropeçou com um montão de fotografias que havia na mesa do sofá.
Eram umas tomadas rápidas, uma estranha variedade de imagens. Reconheceu algumas delas, que formavam parte do trabalho que Gabrielle estava levando a cabo e que titulava Renovação urbana. Mas havia umas quão imagens que não tinha visto antes. Ou possivelmente não tinha emprestado a atenção suficiente para dar-se conta.
Agora sim que se deu conta.
Merda, vá que sim.
Um velho armazém perto do dique. Um velho moinho papeleiro abandonado justo aos subúrbios da cidade. Várias estruturas diferentes que proibiam a entrada onde nenhum humano —por não falar de uma mulher confiada como Gabrielle— devia aproximar-se de nenhuma forma.
Guaridas de renegados.
Algumas delas já tinham sido erradicadas, estavam-no graças a Lucan e a seus guerreiros, mas umas quantas mais ainda eram células ativas. Viu umas quantas que se encontravam nesses momentos vigiadas pelo Gideon. Enquanto passava rapidamente as fotos, perguntou-se quantas localizações de guaridas de renegados teria Gabrielle fotografadas e o que ainda não se encontravam no radar da raça.
—Merda —sussurrou, tenso, olhando um par de imagens mais.
Inclusive tinha algumas fotos exteriores de uns Refúgios Escuros da cidade, umas entradas escuras e umas sinalizações dissimuladas cuja função era evitar que esses santuários dos vampiros fossem facilmente localizados tanto pelos curiosos seres humanos como por seus inimigos os renegados.
E Apesar de tudo, Gabrielle tinha encontrado esses lugares. Como?
É obvio, não podia ter sido por acaso. O extraordinário sentido visual de Gabrielle devia havê-la conduzido até esses lugar de gado. Ela já tinha demonstrado que era completamente imune aos truques habituais dos vampiros: ilusões hipnóticas, controle mental... E agora isto.
Lucan soltou uma maldição e se meteu umas quantas fotografias no bolso da jaqueta de couro. Deixou o resto das imagens em cima da mesa.
—Gabrielle?
Dirigiu-se até a cozinha, onde algo ainda mais inquietante lhe estava esperando.
O aroma de Gabrielle era mais forte ali, e lhe conduziu até a pia. Ficou imovel diante dele e sentiu uma sensação gelada no teto assim que fixou o olhar no mesmo.
Parecia que alguém tivesse tentado limpar uma cena do crime, e que o tivesse feito muito mal. Na pia havia um montão de toalhas de papel empapadas de água e manchadas de sangue, ao lado de uma faca que tinham tirado do estojo de madeira que se encontrava no mármore da cozinha.
Tomou a afiada faca e o inspecionou rapidamente. Não tinha sido utilizada, mas todo o sangue que havia na pia e que tinha caído ao chão do vestíbulo até a cozinha pertencia unicamente a Gabrielle.
E a parte de roupa que se encontrava atirado no chão ao lado de seus pés também tinha seu aroma.
Deus, se alguém lhe tinha posto a mão em cima...
Se lhe tivesse acontecido algo...
—Gabrielle!
Lucan seguiu seus instintos, que lhe levaram até o porão do apartamento. Não se incomodou em acender as luzes: sua visão era mais aguda na escuridão. Baixou as escadas e gritou seu nome em meio desse silencio .
Em um rincão, ao outro extremo do porão, o aroma de Gabrielle se fazia mais forte. Lucan se encontrou em pé diante de outra porta fechada, uma porta rodeada de uns vedadores para que não penetrasse a luz exterior. Tentou abri-la pelo pomo, mas estava fechada e sacudiu a porta com força.
—Gabrielle. Ouve-me? Menina, abre a porta.
Não esperou a receber resposta. Não tinha a paciência para isso, nem a concentração mental para abrir o ferrolho que fechava a porta do outro lado. Soltou um grunhido de fúria, golpeou a porta com o ombro e entrou.
Imediatamente, seus olhos, na escuridão dessa sala, deram com ela. Seu corpo se encontrava enroscado no chão da desordenada habitação escura e estava nua exceto por um sutiens e umas calcinhas de traje de banho. Ela despertou imediatamente com o repentino estrondo da porta.
Levantou a cabeça rapidamente. Tinha as pálpebras pesadas e inchadas por ter chorado fazia pouco. Tinha estado ali soluçando, e Lucan houvesse dito que o tinha feito durante bastante momento. Seu corpo parecía exalar quebras de onda de cansaço: a via tão pequena, tão vulnerável.
—OH, não, Gabrielle —sussurrou ele, deixando cair no chão ao lado dela.
— Que demônios está fazendo aqui dentro? Alguém te tem feito mal?
Ela negou com a cabeça, mas não respondeu imediatamente. Com um gesto hesitante, levou-se as mãos até o rosto e se apartou o cabelo do rosto, tentando lhe ver em meio dessa escuridão.
—Só... cansada. Necessitava silêncio... paz.
—E por isso te encerraste aqui embaixo? —Ele deixou escapar um forte suspiro de alívio, mas no corpo dela viu umas feridas que tinham deixado de sangrar fazia muito pouco tempo.
— De verdade que está bem?
Ela assentiu com a cabeça e se aproximou para ele na escuridão.
Lucan franziu o cenho e alargou a mão até ela. Acariciou-lhe a cabeça e ela pareceu entender esse contato como um convite. Colocou-se entre seus braços como uma menina que necessitasse consolo e calor. Não era bom o natural que lhe pareceu abraçá-la, quão forte sentiu a necessidade de tranqüilizá-la para que se sentisse segura com ele. Para que sentisse que ele a protegeria como se fosse dele.
Dele.
«Impossível», disse a si mesmo. Mais que impossível: era ridículo.
Baixou a vista e em silêncio observou a suavidade e o calor do corpo dessa mulher que se enredava com o seu em sua deliciosa e quase completa nudez. Ela não tinha nem idéia do perigoso mundo no qual se colocou, e muito menos de que era um mortífero macho vampiro quem a estava abraçando nesses momentos.
Ele era o último que podia oferecer amparo contra o perigo a uma companheira de raça. No caso de Gabrielle, somente notar a mais ligeira fragrância dela elevava sua sede de sangue até a zona de perigo. Acariciou-lhe o pescoço e o ombro e tentou ignorar o constante ritmo do pulso de suas veias sob as pontas dos dedos. Tinha que lutar de maneira infernal para não fazer caso da lembrança da última vez que tinha estado com ela, tanto que precisava tê-la outra vez.
—Mmmm, seu tato é muito agradável —murmurou ela, sonolenta, contra seu peito. Sua voz foi como um ronrono escuro e dormitado que lhe provocou uma descarga de calor na coluna vertebral é outro sonho?
Lucan gemeu, incapaz de responder. Não era um sonho, e ele, pessoalmente, não se sentia bem absolutamente. A maneira em que ela se enredava entre seus braços, com uma tenra confiança e inocência, o fazia sentir dentro dele a besta, antiga e gasta.
Procurando uma distração, encontrou-a muito logo. Jogou um vista para cima, por cima das cabeças de ambos, e todos os músculos de seu corpo se endureceram por causa de outro tipo de tensão.
Fixou os olhos em umas fotografias que Gabrielle tinha pendurado para que secassem na habitação escura. Pendurando, sobre outras imagens sem importância, havia umas imagens de umas quantas localizações mais de vampiros.
Por Deus, inclusive tinha fotografado o complexo de edifícios dos guerreiros. Essa foto de dia tinha sido tomada da estrada, ao outro lado da cerca. Não havia maneira de confundir a enorme porta de ferro cheia de inscrições que fechava o comprido caminho e a mansão de alta segurança que se encontrava ao final do mesmo, oculta perfeitamente dos olhos curiosos.
Gabrielle deveu haver ficado justo ao subúrbios da propriedade para ter tomado essa fotografia. Pela folhagem de verão das árvores que rodeavam a cena, a imagem não podia ter mais de três semanas. Ela tinha estado ali, somente A umas centenas de metros de onde ele vivia.
Ele nunca tinha tido tendência a acreditar na idéia do destino, mas parecia bastante claro que, de uma ou outra forma, essa mulher estava destinada a cruzar-se em seu caminho.
OH, sim. A cruzar-se como um gato negro.
Era muito próprio de sua sorte que, depois de séculos de esquivar balas cósmicas e confusões emocionais, retorcidas irmãs do destino e a realidade tivessem decidido lhe incluir em suas listas de merda ao mesmo tempo.
—Está bem —disse a Gabrielle, embora as coisas estavam tomando uma má direção rapidamente.
— Vou subir te à habitação para que se vista e logo falaremos. —antes de que a visão continuada de seu corpo envolto nessas finas capas de roupa interior acabassem com ele.
Lucan a tomou nos braços, tirou-a da habitação escura e a subiu pelas escadas até o piso principal. Agora que a sujeitava perto dele, seus agudos sentidos perceberam os detalhes das diversas feridas que tinha: uns grandes arranhões nas mãos e nos joelhos, prova de uma queda bastante má.
Ela tinha tentado escapar de algo —ou de alguém— presa do terror e caido. A Lucan lhe bulia o sangue de desejos de saber quem lhe tinha provocado esse dano, mas já haveria tempo para isso logo. A acomodação e o bem-estar de Gabrielle eram sua preocupação principal nesse momento.
Lucan atravessou com ela em braços a sala de estar e subiu as escadas até o piso de acima, onde se encontrava a habitação. Sua intenção era ajudá-la a colocar um pouco de roupa, mas quando passou por diante do banho que se encontrava ao lado do dormitório, pensou na água. Os dois precisavam falar, verdadeiramente, mas tendo em conta a situação provavelmente se relaxassem com maior facilidade depois de que ela houvesse tomado um banho quente.
Com Gabrielle lhe abraçando por cima dos ombros, Lucan entrou no banheiro. Um pequeno abajur de noite oferecia uma tênue iluminação de ambiente, o justo para que se sentisse a gosto. Levou a sua lânguida carga até a banheira e se sentou no bordo da mesma, com a Gabrielle no regaço.
Desabotoou o fechamento da parte da frente da pequena peça de cetim e despiu seus peitos ante seus olhos, repentinamente enfebrecidos. Doíam-lhe as mãos de desejo de tocá-la, assim que o fez, e acariciou as generosas curva com as pontas dos dedos enquanto passava o polegar pelos mamilos rosados.
Que Deus lhe ajudasse. O suave ronrono que ouviu na garganta dela endureceu o pênis até que lhe doeu.
Passou-lhe a mão pelo torso, até a parte de tecido que lhe cobria o sexo. Suas mãos eram muito grandes e torpes para o suave e fino cetim, mas de algum jeito conseguiu lhe tirar as calcinhas e acariciar a parte interna das largas pernas de Gabrielle.
Ante a visão dessa bela mulher, nua outra vez diante dele, o sangue lhe corria pelas veias como a lava.
Possivelmente deveria sentir-se culpado por encontrá-la tão incrivelmente desejavel incluso em seu atual estado de vulnerabilidade, mas ele não tinha mais tendência a aceitar a culpa da que tinha a fazer a cuidar. E já se demonstrou a si mesmo que tentar ter o mínimo controle ao lado dessa mulher em particular era uma batalha que nunca ia ganhar.
Ao lado da banheira havia uma garrafa de sabão líquido. Lucan jogou uma generosa quantidade sob o jorro de água que caía na banheira. Enquanto a espuma se formava, depositou a Gabrielle com cuidado na água quente. Ela gemeu, claramente de gosto, ao entrar na água espumosa. Suas pernas se relaxaram de forma evidente e apoiou os ombros na toalha que Lucan tinha colocado rapidamente para lhe oferecer uma almofada e para que não tivesse que apoiar as costas contra a frieza dos ladrilhos e a porcelana.
O pequeno lavabo estava alagado pelo vapor e pelo ligeiro aroma de jasmim de Gabrielle.
—Cômoda? —perguntou-lhe ele, enquanto se tirava a jaqueta e a tirava ao chão.
—Sim —murmurou ela.
Ele não pôde evitar lhe pôr as mãos em cima. Acariciou-lhe o ombro com suavidade e lhe disse:
—Te deslize para diante e te molhe o cabelo. Eu lhe lavarei isso.
Ela obedeceu, permitindo que lhe conduzisse a cabeça sob a água e logo para fora outra vez. As largas mechas se obscureceram e adquiriram um tom escuro e brilhante. Ela ficou em silencio durante um comprido momento. Logo, levantou lentamente as pálpebras e lhe sorriu como se acabasse de recuperar a consciência e se surpreendesse de lhe encontrar ali.
—Olá.
—Olá.
—Que horas são? —perguntou-lhe ela com um comprido e amplo bocejo.
Lucan se encolheu de ombros.
—As oito, mais ou menos, suponho.
Gabrielle se afundou na banheira e fechou os olhos com um gemido.
—Um mau dia?
—Não um dos melhores.
—Isso imaginei. Suas mãos e seus joelhos se vêem um pouco maltratadas.
—Lucan alargou uma mão e fechou a água. Tomou uma garrafa de xampu do lado e colocou um pouco nas mãos.
—Quer me contar o que te passou?
—Prefiro não fazê-lo. —Entre suas finas sobrancelhas se formou uma ruga.
— Esta tarde fiz uma coisa muito tola. Já se inteirará bastante logo, estou segura.
—Mas como? —perguntou Lucan, esfregando-as mãos com o xampu.
Enquanto lhe massageava a cabeça com a densa nata do xampu, Gabrielle abriu um olho e lhe dirigiu um olhar de receio.
—O menino de delegacia de polícia não lhe há dito nada a ninguém?
—Que menino?
—que se encarrega dos arquivos na delegacia de polícia. Alto, desajeitado, de um aspecto normal. Não sei como se chama, mas estou bastante segura de que se encontrava ali a noite em que fiz minha declaração sobre o assassinato. Hoje lhe vi no parque. Acreditei que me estava espiando, a verdade, e eu... —interrompeu-se e meneou a cabeça.
— Corri detrás dele como uma louca, lhe acusando de estar me espiando.
As mãos de Lucan ficaram imóveis sobre sua cabeça. Seu instinto de guerreiro se alertou completamente.
—Que fez o que?
—Já sei —disse ela, evidentemente interpretando mal sua reação. Apartou um montão de borbulhas com uma mão.
— Já te disse que tinha sido idiota. Bom, pois persegui o pobre menino até Chinatown.
Embora não o disse, Lucan sabia que o instinto inicial de Gabrielle tinha sido acertado sobre o desconhecido que a observava no parque. Dado que o incidente tinha acontecido a plena luz do dia, não podia tratar-se dos renegados —uma pequena sorte—, mas os humanos que lhes serviam podiam ser igual de perigosos. Os renegados utilizavam subordinados em todos os lugares do mundo, humanos escravizados por uma potente dentada infligida por um vampiro poderoso que lhes desprovia de consciência e livre-arbítrio, e lhes deixava em um estado de obediência completa quando despertavam.
Lucan não tinha nenhuma dúvida de que o homem que havia estado observando a Gabrielle o fazia como serviço ao renegado que o tinha ordenado.
—Essa pessoa te fez mal? Foi assim como te fez estas feridas?
—Não, não. Isso foi minha coisa. Pus-me nervosa por nada.
Depois de ter perdido a pista do menino no Chinatown, perdi-me. Acreditei que um carro vinha por mim, mas não era assim.
—Como sabe?
Lhe olhou com exasperação para si mesmo.
—Porque se tratava do prefeito, Lucan. Acreditei que seu carro, conduzido por sua chofer, estava-me perseguindo e comecei a correr. Para culminar um dia perfeitamente horroroso, caí-me de focinhos em meio de uma calçada repleta de gente e logo tive que ir coxeando até casa com os joelhos e as mãos cheias de sangue.
Lucan soltou uma maldição em voz baixa ao dar-se conta de até que ponto ela tinha estado perto do perigo. Pelo amor de Deus, ela mesma em pessoa tinha açoitado a um servente dos renegados. Essa idéia deixou gelado a Lucan, mais assustado do que queria admitir.
—Tem que me prometer que terá mais cuidado —lhe disse ele, dando-se conta de que a estava arreganhando, mas sem ânimo de incomodar-se a comportar-se com educação ao saber que esse mesmo dia a houvessem podido matar.
— Se voltar a acontecer algo assim, tem que me dizer isso imediatamente.
—Isso não vai acontecer outra vez, porque foi meu equívoco. E não ia chamar te, nem a ti nem a ninguém da delegacia de polícia, para isto. Não se divertiríam muito se eu chamasse para lhes dizer que um de seus administrativos me estava perseguindo sem nenhuma razão aparente?
Merda. A mentira que lhe tinha contado de que era um policial lhe estava resultando um maldito estorvo agora. Inclusive pior, isso a tivesse posto em perigo em caso de que ela tivesse chamado a delegacia de polícia perguntando pelo detetive Thorne, porque, ao fazê-lo, tivesse chamado a atenção de um subordinado infiltrado.
—Vou te dar o número de meu celular. Encontrará-me aí sempre. Quero que o utilize a qualquer hora, compreendido?
Ela assentiu com a cabeça enquanto ele voltava a abrir o grifo da água, lavava-se as mãos e lhe enxaguava o cabelo sedoso e ondulado.
Frustrado consigo mesmo, Lucan alcançou uma esponja que se encontrava em uma prateleira superior e a lançou à água.
—Agora, me deixe que lhe jogue uma olhada ao joelho.
Ela levantou a perna desde debaixo da capa de borbulhas. Lucan lhe sujeitou o pé com a palma da mão e lhe lavou com cuidado o feio rasgo. Era somente um arranhão, mas estava sangrando outra vez por causa de que a água quente tinha abrandado a ferida. Lucan apertou a mandíbula com força: os fragrantes fios de sangue escarlate tinham um delicado caminho por sua pele e se introduziam na antiga espuma do banho.
Terminou de lhe limpar os dois joelhos feridos e logo lhe fez um sinal para que lhe permitisse limpar as palmas das mãos. Não se atrevia a falar agora que o corpo nu de Gabrielle se combinava com o odor de seu sangue fresco. A sensação era como se acabassem de lhe dar um golpe no crânio com um martelo.
Concentrando-se em não desviar sua atenção, dedicou-se a lhe limpar as feridas das palmas das mãos, sabendo perfeitamente que seus profundos e escuros olhos seguiam cada um de seus movimentos e notando dolorosamente o pulso nas veias das mãos, rápido, sob a pressão das pontas de seus dedos.
Lhe desejava, também.
Lucan se dispôs a soltá-la e, justo quando começava a dobrar o braço para retirá-lo, viu algo que lhe inquietou. Seus olhos tropeçaram com uma série de marcas tênues que manchavam a impecável pele aveludada. Essas marcas eram cicatrizes, uns magros cortes na parte interior dos antebraços. E tinha mais nas coxas.
Cortes de folhas de barbear.
Como se tivesse suportado uma tortura infernal de forma repetida quando não era mais que uma menina.
—Deus Santo. —Levantou a cabeça para olhá-la, com expressão de fúria, aos olhos.
— Quem te fez isto?
—Não é o que crê.
Agora ele estava aceso de ira, e não pensava deixá-lo passar.
—Conta-me .
—Não é nada, de verdade. Esquece-o...
—Me dê um nome, porra, e te juro que matarei a esse filho da puta com minhas próprias mãos.
—Eu o fiz —lhe interrompeu repentinamente ela em voz baixa.
— Fui eu. Ninguém me fez isso, eu mesma me fiz isso.
—O que? —Enquanto lhe apertava o frágil pulso com uma mão, voltou a lhe dar a volta ao braço para poder observar a tênue rede de cicatrizes de cor púrpura que se entrelaçava em seu braço.
— Você te fez isto? Por que?
Ela se soltou de sua mão e introduziu os dois braços sob a água, como se queria ocultar os de seu olhar.
Lucan soltou um juramento em voz baixa e em um idioma que já não falava mais que muito raramente.
—Quantas vezes, Gabrielle?
—Não sei. —Ela se encolheu de ombros, evitando seu olhar.
— Não o fiz durante muito tempo. Superei-o.
—É por isso que há uma faca na pia, lá em baixo?
O olhar que lhe dirigiu expressava dor e uma atitude defensiva. Não gostava que ele se intrometesse, tanto como não lhe tivesse gostado dele, mas Lucan queria compreendê-lo. Não era capaz de imaginar o que podia havê-la levado a cravar uma faca na própria carne.
Uma e outra e outra vez.
Ela franziu o cenho com o olhar cravado na espuma que começava a dissolver-se a seu redor.
—Ouça, não podemos deixar o tema? De verdade que não quero falar de...
—Possivelmente deveria falar disso.
—OH, claro. —ela riu em um tom que delatava um fio de ironia—. Agora chega a parte em que me aconselha que vá ver um psiquiatra, detetive Thorne? Possivelmente que vá a algum lugar onde me possam deixar em um estado de estupor pelos medicamentos e onde um doutor possa me vigiar por meu próprio bem?
—Isso te aconteceu?
—As pessoas não me compreendem. Nunca o tem feito. Às vezes nem eu me compreendo.
—O que é o que não compreende? Que precisa machucar a si mesma?
—Não. Não é isso. Não é esse o motivo pelo que o fiz.
—Então, por que? Deus santo, Gabrielle, deve haver mais de cem cicatrizes...
—Não o fiz porque queria sentir dor. Não me resultava doloroso fazê-lo. —Inalou com força e soltou o ar devagar por entre os lábios. Demorou um segundo em falar, e quando o fez Lucan ficou olhando-a em um silêncio pasmado.
— Nunca tive a intensão de provocar dano a nada. Não estava tentando enterrar umas lembranças traumáticas nem intentava escapar de nenhum tipo de mau trato, apesar das opiniões de quem se define como peritos e que me foram atribuídos pela administração. Cortei-me porque... tranqüilizava-me. Sangrar me acalmava.
Quando sangrava, tudo aquilo que estava desconjurado e era estranho em mim, de repente me parecia... normal.
Ela manteve o olhar sem titubear, em uma expressão nova como de desafio, como se uma porta se abrisse em algum ponto dentro dela e acabasse de soltar uma pesada carga. De alguma forma imprecisa, Lucan se deu conta de que isso era o que ele tinha visto. Só que a ela todavia faltava uma peça de informação crucial, que faria que as coisas encaixassem em seu lugar para ela.
Ela não sabia que era uma companheira de raça.
Ela não podia saber que, um dia, um membro de sua estirpe tomaria em qualidade de eterna amada e lhe mostraria um mundo muito distinto ao que ela tivesse podido sonhar nunca. Ela abriria os olhos a um prazer que somente existia entre casais que tinham um vínculo de sangue.
Lucan se deu conta de que já odiava a esse macho desconhecido que teria a honra de amá-la.
—Não estou louca, se é isso o que está pensando.
Lucan negou com a cabeça devagar.
—Não estou pensando isso absolutamente.
—Desgosta-me que me tenham pena.
—A mim também —disse, percebendo a advertência que encerravam essas palavras.
_Você não necessita compaixão, Gabrielle. E eu não necessito-medicina nem doutores, tampouco.
Ela se tinha retraído no momento em que ele tinha descoberto as cicatrizes, mas agora Lucan se deu conta de que ela duvidava, de que uma dúbia confiança voltava a aparecer lentamente.
—Você não pertence a este mundo —disse ele, em um tom nada sentimental, a não ser constatando os fatos. Alargou a mão e tomou o queixo com a palma.
— Você é muito extraordinária para a vida que estiveste vivendo, Gabrielle. Acredito que o soubeste sempre. Um dia, tudo cobrará sentido para ti, prometo-lhe isso. Então o compreenderá, e encontrarás seu verdadeiro destino. Possivelmente eu possa te ajudar a encontrá-lo.
O tivesse querido acabar de ajudá-la a banhar-se, mas a atenção com que lhe olhava lhe obrigou a manter as mãos quietas. Ela, por toda resposta, sorriu, e a calidez de seu sorriso lhe provocou uma pontada de dor no peito. Apanhado no tenro olhar dela, sentiu que a garganta lhe fechava de uma forma estranha.
—O que acontece?
Ela negou com a cabeça brevemente.
—Estou surpreendida, só é isso. Não esperava que um policial duro como você falasse de forma tão romântica sobre a vida e o destino.
O recordar que ele se aproximou dela, e continuava fazendo-o, sob uma aparência falsa, permitiu-lhe recuperar parte do sentido comum. Voltou a afundar a esponja na água ensaboada e a deixou flutuar em meio da espuma.
—Possivelmente tudo isto são tolices.
—Não acredito.
—Não me tenha tão em conta —lhe disse ele, forçando um tom de despreocupação.
— Não me conhece, Gabrielle. Não de verdade.
—Eu gostaria de te conhecer. De verdade. —Ela se sentou dentro da banheira. As mornas pequenas ondas da água lhe lambiam o corpo nu igual a Lucan lhe tivesse gostado de fazê-lo com a língua. As pontas dos peitos ficavam justo por cima da superfície da água, os mamilos rosados duros como pétalas fechadas e rodeados por uma densa espuma branca.
— Me Diga, Lucan. De onde é?
—De nenhuma parte. —A resposta soou entre seus lábios como um grunhido, e era uma confissão que se aproximava mais a verdade do que gostava de admitir. Ao igual que ela, desgostava-lhe a compaixão assim que se sentiu aliviado de que lhe olhasse mais com curiosidade que com pena. Com o dedo, acariciou-lhe o nariz arrebitado e salpicado de sardas.
—Eu sou o inadaptado original. Nunca pertenci verdadeiramente a nenhum lugar.
—Isso não é certo.
Gabrielle lhe rodeou os ombros com os braços. Seus quentes olhos enormes lhe olharam com ternura e expressavam o mesmo cuidado que lhe havia devotado ao tira-la da habitação escura e trazê-la até o quente banho. Gabrielle lhe beijou e, ao notar a língua dela entre seus lábios, os sentidos de Lucan se alagaram do embriagador perfume de seu desejo e de seu doce e feminino afeto.
—Cuidaste-me tanto esta noite. Me deixe que te cuide agora, Lucan.
—Lhe beijou outra vez. O beijo foi tão profundo que a pequena e úmida língua lhe arrancou um grunhido de puro prazer masculino do mais fundo dele. Quando ela finalmente interrompeu o contato, respirava com agitação e seus olhos estavam acesos de desejo carnal.
—Leva muita roupa em cima. Tire-lhe isso quero que esteja aqui dentro, nu, comigo.
Lucan obedeceu e atirou as botas, as meias três-quartos, a calça e a camisa ao chão. Não levava nada mais e ficou em pé diante de Gabrielle completamente nu.
Completamente ereto e desejoso dela.
Lucan tomou cuidado de manter os olhos separados dos dela, porque agora as pupilas lhe tinham esgotado a causa do desejo, e era consciente da pressão e a pulsação de suas presas, que se haviam alargadas detrás dos lábios. Se não tivesse sido porque a luz que chegava do abajur de noite que se encontrava ao lado da pia era muito tênue, sem dúvida lhe teria visto em toda sua voraz gloria.
E isso tivesse estragado esse momento prometedor.
Lucan se concentrou e emitiu uma ordem mental que rompeu a pequena lâmpada dentro do biombo de plástico do abajur de noite. Gabrielle se sobressaltou ao ouvir o repentino estalo, mas ao notar-se rodeada pela escuridão, suspirou, feliz. Movia-se dentro da água e esse movimento de seu corpo ao deslizar-se dentro da água emitia uns sons deliciosos.
—Acende outra luz, se quiser.
—Encontrarei-te sem luz —lhe prometeu ele. Falar era um pequeno truque agora, quando a lascívia lhe dominava por completo.
—Então vêem —lhe pediu sua sereia da calidez do banho.
Ele se introduziu na banheira e se colocou diante dela, Às escuras. Somente desejava atrai-la até si, arrastá-la até seu regaço para afundar-se até o punho com uma larga investida. Mas pelo momento pensava deixar que fosse ela quem marcasse o ritmo.
A noite passada, ele tinha vindo faminto e tomou o que desejava. Esta noite ia ser ele quem oferecesse.
Apesar de que o ter que refrear-se o matasse.
Gabrielle se deslizou para ele entre as magras nuvens de espuma. Passou-lhe os pés por ambos os lados dos quadris e os juntou agradavelmente em seu traseiro. Inclinou-se para frente e seus dedos encontraram os musculos dele por debaixo da superfície da água. Acariciou e apertou seus fortes músculos, massageou-os e passou as mãos ao longo de suas coxas em uma carícia que era um tortura lenta e deliciosa.
—Tem que saber que não me comporto assim normalmente.
Ele emitiu um grunhido que pretendia mostrar interesse mas que soou forçado.
—Quer dizer que normalmente não está tão quente como para fazer que um homem se derreta a seus pés?
Ela soltou uma gargalhada.
—É isso o que te estou fazendo?
Ele lhe conduziu as mãos até a dureza de seu pênis.
—A você o que te parece?
—Acredito que é incrível. —Ele lhe soltou as mãos mas ela não as apartou. Acariciou-lhe o membro e os testículos e, com gesto preguiçoso, acariciou-lhe com os dedos a ponta torcida que se sobressaía por cima da superfície da água da banheira.
—Não te parece com ninguém que tenha conhecido nunca. E o que queria dizer era que habitualmente não sou tão... quero dizer, agressiva. Não tenho muitos encontros.
—Não traz para um montão de homens a sua cama?
Inclusive na escuridão, Lucan se deu conta de que ela se havia ruborizado .
—Não. Faz muito tempo.
Nesse momento, ele não desejava que ela levasse a nenhum outro macho, nem humano nem vampiro, a sua cama.
Não queria que ela transasse com ninguém nunca mais.
E, que Deus lhe ajudasse, mas ia perseguir e estripar ao bastardo servente de quão renegados tinha podido matá-la hoje.
Essa idéia lhe surgiu em um repentino ataque de posse. Lhe acariciava o sexo e a ponta lhe umedeceu. Seus dedos, seus lábios, sua língua, seu fôlego contra seu abdômen nu enquanto tomava até o fundo de sua cálida boca: tudo isso lhe estava conduzindo ao limite de uma extraordinária loucura. Não conseguia ter o bastante. Quando lhe soltou, ele pronunciou um juramento de frustração por perder a doçura dessa sucção.
—Necessito-te dentro de mim —disse ela, com a respiração agitada.
—Sim —assentiu ele—, claro que sim.
—Mas...
Vê-la duvidar lhe confundiu. Zangou a essa parte dele que se parecia mais a um renegado selvagem que a um amante considerado.
— O que acontece ? —Soou mais parecido a uma ordem do que tivesse querido.
—Não teríamos... ? A outra noite, as coisas nos foram das mãos antes de que lhe pudesse dizer isso mas não deveríamos, já sabe, utilizar algo esta vez? —O desconforto dela lhe cravou como o fio de uma faca. Ficou imovel, e ela se separou dele como se fosse sair da banheira.
— Tenho camisinhas na outra habitação.
Ele a sujeitou pela cintura com ambas as mãos antes de que ela tivesse tempo de levantar-se.
—Não posso te deixar grávida. —Por que lhe soava isso tão duro nesse momento? Era a pura verdade. Somente os casais que tinham um vínculo..., as companheiras de raça e os machos vampiros que intercambiavam o sangue de suas veias, podiam ter descendência com êxito.
— E quanto ao resto, não tem que preocupar-se por te proteger. Estou são, e nada do que nos façamos pode fazer mal a nenhum dos dois.
—OH, eu também. E espero que não ache que sou uma dissimulada por dize-lo..
Ele a atraiu para si e silenciou sua expressão de desconforto com um beijo. Quando seus lábios se separaram, disse-lhe:
—O que acredito, Gabrielle Maxwell, é que é uma mulher inteligente que respeita seu corpo e a si mesmo. Eu te respeito por ter o valor de tomar cuidado.
Ela sorriu com os lábios junto aos dele.
—Não quero tomar cuidado quando estou perto de ti. Volta-me louca. Faz-me desejar gritar.
Pô-lhe as mãos plainas sobre o peito e lhe empurrou até que ele caiu apoiado de costas contra a parede da banheira. Então ela se levantou por cima de seu pesado pênis e passou seu sexo úmido por toda sua longitude, deslizando-se para cima e para baixo.
—Mas, transar, não de tudo— lhe embainhando com seu calor.
—Quero te fazer gemer —lhe sussurrou ela ao ouvido.
Lucan grunhiu de pura agonia provocada por essa dança sensual. Apertou as mãos em punhos a ambos lado de seu corpo, por debaixo da água, para não agarrá-la e empalá-la com sua ereção que estava a ponto de explodir. Ela continuou com esse perverso jogo até que ele sentiu seu orgasmo contra seu pênis. Ele estava a ponto de derramar-se, e ela continuava lhe provocando sem piedade.
—Foda —exclamou ele com os dentes e as presas apertadas, jogando a cabeça para trás.
— Por Deus, Gabrielle, está-me matando.
—Isso é o que quero ouvir —lhe animou ela.
E então, Lucan sentiu que o suculento sexo dela rodeava centímetro a centímetro a cabeça de seu pênis.
Devagar.
Tão vertiginosamente devagar.
Sua semente se derramou e ele tremeu enquanto o quente líquido penetrava no corpo dela. Gemeu, e nunca tinha estado tão perto de perder-se como nesse momento. E a turgidez do sexo de Gabrielle o envolveu ainda mais. Sentiu que os pequenos músculos lhe apertavam enquanto se cravava mais em seu pênis.
Já quase não podia suportá-lo mais.
O aroma de Gabrielle lhe rodeava, mesclava-se com o vapor do banho e se sentia embargado pela mescla do perfume de seus corpos unidos. Os peitos dela flutuavam perto de seus lábios como uns frutos amadurecidos a ponto de ser tomados, mas ele não se atreveu a tocá-los nesse momento em que estava a ponto de perder o controle. Desejava sentir esses maravilhosos peitos na boca, mas as presas lhe pulsavam da necessidade de chupar sangue. Essa necessidade se via incrementada no momento do climax sexual.
Girou a cabeça e deixou escapar um uivo de angústia; sentia-se desgarrado em muitos impulsos tentadores, e o menor deles não era a tensão por gozar dentro de Gabrielle, de enchê-la com cada uma das gotas de sua paixão. Soltou um juramento em voz alta e então gritou de verdade, pronunciou um profundo juramento que se fez mais forte quando ela se cravou com major força em seu pênis ansiosa e obrigou a derramar-se antes de que seu próprio orgasmo seguisse ao dele.
Quando a cabeça lhe deixou de dar voltas e sentiu que suas pernas voltavam a ter a força necessária para lhe aguentar, Lucan rodeou a Gabrielle com os braços e começou a levantar-se com ela, evitando que Gabrielle se separasse de seu pênis que voltava a entrar em ereção.
—O que está fazendo?
—Você se divertiu já. Agora te levo a cama.
O agudo timbre do telefone celular arrancou de um sobressalto a Lucan de seu pesado sono. Encontrava-se na cama com Gabrielle, os dois estavam esgotados. Ela estava enroscada a seu lado, o corpo nu dela rodeava maravilhosamente suas pernas e seu torso.
—Merda, quanto tempo levava fora? Possivelmente tivessem acontecido umas quantas horas já, o qual era incrível, tendo em conta seu habitual estado de insônia.
O telefone voltou a soar e ele ficou em pé e se dirigiu ao lavabo, onde tinha deixado sua jaqueta. Tirou o telefone de um dos bolsos e respondeu.
—Sim.
—Né. Era Gideon, e sua voz tinha um tom estranho.
— Lucan, com quanta rapidez pode vir ao complexo?
Ele olhou por cima do ombro para o dormitório adjacente. Gabrielle estava sentada nesse momento, sonolenta. Seus quadris nus estavam envoltos nos lençóis e seu cabelo era uma confusão selvagem em sua cabeça. Ele nunca tinha visto nada tão terrivelmente tentador. Possivelmente fosse melhor que partisse logo, enquanto ainda tinha a oportunidade de afastar-se antes de que o sol se levantasse.
Apartou os olhos da excitante visão de Gabrielle e Lucan respondeu a pergunta com um grunhido.
—Não estou longe. O que acontece?
Fez-se um comprido silencio ao outro lado do telefone.
—Passou uma coisa, Lucan. É má. —Mais silêncio. Então, a tranqüilidade habitual do Gideon se quebrou:
— Ah, merda, não há forma boa de dizê-lo. Esta noite perdemos a um, Lucan. Um dos guerreiros está morto.
Capítulo doze
Os lamentos do luto das fêmeas chegaram até os ouvidos de Lucan assim que este saiu do elevador que lhe tinha conduzido até as próofundidades subterrâneas do complexo. Eram uns prantos de angústia que rompiam o coração. Os gemidos de uma das companheiras de raça expressavam uma dor crua e evidente. Era o único que se ouvia no silêncio que invadia o comprido corredor.
O contundente peso da perda lhe cravou no coração.
Ainda não sabia qual dos guerreiros da raça era o que havia falecido essa noite. Não tinha intenção de esforçar-se em adivinhá-lo. Caminhava a passo rápido, quase corria para as habitações da enfermaria de onde Gideon lhe tinha chamado fazia uns minutos. Girou pela esquina do corredor bem a tempo de encontrar-se com Savannah que conduzia a Danika, destroçada pela dor e soluçando, fora de uma das habitações.
Uma nova comoção lhe golpeou.
Assim era Conlan quem se partiu. O grandalhão escocês de risada fácil e com esse profundo e inquebrável sentido de honra... estava morto agora. Logo se teria convertido em cinzas.
Jesus, quase não podia compreender o alcance dessa dura verdade.
Lucan se deteve e saudou com uma respeitosa inclinação de cabeça a viúva quando esta passava por seu lado. Danika se apoiava pesadamente em Savannah. Os fortes braços de cor café desta última pareciam ser quão único impedia que a alta e loira companheira de raça do Conlan se derrubasse pela dor.
Savannah saudou Lucan, dado que a chorosa mulher a quem acompanhava era incapaz de fazê-lo.
—Estão-lhe esperando dentro —lhe disse em tom amável. Seus profundos olhos marrons estavam úmidos pelas lágrimas.
— Vão necessitar sua força e seu guia.
Lucan respondeu a mulher do Gideon com um sério assentimento de cabeça e logo deu os poucos passos que lhe faltavam para entrar na enfermaria.
Entrou em silêncio, pois não queria perturbar a solenidade desse fugaz tempo de que dispunham, ele e seus irmãos, para estar com o Conlan. O guerreiro tinha suportado de uma forma surpreendente várias feridas; incluso do outro extremo da habitação Lucan percebia o aroma de uma terrível perda de sangue. As fossas nasais lhe encheram com a nauseabunda mescla do aroma da pólvora, a eletricidade, e a carne queimada.
Tinha havido uma explosão, e Conlan ficou apanhado em meio dela.
Os restos do Conlan se encontravam em uma maca de exame aberta de retalhos de tecido. Seu corpo estava nu exceto pela larga parte de seda bordada que cobria sua entreperna. Durante o pouco tempo desde que tinha voltado para o complexo, a pele do Conlan tinha sido limpa e lubrificada com um fragrante azeite, em preparação dos ritos funerários que foram ter lugar a próxima saída do sol, para a qual faltavam poucas horas.
Outros se reuniram ao redor da maca onde se encontrava Conlan: Dante, rígido e observando estoicamente a morte; Rio, com a cabeça encurvada, sujeitava entre os dedos um rosário enquanto movia os lábios pronunciando em silêncio as palavras da religião de sua mãe humana; Gideon, com um tecido na mão, limpava com cuidado uma das selvagens feridas que tinham esmigalhado quase por completo a pele do Conlan; Nikolai, que tinha estado patrulhando com o Conlan essa noite, tinha o rosto mais pálido do que Lucan tinha visto nunca: seus olhos frios tinham uma expressão austera e sua pele estava coberta de fuligem, cinzas e pequenas feridas que ainda sangravam.
Inclusive Tegan se encontrava ali para mostrar seu respeito, embora o vampiro se encontrava em pé justo fora do círculo que formavam outros e mantinha os olhos ocultos, fundo em sua solidão.
Lucan caminhou até a maca para ocupar seu lugar entre seus irmãos. Fechou os olhos e rezou pelo Conlan em um comprido silencio. Ao cabo de um momento, Nikolai rompeu o silêncio da habitação.
—Salvou-me a vida aí fora esta noite. Acabávamos de terminar com um par de idiotas fora da estação Green Line e nos dirigíamos de volta para aqui no momento em que vimos esse tipo subir ao trem. Não sei o que me incitou a lhe olhar, mas ele nos dirigiu um amplo e provocador sorriso que nos fez lhe seguir. Estava-se colocando um pouco parecido a pólvora ao redor do corpo. Fedia isso a alguma outra merda que não tive tempo de identificar.
—TATP —disse Lucan, que cheirava a acidez do explosivo nas roupas do Niko incluso nesse momento.
—Resultou que o bastardo levava um cinturão de explosivos ao redor de seu corpo. Saltou do trem justo antes de que nós começássemos a nos pôr em marcha e começou a correr ao longo de uma das velhas vias. Perseguimo-lhe e Conlan lhe abandonou. Então foi quando vimos as bombas. Estavam conectadas a um temporizador de sessenta segundos, e a conta já era menor de dez. Ouvi que Conlan me gritava que voltasse atrás, e então se atirou em cima do tipo.
—Merda —exclamou Dê, passando uma mão pelo cabelo escuro.
—Um servente tem feito isto? —perguntou Lucan, pensando que era uma hipótese acertada. Os renegados não tinham escrúpulos em utilizar vidas humanas para levar a cabo suas mesquinhas guerras internas ou para resolver assuntos de vinganças pessoais. Durante muito tempo, os fanáticos religiosos não tinham sido os únicos em utilizar aos fracos de mente como trocas e descartáveis, embora altamente efetivas, ferramentas de terror.
Mas isso não fazia que a horrível verdade do que lhe tinha acontecido a Conlan fosse mais fácil de aceitar.
—Não era um servente —respondeu Niko, negando com a cabeça.
—Era um renegado, e estava conectado a uma quantidade do TATP suficiente para voar meia quadra da cidade, a julgar pelo aspecto e o aroma que despedia.
Lucan não foi o único nessa habitação que pronunciou um selvagem juramento para ouvir essas preocupantes notícias.
—Assim, que já não estão satisfeitos sacrificando somente seus escravizados súditos? —comentou Rio—. Agora os renegados estão movendo peças mais importantes no tabuleiro?
—Continuam sendo peões —disse Gideon.
Lucan olhou ao inteligente vampiro e compreendeu a que se referia.
—As peças não trocaram. Mas as regras sim o têm feito. Este é um tipo de guerra nova, já não se trata do pequeno fogo cruzado com que nos enfrentamos no passado. Alguém de entre as filas dos renegados está gerando um grau novo de ordem nessa anarquia. Estamos sendo assediados.
Ele voltou a dirigir a atenção a Conlan, a primeira vítima do que começava a temer que ia ser uma nova era escura. Sentia, em seus velhos ossos, a violência de um tempo muito longínquo que voltava a aparecer para repetir-se. A guerra se estava gerando de novo, e se os Renegados se estavam movendo para organizar-se, para iniciar uma ofensiva, então a nação inteira dos vampiros se encontraria no fronte. E os humanos também.
—Podemos discutir isto mais longamente, mas não agora. Este momento é do Conlan. Vamos honrar lhe.
—Eu já me despedi —murmurou Tegan—. Conlan sabe que eu lhe respeitei em vida, igual a na morte. Nada vai trocar para nesse aspecto.
Uma densa ansiedade alagou a habitação, dado que todo mundo esperava a que Lucan reagisse ante a abrupta partida do Tegan. Mas Lucan não pensava lhe dar a satisfação ao vampiro de pensar que lhe tinha zangado, embora sim que o tinha feito. Esperou a que o som das botas do Tegan se apagasse ao fundo do corredor e dirigiu um assentimento de cabeça aos outros para que continuassem com o ritual.
Um por um, Lucan e cada um dos quatro guerreiros ficaram de joelhos no chão para oferecer seus respeitos. Recitaram uma única oração e logo se levantaram juntos para retirar-se e esperar a cerimônia final com a que deixariam descansar a seu companheiro defunto.
—Eu serei quem o leve —anunciou Lucan aos vampiros, quando estes partiam.
Lucan percebeu o intercâmbio de olhares que se deu entre eles e soube o que significavam. Aos Antigos da estirpe dos vampiros —e especialmente aos da primeira geração— nunca lhes pedia que translevassem o peso dos mortos. Essa obrigação recaía na última generação da raça, que estava mais afastada dos Antigos e que, por tanto, podiam suportar melhor os perigosos raios do sol quando começava a amanhecer durante o tempo necessário para oferecer o descanso adequado ao corpo de um vampiro.
Para um membro da primeira geração como Luzem, o rito funerario representava uma tortuosa exposição ao sol de oito minutos.
Lucan observou o corpo sem vida que se encontrava em cima da maca, sem poder apartar a vista do dano que lhe tinham causado.
Um dano que lhe tinham infligido em lugar dele, pensou Lucan, que se sentiu doente ao pensar que poderia ter sido ele quem patrulhasse com o Niko, e não Conlan. Se não tivesse enviado ao escocês em seu lugar no último minuto, Lucan se encontraria agora tendido nessa fria maca com as pernas, o rosto e o torso queimado pelo fogo e o ventre aberto pela metralhadora.
A necessidade que Lucan tinha de ver Gabrielle essa noite havia preponderado por cima de seu dever com a raça, e agora Conlan —seu triste companheiro— tinha pago o preço.
—Vou levar lhe acima —repetiu em tom severo. Olhou a Gideon com o cenho franzido e uma expressão funesta.
_ Me chame quando os preparativos estejam preparados.
O vampiro inclinou a cabeça em um gesto que mostrava um respeito a Lucan maior de que era devido nesse momento.
—É obvio. Não demoraremos muito.
Lucan passou as duas horas seguintes em suas habitações, sozinho, ajoelhado no centro do espaço, com a cabeça encurvada, rezando e reflexionando com um porte sombrio no rosto. Gideon se apresentou na porta e, com um assentimento de cabeça, indicou-lhe que tinha chegado o momento de tirar Conlan do complexo e de oferecê-lo aos mortos.
—Está grávida —disse Gideon com expressão sombria assim que Lucan se levantou.
— Danika está de três meses. Savannah acaba de me dizer. Conlan estava tentando reunir o valor suficiente para te dizer que ia abandonar a Ordem quando o menino tivesse nascido. Ele e Danika planejavam retirar-se a um dos Refúgios Escuros para formar sua família.
—Merda! —exclamou Lucan em um vaio. Sentiu-se ainda pior ao conhecer o futuro feliz que lhes tinha sido roubado a Conlan e a Danika, e ao pensar nesse filho que alguma vez conheceria o homem de valor e de honra que tinha sido seu pai.
— Está tudo preparado para o ritual?
Gideon assentiu com a cabeça.
—Então, vamos fazer- o.
Lucan caminhou encabeçando a cerimônia. Seus pés e sua cabeça estavam nus, igual ao estava seu corpo debaixo da larga túnica negra. Gideon também levava uma túnica, mas a levava com o cinturão das cerimônias da Ordem, igual a outros vampiros que lhes esperavam na câmara colocados a um lado, como faziam em todos os rituais da raça, desde matrimônios e nascimentos até funerais como este. As três fêmeas do complexo se encontravam presente também: Savannah e Eva vestiam as túnicas cerimoniosas com capuz, e Danika ia vestida da mesma forma mas levava a profunda cor vermelha escarlate que indicava o sagrado vínculo de sangue que lhe unia com o defunto.
À frente de todos eles, o corpo do Conlan estava convexo sobre um altar decorado e agasalhado em um grosso tecido de seda.
—Comecemos —anunciou Gideon, simplesmente.
Lucan sentiu um grande pesar no coração enquanto escutava o serviços e os símbolos de infinitude de todos os rituais.
Oito medidas de azeite perfumado para lubrificar a pele.
Oito capas de seda branca para envolver o corpo dos mortos.
Oito minutos de atenção silenciosa à alvorada por parte de um membro da raça, antes de que o guerreiro morto fosse exposto aos raios do sol para que estes lhe incinerassem. Deixado ali sozinho, seu corpo e sua alma se pulverizariam Aos quatro ventos em forma de cinzas e formaria parte dos elementos para sempre.
A voz do Gideon se apagou com suavidade e Danika deu um passo à frente.
Olhou aos congregados e, levantando a cabeça, falou em voz grave mas orgulhosa.
—Este macho era meu, e eu era dele. Seu sangue me sustentava. Sua força me protegia. Seu amor me enchia em todos os sentidos. Ele era meu amado, meu único amado, e ele permanecerá em meu coração durante toda a eternidade.
—Honra-lhe bem —lhe responderam ao uníssono em voz baixa Lucan e outros.
Então Danika se deu a volta para ficar de cara a Gideon, com as mãos estendidas e as palmas dirigidas para cima. O desencapou uma magra adaga de ouro e a depositou sobre suas mãos. Danika baixou a cabeça coberta com o capuz em um gesto de aceitação e logo se deu a volta para colocar-se diante do corpo envolto do Conlan. Murmurou umas palavras em voz baixa dirigidas somente a eles dois. Levou-se ambas as mãos até o rosto. Lucan sabia que agora a viúva da raça se realizava um corte no lábio inferior com o fio da adaga para que sangrasse e para dar um último beijo a Conlan por cima da mortalha.
Danika se inclinou sobre seu amante e ficou assim durante um comprido momento. Todo seu corpo tremia por causa da potência da dor que sentia. Logo se separou dele, soluçando, com a mão sobre a boca. O beijo escarlate brilhava ferozmente, à altura de seus lábios, em meio da brancura que cobria a Conlan. Savannah e Eva a receberam e a abraçaram, apartando-a do altar para que Lucan pudesse continuar com a tarefa que ainda ficava por realizar.
Aproximou-se de Gideon, à frente dos congregados, e se comprometeu a ver Conlan partir com toda a honra que lhe era devido, igual que fazia o resto de membros da raça que caminhavam pelo mesmo caminho que Lucan aguardava nesse momento.
Gideon se apartou a um lado para permitir que Lucan se aproximasse do corpo. Lucan tomou ao enorme guerreiro entre os braços e se voltou para encarar aos outros, tal e como se requeria.
—Honra-lhe bem —murmurou em voz baixa um coro de vozes.
Lucan avançou com solenidade e com lentidão pela câmara cerimoniosa até a escada que conduzia acima e ao exterior do recinto. Cada um dos lances da escada, cada um das centenas de degraus que subiu com o peso de seu irmão cansado, infligiu-lhe uma dor que ele aceitou sem nenhuma queixa.
Essa era a parte mais fácil da tarefa, depois de tudo.
Se tinha que desfalecer, faria-o ao cabo de uns quantos minutos, ao outro lado da porta exterior que se levantava diante dele a uns quantos passos.
Lucan abriu com um empurrão do ombro o painel de aço e inalou o ar fresco da manhã enquanto se dirigia até o lugar onde ia deixar o corpo de seu companheiro. Ficou de joelhos em cima da grama e baixou os braços lentamente para depositar o corpo do Conlan em terra firme diante dele. Sussurrou as orações do rito funerário, umas palavras que somente tinha ouvido umas quantas vezes durante os séculos que tinham acontecido mas que sabia de cor.
Enquanto as pronunciava, o céu começou a iluminar-se com a chegada do amanhecer.
Suportou essa luz com um silêncio reverente e concentrou todos seus pensamentos no Conlan e na honra que tinha sido característica de sua larga vida. O sol continuava levantando-se no horizonte, e ainda não tinha chegado na metade do ritual. Lucan baixou a cabeça e absorveu a dor ao igual que tivesse feito Conlan por qualquer membro da raça que tivesse lutado a seu lado. Um calor lacerante banhou a Lucan enquanto o amanhecer se levantava, cada vez com mais força.
Tinha os ouvidos cheios com as antigas palavras das velhas orações e, ao cabo de pouco tempo, também com o suave vaio e rangido de sua própria carne ao queimar-se.
Capítulo treze
«A polícia e os agentes do transporte ainda não estão seguros do que provocou a explosão da passada noite. De todas formas, depois da conversação mantida com um representante da ferrovia faz uns momentos, assegurou-nos que o incidente se produziu de forma isolada em uma das velhas vias mortas e que não teve feridos. Continuem escutando o canal cinco para conhecer mais notícias sobre esta historia...»
O poeirento e velho modelo de televisor que se encontrava montado sobre uma prateleira de parede se apagou repentinamente, silenciado abruptamente enquanto o forte rugido cheio de irritação do vampiro sacudia a sala. detrás dele, ao outro lado da sombria e destroçada habitação que uma vez fora a cafeteria, no porão do psiquiátrico, dois dos tenentes renegados permaneciam em pé, inquietos e grunhindo, enquanto esperavam suas seguintes ordens.
Esse par tinha pouca paciência; os renegados, por sua natureza aditiva, tinham uma débil capacidade de atenção dado que tinham abandonado o intelecto a favor de satisfazer os caprichos mais imediatos de sua sede de sangue. Eram meninos grandes e necessitavam castigos regulares e premios escassos para que continuassem sendo obedientes. E para que recordassem a quem se encontravam servindo nesse momento.
—Não teve feridos —se burlou um dos renegados.
—Possivelmente não humanos —acrescentou o outro—, mas a raça se levou um bom golpe. Ouvi dizer que não ficou grande coisa do morto para que o sol se encarregasse dele.
Mais risadas do primeiro dos idiotas, às que seguiu uma explosão de fôlego e sangue ao imitar a detonação de quão explosivos tinham sido colocados no túnel pelo renegado a quem tinham atribuído para essa tarefa.
—É uma pena que o outro guerreiro que estava com ele se pudesse marchar por seu próprio pé. —Os renegados ficaram em silencio no momemoro em que seu líder se deu a volta, finalmente, para encarar-se com eles.
— A próxima vez lhes porei a vocês dois nessa tarefa, dado que o fracasso lhes parece tão divertido.
Eles franziram o cenho e grunhiram, como bestas que eram, com uma expressão selvagem nas pupilas rasgadas e afundadas no mar amarelo e dourado de sua íris impávidas. Baixaram a vista quando ele começou a caminar em direção a eles com passos lentos e medidos. A ira que sentia estava só parcialmente aplacada pelo fato de que a raça, pelo menos, tinha sofrido uma perda importante.
Esse guerreiro que tinha caido por causa da bomba não tinha sido o alvo real da missão da passada noite; Apesar disso, a morte de qualquer membro da Ordem era uma boa notícia para sua causa. Já haveria tempo de eliminar ao que chamavam Lucan. Possivelmente o fizesse ele mesmo, rosto a rosto, vampiro contra vampiro, sem a vantagem das armas.
Sim, pensou, resultaria mais que um prazer acabar com esse em concreto.
Podia-se chamar justiça poética.
—Me mostrem o que me trouxestes —ordenou aos renegados que se encontravam frente a ele.
Ambos saíram ao mesmo tempo. Empurraram uma porta para entrar os vultos que tinham deixado no corredor de fora. Voltaram ao cabo de um instante arrastando atrás deles a uns quantos humanos entorpecidos e quase sem sangue. Esses homens e mulheres, seis em total, estavam atados pelos pulso e ligeiramente sujeitos pelos tornozelos, embora nenhum deles parecia o bastante forte para nem sequer pensar em tentar fugir.
Os olhos, em estado catatônico, lhes cravavam em um nada. Os lábios, inertes, incapazes de pronunciar nem de emitir nenhum som, estavam emtreabertos em meio de seus rostos pálidos. Em suas gargantas se viam os sinais das dentadas que seus captores lhes tinham feito para subjugá-los.
—Para você, senhor. Uns serventes novos para a causa.
Fizeram entrar os seis seres humanos como se fossem gado, dado que isso era o que eram: ferramentas de carne e osso cujo destino ia trabalhar, ou morrer, o que fosse mais útil segundo seu critério.
Ele jogou uma olhada a caça dessa noite sem mostrar grande interesse, calculando rapidamente o potencial que esses dois homens e quatro mulheres tinham para resultar de utilidade. Sentiu-se impaciente enquanto se aproximava a eles e observava que algumas de quão feridas tinham no pescoço ainda supuravam uns lentos fios de sangue fresco.
Estava faminto, decidiu enquanto cravava seu olhar calculador em uma pequena fêmea morena de lábios cheios e peitos cheios e amadurecidos que empurravam uma insípida bata verde de hospital que parecia um saco e que lhe sentava muito mal. A cabeça lhe caía para frente, como se pesasse muito para mantê-la erguida apesar de que era evidente que estava lutando contra o torpor que já tinha vencido aos outros. As mordidas que tinha eram incontáveis e se perdiam para o crânio, e apesar disso ela lutava contra a catatonia, piscando com expressão sonolenta em um esforço por manter-se consciente.
Tinha que reconhecer que seu valor era admirável.
—K. Delaney, R.N —disse para si, lendo a etiqueta de plástico que lhe pendurava por cima do redondo peito esquerdo.
Tomou o queixo dela entre o dedo polegar e o índice e lhe fez levantar a cabeça para lhe observar o rosto. Era bonita, jovem e sua pele, cheia de sardas, tinha um aroma doce. A boca lhe encheu de saliva, de glotonería, e os olhos lhe esgotaram, ocultos depois dos óculos escuros.
—Esta fica. Levem o resto abaixo, as jaulas.
Ao princípio, Lucan pensou que a dolorosa vibração que sentia formava parte da agonia pela que tinha passado durante as últimas horas. Sentia todo o corpo abrasado, esfolado, sem vida. Em algum momento a cabeça tinha deixado de martelar e agora lhe acossava com um comprido zumbido doloroso.
Encontrava-se em suas habitações privadas do complexo, em sua cama; isso sabia. Recordava haver-se arrastado até ali com suas últimas forças, depois de ter estado ao lado do corpo do Conlan os oito minutos que se requeriam.
Ficou-se inclusive um pouco mais de oito minutos, havia aguentado uns agudos minutos mais até que os raios do amanhecer houvesem aceso a mortalha do guerreiro morto e a tinham feito explodir em umas incríveis chama e luzes. Só então ficou ele ao coberto dos muros subterrâneos do recinto.
Esse tempo extra de exposição tinha significado sua desculpa pessoal a Conlan. A dor que estava suportando nesses momentos era para que não esquecesse nunca o que de verdade importava: seu dever para a raça e para a Ordem de honoráveis machos que tinham jurado igual a ele realizar esse serviço. Não cabia nada mais.
A outra noite tinha permitido saltar-se esse juramento, e agora um de seus melhores guerreiros se foi.
Outro agudo timbre explorou em algum lugar da habitação e tomou por surpresa, em algum lugar muito perto de onde se encontrava descansando. Esse som de algo que se rompia, que se rasgava, lhe cravou na cabeça.
Com uma maldição que quase resultou inaudível e que quase não pôde arrancar da dolorida garganta, Lucan abriu os olhos com dificuldade e observou a escuridão de seu dormitório privado. Viu que uma pequena luz piscava do interior do bolso de sua jaqueta de pele e nesse momento o telefone celular voltou a soar.
Cambaleando-se, sem o habitual controle e coordenação de atleta que tinha nas pernas, deixou-se cair na cama e se dirigiu com estupidez até o molesto aparelho. Somente teve que realizar três intentos para conseguir dar com a tecla para silenciar o timbre. Furioso pelo esforço que esses pequenos movimentos lhe estavam custando, Lucan levantou a tela iluminada ante seus olhos e se esforçou por ler o número da tela.
Era um número de Boston... O telefone celular de Gabrielle.
Fantástico.
Justo o que necessitava.
Enquanto subia o corpo do Conlan por essas centenas de degraus até o exterior, tinha decidido que, fora o que fosse o que estava fazendo com Gabrielle Maxwell, isso tinha que terminar. De todas formas, não estava de todo seguro do que era o que tinha estado fazendo com ela, aparte de aproveitar toda oportunidade que lhe pôs diante de pô-la de costas e debaixo dele.
Sim, tinha sido brilhante nessa tática.
Era no resto de seus objetivos que estava começando a falhar, sempre que Gabrielle entrava em cena.
Tinha-o planejado tudo mentalmente, tinha pensado como ia enfrentar a situação. Faria que Gideon fosse ao apartamento dela essa noite e que lhe contasse, de forma lógica e compreensível, tudo a respeito da raça e sobre o destino dela, de onde procedia verdadeiramente, dentro da nação dos vampiros. Gideon tinha muita experiencia no trato com mulheres e era um diplomático consumado. Ele se mostraria amável, e seguro que sabia dirigir as palavras melhor que Lucan. Ele conseguiria fazer que tudo cobrasse sentido para ela, inclusive a necessidade de que ela procurasse acolhida —e, depois, a um macho adequado— em um dos Refúgios Escuros.
Quanto a si mesmo, faria todo o necessário para que seu corpo sara-se. Depois de umas quantas horas mais de descanso e de um alimento que necessitava muitíssimo —assim que fosse capaz de ficar em pé o tempo suficiente para caçar— Voltaria mais forte e seria um guerreiro melhor.
Ia esquecer para sempre que tinha conhecido a Gabrielle Maxwell. Por seu bem, e pelo bem conjunto da raça.
Exceto...
Exceto a noite passada lhe havia dito que podia lhe localizar em seu número de celular em qualquer momento que lhe necessitasse. Havia-lhe próometido que sempre responderia sua chamada.
E se resultava que ela estava tentando contatar com ele porque os renegados, ou os mortos andantes de seus serventes, estavam rodeando a seu redor, pensou.
Escancarado no chão em posição supina, apertou o botão responder a chamada.
—Olá.
Jesus, tinha um tom de voz de merda, como se tivesse os pulmões feitos mingau e seu fôlego expulsasse cinzas. Tossiu e sentiu como se a cabeça lhe estalasse.
No outro lado da linha houve um silêncio de uns segundos e logo, a voz de Gabrielle, dúbia e ansiosa:
—Lucan? É você?
—Sim. —esforçou-se em emitir o som apesar da secura que tinha na garganta—. O que acontece? Está bem?
—Sim, estou bem. Espero que não te incomode que tenha chamado. Só... Bom, depois de que te partisse dessa maneira a noite passada , estive um pouco preocupada. Suponho que somente precisava saber que não te tinha ocorrido nada mau.
Ele não tinha energia suficiente para falar, assim que ficou convexo, fechou os olhos e, simplesmente, escutou o som de sua voz. Seu tom de voz, claro e sonoro, parecia-lhe um bálsamo. A preocupação que ela demostrava era como um elixir, como algo que ele nunca tinha provado antes: saber que alguém se preocupava com ele. Esse afeto lhe resultava pouco familiar e quente.
Tranqüilizava-lhe, apesar de sua raivosa necessidade de negá-lo.
—O que...? —disse com voz rouca, mas o tentou de novo — Que horas são?
—Ainda não é meio-dia. Queria te chamar assim que me levantei esta manhã, mas como normalmente trabalha durante o turno de noite, esperei tudo o que pude. Parece cansado. Despertei-te?
—Não.
Tentou rodar sobre um flanco do corpo. Sentia-se mais forte depois desses poucos minutos ao telefone falando com ela. Além disso, necessitava tirar o traseiro da cama e voltar para a rua essa mesma noite. O assassinato do Conlan tinha que ser vingado, e tinha intenção de ser ele quem fizesse justiça.
Quanto mais brutal fosse essa justiça, melhor.
—Bom —estava dizendo ela nesses momentos—, então tudo está bem?
—Sim, bem.
—Bem. Alivia-me sabê-lo, verdade. —Sua voz adquiriu um tom mais ligero e um tanto provocador.
— Te escapou de meu apartamento tão depressa a noite passada que acreditei que teria deixado marca no chão.
—Surgiu um imprevisto e tive que partir.
—Certo —disse ela depois de um silêncio que indicou que ele não tinha nenhuma intenção de entrar em detalhes—. Um assunto secreto de detetives?
—Pode-se dizer que sim.
Esforçou-se por ficar em pé e franziu o cenho, tanto pela dor que lhe atravessou todo o corpo como pelo fato de não poder contar a Gabrielle o porquê tinha tido que sair tão rapidamente de sua cama. A guerra que esperava a ele e ao resto dos seus era uma crua realidade que logo ela também teria em seu prato. De fato, seria essa mesma noite, assim que Gideon fosse visitá-la.
—Escuta, esta noite tenho uma aula de ioga com um amigo meu que termina por volta das nove. Se não estiver de serviço, por que não passa por aqui? Posso preparar algo para jantar. Toma-o como uma compensação pelos manicotti que não pôde comer o outro dia. Possivelmente esta vez consigamos jantar.
O divertido flerte de Gabrielle lhe arrancou um sorriso que lhe fez sentir dor em todos os músculos do rosto. A indireta a respeito da paixão que tinham compartilhado despertava algo em seu interior também, e a ereção que notou em meio de todas as demais sensações físicas de agonia não foi tão dolorosa como tivesse desejado.
—Não posso ir verte, Gabrielle. Tenho... que fazer umas coisas.
A principal de todas elas era meter-se algo de sangue no corpo e isso significava que tinha que manter-se afastado dela tanto como fosse possível. Não era boa coisa que lhe tentasse com a promessa de seu corpo; no estado em que se encontrava nesse momento, ele era um perigo para qualquer ser humano que fosse o suficientemente tolo como para aproximar-se dele.
—Não sabe o que dizem a respeito de trabalhar muito e não jogar nada? —perguntou-lhe, em um ronrono de convite.
—Sou uma espécie de ave noturna, assim se terminar logo de trabalhar e decide que quer um pouco de companhia...
—Sinto muito. Possivelmente em outro momento —lhe disse ele, sabendo perfeitamente que não haveria nenhum outro momento. Nesses instantes se encontrava em pé e começava a dar uns passos torpes e pouco fluídos em direção a porta. Gideon devia estar no laboratório, e o laboratório se encontrava ao final do corredor. Era infernal tentar fazer esse percurso em suas condições, mas Lucan estava completamente decidido fazê-lo.
—Vou mandar a alguém a ver-te esta noite. É um... meu sócio.
—Para que?
Tinha que expulsar o fôlego com dificuldade e pela boca, mas estava caminhando. Alargou a mão e apanhou a maçaneta da porta.
—As coisas se puseram muito perigosas —disse ele de forma precipitada e com esforço—. Depois do que te aconteceu ontem no centro da cidade...
—Deus, não podemos esquecê-lo? Estou segura de que exagerei.
—Não —a interrompeu ele—. Me sentirei melhor se souber que não está sozinha... que há alguém que te protege.
—Lucan, de verdade, não é necessário. Sou uma garota adulta. Estou bem.
Ele não fez caso de seus protestos.
—Chama-se Gideon. Te agradará. Os dois poderão... falar. Ele lhe ajudará, Gabrielle. Melhor do que o posso fazer eu.
—Me ajudar? O que quer dizer? Passou algo com respeito ao caso? E quem é esse Gideon? É um detetive, também?
—Ele lhe explicará isso tudo. —Lucan saiu ao corredor, onde uma tênue luz iluminava as polidos ladrilhos e os brilhantes acabados de cromo e cristal. Do outro lado de uma das portas de um apartamento privado se ouvia ressonar com força a música metal de Dante. Desde um dos muitos corredores que foram dar a esse corredor principal chegava certo aroma de azeite e a disparos de arma recentes, das instalações de treinamento.
Lucan se cambaleou sobre os pés, inseguro em meio dessa mescla de estímulos sensoriais.
—Estará a salvo, Gabrielle, juro-lhe isso. Agora tenho que te deixar.
—Lucan, espera um momento! Não desligue. O que é o que não me está dizendo?
—Vais estar bem, prometo-lhe isso. Adeus, Gabrielle.
Capítulo quatorze
A chamada que tinha feito a Lucan, e seu estranho comportamento ao outro extremo do telefone, tinham-na estado preocupando todo o dia. Todavia o estava enquanto saía com Megan da classe de ioga essa tarde.
—Parecia tão estranho ao telefone. Não sei se estava em um estado de extrema dor física ou se estava tentando encontrar a maneira de me dizer que não queria voltar para ver-me.
Megan suspirou e fez um gesto de negação com a mão.
—Provavelmente está tirando muitas conclusões. Se de verdade quer sabê-lo, por que não vai a delegacia de polícia e sacas a cabeça para ver-lhe?
—Acredito que não. Quero dizer, o que lhe diria?
—Diria-lhe: «Olá, bonito. Parecia tão desanimado esta tarde que pensei que iria bem que passasse te recolher, assim aqui estou». Possivelmente possa lhe levar um café e um pão-doce no caso de.
—Não sei...
—Gabby, você mesma há dito que esse menino sempre foi doce e cuidadoso quando esteve contigo. Pelo que me contaste a respeito da conversação que tivestes hoje por telefone, ele parece muito preocupado por ti. Tanto que vai mandar a um de seus colegas para que te vigie enquanto ele está de serviço e não pode estar ali em pessoa.
—Ele fez insistência no perigoso que se estava pondo acima... e o que acha que significa «acima» ? Não parece jargão de polícia, verdade? O que é, algum tipo de terminologia militar?
—Negou com a cabeça—. Não sei. Há muitas coisas de Lucan Thorne que não sei.
—Pois pregunta. Venha, Gabrielle. Pelo menos lhe dê ao menino o benefício da dúvida.
Gabrielle observou as calças de ioga negras e a jaqueta com cremalheira que levava. Logo se levou a mão ao cabelo para comprovar até que ponto lhe tinha desfeito a rabo-de-cavalo durante esses quarenta e cinco minutos de exercícios.
—Teria que ir primeiro a casa, me dar pelo menos uma ducha, trocar de roupa.
—Né! Quero dizer, de verdade, mas o que te passa? —Megan abriu muito os olhos, que lhe brilhavam, divertida.
— Tem medo de ir, verdade? OH, quer ir, mas já tem certamente um milhão de desculpas passando para explicar por que não pode fazê-lo. Admito-o, este menino você gosta de verdade.
Gabrielle não podia negá-lo, não teria podido inclusive embora o imediato sorriso que lhe desenhou no rosto não a tivesse delatado. Gabrielle lhe devolveu o olhar a sua amiga e se encolheu de ombros.
—Sim, é verdade. Eu gosto. Muito.
—Então, o que está esperando? A delegacia de polícia está a três quadras, e tem um aspecto fantástico, como sempre. Além disso, não é que ele não te tenha visto suar um pouco antes de agora. É possível que prefira ver-te assim.
Gabrielle riu com Megan, mas sentia retorcer o estômago. A verdade era que sim desejava ver Lucan, de fato não queria esperar nem um minuto mais, mas e se ele tinha estado tentando deixá-la enquanto falavam por telefone essa tarde? Que ridícula pareceria então, se entrava na delegacia de polícia sentindo-se como se fosse sua noiva. Sentiria-se como uma idiota.
Não mais do que se sentiria se recebia a notícia de segunda mão, pela boca de seu amigo Gideon, a quem ele teria enviado nessa compassiva missão.
—De acordo. Vou fazê - lo.
—Bom pra ti! —Megan se ajustou a bolsa do colchonete de ioga no ombro e sorriu ampliamente.
— Esta noite verei Ray em meu apartamemoro depois de que ele termine seu turno, mas me chame à primeira hora da manhã e me conte como foi. De acordo?
—De acordo. Uma saudação para o Ray
Enquanto Megan se afastava apressadamente para pegar o trem das nove e quinze, Gabrielle se dirigiu para a delegacia de polícia . Durante o caminho recordou o conselho de Megan e se deteve um momento para comprar um pão-doce e um café: puro e carregado, posto que não acreditava que Lucan fosse o tipo de homem que toma com leite, com açúcar nem descafeinado.
Com ambas as coisas nas mãos, chegou a porta da delegacia de polícia, respirou com força para reunir coragem, atravessou a porta de entrada e entrou com atitude desenvolvida.
As queimaduras piores tinham começado a curar-se ao cair da noite. A pele nova lhe cresceu, sã, por debaixo das bolhas da pele velha e as feridas começaram a fechar-se. Embora ainda tinha os olhos muito sensíveis inclusive a luz artificial, não sentia dor na fria escuridão da rua. O qual era bom, porque precisava estar por aí para saciar a sede de seu corpo convalescente.
Dante lhe olhou. Os dois saíam ao exterior do recinto e se preparavam para compartilhar essa noite de reconhecimento e de vingança contra os renegados.
—Não tem muito bom aspecto, cara. Se quiser, sairei a caçar para ti e te trarei algo jovem e forte. Necessita-o, isso está claro. E ninguém tem por que saber que não te procuraste o sustento você mesmo.
Lucan olhou de soslaio e com expressão séria ao macho e lhe mostrou os dentes em um sorriso de brincadeira.
—Que lhe fodam.
Dante-se riu
.
.
—Tinha a suspeita de que me diria isso. Quer que leve as armas por ti, pelo menos?
O gesto de negar devagar com a cabeça lhe provocou uma navalhada de dor na cabeça.
—Estou bem. Estarei melhor quando me tiver alimentado.
—Sem dúvida. —O vampiro ficou em silêncio durante um comprido momento e lhe olhou, simplesmente. Sabe o que é que foi extraordinariamente impressionante do que fez hoje pelo Conlan? Eu não tivesse podido nem imaginá-lo em toda sua vida, mas, porra, eu gostaria que tivesse sabido que seria você quem subiria esses últimos degraus com ele. Foi uma grande maneira de lhe honrar, cara. De verdade.
Lucan recebeu a adulação sem deixar que lhe impregnasse. Ele tinha tido seus próprios motivos para levar a cabo esse rito funerário, e ganhar a admiração do resto dos guerreiros não formava parte deles.
—Dê-me uma hora para caçar algo e logo nos encontraremos aqui outra vez para provocar algumas baixas entre as filas de nossos inimigos, esta noite. Pela memória do Conlan.
Dante assentiu com a cabeça e chocou os nódulos contra o punho fechado de Lucan.
—De acordo.
Lucan esperou enquanto Dante desaparecia na escuridão. Suas passadas largas e fortes delatavam a vontade com que esperava as batalhas que ia encontrar nas ruas. Tirou as armas gêmeas das capas e elevou as Malebranches curvadas por cima de sua cabeça. O brilho dessas folhas de aço gentil e de titânio, assassinas de renegados, cintilou a débil luz da lua no céu. O vampiro emitiu um grito de guerra calado e desapareceu nas sombras da noite.
Lucan lhe seguiu não muito depois, seguindo um caminho não muito distinto que entrava nas escuras artérias da cidade. Seu gesto furtivo era menos fanfarrão, mas mais decidido, menos arrogante e ansioso, mais determinado e frio. Sua sede era pior do que nunca tinha sido, e o rugido que elevou até a abóbada de estrelas no céu estava cheio de uma ira feroz.
—Pode soletrar o sobrenome outra vez, por favor?
—T-h-ou-r-n-e —repetiu Gabrielle a recepcionista de delegacia de polícia, que não tinha conseguido nenhum resultado no diretório—. Detetive Lucan Thorne. Não sei em que departamento trabalha. Veio a minha casa depois de que eu estivesse aqui para denunciar uma agressão que presenciei a semana passada... um assassinato.
—Ah. Então, você quer falar com os de Homicídios? —As unhas largas e pintadas da jovem repicavam em cima do teclado com rapidez—. Certo... Não. Sinto muito. Tampouco aparece nesse departamento.
—Isso não é possível. Pode voltar a comprová-lo, por favor? É que este sistema não lhe permite procurar somente um nome?
—Sim o permite, mas não aparece nenhum detetive que se chame Lucan Thorne. Está segura de que trabalha neste edifício?
—Estou segura, sim. A informação de seu computador não deve estar atualizada...
—Né, um momento! Aí há uma pessoa que pode ajudar, a interrompeu a recepcionista enquanto fazia um gesto em direção à porta de entrada da Central.
—Agente Carrigan! Você tem um segundo?
O agente Carrigan, recordou Gabrielle, desolada. O velho poli que lhe tinha feito passar um momento tão desagradável a semana passada, chamando-a mentirosa e cabeça oca sem querer acreditar a declaração de Gabrielle acerca do assassinato da discoteca. Pelo menos, agora que Lucan tinha contrastado as fotos de seu celular no laboratório da polícia, sentia o consolo de saber que, fosse qual fosse a opinião desse homem, o caso seguia adiante de algum jeito.
Gabrielle teve que reprimir um grunhido de fúria ao ver que o homem se tomava um tempo antes de aproximar-se dela. Quando ele a viu ali em pé, a expressão de arrogância que parecia tão natural nesse rosto carnudo adotou um gesto decididamente depreciativo.
—OH, Por Deus. Outra vez você? Justo o que necessito em meu último dia de trabalho. Retiro-me dentro de umas quantas horas, querida. Esta vez vai ter que contar-lhe a outra pessoa.
Gabrielle franziu o cenho.
—Perdão?
—Esta jovem está procurando um de nossos detetives —disse a recepcionista enquanto intercambiava um olhar de cumplicidade com Gabrielle, como resposta ao comportamento displicente do agente. Não lhe encontro no diretório, mas ela acredita que é um dos nossos.
Conhece você ao detetive Thorne?
—Nunca ouvi falar dele. —O agente Carrigan começou a afastar-se.
—Lucan Thorne —disse Gabrielle com decisão enquanto deixava o café de Lucan e a bolsa com a massa em cima da mesa de recepção. Automaticamente deu um passo em direção ao policial e esteve a ponto de sujeita-lo pelo braço ao ver que ele ia deixa-la ali plantada.
— O detetive Lucan Thorne, você deve conhecer. Vocês enviaram ao meu apartamento no início desta semana para ver se conseguia alguma informação adicional a minha declaração. Levou meu telefone celular ao laboratório para que analisassem...
Carrigan começou a rir agora; deteve-se e a olhava enquanto lhe oferecia os detalhes a respeito da chegada de Lucan a sua casa. Gabrielle não tinha paciência para dirigir a agressividade desse agente. E menos agora que o pêlo da nuca começava a arrepiar-se o a causa do repentino pressentimento de que as coisas começavam a ser estranhas.
—Está-me dizendo que o detetive Thorne não lhe contou nada disto?
—Senhorita. Estou-lhe dizendo que não tenho nem remota idéia do que está você falando. Trabalhei nesta delegacia de polícia durante trinta e cinco anos, e nunca ouvi falar de nenhum detetive Lucan Thorne, por não falar de que não mandei a sua casa.
Gabrielle sentiu que lhe formava um nó no estômago, frio e apertado, mas se negou a aceitar o medo que começava a cobrar forma detrás de toda essa confusão.
—Isso não é possível. Ele sabia do assassinato que eu havia presenciado. Sabia que eu tinha estado aqui, na delegacia de polícia, fazendo uma declaração a respeito disso. Vi sua placa de identificação quando chegou à casa. Acabo de falar com ele hoje, e me disse que esta noite trabalhava. Tenho seu número de celular...
—Bom, vou dizer- lhe uma coisa. Se isso for fazer que me deixe em paz , vamos fazer uma chamada a seu detetive Thorne —disse Carrigan.Isso esclarecerá as coisas, verdade?
—Sim. Vou chamar- lhe agora.
A Gabrielle tremiam um pouco os dedos enquanto tirava o teléefone celular do bolso e marcava o número de Lucan. O telefone chamou, mas ninguém respondeu. Gabrielle voltou a tentá-lo e esperou durante a agonia de uma eternidade enquanto o timbre soava e soava e soava e enquanto a expressão do agente Carrigan se mudava de uma impaciência questionável a uma compaixão que ela tinha percebido nos rostros dos trabalhadores sociais quando era uma menina.
—Não responde —murmurou ela, apartando o telefone do ouvido. Sentia-se torpe e confusa, e a expressão atenta no rosto do Carrigan o piorava tudo—. Estou convencida de que está ocupado com algo. Vou voltar a tentá-lo dentro de um minuto.
—Senhorita Maxwell. Podemos chamar a alguém mais? A algum familiar, possivelmente? A alguém que possa nos ajudar a encontrar sentido a tudo o que lhe está passando?
—Não me está acontecendo nada.
—Me parece que sim. Acredito que você está confusa. Sabe? Às vezes a gente inventa coisas para que lhes ajudem a suportar outros problemas.
Gabrielle se burlou.
—Eu não estou confundida. Lucan Thorne não é um produto de minha imaginação. É real. Essas coisas que me aconteceram são reais. O assassinato que presenciei o fim de semana passado, esses... homens... com seus rostos ensangüentados e seus afiados dentes, inclusive esse menino que me esteve vigiando o outro dia no parque... ele trabalha aqui na Central. O que é o que têm feito vocês? Enviaram-lhe para que me olha-se?
—De acordo, senhorita Maxwell. Vamos ver se conseguimos resolver isto juntos. —Era óbvio que o agente Carrigan tinha encontrado finalmente um resto de diplomacia sob a armadura de seu caráter grosseiro. Apesar de tudo, a forma em que pegou pelo braço para tentar conduzi-la até um dos bancos do vestíbulo para que se sentasse mostrava uma grande condescendência—. Vamos ver se respirarmos profundamente. Podemos procurar a alguém para que a ajude.
Deu uma sacudida no braço para soltar-se.
—Você acredita que estou louca. Eu sei o que vi... tudo! Não me estou inventando isto, e não necessito ajuda. Somente preciso saber a verdade.
—Sheryl, querida — disse Carrigan a recepcionista, que olhava ambos com apreensão—. Pode me fazer o favor de chamar em um momemoro à Rudy Duncan? Diga que lhe necessito aqui embaixo.
—Um médico? —perguntou Gabrielle, que já havia tornado a colocar o telefone entre a orelha e o ombro.
—Não —repôs Carrigan, devolvendo o olhar a Gabrielle—. Não terá que alarmar-se ainda. Peça que baixe ao vestíbulo, tranqüilamente, e que converse um momento com a senhorita Maxwell e comigo.
—Esqueça-o —respondeu Gabrielle, levantando do banco.
—Olhe, seja o que seja o que lhe esteja passando, há pessoas que podem ajudá-la.
Ela não esperou que terminasse de falar, limitou-se a recompor-se com dignidade, a caminhar até a mesa de recepção para recuperar a taça e a bolsa, a atirá-los ao lixo e dirigir-se a porta de saída.
Sentiu o ar da noite fresco nas bochechas, acesas, o qual a tranqüilizou de algum jeito. Mas a cabeça ainda lhe estava dando voltas. O coração lhe pulsava com força por causa da confusão e de que não podia acreditar o que lhe tinha acontecido.
É que todo mundo ao seu redor se estava voltando louco? Que diabos estava acontecendo? Lucan lhe tinha mentido a respeito de que era um policial, isso era bastante evidente. Mas que parte do que lhe tinha contado, que parte do que tinham feito juntos, formava parte desse engano?
E por que?
Gabrielle se deteve no final dos degraus de cimento que se afastavam da delegacia de polícia e respirou profundamente várias vezes. Deixou sair o ar devagar. Logo baixou a vista e viu que ainda tinha o telefone celular na mão.
—Merda.
Tinha que averiguá-lo.
Essa estranha história em que se colocou tinha que acabar nesse momento.
O botão de rechamada voltou a marcar o número de Lucan. Ela esperou,
Insegura do que ia dizer lhe.
O telefone soou seis vezes.
Sete.
Oito...
Capítulo quinze
Lucan tirou o celular do bolso de sua jaqueta de couro enquanto pronunciava uma forte maldição.
Gabrielle... outra vez.
Tinha-lhe chamado antes também, mas ele não tinha querido responder a chamada. Estava perseguindo um traficante de drogas ao que tinha visto vender crack a um adolescente que passava pela rua, fora de um sórdido botequim. Tinha estado conduzindo mentalmente a sua presa para um beco escuro e estava justo a ponto de lançar-se ao ataque quando a primeira chamada de Gabrielle tinha divulgado como um alarme de carro desde seu bolso. Tinha posto o aparelho no modo de silêncio, amaldiçoando-se a si mesmo pelo estúpido costume de levar o maldito traste quando saía a caçar.
A sede e as feridas lhe tinham feito comportar-se descuidadamente. Mas esse repentino estrondo na rua escura tinha resultado a seu favor ao final.
Ele tinha as forças debilitadas, e o cauteloso traficante tinha cheirado o perigo no ambiente, inclusive apesar de que Lucan se manteve escondido entre as sombras enquanto lhe perseguia. Tinha tirado uma arma a metade do beco e apesar de que raramente as feridas de bala resultavam fatais para a estirpe de Lucan —a não ser que se tratasse de um tiro na cabeça a queima roupa—, não estava seguro de que seu corpo convalescente pudesse resistir um impacto como esse nesses momentos.
Por não mencionar o fato de que isso lhe tiraria de gonzo, e já estava com um humor de cão.
Assim, quando a segunda chamada do celular fez que o traficante se voltasse freneticamente para um lado e a outro em busca da origem do ruído que ouvia detrás dele, Lucan lhe saltou em cima. Derrubou ao tipo rápidamente, e lhe cravou as presas na veia do pescoço, torcida pelo terror um momento antes de que o homem reunisse a força suficiente para arrancar um grito dos pulmões.
O sangue lhe alagou a boca, desagradável pelo sabor a droga e a enfermidade. Lucan a tragou com dificuldade, uma vez atrás de outra, enquanto agarrava sem piedade a sua convulsa presa. Ia matar- lhe, e não podia importar menos. Isso apagava a dor de seu corpo dolorido.
Lucan se alimentou depressa, bebeu tudo o que pôde.
Mais do que pôde.
Quase lhe tirou todo o sangue ao traficante e ainda se sentia faminto. Mas tivesse sido abusar muito se alimentava mais essa noite. Era melhor esperar a que o sangue lhe nutrisse e lhe tranquilizasse em lugar de arriscar-se a ser ansioso e a tomar um caminho rápido para a sede insaciavel de sangue.
Lucan olhou com ironia o telefone que soava na palma de sua mão e sabia que quão único tinha que fazer era não responder.
Mas continuou soando, com insistência, e justo no último instante, respondeu. Não disse nada ao princípio, simplesmente escutou o som do suspiro de Gabrielle ao outro lado. Notou que tinha a respiração tremente, mas sua voz soou forte, apesar de que era evidente que estava bastante desgostada.
—Mentiste-me — disse, a modo de saudação—. Durante quanto tempo, Lucan? Quantas mentiras? Tudo foi uma mentira?
Lucan observou o corpo sem vida de sua presa com expressão satisfeita. Agachou-se e realizou um rápido registro desse miserável e gordurento tipo. Encontrou um maço de bilhetes sujeitos por uma borracha, que ia deixar ali para que os abutres guias de ruas o disputassem. A mercadoria do traficante —crack e heroína por valor de um par de bilhetes grandes— Iriam parar em um dos esgotos da cidade.
—Onde está? —perguntou-lhe quase em um latido, sem pensar em outra coisa que não fosse no depredador que acabava de eliminar.
— Onde está Gideon?
—Nem sequer vais tentar negá-lo? Por que faz isto?
—Passe-me isso Gabrielle.
Ela ignorou essa petição.
—Há outra coisa que eu gostaria de saber: como entrou em meu apartamemoro a outra noite? Eu tinha fechado todos os fechos e tinha posto a correia. O que fez? Abriu-os? Roubou-me as chaves enquanto eu não olhava e te fez uma cópia?
—Podemos falar disso mais tarde, quando estiver a salvo no recinto.
—De que recinto fala? —A repentina gargalhada lhe pegou por surpresa.
— E pode abandonar essa pose protetora e benevolente. Não é um policial. Quão único quero é um pouco de sinceridade. É isso te pedir muito, Lucan? Deus. É esse pelo menos seu verdadeiro nome? Algo do que me tenha contado se parece, pelo menos remotamente, a verdade?
De repente Lucan soube que essa raiva, essa dor, não era o resultado de que Gabrielle tivesse conhecido pelo Gideon a verdade a respeito da raça e do papel que ela tinha destinado na mesma. Um papel que não ia incluir a Lucan.
Não, ela não sabia nada disso ainda. Tratava-se de outra coisa. Não era medo dos fatos. Era medo ao desconhecido.
—Onde está, Gabrielle?
—O que te importa?
—Me... importa —admitiu, embora com relutância.
—Porra , não tenho a cabeça para isto agora mesmo. Olhe, sei que não está em seu apartamento, assim que onde está? Gabrielle, tem que me dizer onde está.
—Estou na delegacia de polícia. Vim para ver-te esta noite e, sabe o que? Ninguém ouviu seu nome aqui.
—OH, Deus. Perguntaste por mim aí?
—É obvio que o tenho feito. Como tivesse podido me inteirar de que tomava por uma idiota, se não? —Outra vez o tom de brincadeira e irritação.
— Incluso havia te trazido café e uma massa.
—Gabrielle, estarei aí em uns minutos... menos que isso. Não te mova. Fique onde está. Fique em algum ponto onde haja gente, em algum lugar interior. Vou para te buscar.
—Esquece-o. Me deixe em paz.
Essa breve ordem lhe fez levantar-se imediatamente do chão. Ao cabo de um instante suas botas ressonavam na rua a um ritmo acelerado.
—Não vou ficar por aqui te esperando, Lucan. De fato, sabe o que? Não te ocorra te aproximar de mim.
—Muito tarde —lhe respondeu.
Já tinha chegado à penúltima esquina que lhe separava da rua onde se encontrava a delegacia de polícia. Avançou por entre a multidão de pedestres como um fantasma. Notava que o sangue que acabava de ingerir lhe penetrava nas células, lhe aderia nos músculos e nos ossos e lhe fortalecia até que se converteu somente em uma rajada fria nas costas dos que passavam ao seu lado.
Mas Gabrielle, com sua extraordinária percepção de companheira de raça, viu-lhe em seguida.
Lucan ouviu pelo telefone que Gabrielle agüentava a respiração. Como em câmera lenta, ela se apartou o aparelho do ouvido e lhe olhou com os olhos muito abertos e com incredulidade enquanto ele lhe aproximava rapidamente.
—Meu Deus —sussurrou, e essas palavras chegaram aos ouvidos de Lucan sozinhas em um segundo antes de que se plantasse diante dela e alargasse a mão para sujeitá-la pelo braço.
—Solte-me!
—Temos que falar, Gabrielle. Mas não aqui. Levarei-te a um lugar...
—É uma merda! —Deu um puxão, soltou-se da mão dele e se afastou pela calçada.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
—Já não está segura aqui fora, Gabrielle. Viu muitas coisas. Agora forma parte disso, tanto se quiser como se não.
—Parte do quê?
—Desta guerra.
—Guerra —repetiu ela, com um tom de dúvida.
—Exato. É uma guerra. Antes ou depois vais ter que escolher um lado, Gabrielle. —Pronunciou uma maldição—. Não. A merda. Eu vou escolher seu lado agora mesmo.
—É uma espécie de piada? Quem é você, um desses militares inadaptados que vai por aí representando suas fantasias de autoridade. Possivelmente seja pior que isso.
—Isto não é uma piada. Não é um fodido jogo. Estive em muitos combates e presenciei muitas mortes em minha vida, Gabrielle. Nem sequer pode imaginar o que vi, nem tudo o que tenho feito. Não vou ficar quieto para ver que fica apanhada em um fogo cruzado. —Ofereceu-lhe uma mão.
— Vais vir comigo. Agora.
Lhe esquivou. Seus olhos escuros revelavam uma mescla de medo e de raiva.
—Se voltar a me tocar, juro-te que chamo a polícia. Já sabe, aos de verdade que estão na delegacia de polícia. Esses levam placas de verdade. E armas de verdade.
O humor de Lucan, que já estava quente, começou a piorar.
—Não me ameace, Gabrielle. E não creia que a polícia te pode ofecer algum tipo de amparo. E, é obvio, não ante o que te está ameaçando. Pelo que sabemos, a metade da delegacia de polícia poderia estar cheia de servidores.
Ela meneou a cabeça e adotou uma atitude mais tranqüila.
—De acordo. Esta conversação está deixando de ser realmente extranha e começa a ser profundamente inquietante. Terminei com isto, compreendido? —Falava-lhe devagar e em voz baixa, como se estivesse tentando tranqüilizar a um cão raivoso que estivesse ante ela agachado e a ponto de atacar.
— Agora vou, Lucan. Por favor... não me siga.
Quando ela deu o primeiro passo para afastar-se dele, a pouca capacidade de controle que ficava a Lucan se quebrou. Cravou-lhe os olhos nos dela com dureza e lhe enviou uma feroz ordem mental para que deixasse de resistir a ele.
«Me dê a mão.»
«Agora.»
Por um segundo, as pernas ficaram imóveis, paralizadas. Os dedos das mãos se moveram, como intranqüilos, a um doslados do corpo. Logo, devagar, seu braço começou a levantar-se para ele.
E, de repente, o controle que ele tinha sobre ela se rompeu.
Ele sentiu que lhe expulsava de sua mente, desconectava dele. O corredor de sua vontade era como uma porta de ferro que se fechava entre ambos, uma porta que lhe houvesse custado muito penetrar embora se encontrasse em condições ótimas.
—Que diabos? —exclamou ela em voz baixa, reconhecendo perfeitamente qual era o truque—. Te ouvi, agora, em minha cabeça. Meu Deus. Tem-me feito isto antes, verdade?
—Não me está deixando muitas escolhas, Gabrielle.
Ele tentou outra vez. E sentiu que lhe empurrava fora, esta vez com maior desespero. Com mais medo.
Ela se levou o dorso da mão até a boca, mas não pôde afogar de todo o grito quebrado que lhe saía pela garganta.
Retrocedeu cambaleando-se pela esquina.
E logo se deu a volta na escuridão da rua para escapar dele.
—Você, menino. Agarra a porta em meu lugar, de acordo?
O servente demorou um segundo em dar-se conta de que lhe estavam falando a ele, de tão distraído como estava olhando a mulher Maxwell em meio da rua, diante da delegacia de polícia. Inclusive agora, enquanto sujeitava a porta aberta para que um mensageiro entrasse com quatro caixas de pizza fumegantes, sua atenção permanecia cravada na mulher enquanto esta se afastava da esquina e corria rua abaixo.
Como se tentasse deixar a alguém detrás.
O servente olhou a uma enorme figura vestida de negro que estava em pé e que observava como ela escapava. Esse macho era imenso, facilmente media dois metros de altura, os ombros, sob a jaqueta de pele, eram largos como os de um defesa. Dele emanava um ar de ameaça que se percebia do outro lado da rua onde agora se encontrava o servente, em pé, estupefato, sujeitando ainda a porta da delegacia apesar de que as pizzas se encontravam amontoadas já em cima do balcão de recepção.
Embora ele nunca tinha visto nenhum dos vampiros a quem seu senhor desprezava tão abertamente, o servente soube sem dúvida nenhuma que nesse momento estava vendo um deles.
Seguro que essa era uma oportunidade de ganhar a apreciação se avisasse a seu senhor da presença tanto da mulher como do vampiro a quem ela parecia conhecer, além de temer.
O servente voltou a entrar na delegacia de polícia. Tinha as mãos úmidas de suor por causa da excitação ante a glória que lhe esperava. Com a cabeça abaixada, seguro de sua habilidade de mover-se por toda parte e de passar desapercebido, começou a cruzar o vestíbulo a um passo apressado.
Nem sequer viu que o menino da pizza se cruzava em seu caminho até que se chocou com ele, com a cabeça. Uma caixa de cartão foi chocar-se contra o peito, da qual emanou um aroma de queijo quente, e a caixa caiu no sujo linóleo do chão pulverizando o conteúdo aos pés do servente.
—Né, cara. Está pisando em minha seguinte entrega. É que não olha por onde vai?
Ele não se desculpou, nem se deteve para tirar o gordurento queijo e o pepperoni do sapato. Introduziu a mão no bolso da calça e foi procurar um lugar tranqüilo de onde fazer sua importante chamada.
—Espera um segundo, amigo.
Era o velho e calvo agente, em pé no vestíbulo, quem gritava agora. Embutido em sua uniforme durante suas últimas horas de trabalho, Carrigan tinha estado perdendo o tempo incomodando a recepcionista do vestíbulo.
O servente não fez caso da voz ensurdecedora do policial que lhe chamava a suas costas e continuou caminhando, com a cabeça agachada, em linha reta em direção a porta da escada que estava perto do lavabo, justo fora do vestíbulo.
Carrigan soltou um bufido com todas suas forças e ficou boquiabierto, com expressão de evidente incredulidade ao ver que sua autoridade era completamente ignorada.
—Né, chupatintas! Estou falando contigo. Hei-te dito que volte e que limpe esta porcaria. E quero dizer que o faça agora, cabeça oca!
—Limpa-o você mesmo, porco arrogante —disse em voz baixa e quase sem alento. Logo abriu a porta de metal que dava as escadas e começou a baixar a passo rápido.
Nesse momento e por cima dele, ouviu que a porta se abria com um estrondo ao golpear o outro lado da parede e que os degraus vibravam como sob o efeito de uma explosão sônica.
—O que é o que acaba de dizer? Que merda acaba de me chamar,idiota?
—Já me ouviste. E agora me deixe em paz, Carrigan. Tenho coisas mais importantes que fazer.
O servente tirou o telefone celular para tentar contatar o único que de verdade lhe podia dar ordens. Mas antes de que tivesse tempo de apertar o botão de marcação rápida para ficar em comunicação com seu senhor, o corpulento polícia já se lançou escada abaixo. Uma mão enorme deu um golpe ao servente na cabeça. Os ouvidos apitaram, a vista lhe nublou a causa do impacto, o celular saiu despedido da mão e caiu ao chão com um som seco, vários degraus mais abaixo.
—Obrigado por me oferecer uma anedota de risada para meu último dia de trabalho —lhe disse em tom provocador. Passou-se um gordinho dedo pelo pescoço da camisa, muito apertada, e logo, com gesto despreocupado, levantou uma mão para voltar a colocar a última mecha de cabelo que tinha em seu lugar.
— E agora, te leve esse rabo esquelético escada acima antes de que lhe dê uma boa patada. Ouviste-me?
Houve um tempo, antes de que conhecesse quem chamava seu Professor, em que um desafio como esse, e em especial por parte de um fanfarrão como Carrigan, não tivesse passado como nada.
Mas esse policial suarento e salivoso que agora lhe olhava de acima das escadas lhe resultava insignificante à luz dos deveres que lhes eram confiados aos escolhidos como ele. O servente se limitou a piscar umas quantas vezes e logo se deu a volta para recolher o telefone móvel e continuar a tarefa que tinha entre mãos.
Somente conseguiu baixar dois degraus antes de que Carrigan caísse sobre ele outra vez. Notou que uns dedos fortes lhe sujeitavam pelos ombros e lhe obrigavam a dar a volta. Os olhos do servente caíram soubre uma elegante caneta que Carrigan levava no bolso do uniforme. Reconheceu o emblema comemorativo dos serviços emprestados mas imediatamente recebeu outro golpe seco no crânio.
—O que te passa, é que está surdo e mudo? Te aparte de minha vista ou vou a...
Nesse momento, o policial se engasgou e soltou o ar de repente e o servente recuperou a consciência. Viu a si mesmo com a caneta do agente na mão cravando-lhe profundamente pela segunda vez, com uma investida brutal, na carne do pescoço do Carrigan.
O servente lhe cravou uma e outra vez a arma improvisada até que o policial se desabou no chão e ficou ali tendido como um vulto destroçado e sem vida.
Ele abriu a mão e a caneta caiu no atoleiro de sangue que se havia formado nas escadas. Imediatamente e esquecendo-o tudo, se agachou e voltou a tomar o telefone celular. Tinha intenção de fazer essa crucial chamada imediatamente, mas não podia deixar de olhar o desastre que acabava de provocar, um desastre que não ia ser tão fácil de limpar como os restos de pizza no vestíbulo.
Isso tinha sido um engano, e qualquer aprovação que pudesse receber ao informar ao seu senhor sobre o paradeiro da mulher Maxwell lhe seria retirada quando contasse que se comportou de maneira tão impulsiva na delegacia de polícia. Matar sem autorização invalidava qualquer outra coisa.
Mas possivelmente houvesse um caminho ainda mais seguro para conseguir o favor de seu senhor, e esse caminho consistia em capturar e entregar essa mulher a seu senhor em pessoa.
«Sim —pensou o servente.
— Esse era um prêmio para impressionar.»
Colocou o telefone celular no bolso e voltou até o corpo de Carrigan para lhe tirar a arma do arnês. Logo passou por cima do corpo e se apressou para uma entrada traseira que comunicava com o estacionaminto.
CONTINUA
Capítulo sete
—Dê uns minutos mais e o céu —disse Gabrielle, olhando dentro do forno da cozinha e permitindo que o rico aroma dos manicotti Calhes se pulverizasse pelo apartamento.
Fechou a porta do forno, voltou a programar o relógio digital, serviu-se outra taça de vinho tinto e a levou a sala de estar. No sistema de áudio soava com suavidade um velho cd da Sara McLahlan. Passavam uns minutos das sete da tarde, e Gabrielle tinha começado, por fim, a relaxar-se depois da pequena aventura da manhã no asilo abandonado. Tinha conseguido um par de fotos decentes que possivelmente dessem para algo, mas o melhor de tudo era que tinha conseguido escapar do sistema de segurança do edifício.
Somente isso já era digno de celebração.
Gabrielle se acomodou em um fofo rincão do sofá, quente dentro das calças cinzas de ioga e da camiseta rosa de manga larga. Acabava-se de dar um banho e ainda tinha o cabelo úmido; umas mechas lhe desprendiam da pregadeira em que se recolheu o cabelo despreocupadamente, na nuca. Agora se sentia limpa e começava a relaxar-se por fim, e se sentia mais que contente de ficar em casa para passar a noite desfrutando de sua solidão.
Por isso, quando soou o timbre da porta ao cabo de um minuto, soltou uma maldição em voz baixa e pensou em fazer caso omisso dessa interrupção indesejada. O timbre soou pela segunda vez, insistente, seguido por uns rápidos golpes na porta jogo de dados com força e que não soavam como que foram aceitar um não por resposta.
—Gabrielle.
Gabrielle já se pôs em pé e se dirigia cautelosamente para a porta, quando reconheceu essa voz imediatamente. Não deveria havê-la reconhecido com tanta certeza, mas assim era. A profunda voz de barítono de Lucan Thorne atravessou a porta e lhe meteu no corpo como se fosse um som que tivesse ouvido milhares de vezes antes e que a tranquilizava tanto como lhe disparava o pulso, enchendo a de expectativas.
Surpreendida e mais agradada do que queria admitir, Gabrielle abriu os múltiplos ferrolhos e lhe abriu a porta.
—Olá.
—Olá, Gabrielle.
Ele a saudou com uma inquietante familiaridade: seus olhos eram intensos baixo essas escuras sobrancelhas de linha decidida. Esse penetrante olhar percorreu lentamente o corpo de Gabrielle, desde sua cabeça despenteada, passando pelo sinal da paz costurado em seda na camiseta que cobria o peito sem sutiens, até os dedos dos pés que apareciam nus por debaixo das pernas das calças boca de sino.
—Não esperava a visita de ninguém. —Disse-o como desculpa por seu aspecto, mas não pareceu que a Thorne importasse. Em realidade, quando ele voltou a dirigir sua atenção ao rosto dela, Gabrielle sentiu que se ruborisava repentinamente por causa da forma em que a estava olhando.
Como se queria devorá-la ali mesmo.
—OH, trouxe-me o telefone celular —disse ela, sem poder evitar dizer uma obviosidade, ao ver o brilho metálico na mão dele.
O alargou a mão, oferecendo-lhe,
—Mais tarde que o que deveria. Peço-lhe desculpas.
Tinha sido sua imaginação, ou os dedos dele tinham roçado os seus de forma deliberada quando ela tomava o celular de sua mão?
—Obrigado por devolver-me disse isso ela, ainda apanhada no olhar dele—. pôde... isto... pôde fazer algo com as imagens?
—Sim. Foram de grande ajuda.
Ela suspirou, aliviada de que a polícia estivesse, por fim, de sua parte nesse assunto.
—você crê que poderá apanhar aos tipos das fotos?
—Estou seguro disso.
O tom da voz dele tinha sido tão ameaçador que Gabrielle não o duvidou nem um instante. A verdade era que começava a ter a sensação de que o detetive Thorne era um menino travesso no pior de seus pesadelos.
—Bom, essa é uma notícia fantástica. Tenho que admitir que todo esse assunto me deixou um pouco intranqüila. Suponho que presenciar um assassinato brutal tem esse efeito em uma pessoa, verdade?
Ele se limitou a responder com um direto assentimento de cabeça. Era um homem de poucas palavras, isso era evidente, mas quem necessitava palavras quando se tinham uns olhos como esses que eram capazes de desnudar a alma?
Nesse momento, a suas costas, o alarme do forno da cozinha começou a soar. Gabrielle se sentiu aborrecida e aliviada ao mesmo tempo.
—Merda. Isso... isto... é meu jantar. Será melhor que o apague antes de que se dispare o alarme contra incêndios. Espere aqui um segundo... quero dizer, quer...? —Respirou fundo para tranqüilizar-se; não estava acostumada a sentir-se tão insegura com ninguém.
— Entre, por favor. Volto em seguida.
Sem duvidar nem um momento, Lucan Thorne entrou no apartamento atrás dela, Gabrielle se dava a volta para deixar o telefone celular e dirigir-se a cozinha para tirar os manicotti do forno.
—Interrompi algo?
Gabrielle se surpreendeu para ouvir que lhe falava desde dentro da cozinha, como se a tivesse seguido imediatamente e em silencio do mesmo instante em que lhe tinha convidado a entrar. Gabrielle tirou a bandeja com a massa fumegante do forno e a deixou em cima da mesa para que se esfriasse. Tirou-se as luvas de cozinha, quentes, e se deu a volta para lhe dedicar ao detetive um sorriso orgulhoso.
—Estou de celebração.
Ele inclinou a cabeça e jogou uma olhada ao silencioso ambiente que lhes rodeava.
—Sozinha?
Ela se encolheu de ombros.
—A não ser que você queira me acompanhar.
O leve gesto de cabeça que ele fez parecia mostrar reticência, mas imediatamente se tirou o casaco escuro e o deixou, dobrado, em cima do respaldo de um dos tamboretes que havia na cozinha. Sua presença era peculiar e lhe impedia de concentrar-se, especialmente nesses momentos em que ele se encontrava dentro da pequena cozinha: esse homem desconhecido e musculoso de olhar cativante e de um atrativo ligeiramente sinistro.
Ele se apoiou no mármore da cozinha e a observou enquanto ela se ocupava da bandeja de massa.
—O que celebramos, Gabrielle?
—Que hoje vendi algumas fotografias, em uma amostra privada, em um escritório brega do centro da cidade. Meu amigo Jamie me chamou faz uma hora aproximadamente e me deu a notícia.
Thorne sorriu levemente.
—Felicidades.
—Obrigado. —Ela tirou outra taça do armário da cozinha e levantou a garrafa aberta do Chianti.
— Quer um pouco?
O negou lentamente com a cabeça.
—Infelizmente, não posso.
—OH, sinto-o —repôs ela, recordando qual era sua profissão.
— De serviço, verdade?
Ele apertou a mandíbula.
—Sempre.
Gabrielle sorriu, levou-se uma mão até uma mecha que lhe tinha desprendido da cauda e o colocou detrás da orelha. Thorne seguiu com o olhar o movimento de sua mão, e seus olhos se detiveram no arranhão que Gabrielle tinha na bochecha.
—O que lhe aconteceu?
—OH, nada —respondeu ela, pensando que não era uma boa idéia contar a um policial que se passou parte da manhã dentro de um velho psiquiátrico no qual tinha entrado de maneira ilegal.
— Ésomente um arranhão: ossos do ofício, de vez em quando. Estou segura de que sabe do que lhe falo.
Gabrielle riu, um pouco nervosa, porque de repente ele se estava acercando a ela com uma expressão muito séria no rosto. Com apenas uns quantos passos se colocou justo diante dela. Seu tamanho, sua força —que resultava evidente—, era entristecedora. A essa curta distância, Gabrielle pôde ver os músculos bem desenhados que se marcavam e se moviam desde sua camisa negra. Essa malha de qualidade lhe caía nos ombros, no peito e nos braços como se o tivessem feito a medida para que lhe sentasse perfeitamente.
E seu aroma era incrível. Não notou que levasse colônia, somente notou um ligeiro aroma a memora e a pele, e a um pouco mais denso, como uma especiaria exótica que não conhecia. Fossr o que fosse, esse aroma invadiu todos seus sentidos como algo elementar e primitivo e fez que se aproximasse ainda mais a ele em um momento no qual o que deveria ter feito era apartar-se.
Ele alargou a mão e Gabrielle agüentou a respiração ao notar que a acariciava a linha da mandíbula com a ponta dos dedos. A nudez desse contato irradiou calor sobre sua pele, que se estendeu para seu pescoço enquanto lhe acariciava com a mão a sensível pele debaixo da orelha e da nuca. Acariciou-lhe o arranhão da bochecha com o dedo polegar. A ferida lhe tinha ardido antes, quando a tinha limpo, mas nesse momento, essa tenra e inesperada carícia não a incomodou absolutamente.
Não sentia nada mais que uma cálida frouxidão e uma lenta dor que lhe formava redemoinhos no mais profundo de seu corpo.
Para sua surpresa, ele se inclinou para diante e lhe deu um beijo no arranhão. Os lábios dele se entretiveram nesse ponto um instante, o tempo suficiente para que ela compreendesse que esse gesto era um prelúdio a algo mais. Gabrielle fechou os olhos: sentia o coração acelerado. Não se moveu e quase nem respirou enquanto notava o contato dos lábios de Lucan que se dirigiam para os seus. Os beijou com intensidade, e notou a chicotada do desejo apesar da suavidade e a calidez dos lábios dele. Gabrielle abriu os olhos e viu que ele a estava olhando. Os olhos dele tinham uma expressão selvagem e animal que lhe provocou uma corrente de ansiedade que lhe percorreu todas as costas.
Quando finalmente foi capaz de falar, a voz lhe saiu débil e quase sem fôlego.
—Tem que fazer isto?
Esse olhar penetrante permaneceu cravado em seus olhos.
—OH, sim.
Ele se inclinou para ela outra vez e lhe acariciou as bochechas, o queixo e o pescoço com os lábios. Ela suspirou e ele apanhou esse ar com um profundo beijo, lhe penetrando a boca com a língua. Gabrielle lhe recebeu, vagamente consciente de que as mãos dele se encontravam sobre suas costas agora e que se deslizavam por debaixo da camiseta. E lhe acariciou, percorrendo a coluna com as pontas dos dedos. Essa carícia se deslocou com um movimento preguiçoso para baixo, e continuou por cima da malha da calça. Essas mãos fortes se acoplaram a curva de suas nádegas e as apertaram ligeiramente. Ela não resistiu. Ele voltou a beijá-la, mais profundamente, e a atraiu devagar para si até que a pélvis dela entrou em contato com o duro músculo de sua entre perna.
Que diabos estava fazendo? Estava utilizando a cabeça?
—Não —disse ela, tentando recuperar o sentido comum.
— Não, um momento. Pare. —Deus, detestou como tinha divulgado essa palavra, agora que a sensação dos lábios dele sobre os sua era tão agradável.
— Está... Lucan... está com alguém?
—Olhe a seu redor, Gabrielle. —Passou-lhe os lábios por cima dos dela enquanto o dizia e ela se sentiu enjoada de desejo.
— Estamos somente você e eu.
—Tem namorada —gaguejou ela entre beijo e beijo. Possivelmente já era um pouco tarde para perguntá-lo, mas tinha que sabê-lo, inclusive apesar de que não estava segura de como reagiria ante uma resposta que não fosse a que queria ouvir.
— Tem casal? Está casado? Por favor, não me diga que está casado...
—Não há ninguém mais.
«Somente você.»
Ela estava bastante segura de que ele não tinha pronunciado essas duas últimas palavras, mas Gabrielle as ouvia em sua cabeça, ouvia seu eco quente e provocador, vencendo todas suas resistências.
«OH, ele resulta muito agradável.» Ou possivelmente era que ela estava tão desesperada por ele, que esse simples e único sinal que lhe oferecia era suficiente. Essa e a que combinava essas mãos suaves e esses quentes e famintos lábios. Apesar de tudo, lhe acreditou sem sombra de dúvida. Sentiu como se todos e cada um dos sentidos dele estivessem sozinho concentrados nela.
Como se somente existisse ela, somente ele, e essa coisa quente que havia entre eles.
E que, inegavelmente, tinha existido entre eles do mesmo momento em que ele tinha subido as escadas de sua casa pela primeira vez.
—OH —exclamou ela enquanto exalava todo o ar dos pulmões com um comprido suspiro. Ela se apertou contra ele desfrutando da sensação de notar essas mãos sobre sua pele, lhe acariciando a garganta, o ombro, o arco das costas.
— O que estamos fazendo, Lucan?
Ele emitiu um grunhido divertido que ela sentiu no ouvido, grave e prófundo como a noite.
—Acredito que já sabe.
—Eu não sei nada, nada quando faz isso. OH... Deus.
Ele deixou de beijá-la um instante e a olhou aos olhos com intensidade enquanto se apertava contra ela com um gesto lento e deliberado. O sexo dele se apertou, rígido, contra o estômago dela. Ela notava a solidez e a dimensão de seu membro, sentia a pura força e tamanho de seu pênis, inclusive através da barreira da roupa. Sentiu a umidade entre as pernas no mesmo instante em que a idéia de lhe receber dentro de si passou pela cabeça.
—É por isso que vim esta noite. —A voz de Lucan soou rouca contra seu ouvido.
—O compreende, Gabrielle? Desejo-te.
Esse sentimento era mais que mútuo. Gabrielle gemeu e esfregou seu corpo contra o dele com um desejo que não podia, nem queria, controlar.
Isso não estava acontecendo. Não estava acontecendo, realmente. Tinha que tratar-se de outro sonho louco, como o que tinha tido depois da primera vez que lhe tinha visto. Ela não estava em pé na cozinha com Lucan Thorne, nem estava permitindo que esse homem ao que quase não conhecia a seduzisse. Estava sonhando, tinha que estar sonhando, e ao cabo de pouco tempo despertaria no sofá, sozinha, como sempre, com a taça de vinho atirada no tapete e seu jantar no forno, queimado.
Mas ainda não.
OH, Deus, por favor, ainda não.
Sentir como lhe acariciava a pele, como bulia de desejo sua língua, era melhor que qualquer sonho, inclusive melhor que esse delicioso sonho que tinha tido antes, se é que isso era possível.
—Gabrielle —sussurrou ele.
— Me diga que você também quer isto.
—Sim.
Gabrielle notou que ele introduzia uma mão entre os corpos de ambos, urgente, e sentiu o fôlego quente dele em sua garganta.
—Me sinta, Gabrielle. Date conta de até que ponto te necessito.
Ela sentiu os dedos dele ligeiros ao entrar em contato com os seus. Conduziu-lhe a mão até a tensa ereção, liberada agora de seu confinamento. Gabrielle lhe rodeou o pênis com a mão e acariciou sua pele aveludada lentamente, lhe medindo. Essa parte de seu corpo era tão grande como o resto, e tinha uma força brutal apesar de que era muito suave. Sentir o peso do sexo dele na mão a transtornou como se tivesse tomado uma droga. Apertou a mão ao redor do pênis e atirou para cima, acariciando com a ponta dos dedos o grosso glande.
Enquanto Gabrielle subia e baixava com a mão ao longo de seu membro, Lucan se retorcia. Notou que as mãos dele tremiam enquanto se deslocavam dos quadris dela até a parte dianteira da pantalona para desabotoar-lhe, atirou do nó do cordão e soltou um juramento em algum idioma estranho com os lábios quentes contra seu cabelo. Gabrielle sentiu uma corrente de ar frio sobre o ventre e, imediatamente, o calor repentino da mão de Lucan, que acabava de introduzir-lhe dentro da calça.
Ela estava úmida por ele, tinha perdido a cabeça e sentia que o desejo lhe queimava.
Ele introduziu os dedos com facilidade por entre os cachos de sua entre perna e em seu sexo empapado, provocando-a com a brincadeira de sua mão contra sua carne. Ela gritou ao sentir que o desejo a invadia em uma quebra de onda que a deixou tremendo.
—Necessito-te —lhe confessou em um fio de voz, nua pelo desejo. Por resposta, lhe introduziu um comprido dedo dentro da vagina e logo outro. Gabrielle se retorceu ao sentir essa carícia tentadora que ainda não a enchia.
—Mais —disse, quase sem fôlego—. Lucan, por favor... necessito... mais.
Um escuro grunhido de paixão soou na garganta dele enquanto voltava a atacar seus lábios com outro beijo faminto. A calça dela se escorregou até o chão. Detrás, seguiram-lhe as calcinhas, a fina malha se rompeu com a força e a impaciência da mão de Lucan. Gabrielle sentiu que o ar frio lhe acariciava a pele, mas então Lucan ficou de joelhos diante dela e ela se acendeu antes de ter tempo de voltar a respirar. Ele a beijou e a lambeu, lhe sujeitando com força a parte interior das coxas com as mãos e lhe fazendo abrir as pernas para satisfazer seu desejo carnal. Sentiu a língua dele que a penetrava, sentiu que os lábios dele a chupavam com força, e não pôde evitar sentir que as pernas lhe fraquejavam.
Gozou rapidamente, com mais força da que teria imaginado. Lucan a sujeitava com firmeza com as mãos, apertando seu úmido sexo contra ele, sem lhe dar trégua Apesar de que o corpo dela tremia e se retorcia e que seu fôlego era agitado e entrecortado enquanto ele a conduzia para o orgasmo outra vez. Gabrielle fechou os olhos e jogou a cabeça para trás, rendendo-se a ele, e a loucura desse inesperado encontro. Cravou-lhe as unhas nos ombros para sujeitar-se, porque sentia que as pernas lhe falhavam.
Sentiu, de novo, o alívio do orgasmo em todo o corpo. Primeiro a possuiu com uma força férrea, arrastando-a a um país de uma sensualidade de sonho, e logo a soltou e ela se sentiu cair e cair...
Não, estava-a levantando, pensou, aturdida por essa neblina sexual. Os braços de Lucan a sujeitavam com ternura por debaixo das costas e dos joelhos. Agora ele estava nu, e ela também, Apesar de que não podia recordar quando se tirou a camiseta. Lhe rodeou o pescoço com os braços e ele a tirou da cozinha para a sala de estar, onde soava pelos alto-falantes a voz do Sarah McLahlan em um tema que falava de abraçar a alguém e de lhe beijar até lhe deixar sem respiração.
A suavidade do sofá a recebeu assim que Lucan a teve depositado no sofá para colocar-se em cima dela. Não foi até esse momento que ela pôde lhe ver por completo, e o que viu era magnífico. Um metro noventa e oito de sólida musculatura e de pura força masculina que a apanhava por cima, e esses sólidos braços a cada lado de seu corpo.
Como se a pura beleza do corpo dele não fosse suficiente, a impressionante pele de Lucan mostrava umas intrincadas tatuagens que a deixaram boquiaberta. O complicado desenho de linhas curvas e formas entrecruzadas se desdobrava por cima de seus peitorais e de seu forte abdomen, subia-lhe pelos largos ombros e lhe rodeava os grossos bíceps. A cor era confusa, variava de um verde mar, a um siena, um vermelho bordo que parecia tomar um tom mais intenso quando ela o olhava.
Ele baixou a cabeça para concentrar-se em seus peitos, e Gabrielle viu que a tatuagem lhe cobria as costas e desaparecia sob o cabelo da nuca. A primeira vez que lhe viu, sentiu o desejo de percorrer com os dedo essa marca. Agora sucumbiu a ele, abandonando-se, deixando que suas mãos percorressem todo o corpo dele, maravilhada tanto por esse homem misterioso como por essa estranha arte que sua pele mostrava.
—Me beije —lhe suplicou, lhe sujeitando os ombros tatuados com ambas as mãos.
Ele começou a levantar a cabeça e Gabrielle arqueou as costas debaixo dele, sentindo-se enfebrecida pelo desejo, precisando lhe sentir dentro de seu corpo. Sua ereção era dura como o aço e quente contra suas coxas. Gabrielle deslizou as mãos para baixo e lhe acariciou enquanto levantava os quadris para lhe receber.
—Tome —sussurrou ela—. Me encha, Lucan. Agora. Por favor.
Ele não o negou.
O grosso glande de seu membro pulsava, duro e sensível, na entrada de sua vagina. Ele estava tremendo e ela se deu conta de uma forma um tanto confusa. Esses impressionantes ombros tremiam sob o contato de suas mãos, como se ele se esteve contendo todo esse tempo e estivesse a ponto de explodir. Ela queria que ele gozasse com a mesma força com que o tinha feito ela. Precisava lhe ter dentro dela ou ia morrer. Ele emitiu um grunhido afogado, os lábios lhe roçando a sensibilidade da pele do pescoço.
—Sim —lhe animou ela, movendo-se debaixo dele para que seu pênis se crava-se até o centro de seu corpo.
— Não seja suave. Não vou romper.
Ele levantou a cabeça finalmente e, por um instante, olhou-a aos olhos. Gabrielle lhe olhou, com as pálpebras pesadas, assustada pelo fogo indómito que viu nele: seus olhos brilhavam com umas chamas gêmeas de uma cor prateado pálido que lhe alagava as pupilas e penetrava nos olhos dela com um calor sobrenatural. Os rasgos do rosto dele pareciam mais afiados, sua pele parecia estirar-se sobre suas maçãs do rosto e suas fortes mandíbulas.
Era verdadeiramente peculiar como a tênue luz da habitação jogava sobre esses rasgos.
Esse pensamento ainda não lhe tinha terminado de formar por completo quando as luzes da sala de estar se apagaram de uma vez. Tivesse-lhe parecido estranho se Lucan, nesse momento, quando a escuridão caiu sobre eles, não a tivesse penetrado com uma forte e profunda investida. Gabrielle não pôde reprimir um gemido de prazer ao notar que ele a enchia, abria-a, empalava-a até o centro de seu corpo.
—OH, Meu deus —exclamou ela quase em um soluço, aceitando toda a dureza e dimensão dele.
— É tão prazeiroso.
Ele baixou a cabeça até o ombro dela e soltou um grunhido enquanto saía de sua vagina. Logo investiu com mais força que antes. Gabrielle se sujeitou as costas dele, lhe atraindo para si, enquanto levantava as cadeiras para receber suas fortes investidas. Ele soltou um juramento, quase sem respiração, que pareceu um som escuro e animal. Seu pênis se deslizava dentro dela e parecia inchar-se mais a cada movimento de seus quadris.
—Necessito foderte, Gabrielle. Precisava estar dentro de ti do primeiro momento em que te vi.
A franqueza dessas palavras, o fato de que admitisse que a tinha desejado tanto como lhe tinha desejado a ele somente serviu para que ela se inflamasse mais. Enredou os dedos no cabelo dele, e gritou, sem respiração, à medida que o ritmo dele se incrementava. Agora ele entrava e saía, incansável, entre suas pernas. Gabrielle sentiu a corrente do orgasmo no mais profundo de seu ventre.
—Poderia estar fazendo isto toda a noite —disse ele com voz rouca, seu fôlego quente contra o pescoço dela.
— Acredito que não posso parar.
—Não o faça, Lucan. OH, Deus... não o faça.
Gabrielle se agarrou a ele enquanto ele bombeava dentro de seu corpo. Era o único que pôde fazer enquanto um grito lhe rompia a garganta e gozava e gozava e gozava uma vez detrás de outra, imparavel.
Lucan saiu do apartamento de Gabrielle e percorreu a escura e silenciosa rua a pé. Tinha-a deixado dormindo no dormitório de seu apartamento, com a respiração compassada e tranqüila, o delicioso corpo esgotado depois de três horas de paixão sem parar. Nunca havia transado com tanta fúria, durante tanto tempo, nem tão completamente com ninguém.
E ainda desejava mais.
Mais dela.
O fato de que tivesse conseguido lhe ocultar o alongamento das presas e o brilho de selvagem desejo de seus olhos era um milagre.
O fato de que não tivesse cedido à necessidade invencível e urgente de lhe cravar as afiadas presas na garganta e beber até ficar embriagado era ainda mais impressionante.
Mas não confiava em si mesmo o suficiente para ficar perto dela enquanto cada uma das enfebrecidas células de seu corpo lhe doía pelo desejo de fazê-lo.
Provavelmente, a ter ido ver essa noite tinha sido um monstruoso engano. Tinha pensado que ter sexo com ela apagaria o fogo que lhe acendia, mas nunca se equivocou tanto. Ter tomado a Gabrielle, ter estado dentro dela, somente tinha servido para pôr em evidência a debilidade que sentia por ela. Tinha-a desejado com uma necessidade animal e a tinha açoitado como o depredador que era. Não estava seguro de ter sido capaz de aceitar um não como resposta. Não acreditava que tivesse sido capaz de controlar o desejo que sentia por ela.
Mas não lhe tinha rechaçado.
Não o tinha feito, não.
Em retrospectiva, tivesse sido um ato de misericórdia que ela o ouvesse feito, mas em lugar disso, Gabrielle tinha aceito por completo sua fúria sexual e tinha exigido que não lhe desse nada inferior a isso .
Se nesse mesmo momento, desse meia volta e voltasse para seu apartamento para despertá-la, poderia passar umas quantas horas mais entre suas impressionantes e acolhedoras coxas. Isso, pelo menos, satisfaria parte de sua necessidade. E se não podia saciar a outra parte, esse tortura que crescia cada vez mais em seu interior, podia esperar a que se levantasse o sol e deixar que seus mortais raios o abrasassem até a destruição.
Se o dever que tinha para a raça não lhe tivesse tão comprometido, consideraria essa opção como uma possibilidade atrativa.
Lucan pronunciou um juramento em voz baixa. Saiu do bairro de Gabrielle e se internou na paisagem noturna da cidade. Tremiam-lhe as mãos. Lhe havia agudizado a vista, e seus pensamentos começavam a ser selvagens. O corpo lhe picava; sentia-se ansioso. Soltou um grunhido de frustração: conhecia esses sintomas muito bem.
Precisava voltar a alimentar-se.
Fazia muito pouco tempo que tinha tomado a quantidade suficiente de sangue para manter-se durante uma semana, possivelmente mais. Isso havia sido umas quantas noites atrás e, apesar disso, lhe retorcia o estômago como se estivesse desfalecido de fome. Fazia muito tempo que sua necessidade de alimentar-se tinha piorado e já quase resultava insuportavel quando tentava reprimir-lhe.
Isso era o que lhe tinha permitido chegar tão longe.
Em um momento ou outro ia chegar ao final da corda. E então o que?
De verdade acreditava que era tão distinto de seu pai?
Seus irmãos não tinham sido distintos de seu pai, e eles eram maiores e mais fortes que ele. A sede de sangue os tinha levado aos dois: um deles se tirou a vida quando o vício foi demasíado forte; o outro foi mais à frente ainda, converteu-se em um renegado e perdeu a cabeça sob a folha mortal de um guerreiro da raça.
Ter nascido na primeira geração lhe tinha dado a Lucan uma grande força e um grande poder —e lhe tinha permitido gozar de um imediato respeito que ele sabia que não merecia—, mas isso era tanto um dom como uma maldição. Perguntava-se quanto tempo mais poderia continuar lutando contra a escuridão de sua própria natureza selvagem. Algumas noites se sentia muito cansado de ter que fazê-lo.
Enquanto caminhava entre a gente que povoava as ruas noturnas Lucan deixou vagar o olhar. Embora estava preparado para entrar em batalha se tinha que fazê-lo, alegrou-se de que não houvesse nenhum renegado a vista. Somente viu uns quantos vampiros da última geração que pertenciam ao Refúgio Escuro dessa zona: um grupo de jovens machos que se mesclaram com um animado grupo de seres humanos que tinham saído de festa e que procuravam dissimuladamente, igual a ele, um anfitrião de sangue. Enquanto se dirigia para eles por essa parte da calçada, viu que os jovens se davam cotoveladas uns aos outros e lhes ouviu sussurrar as palavras «guerreiro» e «primeira geração». A admiração que mostravam abertamente e sua curiosidade resultavam aborrecida, embora não era algo pouco habitual. Os vampiros que nasciam e cresciam nos Refúgios Escuros raramente tinham a oportunidade de ver um membro da classe dos guerreiros, por não falar do fundador da antiga e orgulhosa e agora já antiquada Ordem.
A maioria deles conheciam as histórias que contavam que fazia varios séculos, oito dos mais ferozes e letais machos da raça se uniram em um grupo para assassinar aos últimos antigos selvagens e ao exército de renegados que lhes serviam. Esses guerreiros se converteram lenda e desde esse momento, a Ordem tinha sofrido muitas mudanças, havia crescido em número e suas localizações tinham aumentado nos períodos em que tinha havido conflito com os renegados e tinham detido sua atividade durante os largos períodos de paz.
Agora, a classe dos vampiros estava formada somente por um punhado de indivíduos em todo o planeta que operava de forma encoberta e muitas vezes independente e com não pouco desprezo da sociedade. Nesta época ilustrada de trato justo e de processos legais em que se encontrava a nação dos vampiros, as táticas dos guerreiros se consideravam renegadas e quase do outro lado da lei.
Como se Lucan, ou a qualquer dos guerreiros que se encontravam em primeira fila da luta com ele, importassem-lhes o mais mínimo as relações públicas.
Lucan grunhiu em direção aos jovens boquiabertos e dirigiu uma convite mental as fêmeas humanas com quem os vampiros tinham estado conversando na rua. Todos os olhos femininos ficaram cravados no puro poder que ele —e ele sabia— emanava em todas as direções. Duas das garotas —uma loira de peito abundante e uma ruiva de cabelo somente um pouco mais claro que o do Gabrielle— se separaram imediatamente do grupo e se aproximaram dele, esquecendo a seus amigos e aos outros machos imediatamente.
Mas Lucan somente necessitava a uma, e a eleição era fácil. Rechaçou a loira com um gesto de cabeça. Sua companheira se colocou sob o braço dele e começou alhe manusear enquanto ele a conduzia para um discreto e escuro rincão de um edifício próximo.
Se pos a tarefa sem duvidar nem um momento.
Apartou o cabelo da garota, impregnado do aroma de tabaco e a cerveja, de seu pescoço, lambeu-se os lábios e lhe cravou as presas estendidas na garganta. Ela sofreu um espasmo ao notar a dentada e levantou as mãos em um gesto instintivo no momento no qual ele começou a chupar com força o sangue de suas veias. Chupou durante um bom momento, não queria desperdiçar nada. A fêmea gemeu, não por causa do alarme nem da dor, a não ser a causa do prazer único que produzia sentir sair o sangue sob o domínio de um vampiro.
O sangue encheu a boca de Lucan, quente e denso.
Contra sua vontade, em sua mente se formou a imagem de Gabrielle em seus braços, e Lucan imaginou, por um muito breve instante, que era de seu pescoço de que chupava nesses momentos.
Que era o sangue dela a que lhe descia pela garganta e lhe entrava no corpo.
Deus, o que era pensar como seria chupar a veia de Gabrielle enquanto seu pênis se cravava no quente e úmido centro de seu corpo.
Que prazer só pensá-lo.
Apartou essa fantasia de sua mente com um grunhido feroz.
«Isso não vai acontecer nunca», disse a si mesmo, com dureza. A realidade era outra coisa, e era melhor que não a perdesse de vista.
A verdade era que não se tratava de Gabrielle, mas sim de uma estranha sem nome, justo tal e como ele o preferia. O sangue que tomava nesse momento não tinha a doçura de jasmim que ele tanto desejava, a não ser uma acidez amarga viciada por algum suave narcótico que sua anfitriã tinha ingerido recentemente.
Não lhe importava o sabor que tivesse. Quão único precisava era apaziguar a urgência da sede, e para isso servia qualquer. Continuou chupando e tragando com ansiedade, de forma expedita, como o fazia sempre quando se alimentava.
Quando teve terminado, passou a língua pelos dois orifícios para fecha-los. A jovem estava respirando agitadamente, tinha os lábios entre abertos e seu corpo estava lânguido como se tivesse acabado de ter um orgasmo.
Lucan pôs a palma da mão sobre a frente dela e a desceu para seu rosto para lhe fechar os olhos, vazios de expressão e sonolentos. Esse contato apagava qualquer lembrança do que acabava de acontecer entre eles.
—Seus amigos lhe estão procurando — disse a garota enquanto apartava a mão de seu rosto e lhe olhava, confundida, piscando.
— Deveria ir a casa. A noite está cheia de depredadores.
—De acordo —disse ela, assentindo com a cabeça.
Lucan esperou entre as sombras enquanto ela dava a volta a esquina do edifício e se dirigia para seus companheiros. Ele inalou com força através dos dentes e das presas: sentia todos os músculos do corpo tensos, duros e vivos. O coração lhe pulsava com força no peito. Somente pensar no sabor que devia ter o sangue de Gabrielle lhe tinha provocado uma ereção.
Seu apetite físico deveria haver-se apaziguado agora que já se havia alimentado, mas não se sentia satisfeito.
Ainda... desejava-a.
Emitiu um grunhido baixo e voltou a sair de caça a rua, mais mal humorado que nunca. Pôs o olhar na parte mais conflitiva da cidade com a esperança de encontrasse com um ou dois renegados antes de que começasse a sair o sol. De repente, precisava meter-se em uma briga desesperadamente. Precisava fazer mal a alguém, inclusive embora esse alguém acabasse sendo ele mesmo.
Tinha que fazer o que fosse necessário para manter-se afastado de Gabrielle Maxwell.
Capítulo oito
Ao princípio, Gabrielle pensou que se tratou somente de outro sonho erótico. Mas a manhã seguinte, ao despertar, tarde, nua na cama, com o corpo esgotado e dolorido nos lugares adequados, soube que, definitivamente, Lucan Thorne tinha estado ali, em carne e osso. E Deus, que carne tão impressionante. Tinha perdido a conta de quantas vezes a tinha levado até o climax. Se somava todos os orgasmos que tinha tido durante os últimos dois anos, provavelmente nem se aproximaria do que tinha experiente com ele a passada noite.
E apesar disso, no momento em que abriu os olhos e se deu conta, decepcionada, de que Lucan não se ficou ali, ainda desejava ter outro orgasmo mais. A cama estava vazia, o apartamento se encontrava em silêncio. Era evidente que ele se partiu em algum momento durante a noite.
Gabrielle estava tão esgotada que tivesse podido dormir o dia inteiro, mas tinha uma entrevista para com o Jamie e com as garotas, assim saiu da casa e se dirigiu por volta do centro da cidade vinte minutos depois do meio-dia. Quando entrou no restaurante de Chinatown se deu conta de que umas quantas cabeças se giravam a seu passo: notou as olhadas apreciativas de um grupo de tipos que pareciam modelos de publicidade e que se encontravam ante a barra de sushi e as de meia dúzia de executivos trajados que a seguiram enquanto ela se dirigia para a
mesa de seus amigos, ao fundo do restaurante.
Sentia-se sexy e segura de si mesmo, vestida com seu suéter de pescoço de pico de cor vermelha escuro e sua saia negra, e não lhe importava que fora evidente para todo mundo que se encontrava ali que tinha desfrutado da noite de sexo mais incrível de toda sua vida.
—Finalmente, honra-nos com sua presença! —exclamou Jamie assim que Gabrielle chegou a mesa e saudou seus amigos com uns abraços.
Megan lhe acariciou uma bochecha.
—Tem um aspecto fantástico.
Jamie assentiu com a cabeça.
—Sim, é verdade, carinho. Eu adoro o que tem posto. É novo? —Não esperou a que lhe respondesse. Voltou a sentar-se imediatamente ante a mesa e se meteu na boca um rollito frito.
— Morria de fome, assim já pedimos um aperitivo. Mas onde estiveste? Estava a ponto de mandar a um esquadrão para te buscar.
—Sinto muito. Hoje dormi um pouco.
—Sorriu e se sentou ao lado do Jamie, no banco de vinil de cor verde.
— Kendra não vem?
—Desaparecida em combate outra vez. —Megan tomou um sorvo de chá e se encolheu de ombros.
— Não importa. Ultimamente, somente fala de seu novo namorado, já sabe, esse menino que encontrou em La Notte o passado fim de semana.
—Brent —disse Gabrielle, controlando a pontada de desconforto que sentiu pela menção dessa terrível noite.
—Sim, ele. Ela inclusive conseguiu trocar seu turno pelo de dia no hospital para passar todas as noites com ele. Parece que ele tem que viajar muito para ir ao trabalho ou o que seja e normalmente não está disponivel durante o dia. Não me posso acreditar que Kendra permita que alguém lhe dirija a vida desta maneira. Ray e eu levamos três meses saindo, eu ainda tenho tempo para meus amigos.
Gabrielle arqueou as sobrancelhas. Dos quatro, Kendra era a mais livre de espírito, inclusive de forma impenitente. Preferia manter uns quantos amantes e tinha intenção de permanecer solteira pelo menos até que cumprisse os trinta.
—Crê que se apaixonou?
—Lascívia, carinho. —Jamie colheu com os palitos o último sushi.
— Às vezes te faz fazer coisas piores que o amor. Me acredite, passou-me.
Enquanto mastigava, Jamie cravou os olhos nos do Gabrielle durante um comprido momento. Logo se fixou no cabelo desordenado e em que ela, de repente, ruborizou-se. Gabrielle tentou sorrir com expressão despreocupada, mas não pôde evitar que seu segredo a traísse no brilho de felicidade de seus olhos. Jamie deixou os palitos no prato, inclinou a cabeça para ela e o cabelo loiro lhe caiu sobre a bochecha.
—OH, Meu deus. —Sorriu—. O tem feito.
—Fiz o que? —Mas lhe escapou uma suave gargalhada.
—Tem-no feito. Deitaste-te com alguém, verdade?
A gargalhada de Gabrielle se reduziu a uma tímida risadinha.
—OH, carinho. Pois te sinta bem, devo dizer. —Jamie lhe deu umas palmadinhas na mão e Riu com ela.
— A ver se o adivinho: é o escuro e sexy detetive do Departamento de Polícia de Boston.
Ela levantou os olhos ao céu para ouvir como lhe tinha qualificado, mas assentiu com a cabeça.
—Quando foi?
—Esta noite. Virtualmente toda a noite.
A expressão de entusiasmo do Jamie atraiu a atenção de algumas mesas próximas. Ele se acalmou um pouco, mas sorria a Gabrielle como uma orgulhosa mamãe ganso.
—Ele é bom, né?
—Incrível.
—De acordo. E como é possível que eu não saiba nada deste homem misterioso? —interrompeu Megan nesses momentos—. E é um policial? Possivelmente Ray lhe conheça. Posso-lhe perguntar...
—Não. —Gabrielle negou com a cabeça—. Por favor, não digam nada disto aninguém, meninos. Não estou saindo com Lucan. Veio ontem pela noite para me devolver o telefone celular e as coisas ficaram... bom... fora de controle. Nem sequer sei se vou voltar a lhe ver.
A verdade era que não tinha nem idéia disso mas, Deus, desejava que assim fosse.
Uma parte dela sabia que o que tinha ocorrido entre eles era algo insensato, uma loucura. Era-o. A verdade é que não podia negá-lo. Era de loucos. Ela sempre se teve por uma pessoa sensata, prudente: a pessoa que acautelava a seus amigos dos impulsos imprudentes como o que se permitiu a noite passada.
Tola, tola, tola.
E não somente por ter permitido que esse momento a apanhasse por completo até o ponto de ter esquecido tomar nenhum amparo. Ter relação íntimas com alguém que é virtualmente um desconhecido raramente era uma boa idéia, mas Gabrielle tinha a terrível sensação de que resultaria muito fácil perder o coração por um homem como Lucan Thorne.
Mas como, estava segura, não era menos que de idiotas.
Apesar de tudo, o sexo como o que tinha tido com ele não se dava freqüentemente. Pelo menos, não para ela. Somente pensar em Lucan Thorne fazia que tudo dentro de seu corpo se retorcesse de desejo. Se ele entrasse no restaurante justo nesse momento, provavelmente saltaria por sobre as mesas e se tornaria em cima dele.
—Ontem passamos juntos uma noite incrível, mas agora mesmo, isso é quão único há. Não quero tirar nenhuma conclusão disso.
—Ok! —Jamie apoiou um cotovelo na mesa e se apoiou nele com expressão conspiradora.
— Então, por que está a todo o momento?
—Onde diabos estiveste?
Lucan cheirou a Tegan antes de ver o vampiro dar a volta à esquina do corredor da zona de residência do complexo. O macho tinha estado caçando fazia pouco. Ainda arrastava o aroma metálico e adocicado do sangue, tanto de humano como de algum renegado.
Quando viu que Lucan lhe estava esperando fora de um dos apartamentos se deteve, com as mãos apertadas em punhos dentro dos bolsos da calça texana de cintura baixa. A camiseta cinza que levava posta estava desfiada em alguns pontos e suja de pó e de sangue. Tinha as pálpebras cansadas sobre os pálidos olhos verdes e se viam umas escuras olheiras. O cabelo, avermelhado, descuidado e comprido, caía-lhe sobre o rosto.
—Tem um aspecto de merda, Tegan.
Ele levantou os olhos por debaixo da franja de seu cabelo e se mostrou burlón, como sempre.
Seus fortes bíceps e antebraços estavam cobertos de dermoglifos. Essas elegantes e afiligranadas marca tinham somente um tom mais escuro que o de sua pele dourada e sua cor não desvelava o estado de ânimo do vampiro. Lucan não sabia se era por pura vontade que esse macho se encerrava em uma atitude permanente de apatia ou se era a escuridão de seu passado que verdadeiramente tinha apagado qualquer sentimento que pudesse ter.
Deus era testemunha de que tinha passado por algo que tivesse podido vencer a uma equipe inteira de guerreiros.
Mas os demônios pessoais que Tegan tivesse eram coisa dele. O único que lhe importava a Lucan era assegurar-se de que a Ordem se mantinha forte e a ponto. Não havia lugar para que essa correia tivesse enganos débeis.
—Faz cinco dias que estiveste fora de contato, Tegan. Lhe vou perguntar isso outra vez: onde merda estiveste?
O sorriu, zombador.
—Foda-se, cara. Não é minha mãe.
Começou a afastar-se, mas Lucan lhe fechou o passo com uma velocidade assombrosa. Levantou Tegan pelo pescoço e o empurrou contra a parede do corredor para captar sua atenção.
A fúria de Lucan estava em seu ponto máximo: em parte pela desconsideração que, em geral, Tegan mostrava por volta de outros na Ordem durante os últimos tempos, mas ainda o estava mais pela falta de sensatez que lhe tinha feito pensar que poderia passar uma noite com a Gabrielle Maxwell e tirar-lhe logo depois da cabeça.
Nem o sangue nem a extrema violência que tinha exercido com dois Renegados durante as horas prévias ao amanhecer tinham sido suficientes para apagar a lascívia pelo Gabrielle que ainda lhe pulsava por todo o corpo. Lucan tinha percorrido a cidade como um espectro durante toda a noite e tinha voltado para o complexo com um humor furioso e negro.
Esse sentimento persistia nele enquanto apertava os dedos ao redor da garganta de seu irmão. Necessitava uma desculpa para tirar a agresividade, e Tegan, com esse aspecto animal e com seu secretismo, era um candidato mais que bom para fazer esse papel.
—Estou cansado de suas tolices, Tegan. Precisa te controlar, ou eu o farei em seu lugar. —Apertou a laringe do vampiro com mais força, mas Tegan nem sequer se alterou pela dor.
— Agora me diga onde estiveste durante todo este tempo ou você e eu vamos ter sérios problemas.
Os dois machos tinham mais ou menos o mesmo tamanho e estavam mais que igualados em questão de força. Tegan pôde ter apresentado batalha, mas não o fez. Não demonstrou nem a mais mínima emoção, simplesmente olhou A Lucan com olhos frios e indiferentes.
Não sentia nada, e inclusive isso tirava de gonzo a Lucan.
Lucan, com um grunhido, tirou a mão da garganta do guerreiro e tentou controlar a raiva. Não era próprio dele comportar-se dessa maneira. Isso estava por debaixo dele.
Merda.
E era ele quem dizia a Tegan que tinha que controlar-se?
Bom conselho. Possivelmente tinha que aplicar-lhe a si mesmo.
O olhar inexpressivo do Tegan dizia mais ou menos o mesmo, embora o vampiro manteve, de forma inteligente, a boca fechada.
Enquanto os dois difíceis aliados se olhavam um ao outro em meio de um escuro silêncio, detrás deles e a certa distancia no corredor, uma porta de cristal se abriu com um zumbido. Ouviu-se o chiado das sapatilhas esportivas do Gideon no gentil chão enquanto este saía de seus aposentos privados e percorria o corredor.
—Né, Tegan, bom trabalho de reconhecimento, cara. Vigiei um pouco depois do que falamos o outro dia. Esse pressentimento que teve de que devíamos manter vigiados Aos renegados no Green Line parece bom.
Lucan nem sequer piscou. Tegan lhe agüentou o olhar, sem fazer caso às felicitações de Gideon. Tampouco tentou defender-se dessas suspeitas infundadas. Simplesmente ficou ali durante um comprido minuto sem dizer nada. Logo passou ao lado de Lucan e continuou seu caminho pelo corredor do complexo.
—Acredito que quererá comprovar isto, Lucan —disse Gideon enquanto se dirigia para o laboratório.
— Parece que algo está a ponto de ficar feio.
Capítulo nove
Com a taça quente entre as mãos, Gabrielle tomou um sorvo do suave chá enquanto Jamie comia o resto de seu prato. Também ia comer seu biscoitinho da sorte de sobremesa, como fazia sempre, mas não importava. Era agradável estar, simplesmente, com os amigos, e sentir que a vida voltava a adquirir certo ar de normalidade depois do que lhe tinha acontecido o fim de semana passado.
—Tenho uma coisa para ti —disse Jamie, interrompendo os pensamentos de Gabrielle. Rebuscou um momento na bolsa que levava de cor nata que estava no banco em meio de ambos e tirou um envelope alvo.
— Procede da amostra privada.
Gabrielle o abriu e tirou um cheque da galeria. Era mais do que hávia esperado. Uns par de notas grandes demais.
—Vai.
—Surpresa —cantarolou Jamie com um amplo sorriso—. Subi o preço. Pensei que diabos e eles o aceitaram sem regatear em nenhum momento. Crê que deveria ter pedido mais?
—Não —repôs Gabrielle—. Não, isto é... isto... uuuff. Obrigado.
—Não é nada. —Assinalou a barra de chocolate.
—Vais comer?
Ela empurrou o prato por cima da mesa para ele.
—Bom, e quem é o comprador?
—Ah, isso continua sendo um grande mistério —disse ele, enquanto rompia a bolacha dentro de seu pacote de plástico.
— Pagaram em dinheiro, assim é evidente que são sérios sobre o caráter anônimo da venda. E mandaram um táxi para me buscar para levar a coleção.
—Do que estão falando, meninos? —perguntou Megan. Olhou aos dois com o cenho franzido e uma expressão de confusão.
— Lhes juro que sou a última que se inteira de tudo.
—Nossa pequena e talentosa artista tem um admirador secreto — informou Jamie, dramaticamente. Tirou a nota da sorte do biscoitinho, leu-a, levantou os olhos ao céu e atirou o trocito de papel no prato vazio.
— Onde ficaram os dias em que este tipo de coisas significavam algo? Bom, faz umas quantas noites me pediram que apresentasse a coleção completa de fotografias da Gabby ante um comprador anônimo do centro da cidade. Compraram-nas todas: até a última.
Megan olhou a Gabrielle com os olhos muito abertos.
—Isso é maravilhoso! Me alegro tanto por ti, carinho!
—Seja quem é quem as comprou, a verdade é que tem uma seria mania com o secretismo.
Gabrielle olhou a seu amigo enquanto se guardava o cheque na bolsa.
—O que quer dizer?
Jamie terminou de mastigar o último pedaço de biscoitinho da sorte e se limpou os dedos dos miolos.
—Bom, quando cheguei a direção que me deram, em um desses luxuosos edifícios de escritórios com vários inquilinos, recebeu-me uma espécie de guarda-costas no vestíbulo. Não me disse nada, somente murmurou algo a um microfone sem fio e logo me acompanhou até um elevador que nos levou a piso mais alto do edifício.
Megan arqueou as sobrancelhas.
—Ao apartamento de cobertura?
—Sim. E aí está a coisa. O lugar estava vazio. Todas as luzes estavam acesas, mas não havia ninguém dentro. Não havia móveis, não havia nenhuma equipe, nada. Somente paredes e janelas que davam a cidade.
—Isso é muito estranho. Não te parece, Gabby?
Ela assentiu com a cabeça e uma sensação de intranqüilidade foi invadindo enquanto Jamie continuava.
—Então o guarda-costas me disse que tirasse a primeira fotografia da pasta e que caminhasse com ela e me dirigisse para as janelas da parede norte. Ao outro lado estava escuro, e eu lhe estava dando as costas a ele, mas ele me disse que devia sujeitar cada uma das fotos ante essa janela até que me desse instruções das deixar a um lado e tomar outra.
Megan riu.
—De costas a ele? Por que queria que fizesse isso?
—Porque o comprador estava observando desde outro lugar —respondeu Gabrielle em voz baixa.
— Em algum lugar de onde via as janelas do apartamento de cobertura.
Jamie assentiu com a cabeça.
—Isso parece. Não consegui ouvir nada, mas estou seguro de que o guarda-costas, ou o que fora, estava recebendo instruções pelos auriculares. Para te dizer a verdade, estava-me pondo um pouco nervoso com tudo isso, mas foi bem. Ao final não passou nada mau. Quão único queriam eram suas fotografias. Somente tinha chegado a quarta quando disseram que pedisse um preço para todas elas. Assim, que tal e como te hei dito, pus alto e o aceitaram.
—Estranho —comentou Megan—. Né, Gab, possivelmente chamaste a atenção de um milionário mortalmente atrativo mas retraído. Possivelmente o ano que vem, por estas datas, estaremos dançando em suas luxuosas bodas no Mikonos.
—Uf, por favor —exclamou Jamie sem fôlego—. Mikonos é do ano passado. A gente bonita está na Marbella, querida.
Gabrielle tentou tirar-se de cima a estranha sensação de inquietação que lhe estava produzindo a estranha história do Jamie. Tal e como ele havia dito, tudo tinha ido bem e ela tinha um cheque por uma importância muito alta na bolsa. Possivelmente podia convidar para jantar a Lucan, dado que a comida que tinha preparado a outra noite para a celebração ficou no balcão da cozinha.
Embora não sentia nem o mais mínimo remorso pela perda de seus manicotti.
Sim, uma romântica saída para jantar com Lucan soava fantástico. Com um pouco de sorte, possivelmente tomassem as sobremesas em... e o café da manhã também .
Gabrielle ficou de bom humor imediatamente e riu com seus amigos enquanto estes continuavam intercambiando idéias extravagantes a respeito de quem podia ser esse misterioso colecionador e o que podia significar para seu futuro e, por extensão, para o de todos eles. Ainda estavam falando do mesmo quando a mesafoi retirada e a conta paga, e os três saíram a rua ensolarada.
—Tenho que ir correndo —disse Megan, dando um rápido abraço a Gabrielle e a Jamie.
— Nos veremos logo, meninos?
—Sim —responderam os dois ao uníssono e a saudaram com a mão, atrás da Megan caminhava rua acima, para o edifício de escritórios onde trabalhava.
Jamie levantou uma mão para chamar um táxi.
—Vai diretamente a casa, Gabby?
—Não, ainda não. —Deu uns golpezinhos a câmera que levava sobre o ombro.
— Pensava dar um passeio até o parque e possivelmente gastar um pouco de filme. E você?
—David vai chegar de Atlanta dentro de uma hora —lhe disse .
— Vou tirar o resto do dia. Possivelmente amanhã também.
Gabrielle riu.
—Dê- lhe lembranças de minha parte.
—Farei-o. —aproximou-se dela e lhe deu um beijo na bochecha.
— Eu gosto de verte sorrir outra vez. Estava realmente preocupado por ti depois do último fim de semana. Nunca te tinha visto tão afetada. Está bem, verdade?
—Sim, estou bem, de verdade.
—E agora tem ao escuro e sexy detetive para te cuidar, o qual não está nada mal.
—Não, não está nada mal —admitiu ela, e notou uma sensação de calidez pelo só feito de pensar nele.
Jamie lhe deu um abraço afetuoso.
—Bom, céu, se necessitar algo que ele não te possa dar, o qual duvido muito, me chame, de acordo? Quero-te, carinho.
—Eu também te quero. —Um táxi se deteve na esquina e se saudaram.
— Te divirta com o David. —E levantou a mão para lhe dizer adeus enquanto Jamie entrava no táxi e este se internava no matizado tráfico da hora de comer.
Somente se demorava uns quantos minutos em percorrer as quadras que separavam Chinatown do parque Boston Common. Gabrielle passeou pelos amplos espaços e tirou umas quantas fotografias. Logo se deteve para observar a uns meninos que jogavam a galinha cega na grama da zona de recreio. Observou a uma menina que se encontrava no centro do grupo com os olhos tampados com uma atadura e que girava a um lado e a outro com os braços estendidos tentando apanharar seus esquivos amigos.
Gabrielle levantou a câmera e enfocou aos meninos, que não paravam de correr e de rir. Aproximou a imagem com o zoom e seguiu a menina de cabelo loiro e olhos enfaixados com a lente enquanto as risadas e os gritos dos meninos enchiam o parque. Não fez nenhuma fotografia, simplesmente olhou esse despreocupado jogo desde detrás da câmera e tentou recordar uma época em que ela se houvesse sentido assim contente e segura.
Deus, havia-se sentido assim alguma vez?
Um de quão adultos estava vigiando aos meninos de perto lhes chamou para que fossem comer, interrompendo seu estridente jogo. Os meninos correram até o lençol estendido no chão para comer e Gabrielle percorreu o parque ao seu redor com a lente da câmera. Na imagem desfocada a causa do movimento, percebeu a figura de alguém que a olhava desde debaixo da sombra de uma árvore grande.
Gabrielle apartou a câmera de seu rosto e olhou nessa direção: havia um homem jovem em pé, parcialmente escondido pelo tronco de um velho carvalho.
Sua presença era quase imperceptível nesse parque cheio de atividade, mas lhe resultava vagamente familiar. Gabrielle viu que tinha o cabelo abundante e de uma cor castanha cinzenta, que levava uma camisa solta e uma calça cáqui. Era a classe de pessoa que desaparecia com facilidade entre a multidão, mas estava segura de que lhe tinha visto em algum lugar fazia pouco tempo.
Não lhe tinha visto na delegacia de polícia de polícia a semana passada quando foi fazer a declaração?
Fosse quem fosse, deveu dar-se conta de que lhe tinha visto, porque imediatamente retrocedeu, escondeu-se atrás do tronco da árvore e começou a afastar-se dali em direção a Charles Street. Enquanto caminhava a passo rápido em direção a essa rua, tirou-se um telefone celular do bolso da calça e jogou uma rápida olhada para trás por cima do ombro, em direção a Gabrielle.
Gabrielle sentiu que lhe arrepiavam os cabelos da nuca com uma repentina sensação de suspeita e de alarme.
Ele a tinha estado observando, mas por que?
Que diabos estava acontecendo? Algo acontecia, definitivamente, e ela não tinha intenção de tratar de adivinhá-lo por mais tempo.
Com o olhar cravado no menino da calça cáqui, Gabrielle começou a caminhar detrás dele enquanto se guardava a câmera na capa e se ajustava a tira da bolsa protetora no ombro. Quando saiu do amplo terreno do parque e entrou no Charles Street, o menino lhe levava uma quadra de vantagem.
—Né! —chamou ela, começando a correr.
O,menino que continuava falando por telefone, girou a cabeça e a olhou. Disse algo ao aparelho com gesto apressado, apagou o aparelho e o conservou na mão. Apartou o olhar dela e começou a correr.
—Para! —gritou Gabrielle. Chamou a atenção das pessoas na rua, o menino continuou sem lhe fazer caso.
— Te hei dito que te detenha, merda! Quem é? Por que me está espiando?
Ele subiu a toda velocidade pelo Charles Street mergulhando-se na maré de pedestres. Gabrielle lhe seguiu, esquivando a turistas e empregados de escritório que saíam durante o descanso para a comida, sem apartar a vista da mochila delgada que o menino levava nas costas. Ele torceu por uma rua, logo por outra, internando-se cada vez mais na cidade, afastando-se das lojas e os escritórios do Charles Street e voltando para a matizada zona de Chinatown.
Sem saber quanto tempo levava perseguindo a esse menino nem onde havia chegado exatamente, Gabrielle se deu conta de repente de que lhe tinha perdido.
Girou por uma esquina cheia de gente e se sentiu profundamente sozinha: esse ambiente pouco familiar se fechou ao redor dela. Os lojistas a observavam desde debaixo dos toldos e desde detrás das portas abertas para deixar entrar o ar do verão. Os pedestres a olhavam, aborrecidos, porque se tinha detido de repente em meio da calçada e interrompia o passo.
Foi nesse momento quando sentiu uma presença ameaçadora detrás dela, na rua.
Gabrielle olhou por cima do ombro e viu um Sedam negro de vidros escuro que se deslocava devagar entre outros carros. Movia-se com elegância, deliberadamente, como um tubarão que atravessasse um banco de peixes pequenos em busca de uma presa melhor.
Estava-se dirigindo para ela?
Talvez o menino que a tinha estado espiando se encontrava dentro do carro. Possivelmente sua aparição, e a do carro de aspecto ameaçador, tinham algo que ver com quem tinha comprado suas fotografias.
Ou possivelmente se tratasse de algo pior.
Possivelmente um pouco relacionado com o espantoso ataque que tinha presenciado na semana anterior e tendo informado disso a polícia. Possívelmente se tropeçou com uma rixa entre bandas, depois de tudo. Possivelmente essas criaturas malignas —já que não podia acabar de convencer-se de que eram homens— tinham decidido que ela era seu próximo alvo.
O veículo se aproximou por um sulco lateral até a calçada onde ela se encontrava em pé e Gabrielle sentiu que um medo gelado a atravessa.
Começou a caminhar. Acelerou o ritmo para avançar mais depressa.
A suas costas ouviu o som do carro que acelerava.
OH, Deus.
Ia por ela!
Gabrielle não esperou para ouvir o som dos pneumáticos das rodas no pavimento a suas costas. Gritou e saiu disparada em uma carreira , movendo as pernas tão depressa como era capaz.
Havia muita gente ao seu redor. Muitos obstáculos para tomar um caminho reto. Esquivou aos pedestres, muito nervosa para oferecer nenhuma desculpa antes seus estalos de língua e exclamações de irritação.
Não lhe importava: estava segura de que era um assunto de vida ou morte.
Olhar para trás seria um grave engano. Ainda ouvia o ruído do motor do carro no meio do tráfico, que a seguia de perto. Gabrielle baixou a cabeça e se esforçou em correr mais rápido enquanto rezava por ser capaz de sair dessa rua antes de que o carro a apanhasse.
De repente, nessa enlouquecida carreira, falhou-lhe um tornozelo.
Cambaleou-se e perdeu o equilíbrio. O chão pareceu elevar-se para ela e caiu com força contra o duro pavimento. Parou o golpe forte da queda com os joelhos e as palmas das mãos, destroçando-lhe a dor da carne rasgada, lhe fez saltar as lágrimas, mas não fez conta. Gabrielle voltou a ficar em pé. Quase ainda não tinha recuperado o equilíbrio quando notou a mão de um estranho que a sujeitava com força pelo cotovelo.
Gabrielle reprimiu um grito. Tinha os olhos enlouquecidos de pânico.
—Encontra-se bem, senhorita? —O rosto cinza de um trabalhador municipal apareceu em seu ângulo de visão e seus olhos azuis rodeados de rugas se fixaram nas feridas.
—Uf, vá, olhe isso, está sangrando.
—Solte-me!
—É que não viu esses reservatórios de água daí? —Assinalou com o polegar por cima do ombro, a suas costas, para os cones de cor laranja com os quais Gabrielle tinha se chocado ao passar—Esta parte da calçada está levantada.
—Por favor, não passa nada. Estou bem.
Apanhada pela mão dele, que tentava ajudá-la mas que a desafiava, Gabrielle levantou o olhar bem a tempo para ver que o Sedam escuro aparecia na esquina por onde ela tinha passado fazia um instante. O carro se deteve abruptamente, a porta do condutor se abriu e um homem enorme e muito alto saiu à rua.
—OH, Deus. Me solte! —Gabrielle deu uma sacudida com o braço para soltar do homem que tentava ajudá-la sem apartar o olhar desse monstruoso carro negro e no perigo que supunha—. É que não comprende que me estão perseguindo?
—Quem? —O tom de voz do trabalhador municipal foi de incredualidade. Levou a vista em direção aonde ela estava olhando e soltou uma gargalhada.
— Se refere a esse tipo? Senhora, é o maldito prefeito do Bostom.
-O que...?
Era verdade. Olhou enlouquecida toda a atividade que se desenvolvia nessa esquina e o compreendeu. O Sedam negro não a perseguia, depois de tudo. Tinha estacionado na esquina e o condutor, agora, estava esperando com a porta traseira aberta. O prefeito em pessoa saiu de um restaurante acompanhado por dois guarda-costas e os três subiram ao assento traseiro do veículo.
Gabrielle fechou os olhos. As palmas das mãos lhe queimavam de dor. Os joelhos, também. Tinha o pulso acelerado, mas parecia que o sangue lhe tinha descido da cabeça.
Sentiu-se como uma completa idiota.
—Acreditei... —murmurou, enquanto o condutor fechava a porta, e se colocava no assento dianteiro e arrancava o carro em direção ao tráfico da rua.
O trabalhador lhe soltou o braço. Afastou-se dela para voltar a ocupar-se da bolsa com sua comida e seu café enquanto meneava a cabeça.
—O que lhe acontece? É que se tornou louca ou algo?
Merda.
Supunha-se que ela não tinha que lhe haver visto. Tinha ordens de observar a mulher Maxwell, de tomar nota de suas atividades, de estabelecer quais eram seus costumes. Tinha que informar de tudo isso a seu Professor. Por cima de tudo, tinha que evitar ser visto. O subordinado soltou outra maldição do mesmo lugar onde estava escondido, as costas pega contra uma anódina porta de um edifício, um desses tantos lugares que se apinhavam entre os restaurantes e mercados do Chinatown. Com cuidado, abriu a porta e tirou a cabeça para ver se podia detectar a mulher em algum lugar da rua.
Ali estava, justo ao outro lado da rua abarrotada de gente.
E se alegrou de ver que ela estava abandonando a zona. Quão último perdeu de vista foi seu cabelo acobreado por entre a multidão da calçada, a cabeça encurvada e o passo acelerado.
Esperou ali, observou-a até que teve desaparecido de sua vista por completo. Então voltou a sair a rua e se dirigiu em direção contraria. Tinha passado mais de uma hora de seu descanso para comer. Era melhor que voltasse para a delegacia de polícia antes de que lhe sentissem falta.
Capítulo dez
Gabrielle pôs outra toalha de papel sob o jorro de água fria na pia da cozinha. Havia várias toalhas mais atiradas já, empapadas de água e manchadas de sangue, além de sujas do pó da rua que se limpou das palmas das mãos e dos joelhos. Em pé, de sutiens e calcinhas, jogou um pouco de sabão líquido na toalha de papel empapada de água e se esfregou com energia as feridas das palmas das mãos.
—Ai! —exclamou, e franziu o cenho. Encontrou-se uma pequena e afiada lasca cravada na ferida. A tirou e a atirou à pia ao lado de todo o cascalho que se limpou das feridas.
Deus, parecia um desastre.
A saia nova estava rota e destroçada. A prega do suéter se danificou ao cair contra o áspero pavimento. E parecia que as mãos e os joelhos pertencessem a uma menina selvagem e torpe.
E além de tudo isso, mostrou-se como uma completa estúpida em público.
Que demônios lhe estava acontecendo para ficar histérica dessa maneira?
O prefeito, pelo amor de Deus. E ela tinha fugido desse carro como se temesse que se tratasse de...
Do que? De alguma espécie de monstro?
«Vampiro.»
As mãos do Gabrielle ficaram imóveis.
Ouviu a palavra mentalmente, apesar de que se negou a pronunciá-la em voz alta. Essa era a palavra que tinha na soleira da consciência do momento em que foi testemunha desse assassinato. Era uma palavra que não queria reconhecer, nem sequer quando se encontrava sozinha no selêncio de seu apartamento vazio.
Os vampiros eram a obsessão da louca de sua mãe biológica, não a sua.
Essa adolescente anônima se encontrava em um estado completamente delirante quando a polícia a tirou das ruas, fazia tantos anos. Dizia que a tinham açoitado uns demônios que queriam beber seu sangue, que, de fato, tinham-no tentado, e essa tinha sido a explicação que tinha dado pelas estranhas feridas que tinha na garganta. Os documentos judiciais que lhe tinham dado estavam salpicados de loucas referencias a espectros sedentos de sangue que percorriam a cidade em completa liberdade.
Impossível.
Isso era uma loucura, e Gabrielle sabia.
Estava permitindo que sua imaginação e que o medo que tinha de converter-se em uma perturbada como sua mãe algum dia acabassem com ela. Mas ela era muito inteligente para permiti-lo. Era mais sã, pelo menos...
Deus, tinha que sê-lo.
Ter visto esse menino da delegacia de polícia esse mesmo dia —para somar-se a tudo pelo que tinha passado durante os últimos dias— lhe havia disparado seus medos. Apesar de tudo, agora que o pensava, nem sequer estava segura de que esse tipo a quem tinha visto no parque fora de verdade o administrativo que tinha visto na delegacia de polícia.
Mas e o que se o era? Possivelmente se encontrava no parque para tomar sua comida e para desfrutar do tempo igual ao estava fazendo ela. Isso não era nenhum crime. Possivelmente, a estava olhando era porque também lhe tinha parecido que lhe resultava familiar. Possivelmente ele se aproximou para saudá-la se ela não tivesse carregado contra ele como uma psicopata paranoica, lhe acusando de estar espiando-a.
OH, e não seria perfeito que ele fosse a delegacia de polícia e contasse a todos que lhe tinha açoitado por várias quadras no Chinatown?
Se Lucan se inteirava disso, ela ia morrer da humilhação.
Gabrielle terminou de limpar as feridas das palmas das mãos e tentou apartar tudo o que tinha ocorrido esse dia de sua cabeça. Ainda tinha a ansiedade no ponto máximo e o coração lhe pulsava com força. Limpou-se os golpes do rosto e observou um magro rastro de sangue que lhe descia pelo pulso.
Ver seu sangue sempre a tranqüilizava, por alguma estranha razão. Sempre tinha sido assim.
Quando era mais jovem e as emoções e as pressões internas eram tão fortes que já não sabia o que fazer com elas, quão único tinha que fazer para se acalmar era fazer um pequeno corte.
O primeiro tinha sido por acidente. Gabrielle se encontrava cortando uma maçã em um de seus lares de acolhida quando a faca resvalou e lhe fez um corte na base do dedo polegar. Doeu-lhe um pouco, mas Gabrielle não sentiu nem medo nem pânico ao observar como o sangue saía e desenhava um reluzente redemoinho escarlate.
Havia-se sentido fascinada.
Havia sentido uma incrível espécie de... paz.
Ao cabo de uns quantos meses desse surpreendente descobrimento, Gabrielle voltou a cortar-se. Fê-lo de forma deliberada e em segredo, sem intenção de fazer-se mal de verdade. À medida que o tempo transcorreu, fê-lo mais freqüentemente, sempre que precisava sentir essa profunda sensação de calma.
E agora o necessitava porque estava ansiosa e nervosa como um gato atento a qualquer pequeno ruído que ouvisse no apartamento ou fora dele. Doía-lhe a cabeça. Tinha a respiração agitada e apertava as mandíbulas.
Seus pensamentos saltavam do brilho do flash ante a cena da noite fora da discoteca ao inquietante psiquiátrico onde tinha estado fazendo fotos a manhã anterior e ao medo irracional, profundo e perturbador que havia sentido essa tarde.
Necessitava um pouco de paz depois de tudo isso.
Só embora fossem uns quantos minutos de calma.
Gabrielle dirigiu o olhar para o contêiner de facas de madeira que se encontrava, ali perto, sobre o mármore. Alargou a mão e tomou um deles. Fazia anos que não o fazia. esforçou-se tanto em controlar essa compulsão estranha e vergonhoza.
Mas a tinha feito desaparecer de verdade?
Os psicólogos que a administração lhe tinha posto e os trabalhadores sociais, ao final, convenceram-se de que assim era. Também os Maxwell.
Agora, enquanto se aproximava a faca à pele do braço e sentia como uma escura emoção despertava dentro dela, Gabrielle o duvidou. Aperto a ponta da folha contra a pele do antebraço, embora ainda sem a força suficiente para cortar-se.
Esse era seu demônio privado, e era uma coisa que nunca havia comprartilhado abertamente com ninguém, nem sequer com o Jamie, seu amigo mais querido.
Ninguém o compreenderia.
Quase nem ela mesma o compreendia.
Gabrielle jogou a cabeça para trás e respirou profundamente. Enquanto voltava a baixar a cabeça e exalava lentamente, viu seu próprio reflexo no cristal da janela de cima da pia. O rosto que lhe devolveu o olhar tinha uma expressão esgotada e triste, seus olhos estavam apagados e angustiados.
—Quem é? —sussurrou a essa imagem fantasmal que via no cristal. Teve que reprimir um soluço.
— O que é que vai mal contigo?
Abatida consigo mesma, atirou a faca na pia e se apartou dali enquanto o som do aço ressonava na cozinha.
O constante som dos sinais de multiplicação de um helicóptero atravessava o céu da noite no velho psiquiátrico. Da camuflagem de uma nuvem, um Colibri EC120 negro descendeu e se posou com suavidade em uma zona plaina do telhado.
—Desliga o motor —ordenou o líder dos renegados a seu subordinado piloto quando o aparelho se posou no improvisado heliporto.
— Espere-me aqui até que volte.
Saltou fora da cabine e recebeu a imediata saudação de seu tenente, um indivíduo bastante desagradável a quem tinha recrutado na Costa Oeste.
—Tudo está em ordem, senhor.
As espessas sobrancelhas marrons do renegado se afundaram em cima de seus ferozes olhos amarelos. Na enorme cabeça calva ainda se viam as cicatrizes das queimaduras de eletricidade que lhe tinham infligido os da raça durante um interrogatório pelo que tinha passado fazia meio ano. Mas, entre o resto dos repugnantes rasgos de seu rosto, essas numerosas marcas de queimaduras eram somente um detalhe. O renegado sorriu, deixando ver umas enormes presas.
—Seus presentes foram muito bem recebidos esta noite, senhor. Todo o mundo espera com ânsia sua chegada.
O líder dos renegados, com os olhos escondidos detrás de uns óculos de sol, assentiu com a cabeça brevemente e, com passo depravado, deixou-se conduzir até o piso de acima do edifício e logo até um elevador que lhe levaria ao coração das instalações. Afundaram-se por debaixo do nível do piso do chão, saíram do elevador e se internaram por uma rede de túneis que rodeavam uma parte da fortaleza da guarida dos renegados.
Quanto ao líder, este tinha estado instalado em seu quartel privado em algum ponto de Boston durante o último mês, fiscalizando em privado algumas operações, determinando obstáculos e estabelecendo as principais vantagens que tinham no novo território que queriam controlar. Esta era sua primeira aparição em público: era todo um evento, e essa era exatamente sua intenção.
Não era algo freqüente que ele se aventurasse a sair em meio da porqueira da população geral; os vampiros que se convertiam em renegados eram uma gente arruda, indiscriminada, e ele tinha aprendido apreciar coisas melhores durante seus muitos anos de existência. Tinha que lhes recordar a essas bestas quem era e a quem serviam e por isso lhes tinha devotado uma amostra do bota de cano longo que lhes esperava ao final de sua última missão. Não todos eles sobreviveriam, é obvio. As vítimas acostumavam a acumular-se em meio de uma guerra.
E uma guerra era o que ia vender aí essa noite.
Já não haveria mais conflitos insignificantes no terreno. Não haveria mais luta internas entre os renegados, nem mais atos absurdos de vingança individual. Foram unir-se e passar a página de uma forma que ainda ninguém tinha imaginado nessa antiga batalha que tinha dividido para sempre a nação dos vampiros em dois. A raça tinha mandado durante muito tempo e tinha chegado a um acordo não falado com os humano inferiores ao tempo que ansiavam eliminar a seus irmãos os renegados.
As duas facções da estirpe dos vampiros não eram tão diferentes uma da outra, somente lhes separava uma questão de grau. Quão único diferenciava a um vampiro da raça que saciava sua fome de vida e a um vampiro constantemente sedento de sangue e viciado era uma questão de litros. As linhas sangüíneas da estirpe se apagaram com o tempo da época dos antigos e os novos vampiros se convertiam em adultos e se apareavam com as companheiras de raça humanas.
Mas não havia forma de que a contaminação de gens humanos destruisse por completo os gens dos vampiros, mais fortes. A sede de sangue era um espectro que perseguiria a raça para sempre.
Do ponto de vista do líder dessa guerra que se aproximava, a gente tanto podia lutar contra o impulso inato próprio de sua estirpe ou utiliza-lo para benefício próprio.
Nesse momento, ele e seu tenente tinham chegado ao final do corredor e a vibração de uma música estridente reverberava nas paredes e no chão, sob seus pés. Estava-se levando a cabo uma festa detrás de uma dupla porta de aço amassada e maltratada. Ante ela, um vampiro Renegado que se encontrava de guarda se fincou de joelhos pesadamente assim que suas rasgadas pupilas registraram quem estava esperando diante dele.
—Senhor. —O tom de sua áspera voz foi reverente e mostrou deferencia ao não levantar a vista para encontrar-se com os olhos que se ocultavam detrás desses óculos escuros.
— Meu senhor, sua presença nos honra.
De fato, sim lhes honrava. O líder fez um rápido movimento afirmativo com a cabeça assim que o vigilante ficou em pé de novo. Com uma mão imunda, que estava de guarda empurrou as portas para permitir a entrada a seu superior a estridente reunião que se levava a cabo ao outro lado das mesmas. O líder se despediu de seu acompanhante e ficou livre para observar em privado o lugar.
Tratava-se de uma orgia de sangue, sexo e música. Em todos os rincões onde olhasse via machos renegados que manuseavam, perseguiam e se alimentavam de um variado sortido de seres humanos, tanto homens como mulheres. Sentiam pouca dor, tanto se encontravam nesse evento de forma voluntária como se não. A maioria tinham sofrido, pelo menos, uma dentada, e lhes tinham extraído tanto sangue que se sentiam como em uma nuvem de sensualidade e ligeireza. Alguns deles fazia muito momento que se foram, e seus corpos se encontravam inertes como os de uns bonitos bonecos de roupa em cima do regaço de seus depredadores
Olhos selvagens, que não cessavam de alimentar-se até que não ficava nada mais que devorar.
Mas isso era o que alguém devia esperar se lançava uns tenros cordeiros a um poço cheio de bestas vorazes.
Enquanto se dirigia para a parte mais matizada dessa reunião, começaram-lhe a suar as mãos. O pênis lhe endureceu baixo a cuidada queda da calça confeccionada a medida. As gengivas começaram a lhe doer e a lhe pulsar, e teve que morder a língua para evitar que as presas lhe alargassem de fome, ao igual que tinha feito seu sexo, em resposta a chuva de estímulos eróticos e sensoriais que lhe golpeiavan desde todos os ângulos.
A mescla do aroma de sexo e sangue derramada lhe chamava como o canto de uma sereia. Esse era um canto que ele conhecia bem, embora isso tinha sido em seu passado, agora muito distante. OH, ainda desfrutava com um bom sexo e com uma suculenta veia aberta, mas essas necessidades já não lhe governavam. Tinha tido que percorrer um caminho muito difícil do ponto em que se encontrava antigamente, mas, ao final, tinha vencido.
Agora era senhor de si mesmo e logo o seria de muito, muito mais.
Uma nova guerra ia começar e ele estava preparado para oferecer a última batalha. Estava educando a seu exército, aperfeiçoando seus métodos, recrutando aliados que mais tarde seriam sacrificados sem duvidá-lo nem um momento no altar de seu capricho pessoal. Ia infligir uma sangrenta vingança a nação dos vampiros e ao mundo de quão humanos somente existia para servir aos seus.
Quando a grande batalha tivesse terminado e as cinzas e o pó houvessem sido finalmente varridos, não haveria ninguém que pudesse interpor em seu caminho.
Ele seria um maldito rei. Esse era seu direito de nascimento.
—Mmmm... né, bonito... vêem aqui e joga comigo.
Esse convite realizado em voz rouca lhe alcançou por cima do barulho da sala. De um montículo de corpos retorcidos, nus e úmidos tinha aparecido a mão de uma mulher que lhe sujeitou pela coxa no momento em que ele passava por seu lado. Ele se deteve, baixou o olhar até ela com uma clara expressão de impaciência. Percebeu uma beleza oculta sob a escura e destroçado maquiagem, mas ela tinha a mente completamente perdida nesse profundo delírio da orgia.
Um par de rastro de sangue lhe desciam pelo bonito pescoço e chegavam até as pontas de seus peitos perfeitamente formados. Tinha outras mordidas em outros pontos do corpo: no ombro, no ventre, e na parte interior de uma das coxas, justo debaixo da estreita banda de pêlo que lhe ocultava o sexo.
—Te una lhe suplicou ela, levantando-se de entre a selva enredada de braços e pernas dos vampiros renegados em zelo. A essa mulher quase tinham extraído todo o sangue, somente ficavam uns litros antes de morrer. Tinha os olhos frágeis, perdidos. Seus movimentos eram lânguidos, como se seus ossos se tornaram de borracha.
— Tenho o que desejas. Sangrarei para ti, também. Vêem, me prove.
Ele não disse nada; simplesmente apartou os pálidos dedos manchados de sangue que atiravam da fina malha de suas caras calças de seda.
Verdadeiramente, não estava de humor.
E, ao igual que todo líder com êxito, nunca tocava sua própria mercadoria.
Pôs-lhe a mão plaina em cima do peito e a empurrou. Ela chiou: um dos renegados a tinha apanhado sem contemplação e, com rudeza, deu-lhe a volta em cima de seu braço, colocou-a debaixo dele e a penetrou por detrás. Ela gemeu assim que ele a atravessou, mas ficou em silencio ao cabo de um instante enquanto o vampiro sedento de sangue lhe cravava as enormes presas no pescoço e lhe chupava a última gota de vida de seu corpo consumido.
—Desfrutem destes restos —disse o que ia ser rei com uma voz profunda que se elevava em tom magnânimo por cima dos rugidos animais e o estrondo ensurdecedor da música.
— A noite se está levantando e logo conhecerão as recompensas que tenho a lhes oferecer.
Capítulo onze
Lucan bateu na porta do apartamento de Gabrielle outra vez.
Ainda, nenhuma resposta.
Fazia cinco minutos que se encontrava em pé na entrada, na escuridaão, esperando a que ou ela abrisse a porta e convidasse a entrar, ou lhe amaldiçoar e lhe chamasse bastardo do outro lado dos numerosos ferrolhos de segurança e lhe dissesse que se perdesse.
Depois do comportamento pornográfico que tinha tido com ela a noite anterior, não estava seguro de qual era a reação que se merecia encontrar. Provavelmente, uma irada despedida.
Golpeou a porta com os nódulos outra vez com tanta força que era provável que os vizinhos lhe tivessem ouvido, mas não se ouviu nenhum movimento dentro do apartamento de Gabrielle. Somente silencio. Havia muita quietude ao outro lado da porta.
Mas ela estava ali dentro. Notava-a ao outro lado das capas de madeira e tijolo que lhes separavam. E cheirava a sangue, também. Não muito sangue, mas certa quantidade em algum ponto próximo a porta.
Filho da puta.
Ela estava dentro, e estava ferida.
—Gabrielle!
A preocupação lhe corria pelas veias como se fosse um ácido. Tentou se tranquiliza o suficiente para poder concentrar seus poderes mentais no ferrolho de correia e nas duas fechaduras que estavam colocadas ao outro lado da porta. Com um esforço, abriu um ferrolho e logo o outro. A correia se soltou e caiu contra o gonzo da porta com um som metálico.
Lucan abriu a porta com um empurrão e suas botas soaram com força sobre o chão de ladrilhos do vestíbulo. A bolsa das câmeras de Gabrielle se encontrava justo em seu caminho, provavelmente onde ela a tinha deixado cair com a pressa. O doce aroma ajazminado de seu sangue lhe encheu as fossas nasais justo um instante antes de que sua vista tropeçasse com um caminho de pequenas manchas de cor carmesim.
O ambiente do apartamento tinha certo ar amargo de medo cujo aroma, que já tinha umas horas, apagou-se mas permanecia como uma neblina.
Atravessou a sala de estar com intenção de entrar na cozinha, para onde se dirigiam as gotas de sangue. Enquanto cruzava a sala, tropeçou com um montão de fotografias que havia na mesa do sofá.
Eram umas tomadas rápidas, uma estranha variedade de imagens. Reconheceu algumas delas, que formavam parte do trabalho que Gabrielle estava levando a cabo e que titulava Renovação urbana. Mas havia umas quão imagens que não tinha visto antes. Ou possivelmente não tinha emprestado a atenção suficiente para dar-se conta.
Agora sim que se deu conta.
Merda, vá que sim.
Um velho armazém perto do dique. Um velho moinho papeleiro abandonado justo aos subúrbios da cidade. Várias estruturas diferentes que proibiam a entrada onde nenhum humano —por não falar de uma mulher confiada como Gabrielle— devia aproximar-se de nenhuma forma.
Guaridas de renegados.
Algumas delas já tinham sido erradicadas, estavam-no graças a Lucan e a seus guerreiros, mas umas quantas mais ainda eram células ativas. Viu umas quantas que se encontravam nesses momentos vigiadas pelo Gideon. Enquanto passava rapidamente as fotos, perguntou-se quantas localizações de guaridas de renegados teria Gabrielle fotografadas e o que ainda não se encontravam no radar da raça.
—Merda —sussurrou, tenso, olhando um par de imagens mais.
Inclusive tinha algumas fotos exteriores de uns Refúgios Escuros da cidade, umas entradas escuras e umas sinalizações dissimuladas cuja função era evitar que esses santuários dos vampiros fossem facilmente localizados tanto pelos curiosos seres humanos como por seus inimigos os renegados.
E Apesar de tudo, Gabrielle tinha encontrado esses lugares. Como?
É obvio, não podia ter sido por acaso. O extraordinário sentido visual de Gabrielle devia havê-la conduzido até esses lugar de gado. Ela já tinha demonstrado que era completamente imune aos truques habituais dos vampiros: ilusões hipnóticas, controle mental... E agora isto.
Lucan soltou uma maldição e se meteu umas quantas fotografias no bolso da jaqueta de couro. Deixou o resto das imagens em cima da mesa.
—Gabrielle?
Dirigiu-se até a cozinha, onde algo ainda mais inquietante lhe estava esperando.
O aroma de Gabrielle era mais forte ali, e lhe conduziu até a pia. Ficou imovel diante dele e sentiu uma sensação gelada no teto assim que fixou o olhar no mesmo.
Parecia que alguém tivesse tentado limpar uma cena do crime, e que o tivesse feito muito mal. Na pia havia um montão de toalhas de papel empapadas de água e manchadas de sangue, ao lado de uma faca que tinham tirado do estojo de madeira que se encontrava no mármore da cozinha.
Tomou a afiada faca e o inspecionou rapidamente. Não tinha sido utilizada, mas todo o sangue que havia na pia e que tinha caído ao chão do vestíbulo até a cozinha pertencia unicamente a Gabrielle.
E a parte de roupa que se encontrava atirado no chão ao lado de seus pés também tinha seu aroma.
Deus, se alguém lhe tinha posto a mão em cima...
Se lhe tivesse acontecido algo...
—Gabrielle!
Lucan seguiu seus instintos, que lhe levaram até o porão do apartamento. Não se incomodou em acender as luzes: sua visão era mais aguda na escuridão. Baixou as escadas e gritou seu nome em meio desse silencio .
Em um rincão, ao outro extremo do porão, o aroma de Gabrielle se fazia mais forte. Lucan se encontrou em pé diante de outra porta fechada, uma porta rodeada de uns vedadores para que não penetrasse a luz exterior. Tentou abri-la pelo pomo, mas estava fechada e sacudiu a porta com força.
—Gabrielle. Ouve-me? Menina, abre a porta.
Não esperou a receber resposta. Não tinha a paciência para isso, nem a concentração mental para abrir o ferrolho que fechava a porta do outro lado. Soltou um grunhido de fúria, golpeou a porta com o ombro e entrou.
Imediatamente, seus olhos, na escuridão dessa sala, deram com ela. Seu corpo se encontrava enroscado no chão da desordenada habitação escura e estava nua exceto por um sutiens e umas calcinhas de traje de banho. Ela despertou imediatamente com o repentino estrondo da porta.
Levantou a cabeça rapidamente. Tinha as pálpebras pesadas e inchadas por ter chorado fazia pouco. Tinha estado ali soluçando, e Lucan houvesse dito que o tinha feito durante bastante momento. Seu corpo parecía exalar quebras de onda de cansaço: a via tão pequena, tão vulnerável.
—OH, não, Gabrielle —sussurrou ele, deixando cair no chão ao lado dela.
— Que demônios está fazendo aqui dentro? Alguém te tem feito mal?
Ela negou com a cabeça, mas não respondeu imediatamente. Com um gesto hesitante, levou-se as mãos até o rosto e se apartou o cabelo do rosto, tentando lhe ver em meio dessa escuridão.
—Só... cansada. Necessitava silêncio... paz.
—E por isso te encerraste aqui embaixo? —Ele deixou escapar um forte suspiro de alívio, mas no corpo dela viu umas feridas que tinham deixado de sangrar fazia muito pouco tempo.
— De verdade que está bem?
Ela assentiu com a cabeça e se aproximou para ele na escuridão.
Lucan franziu o cenho e alargou a mão até ela. Acariciou-lhe a cabeça e ela pareceu entender esse contato como um convite. Colocou-se entre seus braços como uma menina que necessitasse consolo e calor. Não era bom o natural que lhe pareceu abraçá-la, quão forte sentiu a necessidade de tranqüilizá-la para que se sentisse segura com ele. Para que sentisse que ele a protegeria como se fosse dele.
Dele.
«Impossível», disse a si mesmo. Mais que impossível: era ridículo.
Baixou a vista e em silêncio observou a suavidade e o calor do corpo dessa mulher que se enredava com o seu em sua deliciosa e quase completa nudez. Ela não tinha nem idéia do perigoso mundo no qual se colocou, e muito menos de que era um mortífero macho vampiro quem a estava abraçando nesses momentos.
Ele era o último que podia oferecer amparo contra o perigo a uma companheira de raça. No caso de Gabrielle, somente notar a mais ligeira fragrância dela elevava sua sede de sangue até a zona de perigo. Acariciou-lhe o pescoço e o ombro e tentou ignorar o constante ritmo do pulso de suas veias sob as pontas dos dedos. Tinha que lutar de maneira infernal para não fazer caso da lembrança da última vez que tinha estado com ela, tanto que precisava tê-la outra vez.
—Mmmm, seu tato é muito agradável —murmurou ela, sonolenta, contra seu peito. Sua voz foi como um ronrono escuro e dormitado que lhe provocou uma descarga de calor na coluna vertebral é outro sonho?
Lucan gemeu, incapaz de responder. Não era um sonho, e ele, pessoalmente, não se sentia bem absolutamente. A maneira em que ela se enredava entre seus braços, com uma tenra confiança e inocência, o fazia sentir dentro dele a besta, antiga e gasta.
Procurando uma distração, encontrou-a muito logo. Jogou um vista para cima, por cima das cabeças de ambos, e todos os músculos de seu corpo se endureceram por causa de outro tipo de tensão.
Fixou os olhos em umas fotografias que Gabrielle tinha pendurado para que secassem na habitação escura. Pendurando, sobre outras imagens sem importância, havia umas imagens de umas quantas localizações mais de vampiros.
Por Deus, inclusive tinha fotografado o complexo de edifícios dos guerreiros. Essa foto de dia tinha sido tomada da estrada, ao outro lado da cerca. Não havia maneira de confundir a enorme porta de ferro cheia de inscrições que fechava o comprido caminho e a mansão de alta segurança que se encontrava ao final do mesmo, oculta perfeitamente dos olhos curiosos.
Gabrielle deveu haver ficado justo ao subúrbios da propriedade para ter tomado essa fotografia. Pela folhagem de verão das árvores que rodeavam a cena, a imagem não podia ter mais de três semanas. Ela tinha estado ali, somente A umas centenas de metros de onde ele vivia.
Ele nunca tinha tido tendência a acreditar na idéia do destino, mas parecia bastante claro que, de uma ou outra forma, essa mulher estava destinada a cruzar-se em seu caminho.
OH, sim. A cruzar-se como um gato negro.
Era muito próprio de sua sorte que, depois de séculos de esquivar balas cósmicas e confusões emocionais, retorcidas irmãs do destino e a realidade tivessem decidido lhe incluir em suas listas de merda ao mesmo tempo.
—Está bem —disse a Gabrielle, embora as coisas estavam tomando uma má direção rapidamente.
— Vou subir te à habitação para que se vista e logo falaremos. —antes de que a visão continuada de seu corpo envolto nessas finas capas de roupa interior acabassem com ele.
Lucan a tomou nos braços, tirou-a da habitação escura e a subiu pelas escadas até o piso principal. Agora que a sujeitava perto dele, seus agudos sentidos perceberam os detalhes das diversas feridas que tinha: uns grandes arranhões nas mãos e nos joelhos, prova de uma queda bastante má.
Ela tinha tentado escapar de algo —ou de alguém— presa do terror e caido. A Lucan lhe bulia o sangue de desejos de saber quem lhe tinha provocado esse dano, mas já haveria tempo para isso logo. A acomodação e o bem-estar de Gabrielle eram sua preocupação principal nesse momento.
Lucan atravessou com ela em braços a sala de estar e subiu as escadas até o piso de acima, onde se encontrava a habitação. Sua intenção era ajudá-la a colocar um pouco de roupa, mas quando passou por diante do banho que se encontrava ao lado do dormitório, pensou na água. Os dois precisavam falar, verdadeiramente, mas tendo em conta a situação provavelmente se relaxassem com maior facilidade depois de que ela houvesse tomado um banho quente.
Com Gabrielle lhe abraçando por cima dos ombros, Lucan entrou no banheiro. Um pequeno abajur de noite oferecia uma tênue iluminação de ambiente, o justo para que se sentisse a gosto. Levou a sua lânguida carga até a banheira e se sentou no bordo da mesma, com a Gabrielle no regaço.
Desabotoou o fechamento da parte da frente da pequena peça de cetim e despiu seus peitos ante seus olhos, repentinamente enfebrecidos. Doíam-lhe as mãos de desejo de tocá-la, assim que o fez, e acariciou as generosas curva com as pontas dos dedos enquanto passava o polegar pelos mamilos rosados.
Que Deus lhe ajudasse. O suave ronrono que ouviu na garganta dela endureceu o pênis até que lhe doeu.
Passou-lhe a mão pelo torso, até a parte de tecido que lhe cobria o sexo. Suas mãos eram muito grandes e torpes para o suave e fino cetim, mas de algum jeito conseguiu lhe tirar as calcinhas e acariciar a parte interna das largas pernas de Gabrielle.
Ante a visão dessa bela mulher, nua outra vez diante dele, o sangue lhe corria pelas veias como a lava.
Possivelmente deveria sentir-se culpado por encontrá-la tão incrivelmente desejavel incluso em seu atual estado de vulnerabilidade, mas ele não tinha mais tendência a aceitar a culpa da que tinha a fazer a cuidar. E já se demonstrou a si mesmo que tentar ter o mínimo controle ao lado dessa mulher em particular era uma batalha que nunca ia ganhar.
Ao lado da banheira havia uma garrafa de sabão líquido. Lucan jogou uma generosa quantidade sob o jorro de água que caía na banheira. Enquanto a espuma se formava, depositou a Gabrielle com cuidado na água quente. Ela gemeu, claramente de gosto, ao entrar na água espumosa. Suas pernas se relaxaram de forma evidente e apoiou os ombros na toalha que Lucan tinha colocado rapidamente para lhe oferecer uma almofada e para que não tivesse que apoiar as costas contra a frieza dos ladrilhos e a porcelana.
O pequeno lavabo estava alagado pelo vapor e pelo ligeiro aroma de jasmim de Gabrielle.
—Cômoda? —perguntou-lhe ele, enquanto se tirava a jaqueta e a tirava ao chão.
—Sim —murmurou ela.
Ele não pôde evitar lhe pôr as mãos em cima. Acariciou-lhe o ombro com suavidade e lhe disse:
—Te deslize para diante e te molhe o cabelo. Eu lhe lavarei isso.
Ela obedeceu, permitindo que lhe conduzisse a cabeça sob a água e logo para fora outra vez. As largas mechas se obscureceram e adquiriram um tom escuro e brilhante. Ela ficou em silencio durante um comprido momento. Logo, levantou lentamente as pálpebras e lhe sorriu como se acabasse de recuperar a consciência e se surpreendesse de lhe encontrar ali.
—Olá.
—Olá.
—Que horas são? —perguntou-lhe ela com um comprido e amplo bocejo.
Lucan se encolheu de ombros.
—As oito, mais ou menos, suponho.
Gabrielle se afundou na banheira e fechou os olhos com um gemido.
—Um mau dia?
—Não um dos melhores.
—Isso imaginei. Suas mãos e seus joelhos se vêem um pouco maltratadas.
—Lucan alargou uma mão e fechou a água. Tomou uma garrafa de xampu do lado e colocou um pouco nas mãos.
—Quer me contar o que te passou?
—Prefiro não fazê-lo. —Entre suas finas sobrancelhas se formou uma ruga.
— Esta tarde fiz uma coisa muito tola. Já se inteirará bastante logo, estou segura.
—Mas como? —perguntou Lucan, esfregando-as mãos com o xampu.
Enquanto lhe massageava a cabeça com a densa nata do xampu, Gabrielle abriu um olho e lhe dirigiu um olhar de receio.
—O menino de delegacia de polícia não lhe há dito nada a ninguém?
—Que menino?
—que se encarrega dos arquivos na delegacia de polícia. Alto, desajeitado, de um aspecto normal. Não sei como se chama, mas estou bastante segura de que se encontrava ali a noite em que fiz minha declaração sobre o assassinato. Hoje lhe vi no parque. Acreditei que me estava espiando, a verdade, e eu... —interrompeu-se e meneou a cabeça.
— Corri detrás dele como uma louca, lhe acusando de estar me espiando.
As mãos de Lucan ficaram imóveis sobre sua cabeça. Seu instinto de guerreiro se alertou completamente.
—Que fez o que?
—Já sei —disse ela, evidentemente interpretando mal sua reação. Apartou um montão de borbulhas com uma mão.
— Já te disse que tinha sido idiota. Bom, pois persegui o pobre menino até Chinatown.
Embora não o disse, Lucan sabia que o instinto inicial de Gabrielle tinha sido acertado sobre o desconhecido que a observava no parque. Dado que o incidente tinha acontecido a plena luz do dia, não podia tratar-se dos renegados —uma pequena sorte—, mas os humanos que lhes serviam podiam ser igual de perigosos. Os renegados utilizavam subordinados em todos os lugares do mundo, humanos escravizados por uma potente dentada infligida por um vampiro poderoso que lhes desprovia de consciência e livre-arbítrio, e lhes deixava em um estado de obediência completa quando despertavam.
Lucan não tinha nenhuma dúvida de que o homem que havia estado observando a Gabrielle o fazia como serviço ao renegado que o tinha ordenado.
—Essa pessoa te fez mal? Foi assim como te fez estas feridas?
—Não, não. Isso foi minha coisa. Pus-me nervosa por nada.
Depois de ter perdido a pista do menino no Chinatown, perdi-me. Acreditei que um carro vinha por mim, mas não era assim.
—Como sabe?
Lhe olhou com exasperação para si mesmo.
—Porque se tratava do prefeito, Lucan. Acreditei que seu carro, conduzido por sua chofer, estava-me perseguindo e comecei a correr. Para culminar um dia perfeitamente horroroso, caí-me de focinhos em meio de uma calçada repleta de gente e logo tive que ir coxeando até casa com os joelhos e as mãos cheias de sangue.
Lucan soltou uma maldição em voz baixa ao dar-se conta de até que ponto ela tinha estado perto do perigo. Pelo amor de Deus, ela mesma em pessoa tinha açoitado a um servente dos renegados. Essa idéia deixou gelado a Lucan, mais assustado do que queria admitir.
—Tem que me prometer que terá mais cuidado —lhe disse ele, dando-se conta de que a estava arreganhando, mas sem ânimo de incomodar-se a comportar-se com educação ao saber que esse mesmo dia a houvessem podido matar.
— Se voltar a acontecer algo assim, tem que me dizer isso imediatamente.
—Isso não vai acontecer outra vez, porque foi meu equívoco. E não ia chamar te, nem a ti nem a ninguém da delegacia de polícia, para isto. Não se divertiríam muito se eu chamasse para lhes dizer que um de seus administrativos me estava perseguindo sem nenhuma razão aparente?
Merda. A mentira que lhe tinha contado de que era um policial lhe estava resultando um maldito estorvo agora. Inclusive pior, isso a tivesse posto em perigo em caso de que ela tivesse chamado a delegacia de polícia perguntando pelo detetive Thorne, porque, ao fazê-lo, tivesse chamado a atenção de um subordinado infiltrado.
—Vou te dar o número de meu celular. Encontrará-me aí sempre. Quero que o utilize a qualquer hora, compreendido?
Ela assentiu com a cabeça enquanto ele voltava a abrir o grifo da água, lavava-se as mãos e lhe enxaguava o cabelo sedoso e ondulado.
Frustrado consigo mesmo, Lucan alcançou uma esponja que se encontrava em uma prateleira superior e a lançou à água.
—Agora, me deixe que lhe jogue uma olhada ao joelho.
Ela levantou a perna desde debaixo da capa de borbulhas. Lucan lhe sujeitou o pé com a palma da mão e lhe lavou com cuidado o feio rasgo. Era somente um arranhão, mas estava sangrando outra vez por causa de que a água quente tinha abrandado a ferida. Lucan apertou a mandíbula com força: os fragrantes fios de sangue escarlate tinham um delicado caminho por sua pele e se introduziam na antiga espuma do banho.
Terminou de lhe limpar os dois joelhos feridos e logo lhe fez um sinal para que lhe permitisse limpar as palmas das mãos. Não se atrevia a falar agora que o corpo nu de Gabrielle se combinava com o odor de seu sangue fresco. A sensação era como se acabassem de lhe dar um golpe no crânio com um martelo.
Concentrando-se em não desviar sua atenção, dedicou-se a lhe limpar as feridas das palmas das mãos, sabendo perfeitamente que seus profundos e escuros olhos seguiam cada um de seus movimentos e notando dolorosamente o pulso nas veias das mãos, rápido, sob a pressão das pontas de seus dedos.
Lhe desejava, também.
Lucan se dispôs a soltá-la e, justo quando começava a dobrar o braço para retirá-lo, viu algo que lhe inquietou. Seus olhos tropeçaram com uma série de marcas tênues que manchavam a impecável pele aveludada. Essas marcas eram cicatrizes, uns magros cortes na parte interior dos antebraços. E tinha mais nas coxas.
Cortes de folhas de barbear.
Como se tivesse suportado uma tortura infernal de forma repetida quando não era mais que uma menina.
—Deus Santo. —Levantou a cabeça para olhá-la, com expressão de fúria, aos olhos.
— Quem te fez isto?
—Não é o que crê.
Agora ele estava aceso de ira, e não pensava deixá-lo passar.
—Conta-me .
—Não é nada, de verdade. Esquece-o...
—Me dê um nome, porra, e te juro que matarei a esse filho da puta com minhas próprias mãos.
—Eu o fiz —lhe interrompeu repentinamente ela em voz baixa.
— Fui eu. Ninguém me fez isso, eu mesma me fiz isso.
—O que? —Enquanto lhe apertava o frágil pulso com uma mão, voltou a lhe dar a volta ao braço para poder observar a tênue rede de cicatrizes de cor púrpura que se entrelaçava em seu braço.
— Você te fez isto? Por que?
Ela se soltou de sua mão e introduziu os dois braços sob a água, como se queria ocultar os de seu olhar.
Lucan soltou um juramento em voz baixa e em um idioma que já não falava mais que muito raramente.
—Quantas vezes, Gabrielle?
—Não sei. —Ela se encolheu de ombros, evitando seu olhar.
— Não o fiz durante muito tempo. Superei-o.
—É por isso que há uma faca na pia, lá em baixo?
O olhar que lhe dirigiu expressava dor e uma atitude defensiva. Não gostava que ele se intrometesse, tanto como não lhe tivesse gostado dele, mas Lucan queria compreendê-lo. Não era capaz de imaginar o que podia havê-la levado a cravar uma faca na própria carne.
Uma e outra e outra vez.
Ela franziu o cenho com o olhar cravado na espuma que começava a dissolver-se a seu redor.
—Ouça, não podemos deixar o tema? De verdade que não quero falar de...
—Possivelmente deveria falar disso.
—OH, claro. —ela riu em um tom que delatava um fio de ironia—. Agora chega a parte em que me aconselha que vá ver um psiquiatra, detetive Thorne? Possivelmente que vá a algum lugar onde me possam deixar em um estado de estupor pelos medicamentos e onde um doutor possa me vigiar por meu próprio bem?
—Isso te aconteceu?
—As pessoas não me compreendem. Nunca o tem feito. Às vezes nem eu me compreendo.
—O que é o que não compreende? Que precisa machucar a si mesma?
—Não. Não é isso. Não é esse o motivo pelo que o fiz.
—Então, por que? Deus santo, Gabrielle, deve haver mais de cem cicatrizes...
—Não o fiz porque queria sentir dor. Não me resultava doloroso fazê-lo. —Inalou com força e soltou o ar devagar por entre os lábios. Demorou um segundo em falar, e quando o fez Lucan ficou olhando-a em um silêncio pasmado.
— Nunca tive a intensão de provocar dano a nada. Não estava tentando enterrar umas lembranças traumáticas nem intentava escapar de nenhum tipo de mau trato, apesar das opiniões de quem se define como peritos e que me foram atribuídos pela administração. Cortei-me porque... tranqüilizava-me. Sangrar me acalmava.
Quando sangrava, tudo aquilo que estava desconjurado e era estranho em mim, de repente me parecia... normal.
Ela manteve o olhar sem titubear, em uma expressão nova como de desafio, como se uma porta se abrisse em algum ponto dentro dela e acabasse de soltar uma pesada carga. De alguma forma imprecisa, Lucan se deu conta de que isso era o que ele tinha visto. Só que a ela todavia faltava uma peça de informação crucial, que faria que as coisas encaixassem em seu lugar para ela.
Ela não sabia que era uma companheira de raça.
Ela não podia saber que, um dia, um membro de sua estirpe tomaria em qualidade de eterna amada e lhe mostraria um mundo muito distinto ao que ela tivesse podido sonhar nunca. Ela abriria os olhos a um prazer que somente existia entre casais que tinham um vínculo de sangue.
Lucan se deu conta de que já odiava a esse macho desconhecido que teria a honra de amá-la.
—Não estou louca, se é isso o que está pensando.
Lucan negou com a cabeça devagar.
—Não estou pensando isso absolutamente.
—Desgosta-me que me tenham pena.
—A mim também —disse, percebendo a advertência que encerravam essas palavras.
_Você não necessita compaixão, Gabrielle. E eu não necessito-medicina nem doutores, tampouco.
Ela se tinha retraído no momento em que ele tinha descoberto as cicatrizes, mas agora Lucan se deu conta de que ela duvidava, de que uma dúbia confiança voltava a aparecer lentamente.
—Você não pertence a este mundo —disse ele, em um tom nada sentimental, a não ser constatando os fatos. Alargou a mão e tomou o queixo com a palma.
— Você é muito extraordinária para a vida que estiveste vivendo, Gabrielle. Acredito que o soubeste sempre. Um dia, tudo cobrará sentido para ti, prometo-lhe isso. Então o compreenderá, e encontrarás seu verdadeiro destino. Possivelmente eu possa te ajudar a encontrá-lo.
O tivesse querido acabar de ajudá-la a banhar-se, mas a atenção com que lhe olhava lhe obrigou a manter as mãos quietas. Ela, por toda resposta, sorriu, e a calidez de seu sorriso lhe provocou uma pontada de dor no peito. Apanhado no tenro olhar dela, sentiu que a garganta lhe fechava de uma forma estranha.
—O que acontece?
Ela negou com a cabeça brevemente.
—Estou surpreendida, só é isso. Não esperava que um policial duro como você falasse de forma tão romântica sobre a vida e o destino.
O recordar que ele se aproximou dela, e continuava fazendo-o, sob uma aparência falsa, permitiu-lhe recuperar parte do sentido comum. Voltou a afundar a esponja na água ensaboada e a deixou flutuar em meio da espuma.
—Possivelmente tudo isto são tolices.
—Não acredito.
—Não me tenha tão em conta —lhe disse ele, forçando um tom de despreocupação.
— Não me conhece, Gabrielle. Não de verdade.
—Eu gostaria de te conhecer. De verdade. —Ela se sentou dentro da banheira. As mornas pequenas ondas da água lhe lambiam o corpo nu igual a Lucan lhe tivesse gostado de fazê-lo com a língua. As pontas dos peitos ficavam justo por cima da superfície da água, os mamilos rosados duros como pétalas fechadas e rodeados por uma densa espuma branca.
— Me Diga, Lucan. De onde é?
—De nenhuma parte. —A resposta soou entre seus lábios como um grunhido, e era uma confissão que se aproximava mais a verdade do que gostava de admitir. Ao igual que ela, desgostava-lhe a compaixão assim que se sentiu aliviado de que lhe olhasse mais com curiosidade que com pena. Com o dedo, acariciou-lhe o nariz arrebitado e salpicado de sardas.
—Eu sou o inadaptado original. Nunca pertenci verdadeiramente a nenhum lugar.
—Isso não é certo.
Gabrielle lhe rodeou os ombros com os braços. Seus quentes olhos enormes lhe olharam com ternura e expressavam o mesmo cuidado que lhe havia devotado ao tira-la da habitação escura e trazê-la até o quente banho. Gabrielle lhe beijou e, ao notar a língua dela entre seus lábios, os sentidos de Lucan se alagaram do embriagador perfume de seu desejo e de seu doce e feminino afeto.
—Cuidaste-me tanto esta noite. Me deixe que te cuide agora, Lucan.
—Lhe beijou outra vez. O beijo foi tão profundo que a pequena e úmida língua lhe arrancou um grunhido de puro prazer masculino do mais fundo dele. Quando ela finalmente interrompeu o contato, respirava com agitação e seus olhos estavam acesos de desejo carnal.
—Leva muita roupa em cima. Tire-lhe isso quero que esteja aqui dentro, nu, comigo.
Lucan obedeceu e atirou as botas, as meias três-quartos, a calça e a camisa ao chão. Não levava nada mais e ficou em pé diante de Gabrielle completamente nu.
Completamente ereto e desejoso dela.
Lucan tomou cuidado de manter os olhos separados dos dela, porque agora as pupilas lhe tinham esgotado a causa do desejo, e era consciente da pressão e a pulsação de suas presas, que se haviam alargadas detrás dos lábios. Se não tivesse sido porque a luz que chegava do abajur de noite que se encontrava ao lado da pia era muito tênue, sem dúvida lhe teria visto em toda sua voraz gloria.
E isso tivesse estragado esse momento prometedor.
Lucan se concentrou e emitiu uma ordem mental que rompeu a pequena lâmpada dentro do biombo de plástico do abajur de noite. Gabrielle se sobressaltou ao ouvir o repentino estalo, mas ao notar-se rodeada pela escuridão, suspirou, feliz. Movia-se dentro da água e esse movimento de seu corpo ao deslizar-se dentro da água emitia uns sons deliciosos.
—Acende outra luz, se quiser.
—Encontrarei-te sem luz —lhe prometeu ele. Falar era um pequeno truque agora, quando a lascívia lhe dominava por completo.
—Então vêem —lhe pediu sua sereia da calidez do banho.
Ele se introduziu na banheira e se colocou diante dela, Às escuras. Somente desejava atrai-la até si, arrastá-la até seu regaço para afundar-se até o punho com uma larga investida. Mas pelo momento pensava deixar que fosse ela quem marcasse o ritmo.
A noite passada, ele tinha vindo faminto e tomou o que desejava. Esta noite ia ser ele quem oferecesse.
Apesar de que o ter que refrear-se o matasse.
Gabrielle se deslizou para ele entre as magras nuvens de espuma. Passou-lhe os pés por ambos os lados dos quadris e os juntou agradavelmente em seu traseiro. Inclinou-se para frente e seus dedos encontraram os musculos dele por debaixo da superfície da água. Acariciou e apertou seus fortes músculos, massageou-os e passou as mãos ao longo de suas coxas em uma carícia que era um tortura lenta e deliciosa.
—Tem que saber que não me comporto assim normalmente.
Ele emitiu um grunhido que pretendia mostrar interesse mas que soou forçado.
—Quer dizer que normalmente não está tão quente como para fazer que um homem se derreta a seus pés?
Ela soltou uma gargalhada.
—É isso o que te estou fazendo?
Ele lhe conduziu as mãos até a dureza de seu pênis.
—A você o que te parece?
—Acredito que é incrível. —Ele lhe soltou as mãos mas ela não as apartou. Acariciou-lhe o membro e os testículos e, com gesto preguiçoso, acariciou-lhe com os dedos a ponta torcida que se sobressaía por cima da superfície da água da banheira.
—Não te parece com ninguém que tenha conhecido nunca. E o que queria dizer era que habitualmente não sou tão... quero dizer, agressiva. Não tenho muitos encontros.
—Não traz para um montão de homens a sua cama?
Inclusive na escuridão, Lucan se deu conta de que ela se havia ruborizado .
—Não. Faz muito tempo.
Nesse momento, ele não desejava que ela levasse a nenhum outro macho, nem humano nem vampiro, a sua cama.
Não queria que ela transasse com ninguém nunca mais.
E, que Deus lhe ajudasse, mas ia perseguir e estripar ao bastardo servente de quão renegados tinha podido matá-la hoje.
Essa idéia lhe surgiu em um repentino ataque de posse. Lhe acariciava o sexo e a ponta lhe umedeceu. Seus dedos, seus lábios, sua língua, seu fôlego contra seu abdômen nu enquanto tomava até o fundo de sua cálida boca: tudo isso lhe estava conduzindo ao limite de uma extraordinária loucura. Não conseguia ter o bastante. Quando lhe soltou, ele pronunciou um juramento de frustração por perder a doçura dessa sucção.
—Necessito-te dentro de mim —disse ela, com a respiração agitada.
—Sim —assentiu ele—, claro que sim.
—Mas...
Vê-la duvidar lhe confundiu. Zangou a essa parte dele que se parecia mais a um renegado selvagem que a um amante considerado.
— O que acontece ? —Soou mais parecido a uma ordem do que tivesse querido.
—Não teríamos... ? A outra noite, as coisas nos foram das mãos antes de que lhe pudesse dizer isso mas não deveríamos, já sabe, utilizar algo esta vez? —O desconforto dela lhe cravou como o fio de uma faca. Ficou imovel, e ela se separou dele como se fosse sair da banheira.
— Tenho camisinhas na outra habitação.
Ele a sujeitou pela cintura com ambas as mãos antes de que ela tivesse tempo de levantar-se.
—Não posso te deixar grávida. —Por que lhe soava isso tão duro nesse momento? Era a pura verdade. Somente os casais que tinham um vínculo..., as companheiras de raça e os machos vampiros que intercambiavam o sangue de suas veias, podiam ter descendência com êxito.
— E quanto ao resto, não tem que preocupar-se por te proteger. Estou são, e nada do que nos façamos pode fazer mal a nenhum dos dois.
—OH, eu também. E espero que não ache que sou uma dissimulada por dize-lo..
Ele a atraiu para si e silenciou sua expressão de desconforto com um beijo. Quando seus lábios se separaram, disse-lhe:
—O que acredito, Gabrielle Maxwell, é que é uma mulher inteligente que respeita seu corpo e a si mesmo. Eu te respeito por ter o valor de tomar cuidado.
Ela sorriu com os lábios junto aos dele.
—Não quero tomar cuidado quando estou perto de ti. Volta-me louca. Faz-me desejar gritar.
Pô-lhe as mãos plainas sobre o peito e lhe empurrou até que ele caiu apoiado de costas contra a parede da banheira. Então ela se levantou por cima de seu pesado pênis e passou seu sexo úmido por toda sua longitude, deslizando-se para cima e para baixo.
—Mas, transar, não de tudo— lhe embainhando com seu calor.
—Quero te fazer gemer —lhe sussurrou ela ao ouvido.
Lucan grunhiu de pura agonia provocada por essa dança sensual. Apertou as mãos em punhos a ambos lado de seu corpo, por debaixo da água, para não agarrá-la e empalá-la com sua ereção que estava a ponto de explodir. Ela continuou com esse perverso jogo até que ele sentiu seu orgasmo contra seu pênis. Ele estava a ponto de derramar-se, e ela continuava lhe provocando sem piedade.
—Foda —exclamou ele com os dentes e as presas apertadas, jogando a cabeça para trás.
— Por Deus, Gabrielle, está-me matando.
—Isso é o que quero ouvir —lhe animou ela.
E então, Lucan sentiu que o suculento sexo dela rodeava centímetro a centímetro a cabeça de seu pênis.
Devagar.
Tão vertiginosamente devagar.
Sua semente se derramou e ele tremeu enquanto o quente líquido penetrava no corpo dela. Gemeu, e nunca tinha estado tão perto de perder-se como nesse momento. E a turgidez do sexo de Gabrielle o envolveu ainda mais. Sentiu que os pequenos músculos lhe apertavam enquanto se cravava mais em seu pênis.
Já quase não podia suportá-lo mais.
O aroma de Gabrielle lhe rodeava, mesclava-se com o vapor do banho e se sentia embargado pela mescla do perfume de seus corpos unidos. Os peitos dela flutuavam perto de seus lábios como uns frutos amadurecidos a ponto de ser tomados, mas ele não se atreveu a tocá-los nesse momento em que estava a ponto de perder o controle. Desejava sentir esses maravilhosos peitos na boca, mas as presas lhe pulsavam da necessidade de chupar sangue. Essa necessidade se via incrementada no momento do climax sexual.
Girou a cabeça e deixou escapar um uivo de angústia; sentia-se desgarrado em muitos impulsos tentadores, e o menor deles não era a tensão por gozar dentro de Gabrielle, de enchê-la com cada uma das gotas de sua paixão. Soltou um juramento em voz alta e então gritou de verdade, pronunciou um profundo juramento que se fez mais forte quando ela se cravou com major força em seu pênis ansiosa e obrigou a derramar-se antes de que seu próprio orgasmo seguisse ao dele.
Quando a cabeça lhe deixou de dar voltas e sentiu que suas pernas voltavam a ter a força necessária para lhe aguentar, Lucan rodeou a Gabrielle com os braços e começou a levantar-se com ela, evitando que Gabrielle se separasse de seu pênis que voltava a entrar em ereção.
—O que está fazendo?
—Você se divertiu já. Agora te levo a cama.
O agudo timbre do telefone celular arrancou de um sobressalto a Lucan de seu pesado sono. Encontrava-se na cama com Gabrielle, os dois estavam esgotados. Ela estava enroscada a seu lado, o corpo nu dela rodeava maravilhosamente suas pernas e seu torso.
—Merda, quanto tempo levava fora? Possivelmente tivessem acontecido umas quantas horas já, o qual era incrível, tendo em conta seu habitual estado de insônia.
O telefone voltou a soar e ele ficou em pé e se dirigiu ao lavabo, onde tinha deixado sua jaqueta. Tirou o telefone de um dos bolsos e respondeu.
—Sim.
—Né. Era Gideon, e sua voz tinha um tom estranho.
— Lucan, com quanta rapidez pode vir ao complexo?
Ele olhou por cima do ombro para o dormitório adjacente. Gabrielle estava sentada nesse momento, sonolenta. Seus quadris nus estavam envoltos nos lençóis e seu cabelo era uma confusão selvagem em sua cabeça. Ele nunca tinha visto nada tão terrivelmente tentador. Possivelmente fosse melhor que partisse logo, enquanto ainda tinha a oportunidade de afastar-se antes de que o sol se levantasse.
Apartou os olhos da excitante visão de Gabrielle e Lucan respondeu a pergunta com um grunhido.
—Não estou longe. O que acontece?
Fez-se um comprido silencio ao outro lado do telefone.
—Passou uma coisa, Lucan. É má. —Mais silêncio. Então, a tranqüilidade habitual do Gideon se quebrou:
— Ah, merda, não há forma boa de dizê-lo. Esta noite perdemos a um, Lucan. Um dos guerreiros está morto.
Capítulo doze
Os lamentos do luto das fêmeas chegaram até os ouvidos de Lucan assim que este saiu do elevador que lhe tinha conduzido até as próofundidades subterrâneas do complexo. Eram uns prantos de angústia que rompiam o coração. Os gemidos de uma das companheiras de raça expressavam uma dor crua e evidente. Era o único que se ouvia no silêncio que invadia o comprido corredor.
O contundente peso da perda lhe cravou no coração.
Ainda não sabia qual dos guerreiros da raça era o que havia falecido essa noite. Não tinha intenção de esforçar-se em adivinhá-lo. Caminhava a passo rápido, quase corria para as habitações da enfermaria de onde Gideon lhe tinha chamado fazia uns minutos. Girou pela esquina do corredor bem a tempo de encontrar-se com Savannah que conduzia a Danika, destroçada pela dor e soluçando, fora de uma das habitações.
Uma nova comoção lhe golpeou.
Assim era Conlan quem se partiu. O grandalhão escocês de risada fácil e com esse profundo e inquebrável sentido de honra... estava morto agora. Logo se teria convertido em cinzas.
Jesus, quase não podia compreender o alcance dessa dura verdade.
Lucan se deteve e saudou com uma respeitosa inclinação de cabeça a viúva quando esta passava por seu lado. Danika se apoiava pesadamente em Savannah. Os fortes braços de cor café desta última pareciam ser quão único impedia que a alta e loira companheira de raça do Conlan se derrubasse pela dor.
Savannah saudou Lucan, dado que a chorosa mulher a quem acompanhava era incapaz de fazê-lo.
—Estão-lhe esperando dentro —lhe disse em tom amável. Seus profundos olhos marrons estavam úmidos pelas lágrimas.
— Vão necessitar sua força e seu guia.
Lucan respondeu a mulher do Gideon com um sério assentimento de cabeça e logo deu os poucos passos que lhe faltavam para entrar na enfermaria.
Entrou em silêncio, pois não queria perturbar a solenidade desse fugaz tempo de que dispunham, ele e seus irmãos, para estar com o Conlan. O guerreiro tinha suportado de uma forma surpreendente várias feridas; incluso do outro extremo da habitação Lucan percebia o aroma de uma terrível perda de sangue. As fossas nasais lhe encheram com a nauseabunda mescla do aroma da pólvora, a eletricidade, e a carne queimada.
Tinha havido uma explosão, e Conlan ficou apanhado em meio dela.
Os restos do Conlan se encontravam em uma maca de exame aberta de retalhos de tecido. Seu corpo estava nu exceto pela larga parte de seda bordada que cobria sua entreperna. Durante o pouco tempo desde que tinha voltado para o complexo, a pele do Conlan tinha sido limpa e lubrificada com um fragrante azeite, em preparação dos ritos funerários que foram ter lugar a próxima saída do sol, para a qual faltavam poucas horas.
Outros se reuniram ao redor da maca onde se encontrava Conlan: Dante, rígido e observando estoicamente a morte; Rio, com a cabeça encurvada, sujeitava entre os dedos um rosário enquanto movia os lábios pronunciando em silêncio as palavras da religião de sua mãe humana; Gideon, com um tecido na mão, limpava com cuidado uma das selvagens feridas que tinham esmigalhado quase por completo a pele do Conlan; Nikolai, que tinha estado patrulhando com o Conlan essa noite, tinha o rosto mais pálido do que Lucan tinha visto nunca: seus olhos frios tinham uma expressão austera e sua pele estava coberta de fuligem, cinzas e pequenas feridas que ainda sangravam.
Inclusive Tegan se encontrava ali para mostrar seu respeito, embora o vampiro se encontrava em pé justo fora do círculo que formavam outros e mantinha os olhos ocultos, fundo em sua solidão.
Lucan caminhou até a maca para ocupar seu lugar entre seus irmãos. Fechou os olhos e rezou pelo Conlan em um comprido silencio. Ao cabo de um momento, Nikolai rompeu o silêncio da habitação.
—Salvou-me a vida aí fora esta noite. Acabávamos de terminar com um par de idiotas fora da estação Green Line e nos dirigíamos de volta para aqui no momento em que vimos esse tipo subir ao trem. Não sei o que me incitou a lhe olhar, mas ele nos dirigiu um amplo e provocador sorriso que nos fez lhe seguir. Estava-se colocando um pouco parecido a pólvora ao redor do corpo. Fedia isso a alguma outra merda que não tive tempo de identificar.
—TATP —disse Lucan, que cheirava a acidez do explosivo nas roupas do Niko incluso nesse momento.
—Resultou que o bastardo levava um cinturão de explosivos ao redor de seu corpo. Saltou do trem justo antes de que nós começássemos a nos pôr em marcha e começou a correr ao longo de uma das velhas vias. Perseguimo-lhe e Conlan lhe abandonou. Então foi quando vimos as bombas. Estavam conectadas a um temporizador de sessenta segundos, e a conta já era menor de dez. Ouvi que Conlan me gritava que voltasse atrás, e então se atirou em cima do tipo.
—Merda —exclamou Dê, passando uma mão pelo cabelo escuro.
—Um servente tem feito isto? —perguntou Lucan, pensando que era uma hipótese acertada. Os renegados não tinham escrúpulos em utilizar vidas humanas para levar a cabo suas mesquinhas guerras internas ou para resolver assuntos de vinganças pessoais. Durante muito tempo, os fanáticos religiosos não tinham sido os únicos em utilizar aos fracos de mente como trocas e descartáveis, embora altamente efetivas, ferramentas de terror.
Mas isso não fazia que a horrível verdade do que lhe tinha acontecido a Conlan fosse mais fácil de aceitar.
—Não era um servente —respondeu Niko, negando com a cabeça.
—Era um renegado, e estava conectado a uma quantidade do TATP suficiente para voar meia quadra da cidade, a julgar pelo aspecto e o aroma que despedia.
Lucan não foi o único nessa habitação que pronunciou um selvagem juramento para ouvir essas preocupantes notícias.
—Assim, que já não estão satisfeitos sacrificando somente seus escravizados súditos? —comentou Rio—. Agora os renegados estão movendo peças mais importantes no tabuleiro?
—Continuam sendo peões —disse Gideon.
Lucan olhou ao inteligente vampiro e compreendeu a que se referia.
—As peças não trocaram. Mas as regras sim o têm feito. Este é um tipo de guerra nova, já não se trata do pequeno fogo cruzado com que nos enfrentamos no passado. Alguém de entre as filas dos renegados está gerando um grau novo de ordem nessa anarquia. Estamos sendo assediados.
Ele voltou a dirigir a atenção a Conlan, a primeira vítima do que começava a temer que ia ser uma nova era escura. Sentia, em seus velhos ossos, a violência de um tempo muito longínquo que voltava a aparecer para repetir-se. A guerra se estava gerando de novo, e se os Renegados se estavam movendo para organizar-se, para iniciar uma ofensiva, então a nação inteira dos vampiros se encontraria no fronte. E os humanos também.
—Podemos discutir isto mais longamente, mas não agora. Este momento é do Conlan. Vamos honrar lhe.
—Eu já me despedi —murmurou Tegan—. Conlan sabe que eu lhe respeitei em vida, igual a na morte. Nada vai trocar para nesse aspecto.
Uma densa ansiedade alagou a habitação, dado que todo mundo esperava a que Lucan reagisse ante a abrupta partida do Tegan. Mas Lucan não pensava lhe dar a satisfação ao vampiro de pensar que lhe tinha zangado, embora sim que o tinha feito. Esperou a que o som das botas do Tegan se apagasse ao fundo do corredor e dirigiu um assentimento de cabeça aos outros para que continuassem com o ritual.
Um por um, Lucan e cada um dos quatro guerreiros ficaram de joelhos no chão para oferecer seus respeitos. Recitaram uma única oração e logo se levantaram juntos para retirar-se e esperar a cerimônia final com a que deixariam descansar a seu companheiro defunto.
—Eu serei quem o leve —anunciou Lucan aos vampiros, quando estes partiam.
Lucan percebeu o intercâmbio de olhares que se deu entre eles e soube o que significavam. Aos Antigos da estirpe dos vampiros —e especialmente aos da primeira geração— nunca lhes pedia que translevassem o peso dos mortos. Essa obrigação recaía na última generação da raça, que estava mais afastada dos Antigos e que, por tanto, podiam suportar melhor os perigosos raios do sol quando começava a amanhecer durante o tempo necessário para oferecer o descanso adequado ao corpo de um vampiro.
Para um membro da primeira geração como Luzem, o rito funerario representava uma tortuosa exposição ao sol de oito minutos.
Lucan observou o corpo sem vida que se encontrava em cima da maca, sem poder apartar a vista do dano que lhe tinham causado.
Um dano que lhe tinham infligido em lugar dele, pensou Lucan, que se sentiu doente ao pensar que poderia ter sido ele quem patrulhasse com o Niko, e não Conlan. Se não tivesse enviado ao escocês em seu lugar no último minuto, Lucan se encontraria agora tendido nessa fria maca com as pernas, o rosto e o torso queimado pelo fogo e o ventre aberto pela metralhadora.
A necessidade que Lucan tinha de ver Gabrielle essa noite havia preponderado por cima de seu dever com a raça, e agora Conlan —seu triste companheiro— tinha pago o preço.
—Vou levar lhe acima —repetiu em tom severo. Olhou a Gideon com o cenho franzido e uma expressão funesta.
_ Me chame quando os preparativos estejam preparados.
O vampiro inclinou a cabeça em um gesto que mostrava um respeito a Lucan maior de que era devido nesse momento.
—É obvio. Não demoraremos muito.
Lucan passou as duas horas seguintes em suas habitações, sozinho, ajoelhado no centro do espaço, com a cabeça encurvada, rezando e reflexionando com um porte sombrio no rosto. Gideon se apresentou na porta e, com um assentimento de cabeça, indicou-lhe que tinha chegado o momento de tirar Conlan do complexo e de oferecê-lo aos mortos.
—Está grávida —disse Gideon com expressão sombria assim que Lucan se levantou.
— Danika está de três meses. Savannah acaba de me dizer. Conlan estava tentando reunir o valor suficiente para te dizer que ia abandonar a Ordem quando o menino tivesse nascido. Ele e Danika planejavam retirar-se a um dos Refúgios Escuros para formar sua família.
—Merda! —exclamou Lucan em um vaio. Sentiu-se ainda pior ao conhecer o futuro feliz que lhes tinha sido roubado a Conlan e a Danika, e ao pensar nesse filho que alguma vez conheceria o homem de valor e de honra que tinha sido seu pai.
— Está tudo preparado para o ritual?
Gideon assentiu com a cabeça.
—Então, vamos fazer- o.
Lucan caminhou encabeçando a cerimônia. Seus pés e sua cabeça estavam nus, igual ao estava seu corpo debaixo da larga túnica negra. Gideon também levava uma túnica, mas a levava com o cinturão das cerimônias da Ordem, igual a outros vampiros que lhes esperavam na câmara colocados a um lado, como faziam em todos os rituais da raça, desde matrimônios e nascimentos até funerais como este. As três fêmeas do complexo se encontravam presente também: Savannah e Eva vestiam as túnicas cerimoniosas com capuz, e Danika ia vestida da mesma forma mas levava a profunda cor vermelha escarlate que indicava o sagrado vínculo de sangue que lhe unia com o defunto.
À frente de todos eles, o corpo do Conlan estava convexo sobre um altar decorado e agasalhado em um grosso tecido de seda.
—Comecemos —anunciou Gideon, simplesmente.
Lucan sentiu um grande pesar no coração enquanto escutava o serviços e os símbolos de infinitude de todos os rituais.
Oito medidas de azeite perfumado para lubrificar a pele.
Oito capas de seda branca para envolver o corpo dos mortos.
Oito minutos de atenção silenciosa à alvorada por parte de um membro da raça, antes de que o guerreiro morto fosse exposto aos raios do sol para que estes lhe incinerassem. Deixado ali sozinho, seu corpo e sua alma se pulverizariam Aos quatro ventos em forma de cinzas e formaria parte dos elementos para sempre.
A voz do Gideon se apagou com suavidade e Danika deu um passo à frente.
Olhou aos congregados e, levantando a cabeça, falou em voz grave mas orgulhosa.
—Este macho era meu, e eu era dele. Seu sangue me sustentava. Sua força me protegia. Seu amor me enchia em todos os sentidos. Ele era meu amado, meu único amado, e ele permanecerá em meu coração durante toda a eternidade.
—Honra-lhe bem —lhe responderam ao uníssono em voz baixa Lucan e outros.
Então Danika se deu a volta para ficar de cara a Gideon, com as mãos estendidas e as palmas dirigidas para cima. O desencapou uma magra adaga de ouro e a depositou sobre suas mãos. Danika baixou a cabeça coberta com o capuz em um gesto de aceitação e logo se deu a volta para colocar-se diante do corpo envolto do Conlan. Murmurou umas palavras em voz baixa dirigidas somente a eles dois. Levou-se ambas as mãos até o rosto. Lucan sabia que agora a viúva da raça se realizava um corte no lábio inferior com o fio da adaga para que sangrasse e para dar um último beijo a Conlan por cima da mortalha.
Danika se inclinou sobre seu amante e ficou assim durante um comprido momento. Todo seu corpo tremia por causa da potência da dor que sentia. Logo se separou dele, soluçando, com a mão sobre a boca. O beijo escarlate brilhava ferozmente, à altura de seus lábios, em meio da brancura que cobria a Conlan. Savannah e Eva a receberam e a abraçaram, apartando-a do altar para que Lucan pudesse continuar com a tarefa que ainda ficava por realizar.
Aproximou-se de Gideon, à frente dos congregados, e se comprometeu a ver Conlan partir com toda a honra que lhe era devido, igual que fazia o resto de membros da raça que caminhavam pelo mesmo caminho que Lucan aguardava nesse momento.
Gideon se apartou a um lado para permitir que Lucan se aproximasse do corpo. Lucan tomou ao enorme guerreiro entre os braços e se voltou para encarar aos outros, tal e como se requeria.
—Honra-lhe bem —murmurou em voz baixa um coro de vozes.
Lucan avançou com solenidade e com lentidão pela câmara cerimoniosa até a escada que conduzia acima e ao exterior do recinto. Cada um dos lances da escada, cada um das centenas de degraus que subiu com o peso de seu irmão cansado, infligiu-lhe uma dor que ele aceitou sem nenhuma queixa.
Essa era a parte mais fácil da tarefa, depois de tudo.
Se tinha que desfalecer, faria-o ao cabo de uns quantos minutos, ao outro lado da porta exterior que se levantava diante dele a uns quantos passos.
Lucan abriu com um empurrão do ombro o painel de aço e inalou o ar fresco da manhã enquanto se dirigia até o lugar onde ia deixar o corpo de seu companheiro. Ficou de joelhos em cima da grama e baixou os braços lentamente para depositar o corpo do Conlan em terra firme diante dele. Sussurrou as orações do rito funerário, umas palavras que somente tinha ouvido umas quantas vezes durante os séculos que tinham acontecido mas que sabia de cor.
Enquanto as pronunciava, o céu começou a iluminar-se com a chegada do amanhecer.
Suportou essa luz com um silêncio reverente e concentrou todos seus pensamentos no Conlan e na honra que tinha sido característica de sua larga vida. O sol continuava levantando-se no horizonte, e ainda não tinha chegado na metade do ritual. Lucan baixou a cabeça e absorveu a dor ao igual que tivesse feito Conlan por qualquer membro da raça que tivesse lutado a seu lado. Um calor lacerante banhou a Lucan enquanto o amanhecer se levantava, cada vez com mais força.
Tinha os ouvidos cheios com as antigas palavras das velhas orações e, ao cabo de pouco tempo, também com o suave vaio e rangido de sua própria carne ao queimar-se.
Capítulo treze
«A polícia e os agentes do transporte ainda não estão seguros do que provocou a explosão da passada noite. De todas formas, depois da conversação mantida com um representante da ferrovia faz uns momentos, assegurou-nos que o incidente se produziu de forma isolada em uma das velhas vias mortas e que não teve feridos. Continuem escutando o canal cinco para conhecer mais notícias sobre esta historia...»
O poeirento e velho modelo de televisor que se encontrava montado sobre uma prateleira de parede se apagou repentinamente, silenciado abruptamente enquanto o forte rugido cheio de irritação do vampiro sacudia a sala. detrás dele, ao outro lado da sombria e destroçada habitação que uma vez fora a cafeteria, no porão do psiquiátrico, dois dos tenentes renegados permaneciam em pé, inquietos e grunhindo, enquanto esperavam suas seguintes ordens.
Esse par tinha pouca paciência; os renegados, por sua natureza aditiva, tinham uma débil capacidade de atenção dado que tinham abandonado o intelecto a favor de satisfazer os caprichos mais imediatos de sua sede de sangue. Eram meninos grandes e necessitavam castigos regulares e premios escassos para que continuassem sendo obedientes. E para que recordassem a quem se encontravam servindo nesse momento.
—Não teve feridos —se burlou um dos renegados.
—Possivelmente não humanos —acrescentou o outro—, mas a raça se levou um bom golpe. Ouvi dizer que não ficou grande coisa do morto para que o sol se encarregasse dele.
Mais risadas do primeiro dos idiotas, às que seguiu uma explosão de fôlego e sangue ao imitar a detonação de quão explosivos tinham sido colocados no túnel pelo renegado a quem tinham atribuído para essa tarefa.
—É uma pena que o outro guerreiro que estava com ele se pudesse marchar por seu próprio pé. —Os renegados ficaram em silencio no momemoro em que seu líder se deu a volta, finalmente, para encarar-se com eles.
— A próxima vez lhes porei a vocês dois nessa tarefa, dado que o fracasso lhes parece tão divertido.
Eles franziram o cenho e grunhiram, como bestas que eram, com uma expressão selvagem nas pupilas rasgadas e afundadas no mar amarelo e dourado de sua íris impávidas. Baixaram a vista quando ele começou a caminar em direção a eles com passos lentos e medidos. A ira que sentia estava só parcialmente aplacada pelo fato de que a raça, pelo menos, tinha sofrido uma perda importante.
Esse guerreiro que tinha caido por causa da bomba não tinha sido o alvo real da missão da passada noite; Apesar disso, a morte de qualquer membro da Ordem era uma boa notícia para sua causa. Já haveria tempo de eliminar ao que chamavam Lucan. Possivelmente o fizesse ele mesmo, rosto a rosto, vampiro contra vampiro, sem a vantagem das armas.
Sim, pensou, resultaria mais que um prazer acabar com esse em concreto.
Podia-se chamar justiça poética.
—Me mostrem o que me trouxestes —ordenou aos renegados que se encontravam frente a ele.
Ambos saíram ao mesmo tempo. Empurraram uma porta para entrar os vultos que tinham deixado no corredor de fora. Voltaram ao cabo de um instante arrastando atrás deles a uns quantos humanos entorpecidos e quase sem sangue. Esses homens e mulheres, seis em total, estavam atados pelos pulso e ligeiramente sujeitos pelos tornozelos, embora nenhum deles parecia o bastante forte para nem sequer pensar em tentar fugir.
Os olhos, em estado catatônico, lhes cravavam em um nada. Os lábios, inertes, incapazes de pronunciar nem de emitir nenhum som, estavam emtreabertos em meio de seus rostos pálidos. Em suas gargantas se viam os sinais das dentadas que seus captores lhes tinham feito para subjugá-los.
—Para você, senhor. Uns serventes novos para a causa.
Fizeram entrar os seis seres humanos como se fossem gado, dado que isso era o que eram: ferramentas de carne e osso cujo destino ia trabalhar, ou morrer, o que fosse mais útil segundo seu critério.
Ele jogou uma olhada a caça dessa noite sem mostrar grande interesse, calculando rapidamente o potencial que esses dois homens e quatro mulheres tinham para resultar de utilidade. Sentiu-se impaciente enquanto se aproximava a eles e observava que algumas de quão feridas tinham no pescoço ainda supuravam uns lentos fios de sangue fresco.
Estava faminto, decidiu enquanto cravava seu olhar calculador em uma pequena fêmea morena de lábios cheios e peitos cheios e amadurecidos que empurravam uma insípida bata verde de hospital que parecia um saco e que lhe sentava muito mal. A cabeça lhe caía para frente, como se pesasse muito para mantê-la erguida apesar de que era evidente que estava lutando contra o torpor que já tinha vencido aos outros. As mordidas que tinha eram incontáveis e se perdiam para o crânio, e apesar disso ela lutava contra a catatonia, piscando com expressão sonolenta em um esforço por manter-se consciente.
Tinha que reconhecer que seu valor era admirável.
—K. Delaney, R.N —disse para si, lendo a etiqueta de plástico que lhe pendurava por cima do redondo peito esquerdo.
Tomou o queixo dela entre o dedo polegar e o índice e lhe fez levantar a cabeça para lhe observar o rosto. Era bonita, jovem e sua pele, cheia de sardas, tinha um aroma doce. A boca lhe encheu de saliva, de glotonería, e os olhos lhe esgotaram, ocultos depois dos óculos escuros.
—Esta fica. Levem o resto abaixo, as jaulas.
Ao princípio, Lucan pensou que a dolorosa vibração que sentia formava parte da agonia pela que tinha passado durante as últimas horas. Sentia todo o corpo abrasado, esfolado, sem vida. Em algum momento a cabeça tinha deixado de martelar e agora lhe acossava com um comprido zumbido doloroso.
Encontrava-se em suas habitações privadas do complexo, em sua cama; isso sabia. Recordava haver-se arrastado até ali com suas últimas forças, depois de ter estado ao lado do corpo do Conlan os oito minutos que se requeriam.
Ficou-se inclusive um pouco mais de oito minutos, havia aguentado uns agudos minutos mais até que os raios do amanhecer houvesem aceso a mortalha do guerreiro morto e a tinham feito explodir em umas incríveis chama e luzes. Só então ficou ele ao coberto dos muros subterrâneos do recinto.
Esse tempo extra de exposição tinha significado sua desculpa pessoal a Conlan. A dor que estava suportando nesses momentos era para que não esquecesse nunca o que de verdade importava: seu dever para a raça e para a Ordem de honoráveis machos que tinham jurado igual a ele realizar esse serviço. Não cabia nada mais.
A outra noite tinha permitido saltar-se esse juramento, e agora um de seus melhores guerreiros se foi.
Outro agudo timbre explorou em algum lugar da habitação e tomou por surpresa, em algum lugar muito perto de onde se encontrava descansando. Esse som de algo que se rompia, que se rasgava, lhe cravou na cabeça.
Com uma maldição que quase resultou inaudível e que quase não pôde arrancar da dolorida garganta, Lucan abriu os olhos com dificuldade e observou a escuridão de seu dormitório privado. Viu que uma pequena luz piscava do interior do bolso de sua jaqueta de pele e nesse momento o telefone celular voltou a soar.
Cambaleando-se, sem o habitual controle e coordenação de atleta que tinha nas pernas, deixou-se cair na cama e se dirigiu com estupidez até o molesto aparelho. Somente teve que realizar três intentos para conseguir dar com a tecla para silenciar o timbre. Furioso pelo esforço que esses pequenos movimentos lhe estavam custando, Lucan levantou a tela iluminada ante seus olhos e se esforçou por ler o número da tela.
Era um número de Boston... O telefone celular de Gabrielle.
Fantástico.
Justo o que necessitava.
Enquanto subia o corpo do Conlan por essas centenas de degraus até o exterior, tinha decidido que, fora o que fosse o que estava fazendo com Gabrielle Maxwell, isso tinha que terminar. De todas formas, não estava de todo seguro do que era o que tinha estado fazendo com ela, aparte de aproveitar toda oportunidade que lhe pôs diante de pô-la de costas e debaixo dele.
Sim, tinha sido brilhante nessa tática.
Era no resto de seus objetivos que estava começando a falhar, sempre que Gabrielle entrava em cena.
Tinha-o planejado tudo mentalmente, tinha pensado como ia enfrentar a situação. Faria que Gideon fosse ao apartamento dela essa noite e que lhe contasse, de forma lógica e compreensível, tudo a respeito da raça e sobre o destino dela, de onde procedia verdadeiramente, dentro da nação dos vampiros. Gideon tinha muita experiencia no trato com mulheres e era um diplomático consumado. Ele se mostraria amável, e seguro que sabia dirigir as palavras melhor que Lucan. Ele conseguiria fazer que tudo cobrasse sentido para ela, inclusive a necessidade de que ela procurasse acolhida —e, depois, a um macho adequado— em um dos Refúgios Escuros.
Quanto a si mesmo, faria todo o necessário para que seu corpo sara-se. Depois de umas quantas horas mais de descanso e de um alimento que necessitava muitíssimo —assim que fosse capaz de ficar em pé o tempo suficiente para caçar— Voltaria mais forte e seria um guerreiro melhor.
Ia esquecer para sempre que tinha conhecido a Gabrielle Maxwell. Por seu bem, e pelo bem conjunto da raça.
Exceto...
Exceto a noite passada lhe havia dito que podia lhe localizar em seu número de celular em qualquer momento que lhe necessitasse. Havia-lhe próometido que sempre responderia sua chamada.
E se resultava que ela estava tentando contatar com ele porque os renegados, ou os mortos andantes de seus serventes, estavam rodeando a seu redor, pensou.
Escancarado no chão em posição supina, apertou o botão responder a chamada.
—Olá.
Jesus, tinha um tom de voz de merda, como se tivesse os pulmões feitos mingau e seu fôlego expulsasse cinzas. Tossiu e sentiu como se a cabeça lhe estalasse.
No outro lado da linha houve um silêncio de uns segundos e logo, a voz de Gabrielle, dúbia e ansiosa:
—Lucan? É você?
—Sim. —esforçou-se em emitir o som apesar da secura que tinha na garganta—. O que acontece? Está bem?
—Sim, estou bem. Espero que não te incomode que tenha chamado. Só... Bom, depois de que te partisse dessa maneira a noite passada , estive um pouco preocupada. Suponho que somente precisava saber que não te tinha ocorrido nada mau.
Ele não tinha energia suficiente para falar, assim que ficou convexo, fechou os olhos e, simplesmente, escutou o som de sua voz. Seu tom de voz, claro e sonoro, parecia-lhe um bálsamo. A preocupação que ela demostrava era como um elixir, como algo que ele nunca tinha provado antes: saber que alguém se preocupava com ele. Esse afeto lhe resultava pouco familiar e quente.
Tranqüilizava-lhe, apesar de sua raivosa necessidade de negá-lo.
—O que...? —disse com voz rouca, mas o tentou de novo — Que horas são?
—Ainda não é meio-dia. Queria te chamar assim que me levantei esta manhã, mas como normalmente trabalha durante o turno de noite, esperei tudo o que pude. Parece cansado. Despertei-te?
—Não.
Tentou rodar sobre um flanco do corpo. Sentia-se mais forte depois desses poucos minutos ao telefone falando com ela. Além disso, necessitava tirar o traseiro da cama e voltar para a rua essa mesma noite. O assassinato do Conlan tinha que ser vingado, e tinha intenção de ser ele quem fizesse justiça.
Quanto mais brutal fosse essa justiça, melhor.
—Bom —estava dizendo ela nesses momentos—, então tudo está bem?
—Sim, bem.
—Bem. Alivia-me sabê-lo, verdade. —Sua voz adquiriu um tom mais ligero e um tanto provocador.
— Te escapou de meu apartamento tão depressa a noite passada que acreditei que teria deixado marca no chão.
—Surgiu um imprevisto e tive que partir.
—Certo —disse ela depois de um silêncio que indicou que ele não tinha nenhuma intenção de entrar em detalhes—. Um assunto secreto de detetives?
—Pode-se dizer que sim.
Esforçou-se por ficar em pé e franziu o cenho, tanto pela dor que lhe atravessou todo o corpo como pelo fato de não poder contar a Gabrielle o porquê tinha tido que sair tão rapidamente de sua cama. A guerra que esperava a ele e ao resto dos seus era uma crua realidade que logo ela também teria em seu prato. De fato, seria essa mesma noite, assim que Gideon fosse visitá-la.
—Escuta, esta noite tenho uma aula de ioga com um amigo meu que termina por volta das nove. Se não estiver de serviço, por que não passa por aqui? Posso preparar algo para jantar. Toma-o como uma compensação pelos manicotti que não pôde comer o outro dia. Possivelmente esta vez consigamos jantar.
O divertido flerte de Gabrielle lhe arrancou um sorriso que lhe fez sentir dor em todos os músculos do rosto. A indireta a respeito da paixão que tinham compartilhado despertava algo em seu interior também, e a ereção que notou em meio de todas as demais sensações físicas de agonia não foi tão dolorosa como tivesse desejado.
—Não posso ir verte, Gabrielle. Tenho... que fazer umas coisas.
A principal de todas elas era meter-se algo de sangue no corpo e isso significava que tinha que manter-se afastado dela tanto como fosse possível. Não era boa coisa que lhe tentasse com a promessa de seu corpo; no estado em que se encontrava nesse momento, ele era um perigo para qualquer ser humano que fosse o suficientemente tolo como para aproximar-se dele.
—Não sabe o que dizem a respeito de trabalhar muito e não jogar nada? —perguntou-lhe, em um ronrono de convite.
—Sou uma espécie de ave noturna, assim se terminar logo de trabalhar e decide que quer um pouco de companhia...
—Sinto muito. Possivelmente em outro momento —lhe disse ele, sabendo perfeitamente que não haveria nenhum outro momento. Nesses instantes se encontrava em pé e começava a dar uns passos torpes e pouco fluídos em direção a porta. Gideon devia estar no laboratório, e o laboratório se encontrava ao final do corredor. Era infernal tentar fazer esse percurso em suas condições, mas Lucan estava completamente decidido fazê-lo.
—Vou mandar a alguém a ver-te esta noite. É um... meu sócio.
—Para que?
Tinha que expulsar o fôlego com dificuldade e pela boca, mas estava caminhando. Alargou a mão e apanhou a maçaneta da porta.
—As coisas se puseram muito perigosas —disse ele de forma precipitada e com esforço—. Depois do que te aconteceu ontem no centro da cidade...
—Deus, não podemos esquecê-lo? Estou segura de que exagerei.
—Não —a interrompeu ele—. Me sentirei melhor se souber que não está sozinha... que há alguém que te protege.
—Lucan, de verdade, não é necessário. Sou uma garota adulta. Estou bem.
Ele não fez caso de seus protestos.
—Chama-se Gideon. Te agradará. Os dois poderão... falar. Ele lhe ajudará, Gabrielle. Melhor do que o posso fazer eu.
—Me ajudar? O que quer dizer? Passou algo com respeito ao caso? E quem é esse Gideon? É um detetive, também?
—Ele lhe explicará isso tudo. —Lucan saiu ao corredor, onde uma tênue luz iluminava as polidos ladrilhos e os brilhantes acabados de cromo e cristal. Do outro lado de uma das portas de um apartamento privado se ouvia ressonar com força a música metal de Dante. Desde um dos muitos corredores que foram dar a esse corredor principal chegava certo aroma de azeite e a disparos de arma recentes, das instalações de treinamento.
Lucan se cambaleou sobre os pés, inseguro em meio dessa mescla de estímulos sensoriais.
—Estará a salvo, Gabrielle, juro-lhe isso. Agora tenho que te deixar.
—Lucan, espera um momento! Não desligue. O que é o que não me está dizendo?
—Vais estar bem, prometo-lhe isso. Adeus, Gabrielle.
Capítulo quatorze
A chamada que tinha feito a Lucan, e seu estranho comportamento ao outro extremo do telefone, tinham-na estado preocupando todo o dia. Todavia o estava enquanto saía com Megan da classe de ioga essa tarde.
—Parecia tão estranho ao telefone. Não sei se estava em um estado de extrema dor física ou se estava tentando encontrar a maneira de me dizer que não queria voltar para ver-me.
Megan suspirou e fez um gesto de negação com a mão.
—Provavelmente está tirando muitas conclusões. Se de verdade quer sabê-lo, por que não vai a delegacia de polícia e sacas a cabeça para ver-lhe?
—Acredito que não. Quero dizer, o que lhe diria?
—Diria-lhe: «Olá, bonito. Parecia tão desanimado esta tarde que pensei que iria bem que passasse te recolher, assim aqui estou». Possivelmente possa lhe levar um café e um pão-doce no caso de.
—Não sei...
—Gabby, você mesma há dito que esse menino sempre foi doce e cuidadoso quando esteve contigo. Pelo que me contaste a respeito da conversação que tivestes hoje por telefone, ele parece muito preocupado por ti. Tanto que vai mandar a um de seus colegas para que te vigie enquanto ele está de serviço e não pode estar ali em pessoa.
—Ele fez insistência no perigoso que se estava pondo acima... e o que acha que significa «acima» ? Não parece jargão de polícia, verdade? O que é, algum tipo de terminologia militar?
—Negou com a cabeça—. Não sei. Há muitas coisas de Lucan Thorne que não sei.
—Pois pregunta. Venha, Gabrielle. Pelo menos lhe dê ao menino o benefício da dúvida.
Gabrielle observou as calças de ioga negras e a jaqueta com cremalheira que levava. Logo se levou a mão ao cabelo para comprovar até que ponto lhe tinha desfeito a rabo-de-cavalo durante esses quarenta e cinco minutos de exercícios.
—Teria que ir primeiro a casa, me dar pelo menos uma ducha, trocar de roupa.
—Né! Quero dizer, de verdade, mas o que te passa? —Megan abriu muito os olhos, que lhe brilhavam, divertida.
— Tem medo de ir, verdade? OH, quer ir, mas já tem certamente um milhão de desculpas passando para explicar por que não pode fazê-lo. Admito-o, este menino você gosta de verdade.
Gabrielle não podia negá-lo, não teria podido inclusive embora o imediato sorriso que lhe desenhou no rosto não a tivesse delatado. Gabrielle lhe devolveu o olhar a sua amiga e se encolheu de ombros.
—Sim, é verdade. Eu gosto. Muito.
—Então, o que está esperando? A delegacia de polícia está a três quadras, e tem um aspecto fantástico, como sempre. Além disso, não é que ele não te tenha visto suar um pouco antes de agora. É possível que prefira ver-te assim.
Gabrielle riu com Megan, mas sentia retorcer o estômago. A verdade era que sim desejava ver Lucan, de fato não queria esperar nem um minuto mais, mas e se ele tinha estado tentando deixá-la enquanto falavam por telefone essa tarde? Que ridícula pareceria então, se entrava na delegacia de polícia sentindo-se como se fosse sua noiva. Sentiria-se como uma idiota.
Não mais do que se sentiria se recebia a notícia de segunda mão, pela boca de seu amigo Gideon, a quem ele teria enviado nessa compassiva missão.
—De acordo. Vou fazê - lo.
—Bom pra ti! —Megan se ajustou a bolsa do colchonete de ioga no ombro e sorriu ampliamente.
— Esta noite verei Ray em meu apartamemoro depois de que ele termine seu turno, mas me chame à primeira hora da manhã e me conte como foi. De acordo?
—De acordo. Uma saudação para o Ray
Enquanto Megan se afastava apressadamente para pegar o trem das nove e quinze, Gabrielle se dirigiu para a delegacia de polícia . Durante o caminho recordou o conselho de Megan e se deteve um momento para comprar um pão-doce e um café: puro e carregado, posto que não acreditava que Lucan fosse o tipo de homem que toma com leite, com açúcar nem descafeinado.
Com ambas as coisas nas mãos, chegou a porta da delegacia de polícia, respirou com força para reunir coragem, atravessou a porta de entrada e entrou com atitude desenvolvida.
As queimaduras piores tinham começado a curar-se ao cair da noite. A pele nova lhe cresceu, sã, por debaixo das bolhas da pele velha e as feridas começaram a fechar-se. Embora ainda tinha os olhos muito sensíveis inclusive a luz artificial, não sentia dor na fria escuridão da rua. O qual era bom, porque precisava estar por aí para saciar a sede de seu corpo convalescente.
Dante lhe olhou. Os dois saíam ao exterior do recinto e se preparavam para compartilhar essa noite de reconhecimento e de vingança contra os renegados.
—Não tem muito bom aspecto, cara. Se quiser, sairei a caçar para ti e te trarei algo jovem e forte. Necessita-o, isso está claro. E ninguém tem por que saber que não te procuraste o sustento você mesmo.
Lucan olhou de soslaio e com expressão séria ao macho e lhe mostrou os dentes em um sorriso de brincadeira.
—Que lhe fodam.
Dante-se riu
.
.
—Tinha a suspeita de que me diria isso. Quer que leve as armas por ti, pelo menos?
O gesto de negar devagar com a cabeça lhe provocou uma navalhada de dor na cabeça.
—Estou bem. Estarei melhor quando me tiver alimentado.
—Sem dúvida. —O vampiro ficou em silêncio durante um comprido momento e lhe olhou, simplesmente. Sabe o que é que foi extraordinariamente impressionante do que fez hoje pelo Conlan? Eu não tivesse podido nem imaginá-lo em toda sua vida, mas, porra, eu gostaria que tivesse sabido que seria você quem subiria esses últimos degraus com ele. Foi uma grande maneira de lhe honrar, cara. De verdade.
Lucan recebeu a adulação sem deixar que lhe impregnasse. Ele tinha tido seus próprios motivos para levar a cabo esse rito funerário, e ganhar a admiração do resto dos guerreiros não formava parte deles.
—Dê-me uma hora para caçar algo e logo nos encontraremos aqui outra vez para provocar algumas baixas entre as filas de nossos inimigos, esta noite. Pela memória do Conlan.
Dante assentiu com a cabeça e chocou os nódulos contra o punho fechado de Lucan.
—De acordo.
Lucan esperou enquanto Dante desaparecia na escuridão. Suas passadas largas e fortes delatavam a vontade com que esperava as batalhas que ia encontrar nas ruas. Tirou as armas gêmeas das capas e elevou as Malebranches curvadas por cima de sua cabeça. O brilho dessas folhas de aço gentil e de titânio, assassinas de renegados, cintilou a débil luz da lua no céu. O vampiro emitiu um grito de guerra calado e desapareceu nas sombras da noite.
Lucan lhe seguiu não muito depois, seguindo um caminho não muito distinto que entrava nas escuras artérias da cidade. Seu gesto furtivo era menos fanfarrão, mas mais decidido, menos arrogante e ansioso, mais determinado e frio. Sua sede era pior do que nunca tinha sido, e o rugido que elevou até a abóbada de estrelas no céu estava cheio de uma ira feroz.
—Pode soletrar o sobrenome outra vez, por favor?
—T-h-ou-r-n-e —repetiu Gabrielle a recepcionista de delegacia de polícia, que não tinha conseguido nenhum resultado no diretório—. Detetive Lucan Thorne. Não sei em que departamento trabalha. Veio a minha casa depois de que eu estivesse aqui para denunciar uma agressão que presenciei a semana passada... um assassinato.
—Ah. Então, você quer falar com os de Homicídios? —As unhas largas e pintadas da jovem repicavam em cima do teclado com rapidez—. Certo... Não. Sinto muito. Tampouco aparece nesse departamento.
—Isso não é possível. Pode voltar a comprová-lo, por favor? É que este sistema não lhe permite procurar somente um nome?
—Sim o permite, mas não aparece nenhum detetive que se chame Lucan Thorne. Está segura de que trabalha neste edifício?
—Estou segura, sim. A informação de seu computador não deve estar atualizada...
—Né, um momento! Aí há uma pessoa que pode ajudar, a interrompeu a recepcionista enquanto fazia um gesto em direção à porta de entrada da Central.
—Agente Carrigan! Você tem um segundo?
O agente Carrigan, recordou Gabrielle, desolada. O velho poli que lhe tinha feito passar um momento tão desagradável a semana passada, chamando-a mentirosa e cabeça oca sem querer acreditar a declaração de Gabrielle acerca do assassinato da discoteca. Pelo menos, agora que Lucan tinha contrastado as fotos de seu celular no laboratório da polícia, sentia o consolo de saber que, fosse qual fosse a opinião desse homem, o caso seguia adiante de algum jeito.
Gabrielle teve que reprimir um grunhido de fúria ao ver que o homem se tomava um tempo antes de aproximar-se dela. Quando ele a viu ali em pé, a expressão de arrogância que parecia tão natural nesse rosto carnudo adotou um gesto decididamente depreciativo.
—OH, Por Deus. Outra vez você? Justo o que necessito em meu último dia de trabalho. Retiro-me dentro de umas quantas horas, querida. Esta vez vai ter que contar-lhe a outra pessoa.
Gabrielle franziu o cenho.
—Perdão?
—Esta jovem está procurando um de nossos detetives —disse a recepcionista enquanto intercambiava um olhar de cumplicidade com Gabrielle, como resposta ao comportamento displicente do agente. Não lhe encontro no diretório, mas ela acredita que é um dos nossos.
Conhece você ao detetive Thorne?
—Nunca ouvi falar dele. —O agente Carrigan começou a afastar-se.
—Lucan Thorne —disse Gabrielle com decisão enquanto deixava o café de Lucan e a bolsa com a massa em cima da mesa de recepção. Automaticamente deu um passo em direção ao policial e esteve a ponto de sujeita-lo pelo braço ao ver que ele ia deixa-la ali plantada.
— O detetive Lucan Thorne, você deve conhecer. Vocês enviaram ao meu apartamento no início desta semana para ver se conseguia alguma informação adicional a minha declaração. Levou meu telefone celular ao laboratório para que analisassem...
Carrigan começou a rir agora; deteve-se e a olhava enquanto lhe oferecia os detalhes a respeito da chegada de Lucan a sua casa. Gabrielle não tinha paciência para dirigir a agressividade desse agente. E menos agora que o pêlo da nuca começava a arrepiar-se o a causa do repentino pressentimento de que as coisas começavam a ser estranhas.
—Está-me dizendo que o detetive Thorne não lhe contou nada disto?
—Senhorita. Estou-lhe dizendo que não tenho nem remota idéia do que está você falando. Trabalhei nesta delegacia de polícia durante trinta e cinco anos, e nunca ouvi falar de nenhum detetive Lucan Thorne, por não falar de que não mandei a sua casa.
Gabrielle sentiu que lhe formava um nó no estômago, frio e apertado, mas se negou a aceitar o medo que começava a cobrar forma detrás de toda essa confusão.
—Isso não é possível. Ele sabia do assassinato que eu havia presenciado. Sabia que eu tinha estado aqui, na delegacia de polícia, fazendo uma declaração a respeito disso. Vi sua placa de identificação quando chegou à casa. Acabo de falar com ele hoje, e me disse que esta noite trabalhava. Tenho seu número de celular...
—Bom, vou dizer- lhe uma coisa. Se isso for fazer que me deixe em paz , vamos fazer uma chamada a seu detetive Thorne —disse Carrigan.Isso esclarecerá as coisas, verdade?
—Sim. Vou chamar- lhe agora.
A Gabrielle tremiam um pouco os dedos enquanto tirava o teléefone celular do bolso e marcava o número de Lucan. O telefone chamou, mas ninguém respondeu. Gabrielle voltou a tentá-lo e esperou durante a agonia de uma eternidade enquanto o timbre soava e soava e soava e enquanto a expressão do agente Carrigan se mudava de uma impaciência questionável a uma compaixão que ela tinha percebido nos rostros dos trabalhadores sociais quando era uma menina.
—Não responde —murmurou ela, apartando o telefone do ouvido. Sentia-se torpe e confusa, e a expressão atenta no rosto do Carrigan o piorava tudo—. Estou convencida de que está ocupado com algo. Vou voltar a tentá-lo dentro de um minuto.
—Senhorita Maxwell. Podemos chamar a alguém mais? A algum familiar, possivelmente? A alguém que possa nos ajudar a encontrar sentido a tudo o que lhe está passando?
—Não me está acontecendo nada.
—Me parece que sim. Acredito que você está confusa. Sabe? Às vezes a gente inventa coisas para que lhes ajudem a suportar outros problemas.
Gabrielle se burlou.
—Eu não estou confundida. Lucan Thorne não é um produto de minha imaginação. É real. Essas coisas que me aconteceram são reais. O assassinato que presenciei o fim de semana passado, esses... homens... com seus rostos ensangüentados e seus afiados dentes, inclusive esse menino que me esteve vigiando o outro dia no parque... ele trabalha aqui na Central. O que é o que têm feito vocês? Enviaram-lhe para que me olha-se?
—De acordo, senhorita Maxwell. Vamos ver se conseguimos resolver isto juntos. —Era óbvio que o agente Carrigan tinha encontrado finalmente um resto de diplomacia sob a armadura de seu caráter grosseiro. Apesar de tudo, a forma em que pegou pelo braço para tentar conduzi-la até um dos bancos do vestíbulo para que se sentasse mostrava uma grande condescendência—. Vamos ver se respirarmos profundamente. Podemos procurar a alguém para que a ajude.
Deu uma sacudida no braço para soltar-se.
—Você acredita que estou louca. Eu sei o que vi... tudo! Não me estou inventando isto, e não necessito ajuda. Somente preciso saber a verdade.
—Sheryl, querida — disse Carrigan a recepcionista, que olhava ambos com apreensão—. Pode me fazer o favor de chamar em um momemoro à Rudy Duncan? Diga que lhe necessito aqui embaixo.
—Um médico? —perguntou Gabrielle, que já havia tornado a colocar o telefone entre a orelha e o ombro.
—Não —repôs Carrigan, devolvendo o olhar a Gabrielle—. Não terá que alarmar-se ainda. Peça que baixe ao vestíbulo, tranqüilamente, e que converse um momento com a senhorita Maxwell e comigo.
—Esqueça-o —respondeu Gabrielle, levantando do banco.
—Olhe, seja o que seja o que lhe esteja passando, há pessoas que podem ajudá-la.
Ela não esperou que terminasse de falar, limitou-se a recompor-se com dignidade, a caminhar até a mesa de recepção para recuperar a taça e a bolsa, a atirá-los ao lixo e dirigir-se a porta de saída.
Sentiu o ar da noite fresco nas bochechas, acesas, o qual a tranqüilizou de algum jeito. Mas a cabeça ainda lhe estava dando voltas. O coração lhe pulsava com força por causa da confusão e de que não podia acreditar o que lhe tinha acontecido.
É que todo mundo ao seu redor se estava voltando louco? Que diabos estava acontecendo? Lucan lhe tinha mentido a respeito de que era um policial, isso era bastante evidente. Mas que parte do que lhe tinha contado, que parte do que tinham feito juntos, formava parte desse engano?
E por que?
Gabrielle se deteve no final dos degraus de cimento que se afastavam da delegacia de polícia e respirou profundamente várias vezes. Deixou sair o ar devagar. Logo baixou a vista e viu que ainda tinha o telefone celular na mão.
—Merda.
Tinha que averiguá-lo.
Essa estranha história em que se colocou tinha que acabar nesse momento.
O botão de rechamada voltou a marcar o número de Lucan. Ela esperou,
Insegura do que ia dizer lhe.
O telefone soou seis vezes.
Sete.
Oito...
Capítulo quinze
Lucan tirou o celular do bolso de sua jaqueta de couro enquanto pronunciava uma forte maldição.
Gabrielle... outra vez.
Tinha-lhe chamado antes também, mas ele não tinha querido responder a chamada. Estava perseguindo um traficante de drogas ao que tinha visto vender crack a um adolescente que passava pela rua, fora de um sórdido botequim. Tinha estado conduzindo mentalmente a sua presa para um beco escuro e estava justo a ponto de lançar-se ao ataque quando a primeira chamada de Gabrielle tinha divulgado como um alarme de carro desde seu bolso. Tinha posto o aparelho no modo de silêncio, amaldiçoando-se a si mesmo pelo estúpido costume de levar o maldito traste quando saía a caçar.
A sede e as feridas lhe tinham feito comportar-se descuidadamente. Mas esse repentino estrondo na rua escura tinha resultado a seu favor ao final.
Ele tinha as forças debilitadas, e o cauteloso traficante tinha cheirado o perigo no ambiente, inclusive apesar de que Lucan se manteve escondido entre as sombras enquanto lhe perseguia. Tinha tirado uma arma a metade do beco e apesar de que raramente as feridas de bala resultavam fatais para a estirpe de Lucan —a não ser que se tratasse de um tiro na cabeça a queima roupa—, não estava seguro de que seu corpo convalescente pudesse resistir um impacto como esse nesses momentos.
Por não mencionar o fato de que isso lhe tiraria de gonzo, e já estava com um humor de cão.
Assim, quando a segunda chamada do celular fez que o traficante se voltasse freneticamente para um lado e a outro em busca da origem do ruído que ouvia detrás dele, Lucan lhe saltou em cima. Derrubou ao tipo rápidamente, e lhe cravou as presas na veia do pescoço, torcida pelo terror um momento antes de que o homem reunisse a força suficiente para arrancar um grito dos pulmões.
O sangue lhe alagou a boca, desagradável pelo sabor a droga e a enfermidade. Lucan a tragou com dificuldade, uma vez atrás de outra, enquanto agarrava sem piedade a sua convulsa presa. Ia matar- lhe, e não podia importar menos. Isso apagava a dor de seu corpo dolorido.
Lucan se alimentou depressa, bebeu tudo o que pôde.
Mais do que pôde.
Quase lhe tirou todo o sangue ao traficante e ainda se sentia faminto. Mas tivesse sido abusar muito se alimentava mais essa noite. Era melhor esperar a que o sangue lhe nutrisse e lhe tranquilizasse em lugar de arriscar-se a ser ansioso e a tomar um caminho rápido para a sede insaciavel de sangue.
Lucan olhou com ironia o telefone que soava na palma de sua mão e sabia que quão único tinha que fazer era não responder.
Mas continuou soando, com insistência, e justo no último instante, respondeu. Não disse nada ao princípio, simplesmente escutou o som do suspiro de Gabrielle ao outro lado. Notou que tinha a respiração tremente, mas sua voz soou forte, apesar de que era evidente que estava bastante desgostada.
—Mentiste-me — disse, a modo de saudação—. Durante quanto tempo, Lucan? Quantas mentiras? Tudo foi uma mentira?
Lucan observou o corpo sem vida de sua presa com expressão satisfeita. Agachou-se e realizou um rápido registro desse miserável e gordurento tipo. Encontrou um maço de bilhetes sujeitos por uma borracha, que ia deixar ali para que os abutres guias de ruas o disputassem. A mercadoria do traficante —crack e heroína por valor de um par de bilhetes grandes— Iriam parar em um dos esgotos da cidade.
—Onde está? —perguntou-lhe quase em um latido, sem pensar em outra coisa que não fosse no depredador que acabava de eliminar.
— Onde está Gideon?
—Nem sequer vais tentar negá-lo? Por que faz isto?
—Passe-me isso Gabrielle.
Ela ignorou essa petição.
—Há outra coisa que eu gostaria de saber: como entrou em meu apartamemoro a outra noite? Eu tinha fechado todos os fechos e tinha posto a correia. O que fez? Abriu-os? Roubou-me as chaves enquanto eu não olhava e te fez uma cópia?
—Podemos falar disso mais tarde, quando estiver a salvo no recinto.
—De que recinto fala? —A repentina gargalhada lhe pegou por surpresa.
— E pode abandonar essa pose protetora e benevolente. Não é um policial. Quão único quero é um pouco de sinceridade. É isso te pedir muito, Lucan? Deus. É esse pelo menos seu verdadeiro nome? Algo do que me tenha contado se parece, pelo menos remotamente, a verdade?
De repente Lucan soube que essa raiva, essa dor, não era o resultado de que Gabrielle tivesse conhecido pelo Gideon a verdade a respeito da raça e do papel que ela tinha destinado na mesma. Um papel que não ia incluir a Lucan.
Não, ela não sabia nada disso ainda. Tratava-se de outra coisa. Não era medo dos fatos. Era medo ao desconhecido.
—Onde está, Gabrielle?
—O que te importa?
—Me... importa —admitiu, embora com relutância.
—Porra , não tenho a cabeça para isto agora mesmo. Olhe, sei que não está em seu apartamento, assim que onde está? Gabrielle, tem que me dizer onde está.
—Estou na delegacia de polícia. Vim para ver-te esta noite e, sabe o que? Ninguém ouviu seu nome aqui.
—OH, Deus. Perguntaste por mim aí?
—É obvio que o tenho feito. Como tivesse podido me inteirar de que tomava por uma idiota, se não? —Outra vez o tom de brincadeira e irritação.
— Incluso havia te trazido café e uma massa.
—Gabrielle, estarei aí em uns minutos... menos que isso. Não te mova. Fique onde está. Fique em algum ponto onde haja gente, em algum lugar interior. Vou para te buscar.
—Esquece-o. Me deixe em paz.
Essa breve ordem lhe fez levantar-se imediatamente do chão. Ao cabo de um instante suas botas ressonavam na rua a um ritmo acelerado.
—Não vou ficar por aqui te esperando, Lucan. De fato, sabe o que? Não te ocorra te aproximar de mim.
—Muito tarde —lhe respondeu.
Já tinha chegado à penúltima esquina que lhe separava da rua onde se encontrava a delegacia de polícia. Avançou por entre a multidão de pedestres como um fantasma. Notava que o sangue que acabava de ingerir lhe penetrava nas células, lhe aderia nos músculos e nos ossos e lhe fortalecia até que se converteu somente em uma rajada fria nas costas dos que passavam ao seu lado.
Mas Gabrielle, com sua extraordinária percepção de companheira de raça, viu-lhe em seguida.
Lucan ouviu pelo telefone que Gabrielle agüentava a respiração. Como em câmera lenta, ela se apartou o aparelho do ouvido e lhe olhou com os olhos muito abertos e com incredulidade enquanto ele lhe aproximava rapidamente.
—Meu Deus —sussurrou, e essas palavras chegaram aos ouvidos de Lucan sozinhas em um segundo antes de que se plantasse diante dela e alargasse a mão para sujeitá-la pelo braço.
—Solte-me!
—Temos que falar, Gabrielle. Mas não aqui. Levarei-te a um lugar...
—É uma merda! —Deu um puxão, soltou-se da mão dele e se afastou pela calçada.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
—Já não está segura aqui fora, Gabrielle. Viu muitas coisas. Agora forma parte disso, tanto se quiser como se não.
—Parte do quê?
—Desta guerra.
—Guerra —repetiu ela, com um tom de dúvida.
—Exato. É uma guerra. Antes ou depois vais ter que escolher um lado, Gabrielle. —Pronunciou uma maldição—. Não. A merda. Eu vou escolher seu lado agora mesmo.
—É uma espécie de piada? Quem é você, um desses militares inadaptados que vai por aí representando suas fantasias de autoridade. Possivelmente seja pior que isso.
—Isto não é uma piada. Não é um fodido jogo. Estive em muitos combates e presenciei muitas mortes em minha vida, Gabrielle. Nem sequer pode imaginar o que vi, nem tudo o que tenho feito. Não vou ficar quieto para ver que fica apanhada em um fogo cruzado. —Ofereceu-lhe uma mão.
— Vais vir comigo. Agora.
Lhe esquivou. Seus olhos escuros revelavam uma mescla de medo e de raiva.
—Se voltar a me tocar, juro-te que chamo a polícia. Já sabe, aos de verdade que estão na delegacia de polícia. Esses levam placas de verdade. E armas de verdade.
O humor de Lucan, que já estava quente, começou a piorar.
—Não me ameace, Gabrielle. E não creia que a polícia te pode ofecer algum tipo de amparo. E, é obvio, não ante o que te está ameaçando. Pelo que sabemos, a metade da delegacia de polícia poderia estar cheia de servidores.
Ela meneou a cabeça e adotou uma atitude mais tranqüila.
—De acordo. Esta conversação está deixando de ser realmente extranha e começa a ser profundamente inquietante. Terminei com isto, compreendido? —Falava-lhe devagar e em voz baixa, como se estivesse tentando tranqüilizar a um cão raivoso que estivesse ante ela agachado e a ponto de atacar.
— Agora vou, Lucan. Por favor... não me siga.
Quando ela deu o primeiro passo para afastar-se dele, a pouca capacidade de controle que ficava a Lucan se quebrou. Cravou-lhe os olhos nos dela com dureza e lhe enviou uma feroz ordem mental para que deixasse de resistir a ele.
«Me dê a mão.»
«Agora.»
Por um segundo, as pernas ficaram imóveis, paralizadas. Os dedos das mãos se moveram, como intranqüilos, a um doslados do corpo. Logo, devagar, seu braço começou a levantar-se para ele.
E, de repente, o controle que ele tinha sobre ela se rompeu.
Ele sentiu que lhe expulsava de sua mente, desconectava dele. O corredor de sua vontade era como uma porta de ferro que se fechava entre ambos, uma porta que lhe houvesse custado muito penetrar embora se encontrasse em condições ótimas.
—Que diabos? —exclamou ela em voz baixa, reconhecendo perfeitamente qual era o truque—. Te ouvi, agora, em minha cabeça. Meu Deus. Tem-me feito isto antes, verdade?
—Não me está deixando muitas escolhas, Gabrielle.
Ele tentou outra vez. E sentiu que lhe empurrava fora, esta vez com maior desespero. Com mais medo.
Ela se levou o dorso da mão até a boca, mas não pôde afogar de todo o grito quebrado que lhe saía pela garganta.
Retrocedeu cambaleando-se pela esquina.
E logo se deu a volta na escuridão da rua para escapar dele.
—Você, menino. Agarra a porta em meu lugar, de acordo?
O servente demorou um segundo em dar-se conta de que lhe estavam falando a ele, de tão distraído como estava olhando a mulher Maxwell em meio da rua, diante da delegacia de polícia. Inclusive agora, enquanto sujeitava a porta aberta para que um mensageiro entrasse com quatro caixas de pizza fumegantes, sua atenção permanecia cravada na mulher enquanto esta se afastava da esquina e corria rua abaixo.
Como se tentasse deixar a alguém detrás.
O servente olhou a uma enorme figura vestida de negro que estava em pé e que observava como ela escapava. Esse macho era imenso, facilmente media dois metros de altura, os ombros, sob a jaqueta de pele, eram largos como os de um defesa. Dele emanava um ar de ameaça que se percebia do outro lado da rua onde agora se encontrava o servente, em pé, estupefato, sujeitando ainda a porta da delegacia apesar de que as pizzas se encontravam amontoadas já em cima do balcão de recepção.
Embora ele nunca tinha visto nenhum dos vampiros a quem seu senhor desprezava tão abertamente, o servente soube sem dúvida nenhuma que nesse momento estava vendo um deles.
Seguro que essa era uma oportunidade de ganhar a apreciação se avisasse a seu senhor da presença tanto da mulher como do vampiro a quem ela parecia conhecer, além de temer.
O servente voltou a entrar na delegacia de polícia. Tinha as mãos úmidas de suor por causa da excitação ante a glória que lhe esperava. Com a cabeça abaixada, seguro de sua habilidade de mover-se por toda parte e de passar desapercebido, começou a cruzar o vestíbulo a um passo apressado.
Nem sequer viu que o menino da pizza se cruzava em seu caminho até que se chocou com ele, com a cabeça. Uma caixa de cartão foi chocar-se contra o peito, da qual emanou um aroma de queijo quente, e a caixa caiu no sujo linóleo do chão pulverizando o conteúdo aos pés do servente.
—Né, cara. Está pisando em minha seguinte entrega. É que não olha por onde vai?
Ele não se desculpou, nem se deteve para tirar o gordurento queijo e o pepperoni do sapato. Introduziu a mão no bolso da calça e foi procurar um lugar tranqüilo de onde fazer sua importante chamada.
—Espera um segundo, amigo.
Era o velho e calvo agente, em pé no vestíbulo, quem gritava agora. Embutido em sua uniforme durante suas últimas horas de trabalho, Carrigan tinha estado perdendo o tempo incomodando a recepcionista do vestíbulo.
O servente não fez caso da voz ensurdecedora do policial que lhe chamava a suas costas e continuou caminhando, com a cabeça agachada, em linha reta em direção a porta da escada que estava perto do lavabo, justo fora do vestíbulo.
Carrigan soltou um bufido com todas suas forças e ficou boquiabierto, com expressão de evidente incredulidade ao ver que sua autoridade era completamente ignorada.
—Né, chupatintas! Estou falando contigo. Hei-te dito que volte e que limpe esta porcaria. E quero dizer que o faça agora, cabeça oca!
—Limpa-o você mesmo, porco arrogante —disse em voz baixa e quase sem alento. Logo abriu a porta de metal que dava as escadas e começou a baixar a passo rápido.
Nesse momento e por cima dele, ouviu que a porta se abria com um estrondo ao golpear o outro lado da parede e que os degraus vibravam como sob o efeito de uma explosão sônica.
—O que é o que acaba de dizer? Que merda acaba de me chamar,idiota?
—Já me ouviste. E agora me deixe em paz, Carrigan. Tenho coisas mais importantes que fazer.
O servente tirou o telefone celular para tentar contatar o único que de verdade lhe podia dar ordens. Mas antes de que tivesse tempo de apertar o botão de marcação rápida para ficar em comunicação com seu senhor, o corpulento polícia já se lançou escada abaixo. Uma mão enorme deu um golpe ao servente na cabeça. Os ouvidos apitaram, a vista lhe nublou a causa do impacto, o celular saiu despedido da mão e caiu ao chão com um som seco, vários degraus mais abaixo.
—Obrigado por me oferecer uma anedota de risada para meu último dia de trabalho —lhe disse em tom provocador. Passou-se um gordinho dedo pelo pescoço da camisa, muito apertada, e logo, com gesto despreocupado, levantou uma mão para voltar a colocar a última mecha de cabelo que tinha em seu lugar.
— E agora, te leve esse rabo esquelético escada acima antes de que lhe dê uma boa patada. Ouviste-me?
Houve um tempo, antes de que conhecesse quem chamava seu Professor, em que um desafio como esse, e em especial por parte de um fanfarrão como Carrigan, não tivesse passado como nada.
Mas esse policial suarento e salivoso que agora lhe olhava de acima das escadas lhe resultava insignificante à luz dos deveres que lhes eram confiados aos escolhidos como ele. O servente se limitou a piscar umas quantas vezes e logo se deu a volta para recolher o telefone móvel e continuar a tarefa que tinha entre mãos.
Somente conseguiu baixar dois degraus antes de que Carrigan caísse sobre ele outra vez. Notou que uns dedos fortes lhe sujeitavam pelos ombros e lhe obrigavam a dar a volta. Os olhos do servente caíram soubre uma elegante caneta que Carrigan levava no bolso do uniforme. Reconheceu o emblema comemorativo dos serviços emprestados mas imediatamente recebeu outro golpe seco no crânio.
—O que te passa, é que está surdo e mudo? Te aparte de minha vista ou vou a...
Nesse momento, o policial se engasgou e soltou o ar de repente e o servente recuperou a consciência. Viu a si mesmo com a caneta do agente na mão cravando-lhe profundamente pela segunda vez, com uma investida brutal, na carne do pescoço do Carrigan.
O servente lhe cravou uma e outra vez a arma improvisada até que o policial se desabou no chão e ficou ali tendido como um vulto destroçado e sem vida.
Ele abriu a mão e a caneta caiu no atoleiro de sangue que se havia formado nas escadas. Imediatamente e esquecendo-o tudo, se agachou e voltou a tomar o telefone celular. Tinha intenção de fazer essa crucial chamada imediatamente, mas não podia deixar de olhar o desastre que acabava de provocar, um desastre que não ia ser tão fácil de limpar como os restos de pizza no vestíbulo.
Isso tinha sido um engano, e qualquer aprovação que pudesse receber ao informar ao seu senhor sobre o paradeiro da mulher Maxwell lhe seria retirada quando contasse que se comportou de maneira tão impulsiva na delegacia de polícia. Matar sem autorização invalidava qualquer outra coisa.
Mas possivelmente houvesse um caminho ainda mais seguro para conseguir o favor de seu senhor, e esse caminho consistia em capturar e entregar essa mulher a seu senhor em pessoa.
«Sim —pensou o servente.
— Esse era um prêmio para impressionar.»
Colocou o telefone celular no bolso e voltou até o corpo de Carrigan para lhe tirar a arma do arnês. Logo passou por cima do corpo e se apressou para uma entrada traseira que comunicava com o estacionaminto.
CONTINUA
Capítulo sete
—Dê uns minutos mais e o céu —disse Gabrielle, olhando dentro do forno da cozinha e permitindo que o rico aroma dos manicotti Calhes se pulverizasse pelo apartamento.
Fechou a porta do forno, voltou a programar o relógio digital, serviu-se outra taça de vinho tinto e a levou a sala de estar. No sistema de áudio soava com suavidade um velho cd da Sara McLahlan. Passavam uns minutos das sete da tarde, e Gabrielle tinha começado, por fim, a relaxar-se depois da pequena aventura da manhã no asilo abandonado. Tinha conseguido um par de fotos decentes que possivelmente dessem para algo, mas o melhor de tudo era que tinha conseguido escapar do sistema de segurança do edifício.
Somente isso já era digno de celebração.
Gabrielle se acomodou em um fofo rincão do sofá, quente dentro das calças cinzas de ioga e da camiseta rosa de manga larga. Acabava-se de dar um banho e ainda tinha o cabelo úmido; umas mechas lhe desprendiam da pregadeira em que se recolheu o cabelo despreocupadamente, na nuca. Agora se sentia limpa e começava a relaxar-se por fim, e se sentia mais que contente de ficar em casa para passar a noite desfrutando de sua solidão.
Por isso, quando soou o timbre da porta ao cabo de um minuto, soltou uma maldição em voz baixa e pensou em fazer caso omisso dessa interrupção indesejada. O timbre soou pela segunda vez, insistente, seguido por uns rápidos golpes na porta jogo de dados com força e que não soavam como que foram aceitar um não por resposta.
—Gabrielle.
Gabrielle já se pôs em pé e se dirigia cautelosamente para a porta, quando reconheceu essa voz imediatamente. Não deveria havê-la reconhecido com tanta certeza, mas assim era. A profunda voz de barítono de Lucan Thorne atravessou a porta e lhe meteu no corpo como se fosse um som que tivesse ouvido milhares de vezes antes e que a tranquilizava tanto como lhe disparava o pulso, enchendo a de expectativas.
Surpreendida e mais agradada do que queria admitir, Gabrielle abriu os múltiplos ferrolhos e lhe abriu a porta.
—Olá.
—Olá, Gabrielle.
Ele a saudou com uma inquietante familiaridade: seus olhos eram intensos baixo essas escuras sobrancelhas de linha decidida. Esse penetrante olhar percorreu lentamente o corpo de Gabrielle, desde sua cabeça despenteada, passando pelo sinal da paz costurado em seda na camiseta que cobria o peito sem sutiens, até os dedos dos pés que apareciam nus por debaixo das pernas das calças boca de sino.
—Não esperava a visita de ninguém. —Disse-o como desculpa por seu aspecto, mas não pareceu que a Thorne importasse. Em realidade, quando ele voltou a dirigir sua atenção ao rosto dela, Gabrielle sentiu que se ruborisava repentinamente por causa da forma em que a estava olhando.
Como se queria devorá-la ali mesmo.
—OH, trouxe-me o telefone celular —disse ela, sem poder evitar dizer uma obviosidade, ao ver o brilho metálico na mão dele.
O alargou a mão, oferecendo-lhe,
—Mais tarde que o que deveria. Peço-lhe desculpas.
Tinha sido sua imaginação, ou os dedos dele tinham roçado os seus de forma deliberada quando ela tomava o celular de sua mão?
—Obrigado por devolver-me disse isso ela, ainda apanhada no olhar dele—. pôde... isto... pôde fazer algo com as imagens?
—Sim. Foram de grande ajuda.
Ela suspirou, aliviada de que a polícia estivesse, por fim, de sua parte nesse assunto.
—você crê que poderá apanhar aos tipos das fotos?
—Estou seguro disso.
O tom da voz dele tinha sido tão ameaçador que Gabrielle não o duvidou nem um instante. A verdade era que começava a ter a sensação de que o detetive Thorne era um menino travesso no pior de seus pesadelos.
—Bom, essa é uma notícia fantástica. Tenho que admitir que todo esse assunto me deixou um pouco intranqüila. Suponho que presenciar um assassinato brutal tem esse efeito em uma pessoa, verdade?
Ele se limitou a responder com um direto assentimento de cabeça. Era um homem de poucas palavras, isso era evidente, mas quem necessitava palavras quando se tinham uns olhos como esses que eram capazes de desnudar a alma?
Nesse momento, a suas costas, o alarme do forno da cozinha começou a soar. Gabrielle se sentiu aborrecida e aliviada ao mesmo tempo.
—Merda. Isso... isto... é meu jantar. Será melhor que o apague antes de que se dispare o alarme contra incêndios. Espere aqui um segundo... quero dizer, quer...? —Respirou fundo para tranqüilizar-se; não estava acostumada a sentir-se tão insegura com ninguém.
— Entre, por favor. Volto em seguida.
Sem duvidar nem um momento, Lucan Thorne entrou no apartamento atrás dela, Gabrielle se dava a volta para deixar o telefone celular e dirigir-se a cozinha para tirar os manicotti do forno.
—Interrompi algo?
Gabrielle se surpreendeu para ouvir que lhe falava desde dentro da cozinha, como se a tivesse seguido imediatamente e em silencio do mesmo instante em que lhe tinha convidado a entrar. Gabrielle tirou a bandeja com a massa fumegante do forno e a deixou em cima da mesa para que se esfriasse. Tirou-se as luvas de cozinha, quentes, e se deu a volta para lhe dedicar ao detetive um sorriso orgulhoso.
—Estou de celebração.
Ele inclinou a cabeça e jogou uma olhada ao silencioso ambiente que lhes rodeava.
—Sozinha?
Ela se encolheu de ombros.
—A não ser que você queira me acompanhar.
O leve gesto de cabeça que ele fez parecia mostrar reticência, mas imediatamente se tirou o casaco escuro e o deixou, dobrado, em cima do respaldo de um dos tamboretes que havia na cozinha. Sua presença era peculiar e lhe impedia de concentrar-se, especialmente nesses momentos em que ele se encontrava dentro da pequena cozinha: esse homem desconhecido e musculoso de olhar cativante e de um atrativo ligeiramente sinistro.
Ele se apoiou no mármore da cozinha e a observou enquanto ela se ocupava da bandeja de massa.
—O que celebramos, Gabrielle?
—Que hoje vendi algumas fotografias, em uma amostra privada, em um escritório brega do centro da cidade. Meu amigo Jamie me chamou faz uma hora aproximadamente e me deu a notícia.
Thorne sorriu levemente.
—Felicidades.
—Obrigado. —Ela tirou outra taça do armário da cozinha e levantou a garrafa aberta do Chianti.
— Quer um pouco?
O negou lentamente com a cabeça.
—Infelizmente, não posso.
—OH, sinto-o —repôs ela, recordando qual era sua profissão.
— De serviço, verdade?
Ele apertou a mandíbula.
—Sempre.
Gabrielle sorriu, levou-se uma mão até uma mecha que lhe tinha desprendido da cauda e o colocou detrás da orelha. Thorne seguiu com o olhar o movimento de sua mão, e seus olhos se detiveram no arranhão que Gabrielle tinha na bochecha.
—O que lhe aconteceu?
—OH, nada —respondeu ela, pensando que não era uma boa idéia contar a um policial que se passou parte da manhã dentro de um velho psiquiátrico no qual tinha entrado de maneira ilegal.
— Ésomente um arranhão: ossos do ofício, de vez em quando. Estou segura de que sabe do que lhe falo.
Gabrielle riu, um pouco nervosa, porque de repente ele se estava acercando a ela com uma expressão muito séria no rosto. Com apenas uns quantos passos se colocou justo diante dela. Seu tamanho, sua força —que resultava evidente—, era entristecedora. A essa curta distância, Gabrielle pôde ver os músculos bem desenhados que se marcavam e se moviam desde sua camisa negra. Essa malha de qualidade lhe caía nos ombros, no peito e nos braços como se o tivessem feito a medida para que lhe sentasse perfeitamente.
E seu aroma era incrível. Não notou que levasse colônia, somente notou um ligeiro aroma a memora e a pele, e a um pouco mais denso, como uma especiaria exótica que não conhecia. Fossr o que fosse, esse aroma invadiu todos seus sentidos como algo elementar e primitivo e fez que se aproximasse ainda mais a ele em um momento no qual o que deveria ter feito era apartar-se.
Ele alargou a mão e Gabrielle agüentou a respiração ao notar que a acariciava a linha da mandíbula com a ponta dos dedos. A nudez desse contato irradiou calor sobre sua pele, que se estendeu para seu pescoço enquanto lhe acariciava com a mão a sensível pele debaixo da orelha e da nuca. Acariciou-lhe o arranhão da bochecha com o dedo polegar. A ferida lhe tinha ardido antes, quando a tinha limpo, mas nesse momento, essa tenra e inesperada carícia não a incomodou absolutamente.
Não sentia nada mais que uma cálida frouxidão e uma lenta dor que lhe formava redemoinhos no mais profundo de seu corpo.
Para sua surpresa, ele se inclinou para diante e lhe deu um beijo no arranhão. Os lábios dele se entretiveram nesse ponto um instante, o tempo suficiente para que ela compreendesse que esse gesto era um prelúdio a algo mais. Gabrielle fechou os olhos: sentia o coração acelerado. Não se moveu e quase nem respirou enquanto notava o contato dos lábios de Lucan que se dirigiam para os seus. Os beijou com intensidade, e notou a chicotada do desejo apesar da suavidade e a calidez dos lábios dele. Gabrielle abriu os olhos e viu que ele a estava olhando. Os olhos dele tinham uma expressão selvagem e animal que lhe provocou uma corrente de ansiedade que lhe percorreu todas as costas.
Quando finalmente foi capaz de falar, a voz lhe saiu débil e quase sem fôlego.
—Tem que fazer isto?
Esse olhar penetrante permaneceu cravado em seus olhos.
—OH, sim.
Ele se inclinou para ela outra vez e lhe acariciou as bochechas, o queixo e o pescoço com os lábios. Ela suspirou e ele apanhou esse ar com um profundo beijo, lhe penetrando a boca com a língua. Gabrielle lhe recebeu, vagamente consciente de que as mãos dele se encontravam sobre suas costas agora e que se deslizavam por debaixo da camiseta. E lhe acariciou, percorrendo a coluna com as pontas dos dedos. Essa carícia se deslocou com um movimento preguiçoso para baixo, e continuou por cima da malha da calça. Essas mãos fortes se acoplaram a curva de suas nádegas e as apertaram ligeiramente. Ela não resistiu. Ele voltou a beijá-la, mais profundamente, e a atraiu devagar para si até que a pélvis dela entrou em contato com o duro músculo de sua entre perna.
Que diabos estava fazendo? Estava utilizando a cabeça?
—Não —disse ela, tentando recuperar o sentido comum.
— Não, um momento. Pare. —Deus, detestou como tinha divulgado essa palavra, agora que a sensação dos lábios dele sobre os sua era tão agradável.
— Está... Lucan... está com alguém?
—Olhe a seu redor, Gabrielle. —Passou-lhe os lábios por cima dos dela enquanto o dizia e ela se sentiu enjoada de desejo.
— Estamos somente você e eu.
—Tem namorada —gaguejou ela entre beijo e beijo. Possivelmente já era um pouco tarde para perguntá-lo, mas tinha que sabê-lo, inclusive apesar de que não estava segura de como reagiria ante uma resposta que não fosse a que queria ouvir.
— Tem casal? Está casado? Por favor, não me diga que está casado...
—Não há ninguém mais.
«Somente você.»
Ela estava bastante segura de que ele não tinha pronunciado essas duas últimas palavras, mas Gabrielle as ouvia em sua cabeça, ouvia seu eco quente e provocador, vencendo todas suas resistências.
«OH, ele resulta muito agradável.» Ou possivelmente era que ela estava tão desesperada por ele, que esse simples e único sinal que lhe oferecia era suficiente. Essa e a que combinava essas mãos suaves e esses quentes e famintos lábios. Apesar de tudo, lhe acreditou sem sombra de dúvida. Sentiu como se todos e cada um dos sentidos dele estivessem sozinho concentrados nela.
Como se somente existisse ela, somente ele, e essa coisa quente que havia entre eles.
E que, inegavelmente, tinha existido entre eles do mesmo momento em que ele tinha subido as escadas de sua casa pela primeira vez.
—OH —exclamou ela enquanto exalava todo o ar dos pulmões com um comprido suspiro. Ela se apertou contra ele desfrutando da sensação de notar essas mãos sobre sua pele, lhe acariciando a garganta, o ombro, o arco das costas.
— O que estamos fazendo, Lucan?
Ele emitiu um grunhido divertido que ela sentiu no ouvido, grave e prófundo como a noite.
—Acredito que já sabe.
—Eu não sei nada, nada quando faz isso. OH... Deus.
Ele deixou de beijá-la um instante e a olhou aos olhos com intensidade enquanto se apertava contra ela com um gesto lento e deliberado. O sexo dele se apertou, rígido, contra o estômago dela. Ela notava a solidez e a dimensão de seu membro, sentia a pura força e tamanho de seu pênis, inclusive através da barreira da roupa. Sentiu a umidade entre as pernas no mesmo instante em que a idéia de lhe receber dentro de si passou pela cabeça.
—É por isso que vim esta noite. —A voz de Lucan soou rouca contra seu ouvido.
—O compreende, Gabrielle? Desejo-te.
Esse sentimento era mais que mútuo. Gabrielle gemeu e esfregou seu corpo contra o dele com um desejo que não podia, nem queria, controlar.
Isso não estava acontecendo. Não estava acontecendo, realmente. Tinha que tratar-se de outro sonho louco, como o que tinha tido depois da primera vez que lhe tinha visto. Ela não estava em pé na cozinha com Lucan Thorne, nem estava permitindo que esse homem ao que quase não conhecia a seduzisse. Estava sonhando, tinha que estar sonhando, e ao cabo de pouco tempo despertaria no sofá, sozinha, como sempre, com a taça de vinho atirada no tapete e seu jantar no forno, queimado.
Mas ainda não.
OH, Deus, por favor, ainda não.
Sentir como lhe acariciava a pele, como bulia de desejo sua língua, era melhor que qualquer sonho, inclusive melhor que esse delicioso sonho que tinha tido antes, se é que isso era possível.
—Gabrielle —sussurrou ele.
— Me diga que você também quer isto.
—Sim.
Gabrielle notou que ele introduzia uma mão entre os corpos de ambos, urgente, e sentiu o fôlego quente dele em sua garganta.
—Me sinta, Gabrielle. Date conta de até que ponto te necessito.
Ela sentiu os dedos dele ligeiros ao entrar em contato com os seus. Conduziu-lhe a mão até a tensa ereção, liberada agora de seu confinamento. Gabrielle lhe rodeou o pênis com a mão e acariciou sua pele aveludada lentamente, lhe medindo. Essa parte de seu corpo era tão grande como o resto, e tinha uma força brutal apesar de que era muito suave. Sentir o peso do sexo dele na mão a transtornou como se tivesse tomado uma droga. Apertou a mão ao redor do pênis e atirou para cima, acariciando com a ponta dos dedos o grosso glande.
Enquanto Gabrielle subia e baixava com a mão ao longo de seu membro, Lucan se retorcia. Notou que as mãos dele tremiam enquanto se deslocavam dos quadris dela até a parte dianteira da pantalona para desabotoar-lhe, atirou do nó do cordão e soltou um juramento em algum idioma estranho com os lábios quentes contra seu cabelo. Gabrielle sentiu uma corrente de ar frio sobre o ventre e, imediatamente, o calor repentino da mão de Lucan, que acabava de introduzir-lhe dentro da calça.
Ela estava úmida por ele, tinha perdido a cabeça e sentia que o desejo lhe queimava.
Ele introduziu os dedos com facilidade por entre os cachos de sua entre perna e em seu sexo empapado, provocando-a com a brincadeira de sua mão contra sua carne. Ela gritou ao sentir que o desejo a invadia em uma quebra de onda que a deixou tremendo.
—Necessito-te —lhe confessou em um fio de voz, nua pelo desejo. Por resposta, lhe introduziu um comprido dedo dentro da vagina e logo outro. Gabrielle se retorceu ao sentir essa carícia tentadora que ainda não a enchia.
—Mais —disse, quase sem fôlego—. Lucan, por favor... necessito... mais.
Um escuro grunhido de paixão soou na garganta dele enquanto voltava a atacar seus lábios com outro beijo faminto. A calça dela se escorregou até o chão. Detrás, seguiram-lhe as calcinhas, a fina malha se rompeu com a força e a impaciência da mão de Lucan. Gabrielle sentiu que o ar frio lhe acariciava a pele, mas então Lucan ficou de joelhos diante dela e ela se acendeu antes de ter tempo de voltar a respirar. Ele a beijou e a lambeu, lhe sujeitando com força a parte interior das coxas com as mãos e lhe fazendo abrir as pernas para satisfazer seu desejo carnal. Sentiu a língua dele que a penetrava, sentiu que os lábios dele a chupavam com força, e não pôde evitar sentir que as pernas lhe fraquejavam.
Gozou rapidamente, com mais força da que teria imaginado. Lucan a sujeitava com firmeza com as mãos, apertando seu úmido sexo contra ele, sem lhe dar trégua Apesar de que o corpo dela tremia e se retorcia e que seu fôlego era agitado e entrecortado enquanto ele a conduzia para o orgasmo outra vez. Gabrielle fechou os olhos e jogou a cabeça para trás, rendendo-se a ele, e a loucura desse inesperado encontro. Cravou-lhe as unhas nos ombros para sujeitar-se, porque sentia que as pernas lhe falhavam.
Sentiu, de novo, o alívio do orgasmo em todo o corpo. Primeiro a possuiu com uma força férrea, arrastando-a a um país de uma sensualidade de sonho, e logo a soltou e ela se sentiu cair e cair...
Não, estava-a levantando, pensou, aturdida por essa neblina sexual. Os braços de Lucan a sujeitavam com ternura por debaixo das costas e dos joelhos. Agora ele estava nu, e ela também, Apesar de que não podia recordar quando se tirou a camiseta. Lhe rodeou o pescoço com os braços e ele a tirou da cozinha para a sala de estar, onde soava pelos alto-falantes a voz do Sarah McLahlan em um tema que falava de abraçar a alguém e de lhe beijar até lhe deixar sem respiração.
A suavidade do sofá a recebeu assim que Lucan a teve depositado no sofá para colocar-se em cima dela. Não foi até esse momento que ela pôde lhe ver por completo, e o que viu era magnífico. Um metro noventa e oito de sólida musculatura e de pura força masculina que a apanhava por cima, e esses sólidos braços a cada lado de seu corpo.
Como se a pura beleza do corpo dele não fosse suficiente, a impressionante pele de Lucan mostrava umas intrincadas tatuagens que a deixaram boquiaberta. O complicado desenho de linhas curvas e formas entrecruzadas se desdobrava por cima de seus peitorais e de seu forte abdomen, subia-lhe pelos largos ombros e lhe rodeava os grossos bíceps. A cor era confusa, variava de um verde mar, a um siena, um vermelho bordo que parecia tomar um tom mais intenso quando ela o olhava.
Ele baixou a cabeça para concentrar-se em seus peitos, e Gabrielle viu que a tatuagem lhe cobria as costas e desaparecia sob o cabelo da nuca. A primeira vez que lhe viu, sentiu o desejo de percorrer com os dedo essa marca. Agora sucumbiu a ele, abandonando-se, deixando que suas mãos percorressem todo o corpo dele, maravilhada tanto por esse homem misterioso como por essa estranha arte que sua pele mostrava.
—Me beije —lhe suplicou, lhe sujeitando os ombros tatuados com ambas as mãos.
Ele começou a levantar a cabeça e Gabrielle arqueou as costas debaixo dele, sentindo-se enfebrecida pelo desejo, precisando lhe sentir dentro de seu corpo. Sua ereção era dura como o aço e quente contra suas coxas. Gabrielle deslizou as mãos para baixo e lhe acariciou enquanto levantava os quadris para lhe receber.
—Tome —sussurrou ela—. Me encha, Lucan. Agora. Por favor.
Ele não o negou.
O grosso glande de seu membro pulsava, duro e sensível, na entrada de sua vagina. Ele estava tremendo e ela se deu conta de uma forma um tanto confusa. Esses impressionantes ombros tremiam sob o contato de suas mãos, como se ele se esteve contendo todo esse tempo e estivesse a ponto de explodir. Ela queria que ele gozasse com a mesma força com que o tinha feito ela. Precisava lhe ter dentro dela ou ia morrer. Ele emitiu um grunhido afogado, os lábios lhe roçando a sensibilidade da pele do pescoço.
—Sim —lhe animou ela, movendo-se debaixo dele para que seu pênis se crava-se até o centro de seu corpo.
— Não seja suave. Não vou romper.
Ele levantou a cabeça finalmente e, por um instante, olhou-a aos olhos. Gabrielle lhe olhou, com as pálpebras pesadas, assustada pelo fogo indómito que viu nele: seus olhos brilhavam com umas chamas gêmeas de uma cor prateado pálido que lhe alagava as pupilas e penetrava nos olhos dela com um calor sobrenatural. Os rasgos do rosto dele pareciam mais afiados, sua pele parecia estirar-se sobre suas maçãs do rosto e suas fortes mandíbulas.
Era verdadeiramente peculiar como a tênue luz da habitação jogava sobre esses rasgos.
Esse pensamento ainda não lhe tinha terminado de formar por completo quando as luzes da sala de estar se apagaram de uma vez. Tivesse-lhe parecido estranho se Lucan, nesse momento, quando a escuridão caiu sobre eles, não a tivesse penetrado com uma forte e profunda investida. Gabrielle não pôde reprimir um gemido de prazer ao notar que ele a enchia, abria-a, empalava-a até o centro de seu corpo.
—OH, Meu deus —exclamou ela quase em um soluço, aceitando toda a dureza e dimensão dele.
— É tão prazeiroso.
Ele baixou a cabeça até o ombro dela e soltou um grunhido enquanto saía de sua vagina. Logo investiu com mais força que antes. Gabrielle se sujeitou as costas dele, lhe atraindo para si, enquanto levantava as cadeiras para receber suas fortes investidas. Ele soltou um juramento, quase sem respiração, que pareceu um som escuro e animal. Seu pênis se deslizava dentro dela e parecia inchar-se mais a cada movimento de seus quadris.
—Necessito foderte, Gabrielle. Precisava estar dentro de ti do primeiro momento em que te vi.
A franqueza dessas palavras, o fato de que admitisse que a tinha desejado tanto como lhe tinha desejado a ele somente serviu para que ela se inflamasse mais. Enredou os dedos no cabelo dele, e gritou, sem respiração, à medida que o ritmo dele se incrementava. Agora ele entrava e saía, incansável, entre suas pernas. Gabrielle sentiu a corrente do orgasmo no mais profundo de seu ventre.
—Poderia estar fazendo isto toda a noite —disse ele com voz rouca, seu fôlego quente contra o pescoço dela.
— Acredito que não posso parar.
—Não o faça, Lucan. OH, Deus... não o faça.
Gabrielle se agarrou a ele enquanto ele bombeava dentro de seu corpo. Era o único que pôde fazer enquanto um grito lhe rompia a garganta e gozava e gozava e gozava uma vez detrás de outra, imparavel.
Lucan saiu do apartamento de Gabrielle e percorreu a escura e silenciosa rua a pé. Tinha-a deixado dormindo no dormitório de seu apartamento, com a respiração compassada e tranqüila, o delicioso corpo esgotado depois de três horas de paixão sem parar. Nunca havia transado com tanta fúria, durante tanto tempo, nem tão completamente com ninguém.
E ainda desejava mais.
Mais dela.
O fato de que tivesse conseguido lhe ocultar o alongamento das presas e o brilho de selvagem desejo de seus olhos era um milagre.
O fato de que não tivesse cedido à necessidade invencível e urgente de lhe cravar as afiadas presas na garganta e beber até ficar embriagado era ainda mais impressionante.
Mas não confiava em si mesmo o suficiente para ficar perto dela enquanto cada uma das enfebrecidas células de seu corpo lhe doía pelo desejo de fazê-lo.
Provavelmente, a ter ido ver essa noite tinha sido um monstruoso engano. Tinha pensado que ter sexo com ela apagaria o fogo que lhe acendia, mas nunca se equivocou tanto. Ter tomado a Gabrielle, ter estado dentro dela, somente tinha servido para pôr em evidência a debilidade que sentia por ela. Tinha-a desejado com uma necessidade animal e a tinha açoitado como o depredador que era. Não estava seguro de ter sido capaz de aceitar um não como resposta. Não acreditava que tivesse sido capaz de controlar o desejo que sentia por ela.
Mas não lhe tinha rechaçado.
Não o tinha feito, não.
Em retrospectiva, tivesse sido um ato de misericórdia que ela o ouvesse feito, mas em lugar disso, Gabrielle tinha aceito por completo sua fúria sexual e tinha exigido que não lhe desse nada inferior a isso .
Se nesse mesmo momento, desse meia volta e voltasse para seu apartamento para despertá-la, poderia passar umas quantas horas mais entre suas impressionantes e acolhedoras coxas. Isso, pelo menos, satisfaria parte de sua necessidade. E se não podia saciar a outra parte, esse tortura que crescia cada vez mais em seu interior, podia esperar a que se levantasse o sol e deixar que seus mortais raios o abrasassem até a destruição.
Se o dever que tinha para a raça não lhe tivesse tão comprometido, consideraria essa opção como uma possibilidade atrativa.
Lucan pronunciou um juramento em voz baixa. Saiu do bairro de Gabrielle e se internou na paisagem noturna da cidade. Tremiam-lhe as mãos. Lhe havia agudizado a vista, e seus pensamentos começavam a ser selvagens. O corpo lhe picava; sentia-se ansioso. Soltou um grunhido de frustração: conhecia esses sintomas muito bem.
Precisava voltar a alimentar-se.
Fazia muito pouco tempo que tinha tomado a quantidade suficiente de sangue para manter-se durante uma semana, possivelmente mais. Isso havia sido umas quantas noites atrás e, apesar disso, lhe retorcia o estômago como se estivesse desfalecido de fome. Fazia muito tempo que sua necessidade de alimentar-se tinha piorado e já quase resultava insuportavel quando tentava reprimir-lhe.
Isso era o que lhe tinha permitido chegar tão longe.
Em um momento ou outro ia chegar ao final da corda. E então o que?
De verdade acreditava que era tão distinto de seu pai?
Seus irmãos não tinham sido distintos de seu pai, e eles eram maiores e mais fortes que ele. A sede de sangue os tinha levado aos dois: um deles se tirou a vida quando o vício foi demasíado forte; o outro foi mais à frente ainda, converteu-se em um renegado e perdeu a cabeça sob a folha mortal de um guerreiro da raça.
Ter nascido na primeira geração lhe tinha dado a Lucan uma grande força e um grande poder —e lhe tinha permitido gozar de um imediato respeito que ele sabia que não merecia—, mas isso era tanto um dom como uma maldição. Perguntava-se quanto tempo mais poderia continuar lutando contra a escuridão de sua própria natureza selvagem. Algumas noites se sentia muito cansado de ter que fazê-lo.
Enquanto caminhava entre a gente que povoava as ruas noturnas Lucan deixou vagar o olhar. Embora estava preparado para entrar em batalha se tinha que fazê-lo, alegrou-se de que não houvesse nenhum renegado a vista. Somente viu uns quantos vampiros da última geração que pertenciam ao Refúgio Escuro dessa zona: um grupo de jovens machos que se mesclaram com um animado grupo de seres humanos que tinham saído de festa e que procuravam dissimuladamente, igual a ele, um anfitrião de sangue. Enquanto se dirigia para eles por essa parte da calçada, viu que os jovens se davam cotoveladas uns aos outros e lhes ouviu sussurrar as palavras «guerreiro» e «primeira geração». A admiração que mostravam abertamente e sua curiosidade resultavam aborrecida, embora não era algo pouco habitual. Os vampiros que nasciam e cresciam nos Refúgios Escuros raramente tinham a oportunidade de ver um membro da classe dos guerreiros, por não falar do fundador da antiga e orgulhosa e agora já antiquada Ordem.
A maioria deles conheciam as histórias que contavam que fazia varios séculos, oito dos mais ferozes e letais machos da raça se uniram em um grupo para assassinar aos últimos antigos selvagens e ao exército de renegados que lhes serviam. Esses guerreiros se converteram lenda e desde esse momento, a Ordem tinha sofrido muitas mudanças, havia crescido em número e suas localizações tinham aumentado nos períodos em que tinha havido conflito com os renegados e tinham detido sua atividade durante os largos períodos de paz.
Agora, a classe dos vampiros estava formada somente por um punhado de indivíduos em todo o planeta que operava de forma encoberta e muitas vezes independente e com não pouco desprezo da sociedade. Nesta época ilustrada de trato justo e de processos legais em que se encontrava a nação dos vampiros, as táticas dos guerreiros se consideravam renegadas e quase do outro lado da lei.
Como se Lucan, ou a qualquer dos guerreiros que se encontravam em primeira fila da luta com ele, importassem-lhes o mais mínimo as relações públicas.
Lucan grunhiu em direção aos jovens boquiabertos e dirigiu uma convite mental as fêmeas humanas com quem os vampiros tinham estado conversando na rua. Todos os olhos femininos ficaram cravados no puro poder que ele —e ele sabia— emanava em todas as direções. Duas das garotas —uma loira de peito abundante e uma ruiva de cabelo somente um pouco mais claro que o do Gabrielle— se separaram imediatamente do grupo e se aproximaram dele, esquecendo a seus amigos e aos outros machos imediatamente.
Mas Lucan somente necessitava a uma, e a eleição era fácil. Rechaçou a loira com um gesto de cabeça. Sua companheira se colocou sob o braço dele e começou alhe manusear enquanto ele a conduzia para um discreto e escuro rincão de um edifício próximo.
Se pos a tarefa sem duvidar nem um momento.
Apartou o cabelo da garota, impregnado do aroma de tabaco e a cerveja, de seu pescoço, lambeu-se os lábios e lhe cravou as presas estendidas na garganta. Ela sofreu um espasmo ao notar a dentada e levantou as mãos em um gesto instintivo no momento no qual ele começou a chupar com força o sangue de suas veias. Chupou durante um bom momento, não queria desperdiçar nada. A fêmea gemeu, não por causa do alarme nem da dor, a não ser a causa do prazer único que produzia sentir sair o sangue sob o domínio de um vampiro.
O sangue encheu a boca de Lucan, quente e denso.
Contra sua vontade, em sua mente se formou a imagem de Gabrielle em seus braços, e Lucan imaginou, por um muito breve instante, que era de seu pescoço de que chupava nesses momentos.
Que era o sangue dela a que lhe descia pela garganta e lhe entrava no corpo.
Deus, o que era pensar como seria chupar a veia de Gabrielle enquanto seu pênis se cravava no quente e úmido centro de seu corpo.
Que prazer só pensá-lo.
Apartou essa fantasia de sua mente com um grunhido feroz.
«Isso não vai acontecer nunca», disse a si mesmo, com dureza. A realidade era outra coisa, e era melhor que não a perdesse de vista.
A verdade era que não se tratava de Gabrielle, mas sim de uma estranha sem nome, justo tal e como ele o preferia. O sangue que tomava nesse momento não tinha a doçura de jasmim que ele tanto desejava, a não ser uma acidez amarga viciada por algum suave narcótico que sua anfitriã tinha ingerido recentemente.
Não lhe importava o sabor que tivesse. Quão único precisava era apaziguar a urgência da sede, e para isso servia qualquer. Continuou chupando e tragando com ansiedade, de forma expedita, como o fazia sempre quando se alimentava.
Quando teve terminado, passou a língua pelos dois orifícios para fecha-los. A jovem estava respirando agitadamente, tinha os lábios entre abertos e seu corpo estava lânguido como se tivesse acabado de ter um orgasmo.
Lucan pôs a palma da mão sobre a frente dela e a desceu para seu rosto para lhe fechar os olhos, vazios de expressão e sonolentos. Esse contato apagava qualquer lembrança do que acabava de acontecer entre eles.
—Seus amigos lhe estão procurando — disse a garota enquanto apartava a mão de seu rosto e lhe olhava, confundida, piscando.
— Deveria ir a casa. A noite está cheia de depredadores.
—De acordo —disse ela, assentindo com a cabeça.
Lucan esperou entre as sombras enquanto ela dava a volta a esquina do edifício e se dirigia para seus companheiros. Ele inalou com força através dos dentes e das presas: sentia todos os músculos do corpo tensos, duros e vivos. O coração lhe pulsava com força no peito. Somente pensar no sabor que devia ter o sangue de Gabrielle lhe tinha provocado uma ereção.
Seu apetite físico deveria haver-se apaziguado agora que já se havia alimentado, mas não se sentia satisfeito.
Ainda... desejava-a.
Emitiu um grunhido baixo e voltou a sair de caça a rua, mais mal humorado que nunca. Pôs o olhar na parte mais conflitiva da cidade com a esperança de encontrasse com um ou dois renegados antes de que começasse a sair o sol. De repente, precisava meter-se em uma briga desesperadamente. Precisava fazer mal a alguém, inclusive embora esse alguém acabasse sendo ele mesmo.
Tinha que fazer o que fosse necessário para manter-se afastado de Gabrielle Maxwell.
Capítulo oito
Ao princípio, Gabrielle pensou que se tratou somente de outro sonho erótico. Mas a manhã seguinte, ao despertar, tarde, nua na cama, com o corpo esgotado e dolorido nos lugares adequados, soube que, definitivamente, Lucan Thorne tinha estado ali, em carne e osso. E Deus, que carne tão impressionante. Tinha perdido a conta de quantas vezes a tinha levado até o climax. Se somava todos os orgasmos que tinha tido durante os últimos dois anos, provavelmente nem se aproximaria do que tinha experiente com ele a passada noite.
E apesar disso, no momento em que abriu os olhos e se deu conta, decepcionada, de que Lucan não se ficou ali, ainda desejava ter outro orgasmo mais. A cama estava vazia, o apartamento se encontrava em silêncio. Era evidente que ele se partiu em algum momento durante a noite.
Gabrielle estava tão esgotada que tivesse podido dormir o dia inteiro, mas tinha uma entrevista para com o Jamie e com as garotas, assim saiu da casa e se dirigiu por volta do centro da cidade vinte minutos depois do meio-dia. Quando entrou no restaurante de Chinatown se deu conta de que umas quantas cabeças se giravam a seu passo: notou as olhadas apreciativas de um grupo de tipos que pareciam modelos de publicidade e que se encontravam ante a barra de sushi e as de meia dúzia de executivos trajados que a seguiram enquanto ela se dirigia para a
mesa de seus amigos, ao fundo do restaurante.
Sentia-se sexy e segura de si mesmo, vestida com seu suéter de pescoço de pico de cor vermelha escuro e sua saia negra, e não lhe importava que fora evidente para todo mundo que se encontrava ali que tinha desfrutado da noite de sexo mais incrível de toda sua vida.
—Finalmente, honra-nos com sua presença! —exclamou Jamie assim que Gabrielle chegou a mesa e saudou seus amigos com uns abraços.
Megan lhe acariciou uma bochecha.
—Tem um aspecto fantástico.
Jamie assentiu com a cabeça.
—Sim, é verdade, carinho. Eu adoro o que tem posto. É novo? —Não esperou a que lhe respondesse. Voltou a sentar-se imediatamente ante a mesa e se meteu na boca um rollito frito.
— Morria de fome, assim já pedimos um aperitivo. Mas onde estiveste? Estava a ponto de mandar a um esquadrão para te buscar.
—Sinto muito. Hoje dormi um pouco.
—Sorriu e se sentou ao lado do Jamie, no banco de vinil de cor verde.
— Kendra não vem?
—Desaparecida em combate outra vez. —Megan tomou um sorvo de chá e se encolheu de ombros.
— Não importa. Ultimamente, somente fala de seu novo namorado, já sabe, esse menino que encontrou em La Notte o passado fim de semana.
—Brent —disse Gabrielle, controlando a pontada de desconforto que sentiu pela menção dessa terrível noite.
—Sim, ele. Ela inclusive conseguiu trocar seu turno pelo de dia no hospital para passar todas as noites com ele. Parece que ele tem que viajar muito para ir ao trabalho ou o que seja e normalmente não está disponivel durante o dia. Não me posso acreditar que Kendra permita que alguém lhe dirija a vida desta maneira. Ray e eu levamos três meses saindo, eu ainda tenho tempo para meus amigos.
Gabrielle arqueou as sobrancelhas. Dos quatro, Kendra era a mais livre de espírito, inclusive de forma impenitente. Preferia manter uns quantos amantes e tinha intenção de permanecer solteira pelo menos até que cumprisse os trinta.
—Crê que se apaixonou?
—Lascívia, carinho. —Jamie colheu com os palitos o último sushi.
— Às vezes te faz fazer coisas piores que o amor. Me acredite, passou-me.
Enquanto mastigava, Jamie cravou os olhos nos do Gabrielle durante um comprido momento. Logo se fixou no cabelo desordenado e em que ela, de repente, ruborizou-se. Gabrielle tentou sorrir com expressão despreocupada, mas não pôde evitar que seu segredo a traísse no brilho de felicidade de seus olhos. Jamie deixou os palitos no prato, inclinou a cabeça para ela e o cabelo loiro lhe caiu sobre a bochecha.
—OH, Meu deus. —Sorriu—. O tem feito.
—Fiz o que? —Mas lhe escapou uma suave gargalhada.
—Tem-no feito. Deitaste-te com alguém, verdade?
A gargalhada de Gabrielle se reduziu a uma tímida risadinha.
—OH, carinho. Pois te sinta bem, devo dizer. —Jamie lhe deu umas palmadinhas na mão e Riu com ela.
— A ver se o adivinho: é o escuro e sexy detetive do Departamento de Polícia de Boston.
Ela levantou os olhos ao céu para ouvir como lhe tinha qualificado, mas assentiu com a cabeça.
—Quando foi?
—Esta noite. Virtualmente toda a noite.
A expressão de entusiasmo do Jamie atraiu a atenção de algumas mesas próximas. Ele se acalmou um pouco, mas sorria a Gabrielle como uma orgulhosa mamãe ganso.
—Ele é bom, né?
—Incrível.
—De acordo. E como é possível que eu não saiba nada deste homem misterioso? —interrompeu Megan nesses momentos—. E é um policial? Possivelmente Ray lhe conheça. Posso-lhe perguntar...
—Não. —Gabrielle negou com a cabeça—. Por favor, não digam nada disto aninguém, meninos. Não estou saindo com Lucan. Veio ontem pela noite para me devolver o telefone celular e as coisas ficaram... bom... fora de controle. Nem sequer sei se vou voltar a lhe ver.
A verdade era que não tinha nem idéia disso mas, Deus, desejava que assim fosse.
Uma parte dela sabia que o que tinha ocorrido entre eles era algo insensato, uma loucura. Era-o. A verdade é que não podia negá-lo. Era de loucos. Ela sempre se teve por uma pessoa sensata, prudente: a pessoa que acautelava a seus amigos dos impulsos imprudentes como o que se permitiu a noite passada.
Tola, tola, tola.
E não somente por ter permitido que esse momento a apanhasse por completo até o ponto de ter esquecido tomar nenhum amparo. Ter relação íntimas com alguém que é virtualmente um desconhecido raramente era uma boa idéia, mas Gabrielle tinha a terrível sensação de que resultaria muito fácil perder o coração por um homem como Lucan Thorne.
Mas como, estava segura, não era menos que de idiotas.
Apesar de tudo, o sexo como o que tinha tido com ele não se dava freqüentemente. Pelo menos, não para ela. Somente pensar em Lucan Thorne fazia que tudo dentro de seu corpo se retorcesse de desejo. Se ele entrasse no restaurante justo nesse momento, provavelmente saltaria por sobre as mesas e se tornaria em cima dele.
—Ontem passamos juntos uma noite incrível, mas agora mesmo, isso é quão único há. Não quero tirar nenhuma conclusão disso.
—Ok! —Jamie apoiou um cotovelo na mesa e se apoiou nele com expressão conspiradora.
— Então, por que está a todo o momento?
—Onde diabos estiveste?
Lucan cheirou a Tegan antes de ver o vampiro dar a volta à esquina do corredor da zona de residência do complexo. O macho tinha estado caçando fazia pouco. Ainda arrastava o aroma metálico e adocicado do sangue, tanto de humano como de algum renegado.
Quando viu que Lucan lhe estava esperando fora de um dos apartamentos se deteve, com as mãos apertadas em punhos dentro dos bolsos da calça texana de cintura baixa. A camiseta cinza que levava posta estava desfiada em alguns pontos e suja de pó e de sangue. Tinha as pálpebras cansadas sobre os pálidos olhos verdes e se viam umas escuras olheiras. O cabelo, avermelhado, descuidado e comprido, caía-lhe sobre o rosto.
—Tem um aspecto de merda, Tegan.
Ele levantou os olhos por debaixo da franja de seu cabelo e se mostrou burlón, como sempre.
Seus fortes bíceps e antebraços estavam cobertos de dermoglifos. Essas elegantes e afiligranadas marca tinham somente um tom mais escuro que o de sua pele dourada e sua cor não desvelava o estado de ânimo do vampiro. Lucan não sabia se era por pura vontade que esse macho se encerrava em uma atitude permanente de apatia ou se era a escuridão de seu passado que verdadeiramente tinha apagado qualquer sentimento que pudesse ter.
Deus era testemunha de que tinha passado por algo que tivesse podido vencer a uma equipe inteira de guerreiros.
Mas os demônios pessoais que Tegan tivesse eram coisa dele. O único que lhe importava a Lucan era assegurar-se de que a Ordem se mantinha forte e a ponto. Não havia lugar para que essa correia tivesse enganos débeis.
—Faz cinco dias que estiveste fora de contato, Tegan. Lhe vou perguntar isso outra vez: onde merda estiveste?
O sorriu, zombador.
—Foda-se, cara. Não é minha mãe.
Começou a afastar-se, mas Lucan lhe fechou o passo com uma velocidade assombrosa. Levantou Tegan pelo pescoço e o empurrou contra a parede do corredor para captar sua atenção.
A fúria de Lucan estava em seu ponto máximo: em parte pela desconsideração que, em geral, Tegan mostrava por volta de outros na Ordem durante os últimos tempos, mas ainda o estava mais pela falta de sensatez que lhe tinha feito pensar que poderia passar uma noite com a Gabrielle Maxwell e tirar-lhe logo depois da cabeça.
Nem o sangue nem a extrema violência que tinha exercido com dois Renegados durante as horas prévias ao amanhecer tinham sido suficientes para apagar a lascívia pelo Gabrielle que ainda lhe pulsava por todo o corpo. Lucan tinha percorrido a cidade como um espectro durante toda a noite e tinha voltado para o complexo com um humor furioso e negro.
Esse sentimento persistia nele enquanto apertava os dedos ao redor da garganta de seu irmão. Necessitava uma desculpa para tirar a agresividade, e Tegan, com esse aspecto animal e com seu secretismo, era um candidato mais que bom para fazer esse papel.
—Estou cansado de suas tolices, Tegan. Precisa te controlar, ou eu o farei em seu lugar. —Apertou a laringe do vampiro com mais força, mas Tegan nem sequer se alterou pela dor.
— Agora me diga onde estiveste durante todo este tempo ou você e eu vamos ter sérios problemas.
Os dois machos tinham mais ou menos o mesmo tamanho e estavam mais que igualados em questão de força. Tegan pôde ter apresentado batalha, mas não o fez. Não demonstrou nem a mais mínima emoção, simplesmente olhou A Lucan com olhos frios e indiferentes.
Não sentia nada, e inclusive isso tirava de gonzo a Lucan.
Lucan, com um grunhido, tirou a mão da garganta do guerreiro e tentou controlar a raiva. Não era próprio dele comportar-se dessa maneira. Isso estava por debaixo dele.
Merda.
E era ele quem dizia a Tegan que tinha que controlar-se?
Bom conselho. Possivelmente tinha que aplicar-lhe a si mesmo.
O olhar inexpressivo do Tegan dizia mais ou menos o mesmo, embora o vampiro manteve, de forma inteligente, a boca fechada.
Enquanto os dois difíceis aliados se olhavam um ao outro em meio de um escuro silêncio, detrás deles e a certa distancia no corredor, uma porta de cristal se abriu com um zumbido. Ouviu-se o chiado das sapatilhas esportivas do Gideon no gentil chão enquanto este saía de seus aposentos privados e percorria o corredor.
—Né, Tegan, bom trabalho de reconhecimento, cara. Vigiei um pouco depois do que falamos o outro dia. Esse pressentimento que teve de que devíamos manter vigiados Aos renegados no Green Line parece bom.
Lucan nem sequer piscou. Tegan lhe agüentou o olhar, sem fazer caso às felicitações de Gideon. Tampouco tentou defender-se dessas suspeitas infundadas. Simplesmente ficou ali durante um comprido minuto sem dizer nada. Logo passou ao lado de Lucan e continuou seu caminho pelo corredor do complexo.
—Acredito que quererá comprovar isto, Lucan —disse Gideon enquanto se dirigia para o laboratório.
— Parece que algo está a ponto de ficar feio.
Capítulo nove
Com a taça quente entre as mãos, Gabrielle tomou um sorvo do suave chá enquanto Jamie comia o resto de seu prato. Também ia comer seu biscoitinho da sorte de sobremesa, como fazia sempre, mas não importava. Era agradável estar, simplesmente, com os amigos, e sentir que a vida voltava a adquirir certo ar de normalidade depois do que lhe tinha acontecido o fim de semana passado.
—Tenho uma coisa para ti —disse Jamie, interrompendo os pensamentos de Gabrielle. Rebuscou um momento na bolsa que levava de cor nata que estava no banco em meio de ambos e tirou um envelope alvo.
— Procede da amostra privada.
Gabrielle o abriu e tirou um cheque da galeria. Era mais do que hávia esperado. Uns par de notas grandes demais.
—Vai.
—Surpresa —cantarolou Jamie com um amplo sorriso—. Subi o preço. Pensei que diabos e eles o aceitaram sem regatear em nenhum momento. Crê que deveria ter pedido mais?
—Não —repôs Gabrielle—. Não, isto é... isto... uuuff. Obrigado.
—Não é nada. —Assinalou a barra de chocolate.
—Vais comer?
Ela empurrou o prato por cima da mesa para ele.
—Bom, e quem é o comprador?
—Ah, isso continua sendo um grande mistério —disse ele, enquanto rompia a bolacha dentro de seu pacote de plástico.
— Pagaram em dinheiro, assim é evidente que são sérios sobre o caráter anônimo da venda. E mandaram um táxi para me buscar para levar a coleção.
—Do que estão falando, meninos? —perguntou Megan. Olhou aos dois com o cenho franzido e uma expressão de confusão.
— Lhes juro que sou a última que se inteira de tudo.
—Nossa pequena e talentosa artista tem um admirador secreto — informou Jamie, dramaticamente. Tirou a nota da sorte do biscoitinho, leu-a, levantou os olhos ao céu e atirou o trocito de papel no prato vazio.
— Onde ficaram os dias em que este tipo de coisas significavam algo? Bom, faz umas quantas noites me pediram que apresentasse a coleção completa de fotografias da Gabby ante um comprador anônimo do centro da cidade. Compraram-nas todas: até a última.
Megan olhou a Gabrielle com os olhos muito abertos.
—Isso é maravilhoso! Me alegro tanto por ti, carinho!
—Seja quem é quem as comprou, a verdade é que tem uma seria mania com o secretismo.
Gabrielle olhou a seu amigo enquanto se guardava o cheque na bolsa.
—O que quer dizer?
Jamie terminou de mastigar o último pedaço de biscoitinho da sorte e se limpou os dedos dos miolos.
—Bom, quando cheguei a direção que me deram, em um desses luxuosos edifícios de escritórios com vários inquilinos, recebeu-me uma espécie de guarda-costas no vestíbulo. Não me disse nada, somente murmurou algo a um microfone sem fio e logo me acompanhou até um elevador que nos levou a piso mais alto do edifício.
Megan arqueou as sobrancelhas.
—Ao apartamento de cobertura?
—Sim. E aí está a coisa. O lugar estava vazio. Todas as luzes estavam acesas, mas não havia ninguém dentro. Não havia móveis, não havia nenhuma equipe, nada. Somente paredes e janelas que davam a cidade.
—Isso é muito estranho. Não te parece, Gabby?
Ela assentiu com a cabeça e uma sensação de intranqüilidade foi invadindo enquanto Jamie continuava.
—Então o guarda-costas me disse que tirasse a primeira fotografia da pasta e que caminhasse com ela e me dirigisse para as janelas da parede norte. Ao outro lado estava escuro, e eu lhe estava dando as costas a ele, mas ele me disse que devia sujeitar cada uma das fotos ante essa janela até que me desse instruções das deixar a um lado e tomar outra.
Megan riu.
—De costas a ele? Por que queria que fizesse isso?
—Porque o comprador estava observando desde outro lugar —respondeu Gabrielle em voz baixa.
— Em algum lugar de onde via as janelas do apartamento de cobertura.
Jamie assentiu com a cabeça.
—Isso parece. Não consegui ouvir nada, mas estou seguro de que o guarda-costas, ou o que fora, estava recebendo instruções pelos auriculares. Para te dizer a verdade, estava-me pondo um pouco nervoso com tudo isso, mas foi bem. Ao final não passou nada mau. Quão único queriam eram suas fotografias. Somente tinha chegado a quarta quando disseram que pedisse um preço para todas elas. Assim, que tal e como te hei dito, pus alto e o aceitaram.
—Estranho —comentou Megan—. Né, Gab, possivelmente chamaste a atenção de um milionário mortalmente atrativo mas retraído. Possivelmente o ano que vem, por estas datas, estaremos dançando em suas luxuosas bodas no Mikonos.
—Uf, por favor —exclamou Jamie sem fôlego—. Mikonos é do ano passado. A gente bonita está na Marbella, querida.
Gabrielle tentou tirar-se de cima a estranha sensação de inquietação que lhe estava produzindo a estranha história do Jamie. Tal e como ele havia dito, tudo tinha ido bem e ela tinha um cheque por uma importância muito alta na bolsa. Possivelmente podia convidar para jantar a Lucan, dado que a comida que tinha preparado a outra noite para a celebração ficou no balcão da cozinha.
Embora não sentia nem o mais mínimo remorso pela perda de seus manicotti.
Sim, uma romântica saída para jantar com Lucan soava fantástico. Com um pouco de sorte, possivelmente tomassem as sobremesas em... e o café da manhã também .
Gabrielle ficou de bom humor imediatamente e riu com seus amigos enquanto estes continuavam intercambiando idéias extravagantes a respeito de quem podia ser esse misterioso colecionador e o que podia significar para seu futuro e, por extensão, para o de todos eles. Ainda estavam falando do mesmo quando a mesafoi retirada e a conta paga, e os três saíram a rua ensolarada.
—Tenho que ir correndo —disse Megan, dando um rápido abraço a Gabrielle e a Jamie.
— Nos veremos logo, meninos?
—Sim —responderam os dois ao uníssono e a saudaram com a mão, atrás da Megan caminhava rua acima, para o edifício de escritórios onde trabalhava.
Jamie levantou uma mão para chamar um táxi.
—Vai diretamente a casa, Gabby?
—Não, ainda não. —Deu uns golpezinhos a câmera que levava sobre o ombro.
— Pensava dar um passeio até o parque e possivelmente gastar um pouco de filme. E você?
—David vai chegar de Atlanta dentro de uma hora —lhe disse .
— Vou tirar o resto do dia. Possivelmente amanhã também.
Gabrielle riu.
—Dê- lhe lembranças de minha parte.
—Farei-o. —aproximou-se dela e lhe deu um beijo na bochecha.
— Eu gosto de verte sorrir outra vez. Estava realmente preocupado por ti depois do último fim de semana. Nunca te tinha visto tão afetada. Está bem, verdade?
—Sim, estou bem, de verdade.
—E agora tem ao escuro e sexy detetive para te cuidar, o qual não está nada mal.
—Não, não está nada mal —admitiu ela, e notou uma sensação de calidez pelo só feito de pensar nele.
Jamie lhe deu um abraço afetuoso.
—Bom, céu, se necessitar algo que ele não te possa dar, o qual duvido muito, me chame, de acordo? Quero-te, carinho.
—Eu também te quero. —Um táxi se deteve na esquina e se saudaram.
— Te divirta com o David. —E levantou a mão para lhe dizer adeus enquanto Jamie entrava no táxi e este se internava no matizado tráfico da hora de comer.
Somente se demorava uns quantos minutos em percorrer as quadras que separavam Chinatown do parque Boston Common. Gabrielle passeou pelos amplos espaços e tirou umas quantas fotografias. Logo se deteve para observar a uns meninos que jogavam a galinha cega na grama da zona de recreio. Observou a uma menina que se encontrava no centro do grupo com os olhos tampados com uma atadura e que girava a um lado e a outro com os braços estendidos tentando apanharar seus esquivos amigos.
Gabrielle levantou a câmera e enfocou aos meninos, que não paravam de correr e de rir. Aproximou a imagem com o zoom e seguiu a menina de cabelo loiro e olhos enfaixados com a lente enquanto as risadas e os gritos dos meninos enchiam o parque. Não fez nenhuma fotografia, simplesmente olhou esse despreocupado jogo desde detrás da câmera e tentou recordar uma época em que ela se houvesse sentido assim contente e segura.
Deus, havia-se sentido assim alguma vez?
Um de quão adultos estava vigiando aos meninos de perto lhes chamou para que fossem comer, interrompendo seu estridente jogo. Os meninos correram até o lençol estendido no chão para comer e Gabrielle percorreu o parque ao seu redor com a lente da câmera. Na imagem desfocada a causa do movimento, percebeu a figura de alguém que a olhava desde debaixo da sombra de uma árvore grande.
Gabrielle apartou a câmera de seu rosto e olhou nessa direção: havia um homem jovem em pé, parcialmente escondido pelo tronco de um velho carvalho.
Sua presença era quase imperceptível nesse parque cheio de atividade, mas lhe resultava vagamente familiar. Gabrielle viu que tinha o cabelo abundante e de uma cor castanha cinzenta, que levava uma camisa solta e uma calça cáqui. Era a classe de pessoa que desaparecia com facilidade entre a multidão, mas estava segura de que lhe tinha visto em algum lugar fazia pouco tempo.
Não lhe tinha visto na delegacia de polícia de polícia a semana passada quando foi fazer a declaração?
Fosse quem fosse, deveu dar-se conta de que lhe tinha visto, porque imediatamente retrocedeu, escondeu-se atrás do tronco da árvore e começou a afastar-se dali em direção a Charles Street. Enquanto caminhava a passo rápido em direção a essa rua, tirou-se um telefone celular do bolso da calça e jogou uma rápida olhada para trás por cima do ombro, em direção a Gabrielle.
Gabrielle sentiu que lhe arrepiavam os cabelos da nuca com uma repentina sensação de suspeita e de alarme.
Ele a tinha estado observando, mas por que?
Que diabos estava acontecendo? Algo acontecia, definitivamente, e ela não tinha intenção de tratar de adivinhá-lo por mais tempo.
Com o olhar cravado no menino da calça cáqui, Gabrielle começou a caminhar detrás dele enquanto se guardava a câmera na capa e se ajustava a tira da bolsa protetora no ombro. Quando saiu do amplo terreno do parque e entrou no Charles Street, o menino lhe levava uma quadra de vantagem.
—Né! —chamou ela, começando a correr.
O,menino que continuava falando por telefone, girou a cabeça e a olhou. Disse algo ao aparelho com gesto apressado, apagou o aparelho e o conservou na mão. Apartou o olhar dela e começou a correr.
—Para! —gritou Gabrielle. Chamou a atenção das pessoas na rua, o menino continuou sem lhe fazer caso.
— Te hei dito que te detenha, merda! Quem é? Por que me está espiando?
Ele subiu a toda velocidade pelo Charles Street mergulhando-se na maré de pedestres. Gabrielle lhe seguiu, esquivando a turistas e empregados de escritório que saíam durante o descanso para a comida, sem apartar a vista da mochila delgada que o menino levava nas costas. Ele torceu por uma rua, logo por outra, internando-se cada vez mais na cidade, afastando-se das lojas e os escritórios do Charles Street e voltando para a matizada zona de Chinatown.
Sem saber quanto tempo levava perseguindo a esse menino nem onde havia chegado exatamente, Gabrielle se deu conta de repente de que lhe tinha perdido.
Girou por uma esquina cheia de gente e se sentiu profundamente sozinha: esse ambiente pouco familiar se fechou ao redor dela. Os lojistas a observavam desde debaixo dos toldos e desde detrás das portas abertas para deixar entrar o ar do verão. Os pedestres a olhavam, aborrecidos, porque se tinha detido de repente em meio da calçada e interrompia o passo.
Foi nesse momento quando sentiu uma presença ameaçadora detrás dela, na rua.
Gabrielle olhou por cima do ombro e viu um Sedam negro de vidros escuro que se deslocava devagar entre outros carros. Movia-se com elegância, deliberadamente, como um tubarão que atravessasse um banco de peixes pequenos em busca de uma presa melhor.
Estava-se dirigindo para ela?
Talvez o menino que a tinha estado espiando se encontrava dentro do carro. Possivelmente sua aparição, e a do carro de aspecto ameaçador, tinham algo que ver com quem tinha comprado suas fotografias.
Ou possivelmente se tratasse de algo pior.
Possivelmente um pouco relacionado com o espantoso ataque que tinha presenciado na semana anterior e tendo informado disso a polícia. Possívelmente se tropeçou com uma rixa entre bandas, depois de tudo. Possivelmente essas criaturas malignas —já que não podia acabar de convencer-se de que eram homens— tinham decidido que ela era seu próximo alvo.
O veículo se aproximou por um sulco lateral até a calçada onde ela se encontrava em pé e Gabrielle sentiu que um medo gelado a atravessa.
Começou a caminhar. Acelerou o ritmo para avançar mais depressa.
A suas costas ouviu o som do carro que acelerava.
OH, Deus.
Ia por ela!
Gabrielle não esperou para ouvir o som dos pneumáticos das rodas no pavimento a suas costas. Gritou e saiu disparada em uma carreira , movendo as pernas tão depressa como era capaz.
Havia muita gente ao seu redor. Muitos obstáculos para tomar um caminho reto. Esquivou aos pedestres, muito nervosa para oferecer nenhuma desculpa antes seus estalos de língua e exclamações de irritação.
Não lhe importava: estava segura de que era um assunto de vida ou morte.
Olhar para trás seria um grave engano. Ainda ouvia o ruído do motor do carro no meio do tráfico, que a seguia de perto. Gabrielle baixou a cabeça e se esforçou em correr mais rápido enquanto rezava por ser capaz de sair dessa rua antes de que o carro a apanhasse.
De repente, nessa enlouquecida carreira, falhou-lhe um tornozelo.
Cambaleou-se e perdeu o equilíbrio. O chão pareceu elevar-se para ela e caiu com força contra o duro pavimento. Parou o golpe forte da queda com os joelhos e as palmas das mãos, destroçando-lhe a dor da carne rasgada, lhe fez saltar as lágrimas, mas não fez conta. Gabrielle voltou a ficar em pé. Quase ainda não tinha recuperado o equilíbrio quando notou a mão de um estranho que a sujeitava com força pelo cotovelo.
Gabrielle reprimiu um grito. Tinha os olhos enlouquecidos de pânico.
—Encontra-se bem, senhorita? —O rosto cinza de um trabalhador municipal apareceu em seu ângulo de visão e seus olhos azuis rodeados de rugas se fixaram nas feridas.
—Uf, vá, olhe isso, está sangrando.
—Solte-me!
—É que não viu esses reservatórios de água daí? —Assinalou com o polegar por cima do ombro, a suas costas, para os cones de cor laranja com os quais Gabrielle tinha se chocado ao passar—Esta parte da calçada está levantada.
—Por favor, não passa nada. Estou bem.
Apanhada pela mão dele, que tentava ajudá-la mas que a desafiava, Gabrielle levantou o olhar bem a tempo para ver que o Sedam escuro aparecia na esquina por onde ela tinha passado fazia um instante. O carro se deteve abruptamente, a porta do condutor se abriu e um homem enorme e muito alto saiu à rua.
—OH, Deus. Me solte! —Gabrielle deu uma sacudida com o braço para soltar do homem que tentava ajudá-la sem apartar o olhar desse monstruoso carro negro e no perigo que supunha—. É que não comprende que me estão perseguindo?
—Quem? —O tom de voz do trabalhador municipal foi de incredualidade. Levou a vista em direção aonde ela estava olhando e soltou uma gargalhada.
— Se refere a esse tipo? Senhora, é o maldito prefeito do Bostom.
-O que...?
Era verdade. Olhou enlouquecida toda a atividade que se desenvolvia nessa esquina e o compreendeu. O Sedam negro não a perseguia, depois de tudo. Tinha estacionado na esquina e o condutor, agora, estava esperando com a porta traseira aberta. O prefeito em pessoa saiu de um restaurante acompanhado por dois guarda-costas e os três subiram ao assento traseiro do veículo.
Gabrielle fechou os olhos. As palmas das mãos lhe queimavam de dor. Os joelhos, também. Tinha o pulso acelerado, mas parecia que o sangue lhe tinha descido da cabeça.
Sentiu-se como uma completa idiota.
—Acreditei... —murmurou, enquanto o condutor fechava a porta, e se colocava no assento dianteiro e arrancava o carro em direção ao tráfico da rua.
O trabalhador lhe soltou o braço. Afastou-se dela para voltar a ocupar-se da bolsa com sua comida e seu café enquanto meneava a cabeça.
—O que lhe acontece? É que se tornou louca ou algo?
Merda.
Supunha-se que ela não tinha que lhe haver visto. Tinha ordens de observar a mulher Maxwell, de tomar nota de suas atividades, de estabelecer quais eram seus costumes. Tinha que informar de tudo isso a seu Professor. Por cima de tudo, tinha que evitar ser visto. O subordinado soltou outra maldição do mesmo lugar onde estava escondido, as costas pega contra uma anódina porta de um edifício, um desses tantos lugares que se apinhavam entre os restaurantes e mercados do Chinatown. Com cuidado, abriu a porta e tirou a cabeça para ver se podia detectar a mulher em algum lugar da rua.
Ali estava, justo ao outro lado da rua abarrotada de gente.
E se alegrou de ver que ela estava abandonando a zona. Quão último perdeu de vista foi seu cabelo acobreado por entre a multidão da calçada, a cabeça encurvada e o passo acelerado.
Esperou ali, observou-a até que teve desaparecido de sua vista por completo. Então voltou a sair a rua e se dirigiu em direção contraria. Tinha passado mais de uma hora de seu descanso para comer. Era melhor que voltasse para a delegacia de polícia antes de que lhe sentissem falta.
Capítulo dez
Gabrielle pôs outra toalha de papel sob o jorro de água fria na pia da cozinha. Havia várias toalhas mais atiradas já, empapadas de água e manchadas de sangue, além de sujas do pó da rua que se limpou das palmas das mãos e dos joelhos. Em pé, de sutiens e calcinhas, jogou um pouco de sabão líquido na toalha de papel empapada de água e se esfregou com energia as feridas das palmas das mãos.
—Ai! —exclamou, e franziu o cenho. Encontrou-se uma pequena e afiada lasca cravada na ferida. A tirou e a atirou à pia ao lado de todo o cascalho que se limpou das feridas.
Deus, parecia um desastre.
A saia nova estava rota e destroçada. A prega do suéter se danificou ao cair contra o áspero pavimento. E parecia que as mãos e os joelhos pertencessem a uma menina selvagem e torpe.
E além de tudo isso, mostrou-se como uma completa estúpida em público.
Que demônios lhe estava acontecendo para ficar histérica dessa maneira?
O prefeito, pelo amor de Deus. E ela tinha fugido desse carro como se temesse que se tratasse de...
Do que? De alguma espécie de monstro?
«Vampiro.»
As mãos do Gabrielle ficaram imóveis.
Ouviu a palavra mentalmente, apesar de que se negou a pronunciá-la em voz alta. Essa era a palavra que tinha na soleira da consciência do momento em que foi testemunha desse assassinato. Era uma palavra que não queria reconhecer, nem sequer quando se encontrava sozinha no selêncio de seu apartamento vazio.
Os vampiros eram a obsessão da louca de sua mãe biológica, não a sua.
Essa adolescente anônima se encontrava em um estado completamente delirante quando a polícia a tirou das ruas, fazia tantos anos. Dizia que a tinham açoitado uns demônios que queriam beber seu sangue, que, de fato, tinham-no tentado, e essa tinha sido a explicação que tinha dado pelas estranhas feridas que tinha na garganta. Os documentos judiciais que lhe tinham dado estavam salpicados de loucas referencias a espectros sedentos de sangue que percorriam a cidade em completa liberdade.
Impossível.
Isso era uma loucura, e Gabrielle sabia.
Estava permitindo que sua imaginação e que o medo que tinha de converter-se em uma perturbada como sua mãe algum dia acabassem com ela. Mas ela era muito inteligente para permiti-lo. Era mais sã, pelo menos...
Deus, tinha que sê-lo.
Ter visto esse menino da delegacia de polícia esse mesmo dia —para somar-se a tudo pelo que tinha passado durante os últimos dias— lhe havia disparado seus medos. Apesar de tudo, agora que o pensava, nem sequer estava segura de que esse tipo a quem tinha visto no parque fora de verdade o administrativo que tinha visto na delegacia de polícia.
Mas e o que se o era? Possivelmente se encontrava no parque para tomar sua comida e para desfrutar do tempo igual ao estava fazendo ela. Isso não era nenhum crime. Possivelmente, a estava olhando era porque também lhe tinha parecido que lhe resultava familiar. Possivelmente ele se aproximou para saudá-la se ela não tivesse carregado contra ele como uma psicopata paranoica, lhe acusando de estar espiando-a.
OH, e não seria perfeito que ele fosse a delegacia de polícia e contasse a todos que lhe tinha açoitado por várias quadras no Chinatown?
Se Lucan se inteirava disso, ela ia morrer da humilhação.
Gabrielle terminou de limpar as feridas das palmas das mãos e tentou apartar tudo o que tinha ocorrido esse dia de sua cabeça. Ainda tinha a ansiedade no ponto máximo e o coração lhe pulsava com força. Limpou-se os golpes do rosto e observou um magro rastro de sangue que lhe descia pelo pulso.
Ver seu sangue sempre a tranqüilizava, por alguma estranha razão. Sempre tinha sido assim.
Quando era mais jovem e as emoções e as pressões internas eram tão fortes que já não sabia o que fazer com elas, quão único tinha que fazer para se acalmar era fazer um pequeno corte.
O primeiro tinha sido por acidente. Gabrielle se encontrava cortando uma maçã em um de seus lares de acolhida quando a faca resvalou e lhe fez um corte na base do dedo polegar. Doeu-lhe um pouco, mas Gabrielle não sentiu nem medo nem pânico ao observar como o sangue saía e desenhava um reluzente redemoinho escarlate.
Havia-se sentido fascinada.
Havia sentido uma incrível espécie de... paz.
Ao cabo de uns quantos meses desse surpreendente descobrimento, Gabrielle voltou a cortar-se. Fê-lo de forma deliberada e em segredo, sem intenção de fazer-se mal de verdade. À medida que o tempo transcorreu, fê-lo mais freqüentemente, sempre que precisava sentir essa profunda sensação de calma.
E agora o necessitava porque estava ansiosa e nervosa como um gato atento a qualquer pequeno ruído que ouvisse no apartamento ou fora dele. Doía-lhe a cabeça. Tinha a respiração agitada e apertava as mandíbulas.
Seus pensamentos saltavam do brilho do flash ante a cena da noite fora da discoteca ao inquietante psiquiátrico onde tinha estado fazendo fotos a manhã anterior e ao medo irracional, profundo e perturbador que havia sentido essa tarde.
Necessitava um pouco de paz depois de tudo isso.
Só embora fossem uns quantos minutos de calma.
Gabrielle dirigiu o olhar para o contêiner de facas de madeira que se encontrava, ali perto, sobre o mármore. Alargou a mão e tomou um deles. Fazia anos que não o fazia. esforçou-se tanto em controlar essa compulsão estranha e vergonhoza.
Mas a tinha feito desaparecer de verdade?
Os psicólogos que a administração lhe tinha posto e os trabalhadores sociais, ao final, convenceram-se de que assim era. Também os Maxwell.
Agora, enquanto se aproximava a faca à pele do braço e sentia como uma escura emoção despertava dentro dela, Gabrielle o duvidou. Aperto a ponta da folha contra a pele do antebraço, embora ainda sem a força suficiente para cortar-se.
Esse era seu demônio privado, e era uma coisa que nunca havia comprartilhado abertamente com ninguém, nem sequer com o Jamie, seu amigo mais querido.
Ninguém o compreenderia.
Quase nem ela mesma o compreendia.
Gabrielle jogou a cabeça para trás e respirou profundamente. Enquanto voltava a baixar a cabeça e exalava lentamente, viu seu próprio reflexo no cristal da janela de cima da pia. O rosto que lhe devolveu o olhar tinha uma expressão esgotada e triste, seus olhos estavam apagados e angustiados.
—Quem é? —sussurrou a essa imagem fantasmal que via no cristal. Teve que reprimir um soluço.
— O que é que vai mal contigo?
Abatida consigo mesma, atirou a faca na pia e se apartou dali enquanto o som do aço ressonava na cozinha.
O constante som dos sinais de multiplicação de um helicóptero atravessava o céu da noite no velho psiquiátrico. Da camuflagem de uma nuvem, um Colibri EC120 negro descendeu e se posou com suavidade em uma zona plaina do telhado.
—Desliga o motor —ordenou o líder dos renegados a seu subordinado piloto quando o aparelho se posou no improvisado heliporto.
— Espere-me aqui até que volte.
Saltou fora da cabine e recebeu a imediata saudação de seu tenente, um indivíduo bastante desagradável a quem tinha recrutado na Costa Oeste.
—Tudo está em ordem, senhor.
As espessas sobrancelhas marrons do renegado se afundaram em cima de seus ferozes olhos amarelos. Na enorme cabeça calva ainda se viam as cicatrizes das queimaduras de eletricidade que lhe tinham infligido os da raça durante um interrogatório pelo que tinha passado fazia meio ano. Mas, entre o resto dos repugnantes rasgos de seu rosto, essas numerosas marcas de queimaduras eram somente um detalhe. O renegado sorriu, deixando ver umas enormes presas.
—Seus presentes foram muito bem recebidos esta noite, senhor. Todo o mundo espera com ânsia sua chegada.
O líder dos renegados, com os olhos escondidos detrás de uns óculos de sol, assentiu com a cabeça brevemente e, com passo depravado, deixou-se conduzir até o piso de acima do edifício e logo até um elevador que lhe levaria ao coração das instalações. Afundaram-se por debaixo do nível do piso do chão, saíram do elevador e se internaram por uma rede de túneis que rodeavam uma parte da fortaleza da guarida dos renegados.
Quanto ao líder, este tinha estado instalado em seu quartel privado em algum ponto de Boston durante o último mês, fiscalizando em privado algumas operações, determinando obstáculos e estabelecendo as principais vantagens que tinham no novo território que queriam controlar. Esta era sua primeira aparição em público: era todo um evento, e essa era exatamente sua intenção.
Não era algo freqüente que ele se aventurasse a sair em meio da porqueira da população geral; os vampiros que se convertiam em renegados eram uma gente arruda, indiscriminada, e ele tinha aprendido apreciar coisas melhores durante seus muitos anos de existência. Tinha que lhes recordar a essas bestas quem era e a quem serviam e por isso lhes tinha devotado uma amostra do bota de cano longo que lhes esperava ao final de sua última missão. Não todos eles sobreviveriam, é obvio. As vítimas acostumavam a acumular-se em meio de uma guerra.
E uma guerra era o que ia vender aí essa noite.
Já não haveria mais conflitos insignificantes no terreno. Não haveria mais luta internas entre os renegados, nem mais atos absurdos de vingança individual. Foram unir-se e passar a página de uma forma que ainda ninguém tinha imaginado nessa antiga batalha que tinha dividido para sempre a nação dos vampiros em dois. A raça tinha mandado durante muito tempo e tinha chegado a um acordo não falado com os humano inferiores ao tempo que ansiavam eliminar a seus irmãos os renegados.
As duas facções da estirpe dos vampiros não eram tão diferentes uma da outra, somente lhes separava uma questão de grau. Quão único diferenciava a um vampiro da raça que saciava sua fome de vida e a um vampiro constantemente sedento de sangue e viciado era uma questão de litros. As linhas sangüíneas da estirpe se apagaram com o tempo da época dos antigos e os novos vampiros se convertiam em adultos e se apareavam com as companheiras de raça humanas.
Mas não havia forma de que a contaminação de gens humanos destruisse por completo os gens dos vampiros, mais fortes. A sede de sangue era um espectro que perseguiria a raça para sempre.
Do ponto de vista do líder dessa guerra que se aproximava, a gente tanto podia lutar contra o impulso inato próprio de sua estirpe ou utiliza-lo para benefício próprio.
Nesse momento, ele e seu tenente tinham chegado ao final do corredor e a vibração de uma música estridente reverberava nas paredes e no chão, sob seus pés. Estava-se levando a cabo uma festa detrás de uma dupla porta de aço amassada e maltratada. Ante ela, um vampiro Renegado que se encontrava de guarda se fincou de joelhos pesadamente assim que suas rasgadas pupilas registraram quem estava esperando diante dele.
—Senhor. —O tom de sua áspera voz foi reverente e mostrou deferencia ao não levantar a vista para encontrar-se com os olhos que se ocultavam detrás desses óculos escuros.
— Meu senhor, sua presença nos honra.
De fato, sim lhes honrava. O líder fez um rápido movimento afirmativo com a cabeça assim que o vigilante ficou em pé de novo. Com uma mão imunda, que estava de guarda empurrou as portas para permitir a entrada a seu superior a estridente reunião que se levava a cabo ao outro lado das mesmas. O líder se despediu de seu acompanhante e ficou livre para observar em privado o lugar.
Tratava-se de uma orgia de sangue, sexo e música. Em todos os rincões onde olhasse via machos renegados que manuseavam, perseguiam e se alimentavam de um variado sortido de seres humanos, tanto homens como mulheres. Sentiam pouca dor, tanto se encontravam nesse evento de forma voluntária como se não. A maioria tinham sofrido, pelo menos, uma dentada, e lhes tinham extraído tanto sangue que se sentiam como em uma nuvem de sensualidade e ligeireza. Alguns deles fazia muito momento que se foram, e seus corpos se encontravam inertes como os de uns bonitos bonecos de roupa em cima do regaço de seus depredadores
Olhos selvagens, que não cessavam de alimentar-se até que não ficava nada mais que devorar.
Mas isso era o que alguém devia esperar se lançava uns tenros cordeiros a um poço cheio de bestas vorazes.
Enquanto se dirigia para a parte mais matizada dessa reunião, começaram-lhe a suar as mãos. O pênis lhe endureceu baixo a cuidada queda da calça confeccionada a medida. As gengivas começaram a lhe doer e a lhe pulsar, e teve que morder a língua para evitar que as presas lhe alargassem de fome, ao igual que tinha feito seu sexo, em resposta a chuva de estímulos eróticos e sensoriais que lhe golpeiavan desde todos os ângulos.
A mescla do aroma de sexo e sangue derramada lhe chamava como o canto de uma sereia. Esse era um canto que ele conhecia bem, embora isso tinha sido em seu passado, agora muito distante. OH, ainda desfrutava com um bom sexo e com uma suculenta veia aberta, mas essas necessidades já não lhe governavam. Tinha tido que percorrer um caminho muito difícil do ponto em que se encontrava antigamente, mas, ao final, tinha vencido.
Agora era senhor de si mesmo e logo o seria de muito, muito mais.
Uma nova guerra ia começar e ele estava preparado para oferecer a última batalha. Estava educando a seu exército, aperfeiçoando seus métodos, recrutando aliados que mais tarde seriam sacrificados sem duvidá-lo nem um momento no altar de seu capricho pessoal. Ia infligir uma sangrenta vingança a nação dos vampiros e ao mundo de quão humanos somente existia para servir aos seus.
Quando a grande batalha tivesse terminado e as cinzas e o pó houvessem sido finalmente varridos, não haveria ninguém que pudesse interpor em seu caminho.
Ele seria um maldito rei. Esse era seu direito de nascimento.
—Mmmm... né, bonito... vêem aqui e joga comigo.
Esse convite realizado em voz rouca lhe alcançou por cima do barulho da sala. De um montículo de corpos retorcidos, nus e úmidos tinha aparecido a mão de uma mulher que lhe sujeitou pela coxa no momento em que ele passava por seu lado. Ele se deteve, baixou o olhar até ela com uma clara expressão de impaciência. Percebeu uma beleza oculta sob a escura e destroçado maquiagem, mas ela tinha a mente completamente perdida nesse profundo delírio da orgia.
Um par de rastro de sangue lhe desciam pelo bonito pescoço e chegavam até as pontas de seus peitos perfeitamente formados. Tinha outras mordidas em outros pontos do corpo: no ombro, no ventre, e na parte interior de uma das coxas, justo debaixo da estreita banda de pêlo que lhe ocultava o sexo.
—Te una lhe suplicou ela, levantando-se de entre a selva enredada de braços e pernas dos vampiros renegados em zelo. A essa mulher quase tinham extraído todo o sangue, somente ficavam uns litros antes de morrer. Tinha os olhos frágeis, perdidos. Seus movimentos eram lânguidos, como se seus ossos se tornaram de borracha.
— Tenho o que desejas. Sangrarei para ti, também. Vêem, me prove.
Ele não disse nada; simplesmente apartou os pálidos dedos manchados de sangue que atiravam da fina malha de suas caras calças de seda.
Verdadeiramente, não estava de humor.
E, ao igual que todo líder com êxito, nunca tocava sua própria mercadoria.
Pôs-lhe a mão plaina em cima do peito e a empurrou. Ela chiou: um dos renegados a tinha apanhado sem contemplação e, com rudeza, deu-lhe a volta em cima de seu braço, colocou-a debaixo dele e a penetrou por detrás. Ela gemeu assim que ele a atravessou, mas ficou em silencio ao cabo de um instante enquanto o vampiro sedento de sangue lhe cravava as enormes presas no pescoço e lhe chupava a última gota de vida de seu corpo consumido.
—Desfrutem destes restos —disse o que ia ser rei com uma voz profunda que se elevava em tom magnânimo por cima dos rugidos animais e o estrondo ensurdecedor da música.
— A noite se está levantando e logo conhecerão as recompensas que tenho a lhes oferecer.
Capítulo onze
Lucan bateu na porta do apartamento de Gabrielle outra vez.
Ainda, nenhuma resposta.
Fazia cinco minutos que se encontrava em pé na entrada, na escuridaão, esperando a que ou ela abrisse a porta e convidasse a entrar, ou lhe amaldiçoar e lhe chamasse bastardo do outro lado dos numerosos ferrolhos de segurança e lhe dissesse que se perdesse.
Depois do comportamento pornográfico que tinha tido com ela a noite anterior, não estava seguro de qual era a reação que se merecia encontrar. Provavelmente, uma irada despedida.
Golpeou a porta com os nódulos outra vez com tanta força que era provável que os vizinhos lhe tivessem ouvido, mas não se ouviu nenhum movimento dentro do apartamento de Gabrielle. Somente silencio. Havia muita quietude ao outro lado da porta.
Mas ela estava ali dentro. Notava-a ao outro lado das capas de madeira e tijolo que lhes separavam. E cheirava a sangue, também. Não muito sangue, mas certa quantidade em algum ponto próximo a porta.
Filho da puta.
Ela estava dentro, e estava ferida.
—Gabrielle!
A preocupação lhe corria pelas veias como se fosse um ácido. Tentou se tranquiliza o suficiente para poder concentrar seus poderes mentais no ferrolho de correia e nas duas fechaduras que estavam colocadas ao outro lado da porta. Com um esforço, abriu um ferrolho e logo o outro. A correia se soltou e caiu contra o gonzo da porta com um som metálico.
Lucan abriu a porta com um empurrão e suas botas soaram com força sobre o chão de ladrilhos do vestíbulo. A bolsa das câmeras de Gabrielle se encontrava justo em seu caminho, provavelmente onde ela a tinha deixado cair com a pressa. O doce aroma ajazminado de seu sangue lhe encheu as fossas nasais justo um instante antes de que sua vista tropeçasse com um caminho de pequenas manchas de cor carmesim.
O ambiente do apartamento tinha certo ar amargo de medo cujo aroma, que já tinha umas horas, apagou-se mas permanecia como uma neblina.
Atravessou a sala de estar com intenção de entrar na cozinha, para onde se dirigiam as gotas de sangue. Enquanto cruzava a sala, tropeçou com um montão de fotografias que havia na mesa do sofá.
Eram umas tomadas rápidas, uma estranha variedade de imagens. Reconheceu algumas delas, que formavam parte do trabalho que Gabrielle estava levando a cabo e que titulava Renovação urbana. Mas havia umas quão imagens que não tinha visto antes. Ou possivelmente não tinha emprestado a atenção suficiente para dar-se conta.
Agora sim que se deu conta.
Merda, vá que sim.
Um velho armazém perto do dique. Um velho moinho papeleiro abandonado justo aos subúrbios da cidade. Várias estruturas diferentes que proibiam a entrada onde nenhum humano —por não falar de uma mulher confiada como Gabrielle— devia aproximar-se de nenhuma forma.
Guaridas de renegados.
Algumas delas já tinham sido erradicadas, estavam-no graças a Lucan e a seus guerreiros, mas umas quantas mais ainda eram células ativas. Viu umas quantas que se encontravam nesses momentos vigiadas pelo Gideon. Enquanto passava rapidamente as fotos, perguntou-se quantas localizações de guaridas de renegados teria Gabrielle fotografadas e o que ainda não se encontravam no radar da raça.
—Merda —sussurrou, tenso, olhando um par de imagens mais.
Inclusive tinha algumas fotos exteriores de uns Refúgios Escuros da cidade, umas entradas escuras e umas sinalizações dissimuladas cuja função era evitar que esses santuários dos vampiros fossem facilmente localizados tanto pelos curiosos seres humanos como por seus inimigos os renegados.
E Apesar de tudo, Gabrielle tinha encontrado esses lugares. Como?
É obvio, não podia ter sido por acaso. O extraordinário sentido visual de Gabrielle devia havê-la conduzido até esses lugar de gado. Ela já tinha demonstrado que era completamente imune aos truques habituais dos vampiros: ilusões hipnóticas, controle mental... E agora isto.
Lucan soltou uma maldição e se meteu umas quantas fotografias no bolso da jaqueta de couro. Deixou o resto das imagens em cima da mesa.
—Gabrielle?
Dirigiu-se até a cozinha, onde algo ainda mais inquietante lhe estava esperando.
O aroma de Gabrielle era mais forte ali, e lhe conduziu até a pia. Ficou imovel diante dele e sentiu uma sensação gelada no teto assim que fixou o olhar no mesmo.
Parecia que alguém tivesse tentado limpar uma cena do crime, e que o tivesse feito muito mal. Na pia havia um montão de toalhas de papel empapadas de água e manchadas de sangue, ao lado de uma faca que tinham tirado do estojo de madeira que se encontrava no mármore da cozinha.
Tomou a afiada faca e o inspecionou rapidamente. Não tinha sido utilizada, mas todo o sangue que havia na pia e que tinha caído ao chão do vestíbulo até a cozinha pertencia unicamente a Gabrielle.
E a parte de roupa que se encontrava atirado no chão ao lado de seus pés também tinha seu aroma.
Deus, se alguém lhe tinha posto a mão em cima...
Se lhe tivesse acontecido algo...
—Gabrielle!
Lucan seguiu seus instintos, que lhe levaram até o porão do apartamento. Não se incomodou em acender as luzes: sua visão era mais aguda na escuridão. Baixou as escadas e gritou seu nome em meio desse silencio .
Em um rincão, ao outro extremo do porão, o aroma de Gabrielle se fazia mais forte. Lucan se encontrou em pé diante de outra porta fechada, uma porta rodeada de uns vedadores para que não penetrasse a luz exterior. Tentou abri-la pelo pomo, mas estava fechada e sacudiu a porta com força.
—Gabrielle. Ouve-me? Menina, abre a porta.
Não esperou a receber resposta. Não tinha a paciência para isso, nem a concentração mental para abrir o ferrolho que fechava a porta do outro lado. Soltou um grunhido de fúria, golpeou a porta com o ombro e entrou.
Imediatamente, seus olhos, na escuridão dessa sala, deram com ela. Seu corpo se encontrava enroscado no chão da desordenada habitação escura e estava nua exceto por um sutiens e umas calcinhas de traje de banho. Ela despertou imediatamente com o repentino estrondo da porta.
Levantou a cabeça rapidamente. Tinha as pálpebras pesadas e inchadas por ter chorado fazia pouco. Tinha estado ali soluçando, e Lucan houvesse dito que o tinha feito durante bastante momento. Seu corpo parecía exalar quebras de onda de cansaço: a via tão pequena, tão vulnerável.
—OH, não, Gabrielle —sussurrou ele, deixando cair no chão ao lado dela.
— Que demônios está fazendo aqui dentro? Alguém te tem feito mal?
Ela negou com a cabeça, mas não respondeu imediatamente. Com um gesto hesitante, levou-se as mãos até o rosto e se apartou o cabelo do rosto, tentando lhe ver em meio dessa escuridão.
—Só... cansada. Necessitava silêncio... paz.
—E por isso te encerraste aqui embaixo? —Ele deixou escapar um forte suspiro de alívio, mas no corpo dela viu umas feridas que tinham deixado de sangrar fazia muito pouco tempo.
— De verdade que está bem?
Ela assentiu com a cabeça e se aproximou para ele na escuridão.
Lucan franziu o cenho e alargou a mão até ela. Acariciou-lhe a cabeça e ela pareceu entender esse contato como um convite. Colocou-se entre seus braços como uma menina que necessitasse consolo e calor. Não era bom o natural que lhe pareceu abraçá-la, quão forte sentiu a necessidade de tranqüilizá-la para que se sentisse segura com ele. Para que sentisse que ele a protegeria como se fosse dele.
Dele.
«Impossível», disse a si mesmo. Mais que impossível: era ridículo.
Baixou a vista e em silêncio observou a suavidade e o calor do corpo dessa mulher que se enredava com o seu em sua deliciosa e quase completa nudez. Ela não tinha nem idéia do perigoso mundo no qual se colocou, e muito menos de que era um mortífero macho vampiro quem a estava abraçando nesses momentos.
Ele era o último que podia oferecer amparo contra o perigo a uma companheira de raça. No caso de Gabrielle, somente notar a mais ligeira fragrância dela elevava sua sede de sangue até a zona de perigo. Acariciou-lhe o pescoço e o ombro e tentou ignorar o constante ritmo do pulso de suas veias sob as pontas dos dedos. Tinha que lutar de maneira infernal para não fazer caso da lembrança da última vez que tinha estado com ela, tanto que precisava tê-la outra vez.
—Mmmm, seu tato é muito agradável —murmurou ela, sonolenta, contra seu peito. Sua voz foi como um ronrono escuro e dormitado que lhe provocou uma descarga de calor na coluna vertebral é outro sonho?
Lucan gemeu, incapaz de responder. Não era um sonho, e ele, pessoalmente, não se sentia bem absolutamente. A maneira em que ela se enredava entre seus braços, com uma tenra confiança e inocência, o fazia sentir dentro dele a besta, antiga e gasta.
Procurando uma distração, encontrou-a muito logo. Jogou um vista para cima, por cima das cabeças de ambos, e todos os músculos de seu corpo se endureceram por causa de outro tipo de tensão.
Fixou os olhos em umas fotografias que Gabrielle tinha pendurado para que secassem na habitação escura. Pendurando, sobre outras imagens sem importância, havia umas imagens de umas quantas localizações mais de vampiros.
Por Deus, inclusive tinha fotografado o complexo de edifícios dos guerreiros. Essa foto de dia tinha sido tomada da estrada, ao outro lado da cerca. Não havia maneira de confundir a enorme porta de ferro cheia de inscrições que fechava o comprido caminho e a mansão de alta segurança que se encontrava ao final do mesmo, oculta perfeitamente dos olhos curiosos.
Gabrielle deveu haver ficado justo ao subúrbios da propriedade para ter tomado essa fotografia. Pela folhagem de verão das árvores que rodeavam a cena, a imagem não podia ter mais de três semanas. Ela tinha estado ali, somente A umas centenas de metros de onde ele vivia.
Ele nunca tinha tido tendência a acreditar na idéia do destino, mas parecia bastante claro que, de uma ou outra forma, essa mulher estava destinada a cruzar-se em seu caminho.
OH, sim. A cruzar-se como um gato negro.
Era muito próprio de sua sorte que, depois de séculos de esquivar balas cósmicas e confusões emocionais, retorcidas irmãs do destino e a realidade tivessem decidido lhe incluir em suas listas de merda ao mesmo tempo.
—Está bem —disse a Gabrielle, embora as coisas estavam tomando uma má direção rapidamente.
— Vou subir te à habitação para que se vista e logo falaremos. —antes de que a visão continuada de seu corpo envolto nessas finas capas de roupa interior acabassem com ele.
Lucan a tomou nos braços, tirou-a da habitação escura e a subiu pelas escadas até o piso principal. Agora que a sujeitava perto dele, seus agudos sentidos perceberam os detalhes das diversas feridas que tinha: uns grandes arranhões nas mãos e nos joelhos, prova de uma queda bastante má.
Ela tinha tentado escapar de algo —ou de alguém— presa do terror e caido. A Lucan lhe bulia o sangue de desejos de saber quem lhe tinha provocado esse dano, mas já haveria tempo para isso logo. A acomodação e o bem-estar de Gabrielle eram sua preocupação principal nesse momento.
Lucan atravessou com ela em braços a sala de estar e subiu as escadas até o piso de acima, onde se encontrava a habitação. Sua intenção era ajudá-la a colocar um pouco de roupa, mas quando passou por diante do banho que se encontrava ao lado do dormitório, pensou na água. Os dois precisavam falar, verdadeiramente, mas tendo em conta a situação provavelmente se relaxassem com maior facilidade depois de que ela houvesse tomado um banho quente.
Com Gabrielle lhe abraçando por cima dos ombros, Lucan entrou no banheiro. Um pequeno abajur de noite oferecia uma tênue iluminação de ambiente, o justo para que se sentisse a gosto. Levou a sua lânguida carga até a banheira e se sentou no bordo da mesma, com a Gabrielle no regaço.
Desabotoou o fechamento da parte da frente da pequena peça de cetim e despiu seus peitos ante seus olhos, repentinamente enfebrecidos. Doíam-lhe as mãos de desejo de tocá-la, assim que o fez, e acariciou as generosas curva com as pontas dos dedos enquanto passava o polegar pelos mamilos rosados.
Que Deus lhe ajudasse. O suave ronrono que ouviu na garganta dela endureceu o pênis até que lhe doeu.
Passou-lhe a mão pelo torso, até a parte de tecido que lhe cobria o sexo. Suas mãos eram muito grandes e torpes para o suave e fino cetim, mas de algum jeito conseguiu lhe tirar as calcinhas e acariciar a parte interna das largas pernas de Gabrielle.
Ante a visão dessa bela mulher, nua outra vez diante dele, o sangue lhe corria pelas veias como a lava.
Possivelmente deveria sentir-se culpado por encontrá-la tão incrivelmente desejavel incluso em seu atual estado de vulnerabilidade, mas ele não tinha mais tendência a aceitar a culpa da que tinha a fazer a cuidar. E já se demonstrou a si mesmo que tentar ter o mínimo controle ao lado dessa mulher em particular era uma batalha que nunca ia ganhar.
Ao lado da banheira havia uma garrafa de sabão líquido. Lucan jogou uma generosa quantidade sob o jorro de água que caía na banheira. Enquanto a espuma se formava, depositou a Gabrielle com cuidado na água quente. Ela gemeu, claramente de gosto, ao entrar na água espumosa. Suas pernas se relaxaram de forma evidente e apoiou os ombros na toalha que Lucan tinha colocado rapidamente para lhe oferecer uma almofada e para que não tivesse que apoiar as costas contra a frieza dos ladrilhos e a porcelana.
O pequeno lavabo estava alagado pelo vapor e pelo ligeiro aroma de jasmim de Gabrielle.
—Cômoda? —perguntou-lhe ele, enquanto se tirava a jaqueta e a tirava ao chão.
—Sim —murmurou ela.
Ele não pôde evitar lhe pôr as mãos em cima. Acariciou-lhe o ombro com suavidade e lhe disse:
—Te deslize para diante e te molhe o cabelo. Eu lhe lavarei isso.
Ela obedeceu, permitindo que lhe conduzisse a cabeça sob a água e logo para fora outra vez. As largas mechas se obscureceram e adquiriram um tom escuro e brilhante. Ela ficou em silencio durante um comprido momento. Logo, levantou lentamente as pálpebras e lhe sorriu como se acabasse de recuperar a consciência e se surpreendesse de lhe encontrar ali.
—Olá.
—Olá.
—Que horas são? —perguntou-lhe ela com um comprido e amplo bocejo.
Lucan se encolheu de ombros.
—As oito, mais ou menos, suponho.
Gabrielle se afundou na banheira e fechou os olhos com um gemido.
—Um mau dia?
—Não um dos melhores.
—Isso imaginei. Suas mãos e seus joelhos se vêem um pouco maltratadas.
—Lucan alargou uma mão e fechou a água. Tomou uma garrafa de xampu do lado e colocou um pouco nas mãos.
—Quer me contar o que te passou?
—Prefiro não fazê-lo. —Entre suas finas sobrancelhas se formou uma ruga.
— Esta tarde fiz uma coisa muito tola. Já se inteirará bastante logo, estou segura.
—Mas como? —perguntou Lucan, esfregando-as mãos com o xampu.
Enquanto lhe massageava a cabeça com a densa nata do xampu, Gabrielle abriu um olho e lhe dirigiu um olhar de receio.
—O menino de delegacia de polícia não lhe há dito nada a ninguém?
—Que menino?
—que se encarrega dos arquivos na delegacia de polícia. Alto, desajeitado, de um aspecto normal. Não sei como se chama, mas estou bastante segura de que se encontrava ali a noite em que fiz minha declaração sobre o assassinato. Hoje lhe vi no parque. Acreditei que me estava espiando, a verdade, e eu... —interrompeu-se e meneou a cabeça.
— Corri detrás dele como uma louca, lhe acusando de estar me espiando.
As mãos de Lucan ficaram imóveis sobre sua cabeça. Seu instinto de guerreiro se alertou completamente.
—Que fez o que?
—Já sei —disse ela, evidentemente interpretando mal sua reação. Apartou um montão de borbulhas com uma mão.
— Já te disse que tinha sido idiota. Bom, pois persegui o pobre menino até Chinatown.
Embora não o disse, Lucan sabia que o instinto inicial de Gabrielle tinha sido acertado sobre o desconhecido que a observava no parque. Dado que o incidente tinha acontecido a plena luz do dia, não podia tratar-se dos renegados —uma pequena sorte—, mas os humanos que lhes serviam podiam ser igual de perigosos. Os renegados utilizavam subordinados em todos os lugares do mundo, humanos escravizados por uma potente dentada infligida por um vampiro poderoso que lhes desprovia de consciência e livre-arbítrio, e lhes deixava em um estado de obediência completa quando despertavam.
Lucan não tinha nenhuma dúvida de que o homem que havia estado observando a Gabrielle o fazia como serviço ao renegado que o tinha ordenado.
—Essa pessoa te fez mal? Foi assim como te fez estas feridas?
—Não, não. Isso foi minha coisa. Pus-me nervosa por nada.
Depois de ter perdido a pista do menino no Chinatown, perdi-me. Acreditei que um carro vinha por mim, mas não era assim.
—Como sabe?
Lhe olhou com exasperação para si mesmo.
—Porque se tratava do prefeito, Lucan. Acreditei que seu carro, conduzido por sua chofer, estava-me perseguindo e comecei a correr. Para culminar um dia perfeitamente horroroso, caí-me de focinhos em meio de uma calçada repleta de gente e logo tive que ir coxeando até casa com os joelhos e as mãos cheias de sangue.
Lucan soltou uma maldição em voz baixa ao dar-se conta de até que ponto ela tinha estado perto do perigo. Pelo amor de Deus, ela mesma em pessoa tinha açoitado a um servente dos renegados. Essa idéia deixou gelado a Lucan, mais assustado do que queria admitir.
—Tem que me prometer que terá mais cuidado —lhe disse ele, dando-se conta de que a estava arreganhando, mas sem ânimo de incomodar-se a comportar-se com educação ao saber que esse mesmo dia a houvessem podido matar.
— Se voltar a acontecer algo assim, tem que me dizer isso imediatamente.
—Isso não vai acontecer outra vez, porque foi meu equívoco. E não ia chamar te, nem a ti nem a ninguém da delegacia de polícia, para isto. Não se divertiríam muito se eu chamasse para lhes dizer que um de seus administrativos me estava perseguindo sem nenhuma razão aparente?
Merda. A mentira que lhe tinha contado de que era um policial lhe estava resultando um maldito estorvo agora. Inclusive pior, isso a tivesse posto em perigo em caso de que ela tivesse chamado a delegacia de polícia perguntando pelo detetive Thorne, porque, ao fazê-lo, tivesse chamado a atenção de um subordinado infiltrado.
—Vou te dar o número de meu celular. Encontrará-me aí sempre. Quero que o utilize a qualquer hora, compreendido?
Ela assentiu com a cabeça enquanto ele voltava a abrir o grifo da água, lavava-se as mãos e lhe enxaguava o cabelo sedoso e ondulado.
Frustrado consigo mesmo, Lucan alcançou uma esponja que se encontrava em uma prateleira superior e a lançou à água.
—Agora, me deixe que lhe jogue uma olhada ao joelho.
Ela levantou a perna desde debaixo da capa de borbulhas. Lucan lhe sujeitou o pé com a palma da mão e lhe lavou com cuidado o feio rasgo. Era somente um arranhão, mas estava sangrando outra vez por causa de que a água quente tinha abrandado a ferida. Lucan apertou a mandíbula com força: os fragrantes fios de sangue escarlate tinham um delicado caminho por sua pele e se introduziam na antiga espuma do banho.
Terminou de lhe limpar os dois joelhos feridos e logo lhe fez um sinal para que lhe permitisse limpar as palmas das mãos. Não se atrevia a falar agora que o corpo nu de Gabrielle se combinava com o odor de seu sangue fresco. A sensação era como se acabassem de lhe dar um golpe no crânio com um martelo.
Concentrando-se em não desviar sua atenção, dedicou-se a lhe limpar as feridas das palmas das mãos, sabendo perfeitamente que seus profundos e escuros olhos seguiam cada um de seus movimentos e notando dolorosamente o pulso nas veias das mãos, rápido, sob a pressão das pontas de seus dedos.
Lhe desejava, também.
Lucan se dispôs a soltá-la e, justo quando começava a dobrar o braço para retirá-lo, viu algo que lhe inquietou. Seus olhos tropeçaram com uma série de marcas tênues que manchavam a impecável pele aveludada. Essas marcas eram cicatrizes, uns magros cortes na parte interior dos antebraços. E tinha mais nas coxas.
Cortes de folhas de barbear.
Como se tivesse suportado uma tortura infernal de forma repetida quando não era mais que uma menina.
—Deus Santo. —Levantou a cabeça para olhá-la, com expressão de fúria, aos olhos.
— Quem te fez isto?
—Não é o que crê.
Agora ele estava aceso de ira, e não pensava deixá-lo passar.
—Conta-me .
—Não é nada, de verdade. Esquece-o...
—Me dê um nome, porra, e te juro que matarei a esse filho da puta com minhas próprias mãos.
—Eu o fiz —lhe interrompeu repentinamente ela em voz baixa.
— Fui eu. Ninguém me fez isso, eu mesma me fiz isso.
—O que? —Enquanto lhe apertava o frágil pulso com uma mão, voltou a lhe dar a volta ao braço para poder observar a tênue rede de cicatrizes de cor púrpura que se entrelaçava em seu braço.
— Você te fez isto? Por que?
Ela se soltou de sua mão e introduziu os dois braços sob a água, como se queria ocultar os de seu olhar.
Lucan soltou um juramento em voz baixa e em um idioma que já não falava mais que muito raramente.
—Quantas vezes, Gabrielle?
—Não sei. —Ela se encolheu de ombros, evitando seu olhar.
— Não o fiz durante muito tempo. Superei-o.
—É por isso que há uma faca na pia, lá em baixo?
O olhar que lhe dirigiu expressava dor e uma atitude defensiva. Não gostava que ele se intrometesse, tanto como não lhe tivesse gostado dele, mas Lucan queria compreendê-lo. Não era capaz de imaginar o que podia havê-la levado a cravar uma faca na própria carne.
Uma e outra e outra vez.
Ela franziu o cenho com o olhar cravado na espuma que começava a dissolver-se a seu redor.
—Ouça, não podemos deixar o tema? De verdade que não quero falar de...
—Possivelmente deveria falar disso.
—OH, claro. —ela riu em um tom que delatava um fio de ironia—. Agora chega a parte em que me aconselha que vá ver um psiquiatra, detetive Thorne? Possivelmente que vá a algum lugar onde me possam deixar em um estado de estupor pelos medicamentos e onde um doutor possa me vigiar por meu próprio bem?
—Isso te aconteceu?
—As pessoas não me compreendem. Nunca o tem feito. Às vezes nem eu me compreendo.
—O que é o que não compreende? Que precisa machucar a si mesma?
—Não. Não é isso. Não é esse o motivo pelo que o fiz.
—Então, por que? Deus santo, Gabrielle, deve haver mais de cem cicatrizes...
—Não o fiz porque queria sentir dor. Não me resultava doloroso fazê-lo. —Inalou com força e soltou o ar devagar por entre os lábios. Demorou um segundo em falar, e quando o fez Lucan ficou olhando-a em um silêncio pasmado.
— Nunca tive a intensão de provocar dano a nada. Não estava tentando enterrar umas lembranças traumáticas nem intentava escapar de nenhum tipo de mau trato, apesar das opiniões de quem se define como peritos e que me foram atribuídos pela administração. Cortei-me porque... tranqüilizava-me. Sangrar me acalmava.
Quando sangrava, tudo aquilo que estava desconjurado e era estranho em mim, de repente me parecia... normal.
Ela manteve o olhar sem titubear, em uma expressão nova como de desafio, como se uma porta se abrisse em algum ponto dentro dela e acabasse de soltar uma pesada carga. De alguma forma imprecisa, Lucan se deu conta de que isso era o que ele tinha visto. Só que a ela todavia faltava uma peça de informação crucial, que faria que as coisas encaixassem em seu lugar para ela.
Ela não sabia que era uma companheira de raça.
Ela não podia saber que, um dia, um membro de sua estirpe tomaria em qualidade de eterna amada e lhe mostraria um mundo muito distinto ao que ela tivesse podido sonhar nunca. Ela abriria os olhos a um prazer que somente existia entre casais que tinham um vínculo de sangue.
Lucan se deu conta de que já odiava a esse macho desconhecido que teria a honra de amá-la.
—Não estou louca, se é isso o que está pensando.
Lucan negou com a cabeça devagar.
—Não estou pensando isso absolutamente.
—Desgosta-me que me tenham pena.
—A mim também —disse, percebendo a advertência que encerravam essas palavras.
_Você não necessita compaixão, Gabrielle. E eu não necessito-medicina nem doutores, tampouco.
Ela se tinha retraído no momento em que ele tinha descoberto as cicatrizes, mas agora Lucan se deu conta de que ela duvidava, de que uma dúbia confiança voltava a aparecer lentamente.
—Você não pertence a este mundo —disse ele, em um tom nada sentimental, a não ser constatando os fatos. Alargou a mão e tomou o queixo com a palma.
— Você é muito extraordinária para a vida que estiveste vivendo, Gabrielle. Acredito que o soubeste sempre. Um dia, tudo cobrará sentido para ti, prometo-lhe isso. Então o compreenderá, e encontrarás seu verdadeiro destino. Possivelmente eu possa te ajudar a encontrá-lo.
O tivesse querido acabar de ajudá-la a banhar-se, mas a atenção com que lhe olhava lhe obrigou a manter as mãos quietas. Ela, por toda resposta, sorriu, e a calidez de seu sorriso lhe provocou uma pontada de dor no peito. Apanhado no tenro olhar dela, sentiu que a garganta lhe fechava de uma forma estranha.
—O que acontece?
Ela negou com a cabeça brevemente.
—Estou surpreendida, só é isso. Não esperava que um policial duro como você falasse de forma tão romântica sobre a vida e o destino.
O recordar que ele se aproximou dela, e continuava fazendo-o, sob uma aparência falsa, permitiu-lhe recuperar parte do sentido comum. Voltou a afundar a esponja na água ensaboada e a deixou flutuar em meio da espuma.
—Possivelmente tudo isto são tolices.
—Não acredito.
—Não me tenha tão em conta —lhe disse ele, forçando um tom de despreocupação.
— Não me conhece, Gabrielle. Não de verdade.
—Eu gostaria de te conhecer. De verdade. —Ela se sentou dentro da banheira. As mornas pequenas ondas da água lhe lambiam o corpo nu igual a Lucan lhe tivesse gostado de fazê-lo com a língua. As pontas dos peitos ficavam justo por cima da superfície da água, os mamilos rosados duros como pétalas fechadas e rodeados por uma densa espuma branca.
— Me Diga, Lucan. De onde é?
—De nenhuma parte. —A resposta soou entre seus lábios como um grunhido, e era uma confissão que se aproximava mais a verdade do que gostava de admitir. Ao igual que ela, desgostava-lhe a compaixão assim que se sentiu aliviado de que lhe olhasse mais com curiosidade que com pena. Com o dedo, acariciou-lhe o nariz arrebitado e salpicado de sardas.
—Eu sou o inadaptado original. Nunca pertenci verdadeiramente a nenhum lugar.
—Isso não é certo.
Gabrielle lhe rodeou os ombros com os braços. Seus quentes olhos enormes lhe olharam com ternura e expressavam o mesmo cuidado que lhe havia devotado ao tira-la da habitação escura e trazê-la até o quente banho. Gabrielle lhe beijou e, ao notar a língua dela entre seus lábios, os sentidos de Lucan se alagaram do embriagador perfume de seu desejo e de seu doce e feminino afeto.
—Cuidaste-me tanto esta noite. Me deixe que te cuide agora, Lucan.
—Lhe beijou outra vez. O beijo foi tão profundo que a pequena e úmida língua lhe arrancou um grunhido de puro prazer masculino do mais fundo dele. Quando ela finalmente interrompeu o contato, respirava com agitação e seus olhos estavam acesos de desejo carnal.
—Leva muita roupa em cima. Tire-lhe isso quero que esteja aqui dentro, nu, comigo.
Lucan obedeceu e atirou as botas, as meias três-quartos, a calça e a camisa ao chão. Não levava nada mais e ficou em pé diante de Gabrielle completamente nu.
Completamente ereto e desejoso dela.
Lucan tomou cuidado de manter os olhos separados dos dela, porque agora as pupilas lhe tinham esgotado a causa do desejo, e era consciente da pressão e a pulsação de suas presas, que se haviam alargadas detrás dos lábios. Se não tivesse sido porque a luz que chegava do abajur de noite que se encontrava ao lado da pia era muito tênue, sem dúvida lhe teria visto em toda sua voraz gloria.
E isso tivesse estragado esse momento prometedor.
Lucan se concentrou e emitiu uma ordem mental que rompeu a pequena lâmpada dentro do biombo de plástico do abajur de noite. Gabrielle se sobressaltou ao ouvir o repentino estalo, mas ao notar-se rodeada pela escuridão, suspirou, feliz. Movia-se dentro da água e esse movimento de seu corpo ao deslizar-se dentro da água emitia uns sons deliciosos.
—Acende outra luz, se quiser.
—Encontrarei-te sem luz —lhe prometeu ele. Falar era um pequeno truque agora, quando a lascívia lhe dominava por completo.
—Então vêem —lhe pediu sua sereia da calidez do banho.
Ele se introduziu na banheira e se colocou diante dela, Às escuras. Somente desejava atrai-la até si, arrastá-la até seu regaço para afundar-se até o punho com uma larga investida. Mas pelo momento pensava deixar que fosse ela quem marcasse o ritmo.
A noite passada, ele tinha vindo faminto e tomou o que desejava. Esta noite ia ser ele quem oferecesse.
Apesar de que o ter que refrear-se o matasse.
Gabrielle se deslizou para ele entre as magras nuvens de espuma. Passou-lhe os pés por ambos os lados dos quadris e os juntou agradavelmente em seu traseiro. Inclinou-se para frente e seus dedos encontraram os musculos dele por debaixo da superfície da água. Acariciou e apertou seus fortes músculos, massageou-os e passou as mãos ao longo de suas coxas em uma carícia que era um tortura lenta e deliciosa.
—Tem que saber que não me comporto assim normalmente.
Ele emitiu um grunhido que pretendia mostrar interesse mas que soou forçado.
—Quer dizer que normalmente não está tão quente como para fazer que um homem se derreta a seus pés?
Ela soltou uma gargalhada.
—É isso o que te estou fazendo?
Ele lhe conduziu as mãos até a dureza de seu pênis.
—A você o que te parece?
—Acredito que é incrível. —Ele lhe soltou as mãos mas ela não as apartou. Acariciou-lhe o membro e os testículos e, com gesto preguiçoso, acariciou-lhe com os dedos a ponta torcida que se sobressaía por cima da superfície da água da banheira.
—Não te parece com ninguém que tenha conhecido nunca. E o que queria dizer era que habitualmente não sou tão... quero dizer, agressiva. Não tenho muitos encontros.
—Não traz para um montão de homens a sua cama?
Inclusive na escuridão, Lucan se deu conta de que ela se havia ruborizado .
—Não. Faz muito tempo.
Nesse momento, ele não desejava que ela levasse a nenhum outro macho, nem humano nem vampiro, a sua cama.
Não queria que ela transasse com ninguém nunca mais.
E, que Deus lhe ajudasse, mas ia perseguir e estripar ao bastardo servente de quão renegados tinha podido matá-la hoje.
Essa idéia lhe surgiu em um repentino ataque de posse. Lhe acariciava o sexo e a ponta lhe umedeceu. Seus dedos, seus lábios, sua língua, seu fôlego contra seu abdômen nu enquanto tomava até o fundo de sua cálida boca: tudo isso lhe estava conduzindo ao limite de uma extraordinária loucura. Não conseguia ter o bastante. Quando lhe soltou, ele pronunciou um juramento de frustração por perder a doçura dessa sucção.
—Necessito-te dentro de mim —disse ela, com a respiração agitada.
—Sim —assentiu ele—, claro que sim.
—Mas...
Vê-la duvidar lhe confundiu. Zangou a essa parte dele que se parecia mais a um renegado selvagem que a um amante considerado.
— O que acontece ? —Soou mais parecido a uma ordem do que tivesse querido.
—Não teríamos... ? A outra noite, as coisas nos foram das mãos antes de que lhe pudesse dizer isso mas não deveríamos, já sabe, utilizar algo esta vez? —O desconforto dela lhe cravou como o fio de uma faca. Ficou imovel, e ela se separou dele como se fosse sair da banheira.
— Tenho camisinhas na outra habitação.
Ele a sujeitou pela cintura com ambas as mãos antes de que ela tivesse tempo de levantar-se.
—Não posso te deixar grávida. —Por que lhe soava isso tão duro nesse momento? Era a pura verdade. Somente os casais que tinham um vínculo..., as companheiras de raça e os machos vampiros que intercambiavam o sangue de suas veias, podiam ter descendência com êxito.
— E quanto ao resto, não tem que preocupar-se por te proteger. Estou são, e nada do que nos façamos pode fazer mal a nenhum dos dois.
—OH, eu também. E espero que não ache que sou uma dissimulada por dize-lo..
Ele a atraiu para si e silenciou sua expressão de desconforto com um beijo. Quando seus lábios se separaram, disse-lhe:
—O que acredito, Gabrielle Maxwell, é que é uma mulher inteligente que respeita seu corpo e a si mesmo. Eu te respeito por ter o valor de tomar cuidado.
Ela sorriu com os lábios junto aos dele.
—Não quero tomar cuidado quando estou perto de ti. Volta-me louca. Faz-me desejar gritar.
Pô-lhe as mãos plainas sobre o peito e lhe empurrou até que ele caiu apoiado de costas contra a parede da banheira. Então ela se levantou por cima de seu pesado pênis e passou seu sexo úmido por toda sua longitude, deslizando-se para cima e para baixo.
—Mas, transar, não de tudo— lhe embainhando com seu calor.
—Quero te fazer gemer —lhe sussurrou ela ao ouvido.
Lucan grunhiu de pura agonia provocada por essa dança sensual. Apertou as mãos em punhos a ambos lado de seu corpo, por debaixo da água, para não agarrá-la e empalá-la com sua ereção que estava a ponto de explodir. Ela continuou com esse perverso jogo até que ele sentiu seu orgasmo contra seu pênis. Ele estava a ponto de derramar-se, e ela continuava lhe provocando sem piedade.
—Foda —exclamou ele com os dentes e as presas apertadas, jogando a cabeça para trás.
— Por Deus, Gabrielle, está-me matando.
—Isso é o que quero ouvir —lhe animou ela.
E então, Lucan sentiu que o suculento sexo dela rodeava centímetro a centímetro a cabeça de seu pênis.
Devagar.
Tão vertiginosamente devagar.
Sua semente se derramou e ele tremeu enquanto o quente líquido penetrava no corpo dela. Gemeu, e nunca tinha estado tão perto de perder-se como nesse momento. E a turgidez do sexo de Gabrielle o envolveu ainda mais. Sentiu que os pequenos músculos lhe apertavam enquanto se cravava mais em seu pênis.
Já quase não podia suportá-lo mais.
O aroma de Gabrielle lhe rodeava, mesclava-se com o vapor do banho e se sentia embargado pela mescla do perfume de seus corpos unidos. Os peitos dela flutuavam perto de seus lábios como uns frutos amadurecidos a ponto de ser tomados, mas ele não se atreveu a tocá-los nesse momento em que estava a ponto de perder o controle. Desejava sentir esses maravilhosos peitos na boca, mas as presas lhe pulsavam da necessidade de chupar sangue. Essa necessidade se via incrementada no momento do climax sexual.
Girou a cabeça e deixou escapar um uivo de angústia; sentia-se desgarrado em muitos impulsos tentadores, e o menor deles não era a tensão por gozar dentro de Gabrielle, de enchê-la com cada uma das gotas de sua paixão. Soltou um juramento em voz alta e então gritou de verdade, pronunciou um profundo juramento que se fez mais forte quando ela se cravou com major força em seu pênis ansiosa e obrigou a derramar-se antes de que seu próprio orgasmo seguisse ao dele.
Quando a cabeça lhe deixou de dar voltas e sentiu que suas pernas voltavam a ter a força necessária para lhe aguentar, Lucan rodeou a Gabrielle com os braços e começou a levantar-se com ela, evitando que Gabrielle se separasse de seu pênis que voltava a entrar em ereção.
—O que está fazendo?
—Você se divertiu já. Agora te levo a cama.
O agudo timbre do telefone celular arrancou de um sobressalto a Lucan de seu pesado sono. Encontrava-se na cama com Gabrielle, os dois estavam esgotados. Ela estava enroscada a seu lado, o corpo nu dela rodeava maravilhosamente suas pernas e seu torso.
—Merda, quanto tempo levava fora? Possivelmente tivessem acontecido umas quantas horas já, o qual era incrível, tendo em conta seu habitual estado de insônia.
O telefone voltou a soar e ele ficou em pé e se dirigiu ao lavabo, onde tinha deixado sua jaqueta. Tirou o telefone de um dos bolsos e respondeu.
—Sim.
—Né. Era Gideon, e sua voz tinha um tom estranho.
— Lucan, com quanta rapidez pode vir ao complexo?
Ele olhou por cima do ombro para o dormitório adjacente. Gabrielle estava sentada nesse momento, sonolenta. Seus quadris nus estavam envoltos nos lençóis e seu cabelo era uma confusão selvagem em sua cabeça. Ele nunca tinha visto nada tão terrivelmente tentador. Possivelmente fosse melhor que partisse logo, enquanto ainda tinha a oportunidade de afastar-se antes de que o sol se levantasse.
Apartou os olhos da excitante visão de Gabrielle e Lucan respondeu a pergunta com um grunhido.
—Não estou longe. O que acontece?
Fez-se um comprido silencio ao outro lado do telefone.
—Passou uma coisa, Lucan. É má. —Mais silêncio. Então, a tranqüilidade habitual do Gideon se quebrou:
— Ah, merda, não há forma boa de dizê-lo. Esta noite perdemos a um, Lucan. Um dos guerreiros está morto.
Capítulo doze
Os lamentos do luto das fêmeas chegaram até os ouvidos de Lucan assim que este saiu do elevador que lhe tinha conduzido até as próofundidades subterrâneas do complexo. Eram uns prantos de angústia que rompiam o coração. Os gemidos de uma das companheiras de raça expressavam uma dor crua e evidente. Era o único que se ouvia no silêncio que invadia o comprido corredor.
O contundente peso da perda lhe cravou no coração.
Ainda não sabia qual dos guerreiros da raça era o que havia falecido essa noite. Não tinha intenção de esforçar-se em adivinhá-lo. Caminhava a passo rápido, quase corria para as habitações da enfermaria de onde Gideon lhe tinha chamado fazia uns minutos. Girou pela esquina do corredor bem a tempo de encontrar-se com Savannah que conduzia a Danika, destroçada pela dor e soluçando, fora de uma das habitações.
Uma nova comoção lhe golpeou.
Assim era Conlan quem se partiu. O grandalhão escocês de risada fácil e com esse profundo e inquebrável sentido de honra... estava morto agora. Logo se teria convertido em cinzas.
Jesus, quase não podia compreender o alcance dessa dura verdade.
Lucan se deteve e saudou com uma respeitosa inclinação de cabeça a viúva quando esta passava por seu lado. Danika se apoiava pesadamente em Savannah. Os fortes braços de cor café desta última pareciam ser quão único impedia que a alta e loira companheira de raça do Conlan se derrubasse pela dor.
Savannah saudou Lucan, dado que a chorosa mulher a quem acompanhava era incapaz de fazê-lo.
—Estão-lhe esperando dentro —lhe disse em tom amável. Seus profundos olhos marrons estavam úmidos pelas lágrimas.
— Vão necessitar sua força e seu guia.
Lucan respondeu a mulher do Gideon com um sério assentimento de cabeça e logo deu os poucos passos que lhe faltavam para entrar na enfermaria.
Entrou em silêncio, pois não queria perturbar a solenidade desse fugaz tempo de que dispunham, ele e seus irmãos, para estar com o Conlan. O guerreiro tinha suportado de uma forma surpreendente várias feridas; incluso do outro extremo da habitação Lucan percebia o aroma de uma terrível perda de sangue. As fossas nasais lhe encheram com a nauseabunda mescla do aroma da pólvora, a eletricidade, e a carne queimada.
Tinha havido uma explosão, e Conlan ficou apanhado em meio dela.
Os restos do Conlan se encontravam em uma maca de exame aberta de retalhos de tecido. Seu corpo estava nu exceto pela larga parte de seda bordada que cobria sua entreperna. Durante o pouco tempo desde que tinha voltado para o complexo, a pele do Conlan tinha sido limpa e lubrificada com um fragrante azeite, em preparação dos ritos funerários que foram ter lugar a próxima saída do sol, para a qual faltavam poucas horas.
Outros se reuniram ao redor da maca onde se encontrava Conlan: Dante, rígido e observando estoicamente a morte; Rio, com a cabeça encurvada, sujeitava entre os dedos um rosário enquanto movia os lábios pronunciando em silêncio as palavras da religião de sua mãe humana; Gideon, com um tecido na mão, limpava com cuidado uma das selvagens feridas que tinham esmigalhado quase por completo a pele do Conlan; Nikolai, que tinha estado patrulhando com o Conlan essa noite, tinha o rosto mais pálido do que Lucan tinha visto nunca: seus olhos frios tinham uma expressão austera e sua pele estava coberta de fuligem, cinzas e pequenas feridas que ainda sangravam.
Inclusive Tegan se encontrava ali para mostrar seu respeito, embora o vampiro se encontrava em pé justo fora do círculo que formavam outros e mantinha os olhos ocultos, fundo em sua solidão.
Lucan caminhou até a maca para ocupar seu lugar entre seus irmãos. Fechou os olhos e rezou pelo Conlan em um comprido silencio. Ao cabo de um momento, Nikolai rompeu o silêncio da habitação.
—Salvou-me a vida aí fora esta noite. Acabávamos de terminar com um par de idiotas fora da estação Green Line e nos dirigíamos de volta para aqui no momento em que vimos esse tipo subir ao trem. Não sei o que me incitou a lhe olhar, mas ele nos dirigiu um amplo e provocador sorriso que nos fez lhe seguir. Estava-se colocando um pouco parecido a pólvora ao redor do corpo. Fedia isso a alguma outra merda que não tive tempo de identificar.
—TATP —disse Lucan, que cheirava a acidez do explosivo nas roupas do Niko incluso nesse momento.
—Resultou que o bastardo levava um cinturão de explosivos ao redor de seu corpo. Saltou do trem justo antes de que nós começássemos a nos pôr em marcha e começou a correr ao longo de uma das velhas vias. Perseguimo-lhe e Conlan lhe abandonou. Então foi quando vimos as bombas. Estavam conectadas a um temporizador de sessenta segundos, e a conta já era menor de dez. Ouvi que Conlan me gritava que voltasse atrás, e então se atirou em cima do tipo.
—Merda —exclamou Dê, passando uma mão pelo cabelo escuro.
—Um servente tem feito isto? —perguntou Lucan, pensando que era uma hipótese acertada. Os renegados não tinham escrúpulos em utilizar vidas humanas para levar a cabo suas mesquinhas guerras internas ou para resolver assuntos de vinganças pessoais. Durante muito tempo, os fanáticos religiosos não tinham sido os únicos em utilizar aos fracos de mente como trocas e descartáveis, embora altamente efetivas, ferramentas de terror.
Mas isso não fazia que a horrível verdade do que lhe tinha acontecido a Conlan fosse mais fácil de aceitar.
—Não era um servente —respondeu Niko, negando com a cabeça.
—Era um renegado, e estava conectado a uma quantidade do TATP suficiente para voar meia quadra da cidade, a julgar pelo aspecto e o aroma que despedia.
Lucan não foi o único nessa habitação que pronunciou um selvagem juramento para ouvir essas preocupantes notícias.
—Assim, que já não estão satisfeitos sacrificando somente seus escravizados súditos? —comentou Rio—. Agora os renegados estão movendo peças mais importantes no tabuleiro?
—Continuam sendo peões —disse Gideon.
Lucan olhou ao inteligente vampiro e compreendeu a que se referia.
—As peças não trocaram. Mas as regras sim o têm feito. Este é um tipo de guerra nova, já não se trata do pequeno fogo cruzado com que nos enfrentamos no passado. Alguém de entre as filas dos renegados está gerando um grau novo de ordem nessa anarquia. Estamos sendo assediados.
Ele voltou a dirigir a atenção a Conlan, a primeira vítima do que começava a temer que ia ser uma nova era escura. Sentia, em seus velhos ossos, a violência de um tempo muito longínquo que voltava a aparecer para repetir-se. A guerra se estava gerando de novo, e se os Renegados se estavam movendo para organizar-se, para iniciar uma ofensiva, então a nação inteira dos vampiros se encontraria no fronte. E os humanos também.
—Podemos discutir isto mais longamente, mas não agora. Este momento é do Conlan. Vamos honrar lhe.
—Eu já me despedi —murmurou Tegan—. Conlan sabe que eu lhe respeitei em vida, igual a na morte. Nada vai trocar para nesse aspecto.
Uma densa ansiedade alagou a habitação, dado que todo mundo esperava a que Lucan reagisse ante a abrupta partida do Tegan. Mas Lucan não pensava lhe dar a satisfação ao vampiro de pensar que lhe tinha zangado, embora sim que o tinha feito. Esperou a que o som das botas do Tegan se apagasse ao fundo do corredor e dirigiu um assentimento de cabeça aos outros para que continuassem com o ritual.
Um por um, Lucan e cada um dos quatro guerreiros ficaram de joelhos no chão para oferecer seus respeitos. Recitaram uma única oração e logo se levantaram juntos para retirar-se e esperar a cerimônia final com a que deixariam descansar a seu companheiro defunto.
—Eu serei quem o leve —anunciou Lucan aos vampiros, quando estes partiam.
Lucan percebeu o intercâmbio de olhares que se deu entre eles e soube o que significavam. Aos Antigos da estirpe dos vampiros —e especialmente aos da primeira geração— nunca lhes pedia que translevassem o peso dos mortos. Essa obrigação recaía na última generação da raça, que estava mais afastada dos Antigos e que, por tanto, podiam suportar melhor os perigosos raios do sol quando começava a amanhecer durante o tempo necessário para oferecer o descanso adequado ao corpo de um vampiro.
Para um membro da primeira geração como Luzem, o rito funerario representava uma tortuosa exposição ao sol de oito minutos.
Lucan observou o corpo sem vida que se encontrava em cima da maca, sem poder apartar a vista do dano que lhe tinham causado.
Um dano que lhe tinham infligido em lugar dele, pensou Lucan, que se sentiu doente ao pensar que poderia ter sido ele quem patrulhasse com o Niko, e não Conlan. Se não tivesse enviado ao escocês em seu lugar no último minuto, Lucan se encontraria agora tendido nessa fria maca com as pernas, o rosto e o torso queimado pelo fogo e o ventre aberto pela metralhadora.
A necessidade que Lucan tinha de ver Gabrielle essa noite havia preponderado por cima de seu dever com a raça, e agora Conlan —seu triste companheiro— tinha pago o preço.
—Vou levar lhe acima —repetiu em tom severo. Olhou a Gideon com o cenho franzido e uma expressão funesta.
_ Me chame quando os preparativos estejam preparados.
O vampiro inclinou a cabeça em um gesto que mostrava um respeito a Lucan maior de que era devido nesse momento.
—É obvio. Não demoraremos muito.
Lucan passou as duas horas seguintes em suas habitações, sozinho, ajoelhado no centro do espaço, com a cabeça encurvada, rezando e reflexionando com um porte sombrio no rosto. Gideon se apresentou na porta e, com um assentimento de cabeça, indicou-lhe que tinha chegado o momento de tirar Conlan do complexo e de oferecê-lo aos mortos.
—Está grávida —disse Gideon com expressão sombria assim que Lucan se levantou.
— Danika está de três meses. Savannah acaba de me dizer. Conlan estava tentando reunir o valor suficiente para te dizer que ia abandonar a Ordem quando o menino tivesse nascido. Ele e Danika planejavam retirar-se a um dos Refúgios Escuros para formar sua família.
—Merda! —exclamou Lucan em um vaio. Sentiu-se ainda pior ao conhecer o futuro feliz que lhes tinha sido roubado a Conlan e a Danika, e ao pensar nesse filho que alguma vez conheceria o homem de valor e de honra que tinha sido seu pai.
— Está tudo preparado para o ritual?
Gideon assentiu com a cabeça.
—Então, vamos fazer- o.
Lucan caminhou encabeçando a cerimônia. Seus pés e sua cabeça estavam nus, igual ao estava seu corpo debaixo da larga túnica negra. Gideon também levava uma túnica, mas a levava com o cinturão das cerimônias da Ordem, igual a outros vampiros que lhes esperavam na câmara colocados a um lado, como faziam em todos os rituais da raça, desde matrimônios e nascimentos até funerais como este. As três fêmeas do complexo se encontravam presente também: Savannah e Eva vestiam as túnicas cerimoniosas com capuz, e Danika ia vestida da mesma forma mas levava a profunda cor vermelha escarlate que indicava o sagrado vínculo de sangue que lhe unia com o defunto.
À frente de todos eles, o corpo do Conlan estava convexo sobre um altar decorado e agasalhado em um grosso tecido de seda.
—Comecemos —anunciou Gideon, simplesmente.
Lucan sentiu um grande pesar no coração enquanto escutava o serviços e os símbolos de infinitude de todos os rituais.
Oito medidas de azeite perfumado para lubrificar a pele.
Oito capas de seda branca para envolver o corpo dos mortos.
Oito minutos de atenção silenciosa à alvorada por parte de um membro da raça, antes de que o guerreiro morto fosse exposto aos raios do sol para que estes lhe incinerassem. Deixado ali sozinho, seu corpo e sua alma se pulverizariam Aos quatro ventos em forma de cinzas e formaria parte dos elementos para sempre.
A voz do Gideon se apagou com suavidade e Danika deu um passo à frente.
Olhou aos congregados e, levantando a cabeça, falou em voz grave mas orgulhosa.
—Este macho era meu, e eu era dele. Seu sangue me sustentava. Sua força me protegia. Seu amor me enchia em todos os sentidos. Ele era meu amado, meu único amado, e ele permanecerá em meu coração durante toda a eternidade.
—Honra-lhe bem —lhe responderam ao uníssono em voz baixa Lucan e outros.
Então Danika se deu a volta para ficar de cara a Gideon, com as mãos estendidas e as palmas dirigidas para cima. O desencapou uma magra adaga de ouro e a depositou sobre suas mãos. Danika baixou a cabeça coberta com o capuz em um gesto de aceitação e logo se deu a volta para colocar-se diante do corpo envolto do Conlan. Murmurou umas palavras em voz baixa dirigidas somente a eles dois. Levou-se ambas as mãos até o rosto. Lucan sabia que agora a viúva da raça se realizava um corte no lábio inferior com o fio da adaga para que sangrasse e para dar um último beijo a Conlan por cima da mortalha.
Danika se inclinou sobre seu amante e ficou assim durante um comprido momento. Todo seu corpo tremia por causa da potência da dor que sentia. Logo se separou dele, soluçando, com a mão sobre a boca. O beijo escarlate brilhava ferozmente, à altura de seus lábios, em meio da brancura que cobria a Conlan. Savannah e Eva a receberam e a abraçaram, apartando-a do altar para que Lucan pudesse continuar com a tarefa que ainda ficava por realizar.
Aproximou-se de Gideon, à frente dos congregados, e se comprometeu a ver Conlan partir com toda a honra que lhe era devido, igual que fazia o resto de membros da raça que caminhavam pelo mesmo caminho que Lucan aguardava nesse momento.
Gideon se apartou a um lado para permitir que Lucan se aproximasse do corpo. Lucan tomou ao enorme guerreiro entre os braços e se voltou para encarar aos outros, tal e como se requeria.
—Honra-lhe bem —murmurou em voz baixa um coro de vozes.
Lucan avançou com solenidade e com lentidão pela câmara cerimoniosa até a escada que conduzia acima e ao exterior do recinto. Cada um dos lances da escada, cada um das centenas de degraus que subiu com o peso de seu irmão cansado, infligiu-lhe uma dor que ele aceitou sem nenhuma queixa.
Essa era a parte mais fácil da tarefa, depois de tudo.
Se tinha que desfalecer, faria-o ao cabo de uns quantos minutos, ao outro lado da porta exterior que se levantava diante dele a uns quantos passos.
Lucan abriu com um empurrão do ombro o painel de aço e inalou o ar fresco da manhã enquanto se dirigia até o lugar onde ia deixar o corpo de seu companheiro. Ficou de joelhos em cima da grama e baixou os braços lentamente para depositar o corpo do Conlan em terra firme diante dele. Sussurrou as orações do rito funerário, umas palavras que somente tinha ouvido umas quantas vezes durante os séculos que tinham acontecido mas que sabia de cor.
Enquanto as pronunciava, o céu começou a iluminar-se com a chegada do amanhecer.
Suportou essa luz com um silêncio reverente e concentrou todos seus pensamentos no Conlan e na honra que tinha sido característica de sua larga vida. O sol continuava levantando-se no horizonte, e ainda não tinha chegado na metade do ritual. Lucan baixou a cabeça e absorveu a dor ao igual que tivesse feito Conlan por qualquer membro da raça que tivesse lutado a seu lado. Um calor lacerante banhou a Lucan enquanto o amanhecer se levantava, cada vez com mais força.
Tinha os ouvidos cheios com as antigas palavras das velhas orações e, ao cabo de pouco tempo, também com o suave vaio e rangido de sua própria carne ao queimar-se.
Capítulo treze
«A polícia e os agentes do transporte ainda não estão seguros do que provocou a explosão da passada noite. De todas formas, depois da conversação mantida com um representante da ferrovia faz uns momentos, assegurou-nos que o incidente se produziu de forma isolada em uma das velhas vias mortas e que não teve feridos. Continuem escutando o canal cinco para conhecer mais notícias sobre esta historia...»
O poeirento e velho modelo de televisor que se encontrava montado sobre uma prateleira de parede se apagou repentinamente, silenciado abruptamente enquanto o forte rugido cheio de irritação do vampiro sacudia a sala. detrás dele, ao outro lado da sombria e destroçada habitação que uma vez fora a cafeteria, no porão do psiquiátrico, dois dos tenentes renegados permaneciam em pé, inquietos e grunhindo, enquanto esperavam suas seguintes ordens.
Esse par tinha pouca paciência; os renegados, por sua natureza aditiva, tinham uma débil capacidade de atenção dado que tinham abandonado o intelecto a favor de satisfazer os caprichos mais imediatos de sua sede de sangue. Eram meninos grandes e necessitavam castigos regulares e premios escassos para que continuassem sendo obedientes. E para que recordassem a quem se encontravam servindo nesse momento.
—Não teve feridos —se burlou um dos renegados.
—Possivelmente não humanos —acrescentou o outro—, mas a raça se levou um bom golpe. Ouvi dizer que não ficou grande coisa do morto para que o sol se encarregasse dele.
Mais risadas do primeiro dos idiotas, às que seguiu uma explosão de fôlego e sangue ao imitar a detonação de quão explosivos tinham sido colocados no túnel pelo renegado a quem tinham atribuído para essa tarefa.
—É uma pena que o outro guerreiro que estava com ele se pudesse marchar por seu próprio pé. —Os renegados ficaram em silencio no momemoro em que seu líder se deu a volta, finalmente, para encarar-se com eles.
— A próxima vez lhes porei a vocês dois nessa tarefa, dado que o fracasso lhes parece tão divertido.
Eles franziram o cenho e grunhiram, como bestas que eram, com uma expressão selvagem nas pupilas rasgadas e afundadas no mar amarelo e dourado de sua íris impávidas. Baixaram a vista quando ele começou a caminar em direção a eles com passos lentos e medidos. A ira que sentia estava só parcialmente aplacada pelo fato de que a raça, pelo menos, tinha sofrido uma perda importante.
Esse guerreiro que tinha caido por causa da bomba não tinha sido o alvo real da missão da passada noite; Apesar disso, a morte de qualquer membro da Ordem era uma boa notícia para sua causa. Já haveria tempo de eliminar ao que chamavam Lucan. Possivelmente o fizesse ele mesmo, rosto a rosto, vampiro contra vampiro, sem a vantagem das armas.
Sim, pensou, resultaria mais que um prazer acabar com esse em concreto.
Podia-se chamar justiça poética.
—Me mostrem o que me trouxestes —ordenou aos renegados que se encontravam frente a ele.
Ambos saíram ao mesmo tempo. Empurraram uma porta para entrar os vultos que tinham deixado no corredor de fora. Voltaram ao cabo de um instante arrastando atrás deles a uns quantos humanos entorpecidos e quase sem sangue. Esses homens e mulheres, seis em total, estavam atados pelos pulso e ligeiramente sujeitos pelos tornozelos, embora nenhum deles parecia o bastante forte para nem sequer pensar em tentar fugir.
Os olhos, em estado catatônico, lhes cravavam em um nada. Os lábios, inertes, incapazes de pronunciar nem de emitir nenhum som, estavam emtreabertos em meio de seus rostos pálidos. Em suas gargantas se viam os sinais das dentadas que seus captores lhes tinham feito para subjugá-los.
—Para você, senhor. Uns serventes novos para a causa.
Fizeram entrar os seis seres humanos como se fossem gado, dado que isso era o que eram: ferramentas de carne e osso cujo destino ia trabalhar, ou morrer, o que fosse mais útil segundo seu critério.
Ele jogou uma olhada a caça dessa noite sem mostrar grande interesse, calculando rapidamente o potencial que esses dois homens e quatro mulheres tinham para resultar de utilidade. Sentiu-se impaciente enquanto se aproximava a eles e observava que algumas de quão feridas tinham no pescoço ainda supuravam uns lentos fios de sangue fresco.
Estava faminto, decidiu enquanto cravava seu olhar calculador em uma pequena fêmea morena de lábios cheios e peitos cheios e amadurecidos que empurravam uma insípida bata verde de hospital que parecia um saco e que lhe sentava muito mal. A cabeça lhe caía para frente, como se pesasse muito para mantê-la erguida apesar de que era evidente que estava lutando contra o torpor que já tinha vencido aos outros. As mordidas que tinha eram incontáveis e se perdiam para o crânio, e apesar disso ela lutava contra a catatonia, piscando com expressão sonolenta em um esforço por manter-se consciente.
Tinha que reconhecer que seu valor era admirável.
—K. Delaney, R.N —disse para si, lendo a etiqueta de plástico que lhe pendurava por cima do redondo peito esquerdo.
Tomou o queixo dela entre o dedo polegar e o índice e lhe fez levantar a cabeça para lhe observar o rosto. Era bonita, jovem e sua pele, cheia de sardas, tinha um aroma doce. A boca lhe encheu de saliva, de glotonería, e os olhos lhe esgotaram, ocultos depois dos óculos escuros.
—Esta fica. Levem o resto abaixo, as jaulas.
Ao princípio, Lucan pensou que a dolorosa vibração que sentia formava parte da agonia pela que tinha passado durante as últimas horas. Sentia todo o corpo abrasado, esfolado, sem vida. Em algum momento a cabeça tinha deixado de martelar e agora lhe acossava com um comprido zumbido doloroso.
Encontrava-se em suas habitações privadas do complexo, em sua cama; isso sabia. Recordava haver-se arrastado até ali com suas últimas forças, depois de ter estado ao lado do corpo do Conlan os oito minutos que se requeriam.
Ficou-se inclusive um pouco mais de oito minutos, havia aguentado uns agudos minutos mais até que os raios do amanhecer houvesem aceso a mortalha do guerreiro morto e a tinham feito explodir em umas incríveis chama e luzes. Só então ficou ele ao coberto dos muros subterrâneos do recinto.
Esse tempo extra de exposição tinha significado sua desculpa pessoal a Conlan. A dor que estava suportando nesses momentos era para que não esquecesse nunca o que de verdade importava: seu dever para a raça e para a Ordem de honoráveis machos que tinham jurado igual a ele realizar esse serviço. Não cabia nada mais.
A outra noite tinha permitido saltar-se esse juramento, e agora um de seus melhores guerreiros se foi.
Outro agudo timbre explorou em algum lugar da habitação e tomou por surpresa, em algum lugar muito perto de onde se encontrava descansando. Esse som de algo que se rompia, que se rasgava, lhe cravou na cabeça.
Com uma maldição que quase resultou inaudível e que quase não pôde arrancar da dolorida garganta, Lucan abriu os olhos com dificuldade e observou a escuridão de seu dormitório privado. Viu que uma pequena luz piscava do interior do bolso de sua jaqueta de pele e nesse momento o telefone celular voltou a soar.
Cambaleando-se, sem o habitual controle e coordenação de atleta que tinha nas pernas, deixou-se cair na cama e se dirigiu com estupidez até o molesto aparelho. Somente teve que realizar três intentos para conseguir dar com a tecla para silenciar o timbre. Furioso pelo esforço que esses pequenos movimentos lhe estavam custando, Lucan levantou a tela iluminada ante seus olhos e se esforçou por ler o número da tela.
Era um número de Boston... O telefone celular de Gabrielle.
Fantástico.
Justo o que necessitava.
Enquanto subia o corpo do Conlan por essas centenas de degraus até o exterior, tinha decidido que, fora o que fosse o que estava fazendo com Gabrielle Maxwell, isso tinha que terminar. De todas formas, não estava de todo seguro do que era o que tinha estado fazendo com ela, aparte de aproveitar toda oportunidade que lhe pôs diante de pô-la de costas e debaixo dele.
Sim, tinha sido brilhante nessa tática.
Era no resto de seus objetivos que estava começando a falhar, sempre que Gabrielle entrava em cena.
Tinha-o planejado tudo mentalmente, tinha pensado como ia enfrentar a situação. Faria que Gideon fosse ao apartamento dela essa noite e que lhe contasse, de forma lógica e compreensível, tudo a respeito da raça e sobre o destino dela, de onde procedia verdadeiramente, dentro da nação dos vampiros. Gideon tinha muita experiencia no trato com mulheres e era um diplomático consumado. Ele se mostraria amável, e seguro que sabia dirigir as palavras melhor que Lucan. Ele conseguiria fazer que tudo cobrasse sentido para ela, inclusive a necessidade de que ela procurasse acolhida —e, depois, a um macho adequado— em um dos Refúgios Escuros.
Quanto a si mesmo, faria todo o necessário para que seu corpo sara-se. Depois de umas quantas horas mais de descanso e de um alimento que necessitava muitíssimo —assim que fosse capaz de ficar em pé o tempo suficiente para caçar— Voltaria mais forte e seria um guerreiro melhor.
Ia esquecer para sempre que tinha conhecido a Gabrielle Maxwell. Por seu bem, e pelo bem conjunto da raça.
Exceto...
Exceto a noite passada lhe havia dito que podia lhe localizar em seu número de celular em qualquer momento que lhe necessitasse. Havia-lhe próometido que sempre responderia sua chamada.
E se resultava que ela estava tentando contatar com ele porque os renegados, ou os mortos andantes de seus serventes, estavam rodeando a seu redor, pensou.
Escancarado no chão em posição supina, apertou o botão responder a chamada.
—Olá.
Jesus, tinha um tom de voz de merda, como se tivesse os pulmões feitos mingau e seu fôlego expulsasse cinzas. Tossiu e sentiu como se a cabeça lhe estalasse.
No outro lado da linha houve um silêncio de uns segundos e logo, a voz de Gabrielle, dúbia e ansiosa:
—Lucan? É você?
—Sim. —esforçou-se em emitir o som apesar da secura que tinha na garganta—. O que acontece? Está bem?
—Sim, estou bem. Espero que não te incomode que tenha chamado. Só... Bom, depois de que te partisse dessa maneira a noite passada , estive um pouco preocupada. Suponho que somente precisava saber que não te tinha ocorrido nada mau.
Ele não tinha energia suficiente para falar, assim que ficou convexo, fechou os olhos e, simplesmente, escutou o som de sua voz. Seu tom de voz, claro e sonoro, parecia-lhe um bálsamo. A preocupação que ela demostrava era como um elixir, como algo que ele nunca tinha provado antes: saber que alguém se preocupava com ele. Esse afeto lhe resultava pouco familiar e quente.
Tranqüilizava-lhe, apesar de sua raivosa necessidade de negá-lo.
—O que...? —disse com voz rouca, mas o tentou de novo — Que horas são?
—Ainda não é meio-dia. Queria te chamar assim que me levantei esta manhã, mas como normalmente trabalha durante o turno de noite, esperei tudo o que pude. Parece cansado. Despertei-te?
—Não.
Tentou rodar sobre um flanco do corpo. Sentia-se mais forte depois desses poucos minutos ao telefone falando com ela. Além disso, necessitava tirar o traseiro da cama e voltar para a rua essa mesma noite. O assassinato do Conlan tinha que ser vingado, e tinha intenção de ser ele quem fizesse justiça.
Quanto mais brutal fosse essa justiça, melhor.
—Bom —estava dizendo ela nesses momentos—, então tudo está bem?
—Sim, bem.
—Bem. Alivia-me sabê-lo, verdade. —Sua voz adquiriu um tom mais ligero e um tanto provocador.
— Te escapou de meu apartamento tão depressa a noite passada que acreditei que teria deixado marca no chão.
—Surgiu um imprevisto e tive que partir.
—Certo —disse ela depois de um silêncio que indicou que ele não tinha nenhuma intenção de entrar em detalhes—. Um assunto secreto de detetives?
—Pode-se dizer que sim.
Esforçou-se por ficar em pé e franziu o cenho, tanto pela dor que lhe atravessou todo o corpo como pelo fato de não poder contar a Gabrielle o porquê tinha tido que sair tão rapidamente de sua cama. A guerra que esperava a ele e ao resto dos seus era uma crua realidade que logo ela também teria em seu prato. De fato, seria essa mesma noite, assim que Gideon fosse visitá-la.
—Escuta, esta noite tenho uma aula de ioga com um amigo meu que termina por volta das nove. Se não estiver de serviço, por que não passa por aqui? Posso preparar algo para jantar. Toma-o como uma compensação pelos manicotti que não pôde comer o outro dia. Possivelmente esta vez consigamos jantar.
O divertido flerte de Gabrielle lhe arrancou um sorriso que lhe fez sentir dor em todos os músculos do rosto. A indireta a respeito da paixão que tinham compartilhado despertava algo em seu interior também, e a ereção que notou em meio de todas as demais sensações físicas de agonia não foi tão dolorosa como tivesse desejado.
—Não posso ir verte, Gabrielle. Tenho... que fazer umas coisas.
A principal de todas elas era meter-se algo de sangue no corpo e isso significava que tinha que manter-se afastado dela tanto como fosse possível. Não era boa coisa que lhe tentasse com a promessa de seu corpo; no estado em que se encontrava nesse momento, ele era um perigo para qualquer ser humano que fosse o suficientemente tolo como para aproximar-se dele.
—Não sabe o que dizem a respeito de trabalhar muito e não jogar nada? —perguntou-lhe, em um ronrono de convite.
—Sou uma espécie de ave noturna, assim se terminar logo de trabalhar e decide que quer um pouco de companhia...
—Sinto muito. Possivelmente em outro momento —lhe disse ele, sabendo perfeitamente que não haveria nenhum outro momento. Nesses instantes se encontrava em pé e começava a dar uns passos torpes e pouco fluídos em direção a porta. Gideon devia estar no laboratório, e o laboratório se encontrava ao final do corredor. Era infernal tentar fazer esse percurso em suas condições, mas Lucan estava completamente decidido fazê-lo.
—Vou mandar a alguém a ver-te esta noite. É um... meu sócio.
—Para que?
Tinha que expulsar o fôlego com dificuldade e pela boca, mas estava caminhando. Alargou a mão e apanhou a maçaneta da porta.
—As coisas se puseram muito perigosas —disse ele de forma precipitada e com esforço—. Depois do que te aconteceu ontem no centro da cidade...
—Deus, não podemos esquecê-lo? Estou segura de que exagerei.
—Não —a interrompeu ele—. Me sentirei melhor se souber que não está sozinha... que há alguém que te protege.
—Lucan, de verdade, não é necessário. Sou uma garota adulta. Estou bem.
Ele não fez caso de seus protestos.
—Chama-se Gideon. Te agradará. Os dois poderão... falar. Ele lhe ajudará, Gabrielle. Melhor do que o posso fazer eu.
—Me ajudar? O que quer dizer? Passou algo com respeito ao caso? E quem é esse Gideon? É um detetive, também?
—Ele lhe explicará isso tudo. —Lucan saiu ao corredor, onde uma tênue luz iluminava as polidos ladrilhos e os brilhantes acabados de cromo e cristal. Do outro lado de uma das portas de um apartamento privado se ouvia ressonar com força a música metal de Dante. Desde um dos muitos corredores que foram dar a esse corredor principal chegava certo aroma de azeite e a disparos de arma recentes, das instalações de treinamento.
Lucan se cambaleou sobre os pés, inseguro em meio dessa mescla de estímulos sensoriais.
—Estará a salvo, Gabrielle, juro-lhe isso. Agora tenho que te deixar.
—Lucan, espera um momento! Não desligue. O que é o que não me está dizendo?
—Vais estar bem, prometo-lhe isso. Adeus, Gabrielle.
Capítulo quatorze
A chamada que tinha feito a Lucan, e seu estranho comportamento ao outro extremo do telefone, tinham-na estado preocupando todo o dia. Todavia o estava enquanto saía com Megan da classe de ioga essa tarde.
—Parecia tão estranho ao telefone. Não sei se estava em um estado de extrema dor física ou se estava tentando encontrar a maneira de me dizer que não queria voltar para ver-me.
Megan suspirou e fez um gesto de negação com a mão.
—Provavelmente está tirando muitas conclusões. Se de verdade quer sabê-lo, por que não vai a delegacia de polícia e sacas a cabeça para ver-lhe?
—Acredito que não. Quero dizer, o que lhe diria?
—Diria-lhe: «Olá, bonito. Parecia tão desanimado esta tarde que pensei que iria bem que passasse te recolher, assim aqui estou». Possivelmente possa lhe levar um café e um pão-doce no caso de.
—Não sei...
—Gabby, você mesma há dito que esse menino sempre foi doce e cuidadoso quando esteve contigo. Pelo que me contaste a respeito da conversação que tivestes hoje por telefone, ele parece muito preocupado por ti. Tanto que vai mandar a um de seus colegas para que te vigie enquanto ele está de serviço e não pode estar ali em pessoa.
—Ele fez insistência no perigoso que se estava pondo acima... e o que acha que significa «acima» ? Não parece jargão de polícia, verdade? O que é, algum tipo de terminologia militar?
—Negou com a cabeça—. Não sei. Há muitas coisas de Lucan Thorne que não sei.
—Pois pregunta. Venha, Gabrielle. Pelo menos lhe dê ao menino o benefício da dúvida.
Gabrielle observou as calças de ioga negras e a jaqueta com cremalheira que levava. Logo se levou a mão ao cabelo para comprovar até que ponto lhe tinha desfeito a rabo-de-cavalo durante esses quarenta e cinco minutos de exercícios.
—Teria que ir primeiro a casa, me dar pelo menos uma ducha, trocar de roupa.
—Né! Quero dizer, de verdade, mas o que te passa? —Megan abriu muito os olhos, que lhe brilhavam, divertida.
— Tem medo de ir, verdade? OH, quer ir, mas já tem certamente um milhão de desculpas passando para explicar por que não pode fazê-lo. Admito-o, este menino você gosta de verdade.
Gabrielle não podia negá-lo, não teria podido inclusive embora o imediato sorriso que lhe desenhou no rosto não a tivesse delatado. Gabrielle lhe devolveu o olhar a sua amiga e se encolheu de ombros.
—Sim, é verdade. Eu gosto. Muito.
—Então, o que está esperando? A delegacia de polícia está a três quadras, e tem um aspecto fantástico, como sempre. Além disso, não é que ele não te tenha visto suar um pouco antes de agora. É possível que prefira ver-te assim.
Gabrielle riu com Megan, mas sentia retorcer o estômago. A verdade era que sim desejava ver Lucan, de fato não queria esperar nem um minuto mais, mas e se ele tinha estado tentando deixá-la enquanto falavam por telefone essa tarde? Que ridícula pareceria então, se entrava na delegacia de polícia sentindo-se como se fosse sua noiva. Sentiria-se como uma idiota.
Não mais do que se sentiria se recebia a notícia de segunda mão, pela boca de seu amigo Gideon, a quem ele teria enviado nessa compassiva missão.
—De acordo. Vou fazê - lo.
—Bom pra ti! —Megan se ajustou a bolsa do colchonete de ioga no ombro e sorriu ampliamente.
— Esta noite verei Ray em meu apartamemoro depois de que ele termine seu turno, mas me chame à primeira hora da manhã e me conte como foi. De acordo?
—De acordo. Uma saudação para o Ray
Enquanto Megan se afastava apressadamente para pegar o trem das nove e quinze, Gabrielle se dirigiu para a delegacia de polícia . Durante o caminho recordou o conselho de Megan e se deteve um momento para comprar um pão-doce e um café: puro e carregado, posto que não acreditava que Lucan fosse o tipo de homem que toma com leite, com açúcar nem descafeinado.
Com ambas as coisas nas mãos, chegou a porta da delegacia de polícia, respirou com força para reunir coragem, atravessou a porta de entrada e entrou com atitude desenvolvida.
As queimaduras piores tinham começado a curar-se ao cair da noite. A pele nova lhe cresceu, sã, por debaixo das bolhas da pele velha e as feridas começaram a fechar-se. Embora ainda tinha os olhos muito sensíveis inclusive a luz artificial, não sentia dor na fria escuridão da rua. O qual era bom, porque precisava estar por aí para saciar a sede de seu corpo convalescente.
Dante lhe olhou. Os dois saíam ao exterior do recinto e se preparavam para compartilhar essa noite de reconhecimento e de vingança contra os renegados.
—Não tem muito bom aspecto, cara. Se quiser, sairei a caçar para ti e te trarei algo jovem e forte. Necessita-o, isso está claro. E ninguém tem por que saber que não te procuraste o sustento você mesmo.
Lucan olhou de soslaio e com expressão séria ao macho e lhe mostrou os dentes em um sorriso de brincadeira.
—Que lhe fodam.
Dante-se riu
.
.
—Tinha a suspeita de que me diria isso. Quer que leve as armas por ti, pelo menos?
O gesto de negar devagar com a cabeça lhe provocou uma navalhada de dor na cabeça.
—Estou bem. Estarei melhor quando me tiver alimentado.
—Sem dúvida. —O vampiro ficou em silêncio durante um comprido momento e lhe olhou, simplesmente. Sabe o que é que foi extraordinariamente impressionante do que fez hoje pelo Conlan? Eu não tivesse podido nem imaginá-lo em toda sua vida, mas, porra, eu gostaria que tivesse sabido que seria você quem subiria esses últimos degraus com ele. Foi uma grande maneira de lhe honrar, cara. De verdade.
Lucan recebeu a adulação sem deixar que lhe impregnasse. Ele tinha tido seus próprios motivos para levar a cabo esse rito funerário, e ganhar a admiração do resto dos guerreiros não formava parte deles.
—Dê-me uma hora para caçar algo e logo nos encontraremos aqui outra vez para provocar algumas baixas entre as filas de nossos inimigos, esta noite. Pela memória do Conlan.
Dante assentiu com a cabeça e chocou os nódulos contra o punho fechado de Lucan.
—De acordo.
Lucan esperou enquanto Dante desaparecia na escuridão. Suas passadas largas e fortes delatavam a vontade com que esperava as batalhas que ia encontrar nas ruas. Tirou as armas gêmeas das capas e elevou as Malebranches curvadas por cima de sua cabeça. O brilho dessas folhas de aço gentil e de titânio, assassinas de renegados, cintilou a débil luz da lua no céu. O vampiro emitiu um grito de guerra calado e desapareceu nas sombras da noite.
Lucan lhe seguiu não muito depois, seguindo um caminho não muito distinto que entrava nas escuras artérias da cidade. Seu gesto furtivo era menos fanfarrão, mas mais decidido, menos arrogante e ansioso, mais determinado e frio. Sua sede era pior do que nunca tinha sido, e o rugido que elevou até a abóbada de estrelas no céu estava cheio de uma ira feroz.
—Pode soletrar o sobrenome outra vez, por favor?
—T-h-ou-r-n-e —repetiu Gabrielle a recepcionista de delegacia de polícia, que não tinha conseguido nenhum resultado no diretório—. Detetive Lucan Thorne. Não sei em que departamento trabalha. Veio a minha casa depois de que eu estivesse aqui para denunciar uma agressão que presenciei a semana passada... um assassinato.
—Ah. Então, você quer falar com os de Homicídios? —As unhas largas e pintadas da jovem repicavam em cima do teclado com rapidez—. Certo... Não. Sinto muito. Tampouco aparece nesse departamento.
—Isso não é possível. Pode voltar a comprová-lo, por favor? É que este sistema não lhe permite procurar somente um nome?
—Sim o permite, mas não aparece nenhum detetive que se chame Lucan Thorne. Está segura de que trabalha neste edifício?
—Estou segura, sim. A informação de seu computador não deve estar atualizada...
—Né, um momento! Aí há uma pessoa que pode ajudar, a interrompeu a recepcionista enquanto fazia um gesto em direção à porta de entrada da Central.
—Agente Carrigan! Você tem um segundo?
O agente Carrigan, recordou Gabrielle, desolada. O velho poli que lhe tinha feito passar um momento tão desagradável a semana passada, chamando-a mentirosa e cabeça oca sem querer acreditar a declaração de Gabrielle acerca do assassinato da discoteca. Pelo menos, agora que Lucan tinha contrastado as fotos de seu celular no laboratório da polícia, sentia o consolo de saber que, fosse qual fosse a opinião desse homem, o caso seguia adiante de algum jeito.
Gabrielle teve que reprimir um grunhido de fúria ao ver que o homem se tomava um tempo antes de aproximar-se dela. Quando ele a viu ali em pé, a expressão de arrogância que parecia tão natural nesse rosto carnudo adotou um gesto decididamente depreciativo.
—OH, Por Deus. Outra vez você? Justo o que necessito em meu último dia de trabalho. Retiro-me dentro de umas quantas horas, querida. Esta vez vai ter que contar-lhe a outra pessoa.
Gabrielle franziu o cenho.
—Perdão?
—Esta jovem está procurando um de nossos detetives —disse a recepcionista enquanto intercambiava um olhar de cumplicidade com Gabrielle, como resposta ao comportamento displicente do agente. Não lhe encontro no diretório, mas ela acredita que é um dos nossos.
Conhece você ao detetive Thorne?
—Nunca ouvi falar dele. —O agente Carrigan começou a afastar-se.
—Lucan Thorne —disse Gabrielle com decisão enquanto deixava o café de Lucan e a bolsa com a massa em cima da mesa de recepção. Automaticamente deu um passo em direção ao policial e esteve a ponto de sujeita-lo pelo braço ao ver que ele ia deixa-la ali plantada.
— O detetive Lucan Thorne, você deve conhecer. Vocês enviaram ao meu apartamento no início desta semana para ver se conseguia alguma informação adicional a minha declaração. Levou meu telefone celular ao laboratório para que analisassem...
Carrigan começou a rir agora; deteve-se e a olhava enquanto lhe oferecia os detalhes a respeito da chegada de Lucan a sua casa. Gabrielle não tinha paciência para dirigir a agressividade desse agente. E menos agora que o pêlo da nuca começava a arrepiar-se o a causa do repentino pressentimento de que as coisas começavam a ser estranhas.
—Está-me dizendo que o detetive Thorne não lhe contou nada disto?
—Senhorita. Estou-lhe dizendo que não tenho nem remota idéia do que está você falando. Trabalhei nesta delegacia de polícia durante trinta e cinco anos, e nunca ouvi falar de nenhum detetive Lucan Thorne, por não falar de que não mandei a sua casa.
Gabrielle sentiu que lhe formava um nó no estômago, frio e apertado, mas se negou a aceitar o medo que começava a cobrar forma detrás de toda essa confusão.
—Isso não é possível. Ele sabia do assassinato que eu havia presenciado. Sabia que eu tinha estado aqui, na delegacia de polícia, fazendo uma declaração a respeito disso. Vi sua placa de identificação quando chegou à casa. Acabo de falar com ele hoje, e me disse que esta noite trabalhava. Tenho seu número de celular...
—Bom, vou dizer- lhe uma coisa. Se isso for fazer que me deixe em paz , vamos fazer uma chamada a seu detetive Thorne —disse Carrigan.Isso esclarecerá as coisas, verdade?
—Sim. Vou chamar- lhe agora.
A Gabrielle tremiam um pouco os dedos enquanto tirava o teléefone celular do bolso e marcava o número de Lucan. O telefone chamou, mas ninguém respondeu. Gabrielle voltou a tentá-lo e esperou durante a agonia de uma eternidade enquanto o timbre soava e soava e soava e enquanto a expressão do agente Carrigan se mudava de uma impaciência questionável a uma compaixão que ela tinha percebido nos rostros dos trabalhadores sociais quando era uma menina.
—Não responde —murmurou ela, apartando o telefone do ouvido. Sentia-se torpe e confusa, e a expressão atenta no rosto do Carrigan o piorava tudo—. Estou convencida de que está ocupado com algo. Vou voltar a tentá-lo dentro de um minuto.
—Senhorita Maxwell. Podemos chamar a alguém mais? A algum familiar, possivelmente? A alguém que possa nos ajudar a encontrar sentido a tudo o que lhe está passando?
—Não me está acontecendo nada.
—Me parece que sim. Acredito que você está confusa. Sabe? Às vezes a gente inventa coisas para que lhes ajudem a suportar outros problemas.
Gabrielle se burlou.
—Eu não estou confundida. Lucan Thorne não é um produto de minha imaginação. É real. Essas coisas que me aconteceram são reais. O assassinato que presenciei o fim de semana passado, esses... homens... com seus rostos ensangüentados e seus afiados dentes, inclusive esse menino que me esteve vigiando o outro dia no parque... ele trabalha aqui na Central. O que é o que têm feito vocês? Enviaram-lhe para que me olha-se?
—De acordo, senhorita Maxwell. Vamos ver se conseguimos resolver isto juntos. —Era óbvio que o agente Carrigan tinha encontrado finalmente um resto de diplomacia sob a armadura de seu caráter grosseiro. Apesar de tudo, a forma em que pegou pelo braço para tentar conduzi-la até um dos bancos do vestíbulo para que se sentasse mostrava uma grande condescendência—. Vamos ver se respirarmos profundamente. Podemos procurar a alguém para que a ajude.
Deu uma sacudida no braço para soltar-se.
—Você acredita que estou louca. Eu sei o que vi... tudo! Não me estou inventando isto, e não necessito ajuda. Somente preciso saber a verdade.
—Sheryl, querida — disse Carrigan a recepcionista, que olhava ambos com apreensão—. Pode me fazer o favor de chamar em um momemoro à Rudy Duncan? Diga que lhe necessito aqui embaixo.
—Um médico? —perguntou Gabrielle, que já havia tornado a colocar o telefone entre a orelha e o ombro.
—Não —repôs Carrigan, devolvendo o olhar a Gabrielle—. Não terá que alarmar-se ainda. Peça que baixe ao vestíbulo, tranqüilamente, e que converse um momento com a senhorita Maxwell e comigo.
—Esqueça-o —respondeu Gabrielle, levantando do banco.
—Olhe, seja o que seja o que lhe esteja passando, há pessoas que podem ajudá-la.
Ela não esperou que terminasse de falar, limitou-se a recompor-se com dignidade, a caminhar até a mesa de recepção para recuperar a taça e a bolsa, a atirá-los ao lixo e dirigir-se a porta de saída.
Sentiu o ar da noite fresco nas bochechas, acesas, o qual a tranqüilizou de algum jeito. Mas a cabeça ainda lhe estava dando voltas. O coração lhe pulsava com força por causa da confusão e de que não podia acreditar o que lhe tinha acontecido.
É que todo mundo ao seu redor se estava voltando louco? Que diabos estava acontecendo? Lucan lhe tinha mentido a respeito de que era um policial, isso era bastante evidente. Mas que parte do que lhe tinha contado, que parte do que tinham feito juntos, formava parte desse engano?
E por que?
Gabrielle se deteve no final dos degraus de cimento que se afastavam da delegacia de polícia e respirou profundamente várias vezes. Deixou sair o ar devagar. Logo baixou a vista e viu que ainda tinha o telefone celular na mão.
—Merda.
Tinha que averiguá-lo.
Essa estranha história em que se colocou tinha que acabar nesse momento.
O botão de rechamada voltou a marcar o número de Lucan. Ela esperou,
Insegura do que ia dizer lhe.
O telefone soou seis vezes.
Sete.
Oito...
Capítulo quinze
Lucan tirou o celular do bolso de sua jaqueta de couro enquanto pronunciava uma forte maldição.
Gabrielle... outra vez.
Tinha-lhe chamado antes também, mas ele não tinha querido responder a chamada. Estava perseguindo um traficante de drogas ao que tinha visto vender crack a um adolescente que passava pela rua, fora de um sórdido botequim. Tinha estado conduzindo mentalmente a sua presa para um beco escuro e estava justo a ponto de lançar-se ao ataque quando a primeira chamada de Gabrielle tinha divulgado como um alarme de carro desde seu bolso. Tinha posto o aparelho no modo de silêncio, amaldiçoando-se a si mesmo pelo estúpido costume de levar o maldito traste quando saía a caçar.
A sede e as feridas lhe tinham feito comportar-se descuidadamente. Mas esse repentino estrondo na rua escura tinha resultado a seu favor ao final.
Ele tinha as forças debilitadas, e o cauteloso traficante tinha cheirado o perigo no ambiente, inclusive apesar de que Lucan se manteve escondido entre as sombras enquanto lhe perseguia. Tinha tirado uma arma a metade do beco e apesar de que raramente as feridas de bala resultavam fatais para a estirpe de Lucan —a não ser que se tratasse de um tiro na cabeça a queima roupa—, não estava seguro de que seu corpo convalescente pudesse resistir um impacto como esse nesses momentos.
Por não mencionar o fato de que isso lhe tiraria de gonzo, e já estava com um humor de cão.
Assim, quando a segunda chamada do celular fez que o traficante se voltasse freneticamente para um lado e a outro em busca da origem do ruído que ouvia detrás dele, Lucan lhe saltou em cima. Derrubou ao tipo rápidamente, e lhe cravou as presas na veia do pescoço, torcida pelo terror um momento antes de que o homem reunisse a força suficiente para arrancar um grito dos pulmões.
O sangue lhe alagou a boca, desagradável pelo sabor a droga e a enfermidade. Lucan a tragou com dificuldade, uma vez atrás de outra, enquanto agarrava sem piedade a sua convulsa presa. Ia matar- lhe, e não podia importar menos. Isso apagava a dor de seu corpo dolorido.
Lucan se alimentou depressa, bebeu tudo o que pôde.
Mais do que pôde.
Quase lhe tirou todo o sangue ao traficante e ainda se sentia faminto. Mas tivesse sido abusar muito se alimentava mais essa noite. Era melhor esperar a que o sangue lhe nutrisse e lhe tranquilizasse em lugar de arriscar-se a ser ansioso e a tomar um caminho rápido para a sede insaciavel de sangue.
Lucan olhou com ironia o telefone que soava na palma de sua mão e sabia que quão único tinha que fazer era não responder.
Mas continuou soando, com insistência, e justo no último instante, respondeu. Não disse nada ao princípio, simplesmente escutou o som do suspiro de Gabrielle ao outro lado. Notou que tinha a respiração tremente, mas sua voz soou forte, apesar de que era evidente que estava bastante desgostada.
—Mentiste-me — disse, a modo de saudação—. Durante quanto tempo, Lucan? Quantas mentiras? Tudo foi uma mentira?
Lucan observou o corpo sem vida de sua presa com expressão satisfeita. Agachou-se e realizou um rápido registro desse miserável e gordurento tipo. Encontrou um maço de bilhetes sujeitos por uma borracha, que ia deixar ali para que os abutres guias de ruas o disputassem. A mercadoria do traficante —crack e heroína por valor de um par de bilhetes grandes— Iriam parar em um dos esgotos da cidade.
—Onde está? —perguntou-lhe quase em um latido, sem pensar em outra coisa que não fosse no depredador que acabava de eliminar.
— Onde está Gideon?
—Nem sequer vais tentar negá-lo? Por que faz isto?
—Passe-me isso Gabrielle.
Ela ignorou essa petição.
—Há outra coisa que eu gostaria de saber: como entrou em meu apartamemoro a outra noite? Eu tinha fechado todos os fechos e tinha posto a correia. O que fez? Abriu-os? Roubou-me as chaves enquanto eu não olhava e te fez uma cópia?
—Podemos falar disso mais tarde, quando estiver a salvo no recinto.
—De que recinto fala? —A repentina gargalhada lhe pegou por surpresa.
— E pode abandonar essa pose protetora e benevolente. Não é um policial. Quão único quero é um pouco de sinceridade. É isso te pedir muito, Lucan? Deus. É esse pelo menos seu verdadeiro nome? Algo do que me tenha contado se parece, pelo menos remotamente, a verdade?
De repente Lucan soube que essa raiva, essa dor, não era o resultado de que Gabrielle tivesse conhecido pelo Gideon a verdade a respeito da raça e do papel que ela tinha destinado na mesma. Um papel que não ia incluir a Lucan.
Não, ela não sabia nada disso ainda. Tratava-se de outra coisa. Não era medo dos fatos. Era medo ao desconhecido.
—Onde está, Gabrielle?
—O que te importa?
—Me... importa —admitiu, embora com relutância.
—Porra , não tenho a cabeça para isto agora mesmo. Olhe, sei que não está em seu apartamento, assim que onde está? Gabrielle, tem que me dizer onde está.
—Estou na delegacia de polícia. Vim para ver-te esta noite e, sabe o que? Ninguém ouviu seu nome aqui.
—OH, Deus. Perguntaste por mim aí?
—É obvio que o tenho feito. Como tivesse podido me inteirar de que tomava por uma idiota, se não? —Outra vez o tom de brincadeira e irritação.
— Incluso havia te trazido café e uma massa.
—Gabrielle, estarei aí em uns minutos... menos que isso. Não te mova. Fique onde está. Fique em algum ponto onde haja gente, em algum lugar interior. Vou para te buscar.
—Esquece-o. Me deixe em paz.
Essa breve ordem lhe fez levantar-se imediatamente do chão. Ao cabo de um instante suas botas ressonavam na rua a um ritmo acelerado.
—Não vou ficar por aqui te esperando, Lucan. De fato, sabe o que? Não te ocorra te aproximar de mim.
—Muito tarde —lhe respondeu.
Já tinha chegado à penúltima esquina que lhe separava da rua onde se encontrava a delegacia de polícia. Avançou por entre a multidão de pedestres como um fantasma. Notava que o sangue que acabava de ingerir lhe penetrava nas células, lhe aderia nos músculos e nos ossos e lhe fortalecia até que se converteu somente em uma rajada fria nas costas dos que passavam ao seu lado.
Mas Gabrielle, com sua extraordinária percepção de companheira de raça, viu-lhe em seguida.
Lucan ouviu pelo telefone que Gabrielle agüentava a respiração. Como em câmera lenta, ela se apartou o aparelho do ouvido e lhe olhou com os olhos muito abertos e com incredulidade enquanto ele lhe aproximava rapidamente.
—Meu Deus —sussurrou, e essas palavras chegaram aos ouvidos de Lucan sozinhas em um segundo antes de que se plantasse diante dela e alargasse a mão para sujeitá-la pelo braço.
—Solte-me!
—Temos que falar, Gabrielle. Mas não aqui. Levarei-te a um lugar...
—É uma merda! —Deu um puxão, soltou-se da mão dele e se afastou pela calçada.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
—Já não está segura aqui fora, Gabrielle. Viu muitas coisas. Agora forma parte disso, tanto se quiser como se não.
—Parte do quê?
—Desta guerra.
—Guerra —repetiu ela, com um tom de dúvida.
—Exato. É uma guerra. Antes ou depois vais ter que escolher um lado, Gabrielle. —Pronunciou uma maldição—. Não. A merda. Eu vou escolher seu lado agora mesmo.
—É uma espécie de piada? Quem é você, um desses militares inadaptados que vai por aí representando suas fantasias de autoridade. Possivelmente seja pior que isso.
—Isto não é uma piada. Não é um fodido jogo. Estive em muitos combates e presenciei muitas mortes em minha vida, Gabrielle. Nem sequer pode imaginar o que vi, nem tudo o que tenho feito. Não vou ficar quieto para ver que fica apanhada em um fogo cruzado. —Ofereceu-lhe uma mão.
— Vais vir comigo. Agora.
Lhe esquivou. Seus olhos escuros revelavam uma mescla de medo e de raiva.
—Se voltar a me tocar, juro-te que chamo a polícia. Já sabe, aos de verdade que estão na delegacia de polícia. Esses levam placas de verdade. E armas de verdade.
O humor de Lucan, que já estava quente, começou a piorar.
—Não me ameace, Gabrielle. E não creia que a polícia te pode ofecer algum tipo de amparo. E, é obvio, não ante o que te está ameaçando. Pelo que sabemos, a metade da delegacia de polícia poderia estar cheia de servidores.
Ela meneou a cabeça e adotou uma atitude mais tranqüila.
—De acordo. Esta conversação está deixando de ser realmente extranha e começa a ser profundamente inquietante. Terminei com isto, compreendido? —Falava-lhe devagar e em voz baixa, como se estivesse tentando tranqüilizar a um cão raivoso que estivesse ante ela agachado e a ponto de atacar.
— Agora vou, Lucan. Por favor... não me siga.
Quando ela deu o primeiro passo para afastar-se dele, a pouca capacidade de controle que ficava a Lucan se quebrou. Cravou-lhe os olhos nos dela com dureza e lhe enviou uma feroz ordem mental para que deixasse de resistir a ele.
«Me dê a mão.»
«Agora.»
Por um segundo, as pernas ficaram imóveis, paralizadas. Os dedos das mãos se moveram, como intranqüilos, a um doslados do corpo. Logo, devagar, seu braço começou a levantar-se para ele.
E, de repente, o controle que ele tinha sobre ela se rompeu.
Ele sentiu que lhe expulsava de sua mente, desconectava dele. O corredor de sua vontade era como uma porta de ferro que se fechava entre ambos, uma porta que lhe houvesse custado muito penetrar embora se encontrasse em condições ótimas.
—Que diabos? —exclamou ela em voz baixa, reconhecendo perfeitamente qual era o truque—. Te ouvi, agora, em minha cabeça. Meu Deus. Tem-me feito isto antes, verdade?
—Não me está deixando muitas escolhas, Gabrielle.
Ele tentou outra vez. E sentiu que lhe empurrava fora, esta vez com maior desespero. Com mais medo.
Ela se levou o dorso da mão até a boca, mas não pôde afogar de todo o grito quebrado que lhe saía pela garganta.
Retrocedeu cambaleando-se pela esquina.
E logo se deu a volta na escuridão da rua para escapar dele.
—Você, menino. Agarra a porta em meu lugar, de acordo?
O servente demorou um segundo em dar-se conta de que lhe estavam falando a ele, de tão distraído como estava olhando a mulher Maxwell em meio da rua, diante da delegacia de polícia. Inclusive agora, enquanto sujeitava a porta aberta para que um mensageiro entrasse com quatro caixas de pizza fumegantes, sua atenção permanecia cravada na mulher enquanto esta se afastava da esquina e corria rua abaixo.
Como se tentasse deixar a alguém detrás.
O servente olhou a uma enorme figura vestida de negro que estava em pé e que observava como ela escapava. Esse macho era imenso, facilmente media dois metros de altura, os ombros, sob a jaqueta de pele, eram largos como os de um defesa. Dele emanava um ar de ameaça que se percebia do outro lado da rua onde agora se encontrava o servente, em pé, estupefato, sujeitando ainda a porta da delegacia apesar de que as pizzas se encontravam amontoadas já em cima do balcão de recepção.
Embora ele nunca tinha visto nenhum dos vampiros a quem seu senhor desprezava tão abertamente, o servente soube sem dúvida nenhuma que nesse momento estava vendo um deles.
Seguro que essa era uma oportunidade de ganhar a apreciação se avisasse a seu senhor da presença tanto da mulher como do vampiro a quem ela parecia conhecer, além de temer.
O servente voltou a entrar na delegacia de polícia. Tinha as mãos úmidas de suor por causa da excitação ante a glória que lhe esperava. Com a cabeça abaixada, seguro de sua habilidade de mover-se por toda parte e de passar desapercebido, começou a cruzar o vestíbulo a um passo apressado.
Nem sequer viu que o menino da pizza se cruzava em seu caminho até que se chocou com ele, com a cabeça. Uma caixa de cartão foi chocar-se contra o peito, da qual emanou um aroma de queijo quente, e a caixa caiu no sujo linóleo do chão pulverizando o conteúdo aos pés do servente.
—Né, cara. Está pisando em minha seguinte entrega. É que não olha por onde vai?
Ele não se desculpou, nem se deteve para tirar o gordurento queijo e o pepperoni do sapato. Introduziu a mão no bolso da calça e foi procurar um lugar tranqüilo de onde fazer sua importante chamada.
—Espera um segundo, amigo.
Era o velho e calvo agente, em pé no vestíbulo, quem gritava agora. Embutido em sua uniforme durante suas últimas horas de trabalho, Carrigan tinha estado perdendo o tempo incomodando a recepcionista do vestíbulo.
O servente não fez caso da voz ensurdecedora do policial que lhe chamava a suas costas e continuou caminhando, com a cabeça agachada, em linha reta em direção a porta da escada que estava perto do lavabo, justo fora do vestíbulo.
Carrigan soltou um bufido com todas suas forças e ficou boquiabierto, com expressão de evidente incredulidade ao ver que sua autoridade era completamente ignorada.
—Né, chupatintas! Estou falando contigo. Hei-te dito que volte e que limpe esta porcaria. E quero dizer que o faça agora, cabeça oca!
—Limpa-o você mesmo, porco arrogante —disse em voz baixa e quase sem alento. Logo abriu a porta de metal que dava as escadas e começou a baixar a passo rápido.
Nesse momento e por cima dele, ouviu que a porta se abria com um estrondo ao golpear o outro lado da parede e que os degraus vibravam como sob o efeito de uma explosão sônica.
—O que é o que acaba de dizer? Que merda acaba de me chamar,idiota?
—Já me ouviste. E agora me deixe em paz, Carrigan. Tenho coisas mais importantes que fazer.
O servente tirou o telefone celular para tentar contatar o único que de verdade lhe podia dar ordens. Mas antes de que tivesse tempo de apertar o botão de marcação rápida para ficar em comunicação com seu senhor, o corpulento polícia já se lançou escada abaixo. Uma mão enorme deu um golpe ao servente na cabeça. Os ouvidos apitaram, a vista lhe nublou a causa do impacto, o celular saiu despedido da mão e caiu ao chão com um som seco, vários degraus mais abaixo.
—Obrigado por me oferecer uma anedota de risada para meu último dia de trabalho —lhe disse em tom provocador. Passou-se um gordinho dedo pelo pescoço da camisa, muito apertada, e logo, com gesto despreocupado, levantou uma mão para voltar a colocar a última mecha de cabelo que tinha em seu lugar.
— E agora, te leve esse rabo esquelético escada acima antes de que lhe dê uma boa patada. Ouviste-me?
Houve um tempo, antes de que conhecesse quem chamava seu Professor, em que um desafio como esse, e em especial por parte de um fanfarrão como Carrigan, não tivesse passado como nada.
Mas esse policial suarento e salivoso que agora lhe olhava de acima das escadas lhe resultava insignificante à luz dos deveres que lhes eram confiados aos escolhidos como ele. O servente se limitou a piscar umas quantas vezes e logo se deu a volta para recolher o telefone móvel e continuar a tarefa que tinha entre mãos.
Somente conseguiu baixar dois degraus antes de que Carrigan caísse sobre ele outra vez. Notou que uns dedos fortes lhe sujeitavam pelos ombros e lhe obrigavam a dar a volta. Os olhos do servente caíram soubre uma elegante caneta que Carrigan levava no bolso do uniforme. Reconheceu o emblema comemorativo dos serviços emprestados mas imediatamente recebeu outro golpe seco no crânio.
—O que te passa, é que está surdo e mudo? Te aparte de minha vista ou vou a...
Nesse momento, o policial se engasgou e soltou o ar de repente e o servente recuperou a consciência. Viu a si mesmo com a caneta do agente na mão cravando-lhe profundamente pela segunda vez, com uma investida brutal, na carne do pescoço do Carrigan.
O servente lhe cravou uma e outra vez a arma improvisada até que o policial se desabou no chão e ficou ali tendido como um vulto destroçado e sem vida.
Ele abriu a mão e a caneta caiu no atoleiro de sangue que se havia formado nas escadas. Imediatamente e esquecendo-o tudo, se agachou e voltou a tomar o telefone celular. Tinha intenção de fazer essa crucial chamada imediatamente, mas não podia deixar de olhar o desastre que acabava de provocar, um desastre que não ia ser tão fácil de limpar como os restos de pizza no vestíbulo.
Isso tinha sido um engano, e qualquer aprovação que pudesse receber ao informar ao seu senhor sobre o paradeiro da mulher Maxwell lhe seria retirada quando contasse que se comportou de maneira tão impulsiva na delegacia de polícia. Matar sem autorização invalidava qualquer outra coisa.
Mas possivelmente houvesse um caminho ainda mais seguro para conseguir o favor de seu senhor, e esse caminho consistia em capturar e entregar essa mulher a seu senhor em pessoa.
«Sim —pensou o servente.
— Esse era um prêmio para impressionar.»
Colocou o telefone celular no bolso e voltou até o corpo de Carrigan para lhe tirar a arma do arnês. Logo passou por cima do corpo e se apressou para uma entrada traseira que comunicava com o estacionaminto.
CONTINUA
Capítulo sete
—Dê uns minutos mais e o céu —disse Gabrielle, olhando dentro do forno da cozinha e permitindo que o rico aroma dos manicotti Calhes se pulverizasse pelo apartamento.
Fechou a porta do forno, voltou a programar o relógio digital, serviu-se outra taça de vinho tinto e a levou a sala de estar. No sistema de áudio soava com suavidade um velho cd da Sara McLahlan. Passavam uns minutos das sete da tarde, e Gabrielle tinha começado, por fim, a relaxar-se depois da pequena aventura da manhã no asilo abandonado. Tinha conseguido um par de fotos decentes que possivelmente dessem para algo, mas o melhor de tudo era que tinha conseguido escapar do sistema de segurança do edifício.
Somente isso já era digno de celebração.
Gabrielle se acomodou em um fofo rincão do sofá, quente dentro das calças cinzas de ioga e da camiseta rosa de manga larga. Acabava-se de dar um banho e ainda tinha o cabelo úmido; umas mechas lhe desprendiam da pregadeira em que se recolheu o cabelo despreocupadamente, na nuca. Agora se sentia limpa e começava a relaxar-se por fim, e se sentia mais que contente de ficar em casa para passar a noite desfrutando de sua solidão.
Por isso, quando soou o timbre da porta ao cabo de um minuto, soltou uma maldição em voz baixa e pensou em fazer caso omisso dessa interrupção indesejada. O timbre soou pela segunda vez, insistente, seguido por uns rápidos golpes na porta jogo de dados com força e que não soavam como que foram aceitar um não por resposta.
—Gabrielle.
Gabrielle já se pôs em pé e se dirigia cautelosamente para a porta, quando reconheceu essa voz imediatamente. Não deveria havê-la reconhecido com tanta certeza, mas assim era. A profunda voz de barítono de Lucan Thorne atravessou a porta e lhe meteu no corpo como se fosse um som que tivesse ouvido milhares de vezes antes e que a tranquilizava tanto como lhe disparava o pulso, enchendo a de expectativas.
Surpreendida e mais agradada do que queria admitir, Gabrielle abriu os múltiplos ferrolhos e lhe abriu a porta.
—Olá.
—Olá, Gabrielle.
Ele a saudou com uma inquietante familiaridade: seus olhos eram intensos baixo essas escuras sobrancelhas de linha decidida. Esse penetrante olhar percorreu lentamente o corpo de Gabrielle, desde sua cabeça despenteada, passando pelo sinal da paz costurado em seda na camiseta que cobria o peito sem sutiens, até os dedos dos pés que apareciam nus por debaixo das pernas das calças boca de sino.
—Não esperava a visita de ninguém. —Disse-o como desculpa por seu aspecto, mas não pareceu que a Thorne importasse. Em realidade, quando ele voltou a dirigir sua atenção ao rosto dela, Gabrielle sentiu que se ruborisava repentinamente por causa da forma em que a estava olhando.
Como se queria devorá-la ali mesmo.
—OH, trouxe-me o telefone celular —disse ela, sem poder evitar dizer uma obviosidade, ao ver o brilho metálico na mão dele.
O alargou a mão, oferecendo-lhe,
—Mais tarde que o que deveria. Peço-lhe desculpas.
Tinha sido sua imaginação, ou os dedos dele tinham roçado os seus de forma deliberada quando ela tomava o celular de sua mão?
—Obrigado por devolver-me disse isso ela, ainda apanhada no olhar dele—. pôde... isto... pôde fazer algo com as imagens?
—Sim. Foram de grande ajuda.
Ela suspirou, aliviada de que a polícia estivesse, por fim, de sua parte nesse assunto.
—você crê que poderá apanhar aos tipos das fotos?
—Estou seguro disso.
O tom da voz dele tinha sido tão ameaçador que Gabrielle não o duvidou nem um instante. A verdade era que começava a ter a sensação de que o detetive Thorne era um menino travesso no pior de seus pesadelos.
—Bom, essa é uma notícia fantástica. Tenho que admitir que todo esse assunto me deixou um pouco intranqüila. Suponho que presenciar um assassinato brutal tem esse efeito em uma pessoa, verdade?
Ele se limitou a responder com um direto assentimento de cabeça. Era um homem de poucas palavras, isso era evidente, mas quem necessitava palavras quando se tinham uns olhos como esses que eram capazes de desnudar a alma?
Nesse momento, a suas costas, o alarme do forno da cozinha começou a soar. Gabrielle se sentiu aborrecida e aliviada ao mesmo tempo.
—Merda. Isso... isto... é meu jantar. Será melhor que o apague antes de que se dispare o alarme contra incêndios. Espere aqui um segundo... quero dizer, quer...? —Respirou fundo para tranqüilizar-se; não estava acostumada a sentir-se tão insegura com ninguém.
— Entre, por favor. Volto em seguida.
Sem duvidar nem um momento, Lucan Thorne entrou no apartamento atrás dela, Gabrielle se dava a volta para deixar o telefone celular e dirigir-se a cozinha para tirar os manicotti do forno.
—Interrompi algo?
Gabrielle se surpreendeu para ouvir que lhe falava desde dentro da cozinha, como se a tivesse seguido imediatamente e em silencio do mesmo instante em que lhe tinha convidado a entrar. Gabrielle tirou a bandeja com a massa fumegante do forno e a deixou em cima da mesa para que se esfriasse. Tirou-se as luvas de cozinha, quentes, e se deu a volta para lhe dedicar ao detetive um sorriso orgulhoso.
—Estou de celebração.
Ele inclinou a cabeça e jogou uma olhada ao silencioso ambiente que lhes rodeava.
—Sozinha?
Ela se encolheu de ombros.
—A não ser que você queira me acompanhar.
O leve gesto de cabeça que ele fez parecia mostrar reticência, mas imediatamente se tirou o casaco escuro e o deixou, dobrado, em cima do respaldo de um dos tamboretes que havia na cozinha. Sua presença era peculiar e lhe impedia de concentrar-se, especialmente nesses momentos em que ele se encontrava dentro da pequena cozinha: esse homem desconhecido e musculoso de olhar cativante e de um atrativo ligeiramente sinistro.
Ele se apoiou no mármore da cozinha e a observou enquanto ela se ocupava da bandeja de massa.
—O que celebramos, Gabrielle?
—Que hoje vendi algumas fotografias, em uma amostra privada, em um escritório brega do centro da cidade. Meu amigo Jamie me chamou faz uma hora aproximadamente e me deu a notícia.
Thorne sorriu levemente.
—Felicidades.
—Obrigado. —Ela tirou outra taça do armário da cozinha e levantou a garrafa aberta do Chianti.
— Quer um pouco?
O negou lentamente com a cabeça.
—Infelizmente, não posso.
—OH, sinto-o —repôs ela, recordando qual era sua profissão.
— De serviço, verdade?
Ele apertou a mandíbula.
—Sempre.
Gabrielle sorriu, levou-se uma mão até uma mecha que lhe tinha desprendido da cauda e o colocou detrás da orelha. Thorne seguiu com o olhar o movimento de sua mão, e seus olhos se detiveram no arranhão que Gabrielle tinha na bochecha.
—O que lhe aconteceu?
—OH, nada —respondeu ela, pensando que não era uma boa idéia contar a um policial que se passou parte da manhã dentro de um velho psiquiátrico no qual tinha entrado de maneira ilegal.
— Ésomente um arranhão: ossos do ofício, de vez em quando. Estou segura de que sabe do que lhe falo.
Gabrielle riu, um pouco nervosa, porque de repente ele se estava acercando a ela com uma expressão muito séria no rosto. Com apenas uns quantos passos se colocou justo diante dela. Seu tamanho, sua força —que resultava evidente—, era entristecedora. A essa curta distância, Gabrielle pôde ver os músculos bem desenhados que se marcavam e se moviam desde sua camisa negra. Essa malha de qualidade lhe caía nos ombros, no peito e nos braços como se o tivessem feito a medida para que lhe sentasse perfeitamente.
E seu aroma era incrível. Não notou que levasse colônia, somente notou um ligeiro aroma a memora e a pele, e a um pouco mais denso, como uma especiaria exótica que não conhecia. Fossr o que fosse, esse aroma invadiu todos seus sentidos como algo elementar e primitivo e fez que se aproximasse ainda mais a ele em um momento no qual o que deveria ter feito era apartar-se.
Ele alargou a mão e Gabrielle agüentou a respiração ao notar que a acariciava a linha da mandíbula com a ponta dos dedos. A nudez desse contato irradiou calor sobre sua pele, que se estendeu para seu pescoço enquanto lhe acariciava com a mão a sensível pele debaixo da orelha e da nuca. Acariciou-lhe o arranhão da bochecha com o dedo polegar. A ferida lhe tinha ardido antes, quando a tinha limpo, mas nesse momento, essa tenra e inesperada carícia não a incomodou absolutamente.
Não sentia nada mais que uma cálida frouxidão e uma lenta dor que lhe formava redemoinhos no mais profundo de seu corpo.
Para sua surpresa, ele se inclinou para diante e lhe deu um beijo no arranhão. Os lábios dele se entretiveram nesse ponto um instante, o tempo suficiente para que ela compreendesse que esse gesto era um prelúdio a algo mais. Gabrielle fechou os olhos: sentia o coração acelerado. Não se moveu e quase nem respirou enquanto notava o contato dos lábios de Lucan que se dirigiam para os seus. Os beijou com intensidade, e notou a chicotada do desejo apesar da suavidade e a calidez dos lábios dele. Gabrielle abriu os olhos e viu que ele a estava olhando. Os olhos dele tinham uma expressão selvagem e animal que lhe provocou uma corrente de ansiedade que lhe percorreu todas as costas.
Quando finalmente foi capaz de falar, a voz lhe saiu débil e quase sem fôlego.
—Tem que fazer isto?
Esse olhar penetrante permaneceu cravado em seus olhos.
—OH, sim.
Ele se inclinou para ela outra vez e lhe acariciou as bochechas, o queixo e o pescoço com os lábios. Ela suspirou e ele apanhou esse ar com um profundo beijo, lhe penetrando a boca com a língua. Gabrielle lhe recebeu, vagamente consciente de que as mãos dele se encontravam sobre suas costas agora e que se deslizavam por debaixo da camiseta. E lhe acariciou, percorrendo a coluna com as pontas dos dedos. Essa carícia se deslocou com um movimento preguiçoso para baixo, e continuou por cima da malha da calça. Essas mãos fortes se acoplaram a curva de suas nádegas e as apertaram ligeiramente. Ela não resistiu. Ele voltou a beijá-la, mais profundamente, e a atraiu devagar para si até que a pélvis dela entrou em contato com o duro músculo de sua entre perna.
Que diabos estava fazendo? Estava utilizando a cabeça?
—Não —disse ela, tentando recuperar o sentido comum.
— Não, um momento. Pare. —Deus, detestou como tinha divulgado essa palavra, agora que a sensação dos lábios dele sobre os sua era tão agradável.
— Está... Lucan... está com alguém?
—Olhe a seu redor, Gabrielle. —Passou-lhe os lábios por cima dos dela enquanto o dizia e ela se sentiu enjoada de desejo.
— Estamos somente você e eu.
—Tem namorada —gaguejou ela entre beijo e beijo. Possivelmente já era um pouco tarde para perguntá-lo, mas tinha que sabê-lo, inclusive apesar de que não estava segura de como reagiria ante uma resposta que não fosse a que queria ouvir.
— Tem casal? Está casado? Por favor, não me diga que está casado...
—Não há ninguém mais.
«Somente você.»
Ela estava bastante segura de que ele não tinha pronunciado essas duas últimas palavras, mas Gabrielle as ouvia em sua cabeça, ouvia seu eco quente e provocador, vencendo todas suas resistências.
«OH, ele resulta muito agradável.» Ou possivelmente era que ela estava tão desesperada por ele, que esse simples e único sinal que lhe oferecia era suficiente. Essa e a que combinava essas mãos suaves e esses quentes e famintos lábios. Apesar de tudo, lhe acreditou sem sombra de dúvida. Sentiu como se todos e cada um dos sentidos dele estivessem sozinho concentrados nela.
Como se somente existisse ela, somente ele, e essa coisa quente que havia entre eles.
E que, inegavelmente, tinha existido entre eles do mesmo momento em que ele tinha subido as escadas de sua casa pela primeira vez.
—OH —exclamou ela enquanto exalava todo o ar dos pulmões com um comprido suspiro. Ela se apertou contra ele desfrutando da sensação de notar essas mãos sobre sua pele, lhe acariciando a garganta, o ombro, o arco das costas.
— O que estamos fazendo, Lucan?
Ele emitiu um grunhido divertido que ela sentiu no ouvido, grave e prófundo como a noite.
—Acredito que já sabe.
—Eu não sei nada, nada quando faz isso. OH... Deus.
Ele deixou de beijá-la um instante e a olhou aos olhos com intensidade enquanto se apertava contra ela com um gesto lento e deliberado. O sexo dele se apertou, rígido, contra o estômago dela. Ela notava a solidez e a dimensão de seu membro, sentia a pura força e tamanho de seu pênis, inclusive através da barreira da roupa. Sentiu a umidade entre as pernas no mesmo instante em que a idéia de lhe receber dentro de si passou pela cabeça.
—É por isso que vim esta noite. —A voz de Lucan soou rouca contra seu ouvido.
—O compreende, Gabrielle? Desejo-te.
Esse sentimento era mais que mútuo. Gabrielle gemeu e esfregou seu corpo contra o dele com um desejo que não podia, nem queria, controlar.
Isso não estava acontecendo. Não estava acontecendo, realmente. Tinha que tratar-se de outro sonho louco, como o que tinha tido depois da primera vez que lhe tinha visto. Ela não estava em pé na cozinha com Lucan Thorne, nem estava permitindo que esse homem ao que quase não conhecia a seduzisse. Estava sonhando, tinha que estar sonhando, e ao cabo de pouco tempo despertaria no sofá, sozinha, como sempre, com a taça de vinho atirada no tapete e seu jantar no forno, queimado.
Mas ainda não.
OH, Deus, por favor, ainda não.
Sentir como lhe acariciava a pele, como bulia de desejo sua língua, era melhor que qualquer sonho, inclusive melhor que esse delicioso sonho que tinha tido antes, se é que isso era possível.
—Gabrielle —sussurrou ele.
— Me diga que você também quer isto.
—Sim.
Gabrielle notou que ele introduzia uma mão entre os corpos de ambos, urgente, e sentiu o fôlego quente dele em sua garganta.
—Me sinta, Gabrielle. Date conta de até que ponto te necessito.
Ela sentiu os dedos dele ligeiros ao entrar em contato com os seus. Conduziu-lhe a mão até a tensa ereção, liberada agora de seu confinamento. Gabrielle lhe rodeou o pênis com a mão e acariciou sua pele aveludada lentamente, lhe medindo. Essa parte de seu corpo era tão grande como o resto, e tinha uma força brutal apesar de que era muito suave. Sentir o peso do sexo dele na mão a transtornou como se tivesse tomado uma droga. Apertou a mão ao redor do pênis e atirou para cima, acariciando com a ponta dos dedos o grosso glande.
Enquanto Gabrielle subia e baixava com a mão ao longo de seu membro, Lucan se retorcia. Notou que as mãos dele tremiam enquanto se deslocavam dos quadris dela até a parte dianteira da pantalona para desabotoar-lhe, atirou do nó do cordão e soltou um juramento em algum idioma estranho com os lábios quentes contra seu cabelo. Gabrielle sentiu uma corrente de ar frio sobre o ventre e, imediatamente, o calor repentino da mão de Lucan, que acabava de introduzir-lhe dentro da calça.
Ela estava úmida por ele, tinha perdido a cabeça e sentia que o desejo lhe queimava.
Ele introduziu os dedos com facilidade por entre os cachos de sua entre perna e em seu sexo empapado, provocando-a com a brincadeira de sua mão contra sua carne. Ela gritou ao sentir que o desejo a invadia em uma quebra de onda que a deixou tremendo.
—Necessito-te —lhe confessou em um fio de voz, nua pelo desejo. Por resposta, lhe introduziu um comprido dedo dentro da vagina e logo outro. Gabrielle se retorceu ao sentir essa carícia tentadora que ainda não a enchia.
—Mais —disse, quase sem fôlego—. Lucan, por favor... necessito... mais.
Um escuro grunhido de paixão soou na garganta dele enquanto voltava a atacar seus lábios com outro beijo faminto. A calça dela se escorregou até o chão. Detrás, seguiram-lhe as calcinhas, a fina malha se rompeu com a força e a impaciência da mão de Lucan. Gabrielle sentiu que o ar frio lhe acariciava a pele, mas então Lucan ficou de joelhos diante dela e ela se acendeu antes de ter tempo de voltar a respirar. Ele a beijou e a lambeu, lhe sujeitando com força a parte interior das coxas com as mãos e lhe fazendo abrir as pernas para satisfazer seu desejo carnal. Sentiu a língua dele que a penetrava, sentiu que os lábios dele a chupavam com força, e não pôde evitar sentir que as pernas lhe fraquejavam.
Gozou rapidamente, com mais força da que teria imaginado. Lucan a sujeitava com firmeza com as mãos, apertando seu úmido sexo contra ele, sem lhe dar trégua Apesar de que o corpo dela tremia e se retorcia e que seu fôlego era agitado e entrecortado enquanto ele a conduzia para o orgasmo outra vez. Gabrielle fechou os olhos e jogou a cabeça para trás, rendendo-se a ele, e a loucura desse inesperado encontro. Cravou-lhe as unhas nos ombros para sujeitar-se, porque sentia que as pernas lhe falhavam.
Sentiu, de novo, o alívio do orgasmo em todo o corpo. Primeiro a possuiu com uma força férrea, arrastando-a a um país de uma sensualidade de sonho, e logo a soltou e ela se sentiu cair e cair...
Não, estava-a levantando, pensou, aturdida por essa neblina sexual. Os braços de Lucan a sujeitavam com ternura por debaixo das costas e dos joelhos. Agora ele estava nu, e ela também, Apesar de que não podia recordar quando se tirou a camiseta. Lhe rodeou o pescoço com os braços e ele a tirou da cozinha para a sala de estar, onde soava pelos alto-falantes a voz do Sarah McLahlan em um tema que falava de abraçar a alguém e de lhe beijar até lhe deixar sem respiração.
A suavidade do sofá a recebeu assim que Lucan a teve depositado no sofá para colocar-se em cima dela. Não foi até esse momento que ela pôde lhe ver por completo, e o que viu era magnífico. Um metro noventa e oito de sólida musculatura e de pura força masculina que a apanhava por cima, e esses sólidos braços a cada lado de seu corpo.
Como se a pura beleza do corpo dele não fosse suficiente, a impressionante pele de Lucan mostrava umas intrincadas tatuagens que a deixaram boquiaberta. O complicado desenho de linhas curvas e formas entrecruzadas se desdobrava por cima de seus peitorais e de seu forte abdomen, subia-lhe pelos largos ombros e lhe rodeava os grossos bíceps. A cor era confusa, variava de um verde mar, a um siena, um vermelho bordo que parecia tomar um tom mais intenso quando ela o olhava.
Ele baixou a cabeça para concentrar-se em seus peitos, e Gabrielle viu que a tatuagem lhe cobria as costas e desaparecia sob o cabelo da nuca. A primeira vez que lhe viu, sentiu o desejo de percorrer com os dedo essa marca. Agora sucumbiu a ele, abandonando-se, deixando que suas mãos percorressem todo o corpo dele, maravilhada tanto por esse homem misterioso como por essa estranha arte que sua pele mostrava.
—Me beije —lhe suplicou, lhe sujeitando os ombros tatuados com ambas as mãos.
Ele começou a levantar a cabeça e Gabrielle arqueou as costas debaixo dele, sentindo-se enfebrecida pelo desejo, precisando lhe sentir dentro de seu corpo. Sua ereção era dura como o aço e quente contra suas coxas. Gabrielle deslizou as mãos para baixo e lhe acariciou enquanto levantava os quadris para lhe receber.
—Tome —sussurrou ela—. Me encha, Lucan. Agora. Por favor.
Ele não o negou.
O grosso glande de seu membro pulsava, duro e sensível, na entrada de sua vagina. Ele estava tremendo e ela se deu conta de uma forma um tanto confusa. Esses impressionantes ombros tremiam sob o contato de suas mãos, como se ele se esteve contendo todo esse tempo e estivesse a ponto de explodir. Ela queria que ele gozasse com a mesma força com que o tinha feito ela. Precisava lhe ter dentro dela ou ia morrer. Ele emitiu um grunhido afogado, os lábios lhe roçando a sensibilidade da pele do pescoço.
—Sim —lhe animou ela, movendo-se debaixo dele para que seu pênis se crava-se até o centro de seu corpo.
— Não seja suave. Não vou romper.
Ele levantou a cabeça finalmente e, por um instante, olhou-a aos olhos. Gabrielle lhe olhou, com as pálpebras pesadas, assustada pelo fogo indómito que viu nele: seus olhos brilhavam com umas chamas gêmeas de uma cor prateado pálido que lhe alagava as pupilas e penetrava nos olhos dela com um calor sobrenatural. Os rasgos do rosto dele pareciam mais afiados, sua pele parecia estirar-se sobre suas maçãs do rosto e suas fortes mandíbulas.
Era verdadeiramente peculiar como a tênue luz da habitação jogava sobre esses rasgos.
Esse pensamento ainda não lhe tinha terminado de formar por completo quando as luzes da sala de estar se apagaram de uma vez. Tivesse-lhe parecido estranho se Lucan, nesse momento, quando a escuridão caiu sobre eles, não a tivesse penetrado com uma forte e profunda investida. Gabrielle não pôde reprimir um gemido de prazer ao notar que ele a enchia, abria-a, empalava-a até o centro de seu corpo.
—OH, Meu deus —exclamou ela quase em um soluço, aceitando toda a dureza e dimensão dele.
— É tão prazeiroso.
Ele baixou a cabeça até o ombro dela e soltou um grunhido enquanto saía de sua vagina. Logo investiu com mais força que antes. Gabrielle se sujeitou as costas dele, lhe atraindo para si, enquanto levantava as cadeiras para receber suas fortes investidas. Ele soltou um juramento, quase sem respiração, que pareceu um som escuro e animal. Seu pênis se deslizava dentro dela e parecia inchar-se mais a cada movimento de seus quadris.
—Necessito foderte, Gabrielle. Precisava estar dentro de ti do primeiro momento em que te vi.
A franqueza dessas palavras, o fato de que admitisse que a tinha desejado tanto como lhe tinha desejado a ele somente serviu para que ela se inflamasse mais. Enredou os dedos no cabelo dele, e gritou, sem respiração, à medida que o ritmo dele se incrementava. Agora ele entrava e saía, incansável, entre suas pernas. Gabrielle sentiu a corrente do orgasmo no mais profundo de seu ventre.
—Poderia estar fazendo isto toda a noite —disse ele com voz rouca, seu fôlego quente contra o pescoço dela.
— Acredito que não posso parar.
—Não o faça, Lucan. OH, Deus... não o faça.
Gabrielle se agarrou a ele enquanto ele bombeava dentro de seu corpo. Era o único que pôde fazer enquanto um grito lhe rompia a garganta e gozava e gozava e gozava uma vez detrás de outra, imparavel.
Lucan saiu do apartamento de Gabrielle e percorreu a escura e silenciosa rua a pé. Tinha-a deixado dormindo no dormitório de seu apartamento, com a respiração compassada e tranqüila, o delicioso corpo esgotado depois de três horas de paixão sem parar. Nunca havia transado com tanta fúria, durante tanto tempo, nem tão completamente com ninguém.
E ainda desejava mais.
Mais dela.
O fato de que tivesse conseguido lhe ocultar o alongamento das presas e o brilho de selvagem desejo de seus olhos era um milagre.
O fato de que não tivesse cedido à necessidade invencível e urgente de lhe cravar as afiadas presas na garganta e beber até ficar embriagado era ainda mais impressionante.
Mas não confiava em si mesmo o suficiente para ficar perto dela enquanto cada uma das enfebrecidas células de seu corpo lhe doía pelo desejo de fazê-lo.
Provavelmente, a ter ido ver essa noite tinha sido um monstruoso engano. Tinha pensado que ter sexo com ela apagaria o fogo que lhe acendia, mas nunca se equivocou tanto. Ter tomado a Gabrielle, ter estado dentro dela, somente tinha servido para pôr em evidência a debilidade que sentia por ela. Tinha-a desejado com uma necessidade animal e a tinha açoitado como o depredador que era. Não estava seguro de ter sido capaz de aceitar um não como resposta. Não acreditava que tivesse sido capaz de controlar o desejo que sentia por ela.
Mas não lhe tinha rechaçado.
Não o tinha feito, não.
Em retrospectiva, tivesse sido um ato de misericórdia que ela o ouvesse feito, mas em lugar disso, Gabrielle tinha aceito por completo sua fúria sexual e tinha exigido que não lhe desse nada inferior a isso .
Se nesse mesmo momento, desse meia volta e voltasse para seu apartamento para despertá-la, poderia passar umas quantas horas mais entre suas impressionantes e acolhedoras coxas. Isso, pelo menos, satisfaria parte de sua necessidade. E se não podia saciar a outra parte, esse tortura que crescia cada vez mais em seu interior, podia esperar a que se levantasse o sol e deixar que seus mortais raios o abrasassem até a destruição.
Se o dever que tinha para a raça não lhe tivesse tão comprometido, consideraria essa opção como uma possibilidade atrativa.
Lucan pronunciou um juramento em voz baixa. Saiu do bairro de Gabrielle e se internou na paisagem noturna da cidade. Tremiam-lhe as mãos. Lhe havia agudizado a vista, e seus pensamentos começavam a ser selvagens. O corpo lhe picava; sentia-se ansioso. Soltou um grunhido de frustração: conhecia esses sintomas muito bem.
Precisava voltar a alimentar-se.
Fazia muito pouco tempo que tinha tomado a quantidade suficiente de sangue para manter-se durante uma semana, possivelmente mais. Isso havia sido umas quantas noites atrás e, apesar disso, lhe retorcia o estômago como se estivesse desfalecido de fome. Fazia muito tempo que sua necessidade de alimentar-se tinha piorado e já quase resultava insuportavel quando tentava reprimir-lhe.
Isso era o que lhe tinha permitido chegar tão longe.
Em um momento ou outro ia chegar ao final da corda. E então o que?
De verdade acreditava que era tão distinto de seu pai?
Seus irmãos não tinham sido distintos de seu pai, e eles eram maiores e mais fortes que ele. A sede de sangue os tinha levado aos dois: um deles se tirou a vida quando o vício foi demasíado forte; o outro foi mais à frente ainda, converteu-se em um renegado e perdeu a cabeça sob a folha mortal de um guerreiro da raça.
Ter nascido na primeira geração lhe tinha dado a Lucan uma grande força e um grande poder —e lhe tinha permitido gozar de um imediato respeito que ele sabia que não merecia—, mas isso era tanto um dom como uma maldição. Perguntava-se quanto tempo mais poderia continuar lutando contra a escuridão de sua própria natureza selvagem. Algumas noites se sentia muito cansado de ter que fazê-lo.
Enquanto caminhava entre a gente que povoava as ruas noturnas Lucan deixou vagar o olhar. Embora estava preparado para entrar em batalha se tinha que fazê-lo, alegrou-se de que não houvesse nenhum renegado a vista. Somente viu uns quantos vampiros da última geração que pertenciam ao Refúgio Escuro dessa zona: um grupo de jovens machos que se mesclaram com um animado grupo de seres humanos que tinham saído de festa e que procuravam dissimuladamente, igual a ele, um anfitrião de sangue. Enquanto se dirigia para eles por essa parte da calçada, viu que os jovens se davam cotoveladas uns aos outros e lhes ouviu sussurrar as palavras «guerreiro» e «primeira geração». A admiração que mostravam abertamente e sua curiosidade resultavam aborrecida, embora não era algo pouco habitual. Os vampiros que nasciam e cresciam nos Refúgios Escuros raramente tinham a oportunidade de ver um membro da classe dos guerreiros, por não falar do fundador da antiga e orgulhosa e agora já antiquada Ordem.
A maioria deles conheciam as histórias que contavam que fazia varios séculos, oito dos mais ferozes e letais machos da raça se uniram em um grupo para assassinar aos últimos antigos selvagens e ao exército de renegados que lhes serviam. Esses guerreiros se converteram lenda e desde esse momento, a Ordem tinha sofrido muitas mudanças, havia crescido em número e suas localizações tinham aumentado nos períodos em que tinha havido conflito com os renegados e tinham detido sua atividade durante os largos períodos de paz.
Agora, a classe dos vampiros estava formada somente por um punhado de indivíduos em todo o planeta que operava de forma encoberta e muitas vezes independente e com não pouco desprezo da sociedade. Nesta época ilustrada de trato justo e de processos legais em que se encontrava a nação dos vampiros, as táticas dos guerreiros se consideravam renegadas e quase do outro lado da lei.
Como se Lucan, ou a qualquer dos guerreiros que se encontravam em primeira fila da luta com ele, importassem-lhes o mais mínimo as relações públicas.
Lucan grunhiu em direção aos jovens boquiabertos e dirigiu uma convite mental as fêmeas humanas com quem os vampiros tinham estado conversando na rua. Todos os olhos femininos ficaram cravados no puro poder que ele —e ele sabia— emanava em todas as direções. Duas das garotas —uma loira de peito abundante e uma ruiva de cabelo somente um pouco mais claro que o do Gabrielle— se separaram imediatamente do grupo e se aproximaram dele, esquecendo a seus amigos e aos outros machos imediatamente.
Mas Lucan somente necessitava a uma, e a eleição era fácil. Rechaçou a loira com um gesto de cabeça. Sua companheira se colocou sob o braço dele e começou alhe manusear enquanto ele a conduzia para um discreto e escuro rincão de um edifício próximo.
Se pos a tarefa sem duvidar nem um momento.
Apartou o cabelo da garota, impregnado do aroma de tabaco e a cerveja, de seu pescoço, lambeu-se os lábios e lhe cravou as presas estendidas na garganta. Ela sofreu um espasmo ao notar a dentada e levantou as mãos em um gesto instintivo no momento no qual ele começou a chupar com força o sangue de suas veias. Chupou durante um bom momento, não queria desperdiçar nada. A fêmea gemeu, não por causa do alarme nem da dor, a não ser a causa do prazer único que produzia sentir sair o sangue sob o domínio de um vampiro.
O sangue encheu a boca de Lucan, quente e denso.
Contra sua vontade, em sua mente se formou a imagem de Gabrielle em seus braços, e Lucan imaginou, por um muito breve instante, que era de seu pescoço de que chupava nesses momentos.
Que era o sangue dela a que lhe descia pela garganta e lhe entrava no corpo.
Deus, o que era pensar como seria chupar a veia de Gabrielle enquanto seu pênis se cravava no quente e úmido centro de seu corpo.
Que prazer só pensá-lo.
Apartou essa fantasia de sua mente com um grunhido feroz.
«Isso não vai acontecer nunca», disse a si mesmo, com dureza. A realidade era outra coisa, e era melhor que não a perdesse de vista.
A verdade era que não se tratava de Gabrielle, mas sim de uma estranha sem nome, justo tal e como ele o preferia. O sangue que tomava nesse momento não tinha a doçura de jasmim que ele tanto desejava, a não ser uma acidez amarga viciada por algum suave narcótico que sua anfitriã tinha ingerido recentemente.
Não lhe importava o sabor que tivesse. Quão único precisava era apaziguar a urgência da sede, e para isso servia qualquer. Continuou chupando e tragando com ansiedade, de forma expedita, como o fazia sempre quando se alimentava.
Quando teve terminado, passou a língua pelos dois orifícios para fecha-los. A jovem estava respirando agitadamente, tinha os lábios entre abertos e seu corpo estava lânguido como se tivesse acabado de ter um orgasmo.
Lucan pôs a palma da mão sobre a frente dela e a desceu para seu rosto para lhe fechar os olhos, vazios de expressão e sonolentos. Esse contato apagava qualquer lembrança do que acabava de acontecer entre eles.
—Seus amigos lhe estão procurando — disse a garota enquanto apartava a mão de seu rosto e lhe olhava, confundida, piscando.
— Deveria ir a casa. A noite está cheia de depredadores.
—De acordo —disse ela, assentindo com a cabeça.
Lucan esperou entre as sombras enquanto ela dava a volta a esquina do edifício e se dirigia para seus companheiros. Ele inalou com força através dos dentes e das presas: sentia todos os músculos do corpo tensos, duros e vivos. O coração lhe pulsava com força no peito. Somente pensar no sabor que devia ter o sangue de Gabrielle lhe tinha provocado uma ereção.
Seu apetite físico deveria haver-se apaziguado agora que já se havia alimentado, mas não se sentia satisfeito.
Ainda... desejava-a.
Emitiu um grunhido baixo e voltou a sair de caça a rua, mais mal humorado que nunca. Pôs o olhar na parte mais conflitiva da cidade com a esperança de encontrasse com um ou dois renegados antes de que começasse a sair o sol. De repente, precisava meter-se em uma briga desesperadamente. Precisava fazer mal a alguém, inclusive embora esse alguém acabasse sendo ele mesmo.
Tinha que fazer o que fosse necessário para manter-se afastado de Gabrielle Maxwell.
Capítulo oito
Ao princípio, Gabrielle pensou que se tratou somente de outro sonho erótico. Mas a manhã seguinte, ao despertar, tarde, nua na cama, com o corpo esgotado e dolorido nos lugares adequados, soube que, definitivamente, Lucan Thorne tinha estado ali, em carne e osso. E Deus, que carne tão impressionante. Tinha perdido a conta de quantas vezes a tinha levado até o climax. Se somava todos os orgasmos que tinha tido durante os últimos dois anos, provavelmente nem se aproximaria do que tinha experiente com ele a passada noite.
E apesar disso, no momento em que abriu os olhos e se deu conta, decepcionada, de que Lucan não se ficou ali, ainda desejava ter outro orgasmo mais. A cama estava vazia, o apartamento se encontrava em silêncio. Era evidente que ele se partiu em algum momento durante a noite.
Gabrielle estava tão esgotada que tivesse podido dormir o dia inteiro, mas tinha uma entrevista para com o Jamie e com as garotas, assim saiu da casa e se dirigiu por volta do centro da cidade vinte minutos depois do meio-dia. Quando entrou no restaurante de Chinatown se deu conta de que umas quantas cabeças se giravam a seu passo: notou as olhadas apreciativas de um grupo de tipos que pareciam modelos de publicidade e que se encontravam ante a barra de sushi e as de meia dúzia de executivos trajados que a seguiram enquanto ela se dirigia para a
mesa de seus amigos, ao fundo do restaurante.
Sentia-se sexy e segura de si mesmo, vestida com seu suéter de pescoço de pico de cor vermelha escuro e sua saia negra, e não lhe importava que fora evidente para todo mundo que se encontrava ali que tinha desfrutado da noite de sexo mais incrível de toda sua vida.
—Finalmente, honra-nos com sua presença! —exclamou Jamie assim que Gabrielle chegou a mesa e saudou seus amigos com uns abraços.
Megan lhe acariciou uma bochecha.
—Tem um aspecto fantástico.
Jamie assentiu com a cabeça.
—Sim, é verdade, carinho. Eu adoro o que tem posto. É novo? —Não esperou a que lhe respondesse. Voltou a sentar-se imediatamente ante a mesa e se meteu na boca um rollito frito.
— Morria de fome, assim já pedimos um aperitivo. Mas onde estiveste? Estava a ponto de mandar a um esquadrão para te buscar.
—Sinto muito. Hoje dormi um pouco.
—Sorriu e se sentou ao lado do Jamie, no banco de vinil de cor verde.
— Kendra não vem?
—Desaparecida em combate outra vez. —Megan tomou um sorvo de chá e se encolheu de ombros.
— Não importa. Ultimamente, somente fala de seu novo namorado, já sabe, esse menino que encontrou em La Notte o passado fim de semana.
—Brent —disse Gabrielle, controlando a pontada de desconforto que sentiu pela menção dessa terrível noite.
—Sim, ele. Ela inclusive conseguiu trocar seu turno pelo de dia no hospital para passar todas as noites com ele. Parece que ele tem que viajar muito para ir ao trabalho ou o que seja e normalmente não está disponivel durante o dia. Não me posso acreditar que Kendra permita que alguém lhe dirija a vida desta maneira. Ray e eu levamos três meses saindo, eu ainda tenho tempo para meus amigos.
Gabrielle arqueou as sobrancelhas. Dos quatro, Kendra era a mais livre de espírito, inclusive de forma impenitente. Preferia manter uns quantos amantes e tinha intenção de permanecer solteira pelo menos até que cumprisse os trinta.
—Crê que se apaixonou?
—Lascívia, carinho. —Jamie colheu com os palitos o último sushi.
— Às vezes te faz fazer coisas piores que o amor. Me acredite, passou-me.
Enquanto mastigava, Jamie cravou os olhos nos do Gabrielle durante um comprido momento. Logo se fixou no cabelo desordenado e em que ela, de repente, ruborizou-se. Gabrielle tentou sorrir com expressão despreocupada, mas não pôde evitar que seu segredo a traísse no brilho de felicidade de seus olhos. Jamie deixou os palitos no prato, inclinou a cabeça para ela e o cabelo loiro lhe caiu sobre a bochecha.
—OH, Meu deus. —Sorriu—. O tem feito.
—Fiz o que? —Mas lhe escapou uma suave gargalhada.
—Tem-no feito. Deitaste-te com alguém, verdade?
A gargalhada de Gabrielle se reduziu a uma tímida risadinha.
—OH, carinho. Pois te sinta bem, devo dizer. —Jamie lhe deu umas palmadinhas na mão e Riu com ela.
— A ver se o adivinho: é o escuro e sexy detetive do Departamento de Polícia de Boston.
Ela levantou os olhos ao céu para ouvir como lhe tinha qualificado, mas assentiu com a cabeça.
—Quando foi?
—Esta noite. Virtualmente toda a noite.
A expressão de entusiasmo do Jamie atraiu a atenção de algumas mesas próximas. Ele se acalmou um pouco, mas sorria a Gabrielle como uma orgulhosa mamãe ganso.
—Ele é bom, né?
—Incrível.
—De acordo. E como é possível que eu não saiba nada deste homem misterioso? —interrompeu Megan nesses momentos—. E é um policial? Possivelmente Ray lhe conheça. Posso-lhe perguntar...
—Não. —Gabrielle negou com a cabeça—. Por favor, não digam nada disto aninguém, meninos. Não estou saindo com Lucan. Veio ontem pela noite para me devolver o telefone celular e as coisas ficaram... bom... fora de controle. Nem sequer sei se vou voltar a lhe ver.
A verdade era que não tinha nem idéia disso mas, Deus, desejava que assim fosse.
Uma parte dela sabia que o que tinha ocorrido entre eles era algo insensato, uma loucura. Era-o. A verdade é que não podia negá-lo. Era de loucos. Ela sempre se teve por uma pessoa sensata, prudente: a pessoa que acautelava a seus amigos dos impulsos imprudentes como o que se permitiu a noite passada.
Tola, tola, tola.
E não somente por ter permitido que esse momento a apanhasse por completo até o ponto de ter esquecido tomar nenhum amparo. Ter relação íntimas com alguém que é virtualmente um desconhecido raramente era uma boa idéia, mas Gabrielle tinha a terrível sensação de que resultaria muito fácil perder o coração por um homem como Lucan Thorne.
Mas como, estava segura, não era menos que de idiotas.
Apesar de tudo, o sexo como o que tinha tido com ele não se dava freqüentemente. Pelo menos, não para ela. Somente pensar em Lucan Thorne fazia que tudo dentro de seu corpo se retorcesse de desejo. Se ele entrasse no restaurante justo nesse momento, provavelmente saltaria por sobre as mesas e se tornaria em cima dele.
—Ontem passamos juntos uma noite incrível, mas agora mesmo, isso é quão único há. Não quero tirar nenhuma conclusão disso.
—Ok! —Jamie apoiou um cotovelo na mesa e se apoiou nele com expressão conspiradora.
— Então, por que está a todo o momento?
—Onde diabos estiveste?
Lucan cheirou a Tegan antes de ver o vampiro dar a volta à esquina do corredor da zona de residência do complexo. O macho tinha estado caçando fazia pouco. Ainda arrastava o aroma metálico e adocicado do sangue, tanto de humano como de algum renegado.
Quando viu que Lucan lhe estava esperando fora de um dos apartamentos se deteve, com as mãos apertadas em punhos dentro dos bolsos da calça texana de cintura baixa. A camiseta cinza que levava posta estava desfiada em alguns pontos e suja de pó e de sangue. Tinha as pálpebras cansadas sobre os pálidos olhos verdes e se viam umas escuras olheiras. O cabelo, avermelhado, descuidado e comprido, caía-lhe sobre o rosto.
—Tem um aspecto de merda, Tegan.
Ele levantou os olhos por debaixo da franja de seu cabelo e se mostrou burlón, como sempre.
Seus fortes bíceps e antebraços estavam cobertos de dermoglifos. Essas elegantes e afiligranadas marca tinham somente um tom mais escuro que o de sua pele dourada e sua cor não desvelava o estado de ânimo do vampiro. Lucan não sabia se era por pura vontade que esse macho se encerrava em uma atitude permanente de apatia ou se era a escuridão de seu passado que verdadeiramente tinha apagado qualquer sentimento que pudesse ter.
Deus era testemunha de que tinha passado por algo que tivesse podido vencer a uma equipe inteira de guerreiros.
Mas os demônios pessoais que Tegan tivesse eram coisa dele. O único que lhe importava a Lucan era assegurar-se de que a Ordem se mantinha forte e a ponto. Não havia lugar para que essa correia tivesse enganos débeis.
—Faz cinco dias que estiveste fora de contato, Tegan. Lhe vou perguntar isso outra vez: onde merda estiveste?
O sorriu, zombador.
—Foda-se, cara. Não é minha mãe.
Começou a afastar-se, mas Lucan lhe fechou o passo com uma velocidade assombrosa. Levantou Tegan pelo pescoço e o empurrou contra a parede do corredor para captar sua atenção.
A fúria de Lucan estava em seu ponto máximo: em parte pela desconsideração que, em geral, Tegan mostrava por volta de outros na Ordem durante os últimos tempos, mas ainda o estava mais pela falta de sensatez que lhe tinha feito pensar que poderia passar uma noite com a Gabrielle Maxwell e tirar-lhe logo depois da cabeça.
Nem o sangue nem a extrema violência que tinha exercido com dois Renegados durante as horas prévias ao amanhecer tinham sido suficientes para apagar a lascívia pelo Gabrielle que ainda lhe pulsava por todo o corpo. Lucan tinha percorrido a cidade como um espectro durante toda a noite e tinha voltado para o complexo com um humor furioso e negro.
Esse sentimento persistia nele enquanto apertava os dedos ao redor da garganta de seu irmão. Necessitava uma desculpa para tirar a agresividade, e Tegan, com esse aspecto animal e com seu secretismo, era um candidato mais que bom para fazer esse papel.
—Estou cansado de suas tolices, Tegan. Precisa te controlar, ou eu o farei em seu lugar. —Apertou a laringe do vampiro com mais força, mas Tegan nem sequer se alterou pela dor.
— Agora me diga onde estiveste durante todo este tempo ou você e eu vamos ter sérios problemas.
Os dois machos tinham mais ou menos o mesmo tamanho e estavam mais que igualados em questão de força. Tegan pôde ter apresentado batalha, mas não o fez. Não demonstrou nem a mais mínima emoção, simplesmente olhou A Lucan com olhos frios e indiferentes.
Não sentia nada, e inclusive isso tirava de gonzo a Lucan.
Lucan, com um grunhido, tirou a mão da garganta do guerreiro e tentou controlar a raiva. Não era próprio dele comportar-se dessa maneira. Isso estava por debaixo dele.
Merda.
E era ele quem dizia a Tegan que tinha que controlar-se?
Bom conselho. Possivelmente tinha que aplicar-lhe a si mesmo.
O olhar inexpressivo do Tegan dizia mais ou menos o mesmo, embora o vampiro manteve, de forma inteligente, a boca fechada.
Enquanto os dois difíceis aliados se olhavam um ao outro em meio de um escuro silêncio, detrás deles e a certa distancia no corredor, uma porta de cristal se abriu com um zumbido. Ouviu-se o chiado das sapatilhas esportivas do Gideon no gentil chão enquanto este saía de seus aposentos privados e percorria o corredor.
—Né, Tegan, bom trabalho de reconhecimento, cara. Vigiei um pouco depois do que falamos o outro dia. Esse pressentimento que teve de que devíamos manter vigiados Aos renegados no Green Line parece bom.
Lucan nem sequer piscou. Tegan lhe agüentou o olhar, sem fazer caso às felicitações de Gideon. Tampouco tentou defender-se dessas suspeitas infundadas. Simplesmente ficou ali durante um comprido minuto sem dizer nada. Logo passou ao lado de Lucan e continuou seu caminho pelo corredor do complexo.
—Acredito que quererá comprovar isto, Lucan —disse Gideon enquanto se dirigia para o laboratório.
— Parece que algo está a ponto de ficar feio.
Capítulo nove
Com a taça quente entre as mãos, Gabrielle tomou um sorvo do suave chá enquanto Jamie comia o resto de seu prato. Também ia comer seu biscoitinho da sorte de sobremesa, como fazia sempre, mas não importava. Era agradável estar, simplesmente, com os amigos, e sentir que a vida voltava a adquirir certo ar de normalidade depois do que lhe tinha acontecido o fim de semana passado.
—Tenho uma coisa para ti —disse Jamie, interrompendo os pensamentos de Gabrielle. Rebuscou um momento na bolsa que levava de cor nata que estava no banco em meio de ambos e tirou um envelope alvo.
— Procede da amostra privada.
Gabrielle o abriu e tirou um cheque da galeria. Era mais do que hávia esperado. Uns par de notas grandes demais.
—Vai.
—Surpresa —cantarolou Jamie com um amplo sorriso—. Subi o preço. Pensei que diabos e eles o aceitaram sem regatear em nenhum momento. Crê que deveria ter pedido mais?
—Não —repôs Gabrielle—. Não, isto é... isto... uuuff. Obrigado.
—Não é nada. —Assinalou a barra de chocolate.
—Vais comer?
Ela empurrou o prato por cima da mesa para ele.
—Bom, e quem é o comprador?
—Ah, isso continua sendo um grande mistério —disse ele, enquanto rompia a bolacha dentro de seu pacote de plástico.
— Pagaram em dinheiro, assim é evidente que são sérios sobre o caráter anônimo da venda. E mandaram um táxi para me buscar para levar a coleção.
—Do que estão falando, meninos? —perguntou Megan. Olhou aos dois com o cenho franzido e uma expressão de confusão.
— Lhes juro que sou a última que se inteira de tudo.
—Nossa pequena e talentosa artista tem um admirador secreto — informou Jamie, dramaticamente. Tirou a nota da sorte do biscoitinho, leu-a, levantou os olhos ao céu e atirou o trocito de papel no prato vazio.
— Onde ficaram os dias em que este tipo de coisas significavam algo? Bom, faz umas quantas noites me pediram que apresentasse a coleção completa de fotografias da Gabby ante um comprador anônimo do centro da cidade. Compraram-nas todas: até a última.
Megan olhou a Gabrielle com os olhos muito abertos.
—Isso é maravilhoso! Me alegro tanto por ti, carinho!
—Seja quem é quem as comprou, a verdade é que tem uma seria mania com o secretismo.
Gabrielle olhou a seu amigo enquanto se guardava o cheque na bolsa.
—O que quer dizer?
Jamie terminou de mastigar o último pedaço de biscoitinho da sorte e se limpou os dedos dos miolos.
—Bom, quando cheguei a direção que me deram, em um desses luxuosos edifícios de escritórios com vários inquilinos, recebeu-me uma espécie de guarda-costas no vestíbulo. Não me disse nada, somente murmurou algo a um microfone sem fio e logo me acompanhou até um elevador que nos levou a piso mais alto do edifício.
Megan arqueou as sobrancelhas.
—Ao apartamento de cobertura?
—Sim. E aí está a coisa. O lugar estava vazio. Todas as luzes estavam acesas, mas não havia ninguém dentro. Não havia móveis, não havia nenhuma equipe, nada. Somente paredes e janelas que davam a cidade.
—Isso é muito estranho. Não te parece, Gabby?
Ela assentiu com a cabeça e uma sensação de intranqüilidade foi invadindo enquanto Jamie continuava.
—Então o guarda-costas me disse que tirasse a primeira fotografia da pasta e que caminhasse com ela e me dirigisse para as janelas da parede norte. Ao outro lado estava escuro, e eu lhe estava dando as costas a ele, mas ele me disse que devia sujeitar cada uma das fotos ante essa janela até que me desse instruções das deixar a um lado e tomar outra.
Megan riu.
—De costas a ele? Por que queria que fizesse isso?
—Porque o comprador estava observando desde outro lugar —respondeu Gabrielle em voz baixa.
— Em algum lugar de onde via as janelas do apartamento de cobertura.
Jamie assentiu com a cabeça.
—Isso parece. Não consegui ouvir nada, mas estou seguro de que o guarda-costas, ou o que fora, estava recebendo instruções pelos auriculares. Para te dizer a verdade, estava-me pondo um pouco nervoso com tudo isso, mas foi bem. Ao final não passou nada mau. Quão único queriam eram suas fotografias. Somente tinha chegado a quarta quando disseram que pedisse um preço para todas elas. Assim, que tal e como te hei dito, pus alto e o aceitaram.
—Estranho —comentou Megan—. Né, Gab, possivelmente chamaste a atenção de um milionário mortalmente atrativo mas retraído. Possivelmente o ano que vem, por estas datas, estaremos dançando em suas luxuosas bodas no Mikonos.
—Uf, por favor —exclamou Jamie sem fôlego—. Mikonos é do ano passado. A gente bonita está na Marbella, querida.
Gabrielle tentou tirar-se de cima a estranha sensação de inquietação que lhe estava produzindo a estranha história do Jamie. Tal e como ele havia dito, tudo tinha ido bem e ela tinha um cheque por uma importância muito alta na bolsa. Possivelmente podia convidar para jantar a Lucan, dado que a comida que tinha preparado a outra noite para a celebração ficou no balcão da cozinha.
Embora não sentia nem o mais mínimo remorso pela perda de seus manicotti.
Sim, uma romântica saída para jantar com Lucan soava fantástico. Com um pouco de sorte, possivelmente tomassem as sobremesas em... e o café da manhã também .
Gabrielle ficou de bom humor imediatamente e riu com seus amigos enquanto estes continuavam intercambiando idéias extravagantes a respeito de quem podia ser esse misterioso colecionador e o que podia significar para seu futuro e, por extensão, para o de todos eles. Ainda estavam falando do mesmo quando a mesafoi retirada e a conta paga, e os três saíram a rua ensolarada.
—Tenho que ir correndo —disse Megan, dando um rápido abraço a Gabrielle e a Jamie.
— Nos veremos logo, meninos?
—Sim —responderam os dois ao uníssono e a saudaram com a mão, atrás da Megan caminhava rua acima, para o edifício de escritórios onde trabalhava.
Jamie levantou uma mão para chamar um táxi.
—Vai diretamente a casa, Gabby?
—Não, ainda não. —Deu uns golpezinhos a câmera que levava sobre o ombro.
— Pensava dar um passeio até o parque e possivelmente gastar um pouco de filme. E você?
—David vai chegar de Atlanta dentro de uma hora —lhe disse .
— Vou tirar o resto do dia. Possivelmente amanhã também.
Gabrielle riu.
—Dê- lhe lembranças de minha parte.
—Farei-o. —aproximou-se dela e lhe deu um beijo na bochecha.
— Eu gosto de verte sorrir outra vez. Estava realmente preocupado por ti depois do último fim de semana. Nunca te tinha visto tão afetada. Está bem, verdade?
—Sim, estou bem, de verdade.
—E agora tem ao escuro e sexy detetive para te cuidar, o qual não está nada mal.
—Não, não está nada mal —admitiu ela, e notou uma sensação de calidez pelo só feito de pensar nele.
Jamie lhe deu um abraço afetuoso.
—Bom, céu, se necessitar algo que ele não te possa dar, o qual duvido muito, me chame, de acordo? Quero-te, carinho.
—Eu também te quero. —Um táxi se deteve na esquina e se saudaram.
— Te divirta com o David. —E levantou a mão para lhe dizer adeus enquanto Jamie entrava no táxi e este se internava no matizado tráfico da hora de comer.
Somente se demorava uns quantos minutos em percorrer as quadras que separavam Chinatown do parque Boston Common. Gabrielle passeou pelos amplos espaços e tirou umas quantas fotografias. Logo se deteve para observar a uns meninos que jogavam a galinha cega na grama da zona de recreio. Observou a uma menina que se encontrava no centro do grupo com os olhos tampados com uma atadura e que girava a um lado e a outro com os braços estendidos tentando apanharar seus esquivos amigos.
Gabrielle levantou a câmera e enfocou aos meninos, que não paravam de correr e de rir. Aproximou a imagem com o zoom e seguiu a menina de cabelo loiro e olhos enfaixados com a lente enquanto as risadas e os gritos dos meninos enchiam o parque. Não fez nenhuma fotografia, simplesmente olhou esse despreocupado jogo desde detrás da câmera e tentou recordar uma época em que ela se houvesse sentido assim contente e segura.
Deus, havia-se sentido assim alguma vez?
Um de quão adultos estava vigiando aos meninos de perto lhes chamou para que fossem comer, interrompendo seu estridente jogo. Os meninos correram até o lençol estendido no chão para comer e Gabrielle percorreu o parque ao seu redor com a lente da câmera. Na imagem desfocada a causa do movimento, percebeu a figura de alguém que a olhava desde debaixo da sombra de uma árvore grande.
Gabrielle apartou a câmera de seu rosto e olhou nessa direção: havia um homem jovem em pé, parcialmente escondido pelo tronco de um velho carvalho.
Sua presença era quase imperceptível nesse parque cheio de atividade, mas lhe resultava vagamente familiar. Gabrielle viu que tinha o cabelo abundante e de uma cor castanha cinzenta, que levava uma camisa solta e uma calça cáqui. Era a classe de pessoa que desaparecia com facilidade entre a multidão, mas estava segura de que lhe tinha visto em algum lugar fazia pouco tempo.
Não lhe tinha visto na delegacia de polícia de polícia a semana passada quando foi fazer a declaração?
Fosse quem fosse, deveu dar-se conta de que lhe tinha visto, porque imediatamente retrocedeu, escondeu-se atrás do tronco da árvore e começou a afastar-se dali em direção a Charles Street. Enquanto caminhava a passo rápido em direção a essa rua, tirou-se um telefone celular do bolso da calça e jogou uma rápida olhada para trás por cima do ombro, em direção a Gabrielle.
Gabrielle sentiu que lhe arrepiavam os cabelos da nuca com uma repentina sensação de suspeita e de alarme.
Ele a tinha estado observando, mas por que?
Que diabos estava acontecendo? Algo acontecia, definitivamente, e ela não tinha intenção de tratar de adivinhá-lo por mais tempo.
Com o olhar cravado no menino da calça cáqui, Gabrielle começou a caminhar detrás dele enquanto se guardava a câmera na capa e se ajustava a tira da bolsa protetora no ombro. Quando saiu do amplo terreno do parque e entrou no Charles Street, o menino lhe levava uma quadra de vantagem.
—Né! —chamou ela, começando a correr.
O,menino que continuava falando por telefone, girou a cabeça e a olhou. Disse algo ao aparelho com gesto apressado, apagou o aparelho e o conservou na mão. Apartou o olhar dela e começou a correr.
—Para! —gritou Gabrielle. Chamou a atenção das pessoas na rua, o menino continuou sem lhe fazer caso.
— Te hei dito que te detenha, merda! Quem é? Por que me está espiando?
Ele subiu a toda velocidade pelo Charles Street mergulhando-se na maré de pedestres. Gabrielle lhe seguiu, esquivando a turistas e empregados de escritório que saíam durante o descanso para a comida, sem apartar a vista da mochila delgada que o menino levava nas costas. Ele torceu por uma rua, logo por outra, internando-se cada vez mais na cidade, afastando-se das lojas e os escritórios do Charles Street e voltando para a matizada zona de Chinatown.
Sem saber quanto tempo levava perseguindo a esse menino nem onde havia chegado exatamente, Gabrielle se deu conta de repente de que lhe tinha perdido.
Girou por uma esquina cheia de gente e se sentiu profundamente sozinha: esse ambiente pouco familiar se fechou ao redor dela. Os lojistas a observavam desde debaixo dos toldos e desde detrás das portas abertas para deixar entrar o ar do verão. Os pedestres a olhavam, aborrecidos, porque se tinha detido de repente em meio da calçada e interrompia o passo.
Foi nesse momento quando sentiu uma presença ameaçadora detrás dela, na rua.
Gabrielle olhou por cima do ombro e viu um Sedam negro de vidros escuro que se deslocava devagar entre outros carros. Movia-se com elegância, deliberadamente, como um tubarão que atravessasse um banco de peixes pequenos em busca de uma presa melhor.
Estava-se dirigindo para ela?
Talvez o menino que a tinha estado espiando se encontrava dentro do carro. Possivelmente sua aparição, e a do carro de aspecto ameaçador, tinham algo que ver com quem tinha comprado suas fotografias.
Ou possivelmente se tratasse de algo pior.
Possivelmente um pouco relacionado com o espantoso ataque que tinha presenciado na semana anterior e tendo informado disso a polícia. Possívelmente se tropeçou com uma rixa entre bandas, depois de tudo. Possivelmente essas criaturas malignas —já que não podia acabar de convencer-se de que eram homens— tinham decidido que ela era seu próximo alvo.
O veículo se aproximou por um sulco lateral até a calçada onde ela se encontrava em pé e Gabrielle sentiu que um medo gelado a atravessa.
Começou a caminhar. Acelerou o ritmo para avançar mais depressa.
A suas costas ouviu o som do carro que acelerava.
OH, Deus.
Ia por ela!
Gabrielle não esperou para ouvir o som dos pneumáticos das rodas no pavimento a suas costas. Gritou e saiu disparada em uma carreira , movendo as pernas tão depressa como era capaz.
Havia muita gente ao seu redor. Muitos obstáculos para tomar um caminho reto. Esquivou aos pedestres, muito nervosa para oferecer nenhuma desculpa antes seus estalos de língua e exclamações de irritação.
Não lhe importava: estava segura de que era um assunto de vida ou morte.
Olhar para trás seria um grave engano. Ainda ouvia o ruído do motor do carro no meio do tráfico, que a seguia de perto. Gabrielle baixou a cabeça e se esforçou em correr mais rápido enquanto rezava por ser capaz de sair dessa rua antes de que o carro a apanhasse.
De repente, nessa enlouquecida carreira, falhou-lhe um tornozelo.
Cambaleou-se e perdeu o equilíbrio. O chão pareceu elevar-se para ela e caiu com força contra o duro pavimento. Parou o golpe forte da queda com os joelhos e as palmas das mãos, destroçando-lhe a dor da carne rasgada, lhe fez saltar as lágrimas, mas não fez conta. Gabrielle voltou a ficar em pé. Quase ainda não tinha recuperado o equilíbrio quando notou a mão de um estranho que a sujeitava com força pelo cotovelo.
Gabrielle reprimiu um grito. Tinha os olhos enlouquecidos de pânico.
—Encontra-se bem, senhorita? —O rosto cinza de um trabalhador municipal apareceu em seu ângulo de visão e seus olhos azuis rodeados de rugas se fixaram nas feridas.
—Uf, vá, olhe isso, está sangrando.
—Solte-me!
—É que não viu esses reservatórios de água daí? —Assinalou com o polegar por cima do ombro, a suas costas, para os cones de cor laranja com os quais Gabrielle tinha se chocado ao passar—Esta parte da calçada está levantada.
—Por favor, não passa nada. Estou bem.
Apanhada pela mão dele, que tentava ajudá-la mas que a desafiava, Gabrielle levantou o olhar bem a tempo para ver que o Sedam escuro aparecia na esquina por onde ela tinha passado fazia um instante. O carro se deteve abruptamente, a porta do condutor se abriu e um homem enorme e muito alto saiu à rua.
—OH, Deus. Me solte! —Gabrielle deu uma sacudida com o braço para soltar do homem que tentava ajudá-la sem apartar o olhar desse monstruoso carro negro e no perigo que supunha—. É que não comprende que me estão perseguindo?
—Quem? —O tom de voz do trabalhador municipal foi de incredualidade. Levou a vista em direção aonde ela estava olhando e soltou uma gargalhada.
— Se refere a esse tipo? Senhora, é o maldito prefeito do Bostom.
-O que...?
Era verdade. Olhou enlouquecida toda a atividade que se desenvolvia nessa esquina e o compreendeu. O Sedam negro não a perseguia, depois de tudo. Tinha estacionado na esquina e o condutor, agora, estava esperando com a porta traseira aberta. O prefeito em pessoa saiu de um restaurante acompanhado por dois guarda-costas e os três subiram ao assento traseiro do veículo.
Gabrielle fechou os olhos. As palmas das mãos lhe queimavam de dor. Os joelhos, também. Tinha o pulso acelerado, mas parecia que o sangue lhe tinha descido da cabeça.
Sentiu-se como uma completa idiota.
—Acreditei... —murmurou, enquanto o condutor fechava a porta, e se colocava no assento dianteiro e arrancava o carro em direção ao tráfico da rua.
O trabalhador lhe soltou o braço. Afastou-se dela para voltar a ocupar-se da bolsa com sua comida e seu café enquanto meneava a cabeça.
—O que lhe acontece? É que se tornou louca ou algo?
Merda.
Supunha-se que ela não tinha que lhe haver visto. Tinha ordens de observar a mulher Maxwell, de tomar nota de suas atividades, de estabelecer quais eram seus costumes. Tinha que informar de tudo isso a seu Professor. Por cima de tudo, tinha que evitar ser visto. O subordinado soltou outra maldição do mesmo lugar onde estava escondido, as costas pega contra uma anódina porta de um edifício, um desses tantos lugares que se apinhavam entre os restaurantes e mercados do Chinatown. Com cuidado, abriu a porta e tirou a cabeça para ver se podia detectar a mulher em algum lugar da rua.
Ali estava, justo ao outro lado da rua abarrotada de gente.
E se alegrou de ver que ela estava abandonando a zona. Quão último perdeu de vista foi seu cabelo acobreado por entre a multidão da calçada, a cabeça encurvada e o passo acelerado.
Esperou ali, observou-a até que teve desaparecido de sua vista por completo. Então voltou a sair a rua e se dirigiu em direção contraria. Tinha passado mais de uma hora de seu descanso para comer. Era melhor que voltasse para a delegacia de polícia antes de que lhe sentissem falta.
Capítulo dez
Gabrielle pôs outra toalha de papel sob o jorro de água fria na pia da cozinha. Havia várias toalhas mais atiradas já, empapadas de água e manchadas de sangue, além de sujas do pó da rua que se limpou das palmas das mãos e dos joelhos. Em pé, de sutiens e calcinhas, jogou um pouco de sabão líquido na toalha de papel empapada de água e se esfregou com energia as feridas das palmas das mãos.
—Ai! —exclamou, e franziu o cenho. Encontrou-se uma pequena e afiada lasca cravada na ferida. A tirou e a atirou à pia ao lado de todo o cascalho que se limpou das feridas.
Deus, parecia um desastre.
A saia nova estava rota e destroçada. A prega do suéter se danificou ao cair contra o áspero pavimento. E parecia que as mãos e os joelhos pertencessem a uma menina selvagem e torpe.
E além de tudo isso, mostrou-se como uma completa estúpida em público.
Que demônios lhe estava acontecendo para ficar histérica dessa maneira?
O prefeito, pelo amor de Deus. E ela tinha fugido desse carro como se temesse que se tratasse de...
Do que? De alguma espécie de monstro?
«Vampiro.»
As mãos do Gabrielle ficaram imóveis.
Ouviu a palavra mentalmente, apesar de que se negou a pronunciá-la em voz alta. Essa era a palavra que tinha na soleira da consciência do momento em que foi testemunha desse assassinato. Era uma palavra que não queria reconhecer, nem sequer quando se encontrava sozinha no selêncio de seu apartamento vazio.
Os vampiros eram a obsessão da louca de sua mãe biológica, não a sua.
Essa adolescente anônima se encontrava em um estado completamente delirante quando a polícia a tirou das ruas, fazia tantos anos. Dizia que a tinham açoitado uns demônios que queriam beber seu sangue, que, de fato, tinham-no tentado, e essa tinha sido a explicação que tinha dado pelas estranhas feridas que tinha na garganta. Os documentos judiciais que lhe tinham dado estavam salpicados de loucas referencias a espectros sedentos de sangue que percorriam a cidade em completa liberdade.
Impossível.
Isso era uma loucura, e Gabrielle sabia.
Estava permitindo que sua imaginação e que o medo que tinha de converter-se em uma perturbada como sua mãe algum dia acabassem com ela. Mas ela era muito inteligente para permiti-lo. Era mais sã, pelo menos...
Deus, tinha que sê-lo.
Ter visto esse menino da delegacia de polícia esse mesmo dia —para somar-se a tudo pelo que tinha passado durante os últimos dias— lhe havia disparado seus medos. Apesar de tudo, agora que o pensava, nem sequer estava segura de que esse tipo a quem tinha visto no parque fora de verdade o administrativo que tinha visto na delegacia de polícia.
Mas e o que se o era? Possivelmente se encontrava no parque para tomar sua comida e para desfrutar do tempo igual ao estava fazendo ela. Isso não era nenhum crime. Possivelmente, a estava olhando era porque também lhe tinha parecido que lhe resultava familiar. Possivelmente ele se aproximou para saudá-la se ela não tivesse carregado contra ele como uma psicopata paranoica, lhe acusando de estar espiando-a.
OH, e não seria perfeito que ele fosse a delegacia de polícia e contasse a todos que lhe tinha açoitado por várias quadras no Chinatown?
Se Lucan se inteirava disso, ela ia morrer da humilhação.
Gabrielle terminou de limpar as feridas das palmas das mãos e tentou apartar tudo o que tinha ocorrido esse dia de sua cabeça. Ainda tinha a ansiedade no ponto máximo e o coração lhe pulsava com força. Limpou-se os golpes do rosto e observou um magro rastro de sangue que lhe descia pelo pulso.
Ver seu sangue sempre a tranqüilizava, por alguma estranha razão. Sempre tinha sido assim.
Quando era mais jovem e as emoções e as pressões internas eram tão fortes que já não sabia o que fazer com elas, quão único tinha que fazer para se acalmar era fazer um pequeno corte.
O primeiro tinha sido por acidente. Gabrielle se encontrava cortando uma maçã em um de seus lares de acolhida quando a faca resvalou e lhe fez um corte na base do dedo polegar. Doeu-lhe um pouco, mas Gabrielle não sentiu nem medo nem pânico ao observar como o sangue saía e desenhava um reluzente redemoinho escarlate.
Havia-se sentido fascinada.
Havia sentido uma incrível espécie de... paz.
Ao cabo de uns quantos meses desse surpreendente descobrimento, Gabrielle voltou a cortar-se. Fê-lo de forma deliberada e em segredo, sem intenção de fazer-se mal de verdade. À medida que o tempo transcorreu, fê-lo mais freqüentemente, sempre que precisava sentir essa profunda sensação de calma.
E agora o necessitava porque estava ansiosa e nervosa como um gato atento a qualquer pequeno ruído que ouvisse no apartamento ou fora dele. Doía-lhe a cabeça. Tinha a respiração agitada e apertava as mandíbulas.
Seus pensamentos saltavam do brilho do flash ante a cena da noite fora da discoteca ao inquietante psiquiátrico onde tinha estado fazendo fotos a manhã anterior e ao medo irracional, profundo e perturbador que havia sentido essa tarde.
Necessitava um pouco de paz depois de tudo isso.
Só embora fossem uns quantos minutos de calma.
Gabrielle dirigiu o olhar para o contêiner de facas de madeira que se encontrava, ali perto, sobre o mármore. Alargou a mão e tomou um deles. Fazia anos que não o fazia. esforçou-se tanto em controlar essa compulsão estranha e vergonhoza.
Mas a tinha feito desaparecer de verdade?
Os psicólogos que a administração lhe tinha posto e os trabalhadores sociais, ao final, convenceram-se de que assim era. Também os Maxwell.
Agora, enquanto se aproximava a faca à pele do braço e sentia como uma escura emoção despertava dentro dela, Gabrielle o duvidou. Aperto a ponta da folha contra a pele do antebraço, embora ainda sem a força suficiente para cortar-se.
Esse era seu demônio privado, e era uma coisa que nunca havia comprartilhado abertamente com ninguém, nem sequer com o Jamie, seu amigo mais querido.
Ninguém o compreenderia.
Quase nem ela mesma o compreendia.
Gabrielle jogou a cabeça para trás e respirou profundamente. Enquanto voltava a baixar a cabeça e exalava lentamente, viu seu próprio reflexo no cristal da janela de cima da pia. O rosto que lhe devolveu o olhar tinha uma expressão esgotada e triste, seus olhos estavam apagados e angustiados.
—Quem é? —sussurrou a essa imagem fantasmal que via no cristal. Teve que reprimir um soluço.
— O que é que vai mal contigo?
Abatida consigo mesma, atirou a faca na pia e se apartou dali enquanto o som do aço ressonava na cozinha.
O constante som dos sinais de multiplicação de um helicóptero atravessava o céu da noite no velho psiquiátrico. Da camuflagem de uma nuvem, um Colibri EC120 negro descendeu e se posou com suavidade em uma zona plaina do telhado.
—Desliga o motor —ordenou o líder dos renegados a seu subordinado piloto quando o aparelho se posou no improvisado heliporto.
— Espere-me aqui até que volte.
Saltou fora da cabine e recebeu a imediata saudação de seu tenente, um indivíduo bastante desagradável a quem tinha recrutado na Costa Oeste.
—Tudo está em ordem, senhor.
As espessas sobrancelhas marrons do renegado se afundaram em cima de seus ferozes olhos amarelos. Na enorme cabeça calva ainda se viam as cicatrizes das queimaduras de eletricidade que lhe tinham infligido os da raça durante um interrogatório pelo que tinha passado fazia meio ano. Mas, entre o resto dos repugnantes rasgos de seu rosto, essas numerosas marcas de queimaduras eram somente um detalhe. O renegado sorriu, deixando ver umas enormes presas.
—Seus presentes foram muito bem recebidos esta noite, senhor. Todo o mundo espera com ânsia sua chegada.
O líder dos renegados, com os olhos escondidos detrás de uns óculos de sol, assentiu com a cabeça brevemente e, com passo depravado, deixou-se conduzir até o piso de acima do edifício e logo até um elevador que lhe levaria ao coração das instalações. Afundaram-se por debaixo do nível do piso do chão, saíram do elevador e se internaram por uma rede de túneis que rodeavam uma parte da fortaleza da guarida dos renegados.
Quanto ao líder, este tinha estado instalado em seu quartel privado em algum ponto de Boston durante o último mês, fiscalizando em privado algumas operações, determinando obstáculos e estabelecendo as principais vantagens que tinham no novo território que queriam controlar. Esta era sua primeira aparição em público: era todo um evento, e essa era exatamente sua intenção.
Não era algo freqüente que ele se aventurasse a sair em meio da porqueira da população geral; os vampiros que se convertiam em renegados eram uma gente arruda, indiscriminada, e ele tinha aprendido apreciar coisas melhores durante seus muitos anos de existência. Tinha que lhes recordar a essas bestas quem era e a quem serviam e por isso lhes tinha devotado uma amostra do bota de cano longo que lhes esperava ao final de sua última missão. Não todos eles sobreviveriam, é obvio. As vítimas acostumavam a acumular-se em meio de uma guerra.
E uma guerra era o que ia vender aí essa noite.
Já não haveria mais conflitos insignificantes no terreno. Não haveria mais luta internas entre os renegados, nem mais atos absurdos de vingança individual. Foram unir-se e passar a página de uma forma que ainda ninguém tinha imaginado nessa antiga batalha que tinha dividido para sempre a nação dos vampiros em dois. A raça tinha mandado durante muito tempo e tinha chegado a um acordo não falado com os humano inferiores ao tempo que ansiavam eliminar a seus irmãos os renegados.
As duas facções da estirpe dos vampiros não eram tão diferentes uma da outra, somente lhes separava uma questão de grau. Quão único diferenciava a um vampiro da raça que saciava sua fome de vida e a um vampiro constantemente sedento de sangue e viciado era uma questão de litros. As linhas sangüíneas da estirpe se apagaram com o tempo da época dos antigos e os novos vampiros se convertiam em adultos e se apareavam com as companheiras de raça humanas.
Mas não havia forma de que a contaminação de gens humanos destruisse por completo os gens dos vampiros, mais fortes. A sede de sangue era um espectro que perseguiria a raça para sempre.
Do ponto de vista do líder dessa guerra que se aproximava, a gente tanto podia lutar contra o impulso inato próprio de sua estirpe ou utiliza-lo para benefício próprio.
Nesse momento, ele e seu tenente tinham chegado ao final do corredor e a vibração de uma música estridente reverberava nas paredes e no chão, sob seus pés. Estava-se levando a cabo uma festa detrás de uma dupla porta de aço amassada e maltratada. Ante ela, um vampiro Renegado que se encontrava de guarda se fincou de joelhos pesadamente assim que suas rasgadas pupilas registraram quem estava esperando diante dele.
—Senhor. —O tom de sua áspera voz foi reverente e mostrou deferencia ao não levantar a vista para encontrar-se com os olhos que se ocultavam detrás desses óculos escuros.
— Meu senhor, sua presença nos honra.
De fato, sim lhes honrava. O líder fez um rápido movimento afirmativo com a cabeça assim que o vigilante ficou em pé de novo. Com uma mão imunda, que estava de guarda empurrou as portas para permitir a entrada a seu superior a estridente reunião que se levava a cabo ao outro lado das mesmas. O líder se despediu de seu acompanhante e ficou livre para observar em privado o lugar.
Tratava-se de uma orgia de sangue, sexo e música. Em todos os rincões onde olhasse via machos renegados que manuseavam, perseguiam e se alimentavam de um variado sortido de seres humanos, tanto homens como mulheres. Sentiam pouca dor, tanto se encontravam nesse evento de forma voluntária como se não. A maioria tinham sofrido, pelo menos, uma dentada, e lhes tinham extraído tanto sangue que se sentiam como em uma nuvem de sensualidade e ligeireza. Alguns deles fazia muito momento que se foram, e seus corpos se encontravam inertes como os de uns bonitos bonecos de roupa em cima do regaço de seus depredadores
Olhos selvagens, que não cessavam de alimentar-se até que não ficava nada mais que devorar.
Mas isso era o que alguém devia esperar se lançava uns tenros cordeiros a um poço cheio de bestas vorazes.
Enquanto se dirigia para a parte mais matizada dessa reunião, começaram-lhe a suar as mãos. O pênis lhe endureceu baixo a cuidada queda da calça confeccionada a medida. As gengivas começaram a lhe doer e a lhe pulsar, e teve que morder a língua para evitar que as presas lhe alargassem de fome, ao igual que tinha feito seu sexo, em resposta a chuva de estímulos eróticos e sensoriais que lhe golpeiavan desde todos os ângulos.
A mescla do aroma de sexo e sangue derramada lhe chamava como o canto de uma sereia. Esse era um canto que ele conhecia bem, embora isso tinha sido em seu passado, agora muito distante. OH, ainda desfrutava com um bom sexo e com uma suculenta veia aberta, mas essas necessidades já não lhe governavam. Tinha tido que percorrer um caminho muito difícil do ponto em que se encontrava antigamente, mas, ao final, tinha vencido.
Agora era senhor de si mesmo e logo o seria de muito, muito mais.
Uma nova guerra ia começar e ele estava preparado para oferecer a última batalha. Estava educando a seu exército, aperfeiçoando seus métodos, recrutando aliados que mais tarde seriam sacrificados sem duvidá-lo nem um momento no altar de seu capricho pessoal. Ia infligir uma sangrenta vingança a nação dos vampiros e ao mundo de quão humanos somente existia para servir aos seus.
Quando a grande batalha tivesse terminado e as cinzas e o pó houvessem sido finalmente varridos, não haveria ninguém que pudesse interpor em seu caminho.
Ele seria um maldito rei. Esse era seu direito de nascimento.
—Mmmm... né, bonito... vêem aqui e joga comigo.
Esse convite realizado em voz rouca lhe alcançou por cima do barulho da sala. De um montículo de corpos retorcidos, nus e úmidos tinha aparecido a mão de uma mulher que lhe sujeitou pela coxa no momento em que ele passava por seu lado. Ele se deteve, baixou o olhar até ela com uma clara expressão de impaciência. Percebeu uma beleza oculta sob a escura e destroçado maquiagem, mas ela tinha a mente completamente perdida nesse profundo delírio da orgia.
Um par de rastro de sangue lhe desciam pelo bonito pescoço e chegavam até as pontas de seus peitos perfeitamente formados. Tinha outras mordidas em outros pontos do corpo: no ombro, no ventre, e na parte interior de uma das coxas, justo debaixo da estreita banda de pêlo que lhe ocultava o sexo.
—Te una lhe suplicou ela, levantando-se de entre a selva enredada de braços e pernas dos vampiros renegados em zelo. A essa mulher quase tinham extraído todo o sangue, somente ficavam uns litros antes de morrer. Tinha os olhos frágeis, perdidos. Seus movimentos eram lânguidos, como se seus ossos se tornaram de borracha.
— Tenho o que desejas. Sangrarei para ti, também. Vêem, me prove.
Ele não disse nada; simplesmente apartou os pálidos dedos manchados de sangue que atiravam da fina malha de suas caras calças de seda.
Verdadeiramente, não estava de humor.
E, ao igual que todo líder com êxito, nunca tocava sua própria mercadoria.
Pôs-lhe a mão plaina em cima do peito e a empurrou. Ela chiou: um dos renegados a tinha apanhado sem contemplação e, com rudeza, deu-lhe a volta em cima de seu braço, colocou-a debaixo dele e a penetrou por detrás. Ela gemeu assim que ele a atravessou, mas ficou em silencio ao cabo de um instante enquanto o vampiro sedento de sangue lhe cravava as enormes presas no pescoço e lhe chupava a última gota de vida de seu corpo consumido.
—Desfrutem destes restos —disse o que ia ser rei com uma voz profunda que se elevava em tom magnânimo por cima dos rugidos animais e o estrondo ensurdecedor da música.
— A noite se está levantando e logo conhecerão as recompensas que tenho a lhes oferecer.
Capítulo onze
Lucan bateu na porta do apartamento de Gabrielle outra vez.
Ainda, nenhuma resposta.
Fazia cinco minutos que se encontrava em pé na entrada, na escuridaão, esperando a que ou ela abrisse a porta e convidasse a entrar, ou lhe amaldiçoar e lhe chamasse bastardo do outro lado dos numerosos ferrolhos de segurança e lhe dissesse que se perdesse.
Depois do comportamento pornográfico que tinha tido com ela a noite anterior, não estava seguro de qual era a reação que se merecia encontrar. Provavelmente, uma irada despedida.
Golpeou a porta com os nódulos outra vez com tanta força que era provável que os vizinhos lhe tivessem ouvido, mas não se ouviu nenhum movimento dentro do apartamento de Gabrielle. Somente silencio. Havia muita quietude ao outro lado da porta.
Mas ela estava ali dentro. Notava-a ao outro lado das capas de madeira e tijolo que lhes separavam. E cheirava a sangue, também. Não muito sangue, mas certa quantidade em algum ponto próximo a porta.
Filho da puta.
Ela estava dentro, e estava ferida.
—Gabrielle!
A preocupação lhe corria pelas veias como se fosse um ácido. Tentou se tranquiliza o suficiente para poder concentrar seus poderes mentais no ferrolho de correia e nas duas fechaduras que estavam colocadas ao outro lado da porta. Com um esforço, abriu um ferrolho e logo o outro. A correia se soltou e caiu contra o gonzo da porta com um som metálico.
Lucan abriu a porta com um empurrão e suas botas soaram com força sobre o chão de ladrilhos do vestíbulo. A bolsa das câmeras de Gabrielle se encontrava justo em seu caminho, provavelmente onde ela a tinha deixado cair com a pressa. O doce aroma ajazminado de seu sangue lhe encheu as fossas nasais justo um instante antes de que sua vista tropeçasse com um caminho de pequenas manchas de cor carmesim.
O ambiente do apartamento tinha certo ar amargo de medo cujo aroma, que já tinha umas horas, apagou-se mas permanecia como uma neblina.
Atravessou a sala de estar com intenção de entrar na cozinha, para onde se dirigiam as gotas de sangue. Enquanto cruzava a sala, tropeçou com um montão de fotografias que havia na mesa do sofá.
Eram umas tomadas rápidas, uma estranha variedade de imagens. Reconheceu algumas delas, que formavam parte do trabalho que Gabrielle estava levando a cabo e que titulava Renovação urbana. Mas havia umas quão imagens que não tinha visto antes. Ou possivelmente não tinha emprestado a atenção suficiente para dar-se conta.
Agora sim que se deu conta.
Merda, vá que sim.
Um velho armazém perto do dique. Um velho moinho papeleiro abandonado justo aos subúrbios da cidade. Várias estruturas diferentes que proibiam a entrada onde nenhum humano —por não falar de uma mulher confiada como Gabrielle— devia aproximar-se de nenhuma forma.
Guaridas de renegados.
Algumas delas já tinham sido erradicadas, estavam-no graças a Lucan e a seus guerreiros, mas umas quantas mais ainda eram células ativas. Viu umas quantas que se encontravam nesses momentos vigiadas pelo Gideon. Enquanto passava rapidamente as fotos, perguntou-se quantas localizações de guaridas de renegados teria Gabrielle fotografadas e o que ainda não se encontravam no radar da raça.
—Merda —sussurrou, tenso, olhando um par de imagens mais.
Inclusive tinha algumas fotos exteriores de uns Refúgios Escuros da cidade, umas entradas escuras e umas sinalizações dissimuladas cuja função era evitar que esses santuários dos vampiros fossem facilmente localizados tanto pelos curiosos seres humanos como por seus inimigos os renegados.
E Apesar de tudo, Gabrielle tinha encontrado esses lugares. Como?
É obvio, não podia ter sido por acaso. O extraordinário sentido visual de Gabrielle devia havê-la conduzido até esses lugar de gado. Ela já tinha demonstrado que era completamente imune aos truques habituais dos vampiros: ilusões hipnóticas, controle mental... E agora isto.
Lucan soltou uma maldição e se meteu umas quantas fotografias no bolso da jaqueta de couro. Deixou o resto das imagens em cima da mesa.
—Gabrielle?
Dirigiu-se até a cozinha, onde algo ainda mais inquietante lhe estava esperando.
O aroma de Gabrielle era mais forte ali, e lhe conduziu até a pia. Ficou imovel diante dele e sentiu uma sensação gelada no teto assim que fixou o olhar no mesmo.
Parecia que alguém tivesse tentado limpar uma cena do crime, e que o tivesse feito muito mal. Na pia havia um montão de toalhas de papel empapadas de água e manchadas de sangue, ao lado de uma faca que tinham tirado do estojo de madeira que se encontrava no mármore da cozinha.
Tomou a afiada faca e o inspecionou rapidamente. Não tinha sido utilizada, mas todo o sangue que havia na pia e que tinha caído ao chão do vestíbulo até a cozinha pertencia unicamente a Gabrielle.
E a parte de roupa que se encontrava atirado no chão ao lado de seus pés também tinha seu aroma.
Deus, se alguém lhe tinha posto a mão em cima...
Se lhe tivesse acontecido algo...
—Gabrielle!
Lucan seguiu seus instintos, que lhe levaram até o porão do apartamento. Não se incomodou em acender as luzes: sua visão era mais aguda na escuridão. Baixou as escadas e gritou seu nome em meio desse silencio .
Em um rincão, ao outro extremo do porão, o aroma de Gabrielle se fazia mais forte. Lucan se encontrou em pé diante de outra porta fechada, uma porta rodeada de uns vedadores para que não penetrasse a luz exterior. Tentou abri-la pelo pomo, mas estava fechada e sacudiu a porta com força.
—Gabrielle. Ouve-me? Menina, abre a porta.
Não esperou a receber resposta. Não tinha a paciência para isso, nem a concentração mental para abrir o ferrolho que fechava a porta do outro lado. Soltou um grunhido de fúria, golpeou a porta com o ombro e entrou.
Imediatamente, seus olhos, na escuridão dessa sala, deram com ela. Seu corpo se encontrava enroscado no chão da desordenada habitação escura e estava nua exceto por um sutiens e umas calcinhas de traje de banho. Ela despertou imediatamente com o repentino estrondo da porta.
Levantou a cabeça rapidamente. Tinha as pálpebras pesadas e inchadas por ter chorado fazia pouco. Tinha estado ali soluçando, e Lucan houvesse dito que o tinha feito durante bastante momento. Seu corpo parecía exalar quebras de onda de cansaço: a via tão pequena, tão vulnerável.
—OH, não, Gabrielle —sussurrou ele, deixando cair no chão ao lado dela.
— Que demônios está fazendo aqui dentro? Alguém te tem feito mal?
Ela negou com a cabeça, mas não respondeu imediatamente. Com um gesto hesitante, levou-se as mãos até o rosto e se apartou o cabelo do rosto, tentando lhe ver em meio dessa escuridão.
—Só... cansada. Necessitava silêncio... paz.
—E por isso te encerraste aqui embaixo? —Ele deixou escapar um forte suspiro de alívio, mas no corpo dela viu umas feridas que tinham deixado de sangrar fazia muito pouco tempo.
— De verdade que está bem?
Ela assentiu com a cabeça e se aproximou para ele na escuridão.
Lucan franziu o cenho e alargou a mão até ela. Acariciou-lhe a cabeça e ela pareceu entender esse contato como um convite. Colocou-se entre seus braços como uma menina que necessitasse consolo e calor. Não era bom o natural que lhe pareceu abraçá-la, quão forte sentiu a necessidade de tranqüilizá-la para que se sentisse segura com ele. Para que sentisse que ele a protegeria como se fosse dele.
Dele.
«Impossível», disse a si mesmo. Mais que impossível: era ridículo.
Baixou a vista e em silêncio observou a suavidade e o calor do corpo dessa mulher que se enredava com o seu em sua deliciosa e quase completa nudez. Ela não tinha nem idéia do perigoso mundo no qual se colocou, e muito menos de que era um mortífero macho vampiro quem a estava abraçando nesses momentos.
Ele era o último que podia oferecer amparo contra o perigo a uma companheira de raça. No caso de Gabrielle, somente notar a mais ligeira fragrância dela elevava sua sede de sangue até a zona de perigo. Acariciou-lhe o pescoço e o ombro e tentou ignorar o constante ritmo do pulso de suas veias sob as pontas dos dedos. Tinha que lutar de maneira infernal para não fazer caso da lembrança da última vez que tinha estado com ela, tanto que precisava tê-la outra vez.
—Mmmm, seu tato é muito agradável —murmurou ela, sonolenta, contra seu peito. Sua voz foi como um ronrono escuro e dormitado que lhe provocou uma descarga de calor na coluna vertebral é outro sonho?
Lucan gemeu, incapaz de responder. Não era um sonho, e ele, pessoalmente, não se sentia bem absolutamente. A maneira em que ela se enredava entre seus braços, com uma tenra confiança e inocência, o fazia sentir dentro dele a besta, antiga e gasta.
Procurando uma distração, encontrou-a muito logo. Jogou um vista para cima, por cima das cabeças de ambos, e todos os músculos de seu corpo se endureceram por causa de outro tipo de tensão.
Fixou os olhos em umas fotografias que Gabrielle tinha pendurado para que secassem na habitação escura. Pendurando, sobre outras imagens sem importância, havia umas imagens de umas quantas localizações mais de vampiros.
Por Deus, inclusive tinha fotografado o complexo de edifícios dos guerreiros. Essa foto de dia tinha sido tomada da estrada, ao outro lado da cerca. Não havia maneira de confundir a enorme porta de ferro cheia de inscrições que fechava o comprido caminho e a mansão de alta segurança que se encontrava ao final do mesmo, oculta perfeitamente dos olhos curiosos.
Gabrielle deveu haver ficado justo ao subúrbios da propriedade para ter tomado essa fotografia. Pela folhagem de verão das árvores que rodeavam a cena, a imagem não podia ter mais de três semanas. Ela tinha estado ali, somente A umas centenas de metros de onde ele vivia.
Ele nunca tinha tido tendência a acreditar na idéia do destino, mas parecia bastante claro que, de uma ou outra forma, essa mulher estava destinada a cruzar-se em seu caminho.
OH, sim. A cruzar-se como um gato negro.
Era muito próprio de sua sorte que, depois de séculos de esquivar balas cósmicas e confusões emocionais, retorcidas irmãs do destino e a realidade tivessem decidido lhe incluir em suas listas de merda ao mesmo tempo.
—Está bem —disse a Gabrielle, embora as coisas estavam tomando uma má direção rapidamente.
— Vou subir te à habitação para que se vista e logo falaremos. —antes de que a visão continuada de seu corpo envolto nessas finas capas de roupa interior acabassem com ele.
Lucan a tomou nos braços, tirou-a da habitação escura e a subiu pelas escadas até o piso principal. Agora que a sujeitava perto dele, seus agudos sentidos perceberam os detalhes das diversas feridas que tinha: uns grandes arranhões nas mãos e nos joelhos, prova de uma queda bastante má.
Ela tinha tentado escapar de algo —ou de alguém— presa do terror e caido. A Lucan lhe bulia o sangue de desejos de saber quem lhe tinha provocado esse dano, mas já haveria tempo para isso logo. A acomodação e o bem-estar de Gabrielle eram sua preocupação principal nesse momento.
Lucan atravessou com ela em braços a sala de estar e subiu as escadas até o piso de acima, onde se encontrava a habitação. Sua intenção era ajudá-la a colocar um pouco de roupa, mas quando passou por diante do banho que se encontrava ao lado do dormitório, pensou na água. Os dois precisavam falar, verdadeiramente, mas tendo em conta a situação provavelmente se relaxassem com maior facilidade depois de que ela houvesse tomado um banho quente.
Com Gabrielle lhe abraçando por cima dos ombros, Lucan entrou no banheiro. Um pequeno abajur de noite oferecia uma tênue iluminação de ambiente, o justo para que se sentisse a gosto. Levou a sua lânguida carga até a banheira e se sentou no bordo da mesma, com a Gabrielle no regaço.
Desabotoou o fechamento da parte da frente da pequena peça de cetim e despiu seus peitos ante seus olhos, repentinamente enfebrecidos. Doíam-lhe as mãos de desejo de tocá-la, assim que o fez, e acariciou as generosas curva com as pontas dos dedos enquanto passava o polegar pelos mamilos rosados.
Que Deus lhe ajudasse. O suave ronrono que ouviu na garganta dela endureceu o pênis até que lhe doeu.
Passou-lhe a mão pelo torso, até a parte de tecido que lhe cobria o sexo. Suas mãos eram muito grandes e torpes para o suave e fino cetim, mas de algum jeito conseguiu lhe tirar as calcinhas e acariciar a parte interna das largas pernas de Gabrielle.
Ante a visão dessa bela mulher, nua outra vez diante dele, o sangue lhe corria pelas veias como a lava.
Possivelmente deveria sentir-se culpado por encontrá-la tão incrivelmente desejavel incluso em seu atual estado de vulnerabilidade, mas ele não tinha mais tendência a aceitar a culpa da que tinha a fazer a cuidar. E já se demonstrou a si mesmo que tentar ter o mínimo controle ao lado dessa mulher em particular era uma batalha que nunca ia ganhar.
Ao lado da banheira havia uma garrafa de sabão líquido. Lucan jogou uma generosa quantidade sob o jorro de água que caía na banheira. Enquanto a espuma se formava, depositou a Gabrielle com cuidado na água quente. Ela gemeu, claramente de gosto, ao entrar na água espumosa. Suas pernas se relaxaram de forma evidente e apoiou os ombros na toalha que Lucan tinha colocado rapidamente para lhe oferecer uma almofada e para que não tivesse que apoiar as costas contra a frieza dos ladrilhos e a porcelana.
O pequeno lavabo estava alagado pelo vapor e pelo ligeiro aroma de jasmim de Gabrielle.
—Cômoda? —perguntou-lhe ele, enquanto se tirava a jaqueta e a tirava ao chão.
—Sim —murmurou ela.
Ele não pôde evitar lhe pôr as mãos em cima. Acariciou-lhe o ombro com suavidade e lhe disse:
—Te deslize para diante e te molhe o cabelo. Eu lhe lavarei isso.
Ela obedeceu, permitindo que lhe conduzisse a cabeça sob a água e logo para fora outra vez. As largas mechas se obscureceram e adquiriram um tom escuro e brilhante. Ela ficou em silencio durante um comprido momento. Logo, levantou lentamente as pálpebras e lhe sorriu como se acabasse de recuperar a consciência e se surpreendesse de lhe encontrar ali.
—Olá.
—Olá.
—Que horas são? —perguntou-lhe ela com um comprido e amplo bocejo.
Lucan se encolheu de ombros.
—As oito, mais ou menos, suponho.
Gabrielle se afundou na banheira e fechou os olhos com um gemido.
—Um mau dia?
—Não um dos melhores.
—Isso imaginei. Suas mãos e seus joelhos se vêem um pouco maltratadas.
—Lucan alargou uma mão e fechou a água. Tomou uma garrafa de xampu do lado e colocou um pouco nas mãos.
—Quer me contar o que te passou?
—Prefiro não fazê-lo. —Entre suas finas sobrancelhas se formou uma ruga.
— Esta tarde fiz uma coisa muito tola. Já se inteirará bastante logo, estou segura.
—Mas como? —perguntou Lucan, esfregando-as mãos com o xampu.
Enquanto lhe massageava a cabeça com a densa nata do xampu, Gabrielle abriu um olho e lhe dirigiu um olhar de receio.
—O menino de delegacia de polícia não lhe há dito nada a ninguém?
—Que menino?
—que se encarrega dos arquivos na delegacia de polícia. Alto, desajeitado, de um aspecto normal. Não sei como se chama, mas estou bastante segura de que se encontrava ali a noite em que fiz minha declaração sobre o assassinato. Hoje lhe vi no parque. Acreditei que me estava espiando, a verdade, e eu... —interrompeu-se e meneou a cabeça.
— Corri detrás dele como uma louca, lhe acusando de estar me espiando.
As mãos de Lucan ficaram imóveis sobre sua cabeça. Seu instinto de guerreiro se alertou completamente.
—Que fez o que?
—Já sei —disse ela, evidentemente interpretando mal sua reação. Apartou um montão de borbulhas com uma mão.
— Já te disse que tinha sido idiota. Bom, pois persegui o pobre menino até Chinatown.
Embora não o disse, Lucan sabia que o instinto inicial de Gabrielle tinha sido acertado sobre o desconhecido que a observava no parque. Dado que o incidente tinha acontecido a plena luz do dia, não podia tratar-se dos renegados —uma pequena sorte—, mas os humanos que lhes serviam podiam ser igual de perigosos. Os renegados utilizavam subordinados em todos os lugares do mundo, humanos escravizados por uma potente dentada infligida por um vampiro poderoso que lhes desprovia de consciência e livre-arbítrio, e lhes deixava em um estado de obediência completa quando despertavam.
Lucan não tinha nenhuma dúvida de que o homem que havia estado observando a Gabrielle o fazia como serviço ao renegado que o tinha ordenado.
—Essa pessoa te fez mal? Foi assim como te fez estas feridas?
—Não, não. Isso foi minha coisa. Pus-me nervosa por nada.
Depois de ter perdido a pista do menino no Chinatown, perdi-me. Acreditei que um carro vinha por mim, mas não era assim.
—Como sabe?
Lhe olhou com exasperação para si mesmo.
—Porque se tratava do prefeito, Lucan. Acreditei que seu carro, conduzido por sua chofer, estava-me perseguindo e comecei a correr. Para culminar um dia perfeitamente horroroso, caí-me de focinhos em meio de uma calçada repleta de gente e logo tive que ir coxeando até casa com os joelhos e as mãos cheias de sangue.
Lucan soltou uma maldição em voz baixa ao dar-se conta de até que ponto ela tinha estado perto do perigo. Pelo amor de Deus, ela mesma em pessoa tinha açoitado a um servente dos renegados. Essa idéia deixou gelado a Lucan, mais assustado do que queria admitir.
—Tem que me prometer que terá mais cuidado —lhe disse ele, dando-se conta de que a estava arreganhando, mas sem ânimo de incomodar-se a comportar-se com educação ao saber que esse mesmo dia a houvessem podido matar.
— Se voltar a acontecer algo assim, tem que me dizer isso imediatamente.
—Isso não vai acontecer outra vez, porque foi meu equívoco. E não ia chamar te, nem a ti nem a ninguém da delegacia de polícia, para isto. Não se divertiríam muito se eu chamasse para lhes dizer que um de seus administrativos me estava perseguindo sem nenhuma razão aparente?
Merda. A mentira que lhe tinha contado de que era um policial lhe estava resultando um maldito estorvo agora. Inclusive pior, isso a tivesse posto em perigo em caso de que ela tivesse chamado a delegacia de polícia perguntando pelo detetive Thorne, porque, ao fazê-lo, tivesse chamado a atenção de um subordinado infiltrado.
—Vou te dar o número de meu celular. Encontrará-me aí sempre. Quero que o utilize a qualquer hora, compreendido?
Ela assentiu com a cabeça enquanto ele voltava a abrir o grifo da água, lavava-se as mãos e lhe enxaguava o cabelo sedoso e ondulado.
Frustrado consigo mesmo, Lucan alcançou uma esponja que se encontrava em uma prateleira superior e a lançou à água.
—Agora, me deixe que lhe jogue uma olhada ao joelho.
Ela levantou a perna desde debaixo da capa de borbulhas. Lucan lhe sujeitou o pé com a palma da mão e lhe lavou com cuidado o feio rasgo. Era somente um arranhão, mas estava sangrando outra vez por causa de que a água quente tinha abrandado a ferida. Lucan apertou a mandíbula com força: os fragrantes fios de sangue escarlate tinham um delicado caminho por sua pele e se introduziam na antiga espuma do banho.
Terminou de lhe limpar os dois joelhos feridos e logo lhe fez um sinal para que lhe permitisse limpar as palmas das mãos. Não se atrevia a falar agora que o corpo nu de Gabrielle se combinava com o odor de seu sangue fresco. A sensação era como se acabassem de lhe dar um golpe no crânio com um martelo.
Concentrando-se em não desviar sua atenção, dedicou-se a lhe limpar as feridas das palmas das mãos, sabendo perfeitamente que seus profundos e escuros olhos seguiam cada um de seus movimentos e notando dolorosamente o pulso nas veias das mãos, rápido, sob a pressão das pontas de seus dedos.
Lhe desejava, também.
Lucan se dispôs a soltá-la e, justo quando começava a dobrar o braço para retirá-lo, viu algo que lhe inquietou. Seus olhos tropeçaram com uma série de marcas tênues que manchavam a impecável pele aveludada. Essas marcas eram cicatrizes, uns magros cortes na parte interior dos antebraços. E tinha mais nas coxas.
Cortes de folhas de barbear.
Como se tivesse suportado uma tortura infernal de forma repetida quando não era mais que uma menina.
—Deus Santo. —Levantou a cabeça para olhá-la, com expressão de fúria, aos olhos.
— Quem te fez isto?
—Não é o que crê.
Agora ele estava aceso de ira, e não pensava deixá-lo passar.
—Conta-me .
—Não é nada, de verdade. Esquece-o...
—Me dê um nome, porra, e te juro que matarei a esse filho da puta com minhas próprias mãos.
—Eu o fiz —lhe interrompeu repentinamente ela em voz baixa.
— Fui eu. Ninguém me fez isso, eu mesma me fiz isso.
—O que? —Enquanto lhe apertava o frágil pulso com uma mão, voltou a lhe dar a volta ao braço para poder observar a tênue rede de cicatrizes de cor púrpura que se entrelaçava em seu braço.
— Você te fez isto? Por que?
Ela se soltou de sua mão e introduziu os dois braços sob a água, como se queria ocultar os de seu olhar.
Lucan soltou um juramento em voz baixa e em um idioma que já não falava mais que muito raramente.
—Quantas vezes, Gabrielle?
—Não sei. —Ela se encolheu de ombros, evitando seu olhar.
— Não o fiz durante muito tempo. Superei-o.
—É por isso que há uma faca na pia, lá em baixo?
O olhar que lhe dirigiu expressava dor e uma atitude defensiva. Não gostava que ele se intrometesse, tanto como não lhe tivesse gostado dele, mas Lucan queria compreendê-lo. Não era capaz de imaginar o que podia havê-la levado a cravar uma faca na própria carne.
Uma e outra e outra vez.
Ela franziu o cenho com o olhar cravado na espuma que começava a dissolver-se a seu redor.
—Ouça, não podemos deixar o tema? De verdade que não quero falar de...
—Possivelmente deveria falar disso.
—OH, claro. —ela riu em um tom que delatava um fio de ironia—. Agora chega a parte em que me aconselha que vá ver um psiquiatra, detetive Thorne? Possivelmente que vá a algum lugar onde me possam deixar em um estado de estupor pelos medicamentos e onde um doutor possa me vigiar por meu próprio bem?
—Isso te aconteceu?
—As pessoas não me compreendem. Nunca o tem feito. Às vezes nem eu me compreendo.
—O que é o que não compreende? Que precisa machucar a si mesma?
—Não. Não é isso. Não é esse o motivo pelo que o fiz.
—Então, por que? Deus santo, Gabrielle, deve haver mais de cem cicatrizes...
—Não o fiz porque queria sentir dor. Não me resultava doloroso fazê-lo. —Inalou com força e soltou o ar devagar por entre os lábios. Demorou um segundo em falar, e quando o fez Lucan ficou olhando-a em um silêncio pasmado.
— Nunca tive a intensão de provocar dano a nada. Não estava tentando enterrar umas lembranças traumáticas nem intentava escapar de nenhum tipo de mau trato, apesar das opiniões de quem se define como peritos e que me foram atribuídos pela administração. Cortei-me porque... tranqüilizava-me. Sangrar me acalmava.
Quando sangrava, tudo aquilo que estava desconjurado e era estranho em mim, de repente me parecia... normal.
Ela manteve o olhar sem titubear, em uma expressão nova como de desafio, como se uma porta se abrisse em algum ponto dentro dela e acabasse de soltar uma pesada carga. De alguma forma imprecisa, Lucan se deu conta de que isso era o que ele tinha visto. Só que a ela todavia faltava uma peça de informação crucial, que faria que as coisas encaixassem em seu lugar para ela.
Ela não sabia que era uma companheira de raça.
Ela não podia saber que, um dia, um membro de sua estirpe tomaria em qualidade de eterna amada e lhe mostraria um mundo muito distinto ao que ela tivesse podido sonhar nunca. Ela abriria os olhos a um prazer que somente existia entre casais que tinham um vínculo de sangue.
Lucan se deu conta de que já odiava a esse macho desconhecido que teria a honra de amá-la.
—Não estou louca, se é isso o que está pensando.
Lucan negou com a cabeça devagar.
—Não estou pensando isso absolutamente.
—Desgosta-me que me tenham pena.
—A mim também —disse, percebendo a advertência que encerravam essas palavras.
_Você não necessita compaixão, Gabrielle. E eu não necessito-medicina nem doutores, tampouco.
Ela se tinha retraído no momento em que ele tinha descoberto as cicatrizes, mas agora Lucan se deu conta de que ela duvidava, de que uma dúbia confiança voltava a aparecer lentamente.
—Você não pertence a este mundo —disse ele, em um tom nada sentimental, a não ser constatando os fatos. Alargou a mão e tomou o queixo com a palma.
— Você é muito extraordinária para a vida que estiveste vivendo, Gabrielle. Acredito que o soubeste sempre. Um dia, tudo cobrará sentido para ti, prometo-lhe isso. Então o compreenderá, e encontrarás seu verdadeiro destino. Possivelmente eu possa te ajudar a encontrá-lo.
O tivesse querido acabar de ajudá-la a banhar-se, mas a atenção com que lhe olhava lhe obrigou a manter as mãos quietas. Ela, por toda resposta, sorriu, e a calidez de seu sorriso lhe provocou uma pontada de dor no peito. Apanhado no tenro olhar dela, sentiu que a garganta lhe fechava de uma forma estranha.
—O que acontece?
Ela negou com a cabeça brevemente.
—Estou surpreendida, só é isso. Não esperava que um policial duro como você falasse de forma tão romântica sobre a vida e o destino.
O recordar que ele se aproximou dela, e continuava fazendo-o, sob uma aparência falsa, permitiu-lhe recuperar parte do sentido comum. Voltou a afundar a esponja na água ensaboada e a deixou flutuar em meio da espuma.
—Possivelmente tudo isto são tolices.
—Não acredito.
—Não me tenha tão em conta —lhe disse ele, forçando um tom de despreocupação.
— Não me conhece, Gabrielle. Não de verdade.
—Eu gostaria de te conhecer. De verdade. —Ela se sentou dentro da banheira. As mornas pequenas ondas da água lhe lambiam o corpo nu igual a Lucan lhe tivesse gostado de fazê-lo com a língua. As pontas dos peitos ficavam justo por cima da superfície da água, os mamilos rosados duros como pétalas fechadas e rodeados por uma densa espuma branca.
— Me Diga, Lucan. De onde é?
—De nenhuma parte. —A resposta soou entre seus lábios como um grunhido, e era uma confissão que se aproximava mais a verdade do que gostava de admitir. Ao igual que ela, desgostava-lhe a compaixão assim que se sentiu aliviado de que lhe olhasse mais com curiosidade que com pena. Com o dedo, acariciou-lhe o nariz arrebitado e salpicado de sardas.
—Eu sou o inadaptado original. Nunca pertenci verdadeiramente a nenhum lugar.
—Isso não é certo.
Gabrielle lhe rodeou os ombros com os braços. Seus quentes olhos enormes lhe olharam com ternura e expressavam o mesmo cuidado que lhe havia devotado ao tira-la da habitação escura e trazê-la até o quente banho. Gabrielle lhe beijou e, ao notar a língua dela entre seus lábios, os sentidos de Lucan se alagaram do embriagador perfume de seu desejo e de seu doce e feminino afeto.
—Cuidaste-me tanto esta noite. Me deixe que te cuide agora, Lucan.
—Lhe beijou outra vez. O beijo foi tão profundo que a pequena e úmida língua lhe arrancou um grunhido de puro prazer masculino do mais fundo dele. Quando ela finalmente interrompeu o contato, respirava com agitação e seus olhos estavam acesos de desejo carnal.
—Leva muita roupa em cima. Tire-lhe isso quero que esteja aqui dentro, nu, comigo.
Lucan obedeceu e atirou as botas, as meias três-quartos, a calça e a camisa ao chão. Não levava nada mais e ficou em pé diante de Gabrielle completamente nu.
Completamente ereto e desejoso dela.
Lucan tomou cuidado de manter os olhos separados dos dela, porque agora as pupilas lhe tinham esgotado a causa do desejo, e era consciente da pressão e a pulsação de suas presas, que se haviam alargadas detrás dos lábios. Se não tivesse sido porque a luz que chegava do abajur de noite que se encontrava ao lado da pia era muito tênue, sem dúvida lhe teria visto em toda sua voraz gloria.
E isso tivesse estragado esse momento prometedor.
Lucan se concentrou e emitiu uma ordem mental que rompeu a pequena lâmpada dentro do biombo de plástico do abajur de noite. Gabrielle se sobressaltou ao ouvir o repentino estalo, mas ao notar-se rodeada pela escuridão, suspirou, feliz. Movia-se dentro da água e esse movimento de seu corpo ao deslizar-se dentro da água emitia uns sons deliciosos.
—Acende outra luz, se quiser.
—Encontrarei-te sem luz —lhe prometeu ele. Falar era um pequeno truque agora, quando a lascívia lhe dominava por completo.
—Então vêem —lhe pediu sua sereia da calidez do banho.
Ele se introduziu na banheira e se colocou diante dela, Às escuras. Somente desejava atrai-la até si, arrastá-la até seu regaço para afundar-se até o punho com uma larga investida. Mas pelo momento pensava deixar que fosse ela quem marcasse o ritmo.
A noite passada, ele tinha vindo faminto e tomou o que desejava. Esta noite ia ser ele quem oferecesse.
Apesar de que o ter que refrear-se o matasse.
Gabrielle se deslizou para ele entre as magras nuvens de espuma. Passou-lhe os pés por ambos os lados dos quadris e os juntou agradavelmente em seu traseiro. Inclinou-se para frente e seus dedos encontraram os musculos dele por debaixo da superfície da água. Acariciou e apertou seus fortes músculos, massageou-os e passou as mãos ao longo de suas coxas em uma carícia que era um tortura lenta e deliciosa.
—Tem que saber que não me comporto assim normalmente.
Ele emitiu um grunhido que pretendia mostrar interesse mas que soou forçado.
—Quer dizer que normalmente não está tão quente como para fazer que um homem se derreta a seus pés?
Ela soltou uma gargalhada.
—É isso o que te estou fazendo?
Ele lhe conduziu as mãos até a dureza de seu pênis.
—A você o que te parece?
—Acredito que é incrível. —Ele lhe soltou as mãos mas ela não as apartou. Acariciou-lhe o membro e os testículos e, com gesto preguiçoso, acariciou-lhe com os dedos a ponta torcida que se sobressaía por cima da superfície da água da banheira.
—Não te parece com ninguém que tenha conhecido nunca. E o que queria dizer era que habitualmente não sou tão... quero dizer, agressiva. Não tenho muitos encontros.
—Não traz para um montão de homens a sua cama?
Inclusive na escuridão, Lucan se deu conta de que ela se havia ruborizado .
—Não. Faz muito tempo.
Nesse momento, ele não desejava que ela levasse a nenhum outro macho, nem humano nem vampiro, a sua cama.
Não queria que ela transasse com ninguém nunca mais.
E, que Deus lhe ajudasse, mas ia perseguir e estripar ao bastardo servente de quão renegados tinha podido matá-la hoje.
Essa idéia lhe surgiu em um repentino ataque de posse. Lhe acariciava o sexo e a ponta lhe umedeceu. Seus dedos, seus lábios, sua língua, seu fôlego contra seu abdômen nu enquanto tomava até o fundo de sua cálida boca: tudo isso lhe estava conduzindo ao limite de uma extraordinária loucura. Não conseguia ter o bastante. Quando lhe soltou, ele pronunciou um juramento de frustração por perder a doçura dessa sucção.
—Necessito-te dentro de mim —disse ela, com a respiração agitada.
—Sim —assentiu ele—, claro que sim.
—Mas...
Vê-la duvidar lhe confundiu. Zangou a essa parte dele que se parecia mais a um renegado selvagem que a um amante considerado.
— O que acontece ? —Soou mais parecido a uma ordem do que tivesse querido.
—Não teríamos... ? A outra noite, as coisas nos foram das mãos antes de que lhe pudesse dizer isso mas não deveríamos, já sabe, utilizar algo esta vez? —O desconforto dela lhe cravou como o fio de uma faca. Ficou imovel, e ela se separou dele como se fosse sair da banheira.
— Tenho camisinhas na outra habitação.
Ele a sujeitou pela cintura com ambas as mãos antes de que ela tivesse tempo de levantar-se.
—Não posso te deixar grávida. —Por que lhe soava isso tão duro nesse momento? Era a pura verdade. Somente os casais que tinham um vínculo..., as companheiras de raça e os machos vampiros que intercambiavam o sangue de suas veias, podiam ter descendência com êxito.
— E quanto ao resto, não tem que preocupar-se por te proteger. Estou são, e nada do que nos façamos pode fazer mal a nenhum dos dois.
—OH, eu também. E espero que não ache que sou uma dissimulada por dize-lo..
Ele a atraiu para si e silenciou sua expressão de desconforto com um beijo. Quando seus lábios se separaram, disse-lhe:
—O que acredito, Gabrielle Maxwell, é que é uma mulher inteligente que respeita seu corpo e a si mesmo. Eu te respeito por ter o valor de tomar cuidado.
Ela sorriu com os lábios junto aos dele.
—Não quero tomar cuidado quando estou perto de ti. Volta-me louca. Faz-me desejar gritar.
Pô-lhe as mãos plainas sobre o peito e lhe empurrou até que ele caiu apoiado de costas contra a parede da banheira. Então ela se levantou por cima de seu pesado pênis e passou seu sexo úmido por toda sua longitude, deslizando-se para cima e para baixo.
—Mas, transar, não de tudo— lhe embainhando com seu calor.
—Quero te fazer gemer —lhe sussurrou ela ao ouvido.
Lucan grunhiu de pura agonia provocada por essa dança sensual. Apertou as mãos em punhos a ambos lado de seu corpo, por debaixo da água, para não agarrá-la e empalá-la com sua ereção que estava a ponto de explodir. Ela continuou com esse perverso jogo até que ele sentiu seu orgasmo contra seu pênis. Ele estava a ponto de derramar-se, e ela continuava lhe provocando sem piedade.
—Foda —exclamou ele com os dentes e as presas apertadas, jogando a cabeça para trás.
— Por Deus, Gabrielle, está-me matando.
—Isso é o que quero ouvir —lhe animou ela.
E então, Lucan sentiu que o suculento sexo dela rodeava centímetro a centímetro a cabeça de seu pênis.
Devagar.
Tão vertiginosamente devagar.
Sua semente se derramou e ele tremeu enquanto o quente líquido penetrava no corpo dela. Gemeu, e nunca tinha estado tão perto de perder-se como nesse momento. E a turgidez do sexo de Gabrielle o envolveu ainda mais. Sentiu que os pequenos músculos lhe apertavam enquanto se cravava mais em seu pênis.
Já quase não podia suportá-lo mais.
O aroma de Gabrielle lhe rodeava, mesclava-se com o vapor do banho e se sentia embargado pela mescla do perfume de seus corpos unidos. Os peitos dela flutuavam perto de seus lábios como uns frutos amadurecidos a ponto de ser tomados, mas ele não se atreveu a tocá-los nesse momento em que estava a ponto de perder o controle. Desejava sentir esses maravilhosos peitos na boca, mas as presas lhe pulsavam da necessidade de chupar sangue. Essa necessidade se via incrementada no momento do climax sexual.
Girou a cabeça e deixou escapar um uivo de angústia; sentia-se desgarrado em muitos impulsos tentadores, e o menor deles não era a tensão por gozar dentro de Gabrielle, de enchê-la com cada uma das gotas de sua paixão. Soltou um juramento em voz alta e então gritou de verdade, pronunciou um profundo juramento que se fez mais forte quando ela se cravou com major força em seu pênis ansiosa e obrigou a derramar-se antes de que seu próprio orgasmo seguisse ao dele.
Quando a cabeça lhe deixou de dar voltas e sentiu que suas pernas voltavam a ter a força necessária para lhe aguentar, Lucan rodeou a Gabrielle com os braços e começou a levantar-se com ela, evitando que Gabrielle se separasse de seu pênis que voltava a entrar em ereção.
—O que está fazendo?
—Você se divertiu já. Agora te levo a cama.
O agudo timbre do telefone celular arrancou de um sobressalto a Lucan de seu pesado sono. Encontrava-se na cama com Gabrielle, os dois estavam esgotados. Ela estava enroscada a seu lado, o corpo nu dela rodeava maravilhosamente suas pernas e seu torso.
—Merda, quanto tempo levava fora? Possivelmente tivessem acontecido umas quantas horas já, o qual era incrível, tendo em conta seu habitual estado de insônia.
O telefone voltou a soar e ele ficou em pé e se dirigiu ao lavabo, onde tinha deixado sua jaqueta. Tirou o telefone de um dos bolsos e respondeu.
—Sim.
—Né. Era Gideon, e sua voz tinha um tom estranho.
— Lucan, com quanta rapidez pode vir ao complexo?
Ele olhou por cima do ombro para o dormitório adjacente. Gabrielle estava sentada nesse momento, sonolenta. Seus quadris nus estavam envoltos nos lençóis e seu cabelo era uma confusão selvagem em sua cabeça. Ele nunca tinha visto nada tão terrivelmente tentador. Possivelmente fosse melhor que partisse logo, enquanto ainda tinha a oportunidade de afastar-se antes de que o sol se levantasse.
Apartou os olhos da excitante visão de Gabrielle e Lucan respondeu a pergunta com um grunhido.
—Não estou longe. O que acontece?
Fez-se um comprido silencio ao outro lado do telefone.
—Passou uma coisa, Lucan. É má. —Mais silêncio. Então, a tranqüilidade habitual do Gideon se quebrou:
— Ah, merda, não há forma boa de dizê-lo. Esta noite perdemos a um, Lucan. Um dos guerreiros está morto.
Capítulo doze
Os lamentos do luto das fêmeas chegaram até os ouvidos de Lucan assim que este saiu do elevador que lhe tinha conduzido até as próofundidades subterrâneas do complexo. Eram uns prantos de angústia que rompiam o coração. Os gemidos de uma das companheiras de raça expressavam uma dor crua e evidente. Era o único que se ouvia no silêncio que invadia o comprido corredor.
O contundente peso da perda lhe cravou no coração.
Ainda não sabia qual dos guerreiros da raça era o que havia falecido essa noite. Não tinha intenção de esforçar-se em adivinhá-lo. Caminhava a passo rápido, quase corria para as habitações da enfermaria de onde Gideon lhe tinha chamado fazia uns minutos. Girou pela esquina do corredor bem a tempo de encontrar-se com Savannah que conduzia a Danika, destroçada pela dor e soluçando, fora de uma das habitações.
Uma nova comoção lhe golpeou.
Assim era Conlan quem se partiu. O grandalhão escocês de risada fácil e com esse profundo e inquebrável sentido de honra... estava morto agora. Logo se teria convertido em cinzas.
Jesus, quase não podia compreender o alcance dessa dura verdade.
Lucan se deteve e saudou com uma respeitosa inclinação de cabeça a viúva quando esta passava por seu lado. Danika se apoiava pesadamente em Savannah. Os fortes braços de cor café desta última pareciam ser quão único impedia que a alta e loira companheira de raça do Conlan se derrubasse pela dor.
Savannah saudou Lucan, dado que a chorosa mulher a quem acompanhava era incapaz de fazê-lo.
—Estão-lhe esperando dentro —lhe disse em tom amável. Seus profundos olhos marrons estavam úmidos pelas lágrimas.
— Vão necessitar sua força e seu guia.
Lucan respondeu a mulher do Gideon com um sério assentimento de cabeça e logo deu os poucos passos que lhe faltavam para entrar na enfermaria.
Entrou em silêncio, pois não queria perturbar a solenidade desse fugaz tempo de que dispunham, ele e seus irmãos, para estar com o Conlan. O guerreiro tinha suportado de uma forma surpreendente várias feridas; incluso do outro extremo da habitação Lucan percebia o aroma de uma terrível perda de sangue. As fossas nasais lhe encheram com a nauseabunda mescla do aroma da pólvora, a eletricidade, e a carne queimada.
Tinha havido uma explosão, e Conlan ficou apanhado em meio dela.
Os restos do Conlan se encontravam em uma maca de exame aberta de retalhos de tecido. Seu corpo estava nu exceto pela larga parte de seda bordada que cobria sua entreperna. Durante o pouco tempo desde que tinha voltado para o complexo, a pele do Conlan tinha sido limpa e lubrificada com um fragrante azeite, em preparação dos ritos funerários que foram ter lugar a próxima saída do sol, para a qual faltavam poucas horas.
Outros se reuniram ao redor da maca onde se encontrava Conlan: Dante, rígido e observando estoicamente a morte; Rio, com a cabeça encurvada, sujeitava entre os dedos um rosário enquanto movia os lábios pronunciando em silêncio as palavras da religião de sua mãe humana; Gideon, com um tecido na mão, limpava com cuidado uma das selvagens feridas que tinham esmigalhado quase por completo a pele do Conlan; Nikolai, que tinha estado patrulhando com o Conlan essa noite, tinha o rosto mais pálido do que Lucan tinha visto nunca: seus olhos frios tinham uma expressão austera e sua pele estava coberta de fuligem, cinzas e pequenas feridas que ainda sangravam.
Inclusive Tegan se encontrava ali para mostrar seu respeito, embora o vampiro se encontrava em pé justo fora do círculo que formavam outros e mantinha os olhos ocultos, fundo em sua solidão.
Lucan caminhou até a maca para ocupar seu lugar entre seus irmãos. Fechou os olhos e rezou pelo Conlan em um comprido silencio. Ao cabo de um momento, Nikolai rompeu o silêncio da habitação.
—Salvou-me a vida aí fora esta noite. Acabávamos de terminar com um par de idiotas fora da estação Green Line e nos dirigíamos de volta para aqui no momento em que vimos esse tipo subir ao trem. Não sei o que me incitou a lhe olhar, mas ele nos dirigiu um amplo e provocador sorriso que nos fez lhe seguir. Estava-se colocando um pouco parecido a pólvora ao redor do corpo. Fedia isso a alguma outra merda que não tive tempo de identificar.
—TATP —disse Lucan, que cheirava a acidez do explosivo nas roupas do Niko incluso nesse momento.
—Resultou que o bastardo levava um cinturão de explosivos ao redor de seu corpo. Saltou do trem justo antes de que nós começássemos a nos pôr em marcha e começou a correr ao longo de uma das velhas vias. Perseguimo-lhe e Conlan lhe abandonou. Então foi quando vimos as bombas. Estavam conectadas a um temporizador de sessenta segundos, e a conta já era menor de dez. Ouvi que Conlan me gritava que voltasse atrás, e então se atirou em cima do tipo.
—Merda —exclamou Dê, passando uma mão pelo cabelo escuro.
—Um servente tem feito isto? —perguntou Lucan, pensando que era uma hipótese acertada. Os renegados não tinham escrúpulos em utilizar vidas humanas para levar a cabo suas mesquinhas guerras internas ou para resolver assuntos de vinganças pessoais. Durante muito tempo, os fanáticos religiosos não tinham sido os únicos em utilizar aos fracos de mente como trocas e descartáveis, embora altamente efetivas, ferramentas de terror.
Mas isso não fazia que a horrível verdade do que lhe tinha acontecido a Conlan fosse mais fácil de aceitar.
—Não era um servente —respondeu Niko, negando com a cabeça.
—Era um renegado, e estava conectado a uma quantidade do TATP suficiente para voar meia quadra da cidade, a julgar pelo aspecto e o aroma que despedia.
Lucan não foi o único nessa habitação que pronunciou um selvagem juramento para ouvir essas preocupantes notícias.
—Assim, que já não estão satisfeitos sacrificando somente seus escravizados súditos? —comentou Rio—. Agora os renegados estão movendo peças mais importantes no tabuleiro?
—Continuam sendo peões —disse Gideon.
Lucan olhou ao inteligente vampiro e compreendeu a que se referia.
—As peças não trocaram. Mas as regras sim o têm feito. Este é um tipo de guerra nova, já não se trata do pequeno fogo cruzado com que nos enfrentamos no passado. Alguém de entre as filas dos renegados está gerando um grau novo de ordem nessa anarquia. Estamos sendo assediados.
Ele voltou a dirigir a atenção a Conlan, a primeira vítima do que começava a temer que ia ser uma nova era escura. Sentia, em seus velhos ossos, a violência de um tempo muito longínquo que voltava a aparecer para repetir-se. A guerra se estava gerando de novo, e se os Renegados se estavam movendo para organizar-se, para iniciar uma ofensiva, então a nação inteira dos vampiros se encontraria no fronte. E os humanos também.
—Podemos discutir isto mais longamente, mas não agora. Este momento é do Conlan. Vamos honrar lhe.
—Eu já me despedi —murmurou Tegan—. Conlan sabe que eu lhe respeitei em vida, igual a na morte. Nada vai trocar para nesse aspecto.
Uma densa ansiedade alagou a habitação, dado que todo mundo esperava a que Lucan reagisse ante a abrupta partida do Tegan. Mas Lucan não pensava lhe dar a satisfação ao vampiro de pensar que lhe tinha zangado, embora sim que o tinha feito. Esperou a que o som das botas do Tegan se apagasse ao fundo do corredor e dirigiu um assentimento de cabeça aos outros para que continuassem com o ritual.
Um por um, Lucan e cada um dos quatro guerreiros ficaram de joelhos no chão para oferecer seus respeitos. Recitaram uma única oração e logo se levantaram juntos para retirar-se e esperar a cerimônia final com a que deixariam descansar a seu companheiro defunto.
—Eu serei quem o leve —anunciou Lucan aos vampiros, quando estes partiam.
Lucan percebeu o intercâmbio de olhares que se deu entre eles e soube o que significavam. Aos Antigos da estirpe dos vampiros —e especialmente aos da primeira geração— nunca lhes pedia que translevassem o peso dos mortos. Essa obrigação recaía na última generação da raça, que estava mais afastada dos Antigos e que, por tanto, podiam suportar melhor os perigosos raios do sol quando começava a amanhecer durante o tempo necessário para oferecer o descanso adequado ao corpo de um vampiro.
Para um membro da primeira geração como Luzem, o rito funerario representava uma tortuosa exposição ao sol de oito minutos.
Lucan observou o corpo sem vida que se encontrava em cima da maca, sem poder apartar a vista do dano que lhe tinham causado.
Um dano que lhe tinham infligido em lugar dele, pensou Lucan, que se sentiu doente ao pensar que poderia ter sido ele quem patrulhasse com o Niko, e não Conlan. Se não tivesse enviado ao escocês em seu lugar no último minuto, Lucan se encontraria agora tendido nessa fria maca com as pernas, o rosto e o torso queimado pelo fogo e o ventre aberto pela metralhadora.
A necessidade que Lucan tinha de ver Gabrielle essa noite havia preponderado por cima de seu dever com a raça, e agora Conlan —seu triste companheiro— tinha pago o preço.
—Vou levar lhe acima —repetiu em tom severo. Olhou a Gideon com o cenho franzido e uma expressão funesta.
_ Me chame quando os preparativos estejam preparados.
O vampiro inclinou a cabeça em um gesto que mostrava um respeito a Lucan maior de que era devido nesse momento.
—É obvio. Não demoraremos muito.
Lucan passou as duas horas seguintes em suas habitações, sozinho, ajoelhado no centro do espaço, com a cabeça encurvada, rezando e reflexionando com um porte sombrio no rosto. Gideon se apresentou na porta e, com um assentimento de cabeça, indicou-lhe que tinha chegado o momento de tirar Conlan do complexo e de oferecê-lo aos mortos.
—Está grávida —disse Gideon com expressão sombria assim que Lucan se levantou.
— Danika está de três meses. Savannah acaba de me dizer. Conlan estava tentando reunir o valor suficiente para te dizer que ia abandonar a Ordem quando o menino tivesse nascido. Ele e Danika planejavam retirar-se a um dos Refúgios Escuros para formar sua família.
—Merda! —exclamou Lucan em um vaio. Sentiu-se ainda pior ao conhecer o futuro feliz que lhes tinha sido roubado a Conlan e a Danika, e ao pensar nesse filho que alguma vez conheceria o homem de valor e de honra que tinha sido seu pai.
— Está tudo preparado para o ritual?
Gideon assentiu com a cabeça.
—Então, vamos fazer- o.
Lucan caminhou encabeçando a cerimônia. Seus pés e sua cabeça estavam nus, igual ao estava seu corpo debaixo da larga túnica negra. Gideon também levava uma túnica, mas a levava com o cinturão das cerimônias da Ordem, igual a outros vampiros que lhes esperavam na câmara colocados a um lado, como faziam em todos os rituais da raça, desde matrimônios e nascimentos até funerais como este. As três fêmeas do complexo se encontravam presente também: Savannah e Eva vestiam as túnicas cerimoniosas com capuz, e Danika ia vestida da mesma forma mas levava a profunda cor vermelha escarlate que indicava o sagrado vínculo de sangue que lhe unia com o defunto.
À frente de todos eles, o corpo do Conlan estava convexo sobre um altar decorado e agasalhado em um grosso tecido de seda.
—Comecemos —anunciou Gideon, simplesmente.
Lucan sentiu um grande pesar no coração enquanto escutava o serviços e os símbolos de infinitude de todos os rituais.
Oito medidas de azeite perfumado para lubrificar a pele.
Oito capas de seda branca para envolver o corpo dos mortos.
Oito minutos de atenção silenciosa à alvorada por parte de um membro da raça, antes de que o guerreiro morto fosse exposto aos raios do sol para que estes lhe incinerassem. Deixado ali sozinho, seu corpo e sua alma se pulverizariam Aos quatro ventos em forma de cinzas e formaria parte dos elementos para sempre.
A voz do Gideon se apagou com suavidade e Danika deu um passo à frente.
Olhou aos congregados e, levantando a cabeça, falou em voz grave mas orgulhosa.
—Este macho era meu, e eu era dele. Seu sangue me sustentava. Sua força me protegia. Seu amor me enchia em todos os sentidos. Ele era meu amado, meu único amado, e ele permanecerá em meu coração durante toda a eternidade.
—Honra-lhe bem —lhe responderam ao uníssono em voz baixa Lucan e outros.
Então Danika se deu a volta para ficar de cara a Gideon, com as mãos estendidas e as palmas dirigidas para cima. O desencapou uma magra adaga de ouro e a depositou sobre suas mãos. Danika baixou a cabeça coberta com o capuz em um gesto de aceitação e logo se deu a volta para colocar-se diante do corpo envolto do Conlan. Murmurou umas palavras em voz baixa dirigidas somente a eles dois. Levou-se ambas as mãos até o rosto. Lucan sabia que agora a viúva da raça se realizava um corte no lábio inferior com o fio da adaga para que sangrasse e para dar um último beijo a Conlan por cima da mortalha.
Danika se inclinou sobre seu amante e ficou assim durante um comprido momento. Todo seu corpo tremia por causa da potência da dor que sentia. Logo se separou dele, soluçando, com a mão sobre a boca. O beijo escarlate brilhava ferozmente, à altura de seus lábios, em meio da brancura que cobria a Conlan. Savannah e Eva a receberam e a abraçaram, apartando-a do altar para que Lucan pudesse continuar com a tarefa que ainda ficava por realizar.
Aproximou-se de Gideon, à frente dos congregados, e se comprometeu a ver Conlan partir com toda a honra que lhe era devido, igual que fazia o resto de membros da raça que caminhavam pelo mesmo caminho que Lucan aguardava nesse momento.
Gideon se apartou a um lado para permitir que Lucan se aproximasse do corpo. Lucan tomou ao enorme guerreiro entre os braços e se voltou para encarar aos outros, tal e como se requeria.
—Honra-lhe bem —murmurou em voz baixa um coro de vozes.
Lucan avançou com solenidade e com lentidão pela câmara cerimoniosa até a escada que conduzia acima e ao exterior do recinto. Cada um dos lances da escada, cada um das centenas de degraus que subiu com o peso de seu irmão cansado, infligiu-lhe uma dor que ele aceitou sem nenhuma queixa.
Essa era a parte mais fácil da tarefa, depois de tudo.
Se tinha que desfalecer, faria-o ao cabo de uns quantos minutos, ao outro lado da porta exterior que se levantava diante dele a uns quantos passos.
Lucan abriu com um empurrão do ombro o painel de aço e inalou o ar fresco da manhã enquanto se dirigia até o lugar onde ia deixar o corpo de seu companheiro. Ficou de joelhos em cima da grama e baixou os braços lentamente para depositar o corpo do Conlan em terra firme diante dele. Sussurrou as orações do rito funerário, umas palavras que somente tinha ouvido umas quantas vezes durante os séculos que tinham acontecido mas que sabia de cor.
Enquanto as pronunciava, o céu começou a iluminar-se com a chegada do amanhecer.
Suportou essa luz com um silêncio reverente e concentrou todos seus pensamentos no Conlan e na honra que tinha sido característica de sua larga vida. O sol continuava levantando-se no horizonte, e ainda não tinha chegado na metade do ritual. Lucan baixou a cabeça e absorveu a dor ao igual que tivesse feito Conlan por qualquer membro da raça que tivesse lutado a seu lado. Um calor lacerante banhou a Lucan enquanto o amanhecer se levantava, cada vez com mais força.
Tinha os ouvidos cheios com as antigas palavras das velhas orações e, ao cabo de pouco tempo, também com o suave vaio e rangido de sua própria carne ao queimar-se.
Capítulo treze
«A polícia e os agentes do transporte ainda não estão seguros do que provocou a explosão da passada noite. De todas formas, depois da conversação mantida com um representante da ferrovia faz uns momentos, assegurou-nos que o incidente se produziu de forma isolada em uma das velhas vias mortas e que não teve feridos. Continuem escutando o canal cinco para conhecer mais notícias sobre esta historia...»
O poeirento e velho modelo de televisor que se encontrava montado sobre uma prateleira de parede se apagou repentinamente, silenciado abruptamente enquanto o forte rugido cheio de irritação do vampiro sacudia a sala. detrás dele, ao outro lado da sombria e destroçada habitação que uma vez fora a cafeteria, no porão do psiquiátrico, dois dos tenentes renegados permaneciam em pé, inquietos e grunhindo, enquanto esperavam suas seguintes ordens.
Esse par tinha pouca paciência; os renegados, por sua natureza aditiva, tinham uma débil capacidade de atenção dado que tinham abandonado o intelecto a favor de satisfazer os caprichos mais imediatos de sua sede de sangue. Eram meninos grandes e necessitavam castigos regulares e premios escassos para que continuassem sendo obedientes. E para que recordassem a quem se encontravam servindo nesse momento.
—Não teve feridos —se burlou um dos renegados.
—Possivelmente não humanos —acrescentou o outro—, mas a raça se levou um bom golpe. Ouvi dizer que não ficou grande coisa do morto para que o sol se encarregasse dele.
Mais risadas do primeiro dos idiotas, às que seguiu uma explosão de fôlego e sangue ao imitar a detonação de quão explosivos tinham sido colocados no túnel pelo renegado a quem tinham atribuído para essa tarefa.
—É uma pena que o outro guerreiro que estava com ele se pudesse marchar por seu próprio pé. —Os renegados ficaram em silencio no momemoro em que seu líder se deu a volta, finalmente, para encarar-se com eles.
— A próxima vez lhes porei a vocês dois nessa tarefa, dado que o fracasso lhes parece tão divertido.
Eles franziram o cenho e grunhiram, como bestas que eram, com uma expressão selvagem nas pupilas rasgadas e afundadas no mar amarelo e dourado de sua íris impávidas. Baixaram a vista quando ele começou a caminar em direção a eles com passos lentos e medidos. A ira que sentia estava só parcialmente aplacada pelo fato de que a raça, pelo menos, tinha sofrido uma perda importante.
Esse guerreiro que tinha caido por causa da bomba não tinha sido o alvo real da missão da passada noite; Apesar disso, a morte de qualquer membro da Ordem era uma boa notícia para sua causa. Já haveria tempo de eliminar ao que chamavam Lucan. Possivelmente o fizesse ele mesmo, rosto a rosto, vampiro contra vampiro, sem a vantagem das armas.
Sim, pensou, resultaria mais que um prazer acabar com esse em concreto.
Podia-se chamar justiça poética.
—Me mostrem o que me trouxestes —ordenou aos renegados que se encontravam frente a ele.
Ambos saíram ao mesmo tempo. Empurraram uma porta para entrar os vultos que tinham deixado no corredor de fora. Voltaram ao cabo de um instante arrastando atrás deles a uns quantos humanos entorpecidos e quase sem sangue. Esses homens e mulheres, seis em total, estavam atados pelos pulso e ligeiramente sujeitos pelos tornozelos, embora nenhum deles parecia o bastante forte para nem sequer pensar em tentar fugir.
Os olhos, em estado catatônico, lhes cravavam em um nada. Os lábios, inertes, incapazes de pronunciar nem de emitir nenhum som, estavam emtreabertos em meio de seus rostos pálidos. Em suas gargantas se viam os sinais das dentadas que seus captores lhes tinham feito para subjugá-los.
—Para você, senhor. Uns serventes novos para a causa.
Fizeram entrar os seis seres humanos como se fossem gado, dado que isso era o que eram: ferramentas de carne e osso cujo destino ia trabalhar, ou morrer, o que fosse mais útil segundo seu critério.
Ele jogou uma olhada a caça dessa noite sem mostrar grande interesse, calculando rapidamente o potencial que esses dois homens e quatro mulheres tinham para resultar de utilidade. Sentiu-se impaciente enquanto se aproximava a eles e observava que algumas de quão feridas tinham no pescoço ainda supuravam uns lentos fios de sangue fresco.
Estava faminto, decidiu enquanto cravava seu olhar calculador em uma pequena fêmea morena de lábios cheios e peitos cheios e amadurecidos que empurravam uma insípida bata verde de hospital que parecia um saco e que lhe sentava muito mal. A cabeça lhe caía para frente, como se pesasse muito para mantê-la erguida apesar de que era evidente que estava lutando contra o torpor que já tinha vencido aos outros. As mordidas que tinha eram incontáveis e se perdiam para o crânio, e apesar disso ela lutava contra a catatonia, piscando com expressão sonolenta em um esforço por manter-se consciente.
Tinha que reconhecer que seu valor era admirável.
—K. Delaney, R.N —disse para si, lendo a etiqueta de plástico que lhe pendurava por cima do redondo peito esquerdo.
Tomou o queixo dela entre o dedo polegar e o índice e lhe fez levantar a cabeça para lhe observar o rosto. Era bonita, jovem e sua pele, cheia de sardas, tinha um aroma doce. A boca lhe encheu de saliva, de glotonería, e os olhos lhe esgotaram, ocultos depois dos óculos escuros.
—Esta fica. Levem o resto abaixo, as jaulas.
Ao princípio, Lucan pensou que a dolorosa vibração que sentia formava parte da agonia pela que tinha passado durante as últimas horas. Sentia todo o corpo abrasado, esfolado, sem vida. Em algum momento a cabeça tinha deixado de martelar e agora lhe acossava com um comprido zumbido doloroso.
Encontrava-se em suas habitações privadas do complexo, em sua cama; isso sabia. Recordava haver-se arrastado até ali com suas últimas forças, depois de ter estado ao lado do corpo do Conlan os oito minutos que se requeriam.
Ficou-se inclusive um pouco mais de oito minutos, havia aguentado uns agudos minutos mais até que os raios do amanhecer houvesem aceso a mortalha do guerreiro morto e a tinham feito explodir em umas incríveis chama e luzes. Só então ficou ele ao coberto dos muros subterrâneos do recinto.
Esse tempo extra de exposição tinha significado sua desculpa pessoal a Conlan. A dor que estava suportando nesses momentos era para que não esquecesse nunca o que de verdade importava: seu dever para a raça e para a Ordem de honoráveis machos que tinham jurado igual a ele realizar esse serviço. Não cabia nada mais.
A outra noite tinha permitido saltar-se esse juramento, e agora um de seus melhores guerreiros se foi.
Outro agudo timbre explorou em algum lugar da habitação e tomou por surpresa, em algum lugar muito perto de onde se encontrava descansando. Esse som de algo que se rompia, que se rasgava, lhe cravou na cabeça.
Com uma maldição que quase resultou inaudível e que quase não pôde arrancar da dolorida garganta, Lucan abriu os olhos com dificuldade e observou a escuridão de seu dormitório privado. Viu que uma pequena luz piscava do interior do bolso de sua jaqueta de pele e nesse momento o telefone celular voltou a soar.
Cambaleando-se, sem o habitual controle e coordenação de atleta que tinha nas pernas, deixou-se cair na cama e se dirigiu com estupidez até o molesto aparelho. Somente teve que realizar três intentos para conseguir dar com a tecla para silenciar o timbre. Furioso pelo esforço que esses pequenos movimentos lhe estavam custando, Lucan levantou a tela iluminada ante seus olhos e se esforçou por ler o número da tela.
Era um número de Boston... O telefone celular de Gabrielle.
Fantástico.
Justo o que necessitava.
Enquanto subia o corpo do Conlan por essas centenas de degraus até o exterior, tinha decidido que, fora o que fosse o que estava fazendo com Gabrielle Maxwell, isso tinha que terminar. De todas formas, não estava de todo seguro do que era o que tinha estado fazendo com ela, aparte de aproveitar toda oportunidade que lhe pôs diante de pô-la de costas e debaixo dele.
Sim, tinha sido brilhante nessa tática.
Era no resto de seus objetivos que estava começando a falhar, sempre que Gabrielle entrava em cena.
Tinha-o planejado tudo mentalmente, tinha pensado como ia enfrentar a situação. Faria que Gideon fosse ao apartamento dela essa noite e que lhe contasse, de forma lógica e compreensível, tudo a respeito da raça e sobre o destino dela, de onde procedia verdadeiramente, dentro da nação dos vampiros. Gideon tinha muita experiencia no trato com mulheres e era um diplomático consumado. Ele se mostraria amável, e seguro que sabia dirigir as palavras melhor que Lucan. Ele conseguiria fazer que tudo cobrasse sentido para ela, inclusive a necessidade de que ela procurasse acolhida —e, depois, a um macho adequado— em um dos Refúgios Escuros.
Quanto a si mesmo, faria todo o necessário para que seu corpo sara-se. Depois de umas quantas horas mais de descanso e de um alimento que necessitava muitíssimo —assim que fosse capaz de ficar em pé o tempo suficiente para caçar— Voltaria mais forte e seria um guerreiro melhor.
Ia esquecer para sempre que tinha conhecido a Gabrielle Maxwell. Por seu bem, e pelo bem conjunto da raça.
Exceto...
Exceto a noite passada lhe havia dito que podia lhe localizar em seu número de celular em qualquer momento que lhe necessitasse. Havia-lhe próometido que sempre responderia sua chamada.
E se resultava que ela estava tentando contatar com ele porque os renegados, ou os mortos andantes de seus serventes, estavam rodeando a seu redor, pensou.
Escancarado no chão em posição supina, apertou o botão responder a chamada.
—Olá.
Jesus, tinha um tom de voz de merda, como se tivesse os pulmões feitos mingau e seu fôlego expulsasse cinzas. Tossiu e sentiu como se a cabeça lhe estalasse.
No outro lado da linha houve um silêncio de uns segundos e logo, a voz de Gabrielle, dúbia e ansiosa:
—Lucan? É você?
—Sim. —esforçou-se em emitir o som apesar da secura que tinha na garganta—. O que acontece? Está bem?
—Sim, estou bem. Espero que não te incomode que tenha chamado. Só... Bom, depois de que te partisse dessa maneira a noite passada , estive um pouco preocupada. Suponho que somente precisava saber que não te tinha ocorrido nada mau.
Ele não tinha energia suficiente para falar, assim que ficou convexo, fechou os olhos e, simplesmente, escutou o som de sua voz. Seu tom de voz, claro e sonoro, parecia-lhe um bálsamo. A preocupação que ela demostrava era como um elixir, como algo que ele nunca tinha provado antes: saber que alguém se preocupava com ele. Esse afeto lhe resultava pouco familiar e quente.
Tranqüilizava-lhe, apesar de sua raivosa necessidade de negá-lo.
—O que...? —disse com voz rouca, mas o tentou de novo — Que horas são?
—Ainda não é meio-dia. Queria te chamar assim que me levantei esta manhã, mas como normalmente trabalha durante o turno de noite, esperei tudo o que pude. Parece cansado. Despertei-te?
—Não.
Tentou rodar sobre um flanco do corpo. Sentia-se mais forte depois desses poucos minutos ao telefone falando com ela. Além disso, necessitava tirar o traseiro da cama e voltar para a rua essa mesma noite. O assassinato do Conlan tinha que ser vingado, e tinha intenção de ser ele quem fizesse justiça.
Quanto mais brutal fosse essa justiça, melhor.
—Bom —estava dizendo ela nesses momentos—, então tudo está bem?
—Sim, bem.
—Bem. Alivia-me sabê-lo, verdade. —Sua voz adquiriu um tom mais ligero e um tanto provocador.
— Te escapou de meu apartamento tão depressa a noite passada que acreditei que teria deixado marca no chão.
—Surgiu um imprevisto e tive que partir.
—Certo —disse ela depois de um silêncio que indicou que ele não tinha nenhuma intenção de entrar em detalhes—. Um assunto secreto de detetives?
—Pode-se dizer que sim.
Esforçou-se por ficar em pé e franziu o cenho, tanto pela dor que lhe atravessou todo o corpo como pelo fato de não poder contar a Gabrielle o porquê tinha tido que sair tão rapidamente de sua cama. A guerra que esperava a ele e ao resto dos seus era uma crua realidade que logo ela também teria em seu prato. De fato, seria essa mesma noite, assim que Gideon fosse visitá-la.
—Escuta, esta noite tenho uma aula de ioga com um amigo meu que termina por volta das nove. Se não estiver de serviço, por que não passa por aqui? Posso preparar algo para jantar. Toma-o como uma compensação pelos manicotti que não pôde comer o outro dia. Possivelmente esta vez consigamos jantar.
O divertido flerte de Gabrielle lhe arrancou um sorriso que lhe fez sentir dor em todos os músculos do rosto. A indireta a respeito da paixão que tinham compartilhado despertava algo em seu interior também, e a ereção que notou em meio de todas as demais sensações físicas de agonia não foi tão dolorosa como tivesse desejado.
—Não posso ir verte, Gabrielle. Tenho... que fazer umas coisas.
A principal de todas elas era meter-se algo de sangue no corpo e isso significava que tinha que manter-se afastado dela tanto como fosse possível. Não era boa coisa que lhe tentasse com a promessa de seu corpo; no estado em que se encontrava nesse momento, ele era um perigo para qualquer ser humano que fosse o suficientemente tolo como para aproximar-se dele.
—Não sabe o que dizem a respeito de trabalhar muito e não jogar nada? —perguntou-lhe, em um ronrono de convite.
—Sou uma espécie de ave noturna, assim se terminar logo de trabalhar e decide que quer um pouco de companhia...
—Sinto muito. Possivelmente em outro momento —lhe disse ele, sabendo perfeitamente que não haveria nenhum outro momento. Nesses instantes se encontrava em pé e começava a dar uns passos torpes e pouco fluídos em direção a porta. Gideon devia estar no laboratório, e o laboratório se encontrava ao final do corredor. Era infernal tentar fazer esse percurso em suas condições, mas Lucan estava completamente decidido fazê-lo.
—Vou mandar a alguém a ver-te esta noite. É um... meu sócio.
—Para que?
Tinha que expulsar o fôlego com dificuldade e pela boca, mas estava caminhando. Alargou a mão e apanhou a maçaneta da porta.
—As coisas se puseram muito perigosas —disse ele de forma precipitada e com esforço—. Depois do que te aconteceu ontem no centro da cidade...
—Deus, não podemos esquecê-lo? Estou segura de que exagerei.
—Não —a interrompeu ele—. Me sentirei melhor se souber que não está sozinha... que há alguém que te protege.
—Lucan, de verdade, não é necessário. Sou uma garota adulta. Estou bem.
Ele não fez caso de seus protestos.
—Chama-se Gideon. Te agradará. Os dois poderão... falar. Ele lhe ajudará, Gabrielle. Melhor do que o posso fazer eu.
—Me ajudar? O que quer dizer? Passou algo com respeito ao caso? E quem é esse Gideon? É um detetive, também?
—Ele lhe explicará isso tudo. —Lucan saiu ao corredor, onde uma tênue luz iluminava as polidos ladrilhos e os brilhantes acabados de cromo e cristal. Do outro lado de uma das portas de um apartamento privado se ouvia ressonar com força a música metal de Dante. Desde um dos muitos corredores que foram dar a esse corredor principal chegava certo aroma de azeite e a disparos de arma recentes, das instalações de treinamento.
Lucan se cambaleou sobre os pés, inseguro em meio dessa mescla de estímulos sensoriais.
—Estará a salvo, Gabrielle, juro-lhe isso. Agora tenho que te deixar.
—Lucan, espera um momento! Não desligue. O que é o que não me está dizendo?
—Vais estar bem, prometo-lhe isso. Adeus, Gabrielle.
Capítulo quatorze
A chamada que tinha feito a Lucan, e seu estranho comportamento ao outro extremo do telefone, tinham-na estado preocupando todo o dia. Todavia o estava enquanto saía com Megan da classe de ioga essa tarde.
—Parecia tão estranho ao telefone. Não sei se estava em um estado de extrema dor física ou se estava tentando encontrar a maneira de me dizer que não queria voltar para ver-me.
Megan suspirou e fez um gesto de negação com a mão.
—Provavelmente está tirando muitas conclusões. Se de verdade quer sabê-lo, por que não vai a delegacia de polícia e sacas a cabeça para ver-lhe?
—Acredito que não. Quero dizer, o que lhe diria?
—Diria-lhe: «Olá, bonito. Parecia tão desanimado esta tarde que pensei que iria bem que passasse te recolher, assim aqui estou». Possivelmente possa lhe levar um café e um pão-doce no caso de.
—Não sei...
—Gabby, você mesma há dito que esse menino sempre foi doce e cuidadoso quando esteve contigo. Pelo que me contaste a respeito da conversação que tivestes hoje por telefone, ele parece muito preocupado por ti. Tanto que vai mandar a um de seus colegas para que te vigie enquanto ele está de serviço e não pode estar ali em pessoa.
—Ele fez insistência no perigoso que se estava pondo acima... e o que acha que significa «acima» ? Não parece jargão de polícia, verdade? O que é, algum tipo de terminologia militar?
—Negou com a cabeça—. Não sei. Há muitas coisas de Lucan Thorne que não sei.
—Pois pregunta. Venha, Gabrielle. Pelo menos lhe dê ao menino o benefício da dúvida.
Gabrielle observou as calças de ioga negras e a jaqueta com cremalheira que levava. Logo se levou a mão ao cabelo para comprovar até que ponto lhe tinha desfeito a rabo-de-cavalo durante esses quarenta e cinco minutos de exercícios.
—Teria que ir primeiro a casa, me dar pelo menos uma ducha, trocar de roupa.
—Né! Quero dizer, de verdade, mas o que te passa? —Megan abriu muito os olhos, que lhe brilhavam, divertida.
— Tem medo de ir, verdade? OH, quer ir, mas já tem certamente um milhão de desculpas passando para explicar por que não pode fazê-lo. Admito-o, este menino você gosta de verdade.
Gabrielle não podia negá-lo, não teria podido inclusive embora o imediato sorriso que lhe desenhou no rosto não a tivesse delatado. Gabrielle lhe devolveu o olhar a sua amiga e se encolheu de ombros.
—Sim, é verdade. Eu gosto. Muito.
—Então, o que está esperando? A delegacia de polícia está a três quadras, e tem um aspecto fantástico, como sempre. Além disso, não é que ele não te tenha visto suar um pouco antes de agora. É possível que prefira ver-te assim.
Gabrielle riu com Megan, mas sentia retorcer o estômago. A verdade era que sim desejava ver Lucan, de fato não queria esperar nem um minuto mais, mas e se ele tinha estado tentando deixá-la enquanto falavam por telefone essa tarde? Que ridícula pareceria então, se entrava na delegacia de polícia sentindo-se como se fosse sua noiva. Sentiria-se como uma idiota.
Não mais do que se sentiria se recebia a notícia de segunda mão, pela boca de seu amigo Gideon, a quem ele teria enviado nessa compassiva missão.
—De acordo. Vou fazê - lo.
—Bom pra ti! —Megan se ajustou a bolsa do colchonete de ioga no ombro e sorriu ampliamente.
— Esta noite verei Ray em meu apartamemoro depois de que ele termine seu turno, mas me chame à primeira hora da manhã e me conte como foi. De acordo?
—De acordo. Uma saudação para o Ray
Enquanto Megan se afastava apressadamente para pegar o trem das nove e quinze, Gabrielle se dirigiu para a delegacia de polícia . Durante o caminho recordou o conselho de Megan e se deteve um momento para comprar um pão-doce e um café: puro e carregado, posto que não acreditava que Lucan fosse o tipo de homem que toma com leite, com açúcar nem descafeinado.
Com ambas as coisas nas mãos, chegou a porta da delegacia de polícia, respirou com força para reunir coragem, atravessou a porta de entrada e entrou com atitude desenvolvida.
As queimaduras piores tinham começado a curar-se ao cair da noite. A pele nova lhe cresceu, sã, por debaixo das bolhas da pele velha e as feridas começaram a fechar-se. Embora ainda tinha os olhos muito sensíveis inclusive a luz artificial, não sentia dor na fria escuridão da rua. O qual era bom, porque precisava estar por aí para saciar a sede de seu corpo convalescente.
Dante lhe olhou. Os dois saíam ao exterior do recinto e se preparavam para compartilhar essa noite de reconhecimento e de vingança contra os renegados.
—Não tem muito bom aspecto, cara. Se quiser, sairei a caçar para ti e te trarei algo jovem e forte. Necessita-o, isso está claro. E ninguém tem por que saber que não te procuraste o sustento você mesmo.
Lucan olhou de soslaio e com expressão séria ao macho e lhe mostrou os dentes em um sorriso de brincadeira.
—Que lhe fodam.
Dante-se riu
.
.
—Tinha a suspeita de que me diria isso. Quer que leve as armas por ti, pelo menos?
O gesto de negar devagar com a cabeça lhe provocou uma navalhada de dor na cabeça.
—Estou bem. Estarei melhor quando me tiver alimentado.
—Sem dúvida. —O vampiro ficou em silêncio durante um comprido momento e lhe olhou, simplesmente. Sabe o que é que foi extraordinariamente impressionante do que fez hoje pelo Conlan? Eu não tivesse podido nem imaginá-lo em toda sua vida, mas, porra, eu gostaria que tivesse sabido que seria você quem subiria esses últimos degraus com ele. Foi uma grande maneira de lhe honrar, cara. De verdade.
Lucan recebeu a adulação sem deixar que lhe impregnasse. Ele tinha tido seus próprios motivos para levar a cabo esse rito funerário, e ganhar a admiração do resto dos guerreiros não formava parte deles.
—Dê-me uma hora para caçar algo e logo nos encontraremos aqui outra vez para provocar algumas baixas entre as filas de nossos inimigos, esta noite. Pela memória do Conlan.
Dante assentiu com a cabeça e chocou os nódulos contra o punho fechado de Lucan.
—De acordo.
Lucan esperou enquanto Dante desaparecia na escuridão. Suas passadas largas e fortes delatavam a vontade com que esperava as batalhas que ia encontrar nas ruas. Tirou as armas gêmeas das capas e elevou as Malebranches curvadas por cima de sua cabeça. O brilho dessas folhas de aço gentil e de titânio, assassinas de renegados, cintilou a débil luz da lua no céu. O vampiro emitiu um grito de guerra calado e desapareceu nas sombras da noite.
Lucan lhe seguiu não muito depois, seguindo um caminho não muito distinto que entrava nas escuras artérias da cidade. Seu gesto furtivo era menos fanfarrão, mas mais decidido, menos arrogante e ansioso, mais determinado e frio. Sua sede era pior do que nunca tinha sido, e o rugido que elevou até a abóbada de estrelas no céu estava cheio de uma ira feroz.
—Pode soletrar o sobrenome outra vez, por favor?
—T-h-ou-r-n-e —repetiu Gabrielle a recepcionista de delegacia de polícia, que não tinha conseguido nenhum resultado no diretório—. Detetive Lucan Thorne. Não sei em que departamento trabalha. Veio a minha casa depois de que eu estivesse aqui para denunciar uma agressão que presenciei a semana passada... um assassinato.
—Ah. Então, você quer falar com os de Homicídios? —As unhas largas e pintadas da jovem repicavam em cima do teclado com rapidez—. Certo... Não. Sinto muito. Tampouco aparece nesse departamento.
—Isso não é possível. Pode voltar a comprová-lo, por favor? É que este sistema não lhe permite procurar somente um nome?
—Sim o permite, mas não aparece nenhum detetive que se chame Lucan Thorne. Está segura de que trabalha neste edifício?
—Estou segura, sim. A informação de seu computador não deve estar atualizada...
—Né, um momento! Aí há uma pessoa que pode ajudar, a interrompeu a recepcionista enquanto fazia um gesto em direção à porta de entrada da Central.
—Agente Carrigan! Você tem um segundo?
O agente Carrigan, recordou Gabrielle, desolada. O velho poli que lhe tinha feito passar um momento tão desagradável a semana passada, chamando-a mentirosa e cabeça oca sem querer acreditar a declaração de Gabrielle acerca do assassinato da discoteca. Pelo menos, agora que Lucan tinha contrastado as fotos de seu celular no laboratório da polícia, sentia o consolo de saber que, fosse qual fosse a opinião desse homem, o caso seguia adiante de algum jeito.
Gabrielle teve que reprimir um grunhido de fúria ao ver que o homem se tomava um tempo antes de aproximar-se dela. Quando ele a viu ali em pé, a expressão de arrogância que parecia tão natural nesse rosto carnudo adotou um gesto decididamente depreciativo.
—OH, Por Deus. Outra vez você? Justo o que necessito em meu último dia de trabalho. Retiro-me dentro de umas quantas horas, querida. Esta vez vai ter que contar-lhe a outra pessoa.
Gabrielle franziu o cenho.
—Perdão?
—Esta jovem está procurando um de nossos detetives —disse a recepcionista enquanto intercambiava um olhar de cumplicidade com Gabrielle, como resposta ao comportamento displicente do agente. Não lhe encontro no diretório, mas ela acredita que é um dos nossos.
Conhece você ao detetive Thorne?
—Nunca ouvi falar dele. —O agente Carrigan começou a afastar-se.
—Lucan Thorne —disse Gabrielle com decisão enquanto deixava o café de Lucan e a bolsa com a massa em cima da mesa de recepção. Automaticamente deu um passo em direção ao policial e esteve a ponto de sujeita-lo pelo braço ao ver que ele ia deixa-la ali plantada.
— O detetive Lucan Thorne, você deve conhecer. Vocês enviaram ao meu apartamento no início desta semana para ver se conseguia alguma informação adicional a minha declaração. Levou meu telefone celular ao laboratório para que analisassem...
Carrigan começou a rir agora; deteve-se e a olhava enquanto lhe oferecia os detalhes a respeito da chegada de Lucan a sua casa. Gabrielle não tinha paciência para dirigir a agressividade desse agente. E menos agora que o pêlo da nuca começava a arrepiar-se o a causa do repentino pressentimento de que as coisas começavam a ser estranhas.
—Está-me dizendo que o detetive Thorne não lhe contou nada disto?
—Senhorita. Estou-lhe dizendo que não tenho nem remota idéia do que está você falando. Trabalhei nesta delegacia de polícia durante trinta e cinco anos, e nunca ouvi falar de nenhum detetive Lucan Thorne, por não falar de que não mandei a sua casa.
Gabrielle sentiu que lhe formava um nó no estômago, frio e apertado, mas se negou a aceitar o medo que começava a cobrar forma detrás de toda essa confusão.
—Isso não é possível. Ele sabia do assassinato que eu havia presenciado. Sabia que eu tinha estado aqui, na delegacia de polícia, fazendo uma declaração a respeito disso. Vi sua placa de identificação quando chegou à casa. Acabo de falar com ele hoje, e me disse que esta noite trabalhava. Tenho seu número de celular...
—Bom, vou dizer- lhe uma coisa. Se isso for fazer que me deixe em paz , vamos fazer uma chamada a seu detetive Thorne —disse Carrigan.Isso esclarecerá as coisas, verdade?
—Sim. Vou chamar- lhe agora.
A Gabrielle tremiam um pouco os dedos enquanto tirava o teléefone celular do bolso e marcava o número de Lucan. O telefone chamou, mas ninguém respondeu. Gabrielle voltou a tentá-lo e esperou durante a agonia de uma eternidade enquanto o timbre soava e soava e soava e enquanto a expressão do agente Carrigan se mudava de uma impaciência questionável a uma compaixão que ela tinha percebido nos rostros dos trabalhadores sociais quando era uma menina.
—Não responde —murmurou ela, apartando o telefone do ouvido. Sentia-se torpe e confusa, e a expressão atenta no rosto do Carrigan o piorava tudo—. Estou convencida de que está ocupado com algo. Vou voltar a tentá-lo dentro de um minuto.
—Senhorita Maxwell. Podemos chamar a alguém mais? A algum familiar, possivelmente? A alguém que possa nos ajudar a encontrar sentido a tudo o que lhe está passando?
—Não me está acontecendo nada.
—Me parece que sim. Acredito que você está confusa. Sabe? Às vezes a gente inventa coisas para que lhes ajudem a suportar outros problemas.
Gabrielle se burlou.
—Eu não estou confundida. Lucan Thorne não é um produto de minha imaginação. É real. Essas coisas que me aconteceram são reais. O assassinato que presenciei o fim de semana passado, esses... homens... com seus rostos ensangüentados e seus afiados dentes, inclusive esse menino que me esteve vigiando o outro dia no parque... ele trabalha aqui na Central. O que é o que têm feito vocês? Enviaram-lhe para que me olha-se?
—De acordo, senhorita Maxwell. Vamos ver se conseguimos resolver isto juntos. —Era óbvio que o agente Carrigan tinha encontrado finalmente um resto de diplomacia sob a armadura de seu caráter grosseiro. Apesar de tudo, a forma em que pegou pelo braço para tentar conduzi-la até um dos bancos do vestíbulo para que se sentasse mostrava uma grande condescendência—. Vamos ver se respirarmos profundamente. Podemos procurar a alguém para que a ajude.
Deu uma sacudida no braço para soltar-se.
—Você acredita que estou louca. Eu sei o que vi... tudo! Não me estou inventando isto, e não necessito ajuda. Somente preciso saber a verdade.
—Sheryl, querida — disse Carrigan a recepcionista, que olhava ambos com apreensão—. Pode me fazer o favor de chamar em um momemoro à Rudy Duncan? Diga que lhe necessito aqui embaixo.
—Um médico? —perguntou Gabrielle, que já havia tornado a colocar o telefone entre a orelha e o ombro.
—Não —repôs Carrigan, devolvendo o olhar a Gabrielle—. Não terá que alarmar-se ainda. Peça que baixe ao vestíbulo, tranqüilamente, e que converse um momento com a senhorita Maxwell e comigo.
—Esqueça-o —respondeu Gabrielle, levantando do banco.
—Olhe, seja o que seja o que lhe esteja passando, há pessoas que podem ajudá-la.
Ela não esperou que terminasse de falar, limitou-se a recompor-se com dignidade, a caminhar até a mesa de recepção para recuperar a taça e a bolsa, a atirá-los ao lixo e dirigir-se a porta de saída.
Sentiu o ar da noite fresco nas bochechas, acesas, o qual a tranqüilizou de algum jeito. Mas a cabeça ainda lhe estava dando voltas. O coração lhe pulsava com força por causa da confusão e de que não podia acreditar o que lhe tinha acontecido.
É que todo mundo ao seu redor se estava voltando louco? Que diabos estava acontecendo? Lucan lhe tinha mentido a respeito de que era um policial, isso era bastante evidente. Mas que parte do que lhe tinha contado, que parte do que tinham feito juntos, formava parte desse engano?
E por que?
Gabrielle se deteve no final dos degraus de cimento que se afastavam da delegacia de polícia e respirou profundamente várias vezes. Deixou sair o ar devagar. Logo baixou a vista e viu que ainda tinha o telefone celular na mão.
—Merda.
Tinha que averiguá-lo.
Essa estranha história em que se colocou tinha que acabar nesse momento.
O botão de rechamada voltou a marcar o número de Lucan. Ela esperou,
Insegura do que ia dizer lhe.
O telefone soou seis vezes.
Sete.
Oito...
Capítulo quinze
Lucan tirou o celular do bolso de sua jaqueta de couro enquanto pronunciava uma forte maldição.
Gabrielle... outra vez.
Tinha-lhe chamado antes também, mas ele não tinha querido responder a chamada. Estava perseguindo um traficante de drogas ao que tinha visto vender crack a um adolescente que passava pela rua, fora de um sórdido botequim. Tinha estado conduzindo mentalmente a sua presa para um beco escuro e estava justo a ponto de lançar-se ao ataque quando a primeira chamada de Gabrielle tinha divulgado como um alarme de carro desde seu bolso. Tinha posto o aparelho no modo de silêncio, amaldiçoando-se a si mesmo pelo estúpido costume de levar o maldito traste quando saía a caçar.
A sede e as feridas lhe tinham feito comportar-se descuidadamente. Mas esse repentino estrondo na rua escura tinha resultado a seu favor ao final.
Ele tinha as forças debilitadas, e o cauteloso traficante tinha cheirado o perigo no ambiente, inclusive apesar de que Lucan se manteve escondido entre as sombras enquanto lhe perseguia. Tinha tirado uma arma a metade do beco e apesar de que raramente as feridas de bala resultavam fatais para a estirpe de Lucan —a não ser que se tratasse de um tiro na cabeça a queima roupa—, não estava seguro de que seu corpo convalescente pudesse resistir um impacto como esse nesses momentos.
Por não mencionar o fato de que isso lhe tiraria de gonzo, e já estava com um humor de cão.
Assim, quando a segunda chamada do celular fez que o traficante se voltasse freneticamente para um lado e a outro em busca da origem do ruído que ouvia detrás dele, Lucan lhe saltou em cima. Derrubou ao tipo rápidamente, e lhe cravou as presas na veia do pescoço, torcida pelo terror um momento antes de que o homem reunisse a força suficiente para arrancar um grito dos pulmões.
O sangue lhe alagou a boca, desagradável pelo sabor a droga e a enfermidade. Lucan a tragou com dificuldade, uma vez atrás de outra, enquanto agarrava sem piedade a sua convulsa presa. Ia matar- lhe, e não podia importar menos. Isso apagava a dor de seu corpo dolorido.
Lucan se alimentou depressa, bebeu tudo o que pôde.
Mais do que pôde.
Quase lhe tirou todo o sangue ao traficante e ainda se sentia faminto. Mas tivesse sido abusar muito se alimentava mais essa noite. Era melhor esperar a que o sangue lhe nutrisse e lhe tranquilizasse em lugar de arriscar-se a ser ansioso e a tomar um caminho rápido para a sede insaciavel de sangue.
Lucan olhou com ironia o telefone que soava na palma de sua mão e sabia que quão único tinha que fazer era não responder.
Mas continuou soando, com insistência, e justo no último instante, respondeu. Não disse nada ao princípio, simplesmente escutou o som do suspiro de Gabrielle ao outro lado. Notou que tinha a respiração tremente, mas sua voz soou forte, apesar de que era evidente que estava bastante desgostada.
—Mentiste-me — disse, a modo de saudação—. Durante quanto tempo, Lucan? Quantas mentiras? Tudo foi uma mentira?
Lucan observou o corpo sem vida de sua presa com expressão satisfeita. Agachou-se e realizou um rápido registro desse miserável e gordurento tipo. Encontrou um maço de bilhetes sujeitos por uma borracha, que ia deixar ali para que os abutres guias de ruas o disputassem. A mercadoria do traficante —crack e heroína por valor de um par de bilhetes grandes— Iriam parar em um dos esgotos da cidade.
—Onde está? —perguntou-lhe quase em um latido, sem pensar em outra coisa que não fosse no depredador que acabava de eliminar.
— Onde está Gideon?
—Nem sequer vais tentar negá-lo? Por que faz isto?
—Passe-me isso Gabrielle.
Ela ignorou essa petição.
—Há outra coisa que eu gostaria de saber: como entrou em meu apartamemoro a outra noite? Eu tinha fechado todos os fechos e tinha posto a correia. O que fez? Abriu-os? Roubou-me as chaves enquanto eu não olhava e te fez uma cópia?
—Podemos falar disso mais tarde, quando estiver a salvo no recinto.
—De que recinto fala? —A repentina gargalhada lhe pegou por surpresa.
— E pode abandonar essa pose protetora e benevolente. Não é um policial. Quão único quero é um pouco de sinceridade. É isso te pedir muito, Lucan? Deus. É esse pelo menos seu verdadeiro nome? Algo do que me tenha contado se parece, pelo menos remotamente, a verdade?
De repente Lucan soube que essa raiva, essa dor, não era o resultado de que Gabrielle tivesse conhecido pelo Gideon a verdade a respeito da raça e do papel que ela tinha destinado na mesma. Um papel que não ia incluir a Lucan.
Não, ela não sabia nada disso ainda. Tratava-se de outra coisa. Não era medo dos fatos. Era medo ao desconhecido.
—Onde está, Gabrielle?
—O que te importa?
—Me... importa —admitiu, embora com relutância.
—Porra , não tenho a cabeça para isto agora mesmo. Olhe, sei que não está em seu apartamento, assim que onde está? Gabrielle, tem que me dizer onde está.
—Estou na delegacia de polícia. Vim para ver-te esta noite e, sabe o que? Ninguém ouviu seu nome aqui.
—OH, Deus. Perguntaste por mim aí?
—É obvio que o tenho feito. Como tivesse podido me inteirar de que tomava por uma idiota, se não? —Outra vez o tom de brincadeira e irritação.
— Incluso havia te trazido café e uma massa.
—Gabrielle, estarei aí em uns minutos... menos que isso. Não te mova. Fique onde está. Fique em algum ponto onde haja gente, em algum lugar interior. Vou para te buscar.
—Esquece-o. Me deixe em paz.
Essa breve ordem lhe fez levantar-se imediatamente do chão. Ao cabo de um instante suas botas ressonavam na rua a um ritmo acelerado.
—Não vou ficar por aqui te esperando, Lucan. De fato, sabe o que? Não te ocorra te aproximar de mim.
—Muito tarde —lhe respondeu.
Já tinha chegado à penúltima esquina que lhe separava da rua onde se encontrava a delegacia de polícia. Avançou por entre a multidão de pedestres como um fantasma. Notava que o sangue que acabava de ingerir lhe penetrava nas células, lhe aderia nos músculos e nos ossos e lhe fortalecia até que se converteu somente em uma rajada fria nas costas dos que passavam ao seu lado.
Mas Gabrielle, com sua extraordinária percepção de companheira de raça, viu-lhe em seguida.
Lucan ouviu pelo telefone que Gabrielle agüentava a respiração. Como em câmera lenta, ela se apartou o aparelho do ouvido e lhe olhou com os olhos muito abertos e com incredulidade enquanto ele lhe aproximava rapidamente.
—Meu Deus —sussurrou, e essas palavras chegaram aos ouvidos de Lucan sozinhas em um segundo antes de que se plantasse diante dela e alargasse a mão para sujeitá-la pelo braço.
—Solte-me!
—Temos que falar, Gabrielle. Mas não aqui. Levarei-te a um lugar...
—É uma merda! —Deu um puxão, soltou-se da mão dele e se afastou pela calçada.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
—Já não está segura aqui fora, Gabrielle. Viu muitas coisas. Agora forma parte disso, tanto se quiser como se não.
—Parte do quê?
—Desta guerra.
—Guerra —repetiu ela, com um tom de dúvida.
—Exato. É uma guerra. Antes ou depois vais ter que escolher um lado, Gabrielle. —Pronunciou uma maldição—. Não. A merda. Eu vou escolher seu lado agora mesmo.
—É uma espécie de piada? Quem é você, um desses militares inadaptados que vai por aí representando suas fantasias de autoridade. Possivelmente seja pior que isso.
—Isto não é uma piada. Não é um fodido jogo. Estive em muitos combates e presenciei muitas mortes em minha vida, Gabrielle. Nem sequer pode imaginar o que vi, nem tudo o que tenho feito. Não vou ficar quieto para ver que fica apanhada em um fogo cruzado. —Ofereceu-lhe uma mão.
— Vais vir comigo. Agora.
Lhe esquivou. Seus olhos escuros revelavam uma mescla de medo e de raiva.
—Se voltar a me tocar, juro-te que chamo a polícia. Já sabe, aos de verdade que estão na delegacia de polícia. Esses levam placas de verdade. E armas de verdade.
O humor de Lucan, que já estava quente, começou a piorar.
—Não me ameace, Gabrielle. E não creia que a polícia te pode ofecer algum tipo de amparo. E, é obvio, não ante o que te está ameaçando. Pelo que sabemos, a metade da delegacia de polícia poderia estar cheia de servidores.
Ela meneou a cabeça e adotou uma atitude mais tranqüila.
—De acordo. Esta conversação está deixando de ser realmente extranha e começa a ser profundamente inquietante. Terminei com isto, compreendido? —Falava-lhe devagar e em voz baixa, como se estivesse tentando tranqüilizar a um cão raivoso que estivesse ante ela agachado e a ponto de atacar.
— Agora vou, Lucan. Por favor... não me siga.
Quando ela deu o primeiro passo para afastar-se dele, a pouca capacidade de controle que ficava a Lucan se quebrou. Cravou-lhe os olhos nos dela com dureza e lhe enviou uma feroz ordem mental para que deixasse de resistir a ele.
«Me dê a mão.»
«Agora.»
Por um segundo, as pernas ficaram imóveis, paralizadas. Os dedos das mãos se moveram, como intranqüilos, a um doslados do corpo. Logo, devagar, seu braço começou a levantar-se para ele.
E, de repente, o controle que ele tinha sobre ela se rompeu.
Ele sentiu que lhe expulsava de sua mente, desconectava dele. O corredor de sua vontade era como uma porta de ferro que se fechava entre ambos, uma porta que lhe houvesse custado muito penetrar embora se encontrasse em condições ótimas.
—Que diabos? —exclamou ela em voz baixa, reconhecendo perfeitamente qual era o truque—. Te ouvi, agora, em minha cabeça. Meu Deus. Tem-me feito isto antes, verdade?
—Não me está deixando muitas escolhas, Gabrielle.
Ele tentou outra vez. E sentiu que lhe empurrava fora, esta vez com maior desespero. Com mais medo.
Ela se levou o dorso da mão até a boca, mas não pôde afogar de todo o grito quebrado que lhe saía pela garganta.
Retrocedeu cambaleando-se pela esquina.
E logo se deu a volta na escuridão da rua para escapar dele.
—Você, menino. Agarra a porta em meu lugar, de acordo?
O servente demorou um segundo em dar-se conta de que lhe estavam falando a ele, de tão distraído como estava olhando a mulher Maxwell em meio da rua, diante da delegacia de polícia. Inclusive agora, enquanto sujeitava a porta aberta para que um mensageiro entrasse com quatro caixas de pizza fumegantes, sua atenção permanecia cravada na mulher enquanto esta se afastava da esquina e corria rua abaixo.
Como se tentasse deixar a alguém detrás.
O servente olhou a uma enorme figura vestida de negro que estava em pé e que observava como ela escapava. Esse macho era imenso, facilmente media dois metros de altura, os ombros, sob a jaqueta de pele, eram largos como os de um defesa. Dele emanava um ar de ameaça que se percebia do outro lado da rua onde agora se encontrava o servente, em pé, estupefato, sujeitando ainda a porta da delegacia apesar de que as pizzas se encontravam amontoadas já em cima do balcão de recepção.
Embora ele nunca tinha visto nenhum dos vampiros a quem seu senhor desprezava tão abertamente, o servente soube sem dúvida nenhuma que nesse momento estava vendo um deles.
Seguro que essa era uma oportunidade de ganhar a apreciação se avisasse a seu senhor da presença tanto da mulher como do vampiro a quem ela parecia conhecer, além de temer.
O servente voltou a entrar na delegacia de polícia. Tinha as mãos úmidas de suor por causa da excitação ante a glória que lhe esperava. Com a cabeça abaixada, seguro de sua habilidade de mover-se por toda parte e de passar desapercebido, começou a cruzar o vestíbulo a um passo apressado.
Nem sequer viu que o menino da pizza se cruzava em seu caminho até que se chocou com ele, com a cabeça. Uma caixa de cartão foi chocar-se contra o peito, da qual emanou um aroma de queijo quente, e a caixa caiu no sujo linóleo do chão pulverizando o conteúdo aos pés do servente.
—Né, cara. Está pisando em minha seguinte entrega. É que não olha por onde vai?
Ele não se desculpou, nem se deteve para tirar o gordurento queijo e o pepperoni do sapato. Introduziu a mão no bolso da calça e foi procurar um lugar tranqüilo de onde fazer sua importante chamada.
—Espera um segundo, amigo.
Era o velho e calvo agente, em pé no vestíbulo, quem gritava agora. Embutido em sua uniforme durante suas últimas horas de trabalho, Carrigan tinha estado perdendo o tempo incomodando a recepcionista do vestíbulo.
O servente não fez caso da voz ensurdecedora do policial que lhe chamava a suas costas e continuou caminhando, com a cabeça agachada, em linha reta em direção a porta da escada que estava perto do lavabo, justo fora do vestíbulo.
Carrigan soltou um bufido com todas suas forças e ficou boquiabierto, com expressão de evidente incredulidade ao ver que sua autoridade era completamente ignorada.
—Né, chupatintas! Estou falando contigo. Hei-te dito que volte e que limpe esta porcaria. E quero dizer que o faça agora, cabeça oca!
—Limpa-o você mesmo, porco arrogante —disse em voz baixa e quase sem alento. Logo abriu a porta de metal que dava as escadas e começou a baixar a passo rápido.
Nesse momento e por cima dele, ouviu que a porta se abria com um estrondo ao golpear o outro lado da parede e que os degraus vibravam como sob o efeito de uma explosão sônica.
—O que é o que acaba de dizer? Que merda acaba de me chamar,idiota?
—Já me ouviste. E agora me deixe em paz, Carrigan. Tenho coisas mais importantes que fazer.
O servente tirou o telefone celular para tentar contatar o único que de verdade lhe podia dar ordens. Mas antes de que tivesse tempo de apertar o botão de marcação rápida para ficar em comunicação com seu senhor, o corpulento polícia já se lançou escada abaixo. Uma mão enorme deu um golpe ao servente na cabeça. Os ouvidos apitaram, a vista lhe nublou a causa do impacto, o celular saiu despedido da mão e caiu ao chão com um som seco, vários degraus mais abaixo.
—Obrigado por me oferecer uma anedota de risada para meu último dia de trabalho —lhe disse em tom provocador. Passou-se um gordinho dedo pelo pescoço da camisa, muito apertada, e logo, com gesto despreocupado, levantou uma mão para voltar a colocar a última mecha de cabelo que tinha em seu lugar.
— E agora, te leve esse rabo esquelético escada acima antes de que lhe dê uma boa patada. Ouviste-me?
Houve um tempo, antes de que conhecesse quem chamava seu Professor, em que um desafio como esse, e em especial por parte de um fanfarrão como Carrigan, não tivesse passado como nada.
Mas esse policial suarento e salivoso que agora lhe olhava de acima das escadas lhe resultava insignificante à luz dos deveres que lhes eram confiados aos escolhidos como ele. O servente se limitou a piscar umas quantas vezes e logo se deu a volta para recolher o telefone móvel e continuar a tarefa que tinha entre mãos.
Somente conseguiu baixar dois degraus antes de que Carrigan caísse sobre ele outra vez. Notou que uns dedos fortes lhe sujeitavam pelos ombros e lhe obrigavam a dar a volta. Os olhos do servente caíram soubre uma elegante caneta que Carrigan levava no bolso do uniforme. Reconheceu o emblema comemorativo dos serviços emprestados mas imediatamente recebeu outro golpe seco no crânio.
—O que te passa, é que está surdo e mudo? Te aparte de minha vista ou vou a...
Nesse momento, o policial se engasgou e soltou o ar de repente e o servente recuperou a consciência. Viu a si mesmo com a caneta do agente na mão cravando-lhe profundamente pela segunda vez, com uma investida brutal, na carne do pescoço do Carrigan.
O servente lhe cravou uma e outra vez a arma improvisada até que o policial se desabou no chão e ficou ali tendido como um vulto destroçado e sem vida.
Ele abriu a mão e a caneta caiu no atoleiro de sangue que se havia formado nas escadas. Imediatamente e esquecendo-o tudo, se agachou e voltou a tomar o telefone celular. Tinha intenção de fazer essa crucial chamada imediatamente, mas não podia deixar de olhar o desastre que acabava de provocar, um desastre que não ia ser tão fácil de limpar como os restos de pizza no vestíbulo.
Isso tinha sido um engano, e qualquer aprovação que pudesse receber ao informar ao seu senhor sobre o paradeiro da mulher Maxwell lhe seria retirada quando contasse que se comportou de maneira tão impulsiva na delegacia de polícia. Matar sem autorização invalidava qualquer outra coisa.
Mas possivelmente houvesse um caminho ainda mais seguro para conseguir o favor de seu senhor, e esse caminho consistia em capturar e entregar essa mulher a seu senhor em pessoa.
«Sim —pensou o servente.
— Esse era um prêmio para impressionar.»
Colocou o telefone celular no bolso e voltou até o corpo de Carrigan para lhe tirar a arma do arnês. Logo passou por cima do corpo e se apressou para uma entrada traseira que comunicava com o estacionaminto.
CONTINUA
Capítulo sete
—Dê uns minutos mais e o céu —disse Gabrielle, olhando dentro do forno da cozinha e permitindo que o rico aroma dos manicotti Calhes se pulverizasse pelo apartamento.
Fechou a porta do forno, voltou a programar o relógio digital, serviu-se outra taça de vinho tinto e a levou a sala de estar. No sistema de áudio soava com suavidade um velho cd da Sara McLahlan. Passavam uns minutos das sete da tarde, e Gabrielle tinha começado, por fim, a relaxar-se depois da pequena aventura da manhã no asilo abandonado. Tinha conseguido um par de fotos decentes que possivelmente dessem para algo, mas o melhor de tudo era que tinha conseguido escapar do sistema de segurança do edifício.
Somente isso já era digno de celebração.
Gabrielle se acomodou em um fofo rincão do sofá, quente dentro das calças cinzas de ioga e da camiseta rosa de manga larga. Acabava-se de dar um banho e ainda tinha o cabelo úmido; umas mechas lhe desprendiam da pregadeira em que se recolheu o cabelo despreocupadamente, na nuca. Agora se sentia limpa e começava a relaxar-se por fim, e se sentia mais que contente de ficar em casa para passar a noite desfrutando de sua solidão.
Por isso, quando soou o timbre da porta ao cabo de um minuto, soltou uma maldição em voz baixa e pensou em fazer caso omisso dessa interrupção indesejada. O timbre soou pela segunda vez, insistente, seguido por uns rápidos golpes na porta jogo de dados com força e que não soavam como que foram aceitar um não por resposta.
—Gabrielle.
Gabrielle já se pôs em pé e se dirigia cautelosamente para a porta, quando reconheceu essa voz imediatamente. Não deveria havê-la reconhecido com tanta certeza, mas assim era. A profunda voz de barítono de Lucan Thorne atravessou a porta e lhe meteu no corpo como se fosse um som que tivesse ouvido milhares de vezes antes e que a tranquilizava tanto como lhe disparava o pulso, enchendo a de expectativas.
Surpreendida e mais agradada do que queria admitir, Gabrielle abriu os múltiplos ferrolhos e lhe abriu a porta.
—Olá.
—Olá, Gabrielle.
Ele a saudou com uma inquietante familiaridade: seus olhos eram intensos baixo essas escuras sobrancelhas de linha decidida. Esse penetrante olhar percorreu lentamente o corpo de Gabrielle, desde sua cabeça despenteada, passando pelo sinal da paz costurado em seda na camiseta que cobria o peito sem sutiens, até os dedos dos pés que apareciam nus por debaixo das pernas das calças boca de sino.
—Não esperava a visita de ninguém. —Disse-o como desculpa por seu aspecto, mas não pareceu que a Thorne importasse. Em realidade, quando ele voltou a dirigir sua atenção ao rosto dela, Gabrielle sentiu que se ruborisava repentinamente por causa da forma em que a estava olhando.
Como se queria devorá-la ali mesmo.
—OH, trouxe-me o telefone celular —disse ela, sem poder evitar dizer uma obviosidade, ao ver o brilho metálico na mão dele.
O alargou a mão, oferecendo-lhe,
—Mais tarde que o que deveria. Peço-lhe desculpas.
Tinha sido sua imaginação, ou os dedos dele tinham roçado os seus de forma deliberada quando ela tomava o celular de sua mão?
—Obrigado por devolver-me disse isso ela, ainda apanhada no olhar dele—. pôde... isto... pôde fazer algo com as imagens?
—Sim. Foram de grande ajuda.
Ela suspirou, aliviada de que a polícia estivesse, por fim, de sua parte nesse assunto.
—você crê que poderá apanhar aos tipos das fotos?
—Estou seguro disso.
O tom da voz dele tinha sido tão ameaçador que Gabrielle não o duvidou nem um instante. A verdade era que começava a ter a sensação de que o detetive Thorne era um menino travesso no pior de seus pesadelos.
—Bom, essa é uma notícia fantástica. Tenho que admitir que todo esse assunto me deixou um pouco intranqüila. Suponho que presenciar um assassinato brutal tem esse efeito em uma pessoa, verdade?
Ele se limitou a responder com um direto assentimento de cabeça. Era um homem de poucas palavras, isso era evidente, mas quem necessitava palavras quando se tinham uns olhos como esses que eram capazes de desnudar a alma?
Nesse momento, a suas costas, o alarme do forno da cozinha começou a soar. Gabrielle se sentiu aborrecida e aliviada ao mesmo tempo.
—Merda. Isso... isto... é meu jantar. Será melhor que o apague antes de que se dispare o alarme contra incêndios. Espere aqui um segundo... quero dizer, quer...? —Respirou fundo para tranqüilizar-se; não estava acostumada a sentir-se tão insegura com ninguém.
— Entre, por favor. Volto em seguida.
Sem duvidar nem um momento, Lucan Thorne entrou no apartamento atrás dela, Gabrielle se dava a volta para deixar o telefone celular e dirigir-se a cozinha para tirar os manicotti do forno.
—Interrompi algo?
Gabrielle se surpreendeu para ouvir que lhe falava desde dentro da cozinha, como se a tivesse seguido imediatamente e em silencio do mesmo instante em que lhe tinha convidado a entrar. Gabrielle tirou a bandeja com a massa fumegante do forno e a deixou em cima da mesa para que se esfriasse. Tirou-se as luvas de cozinha, quentes, e se deu a volta para lhe dedicar ao detetive um sorriso orgulhoso.
—Estou de celebração.
Ele inclinou a cabeça e jogou uma olhada ao silencioso ambiente que lhes rodeava.
—Sozinha?
Ela se encolheu de ombros.
—A não ser que você queira me acompanhar.
O leve gesto de cabeça que ele fez parecia mostrar reticência, mas imediatamente se tirou o casaco escuro e o deixou, dobrado, em cima do respaldo de um dos tamboretes que havia na cozinha. Sua presença era peculiar e lhe impedia de concentrar-se, especialmente nesses momentos em que ele se encontrava dentro da pequena cozinha: esse homem desconhecido e musculoso de olhar cativante e de um atrativo ligeiramente sinistro.
Ele se apoiou no mármore da cozinha e a observou enquanto ela se ocupava da bandeja de massa.
—O que celebramos, Gabrielle?
—Que hoje vendi algumas fotografias, em uma amostra privada, em um escritório brega do centro da cidade. Meu amigo Jamie me chamou faz uma hora aproximadamente e me deu a notícia.
Thorne sorriu levemente.
—Felicidades.
—Obrigado. —Ela tirou outra taça do armário da cozinha e levantou a garrafa aberta do Chianti.
— Quer um pouco?
O negou lentamente com a cabeça.
—Infelizmente, não posso.
—OH, sinto-o —repôs ela, recordando qual era sua profissão.
— De serviço, verdade?
Ele apertou a mandíbula.
—Sempre.
Gabrielle sorriu, levou-se uma mão até uma mecha que lhe tinha desprendido da cauda e o colocou detrás da orelha. Thorne seguiu com o olhar o movimento de sua mão, e seus olhos se detiveram no arranhão que Gabrielle tinha na bochecha.
—O que lhe aconteceu?
—OH, nada —respondeu ela, pensando que não era uma boa idéia contar a um policial que se passou parte da manhã dentro de um velho psiquiátrico no qual tinha entrado de maneira ilegal.
— Ésomente um arranhão: ossos do ofício, de vez em quando. Estou segura de que sabe do que lhe falo.
Gabrielle riu, um pouco nervosa, porque de repente ele se estava acercando a ela com uma expressão muito séria no rosto. Com apenas uns quantos passos se colocou justo diante dela. Seu tamanho, sua força —que resultava evidente—, era entristecedora. A essa curta distância, Gabrielle pôde ver os músculos bem desenhados que se marcavam e se moviam desde sua camisa negra. Essa malha de qualidade lhe caía nos ombros, no peito e nos braços como se o tivessem feito a medida para que lhe sentasse perfeitamente.
E seu aroma era incrível. Não notou que levasse colônia, somente notou um ligeiro aroma a memora e a pele, e a um pouco mais denso, como uma especiaria exótica que não conhecia. Fossr o que fosse, esse aroma invadiu todos seus sentidos como algo elementar e primitivo e fez que se aproximasse ainda mais a ele em um momento no qual o que deveria ter feito era apartar-se.
Ele alargou a mão e Gabrielle agüentou a respiração ao notar que a acariciava a linha da mandíbula com a ponta dos dedos. A nudez desse contato irradiou calor sobre sua pele, que se estendeu para seu pescoço enquanto lhe acariciava com a mão a sensível pele debaixo da orelha e da nuca. Acariciou-lhe o arranhão da bochecha com o dedo polegar. A ferida lhe tinha ardido antes, quando a tinha limpo, mas nesse momento, essa tenra e inesperada carícia não a incomodou absolutamente.
Não sentia nada mais que uma cálida frouxidão e uma lenta dor que lhe formava redemoinhos no mais profundo de seu corpo.
Para sua surpresa, ele se inclinou para diante e lhe deu um beijo no arranhão. Os lábios dele se entretiveram nesse ponto um instante, o tempo suficiente para que ela compreendesse que esse gesto era um prelúdio a algo mais. Gabrielle fechou os olhos: sentia o coração acelerado. Não se moveu e quase nem respirou enquanto notava o contato dos lábios de Lucan que se dirigiam para os seus. Os beijou com intensidade, e notou a chicotada do desejo apesar da suavidade e a calidez dos lábios dele. Gabrielle abriu os olhos e viu que ele a estava olhando. Os olhos dele tinham uma expressão selvagem e animal que lhe provocou uma corrente de ansiedade que lhe percorreu todas as costas.
Quando finalmente foi capaz de falar, a voz lhe saiu débil e quase sem fôlego.
—Tem que fazer isto?
Esse olhar penetrante permaneceu cravado em seus olhos.
—OH, sim.
Ele se inclinou para ela outra vez e lhe acariciou as bochechas, o queixo e o pescoço com os lábios. Ela suspirou e ele apanhou esse ar com um profundo beijo, lhe penetrando a boca com a língua. Gabrielle lhe recebeu, vagamente consciente de que as mãos dele se encontravam sobre suas costas agora e que se deslizavam por debaixo da camiseta. E lhe acariciou, percorrendo a coluna com as pontas dos dedos. Essa carícia se deslocou com um movimento preguiçoso para baixo, e continuou por cima da malha da calça. Essas mãos fortes se acoplaram a curva de suas nádegas e as apertaram ligeiramente. Ela não resistiu. Ele voltou a beijá-la, mais profundamente, e a atraiu devagar para si até que a pélvis dela entrou em contato com o duro músculo de sua entre perna.
Que diabos estava fazendo? Estava utilizando a cabeça?
—Não —disse ela, tentando recuperar o sentido comum.
— Não, um momento. Pare. —Deus, detestou como tinha divulgado essa palavra, agora que a sensação dos lábios dele sobre os sua era tão agradável.
— Está... Lucan... está com alguém?
—Olhe a seu redor, Gabrielle. —Passou-lhe os lábios por cima dos dela enquanto o dizia e ela se sentiu enjoada de desejo.
— Estamos somente você e eu.
—Tem namorada —gaguejou ela entre beijo e beijo. Possivelmente já era um pouco tarde para perguntá-lo, mas tinha que sabê-lo, inclusive apesar de que não estava segura de como reagiria ante uma resposta que não fosse a que queria ouvir.
— Tem casal? Está casado? Por favor, não me diga que está casado...
—Não há ninguém mais.
«Somente você.»
Ela estava bastante segura de que ele não tinha pronunciado essas duas últimas palavras, mas Gabrielle as ouvia em sua cabeça, ouvia seu eco quente e provocador, vencendo todas suas resistências.
«OH, ele resulta muito agradável.» Ou possivelmente era que ela estava tão desesperada por ele, que esse simples e único sinal que lhe oferecia era suficiente. Essa e a que combinava essas mãos suaves e esses quentes e famintos lábios. Apesar de tudo, lhe acreditou sem sombra de dúvida. Sentiu como se todos e cada um dos sentidos dele estivessem sozinho concentrados nela.
Como se somente existisse ela, somente ele, e essa coisa quente que havia entre eles.
E que, inegavelmente, tinha existido entre eles do mesmo momento em que ele tinha subido as escadas de sua casa pela primeira vez.
—OH —exclamou ela enquanto exalava todo o ar dos pulmões com um comprido suspiro. Ela se apertou contra ele desfrutando da sensação de notar essas mãos sobre sua pele, lhe acariciando a garganta, o ombro, o arco das costas.
— O que estamos fazendo, Lucan?
Ele emitiu um grunhido divertido que ela sentiu no ouvido, grave e prófundo como a noite.
—Acredito que já sabe.
—Eu não sei nada, nada quando faz isso. OH... Deus.
Ele deixou de beijá-la um instante e a olhou aos olhos com intensidade enquanto se apertava contra ela com um gesto lento e deliberado. O sexo dele se apertou, rígido, contra o estômago dela. Ela notava a solidez e a dimensão de seu membro, sentia a pura força e tamanho de seu pênis, inclusive através da barreira da roupa. Sentiu a umidade entre as pernas no mesmo instante em que a idéia de lhe receber dentro de si passou pela cabeça.
—É por isso que vim esta noite. —A voz de Lucan soou rouca contra seu ouvido.
—O compreende, Gabrielle? Desejo-te.
Esse sentimento era mais que mútuo. Gabrielle gemeu e esfregou seu corpo contra o dele com um desejo que não podia, nem queria, controlar.
Isso não estava acontecendo. Não estava acontecendo, realmente. Tinha que tratar-se de outro sonho louco, como o que tinha tido depois da primera vez que lhe tinha visto. Ela não estava em pé na cozinha com Lucan Thorne, nem estava permitindo que esse homem ao que quase não conhecia a seduzisse. Estava sonhando, tinha que estar sonhando, e ao cabo de pouco tempo despertaria no sofá, sozinha, como sempre, com a taça de vinho atirada no tapete e seu jantar no forno, queimado.
Mas ainda não.
OH, Deus, por favor, ainda não.
Sentir como lhe acariciava a pele, como bulia de desejo sua língua, era melhor que qualquer sonho, inclusive melhor que esse delicioso sonho que tinha tido antes, se é que isso era possível.
—Gabrielle —sussurrou ele.
— Me diga que você também quer isto.
—Sim.
Gabrielle notou que ele introduzia uma mão entre os corpos de ambos, urgente, e sentiu o fôlego quente dele em sua garganta.
—Me sinta, Gabrielle. Date conta de até que ponto te necessito.
Ela sentiu os dedos dele ligeiros ao entrar em contato com os seus. Conduziu-lhe a mão até a tensa ereção, liberada agora de seu confinamento. Gabrielle lhe rodeou o pênis com a mão e acariciou sua pele aveludada lentamente, lhe medindo. Essa parte de seu corpo era tão grande como o resto, e tinha uma força brutal apesar de que era muito suave. Sentir o peso do sexo dele na mão a transtornou como se tivesse tomado uma droga. Apertou a mão ao redor do pênis e atirou para cima, acariciando com a ponta dos dedos o grosso glande.
Enquanto Gabrielle subia e baixava com a mão ao longo de seu membro, Lucan se retorcia. Notou que as mãos dele tremiam enquanto se deslocavam dos quadris dela até a parte dianteira da pantalona para desabotoar-lhe, atirou do nó do cordão e soltou um juramento em algum idioma estranho com os lábios quentes contra seu cabelo. Gabrielle sentiu uma corrente de ar frio sobre o ventre e, imediatamente, o calor repentino da mão de Lucan, que acabava de introduzir-lhe dentro da calça.
Ela estava úmida por ele, tinha perdido a cabeça e sentia que o desejo lhe queimava.
Ele introduziu os dedos com facilidade por entre os cachos de sua entre perna e em seu sexo empapado, provocando-a com a brincadeira de sua mão contra sua carne. Ela gritou ao sentir que o desejo a invadia em uma quebra de onda que a deixou tremendo.
—Necessito-te —lhe confessou em um fio de voz, nua pelo desejo. Por resposta, lhe introduziu um comprido dedo dentro da vagina e logo outro. Gabrielle se retorceu ao sentir essa carícia tentadora que ainda não a enchia.
—Mais —disse, quase sem fôlego—. Lucan, por favor... necessito... mais.
Um escuro grunhido de paixão soou na garganta dele enquanto voltava a atacar seus lábios com outro beijo faminto. A calça dela se escorregou até o chão. Detrás, seguiram-lhe as calcinhas, a fina malha se rompeu com a força e a impaciência da mão de Lucan. Gabrielle sentiu que o ar frio lhe acariciava a pele, mas então Lucan ficou de joelhos diante dela e ela se acendeu antes de ter tempo de voltar a respirar. Ele a beijou e a lambeu, lhe sujeitando com força a parte interior das coxas com as mãos e lhe fazendo abrir as pernas para satisfazer seu desejo carnal. Sentiu a língua dele que a penetrava, sentiu que os lábios dele a chupavam com força, e não pôde evitar sentir que as pernas lhe fraquejavam.
Gozou rapidamente, com mais força da que teria imaginado. Lucan a sujeitava com firmeza com as mãos, apertando seu úmido sexo contra ele, sem lhe dar trégua Apesar de que o corpo dela tremia e se retorcia e que seu fôlego era agitado e entrecortado enquanto ele a conduzia para o orgasmo outra vez. Gabrielle fechou os olhos e jogou a cabeça para trás, rendendo-se a ele, e a loucura desse inesperado encontro. Cravou-lhe as unhas nos ombros para sujeitar-se, porque sentia que as pernas lhe falhavam.
Sentiu, de novo, o alívio do orgasmo em todo o corpo. Primeiro a possuiu com uma força férrea, arrastando-a a um país de uma sensualidade de sonho, e logo a soltou e ela se sentiu cair e cair...
Não, estava-a levantando, pensou, aturdida por essa neblina sexual. Os braços de Lucan a sujeitavam com ternura por debaixo das costas e dos joelhos. Agora ele estava nu, e ela também, Apesar de que não podia recordar quando se tirou a camiseta. Lhe rodeou o pescoço com os braços e ele a tirou da cozinha para a sala de estar, onde soava pelos alto-falantes a voz do Sarah McLahlan em um tema que falava de abraçar a alguém e de lhe beijar até lhe deixar sem respiração.
A suavidade do sofá a recebeu assim que Lucan a teve depositado no sofá para colocar-se em cima dela. Não foi até esse momento que ela pôde lhe ver por completo, e o que viu era magnífico. Um metro noventa e oito de sólida musculatura e de pura força masculina que a apanhava por cima, e esses sólidos braços a cada lado de seu corpo.
Como se a pura beleza do corpo dele não fosse suficiente, a impressionante pele de Lucan mostrava umas intrincadas tatuagens que a deixaram boquiaberta. O complicado desenho de linhas curvas e formas entrecruzadas se desdobrava por cima de seus peitorais e de seu forte abdomen, subia-lhe pelos largos ombros e lhe rodeava os grossos bíceps. A cor era confusa, variava de um verde mar, a um siena, um vermelho bordo que parecia tomar um tom mais intenso quando ela o olhava.
Ele baixou a cabeça para concentrar-se em seus peitos, e Gabrielle viu que a tatuagem lhe cobria as costas e desaparecia sob o cabelo da nuca. A primeira vez que lhe viu, sentiu o desejo de percorrer com os dedo essa marca. Agora sucumbiu a ele, abandonando-se, deixando que suas mãos percorressem todo o corpo dele, maravilhada tanto por esse homem misterioso como por essa estranha arte que sua pele mostrava.
—Me beije —lhe suplicou, lhe sujeitando os ombros tatuados com ambas as mãos.
Ele começou a levantar a cabeça e Gabrielle arqueou as costas debaixo dele, sentindo-se enfebrecida pelo desejo, precisando lhe sentir dentro de seu corpo. Sua ereção era dura como o aço e quente contra suas coxas. Gabrielle deslizou as mãos para baixo e lhe acariciou enquanto levantava os quadris para lhe receber.
—Tome —sussurrou ela—. Me encha, Lucan. Agora. Por favor.
Ele não o negou.
O grosso glande de seu membro pulsava, duro e sensível, na entrada de sua vagina. Ele estava tremendo e ela se deu conta de uma forma um tanto confusa. Esses impressionantes ombros tremiam sob o contato de suas mãos, como se ele se esteve contendo todo esse tempo e estivesse a ponto de explodir. Ela queria que ele gozasse com a mesma força com que o tinha feito ela. Precisava lhe ter dentro dela ou ia morrer. Ele emitiu um grunhido afogado, os lábios lhe roçando a sensibilidade da pele do pescoço.
—Sim —lhe animou ela, movendo-se debaixo dele para que seu pênis se crava-se até o centro de seu corpo.
— Não seja suave. Não vou romper.
Ele levantou a cabeça finalmente e, por um instante, olhou-a aos olhos. Gabrielle lhe olhou, com as pálpebras pesadas, assustada pelo fogo indómito que viu nele: seus olhos brilhavam com umas chamas gêmeas de uma cor prateado pálido que lhe alagava as pupilas e penetrava nos olhos dela com um calor sobrenatural. Os rasgos do rosto dele pareciam mais afiados, sua pele parecia estirar-se sobre suas maçãs do rosto e suas fortes mandíbulas.
Era verdadeiramente peculiar como a tênue luz da habitação jogava sobre esses rasgos.
Esse pensamento ainda não lhe tinha terminado de formar por completo quando as luzes da sala de estar se apagaram de uma vez. Tivesse-lhe parecido estranho se Lucan, nesse momento, quando a escuridão caiu sobre eles, não a tivesse penetrado com uma forte e profunda investida. Gabrielle não pôde reprimir um gemido de prazer ao notar que ele a enchia, abria-a, empalava-a até o centro de seu corpo.
—OH, Meu deus —exclamou ela quase em um soluço, aceitando toda a dureza e dimensão dele.
— É tão prazeiroso.
Ele baixou a cabeça até o ombro dela e soltou um grunhido enquanto saía de sua vagina. Logo investiu com mais força que antes. Gabrielle se sujeitou as costas dele, lhe atraindo para si, enquanto levantava as cadeiras para receber suas fortes investidas. Ele soltou um juramento, quase sem respiração, que pareceu um som escuro e animal. Seu pênis se deslizava dentro dela e parecia inchar-se mais a cada movimento de seus quadris.
—Necessito foderte, Gabrielle. Precisava estar dentro de ti do primeiro momento em que te vi.
A franqueza dessas palavras, o fato de que admitisse que a tinha desejado tanto como lhe tinha desejado a ele somente serviu para que ela se inflamasse mais. Enredou os dedos no cabelo dele, e gritou, sem respiração, à medida que o ritmo dele se incrementava. Agora ele entrava e saía, incansável, entre suas pernas. Gabrielle sentiu a corrente do orgasmo no mais profundo de seu ventre.
—Poderia estar fazendo isto toda a noite —disse ele com voz rouca, seu fôlego quente contra o pescoço dela.
— Acredito que não posso parar.
—Não o faça, Lucan. OH, Deus... não o faça.
Gabrielle se agarrou a ele enquanto ele bombeava dentro de seu corpo. Era o único que pôde fazer enquanto um grito lhe rompia a garganta e gozava e gozava e gozava uma vez detrás de outra, imparavel.
Lucan saiu do apartamento de Gabrielle e percorreu a escura e silenciosa rua a pé. Tinha-a deixado dormindo no dormitório de seu apartamento, com a respiração compassada e tranqüila, o delicioso corpo esgotado depois de três horas de paixão sem parar. Nunca havia transado com tanta fúria, durante tanto tempo, nem tão completamente com ninguém.
E ainda desejava mais.
Mais dela.
O fato de que tivesse conseguido lhe ocultar o alongamento das presas e o brilho de selvagem desejo de seus olhos era um milagre.
O fato de que não tivesse cedido à necessidade invencível e urgente de lhe cravar as afiadas presas na garganta e beber até ficar embriagado era ainda mais impressionante.
Mas não confiava em si mesmo o suficiente para ficar perto dela enquanto cada uma das enfebrecidas células de seu corpo lhe doía pelo desejo de fazê-lo.
Provavelmente, a ter ido ver essa noite tinha sido um monstruoso engano. Tinha pensado que ter sexo com ela apagaria o fogo que lhe acendia, mas nunca se equivocou tanto. Ter tomado a Gabrielle, ter estado dentro dela, somente tinha servido para pôr em evidência a debilidade que sentia por ela. Tinha-a desejado com uma necessidade animal e a tinha açoitado como o depredador que era. Não estava seguro de ter sido capaz de aceitar um não como resposta. Não acreditava que tivesse sido capaz de controlar o desejo que sentia por ela.
Mas não lhe tinha rechaçado.
Não o tinha feito, não.
Em retrospectiva, tivesse sido um ato de misericórdia que ela o ouvesse feito, mas em lugar disso, Gabrielle tinha aceito por completo sua fúria sexual e tinha exigido que não lhe desse nada inferior a isso .
Se nesse mesmo momento, desse meia volta e voltasse para seu apartamento para despertá-la, poderia passar umas quantas horas mais entre suas impressionantes e acolhedoras coxas. Isso, pelo menos, satisfaria parte de sua necessidade. E se não podia saciar a outra parte, esse tortura que crescia cada vez mais em seu interior, podia esperar a que se levantasse o sol e deixar que seus mortais raios o abrasassem até a destruição.
Se o dever que tinha para a raça não lhe tivesse tão comprometido, consideraria essa opção como uma possibilidade atrativa.
Lucan pronunciou um juramento em voz baixa. Saiu do bairro de Gabrielle e se internou na paisagem noturna da cidade. Tremiam-lhe as mãos. Lhe havia agudizado a vista, e seus pensamentos começavam a ser selvagens. O corpo lhe picava; sentia-se ansioso. Soltou um grunhido de frustração: conhecia esses sintomas muito bem.
Precisava voltar a alimentar-se.
Fazia muito pouco tempo que tinha tomado a quantidade suficiente de sangue para manter-se durante uma semana, possivelmente mais. Isso havia sido umas quantas noites atrás e, apesar disso, lhe retorcia o estômago como se estivesse desfalecido de fome. Fazia muito tempo que sua necessidade de alimentar-se tinha piorado e já quase resultava insuportavel quando tentava reprimir-lhe.
Isso era o que lhe tinha permitido chegar tão longe.
Em um momento ou outro ia chegar ao final da corda. E então o que?
De verdade acreditava que era tão distinto de seu pai?
Seus irmãos não tinham sido distintos de seu pai, e eles eram maiores e mais fortes que ele. A sede de sangue os tinha levado aos dois: um deles se tirou a vida quando o vício foi demasíado forte; o outro foi mais à frente ainda, converteu-se em um renegado e perdeu a cabeça sob a folha mortal de um guerreiro da raça.
Ter nascido na primeira geração lhe tinha dado a Lucan uma grande força e um grande poder —e lhe tinha permitido gozar de um imediato respeito que ele sabia que não merecia—, mas isso era tanto um dom como uma maldição. Perguntava-se quanto tempo mais poderia continuar lutando contra a escuridão de sua própria natureza selvagem. Algumas noites se sentia muito cansado de ter que fazê-lo.
Enquanto caminhava entre a gente que povoava as ruas noturnas Lucan deixou vagar o olhar. Embora estava preparado para entrar em batalha se tinha que fazê-lo, alegrou-se de que não houvesse nenhum renegado a vista. Somente viu uns quantos vampiros da última geração que pertenciam ao Refúgio Escuro dessa zona: um grupo de jovens machos que se mesclaram com um animado grupo de seres humanos que tinham saído de festa e que procuravam dissimuladamente, igual a ele, um anfitrião de sangue. Enquanto se dirigia para eles por essa parte da calçada, viu que os jovens se davam cotoveladas uns aos outros e lhes ouviu sussurrar as palavras «guerreiro» e «primeira geração». A admiração que mostravam abertamente e sua curiosidade resultavam aborrecida, embora não era algo pouco habitual. Os vampiros que nasciam e cresciam nos Refúgios Escuros raramente tinham a oportunidade de ver um membro da classe dos guerreiros, por não falar do fundador da antiga e orgulhosa e agora já antiquada Ordem.
A maioria deles conheciam as histórias que contavam que fazia varios séculos, oito dos mais ferozes e letais machos da raça se uniram em um grupo para assassinar aos últimos antigos selvagens e ao exército de renegados que lhes serviam. Esses guerreiros se converteram lenda e desde esse momento, a Ordem tinha sofrido muitas mudanças, havia crescido em número e suas localizações tinham aumentado nos períodos em que tinha havido conflito com os renegados e tinham detido sua atividade durante os largos períodos de paz.
Agora, a classe dos vampiros estava formada somente por um punhado de indivíduos em todo o planeta que operava de forma encoberta e muitas vezes independente e com não pouco desprezo da sociedade. Nesta época ilustrada de trato justo e de processos legais em que se encontrava a nação dos vampiros, as táticas dos guerreiros se consideravam renegadas e quase do outro lado da lei.
Como se Lucan, ou a qualquer dos guerreiros que se encontravam em primeira fila da luta com ele, importassem-lhes o mais mínimo as relações públicas.
Lucan grunhiu em direção aos jovens boquiabertos e dirigiu uma convite mental as fêmeas humanas com quem os vampiros tinham estado conversando na rua. Todos os olhos femininos ficaram cravados no puro poder que ele —e ele sabia— emanava em todas as direções. Duas das garotas —uma loira de peito abundante e uma ruiva de cabelo somente um pouco mais claro que o do Gabrielle— se separaram imediatamente do grupo e se aproximaram dele, esquecendo a seus amigos e aos outros machos imediatamente.
Mas Lucan somente necessitava a uma, e a eleição era fácil. Rechaçou a loira com um gesto de cabeça. Sua companheira se colocou sob o braço dele e começou alhe manusear enquanto ele a conduzia para um discreto e escuro rincão de um edifício próximo.
Se pos a tarefa sem duvidar nem um momento.
Apartou o cabelo da garota, impregnado do aroma de tabaco e a cerveja, de seu pescoço, lambeu-se os lábios e lhe cravou as presas estendidas na garganta. Ela sofreu um espasmo ao notar a dentada e levantou as mãos em um gesto instintivo no momento no qual ele começou a chupar com força o sangue de suas veias. Chupou durante um bom momento, não queria desperdiçar nada. A fêmea gemeu, não por causa do alarme nem da dor, a não ser a causa do prazer único que produzia sentir sair o sangue sob o domínio de um vampiro.
O sangue encheu a boca de Lucan, quente e denso.
Contra sua vontade, em sua mente se formou a imagem de Gabrielle em seus braços, e Lucan imaginou, por um muito breve instante, que era de seu pescoço de que chupava nesses momentos.
Que era o sangue dela a que lhe descia pela garganta e lhe entrava no corpo.
Deus, o que era pensar como seria chupar a veia de Gabrielle enquanto seu pênis se cravava no quente e úmido centro de seu corpo.
Que prazer só pensá-lo.
Apartou essa fantasia de sua mente com um grunhido feroz.
«Isso não vai acontecer nunca», disse a si mesmo, com dureza. A realidade era outra coisa, e era melhor que não a perdesse de vista.
A verdade era que não se tratava de Gabrielle, mas sim de uma estranha sem nome, justo tal e como ele o preferia. O sangue que tomava nesse momento não tinha a doçura de jasmim que ele tanto desejava, a não ser uma acidez amarga viciada por algum suave narcótico que sua anfitriã tinha ingerido recentemente.
Não lhe importava o sabor que tivesse. Quão único precisava era apaziguar a urgência da sede, e para isso servia qualquer. Continuou chupando e tragando com ansiedade, de forma expedita, como o fazia sempre quando se alimentava.
Quando teve terminado, passou a língua pelos dois orifícios para fecha-los. A jovem estava respirando agitadamente, tinha os lábios entre abertos e seu corpo estava lânguido como se tivesse acabado de ter um orgasmo.
Lucan pôs a palma da mão sobre a frente dela e a desceu para seu rosto para lhe fechar os olhos, vazios de expressão e sonolentos. Esse contato apagava qualquer lembrança do que acabava de acontecer entre eles.
—Seus amigos lhe estão procurando — disse a garota enquanto apartava a mão de seu rosto e lhe olhava, confundida, piscando.
— Deveria ir a casa. A noite está cheia de depredadores.
—De acordo —disse ela, assentindo com a cabeça.
Lucan esperou entre as sombras enquanto ela dava a volta a esquina do edifício e se dirigia para seus companheiros. Ele inalou com força através dos dentes e das presas: sentia todos os músculos do corpo tensos, duros e vivos. O coração lhe pulsava com força no peito. Somente pensar no sabor que devia ter o sangue de Gabrielle lhe tinha provocado uma ereção.
Seu apetite físico deveria haver-se apaziguado agora que já se havia alimentado, mas não se sentia satisfeito.
Ainda... desejava-a.
Emitiu um grunhido baixo e voltou a sair de caça a rua, mais mal humorado que nunca. Pôs o olhar na parte mais conflitiva da cidade com a esperança de encontrasse com um ou dois renegados antes de que começasse a sair o sol. De repente, precisava meter-se em uma briga desesperadamente. Precisava fazer mal a alguém, inclusive embora esse alguém acabasse sendo ele mesmo.
Tinha que fazer o que fosse necessário para manter-se afastado de Gabrielle Maxwell.
Capítulo oito
Ao princípio, Gabrielle pensou que se tratou somente de outro sonho erótico. Mas a manhã seguinte, ao despertar, tarde, nua na cama, com o corpo esgotado e dolorido nos lugares adequados, soube que, definitivamente, Lucan Thorne tinha estado ali, em carne e osso. E Deus, que carne tão impressionante. Tinha perdido a conta de quantas vezes a tinha levado até o climax. Se somava todos os orgasmos que tinha tido durante os últimos dois anos, provavelmente nem se aproximaria do que tinha experiente com ele a passada noite.
E apesar disso, no momento em que abriu os olhos e se deu conta, decepcionada, de que Lucan não se ficou ali, ainda desejava ter outro orgasmo mais. A cama estava vazia, o apartamento se encontrava em silêncio. Era evidente que ele se partiu em algum momento durante a noite.
Gabrielle estava tão esgotada que tivesse podido dormir o dia inteiro, mas tinha uma entrevista para com o Jamie e com as garotas, assim saiu da casa e se dirigiu por volta do centro da cidade vinte minutos depois do meio-dia. Quando entrou no restaurante de Chinatown se deu conta de que umas quantas cabeças se giravam a seu passo: notou as olhadas apreciativas de um grupo de tipos que pareciam modelos de publicidade e que se encontravam ante a barra de sushi e as de meia dúzia de executivos trajados que a seguiram enquanto ela se dirigia para a
mesa de seus amigos, ao fundo do restaurante.
Sentia-se sexy e segura de si mesmo, vestida com seu suéter de pescoço de pico de cor vermelha escuro e sua saia negra, e não lhe importava que fora evidente para todo mundo que se encontrava ali que tinha desfrutado da noite de sexo mais incrível de toda sua vida.
—Finalmente, honra-nos com sua presença! —exclamou Jamie assim que Gabrielle chegou a mesa e saudou seus amigos com uns abraços.
Megan lhe acariciou uma bochecha.
—Tem um aspecto fantástico.
Jamie assentiu com a cabeça.
—Sim, é verdade, carinho. Eu adoro o que tem posto. É novo? —Não esperou a que lhe respondesse. Voltou a sentar-se imediatamente ante a mesa e se meteu na boca um rollito frito.
— Morria de fome, assim já pedimos um aperitivo. Mas onde estiveste? Estava a ponto de mandar a um esquadrão para te buscar.
—Sinto muito. Hoje dormi um pouco.
—Sorriu e se sentou ao lado do Jamie, no banco de vinil de cor verde.
— Kendra não vem?
—Desaparecida em combate outra vez. —Megan tomou um sorvo de chá e se encolheu de ombros.
— Não importa. Ultimamente, somente fala de seu novo namorado, já sabe, esse menino que encontrou em La Notte o passado fim de semana.
—Brent —disse Gabrielle, controlando a pontada de desconforto que sentiu pela menção dessa terrível noite.
—Sim, ele. Ela inclusive conseguiu trocar seu turno pelo de dia no hospital para passar todas as noites com ele. Parece que ele tem que viajar muito para ir ao trabalho ou o que seja e normalmente não está disponivel durante o dia. Não me posso acreditar que Kendra permita que alguém lhe dirija a vida desta maneira. Ray e eu levamos três meses saindo, eu ainda tenho tempo para meus amigos.
Gabrielle arqueou as sobrancelhas. Dos quatro, Kendra era a mais livre de espírito, inclusive de forma impenitente. Preferia manter uns quantos amantes e tinha intenção de permanecer solteira pelo menos até que cumprisse os trinta.
—Crê que se apaixonou?
—Lascívia, carinho. —Jamie colheu com os palitos o último sushi.
— Às vezes te faz fazer coisas piores que o amor. Me acredite, passou-me.
Enquanto mastigava, Jamie cravou os olhos nos do Gabrielle durante um comprido momento. Logo se fixou no cabelo desordenado e em que ela, de repente, ruborizou-se. Gabrielle tentou sorrir com expressão despreocupada, mas não pôde evitar que seu segredo a traísse no brilho de felicidade de seus olhos. Jamie deixou os palitos no prato, inclinou a cabeça para ela e o cabelo loiro lhe caiu sobre a bochecha.
—OH, Meu deus. —Sorriu—. O tem feito.
—Fiz o que? —Mas lhe escapou uma suave gargalhada.
—Tem-no feito. Deitaste-te com alguém, verdade?
A gargalhada de Gabrielle se reduziu a uma tímida risadinha.
—OH, carinho. Pois te sinta bem, devo dizer. —Jamie lhe deu umas palmadinhas na mão e Riu com ela.
— A ver se o adivinho: é o escuro e sexy detetive do Departamento de Polícia de Boston.
Ela levantou os olhos ao céu para ouvir como lhe tinha qualificado, mas assentiu com a cabeça.
—Quando foi?
—Esta noite. Virtualmente toda a noite.
A expressão de entusiasmo do Jamie atraiu a atenção de algumas mesas próximas. Ele se acalmou um pouco, mas sorria a Gabrielle como uma orgulhosa mamãe ganso.
—Ele é bom, né?
—Incrível.
—De acordo. E como é possível que eu não saiba nada deste homem misterioso? —interrompeu Megan nesses momentos—. E é um policial? Possivelmente Ray lhe conheça. Posso-lhe perguntar...
—Não. —Gabrielle negou com a cabeça—. Por favor, não digam nada disto aninguém, meninos. Não estou saindo com Lucan. Veio ontem pela noite para me devolver o telefone celular e as coisas ficaram... bom... fora de controle. Nem sequer sei se vou voltar a lhe ver.
A verdade era que não tinha nem idéia disso mas, Deus, desejava que assim fosse.
Uma parte dela sabia que o que tinha ocorrido entre eles era algo insensato, uma loucura. Era-o. A verdade é que não podia negá-lo. Era de loucos. Ela sempre se teve por uma pessoa sensata, prudente: a pessoa que acautelava a seus amigos dos impulsos imprudentes como o que se permitiu a noite passada.
Tola, tola, tola.
E não somente por ter permitido que esse momento a apanhasse por completo até o ponto de ter esquecido tomar nenhum amparo. Ter relação íntimas com alguém que é virtualmente um desconhecido raramente era uma boa idéia, mas Gabrielle tinha a terrível sensação de que resultaria muito fácil perder o coração por um homem como Lucan Thorne.
Mas como, estava segura, não era menos que de idiotas.
Apesar de tudo, o sexo como o que tinha tido com ele não se dava freqüentemente. Pelo menos, não para ela. Somente pensar em Lucan Thorne fazia que tudo dentro de seu corpo se retorcesse de desejo. Se ele entrasse no restaurante justo nesse momento, provavelmente saltaria por sobre as mesas e se tornaria em cima dele.
—Ontem passamos juntos uma noite incrível, mas agora mesmo, isso é quão único há. Não quero tirar nenhuma conclusão disso.
—Ok! —Jamie apoiou um cotovelo na mesa e se apoiou nele com expressão conspiradora.
— Então, por que está a todo o momento?
—Onde diabos estiveste?
Lucan cheirou a Tegan antes de ver o vampiro dar a volta à esquina do corredor da zona de residência do complexo. O macho tinha estado caçando fazia pouco. Ainda arrastava o aroma metálico e adocicado do sangue, tanto de humano como de algum renegado.
Quando viu que Lucan lhe estava esperando fora de um dos apartamentos se deteve, com as mãos apertadas em punhos dentro dos bolsos da calça texana de cintura baixa. A camiseta cinza que levava posta estava desfiada em alguns pontos e suja de pó e de sangue. Tinha as pálpebras cansadas sobre os pálidos olhos verdes e se viam umas escuras olheiras. O cabelo, avermelhado, descuidado e comprido, caía-lhe sobre o rosto.
—Tem um aspecto de merda, Tegan.
Ele levantou os olhos por debaixo da franja de seu cabelo e se mostrou burlón, como sempre.
Seus fortes bíceps e antebraços estavam cobertos de dermoglifos. Essas elegantes e afiligranadas marca tinham somente um tom mais escuro que o de sua pele dourada e sua cor não desvelava o estado de ânimo do vampiro. Lucan não sabia se era por pura vontade que esse macho se encerrava em uma atitude permanente de apatia ou se era a escuridão de seu passado que verdadeiramente tinha apagado qualquer sentimento que pudesse ter.
Deus era testemunha de que tinha passado por algo que tivesse podido vencer a uma equipe inteira de guerreiros.
Mas os demônios pessoais que Tegan tivesse eram coisa dele. O único que lhe importava a Lucan era assegurar-se de que a Ordem se mantinha forte e a ponto. Não havia lugar para que essa correia tivesse enganos débeis.
—Faz cinco dias que estiveste fora de contato, Tegan. Lhe vou perguntar isso outra vez: onde merda estiveste?
O sorriu, zombador.
—Foda-se, cara. Não é minha mãe.
Começou a afastar-se, mas Lucan lhe fechou o passo com uma velocidade assombrosa. Levantou Tegan pelo pescoço e o empurrou contra a parede do corredor para captar sua atenção.
A fúria de Lucan estava em seu ponto máximo: em parte pela desconsideração que, em geral, Tegan mostrava por volta de outros na Ordem durante os últimos tempos, mas ainda o estava mais pela falta de sensatez que lhe tinha feito pensar que poderia passar uma noite com a Gabrielle Maxwell e tirar-lhe logo depois da cabeça.
Nem o sangue nem a extrema violência que tinha exercido com dois Renegados durante as horas prévias ao amanhecer tinham sido suficientes para apagar a lascívia pelo Gabrielle que ainda lhe pulsava por todo o corpo. Lucan tinha percorrido a cidade como um espectro durante toda a noite e tinha voltado para o complexo com um humor furioso e negro.
Esse sentimento persistia nele enquanto apertava os dedos ao redor da garganta de seu irmão. Necessitava uma desculpa para tirar a agresividade, e Tegan, com esse aspecto animal e com seu secretismo, era um candidato mais que bom para fazer esse papel.
—Estou cansado de suas tolices, Tegan. Precisa te controlar, ou eu o farei em seu lugar. —Apertou a laringe do vampiro com mais força, mas Tegan nem sequer se alterou pela dor.
— Agora me diga onde estiveste durante todo este tempo ou você e eu vamos ter sérios problemas.
Os dois machos tinham mais ou menos o mesmo tamanho e estavam mais que igualados em questão de força. Tegan pôde ter apresentado batalha, mas não o fez. Não demonstrou nem a mais mínima emoção, simplesmente olhou A Lucan com olhos frios e indiferentes.
Não sentia nada, e inclusive isso tirava de gonzo a Lucan.
Lucan, com um grunhido, tirou a mão da garganta do guerreiro e tentou controlar a raiva. Não era próprio dele comportar-se dessa maneira. Isso estava por debaixo dele.
Merda.
E era ele quem dizia a Tegan que tinha que controlar-se?
Bom conselho. Possivelmente tinha que aplicar-lhe a si mesmo.
O olhar inexpressivo do Tegan dizia mais ou menos o mesmo, embora o vampiro manteve, de forma inteligente, a boca fechada.
Enquanto os dois difíceis aliados se olhavam um ao outro em meio de um escuro silêncio, detrás deles e a certa distancia no corredor, uma porta de cristal se abriu com um zumbido. Ouviu-se o chiado das sapatilhas esportivas do Gideon no gentil chão enquanto este saía de seus aposentos privados e percorria o corredor.
—Né, Tegan, bom trabalho de reconhecimento, cara. Vigiei um pouco depois do que falamos o outro dia. Esse pressentimento que teve de que devíamos manter vigiados Aos renegados no Green Line parece bom.
Lucan nem sequer piscou. Tegan lhe agüentou o olhar, sem fazer caso às felicitações de Gideon. Tampouco tentou defender-se dessas suspeitas infundadas. Simplesmente ficou ali durante um comprido minuto sem dizer nada. Logo passou ao lado de Lucan e continuou seu caminho pelo corredor do complexo.
—Acredito que quererá comprovar isto, Lucan —disse Gideon enquanto se dirigia para o laboratório.
— Parece que algo está a ponto de ficar feio.
Capítulo nove
Com a taça quente entre as mãos, Gabrielle tomou um sorvo do suave chá enquanto Jamie comia o resto de seu prato. Também ia comer seu biscoitinho da sorte de sobremesa, como fazia sempre, mas não importava. Era agradável estar, simplesmente, com os amigos, e sentir que a vida voltava a adquirir certo ar de normalidade depois do que lhe tinha acontecido o fim de semana passado.
—Tenho uma coisa para ti —disse Jamie, interrompendo os pensamentos de Gabrielle. Rebuscou um momento na bolsa que levava de cor nata que estava no banco em meio de ambos e tirou um envelope alvo.
— Procede da amostra privada.
Gabrielle o abriu e tirou um cheque da galeria. Era mais do que hávia esperado. Uns par de notas grandes demais.
—Vai.
—Surpresa —cantarolou Jamie com um amplo sorriso—. Subi o preço. Pensei que diabos e eles o aceitaram sem regatear em nenhum momento. Crê que deveria ter pedido mais?
—Não —repôs Gabrielle—. Não, isto é... isto... uuuff. Obrigado.
—Não é nada. —Assinalou a barra de chocolate.
—Vais comer?
Ela empurrou o prato por cima da mesa para ele.
—Bom, e quem é o comprador?
—Ah, isso continua sendo um grande mistério —disse ele, enquanto rompia a bolacha dentro de seu pacote de plástico.
— Pagaram em dinheiro, assim é evidente que são sérios sobre o caráter anônimo da venda. E mandaram um táxi para me buscar para levar a coleção.
—Do que estão falando, meninos? —perguntou Megan. Olhou aos dois com o cenho franzido e uma expressão de confusão.
— Lhes juro que sou a última que se inteira de tudo.
—Nossa pequena e talentosa artista tem um admirador secreto — informou Jamie, dramaticamente. Tirou a nota da sorte do biscoitinho, leu-a, levantou os olhos ao céu e atirou o trocito de papel no prato vazio.
— Onde ficaram os dias em que este tipo de coisas significavam algo? Bom, faz umas quantas noites me pediram que apresentasse a coleção completa de fotografias da Gabby ante um comprador anônimo do centro da cidade. Compraram-nas todas: até a última.
Megan olhou a Gabrielle com os olhos muito abertos.
—Isso é maravilhoso! Me alegro tanto por ti, carinho!
—Seja quem é quem as comprou, a verdade é que tem uma seria mania com o secretismo.
Gabrielle olhou a seu amigo enquanto se guardava o cheque na bolsa.
—O que quer dizer?
Jamie terminou de mastigar o último pedaço de biscoitinho da sorte e se limpou os dedos dos miolos.
—Bom, quando cheguei a direção que me deram, em um desses luxuosos edifícios de escritórios com vários inquilinos, recebeu-me uma espécie de guarda-costas no vestíbulo. Não me disse nada, somente murmurou algo a um microfone sem fio e logo me acompanhou até um elevador que nos levou a piso mais alto do edifício.
Megan arqueou as sobrancelhas.
—Ao apartamento de cobertura?
—Sim. E aí está a coisa. O lugar estava vazio. Todas as luzes estavam acesas, mas não havia ninguém dentro. Não havia móveis, não havia nenhuma equipe, nada. Somente paredes e janelas que davam a cidade.
—Isso é muito estranho. Não te parece, Gabby?
Ela assentiu com a cabeça e uma sensação de intranqüilidade foi invadindo enquanto Jamie continuava.
—Então o guarda-costas me disse que tirasse a primeira fotografia da pasta e que caminhasse com ela e me dirigisse para as janelas da parede norte. Ao outro lado estava escuro, e eu lhe estava dando as costas a ele, mas ele me disse que devia sujeitar cada uma das fotos ante essa janela até que me desse instruções das deixar a um lado e tomar outra.
Megan riu.
—De costas a ele? Por que queria que fizesse isso?
—Porque o comprador estava observando desde outro lugar —respondeu Gabrielle em voz baixa.
— Em algum lugar de onde via as janelas do apartamento de cobertura.
Jamie assentiu com a cabeça.
—Isso parece. Não consegui ouvir nada, mas estou seguro de que o guarda-costas, ou o que fora, estava recebendo instruções pelos auriculares. Para te dizer a verdade, estava-me pondo um pouco nervoso com tudo isso, mas foi bem. Ao final não passou nada mau. Quão único queriam eram suas fotografias. Somente tinha chegado a quarta quando disseram que pedisse um preço para todas elas. Assim, que tal e como te hei dito, pus alto e o aceitaram.
—Estranho —comentou Megan—. Né, Gab, possivelmente chamaste a atenção de um milionário mortalmente atrativo mas retraído. Possivelmente o ano que vem, por estas datas, estaremos dançando em suas luxuosas bodas no Mikonos.
—Uf, por favor —exclamou Jamie sem fôlego—. Mikonos é do ano passado. A gente bonita está na Marbella, querida.
Gabrielle tentou tirar-se de cima a estranha sensação de inquietação que lhe estava produzindo a estranha história do Jamie. Tal e como ele havia dito, tudo tinha ido bem e ela tinha um cheque por uma importância muito alta na bolsa. Possivelmente podia convidar para jantar a Lucan, dado que a comida que tinha preparado a outra noite para a celebração ficou no balcão da cozinha.
Embora não sentia nem o mais mínimo remorso pela perda de seus manicotti.
Sim, uma romântica saída para jantar com Lucan soava fantástico. Com um pouco de sorte, possivelmente tomassem as sobremesas em... e o café da manhã também .
Gabrielle ficou de bom humor imediatamente e riu com seus amigos enquanto estes continuavam intercambiando idéias extravagantes a respeito de quem podia ser esse misterioso colecionador e o que podia significar para seu futuro e, por extensão, para o de todos eles. Ainda estavam falando do mesmo quando a mesafoi retirada e a conta paga, e os três saíram a rua ensolarada.
—Tenho que ir correndo —disse Megan, dando um rápido abraço a Gabrielle e a Jamie.
— Nos veremos logo, meninos?
—Sim —responderam os dois ao uníssono e a saudaram com a mão, atrás da Megan caminhava rua acima, para o edifício de escritórios onde trabalhava.
Jamie levantou uma mão para chamar um táxi.
—Vai diretamente a casa, Gabby?
—Não, ainda não. —Deu uns golpezinhos a câmera que levava sobre o ombro.
— Pensava dar um passeio até o parque e possivelmente gastar um pouco de filme. E você?
—David vai chegar de Atlanta dentro de uma hora —lhe disse .
— Vou tirar o resto do dia. Possivelmente amanhã também.
Gabrielle riu.
—Dê- lhe lembranças de minha parte.
—Farei-o. —aproximou-se dela e lhe deu um beijo na bochecha.
— Eu gosto de verte sorrir outra vez. Estava realmente preocupado por ti depois do último fim de semana. Nunca te tinha visto tão afetada. Está bem, verdade?
—Sim, estou bem, de verdade.
—E agora tem ao escuro e sexy detetive para te cuidar, o qual não está nada mal.
—Não, não está nada mal —admitiu ela, e notou uma sensação de calidez pelo só feito de pensar nele.
Jamie lhe deu um abraço afetuoso.
—Bom, céu, se necessitar algo que ele não te possa dar, o qual duvido muito, me chame, de acordo? Quero-te, carinho.
—Eu também te quero. —Um táxi se deteve na esquina e se saudaram.
— Te divirta com o David. —E levantou a mão para lhe dizer adeus enquanto Jamie entrava no táxi e este se internava no matizado tráfico da hora de comer.
Somente se demorava uns quantos minutos em percorrer as quadras que separavam Chinatown do parque Boston Common. Gabrielle passeou pelos amplos espaços e tirou umas quantas fotografias. Logo se deteve para observar a uns meninos que jogavam a galinha cega na grama da zona de recreio. Observou a uma menina que se encontrava no centro do grupo com os olhos tampados com uma atadura e que girava a um lado e a outro com os braços estendidos tentando apanharar seus esquivos amigos.
Gabrielle levantou a câmera e enfocou aos meninos, que não paravam de correr e de rir. Aproximou a imagem com o zoom e seguiu a menina de cabelo loiro e olhos enfaixados com a lente enquanto as risadas e os gritos dos meninos enchiam o parque. Não fez nenhuma fotografia, simplesmente olhou esse despreocupado jogo desde detrás da câmera e tentou recordar uma época em que ela se houvesse sentido assim contente e segura.
Deus, havia-se sentido assim alguma vez?
Um de quão adultos estava vigiando aos meninos de perto lhes chamou para que fossem comer, interrompendo seu estridente jogo. Os meninos correram até o lençol estendido no chão para comer e Gabrielle percorreu o parque ao seu redor com a lente da câmera. Na imagem desfocada a causa do movimento, percebeu a figura de alguém que a olhava desde debaixo da sombra de uma árvore grande.
Gabrielle apartou a câmera de seu rosto e olhou nessa direção: havia um homem jovem em pé, parcialmente escondido pelo tronco de um velho carvalho.
Sua presença era quase imperceptível nesse parque cheio de atividade, mas lhe resultava vagamente familiar. Gabrielle viu que tinha o cabelo abundante e de uma cor castanha cinzenta, que levava uma camisa solta e uma calça cáqui. Era a classe de pessoa que desaparecia com facilidade entre a multidão, mas estava segura de que lhe tinha visto em algum lugar fazia pouco tempo.
Não lhe tinha visto na delegacia de polícia de polícia a semana passada quando foi fazer a declaração?
Fosse quem fosse, deveu dar-se conta de que lhe tinha visto, porque imediatamente retrocedeu, escondeu-se atrás do tronco da árvore e começou a afastar-se dali em direção a Charles Street. Enquanto caminhava a passo rápido em direção a essa rua, tirou-se um telefone celular do bolso da calça e jogou uma rápida olhada para trás por cima do ombro, em direção a Gabrielle.
Gabrielle sentiu que lhe arrepiavam os cabelos da nuca com uma repentina sensação de suspeita e de alarme.
Ele a tinha estado observando, mas por que?
Que diabos estava acontecendo? Algo acontecia, definitivamente, e ela não tinha intenção de tratar de adivinhá-lo por mais tempo.
Com o olhar cravado no menino da calça cáqui, Gabrielle começou a caminhar detrás dele enquanto se guardava a câmera na capa e se ajustava a tira da bolsa protetora no ombro. Quando saiu do amplo terreno do parque e entrou no Charles Street, o menino lhe levava uma quadra de vantagem.
—Né! —chamou ela, começando a correr.
O,menino que continuava falando por telefone, girou a cabeça e a olhou. Disse algo ao aparelho com gesto apressado, apagou o aparelho e o conservou na mão. Apartou o olhar dela e começou a correr.
—Para! —gritou Gabrielle. Chamou a atenção das pessoas na rua, o menino continuou sem lhe fazer caso.
— Te hei dito que te detenha, merda! Quem é? Por que me está espiando?
Ele subiu a toda velocidade pelo Charles Street mergulhando-se na maré de pedestres. Gabrielle lhe seguiu, esquivando a turistas e empregados de escritório que saíam durante o descanso para a comida, sem apartar a vista da mochila delgada que o menino levava nas costas. Ele torceu por uma rua, logo por outra, internando-se cada vez mais na cidade, afastando-se das lojas e os escritórios do Charles Street e voltando para a matizada zona de Chinatown.
Sem saber quanto tempo levava perseguindo a esse menino nem onde havia chegado exatamente, Gabrielle se deu conta de repente de que lhe tinha perdido.
Girou por uma esquina cheia de gente e se sentiu profundamente sozinha: esse ambiente pouco familiar se fechou ao redor dela. Os lojistas a observavam desde debaixo dos toldos e desde detrás das portas abertas para deixar entrar o ar do verão. Os pedestres a olhavam, aborrecidos, porque se tinha detido de repente em meio da calçada e interrompia o passo.
Foi nesse momento quando sentiu uma presença ameaçadora detrás dela, na rua.
Gabrielle olhou por cima do ombro e viu um Sedam negro de vidros escuro que se deslocava devagar entre outros carros. Movia-se com elegância, deliberadamente, como um tubarão que atravessasse um banco de peixes pequenos em busca de uma presa melhor.
Estava-se dirigindo para ela?
Talvez o menino que a tinha estado espiando se encontrava dentro do carro. Possivelmente sua aparição, e a do carro de aspecto ameaçador, tinham algo que ver com quem tinha comprado suas fotografias.
Ou possivelmente se tratasse de algo pior.
Possivelmente um pouco relacionado com o espantoso ataque que tinha presenciado na semana anterior e tendo informado disso a polícia. Possívelmente se tropeçou com uma rixa entre bandas, depois de tudo. Possivelmente essas criaturas malignas —já que não podia acabar de convencer-se de que eram homens— tinham decidido que ela era seu próximo alvo.
O veículo se aproximou por um sulco lateral até a calçada onde ela se encontrava em pé e Gabrielle sentiu que um medo gelado a atravessa.
Começou a caminhar. Acelerou o ritmo para avançar mais depressa.
A suas costas ouviu o som do carro que acelerava.
OH, Deus.
Ia por ela!
Gabrielle não esperou para ouvir o som dos pneumáticos das rodas no pavimento a suas costas. Gritou e saiu disparada em uma carreira , movendo as pernas tão depressa como era capaz.
Havia muita gente ao seu redor. Muitos obstáculos para tomar um caminho reto. Esquivou aos pedestres, muito nervosa para oferecer nenhuma desculpa antes seus estalos de língua e exclamações de irritação.
Não lhe importava: estava segura de que era um assunto de vida ou morte.
Olhar para trás seria um grave engano. Ainda ouvia o ruído do motor do carro no meio do tráfico, que a seguia de perto. Gabrielle baixou a cabeça e se esforçou em correr mais rápido enquanto rezava por ser capaz de sair dessa rua antes de que o carro a apanhasse.
De repente, nessa enlouquecida carreira, falhou-lhe um tornozelo.
Cambaleou-se e perdeu o equilíbrio. O chão pareceu elevar-se para ela e caiu com força contra o duro pavimento. Parou o golpe forte da queda com os joelhos e as palmas das mãos, destroçando-lhe a dor da carne rasgada, lhe fez saltar as lágrimas, mas não fez conta. Gabrielle voltou a ficar em pé. Quase ainda não tinha recuperado o equilíbrio quando notou a mão de um estranho que a sujeitava com força pelo cotovelo.
Gabrielle reprimiu um grito. Tinha os olhos enlouquecidos de pânico.
—Encontra-se bem, senhorita? —O rosto cinza de um trabalhador municipal apareceu em seu ângulo de visão e seus olhos azuis rodeados de rugas se fixaram nas feridas.
—Uf, vá, olhe isso, está sangrando.
—Solte-me!
—É que não viu esses reservatórios de água daí? —Assinalou com o polegar por cima do ombro, a suas costas, para os cones de cor laranja com os quais Gabrielle tinha se chocado ao passar—Esta parte da calçada está levantada.
—Por favor, não passa nada. Estou bem.
Apanhada pela mão dele, que tentava ajudá-la mas que a desafiava, Gabrielle levantou o olhar bem a tempo para ver que o Sedam escuro aparecia na esquina por onde ela tinha passado fazia um instante. O carro se deteve abruptamente, a porta do condutor se abriu e um homem enorme e muito alto saiu à rua.
—OH, Deus. Me solte! —Gabrielle deu uma sacudida com o braço para soltar do homem que tentava ajudá-la sem apartar o olhar desse monstruoso carro negro e no perigo que supunha—. É que não comprende que me estão perseguindo?
—Quem? —O tom de voz do trabalhador municipal foi de incredualidade. Levou a vista em direção aonde ela estava olhando e soltou uma gargalhada.
— Se refere a esse tipo? Senhora, é o maldito prefeito do Bostom.
-O que...?
Era verdade. Olhou enlouquecida toda a atividade que se desenvolvia nessa esquina e o compreendeu. O Sedam negro não a perseguia, depois de tudo. Tinha estacionado na esquina e o condutor, agora, estava esperando com a porta traseira aberta. O prefeito em pessoa saiu de um restaurante acompanhado por dois guarda-costas e os três subiram ao assento traseiro do veículo.
Gabrielle fechou os olhos. As palmas das mãos lhe queimavam de dor. Os joelhos, também. Tinha o pulso acelerado, mas parecia que o sangue lhe tinha descido da cabeça.
Sentiu-se como uma completa idiota.
—Acreditei... —murmurou, enquanto o condutor fechava a porta, e se colocava no assento dianteiro e arrancava o carro em direção ao tráfico da rua.
O trabalhador lhe soltou o braço. Afastou-se dela para voltar a ocupar-se da bolsa com sua comida e seu café enquanto meneava a cabeça.
—O que lhe acontece? É que se tornou louca ou algo?
Merda.
Supunha-se que ela não tinha que lhe haver visto. Tinha ordens de observar a mulher Maxwell, de tomar nota de suas atividades, de estabelecer quais eram seus costumes. Tinha que informar de tudo isso a seu Professor. Por cima de tudo, tinha que evitar ser visto. O subordinado soltou outra maldição do mesmo lugar onde estava escondido, as costas pega contra uma anódina porta de um edifício, um desses tantos lugares que se apinhavam entre os restaurantes e mercados do Chinatown. Com cuidado, abriu a porta e tirou a cabeça para ver se podia detectar a mulher em algum lugar da rua.
Ali estava, justo ao outro lado da rua abarrotada de gente.
E se alegrou de ver que ela estava abandonando a zona. Quão último perdeu de vista foi seu cabelo acobreado por entre a multidão da calçada, a cabeça encurvada e o passo acelerado.
Esperou ali, observou-a até que teve desaparecido de sua vista por completo. Então voltou a sair a rua e se dirigiu em direção contraria. Tinha passado mais de uma hora de seu descanso para comer. Era melhor que voltasse para a delegacia de polícia antes de que lhe sentissem falta.
Capítulo dez
Gabrielle pôs outra toalha de papel sob o jorro de água fria na pia da cozinha. Havia várias toalhas mais atiradas já, empapadas de água e manchadas de sangue, além de sujas do pó da rua que se limpou das palmas das mãos e dos joelhos. Em pé, de sutiens e calcinhas, jogou um pouco de sabão líquido na toalha de papel empapada de água e se esfregou com energia as feridas das palmas das mãos.
—Ai! —exclamou, e franziu o cenho. Encontrou-se uma pequena e afiada lasca cravada na ferida. A tirou e a atirou à pia ao lado de todo o cascalho que se limpou das feridas.
Deus, parecia um desastre.
A saia nova estava rota e destroçada. A prega do suéter se danificou ao cair contra o áspero pavimento. E parecia que as mãos e os joelhos pertencessem a uma menina selvagem e torpe.
E além de tudo isso, mostrou-se como uma completa estúpida em público.
Que demônios lhe estava acontecendo para ficar histérica dessa maneira?
O prefeito, pelo amor de Deus. E ela tinha fugido desse carro como se temesse que se tratasse de...
Do que? De alguma espécie de monstro?
«Vampiro.»
As mãos do Gabrielle ficaram imóveis.
Ouviu a palavra mentalmente, apesar de que se negou a pronunciá-la em voz alta. Essa era a palavra que tinha na soleira da consciência do momento em que foi testemunha desse assassinato. Era uma palavra que não queria reconhecer, nem sequer quando se encontrava sozinha no selêncio de seu apartamento vazio.
Os vampiros eram a obsessão da louca de sua mãe biológica, não a sua.
Essa adolescente anônima se encontrava em um estado completamente delirante quando a polícia a tirou das ruas, fazia tantos anos. Dizia que a tinham açoitado uns demônios que queriam beber seu sangue, que, de fato, tinham-no tentado, e essa tinha sido a explicação que tinha dado pelas estranhas feridas que tinha na garganta. Os documentos judiciais que lhe tinham dado estavam salpicados de loucas referencias a espectros sedentos de sangue que percorriam a cidade em completa liberdade.
Impossível.
Isso era uma loucura, e Gabrielle sabia.
Estava permitindo que sua imaginação e que o medo que tinha de converter-se em uma perturbada como sua mãe algum dia acabassem com ela. Mas ela era muito inteligente para permiti-lo. Era mais sã, pelo menos...
Deus, tinha que sê-lo.
Ter visto esse menino da delegacia de polícia esse mesmo dia —para somar-se a tudo pelo que tinha passado durante os últimos dias— lhe havia disparado seus medos. Apesar de tudo, agora que o pensava, nem sequer estava segura de que esse tipo a quem tinha visto no parque fora de verdade o administrativo que tinha visto na delegacia de polícia.
Mas e o que se o era? Possivelmente se encontrava no parque para tomar sua comida e para desfrutar do tempo igual ao estava fazendo ela. Isso não era nenhum crime. Possivelmente, a estava olhando era porque também lhe tinha parecido que lhe resultava familiar. Possivelmente ele se aproximou para saudá-la se ela não tivesse carregado contra ele como uma psicopata paranoica, lhe acusando de estar espiando-a.
OH, e não seria perfeito que ele fosse a delegacia de polícia e contasse a todos que lhe tinha açoitado por várias quadras no Chinatown?
Se Lucan se inteirava disso, ela ia morrer da humilhação.
Gabrielle terminou de limpar as feridas das palmas das mãos e tentou apartar tudo o que tinha ocorrido esse dia de sua cabeça. Ainda tinha a ansiedade no ponto máximo e o coração lhe pulsava com força. Limpou-se os golpes do rosto e observou um magro rastro de sangue que lhe descia pelo pulso.
Ver seu sangue sempre a tranqüilizava, por alguma estranha razão. Sempre tinha sido assim.
Quando era mais jovem e as emoções e as pressões internas eram tão fortes que já não sabia o que fazer com elas, quão único tinha que fazer para se acalmar era fazer um pequeno corte.
O primeiro tinha sido por acidente. Gabrielle se encontrava cortando uma maçã em um de seus lares de acolhida quando a faca resvalou e lhe fez um corte na base do dedo polegar. Doeu-lhe um pouco, mas Gabrielle não sentiu nem medo nem pânico ao observar como o sangue saía e desenhava um reluzente redemoinho escarlate.
Havia-se sentido fascinada.
Havia sentido uma incrível espécie de... paz.
Ao cabo de uns quantos meses desse surpreendente descobrimento, Gabrielle voltou a cortar-se. Fê-lo de forma deliberada e em segredo, sem intenção de fazer-se mal de verdade. À medida que o tempo transcorreu, fê-lo mais freqüentemente, sempre que precisava sentir essa profunda sensação de calma.
E agora o necessitava porque estava ansiosa e nervosa como um gato atento a qualquer pequeno ruído que ouvisse no apartamento ou fora dele. Doía-lhe a cabeça. Tinha a respiração agitada e apertava as mandíbulas.
Seus pensamentos saltavam do brilho do flash ante a cena da noite fora da discoteca ao inquietante psiquiátrico onde tinha estado fazendo fotos a manhã anterior e ao medo irracional, profundo e perturbador que havia sentido essa tarde.
Necessitava um pouco de paz depois de tudo isso.
Só embora fossem uns quantos minutos de calma.
Gabrielle dirigiu o olhar para o contêiner de facas de madeira que se encontrava, ali perto, sobre o mármore. Alargou a mão e tomou um deles. Fazia anos que não o fazia. esforçou-se tanto em controlar essa compulsão estranha e vergonhoza.
Mas a tinha feito desaparecer de verdade?
Os psicólogos que a administração lhe tinha posto e os trabalhadores sociais, ao final, convenceram-se de que assim era. Também os Maxwell.
Agora, enquanto se aproximava a faca à pele do braço e sentia como uma escura emoção despertava dentro dela, Gabrielle o duvidou. Aperto a ponta da folha contra a pele do antebraço, embora ainda sem a força suficiente para cortar-se.
Esse era seu demônio privado, e era uma coisa que nunca havia comprartilhado abertamente com ninguém, nem sequer com o Jamie, seu amigo mais querido.
Ninguém o compreenderia.
Quase nem ela mesma o compreendia.
Gabrielle jogou a cabeça para trás e respirou profundamente. Enquanto voltava a baixar a cabeça e exalava lentamente, viu seu próprio reflexo no cristal da janela de cima da pia. O rosto que lhe devolveu o olhar tinha uma expressão esgotada e triste, seus olhos estavam apagados e angustiados.
—Quem é? —sussurrou a essa imagem fantasmal que via no cristal. Teve que reprimir um soluço.
— O que é que vai mal contigo?
Abatida consigo mesma, atirou a faca na pia e se apartou dali enquanto o som do aço ressonava na cozinha.
O constante som dos sinais de multiplicação de um helicóptero atravessava o céu da noite no velho psiquiátrico. Da camuflagem de uma nuvem, um Colibri EC120 negro descendeu e se posou com suavidade em uma zona plaina do telhado.
—Desliga o motor —ordenou o líder dos renegados a seu subordinado piloto quando o aparelho se posou no improvisado heliporto.
— Espere-me aqui até que volte.
Saltou fora da cabine e recebeu a imediata saudação de seu tenente, um indivíduo bastante desagradável a quem tinha recrutado na Costa Oeste.
—Tudo está em ordem, senhor.
As espessas sobrancelhas marrons do renegado se afundaram em cima de seus ferozes olhos amarelos. Na enorme cabeça calva ainda se viam as cicatrizes das queimaduras de eletricidade que lhe tinham infligido os da raça durante um interrogatório pelo que tinha passado fazia meio ano. Mas, entre o resto dos repugnantes rasgos de seu rosto, essas numerosas marcas de queimaduras eram somente um detalhe. O renegado sorriu, deixando ver umas enormes presas.
—Seus presentes foram muito bem recebidos esta noite, senhor. Todo o mundo espera com ânsia sua chegada.
O líder dos renegados, com os olhos escondidos detrás de uns óculos de sol, assentiu com a cabeça brevemente e, com passo depravado, deixou-se conduzir até o piso de acima do edifício e logo até um elevador que lhe levaria ao coração das instalações. Afundaram-se por debaixo do nível do piso do chão, saíram do elevador e se internaram por uma rede de túneis que rodeavam uma parte da fortaleza da guarida dos renegados.
Quanto ao líder, este tinha estado instalado em seu quartel privado em algum ponto de Boston durante o último mês, fiscalizando em privado algumas operações, determinando obstáculos e estabelecendo as principais vantagens que tinham no novo território que queriam controlar. Esta era sua primeira aparição em público: era todo um evento, e essa era exatamente sua intenção.
Não era algo freqüente que ele se aventurasse a sair em meio da porqueira da população geral; os vampiros que se convertiam em renegados eram uma gente arruda, indiscriminada, e ele tinha aprendido apreciar coisas melhores durante seus muitos anos de existência. Tinha que lhes recordar a essas bestas quem era e a quem serviam e por isso lhes tinha devotado uma amostra do bota de cano longo que lhes esperava ao final de sua última missão. Não todos eles sobreviveriam, é obvio. As vítimas acostumavam a acumular-se em meio de uma guerra.
E uma guerra era o que ia vender aí essa noite.
Já não haveria mais conflitos insignificantes no terreno. Não haveria mais luta internas entre os renegados, nem mais atos absurdos de vingança individual. Foram unir-se e passar a página de uma forma que ainda ninguém tinha imaginado nessa antiga batalha que tinha dividido para sempre a nação dos vampiros em dois. A raça tinha mandado durante muito tempo e tinha chegado a um acordo não falado com os humano inferiores ao tempo que ansiavam eliminar a seus irmãos os renegados.
As duas facções da estirpe dos vampiros não eram tão diferentes uma da outra, somente lhes separava uma questão de grau. Quão único diferenciava a um vampiro da raça que saciava sua fome de vida e a um vampiro constantemente sedento de sangue e viciado era uma questão de litros. As linhas sangüíneas da estirpe se apagaram com o tempo da época dos antigos e os novos vampiros se convertiam em adultos e se apareavam com as companheiras de raça humanas.
Mas não havia forma de que a contaminação de gens humanos destruisse por completo os gens dos vampiros, mais fortes. A sede de sangue era um espectro que perseguiria a raça para sempre.
Do ponto de vista do líder dessa guerra que se aproximava, a gente tanto podia lutar contra o impulso inato próprio de sua estirpe ou utiliza-lo para benefício próprio.
Nesse momento, ele e seu tenente tinham chegado ao final do corredor e a vibração de uma música estridente reverberava nas paredes e no chão, sob seus pés. Estava-se levando a cabo uma festa detrás de uma dupla porta de aço amassada e maltratada. Ante ela, um vampiro Renegado que se encontrava de guarda se fincou de joelhos pesadamente assim que suas rasgadas pupilas registraram quem estava esperando diante dele.
—Senhor. —O tom de sua áspera voz foi reverente e mostrou deferencia ao não levantar a vista para encontrar-se com os olhos que se ocultavam detrás desses óculos escuros.
— Meu senhor, sua presença nos honra.
De fato, sim lhes honrava. O líder fez um rápido movimento afirmativo com a cabeça assim que o vigilante ficou em pé de novo. Com uma mão imunda, que estava de guarda empurrou as portas para permitir a entrada a seu superior a estridente reunião que se levava a cabo ao outro lado das mesmas. O líder se despediu de seu acompanhante e ficou livre para observar em privado o lugar.
Tratava-se de uma orgia de sangue, sexo e música. Em todos os rincões onde olhasse via machos renegados que manuseavam, perseguiam e se alimentavam de um variado sortido de seres humanos, tanto homens como mulheres. Sentiam pouca dor, tanto se encontravam nesse evento de forma voluntária como se não. A maioria tinham sofrido, pelo menos, uma dentada, e lhes tinham extraído tanto sangue que se sentiam como em uma nuvem de sensualidade e ligeireza. Alguns deles fazia muito momento que se foram, e seus corpos se encontravam inertes como os de uns bonitos bonecos de roupa em cima do regaço de seus depredadores
Olhos selvagens, que não cessavam de alimentar-se até que não ficava nada mais que devorar.
Mas isso era o que alguém devia esperar se lançava uns tenros cordeiros a um poço cheio de bestas vorazes.
Enquanto se dirigia para a parte mais matizada dessa reunião, começaram-lhe a suar as mãos. O pênis lhe endureceu baixo a cuidada queda da calça confeccionada a medida. As gengivas começaram a lhe doer e a lhe pulsar, e teve que morder a língua para evitar que as presas lhe alargassem de fome, ao igual que tinha feito seu sexo, em resposta a chuva de estímulos eróticos e sensoriais que lhe golpeiavan desde todos os ângulos.
A mescla do aroma de sexo e sangue derramada lhe chamava como o canto de uma sereia. Esse era um canto que ele conhecia bem, embora isso tinha sido em seu passado, agora muito distante. OH, ainda desfrutava com um bom sexo e com uma suculenta veia aberta, mas essas necessidades já não lhe governavam. Tinha tido que percorrer um caminho muito difícil do ponto em que se encontrava antigamente, mas, ao final, tinha vencido.
Agora era senhor de si mesmo e logo o seria de muito, muito mais.
Uma nova guerra ia começar e ele estava preparado para oferecer a última batalha. Estava educando a seu exército, aperfeiçoando seus métodos, recrutando aliados que mais tarde seriam sacrificados sem duvidá-lo nem um momento no altar de seu capricho pessoal. Ia infligir uma sangrenta vingança a nação dos vampiros e ao mundo de quão humanos somente existia para servir aos seus.
Quando a grande batalha tivesse terminado e as cinzas e o pó houvessem sido finalmente varridos, não haveria ninguém que pudesse interpor em seu caminho.
Ele seria um maldito rei. Esse era seu direito de nascimento.
—Mmmm... né, bonito... vêem aqui e joga comigo.
Esse convite realizado em voz rouca lhe alcançou por cima do barulho da sala. De um montículo de corpos retorcidos, nus e úmidos tinha aparecido a mão de uma mulher que lhe sujeitou pela coxa no momento em que ele passava por seu lado. Ele se deteve, baixou o olhar até ela com uma clara expressão de impaciência. Percebeu uma beleza oculta sob a escura e destroçado maquiagem, mas ela tinha a mente completamente perdida nesse profundo delírio da orgia.
Um par de rastro de sangue lhe desciam pelo bonito pescoço e chegavam até as pontas de seus peitos perfeitamente formados. Tinha outras mordidas em outros pontos do corpo: no ombro, no ventre, e na parte interior de uma das coxas, justo debaixo da estreita banda de pêlo que lhe ocultava o sexo.
—Te una lhe suplicou ela, levantando-se de entre a selva enredada de braços e pernas dos vampiros renegados em zelo. A essa mulher quase tinham extraído todo o sangue, somente ficavam uns litros antes de morrer. Tinha os olhos frágeis, perdidos. Seus movimentos eram lânguidos, como se seus ossos se tornaram de borracha.
— Tenho o que desejas. Sangrarei para ti, também. Vêem, me prove.
Ele não disse nada; simplesmente apartou os pálidos dedos manchados de sangue que atiravam da fina malha de suas caras calças de seda.
Verdadeiramente, não estava de humor.
E, ao igual que todo líder com êxito, nunca tocava sua própria mercadoria.
Pôs-lhe a mão plaina em cima do peito e a empurrou. Ela chiou: um dos renegados a tinha apanhado sem contemplação e, com rudeza, deu-lhe a volta em cima de seu braço, colocou-a debaixo dele e a penetrou por detrás. Ela gemeu assim que ele a atravessou, mas ficou em silencio ao cabo de um instante enquanto o vampiro sedento de sangue lhe cravava as enormes presas no pescoço e lhe chupava a última gota de vida de seu corpo consumido.
—Desfrutem destes restos —disse o que ia ser rei com uma voz profunda que se elevava em tom magnânimo por cima dos rugidos animais e o estrondo ensurdecedor da música.
— A noite se está levantando e logo conhecerão as recompensas que tenho a lhes oferecer.
Capítulo onze
Lucan bateu na porta do apartamento de Gabrielle outra vez.
Ainda, nenhuma resposta.
Fazia cinco minutos que se encontrava em pé na entrada, na escuridaão, esperando a que ou ela abrisse a porta e convidasse a entrar, ou lhe amaldiçoar e lhe chamasse bastardo do outro lado dos numerosos ferrolhos de segurança e lhe dissesse que se perdesse.
Depois do comportamento pornográfico que tinha tido com ela a noite anterior, não estava seguro de qual era a reação que se merecia encontrar. Provavelmente, uma irada despedida.
Golpeou a porta com os nódulos outra vez com tanta força que era provável que os vizinhos lhe tivessem ouvido, mas não se ouviu nenhum movimento dentro do apartamento de Gabrielle. Somente silencio. Havia muita quietude ao outro lado da porta.
Mas ela estava ali dentro. Notava-a ao outro lado das capas de madeira e tijolo que lhes separavam. E cheirava a sangue, também. Não muito sangue, mas certa quantidade em algum ponto próximo a porta.
Filho da puta.
Ela estava dentro, e estava ferida.
—Gabrielle!
A preocupação lhe corria pelas veias como se fosse um ácido. Tentou se tranquiliza o suficiente para poder concentrar seus poderes mentais no ferrolho de correia e nas duas fechaduras que estavam colocadas ao outro lado da porta. Com um esforço, abriu um ferrolho e logo o outro. A correia se soltou e caiu contra o gonzo da porta com um som metálico.
Lucan abriu a porta com um empurrão e suas botas soaram com força sobre o chão de ladrilhos do vestíbulo. A bolsa das câmeras de Gabrielle se encontrava justo em seu caminho, provavelmente onde ela a tinha deixado cair com a pressa. O doce aroma ajazminado de seu sangue lhe encheu as fossas nasais justo um instante antes de que sua vista tropeçasse com um caminho de pequenas manchas de cor carmesim.
O ambiente do apartamento tinha certo ar amargo de medo cujo aroma, que já tinha umas horas, apagou-se mas permanecia como uma neblina.
Atravessou a sala de estar com intenção de entrar na cozinha, para onde se dirigiam as gotas de sangue. Enquanto cruzava a sala, tropeçou com um montão de fotografias que havia na mesa do sofá.
Eram umas tomadas rápidas, uma estranha variedade de imagens. Reconheceu algumas delas, que formavam parte do trabalho que Gabrielle estava levando a cabo e que titulava Renovação urbana. Mas havia umas quão imagens que não tinha visto antes. Ou possivelmente não tinha emprestado a atenção suficiente para dar-se conta.
Agora sim que se deu conta.
Merda, vá que sim.
Um velho armazém perto do dique. Um velho moinho papeleiro abandonado justo aos subúrbios da cidade. Várias estruturas diferentes que proibiam a entrada onde nenhum humano —por não falar de uma mulher confiada como Gabrielle— devia aproximar-se de nenhuma forma.
Guaridas de renegados.
Algumas delas já tinham sido erradicadas, estavam-no graças a Lucan e a seus guerreiros, mas umas quantas mais ainda eram células ativas. Viu umas quantas que se encontravam nesses momentos vigiadas pelo Gideon. Enquanto passava rapidamente as fotos, perguntou-se quantas localizações de guaridas de renegados teria Gabrielle fotografadas e o que ainda não se encontravam no radar da raça.
—Merda —sussurrou, tenso, olhando um par de imagens mais.
Inclusive tinha algumas fotos exteriores de uns Refúgios Escuros da cidade, umas entradas escuras e umas sinalizações dissimuladas cuja função era evitar que esses santuários dos vampiros fossem facilmente localizados tanto pelos curiosos seres humanos como por seus inimigos os renegados.
E Apesar de tudo, Gabrielle tinha encontrado esses lugares. Como?
É obvio, não podia ter sido por acaso. O extraordinário sentido visual de Gabrielle devia havê-la conduzido até esses lugar de gado. Ela já tinha demonstrado que era completamente imune aos truques habituais dos vampiros: ilusões hipnóticas, controle mental... E agora isto.
Lucan soltou uma maldição e se meteu umas quantas fotografias no bolso da jaqueta de couro. Deixou o resto das imagens em cima da mesa.
—Gabrielle?
Dirigiu-se até a cozinha, onde algo ainda mais inquietante lhe estava esperando.
O aroma de Gabrielle era mais forte ali, e lhe conduziu até a pia. Ficou imovel diante dele e sentiu uma sensação gelada no teto assim que fixou o olhar no mesmo.
Parecia que alguém tivesse tentado limpar uma cena do crime, e que o tivesse feito muito mal. Na pia havia um montão de toalhas de papel empapadas de água e manchadas de sangue, ao lado de uma faca que tinham tirado do estojo de madeira que se encontrava no mármore da cozinha.
Tomou a afiada faca e o inspecionou rapidamente. Não tinha sido utilizada, mas todo o sangue que havia na pia e que tinha caído ao chão do vestíbulo até a cozinha pertencia unicamente a Gabrielle.
E a parte de roupa que se encontrava atirado no chão ao lado de seus pés também tinha seu aroma.
Deus, se alguém lhe tinha posto a mão em cima...
Se lhe tivesse acontecido algo...
—Gabrielle!
Lucan seguiu seus instintos, que lhe levaram até o porão do apartamento. Não se incomodou em acender as luzes: sua visão era mais aguda na escuridão. Baixou as escadas e gritou seu nome em meio desse silencio .
Em um rincão, ao outro extremo do porão, o aroma de Gabrielle se fazia mais forte. Lucan se encontrou em pé diante de outra porta fechada, uma porta rodeada de uns vedadores para que não penetrasse a luz exterior. Tentou abri-la pelo pomo, mas estava fechada e sacudiu a porta com força.
—Gabrielle. Ouve-me? Menina, abre a porta.
Não esperou a receber resposta. Não tinha a paciência para isso, nem a concentração mental para abrir o ferrolho que fechava a porta do outro lado. Soltou um grunhido de fúria, golpeou a porta com o ombro e entrou.
Imediatamente, seus olhos, na escuridão dessa sala, deram com ela. Seu corpo se encontrava enroscado no chão da desordenada habitação escura e estava nua exceto por um sutiens e umas calcinhas de traje de banho. Ela despertou imediatamente com o repentino estrondo da porta.
Levantou a cabeça rapidamente. Tinha as pálpebras pesadas e inchadas por ter chorado fazia pouco. Tinha estado ali soluçando, e Lucan houvesse dito que o tinha feito durante bastante momento. Seu corpo parecía exalar quebras de onda de cansaço: a via tão pequena, tão vulnerável.
—OH, não, Gabrielle —sussurrou ele, deixando cair no chão ao lado dela.
— Que demônios está fazendo aqui dentro? Alguém te tem feito mal?
Ela negou com a cabeça, mas não respondeu imediatamente. Com um gesto hesitante, levou-se as mãos até o rosto e se apartou o cabelo do rosto, tentando lhe ver em meio dessa escuridão.
—Só... cansada. Necessitava silêncio... paz.
—E por isso te encerraste aqui embaixo? —Ele deixou escapar um forte suspiro de alívio, mas no corpo dela viu umas feridas que tinham deixado de sangrar fazia muito pouco tempo.
— De verdade que está bem?
Ela assentiu com a cabeça e se aproximou para ele na escuridão.
Lucan franziu o cenho e alargou a mão até ela. Acariciou-lhe a cabeça e ela pareceu entender esse contato como um convite. Colocou-se entre seus braços como uma menina que necessitasse consolo e calor. Não era bom o natural que lhe pareceu abraçá-la, quão forte sentiu a necessidade de tranqüilizá-la para que se sentisse segura com ele. Para que sentisse que ele a protegeria como se fosse dele.
Dele.
«Impossível», disse a si mesmo. Mais que impossível: era ridículo.
Baixou a vista e em silêncio observou a suavidade e o calor do corpo dessa mulher que se enredava com o seu em sua deliciosa e quase completa nudez. Ela não tinha nem idéia do perigoso mundo no qual se colocou, e muito menos de que era um mortífero macho vampiro quem a estava abraçando nesses momentos.
Ele era o último que podia oferecer amparo contra o perigo a uma companheira de raça. No caso de Gabrielle, somente notar a mais ligeira fragrância dela elevava sua sede de sangue até a zona de perigo. Acariciou-lhe o pescoço e o ombro e tentou ignorar o constante ritmo do pulso de suas veias sob as pontas dos dedos. Tinha que lutar de maneira infernal para não fazer caso da lembrança da última vez que tinha estado com ela, tanto que precisava tê-la outra vez.
—Mmmm, seu tato é muito agradável —murmurou ela, sonolenta, contra seu peito. Sua voz foi como um ronrono escuro e dormitado que lhe provocou uma descarga de calor na coluna vertebral é outro sonho?
Lucan gemeu, incapaz de responder. Não era um sonho, e ele, pessoalmente, não se sentia bem absolutamente. A maneira em que ela se enredava entre seus braços, com uma tenra confiança e inocência, o fazia sentir dentro dele a besta, antiga e gasta.
Procurando uma distração, encontrou-a muito logo. Jogou um vista para cima, por cima das cabeças de ambos, e todos os músculos de seu corpo se endureceram por causa de outro tipo de tensão.
Fixou os olhos em umas fotografias que Gabrielle tinha pendurado para que secassem na habitação escura. Pendurando, sobre outras imagens sem importância, havia umas imagens de umas quantas localizações mais de vampiros.
Por Deus, inclusive tinha fotografado o complexo de edifícios dos guerreiros. Essa foto de dia tinha sido tomada da estrada, ao outro lado da cerca. Não havia maneira de confundir a enorme porta de ferro cheia de inscrições que fechava o comprido caminho e a mansão de alta segurança que se encontrava ao final do mesmo, oculta perfeitamente dos olhos curiosos.
Gabrielle deveu haver ficado justo ao subúrbios da propriedade para ter tomado essa fotografia. Pela folhagem de verão das árvores que rodeavam a cena, a imagem não podia ter mais de três semanas. Ela tinha estado ali, somente A umas centenas de metros de onde ele vivia.
Ele nunca tinha tido tendência a acreditar na idéia do destino, mas parecia bastante claro que, de uma ou outra forma, essa mulher estava destinada a cruzar-se em seu caminho.
OH, sim. A cruzar-se como um gato negro.
Era muito próprio de sua sorte que, depois de séculos de esquivar balas cósmicas e confusões emocionais, retorcidas irmãs do destino e a realidade tivessem decidido lhe incluir em suas listas de merda ao mesmo tempo.
—Está bem —disse a Gabrielle, embora as coisas estavam tomando uma má direção rapidamente.
— Vou subir te à habitação para que se vista e logo falaremos. —antes de que a visão continuada de seu corpo envolto nessas finas capas de roupa interior acabassem com ele.
Lucan a tomou nos braços, tirou-a da habitação escura e a subiu pelas escadas até o piso principal. Agora que a sujeitava perto dele, seus agudos sentidos perceberam os detalhes das diversas feridas que tinha: uns grandes arranhões nas mãos e nos joelhos, prova de uma queda bastante má.
Ela tinha tentado escapar de algo —ou de alguém— presa do terror e caido. A Lucan lhe bulia o sangue de desejos de saber quem lhe tinha provocado esse dano, mas já haveria tempo para isso logo. A acomodação e o bem-estar de Gabrielle eram sua preocupação principal nesse momento.
Lucan atravessou com ela em braços a sala de estar e subiu as escadas até o piso de acima, onde se encontrava a habitação. Sua intenção era ajudá-la a colocar um pouco de roupa, mas quando passou por diante do banho que se encontrava ao lado do dormitório, pensou na água. Os dois precisavam falar, verdadeiramente, mas tendo em conta a situação provavelmente se relaxassem com maior facilidade depois de que ela houvesse tomado um banho quente.
Com Gabrielle lhe abraçando por cima dos ombros, Lucan entrou no banheiro. Um pequeno abajur de noite oferecia uma tênue iluminação de ambiente, o justo para que se sentisse a gosto. Levou a sua lânguida carga até a banheira e se sentou no bordo da mesma, com a Gabrielle no regaço.
Desabotoou o fechamento da parte da frente da pequena peça de cetim e despiu seus peitos ante seus olhos, repentinamente enfebrecidos. Doíam-lhe as mãos de desejo de tocá-la, assim que o fez, e acariciou as generosas curva com as pontas dos dedos enquanto passava o polegar pelos mamilos rosados.
Que Deus lhe ajudasse. O suave ronrono que ouviu na garganta dela endureceu o pênis até que lhe doeu.
Passou-lhe a mão pelo torso, até a parte de tecido que lhe cobria o sexo. Suas mãos eram muito grandes e torpes para o suave e fino cetim, mas de algum jeito conseguiu lhe tirar as calcinhas e acariciar a parte interna das largas pernas de Gabrielle.
Ante a visão dessa bela mulher, nua outra vez diante dele, o sangue lhe corria pelas veias como a lava.
Possivelmente deveria sentir-se culpado por encontrá-la tão incrivelmente desejavel incluso em seu atual estado de vulnerabilidade, mas ele não tinha mais tendência a aceitar a culpa da que tinha a fazer a cuidar. E já se demonstrou a si mesmo que tentar ter o mínimo controle ao lado dessa mulher em particular era uma batalha que nunca ia ganhar.
Ao lado da banheira havia uma garrafa de sabão líquido. Lucan jogou uma generosa quantidade sob o jorro de água que caía na banheira. Enquanto a espuma se formava, depositou a Gabrielle com cuidado na água quente. Ela gemeu, claramente de gosto, ao entrar na água espumosa. Suas pernas se relaxaram de forma evidente e apoiou os ombros na toalha que Lucan tinha colocado rapidamente para lhe oferecer uma almofada e para que não tivesse que apoiar as costas contra a frieza dos ladrilhos e a porcelana.
O pequeno lavabo estava alagado pelo vapor e pelo ligeiro aroma de jasmim de Gabrielle.
—Cômoda? —perguntou-lhe ele, enquanto se tirava a jaqueta e a tirava ao chão.
—Sim —murmurou ela.
Ele não pôde evitar lhe pôr as mãos em cima. Acariciou-lhe o ombro com suavidade e lhe disse:
—Te deslize para diante e te molhe o cabelo. Eu lhe lavarei isso.
Ela obedeceu, permitindo que lhe conduzisse a cabeça sob a água e logo para fora outra vez. As largas mechas se obscureceram e adquiriram um tom escuro e brilhante. Ela ficou em silencio durante um comprido momento. Logo, levantou lentamente as pálpebras e lhe sorriu como se acabasse de recuperar a consciência e se surpreendesse de lhe encontrar ali.
—Olá.
—Olá.
—Que horas são? —perguntou-lhe ela com um comprido e amplo bocejo.
Lucan se encolheu de ombros.
—As oito, mais ou menos, suponho.
Gabrielle se afundou na banheira e fechou os olhos com um gemido.
—Um mau dia?
—Não um dos melhores.
—Isso imaginei. Suas mãos e seus joelhos se vêem um pouco maltratadas.
—Lucan alargou uma mão e fechou a água. Tomou uma garrafa de xampu do lado e colocou um pouco nas mãos.
—Quer me contar o que te passou?
—Prefiro não fazê-lo. —Entre suas finas sobrancelhas se formou uma ruga.
— Esta tarde fiz uma coisa muito tola. Já se inteirará bastante logo, estou segura.
—Mas como? —perguntou Lucan, esfregando-as mãos com o xampu.
Enquanto lhe massageava a cabeça com a densa nata do xampu, Gabrielle abriu um olho e lhe dirigiu um olhar de receio.
—O menino de delegacia de polícia não lhe há dito nada a ninguém?
—Que menino?
—que se encarrega dos arquivos na delegacia de polícia. Alto, desajeitado, de um aspecto normal. Não sei como se chama, mas estou bastante segura de que se encontrava ali a noite em que fiz minha declaração sobre o assassinato. Hoje lhe vi no parque. Acreditei que me estava espiando, a verdade, e eu... —interrompeu-se e meneou a cabeça.
— Corri detrás dele como uma louca, lhe acusando de estar me espiando.
As mãos de Lucan ficaram imóveis sobre sua cabeça. Seu instinto de guerreiro se alertou completamente.
—Que fez o que?
—Já sei —disse ela, evidentemente interpretando mal sua reação. Apartou um montão de borbulhas com uma mão.
— Já te disse que tinha sido idiota. Bom, pois persegui o pobre menino até Chinatown.
Embora não o disse, Lucan sabia que o instinto inicial de Gabrielle tinha sido acertado sobre o desconhecido que a observava no parque. Dado que o incidente tinha acontecido a plena luz do dia, não podia tratar-se dos renegados —uma pequena sorte—, mas os humanos que lhes serviam podiam ser igual de perigosos. Os renegados utilizavam subordinados em todos os lugares do mundo, humanos escravizados por uma potente dentada infligida por um vampiro poderoso que lhes desprovia de consciência e livre-arbítrio, e lhes deixava em um estado de obediência completa quando despertavam.
Lucan não tinha nenhuma dúvida de que o homem que havia estado observando a Gabrielle o fazia como serviço ao renegado que o tinha ordenado.
—Essa pessoa te fez mal? Foi assim como te fez estas feridas?
—Não, não. Isso foi minha coisa. Pus-me nervosa por nada.
Depois de ter perdido a pista do menino no Chinatown, perdi-me. Acreditei que um carro vinha por mim, mas não era assim.
—Como sabe?
Lhe olhou com exasperação para si mesmo.
—Porque se tratava do prefeito, Lucan. Acreditei que seu carro, conduzido por sua chofer, estava-me perseguindo e comecei a correr. Para culminar um dia perfeitamente horroroso, caí-me de focinhos em meio de uma calçada repleta de gente e logo tive que ir coxeando até casa com os joelhos e as mãos cheias de sangue.
Lucan soltou uma maldição em voz baixa ao dar-se conta de até que ponto ela tinha estado perto do perigo. Pelo amor de Deus, ela mesma em pessoa tinha açoitado a um servente dos renegados. Essa idéia deixou gelado a Lucan, mais assustado do que queria admitir.
—Tem que me prometer que terá mais cuidado —lhe disse ele, dando-se conta de que a estava arreganhando, mas sem ânimo de incomodar-se a comportar-se com educação ao saber que esse mesmo dia a houvessem podido matar.
— Se voltar a acontecer algo assim, tem que me dizer isso imediatamente.
—Isso não vai acontecer outra vez, porque foi meu equívoco. E não ia chamar te, nem a ti nem a ninguém da delegacia de polícia, para isto. Não se divertiríam muito se eu chamasse para lhes dizer que um de seus administrativos me estava perseguindo sem nenhuma razão aparente?
Merda. A mentira que lhe tinha contado de que era um policial lhe estava resultando um maldito estorvo agora. Inclusive pior, isso a tivesse posto em perigo em caso de que ela tivesse chamado a delegacia de polícia perguntando pelo detetive Thorne, porque, ao fazê-lo, tivesse chamado a atenção de um subordinado infiltrado.
—Vou te dar o número de meu celular. Encontrará-me aí sempre. Quero que o utilize a qualquer hora, compreendido?
Ela assentiu com a cabeça enquanto ele voltava a abrir o grifo da água, lavava-se as mãos e lhe enxaguava o cabelo sedoso e ondulado.
Frustrado consigo mesmo, Lucan alcançou uma esponja que se encontrava em uma prateleira superior e a lançou à água.
—Agora, me deixe que lhe jogue uma olhada ao joelho.
Ela levantou a perna desde debaixo da capa de borbulhas. Lucan lhe sujeitou o pé com a palma da mão e lhe lavou com cuidado o feio rasgo. Era somente um arranhão, mas estava sangrando outra vez por causa de que a água quente tinha abrandado a ferida. Lucan apertou a mandíbula com força: os fragrantes fios de sangue escarlate tinham um delicado caminho por sua pele e se introduziam na antiga espuma do banho.
Terminou de lhe limpar os dois joelhos feridos e logo lhe fez um sinal para que lhe permitisse limpar as palmas das mãos. Não se atrevia a falar agora que o corpo nu de Gabrielle se combinava com o odor de seu sangue fresco. A sensação era como se acabassem de lhe dar um golpe no crânio com um martelo.
Concentrando-se em não desviar sua atenção, dedicou-se a lhe limpar as feridas das palmas das mãos, sabendo perfeitamente que seus profundos e escuros olhos seguiam cada um de seus movimentos e notando dolorosamente o pulso nas veias das mãos, rápido, sob a pressão das pontas de seus dedos.
Lhe desejava, também.
Lucan se dispôs a soltá-la e, justo quando começava a dobrar o braço para retirá-lo, viu algo que lhe inquietou. Seus olhos tropeçaram com uma série de marcas tênues que manchavam a impecável pele aveludada. Essas marcas eram cicatrizes, uns magros cortes na parte interior dos antebraços. E tinha mais nas coxas.
Cortes de folhas de barbear.
Como se tivesse suportado uma tortura infernal de forma repetida quando não era mais que uma menina.
—Deus Santo. —Levantou a cabeça para olhá-la, com expressão de fúria, aos olhos.
— Quem te fez isto?
—Não é o que crê.
Agora ele estava aceso de ira, e não pensava deixá-lo passar.
—Conta-me .
—Não é nada, de verdade. Esquece-o...
—Me dê um nome, porra, e te juro que matarei a esse filho da puta com minhas próprias mãos.
—Eu o fiz —lhe interrompeu repentinamente ela em voz baixa.
— Fui eu. Ninguém me fez isso, eu mesma me fiz isso.
—O que? —Enquanto lhe apertava o frágil pulso com uma mão, voltou a lhe dar a volta ao braço para poder observar a tênue rede de cicatrizes de cor púrpura que se entrelaçava em seu braço.
— Você te fez isto? Por que?
Ela se soltou de sua mão e introduziu os dois braços sob a água, como se queria ocultar os de seu olhar.
Lucan soltou um juramento em voz baixa e em um idioma que já não falava mais que muito raramente.
—Quantas vezes, Gabrielle?
—Não sei. —Ela se encolheu de ombros, evitando seu olhar.
— Não o fiz durante muito tempo. Superei-o.
—É por isso que há uma faca na pia, lá em baixo?
O olhar que lhe dirigiu expressava dor e uma atitude defensiva. Não gostava que ele se intrometesse, tanto como não lhe tivesse gostado dele, mas Lucan queria compreendê-lo. Não era capaz de imaginar o que podia havê-la levado a cravar uma faca na própria carne.
Uma e outra e outra vez.
Ela franziu o cenho com o olhar cravado na espuma que começava a dissolver-se a seu redor.
—Ouça, não podemos deixar o tema? De verdade que não quero falar de...
—Possivelmente deveria falar disso.
—OH, claro. —ela riu em um tom que delatava um fio de ironia—. Agora chega a parte em que me aconselha que vá ver um psiquiatra, detetive Thorne? Possivelmente que vá a algum lugar onde me possam deixar em um estado de estupor pelos medicamentos e onde um doutor possa me vigiar por meu próprio bem?
—Isso te aconteceu?
—As pessoas não me compreendem. Nunca o tem feito. Às vezes nem eu me compreendo.
—O que é o que não compreende? Que precisa machucar a si mesma?
—Não. Não é isso. Não é esse o motivo pelo que o fiz.
—Então, por que? Deus santo, Gabrielle, deve haver mais de cem cicatrizes...
—Não o fiz porque queria sentir dor. Não me resultava doloroso fazê-lo. —Inalou com força e soltou o ar devagar por entre os lábios. Demorou um segundo em falar, e quando o fez Lucan ficou olhando-a em um silêncio pasmado.
— Nunca tive a intensão de provocar dano a nada. Não estava tentando enterrar umas lembranças traumáticas nem intentava escapar de nenhum tipo de mau trato, apesar das opiniões de quem se define como peritos e que me foram atribuídos pela administração. Cortei-me porque... tranqüilizava-me. Sangrar me acalmava.
Quando sangrava, tudo aquilo que estava desconjurado e era estranho em mim, de repente me parecia... normal.
Ela manteve o olhar sem titubear, em uma expressão nova como de desafio, como se uma porta se abrisse em algum ponto dentro dela e acabasse de soltar uma pesada carga. De alguma forma imprecisa, Lucan se deu conta de que isso era o que ele tinha visto. Só que a ela todavia faltava uma peça de informação crucial, que faria que as coisas encaixassem em seu lugar para ela.
Ela não sabia que era uma companheira de raça.
Ela não podia saber que, um dia, um membro de sua estirpe tomaria em qualidade de eterna amada e lhe mostraria um mundo muito distinto ao que ela tivesse podido sonhar nunca. Ela abriria os olhos a um prazer que somente existia entre casais que tinham um vínculo de sangue.
Lucan se deu conta de que já odiava a esse macho desconhecido que teria a honra de amá-la.
—Não estou louca, se é isso o que está pensando.
Lucan negou com a cabeça devagar.
—Não estou pensando isso absolutamente.
—Desgosta-me que me tenham pena.
—A mim também —disse, percebendo a advertência que encerravam essas palavras.
_Você não necessita compaixão, Gabrielle. E eu não necessito-medicina nem doutores, tampouco.
Ela se tinha retraído no momento em que ele tinha descoberto as cicatrizes, mas agora Lucan se deu conta de que ela duvidava, de que uma dúbia confiança voltava a aparecer lentamente.
—Você não pertence a este mundo —disse ele, em um tom nada sentimental, a não ser constatando os fatos. Alargou a mão e tomou o queixo com a palma.
— Você é muito extraordinária para a vida que estiveste vivendo, Gabrielle. Acredito que o soubeste sempre. Um dia, tudo cobrará sentido para ti, prometo-lhe isso. Então o compreenderá, e encontrarás seu verdadeiro destino. Possivelmente eu possa te ajudar a encontrá-lo.
O tivesse querido acabar de ajudá-la a banhar-se, mas a atenção com que lhe olhava lhe obrigou a manter as mãos quietas. Ela, por toda resposta, sorriu, e a calidez de seu sorriso lhe provocou uma pontada de dor no peito. Apanhado no tenro olhar dela, sentiu que a garganta lhe fechava de uma forma estranha.
—O que acontece?
Ela negou com a cabeça brevemente.
—Estou surpreendida, só é isso. Não esperava que um policial duro como você falasse de forma tão romântica sobre a vida e o destino.
O recordar que ele se aproximou dela, e continuava fazendo-o, sob uma aparência falsa, permitiu-lhe recuperar parte do sentido comum. Voltou a afundar a esponja na água ensaboada e a deixou flutuar em meio da espuma.
—Possivelmente tudo isto são tolices.
—Não acredito.
—Não me tenha tão em conta —lhe disse ele, forçando um tom de despreocupação.
— Não me conhece, Gabrielle. Não de verdade.
—Eu gostaria de te conhecer. De verdade. —Ela se sentou dentro da banheira. As mornas pequenas ondas da água lhe lambiam o corpo nu igual a Lucan lhe tivesse gostado de fazê-lo com a língua. As pontas dos peitos ficavam justo por cima da superfície da água, os mamilos rosados duros como pétalas fechadas e rodeados por uma densa espuma branca.
— Me Diga, Lucan. De onde é?
—De nenhuma parte. —A resposta soou entre seus lábios como um grunhido, e era uma confissão que se aproximava mais a verdade do que gostava de admitir. Ao igual que ela, desgostava-lhe a compaixão assim que se sentiu aliviado de que lhe olhasse mais com curiosidade que com pena. Com o dedo, acariciou-lhe o nariz arrebitado e salpicado de sardas.
—Eu sou o inadaptado original. Nunca pertenci verdadeiramente a nenhum lugar.
—Isso não é certo.
Gabrielle lhe rodeou os ombros com os braços. Seus quentes olhos enormes lhe olharam com ternura e expressavam o mesmo cuidado que lhe havia devotado ao tira-la da habitação escura e trazê-la até o quente banho. Gabrielle lhe beijou e, ao notar a língua dela entre seus lábios, os sentidos de Lucan se alagaram do embriagador perfume de seu desejo e de seu doce e feminino afeto.
—Cuidaste-me tanto esta noite. Me deixe que te cuide agora, Lucan.
—Lhe beijou outra vez. O beijo foi tão profundo que a pequena e úmida língua lhe arrancou um grunhido de puro prazer masculino do mais fundo dele. Quando ela finalmente interrompeu o contato, respirava com agitação e seus olhos estavam acesos de desejo carnal.
—Leva muita roupa em cima. Tire-lhe isso quero que esteja aqui dentro, nu, comigo.
Lucan obedeceu e atirou as botas, as meias três-quartos, a calça e a camisa ao chão. Não levava nada mais e ficou em pé diante de Gabrielle completamente nu.
Completamente ereto e desejoso dela.
Lucan tomou cuidado de manter os olhos separados dos dela, porque agora as pupilas lhe tinham esgotado a causa do desejo, e era consciente da pressão e a pulsação de suas presas, que se haviam alargadas detrás dos lábios. Se não tivesse sido porque a luz que chegava do abajur de noite que se encontrava ao lado da pia era muito tênue, sem dúvida lhe teria visto em toda sua voraz gloria.
E isso tivesse estragado esse momento prometedor.
Lucan se concentrou e emitiu uma ordem mental que rompeu a pequena lâmpada dentro do biombo de plástico do abajur de noite. Gabrielle se sobressaltou ao ouvir o repentino estalo, mas ao notar-se rodeada pela escuridão, suspirou, feliz. Movia-se dentro da água e esse movimento de seu corpo ao deslizar-se dentro da água emitia uns sons deliciosos.
—Acende outra luz, se quiser.
—Encontrarei-te sem luz —lhe prometeu ele. Falar era um pequeno truque agora, quando a lascívia lhe dominava por completo.
—Então vêem —lhe pediu sua sereia da calidez do banho.
Ele se introduziu na banheira e se colocou diante dela, Às escuras. Somente desejava atrai-la até si, arrastá-la até seu regaço para afundar-se até o punho com uma larga investida. Mas pelo momento pensava deixar que fosse ela quem marcasse o ritmo.
A noite passada, ele tinha vindo faminto e tomou o que desejava. Esta noite ia ser ele quem oferecesse.
Apesar de que o ter que refrear-se o matasse.
Gabrielle se deslizou para ele entre as magras nuvens de espuma. Passou-lhe os pés por ambos os lados dos quadris e os juntou agradavelmente em seu traseiro. Inclinou-se para frente e seus dedos encontraram os musculos dele por debaixo da superfície da água. Acariciou e apertou seus fortes músculos, massageou-os e passou as mãos ao longo de suas coxas em uma carícia que era um tortura lenta e deliciosa.
—Tem que saber que não me comporto assim normalmente.
Ele emitiu um grunhido que pretendia mostrar interesse mas que soou forçado.
—Quer dizer que normalmente não está tão quente como para fazer que um homem se derreta a seus pés?
Ela soltou uma gargalhada.
—É isso o que te estou fazendo?
Ele lhe conduziu as mãos até a dureza de seu pênis.
—A você o que te parece?
—Acredito que é incrível. —Ele lhe soltou as mãos mas ela não as apartou. Acariciou-lhe o membro e os testículos e, com gesto preguiçoso, acariciou-lhe com os dedos a ponta torcida que se sobressaía por cima da superfície da água da banheira.
—Não te parece com ninguém que tenha conhecido nunca. E o que queria dizer era que habitualmente não sou tão... quero dizer, agressiva. Não tenho muitos encontros.
—Não traz para um montão de homens a sua cama?
Inclusive na escuridão, Lucan se deu conta de que ela se havia ruborizado .
—Não. Faz muito tempo.
Nesse momento, ele não desejava que ela levasse a nenhum outro macho, nem humano nem vampiro, a sua cama.
Não queria que ela transasse com ninguém nunca mais.
E, que Deus lhe ajudasse, mas ia perseguir e estripar ao bastardo servente de quão renegados tinha podido matá-la hoje.
Essa idéia lhe surgiu em um repentino ataque de posse. Lhe acariciava o sexo e a ponta lhe umedeceu. Seus dedos, seus lábios, sua língua, seu fôlego contra seu abdômen nu enquanto tomava até o fundo de sua cálida boca: tudo isso lhe estava conduzindo ao limite de uma extraordinária loucura. Não conseguia ter o bastante. Quando lhe soltou, ele pronunciou um juramento de frustração por perder a doçura dessa sucção.
—Necessito-te dentro de mim —disse ela, com a respiração agitada.
—Sim —assentiu ele—, claro que sim.
—Mas...
Vê-la duvidar lhe confundiu. Zangou a essa parte dele que se parecia mais a um renegado selvagem que a um amante considerado.
— O que acontece ? —Soou mais parecido a uma ordem do que tivesse querido.
—Não teríamos... ? A outra noite, as coisas nos foram das mãos antes de que lhe pudesse dizer isso mas não deveríamos, já sabe, utilizar algo esta vez? —O desconforto dela lhe cravou como o fio de uma faca. Ficou imovel, e ela se separou dele como se fosse sair da banheira.
— Tenho camisinhas na outra habitação.
Ele a sujeitou pela cintura com ambas as mãos antes de que ela tivesse tempo de levantar-se.
—Não posso te deixar grávida. —Por que lhe soava isso tão duro nesse momento? Era a pura verdade. Somente os casais que tinham um vínculo..., as companheiras de raça e os machos vampiros que intercambiavam o sangue de suas veias, podiam ter descendência com êxito.
— E quanto ao resto, não tem que preocupar-se por te proteger. Estou são, e nada do que nos façamos pode fazer mal a nenhum dos dois.
—OH, eu também. E espero que não ache que sou uma dissimulada por dize-lo..
Ele a atraiu para si e silenciou sua expressão de desconforto com um beijo. Quando seus lábios se separaram, disse-lhe:
—O que acredito, Gabrielle Maxwell, é que é uma mulher inteligente que respeita seu corpo e a si mesmo. Eu te respeito por ter o valor de tomar cuidado.
Ela sorriu com os lábios junto aos dele.
—Não quero tomar cuidado quando estou perto de ti. Volta-me louca. Faz-me desejar gritar.
Pô-lhe as mãos plainas sobre o peito e lhe empurrou até que ele caiu apoiado de costas contra a parede da banheira. Então ela se levantou por cima de seu pesado pênis e passou seu sexo úmido por toda sua longitude, deslizando-se para cima e para baixo.
—Mas, transar, não de tudo— lhe embainhando com seu calor.
—Quero te fazer gemer —lhe sussurrou ela ao ouvido.
Lucan grunhiu de pura agonia provocada por essa dança sensual. Apertou as mãos em punhos a ambos lado de seu corpo, por debaixo da água, para não agarrá-la e empalá-la com sua ereção que estava a ponto de explodir. Ela continuou com esse perverso jogo até que ele sentiu seu orgasmo contra seu pênis. Ele estava a ponto de derramar-se, e ela continuava lhe provocando sem piedade.
—Foda —exclamou ele com os dentes e as presas apertadas, jogando a cabeça para trás.
— Por Deus, Gabrielle, está-me matando.
—Isso é o que quero ouvir —lhe animou ela.
E então, Lucan sentiu que o suculento sexo dela rodeava centímetro a centímetro a cabeça de seu pênis.
Devagar.
Tão vertiginosamente devagar.
Sua semente se derramou e ele tremeu enquanto o quente líquido penetrava no corpo dela. Gemeu, e nunca tinha estado tão perto de perder-se como nesse momento. E a turgidez do sexo de Gabrielle o envolveu ainda mais. Sentiu que os pequenos músculos lhe apertavam enquanto se cravava mais em seu pênis.
Já quase não podia suportá-lo mais.
O aroma de Gabrielle lhe rodeava, mesclava-se com o vapor do banho e se sentia embargado pela mescla do perfume de seus corpos unidos. Os peitos dela flutuavam perto de seus lábios como uns frutos amadurecidos a ponto de ser tomados, mas ele não se atreveu a tocá-los nesse momento em que estava a ponto de perder o controle. Desejava sentir esses maravilhosos peitos na boca, mas as presas lhe pulsavam da necessidade de chupar sangue. Essa necessidade se via incrementada no momento do climax sexual.
Girou a cabeça e deixou escapar um uivo de angústia; sentia-se desgarrado em muitos impulsos tentadores, e o menor deles não era a tensão por gozar dentro de Gabrielle, de enchê-la com cada uma das gotas de sua paixão. Soltou um juramento em voz alta e então gritou de verdade, pronunciou um profundo juramento que se fez mais forte quando ela se cravou com major força em seu pênis ansiosa e obrigou a derramar-se antes de que seu próprio orgasmo seguisse ao dele.
Quando a cabeça lhe deixou de dar voltas e sentiu que suas pernas voltavam a ter a força necessária para lhe aguentar, Lucan rodeou a Gabrielle com os braços e começou a levantar-se com ela, evitando que Gabrielle se separasse de seu pênis que voltava a entrar em ereção.
—O que está fazendo?
—Você se divertiu já. Agora te levo a cama.
O agudo timbre do telefone celular arrancou de um sobressalto a Lucan de seu pesado sono. Encontrava-se na cama com Gabrielle, os dois estavam esgotados. Ela estava enroscada a seu lado, o corpo nu dela rodeava maravilhosamente suas pernas e seu torso.
—Merda, quanto tempo levava fora? Possivelmente tivessem acontecido umas quantas horas já, o qual era incrível, tendo em conta seu habitual estado de insônia.
O telefone voltou a soar e ele ficou em pé e se dirigiu ao lavabo, onde tinha deixado sua jaqueta. Tirou o telefone de um dos bolsos e respondeu.
—Sim.
—Né. Era Gideon, e sua voz tinha um tom estranho.
— Lucan, com quanta rapidez pode vir ao complexo?
Ele olhou por cima do ombro para o dormitório adjacente. Gabrielle estava sentada nesse momento, sonolenta. Seus quadris nus estavam envoltos nos lençóis e seu cabelo era uma confusão selvagem em sua cabeça. Ele nunca tinha visto nada tão terrivelmente tentador. Possivelmente fosse melhor que partisse logo, enquanto ainda tinha a oportunidade de afastar-se antes de que o sol se levantasse.
Apartou os olhos da excitante visão de Gabrielle e Lucan respondeu a pergunta com um grunhido.
—Não estou longe. O que acontece?
Fez-se um comprido silencio ao outro lado do telefone.
—Passou uma coisa, Lucan. É má. —Mais silêncio. Então, a tranqüilidade habitual do Gideon se quebrou:
— Ah, merda, não há forma boa de dizê-lo. Esta noite perdemos a um, Lucan. Um dos guerreiros está morto.
Capítulo doze
Os lamentos do luto das fêmeas chegaram até os ouvidos de Lucan assim que este saiu do elevador que lhe tinha conduzido até as próofundidades subterrâneas do complexo. Eram uns prantos de angústia que rompiam o coração. Os gemidos de uma das companheiras de raça expressavam uma dor crua e evidente. Era o único que se ouvia no silêncio que invadia o comprido corredor.
O contundente peso da perda lhe cravou no coração.
Ainda não sabia qual dos guerreiros da raça era o que havia falecido essa noite. Não tinha intenção de esforçar-se em adivinhá-lo. Caminhava a passo rápido, quase corria para as habitações da enfermaria de onde Gideon lhe tinha chamado fazia uns minutos. Girou pela esquina do corredor bem a tempo de encontrar-se com Savannah que conduzia a Danika, destroçada pela dor e soluçando, fora de uma das habitações.
Uma nova comoção lhe golpeou.
Assim era Conlan quem se partiu. O grandalhão escocês de risada fácil e com esse profundo e inquebrável sentido de honra... estava morto agora. Logo se teria convertido em cinzas.
Jesus, quase não podia compreender o alcance dessa dura verdade.
Lucan se deteve e saudou com uma respeitosa inclinação de cabeça a viúva quando esta passava por seu lado. Danika se apoiava pesadamente em Savannah. Os fortes braços de cor café desta última pareciam ser quão único impedia que a alta e loira companheira de raça do Conlan se derrubasse pela dor.
Savannah saudou Lucan, dado que a chorosa mulher a quem acompanhava era incapaz de fazê-lo.
—Estão-lhe esperando dentro —lhe disse em tom amável. Seus profundos olhos marrons estavam úmidos pelas lágrimas.
— Vão necessitar sua força e seu guia.
Lucan respondeu a mulher do Gideon com um sério assentimento de cabeça e logo deu os poucos passos que lhe faltavam para entrar na enfermaria.
Entrou em silêncio, pois não queria perturbar a solenidade desse fugaz tempo de que dispunham, ele e seus irmãos, para estar com o Conlan. O guerreiro tinha suportado de uma forma surpreendente várias feridas; incluso do outro extremo da habitação Lucan percebia o aroma de uma terrível perda de sangue. As fossas nasais lhe encheram com a nauseabunda mescla do aroma da pólvora, a eletricidade, e a carne queimada.
Tinha havido uma explosão, e Conlan ficou apanhado em meio dela.
Os restos do Conlan se encontravam em uma maca de exame aberta de retalhos de tecido. Seu corpo estava nu exceto pela larga parte de seda bordada que cobria sua entreperna. Durante o pouco tempo desde que tinha voltado para o complexo, a pele do Conlan tinha sido limpa e lubrificada com um fragrante azeite, em preparação dos ritos funerários que foram ter lugar a próxima saída do sol, para a qual faltavam poucas horas.
Outros se reuniram ao redor da maca onde se encontrava Conlan: Dante, rígido e observando estoicamente a morte; Rio, com a cabeça encurvada, sujeitava entre os dedos um rosário enquanto movia os lábios pronunciando em silêncio as palavras da religião de sua mãe humana; Gideon, com um tecido na mão, limpava com cuidado uma das selvagens feridas que tinham esmigalhado quase por completo a pele do Conlan; Nikolai, que tinha estado patrulhando com o Conlan essa noite, tinha o rosto mais pálido do que Lucan tinha visto nunca: seus olhos frios tinham uma expressão austera e sua pele estava coberta de fuligem, cinzas e pequenas feridas que ainda sangravam.
Inclusive Tegan se encontrava ali para mostrar seu respeito, embora o vampiro se encontrava em pé justo fora do círculo que formavam outros e mantinha os olhos ocultos, fundo em sua solidão.
Lucan caminhou até a maca para ocupar seu lugar entre seus irmãos. Fechou os olhos e rezou pelo Conlan em um comprido silencio. Ao cabo de um momento, Nikolai rompeu o silêncio da habitação.
—Salvou-me a vida aí fora esta noite. Acabávamos de terminar com um par de idiotas fora da estação Green Line e nos dirigíamos de volta para aqui no momento em que vimos esse tipo subir ao trem. Não sei o que me incitou a lhe olhar, mas ele nos dirigiu um amplo e provocador sorriso que nos fez lhe seguir. Estava-se colocando um pouco parecido a pólvora ao redor do corpo. Fedia isso a alguma outra merda que não tive tempo de identificar.
—TATP —disse Lucan, que cheirava a acidez do explosivo nas roupas do Niko incluso nesse momento.
—Resultou que o bastardo levava um cinturão de explosivos ao redor de seu corpo. Saltou do trem justo antes de que nós começássemos a nos pôr em marcha e começou a correr ao longo de uma das velhas vias. Perseguimo-lhe e Conlan lhe abandonou. Então foi quando vimos as bombas. Estavam conectadas a um temporizador de sessenta segundos, e a conta já era menor de dez. Ouvi que Conlan me gritava que voltasse atrás, e então se atirou em cima do tipo.
—Merda —exclamou Dê, passando uma mão pelo cabelo escuro.
—Um servente tem feito isto? —perguntou Lucan, pensando que era uma hipótese acertada. Os renegados não tinham escrúpulos em utilizar vidas humanas para levar a cabo suas mesquinhas guerras internas ou para resolver assuntos de vinganças pessoais. Durante muito tempo, os fanáticos religiosos não tinham sido os únicos em utilizar aos fracos de mente como trocas e descartáveis, embora altamente efetivas, ferramentas de terror.
Mas isso não fazia que a horrível verdade do que lhe tinha acontecido a Conlan fosse mais fácil de aceitar.
—Não era um servente —respondeu Niko, negando com a cabeça.
—Era um renegado, e estava conectado a uma quantidade do TATP suficiente para voar meia quadra da cidade, a julgar pelo aspecto e o aroma que despedia.
Lucan não foi o único nessa habitação que pronunciou um selvagem juramento para ouvir essas preocupantes notícias.
—Assim, que já não estão satisfeitos sacrificando somente seus escravizados súditos? —comentou Rio—. Agora os renegados estão movendo peças mais importantes no tabuleiro?
—Continuam sendo peões —disse Gideon.
Lucan olhou ao inteligente vampiro e compreendeu a que se referia.
—As peças não trocaram. Mas as regras sim o têm feito. Este é um tipo de guerra nova, já não se trata do pequeno fogo cruzado com que nos enfrentamos no passado. Alguém de entre as filas dos renegados está gerando um grau novo de ordem nessa anarquia. Estamos sendo assediados.
Ele voltou a dirigir a atenção a Conlan, a primeira vítima do que começava a temer que ia ser uma nova era escura. Sentia, em seus velhos ossos, a violência de um tempo muito longínquo que voltava a aparecer para repetir-se. A guerra se estava gerando de novo, e se os Renegados se estavam movendo para organizar-se, para iniciar uma ofensiva, então a nação inteira dos vampiros se encontraria no fronte. E os humanos também.
—Podemos discutir isto mais longamente, mas não agora. Este momento é do Conlan. Vamos honrar lhe.
—Eu já me despedi —murmurou Tegan—. Conlan sabe que eu lhe respeitei em vida, igual a na morte. Nada vai trocar para nesse aspecto.
Uma densa ansiedade alagou a habitação, dado que todo mundo esperava a que Lucan reagisse ante a abrupta partida do Tegan. Mas Lucan não pensava lhe dar a satisfação ao vampiro de pensar que lhe tinha zangado, embora sim que o tinha feito. Esperou a que o som das botas do Tegan se apagasse ao fundo do corredor e dirigiu um assentimento de cabeça aos outros para que continuassem com o ritual.
Um por um, Lucan e cada um dos quatro guerreiros ficaram de joelhos no chão para oferecer seus respeitos. Recitaram uma única oração e logo se levantaram juntos para retirar-se e esperar a cerimônia final com a que deixariam descansar a seu companheiro defunto.
—Eu serei quem o leve —anunciou Lucan aos vampiros, quando estes partiam.
Lucan percebeu o intercâmbio de olhares que se deu entre eles e soube o que significavam. Aos Antigos da estirpe dos vampiros —e especialmente aos da primeira geração— nunca lhes pedia que translevassem o peso dos mortos. Essa obrigação recaía na última generação da raça, que estava mais afastada dos Antigos e que, por tanto, podiam suportar melhor os perigosos raios do sol quando começava a amanhecer durante o tempo necessário para oferecer o descanso adequado ao corpo de um vampiro.
Para um membro da primeira geração como Luzem, o rito funerario representava uma tortuosa exposição ao sol de oito minutos.
Lucan observou o corpo sem vida que se encontrava em cima da maca, sem poder apartar a vista do dano que lhe tinham causado.
Um dano que lhe tinham infligido em lugar dele, pensou Lucan, que se sentiu doente ao pensar que poderia ter sido ele quem patrulhasse com o Niko, e não Conlan. Se não tivesse enviado ao escocês em seu lugar no último minuto, Lucan se encontraria agora tendido nessa fria maca com as pernas, o rosto e o torso queimado pelo fogo e o ventre aberto pela metralhadora.
A necessidade que Lucan tinha de ver Gabrielle essa noite havia preponderado por cima de seu dever com a raça, e agora Conlan —seu triste companheiro— tinha pago o preço.
—Vou levar lhe acima —repetiu em tom severo. Olhou a Gideon com o cenho franzido e uma expressão funesta.
_ Me chame quando os preparativos estejam preparados.
O vampiro inclinou a cabeça em um gesto que mostrava um respeito a Lucan maior de que era devido nesse momento.
—É obvio. Não demoraremos muito.
Lucan passou as duas horas seguintes em suas habitações, sozinho, ajoelhado no centro do espaço, com a cabeça encurvada, rezando e reflexionando com um porte sombrio no rosto. Gideon se apresentou na porta e, com um assentimento de cabeça, indicou-lhe que tinha chegado o momento de tirar Conlan do complexo e de oferecê-lo aos mortos.
—Está grávida —disse Gideon com expressão sombria assim que Lucan se levantou.
— Danika está de três meses. Savannah acaba de me dizer. Conlan estava tentando reunir o valor suficiente para te dizer que ia abandonar a Ordem quando o menino tivesse nascido. Ele e Danika planejavam retirar-se a um dos Refúgios Escuros para formar sua família.
—Merda! —exclamou Lucan em um vaio. Sentiu-se ainda pior ao conhecer o futuro feliz que lhes tinha sido roubado a Conlan e a Danika, e ao pensar nesse filho que alguma vez conheceria o homem de valor e de honra que tinha sido seu pai.
— Está tudo preparado para o ritual?
Gideon assentiu com a cabeça.
—Então, vamos fazer- o.
Lucan caminhou encabeçando a cerimônia. Seus pés e sua cabeça estavam nus, igual ao estava seu corpo debaixo da larga túnica negra. Gideon também levava uma túnica, mas a levava com o cinturão das cerimônias da Ordem, igual a outros vampiros que lhes esperavam na câmara colocados a um lado, como faziam em todos os rituais da raça, desde matrimônios e nascimentos até funerais como este. As três fêmeas do complexo se encontravam presente também: Savannah e Eva vestiam as túnicas cerimoniosas com capuz, e Danika ia vestida da mesma forma mas levava a profunda cor vermelha escarlate que indicava o sagrado vínculo de sangue que lhe unia com o defunto.
À frente de todos eles, o corpo do Conlan estava convexo sobre um altar decorado e agasalhado em um grosso tecido de seda.
—Comecemos —anunciou Gideon, simplesmente.
Lucan sentiu um grande pesar no coração enquanto escutava o serviços e os símbolos de infinitude de todos os rituais.
Oito medidas de azeite perfumado para lubrificar a pele.
Oito capas de seda branca para envolver o corpo dos mortos.
Oito minutos de atenção silenciosa à alvorada por parte de um membro da raça, antes de que o guerreiro morto fosse exposto aos raios do sol para que estes lhe incinerassem. Deixado ali sozinho, seu corpo e sua alma se pulverizariam Aos quatro ventos em forma de cinzas e formaria parte dos elementos para sempre.
A voz do Gideon se apagou com suavidade e Danika deu um passo à frente.
Olhou aos congregados e, levantando a cabeça, falou em voz grave mas orgulhosa.
—Este macho era meu, e eu era dele. Seu sangue me sustentava. Sua força me protegia. Seu amor me enchia em todos os sentidos. Ele era meu amado, meu único amado, e ele permanecerá em meu coração durante toda a eternidade.
—Honra-lhe bem —lhe responderam ao uníssono em voz baixa Lucan e outros.
Então Danika se deu a volta para ficar de cara a Gideon, com as mãos estendidas e as palmas dirigidas para cima. O desencapou uma magra adaga de ouro e a depositou sobre suas mãos. Danika baixou a cabeça coberta com o capuz em um gesto de aceitação e logo se deu a volta para colocar-se diante do corpo envolto do Conlan. Murmurou umas palavras em voz baixa dirigidas somente a eles dois. Levou-se ambas as mãos até o rosto. Lucan sabia que agora a viúva da raça se realizava um corte no lábio inferior com o fio da adaga para que sangrasse e para dar um último beijo a Conlan por cima da mortalha.
Danika se inclinou sobre seu amante e ficou assim durante um comprido momento. Todo seu corpo tremia por causa da potência da dor que sentia. Logo se separou dele, soluçando, com a mão sobre a boca. O beijo escarlate brilhava ferozmente, à altura de seus lábios, em meio da brancura que cobria a Conlan. Savannah e Eva a receberam e a abraçaram, apartando-a do altar para que Lucan pudesse continuar com a tarefa que ainda ficava por realizar.
Aproximou-se de Gideon, à frente dos congregados, e se comprometeu a ver Conlan partir com toda a honra que lhe era devido, igual que fazia o resto de membros da raça que caminhavam pelo mesmo caminho que Lucan aguardava nesse momento.
Gideon se apartou a um lado para permitir que Lucan se aproximasse do corpo. Lucan tomou ao enorme guerreiro entre os braços e se voltou para encarar aos outros, tal e como se requeria.
—Honra-lhe bem —murmurou em voz baixa um coro de vozes.
Lucan avançou com solenidade e com lentidão pela câmara cerimoniosa até a escada que conduzia acima e ao exterior do recinto. Cada um dos lances da escada, cada um das centenas de degraus que subiu com o peso de seu irmão cansado, infligiu-lhe uma dor que ele aceitou sem nenhuma queixa.
Essa era a parte mais fácil da tarefa, depois de tudo.
Se tinha que desfalecer, faria-o ao cabo de uns quantos minutos, ao outro lado da porta exterior que se levantava diante dele a uns quantos passos.
Lucan abriu com um empurrão do ombro o painel de aço e inalou o ar fresco da manhã enquanto se dirigia até o lugar onde ia deixar o corpo de seu companheiro. Ficou de joelhos em cima da grama e baixou os braços lentamente para depositar o corpo do Conlan em terra firme diante dele. Sussurrou as orações do rito funerário, umas palavras que somente tinha ouvido umas quantas vezes durante os séculos que tinham acontecido mas que sabia de cor.
Enquanto as pronunciava, o céu começou a iluminar-se com a chegada do amanhecer.
Suportou essa luz com um silêncio reverente e concentrou todos seus pensamentos no Conlan e na honra que tinha sido característica de sua larga vida. O sol continuava levantando-se no horizonte, e ainda não tinha chegado na metade do ritual. Lucan baixou a cabeça e absorveu a dor ao igual que tivesse feito Conlan por qualquer membro da raça que tivesse lutado a seu lado. Um calor lacerante banhou a Lucan enquanto o amanhecer se levantava, cada vez com mais força.
Tinha os ouvidos cheios com as antigas palavras das velhas orações e, ao cabo de pouco tempo, também com o suave vaio e rangido de sua própria carne ao queimar-se.
Capítulo treze
«A polícia e os agentes do transporte ainda não estão seguros do que provocou a explosão da passada noite. De todas formas, depois da conversação mantida com um representante da ferrovia faz uns momentos, assegurou-nos que o incidente se produziu de forma isolada em uma das velhas vias mortas e que não teve feridos. Continuem escutando o canal cinco para conhecer mais notícias sobre esta historia...»
O poeirento e velho modelo de televisor que se encontrava montado sobre uma prateleira de parede se apagou repentinamente, silenciado abruptamente enquanto o forte rugido cheio de irritação do vampiro sacudia a sala. detrás dele, ao outro lado da sombria e destroçada habitação que uma vez fora a cafeteria, no porão do psiquiátrico, dois dos tenentes renegados permaneciam em pé, inquietos e grunhindo, enquanto esperavam suas seguintes ordens.
Esse par tinha pouca paciência; os renegados, por sua natureza aditiva, tinham uma débil capacidade de atenção dado que tinham abandonado o intelecto a favor de satisfazer os caprichos mais imediatos de sua sede de sangue. Eram meninos grandes e necessitavam castigos regulares e premios escassos para que continuassem sendo obedientes. E para que recordassem a quem se encontravam servindo nesse momento.
—Não teve feridos —se burlou um dos renegados.
—Possivelmente não humanos —acrescentou o outro—, mas a raça se levou um bom golpe. Ouvi dizer que não ficou grande coisa do morto para que o sol se encarregasse dele.
Mais risadas do primeiro dos idiotas, às que seguiu uma explosão de fôlego e sangue ao imitar a detonação de quão explosivos tinham sido colocados no túnel pelo renegado a quem tinham atribuído para essa tarefa.
—É uma pena que o outro guerreiro que estava com ele se pudesse marchar por seu próprio pé. —Os renegados ficaram em silencio no momemoro em que seu líder se deu a volta, finalmente, para encarar-se com eles.
— A próxima vez lhes porei a vocês dois nessa tarefa, dado que o fracasso lhes parece tão divertido.
Eles franziram o cenho e grunhiram, como bestas que eram, com uma expressão selvagem nas pupilas rasgadas e afundadas no mar amarelo e dourado de sua íris impávidas. Baixaram a vista quando ele começou a caminar em direção a eles com passos lentos e medidos. A ira que sentia estava só parcialmente aplacada pelo fato de que a raça, pelo menos, tinha sofrido uma perda importante.
Esse guerreiro que tinha caido por causa da bomba não tinha sido o alvo real da missão da passada noite; Apesar disso, a morte de qualquer membro da Ordem era uma boa notícia para sua causa. Já haveria tempo de eliminar ao que chamavam Lucan. Possivelmente o fizesse ele mesmo, rosto a rosto, vampiro contra vampiro, sem a vantagem das armas.
Sim, pensou, resultaria mais que um prazer acabar com esse em concreto.
Podia-se chamar justiça poética.
—Me mostrem o que me trouxestes —ordenou aos renegados que se encontravam frente a ele.
Ambos saíram ao mesmo tempo. Empurraram uma porta para entrar os vultos que tinham deixado no corredor de fora. Voltaram ao cabo de um instante arrastando atrás deles a uns quantos humanos entorpecidos e quase sem sangue. Esses homens e mulheres, seis em total, estavam atados pelos pulso e ligeiramente sujeitos pelos tornozelos, embora nenhum deles parecia o bastante forte para nem sequer pensar em tentar fugir.
Os olhos, em estado catatônico, lhes cravavam em um nada. Os lábios, inertes, incapazes de pronunciar nem de emitir nenhum som, estavam emtreabertos em meio de seus rostos pálidos. Em suas gargantas se viam os sinais das dentadas que seus captores lhes tinham feito para subjugá-los.
—Para você, senhor. Uns serventes novos para a causa.
Fizeram entrar os seis seres humanos como se fossem gado, dado que isso era o que eram: ferramentas de carne e osso cujo destino ia trabalhar, ou morrer, o que fosse mais útil segundo seu critério.
Ele jogou uma olhada a caça dessa noite sem mostrar grande interesse, calculando rapidamente o potencial que esses dois homens e quatro mulheres tinham para resultar de utilidade. Sentiu-se impaciente enquanto se aproximava a eles e observava que algumas de quão feridas tinham no pescoço ainda supuravam uns lentos fios de sangue fresco.
Estava faminto, decidiu enquanto cravava seu olhar calculador em uma pequena fêmea morena de lábios cheios e peitos cheios e amadurecidos que empurravam uma insípida bata verde de hospital que parecia um saco e que lhe sentava muito mal. A cabeça lhe caía para frente, como se pesasse muito para mantê-la erguida apesar de que era evidente que estava lutando contra o torpor que já tinha vencido aos outros. As mordidas que tinha eram incontáveis e se perdiam para o crânio, e apesar disso ela lutava contra a catatonia, piscando com expressão sonolenta em um esforço por manter-se consciente.
Tinha que reconhecer que seu valor era admirável.
—K. Delaney, R.N —disse para si, lendo a etiqueta de plástico que lhe pendurava por cima do redondo peito esquerdo.
Tomou o queixo dela entre o dedo polegar e o índice e lhe fez levantar a cabeça para lhe observar o rosto. Era bonita, jovem e sua pele, cheia de sardas, tinha um aroma doce. A boca lhe encheu de saliva, de glotonería, e os olhos lhe esgotaram, ocultos depois dos óculos escuros.
—Esta fica. Levem o resto abaixo, as jaulas.
Ao princípio, Lucan pensou que a dolorosa vibração que sentia formava parte da agonia pela que tinha passado durante as últimas horas. Sentia todo o corpo abrasado, esfolado, sem vida. Em algum momento a cabeça tinha deixado de martelar e agora lhe acossava com um comprido zumbido doloroso.
Encontrava-se em suas habitações privadas do complexo, em sua cama; isso sabia. Recordava haver-se arrastado até ali com suas últimas forças, depois de ter estado ao lado do corpo do Conlan os oito minutos que se requeriam.
Ficou-se inclusive um pouco mais de oito minutos, havia aguentado uns agudos minutos mais até que os raios do amanhecer houvesem aceso a mortalha do guerreiro morto e a tinham feito explodir em umas incríveis chama e luzes. Só então ficou ele ao coberto dos muros subterrâneos do recinto.
Esse tempo extra de exposição tinha significado sua desculpa pessoal a Conlan. A dor que estava suportando nesses momentos era para que não esquecesse nunca o que de verdade importava: seu dever para a raça e para a Ordem de honoráveis machos que tinham jurado igual a ele realizar esse serviço. Não cabia nada mais.
A outra noite tinha permitido saltar-se esse juramento, e agora um de seus melhores guerreiros se foi.
Outro agudo timbre explorou em algum lugar da habitação e tomou por surpresa, em algum lugar muito perto de onde se encontrava descansando. Esse som de algo que se rompia, que se rasgava, lhe cravou na cabeça.
Com uma maldição que quase resultou inaudível e que quase não pôde arrancar da dolorida garganta, Lucan abriu os olhos com dificuldade e observou a escuridão de seu dormitório privado. Viu que uma pequena luz piscava do interior do bolso de sua jaqueta de pele e nesse momento o telefone celular voltou a soar.
Cambaleando-se, sem o habitual controle e coordenação de atleta que tinha nas pernas, deixou-se cair na cama e se dirigiu com estupidez até o molesto aparelho. Somente teve que realizar três intentos para conseguir dar com a tecla para silenciar o timbre. Furioso pelo esforço que esses pequenos movimentos lhe estavam custando, Lucan levantou a tela iluminada ante seus olhos e se esforçou por ler o número da tela.
Era um número de Boston... O telefone celular de Gabrielle.
Fantástico.
Justo o que necessitava.
Enquanto subia o corpo do Conlan por essas centenas de degraus até o exterior, tinha decidido que, fora o que fosse o que estava fazendo com Gabrielle Maxwell, isso tinha que terminar. De todas formas, não estava de todo seguro do que era o que tinha estado fazendo com ela, aparte de aproveitar toda oportunidade que lhe pôs diante de pô-la de costas e debaixo dele.
Sim, tinha sido brilhante nessa tática.
Era no resto de seus objetivos que estava começando a falhar, sempre que Gabrielle entrava em cena.
Tinha-o planejado tudo mentalmente, tinha pensado como ia enfrentar a situação. Faria que Gideon fosse ao apartamento dela essa noite e que lhe contasse, de forma lógica e compreensível, tudo a respeito da raça e sobre o destino dela, de onde procedia verdadeiramente, dentro da nação dos vampiros. Gideon tinha muita experiencia no trato com mulheres e era um diplomático consumado. Ele se mostraria amável, e seguro que sabia dirigir as palavras melhor que Lucan. Ele conseguiria fazer que tudo cobrasse sentido para ela, inclusive a necessidade de que ela procurasse acolhida —e, depois, a um macho adequado— em um dos Refúgios Escuros.
Quanto a si mesmo, faria todo o necessário para que seu corpo sara-se. Depois de umas quantas horas mais de descanso e de um alimento que necessitava muitíssimo —assim que fosse capaz de ficar em pé o tempo suficiente para caçar— Voltaria mais forte e seria um guerreiro melhor.
Ia esquecer para sempre que tinha conhecido a Gabrielle Maxwell. Por seu bem, e pelo bem conjunto da raça.
Exceto...
Exceto a noite passada lhe havia dito que podia lhe localizar em seu número de celular em qualquer momento que lhe necessitasse. Havia-lhe próometido que sempre responderia sua chamada.
E se resultava que ela estava tentando contatar com ele porque os renegados, ou os mortos andantes de seus serventes, estavam rodeando a seu redor, pensou.
Escancarado no chão em posição supina, apertou o botão responder a chamada.
—Olá.
Jesus, tinha um tom de voz de merda, como se tivesse os pulmões feitos mingau e seu fôlego expulsasse cinzas. Tossiu e sentiu como se a cabeça lhe estalasse.
No outro lado da linha houve um silêncio de uns segundos e logo, a voz de Gabrielle, dúbia e ansiosa:
—Lucan? É você?
—Sim. —esforçou-se em emitir o som apesar da secura que tinha na garganta—. O que acontece? Está bem?
—Sim, estou bem. Espero que não te incomode que tenha chamado. Só... Bom, depois de que te partisse dessa maneira a noite passada , estive um pouco preocupada. Suponho que somente precisava saber que não te tinha ocorrido nada mau.
Ele não tinha energia suficiente para falar, assim que ficou convexo, fechou os olhos e, simplesmente, escutou o som de sua voz. Seu tom de voz, claro e sonoro, parecia-lhe um bálsamo. A preocupação que ela demostrava era como um elixir, como algo que ele nunca tinha provado antes: saber que alguém se preocupava com ele. Esse afeto lhe resultava pouco familiar e quente.
Tranqüilizava-lhe, apesar de sua raivosa necessidade de negá-lo.
—O que...? —disse com voz rouca, mas o tentou de novo — Que horas são?
—Ainda não é meio-dia. Queria te chamar assim que me levantei esta manhã, mas como normalmente trabalha durante o turno de noite, esperei tudo o que pude. Parece cansado. Despertei-te?
—Não.
Tentou rodar sobre um flanco do corpo. Sentia-se mais forte depois desses poucos minutos ao telefone falando com ela. Além disso, necessitava tirar o traseiro da cama e voltar para a rua essa mesma noite. O assassinato do Conlan tinha que ser vingado, e tinha intenção de ser ele quem fizesse justiça.
Quanto mais brutal fosse essa justiça, melhor.
—Bom —estava dizendo ela nesses momentos—, então tudo está bem?
—Sim, bem.
—Bem. Alivia-me sabê-lo, verdade. —Sua voz adquiriu um tom mais ligero e um tanto provocador.
— Te escapou de meu apartamento tão depressa a noite passada que acreditei que teria deixado marca no chão.
—Surgiu um imprevisto e tive que partir.
—Certo —disse ela depois de um silêncio que indicou que ele não tinha nenhuma intenção de entrar em detalhes—. Um assunto secreto de detetives?
—Pode-se dizer que sim.
Esforçou-se por ficar em pé e franziu o cenho, tanto pela dor que lhe atravessou todo o corpo como pelo fato de não poder contar a Gabrielle o porquê tinha tido que sair tão rapidamente de sua cama. A guerra que esperava a ele e ao resto dos seus era uma crua realidade que logo ela também teria em seu prato. De fato, seria essa mesma noite, assim que Gideon fosse visitá-la.
—Escuta, esta noite tenho uma aula de ioga com um amigo meu que termina por volta das nove. Se não estiver de serviço, por que não passa por aqui? Posso preparar algo para jantar. Toma-o como uma compensação pelos manicotti que não pôde comer o outro dia. Possivelmente esta vez consigamos jantar.
O divertido flerte de Gabrielle lhe arrancou um sorriso que lhe fez sentir dor em todos os músculos do rosto. A indireta a respeito da paixão que tinham compartilhado despertava algo em seu interior também, e a ereção que notou em meio de todas as demais sensações físicas de agonia não foi tão dolorosa como tivesse desejado.
—Não posso ir verte, Gabrielle. Tenho... que fazer umas coisas.
A principal de todas elas era meter-se algo de sangue no corpo e isso significava que tinha que manter-se afastado dela tanto como fosse possível. Não era boa coisa que lhe tentasse com a promessa de seu corpo; no estado em que se encontrava nesse momento, ele era um perigo para qualquer ser humano que fosse o suficientemente tolo como para aproximar-se dele.
—Não sabe o que dizem a respeito de trabalhar muito e não jogar nada? —perguntou-lhe, em um ronrono de convite.
—Sou uma espécie de ave noturna, assim se terminar logo de trabalhar e decide que quer um pouco de companhia...
—Sinto muito. Possivelmente em outro momento —lhe disse ele, sabendo perfeitamente que não haveria nenhum outro momento. Nesses instantes se encontrava em pé e começava a dar uns passos torpes e pouco fluídos em direção a porta. Gideon devia estar no laboratório, e o laboratório se encontrava ao final do corredor. Era infernal tentar fazer esse percurso em suas condições, mas Lucan estava completamente decidido fazê-lo.
—Vou mandar a alguém a ver-te esta noite. É um... meu sócio.
—Para que?
Tinha que expulsar o fôlego com dificuldade e pela boca, mas estava caminhando. Alargou a mão e apanhou a maçaneta da porta.
—As coisas se puseram muito perigosas —disse ele de forma precipitada e com esforço—. Depois do que te aconteceu ontem no centro da cidade...
—Deus, não podemos esquecê-lo? Estou segura de que exagerei.
—Não —a interrompeu ele—. Me sentirei melhor se souber que não está sozinha... que há alguém que te protege.
—Lucan, de verdade, não é necessário. Sou uma garota adulta. Estou bem.
Ele não fez caso de seus protestos.
—Chama-se Gideon. Te agradará. Os dois poderão... falar. Ele lhe ajudará, Gabrielle. Melhor do que o posso fazer eu.
—Me ajudar? O que quer dizer? Passou algo com respeito ao caso? E quem é esse Gideon? É um detetive, também?
—Ele lhe explicará isso tudo. —Lucan saiu ao corredor, onde uma tênue luz iluminava as polidos ladrilhos e os brilhantes acabados de cromo e cristal. Do outro lado de uma das portas de um apartamento privado se ouvia ressonar com força a música metal de Dante. Desde um dos muitos corredores que foram dar a esse corredor principal chegava certo aroma de azeite e a disparos de arma recentes, das instalações de treinamento.
Lucan se cambaleou sobre os pés, inseguro em meio dessa mescla de estímulos sensoriais.
—Estará a salvo, Gabrielle, juro-lhe isso. Agora tenho que te deixar.
—Lucan, espera um momento! Não desligue. O que é o que não me está dizendo?
—Vais estar bem, prometo-lhe isso. Adeus, Gabrielle.
Capítulo quatorze
A chamada que tinha feito a Lucan, e seu estranho comportamento ao outro extremo do telefone, tinham-na estado preocupando todo o dia. Todavia o estava enquanto saía com Megan da classe de ioga essa tarde.
—Parecia tão estranho ao telefone. Não sei se estava em um estado de extrema dor física ou se estava tentando encontrar a maneira de me dizer que não queria voltar para ver-me.
Megan suspirou e fez um gesto de negação com a mão.
—Provavelmente está tirando muitas conclusões. Se de verdade quer sabê-lo, por que não vai a delegacia de polícia e sacas a cabeça para ver-lhe?
—Acredito que não. Quero dizer, o que lhe diria?
—Diria-lhe: «Olá, bonito. Parecia tão desanimado esta tarde que pensei que iria bem que passasse te recolher, assim aqui estou». Possivelmente possa lhe levar um café e um pão-doce no caso de.
—Não sei...
—Gabby, você mesma há dito que esse menino sempre foi doce e cuidadoso quando esteve contigo. Pelo que me contaste a respeito da conversação que tivestes hoje por telefone, ele parece muito preocupado por ti. Tanto que vai mandar a um de seus colegas para que te vigie enquanto ele está de serviço e não pode estar ali em pessoa.
—Ele fez insistência no perigoso que se estava pondo acima... e o que acha que significa «acima» ? Não parece jargão de polícia, verdade? O que é, algum tipo de terminologia militar?
—Negou com a cabeça—. Não sei. Há muitas coisas de Lucan Thorne que não sei.
—Pois pregunta. Venha, Gabrielle. Pelo menos lhe dê ao menino o benefício da dúvida.
Gabrielle observou as calças de ioga negras e a jaqueta com cremalheira que levava. Logo se levou a mão ao cabelo para comprovar até que ponto lhe tinha desfeito a rabo-de-cavalo durante esses quarenta e cinco minutos de exercícios.
—Teria que ir primeiro a casa, me dar pelo menos uma ducha, trocar de roupa.
—Né! Quero dizer, de verdade, mas o que te passa? —Megan abriu muito os olhos, que lhe brilhavam, divertida.
— Tem medo de ir, verdade? OH, quer ir, mas já tem certamente um milhão de desculpas passando para explicar por que não pode fazê-lo. Admito-o, este menino você gosta de verdade.
Gabrielle não podia negá-lo, não teria podido inclusive embora o imediato sorriso que lhe desenhou no rosto não a tivesse delatado. Gabrielle lhe devolveu o olhar a sua amiga e se encolheu de ombros.
—Sim, é verdade. Eu gosto. Muito.
—Então, o que está esperando? A delegacia de polícia está a três quadras, e tem um aspecto fantástico, como sempre. Além disso, não é que ele não te tenha visto suar um pouco antes de agora. É possível que prefira ver-te assim.
Gabrielle riu com Megan, mas sentia retorcer o estômago. A verdade era que sim desejava ver Lucan, de fato não queria esperar nem um minuto mais, mas e se ele tinha estado tentando deixá-la enquanto falavam por telefone essa tarde? Que ridícula pareceria então, se entrava na delegacia de polícia sentindo-se como se fosse sua noiva. Sentiria-se como uma idiota.
Não mais do que se sentiria se recebia a notícia de segunda mão, pela boca de seu amigo Gideon, a quem ele teria enviado nessa compassiva missão.
—De acordo. Vou fazê - lo.
—Bom pra ti! —Megan se ajustou a bolsa do colchonete de ioga no ombro e sorriu ampliamente.
— Esta noite verei Ray em meu apartamemoro depois de que ele termine seu turno, mas me chame à primeira hora da manhã e me conte como foi. De acordo?
—De acordo. Uma saudação para o Ray
Enquanto Megan se afastava apressadamente para pegar o trem das nove e quinze, Gabrielle se dirigiu para a delegacia de polícia . Durante o caminho recordou o conselho de Megan e se deteve um momento para comprar um pão-doce e um café: puro e carregado, posto que não acreditava que Lucan fosse o tipo de homem que toma com leite, com açúcar nem descafeinado.
Com ambas as coisas nas mãos, chegou a porta da delegacia de polícia, respirou com força para reunir coragem, atravessou a porta de entrada e entrou com atitude desenvolvida.
As queimaduras piores tinham começado a curar-se ao cair da noite. A pele nova lhe cresceu, sã, por debaixo das bolhas da pele velha e as feridas começaram a fechar-se. Embora ainda tinha os olhos muito sensíveis inclusive a luz artificial, não sentia dor na fria escuridão da rua. O qual era bom, porque precisava estar por aí para saciar a sede de seu corpo convalescente.
Dante lhe olhou. Os dois saíam ao exterior do recinto e se preparavam para compartilhar essa noite de reconhecimento e de vingança contra os renegados.
—Não tem muito bom aspecto, cara. Se quiser, sairei a caçar para ti e te trarei algo jovem e forte. Necessita-o, isso está claro. E ninguém tem por que saber que não te procuraste o sustento você mesmo.
Lucan olhou de soslaio e com expressão séria ao macho e lhe mostrou os dentes em um sorriso de brincadeira.
—Que lhe fodam.
Dante-se riu
.
.
—Tinha a suspeita de que me diria isso. Quer que leve as armas por ti, pelo menos?
O gesto de negar devagar com a cabeça lhe provocou uma navalhada de dor na cabeça.
—Estou bem. Estarei melhor quando me tiver alimentado.
—Sem dúvida. —O vampiro ficou em silêncio durante um comprido momento e lhe olhou, simplesmente. Sabe o que é que foi extraordinariamente impressionante do que fez hoje pelo Conlan? Eu não tivesse podido nem imaginá-lo em toda sua vida, mas, porra, eu gostaria que tivesse sabido que seria você quem subiria esses últimos degraus com ele. Foi uma grande maneira de lhe honrar, cara. De verdade.
Lucan recebeu a adulação sem deixar que lhe impregnasse. Ele tinha tido seus próprios motivos para levar a cabo esse rito funerário, e ganhar a admiração do resto dos guerreiros não formava parte deles.
—Dê-me uma hora para caçar algo e logo nos encontraremos aqui outra vez para provocar algumas baixas entre as filas de nossos inimigos, esta noite. Pela memória do Conlan.
Dante assentiu com a cabeça e chocou os nódulos contra o punho fechado de Lucan.
—De acordo.
Lucan esperou enquanto Dante desaparecia na escuridão. Suas passadas largas e fortes delatavam a vontade com que esperava as batalhas que ia encontrar nas ruas. Tirou as armas gêmeas das capas e elevou as Malebranches curvadas por cima de sua cabeça. O brilho dessas folhas de aço gentil e de titânio, assassinas de renegados, cintilou a débil luz da lua no céu. O vampiro emitiu um grito de guerra calado e desapareceu nas sombras da noite.
Lucan lhe seguiu não muito depois, seguindo um caminho não muito distinto que entrava nas escuras artérias da cidade. Seu gesto furtivo era menos fanfarrão, mas mais decidido, menos arrogante e ansioso, mais determinado e frio. Sua sede era pior do que nunca tinha sido, e o rugido que elevou até a abóbada de estrelas no céu estava cheio de uma ira feroz.
—Pode soletrar o sobrenome outra vez, por favor?
—T-h-ou-r-n-e —repetiu Gabrielle a recepcionista de delegacia de polícia, que não tinha conseguido nenhum resultado no diretório—. Detetive Lucan Thorne. Não sei em que departamento trabalha. Veio a minha casa depois de que eu estivesse aqui para denunciar uma agressão que presenciei a semana passada... um assassinato.
—Ah. Então, você quer falar com os de Homicídios? —As unhas largas e pintadas da jovem repicavam em cima do teclado com rapidez—. Certo... Não. Sinto muito. Tampouco aparece nesse departamento.
—Isso não é possível. Pode voltar a comprová-lo, por favor? É que este sistema não lhe permite procurar somente um nome?
—Sim o permite, mas não aparece nenhum detetive que se chame Lucan Thorne. Está segura de que trabalha neste edifício?
—Estou segura, sim. A informação de seu computador não deve estar atualizada...
—Né, um momento! Aí há uma pessoa que pode ajudar, a interrompeu a recepcionista enquanto fazia um gesto em direção à porta de entrada da Central.
—Agente Carrigan! Você tem um segundo?
O agente Carrigan, recordou Gabrielle, desolada. O velho poli que lhe tinha feito passar um momento tão desagradável a semana passada, chamando-a mentirosa e cabeça oca sem querer acreditar a declaração de Gabrielle acerca do assassinato da discoteca. Pelo menos, agora que Lucan tinha contrastado as fotos de seu celular no laboratório da polícia, sentia o consolo de saber que, fosse qual fosse a opinião desse homem, o caso seguia adiante de algum jeito.
Gabrielle teve que reprimir um grunhido de fúria ao ver que o homem se tomava um tempo antes de aproximar-se dela. Quando ele a viu ali em pé, a expressão de arrogância que parecia tão natural nesse rosto carnudo adotou um gesto decididamente depreciativo.
—OH, Por Deus. Outra vez você? Justo o que necessito em meu último dia de trabalho. Retiro-me dentro de umas quantas horas, querida. Esta vez vai ter que contar-lhe a outra pessoa.
Gabrielle franziu o cenho.
—Perdão?
—Esta jovem está procurando um de nossos detetives —disse a recepcionista enquanto intercambiava um olhar de cumplicidade com Gabrielle, como resposta ao comportamento displicente do agente. Não lhe encontro no diretório, mas ela acredita que é um dos nossos.
Conhece você ao detetive Thorne?
—Nunca ouvi falar dele. —O agente Carrigan começou a afastar-se.
—Lucan Thorne —disse Gabrielle com decisão enquanto deixava o café de Lucan e a bolsa com a massa em cima da mesa de recepção. Automaticamente deu um passo em direção ao policial e esteve a ponto de sujeita-lo pelo braço ao ver que ele ia deixa-la ali plantada.
— O detetive Lucan Thorne, você deve conhecer. Vocês enviaram ao meu apartamento no início desta semana para ver se conseguia alguma informação adicional a minha declaração. Levou meu telefone celular ao laboratório para que analisassem...
Carrigan começou a rir agora; deteve-se e a olhava enquanto lhe oferecia os detalhes a respeito da chegada de Lucan a sua casa. Gabrielle não tinha paciência para dirigir a agressividade desse agente. E menos agora que o pêlo da nuca começava a arrepiar-se o a causa do repentino pressentimento de que as coisas começavam a ser estranhas.
—Está-me dizendo que o detetive Thorne não lhe contou nada disto?
—Senhorita. Estou-lhe dizendo que não tenho nem remota idéia do que está você falando. Trabalhei nesta delegacia de polícia durante trinta e cinco anos, e nunca ouvi falar de nenhum detetive Lucan Thorne, por não falar de que não mandei a sua casa.
Gabrielle sentiu que lhe formava um nó no estômago, frio e apertado, mas se negou a aceitar o medo que começava a cobrar forma detrás de toda essa confusão.
—Isso não é possível. Ele sabia do assassinato que eu havia presenciado. Sabia que eu tinha estado aqui, na delegacia de polícia, fazendo uma declaração a respeito disso. Vi sua placa de identificação quando chegou à casa. Acabo de falar com ele hoje, e me disse que esta noite trabalhava. Tenho seu número de celular...
—Bom, vou dizer- lhe uma coisa. Se isso for fazer que me deixe em paz , vamos fazer uma chamada a seu detetive Thorne —disse Carrigan.Isso esclarecerá as coisas, verdade?
—Sim. Vou chamar- lhe agora.
A Gabrielle tremiam um pouco os dedos enquanto tirava o teléefone celular do bolso e marcava o número de Lucan. O telefone chamou, mas ninguém respondeu. Gabrielle voltou a tentá-lo e esperou durante a agonia de uma eternidade enquanto o timbre soava e soava e soava e enquanto a expressão do agente Carrigan se mudava de uma impaciência questionável a uma compaixão que ela tinha percebido nos rostros dos trabalhadores sociais quando era uma menina.
—Não responde —murmurou ela, apartando o telefone do ouvido. Sentia-se torpe e confusa, e a expressão atenta no rosto do Carrigan o piorava tudo—. Estou convencida de que está ocupado com algo. Vou voltar a tentá-lo dentro de um minuto.
—Senhorita Maxwell. Podemos chamar a alguém mais? A algum familiar, possivelmente? A alguém que possa nos ajudar a encontrar sentido a tudo o que lhe está passando?
—Não me está acontecendo nada.
—Me parece que sim. Acredito que você está confusa. Sabe? Às vezes a gente inventa coisas para que lhes ajudem a suportar outros problemas.
Gabrielle se burlou.
—Eu não estou confundida. Lucan Thorne não é um produto de minha imaginação. É real. Essas coisas que me aconteceram são reais. O assassinato que presenciei o fim de semana passado, esses... homens... com seus rostos ensangüentados e seus afiados dentes, inclusive esse menino que me esteve vigiando o outro dia no parque... ele trabalha aqui na Central. O que é o que têm feito vocês? Enviaram-lhe para que me olha-se?
—De acordo, senhorita Maxwell. Vamos ver se conseguimos resolver isto juntos. —Era óbvio que o agente Carrigan tinha encontrado finalmente um resto de diplomacia sob a armadura de seu caráter grosseiro. Apesar de tudo, a forma em que pegou pelo braço para tentar conduzi-la até um dos bancos do vestíbulo para que se sentasse mostrava uma grande condescendência—. Vamos ver se respirarmos profundamente. Podemos procurar a alguém para que a ajude.
Deu uma sacudida no braço para soltar-se.
—Você acredita que estou louca. Eu sei o que vi... tudo! Não me estou inventando isto, e não necessito ajuda. Somente preciso saber a verdade.
—Sheryl, querida — disse Carrigan a recepcionista, que olhava ambos com apreensão—. Pode me fazer o favor de chamar em um momemoro à Rudy Duncan? Diga que lhe necessito aqui embaixo.
—Um médico? —perguntou Gabrielle, que já havia tornado a colocar o telefone entre a orelha e o ombro.
—Não —repôs Carrigan, devolvendo o olhar a Gabrielle—. Não terá que alarmar-se ainda. Peça que baixe ao vestíbulo, tranqüilamente, e que converse um momento com a senhorita Maxwell e comigo.
—Esqueça-o —respondeu Gabrielle, levantando do banco.
—Olhe, seja o que seja o que lhe esteja passando, há pessoas que podem ajudá-la.
Ela não esperou que terminasse de falar, limitou-se a recompor-se com dignidade, a caminhar até a mesa de recepção para recuperar a taça e a bolsa, a atirá-los ao lixo e dirigir-se a porta de saída.
Sentiu o ar da noite fresco nas bochechas, acesas, o qual a tranqüilizou de algum jeito. Mas a cabeça ainda lhe estava dando voltas. O coração lhe pulsava com força por causa da confusão e de que não podia acreditar o que lhe tinha acontecido.
É que todo mundo ao seu redor se estava voltando louco? Que diabos estava acontecendo? Lucan lhe tinha mentido a respeito de que era um policial, isso era bastante evidente. Mas que parte do que lhe tinha contado, que parte do que tinham feito juntos, formava parte desse engano?
E por que?
Gabrielle se deteve no final dos degraus de cimento que se afastavam da delegacia de polícia e respirou profundamente várias vezes. Deixou sair o ar devagar. Logo baixou a vista e viu que ainda tinha o telefone celular na mão.
—Merda.
Tinha que averiguá-lo.
Essa estranha história em que se colocou tinha que acabar nesse momento.
O botão de rechamada voltou a marcar o número de Lucan. Ela esperou,
Insegura do que ia dizer lhe.
O telefone soou seis vezes.
Sete.
Oito...
Capítulo quinze
Lucan tirou o celular do bolso de sua jaqueta de couro enquanto pronunciava uma forte maldição.
Gabrielle... outra vez.
Tinha-lhe chamado antes também, mas ele não tinha querido responder a chamada. Estava perseguindo um traficante de drogas ao que tinha visto vender crack a um adolescente que passava pela rua, fora de um sórdido botequim. Tinha estado conduzindo mentalmente a sua presa para um beco escuro e estava justo a ponto de lançar-se ao ataque quando a primeira chamada de Gabrielle tinha divulgado como um alarme de carro desde seu bolso. Tinha posto o aparelho no modo de silêncio, amaldiçoando-se a si mesmo pelo estúpido costume de levar o maldito traste quando saía a caçar.
A sede e as feridas lhe tinham feito comportar-se descuidadamente. Mas esse repentino estrondo na rua escura tinha resultado a seu favor ao final.
Ele tinha as forças debilitadas, e o cauteloso traficante tinha cheirado o perigo no ambiente, inclusive apesar de que Lucan se manteve escondido entre as sombras enquanto lhe perseguia. Tinha tirado uma arma a metade do beco e apesar de que raramente as feridas de bala resultavam fatais para a estirpe de Lucan —a não ser que se tratasse de um tiro na cabeça a queima roupa—, não estava seguro de que seu corpo convalescente pudesse resistir um impacto como esse nesses momentos.
Por não mencionar o fato de que isso lhe tiraria de gonzo, e já estava com um humor de cão.
Assim, quando a segunda chamada do celular fez que o traficante se voltasse freneticamente para um lado e a outro em busca da origem do ruído que ouvia detrás dele, Lucan lhe saltou em cima. Derrubou ao tipo rápidamente, e lhe cravou as presas na veia do pescoço, torcida pelo terror um momento antes de que o homem reunisse a força suficiente para arrancar um grito dos pulmões.
O sangue lhe alagou a boca, desagradável pelo sabor a droga e a enfermidade. Lucan a tragou com dificuldade, uma vez atrás de outra, enquanto agarrava sem piedade a sua convulsa presa. Ia matar- lhe, e não podia importar menos. Isso apagava a dor de seu corpo dolorido.
Lucan se alimentou depressa, bebeu tudo o que pôde.
Mais do que pôde.
Quase lhe tirou todo o sangue ao traficante e ainda se sentia faminto. Mas tivesse sido abusar muito se alimentava mais essa noite. Era melhor esperar a que o sangue lhe nutrisse e lhe tranquilizasse em lugar de arriscar-se a ser ansioso e a tomar um caminho rápido para a sede insaciavel de sangue.
Lucan olhou com ironia o telefone que soava na palma de sua mão e sabia que quão único tinha que fazer era não responder.
Mas continuou soando, com insistência, e justo no último instante, respondeu. Não disse nada ao princípio, simplesmente escutou o som do suspiro de Gabrielle ao outro lado. Notou que tinha a respiração tremente, mas sua voz soou forte, apesar de que era evidente que estava bastante desgostada.
—Mentiste-me — disse, a modo de saudação—. Durante quanto tempo, Lucan? Quantas mentiras? Tudo foi uma mentira?
Lucan observou o corpo sem vida de sua presa com expressão satisfeita. Agachou-se e realizou um rápido registro desse miserável e gordurento tipo. Encontrou um maço de bilhetes sujeitos por uma borracha, que ia deixar ali para que os abutres guias de ruas o disputassem. A mercadoria do traficante —crack e heroína por valor de um par de bilhetes grandes— Iriam parar em um dos esgotos da cidade.
—Onde está? —perguntou-lhe quase em um latido, sem pensar em outra coisa que não fosse no depredador que acabava de eliminar.
— Onde está Gideon?
—Nem sequer vais tentar negá-lo? Por que faz isto?
—Passe-me isso Gabrielle.
Ela ignorou essa petição.
—Há outra coisa que eu gostaria de saber: como entrou em meu apartamemoro a outra noite? Eu tinha fechado todos os fechos e tinha posto a correia. O que fez? Abriu-os? Roubou-me as chaves enquanto eu não olhava e te fez uma cópia?
—Podemos falar disso mais tarde, quando estiver a salvo no recinto.
—De que recinto fala? —A repentina gargalhada lhe pegou por surpresa.
— E pode abandonar essa pose protetora e benevolente. Não é um policial. Quão único quero é um pouco de sinceridade. É isso te pedir muito, Lucan? Deus. É esse pelo menos seu verdadeiro nome? Algo do que me tenha contado se parece, pelo menos remotamente, a verdade?
De repente Lucan soube que essa raiva, essa dor, não era o resultado de que Gabrielle tivesse conhecido pelo Gideon a verdade a respeito da raça e do papel que ela tinha destinado na mesma. Um papel que não ia incluir a Lucan.
Não, ela não sabia nada disso ainda. Tratava-se de outra coisa. Não era medo dos fatos. Era medo ao desconhecido.
—Onde está, Gabrielle?
—O que te importa?
—Me... importa —admitiu, embora com relutância.
—Porra , não tenho a cabeça para isto agora mesmo. Olhe, sei que não está em seu apartamento, assim que onde está? Gabrielle, tem que me dizer onde está.
—Estou na delegacia de polícia. Vim para ver-te esta noite e, sabe o que? Ninguém ouviu seu nome aqui.
—OH, Deus. Perguntaste por mim aí?
—É obvio que o tenho feito. Como tivesse podido me inteirar de que tomava por uma idiota, se não? —Outra vez o tom de brincadeira e irritação.
— Incluso havia te trazido café e uma massa.
—Gabrielle, estarei aí em uns minutos... menos que isso. Não te mova. Fique onde está. Fique em algum ponto onde haja gente, em algum lugar interior. Vou para te buscar.
—Esquece-o. Me deixe em paz.
Essa breve ordem lhe fez levantar-se imediatamente do chão. Ao cabo de um instante suas botas ressonavam na rua a um ritmo acelerado.
—Não vou ficar por aqui te esperando, Lucan. De fato, sabe o que? Não te ocorra te aproximar de mim.
—Muito tarde —lhe respondeu.
Já tinha chegado à penúltima esquina que lhe separava da rua onde se encontrava a delegacia de polícia. Avançou por entre a multidão de pedestres como um fantasma. Notava que o sangue que acabava de ingerir lhe penetrava nas células, lhe aderia nos músculos e nos ossos e lhe fortalecia até que se converteu somente em uma rajada fria nas costas dos que passavam ao seu lado.
Mas Gabrielle, com sua extraordinária percepção de companheira de raça, viu-lhe em seguida.
Lucan ouviu pelo telefone que Gabrielle agüentava a respiração. Como em câmera lenta, ela se apartou o aparelho do ouvido e lhe olhou com os olhos muito abertos e com incredulidade enquanto ele lhe aproximava rapidamente.
—Meu Deus —sussurrou, e essas palavras chegaram aos ouvidos de Lucan sozinhas em um segundo antes de que se plantasse diante dela e alargasse a mão para sujeitá-la pelo braço.
—Solte-me!
—Temos que falar, Gabrielle. Mas não aqui. Levarei-te a um lugar...
—É uma merda! —Deu um puxão, soltou-se da mão dele e se afastou pela calçada.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
—Já não está segura aqui fora, Gabrielle. Viu muitas coisas. Agora forma parte disso, tanto se quiser como se não.
—Parte do quê?
—Desta guerra.
—Guerra —repetiu ela, com um tom de dúvida.
—Exato. É uma guerra. Antes ou depois vais ter que escolher um lado, Gabrielle. —Pronunciou uma maldição—. Não. A merda. Eu vou escolher seu lado agora mesmo.
—É uma espécie de piada? Quem é você, um desses militares inadaptados que vai por aí representando suas fantasias de autoridade. Possivelmente seja pior que isso.
—Isto não é uma piada. Não é um fodido jogo. Estive em muitos combates e presenciei muitas mortes em minha vida, Gabrielle. Nem sequer pode imaginar o que vi, nem tudo o que tenho feito. Não vou ficar quieto para ver que fica apanhada em um fogo cruzado. —Ofereceu-lhe uma mão.
— Vais vir comigo. Agora.
Lhe esquivou. Seus olhos escuros revelavam uma mescla de medo e de raiva.
—Se voltar a me tocar, juro-te que chamo a polícia. Já sabe, aos de verdade que estão na delegacia de polícia. Esses levam placas de verdade. E armas de verdade.
O humor de Lucan, que já estava quente, começou a piorar.
—Não me ameace, Gabrielle. E não creia que a polícia te pode ofecer algum tipo de amparo. E, é obvio, não ante o que te está ameaçando. Pelo que sabemos, a metade da delegacia de polícia poderia estar cheia de servidores.
Ela meneou a cabeça e adotou uma atitude mais tranqüila.
—De acordo. Esta conversação está deixando de ser realmente extranha e começa a ser profundamente inquietante. Terminei com isto, compreendido? —Falava-lhe devagar e em voz baixa, como se estivesse tentando tranqüilizar a um cão raivoso que estivesse ante ela agachado e a ponto de atacar.
— Agora vou, Lucan. Por favor... não me siga.
Quando ela deu o primeiro passo para afastar-se dele, a pouca capacidade de controle que ficava a Lucan se quebrou. Cravou-lhe os olhos nos dela com dureza e lhe enviou uma feroz ordem mental para que deixasse de resistir a ele.
«Me dê a mão.»
«Agora.»
Por um segundo, as pernas ficaram imóveis, paralizadas. Os dedos das mãos se moveram, como intranqüilos, a um doslados do corpo. Logo, devagar, seu braço começou a levantar-se para ele.
E, de repente, o controle que ele tinha sobre ela se rompeu.
Ele sentiu que lhe expulsava de sua mente, desconectava dele. O corredor de sua vontade era como uma porta de ferro que se fechava entre ambos, uma porta que lhe houvesse custado muito penetrar embora se encontrasse em condições ótimas.
—Que diabos? —exclamou ela em voz baixa, reconhecendo perfeitamente qual era o truque—. Te ouvi, agora, em minha cabeça. Meu Deus. Tem-me feito isto antes, verdade?
—Não me está deixando muitas escolhas, Gabrielle.
Ele tentou outra vez. E sentiu que lhe empurrava fora, esta vez com maior desespero. Com mais medo.
Ela se levou o dorso da mão até a boca, mas não pôde afogar de todo o grito quebrado que lhe saía pela garganta.
Retrocedeu cambaleando-se pela esquina.
E logo se deu a volta na escuridão da rua para escapar dele.
—Você, menino. Agarra a porta em meu lugar, de acordo?
O servente demorou um segundo em dar-se conta de que lhe estavam falando a ele, de tão distraído como estava olhando a mulher Maxwell em meio da rua, diante da delegacia de polícia. Inclusive agora, enquanto sujeitava a porta aberta para que um mensageiro entrasse com quatro caixas de pizza fumegantes, sua atenção permanecia cravada na mulher enquanto esta se afastava da esquina e corria rua abaixo.
Como se tentasse deixar a alguém detrás.
O servente olhou a uma enorme figura vestida de negro que estava em pé e que observava como ela escapava. Esse macho era imenso, facilmente media dois metros de altura, os ombros, sob a jaqueta de pele, eram largos como os de um defesa. Dele emanava um ar de ameaça que se percebia do outro lado da rua onde agora se encontrava o servente, em pé, estupefato, sujeitando ainda a porta da delegacia apesar de que as pizzas se encontravam amontoadas já em cima do balcão de recepção.
Embora ele nunca tinha visto nenhum dos vampiros a quem seu senhor desprezava tão abertamente, o servente soube sem dúvida nenhuma que nesse momento estava vendo um deles.
Seguro que essa era uma oportunidade de ganhar a apreciação se avisasse a seu senhor da presença tanto da mulher como do vampiro a quem ela parecia conhecer, além de temer.
O servente voltou a entrar na delegacia de polícia. Tinha as mãos úmidas de suor por causa da excitação ante a glória que lhe esperava. Com a cabeça abaixada, seguro de sua habilidade de mover-se por toda parte e de passar desapercebido, começou a cruzar o vestíbulo a um passo apressado.
Nem sequer viu que o menino da pizza se cruzava em seu caminho até que se chocou com ele, com a cabeça. Uma caixa de cartão foi chocar-se contra o peito, da qual emanou um aroma de queijo quente, e a caixa caiu no sujo linóleo do chão pulverizando o conteúdo aos pés do servente.
—Né, cara. Está pisando em minha seguinte entrega. É que não olha por onde vai?
Ele não se desculpou, nem se deteve para tirar o gordurento queijo e o pepperoni do sapato. Introduziu a mão no bolso da calça e foi procurar um lugar tranqüilo de onde fazer sua importante chamada.
—Espera um segundo, amigo.
Era o velho e calvo agente, em pé no vestíbulo, quem gritava agora. Embutido em sua uniforme durante suas últimas horas de trabalho, Carrigan tinha estado perdendo o tempo incomodando a recepcionista do vestíbulo.
O servente não fez caso da voz ensurdecedora do policial que lhe chamava a suas costas e continuou caminhando, com a cabeça agachada, em linha reta em direção a porta da escada que estava perto do lavabo, justo fora do vestíbulo.
Carrigan soltou um bufido com todas suas forças e ficou boquiabierto, com expressão de evidente incredulidade ao ver que sua autoridade era completamente ignorada.
—Né, chupatintas! Estou falando contigo. Hei-te dito que volte e que limpe esta porcaria. E quero dizer que o faça agora, cabeça oca!
—Limpa-o você mesmo, porco arrogante —disse em voz baixa e quase sem alento. Logo abriu a porta de metal que dava as escadas e começou a baixar a passo rápido.
Nesse momento e por cima dele, ouviu que a porta se abria com um estrondo ao golpear o outro lado da parede e que os degraus vibravam como sob o efeito de uma explosão sônica.
—O que é o que acaba de dizer? Que merda acaba de me chamar,idiota?
—Já me ouviste. E agora me deixe em paz, Carrigan. Tenho coisas mais importantes que fazer.
O servente tirou o telefone celular para tentar contatar o único que de verdade lhe podia dar ordens. Mas antes de que tivesse tempo de apertar o botão de marcação rápida para ficar em comunicação com seu senhor, o corpulento polícia já se lançou escada abaixo. Uma mão enorme deu um golpe ao servente na cabeça. Os ouvidos apitaram, a vista lhe nublou a causa do impacto, o celular saiu despedido da mão e caiu ao chão com um som seco, vários degraus mais abaixo.
—Obrigado por me oferecer uma anedota de risada para meu último dia de trabalho —lhe disse em tom provocador. Passou-se um gordinho dedo pelo pescoço da camisa, muito apertada, e logo, com gesto despreocupado, levantou uma mão para voltar a colocar a última mecha de cabelo que tinha em seu lugar.
— E agora, te leve esse rabo esquelético escada acima antes de que lhe dê uma boa patada. Ouviste-me?
Houve um tempo, antes de que conhecesse quem chamava seu Professor, em que um desafio como esse, e em especial por parte de um fanfarrão como Carrigan, não tivesse passado como nada.
Mas esse policial suarento e salivoso que agora lhe olhava de acima das escadas lhe resultava insignificante à luz dos deveres que lhes eram confiados aos escolhidos como ele. O servente se limitou a piscar umas quantas vezes e logo se deu a volta para recolher o telefone móvel e continuar a tarefa que tinha entre mãos.
Somente conseguiu baixar dois degraus antes de que Carrigan caísse sobre ele outra vez. Notou que uns dedos fortes lhe sujeitavam pelos ombros e lhe obrigavam a dar a volta. Os olhos do servente caíram soubre uma elegante caneta que Carrigan levava no bolso do uniforme. Reconheceu o emblema comemorativo dos serviços emprestados mas imediatamente recebeu outro golpe seco no crânio.
—O que te passa, é que está surdo e mudo? Te aparte de minha vista ou vou a...
Nesse momento, o policial se engasgou e soltou o ar de repente e o servente recuperou a consciência. Viu a si mesmo com a caneta do agente na mão cravando-lhe profundamente pela segunda vez, com uma investida brutal, na carne do pescoço do Carrigan.
O servente lhe cravou uma e outra vez a arma improvisada até que o policial se desabou no chão e ficou ali tendido como um vulto destroçado e sem vida.
Ele abriu a mão e a caneta caiu no atoleiro de sangue que se havia formado nas escadas. Imediatamente e esquecendo-o tudo, se agachou e voltou a tomar o telefone celular. Tinha intenção de fazer essa crucial chamada imediatamente, mas não podia deixar de olhar o desastre que acabava de provocar, um desastre que não ia ser tão fácil de limpar como os restos de pizza no vestíbulo.
Isso tinha sido um engano, e qualquer aprovação que pudesse receber ao informar ao seu senhor sobre o paradeiro da mulher Maxwell lhe seria retirada quando contasse que se comportou de maneira tão impulsiva na delegacia de polícia. Matar sem autorização invalidava qualquer outra coisa.
Mas possivelmente houvesse um caminho ainda mais seguro para conseguir o favor de seu senhor, e esse caminho consistia em capturar e entregar essa mulher a seu senhor em pessoa.
«Sim —pensou o servente.
— Esse era um prêmio para impressionar.»
Colocou o telefone celular no bolso e voltou até o corpo de Carrigan para lhe tirar a arma do arnês. Logo passou por cima do corpo e se apressou para uma entrada traseira que comunicava com o estacionaminto.
CONTINUA
Capítulo sete
—Dê uns minutos mais e o céu —disse Gabrielle, olhando dentro do forno da cozinha e permitindo que o rico aroma dos manicotti Calhes se pulverizasse pelo apartamento.
Fechou a porta do forno, voltou a programar o relógio digital, serviu-se outra taça de vinho tinto e a levou a sala de estar. No sistema de áudio soava com suavidade um velho cd da Sara McLahlan. Passavam uns minutos das sete da tarde, e Gabrielle tinha começado, por fim, a relaxar-se depois da pequena aventura da manhã no asilo abandonado. Tinha conseguido um par de fotos decentes que possivelmente dessem para algo, mas o melhor de tudo era que tinha conseguido escapar do sistema de segurança do edifício.
Somente isso já era digno de celebração.
Gabrielle se acomodou em um fofo rincão do sofá, quente dentro das calças cinzas de ioga e da camiseta rosa de manga larga. Acabava-se de dar um banho e ainda tinha o cabelo úmido; umas mechas lhe desprendiam da pregadeira em que se recolheu o cabelo despreocupadamente, na nuca. Agora se sentia limpa e começava a relaxar-se por fim, e se sentia mais que contente de ficar em casa para passar a noite desfrutando de sua solidão.
Por isso, quando soou o timbre da porta ao cabo de um minuto, soltou uma maldição em voz baixa e pensou em fazer caso omisso dessa interrupção indesejada. O timbre soou pela segunda vez, insistente, seguido por uns rápidos golpes na porta jogo de dados com força e que não soavam como que foram aceitar um não por resposta.
—Gabrielle.
Gabrielle já se pôs em pé e se dirigia cautelosamente para a porta, quando reconheceu essa voz imediatamente. Não deveria havê-la reconhecido com tanta certeza, mas assim era. A profunda voz de barítono de Lucan Thorne atravessou a porta e lhe meteu no corpo como se fosse um som que tivesse ouvido milhares de vezes antes e que a tranquilizava tanto como lhe disparava o pulso, enchendo a de expectativas.
Surpreendida e mais agradada do que queria admitir, Gabrielle abriu os múltiplos ferrolhos e lhe abriu a porta.
—Olá.
—Olá, Gabrielle.
Ele a saudou com uma inquietante familiaridade: seus olhos eram intensos baixo essas escuras sobrancelhas de linha decidida. Esse penetrante olhar percorreu lentamente o corpo de Gabrielle, desde sua cabeça despenteada, passando pelo sinal da paz costurado em seda na camiseta que cobria o peito sem sutiens, até os dedos dos pés que apareciam nus por debaixo das pernas das calças boca de sino.
—Não esperava a visita de ninguém. —Disse-o como desculpa por seu aspecto, mas não pareceu que a Thorne importasse. Em realidade, quando ele voltou a dirigir sua atenção ao rosto dela, Gabrielle sentiu que se ruborisava repentinamente por causa da forma em que a estava olhando.
Como se queria devorá-la ali mesmo.
—OH, trouxe-me o telefone celular —disse ela, sem poder evitar dizer uma obviosidade, ao ver o brilho metálico na mão dele.
O alargou a mão, oferecendo-lhe,
—Mais tarde que o que deveria. Peço-lhe desculpas.
Tinha sido sua imaginação, ou os dedos dele tinham roçado os seus de forma deliberada quando ela tomava o celular de sua mão?
—Obrigado por devolver-me disse isso ela, ainda apanhada no olhar dele—. pôde... isto... pôde fazer algo com as imagens?
—Sim. Foram de grande ajuda.
Ela suspirou, aliviada de que a polícia estivesse, por fim, de sua parte nesse assunto.
—você crê que poderá apanhar aos tipos das fotos?
—Estou seguro disso.
O tom da voz dele tinha sido tão ameaçador que Gabrielle não o duvidou nem um instante. A verdade era que começava a ter a sensação de que o detetive Thorne era um menino travesso no pior de seus pesadelos.
—Bom, essa é uma notícia fantástica. Tenho que admitir que todo esse assunto me deixou um pouco intranqüila. Suponho que presenciar um assassinato brutal tem esse efeito em uma pessoa, verdade?
Ele se limitou a responder com um direto assentimento de cabeça. Era um homem de poucas palavras, isso era evidente, mas quem necessitava palavras quando se tinham uns olhos como esses que eram capazes de desnudar a alma?
Nesse momento, a suas costas, o alarme do forno da cozinha começou a soar. Gabrielle se sentiu aborrecida e aliviada ao mesmo tempo.
—Merda. Isso... isto... é meu jantar. Será melhor que o apague antes de que se dispare o alarme contra incêndios. Espere aqui um segundo... quero dizer, quer...? —Respirou fundo para tranqüilizar-se; não estava acostumada a sentir-se tão insegura com ninguém.
— Entre, por favor. Volto em seguida.
Sem duvidar nem um momento, Lucan Thorne entrou no apartamento atrás dela, Gabrielle se dava a volta para deixar o telefone celular e dirigir-se a cozinha para tirar os manicotti do forno.
—Interrompi algo?
Gabrielle se surpreendeu para ouvir que lhe falava desde dentro da cozinha, como se a tivesse seguido imediatamente e em silencio do mesmo instante em que lhe tinha convidado a entrar. Gabrielle tirou a bandeja com a massa fumegante do forno e a deixou em cima da mesa para que se esfriasse. Tirou-se as luvas de cozinha, quentes, e se deu a volta para lhe dedicar ao detetive um sorriso orgulhoso.
—Estou de celebração.
Ele inclinou a cabeça e jogou uma olhada ao silencioso ambiente que lhes rodeava.
—Sozinha?
Ela se encolheu de ombros.
—A não ser que você queira me acompanhar.
O leve gesto de cabeça que ele fez parecia mostrar reticência, mas imediatamente se tirou o casaco escuro e o deixou, dobrado, em cima do respaldo de um dos tamboretes que havia na cozinha. Sua presença era peculiar e lhe impedia de concentrar-se, especialmente nesses momentos em que ele se encontrava dentro da pequena cozinha: esse homem desconhecido e musculoso de olhar cativante e de um atrativo ligeiramente sinistro.
Ele se apoiou no mármore da cozinha e a observou enquanto ela se ocupava da bandeja de massa.
—O que celebramos, Gabrielle?
—Que hoje vendi algumas fotografias, em uma amostra privada, em um escritório brega do centro da cidade. Meu amigo Jamie me chamou faz uma hora aproximadamente e me deu a notícia.
Thorne sorriu levemente.
—Felicidades.
—Obrigado. —Ela tirou outra taça do armário da cozinha e levantou a garrafa aberta do Chianti.
— Quer um pouco?
O negou lentamente com a cabeça.
—Infelizmente, não posso.
—OH, sinto-o —repôs ela, recordando qual era sua profissão.
— De serviço, verdade?
Ele apertou a mandíbula.
—Sempre.
Gabrielle sorriu, levou-se uma mão até uma mecha que lhe tinha desprendido da cauda e o colocou detrás da orelha. Thorne seguiu com o olhar o movimento de sua mão, e seus olhos se detiveram no arranhão que Gabrielle tinha na bochecha.
—O que lhe aconteceu?
—OH, nada —respondeu ela, pensando que não era uma boa idéia contar a um policial que se passou parte da manhã dentro de um velho psiquiátrico no qual tinha entrado de maneira ilegal.
— Ésomente um arranhão: ossos do ofício, de vez em quando. Estou segura de que sabe do que lhe falo.
Gabrielle riu, um pouco nervosa, porque de repente ele se estava acercando a ela com uma expressão muito séria no rosto. Com apenas uns quantos passos se colocou justo diante dela. Seu tamanho, sua força —que resultava evidente—, era entristecedora. A essa curta distância, Gabrielle pôde ver os músculos bem desenhados que se marcavam e se moviam desde sua camisa negra. Essa malha de qualidade lhe caía nos ombros, no peito e nos braços como se o tivessem feito a medida para que lhe sentasse perfeitamente.
E seu aroma era incrível. Não notou que levasse colônia, somente notou um ligeiro aroma a memora e a pele, e a um pouco mais denso, como uma especiaria exótica que não conhecia. Fossr o que fosse, esse aroma invadiu todos seus sentidos como algo elementar e primitivo e fez que se aproximasse ainda mais a ele em um momento no qual o que deveria ter feito era apartar-se.
Ele alargou a mão e Gabrielle agüentou a respiração ao notar que a acariciava a linha da mandíbula com a ponta dos dedos. A nudez desse contato irradiou calor sobre sua pele, que se estendeu para seu pescoço enquanto lhe acariciava com a mão a sensível pele debaixo da orelha e da nuca. Acariciou-lhe o arranhão da bochecha com o dedo polegar. A ferida lhe tinha ardido antes, quando a tinha limpo, mas nesse momento, essa tenra e inesperada carícia não a incomodou absolutamente.
Não sentia nada mais que uma cálida frouxidão e uma lenta dor que lhe formava redemoinhos no mais profundo de seu corpo.
Para sua surpresa, ele se inclinou para diante e lhe deu um beijo no arranhão. Os lábios dele se entretiveram nesse ponto um instante, o tempo suficiente para que ela compreendesse que esse gesto era um prelúdio a algo mais. Gabrielle fechou os olhos: sentia o coração acelerado. Não se moveu e quase nem respirou enquanto notava o contato dos lábios de Lucan que se dirigiam para os seus. Os beijou com intensidade, e notou a chicotada do desejo apesar da suavidade e a calidez dos lábios dele. Gabrielle abriu os olhos e viu que ele a estava olhando. Os olhos dele tinham uma expressão selvagem e animal que lhe provocou uma corrente de ansiedade que lhe percorreu todas as costas.
Quando finalmente foi capaz de falar, a voz lhe saiu débil e quase sem fôlego.
—Tem que fazer isto?
Esse olhar penetrante permaneceu cravado em seus olhos.
—OH, sim.
Ele se inclinou para ela outra vez e lhe acariciou as bochechas, o queixo e o pescoço com os lábios. Ela suspirou e ele apanhou esse ar com um profundo beijo, lhe penetrando a boca com a língua. Gabrielle lhe recebeu, vagamente consciente de que as mãos dele se encontravam sobre suas costas agora e que se deslizavam por debaixo da camiseta. E lhe acariciou, percorrendo a coluna com as pontas dos dedos. Essa carícia se deslocou com um movimento preguiçoso para baixo, e continuou por cima da malha da calça. Essas mãos fortes se acoplaram a curva de suas nádegas e as apertaram ligeiramente. Ela não resistiu. Ele voltou a beijá-la, mais profundamente, e a atraiu devagar para si até que a pélvis dela entrou em contato com o duro músculo de sua entre perna.
Que diabos estava fazendo? Estava utilizando a cabeça?
—Não —disse ela, tentando recuperar o sentido comum.
— Não, um momento. Pare. —Deus, detestou como tinha divulgado essa palavra, agora que a sensação dos lábios dele sobre os sua era tão agradável.
— Está... Lucan... está com alguém?
—Olhe a seu redor, Gabrielle. —Passou-lhe os lábios por cima dos dela enquanto o dizia e ela se sentiu enjoada de desejo.
— Estamos somente você e eu.
—Tem namorada —gaguejou ela entre beijo e beijo. Possivelmente já era um pouco tarde para perguntá-lo, mas tinha que sabê-lo, inclusive apesar de que não estava segura de como reagiria ante uma resposta que não fosse a que queria ouvir.
— Tem casal? Está casado? Por favor, não me diga que está casado...
—Não há ninguém mais.
«Somente você.»
Ela estava bastante segura de que ele não tinha pronunciado essas duas últimas palavras, mas Gabrielle as ouvia em sua cabeça, ouvia seu eco quente e provocador, vencendo todas suas resistências.
«OH, ele resulta muito agradável.» Ou possivelmente era que ela estava tão desesperada por ele, que esse simples e único sinal que lhe oferecia era suficiente. Essa e a que combinava essas mãos suaves e esses quentes e famintos lábios. Apesar de tudo, lhe acreditou sem sombra de dúvida. Sentiu como se todos e cada um dos sentidos dele estivessem sozinho concentrados nela.
Como se somente existisse ela, somente ele, e essa coisa quente que havia entre eles.
E que, inegavelmente, tinha existido entre eles do mesmo momento em que ele tinha subido as escadas de sua casa pela primeira vez.
—OH —exclamou ela enquanto exalava todo o ar dos pulmões com um comprido suspiro. Ela se apertou contra ele desfrutando da sensação de notar essas mãos sobre sua pele, lhe acariciando a garganta, o ombro, o arco das costas.
— O que estamos fazendo, Lucan?
Ele emitiu um grunhido divertido que ela sentiu no ouvido, grave e prófundo como a noite.
—Acredito que já sabe.
—Eu não sei nada, nada quando faz isso. OH... Deus.
Ele deixou de beijá-la um instante e a olhou aos olhos com intensidade enquanto se apertava contra ela com um gesto lento e deliberado. O sexo dele se apertou, rígido, contra o estômago dela. Ela notava a solidez e a dimensão de seu membro, sentia a pura força e tamanho de seu pênis, inclusive através da barreira da roupa. Sentiu a umidade entre as pernas no mesmo instante em que a idéia de lhe receber dentro de si passou pela cabeça.
—É por isso que vim esta noite. —A voz de Lucan soou rouca contra seu ouvido.
—O compreende, Gabrielle? Desejo-te.
Esse sentimento era mais que mútuo. Gabrielle gemeu e esfregou seu corpo contra o dele com um desejo que não podia, nem queria, controlar.
Isso não estava acontecendo. Não estava acontecendo, realmente. Tinha que tratar-se de outro sonho louco, como o que tinha tido depois da primera vez que lhe tinha visto. Ela não estava em pé na cozinha com Lucan Thorne, nem estava permitindo que esse homem ao que quase não conhecia a seduzisse. Estava sonhando, tinha que estar sonhando, e ao cabo de pouco tempo despertaria no sofá, sozinha, como sempre, com a taça de vinho atirada no tapete e seu jantar no forno, queimado.
Mas ainda não.
OH, Deus, por favor, ainda não.
Sentir como lhe acariciava a pele, como bulia de desejo sua língua, era melhor que qualquer sonho, inclusive melhor que esse delicioso sonho que tinha tido antes, se é que isso era possível.
—Gabrielle —sussurrou ele.
— Me diga que você também quer isto.
—Sim.
Gabrielle notou que ele introduzia uma mão entre os corpos de ambos, urgente, e sentiu o fôlego quente dele em sua garganta.
—Me sinta, Gabrielle. Date conta de até que ponto te necessito.
Ela sentiu os dedos dele ligeiros ao entrar em contato com os seus. Conduziu-lhe a mão até a tensa ereção, liberada agora de seu confinamento. Gabrielle lhe rodeou o pênis com a mão e acariciou sua pele aveludada lentamente, lhe medindo. Essa parte de seu corpo era tão grande como o resto, e tinha uma força brutal apesar de que era muito suave. Sentir o peso do sexo dele na mão a transtornou como se tivesse tomado uma droga. Apertou a mão ao redor do pênis e atirou para cima, acariciando com a ponta dos dedos o grosso glande.
Enquanto Gabrielle subia e baixava com a mão ao longo de seu membro, Lucan se retorcia. Notou que as mãos dele tremiam enquanto se deslocavam dos quadris dela até a parte dianteira da pantalona para desabotoar-lhe, atirou do nó do cordão e soltou um juramento em algum idioma estranho com os lábios quentes contra seu cabelo. Gabrielle sentiu uma corrente de ar frio sobre o ventre e, imediatamente, o calor repentino da mão de Lucan, que acabava de introduzir-lhe dentro da calça.
Ela estava úmida por ele, tinha perdido a cabeça e sentia que o desejo lhe queimava.
Ele introduziu os dedos com facilidade por entre os cachos de sua entre perna e em seu sexo empapado, provocando-a com a brincadeira de sua mão contra sua carne. Ela gritou ao sentir que o desejo a invadia em uma quebra de onda que a deixou tremendo.
—Necessito-te —lhe confessou em um fio de voz, nua pelo desejo. Por resposta, lhe introduziu um comprido dedo dentro da vagina e logo outro. Gabrielle se retorceu ao sentir essa carícia tentadora que ainda não a enchia.
—Mais —disse, quase sem fôlego—. Lucan, por favor... necessito... mais.
Um escuro grunhido de paixão soou na garganta dele enquanto voltava a atacar seus lábios com outro beijo faminto. A calça dela se escorregou até o chão. Detrás, seguiram-lhe as calcinhas, a fina malha se rompeu com a força e a impaciência da mão de Lucan. Gabrielle sentiu que o ar frio lhe acariciava a pele, mas então Lucan ficou de joelhos diante dela e ela se acendeu antes de ter tempo de voltar a respirar. Ele a beijou e a lambeu, lhe sujeitando com força a parte interior das coxas com as mãos e lhe fazendo abrir as pernas para satisfazer seu desejo carnal. Sentiu a língua dele que a penetrava, sentiu que os lábios dele a chupavam com força, e não pôde evitar sentir que as pernas lhe fraquejavam.
Gozou rapidamente, com mais força da que teria imaginado. Lucan a sujeitava com firmeza com as mãos, apertando seu úmido sexo contra ele, sem lhe dar trégua Apesar de que o corpo dela tremia e se retorcia e que seu fôlego era agitado e entrecortado enquanto ele a conduzia para o orgasmo outra vez. Gabrielle fechou os olhos e jogou a cabeça para trás, rendendo-se a ele, e a loucura desse inesperado encontro. Cravou-lhe as unhas nos ombros para sujeitar-se, porque sentia que as pernas lhe falhavam.
Sentiu, de novo, o alívio do orgasmo em todo o corpo. Primeiro a possuiu com uma força férrea, arrastando-a a um país de uma sensualidade de sonho, e logo a soltou e ela se sentiu cair e cair...
Não, estava-a levantando, pensou, aturdida por essa neblina sexual. Os braços de Lucan a sujeitavam com ternura por debaixo das costas e dos joelhos. Agora ele estava nu, e ela também, Apesar de que não podia recordar quando se tirou a camiseta. Lhe rodeou o pescoço com os braços e ele a tirou da cozinha para a sala de estar, onde soava pelos alto-falantes a voz do Sarah McLahlan em um tema que falava de abraçar a alguém e de lhe beijar até lhe deixar sem respiração.
A suavidade do sofá a recebeu assim que Lucan a teve depositado no sofá para colocar-se em cima dela. Não foi até esse momento que ela pôde lhe ver por completo, e o que viu era magnífico. Um metro noventa e oito de sólida musculatura e de pura força masculina que a apanhava por cima, e esses sólidos braços a cada lado de seu corpo.
Como se a pura beleza do corpo dele não fosse suficiente, a impressionante pele de Lucan mostrava umas intrincadas tatuagens que a deixaram boquiaberta. O complicado desenho de linhas curvas e formas entrecruzadas se desdobrava por cima de seus peitorais e de seu forte abdomen, subia-lhe pelos largos ombros e lhe rodeava os grossos bíceps. A cor era confusa, variava de um verde mar, a um siena, um vermelho bordo que parecia tomar um tom mais intenso quando ela o olhava.
Ele baixou a cabeça para concentrar-se em seus peitos, e Gabrielle viu que a tatuagem lhe cobria as costas e desaparecia sob o cabelo da nuca. A primeira vez que lhe viu, sentiu o desejo de percorrer com os dedo essa marca. Agora sucumbiu a ele, abandonando-se, deixando que suas mãos percorressem todo o corpo dele, maravilhada tanto por esse homem misterioso como por essa estranha arte que sua pele mostrava.
—Me beije —lhe suplicou, lhe sujeitando os ombros tatuados com ambas as mãos.
Ele começou a levantar a cabeça e Gabrielle arqueou as costas debaixo dele, sentindo-se enfebrecida pelo desejo, precisando lhe sentir dentro de seu corpo. Sua ereção era dura como o aço e quente contra suas coxas. Gabrielle deslizou as mãos para baixo e lhe acariciou enquanto levantava os quadris para lhe receber.
—Tome —sussurrou ela—. Me encha, Lucan. Agora. Por favor.
Ele não o negou.
O grosso glande de seu membro pulsava, duro e sensível, na entrada de sua vagina. Ele estava tremendo e ela se deu conta de uma forma um tanto confusa. Esses impressionantes ombros tremiam sob o contato de suas mãos, como se ele se esteve contendo todo esse tempo e estivesse a ponto de explodir. Ela queria que ele gozasse com a mesma força com que o tinha feito ela. Precisava lhe ter dentro dela ou ia morrer. Ele emitiu um grunhido afogado, os lábios lhe roçando a sensibilidade da pele do pescoço.
—Sim —lhe animou ela, movendo-se debaixo dele para que seu pênis se crava-se até o centro de seu corpo.
— Não seja suave. Não vou romper.
Ele levantou a cabeça finalmente e, por um instante, olhou-a aos olhos. Gabrielle lhe olhou, com as pálpebras pesadas, assustada pelo fogo indómito que viu nele: seus olhos brilhavam com umas chamas gêmeas de uma cor prateado pálido que lhe alagava as pupilas e penetrava nos olhos dela com um calor sobrenatural. Os rasgos do rosto dele pareciam mais afiados, sua pele parecia estirar-se sobre suas maçãs do rosto e suas fortes mandíbulas.
Era verdadeiramente peculiar como a tênue luz da habitação jogava sobre esses rasgos.
Esse pensamento ainda não lhe tinha terminado de formar por completo quando as luzes da sala de estar se apagaram de uma vez. Tivesse-lhe parecido estranho se Lucan, nesse momento, quando a escuridão caiu sobre eles, não a tivesse penetrado com uma forte e profunda investida. Gabrielle não pôde reprimir um gemido de prazer ao notar que ele a enchia, abria-a, empalava-a até o centro de seu corpo.
—OH, Meu deus —exclamou ela quase em um soluço, aceitando toda a dureza e dimensão dele.
— É tão prazeiroso.
Ele baixou a cabeça até o ombro dela e soltou um grunhido enquanto saía de sua vagina. Logo investiu com mais força que antes. Gabrielle se sujeitou as costas dele, lhe atraindo para si, enquanto levantava as cadeiras para receber suas fortes investidas. Ele soltou um juramento, quase sem respiração, que pareceu um som escuro e animal. Seu pênis se deslizava dentro dela e parecia inchar-se mais a cada movimento de seus quadris.
—Necessito foderte, Gabrielle. Precisava estar dentro de ti do primeiro momento em que te vi.
A franqueza dessas palavras, o fato de que admitisse que a tinha desejado tanto como lhe tinha desejado a ele somente serviu para que ela se inflamasse mais. Enredou os dedos no cabelo dele, e gritou, sem respiração, à medida que o ritmo dele se incrementava. Agora ele entrava e saía, incansável, entre suas pernas. Gabrielle sentiu a corrente do orgasmo no mais profundo de seu ventre.
—Poderia estar fazendo isto toda a noite —disse ele com voz rouca, seu fôlego quente contra o pescoço dela.
— Acredito que não posso parar.
—Não o faça, Lucan. OH, Deus... não o faça.
Gabrielle se agarrou a ele enquanto ele bombeava dentro de seu corpo. Era o único que pôde fazer enquanto um grito lhe rompia a garganta e gozava e gozava e gozava uma vez detrás de outra, imparavel.
Lucan saiu do apartamento de Gabrielle e percorreu a escura e silenciosa rua a pé. Tinha-a deixado dormindo no dormitório de seu apartamento, com a respiração compassada e tranqüila, o delicioso corpo esgotado depois de três horas de paixão sem parar. Nunca havia transado com tanta fúria, durante tanto tempo, nem tão completamente com ninguém.
E ainda desejava mais.
Mais dela.
O fato de que tivesse conseguido lhe ocultar o alongamento das presas e o brilho de selvagem desejo de seus olhos era um milagre.
O fato de que não tivesse cedido à necessidade invencível e urgente de lhe cravar as afiadas presas na garganta e beber até ficar embriagado era ainda mais impressionante.
Mas não confiava em si mesmo o suficiente para ficar perto dela enquanto cada uma das enfebrecidas células de seu corpo lhe doía pelo desejo de fazê-lo.
Provavelmente, a ter ido ver essa noite tinha sido um monstruoso engano. Tinha pensado que ter sexo com ela apagaria o fogo que lhe acendia, mas nunca se equivocou tanto. Ter tomado a Gabrielle, ter estado dentro dela, somente tinha servido para pôr em evidência a debilidade que sentia por ela. Tinha-a desejado com uma necessidade animal e a tinha açoitado como o depredador que era. Não estava seguro de ter sido capaz de aceitar um não como resposta. Não acreditava que tivesse sido capaz de controlar o desejo que sentia por ela.
Mas não lhe tinha rechaçado.
Não o tinha feito, não.
Em retrospectiva, tivesse sido um ato de misericórdia que ela o ouvesse feito, mas em lugar disso, Gabrielle tinha aceito por completo sua fúria sexual e tinha exigido que não lhe desse nada inferior a isso .
Se nesse mesmo momento, desse meia volta e voltasse para seu apartamento para despertá-la, poderia passar umas quantas horas mais entre suas impressionantes e acolhedoras coxas. Isso, pelo menos, satisfaria parte de sua necessidade. E se não podia saciar a outra parte, esse tortura que crescia cada vez mais em seu interior, podia esperar a que se levantasse o sol e deixar que seus mortais raios o abrasassem até a destruição.
Se o dever que tinha para a raça não lhe tivesse tão comprometido, consideraria essa opção como uma possibilidade atrativa.
Lucan pronunciou um juramento em voz baixa. Saiu do bairro de Gabrielle e se internou na paisagem noturna da cidade. Tremiam-lhe as mãos. Lhe havia agudizado a vista, e seus pensamentos começavam a ser selvagens. O corpo lhe picava; sentia-se ansioso. Soltou um grunhido de frustração: conhecia esses sintomas muito bem.
Precisava voltar a alimentar-se.
Fazia muito pouco tempo que tinha tomado a quantidade suficiente de sangue para manter-se durante uma semana, possivelmente mais. Isso havia sido umas quantas noites atrás e, apesar disso, lhe retorcia o estômago como se estivesse desfalecido de fome. Fazia muito tempo que sua necessidade de alimentar-se tinha piorado e já quase resultava insuportavel quando tentava reprimir-lhe.
Isso era o que lhe tinha permitido chegar tão longe.
Em um momento ou outro ia chegar ao final da corda. E então o que?
De verdade acreditava que era tão distinto de seu pai?
Seus irmãos não tinham sido distintos de seu pai, e eles eram maiores e mais fortes que ele. A sede de sangue os tinha levado aos dois: um deles se tirou a vida quando o vício foi demasíado forte; o outro foi mais à frente ainda, converteu-se em um renegado e perdeu a cabeça sob a folha mortal de um guerreiro da raça.
Ter nascido na primeira geração lhe tinha dado a Lucan uma grande força e um grande poder —e lhe tinha permitido gozar de um imediato respeito que ele sabia que não merecia—, mas isso era tanto um dom como uma maldição. Perguntava-se quanto tempo mais poderia continuar lutando contra a escuridão de sua própria natureza selvagem. Algumas noites se sentia muito cansado de ter que fazê-lo.
Enquanto caminhava entre a gente que povoava as ruas noturnas Lucan deixou vagar o olhar. Embora estava preparado para entrar em batalha se tinha que fazê-lo, alegrou-se de que não houvesse nenhum renegado a vista. Somente viu uns quantos vampiros da última geração que pertenciam ao Refúgio Escuro dessa zona: um grupo de jovens machos que se mesclaram com um animado grupo de seres humanos que tinham saído de festa e que procuravam dissimuladamente, igual a ele, um anfitrião de sangue. Enquanto se dirigia para eles por essa parte da calçada, viu que os jovens se davam cotoveladas uns aos outros e lhes ouviu sussurrar as palavras «guerreiro» e «primeira geração». A admiração que mostravam abertamente e sua curiosidade resultavam aborrecida, embora não era algo pouco habitual. Os vampiros que nasciam e cresciam nos Refúgios Escuros raramente tinham a oportunidade de ver um membro da classe dos guerreiros, por não falar do fundador da antiga e orgulhosa e agora já antiquada Ordem.
A maioria deles conheciam as histórias que contavam que fazia varios séculos, oito dos mais ferozes e letais machos da raça se uniram em um grupo para assassinar aos últimos antigos selvagens e ao exército de renegados que lhes serviam. Esses guerreiros se converteram lenda e desde esse momento, a Ordem tinha sofrido muitas mudanças, havia crescido em número e suas localizações tinham aumentado nos períodos em que tinha havido conflito com os renegados e tinham detido sua atividade durante os largos períodos de paz.
Agora, a classe dos vampiros estava formada somente por um punhado de indivíduos em todo o planeta que operava de forma encoberta e muitas vezes independente e com não pouco desprezo da sociedade. Nesta época ilustrada de trato justo e de processos legais em que se encontrava a nação dos vampiros, as táticas dos guerreiros se consideravam renegadas e quase do outro lado da lei.
Como se Lucan, ou a qualquer dos guerreiros que se encontravam em primeira fila da luta com ele, importassem-lhes o mais mínimo as relações públicas.
Lucan grunhiu em direção aos jovens boquiabertos e dirigiu uma convite mental as fêmeas humanas com quem os vampiros tinham estado conversando na rua. Todos os olhos femininos ficaram cravados no puro poder que ele —e ele sabia— emanava em todas as direções. Duas das garotas —uma loira de peito abundante e uma ruiva de cabelo somente um pouco mais claro que o do Gabrielle— se separaram imediatamente do grupo e se aproximaram dele, esquecendo a seus amigos e aos outros machos imediatamente.
Mas Lucan somente necessitava a uma, e a eleição era fácil. Rechaçou a loira com um gesto de cabeça. Sua companheira se colocou sob o braço dele e começou alhe manusear enquanto ele a conduzia para um discreto e escuro rincão de um edifício próximo.
Se pos a tarefa sem duvidar nem um momento.
Apartou o cabelo da garota, impregnado do aroma de tabaco e a cerveja, de seu pescoço, lambeu-se os lábios e lhe cravou as presas estendidas na garganta. Ela sofreu um espasmo ao notar a dentada e levantou as mãos em um gesto instintivo no momento no qual ele começou a chupar com força o sangue de suas veias. Chupou durante um bom momento, não queria desperdiçar nada. A fêmea gemeu, não por causa do alarme nem da dor, a não ser a causa do prazer único que produzia sentir sair o sangue sob o domínio de um vampiro.
O sangue encheu a boca de Lucan, quente e denso.
Contra sua vontade, em sua mente se formou a imagem de Gabrielle em seus braços, e Lucan imaginou, por um muito breve instante, que era de seu pescoço de que chupava nesses momentos.
Que era o sangue dela a que lhe descia pela garganta e lhe entrava no corpo.
Deus, o que era pensar como seria chupar a veia de Gabrielle enquanto seu pênis se cravava no quente e úmido centro de seu corpo.
Que prazer só pensá-lo.
Apartou essa fantasia de sua mente com um grunhido feroz.
«Isso não vai acontecer nunca», disse a si mesmo, com dureza. A realidade era outra coisa, e era melhor que não a perdesse de vista.
A verdade era que não se tratava de Gabrielle, mas sim de uma estranha sem nome, justo tal e como ele o preferia. O sangue que tomava nesse momento não tinha a doçura de jasmim que ele tanto desejava, a não ser uma acidez amarga viciada por algum suave narcótico que sua anfitriã tinha ingerido recentemente.
Não lhe importava o sabor que tivesse. Quão único precisava era apaziguar a urgência da sede, e para isso servia qualquer. Continuou chupando e tragando com ansiedade, de forma expedita, como o fazia sempre quando se alimentava.
Quando teve terminado, passou a língua pelos dois orifícios para fecha-los. A jovem estava respirando agitadamente, tinha os lábios entre abertos e seu corpo estava lânguido como se tivesse acabado de ter um orgasmo.
Lucan pôs a palma da mão sobre a frente dela e a desceu para seu rosto para lhe fechar os olhos, vazios de expressão e sonolentos. Esse contato apagava qualquer lembrança do que acabava de acontecer entre eles.
—Seus amigos lhe estão procurando — disse a garota enquanto apartava a mão de seu rosto e lhe olhava, confundida, piscando.
— Deveria ir a casa. A noite está cheia de depredadores.
—De acordo —disse ela, assentindo com a cabeça.
Lucan esperou entre as sombras enquanto ela dava a volta a esquina do edifício e se dirigia para seus companheiros. Ele inalou com força através dos dentes e das presas: sentia todos os músculos do corpo tensos, duros e vivos. O coração lhe pulsava com força no peito. Somente pensar no sabor que devia ter o sangue de Gabrielle lhe tinha provocado uma ereção.
Seu apetite físico deveria haver-se apaziguado agora que já se havia alimentado, mas não se sentia satisfeito.
Ainda... desejava-a.
Emitiu um grunhido baixo e voltou a sair de caça a rua, mais mal humorado que nunca. Pôs o olhar na parte mais conflitiva da cidade com a esperança de encontrasse com um ou dois renegados antes de que começasse a sair o sol. De repente, precisava meter-se em uma briga desesperadamente. Precisava fazer mal a alguém, inclusive embora esse alguém acabasse sendo ele mesmo.
Tinha que fazer o que fosse necessário para manter-se afastado de Gabrielle Maxwell.
Capítulo oito
Ao princípio, Gabrielle pensou que se tratou somente de outro sonho erótico. Mas a manhã seguinte, ao despertar, tarde, nua na cama, com o corpo esgotado e dolorido nos lugares adequados, soube que, definitivamente, Lucan Thorne tinha estado ali, em carne e osso. E Deus, que carne tão impressionante. Tinha perdido a conta de quantas vezes a tinha levado até o climax. Se somava todos os orgasmos que tinha tido durante os últimos dois anos, provavelmente nem se aproximaria do que tinha experiente com ele a passada noite.
E apesar disso, no momento em que abriu os olhos e se deu conta, decepcionada, de que Lucan não se ficou ali, ainda desejava ter outro orgasmo mais. A cama estava vazia, o apartamento se encontrava em silêncio. Era evidente que ele se partiu em algum momento durante a noite.
Gabrielle estava tão esgotada que tivesse podido dormir o dia inteiro, mas tinha uma entrevista para com o Jamie e com as garotas, assim saiu da casa e se dirigiu por volta do centro da cidade vinte minutos depois do meio-dia. Quando entrou no restaurante de Chinatown se deu conta de que umas quantas cabeças se giravam a seu passo: notou as olhadas apreciativas de um grupo de tipos que pareciam modelos de publicidade e que se encontravam ante a barra de sushi e as de meia dúzia de executivos trajados que a seguiram enquanto ela se dirigia para a
mesa de seus amigos, ao fundo do restaurante.
Sentia-se sexy e segura de si mesmo, vestida com seu suéter de pescoço de pico de cor vermelha escuro e sua saia negra, e não lhe importava que fora evidente para todo mundo que se encontrava ali que tinha desfrutado da noite de sexo mais incrível de toda sua vida.
—Finalmente, honra-nos com sua presença! —exclamou Jamie assim que Gabrielle chegou a mesa e saudou seus amigos com uns abraços.
Megan lhe acariciou uma bochecha.
—Tem um aspecto fantástico.
Jamie assentiu com a cabeça.
—Sim, é verdade, carinho. Eu adoro o que tem posto. É novo? —Não esperou a que lhe respondesse. Voltou a sentar-se imediatamente ante a mesa e se meteu na boca um rollito frito.
— Morria de fome, assim já pedimos um aperitivo. Mas onde estiveste? Estava a ponto de mandar a um esquadrão para te buscar.
—Sinto muito. Hoje dormi um pouco.
—Sorriu e se sentou ao lado do Jamie, no banco de vinil de cor verde.
— Kendra não vem?
—Desaparecida em combate outra vez. —Megan tomou um sorvo de chá e se encolheu de ombros.
— Não importa. Ultimamente, somente fala de seu novo namorado, já sabe, esse menino que encontrou em La Notte o passado fim de semana.
—Brent —disse Gabrielle, controlando a pontada de desconforto que sentiu pela menção dessa terrível noite.
—Sim, ele. Ela inclusive conseguiu trocar seu turno pelo de dia no hospital para passar todas as noites com ele. Parece que ele tem que viajar muito para ir ao trabalho ou o que seja e normalmente não está disponivel durante o dia. Não me posso acreditar que Kendra permita que alguém lhe dirija a vida desta maneira. Ray e eu levamos três meses saindo, eu ainda tenho tempo para meus amigos.
Gabrielle arqueou as sobrancelhas. Dos quatro, Kendra era a mais livre de espírito, inclusive de forma impenitente. Preferia manter uns quantos amantes e tinha intenção de permanecer solteira pelo menos até que cumprisse os trinta.
—Crê que se apaixonou?
—Lascívia, carinho. —Jamie colheu com os palitos o último sushi.
— Às vezes te faz fazer coisas piores que o amor. Me acredite, passou-me.
Enquanto mastigava, Jamie cravou os olhos nos do Gabrielle durante um comprido momento. Logo se fixou no cabelo desordenado e em que ela, de repente, ruborizou-se. Gabrielle tentou sorrir com expressão despreocupada, mas não pôde evitar que seu segredo a traísse no brilho de felicidade de seus olhos. Jamie deixou os palitos no prato, inclinou a cabeça para ela e o cabelo loiro lhe caiu sobre a bochecha.
—OH, Meu deus. —Sorriu—. O tem feito.
—Fiz o que? —Mas lhe escapou uma suave gargalhada.
—Tem-no feito. Deitaste-te com alguém, verdade?
A gargalhada de Gabrielle se reduziu a uma tímida risadinha.
—OH, carinho. Pois te sinta bem, devo dizer. —Jamie lhe deu umas palmadinhas na mão e Riu com ela.
— A ver se o adivinho: é o escuro e sexy detetive do Departamento de Polícia de Boston.
Ela levantou os olhos ao céu para ouvir como lhe tinha qualificado, mas assentiu com a cabeça.
—Quando foi?
—Esta noite. Virtualmente toda a noite.
A expressão de entusiasmo do Jamie atraiu a atenção de algumas mesas próximas. Ele se acalmou um pouco, mas sorria a Gabrielle como uma orgulhosa mamãe ganso.
—Ele é bom, né?
—Incrível.
—De acordo. E como é possível que eu não saiba nada deste homem misterioso? —interrompeu Megan nesses momentos—. E é um policial? Possivelmente Ray lhe conheça. Posso-lhe perguntar...
—Não. —Gabrielle negou com a cabeça—. Por favor, não digam nada disto aninguém, meninos. Não estou saindo com Lucan. Veio ontem pela noite para me devolver o telefone celular e as coisas ficaram... bom... fora de controle. Nem sequer sei se vou voltar a lhe ver.
A verdade era que não tinha nem idéia disso mas, Deus, desejava que assim fosse.
Uma parte dela sabia que o que tinha ocorrido entre eles era algo insensato, uma loucura. Era-o. A verdade é que não podia negá-lo. Era de loucos. Ela sempre se teve por uma pessoa sensata, prudente: a pessoa que acautelava a seus amigos dos impulsos imprudentes como o que se permitiu a noite passada.
Tola, tola, tola.
E não somente por ter permitido que esse momento a apanhasse por completo até o ponto de ter esquecido tomar nenhum amparo. Ter relação íntimas com alguém que é virtualmente um desconhecido raramente era uma boa idéia, mas Gabrielle tinha a terrível sensação de que resultaria muito fácil perder o coração por um homem como Lucan Thorne.
Mas como, estava segura, não era menos que de idiotas.
Apesar de tudo, o sexo como o que tinha tido com ele não se dava freqüentemente. Pelo menos, não para ela. Somente pensar em Lucan Thorne fazia que tudo dentro de seu corpo se retorcesse de desejo. Se ele entrasse no restaurante justo nesse momento, provavelmente saltaria por sobre as mesas e se tornaria em cima dele.
—Ontem passamos juntos uma noite incrível, mas agora mesmo, isso é quão único há. Não quero tirar nenhuma conclusão disso.
—Ok! —Jamie apoiou um cotovelo na mesa e se apoiou nele com expressão conspiradora.
— Então, por que está a todo o momento?
—Onde diabos estiveste?
Lucan cheirou a Tegan antes de ver o vampiro dar a volta à esquina do corredor da zona de residência do complexo. O macho tinha estado caçando fazia pouco. Ainda arrastava o aroma metálico e adocicado do sangue, tanto de humano como de algum renegado.
Quando viu que Lucan lhe estava esperando fora de um dos apartamentos se deteve, com as mãos apertadas em punhos dentro dos bolsos da calça texana de cintura baixa. A camiseta cinza que levava posta estava desfiada em alguns pontos e suja de pó e de sangue. Tinha as pálpebras cansadas sobre os pálidos olhos verdes e se viam umas escuras olheiras. O cabelo, avermelhado, descuidado e comprido, caía-lhe sobre o rosto.
—Tem um aspecto de merda, Tegan.
Ele levantou os olhos por debaixo da franja de seu cabelo e se mostrou burlón, como sempre.
Seus fortes bíceps e antebraços estavam cobertos de dermoglifos. Essas elegantes e afiligranadas marca tinham somente um tom mais escuro que o de sua pele dourada e sua cor não desvelava o estado de ânimo do vampiro. Lucan não sabia se era por pura vontade que esse macho se encerrava em uma atitude permanente de apatia ou se era a escuridão de seu passado que verdadeiramente tinha apagado qualquer sentimento que pudesse ter.
Deus era testemunha de que tinha passado por algo que tivesse podido vencer a uma equipe inteira de guerreiros.
Mas os demônios pessoais que Tegan tivesse eram coisa dele. O único que lhe importava a Lucan era assegurar-se de que a Ordem se mantinha forte e a ponto. Não havia lugar para que essa correia tivesse enganos débeis.
—Faz cinco dias que estiveste fora de contato, Tegan. Lhe vou perguntar isso outra vez: onde merda estiveste?
O sorriu, zombador.
—Foda-se, cara. Não é minha mãe.
Começou a afastar-se, mas Lucan lhe fechou o passo com uma velocidade assombrosa. Levantou Tegan pelo pescoço e o empurrou contra a parede do corredor para captar sua atenção.
A fúria de Lucan estava em seu ponto máximo: em parte pela desconsideração que, em geral, Tegan mostrava por volta de outros na Ordem durante os últimos tempos, mas ainda o estava mais pela falta de sensatez que lhe tinha feito pensar que poderia passar uma noite com a Gabrielle Maxwell e tirar-lhe logo depois da cabeça.
Nem o sangue nem a extrema violência que tinha exercido com dois Renegados durante as horas prévias ao amanhecer tinham sido suficientes para apagar a lascívia pelo Gabrielle que ainda lhe pulsava por todo o corpo. Lucan tinha percorrido a cidade como um espectro durante toda a noite e tinha voltado para o complexo com um humor furioso e negro.
Esse sentimento persistia nele enquanto apertava os dedos ao redor da garganta de seu irmão. Necessitava uma desculpa para tirar a agresividade, e Tegan, com esse aspecto animal e com seu secretismo, era um candidato mais que bom para fazer esse papel.
—Estou cansado de suas tolices, Tegan. Precisa te controlar, ou eu o farei em seu lugar. —Apertou a laringe do vampiro com mais força, mas Tegan nem sequer se alterou pela dor.
— Agora me diga onde estiveste durante todo este tempo ou você e eu vamos ter sérios problemas.
Os dois machos tinham mais ou menos o mesmo tamanho e estavam mais que igualados em questão de força. Tegan pôde ter apresentado batalha, mas não o fez. Não demonstrou nem a mais mínima emoção, simplesmente olhou A Lucan com olhos frios e indiferentes.
Não sentia nada, e inclusive isso tirava de gonzo a Lucan.
Lucan, com um grunhido, tirou a mão da garganta do guerreiro e tentou controlar a raiva. Não era próprio dele comportar-se dessa maneira. Isso estava por debaixo dele.
Merda.
E era ele quem dizia a Tegan que tinha que controlar-se?
Bom conselho. Possivelmente tinha que aplicar-lhe a si mesmo.
O olhar inexpressivo do Tegan dizia mais ou menos o mesmo, embora o vampiro manteve, de forma inteligente, a boca fechada.
Enquanto os dois difíceis aliados se olhavam um ao outro em meio de um escuro silêncio, detrás deles e a certa distancia no corredor, uma porta de cristal se abriu com um zumbido. Ouviu-se o chiado das sapatilhas esportivas do Gideon no gentil chão enquanto este saía de seus aposentos privados e percorria o corredor.
—Né, Tegan, bom trabalho de reconhecimento, cara. Vigiei um pouco depois do que falamos o outro dia. Esse pressentimento que teve de que devíamos manter vigiados Aos renegados no Green Line parece bom.
Lucan nem sequer piscou. Tegan lhe agüentou o olhar, sem fazer caso às felicitações de Gideon. Tampouco tentou defender-se dessas suspeitas infundadas. Simplesmente ficou ali durante um comprido minuto sem dizer nada. Logo passou ao lado de Lucan e continuou seu caminho pelo corredor do complexo.
—Acredito que quererá comprovar isto, Lucan —disse Gideon enquanto se dirigia para o laboratório.
— Parece que algo está a ponto de ficar feio.
Capítulo nove
Com a taça quente entre as mãos, Gabrielle tomou um sorvo do suave chá enquanto Jamie comia o resto de seu prato. Também ia comer seu biscoitinho da sorte de sobremesa, como fazia sempre, mas não importava. Era agradável estar, simplesmente, com os amigos, e sentir que a vida voltava a adquirir certo ar de normalidade depois do que lhe tinha acontecido o fim de semana passado.
—Tenho uma coisa para ti —disse Jamie, interrompendo os pensamentos de Gabrielle. Rebuscou um momento na bolsa que levava de cor nata que estava no banco em meio de ambos e tirou um envelope alvo.
— Procede da amostra privada.
Gabrielle o abriu e tirou um cheque da galeria. Era mais do que hávia esperado. Uns par de notas grandes demais.
—Vai.
—Surpresa —cantarolou Jamie com um amplo sorriso—. Subi o preço. Pensei que diabos e eles o aceitaram sem regatear em nenhum momento. Crê que deveria ter pedido mais?
—Não —repôs Gabrielle—. Não, isto é... isto... uuuff. Obrigado.
—Não é nada. —Assinalou a barra de chocolate.
—Vais comer?
Ela empurrou o prato por cima da mesa para ele.
—Bom, e quem é o comprador?
—Ah, isso continua sendo um grande mistério —disse ele, enquanto rompia a bolacha dentro de seu pacote de plástico.
— Pagaram em dinheiro, assim é evidente que são sérios sobre o caráter anônimo da venda. E mandaram um táxi para me buscar para levar a coleção.
—Do que estão falando, meninos? —perguntou Megan. Olhou aos dois com o cenho franzido e uma expressão de confusão.
— Lhes juro que sou a última que se inteira de tudo.
—Nossa pequena e talentosa artista tem um admirador secreto — informou Jamie, dramaticamente. Tirou a nota da sorte do biscoitinho, leu-a, levantou os olhos ao céu e atirou o trocito de papel no prato vazio.
— Onde ficaram os dias em que este tipo de coisas significavam algo? Bom, faz umas quantas noites me pediram que apresentasse a coleção completa de fotografias da Gabby ante um comprador anônimo do centro da cidade. Compraram-nas todas: até a última.
Megan olhou a Gabrielle com os olhos muito abertos.
—Isso é maravilhoso! Me alegro tanto por ti, carinho!
—Seja quem é quem as comprou, a verdade é que tem uma seria mania com o secretismo.
Gabrielle olhou a seu amigo enquanto se guardava o cheque na bolsa.
—O que quer dizer?
Jamie terminou de mastigar o último pedaço de biscoitinho da sorte e se limpou os dedos dos miolos.
—Bom, quando cheguei a direção que me deram, em um desses luxuosos edifícios de escritórios com vários inquilinos, recebeu-me uma espécie de guarda-costas no vestíbulo. Não me disse nada, somente murmurou algo a um microfone sem fio e logo me acompanhou até um elevador que nos levou a piso mais alto do edifício.
Megan arqueou as sobrancelhas.
—Ao apartamento de cobertura?
—Sim. E aí está a coisa. O lugar estava vazio. Todas as luzes estavam acesas, mas não havia ninguém dentro. Não havia móveis, não havia nenhuma equipe, nada. Somente paredes e janelas que davam a cidade.
—Isso é muito estranho. Não te parece, Gabby?
Ela assentiu com a cabeça e uma sensação de intranqüilidade foi invadindo enquanto Jamie continuava.
—Então o guarda-costas me disse que tirasse a primeira fotografia da pasta e que caminhasse com ela e me dirigisse para as janelas da parede norte. Ao outro lado estava escuro, e eu lhe estava dando as costas a ele, mas ele me disse que devia sujeitar cada uma das fotos ante essa janela até que me desse instruções das deixar a um lado e tomar outra.
Megan riu.
—De costas a ele? Por que queria que fizesse isso?
—Porque o comprador estava observando desde outro lugar —respondeu Gabrielle em voz baixa.
— Em algum lugar de onde via as janelas do apartamento de cobertura.
Jamie assentiu com a cabeça.
—Isso parece. Não consegui ouvir nada, mas estou seguro de que o guarda-costas, ou o que fora, estava recebendo instruções pelos auriculares. Para te dizer a verdade, estava-me pondo um pouco nervoso com tudo isso, mas foi bem. Ao final não passou nada mau. Quão único queriam eram suas fotografias. Somente tinha chegado a quarta quando disseram que pedisse um preço para todas elas. Assim, que tal e como te hei dito, pus alto e o aceitaram.
—Estranho —comentou Megan—. Né, Gab, possivelmente chamaste a atenção de um milionário mortalmente atrativo mas retraído. Possivelmente o ano que vem, por estas datas, estaremos dançando em suas luxuosas bodas no Mikonos.
—Uf, por favor —exclamou Jamie sem fôlego—. Mikonos é do ano passado. A gente bonita está na Marbella, querida.
Gabrielle tentou tirar-se de cima a estranha sensação de inquietação que lhe estava produzindo a estranha história do Jamie. Tal e como ele havia dito, tudo tinha ido bem e ela tinha um cheque por uma importância muito alta na bolsa. Possivelmente podia convidar para jantar a Lucan, dado que a comida que tinha preparado a outra noite para a celebração ficou no balcão da cozinha.
Embora não sentia nem o mais mínimo remorso pela perda de seus manicotti.
Sim, uma romântica saída para jantar com Lucan soava fantástico. Com um pouco de sorte, possivelmente tomassem as sobremesas em... e o café da manhã também .
Gabrielle ficou de bom humor imediatamente e riu com seus amigos enquanto estes continuavam intercambiando idéias extravagantes a respeito de quem podia ser esse misterioso colecionador e o que podia significar para seu futuro e, por extensão, para o de todos eles. Ainda estavam falando do mesmo quando a mesafoi retirada e a conta paga, e os três saíram a rua ensolarada.
—Tenho que ir correndo —disse Megan, dando um rápido abraço a Gabrielle e a Jamie.
— Nos veremos logo, meninos?
—Sim —responderam os dois ao uníssono e a saudaram com a mão, atrás da Megan caminhava rua acima, para o edifício de escritórios onde trabalhava.
Jamie levantou uma mão para chamar um táxi.
—Vai diretamente a casa, Gabby?
—Não, ainda não. —Deu uns golpezinhos a câmera que levava sobre o ombro.
— Pensava dar um passeio até o parque e possivelmente gastar um pouco de filme. E você?
—David vai chegar de Atlanta dentro de uma hora —lhe disse .
— Vou tirar o resto do dia. Possivelmente amanhã também.
Gabrielle riu.
—Dê- lhe lembranças de minha parte.
—Farei-o. —aproximou-se dela e lhe deu um beijo na bochecha.
— Eu gosto de verte sorrir outra vez. Estava realmente preocupado por ti depois do último fim de semana. Nunca te tinha visto tão afetada. Está bem, verdade?
—Sim, estou bem, de verdade.
—E agora tem ao escuro e sexy detetive para te cuidar, o qual não está nada mal.
—Não, não está nada mal —admitiu ela, e notou uma sensação de calidez pelo só feito de pensar nele.
Jamie lhe deu um abraço afetuoso.
—Bom, céu, se necessitar algo que ele não te possa dar, o qual duvido muito, me chame, de acordo? Quero-te, carinho.
—Eu também te quero. —Um táxi se deteve na esquina e se saudaram.
— Te divirta com o David. —E levantou a mão para lhe dizer adeus enquanto Jamie entrava no táxi e este se internava no matizado tráfico da hora de comer.
Somente se demorava uns quantos minutos em percorrer as quadras que separavam Chinatown do parque Boston Common. Gabrielle passeou pelos amplos espaços e tirou umas quantas fotografias. Logo se deteve para observar a uns meninos que jogavam a galinha cega na grama da zona de recreio. Observou a uma menina que se encontrava no centro do grupo com os olhos tampados com uma atadura e que girava a um lado e a outro com os braços estendidos tentando apanharar seus esquivos amigos.
Gabrielle levantou a câmera e enfocou aos meninos, que não paravam de correr e de rir. Aproximou a imagem com o zoom e seguiu a menina de cabelo loiro e olhos enfaixados com a lente enquanto as risadas e os gritos dos meninos enchiam o parque. Não fez nenhuma fotografia, simplesmente olhou esse despreocupado jogo desde detrás da câmera e tentou recordar uma época em que ela se houvesse sentido assim contente e segura.
Deus, havia-se sentido assim alguma vez?
Um de quão adultos estava vigiando aos meninos de perto lhes chamou para que fossem comer, interrompendo seu estridente jogo. Os meninos correram até o lençol estendido no chão para comer e Gabrielle percorreu o parque ao seu redor com a lente da câmera. Na imagem desfocada a causa do movimento, percebeu a figura de alguém que a olhava desde debaixo da sombra de uma árvore grande.
Gabrielle apartou a câmera de seu rosto e olhou nessa direção: havia um homem jovem em pé, parcialmente escondido pelo tronco de um velho carvalho.
Sua presença era quase imperceptível nesse parque cheio de atividade, mas lhe resultava vagamente familiar. Gabrielle viu que tinha o cabelo abundante e de uma cor castanha cinzenta, que levava uma camisa solta e uma calça cáqui. Era a classe de pessoa que desaparecia com facilidade entre a multidão, mas estava segura de que lhe tinha visto em algum lugar fazia pouco tempo.
Não lhe tinha visto na delegacia de polícia de polícia a semana passada quando foi fazer a declaração?
Fosse quem fosse, deveu dar-se conta de que lhe tinha visto, porque imediatamente retrocedeu, escondeu-se atrás do tronco da árvore e começou a afastar-se dali em direção a Charles Street. Enquanto caminhava a passo rápido em direção a essa rua, tirou-se um telefone celular do bolso da calça e jogou uma rápida olhada para trás por cima do ombro, em direção a Gabrielle.
Gabrielle sentiu que lhe arrepiavam os cabelos da nuca com uma repentina sensação de suspeita e de alarme.
Ele a tinha estado observando, mas por que?
Que diabos estava acontecendo? Algo acontecia, definitivamente, e ela não tinha intenção de tratar de adivinhá-lo por mais tempo.
Com o olhar cravado no menino da calça cáqui, Gabrielle começou a caminhar detrás dele enquanto se guardava a câmera na capa e se ajustava a tira da bolsa protetora no ombro. Quando saiu do amplo terreno do parque e entrou no Charles Street, o menino lhe levava uma quadra de vantagem.
—Né! —chamou ela, começando a correr.
O,menino que continuava falando por telefone, girou a cabeça e a olhou. Disse algo ao aparelho com gesto apressado, apagou o aparelho e o conservou na mão. Apartou o olhar dela e começou a correr.
—Para! —gritou Gabrielle. Chamou a atenção das pessoas na rua, o menino continuou sem lhe fazer caso.
— Te hei dito que te detenha, merda! Quem é? Por que me está espiando?
Ele subiu a toda velocidade pelo Charles Street mergulhando-se na maré de pedestres. Gabrielle lhe seguiu, esquivando a turistas e empregados de escritório que saíam durante o descanso para a comida, sem apartar a vista da mochila delgada que o menino levava nas costas. Ele torceu por uma rua, logo por outra, internando-se cada vez mais na cidade, afastando-se das lojas e os escritórios do Charles Street e voltando para a matizada zona de Chinatown.
Sem saber quanto tempo levava perseguindo a esse menino nem onde havia chegado exatamente, Gabrielle se deu conta de repente de que lhe tinha perdido.
Girou por uma esquina cheia de gente e se sentiu profundamente sozinha: esse ambiente pouco familiar se fechou ao redor dela. Os lojistas a observavam desde debaixo dos toldos e desde detrás das portas abertas para deixar entrar o ar do verão. Os pedestres a olhavam, aborrecidos, porque se tinha detido de repente em meio da calçada e interrompia o passo.
Foi nesse momento quando sentiu uma presença ameaçadora detrás dela, na rua.
Gabrielle olhou por cima do ombro e viu um Sedam negro de vidros escuro que se deslocava devagar entre outros carros. Movia-se com elegância, deliberadamente, como um tubarão que atravessasse um banco de peixes pequenos em busca de uma presa melhor.
Estava-se dirigindo para ela?
Talvez o menino que a tinha estado espiando se encontrava dentro do carro. Possivelmente sua aparição, e a do carro de aspecto ameaçador, tinham algo que ver com quem tinha comprado suas fotografias.
Ou possivelmente se tratasse de algo pior.
Possivelmente um pouco relacionado com o espantoso ataque que tinha presenciado na semana anterior e tendo informado disso a polícia. Possívelmente se tropeçou com uma rixa entre bandas, depois de tudo. Possivelmente essas criaturas malignas —já que não podia acabar de convencer-se de que eram homens— tinham decidido que ela era seu próximo alvo.
O veículo se aproximou por um sulco lateral até a calçada onde ela se encontrava em pé e Gabrielle sentiu que um medo gelado a atravessa.
Começou a caminhar. Acelerou o ritmo para avançar mais depressa.
A suas costas ouviu o som do carro que acelerava.
OH, Deus.
Ia por ela!
Gabrielle não esperou para ouvir o som dos pneumáticos das rodas no pavimento a suas costas. Gritou e saiu disparada em uma carreira , movendo as pernas tão depressa como era capaz.
Havia muita gente ao seu redor. Muitos obstáculos para tomar um caminho reto. Esquivou aos pedestres, muito nervosa para oferecer nenhuma desculpa antes seus estalos de língua e exclamações de irritação.
Não lhe importava: estava segura de que era um assunto de vida ou morte.
Olhar para trás seria um grave engano. Ainda ouvia o ruído do motor do carro no meio do tráfico, que a seguia de perto. Gabrielle baixou a cabeça e se esforçou em correr mais rápido enquanto rezava por ser capaz de sair dessa rua antes de que o carro a apanhasse.
De repente, nessa enlouquecida carreira, falhou-lhe um tornozelo.
Cambaleou-se e perdeu o equilíbrio. O chão pareceu elevar-se para ela e caiu com força contra o duro pavimento. Parou o golpe forte da queda com os joelhos e as palmas das mãos, destroçando-lhe a dor da carne rasgada, lhe fez saltar as lágrimas, mas não fez conta. Gabrielle voltou a ficar em pé. Quase ainda não tinha recuperado o equilíbrio quando notou a mão de um estranho que a sujeitava com força pelo cotovelo.
Gabrielle reprimiu um grito. Tinha os olhos enlouquecidos de pânico.
—Encontra-se bem, senhorita? —O rosto cinza de um trabalhador municipal apareceu em seu ângulo de visão e seus olhos azuis rodeados de rugas se fixaram nas feridas.
—Uf, vá, olhe isso, está sangrando.
—Solte-me!
—É que não viu esses reservatórios de água daí? —Assinalou com o polegar por cima do ombro, a suas costas, para os cones de cor laranja com os quais Gabrielle tinha se chocado ao passar—Esta parte da calçada está levantada.
—Por favor, não passa nada. Estou bem.
Apanhada pela mão dele, que tentava ajudá-la mas que a desafiava, Gabrielle levantou o olhar bem a tempo para ver que o Sedam escuro aparecia na esquina por onde ela tinha passado fazia um instante. O carro se deteve abruptamente, a porta do condutor se abriu e um homem enorme e muito alto saiu à rua.
—OH, Deus. Me solte! —Gabrielle deu uma sacudida com o braço para soltar do homem que tentava ajudá-la sem apartar o olhar desse monstruoso carro negro e no perigo que supunha—. É que não comprende que me estão perseguindo?
—Quem? —O tom de voz do trabalhador municipal foi de incredualidade. Levou a vista em direção aonde ela estava olhando e soltou uma gargalhada.
— Se refere a esse tipo? Senhora, é o maldito prefeito do Bostom.
-O que...?
Era verdade. Olhou enlouquecida toda a atividade que se desenvolvia nessa esquina e o compreendeu. O Sedam negro não a perseguia, depois de tudo. Tinha estacionado na esquina e o condutor, agora, estava esperando com a porta traseira aberta. O prefeito em pessoa saiu de um restaurante acompanhado por dois guarda-costas e os três subiram ao assento traseiro do veículo.
Gabrielle fechou os olhos. As palmas das mãos lhe queimavam de dor. Os joelhos, também. Tinha o pulso acelerado, mas parecia que o sangue lhe tinha descido da cabeça.
Sentiu-se como uma completa idiota.
—Acreditei... —murmurou, enquanto o condutor fechava a porta, e se colocava no assento dianteiro e arrancava o carro em direção ao tráfico da rua.
O trabalhador lhe soltou o braço. Afastou-se dela para voltar a ocupar-se da bolsa com sua comida e seu café enquanto meneava a cabeça.
—O que lhe acontece? É que se tornou louca ou algo?
Merda.
Supunha-se que ela não tinha que lhe haver visto. Tinha ordens de observar a mulher Maxwell, de tomar nota de suas atividades, de estabelecer quais eram seus costumes. Tinha que informar de tudo isso a seu Professor. Por cima de tudo, tinha que evitar ser visto. O subordinado soltou outra maldição do mesmo lugar onde estava escondido, as costas pega contra uma anódina porta de um edifício, um desses tantos lugares que se apinhavam entre os restaurantes e mercados do Chinatown. Com cuidado, abriu a porta e tirou a cabeça para ver se podia detectar a mulher em algum lugar da rua.
Ali estava, justo ao outro lado da rua abarrotada de gente.
E se alegrou de ver que ela estava abandonando a zona. Quão último perdeu de vista foi seu cabelo acobreado por entre a multidão da calçada, a cabeça encurvada e o passo acelerado.
Esperou ali, observou-a até que teve desaparecido de sua vista por completo. Então voltou a sair a rua e se dirigiu em direção contraria. Tinha passado mais de uma hora de seu descanso para comer. Era melhor que voltasse para a delegacia de polícia antes de que lhe sentissem falta.
Capítulo dez
Gabrielle pôs outra toalha de papel sob o jorro de água fria na pia da cozinha. Havia várias toalhas mais atiradas já, empapadas de água e manchadas de sangue, além de sujas do pó da rua que se limpou das palmas das mãos e dos joelhos. Em pé, de sutiens e calcinhas, jogou um pouco de sabão líquido na toalha de papel empapada de água e se esfregou com energia as feridas das palmas das mãos.
—Ai! —exclamou, e franziu o cenho. Encontrou-se uma pequena e afiada lasca cravada na ferida. A tirou e a atirou à pia ao lado de todo o cascalho que se limpou das feridas.
Deus, parecia um desastre.
A saia nova estava rota e destroçada. A prega do suéter se danificou ao cair contra o áspero pavimento. E parecia que as mãos e os joelhos pertencessem a uma menina selvagem e torpe.
E além de tudo isso, mostrou-se como uma completa estúpida em público.
Que demônios lhe estava acontecendo para ficar histérica dessa maneira?
O prefeito, pelo amor de Deus. E ela tinha fugido desse carro como se temesse que se tratasse de...
Do que? De alguma espécie de monstro?
«Vampiro.»
As mãos do Gabrielle ficaram imóveis.
Ouviu a palavra mentalmente, apesar de que se negou a pronunciá-la em voz alta. Essa era a palavra que tinha na soleira da consciência do momento em que foi testemunha desse assassinato. Era uma palavra que não queria reconhecer, nem sequer quando se encontrava sozinha no selêncio de seu apartamento vazio.
Os vampiros eram a obsessão da louca de sua mãe biológica, não a sua.
Essa adolescente anônima se encontrava em um estado completamente delirante quando a polícia a tirou das ruas, fazia tantos anos. Dizia que a tinham açoitado uns demônios que queriam beber seu sangue, que, de fato, tinham-no tentado, e essa tinha sido a explicação que tinha dado pelas estranhas feridas que tinha na garganta. Os documentos judiciais que lhe tinham dado estavam salpicados de loucas referencias a espectros sedentos de sangue que percorriam a cidade em completa liberdade.
Impossível.
Isso era uma loucura, e Gabrielle sabia.
Estava permitindo que sua imaginação e que o medo que tinha de converter-se em uma perturbada como sua mãe algum dia acabassem com ela. Mas ela era muito inteligente para permiti-lo. Era mais sã, pelo menos...
Deus, tinha que sê-lo.
Ter visto esse menino da delegacia de polícia esse mesmo dia —para somar-se a tudo pelo que tinha passado durante os últimos dias— lhe havia disparado seus medos. Apesar de tudo, agora que o pensava, nem sequer estava segura de que esse tipo a quem tinha visto no parque fora de verdade o administrativo que tinha visto na delegacia de polícia.
Mas e o que se o era? Possivelmente se encontrava no parque para tomar sua comida e para desfrutar do tempo igual ao estava fazendo ela. Isso não era nenhum crime. Possivelmente, a estava olhando era porque também lhe tinha parecido que lhe resultava familiar. Possivelmente ele se aproximou para saudá-la se ela não tivesse carregado contra ele como uma psicopata paranoica, lhe acusando de estar espiando-a.
OH, e não seria perfeito que ele fosse a delegacia de polícia e contasse a todos que lhe tinha açoitado por várias quadras no Chinatown?
Se Lucan se inteirava disso, ela ia morrer da humilhação.
Gabrielle terminou de limpar as feridas das palmas das mãos e tentou apartar tudo o que tinha ocorrido esse dia de sua cabeça. Ainda tinha a ansiedade no ponto máximo e o coração lhe pulsava com força. Limpou-se os golpes do rosto e observou um magro rastro de sangue que lhe descia pelo pulso.
Ver seu sangue sempre a tranqüilizava, por alguma estranha razão. Sempre tinha sido assim.
Quando era mais jovem e as emoções e as pressões internas eram tão fortes que já não sabia o que fazer com elas, quão único tinha que fazer para se acalmar era fazer um pequeno corte.
O primeiro tinha sido por acidente. Gabrielle se encontrava cortando uma maçã em um de seus lares de acolhida quando a faca resvalou e lhe fez um corte na base do dedo polegar. Doeu-lhe um pouco, mas Gabrielle não sentiu nem medo nem pânico ao observar como o sangue saía e desenhava um reluzente redemoinho escarlate.
Havia-se sentido fascinada.
Havia sentido uma incrível espécie de... paz.
Ao cabo de uns quantos meses desse surpreendente descobrimento, Gabrielle voltou a cortar-se. Fê-lo de forma deliberada e em segredo, sem intenção de fazer-se mal de verdade. À medida que o tempo transcorreu, fê-lo mais freqüentemente, sempre que precisava sentir essa profunda sensação de calma.
E agora o necessitava porque estava ansiosa e nervosa como um gato atento a qualquer pequeno ruído que ouvisse no apartamento ou fora dele. Doía-lhe a cabeça. Tinha a respiração agitada e apertava as mandíbulas.
Seus pensamentos saltavam do brilho do flash ante a cena da noite fora da discoteca ao inquietante psiquiátrico onde tinha estado fazendo fotos a manhã anterior e ao medo irracional, profundo e perturbador que havia sentido essa tarde.
Necessitava um pouco de paz depois de tudo isso.
Só embora fossem uns quantos minutos de calma.
Gabrielle dirigiu o olhar para o contêiner de facas de madeira que se encontrava, ali perto, sobre o mármore. Alargou a mão e tomou um deles. Fazia anos que não o fazia. esforçou-se tanto em controlar essa compulsão estranha e vergonhoza.
Mas a tinha feito desaparecer de verdade?
Os psicólogos que a administração lhe tinha posto e os trabalhadores sociais, ao final, convenceram-se de que assim era. Também os Maxwell.
Agora, enquanto se aproximava a faca à pele do braço e sentia como uma escura emoção despertava dentro dela, Gabrielle o duvidou. Aperto a ponta da folha contra a pele do antebraço, embora ainda sem a força suficiente para cortar-se.
Esse era seu demônio privado, e era uma coisa que nunca havia comprartilhado abertamente com ninguém, nem sequer com o Jamie, seu amigo mais querido.
Ninguém o compreenderia.
Quase nem ela mesma o compreendia.
Gabrielle jogou a cabeça para trás e respirou profundamente. Enquanto voltava a baixar a cabeça e exalava lentamente, viu seu próprio reflexo no cristal da janela de cima da pia. O rosto que lhe devolveu o olhar tinha uma expressão esgotada e triste, seus olhos estavam apagados e angustiados.
—Quem é? —sussurrou a essa imagem fantasmal que via no cristal. Teve que reprimir um soluço.
— O que é que vai mal contigo?
Abatida consigo mesma, atirou a faca na pia e se apartou dali enquanto o som do aço ressonava na cozinha.
O constante som dos sinais de multiplicação de um helicóptero atravessava o céu da noite no velho psiquiátrico. Da camuflagem de uma nuvem, um Colibri EC120 negro descendeu e se posou com suavidade em uma zona plaina do telhado.
—Desliga o motor —ordenou o líder dos renegados a seu subordinado piloto quando o aparelho se posou no improvisado heliporto.
— Espere-me aqui até que volte.
Saltou fora da cabine e recebeu a imediata saudação de seu tenente, um indivíduo bastante desagradável a quem tinha recrutado na Costa Oeste.
—Tudo está em ordem, senhor.
As espessas sobrancelhas marrons do renegado se afundaram em cima de seus ferozes olhos amarelos. Na enorme cabeça calva ainda se viam as cicatrizes das queimaduras de eletricidade que lhe tinham infligido os da raça durante um interrogatório pelo que tinha passado fazia meio ano. Mas, entre o resto dos repugnantes rasgos de seu rosto, essas numerosas marcas de queimaduras eram somente um detalhe. O renegado sorriu, deixando ver umas enormes presas.
—Seus presentes foram muito bem recebidos esta noite, senhor. Todo o mundo espera com ânsia sua chegada.
O líder dos renegados, com os olhos escondidos detrás de uns óculos de sol, assentiu com a cabeça brevemente e, com passo depravado, deixou-se conduzir até o piso de acima do edifício e logo até um elevador que lhe levaria ao coração das instalações. Afundaram-se por debaixo do nível do piso do chão, saíram do elevador e se internaram por uma rede de túneis que rodeavam uma parte da fortaleza da guarida dos renegados.
Quanto ao líder, este tinha estado instalado em seu quartel privado em algum ponto de Boston durante o último mês, fiscalizando em privado algumas operações, determinando obstáculos e estabelecendo as principais vantagens que tinham no novo território que queriam controlar. Esta era sua primeira aparição em público: era todo um evento, e essa era exatamente sua intenção.
Não era algo freqüente que ele se aventurasse a sair em meio da porqueira da população geral; os vampiros que se convertiam em renegados eram uma gente arruda, indiscriminada, e ele tinha aprendido apreciar coisas melhores durante seus muitos anos de existência. Tinha que lhes recordar a essas bestas quem era e a quem serviam e por isso lhes tinha devotado uma amostra do bota de cano longo que lhes esperava ao final de sua última missão. Não todos eles sobreviveriam, é obvio. As vítimas acostumavam a acumular-se em meio de uma guerra.
E uma guerra era o que ia vender aí essa noite.
Já não haveria mais conflitos insignificantes no terreno. Não haveria mais luta internas entre os renegados, nem mais atos absurdos de vingança individual. Foram unir-se e passar a página de uma forma que ainda ninguém tinha imaginado nessa antiga batalha que tinha dividido para sempre a nação dos vampiros em dois. A raça tinha mandado durante muito tempo e tinha chegado a um acordo não falado com os humano inferiores ao tempo que ansiavam eliminar a seus irmãos os renegados.
As duas facções da estirpe dos vampiros não eram tão diferentes uma da outra, somente lhes separava uma questão de grau. Quão único diferenciava a um vampiro da raça que saciava sua fome de vida e a um vampiro constantemente sedento de sangue e viciado era uma questão de litros. As linhas sangüíneas da estirpe se apagaram com o tempo da época dos antigos e os novos vampiros se convertiam em adultos e se apareavam com as companheiras de raça humanas.
Mas não havia forma de que a contaminação de gens humanos destruisse por completo os gens dos vampiros, mais fortes. A sede de sangue era um espectro que perseguiria a raça para sempre.
Do ponto de vista do líder dessa guerra que se aproximava, a gente tanto podia lutar contra o impulso inato próprio de sua estirpe ou utiliza-lo para benefício próprio.
Nesse momento, ele e seu tenente tinham chegado ao final do corredor e a vibração de uma música estridente reverberava nas paredes e no chão, sob seus pés. Estava-se levando a cabo uma festa detrás de uma dupla porta de aço amassada e maltratada. Ante ela, um vampiro Renegado que se encontrava de guarda se fincou de joelhos pesadamente assim que suas rasgadas pupilas registraram quem estava esperando diante dele.
—Senhor. —O tom de sua áspera voz foi reverente e mostrou deferencia ao não levantar a vista para encontrar-se com os olhos que se ocultavam detrás desses óculos escuros.
— Meu senhor, sua presença nos honra.
De fato, sim lhes honrava. O líder fez um rápido movimento afirmativo com a cabeça assim que o vigilante ficou em pé de novo. Com uma mão imunda, que estava de guarda empurrou as portas para permitir a entrada a seu superior a estridente reunião que se levava a cabo ao outro lado das mesmas. O líder se despediu de seu acompanhante e ficou livre para observar em privado o lugar.
Tratava-se de uma orgia de sangue, sexo e música. Em todos os rincões onde olhasse via machos renegados que manuseavam, perseguiam e se alimentavam de um variado sortido de seres humanos, tanto homens como mulheres. Sentiam pouca dor, tanto se encontravam nesse evento de forma voluntária como se não. A maioria tinham sofrido, pelo menos, uma dentada, e lhes tinham extraído tanto sangue que se sentiam como em uma nuvem de sensualidade e ligeireza. Alguns deles fazia muito momento que se foram, e seus corpos se encontravam inertes como os de uns bonitos bonecos de roupa em cima do regaço de seus depredadores
Olhos selvagens, que não cessavam de alimentar-se até que não ficava nada mais que devorar.
Mas isso era o que alguém devia esperar se lançava uns tenros cordeiros a um poço cheio de bestas vorazes.
Enquanto se dirigia para a parte mais matizada dessa reunião, começaram-lhe a suar as mãos. O pênis lhe endureceu baixo a cuidada queda da calça confeccionada a medida. As gengivas começaram a lhe doer e a lhe pulsar, e teve que morder a língua para evitar que as presas lhe alargassem de fome, ao igual que tinha feito seu sexo, em resposta a chuva de estímulos eróticos e sensoriais que lhe golpeiavan desde todos os ângulos.
A mescla do aroma de sexo e sangue derramada lhe chamava como o canto de uma sereia. Esse era um canto que ele conhecia bem, embora isso tinha sido em seu passado, agora muito distante. OH, ainda desfrutava com um bom sexo e com uma suculenta veia aberta, mas essas necessidades já não lhe governavam. Tinha tido que percorrer um caminho muito difícil do ponto em que se encontrava antigamente, mas, ao final, tinha vencido.
Agora era senhor de si mesmo e logo o seria de muito, muito mais.
Uma nova guerra ia começar e ele estava preparado para oferecer a última batalha. Estava educando a seu exército, aperfeiçoando seus métodos, recrutando aliados que mais tarde seriam sacrificados sem duvidá-lo nem um momento no altar de seu capricho pessoal. Ia infligir uma sangrenta vingança a nação dos vampiros e ao mundo de quão humanos somente existia para servir aos seus.
Quando a grande batalha tivesse terminado e as cinzas e o pó houvessem sido finalmente varridos, não haveria ninguém que pudesse interpor em seu caminho.
Ele seria um maldito rei. Esse era seu direito de nascimento.
—Mmmm... né, bonito... vêem aqui e joga comigo.
Esse convite realizado em voz rouca lhe alcançou por cima do barulho da sala. De um montículo de corpos retorcidos, nus e úmidos tinha aparecido a mão de uma mulher que lhe sujeitou pela coxa no momento em que ele passava por seu lado. Ele se deteve, baixou o olhar até ela com uma clara expressão de impaciência. Percebeu uma beleza oculta sob a escura e destroçado maquiagem, mas ela tinha a mente completamente perdida nesse profundo delírio da orgia.
Um par de rastro de sangue lhe desciam pelo bonito pescoço e chegavam até as pontas de seus peitos perfeitamente formados. Tinha outras mordidas em outros pontos do corpo: no ombro, no ventre, e na parte interior de uma das coxas, justo debaixo da estreita banda de pêlo que lhe ocultava o sexo.
—Te una lhe suplicou ela, levantando-se de entre a selva enredada de braços e pernas dos vampiros renegados em zelo. A essa mulher quase tinham extraído todo o sangue, somente ficavam uns litros antes de morrer. Tinha os olhos frágeis, perdidos. Seus movimentos eram lânguidos, como se seus ossos se tornaram de borracha.
— Tenho o que desejas. Sangrarei para ti, também. Vêem, me prove.
Ele não disse nada; simplesmente apartou os pálidos dedos manchados de sangue que atiravam da fina malha de suas caras calças de seda.
Verdadeiramente, não estava de humor.
E, ao igual que todo líder com êxito, nunca tocava sua própria mercadoria.
Pôs-lhe a mão plaina em cima do peito e a empurrou. Ela chiou: um dos renegados a tinha apanhado sem contemplação e, com rudeza, deu-lhe a volta em cima de seu braço, colocou-a debaixo dele e a penetrou por detrás. Ela gemeu assim que ele a atravessou, mas ficou em silencio ao cabo de um instante enquanto o vampiro sedento de sangue lhe cravava as enormes presas no pescoço e lhe chupava a última gota de vida de seu corpo consumido.
—Desfrutem destes restos —disse o que ia ser rei com uma voz profunda que se elevava em tom magnânimo por cima dos rugidos animais e o estrondo ensurdecedor da música.
— A noite se está levantando e logo conhecerão as recompensas que tenho a lhes oferecer.
Capítulo onze
Lucan bateu na porta do apartamento de Gabrielle outra vez.
Ainda, nenhuma resposta.
Fazia cinco minutos que se encontrava em pé na entrada, na escuridaão, esperando a que ou ela abrisse a porta e convidasse a entrar, ou lhe amaldiçoar e lhe chamasse bastardo do outro lado dos numerosos ferrolhos de segurança e lhe dissesse que se perdesse.
Depois do comportamento pornográfico que tinha tido com ela a noite anterior, não estava seguro de qual era a reação que se merecia encontrar. Provavelmente, uma irada despedida.
Golpeou a porta com os nódulos outra vez com tanta força que era provável que os vizinhos lhe tivessem ouvido, mas não se ouviu nenhum movimento dentro do apartamento de Gabrielle. Somente silencio. Havia muita quietude ao outro lado da porta.
Mas ela estava ali dentro. Notava-a ao outro lado das capas de madeira e tijolo que lhes separavam. E cheirava a sangue, também. Não muito sangue, mas certa quantidade em algum ponto próximo a porta.
Filho da puta.
Ela estava dentro, e estava ferida.
—Gabrielle!
A preocupação lhe corria pelas veias como se fosse um ácido. Tentou se tranquiliza o suficiente para poder concentrar seus poderes mentais no ferrolho de correia e nas duas fechaduras que estavam colocadas ao outro lado da porta. Com um esforço, abriu um ferrolho e logo o outro. A correia se soltou e caiu contra o gonzo da porta com um som metálico.
Lucan abriu a porta com um empurrão e suas botas soaram com força sobre o chão de ladrilhos do vestíbulo. A bolsa das câmeras de Gabrielle se encontrava justo em seu caminho, provavelmente onde ela a tinha deixado cair com a pressa. O doce aroma ajazminado de seu sangue lhe encheu as fossas nasais justo um instante antes de que sua vista tropeçasse com um caminho de pequenas manchas de cor carmesim.
O ambiente do apartamento tinha certo ar amargo de medo cujo aroma, que já tinha umas horas, apagou-se mas permanecia como uma neblina.
Atravessou a sala de estar com intenção de entrar na cozinha, para onde se dirigiam as gotas de sangue. Enquanto cruzava a sala, tropeçou com um montão de fotografias que havia na mesa do sofá.
Eram umas tomadas rápidas, uma estranha variedade de imagens. Reconheceu algumas delas, que formavam parte do trabalho que Gabrielle estava levando a cabo e que titulava Renovação urbana. Mas havia umas quão imagens que não tinha visto antes. Ou possivelmente não tinha emprestado a atenção suficiente para dar-se conta.
Agora sim que se deu conta.
Merda, vá que sim.
Um velho armazém perto do dique. Um velho moinho papeleiro abandonado justo aos subúrbios da cidade. Várias estruturas diferentes que proibiam a entrada onde nenhum humano —por não falar de uma mulher confiada como Gabrielle— devia aproximar-se de nenhuma forma.
Guaridas de renegados.
Algumas delas já tinham sido erradicadas, estavam-no graças a Lucan e a seus guerreiros, mas umas quantas mais ainda eram células ativas. Viu umas quantas que se encontravam nesses momentos vigiadas pelo Gideon. Enquanto passava rapidamente as fotos, perguntou-se quantas localizações de guaridas de renegados teria Gabrielle fotografadas e o que ainda não se encontravam no radar da raça.
—Merda —sussurrou, tenso, olhando um par de imagens mais.
Inclusive tinha algumas fotos exteriores de uns Refúgios Escuros da cidade, umas entradas escuras e umas sinalizações dissimuladas cuja função era evitar que esses santuários dos vampiros fossem facilmente localizados tanto pelos curiosos seres humanos como por seus inimigos os renegados.
E Apesar de tudo, Gabrielle tinha encontrado esses lugares. Como?
É obvio, não podia ter sido por acaso. O extraordinário sentido visual de Gabrielle devia havê-la conduzido até esses lugar de gado. Ela já tinha demonstrado que era completamente imune aos truques habituais dos vampiros: ilusões hipnóticas, controle mental... E agora isto.
Lucan soltou uma maldição e se meteu umas quantas fotografias no bolso da jaqueta de couro. Deixou o resto das imagens em cima da mesa.
—Gabrielle?
Dirigiu-se até a cozinha, onde algo ainda mais inquietante lhe estava esperando.
O aroma de Gabrielle era mais forte ali, e lhe conduziu até a pia. Ficou imovel diante dele e sentiu uma sensação gelada no teto assim que fixou o olhar no mesmo.
Parecia que alguém tivesse tentado limpar uma cena do crime, e que o tivesse feito muito mal. Na pia havia um montão de toalhas de papel empapadas de água e manchadas de sangue, ao lado de uma faca que tinham tirado do estojo de madeira que se encontrava no mármore da cozinha.
Tomou a afiada faca e o inspecionou rapidamente. Não tinha sido utilizada, mas todo o sangue que havia na pia e que tinha caído ao chão do vestíbulo até a cozinha pertencia unicamente a Gabrielle.
E a parte de roupa que se encontrava atirado no chão ao lado de seus pés também tinha seu aroma.
Deus, se alguém lhe tinha posto a mão em cima...
Se lhe tivesse acontecido algo...
—Gabrielle!
Lucan seguiu seus instintos, que lhe levaram até o porão do apartamento. Não se incomodou em acender as luzes: sua visão era mais aguda na escuridão. Baixou as escadas e gritou seu nome em meio desse silencio .
Em um rincão, ao outro extremo do porão, o aroma de Gabrielle se fazia mais forte. Lucan se encontrou em pé diante de outra porta fechada, uma porta rodeada de uns vedadores para que não penetrasse a luz exterior. Tentou abri-la pelo pomo, mas estava fechada e sacudiu a porta com força.
—Gabrielle. Ouve-me? Menina, abre a porta.
Não esperou a receber resposta. Não tinha a paciência para isso, nem a concentração mental para abrir o ferrolho que fechava a porta do outro lado. Soltou um grunhido de fúria, golpeou a porta com o ombro e entrou.
Imediatamente, seus olhos, na escuridão dessa sala, deram com ela. Seu corpo se encontrava enroscado no chão da desordenada habitação escura e estava nua exceto por um sutiens e umas calcinhas de traje de banho. Ela despertou imediatamente com o repentino estrondo da porta.
Levantou a cabeça rapidamente. Tinha as pálpebras pesadas e inchadas por ter chorado fazia pouco. Tinha estado ali soluçando, e Lucan houvesse dito que o tinha feito durante bastante momento. Seu corpo parecía exalar quebras de onda de cansaço: a via tão pequena, tão vulnerável.
—OH, não, Gabrielle —sussurrou ele, deixando cair no chão ao lado dela.
— Que demônios está fazendo aqui dentro? Alguém te tem feito mal?
Ela negou com a cabeça, mas não respondeu imediatamente. Com um gesto hesitante, levou-se as mãos até o rosto e se apartou o cabelo do rosto, tentando lhe ver em meio dessa escuridão.
—Só... cansada. Necessitava silêncio... paz.
—E por isso te encerraste aqui embaixo? —Ele deixou escapar um forte suspiro de alívio, mas no corpo dela viu umas feridas que tinham deixado de sangrar fazia muito pouco tempo.
— De verdade que está bem?
Ela assentiu com a cabeça e se aproximou para ele na escuridão.
Lucan franziu o cenho e alargou a mão até ela. Acariciou-lhe a cabeça e ela pareceu entender esse contato como um convite. Colocou-se entre seus braços como uma menina que necessitasse consolo e calor. Não era bom o natural que lhe pareceu abraçá-la, quão forte sentiu a necessidade de tranqüilizá-la para que se sentisse segura com ele. Para que sentisse que ele a protegeria como se fosse dele.
Dele.
«Impossível», disse a si mesmo. Mais que impossível: era ridículo.
Baixou a vista e em silêncio observou a suavidade e o calor do corpo dessa mulher que se enredava com o seu em sua deliciosa e quase completa nudez. Ela não tinha nem idéia do perigoso mundo no qual se colocou, e muito menos de que era um mortífero macho vampiro quem a estava abraçando nesses momentos.
Ele era o último que podia oferecer amparo contra o perigo a uma companheira de raça. No caso de Gabrielle, somente notar a mais ligeira fragrância dela elevava sua sede de sangue até a zona de perigo. Acariciou-lhe o pescoço e o ombro e tentou ignorar o constante ritmo do pulso de suas veias sob as pontas dos dedos. Tinha que lutar de maneira infernal para não fazer caso da lembrança da última vez que tinha estado com ela, tanto que precisava tê-la outra vez.
—Mmmm, seu tato é muito agradável —murmurou ela, sonolenta, contra seu peito. Sua voz foi como um ronrono escuro e dormitado que lhe provocou uma descarga de calor na coluna vertebral é outro sonho?
Lucan gemeu, incapaz de responder. Não era um sonho, e ele, pessoalmente, não se sentia bem absolutamente. A maneira em que ela se enredava entre seus braços, com uma tenra confiança e inocência, o fazia sentir dentro dele a besta, antiga e gasta.
Procurando uma distração, encontrou-a muito logo. Jogou um vista para cima, por cima das cabeças de ambos, e todos os músculos de seu corpo se endureceram por causa de outro tipo de tensão.
Fixou os olhos em umas fotografias que Gabrielle tinha pendurado para que secassem na habitação escura. Pendurando, sobre outras imagens sem importância, havia umas imagens de umas quantas localizações mais de vampiros.
Por Deus, inclusive tinha fotografado o complexo de edifícios dos guerreiros. Essa foto de dia tinha sido tomada da estrada, ao outro lado da cerca. Não havia maneira de confundir a enorme porta de ferro cheia de inscrições que fechava o comprido caminho e a mansão de alta segurança que se encontrava ao final do mesmo, oculta perfeitamente dos olhos curiosos.
Gabrielle deveu haver ficado justo ao subúrbios da propriedade para ter tomado essa fotografia. Pela folhagem de verão das árvores que rodeavam a cena, a imagem não podia ter mais de três semanas. Ela tinha estado ali, somente A umas centenas de metros de onde ele vivia.
Ele nunca tinha tido tendência a acreditar na idéia do destino, mas parecia bastante claro que, de uma ou outra forma, essa mulher estava destinada a cruzar-se em seu caminho.
OH, sim. A cruzar-se como um gato negro.
Era muito próprio de sua sorte que, depois de séculos de esquivar balas cósmicas e confusões emocionais, retorcidas irmãs do destino e a realidade tivessem decidido lhe incluir em suas listas de merda ao mesmo tempo.
—Está bem —disse a Gabrielle, embora as coisas estavam tomando uma má direção rapidamente.
— Vou subir te à habitação para que se vista e logo falaremos. —antes de que a visão continuada de seu corpo envolto nessas finas capas de roupa interior acabassem com ele.
Lucan a tomou nos braços, tirou-a da habitação escura e a subiu pelas escadas até o piso principal. Agora que a sujeitava perto dele, seus agudos sentidos perceberam os detalhes das diversas feridas que tinha: uns grandes arranhões nas mãos e nos joelhos, prova de uma queda bastante má.
Ela tinha tentado escapar de algo —ou de alguém— presa do terror e caido. A Lucan lhe bulia o sangue de desejos de saber quem lhe tinha provocado esse dano, mas já haveria tempo para isso logo. A acomodação e o bem-estar de Gabrielle eram sua preocupação principal nesse momento.
Lucan atravessou com ela em braços a sala de estar e subiu as escadas até o piso de acima, onde se encontrava a habitação. Sua intenção era ajudá-la a colocar um pouco de roupa, mas quando passou por diante do banho que se encontrava ao lado do dormitório, pensou na água. Os dois precisavam falar, verdadeiramente, mas tendo em conta a situação provavelmente se relaxassem com maior facilidade depois de que ela houvesse tomado um banho quente.
Com Gabrielle lhe abraçando por cima dos ombros, Lucan entrou no banheiro. Um pequeno abajur de noite oferecia uma tênue iluminação de ambiente, o justo para que se sentisse a gosto. Levou a sua lânguida carga até a banheira e se sentou no bordo da mesma, com a Gabrielle no regaço.
Desabotoou o fechamento da parte da frente da pequena peça de cetim e despiu seus peitos ante seus olhos, repentinamente enfebrecidos. Doíam-lhe as mãos de desejo de tocá-la, assim que o fez, e acariciou as generosas curva com as pontas dos dedos enquanto passava o polegar pelos mamilos rosados.
Que Deus lhe ajudasse. O suave ronrono que ouviu na garganta dela endureceu o pênis até que lhe doeu.
Passou-lhe a mão pelo torso, até a parte de tecido que lhe cobria o sexo. Suas mãos eram muito grandes e torpes para o suave e fino cetim, mas de algum jeito conseguiu lhe tirar as calcinhas e acariciar a parte interna das largas pernas de Gabrielle.
Ante a visão dessa bela mulher, nua outra vez diante dele, o sangue lhe corria pelas veias como a lava.
Possivelmente deveria sentir-se culpado por encontrá-la tão incrivelmente desejavel incluso em seu atual estado de vulnerabilidade, mas ele não tinha mais tendência a aceitar a culpa da que tinha a fazer a cuidar. E já se demonstrou a si mesmo que tentar ter o mínimo controle ao lado dessa mulher em particular era uma batalha que nunca ia ganhar.
Ao lado da banheira havia uma garrafa de sabão líquido. Lucan jogou uma generosa quantidade sob o jorro de água que caía na banheira. Enquanto a espuma se formava, depositou a Gabrielle com cuidado na água quente. Ela gemeu, claramente de gosto, ao entrar na água espumosa. Suas pernas se relaxaram de forma evidente e apoiou os ombros na toalha que Lucan tinha colocado rapidamente para lhe oferecer uma almofada e para que não tivesse que apoiar as costas contra a frieza dos ladrilhos e a porcelana.
O pequeno lavabo estava alagado pelo vapor e pelo ligeiro aroma de jasmim de Gabrielle.
—Cômoda? —perguntou-lhe ele, enquanto se tirava a jaqueta e a tirava ao chão.
—Sim —murmurou ela.
Ele não pôde evitar lhe pôr as mãos em cima. Acariciou-lhe o ombro com suavidade e lhe disse:
—Te deslize para diante e te molhe o cabelo. Eu lhe lavarei isso.
Ela obedeceu, permitindo que lhe conduzisse a cabeça sob a água e logo para fora outra vez. As largas mechas se obscureceram e adquiriram um tom escuro e brilhante. Ela ficou em silencio durante um comprido momento. Logo, levantou lentamente as pálpebras e lhe sorriu como se acabasse de recuperar a consciência e se surpreendesse de lhe encontrar ali.
—Olá.
—Olá.
—Que horas são? —perguntou-lhe ela com um comprido e amplo bocejo.
Lucan se encolheu de ombros.
—As oito, mais ou menos, suponho.
Gabrielle se afundou na banheira e fechou os olhos com um gemido.
—Um mau dia?
—Não um dos melhores.
—Isso imaginei. Suas mãos e seus joelhos se vêem um pouco maltratadas.
—Lucan alargou uma mão e fechou a água. Tomou uma garrafa de xampu do lado e colocou um pouco nas mãos.
—Quer me contar o que te passou?
—Prefiro não fazê-lo. —Entre suas finas sobrancelhas se formou uma ruga.
— Esta tarde fiz uma coisa muito tola. Já se inteirará bastante logo, estou segura.
—Mas como? —perguntou Lucan, esfregando-as mãos com o xampu.
Enquanto lhe massageava a cabeça com a densa nata do xampu, Gabrielle abriu um olho e lhe dirigiu um olhar de receio.
—O menino de delegacia de polícia não lhe há dito nada a ninguém?
—Que menino?
—que se encarrega dos arquivos na delegacia de polícia. Alto, desajeitado, de um aspecto normal. Não sei como se chama, mas estou bastante segura de que se encontrava ali a noite em que fiz minha declaração sobre o assassinato. Hoje lhe vi no parque. Acreditei que me estava espiando, a verdade, e eu... —interrompeu-se e meneou a cabeça.
— Corri detrás dele como uma louca, lhe acusando de estar me espiando.
As mãos de Lucan ficaram imóveis sobre sua cabeça. Seu instinto de guerreiro se alertou completamente.
—Que fez o que?
—Já sei —disse ela, evidentemente interpretando mal sua reação. Apartou um montão de borbulhas com uma mão.
— Já te disse que tinha sido idiota. Bom, pois persegui o pobre menino até Chinatown.
Embora não o disse, Lucan sabia que o instinto inicial de Gabrielle tinha sido acertado sobre o desconhecido que a observava no parque. Dado que o incidente tinha acontecido a plena luz do dia, não podia tratar-se dos renegados —uma pequena sorte—, mas os humanos que lhes serviam podiam ser igual de perigosos. Os renegados utilizavam subordinados em todos os lugares do mundo, humanos escravizados por uma potente dentada infligida por um vampiro poderoso que lhes desprovia de consciência e livre-arbítrio, e lhes deixava em um estado de obediência completa quando despertavam.
Lucan não tinha nenhuma dúvida de que o homem que havia estado observando a Gabrielle o fazia como serviço ao renegado que o tinha ordenado.
—Essa pessoa te fez mal? Foi assim como te fez estas feridas?
—Não, não. Isso foi minha coisa. Pus-me nervosa por nada.
Depois de ter perdido a pista do menino no Chinatown, perdi-me. Acreditei que um carro vinha por mim, mas não era assim.
—Como sabe?
Lhe olhou com exasperação para si mesmo.
—Porque se tratava do prefeito, Lucan. Acreditei que seu carro, conduzido por sua chofer, estava-me perseguindo e comecei a correr. Para culminar um dia perfeitamente horroroso, caí-me de focinhos em meio de uma calçada repleta de gente e logo tive que ir coxeando até casa com os joelhos e as mãos cheias de sangue.
Lucan soltou uma maldição em voz baixa ao dar-se conta de até que ponto ela tinha estado perto do perigo. Pelo amor de Deus, ela mesma em pessoa tinha açoitado a um servente dos renegados. Essa idéia deixou gelado a Lucan, mais assustado do que queria admitir.
—Tem que me prometer que terá mais cuidado —lhe disse ele, dando-se conta de que a estava arreganhando, mas sem ânimo de incomodar-se a comportar-se com educação ao saber que esse mesmo dia a houvessem podido matar.
— Se voltar a acontecer algo assim, tem que me dizer isso imediatamente.
—Isso não vai acontecer outra vez, porque foi meu equívoco. E não ia chamar te, nem a ti nem a ninguém da delegacia de polícia, para isto. Não se divertiríam muito se eu chamasse para lhes dizer que um de seus administrativos me estava perseguindo sem nenhuma razão aparente?
Merda. A mentira que lhe tinha contado de que era um policial lhe estava resultando um maldito estorvo agora. Inclusive pior, isso a tivesse posto em perigo em caso de que ela tivesse chamado a delegacia de polícia perguntando pelo detetive Thorne, porque, ao fazê-lo, tivesse chamado a atenção de um subordinado infiltrado.
—Vou te dar o número de meu celular. Encontrará-me aí sempre. Quero que o utilize a qualquer hora, compreendido?
Ela assentiu com a cabeça enquanto ele voltava a abrir o grifo da água, lavava-se as mãos e lhe enxaguava o cabelo sedoso e ondulado.
Frustrado consigo mesmo, Lucan alcançou uma esponja que se encontrava em uma prateleira superior e a lançou à água.
—Agora, me deixe que lhe jogue uma olhada ao joelho.
Ela levantou a perna desde debaixo da capa de borbulhas. Lucan lhe sujeitou o pé com a palma da mão e lhe lavou com cuidado o feio rasgo. Era somente um arranhão, mas estava sangrando outra vez por causa de que a água quente tinha abrandado a ferida. Lucan apertou a mandíbula com força: os fragrantes fios de sangue escarlate tinham um delicado caminho por sua pele e se introduziam na antiga espuma do banho.
Terminou de lhe limpar os dois joelhos feridos e logo lhe fez um sinal para que lhe permitisse limpar as palmas das mãos. Não se atrevia a falar agora que o corpo nu de Gabrielle se combinava com o odor de seu sangue fresco. A sensação era como se acabassem de lhe dar um golpe no crânio com um martelo.
Concentrando-se em não desviar sua atenção, dedicou-se a lhe limpar as feridas das palmas das mãos, sabendo perfeitamente que seus profundos e escuros olhos seguiam cada um de seus movimentos e notando dolorosamente o pulso nas veias das mãos, rápido, sob a pressão das pontas de seus dedos.
Lhe desejava, também.
Lucan se dispôs a soltá-la e, justo quando começava a dobrar o braço para retirá-lo, viu algo que lhe inquietou. Seus olhos tropeçaram com uma série de marcas tênues que manchavam a impecável pele aveludada. Essas marcas eram cicatrizes, uns magros cortes na parte interior dos antebraços. E tinha mais nas coxas.
Cortes de folhas de barbear.
Como se tivesse suportado uma tortura infernal de forma repetida quando não era mais que uma menina.
—Deus Santo. —Levantou a cabeça para olhá-la, com expressão de fúria, aos olhos.
— Quem te fez isto?
—Não é o que crê.
Agora ele estava aceso de ira, e não pensava deixá-lo passar.
—Conta-me .
—Não é nada, de verdade. Esquece-o...
—Me dê um nome, porra, e te juro que matarei a esse filho da puta com minhas próprias mãos.
—Eu o fiz —lhe interrompeu repentinamente ela em voz baixa.
— Fui eu. Ninguém me fez isso, eu mesma me fiz isso.
—O que? —Enquanto lhe apertava o frágil pulso com uma mão, voltou a lhe dar a volta ao braço para poder observar a tênue rede de cicatrizes de cor púrpura que se entrelaçava em seu braço.
— Você te fez isto? Por que?
Ela se soltou de sua mão e introduziu os dois braços sob a água, como se queria ocultar os de seu olhar.
Lucan soltou um juramento em voz baixa e em um idioma que já não falava mais que muito raramente.
—Quantas vezes, Gabrielle?
—Não sei. —Ela se encolheu de ombros, evitando seu olhar.
— Não o fiz durante muito tempo. Superei-o.
—É por isso que há uma faca na pia, lá em baixo?
O olhar que lhe dirigiu expressava dor e uma atitude defensiva. Não gostava que ele se intrometesse, tanto como não lhe tivesse gostado dele, mas Lucan queria compreendê-lo. Não era capaz de imaginar o que podia havê-la levado a cravar uma faca na própria carne.
Uma e outra e outra vez.
Ela franziu o cenho com o olhar cravado na espuma que começava a dissolver-se a seu redor.
—Ouça, não podemos deixar o tema? De verdade que não quero falar de...
—Possivelmente deveria falar disso.
—OH, claro. —ela riu em um tom que delatava um fio de ironia—. Agora chega a parte em que me aconselha que vá ver um psiquiatra, detetive Thorne? Possivelmente que vá a algum lugar onde me possam deixar em um estado de estupor pelos medicamentos e onde um doutor possa me vigiar por meu próprio bem?
—Isso te aconteceu?
—As pessoas não me compreendem. Nunca o tem feito. Às vezes nem eu me compreendo.
—O que é o que não compreende? Que precisa machucar a si mesma?
—Não. Não é isso. Não é esse o motivo pelo que o fiz.
—Então, por que? Deus santo, Gabrielle, deve haver mais de cem cicatrizes...
—Não o fiz porque queria sentir dor. Não me resultava doloroso fazê-lo. —Inalou com força e soltou o ar devagar por entre os lábios. Demorou um segundo em falar, e quando o fez Lucan ficou olhando-a em um silêncio pasmado.
— Nunca tive a intensão de provocar dano a nada. Não estava tentando enterrar umas lembranças traumáticas nem intentava escapar de nenhum tipo de mau trato, apesar das opiniões de quem se define como peritos e que me foram atribuídos pela administração. Cortei-me porque... tranqüilizava-me. Sangrar me acalmava.
Quando sangrava, tudo aquilo que estava desconjurado e era estranho em mim, de repente me parecia... normal.
Ela manteve o olhar sem titubear, em uma expressão nova como de desafio, como se uma porta se abrisse em algum ponto dentro dela e acabasse de soltar uma pesada carga. De alguma forma imprecisa, Lucan se deu conta de que isso era o que ele tinha visto. Só que a ela todavia faltava uma peça de informação crucial, que faria que as coisas encaixassem em seu lugar para ela.
Ela não sabia que era uma companheira de raça.
Ela não podia saber que, um dia, um membro de sua estirpe tomaria em qualidade de eterna amada e lhe mostraria um mundo muito distinto ao que ela tivesse podido sonhar nunca. Ela abriria os olhos a um prazer que somente existia entre casais que tinham um vínculo de sangue.
Lucan se deu conta de que já odiava a esse macho desconhecido que teria a honra de amá-la.
—Não estou louca, se é isso o que está pensando.
Lucan negou com a cabeça devagar.
—Não estou pensando isso absolutamente.
—Desgosta-me que me tenham pena.
—A mim também —disse, percebendo a advertência que encerravam essas palavras.
_Você não necessita compaixão, Gabrielle. E eu não necessito-medicina nem doutores, tampouco.
Ela se tinha retraído no momento em que ele tinha descoberto as cicatrizes, mas agora Lucan se deu conta de que ela duvidava, de que uma dúbia confiança voltava a aparecer lentamente.
—Você não pertence a este mundo —disse ele, em um tom nada sentimental, a não ser constatando os fatos. Alargou a mão e tomou o queixo com a palma.
— Você é muito extraordinária para a vida que estiveste vivendo, Gabrielle. Acredito que o soubeste sempre. Um dia, tudo cobrará sentido para ti, prometo-lhe isso. Então o compreenderá, e encontrarás seu verdadeiro destino. Possivelmente eu possa te ajudar a encontrá-lo.
O tivesse querido acabar de ajudá-la a banhar-se, mas a atenção com que lhe olhava lhe obrigou a manter as mãos quietas. Ela, por toda resposta, sorriu, e a calidez de seu sorriso lhe provocou uma pontada de dor no peito. Apanhado no tenro olhar dela, sentiu que a garganta lhe fechava de uma forma estranha.
—O que acontece?
Ela negou com a cabeça brevemente.
—Estou surpreendida, só é isso. Não esperava que um policial duro como você falasse de forma tão romântica sobre a vida e o destino.
O recordar que ele se aproximou dela, e continuava fazendo-o, sob uma aparência falsa, permitiu-lhe recuperar parte do sentido comum. Voltou a afundar a esponja na água ensaboada e a deixou flutuar em meio da espuma.
—Possivelmente tudo isto são tolices.
—Não acredito.
—Não me tenha tão em conta —lhe disse ele, forçando um tom de despreocupação.
— Não me conhece, Gabrielle. Não de verdade.
—Eu gostaria de te conhecer. De verdade. —Ela se sentou dentro da banheira. As mornas pequenas ondas da água lhe lambiam o corpo nu igual a Lucan lhe tivesse gostado de fazê-lo com a língua. As pontas dos peitos ficavam justo por cima da superfície da água, os mamilos rosados duros como pétalas fechadas e rodeados por uma densa espuma branca.
— Me Diga, Lucan. De onde é?
—De nenhuma parte. —A resposta soou entre seus lábios como um grunhido, e era uma confissão que se aproximava mais a verdade do que gostava de admitir. Ao igual que ela, desgostava-lhe a compaixão assim que se sentiu aliviado de que lhe olhasse mais com curiosidade que com pena. Com o dedo, acariciou-lhe o nariz arrebitado e salpicado de sardas.
—Eu sou o inadaptado original. Nunca pertenci verdadeiramente a nenhum lugar.
—Isso não é certo.
Gabrielle lhe rodeou os ombros com os braços. Seus quentes olhos enormes lhe olharam com ternura e expressavam o mesmo cuidado que lhe havia devotado ao tira-la da habitação escura e trazê-la até o quente banho. Gabrielle lhe beijou e, ao notar a língua dela entre seus lábios, os sentidos de Lucan se alagaram do embriagador perfume de seu desejo e de seu doce e feminino afeto.
—Cuidaste-me tanto esta noite. Me deixe que te cuide agora, Lucan.
—Lhe beijou outra vez. O beijo foi tão profundo que a pequena e úmida língua lhe arrancou um grunhido de puro prazer masculino do mais fundo dele. Quando ela finalmente interrompeu o contato, respirava com agitação e seus olhos estavam acesos de desejo carnal.
—Leva muita roupa em cima. Tire-lhe isso quero que esteja aqui dentro, nu, comigo.
Lucan obedeceu e atirou as botas, as meias três-quartos, a calça e a camisa ao chão. Não levava nada mais e ficou em pé diante de Gabrielle completamente nu.
Completamente ereto e desejoso dela.
Lucan tomou cuidado de manter os olhos separados dos dela, porque agora as pupilas lhe tinham esgotado a causa do desejo, e era consciente da pressão e a pulsação de suas presas, que se haviam alargadas detrás dos lábios. Se não tivesse sido porque a luz que chegava do abajur de noite que se encontrava ao lado da pia era muito tênue, sem dúvida lhe teria visto em toda sua voraz gloria.
E isso tivesse estragado esse momento prometedor.
Lucan se concentrou e emitiu uma ordem mental que rompeu a pequena lâmpada dentro do biombo de plástico do abajur de noite. Gabrielle se sobressaltou ao ouvir o repentino estalo, mas ao notar-se rodeada pela escuridão, suspirou, feliz. Movia-se dentro da água e esse movimento de seu corpo ao deslizar-se dentro da água emitia uns sons deliciosos.
—Acende outra luz, se quiser.
—Encontrarei-te sem luz —lhe prometeu ele. Falar era um pequeno truque agora, quando a lascívia lhe dominava por completo.
—Então vêem —lhe pediu sua sereia da calidez do banho.
Ele se introduziu na banheira e se colocou diante dela, Às escuras. Somente desejava atrai-la até si, arrastá-la até seu regaço para afundar-se até o punho com uma larga investida. Mas pelo momento pensava deixar que fosse ela quem marcasse o ritmo.
A noite passada, ele tinha vindo faminto e tomou o que desejava. Esta noite ia ser ele quem oferecesse.
Apesar de que o ter que refrear-se o matasse.
Gabrielle se deslizou para ele entre as magras nuvens de espuma. Passou-lhe os pés por ambos os lados dos quadris e os juntou agradavelmente em seu traseiro. Inclinou-se para frente e seus dedos encontraram os musculos dele por debaixo da superfície da água. Acariciou e apertou seus fortes músculos, massageou-os e passou as mãos ao longo de suas coxas em uma carícia que era um tortura lenta e deliciosa.
—Tem que saber que não me comporto assim normalmente.
Ele emitiu um grunhido que pretendia mostrar interesse mas que soou forçado.
—Quer dizer que normalmente não está tão quente como para fazer que um homem se derreta a seus pés?
Ela soltou uma gargalhada.
—É isso o que te estou fazendo?
Ele lhe conduziu as mãos até a dureza de seu pênis.
—A você o que te parece?
—Acredito que é incrível. —Ele lhe soltou as mãos mas ela não as apartou. Acariciou-lhe o membro e os testículos e, com gesto preguiçoso, acariciou-lhe com os dedos a ponta torcida que se sobressaía por cima da superfície da água da banheira.
—Não te parece com ninguém que tenha conhecido nunca. E o que queria dizer era que habitualmente não sou tão... quero dizer, agressiva. Não tenho muitos encontros.
—Não traz para um montão de homens a sua cama?
Inclusive na escuridão, Lucan se deu conta de que ela se havia ruborizado .
—Não. Faz muito tempo.
Nesse momento, ele não desejava que ela levasse a nenhum outro macho, nem humano nem vampiro, a sua cama.
Não queria que ela transasse com ninguém nunca mais.
E, que Deus lhe ajudasse, mas ia perseguir e estripar ao bastardo servente de quão renegados tinha podido matá-la hoje.
Essa idéia lhe surgiu em um repentino ataque de posse. Lhe acariciava o sexo e a ponta lhe umedeceu. Seus dedos, seus lábios, sua língua, seu fôlego contra seu abdômen nu enquanto tomava até o fundo de sua cálida boca: tudo isso lhe estava conduzindo ao limite de uma extraordinária loucura. Não conseguia ter o bastante. Quando lhe soltou, ele pronunciou um juramento de frustração por perder a doçura dessa sucção.
—Necessito-te dentro de mim —disse ela, com a respiração agitada.
—Sim —assentiu ele—, claro que sim.
—Mas...
Vê-la duvidar lhe confundiu. Zangou a essa parte dele que se parecia mais a um renegado selvagem que a um amante considerado.
— O que acontece ? —Soou mais parecido a uma ordem do que tivesse querido.
—Não teríamos... ? A outra noite, as coisas nos foram das mãos antes de que lhe pudesse dizer isso mas não deveríamos, já sabe, utilizar algo esta vez? —O desconforto dela lhe cravou como o fio de uma faca. Ficou imovel, e ela se separou dele como se fosse sair da banheira.
— Tenho camisinhas na outra habitação.
Ele a sujeitou pela cintura com ambas as mãos antes de que ela tivesse tempo de levantar-se.
—Não posso te deixar grávida. —Por que lhe soava isso tão duro nesse momento? Era a pura verdade. Somente os casais que tinham um vínculo..., as companheiras de raça e os machos vampiros que intercambiavam o sangue de suas veias, podiam ter descendência com êxito.
— E quanto ao resto, não tem que preocupar-se por te proteger. Estou são, e nada do que nos façamos pode fazer mal a nenhum dos dois.
—OH, eu também. E espero que não ache que sou uma dissimulada por dize-lo..
Ele a atraiu para si e silenciou sua expressão de desconforto com um beijo. Quando seus lábios se separaram, disse-lhe:
—O que acredito, Gabrielle Maxwell, é que é uma mulher inteligente que respeita seu corpo e a si mesmo. Eu te respeito por ter o valor de tomar cuidado.
Ela sorriu com os lábios junto aos dele.
—Não quero tomar cuidado quando estou perto de ti. Volta-me louca. Faz-me desejar gritar.
Pô-lhe as mãos plainas sobre o peito e lhe empurrou até que ele caiu apoiado de costas contra a parede da banheira. Então ela se levantou por cima de seu pesado pênis e passou seu sexo úmido por toda sua longitude, deslizando-se para cima e para baixo.
—Mas, transar, não de tudo— lhe embainhando com seu calor.
—Quero te fazer gemer —lhe sussurrou ela ao ouvido.
Lucan grunhiu de pura agonia provocada por essa dança sensual. Apertou as mãos em punhos a ambos lado de seu corpo, por debaixo da água, para não agarrá-la e empalá-la com sua ereção que estava a ponto de explodir. Ela continuou com esse perverso jogo até que ele sentiu seu orgasmo contra seu pênis. Ele estava a ponto de derramar-se, e ela continuava lhe provocando sem piedade.
—Foda —exclamou ele com os dentes e as presas apertadas, jogando a cabeça para trás.
— Por Deus, Gabrielle, está-me matando.
—Isso é o que quero ouvir —lhe animou ela.
E então, Lucan sentiu que o suculento sexo dela rodeava centímetro a centímetro a cabeça de seu pênis.
Devagar.
Tão vertiginosamente devagar.
Sua semente se derramou e ele tremeu enquanto o quente líquido penetrava no corpo dela. Gemeu, e nunca tinha estado tão perto de perder-se como nesse momento. E a turgidez do sexo de Gabrielle o envolveu ainda mais. Sentiu que os pequenos músculos lhe apertavam enquanto se cravava mais em seu pênis.
Já quase não podia suportá-lo mais.
O aroma de Gabrielle lhe rodeava, mesclava-se com o vapor do banho e se sentia embargado pela mescla do perfume de seus corpos unidos. Os peitos dela flutuavam perto de seus lábios como uns frutos amadurecidos a ponto de ser tomados, mas ele não se atreveu a tocá-los nesse momento em que estava a ponto de perder o controle. Desejava sentir esses maravilhosos peitos na boca, mas as presas lhe pulsavam da necessidade de chupar sangue. Essa necessidade se via incrementada no momento do climax sexual.
Girou a cabeça e deixou escapar um uivo de angústia; sentia-se desgarrado em muitos impulsos tentadores, e o menor deles não era a tensão por gozar dentro de Gabrielle, de enchê-la com cada uma das gotas de sua paixão. Soltou um juramento em voz alta e então gritou de verdade, pronunciou um profundo juramento que se fez mais forte quando ela se cravou com major força em seu pênis ansiosa e obrigou a derramar-se antes de que seu próprio orgasmo seguisse ao dele.
Quando a cabeça lhe deixou de dar voltas e sentiu que suas pernas voltavam a ter a força necessária para lhe aguentar, Lucan rodeou a Gabrielle com os braços e começou a levantar-se com ela, evitando que Gabrielle se separasse de seu pênis que voltava a entrar em ereção.
—O que está fazendo?
—Você se divertiu já. Agora te levo a cama.
O agudo timbre do telefone celular arrancou de um sobressalto a Lucan de seu pesado sono. Encontrava-se na cama com Gabrielle, os dois estavam esgotados. Ela estava enroscada a seu lado, o corpo nu dela rodeava maravilhosamente suas pernas e seu torso.
—Merda, quanto tempo levava fora? Possivelmente tivessem acontecido umas quantas horas já, o qual era incrível, tendo em conta seu habitual estado de insônia.
O telefone voltou a soar e ele ficou em pé e se dirigiu ao lavabo, onde tinha deixado sua jaqueta. Tirou o telefone de um dos bolsos e respondeu.
—Sim.
—Né. Era Gideon, e sua voz tinha um tom estranho.
— Lucan, com quanta rapidez pode vir ao complexo?
Ele olhou por cima do ombro para o dormitório adjacente. Gabrielle estava sentada nesse momento, sonolenta. Seus quadris nus estavam envoltos nos lençóis e seu cabelo era uma confusão selvagem em sua cabeça. Ele nunca tinha visto nada tão terrivelmente tentador. Possivelmente fosse melhor que partisse logo, enquanto ainda tinha a oportunidade de afastar-se antes de que o sol se levantasse.
Apartou os olhos da excitante visão de Gabrielle e Lucan respondeu a pergunta com um grunhido.
—Não estou longe. O que acontece?
Fez-se um comprido silencio ao outro lado do telefone.
—Passou uma coisa, Lucan. É má. —Mais silêncio. Então, a tranqüilidade habitual do Gideon se quebrou:
— Ah, merda, não há forma boa de dizê-lo. Esta noite perdemos a um, Lucan. Um dos guerreiros está morto.
Capítulo doze
Os lamentos do luto das fêmeas chegaram até os ouvidos de Lucan assim que este saiu do elevador que lhe tinha conduzido até as próofundidades subterrâneas do complexo. Eram uns prantos de angústia que rompiam o coração. Os gemidos de uma das companheiras de raça expressavam uma dor crua e evidente. Era o único que se ouvia no silêncio que invadia o comprido corredor.
O contundente peso da perda lhe cravou no coração.
Ainda não sabia qual dos guerreiros da raça era o que havia falecido essa noite. Não tinha intenção de esforçar-se em adivinhá-lo. Caminhava a passo rápido, quase corria para as habitações da enfermaria de onde Gideon lhe tinha chamado fazia uns minutos. Girou pela esquina do corredor bem a tempo de encontrar-se com Savannah que conduzia a Danika, destroçada pela dor e soluçando, fora de uma das habitações.
Uma nova comoção lhe golpeou.
Assim era Conlan quem se partiu. O grandalhão escocês de risada fácil e com esse profundo e inquebrável sentido de honra... estava morto agora. Logo se teria convertido em cinzas.
Jesus, quase não podia compreender o alcance dessa dura verdade.
Lucan se deteve e saudou com uma respeitosa inclinação de cabeça a viúva quando esta passava por seu lado. Danika se apoiava pesadamente em Savannah. Os fortes braços de cor café desta última pareciam ser quão único impedia que a alta e loira companheira de raça do Conlan se derrubasse pela dor.
Savannah saudou Lucan, dado que a chorosa mulher a quem acompanhava era incapaz de fazê-lo.
—Estão-lhe esperando dentro —lhe disse em tom amável. Seus profundos olhos marrons estavam úmidos pelas lágrimas.
— Vão necessitar sua força e seu guia.
Lucan respondeu a mulher do Gideon com um sério assentimento de cabeça e logo deu os poucos passos que lhe faltavam para entrar na enfermaria.
Entrou em silêncio, pois não queria perturbar a solenidade desse fugaz tempo de que dispunham, ele e seus irmãos, para estar com o Conlan. O guerreiro tinha suportado de uma forma surpreendente várias feridas; incluso do outro extremo da habitação Lucan percebia o aroma de uma terrível perda de sangue. As fossas nasais lhe encheram com a nauseabunda mescla do aroma da pólvora, a eletricidade, e a carne queimada.
Tinha havido uma explosão, e Conlan ficou apanhado em meio dela.
Os restos do Conlan se encontravam em uma maca de exame aberta de retalhos de tecido. Seu corpo estava nu exceto pela larga parte de seda bordada que cobria sua entreperna. Durante o pouco tempo desde que tinha voltado para o complexo, a pele do Conlan tinha sido limpa e lubrificada com um fragrante azeite, em preparação dos ritos funerários que foram ter lugar a próxima saída do sol, para a qual faltavam poucas horas.
Outros se reuniram ao redor da maca onde se encontrava Conlan: Dante, rígido e observando estoicamente a morte; Rio, com a cabeça encurvada, sujeitava entre os dedos um rosário enquanto movia os lábios pronunciando em silêncio as palavras da religião de sua mãe humana; Gideon, com um tecido na mão, limpava com cuidado uma das selvagens feridas que tinham esmigalhado quase por completo a pele do Conlan; Nikolai, que tinha estado patrulhando com o Conlan essa noite, tinha o rosto mais pálido do que Lucan tinha visto nunca: seus olhos frios tinham uma expressão austera e sua pele estava coberta de fuligem, cinzas e pequenas feridas que ainda sangravam.
Inclusive Tegan se encontrava ali para mostrar seu respeito, embora o vampiro se encontrava em pé justo fora do círculo que formavam outros e mantinha os olhos ocultos, fundo em sua solidão.
Lucan caminhou até a maca para ocupar seu lugar entre seus irmãos. Fechou os olhos e rezou pelo Conlan em um comprido silencio. Ao cabo de um momento, Nikolai rompeu o silêncio da habitação.
—Salvou-me a vida aí fora esta noite. Acabávamos de terminar com um par de idiotas fora da estação Green Line e nos dirigíamos de volta para aqui no momento em que vimos esse tipo subir ao trem. Não sei o que me incitou a lhe olhar, mas ele nos dirigiu um amplo e provocador sorriso que nos fez lhe seguir. Estava-se colocando um pouco parecido a pólvora ao redor do corpo. Fedia isso a alguma outra merda que não tive tempo de identificar.
—TATP —disse Lucan, que cheirava a acidez do explosivo nas roupas do Niko incluso nesse momento.
—Resultou que o bastardo levava um cinturão de explosivos ao redor de seu corpo. Saltou do trem justo antes de que nós começássemos a nos pôr em marcha e começou a correr ao longo de uma das velhas vias. Perseguimo-lhe e Conlan lhe abandonou. Então foi quando vimos as bombas. Estavam conectadas a um temporizador de sessenta segundos, e a conta já era menor de dez. Ouvi que Conlan me gritava que voltasse atrás, e então se atirou em cima do tipo.
—Merda —exclamou Dê, passando uma mão pelo cabelo escuro.
—Um servente tem feito isto? —perguntou Lucan, pensando que era uma hipótese acertada. Os renegados não tinham escrúpulos em utilizar vidas humanas para levar a cabo suas mesquinhas guerras internas ou para resolver assuntos de vinganças pessoais. Durante muito tempo, os fanáticos religiosos não tinham sido os únicos em utilizar aos fracos de mente como trocas e descartáveis, embora altamente efetivas, ferramentas de terror.
Mas isso não fazia que a horrível verdade do que lhe tinha acontecido a Conlan fosse mais fácil de aceitar.
—Não era um servente —respondeu Niko, negando com a cabeça.
—Era um renegado, e estava conectado a uma quantidade do TATP suficiente para voar meia quadra da cidade, a julgar pelo aspecto e o aroma que despedia.
Lucan não foi o único nessa habitação que pronunciou um selvagem juramento para ouvir essas preocupantes notícias.
—Assim, que já não estão satisfeitos sacrificando somente seus escravizados súditos? —comentou Rio—. Agora os renegados estão movendo peças mais importantes no tabuleiro?
—Continuam sendo peões —disse Gideon.
Lucan olhou ao inteligente vampiro e compreendeu a que se referia.
—As peças não trocaram. Mas as regras sim o têm feito. Este é um tipo de guerra nova, já não se trata do pequeno fogo cruzado com que nos enfrentamos no passado. Alguém de entre as filas dos renegados está gerando um grau novo de ordem nessa anarquia. Estamos sendo assediados.
Ele voltou a dirigir a atenção a Conlan, a primeira vítima do que começava a temer que ia ser uma nova era escura. Sentia, em seus velhos ossos, a violência de um tempo muito longínquo que voltava a aparecer para repetir-se. A guerra se estava gerando de novo, e se os Renegados se estavam movendo para organizar-se, para iniciar uma ofensiva, então a nação inteira dos vampiros se encontraria no fronte. E os humanos também.
—Podemos discutir isto mais longamente, mas não agora. Este momento é do Conlan. Vamos honrar lhe.
—Eu já me despedi —murmurou Tegan—. Conlan sabe que eu lhe respeitei em vida, igual a na morte. Nada vai trocar para nesse aspecto.
Uma densa ansiedade alagou a habitação, dado que todo mundo esperava a que Lucan reagisse ante a abrupta partida do Tegan. Mas Lucan não pensava lhe dar a satisfação ao vampiro de pensar que lhe tinha zangado, embora sim que o tinha feito. Esperou a que o som das botas do Tegan se apagasse ao fundo do corredor e dirigiu um assentimento de cabeça aos outros para que continuassem com o ritual.
Um por um, Lucan e cada um dos quatro guerreiros ficaram de joelhos no chão para oferecer seus respeitos. Recitaram uma única oração e logo se levantaram juntos para retirar-se e esperar a cerimônia final com a que deixariam descansar a seu companheiro defunto.
—Eu serei quem o leve —anunciou Lucan aos vampiros, quando estes partiam.
Lucan percebeu o intercâmbio de olhares que se deu entre eles e soube o que significavam. Aos Antigos da estirpe dos vampiros —e especialmente aos da primeira geração— nunca lhes pedia que translevassem o peso dos mortos. Essa obrigação recaía na última generação da raça, que estava mais afastada dos Antigos e que, por tanto, podiam suportar melhor os perigosos raios do sol quando começava a amanhecer durante o tempo necessário para oferecer o descanso adequado ao corpo de um vampiro.
Para um membro da primeira geração como Luzem, o rito funerario representava uma tortuosa exposição ao sol de oito minutos.
Lucan observou o corpo sem vida que se encontrava em cima da maca, sem poder apartar a vista do dano que lhe tinham causado.
Um dano que lhe tinham infligido em lugar dele, pensou Lucan, que se sentiu doente ao pensar que poderia ter sido ele quem patrulhasse com o Niko, e não Conlan. Se não tivesse enviado ao escocês em seu lugar no último minuto, Lucan se encontraria agora tendido nessa fria maca com as pernas, o rosto e o torso queimado pelo fogo e o ventre aberto pela metralhadora.
A necessidade que Lucan tinha de ver Gabrielle essa noite havia preponderado por cima de seu dever com a raça, e agora Conlan —seu triste companheiro— tinha pago o preço.
—Vou levar lhe acima —repetiu em tom severo. Olhou a Gideon com o cenho franzido e uma expressão funesta.
_ Me chame quando os preparativos estejam preparados.
O vampiro inclinou a cabeça em um gesto que mostrava um respeito a Lucan maior de que era devido nesse momento.
—É obvio. Não demoraremos muito.
Lucan passou as duas horas seguintes em suas habitações, sozinho, ajoelhado no centro do espaço, com a cabeça encurvada, rezando e reflexionando com um porte sombrio no rosto. Gideon se apresentou na porta e, com um assentimento de cabeça, indicou-lhe que tinha chegado o momento de tirar Conlan do complexo e de oferecê-lo aos mortos.
—Está grávida —disse Gideon com expressão sombria assim que Lucan se levantou.
— Danika está de três meses. Savannah acaba de me dizer. Conlan estava tentando reunir o valor suficiente para te dizer que ia abandonar a Ordem quando o menino tivesse nascido. Ele e Danika planejavam retirar-se a um dos Refúgios Escuros para formar sua família.
—Merda! —exclamou Lucan em um vaio. Sentiu-se ainda pior ao conhecer o futuro feliz que lhes tinha sido roubado a Conlan e a Danika, e ao pensar nesse filho que alguma vez conheceria o homem de valor e de honra que tinha sido seu pai.
— Está tudo preparado para o ritual?
Gideon assentiu com a cabeça.
—Então, vamos fazer- o.
Lucan caminhou encabeçando a cerimônia. Seus pés e sua cabeça estavam nus, igual ao estava seu corpo debaixo da larga túnica negra. Gideon também levava uma túnica, mas a levava com o cinturão das cerimônias da Ordem, igual a outros vampiros que lhes esperavam na câmara colocados a um lado, como faziam em todos os rituais da raça, desde matrimônios e nascimentos até funerais como este. As três fêmeas do complexo se encontravam presente também: Savannah e Eva vestiam as túnicas cerimoniosas com capuz, e Danika ia vestida da mesma forma mas levava a profunda cor vermelha escarlate que indicava o sagrado vínculo de sangue que lhe unia com o defunto.
À frente de todos eles, o corpo do Conlan estava convexo sobre um altar decorado e agasalhado em um grosso tecido de seda.
—Comecemos —anunciou Gideon, simplesmente.
Lucan sentiu um grande pesar no coração enquanto escutava o serviços e os símbolos de infinitude de todos os rituais.
Oito medidas de azeite perfumado para lubrificar a pele.
Oito capas de seda branca para envolver o corpo dos mortos.
Oito minutos de atenção silenciosa à alvorada por parte de um membro da raça, antes de que o guerreiro morto fosse exposto aos raios do sol para que estes lhe incinerassem. Deixado ali sozinho, seu corpo e sua alma se pulverizariam Aos quatro ventos em forma de cinzas e formaria parte dos elementos para sempre.
A voz do Gideon se apagou com suavidade e Danika deu um passo à frente.
Olhou aos congregados e, levantando a cabeça, falou em voz grave mas orgulhosa.
—Este macho era meu, e eu era dele. Seu sangue me sustentava. Sua força me protegia. Seu amor me enchia em todos os sentidos. Ele era meu amado, meu único amado, e ele permanecerá em meu coração durante toda a eternidade.
—Honra-lhe bem —lhe responderam ao uníssono em voz baixa Lucan e outros.
Então Danika se deu a volta para ficar de cara a Gideon, com as mãos estendidas e as palmas dirigidas para cima. O desencapou uma magra adaga de ouro e a depositou sobre suas mãos. Danika baixou a cabeça coberta com o capuz em um gesto de aceitação e logo se deu a volta para colocar-se diante do corpo envolto do Conlan. Murmurou umas palavras em voz baixa dirigidas somente a eles dois. Levou-se ambas as mãos até o rosto. Lucan sabia que agora a viúva da raça se realizava um corte no lábio inferior com o fio da adaga para que sangrasse e para dar um último beijo a Conlan por cima da mortalha.
Danika se inclinou sobre seu amante e ficou assim durante um comprido momento. Todo seu corpo tremia por causa da potência da dor que sentia. Logo se separou dele, soluçando, com a mão sobre a boca. O beijo escarlate brilhava ferozmente, à altura de seus lábios, em meio da brancura que cobria a Conlan. Savannah e Eva a receberam e a abraçaram, apartando-a do altar para que Lucan pudesse continuar com a tarefa que ainda ficava por realizar.
Aproximou-se de Gideon, à frente dos congregados, e se comprometeu a ver Conlan partir com toda a honra que lhe era devido, igual que fazia o resto de membros da raça que caminhavam pelo mesmo caminho que Lucan aguardava nesse momento.
Gideon se apartou a um lado para permitir que Lucan se aproximasse do corpo. Lucan tomou ao enorme guerreiro entre os braços e se voltou para encarar aos outros, tal e como se requeria.
—Honra-lhe bem —murmurou em voz baixa um coro de vozes.
Lucan avançou com solenidade e com lentidão pela câmara cerimoniosa até a escada que conduzia acima e ao exterior do recinto. Cada um dos lances da escada, cada um das centenas de degraus que subiu com o peso de seu irmão cansado, infligiu-lhe uma dor que ele aceitou sem nenhuma queixa.
Essa era a parte mais fácil da tarefa, depois de tudo.
Se tinha que desfalecer, faria-o ao cabo de uns quantos minutos, ao outro lado da porta exterior que se levantava diante dele a uns quantos passos.
Lucan abriu com um empurrão do ombro o painel de aço e inalou o ar fresco da manhã enquanto se dirigia até o lugar onde ia deixar o corpo de seu companheiro. Ficou de joelhos em cima da grama e baixou os braços lentamente para depositar o corpo do Conlan em terra firme diante dele. Sussurrou as orações do rito funerário, umas palavras que somente tinha ouvido umas quantas vezes durante os séculos que tinham acontecido mas que sabia de cor.
Enquanto as pronunciava, o céu começou a iluminar-se com a chegada do amanhecer.
Suportou essa luz com um silêncio reverente e concentrou todos seus pensamentos no Conlan e na honra que tinha sido característica de sua larga vida. O sol continuava levantando-se no horizonte, e ainda não tinha chegado na metade do ritual. Lucan baixou a cabeça e absorveu a dor ao igual que tivesse feito Conlan por qualquer membro da raça que tivesse lutado a seu lado. Um calor lacerante banhou a Lucan enquanto o amanhecer se levantava, cada vez com mais força.
Tinha os ouvidos cheios com as antigas palavras das velhas orações e, ao cabo de pouco tempo, também com o suave vaio e rangido de sua própria carne ao queimar-se.
Capítulo treze
«A polícia e os agentes do transporte ainda não estão seguros do que provocou a explosão da passada noite. De todas formas, depois da conversação mantida com um representante da ferrovia faz uns momentos, assegurou-nos que o incidente se produziu de forma isolada em uma das velhas vias mortas e que não teve feridos. Continuem escutando o canal cinco para conhecer mais notícias sobre esta historia...»
O poeirento e velho modelo de televisor que se encontrava montado sobre uma prateleira de parede se apagou repentinamente, silenciado abruptamente enquanto o forte rugido cheio de irritação do vampiro sacudia a sala. detrás dele, ao outro lado da sombria e destroçada habitação que uma vez fora a cafeteria, no porão do psiquiátrico, dois dos tenentes renegados permaneciam em pé, inquietos e grunhindo, enquanto esperavam suas seguintes ordens.
Esse par tinha pouca paciência; os renegados, por sua natureza aditiva, tinham uma débil capacidade de atenção dado que tinham abandonado o intelecto a favor de satisfazer os caprichos mais imediatos de sua sede de sangue. Eram meninos grandes e necessitavam castigos regulares e premios escassos para que continuassem sendo obedientes. E para que recordassem a quem se encontravam servindo nesse momento.
—Não teve feridos —se burlou um dos renegados.
—Possivelmente não humanos —acrescentou o outro—, mas a raça se levou um bom golpe. Ouvi dizer que não ficou grande coisa do morto para que o sol se encarregasse dele.
Mais risadas do primeiro dos idiotas, às que seguiu uma explosão de fôlego e sangue ao imitar a detonação de quão explosivos tinham sido colocados no túnel pelo renegado a quem tinham atribuído para essa tarefa.
—É uma pena que o outro guerreiro que estava com ele se pudesse marchar por seu próprio pé. —Os renegados ficaram em silencio no momemoro em que seu líder se deu a volta, finalmente, para encarar-se com eles.
— A próxima vez lhes porei a vocês dois nessa tarefa, dado que o fracasso lhes parece tão divertido.
Eles franziram o cenho e grunhiram, como bestas que eram, com uma expressão selvagem nas pupilas rasgadas e afundadas no mar amarelo e dourado de sua íris impávidas. Baixaram a vista quando ele começou a caminar em direção a eles com passos lentos e medidos. A ira que sentia estava só parcialmente aplacada pelo fato de que a raça, pelo menos, tinha sofrido uma perda importante.
Esse guerreiro que tinha caido por causa da bomba não tinha sido o alvo real da missão da passada noite; Apesar disso, a morte de qualquer membro da Ordem era uma boa notícia para sua causa. Já haveria tempo de eliminar ao que chamavam Lucan. Possivelmente o fizesse ele mesmo, rosto a rosto, vampiro contra vampiro, sem a vantagem das armas.
Sim, pensou, resultaria mais que um prazer acabar com esse em concreto.
Podia-se chamar justiça poética.
—Me mostrem o que me trouxestes —ordenou aos renegados que se encontravam frente a ele.
Ambos saíram ao mesmo tempo. Empurraram uma porta para entrar os vultos que tinham deixado no corredor de fora. Voltaram ao cabo de um instante arrastando atrás deles a uns quantos humanos entorpecidos e quase sem sangue. Esses homens e mulheres, seis em total, estavam atados pelos pulso e ligeiramente sujeitos pelos tornozelos, embora nenhum deles parecia o bastante forte para nem sequer pensar em tentar fugir.
Os olhos, em estado catatônico, lhes cravavam em um nada. Os lábios, inertes, incapazes de pronunciar nem de emitir nenhum som, estavam emtreabertos em meio de seus rostos pálidos. Em suas gargantas se viam os sinais das dentadas que seus captores lhes tinham feito para subjugá-los.
—Para você, senhor. Uns serventes novos para a causa.
Fizeram entrar os seis seres humanos como se fossem gado, dado que isso era o que eram: ferramentas de carne e osso cujo destino ia trabalhar, ou morrer, o que fosse mais útil segundo seu critério.
Ele jogou uma olhada a caça dessa noite sem mostrar grande interesse, calculando rapidamente o potencial que esses dois homens e quatro mulheres tinham para resultar de utilidade. Sentiu-se impaciente enquanto se aproximava a eles e observava que algumas de quão feridas tinham no pescoço ainda supuravam uns lentos fios de sangue fresco.
Estava faminto, decidiu enquanto cravava seu olhar calculador em uma pequena fêmea morena de lábios cheios e peitos cheios e amadurecidos que empurravam uma insípida bata verde de hospital que parecia um saco e que lhe sentava muito mal. A cabeça lhe caía para frente, como se pesasse muito para mantê-la erguida apesar de que era evidente que estava lutando contra o torpor que já tinha vencido aos outros. As mordidas que tinha eram incontáveis e se perdiam para o crânio, e apesar disso ela lutava contra a catatonia, piscando com expressão sonolenta em um esforço por manter-se consciente.
Tinha que reconhecer que seu valor era admirável.
—K. Delaney, R.N —disse para si, lendo a etiqueta de plástico que lhe pendurava por cima do redondo peito esquerdo.
Tomou o queixo dela entre o dedo polegar e o índice e lhe fez levantar a cabeça para lhe observar o rosto. Era bonita, jovem e sua pele, cheia de sardas, tinha um aroma doce. A boca lhe encheu de saliva, de glotonería, e os olhos lhe esgotaram, ocultos depois dos óculos escuros.
—Esta fica. Levem o resto abaixo, as jaulas.
Ao princípio, Lucan pensou que a dolorosa vibração que sentia formava parte da agonia pela que tinha passado durante as últimas horas. Sentia todo o corpo abrasado, esfolado, sem vida. Em algum momento a cabeça tinha deixado de martelar e agora lhe acossava com um comprido zumbido doloroso.
Encontrava-se em suas habitações privadas do complexo, em sua cama; isso sabia. Recordava haver-se arrastado até ali com suas últimas forças, depois de ter estado ao lado do corpo do Conlan os oito minutos que se requeriam.
Ficou-se inclusive um pouco mais de oito minutos, havia aguentado uns agudos minutos mais até que os raios do amanhecer houvesem aceso a mortalha do guerreiro morto e a tinham feito explodir em umas incríveis chama e luzes. Só então ficou ele ao coberto dos muros subterrâneos do recinto.
Esse tempo extra de exposição tinha significado sua desculpa pessoal a Conlan. A dor que estava suportando nesses momentos era para que não esquecesse nunca o que de verdade importava: seu dever para a raça e para a Ordem de honoráveis machos que tinham jurado igual a ele realizar esse serviço. Não cabia nada mais.
A outra noite tinha permitido saltar-se esse juramento, e agora um de seus melhores guerreiros se foi.
Outro agudo timbre explorou em algum lugar da habitação e tomou por surpresa, em algum lugar muito perto de onde se encontrava descansando. Esse som de algo que se rompia, que se rasgava, lhe cravou na cabeça.
Com uma maldição que quase resultou inaudível e que quase não pôde arrancar da dolorida garganta, Lucan abriu os olhos com dificuldade e observou a escuridão de seu dormitório privado. Viu que uma pequena luz piscava do interior do bolso de sua jaqueta de pele e nesse momento o telefone celular voltou a soar.
Cambaleando-se, sem o habitual controle e coordenação de atleta que tinha nas pernas, deixou-se cair na cama e se dirigiu com estupidez até o molesto aparelho. Somente teve que realizar três intentos para conseguir dar com a tecla para silenciar o timbre. Furioso pelo esforço que esses pequenos movimentos lhe estavam custando, Lucan levantou a tela iluminada ante seus olhos e se esforçou por ler o número da tela.
Era um número de Boston... O telefone celular de Gabrielle.
Fantástico.
Justo o que necessitava.
Enquanto subia o corpo do Conlan por essas centenas de degraus até o exterior, tinha decidido que, fora o que fosse o que estava fazendo com Gabrielle Maxwell, isso tinha que terminar. De todas formas, não estava de todo seguro do que era o que tinha estado fazendo com ela, aparte de aproveitar toda oportunidade que lhe pôs diante de pô-la de costas e debaixo dele.
Sim, tinha sido brilhante nessa tática.
Era no resto de seus objetivos que estava começando a falhar, sempre que Gabrielle entrava em cena.
Tinha-o planejado tudo mentalmente, tinha pensado como ia enfrentar a situação. Faria que Gideon fosse ao apartamento dela essa noite e que lhe contasse, de forma lógica e compreensível, tudo a respeito da raça e sobre o destino dela, de onde procedia verdadeiramente, dentro da nação dos vampiros. Gideon tinha muita experiencia no trato com mulheres e era um diplomático consumado. Ele se mostraria amável, e seguro que sabia dirigir as palavras melhor que Lucan. Ele conseguiria fazer que tudo cobrasse sentido para ela, inclusive a necessidade de que ela procurasse acolhida —e, depois, a um macho adequado— em um dos Refúgios Escuros.
Quanto a si mesmo, faria todo o necessário para que seu corpo sara-se. Depois de umas quantas horas mais de descanso e de um alimento que necessitava muitíssimo —assim que fosse capaz de ficar em pé o tempo suficiente para caçar— Voltaria mais forte e seria um guerreiro melhor.
Ia esquecer para sempre que tinha conhecido a Gabrielle Maxwell. Por seu bem, e pelo bem conjunto da raça.
Exceto...
Exceto a noite passada lhe havia dito que podia lhe localizar em seu número de celular em qualquer momento que lhe necessitasse. Havia-lhe próometido que sempre responderia sua chamada.
E se resultava que ela estava tentando contatar com ele porque os renegados, ou os mortos andantes de seus serventes, estavam rodeando a seu redor, pensou.
Escancarado no chão em posição supina, apertou o botão responder a chamada.
—Olá.
Jesus, tinha um tom de voz de merda, como se tivesse os pulmões feitos mingau e seu fôlego expulsasse cinzas. Tossiu e sentiu como se a cabeça lhe estalasse.
No outro lado da linha houve um silêncio de uns segundos e logo, a voz de Gabrielle, dúbia e ansiosa:
—Lucan? É você?
—Sim. —esforçou-se em emitir o som apesar da secura que tinha na garganta—. O que acontece? Está bem?
—Sim, estou bem. Espero que não te incomode que tenha chamado. Só... Bom, depois de que te partisse dessa maneira a noite passada , estive um pouco preocupada. Suponho que somente precisava saber que não te tinha ocorrido nada mau.
Ele não tinha energia suficiente para falar, assim que ficou convexo, fechou os olhos e, simplesmente, escutou o som de sua voz. Seu tom de voz, claro e sonoro, parecia-lhe um bálsamo. A preocupação que ela demostrava era como um elixir, como algo que ele nunca tinha provado antes: saber que alguém se preocupava com ele. Esse afeto lhe resultava pouco familiar e quente.
Tranqüilizava-lhe, apesar de sua raivosa necessidade de negá-lo.
—O que...? —disse com voz rouca, mas o tentou de novo — Que horas são?
—Ainda não é meio-dia. Queria te chamar assim que me levantei esta manhã, mas como normalmente trabalha durante o turno de noite, esperei tudo o que pude. Parece cansado. Despertei-te?
—Não.
Tentou rodar sobre um flanco do corpo. Sentia-se mais forte depois desses poucos minutos ao telefone falando com ela. Além disso, necessitava tirar o traseiro da cama e voltar para a rua essa mesma noite. O assassinato do Conlan tinha que ser vingado, e tinha intenção de ser ele quem fizesse justiça.
Quanto mais brutal fosse essa justiça, melhor.
—Bom —estava dizendo ela nesses momentos—, então tudo está bem?
—Sim, bem.
—Bem. Alivia-me sabê-lo, verdade. —Sua voz adquiriu um tom mais ligero e um tanto provocador.
— Te escapou de meu apartamento tão depressa a noite passada que acreditei que teria deixado marca no chão.
—Surgiu um imprevisto e tive que partir.
—Certo —disse ela depois de um silêncio que indicou que ele não tinha nenhuma intenção de entrar em detalhes—. Um assunto secreto de detetives?
—Pode-se dizer que sim.
Esforçou-se por ficar em pé e franziu o cenho, tanto pela dor que lhe atravessou todo o corpo como pelo fato de não poder contar a Gabrielle o porquê tinha tido que sair tão rapidamente de sua cama. A guerra que esperava a ele e ao resto dos seus era uma crua realidade que logo ela também teria em seu prato. De fato, seria essa mesma noite, assim que Gideon fosse visitá-la.
—Escuta, esta noite tenho uma aula de ioga com um amigo meu que termina por volta das nove. Se não estiver de serviço, por que não passa por aqui? Posso preparar algo para jantar. Toma-o como uma compensação pelos manicotti que não pôde comer o outro dia. Possivelmente esta vez consigamos jantar.
O divertido flerte de Gabrielle lhe arrancou um sorriso que lhe fez sentir dor em todos os músculos do rosto. A indireta a respeito da paixão que tinham compartilhado despertava algo em seu interior também, e a ereção que notou em meio de todas as demais sensações físicas de agonia não foi tão dolorosa como tivesse desejado.
—Não posso ir verte, Gabrielle. Tenho... que fazer umas coisas.
A principal de todas elas era meter-se algo de sangue no corpo e isso significava que tinha que manter-se afastado dela tanto como fosse possível. Não era boa coisa que lhe tentasse com a promessa de seu corpo; no estado em que se encontrava nesse momento, ele era um perigo para qualquer ser humano que fosse o suficientemente tolo como para aproximar-se dele.
—Não sabe o que dizem a respeito de trabalhar muito e não jogar nada? —perguntou-lhe, em um ronrono de convite.
—Sou uma espécie de ave noturna, assim se terminar logo de trabalhar e decide que quer um pouco de companhia...
—Sinto muito. Possivelmente em outro momento —lhe disse ele, sabendo perfeitamente que não haveria nenhum outro momento. Nesses instantes se encontrava em pé e começava a dar uns passos torpes e pouco fluídos em direção a porta. Gideon devia estar no laboratório, e o laboratório se encontrava ao final do corredor. Era infernal tentar fazer esse percurso em suas condições, mas Lucan estava completamente decidido fazê-lo.
—Vou mandar a alguém a ver-te esta noite. É um... meu sócio.
—Para que?
Tinha que expulsar o fôlego com dificuldade e pela boca, mas estava caminhando. Alargou a mão e apanhou a maçaneta da porta.
—As coisas se puseram muito perigosas —disse ele de forma precipitada e com esforço—. Depois do que te aconteceu ontem no centro da cidade...
—Deus, não podemos esquecê-lo? Estou segura de que exagerei.
—Não —a interrompeu ele—. Me sentirei melhor se souber que não está sozinha... que há alguém que te protege.
—Lucan, de verdade, não é necessário. Sou uma garota adulta. Estou bem.
Ele não fez caso de seus protestos.
—Chama-se Gideon. Te agradará. Os dois poderão... falar. Ele lhe ajudará, Gabrielle. Melhor do que o posso fazer eu.
—Me ajudar? O que quer dizer? Passou algo com respeito ao caso? E quem é esse Gideon? É um detetive, também?
—Ele lhe explicará isso tudo. —Lucan saiu ao corredor, onde uma tênue luz iluminava as polidos ladrilhos e os brilhantes acabados de cromo e cristal. Do outro lado de uma das portas de um apartamento privado se ouvia ressonar com força a música metal de Dante. Desde um dos muitos corredores que foram dar a esse corredor principal chegava certo aroma de azeite e a disparos de arma recentes, das instalações de treinamento.
Lucan se cambaleou sobre os pés, inseguro em meio dessa mescla de estímulos sensoriais.
—Estará a salvo, Gabrielle, juro-lhe isso. Agora tenho que te deixar.
—Lucan, espera um momento! Não desligue. O que é o que não me está dizendo?
—Vais estar bem, prometo-lhe isso. Adeus, Gabrielle.
Capítulo quatorze
A chamada que tinha feito a Lucan, e seu estranho comportamento ao outro extremo do telefone, tinham-na estado preocupando todo o dia. Todavia o estava enquanto saía com Megan da classe de ioga essa tarde.
—Parecia tão estranho ao telefone. Não sei se estava em um estado de extrema dor física ou se estava tentando encontrar a maneira de me dizer que não queria voltar para ver-me.
Megan suspirou e fez um gesto de negação com a mão.
—Provavelmente está tirando muitas conclusões. Se de verdade quer sabê-lo, por que não vai a delegacia de polícia e sacas a cabeça para ver-lhe?
—Acredito que não. Quero dizer, o que lhe diria?
—Diria-lhe: «Olá, bonito. Parecia tão desanimado esta tarde que pensei que iria bem que passasse te recolher, assim aqui estou». Possivelmente possa lhe levar um café e um pão-doce no caso de.
—Não sei...
—Gabby, você mesma há dito que esse menino sempre foi doce e cuidadoso quando esteve contigo. Pelo que me contaste a respeito da conversação que tivestes hoje por telefone, ele parece muito preocupado por ti. Tanto que vai mandar a um de seus colegas para que te vigie enquanto ele está de serviço e não pode estar ali em pessoa.
—Ele fez insistência no perigoso que se estava pondo acima... e o que acha que significa «acima» ? Não parece jargão de polícia, verdade? O que é, algum tipo de terminologia militar?
—Negou com a cabeça—. Não sei. Há muitas coisas de Lucan Thorne que não sei.
—Pois pregunta. Venha, Gabrielle. Pelo menos lhe dê ao menino o benefício da dúvida.
Gabrielle observou as calças de ioga negras e a jaqueta com cremalheira que levava. Logo se levou a mão ao cabelo para comprovar até que ponto lhe tinha desfeito a rabo-de-cavalo durante esses quarenta e cinco minutos de exercícios.
—Teria que ir primeiro a casa, me dar pelo menos uma ducha, trocar de roupa.
—Né! Quero dizer, de verdade, mas o que te passa? —Megan abriu muito os olhos, que lhe brilhavam, divertida.
— Tem medo de ir, verdade? OH, quer ir, mas já tem certamente um milhão de desculpas passando para explicar por que não pode fazê-lo. Admito-o, este menino você gosta de verdade.
Gabrielle não podia negá-lo, não teria podido inclusive embora o imediato sorriso que lhe desenhou no rosto não a tivesse delatado. Gabrielle lhe devolveu o olhar a sua amiga e se encolheu de ombros.
—Sim, é verdade. Eu gosto. Muito.
—Então, o que está esperando? A delegacia de polícia está a três quadras, e tem um aspecto fantástico, como sempre. Além disso, não é que ele não te tenha visto suar um pouco antes de agora. É possível que prefira ver-te assim.
Gabrielle riu com Megan, mas sentia retorcer o estômago. A verdade era que sim desejava ver Lucan, de fato não queria esperar nem um minuto mais, mas e se ele tinha estado tentando deixá-la enquanto falavam por telefone essa tarde? Que ridícula pareceria então, se entrava na delegacia de polícia sentindo-se como se fosse sua noiva. Sentiria-se como uma idiota.
Não mais do que se sentiria se recebia a notícia de segunda mão, pela boca de seu amigo Gideon, a quem ele teria enviado nessa compassiva missão.
—De acordo. Vou fazê - lo.
—Bom pra ti! —Megan se ajustou a bolsa do colchonete de ioga no ombro e sorriu ampliamente.
— Esta noite verei Ray em meu apartamemoro depois de que ele termine seu turno, mas me chame à primeira hora da manhã e me conte como foi. De acordo?
—De acordo. Uma saudação para o Ray
Enquanto Megan se afastava apressadamente para pegar o trem das nove e quinze, Gabrielle se dirigiu para a delegacia de polícia . Durante o caminho recordou o conselho de Megan e se deteve um momento para comprar um pão-doce e um café: puro e carregado, posto que não acreditava que Lucan fosse o tipo de homem que toma com leite, com açúcar nem descafeinado.
Com ambas as coisas nas mãos, chegou a porta da delegacia de polícia, respirou com força para reunir coragem, atravessou a porta de entrada e entrou com atitude desenvolvida.
As queimaduras piores tinham começado a curar-se ao cair da noite. A pele nova lhe cresceu, sã, por debaixo das bolhas da pele velha e as feridas começaram a fechar-se. Embora ainda tinha os olhos muito sensíveis inclusive a luz artificial, não sentia dor na fria escuridão da rua. O qual era bom, porque precisava estar por aí para saciar a sede de seu corpo convalescente.
Dante lhe olhou. Os dois saíam ao exterior do recinto e se preparavam para compartilhar essa noite de reconhecimento e de vingança contra os renegados.
—Não tem muito bom aspecto, cara. Se quiser, sairei a caçar para ti e te trarei algo jovem e forte. Necessita-o, isso está claro. E ninguém tem por que saber que não te procuraste o sustento você mesmo.
Lucan olhou de soslaio e com expressão séria ao macho e lhe mostrou os dentes em um sorriso de brincadeira.
—Que lhe fodam.
Dante-se riu
.
.
—Tinha a suspeita de que me diria isso. Quer que leve as armas por ti, pelo menos?
O gesto de negar devagar com a cabeça lhe provocou uma navalhada de dor na cabeça.
—Estou bem. Estarei melhor quando me tiver alimentado.
—Sem dúvida. —O vampiro ficou em silêncio durante um comprido momento e lhe olhou, simplesmente. Sabe o que é que foi extraordinariamente impressionante do que fez hoje pelo Conlan? Eu não tivesse podido nem imaginá-lo em toda sua vida, mas, porra, eu gostaria que tivesse sabido que seria você quem subiria esses últimos degraus com ele. Foi uma grande maneira de lhe honrar, cara. De verdade.
Lucan recebeu a adulação sem deixar que lhe impregnasse. Ele tinha tido seus próprios motivos para levar a cabo esse rito funerário, e ganhar a admiração do resto dos guerreiros não formava parte deles.
—Dê-me uma hora para caçar algo e logo nos encontraremos aqui outra vez para provocar algumas baixas entre as filas de nossos inimigos, esta noite. Pela memória do Conlan.
Dante assentiu com a cabeça e chocou os nódulos contra o punho fechado de Lucan.
—De acordo.
Lucan esperou enquanto Dante desaparecia na escuridão. Suas passadas largas e fortes delatavam a vontade com que esperava as batalhas que ia encontrar nas ruas. Tirou as armas gêmeas das capas e elevou as Malebranches curvadas por cima de sua cabeça. O brilho dessas folhas de aço gentil e de titânio, assassinas de renegados, cintilou a débil luz da lua no céu. O vampiro emitiu um grito de guerra calado e desapareceu nas sombras da noite.
Lucan lhe seguiu não muito depois, seguindo um caminho não muito distinto que entrava nas escuras artérias da cidade. Seu gesto furtivo era menos fanfarrão, mas mais decidido, menos arrogante e ansioso, mais determinado e frio. Sua sede era pior do que nunca tinha sido, e o rugido que elevou até a abóbada de estrelas no céu estava cheio de uma ira feroz.
—Pode soletrar o sobrenome outra vez, por favor?
—T-h-ou-r-n-e —repetiu Gabrielle a recepcionista de delegacia de polícia, que não tinha conseguido nenhum resultado no diretório—. Detetive Lucan Thorne. Não sei em que departamento trabalha. Veio a minha casa depois de que eu estivesse aqui para denunciar uma agressão que presenciei a semana passada... um assassinato.
—Ah. Então, você quer falar com os de Homicídios? —As unhas largas e pintadas da jovem repicavam em cima do teclado com rapidez—. Certo... Não. Sinto muito. Tampouco aparece nesse departamento.
—Isso não é possível. Pode voltar a comprová-lo, por favor? É que este sistema não lhe permite procurar somente um nome?
—Sim o permite, mas não aparece nenhum detetive que se chame Lucan Thorne. Está segura de que trabalha neste edifício?
—Estou segura, sim. A informação de seu computador não deve estar atualizada...
—Né, um momento! Aí há uma pessoa que pode ajudar, a interrompeu a recepcionista enquanto fazia um gesto em direção à porta de entrada da Central.
—Agente Carrigan! Você tem um segundo?
O agente Carrigan, recordou Gabrielle, desolada. O velho poli que lhe tinha feito passar um momento tão desagradável a semana passada, chamando-a mentirosa e cabeça oca sem querer acreditar a declaração de Gabrielle acerca do assassinato da discoteca. Pelo menos, agora que Lucan tinha contrastado as fotos de seu celular no laboratório da polícia, sentia o consolo de saber que, fosse qual fosse a opinião desse homem, o caso seguia adiante de algum jeito.
Gabrielle teve que reprimir um grunhido de fúria ao ver que o homem se tomava um tempo antes de aproximar-se dela. Quando ele a viu ali em pé, a expressão de arrogância que parecia tão natural nesse rosto carnudo adotou um gesto decididamente depreciativo.
—OH, Por Deus. Outra vez você? Justo o que necessito em meu último dia de trabalho. Retiro-me dentro de umas quantas horas, querida. Esta vez vai ter que contar-lhe a outra pessoa.
Gabrielle franziu o cenho.
—Perdão?
—Esta jovem está procurando um de nossos detetives —disse a recepcionista enquanto intercambiava um olhar de cumplicidade com Gabrielle, como resposta ao comportamento displicente do agente. Não lhe encontro no diretório, mas ela acredita que é um dos nossos.
Conhece você ao detetive Thorne?
—Nunca ouvi falar dele. —O agente Carrigan começou a afastar-se.
—Lucan Thorne —disse Gabrielle com decisão enquanto deixava o café de Lucan e a bolsa com a massa em cima da mesa de recepção. Automaticamente deu um passo em direção ao policial e esteve a ponto de sujeita-lo pelo braço ao ver que ele ia deixa-la ali plantada.
— O detetive Lucan Thorne, você deve conhecer. Vocês enviaram ao meu apartamento no início desta semana para ver se conseguia alguma informação adicional a minha declaração. Levou meu telefone celular ao laboratório para que analisassem...
Carrigan começou a rir agora; deteve-se e a olhava enquanto lhe oferecia os detalhes a respeito da chegada de Lucan a sua casa. Gabrielle não tinha paciência para dirigir a agressividade desse agente. E menos agora que o pêlo da nuca começava a arrepiar-se o a causa do repentino pressentimento de que as coisas começavam a ser estranhas.
—Está-me dizendo que o detetive Thorne não lhe contou nada disto?
—Senhorita. Estou-lhe dizendo que não tenho nem remota idéia do que está você falando. Trabalhei nesta delegacia de polícia durante trinta e cinco anos, e nunca ouvi falar de nenhum detetive Lucan Thorne, por não falar de que não mandei a sua casa.
Gabrielle sentiu que lhe formava um nó no estômago, frio e apertado, mas se negou a aceitar o medo que começava a cobrar forma detrás de toda essa confusão.
—Isso não é possível. Ele sabia do assassinato que eu havia presenciado. Sabia que eu tinha estado aqui, na delegacia de polícia, fazendo uma declaração a respeito disso. Vi sua placa de identificação quando chegou à casa. Acabo de falar com ele hoje, e me disse que esta noite trabalhava. Tenho seu número de celular...
—Bom, vou dizer- lhe uma coisa. Se isso for fazer que me deixe em paz , vamos fazer uma chamada a seu detetive Thorne —disse Carrigan.Isso esclarecerá as coisas, verdade?
—Sim. Vou chamar- lhe agora.
A Gabrielle tremiam um pouco os dedos enquanto tirava o teléefone celular do bolso e marcava o número de Lucan. O telefone chamou, mas ninguém respondeu. Gabrielle voltou a tentá-lo e esperou durante a agonia de uma eternidade enquanto o timbre soava e soava e soava e enquanto a expressão do agente Carrigan se mudava de uma impaciência questionável a uma compaixão que ela tinha percebido nos rostros dos trabalhadores sociais quando era uma menina.
—Não responde —murmurou ela, apartando o telefone do ouvido. Sentia-se torpe e confusa, e a expressão atenta no rosto do Carrigan o piorava tudo—. Estou convencida de que está ocupado com algo. Vou voltar a tentá-lo dentro de um minuto.
—Senhorita Maxwell. Podemos chamar a alguém mais? A algum familiar, possivelmente? A alguém que possa nos ajudar a encontrar sentido a tudo o que lhe está passando?
—Não me está acontecendo nada.
—Me parece que sim. Acredito que você está confusa. Sabe? Às vezes a gente inventa coisas para que lhes ajudem a suportar outros problemas.
Gabrielle se burlou.
—Eu não estou confundida. Lucan Thorne não é um produto de minha imaginação. É real. Essas coisas que me aconteceram são reais. O assassinato que presenciei o fim de semana passado, esses... homens... com seus rostos ensangüentados e seus afiados dentes, inclusive esse menino que me esteve vigiando o outro dia no parque... ele trabalha aqui na Central. O que é o que têm feito vocês? Enviaram-lhe para que me olha-se?
—De acordo, senhorita Maxwell. Vamos ver se conseguimos resolver isto juntos. —Era óbvio que o agente Carrigan tinha encontrado finalmente um resto de diplomacia sob a armadura de seu caráter grosseiro. Apesar de tudo, a forma em que pegou pelo braço para tentar conduzi-la até um dos bancos do vestíbulo para que se sentasse mostrava uma grande condescendência—. Vamos ver se respirarmos profundamente. Podemos procurar a alguém para que a ajude.
Deu uma sacudida no braço para soltar-se.
—Você acredita que estou louca. Eu sei o que vi... tudo! Não me estou inventando isto, e não necessito ajuda. Somente preciso saber a verdade.
—Sheryl, querida — disse Carrigan a recepcionista, que olhava ambos com apreensão—. Pode me fazer o favor de chamar em um momemoro à Rudy Duncan? Diga que lhe necessito aqui embaixo.
—Um médico? —perguntou Gabrielle, que já havia tornado a colocar o telefone entre a orelha e o ombro.
—Não —repôs Carrigan, devolvendo o olhar a Gabrielle—. Não terá que alarmar-se ainda. Peça que baixe ao vestíbulo, tranqüilamente, e que converse um momento com a senhorita Maxwell e comigo.
—Esqueça-o —respondeu Gabrielle, levantando do banco.
—Olhe, seja o que seja o que lhe esteja passando, há pessoas que podem ajudá-la.
Ela não esperou que terminasse de falar, limitou-se a recompor-se com dignidade, a caminhar até a mesa de recepção para recuperar a taça e a bolsa, a atirá-los ao lixo e dirigir-se a porta de saída.
Sentiu o ar da noite fresco nas bochechas, acesas, o qual a tranqüilizou de algum jeito. Mas a cabeça ainda lhe estava dando voltas. O coração lhe pulsava com força por causa da confusão e de que não podia acreditar o que lhe tinha acontecido.
É que todo mundo ao seu redor se estava voltando louco? Que diabos estava acontecendo? Lucan lhe tinha mentido a respeito de que era um policial, isso era bastante evidente. Mas que parte do que lhe tinha contado, que parte do que tinham feito juntos, formava parte desse engano?
E por que?
Gabrielle se deteve no final dos degraus de cimento que se afastavam da delegacia de polícia e respirou profundamente várias vezes. Deixou sair o ar devagar. Logo baixou a vista e viu que ainda tinha o telefone celular na mão.
—Merda.
Tinha que averiguá-lo.
Essa estranha história em que se colocou tinha que acabar nesse momento.
O botão de rechamada voltou a marcar o número de Lucan. Ela esperou,
Insegura do que ia dizer lhe.
O telefone soou seis vezes.
Sete.
Oito...
Capítulo quinze
Lucan tirou o celular do bolso de sua jaqueta de couro enquanto pronunciava uma forte maldição.
Gabrielle... outra vez.
Tinha-lhe chamado antes também, mas ele não tinha querido responder a chamada. Estava perseguindo um traficante de drogas ao que tinha visto vender crack a um adolescente que passava pela rua, fora de um sórdido botequim. Tinha estado conduzindo mentalmente a sua presa para um beco escuro e estava justo a ponto de lançar-se ao ataque quando a primeira chamada de Gabrielle tinha divulgado como um alarme de carro desde seu bolso. Tinha posto o aparelho no modo de silêncio, amaldiçoando-se a si mesmo pelo estúpido costume de levar o maldito traste quando saía a caçar.
A sede e as feridas lhe tinham feito comportar-se descuidadamente. Mas esse repentino estrondo na rua escura tinha resultado a seu favor ao final.
Ele tinha as forças debilitadas, e o cauteloso traficante tinha cheirado o perigo no ambiente, inclusive apesar de que Lucan se manteve escondido entre as sombras enquanto lhe perseguia. Tinha tirado uma arma a metade do beco e apesar de que raramente as feridas de bala resultavam fatais para a estirpe de Lucan —a não ser que se tratasse de um tiro na cabeça a queima roupa—, não estava seguro de que seu corpo convalescente pudesse resistir um impacto como esse nesses momentos.
Por não mencionar o fato de que isso lhe tiraria de gonzo, e já estava com um humor de cão.
Assim, quando a segunda chamada do celular fez que o traficante se voltasse freneticamente para um lado e a outro em busca da origem do ruído que ouvia detrás dele, Lucan lhe saltou em cima. Derrubou ao tipo rápidamente, e lhe cravou as presas na veia do pescoço, torcida pelo terror um momento antes de que o homem reunisse a força suficiente para arrancar um grito dos pulmões.
O sangue lhe alagou a boca, desagradável pelo sabor a droga e a enfermidade. Lucan a tragou com dificuldade, uma vez atrás de outra, enquanto agarrava sem piedade a sua convulsa presa. Ia matar- lhe, e não podia importar menos. Isso apagava a dor de seu corpo dolorido.
Lucan se alimentou depressa, bebeu tudo o que pôde.
Mais do que pôde.
Quase lhe tirou todo o sangue ao traficante e ainda se sentia faminto. Mas tivesse sido abusar muito se alimentava mais essa noite. Era melhor esperar a que o sangue lhe nutrisse e lhe tranquilizasse em lugar de arriscar-se a ser ansioso e a tomar um caminho rápido para a sede insaciavel de sangue.
Lucan olhou com ironia o telefone que soava na palma de sua mão e sabia que quão único tinha que fazer era não responder.
Mas continuou soando, com insistência, e justo no último instante, respondeu. Não disse nada ao princípio, simplesmente escutou o som do suspiro de Gabrielle ao outro lado. Notou que tinha a respiração tremente, mas sua voz soou forte, apesar de que era evidente que estava bastante desgostada.
—Mentiste-me — disse, a modo de saudação—. Durante quanto tempo, Lucan? Quantas mentiras? Tudo foi uma mentira?
Lucan observou o corpo sem vida de sua presa com expressão satisfeita. Agachou-se e realizou um rápido registro desse miserável e gordurento tipo. Encontrou um maço de bilhetes sujeitos por uma borracha, que ia deixar ali para que os abutres guias de ruas o disputassem. A mercadoria do traficante —crack e heroína por valor de um par de bilhetes grandes— Iriam parar em um dos esgotos da cidade.
—Onde está? —perguntou-lhe quase em um latido, sem pensar em outra coisa que não fosse no depredador que acabava de eliminar.
— Onde está Gideon?
—Nem sequer vais tentar negá-lo? Por que faz isto?
—Passe-me isso Gabrielle.
Ela ignorou essa petição.
—Há outra coisa que eu gostaria de saber: como entrou em meu apartamemoro a outra noite? Eu tinha fechado todos os fechos e tinha posto a correia. O que fez? Abriu-os? Roubou-me as chaves enquanto eu não olhava e te fez uma cópia?
—Podemos falar disso mais tarde, quando estiver a salvo no recinto.
—De que recinto fala? —A repentina gargalhada lhe pegou por surpresa.
— E pode abandonar essa pose protetora e benevolente. Não é um policial. Quão único quero é um pouco de sinceridade. É isso te pedir muito, Lucan? Deus. É esse pelo menos seu verdadeiro nome? Algo do que me tenha contado se parece, pelo menos remotamente, a verdade?
De repente Lucan soube que essa raiva, essa dor, não era o resultado de que Gabrielle tivesse conhecido pelo Gideon a verdade a respeito da raça e do papel que ela tinha destinado na mesma. Um papel que não ia incluir a Lucan.
Não, ela não sabia nada disso ainda. Tratava-se de outra coisa. Não era medo dos fatos. Era medo ao desconhecido.
—Onde está, Gabrielle?
—O que te importa?
—Me... importa —admitiu, embora com relutância.
—Porra , não tenho a cabeça para isto agora mesmo. Olhe, sei que não está em seu apartamento, assim que onde está? Gabrielle, tem que me dizer onde está.
—Estou na delegacia de polícia. Vim para ver-te esta noite e, sabe o que? Ninguém ouviu seu nome aqui.
—OH, Deus. Perguntaste por mim aí?
—É obvio que o tenho feito. Como tivesse podido me inteirar de que tomava por uma idiota, se não? —Outra vez o tom de brincadeira e irritação.
— Incluso havia te trazido café e uma massa.
—Gabrielle, estarei aí em uns minutos... menos que isso. Não te mova. Fique onde está. Fique em algum ponto onde haja gente, em algum lugar interior. Vou para te buscar.
—Esquece-o. Me deixe em paz.
Essa breve ordem lhe fez levantar-se imediatamente do chão. Ao cabo de um instante suas botas ressonavam na rua a um ritmo acelerado.
—Não vou ficar por aqui te esperando, Lucan. De fato, sabe o que? Não te ocorra te aproximar de mim.
—Muito tarde —lhe respondeu.
Já tinha chegado à penúltima esquina que lhe separava da rua onde se encontrava a delegacia de polícia. Avançou por entre a multidão de pedestres como um fantasma. Notava que o sangue que acabava de ingerir lhe penetrava nas células, lhe aderia nos músculos e nos ossos e lhe fortalecia até que se converteu somente em uma rajada fria nas costas dos que passavam ao seu lado.
Mas Gabrielle, com sua extraordinária percepção de companheira de raça, viu-lhe em seguida.
Lucan ouviu pelo telefone que Gabrielle agüentava a respiração. Como em câmera lenta, ela se apartou o aparelho do ouvido e lhe olhou com os olhos muito abertos e com incredulidade enquanto ele lhe aproximava rapidamente.
—Meu Deus —sussurrou, e essas palavras chegaram aos ouvidos de Lucan sozinhas em um segundo antes de que se plantasse diante dela e alargasse a mão para sujeitá-la pelo braço.
—Solte-me!
—Temos que falar, Gabrielle. Mas não aqui. Levarei-te a um lugar...
—É uma merda! —Deu um puxão, soltou-se da mão dele e se afastou pela calçada.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
—Já não está segura aqui fora, Gabrielle. Viu muitas coisas. Agora forma parte disso, tanto se quiser como se não.
—Parte do quê?
—Desta guerra.
—Guerra —repetiu ela, com um tom de dúvida.
—Exato. É uma guerra. Antes ou depois vais ter que escolher um lado, Gabrielle. —Pronunciou uma maldição—. Não. A merda. Eu vou escolher seu lado agora mesmo.
—É uma espécie de piada? Quem é você, um desses militares inadaptados que vai por aí representando suas fantasias de autoridade. Possivelmente seja pior que isso.
—Isto não é uma piada. Não é um fodido jogo. Estive em muitos combates e presenciei muitas mortes em minha vida, Gabrielle. Nem sequer pode imaginar o que vi, nem tudo o que tenho feito. Não vou ficar quieto para ver que fica apanhada em um fogo cruzado. —Ofereceu-lhe uma mão.
— Vais vir comigo. Agora.
Lhe esquivou. Seus olhos escuros revelavam uma mescla de medo e de raiva.
—Se voltar a me tocar, juro-te que chamo a polícia. Já sabe, aos de verdade que estão na delegacia de polícia. Esses levam placas de verdade. E armas de verdade.
O humor de Lucan, que já estava quente, começou a piorar.
—Não me ameace, Gabrielle. E não creia que a polícia te pode ofecer algum tipo de amparo. E, é obvio, não ante o que te está ameaçando. Pelo que sabemos, a metade da delegacia de polícia poderia estar cheia de servidores.
Ela meneou a cabeça e adotou uma atitude mais tranqüila.
—De acordo. Esta conversação está deixando de ser realmente extranha e começa a ser profundamente inquietante. Terminei com isto, compreendido? —Falava-lhe devagar e em voz baixa, como se estivesse tentando tranqüilizar a um cão raivoso que estivesse ante ela agachado e a ponto de atacar.
— Agora vou, Lucan. Por favor... não me siga.
Quando ela deu o primeiro passo para afastar-se dele, a pouca capacidade de controle que ficava a Lucan se quebrou. Cravou-lhe os olhos nos dela com dureza e lhe enviou uma feroz ordem mental para que deixasse de resistir a ele.
«Me dê a mão.»
«Agora.»
Por um segundo, as pernas ficaram imóveis, paralizadas. Os dedos das mãos se moveram, como intranqüilos, a um doslados do corpo. Logo, devagar, seu braço começou a levantar-se para ele.
E, de repente, o controle que ele tinha sobre ela se rompeu.
Ele sentiu que lhe expulsava de sua mente, desconectava dele. O corredor de sua vontade era como uma porta de ferro que se fechava entre ambos, uma porta que lhe houvesse custado muito penetrar embora se encontrasse em condições ótimas.
—Que diabos? —exclamou ela em voz baixa, reconhecendo perfeitamente qual era o truque—. Te ouvi, agora, em minha cabeça. Meu Deus. Tem-me feito isto antes, verdade?
—Não me está deixando muitas escolhas, Gabrielle.
Ele tentou outra vez. E sentiu que lhe empurrava fora, esta vez com maior desespero. Com mais medo.
Ela se levou o dorso da mão até a boca, mas não pôde afogar de todo o grito quebrado que lhe saía pela garganta.
Retrocedeu cambaleando-se pela esquina.
E logo se deu a volta na escuridão da rua para escapar dele.
—Você, menino. Agarra a porta em meu lugar, de acordo?
O servente demorou um segundo em dar-se conta de que lhe estavam falando a ele, de tão distraído como estava olhando a mulher Maxwell em meio da rua, diante da delegacia de polícia. Inclusive agora, enquanto sujeitava a porta aberta para que um mensageiro entrasse com quatro caixas de pizza fumegantes, sua atenção permanecia cravada na mulher enquanto esta se afastava da esquina e corria rua abaixo.
Como se tentasse deixar a alguém detrás.
O servente olhou a uma enorme figura vestida de negro que estava em pé e que observava como ela escapava. Esse macho era imenso, facilmente media dois metros de altura, os ombros, sob a jaqueta de pele, eram largos como os de um defesa. Dele emanava um ar de ameaça que se percebia do outro lado da rua onde agora se encontrava o servente, em pé, estupefato, sujeitando ainda a porta da delegacia apesar de que as pizzas se encontravam amontoadas já em cima do balcão de recepção.
Embora ele nunca tinha visto nenhum dos vampiros a quem seu senhor desprezava tão abertamente, o servente soube sem dúvida nenhuma que nesse momento estava vendo um deles.
Seguro que essa era uma oportunidade de ganhar a apreciação se avisasse a seu senhor da presença tanto da mulher como do vampiro a quem ela parecia conhecer, além de temer.
O servente voltou a entrar na delegacia de polícia. Tinha as mãos úmidas de suor por causa da excitação ante a glória que lhe esperava. Com a cabeça abaixada, seguro de sua habilidade de mover-se por toda parte e de passar desapercebido, começou a cruzar o vestíbulo a um passo apressado.
Nem sequer viu que o menino da pizza se cruzava em seu caminho até que se chocou com ele, com a cabeça. Uma caixa de cartão foi chocar-se contra o peito, da qual emanou um aroma de queijo quente, e a caixa caiu no sujo linóleo do chão pulverizando o conteúdo aos pés do servente.
—Né, cara. Está pisando em minha seguinte entrega. É que não olha por onde vai?
Ele não se desculpou, nem se deteve para tirar o gordurento queijo e o pepperoni do sapato. Introduziu a mão no bolso da calça e foi procurar um lugar tranqüilo de onde fazer sua importante chamada.
—Espera um segundo, amigo.
Era o velho e calvo agente, em pé no vestíbulo, quem gritava agora. Embutido em sua uniforme durante suas últimas horas de trabalho, Carrigan tinha estado perdendo o tempo incomodando a recepcionista do vestíbulo.
O servente não fez caso da voz ensurdecedora do policial que lhe chamava a suas costas e continuou caminhando, com a cabeça agachada, em linha reta em direção a porta da escada que estava perto do lavabo, justo fora do vestíbulo.
Carrigan soltou um bufido com todas suas forças e ficou boquiabierto, com expressão de evidente incredulidade ao ver que sua autoridade era completamente ignorada.
—Né, chupatintas! Estou falando contigo. Hei-te dito que volte e que limpe esta porcaria. E quero dizer que o faça agora, cabeça oca!
—Limpa-o você mesmo, porco arrogante —disse em voz baixa e quase sem alento. Logo abriu a porta de metal que dava as escadas e começou a baixar a passo rápido.
Nesse momento e por cima dele, ouviu que a porta se abria com um estrondo ao golpear o outro lado da parede e que os degraus vibravam como sob o efeito de uma explosão sônica.
—O que é o que acaba de dizer? Que merda acaba de me chamar,idiota?
—Já me ouviste. E agora me deixe em paz, Carrigan. Tenho coisas mais importantes que fazer.
O servente tirou o telefone celular para tentar contatar o único que de verdade lhe podia dar ordens. Mas antes de que tivesse tempo de apertar o botão de marcação rápida para ficar em comunicação com seu senhor, o corpulento polícia já se lançou escada abaixo. Uma mão enorme deu um golpe ao servente na cabeça. Os ouvidos apitaram, a vista lhe nublou a causa do impacto, o celular saiu despedido da mão e caiu ao chão com um som seco, vários degraus mais abaixo.
—Obrigado por me oferecer uma anedota de risada para meu último dia de trabalho —lhe disse em tom provocador. Passou-se um gordinho dedo pelo pescoço da camisa, muito apertada, e logo, com gesto despreocupado, levantou uma mão para voltar a colocar a última mecha de cabelo que tinha em seu lugar.
— E agora, te leve esse rabo esquelético escada acima antes de que lhe dê uma boa patada. Ouviste-me?
Houve um tempo, antes de que conhecesse quem chamava seu Professor, em que um desafio como esse, e em especial por parte de um fanfarrão como Carrigan, não tivesse passado como nada.
Mas esse policial suarento e salivoso que agora lhe olhava de acima das escadas lhe resultava insignificante à luz dos deveres que lhes eram confiados aos escolhidos como ele. O servente se limitou a piscar umas quantas vezes e logo se deu a volta para recolher o telefone móvel e continuar a tarefa que tinha entre mãos.
Somente conseguiu baixar dois degraus antes de que Carrigan caísse sobre ele outra vez. Notou que uns dedos fortes lhe sujeitavam pelos ombros e lhe obrigavam a dar a volta. Os olhos do servente caíram soubre uma elegante caneta que Carrigan levava no bolso do uniforme. Reconheceu o emblema comemorativo dos serviços emprestados mas imediatamente recebeu outro golpe seco no crânio.
—O que te passa, é que está surdo e mudo? Te aparte de minha vista ou vou a...
Nesse momento, o policial se engasgou e soltou o ar de repente e o servente recuperou a consciência. Viu a si mesmo com a caneta do agente na mão cravando-lhe profundamente pela segunda vez, com uma investida brutal, na carne do pescoço do Carrigan.
O servente lhe cravou uma e outra vez a arma improvisada até que o policial se desabou no chão e ficou ali tendido como um vulto destroçado e sem vida.
Ele abriu a mão e a caneta caiu no atoleiro de sangue que se havia formado nas escadas. Imediatamente e esquecendo-o tudo, se agachou e voltou a tomar o telefone celular. Tinha intenção de fazer essa crucial chamada imediatamente, mas não podia deixar de olhar o desastre que acabava de provocar, um desastre que não ia ser tão fácil de limpar como os restos de pizza no vestíbulo.
Isso tinha sido um engano, e qualquer aprovação que pudesse receber ao informar ao seu senhor sobre o paradeiro da mulher Maxwell lhe seria retirada quando contasse que se comportou de maneira tão impulsiva na delegacia de polícia. Matar sem autorização invalidava qualquer outra coisa.
Mas possivelmente houvesse um caminho ainda mais seguro para conseguir o favor de seu senhor, e esse caminho consistia em capturar e entregar essa mulher a seu senhor em pessoa.
«Sim —pensou o servente.
— Esse era um prêmio para impressionar.»
Colocou o telefone celular no bolso e voltou até o corpo de Carrigan para lhe tirar a arma do arnês. Logo passou por cima do corpo e se apressou para uma entrada traseira que comunicava com o estacionaminto.
CONTINUA
Capítulo sete
—Dê uns minutos mais e o céu —disse Gabrielle, olhando dentro do forno da cozinha e permitindo que o rico aroma dos manicotti Calhes se pulverizasse pelo apartamento.
Fechou a porta do forno, voltou a programar o relógio digital, serviu-se outra taça de vinho tinto e a levou a sala de estar. No sistema de áudio soava com suavidade um velho cd da Sara McLahlan. Passavam uns minutos das sete da tarde, e Gabrielle tinha começado, por fim, a relaxar-se depois da pequena aventura da manhã no asilo abandonado. Tinha conseguido um par de fotos decentes que possivelmente dessem para algo, mas o melhor de tudo era que tinha conseguido escapar do sistema de segurança do edifício.
Somente isso já era digno de celebração.
Gabrielle se acomodou em um fofo rincão do sofá, quente dentro das calças cinzas de ioga e da camiseta rosa de manga larga. Acabava-se de dar um banho e ainda tinha o cabelo úmido; umas mechas lhe desprendiam da pregadeira em que se recolheu o cabelo despreocupadamente, na nuca. Agora se sentia limpa e começava a relaxar-se por fim, e se sentia mais que contente de ficar em casa para passar a noite desfrutando de sua solidão.
Por isso, quando soou o timbre da porta ao cabo de um minuto, soltou uma maldição em voz baixa e pensou em fazer caso omisso dessa interrupção indesejada. O timbre soou pela segunda vez, insistente, seguido por uns rápidos golpes na porta jogo de dados com força e que não soavam como que foram aceitar um não por resposta.
—Gabrielle.
Gabrielle já se pôs em pé e se dirigia cautelosamente para a porta, quando reconheceu essa voz imediatamente. Não deveria havê-la reconhecido com tanta certeza, mas assim era. A profunda voz de barítono de Lucan Thorne atravessou a porta e lhe meteu no corpo como se fosse um som que tivesse ouvido milhares de vezes antes e que a tranquilizava tanto como lhe disparava o pulso, enchendo a de expectativas.
Surpreendida e mais agradada do que queria admitir, Gabrielle abriu os múltiplos ferrolhos e lhe abriu a porta.
—Olá.
—Olá, Gabrielle.
Ele a saudou com uma inquietante familiaridade: seus olhos eram intensos baixo essas escuras sobrancelhas de linha decidida. Esse penetrante olhar percorreu lentamente o corpo de Gabrielle, desde sua cabeça despenteada, passando pelo sinal da paz costurado em seda na camiseta que cobria o peito sem sutiens, até os dedos dos pés que apareciam nus por debaixo das pernas das calças boca de sino.
—Não esperava a visita de ninguém. —Disse-o como desculpa por seu aspecto, mas não pareceu que a Thorne importasse. Em realidade, quando ele voltou a dirigir sua atenção ao rosto dela, Gabrielle sentiu que se ruborisava repentinamente por causa da forma em que a estava olhando.
Como se queria devorá-la ali mesmo.
—OH, trouxe-me o telefone celular —disse ela, sem poder evitar dizer uma obviosidade, ao ver o brilho metálico na mão dele.
O alargou a mão, oferecendo-lhe,
—Mais tarde que o que deveria. Peço-lhe desculpas.
Tinha sido sua imaginação, ou os dedos dele tinham roçado os seus de forma deliberada quando ela tomava o celular de sua mão?
—Obrigado por devolver-me disse isso ela, ainda apanhada no olhar dele—. pôde... isto... pôde fazer algo com as imagens?
—Sim. Foram de grande ajuda.
Ela suspirou, aliviada de que a polícia estivesse, por fim, de sua parte nesse assunto.
—você crê que poderá apanhar aos tipos das fotos?
—Estou seguro disso.
O tom da voz dele tinha sido tão ameaçador que Gabrielle não o duvidou nem um instante. A verdade era que começava a ter a sensação de que o detetive Thorne era um menino travesso no pior de seus pesadelos.
—Bom, essa é uma notícia fantástica. Tenho que admitir que todo esse assunto me deixou um pouco intranqüila. Suponho que presenciar um assassinato brutal tem esse efeito em uma pessoa, verdade?
Ele se limitou a responder com um direto assentimento de cabeça. Era um homem de poucas palavras, isso era evidente, mas quem necessitava palavras quando se tinham uns olhos como esses que eram capazes de desnudar a alma?
Nesse momento, a suas costas, o alarme do forno da cozinha começou a soar. Gabrielle se sentiu aborrecida e aliviada ao mesmo tempo.
—Merda. Isso... isto... é meu jantar. Será melhor que o apague antes de que se dispare o alarme contra incêndios. Espere aqui um segundo... quero dizer, quer...? —Respirou fundo para tranqüilizar-se; não estava acostumada a sentir-se tão insegura com ninguém.
— Entre, por favor. Volto em seguida.
Sem duvidar nem um momento, Lucan Thorne entrou no apartamento atrás dela, Gabrielle se dava a volta para deixar o telefone celular e dirigir-se a cozinha para tirar os manicotti do forno.
—Interrompi algo?
Gabrielle se surpreendeu para ouvir que lhe falava desde dentro da cozinha, como se a tivesse seguido imediatamente e em silencio do mesmo instante em que lhe tinha convidado a entrar. Gabrielle tirou a bandeja com a massa fumegante do forno e a deixou em cima da mesa para que se esfriasse. Tirou-se as luvas de cozinha, quentes, e se deu a volta para lhe dedicar ao detetive um sorriso orgulhoso.
—Estou de celebração.
Ele inclinou a cabeça e jogou uma olhada ao silencioso ambiente que lhes rodeava.
—Sozinha?
Ela se encolheu de ombros.
—A não ser que você queira me acompanhar.
O leve gesto de cabeça que ele fez parecia mostrar reticência, mas imediatamente se tirou o casaco escuro e o deixou, dobrado, em cima do respaldo de um dos tamboretes que havia na cozinha. Sua presença era peculiar e lhe impedia de concentrar-se, especialmente nesses momentos em que ele se encontrava dentro da pequena cozinha: esse homem desconhecido e musculoso de olhar cativante e de um atrativo ligeiramente sinistro.
Ele se apoiou no mármore da cozinha e a observou enquanto ela se ocupava da bandeja de massa.
—O que celebramos, Gabrielle?
—Que hoje vendi algumas fotografias, em uma amostra privada, em um escritório brega do centro da cidade. Meu amigo Jamie me chamou faz uma hora aproximadamente e me deu a notícia.
Thorne sorriu levemente.
—Felicidades.
—Obrigado. —Ela tirou outra taça do armário da cozinha e levantou a garrafa aberta do Chianti.
— Quer um pouco?
O negou lentamente com a cabeça.
—Infelizmente, não posso.
—OH, sinto-o —repôs ela, recordando qual era sua profissão.
— De serviço, verdade?
Ele apertou a mandíbula.
—Sempre.
Gabrielle sorriu, levou-se uma mão até uma mecha que lhe tinha desprendido da cauda e o colocou detrás da orelha. Thorne seguiu com o olhar o movimento de sua mão, e seus olhos se detiveram no arranhão que Gabrielle tinha na bochecha.
—O que lhe aconteceu?
—OH, nada —respondeu ela, pensando que não era uma boa idéia contar a um policial que se passou parte da manhã dentro de um velho psiquiátrico no qual tinha entrado de maneira ilegal.
— Ésomente um arranhão: ossos do ofício, de vez em quando. Estou segura de que sabe do que lhe falo.
Gabrielle riu, um pouco nervosa, porque de repente ele se estava acercando a ela com uma expressão muito séria no rosto. Com apenas uns quantos passos se colocou justo diante dela. Seu tamanho, sua força —que resultava evidente—, era entristecedora. A essa curta distância, Gabrielle pôde ver os músculos bem desenhados que se marcavam e se moviam desde sua camisa negra. Essa malha de qualidade lhe caía nos ombros, no peito e nos braços como se o tivessem feito a medida para que lhe sentasse perfeitamente.
E seu aroma era incrível. Não notou que levasse colônia, somente notou um ligeiro aroma a memora e a pele, e a um pouco mais denso, como uma especiaria exótica que não conhecia. Fossr o que fosse, esse aroma invadiu todos seus sentidos como algo elementar e primitivo e fez que se aproximasse ainda mais a ele em um momento no qual o que deveria ter feito era apartar-se.
Ele alargou a mão e Gabrielle agüentou a respiração ao notar que a acariciava a linha da mandíbula com a ponta dos dedos. A nudez desse contato irradiou calor sobre sua pele, que se estendeu para seu pescoço enquanto lhe acariciava com a mão a sensível pele debaixo da orelha e da nuca. Acariciou-lhe o arranhão da bochecha com o dedo polegar. A ferida lhe tinha ardido antes, quando a tinha limpo, mas nesse momento, essa tenra e inesperada carícia não a incomodou absolutamente.
Não sentia nada mais que uma cálida frouxidão e uma lenta dor que lhe formava redemoinhos no mais profundo de seu corpo.
Para sua surpresa, ele se inclinou para diante e lhe deu um beijo no arranhão. Os lábios dele se entretiveram nesse ponto um instante, o tempo suficiente para que ela compreendesse que esse gesto era um prelúdio a algo mais. Gabrielle fechou os olhos: sentia o coração acelerado. Não se moveu e quase nem respirou enquanto notava o contato dos lábios de Lucan que se dirigiam para os seus. Os beijou com intensidade, e notou a chicotada do desejo apesar da suavidade e a calidez dos lábios dele. Gabrielle abriu os olhos e viu que ele a estava olhando. Os olhos dele tinham uma expressão selvagem e animal que lhe provocou uma corrente de ansiedade que lhe percorreu todas as costas.
Quando finalmente foi capaz de falar, a voz lhe saiu débil e quase sem fôlego.
—Tem que fazer isto?
Esse olhar penetrante permaneceu cravado em seus olhos.
—OH, sim.
Ele se inclinou para ela outra vez e lhe acariciou as bochechas, o queixo e o pescoço com os lábios. Ela suspirou e ele apanhou esse ar com um profundo beijo, lhe penetrando a boca com a língua. Gabrielle lhe recebeu, vagamente consciente de que as mãos dele se encontravam sobre suas costas agora e que se deslizavam por debaixo da camiseta. E lhe acariciou, percorrendo a coluna com as pontas dos dedos. Essa carícia se deslocou com um movimento preguiçoso para baixo, e continuou por cima da malha da calça. Essas mãos fortes se acoplaram a curva de suas nádegas e as apertaram ligeiramente. Ela não resistiu. Ele voltou a beijá-la, mais profundamente, e a atraiu devagar para si até que a pélvis dela entrou em contato com o duro músculo de sua entre perna.
Que diabos estava fazendo? Estava utilizando a cabeça?
—Não —disse ela, tentando recuperar o sentido comum.
— Não, um momento. Pare. —Deus, detestou como tinha divulgado essa palavra, agora que a sensação dos lábios dele sobre os sua era tão agradável.
— Está... Lucan... está com alguém?
—Olhe a seu redor, Gabrielle. —Passou-lhe os lábios por cima dos dela enquanto o dizia e ela se sentiu enjoada de desejo.
— Estamos somente você e eu.
—Tem namorada —gaguejou ela entre beijo e beijo. Possivelmente já era um pouco tarde para perguntá-lo, mas tinha que sabê-lo, inclusive apesar de que não estava segura de como reagiria ante uma resposta que não fosse a que queria ouvir.
— Tem casal? Está casado? Por favor, não me diga que está casado...
—Não há ninguém mais.
«Somente você.»
Ela estava bastante segura de que ele não tinha pronunciado essas duas últimas palavras, mas Gabrielle as ouvia em sua cabeça, ouvia seu eco quente e provocador, vencendo todas suas resistências.
«OH, ele resulta muito agradável.» Ou possivelmente era que ela estava tão desesperada por ele, que esse simples e único sinal que lhe oferecia era suficiente. Essa e a que combinava essas mãos suaves e esses quentes e famintos lábios. Apesar de tudo, lhe acreditou sem sombra de dúvida. Sentiu como se todos e cada um dos sentidos dele estivessem sozinho concentrados nela.
Como se somente existisse ela, somente ele, e essa coisa quente que havia entre eles.
E que, inegavelmente, tinha existido entre eles do mesmo momento em que ele tinha subido as escadas de sua casa pela primeira vez.
—OH —exclamou ela enquanto exalava todo o ar dos pulmões com um comprido suspiro. Ela se apertou contra ele desfrutando da sensação de notar essas mãos sobre sua pele, lhe acariciando a garganta, o ombro, o arco das costas.
— O que estamos fazendo, Lucan?
Ele emitiu um grunhido divertido que ela sentiu no ouvido, grave e prófundo como a noite.
—Acredito que já sabe.
—Eu não sei nada, nada quando faz isso. OH... Deus.
Ele deixou de beijá-la um instante e a olhou aos olhos com intensidade enquanto se apertava contra ela com um gesto lento e deliberado. O sexo dele se apertou, rígido, contra o estômago dela. Ela notava a solidez e a dimensão de seu membro, sentia a pura força e tamanho de seu pênis, inclusive através da barreira da roupa. Sentiu a umidade entre as pernas no mesmo instante em que a idéia de lhe receber dentro de si passou pela cabeça.
—É por isso que vim esta noite. —A voz de Lucan soou rouca contra seu ouvido.
—O compreende, Gabrielle? Desejo-te.
Esse sentimento era mais que mútuo. Gabrielle gemeu e esfregou seu corpo contra o dele com um desejo que não podia, nem queria, controlar.
Isso não estava acontecendo. Não estava acontecendo, realmente. Tinha que tratar-se de outro sonho louco, como o que tinha tido depois da primera vez que lhe tinha visto. Ela não estava em pé na cozinha com Lucan Thorne, nem estava permitindo que esse homem ao que quase não conhecia a seduzisse. Estava sonhando, tinha que estar sonhando, e ao cabo de pouco tempo despertaria no sofá, sozinha, como sempre, com a taça de vinho atirada no tapete e seu jantar no forno, queimado.
Mas ainda não.
OH, Deus, por favor, ainda não.
Sentir como lhe acariciava a pele, como bulia de desejo sua língua, era melhor que qualquer sonho, inclusive melhor que esse delicioso sonho que tinha tido antes, se é que isso era possível.
—Gabrielle —sussurrou ele.
— Me diga que você também quer isto.
—Sim.
Gabrielle notou que ele introduzia uma mão entre os corpos de ambos, urgente, e sentiu o fôlego quente dele em sua garganta.
—Me sinta, Gabrielle. Date conta de até que ponto te necessito.
Ela sentiu os dedos dele ligeiros ao entrar em contato com os seus. Conduziu-lhe a mão até a tensa ereção, liberada agora de seu confinamento. Gabrielle lhe rodeou o pênis com a mão e acariciou sua pele aveludada lentamente, lhe medindo. Essa parte de seu corpo era tão grande como o resto, e tinha uma força brutal apesar de que era muito suave. Sentir o peso do sexo dele na mão a transtornou como se tivesse tomado uma droga. Apertou a mão ao redor do pênis e atirou para cima, acariciando com a ponta dos dedos o grosso glande.
Enquanto Gabrielle subia e baixava com a mão ao longo de seu membro, Lucan se retorcia. Notou que as mãos dele tremiam enquanto se deslocavam dos quadris dela até a parte dianteira da pantalona para desabotoar-lhe, atirou do nó do cordão e soltou um juramento em algum idioma estranho com os lábios quentes contra seu cabelo. Gabrielle sentiu uma corrente de ar frio sobre o ventre e, imediatamente, o calor repentino da mão de Lucan, que acabava de introduzir-lhe dentro da calça.
Ela estava úmida por ele, tinha perdido a cabeça e sentia que o desejo lhe queimava.
Ele introduziu os dedos com facilidade por entre os cachos de sua entre perna e em seu sexo empapado, provocando-a com a brincadeira de sua mão contra sua carne. Ela gritou ao sentir que o desejo a invadia em uma quebra de onda que a deixou tremendo.
—Necessito-te —lhe confessou em um fio de voz, nua pelo desejo. Por resposta, lhe introduziu um comprido dedo dentro da vagina e logo outro. Gabrielle se retorceu ao sentir essa carícia tentadora que ainda não a enchia.
—Mais —disse, quase sem fôlego—. Lucan, por favor... necessito... mais.
Um escuro grunhido de paixão soou na garganta dele enquanto voltava a atacar seus lábios com outro beijo faminto. A calça dela se escorregou até o chão. Detrás, seguiram-lhe as calcinhas, a fina malha se rompeu com a força e a impaciência da mão de Lucan. Gabrielle sentiu que o ar frio lhe acariciava a pele, mas então Lucan ficou de joelhos diante dela e ela se acendeu antes de ter tempo de voltar a respirar. Ele a beijou e a lambeu, lhe sujeitando com força a parte interior das coxas com as mãos e lhe fazendo abrir as pernas para satisfazer seu desejo carnal. Sentiu a língua dele que a penetrava, sentiu que os lábios dele a chupavam com força, e não pôde evitar sentir que as pernas lhe fraquejavam.
Gozou rapidamente, com mais força da que teria imaginado. Lucan a sujeitava com firmeza com as mãos, apertando seu úmido sexo contra ele, sem lhe dar trégua Apesar de que o corpo dela tremia e se retorcia e que seu fôlego era agitado e entrecortado enquanto ele a conduzia para o orgasmo outra vez. Gabrielle fechou os olhos e jogou a cabeça para trás, rendendo-se a ele, e a loucura desse inesperado encontro. Cravou-lhe as unhas nos ombros para sujeitar-se, porque sentia que as pernas lhe falhavam.
Sentiu, de novo, o alívio do orgasmo em todo o corpo. Primeiro a possuiu com uma força férrea, arrastando-a a um país de uma sensualidade de sonho, e logo a soltou e ela se sentiu cair e cair...
Não, estava-a levantando, pensou, aturdida por essa neblina sexual. Os braços de Lucan a sujeitavam com ternura por debaixo das costas e dos joelhos. Agora ele estava nu, e ela também, Apesar de que não podia recordar quando se tirou a camiseta. Lhe rodeou o pescoço com os braços e ele a tirou da cozinha para a sala de estar, onde soava pelos alto-falantes a voz do Sarah McLahlan em um tema que falava de abraçar a alguém e de lhe beijar até lhe deixar sem respiração.
A suavidade do sofá a recebeu assim que Lucan a teve depositado no sofá para colocar-se em cima dela. Não foi até esse momento que ela pôde lhe ver por completo, e o que viu era magnífico. Um metro noventa e oito de sólida musculatura e de pura força masculina que a apanhava por cima, e esses sólidos braços a cada lado de seu corpo.
Como se a pura beleza do corpo dele não fosse suficiente, a impressionante pele de Lucan mostrava umas intrincadas tatuagens que a deixaram boquiaberta. O complicado desenho de linhas curvas e formas entrecruzadas se desdobrava por cima de seus peitorais e de seu forte abdomen, subia-lhe pelos largos ombros e lhe rodeava os grossos bíceps. A cor era confusa, variava de um verde mar, a um siena, um vermelho bordo que parecia tomar um tom mais intenso quando ela o olhava.
Ele baixou a cabeça para concentrar-se em seus peitos, e Gabrielle viu que a tatuagem lhe cobria as costas e desaparecia sob o cabelo da nuca. A primeira vez que lhe viu, sentiu o desejo de percorrer com os dedo essa marca. Agora sucumbiu a ele, abandonando-se, deixando que suas mãos percorressem todo o corpo dele, maravilhada tanto por esse homem misterioso como por essa estranha arte que sua pele mostrava.
—Me beije —lhe suplicou, lhe sujeitando os ombros tatuados com ambas as mãos.
Ele começou a levantar a cabeça e Gabrielle arqueou as costas debaixo dele, sentindo-se enfebrecida pelo desejo, precisando lhe sentir dentro de seu corpo. Sua ereção era dura como o aço e quente contra suas coxas. Gabrielle deslizou as mãos para baixo e lhe acariciou enquanto levantava os quadris para lhe receber.
—Tome —sussurrou ela—. Me encha, Lucan. Agora. Por favor.
Ele não o negou.
O grosso glande de seu membro pulsava, duro e sensível, na entrada de sua vagina. Ele estava tremendo e ela se deu conta de uma forma um tanto confusa. Esses impressionantes ombros tremiam sob o contato de suas mãos, como se ele se esteve contendo todo esse tempo e estivesse a ponto de explodir. Ela queria que ele gozasse com a mesma força com que o tinha feito ela. Precisava lhe ter dentro dela ou ia morrer. Ele emitiu um grunhido afogado, os lábios lhe roçando a sensibilidade da pele do pescoço.
—Sim —lhe animou ela, movendo-se debaixo dele para que seu pênis se crava-se até o centro de seu corpo.
— Não seja suave. Não vou romper.
Ele levantou a cabeça finalmente e, por um instante, olhou-a aos olhos. Gabrielle lhe olhou, com as pálpebras pesadas, assustada pelo fogo indómito que viu nele: seus olhos brilhavam com umas chamas gêmeas de uma cor prateado pálido que lhe alagava as pupilas e penetrava nos olhos dela com um calor sobrenatural. Os rasgos do rosto dele pareciam mais afiados, sua pele parecia estirar-se sobre suas maçãs do rosto e suas fortes mandíbulas.
Era verdadeiramente peculiar como a tênue luz da habitação jogava sobre esses rasgos.
Esse pensamento ainda não lhe tinha terminado de formar por completo quando as luzes da sala de estar se apagaram de uma vez. Tivesse-lhe parecido estranho se Lucan, nesse momento, quando a escuridão caiu sobre eles, não a tivesse penetrado com uma forte e profunda investida. Gabrielle não pôde reprimir um gemido de prazer ao notar que ele a enchia, abria-a, empalava-a até o centro de seu corpo.
—OH, Meu deus —exclamou ela quase em um soluço, aceitando toda a dureza e dimensão dele.
— É tão prazeiroso.
Ele baixou a cabeça até o ombro dela e soltou um grunhido enquanto saía de sua vagina. Logo investiu com mais força que antes. Gabrielle se sujeitou as costas dele, lhe atraindo para si, enquanto levantava as cadeiras para receber suas fortes investidas. Ele soltou um juramento, quase sem respiração, que pareceu um som escuro e animal. Seu pênis se deslizava dentro dela e parecia inchar-se mais a cada movimento de seus quadris.
—Necessito foderte, Gabrielle. Precisava estar dentro de ti do primeiro momento em que te vi.
A franqueza dessas palavras, o fato de que admitisse que a tinha desejado tanto como lhe tinha desejado a ele somente serviu para que ela se inflamasse mais. Enredou os dedos no cabelo dele, e gritou, sem respiração, à medida que o ritmo dele se incrementava. Agora ele entrava e saía, incansável, entre suas pernas. Gabrielle sentiu a corrente do orgasmo no mais profundo de seu ventre.
—Poderia estar fazendo isto toda a noite —disse ele com voz rouca, seu fôlego quente contra o pescoço dela.
— Acredito que não posso parar.
—Não o faça, Lucan. OH, Deus... não o faça.
Gabrielle se agarrou a ele enquanto ele bombeava dentro de seu corpo. Era o único que pôde fazer enquanto um grito lhe rompia a garganta e gozava e gozava e gozava uma vez detrás de outra, imparavel.
Lucan saiu do apartamento de Gabrielle e percorreu a escura e silenciosa rua a pé. Tinha-a deixado dormindo no dormitório de seu apartamento, com a respiração compassada e tranqüila, o delicioso corpo esgotado depois de três horas de paixão sem parar. Nunca havia transado com tanta fúria, durante tanto tempo, nem tão completamente com ninguém.
E ainda desejava mais.
Mais dela.
O fato de que tivesse conseguido lhe ocultar o alongamento das presas e o brilho de selvagem desejo de seus olhos era um milagre.
O fato de que não tivesse cedido à necessidade invencível e urgente de lhe cravar as afiadas presas na garganta e beber até ficar embriagado era ainda mais impressionante.
Mas não confiava em si mesmo o suficiente para ficar perto dela enquanto cada uma das enfebrecidas células de seu corpo lhe doía pelo desejo de fazê-lo.
Provavelmente, a ter ido ver essa noite tinha sido um monstruoso engano. Tinha pensado que ter sexo com ela apagaria o fogo que lhe acendia, mas nunca se equivocou tanto. Ter tomado a Gabrielle, ter estado dentro dela, somente tinha servido para pôr em evidência a debilidade que sentia por ela. Tinha-a desejado com uma necessidade animal e a tinha açoitado como o depredador que era. Não estava seguro de ter sido capaz de aceitar um não como resposta. Não acreditava que tivesse sido capaz de controlar o desejo que sentia por ela.
Mas não lhe tinha rechaçado.
Não o tinha feito, não.
Em retrospectiva, tivesse sido um ato de misericórdia que ela o ouvesse feito, mas em lugar disso, Gabrielle tinha aceito por completo sua fúria sexual e tinha exigido que não lhe desse nada inferior a isso .
Se nesse mesmo momento, desse meia volta e voltasse para seu apartamento para despertá-la, poderia passar umas quantas horas mais entre suas impressionantes e acolhedoras coxas. Isso, pelo menos, satisfaria parte de sua necessidade. E se não podia saciar a outra parte, esse tortura que crescia cada vez mais em seu interior, podia esperar a que se levantasse o sol e deixar que seus mortais raios o abrasassem até a destruição.
Se o dever que tinha para a raça não lhe tivesse tão comprometido, consideraria essa opção como uma possibilidade atrativa.
Lucan pronunciou um juramento em voz baixa. Saiu do bairro de Gabrielle e se internou na paisagem noturna da cidade. Tremiam-lhe as mãos. Lhe havia agudizado a vista, e seus pensamentos começavam a ser selvagens. O corpo lhe picava; sentia-se ansioso. Soltou um grunhido de frustração: conhecia esses sintomas muito bem.
Precisava voltar a alimentar-se.
Fazia muito pouco tempo que tinha tomado a quantidade suficiente de sangue para manter-se durante uma semana, possivelmente mais. Isso havia sido umas quantas noites atrás e, apesar disso, lhe retorcia o estômago como se estivesse desfalecido de fome. Fazia muito tempo que sua necessidade de alimentar-se tinha piorado e já quase resultava insuportavel quando tentava reprimir-lhe.
Isso era o que lhe tinha permitido chegar tão longe.
Em um momento ou outro ia chegar ao final da corda. E então o que?
De verdade acreditava que era tão distinto de seu pai?
Seus irmãos não tinham sido distintos de seu pai, e eles eram maiores e mais fortes que ele. A sede de sangue os tinha levado aos dois: um deles se tirou a vida quando o vício foi demasíado forte; o outro foi mais à frente ainda, converteu-se em um renegado e perdeu a cabeça sob a folha mortal de um guerreiro da raça.
Ter nascido na primeira geração lhe tinha dado a Lucan uma grande força e um grande poder —e lhe tinha permitido gozar de um imediato respeito que ele sabia que não merecia—, mas isso era tanto um dom como uma maldição. Perguntava-se quanto tempo mais poderia continuar lutando contra a escuridão de sua própria natureza selvagem. Algumas noites se sentia muito cansado de ter que fazê-lo.
Enquanto caminhava entre a gente que povoava as ruas noturnas Lucan deixou vagar o olhar. Embora estava preparado para entrar em batalha se tinha que fazê-lo, alegrou-se de que não houvesse nenhum renegado a vista. Somente viu uns quantos vampiros da última geração que pertenciam ao Refúgio Escuro dessa zona: um grupo de jovens machos que se mesclaram com um animado grupo de seres humanos que tinham saído de festa e que procuravam dissimuladamente, igual a ele, um anfitrião de sangue. Enquanto se dirigia para eles por essa parte da calçada, viu que os jovens se davam cotoveladas uns aos outros e lhes ouviu sussurrar as palavras «guerreiro» e «primeira geração». A admiração que mostravam abertamente e sua curiosidade resultavam aborrecida, embora não era algo pouco habitual. Os vampiros que nasciam e cresciam nos Refúgios Escuros raramente tinham a oportunidade de ver um membro da classe dos guerreiros, por não falar do fundador da antiga e orgulhosa e agora já antiquada Ordem.
A maioria deles conheciam as histórias que contavam que fazia varios séculos, oito dos mais ferozes e letais machos da raça se uniram em um grupo para assassinar aos últimos antigos selvagens e ao exército de renegados que lhes serviam. Esses guerreiros se converteram lenda e desde esse momento, a Ordem tinha sofrido muitas mudanças, havia crescido em número e suas localizações tinham aumentado nos períodos em que tinha havido conflito com os renegados e tinham detido sua atividade durante os largos períodos de paz.
Agora, a classe dos vampiros estava formada somente por um punhado de indivíduos em todo o planeta que operava de forma encoberta e muitas vezes independente e com não pouco desprezo da sociedade. Nesta época ilustrada de trato justo e de processos legais em que se encontrava a nação dos vampiros, as táticas dos guerreiros se consideravam renegadas e quase do outro lado da lei.
Como se Lucan, ou a qualquer dos guerreiros que se encontravam em primeira fila da luta com ele, importassem-lhes o mais mínimo as relações públicas.
Lucan grunhiu em direção aos jovens boquiabertos e dirigiu uma convite mental as fêmeas humanas com quem os vampiros tinham estado conversando na rua. Todos os olhos femininos ficaram cravados no puro poder que ele —e ele sabia— emanava em todas as direções. Duas das garotas —uma loira de peito abundante e uma ruiva de cabelo somente um pouco mais claro que o do Gabrielle— se separaram imediatamente do grupo e se aproximaram dele, esquecendo a seus amigos e aos outros machos imediatamente.
Mas Lucan somente necessitava a uma, e a eleição era fácil. Rechaçou a loira com um gesto de cabeça. Sua companheira se colocou sob o braço dele e começou alhe manusear enquanto ele a conduzia para um discreto e escuro rincão de um edifício próximo.
Se pos a tarefa sem duvidar nem um momento.
Apartou o cabelo da garota, impregnado do aroma de tabaco e a cerveja, de seu pescoço, lambeu-se os lábios e lhe cravou as presas estendidas na garganta. Ela sofreu um espasmo ao notar a dentada e levantou as mãos em um gesto instintivo no momento no qual ele começou a chupar com força o sangue de suas veias. Chupou durante um bom momento, não queria desperdiçar nada. A fêmea gemeu, não por causa do alarme nem da dor, a não ser a causa do prazer único que produzia sentir sair o sangue sob o domínio de um vampiro.
O sangue encheu a boca de Lucan, quente e denso.
Contra sua vontade, em sua mente se formou a imagem de Gabrielle em seus braços, e Lucan imaginou, por um muito breve instante, que era de seu pescoço de que chupava nesses momentos.
Que era o sangue dela a que lhe descia pela garganta e lhe entrava no corpo.
Deus, o que era pensar como seria chupar a veia de Gabrielle enquanto seu pênis se cravava no quente e úmido centro de seu corpo.
Que prazer só pensá-lo.
Apartou essa fantasia de sua mente com um grunhido feroz.
«Isso não vai acontecer nunca», disse a si mesmo, com dureza. A realidade era outra coisa, e era melhor que não a perdesse de vista.
A verdade era que não se tratava de Gabrielle, mas sim de uma estranha sem nome, justo tal e como ele o preferia. O sangue que tomava nesse momento não tinha a doçura de jasmim que ele tanto desejava, a não ser uma acidez amarga viciada por algum suave narcótico que sua anfitriã tinha ingerido recentemente.
Não lhe importava o sabor que tivesse. Quão único precisava era apaziguar a urgência da sede, e para isso servia qualquer. Continuou chupando e tragando com ansiedade, de forma expedita, como o fazia sempre quando se alimentava.
Quando teve terminado, passou a língua pelos dois orifícios para fecha-los. A jovem estava respirando agitadamente, tinha os lábios entre abertos e seu corpo estava lânguido como se tivesse acabado de ter um orgasmo.
Lucan pôs a palma da mão sobre a frente dela e a desceu para seu rosto para lhe fechar os olhos, vazios de expressão e sonolentos. Esse contato apagava qualquer lembrança do que acabava de acontecer entre eles.
—Seus amigos lhe estão procurando — disse a garota enquanto apartava a mão de seu rosto e lhe olhava, confundida, piscando.
— Deveria ir a casa. A noite está cheia de depredadores.
—De acordo —disse ela, assentindo com a cabeça.
Lucan esperou entre as sombras enquanto ela dava a volta a esquina do edifício e se dirigia para seus companheiros. Ele inalou com força através dos dentes e das presas: sentia todos os músculos do corpo tensos, duros e vivos. O coração lhe pulsava com força no peito. Somente pensar no sabor que devia ter o sangue de Gabrielle lhe tinha provocado uma ereção.
Seu apetite físico deveria haver-se apaziguado agora que já se havia alimentado, mas não se sentia satisfeito.
Ainda... desejava-a.
Emitiu um grunhido baixo e voltou a sair de caça a rua, mais mal humorado que nunca. Pôs o olhar na parte mais conflitiva da cidade com a esperança de encontrasse com um ou dois renegados antes de que começasse a sair o sol. De repente, precisava meter-se em uma briga desesperadamente. Precisava fazer mal a alguém, inclusive embora esse alguém acabasse sendo ele mesmo.
Tinha que fazer o que fosse necessário para manter-se afastado de Gabrielle Maxwell.
Capítulo oito
Ao princípio, Gabrielle pensou que se tratou somente de outro sonho erótico. Mas a manhã seguinte, ao despertar, tarde, nua na cama, com o corpo esgotado e dolorido nos lugares adequados, soube que, definitivamente, Lucan Thorne tinha estado ali, em carne e osso. E Deus, que carne tão impressionante. Tinha perdido a conta de quantas vezes a tinha levado até o climax. Se somava todos os orgasmos que tinha tido durante os últimos dois anos, provavelmente nem se aproximaria do que tinha experiente com ele a passada noite.
E apesar disso, no momento em que abriu os olhos e se deu conta, decepcionada, de que Lucan não se ficou ali, ainda desejava ter outro orgasmo mais. A cama estava vazia, o apartamento se encontrava em silêncio. Era evidente que ele se partiu em algum momento durante a noite.
Gabrielle estava tão esgotada que tivesse podido dormir o dia inteiro, mas tinha uma entrevista para com o Jamie e com as garotas, assim saiu da casa e se dirigiu por volta do centro da cidade vinte minutos depois do meio-dia. Quando entrou no restaurante de Chinatown se deu conta de que umas quantas cabeças se giravam a seu passo: notou as olhadas apreciativas de um grupo de tipos que pareciam modelos de publicidade e que se encontravam ante a barra de sushi e as de meia dúzia de executivos trajados que a seguiram enquanto ela se dirigia para a
mesa de seus amigos, ao fundo do restaurante.
Sentia-se sexy e segura de si mesmo, vestida com seu suéter de pescoço de pico de cor vermelha escuro e sua saia negra, e não lhe importava que fora evidente para todo mundo que se encontrava ali que tinha desfrutado da noite de sexo mais incrível de toda sua vida.
—Finalmente, honra-nos com sua presença! —exclamou Jamie assim que Gabrielle chegou a mesa e saudou seus amigos com uns abraços.
Megan lhe acariciou uma bochecha.
—Tem um aspecto fantástico.
Jamie assentiu com a cabeça.
—Sim, é verdade, carinho. Eu adoro o que tem posto. É novo? —Não esperou a que lhe respondesse. Voltou a sentar-se imediatamente ante a mesa e se meteu na boca um rollito frito.
— Morria de fome, assim já pedimos um aperitivo. Mas onde estiveste? Estava a ponto de mandar a um esquadrão para te buscar.
—Sinto muito. Hoje dormi um pouco.
—Sorriu e se sentou ao lado do Jamie, no banco de vinil de cor verde.
— Kendra não vem?
—Desaparecida em combate outra vez. —Megan tomou um sorvo de chá e se encolheu de ombros.
— Não importa. Ultimamente, somente fala de seu novo namorado, já sabe, esse menino que encontrou em La Notte o passado fim de semana.
—Brent —disse Gabrielle, controlando a pontada de desconforto que sentiu pela menção dessa terrível noite.
—Sim, ele. Ela inclusive conseguiu trocar seu turno pelo de dia no hospital para passar todas as noites com ele. Parece que ele tem que viajar muito para ir ao trabalho ou o que seja e normalmente não está disponivel durante o dia. Não me posso acreditar que Kendra permita que alguém lhe dirija a vida desta maneira. Ray e eu levamos três meses saindo, eu ainda tenho tempo para meus amigos.
Gabrielle arqueou as sobrancelhas. Dos quatro, Kendra era a mais livre de espírito, inclusive de forma impenitente. Preferia manter uns quantos amantes e tinha intenção de permanecer solteira pelo menos até que cumprisse os trinta.
—Crê que se apaixonou?
—Lascívia, carinho. —Jamie colheu com os palitos o último sushi.
— Às vezes te faz fazer coisas piores que o amor. Me acredite, passou-me.
Enquanto mastigava, Jamie cravou os olhos nos do Gabrielle durante um comprido momento. Logo se fixou no cabelo desordenado e em que ela, de repente, ruborizou-se. Gabrielle tentou sorrir com expressão despreocupada, mas não pôde evitar que seu segredo a traísse no brilho de felicidade de seus olhos. Jamie deixou os palitos no prato, inclinou a cabeça para ela e o cabelo loiro lhe caiu sobre a bochecha.
—OH, Meu deus. —Sorriu—. O tem feito.
—Fiz o que? —Mas lhe escapou uma suave gargalhada.
—Tem-no feito. Deitaste-te com alguém, verdade?
A gargalhada de Gabrielle se reduziu a uma tímida risadinha.
—OH, carinho. Pois te sinta bem, devo dizer. —Jamie lhe deu umas palmadinhas na mão e Riu com ela.
— A ver se o adivinho: é o escuro e sexy detetive do Departamento de Polícia de Boston.
Ela levantou os olhos ao céu para ouvir como lhe tinha qualificado, mas assentiu com a cabeça.
—Quando foi?
—Esta noite. Virtualmente toda a noite.
A expressão de entusiasmo do Jamie atraiu a atenção de algumas mesas próximas. Ele se acalmou um pouco, mas sorria a Gabrielle como uma orgulhosa mamãe ganso.
—Ele é bom, né?
—Incrível.
—De acordo. E como é possível que eu não saiba nada deste homem misterioso? —interrompeu Megan nesses momentos—. E é um policial? Possivelmente Ray lhe conheça. Posso-lhe perguntar...
—Não. —Gabrielle negou com a cabeça—. Por favor, não digam nada disto aninguém, meninos. Não estou saindo com Lucan. Veio ontem pela noite para me devolver o telefone celular e as coisas ficaram... bom... fora de controle. Nem sequer sei se vou voltar a lhe ver.
A verdade era que não tinha nem idéia disso mas, Deus, desejava que assim fosse.
Uma parte dela sabia que o que tinha ocorrido entre eles era algo insensato, uma loucura. Era-o. A verdade é que não podia negá-lo. Era de loucos. Ela sempre se teve por uma pessoa sensata, prudente: a pessoa que acautelava a seus amigos dos impulsos imprudentes como o que se permitiu a noite passada.
Tola, tola, tola.
E não somente por ter permitido que esse momento a apanhasse por completo até o ponto de ter esquecido tomar nenhum amparo. Ter relação íntimas com alguém que é virtualmente um desconhecido raramente era uma boa idéia, mas Gabrielle tinha a terrível sensação de que resultaria muito fácil perder o coração por um homem como Lucan Thorne.
Mas como, estava segura, não era menos que de idiotas.
Apesar de tudo, o sexo como o que tinha tido com ele não se dava freqüentemente. Pelo menos, não para ela. Somente pensar em Lucan Thorne fazia que tudo dentro de seu corpo se retorcesse de desejo. Se ele entrasse no restaurante justo nesse momento, provavelmente saltaria por sobre as mesas e se tornaria em cima dele.
—Ontem passamos juntos uma noite incrível, mas agora mesmo, isso é quão único há. Não quero tirar nenhuma conclusão disso.
—Ok! —Jamie apoiou um cotovelo na mesa e se apoiou nele com expressão conspiradora.
— Então, por que está a todo o momento?
—Onde diabos estiveste?
Lucan cheirou a Tegan antes de ver o vampiro dar a volta à esquina do corredor da zona de residência do complexo. O macho tinha estado caçando fazia pouco. Ainda arrastava o aroma metálico e adocicado do sangue, tanto de humano como de algum renegado.
Quando viu que Lucan lhe estava esperando fora de um dos apartamentos se deteve, com as mãos apertadas em punhos dentro dos bolsos da calça texana de cintura baixa. A camiseta cinza que levava posta estava desfiada em alguns pontos e suja de pó e de sangue. Tinha as pálpebras cansadas sobre os pálidos olhos verdes e se viam umas escuras olheiras. O cabelo, avermelhado, descuidado e comprido, caía-lhe sobre o rosto.
—Tem um aspecto de merda, Tegan.
Ele levantou os olhos por debaixo da franja de seu cabelo e se mostrou burlón, como sempre.
Seus fortes bíceps e antebraços estavam cobertos de dermoglifos. Essas elegantes e afiligranadas marca tinham somente um tom mais escuro que o de sua pele dourada e sua cor não desvelava o estado de ânimo do vampiro. Lucan não sabia se era por pura vontade que esse macho se encerrava em uma atitude permanente de apatia ou se era a escuridão de seu passado que verdadeiramente tinha apagado qualquer sentimento que pudesse ter.
Deus era testemunha de que tinha passado por algo que tivesse podido vencer a uma equipe inteira de guerreiros.
Mas os demônios pessoais que Tegan tivesse eram coisa dele. O único que lhe importava a Lucan era assegurar-se de que a Ordem se mantinha forte e a ponto. Não havia lugar para que essa correia tivesse enganos débeis.
—Faz cinco dias que estiveste fora de contato, Tegan. Lhe vou perguntar isso outra vez: onde merda estiveste?
O sorriu, zombador.
—Foda-se, cara. Não é minha mãe.
Começou a afastar-se, mas Lucan lhe fechou o passo com uma velocidade assombrosa. Levantou Tegan pelo pescoço e o empurrou contra a parede do corredor para captar sua atenção.
A fúria de Lucan estava em seu ponto máximo: em parte pela desconsideração que, em geral, Tegan mostrava por volta de outros na Ordem durante os últimos tempos, mas ainda o estava mais pela falta de sensatez que lhe tinha feito pensar que poderia passar uma noite com a Gabrielle Maxwell e tirar-lhe logo depois da cabeça.
Nem o sangue nem a extrema violência que tinha exercido com dois Renegados durante as horas prévias ao amanhecer tinham sido suficientes para apagar a lascívia pelo Gabrielle que ainda lhe pulsava por todo o corpo. Lucan tinha percorrido a cidade como um espectro durante toda a noite e tinha voltado para o complexo com um humor furioso e negro.
Esse sentimento persistia nele enquanto apertava os dedos ao redor da garganta de seu irmão. Necessitava uma desculpa para tirar a agresividade, e Tegan, com esse aspecto animal e com seu secretismo, era um candidato mais que bom para fazer esse papel.
—Estou cansado de suas tolices, Tegan. Precisa te controlar, ou eu o farei em seu lugar. —Apertou a laringe do vampiro com mais força, mas Tegan nem sequer se alterou pela dor.
— Agora me diga onde estiveste durante todo este tempo ou você e eu vamos ter sérios problemas.
Os dois machos tinham mais ou menos o mesmo tamanho e estavam mais que igualados em questão de força. Tegan pôde ter apresentado batalha, mas não o fez. Não demonstrou nem a mais mínima emoção, simplesmente olhou A Lucan com olhos frios e indiferentes.
Não sentia nada, e inclusive isso tirava de gonzo a Lucan.
Lucan, com um grunhido, tirou a mão da garganta do guerreiro e tentou controlar a raiva. Não era próprio dele comportar-se dessa maneira. Isso estava por debaixo dele.
Merda.
E era ele quem dizia a Tegan que tinha que controlar-se?
Bom conselho. Possivelmente tinha que aplicar-lhe a si mesmo.
O olhar inexpressivo do Tegan dizia mais ou menos o mesmo, embora o vampiro manteve, de forma inteligente, a boca fechada.
Enquanto os dois difíceis aliados se olhavam um ao outro em meio de um escuro silêncio, detrás deles e a certa distancia no corredor, uma porta de cristal se abriu com um zumbido. Ouviu-se o chiado das sapatilhas esportivas do Gideon no gentil chão enquanto este saía de seus aposentos privados e percorria o corredor.
—Né, Tegan, bom trabalho de reconhecimento, cara. Vigiei um pouco depois do que falamos o outro dia. Esse pressentimento que teve de que devíamos manter vigiados Aos renegados no Green Line parece bom.
Lucan nem sequer piscou. Tegan lhe agüentou o olhar, sem fazer caso às felicitações de Gideon. Tampouco tentou defender-se dessas suspeitas infundadas. Simplesmente ficou ali durante um comprido minuto sem dizer nada. Logo passou ao lado de Lucan e continuou seu caminho pelo corredor do complexo.
—Acredito que quererá comprovar isto, Lucan —disse Gideon enquanto se dirigia para o laboratório.
— Parece que algo está a ponto de ficar feio.
Capítulo nove
Com a taça quente entre as mãos, Gabrielle tomou um sorvo do suave chá enquanto Jamie comia o resto de seu prato. Também ia comer seu biscoitinho da sorte de sobremesa, como fazia sempre, mas não importava. Era agradável estar, simplesmente, com os amigos, e sentir que a vida voltava a adquirir certo ar de normalidade depois do que lhe tinha acontecido o fim de semana passado.
—Tenho uma coisa para ti —disse Jamie, interrompendo os pensamentos de Gabrielle. Rebuscou um momento na bolsa que levava de cor nata que estava no banco em meio de ambos e tirou um envelope alvo.
— Procede da amostra privada.
Gabrielle o abriu e tirou um cheque da galeria. Era mais do que hávia esperado. Uns par de notas grandes demais.
—Vai.
—Surpresa —cantarolou Jamie com um amplo sorriso—. Subi o preço. Pensei que diabos e eles o aceitaram sem regatear em nenhum momento. Crê que deveria ter pedido mais?
—Não —repôs Gabrielle—. Não, isto é... isto... uuuff. Obrigado.
—Não é nada. —Assinalou a barra de chocolate.
—Vais comer?
Ela empurrou o prato por cima da mesa para ele.
—Bom, e quem é o comprador?
—Ah, isso continua sendo um grande mistério —disse ele, enquanto rompia a bolacha dentro de seu pacote de plástico.
— Pagaram em dinheiro, assim é evidente que são sérios sobre o caráter anônimo da venda. E mandaram um táxi para me buscar para levar a coleção.
—Do que estão falando, meninos? —perguntou Megan. Olhou aos dois com o cenho franzido e uma expressão de confusão.
— Lhes juro que sou a última que se inteira de tudo.
—Nossa pequena e talentosa artista tem um admirador secreto — informou Jamie, dramaticamente. Tirou a nota da sorte do biscoitinho, leu-a, levantou os olhos ao céu e atirou o trocito de papel no prato vazio.
— Onde ficaram os dias em que este tipo de coisas significavam algo? Bom, faz umas quantas noites me pediram que apresentasse a coleção completa de fotografias da Gabby ante um comprador anônimo do centro da cidade. Compraram-nas todas: até a última.
Megan olhou a Gabrielle com os olhos muito abertos.
—Isso é maravilhoso! Me alegro tanto por ti, carinho!
—Seja quem é quem as comprou, a verdade é que tem uma seria mania com o secretismo.
Gabrielle olhou a seu amigo enquanto se guardava o cheque na bolsa.
—O que quer dizer?
Jamie terminou de mastigar o último pedaço de biscoitinho da sorte e se limpou os dedos dos miolos.
—Bom, quando cheguei a direção que me deram, em um desses luxuosos edifícios de escritórios com vários inquilinos, recebeu-me uma espécie de guarda-costas no vestíbulo. Não me disse nada, somente murmurou algo a um microfone sem fio e logo me acompanhou até um elevador que nos levou a piso mais alto do edifício.
Megan arqueou as sobrancelhas.
—Ao apartamento de cobertura?
—Sim. E aí está a coisa. O lugar estava vazio. Todas as luzes estavam acesas, mas não havia ninguém dentro. Não havia móveis, não havia nenhuma equipe, nada. Somente paredes e janelas que davam a cidade.
—Isso é muito estranho. Não te parece, Gabby?
Ela assentiu com a cabeça e uma sensação de intranqüilidade foi invadindo enquanto Jamie continuava.
—Então o guarda-costas me disse que tirasse a primeira fotografia da pasta e que caminhasse com ela e me dirigisse para as janelas da parede norte. Ao outro lado estava escuro, e eu lhe estava dando as costas a ele, mas ele me disse que devia sujeitar cada uma das fotos ante essa janela até que me desse instruções das deixar a um lado e tomar outra.
Megan riu.
—De costas a ele? Por que queria que fizesse isso?
—Porque o comprador estava observando desde outro lugar —respondeu Gabrielle em voz baixa.
— Em algum lugar de onde via as janelas do apartamento de cobertura.
Jamie assentiu com a cabeça.
—Isso parece. Não consegui ouvir nada, mas estou seguro de que o guarda-costas, ou o que fora, estava recebendo instruções pelos auriculares. Para te dizer a verdade, estava-me pondo um pouco nervoso com tudo isso, mas foi bem. Ao final não passou nada mau. Quão único queriam eram suas fotografias. Somente tinha chegado a quarta quando disseram que pedisse um preço para todas elas. Assim, que tal e como te hei dito, pus alto e o aceitaram.
—Estranho —comentou Megan—. Né, Gab, possivelmente chamaste a atenção de um milionário mortalmente atrativo mas retraído. Possivelmente o ano que vem, por estas datas, estaremos dançando em suas luxuosas bodas no Mikonos.
—Uf, por favor —exclamou Jamie sem fôlego—. Mikonos é do ano passado. A gente bonita está na Marbella, querida.
Gabrielle tentou tirar-se de cima a estranha sensação de inquietação que lhe estava produzindo a estranha história do Jamie. Tal e como ele havia dito, tudo tinha ido bem e ela tinha um cheque por uma importância muito alta na bolsa. Possivelmente podia convidar para jantar a Lucan, dado que a comida que tinha preparado a outra noite para a celebração ficou no balcão da cozinha.
Embora não sentia nem o mais mínimo remorso pela perda de seus manicotti.
Sim, uma romântica saída para jantar com Lucan soava fantástico. Com um pouco de sorte, possivelmente tomassem as sobremesas em... e o café da manhã também .
Gabrielle ficou de bom humor imediatamente e riu com seus amigos enquanto estes continuavam intercambiando idéias extravagantes a respeito de quem podia ser esse misterioso colecionador e o que podia significar para seu futuro e, por extensão, para o de todos eles. Ainda estavam falando do mesmo quando a mesafoi retirada e a conta paga, e os três saíram a rua ensolarada.
—Tenho que ir correndo —disse Megan, dando um rápido abraço a Gabrielle e a Jamie.
— Nos veremos logo, meninos?
—Sim —responderam os dois ao uníssono e a saudaram com a mão, atrás da Megan caminhava rua acima, para o edifício de escritórios onde trabalhava.
Jamie levantou uma mão para chamar um táxi.
—Vai diretamente a casa, Gabby?
—Não, ainda não. —Deu uns golpezinhos a câmera que levava sobre o ombro.
— Pensava dar um passeio até o parque e possivelmente gastar um pouco de filme. E você?
—David vai chegar de Atlanta dentro de uma hora —lhe disse .
— Vou tirar o resto do dia. Possivelmente amanhã também.
Gabrielle riu.
—Dê- lhe lembranças de minha parte.
—Farei-o. —aproximou-se dela e lhe deu um beijo na bochecha.
— Eu gosto de verte sorrir outra vez. Estava realmente preocupado por ti depois do último fim de semana. Nunca te tinha visto tão afetada. Está bem, verdade?
—Sim, estou bem, de verdade.
—E agora tem ao escuro e sexy detetive para te cuidar, o qual não está nada mal.
—Não, não está nada mal —admitiu ela, e notou uma sensação de calidez pelo só feito de pensar nele.
Jamie lhe deu um abraço afetuoso.
—Bom, céu, se necessitar algo que ele não te possa dar, o qual duvido muito, me chame, de acordo? Quero-te, carinho.
—Eu também te quero. —Um táxi se deteve na esquina e se saudaram.
— Te divirta com o David. —E levantou a mão para lhe dizer adeus enquanto Jamie entrava no táxi e este se internava no matizado tráfico da hora de comer.
Somente se demorava uns quantos minutos em percorrer as quadras que separavam Chinatown do parque Boston Common. Gabrielle passeou pelos amplos espaços e tirou umas quantas fotografias. Logo se deteve para observar a uns meninos que jogavam a galinha cega na grama da zona de recreio. Observou a uma menina que se encontrava no centro do grupo com os olhos tampados com uma atadura e que girava a um lado e a outro com os braços estendidos tentando apanharar seus esquivos amigos.
Gabrielle levantou a câmera e enfocou aos meninos, que não paravam de correr e de rir. Aproximou a imagem com o zoom e seguiu a menina de cabelo loiro e olhos enfaixados com a lente enquanto as risadas e os gritos dos meninos enchiam o parque. Não fez nenhuma fotografia, simplesmente olhou esse despreocupado jogo desde detrás da câmera e tentou recordar uma época em que ela se houvesse sentido assim contente e segura.
Deus, havia-se sentido assim alguma vez?
Um de quão adultos estava vigiando aos meninos de perto lhes chamou para que fossem comer, interrompendo seu estridente jogo. Os meninos correram até o lençol estendido no chão para comer e Gabrielle percorreu o parque ao seu redor com a lente da câmera. Na imagem desfocada a causa do movimento, percebeu a figura de alguém que a olhava desde debaixo da sombra de uma árvore grande.
Gabrielle apartou a câmera de seu rosto e olhou nessa direção: havia um homem jovem em pé, parcialmente escondido pelo tronco de um velho carvalho.
Sua presença era quase imperceptível nesse parque cheio de atividade, mas lhe resultava vagamente familiar. Gabrielle viu que tinha o cabelo abundante e de uma cor castanha cinzenta, que levava uma camisa solta e uma calça cáqui. Era a classe de pessoa que desaparecia com facilidade entre a multidão, mas estava segura de que lhe tinha visto em algum lugar fazia pouco tempo.
Não lhe tinha visto na delegacia de polícia de polícia a semana passada quando foi fazer a declaração?
Fosse quem fosse, deveu dar-se conta de que lhe tinha visto, porque imediatamente retrocedeu, escondeu-se atrás do tronco da árvore e começou a afastar-se dali em direção a Charles Street. Enquanto caminhava a passo rápido em direção a essa rua, tirou-se um telefone celular do bolso da calça e jogou uma rápida olhada para trás por cima do ombro, em direção a Gabrielle.
Gabrielle sentiu que lhe arrepiavam os cabelos da nuca com uma repentina sensação de suspeita e de alarme.
Ele a tinha estado observando, mas por que?
Que diabos estava acontecendo? Algo acontecia, definitivamente, e ela não tinha intenção de tratar de adivinhá-lo por mais tempo.
Com o olhar cravado no menino da calça cáqui, Gabrielle começou a caminhar detrás dele enquanto se guardava a câmera na capa e se ajustava a tira da bolsa protetora no ombro. Quando saiu do amplo terreno do parque e entrou no Charles Street, o menino lhe levava uma quadra de vantagem.
—Né! —chamou ela, começando a correr.
O,menino que continuava falando por telefone, girou a cabeça e a olhou. Disse algo ao aparelho com gesto apressado, apagou o aparelho e o conservou na mão. Apartou o olhar dela e começou a correr.
—Para! —gritou Gabrielle. Chamou a atenção das pessoas na rua, o menino continuou sem lhe fazer caso.
— Te hei dito que te detenha, merda! Quem é? Por que me está espiando?
Ele subiu a toda velocidade pelo Charles Street mergulhando-se na maré de pedestres. Gabrielle lhe seguiu, esquivando a turistas e empregados de escritório que saíam durante o descanso para a comida, sem apartar a vista da mochila delgada que o menino levava nas costas. Ele torceu por uma rua, logo por outra, internando-se cada vez mais na cidade, afastando-se das lojas e os escritórios do Charles Street e voltando para a matizada zona de Chinatown.
Sem saber quanto tempo levava perseguindo a esse menino nem onde havia chegado exatamente, Gabrielle se deu conta de repente de que lhe tinha perdido.
Girou por uma esquina cheia de gente e se sentiu profundamente sozinha: esse ambiente pouco familiar se fechou ao redor dela. Os lojistas a observavam desde debaixo dos toldos e desde detrás das portas abertas para deixar entrar o ar do verão. Os pedestres a olhavam, aborrecidos, porque se tinha detido de repente em meio da calçada e interrompia o passo.
Foi nesse momento quando sentiu uma presença ameaçadora detrás dela, na rua.
Gabrielle olhou por cima do ombro e viu um Sedam negro de vidros escuro que se deslocava devagar entre outros carros. Movia-se com elegância, deliberadamente, como um tubarão que atravessasse um banco de peixes pequenos em busca de uma presa melhor.
Estava-se dirigindo para ela?
Talvez o menino que a tinha estado espiando se encontrava dentro do carro. Possivelmente sua aparição, e a do carro de aspecto ameaçador, tinham algo que ver com quem tinha comprado suas fotografias.
Ou possivelmente se tratasse de algo pior.
Possivelmente um pouco relacionado com o espantoso ataque que tinha presenciado na semana anterior e tendo informado disso a polícia. Possívelmente se tropeçou com uma rixa entre bandas, depois de tudo. Possivelmente essas criaturas malignas —já que não podia acabar de convencer-se de que eram homens— tinham decidido que ela era seu próximo alvo.
O veículo se aproximou por um sulco lateral até a calçada onde ela se encontrava em pé e Gabrielle sentiu que um medo gelado a atravessa.
Começou a caminhar. Acelerou o ritmo para avançar mais depressa.
A suas costas ouviu o som do carro que acelerava.
OH, Deus.
Ia por ela!
Gabrielle não esperou para ouvir o som dos pneumáticos das rodas no pavimento a suas costas. Gritou e saiu disparada em uma carreira , movendo as pernas tão depressa como era capaz.
Havia muita gente ao seu redor. Muitos obstáculos para tomar um caminho reto. Esquivou aos pedestres, muito nervosa para oferecer nenhuma desculpa antes seus estalos de língua e exclamações de irritação.
Não lhe importava: estava segura de que era um assunto de vida ou morte.
Olhar para trás seria um grave engano. Ainda ouvia o ruído do motor do carro no meio do tráfico, que a seguia de perto. Gabrielle baixou a cabeça e se esforçou em correr mais rápido enquanto rezava por ser capaz de sair dessa rua antes de que o carro a apanhasse.
De repente, nessa enlouquecida carreira, falhou-lhe um tornozelo.
Cambaleou-se e perdeu o equilíbrio. O chão pareceu elevar-se para ela e caiu com força contra o duro pavimento. Parou o golpe forte da queda com os joelhos e as palmas das mãos, destroçando-lhe a dor da carne rasgada, lhe fez saltar as lágrimas, mas não fez conta. Gabrielle voltou a ficar em pé. Quase ainda não tinha recuperado o equilíbrio quando notou a mão de um estranho que a sujeitava com força pelo cotovelo.
Gabrielle reprimiu um grito. Tinha os olhos enlouquecidos de pânico.
—Encontra-se bem, senhorita? —O rosto cinza de um trabalhador municipal apareceu em seu ângulo de visão e seus olhos azuis rodeados de rugas se fixaram nas feridas.
—Uf, vá, olhe isso, está sangrando.
—Solte-me!
—É que não viu esses reservatórios de água daí? —Assinalou com o polegar por cima do ombro, a suas costas, para os cones de cor laranja com os quais Gabrielle tinha se chocado ao passar—Esta parte da calçada está levantada.
—Por favor, não passa nada. Estou bem.
Apanhada pela mão dele, que tentava ajudá-la mas que a desafiava, Gabrielle levantou o olhar bem a tempo para ver que o Sedam escuro aparecia na esquina por onde ela tinha passado fazia um instante. O carro se deteve abruptamente, a porta do condutor se abriu e um homem enorme e muito alto saiu à rua.
—OH, Deus. Me solte! —Gabrielle deu uma sacudida com o braço para soltar do homem que tentava ajudá-la sem apartar o olhar desse monstruoso carro negro e no perigo que supunha—. É que não comprende que me estão perseguindo?
—Quem? —O tom de voz do trabalhador municipal foi de incredualidade. Levou a vista em direção aonde ela estava olhando e soltou uma gargalhada.
— Se refere a esse tipo? Senhora, é o maldito prefeito do Bostom.
-O que...?
Era verdade. Olhou enlouquecida toda a atividade que se desenvolvia nessa esquina e o compreendeu. O Sedam negro não a perseguia, depois de tudo. Tinha estacionado na esquina e o condutor, agora, estava esperando com a porta traseira aberta. O prefeito em pessoa saiu de um restaurante acompanhado por dois guarda-costas e os três subiram ao assento traseiro do veículo.
Gabrielle fechou os olhos. As palmas das mãos lhe queimavam de dor. Os joelhos, também. Tinha o pulso acelerado, mas parecia que o sangue lhe tinha descido da cabeça.
Sentiu-se como uma completa idiota.
—Acreditei... —murmurou, enquanto o condutor fechava a porta, e se colocava no assento dianteiro e arrancava o carro em direção ao tráfico da rua.
O trabalhador lhe soltou o braço. Afastou-se dela para voltar a ocupar-se da bolsa com sua comida e seu café enquanto meneava a cabeça.
—O que lhe acontece? É que se tornou louca ou algo?
Merda.
Supunha-se que ela não tinha que lhe haver visto. Tinha ordens de observar a mulher Maxwell, de tomar nota de suas atividades, de estabelecer quais eram seus costumes. Tinha que informar de tudo isso a seu Professor. Por cima de tudo, tinha que evitar ser visto. O subordinado soltou outra maldição do mesmo lugar onde estava escondido, as costas pega contra uma anódina porta de um edifício, um desses tantos lugares que se apinhavam entre os restaurantes e mercados do Chinatown. Com cuidado, abriu a porta e tirou a cabeça para ver se podia detectar a mulher em algum lugar da rua.
Ali estava, justo ao outro lado da rua abarrotada de gente.
E se alegrou de ver que ela estava abandonando a zona. Quão último perdeu de vista foi seu cabelo acobreado por entre a multidão da calçada, a cabeça encurvada e o passo acelerado.
Esperou ali, observou-a até que teve desaparecido de sua vista por completo. Então voltou a sair a rua e se dirigiu em direção contraria. Tinha passado mais de uma hora de seu descanso para comer. Era melhor que voltasse para a delegacia de polícia antes de que lhe sentissem falta.
Capítulo dez
Gabrielle pôs outra toalha de papel sob o jorro de água fria na pia da cozinha. Havia várias toalhas mais atiradas já, empapadas de água e manchadas de sangue, além de sujas do pó da rua que se limpou das palmas das mãos e dos joelhos. Em pé, de sutiens e calcinhas, jogou um pouco de sabão líquido na toalha de papel empapada de água e se esfregou com energia as feridas das palmas das mãos.
—Ai! —exclamou, e franziu o cenho. Encontrou-se uma pequena e afiada lasca cravada na ferida. A tirou e a atirou à pia ao lado de todo o cascalho que se limpou das feridas.
Deus, parecia um desastre.
A saia nova estava rota e destroçada. A prega do suéter se danificou ao cair contra o áspero pavimento. E parecia que as mãos e os joelhos pertencessem a uma menina selvagem e torpe.
E além de tudo isso, mostrou-se como uma completa estúpida em público.
Que demônios lhe estava acontecendo para ficar histérica dessa maneira?
O prefeito, pelo amor de Deus. E ela tinha fugido desse carro como se temesse que se tratasse de...
Do que? De alguma espécie de monstro?
«Vampiro.»
As mãos do Gabrielle ficaram imóveis.
Ouviu a palavra mentalmente, apesar de que se negou a pronunciá-la em voz alta. Essa era a palavra que tinha na soleira da consciência do momento em que foi testemunha desse assassinato. Era uma palavra que não queria reconhecer, nem sequer quando se encontrava sozinha no selêncio de seu apartamento vazio.
Os vampiros eram a obsessão da louca de sua mãe biológica, não a sua.
Essa adolescente anônima se encontrava em um estado completamente delirante quando a polícia a tirou das ruas, fazia tantos anos. Dizia que a tinham açoitado uns demônios que queriam beber seu sangue, que, de fato, tinham-no tentado, e essa tinha sido a explicação que tinha dado pelas estranhas feridas que tinha na garganta. Os documentos judiciais que lhe tinham dado estavam salpicados de loucas referencias a espectros sedentos de sangue que percorriam a cidade em completa liberdade.
Impossível.
Isso era uma loucura, e Gabrielle sabia.
Estava permitindo que sua imaginação e que o medo que tinha de converter-se em uma perturbada como sua mãe algum dia acabassem com ela. Mas ela era muito inteligente para permiti-lo. Era mais sã, pelo menos...
Deus, tinha que sê-lo.
Ter visto esse menino da delegacia de polícia esse mesmo dia —para somar-se a tudo pelo que tinha passado durante os últimos dias— lhe havia disparado seus medos. Apesar de tudo, agora que o pensava, nem sequer estava segura de que esse tipo a quem tinha visto no parque fora de verdade o administrativo que tinha visto na delegacia de polícia.
Mas e o que se o era? Possivelmente se encontrava no parque para tomar sua comida e para desfrutar do tempo igual ao estava fazendo ela. Isso não era nenhum crime. Possivelmente, a estava olhando era porque também lhe tinha parecido que lhe resultava familiar. Possivelmente ele se aproximou para saudá-la se ela não tivesse carregado contra ele como uma psicopata paranoica, lhe acusando de estar espiando-a.
OH, e não seria perfeito que ele fosse a delegacia de polícia e contasse a todos que lhe tinha açoitado por várias quadras no Chinatown?
Se Lucan se inteirava disso, ela ia morrer da humilhação.
Gabrielle terminou de limpar as feridas das palmas das mãos e tentou apartar tudo o que tinha ocorrido esse dia de sua cabeça. Ainda tinha a ansiedade no ponto máximo e o coração lhe pulsava com força. Limpou-se os golpes do rosto e observou um magro rastro de sangue que lhe descia pelo pulso.
Ver seu sangue sempre a tranqüilizava, por alguma estranha razão. Sempre tinha sido assim.
Quando era mais jovem e as emoções e as pressões internas eram tão fortes que já não sabia o que fazer com elas, quão único tinha que fazer para se acalmar era fazer um pequeno corte.
O primeiro tinha sido por acidente. Gabrielle se encontrava cortando uma maçã em um de seus lares de acolhida quando a faca resvalou e lhe fez um corte na base do dedo polegar. Doeu-lhe um pouco, mas Gabrielle não sentiu nem medo nem pânico ao observar como o sangue saía e desenhava um reluzente redemoinho escarlate.
Havia-se sentido fascinada.
Havia sentido uma incrível espécie de... paz.
Ao cabo de uns quantos meses desse surpreendente descobrimento, Gabrielle voltou a cortar-se. Fê-lo de forma deliberada e em segredo, sem intenção de fazer-se mal de verdade. À medida que o tempo transcorreu, fê-lo mais freqüentemente, sempre que precisava sentir essa profunda sensação de calma.
E agora o necessitava porque estava ansiosa e nervosa como um gato atento a qualquer pequeno ruído que ouvisse no apartamento ou fora dele. Doía-lhe a cabeça. Tinha a respiração agitada e apertava as mandíbulas.
Seus pensamentos saltavam do brilho do flash ante a cena da noite fora da discoteca ao inquietante psiquiátrico onde tinha estado fazendo fotos a manhã anterior e ao medo irracional, profundo e perturbador que havia sentido essa tarde.
Necessitava um pouco de paz depois de tudo isso.
Só embora fossem uns quantos minutos de calma.
Gabrielle dirigiu o olhar para o contêiner de facas de madeira que se encontrava, ali perto, sobre o mármore. Alargou a mão e tomou um deles. Fazia anos que não o fazia. esforçou-se tanto em controlar essa compulsão estranha e vergonhoza.
Mas a tinha feito desaparecer de verdade?
Os psicólogos que a administração lhe tinha posto e os trabalhadores sociais, ao final, convenceram-se de que assim era. Também os Maxwell.
Agora, enquanto se aproximava a faca à pele do braço e sentia como uma escura emoção despertava dentro dela, Gabrielle o duvidou. Aperto a ponta da folha contra a pele do antebraço, embora ainda sem a força suficiente para cortar-se.
Esse era seu demônio privado, e era uma coisa que nunca havia comprartilhado abertamente com ninguém, nem sequer com o Jamie, seu amigo mais querido.
Ninguém o compreenderia.
Quase nem ela mesma o compreendia.
Gabrielle jogou a cabeça para trás e respirou profundamente. Enquanto voltava a baixar a cabeça e exalava lentamente, viu seu próprio reflexo no cristal da janela de cima da pia. O rosto que lhe devolveu o olhar tinha uma expressão esgotada e triste, seus olhos estavam apagados e angustiados.
—Quem é? —sussurrou a essa imagem fantasmal que via no cristal. Teve que reprimir um soluço.
— O que é que vai mal contigo?
Abatida consigo mesma, atirou a faca na pia e se apartou dali enquanto o som do aço ressonava na cozinha.
O constante som dos sinais de multiplicação de um helicóptero atravessava o céu da noite no velho psiquiátrico. Da camuflagem de uma nuvem, um Colibri EC120 negro descendeu e se posou com suavidade em uma zona plaina do telhado.
—Desliga o motor —ordenou o líder dos renegados a seu subordinado piloto quando o aparelho se posou no improvisado heliporto.
— Espere-me aqui até que volte.
Saltou fora da cabine e recebeu a imediata saudação de seu tenente, um indivíduo bastante desagradável a quem tinha recrutado na Costa Oeste.
—Tudo está em ordem, senhor.
As espessas sobrancelhas marrons do renegado se afundaram em cima de seus ferozes olhos amarelos. Na enorme cabeça calva ainda se viam as cicatrizes das queimaduras de eletricidade que lhe tinham infligido os da raça durante um interrogatório pelo que tinha passado fazia meio ano. Mas, entre o resto dos repugnantes rasgos de seu rosto, essas numerosas marcas de queimaduras eram somente um detalhe. O renegado sorriu, deixando ver umas enormes presas.
—Seus presentes foram muito bem recebidos esta noite, senhor. Todo o mundo espera com ânsia sua chegada.
O líder dos renegados, com os olhos escondidos detrás de uns óculos de sol, assentiu com a cabeça brevemente e, com passo depravado, deixou-se conduzir até o piso de acima do edifício e logo até um elevador que lhe levaria ao coração das instalações. Afundaram-se por debaixo do nível do piso do chão, saíram do elevador e se internaram por uma rede de túneis que rodeavam uma parte da fortaleza da guarida dos renegados.
Quanto ao líder, este tinha estado instalado em seu quartel privado em algum ponto de Boston durante o último mês, fiscalizando em privado algumas operações, determinando obstáculos e estabelecendo as principais vantagens que tinham no novo território que queriam controlar. Esta era sua primeira aparição em público: era todo um evento, e essa era exatamente sua intenção.
Não era algo freqüente que ele se aventurasse a sair em meio da porqueira da população geral; os vampiros que se convertiam em renegados eram uma gente arruda, indiscriminada, e ele tinha aprendido apreciar coisas melhores durante seus muitos anos de existência. Tinha que lhes recordar a essas bestas quem era e a quem serviam e por isso lhes tinha devotado uma amostra do bota de cano longo que lhes esperava ao final de sua última missão. Não todos eles sobreviveriam, é obvio. As vítimas acostumavam a acumular-se em meio de uma guerra.
E uma guerra era o que ia vender aí essa noite.
Já não haveria mais conflitos insignificantes no terreno. Não haveria mais luta internas entre os renegados, nem mais atos absurdos de vingança individual. Foram unir-se e passar a página de uma forma que ainda ninguém tinha imaginado nessa antiga batalha que tinha dividido para sempre a nação dos vampiros em dois. A raça tinha mandado durante muito tempo e tinha chegado a um acordo não falado com os humano inferiores ao tempo que ansiavam eliminar a seus irmãos os renegados.
As duas facções da estirpe dos vampiros não eram tão diferentes uma da outra, somente lhes separava uma questão de grau. Quão único diferenciava a um vampiro da raça que saciava sua fome de vida e a um vampiro constantemente sedento de sangue e viciado era uma questão de litros. As linhas sangüíneas da estirpe se apagaram com o tempo da época dos antigos e os novos vampiros se convertiam em adultos e se apareavam com as companheiras de raça humanas.
Mas não havia forma de que a contaminação de gens humanos destruisse por completo os gens dos vampiros, mais fortes. A sede de sangue era um espectro que perseguiria a raça para sempre.
Do ponto de vista do líder dessa guerra que se aproximava, a gente tanto podia lutar contra o impulso inato próprio de sua estirpe ou utiliza-lo para benefício próprio.
Nesse momento, ele e seu tenente tinham chegado ao final do corredor e a vibração de uma música estridente reverberava nas paredes e no chão, sob seus pés. Estava-se levando a cabo uma festa detrás de uma dupla porta de aço amassada e maltratada. Ante ela, um vampiro Renegado que se encontrava de guarda se fincou de joelhos pesadamente assim que suas rasgadas pupilas registraram quem estava esperando diante dele.
—Senhor. —O tom de sua áspera voz foi reverente e mostrou deferencia ao não levantar a vista para encontrar-se com os olhos que se ocultavam detrás desses óculos escuros.
— Meu senhor, sua presença nos honra.
De fato, sim lhes honrava. O líder fez um rápido movimento afirmativo com a cabeça assim que o vigilante ficou em pé de novo. Com uma mão imunda, que estava de guarda empurrou as portas para permitir a entrada a seu superior a estridente reunião que se levava a cabo ao outro lado das mesmas. O líder se despediu de seu acompanhante e ficou livre para observar em privado o lugar.
Tratava-se de uma orgia de sangue, sexo e música. Em todos os rincões onde olhasse via machos renegados que manuseavam, perseguiam e se alimentavam de um variado sortido de seres humanos, tanto homens como mulheres. Sentiam pouca dor, tanto se encontravam nesse evento de forma voluntária como se não. A maioria tinham sofrido, pelo menos, uma dentada, e lhes tinham extraído tanto sangue que se sentiam como em uma nuvem de sensualidade e ligeireza. Alguns deles fazia muito momento que se foram, e seus corpos se encontravam inertes como os de uns bonitos bonecos de roupa em cima do regaço de seus depredadores
Olhos selvagens, que não cessavam de alimentar-se até que não ficava nada mais que devorar.
Mas isso era o que alguém devia esperar se lançava uns tenros cordeiros a um poço cheio de bestas vorazes.
Enquanto se dirigia para a parte mais matizada dessa reunião, começaram-lhe a suar as mãos. O pênis lhe endureceu baixo a cuidada queda da calça confeccionada a medida. As gengivas começaram a lhe doer e a lhe pulsar, e teve que morder a língua para evitar que as presas lhe alargassem de fome, ao igual que tinha feito seu sexo, em resposta a chuva de estímulos eróticos e sensoriais que lhe golpeiavan desde todos os ângulos.
A mescla do aroma de sexo e sangue derramada lhe chamava como o canto de uma sereia. Esse era um canto que ele conhecia bem, embora isso tinha sido em seu passado, agora muito distante. OH, ainda desfrutava com um bom sexo e com uma suculenta veia aberta, mas essas necessidades já não lhe governavam. Tinha tido que percorrer um caminho muito difícil do ponto em que se encontrava antigamente, mas, ao final, tinha vencido.
Agora era senhor de si mesmo e logo o seria de muito, muito mais.
Uma nova guerra ia começar e ele estava preparado para oferecer a última batalha. Estava educando a seu exército, aperfeiçoando seus métodos, recrutando aliados que mais tarde seriam sacrificados sem duvidá-lo nem um momento no altar de seu capricho pessoal. Ia infligir uma sangrenta vingança a nação dos vampiros e ao mundo de quão humanos somente existia para servir aos seus.
Quando a grande batalha tivesse terminado e as cinzas e o pó houvessem sido finalmente varridos, não haveria ninguém que pudesse interpor em seu caminho.
Ele seria um maldito rei. Esse era seu direito de nascimento.
—Mmmm... né, bonito... vêem aqui e joga comigo.
Esse convite realizado em voz rouca lhe alcançou por cima do barulho da sala. De um montículo de corpos retorcidos, nus e úmidos tinha aparecido a mão de uma mulher que lhe sujeitou pela coxa no momento em que ele passava por seu lado. Ele se deteve, baixou o olhar até ela com uma clara expressão de impaciência. Percebeu uma beleza oculta sob a escura e destroçado maquiagem, mas ela tinha a mente completamente perdida nesse profundo delírio da orgia.
Um par de rastro de sangue lhe desciam pelo bonito pescoço e chegavam até as pontas de seus peitos perfeitamente formados. Tinha outras mordidas em outros pontos do corpo: no ombro, no ventre, e na parte interior de uma das coxas, justo debaixo da estreita banda de pêlo que lhe ocultava o sexo.
—Te una lhe suplicou ela, levantando-se de entre a selva enredada de braços e pernas dos vampiros renegados em zelo. A essa mulher quase tinham extraído todo o sangue, somente ficavam uns litros antes de morrer. Tinha os olhos frágeis, perdidos. Seus movimentos eram lânguidos, como se seus ossos se tornaram de borracha.
— Tenho o que desejas. Sangrarei para ti, também. Vêem, me prove.
Ele não disse nada; simplesmente apartou os pálidos dedos manchados de sangue que atiravam da fina malha de suas caras calças de seda.
Verdadeiramente, não estava de humor.
E, ao igual que todo líder com êxito, nunca tocava sua própria mercadoria.
Pôs-lhe a mão plaina em cima do peito e a empurrou. Ela chiou: um dos renegados a tinha apanhado sem contemplação e, com rudeza, deu-lhe a volta em cima de seu braço, colocou-a debaixo dele e a penetrou por detrás. Ela gemeu assim que ele a atravessou, mas ficou em silencio ao cabo de um instante enquanto o vampiro sedento de sangue lhe cravava as enormes presas no pescoço e lhe chupava a última gota de vida de seu corpo consumido.
—Desfrutem destes restos —disse o que ia ser rei com uma voz profunda que se elevava em tom magnânimo por cima dos rugidos animais e o estrondo ensurdecedor da música.
— A noite se está levantando e logo conhecerão as recompensas que tenho a lhes oferecer.
Capítulo onze
Lucan bateu na porta do apartamento de Gabrielle outra vez.
Ainda, nenhuma resposta.
Fazia cinco minutos que se encontrava em pé na entrada, na escuridaão, esperando a que ou ela abrisse a porta e convidasse a entrar, ou lhe amaldiçoar e lhe chamasse bastardo do outro lado dos numerosos ferrolhos de segurança e lhe dissesse que se perdesse.
Depois do comportamento pornográfico que tinha tido com ela a noite anterior, não estava seguro de qual era a reação que se merecia encontrar. Provavelmente, uma irada despedida.
Golpeou a porta com os nódulos outra vez com tanta força que era provável que os vizinhos lhe tivessem ouvido, mas não se ouviu nenhum movimento dentro do apartamento de Gabrielle. Somente silencio. Havia muita quietude ao outro lado da porta.
Mas ela estava ali dentro. Notava-a ao outro lado das capas de madeira e tijolo que lhes separavam. E cheirava a sangue, também. Não muito sangue, mas certa quantidade em algum ponto próximo a porta.
Filho da puta.
Ela estava dentro, e estava ferida.
—Gabrielle!
A preocupação lhe corria pelas veias como se fosse um ácido. Tentou se tranquiliza o suficiente para poder concentrar seus poderes mentais no ferrolho de correia e nas duas fechaduras que estavam colocadas ao outro lado da porta. Com um esforço, abriu um ferrolho e logo o outro. A correia se soltou e caiu contra o gonzo da porta com um som metálico.
Lucan abriu a porta com um empurrão e suas botas soaram com força sobre o chão de ladrilhos do vestíbulo. A bolsa das câmeras de Gabrielle se encontrava justo em seu caminho, provavelmente onde ela a tinha deixado cair com a pressa. O doce aroma ajazminado de seu sangue lhe encheu as fossas nasais justo um instante antes de que sua vista tropeçasse com um caminho de pequenas manchas de cor carmesim.
O ambiente do apartamento tinha certo ar amargo de medo cujo aroma, que já tinha umas horas, apagou-se mas permanecia como uma neblina.
Atravessou a sala de estar com intenção de entrar na cozinha, para onde se dirigiam as gotas de sangue. Enquanto cruzava a sala, tropeçou com um montão de fotografias que havia na mesa do sofá.
Eram umas tomadas rápidas, uma estranha variedade de imagens. Reconheceu algumas delas, que formavam parte do trabalho que Gabrielle estava levando a cabo e que titulava Renovação urbana. Mas havia umas quão imagens que não tinha visto antes. Ou possivelmente não tinha emprestado a atenção suficiente para dar-se conta.
Agora sim que se deu conta.
Merda, vá que sim.
Um velho armazém perto do dique. Um velho moinho papeleiro abandonado justo aos subúrbios da cidade. Várias estruturas diferentes que proibiam a entrada onde nenhum humano —por não falar de uma mulher confiada como Gabrielle— devia aproximar-se de nenhuma forma.
Guaridas de renegados.
Algumas delas já tinham sido erradicadas, estavam-no graças a Lucan e a seus guerreiros, mas umas quantas mais ainda eram células ativas. Viu umas quantas que se encontravam nesses momentos vigiadas pelo Gideon. Enquanto passava rapidamente as fotos, perguntou-se quantas localizações de guaridas de renegados teria Gabrielle fotografadas e o que ainda não se encontravam no radar da raça.
—Merda —sussurrou, tenso, olhando um par de imagens mais.
Inclusive tinha algumas fotos exteriores de uns Refúgios Escuros da cidade, umas entradas escuras e umas sinalizações dissimuladas cuja função era evitar que esses santuários dos vampiros fossem facilmente localizados tanto pelos curiosos seres humanos como por seus inimigos os renegados.
E Apesar de tudo, Gabrielle tinha encontrado esses lugares. Como?
É obvio, não podia ter sido por acaso. O extraordinário sentido visual de Gabrielle devia havê-la conduzido até esses lugar de gado. Ela já tinha demonstrado que era completamente imune aos truques habituais dos vampiros: ilusões hipnóticas, controle mental... E agora isto.
Lucan soltou uma maldição e se meteu umas quantas fotografias no bolso da jaqueta de couro. Deixou o resto das imagens em cima da mesa.
—Gabrielle?
Dirigiu-se até a cozinha, onde algo ainda mais inquietante lhe estava esperando.
O aroma de Gabrielle era mais forte ali, e lhe conduziu até a pia. Ficou imovel diante dele e sentiu uma sensação gelada no teto assim que fixou o olhar no mesmo.
Parecia que alguém tivesse tentado limpar uma cena do crime, e que o tivesse feito muito mal. Na pia havia um montão de toalhas de papel empapadas de água e manchadas de sangue, ao lado de uma faca que tinham tirado do estojo de madeira que se encontrava no mármore da cozinha.
Tomou a afiada faca e o inspecionou rapidamente. Não tinha sido utilizada, mas todo o sangue que havia na pia e que tinha caído ao chão do vestíbulo até a cozinha pertencia unicamente a Gabrielle.
E a parte de roupa que se encontrava atirado no chão ao lado de seus pés também tinha seu aroma.
Deus, se alguém lhe tinha posto a mão em cima...
Se lhe tivesse acontecido algo...
—Gabrielle!
Lucan seguiu seus instintos, que lhe levaram até o porão do apartamento. Não se incomodou em acender as luzes: sua visão era mais aguda na escuridão. Baixou as escadas e gritou seu nome em meio desse silencio .
Em um rincão, ao outro extremo do porão, o aroma de Gabrielle se fazia mais forte. Lucan se encontrou em pé diante de outra porta fechada, uma porta rodeada de uns vedadores para que não penetrasse a luz exterior. Tentou abri-la pelo pomo, mas estava fechada e sacudiu a porta com força.
—Gabrielle. Ouve-me? Menina, abre a porta.
Não esperou a receber resposta. Não tinha a paciência para isso, nem a concentração mental para abrir o ferrolho que fechava a porta do outro lado. Soltou um grunhido de fúria, golpeou a porta com o ombro e entrou.
Imediatamente, seus olhos, na escuridão dessa sala, deram com ela. Seu corpo se encontrava enroscado no chão da desordenada habitação escura e estava nua exceto por um sutiens e umas calcinhas de traje de banho. Ela despertou imediatamente com o repentino estrondo da porta.
Levantou a cabeça rapidamente. Tinha as pálpebras pesadas e inchadas por ter chorado fazia pouco. Tinha estado ali soluçando, e Lucan houvesse dito que o tinha feito durante bastante momento. Seu corpo parecía exalar quebras de onda de cansaço: a via tão pequena, tão vulnerável.
—OH, não, Gabrielle —sussurrou ele, deixando cair no chão ao lado dela.
— Que demônios está fazendo aqui dentro? Alguém te tem feito mal?
Ela negou com a cabeça, mas não respondeu imediatamente. Com um gesto hesitante, levou-se as mãos até o rosto e se apartou o cabelo do rosto, tentando lhe ver em meio dessa escuridão.
—Só... cansada. Necessitava silêncio... paz.
—E por isso te encerraste aqui embaixo? —Ele deixou escapar um forte suspiro de alívio, mas no corpo dela viu umas feridas que tinham deixado de sangrar fazia muito pouco tempo.
— De verdade que está bem?
Ela assentiu com a cabeça e se aproximou para ele na escuridão.
Lucan franziu o cenho e alargou a mão até ela. Acariciou-lhe a cabeça e ela pareceu entender esse contato como um convite. Colocou-se entre seus braços como uma menina que necessitasse consolo e calor. Não era bom o natural que lhe pareceu abraçá-la, quão forte sentiu a necessidade de tranqüilizá-la para que se sentisse segura com ele. Para que sentisse que ele a protegeria como se fosse dele.
Dele.
«Impossível», disse a si mesmo. Mais que impossível: era ridículo.
Baixou a vista e em silêncio observou a suavidade e o calor do corpo dessa mulher que se enredava com o seu em sua deliciosa e quase completa nudez. Ela não tinha nem idéia do perigoso mundo no qual se colocou, e muito menos de que era um mortífero macho vampiro quem a estava abraçando nesses momentos.
Ele era o último que podia oferecer amparo contra o perigo a uma companheira de raça. No caso de Gabrielle, somente notar a mais ligeira fragrância dela elevava sua sede de sangue até a zona de perigo. Acariciou-lhe o pescoço e o ombro e tentou ignorar o constante ritmo do pulso de suas veias sob as pontas dos dedos. Tinha que lutar de maneira infernal para não fazer caso da lembrança da última vez que tinha estado com ela, tanto que precisava tê-la outra vez.
—Mmmm, seu tato é muito agradável —murmurou ela, sonolenta, contra seu peito. Sua voz foi como um ronrono escuro e dormitado que lhe provocou uma descarga de calor na coluna vertebral é outro sonho?
Lucan gemeu, incapaz de responder. Não era um sonho, e ele, pessoalmente, não se sentia bem absolutamente. A maneira em que ela se enredava entre seus braços, com uma tenra confiança e inocência, o fazia sentir dentro dele a besta, antiga e gasta.
Procurando uma distração, encontrou-a muito logo. Jogou um vista para cima, por cima das cabeças de ambos, e todos os músculos de seu corpo se endureceram por causa de outro tipo de tensão.
Fixou os olhos em umas fotografias que Gabrielle tinha pendurado para que secassem na habitação escura. Pendurando, sobre outras imagens sem importância, havia umas imagens de umas quantas localizações mais de vampiros.
Por Deus, inclusive tinha fotografado o complexo de edifícios dos guerreiros. Essa foto de dia tinha sido tomada da estrada, ao outro lado da cerca. Não havia maneira de confundir a enorme porta de ferro cheia de inscrições que fechava o comprido caminho e a mansão de alta segurança que se encontrava ao final do mesmo, oculta perfeitamente dos olhos curiosos.
Gabrielle deveu haver ficado justo ao subúrbios da propriedade para ter tomado essa fotografia. Pela folhagem de verão das árvores que rodeavam a cena, a imagem não podia ter mais de três semanas. Ela tinha estado ali, somente A umas centenas de metros de onde ele vivia.
Ele nunca tinha tido tendência a acreditar na idéia do destino, mas parecia bastante claro que, de uma ou outra forma, essa mulher estava destinada a cruzar-se em seu caminho.
OH, sim. A cruzar-se como um gato negro.
Era muito próprio de sua sorte que, depois de séculos de esquivar balas cósmicas e confusões emocionais, retorcidas irmãs do destino e a realidade tivessem decidido lhe incluir em suas listas de merda ao mesmo tempo.
—Está bem —disse a Gabrielle, embora as coisas estavam tomando uma má direção rapidamente.
— Vou subir te à habitação para que se vista e logo falaremos. —antes de que a visão continuada de seu corpo envolto nessas finas capas de roupa interior acabassem com ele.
Lucan a tomou nos braços, tirou-a da habitação escura e a subiu pelas escadas até o piso principal. Agora que a sujeitava perto dele, seus agudos sentidos perceberam os detalhes das diversas feridas que tinha: uns grandes arranhões nas mãos e nos joelhos, prova de uma queda bastante má.
Ela tinha tentado escapar de algo —ou de alguém— presa do terror e caido. A Lucan lhe bulia o sangue de desejos de saber quem lhe tinha provocado esse dano, mas já haveria tempo para isso logo. A acomodação e o bem-estar de Gabrielle eram sua preocupação principal nesse momento.
Lucan atravessou com ela em braços a sala de estar e subiu as escadas até o piso de acima, onde se encontrava a habitação. Sua intenção era ajudá-la a colocar um pouco de roupa, mas quando passou por diante do banho que se encontrava ao lado do dormitório, pensou na água. Os dois precisavam falar, verdadeiramente, mas tendo em conta a situação provavelmente se relaxassem com maior facilidade depois de que ela houvesse tomado um banho quente.
Com Gabrielle lhe abraçando por cima dos ombros, Lucan entrou no banheiro. Um pequeno abajur de noite oferecia uma tênue iluminação de ambiente, o justo para que se sentisse a gosto. Levou a sua lânguida carga até a banheira e se sentou no bordo da mesma, com a Gabrielle no regaço.
Desabotoou o fechamento da parte da frente da pequena peça de cetim e despiu seus peitos ante seus olhos, repentinamente enfebrecidos. Doíam-lhe as mãos de desejo de tocá-la, assim que o fez, e acariciou as generosas curva com as pontas dos dedos enquanto passava o polegar pelos mamilos rosados.
Que Deus lhe ajudasse. O suave ronrono que ouviu na garganta dela endureceu o pênis até que lhe doeu.
Passou-lhe a mão pelo torso, até a parte de tecido que lhe cobria o sexo. Suas mãos eram muito grandes e torpes para o suave e fino cetim, mas de algum jeito conseguiu lhe tirar as calcinhas e acariciar a parte interna das largas pernas de Gabrielle.
Ante a visão dessa bela mulher, nua outra vez diante dele, o sangue lhe corria pelas veias como a lava.
Possivelmente deveria sentir-se culpado por encontrá-la tão incrivelmente desejavel incluso em seu atual estado de vulnerabilidade, mas ele não tinha mais tendência a aceitar a culpa da que tinha a fazer a cuidar. E já se demonstrou a si mesmo que tentar ter o mínimo controle ao lado dessa mulher em particular era uma batalha que nunca ia ganhar.
Ao lado da banheira havia uma garrafa de sabão líquido. Lucan jogou uma generosa quantidade sob o jorro de água que caía na banheira. Enquanto a espuma se formava, depositou a Gabrielle com cuidado na água quente. Ela gemeu, claramente de gosto, ao entrar na água espumosa. Suas pernas se relaxaram de forma evidente e apoiou os ombros na toalha que Lucan tinha colocado rapidamente para lhe oferecer uma almofada e para que não tivesse que apoiar as costas contra a frieza dos ladrilhos e a porcelana.
O pequeno lavabo estava alagado pelo vapor e pelo ligeiro aroma de jasmim de Gabrielle.
—Cômoda? —perguntou-lhe ele, enquanto se tirava a jaqueta e a tirava ao chão.
—Sim —murmurou ela.
Ele não pôde evitar lhe pôr as mãos em cima. Acariciou-lhe o ombro com suavidade e lhe disse:
—Te deslize para diante e te molhe o cabelo. Eu lhe lavarei isso.
Ela obedeceu, permitindo que lhe conduzisse a cabeça sob a água e logo para fora outra vez. As largas mechas se obscureceram e adquiriram um tom escuro e brilhante. Ela ficou em silencio durante um comprido momento. Logo, levantou lentamente as pálpebras e lhe sorriu como se acabasse de recuperar a consciência e se surpreendesse de lhe encontrar ali.
—Olá.
—Olá.
—Que horas são? —perguntou-lhe ela com um comprido e amplo bocejo.
Lucan se encolheu de ombros.
—As oito, mais ou menos, suponho.
Gabrielle se afundou na banheira e fechou os olhos com um gemido.
—Um mau dia?
—Não um dos melhores.
—Isso imaginei. Suas mãos e seus joelhos se vêem um pouco maltratadas.
—Lucan alargou uma mão e fechou a água. Tomou uma garrafa de xampu do lado e colocou um pouco nas mãos.
—Quer me contar o que te passou?
—Prefiro não fazê-lo. —Entre suas finas sobrancelhas se formou uma ruga.
— Esta tarde fiz uma coisa muito tola. Já se inteirará bastante logo, estou segura.
—Mas como? —perguntou Lucan, esfregando-as mãos com o xampu.
Enquanto lhe massageava a cabeça com a densa nata do xampu, Gabrielle abriu um olho e lhe dirigiu um olhar de receio.
—O menino de delegacia de polícia não lhe há dito nada a ninguém?
—Que menino?
—que se encarrega dos arquivos na delegacia de polícia. Alto, desajeitado, de um aspecto normal. Não sei como se chama, mas estou bastante segura de que se encontrava ali a noite em que fiz minha declaração sobre o assassinato. Hoje lhe vi no parque. Acreditei que me estava espiando, a verdade, e eu... —interrompeu-se e meneou a cabeça.
— Corri detrás dele como uma louca, lhe acusando de estar me espiando.
As mãos de Lucan ficaram imóveis sobre sua cabeça. Seu instinto de guerreiro se alertou completamente.
—Que fez o que?
—Já sei —disse ela, evidentemente interpretando mal sua reação. Apartou um montão de borbulhas com uma mão.
— Já te disse que tinha sido idiota. Bom, pois persegui o pobre menino até Chinatown.
Embora não o disse, Lucan sabia que o instinto inicial de Gabrielle tinha sido acertado sobre o desconhecido que a observava no parque. Dado que o incidente tinha acontecido a plena luz do dia, não podia tratar-se dos renegados —uma pequena sorte—, mas os humanos que lhes serviam podiam ser igual de perigosos. Os renegados utilizavam subordinados em todos os lugares do mundo, humanos escravizados por uma potente dentada infligida por um vampiro poderoso que lhes desprovia de consciência e livre-arbítrio, e lhes deixava em um estado de obediência completa quando despertavam.
Lucan não tinha nenhuma dúvida de que o homem que havia estado observando a Gabrielle o fazia como serviço ao renegado que o tinha ordenado.
—Essa pessoa te fez mal? Foi assim como te fez estas feridas?
—Não, não. Isso foi minha coisa. Pus-me nervosa por nada.
Depois de ter perdido a pista do menino no Chinatown, perdi-me. Acreditei que um carro vinha por mim, mas não era assim.
—Como sabe?
Lhe olhou com exasperação para si mesmo.
—Porque se tratava do prefeito, Lucan. Acreditei que seu carro, conduzido por sua chofer, estava-me perseguindo e comecei a correr. Para culminar um dia perfeitamente horroroso, caí-me de focinhos em meio de uma calçada repleta de gente e logo tive que ir coxeando até casa com os joelhos e as mãos cheias de sangue.
Lucan soltou uma maldição em voz baixa ao dar-se conta de até que ponto ela tinha estado perto do perigo. Pelo amor de Deus, ela mesma em pessoa tinha açoitado a um servente dos renegados. Essa idéia deixou gelado a Lucan, mais assustado do que queria admitir.
—Tem que me prometer que terá mais cuidado —lhe disse ele, dando-se conta de que a estava arreganhando, mas sem ânimo de incomodar-se a comportar-se com educação ao saber que esse mesmo dia a houvessem podido matar.
— Se voltar a acontecer algo assim, tem que me dizer isso imediatamente.
—Isso não vai acontecer outra vez, porque foi meu equívoco. E não ia chamar te, nem a ti nem a ninguém da delegacia de polícia, para isto. Não se divertiríam muito se eu chamasse para lhes dizer que um de seus administrativos me estava perseguindo sem nenhuma razão aparente?
Merda. A mentira que lhe tinha contado de que era um policial lhe estava resultando um maldito estorvo agora. Inclusive pior, isso a tivesse posto em perigo em caso de que ela tivesse chamado a delegacia de polícia perguntando pelo detetive Thorne, porque, ao fazê-lo, tivesse chamado a atenção de um subordinado infiltrado.
—Vou te dar o número de meu celular. Encontrará-me aí sempre. Quero que o utilize a qualquer hora, compreendido?
Ela assentiu com a cabeça enquanto ele voltava a abrir o grifo da água, lavava-se as mãos e lhe enxaguava o cabelo sedoso e ondulado.
Frustrado consigo mesmo, Lucan alcançou uma esponja que se encontrava em uma prateleira superior e a lançou à água.
—Agora, me deixe que lhe jogue uma olhada ao joelho.
Ela levantou a perna desde debaixo da capa de borbulhas. Lucan lhe sujeitou o pé com a palma da mão e lhe lavou com cuidado o feio rasgo. Era somente um arranhão, mas estava sangrando outra vez por causa de que a água quente tinha abrandado a ferida. Lucan apertou a mandíbula com força: os fragrantes fios de sangue escarlate tinham um delicado caminho por sua pele e se introduziam na antiga espuma do banho.
Terminou de lhe limpar os dois joelhos feridos e logo lhe fez um sinal para que lhe permitisse limpar as palmas das mãos. Não se atrevia a falar agora que o corpo nu de Gabrielle se combinava com o odor de seu sangue fresco. A sensação era como se acabassem de lhe dar um golpe no crânio com um martelo.
Concentrando-se em não desviar sua atenção, dedicou-se a lhe limpar as feridas das palmas das mãos, sabendo perfeitamente que seus profundos e escuros olhos seguiam cada um de seus movimentos e notando dolorosamente o pulso nas veias das mãos, rápido, sob a pressão das pontas de seus dedos.
Lhe desejava, também.
Lucan se dispôs a soltá-la e, justo quando começava a dobrar o braço para retirá-lo, viu algo que lhe inquietou. Seus olhos tropeçaram com uma série de marcas tênues que manchavam a impecável pele aveludada. Essas marcas eram cicatrizes, uns magros cortes na parte interior dos antebraços. E tinha mais nas coxas.
Cortes de folhas de barbear.
Como se tivesse suportado uma tortura infernal de forma repetida quando não era mais que uma menina.
—Deus Santo. —Levantou a cabeça para olhá-la, com expressão de fúria, aos olhos.
— Quem te fez isto?
—Não é o que crê.
Agora ele estava aceso de ira, e não pensava deixá-lo passar.
—Conta-me .
—Não é nada, de verdade. Esquece-o...
—Me dê um nome, porra, e te juro que matarei a esse filho da puta com minhas próprias mãos.
—Eu o fiz —lhe interrompeu repentinamente ela em voz baixa.
— Fui eu. Ninguém me fez isso, eu mesma me fiz isso.
—O que? —Enquanto lhe apertava o frágil pulso com uma mão, voltou a lhe dar a volta ao braço para poder observar a tênue rede de cicatrizes de cor púrpura que se entrelaçava em seu braço.
— Você te fez isto? Por que?
Ela se soltou de sua mão e introduziu os dois braços sob a água, como se queria ocultar os de seu olhar.
Lucan soltou um juramento em voz baixa e em um idioma que já não falava mais que muito raramente.
—Quantas vezes, Gabrielle?
—Não sei. —Ela se encolheu de ombros, evitando seu olhar.
— Não o fiz durante muito tempo. Superei-o.
—É por isso que há uma faca na pia, lá em baixo?
O olhar que lhe dirigiu expressava dor e uma atitude defensiva. Não gostava que ele se intrometesse, tanto como não lhe tivesse gostado dele, mas Lucan queria compreendê-lo. Não era capaz de imaginar o que podia havê-la levado a cravar uma faca na própria carne.
Uma e outra e outra vez.
Ela franziu o cenho com o olhar cravado na espuma que começava a dissolver-se a seu redor.
—Ouça, não podemos deixar o tema? De verdade que não quero falar de...
—Possivelmente deveria falar disso.
—OH, claro. —ela riu em um tom que delatava um fio de ironia—. Agora chega a parte em que me aconselha que vá ver um psiquiatra, detetive Thorne? Possivelmente que vá a algum lugar onde me possam deixar em um estado de estupor pelos medicamentos e onde um doutor possa me vigiar por meu próprio bem?
—Isso te aconteceu?
—As pessoas não me compreendem. Nunca o tem feito. Às vezes nem eu me compreendo.
—O que é o que não compreende? Que precisa machucar a si mesma?
—Não. Não é isso. Não é esse o motivo pelo que o fiz.
—Então, por que? Deus santo, Gabrielle, deve haver mais de cem cicatrizes...
—Não o fiz porque queria sentir dor. Não me resultava doloroso fazê-lo. —Inalou com força e soltou o ar devagar por entre os lábios. Demorou um segundo em falar, e quando o fez Lucan ficou olhando-a em um silêncio pasmado.
— Nunca tive a intensão de provocar dano a nada. Não estava tentando enterrar umas lembranças traumáticas nem intentava escapar de nenhum tipo de mau trato, apesar das opiniões de quem se define como peritos e que me foram atribuídos pela administração. Cortei-me porque... tranqüilizava-me. Sangrar me acalmava.
Quando sangrava, tudo aquilo que estava desconjurado e era estranho em mim, de repente me parecia... normal.
Ela manteve o olhar sem titubear, em uma expressão nova como de desafio, como se uma porta se abrisse em algum ponto dentro dela e acabasse de soltar uma pesada carga. De alguma forma imprecisa, Lucan se deu conta de que isso era o que ele tinha visto. Só que a ela todavia faltava uma peça de informação crucial, que faria que as coisas encaixassem em seu lugar para ela.
Ela não sabia que era uma companheira de raça.
Ela não podia saber que, um dia, um membro de sua estirpe tomaria em qualidade de eterna amada e lhe mostraria um mundo muito distinto ao que ela tivesse podido sonhar nunca. Ela abriria os olhos a um prazer que somente existia entre casais que tinham um vínculo de sangue.
Lucan se deu conta de que já odiava a esse macho desconhecido que teria a honra de amá-la.
—Não estou louca, se é isso o que está pensando.
Lucan negou com a cabeça devagar.
—Não estou pensando isso absolutamente.
—Desgosta-me que me tenham pena.
—A mim também —disse, percebendo a advertência que encerravam essas palavras.
_Você não necessita compaixão, Gabrielle. E eu não necessito-medicina nem doutores, tampouco.
Ela se tinha retraído no momento em que ele tinha descoberto as cicatrizes, mas agora Lucan se deu conta de que ela duvidava, de que uma dúbia confiança voltava a aparecer lentamente.
—Você não pertence a este mundo —disse ele, em um tom nada sentimental, a não ser constatando os fatos. Alargou a mão e tomou o queixo com a palma.
— Você é muito extraordinária para a vida que estiveste vivendo, Gabrielle. Acredito que o soubeste sempre. Um dia, tudo cobrará sentido para ti, prometo-lhe isso. Então o compreenderá, e encontrarás seu verdadeiro destino. Possivelmente eu possa te ajudar a encontrá-lo.
O tivesse querido acabar de ajudá-la a banhar-se, mas a atenção com que lhe olhava lhe obrigou a manter as mãos quietas. Ela, por toda resposta, sorriu, e a calidez de seu sorriso lhe provocou uma pontada de dor no peito. Apanhado no tenro olhar dela, sentiu que a garganta lhe fechava de uma forma estranha.
—O que acontece?
Ela negou com a cabeça brevemente.
—Estou surpreendida, só é isso. Não esperava que um policial duro como você falasse de forma tão romântica sobre a vida e o destino.
O recordar que ele se aproximou dela, e continuava fazendo-o, sob uma aparência falsa, permitiu-lhe recuperar parte do sentido comum. Voltou a afundar a esponja na água ensaboada e a deixou flutuar em meio da espuma.
—Possivelmente tudo isto são tolices.
—Não acredito.
—Não me tenha tão em conta —lhe disse ele, forçando um tom de despreocupação.
— Não me conhece, Gabrielle. Não de verdade.
—Eu gostaria de te conhecer. De verdade. —Ela se sentou dentro da banheira. As mornas pequenas ondas da água lhe lambiam o corpo nu igual a Lucan lhe tivesse gostado de fazê-lo com a língua. As pontas dos peitos ficavam justo por cima da superfície da água, os mamilos rosados duros como pétalas fechadas e rodeados por uma densa espuma branca.
— Me Diga, Lucan. De onde é?
—De nenhuma parte. —A resposta soou entre seus lábios como um grunhido, e era uma confissão que se aproximava mais a verdade do que gostava de admitir. Ao igual que ela, desgostava-lhe a compaixão assim que se sentiu aliviado de que lhe olhasse mais com curiosidade que com pena. Com o dedo, acariciou-lhe o nariz arrebitado e salpicado de sardas.
—Eu sou o inadaptado original. Nunca pertenci verdadeiramente a nenhum lugar.
—Isso não é certo.
Gabrielle lhe rodeou os ombros com os braços. Seus quentes olhos enormes lhe olharam com ternura e expressavam o mesmo cuidado que lhe havia devotado ao tira-la da habitação escura e trazê-la até o quente banho. Gabrielle lhe beijou e, ao notar a língua dela entre seus lábios, os sentidos de Lucan se alagaram do embriagador perfume de seu desejo e de seu doce e feminino afeto.
—Cuidaste-me tanto esta noite. Me deixe que te cuide agora, Lucan.
—Lhe beijou outra vez. O beijo foi tão profundo que a pequena e úmida língua lhe arrancou um grunhido de puro prazer masculino do mais fundo dele. Quando ela finalmente interrompeu o contato, respirava com agitação e seus olhos estavam acesos de desejo carnal.
—Leva muita roupa em cima. Tire-lhe isso quero que esteja aqui dentro, nu, comigo.
Lucan obedeceu e atirou as botas, as meias três-quartos, a calça e a camisa ao chão. Não levava nada mais e ficou em pé diante de Gabrielle completamente nu.
Completamente ereto e desejoso dela.
Lucan tomou cuidado de manter os olhos separados dos dela, porque agora as pupilas lhe tinham esgotado a causa do desejo, e era consciente da pressão e a pulsação de suas presas, que se haviam alargadas detrás dos lábios. Se não tivesse sido porque a luz que chegava do abajur de noite que se encontrava ao lado da pia era muito tênue, sem dúvida lhe teria visto em toda sua voraz gloria.
E isso tivesse estragado esse momento prometedor.
Lucan se concentrou e emitiu uma ordem mental que rompeu a pequena lâmpada dentro do biombo de plástico do abajur de noite. Gabrielle se sobressaltou ao ouvir o repentino estalo, mas ao notar-se rodeada pela escuridão, suspirou, feliz. Movia-se dentro da água e esse movimento de seu corpo ao deslizar-se dentro da água emitia uns sons deliciosos.
—Acende outra luz, se quiser.
—Encontrarei-te sem luz —lhe prometeu ele. Falar era um pequeno truque agora, quando a lascívia lhe dominava por completo.
—Então vêem —lhe pediu sua sereia da calidez do banho.
Ele se introduziu na banheira e se colocou diante dela, Às escuras. Somente desejava atrai-la até si, arrastá-la até seu regaço para afundar-se até o punho com uma larga investida. Mas pelo momento pensava deixar que fosse ela quem marcasse o ritmo.
A noite passada, ele tinha vindo faminto e tomou o que desejava. Esta noite ia ser ele quem oferecesse.
Apesar de que o ter que refrear-se o matasse.
Gabrielle se deslizou para ele entre as magras nuvens de espuma. Passou-lhe os pés por ambos os lados dos quadris e os juntou agradavelmente em seu traseiro. Inclinou-se para frente e seus dedos encontraram os musculos dele por debaixo da superfície da água. Acariciou e apertou seus fortes músculos, massageou-os e passou as mãos ao longo de suas coxas em uma carícia que era um tortura lenta e deliciosa.
—Tem que saber que não me comporto assim normalmente.
Ele emitiu um grunhido que pretendia mostrar interesse mas que soou forçado.
—Quer dizer que normalmente não está tão quente como para fazer que um homem se derreta a seus pés?
Ela soltou uma gargalhada.
—É isso o que te estou fazendo?
Ele lhe conduziu as mãos até a dureza de seu pênis.
—A você o que te parece?
—Acredito que é incrível. —Ele lhe soltou as mãos mas ela não as apartou. Acariciou-lhe o membro e os testículos e, com gesto preguiçoso, acariciou-lhe com os dedos a ponta torcida que se sobressaía por cima da superfície da água da banheira.
—Não te parece com ninguém que tenha conhecido nunca. E o que queria dizer era que habitualmente não sou tão... quero dizer, agressiva. Não tenho muitos encontros.
—Não traz para um montão de homens a sua cama?
Inclusive na escuridão, Lucan se deu conta de que ela se havia ruborizado .
—Não. Faz muito tempo.
Nesse momento, ele não desejava que ela levasse a nenhum outro macho, nem humano nem vampiro, a sua cama.
Não queria que ela transasse com ninguém nunca mais.
E, que Deus lhe ajudasse, mas ia perseguir e estripar ao bastardo servente de quão renegados tinha podido matá-la hoje.
Essa idéia lhe surgiu em um repentino ataque de posse. Lhe acariciava o sexo e a ponta lhe umedeceu. Seus dedos, seus lábios, sua língua, seu fôlego contra seu abdômen nu enquanto tomava até o fundo de sua cálida boca: tudo isso lhe estava conduzindo ao limite de uma extraordinária loucura. Não conseguia ter o bastante. Quando lhe soltou, ele pronunciou um juramento de frustração por perder a doçura dessa sucção.
—Necessito-te dentro de mim —disse ela, com a respiração agitada.
—Sim —assentiu ele—, claro que sim.
—Mas...
Vê-la duvidar lhe confundiu. Zangou a essa parte dele que se parecia mais a um renegado selvagem que a um amante considerado.
— O que acontece ? —Soou mais parecido a uma ordem do que tivesse querido.
—Não teríamos... ? A outra noite, as coisas nos foram das mãos antes de que lhe pudesse dizer isso mas não deveríamos, já sabe, utilizar algo esta vez? —O desconforto dela lhe cravou como o fio de uma faca. Ficou imovel, e ela se separou dele como se fosse sair da banheira.
— Tenho camisinhas na outra habitação.
Ele a sujeitou pela cintura com ambas as mãos antes de que ela tivesse tempo de levantar-se.
—Não posso te deixar grávida. —Por que lhe soava isso tão duro nesse momento? Era a pura verdade. Somente os casais que tinham um vínculo..., as companheiras de raça e os machos vampiros que intercambiavam o sangue de suas veias, podiam ter descendência com êxito.
— E quanto ao resto, não tem que preocupar-se por te proteger. Estou são, e nada do que nos façamos pode fazer mal a nenhum dos dois.
—OH, eu também. E espero que não ache que sou uma dissimulada por dize-lo..
Ele a atraiu para si e silenciou sua expressão de desconforto com um beijo. Quando seus lábios se separaram, disse-lhe:
—O que acredito, Gabrielle Maxwell, é que é uma mulher inteligente que respeita seu corpo e a si mesmo. Eu te respeito por ter o valor de tomar cuidado.
Ela sorriu com os lábios junto aos dele.
—Não quero tomar cuidado quando estou perto de ti. Volta-me louca. Faz-me desejar gritar.
Pô-lhe as mãos plainas sobre o peito e lhe empurrou até que ele caiu apoiado de costas contra a parede da banheira. Então ela se levantou por cima de seu pesado pênis e passou seu sexo úmido por toda sua longitude, deslizando-se para cima e para baixo.
—Mas, transar, não de tudo— lhe embainhando com seu calor.
—Quero te fazer gemer —lhe sussurrou ela ao ouvido.
Lucan grunhiu de pura agonia provocada por essa dança sensual. Apertou as mãos em punhos a ambos lado de seu corpo, por debaixo da água, para não agarrá-la e empalá-la com sua ereção que estava a ponto de explodir. Ela continuou com esse perverso jogo até que ele sentiu seu orgasmo contra seu pênis. Ele estava a ponto de derramar-se, e ela continuava lhe provocando sem piedade.
—Foda —exclamou ele com os dentes e as presas apertadas, jogando a cabeça para trás.
— Por Deus, Gabrielle, está-me matando.
—Isso é o que quero ouvir —lhe animou ela.
E então, Lucan sentiu que o suculento sexo dela rodeava centímetro a centímetro a cabeça de seu pênis.
Devagar.
Tão vertiginosamente devagar.
Sua semente se derramou e ele tremeu enquanto o quente líquido penetrava no corpo dela. Gemeu, e nunca tinha estado tão perto de perder-se como nesse momento. E a turgidez do sexo de Gabrielle o envolveu ainda mais. Sentiu que os pequenos músculos lhe apertavam enquanto se cravava mais em seu pênis.
Já quase não podia suportá-lo mais.
O aroma de Gabrielle lhe rodeava, mesclava-se com o vapor do banho e se sentia embargado pela mescla do perfume de seus corpos unidos. Os peitos dela flutuavam perto de seus lábios como uns frutos amadurecidos a ponto de ser tomados, mas ele não se atreveu a tocá-los nesse momento em que estava a ponto de perder o controle. Desejava sentir esses maravilhosos peitos na boca, mas as presas lhe pulsavam da necessidade de chupar sangue. Essa necessidade se via incrementada no momento do climax sexual.
Girou a cabeça e deixou escapar um uivo de angústia; sentia-se desgarrado em muitos impulsos tentadores, e o menor deles não era a tensão por gozar dentro de Gabrielle, de enchê-la com cada uma das gotas de sua paixão. Soltou um juramento em voz alta e então gritou de verdade, pronunciou um profundo juramento que se fez mais forte quando ela se cravou com major força em seu pênis ansiosa e obrigou a derramar-se antes de que seu próprio orgasmo seguisse ao dele.
Quando a cabeça lhe deixou de dar voltas e sentiu que suas pernas voltavam a ter a força necessária para lhe aguentar, Lucan rodeou a Gabrielle com os braços e começou a levantar-se com ela, evitando que Gabrielle se separasse de seu pênis que voltava a entrar em ereção.
—O que está fazendo?
—Você se divertiu já. Agora te levo a cama.
O agudo timbre do telefone celular arrancou de um sobressalto a Lucan de seu pesado sono. Encontrava-se na cama com Gabrielle, os dois estavam esgotados. Ela estava enroscada a seu lado, o corpo nu dela rodeava maravilhosamente suas pernas e seu torso.
—Merda, quanto tempo levava fora? Possivelmente tivessem acontecido umas quantas horas já, o qual era incrível, tendo em conta seu habitual estado de insônia.
O telefone voltou a soar e ele ficou em pé e se dirigiu ao lavabo, onde tinha deixado sua jaqueta. Tirou o telefone de um dos bolsos e respondeu.
—Sim.
—Né. Era Gideon, e sua voz tinha um tom estranho.
— Lucan, com quanta rapidez pode vir ao complexo?
Ele olhou por cima do ombro para o dormitório adjacente. Gabrielle estava sentada nesse momento, sonolenta. Seus quadris nus estavam envoltos nos lençóis e seu cabelo era uma confusão selvagem em sua cabeça. Ele nunca tinha visto nada tão terrivelmente tentador. Possivelmente fosse melhor que partisse logo, enquanto ainda tinha a oportunidade de afastar-se antes de que o sol se levantasse.
Apartou os olhos da excitante visão de Gabrielle e Lucan respondeu a pergunta com um grunhido.
—Não estou longe. O que acontece?
Fez-se um comprido silencio ao outro lado do telefone.
—Passou uma coisa, Lucan. É má. —Mais silêncio. Então, a tranqüilidade habitual do Gideon se quebrou:
— Ah, merda, não há forma boa de dizê-lo. Esta noite perdemos a um, Lucan. Um dos guerreiros está morto.
Capítulo doze
Os lamentos do luto das fêmeas chegaram até os ouvidos de Lucan assim que este saiu do elevador que lhe tinha conduzido até as próofundidades subterrâneas do complexo. Eram uns prantos de angústia que rompiam o coração. Os gemidos de uma das companheiras de raça expressavam uma dor crua e evidente. Era o único que se ouvia no silêncio que invadia o comprido corredor.
O contundente peso da perda lhe cravou no coração.
Ainda não sabia qual dos guerreiros da raça era o que havia falecido essa noite. Não tinha intenção de esforçar-se em adivinhá-lo. Caminhava a passo rápido, quase corria para as habitações da enfermaria de onde Gideon lhe tinha chamado fazia uns minutos. Girou pela esquina do corredor bem a tempo de encontrar-se com Savannah que conduzia a Danika, destroçada pela dor e soluçando, fora de uma das habitações.
Uma nova comoção lhe golpeou.
Assim era Conlan quem se partiu. O grandalhão escocês de risada fácil e com esse profundo e inquebrável sentido de honra... estava morto agora. Logo se teria convertido em cinzas.
Jesus, quase não podia compreender o alcance dessa dura verdade.
Lucan se deteve e saudou com uma respeitosa inclinação de cabeça a viúva quando esta passava por seu lado. Danika se apoiava pesadamente em Savannah. Os fortes braços de cor café desta última pareciam ser quão único impedia que a alta e loira companheira de raça do Conlan se derrubasse pela dor.
Savannah saudou Lucan, dado que a chorosa mulher a quem acompanhava era incapaz de fazê-lo.
—Estão-lhe esperando dentro —lhe disse em tom amável. Seus profundos olhos marrons estavam úmidos pelas lágrimas.
— Vão necessitar sua força e seu guia.
Lucan respondeu a mulher do Gideon com um sério assentimento de cabeça e logo deu os poucos passos que lhe faltavam para entrar na enfermaria.
Entrou em silêncio, pois não queria perturbar a solenidade desse fugaz tempo de que dispunham, ele e seus irmãos, para estar com o Conlan. O guerreiro tinha suportado de uma forma surpreendente várias feridas; incluso do outro extremo da habitação Lucan percebia o aroma de uma terrível perda de sangue. As fossas nasais lhe encheram com a nauseabunda mescla do aroma da pólvora, a eletricidade, e a carne queimada.
Tinha havido uma explosão, e Conlan ficou apanhado em meio dela.
Os restos do Conlan se encontravam em uma maca de exame aberta de retalhos de tecido. Seu corpo estava nu exceto pela larga parte de seda bordada que cobria sua entreperna. Durante o pouco tempo desde que tinha voltado para o complexo, a pele do Conlan tinha sido limpa e lubrificada com um fragrante azeite, em preparação dos ritos funerários que foram ter lugar a próxima saída do sol, para a qual faltavam poucas horas.
Outros se reuniram ao redor da maca onde se encontrava Conlan: Dante, rígido e observando estoicamente a morte; Rio, com a cabeça encurvada, sujeitava entre os dedos um rosário enquanto movia os lábios pronunciando em silêncio as palavras da religião de sua mãe humana; Gideon, com um tecido na mão, limpava com cuidado uma das selvagens feridas que tinham esmigalhado quase por completo a pele do Conlan; Nikolai, que tinha estado patrulhando com o Conlan essa noite, tinha o rosto mais pálido do que Lucan tinha visto nunca: seus olhos frios tinham uma expressão austera e sua pele estava coberta de fuligem, cinzas e pequenas feridas que ainda sangravam.
Inclusive Tegan se encontrava ali para mostrar seu respeito, embora o vampiro se encontrava em pé justo fora do círculo que formavam outros e mantinha os olhos ocultos, fundo em sua solidão.
Lucan caminhou até a maca para ocupar seu lugar entre seus irmãos. Fechou os olhos e rezou pelo Conlan em um comprido silencio. Ao cabo de um momento, Nikolai rompeu o silêncio da habitação.
—Salvou-me a vida aí fora esta noite. Acabávamos de terminar com um par de idiotas fora da estação Green Line e nos dirigíamos de volta para aqui no momento em que vimos esse tipo subir ao trem. Não sei o que me incitou a lhe olhar, mas ele nos dirigiu um amplo e provocador sorriso que nos fez lhe seguir. Estava-se colocando um pouco parecido a pólvora ao redor do corpo. Fedia isso a alguma outra merda que não tive tempo de identificar.
—TATP —disse Lucan, que cheirava a acidez do explosivo nas roupas do Niko incluso nesse momento.
—Resultou que o bastardo levava um cinturão de explosivos ao redor de seu corpo. Saltou do trem justo antes de que nós começássemos a nos pôr em marcha e começou a correr ao longo de uma das velhas vias. Perseguimo-lhe e Conlan lhe abandonou. Então foi quando vimos as bombas. Estavam conectadas a um temporizador de sessenta segundos, e a conta já era menor de dez. Ouvi que Conlan me gritava que voltasse atrás, e então se atirou em cima do tipo.
—Merda —exclamou Dê, passando uma mão pelo cabelo escuro.
—Um servente tem feito isto? —perguntou Lucan, pensando que era uma hipótese acertada. Os renegados não tinham escrúpulos em utilizar vidas humanas para levar a cabo suas mesquinhas guerras internas ou para resolver assuntos de vinganças pessoais. Durante muito tempo, os fanáticos religiosos não tinham sido os únicos em utilizar aos fracos de mente como trocas e descartáveis, embora altamente efetivas, ferramentas de terror.
Mas isso não fazia que a horrível verdade do que lhe tinha acontecido a Conlan fosse mais fácil de aceitar.
—Não era um servente —respondeu Niko, negando com a cabeça.
—Era um renegado, e estava conectado a uma quantidade do TATP suficiente para voar meia quadra da cidade, a julgar pelo aspecto e o aroma que despedia.
Lucan não foi o único nessa habitação que pronunciou um selvagem juramento para ouvir essas preocupantes notícias.
—Assim, que já não estão satisfeitos sacrificando somente seus escravizados súditos? —comentou Rio—. Agora os renegados estão movendo peças mais importantes no tabuleiro?
—Continuam sendo peões —disse Gideon.
Lucan olhou ao inteligente vampiro e compreendeu a que se referia.
—As peças não trocaram. Mas as regras sim o têm feito. Este é um tipo de guerra nova, já não se trata do pequeno fogo cruzado com que nos enfrentamos no passado. Alguém de entre as filas dos renegados está gerando um grau novo de ordem nessa anarquia. Estamos sendo assediados.
Ele voltou a dirigir a atenção a Conlan, a primeira vítima do que começava a temer que ia ser uma nova era escura. Sentia, em seus velhos ossos, a violência de um tempo muito longínquo que voltava a aparecer para repetir-se. A guerra se estava gerando de novo, e se os Renegados se estavam movendo para organizar-se, para iniciar uma ofensiva, então a nação inteira dos vampiros se encontraria no fronte. E os humanos também.
—Podemos discutir isto mais longamente, mas não agora. Este momento é do Conlan. Vamos honrar lhe.
—Eu já me despedi —murmurou Tegan—. Conlan sabe que eu lhe respeitei em vida, igual a na morte. Nada vai trocar para nesse aspecto.
Uma densa ansiedade alagou a habitação, dado que todo mundo esperava a que Lucan reagisse ante a abrupta partida do Tegan. Mas Lucan não pensava lhe dar a satisfação ao vampiro de pensar que lhe tinha zangado, embora sim que o tinha feito. Esperou a que o som das botas do Tegan se apagasse ao fundo do corredor e dirigiu um assentimento de cabeça aos outros para que continuassem com o ritual.
Um por um, Lucan e cada um dos quatro guerreiros ficaram de joelhos no chão para oferecer seus respeitos. Recitaram uma única oração e logo se levantaram juntos para retirar-se e esperar a cerimônia final com a que deixariam descansar a seu companheiro defunto.
—Eu serei quem o leve —anunciou Lucan aos vampiros, quando estes partiam.
Lucan percebeu o intercâmbio de olhares que se deu entre eles e soube o que significavam. Aos Antigos da estirpe dos vampiros —e especialmente aos da primeira geração— nunca lhes pedia que translevassem o peso dos mortos. Essa obrigação recaía na última generação da raça, que estava mais afastada dos Antigos e que, por tanto, podiam suportar melhor os perigosos raios do sol quando começava a amanhecer durante o tempo necessário para oferecer o descanso adequado ao corpo de um vampiro.
Para um membro da primeira geração como Luzem, o rito funerario representava uma tortuosa exposição ao sol de oito minutos.
Lucan observou o corpo sem vida que se encontrava em cima da maca, sem poder apartar a vista do dano que lhe tinham causado.
Um dano que lhe tinham infligido em lugar dele, pensou Lucan, que se sentiu doente ao pensar que poderia ter sido ele quem patrulhasse com o Niko, e não Conlan. Se não tivesse enviado ao escocês em seu lugar no último minuto, Lucan se encontraria agora tendido nessa fria maca com as pernas, o rosto e o torso queimado pelo fogo e o ventre aberto pela metralhadora.
A necessidade que Lucan tinha de ver Gabrielle essa noite havia preponderado por cima de seu dever com a raça, e agora Conlan —seu triste companheiro— tinha pago o preço.
—Vou levar lhe acima —repetiu em tom severo. Olhou a Gideon com o cenho franzido e uma expressão funesta.
_ Me chame quando os preparativos estejam preparados.
O vampiro inclinou a cabeça em um gesto que mostrava um respeito a Lucan maior de que era devido nesse momento.
—É obvio. Não demoraremos muito.
Lucan passou as duas horas seguintes em suas habitações, sozinho, ajoelhado no centro do espaço, com a cabeça encurvada, rezando e reflexionando com um porte sombrio no rosto. Gideon se apresentou na porta e, com um assentimento de cabeça, indicou-lhe que tinha chegado o momento de tirar Conlan do complexo e de oferecê-lo aos mortos.
—Está grávida —disse Gideon com expressão sombria assim que Lucan se levantou.
— Danika está de três meses. Savannah acaba de me dizer. Conlan estava tentando reunir o valor suficiente para te dizer que ia abandonar a Ordem quando o menino tivesse nascido. Ele e Danika planejavam retirar-se a um dos Refúgios Escuros para formar sua família.
—Merda! —exclamou Lucan em um vaio. Sentiu-se ainda pior ao conhecer o futuro feliz que lhes tinha sido roubado a Conlan e a Danika, e ao pensar nesse filho que alguma vez conheceria o homem de valor e de honra que tinha sido seu pai.
— Está tudo preparado para o ritual?
Gideon assentiu com a cabeça.
—Então, vamos fazer- o.
Lucan caminhou encabeçando a cerimônia. Seus pés e sua cabeça estavam nus, igual ao estava seu corpo debaixo da larga túnica negra. Gideon também levava uma túnica, mas a levava com o cinturão das cerimônias da Ordem, igual a outros vampiros que lhes esperavam na câmara colocados a um lado, como faziam em todos os rituais da raça, desde matrimônios e nascimentos até funerais como este. As três fêmeas do complexo se encontravam presente também: Savannah e Eva vestiam as túnicas cerimoniosas com capuz, e Danika ia vestida da mesma forma mas levava a profunda cor vermelha escarlate que indicava o sagrado vínculo de sangue que lhe unia com o defunto.
À frente de todos eles, o corpo do Conlan estava convexo sobre um altar decorado e agasalhado em um grosso tecido de seda.
—Comecemos —anunciou Gideon, simplesmente.
Lucan sentiu um grande pesar no coração enquanto escutava o serviços e os símbolos de infinitude de todos os rituais.
Oito medidas de azeite perfumado para lubrificar a pele.
Oito capas de seda branca para envolver o corpo dos mortos.
Oito minutos de atenção silenciosa à alvorada por parte de um membro da raça, antes de que o guerreiro morto fosse exposto aos raios do sol para que estes lhe incinerassem. Deixado ali sozinho, seu corpo e sua alma se pulverizariam Aos quatro ventos em forma de cinzas e formaria parte dos elementos para sempre.
A voz do Gideon se apagou com suavidade e Danika deu um passo à frente.
Olhou aos congregados e, levantando a cabeça, falou em voz grave mas orgulhosa.
—Este macho era meu, e eu era dele. Seu sangue me sustentava. Sua força me protegia. Seu amor me enchia em todos os sentidos. Ele era meu amado, meu único amado, e ele permanecerá em meu coração durante toda a eternidade.
—Honra-lhe bem —lhe responderam ao uníssono em voz baixa Lucan e outros.
Então Danika se deu a volta para ficar de cara a Gideon, com as mãos estendidas e as palmas dirigidas para cima. O desencapou uma magra adaga de ouro e a depositou sobre suas mãos. Danika baixou a cabeça coberta com o capuz em um gesto de aceitação e logo se deu a volta para colocar-se diante do corpo envolto do Conlan. Murmurou umas palavras em voz baixa dirigidas somente a eles dois. Levou-se ambas as mãos até o rosto. Lucan sabia que agora a viúva da raça se realizava um corte no lábio inferior com o fio da adaga para que sangrasse e para dar um último beijo a Conlan por cima da mortalha.
Danika se inclinou sobre seu amante e ficou assim durante um comprido momento. Todo seu corpo tremia por causa da potência da dor que sentia. Logo se separou dele, soluçando, com a mão sobre a boca. O beijo escarlate brilhava ferozmente, à altura de seus lábios, em meio da brancura que cobria a Conlan. Savannah e Eva a receberam e a abraçaram, apartando-a do altar para que Lucan pudesse continuar com a tarefa que ainda ficava por realizar.
Aproximou-se de Gideon, à frente dos congregados, e se comprometeu a ver Conlan partir com toda a honra que lhe era devido, igual que fazia o resto de membros da raça que caminhavam pelo mesmo caminho que Lucan aguardava nesse momento.
Gideon se apartou a um lado para permitir que Lucan se aproximasse do corpo. Lucan tomou ao enorme guerreiro entre os braços e se voltou para encarar aos outros, tal e como se requeria.
—Honra-lhe bem —murmurou em voz baixa um coro de vozes.
Lucan avançou com solenidade e com lentidão pela câmara cerimoniosa até a escada que conduzia acima e ao exterior do recinto. Cada um dos lances da escada, cada um das centenas de degraus que subiu com o peso de seu irmão cansado, infligiu-lhe uma dor que ele aceitou sem nenhuma queixa.
Essa era a parte mais fácil da tarefa, depois de tudo.
Se tinha que desfalecer, faria-o ao cabo de uns quantos minutos, ao outro lado da porta exterior que se levantava diante dele a uns quantos passos.
Lucan abriu com um empurrão do ombro o painel de aço e inalou o ar fresco da manhã enquanto se dirigia até o lugar onde ia deixar o corpo de seu companheiro. Ficou de joelhos em cima da grama e baixou os braços lentamente para depositar o corpo do Conlan em terra firme diante dele. Sussurrou as orações do rito funerário, umas palavras que somente tinha ouvido umas quantas vezes durante os séculos que tinham acontecido mas que sabia de cor.
Enquanto as pronunciava, o céu começou a iluminar-se com a chegada do amanhecer.
Suportou essa luz com um silêncio reverente e concentrou todos seus pensamentos no Conlan e na honra que tinha sido característica de sua larga vida. O sol continuava levantando-se no horizonte, e ainda não tinha chegado na metade do ritual. Lucan baixou a cabeça e absorveu a dor ao igual que tivesse feito Conlan por qualquer membro da raça que tivesse lutado a seu lado. Um calor lacerante banhou a Lucan enquanto o amanhecer se levantava, cada vez com mais força.
Tinha os ouvidos cheios com as antigas palavras das velhas orações e, ao cabo de pouco tempo, também com o suave vaio e rangido de sua própria carne ao queimar-se.
Capítulo treze
«A polícia e os agentes do transporte ainda não estão seguros do que provocou a explosão da passada noite. De todas formas, depois da conversação mantida com um representante da ferrovia faz uns momentos, assegurou-nos que o incidente se produziu de forma isolada em uma das velhas vias mortas e que não teve feridos. Continuem escutando o canal cinco para conhecer mais notícias sobre esta historia...»
O poeirento e velho modelo de televisor que se encontrava montado sobre uma prateleira de parede se apagou repentinamente, silenciado abruptamente enquanto o forte rugido cheio de irritação do vampiro sacudia a sala. detrás dele, ao outro lado da sombria e destroçada habitação que uma vez fora a cafeteria, no porão do psiquiátrico, dois dos tenentes renegados permaneciam em pé, inquietos e grunhindo, enquanto esperavam suas seguintes ordens.
Esse par tinha pouca paciência; os renegados, por sua natureza aditiva, tinham uma débil capacidade de atenção dado que tinham abandonado o intelecto a favor de satisfazer os caprichos mais imediatos de sua sede de sangue. Eram meninos grandes e necessitavam castigos regulares e premios escassos para que continuassem sendo obedientes. E para que recordassem a quem se encontravam servindo nesse momento.
—Não teve feridos —se burlou um dos renegados.
—Possivelmente não humanos —acrescentou o outro—, mas a raça se levou um bom golpe. Ouvi dizer que não ficou grande coisa do morto para que o sol se encarregasse dele.
Mais risadas do primeiro dos idiotas, às que seguiu uma explosão de fôlego e sangue ao imitar a detonação de quão explosivos tinham sido colocados no túnel pelo renegado a quem tinham atribuído para essa tarefa.
—É uma pena que o outro guerreiro que estava com ele se pudesse marchar por seu próprio pé. —Os renegados ficaram em silencio no momemoro em que seu líder se deu a volta, finalmente, para encarar-se com eles.
— A próxima vez lhes porei a vocês dois nessa tarefa, dado que o fracasso lhes parece tão divertido.
Eles franziram o cenho e grunhiram, como bestas que eram, com uma expressão selvagem nas pupilas rasgadas e afundadas no mar amarelo e dourado de sua íris impávidas. Baixaram a vista quando ele começou a caminar em direção a eles com passos lentos e medidos. A ira que sentia estava só parcialmente aplacada pelo fato de que a raça, pelo menos, tinha sofrido uma perda importante.
Esse guerreiro que tinha caido por causa da bomba não tinha sido o alvo real da missão da passada noite; Apesar disso, a morte de qualquer membro da Ordem era uma boa notícia para sua causa. Já haveria tempo de eliminar ao que chamavam Lucan. Possivelmente o fizesse ele mesmo, rosto a rosto, vampiro contra vampiro, sem a vantagem das armas.
Sim, pensou, resultaria mais que um prazer acabar com esse em concreto.
Podia-se chamar justiça poética.
—Me mostrem o que me trouxestes —ordenou aos renegados que se encontravam frente a ele.
Ambos saíram ao mesmo tempo. Empurraram uma porta para entrar os vultos que tinham deixado no corredor de fora. Voltaram ao cabo de um instante arrastando atrás deles a uns quantos humanos entorpecidos e quase sem sangue. Esses homens e mulheres, seis em total, estavam atados pelos pulso e ligeiramente sujeitos pelos tornozelos, embora nenhum deles parecia o bastante forte para nem sequer pensar em tentar fugir.
Os olhos, em estado catatônico, lhes cravavam em um nada. Os lábios, inertes, incapazes de pronunciar nem de emitir nenhum som, estavam emtreabertos em meio de seus rostos pálidos. Em suas gargantas se viam os sinais das dentadas que seus captores lhes tinham feito para subjugá-los.
—Para você, senhor. Uns serventes novos para a causa.
Fizeram entrar os seis seres humanos como se fossem gado, dado que isso era o que eram: ferramentas de carne e osso cujo destino ia trabalhar, ou morrer, o que fosse mais útil segundo seu critério.
Ele jogou uma olhada a caça dessa noite sem mostrar grande interesse, calculando rapidamente o potencial que esses dois homens e quatro mulheres tinham para resultar de utilidade. Sentiu-se impaciente enquanto se aproximava a eles e observava que algumas de quão feridas tinham no pescoço ainda supuravam uns lentos fios de sangue fresco.
Estava faminto, decidiu enquanto cravava seu olhar calculador em uma pequena fêmea morena de lábios cheios e peitos cheios e amadurecidos que empurravam uma insípida bata verde de hospital que parecia um saco e que lhe sentava muito mal. A cabeça lhe caía para frente, como se pesasse muito para mantê-la erguida apesar de que era evidente que estava lutando contra o torpor que já tinha vencido aos outros. As mordidas que tinha eram incontáveis e se perdiam para o crânio, e apesar disso ela lutava contra a catatonia, piscando com expressão sonolenta em um esforço por manter-se consciente.
Tinha que reconhecer que seu valor era admirável.
—K. Delaney, R.N —disse para si, lendo a etiqueta de plástico que lhe pendurava por cima do redondo peito esquerdo.
Tomou o queixo dela entre o dedo polegar e o índice e lhe fez levantar a cabeça para lhe observar o rosto. Era bonita, jovem e sua pele, cheia de sardas, tinha um aroma doce. A boca lhe encheu de saliva, de glotonería, e os olhos lhe esgotaram, ocultos depois dos óculos escuros.
—Esta fica. Levem o resto abaixo, as jaulas.
Ao princípio, Lucan pensou que a dolorosa vibração que sentia formava parte da agonia pela que tinha passado durante as últimas horas. Sentia todo o corpo abrasado, esfolado, sem vida. Em algum momento a cabeça tinha deixado de martelar e agora lhe acossava com um comprido zumbido doloroso.
Encontrava-se em suas habitações privadas do complexo, em sua cama; isso sabia. Recordava haver-se arrastado até ali com suas últimas forças, depois de ter estado ao lado do corpo do Conlan os oito minutos que se requeriam.
Ficou-se inclusive um pouco mais de oito minutos, havia aguentado uns agudos minutos mais até que os raios do amanhecer houvesem aceso a mortalha do guerreiro morto e a tinham feito explodir em umas incríveis chama e luzes. Só então ficou ele ao coberto dos muros subterrâneos do recinto.
Esse tempo extra de exposição tinha significado sua desculpa pessoal a Conlan. A dor que estava suportando nesses momentos era para que não esquecesse nunca o que de verdade importava: seu dever para a raça e para a Ordem de honoráveis machos que tinham jurado igual a ele realizar esse serviço. Não cabia nada mais.
A outra noite tinha permitido saltar-se esse juramento, e agora um de seus melhores guerreiros se foi.
Outro agudo timbre explorou em algum lugar da habitação e tomou por surpresa, em algum lugar muito perto de onde se encontrava descansando. Esse som de algo que se rompia, que se rasgava, lhe cravou na cabeça.
Com uma maldição que quase resultou inaudível e que quase não pôde arrancar da dolorida garganta, Lucan abriu os olhos com dificuldade e observou a escuridão de seu dormitório privado. Viu que uma pequena luz piscava do interior do bolso de sua jaqueta de pele e nesse momento o telefone celular voltou a soar.
Cambaleando-se, sem o habitual controle e coordenação de atleta que tinha nas pernas, deixou-se cair na cama e se dirigiu com estupidez até o molesto aparelho. Somente teve que realizar três intentos para conseguir dar com a tecla para silenciar o timbre. Furioso pelo esforço que esses pequenos movimentos lhe estavam custando, Lucan levantou a tela iluminada ante seus olhos e se esforçou por ler o número da tela.
Era um número de Boston... O telefone celular de Gabrielle.
Fantástico.
Justo o que necessitava.
Enquanto subia o corpo do Conlan por essas centenas de degraus até o exterior, tinha decidido que, fora o que fosse o que estava fazendo com Gabrielle Maxwell, isso tinha que terminar. De todas formas, não estava de todo seguro do que era o que tinha estado fazendo com ela, aparte de aproveitar toda oportunidade que lhe pôs diante de pô-la de costas e debaixo dele.
Sim, tinha sido brilhante nessa tática.
Era no resto de seus objetivos que estava começando a falhar, sempre que Gabrielle entrava em cena.
Tinha-o planejado tudo mentalmente, tinha pensado como ia enfrentar a situação. Faria que Gideon fosse ao apartamento dela essa noite e que lhe contasse, de forma lógica e compreensível, tudo a respeito da raça e sobre o destino dela, de onde procedia verdadeiramente, dentro da nação dos vampiros. Gideon tinha muita experiencia no trato com mulheres e era um diplomático consumado. Ele se mostraria amável, e seguro que sabia dirigir as palavras melhor que Lucan. Ele conseguiria fazer que tudo cobrasse sentido para ela, inclusive a necessidade de que ela procurasse acolhida —e, depois, a um macho adequado— em um dos Refúgios Escuros.
Quanto a si mesmo, faria todo o necessário para que seu corpo sara-se. Depois de umas quantas horas mais de descanso e de um alimento que necessitava muitíssimo —assim que fosse capaz de ficar em pé o tempo suficiente para caçar— Voltaria mais forte e seria um guerreiro melhor.
Ia esquecer para sempre que tinha conhecido a Gabrielle Maxwell. Por seu bem, e pelo bem conjunto da raça.
Exceto...
Exceto a noite passada lhe havia dito que podia lhe localizar em seu número de celular em qualquer momento que lhe necessitasse. Havia-lhe próometido que sempre responderia sua chamada.
E se resultava que ela estava tentando contatar com ele porque os renegados, ou os mortos andantes de seus serventes, estavam rodeando a seu redor, pensou.
Escancarado no chão em posição supina, apertou o botão responder a chamada.
—Olá.
Jesus, tinha um tom de voz de merda, como se tivesse os pulmões feitos mingau e seu fôlego expulsasse cinzas. Tossiu e sentiu como se a cabeça lhe estalasse.
No outro lado da linha houve um silêncio de uns segundos e logo, a voz de Gabrielle, dúbia e ansiosa:
—Lucan? É você?
—Sim. —esforçou-se em emitir o som apesar da secura que tinha na garganta—. O que acontece? Está bem?
—Sim, estou bem. Espero que não te incomode que tenha chamado. Só... Bom, depois de que te partisse dessa maneira a noite passada , estive um pouco preocupada. Suponho que somente precisava saber que não te tinha ocorrido nada mau.
Ele não tinha energia suficiente para falar, assim que ficou convexo, fechou os olhos e, simplesmente, escutou o som de sua voz. Seu tom de voz, claro e sonoro, parecia-lhe um bálsamo. A preocupação que ela demostrava era como um elixir, como algo que ele nunca tinha provado antes: saber que alguém se preocupava com ele. Esse afeto lhe resultava pouco familiar e quente.
Tranqüilizava-lhe, apesar de sua raivosa necessidade de negá-lo.
—O que...? —disse com voz rouca, mas o tentou de novo — Que horas são?
—Ainda não é meio-dia. Queria te chamar assim que me levantei esta manhã, mas como normalmente trabalha durante o turno de noite, esperei tudo o que pude. Parece cansado. Despertei-te?
—Não.
Tentou rodar sobre um flanco do corpo. Sentia-se mais forte depois desses poucos minutos ao telefone falando com ela. Além disso, necessitava tirar o traseiro da cama e voltar para a rua essa mesma noite. O assassinato do Conlan tinha que ser vingado, e tinha intenção de ser ele quem fizesse justiça.
Quanto mais brutal fosse essa justiça, melhor.
—Bom —estava dizendo ela nesses momentos—, então tudo está bem?
—Sim, bem.
—Bem. Alivia-me sabê-lo, verdade. —Sua voz adquiriu um tom mais ligero e um tanto provocador.
— Te escapou de meu apartamento tão depressa a noite passada que acreditei que teria deixado marca no chão.
—Surgiu um imprevisto e tive que partir.
—Certo —disse ela depois de um silêncio que indicou que ele não tinha nenhuma intenção de entrar em detalhes—. Um assunto secreto de detetives?
—Pode-se dizer que sim.
Esforçou-se por ficar em pé e franziu o cenho, tanto pela dor que lhe atravessou todo o corpo como pelo fato de não poder contar a Gabrielle o porquê tinha tido que sair tão rapidamente de sua cama. A guerra que esperava a ele e ao resto dos seus era uma crua realidade que logo ela também teria em seu prato. De fato, seria essa mesma noite, assim que Gideon fosse visitá-la.
—Escuta, esta noite tenho uma aula de ioga com um amigo meu que termina por volta das nove. Se não estiver de serviço, por que não passa por aqui? Posso preparar algo para jantar. Toma-o como uma compensação pelos manicotti que não pôde comer o outro dia. Possivelmente esta vez consigamos jantar.
O divertido flerte de Gabrielle lhe arrancou um sorriso que lhe fez sentir dor em todos os músculos do rosto. A indireta a respeito da paixão que tinham compartilhado despertava algo em seu interior também, e a ereção que notou em meio de todas as demais sensações físicas de agonia não foi tão dolorosa como tivesse desejado.
—Não posso ir verte, Gabrielle. Tenho... que fazer umas coisas.
A principal de todas elas era meter-se algo de sangue no corpo e isso significava que tinha que manter-se afastado dela tanto como fosse possível. Não era boa coisa que lhe tentasse com a promessa de seu corpo; no estado em que se encontrava nesse momento, ele era um perigo para qualquer ser humano que fosse o suficientemente tolo como para aproximar-se dele.
—Não sabe o que dizem a respeito de trabalhar muito e não jogar nada? —perguntou-lhe, em um ronrono de convite.
—Sou uma espécie de ave noturna, assim se terminar logo de trabalhar e decide que quer um pouco de companhia...
—Sinto muito. Possivelmente em outro momento —lhe disse ele, sabendo perfeitamente que não haveria nenhum outro momento. Nesses instantes se encontrava em pé e começava a dar uns passos torpes e pouco fluídos em direção a porta. Gideon devia estar no laboratório, e o laboratório se encontrava ao final do corredor. Era infernal tentar fazer esse percurso em suas condições, mas Lucan estava completamente decidido fazê-lo.
—Vou mandar a alguém a ver-te esta noite. É um... meu sócio.
—Para que?
Tinha que expulsar o fôlego com dificuldade e pela boca, mas estava caminhando. Alargou a mão e apanhou a maçaneta da porta.
—As coisas se puseram muito perigosas —disse ele de forma precipitada e com esforço—. Depois do que te aconteceu ontem no centro da cidade...
—Deus, não podemos esquecê-lo? Estou segura de que exagerei.
—Não —a interrompeu ele—. Me sentirei melhor se souber que não está sozinha... que há alguém que te protege.
—Lucan, de verdade, não é necessário. Sou uma garota adulta. Estou bem.
Ele não fez caso de seus protestos.
—Chama-se Gideon. Te agradará. Os dois poderão... falar. Ele lhe ajudará, Gabrielle. Melhor do que o posso fazer eu.
—Me ajudar? O que quer dizer? Passou algo com respeito ao caso? E quem é esse Gideon? É um detetive, também?
—Ele lhe explicará isso tudo. —Lucan saiu ao corredor, onde uma tênue luz iluminava as polidos ladrilhos e os brilhantes acabados de cromo e cristal. Do outro lado de uma das portas de um apartamento privado se ouvia ressonar com força a música metal de Dante. Desde um dos muitos corredores que foram dar a esse corredor principal chegava certo aroma de azeite e a disparos de arma recentes, das instalações de treinamento.
Lucan se cambaleou sobre os pés, inseguro em meio dessa mescla de estímulos sensoriais.
—Estará a salvo, Gabrielle, juro-lhe isso. Agora tenho que te deixar.
—Lucan, espera um momento! Não desligue. O que é o que não me está dizendo?
—Vais estar bem, prometo-lhe isso. Adeus, Gabrielle.
Capítulo quatorze
A chamada que tinha feito a Lucan, e seu estranho comportamento ao outro extremo do telefone, tinham-na estado preocupando todo o dia. Todavia o estava enquanto saía com Megan da classe de ioga essa tarde.
—Parecia tão estranho ao telefone. Não sei se estava em um estado de extrema dor física ou se estava tentando encontrar a maneira de me dizer que não queria voltar para ver-me.
Megan suspirou e fez um gesto de negação com a mão.
—Provavelmente está tirando muitas conclusões. Se de verdade quer sabê-lo, por que não vai a delegacia de polícia e sacas a cabeça para ver-lhe?
—Acredito que não. Quero dizer, o que lhe diria?
—Diria-lhe: «Olá, bonito. Parecia tão desanimado esta tarde que pensei que iria bem que passasse te recolher, assim aqui estou». Possivelmente possa lhe levar um café e um pão-doce no caso de.
—Não sei...
—Gabby, você mesma há dito que esse menino sempre foi doce e cuidadoso quando esteve contigo. Pelo que me contaste a respeito da conversação que tivestes hoje por telefone, ele parece muito preocupado por ti. Tanto que vai mandar a um de seus colegas para que te vigie enquanto ele está de serviço e não pode estar ali em pessoa.
—Ele fez insistência no perigoso que se estava pondo acima... e o que acha que significa «acima» ? Não parece jargão de polícia, verdade? O que é, algum tipo de terminologia militar?
—Negou com a cabeça—. Não sei. Há muitas coisas de Lucan Thorne que não sei.
—Pois pregunta. Venha, Gabrielle. Pelo menos lhe dê ao menino o benefício da dúvida.
Gabrielle observou as calças de ioga negras e a jaqueta com cremalheira que levava. Logo se levou a mão ao cabelo para comprovar até que ponto lhe tinha desfeito a rabo-de-cavalo durante esses quarenta e cinco minutos de exercícios.
—Teria que ir primeiro a casa, me dar pelo menos uma ducha, trocar de roupa.
—Né! Quero dizer, de verdade, mas o que te passa? —Megan abriu muito os olhos, que lhe brilhavam, divertida.
— Tem medo de ir, verdade? OH, quer ir, mas já tem certamente um milhão de desculpas passando para explicar por que não pode fazê-lo. Admito-o, este menino você gosta de verdade.
Gabrielle não podia negá-lo, não teria podido inclusive embora o imediato sorriso que lhe desenhou no rosto não a tivesse delatado. Gabrielle lhe devolveu o olhar a sua amiga e se encolheu de ombros.
—Sim, é verdade. Eu gosto. Muito.
—Então, o que está esperando? A delegacia de polícia está a três quadras, e tem um aspecto fantástico, como sempre. Além disso, não é que ele não te tenha visto suar um pouco antes de agora. É possível que prefira ver-te assim.
Gabrielle riu com Megan, mas sentia retorcer o estômago. A verdade era que sim desejava ver Lucan, de fato não queria esperar nem um minuto mais, mas e se ele tinha estado tentando deixá-la enquanto falavam por telefone essa tarde? Que ridícula pareceria então, se entrava na delegacia de polícia sentindo-se como se fosse sua noiva. Sentiria-se como uma idiota.
Não mais do que se sentiria se recebia a notícia de segunda mão, pela boca de seu amigo Gideon, a quem ele teria enviado nessa compassiva missão.
—De acordo. Vou fazê - lo.
—Bom pra ti! —Megan se ajustou a bolsa do colchonete de ioga no ombro e sorriu ampliamente.
— Esta noite verei Ray em meu apartamemoro depois de que ele termine seu turno, mas me chame à primeira hora da manhã e me conte como foi. De acordo?
—De acordo. Uma saudação para o Ray
Enquanto Megan se afastava apressadamente para pegar o trem das nove e quinze, Gabrielle se dirigiu para a delegacia de polícia . Durante o caminho recordou o conselho de Megan e se deteve um momento para comprar um pão-doce e um café: puro e carregado, posto que não acreditava que Lucan fosse o tipo de homem que toma com leite, com açúcar nem descafeinado.
Com ambas as coisas nas mãos, chegou a porta da delegacia de polícia, respirou com força para reunir coragem, atravessou a porta de entrada e entrou com atitude desenvolvida.
As queimaduras piores tinham começado a curar-se ao cair da noite. A pele nova lhe cresceu, sã, por debaixo das bolhas da pele velha e as feridas começaram a fechar-se. Embora ainda tinha os olhos muito sensíveis inclusive a luz artificial, não sentia dor na fria escuridão da rua. O qual era bom, porque precisava estar por aí para saciar a sede de seu corpo convalescente.
Dante lhe olhou. Os dois saíam ao exterior do recinto e se preparavam para compartilhar essa noite de reconhecimento e de vingança contra os renegados.
—Não tem muito bom aspecto, cara. Se quiser, sairei a caçar para ti e te trarei algo jovem e forte. Necessita-o, isso está claro. E ninguém tem por que saber que não te procuraste o sustento você mesmo.
Lucan olhou de soslaio e com expressão séria ao macho e lhe mostrou os dentes em um sorriso de brincadeira.
—Que lhe fodam.
Dante-se riu
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—Tinha a suspeita de que me diria isso. Quer que leve as armas por ti, pelo menos?
O gesto de negar devagar com a cabeça lhe provocou uma navalhada de dor na cabeça.
—Estou bem. Estarei melhor quando me tiver alimentado.
—Sem dúvida. —O vampiro ficou em silêncio durante um comprido momento e lhe olhou, simplesmente. Sabe o que é que foi extraordinariamente impressionante do que fez hoje pelo Conlan? Eu não tivesse podido nem imaginá-lo em toda sua vida, mas, porra, eu gostaria que tivesse sabido que seria você quem subiria esses últimos degraus com ele. Foi uma grande maneira de lhe honrar, cara. De verdade.
Lucan recebeu a adulação sem deixar que lhe impregnasse. Ele tinha tido seus próprios motivos para levar a cabo esse rito funerário, e ganhar a admiração do resto dos guerreiros não formava parte deles.
—Dê-me uma hora para caçar algo e logo nos encontraremos aqui outra vez para provocar algumas baixas entre as filas de nossos inimigos, esta noite. Pela memória do Conlan.
Dante assentiu com a cabeça e chocou os nódulos contra o punho fechado de Lucan.
—De acordo.
Lucan esperou enquanto Dante desaparecia na escuridão. Suas passadas largas e fortes delatavam a vontade com que esperava as batalhas que ia encontrar nas ruas. Tirou as armas gêmeas das capas e elevou as Malebranches curvadas por cima de sua cabeça. O brilho dessas folhas de aço gentil e de titânio, assassinas de renegados, cintilou a débil luz da lua no céu. O vampiro emitiu um grito de guerra calado e desapareceu nas sombras da noite.
Lucan lhe seguiu não muito depois, seguindo um caminho não muito distinto que entrava nas escuras artérias da cidade. Seu gesto furtivo era menos fanfarrão, mas mais decidido, menos arrogante e ansioso, mais determinado e frio. Sua sede era pior do que nunca tinha sido, e o rugido que elevou até a abóbada de estrelas no céu estava cheio de uma ira feroz.
—Pode soletrar o sobrenome outra vez, por favor?
—T-h-ou-r-n-e —repetiu Gabrielle a recepcionista de delegacia de polícia, que não tinha conseguido nenhum resultado no diretório—. Detetive Lucan Thorne. Não sei em que departamento trabalha. Veio a minha casa depois de que eu estivesse aqui para denunciar uma agressão que presenciei a semana passada... um assassinato.
—Ah. Então, você quer falar com os de Homicídios? —As unhas largas e pintadas da jovem repicavam em cima do teclado com rapidez—. Certo... Não. Sinto muito. Tampouco aparece nesse departamento.
—Isso não é possível. Pode voltar a comprová-lo, por favor? É que este sistema não lhe permite procurar somente um nome?
—Sim o permite, mas não aparece nenhum detetive que se chame Lucan Thorne. Está segura de que trabalha neste edifício?
—Estou segura, sim. A informação de seu computador não deve estar atualizada...
—Né, um momento! Aí há uma pessoa que pode ajudar, a interrompeu a recepcionista enquanto fazia um gesto em direção à porta de entrada da Central.
—Agente Carrigan! Você tem um segundo?
O agente Carrigan, recordou Gabrielle, desolada. O velho poli que lhe tinha feito passar um momento tão desagradável a semana passada, chamando-a mentirosa e cabeça oca sem querer acreditar a declaração de Gabrielle acerca do assassinato da discoteca. Pelo menos, agora que Lucan tinha contrastado as fotos de seu celular no laboratório da polícia, sentia o consolo de saber que, fosse qual fosse a opinião desse homem, o caso seguia adiante de algum jeito.
Gabrielle teve que reprimir um grunhido de fúria ao ver que o homem se tomava um tempo antes de aproximar-se dela. Quando ele a viu ali em pé, a expressão de arrogância que parecia tão natural nesse rosto carnudo adotou um gesto decididamente depreciativo.
—OH, Por Deus. Outra vez você? Justo o que necessito em meu último dia de trabalho. Retiro-me dentro de umas quantas horas, querida. Esta vez vai ter que contar-lhe a outra pessoa.
Gabrielle franziu o cenho.
—Perdão?
—Esta jovem está procurando um de nossos detetives —disse a recepcionista enquanto intercambiava um olhar de cumplicidade com Gabrielle, como resposta ao comportamento displicente do agente. Não lhe encontro no diretório, mas ela acredita que é um dos nossos.
Conhece você ao detetive Thorne?
—Nunca ouvi falar dele. —O agente Carrigan começou a afastar-se.
—Lucan Thorne —disse Gabrielle com decisão enquanto deixava o café de Lucan e a bolsa com a massa em cima da mesa de recepção. Automaticamente deu um passo em direção ao policial e esteve a ponto de sujeita-lo pelo braço ao ver que ele ia deixa-la ali plantada.
— O detetive Lucan Thorne, você deve conhecer. Vocês enviaram ao meu apartamento no início desta semana para ver se conseguia alguma informação adicional a minha declaração. Levou meu telefone celular ao laboratório para que analisassem...
Carrigan começou a rir agora; deteve-se e a olhava enquanto lhe oferecia os detalhes a respeito da chegada de Lucan a sua casa. Gabrielle não tinha paciência para dirigir a agressividade desse agente. E menos agora que o pêlo da nuca começava a arrepiar-se o a causa do repentino pressentimento de que as coisas começavam a ser estranhas.
—Está-me dizendo que o detetive Thorne não lhe contou nada disto?
—Senhorita. Estou-lhe dizendo que não tenho nem remota idéia do que está você falando. Trabalhei nesta delegacia de polícia durante trinta e cinco anos, e nunca ouvi falar de nenhum detetive Lucan Thorne, por não falar de que não mandei a sua casa.
Gabrielle sentiu que lhe formava um nó no estômago, frio e apertado, mas se negou a aceitar o medo que começava a cobrar forma detrás de toda essa confusão.
—Isso não é possível. Ele sabia do assassinato que eu havia presenciado. Sabia que eu tinha estado aqui, na delegacia de polícia, fazendo uma declaração a respeito disso. Vi sua placa de identificação quando chegou à casa. Acabo de falar com ele hoje, e me disse que esta noite trabalhava. Tenho seu número de celular...
—Bom, vou dizer- lhe uma coisa. Se isso for fazer que me deixe em paz , vamos fazer uma chamada a seu detetive Thorne —disse Carrigan.Isso esclarecerá as coisas, verdade?
—Sim. Vou chamar- lhe agora.
A Gabrielle tremiam um pouco os dedos enquanto tirava o teléefone celular do bolso e marcava o número de Lucan. O telefone chamou, mas ninguém respondeu. Gabrielle voltou a tentá-lo e esperou durante a agonia de uma eternidade enquanto o timbre soava e soava e soava e enquanto a expressão do agente Carrigan se mudava de uma impaciência questionável a uma compaixão que ela tinha percebido nos rostros dos trabalhadores sociais quando era uma menina.
—Não responde —murmurou ela, apartando o telefone do ouvido. Sentia-se torpe e confusa, e a expressão atenta no rosto do Carrigan o piorava tudo—. Estou convencida de que está ocupado com algo. Vou voltar a tentá-lo dentro de um minuto.
—Senhorita Maxwell. Podemos chamar a alguém mais? A algum familiar, possivelmente? A alguém que possa nos ajudar a encontrar sentido a tudo o que lhe está passando?
—Não me está acontecendo nada.
—Me parece que sim. Acredito que você está confusa. Sabe? Às vezes a gente inventa coisas para que lhes ajudem a suportar outros problemas.
Gabrielle se burlou.
—Eu não estou confundida. Lucan Thorne não é um produto de minha imaginação. É real. Essas coisas que me aconteceram são reais. O assassinato que presenciei o fim de semana passado, esses... homens... com seus rostos ensangüentados e seus afiados dentes, inclusive esse menino que me esteve vigiando o outro dia no parque... ele trabalha aqui na Central. O que é o que têm feito vocês? Enviaram-lhe para que me olha-se?
—De acordo, senhorita Maxwell. Vamos ver se conseguimos resolver isto juntos. —Era óbvio que o agente Carrigan tinha encontrado finalmente um resto de diplomacia sob a armadura de seu caráter grosseiro. Apesar de tudo, a forma em que pegou pelo braço para tentar conduzi-la até um dos bancos do vestíbulo para que se sentasse mostrava uma grande condescendência—. Vamos ver se respirarmos profundamente. Podemos procurar a alguém para que a ajude.
Deu uma sacudida no braço para soltar-se.
—Você acredita que estou louca. Eu sei o que vi... tudo! Não me estou inventando isto, e não necessito ajuda. Somente preciso saber a verdade.
—Sheryl, querida — disse Carrigan a recepcionista, que olhava ambos com apreensão—. Pode me fazer o favor de chamar em um momemoro à Rudy Duncan? Diga que lhe necessito aqui embaixo.
—Um médico? —perguntou Gabrielle, que já havia tornado a colocar o telefone entre a orelha e o ombro.
—Não —repôs Carrigan, devolvendo o olhar a Gabrielle—. Não terá que alarmar-se ainda. Peça que baixe ao vestíbulo, tranqüilamente, e que converse um momento com a senhorita Maxwell e comigo.
—Esqueça-o —respondeu Gabrielle, levantando do banco.
—Olhe, seja o que seja o que lhe esteja passando, há pessoas que podem ajudá-la.
Ela não esperou que terminasse de falar, limitou-se a recompor-se com dignidade, a caminhar até a mesa de recepção para recuperar a taça e a bolsa, a atirá-los ao lixo e dirigir-se a porta de saída.
Sentiu o ar da noite fresco nas bochechas, acesas, o qual a tranqüilizou de algum jeito. Mas a cabeça ainda lhe estava dando voltas. O coração lhe pulsava com força por causa da confusão e de que não podia acreditar o que lhe tinha acontecido.
É que todo mundo ao seu redor se estava voltando louco? Que diabos estava acontecendo? Lucan lhe tinha mentido a respeito de que era um policial, isso era bastante evidente. Mas que parte do que lhe tinha contado, que parte do que tinham feito juntos, formava parte desse engano?
E por que?
Gabrielle se deteve no final dos degraus de cimento que se afastavam da delegacia de polícia e respirou profundamente várias vezes. Deixou sair o ar devagar. Logo baixou a vista e viu que ainda tinha o telefone celular na mão.
—Merda.
Tinha que averiguá-lo.
Essa estranha história em que se colocou tinha que acabar nesse momento.
O botão de rechamada voltou a marcar o número de Lucan. Ela esperou,
Insegura do que ia dizer lhe.
O telefone soou seis vezes.
Sete.
Oito...
Capítulo quinze
Lucan tirou o celular do bolso de sua jaqueta de couro enquanto pronunciava uma forte maldição.
Gabrielle... outra vez.
Tinha-lhe chamado antes também, mas ele não tinha querido responder a chamada. Estava perseguindo um traficante de drogas ao que tinha visto vender crack a um adolescente que passava pela rua, fora de um sórdido botequim. Tinha estado conduzindo mentalmente a sua presa para um beco escuro e estava justo a ponto de lançar-se ao ataque quando a primeira chamada de Gabrielle tinha divulgado como um alarme de carro desde seu bolso. Tinha posto o aparelho no modo de silêncio, amaldiçoando-se a si mesmo pelo estúpido costume de levar o maldito traste quando saía a caçar.
A sede e as feridas lhe tinham feito comportar-se descuidadamente. Mas esse repentino estrondo na rua escura tinha resultado a seu favor ao final.
Ele tinha as forças debilitadas, e o cauteloso traficante tinha cheirado o perigo no ambiente, inclusive apesar de que Lucan se manteve escondido entre as sombras enquanto lhe perseguia. Tinha tirado uma arma a metade do beco e apesar de que raramente as feridas de bala resultavam fatais para a estirpe de Lucan —a não ser que se tratasse de um tiro na cabeça a queima roupa—, não estava seguro de que seu corpo convalescente pudesse resistir um impacto como esse nesses momentos.
Por não mencionar o fato de que isso lhe tiraria de gonzo, e já estava com um humor de cão.
Assim, quando a segunda chamada do celular fez que o traficante se voltasse freneticamente para um lado e a outro em busca da origem do ruído que ouvia detrás dele, Lucan lhe saltou em cima. Derrubou ao tipo rápidamente, e lhe cravou as presas na veia do pescoço, torcida pelo terror um momento antes de que o homem reunisse a força suficiente para arrancar um grito dos pulmões.
O sangue lhe alagou a boca, desagradável pelo sabor a droga e a enfermidade. Lucan a tragou com dificuldade, uma vez atrás de outra, enquanto agarrava sem piedade a sua convulsa presa. Ia matar- lhe, e não podia importar menos. Isso apagava a dor de seu corpo dolorido.
Lucan se alimentou depressa, bebeu tudo o que pôde.
Mais do que pôde.
Quase lhe tirou todo o sangue ao traficante e ainda se sentia faminto. Mas tivesse sido abusar muito se alimentava mais essa noite. Era melhor esperar a que o sangue lhe nutrisse e lhe tranquilizasse em lugar de arriscar-se a ser ansioso e a tomar um caminho rápido para a sede insaciavel de sangue.
Lucan olhou com ironia o telefone que soava na palma de sua mão e sabia que quão único tinha que fazer era não responder.
Mas continuou soando, com insistência, e justo no último instante, respondeu. Não disse nada ao princípio, simplesmente escutou o som do suspiro de Gabrielle ao outro lado. Notou que tinha a respiração tremente, mas sua voz soou forte, apesar de que era evidente que estava bastante desgostada.
—Mentiste-me — disse, a modo de saudação—. Durante quanto tempo, Lucan? Quantas mentiras? Tudo foi uma mentira?
Lucan observou o corpo sem vida de sua presa com expressão satisfeita. Agachou-se e realizou um rápido registro desse miserável e gordurento tipo. Encontrou um maço de bilhetes sujeitos por uma borracha, que ia deixar ali para que os abutres guias de ruas o disputassem. A mercadoria do traficante —crack e heroína por valor de um par de bilhetes grandes— Iriam parar em um dos esgotos da cidade.
—Onde está? —perguntou-lhe quase em um latido, sem pensar em outra coisa que não fosse no depredador que acabava de eliminar.
— Onde está Gideon?
—Nem sequer vais tentar negá-lo? Por que faz isto?
—Passe-me isso Gabrielle.
Ela ignorou essa petição.
—Há outra coisa que eu gostaria de saber: como entrou em meu apartamemoro a outra noite? Eu tinha fechado todos os fechos e tinha posto a correia. O que fez? Abriu-os? Roubou-me as chaves enquanto eu não olhava e te fez uma cópia?
—Podemos falar disso mais tarde, quando estiver a salvo no recinto.
—De que recinto fala? —A repentina gargalhada lhe pegou por surpresa.
— E pode abandonar essa pose protetora e benevolente. Não é um policial. Quão único quero é um pouco de sinceridade. É isso te pedir muito, Lucan? Deus. É esse pelo menos seu verdadeiro nome? Algo do que me tenha contado se parece, pelo menos remotamente, a verdade?
De repente Lucan soube que essa raiva, essa dor, não era o resultado de que Gabrielle tivesse conhecido pelo Gideon a verdade a respeito da raça e do papel que ela tinha destinado na mesma. Um papel que não ia incluir a Lucan.
Não, ela não sabia nada disso ainda. Tratava-se de outra coisa. Não era medo dos fatos. Era medo ao desconhecido.
—Onde está, Gabrielle?
—O que te importa?
—Me... importa —admitiu, embora com relutância.
—Porra , não tenho a cabeça para isto agora mesmo. Olhe, sei que não está em seu apartamento, assim que onde está? Gabrielle, tem que me dizer onde está.
—Estou na delegacia de polícia. Vim para ver-te esta noite e, sabe o que? Ninguém ouviu seu nome aqui.
—OH, Deus. Perguntaste por mim aí?
—É obvio que o tenho feito. Como tivesse podido me inteirar de que tomava por uma idiota, se não? —Outra vez o tom de brincadeira e irritação.
— Incluso havia te trazido café e uma massa.
—Gabrielle, estarei aí em uns minutos... menos que isso. Não te mova. Fique onde está. Fique em algum ponto onde haja gente, em algum lugar interior. Vou para te buscar.
—Esquece-o. Me deixe em paz.
Essa breve ordem lhe fez levantar-se imediatamente do chão. Ao cabo de um instante suas botas ressonavam na rua a um ritmo acelerado.
—Não vou ficar por aqui te esperando, Lucan. De fato, sabe o que? Não te ocorra te aproximar de mim.
—Muito tarde —lhe respondeu.
Já tinha chegado à penúltima esquina que lhe separava da rua onde se encontrava a delegacia de polícia. Avançou por entre a multidão de pedestres como um fantasma. Notava que o sangue que acabava de ingerir lhe penetrava nas células, lhe aderia nos músculos e nos ossos e lhe fortalecia até que se converteu somente em uma rajada fria nas costas dos que passavam ao seu lado.
Mas Gabrielle, com sua extraordinária percepção de companheira de raça, viu-lhe em seguida.
Lucan ouviu pelo telefone que Gabrielle agüentava a respiração. Como em câmera lenta, ela se apartou o aparelho do ouvido e lhe olhou com os olhos muito abertos e com incredulidade enquanto ele lhe aproximava rapidamente.
—Meu Deus —sussurrou, e essas palavras chegaram aos ouvidos de Lucan sozinhas em um segundo antes de que se plantasse diante dela e alargasse a mão para sujeitá-la pelo braço.
—Solte-me!
—Temos que falar, Gabrielle. Mas não aqui. Levarei-te a um lugar...
—É uma merda! —Deu um puxão, soltou-se da mão dele e se afastou pela calçada.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
—Já não está segura aqui fora, Gabrielle. Viu muitas coisas. Agora forma parte disso, tanto se quiser como se não.
—Parte do quê?
—Desta guerra.
—Guerra —repetiu ela, com um tom de dúvida.
—Exato. É uma guerra. Antes ou depois vais ter que escolher um lado, Gabrielle. —Pronunciou uma maldição—. Não. A merda. Eu vou escolher seu lado agora mesmo.
—É uma espécie de piada? Quem é você, um desses militares inadaptados que vai por aí representando suas fantasias de autoridade. Possivelmente seja pior que isso.
—Isto não é uma piada. Não é um fodido jogo. Estive em muitos combates e presenciei muitas mortes em minha vida, Gabrielle. Nem sequer pode imaginar o que vi, nem tudo o que tenho feito. Não vou ficar quieto para ver que fica apanhada em um fogo cruzado. —Ofereceu-lhe uma mão.
— Vais vir comigo. Agora.
Lhe esquivou. Seus olhos escuros revelavam uma mescla de medo e de raiva.
—Se voltar a me tocar, juro-te que chamo a polícia. Já sabe, aos de verdade que estão na delegacia de polícia. Esses levam placas de verdade. E armas de verdade.
O humor de Lucan, que já estava quente, começou a piorar.
—Não me ameace, Gabrielle. E não creia que a polícia te pode ofecer algum tipo de amparo. E, é obvio, não ante o que te está ameaçando. Pelo que sabemos, a metade da delegacia de polícia poderia estar cheia de servidores.
Ela meneou a cabeça e adotou uma atitude mais tranqüila.
—De acordo. Esta conversação está deixando de ser realmente extranha e começa a ser profundamente inquietante. Terminei com isto, compreendido? —Falava-lhe devagar e em voz baixa, como se estivesse tentando tranqüilizar a um cão raivoso que estivesse ante ela agachado e a ponto de atacar.
— Agora vou, Lucan. Por favor... não me siga.
Quando ela deu o primeiro passo para afastar-se dele, a pouca capacidade de controle que ficava a Lucan se quebrou. Cravou-lhe os olhos nos dela com dureza e lhe enviou uma feroz ordem mental para que deixasse de resistir a ele.
«Me dê a mão.»
«Agora.»
Por um segundo, as pernas ficaram imóveis, paralizadas. Os dedos das mãos se moveram, como intranqüilos, a um doslados do corpo. Logo, devagar, seu braço começou a levantar-se para ele.
E, de repente, o controle que ele tinha sobre ela se rompeu.
Ele sentiu que lhe expulsava de sua mente, desconectava dele. O corredor de sua vontade era como uma porta de ferro que se fechava entre ambos, uma porta que lhe houvesse custado muito penetrar embora se encontrasse em condições ótimas.
—Que diabos? —exclamou ela em voz baixa, reconhecendo perfeitamente qual era o truque—. Te ouvi, agora, em minha cabeça. Meu Deus. Tem-me feito isto antes, verdade?
—Não me está deixando muitas escolhas, Gabrielle.
Ele tentou outra vez. E sentiu que lhe empurrava fora, esta vez com maior desespero. Com mais medo.
Ela se levou o dorso da mão até a boca, mas não pôde afogar de todo o grito quebrado que lhe saía pela garganta.
Retrocedeu cambaleando-se pela esquina.
E logo se deu a volta na escuridão da rua para escapar dele.
—Você, menino. Agarra a porta em meu lugar, de acordo?
O servente demorou um segundo em dar-se conta de que lhe estavam falando a ele, de tão distraído como estava olhando a mulher Maxwell em meio da rua, diante da delegacia de polícia. Inclusive agora, enquanto sujeitava a porta aberta para que um mensageiro entrasse com quatro caixas de pizza fumegantes, sua atenção permanecia cravada na mulher enquanto esta se afastava da esquina e corria rua abaixo.
Como se tentasse deixar a alguém detrás.
O servente olhou a uma enorme figura vestida de negro que estava em pé e que observava como ela escapava. Esse macho era imenso, facilmente media dois metros de altura, os ombros, sob a jaqueta de pele, eram largos como os de um defesa. Dele emanava um ar de ameaça que se percebia do outro lado da rua onde agora se encontrava o servente, em pé, estupefato, sujeitando ainda a porta da delegacia apesar de que as pizzas se encontravam amontoadas já em cima do balcão de recepção.
Embora ele nunca tinha visto nenhum dos vampiros a quem seu senhor desprezava tão abertamente, o servente soube sem dúvida nenhuma que nesse momento estava vendo um deles.
Seguro que essa era uma oportunidade de ganhar a apreciação se avisasse a seu senhor da presença tanto da mulher como do vampiro a quem ela parecia conhecer, além de temer.
O servente voltou a entrar na delegacia de polícia. Tinha as mãos úmidas de suor por causa da excitação ante a glória que lhe esperava. Com a cabeça abaixada, seguro de sua habilidade de mover-se por toda parte e de passar desapercebido, começou a cruzar o vestíbulo a um passo apressado.
Nem sequer viu que o menino da pizza se cruzava em seu caminho até que se chocou com ele, com a cabeça. Uma caixa de cartão foi chocar-se contra o peito, da qual emanou um aroma de queijo quente, e a caixa caiu no sujo linóleo do chão pulverizando o conteúdo aos pés do servente.
—Né, cara. Está pisando em minha seguinte entrega. É que não olha por onde vai?
Ele não se desculpou, nem se deteve para tirar o gordurento queijo e o pepperoni do sapato. Introduziu a mão no bolso da calça e foi procurar um lugar tranqüilo de onde fazer sua importante chamada.
—Espera um segundo, amigo.
Era o velho e calvo agente, em pé no vestíbulo, quem gritava agora. Embutido em sua uniforme durante suas últimas horas de trabalho, Carrigan tinha estado perdendo o tempo incomodando a recepcionista do vestíbulo.
O servente não fez caso da voz ensurdecedora do policial que lhe chamava a suas costas e continuou caminhando, com a cabeça agachada, em linha reta em direção a porta da escada que estava perto do lavabo, justo fora do vestíbulo.
Carrigan soltou um bufido com todas suas forças e ficou boquiabierto, com expressão de evidente incredulidade ao ver que sua autoridade era completamente ignorada.
—Né, chupatintas! Estou falando contigo. Hei-te dito que volte e que limpe esta porcaria. E quero dizer que o faça agora, cabeça oca!
—Limpa-o você mesmo, porco arrogante —disse em voz baixa e quase sem alento. Logo abriu a porta de metal que dava as escadas e começou a baixar a passo rápido.
Nesse momento e por cima dele, ouviu que a porta se abria com um estrondo ao golpear o outro lado da parede e que os degraus vibravam como sob o efeito de uma explosão sônica.
—O que é o que acaba de dizer? Que merda acaba de me chamar,idiota?
—Já me ouviste. E agora me deixe em paz, Carrigan. Tenho coisas mais importantes que fazer.
O servente tirou o telefone celular para tentar contatar o único que de verdade lhe podia dar ordens. Mas antes de que tivesse tempo de apertar o botão de marcação rápida para ficar em comunicação com seu senhor, o corpulento polícia já se lançou escada abaixo. Uma mão enorme deu um golpe ao servente na cabeça. Os ouvidos apitaram, a vista lhe nublou a causa do impacto, o celular saiu despedido da mão e caiu ao chão com um som seco, vários degraus mais abaixo.
—Obrigado por me oferecer uma anedota de risada para meu último dia de trabalho —lhe disse em tom provocador. Passou-se um gordinho dedo pelo pescoço da camisa, muito apertada, e logo, com gesto despreocupado, levantou uma mão para voltar a colocar a última mecha de cabelo que tinha em seu lugar.
— E agora, te leve esse rabo esquelético escada acima antes de que lhe dê uma boa patada. Ouviste-me?
Houve um tempo, antes de que conhecesse quem chamava seu Professor, em que um desafio como esse, e em especial por parte de um fanfarrão como Carrigan, não tivesse passado como nada.
Mas esse policial suarento e salivoso que agora lhe olhava de acima das escadas lhe resultava insignificante à luz dos deveres que lhes eram confiados aos escolhidos como ele. O servente se limitou a piscar umas quantas vezes e logo se deu a volta para recolher o telefone móvel e continuar a tarefa que tinha entre mãos.
Somente conseguiu baixar dois degraus antes de que Carrigan caísse sobre ele outra vez. Notou que uns dedos fortes lhe sujeitavam pelos ombros e lhe obrigavam a dar a volta. Os olhos do servente caíram soubre uma elegante caneta que Carrigan levava no bolso do uniforme. Reconheceu o emblema comemorativo dos serviços emprestados mas imediatamente recebeu outro golpe seco no crânio.
—O que te passa, é que está surdo e mudo? Te aparte de minha vista ou vou a...
Nesse momento, o policial se engasgou e soltou o ar de repente e o servente recuperou a consciência. Viu a si mesmo com a caneta do agente na mão cravando-lhe profundamente pela segunda vez, com uma investida brutal, na carne do pescoço do Carrigan.
O servente lhe cravou uma e outra vez a arma improvisada até que o policial se desabou no chão e ficou ali tendido como um vulto destroçado e sem vida.
Ele abriu a mão e a caneta caiu no atoleiro de sangue que se havia formado nas escadas. Imediatamente e esquecendo-o tudo, se agachou e voltou a tomar o telefone celular. Tinha intenção de fazer essa crucial chamada imediatamente, mas não podia deixar de olhar o desastre que acabava de provocar, um desastre que não ia ser tão fácil de limpar como os restos de pizza no vestíbulo.
Isso tinha sido um engano, e qualquer aprovação que pudesse receber ao informar ao seu senhor sobre o paradeiro da mulher Maxwell lhe seria retirada quando contasse que se comportou de maneira tão impulsiva na delegacia de polícia. Matar sem autorização invalidava qualquer outra coisa.
Mas possivelmente houvesse um caminho ainda mais seguro para conseguir o favor de seu senhor, e esse caminho consistia em capturar e entregar essa mulher a seu senhor em pessoa.
«Sim —pensou o servente.
— Esse era um prêmio para impressionar.»
Colocou o telefone celular no bolso e voltou até o corpo de Carrigan para lhe tirar a arma do arnês. Logo passou por cima do corpo e se apressou para uma entrada traseira que comunicava com o estacionaminto.